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Projeto Arara-azul - Viva Marajó

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Caso de sucesso 10<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>.<br />

Sandro Menezes Silva<br />

Aextinção de uma espécie é um processo natural na história e ciclos de extinção<br />

têm sido registrados normalmente na natureza ao longo dos últimos<br />

milhões de anos. Estima-se que tenha havido grandes ondas de extinção<br />

de espécies ao final da era Paleozóica1 – há cerca de 250 milhões de anos –, no<br />

período Cretáceo 2 – 90 milhões de anos atrás – e mais recentemente no Pleistoceno<br />

3 – há aproximadamente um milhão de anos. Existem evidências de que esses<br />

eventos de “megaextinção” tenham ocorrido por causas naturais, como mudanças<br />

climáticas, eventos tectônicos e até mesmo colisões entre asteróides e a Terra.<br />

Muitos cientistas e pesquisadores têm afirmado que estamos diante de mais<br />

um ciclo de extinções em massa, mas dessa vez o principal agente causador é o<br />

próprio homem. As mudanças provocadas pela espécie humana nos ambientes<br />

naturais têm levado espécies à extinção em uma velocidade muito maior do que<br />

aquela registrada em eras passadas e, muitas vezes, sem sequer saber o que está<br />

sendo perdido.<br />

As principais causas da perda<br />

de biodiversidade<br />

A destruição e a fragmentação de habitats, a degradação ambiental, a poluição<br />

dos meios aéreo, aquático e terrestre, a exploração de espécies para uso hu-<br />

Wikipédia.<br />

Paleozóica: uma das eras<br />

1documentadas na história<br />

da vida da Terra. Iniciou<br />

há cerca de 550 milhões de<br />

anos no período Cambriano<br />

e durou cerca de 300 milhões<br />

de anos, terminando com<br />

o período conhecido como<br />

Permiano, quando houve um<br />

fenômeno de extinção em<br />

massa.<br />

Cretáceo: período da era<br />

2Cenozóica que sucede a<br />

Paleozóica. Durou cerca de<br />

180 milhões de anos e marca<br />

o surgimento das plantas com<br />

sementes e o desaparecimento<br />

de muitos grupos de répteis,<br />

como os dinossauros.<br />

Pleistoceno: período que<br />

3marca o início da era<br />

Quaternária, que durou de<br />

1,8 milhões a 11.000 anos.<br />

É marcada por um período<br />

frio, quando muitas espécies<br />

de grandes mamíferos extinguiram-se.


92<br />

Casos de Sucesso na Educação Ambiental<br />

4 Para saber mais sobre a<br />

fauna brasileira ameaçada<br />

de extinção consulte<br />

o trabalho: Machado, A. B;<br />

Martins, C. S. e; Drummond,<br />

G. M. (eds.) Lista da Fauna<br />

Brasileira Ameaçada de<br />

Extinção. Belo Horizonte,<br />

Fundação Biodiversitas, 2005,<br />

160 p.<br />

mano e a introdução de espécies exóticas têm sido apontadas como as principais<br />

causas da perda de biodiversidade. As espécies reconhecidas oficialmente como<br />

ameaçadas de extinção são os reflexos desse processo e cada vez que é publicada<br />

uma atualização dessas listas, mais e mais espécies são relacionadas. Para se<br />

ter um exemplo dessa grandeza, a atual lista de espécies da fauna ameaçadas de<br />

extinção no Brasil relaciona 633 espécies, contra as 218 que eram conhecidas anteriormente.<br />

4<br />

A espécie é considerada em risco de extinção quando suas populações atingem<br />

tamanhos muito reduzidos, deixando a espécie geneticamente enfraquecida<br />

e conseqüentemente ameaçada. A redução drástica de uma população pode levar<br />

a um aumento nos acasalamentos entre parentes, ou até mesmo ao não-acasalamento,<br />

diminuindo a variabilidade genética e o número de descendentes a cada<br />

geração, provocando o gradual desaparecimento da espécie.<br />

A perda de habitats pode provocar o desaparecimento de populações inteiras<br />

de uma só vez, principalmente de espécies que têm distribuição geográfica restrita<br />

a um determinado tipo de ambiente. Pode provocar a perda de uma espécie que é<br />

vital para a sobrevivência de outras, como um vegetal que serve de alimento ou<br />

abrigo para a espécie animal ou um animal que é a presa de outra espécie, e que<br />

sem este não consegue sobreviver, só para citar exemplos bem simples.<br />

Mas é o tráfico de animais silvestres, outra importante causa de perda de<br />

biodiversidade, que tem representado a principal ameaça de extinção de muitas<br />

espécies da fauna brasileira, principalmente das aves, atraentes pelas suas cores<br />

e pelos seus diferentes cantos. A retirada de animais de seus ambientes naturais<br />

para serem vendidos como animais de estimação, para colecionadores, para fins<br />

científicos ou como produtos para serem beneficiados por diferentes setores industriais<br />

é crime pela legislação brasileira.<br />

“Após a perda do habitat, a caça, para subsistência e comércio, é a segunda<br />

maior ameaça à fauna silvestre brasileira [...]. Atualmente, o comércio ilegal<br />

de vida silvestre, o qual inclui a fauna e seus produtos, movimenta de 10 a 20<br />

bilhões de dólares por ano [...]. É a terceira atividade ilícita do mundo, depois<br />

das armas e das drogas. O Brasil participa com cerca de 5% a 15% do total<br />

mundial.” (RENCTAS, 2006)<br />

A arara-<strong>azul</strong>, espécie que motivou a criação do projeto que estudamos agora,<br />

tem sido alvo dessa atividade ilícita, e embora os resultados que conheceremos<br />

apontam para um futuro promissor para a espécie, ainda há muito para ser feito,<br />

para garantir não só a proteção dessa, mas de várias outras espécies que se encontram<br />

em situação semelhante à da arara-<strong>azul</strong>.<br />

O tráfico de animais silvestres<br />

Em um estudo realizado pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de<br />

Animais Silvestres (Renctas), são apresentados alguns animais da fauna brasileira<br />

que são caçados para serem vendidos a colecionadores, ou como animais


de estimação, e seus respectivos preços no mercado internacional, conforme pode<br />

ser visto abaixo:<br />

Nome comum<br />

português / inglês<br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>-de-lear<br />

Lear’s macaw<br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

Hyacinthine macaw<br />

<strong>Arara</strong>-canindé<br />

Blue and yellow macaw<br />

Papagaio-de-cara-roxa<br />

Blue cheeked parrot<br />

Harpia<br />

Harpy eagle<br />

Mico-leão-dourado<br />

Golden lion tamarin<br />

Uacari-branco<br />

Uakari<br />

Jaguatirica<br />

Ocelot<br />

1.º Relatório Nacional sobre o tráfico de fauna silvestre / Renctas.<br />

Nome científico Valor em<br />

US$/unidade<br />

Anodorhynchus leari 60.000<br />

Anodorhynchus hyacinthinus 25.000<br />

Ara ararauana 4.000<br />

Amazona brasiliensis 6.000<br />

Harpia harpyja 20.000<br />

Lentopithecus rosalia 20.000<br />

Cacajao calvus 15.000<br />

Leopardus pardalis 10.000<br />

Só em 2005 foram apreendidos cerca de 25 000 animais que estavam sendo<br />

vendidos por traficantes, o que para os leigos não passa de mais uma cena comum<br />

em nosso país: pessoas tentando se dar bem na vida com atividades ilícitas. Só que<br />

o tráfico de animais acontece junto com o tráfico de drogas, armas e até pedras<br />

preciosas, crimes considerados “mais graves” pela sociedade em geral. A legislação<br />

brasileira considera o tráfico de animais um crime de menor potencial ofensivo<br />

(até 1998 era inafiançável) e hoje, o indivíduo que for pego vendendo animais<br />

silvestres pega no máximo dois anos de prisão, podendo a pena ser substituída por<br />

ações comunitárias ou doação de cestas básicas.<br />

O valor das multas é de R$ 523,00 por animal não ameaçado de extinção, e<br />

pode chegar a mais de R$ 3.665,00, se for ameaçado. Se estiver ameaçado e fizer<br />

parte da convenção internacional de preservação de espécies, o valor chega a R$<br />

5.769,00. O valor máximo que a multa pode alcançar é de 150 mil reais, no estado<br />

de São Paulo.<br />

A lógica de toda venda ilegal é a mesma: se alguém está vendendo é porque<br />

existe alguém para comprar. Com penas brandas, os traficantes sentem-se à vontade<br />

para continuar suas atividades. Dos animais capturados para venda, apenas 40% vai<br />

para outros países, o restante fica no Brasil mesmo. A rede de tráfico é profissional,<br />

com caçadores e receptadores espalhados por todo o território nacional.<br />

Para piorar a situação, um papagaio verdadeiro, aquele que diverte a criançada<br />

repetindo palavras do nosso vocabulário, custa entre R$ 50,00 e R$ 100,00<br />

quando comprado no mercado ilegal. Já quando vem de criadouros autorizados, o<br />

preço chega a R$ 1.000,00.<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

93


94<br />

Casos de Sucesso na Educação Ambiental<br />

E a arara-<strong>azul</strong>,<br />

o que tem a ver<br />

com isso?<br />

Ornitologia: parte da<br />

5Biologia que estuda as<br />

aves.<br />

“Em janeiro passado, a Polícia Ambiental recebeu denúncia de que um<br />

hóspede de uma pousada na cidade de Aparecida estava transportando pássaros.<br />

Com ele foram encontrados 16 canários-da-terra, 10 canários-da-terra peruanos<br />

e um canário-do-reino. Mesmo tendo uma documentação do Instituto<br />

do Meio Ambiente (Ibama) que permitiriam o transporte das aves, ele tentou<br />

soltar algumas pela janela. Desconfiados, os policiais vasculharam o quarto e<br />

acharam uma pistola 380, revólver calibre 38, dois Speed Louder e um porta<br />

Speed Louder com 18 cartuchos intactos de calibre 38. Nenhuma das armas<br />

tinha documentação. Em outubro do ano passado, a Polícia Militar Ambiental<br />

apreendeu no Morumbi, zona sul da capital, sete araras e um papagaio junto com<br />

um arsenal de armamentos e munições de uso restrito das Forças Armadas.”<br />

(RENCTAS, 2006)<br />

A arara-<strong>azul</strong><br />

A arara-<strong>azul</strong>-grande, como é conhecida nos compêndios de Ornitologia<br />

5 , tem sido vítima do tráfico de animais silvestres, e foi justamente<br />

essa situação, percebida por uma pesquisadora chamada Neiva<br />

Robaldo Guedes, há 16 anos, que ocasionou o surgimento do <strong>Projeto</strong><br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>.<br />

Também chamada de araraúna, (una, em tupi, significa negro), nome relacionado<br />

à coloração preta na parte interna de suas penas, que só pode ser vista<br />

durante o vôo, é a maior arara brasileira, podendo chegar a mais de um metro de<br />

comprimento e pesar entre 1 e 2 kg.<br />

Seu nome científico é Anodorhynchus hyacinthinus, cujo gênero possui<br />

mais duas espécies brasileiras, Anodorhynchus glaucus (ararinha-<strong>azul</strong> ou araracinza-<strong>azul</strong>ada;<br />

já extinta na natureza) e Anodorhynchus leari (arara-<strong>azul</strong>-de-lear;<br />

ameaçada de extinção). Para conhecer um pouco mais sobre essas três espécies,<br />

veja o quadro a seguir.<br />

Ordem<br />

Família<br />

Nome científico<br />

Nome popular<br />

Nome em inglês<br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>grande<br />

Psittaciformes<br />

Psittacidae<br />

Anodorhynchus<br />

hyacinthinus<br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>-grande,<br />

araraúna<br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>-delear<br />

Ararinha-<strong>azul</strong><br />

Anodorhynchus leari Anodorhynchus<br />

glaucus<br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>-de-lear Ararinha-<strong>azul</strong>,<br />

arara-cinza-<strong>azul</strong>ada<br />

Hyacinthine macaw Indigo macaw Glaucous macaw


Cor<br />

Plumagem totalmente<br />

<strong>azul</strong> com um anel<br />

amarelo em torno<br />

do olho e fita da<br />

mesma cor na base da<br />

mandíbula.<br />

Cabeça e pescoço<br />

<strong>azul</strong>-esverdeados,<br />

barriga <strong>azul</strong>-claro,<br />

apenas as costas e<br />

lado superior das asas<br />

e cauda <strong>azul</strong>-escuro.<br />

Anel em torno do<br />

olho amarelo-claro,<br />

pálpebra <strong>azul</strong>-claro,<br />

branca ou levemente<br />

<strong>azul</strong>ada, íris castanha.<br />

Na barbela tem uma<br />

mancha amareloenxofre<br />

clara quase<br />

triangular, situada dos<br />

lados na base<br />

da mandíbula.<br />

Peso 1,5 kg 940 g 800 g<br />

Comprimento<br />

Distribuição<br />

geográfica<br />

Habitat<br />

Hábitos<br />

alimentares<br />

Reprodução<br />

Ninho<br />

98 cm a 1,14 m 72 cm<br />

(aproximadamente)<br />

Região Norte, Central<br />

e parte da Região<br />

Nordeste<br />

do Brasil.<br />

Buritizais, florestas<br />

de galeria e cerrados<br />

adjacentes.<br />

Sementes, frutas,<br />

insetos e pequenos<br />

vertebrados.<br />

Postura de 1 a 2 ovos.<br />

Incubação de 30 dias.<br />

Ocos de árvores,<br />

especialmente<br />

o manduvi.<br />

Região semi-árida do<br />

nordeste da Bahia;<br />

endêmica da<br />

caatinga baiana.<br />

Caatinga, em regiões<br />

de cânions e rochedos.<br />

Principalmente,<br />

sementes de licuri,<br />

mas também pinhão,<br />

umbu e mucumã.<br />

Período de incubação<br />

de 25 a 28 dias,<br />

botando de 1 a 3 ovos.<br />

Locais rochosos em<br />

paredes íngremes dos<br />

cânions.<br />

Cabeça, pescoço,<br />

costas, asas, cauda e<br />

barriga são de <strong>azul</strong><br />

desbotado esverdeado;<br />

a garganta<br />

é enegrecida.<br />

68 cm<br />

Era comum ao longo<br />

do Rio Paraguai<br />

e Paraná, na<br />

Argentina, Paraguai<br />

e Brasil, onde vivia<br />

nas baixadas com<br />

palmeiras (tucum,<br />

mucujá), margens de<br />

rios, fazendo ninhos<br />

nos barrancos do rio<br />

ou em ocos de árvore.<br />

Caatinga e cerrado<br />

Frutas, grãos, frutos<br />

das palmeiras e<br />

insetos.<br />

Barrancos de rios e<br />

ocos de árvores.<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

95


96<br />

Casos de Sucesso na Educação Ambiental<br />

Período de vida<br />

Situação atual<br />

Em vida livre,<br />

entre 30 e 40 anos.<br />

Em cativeiro,<br />

aproximadamente 60<br />

anos.<br />

Vulnerável.<br />

Tamanho<br />

populacional reduzido<br />

por causa da caça,<br />

do comércio ilegal e<br />

da degradação dos<br />

habitats.<br />

Com o trabalho<br />

de recuperação da<br />

população, o número<br />

de indivíduos subiu de<br />

1 500 (em 1987) para<br />

aproximadamente 5<br />

000 hoje na região do<br />

Pantanal.<br />

Em cativeiro,<br />

aproximadamente, 60<br />

anos.<br />

Criticamente<br />

ameaçada.<br />

Tamanho<br />

populacional reduzido<br />

ou em declínio, com<br />

probabilidade de<br />

extinção na natureza<br />

em pelo menos 50%<br />

em 10 anos ou 3<br />

gerações. É uma<br />

das espécies de aves<br />

menos conhecidas e<br />

mais ameaçadas de<br />

extinção. Estimase<br />

que atualmente<br />

existem cerca de<br />

180 indivíduos na<br />

natureza e 20 em<br />

cativeiro. Durante<br />

muitos anos não era<br />

encontrada em vida<br />

livre. Em 1978 foi<br />

localizada no Raso da<br />

Catarina, nordeste da<br />

Bahia, sendo a única<br />

arara em vida livre<br />

da região.<br />

Extinta na natureza.<br />

Uma suspeita de<br />

catástrofe natural<br />

causada por doença<br />

a possibilidade<br />

de esgotamento<br />

genético devido<br />

à caça intensiva<br />

para o comércio<br />

de animais são as<br />

causas da extinção<br />

dessa espécie.<br />

Era raramente<br />

encontrada em vida<br />

livre e pouco se sabe<br />

sobre seus hábitos e<br />

características.<br />

Obs.: Ainda existe outra espécie conhecida como ararinha-<strong>azul</strong>, que também<br />

está extinta na natureza. Seu nome científico é Cyanopsitta spixii. É bem menor<br />

(cerca de 54 cm), vivia na caatinga seca e matas ciliares abertas na bacia do São<br />

Francisco, desde o extremo norte da Bahia, até o sul do rio São Francisco, na<br />

região de Juazeiro. Seu desaparecimento também foi devido ao tráfico de animais<br />

e degradação do habitat. Atualmente, resta um único exemplar conhecido<br />

na natureza (um macho) e cerca de 20 em cativeiro. Desde o início da década de<br />

1990, há um projeto para a localização de outros indivíduos e a recuperação da<br />

espécie pela reintrodução na natureza de animais provenientes de cativeiro. A<br />

tentativa de acasalamento do macho em liberdade com uma fêmea nascida em<br />

cativeiro, feita recentemente, não obteve sucesso.


<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>-grande.<br />

A arara-<strong>azul</strong>-grande é encontrada no Pantanal, na Região Sul-amazônica,<br />

no oeste da Bahia, Tocantins, Piauí e sul do Maranhão, habitando áreas de matas<br />

ciliares e cerrado, além de buritizais6. Hoje, a população é pequena devido principalmente<br />

à destruição dos seus habitats, ao tráfico de animais e ao seu baixo<br />

sucesso reprodutivo em cativeiro.<br />

As maiores populações conhecidas estão relacionadas à existência de árvores<br />

grandes para nidificação, uma vez que elas fazem seus ninhos em troncos<br />

ocos de árvores e aos frutos de algumas espécies de palmáceas, que constituem<br />

sua preferência alimentar. Comumente vivem em famílias, pares ou bandos, que<br />

podem atingir até 60 indivíduos.<br />

Como é a vida da arara-<strong>azul</strong><br />

A existência da espécie é hoje ameaçada por vários fatores, alguns dos quais<br />

já comentados anteriormente, comuns à maioria das espécies ameaçadas de extinção.<br />

Nas regiões onde a agricultura e a pecuária são as atividades principais, a<br />

situação das araras é ainda mais grave, ameaçada pelas queimadas constantes e<br />

pelo pisoteio do gado. As queimadas, muito utilizadas para o manejo do pasto e<br />

para a limpeza da roça, acabam se espalhando e alcançando as partes com vegetação<br />

mais alta, incluindo os capões onde estão os ninhos e os alimentos para as<br />

araras. Já o pisoteio do gado impede a germinação e o desenvolvimento de muitas<br />

espécies vegetais, incluindo aquelas que fazem parte da vida das araras, seja como<br />

alimento, seja como local de nidificação.<br />

No Pantanal, as araras-azuis usam espécies de árvores como a ximbuca<br />

(Enterolobium contortisiliquun) e o angico-branco (Albizia niopoides). Mas é o<br />

manduvi (Sterculia apetala) a predileta desses animais; cerca de 90% dos ninhos<br />

encontra-se em árvores desta espécie.<br />

Wikipedia<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

Buritizais: formações onde<br />

6o buriti, uma palmeira de<br />

nome científico Mauritia flexuosa,<br />

é a espécie mais típica.<br />

Em geral ocorrem em áreas<br />

úmidas, como em nascentes de<br />

rios e brejos permanentes, na<br />

região Centro Oeste e Nordeste<br />

do Brasil.<br />

97


98<br />

Casos de Sucesso na Educação Ambiental<br />

Ninho de arara-<strong>azul</strong> em tronco de manduvi.<br />

O manduvi chega a ter de 50 a 60 centímetros de diâmetro no tronco e mais<br />

de 10 metros de altura, e tem madeira mole, proporcionando o desenvolvimento<br />

de ocos no interior do tronco, os quais são grandes o suficiente para acomodar o<br />

ninho dessa espécie. A arara não inicia um oco, mas pode aumentá-lo para seu<br />

uso, pois a força de seu bico é extraordinária. Produz frutos maduros entre maio e<br />

agosto, muito consumidos por aves, macacos e roedores.<br />

As araras-azuis são animais monogâmicos; vivem com o mesmo parceiro<br />

durante toda a vida. Para muitos, essa característica é desfavorável para a sobrevivência<br />

da espécie atualmente, pois com a perda do parceiro o animal fica sozinho<br />

e não se reproduz mais.<br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>.<br />

O casal divide a tarefa de preparo do ninho e cuidado dos filhotes. A fêmea<br />

coloca em média dois ovos (que são do tamanho de um ovo de galinha), que eclodem<br />

após 28-30 dias. Os ovos precisam ser vigiados o tempo todo, pois servem<br />

de alimento para outros animais como a gralha (Cyanocorax sp), o tucano (Ramphastos<br />

toco), o carcará (Polyborus plancus), o quati (Nasua nasua), a irara (Eira<br />

barbara) e o gambá (Didelphis albiventris). Quando jovem, além da predação por<br />

animais como o gavião-relógio (Micrastur semitorquatus), o gavião-pernilongo<br />

(Geranospiza caerulescens), o gavião-preto (Buteogallus urubutinga) e a irara,<br />

os pais ainda precisam tomar cuidado com baratas e formigas, pois as pequenas<br />

araras são muito frágeis até os 45 dias de vida. Na maioria das vezes, apenas um<br />

filhote sobrevive.<br />

Wikipedia.<br />

Wikipédia.


A reprodução pode ainda ser dificultada pela disputa de ninhos com a arara-vermelha<br />

(Ara chloroptera), com o gavião-relógio, com o urubu (Coragyps<br />

atratus), com o pato-do-mato (Cairina moschata), com a marreca-cabocla (Dendrocygma<br />

autumanalis) e com o tucano.<br />

Em geral, o filhote permanece no ninho sob cuidado constante dos pais,<br />

por pouco mais de três meses, quando começa a dar os primeiros vôos. Depois<br />

disso, até uns seis meses, não fica mais no ninho, mas continua nas proximidades<br />

e é alimentado pelos pais. Com cerca de sete anos de idade a arara está madura o<br />

suficiente para começar sua própria família.<br />

Sua alimentação varia de acordo com sua região de ocorrência. No Pantanal,<br />

as araras se alimentam de castanhas de diferentes espécies de palmeiras,<br />

como o acuri (Scheelea phalerata), a bocaiúva (Acrocomia aculeata) e o carandá<br />

(Copernicia alba). Na Região Sul-amazônica, sua alimentação é principalmente<br />

de cocos de inajá (Maximiliana maripa) e Astrocaryum sp. No oeste da Bahia, Tocantins,<br />

sul do Maranhão e Piauí, alimentam-se dos cocos da piaçava (Orbygnia<br />

eichleri) e do catolé (Syagrus oleracea).<br />

Além da degradação do habitat, com a conseqüente perda das árvores<br />

que servem de ninho e alimento para a espécie, e da caça realizada por índios que<br />

vendem adornos feitos com suas penas, o tráfico desses animais contribuiu significativamente<br />

para a diminuição populacional dessa espécie. Estima-se que até<br />

a década de 1980 foram retirados ilegalmente da natureza mais de dez mil exemplares<br />

dessa ave, sendo levadas principalmente para os Estados Unidos, Europa<br />

e Japão, além do próprio mercado interno brasileiro. Em 1987, estimava-se haver<br />

apenas 1 500 indivíduos no Pantanal, mas hoje se estima que existem na natureza<br />

cerca de 5 000 aves, sendo o Pantanal a região onde a espécie encontra-se mais<br />

protegida e onde fica a maior população. Mas o que aconteceu para que houvesse<br />

essa mudança?<br />

O <strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

O <strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong> nasceu de uma iniciativa pessoal da pesquisadora Neiva<br />

Robaldo Guedes, uma bióloga que ficou encantada com a ave desde a primeira<br />

vez que a viu na natureza. Sensibilizada pela sua beleza, e ao mesmo tempo<br />

chocada com o grau de ameaça de extinção que a espécie se encontrava, Neiva<br />

começou a pesquisar a arara e desde então nunca mais parou; isso foi em 1990.<br />

No ano seguinte, Neiva inscreveu-se e passou na seleção para o mestrado<br />

na Esalq/USP, e foi nessa época que ela conheceu o ornitólogo Lee Harper, que<br />

ensinou a ela técnicas de escalada em árvores para estudar ninhos de psitacídeos,<br />

experiência que trazia de estudos realizados na Amazônia. Não demorou muito<br />

e Neiva já estava dando cursos de escalada em árvores, usando as técnicas como<br />

ferramentas de seu trabalho diário no campo.<br />

Em 1991, começou sua pesquisa sobre a reprodução das araras-azuis durante<br />

o curso do mestrado e contou com apoio de uma bolsa de pesquisa e da WWF7.<br />

Após a conclusão do mestrado, em 1993, Neiva continuou o projeto por conta<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

99


100<br />

Casos de Sucesso na Educação Ambiental<br />

WWF: abreviatura de<br />

7World Wildlife Fund,<br />

organização não-governamental<br />

que apóia projetos de<br />

conservação da natureza em<br />

diversas regiões do mundo.<br />

Seu símbolo, um urso-panda,<br />

é bastante conhecido e tornou-se<br />

uma “marca” da conservação<br />

da biodiversidade.<br />

8 Biometria: trabalho de<br />

medição e/ou pesagem<br />

de um animal, que pode ser<br />

feito tanto com o animal vivo<br />

como com ele morto. Em<br />

estudos ecológicos é mais<br />

comum a prática em animais<br />

contidos, com ou sem o uso<br />

de anestésicos, dependendo<br />

da espécie.<br />

própria, e o que era projeto de pesquisa passou a ser um projeto de vida. Em 1994,<br />

a pesquisadora ingressou no Centro de Ensino Superior de Campo Grande, instituição<br />

pela qual passou a desenvolver o projeto. Ao longo de toda a história do projeto<br />

foram vários apoios, como da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e da<br />

Toyota do Brasil, e atualmente Neiva é professora na Universidade para o Desenvolvimento<br />

do Estado e Região do Pantanal (Uniderp), onde coordena o projeto. O<br />

projeto ainda mantém as parcerias com a WWF-Brasil e com a Toyota, contando<br />

ainda com o apoio da Pousada Caiman e patrocínio da Fundação Manoel de Barros,<br />

da Brasil Telecom, da Vanzin Escapamentos, da BR Tintas, do Criadouro Asas<br />

do Brasil, da Ecotrópica Alemanha / GNF e da Bradesco Capitalização.<br />

As principais metas e atividades<br />

do <strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

Atualmente, as principais metas a serem atingidas pelo projeto são a manutenção<br />

de uma população viável de araras-azuis na natureza a médio e longo prazo<br />

e a conservação da biodiversidade. O <strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong> desenvolve atividades de<br />

pesquisa, manejo e conservação da espécie, que vão desde o trabalho técnico de<br />

pesquisa sobre seus hábitos até atividades de educação ambiental para diferentes<br />

públicos.<br />

Participam do projeto biólogos, veterinários, assistentes, auxiliares de campo,<br />

fazendeiros e estudantes universitários, em um dia-a-dia que envolve um conjunto<br />

diverso de atividades. Podem ser citados a recuperação de ninhos naturais e<br />

artificiais; o monitoramento de ovos e filhotes; a biometria8; a coleta de material<br />

biológico; a marcação de filhotes (anilhas ou microchips); o monitoramento dos<br />

filhotes após deixarem os ninhos; a realização de palestras para hóspedes do Refúgio<br />

Ecológico (R.E.) Caiman e da Pousada <strong>Arara</strong>úna, locais onde o projeto é<br />

desenvolvido; o atendimento no Centro de Visitantes do projeto, localizado no<br />

R.E. Caiman; o trabalho de educação voltado para a conservação com fazendeiros<br />

e peões; o trabalho de educação e de resgate da cultura pantaneira; o artesanato<br />

com crianças no R.E. Caiman; a realização de visitas monitoradas de turistas nos<br />

locais de realização do projeto.<br />

Na época da reprodução, de julho a março, os ninhos são monitorados mais<br />

intensamente para garantir que os filhotes cheguem com saúde à vida adulta. Os<br />

ninhos que não estão em condições para abrigar o casal e seus filhotes são consertados<br />

conforme as suas respectivas necessidades; se o oco é muito grande,<br />

facilitando a entrada de predadores, a equipe diminui; se entra água, conserta-se;<br />

se é muito raso, aprofunda-se; ou seja, é um trabalho constante em prol da sobrevivência<br />

da maior arara do mundo. Além disso, há os ninhos artificiais, que não<br />

foram bem aceitos de início pelas araras-azuis.<br />

Em 1997, foram instalados os primeiros ninhos artificiais em fazendas do<br />

pantanal sul-mato-grossense. Mesmo não sendo muito bem aceitos pelas ararasazuis,<br />

esses ninhos foram ocupados pelas espécies que disputam o manduvi com<br />

a arara-<strong>azul</strong>, como os tucanos, as araras-vermelhas, gaviões, corujas, patos e urubus,<br />

colaborando indiretamente com a arara-<strong>azul</strong>, pois aumentou suas chances de<br />

conseguir um tronco de manduvi para fazer seu ninho.


Hoje, a equipe conseguiu acertar o material e a arquitetura dos ninhos artificiais<br />

para que eles fossem aceitos pelas araras-azuis. São cerca de 362 ninhos<br />

naturais e 198 artificiais em uma área de 450 mil hectares no Pantanal sul-matogrossense,<br />

em 47 fazendas. Com um total de mais de 3 000 indivíduos monitorados,<br />

o projeto ainda conta com a colaboração de pesquisadores de outras instituições.<br />

Um exemplo é o trabalho desenvolvido pelas cientistas Cristina Y. Miyaki<br />

e Patrícia Faria, da Universidade de São Paulo, que identificaram um padrão genético<br />

característico das araras-azuis do Pantanal. Com isso, as aves poderão ser<br />

identificadas quando forem apreendidas pela fiscalização, auxiliando no mapeamento<br />

da rota do tráfico e permitindo a reintrodução da espécie no seu respectivo<br />

local de origem.<br />

O trabalho com os fazendeiros e peões foi feito através do desenvolvimento<br />

do orgulho e do privilégio de terem animais tão belos livres à sua volta. Esse<br />

apoio foi fundamental para o sucesso do projeto, pois além de não permitirem a<br />

caça em suas terras, eles preservam o manduvi e as palmeiras, espécies-chave<br />

para a arara-<strong>azul</strong>. Ver um bando de araras-azuis sobrevoando as fazendas é uma<br />

das recompensas que eles têm diariamente por ajudar a proteger esses animais.<br />

Depois de 16 anos de muito trabalho, a equipe do <strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong> sentese<br />

orgulhosa, pois a população de araras triplicou. Hoje, são monitorados mais de<br />

3 000 adultos e estima-se que exista um total de 5 000 aves em vida livre no Pantanal.<br />

O tráfico de arara-<strong>azul</strong> diminuiu bastante, graças ao apoio da população local,<br />

que se conscientizou de que é muito melhor ver uma arara voando livre do que<br />

confinada a uma gaiola. Com isso, o foco principal, que era a conscientização para<br />

deixar o animal livre, hoje é para a preservação do seu ambiente natural. Com isso,<br />

o projeto consegue beneficiar não só a arara, mas também todos os outros seres<br />

vivos que compartilham com ela o Pantanal.<br />

Um resultado importantíssimo desse projeto foi o desenvolvimento de técnicas<br />

de monitoramento e proteção da ave, que atualmente servem de base para<br />

outros estudos de psitacídeos no Brasil e no exterior.<br />

<strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong> ganha comitê exclusivo<br />

A partir de 2003, o Ibama separou a arara-<strong>azul</strong>-grande (Anodorhynchus<br />

hyacintinus) em um comitê exclusivo; essa espécie fazia parte de um comitê<br />

junto com a arara-<strong>azul</strong>-de-lear (Anodorhynchus leari). A separação ocorreu<br />

porque as duas espécies requerem manejos diferenciados, e com comitês exclusivos<br />

poderão receber mais atenção de instituições envolvidas no manejo e<br />

conservação de cada espécie.<br />

O comitê da arara-<strong>azul</strong>-grande é composto pelo Ibama, pela Sociedade de<br />

Zoológicos do Brasil (SZB) e a Sociedade Brasileira de Ornitologia (SOB), além<br />

dos especialistas Neiva Guedes (<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>), Yara de Melo Barros (Ibama),<br />

Ricardo Bonfim Machado (Conservação Internacional) e Pedro Scherer Neto<br />

(Museu Capão da Imbuia-PR).<br />

O comitê tem caráter consultivo e atuará no estabelecimento de estratégias<br />

para estudo, manejo e conservação da arara-<strong>azul</strong>-grande. O objetivo é restabelecer<br />

populações geneticamente viáveis da espécie, evitando que seja extinta, como já<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

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102<br />

Casos de Sucesso na Educação Ambiental<br />

aconteceu com a ararinha-<strong>azul</strong> (Cyanopsitta spiixi) e com a arara-cinza-<strong>azul</strong>ada<br />

(Anodorhynchus glaucus).<br />

Apesar da arara-<strong>azul</strong>-grande também ser encontrada nos estados de Tocantins,<br />

Pará, Maranhão e na região norte da Bahia, pouco se sabe sobre as populações<br />

dessas regiões; as pesquisas ainda estão no início, colocando-as como prioridade<br />

de conservação nas discussões do comitê.<br />

Além disso, o levantamento do número de aves que estão em poder dos<br />

criadouros científicos e conservacionistas é outro objetivo do comitê, pois podem<br />

ser manejadas e fazer parte das pesquisas sobre comportamento e genética da<br />

espécie.<br />

Atualmente, o <strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong> é um exemplo bem sucedido de pesquisa<br />

associada à conscientização e mobilização para a conservação e transformou a<br />

arara <strong>azul</strong> em um símbolo do Pantanal. Ela tem inspirado artistas, biólogos, turistas<br />

e amantes da natureza em geral, e mais do que isso, tem garantido que a<br />

espécie continuará a existir em detrimento do que vem sendo feito com a mesma<br />

em outras regiões do Brasil.<br />

Histórico do tráfico<br />

(RENCTAS, 2006)<br />

A fauna silvestre sempre foi um importante elemento cultural das diversas tribos indígenas<br />

brasileiras. As mais variadas espécies eram utilizadas para a alimentação, que incluía quase<br />

todos os mamíferos, aves, répteis, anfíbios e insetos, como também seus ovos. De suas partes<br />

(dentes, ossos, garras, peles e outras) se fabricavam instrumentos e ferramentas, utilizadas para<br />

diversos fins. Os animais, principalmente as aves, eram essenciais para a ornamentação indígena,<br />

que usava penas coloridas de qualquer espécie para enfeitar as flechas, cocares, braçadeiras,<br />

colares, brincos e diversos outros itens. Muitas aves, como as araras e a harpia, eram capturadas<br />

e mantidas nas aldeias como fornecedoras de penas para ornamentação. Esses adornos eram<br />

utilizados pelos índios em seus rituais, festas e comemorações, e os que usavam as peças mais<br />

bonitas eram mais prestigiados pela tribo (CARVALHO, 1951; JÚNIOR, 1980; RAI, 1978a, b;<br />

MACHADO, 1992a; SICK, 1997b).<br />

As populações indígenas também incorporavam elementos faunísticos em seus mitos, lendas<br />

e superstições (muitos ainda presentes no folclore brasileiro atual), como também em suas<br />

canções, danças e obras de arte (Júnior, 1980; Andrade, 1993). Os índios também amansavam<br />

espécimes da fauna silvestre, sem nenhuma função útil, mas unicamente para diversão doméstica,<br />

alegria e curiosidade para os olhos. Esses animais eram mantidos nas aldeias como xerimbabos,<br />

que significa “coisa muito querida”, nome dado aos animais silvestres mantidos como de estimação,<br />

pelos índios brasileiros (CARVALHO, 1951; CASCUDO, 1973; SPIX e MARTIUS, 1981).<br />

Grande número de xerimbabos, das mais diferentes espécies, era encontrado nas aldeias indígenas,<br />

como araras, papagaios, periquitos, mutuns, bem-te-vi, diversos primatas, quatis, veados,<br />

jibóias e muitos outros. Os índios eram bastante apegados a esses animais, mas não se empenhavam<br />

em reproduzi-los. Domesticavam os espécimes e não as espécies. Os animais eram mantidos<br />

por motivos afetivos e circulavam livremente nas aldeias. Por terem perfeito conhecimento do


<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

modo de vida das espécies, os índios se preocupavam em manter a alimentação correta de cada<br />

animal (NOGUEIRA-NETO, 1973; SICK, 1997b). É importante ressaltar que a utilização da fauna<br />

silvestre pelos índios era realizada com critérios, sem ameaçar a sobrevivência das espécies, atividade<br />

bastante lucrativa, se tornou um novo ramo de negócios, como, por exemplo, não abatiam fêmeas<br />

grávidas ou animais em idade reprodutiva. No entanto, esses índios mudaram após o contato<br />

com os colonizadores e exploradores europeus. Começaram a explorar os recursos naturais mais<br />

seletivamente e intensamente, e em muitos casos eram usados como agentes depredadores desses<br />

recursos. Começa aí a história da exploração comercial da fauna silvestre brasileira, que pela sua<br />

diversidade gerava idéia de ser abundante e inesgotável.<br />

O comércio de animais silvestres, como jacarés e sucuris oriundos da região amazônica, já<br />

era realizado pelos Incas, no Peru, mas só atingiu proporções maiores depois da chegada da exploração<br />

européia (REDFORD, 1992). Esse comércio se desenvolveu paralelamente com o crescimento<br />

do interesse das pessoas por esses animais.<br />

No século XVI, época da abertura do mundo para a exploração européia, era motivo de orgulho<br />

para os viajantes retornarem com animais desconhecidos, comprovando assim o encontro<br />

de novos continentes (SICK, 1997a). Em 27 de abril de 1500, pelo menos duas araras e alguns<br />

papagaios, frutos de escambo com os índios, foram enviados ao rei de Portugal, juntamente com<br />

muitas outras amostras de animais, plantas e minerais. A impressão que tais aves causaram foi<br />

tanta, que por cerca de três anos o Brasil ficou conhecido como Terra dos Papagaios (BUENO,<br />

1998a). Em 1511, a nau Bertoa levou para Portugal 22 periquitos tuins e 15 papagaios (SANTOS,<br />

1990). Em 1530 o navegador português Cristóvão Pires levou 70 aves de penas coloridas (POLI-<br />

DO e OLIVEIRA, 1997). Esses foram os primeiros registros de envio da fauna silvestre brasileira<br />

para a Europa. Esses animais, que chegavam à Europa por meio de poucos viajantes e exploradores,<br />

despertavam a curiosidade e interesse do povo europeu, e logo começaram a ser expostos e<br />

comercializados nas ruas (HAGENBECK, 1910). Passaram a ser cobiçados para estimação e no<br />

século XVI já eram encontrados primatas sul-americanos nas residências inglesas, como também<br />

era comum encontrar indígenas e animais brasileiros em residências pela França (KAVANAGH,<br />

1983; BUENO, 1998b). Possuir animais silvestres sempre foi símbolo de riqueza, poder e nobreza,<br />

conferindo um certo status ao seu dono perante a sociedade (KLEIMAN et al., 1996). A partir do<br />

momento que o comércio de animais foi notado como uma atividade bastante lucrativa, se tornou<br />

um novo ramo de negócios, com viajantes especializados em obter animais para depois vendê-los<br />

(HAGENBECK, 1910). A comercialização da fauna silvestre ocidental, para a Europa, se sistematizou<br />

no final do século XIX, e a partir de então se iniciou o processo de extermínio de várias<br />

espécies de animais brasileiros para atender ao mercado estrangeiro.<br />

Os beija-flores eram exportados aos milhares para abastecerem a indústria de moda, como<br />

também eram utilizados, embalsamados, para ornamentação das salas européias (PAIVA, 1945;<br />

FITZGERALD, 1989; REDFORD, 1992; SICK, 1997a). As penas de garças e guarás eram utilizadas<br />

como adornos de chapéus femininos na Europa e na América do Norte, e o abate desses<br />

animais foi tão excessivo que, em 1895 e 1896, Emílio Goeldi (na época diretor do Museu Paraense<br />

de História e Etnografia), encaminhou duas representações ao governo do Estado do Pará,<br />

protestando contra a matança desses animais na Ilha de <strong>Marajó</strong> (ROCHA, 1995; POLIDO e OLI-<br />

VEIRA, 1997). No ano de 1932, cerca de 25 000 (vinte cinco mil) beija-flores foram mortos no<br />

Pará e suas penas destinadas à Itália, onde eram utilizadas para enfeitar caixas de bombons. Em<br />

1964, chegou-se ao absurdo de importar um canhão francês para se atirar nos bandos de marrecas<br />

na Amazônia, sendo registrada a morte de 60 000 (sessenta mil) marrecas em apenas uma fazenda<br />

no Amapá (SICK, 1997a).<br />

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104<br />

Casos de Sucesso na Educação Ambiental<br />

Não apenas a exportação, mas também o comércio interno no Brasil foi evoluindo, abastecido<br />

pelos avanços dos meios de transporte, comunicação, técnicas de captura dos animais, crescimento<br />

populacional e a urbanização, permitindo o acesso a áreas que antes não eram acessíveis para<br />

exploração da fauna (FITZGERALD, 1989; MUSITI, 1999). Na década de 1960, esse comércio se<br />

encontrava estabelecido e era comum encontrar animais silvestres e seus produtos sendo vendidos<br />

em feiras livres por todo o Brasil e no mercado da Praça Mauá, na cidade do Rio de Janeiro, que<br />

sempre foi um pólo comercial de fauna silvestre (SANTOS, 1990; SICK, 1997a; CAMPELLO,<br />

2000). A proporção era tão grande que alguns locais se destacavam pelas suas enormes “feiras de<br />

passarinhos”. Esse comércio se encontrava estabelecido no Brasil e era muito grande, sobretudo<br />

o de aves. Era rara uma cidade brasileira que não possuísse uma feira ou loja que realizasse esse<br />

comércio (Carvalho, 1951; SICK e TEIXEIRA, 1979; VINÍCIUS e SOARES, 1998).<br />

Até então não havia um controle por parte do governo sobre a caça, a captura e a utilização de<br />

animais silvestres. No Brasil, a caça e o comércio predatório e indiscriminado da fauna silvestre<br />

são práticas antigas, que passaram a ser ilegais no ano de 1967, pois até então não havia legislação<br />

que proibisse essas atividades. No ano de 1967, junto com a criação do Instituto Brasileiro de<br />

Desenvolvimento Florestal – IBDF, foi baixada a Lei Federal 5 197, a Lei de Proteção à Fauna,<br />

declarando que todos os animais da fauna silvestre nacional e seus produtos eram de propriedade<br />

do Estado e não poderiam mais ser caçados, capturados, comercializados ou mantidos sob a posse<br />

de particulares. No entanto, não foram dadas alternativas econômicas às pessoas que até então<br />

viviam desse comércio e que da noite para o dia caíram na marginalidade. Como conseqüência<br />

surgiu um comércio clandestino (MARQUES e MENEGHETI, 1982). Começa a partir daí a história<br />

do tráfico da fauna silvestre brasileira.<br />

Apesar da ilegalidade, ainda é muito fácil encontrar animais, suas partes e produtos sendo<br />

comercializados. Atualmente, só no estado do Rio de Janeiro existem cerca de 100 feiras livres,<br />

onde também são comercializados animais ilegalmente (ROCHA, 1995; POLIDO e OLIVEIRA,<br />

1997; BRAGA et al., 1998). A feira de Duque de Caxias (RJ) é considerada uma das maiores<br />

feiras de comércio ilegal do país. A permanência dessas feiras encoraja o comércio ilegal, pois<br />

demonstra impunidade a essa atividade, além de facilitar a posse, também ilegal, de animais por<br />

parte da sociedade. Não só as feiras, mas também algumas lojas e alguns criadouros legalizados<br />

e clandestinos, muitas vezes participam dessa atividade ilegal.<br />

A história do tráfico de animais silvestres não é apenas de desrespeito à lei, mas também<br />

de devastação e crueldade (TOUFEXIS, 1993). O comércio de animais silvestres capturados na<br />

natureza sempre foi uma atividade deletéria para a fauna, independente de ser legal ou ilegal. O<br />

processo de comercialização, técnicas de captura, transporte e manejo, de uma maneira geral, são<br />

os mesmos desde o início até hoje, com agravantes por atualmente ser uma atividade ilegal. Os<br />

animais sempre foram tratados de uma maneira desrespeitosa, vistos apenas como simples mercadorias,<br />

utilizados como fonte de renda.<br />

Do momento em que o comércio de fauna silvestre se estabeleceu na Europa, surgiram<br />

comerciantes e viajantes especializados em obter e revender esses animais. Os comerciantes<br />

faziam encomendas aos viajantes, que muitas vezes utilizavam intermediários no país de origem<br />

dos animais, para a obtenção destes. Os animais ao chegarem na Europa eram revendidos para<br />

zoológicos, colecionadores particulares, além de shows e exibições circenses (HAGENBECK,<br />

1910). Atualmente esquemas especializados do tráfico ainda funcionam assim. O grande traficante,<br />

geralmente europeu ou norte-americano, possui uma rede de vendedores no país receptor<br />

e emprega coletores e contrabandistas no país exportador, que encaminham os animais até ele<br />

(LE DUC, 1996).<br />

O transporte se dava por navios e trens e os animais eram transportados amontoados de<br />

maneira que não dava para alimentá-los. Ficavam estressados e para acalmá-los e facilitar o trans-


<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong><br />

porte, muitas vezes eram oferecidas aos animais bebidas alcoólicas, como rum com açúcar (HA-<br />

GENBECK, 1910). Atualmente, apesar de existirem técnicas de manejo e transporte adequadas às<br />

espécies, no comércio ilegal os animais continuam sendo transportados confinados em pouco espaço,<br />

sem água e alimento, presos em caixas superlotadas, onde se estressam, brigam, se mutilam<br />

e se matam. Além da ingestão de bebidas alcoólicas, muitas vezes os animais são submetidos a<br />

práticas cruéis que visam a amortecer suas reações e fazê-los parecer mais mansos ao comprador<br />

e chamar menos atenção da fiscalização. É comum dopar animais com calmantes, furar ou cegar<br />

os olhos das aves, amarrar asas, arrancar dentes e garras, quebrar o osso esterno das aves, entre<br />

muitas outras técnicas cruéis (JUPIARA e ANDERSON, 1991; LOPES, 1991).<br />

Os comerciantes e compradores não possuíam experiência e conhecimento necessário sobre<br />

a biologia dos animais e de como tratá-los, o que também acarretava uma elevada morte dos animais<br />

(HAGENBECK, 1910; KLEIMAN et al., 1996). Ainda hoje, apesar de todo estudo e conhecimento<br />

de manejo, muitos compradores ignoram as necessidades mínimas dos animais.<br />

Após consultar as referências recomendadas, responda às seguintes questões:<br />

1. Qual a relação entre o tráfico de animais silvestres e a perda de biodiversidade?<br />

2. Você acha que o tráfico de animais está relacionado a outras atividades ilícitas? Em caso positivo,<br />

com quais e de que forma?<br />

3. Quais os itens básicos que um projeto de conservação de uma espécie ameaçada deve considerar<br />

para ser bem-sucedido?<br />

4. Além do <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>, quais outros exemplos de projetos no Brasil que são desenvolvidos com o<br />

intuito de proteger espécies ameaçadas?<br />

5. O que você acha que pode fazer para ajudar a proteger espécies ameaçadas de extinção?<br />

6. Discuta em grupo quais as ações do <strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong> que, na sua opinião, foram mais eficazes<br />

para impedir que essa ave fosse extinta?<br />

7. Faça uma pesquisa sobre outros psitacídeos brasileiros ameaçados de extinção, procurando investigar<br />

quais as principais causas desse processo, que tipo de trabalho vem sendo desenvolvido<br />

e quais os principais resultados obtidos. Compare os resultados obtidos com o <strong>Projeto</strong><br />

<strong>Arara</strong>- Azul e discuta em grupo com os demais colegas.<br />

CALDAS, S. T.; CANDISANI, L. <strong>Arara</strong>-Azul. São Paulo: Dórea Books and Art, 2005.<br />

Esse livro mostra belas fotos de Luciano Candisani, fotógrafo de natureza, das araras-azuis em<br />

seu habitat natural. São mostrados o comportamento da espécie durante todas as fases da sua vida, desde<br />

o nascimento até o acasalamento e o surgimento de uma nova geração de araras. Também mostra os<br />

105


106<br />

Casos de Sucesso na Educação Ambiental<br />

esforços empreendidos para a preservação da espécie, em texto bilíngüe (português e inglês), de autoria<br />

de Sérgio Túlio Caldas. Esses mesmos autores já escreveram outros dois livros que também contam as<br />

histórias de luta dos biólogos para salvar espécies ameaçadas de extinção, o Peixe-Boi e o Muriqui.<br />

CORRÊA, M. S. Sinais da Vida: algumas histórias de quem cuida da natureza do Brasil. Curitiba:<br />

Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2005.<br />

Livro comemorativo dos 15 anos da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, que relata de forma<br />

simples e atraente alguns projetos apoiados pela Instituição ao longo de sua história. Entre eles, o<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-<strong>azul</strong>. São informações atualizadas e contextualizadas na história que envolve a relação<br />

da bióloga Neiva Guedes e a arara-<strong>azul</strong>.<br />

MACHADO, A. B.; MARTINS, C. S.; DRUMMOND, G. M (Org.). Lista da Fauna Brasileira Ameaçada<br />

de Extinção. Belo Horizonte: Fundação Biodiversitas, 2005.<br />

A lista brasileira da fauna ameaçada de extinção é apresentada nessa publicação de forma crítica e<br />

comentada por especialistas nos diferentes grupos, juntamente com a história das listas no Brasil,<br />

marcos legais do tema e algumas informações sobre as espécies tratadas. A publicação e constante<br />

atualização das listas de espécies ameaçadas de extinção é um dos compromissos preconizados na<br />

Convenção da Diversidade Biológica (CDB) da qual o Brasil é signatário.<br />

UNIVERSIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO E REGIÃO DO PANTANAL. <strong>Projeto</strong><br />

<strong>Arara</strong>-Azul. Disponível em: . Acesso em: 2 jun. 2006.<br />

Site institucional da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal – Uniderp<br />

– instituição onde a bióloga Neiva Guedes desenvolve suas atividades de ensino, pesquisa e extensão.<br />

É proprietária da Pousada <strong>Arara</strong>una, uma das bases de campo do <strong>Projeto</strong>.<br />

ZOOLÓGICO DE SÃO PAULO. <strong>Arara</strong>-Azul-Grande. Disponível em: . Acesso em: 2 jun. 2006.<br />

Site do Zoológico de São Paulo, no qual é possível encontrar informações mais detalhadas sobre as<br />

diferentes espécies de araras tratadas no texto.<br />

CORRÊA, M. S. Sinais da Vida: algumas histórias de quem cuida da natureza do Brasil. Curitiba:<br />

Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2005.<br />

LORENZI, H. Árvores Brasileiras: manual de identificação de plantas arbóreas nativas do Brasil.<br />

Nova Odessa: Plantarum, 1998. v. 2.<br />

MACHADO, A. B.; MARTINS, C. S.; DRUMMOND, G. M (Org.). Lista da Fauna Brasileira Ameaçada<br />

de Extinção. Belo Horizonte: Fundação Biodiversitas, 2005.<br />

RENCTAS. Relatório da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres 2001. Disponível<br />

em: . Acesso em: 2 jun. 2006.<br />

UNIVERSIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO E REGIÃO DO PANTANAL.<br />

<strong>Projeto</strong> <strong>Arara</strong>-Azul. Disponível em: . Acesso em: 2 jun.<br />

2006.<br />

ZOOLÓGICO DE SÃO PAULO. <strong>Arara</strong>-Azul-Grande. Disponível em: . Acesso em: 2 jun. 2006.

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