Aos textos, com prazer! - Secretaria da Educação
Aos textos, com prazer! - Secretaria da Educação
Aos textos, com prazer! - Secretaria da Educação
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
1<br />
Professoras do grupo GELING no TAL. Coordenação e Vice-coordenação do GELING - Dinéa Maria Sobral Muniz e Mary de Andrade<br />
Arapiraca.<br />
12<br />
<strong>Aos</strong> <strong>textos</strong>, <strong>com</strong> <strong>prazer</strong>!<br />
1<br />
Sensibilizado, o GELING - Grupo de Estudo e Pesquisa em <strong>Educação</strong> e Linguagem,<br />
FACED/UFBA - agradece o convite formulado pela <strong>Secretaria</strong> <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> do Estado <strong>da</strong> Bahia,<br />
gesto que a ele confere lugar distinto e de reconhecimento do argumento <strong>com</strong> que debate sobre<br />
leitura e produção de texto na perspectiva literária. Foi, entre <strong>textos</strong>, <strong>com</strong> <strong>textos</strong> e palavras que<br />
integramos ao grupo que fez acontecer o TAL.<br />
Atento ao poder fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> linguagem, <strong>da</strong> linguagem verbal e ao gosto que desenvolve<br />
pelas palavras, pela sua invariável presença nos nossos encontros e na nossa convivência,<br />
materializando quereres e saberes, é que o GELING as toma, na sua potência, para louvar, celebrar,<br />
festejar os dias e as noites de ativi<strong>da</strong>des do Projeto!<br />
Com essa expectativa e <strong>com</strong> a de oferecer a todos os participantes palavras <strong>com</strong> as quais<br />
possam engendrar, de modo justo, projetos que assegurem a emancipação dos sujeitos que se educam<br />
nos espaços diversos que a Pe<strong>da</strong>gogia pode ocupar, constituindo-os amplos espaços que abriguem<br />
um tipo singular de alegria, a “alegria cultural”, o GELING voltou à Casa <strong>da</strong>s Palavras. Casa,<br />
construí<strong>da</strong> <strong>com</strong> esmero por Galeano, o escritor uruguaio que, por vezes, nos visita, nos presenteando<br />
<strong>com</strong> suas “Palavras An<strong>da</strong>ntes”.<br />
Ali foram encontra<strong>da</strong>s certas palavras: palavras ocas, prepotentes, arrogantes, banais,<br />
graves, preconceituosas, inatuais, opositoras, palavras opressoras. É certo que foram encontra<strong>da</strong>s<br />
outras palavras, almejando uso pleno, concreto, determinado: palavras otimistas, alegres, eficientes,<br />
exigentes, humanas, emotivas, exemplares, sinceras, dóceis, fraternas, flexíveis, ruidosas, brilhantes,<br />
eloquentes, efusivas, felizes, cooperativas, amigas, includentes, realiza<strong>da</strong>s, au<strong>da</strong>ciosas, enfim,<br />
palavras potentes.<br />
Essas, generosamente, se mostraram disponíveis para vocês e prometeram, sempre que<br />
necessário, pular to<strong>da</strong>s as linhas, saltar <strong>da</strong>s folhas, se refugiar em telas, renascer <strong>da</strong>s teclas e fazer do<br />
TAL uma festa de palavras li<strong>da</strong>s, fala<strong>da</strong>s, declama<strong>da</strong>s, musica<strong>da</strong>s, encanta<strong>da</strong>s. To<strong>da</strong>s a favor <strong>da</strong><br />
emancipação dos estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> educação básica de ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que, no seu conjunto, conforma o<br />
estado <strong>da</strong> Bahia.<br />
Prometeram, ain<strong>da</strong>, sau<strong>da</strong>r José Carlos Capinan, convi<strong>da</strong>do especial que ao TAL se integra,<br />
por sua arte, pelo que dela ressoa na Pe<strong>da</strong>gogia para que a realizemos, sob forma de versos, de<br />
prosas e de melodias.<br />
13
14<br />
Anderson, 23 anos, estu<strong>da</strong>nte do 2ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual Alcides David – Itapitanga, Direc 7 – Itabuna.<br />
2<br />
Pré-modernismo e contexto social<br />
Anderson Oliveira dos Santos<br />
Entra Antônio Conselheiro (ar pensativo). Depois chegam: Euclides, Lima, Monteiro, Augusto, Graça.<br />
EUCLIDES: Amigos, convidei-os para juntos olharmos a reali<strong>da</strong>de do nosso país. Idealizá-lo apenas<br />
nas criações literárias não irá, de modo algum, libertar a oprimi<strong>da</strong> nação.<br />
MONTEIRO: É ver<strong>da</strong>de, mas <strong>com</strong>o fazer essa mu<strong>da</strong>nça drástica? Aqui há um aglomerado de<br />
problemas, que vão além do social, político, cultural e humano.<br />
GRAÇA: Contudo, não deve haver fronteiras mais sóli<strong>da</strong>s que a humani<strong>da</strong>de. Que todo ser humano<br />
constitui, é preciso acreditar na pessoa humana, acreditar num futuro melhor, mais justo!<br />
AUGUSTO: Não, não podemos enquadrar todo indivíduo nesse conceito de humani<strong>da</strong>de, há muitos<br />
vermes que se vestem, falam, usam <strong>com</strong>o humanos, e não trazem consigo o princípio básico <strong>da</strong><br />
humani<strong>da</strong>de: o respeito ao outro.<br />
LIMA: Belas palavras! Mas enquanto disputamos o melhor português, há pessoas reais que convivem<br />
todos os dias <strong>com</strong> a fome, a miséria, o preconceito real. E tudo graças à capaci<strong>da</strong>de humana de<br />
discernir o negro do branco; o pobre do rico, mas não enxerga o humano do lado dos<br />
desfavorecidos.<br />
ANTÔNIO: Senhores, se expusermos todos os problemas, não causaremos impacto. Temos que<br />
focalizar o mais abrangente, o que atende aos mais necessitados. Sugiro que ca<strong>da</strong> um exponha o<br />
problema que julgue mais urgente que, resolvido ou amenizado, venha aju<strong>da</strong>r o maior número<br />
possível de brasileiros.<br />
EUCLIDES: Bom, eu acredito que o pior problema do Brasil encontra-se no sertão nordestino.<br />
JOÃO: Oh! Meu Deus, já perdemos nosso pezinho de mio, os granzim de feijão bicharo tudo. Não<br />
temo mai na<strong>da</strong> nessa vi<strong>da</strong>. Só a cadela Piaba e a vaca Miana.<br />
O que é, muié?<br />
MARIA: Na<strong>da</strong> não, omi.<br />
JOÃO: Como na<strong>da</strong>, muié, se tu tá <strong>com</strong> essa cara práli<strong>da</strong> e arbati<strong>da</strong> <strong>com</strong>o <strong>da</strong> vaca Miana e triste<br />
<strong>com</strong>o o cachorro Piaba?<br />
MARIA: Oh! Meu véi, eu to é cu'ma fome que mim dói inté a alma, faz é tempo qui nóis não imbrulha o<br />
istombo e nem um gole d'água pra matar a sede.<br />
(os dois se abraçam e choram tristes)<br />
2<br />
FOME: Ai, mainha, tá <strong>com</strong> fominha, é? Vai ter que me aguentar, porque existe uma rainha neste país, sou eu.<br />
SEDE: Êpa... Calma aí, perua! Quem é você para dizer que reina no meu país?<br />
FOME: A to<strong>da</strong>-poderosa. Sou a fome. E você, quem é?<br />
SEDE: Ora quem sou? A rainha <strong>da</strong>s rainhas, meu bem: a sede. Te mete!<br />
FOME: Você pode até existir, mas eu ocupo lugar de destaque. Aqui são produzidos 41% a mais de<br />
alimentos que o total <strong>da</strong> população, que é de 191 milhões, aproxima<strong>da</strong>mente, e ain<strong>da</strong> assim, eu reino.<br />
SEDE: Hum, grande coisa! Porque o Brasil possui 12% de água doce do planeta, mas desse total o Nordeste<br />
tem apenas 3%. Olha esses pobres coitados, não têm uma gota d'água. Ain<strong>da</strong> bem, porque senão me<br />
matariam.<br />
FOME: Então, vamos dividir a glória, nós duas imperamos.<br />
SEDE: Somos assim: existimos, mas as pessoas fingem que não nos veem.<br />
(todos saem: Maria e João tristes e elas felizes)<br />
GRAÇA: Podemos abor<strong>da</strong>r também a imigração alemã no Espírito Santo.<br />
LIMA: Desculpe-me, caro amigo, mas os brancos, mesmos os estrangeiros, sempre tiveram seu espaço neste<br />
país.<br />
(neste momento, entram Taís e Nara conversando, quando passa um “home branco”)<br />
NARA: Eh, papá, que delícia, um deus grego! Que pele branquinha! Parece um anjo.<br />
TAÍS: Cruz credo!!!!!!!! Se esse é anjo, o deus grego, o sapo sempre foi o príncipe lindo <strong>da</strong>s estórias. (passa o<br />
“home” negro)<br />
TAÍS: Isso sim é uma beleza divina, não por ser grega, mas original em qualquer lugar do mundo.<br />
NARA: Eu, hein? Só gosto de carvão pro churrasco. E só final de semana. O cheiro de fumaça, então!... Me dá<br />
náuseas. Olha o cabelo, tenho alergia a esponja de aço.<br />
NEGRO: Desculpe-me, mas falou <strong>com</strong>igo?<br />
NARA: Além de negro, é surdo.<br />
TAÍS: Que é isso, Nara?! O ser humano não é reconhecido pela cor <strong>da</strong> pele, mas pela humani<strong>da</strong>de e, só por<br />
essa condição, ele merece respeito. Peça desculpas. (Taís desdenha)<br />
NEGRO: Chega! Chega! Já sofremos demais neste país. Fomos arrancados de nossa pátria, transportados<br />
nos porões dos navios <strong>com</strong>o ratos imundos, trabalhamos duro para construir esta nação que nos humilha, nos<br />
15
16<br />
condena a uma vi<strong>da</strong> refrea<strong>da</strong> de sonhos, respeito, liber<strong>da</strong>de. Somos humanos. Gente que pensa, que sente,<br />
chora <strong>com</strong> o desemprego, <strong>com</strong> a injustiça e a frieza de suas almas limpas de humani<strong>da</strong>de. Somos gente!<br />
Somos gente! Somos gente!<br />
(o negro sai orgulhoso de si e as meninas <strong>com</strong> ar reflexivo)<br />
MONTEIRO: De fato, o negro é muito injustiçado neste país, mas nos subúrbios do Sudeste há uma<br />
concentração ain<strong>da</strong> maior, injustiça<strong>da</strong>.<br />
EMERSON: Olha o doce! Olha o doce! Compra, moço! Compra, senhora, é pra aju<strong>da</strong>r minha mãe.<br />
ALAN: Que na<strong>da</strong>, seu bandidinho! É pra você usar drogas e <strong>com</strong>prar armas pra matar pessoas de ver<strong>da</strong>de,<br />
não vermes <strong>com</strong>o você!<br />
ALAN: Por que tanto ódio, senhora? Não lhe fiz na<strong>da</strong>.<br />
VALKÍRIA: Você existe. Isso é o bastante pra te odiar.<br />
ALAN: Ninguém nasce pobre porque quer! (baixa a cabeça e chora)<br />
MEL: Olá, menino! Como se chama?<br />
ALAN: Alan.<br />
MEL: Por que choras?<br />
ALAN: Por tantas coisas... só não tenho motivos pra sorrir.<br />
MEL: Por quê?<br />
ALAN: Moça, moro na favela, tenho seis irmãos, meu pai morreu no tráfico de drogas e eu, pra não entrar<br />
nesse mundo sem volta, estudo à noite, à tarde tomo conta de meus irmãos e pela manhã enfrento uma<br />
reali<strong>da</strong>de pior que a do morro. Lá existe fome, drogas, violência, mas todos são tratados por igual. Aqui eu<br />
sou o pior dos miseráveis. O mais desprezível.<br />
MEL: Poxa, <strong>com</strong>o você sofre! Mas você será um grande homem, a educação lhe trará re<strong>com</strong>pensas, mas por<br />
enquanto eu vou ajudá-lo. Graças a Deus, tenho recursos, vou empregar sua mãe, que terá um salário digno<br />
e você e seus irmãos vão estu<strong>da</strong>r para mu<strong>da</strong>r a reali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> de outras pessoas que sofrem injustiças.<br />
ANTÔNIO: Senhores, todos os problemas têm suas vítimas. Por isso, precisamos <strong>com</strong>bater a injustiça. O<br />
preconceito e a miséria que atrofiam a felici<strong>da</strong>de deste povo, que luta todos os dias para se manter vivo e<br />
honesto e que tenta <strong>com</strong> o sorriso vencer as barreiras históricas <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de.<br />
MONTEIRO: Gente, os grandes gênios e heróis desta nação nunca fomos nós que fazemos parte <strong>da</strong> história<br />
oficial, e, sim, o povo, que vive todos os dias a ver<strong>da</strong>deira história.<br />
LIMA: É ver<strong>da</strong>de, e todos eles são exemplos.<br />
GRAÇA: De quê?<br />
NARA E TAÍS: SUPERAÇÃO!<br />
FOME E SEDE: PERSISTÊNCIA!<br />
ALAN E MEL: SOLIDARIEDADE!<br />
JOÃO E MARIA: ESPERANÇA!<br />
NEGRO: CORAGEM!<br />
TODOS: BRASILEIROS!<br />
17
Temerias<br />
Elielson dos Santos Rios<br />
Temeria eu as trevas<br />
Se não an<strong>da</strong>sse nas sombras<br />
Se não visse nela a beleza <strong>da</strong> noite<br />
E o encanto <strong>da</strong>s auroras<br />
Temeria eu o veneno <strong>da</strong> serpente<br />
Se não provasse o amargo <strong>da</strong> solidão<br />
O vazio e o silêncio <strong>da</strong> tristeza<br />
Que ferem este meu coração<br />
Temeria eu a fúria <strong>da</strong> natureza<br />
Se eu não percebesse a tua beleza<br />
Se não olhasse a primavera<br />
E as flores de sua grandeza<br />
Sim, eu temeria o que era mau<br />
Da solidão às trevas<br />
Da vingança à noite<br />
Do vazio à tua per<strong>da</strong><br />
Sim, eu temeria.<br />
18 19<br />
3<br />
3<br />
Elielson, 18 anos, 2ª série do Ensino Médio <strong>da</strong> Escola Frederico Costa <strong>da</strong> DIREC 1A Salvador.
20<br />
Canção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
Edemilson Brito dos Santos<br />
Necessária para todos... Valoriza<strong>da</strong> por menos.<br />
É um amor ver<strong>da</strong>deiro, sem medir condições.<br />
É uma aventura? Uma paixão de festa?<br />
É um acorde sem ritmo? É um tempo perfeito.<br />
“Poucos sorriem”... Muitos choram na trajetória do canto.<br />
Há quem <strong>da</strong>nça no ritmo, outro no ritmo desencontra.<br />
Há quem mesmo sem ritmo traz sentido nesta <strong>da</strong>nça.<br />
Há quem grita, e não é ouvido.<br />
Há quem é ouvido sem gritar.<br />
Há quem no início já chega ao fim.<br />
Há quem cante to<strong>da</strong> a música, e o faz cantar também.<br />
Há um sorriso enganador, uma lágrima ver<strong>da</strong>deira.<br />
Há uma tristeza na <strong>da</strong>nça, uma alegria encantadora.<br />
Supere os arranjos... Valorize a melodia...<br />
Tire os supérfluos...<br />
4<br />
Cante e <strong>da</strong>nce a canção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Edemilson, 39 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Estadual Cristina Batista, DIREC 08 - Eunápolis.<br />
4<br />
21
22<br />
Passarinho<br />
Damilly Freires <strong>da</strong> Silva<br />
Queria ser um passarinho<br />
Que gostasse de voar<br />
Que saísse do seu ninho<br />
Que pudesse passear<br />
Encontrar um arco-íris<br />
Com to<strong>da</strong>s as suas cores<br />
Poder brincar <strong>com</strong> o vento<br />
Poder brincar <strong>com</strong> as flores<br />
Queria abraçar as nuvens,<br />
Branquinhas <strong>com</strong>o algodão,<br />
Viajar para o espaço<br />
Conhecer Marte e Plutão.<br />
Quando sentisse medo,<br />
Nas estrelas ia me esconder,<br />
E bem pertinho <strong>da</strong> lua,<br />
iria adormecer.<br />
Iria seguir uma pombinha,<br />
Que para a ci<strong>da</strong>de ia me levar,<br />
Pousava numa pracinha,<br />
E ficava a esperar,<br />
Que uma velha senhora,<br />
Viesse me alimentar.<br />
Ao chegar o pôr do sol,<br />
Voltaria para o meu ninho,<br />
Brincando <strong>com</strong> os meus amigos,<br />
E recebendo carinho,<br />
Pois essa é a minha vi<strong>da</strong>,<br />
A vi<strong>da</strong> de um passarinho.<br />
5<br />
Damilly, 13 anos, 6ª série do ensino fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> Escola Estadual Carlina Barbosa de Deus, DIREC 10 - Paulo Afonso.<br />
5<br />
23
24<br />
Mel que adoça a alma<br />
Danyella Simões dos Santos Souza<br />
6<br />
O céu estava nublado e os pingos <strong>da</strong> chuva batiam <strong>com</strong> força na janela, enquanto olhos cor azul<br />
cerúleo fitavam o aguaceiro lá fora. Estava senta<strong>da</strong>, penteando os longos cabelos negros, que<br />
contrastavam <strong>com</strong> sua pele páli<strong>da</strong> e seus olhos claros. A tarde de sábado parecia caminhar<br />
lentamente e a chuva fazia lembrar-lhe de sua infância. Adorava ficar em casa nos dias chuvosos,<br />
mesmo que também gostasse de estu<strong>da</strong>r e sair, mas era um privilégio poder ter aquele momento só<br />
para ela.<br />
A casa estava vazia. Levantou-se de onde estava senta<strong>da</strong>, colocou o pente sobre a penteadeira,<br />
pegou um caderninho dentro de uma gaveta e, naquele momento, ela iria se dedicar a uma de suas<br />
paixões: escrever.<br />
Notou que restavam poucas folhas e que, brevemente, precisaria de outro caderno. Sentou-se no<br />
meio de sua cama e sentiu-se serena. Seu quarto tinha tons róseos e sua cama estava forra<strong>da</strong> por um<br />
cobertor <strong>com</strong> detalhes florais. Ao folhear seu caderninho, veio em sua mente a imagem de dois olhos<br />
cor de mel que ela conhecia muito bem. Foi o dono desses olhos que a inspirou a escrever a maioria<br />
dos poemas que havia naquele pequeno caderno. Lembrou-se de quando era novata no colégio, há<br />
dois anos, e não conhecia ninguém. Ele foi o primeiro a falar: “Bem-vin<strong>da</strong>, Clarinha! Eu sei que pode<br />
parecer estranho, mas, se precisar de qualquer coisa, pode contar <strong>com</strong>igo!”<br />
Depois de ter dito isso, abriu um sorriso resplandecente, que, só em pensar nisso, Ana Clara corava<br />
um pouco. Adorava ser chama<strong>da</strong> de “Clarinha” por ele. Mesmo que to<strong>da</strong> sua família a chamasse<br />
<strong>da</strong>quele jeito, <strong>com</strong> ele era diferente. Ele era a razão dela acreditar em si mesma. Sempre teve<br />
baixa autoestima e o garoto dos olhos cor de mel era seu sustento. Mesmo que ele não soubesse,<br />
esse era o segredo que Ana Clara nunca revelara a ninguém, somente para seu “caderno de<br />
confidências”, se é que podemos chamá-lo assim.<br />
A chuva continuava forte, porém agradável. Envolvi<strong>da</strong> por suas lembranças, ela sentiu suas<br />
pálpebras pesarem. Tentou lutar contra o sono, mas acabou adormecendo, acalanta<strong>da</strong> pelo doce<br />
som dos pingos de chuva na janela.<br />
Depois de algum tempo, Ana Clara <strong>com</strong>eçou a sonhar. No sonho, ela parecia estar em um ambiente<br />
familiar. As paredes eram rosa<strong>da</strong>s e tudo estava no seu devido lugar. Logo ela percebeu que estava<br />
no próprio quarto. Levantou-se e fitou, por alguns segundos, uma cesta <strong>com</strong> pãezinhos de mel, sobre<br />
a penteadeira.<br />
- “Marcelo...” – sussurrou o nome de seu amor secreto, enquanto olhava os pãezinhos de mel e se<br />
lembrava dos lindos olhos do garoto.<br />
- “Seus olhos... sua voz... tudo em você adoça minha alma... me faz feliz.” – falava baixinho <strong>com</strong>o se<br />
tivesse medo de alguém ouvir.<br />
Danyella, 15 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio <strong>da</strong> Polícia Militar Alfredo Vianna, DIREC 15 - Juazeiro.<br />
6<br />
25
26<br />
Por impulso, ela se trocou rapi<strong>da</strong>mente e vestiu um vestidinho branco acima do joelho. Olhou pela janela e<br />
viu que não chovia mais. As nuvens estavam se dissipando, mas o sol não ameaçava aparecer, e o ar estava<br />
agradável. Então, Ana Clara ficou mais confiante. Pegou a cesta de pães de mel e saiu em direção à casa<br />
de Marcelo.<br />
Durante o caminho, ela pensava em algo para dizer a seu amado. A casa dele ficava a três quarteirões<br />
<strong>da</strong>li, e, quando Ana Clara estava prestes a bater na porta, pensou: “Já sei! Posso entregar essa cesta de<br />
pãezinhos e agradecer pela aju<strong>da</strong> que ele sempre me deu na escola”. Um pouco trêmula, ela bateu<br />
levemente na porta e de lá de dentro <strong>da</strong> casa escutou alguém gritar “Já vai!”.<br />
Ana Clara estava <strong>com</strong> a cabeça baixa, olhando para o chão, quando viu um corpo à sua frente: era ele.<br />
Marcelo estava <strong>com</strong> os cabelos castanhos molhados, <strong>com</strong>o se tivesse acabado de sair do banho. Usava uma<br />
calça de moletom e alguns pingos de água que lhe caíam sobre o ombro e molhavam seu peito nu <strong>da</strong>vam a<br />
ele um ar sedutor.Ela imediatamente ficou rubra. Não estava acostuma<strong>da</strong> a ver um homem sem camisa na<br />
sua frente. Marcelo, ao ver Ana Clara <strong>com</strong> uma cesta na mão, não entendeu na<strong>da</strong>. Para quebrar o silêncio,<br />
ele foi o primeiro a falar:<br />
- “Você? Aqui? O que aconteceu?”<br />
Essas três perguntas fizeram Ana Clara se entristecer. Não queria ser um incômodo. Ele, percebendo que<br />
havia sido frio demais <strong>com</strong> sua colega, tentou soar mais suave:<br />
- Pãezinhos de mel? Isso é pra mim, Clarinha? – Marcelo se aproximou do rosto de Ana Clara para falar, e<br />
ela estava embriaga<strong>da</strong> pelo aroma refrescante que exalava <strong>da</strong> boca do rapaz.<br />
Um pouco tími<strong>da</strong>, ela se pronunciou:<br />
- Na ver<strong>da</strong>de é. Eu vim aqui agradecer por você sempre me aju<strong>da</strong>r e me apoiar, eu também queria saber...<br />
– Ana Clara foi interrompi<strong>da</strong> por uma garota loira, muito bonita, por sinal.<br />
- “Ah, não fica aí batendo papo, Marcelo. Entra logo, meu amor!”<br />
A menina loira tinha uma voz bastante agu<strong>da</strong>. Combinava perfeitamente <strong>com</strong> a altura dela, já que não era<br />
muito alta.<br />
Ana Clara, vendo aquela situação, entendeu tudo. Provavelmente, a garota loira era namora<strong>da</strong> de<br />
Marcelo. Ela, <strong>com</strong> rapidez, entregou a cesta de pães a ele e saiu correndo até sua casa, o mais rápido<br />
possível, para que Marcelo não visse os pequenos cristais de lágrimas que se formavam nos seus serenos<br />
olhos. Foi nesse momento que ela acordou. Lembrava-se perfeitamente do sonho que tivera, mas não se<br />
lembrava de conhecer nenhuma garota loira e baixinha. O sonho era tão real, mas a suposta namora<strong>da</strong> de<br />
Marcelo era fruto <strong>da</strong> sua imaginação fértil. Levantou-se <strong>da</strong> cama e sobre a penteadeira não havia<br />
nenhuma cesta <strong>com</strong> pãezinhos. Somente uma caixinha de música. Revolta<strong>da</strong>, sentou-se na cadeira<br />
acolchoa<strong>da</strong> <strong>da</strong> penteadeira, pegou seu caderninho e se pôs a escrever:<br />
“Olhos de mel,<br />
Sorria para mim.<br />
Será que não vê,<br />
Que estou aqui?<br />
Olhos de mel,<br />
Olhe pra mim.<br />
Será que percebe,<br />
Que olhos de cerúleo velam por ti?”<br />
Por um momento, ela parou de escrever e olhou-se no espelho. Não se achava feia. Na ver<strong>da</strong>de, era muito<br />
bonita. Os longos cabelos pretos que iam até a cintura lhe caíam sobre os ombros, seus olhos azuis<br />
<strong>com</strong>binavam <strong>com</strong> sua pele branquíssima e as paredes do quarto emprestavam a ela o tom rosado para suas<br />
bochechas. Parou de se olhar no espelho e voltou a escrever:<br />
“Olhos de mel,<br />
Você vai chorar,<br />
Quando a <strong>da</strong>ma dos fios dourados partir?”<br />
Ana Clara enfureceu-se. Falava para si mesma: “Ótimo! Acabei de chamar minha rival imaginária de <strong>da</strong>ma<br />
dos fios dourados!” Rasgou o poema que fizera e o jogou na lixeira. Não queria mais ficar em casa. Vestiu<br />
uma calça jeans e um blusão azul. Pegou algum dinheiro para <strong>com</strong>prar uma caixa de bombons. “Chocolate é<br />
mais informal e todo mundo gosta” pensava, enquanto escrevia um bilhete para entregar a Marcelo junto<br />
<strong>com</strong> os chocolates:<br />
“Você pode me achar boba,<br />
Pode ser que nem me queira,<br />
Não aguento mais guar<strong>da</strong>r isso só pra mim,<br />
O que eu quero,<br />
É que você respon<strong>da</strong> sim.<br />
Por que... EU TE AMO!”<br />
Dobrou o papel ao meio e no verso <strong>da</strong> folha escreveu:<br />
“Seus olhos<br />
São <strong>com</strong>o mel,<br />
Que adoçam minha alma”.<br />
Ana Clara<br />
Guardou o bilhete no bolso e saiu de casa confiante. Tinha certeza de que tudo <strong>da</strong>ria certo. Caminhava a<br />
passos lentos até a casa do seu amado, já que não tinha pressa. Não chovia mais. No céu, se via um belo<br />
crepúsculo e tudo colaborava para que aquele fim de tarde fosse perfeito. Seus lábios estavam desejosos<br />
para ter Marcelo e <strong>da</strong>r-lhe beijos lascivos, sua pele transpirava ao pensar no leve toque dos seus lábios <strong>com</strong><br />
os dele, o ar estava quente e gostoso, as nuvens estavam alaranja<strong>da</strong>s e os pássaros pareciam formar uma<br />
sinfonia. Foi <strong>com</strong>o se aquele entardecer fosse preparado especialmente para que uma garota de olhos<br />
cerúleos se declarasse ao amor de sua vi<strong>da</strong>.<br />
27
28<br />
Dezembro, 1961<br />
Filipe de Almei<strong>da</strong> Góes<br />
7<br />
... De ver o teu corpo num pano cigano e sentir o teu cheiro que mora nas abas do meu paletó.<br />
De quando eu, todo plateia, vejo <strong>da</strong> cama quando tu vagarosamente te pintas <strong>com</strong> cores, <strong>com</strong> cores<br />
de quase luxo e diante <strong>da</strong> mentira do espelho és Narciso e és Orfeu.<br />
De te ver abrir as portas do armário e tirar dele tuas armaduras de guerra dizendo:<br />
- O azul ou o vermelho? Qual te faz mais gosto?<br />
Bem... Decerto que o azul era por demais decotado, mas o tom era doce e <strong>com</strong>padecia, já o<br />
vermelho, <strong>com</strong>o todos sabemos, tinha mangas ren<strong>da</strong><strong>da</strong>s e <strong>com</strong>pri<strong>da</strong>s, mas a cor denunciava todo e<br />
qualquer pecado, e ain<strong>da</strong> que to<strong>da</strong>s as noites me fizesse maquinalmente escolher entre os dois,<br />
surgias sempre <strong>da</strong> pequena cabina <strong>com</strong> o velho vermelho satânico e desbotado.<br />
E assim passariam as nossas noites. Tu, iludi<strong>da</strong>, a me fazer de tolo.<br />
Eu, o tolo que tu querias, pediria-te apenas os olhos de fúria emprestados, sim, Ana, os pequenos<br />
olhinhos de fúria, para que, <strong>com</strong> eles, eu fizesse to<strong>da</strong> sorte de gozo, para que, <strong>com</strong> eles, eu me<br />
ressarcisse na noite e no tempo de tua ausência.<br />
De Vicente à Ana.<br />
Filipe, 17 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, DIREC 20 - Vitória <strong>da</strong> Conquista.<br />
7<br />
29
30<br />
Eu poeta tu poesia<br />
Alefe de Castro Dourado<br />
Hoje fugi de tudo que penso e sou...<br />
Hoje não sou poeta nem poema,<br />
Não declamei a minha poesia,<br />
Não tenho verso nem rima,<br />
Como outrora em outros dias.<br />
Em tudo havia versos,<br />
Era fácil a rima em tudo que tu dizias,<br />
A ca<strong>da</strong> gesto e sorriso teu,<br />
Enchia-me a alma de alegria.<br />
A vi<strong>da</strong> era poema,<br />
E era para você a minha poesia,<br />
Tu eras a razão de tudo que eu tinha.<br />
Mesmo assim, você se foi<br />
E levou junto o que não podia.<br />
Parte de mim não existe mais,<br />
Agora são palavras no silencio,<br />
O grito ecoa no pensamento,<br />
O que a boca não diz.<br />
Tu calaste a minha voz,<br />
Tu mu<strong>da</strong>ste o que eu sentia,<br />
Tu só não levaste junto a ti,<br />
A rima <strong>da</strong> minha poesia.<br />
8<br />
Alefe, 16 anos, 1ª série do ensino médio <strong>da</strong> Escola Estadual Justiniano de Castro Dourado, DIREC 21- Irecê.<br />
8<br />
31
32<br />
Versos disfarçados<br />
Társis Nascimento <strong>da</strong> Silva<br />
É tudo o que posso fazer<br />
Não posso mu<strong>da</strong>r o lugar<br />
Eu posso mu<strong>da</strong>r o que sou<br />
E assim tudo renovar<br />
As lutas são só aquecimento<br />
Batalhas irão <strong>com</strong>eçar<br />
Eu não quero ser o sargento<br />
Sou apenas mais um militar<br />
A guerra não é o fim<br />
Só é a última etapa<br />
Um passo para a liber<strong>da</strong>de<br />
Que só <strong>com</strong>eça ao fim <strong>da</strong> batalha<br />
Não gosto de campo minado<br />
Mas sou uma mina doura<strong>da</strong><br />
A felici<strong>da</strong>de é tudo<br />
Por isso não penso em na<strong>da</strong><br />
Esses versos são só disfarce<br />
Pra falar de um amor maior<br />
Preste atenção, chegue mais perto<br />
Perceba que o assunto é um só<br />
Falo <strong>da</strong> ama<strong>da</strong> escola<br />
Falo <strong>da</strong>s etapas que passei<br />
Falo <strong>da</strong>s etapas que virão<br />
E dos caminhos que andei<br />
É tudo o que posso fazer<br />
O amor em versos disfarçar<br />
E um dia quem sabe ver<br />
Batalha e guerra em paz se tornar<br />
8<br />
Társis, 17 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual Luiz Rogério de Souza DIREC 05 – Valença.<br />
9<br />
33
34<br />
Um lugar diferente<br />
Ana Vitória Ribeiro Santos<br />
Aqui, moram as mil maravilhas!<br />
Aqui, mora o Nosso Senhor.<br />
Uma ci<strong>da</strong>de tão lin<strong>da</strong><br />
chama<strong>da</strong> São Salvador.<br />
Quem mora aqui,<br />
não precisa saber versar.<br />
Basta olhar as rimas<br />
que em ca<strong>da</strong> canto há.<br />
E só assim vai entender<br />
que oxente é censura e<br />
que tu é você!<br />
Café é cafezinho.<br />
Mãe é mainha.<br />
Pai é painho.<br />
Ônibus é busu.<br />
Se passar na Liber<strong>da</strong>de,<br />
não esqueça do Curuzu.<br />
Um lugar diferente<br />
é sempre bom conhecer.<br />
E saber que o Pelourinho...<br />
Lugar bom de viver!<br />
10<br />
Lá tem <strong>da</strong>nça que é luta<br />
e muito tema de canção.<br />
Uns chamam de capoeira<br />
e outros de sedução!<br />
No Mercado Modelo<br />
Vai sempre encontrar<br />
muita gente elegante,<br />
muita paz e amor!<br />
Da saí<strong>da</strong> do mercado<br />
até o elevador.<br />
No dia de Todos os Santos<br />
todo mundo quer rezar.<br />
Aquilo, que mal o leva<br />
e tudo de bem o traz.<br />
Quem é que nunca pediu<br />
a proteção dos Orixá?<br />
A moqueca aqui,<br />
um prato bem apreciado.<br />
Não importa se é marisco,<br />
camarão ou dourado.<br />
E lá se vai homem.<br />
Retira a rede do mar.<br />
Pena que na<strong>da</strong> fisgou,<br />
mas ele já deve saber<br />
do dia <strong>da</strong> pesca e do pescador.<br />
Depois se deita na areia<br />
para poder descansar.<br />
E olhar as embarcações<br />
de lá do meio do mar.<br />
Quem parar no Rio Vermelho,<br />
pode até acreditar<br />
que outro navio Negreiro<br />
é capaz de chegar.<br />
Jamais trazendo dor,<br />
apenas alegria,<br />
pois ca<strong>da</strong> um já vai<br />
chegar <strong>com</strong> uma carta de alforria.<br />
Agora vou lhe dizer<br />
de um lugar ain<strong>da</strong> oculto,<br />
porque ninguém presta atenção<br />
nas pessoas do subúrbio?<br />
Lá tem festa e tem folia<br />
e criança pode brincar,<br />
se o vizinho bate a laje,<br />
o restante vai aju<strong>da</strong>r.<br />
O nosso pagode<br />
ritmo pra quem gosta de mexer<br />
<strong>da</strong> Baixa do Fiscal a Paripe<br />
você precisa conhecer...<br />
Ana Vitória, 15 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual Plataforma, DIREC 1B – Salvador.<br />
10<br />
35
36<br />
Zé <strong>da</strong> Silva<br />
Patrício Almei<strong>da</strong> Silva<br />
Poderia acontecer em São Paulo ou na Bahia<br />
Com o filho de qualquer um José, uma Maria,<br />
Mas foi <strong>com</strong> o Zé <strong>da</strong> Silva nascido no interior<br />
Que desde pequeno dizia: mamãe vou ser doutor.<br />
Sua mãe o aconselhava: estu<strong>da</strong> que você consegue,<br />
Tamanha foi sua alegria ao entrar para primeira série<br />
Calçava chinelos de dedo, pois sapatos ele não tinha,<br />
Mas tinha muita vontade de aju<strong>da</strong>r sua mãezinha.<br />
Quando menos esperava aos doze anos sucedeu,<br />
Para o espanto do Zé <strong>da</strong> Silva, seu velho pai faleceu.<br />
Ele abraçou sua mãe e ali fez uma promessa:<br />
Nunca mais vamos passar uma tristeza <strong>com</strong>o essa.<br />
Mas as coisas não saíram <strong>com</strong>o ele planejou,<br />
Pois era muito sofri<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> no interior.<br />
Teve que deixar os estudos, para poder trabalhar,<br />
Não aguentava mais ver sua mãezinha chorar.<br />
Era só um Zé <strong>da</strong> Silva sem nome nem identi<strong>da</strong>de,<br />
Mas <strong>com</strong>o to<strong>da</strong> gente sofri<strong>da</strong> não lhe faltava digni<strong>da</strong>de.<br />
Trazia esperança na vi<strong>da</strong> e uma fé no coração,<br />
Por isso to<strong>da</strong> a noite proclamava uma oração.<br />
Depois de muitos anos, sem ao menos descansar<br />
Tomou uma decisão: voltar a estu<strong>da</strong>r.<br />
A sua velha mãezinha muito o encorajou<br />
Estava muito feliz que forte o abraçou.<br />
Passados alguns anos de estudos e dedicação<br />
Ele estava finalmente <strong>com</strong> seu diploma na mão.<br />
E era só um Zé <strong>da</strong> Silva, nascido no interior,<br />
Que não desistiu dos seus sonhos e agora é doutor!<br />
11<br />
11<br />
Patrício, 19 anos, 3ª série do ensino médio <strong>da</strong> Escola Estadual Eraldo Tinoco, DIREC 09 – Teixeira de Freitas.<br />
37
38<br />
O caipira estu<strong>da</strong>nte<br />
Edemilson Brito dos Santos<br />
O caipira estu<strong>da</strong>nte<br />
Passa por dificul<strong>da</strong>des<br />
Pois o que encontra na escola<br />
Não é a sua reali<strong>da</strong>de<br />
Vive perdido no mundo<br />
Sem saber o que é ver<strong>da</strong>de.<br />
Na sua vi<strong>da</strong> de roceiro<br />
Aprendeu a “trabaiá”<br />
Mas quando chega na escola<br />
Tem alguém a reclamar<br />
Dizendo-lhe todo dia<br />
Não é assim que deve falar.<br />
Se ele fala bom-dia, “fessôra”<br />
Já vem logo a correção<br />
É bom-dia, professora<br />
Fale <strong>com</strong> mais dicção<br />
E desse momento em diante<br />
A aula não presta não.<br />
Senta no seu cantinho<br />
Se sentindo excluído<br />
Tem vontade de falar<br />
Mas não se sente instruído<br />
E tudo que a professora fala<br />
Não fica bem-entendido.<br />
Não há bom entendimento<br />
Tem vergonha de se expressar<br />
Se fala do jeito que sabe<br />
É condenado a calar<br />
Se fica quieto no seu canto<br />
A professora vem perguntar:<br />
12<br />
Que mal te aflige, menino?<br />
Por que tanta melancolia?<br />
É preciso dizer o que sente<br />
Para sair dessa agonia<br />
E estar de bem <strong>com</strong> a vi<strong>da</strong><br />
Seja de noite ou de dia.<br />
O coitado do caipira<br />
Começa a se encorajar<br />
Diz, fessôra, eu num sou esse besta<br />
Qui a sinhora tá a pensar<br />
Qui só presta pra burro de carga<br />
E ajudá meu pai prantar.<br />
Lá na roça sô sabido<br />
Faço tudo direitim<br />
Capino e faço roçado<br />
De tudo sei poquim<br />
Pego inté no machado<br />
E tiro mi madurim.<br />
Intendo do crima<br />
E tombém <strong>da</strong> vegetação<br />
Conheço todo o segredo<br />
Do meu quirido sertão<br />
Sei inté quando vai chuver<br />
E quando vai ter verão.<br />
Num sei muito dessas coisa<br />
Qui insina aqui na escola, não<br />
Mas na roça sô doto<br />
Com diproma e tradição<br />
Pur que intendo de tudo<br />
Que se passa no sertão.<br />
Sertanejo é cabra <strong>da</strong> peste<br />
Cumu todo mundo diz<br />
Eu se arrastei agora<br />
Inté empinei o nariz<br />
A sinhora escute bem<br />
Qui vai ser minha aprendiz.<br />
Quando o man<strong>da</strong>caru infulora<br />
E arapuá faz mé<br />
Isso é um bom siná<br />
Pur que vem chuva a grané<br />
Mas tombém no sertão<br />
Tem sinal qui ninguém qué.<br />
Se a cuã canta pertim de casa<br />
Vou pra capela rezá<br />
Pur que é sina de agôro<br />
E é preciso ispantá<br />
Rezar crem-Deus-Pai<br />
E fazer o pelo siná.<br />
Se o galo canta fora de hora<br />
É disastre e preocupação<br />
É mocinha qui vai fugi<br />
Com trama e inrolação<br />
Inganano o pai e mãe<br />
E tombém os seus irmãos.<br />
É isso mermo, fessôra<br />
Entoce disabafei<br />
Vô sair <strong>da</strong>qui mais leve<br />
Num sei se vorto outra veis<br />
Vô pra minha queri<strong>da</strong> roça<br />
Pur que lá sô um burguêis.<br />
Edemilson, 39 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Estadual Cristina Batista, DIREC 08 - Eunápolis.<br />
12<br />
39
Essa é mais uma história<br />
Que revela o preconceito<br />
Estendido ao caipira<br />
Que tem o seu próprio jeito<br />
E encontra pessoas que dizem<br />
Que ele não sabe falar direito.<br />
Para esse tipo de pessoa<br />
Deixo aqui o meu sermão<br />
É preciso respeitar a cultura<br />
Com to<strong>da</strong> sua variação<br />
Seja em qualquer instância<br />
Na língua ou religião.<br />
Xô todos os preconceitos<br />
Até logo, racial<br />
Vai te embora, linguístico<br />
Inté mais ver, social<br />
Entendemos que é preciso<br />
40 41
42<br />
O novo corcun<strong>da</strong> de Notre-Dame<br />
13<br />
Lília Hendi Souza Silva<br />
situações quase nossas, os segredos nos permitiam vigiar as portas dos outros, mesmo que<br />
parecessem discretos e infinitamente ocultados. Era tudo muito rotineiro na rua <strong>da</strong>s Andorinhas. Os<br />
carros passavam enfileirados sempre nos mesmos horários. Senhoras aposenta<strong>da</strong>s conversavam<br />
em seus passeios, e crianças corriam no jardim que ficava próximo à ladeira dos coqueiros.<br />
Diziam que uma família morava no topo <strong>da</strong> ladeira. Ninguém sabia o nome deles, pois nunca se<br />
socializaram <strong>com</strong> o restante <strong>da</strong> vizinhança. Só os avistávamos de longe. Pareciam sérios e<br />
mórbidos, <strong>com</strong> os seus carros de luxo, roupas pretas engoma<strong>da</strong>s e sapatos de verniz. Entre parti<strong>da</strong>s<br />
misteriosas, voltas cautelosas, todos os segredos pairavam sobre eles.<br />
Desconfiava-se bastante e sempre se dizia que eles tinham algo a esconder. Alguns encaravam<br />
aquela família <strong>com</strong>o seres de outro universo perdidos nesse mundo. E eu nem sabia o que dizer.<br />
Certo dia, resolvi subir a ladeira dos coqueiros. Logo vi a casa, que parecia mais um casarão<br />
movido pelos silêncios que vinham de dentro. As portas eram belas, <strong>com</strong> enfeites circulares e<br />
fechaduras doura<strong>da</strong>s. Havia um gramado verde que parecia ser bem cui<strong>da</strong>do. As janelas eram<br />
retangulares e grandes <strong>com</strong> os mesmos enfeites dourados. De repente, avistei alguém em uma <strong>da</strong>s<br />
janelas. Parecia estar curvado <strong>com</strong>o se as suas costas fossem escan<strong>da</strong>losamente altas. No mesmo<br />
instante, apareceu uma senhora e fez sinal para que ele saísse <strong>da</strong> janela rapi<strong>da</strong>mente.<br />
Fiquei intrigado. Não deu para observar o garoto porque a senhora o havia tirado de lá muito<br />
depressa. A curiosi<strong>da</strong>de tomou-me o corpo de forma investigativa e me deu a energia necessária<br />
para buscar respostas. Se fosse necessário, correria quilômetros para desven<strong>da</strong>r este mistério.<br />
De volta ao espaço real, afrouxei as reflexões. Preferi observar por um tempo, em vez de pensar<br />
demais naquilo que não me traria respostas. De repente, voltei os olhos para as janelas. Lá estava o<br />
garoto novamente, desta vez sem a senhora. Estava ofegante e tinha nos olhos o pânico do<br />
prisioneiro que acaba de fugir <strong>da</strong> prisão. Certamente, havia conseguido escapar <strong>da</strong>quela mulher.<br />
Avistei aquela imagem. Era através dos vidros que eu observava e estes não impediam que eu<br />
tivesse uma visão assustadora. O corcun<strong>da</strong> parecia ter her<strong>da</strong>do todos os traços <strong>da</strong> feiúra: <strong>com</strong>o<br />
nariz pontudo, verrugas na face, sobrancelhas grosseiras e desordena<strong>da</strong>s, mãos cabelu<strong>da</strong>s, dedos<br />
longos, olheiras e corpo excessivamente malfeito. A sua i<strong>da</strong>de parecia indecifrável, e eu não<br />
ousaria arriscar.<br />
Os segundos passavam.<br />
Ele olhava para mim <strong>com</strong> uma expressão séria e penosa, encarando-me curiosamente. De repente,<br />
eu quis chegar perto e ouvir a sua voz. Quem sabe não conseguiria um diálogo?<br />
No momento em que iria haver a tão espera<strong>da</strong> aproximação, ouvi gritos de dentro do casarão. O<br />
silêncio havia desaparecido de forma brutal e pessoas <strong>com</strong>eçaram a aparecer no local onde<br />
estava o corcun<strong>da</strong>.<br />
Lília, 19 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães DIREC 13 ‐ Jequié.<br />
13<br />
43
44<br />
Pegaram-no <strong>com</strong> força pelos braços e pernas e eu consegui ouvir palavras <strong>com</strong>o “esquisito”, “feio”,<br />
“horrível” e um sonoro “quem você pensa que é para querer se aproximar de alguém tão diferente de<br />
você?”<br />
Eu não conseguia acreditar e em vez de denunciá-los, preferi apagar aquilo <strong>da</strong> mente. Percebi que nós,<br />
seres humanos, fugimos <strong>da</strong>s dores e, ao mesmo tempo em que temos a intenção de aju<strong>da</strong>r, somos egoístas.<br />
Fui embora.<br />
Nunca mais voltei à ladeira dos coqueiros; também, preferi não contar sobre o corcun<strong>da</strong> a ninguém. As<br />
pessoas disseram que, <strong>com</strong> o tempo, foram vendo ca<strong>da</strong> vez menos a família misteriosa até pararem de ver<br />
definitivamente. Deviam ter mu<strong>da</strong>do de ci<strong>da</strong>de para acabar <strong>com</strong> as especulações <strong>da</strong>s pessoas que<br />
moravam na rua <strong>da</strong>s Andorinhas.<br />
Quem sou...<br />
Ester <strong>da</strong> Silva Ricarte Lima<br />
14<br />
Eu sou o amor, a flor do campo, a chama que arde no peito.<br />
Eu sou, Daniel, Esthefany, Júnior e serei Samuel Victor.<br />
Eu sou família, pai, mãe, irmãos e, mais ain<strong>da</strong>, Luciene.<br />
Não sou mentira, nem inveja, e muito menos falsi<strong>da</strong>de.<br />
Sou coragem, sou amiga e muita felici<strong>da</strong>de.<br />
Eu sou bife acebolado <strong>com</strong> arroz branco e batata frita,<br />
Sou lasanha ao molho branco e vermelho e ain<strong>da</strong> pizzaiollo<br />
Eu sou o amanhecer, o escurinho do cinema.<br />
Eu sou a viagem, a sinceri<strong>da</strong>de e, muitas <strong>da</strong>s vezes, a reali<strong>da</strong>de.<br />
Eu sou vinte e sete de março todos os anos,<br />
Sou cantora, música, música e música.<br />
Eu sou a escola, a igreja, a casa, a bíblia<br />
Eu sou a pé, a bicicleta, sou o chocolate marrom, principalmente o batom.<br />
Eu sou mais eu.<br />
Eu sou tudo de bom e na<strong>da</strong> de mal.<br />
Eu sou o infinito.<br />
Ester, 27 anos, 2ª série <strong>da</strong> Escola Estadual Luis Prisco Viana, DIREC 24 – Caetité.<br />
14<br />
45
46<br />
Estu<strong>da</strong>nte viajante<br />
15<br />
Luziane Souza Pereira<br />
Chove. A chuva fina é uma cortina cobrindo o sol<br />
Escorrega no barro<br />
An<strong>da</strong> à espera do carro<br />
A chuva escorre na cara<br />
Enquanto espera o “pau-de-arara”<br />
Que chega e para.<br />
Sobe e senta e se contenta <strong>com</strong> a paisagem<br />
Viaja sem passagem e a paisagem é lin<strong>da</strong>!<br />
Se o sol está quente, o calor que se sente<br />
É ain<strong>da</strong> maior que o do corpo <strong>da</strong> gente pingando suor.<br />
É o coração suando!<br />
Na volta, todo corpo se entorta para ver o pôr do sol.<br />
Todo corpo se entortando e o carro virando na curva.<br />
O almoço revirando no estômago.<br />
<strong>Aos</strong> tombos o corpo se acostuma e nem está mais sentindo<br />
Quando não há chuva, há a poeira cobrindo.<br />
Mas a vi<strong>da</strong> está indo. O carro está indo...<br />
A viagem é curta e a vi<strong>da</strong> mais ain<strong>da</strong>.<br />
A viagem é a vi<strong>da</strong>.<br />
A vi<strong>da</strong> do estu<strong>da</strong>nte-viajante.<br />
A vi<strong>da</strong> se enche de felici<strong>da</strong>de<br />
Ao ver a ci<strong>da</strong>de chegar.<br />
Grato pela oportuni<strong>da</strong>de de estu<strong>da</strong>r!<br />
Luziane, 20 anos, 3ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual de Ipiaú, DIREC 13 - Jequié.<br />
15<br />
47
48<br />
Censurado sou...<br />
Alberto Kaíque Medeiros Rodrigues<br />
Me calaram<br />
Me mataram<br />
Expulsaram de mim<br />
Não me deixaram ser.<br />
O meu medo, o meu amor...<br />
Minha forma de expressar,<br />
Minha forma de amar,<br />
O meu ser, o meu...<br />
Deixando as cicatrizes<br />
Fazendo as marcas<br />
Calando a dor <strong>da</strong> alma<br />
Calando as vibrações do pensar...<br />
Censurado por ser quem sou<br />
Mas eu sinto...<br />
Eu sinto que sei<br />
Sinto que sou, que sei quem sou.<br />
Tenho que ser eu mesmo<br />
Sempre o mesmo<br />
Lamentavelmente, eu sou assim...<br />
16<br />
Alberto Kaíque, 16 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual de Ibiajara, DIREC 23 – Macaúbas.<br />
16<br />
49
50<br />
Retratos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
Rogério de Jesus Santana<br />
Eta, vi<strong>da</strong> sofri<strong>da</strong>!<br />
Pela justiça e a lei esquecido, sofro meu viver<br />
Por falta de escudo, estudo, não mendigo amor<br />
Vivo revoltado sou mal <strong>com</strong>preendido.<br />
Sem destino certo, tomo caminho errado<br />
Por uma bituca, que deixa quem a prove biruta<br />
Acabo espancado, preso, humilhado...<br />
Em segui<strong>da</strong> só me resta lutar.<br />
Meu Deus! Queimei meus trocados<br />
Levei a culpa do fazendeiro<br />
Que em minhas mãos fez riamba * chegar<br />
Não quero fugir à culpa, sei que estou errado.<br />
Pra lá fui arrastado, de fato<br />
Mas se tivesse dinheiro, não seria espancado…<br />
Seria internado, bem-tratado<br />
E… até paparicado.<br />
De volta à real: açoites de um funcionário<br />
Que vive <strong>com</strong> um mísero salário<br />
O abuso de autori<strong>da</strong>de o leva a errar<br />
Inverte o papel de cui<strong>da</strong>r: quer matar.<br />
Será que somos irmãos?<br />
Nossa epiderme é igual<br />
Sei não…<br />
Vejo que um distintivo faz diferencial.<br />
Fui arrancado de casa logo cedo<br />
Antes dos quinze desconheci o medo<br />
Anos depois viramos parceiros<br />
17<br />
De minha mãe (África) sabia pouco: dormia<br />
Ouvi que é lin<strong>da</strong> e majestosa<br />
Tem filhos por todo mundo: é grandiosa<br />
Senti um amor intenso: acordei.<br />
Por isso fiz aquela pergunta<br />
Pois vejo um irmão fraco, acostumado à escravidão<br />
Obedecendo aos mandos do senhorzinho “Sistema”<br />
Sonha ain<strong>da</strong> ser “Capitão do mato”, desconhece<br />
sua raiz.<br />
Mas dele não guardo raiva<br />
E sei que a Mama também não<br />
Mandela também perdoou<br />
Quem o levou pra prisão.<br />
Ouvi falar de Zumbi<br />
Desse dá orgulho falar<br />
Merece ser eternamente lembrado<br />
Pelos irmãos não se cansou de lutar.<br />
Como Cristo pereceu<br />
Mas conseguiu no braço<br />
A tinta Áurea almeja<strong>da</strong><br />
Que marcou e mudou nossos laços.<br />
Hoje vivemos ligados<br />
Pela história…<br />
Pelas lembranças…<br />
Pelos traços sanguíneos…<br />
Rogério, 22 anos, 3ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual Polivalente Antônio C. Magalhães, DIREC 21- Irecê.<br />
riamba: erva, maconha, droga.<br />
17<br />
*<br />
51
Jah: também é o nome usado para deus no movimento religioso rastafari (“rasta”). Esse nome veio do hebraico = yah (jha).<br />
*<br />
Valeu, Zumbi, grande guerreiro<br />
*<br />
Em nome <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de um povo<br />
Para nunca mais deixar-se escravizar.<br />
Imbuído do poderoso 7Jah<br />
lutou até a morte<br />
Eta, vi<strong>da</strong> sofri<strong>da</strong>! Mas vale a pena lutar<br />
Sou afro de orgulho viril<br />
Saiba você e outros mais:<br />
A minha Mama é a ÁFRICA e o BRASIL é o meu pai.<br />
52 53
54<br />
Deus lhe pague!<br />
Marco Antonio Lacer<strong>da</strong> Abreu<br />
18<br />
Eu nunca pensei exatamente <strong>com</strong>o seria se fosse rico, ir para o colégio de carro <strong>com</strong> meus pais de<br />
manhã cedo e ain<strong>da</strong> sorrindo, simplesmente eles ficarem <strong>com</strong>pletamente contentes só pelo pequeno<br />
fato de eu estu<strong>da</strong>r, se preocuparem pelo mínimo motivo de não me esforçar nos estudos, mesmo<br />
tendo mil preocupações. Mas não tive tempo de sonhar.<br />
Era sol de meio-dia, estava sentado no chão em frente a minha casa, <strong>com</strong> a barriga lota<strong>da</strong> de arroz<br />
e farinha. Eu não estava sozinho, um grupo de idosos ouvia a rádio, enquanto eu pegava carona<br />
junto <strong>com</strong> eles.<br />
To<strong>da</strong> rádio nunca deixa escapar um assunto de política, e to<strong>da</strong> vez que toca nesse assunto sempre<br />
escuto dizer:<br />
— Sempre fazem ao contrário do que falam, e quando fazem é tão pouco... - reclamou minha avó<br />
enquanto ouvia a rádio.<br />
Mas até que eu concor<strong>da</strong>va, sempre pergunto dentro de mim por que eles só tomam alguma atitude<br />
antes de ganhar. Por que não deixar para fazer isso quando forem eleito? Mas consegui descobrir.<br />
♦ ♦ ♦<br />
Lembro-me muito bem do dia cinco de setembro. No bairro onde morava nunca se ouviu tanto<br />
barulho quanto aquele dia. Passavam carros de som frequentemente, as senhoras saíam de suas<br />
casas de pau a pique e ficavam na porta escutando o pequeno discurso do tal candi<strong>da</strong>to. Quando<br />
não era um discurso, era uma pequena paródia musical que tocava falando seus objetivos políticos<br />
pelo ritmo, enquanto isso as crianças <strong>da</strong>nçavam felizes. Confesso que fui uma delas.<br />
Passei o dia inteiro sem <strong>com</strong>er na<strong>da</strong>, mainha prometeu que hoje <strong>com</strong>eríamos o dobro, mas não tinha<br />
na<strong>da</strong> para <strong>com</strong>er. Minha barriga revirava de fome enquanto olhava as estrelas. Meus quinze irmãos<br />
já estavam dormindo e minha mãe estava senta<strong>da</strong> na porta <strong>da</strong> frente. Devia ser meia noite, quando<br />
escutei um barulho de carro. Os olhos de mainha se arregalaram, senti que a sua preocupação<br />
estava por fim quando ela se levantou correndo. Eu estranhei a sua atitude e segui segurando a mão<br />
dela. A pressa era tão grande que ela me pegou pelo colo e saiu correndo no meio <strong>da</strong> rua<br />
empoeira<strong>da</strong>, cheia de buracos.<br />
Depois de alguns minutos, estava num beco escuro lotado de gente esperneando. Muitos rostos<br />
presentes eu reconhecia, outros não fazia a mínima ideia de quem eram. Mas percebi que o tal<br />
barulho de carro que eu escutei era justamente aquele carro que retirava cestas básicas e entregava<br />
aos moradores. Eles entravam em desespero quando viam retirando os mantimentos e iam<br />
alongando a fila indiana. Minha mãe, em desespero, empurrava aqueles que estavam na nossa<br />
frente para chegar o mais perto possível do tal carro — e conseguimos — eles nos viram e nos<br />
puxaram bem mais perto.<br />
Marco Antonio, 16 anos, 2ª série do ensino médio <strong>da</strong> Escola Estadual Inácio Tosta Filho, DIREC 08 – Eunápolis.<br />
18<br />
55
— Aqui está, senhora, dentro <strong>da</strong> cesta tem um santinho, se pretende que eu acabe <strong>com</strong> a fome de muita<br />
dessa gente ain<strong>da</strong> e continue o que estou <strong>com</strong>eçando... — disse um homem bem-educado que sorria tão<br />
aberto que não sentia sinceri<strong>da</strong>de nele.<br />
Mainha olhou nos olhos dele, estendendo as suas mãos caleja<strong>da</strong>s de enxa<strong>da</strong>, recebendo a cesta logo que<br />
me colocou no chão.<br />
— Deus lhe pague, meu filho! — agradeceu sorrindo, contente, mostrando seus poucos dentes ain<strong>da</strong> não<br />
dominados pela cárie.<br />
Juro que senti um sorriso ambicioso que soltava o tal homem, parecia que estava satisfeito em ter ouvido<br />
aquelas palavras simples e tão humildes. Naquela hora queria decifrar o porquê de tanta satisfação, mas<br />
não consegui. Foi tão rápido o sorriso dele, que logo após se desmanchou antes de beijar minha bochecha.<br />
Não gostei, devia me sentir honrado por um futuro prefeito beijar o meu rosto, um rosto de qualquer, mas<br />
não senti.<br />
Cinco horas <strong>da</strong> manhã podia já sentir o cheiro do feijão, quando acordei. Levantei do chão e fui abraçar<br />
minha mãe <strong>com</strong> um sorriso grato. Na ver<strong>da</strong>de, além de estar <strong>com</strong> fome, não aguentava mais <strong>com</strong>er arroz<br />
puro. Sei que devia agradecer a Deus por estar <strong>com</strong>endo alguma coisa.<br />
Passei junto <strong>com</strong> minha família <strong>com</strong>endo o dia inteiro, o dia inteiro não foi. Às dezenove horas já não tinha<br />
na<strong>da</strong> mais para <strong>com</strong>er. Deu meia-noite, uma hora, duas horas <strong>da</strong> manhã e eu e mainha não escutamos<br />
nenhum barulho na rua, desistimos e fomos dormir.<br />
Depois de um ano, finalmente o homem que beijou meu rosto se tornou prefeito, ele criou tal projeto<br />
<strong>com</strong>unitário oferecendo cartões <strong>com</strong> uma quanti<strong>da</strong>de financeira para auxilio alimentar e escolar. Isso foi<br />
ótimo, não morri de fome, tenho agora vinte e três anos. Comecei a trabalhar <strong>com</strong>o faxineiro de um<br />
shopping e <strong>com</strong> esse mísero salário, afundei minha cara nos livros. Comprava-os para que, de noite, pudesse<br />
estu<strong>da</strong>r.<br />
Só hoje descobri o porquê do tal sorriso ambicioso do homem candi<strong>da</strong>to <strong>da</strong>s cestas básicas. Ele queria<br />
mesmo era que minha família dependesse dele para o sustento, e não para que um membro <strong>da</strong> família a<br />
sustentasse. Sem a dependência, nós não reconheceríamos as atitudes dele, por isso ele lançou aquele<br />
sorriso ambicioso, que quanto mais as pessoas o agradeciam pela esmola mais votos ele teria a seu favor.<br />
Somente hoje fui entender por que não devemos só olhar o presente e, sim, o futuro.<br />
Estou lutando para que eu consiga crescer, aprender mais e mais, já que o tal homem político não investiu na<br />
educação para que cedo eu pudesse estar estu<strong>da</strong>ndo e hoje já estar formado. Pena, antes desejava estar<br />
<strong>com</strong> a barriga cheia, só a barriga, hoje estou querendo encher minha mente de informações.<br />
Meu nome? Pra quê? Ninguém dá a mínima para escritor, em breve saberá de mim quando eu for<br />
presidente.<br />
56 57
58<br />
As crianças do Brasil<br />
Tamires de Lima Sousa Santos<br />
Salve, salve! Minha gente<br />
Quero me apresentar,<br />
O meu nome é Tamires<br />
E tenho muito pra falar<br />
Por isso peço atenção<br />
Na hora de me escutar.<br />
Os meus versos não são de amor<br />
Nem tampouco de paixão<br />
São versos de alguém triste<br />
E <strong>com</strong> dor no coração.<br />
Pois vejo crianças larga<strong>da</strong>s<br />
Por este mundo, joga<strong>da</strong>s<br />
Sem carinho ou atenção<br />
Dormindo a céu aberto<br />
Em algum lugar deserto<br />
Onde a cama é o próprio chão.<br />
Cria<strong>da</strong>s sem pai nem mãe<br />
Vivendo sozinhas, vagando<br />
Pedindo pra todos os santos<br />
Para parar de sofrer<br />
Pois nenhuma delas é culpa<strong>da</strong><br />
E nem pediu pra nascer.<br />
Exploração, morte e tragédia<br />
É lição que o mundo ensinou<br />
Pois não tiveram oportuni<strong>da</strong>de<br />
De serem alguém de ver<strong>da</strong>de<br />
Essa é a ver<strong>da</strong>deira face<br />
De quem nunca estudou.<br />
19<br />
Algumas sem opção<br />
De não ter o que <strong>com</strong>er<br />
Vivem <strong>com</strong> um canhão na mão<br />
No meio <strong>da</strong> multidão<br />
Só para roubar um pão<br />
Pra de fome não morrer.<br />
Muita gente fala que elas<br />
São o futuro <strong>da</strong> nação<br />
Mas na hora de <strong>da</strong>r o exemplo<br />
Não dão sua contribuição<br />
Fazendo <strong>com</strong> que se espelhem<br />
Em um bando de ladrão.<br />
Mas cadê a socie<strong>da</strong>de<br />
Que tanto fala em aju<strong>da</strong>r?<br />
E os políticos que prometem<br />
Essa questão melhorar?<br />
Será que fazem alguma coisa<br />
Ou só falam por falar?<br />
Por isso quero pedir,<br />
Meu Senhor e minha Senhora,<br />
Que nunca abandone seu filho<br />
Nem sequer por uma hora<br />
E sem esquecer a lição<br />
Peço de joelhos no chão<br />
Coloque seu filho na escola.<br />
Tamires, 16 anos, 2ª série do ensino médio <strong>da</strong> Escola Estadual Lomanto Júnior, DIREC 15 – Juazeiro.<br />
19<br />
59
60<br />
Mundo real<br />
Elissandra Azevedo de Oliveira<br />
Fácil é poetizar o mundo<br />
Com rimas e versos perfeitos<br />
Difícil é a reali<strong>da</strong>de<br />
É aceitar, na ver<strong>da</strong>de<br />
Seus problemas e defeitos.<br />
Tanto desmatamento<br />
Tanta poluição<br />
O homem está sem limites<br />
Sem limites é sua ambição.<br />
Não pensam no futuro<br />
Tem rude <strong>com</strong>portamento<br />
Não cui<strong>da</strong> do que ain<strong>da</strong> existe<br />
São almas sem sentimentos<br />
Assim o futuro de muitos<br />
Lágrimas e sofrimentos.<br />
Diariamente nos jornais<br />
Na manchete, violência<br />
Inocentes perdem a vi<strong>da</strong><br />
Para a iniqui<strong>da</strong>de e imprudência.<br />
E a juventude de hoje<br />
Está ou não preocupa<strong>da</strong>?<br />
Uns pensam no futuro<br />
Outras já são desliga<strong>da</strong>s<br />
Então, qual sua maioria<br />
Ativas ou aliena<strong>da</strong>s?<br />
Uns entram no mundo <strong>da</strong>s drogas<br />
Brincam <strong>com</strong> a própria sorte<br />
E sem perceber eles assinam<br />
Sua própria sentença de morte.<br />
20<br />
Em ca<strong>da</strong> canto do mundo<br />
Há preconceito, corrupções<br />
Nas ruas, fome e miséria<br />
Desigual<strong>da</strong>des, ambições<br />
Atitudes desumanas<br />
Para <strong>com</strong> muitos de várias nações.<br />
E assim tocam a vi<strong>da</strong><br />
Em busca <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de<br />
Tentam sobreviver<br />
Superando dificul<strong>da</strong>des.<br />
Mas, diante de tais desordens<br />
O mundo ain<strong>da</strong> tem riquezas<br />
Gente que luta e sonha<br />
Honestas, sem avareza<br />
Terras de maravilhas<br />
Relíquias de grandes belezas.<br />
O mundo é um enigma<br />
A vi<strong>da</strong> um mistério<br />
Ambos tão preciosos<br />
E muitos não levam a sério.<br />
Faça a diferença<br />
Nunca deixe de sonhar<br />
Lute pelos seus sonhos<br />
Ame e ensine a amar<br />
Não destrua, construa<br />
Sempre é tempo de re<strong>com</strong>eçar.<br />
Esse é o nosso mundo<br />
Onde há o bem e o mal<br />
Mundo a qual muita gente<br />
É movido pelo real.<br />
Elissandra, 17 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Paulo VI, DIREC 23 – Macaúbas.<br />
20<br />
61
62<br />
Brasil rural<br />
Joelma Santos Ferreira<br />
Boa tarde, minha gente!<br />
Com muita satisfação,<br />
Venho até este evento,<br />
Para esta apresentação.<br />
Seja o que Deus quiser,<br />
Represento Caetité<br />
De todo meu coração.<br />
Sou filha de um pedreiro,<br />
Poeta e trovador.<br />
Herdei dele o mesmo dom,<br />
E por isso aqui estou.<br />
Eu também sou sertaneja<br />
E que Jesus nos proteja,<br />
Na santa paz do senhor.<br />
Eu rimo Brasil rural,<br />
Falando de norte a sul,<br />
Rimo quem desbrava a terra,<br />
No cabo do Guantambu.<br />
Rimo leste e oeste<br />
E o sofrido nordeste<br />
Sertão de man<strong>da</strong>caru.<br />
Estou vivendo o presente,<br />
O futuro a Deus pertence,<br />
Quem trabalha ele aju<strong>da</strong>,<br />
Quem luta na vi<strong>da</strong> vence.<br />
Não maltrate um lavrador,<br />
trate-o <strong>com</strong> amor:<br />
21<br />
Vivemos em um país<br />
Possuidor de riquezas,<br />
Mas se o Brasil é tão rico,<br />
Por que há tanta pobreza?<br />
Gente passando fome,<br />
Vivendo nas ruas, <strong>com</strong> fome,<br />
Ô, meu Deus, quanta tristeza!<br />
Tratados <strong>com</strong>o animais<br />
O nosso povo brasileiro<br />
Todo dia enfrenta lobos<br />
Na pele de um cordeiro.<br />
E os nossos governantes<br />
Sempre bem-vestidos e elegantes,<br />
Só pensam em nosso dinheiro.<br />
Às vezes eu me pergunto,<br />
Onde é que nós vamos parar?<br />
De leste a oeste e de norte a sul,<br />
Tem sempre alguém a queixar,<br />
Que é marginalizado.<br />
Muitas vezes deixado de lado<br />
Por pessoas que dizem governar.<br />
O que meu pai me ensina<br />
Presto bastante atenção.<br />
Admiro o sertanejo,<br />
Que tenha calo na mão<br />
É um esteio <strong>da</strong> nação.<br />
Aqui manifestei,<br />
A minha insatisfação<br />
Espero que os governantes<br />
Tomem alguma decisão,<br />
Traga a essa gente sofri<strong>da</strong><br />
Uma melhor expectativa de vi<strong>da</strong><br />
Mu<strong>da</strong>ndo essa situação.<br />
Quero agradecer a todos,<br />
Que promovem esse evento<br />
Dando-me a oportuni<strong>da</strong>de<br />
Para mostrar o meu talento.<br />
Agradeço à minha irmã,<br />
Meu futuro de amanhã,<br />
Nasce aqui neste momento.<br />
Meus parabéns, Caetité!<br />
Pelo povo varonil<br />
E também um forte abraço<br />
Para a classe estu<strong>da</strong>ntil.<br />
Vamos vencer a batalha<br />
E receber a me<strong>da</strong>lha,<br />
Futuro do meu Brasil.<br />
Adoro o canto dos pássaros,<br />
Murmúrios de cachoeira.<br />
O nome <strong>da</strong> escritora<br />
Joelma Santos Ferreira<br />
Tudo que eu faço é <strong>com</strong> fé<br />
Eu nasci em Caetité,<br />
Terra de Anísio Teixeira.<br />
Joelma, 20 anos, 2ª série do ensino médio do Instituto de <strong>Educação</strong> Anísio Teixeira, DIREC 24 – Caetité.<br />
21<br />
63
64<br />
Moderno mundo<br />
Aline Souza <strong>da</strong> Conceição<br />
Olhem! Vejam só!<br />
Tem um mendigo na rua.<br />
Enquanto o homem,<br />
pensa em voltar à lua.<br />
22<br />
Cadê? Cadê a flor que estava ao chão?<br />
Ninguém viu?<br />
Os homens passaram apressados.<br />
Os homens robôs <strong>com</strong> pastas na mão<br />
e não viram a flor que estava ao chão.<br />
Como já dizia Raul: “Parem o mundo<br />
que eu quero descer”<br />
Como podem uns viverem tão bem<br />
e outros não terem na<strong>da</strong> pra <strong>com</strong>er?<br />
O que foi? O que há meu rapaz?<br />
Pais e filhos não se falam mais?<br />
Os homens emudecem,<br />
os excluídos padecem.<br />
A voz se cala...<br />
Ninguém se fala...<br />
É o mundo moderno?<br />
É o moderno mundo?<br />
Tem gente fazendo castelo. É bonito! É belo!<br />
Mas e a verba quem forneceu?<br />
Foi o seu? Foi o meu?<br />
Ain<strong>da</strong> temos preconceito, ain<strong>da</strong> temos corrupção!<br />
Ain<strong>da</strong> temos muitos problemas sem solução!<br />
As indústrias são as vilãs <strong>da</strong> vez<br />
mas elas, quem foi que fez?<br />
O capital que move, é o mesmo que envolve,<br />
que seduz, que te reduz...<br />
a uma máquina humana, que não ama.<br />
Aline, 17 anos, 3ª série do ensino médio <strong>da</strong> Escola Estadual José Bonifácio, DIREC 32 - Cruz <strong>da</strong>s Almas.<br />
22<br />
65
66<br />
Chega<strong>da</strong> do primeiro caminhão em Santana<br />
Mariana Silva de Oliveira e Marianne Silva Guimarães<br />
O que nós vamos narrar<br />
Agora pra vocês<br />
Pode até causar espanto<br />
De tanta estupidez<br />
Desse povo quando viu<br />
O carro pela primeira vez.<br />
Quando aqui em Santana,<br />
Chegou o primeiro caminhão,<br />
Eu me lembro muito bem<br />
Foi trazido por “Mané Chorão”,<br />
Um grande <strong>com</strong>erciante<br />
Desta nossa região.<br />
Ele ficou por dois meses<br />
Em Sítio do Mato, guar<strong>da</strong>do,<br />
Esperando abrir a estra<strong>da</strong><br />
Que estava de mato fechado,<br />
Onde só carro de boi<br />
Passava por todo lado.<br />
Zequinha viu a surpresa<br />
Na cara de Dona Maria<br />
Quando disse pra ela<br />
Lá na lavanderia<br />
Que o negócio barulhento<br />
Chegaria noutro dia.<br />
Assim que a estra<strong>da</strong> abriu,<br />
Lá vem “Seu Mané Chorão”<br />
Com dois motoristas do Rio<br />
Conduzindo seu caminhão,<br />
Causando maior alvoroço<br />
Em to<strong>da</strong> população.<br />
Naquela noite, a rua<br />
Estava cheia de gente<br />
Todos sentados à porta<br />
Esperando ansiosamente<br />
Achando que na madruga<strong>da</strong><br />
Chegaria de repente.<br />
Quando entrou pela ci<strong>da</strong>de,<br />
O povo desesperado<br />
Fechava a porta <strong>da</strong>s casas,<br />
Com medo do bicho <strong>da</strong>nado.<br />
Apenas alguns curiosos<br />
Espiavam <strong>com</strong> muito cui<strong>da</strong>do.<br />
Zé <strong>da</strong> Pinga não acreditava<br />
Naquilo que estava vendo,<br />
Desceu a ladeira, coitado,<br />
Com o corpo todo tremendo,<br />
Sem entender realmente<br />
O que estava acontecendo.<br />
Quando viu a confusão<br />
Neuza de Chiquinho de Dó,<br />
Em tamanho desespero,<br />
Saiu correndo <strong>com</strong> um pé só<br />
Meteu a cara no chão<br />
E ficou cheia de pó.<br />
23<br />
Uma velhinha <strong>da</strong> Rua dos Canelas<br />
Tinha sopro no coração,<br />
Acabou tendo um enfarto<br />
Por causa do caminhão.<br />
Coita<strong>da</strong>, não aguentou<br />
A tamanha confusão.<br />
Quando o garoto entrou em casa<br />
Logo soltou um grito,<br />
Quando viu a sua mãe<br />
Derramando no marido<br />
O café quente <strong>da</strong> hora,<br />
Quando avistou o bicho.<br />
Valei-me, Senhora Santana!<br />
As mulheres aos prantos diziam<br />
É o mundo que está acabando.<br />
Valei-me, Virgem Maria!<br />
Nunca pensei nessa vi<strong>da</strong><br />
Viver tamanha agonia.<br />
Homens metidos a valente<br />
Pegaram logo o facão<br />
Pra matar o bicho “zoadento”<br />
E assim salvar o povão.<br />
Mas ficaram assustados,<br />
Quando viram Mané Chorão.<br />
Seu Manoel então explicou<br />
Que aquilo era um caminhão<br />
trazendo progresso à ci<strong>da</strong>de<br />
E a to<strong>da</strong> população.<br />
Quase ninguém acreditava<br />
E continuava a aflição.<br />
O carro foi transportado<br />
Para garagem do pai de Bel<br />
Até que o povo parasse<br />
De fazer tanto escarcéu<br />
Por causa do Chevrolet<br />
Que havia caído do céu.<br />
Mariana e Marianne, 15 anos e 14 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual Dom João Muniz, DIREC 26 - Bom Jesus <strong>da</strong> Lapa.<br />
23<br />
67
<strong>Aos</strong> poucos, a população<br />
Foi dele se aproximando<br />
E logo seu Mané Chorão<br />
Com paciência explicando,<br />
Que aquele objeto era um carro<br />
E o povo se acostumando.<br />
Aqueles mais corajosos<br />
Já queriam de carro an<strong>da</strong>r<br />
Pra sentir a sensação<br />
E também o bem-estar<br />
Para mostrar a todos<br />
Que o medo <strong>com</strong> eles não há.<br />
Ao invés de mercadoria<br />
O carro foi carregar gente<br />
E todos entusiasmados<br />
E ca<strong>da</strong> dia mais contente<br />
Entenderam que era o progresso<br />
Que se fazia presente.<br />
Um menino <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
Chamado “Tõe Pescoção”<br />
Passou o dia inteirinho<br />
Correndo atrás do caminhão<br />
À tardinha, ao chegar em casa,<br />
Levou uma surra de “corrião”.<br />
E logo, em poucos dias,<br />
O povo <strong>da</strong> nossa ci<strong>da</strong>de<br />
Agradeci<strong>da</strong> a Deus<br />
Pela grande novi<strong>da</strong>de<br />
E seu Manoel muito contente<br />
E cheio de vai<strong>da</strong>de.<br />
Quando então o <strong>com</strong>ércio<br />
Começou a desenvolver<br />
E as mercadorias, mais rápido,<br />
Começaram a aparecer<br />
O povo então <strong>com</strong>entava<br />
Nossa ci<strong>da</strong>de vai crescer.<br />
E realmente cresceu,<br />
Veio a civilização,<br />
Com a chega<strong>da</strong> de outros carros,<br />
Inclusive do caminhão<br />
Que agora era recebido<br />
Com grande satisfação.<br />
E assim seu Mané Chorão,<br />
Homem forte e destemido,<br />
Teve esta ampla visão<br />
De trazer o desconhecido,<br />
E assim virar um herói<br />
Deste povo tão querido.<br />
68 69
70<br />
Belezas que são finitas<br />
Marisa Pinto Soares <strong>da</strong> Conceição<br />
Eu pensei em escrever um poema de amor<br />
Mas vi que eles não teriam valor<br />
Depois eu quis escrever um poema de sau<strong>da</strong>de,<br />
Mas resolvi falar sobre a reali<strong>da</strong>de<br />
Então eu escrevi:<br />
A lua e as estrelas,<br />
A luz do sol, que sem reclamar,<br />
Ilumina e aquece os nossos dias,<br />
As on<strong>da</strong>s do mar.<br />
São coisas que nos permitem um bem-estar imenso<br />
Quando paramos para contemplar.<br />
Deitar na grama verde,<br />
Olhar uma nuvem no céu passar,<br />
Um passarinho ou borboleta voar,<br />
Um beija-flor, um bem-te-vi,<br />
Um bem-te-vi...<br />
Bem te vi é o canto de um pássaro<br />
Que <strong>com</strong> to<strong>da</strong> beleza nos deseja:<br />
Tenham um bom dia!<br />
Quem não para e escuta a voz do vento,<br />
Quem não para e escuta a voz <strong>da</strong> chuva,<br />
A voz <strong>da</strong>s folhas que <strong>da</strong>nçam sem parar...<br />
Não sabe o que perdendo está!<br />
24<br />
A natureza nos ensina muitas coisas<br />
Basta simplesmente parar e escutar...<br />
Escutar...<br />
Silêncio profundo...<br />
Silêncio...<br />
Escutar agora,<br />
O que a natureza te diz?<br />
Venho <strong>com</strong> este poema<br />
De um grande problema falar<br />
Se não pararmos de matar a natureza<br />
Um silêncio, que na<strong>da</strong> nos dirá,<br />
Reinará!<br />
Contemple o que é belo de ver<strong>da</strong>de<br />
Antes que...<br />
Antes que seja tarde!<br />
Marisa, 16 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual Rômulo Galvão, DIREC 32 - Cruz <strong>da</strong>s Almas.<br />
24<br />
71
72<br />
Um saci na ci<strong>da</strong>de<br />
Paula Jane Lima Almei<strong>da</strong> e Rafaela Rocha Navarro dos Santos<br />
Vinha ele cabisbaixo, desiludido <strong>com</strong> o que encontrara. Decidiu mu<strong>da</strong>r de vi<strong>da</strong> e ir para a ci<strong>da</strong>de.<br />
Todos os seus amigos tentaram convencê-lo a desistir. O Curupira foi o mais insistente.<br />
- Não vá, meu amigo. Lá as coisas não são <strong>com</strong>o aqui!<br />
- Estou decidido! - exclamou ele.<br />
Então seguiu. Ao chegar, encontrou a primeira barreira. Todos usavam blusas nas ruas. Era<br />
o único “mal” vestido, apenas de short vermelho. Optou por não <strong>da</strong>r atenção para este detalhe e<br />
continuar. Ia <strong>com</strong> a cabeça cheia de planos, imaginando sua boa vi<strong>da</strong> de agora em diante. Pensava<br />
em trabalhar, <strong>com</strong>prar um quitinete e, quem sabe, até se casar... Mas, foi interrompido por um<br />
guar<strong>da</strong> que disse:<br />
- Aonde pensa que vai, moleque? Aqui não é seu lugar.<br />
Feliz e sonhador respondeu:<br />
- Estou procurando emprego! Cheguei hoje à ci<strong>da</strong>de!<br />
O guar<strong>da</strong> o olhou por inteiro, observou ca<strong>da</strong> detalhe e retrucou:<br />
- Ora, menino, pensa que me engana, é? Procurando emprego, <strong>com</strong> essa roupa? Ou melhor,<br />
sem roupa, pois este shortinho mais parece roupa de dormir. Sem falar neste gorro vermelho<br />
ridículo! Faça-me o favor! Ain<strong>da</strong>, por cima, é aleijado! Onde está sua outra perna? Saia <strong>da</strong>qui, seu<br />
negro safado!<br />
Ele ficou muito furioso. Encostou debaixo de uma marquise; pegou seu cachimbo. Fumava<br />
tentando se acalmar, pensando no que iria fazer para se vingar do guar<strong>da</strong>. Tanta era sua fúria que<br />
falava sozinho:<br />
- Quem ele pensa que é? Sempre me vesti assim, ninguém nunca me rejeitou por isso na<br />
floresta. Mas eu vou aprontar <strong>com</strong> ele... Ah! se vou ... E, ain<strong>da</strong>, ousou me chamar de aleijado! Sou o<br />
Saci, se tivesse as duas pernas não seria eu! E o meu gorro? Sempre o usei, e meus amigos me<br />
aceitavam.<br />
Enquanto ele estava lá fumando seu cachimbo e reclamando sozinho, as pessoas que iam passando<br />
o olhavam e atravessavam a rua, ora por medo, ora por preconceito. Até que uma mulher chamou o<br />
guar<strong>da</strong>:<br />
- Seu guar<strong>da</strong>, seu guar<strong>da</strong>! Venha até aqui, rápido! Tem um <strong>da</strong>queles neguinhos favelados fumando<br />
crack!<br />
O guar<strong>da</strong> apressou-se e, quando o viu, disse:<br />
- Não acredito que é você de novo. Mandei que fosse embora e você não foi, né? Já sei o<br />
que você quer. Vou te encher de panca<strong>da</strong>, nego teimoso.<br />
O guar<strong>da</strong> o pegou pelo braço e <strong>com</strong>eçou a bater nele. Ele gritava desesperado querendo<br />
se explicar, mas não foi ouvido. Quando o Saci já não tinha mais forças e sangrava muito, foi que o<br />
25<br />
Paula e Rafaela, 19 anos e 18 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Modelo Luiz Eduardo Magalhães, DIREC 16 – Jacobina.<br />
25<br />
73
74<br />
guar<strong>da</strong> parou de espancá-lo e o levou até o delegado:<br />
- Delegado, encontrei este moleque nas ruas fumando crack. Olhe as roupas dele; o gorrinho típico<br />
de marginal. Não tem uma perna, deve ter sido em troca de tiro <strong>com</strong> a polícia...<br />
O delegado olhava para ele <strong>com</strong> desprezo. Perguntou:<br />
- Tem algo a declarar?<br />
- Sou o Saci! É um engano! Não fumava droga. Minha roupa sempre foi esta e minha perna é assim<br />
desde sempre. Por favor, me soltem. Voltarei à mata, aqui não é lugar para mim. Ninguém me respeita! De<br />
onde venho, posso ser eu mesmo e aqui tenho que me vestir <strong>com</strong>o vocês querem, fazer aquilo que querem...<br />
O delegado fitava-o, continuamente. Depois de algum tempo, falou:<br />
- Olha garoto, vou deixar você ir, pois nunca o vimos por aqui antes, mas se te pegarmos outra vez...<br />
Aí você tá frito! Vá, mas não pense que eu acreditei nessa conversa mole.<br />
O Saci saiu numa alegria <strong>da</strong>na<strong>da</strong>. Estava louco para encontrar seus amigos e contar tudo. Falar de<br />
<strong>com</strong>o era ruim aqui na ci<strong>da</strong>de, contar <strong>da</strong> falta de respeito deste povo, do preconceito que encontrou por ser<br />
negro e deficiente físico. A ansie<strong>da</strong>de era tamanha que nem olhou ao atravessar a rua e foi atropelado. O<br />
motorista partiu sem prestar socorro e, quando a ambulância chegou, isso quarenta minutos depois, já era<br />
tarde. O Saci estava morto.<br />
O enfermeiro ligou para a polícia dizendo:<br />
- Mandem uma viatura aqui, na rua <strong>da</strong>s Alame<strong>da</strong>s. Tem mais um <strong>da</strong>queles negros <strong>da</strong> favela, morto.<br />
O policial do outro lado <strong>da</strong> linha respondeu:<br />
- Menos um!<br />
Um passeio por tua boca<br />
Larissa <strong>da</strong> Silva Santos e Thais Ferreira Santos Conceição<br />
Na solidão <strong>da</strong> noite fria<br />
Encontro-me sem amor<br />
Na constância de todo dia<br />
Consigo vê-lo em uma flor.<br />
O perfume <strong>da</strong>s orquídeas<br />
Transpira a essência do teu suor<br />
No ressoar <strong>da</strong> chuva eu sentia<br />
Que já não estava tão só.<br />
No sussurrar <strong>da</strong> brisa seca<br />
Quase então pude ouvir<br />
O estalar de todos os beijos<br />
Que não negaste outrora a mim.<br />
No cintilar de um astro quente<br />
Perdido na noite silenciosa<br />
Me faz lembrar teus olhos negros<br />
Que me fixavam naquela hora.<br />
A calma noite se arrasta lentamente<br />
A chuva fina sem curso segue, então, seu caminhar<br />
A brisa cala seu canto de repente<br />
E as orquídeas já se negam a transpirar.<br />
Então, surge no horizonte<br />
O brilho <strong>da</strong> luz que vem me encontrar<br />
Trazendo a mensagem do astro quente<br />
Pois logo será dia, onde por tua boca eu irei passear.<br />
26<br />
26 Larissa e Thais, 16 anos e 15 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual Dr. Lauro Passos, DIREC 32 - Cruz <strong>da</strong>s Almas.<br />
75
76<br />
A degra<strong>da</strong>ção do meio ambiente<br />
Ludmila Bianca Perreira <strong>da</strong> Silva e Jéssica Reis dos Santos<br />
Vou agora contar um caso<br />
Do qual muita gente se esquece<br />
Por muitas partes do mundo<br />
Esse caso acontece<br />
Todo mundo fala e fala<br />
Mas ninguém se <strong>com</strong>padece.<br />
Meu <strong>com</strong>padre, ouça só<br />
Pra depois não se esquecer<br />
Quem caminha contra o fogo<br />
Amanhã pode correr<br />
Pois sem a natureza viva<br />
Todos podem morrer.<br />
Vem de Deus tudo o que é bom,<br />
Cai nas mãos do homem e se degenera<br />
A natureza agoniza<br />
Mas o homem pisa nela<br />
É por isso que lhe digo<br />
Que ninguém a considera.<br />
Homens ricos e afamados<br />
Cheios de força e ambição<br />
Cortam árvores <strong>da</strong> Amazônia<br />
E destroem a nossa nação<br />
Fazendo <strong>da</strong> natureza seu capacho<br />
Destruindo mata, rio e ribeirão.<br />
O homem está aí<br />
Devastando o “resto” <strong>da</strong> Terra<br />
Destruindo a fauna e a flora<br />
Com armas, máquinas e motosserra<br />
Mas se pensa que é só isso<br />
Nosso caso não se encerra.<br />
27<br />
O ser humano insensato<br />
Suja ain<strong>da</strong> todo o nosso chão<br />
Estraga o ar que era tão puro<br />
E faz virar poluição<br />
Mas para isso, oh meu Deus,<br />
Qual será a solução?<br />
A natureza pede socorro<br />
E precisamos de uma reação<br />
Pois se não cui<strong>da</strong>mos <strong>da</strong> Terra<br />
A existência será história de ficção.<br />
E sendo rico ou pobre<br />
Os homens não sobreviverão.<br />
Meu amigo, meu irmão,<br />
Ouça a sua intuição<br />
Desperte sua consciência<br />
E aja <strong>com</strong> o coração<br />
Diga não à lei do money<br />
E condene a destruição.<br />
E o leitor já sabe bem<br />
O que vai acontecer<br />
Já deve ter percebido<br />
O que a gente vai perder<br />
O recado está man<strong>da</strong>do<br />
Vê se não vai se esquecer.<br />
Agora vou <strong>da</strong>r, enfim,<br />
Minha boa opinião<br />
Então escute bem atento<br />
O que diz minha versão<br />
Faça sempre a sua parte<br />
Em prol <strong>da</strong> preservação.<br />
27 Ludmila e Jéssica, 17 anos e 16 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa, DIREC 09 – Teixeira de Freitas.<br />
77
78<br />
Histórias do Colem<br />
Joseane dos Santos de Jesus<br />
No ano de 2007<br />
Pois tinha muita vontade<br />
Matriculei-me no Modelo<br />
Com 15 anos de i<strong>da</strong>de<br />
Foi grande a alegria<br />
Foi tamanha felici<strong>da</strong>de<br />
O professor Joellington<br />
Era um homem destemido e<br />
Dizia pra nós assim:<br />
“meus alunos queridos,<br />
vocês devem estu<strong>da</strong>r<br />
para não terem prejuízos”<br />
Eu fui aluna de Eliana<br />
Cujo rosto lembra uma flor<br />
Mãe de Isabela e Arthuzinho<br />
Mulher de muito valor<br />
Professora exemplar<br />
Ensinava <strong>com</strong> amor<br />
Nos dias que se seguiram<br />
Começaram os aperreios<br />
Os professores e diretora<br />
Nunca mediram arrodeios e<br />
Quando eles se juntavam<br />
Começavam os bombardeios<br />
28<br />
A diretora então,<br />
Resolveu se planejar<br />
Para vender os “bilhetinhos”,<br />
E o real de nós tirar<br />
Conseguiu <strong>com</strong>prar o som<br />
E o auditório equipar<br />
Na Ressaca Junina<br />
Mais dinheiro cobiçaram<br />
E dentro de poucos dias<br />
Outro plano iniciaram<br />
E para os pobres alunos<br />
Mais bilhetinhos eles man<strong>da</strong>ram<br />
A diretora para nos <strong>da</strong>r <strong>com</strong>pensação<br />
Começou os jogos estu<strong>da</strong>ntis<br />
Para não haver confusão<br />
Dividiram-se as equipes<br />
Foi tamanha diversão<br />
Ah, não posso esquecer<br />
De nossa queri<strong>da</strong> Iola<br />
Que mesmo quando cai,<br />
Aquela mulher não chora<br />
Correu para a fotografia<br />
Escorregou na mesma hora<br />
E pra falar do final do ano<br />
Só me lembra a emoção<br />
Tinha gente pra todo lado<br />
Fazendo recuperação<br />
Eu fiquei fora dessa<br />
Pois não sou folga<strong>da</strong>, não<br />
Eu dei duro o ano todo<br />
Pra não ter reprovação<br />
Vou acabar <strong>com</strong> isso logo<br />
Pois não sou poeta não<br />
Mas quero deixar um verso<br />
Como semente no chão<br />
Fiz estes inspirados<br />
Naquilo que a gente sente<br />
Pra distrair um pouco a vi<strong>da</strong><br />
E desdobrar a minha mente.<br />
79
80<br />
O rio<br />
Mirna Silva Ribeiros<br />
Eu nado num rio<br />
que parece não ter fundo<br />
Eu nado num rio salgado<br />
cheio de tristeza<br />
onde a ca<strong>da</strong> mergulho mal <strong>da</strong>do<br />
engulo amargura<br />
Eu nado num rio<br />
que não existe no mapa<br />
nem do Brasil, nem do mundo<br />
Eu nado num rio<br />
que ninguém nunca nadou<br />
mas ca<strong>da</strong> um tem o seu<br />
Eu nado num rio<br />
que existe no quintal <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
Eu nado num rio<br />
onde uns tentam me salvar<br />
e outros me afogam<br />
Eu nado num rio particular<br />
eu nado sempre em horas propícias<br />
quando não há salvavi<strong>da</strong>s<br />
Eu nado num rio sem fim<br />
Eu nado num rio de lágrimas<br />
cujas lágrimas são só minhas...<br />
minhas e abstratas<br />
que se derivam de sofrimento<br />
Eu nado num rio<br />
onde nunca sei<br />
quando serei salva.<br />
28<br />
28<br />
Mirna, 15 anos, 1ª série do ensino médio Colégio Estadual Georgina de Mello Erismann, DIREC 02 – Feira de Santana.<br />
81
82<br />
A Amazônia destruí<strong>da</strong><br />
Nadyanne de Azevedo Machado<br />
Floresta esplendorosa<br />
Floresce em teu seio vivaz<br />
Ó, <strong>da</strong>ma sensual majestosa!<br />
O homem nunca será capaz.<br />
De contigo formar uma aliança<br />
E o seu lindo reino não desmatar<br />
Tu és a única esperança<br />
Para a situação do Planeta mu<strong>da</strong>r.<br />
Rica em fauna e flora<br />
Mãe do ouro negro febril<br />
Sua beleza é emana<strong>da</strong><br />
Pelos cantos do Brasil.<br />
Teu mato agitado<br />
É <strong>com</strong>o os meus cabelos ao vento<br />
Um lugar mágico<br />
Desenhado em meus pensamentos.<br />
És tu que distribui<br />
A energia do grande criador<br />
O sol brilhante dia a dia<br />
Vem do teu ventre de amor.<br />
Amazônia brasileira<br />
Responsável por desejos infernais<br />
Os forasteiros te querem inteira<br />
Saciados pela sede fugaz.<br />
29<br />
Nadyanne, 17 anos, 2ª série do Colégio Estadual de Paramirim, DIREC 23 – Macaúbas.<br />
29<br />
E pensar que antes<br />
Tínhamos um tesouro escondido<br />
Hoje já não é <strong>com</strong>o ontem<br />
O que restou está sendo destruído.<br />
Choro por ti, bela floresta!<br />
Quero o verde de outrora<br />
Minha ama<strong>da</strong> terra<br />
Não tem mais a mesma aurora.<br />
<strong>Aos</strong> poucos desfaleci<strong>da</strong><br />
A vi<strong>da</strong> morre em silêncio<br />
Na lembrança humanista<br />
Só restará o tormento.<br />
83
84<br />
Memórias de um rebelde<br />
30<br />
Cleiton Neris de Oliveira<br />
França, março de 1831, dia de inverno, monótono, o asfalto é molhado pela neblina. Nas ruas de Paris, o<br />
vácuo dá lugar a uma imagem agourenta e carrancu<strong>da</strong>.<br />
A maior parte dos parisienses partiu para o interior em busca de abrigo e paz; os que restaram se<br />
resguar<strong>da</strong>m em suas casas e ali permanecem encurralados e aflitos.<br />
Oh, pátria minha, pátria de heróis que, impávidos, lutaram bravamente por justiça e morreram em<br />
batalha; que deram seu sangue por uma constituição, por uma república. Terra de jacobinos, terra de<br />
iluministas, de que valeram suas vi<strong>da</strong>s? Marat, Robespierre, Rousseau? Que angústia profun<strong>da</strong> sentiriam em<br />
ter notícia que suas vi<strong>da</strong>s de batalhas foram em vão, que o preço <strong>da</strong> revolução ain<strong>da</strong> não fora liqui<strong>da</strong>do.<br />
Não se sabe ao certo quantas vi<strong>da</strong>s serão necessárias para a instalação de uma república, o que sei e o que<br />
acredito é que ain<strong>da</strong> há esperanças de uma sublevação, e, por isso, lutarei <strong>com</strong> to<strong>da</strong>s minhas forças contra a<br />
restauração do antigo regime.<br />
Seguíamos em direção à rua LA VERRERIE, em manifestação calorosa; gritos ecoavam pelas ruas<br />
<strong>da</strong> capital francesa, os cartazes impregnavam o nosso alvo <strong>com</strong> a expressão “abaixo a monarquia”. A<br />
revolta contra a restauração <strong>da</strong> monarquia tem raízes históricas, <strong>com</strong>eçando na revolução de 1789,<br />
quando houve a deposição <strong>da</strong> realeza e a instauração <strong>da</strong> república. Após alguns anos, Napoleão<br />
Bonaparte conquistara o poder. Mas depois <strong>da</strong> que<strong>da</strong> do império napoleônico, a casa Real de Bourbon,<br />
dos antigos reis monárquicos reconquistaram o trono. Os partidários de Napoleão e nós, os republicanos,<br />
adeptos dos ideais iluministas, não aceitamos e criamos a rebelião.<br />
— Avante, homens! — Exclamou o senhor Carjat, líder <strong>da</strong> multidão de manifestantes. Homem viril,<br />
decidido, trajava sempre trapos grosseiros e velhos, porém, seu olhar firme e seguro o enriquecia de honra e<br />
de poder de liderança. Confesso que, em diversas horas, eu o tinha <strong>com</strong>o um porto seguro, <strong>com</strong>o uma fonte<br />
de certezas; certezas que era meu dever tê-las, incondicionalmente. Mas havia dias em que o que viam<br />
meus olhos, massacrava as condições psíquicas e espirituais de ter certeza de nossas virtudes ou até mesmo<br />
de nossos argumentos.<br />
Este era o nosso quinto dia de protestos, mas não conhecíamos guerra pacífica. No último conflito<br />
<strong>com</strong> a guar<strong>da</strong> nacional, voltamos de luto, fomos vítimas de uma embosca<strong>da</strong> covarde. Três jovens foram<br />
executados, não os conhecia muito bem, nem mesmo os tinha notado na barrica<strong>da</strong>, mas senti uma dor<br />
amarga e entorpecente ao ver os jovens mortos, repletos do vermelho sanguíneo, um deles <strong>com</strong> quatro tiros<br />
no peito. Me vi morto, senti a dor dos tiros por alguns minutos, era tão nossa a dor, estava tão próxima de<br />
nós. Quão grande é esta ironia que vivemos. Os nossos ver<strong>da</strong>deiros heróis morrem <strong>com</strong>o criminosos,<br />
in<strong>com</strong>preendidos, in<strong>da</strong>gados corrompidos e miseráveis. Enquanto os injustos, desumanos, narcisistas,<br />
monarquistas são homenageados e lembrados <strong>com</strong> júbilo por essa socie<strong>da</strong>de estúpi<strong>da</strong> e hipócrita durante<br />
30<br />
Cleiton, 16 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual Mary Rabello, DIREC 13- Jequié.<br />
gerações.<br />
A barrica<strong>da</strong> está ergui<strong>da</strong>, cerca de trezentos e cinquenta homens <strong>com</strong>põem a multidão de<br />
rebeldes. O frio aumenta, e os agasalhos levianos que me vestem tornam- se insuficientes. Meus lábios<br />
tremem, talvez não só de frio, talvez haja uma conexão de fatores, uma gotícula de suor cai sobre minha<br />
nuca, suor frio, suor de tensão.<br />
Vi Géricault correndo em minha direção. Géricault é meu irmão, o mais novo. Era vivo, alegre,<br />
entusiasmado, todos o admiravam. Aproximava-se. Iria <strong>da</strong>r-lhe um abraço apertado <strong>com</strong>o era de nosso<br />
costume. Ele, atarantado, não permitiu e exclamou:<br />
— Eugéne, eles estão vindo! Descendo a Chaverrie, o governo havia concentrado forças! São<br />
noventa mil... noventa mil homens!<br />
Nesse momento fui impedido de ouvir o prosseguimento de seu discurso, uma bomba de impacto<br />
fulminante explodiu bem próximo onde estávamos. Ouviam-se muitos gritos, a fumaça tomou-nos a visão e,<br />
<strong>com</strong> isso, me vi <strong>com</strong>pletamente perdido. Abaixei-me e encostei-me à barrica<strong>da</strong>, tentando me proteger, ouvi<br />
a marcha <strong>da</strong> guar<strong>da</strong> nacional; voltavam meus calafrios, o mesmo que me perturbara no último confronto. Ali<br />
nascia uma fobia, um trauma psicológico.<br />
— Gericault! Onde estás?!<br />
— Estou aqui — respondeu-me calmamente. Estava ao meu lado, mas a fumaça não me permitiu<br />
enxergá-lo. Ouviam-se tiros e, em segui<strong>da</strong>, os gritos dos <strong>com</strong>panheiros atingidos. Estávamos inertes, as<br />
nossas armas eram apenas bastões, cajados e espa<strong>da</strong>s.<br />
— Fique aqui, Géricault! Não saia!<br />
— Aonde vai?!<br />
— Não se preocupe, ficarei bem.<br />
Num ato de bravura inconsciente, levantei-me. A fumaça ain<strong>da</strong> inun<strong>da</strong>va a Laverrie e na<strong>da</strong> se via.<br />
Olhava fixamente em linha horizontal e, pouco a pouco, a imagem de dor e melancolia ia se mostrando, se<br />
exibindo, causando pavor e pranto na plateia escassa que ora se encontrava nas calça<strong>da</strong>s, outrora nos<br />
barrancos e nas janelas. O espetáculo fervilhava. O ranger dos dentes dos rebeldes tornava explícita a<br />
indignação, e, <strong>com</strong> bravura, lutaram sem cessar diante <strong>da</strong> massa “azul, branco e vermelho” de policiais. Era<br />
uma desproporcionali<strong>da</strong>de desleal: mais de duzentos sol<strong>da</strong>dos por manifestante. Isso não nos abalou.<br />
Como se meu cérebro esnobasse o óbvio desfecho, saltei golpeando a massa, atingi o rosto de um senhor<br />
policial que caiu no chão e foi pisoteado pela multidão. Confesso: não gosto de ferir. Gosto de assistir,<br />
amparar, acolher. É difícil matar. Dos policiais, na<strong>da</strong> me angustia, na<strong>da</strong> me revolta. O preciso golpe de<br />
espa<strong>da</strong> que fere o veterano sol<strong>da</strong>do não o pertencia, pertence à majestade dos banqueiros, senhor Luiz<br />
Felipe Orleans. Pertence à Casa Real de Bourbon. A eles, sim, pertenciam todos nossos golpes de revolta.<br />
Vi o senhor Carjat sendo baleado no peito. Caiu desacor<strong>da</strong>do. Seus sinais vitais anunciavam que<br />
ain<strong>da</strong> vivia. Dois rebeldes se encarregaram de levá-lo para um lugar acautelado. Rezo por sua<br />
recuperação, pois tenho este homem <strong>com</strong>o referência; lutou <strong>com</strong>o poucos, certamente não morrerá desta<br />
vez, já que Carjat nasceu para fazer estória. Alguns seres possuem brilho demais para a humani<strong>da</strong>de.<br />
Esses se destacam, são unanimi<strong>da</strong>des e deixam sua marca, seus nomes durante séculos. Tornam-se mitos,<br />
len<strong>da</strong>s, imortais.<br />
85
86<br />
Restaram apenas alguns rebeldes, talvez os mais rápidos, ou os menos ousados. Vi a longa distância<br />
os policiais pegarem Géricault; ele gritava aflito. O destino de um rebelde antimonarca nas mãos <strong>da</strong><br />
guar<strong>da</strong> nacional é um só: a execução. Géricault sabe disso, não pude conter minha tormenta, atirei-me sem<br />
pensar em direção ao campo de concentração de sol<strong>da</strong>dos. Fui baleado na região do estômago e, após<br />
esse momento, já não me lembro de na<strong>da</strong>.<br />
Acordei em lugar desconhecido. Era obscuro, sombrio, fétido, não sinto mais o cheiro de guerra, o<br />
aroma <strong>da</strong>s pólvoras do qual Paris já se habituara. As teias de aranha no ângulo do teto e as grades de<br />
formas hedion<strong>da</strong>s nos pequeninos vitrôs tornavam o lugar um cenário temeroso. Avistei uma fita de luz à<br />
minha esquer<strong>da</strong>. Era uma porta; estava distante. Me movi lentamente em sua direção; percebi que minhas<br />
mãos e meus pés estavam atados. Arrisquei-me a sentar no chão, pressionei meu abdômen e senti uma dor<br />
desmedi<strong>da</strong> no estômago. O tiro... tinha me esquecido...<br />
Notei movimentos no salão. Passos serenos e cautelosos ron<strong>da</strong>vam pela área pequena <strong>da</strong> sala, mais<br />
pessoas estão aqui. Seriam estranhos? Feridos? Tive medo de tentar averiguar, permaneci deitado e<br />
calado. Estou preso obviamente pela guar<strong>da</strong> nacional. Penso em hipóteses por um otimismo imbecil:<br />
esperança, na ocasião que me encontro, é imprescindível.<br />
A porta se abre. Uma explosão de luz invade o salão de tijolos velhos, dezenas de rebeldes feridos<br />
estão atirados no chão, a maioria deles desacor<strong>da</strong>dos. Cinco sol<strong>da</strong>dos bem divididos no espaço <strong>da</strong> sala,<br />
armados e à espreita. Não restam mais esperanças.<br />
O guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> porta sussurra:<br />
— Levantem-se, maricas! — batendo o cabo <strong>da</strong> espingar<strong>da</strong> em alguns manifestantes que o<br />
cercavam. Eles levantaram lentamente, <strong>com</strong> dificul<strong>da</strong>de, mancos, feridos, e alguns mutilados. Sete saíram.<br />
Logo após o sétimo homem sair, a porta foi fecha<strong>da</strong> rapi<strong>da</strong>mente <strong>com</strong>o se não pudéssemos ter acesso à luz.<br />
Ouvia-se um coral lá fora. Vozes de desespero desatinado ecoavam força<strong>da</strong>mente segui<strong>da</strong> de gritos de<br />
choro. Eram os heróis que incitavam: “Viva a república nova!”. Uma voz grave e firme soa exprimindo-os:<br />
“Fogo!”. Ouviam-se os tiros, sincronizados, aniquilando o pequeno coral. Preparam-se os rebeldes do salão,<br />
pois <strong>da</strong>qui sairá a próxima remessa de heróis.<br />
O que pode pensar um homem convicto de que vai morrer? No seu funeral? Os tiros lá fora mal me<br />
deixam pensar; os disparos doem em minha alma, os gritos dos grandes homens, os cânticos, a ordem de<br />
disparo, todos reunidos, mal-ensaiados, acontecendo. Sinto-me cronometrado. Tenho apenas algumas<br />
horas. Preciso selecionar meus pensamentos, afinal, após ele, partirei para onde não sei, e ninguém sabe.<br />
Partirei para o maior mistério <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />
Tenho anseio pelo sangue dos monarquistas malditos, crápulas, miseráveis, narcisistas, autores de tamanha<br />
insolência. Um país, uma nação submissa a apenas um corpo, de carne, sangue, e equívocos. Prefiro a morte<br />
a ter que conviver <strong>com</strong> esse mal.<br />
Turbilhões de memórias e recor<strong>da</strong>ções narcotizam meu cérebro. Penso, me diviso, me multiplico, me<br />
analiso. Qual é minha essência? Quem sou eu? Resmungos? Mentiras? Sonhos? Lembro-me do tempo em que<br />
não me in<strong>com</strong>o<strong>da</strong>vam os absolutistas, que era feliz, que admirava o belo. Serei apenas mais um<br />
manifestante eliminado para o grande faturamento <strong>da</strong> Casa Real, <strong>com</strong>o o agricultor elimina gafanhotos<br />
para uma boa colheita. 31<br />
Minha história a miúdo<br />
Jailson Amâncio Nunes<br />
Sou um cabra muito macho<br />
Um poeta nordestino<br />
Que sofri quando menino<br />
Na minha vi<strong>da</strong> singela<br />
Filho de Maria Istela<br />
Serva fiel do divino<br />
Francisco Matias Nunes<br />
Que hoje já falecido<br />
Foi o meu papai querido<br />
Que o inimigo matou<br />
Mas o meu pai vacilou<br />
Porque não foi bom marido<br />
Por causa <strong>da</strong> vai<strong>da</strong>de<br />
Traindo a minha mãezinha<br />
Trouxe uma sorte mesquinha<br />
Com falsas amizades<br />
Perdeu a felici<strong>da</strong>de<br />
Perdeu a vi<strong>da</strong> que tinha<br />
Quando eu era pequeno<br />
As minhas irmãs queri<strong>da</strong>s<br />
Sem nenhuma despedi<strong>da</strong><br />
Se separaram de mim<br />
Pois aí vi tendo o fim<br />
De uma vez só duas vi<strong>da</strong>s<br />
31<br />
Foi na déca<strong>da</strong> de oitenta<br />
Que esse fato aconteceu<br />
Três aninhos tinha eu<br />
De um posto estávamos vindo<br />
E quem vinha dirigindo<br />
Triste notícia nos deu<br />
Em um posto de saúde<br />
Veio um carro me buscar<br />
Alguém para avisar<br />
A eu e a minha mãezinha<br />
Que desconfia<strong>da</strong> vinha<br />
Já <strong>com</strong>eçou a chorar<br />
Disse aquela doutora<br />
Que guiando o carro vinha<br />
Que no canal que ali tinha<br />
Morreram duas meninas<br />
To<strong>da</strong>s duas pequenininhas<br />
Eram minhas irmãzinhas<br />
A Salete, a Vanusa<br />
Que morreram afoga<strong>da</strong>s<br />
Estavam ali deita<strong>da</strong>s<br />
Sem poder me <strong>da</strong>r carinho<br />
E eu fiquei ali sozinho<br />
Muitas lágrimas derrama<strong>da</strong>s<br />
Vendo elas ali para<strong>da</strong>s<br />
Todos lhe observavam<br />
E muitos nos consolavam<br />
Perguntei: estão dormindo?<br />
Vendo aqueles braços lindos<br />
Que antes me carregavam<br />
Minha mãe disse: estão,<br />
Mas não vão mais acor<strong>da</strong>r<br />
Eu <strong>com</strong>ecei a chorar<br />
Porque elas nos deixaram<br />
Duas partiram, três ficaram<br />
E a tristeza no lar<br />
Jailson, 29 anos, 2ª série do Colégio Estadual Olavo Ferreira Neto, DIREC 15 – Juazeiro.<br />
Depois nasceu Jailton<br />
Pra me fazer <strong>com</strong>panhia<br />
E pro lar alegria<br />
Já <strong>com</strong>eçou a voltar<br />
Comecei a me acostumar<br />
E vencer a melancolia<br />
Depois nasceu Francinete<br />
No ano oitenta e seis<br />
No dia trinta do mês<br />
Não teve mais pranto algum<br />
Pois onde só era um<br />
Agora já eram três<br />
E <strong>da</strong>ndo à luz outra vez<br />
Minha mãe fez paradeiro<br />
O caçula e o derradeiro<br />
Foi Janeildo, e só<br />
Quem cortou o umbigo foi vó<br />
E eu tava lá no terreiro<br />
Quando já podia entrar<br />
Eu parti bem de repente<br />
E entrei todo contente<br />
Vendo a obra que Deus fez<br />
Um bebê de sete mês<br />
Era um pingo de gente<br />
Nem as bor<strong>da</strong>s <strong>da</strong> orelha<br />
Eram ain<strong>da</strong> termina<strong>da</strong>s<br />
Mas num é que o camara<strong>da</strong><br />
Hoje tá um homem feito<br />
Completo sem um defeito<br />
E todo cheio de arma<strong>da</strong><br />
87
88<br />
Na déca<strong>da</strong> de noventa<br />
Aí o bicho pegou<br />
Meu pai se desmantelou<br />
Virou raparigueiro<br />
Cachaceiro e imbuaceiro<br />
E tudo desmoronou<br />
Ele já fazia isso<br />
Mas era mais controlado<br />
Mas depois foi dominado<br />
Pelos laços do capeta<br />
Aí a coisa ficou preta<br />
Pra quem tava do seu lado<br />
São <strong>com</strong>o favos de mel<br />
Os lábios de meretriz<br />
Como um provérbio diz<br />
O que provar dessa sorte<br />
Seu troféu é a morte<br />
E seu fim não é feliz<br />
No ano noventa e três<br />
Ele vinha de uma festa<br />
E <strong>com</strong>o o diabo não presta<br />
Usou quem lhe deu três tiros<br />
E deu seu último suspiro<br />
Com as marcas do mal na testa<br />
Já tinha vindo em casa<br />
Mas logo já quis voltar<br />
Minha mãe tentou barrar<br />
Mas ele não deu nem trela<br />
Logo pulou a janela<br />
E saiu para se acabar<br />
Nunca carregue na vi<strong>da</strong><br />
A fama de valentão<br />
Isso não é profissão<br />
Por causa <strong>da</strong> valentia<br />
Meu pai Francisco Matias<br />
Foi pra debaixo do chão<br />
Por isso conto pra todos<br />
Esse caso que passou<br />
Porque a vi<strong>da</strong> é um amor<br />
E a fé no nosso escudo<br />
Quem vive hoje ta <strong>com</strong> tudo<br />
Quem morreu ontem acabou<br />
Ficou eu <strong>com</strong> treze anos<br />
Pra criar os meus irmãos<br />
Fazendo calo nas mãos<br />
E ensinando o bem<br />
Pra não roubarem ninguém<br />
Mas tornarem ci<strong>da</strong>dãos<br />
Nós fomos muito humilhados<br />
Mas demos a volta por cima<br />
Sempre as minhas rimas<br />
Nos trouxe muita alegria<br />
Com humor e poesia<br />
Levantamos a autoestima<br />
Às vezes <strong>com</strong> fome à noite<br />
Eu falava algo engraçado<br />
E os meus irmãos coitados<br />
Ouvindo aquilo sorriam<br />
E ali adormeciam<br />
Esquecendo o mau estado<br />
Muitas <strong>da</strong>s vezes <strong>com</strong> fome<br />
E em casa na<strong>da</strong> tinha<br />
Se não somente farinha<br />
E um pouquinho de sal<br />
Mas a fé que vence o mal<br />
Dentro do meu peito vinha<br />
Para irmãos para escola<br />
Ia eu ou meu irmão<br />
Porque sem ter condição<br />
Era uma calça pra dois<br />
Mas Deus preparou depois<br />
Pra um dos dois um calção<br />
Às vezes íamos pro mato<br />
Comer fruta de juá<br />
Comia ate enjoar<br />
Porque não tinha o pão<br />
Nem pra deitar no colchão<br />
Nem lençol pra se enrolar<br />
Os lençóis eram rasgados<br />
Alguns pra forrar o chão<br />
Pe<strong>da</strong>ços de papelão<br />
E alguns sacos de náilon<br />
Isso pra quebrar o galho<br />
Não tinha outra opção<br />
A casa onde dormíamos<br />
Era bem deteriora<strong>da</strong><br />
E às vezes de madruga<strong>da</strong><br />
Acordávamos molhados<br />
E víamos no telhado<br />
As cobras empindura<strong>da</strong>s<br />
Nos víamos correr no chão<br />
Lacraia e escorpiões<br />
E em nossos corações<br />
O medo de ser picados<br />
Mas por Deus éramos guar<strong>da</strong>dos<br />
Em meio às aflições<br />
Agora estamos criados<br />
Minha mãe aposenta<strong>da</strong><br />
Não tem mais falta de na<strong>da</strong><br />
E eu já estou casado<br />
Feliz e abençoado<br />
Ao lado <strong>da</strong> minha ama<strong>da</strong><br />
Quem antes <strong>com</strong>ia puro<br />
Hoje <strong>com</strong>e <strong>com</strong> mistura<br />
O colchão é uma fofura<br />
Sem falar na roupa boa<br />
Hoje não tô mais à toa<br />
Nem há vi<strong>da</strong> de amargura<br />
A pasta não é mais o juá<br />
É creme dental do bom<br />
A música mudou de tom<br />
Cristo me abençoou<br />
Pra mim tudo preparou<br />
E ain<strong>da</strong> me encheu de dom<br />
Meu filho vai ser artista<br />
Meu pai sempre me dizia<br />
Mas morreu antes do dia<br />
De ver seu filho um poeta<br />
Mesmo não sendo um profeta<br />
Me fez essa profecia<br />
Hoje sou poeta e pintor<br />
Sirvo a Deus, o criador<br />
Com fé, virtude e fervor<br />
Na congregação dos justos<br />
O mal não me faz mais susto<br />
Porque o bem me ganhou<br />
Tenho uma esposa lin<strong>da</strong><br />
Que é a minha princesa<br />
É repleta de beleza<br />
Joia rara que me encanta<br />
É um anjo, uma santa<br />
Que espanta minha tristeza<br />
Aqui termino esses versos<br />
E a Deus tudo agradeço<br />
Não sei se o que tenho mereço<br />
Mas quem ouvir meu cordel<br />
Sabe que Deus é fiel<br />
E faz do fim o <strong>com</strong>eço.<br />
89
90<br />
O amigo <strong>da</strong> onça<br />
Zilma Ferreira <strong>da</strong> Silva<br />
Cena aberta na floresta <strong>com</strong> o pássaro mágico <strong>da</strong>nçando feliz em <strong>com</strong>panhia <strong>da</strong> fa<strong>da</strong> Zul. Os dois<br />
interagem <strong>com</strong> os animais que chegam para contemplar tamanha beleza. De repente, sentem a presença<br />
do perigo e ficam agitados.<br />
* P. MITSA: Acalmem-se, nós estamos aqui, na<strong>da</strong> de ruim vai acontecer.<br />
* FADA: Ó pássaro encantado... Sobrevoe a floresta e veja o que está acontecendo.<br />
* P. MITSA: É pra já! Voltarei em um instante...<br />
* FADA: (Acariciar os animais e acalmá-los é meu desejo) não tenham medo Sr. Leão, lindo e valente, sabia<br />
que você é o Rei <strong>da</strong>s Selvas! (a fa<strong>da</strong> conversa <strong>com</strong> todos).<br />
* P. MITSA: Pronto vai <strong>com</strong>eçar tudo outra vez.<br />
* FADA ZUL: Fale Mitsa, o que você viu por lá?<br />
* P. MITSA: Os caçadores estão de volta e dobraram o número de armas e cachorros – (Agitação)<br />
* FADA ZUL: Não fale assim, não vê que está assustando os animais?<br />
* P. MITSA: Desculpe, eles estão bem próximos <strong>da</strong>qui, o que faremos Zul?<br />
* F. ZUL: Tive uma ideia (Chama a atenção dos animais para sua ideia). Meus amigos, chegou a hora, <strong>da</strong>rei a<br />
vocês o Dom <strong>da</strong> Fala, poderão falar <strong>com</strong> os caçadores, dizer o quanto sofrem e pedir que poupem suas<br />
vi<strong>da</strong>s, mas prestem atenção: no momento que passarem a agir de forma erra<strong>da</strong> este dom lhes será tirado.<br />
* P. MITSA: Oba! Vocês vão poder cantar e <strong>da</strong>nçar.<br />
* F. ZUL: Vamos pássaro encantado.<br />
* P. MITSA: Por favor, deixe-me aqui, eles vão precisar <strong>da</strong> minha aju<strong>da</strong>.<br />
32<br />
32<br />
Zilma, 48 anos, 2ª série do ensino médio do Centro Educacional Gilberto Viana, DIREC 14 – Itapetinga.<br />
* F. ZUL: Está bem Mitsa, fique, mas você não poderá interferir em na<strong>da</strong>. Até breve meus amigos.<br />
(Sai de Cena).<br />
* LEÃO: Eh, no dia em que o homem entender que não se deve agredir a natureza e os animais, haverá uma<br />
grande festa no planeta Terra. (DESCE PARA A PLATEIA) – Como tem passado Senhor Coelho? Continua <strong>com</strong><br />
a dieta <strong>da</strong> cenoura? Olha quem está aqui, o Senhor Jacaré! Fico feliz que os caçadores ain<strong>da</strong> não o<br />
capturaram (SAINDO DA CENA PARA A PLATEIA). Dona tartaruga sempre escondi<strong>da</strong>, hein?<br />
* CAÇADOR – Pega Rex, olha lá uma onça! Tá na mira. Sai <strong>da</strong> frente Rex que vou pegar o bode.<br />
* ONÇA – Socorro!... Socorro!<br />
* REX – Ei! Dona Onça.<br />
* ONÇA – Socorro! Socorro! (ONÇA E CACHORRO SE ESBARRAM)<br />
* REX – Cala a boca onça barulhenta! Corre que o caçador vai te pegar...<br />
* ONÇA – É... é ...Chiii... E Agora?<br />
* REX – Agora corra que lá vem bala.<br />
* CAÇADOR – (passa pela cena atrás do caçador). Vamos cachorro lerdo, quando voltar para casa te jogo<br />
para carrocinha e vai virar sabão.<br />
* REX– Por favor, não faça isso meu senhor!<br />
Prometo que agora em diante irei trabalhar direitinho.<br />
*CAÇADOR – Está certo. Agora vá atrás do bode que eu pego a onça, vá.<br />
*BODE – Vocês viram o caçador por aí? E o cachorro dele vocês viram? Pelas barbas do meu bigode!<br />
(An<strong>da</strong>ndo de um lado para o outro). Será possível que um bode velho não pode ter sossego na vi<strong>da</strong>. Eu não<br />
estou me aguentando em pé. (senta no chão)<br />
Sabem de uma coisa? O que eu mais queria era ter um cantinho sossegado para morar. Uma<br />
casinha, não precisava ser uma mansão, eu só queria um canto para construir minha casinha. (Olha ao lado e<br />
percebe um terreno).<br />
Olha só! Que lugar lindo pra fazer minha casa, vou limpar aqui. (Limpa e o terreno e sai)<br />
Agora vou buscar algumas madeiras.<br />
* ONÇA – (Entra correndo) Socorro!!!! Um caçador!<br />
91
92<br />
* CACHORRO – (Entra correndo e esbarra na onça).<br />
* ONÇA – Não vem não, que eu te pego! Olha que eu sou uma onça muito feroz, <strong>da</strong>quelas que devoram<br />
cachorrinhos.<br />
* CACHORRO – Calma, Eu não vou te fazer mal, sou seu amigo.<br />
* ONÇA – Não se mexa. Não confio em você.<br />
É um traidor, não tem vergonha neste focinho não?<br />
* REX – Eu estou muito envergonhado, mas ele me força a fazer isso.<br />
* ONÇA – Mentiroso! To<strong>da</strong> semana você está aqui na floresta <strong>com</strong> os caçadores e outros cachorros <strong>da</strong> sua<br />
laia. Pensa que eu não te vejo, pensa!...<br />
* REX – Dona Onça me dê uma chance.<br />
* ONÇA – Não, não gosto de animais traidores.<br />
* REX – A senhora não sabe, <strong>com</strong>o é dura a vi<strong>da</strong> de um cachorro vira – lata... Eu sempre vivi nas ruas, muitas<br />
vezes tive que dormir na chuva <strong>com</strong> fome, até que um dia o caçador me levou para morar <strong>com</strong> ele, mas em<br />
troca de casa e <strong>com</strong>i<strong>da</strong> ele nos obriga a caçar.<br />
* ONÇA – Não chore cachorrinho! Nossa! deve ser triste viver desse jeito, posso fazer alguma coisa para lhe<br />
aju<strong>da</strong>r?<br />
* REX – Eu tenho uma idéia que não pode falhar...<br />
* ONÇA – Fala, fala!<br />
* REX – Pois bem. Nós vamos ignorar o caçador. Quando ele aparecer, eu finjo que capturo você e quando<br />
ele se aproximar, os outros animais o cercam e pronto! Está preso o caçador.<br />
* ONÇA – Nossa! Que medo. E se ele atirar <strong>com</strong> aquela espingar<strong>da</strong>?<br />
* REX – Deixa <strong>com</strong>igo, vou falar <strong>com</strong> os outros animais. (Sai de cena).<br />
* ONÇA – Ufa! Essa confusão me deixou muito cansa<strong>da</strong>, tudo que eu mais queria era encontrar um<br />
lugarzinho para fazer uma casa e morar o resto <strong>da</strong> minha vidinha.<br />
(An<strong>da</strong> de um lado para outro). Que lindo! Será que Deus está me aju<strong>da</strong>ndo, encontrei um terreninho! Aqui eu<br />
vou fazer minha casinha, e já está limpo. Espere! Já sei, vou pegar os gravetos.<br />
* BODE – (Entra trazendo um feixe de lenha). Pronto! Eu ponho este aqui, e...<br />
* REX – Sr. Bode...Ei! Sr... Aqui!<br />
* BODE – Agora você está perdido, vou lhe mostrar <strong>com</strong> quantas chifra<strong>da</strong>s se faz um cachorro quente.<br />
* REX – Não vou machucá-lo, não tenha medo.<br />
* BODE – Medo eu? Conheço seu tipo, você descobriu que sou faixa preta em capoeira.<br />
* REX – Capoeira! O que é isso.<br />
* BODE – Num sabe? É caratê <strong>com</strong> capoeira. Vem! Parte pra dentro que te faço um SUSHI.<br />
* REX – Eu <strong>com</strong>binei <strong>com</strong> o s outros animais <strong>da</strong> floresta um plano para capturarmos o caçador. O senhor que<br />
aju<strong>da</strong>r?<br />
*BODE – Espera! Eu estou ouvindo direito? Você, o cachorro traidor, resolveu passar para o nosso lado?<br />
*REX – É isso mesmo. Chiii! Lá vem o caçador,Corra, Sr. Bode! (sai correndo).<br />
* BODE – Vou pegar o resto <strong>da</strong>s coisas e minha mu<strong>da</strong>nça. (sai de cena correndo quando ouve o barulho).<br />
Salve-se quem puder!<br />
* ONÇA – (Entra arrastando um saco e um feixe de lenha. Joga o material no chão reclamando).<br />
Ai... Estou quebra<strong>da</strong>, mas tenho que trabalhar, pois a chuva não tar<strong>da</strong>. (percebe que a construção está pela<br />
metade). Minha Santinha protetora <strong>da</strong>s onças desampara<strong>da</strong>s! Não é que Deus está me aju<strong>da</strong>ndo, olha só, a<br />
casinha já está quase pronta.<br />
(Termina a casinha). Pronto! Ah, me esqueci de um detalhe. (Sai).<br />
* BODE – Não é que Deus está me aju<strong>da</strong>ndo! A casa já está pronta, perfeita. Vou tirar uma soneca (põe<br />
touca e pijama e tira um candeeiro velho e acende).<br />
Eh! Meu candeeiro velho, agora temos um lugar só nosso. (Entra na casa).<br />
* ONÇA – Minha casinha lin<strong>da</strong>,vou dormir. (Entra <strong>com</strong> um castiçal <strong>com</strong> uma vela rosa acesa). Entra sem<br />
perceber a presença do Bode. Repentinamente, <strong>com</strong>eça a confusão).<br />
(Os dois se atracam na casinha e saem correndo).<br />
* BODE – Socorro, Maria! Valei-me! Uma onça (corre para a plateia)<br />
* ONÇA – Credo, um bode dormindo <strong>com</strong>igo, que nojo!<br />
Seu bicho fedorento, você contaminou minha casa e sujou meu pijaminha <strong>com</strong> sua pele de bode fedi<strong>da</strong>.<br />
93
94<br />
* BODE – (grita <strong>da</strong> plateia). Agora eu acabei de crer que DEUS está me aju<strong>da</strong>ndo. Faltou pouco para essa<br />
<strong>da</strong>na<strong>da</strong>, me <strong>com</strong>er.<br />
* ONÇA – Eu! Se enxergue, eu só <strong>com</strong>o filé.<br />
* BODE – (tomando coragem) Dona onça, o que a senhora está fazendo na minha casinha?<br />
* ONÇA – Sua casinha?! Que audácia, essa casa é minha.<br />
* BODE – Como sua? Se fui eu, quem limpou o terreno.<br />
* ONÇA – Grande coisa, o terreno limpo sem minhas madeirinhas!<br />
* BODE – Grande coisa suas madeiras, sem minha mão de obra para <strong>com</strong>eçar.<br />
* ONÇA – De que vale seu <strong>com</strong>eço, sem meu acabamento?<br />
* BODE – Eh, dona onça, o caso é <strong>com</strong>plicado. Nós dois trabalhamos e demos conta <strong>da</strong> casa pronta. E<br />
agora?<br />
* REX – (Entra correndo). Dona Onça, Sr. Bode, parem!<br />
Parem <strong>com</strong> essa discussão, o caçador se aproxima.<br />
* CAÇADOR – (Em off) REX onde está você?<br />
* REX – Então vamos ao plano. Lá vem ele seu Bode, já sabe o que fazer, eu ignoro ele fingindo que capturei,<br />
a onça e o Sr. vem por traz e... pau na cabeça dele. Aqui estão as cor<strong>da</strong>s.<br />
* ONÇA – O que eu faço?<br />
* CACHORRO – Considere-se morta. Pensou que ia escapar?<br />
* CAÇADOR – Muito bem Rex! Vou capturá-la viva, não quero estragar a pele, pois quero vendê-la por um<br />
bom dinheiro.<br />
* ONÇA – (Cachorro, caçador, bode, trabalham numa interpretação de sobrevivência).<br />
* BODE – Vem por trás e num descuido dominam o caçador.<br />
* ONÇA – (De olhos fechados entra em pânico corre para a plateia)<br />
(O bode e o cachorro amarram o caçador e entra o Rei Leão).<br />
* TODOS – Morte ao caçador, morte ao caçador!<br />
* BODE – Silêncio, pois se aproxima o Rei Leão, salve o Rei!<br />
* ONÇA – Sua majestade o Rei! Que honra, mas o senhor não estava vistoriando o outro lado <strong>da</strong> floresta?<br />
* LEÃO – Sim, estava, mas encontrei <strong>com</strong> alguns animais que fugiam desesperados <strong>com</strong> a presença do<br />
caçador e resolvi voltar, e pelo visto cheguei a tempo de impedir que vocês <strong>com</strong>etam um grave erro.<br />
* BODE – Sr. Leão, <strong>com</strong> todo respeito acho que o Sr. não imagina o que estamos passando por culpa deste<br />
homem que há horas tenta nos matar!<br />
* ONÇA – Eu que o diga, estou <strong>com</strong> o coração saindo pela boca e <strong>com</strong>o se não bastasse quebrei minha unha<br />
de estimação e arranhou meu CD DE CALYPSO!<br />
* CACHORRO – Senhor Leão, não são só os animais <strong>da</strong> floresta que sofrem humilhação e maus tratos do<br />
homem. Nós que vivemos na ci<strong>da</strong>de também sofremos. Somos presos em gaiolas, amarrados em correntes e<br />
jaulas.<br />
* ONÇA – Muitos elefantes, leões e macacos são capturados e levados para trabalhar em circos. Lá, eles<br />
batem em nós e nos obrigam a pular, a atravessar ro<strong>da</strong>s de fogo imensas. Isso não pode continuar. Morte ao<br />
caçador!!!<br />
* BODE – Eh, Sr. Leão, sabe o que eles fazem <strong>com</strong> o elefante? Põe umas saias no pobre e o forçam a subir<br />
numa bola deste tamanho e ele tem que <strong>da</strong>nçar.<br />
* REX – E o coelho! Matam o pobrezinho, levam a carne para o açougue, <strong>da</strong> pele eles fazem bolsas, sapatos,<br />
até chaveiros!<br />
* ONÇA – E na Páscoa eles falam que coelhos põem ovos.<br />
* BODE – Eh!! Ovos de chocolate!<br />
* LEÃO – Ah! Meus amigos, não sabem <strong>com</strong>o isso me entristece, o homem agride a natureza a todo o<br />
momento, devasta as matas arrancando árvores e provoca queima<strong>da</strong>s que poluem o ar e nós os animais<br />
temos que viver assim lutando para sobreviver.<br />
* BODE – O Senhor me perdoe, mas o caçador não vai sair vivo <strong>da</strong>qui não.<br />
* CAÇADOR– Pelo amor de DEUS não me matem, pois tenho esposa e filhos. Deixe-me viver (todos olham<br />
para o Leão).<br />
* LEÃO – Não posso permitir que vocês matem o caçador; meus amigos um erro não conserta o outro, vocês<br />
95
96<br />
acham que matando este pobre homem conseguiremos resolver um problema que aflige o planeta?<br />
* ONÇA – Não. Mas que a gente se livrando dele vai aju<strong>da</strong>r. Isso vai.<br />
* BODE – Isso mesmo!<br />
* LEÃO – Perfeito, matamos este homem hoje, amanhã outros caçadores virão, vamos matá-los também?<br />
* TODOS – Vamos.<br />
* FADA – Parem! Como podem pensar desta maneira, não veem que estão errados? Estou triste <strong>com</strong> vocês.<br />
* TODOS – (ficam desconfiados)<br />
* FADA – (chora) Gosto tanto de estar na floresta. Porque aqui sim, encontra-se a paz, que é tão difícil na<br />
ci<strong>da</strong>de, mas agora vejo que não merecem minha confiança.<br />
* TODOS – Merecemos sim.<br />
* ONÇA – Não fique assim! Não chore.<br />
* BODE – Diga o que fazer e nós acataremos.<br />
* FADA - Está bem, deixarei vocês decidirem, mas ouçam a voz do coração.<br />
Senhor Leão, prossiga o julgamento, por favor, (Sai de cena).<br />
* BODE – Diga-nos, ó majestade, o que faremos?<br />
* LEÃO – Desamarre ele...<br />
* TODOS – Desamarrá-lo?<br />
* LEÃO – Sim Caçador, vamos libertá-lo para que possa refletir.<br />
* CAÇADOR – Obrigado Sr. Leão. Prometo que nunca mais venho à floresta para matar os animais.<br />
* LEÃO – Peço que, por favor, quando chegar à ci<strong>da</strong>de, conscientize seus amigos, adultos e crianças, que<br />
os animais e a natureza são de fun<strong>da</strong>mental importância para a sobrevivência do homem e que não nos<br />
maltratem.<br />
* CAÇADOR – Eu vou falar <strong>com</strong> eles, vou contar a minha esposa e organizar um movimento de proteção<br />
aos animais e à natureza.<br />
* LEÃO – Cachorro! Vá <strong>com</strong> ele.<br />
* REX – Eu!... Não vou não, quero ficar aqui, ele vai me bater.<br />
* ONÇA – Deixe ele conosco. Rex agora é nosso amigo!...<br />
* LEÃO – Dona Onça, ele deve ir <strong>com</strong> seu dono, dessa forma teremos um amigo na ci<strong>da</strong>de, sempre que<br />
precisar ele pode nos procurar. Vá Rex!<br />
* REX – Eu vou... Mas <strong>com</strong> uma condição, quero ser tratado <strong>com</strong> respeito. Na<strong>da</strong> de jogar resto de <strong>com</strong>i<strong>da</strong> no<br />
chão, <strong>da</strong>qui pra frente eu só <strong>com</strong>o se for na tigelinha (vai saindo pela platéia falando) e tem mais... Meu<br />
nome...<br />
* ONÇA – Qual é o problema agora Rex?<br />
* REX – Não quero mais que me chamem de Rex, <strong>da</strong>qui pra frente quero que me chamem de Betoven (para o<br />
caçador). Diga Beethoven, se não eu não vou.<br />
* CAÇADOR – Está bem, vamos Beethoven. (saem de cena)<br />
* BODE – Vai, seu caçador esperto, dê uma de bonzinho para se salvar...<br />
* ONÇA – Pare <strong>com</strong> isso, seu fedorento, o caçador agora é meu amigo.<br />
* BODE – Tinha que ser mesmo seu amigo, tchau. Amigo <strong>da</strong> onça... É isso que ele é.<br />
* LEÃO – Basta Sr. Bode, vamos acabar <strong>com</strong> esta confusão.<br />
* ONÇA – Muito bem... Muito bem, Sr Leão, man<strong>da</strong> esse bode fedorento embora <strong>da</strong> floresta. Lugar de bode<br />
é longe <strong>da</strong> floresta, na roça preso no cercado.<br />
* BODE – Eu não vou... Mesmo que o Sr. me mande ir embora, eu voltarei. Porque agora eu tenho residência<br />
fixa aqui.<br />
* ONÇA – Essa casa não é sua, já disse.<br />
* LEÃO – Esta casa é de vocês, os dois a construíram, e vamos resolver este problema.<br />
* OS DOIS – Como?<br />
* LEÃO – Quando a onça sair de noite para <strong>da</strong>r seu passeio, o bode entra na casinha para dormir e, quando<br />
o dia estiver amanhecendo o Bode sai para o pasto, e a onça volta para casa. Desta forma, o bode não vê a<br />
onça e a onça não vê o bode.<br />
97
98<br />
* ONÇA – Mas Sr Leão, ele vai dormir na minha casinha?<br />
* LEÃO – Perfeitamente.<br />
* ONÇA – Que nojo! Vai ficar tudo fedido, esse bode é nojento, Sr. Leão.<br />
* BODE – (chorando) Minha santinha protetora dos bodes desamparados, Dona Onça, por favor, me deixa<br />
ficar na casinha! Deixa!...<br />
* LEÃO – Dona Onça?<br />
* ONÇA – Está bem! Podemos morar juntos, pois não quero que ele saia por aí dizendo para todos os bichos<br />
<strong>da</strong> floresta que está sofrendo por minha culpa.<br />
* LEÃO – Enfim, a paz. Agora fico tranquilo em saber que vocês agora ficaram amigos. Vou me retirar<br />
agora, pois tenho que cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> floresta. Até logo meus amigos (sai de cena)! (Onça e Bode ficam a sós)<br />
* ONÇA – Olha, Sr Bode, estou feliz porque resolvemos nossos problemas, nunca mais quero brigar <strong>com</strong> o Sr<br />
e <strong>com</strong> ninguém aqui <strong>da</strong> floresta.<br />
* BODE – E mais, vou ficar aqui de olhos e ouvidos bem abertos, afinal de contas, <strong>com</strong> onça não se brinca.<br />
Apesar dos pesares, agora eu também sou amigo <strong>da</strong> onça.<br />
* ONÇA – E eu sou amigo do bode.<br />
* BODE – Mas eu falei primeiro que sou amigo <strong>da</strong> onça.<br />
* ONÇA – Sr. Bode,vamos chamar todo mundo para <strong>com</strong>emorar nossa amizade.<br />
* BODE – Venham todos os bichos. (entram cantando fazendo a festa). Todos.<br />
Fa<strong>da</strong> Zul - Pássaro Encantado!<br />
FIM<br />
Amizade pura<br />
João Paulo Costa dos Santos<br />
Momentos de ternura<br />
Palavras de afeto<br />
É uma amizade pura<br />
Gosto de ter você por perto<br />
Foi bom te encontrar<br />
Mudou minha vi<strong>da</strong><br />
É bom poder contar<br />
Com uma amiga<br />
Tivemos nossas diferenças<br />
Mas já passou<br />
Temos nossas diferenças<br />
Mas isso não atrapalhou<br />
33<br />
33<br />
Um sentimento puro<br />
Um amor de irmão<br />
É <strong>com</strong>o se no escuro<br />
Alguém te desse a mão<br />
É <strong>com</strong>o se o sol e a lua<br />
Trocassem de lugar<br />
Se as estrelas e a rua<br />
Pudessem se tocar<br />
Assim me faz sentir<br />
Nossa amizade<br />
Acredite em mim<br />
Meu sentimento é sem mal<strong>da</strong>de<br />
Ouça o que digo<br />
Pois é tudo ver<strong>da</strong>de<br />
Quero ser teu amigo<br />
Até a eterni<strong>da</strong>de.<br />
João Paulo, 15 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual Polivalente de Itambé, DIREC 14 – Itapetinga.<br />
99