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Espaços educativos e ensino de História - TV Brasil

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<strong>Espaços</strong><br />

<strong>educativos</strong> e<br />

<strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />

Abril<br />

02<br />

1


SUMÁRIO<br />

PROPOSTA PEDAGÓGICA<br />

ESPAÇOS EDUCATIVOS E ENSINO DE HISTÓRIA …............................................................................... 03<br />

Helena Maria Marques Araújo<br />

PGM 1<br />

OS SENTIDOS DO ENSINO DE HISTÓRIA …............................................................................................. 24<br />

Texto: Os sentidos do <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />

Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro<br />

PGM 2<br />

MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA ........................................................................................................... 36<br />

Texto: Memória e <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />

Carmen Teresa Gabriel<br />

PGM 3<br />

LUGARES DE MEMÓRIA …......................................................................................................................... 54<br />

Texto: Produção <strong>de</strong> Saberes nos lugares <strong>de</strong> memória<br />

Helena Maria Marques Araújo<br />

PGM 4<br />

ESPAÇOS PÚBLICOS DE MEMÓRIA …...................................................................................................... 61<br />

Texto: Sons <strong>de</strong> tambores na nossa memória – o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> história africana e afro-brasileira<br />

Mônica Lima<br />

PGM 5<br />

ESPAÇOS EDUCATIVOS NÃO-FORMAIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES ....................................... 76<br />

Texto: Para além <strong>de</strong> formar professores, dialogar com as experiências vividas<br />

Elison Antonio Paim<br />

2


PROPOSTA PROPOSTA PEDAGÓGICA<br />

ESPAÇOS EDUCATIVOS E ENSINO DE HISTÓRIA<br />

O SENTIDO DO ENSINO DE<br />

DE HISTÓRIA HISTÓRIA<br />

NA ESCOLA<br />

Helena Maria Marques Araújo 1<br />

O <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> no Ensino Fundamental, e também no Ensino Médio, tem como objetivo<br />

fundamental proporcionar a nossos(as) alunos(as) as condições para que eles(as) consigam se<br />

i<strong>de</strong>ntificar enquanto sujeitos históricos, participando <strong>de</strong> um grupo social, ao mesmo tempo único e<br />

diverso. Talvez este seja o nosso maior <strong>de</strong>safio, como professores: ensinar primeiramente a pensar,<br />

criticar, propor! Despertar em nossos estudantes o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecer, <strong>de</strong> participar ativamente da<br />

socieda<strong>de</strong> em que vivem <strong>de</strong> forma crítica, reflexiva e transformadora. Mais essencial do que ensinar<br />

conteúdos específicos, que também são importantes, o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> na Educação Básica<br />

possui o sentido maior <strong>de</strong> construção do cidadão crítico, que tenha a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar<br />

ativamente da socieda<strong>de</strong> em que vive e <strong>de</strong> se indignar com os acontecimentos do cotidiano.<br />

Um trabalho sobre o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> <strong>de</strong>ve estabelecer o encontro ou, pelo menos, a junção <strong>de</strong> três<br />

vertentes do conhecimento humano: a ciência histórica, o saber histórico escolar e as ciências da<br />

Educação. Assim sendo, o objetivo do <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> é compreen<strong>de</strong>r mudanças e permanências,<br />

continuida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s, para que o aluno aprenda a captar e valorizar a diversida<strong>de</strong> e<br />

participe <strong>de</strong> forma mais crítica da construção da <strong>História</strong>. Faz parte, então, do procedimento<br />

histórico a preocupação com a construção, a historicida<strong>de</strong> dos conceitos e a contextualização<br />

temporal.<br />

“Consi<strong>de</strong>ro que um currículo a<strong>de</strong>quado para o segmento do Primeiro Grau <strong>de</strong>ve ser aquele que, na<br />

5 a série, por exemplo, antes <strong>de</strong> abordar especificamente os conteúdos ligados a esta ou aquela<br />

socieda<strong>de</strong> ou grupo humano, possa privilegiar a construção <strong>de</strong> conceitos fundamentais para a<br />

compreensão da <strong>História</strong>, ou seja, é importante que o aluno domine alguns conceitos-chave”<br />

(PACHECO, 1995, p. 49).<br />

3


Escola, memória e espaços <strong>educativos</strong> não-formais<br />

Na perspectiva dos Estudos Culturais, segundo Tomaz Ta<strong>de</strong>u da Silva (1999), a cultura é<br />

pedagógica e a pedagogia é cultural. Diversos programas <strong>de</strong> televisão, mesmo que não tenham o<br />

objetivo explícito <strong>de</strong> ensinar, educam. Por outro lado, toda a pedagogia está inserida num contexto<br />

histórico e cultural. Todo conhecimento se constrói, portanto, num sistema <strong>de</strong> significados.<br />

A escola não é o único “lugar <strong>de</strong> conhecimento” e, portanto, <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s,<br />

como nos afirma o autor. Existem outros espaços <strong>de</strong> saber que também educam – espaços não-<br />

formais <strong>de</strong> educação –, como museus, arquivos, programas <strong>de</strong> televisão e/ou rádio (<strong>educativos</strong> ou<br />

apenas <strong>de</strong> lazer), filmes, peças <strong>de</strong> teatro, músicas, espaços <strong>de</strong> exposições etc.<br />

Os museus, arquivos, locais <strong>de</strong> exposições e outros lugares <strong>de</strong> memória possuem cultura própria,<br />

ritos e códigos específicos. Por outro lado, as escolas apresentam universos particulares, também<br />

com lógica própria. Faz-se necessária, então, a busca <strong>de</strong> caminhos para a construção <strong>de</strong> uma<br />

pedagogia <strong>de</strong> museus, como nos afirma Marandino (2000). Esta autora nos alerta para a necessida<strong>de</strong><br />

da construção <strong>de</strong> uma pedagogia <strong>de</strong> museus, levando em consi<strong>de</strong>ração a especificida<strong>de</strong> pedagógica<br />

dos museus para otimizar as visitas escolares. Não se trata, segundo a autora, <strong>de</strong> opor o museu à<br />

escola, mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir as especificida<strong>de</strong>s relacionadas ao lugar, ao tempo e aos objetos no espaço do<br />

museu, o que é essencial e <strong>de</strong>ve ser incluído na formação <strong>de</strong> educadores numa didática <strong>de</strong> museu.<br />

Nesse sentido, po<strong>de</strong>ríamos ampliar esse entendimento não só para museus, como também para<br />

outros espaços <strong>educativos</strong>: exposições, arquivos públicos, centros culturais, arquitetura <strong>de</strong> ruas<br />

antigas, monumentos etc.<br />

Vários motivos levam os professores a buscar os espaços <strong>educativos</strong> não-formais como lugares<br />

alternativos <strong>de</strong> aprendizagem. Dentre tais objetivos, estariam a apresentação interdisciplinar dos<br />

temas, a interação com o cotidiano dos estudantes e, por fim, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação cultural<br />

proporcionada pela visita. Assim, as visitas teriam o objetivo <strong>de</strong> fazer uma alfabetização científica<br />

do cidadão. Para isso, trabalha-se com elementos <strong>de</strong> relevância social que informam os indivíduos e<br />

os conscientizam <strong>de</strong> problemas político-sociais.<br />

4


Nas últimas décadas, a questão educacional passou a ser um dos alicerces <strong>de</strong>ssa nova museologia.<br />

Crescem pesquisas que analisam o processo <strong>de</strong> <strong>ensino</strong>, ou divulgam o conhecimento nesses<br />

espaços, na perspectiva dos estudos sobre transposição didática ou museográfica.<br />

O incentivo à participação e à interativida<strong>de</strong> que acontece nos museus <strong>de</strong> ciência e técnica se<br />

esten<strong>de</strong> aos museus como os <strong>de</strong> história, arqueologia, etnografia e ciências naturais através,<br />

sobretudo, do advento <strong>de</strong> novas tecnologias. A base filosófica <strong>de</strong>ssas mudanças resi<strong>de</strong> na<br />

<strong>de</strong>mocratização do acesso ao saber que está “<strong>de</strong>positado” nos museus.<br />

Em contrapartida, a escola <strong>de</strong>ve permitir a influência <strong>de</strong>sses espaços <strong>educativos</strong> alternativos,<br />

incentivando as visitas pedagógicas e as ações <strong>de</strong> parcerias.<br />

“Há esperança <strong>de</strong> que a escola possa imbuir-se <strong>de</strong> uma nova função, a <strong>de</strong> ser um lugar <strong>de</strong> análises<br />

críticas, <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> significado às informações e reconstrução do conhecimento, para que possa<br />

preservar seu status e função <strong>de</strong> formadora <strong>de</strong> sujeitos sociais e na qual o professor garanta seu<br />

espaço <strong>de</strong> ação” (NOGARO, 1999, p. 29).<br />

Para os gregos antigos, memória significava vidência e êxtase. É com tal alegria e êxtase que<br />

esperamos que nossos alunos e alunas consigam perceber e apreen<strong>de</strong>r nossa memória através <strong>de</strong><br />

vivências extramuros escolares. A preservação da memória torna-se fundamental na ampliação <strong>de</strong><br />

vivências pedagógicas diferenciadas para nossos estudantes.<br />

<strong>Espaços</strong> <strong>educativos</strong> não-formais<br />

Como já foi dito anteriormente, faz-se necessário <strong>de</strong>svelar o horizonte universitário e pedagógico<br />

para a utilização dos espaços <strong>educativos</strong> alternativos. Como exemplo <strong>de</strong> um espaço educativo não-<br />

formal temos o “Espaço da Ciência <strong>de</strong> Olinda”, em Pernambuco, criado em 1994, que <strong>de</strong>senvolve<br />

capacitação <strong>de</strong> professores através <strong>de</strong> centros <strong>de</strong> referência criados em 21 escolas da re<strong>de</strong> pública.<br />

Também há o MAST/ CNP, que em 1997 estabeleceu um projeto <strong>de</strong>nominado “Formação<br />

continuada <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> ciências e os espaços não-formais <strong>de</strong> Educação” para produzir<br />

material didático junto às escolas públicas municipais.<br />

Desta forma, em tais visitas pedagógicas seria oferecido aos nossos alunos e alunas diferentes<br />

5


leituras da ciência e do mundo. É essencial, cada vez mais, a parceria dos museus com as<br />

universida<strong>de</strong>s, secretarias municipais e estaduais para a realização <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

professores em todos os níveis. Além disso, é muito importante a implantação <strong>de</strong> pesquisas nos<br />

museus e investigações sobre a relação museus/espaços culturais e escola. Esses estudos darão<br />

subsídios maiores aos programas <strong>educativos</strong> e culturais <strong>de</strong>senvolvidos nessas instituições.<br />

Em última instância, enten<strong>de</strong>r história é enten<strong>de</strong>r o tempo em movimento em múltiplos espaços. Se<br />

enten<strong>de</strong>mos que o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> tem o sentido <strong>de</strong> formação da cidadania no Ensino<br />

Fundamental e Médio, <strong>de</strong>vemos ter o compromisso <strong>de</strong> proporcionar oportunida<strong>de</strong>s para que os(as)<br />

alunos(as) transportem esse conhecimento aprendido para suas vidas cotidianas, para que possam<br />

participar <strong>de</strong> forma mais consciente da construção <strong>de</strong> um mundo mais justo e solidário.<br />

“Contudo, a busca da cidadania nos países da periferia esbarra na falta <strong>de</strong> cumprimento <strong>de</strong> direitos<br />

universais básicos, embora muitas vezes suas populações tenham esses direitos consagrados em lei.<br />

Além disso, num mundo em constante transformação po<strong>de</strong>m surgir novos direitos, frutos <strong>de</strong> novas<br />

lutas e reivindicações. E é exatamente esse movimento que caracteriza a cidadania.” (CANDAU,<br />

2002, p. 37)<br />

Temas que serão <strong>de</strong>batidos na série <strong>Espaços</strong> <strong>educativos</strong> e <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> , que será apresentada<br />

no programa Salto para o Futuro/<strong>TV</strong> Escola, <strong>de</strong> 3 a 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2006:<br />

PGM 1- Os sentidos do <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />

No primeiro programa da série, vamos <strong>de</strong>bater estes temas, entre outros: o papel da escola e a<br />

importância do <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> para a formação da cidadania; o respeito pelo saber do educando;<br />

o encontro entre saberes escolares e não-escolares, entre cultura erudita e popular; a construção do<br />

conhecimento <strong>de</strong> forma dialógica, participativa, entre alunos e professores, a favor <strong>de</strong> uma educação<br />

emancipatória; as concepções teóricas no <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> e na Educação que permeiam tais<br />

opções educacionais; alternativas metodológicas ao método tradicional.<br />

PGM 2 – Memória e <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />

O segundo programa tem como proposta discutir: o conceito <strong>de</strong> memória; a relação memória, tempo<br />

e <strong>História</strong>; o tempo histórico e suas principais características: sucessão, duração e simultaneida<strong>de</strong>; a<br />

6


perpetuação dos povos através da memória ou do “esquecimento”; o que se quer lembrar e o que se<br />

quer esquecer nas socieda<strong>de</strong>s; o jovem e a socieda<strong>de</strong> presentista; a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se impor a<br />

“ausência” <strong>de</strong> memória nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas; mudanças e permanências nas socieda<strong>de</strong>s.<br />

PGM 3 – Lugares <strong>de</strong> memória<br />

O terceiro programa vai enfocar estes temas: lugares <strong>de</strong> memória; a relação entre cultura e<br />

pedagogia na perspectiva dos Estudos Culturais; a educação transformando subjetivida<strong>de</strong>s; a escola<br />

não é o único lugar que educa; os espaços <strong>educativos</strong> não-formais, especialmente os museus e<br />

exposições; os lugares <strong>de</strong> memória e suas culturas próprias, seus ritos e códigos específicos; a<br />

<strong>de</strong>mocratização do acesso ao saber “<strong>de</strong>positado” nos museus; a busca pela construção <strong>de</strong> uma<br />

pedagogia <strong>de</strong> museus; os espaços <strong>educativos</strong> não-formais como lugares alternativos <strong>de</strong><br />

aprendizagem.<br />

PGM 4 – <strong>Espaços</strong> públicos <strong>de</strong> memória<br />

Neste quarto programa, permanece a discussão sobre os espaços <strong>educativos</strong> não formais, analisando<br />

estes temas, entre outros: a paisagem como algo socialmente transformado pelo tempo e <strong>de</strong>positária<br />

<strong>de</strong> diferentes temporalida<strong>de</strong>s; o espaço e o tempo-mundo fundidos na cida<strong>de</strong>; a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o<br />

professor ensinar <strong>História</strong> fora dos muros da escola, utilizando excursões pedagógicas pelas ruas <strong>de</strong><br />

sua cida<strong>de</strong>, por exemplo; a análise das “migalhas” <strong>de</strong>ixadas pelo tempo nas marcas da arquitetura,<br />

monumentos, transportes etc. <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>; o processo <strong>de</strong> <strong>ensino</strong>-aprendizagem nesses espaços<br />

alternativos, na perspectiva dos estudos sobre transposição didática ou museográfica.<br />

PGM 5 – <strong>Espaços</strong> <strong>educativos</strong> não-formais e formação <strong>de</strong> professores<br />

O quinto programa vai abordar: a importância <strong>de</strong> se incorporar, nos estágios curriculares dos cursos<br />

<strong>de</strong> Licenciatura, esses espaços <strong>educativos</strong> não-formais; a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estreitar laços entre as<br />

práticas curriculares nos cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores e os lugares <strong>de</strong> preservação da<br />

memória; a urgência <strong>de</strong> se estabelecer políticas públicas <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores que se<br />

comprometam em reinventar a escola, visando à construção <strong>de</strong> uma cidadania participativa e<br />

7


<strong>de</strong>mocrática.<br />

BIBLIOGRAFIA:<br />

BETANCOURT, Nilda <strong>de</strong> Barros e GISSI, Jorge. El taller: integración <strong>de</strong> teoria y práctica.<br />

Buenos Aires, Argentina: Editorial Humanitas, 1987.<br />

BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala <strong>de</strong> aula. São Paulo: Contexto, 1997.<br />

BOSI, Ecléa. Memória e Socieda<strong>de</strong>: lembranças <strong>de</strong> velhos. São Paulo: T.A. Queiroz, 1979.<br />

CANDAU, Vera Maria. Didática, currículo e saberes escolares. Rio <strong>de</strong> Janeiro: DP&A, 2000.<br />

CANDAU, Vera Maria. Pluralismo cultural, cotidiano escolar e formação <strong>de</strong> professores. In:<br />

CANDAU, Vera Maria (org.). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.<br />

____________________ (org.). Reinventar a escola. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000.<br />

_____________________(org.). Socieda<strong>de</strong>, educação e cultura(s): questões e propostas .<br />

Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.<br />

CHERVEL, André. “<strong>História</strong> das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo <strong>de</strong><br />

pesquisas”, Teoria & Educação, n. 2, 1990, p.182.<br />

DEMO, Pedro. Ironias da Educação - Mudança e contos sobre mudança. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

DP&A ed., 2000.<br />

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São<br />

Paulo: Paz e Terra, 1997.<br />

LE GOFF, Jacques. Calendário. In: Enciclopédia Einaundi. Memória- <strong>História</strong>, v.1, 1990.<br />

MARANDINO, Martha. Museu e escola: parceiros na Educação científica do cidadão. In:<br />

CANDAU, Vera Maria (org.). Reinventar a escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.<br />

MEDIANO, Zélia D. A formação em serviço <strong>de</strong> professores através <strong>de</strong> oficinas pedagógicas.<br />

In: CANDAU, Vera Maria (org.). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis, RJ: Vozes,<br />

8


1997.<br />

MONTEIRO, Ana Maria. A prática <strong>de</strong> <strong>ensino</strong> e a produção <strong>de</strong> saberes na escola. In:<br />

SANTOS, Lucíola Licínio <strong>de</strong> C. P. O processo <strong>de</strong> produção do conhecimento escolar e a<br />

didática. In: MOREIRA, Antonio Flávio B. Conhecimento Educacional e formação do<br />

professor. São Paulo: Papirus, 1994.<br />

SILVA, Tomaz Ta<strong>de</strong>u da. Documentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: uma introdução às teorias do currículo.<br />

Belo Horizonte: Autêntica, 1999.<br />

VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 2 a ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 1998.<br />

Nota:<br />

1 Mestre em Educação - PUC-Rio. Professora Assistente <strong>de</strong> <strong>História</strong> do CAP/UERJ<br />

e <strong>de</strong> Prática <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> do Departamento <strong>de</strong> <strong>História</strong> da UERJ.<br />

Professora <strong>de</strong> <strong>História</strong> da re<strong>de</strong> particular <strong>de</strong> <strong>ensino</strong>. Consultora <strong>de</strong>sta série.<br />

9


PROGRAMA 1<br />

OS SENTIDOS DO ENSINO DE HISTÓRIA<br />

Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro1<br />

A constituição da história como disciplina escolar ao longo do século XIX, no Oci<strong>de</strong>nte, implicou<br />

um processo <strong>de</strong> seleção cultural e didatização necessário para tornar ensináveis os saberes então<br />

selecionados para serem aprendidos pelas novas gerações.<br />

As narrativas produzidas revelavam o espírito do povo, a alma das nações e o germe da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

nacional, expressos como histórias nacionais que contribuíam para afirmar po<strong>de</strong>res instituídos.<br />

Essa operação cultural e política, <strong>de</strong> forte conteúdo simbólico, nos possibilita compreen<strong>de</strong>r<br />

dimensões presentes no <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong>, enquanto espaço/tempo no currículo escolar (ainda)<br />

privilegiado nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas, <strong>de</strong>stinado à construção <strong>de</strong> significados necessários à<br />

leitura e à compreensão do mundo, nacionalmente ou globalmente organizado.<br />

Esses são alguns dos <strong>de</strong>safios do <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong>: 1) Tornar acessível aos alunos o conhecimento<br />

constituído sobre as socieda<strong>de</strong>s e ações humanas do passado, passado recomposto pelos<br />

historiadores a partir <strong>de</strong> documentos tomados como fontes; 2) Possibilitar a leitura <strong>de</strong> textos e<br />

imagens, a escrita <strong>de</strong> suas apropriações-aprendizagens, a (re)construção <strong>de</strong> representações; 3)<br />

Selecionar quais saberes, quais narrativas, quais po<strong>de</strong>res legitimar ou questionar.<br />

Esse texto tem por objetivo discutir esses <strong>de</strong>safios e também as questões que se apresentam nos<br />

processos inerentes ao <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> (e à sua pesquisa) que envolve não apenas o domínio <strong>de</strong><br />

saberes referentes ao passado mas, também, a compreensão da historicida<strong>de</strong> da vida social e do<br />

diálogo com os diferentes saberes que circulam e se difun<strong>de</strong>m nas socieda<strong>de</strong>s. Este processo<br />

implica um trabalho que auxilie os alunos a atribuir sentido às ações humanas e aos atores sociais,<br />

em perspectiva sincrônica e diacrônica, e a aprofundar o pensamento crítico em face dos po<strong>de</strong>res<br />

instituídos através da análise, e possível <strong>de</strong>smistificação, <strong>de</strong> rituais, atores, imagens e processos <strong>de</strong><br />

10


participação, atribuição e questionamento do po<strong>de</strong>r nas socieda<strong>de</strong>s 2 .<br />

1. Renovação teórica no campo do currículo e do <strong>ensino</strong>: o conceito <strong>de</strong> saber escolar<br />

Nas três últimas décadas do século XX, os estudos e pesquisas voltados para as questões relativas<br />

ao currículo escolar voltaram-se para a investigação das relações entre escola e cultura, buscando<br />

melhor compreen<strong>de</strong>r o papel <strong>de</strong>sempenhado pela escola na produção da memória coletiva, das<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais e da reprodução (ou transformação) das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Os saberes ensinados, na maior parte do século XX, não foram objeto <strong>de</strong> maior questionamento ou<br />

reflexão. Eram <strong>de</strong>finidos e apresentados nos currículos e programas como aqueles a ensinar,<br />

oriundos <strong>de</strong> base científica e cultural ampla, através <strong>de</strong> meios e procedimentos a<strong>de</strong>quados,<br />

escolhidos num “receituário ou arsenal” construído e fundamentado cientificamente nos<br />

conhecimentos oferecidos pela psicologia, pela psicopedagogia e pela didática.<br />

Esta perspectiva racionalista, cientificista, que contém críticas ao mo<strong>de</strong>lo espontaneísta e empirista<br />

até então dominante, é, por sua vez, atualmente, objeto <strong>de</strong> críticas que apontam a simplificação<br />

inerente à concepção que a fundamenta.<br />

Pesquisas confirmam que o currículo é campo <strong>de</strong> criação simbólica e cultural, permeado por<br />

conflitos e contradições, <strong>de</strong> constituição complexa e híbrida, com diferentes instâncias <strong>de</strong><br />

realização: currículo formal, real, oculto (Moreira, 1997).<br />

No campo da epistemologia, discutem-se a historicida<strong>de</strong> e a relativida<strong>de</strong> do conhecimento<br />

científico, questionando-se a idéia <strong>de</strong> que a ciência produz a única forma <strong>de</strong> conhecimento válido e<br />

verda<strong>de</strong>iro, reconhecendo-se a diversida<strong>de</strong> das formas <strong>de</strong> conhecimento, com diferentes<br />

racionalida<strong>de</strong>s e formas <strong>de</strong> validação.<br />

No meio educacional, os estudos reconhecem as características, cada vez mais evi<strong>de</strong>ntes, dos<br />

fenômenos práticos: complexida<strong>de</strong>, incerteza, instabilida<strong>de</strong>, singularida<strong>de</strong> e conflitos <strong>de</strong> valores. Os<br />

diferentes sujeitos, com visões <strong>de</strong> mundo e interesses diferenciados, estabelecem relações entre si<br />

11


com múltiplas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apropriação e interpretação.<br />

Essas novas perspectivas permitem avançar em relação a estudos e análises que, ao não<br />

reconhecerem a especificida<strong>de</strong> da cultura escolar, buscavam a melhoria do <strong>ensino</strong> através da maior<br />

aproximação com o conhecimento científico. O <strong>ensino</strong> seria aperfeiçoado na medida em que mais<br />

semelhante, coerente e atualizado fosse em relação à produção científica.<br />

Essa orientação induzia, por exemplo, pesquisadores a i<strong>de</strong>ntificar erros no <strong>ensino</strong> realizado nas<br />

escolas, na medida em que sua atualização se faz mais lentamente, e também porque um processo<br />

<strong>de</strong> síncrese é realizado, com a utilização <strong>de</strong> contribuições <strong>de</strong> diferentes autores, alguns <strong>de</strong>les com<br />

pressupostos teóricos distintos, para configurar explicações ou exemplificações.<br />

Ao ser radicalizada, esta crítica levou muitos a consi<strong>de</strong>rar o saber escolar um saber “<strong>de</strong> segunda<br />

classe”, inferior ao conhecimento científico, porque resultante <strong>de</strong> simplificações necessárias para o<br />

<strong>ensino</strong> a crianças e adolescentes, ou adultos em processo <strong>de</strong> aprendizagem 3 .<br />

Não po<strong>de</strong>mos negar que o diálogo com o conhecimento científico é absolutamente fundamental.<br />

Mas é preciso compreen<strong>de</strong>r melhor como se dá a construção do saber escolar, que envolve a<br />

interlocução com o conhecimento científico, mas também com outros saberes que circulam no<br />

contexto cultural <strong>de</strong> referência.<br />

Nesse sentido, o conceito <strong>de</strong> saber escolar, referenciado em pesquisadores do campo educacional da<br />

área do currículo e da história das disciplinas escolares, oferece contribuição importante para a<br />

melhor compreensão dos processos <strong>educativos</strong>.<br />

Entre os primeiros po<strong>de</strong>mos citar, na tradição francesa: Forquin, 1992, 1993, 1996; Moniot, 1993;<br />

Develay, 1994; 1996; Allieu, 1995; Lautier, 1997 e, no <strong>Brasil</strong>, Santos, 1990; Moreira, 1997; Silva,<br />

1999; Lopes, 1999; Monteiro, 2002, 2003.<br />

Na história das disciplinas escolares, temos o trabalho <strong>de</strong> Chervel (1990) e, na vertente inglesa,<br />

temos os trabalhos <strong>de</strong> Goodson (1995), que utiliza uma abordagem sócio-histórica para análise da<br />

12


construção curricular.<br />

A perspectiva com a qual eu trabalho reconhece a especificida<strong>de</strong> epistemológica <strong>de</strong>sta construção<br />

que tem na escola o locus por excelência, escola que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada apenas local <strong>de</strong><br />

instrução e transmissão <strong>de</strong> saberes, para ser compreendida como espaço educacional, configurado e<br />

configurador <strong>de</strong> uma cultura escolar, na qual se confrontam diferentes forças e interesses sociais,<br />

econômicos, políticos, culturais. Filia-se mais diretamente aos autores franceses que estudam os<br />

processos <strong>de</strong> transposição didática.<br />

Nesta perspectiva, os saberes escolares, antes inquestionáveis e universais, passam a ser objeto <strong>de</strong><br />

indagações que se voltam para aspectos relacionados à seleção cultural – quais saberes, motivos <strong>de</strong><br />

opção, implicações culturais e repercussões sociais e políticas das opções, negações, ocultamentos,<br />

ênfases.<br />

Mas não basta selecionar. É preciso tornar os saberes possíveis <strong>de</strong> serem aprendidos. Nesse sentido,<br />

os estudos voltados para os processos <strong>de</strong> organização <strong>de</strong>stes saberes investigam os processos <strong>de</strong><br />

didatização, buscando superar a perspectiva instrumental e técnica, utilizando o conceito <strong>de</strong><br />

transposição didática (Chevallard, 1991; Develay, 1992) ou mediação didática (Lopes, 1999)<br />

para analisar os processos realizados para viabilizar aprendizagens. (Forquin, 1992; Lopes, 1997)<br />

4 .<br />

Por último, e não menos importante, é preciso lembrar que o saber escolar, em sua constituição,<br />

passa por um processo <strong>de</strong> axiologização (Develay, 1992), ou seja, ele é veículo <strong>de</strong> transmissão e<br />

formação <strong>de</strong> valores entre os estudantes. A dimensão educativa, portanto, é estruturante <strong>de</strong>ste saber,<br />

não sob a forma <strong>de</strong> proselitismo, mas através da seleção e didatização realizada: saberes negados ou<br />

afirmados; formas <strong>de</strong>mocráticas ou autoritárias <strong>de</strong> ensinar, métodos baseados na repetição e<br />

memorização, ou baseados no <strong>de</strong>senvolvimento do raciocínio e pensamento crítico.<br />

Cabe indagar como essas questões se expressam na história escolar, uma vez que a própria<br />

área/disciplina <strong>História</strong> já traz, em sua constituição, a dimensão pedagógica.<br />

13


3. A <strong>História</strong> como saber escolar<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização dos conceitos <strong>de</strong> saber escolar e <strong>de</strong> transposição didática no campo da<br />

<strong>História</strong> precisa ser discutida <strong>de</strong> forma a consi<strong>de</strong>rar problemas e características específicos aos<br />

processos <strong>de</strong> sua constituição, que envolvem aspectos distintos daqueles relacionados à Matemática,<br />

por exemplo. É importante avaliar possibilida<strong>de</strong>s e limites dos conceitos quando eles são<br />

transplantados do seu contexto <strong>de</strong> produção original e utilizados como instrumentos <strong>de</strong><br />

inteligibilida<strong>de</strong> em diferentes campos disciplinares 5 .<br />

Esse trabalho tem sido realizado por alguns autores franceses que pesquisam a didática da <strong>História</strong>,<br />

e que têm procurado incorporar e avaliar a potencialida<strong>de</strong> teórica das proposições <strong>de</strong> Chevallard 6 .<br />

Entre eles, Moniot (1993) faz algumas pon<strong>de</strong>rações importantes, ao discutir e contextualizar a<br />

transposição didática no processo <strong>de</strong> elaboração da <strong>História</strong> em sua versão escolar. Inicialmente, ele<br />

concorda com Chevallard sobre a anteriorida<strong>de</strong> do saber acadêmico em relação ao saber escolar, ao<br />

lembrar que, por exemplo, na França, a <strong>História</strong> dos historiadores prece<strong>de</strong> a <strong>História</strong> escolar,<br />

constituída num processo que se <strong>de</strong>senvolveu ao longo do século XIX (Furet, 1978). Mas, por outro<br />

lado, como o autor <strong>de</strong>staca, a <strong>História</strong> escolar também fez a fortuna da <strong>História</strong> universitária,<br />

havendo uma conivência entre uma e outra, <strong>de</strong> forma que até hoje uma legitima a outra. “Não há<br />

dúvida <strong>de</strong> que, no século XX, a história escolar tem características próprias, numa configuração<br />

com sua força instalada. Se, por um lado, ela <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> moralmente da história acadêmica, ela<br />

produz, para esta, uma reverência e uma segurança pública, pela cultura e pelos sentimentos que ela<br />

<strong>de</strong>stila: <strong>de</strong> fato, há uma troca <strong>de</strong> legitimações reais entre duas entida<strong>de</strong>s específicas” (Moniot, 1993,<br />

p. 26) 7 .<br />

No <strong>Brasil</strong>, po<strong>de</strong>mos dizer que um processo semelhante ocorreu. A constituição <strong>de</strong> uma <strong>História</strong> do<br />

<strong>Brasil</strong>, pautada em princípios <strong>de</strong>finidos com base em metodologia científica, se <strong>de</strong>u em meados do<br />

século XIX, no contexto <strong>de</strong> uma instituição acadêmica que era o Instituto Histórico e Geográfico<br />

<strong>Brasil</strong>eiro (Guimarães, 1988). A elaboração da <strong>História</strong> Geral do <strong>Brasil</strong> em 1854, por Francisco<br />

Adolfo <strong>de</strong> Varnhagen, constituiu a primeira versão que atendia aos princípios <strong>de</strong> uma <strong>História</strong><br />

“científica” escrita a partir <strong>de</strong> documentos e que serviu <strong>de</strong> base para a elaboração <strong>de</strong> livros<br />

didáticos, entre eles aquele intitulado <strong>Brasil</strong> em Lições, <strong>de</strong> Joaquim Manuel <strong>de</strong> Macedo, usado<br />

14


durante décadas no Colégio Pedro II e que serviu <strong>de</strong> referência para a <strong>História</strong> do <strong>Brasil</strong> ensinada<br />

em todo o país (Mattos, 2000) 8 .<br />

Já a diferença entre o saber acadêmico e o saber escolar em <strong>História</strong> constitui, para Moniot, um<br />

“segredo <strong>de</strong> polichinelo”. A <strong>História</strong>, diferentemente das matemáticas, que possuem uma <strong>de</strong>finição<br />

acadêmica muito clara, apresenta diferentes perspectivas <strong>de</strong> inteligibilida<strong>de</strong> – <strong>História</strong> positivista,<br />

dos Annales, marxista e das análises macroeconômicas, Nova <strong>História</strong>, e <strong>de</strong> composições, que se<br />

complementam freqüentemente, a partir <strong>de</strong> diferentes formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição e <strong>de</strong> organização dos<br />

eixos <strong>de</strong> análise: temática – <strong>História</strong> política, <strong>História</strong> social, <strong>História</strong> econômica, <strong>História</strong> cultural;<br />

geopolítica – <strong>História</strong> do <strong>Brasil</strong>, <strong>História</strong> da América, <strong>História</strong> da Europa, <strong>História</strong> do Extremo<br />

Oriente, etc.; cronológica – Antigüida<strong>de</strong>, Ida<strong>de</strong> Média, Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna, Ida<strong>de</strong> Contemporânea,<br />

Tempo Presente, etc.; espacial – global, nacional e regional.<br />

Essa característica suscita, <strong>de</strong> imediato, uma questão <strong>de</strong> alguma complexida<strong>de</strong>: qual <strong>História</strong> utilizar<br />

como referência acadêmica para se contrastar com o saber a ensinar?<br />

Outra questão refere-se ao movimento que articula os saberes e que, para Chevallard, é<br />

prioritariamente <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte: do saber acadêmico ao saber escolar. Allieu (1995, p. 152), ao discutir<br />

a transposição didática no âmbito da <strong>História</strong>, questiona essa visão, afirmando que “a relação entre<br />

o saber ensinado e as noções ‘científicas' correspon<strong>de</strong>ntes produzidas na aca<strong>de</strong>mia é mais<br />

ascen<strong>de</strong>nte do que <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte: mais do que uma transposição, nós preferimos falar <strong>de</strong> uma<br />

interpelação.” Citando Audigier, Crémieu, Tutiaux-Guillon (1994, p. 6) ela complementa: “as<br />

ciências históricas (...) são a referência para não dizer o falso.”<br />

Quem é responsável por essa atribuição <strong>de</strong> sentido na história escolar? O professor <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />

que, para isso, não segue um mo<strong>de</strong>lo pre<strong>de</strong>finido, geral ou estrutural que oriente a transposição: a<br />

história escolar é reinventada em cada aula, no contexto <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> <strong>ensino</strong> específicas, on<strong>de</strong><br />

interagem as características do professor (e on<strong>de</strong> também são expressas as disposições oriundas <strong>de</strong><br />

uma cultura profissional), dos alunos e aquelas da instituição (aí po<strong>de</strong>ndo ser consi<strong>de</strong>rada tanto a<br />

escola como o campo disciplinar), características essas que criam um campo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> emerge a<br />

disciplina escolar. Esses atores estão imersos no mundo, ou seja, numa socieda<strong>de</strong> dada, numa época<br />

dada, em que as subjetivida<strong>de</strong>s expressam e configuram representações que, por sua vez, interferem<br />

15


na <strong>de</strong>finição das opções que orientam os sentidos atribuídos aos acontecimentos (Allieu, 1995, p.<br />

153-4).<br />

Assim, Allieu prefere falar em interpelação, e não transposição, porque para atribuir sentido ao que<br />

ensina, o professor recorre ao saber acadêmico, em suas diferentes escolas e matrizes teóricas, para<br />

buscar subsídios que lhe permitam produzir versões coerentes com seus pontos <strong>de</strong> vista, e que<br />

tenham uma base <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do campo. Aliás, no saber escolar encontramos muito mais<br />

uma síncrese <strong>de</strong> diferentes matrizes teóricas do que filiações <strong>de</strong>finidas a <strong>de</strong>terminadas correntes 9 .<br />

Além do mais, lembra Moniot, diferentemente da Matemática e da Biologia, a <strong>História</strong> tem como<br />

principal aplicação ser comunicada, divulgada, questão essa que tem ressonância tanto na referência<br />

como na transposição. A <strong>História</strong> é fonte <strong>de</strong> referência e está presente em várias dimensões e<br />

espaços da vida social atual, as chamadas “práticas sociais <strong>de</strong> referência” (Martinand, 1986). Ela<br />

não é apenas um objeto, um relato do passado dos homens, ela é uma linguagem partilhada e uma<br />

prática.<br />

Para tantos usos e finalida<strong>de</strong>s contribui a história acadêmica, ou as práticas sociais <strong>de</strong> referência, ou<br />

a história escolar? Ou todas contribuem? Se estas finalida<strong>de</strong>s não são explicitadas nos objetivos do<br />

seu <strong>ensino</strong>, que muitas vezes apresentam formulações mais “nobres” e “politicamente corretas”,<br />

elas estão presentes assim mesmo. Elas permitem compreen<strong>de</strong>r, então, como a <strong>História</strong> escolar tem<br />

diferentes referências muito reais.<br />

Para Moniot, a história escolar não precisa buscar nenhuma prática social <strong>de</strong> referência: ela própria,<br />

no sentido <strong>de</strong> <strong>História</strong> vivida, é a primeira <strong>de</strong>ssas práticas sociais. Mas, além disso, a <strong>História</strong><br />

escolar dialoga com as visões, os textos e as expressões históricas presentes em diferentes e<br />

específicas “práticas sociais <strong>de</strong> referência”: a dos autores, diretores e narrativas <strong>de</strong> filmes históricos,<br />

documentários, programas <strong>de</strong> televisão, novelas ou peças teatrais; na prática social <strong>de</strong> curadores <strong>de</strong><br />

exposições museológicas, artísticas, científicas; dos jornalistas e comentaristas políticos; dos guias<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> turismo; nas práticas e discursos das diferentes religiões; nas práticas cotidianas<br />

dos diferentes grupos sociais, entre eles o familiar, e que servem <strong>de</strong> referência e dialogam com o<br />

saber acadêmico na constituição do saber escolar, chegando à escola através dos diferentes meios <strong>de</strong><br />

comunicação, dos alunos, dos professores e <strong>de</strong> seus pais.<br />

16


Além disso, as dimensões axiológica e política têm uma importância significativa na constituição da<br />

<strong>História</strong> escolar que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada. Perspectivas diferentes implicam ênfases,<br />

negações, ocultamentos ou <strong>de</strong>núncias que têm profundas implicações na versão efetivamente<br />

ensinada.<br />

Esse autor reconhece, portanto, a existência <strong>de</strong> uma história escolar que possui três principais<br />

referências, e não apenas a <strong>História</strong> acadêmica:<br />

• a história acadêmica , da qual ela toma problemas e inteligibilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> retira sua<br />

legitimida<strong>de</strong>;<br />

• um conjunto <strong>de</strong> valores que dá sentido à vida coletiva e que inspira a socialização pela escola;<br />

ninguém ensina publicamente a <strong>História</strong> sem motivo, não se contam as coisas simplesmente porque<br />

elas pertencem ao passado. Mesmo aqueles que <strong>de</strong>nunciam uma mitologia ou i<strong>de</strong>ologia possuem<br />

outra proposta para a substituir;<br />

• a cultura que é transmitida pela <strong>História</strong>, em três sentidos: o que ela transmite faz parte do senso<br />

comum e da experiência geral das relações humanas, com seu vocabulário e categorias, o código<br />

semântico e referências sociais correntes; ela é portadora <strong>de</strong> uma cultura política, no sentido mais<br />

amplo, e <strong>de</strong> uma cultura cultivada, constituída a partir <strong>de</strong> uma freqüentação qualitativa <strong>de</strong> lugares<br />

do passado (Moniot, 1993, p. 24-33).<br />

Assim, para Moniot, “a <strong>História</strong> escolar é uma enorme e polivalente lição <strong>de</strong> coisas sociais, morais<br />

e intelectuais. Ela po<strong>de</strong> insuflar tanto a conformida<strong>de</strong> como o distanciamento, a continuida<strong>de</strong> e a<br />

reavaliação. Terreno complexo para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> aprendizagens específicas” (1993, p. 35).<br />

Essas consi<strong>de</strong>rações, baseadas no texto <strong>de</strong> Moniot (1993) e <strong>de</strong> Allieu (1995) oferecem uma<br />

perspectiva bastante interessante e fértil para a análise da história escolar. No <strong>Brasil</strong>, rompida a<br />

tradição da história oficial tradicional, oriunda do século XIX, e com uma acentuada vertente<br />

nacionalista e integracionista, que ocultava ou negava as contradições sociais na busca <strong>de</strong> uma<br />

imagem pacifista e legitimadora <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> dominação seculares, vivemos, nas três últimas<br />

17


décadas do século XX, um processo <strong>de</strong> renovação da pesquisa histórica extremamente rico, que<br />

propiciou o rompimento <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s estabelecidas e iluminou aspectos <strong>de</strong>sconhecidos <strong>de</strong> nosso<br />

passado.<br />

Essa renovação se comunicou ao <strong>ensino</strong>, expressando-se no movimento <strong>de</strong> reforma curricular que<br />

sacudiu e mobilizou professores dos diferentes estados e <strong>de</strong>pois do país, nos últimos quinze anos.<br />

No contexto do processo <strong>de</strong> abertura política, após vinte anos <strong>de</strong> ditadura militar, as propostas para<br />

o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> foram, inicialmente, muito marcadas por uma militância que, <strong>de</strong> uma fase<br />

inicial <strong>de</strong> ataque aos aspectos reprodutivistas da escola, passou a vê-la e ao seu <strong>ensino</strong> como os<br />

instrumentos da transformação social, senão da revolução.<br />

Com isso, o <strong>ensino</strong> assumiu uma perspectiva quase proselitista, em que a <strong>de</strong>núncia das situações <strong>de</strong><br />

exploração ocupava gran<strong>de</strong> espaço nas aulas, com o objetivo <strong>de</strong> “conscientizar o cidadão” através<br />

da superação <strong>de</strong> concepções <strong>de</strong> mundo i<strong>de</strong>ologicamente configuradas, i<strong>de</strong>ologia consi<strong>de</strong>rada na<br />

concepção marxista <strong>de</strong> falsa consciência. Muitas vezes esta postura gerou, por parte dos<br />

professores, atitu<strong>de</strong>s voluntaristas e autoritárias voltadas para a afirmação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas verda<strong>de</strong>s<br />

e rejeição <strong>de</strong> saberes e práticas dos alunos, vistos como expressão <strong>de</strong> alienação.<br />

Sem per<strong>de</strong>r a dimensão política e <strong>de</strong> formação da cidadania, fundamental para o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong>,<br />

e presente em qualquer ato educativo, cabe consi<strong>de</strong>rar as reflexões <strong>de</strong> Moniot quanto à relação<br />

complexa e profunda do <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> com a cultura, <strong>de</strong> forma ampla, e com a memória<br />

coletiva.<br />

Elas nos fazem perceber que a relação da educação realizada em espaços formais com aquela<br />

efetivada em espaços não formais, que acontece <strong>de</strong> forma difusa, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da ação<br />

docente, é uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogo fértil e enriquecedor para professores e alunos.<br />

Acredito que estas consi<strong>de</strong>rações nos ajudam a melhor compreen<strong>de</strong>r tantas dificulda<strong>de</strong>s vividas por<br />

alunos e professores, no dia-a-dia do seu trabalho. Ao mesmo tempo, abrem novas perspectivas para<br />

pensar, com mais humilda<strong>de</strong>, alternativas para o nosso fazer, e para que estejamos mais abertos para<br />

18


ouvir os alunos e seus saberes, para que juntos possamos avançar na superação do senso comum<br />

10 .<br />

Se o trabalho for realizado com abertura para ouvir o outro e <strong>de</strong>senvolvendo a razão crítica,<br />

estaremos contribuindo para auxiliar nossos alunos a compreen<strong>de</strong>r a historicida<strong>de</strong> da vida social,<br />

com os seus riscos e suas possibilida<strong>de</strong>s.<br />

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20


Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997.<br />

________________. Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997.<br />

PROST, A. Douze leçons sur l'histoire . Paris: Éditions du Seuil, 1996.<br />

Notas:<br />

1 Professora <strong>de</strong> Didática e Prática <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> e pesquisadora do Núcleo<br />

<strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Currículo do Programa <strong>de</strong> Pós-graduação da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação<br />

da UFRJ. Mestre em <strong>História</strong> pela UFF e Doutora em Educação pela PUC-Rio.<br />

2 Este texto é uma adaptação <strong>de</strong> artigo publicado com o título “Ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> e<br />

<strong>História</strong> Cultural: diálogos possíveis” na obra: SOIHET,R. e outras. Culturas políticas.<br />

Ensaios <strong>de</strong> história cultural, história política e <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> história . Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Mauad, 2005.<br />

3 Não <strong>de</strong>fendo aqui que todo <strong>ensino</strong> escolar é bem <strong>de</strong>senvolvido e imune a erros. A<br />

crítica, apoiada em autores que ignoram a especificida<strong>de</strong> da cultura e do saber<br />

escolar, tem, no entanto, dificultado avanços para sua melhor realização.<br />

4 Por transposição didática, Chevallard <strong>de</strong>nomina o processo que transforma um<br />

saber acadêmico em saber a ensinar e , este, em saber ensinado. Para analisar as<br />

diferenças entre os autores que operam com estes conceitos, ver Monteiro 2002 e<br />

Monteiro, 2003.<br />

5 Uma crítica à teoria da transposição didática, conforme formulada por Chevallard<br />

com base no <strong>ensino</strong> da Matemática, é feita por Caillot (1996), que discute se esta<br />

teoria é ela mesma transponível para outros campos disciplinares que não a<br />

Matemática. Ele questiona fortemente o fato <strong>de</strong> Chevallard consi<strong>de</strong>rar o saber<br />

acadêmico, científico, como a única referência para o saber ensinado, apoiando-se<br />

na sociologia do currículo que tem mostrado a complexa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> influências,<br />

interesses e saberes que entram em jogo na sua formulação. Para ele, a teoria da<br />

transposição didática tem uma valida<strong>de</strong> limitada ao campo da Matemática<br />

(Caillot,1996, p. 22-3).<br />

6 Audigier, 1988; Develay,1992; Tutiaux-Guillon (1993); Audigier, Crémieux, Tutiaux-<br />

Guillon (1994); Allieu (1995); Lautier (1997) são outros autores que, juntamente com<br />

Moniot (1993), têm procurado incorporar e reelaborar as contribuições da teoria da<br />

transposição didática ao campo da <strong>História</strong>.<br />

7 Esta observação <strong>de</strong> Moniot vem ao encontro da perspectiva <strong>de</strong> Develay, no que<br />

diz respeito aos fluxos simultaneamente ascen<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes entre o saber<br />

escolar e o acadêmico.<br />

8 Uma excelente análise <strong>de</strong>sse processo é aquela feita por Guimarães, em artigo<br />

intitulado “Nação e civilização nos trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico<br />

<strong>Brasil</strong>eiro e o Projeto <strong>de</strong> uma <strong>História</strong> Nacional”. In: Estudos Históricos 1 - Caminhos<br />

da Historiografia . Rio <strong>de</strong> Janeiro, n.1, 1988, p.5-27.<br />

9 Na primeira meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1990, observamos a realização <strong>de</strong> um conjunto<br />

<strong>de</strong> pesquisas que buscavam i<strong>de</strong>ntificar as concepções <strong>de</strong> <strong>História</strong> presentes no seu<br />

<strong>ensino</strong>. Discordo <strong>de</strong>ste enfoque que supõe a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre o saber acadêmico e o<br />

escolar e, por causa disso, i<strong>de</strong>ntifica como problemas ou erros aspectos que são<br />

construções tipicamente escolares. Uma nova abordagem que reconhece a<br />

especificida<strong>de</strong> da cultura escolar po<strong>de</strong> ser encontrada em Anhorn, 1999 e Monteiro,<br />

2002 .<br />

10 Acredito que a maior clareza sobre características do conhecimento histórico e da<br />

história escolar permitem que os professores possam superar visões<br />

21


excessivamente otimistas, e <strong>de</strong> certo modo ingênuas, sobre as potencialida<strong>de</strong>s do<br />

<strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> para a transformação social e que <strong>de</strong>ixam transparecer resquícios<br />

do historicismo.<br />

22


PROGRAMA 2<br />

MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA<br />

Carmen Teresa Gabriel 1<br />

Um novo olhar sobre o passado e o futuro se elabora sob as pressões do presente vivido. A<br />

partir do presente, a visão do passado se altera e age sobre a visão e a produção do futuro.<br />

(Reis, 1994)<br />

Como em toda discussão sobre um <strong>de</strong>terminado tema, existem diferentes “portas <strong>de</strong> entrada” para<br />

participar do <strong>de</strong>bate em torno da relação que po<strong>de</strong> ser estabelecida entre Memória e <strong>ensino</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>História</strong>. Essas entradas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do lugar do qual falamos, dos nossos olhares, dos nossos<br />

interesses, das nossas escolhas políticas, das utopias pelas quais lutamos. É, pois, do lugar <strong>de</strong><br />

professora <strong>de</strong> <strong>História</strong>, tendo que muitas vezes, na sala <strong>de</strong> aula, “agir na urgência e <strong>de</strong>cidir na<br />

incerteza” (Perrenoud, 2001), apostando, ainda, na potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta disciplina para pensar a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança e na viabilida<strong>de</strong> da construção <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> menos<br />

dogmático e mais justo que me proponho a entrar neste <strong>de</strong>bate<br />

Optei começar este texto enunciando a questão que serviu <strong>de</strong> eixo em torno do qual <strong>de</strong>senvolvi<br />

minhas argumentações. O que ensinamos nas aulas <strong>de</strong> <strong>História</strong> tem alguma relação com<br />

Memória? Aparentemente simples e mesmo óbvia, essa questão exige, portanto, algumas reflexões<br />

e posicionamentos prévios. Reflexão, em primeiro lugar, sobre a própria razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />

questionamento isto é, sobre o próprio contexto histórico no qual essa questão é formulada, que<br />

permite explicar a centralida<strong>de</strong>, nas últimas duas décadas, da temática da memória e sua relação<br />

com a história, e, conseqüentemente, também com o seu <strong>ensino</strong>. Esse esforço <strong>de</strong> contextualização é<br />

importante, na medida em que nos leva a explicitar o que estamos chamando <strong>de</strong> memória e como<br />

percebemos sua articulação com essa área <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Em seguida, trata-se <strong>de</strong> pensar sobre o papel <strong>de</strong>sempenhado pela memória no processo <strong>de</strong><br />

construção dos saberes históricos escolares e na relação que os sujeitos envolvidos – professores/as<br />

e alunos/as – estabelecem com esses saberes ensinados e aprendidos. As breves consi<strong>de</strong>rações que<br />

se seguem são apenas um ponto <strong>de</strong> partida para futuras reflexões mais aprofundadas, sem a menor<br />

23


pretensão <strong>de</strong> serem exaustivas.<br />

A memória na berlinda<br />

Aceleração da história (...). Fala-se tanto <strong>de</strong> memória somente porque ela não existe mais.<br />

(Nora, 1993)<br />

É nos momentos <strong>de</strong> ruptura da continuida<strong>de</strong> histórica que as alterações mais se voltam para a<br />

memória e a duração. (Duvignaud. Apud D'Aléssio, 1992)<br />

Memória e <strong>História</strong> são formas <strong>de</strong> “visitar” o passado, que durante muito tempo, no âmbito da<br />

trajetória <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>sta disciplina – seja na sua versão acadêmica, seja na versão escolar e, em<br />

particular, no que se refere à <strong>História</strong> Nacional – ten<strong>de</strong>ram a serem confundidas.<br />

Essa (con)fusão já estava presente no momento da própria emergência <strong>de</strong>ste campo disciplinar no<br />

século XIX, na medida em que a sua constituição po<strong>de</strong> ser explicada e justificada pela necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> uma memória nacional que pu<strong>de</strong>sse garantir e legitimar a consolidação dos<br />

Estados nacionais mo<strong>de</strong>rnos. Tratava-se <strong>de</strong> inventar naquele presente um passado comum, isto é, <strong>de</strong><br />

fazer esquecer e <strong>de</strong> fazer lembrar as experiências passadas que interessavam à construção dos<br />

projetos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> estruturados em torno <strong>de</strong> cada um dos Estados-Nação reconhecidos como tais,<br />

no cenário político daquela época.<br />

Com efeito, o período que vai do século XIX até as primeiras décadas do século XX correspon<strong>de</strong>u<br />

ao apogeu da <strong>História</strong>-memória , da <strong>História</strong> Nacional, na qual memória, nação e história eram<br />

percebidas através <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> "circularida<strong>de</strong> complementar, uma simbiose em todos os<br />

níveis: científicos, pedagógico, teórico e prático" (Nora, 1993). Essa história-memória, a <strong>de</strong>speito<br />

das particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada contexto, <strong>de</strong>sempenhou um papel central na constituição do nacional e,<br />

por conseguinte, da construção do sentimento <strong>de</strong> pertencimento a essa marca i<strong>de</strong>ntitária. A história e<br />

o seu <strong>ensino</strong> se apresentavam, <strong>de</strong>ssa forma, como guardiãs importantes da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional<br />

concebida até então como um elemento unificador e homogeneizador das diferenças regionais,<br />

políticas, sociais e culturais consi<strong>de</strong>radas indispensáveis para a construção e manutenção dos<br />

Estados-Nacionais mo<strong>de</strong>rnos. Até época relativamente recente não havia, pois, espaço para o<br />

questionamento ou problematização <strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong> significar esse tipo <strong>de</strong> relação.<br />

24


Como enten<strong>de</strong>r, então, as citações acima? Em que momento e por que razão essas duas formas <strong>de</strong> se<br />

relacionar com o passado se distanciaram e ten<strong>de</strong>ram a se opor <strong>de</strong> tal maneira que hoje alguns<br />

estudiosos chegam a afirmar não apenas o distanciamento mas o próprio <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>sses pólos? Expressões como “apagamento da memória” ou “enfraquecimento da historicida<strong>de</strong>”<br />

(Jameson, 1997) são comuns nos dias <strong>de</strong> hoje, indicando uma mudança consi<strong>de</strong>rável na forma <strong>de</strong><br />

conceber essa relação.<br />

Essas novas formas <strong>de</strong> percepção <strong>de</strong> passado, presente e futuro e da relação entre memória e<br />

história não po<strong>de</strong>m ser naturalizadas. Ao contrário, elas foram sendo construídas historicamente.<br />

Estudos ten<strong>de</strong>m a mostrar que momentos <strong>de</strong> simbiose, <strong>de</strong> autonomia e <strong>de</strong> (re)fusão aparecem como<br />

fases neste processo <strong>de</strong> construção permanente da relação entre história e memória e refletem uma<br />

faceta do equacionamento buscado nos diferentes presentes entre os campos <strong>de</strong> experiência<br />

(passado) e os horizontes <strong>de</strong> expectativa (futuro).<br />

O processo <strong>de</strong> distanciamento entre memória e história se fez <strong>de</strong> forma gradativa. A aceleração do<br />

ritmo das mudanças geradas a partir do advento da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> só fez acirrar este processo <strong>de</strong><br />

distanciamento, fazendo-o chegar ao ponto convulsivo que marca esta passagem <strong>de</strong> século, on<strong>de</strong> o<br />

esgarçamento dos fios das tramas que se tecem entre passado e futuro situa-nos em um presente que<br />

se apresenta como um mero simulacro, no qual memórias e projetos, tradição e utopia per<strong>de</strong>m o<br />

sentido.<br />

Basta pensarmos na problemática da(s) i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>(s) tão em voga, igualmente, na atualida<strong>de</strong>, para<br />

melhor compreen<strong>de</strong>rmos as implicações no nosso cotidiano <strong>de</strong>ssa perda <strong>de</strong> sentido. O ritmo<br />

<strong>de</strong>senfreado das transformações acarretou um intenso movimento <strong>de</strong> presentificação em <strong>de</strong>trimento<br />

tanto do passado como também do futuro. De um lado, estas mudanças incessantes e cada vez mais<br />

aceleradas passam a ameaçar a legitimida<strong>de</strong> da própria concepção monolítica, estática e<br />

essencialista <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> tal como estava na base da concepção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional nos mol<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>scritos acima. A concepção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> passa a ser vista como lealda<strong>de</strong>s construídas em<br />

contextos específicos, sendo pois consi<strong>de</strong>rada necessariamente como relacional, dinâmica e<br />

processual. Essa mudança <strong>de</strong> concepção coloca em xeque diferentes marcas i<strong>de</strong>ntitárias <strong>de</strong> graus<br />

variados <strong>de</strong> generalização, como, por exemplo, a que <strong>de</strong>fine o pertencimento da idéia <strong>de</strong> Nação<br />

mo<strong>de</strong>rna. De outro lado essa aceleração do processo <strong>de</strong> mudanças obscurece igualmente o horizonte<br />

25


<strong>de</strong> espera. O fim da crença no progresso e na credibilida<strong>de</strong> das gran<strong>de</strong>s narrativas, que caracteriza<br />

também este final <strong>de</strong> século, faz com que o presente não <strong>de</strong>sempenhe mais o papel <strong>de</strong> mediador<br />

entre passado e futuro: a certeza trazida pela idéia <strong>de</strong> um futuro <strong>de</strong> sentido pre<strong>de</strong>terminado é<br />

substituída pela incerteza e a insegurança frente à imprecisão e ao <strong>de</strong>scrédito da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

qualquer forma <strong>de</strong> utopia.<br />

Todavia, e <strong>de</strong> forma aparentemente paradoxal, é esta insegurança que levaria também à necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> tudo reciclar em objeto memorial. Com efeito, essa mesma crise i<strong>de</strong>ntítária que, apesar <strong>de</strong> vivida<br />

<strong>de</strong> forma diferenciada nos diversos países, configura a experiência coletiva nas socieda<strong>de</strong>s<br />

industrializadas <strong>de</strong>ste final <strong>de</strong> século e reafirma o apego aos traços, aos vestígios, à história e à<br />

memória, tornando-se responsável pela emergência <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro “culto da memória” nas<br />

socieda<strong>de</strong>s pós-industriais, tradutor <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> se contrapor a esta crise através da<br />

reafirmação da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um enraizamento, como bem analisa Rousso na citação abaixo:<br />

Esta vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservar, <strong>de</strong> preservar <strong>de</strong> "colocar no museu" o passado, concomitantemente à<br />

valorização atual da memória, parece mais uma forma <strong>de</strong> resistência ao sentimento vivido da<br />

alterida<strong>de</strong> do tempo, uma resposta à incerteza atual do presente e do futuro do que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

estabelecer um laço dinâmico entre passado, presente e futuro (Rousso, 1998).<br />

No campo político, esta preocupação po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada com a implementação, em diversos<br />

Estados industrializados, <strong>de</strong> uma política pública da memória que po<strong>de</strong> ser percebida, por exemplo,<br />

pela extensão da noção <strong>de</strong> "patrimônio" ou pelas novas direções assumidas pelas políticas públicas<br />

<strong>de</strong> comemoração (no sentido <strong>de</strong> "rememorar juntos"), visando reunir a comunida<strong>de</strong> nacional. Esta<br />

gestão pública do passado estaria, senão <strong>de</strong> forma exclusiva, fortemente guiada por esta vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

superar o sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>senraizamento, <strong>de</strong> perda, marca da nossa contemporaneida<strong>de</strong>. Ela<br />

emerge, pois, <strong>de</strong> uma interrogação atual cada vez mais angustiada sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva.<br />

Uma breve incursão na trajetória da construção da <strong>História</strong> Nacional nos oferece algumas chaves <strong>de</strong><br />

leitura para a compreensão <strong>de</strong>sse processo, no qual <strong>História</strong>-nação, memória nacional e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

nacional passam a serem vistas, elas próprias, como objetos <strong>de</strong> investigação para o historiador. A<br />

história <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> se confundir com a história da nação, a memória nacional passa a ser apenas uma<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> memória entre outras tantas memórias coletivas.<br />

26


Por volta dos anos 30 do século passado, no campo da historiografia, em particular da historiografia<br />

francesa, a nação <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser o quadro unitário que encerraria a consciência da coletivida<strong>de</strong>,<br />

libertando-se <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntificação nacional. Memória, <strong>História</strong> e Nação assumem uma<br />

autonomia em relação ao período prece<strong>de</strong>nte. O objeto <strong>de</strong> investigação privilegiado pelos<br />

historiadores <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser o passado glorioso da nação e centra-se sobre a própria socieda<strong>de</strong>,<br />

abrindo espaço para a emergência <strong>de</strong> outras memórias particulares e coletivas. Este movimento <strong>de</strong><br />

passagem da memória para a história obriga cada grupo a re<strong>de</strong>finir a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pela<br />

revitalização da sua própria história. É como se ocorresse uma verda<strong>de</strong>ira implosão da história<br />

nacional, da história-memória, dando origem a uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> memórias particulares que<br />

reclamam a sua própria história. Em síntese, esta fase po<strong>de</strong>ria ser resumida pela dilatação,<br />

<strong>de</strong>mocratização, <strong>de</strong>scentralização e multiplicação da memória e se insere num contexto histórico<br />

específico marcado pelas crises do nosso presente.<br />

Todavia, se <strong>de</strong> um lado este momento é apresentado como um momento <strong>de</strong> agudização do processo<br />

<strong>de</strong> distanciamento <strong>de</strong> história e memória, <strong>de</strong> outro, é nele também que emerge, a partir dos anos 80,<br />

a possibilida<strong>de</strong> do novo, <strong>de</strong> uma nova síntese – os lugares <strong>de</strong> memória – cuja proposta é a (re)<br />

aproximação <strong>de</strong>stes dois conceitos a partir <strong>de</strong> novas bases. O conceito <strong>de</strong> lugares <strong>de</strong> memória<br />

cumpriria justamente esta função mediadora entre o mundo dos mortos e o mundo do vivos. Eles<br />

nascem e vivem do sentimento <strong>de</strong> que não há mais memória espontânea, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m algo ameaçado e<br />

pertencem a dois domínios: o da memória espontânea e o da memória alcançada pela história. Nesta<br />

perspectiva os lugares <strong>de</strong> memória são "restos", "rituais <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> sem rituais”, "sinais <strong>de</strong><br />

reconhecimento e <strong>de</strong> pertencimento <strong>de</strong> um grupo numa socieda<strong>de</strong> que só ten<strong>de</strong> a conhecer<br />

indivíduos", "um vai e vem entre memória e história" "um jogo <strong>de</strong> memória e história" (Nora, 1993)<br />

no qual esses usos sociais do passado são consi<strong>de</strong>rados diferentes, mas nem por isso dicotômicos.<br />

A memória como fonte e/ou objeto <strong>de</strong> pesquisa permanece um conceito central para o campo da<br />

<strong>História</strong>, exigindo tomadas <strong>de</strong> posição frente a essas diferentes concepções.<br />

A construção da história nacional e o seu <strong>ensino</strong> não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> enfrentar, hoje, as tensões<br />

entre memória e história. Sem confundi-las nem tampouco ignorá-las, surgem leituras plurais do<br />

passado nacional orientadas pelos interesses em disputa. A memória não é mais monopólio <strong>de</strong> um<br />

grupo e sim um campo <strong>de</strong> lutas política e cultural, on<strong>de</strong> lembrar e esquecer <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem<br />

27


comemora e memoriza e dos interesses que estão em jogo no presente em que a relação com o<br />

passado é estabelecida.<br />

Saberes históricos escolares: entre o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> memória e a reflexão crítica<br />

Se a disciplina “história” (matéria <strong>de</strong> <strong>ensino</strong> ou domínio <strong>de</strong> pesquisa) está particularmente exposta<br />

aos solavancos da história viva, é porque ela coloca em questão a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva, e mais<br />

precisamente a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional (Colliot-Thélène, 1997).<br />

Em que medida essas mudanças na forma <strong>de</strong> apreensão da relação entre memória e história e suas<br />

implicações para pensar a questão das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m influenciar o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong>? A<br />

citação acima <strong>de</strong>ixa transparecer que essas influências são inevitáveis e diretamente relacionadas à<br />

função social <strong>de</strong>ssa disciplina.<br />

Como já mencionado, tanto a <strong>História</strong> produzida por pesquisa acadêmica como a <strong>História</strong> ensinada<br />

nas escolas <strong>de</strong> educação básica são vistas como portadoras <strong>de</strong> uma missão formadora, pedagógica,<br />

muito forte e estreitamente relacionada com a construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s individual, social e cultural<br />

dos cidadãos. Atualmente, entre os objetivos mais apontados para o estudo <strong>de</strong>sta disciplina se<br />

encontram os <strong>de</strong> reconstruir memórias coletivas, sejam elas nacionais ou <strong>de</strong> um grupo social e<br />

cultural mais restrito, <strong>de</strong> formar cidadãos críticos, e <strong>de</strong> explicar ou dar um sentido ao presente em<br />

que se vive.<br />

Essa função político-cultural da disciplina <strong>de</strong> <strong>História</strong> é fundamental para enten<strong>de</strong>r a especificida<strong>de</strong><br />

do saber histórico, em termos da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção das diferentes tensões como, por<br />

exemplo: afirmação <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s versus construção <strong>de</strong> sentidos, explicação versus compreensão,<br />

objetivida<strong>de</strong> versus subjetivida<strong>de</strong>, universalismos versus relativismos; ciência versus consciência<br />

etc.<br />

Como professores <strong>de</strong> <strong>História</strong>, enfrentamos no cotidiano das nossas aulas as implicações<br />

<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssas tensões inerentes à natureza do conhecimento histórico e que estão diretamente<br />

vinculadas à forma privilegiada <strong>de</strong> equacionarmos memória e projeto, passado e futuro no processo<br />

<strong>de</strong> reelaboração didática. Esse processo diz respeito tanto à seleção dos conteúdos históricos a<br />

serem ensinados, das tramas a serem narradas, quanto à escolha dos sujeitos envolvidos, enfim, das<br />

28


memórias coletivas que servem <strong>de</strong> fonte para a história contada, interpretada, ensinada nas salas <strong>de</strong><br />

aula <strong>de</strong>sta disciplina.<br />

Nesse sentido, o que ensinamos hoje nas nossas aulas está fortemente imbricado com a questão das<br />

memórias coletivas, incluindo a memória nacional, sem, no entanto, se confundir com elas. Que<br />

estratégias discursivas o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong>ssa disciplina mobiliza, contribuindo para que nos tornemos<br />

brasileiros? Que campos <strong>de</strong> experiência e que horizontes <strong>de</strong> expectativa interagem na narrativa<br />

histórica nacional da atualida<strong>de</strong>, possibilitando entrever o significado <strong>de</strong> "estar sendo" brasileiro nas<br />

diferentes práticas discursivas dos alunos e professores?<br />

Como articular – no <strong>ensino</strong> da <strong>História</strong> do <strong>Brasil</strong>, por exemplo – a necessida<strong>de</strong> tanto <strong>de</strong> garantir a<br />

transmissão <strong>de</strong> uma memória nacional legitimada como a <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver a reflexão crítica sobre<br />

essa mesma memória, condição imprescindível para fazer emergir novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> brasilida<strong>de</strong>? Ou, dito <strong>de</strong> outro modo: Como articular o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong><br />

uma forma <strong>de</strong> pensar historicamente e <strong>de</strong> uma memória já acumulada e consagrada pelas gerações<br />

prece<strong>de</strong>ntes? Como reelaborar didaticamente capacida<strong>de</strong> crítica e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> memória?<br />

O que está em jogo, aqui, não é apenas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> do <strong>Brasil</strong><br />

ensinável, mas igualmente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir a sua função formadora no plano cultural e<br />

político. Apesar <strong>de</strong> o Estado Nacional não po<strong>de</strong>r ser mais consi<strong>de</strong>rado como o principal e único<br />

fator dos <strong>de</strong>stinos dos povos e <strong>de</strong> ser necessário reconhecer o enfraquecimento dos laços <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong><br />

a uma cultura nacional – vista como homogênea e estável –, a “possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>ensino</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>História</strong> totalmente liberado do esquema nacional” (Colliot-Thélène, 1997) parece-me dificilmente<br />

concebível e muito menos <strong>de</strong>sejável.<br />

Diferentes presentes históricos constroem diferentes narrativas <strong>de</strong> <strong>História</strong> nacional e do povo<br />

brasileiro. Em cada uma <strong>de</strong>las, diferentes passados são lembrados e ou esquecidos e diferentes<br />

futuros são sonhados. Caberá a cada professor <strong>de</strong> <strong>História</strong> selecionar os conteúdos a serem<br />

ensinados, ingredientes <strong>de</strong> uma intriga possível – acontecimentos, sujeitos, concepção <strong>de</strong> tempo,<br />

conceitos, etc. – <strong>de</strong> forma a permitir a emergência <strong>de</strong> uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> narrativas da brasilida<strong>de</strong>,<br />

contribuindo para a construção <strong>de</strong> um <strong>Brasil</strong> mais plural e inclusivo. O <strong>de</strong>safio é pois, saber como<br />

usar essas armas da narrativida<strong>de</strong> histórica a favor da inclusão das diferenças (<strong>de</strong> posições, <strong>de</strong><br />

29


perspectivas, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s) na interpretação histórica. O <strong>de</strong>safio está posto, o enfrentamento<br />

apenas começando.<br />

Referências Bibliográficas:<br />

COLLIOT-THÉLÉNE, C. I<strong>de</strong>ntité nationale et enseignement <strong>de</strong> l'histoire. In: Revue<br />

Internationale d'éducation. Sèvres: n.13, mar.1997.<br />

D'ALÉSSIO, M. M. Memória: leituras <strong>de</strong> M. Halbwachs e P. Nora. In: Revista <strong>Brasil</strong>eira <strong>de</strong><br />

<strong>História</strong>. São Paulo: Marco Zero, vol.13, n.25/26, set.92/ago.93.<br />

JAMESON, F. Pós-mo<strong>de</strong>rnismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática,<br />

1997.<br />

NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto <strong>História</strong>. São<br />

Paulo, PUC-SP - Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>História</strong>, <strong>de</strong>z. 1993<br />

PERRENOUD, P. Ensinar: agir na urgência e <strong>de</strong>cidir na incerteza, Porto Alegre, Artmed,<br />

2001.<br />

REIS, J. C. Tempo, <strong>História</strong> e Evasão. Campinas: Papirus,1994.<br />

ROUSSO, H. Réflexions sur l'émergence <strong>de</strong> la notion <strong>de</strong> mémoire. In: VERLHAC M. (Org.).<br />

Histoire et Memoire . Genoble: CNDP, 1998.<br />

Nota:<br />

1 Professora da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Doutora em Educação – PUC/RJ.<br />

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Educar para cidadania<br />

Produção <strong>de</strong> <strong>de</strong> saberes nos lugares <strong>de</strong> memória<br />

PROGRAMA 3<br />

LUGARES DE MEMÓRIA<br />

Helena Maria Marques Araújo 1<br />

Nos dias <strong>de</strong> hoje, muito se tem discutido e comentado sobre educação. Em reuniões <strong>de</strong> professores,<br />

em escolas, em universida<strong>de</strong>s e em outros espaços sociais – mídia, jornais, rodas <strong>de</strong> amigos etc. –<br />

são pensados e repensados caminhos para a educação brasileira. Paralelamente, impõe-se a<br />

importância <strong>de</strong> se educar para a cidadania. Mas <strong>de</strong> que tipo <strong>de</strong> cidadania estamos falando? E que<br />

tipo <strong>de</strong> educação <strong>de</strong>sejamos para se chegar a essa cidadania? Qual o papel da escola, da<br />

universida<strong>de</strong>, dos professores e dos espaços <strong>educativos</strong> não-formais nessa educação para a<br />

cidadania?<br />

A função primordial da educação é formar cidadãos capazes <strong>de</strong> gerir sua própria <strong>História</strong>, função<br />

contrária aos interesses neoliberais. Sendo assim, acreditamos que a educação <strong>de</strong>va formar cidadãos<br />

autônomos, capazes <strong>de</strong> atuar como leitores, consumidores e agentes críticos no mundo.<br />

Este texto preten<strong>de</strong> refletir sobre a produção <strong>de</strong> conhecimento nos espaços <strong>educativos</strong> não-formais,<br />

especialmente nos museus. Preten<strong>de</strong>mos enfatizar a importância <strong>de</strong> se estreitar laços entre as<br />

práticas escolares e os lugares <strong>de</strong> preservação da memória.<br />

Breve histórico sobre os museus<br />

“Os museus po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados reflexos <strong>de</strong> concepções <strong>de</strong> ciência vigentes em <strong>de</strong>terminados momentos<br />

históricos.”<br />

Marandino, Museu e escola: parceiros na Educação científica do cidadão. In: CANDAU (org.).<br />

Reinventar a escola, 2000, p. 190.<br />

31


Os estudiosos dos museus afirmam que estes possuem um caráter educacional vinculado à sua<br />

própria origem, logo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início se configuravam como espaços <strong>de</strong> pesquisa e <strong>ensino</strong>.<br />

Nos séculos XV e XVI, os Gabinetes <strong>de</strong> Curiosida<strong>de</strong>s, por exemplo, não tinham preocupação<br />

científica ao expor os fragmentos da natureza. Apresentavam um conhecimento enciclopédico.<br />

Somente ao final do século XVIII o enciclopedismo acaba gerando uma preocupação educativa do<br />

museu.<br />

A partir do século XIX, os Gabinetes foram substituídos pelos museus científicos. Estes refletiam a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação do mundo natural e <strong>de</strong> organização das coleções.<br />

O processo <strong>de</strong> mudança da relação do público com o museu foi bem <strong>de</strong>vagar e até 1914 os museus<br />

não foram espaços <strong>de</strong>mocráticos ou em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização.<br />

Somente no século XX se proliferaram museus que queriam divulgar as coleções com base em<br />

propósitos mais populares, aumentando, assim, a popularização do saber dos museus, especialmente<br />

na França. Cabe lembrar que isto não atinge, <strong>de</strong> forma uniforme, todos os tipos <strong>de</strong> museu, sem<br />

dúvida os museus <strong>de</strong> ciência e tecnologia tiveram um papel prepon<strong>de</strong>rante no estreitamento das<br />

relações museu-escola.<br />

Nas últimas décadas, um dos alicerces da nova museologia é a questão educacional. Os anos 80<br />

serão marcantes na história dos museus <strong>de</strong> ciência do <strong>Brasil</strong>, <strong>de</strong>vido à preocupação e busca por uma<br />

função educativa. Por exemplo, po<strong>de</strong>ríamos citar nesta linha o Museu do Instituto Butantã, em São<br />

Paulo, <strong>de</strong>ntre outros.<br />

Também nos anos 80 proliferaram os chamados “museus vivos ou interativos”. Atualmente, eles<br />

sofrem críticas no <strong>Brasil</strong> e no mundo inteiro.<br />

Com certeza, os museus e Centros <strong>de</strong> Ciência ainda têm muito a ensinar aos museus <strong>de</strong> <strong>História</strong>.<br />

Porém, sabemos que, ao longo dos séculos e <strong>de</strong> forma lenta, os museus, <strong>de</strong> uma forma geral, foram<br />

alcançando um maior público e se <strong>de</strong>mocratizando no acesso.<br />

32


Memória, museu e escola<br />

“Hoje, a função da memória é o conhecimento do passado que se organiza. Or<strong>de</strong>na o tempo, localiza<br />

cronologicamente. Na aurora da civilização grega, ela era vidência e êxtase.” (Bosi, Memória e<br />

socieda<strong>de</strong>, 1979, p. 89)<br />

Como nos afirma no trecho acima Ecléa Bosi, a função da memória hoje é o conhecimento do<br />

passado. Porém, conceituar memória é crucial, complexo e nos levaria a um trabalho sem fim. É<br />

importante, então, minimamente, enten<strong>de</strong>rmos que um dos meios <strong>de</strong> se chegar aos problemas do<br />

tempo e da história é através do estudo da memória social E são os espaços ditos <strong>de</strong> memória, on<strong>de</strong><br />

se preten<strong>de</strong> preservar o passado para auxiliar a enten<strong>de</strong>r e participar do presente, que nós iremos<br />

abordar neste texto.<br />

Como já afirmamos na nossa proposta pedagógica, na perspectiva dos Estudos Culturais, segundo<br />

Tomaz Ta<strong>de</strong>u da Silva (1999), a cultura é pedagógica e a pedagogia é cultural.<br />

“Tal como a educação, as outras instâncias culturais também são pedagógicas, também têm uma<br />

‘pedagogia', também ensinam alguma coisa. Tanto a educação quanto a cultura em geral estão<br />

envolvidas em processos <strong>de</strong> transformação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e da subjetivida<strong>de</strong>.” (SILVA, 1999, p.139)<br />

A escola é o espaço formal da construção/transmissão do conhecimento, existindo pois, outros<br />

espaços <strong>de</strong> saber que também educam – espaços não-formais <strong>de</strong> educação – que são os museus,<br />

arquivos, programas <strong>de</strong> televisão e/ou rádio (<strong>educativos</strong> ou apenas <strong>de</strong> lazer), filmes, peças <strong>de</strong> teatro,<br />

músicas, espaços <strong>de</strong> exposições etc.<br />

Todos esses lugares – como os museus, arquivos etc. – possuem cultura própria, ou seja, apresentam<br />

<strong>de</strong>terminadas especificida<strong>de</strong>s. O museu é um espaço social particularmente diferente da escola.<br />

Segundo Marandino (2000), são espaços marginais <strong>de</strong> educação, daí esta autora nos afirmar a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se construir uma pedagogia museográfica, ou seja, uma pedagogia dos museus.<br />

Estes são espaços fundamentais <strong>de</strong> educação não-formal.<br />

Cada vez mais aumentam as pesquisas que procuram enten<strong>de</strong>r os museus como espaços <strong>educativos</strong>.<br />

Atualmente, o público é o elemento central para a elaboração das exposições e programas culturais<br />

e educacionais oferecidos nos museus.<br />

33


Nesses espaços <strong>educativos</strong> não-formais, percebemos que os temas são oferecidos aos alunos <strong>de</strong><br />

forma interdisciplinar, po<strong>de</strong>ndo ampliar o universo cultural dos visitantes.<br />

Nos últimos anos, alguns pesquisadores estão se <strong>de</strong>dicando ao estudo das possibilida<strong>de</strong>s e caminhos<br />

educacionais nos museus <strong>de</strong> ciência. Tais estudos estão se esten<strong>de</strong>ndo aos museus <strong>de</strong> história,<br />

antropologia e ciências afins. Em todos eles percebemos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se construir e/ou<br />

aprimorar uma pedagogia museográfica pautada e adaptada em conceitos <strong>de</strong> transposição didática<br />

ou <strong>de</strong> recontextualização.<br />

Segundo Marandino, alguns autores têm procurado diferenciar escolas e museus frisando as<br />

particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses espaços <strong>educativos</strong>. Essa autora apresenta um quadro-síntese<br />

(2000, p. 202) baseado em algumas diferenças propostas por Allard et alii (1996). Fizemos uma<br />

nova diagramação para apresentar tal quadro. Para entendê-lo, relacione-o quanto ao:<br />

- objeto: na escola, <strong>de</strong>ve instruir e educar; já nos museus <strong>de</strong>ve recolher, conservar, expor e estudar;<br />

- cliente: na escola ele é cativo e estável, por outro lado, no museu é livre e passageiro;<br />

- ativida<strong>de</strong>: fundada no livro e na palavra na escola; já no museu, fundada no objeto;<br />

- programa: na escola é imposto, po<strong>de</strong> fazer diferentes interpretações da lei, mas <strong>de</strong>ve ser fiel a ela;<br />

no museu, as exposições são próprias ou itinerantes e suas ativida<strong>de</strong>s pedagógicas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sua<br />

coleção;<br />

- tempo: na escola, <strong>de</strong> um ano; no museu <strong>de</strong> 1 a 2 horas.<br />

Urge que cada vez mais a escola use esses espaços <strong>educativos</strong> alternativos, através das visitas<br />

pedagógicas e das ações <strong>de</strong> parcerias.<br />

É preciso que inovemos em nossas aulas, que utilizemos outros espaços além daqueles da escola. A<br />

aula reprodutiva reduz o aluno, não permite a formação <strong>de</strong> sua autonomia, já que apresenta mo<strong>de</strong>los<br />

34


prontos, repetitivos e <strong>de</strong>scolados <strong>de</strong> sua vivência real. Apren<strong>de</strong>r é construir e reconstruir o<br />

conhecimento, elaborando e exercendo a autonomia <strong>de</strong> sujeito histórico. Crianças e jovens <strong>de</strong>vem<br />

ser partícipes ativos <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong>, gerando a transformação social e política da mesma. Logo,<br />

precisamos reinventar a escola comprometida com uma cidadania participativa e <strong>de</strong>mocrática,<br />

ampliando e vencendo os seus próprios “muros”.<br />

Como já vimos, a escola e o museu têm diferentes propostas e são diferentes espaços educacionais.<br />

A escola é o espaço privilegiado <strong>de</strong> aquisição do saber hegemônico. É o lugar central como espaço<br />

<strong>de</strong> educação.<br />

Já no espaço do museu se produz um saber próprio, o saber museal. Logo, a relação dos sujeitos<br />

com a produção e aquisição do saber no museu também é diferente. Daí, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem<br />

criados mo<strong>de</strong>los pedagógicos próprios.<br />

Ainda segundo Marandino, no <strong>Brasil</strong>, existem diversos programas educacionais proporcionados<br />

pelos museus <strong>de</strong> ciência, em parceria com as escolas, e po<strong>de</strong>ríamos agrupá-los em:<br />

• Programas <strong>de</strong> atendimentos a visitas escolares, por exemplo: no Museu <strong>de</strong> Astronomia e Ciências<br />

Afins – MAST/CNPq (Rio <strong>de</strong> Janeiro), no Museu da Vida da FIOCRUZ (Rio <strong>de</strong> Janeiro) e na<br />

Estação Ciência da USP (São Paulo);<br />

• Programas <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Professores: no Espaço Ciência <strong>de</strong> Olinda (Pernambuco), no Museu <strong>de</strong><br />

Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong>ntre outros;<br />

• Programas <strong>de</strong> Produção <strong>de</strong> Material para Empréstimo: nos Museus <strong>de</strong> Zoologia, <strong>de</strong> Anatomia<br />

Veterinária e <strong>de</strong> Oceanografia da USP etc.<br />

Antes <strong>de</strong> finalizar, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> abordar rapidamente – já que teremos um outro texto que<br />

tratará especificamente <strong>de</strong>sse tema – a formação <strong>de</strong> professores. Faz-se necessário <strong>de</strong>svelar o<br />

horizonte universitário e pedagógico para a utilização dos espaços <strong>educativos</strong> alternativos. Assim<br />

sendo, enten<strong>de</strong>mos ser necessário uma atenção especial à formação inicial dos professores.<br />

35


Deve-se aproveitar o preconizado pelas novas Diretrizes Curriculares para Formação <strong>de</strong><br />

Professores, particularmente a ampliação da carga horária das práticas <strong>de</strong> <strong>ensino</strong> e estágio, para<br />

estabelecer a diversificação dos campos <strong>de</strong> estágio curricular, incluindo os campos <strong>educativos</strong> não-<br />

formais.<br />

Conclusão<br />

Segundo Marandino (2000), não se trata <strong>de</strong> opor o museu à escola, mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir as especificida<strong>de</strong>s<br />

relacionadas ao lugar, ao tempo e aos objetos no espaço do museu, o que é essencial e que <strong>de</strong>ve ser<br />

incluído na formação <strong>de</strong> educadores numa didática <strong>de</strong> museu. Nesse sentido, penso que po<strong>de</strong>ríamos,<br />

com as suas <strong>de</strong>vidas proporções e particularida<strong>de</strong>s, ampliar esse entendimento não só para os<br />

museus, como para outros espaços <strong>educativos</strong> não-formais em geral, como o <strong>de</strong> exposições,<br />

arquivos públicos, centros culturais etc.<br />

Quando os professores procuram os museus querem e <strong>de</strong>sejam encontrar um lugar alternativo à<br />

aprendizagem, além <strong>de</strong> se <strong>de</strong>pararem com temas apresentados <strong>de</strong> forma interdisciplinar. Isto é<br />

fundamental para que possamos pensar que precisamos ampliar a parceria dos museus com as<br />

universida<strong>de</strong>s, secretarias municipais e estaduais para a realização <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

professores em todos os níveis. Além disso, é muito importante a implantação <strong>de</strong> pesquisas nos<br />

museus e investigações sobre a relação museus/espaços culturais e escola. Esses estudos darão<br />

subsídios maiores aos programas <strong>educativos</strong> e culturais <strong>de</strong>senvolvidos nessas instituições para que<br />

se estabeleça uma parceria museu/escola. Para que isto aconteça, há que se admitir e estudar<br />

previamente a existência <strong>de</strong> uma cultura escolar e <strong>de</strong> uma cultura museal.<br />

Marandino afirma que se encontra em construção uma pedagogia museal, que respeite as<br />

particularida<strong>de</strong>s do museu e também, consi<strong>de</strong>re as reflexões teóricas e práticas que se acumulam há<br />

muitos anos na escola. Com certeza, os museus <strong>de</strong> ciência e Centros <strong>de</strong> Ciência, que estão com esse<br />

tipo <strong>de</strong> trabalho bem mais encaminhado, terão muito a ensinar aos museus <strong>de</strong> <strong>História</strong> no plano da<br />

dimensão educacional.<br />

36


BIBLIOGRAFIA:<br />

ALLARD, M. et alii. La Visite au Musé. In: Réseau. Canadá, déc. 1995/jan. 1996.<br />

BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala <strong>de</strong> aula. São Paulo: Contexto, 1997.<br />

BOSI, Ecléa. Memória e Socieda<strong>de</strong>: lembranças <strong>de</strong> velhos. São Paulo: T. A. Queiróz, 1979.<br />

CANDAU, Vera Maria. Pluralismo cultural, cotidiano escolar e formação <strong>de</strong> professores. In:<br />

CANDAU, Vera Maria (org.). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.<br />

____________________ (org.). Reinventar a escola. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000.<br />

_____________________(org.). Socieda<strong>de</strong>, educação e cultura(s): questões e propostas.<br />

Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.<br />

DEMO, Pedro. Ironias da Educação - Mudança e contos sobre mudança. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

DP&A ed., 2000.<br />

LE GOFF, Jacques. Calendário. In: Enciclopédia Einaundi. Memória- <strong>História</strong>, v. 1, 1990.<br />

MARANDINO, Martha. Museu e escola: parceiros na Educação científica do cidadão. In:<br />

CANDAU, Vera Maria (org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2000.<br />

SILVA, Tomaz Ta<strong>de</strong>u da. Documentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>; uma introdução às teorias do currículo .<br />

Belo Horizonte: Autêntica, 1999.<br />

Nota:<br />

1 Mestre em Educação - PUC-Rio. Professora Assistente <strong>de</strong> <strong>História</strong> do CAP/UERJ<br />

e <strong>de</strong> Prática <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> do Departamento <strong>de</strong> <strong>História</strong> da UERJ.<br />

Professora <strong>de</strong> <strong>História</strong> da re<strong>de</strong> particular <strong>de</strong> <strong>ensino</strong>. Consultora <strong>de</strong>ssa série.<br />

37


PROGRAMA 4<br />

ESPAÇOS PÚBLICOS DE MEMÓRIA<br />

Sons <strong>de</strong> tambores na nossa memória – o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> história africana e afro-brasileira<br />

Mônica Lima 1<br />

“À volta da fogueira,<br />

os mais velhos disseram<br />

vão então caçar nuvens<br />

que já fogem <strong>de</strong> nossos olhos.<br />

Nós pedimos um guia<br />

armas, munições<br />

e farnel para a longa jornada.<br />

Mas eles sorriram<br />

terão <strong>de</strong> levar apenas<br />

estes sons <strong>de</strong> tambores<br />

na memória.”<br />

(Caçadores <strong>de</strong> Nuvens , do poeta angolano João Melo)<br />

A aprovação da Lei n. 10.639 <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2003, que tornou obrigatório o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />

da África e da <strong>História</strong> dos africanos nas escolas <strong>de</strong> todo o país, além <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a uma antiga e<br />

justa reivindicação, trouxe uma série <strong>de</strong> conseqüências para o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong>sta área/disciplina em sua<br />

totalida<strong>de</strong> e para a formação dos profissionais que atuam no magistério, em especial aqueles <strong>de</strong>sta<br />

área específica – a <strong>História</strong>. As mudanças ocasionadas pela citada Lei ainda estão em processo. E<br />

não influenciarão apenas os educadores. Elas po<strong>de</strong>m trazer resultados para o amplo grupo que<br />

preten<strong>de</strong>m atingir. Crianças e adolescentes, jovens e adultos entrarão em contato com o tema. O<br />

alcance das transformações po<strong>de</strong> ser gran<strong>de</strong> – e muito positivo. E elas po<strong>de</strong>rão ser aceleradas ou<br />

adquirirem um ritmo mais lento, conforme a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> setores interessados intervirem no<br />

processo. O impacto da medida merecerá certamente estudos aprofundados, preferencialmente<br />

tendo como base dados vindos <strong>de</strong> diferentes partes do país, com suas diversas experiências.<br />

O <strong>ensino</strong>-aprendizagem <strong>de</strong>stes conteúdos abre muitas perspectivas para o trabalho com espaços<br />

<strong>educativos</strong> não-formais. Museus, centros culturais, sítios históricos (tombados ou não) são lugares<br />

<strong>de</strong> memória e objetos <strong>de</strong> estudo e <strong>de</strong> sensibilização para a aprendizagem por excelência. Os<br />

exemplos são os mais diversos, se pensarmos em termos <strong>de</strong> <strong>Brasil</strong>: igrejas, casas <strong>de</strong> cultura,<br />

terreiros, espaços públicos <strong>de</strong> reunião e festejos também são locais para se apren<strong>de</strong>r e ensinar a<br />

38


história afro-brasileira.<br />

E, se pensarmos no nosso patrimônio imaterial, este universo se amplia ainda mais: histórias, contos<br />

populares, contos infantis <strong>de</strong> matriz africana e/ou afro-brasileira, cantigas, canções <strong>de</strong> festas<br />

religiosas populares (assim como a Congada, por exemplo) po<strong>de</strong>m tornar-se um mote e o próprio<br />

objeto <strong>de</strong> estudo, trazendo viva a africanida<strong>de</strong> da cultura brasileira. Além <strong>de</strong>stes <strong>de</strong> caráter mais<br />

geral, estão presentes, em diversas <strong>de</strong> nossas comunida<strong>de</strong>s, os mais velhos que po<strong>de</strong>m relembrar e<br />

trazer para nossos alunos muito <strong>de</strong>ste patrimônio em momentos <strong>de</strong> congraçamento e aprendizagem.<br />

Só para lembrar: não importa nossa origem familiar: todos nós, brasileiros, carregamos ‘áfricas'<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós. Essas ‘áfricas' (no plural, pois são múltiplas) são e foram permanentemente<br />

reinventadas aqui no <strong>Brasil</strong>, mas revelam sua profunda origem a cada momento: no vocabulário<br />

(moleque, quitanda, cafuné, cocada, entre tantas palavras – vale uma pesquisa!), nos costumes, na<br />

expressão <strong>de</strong> fé, na comida.<br />

Todos estes aspectos convergem para a abertura <strong>de</strong> muitas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalhar com o <strong>ensino</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>História</strong> em espaços não-formais e em situações não-formais. Estes lugares e momentos<br />

certamente enriquecerão nossos estudos e a aprendizagem que com eles se viabiliza.<br />

Estaremos lidando com uma matéria-prima fascinante e <strong>de</strong>licada: os diversos matizes da nossa<br />

formação cultural, a memória dos nossos ancestrais e, especialmente, suas heranças, tão longamente<br />

invisibilizadas. Todo o cuidado será sempre pouco para não resvalarmos pelas trilhas aparentemente<br />

fáceis do maniqueísmo, da simplificação e da folclorização. Vamos pensar, então, na prevenção<br />

<strong>de</strong>stes perigosos males que po<strong>de</strong>m enfraquecer nossa percepção e nos distanciar dos nossos<br />

objetivos. Alguns <strong>de</strong>stes cuidados po<strong>de</strong>m parecer óbvios, mas muitas vezes o aparentemente óbvio<br />

merece ser re-visto e re-visitado , para refletirmos sobre ele.<br />

Vamos lá...<br />

• Os africanos e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes nascidos da diáspora no Novo Mundo (as Américas, incluindo o<br />

<strong>Brasil</strong>) eram seres humanos, dotados <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sejos, ímpetos, valores. Eram também<br />

39


seres contraditórios, <strong>de</strong>ntro da sua humanida<strong>de</strong>. Tinham seus interesses, seu olhar sobre si mesmos e<br />

sobre os outros. Tinham suas experiências <strong>de</strong> vida – vinham muitas vezes <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s não-<br />

igualitárias nem equânimes na África ou nasciam aqui em plena escravidão. Não há como<br />

uniformizar atitu<strong>de</strong>s, condutas e posturas e i<strong>de</strong>alizarmos um negro sempre ao lado da justiça e da<br />

solidarieda<strong>de</strong>. O que po<strong>de</strong>mos e <strong>de</strong>vemos ressaltar são os exemplos <strong>de</strong>stes valores <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>,<br />

presentes em muitos, e injustamente negados e tornados invisíveis pela socieda<strong>de</strong> dominante,<br />

durante tanto tempo. Mas sugerimos, veementemente, evitar dividir o mundo em ‘brancos maus' e<br />

‘negros bons', o que não ajuda a percebermos o caráter complexo dos grupos humanos. A idéia é<br />

valorizar o positivo, mas sem i<strong>de</strong>alizar.<br />

• O nosso <strong>de</strong>sconhecimento sobre a história e a cultura dos africanos e dos seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes no<br />

<strong>Brasil</strong> e nas Américas po<strong>de</strong> fazer muitas vezes com que optemos por utilizar esquemas<br />

simplificados <strong>de</strong> explicação para um fenômeno tão multifacetado quanto a construção do racismo<br />

entre nós. O racismo é um fenômeno que influiu e influi nas mentalida<strong>de</strong>s, num modo <strong>de</strong> agir e <strong>de</strong><br />

ver o mundo. E as diferentes socieda<strong>de</strong>s interagiram com ele <strong>de</strong> diversas maneiras – o <strong>Brasil</strong> não<br />

tem a mesma história <strong>de</strong> relações raciais que os Estados Unidos, para usar um exemplo clássico. No<br />

entanto, durante muito tempo se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a idéia <strong>de</strong> que aqui não havia discriminação e, ainda, que<br />

o que separava as pessoas era ‘apenas' sua condição social. Hoje, não só vemos pelos dados da<br />

<strong>de</strong>mografia da pobreza brasileira que ela tem uma inequívoca marca <strong>de</strong> cor, como sabemos que um<br />

olhar mais atento à <strong>História</strong> e à vida dos afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes no país revela a nossa convivência<br />

permanente com o preconceito e seus efeitos perversos. Mas, para po<strong>de</strong>rmos enxergar isso, tivemos<br />

que ouvir relatos, ver dados e enten<strong>de</strong>r como foi esta <strong>História</strong>. Só assim pu<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>snaturalizar as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e ver a face hostil do nosso ‘racismo envergonhado'. O que isto quer dizer? Que<br />

<strong>de</strong>vemos nos <strong>de</strong>dicar ao tema: estudar, ler, nos informar, sempre e mais. Afinal, o que está em jogo<br />

é bem mais que a nossa competência profissional, é o nosso compromisso com um país mais justo e<br />

com um mundo melhor para todos e todas.<br />

Nós nos acostumamos a ver as manifestações culturais <strong>de</strong> origem africana confinadas ao reduto do<br />

chamado ‘folclore'. Este conceito <strong>de</strong> folclore, que remete às tradições e práticas culturais populares,<br />

não tem em si nenhum aspecto que o <strong>de</strong>squalifique, mas o olhar que foi estabelecido sobre o que<br />

chamamos <strong>de</strong> ‘manifestações folclóricas', sim. E, sobretudo no mundo contemporâneo, em que a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> está repleta <strong>de</strong> significados positivos, o folclore e o popular se i<strong>de</strong>ntificam não poucas<br />

40


vezes com o atraso – algo curioso, exótico, porém <strong>de</strong> menos valor. Logo, se não problematizarmos a<br />

inserção da cultura africana neste registro, correremos o risco <strong>de</strong> não criar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nem<br />

estimular o orgulho <strong>de</strong> a ela pertencermos. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>smistificar a idéia <strong>de</strong> folclore presente no<br />

senso comum e, também, mostrar o quão complexa e sofisticada é a nossa cultura negra brasileira.<br />

Envolve saberes, técnicas e toda uma elaboração mental para ser construída e se expressar. E, assim<br />

como nós, está em permanente mudança e não é nada óbvia.<br />

Além <strong>de</strong>stes três cuidados básicos <strong>de</strong> caráter geral, há outros dados sobre os quais <strong>de</strong>vemos refletir<br />

e estar sempre atentos:<br />

• A África é um amplo continente, em que vivem e viveram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os princípios da humanida<strong>de</strong><br />

(afinal, segundo pesquisas, foi na região on<strong>de</strong> atualmente se localiza o Continente Africano que a<br />

humanida<strong>de</strong> surgiu), grupos humanos diferentes, com línguas, costumes, tradições, crenças e<br />

maneiras <strong>de</strong> ser próprias, construídas ao longo <strong>de</strong> sua <strong>História</strong>. Referir-se a “o africano” ou “a<br />

africana”, como uma idéia no singular é um equívoco. Po<strong>de</strong>mos até utilizar estes termos quando<br />

tratarmos <strong>de</strong> processos históricos vividos por diversos nativos da África, mas sempre sabendo que<br />

não se trata <strong>de</strong> um todo homogêneo e sim <strong>de</strong> uma idéia genérica que inclui alguns indivíduos, em<br />

situações muito específicas. Por exemplo: po<strong>de</strong>mos dizer “o tráfico <strong>de</strong> escravos africanos” – ou<br />

seja, estamos nos referindo à ativida<strong>de</strong> econômica cujas mercadorias eram indivíduos nativos da<br />

África, conhecido nos seus anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>clínio como “o infame comércio”. Nestes tipos <strong>de</strong> caso, vale<br />

dizer, <strong>de</strong> um modo geral, ‘africanos' ou ‘negros africanos'. Mas, <strong>de</strong>vemos evitar atribuir a estas<br />

pessoas qualida<strong>de</strong>s comuns, como se fossem tipos característicos.<br />

• Um dos preconceitos mais comuns, quanto aos africanos e afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, é com relação às<br />

suas práticas religiosas e um suposto caráter maligno contido nestas. Este tipo <strong>de</strong> afirmação não<br />

resiste ao confronto com nenhum dado mais consistente <strong>de</strong> pesquisa sobre as religiões africanas e<br />

sobre a maioria das religiões afro-brasileiras. Por exemplo: não há a figura do diabo nas religiões da<br />

África tradicional nem <strong>de</strong> nenhum ser ou entida<strong>de</strong> que personifique todo o Mal. As divinda<strong>de</strong>s<br />

africanas e suas <strong>de</strong>rivadas no <strong>Brasil</strong>, em geral, se encolerizam se não forem cultuadas e<br />

consi<strong>de</strong>radas, e po<strong>de</strong>m vingar-se; mas jamais agem para o mal <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos agentes<br />

humanos que a elas <strong>de</strong>mandam. O gran<strong>de</strong> adversário das “forças do Bem” não existe, não há este<br />

po<strong>de</strong>r em nenhum ente do sagrado africano, a não ser naquelas religiões influenciadas pelo<br />

41


monoteísmo cristão, ou pelo monoteísmo islâmico. Não é certo consi<strong>de</strong>rar Elegbará, Elegbá, Exu,<br />

como um <strong>de</strong>mônio ou seu representante. Exu é o mensageiro, o embaixador dos pedidos humanos<br />

aos orixás, e exige seu pagamento pelo serviço e se aborrece se não for atendido. Mas não tem<br />

nenhuma malda<strong>de</strong> congênita, como nenhuma outra divinda<strong>de</strong> do panteão africano.<br />

Como vimos, toda a atenção é necessária e o exercício permanente que fazemos <strong>de</strong> ouvir pessoas e<br />

valorizar saberes não nos <strong>de</strong>ve eximir <strong>de</strong> estarmos atentos às armadilhas do senso comum. E no<br />

mais, <strong>de</strong>ixemo-nos encantar pela história africana e afro-brasileira, porque, como bem sabemos, a<br />

aprendizagem se dá pela rota da sensibilida<strong>de</strong>, e nada melhor que a via do afeto para (re)ver<br />

preconceitos. Esta é a perspectiva amorosa <strong>de</strong> trabalho que valorizamos: que inclui respeito à<br />

diferença, que convoca e se propõe à participação, e que atua cooperativa e solidariamente.<br />

BIBLIOGRAFIA:<br />

BÂ, Amadou Hampate. Amkouell, o menino fula. São Paulo: Palas Athena/Casa das Áfricas,<br />

2003.<br />

BELUCCI, Beluce. Introdução à <strong>História</strong> da África e da Cultura Afro-<strong>Brasil</strong>eira. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: CEAA - UCAM/CCBB, 2003.<br />

CANEN, Ana. “Relações raciais e currículo. Reflexões a partir do multiculturalismo”. In:<br />

Ca<strong>de</strong>rnos Pedagógicos PENESB, n. 3, Niterói: Editora da UFF, 2001. p.65-77.<br />

HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala <strong>de</strong> aula. Visita à <strong>História</strong> Contemporânea. São<br />

Paulo: Selo Negro, 2005.<br />

LIMA, Mônica. “A África na sala <strong>de</strong> aula”. In: Nossa <strong>História</strong> n. 4, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fundação<br />

Biblioteca Nacional, 2004. p.84-87.<br />

LIMA, Mônica: “Fazendo soar os tambores: o <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> da África e dos africanos no<br />

<strong>Brasil</strong>”. In: Ca<strong>de</strong>rnos Pedagógicos PENESB n. 4,. Niterói: Editora da UFF, 2004. p.65-77.<br />

MATTOS, Hebe. “O <strong>ensino</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> e a luta contra a discriminação racial no <strong>Brasil</strong>”. In:<br />

ABREU, Martha e SOHIET, Rachel. Ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong>. Conceitos, temáticas e Metodologia.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: FAPERJ/Casa da Palavra, 2003. p.127-136.<br />

OLIVA, An<strong>de</strong>rson Ribeiro. “A <strong>História</strong> da África nos bancos escolares. Representações e<br />

imprecisões da literatura didática”. In: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, nº 3, 2003. p. 421-<br />

461.<br />

OLIVER, Roland. A experiência africana. Da Pré-<strong>História</strong> aos dias atuais. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Jorge Zahar Editor, 1994.<br />

42


PANTOJA, Selma (org.). Entre Áfricas e <strong>Brasil</strong> . Brasília: Paralelo 15, 2001.<br />

_______________ & ROCHA, Maria José (orgs.). Rompendo silêncios. <strong>História</strong> da África<br />

nos currículos da Educação Básica. Brasília: DP Comunicações, 2004.<br />

PRIORE, Mary <strong>de</strong>l e VENÂNCIO, Renato (orgs.). Ancestrais: uma introdução à história da<br />

África Atlântica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 2004.<br />

SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza. Episódios <strong>de</strong> história afro-brasileira . Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

DPA/FASE, 2005.<br />

SECAD (Secretaria <strong>de</strong> Educação Continuada, Alfabetização e Diversida<strong>de</strong>) - Ministério da<br />

Educação. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Fe<strong>de</strong>ral 10.639/03. Brasília:<br />

MEC-SECAD, 2005.<br />

______________________. Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas. Brasília:<br />

MEC-SECAD, 2005.<br />

SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 2ªed.<br />

______________________ . A manilha e o libambo. A África e a escravidão, <strong>de</strong> 1500 a 1700<br />

. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002.<br />

SILVA, Ana Célia da. A discriminação do negro no livro didático. Salvador: Centro Editorial<br />

Didático/Centro <strong>de</strong> Estudos Afro-Orientais (CEAO), 1995.<br />

THORNTON, J. A África e os africanos na formação do mundo atlântico. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Campus/Elsevier, 2004.<br />

Nota:<br />

1 Professora <strong>de</strong> <strong>História</strong> do CAP- UFRJ, <strong>de</strong> <strong>História</strong> da África nos cursos <strong>de</strong> Pós-<br />

Graduação do Programa <strong>de</strong> Estudos sobre o Negro na Socieda<strong>de</strong> <strong>Brasil</strong>eira da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense (PENESB/UFF) e do Centro <strong>de</strong> Estudos Afro-<br />

Asiáticos da Universida<strong>de</strong> Cândido Men<strong>de</strong>s(UCAM/RJ). Doutoranda em <strong>História</strong> na<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense(UFF).<br />

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PROGRAMA 5<br />

ESPAÇOS EDUCATIVOS NÃO-FORMAIS E FORMAÇÃO DE<br />

PROFESSORES<br />

Para além do formar professores, professores, dialogar com as experiências vividas vividas<br />

Elison Antonio Paim 1<br />

Acabaram almejando fazer do homem um produto objetivo, negando-lhe a historicida<strong>de</strong> e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

produção autônoma. (Manoel S. Matos).<br />

Pretendo aqui problematizar, através <strong>de</strong> historicização, como a racionalida<strong>de</strong> técnica instrumental<br />

“formou” e continua “formando” professores e professoras i<strong>de</strong>alizados para um dado mo<strong>de</strong>lo<br />

pautado na hierarquização e na reprodução <strong>de</strong> conteúdos prontos, <strong>de</strong>slocados das experiências<br />

vividas por eles e seus alunos. Num segundo momento, pautado em minha experiência como<br />

professor da Prática <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> e formação continuada <strong>de</strong> professores, aponto algumas<br />

consi<strong>de</strong>rações procurando ir além da perspectiva <strong>de</strong> “formação” pensando que há um fazer-se, um<br />

construir-se dos professores e professoras <strong>de</strong> forma relacional com outros sujeitos. Parto do<br />

pressuposto <strong>de</strong> que, nós acadêmicos, precisamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> olhar para ou sobre o professor e sim<br />

dialogarmos <strong>de</strong>ntro das diferenças e especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nossos saberes.<br />

Com o avanço da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> capitalista, sobretudo a partir da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, a<br />

ciência e a técnica passaram a agir em conjunto, tentando controlar, racionalizar, medir, comprovar,<br />

avaliar as ações humanas. Acabaram almejando fazer do homem um produto objetivo, negando-lhe<br />

a historicida<strong>de</strong> e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção autônoma, gerando a racionalida<strong>de</strong> técnica instrumental.<br />

A técnica associou-se ao fazer e a ciência ao como fazer . A técnica não se resume à invenção e ao<br />

uso <strong>de</strong> instrumentos; caracteriza-se por uma intencionalida<strong>de</strong>, ou seja, há uma pre<strong>de</strong>terminação na<br />

elaboração e usos da técnica, justificável a partir da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aperfeiçoamento das ações<br />

humanas.<br />

As artes <strong>de</strong> fazer, as técnicas, estão divididas em diferentes aspectos e princípios. Por um lado, estão<br />

voltadas para aqueles que explicam tudo pela técnica, as chamadas ciências exatas e, por outro, para<br />

aqueles que relativizam <strong>de</strong>terminados aspectos, ou percebem que nem tudo é possível <strong>de</strong> ser<br />

44


explicado tecnicamente, que são as ciências humanas.<br />

Num tempo em que já não era possível manter-se assentada na idéia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stino natural, <strong>de</strong> uma<br />

leitura “provi<strong>de</strong>ncialista da realida<strong>de</strong>”, a educação, como ciência, foi se tornando cada vez mais<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das condições sociais, culturais, políticas e econômicas vigentes. Dessa forma, ocorreu<br />

uma nítida divisão entre os produtores e os consumidores do conhecimento produzido. Em muitos<br />

casos, ocorreu a mecanização do pensamento, a tentativa <strong>de</strong> negação do mundo das experiências<br />

vividas. O conhecimento em geral e, especialmente, o conhecimento do professor foi sendo<br />

reduzido à técnica. Houve gran<strong>de</strong> preocupação com a objetivida<strong>de</strong> do conhecimento produzido e,<br />

assim, foi separado do significado humano, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser analisado, questionado e negociado<br />

para se tornar administrado e dominado.<br />

A racionalida<strong>de</strong> técnica instrumental impôs uma relação <strong>de</strong> subordinação dos níveis mais aplicados<br />

e próximos da prática aos níveis mais abstratos <strong>de</strong> produção do conhecimento, ao mesmo tempo em<br />

que se acentuam as condições para o isolamento dos profissionais. Esse mo<strong>de</strong>lo foi ressignificado<br />

no sistema educacional, no qual a separação ocorre entre os técnicos, administradores,<br />

pesquisadores e os professores.<br />

A racionalida<strong>de</strong> técnica instrumental promoveu uma “autêntica divisão do trabalho” (GÓMEZ,<br />

1998), assentada numa espécie <strong>de</strong> naturalização <strong>de</strong> uma organização do trabalho docente tal como o<br />

mo<strong>de</strong>lo taylorista da organização do trabalho industrial (CORREIA, 1999). Ocorreu a subtração dos<br />

saberes dos atores e, portanto, dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>correntes do uso <strong>de</strong>sses saberes, os professores não<br />

passaram a ser “bonecos <strong>de</strong> ventríloquo” (TARDIF, 2002), aprofundando o fosso que separa os<br />

“actores dos <strong>de</strong>cisores” (NÓVOA, 1992). Os professores, ao ficarem submetidos às estruturas <strong>de</strong><br />

racionalização <strong>de</strong> seu trabalho, ten<strong>de</strong>m a tornarem-se cada vez mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do conhecimento<br />

especializado, as técnicas <strong>de</strong> <strong>ensino</strong>.<br />

A mesma hierarquização do conhecimento fez-se presente entre os professores. O professor<br />

universitário foi concebido como pesquisador construtor do conhecimento. Quanto ao professor da<br />

escola fundamental e média, <strong>de</strong>finiu-se que sua função é ensinar o conhecimento produzido na<br />

universida<strong>de</strong>. Dessa forma, os professores da escola <strong>de</strong>sempenham um papel <strong>de</strong> consumidores, não<br />

<strong>de</strong> criadores.<br />

45


Visando aten<strong>de</strong>r aos ditames da hierarquia, da cientificida<strong>de</strong> e da racionalida<strong>de</strong> técnica instrumental,<br />

os cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores foram sendo organizados para formar um professor i<strong>de</strong>al, ou<br />

“bom” professor, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo pré-concebido com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

competências para o exercício técnico-profissional. Esse tipo <strong>de</strong> formação pragmática,<br />

simplificadora e prescritiva acaba sendo <strong>de</strong> abrangência restrita, pois prepara o prático, o tecnólogo,<br />

isto é, aquele que faz, mas não conhece os fundamentos do fazer. Então, são <strong>de</strong>finidas normas,<br />

regras, formas <strong>de</strong> fazer, que serão transmitidas ao futuro professor. A este futuro professor vai sendo<br />

ensinado “o que <strong>de</strong>ve fazer, o que <strong>de</strong>ve pensar, o que <strong>de</strong>ve evitar para a<strong>de</strong>quar a situação educativa<br />

ao mo<strong>de</strong>lo proposto” (ESTEVE, 1991, p.118).<br />

Para atingir o perfil i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> professor , inicialmente, <strong>de</strong>verá ocorrer a construção <strong>de</strong> um cabedal <strong>de</strong><br />

conteúdos capaz <strong>de</strong> “dotá-los <strong>de</strong> recursos oriundos <strong>de</strong> um componente científico-cultural, para<br />

assegurar o conhecimento do conteúdo a ensinar e um componente psicopedagógico, para apren<strong>de</strong>r<br />

a atuar eficazmente na sala <strong>de</strong> aula” (MONTEIRO, 2002, p. 11). Além do componente científico-<br />

cultural, a formação inicial nestes mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong>verá dotar os futuros professores <strong>de</strong> um saber-fazer<br />

prático que conduza ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> esquemas <strong>de</strong> ação que, adquiridos <strong>de</strong> forma racional e<br />

fundamentada, permitam aos professores <strong>de</strong>senvolverem-se e agirem em situações complexas <strong>de</strong><br />

<strong>ensino</strong>. Portanto, a formação da racionalida<strong>de</strong> técnica está assentada no entendimento <strong>de</strong> que a<br />

escola é um campo <strong>de</strong> aplicação.<br />

A formação, utilizada para igualar as práticas e comportamentos para <strong>de</strong>svincular os aspectos<br />

profissionais dos políticos, em que o professor-profissional da educação foi sendo transformado em<br />

um ser apolítico – sem envolvimento, sem participação, sem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e ainda sem<br />

instrumental científico – apresentou-se <strong>de</strong> maneira peculiar na formação dos professores <strong>de</strong> Estudos<br />

Sociais no <strong>Brasil</strong>, durante as décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980. Nesse período, o professor foi submetido a<br />

um treinamento generalizante e superficial, o que conduziria fatalmente a uma <strong>de</strong>formação e a um<br />

esvaziamento <strong>de</strong> seu instrumental científico, <strong>de</strong> modo que não havia necessida<strong>de</strong> em fornecer-lhe<br />

elementos que permitissem analisar e compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> que o cercava. Ele também não<br />

precisava refletir e pensar, <strong>de</strong>veria apenas apren<strong>de</strong>r a transmitir (FENELON, 1994).<br />

O importante para ser um bom professor era dominar o como fazer e não o que fazer, ou para que<br />

fazer. As ativida<strong>de</strong>s do professor acabavam tornando-se instrumentais, <strong>de</strong> treinamento, baseadas na<br />

46


aquisição <strong>de</strong> competências e habilida<strong>de</strong>s, voltadas para a aplicação <strong>de</strong> teorias e técnicas. Des<strong>de</strong><br />

então os professores vinham sendo formados como “um especialista que rigorosamente põe em<br />

prática as regras científicas e/ou pedagógicas” (PEREIRA, 2002), ou ainda, como “tecnólogo do<br />

<strong>ensino</strong>” (VEIGA, 2002). Formados para “serem ensinantes, para transmitir conteúdos, programas,<br />

áreas e disciplinas <strong>de</strong> <strong>ensino</strong>” (ARROYO, 2000). Portanto, o perfil <strong>de</strong> professor <strong>de</strong>sejado para essa<br />

concepção era aquele que <strong>de</strong>veria dominar o saber disciplinar (BOLÍVAR, 2002).<br />

Ao realizar a adoção extremada dos princípios da racionalida<strong>de</strong>, o sistema educacional foi<br />

possibilitando brechas para que os próprios professores, ao resistirem a <strong>de</strong>terminadas imposições,<br />

<strong>de</strong>senvolvessem mecanismos que minaram as estruturas do mo<strong>de</strong>lo, realizando, assim, ativida<strong>de</strong>s<br />

educativas em que alunos e professores tornam-se produtores <strong>de</strong> conhecimento.<br />

O que impe<strong>de</strong> a racionalida<strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> se concretizar plenamente é que as situações <strong>de</strong> <strong>ensino</strong>, por<br />

um lado, são incertas, únicas, variáveis, complexas e portadoras <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> valores na <strong>de</strong>finição<br />

das metas e na seleção dos meios; por outro lado, não existe uma teoria científica única e objetiva,<br />

que permita uma i<strong>de</strong>ntificação unívoca <strong>de</strong> meios, regras e técnicas a utilizar na prática, uma vez<br />

i<strong>de</strong>ntificado o problema e clarificadas as metas. A perspectiva da racionalida<strong>de</strong> técnica é simplista<br />

ao conceber o professor apenas como um canal <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> saberes produzidos por outros.<br />

Isto porque ,<br />

(...) nega a subjetivida<strong>de</strong> e saberes dos professores e dos alunos como agentes no processo educativo,<br />

e parece <strong>de</strong>sconhecer a crise <strong>de</strong> paradigmas no campo do conhecimento científico nas últimas<br />

décadas. A provisorieda<strong>de</strong>, o questionamento das verda<strong>de</strong>s, o pluralismo metodológico, os critérios<br />

<strong>de</strong> validação do conhecimento científico revelam que no mínimo é preciso perguntar que<br />

conhecimento estamos ensinando e queremos ensinar (MONTEIRO, 2002, p. 13).<br />

Embora pareça distante e irreal nos dias <strong>de</strong> hoje, essa perspectiva <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores não<br />

está morta; pelo contrário, ressurge com muita força através <strong>de</strong> iniciativas governamentais, como os<br />

PCN, Diretrizes Curriculares e Propostas Curriculares, que têm sido implantados em vários países,<br />

inclusive no <strong>Brasil</strong>. Essas “mudanças” vêm numa perspectiva <strong>de</strong> reforçar a separação entre os que<br />

pensam e os que fazem, em que o professor i<strong>de</strong>alizado é o que possui competências e habilida<strong>de</strong>s.<br />

Todas essas propostas vêm com algumas categorias comuns, tais como habilida<strong>de</strong>s, competências,<br />

47


autonomia da escola e do professor, voltar-se para as realida<strong>de</strong>s locais. Dessa forma, ao pensar a<br />

educação como uma questão <strong>de</strong> eficácia, cabem <strong>de</strong>terminadas funções ao professor, como numa<br />

linha <strong>de</strong> produção industrial, da qual <strong>de</strong>verá sair um bom produto, isto é, um aluno com<br />

<strong>de</strong>terminados perfis. Para se atingir este <strong>de</strong>terminado produto, o professor precisa possuir certas<br />

competências, ao invés <strong>de</strong> saberes profissionais, ocorrendo, assim, o <strong>de</strong>slocamento do olhar do<br />

trabalhador para o local <strong>de</strong> trabalho, ficando este vulnerável à avaliação e controle <strong>de</strong> suas<br />

competências. Se estas não se ajustam ao esperado, facilmente po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>scartado. Para a<br />

avaliação ou conferência do produto – alunos – foram criadas formas <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>,<br />

como as provas do ENEM para o <strong>ensino</strong> médio e o ENADE para os cursos <strong>de</strong> graduação.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, concordando-se com tudo que afirmam os autores sobre a perspectiva da<br />

racionalida<strong>de</strong> técnica, estar-se-ia pensando em robôs e não em pessoas. Seria negada toda a<br />

capacida<strong>de</strong> humana que os professores têm <strong>de</strong> se colocarem em conflito e, até mesmo, em oposição<br />

à sua condição <strong>de</strong> técnicos repassadores <strong>de</strong> conteúdos. Assim, a própria racionalida<strong>de</strong> é criadora <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s diferentes <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores.<br />

No diálogo direto com o filósofo Walter Benjamin e o historiador Eduard Thompson, proponho<br />

pensarmos o “Fazer-se Professor ou Professora”. Tal tese se apresenta na perspectiva <strong>de</strong> se pensar a<br />

partir das ruínas articuladas intimamente às possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> superação, nunca <strong>de</strong> maneira<br />

<strong>de</strong>terminista. Assim, a formação <strong>de</strong> professores <strong>de</strong>scortina-se como um imenso campo <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s.<br />

Ao trazer para o campo da formação <strong>de</strong> professores as categorias benjaminianas e thompsonianas –<br />

experiência, experiência vivida, memória, cultura, narrativa, escovar a história a contrapelo, tempo<br />

saturado <strong>de</strong> agoras, fazer-se sujeito – verifica-se que é possível, no diálogo com as idéias já<br />

canonizadas da formação para a racionalida<strong>de</strong> técnica, anteriormente apresentadas, ir um pouco<br />

além e pensar outra “formação”. Formação esta que firme a possibilida<strong>de</strong> do professor fazer-se.<br />

O “Fazer-se Professor” é entendido como um processo ao longo <strong>de</strong> toda vida, e não situado num<br />

dado momento ou lugar - universida<strong>de</strong>. Possibilita-nos pensar a incompletu<strong>de</strong> do ser humano e no<br />

seu eterno fazer-se. Neste sentido, são fundamentais as contribuições expressas na obra “A<br />

Formação da Classe Operária Inglesa” <strong>de</strong> Thompson (1989), que nos mostra como essa classe<br />

48


operária não nasceu pronta, foi se construindo, fazendo-se, tornando-se sujeito, nascendo enquanto<br />

categoria histórica.<br />

Na esteira <strong>de</strong>sse pensamento <strong>de</strong> Thompson é que proponho pensarmos o fazer-se profissional dos<br />

professores e professoras sem <strong>de</strong>scartar outros aspectos da vida, pois somos sujeitos inteiros, não<br />

po<strong>de</strong>mos separar o profissional do pessoal e vice-versa. Pensar o professor na totalida<strong>de</strong> do seu<br />

fazer-se possibilita perceber as ambigüida<strong>de</strong>s que vão se construindo nas relações estabelecidas nos<br />

diferentes espaços em que os professores relacionam-se com outros sujeitos – alunos, pais, diretores<br />

<strong>de</strong> escola...<br />

Thompson, ao trabalhar com o binômio dominação/resistência, foi explicitando que ambas não<br />

aparecem como blocos monolíticos e opostos, mas que dominação e resistência acontecem <strong>de</strong> forma<br />

entrecruzada, ou seja, são parte da mesma moeda e só acontecem quando inter-relacionadas.<br />

Benjamim, por sua vez, mostra que são ambivalentes e constituem-se em cenários móveis, a partir<br />

<strong>de</strong> um mesmo fio.<br />

Então, conhecendo as lutas, as experiências do passado, os sujeitos se instrumentalizam, passam a<br />

ter esperança na mudança, na utopia como algo que está se fazendo e não que virá <strong>de</strong> qualquer<br />

forma. Deste modo, as professoras e professores, ao buscarem suas memórias e experiências<br />

vividas, passam a ser sujeitos do processo, sentem-se produtores, participantes.<br />

Para ocorrer essa passagem do “formar” ao fazer-se professora ou professor é necessário pensar o<br />

ato educacional como um campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s, com uma história que está aberta, por se fazer, e<br />

não como algo pronto, fechado, <strong>de</strong>terminado, no qual falam, expõem e os alunos ouvem e repetem.<br />

Assim, ocorreriam diálogos entre diferentes saberes.<br />

Para o diálogo entre diferentes saberes, consi<strong>de</strong>ro as condições socioeconômicas, político-culturais<br />

<strong>de</strong> cada grupo social on<strong>de</strong> a escola está inserida. O trabalho pedagógico seria com as “realida<strong>de</strong>s” e<br />

as especificida<strong>de</strong>s locais, regionais, ou seja, iniciar-se-ia o trabalho com o que está mais próximo<br />

dos alunos e professores, o que foi expresso por Paulo Freire em diversos livros: seria o “ponto <strong>de</strong><br />

partida”. Portanto, o local não estaria <strong>de</strong>svinculado do contexto global.<br />

49


Para se compreen<strong>de</strong>r o que efetivamente acontece na Escola, faz-se necessário perceber as marcas<br />

culturais da experiência, do vivido, do enraizamento, para compreen<strong>de</strong>rmos o trabalho <strong>de</strong> um<br />

profissional, a história mais ampla que precisa ser <strong>de</strong>svelada. Marcas culturais nas quais os sujeitos,<br />

atores e autores da cultura docente, possam expressar o fazer e saber ser professor, <strong>de</strong> forma a<br />

relacioná-lo com outros saberes e fazeres, visualizando com mais niti<strong>de</strong>z as experiências vividas.<br />

Ao trabalhar consi<strong>de</strong>rando os professores e professoras como sujeitos do processo <strong>de</strong> seu fazer-se,<br />

sou levado a dialogar com Benjamim sobre o que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> capitalista fez com a experiência<br />

vivida. Para, ele, até então:<br />

Sabia-se exatamente o significado da experiência: ela sempre foi comunicada aos jovens. De forma<br />

concisa, com autorida<strong>de</strong> da velhice, em provérbios, <strong>de</strong> forma prolixa, com a loquacida<strong>de</strong>, em<br />

histórias; muitas vezes com narrativas <strong>de</strong> países longínquos, diante da lareira, contadas a pais e<br />

netos. Que foi feito <strong>de</strong> tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como<br />

elas <strong>de</strong>vem ser contadas? Que moribundos dizem hoje palavras duráveis que possam ser transmitidas<br />

como um anel, <strong>de</strong> geração a geração? Quem é ajudado hoje por um objeto oportuno? Quem tentará<br />

sequer lidar com a juventu<strong>de</strong> invocando sua experiência? (BENJAMIN, 1986, p. 115).<br />

Em diálogo com Benjamin, Jorge Larrosa também expõe uma série <strong>de</strong> aspectos referentes à<br />

experiência e <strong>de</strong> como a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> privou os sujeitos mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> viverem experiências <strong>de</strong>vido<br />

ao “excesso <strong>de</strong> informações”. Para este autor, as informações não <strong>de</strong>ixam lugar para a experiência;<br />

também o excesso <strong>de</strong> opinião seria impeditivo das experiências; a falta <strong>de</strong> tempo é outro fator que<br />

impe<strong>de</strong> os sujeitos <strong>de</strong> terem experiências e, também <strong>de</strong> terem memória; o excesso <strong>de</strong> trabalho é<br />

outro fator que impe<strong>de</strong> a experiência. Para o autor, a experiência e o saber que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>riva são o que<br />

nos permite apropriar-nos <strong>de</strong> nossa própria vida.<br />

As questões levantadas por Benjamim e Thompson são fundamentais para que possamos discutir a<br />

formação <strong>de</strong> professores junto com professores, e suas experiências ou a falta <strong>de</strong>las, levando-se em<br />

consi<strong>de</strong>ração o que os professores pensam, como vivem, quais experiências têm para contar, que<br />

metodologias <strong>de</strong>senvolvem, que relações fazem entre teorias e práticas cotidianas; enfim,<br />

precisamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar a formação para ou sobre o professor, para pensar na relação junto<br />

com os professores.<br />

Não po<strong>de</strong>mos esquecer que o fazer-se dos professores e professoras se dá num processo relacional,<br />

ou seja, constrói-se na interação com os outros, isto é, com os professores universitários, os colegas<br />

50


<strong>de</strong> trabalho, os alunos, com os autores dos livros, com a comunida<strong>de</strong> escolar, ou ainda, outros<br />

situados em diferentes espaços da produção <strong>de</strong> saberes: na troca <strong>de</strong> experiências, no diálogo<br />

constante é que ocorre a feitura profissional do professor. Esse processo, portanto, dá-se <strong>de</strong> maneira<br />

social e nunca individual; e, em sendo social, não po<strong>de</strong> ser homogêneo.<br />

Proponho, pois, pensar a experiência na sua dimensão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>, para além do científico e do<br />

racional, pois como Benjamim <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, é preciso “escovar a história a contrapelo”, trazer para ela o<br />

insignificante, o miúdo, o relegado. Tal encaminhamento remete a Sonia Kramer, quando, em<br />

diálogo com Benjamin, aponta as contribuições do seu pensamento para falar em educação:<br />

O professor teve sua experiência empobrecida: seu conhecimento não é visto como ‘verda<strong>de</strong> aurática'<br />

e, ele não é narrador por não ter uma experiência coletiva a contar. Quem é ele? Professor e alunos<br />

são cada vez mais impedidos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar rastros. (...) Tornaram-se, professor e alunos, meras<br />

mercadorias? (...) Como operário (na linha <strong>de</strong> montagem), o jogador (sempre começando), o<br />

passante (vagando na multidão), professores e alunos estão também con<strong>de</strong>nados ao eterno recomeço?<br />

Há possibilida<strong>de</strong> do ‘novo' ou sua ação se reduz ao ‘sempre-igual'? Para se buscar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mudança, precisa-se buscar (me parece) a relação que é construída por professores e alunos, com o<br />

conhecimento produzido na prática social viva, para que <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> se <strong>de</strong>slocar como autômatos...<br />

(...) Como recuperar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar rastros? Ou seja, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar marcas? Ou ainda, <strong>de</strong> ser<br />

autor? Como ler em cada objeto a sua história? (2002, p. 58).<br />

Muitos têm pensado a formação <strong>de</strong> professores <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando o que os professores pensam. São<br />

discussões genéricas sobre um professor sem rosto, sem nome, sem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, sem experiência;<br />

fala-se do ‘professor', no masculino e genérico e não especificamente do João, da Maria, do Pedro.<br />

Ao trabalhar com a idéia <strong>de</strong> rememoração, Benjamin nos instiga a pensarmos como as memórias<br />

dos professores po<strong>de</strong>m contribuir para o seu fazer-se. Possibilita que questionemos em que medida<br />

as memórias <strong>de</strong> formação escolar, <strong>de</strong> suas vidas, <strong>de</strong> sua construção como cidadãos, como<br />

profissionais da educação, po<strong>de</strong>m contribuir para que a aca<strong>de</strong>mia passe a conhecer e respeitar os<br />

professores e professoras. E, mais do que isto, pensar em que medida os próprios professores e<br />

professoras po<strong>de</strong>m se fortalecer, respeitando-se mais, em contato vivo com suas próprias memórias<br />

e ensinando a aca<strong>de</strong>mia a conhecê-los e respeitá-los?<br />

Neste sentido, penso que para irmos além <strong>de</strong> dados mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> “formação” <strong>de</strong> professores<br />

precisamos pensar este sujeito – professor – como um todo, ou seja, um sujeito com experiências<br />

vividas que precisam ser ouvidas e, assim, <strong>de</strong>senvolvermos outras práticas <strong>de</strong> formação que<br />

51


possibilitem a ocupação <strong>de</strong> outros espaços para além da universida<strong>de</strong> e da escola como lugares <strong>de</strong><br />

formação. Cabem aqui alguns exemplos, que po<strong>de</strong>m contribuir para que os professores se façam ao<br />

<strong>de</strong>senvolver suas ativida<strong>de</strong>s educativas nos chamados espaços não formais <strong>de</strong> formação, ao<br />

ocuparem museus, casas <strong>de</strong> cultura, centros <strong>de</strong> memória e tantos outros e <strong>de</strong>senvolverem outras<br />

práticas formativas que os possibilitem tornarem-se sujeitos autores e atores <strong>de</strong> suas práticas,<br />

<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ficar à mercê do conhecimento que outros produzem, rompendo com a dicotomia<br />

produção/reprodução, ou produção/transmissão.<br />

Enquanto professor <strong>de</strong> Prática <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong>, venho incentivando que os professores em<br />

formação realizem seus estágios em diferentes espaços <strong>de</strong> produção cultural e guarda <strong>de</strong> memórias,<br />

pois acredito que as relações entre os diferentes sujeitos, consi<strong>de</strong>rando-se as experiências vividas<br />

como ponto <strong>de</strong> partida, possibilitarão a construção <strong>de</strong> novas práticas escolares.<br />

Para encerrar e não concluir, pontuo agora alguns exemplos <strong>de</strong> experiências que <strong>de</strong>senvolvi ao<br />

orientar os alunos do curso <strong>de</strong> <strong>História</strong> da UNOCHAPECÓ para que realizassem seus estágios em<br />

espaços não convencionais como: numa empresa <strong>de</strong> transportes coletivos, problematizando a<br />

história do transporte no município <strong>de</strong> Chapecó-SC; com grupos <strong>de</strong> mulheres agricultoras,<br />

discutindo a historicida<strong>de</strong> do Movimento <strong>de</strong> Mulheres Agricultoras; com grupo <strong>de</strong> mulheres da<br />

Pastoral da Criança, enfocando o papel da mulher na política; com grupos vinculados ao<br />

Movimento Sem Terra; com uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> italianos abordando imigração e<br />

colonização da Região Oeste Catarinense, <strong>de</strong>ntre muitos outros espaços não formais em que<br />

aconteceram aulas <strong>de</strong> <strong>História</strong> para além do espaço escolar. Dessa forma, a experiência foi<br />

indicando como os professores produzem conhecimento, como são autores, como se fazem nas<br />

relações que <strong>de</strong>senvolvem. Assim, entendo ser necessário pensarmos a “formação” consi<strong>de</strong>rando a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogo com as experiências vividas e não mais termos mo<strong>de</strong>los formatados do que<br />

<strong>de</strong>ve ser um professor.<br />

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Nota:<br />

1 Professor <strong>de</strong> Prática <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> <strong>História</strong> e coor<strong>de</strong>nador do Centro <strong>de</strong> Memória<br />

do Oeste <strong>de</strong> Santa Catarina – CEOM, ambos da Universida<strong>de</strong> Comunitária Regional<br />

<strong>de</strong> Chapecó - UNOCHAPECÓ. Graduado em <strong>História</strong> pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Santa Maria, Mestre em <strong>História</strong> pela PUC <strong>de</strong> São Paulo e Doutor em Educação<br />

pela UNICAMP.<br />

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