Edição 21 - Revista Jurídica In Verbis
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1<br />
v\ Ve^bis<br />
REVISTA JURÍDICA<br />
Publicado Semestral dos Académicos (lo Curso de Direito<br />
da Universidade Federal do Rio Grande da Norte<br />
Ano MI Número <strong>21</strong> jan./jun. 2007<br />
Natal/RN, 2007
Reltor<br />
Josélvonildo do Régo<br />
VIce-Reitor<br />
Nilsen Carvalho Fenandes de Oliveira Filho<br />
CENTO D£ CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS<br />
DI retora<br />
María Ariete Duartc de Araújo<br />
vke-DI retora<br />
Ana Lucia Assuncao Arag3o<br />
Coordenador do Curso de Dlrelto<br />
Juliano Homem de Siqueira<br />
Chefe do Departamento de Dlrelto Público<br />
Yanko Marcius de Alentar Xavier<br />
Chefe do Departamento de Dlreito Privado<br />
Jair Elói de Souza<br />
Coordenador da <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong><br />
Xisto Tiago de Medeiios Neto<br />
CONSELHO EDITORIAl<br />
Antonio Gleydson Gadelha de Moura<br />
Fabiano André de Souza Mendonc,a<br />
Igor Alexandre Felipe de Macédo<br />
Vladimirda Rocha Franca<br />
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas<br />
María Danielle Simoes Veras Ribeiro<br />
Michele Goncalves Evaristo<br />
Morton Lurz Farias de Medeiros<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS<br />
Publicaclo Semestral dos Académicos do Curso de Direilo<br />
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte<br />
Nilton Bezerra Pires<br />
Paulo Roberto D. de Souza Leáo<br />
Rosenite Alves de Oliveira<br />
Virgilio Fernandes de Macédo Júnior<br />
Xisío Tiago de Medeiros Neto<br />
Yanko Marcius de Araújo Xavier<br />
COMISSÁO EDITORIAL<br />
Presidente<br />
Hélder Souza de Lima<br />
Membros<br />
Anderson Dantas Correia de Oliveira<br />
Daniel Brandio da Cruz Lira<br />
Natalia Bastos Bonavides<br />
Tallta Várela de Medeiros<br />
Colaboradores<br />
Patricia de Almeida Cardoso<br />
Samuel Max Gabbay<br />
Thuila Régo de Araújo Dantas<br />
DIAGRAMACÁO<br />
Plena Comunicado Ltda<br />
NORMALIZACÁO<br />
Albanita Lins de Oliveira - CR6 1300<br />
TIRAGEM<br />
400 Ejemplares<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Jurídica</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> / Publicai;no semestral dos Académicos<br />
do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do<br />
Norte. - Ano 12, n. <strong>21</strong> (jan./jun. 2007).<br />
Semestral<br />
ISSN 1413-2605<br />
1. Direilo-Periódicos. L Universidade Federal do Rio Grande do<br />
Norte. Centro de Ciencias Sociais Aplicadas - CCSA/UFRN<br />
Comissáo Editorial da Revisla Juridica ln <strong>Verbis</strong><br />
CDU - 34<br />
Universidade Federal do Rio Grande do Norle - Espaco <strong>In</strong>tegrado CAAC - <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong><br />
Av. Senador Salgado Filho, 3.000 - SelorI- Curso de Direilo<br />
Campus Universitario - Lagoa Nova ■ Natal/RN - CEP 59072-970<br />
Home Page: www.inverbis.com.br<br />
E-mail:contato@inverbis.com.br<br />
Os artigos asílnadas sha de exdusiua responsabilidade dos autores. É permitida a<br />
reproduqao totol ou parcial dos artigos desta <strong>Revista</strong>, desde que citada a fonte.
SUMARIO<br />
BDITORIAl. 05<br />
A DKÍNIDADE DA PBSSOA HUMANA E O PRINCIPIO DA AEETIVIDADE NO DIREJ-<br />
TO Di: I:AMÍLIA 09<br />
Lívia de Ohveira Revorédo<br />
A EAVOH DO AMOR - UMA ANÁLISE DA FH.IACÁO AI-ETIVA 19<br />
Isabelle Guerra de Freitas Pereira<br />
CLÁUSULAS ABUSIVAS E OS CON TRATOS DE ADESAOÁ LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA<br />
DO CONSUMIDOR 31<br />
Dinamene de Oliveira<br />
Luciene Pinto Marques de Aimeida e Silva<br />
CONSIDERAOS BM TORNO DA SEGURANZA NO ESTATUTO DO TOR<br />
CEDOR 43<br />
Bruno Eduardo Rodrigues de Medeíros<br />
Müller Eduardo Dantas de Medeiros<br />
CON.S1DERACÓES SOBRE AS DIMENSÓES [1IRÍDICAS DO HEÍÜME DE QUOTAS NA<br />
EDUCACÁO E O PRINCIPIO DA 1GUAI.DADE 57<br />
Rafael Barros Tomaz do Nascimento
EFEITOS B EFICACIA DA SENTBNCA NO PROCESSO COLETIVO 73<br />
Marcella Régo de Carvalho<br />
ESTADO DE EXCECAO E DEMOCRACIA: ASPECTOS TEÓRICOS DE UMA REI.ACAO APA<br />
RENTEMENTE CONTRADITÓR1A 85<br />
Enio Felipe da Rocha<br />
Víctor Teixeira de Albuquerque<br />
NOVOS RUMOS DA SEGURANZA: SEGURANCA CIDADÁ 97<br />
<strong>In</strong>grid de üma Bezerra<br />
O "NOVO" CONCEITO DE SENTENCAESUASIMl'LICACOES NO SISTEMA RECUR-<br />
SAL BRASILEIRO 111<br />
Raiane Mousinho Fernandes Borges<br />
O USO DA FORCA E A POSSIBILIDADE DA LEGÍTIMA DF.FESA PREVENTI<br />
VA SOB A ÓTICA DA CARTA DAS NACÓES UNIDAS E OUTRAS CONSIDERA-<br />
COES 127<br />
Maria Heloisa de Oliveifa Matos<br />
PROPAGANDA INSTITUCIONAL COM CARÁTF.R ELIÜTOREIRO: CONCEII'O, FINAI.IDA-<br />
DEEVEDACOES 143<br />
Maianny de Paula da Silva<br />
TEORÍA DA IMPREVISÁO: EVOLUfAO HISTÓRICA EAPLICAlilLIIÍADE A LUZ DO CÓ<br />
DIGO CIVIL DE 2002 155<br />
André Luis Bezerra Galdino de Araqjo<br />
REGRAS DE PUBLICACÁO PARA A I'HÓXIMA EDICAO 169
Caros leitores:<br />
EDITORIAL<br />
Nesta vigésima primeira edic.áo, damos prosseguimento á divulgado da<br />
producto científica do nosso curso, através destes doze artigos escolhidos, esperando<br />
que proporcionem ótimas reflexóes e grande aprendizado. Enquanto os alunos<br />
trabalhavam no resultado que voces tém agora em maos, passou-se um semestre<br />
cheio de alividades significativas para a <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, e com alegría gostaríamos de<br />
apresentá-!as.<br />
Quem acompanhou as últimas edigoes certamente notou o incremento na<br />
qualidade gráfica da revista. Isso foi possível gragas a aquisicao de equipamento<br />
para impressáo dos ejemplares. Além da maior liberdade na confeccjio das revistas,<br />
a comissáo ganhou autonomía para produzir folders e cartazes.<br />
Um outro importante passo foi a digitalizacao das edicoes anteriores da<br />
<strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>. Ao longo de doze anos de existencia da revista, os artigos dos primeiros<br />
exemplares corriam o risco de perda, e muitos estavam limitados ao acervo<br />
conservado pela comissáo editorial sem possibilidade de chegar ao público. Agora<br />
eles estao disponíveis em forma de revistas virtuais e podemos, pois, atender as<br />
antigás reinvidícacóes dos alunos, que solicitavam que os textos anteriores fossem<br />
novamente divulgados no meio académico.<br />
Ainda trabalhando no sentido de consolidacao da <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, o regimentó<br />
interno da revista foi reelaborado. Esse documento é o instrumento através do qual<br />
se constituí a <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> de acordó com os principios da UFRN. Sua atualizagao traz<br />
embasamento para que as futuras comissoes prossigam os trabalhos da revista com<br />
coeréncía e minimiza, na medida do possívei, hesitacoes quantos aos procedimentos<br />
internos.<br />
Nao poderíamos deixar de falar da mudanza ñas regras de publicacáo.<br />
Analisando as normas anteriores, mostrou-se evidente sua necessidade de<br />
simplificado. Em vez de apenas atualizarmos, comecamos do "zero". O resultado<br />
foram regras mais simples, curtas e claras, como voces podem conferir no final
no fina! desta edicao.<br />
Vale registrar aqui também o recordé de inscritos para a selecáo de<br />
colaboradores, o que só nos orgulha e demonstra o crescente comprometimento<br />
por parte dos estudantes com os projetos de extensáo do curso. É urna honra ver<br />
tantos alunos interessados em participar desta e de outras. atívidades do curso.<br />
Cada avanco e mudanza por que passamos só traz mais ánimo e empenho<br />
para continuar o trabalho, e fazer com que a <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> sempre melhore sua qualidade.<br />
Agradecemos a todos que de alguma forma contribuem com a oportunidade de<br />
estar desenvolvento este projeto há tanto tempo e compartilhando com voces todas<br />
as nossas conquistas.<br />
"Nao seL. Se a vida é curta<br />
Ou tonga demais pro nos,<br />
Mas se¡ que nada do que vivemos tem sentido,<br />
se nao tocamos o coracoo das pessaas."<br />
(Cora Coralina)<br />
Comissáo Editorial
ARTIGOS
RESUMO<br />
A DIGNIDADE DA PESSOA<br />
HUMANA E 0 PRINCÍP10 DA<br />
AFETIVIDADE NO DIREITO<br />
DE FAMILIA<br />
Lívia de Oliveira Revorédo<br />
Académica do 8o período do Curso de<br />
Direito-UFRN<br />
0 movimento de constituc¡onal¡zac.ao do direito privado<br />
também atingíu o Direito de Familia, ramo deste último.<br />
Decorre dessa tendencia contemporánea o fato de<br />
que os principios albergados pela Constituicao Federal<br />
devem ser aplicados a todos os outros ramos do direito.<br />
Em virtude disso, tornou-se imperiosa a reconstrucao<br />
dos preceitos relativos ao conceito de familia, de forma<br />
que possam neste ser inseridas nocóes de dignidade<br />
da pessoa humana e de igualdade, colocando a figura<br />
do homem em primeiro lugar no que tange á citada<br />
entidade. Adquiriu relevo, dessa forma, o principio da<br />
afetividade, o qual deslocou noyóes antes calcadas<br />
na patrimonialidade, no patriarcalismo e na genética<br />
para o afeto existente entre os membros da familia,<br />
gerando modificac.6es na legislacáo civil, assim como<br />
na jurisprudencia brasileira.<br />
Palavras-chave: Principio da afetividade. Dignidade da<br />
pessoa humana. Direito de Familia.
LÍVIA DE OLIVEIRA REVORÉDO<br />
1 as bases principiologicas para a definigáo de familia e a<br />
constitucionauza
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMILIA<br />
2 DISPOSICÓES CONSTITUCIONAL RELATIVAS Á FAMILIA E O PRINCIPIO DA<br />
AFETIVIDADE<br />
<strong>In</strong>tegrando as disposicóes relativas a díreitos humanos, a Constituirá"o<br />
Federal as transpós ao ámbito da familia. De acordó com o já exposto ácima,<br />
ressaltou-se, eminentemente, os principios da dignidade da pessoa humana e da<br />
igualdade.<br />
A Constituido da República Federativa do Brasil inclui, dentre os<br />
fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana {art.<br />
Io, inciso III, da CF). Como lex legum deum ordenamento jurídico, a CF vincula aos<br />
seus principios os demais textos legáis vigentes no país. Nao há como se afastarem,<br />
dessa arte, a manutengo da dignidade da pessoa humana e o Direito de Familia.<br />
Sobre a dignidade da pessoa humana sao edificadas, pois, as nogoes de<br />
outros tantos principios constitucionais do Direito de Familia, considerando que<br />
estes, em seu núcleo, visam á manutengo dessa dignidade essencial para que um<br />
ser humano possa gozar de outras prerrogativas basilares. Sem o mínimo desse<br />
preceito, nao há como gozar de outros direitos, de outros principios:<br />
A dignidade é um valor espiritual e moral ¡nerenle á pessoa, que<br />
se manifesta singularmente na aulodeterminacao consciente e<br />
responsável da própria vida e que troz consigo a pretensao ao<br />
respe¡toporpartedasdema¡spessoas,constituindo-seum mínimo<br />
¡nvulnerável que todo estatutojuridico deve assegurar, de modo<br />
que, somente excepcionalmenle, possam ser feitas limitacoes ao<br />
exerdciodos direitos fundamentáis, mas sempre sem menospre^ar<br />
a necessária estima quemerecem todas as pessoas enquanto seres<br />
humanos (MORAES, 2004, p. 52, grifo do autor)<br />
Elemento essencial á dignidade da pessoa humana é a ¡gualdade, por<br />
meio da qual se instituí que nao haverá qualquer especie de discriminacáo e que os<br />
direitos devem ser garantidos a todos os individuos, homens ou muiheres, crianzas<br />
ou idosos.<br />
Levando em considerado os principios ora expostos, a Constituido Federal<br />
modificou as disposicóes concernentes á familia, assim dispondo:<br />
Art. 226. A familia, base da socicdade, tem especial protecao<br />
do Estado.<br />
[.-]<br />
6 3o - Para efeito da protecao do Estado, é reconhecida a uniao<br />
estável entre o homem e a muiher como enlidade familiar,<br />
devendo a lei facilitar sua conversao em casamento.<br />
§ 4o - Entende-se, também, como entidade familiar<br />
a comunidade formada por qualquer dos país e seus<br />
descendentes.<br />
Art. 227. É dever da familia, da sociedade e do Estado assegurar
lIuiadeoliveirarevorIdo<br />
á crianza e ao adolescente, com absoluta prioridade, o<br />
direito á vida, á saúde, á alimentacao, á educado, ao lazer,<br />
á profissionalfeacio, á cultura, á dignidade, ao respeito, á<br />
liberdade e á convivencia familiar e comunitaria, além de<br />
colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminacao,<br />
exploracao, violencia, crueldade e opressao.<br />
5 5o - A adocao será assistida pelo Poder Público, na forma<br />
da lei, que estabelecerá casos e condiqóes de sua efetivagáo<br />
por parte de estrangeiros.<br />
§ 6o - Os filhos, havidos ou nao da relacao do casamento,<br />
ou por adocao, teráo os mesmos direitos e qualifi cacees,<br />
proibidas quaisquer designares discriminatorias relativas<br />
á filíagáo.<br />
A Magna Carta passou a reconhecer, assim, a uniao estável, as familias<br />
monoparentais (aquelas compostas por apenas um dos país e seus descendentes,<br />
nao importando que estes sejam adotivos), além de atribuir ¡gualdade a todos os<br />
filhos no seio da familia, independentemente destes serem biológicos ou nao.<br />
Ajuridicidade da familia vai muito slém, pois, da concepcáo de matrimonio,<br />
antes preponderante no ordenamentojurídico brasileiro, mas, hodiernamente, deixada<br />
em um segundo plano em prol da afetividade. Nao há mais a tradicional visáo da familia<br />
alicergada sobre a existencia de um casal ou mesmo a concepcao de que os fins maiores<br />
da instituido mencionada seriam a procriacao ou a transmissao de patrimonio.<br />
Conferiu-se maior relevo, pois, ao principio da afetividade, em detrimento de<br />
meras concepcóes patriarcais, patrimoniais ou mesmo científicas (no caso, atinente ao<br />
aspecto biológico). Isso porque, conforme já exposto alhures, o próprio ser humano<br />
passou a ser o centro das diretrizes adotadas pelo Direito de Familia.<br />
Após a promulgacáo da CF de 1988, advieram duas leis as quais trataram<br />
da regulamentacáo da uniao estável. Em 29 de dezembro de 1994, a iei n.D 8.971<br />
reconheceu, pela primeira vez, a citada uniao, impondo, entretanto, urna serie de<br />
requisitos limitadores da sua respectiva afirmagáo. Em 10 de maio de 1996, a lei n.°<br />
9.278 atenuou muitas das exigencias presentes na legislacáo anterior, contendo,<br />
outrossim, urna definicao de uniao estável mais próxima do conceito de familia. As<br />
mencionadas leis significaram um importante avanco no sentido de ser reconhecida<br />
como familia nao apenas aquela proveniente de um casamento.<br />
Seguindo a tendencia inaugurada pela Constituido Federal, o Código<br />
Civil (CC) de 2002, instituiu mudancas no que tange á definicao de familia e outros<br />
assuntos a ela relativos, de forma que se passou a incluir: a igualdade entre os<br />
cónjuges (art. 1511); e o reconhecimento da uniáo estável como entidadefamiliar (art.<br />
1723), inclusive no que tange ao exercício do poder familiar pelos país (art. 1631),<br />
Depreende-se das modificacóes constitucionais e da lei civil que, mais do<br />
que enfoques sobre as características biológicas e a paternidade, o atual modelo<br />
de familia prioriza a relacao de afeto existente entre os seus membros. Atualmente,<br />
nao existe sequer a necessidade de haver casamento ou mesmo de que os filhos
A DIGNIDAD! DA PESSOA HUMANA EO PRINCIPIO DA AFETIVIDADE NO DIMITO DE FAMILIA<br />
sejam biológicos, ou, aínda, de que estejam presentes os dois pais para que possa<br />
ser configurada urna familia.<br />
3 AS PRINCIPÁIS FACETAS DA APLICAQÁO DO PRINCIPIO DA AFETIVIDADE<br />
Tendo em vista o exposto ácima, pode-se perceber que o principio da<br />
afetividade reverbera em tres ámbitos principáis no que tange ao Direíto de Familia:<br />
o da constituido de casamento ou uniao estável; o da fíliacao; e o da guarda de<br />
fiihos menores.<br />
Como já citado, nao mais é necessária a constituido de casamento para que<br />
haja a presenca da entidade familiar. O vinculo matrimonial antes exigido passou<br />
a um segundo plano em beneficio da afetividade presente entres os rnembros<br />
de determinada familia. Some-se a isso o fato do reconhecimento das familias<br />
monoparentais, cujo vínculo afetivo é detectado entre um dos país e os fiihos, sejam<br />
estes biológicos ou adotívos.<br />
Questao comumente levantada diz respeito ao reconhecimento de<br />
unioes homoafetivas. Levando em conta que o principal fator para a determinacao<br />
da existencia de urna familia seja o afeto existente entre seus membros,<br />
independentemente de fiihos, nao haveria, em tese, razoes para que ditas unioes nao<br />
fossem reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Destaque-se, ademáis,<br />
nesse ponto, o reconhecimento do principio da igualdade pela Constituícao Federal:<br />
se todos sao considerados iguais, por que individuos homossexuais nao poderiam<br />
ter sua uniao reconhecida? Ñesse sentido, pontifica María Berenice Dias:<br />
A Constituidlo outorgou especial protecao á familia,<br />
independentemente da celebracao do casamento, bem<br />
como as familias monoparentais. Mas a familia nao se define<br />
exclusivamente em razáo do vinculo entre um homem e<br />
urna mulher ou da convivencia dos ascendentes com seus<br />
descendentes. Também o convivio de pessoas do mesmo<br />
sexo ou de sexos diferentes, ligadas por lagos afetivos, sem<br />
conotacao sexual, cabe ser reconhecido como entidade<br />
familiar. A prole ou a capacidade procriativa nao sao essencíais<br />
para que a convivencia de duas pessoas merega a protecao<br />
legal, descabendo deixnr fora do conceito de familia as<br />
relacóes homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em<br />
comum, coabitacao, mutua asistencia, é de se concederem<br />
os mesmos direitos e se ímporem iguais obrigacoes a todos<br />
os vínculos de afeto que tenham idénticas características.<br />
Enquanto a leí nao acompanha a evolucJo da sociedade,<br />
a mudanca de mentalídade, a evoluqao do conceito de<br />
moralidade, ninguém, muito menos osjuízes, pode fechar os<br />
olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou<br />
discriminatorias geram grandes injusticas. Descabeconfundir<br />
questoes jurídicas com questóes de caráter moral ou de<br />
conteúdo meramente religioso. Essa responsabilidade de ver<br />
o novo assumiu a Justica ao emprestarjuridicídade as unioes
LÍVIA DE OUVEIRA REVORÉDO<br />
extraconjugais. Deve, agora, mostrar igual independencia e<br />
coragem quanto as unióes de pessoas do mesmo sexo. Ambas<br />
sao relacóes afetivas, vínculos em que há comprometimento<br />
amoroso. Assim, impositivo reconhecer a existencia de um<br />
género de uniáo estável que comporta mais de urna especie:<br />
uniáo estável heteroafetiva e uniáo estável homoafetiva.<br />
Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar.<br />
Havendo convivencia duradoura, pública e continua entre<br />
duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituido de<br />
familia, mister reconhecer a existencia de urna uniáo estável.<br />
<strong>In</strong>dependente do sexo dos parceiros, fazem jus á mesma<br />
protecáo. Ao menos até que o legislador regulamente as<br />
unióes homoafetiva - como já fez a maioria dos países do<br />
mundo civilizado -, incumbe ao Judiciário emprestar-lhes<br />
visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem<br />
as demais relacSes afetivas. Essa é a missáo fundamental da<br />
jurisprudencia, que necessita desempenhar seu papel de<br />
agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade.<br />
(DÍAS apud BRASIL, 2006)<br />
Apesar do entendimento ácima ter sido o esposado em sede de decisao<br />
monocrática proferida pelo Supremo Tribunal Federal, tal ainda nao é a concepcáo<br />
predominante dos tribunais1, que insistem na impossibilidade decorrente do fato<br />
de ser reconhecida como entidade familiar apenas a uniáo estável entre homem e<br />
mulher. O afeto, nessa hipótese, é reduzido a diretrizes obrigacionais, rotulándo<br />
se urna uniáo, em principio, calcada no amor, no projeto de um futuro comum e<br />
na aspiracáo á felicidade a urna atribuida sociedade de fato, denominacáo esta<br />
que se volta muito mais ao patrimonio do que ao individuo em si e á sua ¡nerente<br />
dignidade.<br />
No que concerne á filiacáo, em decorréncia do principio ora analisado,<br />
foi afastado o aspecto evidentemente discriminatorio de que filhos seriam apenas<br />
aqueles provenientes de relacáo biológica. Conforme bem apregoa Paulo Luiz Netto<br />
Lobo,"[...] há de se distinguir o direito de personalidade ao conhecimento da origem<br />
genética, com esta dimensáo, e o direito á filiacáo e á paternidade/matemidade,<br />
nem sempre genético" (LOBO, 2000).<br />
'PROCESSUAL OVIL APELACÁO CtVEL. ACÁO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUCÁO DE SOCIEDADE<br />
HOMOAFETIVA. PRELIMINAR DE INCOMPETENCIA DO JUÍZO. MATERIA DE ORDEM PÚBLICA (CPC, ART.<br />
111). RECONHECIMENTO, EX OFFIdO, EM QUALQUER TEMPO E GRAU DE JURISDICÁO (CPC, ART. 113).<br />
CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR QUE NAO ALBERGA A UNIÁO OVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO<br />
SEXO. INTELIGENCIA DO ARTIGO 226 DA CONSTTTUICÁO FEDERAL PRETENSAO DE CUNHO PATRIMO<br />
NIAL INCIDENCIA DO DIRECTO DAS OBRIGACÓES. COMPETENCIA DAS VARAS dVEIS NAO ESPECIAL<br />
IZADAS PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA ÜDE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE<br />
JUSTICA E DESTA CORTE. (BRASIL Tribunal de Justina do Rio Grande do Norte. Ementa em apelado cfvel<br />
n. 20O5.0O4298-6. Relator Des. Claudio Santos. DJ, 25 mar. 2006)
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O PRINCIPIO DA AFETIVIDADE NO DIRECTO DE FAMILIA<br />
A paternídade, conforme demonstrado ácima, teve seus contornos<br />
modificados quando da promulgacao da CF de 1988, bem como ao entrar em vigor<br />
o CC. O que se pode identificar, nos días atuais, é urna maior relevancia atribuida á<br />
patemidade socioafetiva, a qual considera, em primeira lugar, o interesse dosfilhos,<br />
assim como as melhores condicoes de vida que podem ser a estes propiciadas.<br />
Por último, aspecto em que o principio é muito suscitado consiste na guarda<br />
de filhos menores. Além do interesse de que sejam propiciadas as melhores condicoes<br />
para o menor, é considerado também o afeto. Exemplo clássico disso foi a decisao<br />
inédita dojuiz Luiz Felipe de Miranda Ribeiro, que concedeu a guarda definitiva de<br />
Francisco, filho da falecida cantora Cássia Eller, a sua companheira, María Eugenia.<br />
De acordó com a concessao feita, é perfeitamente possível, por conseguinte, que um<br />
companheiro adote o filho do outro, por aplicacáo analógica do art. 41 do Estatuto<br />
da Crianca e do Adolescente (ECA).<br />
Em se tratando de relacóes homoafetivas, também nao se pode conceber<br />
nao ser permitida a adocao por um casal que usufrua de tal uniáo. Primeiramente,<br />
pela superacáo dos aspectos biológicos e pelo destaque atribuido á afetividade e á<br />
paternídade socioafetiva, decorrente desta última. Em termos legáis, o ECA impóe<br />
como exigencia para a adocao, em seu art. 43, a existencia de vantagens para o<br />
adotado, além da fundamentado em motivo legítimo. Em havendo plenas condicoes<br />
para o desenvolvimento saudável do filho e o afeto entre este e o casal - hetero ou<br />
homossexual - que o adota, nao há que se cogitar2 impedimentos para a adocao.<br />
Acrescente-se aos casos expostos as hipóteses em que o principio é<br />
invocado no que concerne a outros casos deadogao. Aafetividade é táo amplamente<br />
considerada que, freqüentemente, é concedida a guarda do menor a quem o adotou,<br />
em detrimento da guarda solicitada pelo(a) seu (sua) genitor(a).<br />
O principio é, outrossim, determinante para a concessao de visitas, dentre<br />
oulros assuntos, quando suscitada a guarda de menores. Nesse sentido, julgado do<br />
Tribunal de Justica do Rio Grande do Norte5:<br />
EMENTA: DIRETTO DE FAMÍLJAEDACRIANCAEDO ADOLESCENTE.<br />
ACÁO DE RE6ULAMENTAC.Á0 DE DIRETTO DE VISITA C/C PEDIDO<br />
DE LJMINAR. AGRAVO DEINSTRUMENTO COM SUSPENSMDADE.<br />
;DIRElTO DA CRIANCA E DO ADOLESCENTE APELACÁO CÍVEL AC&O DE ADOCÁO CUMULADA COM PEDIDO<br />
OE GUARDA E ANULACAO DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. SENTENCA QUE JULGOU IMPROCEDENTE<br />
A PRETENSÁO AUTORAL PRELIMINAR DE CARENCIA DE ACÁO SUSCITADA PELA PROCURADURÍA DE<br />
JUST1CA. REJEICÁO. MÉRITO. AOOCÁO ANTERIOR. LEGALIDAD!:. AUSENCIA DE FUNDAMENTOS A ENSEJAR<br />
A DESTTTUICAO DO PODER FAMILIAR. GENITORA ADOT1VA QUE EXPRESSAMENTE SE OPÓS AO PLEITO DE<br />
ADOCAO FORMULADO. CONJUNTO PROBATORIO A ACONSELHAR A PERMANENCIA DA CRIANCA COM<br />
A SUA GENITORA ADOT1VA, COM A QUAL MANTÉM FORTES VfNCULOS DE AFETIVIDADE. SÉNTENCA<br />
IRRETOCÁVEL APELO CONHECIDO E IMPRÓVIDO. (BRASIL, Tribunal de lustra do Rio Grande do Norte.<br />
Ementa em apelado dvel n. 2003.002594-0. Relator: Claudio Santos. DJ, 03 ¡un. 2005)<br />
1 BRASIL, Tribunal de Justina do Rio Grande do Norte. Ementa em agravo de instrumento com suspensividade<br />
n. 2006.000686-6. Relator Virgilio Fernandez DJ, 06 set. 2006.
4 CONSIDERACÓES FINÁIS<br />
1 I VÍA DE OLIVEIRA REVORÉDO<br />
DEOSÁO QUE DEFERiU O PEDIDO DO AGRAVADO EM VISITAR<br />
SEU NETO, FILHO DO AGRAVANTE, SEMANALMENTE. DIRETTO<br />
Á CONVIVENCIA FAMILIAR ASSEGURADA A CRIANZA E AO<br />
ADOLESCENTE NÉCESSIDADE DE PRESERVAR O VÍNCULO<br />
FAMILIAR E O AFETO ENTRE OS AVÓS MATERNOS E OINFANTE.<br />
CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.<br />
Consoante pode ser percebido pelo já ácima exposto, o movimento de<br />
constitucionalizacáo do direito privado também atingíu o Direito de Familia, ramo<br />
deste último. Tornou-se imperioso, dessa arte, repassar as nocóes principíológicas<br />
albergadas pela Constituicao Federal para a conceituacao de familia, bem como para<br />
a reconstruyo de preceitos erigidos com base nesse entendimento.<br />
Nesse diapasáo, adquiriu relevo o principio da afetividade, o qual passou a<br />
ser o cerne para a definicáo de familia e para concepcoes a esta relacionadas. Isso<br />
implicou no maior destaque dado aos principios da ¡gualdade e da dignidade da<br />
pessoa humana, mudando os parámetros patriarcais, patrimoniais e científicos antes<br />
concebidos pelo Direito de Familia para o entendimento das relacóes embasadas<br />
no vínculo afetivo.<br />
Embora ainda haja muito progresso a ser realizado no ordenamento jurídico<br />
brasileiro a fim de abarcar plenamente o principio ora estudado, urna vez que ainda<br />
persiste, sobretudo, a problemática das unioes homoafetivas, a afetividade vem<br />
adquirindo urna importancia cada vez maior nesse ramo do Direito, tornando-se<br />
essencial a urna correta concepcáo hodierna das relacóes atinentes á familia.<br />
REFERENCIAS<br />
BOB8IO, Norberto. Teoría do Ordenamento Jurídico. Traduzido por Mana Celeste Cordeiro<br />
Leite dos Santos. 10 ed. Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 1999.<br />
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, IB ed, Sao Paulo: Mslheiros, 2004,<br />
BRASIL. Constituicao (1988], Constituicao da República Federativa do Brasil. Brasilia: Senado<br />
Federal. 1988.<br />
Supremo Tribunal Federal. Uniáo civil entre pessoas do mesmo sexo. Alta relevancia<br />
social e jurídico-constitucional da questáo pertinente as unioes homoafetivas. Pretendida<br />
qualifica
A DIGN1DADE DA PESSOA HUMANA E O PRINCÍPJO DA AFETMDADE NO 1)11(1111) DE FAMILIA<br />
3300-DF. Relator: Celso de Mello. 03 jan. 2006. D), 09 fev. 2006. p. 174-176.<br />
. Tribunal de Justina do Rio Grande do Norte. Dimito da Crianza e do Adolescente.<br />
Apelacio cível. Agáo de adoc,5o cumulada com pedido de guarda e anulagáo de registro civil<br />
denascimento.Sentenga quejulgou improcedente a pretensaoautoral. Preliminar de carencia<br />
de acáo suscitada pela Procuradora da Justina Rejeic.ao. Mérito. Adogao anterior. Legalidade.<br />
Ausencia de fundamentos a ensejar a destituido do poder familiar. Genitora adotiva que<br />
expressamente se opós ao pleito de adoc.áo formulado. Conjunto probatorio a aconselhar a<br />
permanencia da crianza cam a sua genitora adotiva, com a qual mantém fortes vínculos de<br />
afetividade. Sentenc.a irretocável. Apelo conhecido e impróvido. Ementa em apelacio clvel n.<br />
2003.002594-0. Relator Claudio Santos. DJ, 03 jun. 2005.<br />
. Tribunal de Justina do Rio Grande do Norte. Oireito de Familia e da Crianza e do<br />
Adolescente. Ac.áo de regulamenta^ao de direito de visita c/c pedido de liminar. Agravo de<br />
instrumento com suspensividade. Decisao que deferiu o pedido do agravado em visitar seu<br />
neto, filho do agravante, semanalmente. Díreito á convivencia familiar assegurada a crianca e<br />
ao adolescente. Necessidade de preservar o vínculo familiar e o afeto entre os avós maternos<br />
e o infante. Conhecimento e provimento parcial do recurso. Ementa em agravo de instrumento<br />
com suspensividade n. 2006.000686-6. Relator Virgilio Fernandes. DJ, 06 set, 2006.<br />
, Tribunal de Justica do Rio Grande do Norte. Processual civil. Apelacáo cível. Acao de<br />
reconhecimentoed¡55olucáodesociedadehomoafetiva. Preliminar de incompetencia do juizo.<br />
Materia de ordem pública (CPC, art. 111). Re conhecimento, ex officio, em qualquer tempo e<br />
grau dejurisdicao [CPC, art. 113). Conceíto de entídade familiar que nao alberga a uniao civil<br />
entre pessoas do mesmo sexo. <strong>In</strong>teligencia do artigo 226 da Constituicio Federal. Pretensao<br />
de cunho patrimonial. <strong>In</strong>cidencia do direito das obrigagóes. Competencia das varas cíveis nao<br />
especializadas para o processamento e julgamento da lide. Precedentes do Superior Tribunal<br />
de Justina e desta Corte. Ementa em apelagao cível n. 2005.004298-6. Relator: Des. Claudio<br />
Santos. DJ, 25 mar. 2006.<br />
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmado histórica dos direitos humanos. 2 ed. Sao Paulo:<br />
Saraiva, 2001.<br />
DINIZ, María Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Familia. <strong>21</strong> ed. Sao Paulo:<br />
Saraiva, 2006. 5 v.<br />
LOBO. Paulo Luiz Netto. Prindpiojun'dico da afetividade na filiacáo. Jus Navigandi, Teresina,<br />
ano 4, n. 41, maio 2000. Disponivel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/te¡
RESUMO<br />
A FAVOR DO AMOR -<br />
UMA ANÁLISE DA<br />
AFETIVA<br />
Isabelle Guerra de Freitas Pereíra<br />
Académica do 8o periodo do Cursa de<br />
Direito da UÉRN<br />
O Direito de Familia ganhou novo enfoque após a<br />
constitucionalizagáo do Principio da Dignidade da pessoa<br />
humana. Houve a despatrimonializacáo do Direito e a<br />
democratizado das relacoes familiares. Essas mudancas<br />
produziram um especial reflexo na questao da filiagao<br />
notadamente em sua conceituagao e no criterio definidor<br />
da relagao entre país e filhos. A inovac.áo científica com<br />
o incremento biotecnológico e genético possibilitaram o<br />
surgimento do exame de DNA o qual imputou certeza a<br />
rela^áo filial até entáo baseada na presungáo. De forma<br />
¡novadora vem o Direito adicionando um outro criterio<br />
definidor de tal liame que é o alicercado na afetividade.<br />
Pretende esse trabalho estudar os modelos de aferigao<br />
da filiacao abalizado constitucionalmente procurando<br />
<strong>In</strong>vestigar qual deles se mostra mais coerente com a<br />
sociedade hodierna e com a Dignidade Humana.<br />
Palavras-Chave: Filiacao. Dignidade da Pessoa<br />
Humana. Principio da Afetividade.
1 INTRODUCTO<br />
ISABELLE GUERRA DE I Ai I'EREIRA<br />
Modernamente, a familia vem assumindo um papel cada vez mais ampio<br />
e plural dentro da sociedade. Nao se trata, entretanto, de urna mera mutacáo de<br />
valores sociais, mas sim de urna democratizado familiar.<br />
As formas familiares se multiplicaram, nao apenas no que concerne ao<br />
sentido jurídico, com a multiplicidade de entidades familiares, mas antes, com a<br />
reorganizado das familias. Os papéis anteriormente bem definidos de marido e<br />
muiher, de pai e mae e de filhos na sociedade patriarcal já ultrapassada, nao cabem<br />
mais na sociedade contemporánea.<br />
No contexto atual, muitas vezes, a muiher assume a chefia da familia, en-<br />
quanto o homem cuida da casa e dos filhos. A formalidade do casamento nao é<br />
mais imprescindivel. As unioes se baseiam pela vontade informal das partes em<br />
querer estarem juntos, independentemente de bencáo religiosa ou de formalida<br />
des jurídicas. O caráter sacramental da uniao conjugal se arrefeceu e o vínculo é<br />
cada vez mais estabelecido na afetividade.<br />
Nessa conjuntura, a situagao dos filhos é de profunda relevancia, urna vez<br />
que em meio a esse processo democrático de organizado familiar, o modo de<br />
criacao dos filhos, como nao poderia deixar de ser, mudou, assim como as suas<br />
necessidades,<br />
Num passado nao tao distante, a familia legítima que advinha necessaria-<br />
mente do casamento, pautava a criac.ao de seus filhos na autoridade paterna e na<br />
observancia da subordinado da mae aos reclamos de seu marido,<br />
A relagáo afetuosa era reservada entre mae e filho, e o pai tinha a simples<br />
obrigacao de prover o lar. Aos filhos concebidos nesta relac.ao sacramentada pela<br />
Igreja e pelo Direito, todas as prerrogativas eram concedidas. Aos filhos geridos<br />
fora dessa relac.ao, sendo, portanto, frutos de pecado religioso, social ou jurídico<br />
(já que o adulterio era crime), era reservado a marginalizacáo, a discriminacao e o<br />
descaso do Ordenamento jurídico.<br />
Atualmente esse cenarlo se transformou devido as mudanzas sociais que<br />
romperam com a sociedade machista, colocando a muiher no mercado de traba-<br />
¡ho, possibilitando a co-responsabílidade igualitaria na criacao dos filhos, com a<br />
maior participacao da figura do pai. Outro fator social importante foi a menor in<br />
terferencia da reíigiosidade na formacao das unióes familiares, o que consentiu que<br />
a familia nao fosse formada apenas entre homem e muiher, podendo se constituir<br />
por um núcleo monoparental, entre mae e filho, avó e neto, tio e sobrinho e etc.<br />
A grande preocupado dos país, regidos pela moral social patriarcal e au-<br />
tocrática, era mantera integrídade patrimonial dos filhos, (sendo eles legítimos).<br />
Com a transforma gao devida pela personalizado do Direito, a preocupacáo dos<br />
pais mudou de foco. Hoje a grande questao que ronda a criacáo de filhos é a trans<br />
ferencia de valores éticos e de dignidade.<br />
A criacao dos filhos carrega urna responsabilidade ¡mensa que á a formacáo<br />
dos futuros cidadaos de um país. É na familia que um individuo passa pelos<br />
melhores e piores momentos de sua vida, é nela que pode adquirir os piores trau-
A FAVOR DO AMOR - UMA AVÁLISE DA FlUAfAO AFFTIVA<br />
mas e a melhor criacao. Tudo depende do exercício da filiacao empreendida pelos<br />
pais, ou pelas pessoas que assumírem esse papel.<br />
Esse trabalho busca desvendar em que reside realmente a dignídade<br />
transferida aos filhos no processo de sua criac.ao, tentando compreender os víncu<br />
los que unem pais e filhos e a tutela que o Díreito confere a essa questao.<br />
2 A FILIAC;ÁO ANCORADA NO PRINCÍP1O DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA<br />
A estrutura casamentaría, hierarqmiada e patriarcal predominou por sácu<br />
los na sociedade brasileira, deíxando profundas marcas.<br />
A familia era única entidade familiar existente e costumava se formar mais<br />
por ¡nteresses patrimoniais, políticos e procriacionais do que por vontade e amor<br />
recíprocos. Todos os membros estavam adstritos á subordinado do patrio poder,<br />
exercido exclusivamente pelo pai.<br />
O homem que sustentava a casa sempre foi apoiado pela cultura, que<br />
sendo patriarcal, reservou-lhe lugar ácima da trama doméstica constituida pela<br />
sua mulher e seus filhos. Essa visao sociológica tecida em virtude da sociedade pa<br />
triarcal predominante até a segunda metade do século XX, demonstra que a figura<br />
de pai e marido daquele momento histórico estava díssociada da questáo afetiva,<br />
nao apenas pela ausencia de diálogo ou convivencia doméstica, mas também pelo<br />
modelo familiar imposto até entao.<br />
A familia de tal momento histórico nao raro redundava ñas aparéncias sodais<br />
e na preservagao ao patrimonio familiar, daí a moral social preponderante dis<br />
criminar os filhos havidos fora do casamento, utilizando para tanto, nao somente<br />
o preconceito derivado do nao reconhecimento da filiacao, como também toda a<br />
sorte de categorizacao da mesma baseada na origem do filho. Nesse contexto, era<br />
comum a rotulacáo de urna pessoa como "filho adulterino, incestuoso, ilegítimo,<br />
bastardo", dentre outras mencoes hipócritas e mediocres.<br />
Todo esse panorama social foi acambarcado pelo Direito. Percebe-se,<br />
dessa forma, que o Direito até a segunda metade do século XX tinha por maior<br />
preocupacáo a tutela do patrimonio e da propriedade, sendo a mesma reflexo dos<br />
valores sociais e económicos do individualismo e liberalismo fundantes de todo o<br />
ordenamento jurídico estribado ñas revolu0es burguesas, bem como do Código<br />
Civil de 1916, vigente aquela época.<br />
Todavía, todo esse modelo familiar patriarcal, assim como os valores moráis<br />
que o embasaram foram superados. A sociedade foi mudando e, com ela, o Direito.<br />
A Constituido Federal eriglu o Brasil a Estado democrático de Direito e o<br />
fundamentou com a observancia, dentre outros pilares, ao principio da dignidade<br />
da pessoa humana (art. Io, inciso III da Constituicáo Federal de 1988).<br />
Esse macroprincipio é de grande relevo pelo fato de ser responsável por<br />
presidir todos os demais principios norteadores da ordem jurídica brasileira, essa<br />
importancia reside, outrossim, na personalizado dos institutos jurídicos, na medi<br />
da em que o Direito brasileiro passou a centrar suas atengóes no individuo, sendo<br />
ele o escopo da tutela jurídica, e nao mais a propriedade e o patrimonio.<br />
fffS
1SABELLE GUERRA DE FREITAS PEREIRA<br />
É tarefa difícil cotejar o teor axiológico e mesmo os reflexos práticos da<br />
incidencia do principio da dignidade da pessoa humana, mas é unánime a assertiva<br />
de que a dignidade humana é aquele sentimento essencialmente comum a todas<br />
as pessoas e que possui urna intangibilidade nao somente perante aos demais<br />
membros da coletividade, como também frente ao poder público (Estado).<br />
Kant (1986, p.77) lecionou em sua obra intitulada Fundamentado da Me<br />
tafísica dos costumes que:<br />
No reino dos fins tudo tem ou um prego ou urna dignidade.<br />
Quando urna coisa tem um preco pode-se por em vez déla<br />
qualquer outra como equivalente; mas quando urna coisa<br />
está cima de todo o preqo, e, portanto nao permite equiva<br />
lente, entao tem ela dignidade [...]<br />
Essa nocáo de dignidade humana ocupa hoje um espago táo profundo no<br />
ordenamento jurídico que nao se concebe a hermenéutica dos seus institutos sem<br />
que seja á luz desse principio.<br />
Sendo a familia o ambiente responsável por forjar no individuo que ali é<br />
criado, sua personalidade, seu caráter e os valores pelos quais norteará sua vida,<br />
torna-se ela, instrumento de sedimentario da dignidade humana e da transmissao<br />
de tal conceito ao seio social, já que as acóes familiares repercutem na sociedade.<br />
Nesse diapasao é de salutar importancia destacar o anuncio do V Con-<br />
gresso Brasileiro de Familia (Pereira, 2005):<br />
Dignidade humana é o direito do ser humano. Kant o 'filó<br />
sofo da dignidade', certamente nao imaginava que as suas<br />
idéias origináis de dignidade ocupariam o centro e seriam<br />
o veio condutor das constituic,5es democráticas do final do<br />
século XX e as do sáculo XXI. Essas nocóes de dignidade incorporam-se<br />
de tal forma ao discurso jurídico que se tornou<br />
impensável qualquer julgamento ou hermenéutica sem a<br />
considerado dos elementos que compñem e d§o dignidade<br />
ao humano. Seguindo a tendencia personalista do Direito Ci<br />
vil, o Direito de familia assumiu como seu núcleo axiológico<br />
a pessoa humana com seu cerne na dignidade humana. Isso<br />
significa que todos os institutos deveráo ser interpretados á<br />
luz desse principio, funcionalizando a familia á plenitude da<br />
realizado da dignidade e da personalidade de cada um de<br />
seus membros. A familia perdeu, assim, o seu papel primor<br />
dial de instituido, ou seja, o objeto perdeu a sua prímazia<br />
para o sujeito Seu verdadeiro sentido apenas se perfaz se<br />
vinculada, de forma indelável, á concretizac.3o da diginidade<br />
das pessoas que a compóe, independentemente do modelo<br />
que assumiu, dada sua realidade plural na contemporaneidade.<br />
Se nao por outras razóes, essa soa suficientemente forte<br />
para justificar o tema central do V Congresso: Familia e Dig<br />
nidade Humana, (grifo nosso)
A FAVOR DO AMOR - UMA ANÁLISE DA FILIACAO Al u I JA<br />
Como resta claro, a dignídade humana é o grande escopo do Direito de<br />
familia. E no que atine a questao da filiacao, essa finalidade ganha maior profun-<br />
didade por ser a criagáo dos filhos o exerdcio que semeará nos futuros cidadáos<br />
valores indispensáveis á formacao de seu caráter e de sua visao social. Diante disso,<br />
a Constituigao Federal algou a difusao do principio da dignidade humana, e de<br />
todos os direítos básicos a ele inerentes, na criacao dos fiihos, á fungao da familia,<br />
e dividiu essa responsabilidade com a sociedade e o Estado. Senao vejamos o que<br />
dispóe tal diploma legal em seu artigo 227, caput:<br />
Art. 227. É dever da familia, da sociedade e do Estado asse-<br />
gurar á enanca e ao adolescente, eom absoluta pnoridade, o<br />
direito á vida, á saúde, a alimentacáo, a educacáo, ao la:er,<br />
á profissionalizacáo, á cultura, á dignidade, ao respeito, á IIberdade<br />
e á convivencia familiar e comunitaria, além de eo-<br />
locá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminacao,<br />
explorado, violencia, crueldade e opressáo<br />
A Constituigao Federal foi além na questao da filiacao, e abracou o prin<br />
cipio da ¡sonomia dos filhos, sem o qual nao poderia nem sequer se cogitar em<br />
dignidade, Pois sem o principio da igualdade ela seria inexistente. A dignidade hu<br />
mana somente ganha respaldo quando afiancada pelo principio da igualdade. Assim,<br />
a Lei Maior, em seu art. 227,5 6°, diz que: "os filhos, havidos ou nao da relagáo<br />
do casamento, ou por adocüo, teráo os mesmos direitos e quaiificagSes, proibidas<br />
quaisquer designares discriminatorias relativas á filiacao".<br />
Depreende-se desse dispositivo legal, que a igualdade dos filhos é absolu<br />
ta. Ou seja, além das persecugoes patrimoniais e sucessórias derivadas da filiacao,<br />
a qualificacáo cruel dos filhos, segundo a maneira como foi concebido, fica vedada.<br />
Filho passa a ser apenas filho independentemente de sua origem, seja ela dentro<br />
ou fora do casamento, oriunda de uniáo estável, de adulterio, de relacionamento<br />
esporádico, de adogao, enfim, qualquer que seja a forma como foi concebido. A<br />
lei tornou equivalente, com essa disposigáo, a filiagao jurídica, biológica e afetiva,<br />
afastando de plano a marginal iza gao sofrida pelos filhos gerados de situagoes re<br />
pudiadas pela moral social do século passado.<br />
O Código Civil de 2002 ratificou esse entendimiento em seu art. 1596, e<br />
o Estatuto da Crianca e do Adolescente (ECA), em seu art. 27, operacionalizou o<br />
direito á filíalo, concedendo ao filho, o reconhecimentó de seu estado de maneira<br />
imprescritível e indisponível contra o pretenso pai ou mesmo seus herdeiros. Com<br />
esse dispositivo, aliado á ¡nterpretagáo constitucional, se ¡nstitucionalizou o direito<br />
ao conhecimento das origens biológicas de um individuo.<br />
3 A PLURALIDADE DE CRITERIOS DE FILIACAO NA SOCIEDADE CONTEMPO<br />
RÁNEA<br />
Antes de se discutir os criterios plurais de aferigáo da filiacao, é necessário<br />
que se faga urna análise da sociedade moderna,
ISAHI-I I I GUERRA DE FRCITAS PEREIRi<br />
Num passado recente a moral social consagrava os filhos concebidos dentro do<br />
casamento e presumidos biológicamente filhos de marido e mulher na constancia dessa<br />
uniao conjugal, e repudiava, marginalizando, os filhos que eram gerados fora daquele<br />
reduto conjugal púdico e sagrado.<br />
Em virtude de tal entendimento, o Dlreito abrigou a discriminacao filial, proibindo,<br />
inclusive, que filhos incestuosos e adulterinos fossem reconhecidos (art. 358 do<br />
Código Civil de 1916).<br />
Deve-se tal absurdo nao somente a patrimonializacáo do Díreíto vigente áquele<br />
momento, mas também muito fortemeníe ao conceito unitario de entidade familiar.<br />
Havia apenas o casamento. Os demais tipos de relacoes de natureza familiar eram, assim<br />
como seus frutos, marginalizados pela sociedade, e, por conseguinte, pelo Direito.<br />
Nesse modelo de sociedade, nao cabia outro criterio de fillacáo, que nao o pre<br />
suntivo. Ora, se somente seriam filhos aqueles que fossem geridos por marido e mulher,<br />
nao eram necessárias maiores conjecturas acerca da filiacáo, bastava simples constatacóes<br />
matemáticas: se a enanca fosse concebida cento e oitenta dias depois de estabelecida<br />
a convivencia conjugal, ou se nascesse nos trezentos días subseqüentes ao término<br />
da relacao, era filho.<br />
Nao obstante, o criterio presuntivo ainda estar presente no ordenamento civil<br />
atual, ele é insuficiente para abranger a diversidade de situacoes que se apresentam<br />
hodiernamente, de modo que ele foi relativizado, comportando impugnacáo a qualquer<br />
tempo, tendo em vista o instrumento da acao de investigacao de paternidade ser im-<br />
prescritivel1.<br />
Desse modo, com o avanco da mentalidade social, que passou paulatinamente<br />
a se libertar de seus próprios pensamentos mesquinhos (apesar de haver muito aínda a<br />
galgar) houve a aceitacao de outras entidades familiares além do casamento, quais se-<br />
jam, a uniao estável e a uniao monoparental, que foram amparadas pelo Direito.<br />
Esse fator, aliado a ísonomia no tratamento da pessoa dos filhos, bem como ao<br />
incremento biotecnológico e genético2, gerou urna gama de situacoes complexas em<br />
'"Nao se podenda piovar diretamenle a palernidade, toda a civilizado oddental assenta a idéia de filiacáo<br />
num 'jago de presuncóes', z seu turno fundadas numa probabilidade: o casamento pressupoe as relacoes<br />
sexuais dos cónjuges e fidelidade da mulher; o filho que é concebido durante o matrimonio tem por pai<br />
o marido do sua máe. E. eni conseqüéncia. ' Presume-se filho o concebido na constancia do casamento<br />
dos país'. Esta regra vintia proclamada no Direito Romano: 'pater is esl quem iustae nuptiae demonstranl'.<br />
(Pereira, 2006, p 315) 'A presunto pater is este fazia sentido quando a filiadlo bioiógica era determi<br />
nante, no modelo patriarcal de familia, que exigía certeza e seguranza para sucessáo dos bens e nao se<br />
admitiam outras entidades familiaies fora do matrimonio" (Lobo, 20001. A partir de tal axioma, se infere<br />
outios conceitos de presuncóes, como o mater semper certa est, que apesar de um tanto qusnto ameni<br />
zado, devido as inovagóes genéticas, ainda possui for(a no respeitante a prova da maternidade. dai a maio;<br />
énfase dada a incerteza da filiadlo paterna.<br />
'Atualmente, há cada vez mais a des mistificarlo da origem dos filhos, tendo em vista os métodos reprodutiuos<br />
assislidos médicamente, como a fecundacáo homologa e heteróloga. "As expressóes 'fecundaíao<br />
artificial', 'concepcao artificial' e 'inseminacao artificial', incluem todas as 'técnicas de reprodujo assistida'<br />
que permitem a gerac,a~o de vida, independentemente do ato sexual, por método artificial, cientiíico ou<br />
técnico i...]" (Dias, 2006, p. 302)
A FAVOR DO AMOR - UMA ANALISE DA F IIIAi-AO Al i I I Vi<br />
relacao á f¡l¡a
l'.A.ií 11 í luí i;i;a ql i üi i ia-, ptRLIRA<br />
4 A FILIADO SOB A ÓPTICA DO PRINCIPIO DA AFETIVIDADE<br />
Pelo que restou claro, o Direito a filiacao, e notadamente, a igualdade<br />
das filiacoes independentemente de suas derivares, sao meios de consecucáo do<br />
Principio da Dignidade da Pessoa Humana.<br />
O Direito garantiu que a todo individuo será assegurado o conhecimento<br />
de sua origem, evitando que o mesmo fosse estigmatizado socialmente ou juridicamente<br />
em virtude do modo como foi concebido. O ordenamento jurídico amparou,<br />
dessa maneira, o direito individual, personalíssimo e indisponivel á filiacáo.<br />
Comumente, a filiacao emerge de uma relacáo biológica seja ela realizada<br />
naturalmente ou artificialmente. O ser que se origina possui características intrínse<br />
cas de seus pais, e do iaco biológico pode emergir o liame afetivo.<br />
Assim, com o nascimento de uma manga pode, através da sua criacáo e<br />
de seu convivio, nascer um pai e uma máe. Essa é, entrementes, uma possibilidade<br />
e nao uma determinacáo.<br />
Cumpre ressaltar, portanto, a diferenca entre filiacáo e paternidade. Enquanto<br />
aquela é o laco consanguíneo existente entre um individuo e sua origem<br />
biológica, esta é o liame afetivo que une o individuo e a pessoa que é a sua refe<br />
rencia de mundo, seu orientador de valores, seu educador, enfim, o ser humano<br />
que o identifica como pai.<br />
Consoante posicionamento de Pereira (1995), lastreado pelos ensinamen-<br />
tos da psicanálise de Lacan:<br />
A familia é uma construcáo cultural e psiquica onde cada<br />
um de seus membros ocupa um lugar, uma funcSo. Lugar de<br />
pai, lugar de mae, lugar dos filhos, sem entretanto, estarem<br />
necess aria mente ligados biológicamente. Assim sendo, um<br />
individuo pode ocupar o lugar de pai sem, contudo, ser o<br />
pai biológico<br />
Entáo, há que se considerar que, para ser pai um individuo necessite de<br />
mais do que ser reprodutor. É necessario afeto, vínculo em permanente reciclagem<br />
que só é permitido de houver convivencia.<br />
Nao há situacáo que msis justifique essa predominancia do laco afetivo na<br />
construcáo de um pai e de uma máe do que a adocao. Com esse ato jurídico, há a<br />
formalizado de uma intencáo de ser pai e/ou máe. Nao existe o liame biológico,<br />
porém predomina a vontade de exercer a funcáo paternidade/matemidade.<br />
E é partindo desse íaco de vontade e de afeto, que com o reconhedmento<br />
de paternidade ao final de um processo judicial de adocao, a filiacao da pes<br />
soa adotada e sua ascendencia seráo vinculadas á familia do adotante. É o maíor<br />
exemplo, expressamente tutelado pelo Diretto brasileiro em que o liame afetivo<br />
decorrente do sentimento de paternidade, desvinculado de qualquer relacáo bio<br />
lógica, aliado a opc.áo de ser pai ou máejustifica o rompimento com uma filiacao<br />
biológica anterior.<br />
-T-
A FAVOR DO AMOR - UMA ANALISE PA FlUAgAO au I IVA<br />
Contudo, há casos em que o abandono afetivo, jurídico e biológico pelo pai<br />
biológico é verificado. E, no espaco vazio, surge uma outra figura paterna. Sao os casos<br />
em que mae solteira, se casa ou estabelece uniáo estável com um homem e ele passa a<br />
se portar como pai de seu filho, originando um estado de filho, haja vista que o trato, a<br />
fama e nome os ídentificam como pai e filho. Outra hipótese é quando há uma filiacao<br />
reconhecida, um vínculo de patemidade existente, e por uma situacjao peculiar, se des<br />
cobre que entre eles nao há uma relac.ao biológica. Igualmente, há a posse do estado de<br />
filho de criacao, quando presente o envolvimento afetivo. Enfim, há uma infinidade de<br />
possibilidades, que analisadas individualmente e, sendo interpretadas á luz da Constitui-<br />
c.áo e do principio da afelividade, denunciam a predominancia do lac.o afetivo.<br />
Como dizer a um pai que criou, educou, deu amor, impós respeito, ensinou limi<br />
tes, que seu filho é biológicamente filho de outro pai e, que, portante, daquele momento<br />
em diante ele nao será mais pai? Isso é ¡mpossívei! Nao pode o Direito exterminar uma<br />
relacao efetiva constituida, com difames legáis e exames que detectem a mera consan-<br />
güinidade.<br />
Em conformidade com o principio da afetlvidade, o Código Civil de 2002, em<br />
seu art. 1593, disciplina que o parentesco pode ser advíndo de outra origem que nao a<br />
consangüinidade, abrindo, assim, o espado para a afetividade. Ademáis, quando a Cons-<br />
t¡tuic.ao Federal admite a pluralidade de entidades familiares também está erigindo o<br />
afeto como norte do Direito de familia.<br />
Consoanteas palavras deVillela (2000): "O amor está para o Direito de Familia,<br />
asslm como a vontade está para o Direito das obrigac.oes". Seria deste modo, arrogancia<br />
e tolice, considerarem que a intervencJo do Estado e o mero descobrimento das origens<br />
biológicas de um individuo (e ressalve-se que esse direito é garantido e deve pennanecer<br />
como tal) pudessem afastar de plano a filiacao construida e estruturada no afeto. E se<br />
asslm agissem, des respetando a vontade e o sentimento afetivo, estariam os operadores<br />
do Direito, trazendo a ¡ndígnídade para as relac.óes de<br />
5 <strong>In</strong>serido nesse contexto, tem grande relevancia o teor do seguirla julgado: EMENTA: A^O DECLARATORIA.<br />
ADOgÁO INFORMAL PRETENSÁOAORECONHEaMENTO.PATERlMIDADr:AFETIVA. POSSE DO ESTADO DE FILHO.<br />
PRINdPlO DA APARÉNOA. ESTADO DE FILMO AFETIVO. INVESTIGADO DE PATERNIDADE EOCIOAFEWA- PR1NdPIOS<br />
DA SOUDARIEDADE HUMANA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ATIV1SMO JUDICIAL JUE DE FAMÍUA<br />
DECLARACAO DA PATERNiDADE. REGETBO. A patemidade sociológica é um alo de opcao, fundando-se na liberdade<br />
de escolha de quem ama e tem afelo, o que nao acóntete, as vezes, com quem apenase a fontegerattk. Embora<br />
o ideal seja a concentraclo entre as paternidades juridica, biológica e socioafetrva. o reconhedmento da última nao<br />
significa o desapretó á biolagizacaQ mas atencáo aos noves paradigmas oriundas da institiiicáo das entidades fa<br />
miliares. Uma de suas formas é a "posse do estado de fillio", que é a exterioiiíacáo da condicáo filial, seja por levar o<br />
rome, seja por ser aceito como tal pela sodedade, com vsibilidade notoria e pública bga-se ao principio da aparéncia,<br />
que corresponde a uma srtuaíloque se asocia a um direilo ou estado, e que dá segu ranea jurídica, imprimindo<br />
um caraterdesenedadeárelacao aparente. Isso aínda ocone com o "estado de filho afetivo". que além do nome, que<br />
nao é decisivo, ressaHa otra lamento e a reputaeso, eis que a pessoa é amparada, cuidada e atendida pelo indigitado<br />
pai, como se filho fosse. O aliviano judicial e a peculiar atuacáo do juiz de familia impfie, em afago á solidariedado<br />
humana e i/eneracao respetosa so principio da dignidade da pessoa, que se supere 3 formalidade processual, deter<br />
minando o registrada filiacao do autor, com veredicto declaratorio nesta investigacao de patemidade sodoafetiva, e<br />
todos os seus consectarios. APELACAO PRÓVIDA, POR MAIORIA (A|)elac.io Cível Nu 70008795775, Sétima Cámara<br />
Civel, Tribunal de Juslica do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, JulgadD em 23/06/2004)
5 CONCLUSAO<br />
ISABELLE GUERRA DE FREITAS PEUEIRA<br />
Nem todos nasceram para desempenhar a funcáo grandiosa e sublime de ser<br />
pai ou máe. E foi justamente por ¡sso que a Constituicáo Federal lancou mao da paternidade<br />
responsável e do instrumento de planejamento familiar (art. 226, § 7o).<br />
A melhor forma de evitar que abandonos afetivos ocorram é prevenir a concepcao<br />
de filhos. Pois urna vez tendo-os, há a responsabilidade de cuidar deles da melhor<br />
forma possivel haurindo-os financeiramente e afetivamente.<br />
O criterio de filiacao afetiva é válido e deve predominar sobre o criterio bio<br />
lógico, quando houver conftitos, pois se estará resguardando a dignidade de um ser<br />
humano. Nao há privilegio monetario que supra o desenvolví mentó de um ser humano<br />
pautado no carinho e no respeito.<br />
Entretanto, nao se pode deixar de considerar que em muitos casos em que há<br />
urna paternidade afetiva, existiu no passado daquele individuo um abandono. Um des<br />
caso de um pai ou de urna mae que apenas conceberam um ser, mas rejeitaram os seus<br />
cuidados. Se a vida nao tivesse Ihe reservado um caminho afetivo alternativo de figuras<br />
paternas, se estaría diante de mais um caso de desafeto que prejudicaria de maneira<br />
profunda o des envolví mentó de urna pessoa.<br />
Esse tipo de conduta, além de cruel e desumana, é irresponsável. Há questóes<br />
socíais envolvidas e a necessidade de informacáo é premente, mas é perceptível pelos<br />
casos que corriqueiramente se tem conhecimento, que em sua maioria poderiam ser<br />
evitadas.<br />
Por isso, eivado na observancia puramente empírica do día a dia, é que o cri<br />
terio afetivo ganha forca. Por que nenhum abandono é mais dañoso á formacao de um<br />
individuo do que o afetivo.<br />
REFERENCIAS<br />
DÍAS, Mana Berenice. Manual do Direito das Familias. 3. ed. Sao Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais,<br />
2005.<br />
KANT, immanuel. Fundamentado da Metafísica dos Costumes. 70. ed. Lisboa, 1986, p.77.<br />
LOBO, Paulo LuizNetto. Principio jurídico da afetividade na filiacjio. Jus Navigandi, Teresina, ano 4,<br />
n. 41, maio 2000. Disponível em: . Acesso em:<br />
27 out. 2006.<br />
PERORA, Caio Mario da Silva. <strong>In</strong>stituiose* de Direito Civil: Direito de Familia, v.5. Rio de Janeiro.<br />
FORENSE, 2006.<br />
PERFJRA, Rodrigo da Cunha. Boletim do IBDFAM, IBDFAM, Belo Horizonte, jul./ago. 2005, p. 10.<br />
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Por que o Direlto se <strong>In</strong>teressa pela Psicanálise. <strong>Revista</strong> Direito Estado<br />
e Sociedade, n. 6,1995.<br />
VILLELA, Joáo Baptista. <strong>In</strong>: A FAWÍÜA NATRAVESSIA DO MILENIO, 2000, Belo Horizonte. Anais do II<br />
Congresso Brasileiro de Direito de Familia. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 53-59.
RESUMO<br />
CLAUSULAS ABUSIVAS E OS<br />
CONTRATOS DE ADESÁO Á LUZ<br />
DO CÓDIGO DE DEFESA DO<br />
CONSUMIDOR<br />
Dinamene de Oliveira<br />
Académica do 8o periodo do Cniso<br />
de Direito da UFRN<br />
Lucí ene Pinto Marques de A. e Silva<br />
Académica do 8° periodo do Curso<br />
de Direito da UFRN<br />
O movimento de tonstitucional¡zac.áo do direito privado<br />
também atingiu o Direito de Familia, ramo deste último.<br />
Decorre dessa tendencia contemporánea o fato de que<br />
os principios albergados pela Constiluigáo Federal devem<br />
ser aplicados a todos os outros ramos do direito. Em<br />
virtude disso, tornou-se imperiosa a reconstrugao dos<br />
preceitos relativos ao conceito de familia, de forma que<br />
possam neste ser inseridas noc.oes de dignidade da pessoa<br />
humana e de igualdade, colocando a figura do homem em<br />
primeiro lugar no que tange á citada entidade. Adquiriu<br />
relevo, dessa forma, o principio da afetividade, o qual<br />
deslocou noyóes antes calcadas na patrimonialidade, no<br />
patriarcalismo e na genética para o afeto existente entre os<br />
membros da familia, gerando modificac.Óes na legislac.ao<br />
civil, assim como na jurisprudencia brasileira.<br />
Palavras-chave: Principio da afetividade. Dignidade da<br />
pessoa humana. Direito de Familia.
1 INTRODUJO<br />
DINAMtNE [)[ OIIVEIflíi / UJUENE PINTO MARQUES DE ALME1DA E SILVA<br />
<strong>In</strong>iciemos o presente estudo com a análise da origem dos chamados con<br />
tratos de adesao. A origem deste contrato se deu em virtude do aumento da oferta<br />
dos bens de consumo e dos servigos, o que ocorreu no período pós-Revolugao<br />
<strong>In</strong>dustrial, tendo seu auge nos dias atuais. Os grandes fomecedores de produtos e<br />
servidos passaram a utilizar o denominado modelo da massificacao, que consiste<br />
na fabricagao em serie de produtos, bem como na grande oferta de servicos, de<br />
forma padronizada e unilateral. Este procedimento apresentava como propósito<br />
conquistar um maior número de pessoas a partir da grande escala de produtos e<br />
servidos postos no mercado, a partir de um custo de produgáo reduzido.<br />
O novo modelo adotado pelos fomecedores era, sem dúvida, exemplo da<br />
intervencao da produgao capitalista e globalizada no mercado de consumo que,<br />
com a evoiuc.ao da tecnología, ganhou mais torca, principalmente após a Segunda<br />
Guerra Mundial, quando este fenómeno foi intensificado.<br />
A producto em serie baseava-se, portanto, nos pressupostos do libera<br />
lismo económico, como, por exemplo, a autonomía da vontade, a Uberdade de<br />
contratar e o pacta sunt servando K Com isso, os fomecedores observaram a<br />
necessidade de realizar urna padronizagao também dos contratos a serem cele<br />
brados com os consumidores. Tal procedimento concedería grande vantagem aos<br />
fomecedores, tendo em vista que o instrumento através do qual iría se perfazer o<br />
negóciojuridico teria as mesmas características da producáo, agilizando o comer<br />
cio jurídico.<br />
Surgiram, entao, em oposicáo aos contratos de comum acordó, os chamados<br />
contratos de adesao, nos quais o estipulante se outorga todas as vantagens em detri<br />
mento do adérente, a quem sao impostas todos os ónus derivados do contrato.<br />
Com o nascimento dos contratos de adesao, surgiram diferentes proble<br />
mas para os aderentes devido á imposicao de ónus excessivos, omissáo de informagoes<br />
sobre o negocio, imposigáo de cláusulas nao comutativas, fixacao de<br />
sangoes desproporcionáis ou improprias, cláusulas redigidas de maneira equívoca,<br />
entre outras. Sao as chamadas cláusulas abusivas.<br />
Assim, por ocasíao dos contratos de adesao, nascem as cláusulas abusivas,<br />
sob o falso precedente de que as partes assinaram o contrato em consonancia com<br />
a autonomía de vontade.<br />
Nesse diapasao, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) fornece ampa<br />
ro em litigios contra os abusos praticados nos contratos de adesao, devido, prin<br />
cipalmente, á necessidade de resguardar os económicamente mais frágeis. Para<br />
tanto, o citado Código define o contrato de adesao e elenca as cláusulas abusivas<br />
já averiguadas na prática, determinando sua ineficacia sem, entretanto, restringir o<br />
possível aparecimento de outras nao mencionadas.<br />
1 Principio originado na Escola Clássica francesa que defende a ¡déia de que 05 contratos feZOTl lei entre<br />
as parles, deven do ser o br i g¡1 loria mente cumplidos.<br />
-T-
CLAUSULAS ABUSIVAS EOS CONTRATOS DE ADESAO A LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA<br />
DO CONSUMIDOR<br />
2 CONTRATO DE ADESÁO<br />
2.1 Origem e concertó<br />
A origem da nomenclatura desta forma de contratar se deu com a análise<br />
da parte geral do Código Civil alemao (BGB) pelo jurista francés Raymond Saleilles.<br />
Este termo, apesar das críticas dadoutrina nacional, em especial do jurista Orlando<br />
Gomes, ganhou aceitado tanto no Brasil quanto no exterior, sendo conceituado<br />
pelo CDC como:<br />
Aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade<br />
competente ou estabelecídas unilateralmente pelo fornecedordeprodutosou<br />
servidos, sem que o consumidor possa<br />
discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.<br />
Cabe dizer que a Lei 8.078/90, criadora do CDC, foi a primeira a tratar da<br />
questao dos contratos de adesao, definindo-os em seu artigo 54, supra transcrito.<br />
Essa modalidade de contrato nao representa um tipo contratual autónomo, mas<br />
apenas urna técnica de formac.ao do contrato que pode ser aplicada a qualquer<br />
categoría de contrato quando se busque a celeridade na condusao do negocio a<br />
ser firmado.<br />
2.2 O contrato de adesao e o Código de Defesa do Consumidor<br />
Em razáo das transformaba es ñas relagóes de comercio e com o cresci-<br />
mento da sociedade de consumo, respaldada pela producto em massa e pela re<br />
levante contribuicao da publicidade, surgiu a necessidade de o Estado passar a<br />
regular as relac.5es de consumo, tutelando os interesses do consumidor.<br />
Antes do advento do CDC, a manifestac.ao de vontade das partes exposta<br />
nos contratos traduzia-se em forc.a obrigatóría da qual nao poderiam se desvincu<br />
lar, exceto através de outro acordó de vontade ou pela incidencia da forc.a maior<br />
ou do caso fortuito. Ademáis, tais relances eram regidas pelo Código Civil de 1916,<br />
o qual era fundado na tradigao do direito civil europeu do século XÍX.<br />
Atualmente, em virtude da Lei 8.078/90, a manifestacao de vontade pros-<br />
segue sendo elementará formacao dos negocios jurídicos, porém, sua forc.a vem<br />
sendo relativizada, quebrando, assim, a nocao de intangibilidade do conteúdo dos<br />
contratos. A Lei em comento foi inspirada na própria Constituicáo Federal de 1988<br />
que, ao tratar dos Direitos e Garantías Fundamentáis, estabelece, no inciso XXXII<br />
do art. 5o, que "o Estado promoverá, na forma da leí, a defesa do consumidor". Nao<br />
obstante, o art. 48 do Ato das Disposic.óes Constítucionais Transitorias determina<br />
que o "Congresso Nacional, dentro de cento e vínte dias da promulgacjo da Cons-<br />
t¡tu¡c.ao, elaborará Código de Defesa do Consumidor".<br />
Sendo o contrato de adesao propicio para o aparecimento de cláusulas<br />
abusivas, visto que o estipulante fixa, de forma unilateral, as condenes do negó-
DINAMENE DE (II K'lll! A .' LUÜENE PINTO MARQUES DE ALMLIL1A E SILVA I<br />
ció jurídico, resguardando seus interesses e rompendo con o equilibrio entre as<br />
prestacoes de cada parte, o CDC determina que os termos de tal contrato devam<br />
ser redigidos de maneira clara e legível, de modo a facilitar a compreensao pelo<br />
consumidor.<br />
A pretensáo vislumbrada pelo Código, ao tecer regras acerca dos contra<br />
tos de adesao, é obter um tratamento comum dispensado a todos os contratantes,<br />
excluindo pontos controvertidos e conseqüentes conflltos. Assim, o CDC apenas<br />
disciplina a prática do contrato de adesao, orientando seu desenvolvimento e afastando<br />
práticas abusivas sem, contudo, cercear o uso desse tipo de contrato.<br />
A intervencao do CDC nos contratos provenientes das relacóes de consu<br />
mo, sobretudo nos contratos de adesao, visa resguardar nao apenas os interesses<br />
exclusivo das partes, mas o ínteresse de toda a sociedade, uma vez que lodos estao<br />
potencialmente expostos a figurar como sujeitos daqueles contratos.<br />
Importa fazer uma breve anéllse acerca do entendimento jurisprudencial<br />
do conceito de consumidor, o qual, em regra, figura como parte mais fraca da re<br />
íanlo contratual. O CDC, em seu artigo 2°, define consumidor como "toda pessoa<br />
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou servico como destinatario final".<br />
Tal conceito, aparentemente simples, pode gerar dúvidas quanto á caracterizado<br />
do consumidor em determinados casos concretos.<br />
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justica (2005) decidiu no Recurso<br />
Especial n.° 476428/SC que:<br />
3 DAS CLAUSULAS ABUSIVAS<br />
A relagáo jurídica qualificada por ser de consumo nao se carac<br />
teriza pela presenca de pessoa física ou jurídica em seus polos,<br />
mas pela presenca de uma parte vulnerável de um lado (consu<br />
midor), e de um fomecedor, de outro. Mesmo ñas relacóes entre<br />
pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer<br />
inegável vulnerabilidade entre a pessoa jurídica consumidora e<br />
a fomecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilibrio en<br />
tre as partes. Ao consagrar o criterio finalista para ¡nterpretacao<br />
do conceilo de consumidor, a jurisprudencia deste STJ também<br />
reconhece a necessidade de, em situacóes específicas, abrandar<br />
o rigor do criterio subjetivo do conceito de consumidor, para ad<br />
mitir a aplicabilidade do CDC ñas relacóes entre fomecedores e<br />
con su mi do res-empresa ríos em que fique evidenciada a relacao<br />
de consumo. Sao equiparáveis a consumidor todas as pessoas,<br />
determináueis ou nao, expostas as práticas comerciáis abusivas.<br />
Abusivas sao cláusulas que, em contratos entre as partes de desi<br />
gual forqa, reduzem un ¡latera I mente as obrigacñes do contratan<br />
te mais forte ou agravam a; do maís fraco, criando uma situacao<br />
de grave desequilibrio entre elas. [...] sao cláusulas que destroem<br />
a relacao de equivalencia entre prestadlo e contra prestado [NO-<br />
RONHA, 1994, p. 3).<br />
Sfb
MM CLÁUSUIAS fiBUMVA^, í OS CONTRATOS DE ADESftO A LUÍ DO CÓDIGO DI DEFfSA<br />
¿jj ""CONSUMIDOR<br />
As cláusulas abusivas sao definidas como sendo aquelas que estabelecem<br />
obrigac5es iníquas, incompatíveis com a boa-fé, e que por isso causam o desequi<br />
librio contratual entre as partes, consumidor e fornecedor.<br />
A abusividade pode ser reconhecida quando o principio da boa-fé é viola<br />
do, o qual deve prevalecer como norma ñas relacoes de consumo. Em outras palavras,<br />
o abuso estará presente ñas relacoes que ignorem o paradigma do respeito,<br />
equilibrio e cuidado que, quando olvidados, causam prejulzo grave, real e objetivo<br />
ao consumidor.<br />
É mister esclarecer que as cláusulas abusivas nao constítuem cláusulas ilí<br />
citas posto que o seu abuso é oriundo do contexto, ou seja, elas nao surgem de<br />
um acordó de vontades, mas de forma unilateral. Apesar da diferenca entre cláu<br />
sulas abusivas e cláusulas ilícitas, a conseqüénda jurídica é a mesma para ambas,<br />
a nulidade.<br />
O CDC elenca, em seu artigo 51, de forma exemplif i cativa, e nao taxativa,<br />
as hipóteses das cláusulas abusivas, reprimindo as cláusulas que atribuam vantagens<br />
excessivas ao fornecedor e grande onerosidade ao consumidor, as que estabelecam<br />
obrigacóes iniquas e abusivas, que sejam incompatíveis com a boa fé e a<br />
eqüidade, ou coloquem o consumidor em demasiada desvantagem.<br />
A protecao contra a prática de cláusulas contratuaís abusivas impostas<br />
no fornecimento de produtos ou servidos constituiu direito básico do consumidor<br />
disposto explícitamente no artigo 6o, incisos IV e V da Lei 8.078/902. Este direito<br />
encontra estreita relacáo com o supra mencionado principio da boa-fé objetiva,<br />
norteador das relacoes de consumo.<br />
Neste mérito, Rizzatto Nunes (2005), ao tratar da boa-fé objetiva, a conceitua<br />
como sendo urna regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme<br />
certos parámetros de honestidade e lealdade, cuja finalídade consiste em preservar<br />
o equilibrio ñas relaooes de consumo. O propósito da existencia deste comportamentó<br />
leal e fiel dos contratantes é de que o ¡nteresse das partes seja alcancado,<br />
desde que observado o respeito mutuo.<br />
4 CLÁUSULAS ABUSIVAS E O CONTRATO DE ADESÁO<br />
Como já mencionado, o CDC estabelece em número aberto os casos de<br />
cláusulas abusivas nos contratos de consumo, dada á ¡mpossibilidade de prever-se a<br />
exaustao das mesmas ñas relacoes de consumo. Logo, sempre que o juiz verificar o de<br />
sequilibrio na posicao das partes em um contrato de adesáo, poderá declarar a abusivi<br />
dade de determinada cláusula por confrontar o sistema de protecao do consumidor.<br />
1 Art. 6°. Sao direitos básicos do consumidor. IV - a prolecáo cónica a publiádade engañosa e abusiva, mé<br />
todos comerciáis coercitivos ou deseáis, bem como conlra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no<br />
fornecimento de produtos e servicos; V - a modificado das cláusulas contratuais que eslabele;am prestacóes<br />
desproporcionáis ou sua revisáo em razáo de ffltos supervenientes que as lornem excesivamente onerosas.
DINAMí NE DE OLIVEIRA / LUCIENE PINTO MARQUES DE ALMEIDA 1 SILVA<br />
É preciso ressaltar que a norma nao restringe a protecao do consumidor con<br />
tra cláusulas abusivas somente nos contratos de adesao, poís o consumidor tem o<br />
direito básico de protecao contra aquelas. Portanto, todos os contratos de consumo,<br />
sejam escritos ou verbais, de comum acordó ou de adesao, encontram-se protegidos.<br />
4.1 Modalidades de cláusulas abusivas<br />
A insercao de certas cláusulas consideradas abusivas é combatida pelo<br />
CDC, que as declara como nao escritas, sem, portanto, nenhum efeito vinculatório.<br />
Dentre as cláusulas abusivas identificadas pelo Código, serao abordados os tipos<br />
mais freqüentes nos contratos de adesao, sem minimizar a relevancia das demais.<br />
4.1.1 Cláusula de nao ¡ndenizar nos contratos de consumo<br />
Encontrada frequentemente no contrato de adesao, a cláusula de nao indenizar<br />
é o tipo mais comum de cláusula abusiva.<br />
O CDC considera abusiva toda e qualquer cláusula que contenha empeci-<br />
Iho ao dever de o fornecedor <strong>In</strong>denizar o consumidor por vicios de toda natureza<br />
presentes em produtos e servidos. Esse entendimento incluí as cláusulas que exonerem,<br />
impossibilitem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor diante de da<br />
nos advindos de vicios dos produtos. As cláusulas abusivas sao ilegítimas porque o<br />
produtor ou fornecedor nao pode eximir-se de sua responsabilidade, em havendo<br />
quaisquer vicios ou defeitos de qualidade.<br />
Saliente-se que a estipulacao de cláusulas penáis nao é vedada, mas deve<br />
ser feita de maneira a nao limitar ou exonerar o dever de indenizacao do fornece<br />
dor. Logo, a faculdade de o consumidor renunciar a uma possível indenizacao por<br />
vicios em produtos ou servicos por ele contratados é limitada, mas o fornecedor<br />
nao poderá ter mitigado o seu dever de indenizar, prevalecendo, portanto, a garan<br />
tía do consumidor em detrimento da responsabilidade do fomecedor.<br />
4.1.2 Cláusula de renuncia ou disposic.áo de direitos<br />
As cláusulas de renuncia ou disposicao de direitos pelos consumidores<br />
nao sao consideradas válidas, uma vez que as normas do sistema de protecao do<br />
consumidor sao de ordem pública e interesse social nao permitíndo, portanto, o<br />
desequilibrio contratual, além de se fazer necessário garantir ao consumidor o seu<br />
direito de defesa, sem restricto.<br />
4.1.3 Cláusula que estabeleca obrigacoes iniquas, abusivas, que coloque o consumi<br />
dor em desvantagem exagerada, ou seja ¡ncompatível com a boa-fé ou a equidade<br />
Como na modalidade contratual de adesao apenas o preponente determi<br />
na, previamente, o conteúdo das condicoes do contrato, abre-se espaco para que<br />
sejam estabelecidas cláusulas extremamente onerosas ao consumidor, resultando,<br />
poi5, numa situacao de desproporcionalidade das obrigacoes entre as partes.
■■ CLAUSULAS ABUSIVAS EOS CONTRATOS DE ADE5AO Á IUZ DO CÓDIGO DE DEFESA<br />
jjj ""CONSUMIDOR<br />
Para evitar e coibir esse tipo de prática, o juiz, fazendo uso de suas atribuicoes<br />
na busca da justica, deve analisar cada caso concreto e aplicar a norma de<br />
acordó com as circunstancias que envolvam o fato. Cabera ao magistrado verificar<br />
se há cláusulas incompatíveis com a boa-fé e a equidade. Aquí, mais urna vez, o<br />
legislador demonstra a ¡ntencáa de equilibrar as relacóes contratuais.<br />
4.1.4 Cláusula que inverta o ónus da prava em prejuízo do consumidor<br />
O CDC nao proíbe a convencao acerca do ónus da prava, mas, sim, a inver-<br />
sáo que resulte em prejuízo para o consumidor. Haverá prejuízo para o consumidor<br />
se houver inversao do ónus da prova nos casos em que o Código estipula que a<br />
prava se fará por conta do íornecedor.<br />
Nesse sentido, o artigo 383 do Código já estabeleceu que o ónus da prova<br />
da veracídade e correcáo da informacao ou comunicacao publicitaria cabe a quem<br />
as patrocina. Assim, no presente caso, será nula de pleno direito a convencáo a<br />
respeito do ónus da prova.<br />
Nos contratos de adesao é comum haver as chamadas cláusulas de presuncao<br />
de conhecimento, ou seja, aquelas que dlzem que o preponente leu e entendeu<br />
todas as cláusulas da proposta. A intencao destas cláusulas é inverter o<br />
ónus da prova, fazendo com que nao mais caiba ao preponente provar que o obla<br />
to tomou conhecimento do contrato, mas, sim, ao adérente, que terá que provar<br />
que a cláusula nao coaduna com a realidade, sendo inocua. Logo, a cláusula de<br />
presuncáo de conhecimento é abusiva, devendo ser declarada nula de pleno direi<br />
to, bem como estabelecido que o ónus da prova do conhecimento completo do<br />
conteúdo contratual cabe exclusivamente ao preponente, pols, o diploma legal nao<br />
admite a ¡nversao do ónus da prova em prejuízo do consumidor.<br />
4.1.5 Clausula de alteracao unilateral do preco<br />
A cláusula em comento diz respeito á impossibilidade, dirigida ao fornece-<br />
dor, de alteracao unilateral do preco (incluíndo-se taxas dejuros e outros encargos)<br />
no contrato de consumo. A vedacao tem como propósito evitar o desequilibrio da<br />
relac.áo jurídica de consumo, razao pela qual alteracóes supervenientes á celebracao<br />
daquela devem ser discutidas entre seus participantes, atendendo-se, sempre,<br />
o principio da ¡gualdade.<br />
Esta regra é dirigida aos casos em que o negocio já foi firmado, ocasiáo<br />
em que nao é facultada á parte modificar o prego, sem o consentimento da outra.<br />
Destarte, conclui-se que, havendo modificacáo no modelo da economía nacional,<br />
as partes devem reavaliar as bases do contrato, com possibilidades de alteracao no<br />
¡ Art. 38. O ónus da prova da veracidade e correcto da iniaímaqán ou comunicaqüo publicitaria calle a<br />
quem as patrocina.
DINAMENE DE OLIVÉIRA / LUCIENE PINTO MARQUES DE ALMEIDA E SILVA I<br />
prego e taxas de juras e outros encargos, de modo bilateral, discutindo de igual<br />
para igual as novas sítuacoes.<br />
Neste seguimento, os Tribunais vém se posicionando no sentido de rejei-<br />
tar a validade de cláusulas abusivas, como a que está em análise, especialmente<br />
nos contratos de adesáo.<br />
5 CONTROLE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS<br />
A política de defesa do consumidor será feita por diversos órgaos especialmen<br />
te habilitados, no ámbito dos tres níveis de govemo existentes. Em busca da protecáo<br />
dos consumidores, o Estado intervirá através da elaboracao de leís específicas á protecáo<br />
dos direitos consumeristas, criacao de órgaos próprios estatais que resguardem os inte-<br />
resses dos consumidores e pelo provimento judicial.<br />
O controle das cláusulas abusivas dar-se-á pela adocao de providencias, no ám<br />
bito da administracao pública, relativamente as atividades por ela fiscalizada ou controla<br />
da, tais como decretos, portarías ou outros atos administrativos que inibam o fornecedor<br />
de incluir certas cláusulas nos contratos de adesao.<br />
Como em nosso ordenamentojurídico ninguém pode ser compelido a fazer ou<br />
deixar de fazer algo senao em virtude de lei, cabera ao Poder Legislativo fazer uso de suas<br />
atribuicóes e, em defesa do consumidor, reprimir o abuso de poder económico através<br />
da elaborado de leis que combatam as cláusulas abusivas nos contratos de consumo.<br />
Com base no artigo 83" do CDC, o Poder Judiciário, também, poderá ser in<br />
vocado a controlar as cláusulas abusivas e a tutelar os direitos dos consumidores. Esse<br />
controle, entretanto, nao se toma mais efetivo e abrangente por estar limitado ao caso<br />
concreto e depender da iniciativa processual do lesado, deixando, por isso, de apreciar<br />
¡numeras sítuacoes.<br />
6 NULIDADÉ DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS<br />
O CDC, com a fínalidade de restabelecer o equilibrio entre as partes da<br />
relac.áo de consumo, bem como concretizar a protecao ao consumidor, limitou a<br />
liberdade contratual, por meio de disposicoes que impóem ou proíbem certas condutas.<br />
Partindo desse pressuposto, estabeleceu um rol exemplificativo de cláusulas<br />
abusivas, declarando-as nulas de pleno direito.<br />
Diferente do que ocorre no ámbito do Direito Civil, onde há distinc.áo entre<br />
nulidade absoluta e relativa, a Lei 8.078/90 reconhece apenas a nulidade absoluta<br />
de pleno direito, de forma que uma cláusula com esta característica, muito embora<br />
inserida no contrato, já nasce nula, razao pela qual o consumidor nao está obngado<br />
a cumprir as obrigacoes advindas de cláusulas com esta característica.<br />
'Arl.83. Para a defesa dos difeitos e interesses protegidos por este Código süo admissiueis todas as espe<br />
cies de aíóeí capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
CLAUSULAS ABUSIVAS E OS CONTRATOS DE ADESAO A LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA<br />
PO CONSUMIDOR .<br />
Verificado o abuso, fica a cargo do consumidor levar a questáo a juízo,<br />
ocasiao em que deve propor acao direta contra o fornecedor, a fim de que aquele<br />
seja reconhecido. Pode, aínda, argüir a nulidade de cláusula abusiva em sede de<br />
contestacáo ou por meio de reconvencao. Feito isso, cabe ao juiz proferir decisao,<br />
a qual apresenta natureza constitutiva negativa e possui efeito ex tune, tendo em<br />
vista que nela se reconhece a nulldade existente desde o fechamento do negocio.<br />
Ainda neste ámbito da legitimidade para argüicao de nulidade, observa-se<br />
que, como a Lei em estudo é de ordem pública e interesse social, conforme dispñe<br />
o artigo Io, CDC, na hipótese de inercia do ¡nteressado, deve o juiz dedará-la de<br />
oficio, nao sendo atingida, portante, peía preclusáo, de forma que pode ser alega<br />
da no processo a qualquer tempo e grau de jurisdiejio.<br />
No que diz respeito ao tempo em que cabe a alegacao de nulidade de<br />
cláusula abusiva, o Código do Consumidor nao estabelece prazo algum para o<br />
exercício deste direito. Neste sentido, Nelson Nery Júnior (2005), no Código de<br />
Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto ensina que:<br />
O Código nao fixou nenhum prazo para o exercimento do<br />
direito de pleitear em juÍ2c a nulidade da cláusula abusiva.<br />
Conseqüentemente, na ausencia de norma nesse sentido, a<br />
acao perpetua (imprescritiuel).<br />
Questáo importante a ser analisada é a de que a nulidade de cláusulas<br />
abusivas nao compromete o conteúdo do contrato. Essa idéia encontra respaldo<br />
no principio da conservado do contrato, segundo o qual, o exame das cláusulas<br />
configuradas como abusivas, bem como da presuncao de vantagem exagerada,<br />
deve ser realizada de forma a conferir utilidade e operatividade ao negocio jurídico<br />
de consumo, nao devendo ser empregada solucáo que tenha por escopo negar<br />
efetividade a relacao de consumo.<br />
O parágrafo segundo do artigo SI5, CDC, define a situacao ora exposta,<br />
entretanto, acrescenta que, nos casos em que a conservacao do contrato gerar ónus<br />
excessivo a qualquer das partes a ele adérenles, é possibilitada a sua resolucao. A<br />
constatacao de onus aos contratantes culminada no desequilibrio da relaclo contratual<br />
e, em conseqüéncia, no desrespeito á harmonizacao dos ínteresses dos partici<br />
pantes das relacñes de consumo, principio fundamental dessa especie de relacao.<br />
fita<br />
7 CONCLUSÁO<br />
Diante de todo o exposto, apesar de nao se poder dizer que a cláusula<br />
abusiva seja urna conseqüéncia lógica do contrato de adesáo, verifica-se a estreita<br />
sArt.Sl, § 2°. A nulidade de urna cláusula contratual abusiva nao invalida o contrato, exceto quando de sua<br />
ausencia, apesar dos osíor^os de integradlo, óeconei ünus excessivu a qualquer das partes.
nitJAMFMF DE OLIVEIRA / LUCIENE PINTO MARQUES DE Al MUDA E SILVA<br />
relacao existente entre os temas anallsados. O contrato de adesáo, dada a maneira<br />
como é constituido, é forte instrumento para a inserto de cláusulas abusivas, conduta<br />
esta expressamente vedada pela Legislacáo que rege as relacoes de consumo,<br />
assim como pelo principio da boa-fé, norteador nao só deste campo do Direito,<br />
mas do conjunto de negocios jurídicos firmados entre pessoas físicas ou jurídicas.<br />
Ademáis, restou constatada a necessidade da intervencáo estatal na regu-<br />
lamentacáo das práticas de consumo, tendo em vista a forte influencia que o mer<br />
cado de consumo globalizado exerce em nossa sociedade. É de suma importancia<br />
que o Estado aprésente a preocupado de tutelar a parte vulneravel dos contratos,<br />
em especial os que envolvem a relac.ao de consumo, em razao de ser materia de<br />
ordem pública e ¡nteresse social. Este posicionamento visa a conservado do equi<br />
librio que deve presidir as relac5es de consumo, assim como o respeito ao direito<br />
básico do consumidor de ver assegurada a igualdade ñas contratacóes.<br />
Vimos, portante que os contratos de adesao constituem urna realidade<br />
hodierna, na medida em que simplifican! ¡numeras relacoes contratuais, sobretudo<br />
as de consumo. Entretanto, tais contratos nao devem ser analisados apenas sob<br />
o prisma de suas desvantagens, como a possibilidade da existencia de cláusulas<br />
abusivas. É preciso que se busque o seu aperfeicoamento mediante leís específicas<br />
e por meio do controle e da intervencáo estatal, como forma de manter ilesos os<br />
principios da boa fé e da igualdade contratual.<br />
REFERENCIAS<br />
ALMEIDA, Joao Batista de. A protejo jurídica do consumidor. 3. ed. Sao Paulo: Saraiva,<br />
2002.<br />
BnTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor. 4 ed. Rio de Janeiro; Forense Universitaria,<br />
1991.<br />
DIÑE, Maria Helena. Código civil anotado. 6. ed. Sao Paulo: Saraiva, 2000.<br />
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 16. Ed., 1995.NUNES, Luiz Antonio R¡-<br />
zzatto. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. Sao Paulo: Saraiva, 2005.<br />
GRINOVER, Ada Pellegrini. et al Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Au<br />
tores do Anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro; Forense Universitaria, 2005<br />
LYRA, Marcos Mendes. Controle das cláusulas abusivas nos contratos de consumo. Sao<br />
Paulo: Juárez de Oliveira, 2003.<br />
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declaracóes unilaterais de vontade.30.<br />
ed. Sao Paulo: Saraiva, 2004.<br />
-T-
RESUMO<br />
CONSIDERARES EM TORNO<br />
DA SEGURANCA NO<br />
ESTATUTO DO TORCEDOR<br />
Bruno Eduardo Rodrigues de Medeíros<br />
Académico do 6o período do Curso<br />
de Dlreito da UFRN<br />
Müller Eduardo Dantas de Medeiros<br />
Académico do 4o período do Curso<br />
de Dimito da UFRN<br />
Monitor da disciplina <strong>In</strong>trodujo á<br />
Ciencia do Direito II<br />
Por se tratar de urna lei relativamente nova, o Estatuto<br />
do Torcedor, necessita de urna abordagem jurídica<br />
mais profunda. Neste afá, o artigo em pauta tem como<br />
escopo urna análise da responsabiüdade pela seguran^<br />
do torcedor na lei 10.671/03. Abordando, lambém, a<br />
relagao de complementaridade entre o Código de Defesa<br />
do Consumidor e Estatuto do Torcedor, a aplicacao da<br />
teoría objetiva aos responsaveis pela seguranca, segundo<br />
a qual nao mais se buscam culpados, mas sim quem<br />
deve indenizar. <strong>In</strong>vestiga, também, a responsabilidade<br />
dos torcedores e das torcidas organizadas, bem como,<br />
exemplifica algumas medidas que visam o aumento da<br />
seguranza nos eventos esportivos.<br />
Palavras-chaves: Estatuto do Torcedor. Responsabilidade.<br />
Seg uranca.
1 INTRODUCAO<br />
BRUNO EDUARDO RODRIGUES DE MEDEIROS / MÜLLER EDUARDO DANTAS UE MEONROS<br />
"Espero que essa lei pegue". Foram estas as palavras proferidas pelo<br />
Presidente da República ao sancionar, em 15 de maio de 2003, a Lei no 10.671,<br />
o Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT). O desejo do Presidente é, indubitavelmente,<br />
o de todos os que véem o esporte profesional como espetáculo<br />
digno de ser assistido, urna forma de lazer para toda a familia.<br />
Emboraja possuissemos lei anterior estabelecendo normas gerais so<br />
bre a prática do desporto (Lei no 9.615/98, conhecida por lei Pelé), guando<br />
da discussáo do projeto do EDT, esta nao se detinha mais pormenorizada-<br />
mente ao tema que o Estatuto veio a regular, visto que este traz urna visáo<br />
totalmente nova, ao se preocupar exclusivamente com o torcedor. Estava o<br />
Brasil, até entáo, bastante atrasado em termos de protejo jurídica daqueles<br />
que apóiam e prestigiam de perto a realizado de espetáculos esportivos. A<br />
pioneira Espanha, porexemplo, desde 1993 já possui o seu Real Decreto sobre<br />
a questao, na <strong>In</strong>glaterra o football act vige desde 2000; até mesmo nossos<br />
arqui-rivais no esporte, os argentinos, nos deixaram para tras quando da en<br />
trada em vigor da Ley de seguridad en espetáculos esportivos.<br />
Visto tratar-se de lei relativamente jovem, carece aínda o EDT de<br />
abordagens jurídicas mais aprofundadas, nao obstante os comentarios e as<br />
discussoes freqüentes que vem recebendo por parte dos profissionais de<br />
dicados á cobertura jornalístico-desportiva. Tal observacao, por si so, servi<br />
ría como justificativa á elaborado do presente artigo; nao foi essa, contudo,<br />
nossa única motivacáo, tampouco a mais importante, como se perceberá no<br />
decorrer do texto.<br />
Dentre tantas medidas sumamente necessárias adotadas pela lei em<br />
tela, as que mais ateneo recebem por parte da midia esportiva sao as afetas<br />
á seguranca dos torcedores, abordadas em seu capitulo IV (Da Seguranca do<br />
Torcedor Participe do Evento), que compreende os artigas 13 a 19. Tal preo-<br />
cupacao explica-se pelos bens jurídicos a que essas medidas visam proteger,<br />
tais quais a vida, a incolumidade física e a propriedade privada.<br />
Constantemente recebemos noticias de atos de vandalismo ocorridos<br />
dentro e fora de estadios de futebol em dias de jogos. Depredacáo de patri<br />
monio público e privado, atentados contra a integridade física dos presentes<br />
e desrespeito á autoridade pública, representada pelas policías Civil e Militar,<br />
sao alguns desses atos que deixam a todos nos, cidadaos de bem, indignados<br />
e estupefatos.<br />
Antes de se iniciar a análise do tema, é míster ressaltar que a lei nao<br />
trata exclusivamente do futebol, mas da protec.áo dos admiradores e pres<br />
tigiadores de todas as modalidades de esporte. Em nosso país, contudo (e<br />
felizmente), as demais práticas esportivas raramente sao palco de alos de vio<br />
lencia cometidos pelos torcedores. Permite-se dízer, mas nao sem exagero,<br />
que a lei no 10.671/03 podería chamar-se Estatuto de Defesa do Torcedor<br />
de Futebol
CONSIDERARES EM TORNO DA SEGURANZA NO ESTATUTO DO TORCEDOR<br />
2 O ESTATUTO DE DEFESA DO TORCEDOR E O CÓDIGO DE DEFESA DO CON<br />
SUMIDOR<br />
Diferentemente do que se chegou a imaginar durante a elaboracao e<br />
tramitacao do projeto de lei no Congresso, o Estatuto de Defesa do Torcedor nao<br />
vem a substituir a protecáo dada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC)<br />
aos apreciadores de espetáculos esportivos, mas, antes, complementá-la e adap-<br />
tá-la. Percebemos o escopo do legislador em ressaltar essa complementaridade<br />
já pela sistematizado das disposicóes gerais de ambas as leis.<br />
O artigo lo de ambos os códigos estabelece o alcance das respectivas<br />
normas: na lei no 10.671/03, está disposto que "Este Estatuto estabelece normas<br />
de protecao e defesa do torcedor", o CDC, por sua vez, "estabelece normas de<br />
protecao e defesa do consumidor*.<br />
Já os artigos 2o e 3o do CDC tratam de conceituar consumidor e fornece-<br />
dor, respectivamente. Enquanto considera-se fomecedor todo aquele que desenvolve<br />
atividades de producao, transformado ou circulacao de bens ou servidos,<br />
consumidor é "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou<br />
servico como destinatario final".<br />
Decidiu o sistematizador do EDT dar, em seu artigo 2o, definido daqui-<br />
lo que seria torcedor, a saber, "toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a<br />
qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanha a prática de de<br />
terminada modalidade esportiva". O parágrafo único deste artigo diz ainda que a<br />
apreciacao, o apoio e o acompanhamento sao presumidos. Embora nao explícito<br />
no EDT ou no CDC, nao se pode furtar de observar que um torcedor utiliza um<br />
servico como destinatario final, o que o incluí na definicáo legal de consumidor<br />
e, portante, no ámbito de protejo da leí no 8.078/90. O torcedor é, portanto,<br />
um consumidor.<br />
Derradeiro preceito vigente das disposicóes geraís do Estatuto, o artigo<br />
3o equipara a entidade responsável pela organizado da competicáo (doravante<br />
chamada EROQ e a entidade de prática desporliva detentora do mando dejogo<br />
ao fomecedor (que passaremos a tratar por ctube), nos termos da legislacáo con-<br />
sumerista, ressaltando a ligacáo umbilical entre ambas as leis.<br />
Há, ainda, na lei em estudo, duas referencias explícitas ao CDC. O artigo<br />
14 trata de ressaltar que a responsabilidade pela seguranca do torcedor, embora<br />
atribuida á EROC e ao clube, nao gera prejuízo ao disposto nos artigos 12 a 14 do<br />
Código (os quais tratam da responsabilidade pelo fato do produto ou do servico).<br />
Por fim, no artigo 40 do capítulo das penalidades, prevé o Estatuto que a defesa<br />
dos ¡nteresses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a<br />
mesma disciplina prevista no Título 111 do CDC.<br />
Como demonstrado, a aplícacáo do Estatuto do Torcedor nao tem o condao<br />
de excluir e impedir a atuacáo do Código de Defesa do Consumidor. Antes,<br />
esclarece o texto daquela lei que a mesma surge no escopo de complementar<br />
esta. A interpretado das normas do primeiro requer e pressupóe um anterior<br />
conhecímento da letra e espirito das do segundo. É essa a mens legis.
BRUNO EDUARDO RODRIGUES DE MEDEIROS / Mili 11» EDUARDO SANTAS DE MEDEIROS<br />
3 OS RESPONSÁVE1S PELA SEGURANZA<br />
3.1 A Responsabilidade dos Organizadores e Dirigentes<br />
Preceitua o artigo 13 da Leí 10.617/03 que "o torcedor tem direito a seguranca<br />
nos locáis onde sao realizados os eventos esportivos antes, durante e após<br />
a realizacáo das partidas". O Estatuto incumbe, as entidades responsáveis pela organizacáo<br />
da competigáo e seus dirigentes, bem como ás entidades esportivas<br />
detentoras do manda de jogo e seus dirigentes, o dever jurídico de zelar por esse<br />
direito do torcedor.<br />
A leitura do artigo 37, parágrafo Io, incisos I e II do Estatuto torna inteligivel<br />
a definicáo de dirigente como sendo: "o presidente da entidade, ou aquele<br />
que ihe faca as vezes, bem com, o dirigente que praticou a ¡nfracao, aínda que por<br />
omissao". Demonstrando, dessa forma, total desapego á formalidade jurídica, com<br />
a inclusao da figura daquele que, mesmo nao sendo formalmente o presidente da<br />
entidade, age como tal.<br />
O EDT revoluciona ao aplicara desconsidera gao da personalídadejurídica<br />
do clube e a possibilidade de responsabilizar diretamente os dirigentes. Adocáo,<br />
portante, da teoria da disregard of legal entity. Tal revolucao reside no fato de que<br />
a desestimagao da pessoa jurídica, prevista, por exemplo, nos arts. 50 do CC e 28<br />
do CDC, agora se torna aplicável também aos dirigentes das entidades voltadas á<br />
prática desportiva. Impede-se que os membros da pessoa jurídica utilizem-se do<br />
hermetismo, do isolamento de vida interna da entidade, para o cometimento de<br />
atos ilícitos ou abusivos. Assim, poderao esses dirigentes sofrer sancoes de caráter<br />
pessoal, tais quais pagamento de multa, suspensao e destituicáo do cargo, reparagao<br />
dos danos com o próprio patrimonio, dentre outros, sem prejuízo das sancóes<br />
penáis cabíveis á conduta praticada. Aos dirigentes é permitida acao regressiva<br />
contra a entidade (EROC ou clube) responsável subjetivamente pelo daño, caso nao<br />
sejam eles os verdadeiros responsáveis pelo ato.<br />
Tal dispositivo, como era esperado, provocou alarde em muitos desses<br />
dirigentes, os quais protestaram contra a possibilidade de serem responsabilizados<br />
por qualquer daño sofrido por torcedor dentro dos estadios. Nao obstante a tal<br />
reagáo, é necessário esclarecer que a lei nada mais faz do que adaptacáo do art,<br />
14 do código consumerista - o qual cuida da responsabilidade civil objetiva pela<br />
reparaceo do daño - ao tema do Estatuto (COSTA, 2003).<br />
Como o escopo da responsabilidade civil, no Direito hodierno, é a reparacao<br />
dos danos sofrídos pela vítima, e sendo esse daño um fator de desestabilizagáo<br />
do equilibrio social, aporta a necessidade de o responsável por tal daño repará-lo.<br />
Portanto, para que haja a retomada da paz social de maneira mais rápida e efetiva,<br />
faz-se necessário o descrédito do elemento culpa. Impondo, assim, a utilizagáo da<br />
responsabilidade objetiva, segundo a qual, ao invés de se procurar o responsável<br />
de fato, deve-se perquirir o responsável de direito.<br />
Para urna melhor compreensao, vejamos o que Rui Stoco (1999, p. 18)<br />
expoe a respeito:
CONSIDERARES EM TORNO DA SEGURANCA NO ESTATUTO DO TORCEDOR<br />
A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil<br />
seja a resultante dos elementos tradicional (culpa, daño, vínculo<br />
de causalidade entre urna e oiitro), assenta-se na equacáo binaria<br />
cujos polos sao daño e a autoría do evento dañoso. Sem cogitar<br />
da imputabilidade ou investigar a antijundiddade do fato daño<br />
so, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificacáo<br />
se ocorreu o evento e se dele emanou prejuizo. Em tal ocorrendo,<br />
0 autor do fato causador do daño é o responsável.<br />
O artigo 14 do EDT ao estabelecer os responsáveis pela seguranza do tor<br />
cedor em evento esportivo, como sendo dos clubes e seus dirigentes, estabelece<br />
íambém os seus deveres:<br />
Art. 14 [...]<br />
1 - solicitar ao Poder Público competente a presenca de<br />
agentes públicos de seguranca, debidamente identificados,<br />
responsáveis pela seguranca dos torcedores dentro e fora<br />
dos estadios e demais locáis de realizacio de eventos es<br />
portivos;<br />
ü - informar ¡mediatamente após a decisao acerca da realizagao<br />
da partida, dentre outros, aos órgaos públicos de segu<br />
ranza, transporte e higiene, os dados necessários á seguran<br />
za da partida, especialmente:<br />
a) o local;<br />
b) o horario de abertura do estadio,<br />
c) a capacidade de público do estadio; e<br />
d) a expectativa de público;<br />
m - colocar, á disposicáo do torcedor, orientadores e servico<br />
de atendimento para que aquele encaminhe suas reclamagóes<br />
no momento da partida, em locai:<br />
a) amplamente divulgado e de fácil acesso; e<br />
b) situado no estadio.<br />
Caso desobedecido esse dispositivo, a equipe mandante é punida, por no<br />
mínimo dois meses, com a perda do mando de jogo, conforme disposto no § 2o<br />
do mesmo artigo.<br />
As EROC's também possuem deveres, e estes sao elencados no artigo 16,<br />
quaís sejam:<br />
Art. 16 [...]<br />
I-confirmar, comatéquarenta eoito horas de antecedencia,<br />
o horario e o local da realizado das partidas em que a definicao<br />
das equipes dependa de resultado anterior;<br />
n - contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como be<br />
neficiario IICIILIOIIU oü torcedor UJI 1.CUUI portador |-"^' UHIU! do UU ingresso, II<br />
valido a partir do<br />
momento em ¡naressai ¡ngressar no pstádirv<br />
estadio;
BRUNO EDUARDO RODRIGUES DE MEDEIROS / MÜLLER EDUARDO DANTAS DE MEDEIROS<br />
DI - disponibilizar um médico e dois enfermeiros-padrao<br />
para cada dez mil torcedores presentes a partida;<br />
IV - disponibilizar um médico e dois enfermeiros-padrao<br />
para cada de; mil torcedores presentes á partida; e<br />
V - comunicar previamente á autoridade de saúde a realiza<br />
rlo do evento.<br />
Podendo a prova, na hípótese do inciso n, ser suprida em caso de perda do<br />
ingresso, mediante prova testemunhal.<br />
É aínda direito do torcedor, em consonancia com o artigo 17, "a implementagao<br />
de planos de acjao referentes á seguranga, transporte e contingencias<br />
que possam ocorrer durante a realizagao de eventos esportivos". Planos estes que<br />
deverao ser apresentados previamente aos órgaos responsáveis pela seguranza<br />
pública das localidades em que se realizaráo as partidas da competicjao. A responsabilídade<br />
pelo cumprimento deste artigo é conjunta entre os clubes e a EROC.<br />
Conforme já citado, o artigo 19 do Estatuto do Torcedor estabelece responsabilidade<br />
solidaria entre a EROC e os clubes, bem como seus respectivos diri<br />
gentes, pelos prejuízos causados aos torcedores decorrentes de falha de seguranza<br />
e de fallías de solicitacao.<br />
Falha de seguranga ocorre, por exemplo, nos casos de superlotacao, em<br />
que sao vendidos mais ingressos do que a capacidade máxima do estadio, ou mesmo<br />
nos casos em que, apesar de respeitado o limite de ingressos vendidos de<br />
acordó com tal capacidade, é permitida a entrada de pessoas que nao adquiriram<br />
ingressos.<br />
Falhas de solicitagáo derivam do nao cumprimento do dever de solicitar,<br />
as autoridades competentes, as medidas cabíveis para a realizagao do evento, nao<br />
sendo necessário os clubes e as EROC's cuidarem pessoalmente de sua implementagao,<br />
cabendo-lhes somente sua solicitacao. Seria o caso, por exemplo, quando<br />
nao sao solicitados contingente policial ou meios de transporte adequados.<br />
Nesse sentido, já se pronunciou o Tribunal de Justica do Rio Grande do<br />
Sul:<br />
APELACÁO CÍVEL RECURSO ADESIVO- RESPONSABIUDADE<br />
OVIL ASSALTO E LESÓES CORPORAIS PERPETRADAS EM ES<br />
TADIO DE FUTESOL DAÑO MORAL. FALHA NA SEGURANCA.<br />
RESPONSABIUDADE OBJETIVA DA ENTIDADE DESPORUVA.<br />
LEÍ 10.671/03 E LEÍ 8.078/90.<br />
1. O autor busca ser indenizado pelos danos materiais e mo<br />
ráis sofridos em razao de ter sido agredido físicamente por<br />
cinco assaltantes dentro do Estadio Olímpico, durante a rea<br />
lizarlo de umjogo defutebol Gre-Nal.<br />
2. Sio aplícáveis ao caso a Leí n° 10.671/03 - Estatuto de<br />
DefesadoTorcedor-eaLeí n° 8.078/90-Código de Defesa<br />
do Consumidor -. Como se vé do texto dos artigos 3° e 14 da
I CONSIDERACÓES EM TORNO DA SEGURANCA NO ESTATUTO DO TORCEDOR<br />
Leí n° 10.671/03. o Estatuto do Torcedor faz expressa remissáo<br />
ao microssistema consumerista, equiparando a entidade<br />
responsável pela organizado da competicao ao fornecedor.<br />
3. A responsabílídade pela seguranca do torcedor durante a<br />
realizacáo de evento esportivo é da entidade detentora do<br />
mando de jogo. E tal responsabilidade, tratando-se de prejuízos<br />
causados pela fallía na seguranca, é objetiva, ensejando<br />
a aplicado, além das regras específicas do Estatuto do Tor<br />
cedor, do disposto nos arts. 12 a 14 do CDC, que dizem, por<br />
sua vez, com a responsabilidade - objetiva - do fornecedor<br />
por defeitos no forneci mentó de produtos ou na prestac.ao<br />
de servido.<br />
4. E nao há falar que a mera solicitacáo de seguranca ao<br />
Poder Público (art. 14,'. da Lei n° 10.671/03), pela entidade<br />
desportiva, transiere a responsabilidade pela seguranca ao<br />
Estado. A solicitacáo de seguranca ao Estado é um dos de<br />
veres da entidade desportiva, que Ihe é imposto justamente<br />
por ser sua - e isto decorre de expressa imposicao legal (caput<br />
do art. 14 da Leí antes mencionada) - a responsabilidade<br />
pela seguranza durante a realizagao do evento.<br />
5. Considerando que um evento esportivo de grande porte<br />
reúne enorme contingente de pessoas, de todos os meios<br />
sociais e culturáis e com os mais diversos "ánimos', qualquer<br />
tipo de ilícito que ocorra no local é, sim, previsível. Nao se<br />
pode afastar a hipótese de que, durante um jogo de futebol,<br />
ocorram roubos, furtos e lesóes corporais, dentre outras in-<br />
fraíóes. Dai a incorre^áo em concluir-se que o fato ocurrido<br />
com o autor consistiu em caso fortuito. Ora, se era previsível<br />
e provável que fatos desta especie ocorressem, e cabia ao<br />
réu promover a seguranca do local, é a ele imputável a res<br />
ponsabilidade pelo daño perpetrado ao autor.<br />
6. Ainda, mesmo tendo sido requisitada seguranca ao Poder<br />
Público e estando esta ofetivamente presente no estadio, se<br />
o ilícito ocorreu é de se concluir que a seguranca prestada<br />
era insuficiente ou defeituosa, ensejando, assim, na forma do<br />
art. 19 da Lei n° 10.671/03, combinado com o art. 14 da Lei n°<br />
8.078/90, o dever de indenizar da entidade desportiva.<br />
(Apelacio Cível n°. 70013709761, Nona Cámara Cível, Tribu<br />
nal de Justina do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira,<br />
Julgadoem 25/01/2006).<br />
Mas nem sempre o prejuízo sofrido pelo torcedor surgirá por falha de<br />
seguranza ou de solicilacüo. Pode acontecer que este seja provocado em conseqüéncia<br />
exclusiva de fato do produto ou do servido, ou seja, em decorréncia de fallías
BRUNO EDUARDO RODRIGUES DE MEDEIROS / MÜLLER EDUARDO DANTAS DE MEDEIRO5<br />
na conservacao (fato do produto) ou na construgao do estadio (fato do servioo].<br />
Nesses casos, conforme os artigos 14 e 19 do estatuto, os clubes e a EROC respon-<br />
derao apenas na medida de sua responsabílidade.<br />
Para urna melhor compreensáo do instituto fato do produto/servico, faz-<br />
se necessária urna breve diferencíala o entre o responsável pela partida e o respon-<br />
sável pelo estadio.<br />
O responsáve! pela partida (o qual estamos chamando clube) é aquele que<br />
detém o mando de jogo e que, portanto, deverá receber o clube visitante, organi<br />
zar a venda de ingressos, etc. Já o responsável pelo estadio é aquele que se dedica<br />
á manutencáo do estadio, para que o mesmo tenha condicoes físicas e estruturais<br />
de receber o evento esportivo.<br />
Por exemplo, nos jogos do América Futebol Clube realizados, ern Natal, no<br />
estadio Joao Machado (Machadao), divergem as figuras do responsável pelo jogo<br />
e do responsável pelo estadio, pois o dever de manutencáo do Machadao é da<br />
Secretaria de Esporte e Lazer (SEL). Já nos jogos do ABC Futebol Clube realizados<br />
no estadio Maria Lamas Farache (Frasqueirao), estadio particular do clube, ocorre<br />
a coincidencia entre as duas figuras. Assim, o América poderá ser responsabilizado<br />
por danos derivados de falha de seguranca ou de solicitacjio e, na medida de sua<br />
responsabilidade, pelos danos derivados de faihas no fato do produto/servico. Já<br />
o ABC, por realizar partidas em estadio próprio, estará sujeito a responder objeti<br />
vamente tanto pelos danos referentes as falhas de seguranca e solidtacao, quanto<br />
aos de fato do produto/servico.<br />
3.2 A Responsabilidade do torcedor.<br />
Malgrado a severidade com que a o EDT trata os dirigentes e organizado<br />
res, entendemos, através de uma ¡nterpretacao sistemática da legislacao, que há<br />
casos em que estes nao podem ser punidos. O CDC dispñe que o fornecedor de<br />
servicos nao será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor<br />
ou de terceiro (art. 14,6 3o, inciso II). Por se tratar de uma complementacáo desse<br />
Código, nao pode o Estatuto ir de encontró aos seus mandamentos e realmente<br />
nao vai, visto que é omisso quanto ao problema, o que nos permite a aplicacao do<br />
CDC de maneira supletiva. Dessarte, comprovando-se culpa exclusiva do torcedor<br />
ou de terceiro, eximem-se de responsabilidade o clube e a EROC.<br />
Prevé a leí no 10.671/03 casos em que se imputará a responsabilidade<br />
exclusivamente ao torcedor, a saber, quando ele promover tumulto, praticar ou<br />
incitar violencia, dentro do estadio ou num raio de cinco mil metros deste, ou<br />
invadir local restrito aos competidores (art. 39, caput e § lo). Em qualquer destas<br />
hipóteses, fíca o torcedor impedido de comparecerás proximidades, bem como a<br />
qualquer lugar em que se realize espetáculo esportivo, pelo prazo de tres meses a<br />
um ano, de acordó com a gravidade da conduta, sem prejuízo das demais sancóes<br />
cabíveis.<br />
Varias sugestóes foram dadas com o fim de viabilizar a aplicacao de tal<br />
dispositivo. Encontra-se no Congresso o projeto de lei n o 4914/05, de autoría do
CONSIDERARES EM TORNO DA EEGURANCA NO ESTATUTO OO TORCEDOR<br />
ex-deputado Wagner Rubinelli (PT-SP), que propóe o acréscimo do parágrafo 4o<br />
ao artigo 39, o qual passaria a viger com a seguinte redado:<br />
Art. 39 [.,.]<br />
5 4o Durante o periodo de cumprimento da penalidade, o<br />
torcedor deverá apresentar-se nos días em que houver jogos<br />
de seu clube, 2 (duas) horas antes do inicio, perante a autoridade<br />
policial, previamente designada pela autoridade judi<br />
cial, devendo permanecer no local até 2 (duas) horas após o<br />
término dojogo.<br />
Tal emenda nada maís é do que a aplicado de uma das medidas propos<br />
tas pelo Relatório Taylor e adotadas pelo football act, legislado que, desde 2000,<br />
regula as atividades que circundan! o esporte profesional na <strong>In</strong>glaterra e Escocia,<br />
com o intuito de "humanizar o ambiente hostil do futebol", promovendo a melho-<br />
ria dos estadios e a punicáo e prevencao do hooligamsm<br />
Como o Estatuto diz que a aplicacao de tais medidas nao acarreta prejuízo<br />
as demais sancoes cabíveis, nada impede que os baderneiros sejam punidos por<br />
outros crimes previstos na legislacao penal, a exemplo dos delitos de daño e daño<br />
qualificado (art. 163, caput e parágrafo único), caso suas condutas possam assim<br />
ser tipificadas. Nao se pode, entretanto, desprezar a escorreita licao de Rogério<br />
Greco (2006, p. 505, grifo do autor):<br />
3.3 A Responsabilidad^ das torcidas organizadas<br />
A sugestáo do grupo, por inibir temporariamente a capacidade<br />
do agente de refletir sobre aquilo o que faz, bem como<br />
a respeito das conseqüéncias de seu ato, fez com que o le<br />
gislador, no seii art. 65, inciso HJ, e, do Código Penal, atenuasse<br />
a pena do agente quando este viesse a praticar o crime<br />
sob influencia de mullidao em tumulto, se nao o provocou.<br />
Tramita no Congresso, aínda, mais um projeto de leí (PLS n° 327, de 10/11/2004),<br />
dotado de emendas aditivas á leí no 10.671/03, este projeto, proposlo pelo Senador Mozarildo<br />
Cavalcanti (PT6-RO), acrescentando-lhe os artigos 19-A, 19-B e 19-C Tenta tal<br />
projeto viabilizar a responsabilízacao dos chefes de torcidas organizadas por atos praticados<br />
por seus componentes no interior dos locáis de realizacao de eventos esportivos.<br />
Exige o artigo 19-A do projeto a constituicáo estatutaria das torcidas organiza<br />
das, o que implica no registro de seus atos constitutivos, caracterizando-as como pessoas<br />
jurídicas. A diretoria da torcida organizada deverá assinar, na porta do estadio, um<br />
termo de responsabilidade por qualquer ato de seus integrantes dentro deste (parágrafo<br />
lo); esta é uma forma de inoitir em seus líderes temor reverencial á leí, pelo fato de ocuparem<br />
uma positao de chefia, posicáo esta ressaltada pelo parágrafo 3o desse mesmo<br />
artigo, o qual prevé a imposslbilidade de a torcida organizada entrar no estadio sem um<br />
de seus responsáveis.<br />
Cfl
BRUNO EDUARDO RODRIGUES DE MI 11. IhiOS / MULLEFi EDUARDO DANTAS DE MEDEIROS<br />
Todos os integrantes deveráo portar a carteira da entidade com sua foto<br />
e dados (art. 19-A, 5 2o), os quais deveráo ser do conhecimento da Diretoria, esta,<br />
por sua vez, obrigar-se-á emapresentá-los as autoridades policiais ejudiciaíssem-<br />
pre que requisitados (art. 19-B). O artigo 19-C propoe algumas sancoes cabíveis<br />
aos administradores que descumprirem o disposto na leí*.<br />
Com a personifica gao jurídica das Torcidas Organizadas, poderao as auto-<br />
ridadesjudiciais obrigar-lhes á reparacáo dos danos causados peíos seus membros<br />
dentro e nos arredores do estadio, bem como Ihes aplicar multas quando do seu<br />
cometimento (ressalvando-se sempre a possibilidade de acao regressiva da torcida<br />
organizada, pessoa jurídica, contra os causadores do daño, se houver, por parte<br />
destes, dolo ou culpa, de acordó com o art. 43 do CC).<br />
Tal personificado jurídica permite ao judiciário, aínda, penalizar tais en<br />
tidades pela prática de varios ilícitos previstos na legislacao penal, a exemplo dos<br />
arts. 286 e 2872 do Código Penal fcrimes contra a paz pública)5. Nao restam dúvidas<br />
de que varios dos hinos e cancóes dessas torcidas, bem como os textos de suas<br />
faixas e bandeiras, podem ser tipificados como "fazer, publicamente, apología de<br />
fato criminoso ou de autor de crime" e "incitar, publicamente, a prática de crime".<br />
O sentimento de ¡mpunidade desses individuos é tanto que tém chegado ao despautério<br />
de comercializar CD's com gravares dessas "músicas", em clara afronta<br />
ás leis penáis.<br />
4. MEDIDAS PROPOSTAS EM OBEDIENCIA AO EDT<br />
Com a fínalidade de aumentar a seguranca nos estadios, algumas medi<br />
das tém sido propostas. Dentre tais, merece destaque o relatório elaborado pelo<br />
Presidente da Federacáo Paulísta de Futebol (FPF), Marco Polo del Ñero, o qual<br />
sugere urna serie de medidas a serem aplicadas, paulatinamente, com o intuito de<br />
produzirem efeitosjá no Campeonato Paulista de 2007.<br />
Como medidas de aplicacao ¡mediata, o Relatório defende que a venda de<br />
ingressos seja feita até quatro horas antes do inicio da partida, em jogos definidos<br />
como de risco; além da adocao de sistema de som interno no estadio para comuní-<br />
1 "Art. 19-C. O descumprimento do disposto nesta lei pelos Administradores dos Estadios de Futebol im<br />
plicará o impedimento da realizado de partidas de fulebol por um prazo de seis meses e ao pagamento<br />
de mulla de vinte mil reais."<br />
'"<strong>In</strong>citacao 3Q crime<br />
Art. 2E6 - <strong>In</strong>citar, publicamente, a prática de crime:<br />
Pena: detencao, de 3 (tres) a 6 (seis) meses, og multa.<br />
Apología de crime ou criminoso<br />
Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de falo criminoso ou de autor de crime:<br />
Pena: detenclo, de 3 (tres) a 6 (seis) meses, ou multa."<br />
J Deixando de lado a discusslo doutrinária acerca da possibilidade de imputado penal das pessoas ju<br />
rídicas, vé-se que o preceito secundario das normas citadas prevé também a aplicarlo de pena de multa,<br />
perfeitamente cabiveis a eslas personalidades.
CONSIDERARES ÍM TORNO DA SEGURANCA NO ESTATUTO DO TORCEDOR<br />
cacoes com o público. Num prazo de 90 días, prega a obrigatoriedade de todas as<br />
equipes qualificarem um profesional para exercer a funqao de Gerente de Seguran-<br />
ca, o pual realizará, previamente aos jogos, reunióes com representantes das poli<br />
cías, bombeiros, servico médico, torcidas organizadas etc.; dentro dos mesmos 90<br />
dias, as equipes mandantes deveráo providenciar a definicao de setores específicos<br />
e separados para as torcidas organizadas das duas equipes dentro dos estadios.<br />
Com a aplicagao no prazo de 120 dias propoe que o clube terá de con<br />
tratar e treinar, para aluagao nos dias de jogos, o que chama de Comissários de<br />
Estadio, em quantidade determinada na razao do número de espectadores e do<br />
risco do jogo. Deve o Comissário de Estadio ser treinado pelo clube e supervisio-<br />
nado pela FPF e Comissao Paz no Esporte, para que esteja preparado a atuar em<br />
qualquer situacáo emergencial possível.<br />
Para atender ao disposto no artigo 18 do EDT deverá ser efetuado o mo-<br />
nitoramento por imagem para controle de público, com salas de Mon¡toramentó<br />
identificadas e com maior visibiüdade possivel para os presentes. Caso nao haja no<br />
estadio tal sistema, a FPF disponibílízará urna Unidade Móvel de Monítoramento<br />
-UMM.<br />
Deverá o clube oferecer condígoes para atuacao do Juizado Especial Cri<br />
minal (JECRIM) no estadio. Prop5e, por último, a implementacáo de um sistema<br />
de sinalizacao que permita ao torcedor, de forma simples e eficiente, orientar-se e<br />
ser orientado quanlo aos esquemas de seguranca, mobilidade e acesso a todas as<br />
dependencias do estadio.<br />
A parte mais importante do Relatório é, ¡ndubitavelmente, a que trata do<br />
registro de Torcidas Organizadas e do cadaslramento de seus membros. O ítem 8<br />
estabelece a exclusividade de acesso aos membros das torcidas organizadas aos<br />
setores destinados a elas, acesso esse que só ocorrerá até urna hora antes do inicio<br />
da partida. Tal exclusividade será possível gracas á confeccáo e distribuicao do Cartao<br />
do Torcedor, individual a cada associado cadastrado na Torcida, devendo esta<br />
ser devidamente registrada4. A compra de ¡ngressos referentes aos setores desti<br />
nados as Organizadas só será feita mediante apresentacáo do cartáo do Torcedor.<br />
"Fora do setor exclusivo destinado á Torcida Organizada, fica vedada a utilízacao,<br />
pelos demais torcedores, de camisa ou de qualquer vestimenta ou paramento que<br />
identifique este tipo de entidade, bem como a exposic.áo de faixas ou bandeiras"<br />
(item 14), sendo permitida a utilizado de camisa oficial do clube.<br />
E cedico que os conflitos entre torcidas, mormente as organizadas, ocor-<br />
' Exige o ¡tem 10 do Relalório que: "A Torcida Organizada para re I amar aos estadios, dentro dascondicóes<br />
previstas no ¡tem anterior, develé ter CNPJ e o estatuto da entidade - constando diretoria e respectivas<br />
responsabilidades definidas- registrado em cartório e fazer seu registro na FPF. bem como deverá orientar<br />
todos seus associados a efetuar o cadastramento individual de acodo com a orientacao especifica da FPF.<br />
As entidades e seus assodados poderáo fazer os devidos registros o cadastramento até 12 de Janeiro de<br />
2O07. A partir do inicio do Campeonato Paulista de 2007, será enigida dos torcedores das entidades devi<br />
damente registradas na Federado Paulista de Futebol, a aprésenla^ do Cartáo do Torcedor'
BRUNO EDUARDO RODRIGUES DE MEDEIROS / MULLIR EDUARDO DANTAS DE MEDEIROS I<br />
rem em todos os estados, motivo pelo qual se faz necessária a adocao de tais medi<br />
das- bem como seu aprimoramentoe a elaboradlo de outras- por todas as demais<br />
federales esportivas do país, mormente as responsáveis pela organizacáo de cam<br />
peonatos de futebol, nos quais ocorrem as principáis "batalhas" entre torcedores.<br />
5 CONCLUSÁO<br />
Embora o EDTjá vigore há mais de tres anos, nao se pode aínda dizer que<br />
a lei "pegou". Tal constatado nao significa que os dirigentes venham desprezan-<br />
do-o, apenas que as medidas para sua adocao vém sendo adotadas paulatinamen<br />
te. Ou seja, a lei "está pegando".<br />
Malgrado aínda nao banidos do esporte (notadamente do íutebol) os<br />
atos de vandalismo, o EDTjá colhe resultados contundentes. Nao mais presen<br />
ciamos os desmandos dos dirigentes de clubes, que antes atuavam da maneira<br />
que Ihes aprouvesse, atentando muitas vezes contra os direitos dos torcedores:<br />
superlotacao dos estadios, presos abusivos dos produtos oferecidos, alterado do<br />
calendario das competicóes após seu inicio, dentre outros fatos pouco louváveis. A<br />
elaborado e a sancao da lei importaran! urna firmeza admirável por parte de seus<br />
responsáveis, visto tais medidas ¡rem frontalmente de encontró aos interesses dos<br />
poderosos comandantes do nosso futebol (que contam, inclusive, com a chamada<br />
"bancada da bola" dentro do Congresso Nacional, a qual se reduziu bastante ñas<br />
duas últimas eleicoes).<br />
A seguranc.a do torcedor preconizada pelo Estatuto, tema do nosso trabalho,<br />
todavía, nao está totalmente garantida. Em determinados estadios de futebol,<br />
em días de jogos, especialmente nos clássicos, aínda ocorrem absurdos atos<br />
de agressao por parte de torcedores (isoladamente e, principalmente, daqueles<br />
escondidos no anonimato da massa formada pelas torcidas organizadas) e de po-<br />
liciais. Nao obstante essa lamentável constatado, as familias já comecam a voltar<br />
aos estadios e é cada día maior a presenta de mulheres e crianzas assistíndo aos<br />
jogos. Os clubes e as EROC's, de inicio tao contrarios a lei, estáo percebendo que<br />
ela Ibes traz bastantes vantagens, maiores que as proporcionadas pelo seu inadimplemento,<br />
já que o número de ingressos vendidos aumenta proporcionalmente á<br />
seguranza gerada; por isso, irónicamente, sao eles atualmente os maiores interes-<br />
sados em viabilizar a adocao do Estatuto.<br />
Mesmo havendo, por parte dos dirigentes e organizadores, a intencao em<br />
adotar os preceitos do EDT no sentido de garantir ao torcedor total seguranza<br />
dentro e fora dos estadios, tal objetivo nao é fácil de ser alcancado, posto que a<br />
lei nao prevé medidas para viabilizar essa implementacáo. Tal encargo cabe nao<br />
apenas aos dirigentes de clubes e de competic.6es, mas também aos jornalistas<br />
dedicados a cobertura esportiva, ao Ministerio Público e aos comandos das policías<br />
Civil e Militar.<br />
<strong>In</strong>felizmente o que se observa é a falta de seriedade da maioria das me<br />
didas propostas. No lugar de estudos detalhados, mera falacia acerca da questáo.<br />
Em vez de mocóes discutidas e aprovadas por entendidos do assunto, propostas
I CONSIDERACOES ÍM TORNO DA 5EGURANQV NO ESTATUTO DO TORCEDOR<br />
lancadas sem perquirido intelectiva acerca de sua eficacia, na maioria das vezes,<br />
nem sequer aplicáveis. Sobram poucas medidas serias para garantir bens jurídicos<br />
tao fundamentáis quanto a vida e a integridade física, estas devem ser aplaudidas,<br />
aprofundadas e adotadas para que a seguranca do torcedor seja algo real, e para<br />
que o EDT "pegue" de vez.<br />
REFERENCIAS<br />
AMARAL Francisco. Direito Civil: <strong>In</strong>troducao. 6. ed. rev, atual. e aum. Rio de Janeiro, Renovar,<br />
2006.<br />
BONAVIDES, Davi de Oliveira Paíva. Urna análise sobre o Estatuto do Torcedor. ln <strong>In</strong> verbis<br />
n. 15,jan^un de 2003.<br />
BRASIL Código Civil, Código de Processo Civil, Constituido Federal. Org. Anne Joyce<br />
Angher. 5. ed. Sao Paulo: Rideel, 2005.<br />
BRASIL Constituido Federal, Código Penal, Código de Processo Penal. Org. Luiz Flávio<br />
Gomes. 8. ed. Sao Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2006.<br />
CÁMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n° 4911/2005. Acrescenta dispositivo na Leí n°<br />
10.671, de 15 de maio de 2003, que dispóe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá<br />
oulras providencias, para proibir o acesso aos locáis onde sao realizados os eventos esporti<br />
vos de torcidas organizadas. Disponível em: . Acesso em 26 out. 2006<br />
COSTA, Lincoln Pínheiro. Algumas anotacoes sobre o Estatuto do Torcedor. Dísponível em:<br />
. Acesso em 29 set. 2006.<br />
FEDERACÁO PAUUSTA DE FUTEBOL Relatório final da fase I: Comissio Paz no Esporte.<br />
Disponivel em: . Acesso em 27 out. 2006.<br />
GRECO, Rogelio. Curso de direito penal: parte geral. 6. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro:<br />
ímpetus, 2006.<br />
MOURA, Rodrigo Almeida Gomes. O Estatuto de Defesa do Torcedor e a ResponsabiMdade<br />
Objetiva. Disponível em:
RESUMO<br />
CONSIDERADO ES SOBRE<br />
AS DIMENSÓES JURÍDICAS<br />
DO REGIME DE QUOTAS NA<br />
EDUCACÁO E O PRINCIPIO<br />
DA IGUALDADE<br />
Rafael Barros Tomaz do Nasrimento<br />
Académico do 8o periodo do Curso de<br />
Direito da UFRN<br />
O direito á educagao constituí um direito fundamental,<br />
integrante do próprio direito á vida. Como direito social<br />
que o é, depende de prestacoes positivas do Estado no<br />
sentido de possibilitar aos cidadaos melhores condicoes<br />
de vida; sua efetivacao é essencial á igualdade material<br />
e se traduz no respeito ao principio da dignidade da<br />
pessoa humana. Por ¡sso, admitindo que a efetivacjáo<br />
do direito á educagao esteja sujeita á necessidade de<br />
atuacao positiva do Estado, deve-se reforcar o papel do<br />
legislador e do govemante na definicao de prioridades<br />
diante de recursos escassos, com o intuito de adotarem<br />
as medidas necessárias para a configurado da Justina<br />
social. Se o Estado deixa de adotar tais medidas, em<br />
ordem de tornar os direitos sociais efetivos, incide<br />
em desrespeíto á Constituic.ao, abrindo espago para a<br />
desigualdade social. Agora, será a política de quotas o<br />
meio viável para o cumprimento desse desiderato?<br />
Palavras chaves: Direito á educagáo. Políticas de quotas.<br />
Principio da igualdade.
1 INTRODUJO<br />
RAFAEL BARtiOS TOMAZ DO NASCIMENTO<br />
Tenho que a Constituido, ao tutelar o direito á vida, o fez privilegiando o re-<br />
conhecimento do individuo como sujeito de direitos, merecedor nao só de urna efetiva<br />
protecao da vida biológica, mas também da vida social.<br />
Nesse sentido, o individuo toma-se o centro da ativídade jurídica estatal, cujo<br />
principal objetivo é garantir sua vida digna, seja através de normas limitativas dos pode<br />
res do Estado, proibindo ingerencias destes na esfera jurídica individual, seja através da<br />
possibilidade de se exigir prestacoes positivas, obtendo do Estado sen/icos indispensá-<br />
veis ao seu desenvolví mentó social<br />
Portanto, em sua dupla sistemática, o direito á vida exige a própria concretizacáo<br />
dos demais direitos e garantías fundamentáis, especialmente o direito á saúde e o<br />
direito a educacao. O direito á saúde porque é através dele que se garante a vida bioló<br />
gica, isto é, é mediante as medidas estalais de prevencáo e tratamento de doencas que<br />
se obtém a protecao da vida. O direito a educacao porque é através dele que se garante<br />
a vida social, ou seja, é apenas com urna devida instrucao educacional que se alcanca o<br />
pleno exercício de outros direitos fundamentáis.<br />
A importancia que o direito á vida assumiu na atualidade nos impós urna nova<br />
compreensao de seu significado, nao sendo mais suficiente a simples conservado física<br />
da pessoa. Almeja-se que a tutela que o ordenamento jurídico despenda ao direito á<br />
vida amplie-se até o patamar em que se considere a própria realidade existendal. Todo<br />
individuo pretende o seu pleno des envolví mentó!<br />
E é nesse contexto que se ressalta a educacao: "a educacao integra a vida e déla<br />
faz parte incondicionalmente, na busca da verdade e plenitude" (MUÑE, 2002, p. 159).<br />
Além do mais, cumpre ressaltar que sendo a educacao o meio pela qual os indi<br />
viduos adquirem os conhecimentos necessáríos para se posicionar dentro da sociedade,<br />
nao se pode negar que ela é essencial á própria cídadania.<br />
A educacao na sociedade contemporánea adquire importancia<br />
vital para quantos déla parlicipam. A sociedade contemporánea<br />
civilizada é urna sociedade essencial mente estruturada na edu-<br />
cagao, e sua subsistencia como tal, bem como seu desenvolvimento,<br />
só serao possíveis pela educarlo. A questáo é social por<br />
excelencia A sociedade que nao cuida da educacao dos seus<br />
membros compromete o seu futuro e destina-se a ser dominada<br />
pelas mais desenvolvidas. E mais: a Constituicao que nao privile<br />
gia esse direito e nao instrumenta I iza os seus titulares para frui-lo,<br />
póe a perder toda a boa intencio do seu texto (SAlGADO, 1996,<br />
p. 52|.<br />
Diante de tal magnitude do direito á educacSo, torna-se necessário o estudo<br />
de como o Estado age de modo a concretizá-lo e de como esse modo de atuacáo in<br />
fluí na ordem jurídica. Portanto, o objetivo do presente trabalho é analisara política de<br />
quotas em sua faceta de "proposta de medida de efetivacáo do direito á educacáo",<br />
confrontan do-a, inicíalmente, ao principio da igualdade, com a finalidade de averiguar<br />
sua constitucionalidade.
ymá consideracoes sobre as dimensoes jurídicas dq regime de quotas na educado e o<br />
ÜjJ PRINCIPIO DA I GUALDA DE .<br />
2 O DIRE1TO CONSTITUCIONAL Á EDUCACÁO E A QUESTÁO DA EFICACIA DAS<br />
NORMAS CONSTITUCIONAL<br />
Ao expandir o rol dos direitos e garantías fundamentáis, a nova Constituigáo<br />
Federal promoveu substanciáis mudangas na ordem jurídica brasileira, fato<br />
que ¡mplicou na criagáo de diversas novas normas e na mudanza de orientado<br />
quanto á aplicado de tantas outros. Tais mudangas sao frutos da proposta de tor<br />
nar o Estado brasileiro em um Estado Democrático de Direito, nao só com o intuito<br />
de vé-lo como um agente de desenvolvimenlo social, mas, principalmente, com a<br />
finalidade de garantir ao cidadao a participado efetiva ñas conquistas da vida em<br />
sociedade.<br />
Nao se pretende aquí afirmar que a Constituidlo transformou o Brasil em<br />
um Estado assistencialista. Pelo contrario, ainda é da responsabilidade dos parti<br />
culares suprir suas necessidades com o "comercio privado". Ademáis, nao se pode<br />
confundir assisténcia social com a ajuda que o Estado presta aqueles que nao possuem<br />
meios financeiros suficientes para subsistirem. Na verdade, isso nao passa<br />
de urna funcao inerente ao aparato estatal, posto que a este incumbe o dever de<br />
tornar efetivo os direitos fundamentáis.<br />
O que caracteriza um Estado que se define como sendo um Estado De<br />
mocrático de Direito é a sujeígao do poder político a principios e regras jurídicas<br />
que garantem as pessoas e aos cidadaos liberdade, igualdade, seguranza, etc. e,<br />
ao mesmo tempo, estipulam a obrigagáo estatal de efetivar determinas pretensoes<br />
sociais.<br />
Ora, é o povo quem detém a legitimidade do dominio político. E, portanto,<br />
nada mais justo de que o direito, como meio de ordenacao racional e vinculativo da<br />
sociedade, ao elaborar suas regras e medidas, norteie-se pelos anseios da socieda<br />
de, tutelando aquilo que se revele de grande interesse social.<br />
Segundo Celso Antonio Bandeira de Meló (2005), o Estado deve encarregar-se<br />
da gestao concreta e ¡mediata dos assuntos em torno da sociedade, des<br />
critos em um quadro legal pré-existente. Esses assuntos nada mals seriam que o<br />
interesse público, isto é, "o interesse resultante dos interesses que os individuos<br />
pessoaimente tém quando considerados em sua qualidade de membros da Socie<br />
dade e pelo simples fato de o serem" (MELÓ, 2005, p. 53).<br />
Assim sendo, a atual Constituigáo, de forma pioneira na historia constitu<br />
cional brasileira, promoveu urna tutela mais específica da educagao, tornando-a<br />
verdaderamente um direito fundamental, cuja eficacia está intimamente relacio<br />
nada ao progresso socioeconómico do País. Tal afirmativa se deduz do próprio art.<br />
205 da Constituigáo Federal, que dlspóe:<br />
Art 205: A educacao, direito de todo? e dever do Estado e<br />
da familia, será promovida e incentivada eom a colaborarlo<br />
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,<br />
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificagáo<br />
para o trabalho.
RAFAEL BARROS TOMA/ DO NASCIMENTO<br />
Nesses termos, surgí dois aspectos que apresentam maior relevancia para<br />
o debate aqui proposto. Um é o principio da universalidade: "direito de todos".<br />
Dois é o dever do Estado de tomá-lo efetivo: "dever do Estado".<br />
Segundo o principio da universalidade, todos os cidadaos tém o direito de<br />
ter iguais possibilidades quanto ao acesso ao ensino. Ou seja, o direito a educacao<br />
é um direito social, portanto, apresenta um caráter de essencialidade que ¡mp6e<br />
ao Estado sua prestacáo. Em outras palavras, é o principio da universalidade que<br />
estabelece a exigencia de o Estado garantir a todos iguais condicóes de ensino.<br />
Na verdade, como todo direito social, a educacao nao pode estar condi<br />
cionada ao mero jogo de interesse político. Pelo contrario, cabe ao ente estatal<br />
criar os meios e as medidas necessárias á eficacia do direito a educacao, pois a sua<br />
protecao é indispensável ao próprio desenvolvimento social. Nesse contexto, nos<br />
lembra Canotilho:<br />
A concepcáo da dignidade da pessoa humana e do livre de<br />
senvolvimento da personalidade pode estar na origem de<br />
uma política de realizado de díreítos sociais activa e com<br />
prometida ou de uma política quietista e resignada consoan-<br />
le se considere que, abaiso de um certo nivel de bem-estar<br />
material, social, de aprendizagem e de educat;ao, as pessoas<br />
nüo podem tomar parte na socíedade como cidadaos e, muíto<br />
menos, como cidadáos iguais, ou se entenda que a "cída-<br />
danía individual" é básicamente uma "conquiste individual"<br />
(CANOTILHO, 2003, p. 473 e 474, grifos do autor).<br />
Assim, como exigencia do próprio principio da dignidade da pessoa hu<br />
mana, cabe ao Estado criar as condicoes objetivas que possibilitem o acesso a uma<br />
educacao minimamente qualificada. E a eficacia de tal direito social exige, de um<br />
lado, a atuacáo legiferante em elaborar as normas necessárias á criacao e á fixacáo<br />
dos institutos que regularáo o seu exercício e, de outro lado, a atuac.ao administra<br />
tiva no sentido de fazer cumprir tais normas, ísto é, executá-las.<br />
Vale dízer que, no tocante a esse último aspecto, preferiu a Constituicao<br />
frisar, explícitamente em seu art. 208, tal exigencia aos poderes públicos. "Este artigo<br />
especifica a contrapartida estatal do direito á educacao. Enuncia o que o Estado se<br />
compromete (garante) a oferecer" (FERREIRA, 1999, p. 247). E éjustamente essa necessidade<br />
de existir uma atuacao positiva por parte dos poderes públicos que coloca<br />
ern cheque o principio da universalidade da educacao, tendo em vista que a Consti<br />
tuicao estabelece garantías que o Estado brasileiro nao está preparado a dar.<br />
Ora, nem todas as normas constitucionais ganham os efeítos por elas pre<br />
tendidos, embora estejam em vigor e, pelo menos em tese, possuam caráter obrigatório.<br />
Isso porque tais normas enfrentam dois problemas de ordem prática, quais<br />
sejam, falta de validade social e total descaso das autoridades públicas. Em relacáo<br />
ao descaso do poder público, duas colocagóes devem ser feitas. Primeiro, o desvio<br />
das funches estafáis, a relacao do Estado com o capital de alguns, a impunidade e o<br />
desrespeito á cidadania acabam gerando um outro fenómeno: o direito como con-
CONSIDERARES SOBRE AS OIMENSÓES JURÍDICAS DO REGiME DE QUOTAS NA EDUCACAO E O<br />
PRINCIPIO OA IGUALOADE<br />
seqüéncia do poder económico. Segundo, a Constituicao, ao estabelecer principios<br />
e normas básicas que viabilizam o cumprimento do artigo terceiro e das condicóes<br />
básicas ao bem estar social, deixa ao legislador ordinario e ao governo a incum<br />
bencia de regular os meios necessários para tanto. Agora, na prática, essa funcao<br />
sofre "desvíos extremos", a ponto de ocorrer, muitas vezes, a omissáo do legislador<br />
e/ou governador. Além do mais, há, aínda, a insuficiencia dos recursos destinados<br />
aos direitos sociais, lembrando que estes "só existem quando leis e políticas sociais<br />
os garantam" (CANOTILHO, 2003, p. 470).<br />
Assim, considerando que esses direitos sao regras cuja fragilidade gera<br />
incertezas jurídicas quanío á sua aplicagáo, a ponto de "cómodamente se atribuir<br />
a escusa evasiva da programaticidade como expediente fácil para justificar o des-<br />
cumprimento da vontade constitucional" (BONAVIDES, 2003, p.245), os entes go-<br />
vernamentais deixam de prestar os servícos sociais que Ihes impós a Constrtuicáo<br />
Federal. <strong>In</strong>clusive, a este respeíto, o próprio Supremo Tribunal Federal játeveopor-<br />
tunidade de se manifestar, posicionando no sentindo de que<br />
É preciso assínalar, neste ponto, por relevante, que o direíto á<br />
educacjo - que representa prerrogativa constitucional defe<br />
rida a todos (CF, art. 205), notadamente as crianzas (CF, arts.<br />
208, IV, e 227, "caput") - qualifica-se como um dos direitos so-<br />
ciais ma¡s expressivos, subsumindo-se á nogáo dos direitos de<br />
segunda geracao (RTJ 164/158-161), cujo adímplemento im-<br />
poe, ao Poder Público, a satisfazlo de um dever de prestadlo<br />
positiva, consistente num "faceré", pois o Estado dele só se<br />
desíncumbírá criando condit;óes objetivas que propiciem, aos<br />
titulares desse mesmo direito, o acesso pleno ao sistema edu<br />
cacional, inclusive aoatendimento, emcrecheepré-escola, "as<br />
enancas de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV).!<br />
Ademáis, a Constituícao aínda estabeleceu o principio segundo o qual os<br />
direitos fundamentáis, inclusive os da segunda geracao, teriam aplicabilidade ¡me<br />
diata, o que tornaría ainda mais evidente que a educacao nao pode estar vinculada<br />
a "promessa ¡nconseqüente", isto é, nao pode estar situada no campo hipotético<br />
de que um dia o Estado garantirá sua aplicacao. Assim, surge o questionamento de<br />
como o Estado deve proceder para tornar o ensíno realmente um direito de todos,<br />
efetivando-o de tal modo que o torne meio de igualizacao entre os cidadaos e nao<br />
meio de aumento das distorcóes sociais.<br />
É nesse ponto que se apresenta a política de quotas como "medida de<br />
efetívac.áo apta a cumprir com essa incumbencia estatal", ao garantir a determi<br />
nados cidadaos privilegios para terem acesso ao sistema educacional, geralmente<br />
através da reservas de vagas, seja no ensino medio e fundamental, seja no ensino<br />
superior.<br />
■STF-RE472707-5P, Reí. Min. Celso de Mello, DJ 04 demarco de 2006, PP-00110
3 POLÍTICAS AFIRMATIVAS E O DIREITO COMPARADO<br />
RiFAEL BARROS TOMAZ DO NASCIMENTO<br />
Se pudermos pensar a coexistencia de varias culturas como urna constante<br />
da historia humana, a questao da pluralidade cultural jurídica, hoje, toma propor-<br />
góes extraordinarias, devido ao fenómeno da globalizacáo, que expóe os sistemas<br />
jurídicos uns com os outros, o que, em um primeiro momento, nos levaría a pensar<br />
em um "intercambio de solucoes jurídicas". (REALE, 2003, p.308).<br />
Ora, se cada ordenamento jurídico pretende, através de normas coerci<br />
tivas, disciplinar a convivencia social do homem, utilizando de institutos jurídicos<br />
como meios para tanto, é de se destacar a importante funcao do direito compara<br />
do. Como nos lembra Della Cunha (1997], o processo de comparado dos direitos<br />
de outros povos é um instrumento jurídico adequado para aprender a experiencia<br />
jurídica em sua diversidade cultural e para saber as particularidades, e como eias<br />
influendam ñas diferenciales entre um ordenamento jurídico e outro, das regras<br />
disciplinadoras da realidade social.<br />
A globalizacáo, como fenómeno económico, político, social e cultural, vem<br />
exigindo urna adequacáo dos ordenamentos jurídicos em geral a urna nova reali<br />
dade transnacional. Mas, vale salientar que, embora o direito venha ganhando esse<br />
caráter de cooperado internacional, existe, por outro lado, urna tradic.ao nacional<br />
ainda muíto forte em relagáo a determinados ramos do direito, cuja expressáo sig<br />
nifica muito mais urna ¡dentidade nacional do que reflexo dessa nova realidade.<br />
Por isso, a utilizacáo pelo Legislador nacional de informagoes trazidas pelo<br />
estudo do direito comparado deve ser cercada de precaucoes. É claro que se ba-<br />
seadas em urna mesma tradicáo, estruturas e valores, essas informacóes devem<br />
ser utilizadas indistintamente no direito patrio. Mas se essas mesmas informagoes<br />
forem obtidss de urna realidade político-social completamente diferenciada, o Le<br />
gislador deverá té-las muito mais como orientacóes do que verdaderos exemplos<br />
a serem seguidos. Isso porque o<br />
Direito comparado nao pode se reduzir ao mero confronto<br />
de códigos e leis de diversos povos, sem se levar em conta as<br />
estruturas sociais e políticas de cada um deles.<br />
Somos levados a graves erros quando nos limitamos a um<br />
simples cotejo formal de textos legáis, fazendo abstracao de<br />
seus elementos condicionantes, inclusive das razóes ideo<br />
lógicas que dio significado diverso as mesmas expressóes<br />
verbais (REALE, 2003, p. 309).<br />
Foi desta última maneira que vém agindo os políticos brasileiros, princi<br />
palmente ao elaborarem projetos de lei que visam instituir políticas de quotas no<br />
Brasil. Simplesmente, ignoram a realidade social americana e insistem em copiar,<br />
indistintamente, seus institutos jurídicos.<br />
Ora, a historia norte-americana foi marcada pela escravidao. Durante os<br />
séculos XVII e XVIII, existiam pelo territorio dos Estados Unidos colonias que, depoís<br />
da independencia, assumíram distintas atividades económicas. Enquanto as<br />
fita
CONSIDERASES SOBRE AS DIMENSOES JURÍDICAS DO REGIME DE QUOTAS NA EDUCAfAO E O<br />
PRINCJPiO DA IGUALDAD i<br />
colonias do norte procuram desenvolver uma sociedade industrial, as do sul ainda<br />
se mantiveram como uma sociedade agrícola eminentemente escravocrata. Essas<br />
distin^oes somadas á vontade separatista das colonias sulistas provocaram a guer<br />
ra civil americana.<br />
Sendo o norte vencedor, este levou á Constituicao nacional americana<br />
os valores de igualdade entre negros e brancos, pretendendo acabar com a escravidáo<br />
no sul. Tal mandamento constitucional, no entanto, apenas acabou com<br />
a escravidao como instituto, mas a prática do racismo e segregacáo racial ainda<br />
perdurou no sul por um bom tempo. Exlstiam escolas, locáis, parques de diversao,<br />
salas de cinemas exclusivas para brancos, sendo reservadas outras, de muíta pior<br />
qualidade, para os negros.<br />
A própria Suprema Corte permitía esses excessos dos políticos sulistas, viabilizando<br />
nao só uma segregacáo socio-racial, mas uma segregacáo entre superiores<br />
e inferiores. Enquanto os negros lutavam por seus díreitos, os brancos reagiam á<br />
base da violencia, provocando a marginalizacüo da adolescencia negra, que, sem<br />
perspectivas de crescimento social e cultural, formaram as famosas gangues, grupos<br />
dejovens que lutavam contra a discriminacao racial com mais violencia. Foi esse o<br />
contexto que provocou uma enxurrada de acóes propostas perante a Suprema Corte<br />
norte-americana, que, com o passar do tempo, mudou sua orientacao, adotando<br />
medidas para concretizar o principio da igualdade instituido na Constituicao ameri<br />
cana.<br />
E, como uma das primeiras medidas adotadas para diminuir a segregacáo<br />
racial, surgiu justamente a política de quotas para o ingresso de negros ñas instituicoes<br />
de ensino, como especie de obrigacao governamental norte-americana no<br />
sentido de conseguir diminuir a segregacáo racial quando, e apenas quando, fossem<br />
violados preceitos constitucionais. O que se tentava era coíbir a negacao das<br />
universidades americanas em receber estudantes negros, que, por seus méritos,<br />
alcangaram o direito a terem acesso ao ensino superior.<br />
A política de quotas fazía parte dos "affirmative action programs", progra<br />
mas que, além de se prestarem a garantir acesso ao ensino qualificado, pretendiam<br />
inserir na sociedade americana os cidadáos que, em virtude de sua origem racial,<br />
eram discriminados socialmente, nao possuindo, na prática, os mesmos díreitos<br />
estabelecidos na Constituicao a todos.<br />
Os "affirmative action programs" culminaram na proibicao de qualquer es<br />
pecie de discrimínacao em virtude da raca, sexo, cor, etnia, ou nacionalidade, como<br />
justificativa de restricao por parte do Estado e dos próprios particulares dos direitos<br />
fundamentáis. Nao se tratam de privilegios atribuidos a alguns por serem negros,<br />
por exemplo; eram garantías de que, independentemente de suas características<br />
biológicas, o cídadáo poderla gozar livremente de seus direitos.<br />
No entanto, mesmo sendo os "affirmative action programs" programas<br />
dirigidos á necessidade de igualízacáo dos cidadáos norte-americanos, houve<br />
diversos opositores, que contribuíram para o acirramento da controversia se era<br />
constitucional ou nao a interferencia estatal na vida particular.<br />
Como se sabe, entretanto, esta nao foi a realidade brasileira... O estudo do<br />
direito comparado flca sem parámetros quando destituido da pesquisa crítica, feita
RAFAEL BARROS TOMAZ DO NASCIMENTO<br />
analisando a historia, a cultura e os valores que marcaram a experiencia jurídica de<br />
um outro povo.<br />
O que acontece no Brasil é que o meio político, táo logo descobriu o fílao de<br />
votos que as promessas em tomo de temática educacional poderiam Ihe render, apropriou-se<br />
da discussao, sem, contudo, atentar-se para as particularidades dos "affirmative<br />
action programs". Se nos Estados Unidos as políticas afirmativas foram sendo gradativamente<br />
aplicadas ao longo de mais de meio século e mesmo assim de forma turbada e<br />
conflituosa, como pretende os políticos nacionais, em menos de uma década de discus<br />
sao, elaborar leis instituidoras de privilegios a determinados individuos, sem, ao menos,<br />
averiguar sua adequacao ao caso brasileiro?<br />
A política desempenhada no Brasil é táo inconseqüente queja se iniciou a cria-<br />
cao de um sem-número de programas com o único objetivo de "jogar de qualquer jeito"<br />
o estudante brasileiro na escola, principalmente na universidade. Esquecem-se os repre<br />
sentantes do povo que as medidas estafáis devem estar vinculadas aos objetivos que<br />
pretendem atingir.<br />
O principio da universalidade da educacao nao significa apenas a mera quantificacao<br />
dos cidadáos brasileiros que freqüentam a escola, mas sim no próprio ofereci-<br />
mento de um ensino de qualidade, que é dever do Estado.<br />
Ademáis, se a política de quotas for a solugao para garantir o acesso universal<br />
á educacao existiría um duplo obstáculo constitucional. Primeiro, a Constituicao, no art.<br />
208, inciso V, assevera que "o dever do Estado com a educacao será efetivado mediante<br />
a garantía de: (...); acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criacao<br />
artística, segundo a capacidade de cada um". Ou seja, exige-se que o Estado garanta que<br />
o mérito seja um dos criterios fundamentáis para que o individuo ascenda para os níveis<br />
mais elevados do ensino, pesquisa e da criacao artística. Caberia ao Estado, conforme se<br />
vé pela redacao do artigo, distribuir o acesso á educacao pelo criterio da capacidade.<br />
Segundo, é fato que os principios constitucionais podem determinar a afastabilidade<br />
de uma regra instituida em legislacáo ordinaria. Com isso, por exemplo, nao<br />
hesito em afirmar que a Autonomía Universitaria, principio constitucional consagrado<br />
pelo art. 207, tem forc.a normativa suficiente para determinar que leis infraconstitucionaís<br />
só aplícam á Universidade se for do interesse manifestó dessa instituicao, através de suas<br />
normas e ordenamentos básicos.<br />
Nesse sentido, conclui-se que fere a política de quotas ao principio da<br />
adequacao, pois a tal medida nao se mostra apta a produzir o fim de universalizac.ao<br />
do ensino de qualidade conforme a capacidade de cada um, exigido pelo<br />
principio da uníversalídade.<br />
4 INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO PRINCIPIO DA IGUALDADE<br />
4.1 O principio da igualdade como instrumento de interpretado dos direitos<br />
fundamentáis.<br />
Esclarece Canotilho (2003) que a inconstitucionalidade de urna política<br />
pública é reconhecida quando sua realízagáo nao observa os principios e regras<br />
estabelecidos na Constituicao, isto é, quando nao existe uma efetiva vinculado
CONSIDERAOS SOBRE AS DIMÍNSÓES JURÍDICAS DO REGIME DE QUOTAS NA EDUCACAO í O<br />
PRINCIPIO DA IGUALDADE<br />
jurídica entra a norma que criou o dever estatal de atuar e o programa elabora<br />
do pelo Estado para atender ao objetivo constitucional.<br />
Dessa forma, tem-se que a discussáo sobre a constitucionalidade da<br />
política de quotas, como atojurídico-normativo que o é, deve ser tomada, prin<br />
cipalmente, pelos principios constitucionais. Sobretudo, pelo principio da igual-<br />
dade, por ser a educacáo um direito social.<br />
Nesse sentíndo, "a igualdade se converte ai no valor mais alto de todo<br />
o sistema constitucional, tornando-se o criterio magno e imperativo de ínter-<br />
pretacáo da Constituicao em materia de direitos sociais" (BONAVIDES, 2003, p.<br />
374). Em conseqüénda,<br />
Podemos dizer que os direito saciáis, como dimensüo<br />
dos direito fundamentáis do homem, sao prestacóes posi<br />
tivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente,<br />
enunciadas em normas constitucionais, que possibílitem<br />
melhores condicóes de vida aos mais fracos, direitos que<br />
tendem a realizar a igualizacao de situacóes sociais desiguais.<br />
Sao, portanto, direitos que se ligam ao direito de<br />
igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos<br />
individuáis na medida em que criam condicoes propicias<br />
ao auferimento da igualdade real (SILVA, 2006, p. 286 e<br />
287).<br />
Portante, todo Estado deve nortear-se pelo principio da igualdade, no<br />
sentido de que baja nao só um tratamento normativo ¡sonómico, mas também<br />
uma equidade na distribuicao dos direitos e deveres a cada cidadáo, como<br />
membro da sociedade e titular de uma parcela da soberanía.<br />
Da afírmacao ácima, deduz que o principio da ¡gualdade possuiu uma<br />
dupla acepeáo, uma formal e outra material. Em sua acepcao formal, o principio<br />
da ¡gualdade seria uma especie de direito de tratamento idéntico pela lei, con<br />
substanciada na igualdade jurídica. Todavía, caso o principio da igualdade tivesse<br />
sido aplicado apenas levando em considerado essa igualdade jurídica, de<br />
pouco adiantaría, uma vez que o legislador poderia se valer de discrimmacóes<br />
quanto ao conteúdo sem afetartal principio. Por ¡sso que, na prática, buscou-se<br />
uma igualdade material através da leí; o que equivaleria a dizer que o legislador<br />
deve adotar, para todos aqueles com situacóes iguais, uma lei que prevé iguais<br />
conseqüéncias ou efeitos jurídicos e, contrariamente, para todos aqueles com<br />
situacóes distintas e relevantes jurídicamente, uma lei que prevé diferentes conseqüéncias<br />
ou efeitosjurídicos. Como afirmou Celso Antonio Bandeira de Mello,<br />
"o alcance do principio nao se restringe a nivelar os cidadao diante da norma<br />
legal posta, mas que a própria lei nao pode ser editada em desconformidade<br />
com a isonomia" (MELLO, 2006, p. 9).<br />
Já em sua acepcao material, o principio da ¡gualdade se confundiría, a<br />
meu ver, com o principio da justica social. Ora, já afirmava Canotilho que
RAFAEL BARROS TOMAZ DO NASCIMÍNTO<br />
a fórmula 'o igual deve ser tratado igualmente e o desigual<br />
desigualmente' nao contém o criterio material de um juízo<br />
de valor sobre a relagáo de igualdade (ou desigualdade). A<br />
questáo da igualdade justa pode colocar-se nestes termos: o<br />
que é que nos leva a afirmar que uma leí trata dois individuos<br />
de uma forma igualmente justa? Qual o criterio de valoracJo<br />
para a relacao de igualdade? (CANOT1LHO, 2003, p. 428, grifos<br />
do autor).<br />
Muitos doutrinadores afirmam que a resposta adequada a essas indagares<br />
seria a proibicáo de arbitrariedades quanto as discriminagoes, podendo apenas a<br />
Constituigáo de um país fazé-las. Entretanto, o principio da justica social, a que todo<br />
Estado Democrático de Direito deve buscar, seria uma resposta muito mais adequa<br />
da, pois alérn de conter essa proibicáo, traduz a idéia de uma ordem de seguranca e<br />
paz jurídica voltada para ¡ntegracáo da justica no "palco da conflitualidade social": as<br />
regras jurídicas devem ter como escopo a evolucao da democracia sob a óptica da<br />
justica social e como "garantía geral da vigencia e eficacia dos direítos fundamentáis"<br />
(SILVA, 2006, p. 122). E onde se encontram as normas que respaldam essa justica<br />
social? Em um primeiro plano, na própria Constituicáo e, em segundo plano, nos<br />
principios gerais de direito, informadores de um dado ordenamento jurídico.<br />
Portanto, ajustíca social, encarada sob a óptica do principio da igualdade,<br />
nos mostra que é defeso aos poderes público - mediante indevida manipulacáo de<br />
sua político-administrativa - criar obstáculos que reveiem o ilegítimo e arbitrario<br />
propósito de inviabilizar o estabelecimento e a preservacao de condicoes materiais<br />
mínimas de existencia.<br />
Nao atende ao principio da justica social leís que, pelo criterio de desígualdade<br />
adotado, nao apresenta relevancia jurídica, seja porque nao respeita os<br />
valores constitucionais, seja porque estipula discriminacóes arbitrarias. E é sob esse<br />
aspecto que se observa a inconstitucionalidade da política de quotas como política<br />
pública utilizada para o atendimento ao principio da universalidade da educacáo.<br />
4.2 <strong>In</strong>constítucionalidade das quotas atribuidas a negros<br />
Como bem conceítuou Hédio Silva Júnior, "os desfavorecidos, os desi<br />
gnáis, sao aqueles individuos cujos dotes naturais os impedem de fruir, em maíor<br />
OU menor grau, os bens sociais primarios" (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 182). Desta<br />
forma, a estes individuos deve o Estado garantir os meios necessários a uma vida<br />
digna. Nao por uma questáo de assístencialismo social, mas sim pela simples razao<br />
de que cabe ao Estado a concretizacáo dos direitos fundamentáis.<br />
Só sejustifica tratar diferentemente uma pessoa quando esta, em face de<br />
suas especificidades jurídicamente relevantes, isto é, de acordó com criterios e juízos<br />
valorativos genéricamente aceitos, nao tem a possibilidade de gozar os direitos<br />
que constitucionalmente á ela foram atribuidos.<br />
No entanto, o principio sob enfoque tem, como uma de suas interpreta<br />
res constitucionais, a igualdade "sem distincao de origem, cor e raca". Isso sígni-<br />
-T-
CONSIDERARES SOBRE AS DIMENSOE5 ;UR|DICAS DO REGIME DE QUOTAS NA EOUCACAO E O<br />
PRINCIPIO DA IGUALOADE<br />
fica dizer que é impossivel discriminar, negativamente, levando em considerado<br />
esses atributos, pois a própria Constituicao Federal considerou um absurdo "discri-<br />
minacoes atentatorias dos direítos e liberdades fundamentáis" (art. 5o, XU, CF/88).<br />
Nesse sentindo:<br />
O art. 5o, caput, ao exempliricar com as hípóteses referidas,<br />
apeas prelendeu encarece-las. Vale dizer: recolheu na reali-<br />
dade social elementos que repulou serem possíveis fontes<br />
de desequipa raides odiosas e explicitou a impossibílidade<br />
de virem a ser destarte utilizados. [MELLO, 2006, p 18).<br />
Por outro lado, veda também a le¡ fundamental as discriminacoes positi<br />
vas a este respeito, que criem privilegios ou qualquer especie de favoritismo em<br />
proveito de alguém com base nessas características. Toda e qualquer discriminacáo<br />
baseada em especificidade intrínseca ou extrínseca do sujeito deve ser proibida,<br />
poís carece de relevancia jurídica; é destituida de fundamento objetivo e sua conflguracao<br />
seria mera arbitrariedade.<br />
Embora ainda hoje seja corrente a associacao do principio<br />
da ¡gualdade com o principio da proibi
RAFAEL BARROS TOMA/ DO NASCIMENTO I<br />
para formacao de sua populacao, é um país de mesticos, cujo povo deveria nao<br />
de uma "raca" única, mas de uma miscigenacao de "ragas". Mosira-se impossível,<br />
portanto, determinar quem é negro e quem é branca.<br />
A!ém do mais, a justificativa de que é necessário pagar uma divida histórica para<br />
com os negros nao é finalidade acolhída pelo direito e, portanto, nao pode configurar<br />
como elemento razoável para a d ¡sai mi na cao. Reservar vagas a pessoas pelo criterio "cor<br />
da pele" é totalmente desarrazoével. É uma medida despropordonal ao vim visado, além<br />
de atentatoria aos direitos e garantías fundamentáis. "Nao se pode distinguir pessoas por<br />
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil"2. Nesse mesmo sentido: "a discriminacao que<br />
se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do individuo, como sexo,<br />
a raca, a nacionalidade, o credo religioso etc., é inconstitucional"3.<br />
Em condusao, aponta-se o ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Mello<br />
de que "a Leí nao deve ser fonte de privilegios ou perseguicóes, mas instrumento regu<br />
lador da vida social que necessíta tratar equitativamente todos os cidadáos" (MELLO,<br />
2006, p. 10).<br />
4.3 <strong>In</strong>constitucionalidade das quotas atribuidas a classes menos favorecidas<br />
Se o principio da igualdade pressupoe a possibilidade de todos terem acesso<br />
aos bens económicos, sociais e culturáis indispensáveis a uma vida digna, é obvio que a<br />
ausencia de alguns dos direitos sociais será uma afetacáo ao principio da justica social e,<br />
consequentemente, ocorrerá uma discriminacáo inconstitucional.<br />
A educacáo, como direito fundamental de segunda geracáo, deve a todos ser<br />
garantidos, como assevera a própria Constituicao Federal. No entanto, a universalizacáo<br />
do ensino, como qualquer outro direito, nao é absoluto e sofre limitacoes por outras<br />
normas constltucionais. Vejamos.<br />
Como afirma Hédio Silva Júnior, a doutrina constitucional brasileira consolidou<br />
a ¡déia de que o principio da igualdade prescreve uma discriminacáo positiva, no sen<br />
tido de compensar a desigualdade de oportunidades e promover, em conseqiiéncia,<br />
a ¡gualdade. Entretanto, nao se pode perder de vista o seguinte: o que o principio da<br />
igualdade, na óptica da justica social, visa garantir é uma igualdade de oportunidades<br />
e nao, de forma meramente eleitoreira, uma justica de ¡gualdades. A diferenca é sutil,<br />
cujos reflexos nos levam a concluir peía inconstitucionalidade das quotas destinadas as<br />
pessoas de baixa renda social.<br />
Sob o enfoque do principio dajustica social, a igualdade de oportunidades con<br />
siste, como colocou Hédio Silva Júnior, no dever de compensar positivamente as desi<br />
gualdades de oportunidades, ou seja, no caso especifico da educacao, dar aqueles que<br />
nao possam obter por meios próprios (já que a educacao também é da responsabilidade<br />
dos particulares) um ensino de qualidade, através da criacáo de tantas escolas quanto<br />
suficientes para atender a demanda populacional.<br />
;STJ-ROem MS 5.151, Reí. Min. Luiz Vítente Cernictiiaro, DJU de 03 de marco de 1995, p. 8.149.<br />
!STF - RE 1G1.243-SP, Reí. Min. Carlos Velleso. DJU de 19 de deiembro de 1997, p. 57.
CONSIÜt ¡lAtOK SOBRE AS DIMENSÓES JURÍDICAS DO REGIME DE QUOTAS NA EDUCACAO E O<br />
PRINCIPIO DA ISUALPADE<br />
Por sua vez, a Justina de oportunidades traduz na possibilidade de<br />
cada cidadáo, através do exercício previo de um direito, alcancar os objetivos<br />
que tracou durante sua vida, ou seja, poder usufruir os bens económicos,<br />
sociais e culturáis. Exemplificando, aquele que teve acesso a urna educacáo<br />
infantil de qualidade terá, mediante o exercício de tal direito, a oportunidade<br />
de, ao se submeter a um processo seletivo, poder, pelos seus méritos, inte<br />
grar o corpo discente de urna universidade. É claro que, urna vez integrado<br />
o aluno ao sistema educacional, sua permanencia e sua ascensáo dependem<br />
fundamentalmente de seu próprio desempenho (principio do mérito pessoal),<br />
de sua capacidade.<br />
Assim, a lei que instituir a política de quotas está, em tese, dando<br />
tratamento normativo diferenciado a pessoas que, em tese, deveriam estar<br />
em situac.óes iguais. Há urna distincáo cujasjustificacoes padecem de criterios<br />
e juizos de valores válidos; há urna desproporcionalidade entre o fim visado e<br />
os meios utilizados para sua execucao, pois que, pelo principio do mérito pes<br />
soal, o meio mais viável a gerar a ¡gualdade de oportunidades é a construgao<br />
de escolas' Nao a reserva de vagas em determinadas ínstituicoes de ensino.<br />
A universidade, por exemplo, é urna instituirlo de ensino de excelencia, cujos<br />
alunos devem ser selecionados pelo grau de conhecimento que adquiriu du<br />
rante sua vida escolar.<br />
Mas, se o que ocorre de fato é um descaso total pela educac.ao no<br />
Brasil, principalmente a pública, nao cabe ao legislador querer resolver a situacáo<br />
no nivel do ensino superior, deve-se, na verdade, adotar medidas para<br />
efetivar um direito social garantido constitucionalmente, que é a educacáo<br />
básica. A mera reserva de vagas nao instruí ninguém, nem dá essa possibi<br />
lidade, pois quanto mais alto é o nivel no ensino, maíor é a necessidade de<br />
conhecimentos previos.<br />
Desta feita, se o Legislador pretende garantir urna ¡gualdade de opor<br />
tunidades, o que deve ser feito é adotar urna política de melhoría sistemática<br />
do ensino público gratuito, cujo único objetivo é criar as medidas realmente<br />
eficazes para assegurar o direito constitucional da educacáo a todos.<br />
5. CONCLUSÁO<br />
Concluindo, cito o seguinte ensinamento:<br />
Urna educacáo pública bem ministrada torna a crianza<br />
capacitada para competir ao ¡ngressar ñas universidade<br />
públicas, em termos de igualdade com atunos que cursam<br />
escolas privadas, em geral, com professores mais<br />
bem pagos e de melhor preparacao. Ao invés de o Estado<br />
permitir a proliferaqao de ¿acuidades, que murtas vezes<br />
"vendem ilusao", devena voltar os olhos para o ensino<br />
fundamental. ¡MUNIZ, 2002, p. 86, grifos do autor).
REFERENCIAS<br />
RAFAtL BARROS TOMAZ DO NASCIMENTO<br />
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1988 ln: . <strong>Revista</strong> de direito constitucional e internacional. Cadernos de direito cons<br />
titucional e ciencia política, n. 38, ano 10. Sao Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2002. p. 168 a<br />
191.<br />
-T-
RESUMO<br />
EFEITOS E EFICACIA<br />
DA SENTENCA NO<br />
PROCESSO COLETIVO<br />
M.iicelia Régo de Carvalho<br />
Académica do 9° periodo do Curso de<br />
DireilQ da UFRN<br />
Monilora da disciplina Direito do Consumidor<br />
O reconhecimento da necessidade de se tutelar os<br />
direitos e interesses coletivos ensejou urna verdadeira<br />
revolucáo no processo civil brasileiro. Em primeiro lugar,<br />
por ter alterado o núcleo do ordenamento jurídico, entao<br />
alicercado ñas rela0es individuáis, criando um novo,<br />
baseado nos interesses da coletividade. Em segundo,<br />
reconstruiu conceitos jurídicos estratificados, como a<br />
coisajulgada. O presente trabalho possui o objetivo de<br />
analisaro instituto da coisa julgsda no processo coletivo,<br />
explorando, por ser materia inerente ao tema, a questao<br />
dos efeitos da sentenca. A fim de facilitar a compreensao<br />
do assunto em tela, proceder-se-á a um paralelo entre os<br />
efeitos da sentenca no processo individual e no coletivo,<br />
partindo-se da dassificacao e conseqüente conceituacao<br />
dos direitos coletivos latu sensu.<br />
Palavras-chave: Direitos coletivos. Efeitos da sentenca.<br />
Coisajulgada.
1 CONSIDERARES INICIÁIS<br />
MARCELLA RÉGO DE CARVALKO<br />
Tema dos mais relevantes na atualidade concerne aos direitos coleti-<br />
vos, em razáo da dimensáo do alcance de sua tutela, qual seja, a coletividade,<br />
e, sobretudo, dos efeítos que advém de um processo com essa modalidade de<br />
objeto.<br />
É ¡nteressanle esclarecer, a priori, que o ordenamento jurídico foi con<br />
cebido tendo como prisma as relacóes de natureza eminentemente individual.<br />
A mudanca de paradigma foi impulsionada pela Revolucao <strong>In</strong>dustrial,<br />
que inaugurou urna nova fase no modus operandi do sistema capitalista, a sa<br />
ber, passou-se á producáo em massa para um consumo em massa, originando<br />
a chamada sociedade de massa. Parí passu, surgem os Ínteresses de massa que,<br />
como obtempera Ada Pellegríne Grinover (2000, p. 09), "comportam ofensas de<br />
massa e que colocam em contraste grupos, categorías, classes de pessoas".<br />
Tais alteracoes provocaran! a conscientizacao do Estado para questóes<br />
que excediam o campo estritamente individual para alcancar o coletivismo so<br />
cial, consolidando o reconhecimento do que viría a ser intitulado de direítos de<br />
terceira geracao, a saber, os direitos sociais.<br />
Ada Pellegrine (2000, p. 10) sintetiza de forma bastante lúcida a evolu-<br />
gao operada até a efetivagao dos direitos sociais:<br />
Aos direitos clássicos de prímeira geracao, representados<br />
pelas tradicionais liberdades negativas, próprias do Es<br />
tado liberal, com o correspondente dever de abstenclo<br />
por parte do Poder Público; aos direitos de segunda ge<br />
ranio, de carater económico-social, compostos por liber<br />
dades positivas, com o correlato dever do Estado a urna<br />
obrigacáo de daré, faceré ou praestare, acrescentou-se o<br />
reconhecimento dos direitos de terceira geracao, repre<br />
sentados pelos direitos de solidariedade, decorrentes dos<br />
Ínteresses sociais.<br />
Ocorre que nao bastava o mero reconhecimento dessa nova categoría<br />
de direitos. Fazia-se míster a adequacjodo sistema jurídico a fim de se garantir<br />
sua tutela efetiva e assegurar a fruicao das novas conquistas da cidadania.<br />
Nesse sentido, enfatiza o ilustre Ministro potiguar, José Augusto Del<br />
gado (2000, p. 63), socorrendo-se de texto extraído da obra de Luiz Guilherme<br />
Marinoni:<br />
A vertiginosa transformado da sociedade e o surgimento<br />
de novas relacóes exigem que a técnica passe a ser ma<br />
nipulada de modo a permitir a adaptacao do processo as<br />
novas realidades e a tutela varias, e até entao desconheci-<br />
das, situaqoes de direito substancial.<br />
Dessarte, o direito processual transformou-se de um modelo individua-
Ef EITOS E EFICACIA DA SEfJTENCA NO PROCESSO COlf TIVD<br />
lista a um modelo social, o qual possui como foco os interesses da coletividade.<br />
Nao obstante, observa-se, na prática do foro e na análise de alguns<br />
dispositivos de leis, um raneo individualista que, muitas vezes, dificulta ou torna<br />
inoperante institutos voltados para a tutela coletiva.<br />
Vale salientar, por oportuno, que as normas que instituíram a tutela<br />
aos direitos da coletividade encontram-se dispersas em varios diplomas legáis1<br />
, formando o que alguns autores denommam de microssistema processual.<br />
Cumpre registrar, ademáis, que o presente trabalho destina-se a abor<br />
dar a temática dos efeitos e eficacia da sentenc.a no processo coletivo, porém<br />
sern a pretensao de esgotar o assunto, apenas de fomentar a sua discussao.<br />
2 QUESTÁO PRELIMINAR: CLASSIFICACÁO DOS DIREITOS COLETIVOS<br />
Adentrar na temática dos efeitos da sentenca no processo coletivo sem an<br />
tes tecer alguns comentarios sobre a dassiftcacjio dos direitos que sao objeto des-<br />
te tipo de demanda, comprometería o regular desenvolvimento e compreensáo do<br />
presente estudo.<br />
Sendo assim, é necessário que se informe que nem sempre os direitos coletivos<br />
apresentaram a conjuntura atual, extraída da redacto do artigo 81, parágrafo<br />
único e seus incisos, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituido pela Lei<br />
n° 8-078, de 11 de setembro de 1990.<br />
Em um primeiro momento, anterior á existencia do CDC, a doutnna, nacio<br />
nal e internacional, classificava os direitos coletivos, também chamados de direitos<br />
coletivos latu sensu, transindividuais, metaíndividuais ou ultraindividuais, em direitos<br />
ou interesses difusos e coletivos strictu sensu.<br />
Concebia-se o direito coletivo strictu sensu como um feixe de direitos <strong>In</strong><br />
dividuáis ligados em razao de urna situagáo piúrima de direitos, cujos titulares estáo<br />
organizados em grupos, classes ou categorías, e o direito difuso como nao sendo<br />
divisível, quantificável nem identificável. Na verdade, inexistia consenso doutrinário<br />
sobre a definigáo de ambas as especies de direito.<br />
Somente com o advento do CDC consolidaram-se, no sistema jurídico brasileiro,<br />
tres subespécies de direitos coletivos, compostas pelas duas categorías já reconhecidas<br />
pela doutnna e urna nova incluida pela legislacáo. Passou-se, pois, 3 classificar<br />
os direitos coletivos latu sensu em direitos ou interesses difusos, direitos ou<br />
interesses coletivos strictu sensu e direitos ou interesses individuáis homogéneos.<br />
É interessante notar que o diploma legal nao se referiu a direitos ou inte<br />
resses sem nenhuma intengao. Isto ocorreu porquanto, presumivelmente, enfrentarse-ia<br />
urna forte resistencia, por parle dos aplicadores do direito, em se valer dos<br />
institutos ora criados para tutelar interesses coletivos, urna vez que, classícamente,<br />
tutelava-se apenas os direitos.<br />
1 A titulo etemplifi cativa, fls Leis da Ai;áo Popul.ir, ¡la A(áo Civil Pública, o Estatuía do Jdoso, o Código de<br />
Defesa do Consumidor, □ Matulo da Crianc.a e rio AdofWcentBi dentro outros.<br />
-Y-
MARCELLA UEGO DE CARVALHO<br />
Nesse sentido, esclarece Kazuo Watanabe (2001, p. 739):<br />
O legislador preferiu defini-los para evitar que dúvídas e<br />
discussóes doutrinárias, que ainda persistem a respeito<br />
dessas categorías jurídicas, possam impedir ou retardar a<br />
efetiva tuteta dos interesses ou direitos dos consumidores<br />
e das vítimas ou seus sucessores.<br />
Na teoría geral do processo, os autores aduzem que um direito surge quando<br />
algum ato ou fato repercute no mundo jurídico. No entanto, se o ato ou fato, mesmo<br />
existindo no plano fático, nao repercute no mundo jurídico, este é um simples interesse<br />
e como tal nao é protegível pela ordem jurídica. Assim, os direitos só existem naquilo<br />
que a ordem jurídica empresta relevancia; assim nao ocorrendo, nao há direito, mas um<br />
simples interesse.<br />
Contudo há interesses, hodiernamente, que, em razao da relevancia que pos-<br />
suem para a sociedade, sao tuteláveis pelo ordenamentojundico (como, por exemplo, os<br />
¡nteresses relacionados ao meio ambiente), existindo, inclusive, uma especie de processo<br />
para discipliná-lo, que é o processo coletivo.<br />
Pois bem. Vale salientar que, além de introduzir uma nova subespécie de direito<br />
coletivo latusensu, o CDC, em seu artigo 81, parágrafo único, definiu o que seriam esses<br />
direitos ou interesses, pondo fim, desta forma, a antiga polémica doutrinária.<br />
Consoante disposicao constante no artigo 81, parágrafo único, inciso 1, do CDC,<br />
os direitos difusos caracterizam-se por nao se limitarern a uma ou a algumas pessoas,<br />
mas a toda uma coletividade (transíndividual), seu objeto ser indivisível por natureza, no<br />
sentido de que nao podem ser satísfeitos nem lesado senao de forma a afetar os demais<br />
titulares, e por nao haver como se determinar os sujeitos ou titulares, que estao ligados<br />
por uma circunstancia de fato.<br />
Por seu tumo, os direitos coletivos strictu sensu sao conceituados, no art. 81,<br />
parágrafo único, inciso n, do CDC, como pertencentes a uma pluraíidade de sujeitos<br />
(transindividualidade), organizados em grupo, categoría ou dasses, cujos sujeitos encontram-se<br />
ligados entre sí ou com a parte contraria por uma relacáo juridíca-base. Além do<br />
mais, o bem jurídico tutelado deve ser indivisível.<br />
Atente-se que a doutrina, até antes do CDC, entendia os diretes coletivos stric<br />
tu sensu como sendo divisíveis e quantificáveis, posto que, acredita va-se, composto por<br />
um feixe de direitos individuáis. Diferentemente, o legislador concedeu a essa subespé<br />
cie de direito coletivo latu sensu a mesma natureza dos direitos difusos, assemelhando<br />
algumas características de ambos, a saber, a transindividualidade e a indivisibilidade do<br />
objeto.<br />
Com relacao aos direitos individuáis homogéneos, criados pelo art. 81, parágra<br />
fo único, inciso lü, do CDC, apresenta como características a pluralidade e determínabíli-<br />
dade dos sujeitos, a divisibilidade e quantificabilidade do objeto, bem como a homoge-<br />
neidade e a origem comum.<br />
Kazuo Watabe (2001, p. 745) adverte que a origem comum pode ser de<br />
fato ou de direito, nao significando a expressáo, necessariamente, uma unidade<br />
factual e temporal.<br />
-Y-
EFEITOS E EFICACIA DA U MI I Ni, A NO PROCESSO COLETIVO<br />
Observa o insigne doutrinador (2001, p.739) que a tutela coletiva abrange<br />
dois tipos de ¡nteresses ou direitas, in verbis:<br />
a) os esencialmente coletivos. que sio os "difusos", defini<br />
dos no inc. I do parágrafo único do art. 81, e os "coletivos"<br />
propriamente ditos, conceituados no inc. n parágrafo único<br />
do art. 81; b) os de natureza coletiva apenas na forma em<br />
que sao tutelados, que sao os "individuáis homogéneos", de<br />
finidos no inc. III do parágrafo único do art. 81.<br />
De fato, tem-se, nos direitos individuáis homogéneos, um feixe de direitos<br />
individuáis conduzidos coletivamente por forca da origem comum que apresentam.<br />
Isto porque cada um de seus sujeitos é titular de direitos subjetivos clássicos,<br />
sendo-lhes possível pleitear em juizo a sua demanda a título individual.<br />
3 DOS EFEITOS E DA EFICACIA DA SENTENCA NO PROCESSO COLETIVO<br />
Primeramente, para se compreender a temática dos efeitos da sentenca<br />
no processo coletivo é necessário partir-se da análise dos seus efeitos no processo<br />
individual.<br />
É importante que se esclareca, desde já, que o legislador nao trabalha esse<br />
tema no processo coletivo com essa denominado, qual seja, efeitos da sentenra,<br />
mas coma alcunha decoisajulgadae seusefeitos, como se pode verificar no caput<br />
do artigo 103 do CDC.<br />
Pois bem. A doutrina classifica os efeitos da sentenca em principáis e acessórios.<br />
Os primeiros compreendem os efeitos declaratorios, constitutivo (positivo<br />
ou negativo), condenatorio, executivo latu sensu (ou executórlo) e mandamental.<br />
Já os efeitos acessórios nao tém limite e podem ser, a título exemplificativo, a liquidacáo,<br />
a execucáo, as despesas processuais, a multa, dentre ouíros.<br />
No que tange ao efeito condenatorio, é de se notar que este produz subefeitos<br />
que pode constituir-se em urna obrigacao de fazer ou nao fazer, urna obrigacáo<br />
de entrega de coisa, ou de pagar. Os doutrinadores, atualmente, denominan!<br />
esses subefeitos de efeitos práticos da sentenca, em razao daquilo que o comando<br />
normativo determina que se faca.<br />
Atente-se que a doutrina clássica, antes da reforma do Código de Proces<br />
so Civil (CPC) engendrada em 1994, apenas reconhecia os efeitos condenatorio,<br />
declaratorio e constitutivo. Somente com a alteracáo da estrutura processual civil<br />
passou-se a reconhecer os cinco efeitos ácima elencados.<br />
<strong>In</strong>sta frisar, por oportuno, que a natureza da acáo ou da sentenca é ditada<br />
pelos efeitos principáis que esta produz, urna vez que os efeitos acessónos nao<br />
caracterizam nem delimitam a natureza da demanda. No entanto, há a ressalva da<br />
possibilidade desses efeitos acessórios passarem a ser objeto principal da acáo, por<br />
exemplo, quando de urna acáo ordinaria de cobranca de honorarios advocaticios,<br />
ocasiao em que definirá a natureza da demanda.
MARCELLA RÉGO DE CARVALHO<br />
Ademáis, é necessário que se alerte para o fato de que, seja no pro-<br />
cesso individual, seja no coletivo, os efeitos acessórios da sentenga podem ser<br />
produzidos de ¡mediato, antes mesmo do seu tránsito em julgado, como ocorre<br />
com a liquidado, a execucáo provisoria (quando cabível for), a hipoteca judi-<br />
ciária numa sentenga que reconhece a obrigagáo de pagar, antecipagáo dos<br />
efeitos da tutela (que pode dar-se antes mesmo de haver processo).<br />
Isto posto, e tendo em vista conferir melhor entendimento á redacto do<br />
caput do art. 103 do CDC, mister se faz esclarecer que, á luz do que reza o art.<br />
467 do CPC, a coisa julgada é eficacia da sentenga, na medida em que constitui-<br />
se numa qualidade que a sentenga adquire quando nao mais for cabível recurso<br />
de qualquer especie, seja porque estes se esgotaram até a sua última instancia,<br />
seja porque se deixou de utilizar os que eram cabíveis no caso concreto.<br />
Nesse sentido, esclarece Ada Pellegrine (2004, p. 307):<br />
Conforme li
I EFEITOS E EFICACIA DA SENTEN^A NO PROCESSO COLETIVO<br />
Em relajo ao processo coletivo, os mesmos efeitos ácima analisados po<br />
dem ocorrer.<br />
Contudo, diferem-se os efeitos da sentenca no processo individual daqueles<br />
oriundos de urna demanda coletiva, porquanto naquele os efeitos se limitam<br />
as partes que compuseram a reiacao jurídica processual e na exlensáo daquilo que<br />
foi pedido pelo autor e apreciado pelo juiz, ao passo que no processo coletivo os<br />
efeitos vá"o além das partes que participaram da relacáo processual e extravasam o<br />
que foi pedido pelo autor por meio da ampliacáo ope legts do objeto da demanda<br />
para incluir, por exemplo, a imutabilidade do dever de indenizar. Daí se falar que,<br />
no processo coletivo, ocorre a expansao dos limites objetivos e subjetivos dos efei<br />
tos da sentenca.<br />
Dessarte, no processo individual, a coisa julgada apenas acoberta os efei<br />
tos que a sentenca produz com relacáo aos participantes da relacáo processual.<br />
No processo coletivo, por seu turno, quando a sentenca adquire a eficacia de coisa<br />
julgada, os seus efeitos podem se estender erga omens ou ultra partes, dependo<br />
do objeto da demanda.<br />
Note-se que, em se tratando de processo coletivo, os efeitos que a senten<br />
ca gera sao, vía de regra, genéricos, como o reconhecimento da responsabilidade<br />
pela situacao objeto da acao, mas pode também produzir efeitos específicos, como<br />
a obrigacao de fazer ou nao fazer, ou pagar.<br />
No que diz respeito aos limites objetivos no processo individual, conforme<br />
já explanado, cinge-se ao que foi pedido na inicial quando o próprio Judiciário<br />
decidiu a demanda. No entanto, excepcionalmente, pode espraiar-se para além do<br />
que foi solicitado em situacoes pontuais, como quando as partes transigiram ou<br />
negociaran na seara particular e o Judiciário apenas validou o ato, conforme art.<br />
475, alinea rn', incisos II e III do CPC (redacao dada pelo art. 4o da Lei n° 11.232, de<br />
22dedezembrode2005).<br />
Com relacáo ao processo coletivo, e consoante já afirmado, os limites ob<br />
jetivos da sentenca nao abrangem somente o que foi objeto da demanda, possuindo<br />
efeitos outros que nao foram pedidos nem apreciados na sentenca. Esclareca-<br />
se: qu3lquer pessoa que se sentiu prejudicada em seu direito em decorréncia de<br />
um falo, e tendo este falo sido reconhectdo em sentenca de um processo coletivo<br />
como de responsabilidade do réu, pode pleitear, com base nessa sentenca coletiva<br />
e independentemente de um processo de conhecimento, a reparacáo da lesáo em<br />
sua esfera de direito, bastando, para tanto, comprovar o nexo etiológico entre a sua<br />
lesao e a responsabilizado imputada ao réu.<br />
Tem-se, na hipótese ácima tracada, um exemplo claro de beneficiamento<br />
do autor individual do limite objetivo do reconhecimento do fato, na medida em<br />
que apenas terá que liquidar e executar a sentenca oriunda do processo coletivo.<br />
Para tanto, o demandante individual terá que valer-se de uma certidáo de inteiro<br />
teorda sentenca coletiva, atestando o seu tránsito emjulgado.<br />
Reza o inciso I do art. 103 do diploma em comento que, como regra, na<br />
hipótese de direitos ou interesses difusos, a imutabilidade do comando da sentenca<br />
produzirá efeitos erga omnes. Contudo, há ressalva em caso de o pedido ser julga-
MARCELLA RÉGO DE CARVALHO<br />
do improcedente por insuficiencia de pravas, situac.ao em que quaiquer legitimado,<br />
induindo-se quem propós a dita ac.ao julgada formalmente improcedente, poderá<br />
intentar nova ac.ao com o mesmo pedido, valendo-se, para tanto, de prova nova.<br />
Desta feita, tres poderáo ser as situac.6es decorrentes da análise do<br />
dispositivo, a seguir delineadas.<br />
Julgado procedente o pedido da ac.áo coletiva de direito difuso, ter-se-<br />
á a extensao dos efeitos da sentenga a toda a coletividade, que poderá valer-se<br />
do julgado para viabilizar indenizac.ao individual, vigorando a máxima do prin<br />
cipio secundum eventum litis, segundo o qual, em havendo procedencia do<br />
pedido, há extensao dos efeitos da sentenga para beneficiar também a quem<br />
nao integrou a relajeo jurídica processual.<br />
Por outro lado, urna vez rejeitado pedido por insuficiencia de pravas,<br />
nao operar-se-ao os efeitos da coisa julgada para nenhum legitimado, seja ex<br />
traordinario (e integrante da lide) ou individual, sendo admissível até mesmo<br />
que o legitimado que compós a ac.ao rejeitada, bem como quaiquer outro legi<br />
timado, possa intentar novo pleito com base em prova nova.<br />
Ocorre que, caso o pedido seja rejeitado com apreciadlo do mérito,<br />
os efeitos da sentenc.a apenas se estenderáo aos legitimados extraordinarios,<br />
restando resguardados os legitimados individuáis, que poderáo ajuizar ac.áo<br />
individual para discutir a mesma materia.<br />
O entendimento retro esposado é extraído da leitura do §1° do art. 103<br />
do CDC e é também válido, feitas as devidas alterares a frente trabadas, para<br />
as agoes que tenham por objeto direitos coletivos strictu sensu.<br />
O inciso II do art. 103 do diploma legal em análise prevé a formagáo<br />
de coisa julgada ultra partes, restrita, pois, ao grupo, classe ou categoría que<br />
compós a lide, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiencia<br />
de provas, ocasiáo em que poderá ser reproposta por quaiquer dos legitimados<br />
desde que presente nova prova.<br />
Nesse caso, sao pertinentes os mesmos resultados observados da aná<br />
lise do inciso I outrora elucidado, com a ressalva dos efeitos serem ultra partes,<br />
inclusive no que diz respeito ao §1° do art. 103.<br />
O inciso III do art. 103 contempla a formacao de coisa julgada erga<br />
omnes, em caso de díreitos individuáis homogéneos, apenas na hipótese de<br />
procedencia do pedido, para beneficiar as vítimas e seus sucessores. Por essa<br />
regra, ocorrendo procedencia do pedido, operar-se-áo os mesmos efeitos da<br />
sentencia, no que tange aos limites subjetivos, já explanados quando do estudo<br />
dos direitos difusos e coletivos strictu sensu.<br />
Todavía, em caso de improcedencia do pleito, seja por insuficiencia de<br />
pravas ou nao, haverá formac.ao de coisa julgada apenas para os legitimados<br />
extraordinarios e para aqueles que se habilitaran! como litisconsortes. Resta,<br />
portanto, resguardado o díreito dos demais legitimados ordinarios demandar<br />
individualmente, conforme preceitua o 52° do art. 103.<br />
Observa-se, dessarte, mais urna vez, a aplicado do principio secundum<br />
eventum litis.
I IFEITOS E EFICACIA DA SENTENCA NO PROCtSSO COLETIVO<br />
Gregorio Assagra (2003, p. 379) alerta para a distingao que a doutrina<br />
faz entre os incisos do art. 103 do CDC:<br />
A doutrina explica que a diferenca existente entre os in<br />
cisos leudo art. 103 do CDC e o inciso m do mesmo<br />
dispositivo é estabelecida em decorréncia de os primeiros<br />
admitirem, para as acóes coletivas que visem á tutela de<br />
direitos ou interesses difusos e colelivos strictu sensu, a<br />
repropositura da mesma demanda, desde que com base<br />
em nova prova, quando houver a improcedencia do pedi<br />
do por insuficiencia de pravas, o que nao é admitido no<br />
inciso m, que regulamenia a coisa julgada em relacáo ás<br />
acóes coletivas para a tutela de direitos ou interesses in<br />
dividuáis homogéneos;jusl¡fica-se a d¡ferenc.a porque nao<br />
existe ñas duas primeíras hipóteses, diferentemente do<br />
que ocorre no que tange a tereeira hipótese, a publicado<br />
do edital prevista no art. 94 do CDC, para que os interessados<br />
se habilitem como lítisconsortes. (Grifos do autor)<br />
Dando seqúéncia á análise do artigo 103 do CDC, percebe-se que o<br />
§3° do dispositivo autoriza o transporte in utilibus dos efeitos da sentenga<br />
de urna aguo civil pública para beneficiar os titulares de direitos individuáis, os<br />
quais poderao pleitear individualmente, e com base no título executivo judicial<br />
dali extraído, indenizagao por danos pessoalmente sufridos. Assim, caso seja<br />
julgado improcedente o pedido da agao civil pública, os efeitos da sentenga nao<br />
prejudicaráo os legitimados ordinarios.<br />
O mesmo é válido para a sentenga penal condenatoria, consoante pre-<br />
visáo do §4° do art. 103.<br />
Por ser quesláo pertinente á materia, é interessante notar que o art.<br />
104 disciplina a litispendéncia no processo coletivo, reconhecendo a sua inexis<br />
tencia nessa esfera do direito processual.<br />
Observe-se que, apesar da redagao do artigo ser confusa, deve-se ter<br />
em mente que busca regular a inocorréncia de litispendéncia ñas tres especies<br />
de agoes de que trata o parágrafo único do art. 81 do CDC.<br />
Ademáis, estabeleceu que, para os autores das agoes individuáis se beneficiarem<br />
dos efeitos das sentengas coletivas, seja de que especie for o seu<br />
objeto (direito difuso, coletivo strictu sensu ou individual homogéneo), mister<br />
se faz o pedido de suspensáo da demanda individual, a partir de 30 días conta<br />
dos do término do prazo do edital de que trata o art. 94.<br />
Nesse diapasao, urna vez procedente o pedido da agao coletiva, o juiz<br />
do processo individual extingue o feito por falta de interesse de agir, porém<br />
conserva o caderno processual para liquidar e executar o título procedente do<br />
processo coletivo.<br />
Atente-se para o fato de que, se nao for solicitada á suspensáo da<br />
demanda individual, o seu autor nao poderá se beneficiar de uma possível sen-<br />
ata<br />
tenga favorável na acáo coletiva.
MARCELLA REGÓ DE CARVALHO I<br />
Acredit3-se que o processo individual deveria ser suspenso de oficio<br />
pelo magistrado, pois o aguardo do resultado do processo coletivo só pode<br />
produzir vantagens para o autor individual. O único ponto desfavorável vislum<br />
brado seria temporal, no sentido de se procrastinar o destecho da demanda<br />
individual em caso de inocorréncia de sentencia coletiva que venha a Ihe favo<br />
recer.<br />
No entanto, é importante que se diga, que a sugestao ácima plantada<br />
esbarra no principio da autonomía da vontade, sendo, por este motivo, inadmi<br />
tida no ordenamento patrio.<br />
4CONCLUSÁO<br />
A tutela dos direitos coletivos representa urna das conquistas mais expressivas<br />
do direito brasileiro. Tamanha é a sua relevancia que ensejou a trans<br />
formado da estrutura do direito processual em sua base, alterando conceitos<br />
jurídicos estratificados, tais como legitímalo, coísa julgada e o próprio sentido<br />
de jurisdigao, agao e processo.<br />
Observa Rodolfo de Camargo Mancuso, citado por Gregorio Assagra de<br />
Almeida (2003, p. 376) que:<br />
Nos conflítos pluriindividuáis ou metaindividuais, a Coí<br />
sa Julgada nao pode funcionar como está regulamentada<br />
pelo CPC, porque nessa dimensáo coletiva os legítimas<br />
cantraditores formam legiáo, o que torna praticamerite<br />
ínviável identificá-los e citá-los para o contradítório, até<br />
porque o que mais importa é que o representante legal-<br />
mente legitimado (arts. 5o da LACP ou 82 do CDC) seja<br />
reconhecidamente idóneo. (Grifos do autor)<br />
Desta feíta, o regime da coisa julgada apresenta peculiaridades ñas<br />
agoes coletivas. Tratam-se da ampliarlo dos limites objetivos e subjetivos dos<br />
efeitos da sentenc.a. Tal expansao ocorreu, sobretudo, em razáo da necessidade<br />
de se evitar decisoes confutantes e, ao mesmo tempo, aliviar a sobrecarga do<br />
Poder Judicíário, emperrado que vive de demandas fragmentarias.<br />
<strong>In</strong>sta ressaltar que ocorre a ampliagao subjetiva dos efeitos da senten<br />
ca somente quando esta adquire a autoridade de coisa julgada. Nessa ocasiio<br />
ter-se-á a extensao dos efeitos da sentenga coletiva para individuos que nao<br />
participaran! da relac.áo processual, podendo ser erga omens ou ultra partes,<br />
dependo do objeto da demanda.<br />
No que tange aos limites objetivos da sentenga coletiva, significa dizer<br />
que os seus efeitos nao abrangem somente o que foi objeto da demanda, possuindo<br />
resultados outros, que nao foram pedidos nem apreciados na senten
EFEITOS E EFICACIA DA 5ENTENCA NO PROCtSSO COLETIVO<br />
no artigo 103 do CDC, alcanzando outros direitos ou interesses coletivos tatú<br />
sensu nao acambarcados pelo referido diploma. Isso se deve em decorréncia da<br />
redacao dos arts. 110 e 117 do Código.<br />
Ademáis, vale salientar que os tribunais patrios apresentaram, inicial-<br />
mente, resistencia em reconhecer o alcance dos efeitos da sentenga coletiva<br />
erga omnes ou ultra partes para além dos limites do territorio onde o órgáo<br />
que a proferiu exerce sua jurisdicáo. Tal postura nao fazia sentido, tendo em<br />
vista a razáo pela qual o instituto foi criado, qual seja, desafogar o Poder Judiciário<br />
e evitar decisóes confutantes, e a orientacao fornecida pelo art. 93, inciso<br />
n do CDC.<br />
Aos poucos ajurisprudéncia foi se consolidando em prol da transcen<br />
dencia da coisa julgada erga omnes ou ultra partes do ámbito da competencia<br />
territorial, para alcanzara dimensao regional e nacional.<br />
REFERENCIAS<br />
ALMEIDA, Gregorio Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo<br />
do direito processual. Sao Paulo: Saraiva, 2003.<br />
BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de set. de 1990. Dispóe sobre a protecao do consumidor e dá<br />
outras providencias. Diario Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasilia, 12 de<br />
set. de 1990.<br />
. Leí n° 11.232, de 22 de dez. de 2005. Altera a Lei n° 5.869, de 11 dejaneiro de<br />
1973 - Código de Processo Civil, para estabelecer a fase de cumprímento das sentencas<br />
na processo de conhecimentó e revogar dispositivos relativos á execugao fundada em<br />
título judicial, e dá outras providencias. Diario Oficial [da] República Federativa do<br />
Brasil. Brasilia, 23 de dez. de 2005.<br />
DELGADO, José Augusto. <strong>In</strong>teresses difusos e coletivos: evoluc.ao conceitual. Doutrina<br />
e Jurisprudencia do STF. Estudos em homenagem ao Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira<br />
- Segunda Parte. <strong>Revista</strong> de Processo, ano 25, n. 98, abr./jun., Sao Paulo: RT, 2000.<br />
GR1NOVER, Ada Pellegrine; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Candido<br />
Rangel. Teoría Geral do Processo. 20. ed., Sao Paulo: Malheiros, 2004.<br />
GRINOVER, Ada Pellegrine. Significado social, político ejurfdico da tutela dos interesses<br />
difusos. Estudos em homenagem ao Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - Prímeira Parte.<br />
<strong>Revista</strong> de Processo, ano 25, n. 97, jan./mar., Sao Paulo: RT, 2000.<br />
WATANABE, Kazuo et al. Código Brasíleiro de Defesa do Consumidor comentado pelos<br />
autores do Anteprojeto. 7. ed., rev e amp., Río de Janeiro: Forense, 2001.
RESUMO<br />
ESTADO DE EXCECAO E<br />
DEMOCRACIA: ASPECTOS<br />
TEÓRICOS DE UMA<br />
RELACÁO APARENTEMENTE<br />
CONTRADITÓRIA<br />
Enio Felipe da Rocha<br />
Académico do T periodo do Curso<br />
de Direilo da UFRN<br />
Víctor Teixeira de Al bu qu erque<br />
Académico do 2o período do Curso<br />
da Direilo da UFRN<br />
O Estado Democrático de Direito deve possuir meios<br />
capazes de manter sua própria integridade frente ás<br />
situacóes emergenciais. O estado de excecao surge, entao,<br />
corno um dos mecanismos dos quais se vale o Estado para<br />
preservar a normalidade constitucional. Todavía, é preciso<br />
que sejam oferecidas formas de controle adequadas<br />
que visem evitar o colapso das instituicóes democráticas<br />
e proporcionar o retorno á realidade anterior á crise<br />
com o mínimo de sacrificio de principios e garantías<br />
fundamentáis. Dianle da atual conjuntura mundial, vem<br />
ganhando corpo a discussao a respeito da necessidade de<br />
compatibilizar o uso deste mecanismo com os preceitos<br />
democráticos. O presente trabalho tem por objetivo<br />
analisar como a constitucionalizacao do estado de excecao<br />
pode minimizar os riscos ¡nerentes á sua ut.ilizac.aa<br />
Palavras-chaves: Estado de excecao. Democracia.<br />
Situacóes emergenciais.
1 INTRODUJO<br />
F Mi! FELIPE DA ROCHA / VÍCTOR TEIXEIRA DE ALBUQUERQUE<br />
Dentre as diversas formas de Estado existentes durante a historia da<br />
humanidade, o Estado democrático de Díreito é entendido como a forma de<br />
Estado mais adequada ás sociedades contemporáneas. Moraes (2006) o de<br />
fine como aquele Estado regido por normas democráticas, com eleicoes livres<br />
e periódicas, e que respeita os direitos e garantías fundamentáis. Silva (2006) é<br />
mais abrangente em sua análise. Ele afirma que o Estado democrático de Direito<br />
nao surge com a simples uniáo dos conceitos de Estado democrático e Estado<br />
de Direito. Segundo o notorio constitucionalista, o Estado democrático de Direito<br />
supera esta tese, pois traz com ele um componente de transformado do status<br />
quo, através de normas programáticas garantidas constitucionalmente com o fim<br />
de balizar a ac,ao estatal na busca por urna igualdade material. Ele prossegue e<br />
lista os mais importantes principios deste Estado: principio da supremacía da<br />
Constituicao, principio democrático, principio do sistema de direitos fundamen<br />
táis, principio da Justina social, principio da ¡gualdade, principio da divisao dos<br />
poderes, principio da legalidade e principio da seguranca jurídica. De acordó com<br />
Reaie (1977) outra característica fundamental do Estado democrático de Direito<br />
é a eiafooracáo de leis de acordó com regras pré-determinadas, nao só quanto á<br />
rigorosa e previa repartido de competencias, como também no tocante ao processo<br />
pelo qual elas sao elaboradas.<br />
Todavía, muitas vezes o Estado se depara, no curso de sua historia, com<br />
crises ou acontecimentos imprevisíveis, de ordem interna ou externa, que demandam<br />
urna resposta rápida e eficiente, tendo como fim minimizar o risco de rompimento<br />
da normalidade constitucional. O estado de excecao, ou estado de ne<br />
cessidade1, portanto, nasce como um instrumento do qual se vale o Estado para<br />
contornar tais crises. Importante salíentar que este instrumento liga-se intrínseca<br />
mente aos Estados democráticos clássicos, urna vez que, com a criac.áo de poderes<br />
distintos, harmónicos e independentes, buscou-se diminuir o caráter arbitrario das<br />
decisóes de governo, a partir do surgimento de ferramentas de controle mutuo,<br />
criagao esta condizente com o ideal de seguranza jurídica. Já no Estado absolutista,<br />
o reí, por ter seu poder originado do plano divino, utlliza-se de quaisquer meios<br />
para debelar ameacas á ordem, sem a necessidade de observar limitac/óes impostas<br />
pela independencia dos poderes constituidos.<br />
Portanto, a utilizacáo deste instituto se justifica pela ocorréncia de situacoes<br />
de anormalidades que nao podem ser sanadas através dos meios normáis previs-<br />
1 A diflculdade de estabelccer um concertó para este instrumento se verifica pela própria nalureza am<br />
bigua deste termo. Aquí será ul¡IÍ7ado o termo 'estado de excecao' para designar o tonjunlo coerente dos<br />
fenómenos jurídicos que se propóe a definir. O termo 'estado de necessidade', utilizado como sinónimo<br />
pela doutrina alema, difere dos lermos usados ñas doutriras italiana e francesa, que utiliiam as e»pressóes<br />
'decretos de urgencia' e 'estado de sitio' Na douüina anglo-saxónica, prevalecem os 'lei marcial' e 'poderes<br />
de emergencia'.<br />
-T-
ESTADO DE EXCECAO E DEMOCRACIA: ASPECTOS TEÓRICOS DE UMA RELACAO<br />
APARENTEMENTE CONTRADITÓRIA<br />
tos no ordenamento, justificando assim, a necessidade de utiíizacao de meíos ex<br />
traordinarios. Segundo Agamben (2004, p.41), "Mais do que tornar licito o ilícito, a<br />
necessidade age aqui como justificativa para uma transgressao em um caso especí<br />
fico por meío de uma excegao". Porém, o estado de excegáo nao tem corno funda<br />
mento último a necessidade, mas sim o principio de que toda lei tem como escopo o<br />
estabelecimento do bem coletivo, e só na observancia disto possui torca normativa.<br />
Diante de tal fato, o estado de excec.ao, apesar de, em caráter temporario, suspender<br />
o ordenamento jurídico, é em virtude da conservacáo deste que ele se legitima.<br />
1.1 Origem histórica<br />
Desde o antigo direito romano, através do uso do iustitium, verifica-se a<br />
preocupado estatal com o controle da paz social. Agamben (2004, p. 47) mostra<br />
que:<br />
Quando tinha noticia de alguma situacao que punha em<br />
perígo a República, o Senado emitia um senatus consuttum<br />
uttimum por meio do qual pedia aos cónsules (ou a seus<br />
substitutos em Roma, ¡nterrex ou pró-cónsules) e, em al-<br />
guns casos, também aos pretores e aos tribunais da plebe<br />
e, no limite, a cada cidadáo, que tomassem medida consid<br />
erada necessária pare a conservado do Estado (rem pubiicam<br />
defendant, operam que dent ne quid res publica<br />
detrimenti capiat). |...] O termo iustitium implícava, pois,<br />
em uma suspensao nao apenas da administrado da Justina,<br />
mas do Direito enquanto tal.<br />
Modernamente, atribuí-se á Revolucao Francesa a queda do Estado Ab<br />
soluto, e consequentemente á criacao de um mecanismo, através da Assembléia<br />
Constítuinte de 8 de julho de 1791, que possibilitasse suspender, em caráter tem<br />
porario, a normalidade jurídica, e delegar poderes ampliados ao Executivo, visto<br />
que situagóes emergenciais demandavam acoes rápidas e apropriadas.<br />
Nota-se que, tanto na Franca, como em Roma, a origem de meios excepcionais<br />
está ligada a ideáis democráticos, pois nestas duas realidades, apesar de distan<br />
tes históricamente, imperavam certo cuidado em se preservar a ordem em vigor.<br />
2 CARACTERÍSTICAS FILOSÓFICAS DO ESTADO DE EXCECÁO<br />
O dilema filosófico acerca dos aspectos teóricos do estado de excec.áo<br />
implica em uma divergencia doutrinária que foi bastante produtiva, principalmente<br />
durante todo século XX. A disputa póe em um lado Santi Romano, Hauriou, dentre<br />
outros, os quais defendem a importancia de prevlsáo no próprio direito posi<br />
tivo, visto que a necessidade surge como fonte autónoma do direito, tendo, desta<br />
forma, o Estado um direito subjetivo á sua própria existencia; e em outro Carré de<br />
Malberg, Efalladore-Pallieri etc. que consideram as causas que justifícam o estado
ENIO FEUPE DA ROCHA / VÍCTOR TEIXEIRA DE ALBUQUERQUE I<br />
de excecáo, um fato político apesar de produzir, eventual mente, efeitos no direito,<br />
e nao, como os primeiros, um fato jurídico per si. A critica que se faz aqueles que<br />
consideram o estado de excec.ao como fenómenojundico consiste na contradicho<br />
existente no fato de o próprio ordenamento jurídico prever um instituto que o sus<br />
penda, como poderia, entáo, a anomia ser introduzida na constítuicao? Isto seria<br />
urna prova da ineficiéncia da constituí cao de resolver os possíveis conflitos. Além<br />
disso, diante do fato que, nao se adequando o ordenamento jurídico á situacao<br />
vigente, a necessidade nao constituiría fonte autónoma da lei, portanto nao teria<br />
por escopo suspende-la, apenas subtrair um caso particular á aplicacao literal da<br />
norma Poroutro lado, os adeptos da segunda teoría, que consideram os fatos que<br />
deflagraram o estado de excecao como fatos extrajurídicos, nao conseguem ex<br />
plicar como poderia o ordenamento jurídico abster-se de disciplinar urna situacao<br />
que ponha em risco sua própria existencia<br />
Autor de urna profunda análise a respeito do estado de excecao, Cari<br />
Schmítt, valendo-se da figura da ditadura, observa a existencia de aspectos própri-<br />
os tanto daquele estado de necessidade que objetiva preservar a ordem consti<br />
tucional vigente {ditadura comissáría) como daquele que significa urna ruptura<br />
com a ordem anterior {ditadura soberana). Porém ele concluí que ambas estáo<br />
intimamente ligadas a um contexto jurídico. Schmitt {1922 apud Agamben, 2004,<br />
p, 54) fala que "o estado de excecao é sempre algo diferente da anarquía e do caos<br />
e, no sentido jurídico, nele aínda existe urna ordem, mesmo nao sendo urna ordem<br />
jurídica". Ele continua e, ao explicar a sua idéia de ditadura comissáría, tenta dife<br />
renciar as normas em normas de direito e normas de realizacao do direito. Em um<br />
período de crise, portanto, as regras de direito continuam em vigor, mas as regras<br />
de realizacao do direito sao suspensas sempre em funcáo de preservar a ordem<br />
vigente, visto que os fatos que elas regulam ocorrem em um contexto emergencial,<br />
de modo que nao estao adequadas a estabelecer a forma de comportamento maís<br />
apropriada áquele instante. Já sobre a ditadura soberana, o jurista alemáo, autor<br />
do clássico "Teología política", coloca que o conceito de poder constituíate como<br />
aquilo que pede urna ordemjurídíca distinta da vigente, e propóe internamente um<br />
modelo de constituicao que legitima a revolucao, implementando um estado de<br />
excegao tendo em vista a busca por criar o ambiente propicio á sua real efetivacao,<br />
transformando-se em poder constituido.<br />
3 PREVISÁO CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE EXCECAO<br />
Como visto, parte da doutrina entende que a previsao constitucional do<br />
estado de excecao é desnecesséria, pois a necessidade que justifica sua instalacao<br />
é um conceito preponderantemente subjetivo, nao havendo nenhuma garantía real<br />
que a ordem vigente anteriormente seja retornada quando as causas cessarem.<br />
Porém, quando se fala em um Estado democrático de Direito surge a ne<br />
cessidade da observancia, por parte do poder político, do ideal de seguranza jurídi<br />
ca, para que dessa forma se mantenham salvaguardados direitos e garantías funda<br />
mentáis e que haja a protegao da sociedade de possíveis abusos de poder advindos<br />
-r-
ESTADO DE EXCECAO E DEMOCRACIA: ASPHCTOS TEÓRICOS DE UMA RELACAO<br />
APARENTEMENTE CONTKADITÓJtIA<br />
daqueles a quem é delegado o papel de representá-la. Assim, nao prever situacóes<br />
de emergencia seria no mínimo render-se ao ideal de pax utópica. Desta forma,<br />
o Estado deve nao somente prever tais situacoes, como munir-se de mecanismos<br />
capazes de restabelecer o pleno funcionamento das instituicóes democráticas, del<br />
egando assim, um maior poder ao executivo para que medidas mais eficazes sejam<br />
tomadas para contornar, com a observancia de um fim legitimo, esse abalo em<br />
meló á coletividade. Visando protegé-la de um possível desvirtuamento desse me<br />
canismo necessário para determinadas situacoes de anormalidade constitucional,<br />
importante se faz a necessídade de constitucionalizacáo do estado de excecáo. O<br />
eminente constitucionalista portugués Canotilho(2001, p. 1050) afirma que:<br />
Se a esséncia do Estado Constitucional é a vinculacáo dos<br />
poderes públicos a constituicáo, entao nao existe outra fonte<br />
de legitimidade que nao seja a "magna carta" do país, rela<br />
tivamente a fixacáo de competencias e a definígáo dos pressupostos<br />
objetivos do Estado de necessídade.<br />
Como afirma Miranda(2000), para a ¡nstalacao de um estado de excecao<br />
é necessário que ele tenba como objetivo o reslaoeledmento da normalidade con<br />
stitucional e que esteja previsto nessa constituicáo, seja ela escrita ou nao-escrita.<br />
Outro ponto de necessária observacao é o caráter excepcional que deva ter esse<br />
estado de excecáo. Porém, nao basta apenas prever na Carta Política a possibilidade<br />
de exercício de um estado de excecáo. É fundamental que a Constituicáo<br />
seja bastante cautelosa ao atribuir poderes excepcional ao Chefe de Estado, pois<br />
deve-se diminuir a discricionariedade atribuida a este, já que a Historia mostra que<br />
nao é apropriada a criacáo de cláusulas de plenos poderes' e poderes implícitos3.<br />
Um exemplo claro do perigo advindo deste tipo de cláusula é encontrado quando<br />
se analiss o art. 48* da Constituicáo da República de Weimar. Este artigo foi usado<br />
indiscriminadamente, no período entre os anos de 1919 e 1933, como forma de<br />
disfarcar acoes da ditadura presidencial instalada, conforme afirma Hesse (1998).<br />
Este cita que durante este período houve, na Alemanha, o Parlamento nao oferecia<br />
condicoes de exercer urna atividade condízente com a conjuntura de crise que o<br />
país estava inserido, pois o governo nao possuía maioria,<br />
Assim, é imprescindivel que o uso do estado de excecao se faca de<br />
acordó com principios que diminuam eventuais desvios de sua finalidade, para<br />
2 Fundamentalmente o dispositivo 'plenos poderes' firma-se ou na 'auto-tutela' do chefe do execultvo, para<br />
valer-se de poderes mais ampios, indispensáveis, sob seujulgamonto, ao contorno das situacóes de crise,<br />
ou na concentrado de poderes em suas míos, atingindo, assim, urna forma de diladura presidencial.<br />
2Esia técnica é tipica daqueles Estado? cujas constitui(oes nao determinan) concretamente as 5ituac.6es<br />
emergenciais e os órgaos responsáveis por restabelecer a normalidade constitucional.<br />
'Art. 48. Se. o Reich alemáo. a seguranza e a ordem pública estivorem seriamenle lerheblichl conturbadas<br />
ou ameac.adas, o Presidente do Reich pode tornar as medidas necessária para o iestabelecimento da segu-<br />
ranc.a e da ordem pública, evenlualmente com a ajuda das fofcas armadas. (Traducáo nossal
BNIO FR1PE DA ROCHA / VÍCTOR TEIXEIRA DE ALBUQUERQUE<br />
que esse instituto vise o bem do próprio Estado. Miranda (2000) enfatiza que<br />
o estado de excecao, para atingir sua meta, que é de preservar o Estado, a<br />
democracia e a Constítuicáo, deve nortear-se pelos principios da necessidade,<br />
temporariedade, proporcionalidade. O primeiro concerne á utilizacáo desse<br />
mecanismo em situacóes que realmente demandem uma resposta mais rápida<br />
para tentar impedir que a crise se alastre colocando em risco a paz social, nem<br />
que para isso haja uma maior suspensao de díreitos e garantías básicas dos<br />
individuos. O principio da temporariedade abrange a necessidade de que o<br />
estado de excecao nao dure mais tempo do que realmente preciso, pois se<br />
corre o risco de que o estado de necessidade declarado como meio de se tentar<br />
preservar a Constituicao acabe por servir, realmente, como uma forma de con<br />
trolar a sociedade para a manutentáo de certos grupos no exercício do poder.<br />
Silva (2006) expoe que sem a observancia de um tempo fixo para a validade da<br />
legalidade extraordinaria, o estado de excecao nao passaria de ditadura. Agam-<br />
ben (2004, p. 18) considera que:<br />
A partir do momento em que o estado de exce;ao tor-<br />
nou-se a regra ele nao so sempre se apresenta muito mais<br />
como uma técnica de governo do que como uma medida<br />
excepcional, mas tambéin deixa aparecer sua natureza de<br />
paradigma da ordem jurídica.<br />
Um exemplo interessante que mostra como este principio pode ser<br />
violado se verifica no atual Estado ¡sraelense, o qual desde 1948 vive em estado<br />
de emergencia. Outro país em estado de excecao há décadas é o caso Egito,<br />
que nos últimos quarenta anos, viveu fora de estado de emergencia apenas<br />
por um intervalo de dezoito meses, entre 1980 e 1981. O prímeíro período,<br />
compreendido entre os anos de 1967 e 1980, teve como justificativa a chamada<br />
"Guerra dos seis dias", entre Israel e alguns Estados árabes (Egito, Jordania, Siria<br />
e Iraque). Depois do pequeño intervalo democrático, o estado de excecao foi<br />
notamente instaurado após o assassinato do presidente do país (Anwar Sadat),<br />
continuando em vigor até hoje.<br />
Já o principio da proporcionalidade consiste na adequacáo entre os<br />
fins a que se propoe o Estado e os meíos por ele utilizados. Isso evita que haja<br />
um desvirtuamento da conduta do Estado no uso desse instituto. De acordó<br />
com Hesse (1998), o estado de excegao só é realmente admíssível se o Estado<br />
valer-se apenas dos meios que realmente sejam apropriados. Porém, mesmo<br />
em situacóes de graves crises existem direitos que, segundo Moraes (2002, p.<br />
1615) jamáis podem ser violados:<br />
No sistema constitucional de crise jamáis haverá, em con<br />
creto, a possibilidade de supressáo de todos os direitos e<br />
garantías individuáis, sob pena de total arbitrio e anarquía,<br />
po¡s nao há como suprimir, por exemplo, o direito á vida, á<br />
dignidade humana, a honra e o acesso aojudiciário.
ESTADO DE EXCEC.AO E DEMOCRACIA: ASPECTOS TEÓRICOS DE UMA lil 1 ACAO<br />
APARENTEMENTE CONTBADITÓRIA<br />
4 ESTADO DE EXCE^ÁO NO MUNDO<br />
Embora o grande progresso teórico do conceito de estado de excegao tenha se<br />
desenvolvido durante a primeira metade do século XX, este instituto permanece em con<br />
stante discussao no meio doutrinário, pois sua utilizacáo vem sendo recorrente, mesmo<br />
com a evoluc.ao das inst¡tuic.6es democráticas que buscam minimizar a suspensao de<br />
direítos e garantías fundamentáis, e com a aparente e relativa "paz mundial" que surgiu<br />
com o fim do confuto ideológico entre o mundo capitalista e o mundo socialista. Assim,<br />
verifica-se que nos últimos tempos muitos foram os Estados democráticos que instituiram<br />
instrumentos de controle da ordem política e social.<br />
4.1 Situacáo dos Estados Unidos da América<br />
O exemplo claro que se verifica nos dias de hoje é a situacáo vivida pelos Es<br />
tados Unidos da América (EUA), que anos o atentado terrorista empreendido em 11<br />
de setembro de 2001 vivem em um constante confuto contra o que eles chamam de<br />
"eixo do mal". Este fato tem sido utilizado politicamente pelo presidente George W. Bush<br />
como justificativa para a ampliacjo dos seus poderes5, como observa Agamben (2004, p.<br />
38):<br />
É na perspectiva dessa reivindica cao dos poderes soberanos do<br />
presidente em urna situadlo de emergencia que se deva consid<br />
erar a decisáo do presidente Bush de referir-se a sí mesmo, após<br />
o 11 de setembro de 2001, corno o "Comandante-em-Chefe do<br />
Exércíto" (Traducáo nossa}.<br />
Este ato dá poderes exacerbados ao Presidente norte-americano, como<br />
por exemplo, o poder de deter qualquer estrangeiro visto como suspeito de trazer<br />
risco á seguranza nacional por até sete dias e manter prisñes militares secretas. A<br />
crítica que se faz a esta medida é que ela foi elaborada posteriormente aos fatos,<br />
o que significa que as ac.oes propostas neste ato foram pensadas sob o calor das<br />
emocdes dos ataques sofridos, e podem nao ser as mais adequadas para resolver o<br />
problema. Estas emoc.6es, na sodedade contemporánea, sao amplificadas pela in<br />
fluencia dos mais diversos meios de comunicacao de massa, os quais possuem um<br />
poder imensurável de balizar a formacao de urna opiniáo pública. Portante, nota<br />
se que apesar de a opiniao pública estar bastante despersonalizada, pois reflete<br />
básicamente os ¡nteresses dos grupos de comunicacao que a forma, aínda possui<br />
grande poder, conforme cita Bonavides (2006, p 492) "[...] suposto reputem suas<br />
1 Embona o regime democrático tenha sido urna constante desde a fundado do Eslado americano, por al-<br />
gumas vezes, em sua historia, valeu-se de instrumentos autoritarios para controlar situares emergenciais<br />
atribuindo ao chele do poder executivo poderes além daqueles instituidos pela constituicáo do país. Como<br />
exemplo cita-se oocorrido duranle o goveino de Lincoln, quando elcjustificau a violado da constituicáo<br />
baseando-se na conviccSo de que ,i le! poderia ser infringida se a situacao assim o oxigisse.
ENIO FELIPE DA ROCHA /VÍCTOR TEIXEIRA DE ALBUQUERQUE<br />
origens moralmente minadas, nao subestimem o pape! influente e decisivo que ela<br />
ainda desempenha nos atos políticos", pois influencia sobremanera o julgamento<br />
do legislador no momento de edicao da norma.<br />
4.2 Modelo de estado de excecüo francés<br />
Contrariamente ao modelo anterior, existe o modelo de controle de crises que<br />
atua de forma anterior aos fatos, como é o caso do regime francés e do brasileiro. Este<br />
modelo é considerado pela doutrina como mais eficiente do que o anterior, já que foi<br />
elaborado de forma mais serena, sem levar emconta as particularidades de umacontec-<br />
imento poníual.<br />
O sistema de controle de crises francés está, em sua maior parte, disciplinado<br />
fora da Constítuícáo da República Francesa, através de leis e decretos. Ele nomeias dois<br />
tipos de regime de aplicado excepcional, os quais diferem pela justificativa para a sua<br />
dedaracao e pela gravidade das medidas a serem tomadas, porém se assemelham pelo<br />
fato de que a responsabilidade de decretacao de ambos é do Conselho de Ministros. O<br />
primeiro deles é o Estado de Urgencia, cuja justificativa repousa na existencia, ou risco, de<br />
ameaca á ordem pública. Durante o período de vigencia do Estado de Urgencia poderá<br />
haver limitacóes á circulacáo de pessoas ou veículos em determinados locáis ou horarios,<br />
restrigao á realizacáo de reunioes de qualquer natureza, realizagao de buscas, inclusive<br />
durante a noite, cerceamento á [iberdade de imprensa e comunicacáo etc Porém, os<br />
individuos que se sentirem afetados por quaisquer medidas poderao recorrer adminis<br />
trativamente á urna comissao estabelecida pelo Poder Executivo. Já o Estado de Sitio só<br />
é possível de ser declarado em caso de guerra externa ou civil. Neste caso os poderes do<br />
Estado sao ainda mais ampios do que aqueles vigentes durante o Estado de Urgencia,<br />
como por exemplo: requisícáo de busca e apreensao em domicilio mesmo durante a<br />
noite, solicitacáo de armas e municcies para a defesa do Estado, interdigao de publica-<br />
coes cuja natureza ameace a ordem pública, expulsáo de condenados por crimes e de<br />
qualquer pessoa que nao tenha residencia fixa no local em que foi decretado Estado de<br />
Sitio, dentre outras.<br />
Na constituicáo francesa, em seu artigo 16, está prevista urna especie inomi-<br />
nada de regime de aplicacao emergencial. O texto estipula que o Presidente, após au-<br />
torizacao do primeiro ministro, dos presidentes do senado e cámara, e do conselho con<br />
stitucional, poderá "usar-se de medidas emergenciais adequadas as circunstancias para<br />
que os poderes constitucionais voltem a funcionar". Fica evidente a extrema liberdade<br />
de atuacao que a Constituicáo Francesa outorga ao chefe do executivo. Apesar de esta<br />
liberdade poder ser perigosa, é necessário levar em canta que este texto foi elaborado<br />
em 1958, durante o auge da ínsurreicáo argelina contra o govemo francés. Esta medida<br />
só foi usada urna vez, durante um levante armado na Argelia no ano de 1961.<br />
5 CONSIDERACÓES FINÁIS<br />
Como foi mencionado anteriormente, nao se pode pensar em Estado<br />
democrático de Direito sem que naja regras que conduzam o processo de elabo-<br />
-T-
ESTADO DE EXCEífiO E DEMOCRACIA: ASPECTOS TEÓRICOS DE UMA RELACAO<br />
APARENTEMENTE CONTRADITÓRIA<br />
racáo das leis, tanto no que concerne á autoridade competente para ¡sso, como as<br />
formas através das quais elas serao produzidas. Tais exigencias surgem em virtude<br />
da necessidade de o Estado possuir poderes ¡ndependentes e harmónicos<br />
para que a seguranca jurídica possa prevalecer, impedindo possiveis abusos que<br />
ponham em risco o equilibrio estatal.<br />
Porém há situacoes que póem em risco a normalídade constitucional, e<br />
acabam por ameacar o destino do Estado. Visto assim, é preciso que ele responda<br />
rápida e eficientemente, mesmo que essa resposta exija urna suspensao tem<br />
poraria de dlreítos e garantías conquistadas pelo homem. Dai surge o conceito<br />
de estado de excecáo, como meio de debelar tais crises.<br />
O dilema que surge é conciliar a necessidade de retomar o status quo<br />
ante sem causar maiores danos que comprometam a própria estrutura definida<br />
do Estado e, principalmente, sem gerar seqüelas desproporcionáis á sociedade.<br />
A dificuldade disso surge pela própria subjetividade contida no elemento 'ne<br />
cessidade' que pode acarretar no desvirtuamento da utilizacao deste estado de<br />
excecáo. Portanto, diante de tais fatos, esse instrumento só deve ser utilizado<br />
como último recurso, quando todos os outros meios mais brandos que visem<br />
restabelecer a normalidade constitucional se mostrem falhos.<br />
Devido ao fato de possuir intrínsecamente poderes que, quando utiliza<br />
dos de maneira ¡nadequada, podem abalar a estrutura de um Estado democráti<br />
co, faz-se necessárta a criacáo de recursos para evitar que isso se concretize. Um<br />
desses recursos é a constitucionalizacáo deste estado de excecáo. Ao conceber,<br />
de forma previa e solene, em urna Constituicao, meios de diminuir a possibilidade<br />
de uso discridonário deste instrumento, está se adequando o estado de excecáo<br />
ao fim último da Constituicao, pois esta é quem vincula a como os entes políticos<br />
deveráo íráo agir.<br />
Porém, a simples constitucionalizacáo do estado de excecáo nao implica<br />
necessariamente no fim do risco de seu uso de forma inadequada. É necessário<br />
que, na Carta Maíor, sejam impostos limites que diminuam o aspecto subjetivo<br />
de sua instaurado. Isso pode ser feito através da enumeradlo de principios que<br />
devem nortear as medidas que o Estado pode se utilizar durante a crise, como o<br />
da necessidade, temporariedade e proporcionaliciade. Embora nem isso garanta<br />
a seguranza plena de utilizacao do estado de excecáo, mostra-se o meio mais<br />
eficiente do qual se pode valer a sociedade para que o poder político nao rompa<br />
o vínculo de confianca que deve existir na relacáo sociedade-Estado.<br />
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breve anállse de alguns pontos controvertidos. Disponivel em: . Acesso em: 08 de out. 2006.<br />
-Y-
RESUMO<br />
NOVOS RUMOS<br />
DA SEGURANZA:<br />
SEGURANZA CIDADÁ<br />
<strong>In</strong>grid de Lima Bezerra<br />
Académica do 10° período do Curso de<br />
Direito da UFRN<br />
A seguranza destaca-se cada vez mais em discussoes<br />
no ámbito particular e público. De maneira ínarredável,<br />
vincula-se ao processo de suprimento das necessidades<br />
básicas do homem, da busca da qualidade de vida e, em<br />
última instancia, da própria sobrevivencia do individuo.<br />
Nessa perspectiva surge a seguranca cidadá, compreendida<br />
holistícamente como o bem-estar físico, material e anímico<br />
das pessoas, objetivando prover seguranca aos mesmos;<br />
diferenciando-seda seguranca pública, na medida em que<br />
esta possui um conceito esta do-centrista. Além disso, os<br />
resultados fináis das políticas públicas de seguranca sao<br />
mais eficazes quando se supera o conceito de seguranca<br />
pública por seguranca cidadá. Assim, é preciso redefinír<br />
o conceito de seguranca e associá-lo a principios de<br />
liberdade, Justina social, participado cidadá, igualdade,<br />
dentre outros. Isso porque se um país vem percebendo um<br />
grande crescimento e modificaráo da violencia, é imperiosa<br />
urna estrategia explícita de seguranca cidadá.<br />
Palavras-chave: Seguranca. Seguranca Cidadá. Díreito<br />
Fundamental.
1 INTRODUJO<br />
1NGRIDDELIMABEZERRA<br />
A seguranza, em seu significado políssémico e plurissignificativo, enseja in-<br />
quietude na sociedade, destacando-se cada vez mais em díscussoes no ámbito dos<br />
organismos particulares e das instituigóes públicas.<br />
A mídia, influente no processo de conhecimento da populaglo, reverbera<br />
fatos que ampliam a vísibilidade da criminalidade e da violencia, originando na popu-<br />
lagao o sentimento de preocupagáo, desassossego e aflicto para locomover-se ñas<br />
cidades ou permanecerem em suas residencias. Deste modo, a violencia e o delito,<br />
afetam nao somente os atores principáis, sejam eles autores ou vítimas, mas também<br />
o núcleo familiar e social dos mesmos. No que tange aos esforcos envidados em<br />
encontrar respostas á problemática, observa-se o agravamento do fenómeno ante o<br />
sentimento de ínseguranga da populacáo resultante de alguns elementos, dos quais<br />
merece relevancia a percepcáo do aumento de índices de violencia criminal.<br />
Urna das atribuigóes primordiais do Estado é a defesa da dignidade da pes-<br />
soa humana, exteriorizada através do provimento da seguranza, geralmente, con<br />
fundida com o conceito de seguranga pública. Seu significado, porém, nao pode ser<br />
resumido apenas a esse aspecto, pois, mais do que o conjunto de jurísdigao criminal,<br />
associada as policías e ao sistema carcerário, seguranza deve ser encarada como<br />
seguranca social (educacao, saúde, justica e trabalho). Assim, ao exercer seu munus<br />
referente a essa problemática, o Estado está garantindo á dignidade das pessoas.<br />
Nessa perspectiva surge a seguranza cidada. Em geral, conceituam-na como<br />
meio de promover o resguardo físico ou, táo somente, a seguranza material em fa<br />
vor de um cidadao. A concepgao de seguranca cidada, contudo, é mais abrangente,<br />
devendo ser compreendida em urna visáo integral de bem estar físico, material e<br />
anímico do cidadao, com o fito de fornecer-lhe seguranga objetiva e subjetiva, diferenciando-se<br />
da seguranca pública, na medida em que esta possui um conceito<br />
estado-centrista da ordem pública. Destarte, a defínicáo fundamental de seguranca<br />
cidada baseia-se na capacidade do Estado de proporcionar aos individuos ntveis eco<br />
nómicos satisfatorios, confianca ñas inslituigoes do Estado Democrático de Direito,<br />
confianga na justiga, resguardo de liberdades tais como ideológica e de crenga, de<br />
forma que os cidadáos vivam em urna conjuntura que Ihes outorgue garantias e<br />
seguranga.<br />
Ademáis, os resultados fináis das políticas públicas de seguranga sao mais<br />
eficazes quando se supera o conceito de seguranga pública por seguranga cidada.<br />
2 SEGURANZA NA ORDEM JURÍDICA<br />
2.1 Seguranza como Direito Fundamental<br />
A Constituigao da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) fixou<br />
a importancia dos principios fundamentáis ao construir um titulo próprio para<br />
a materia, pela primeira vez na historia do constitucionalismo patrio, logo após<br />
o preámbulo, Em seu artigo 1°, inciso III, prevé a dignidade da pessoa humana
NOVOS RUMOS DA SEGURAN^ SEGURANZA CIDAI5A<br />
como alicerce do sistema de direitos fundamentáis declarando que o homem<br />
antes de ser reconhecido como cidadao é pessoa, é membro da raga humana<br />
(CARVALHO, 2005).<br />
No que concerne á seguranza, a Constituicáo Brasileira de 1988 cita ex-<br />
pressamente o termo em cinco oportunidades, a saber: seguranca objeto do Es<br />
tado Democrático, no preámbulo; seguranca jurídica, artigo 5o, caput; seguranca<br />
social, artigos 6o e 194; seguranca nacional, artigo 91, 5 Io, inciso III; seguranza<br />
pública, artigo 144; além de previsoes implícitas, como, por exemplo, a seguranca<br />
no emprego, no artigo 7°, inciso I (SILVA, 2000).<br />
O reconhecimentó da importancia do tema pode ser testemunhado pelos<br />
documentos históricos que sedimentan! as denominadas geracpes de direitos hu<br />
manos. A Dedaracao dos Direitos do Povo da Virginia e a Declarado dos Direitos do<br />
Homem e do Cldadáo, de 1776 e 1789, respectivamente, elencam direitos ditos de<br />
primeira dimensao (STARLET, 2003) ou de primeira geracáo, neles ¡nduindo direito<br />
á seguranza. A Dedaracao dos Direitos do Povo da Virginia fixou em seu artigo Io<br />
que<br />
todos os homens sao, por natureza, igualmente Üvres e in-<br />
dependentes, etémcertos clireitos ¡natos, dos quais, quando<br />
entram em estado de sociedade, nao podem por qualquer<br />
acordó privar ou despojar seus pósteros e que sao. o gozo da<br />
vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a<br />
propriedade e de buscar e obter felicidade e seguranza.<br />
IMesse sentido, a Dedaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao consigna<br />
em seu artigo 2° que a "finalidade de toda a assodacao política é a conservacao dos<br />
direitos naturais e ¡mprescritívels do homem. Estes direitos sao a liberdade, a proprieda<br />
de, a seguranca e a resistencia á opressáo." Já a Constituicáo francesa de 1793 entende<br />
seguranca como "protecáo concedida pela sociedade a cada um dos seus membros para<br />
a conservacao de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades".<br />
Por sua vez, a Constituicáo Portuguesa de 1822, prodamou no seu Título I, ca<br />
pítulo I, os seguintes direitos individuáis: igualdade, liberdade, seguranza, desapropriacao<br />
somente previa e justa índenizacáo, reserva legal, proibicao de penas cruéis ou infaman<br />
tes, livre acesso aos cargos públicos etc<br />
A Dedaracao Universal de Direitos Humanos, aprovada em 1948, com o claro<br />
objetivo de reconstrucao do conceito e a ampliacao dos campos de atuacáo dos Direitos<br />
Humanos, ¡ntroduz novos elementos como a universalidade, a indivisibilidade, a integralidade,<br />
a interpendéncia (HUMAN RIGHTS, 1988). Dentre os principios fixados em seus<br />
artigos, estao o direito á ¡gualdade e dignidade humana; o direito á vida, á liberdade e<br />
seguranca pessoal; e, o direito á propriedade. Em seu artigo 29 prescreve que<br />
I-Toda pessoa tem deveres para coma comunidade vez que,<br />
somente nela, é possível o desenvolvimento lívre e pleno de<br />
sua personalidade.<br />
D- No ejercicio de seus direitos e liberdades todas as pesso-
INGRID DE LIMA BEZERRA<br />
as estarao sujeitas ás limitacoes determinadas pela le¡ com<br />
a única finalidade de assegurar o reconhecimentó e respeito<br />
aos direitos e líberdades dos outros e de satisfazer as justas<br />
exigencias da moralidade, da ordem pública e do bem estar<br />
em urna socíedade democrática.<br />
Pimenta Bueno {apud., SILVA, 2000), nessa mesma visao, leciona que o di<br />
reito á seguranza é: a garantía da liberdade e dos demais direitos naturais; o primeiro<br />
sentimento do homem; a conservacao, a defesa de si próprio; a protejo da existencia<br />
individual, o direito de víver e nao sofrer; o direito que o homem tem de ser protegido<br />
pela lei e pela sociedade em sua vida, liberdade, propriedade, sua, reputado e mais<br />
bens; e, finalmente, o direito de nao ser sujeito senao a acao da leí, de nada sofrer de<br />
arbitrario, de ilegítimo.<br />
2.2 Seguranza: dever do Estado<br />
Dentre as atribuic.Óes do Estado e da sociedade destaca-se a defesa da pessoa<br />
humana e o respeito de sua dignidade. Urna das formas de assegurar essa dignidade é<br />
com o provimento de seguranca, ao garantir urna ordem mínima, ou seja, que o Estado<br />
exerca seu tnunus no que diz respeito á seguranca social ao prover educacao, saúde,<br />
justigae trabalho.<br />
No entendimento de Ataliba Nogueira {1955, p. 148), o Estado tem como<br />
finalidade precipua<br />
a seguranca dos direitos individuáis, da liberdade e conservado<br />
e aperfeicoamento da vida social. É seu fundamento a natural<br />
necessidade de um organismo para as funcóes assecuratonas<br />
dos direitos individuáis e conservadoras e aperfeicoadoras dos<br />
interesses da vida coletíva. Mas, mesmo visando o bem da cole-<br />
tívidade, o que tem em mira o Estado é a tutela e o desenvolvi-<br />
mento da pessoa humana.<br />
A seguranca pública, enquanto dever do Estado, reconhecido no art. 144 da<br />
CRFB/88, é resultado nao somente da preservacao contingencial da ordem pública<br />
contra manifestacoes ou criminalidade. É, sobretudo, da preservacao permanente dos<br />
atos corretos dos cidadaos ante os valores da ordem pública - como condicao existen-<br />
cial da sociedade e de seu desenvolvimento (DANTAS, 1989).<br />
Em sua concepcao tradicional, ordem pública constituí cláusulas de garantías<br />
da eficacia da ordem jurídica em todos os campos do Direito. De fato, este elemento<br />
aplica-se ó potestade, jurisdicao e autoridade para fazer urna coisa, como contraposto<br />
ao privado, expressando urna situacáo e estado de legalidade normal na qual as autori<br />
dades exercem suas atribuicóes próprias, e os cidadaos as respeitam e obedecem sem<br />
contestacáo, cominando, de certa forma, em urna limitacáo á llberdade genérica dos<br />
particulares, causando urna fronteira as relacóes inter-privadas (BALDAN, 2005).<br />
Segundo aponta Marios Nuñez ífipud., SILVA, 2000), a ordem pública tem
NOVOS RUMOS DA SEGURANZA: SEGURANZA CI DADA<br />
um conteúdo que se fixa em tres tipos de relaces fundamentáis: a relajo de restri<br />
bo legal: liberdade/ordem pública; as relacóes de implicacao: moral/ordem pública e,<br />
inclusive seguranca, salubridade, tranqüilidade/ordem pública; e a relagáo de exclusáo:<br />
disturbios materiais/ordem pública. A esses tres tipos de relacao acrescenta-se urna serie<br />
de qualificativos, tais como ordem económica, fiscal, comercial, de Direito <strong>In</strong>ternacional<br />
privado, social e política.<br />
Deste modo, a seguranca deve ser vista como (DANTAS, 1989, p. 145):<br />
o entrosamento de gozo das liberdades individuáis, as quais<br />
deverao ser entendidas como tendo por limites a liberdade dos<br />
demais, a ponto de que nesta Ínter-relajo, se possa alcanzar<br />
urna ordem material e extema que, em última análise, é o próprio<br />
conceito de ordem pública, a qual, evidentemente, se opoe á<br />
desordena que levaría a sociedade como um todo á ¡nseguranca<br />
e intranqüilidade.<br />
(-)<br />
contra as quais o Estado tem montada urna estrutura e urna<br />
máquina, por meio das quais se tertta, a todo custo evitar estas<br />
alcanzando aqueta.<br />
Assim, o objetivo da seguranca pública é preservar ou restabelecer os níveis ide<br />
áis de convivencia social, permitindo a todos, indistintamente, o gozo e fruicao dos direitos<br />
e desenvolvimento de suas atividades sem perturbacao de outrem, salvo nos limites<br />
de gozo e reivindicacáo de seus próprios direitos e defesa de seus legítimos interesses.<br />
José Afonso da Silva (1990, p. 146) ensina que:<br />
Ninguém, quando se trata de seguranca pública, poderá ser mero<br />
espectador, muito embora, haja urna relacao de ¡ntensidade na<br />
participacao de cada urna das partes, e por isto a Constituicáo<br />
lanca máo dos vocábulos dever (quando se refere ao Estado) e<br />
direito e responsabilidade de todos, quando se refere, evidente<br />
mente, as pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas.<br />
Um dos exemplos desta "responsabilidade de todos", encontra-se no in<br />
ciso LXI1 do artigo 5o da CRFB/88 que manteve a prisao em flagrante delito, em-<br />
1LXI - ninguém será preso senáo em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autorídade judiciáría<br />
competente, salvo nos casos de transgressáo militar ou crime propriamente militar, definidos em leí;<br />
2 LXII - a prisao de qualquer pessoa e o local onde se encontré seráo comunicados ¡mediatamente ao juiz<br />
competente e á familia do preso ou á pessoa por ele indicada;<br />
> LXm - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada<br />
a assisténcia da familia e de advogado;<br />
4 LXW - o preso tem direito á ¡dentificacáo dos responsaveis por sua prisao ou por seu interrogatorio poli<br />
cial;<br />
5LXV - a prisao ilegal será ¡mediatamente relaxada pela autoridade judiciária;<br />
' LXVI - ninguém será levado á prisao ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisoria, com ou<br />
sem flanea;<br />
' LXVTII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameacado de sofrer violen-
INGRID DE LIMA BEZERflA<br />
bora com as garantías dos incisos LX1J-' , DOIP, LXIV*, LXVS, LXVI6 e LXVHI7. Nessa<br />
perspectiva, o Código de Processo Penal (Decreto-lei N° 3.689, de 3 de outubro de<br />
1941), em seu artigo 301, determina que "qualquer do povo poderá e as autorida<br />
des policiais e seus agentes deverao prender quem quer que seja encontrado em<br />
flagrante".<br />
Seguranca pública é um tema extremamente complexo e multifacetado que<br />
necessita de uma anáiise transdisciplinar; devendo ser percebida como um servíco,<br />
nao apenas para reacio aos delitos cometidos, mas principalmente de prevencáo em<br />
tres níveís: primario (familia, escola, religiao etc.), secundario (sistema criminal) e ter<br />
ciario (gerenciamentó da execucao da pena). Seguranca pública significa paz pública,<br />
ordens públicas, que sao bens gerados por um conjunto de condicoes subjetivas e<br />
objetivas.<br />
E unánime a opiniao dos especialistas no sentido de que há, nos últimos<br />
anos, uma tendencia de aumento de acóes delituosas. É interessante assentar que<br />
a par do crescimento do número de delitos verifica-se também ampliacao e aperfeícoamento<br />
das técnicas utilizadas no cometimento. A ocorréncia de rupturas na<br />
estrutura social decorrente do ferimento á le¡ afeta nao apenas o autor da ofensa e o<br />
ofendido, mas os efeítos do ato espraiam-se, ao menos, no entorno familiar e social<br />
de ambos, com prejuízos de ordem material e psicológicos. Por ísso mesmo, a preocupacao<br />
precipua das sociedades modernas tem-se fixado na prevengo do delito.<br />
Ha5semer (1989) dissertando acerca da Seguranza Pública no Estado de<br />
Direito pondera que as lesóes e ameacas a bens jurídicos fundamentáis sao ele<br />
mentos construtores dos sentímentos sociais antiétícos e paradoxais do fascínio<br />
e do medo. Aponta como motivo primeiro para tal comportamento social a exis<br />
tencia da face encoberta, obscura e hermética, por isso mesmo incompreendida<br />
da "criminalidade organizada". É algo de que se fala sem que se saiba concreta<br />
mente o seu significado e que males pode produzir, nem que remedios podem ser<br />
aplicados. O segundo motivo diz respeito á criminalidade de massa, de dimensao<br />
epidémica, expressa nos delitos patrímoniais como o furto, o roubo, para os quais<br />
o Estado nao consegue a necessária eficiencia e eficacia na prevencáo de ámbito<br />
administativo, pelo que busca combater tais violacoes com instrumentos mera<br />
mente repressivos esgrimidos pelo sistema criminal, do qual a policía é a ftrst Une<br />
enforcer.<br />
A gánese do medo assenta-se no desconhecimento social acerca dos me<br />
canismos da criminalidade, dos meios de prevencao, de contencáo e, quicá, de<br />
combate, cuja responsabilidade tem sido sempre imputada aos partícipes da justica<br />
criminal, que engloba as diversas etapas da intervencáo penal e dos procedimentos,<br />
sendo a policía o órgao mais visível e cobrado.<br />
3 PERSPECTIVA AMPLIATIVA DA SEGURANCA<br />
A expressao seguranca humana é genéricamente constitutiva de um con-<br />
ceito que se apóia no capital social, ou seja, faz-se presente em todas as etapas e<br />
segmentos dos processos de organizacao social. É um elemento transversal aos<br />
-T-
MOVOS RUMOS DA SEGURANCA: SEGURANCA CIDAOA<br />
mais diferentes ámbitos da convivencia social tutelados pelo Estado, adjetivado<br />
pela idéia de ordem conforme sua área de incidencia: ordem política, ordem eco<br />
nómica, ordem jurídica, ordem social. Significando protecáo e estabilldade, segu<br />
ranca corresponderá a um conceito pertinente á sua área de abrangéncia; seguran<br />
ca política, seguranca económica, seguranca social, seguranca nacional, seguranca<br />
pública, seguranca pública interna, seguranca pública externa, seguranca urbana,<br />
seguranca do trabalhador, seguranca cidada, dentre outros (SILVA, 2000).<br />
De Plácido e Silva (2004, p. 1268) define Seguranca Pública como<br />
o afastamento por meio de organizares próprias, de todo<br />
o perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública,<br />
em prejuizo da vida, da Nberdade, ou dos díreítos de pro-<br />
priedade dos cidadaos. A Seguranca Pública, assim, limita<br />
ss liberdades individuáis estabelecendo que a Nberdade de<br />
cada cidadáo, mesmo em fazer aquílo que a lei nao Ihe veda,<br />
nao pode ¡r além da Nberdade assegurada aos demais, ofen-<br />
dendo-a.<br />
Já para Enrique Yépez Dávalos (2004, p. 16) seguranga é<br />
um conjunto de agóes e previsSes adotadas e garantidas pelo<br />
Estado com o fimde assegurarurna situacáo de confianca e ga<br />
rantía, de que nao exista nenhum perigo nem risco no territorio<br />
de um país, seja em suas estruturas, em seus organismos públi<br />
cos e privados, nem na populado em geral, frente a ameagas<br />
ou agressóes que se apresentem ou possam apresentar-se.<br />
Nesse sentido, na visao de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1990, p.<br />
354), seguranca é "um conjunto de atividades que estabelecem urna garantia, a<br />
individuos, grupos, nacoes Estados e grupos de nacoes, contra tudo aquilo que<br />
ofereca perigo á sua sobre-existéncia ou ao seu progresso".<br />
Pode-se definir, ainda, seguranca como a possibilidade dos individuos de<br />
exercerem a variedade de opcoes disponíveis para decidir seu próprio destino de<br />
maneira segura e livre, ante a certeza de que as oportunidades de que dispóe no<br />
presente nao desapareceráo no futuro (Programa de las Naciones Unidas para el<br />
Desarrollo - PNUD, 1994).<br />
Segundo a Teoría <strong>Jurídica</strong> a palavra "seguranca" assume o sentido geral<br />
de garantia, protecáo, estabiüdade de situacáo ou pessoa em varios campos de<br />
pendente do adjetivo que a qualifica, enquanto a expressao "seguranca jurídica"<br />
consiste na garantia de estabilidade e certeza dos negocios jurídicos, de sorte que<br />
as pessoas saibam de antemáo que urna vez envolvidas em determinada relacáo<br />
jurídica, esta se mantém estável, mesmo se modificar a base legal sob a qual se<br />
estabeleceu. Já o termo "seguranca social" significa a previsáo de varios meios que<br />
garantam aos individuos e suas familias condígóes sociais dignas; tais meios se<br />
revelam básicamente como conjunto de direitos sociais. Por sua vez, seguranca<br />
pública é manutencáo da ordem pública interna (SILVA, 2000).
INGR1DDELIMAUEZLHHA<br />
A seguranza deve ser entendida como urna construcao permanente e di<br />
námica da vida diaria, ameac/ada por formas diversas, urna das quais - ainda que<br />
nao a única - é constituida pela violencia criminal. Outras ameagas conformadoras<br />
de um sentímento de inseguíanla poderiam estar configuradas, por fatores tais<br />
como o desemprego, as enfermidades, a exclusao, a injustic.a, a marginalidade so<br />
cial, a falta de prevísáo, a <strong>In</strong>existencia de sonhos coletlvos, a descrema massiva<br />
e a idéia de que já nada dura para sempre e que nao há futuro, resultando na<br />
expressao emblemática e ás vezes trágica das novas sociedades pós-modemas da<br />
periferia e constituí urna causa determinante da gerac.áo de condutas desviadas,<br />
sobretudo por parte de jovens excluidos (LOIC, 2001).<br />
Estudando os efeitos negativos da violencia e ¡nseguranc.a sobre a saúde<br />
das comunidades, Concha Eastman (2002) conceitua seguranza como direito que<br />
deve ser assegurado a todos os cidadaos para que suas vidas e íntegridade física,<br />
psicológica e sexual sejam respeitadas e protegidas, a fim de que possam se deslo<br />
car livremente sem receio de que seus pertences sejam furtados, roubados, danificados,<br />
ou ainda, nao serem fraudulentamente despojados de seus valores. Enfim, a<br />
constituido do elemento confianza ñas relac.oes inter pessoais.<br />
De maneira mais restrita, a seguranza pública tem sido definida como urna<br />
serie de políticas e acoes coerentes e articuladas, que tendem a garantir a paz pública<br />
por meio da prevenc.ao e repressao aos delitos e faltas contra a ordem pública, me<br />
diante o sistema de controle penal e da policía administrativa (ARRIAGADA, 2002).<br />
A Organizado das Nacóes Unidas (ONU) no Congresso sobre Prevengo<br />
do Delito e Tratamento do Delinqüente, concluiu que as estrategias no combate ao<br />
crime que recorrem somente á contratado de um maior número de contingente<br />
policial, á ¡mplantacao de novos métodos de repressao, á ¡mposic.ao da sentengas<br />
mais severas e á construgao de mais prisoes, tém resultados desalentadores. Para<br />
confirmar essa premissa tem-se que as estatísticas da Polícia e as sondagens que<br />
avaliam a sensato de seguranza entre a sociedade indicam índices de ameagas e<br />
da efetiva violencia alarmantes (DÁVALOS, 2004).<br />
Durante a I Reuniáo Técnica sobre Seguranza Cidadá e Democracia, rea<br />
lizada em agosto de 1998, a Comissáo Andina de juristas, estabeleceu alguns ele<br />
mentos centráis na nogao de seguranza cidadá (DAVALOS, 2004, p. 24):<br />
1. a protegió aos cidadáos se deve dar dentro de um marco<br />
de respeilo a Constituítáo e ás !e¡. Nesse sentido a seguranza<br />
cidadü se constituí um marco ceniral para o desenvolví mentó<br />
dos direitos humanos.<br />
2. A seguranza cidadá nao se limita exclusivamente á luta con<br />
tra a delinqüénda, senao que se busca criar um ambiente pro<br />
picio e adequado para a convivencia pacífica das pessoas;<br />
3. A seguranza cidadá sobrepassa a esfera da ac,ao policial para<br />
demandar a participado coordenada de outros organismos e<br />
instítuicóes tanto do Estado cómoda sodeda de civil;<br />
4. Seguranza cidadá define um novo perfil da policía, enten-<br />
dendo-a como um servic.0 de natureza civil orientado a co-<br />
munídade antes que ao Estado;<br />
-T-
NOVOS RUMOS DA SFG1IHAIH.A SEGURANZA CIDADA<br />
5. Seguranga cidadi póe maior énfase no desenvolvimento<br />
de trabalhos de prevencao e controle dos fatores que geram<br />
violencia e inseguranc.a, do que em tarefas meramente repressivas<br />
ou reativas ante tatos ja consumados<br />
A Seguranza, portanto, nao é apenas repressao penal exercida pela policía<br />
stuando como a primeira linha de contencáo da violencia em defesa da paz social<br />
ou como a face mais visível do sistema criminal. Garcia-Pablos de Molina (1992)<br />
ensina que o delito nasce na comunidade, sendo, conseqüentemente, problema e<br />
responsabilidade de todos porque afeta a todos.<br />
Para se lograr urna seguranca cidada integral requer-se urna acáo compreendendo<br />
diferentes instituicoes, quer sejam públicas ou privadas.<br />
4 CONCEITO DE SEGURANCA CIDADA<br />
Existe um equívoco ao definir seguranca cidada como meio de promover<br />
o resguardo físico ou, tao somente, como a seguranca material em favor de um ci-<br />
dadáo, ainda que sejam nocoes basilares de seu conceito. Isto porque a concepcáo<br />
de seguranca cidadá vai mais além, nao permanecendo restrita a esses dois ele<br />
mentos, devendo ser entendida emuma visao integral debem estar físico, material<br />
e anímico docidadáo.<br />
Seu objetivo primordial é prover seguranca aos cidadáos, tanto no exercício<br />
público como no privado dos direitos e deveres, d¡ferenciando-se da seguranca<br />
pública, na medida em que estas últimas possuem um conceito estado-centrista.<br />
Ademáis, os resultados fináis das políticas públicas de seguranca sao mais eficazes<br />
quando se supera o conceito de seguranca pública por seguranca cidadá.<br />
A seguranca cidadá tem sido definida pondo em relevo distintas dimensóes<br />
e níveis, em especial sua intangibilidade e seu caráter subjetivo. Amagada<br />
{2000, p. 108) conceitua, de maneira ampia como<br />
la preocupación por la calidad de vida y la dignidad humana<br />
en términos de libertad, acceso al mercado y oportunidades<br />
sociales. La pobreza y la falta de oportunidades, el desem<br />
pleo, el hambre, el deterioro ambiental, la represión política, la<br />
violencia, la criminalidad y la drogadicción pueden constituir<br />
amenazas a la seguridad ciudadana. Desde otra perspectiva,<br />
se plantea que la seguridad ciudadana signif ca principalmen<br />
te no temer una agresión violenta, saber respetada la integri<br />
dad física y, sobre todo, poder disfrutar de la privacidad del<br />
hogar sin miedo a ser asaltado y circular tranquilamente por<br />
las calles sin temer un robo o una agresión. La seguridad seria<br />
una creación cultural que implicarla una forma igualitaria de<br />
sociabilidad, un ámbito libremente compartido por todos.<br />
Edgar Montano Pardo (1997), por sua vez, afirma que seguranca cidada<br />
deve ser entendida como a capacidade do Estado de proporcionar a estantes e<br />
habitantes de um territorio, níveis económicos satisfatórios, confianca na justica,
INGItIDOELlMABEZEHRA<br />
instituic.óes com sólidas bases democráticas, liberdade de consciéncia e religiáo,<br />
de tal maneira que os cidadaos vívam em urna sociedade em um sistema que Ihe;<br />
outorgue garantías e seguranza. E nao de urna subsistencia precaria como sucede<br />
na mator parte dos paises nao industrializados, mas de urna gama de oportunida<br />
des como as mencionadas; muitas délas sao consubslanciais com urna existencia<br />
digna, plena de confianza na justica, na liberdade, nodireíto ávida, á saúde ea um<br />
deserwolvimento construtivo.<br />
No mesmo sentido, seguranza cidadá também pode ser conceituada<br />
como aquele ambiente de convivencia social, alcancado sobre a base de interac.áo<br />
policía e comunidade, onde as pessoas em cumprimento de seus deveres e exercício<br />
de seus direitos fundamentáis podem realizar suas atividades lícitas em um<br />
clima de paz, tranqüilídade, respeito e confianza, dignidade e liberdade invioláveis<br />
(CUELLAR, 2005).<br />
Urna proposta desse tipo é integradora e nao excludente. Por esta razáo<br />
requer novos atores para enfrentá-la, dentre os que estao os municipios, por ser<br />
as instítuic.6es estatais maís próximas da sociedade {CARRJÓN, 2004); e urna nova<br />
vísáo da estrutura policial.<br />
5 DAS POLÍTICAS DE SEGURANZA PÚBLICA ÁS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SE<br />
GURANZA CIDADÁ<br />
Diz-se que a expressáo Políticas de Seguranza Pública refere as ativida-<br />
des exclusivamente policials, ísto é, a atuac.ao policial stríctu sensu. Enquanto as<br />
Políticas Públicas de Seguranca abarcam as diversas agoes govemamentais e nao<br />
governamentais, que sofrem ou causa impacto no problema da criminalidade e da<br />
violencia (OUVEIRA, 2002).<br />
O que se tem observado é o aumento do discurso da sociedade na crimi-<br />
nalizac.áo e na insistencia de punir exemplarmente de individuos ¡solados. Assim,<br />
ao atribuir responsabilidades penáis, a sociedade isenta-se da responsabilidade<br />
por conflitos que nao é capaz de administrar. Conseqüentemente, os processos<br />
sociais ensejadores de riscos deixam de ser questíonados em func.áo do processo<br />
de individualizacao das responsabilidades pelos danos (NETO, 2005). Além disso,<br />
freqüentemente, a intervengáo penal converte-se na forma precipua, senáo a única,<br />
de presenta legal do Estado.<br />
Segundo Fernando Carrión (2004), o que existe sao propostas ¡soladas, as<br />
quais nao abordam de maneira sistemática e eficiente o conjunto da violencia e se<br />
tem seguido operando com urna concepcáo de "seguranca pública" em que afirma<br />
a prioridade apenas urna fase do ciclo da violencia, qual seja, o controle e um obje<br />
tivo central, o mantimento da ordem pública vigente. Por esta razao, a énfase tem<br />
sido policial e legal, em alguns casos, ácima dos direitos humanos.<br />
As barreíras que tradicionaimente isolavam a polícia do restante da administracjao,<br />
entretanto, estáo paulatinamente sendo superadas. Pois a policía vem<br />
aos poucos dispondo de competencias e recursos náo-penais para o exercício de<br />
suas fungóes, e possuindo díreito de voz em discussóes de políticas públicas que<br />
-Y-
I NOVOS RUMOS DA SEGURANZA: ',K.l¡r¡í,N£. A CIDADÁ<br />
tém conseq úéncias direta ou indireta sobre seu ámbito de acao, a saber alteracpes<br />
de normas de zoneamento, construgao de um conjunto habitacional ou alteracao<br />
dos horarios de funcionamento de um parque. A finalidade precipua é a sincronía<br />
entre as acóes policiais e as demais acóes governamenlais em perspectiva de tra-<br />
tamento preventivo dos problemas.<br />
Quanto aos objetivos e estrategias a serem adotados na seguranza cidadá,<br />
deve-se: "a) reduzir os riscos de desvíos ou delitos; b) reduzir os riscos e vítimizacáo<br />
ou c) agir sobre situacóes problemáticas. Estes níveís podem aínda, de acordó com<br />
o público alvo, subdivldir-se em: 1. primarios; 2. secundario; 3. terciario" (NETO,<br />
2005, p.120). A prevencao primaria é orientada a totalidade da populacao de um<br />
país, ou seja, sao acoes dirigidas a grupos ampios, como forma de efetiva preven-<br />
cao; secundarias sao as medidas direcionadas as pessoas em situagao de vulnera-<br />
bilidade, apresentando riscos de algum tipo de envolvimento em condutas delituosos,<br />
isto é, a prevengo ocorre após a identificacáo dos fatores de risco buscando<br />
evitar que o problema se torne crónico; por sua vez, a modalidade de prevencáo<br />
terciaria sao aquelas dirigidas as vítimas e aos criminosos, procurando reabilitar ou<br />
minimizar os efeitos em curso.<br />
As políticas públicas de seguranza devem ser abordadas em toda sua<br />
globalidade e complexidade. Sendo necessário desenvolver políticas conjuntas e<br />
transversal que contribuam para urna eficaz prevencáo e combate aos diversos<br />
tipos de violencias.<br />
Cumpre-se ressaltar que a Política de Seguranca Cidadá nao deve ser en<br />
carada como um artificio que extirpará a violencia instantáneamente, nem a curto<br />
prazo, mas sim a longo prazo. As acoes de repressao a curto prazo, contudo, também<br />
estáo inseridas no contexto da nova visáo de seguranza pública, tendo em<br />
vista que para haver resultados eficientes é necessário urna combinado destes<br />
elementos, a fim de que a Política Pública de Seguranca Cidadá seja operacional.<br />
Para isso, é irnprescindível um sistema de seguranca coordenado, o qual exista<br />
int.egrac.ao entre as autoridades, a atividade penal e a sociedade, daí a importancia<br />
da seguranza cidadá.<br />
6 CONCLUSÁO<br />
A complexidade da seguranza precisa ser analisada alravés de urna óti<br />
ca transdisciplinar, ou seja, compreendida nao apenas como reacáo as infracóes<br />
cometidas, limitadas a justica criminal, tendo o sistema policial como elemento<br />
precipuo; mas sim, como um servico, sobretudo de prevencáo nos níveis: primario<br />
- familia, escola, religiáo, entre outros -; secundario - sistema criminal -; e terciario<br />
- gerenciamento da execugáo da pena.<br />
Deve-se, portanto, trabalhar firmemente para ímplementar mecanismos<br />
que previnam a violencia, ou seja, deve-se modificar a política de seguranza, a fim<br />
de que se estabeleca instrumentos que compreendam a participacáo dos cidadáos,<br />
bem como de organismos particulares e públicos, nao se limitando á instituicio<br />
-T-<br />
policial ou á justica criminal.
INi,Hll i Lili LIMA BEZEfiRA<br />
Por esta razao, necessário se faz modificar a antiga concepto de seguran<br />
za pública arraigada no sistema repressivo do Estado que possui como a primeira<br />
linha de combate a policía; para isso, deve-se associar o conceito de seguranza a<br />
principios como a liberdade, a Justina social, a participacáo ridadá e a igualdade.<br />
Isto porque se um país vem percebendo um grande crescimento e modificacáo da<br />
violencia, é imperiosa urna estrategia explícita de seguranza cidada.<br />
Desta maneira, apenas partindo de urna visáo holística e integral de polí<br />
tica pública de seguranza - nesse sentido ¡nsere-se a seguranza cidadá - atingirá<br />
resultados satisfatórios no que se refere ao combate e prevengo dos diversos<br />
tipos de violencia e criminalídade.<br />
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RESUMO<br />
O'NOVO'CONCEITODE<br />
SENTEN^A E SUAS<br />
IMPLICA0ES<br />
NO SISTEMA RECURSAL<br />
BRASILEIRO<br />
Raiane Mousinho Fe mandes Borges<br />
Académica do 7o periodo do Curso de<br />
Direito da UFRN<br />
Monilora da disciplina Teoría Geral do Procedo<br />
A mudanza de paradigma ocorrida no Código de<br />
Processo Civil com a introducao da Lei n° 11.232, de<br />
22 de dezembro de 2005, e a adocao de um processo<br />
sincrético, pos fim á anterior dicotomía existente entre<br />
processo de conhecimento e processo de execu£áo.<br />
Diante desse cenário, o presente trabalho tem por objetivo<br />
expor considerares acerca da áltemelo específica do<br />
artigo 162, § Io e suas conseqiiéncias no sistema recursal<br />
brasileiro. Analisa, á luz do direito fundamental á ceieridade<br />
processual, o aparente conflito existente entre o "novo"<br />
conceito de sentenca e o recurso cabível a cada especie<br />
de pronuncia mentó. A abordagem é especulativa, já que<br />
o tema ainda encontra-se em acírrado debate doutrinário.<br />
Propóe que a soluc.ao exige interpretac.áo sistemática<br />
do Código e finaliza apresentando, no caso concreto, a<br />
incipiente orientacáo jurisprudencial, segundo o principio<br />
da fungibilídade recursal.<br />
Palavras- Chave: Conceito. Sentenc.a. Sistema recursal<br />
brasileiro.
1 CONSIDERADO ES INICIÁIS<br />
raí anemousinhqfern andes borges<br />
O sistema processual brasileiro fo¡ originariamente ordenado a partir dos fun<br />
damentos teóricos difundidos pelo mestre italiano Enrico Tullio Liebman, cujo entendimento<br />
sempre foi o de um processo de execucao puro, ou seja, separado do processo<br />
de conhecimento como um todo (CÁMARA, 2006).<br />
Essa radical independencia deriva da idéia de que "a execucao é processo ple<br />
namente autónomo e independente, que comeca pela citacáo para a execucao e finaliza,<br />
normalmente, pela satisfacáo do credof (LIEBMAN, 1968, p. 42). O direito material a ser<br />
alcancado sempre foi o mesmo, porém, pela dicotomía processual existente á época,<br />
prevalecía o principio da autonomía e, desta forma, o processo repartia-se em conheci<br />
mento e execucao.<br />
Liebman (1968 apud MEDINA; WAMBIER, T., 2006, p. 397), aduz que "é, pois,<br />
natural que a cognicao e a execucao sejam ordenadas em dols processos distintos, cons<br />
truidos sobre principios e normas diferentes, para a obtencáo de finalidades muito di<br />
versas".<br />
Esse entendimento majoritário, apesar da sua grande <strong>In</strong>fluencia, nunca obteve<br />
unanimidade na doutrina brasileira, a qual demonstrou, com o passar do tempo, a ascen<br />
dencia de ¡números argumentos favoraveis á forcosa mudanca de paradigmas, visando<br />
tomar efetiva, na prática, a satisfacáo do direito material aos jurisdicionados.<br />
O ciclo de transformacoes do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, iniciado<br />
em 1994 com a criacáo do artigo 461 e, após, em 2001, com a ¡nclusao do artigo 461-A,<br />
extinguiram a execucao autónoma de sentenca que condenava a fazer, nao fazer, ou<br />
entregar coisa, mitigando no cerne o principio da dicotomía até entao reinante.<br />
A partir de tais modificacóes, tornou-se possível o novo modelo de execucao,<br />
com advento da Lei n° 11.232/2005, cujo teor completou o ciclo de mudencas, trazen-<br />
do a extincáo independente da execucao de sentenca que restava, 3 de pagar qusntia<br />
certa.<br />
Sobre a mens legislatoris, destaca Nery Júnior (2006, p. 373, grifo do autor) "O<br />
que quis o legislador foi construir apenas um processo, com as fases de conhecimento,<br />
líquidacao e execucao. Por isso previu agravo contra o julgamento de liquidacáo e da<br />
impugnacao ao cumprímento de sentenca (CPC, 475-M, % 3o)".<br />
Segundo Cámara (2006), é fundamental explicar que nao deixa de existirá<br />
execucao de sentenca, o que se apresenta é tomar desnecessária a instauracao de um<br />
processo autónomo ao processo de conhecimento, nos casos em que se tenha um título<br />
executivo judicial1.<br />
A partir da implantarlo desse padráo de cumprimento de sentenca, fez-se mister<br />
ajustar o artigo 162,5 Io, do CPC. Foi o que fez o legislador. Sobre essa adaptacáo,<br />
aclara Varejáo (2006, p. 371):<br />
Só deverá se: instaurado um processo autónomo quando sua base for um título ejecutivo extrajudicial e<br />
em s¡tuac.óes excepcional dos títulos ejecutivos judiciais. previstas no novo artigo. 475-N. § úrico que. por<br />
sua própria natureza, o cumprimento n3o pode se dar por urna mera sucessio de fases ao cumprimento<br />
da sentenc.a.<br />
-Y-
O "NOVO" CONCEITO DE SENTENCA E 5UAS IMPLICACÓES NO SISTEMA RECURSAL BRASILEÍRO<br />
Conseqüéncia ¡mediata e intuitiva dessa reuníáo dos processos<br />
de conhecimento e de execugio é a necessidade de a<br />
ela se adaptar o conceilo de sentenc.a, com o fim principal<br />
de preservar a harmonía e coeréncia interna do sistema processual.<br />
De fato, como o processo passa a ser uno, nao mais<br />
se revela adequado manter-se a definido de sentenqa como<br />
ato judicial que Ihe póefim.<br />
Entretanto, com o objetivo de apropriar o texto legal no tocante ao ato<br />
judicial de pronunciamento do juiz' alusivo á sentenca, o legislador acabou por<br />
modificar inlrinsecamente sua definicáo, utilizando como baliza também o criterio<br />
do conteudo, o que nao acontecía na redacao anterior á Leí em exame, já que este<br />
adotava como único o criterio funcional. Aínda consoante Varejao (2006, p. 372):<br />
Por maÍE criticável que o antigo conceito de sentenca pudesse<br />
ser, ele detinha urna vantagem operacional imensurável,<br />
qual seja, a períeita e objetiva delimitac.ao da recorribilidade<br />
por meío de apelado e, por exdusao, por meio de<br />
agravo. Nao havia margem a dúvidas e nao havia terceira<br />
h i pótese.<br />
Á luz do conceito anterior, as criticas se baseavam em relatar que a defi<br />
nicáo descrita no artigo era incompleta e continha vicio de iinguagem, conforme<br />
verificar-se-á adiante.<br />
O efeito da escolha feita pelo legislador, apesar deja anteriormente de<br />
fendida pela renomada doutrinadora Teresa Arruda Alvim, é combatida por Neves<br />
(2006, p. 80), quando assevera que:<br />
A opcao legislativa de conceituar a sentenqa pelo seu conteudo<br />
nao levou em considerac.áo decisoes que. apesar de terem conteúdo<br />
de sentenca, nao póem fim a o processo e nem mesmo<br />
ao procedímento de primeiro grau. Diante do antigo conceito<br />
de sentenca, a circunstancia de terem como objeto materias<br />
previstas pelos arts. 267 e 269 do CPC era absolutamente irre<br />
levante para conceituar tais decisoes como sentenca. sendo por<br />
este motivo consideradas intedocutórias, recorriveis pelo recur<br />
so de agravo de instrumento. Como o novo conceito de sentenca,<br />
o que importará será o conteudo do ato, passando a ser<br />
irrelevante sua repercussáo na continuidade do processo.<br />
1 Os pro n uncí amentos a que se refere o artiga 162 relalam urna manifestado de pensamento do jui^ in<br />
dicando um ato mental definidos como providencias ou piovimentos. Dividem-se em: sentenca. dedsóes<br />
¡nterlocutóriss e despachas (ou despacho de mero e« pe diente). Dileicm dos atos de atividade material, tais<br />
como os de ouvii leslemunha, peritos e advocados das partes.
RAIANE MQUSINHO ÍERNANDE5 BORGES<br />
No mesmo sentido, vozesafirmam a possibilidadede urna decisáo judicial de<br />
natureza híbrida, ou seja, o efeito seria de decisao interlocutória e o conteúdo de sentenga,<br />
implicando abertamente em urna dupla opcjío de recorríbilidade. Consideram a<br />
mudanza de paradigma um grave entrave no sistema recursal, baseando-se, para tan<br />
to, também na ausencia de norma que fac.a referencia expressa á utilizado do principio<br />
da fungibilidade dos recursos, como perpelrava o Código de 1939, artigo 8101<br />
Isto posto, a partir das reformas do sistema processual brasileiro, o presente<br />
trabalho tem por escopo elucidar o aparente confuto entre o "novo" conceito de sen-<br />
tenc.a e o sistema recursal aqueles que nao optam, prima facie, pela melhor técnica de<br />
interpretado do CPC e disseminam ter havido urna verdadeira permuta de criterios.<br />
Data venia, demonstrar-se-á que houve apenas urna "modificac.ao de rótulo, mas nao<br />
de esséncia, pois referida lei manteve inalterado o conceito de decisáo interloaitória,<br />
que continua a ser descrito no CPC, artigo 162, § 2°" (NERY JR_, 2006, p. 372).<br />
Compartilhar com a primeira tese é comprometer o conjunto do nosso sis<br />
tema processual civil, já que nao se pode excluir um principio regulador simplesmen-<br />
te por nao constar explícitamente em nosso diploma legal. Irrepreensível Nery Júnior<br />
(2004 apud Wambier, 2006, p. 158) ao instruir que:<br />
05 principios sao, normalmente, regras de ordem geral, que<br />
muitas vezes decorrem do próprio sistema jurídico e nao ne-<br />
cessitam estar previstos expressamente em normas legáis, para<br />
que se Ihes empreste validade e eficacia.<br />
Essa lic.ao esclarece que, apesar do legislador do CPC de 1973 nao ter trazido<br />
um artigo específico sobre o principio da fungibilidade, nao significa dizer expressa<br />
ineficacia, apenas denota-se que a legislado em vigor, diferentemente do que ocorria<br />
no CPC de 1939, apresentou especificidade na parte da recorribilidade.<br />
A particularidade do sistema recursal do CPC de 1973 visou impedir os conflitos<br />
provenientes do diploma anterior, porém, nao impede que, como excec.áo e preenchídos<br />
os requisitos necessáríos, aplíque-se a fungibilidade recursal.<br />
Acerca do CPC de 1939, Nery Júnior (2006, p. 375) revela que:<br />
Os avanzos trazidos pelo método adotado na redado ori<br />
ginaria do CPC, em vigor desde 1874, que simplificaran! o<br />
sistema recursal porque os pronunciamentos do juiz eram<br />
definidos apenas por fínalidade, nao podem sofrer retrocesso,<br />
caso se interprete a nova redagao do CPC, artigo 162,<br />
§ Io de forma literal e isolada do sistema, para definir sentenca<br />
apenas pelo conteúdo do atojudicial. Isso seria voltar<br />
ao complicado sistema do CPC/39, configurando verdadeira<br />
involu
O -NOVO" CONCEITO DE SENTENCA E SUAS 1MPUCACÚES NO SISTEMA RECURSAL BRASILEIRO<br />
2 CONCEITO LEGAL DE SENTENC.A<br />
Conforme preleciona Bueno (2006, p. 5, grifo do autor):<br />
O que releva para compreender adequadamente as trans-<br />
formagóes trazidas pela Leí n" 11.232/2005 ao Código de<br />
Processo Civil é assumir que pouco importa qual o tipo de<br />
atividade, qual o tipo de ato que o Estadojuiz pratica; ele o<br />
faz sempre mediante processo. O atuar do Estado é sempre<br />
- e por definidlo - processualizado. Enquanto o Estado-ju¡z<br />
precisar atuar, ele atuará processualmente. É desta forma,<br />
mediante processo, que o Estado atua. Sempre<br />
2.1 Evolucáo do conceito de senteni.ii e o deslinde na prática<br />
Chiovenda (1998, p. 37, grifo nosso), ao descrever a evolugao do conceito<br />
de sentenc-a, torna possível um estudo comparativo as transformacóes atuais do<br />
instituto, ao pronunciar que:<br />
No direito portugués e brasileiro operou-se também essa<br />
ampliacáo do conceito de sentenca e a dassificaijáo, própria<br />
de toda a doutrina do direito comum das sentencas em de<br />
finitivas e interlocutórías, e destas últimas em interlocutórias<br />
simples e mistas. A influencia dos principios do direito<br />
canónico foi, todavía, no direito luso-brasileiro, menos pro<br />
funda que nos outros direitos europeus e sul-amerícanos e a<br />
tradigao romanistica manteve-se mais forte, porque reser-<br />
vou-se a apefofáo como recurso admissível únicamente<br />
contra as sentencas definitivas e contra as interlocutó-<br />
rias mistas ton com forca de definitivas), ao passo que as<br />
interlocutores simples nao eram apeláveis, nao transitavam<br />
emjulgado e podiam sempre ser revogadas pelojuiz que as<br />
havia prolatado.<br />
Em seguida, apresenta a definicao de sentencas ¡nterloajtórias e suas sub-<br />
divisóes, ressaltando que:<br />
Sentencas interlocutórías, que nao póem fim a relacao pro-<br />
cessual, mas prouéem no curso déla sobre determinado pon<br />
to da causa; urna vez, contudo, que tais questóes, capazes,<br />
cada urna délas, de dar ensejo a urna sentenca no curso da<br />
líde, sao muito diversas entre si, a doutrina subdivide, por sua<br />
vez, as sentencas interlocutórias em:<br />
[...] d) sentencas interlocutória em sentido próprio, que prové-<br />
em sobre a formacao do material de cognicio e, portanto, tocam<br />
mais de perto o mérito (admissao de meios instrutorios].
RAIANE MOUSINHO FERNANDES BORGES<br />
Uma sentenca interlocutória pode decidir definitivamente um<br />
artigo da demanda: tem-se, entáo, uma sentenc.a em parte in<br />
terlocutória, em parte definitiva. De outro lado, pode-se, numa<br />
interiocutória, resolver uma questa"o de fato e de direíto concer-<br />
nente ao mérito: tem-se, entao, uma preclusao de questóes.<br />
A partir dessa explanado, pode-se dizer que a sentenc.a, definida antes da Lei<br />
n° 11.232/2005, já era analisada pelo criterio dos efeitos do pronunciamento e também<br />
do seu conteúdo, distinguindo-se das chamadas "sentenc.as interlocutórias". Ou seja,<br />
da mesma forma em que ocorria alhures, atualmente pode existir uma decisáo judicial<br />
que tenha conteúdo de sen terina e que, concomitante mente, tenha finalidade de deci<br />
sao interlocutória, nao encerrando a fase de conhecimentó. Exemplo desta circunstan<br />
cia é o caso, citado por Nery Júnior (2006, p. 275, grifo do autor):<br />
Pode haver, por exemplo, decisao interlocutória de mérito, se o<br />
juíi indefere parcialmente a inicial, pronunciando a decadencia<br />
de um dos pedidos cumulados, e determina a citacao quanto<br />
ao outro pedido: o processo nao se extínguiu, pois continua<br />
relativamente ao pedido deferido, nada obstante tenha sido<br />
proferida decisáo de mérito ao se reconhecer a decadencia. Ad-<br />
mitindo-se decisao interlocutória com conteúdo de sentenc.a.<br />
Qualquer situacao dessa natureza nao pode ser interpretada como sentenca,<br />
pois se assim o fosse, estaría desvirtuada toda a lógica do sistema processual como meío<br />
de eficacia á tutela jurisdicional, já que "nenhumato que trate do mérito no <strong>In</strong>terior da<br />
fase de conhecimento pode ser admitido como sentenca" (MARINONI, 2006, p. 408).<br />
Como visto, é possível deparar-se com a hipótese excepcional de uma decisáo<br />
mista e, sendo assim, haverá um confuto no tocante ao recurso cabível, evento que nao<br />
incidía antes. A redacao criticada do artigo 162, § Io, do CPC, afirma in verbis: "Sentenca<br />
é ato do juiz que implica alguma das situacoes previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei".<br />
Nao obstante, ¡nexiste óbice para que, distanciada de razóes pragmáticas, a<br />
interpretacao seja articulada sistemáticamente e, desta forma, mesmo presente o cri<br />
terio substancia], nao seja aplicado o recurso que ocasionará maiores prejuízos ao trá<br />
mite processual, tendo em vista que o recurso de apeiacao, como no exemplo do caso<br />
supracitado, em seus efeitos ensejaria paralisagao desnecessária do processo.<br />
Cumpre ressaltar que o legislador somente deslocou o que ocorria na prá-<br />
tica e aplicou á norma, pois as sentencas já versavam sobre os conteúdos que<br />
tratam os artigos 2674 e 2695 do CPC, uma vez que a redacao anterior destacava,<br />
in verbis: "Sentenca é o ato pelo qual o juiz poe termo ao processo, decidindo ou<br />
nao o mérito da causa".<br />
1 Alude as hipóteses de sentengas terminativas, extinguindo o processo sem resoluíáo de mérito.<br />
> Refere-se as senteni;as definitivas, ou seja, que resolvem o mérito.
O -NOVO- CONCEITO DE SENTEN(A E SUAS IMPLICARES NO SISTEMA RECURSAL BRASILEIRO<br />
A importancia do ato, assim como a redacáo do caput do artigo 267,<br />
modificada também pela mesma Lei, corrobora a tese de que nao pode ser cons<br />
tituido um instituto pela modalidade do recurso a ser adotado.<br />
A orientacáo que neste trabalho defende-se, auxiliada por Neves (2006),<br />
é afastar urna leitura literal do dispositivo e fazer-se urna análise combinatoria, ou<br />
seja, esmiucar, no caso subjudice, a finalidade do ato proferido pelo magistrado,<br />
no teor do caput do artigo 269, assim como também o conteúdo, exigencia do<br />
artigo 162, § Io.<br />
Ratifica-se esta tese ao se observar que a redacao do parágrafo 2° do<br />
mesmo artigo nao foi alterada. O legislador nao se absteve de fazer urna mudanca<br />
nesta parte do CPC que se refere as decisóes interlocutórias sem propósito<br />
algum, ao revés, deixou de fazé-lo porque a ¡ntencáo é primar pela praticidade<br />
processual, ou seja, impóe-se urna norma que favoreca o andamento do processo<br />
e nao para estagná-lo. Sobretudo após a inclusáo da Emenda Constitucional n°<br />
45, de dezembro de 2004, cujo teor incluiu, no artigo 5o, o inciso LXXVIII6, consoante<br />
Varejáo (2006, p. 369), "o táo prolatado principio da celeridade processual,<br />
houve empenho quase que ¡mediato para se tentar adaptar a realidade jurídica<br />
brasileira a mais este 'novo' direito fundamental".<br />
Boccuzzi Neto (2006, p. 589, grifo nosso) aprova, ao alegar que:<br />
Nesse sentido, se a própria Justica está passando por reestruturagóes,<br />
conseqüentemente, o processo, como ins<br />
trumento de solucño de confutas e de administracáo<br />
estatal de interesses privados, também está exigindo<br />
mudancas indispensávels para tomá-lo mais rápido e<br />
eficaz na entrega da prestacáo jurlsdldonaL<br />
É cedigo que o processo objetiva ser o instrumento capaz de realizar<br />
Justina e a convergencia é sempre no intuito de privilegiar a interpretado mais<br />
maleável do direito formal, segundo Bocuzzi Neto (2006), como elemento de<br />
expansao na área de atuagáo, com o fim de dar maior eficiencia á satisfagao do<br />
direito material.<br />
Enfatiza Bocuzzi Neto (2006, p. 589, grifo nosso), ao citar Vicente Greco<br />
Filho:<br />
Nao basta assegurar ao Poder Judlclário a apredacño<br />
de toda e qualquer iesño. É preciso também oferecer<br />
condicóes para que a análise pelo Judiciário se dé de<br />
urna maneira adequada, que realmente atenda os inte<br />
resses dos jurisdidonados.<br />
6 Art. 5o. LXXVm - a todos, no ámbito judicial e administrativo, s8o assegurados a razoável duragáo do<br />
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitado.
3 UMA POSSIVEL SOLU^AO<br />
3.1 Hermenéutica do sistema processual<br />
RAIANE MíHKINIIO rERNANDES BORGES<br />
A evolucáo do conceito de sentenca mostra-se intrínsecamente vinculada á<br />
flexibílizacáo do sistema processual como um todo, e desenvolveu-se também induin-<br />
do as inovacoes trazidas pela Constituicáo Federal de 1988, a qual exige mentes que<br />
acompanhem transformado es, tendo em vista que nao adianta mudarem-se leis sem<br />
que se mudem os operadores do díreito.<br />
Nesse sentido, Eros Grau (2005 apud Varejao, p. 387, grifo nosso), brilhantemente,<br />
doutrina que:<br />
3.2 Aplicado do principio da fungibilidade recursal<br />
As respostas a essas perguntas so podem ser alcancadas satisfatoriamente<br />
por quem tenha urna mente aberta para per<br />
mitir a ftexibilizagao de varias regras do CPC e para proceder a<br />
urna conciliacao satísfatória dessa flexibílizagao com os riscos<br />
que déla podem advir, os quais, caso efeti va dos, podem investir<br />
definitivamente contra a higidez que nosso sistema processuat<br />
adquiriu e consolidou com o tempo [...]. A resoluto dos pro<br />
blemas jun'd i eos, como sói acontecer com qualquer sistema,<br />
depende de ¡nterp retaca o que leve em conta o ordenamento<br />
positivo como um todo.<br />
Conforme mencionado na introdujo deste trabalho, o conceito de sentenca<br />
nunca esteve a salvo de críticas, que, na redacao anterior á Lei n° 11.232/2005, já eram<br />
proferidas no sentido de constituir-se urna tese tautológica7 (NEVES, 2006). Desta for<br />
ma, quando se fazia a pergunta: o que é urna sentenca? Respondia-se: é o ato que póe<br />
termo ao processo. E quando se perguntava: qual é o ato que póe termo ao processo?<br />
Respondia-se: sentenca. Mutatis mutandis, a nova redacao do artigo 162,51°, do CPC,<br />
também é atualmente alvo de severas críticas. O ataque ao "novo" conceito de senten<br />
ca é mais incisivo, como já sublínhado, no tocante á recorribilidade.<br />
No que se refere as imprecisoes terminológicas, manifesta-se Wambier (2006,<br />
p. 175), ao mencionar o mestre Sálvio de Figueira Teixeirs, enfatiza que "quando se<br />
descuida a linguagem, pode-se, com ísso, dar origen a erras de materia ou substan<br />
cia".<br />
Alegam alguns doutrinadores que a grande questao do "novo" conceito é<br />
a adequacao da decisao judicial ao respectivo recurso, fundamentando que, apesar<br />
do vicio de tautología, o conceito anterior nao originava esse tipo de dúvida, quando<br />
existiam somente duas possibilidades: ou a decisao extinguía o processo6 e era recor-<br />
1 Vida de linguagem que consiste dizer. por formas diversas, sempre a mesma coisa, ou seja, é um erro<br />
lógico que significa aparentemente demonstrar urna tese, repetindo-a com diversas palavras.<br />
' Fato que nao ocorria.já que a senten^a recorrivel apenas extinguía o processo em primeira instancia.
O 'NOVO- CONCEITO DE SENTENCA E SUAS IMPLICACÜES NO SISTEMA RECURSAL BRASILEIRO<br />
rivef mediante apelagáo, ou o juiz decidia questáo incidente e, desta forma, cabia<br />
o recurso de agravo. Após a entrada em vigor do "novo" conceito de sentenca,<br />
problemas surgiram.<br />
A solucáo parece simples aos que minimizam esta incompatibilidade,<br />
combinando o artigo 162 com os artigos 267 e 269 do CPC, assim como também<br />
empregando o principio da fungibilidade em casos excepcionais. Nesse<br />
sentido, observa Marinoni (2006, p. 408, grifo nosso):<br />
É preciso interpretar as normas dos artigos 162, § Io, e<br />
269, caput, de acordó com a finalidade da própría lei que<br />
as previu e sem perder de vista a racionalidade do sistema<br />
recursal, que sempre foi admitido como coerente e lógico<br />
pela doutrina e pela prática forense.<br />
Cumpre explicar que para o cabimento de um recurso, é necessário que<br />
"a decisáo seja, pelo menos em tese, recorrível e o recurso adequado, próprio<br />
para a hipótese" (WAMBIER, T., 2006, p. 157). Ao passo que, aplicada á fungibi<br />
lidade, há o abrandamento da regra de adequacáo. Assim ressalta Nery Júnior<br />
{2006 apud WAMBIER, T., 2006, p. 158, grifo nosso):<br />
Logo, mesmc á falta de regra expressa, pode-se entender,<br />
em tese, que a fungibilidade dos recursos nao repugno<br />
ao sistema do CPC, que, como se verá, contém hipóteses<br />
capazes de gerar dúvida objetiva a respeito da adequacao<br />
do recurso ao ato judicial recorrível.<br />
£ no que tange a essas dúvidas objetivas que se propóe a consagrac.ao<br />
do principio como solucáo plausível, no caso de decisóes judiciais que se apre-<br />
sentem mistas,<br />
A nosso ver, urna decisáo que comporte conteúdo de sentenc_a, mas<br />
que seu efeito seja um mero incidente processual, nao terá o poder de suprimir<br />
sua conseqüéncia e apenas vislumbrar-se a sua substancia. Cabera agravo de<br />
instrumento nestas circunstancias, fazendo prevalecer o direito fundamental ao<br />
tempo razoável de duracáo do processo. Só assim a justica almejada poderá se<br />
tornar real.<br />
Ajurisprudéncia patria cometa a se direcionar neste sentido. Com cau<br />
tela, nao se pode dizer que urna decisáo é incidental ou sentenca, sem que<br />
sejam analisados todos os requisitos para tanto.<br />
Outrossim, caso seja verificada urna dúvida objetiva , ausente o erro<br />
grosseiro e a má-fé do recorrente , se evocará a fungibilidade recursal e assim,<br />
resolvido o confuto da forma mais célere e eficaz possível, pelo menos a prin<br />
cipio.<br />
O Egregio Tribunal Regional Federal da 5a Regiáo (TRF5), através do<br />
Desembarcjador Federal Relator da Segunda Turma, Petrucio Ferreira, em re<br />
cente decisáo, orienta a direcao a ser seguida no sentido de empregar-se o<br />
referido principio, ao decidir que:
RAIANE MOUSINHO FERNANDES BOÍtGEÍ<br />
DESPACHO: Cuida a hípótese de Agravo de <strong>In</strong>strumento,<br />
com pedido de efeito suspensivo, arrimado nos artigos 522<br />
e seguintes c/c o artigo 527, inciso ID, e o artigo 558, todos<br />
do CPC, desafiado pela UFRN diante de decisao que indefe-<br />
riu recebimento de apelado. O "decisum" vergastado negou<br />
seguimento á apelacao da UFRN, fundado em ¡ncabimento<br />
do recurso, entendendoojuiz"a quo" que seria ahipótesede<br />
agravo de instrumento e nao de apelo. Nao se identificando,<br />
ao menos prima facie, hipótese que se autorize negar segui<br />
mento ao presente recurso (art.557, CPC), recebo-o. Observo<br />
que a UFRN, interposta peticao de execugao de condenacáo<br />
por parte dos agravados (fls. 11/12), de dedsáo proferida<br />
em acío ordinaria coletiva referente ao índice de reajuste de<br />
3,17%, foi intimada para, nos termos do art. 604, i 2° do CPC,<br />
entáo em vigor (23/01/2006), manifestar-se. [...] Registro, por<br />
oportuno, que, nao obstante já houvesse naquela ocasiio a<br />
publicarlo da revogacio do aludido dispositivo (nos termos<br />
do art. 9o da Lei n° 11.232/2005), a alteracao só entraría em<br />
vigor 06 meses após a publicacao da lei revogadora (con<br />
forme art. 8o da Lei n° 11.232/2005). A Autarquía Federal,<br />
ao manífestar-se (fls. 54/601, aduzindo excesso de execucaa,<br />
pugnou por reelaboracáo de cálculos. Díante de tal manifestacao,<br />
o juízo a quo, já sob a égide das leis alteradoras do<br />
processo de execucáo, aos 06/04/2006, proferiu decisao (fls.<br />
169/172), na qual, ponto a ponto, tratou das discussóes per<br />
tinentes [...] e condenando aínda a UFRN ao pagamento das<br />
despesas processuaís e de verba honoraria em 10% sobre a<br />
condenacáo Desta decisio, a UFRN interpós apelacao, da<br />
qual transcrevo o seguínte excerto; é preciso aínda esclare-<br />
cer-se que a reforma do CPC nao acabou com os embargos<br />
ñas execucoes contra a fazenda pública [...]. Na hipótese sub<br />
examine, proferiu o MM. Juiz nao proceder á citacao da UFRN,<br />
apenas intimá-la para apresentacao de manifestacáo. Assim<br />
fez a opcáo pela forma maís simples e possivelmente maís<br />
eficaz, que dispensa a prolacao de urna sentenca definitiva. A<br />
escolha feita pelo nobre Julgador, no admite a condenacáo<br />
da UFRN em honorario, haja vista que sua solugáo deveria vir<br />
meramente por urna decisao interlocutória, que nao póe fim<br />
ao processo e nio admite condenadlo em honorarios advocatícios<br />
[...]. Como já se viu, a decisao, caso tivesse cunho<br />
de interlocutória, ensejaria a ¡nterposicao de agravo de ins<br />
trumento, todavia, como nio é o que ocorre na prática, nao<br />
resta á UFRN outra alternativa que nao a ¡nterposicáo desta<br />
apelacao, para ver reformada a decisao, tanto para exclusáo<br />
da condenadlo em honorarios advocatícios, como quanto<br />
propiamente ao mérito, para fazer prevalecer suas razóes<br />
[...]. Importante registrar que, entre a data que a UFRN teve<br />
vista dos autos, aos <strong>21</strong>/06/2006 [...], e a juntada da apelacao<br />
suso transcrita, aos 07/07/2006, ainda estava em curso tanto<br />
o recursal para se apelar, quando para se ¡nterpor agravo<br />
-T-
fita<br />
O "NOVO" CONCEITO DE SEUTEN^A E SUAS IMPLICARES NO SISTEMA RECURSAL BRASILEiRO<br />
de instrumento. Restou decidido naquela primeira instan<br />
cia, diante da interposicáo da referida apelacáo, o seguirte:<br />
Nao recebo o recurso de apelacáo ¡nterposto pela UFRN em<br />
face da ausencia do pressuposto processual de cabimento,<br />
porquanto contra decisao interlocutória apenas cabe agravo<br />
de instrumento, interposto diretamente perante o Egregio<br />
Tribunal Regional Federal da 56 Regiao, nao havendo, portanto,<br />
como aplicar, neste caso, o principio da fungibilidade<br />
recursal. [...] No caso, num primeiro momento, determinouse<br />
intimac.áo para impugnar e, na seqüéncia, foi proferida<br />
decisao que, em seu bojo, traz nao só a nítida condenado<br />
da UFRN, como, materialmente, carrega conteúdo decisorio,<br />
cujos fundamentos se assemeltiam efetivamente á decisao<br />
proferida em sede de Embargos a Execugao. NSo por outro<br />
motivo, presumo, foi concedida vista dos autos á UFRN para<br />
ter conhecimentó, conforme se le no verso das fls. 174, de<br />
sentenca. Ademáis, aínda que se entendesse pelo cabimento<br />
do agravo de instrumento e nao do recurso de apelarlo, nao<br />
haveria qualquer impedimento á aplicabilídade do principio<br />
da fungibilidade, pois é certo que tal se afere nSo só pelos<br />
contornos do caso concreto, mas especialmente e em pri<br />
meiro lugar pelo prazo de que se utilizou a parte recórrante.<br />
Na hipótese, fora interposta a apelagáo antes mesmo do esgotamento<br />
do prazo de interposicáo de agravo. Alias, já ñas<br />
razóes recursais a ÜFRN justifica a interposicáo de um e nao<br />
de outro recurso, conforme se le do excerto suso transcrito.<br />
Está evidenciada assim a fumaba do bom direito. Outrossim,<br />
o prejuízo que se pode ter, por via de conseqüéncia, con<br />
substancia o perigo de daño pela demora. O interesse públi<br />
co, que, no mais das vezes, confunde-se com o interesse do<br />
erario, por isso mesmo sempre merecendo maior protejo<br />
legal, pode restar violado. Diante de urna decisáo que, ao<br />
menos nestejuizo liminar, nao observando os comandos le<br />
gáis pertinentes, pode resultar em ónus á Autarquía Federal,<br />
sem que o devido processo legal se tenha observado, o que<br />
se me apresenta, em principio, cerceamento de defesa, resta<br />
motivo suficiente ao atendimento do requisito do "periculum<br />
¡n mora". Comíais considerado es, identificando ofumusboni<br />
juris e o perigo da demora a embasar o pedido, CONCEDO o<br />
efeito suspensivo requerido para determinar aojuízo "a quo"<br />
o recebimento e processamento do recurso de apelarlo da<br />
UFRN, observados ambos os efeitos (devolutivo e suspensi<br />
vo), nos moldes do art. 520, "caput", do CPCDé-se ciencia<br />
de todo o teor deste despacho ao juiz de primeiro grau. <strong>In</strong>-<br />
time-se o agravado, nos termos do art. 527, V do CPC, para<br />
que o mesmo aprésente a sua resposta ao agravo, no prazo<br />
de 10 (dez) días, facultando-lhe juntar copias das pecas que<br />
entender conveniente. Cumpra-se. P.I. (TRF5 - AGTR 69919/<br />
RN - DESPA/2006.000096 - 2a T. - Reí. Des. Petrucio Ferreira<br />
-DJU 29.09.2006)
RAIANE MOUSINUO FERNANDES BORGES I<br />
Conforme se depreende do despacho ácima transcrito, a jurisprudencia<br />
patria prevé expressamente como oportuna a solucáo de aplicacáo do principio da<br />
fungibilidade nos casos de dúvida objetiva, até que se tenha algum posicionamen-<br />
to que gere seguranca jurídica.<br />
No que diz respeito ao prazo aludido no despacho, observa-se que a ju<br />
risprudencia avalia fundamental á proposta de receber a apelac.ao como agravo,<br />
o fato da Autarquía Federal ter interposto apelacáo dentro do prazo de agravo, já<br />
que este último é menor. Verifica-se comprovada a boa-fé da recorrerte ao sope-<br />
sar-setal procedimiento.<br />
Em contrariedade a esse entendimento, amplamente majorítário, alguns<br />
doutri na dores entendem que nao é lógico exigir essa qualidade, já que a circuns<br />
tancia de interposigao de um recurso por outro é adotada quando existe dúvida do<br />
recurso cabível e o respectivo ato decisorio e, assim, nao há sentido em deixar de<br />
utilizar o prazo imaginado como admissível (WAMBIER, 2006).<br />
4 CONSIDERARES FINÁIS<br />
Pelo exposto, compartilha-se com a primeira tese, seguida pela jurispru<br />
dencia patria e por grande parte da doutrina, ao concluir-se, prima facie, ¡nteiramente<br />
ajustada a soluto proposta através do instrumento principio da fungibili<br />
dade, ñas questóes que sejam capazes de suscitar dúvidas objetivas, as quaís, pelo<br />
seu próprio conteúdo, confirman? nao se estar diante de um erro grosseíro.<br />
A interposigao do recurso dentro do menor prazo, entre os dois recursos<br />
confutantes, é considerada fumus boni iuris de quem recorre. Nao há, nesse senti<br />
do, outro posicionamento que nao seja o de admitir-se como provavel a existencia<br />
de urna decisáo mista, mas que apesar disso, como vislumbrado, nao é capaz de<br />
ocasionar graves prejuízos ao sistema recursal brasileiro, apenas cumpre invocar<br />
urna interpretado cumulada de artigos, pois ao sistema processual civil brasileiro<br />
deve aplicar-se a interpretacao sistemática, distante de urna forma literal e isolada<br />
do dispositivo analisado, qual seja, o artigo 162,5 Io, do CPC.<br />
Portanto, até que a jurisprudencia e a doutrina pacifiquem todos os conflitos<br />
oriundos da Leí nD 11.232/2005, em vigor desde 24 de junho de 2006, e que<br />
impliquem em urna seguranca jurídica, deve se compatibilizar, no caso concreto,<br />
o "novo" conceito de sentenca e o sistema recursal, sempre visando o objetivo de<br />
entrega efetiva da prestacao jurisdícional, sem desrespeito ás normas processuais.<br />
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fita
RESUMO<br />
O USO DA FOR^A E A<br />
POSSIBILIDADE DA LEGÍTIMA<br />
DEFESA PREVENTIVA SOB<br />
A ÓTICA DA CARTA DAS<br />
NAC.ÓES UNIDAS E OUTRAS<br />
CONSIDERARES<br />
María Heloisa de Ol'rveira Matos<br />
Académica do 4° periodo do Curso de<br />
Direiío da UFBN<br />
Monitora da disciplina Sociología <strong>Jurídica</strong><br />
As güeras mundiais mexeram definitivamente nos alicerces<br />
moráis da sociedade, alimentando a reflexao acerca da<br />
legitimidade do uso da forca. A Carta das Nacpes Unidas,<br />
em prol de um projeto ante qualquer ameaca a ordem e<br />
paz ¡nternadonais, mais do que abandonou, considerou<br />
injusto o uso da forca. Mas, contrariamente a esta ¡ntencao,<br />
a maíoria dos ataques armados realiza-se em invocacao do<br />
direito á legítima defesa, suscitando um arranjo conturbado<br />
para o estudo do Direito <strong>In</strong>ternacional contemporáneo<br />
sobre a possibilidade da legítima defesa preventiva. Nesse<br />
sentido, este escrito pretende propiciar urna compreensao<br />
sobre o uso da forca e a legítima defesa preventiva sob<br />
principios do Direito <strong>In</strong>ternacional e valores da Carta de<br />
Sao Francisco, levantando urna discussáo político-jurídica<br />
envolta da evolucáo conceítual da guerra e da legítima<br />
defesa, e das possibil i dad es que atendam ao fito de garantir<br />
a consecucao da paz internacional.<br />
Palavras-Chave: Direito <strong>In</strong>ternacional. Uso da Forca.<br />
Legítima defesa preventiva.
1INTRODUQAO<br />
MARÍA HH.OISA DE OLIVEIRA MATOS<br />
A definicáo do estado de guerra sempre foi conturbada no estudo do<br />
Direito <strong>In</strong>ternacional. Até a primeira metade do século XX a doutrina se dividía<br />
em duas posicoes. A corrente subjetivisla destacava o animus beligerandi, ou<br />
seja, a intencao do Estado de se colocar em urna situacao por ele considerada<br />
belicosa, a qual se manifestaría através de urna declaracao formal, ou a partir<br />
de urna serie de fatos que a evidenciassem. Por sua vez, a corrente objetivista<br />
acrescentava como circunstancia caracterizados da guerra urna situacáo per-<br />
meada pelas hostilidades.<br />
Roberto Luiz Silva (1999, p. 417) elucida o conceito do estado de guerra<br />
como "a luta armada entre Estados desejada ao menos por um deles e em-<br />
preendida tendo em vista um ¡nteresse nacional", sendo necessário o elemento<br />
objetivo, que seria a prática de atos que criam o estado de beligerancia, asso-<br />
ciado ao elemento subjetivo, o animus beligerandl. Todavía, tal definicáo nao<br />
exaure a profundeza de urna questao das mais complexas no campo do Direito<br />
<strong>In</strong>ternacional Público.<br />
Nao obstante a inauguracao de uma nova ordem internacional, em um<br />
momento em que o mundo vive atropelado por guerras ilegítimas, o Direito<br />
<strong>In</strong>ternacional faz-se pensar sobre o sistema de manutengao da paz criado pela<br />
comunidade internacional após a Segunda Guerra Mundial. A necessidade que<br />
foi declarada na primeira metade do século XX como pedra angular das Nacóes<br />
Unidas, qual seja, a repulsa á guerra e a incessante busca pela paz como único<br />
meio legítimo de resolucao de conflitos entre os povos, persiste em seu papel<br />
fundamental e reclama uma nova compreensao sobre o fenómeno histórico<br />
ainda em curso, envolto de novos desafíos á consumado da paz internacional.<br />
Nessa esfera, o objetivo geral deste ensato é aprofundar o estudo ju<br />
rídico do uso da forca pelos Estados, principalmente no que concerne á única<br />
ressalva ao fenómeno do confuto armado autorizada hodiernamente, a legítima<br />
defesa, e, sobretudo, o seu lado mais intricado, a legítima defesa preventiva.<br />
<strong>In</strong>icialmente, far-se-á uma abordagem genérica do desenvolvimiento do estudo<br />
da guerra, percorrendo a evolucao histórica do conceito de guerra justa até a<br />
doutrina da legitima defesa. Em seguida, será apresentada uma análíse jurídica<br />
do conceito de legitima defesa, bem como a apreciagáo da possibilidade do<br />
recurso ao instituto e dos limites impostos pelo artigo 51 da Carta das Na-<br />
coes Unidas ao seu emprego, além dos valores consagrados ñas Resolut;Óes<br />
do Conselho de Seguranca, na doutrina e no costume internacional alusivos á<br />
admissibilidade da legítima defesa preventiva no sistema de seguranca coletiva<br />
internacional.<br />
Doravante, construir-se-ao os alicerces para uma melhor compreensao<br />
sobre o uso da forca e a legítima defesa preventiva, revelando-se imprescindível<br />
a anállse poíitico-jurídica da própria dinámica das relacoes internacionaís e do<br />
Direito <strong>In</strong>ternacional, e, para tanto, uma visao aberta a todos os meios que possam<br />
acolher a defesa da paz, a seguranca dos povos e o imperio da justica.
O USO DA llllitA I" A POSSIBIL1DADE DA LEGITIMA DEFESA PREVENTIVA SOB A ÓTICA DA CARTA<br />
DAS NACO ES UNIDAS E OUTRAS COMS1DERACÓES<br />
2 A EVOLUCÁO DO DIREITO INTERNACIONAL E DA GUERRA<br />
No decurso da historia, um dos temas mais recurrentes do Direito <strong>In</strong>ter<br />
nacional Público1 tem sido o confuto entre os povos. A temática da guerra seria o<br />
cerne do direito da relacao entre os povos durante a Antigüidade Clássica, dadas as<br />
contríbuicoes de Grecia e Roma, e o Medievo, deuido á influencia da Igreja.<br />
Os gregos legaram para o estudo histórico da guerra conceitos impor<br />
tantes como os de direito de asilo, ¡munidade de agentes diplomáticos, respeito<br />
e protegao aos lugares sagrados, bem como varias regras de comporta mentó dos<br />
beligerantes no campo de batalha. Por outro lado, o tratamento discriminatorio<br />
dado aos estrangeiros na Grecia iníbiu o surgimento entre os filósofos helenos de<br />
urna proibicSo jurídica a guerra (HUCK, 1996, p. 27).<br />
A doutrina da guerra justa foi herdada do Direito Romano, que inicialmente<br />
vincula a guerra ao misticismo e ao ritualismo, sujeitando a guerra, a paz<br />
e os tratados com outros povos as formalidades religiosas, para a legitimagao do<br />
uso da forga. A teoria do bellum justum, enfim, se consolida com a conversao do<br />
Imperio Romano ao cristianismo e o conseqiiente abandono por parte dos cristaos<br />
do pacifismo, aplicando-se ao conceito de guerra justa a concepcao de sancao<br />
suprema para manutengao de urna sociedade ordenada.<br />
O pensamento da Igreja incorporou o conceito de guerra justa com pro<br />
fundas alteracoes a idéia perpetrada em Roma. Os primeiros teóricos defendiam<br />
terem os ensínamentos de Cristo proibido de forma absoluta a guerra. Mas logo<br />
esta posigáo passa a ser contestada por doutrinadores que buscavam legitimar<br />
o uso da forca em nome de Deus e da Igreja. Santo Agostinho (354-430) langa<br />
esse raciocinio e define guerra justa como a guerra declarada exclusivamente pelo<br />
príncipe, cujo fundamento era a própria justica, ou seja, o resguardo de um direito<br />
violado e a restauracáo do status pacífico (SILVA, 1999, p. <strong>21</strong>). Para Sao Tomás de<br />
Aquino (1228-1274), a guerra seria justificada se acompanhada de urna justa causa<br />
- a punicáo de ofensores -, se embasada pelas intencoes corretas por parte dos<br />
beligerantes, e se formalmente declarada pela autoridade soberana (HUCK, 1996,<br />
p. 30-36).<br />
Com o surgimento dos Estados Modernos europeus, a doutrina é asso-<br />
ciada á soberanía dos Estados e modifica, porconseguinte, o enfoque do conceito<br />
de guerra justa. Com Francisco de Vitoria (1486-1546), o bellum justum passa a<br />
apresentar como atores os novos Estados soberanos e enfatiza que nem todo tipo<br />
de forca nem todo grau de violacao é suficiente para dar ensejo a urna guerra.<br />
Décadas após, Francisco Suarez destacaría que a violacao de um direito deveria<br />
1 A consol id a qáo da Direito <strong>In</strong>ternacional Público como disciplina e corpo normativo aulónomo e sistem<br />
atizado se dá básicamente nos séculos XVI u XVU, mm a afirmacáo do Estado como organizado político-<br />
jurídica em substituido aos feudos Nessc sentido, o Tratado de Weslíáiia de 1648 estabeleceu um marco<br />
no tratamento da disciplina e na configuracao da ordem internacional.
MARÍA HELOISA DE OLiVEiRA MATOS<br />
ser seguida da constatado de urna justa causa e que nao teria havido qualquer<br />
modo de reparacao além da guerra. Esta passou a ser considerada a ultima ratio,<br />
com implicacóes somente no uso proporcional da forca para sobrepujar a torga<br />
contraria.<br />
Finalmente, com o crescimento do positivismo concentrando poder sobre<br />
a soberanía do Estado, a legalidade do recurso á guerra foi vista como dependente<br />
doprocesso legal formal. Hugo Grótius (1583-1645), o fundador do Direito <strong>In</strong>terna<br />
cional moderno, lancou a explicacao racional do beiitim justum em termos de autodefesa,<br />
protecao de propríedade e punicao por violacoes sofridas por cidadaos<br />
do Estado em questáo. A paz e a guerra receben? um tratamento contratual, sendo<br />
justa aquela assim considerada e contratada pelos principes, e o Direito <strong>In</strong>ternacio<br />
nal é tomado como urna criacao voluntaría de entidades soberanas sem qualquer<br />
vinculacao a valores que pudessem transcender ao seu próprío poder.<br />
Com o estabelecimento definitivo do sistema de equilibrio europeu após<br />
o Tratado de Westfálía, em 1648, o conceito de guerra justa é ofuscado do Direito<br />
<strong>In</strong>ternacional e o Estado emerge como unidade política soberana e titular do ius ad<br />
bellum, ou Direito á Guerra. A causa justa da guerra segundo padróes éticos torna<br />
se ¡rrelevante para a análíse jurídica perante a comunidade internacional e passa a<br />
nao mais atetar a legalidade da forca como Lima ferramenta do Estado soberano. O<br />
direito de fazer a guerra passa a confundir-se com a própria soberanía dos Estados;<br />
portante, um direito subjetivo incondicionado destes entes.<br />
Cornudo, á medida que o Estado absolutista cede espaco para as limitacóes<br />
constitucíonais ao poder absoluto dos reis, sobretudo com as revolugoes lib<br />
eráis, a definicao da guerra justa é permeada de novos elementos. Os pensadores<br />
iluminístas do século XVIII revísam o estudo clássico do Direito <strong>In</strong>ternacional e estabelecem<br />
um criterio racional dejustica no tratamento da temática da guerra, ao<br />
lancarem o idealismo ñas relacóes internacíonais, orientados pelo assentamento de<br />
normas de conduta para os atores com o fito de se estabelecer a ordem, Immanuel<br />
Kant dá um importante passo no estudo das condicoes ideáis para se atingir a paz<br />
entre os Estados, ao insistir que o estado de paz é urna criac,ao possível pelo esforco<br />
humano, mesmo avaliando a guerra como o estado de nalureza. Surgem ainda<br />
as primeiras idéias de urna sociedade global, com o resgate da máxima estoica de<br />
que há urna só cidade que é o universo, no qual todos sao cidadaos.<br />
Mas, se no campo teórico dá-se a busca idealista pela superacao da beli<br />
gerancia por meio de um criterio dejustica explicitado nos tratados e em normas<br />
internacionais, a praxe política no século posterior ao período das luzes era dosada<br />
pelo realismo na busca da ordem. Sería inevitável a ocorréncia de guerras, o que<br />
acabou por acontecer, gerando urna serie de conseqüéncias jurídicas que fizeram<br />
surgir ojus in bello, ou Direito da Guerra, cujas normas comecaram a operar entre<br />
as partes e Estados terceiros e urna serie de novas situacoes legáis surgiu.<br />
Nesse sentido, até a segunda metade do século XIX, os Estados acordam<br />
tratados internacionais que se limitam a garantir a paz na Europa atreves do equili<br />
brio de forcas. O Congresso de Viena de 1815 ao sinalizar por esta concepcáo,<br />
regia-se pela busca do equilibrio de poder entre as potencias da época - Austria,
O USO DA FORCA E A POSSIBIL1DADE DA LEGITIMA DEFESA PREVENTIVA iCIi A ÓTICA DA CARTA<br />
DAS NAIPES UNIDAS E OUTRAS CONSIDERADO ES<br />
<strong>In</strong>glaterra, Rússia, Prússia e Franca. O tratamento da guerra enquanto um arbitrio<br />
do Estado soberano nao adquire maiores mudanzas na política externa européia e<br />
ojus ad bellum segué como auténtico direito subjetivo do Estado. Todavía, ao invés<br />
da tradicional guerra por ataque armado, sao aplicados também, por exemplo,<br />
represalias e bloqueios pacíficos, nos quais o uso da forga é utilizado de maneira<br />
hostil a fim de assegurar direítos ou punir ofensores, o que acabou por langar o<br />
"fundamento objectivo ao nao-recurso da forca e impor o uso de meios de res-<br />
olucáo pacífica de conflitos" (PELLET et al., 2003, p. 954).<br />
No século XIX, entretanto, a ordem internacional do equilibrio europeu,<br />
apesar de ter garantido um extenso período sem grandes conflitos, sofreu cor-<br />
rosóes cada vez ma¡s ameagadoras á paz. A decadencia do poderío austríaco e o<br />
surgimento da Alemanha como nova potencia européia em 1871 tumultuaram o<br />
sistema de aliangas, e o esgotamento do imperialismo capitalista em dividir os mer<br />
cados coloniais entre os grandes países da Europa prenunciou a formagao de dois<br />
blocos antagónicos: a Tríplice Alianga e a Tríplice Entente. Em julho de 1914 tem<br />
inicio a Pn'meira Guerra Mundial, retomando a discussao sobre a guerra injusta.<br />
2.1 O Direito <strong>In</strong>ternacional e a guerra sob a ótica do Pacto da Liga das Na^oes<br />
Os efeitos da Primeíra Guerra Mundial desencadearam urna significativa<br />
alteragáo na forma dos teóricos e chefes de Estados encararem a guerra. Nao seria<br />
mais cabível que as discussóes sobre um direito indiscriminado á guerra fossem<br />
tratadas como urna liberalidade do Estado. Surgem propostas de se estabelecer,<br />
através de tratados, um criterio jurídico para a manutengao da paz e emerge a<br />
concepgao de que os problemas de seguranga coletiva deveriam ser postos sobre<br />
a atribuicao de urna Organizagáo <strong>In</strong>ternacional de caráter universal, que deveria 5u-<br />
pervisionar a conduta da comunidade internacional de forma a assegurar que atos<br />
de agressáo nao mais ocorressem. Em 1919, a Conferencia de Paz em Versalhes cria<br />
a Liga das Nagoes, primeira organizagao entre Estados com urna proposta cosmo<br />
polita, pensada com o escopo central de manter a paz e a seguranga coletiva.<br />
O Pacto da Liga das Nagoes nao proibia a guerra propriamente dita, mas<br />
destinava-se a abreviar tal fenómeno a níveis toleráveis, fazendo referencia ex-<br />
pressa ao uso da forga em varios artigos. Destes, destaca-se o artigo 11, de que<br />
toda guerra, ou ameaga de guerra que atingisse direta ou indiretamente algum dos<br />
membros da Liga ¡nteressaria a toda Liga, tendo esta o dever de "adotar as medidas<br />
necessárias para salvaguardar eficazmente a paz das nagoes". Os artigos 12, 13 e<br />
15 instituem um sistema próprio de arbitragem, destinado a conhecer e solucionar<br />
as pendencias entre as nagoes, evitando um confronto direto. Destarte, urna guerra<br />
declarada sem previa tentativa de solugao pacífica era considerada ilegal. Os Esta<br />
dos submetidos á arbitragem se comprometiam a cumprir a decisao e, em havendo<br />
descumprimento por qualquer das partes, nao podiam recorrer á forga antes de<br />
fita<br />
tres meses da publicagao da decisáo (RANGEL, 1988, p. 98).<br />
Apesar de ter sido incapaz de evitar ¡números conflitos no período entre<br />
guerras, o resultado positivo do Pacto foi a consagragao, pela primeira vez e sob
MARÍA HELOISA DE OLIVEIRA MATOS I<br />
a aspíracao cosmopolita de urna Organizado <strong>In</strong>ternacional, do conceito de que<br />
a forca deveria ser utilizada apenas como último recurso para solucionar as con<br />
troversias entre os Estados. Este espirito, impulsionado pelo temor de urna nova<br />
guerra total, ¡nspirou a assinatura de varios tratados de abstencáo ao recurso á<br />
forca pelos seus signatarios como forma de solucao de litigios. Sao firmados o Pro<br />
tocolo de Genebra para a Solucao Pacífica de Controversias, em 1924, e os Tratados<br />
de Locarno, em 1925; sao adotadas as Resolucóes da Assembléia Geral da Liga das<br />
Nacóes em 1925 e 1927, e as Resolucóes da Sexta Conferencia <strong>In</strong>ternacional dos<br />
Estados Americanos em 1928, todos reafirmando a ilegalidade da guerra.<br />
Mais do que o disposto no Pacto da Liga das Nacóes, a grande contribuicáo<br />
que se verifica no entre guerras para o desenvolvimento do ius ad bellum é<br />
a adocao em Paris, a 27 de agosto de 1928, do Tratado Geral de Renuncia á Guerra,<br />
ou Pacto Briand-Kellog, no qual as partes estatuem no artigo Io que condenam<br />
o recurso á guerra para a resolucao dos litigios internacionais e a ela renunciam<br />
enquanto instrumento de política nacional ñas suas relacóes mutuas, tornando-se<br />
claro, portanto, que a proibicao do recurso á forca era agora um principio válido<br />
do Direito <strong>In</strong>ternacional. Contudo, reservas ao tratado por parte de alguns Estados<br />
tornaram aparente que o direito de dispor da forca em legítima defesa ainda era<br />
um principio reconheddo no Direito <strong>In</strong>ternacional.<br />
Entretanto, mesmo com a experiencia desastrosa da Primeira Guerra e a<br />
afirmacao da Liga das Nacóes e do Pacto Briand-Kellog, o recurso á violencia na<br />
solucao dos conflitos entre os Estados prevaleceu, levando a humanidade a mais<br />
uma guerra atroz em setembro de 1939, a Segunda Guerra Mundial, que veio a<br />
decretar tácitamente a falencia da Liga das Nacóes.<br />
2.2 O Direito <strong>In</strong>ternacional e a guerra sob a ótica da Carta das Nacóes Unidas<br />
As desgranas de 1914 e 1939 deixaram lígoes ao sinalizaram pela impossibilidade<br />
de se qualificar qualquer guerra como justa. O direito de ir á guerra nao<br />
mais poderia ser deixado ao Iivre talante dos Estados. A partir de agora, a paz<br />
universal seria o principio por excelencia para sepultar o flagelo da guerra. É este o<br />
espirito no qual se engaja a comunidade internacional quando, no día 26 dejunho<br />
de 1945, é assinada em Sao Francisco a Carta das Nacóes Unidas.<br />
<strong>In</strong>augura-se um novo quadro no tratamento jurídico da guerra, onde se<br />
dá a busca pela sua regulamentacao e pela responsabílizacao dos seus causadores,<br />
tanto Estados quanto individuos, com o surgímento do Direito Penal <strong>In</strong>ternacional<br />
nos Tribunais de Nuremberg e Tóquio. O aperfeigoamento do tratamento jurídico<br />
da guerra dá um passo fundamental na sua ab.olic.ao enquanto um direito subjetivo<br />
do Estado no exercício de sua soberanía. Certo é que em todas as guerras as partes<br />
beligerantes continuariam a justificar seus atos através do criterio moral do bellum<br />
justum, ou político do ius ad bellum. Mas, a partir da condenado da guerra por<br />
tratados internacionais, nenhum desses criterios legitimaria o uso da forca.<br />
A Carta de Sao Francisco enquanto um Direito <strong>In</strong>ternacional novo, opta<br />
por apresentar um projeto de esperanca em uma ordem pacifica ao declarar o
O USO DA FOHCA E A POSSIBILIDADE DA LEGÍTIMA DErESA PREVENTIVA SOB A ÓTICA DA CARTA<br />
DAS NAIPES UNIDAS E OJTRAS CONSIDERACOES<br />
repudio á guerra e o banimento do uso da forca como instrumento das relac5es<br />
internacionais, ressalvadas hipóteses excepcionais. Isso sígnificou que, em materia<br />
de ius ad bellum, os usos e costumes internacionais, fontes normativas essenciais<br />
do Direito <strong>In</strong>ternacional Público, nao tiveram muita relevancia na regulamentacáo<br />
das situacóes de conflitos, entao regulados essenciaimente pelas normas da Carta.<br />
Citam-se os seguintes dispositivos que apóiam essa afirmacao:<br />
Art. Io. Os propósitos das Nacóes Unidas serao: 1, Manter a paz e<br />
a seguranca internacionais e, para essefim: adotar coletivamente.<br />
medidas efetivas para evitar ameagas á paz e reprimir os usos de<br />
agressao ou outra qualquer njptura da paz e chegar, por meios<br />
pacíficos e de conformidade com os principios da justica e do<br />
direito internacional, a um ajuste ou soluto das controversias ou<br />
situacóes que possam levar a urna perturbado da paz<br />
Art 2a. A organizado e seus membros, para a realizado dos<br />
propósitos mendonados no art 1°, agirao com os seguintes<br />
principios: [..] 3. Todos os membros deveráo resolver suas con<br />
troversias intemacionais por meios pacíficos, de modo que nao<br />
sejam ameaqadas a paz, a seguranza e a justica intemacionais. 4.<br />
Todos os membros deverio evitar em suas relacóes internacio<br />
nais a ameaca ou o uso da forca contra a integridade territorial ou<br />
a independencia política de qualquer Estado, ou qualquer outra<br />
nacSo incompatível com os Propósitos das Nacóes Unidas. 5. To<br />
dos os membros darao as Nacóes unidas toda assisténcia em<br />
qualquer acao a que elas recorrerem de acordó com a presente<br />
Carta e se absterao de dar auxilio a qualquer Estado contra o qual<br />
as Nacóes Unidas agírem de modo preventivo ou coercitivo.<br />
Art. 24.1. A fim de assegurar pronta e eficaz acio por parte das<br />
Nacóes Unidas, seus membros conferem ao Conselho de Segu<br />
ranca a principal responsabilidade na manutencao da paz e da<br />
seguranza internad o nais, econcordam em que, no cumplimento<br />
dos deveres impostos por essa responsabilidade, o Conselho de<br />
Seguranca aja em nome deles.<br />
Art. 33.1. As partes em urna controversia que possa vir a consti<br />
tuir urna ameaca á paz e á seguranca internacionais, procurarlo,<br />
antes de tudo, chegar o urna solucao por negociacao, inquérito,<br />
mediado, conclliacao, arbitragem, soluclo judicial, recurso a en<br />
tidades ou acordes regionais, ou a qualquer outro meio pacifico<br />
á su a escolha<br />
Ressalvadas as hipóteses de legitima defesa do Estado abordadas no ar<br />
tigo 51, que serao posteriormente analisadas, e demais d¡spos¡c,óes sobre as organizacóes<br />
regionais de promocao da seguranca coletiva (capítulo vm da Carta),<br />
a entidade detentora por excelencia de legitimidade para promover a paz mundial<br />
e exercer a prerrogativa do uso da forc.a no ámbito internacional é o Conselho de<br />
Seguranca (artigo 24.1). Ademáis, em nenhum caso há a possibilidade do uso legal<br />
da forca internacional, seja pelos Estados, seja pelas organizacoes regionais, sem<br />
que o Conselho de Seguranca atue como interveniente ¡mediato ou mediato.
MAMA HELOISA DE OUVEIRA MATOS I<br />
Na verdade, mesmo com o aparato legal e o avanco teórico no trata-<br />
mento da guerra trazido pela Organizacáo das Nacoes Unidas (ONU), a irracionalidade<br />
humana outra vez prevaleceu e varios foram os conflítos na segunda<br />
metade do século XX. O periodo da Guerra Fría presencíou intervencoes militares,<br />
em que, muitas vezes, as duas superpoténcias buscavam legitimar os seus atos<br />
ou através da legitima defesa ou através de argumentos em defesa de principios<br />
humanitarios e restaurado democrática por parte dos Estados Unidos e a contencao<br />
da reacao burguesa anti-socialista por parte da Uniao Soviética.<br />
3 O USO DA FORíJA E A POSSIBIUDADE DA LEGÍTIMA DEFESA PREVENTIVA<br />
NA CARTA DAS NAíJÓES UNIDAS<br />
O principio da interdicao do uso da forca ñas relacóes internacionais é<br />
concretizado ñas disposicoes da Carta de Sao Francisco, porém, como já citado,<br />
há excecóes. O artigo 107 faculta aos Estados membros a usar a torga, caso se<br />
prove necessário, contra os Estados <strong>In</strong>imigos, definidos como "qualquer Estado<br />
que, durante a Segunda Guerra Mundial, foí inimigo de qualquer signatario da<br />
presente Carta" (artigo 53.2). No entanto, esta disposicao se mostra caduca, urna<br />
vez que todos os chamados Estados <strong>In</strong>imigos atualmente sao membros das Nacóes<br />
Unidas.<br />
O uso da forca mediante acoes do Conselho de Seguranca consiste na<br />
segunda excecáo. O capítulo VFI da Carta consolida a vocagáo do órgao para a<br />
rnanutencáo da ordem e seguranca internacional. Assim prevé o artigo 42:<br />
Art 42. No caso de o Conselho de Seguranza considerar<br />
que as medidas previstas no Artigo 41 seriarn ou demonstr-<br />
aram que sio inadequadas, poderá levar a efeito, por meio<br />
de forjas aéreas, neváis ou terrestres, a agio que julgar necessária<br />
para manter ou restabelecer a paz e a seguranza in-<br />
ternacionais. Tal agao poderá eompreender demonstrado es,<br />
bloqueios e outras operares, por parte das forqas aéreas,<br />
navais ou terrestres dos Membros das Nacóes Unidas.<br />
A última excecao para o uso legal da forca, e a hipótese mais conturbada<br />
por diversas posicoes doutrinárias, é a baseada no principio da legítima defesa. A<br />
dogmática jurídica denomina legítima defesa a ocasiao na qual a autoridade que<br />
legitimamente poderla empregaro uso da forca, mas que ern determinada situacáo<br />
nao pode se fazer presente, havendo um perigo atual e ¡mínente de daño a<br />
um determinado bemjurídico, permite a reacao imediata á agressáo injusta.<br />
Como ocorre nos ordenamentos internos dos Estados, o instituto da<br />
legítima defesa também está presente no Direito <strong>In</strong>ternacional, e ganha maior<br />
alcance com o surgimento do sistema de restricáo da forc.a, tornando-se urna das<br />
poucas excecoes adequadas á justificacao de urna guerra perante o Direito <strong>In</strong>ter<br />
nacional, e recebendo o status de direíto subjetivo natural do Estado enquanto<br />
recurso necessário a garantir outro direito maior, qual seja, o da sua preserva-<br />
-T-
O USO DA rongA E A I'OíSIiIIlíDaüC DA LEGITIMA DEFESA PREVENTIVA SOB A ÓTICA DA CARTA<br />
DAS NAgOES UNIDAS E OUTRAS CONSIDERARES<br />
cao.<br />
0 estudo da legítima defesa acaba por encaminhar a apreciacao do<br />
fenómeno da defesa preventiva. Esta se configura no ato de, a fim de evitar<br />
que violagóes futuras venham a acontecer, o Estado realize urna ofensiva an<br />
tes de ser atacado. Divide-se a legítima defesa preventiva em: Defesa <strong>In</strong>ter<br />
ceptiva, quando um Estado se langa em um ataque preventivo, em vistas de<br />
neutralizar urna agressao ¡mínente do inimigo; e Defesa Antedpatória, quando<br />
um Estado, cíente de urna ameaca grave, decide lancar-se em ofensiva militar,<br />
mesmo estando ausentes as provas da ameaca ¡mediata. Mas, nestes casos, o<br />
uso da forca seria justificado?<br />
3.1 A Legítima Defesa Preventiva e o artigo SI da Carta das Nai;óes Uni<br />
das<br />
A Carta das Nagoes Unidas versa em seu capitulo Vil, entre os artígos<br />
39 e 51, sobre a acao relativa a ameacas á paz, ruptura da paz e atos de<br />
agressao. Para a consecucao da paz, a Carta firmou a proibígáo da guerra com<br />
reservas a tres hipóteses, que propositadamente teriam a íiberdade de agao<br />
armada com intuitos pacíficos ou garantia da seguranca, dentre elas a legíti<br />
ma defesa. Especificamente, o artigo 51 traz a possibilidade de emprego da<br />
guerra ou uso de forcea para assegurar o direito intrínseco á legítima defesa:<br />
Art. 51, Nada na presente Carta prejudicará o direito iner-<br />
ante de legítima defesa individual ou coletíva, no caso<br />
de ocorrer um ataque armado contra um membro das<br />
Nacóes Unidas, até que o Conselho de Seguranca tenha<br />
tomado as medidas necessárias para a manutengo da<br />
paz e da seguranza internacionais. As medidas tomadas<br />
pelos membros no exercício desse direito de legitima de<br />
fesa serio comunicadas ¡mediatamente ao Conselho de<br />
Seguranca e nao deveráo, de modo algum, atingirá autoridade<br />
e a responsabilidade que a presente Carta atribuí<br />
ao Conselho para levar a efeíto, em qualquer tempo, a<br />
ai;ao que julgar necessária a manutengo ou ao restabelecimento<br />
da paz e da seguranza iniernacíonais.<br />
O artigo 51 confere superioridade ao direito á legítima defesa ao dispor<br />
que "nada na presente Carta prejudicará o direito inerente", do qual se<br />
revela sua grande importancia. A reafirmacáo do instituto denota o cuidado<br />
em observar a sua efetividade diante da nova ordem internacional, agindo a<br />
legítima defesa como via alternativa no próprio texto da Carta á proposigao<br />
jurídica de ba ni mentó da forca. A acentuada garantia da legítima defesa acaba<br />
suscitando o abuso desse direito, urna vez que os atos apoiados na legítima<br />
defesa como meio de urna agao legal mais eficaz do ordenamento, sao de<br />
antemao validados pela simples possibilidade de coeréncia jurídica com o ar<br />
tigo 51. Desse modo, esta dispasicáo tornou-se polémica, levantando diversas
MARÍA HELOISA DE OLIVEIRA MATOS<br />
interpretares extensivas da legitima defesa como justificativa para invasoes<br />
e ¡ntervencóes.<br />
<strong>In</strong>ovando o antigo tratamento dado á legítima defesa pelos usos e<br />
costumes, a Carta estabelece condicóes previas para o seu exercicio, além<br />
de nao deixar dúvidas sobre sua provisoriedade, uma vez que o Conselho<br />
de Seguranza - a autoridade competente para empregar ou autorizar o uso<br />
da forca no ámbito internacional - em nao podendo atuar prontamente em<br />
determinada situacao, permite-se ao Estado utilizar a forca em caráter pro<br />
visorio, devendo informar, imediatamente ao Conselho para que proceda na<br />
restauracao da paz.<br />
Quando o artigo 51 trata da "legitima defesa individual ou coletiva",<br />
há a garantía de legítima defesa coletiva, entendida quando duas ou mais<br />
nacoes firmam tratados de defesa recíproca para assegurar que em caso de<br />
ataque ou ameaca, os esforcos militares sejam mais eficaces. Porém, sao con<br />
testadas as circunstancias em que a legítima defesa coietiva possa ser alega<br />
da, pois existe a possibilidade de que, por exemplo, acordos de defesa mutua<br />
sejam pactuados após o ataque, com um ou mais Estados, para uma acjo de<br />
represalia a agressáo ou ameaga que gerou o direito á legítima defesa. Ian<br />
Brownlie (2003), acerca do aludido, lembra o caso Nicaragua^, no qual o Di<br />
reito <strong>In</strong>ternacional indicou duas condigóes para o ejercicio legal da legítima<br />
defesa coletiva: que o Estado vítima declare seu estado como vítima e re-<br />
queíra assisténcia, e que o ato ilegal reclamado constitua um ataque armado.<br />
No artigo 51, a necessidade de uma aráo anterior que justifique a<br />
legítima defesa é revelada na expressáo "no caso de ocorrer", que, se enten<br />
dida desta forma, torna-se vaga por nao prever que acóes anteriores serao<br />
consideradas e quáo anteriores podem ser. Ilustra com propriedade a Guerra<br />
da Cachemira3.<br />
Cabe uma ressalva acerca do artigo 2.4, quando condena com acuidade<br />
o uso da forca quanto á "ameaca do uso da forca". A possibilidade de<br />
agir em legítima defesa frente uma agressáo ¡mínente, é a grande dissensao<br />
da problemática em análise. Alguns defendem que a ameaca nao autoriza o<br />
' Caso dos Contras na Nicarágua/1979 - Estados Unidos e Nicaragua. Receando que Sandinistas da Nicaragua<br />
estivessem importando o cegime socialista de Fidel Castro, o govemo norte-ameritan o finandou, a partir de 1981,<br />
a forc^ contra-revofudonária dos "Contras". O govemo da Nicaragua entrou com urna queixa contra os Estados<br />
Unidosjunto á Corte <strong>In</strong>ternacional de Justica, exigindo repara(5es pelo ocorrido, na violado de sua soberanía. Os<br />
Estados Unidos alegaram que agiram em legitima defesa coletiva, a favor de El Salvador, com quem tem acordos<br />
de defesa coleliva, e seria vitima recórtente de ingerencias da Nicaragua. Porém. a Corte concluiu que se a Nica<br />
ragua nao oferecia nscos aos Estados Unidos, tampouco o fazia a El Salvador, descaracterizando a legítima defesa<br />
pieventiva coletiva.<br />
:Guerra da Cache mira/194 7 - <strong>In</strong>dia e Paquistao. Ambos os países alegaram o instituto da legitima defesa para o<br />
combale armado. O Conselho de Seguranza nao conseguiu eslabelecer qual dos dois liavia iniciado a agressSo<br />
em uma análise histórica, tendo que avaliar qual deles possuia procedencia na alegado.
fñ| O USO DA FDRQA E A POSSIBILIDADE DA LEGITIMA DEFESA PREVENTIVA SOB A ÓTICA DA CARTA<br />
m -""NACÓES UNIDAS E OUTRAS COM5IDERAC6ES<br />
uso da forc.a contra um Estado, poís alegam que a legítima defesa é usada de<br />
forma abusiva caso nao tente deter uma agressao existente. Outros asseveram<br />
que a ameaca é um risco de violencia iminente e deve ser considerada como uma<br />
agressáo, argumentando a favor da Legitima Defesa Preventiva.<br />
Ressalte-se que qualquer interpretarlo das normas sobre esse tema, por<br />
mais extensiva, deve ter por base dois elementos: a proporcionalidade e a iminéncia<br />
do perigo de daño ou agressao a um bemjurídico. A proporcionalidade no Direito<br />
internacional foi consagrada no dásslco episodio do navio Caroíine4, que deu<br />
subsidios para a corrente doutrinária que admitía a defesa preventiva como forma<br />
jurídicamente aceitável. ao defender que um Estado pode antecipar sua defesa<br />
contra um possível ataque de outro Estado (BROWMLIE apud HUCK. 1996, p. 177).<br />
Com o advento da Carta da ONU, contudo, em especial por forc.a do artigo<br />
51, nao mais seria justificável a legitima defesa preventiva, posto que o artigo é<br />
expresso ao exigir um previo ato de agressáo. Quanto á agressao nao cabía mais<br />
considerá-lo meros alos políticos ou declaracóes hostis de chefes de Estado, posto<br />
que a Resolucáo n° 3.314, de 14 de dezembro de 1974, da Comissáo de Direito<br />
<strong>In</strong>ternacional, logrou definí-la. O seu artigo 1° conceitua a agressao como o "em-<br />
prego da forc.a armada por um Estado, contra a soberanía, integrídade territorial ou<br />
independencia política de outro Estado ou de qualquer forma incompatível com a<br />
Carta das Nacóes Unidas".<br />
Aínda no artigo 51, a expressao "ataque armado", mesmo nao conceituada,<br />
pode ser entendida como quando a forca é usada em larga escala e com efeitos<br />
substanciáis, o que abre espado para que a prática de alguns Estados e os usos e<br />
costumes, mesmo após a Conferencia de Sao Francisco, tendam a flexibilizar o rigor<br />
do artigo, considerando legal nao só a legítima defesa preventiva, mas tamüém a<br />
autoprotecao, como exemplifíca o caso do Canal de Corfú5.<br />
' Caso Caroline/1837 - Estados Unidos. Canadá e <strong>In</strong>glaterra. A embarcado Caroline era utilizada poi rubelados<br />
na n a de uses para o transporte de armamentos e combatentes voluntarios a lutar pela independencia. Ao<br />
ancorar em territorio americano, no Estado de Nova York, tropas británicas, sob a alegacáo de legitima defesa<br />
contra atos de pirataria, ¡ncendiaram e atiraram o navio Caroline á deriva sobre a; Cataratas do Niágara, vindo<br />
a falecer diversos tripulantes americanos. A coroa británica defendia-se com base na legitima deíesa preventiva<br />
contra alos de pirataria, ao passo que a argumentado americana ressaltava ser ilegal o excesso no ejercicio<br />
da legítima defesa, sendo inacoitável a des proporción alidade entre o bem jurídico violado e o bem jurídico<br />
protegido,<br />
sCaso do Canal de Corfu/igsC-<strong>In</strong>glaterra eEgito. A <strong>In</strong>glaterra invadiu o Egito, alegando a necessidado de de<br />
fender seus nacionais em territorio estrangelro. Em sua argumentará), ogoverno británico insistiu na legalidad?<br />
de seu ato, alegando que o artigo 51 nao havia revogado a interpretar» do directo costtimeiro sobre a ampia<br />
legítima defesa, consagrada no caso Caraline. A decisáo adotada pela Corte <strong>In</strong>ternacional de Justina denotava a<br />
possibil ida cíe do recurso á legilima delesa preventiva em nome de'direitos ofendidos', semquetenha acorrido<br />
urna agrpísño inicial. Conturin nflo ha diívida de que a decisao foi influenciada pela falta de conceituacáo deste<br />
termo, que só seria dada pela Rr-.aluc.ao n° 3314. Ademáis, tal decisao nao revoga ou sequer enfraquece o rigor<br />
do artigo 51, pois, nos termos ilu .irtigo 59 da Coite <strong>In</strong>ternacional de Justica, "a dBdsSO da<br />
-T-
MARIA HEIO1SA QE OLIVEIRA MATOS<br />
Autoprotecáo, (self help ou self preservaron], ao contrario<br />
da legitima defesa, nao está sujeita a qualquer cóndilo ou<br />
requisito, senáo ao risco á seguranza que o próprio Estado<br />
avalia estar sujeito. Seuexercicio nao requer que o adversario<br />
tenha cometido um previo ato ilegal, injusto ou de agressáo<br />
(HUCK, 1996, p. 185).<br />
Com fulcro nos artigos 2.3, 2.4, 24,33.1 e 51 da Carta das Narres Unidas e na<br />
Resoluto n° 3.314, a inadmíssibilidade da legítima defesa preventiva se revela eviden<br />
te. Somenle é considerada legal a legítima defesa fundada em previo ataque armado.<br />
Esta máxima, a principio, poderia criar o inconveniente estratégico e a injustica de per<br />
mitir ao agressor as vantagens do primeiro ataque, onde o exemplo do bombardeio de<br />
Pearl Harbourésalutar. Contudo, o espirito das Nacóes Unidas éjustamente consagrar<br />
a paz como principio elementar, preferido, inclusive, ao principio da justica. A busca<br />
pela justica a qualquer preco foi amenizada com a condenacao do bellum justum e do<br />
ius ad bellum, incapaces de evitar as catástrofes da guerra em geracoes passadas. A paz<br />
seria a justica emsi mesma, poispouparia as geracoes futuras do flagelo da guerra.<br />
4 CONSIDERARES FINÁIS<br />
O Direito <strong>In</strong>ternacional foi originalmente um direito de guerra, porquanto as<br />
relacóes entre os Estados eram, nos primeiros tempos, de natureza es sen da I mente<br />
militar, servindo para que os Estados por meio da guerra resolvessem os seus litigios<br />
e defendessem os seus interesses. Com a evolucao do Direito <strong>In</strong>ternacional e o inicio<br />
da institucionalizacáo da sociedade internacionaf, a materia passou a ser eminente<br />
mente um direito de paz. A guerra deixou de ser urna sancao, ou um modo violento de<br />
solucáo dos litigios internacionais, para ser um litigio internacional.<br />
Seguindo esse caminho, o sistema de seguranca coletivo consubstanciado<br />
nos capítulos VI e VH da Carta da ONU, apresentou-se ao ambiente internacional, dev<br />
astado por duas grandes guerras, como a possibilidade do esta be le cimento da paz<br />
global duradoura. A Carta tornou a guerra de agressáo proscrita, ao consagrar a proi-<br />
bicáo do uso da forca ñas relacSes internacionais, e justificou somente a guerra defen<br />
siva, ao salvaguardar as contramedidas representadas pela legítima defesa individual<br />
ou coletiva dos Estados e pelas decisóes do Conselho de Seguranca que compreen-<br />
dam o emprego da forca armada. Convém ressaltar que a forca aqui referida é a forca<br />
legítima e tolerável somente como ultima ratio, defensora da supremacia do Direito<br />
<strong>In</strong>ternacional.<br />
Entretanto, com a construcáo de urna nova ordem internacional no final do<br />
século XX, tem sido evidenciada urna nova face da guerra, onde conflitos internos ou<br />
entre Estados e grupos armados, muitas vezes sem nacionalidade, tomam espaco. Di<br />
ante desse panorama, posicóes tradicíonais de cunho realista rezam pela permanencia<br />
do dilema da seguranca mesmo no mundo ¡nterdependente, tratando a questao com<br />
prioridade e tentando persuadir a comunidade internacional da necessidade de fazerse<br />
urna leittira flexível do jus ad bellum contido no capítulo VD da Carta das Nacoes<br />
-Y-
O USO DA FORCA E A POSSIBILIDADE DA LEGITIMA DEFESA PREVENTIVA SOB A ÓTICA DA CARTA<br />
DAS NAC6ES UNIDAS í OUTRAS CONSIDERAtÚES<br />
Unidas, a fim de expandir o conceito de ameaca á seguranca nacional, que permitiría<br />
aos Estados o ataque preventivo.<br />
Nessa esteira, levantam-se discussóes acerca da relacao entre risco e reacao<br />
armada, o que acaba por envolver o direito de legítima defesa, específicamente, a<br />
legítima defesa preventiva. <strong>In</strong>dependente do ordenamento jurídico, a legítima defesa é<br />
um instrumento de garantía de direitos também assegurada no ámbito internacional.<br />
Porém, também presente em todas as esferas jurídicas que se pode aplicar a legítima<br />
defesa, está o abuso da autodefesa. Sendo assim, a legítima defesa torna-se uma ferramenta<br />
perigosa que depende de um ponto de visla para se tornar um ato de guerra<br />
ou de salvacáo.<br />
E no meio dessa celeuma internacional, cabe ao Direito propor definieres<br />
justas e independentes dos interesses políticos, como caminho para a garantía da paz,<br />
seguranca e justica. Torna-se de suma importancia, entao, o estabelecimento da necessidade<br />
da legitima defesa com base nos principios do Direito <strong>In</strong>ternacional e va<br />
lores da Carta das Nac.óes Unidas. E nos termos desta Carta, o emprego da legitima<br />
defesa por um Estado só é aceitável em caso de este ser vitima de ataque armado, ou<br />
tentativa de ataque, vindo do Estado contra o qual lanca mao dessa medida, e aínda<br />
assim, em caráter provisorio, até que o Conselho de Seguranca tome as providencias<br />
necessárias.<br />
O direito do Estado á legítima defesa precisa ser condicionado á existencia de<br />
um ataque previo, real e efetívo. A partir da <strong>In</strong>terpreta cao do artigo 51, nao há como<br />
enquadrar o ataque preventivo no conceito de legítima defesa, devendo-se rejeitar<br />
tanto o caso em que um Estado possajulgar o criterio de risco de forma arbitraria, as<br />
sim como o caso onde o Estado venha a lancar uma ofensiva contra outrem só por este<br />
ter atingido uma posicao que pode significar risco em uma futura ofensiva armada.<br />
Caso contrario, poderia servir como expücacao falsa para operacóes deliberadas de<br />
guerra, pondo em risco a paz e a seguranca internacionaís e colocando em xeque a<br />
funcao maior do Díreito <strong>In</strong>ternacional que é a de estabelecer os límites e os padróes<br />
aceitáveis de conduta dos atores estafáis na vida internacional.<br />
Será necessário, pois, repensar a ordem jurídica internacional criada em 1945,<br />
de forma a garantir a observancia dos mecanismos capazes de neutralizar e impor<br />
freios ao exercício do poder envolto de arbitra riedade pelos Estados. É preciso que<br />
a ONU seja valorizada e prestigiada na sua luta contra ¡nfra^oes a principios muito<br />
caros á humanidade, visto que ela representa um canal permanente de comunicacao<br />
entre os Estados e atua como um grande foro onde todos os problemas intemacionais<br />
graves sao discutidos. O poder das Nacoes Unidas de sensibilizar e formar a opíniáo<br />
pública internacional permanece notorio.<br />
REFERENCIAS<br />
ACC1OLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 13. ed. Sao Paulo: Saraiva,<br />
1998.<br />
-T-
MAMA HFIOI5A DE OLIVtIHA MATOS<br />
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HUCK, Hermes Marcelo. Da guerra justa á guerra económica. Sao Paulo: Saraiva, 1996.<br />
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REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 8. ed. Sao Paulo: Saraiva,<br />
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vista Política Externa, vol. 12, n° 1, 2003.<br />
SOUZA, Sergio Augusto G. Pereira de. A crise no Iraque e a importancia de salvar a ONU<br />
para a manutencio do sistema internacional de protegió dos direitos humanos. Dis<br />
ponivel em: fto.asp?¡d=3962>. Acesso em: 10 out. 2006<br />
TR1NDADE, Antonio Augusto Caneado. Principios de direito internacional. Brasilia: Univer-<br />
sidade Nacional de Brasilia, 1981.
RESUMO<br />
PROPAGANDA INSTITUCIONAL<br />
COM CARÁTER ELEITOREIRO:<br />
CONCEITO, FINALIDADE<br />
E VEDAC.ÓES<br />
Maianny de Paula da Silva<br />
Académica do 7o período do Curso de<br />
Direitoda UFRN<br />
O enfoque do presente trabalho gira em torno da<br />
cara eterizaba o da propaganda institucional com caráter<br />
eleitoreiro e seu ultraje aos principios constitucionais que<br />
norteíam o processo eleitoral. A propaganda institucional<br />
é veiculo oficial que visa á publicidade dos atos da<br />
Administrado Pública com o escopo de educar, informar<br />
e esclarecer a populacho dos fettos pelo poder público.<br />
Hodiernamente, no Brasil, por vezes, os detentores do<br />
poder público se valem da propaganda institucional<br />
para a sua promoc.á"o pessoal, de partidos políticos ou de<br />
outro candidato que pleiteia vaga em eleicjo próxima.<br />
Essa utilizacao se faz de forma subliminar, através de<br />
subterfugios publicitarios os quais tentam incutir um estado<br />
de credibilidade eleitoral naquele agente público que, por<br />
meio da propaganda oficial tem a intenejo de se promover<br />
eleitoral mente. Além de caracterizar-se como abuso de<br />
autoridade, caso de ¡mprobidade administrativa, o fim<br />
diverso da propaganda institucional infringe os principios<br />
da isonomia, da legitimidade e da normalidadedas Eleic.oes,<br />
como também os principios que regem a Administra gao<br />
Pública, como os da impessoalidade e publicidade.<br />
Palavras- Chave: Propaganda <strong>In</strong>stitucional. Eleicoes.<br />
Ved a c.o es.
1 INTRODUJO<br />
MAIANNY DE PAULA OA SILVA<br />
No dizer de Djalma Pinto (2005, p.29) o Direito Eleitoral é o ramo do Díreito<br />
Público que disciplina a criacáo dos partidos políticos, o ¡ngresso do cidadáo no corpo<br />
eleitoral para a faiicáo dos direitos políticos, o registro das candidaturas, a propaganda<br />
eleitoral, o processo e a <strong>In</strong>vestidura no mandato eletlvo. O Direito Eleitoral tem papel<br />
fundamental na sobrevivencia da democracia, já que somente pela vía deste alguém<br />
chega legítimamente ao exercício do poder político.<br />
Nessa seara, a propaganda política desempenha papel importantísimo na<br />
escolha daqueles que ¡rao exercer o poder político, pois está diretamente ligada ao<br />
exercício do voto, ao estado de direito, a Democracia e ao direito de votar e ser votado.<br />
Tornando-se o meío mais eficiente de veicular os programas e idéias, metas e propos<br />
tas, plataformas e compromissos, de um determinado candidato ou partido político<br />
em ano de Eleicao. Esta é a real importancia da propaganda política, nao podendo<br />
ser utilizada para outro fim se nao o de promover eleicóes pelo voto livre e direto,<br />
resguardando o regime democrático de direito, ou seja, o livre direito de escolha de<br />
cada cidadáo.<br />
Propaganda Política é género, sendo a propaganda eleitoral, a propaganda<br />
intrapartidária e a propaganda partidaria especies desse género. Ainda podemos des<br />
tacar a propaganda institucional, objeto do nosso estudo, que nao é urna especie de<br />
Propaganda Política, mas assemelha-se a ela, pois, por vezes, os detentores do poder<br />
a utilizam de maneira disfarcada para fazer propaganda política, quando na verdade o<br />
que deveria serfeito era propaganda oficial.<br />
A publicidade institucional é garantida pela Constituido Federal como forma<br />
de divulgacáo dos atos da administrado pública, visando informar, orientare educar o<br />
cidadáo, maior destinatario e beneficiario dessa publicidade (6 Io, art. 37, Constituicao<br />
Federal). Contudo, a partir do momento em que a propaganda institucional passa a<br />
ressaltar as características pessoais daquele que detém o mandato, com o intuito de<br />
propiciar urna maior credibilidade na figura do mandatario em vez da figura do Estado,<br />
o fim da propaganda institucional diverge daquele previsto pela Constituicao.<br />
Na maioria das vezes, esse desvio de finalidade tem porfito vantagem eleito<br />
ral, caracterizando abuso de autondade daquele que detém mandato, ferindo assim a<br />
igualdade dos pleitos, a impessoalidade da administracáo pública, a lisura do processo<br />
eleitoral, ficando este comprometido.<br />
Diante do exposto, o presente trabalho tem o escopo de demonstrar que a<br />
propaganda institucional com fim eletoreiro caracteriza abuso deautoridade e constituí<br />
afronta aos principios constitucional do Direito eleitoral e do Direito Administrativo.<br />
2 diferen
PROPAGANDA INSTITUCIONAL COM CARATER ELf ITOREIRO; CONCEITO, FINAUDADE E VEDACOE5<br />
do abusiva e ilegalmente utilizada para beneficiar os partidos e candidaturas,<br />
porvezes, confundindo-se com urna "propaganda eleitoral".<br />
O § Io, arí. 37, Constituicáo Federal, dispóe sobre a Propaganda <strong>In</strong>s<br />
titucional:<br />
Art.37 [...]<br />
5 Io A publicidade dos atos, programas, obras, servicos e<br />
campanhas dos órgáos públicos deverá ter caráter edu<br />
cativo, informativo ou de orientacáo social, déla nao podendo<br />
constar nomes, simbolos ou imagens que caracterizem<br />
promocáo pessoal de autoridades ou servidores<br />
públicos.<br />
O referido parágrafo da Carta Magna versa de forma clara e precisa<br />
sobre o objetivo da propaganda institucional, mostrando que esta deve ser<br />
direcionada em prol da populacao, como forma de o Poder Público mostrar<br />
a prestacáo de contas de suas ativicfades perante os cidadaos. O intuito é dar<br />
publicidade aos atos da Administra gao nao só a título de informagao, mas<br />
também de educagao e orientacao. É extremamente necessário saber se os<br />
detentores do poder estao empregando bem o dinheiro público, realizando as<br />
promessas feitas em época de campanha, utilizando-se da máquina adminis<br />
trativa para a promogao pessoal ou usando seus mandatos com fins diversos.<br />
Como assevera Sivanildo Dantas (2006, p.104),"[...] a publicidade insti<br />
tucional é constitucionalmente permitida e, em alguns casos, até ¡ndíspensável<br />
para imprimir e dar um aspecto de moralidade á administragáo pública ou á<br />
atuagao administrativa [...]". O que se busca é a publicidade dos atos adminis<br />
trativos e controle destes pela populacao, principios consagrados pelo direito<br />
patrio, visando resguardar os interesses coletivos constitucionalmente prote<br />
gidos.<br />
Concluindo com a licao do douto Professor Edilson Franga, em parecer<br />
oral dirigido a Corte do Egregio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do<br />
Norte: "a veiculacáo da publicidade institucional é obrigagao do administrador,<br />
diria até que é um direito inerente á cidadania, o eleitor saber o que se passa<br />
na administracáo pública, inclusive, de ser advertido, orientado e educado"'.<br />
A propaganda eleitoral já fora descrita quando falávamos da propa<br />
ganda política e suas especies, mas urge a necessidade de defini-la mais detalhadamente.<br />
Deve-se entender por propaganda eleitoral aquela que atinge,<br />
sem sombra de dúvída, o eleitor, de forma que seja vista por este como um<br />
pedido concreto de voto, para certo cargo em urna determinada eleícao. Adria-<br />
1 Tetfo reliíado das notas taquigráficas em apensos ao Protesso n." 2013/2006 - Represonlagao - Suspensáo<br />
do Propaganda <strong>In</strong>stitucional. TRE/RN. Reí. Juii Fernando Pimenta. 23-03-06.<br />
-Y-
MAIANNY DE PAULA DA SILVA<br />
no Soares da Costa (2006, p.772) sustenta que o presente instrumento,<br />
[...] tem por fito a divulgarlo do nome de um determina<br />
do candidato a cargo eletivo, pleiteando votos em unía<br />
eleigáo concreta. [...] é meío de exposicao de candidatu<br />
ras a cargos eletivos, buscando conquistar o eleitorado e<br />
angariar votos em urna eleic3"o. Dada a finalidade especí<br />
fica da propaganda eleitoral, que é o convencimento do<br />
eleitor para a escolha de urna certa candidatura, [..,] - é<br />
que se faz necessário impor limites ao ejercicio sadio da<br />
liberdade de expressáo de candidatos, de maneira que se<br />
preserve o eleitor do excesso de informagoes e de sua má<br />
quaíidade.<br />
A propaganda eleitoral só é permitida após o día 5 de julho do ano<br />
de cada elegió, como versa o art. 36 da Lei n.° 9.504/97 (Lei das Eleigóes).<br />
Realizada antes desta data, é ilícita e passível de sancáo legal. Nao poderá a<br />
propaganda eleitoral ser veiculada á administrado pública, nem ser paga com<br />
recursos advindos desta, já que caracterizaría abuso de poder político e de<br />
poder de autoridade.<br />
Nota-se que a propaganda eleitoral é o meio mais eficaz de cada can<br />
didato divulgar suas propostas com intencao de angariar votos. É a fase do<br />
convencimento, fase importante para se observar em quem votar, momento<br />
de fiscalizacáo do eleitorado frente as acoes e propostas do candidato, que irá<br />
demonstrar através da propaganda eleitoral sua intencao em eíeger-se.<br />
Em síntese, a propaganda institucional é ¡mpessoal e se destina á divulgac.áo<br />
dos atos, obras, servidos e campanhas das pessoas jurídicas de direito<br />
público. Nesse sentido, esta é vedada nos tres meses que antecedem o pleito.<br />
Na outra banda, a propaganda eleitoral, que menciona os méritos e qualidades<br />
dos postulantes a cargo eletivo, só é permitida, como já citado supra, a partir<br />
de 5 de julho, sendo sempre vedada se realizada com recursos públicos. Assim,<br />
os institutos aquí tratados nao se confundem, devendo, portante, ser aplicados<br />
nos estreitos limites da natureza de cada um, sob pena de desvirtuarem os fins<br />
a que se destinam.<br />
3 CARACTERIZADO DO FIM ELEITOREIRO NA PROPAGANDA INSTITUCIO<br />
NAL<br />
A caracterizado do fim eleitoreiro na propaganda institucional por<br />
vezes é de difícil percepejo, tendo em vista que, no cenário político, o exercício<br />
do poder implica sempre urna nota pessoal daquele que administra. Dessa for<br />
ma, nao raro, o detentor do poder político se vale dos meíos de comumcac.ao<br />
social para divulgaros trabalhos realizados, o desenvolvimento de programas,<br />
cumprimento das metas, etc., direcionando tal mister em favor da hegemonía<br />
do grupo político ao qual pertence.
PROPAGANDA INSTITUCIONAL COM CARATER ELEITOREIRO: CON CE ITO, FINALIDADE E VEOACÓES<br />
Atualmente, sao muitos os "meios" disponíveis para se fazer e veicular<br />
as pecas publicitarias institucionais, tornando a aplicado da norma eleitoral<br />
bastante complexa. A propaganda institucional com caráter eleitoral é, na<br />
maioria das vezes, sub-reptícia ou subliminar, ut¡lizando-se de técnicas cien<br />
tíficas de propaganda para tentar incutir um estado de credibilidade em de<br />
terminado candidato, agente público, que pleiieia cargo na próxima eleicáo.<br />
Essa propaganda será ¡ndireta, disfarca, mais elaborada, mais cara, e supóe<br />
o envolvimento de agencias publicitarias especializadas em marketing e em<br />
burlar a lei ou encontrar vazios em seus dispositivos.<br />
Contudo, os artificios das novas formas de publkidade dísfarcada,<br />
aliados a possibilidade da reeleicao para os detemores de mandatos eletivos<br />
do Poder Executivo, evidencia a necessidade de um maior rigor na ¡egislacao<br />
em relacáo á propaganda institucional. Nao só para assegurar as condicóes de<br />
igualdade entre os candidatos, mas para impedir o mau uso do dinheiro púbii-<br />
co com gastos su pe rfaturados na publiddade oficial. Pois, segundo Alexandre de<br />
Moraes (2005, p.339), tornou-se generalizada a prática de grandiosas e complexas<br />
promocoes pessoais da autoridade pública, em especial dos próprios chefes do<br />
Poder Executivo, ñas tres esferas federáis, realizadas ás custas do erario público.<br />
4 O ABUSO DE AUTORIDADE E O DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITU-<br />
CIONAIS<br />
4.1 Abuso de autoridade<br />
No dizer de Marcos Ramayana (2005, p.231), o abuso de poder econó<br />
mico ou político é toda a conduta ativa ou omissiva que tenha a virtualidade para<br />
atingir o equilibrio entre candidatos que almejam determinado pleito eleitoral. Ou<br />
seja, é toda conduta que, se utilizando dos meios administrativos ou de privilegio<br />
(económico/político) tem o efeíto de atingir a igualdade que deve existir entre os<br />
candidatos em urna determinada eleicáo.<br />
O abuso do poder político pode resultar no reconhecimento da ¡mprobi-<br />
dade administrativa, que nada mais é do que a caracterizacao da desonestídade<br />
no exercício do cargo, sendo conduta que viola a norma administrativa para extrair<br />
proveito ilícito. No caso em questao trata-se de improbidades especiáis, cuja natu-<br />
reza reflete diretamente no campo da ilicitude eleitoral.<br />
O art.74 da Leí das EleicÓes dispoe que "configura abuso de autoridade,<br />
para fins do disposto no art 22 da Lei Complementar n.° 64, de 18 de maio de 1990,<br />
a ¡nfringéncia do disposto no § Io, do art. 37, da Constituido Federal, ficando responsável,<br />
se candidato, sujeito ao cancelamento do registro de sua candidatura".<br />
Deste modo, aquela propaganda que, ao divulgar obras, ac.oes ou progra<br />
mas do governo, vincular sua publlcídade á figura do Chefe do Poder Executivo ou<br />
á imagem do partido político a qual ele pertence, com intuito de angariar votos<br />
para promoc.ao pessoal do detentor do mandato ou de seu partido em ano eleito<br />
ral, estará infringindo o disposto no § 1°, art. 37, Constituicáo Federal.
MAIANNV DE PAULA UA SILVA<br />
O art.74 da Lei das Eleicóes é bem claro ao díspor que a violacao ao pa<br />
rágrafo Io, art. 37, CF, caracteriza abuso de autoridade, mas vale salientar que nao<br />
é todo infringéncia que irá configurar excesso no exercício do mandato eletivo<br />
- previsto no art. 22 da Lei Complementar n.° 64/90, que dispóe sobre os casos de<br />
inelegibilidade - e sim aquela que tenha caráter eleitoral e identifique-se com a<br />
"propaganda eleitoral".<br />
Assim, faz-se necessário que o fato ocorra dentro do processo eleitoral e,<br />
em conseqiiéncia, venha afetar a ¡sonomia entre os candidatos e partidos no pleito,<br />
mostrando que o detentor do mandato executivo valeu-se do seu cargo, do seu<br />
poder, de sua figura como pessoa pública para se promover. Caracteriza também<br />
caso de ¡mprobidade administrativa, já que o titular do Poder Executivo atesta a<br />
deslealdade ao povo e sua desonestidade no exercício de seu cargo, devendo o<br />
mesmo incidir no 5 4°, art.37, da CF, cujo dispositivo reza que os atos de improbidade<br />
administrativa ímportaráo a suspensao dos direitos políticos, a perda da<br />
funcáo pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erario, na forma<br />
e gradacáo previstas em lei.<br />
4.2 O desrespeito aos principios constitucionais<br />
A caracterizaba o da propaganda institucional com fins de promocáo pes<br />
soal afeta nao só o principio da isonomía entre os candidatos, mas os principios<br />
da legalidade e legitimldade das Eleicóes, como também os da impessoalidade e<br />
publicid3de dos atos administrativos.<br />
O principio da isonomia no Díreito Eleitoral é aquele principio pelo qual a<br />
todos os partidos, coligacóes e candidatos é assegurado, com igualdade de opor<br />
tunidades, o direito de acesso á propaganda eleitoral, seja ela paga ou gratuita.<br />
Diante dessa visao, podemos concluir que aquele que já se encontra no poder,<br />
quando se utiliza da publicidade institucional para promoc.áo pessoal, faz uso de<br />
uma situacáo de "privilegio" em relacao aos ciernáis candidatos, constituindo-se<br />
uma concorréncia desleal, frustrando assim a igualdade entre os que pleiteiam uma<br />
vaga ñas eleicóes.<br />
O principio da legalidade, no ámbito eleitoral, consiste na existencia de lei<br />
como fonte reguladora de toda acáo daqueles que desempenham cargo público.<br />
Sem norma previa que autoriza, fica vedado ao administrador público praticar as<br />
condutas que nao estejam previstas na legislacáo eleitoral. O presente principio é<br />
conseqüéncia da soberanía popular. Sendo o povo titular do poder, nao poderiam<br />
os agentes públicos investir-se totalmente em sua soberanía para agir, de forma<br />
arbitraria, no exercício de sua funcao.<br />
Quanto á legitlmidade das eleicóes, tal principio disciplina o modo como<br />
o processo eleitoral deve seguir de forma integra, dentro da normalidade, propor<br />
cionando livre exercício da cidadania, objetivando a concretizacao dos principios<br />
democráticos e lisura nos pleitos, fins esses do Direito Eleitoral. A legitimacáo das<br />
eleicóes decorre da legislac.§o eleitoral que visa a primazia da democracia.<br />
A promocáo pessoal por meló da propaganda institucional infringe tam-<br />
Sfh
I PROPAGANDA INSTITUCIONAL COM CARATER ELEITOREIRO: CONCEITO. FINALIDAOE E VEDACÓES<br />
bém o principio da impessoalidade, que, segundo José Afonso da Silva (2005,<br />
p.667), "significa que os atos e provimentos administrativos sao imputáveis nao<br />
ao funcionario que os pratica mas ao órgao ou entidade administrativa em nome<br />
do qual age o funcionario". Quando, por exemplo, ocorre a vinculacjáo da figura<br />
do Chefe do Poder Executivo ao que se tem realizado no governo, como forma de<br />
promocao pessoal, está se descaracterizando a figura do Estado, na medida em que<br />
confunde a imagem do detentor do poder com a da própria Administracáo Pública.<br />
Assim, nenhuma divulgacao dos atos, programas, obras, servicos e campanhas<br />
dos órgáos da administrado direta e ¡ndireta devem conter o nome do admi<br />
nistrador ou pessoas que integram o quadro da Administracao, a qualquer titulo. Se<br />
toda propaganda institucional deve ser ¡mpessoal, nao importa a época, esse dispo<br />
sitivo assume maior importancia em período eleitoral, devendo entáo ser resguarda<br />
da a igualdade entre os que pleíteiam cargos na administragao.<br />
Por fim, no que tange ao principio da publícidade, Celso Antonio Bandeira<br />
(2003, p.75) abaliza: "Deveras, se os interesses públicos sao indisponiveis, se sao interesses<br />
de toda a coletlvídade, os atos emitidos a título de implementá-los háo de<br />
serexibidos em público". Como já ressaltando no presente trabalho, o principio da<br />
publicidade impóe a transparencia ñas atividades administrativas, possibilitando aos<br />
administrados a analíse e o julgamento de como está sendo conduzida a adminis<br />
tracao.<br />
5 VEDAgÁO PELA LEGISLAqÁO ELEITORAL<br />
A legislado eleitoral vem combatendo, principalmente em época eleitoral,<br />
os abusos de autondade através da proibícáo dos meios que possibilitam urna maior<br />
vinculacáo dos agentes públicos aos cargos que exercem, coibindo aquele agente<br />
público que, almejando cargo ñas Eleicóes, se utiliza da máquina pública para propa<br />
gar sua imagem e seus feitos, exercendo um auténtico marketing político.<br />
A Lei n.° 9.504/97, ao estabelecer regras para o processo eleitoral, prescreve de<br />
terminadas condutas vedadas aos agentes públicos no periodo do pleito. Tais proibic.6es<br />
estao relacionadas á propaganda institucional e ao abuso de autoridade, sao enunciadas<br />
nos artigos 73 e 74, do referido diploma legal, sobre as quais nos deteremos:<br />
fita<br />
Art. 73. Sao proibidas aos agentes públicos, servidores ou<br />
nao, as seguintes condutas lendentesaafetara igualdade de<br />
oportunidades entre candidatos nos pleitos eleítorais;<br />
VI - nos tres meses que antecedem o pleito:<br />
b) com exceqáo da propaganda de produtos e servidos que<br />
tenham concurrencia no mercado, autorizar publicidade ins<br />
titucional dos atos, programas, obras, servicos e campanhas<br />
dos orgáos públicos federáis, estaduais ou municipals, ou<br />
das respeclivas entidades da administrado ¡ndireta, salvo<br />
em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida<br />
pela Justica Eleitoral;
MAIANNY DE PAULA DA SILVA<br />
c) fazer pronunciamento em cadeia de radio e televisao, fora<br />
do horario eleitoral gratuito, salvo quando, a criterio da Jus<br />
tina Eleitoral, Iratar-se de materia urgente, relevante e carac<br />
terística das funcóes de governo;<br />
u<br />
§ 3o As vedacoes do inciso VI do capul, alineas b e c, aplicamse<br />
apenas aos agentes públicos das esferas administrativas<br />
cujos cargos estejam em disputa na eleigáo.<br />
5 4o O descumprimento do disposto neste artigo acarretará<br />
a suspensao ¡mediata da conduta vedada, quando foro caso,<br />
e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem<br />
mil UFIR.<br />
5 Ia As condutas enumeradas no caput caracterizan!, aínda,<br />
atos de improbidade administrativa a que se refere o art. 11,<br />
inciso I, da Leí n.D 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitando-se<br />
as disposii;5es daquele diploma legal, em especial as<br />
coligat;5es do art.12, inciso ID.<br />
[...]<br />
Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do dis<br />
posto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio<br />
de 1990, a infringéncia do disposto no 5 Io do art. 37 da<br />
Constituicao Federal, ficando o responsável, se candidato,<br />
sujeito ao cancelamento do registro de sua candidatura.<br />
A proibicao da autorizatao de propaganda institucional é voltada ao agen<br />
te público, servidor ou nao, conforme caput, art. 73, Lei 9.504/97. Para Celso Anto<br />
nio Bandeira de Meló (2003, p.226) agente públ ico é a expressáo mais ampia que se<br />
pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao<br />
Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade, ainda, que o fac.am<br />
apenas ocasionalmente ou episódicamente". Sao eles os verdadeiros destinatarios<br />
dessa veda cao, pois detém o poder de autorizar ou veicular a propaganda oficial.<br />
A propaganda <strong>In</strong>stitucional da Uniao, dos Estados, Municipios e respectivas<br />
entidades da administrado indireta nao pode ser veiculada nos tres meses que antecedem<br />
cada pleito, salvo os casos de grave e urgente necessidade pública, assim<br />
reconhecida pela Justica Eleitoral (Lei n.°9.504/97, art.73, VI, b e § 3o). Lembrando<br />
que os produtos e servicos que tenham concorréncia no mercado estao fora dessa<br />
vedacáo, podendo ser feita a propaganda dos mesmos. Assim, por exemplo, os<br />
produtos da Petrobrás (administrado indireta) como gasolina, óleo e outros servíeos<br />
podem ser passíveis de propaganda, nao podendo ser veiculada propaganda<br />
institucional da descoberta de novos pocos e instalacóes de novas plataformas,<br />
pois esses dois últimos casos nao sao hipóteses de concorréncia comercial.<br />
Veiculada a propaganda institucional no periodo vedado, ocorrerá a cessac.áo<br />
da transmissao, distribuicao ou divulgacao da propaganda corn aplicacao<br />
da multa, como previsto no 5 4o, da presente lei; salientando também que poderá<br />
ocorrer a cassacao do registro ou diploma, cabendo assim a interposiejio da Acao<br />
de <strong>In</strong>vestigado Judicial Eleitoral ou Acao de Impugnacao de Mandato Eletivo. Essas<br />
acóes também sao cabíveis nos casos de infracto ao 5 Io, art.37, CF.
PROPAGANDA INSTITUCIONAL COM CARATER ELEITOREIRO: CONCÍITO, FINALIDAOE E VEDAC.ÓES<br />
O parágrafo 1° dispóe que as condutas previstas nos incisos de I a VII, caput<br />
do art.73, podem constituir atos de improbidade administrativa de acordó com<br />
o art. 11, inciso I, da Lei n.° 8.429/92, sujeítando-se as disposic.6es e penalidades2<br />
do referido diploma, tamben? conhecido como Lei da Improbidade Administrativa.<br />
O art. 11, inciso I, Lei n.° 8.429/92, traz a seguinte redacáo:<br />
Ail 11 Constituí ata de ¡mprobidade administrativa que atenta contra<br />
os principios da administraban pública qualquer ac.ao ou omissáo que<br />
viole os deveres de honestidad^, imparcialidade, legalidade, e Ie3ldade<br />
as instituiqóes, e notadamente:<br />
I - praiicar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso<br />
daquele previsto na regra de competencia: [...]<br />
O legislador, ao incluir as condutas previstas no caput do art.73 da Lei das<br />
Eleicóes, como condutas típicas do inciso I do art. 11 da Lei n.° 8.429/92, estendeu<br />
os casos de improbidade administrativa para os atos praticados por agente público<br />
a favor de candidatura. Assim, o agente público que pratica ato descrito no art.73,<br />
Lei n.° 9.504/97, responde por esse ato como desrespeito a lisura das Elelc.6es perante<br />
a Justica Eleitoral e ,concomítantemente, perante a administrado pública e a<br />
Justina Comum, por ferir o art. 11,1, da Lei n.° 8.429/92.<br />
Voltando específicamente á Lei das eleigóes, encontramos o art.74, no<br />
qual a infringéncia ao § Io, art.37 da Constitu¡c.ao caracteriza-se abuso de autoridade.<br />
Mas, como já dito,apenas se constituí abuso de autoridade previsto no art. 22,<br />
da LC n.° 64/90, os casos com caráter eleitoral, ou seja, a publicidade institucional<br />
deve ofender o dispositivo supracitado e aínda cara eterizar-se como propaganda<br />
eleitorai.<br />
Portanto, de acordó com a Lei Complementar n.° 64/90, a infringéncia á<br />
disposicáo constitucional com a tipificacao do abuso de autoridade enseja a inves<br />
tigado judicial, que poderá provocar o cancelamento do registro de candidatura<br />
do denunciado.<br />
O objetivo maior da cominacáo das condutas descritas, que configuran?<br />
especies de abuso de poder de autoritíade, reside em assegurar a ¡gualdade de<br />
oportunidades entre os candidatos e, consequentemente, a normalidade, a lisura e<br />
a legitimidade das Eleicoes.<br />
Nesse sentido a legislacáo eleitoral tenia a todo instante adequar-se ás<br />
novas realidades que surgem a cada pleito, combatendo os abusos e a infringéncia<br />
1 A conduía tipificada como ato de improbidade administrativa sujeita o rosponsável ás cominacoes do<br />
art.12, DJ, da Lei n ° B.429/92. que versa: Art. 12. lndependenlomente das sangoes penáis, civis e adminis<br />
trativas, previstas na legislado especifica, está o rt'sponsável pelo alude impiobidade sujeito Js seguintes<br />
cominaí5es:[...] E - na hipólesc do art. II, íessarcimento integral do daño, se houver, perda da func.3o<br />
pública, suspensáo dos direitos políticos de tres a cinco anos, pagamento de multa civil de ató cem vezes<br />
o valor da remunerado perceliida pelo agento e proibigáo de contratar com o Poder Público ou receber<br />
beneficios ou incentivos fiscais ou crediticios, direta ou indiretamente, ainda que por intermedio de pessoa<br />
jurídica da qual seja socio majorHário. pelo pra;o de tres anas.
MAIANNY DE PAULA DA SILVA I<br />
aos preceitos do Direito Eleitoral, estando suas normas sempre em consonancia<br />
com a Constituicao Federal, bem como com as resolucoes do Tribunal Superior<br />
Eleitoral que a disciplinara É o caso da Lei n.° 11.300/2006, chamada de "mini- re<br />
forma eleitoral", que, diante dos escándalos (mensaíóes, caixa dois, etc.) ñas eleicóes<br />
passadas, foi elaborada com o objetivo de conter os gastos e o excesso de<br />
recursos publicitarios envolvidos ñas eleicóes.<br />
6 CONCLUSAO<br />
Como visto, a propaganda institucional é um direito inerente ao cidadáo,<br />
resguardado pelo principio da publicidade administrativa e pelo art.37 da Consti<br />
tuicao Federal, tem como finalidade moralizadora a transparencia dos atos admi<br />
nistrativos na conformidade da leí.<br />
Nao poderao as autoridades públicas utilizar-se de seus nomes ou imagens<br />
para, no bojo de urna publicidade, patrocinada com o dinheiro público, obterem<br />
promocao pessoal, devendo a materia veiculada pela midia ter caráter eminente<br />
mente objetivo para a finalidade constitucionaí de educar, informar ou orientar, e<br />
nao servir como marketing político.<br />
Conclui-se, a partir de todo o exposto, que toda atuac.ao da Justica Elei<br />
toral, da Administracao Pública, dos candidatos, dos partidos, inclusive do eleitor,<br />
deve pautar-se na lisura das ele¡c.oes. A preservacao da intagibilidade dos votos<br />
e da igualdade de todos perante a lei eleitoral e na propaganda eleitoral enseja a<br />
observancia ética e jurídica dos principios básicos do Direito Eleitoral. Nesse sen<br />
tido, se exige um esforzó por parte da Justica Eleitoral, do Ministerio Público e da<br />
sociedade na fiscalizado da aplicacao da legislacao eleitoral, para que condutas<br />
gravosas nao abaiem ou destruam direitos garantidos constítucionalmente, funda<br />
mentáis a sobrevivencia da Democracia.<br />
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. Sao Paulo: Malheíros,<br />
2005.
RESUMO<br />
TEORÍA DA IMPREVISAO:<br />
EVOLUCÁO HISTÓRICA E<br />
APLICABILIDADEÁ LUZ<br />
DO CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />
André Luis Bezerra Galdino de Araújo<br />
Académico do 6" periodo do Curio de<br />
DireiiQ da UFRN<br />
O presente t rabal lio visa demonstrar os aspectos históricos<br />
do <strong>In</strong>stituto denominado Teoría da Imprevisáo, nova<br />
roupagem conferida á antiga cláusula rebus sic stantibus.<br />
Através da análise de sua base teórica, tem o escopo de<br />
promover seus fundamentos basilares no decorrer de sua<br />
evolucao, demonstrando também sua feic.áo no direito<br />
patrio. Partindo de tal paradigma, pretende esmiucar seus<br />
pressupostos de aplicabilidade a partir do advento do<br />
Código Civil de 2002, explanando seus requisitos essencíais<br />
expastos em tal diploma legal. Por fim, intenta individuara<br />
Teoría da Imprevisáo quanto á outros institutos presentes<br />
no mundo jurídico.<br />
Palavras-chave: Teoria da imprevisao. Aplicabilidade.<br />
Código Civil de 2002.
1 CONSIDERARES INICIÁIS<br />
ANDHÉ I I ir. BEZERRA GALDINÜ DE ARAÚJO<br />
Desde tempos remotos o contrato é peca fundamental na engrenagem das relacoes<br />
humanas. Partindo de seus primordios na Roma antíga até os tempos atuais, a ce<br />
lebrado de contratos representa a aproximacáo dos homens e seu aperfeicoamento, no<br />
sentido de que estes absorveram a possíbilidade de um ajuste, de se efetuar urna avenga<br />
em detrimento da violencia e arbitrariedade na busca de seus próprios interesses.<br />
Definimos contrato como um acordó de vontades, hodiernamente bilateral<br />
em sua esséncia de formacáo e em geral consensual, apesar de ainda guardar resqui<br />
cios de formalidade, sendo o instrumento pelo qua! as partes celebram seus interesses<br />
e conveniencias quando inseridas na relacáo contratual. Tais resquicios sao ainda utili<br />
zados por enraízamento histórico ou necessidade de seguranza jurídica.<br />
A vontade livre, expressa pelos contratantes, é o alicerce da relacáo contratu<br />
al, de acordó com o principio da autonomía da vontade. Por esta, é concedida as partes<br />
a liberdade de contratar, tendo como conseqüéncia a afirmacao de que o contrato<br />
firmado faz lei entre as partes. Como expressáo de tal entendimento, o principio da<br />
forca obrigatória dos contratos tem relevante importancia, sendo decorréncia da antiga<br />
idéiadequeo acordó pactuado nao pode serdescumprido, pactsuntservando.<br />
Como resultado lógico de tais conceitos a intangibilidade passa a ter papel relevante<br />
ñas avencas, ou seja, o que era estabelecido se tornava imutável e devia ser cumprido<br />
de forma efetiva.<br />
Diante de tais circunstancias, fica claro que tal contexto era decorrente do<br />
ideal individualista predominante á época, sobretudo no século XVHI, preciamando-se<br />
a liberdade e a ¡gualdade política. No século XIX ocorre urna exacerbado da liberdade<br />
contratual, ocorrendo a defesa da plenitude da liberdade jurídica, sendo as relacóes de<br />
contrato regidas pela de urna forma ampia autonomía da vontade. As partes podiam<br />
proceder libremente ao estipular as avengas, nao havendo interferencia Estatal ou ju<br />
dicial nesses casos, mesmo que o pactuado levasse urna destas á ruina. O paradigma<br />
estabelecido era de que o contrato nao deveria tolerar restricóes, pois era fruto da<br />
liberdade individual. Todavía, a evolucáo contratualista mostrou que tais principios nao<br />
podiam ser encarados de forma absoluta, sendo limitados por interesses de ordem<br />
pública e bons costumes.<br />
A partir do século XX entendeu-se que tal igualdade aduzida no contexto in<br />
dividualista nao significava na prética igualdade económica. O contrato, representativo<br />
de vontades livres e íguais, se apresentava na realidade de forma desproporcional e<br />
arbitraria, em desacordó com os ideáis últimos da ordem jurídica. Dentro desse am<br />
biente de aparente isonomia, mas de desnivelamento económico das partes, o Estado<br />
passa a intervir na relacáo contratual, através de aplicacóes de leis de ordem pública<br />
ou através de instnjmentosjudidais de revisao ou resolucáo do contrato, desbocando<br />
no dirigismo contratual1. Este surgiu com o intuito de limitar a autonomía da vontade<br />
ealcancarajusticaeo equilibrio no ámbito contratualista.<br />
'Tal expressao tancerne á intervengas do Estado na economía do conlralo<br />
-T-
TEORÍA DA IMPREVISAO: EVOLUCAO HISTÓRICA E APLICABILIDADE A LUZ DO<br />
CÓDIGO CIVIL PE 2002<br />
É inserida nesse contexto que se aplica a Teoría da Imprevisao. Quando<br />
o ambiente objetivo do contrato ao tempo da execugao difere de forma rele<br />
vante do ambiente ao tempo de sua celebracao, em decorréncia de aconteci<br />
mientos imprevistos e estranhos as partes, causando onerosidade excessiva a<br />
um dos componentes da relacáo e beneficios extremados a outro, faz-se necessário<br />
a defesa do económicamente mais fraco, a fim de que os ideáis moráis e<br />
de justica presentes no Direito abracem a relacáo contratual. A tendencia atual,<br />
corno se percebe, é restringir a liberdade de contratar em nome do interes-<br />
se coletivo, regulando-se assim a relacáo contratual. Cumpre salientar que em<br />
tempos atuais a fungao social do contrato é outro fator que serve de suporte a<br />
tal entendimento, sendo principio consagrado no Código Civil de 2002.<br />
2 evolucáo histórica do instituto<br />
2.1 Direito Antigo<br />
Analisando as instituicoes jurídicas do direito antigo, encontramos a<br />
partir do Código de Hamurábi a possibilidade de modificacao das obrigagoes,<br />
sujeitas a ocorréncia de eventos futuros. Segundo Altavila (2004, p.46] o artigo<br />
48 do Código já previa os casos de forga maior e eximia o devedor de pagar<br />
juros caso o seu campo fosse devastado por urna tempestade e destruida a<br />
sua colheita, "devendo-se modificara tábua do seu contrato e nao pagar juros<br />
por esse ano". Nao obstante de tal fato, entendemos que a origem da cláusula<br />
rebus sic stantibus nao se encontra na legislagáo supra, apesar deja se notar<br />
um esbogo da nocáo de revisao contratual. A figura jurídica nesse caso mais se<br />
aproxima do instituto da forca maior.<br />
Com relacao ao Direito Romano, há divergencia de posicionamento<br />
quanto á origem da cláusula. Alguns afirmam ser esta fruto de tal realidade ju<br />
rídica, enquanto outros negam aos romanos sua criacao. Quem alega pertencer<br />
aos Romanos tal origem o faz baseado em fragmentos encontrados no Digesto,<br />
mais específicamente em Neratio (XII, 4,8) e em Africano (XLVI, 3,38). Entretan<br />
to, tais textos nao se amoldavam aos principios basilares do Direito Romano,<br />
tais como o individualismo, o formalismo e o absolutismo. Todavía, nao se pode<br />
negar que os textos representavam os fundamentos da cláusula, pois, através<br />
destes fica claro que o principio da fidelidade contratual restava vulnerável. A<br />
fim de melhor explanar a questao nos valemos das precisas licóes de Santos<br />
(1989, p.14):<br />
Pode-se, pois, afirmar que os romanos já possuíam a noció<br />
da cláusula rebus sic stantibus em textos esparsos, em-<br />
bora nao tivessem formulado norma geral que a aplicasse,<br />
devido aos principios rígidos norteadores de suas regras<br />
e ató mesmo ao caráter personalíssimo dos contratos que,<br />
por vezes, chegava a prender e sujeitar os próprios corpos<br />
das partes contratantes (grifo do autor).
2.2 Direito Medieval<br />
ANI '!■ i lili', 1,1 'í III! A i,,M 111(10 DE AHAUJO<br />
As nocoes estabeleddas no direito romano sobre a imprevisáo passaram<br />
a servir de norte para a aplicagáo do instituto, adentrando este em outras culturas.<br />
No Direito Canónico o acolhimento da nocáo de imprevisáo fora observado a partir<br />
das licóes de Santo Agostinho e de Sao Tomás de Aquino. Graciano, monge e pro-<br />
fessor da Escola de Bolonha, se destacou ao adotar tal nocáo, sendo o responsável<br />
pela introducto da cláusula rebus sic stantibus ñas relaces jurídicas, em meados<br />
do Século XH- Admite-se que a verdadeira elaboracáo da cláusula possa pertencer<br />
aos pos-glosadores, a partir do Século XII, ocorrendo até entáo urna aplicacao de<br />
sordenada da mesma.<br />
Coübe a Alciato, no Século XV, a formulacao córrela do instituto, distl-<br />
guindo-se sua aplícabilidade nos atos unilaterais e nos bilaterais. Nos primeiros,<br />
esta era feita de forma total quando o estado de coisas vigente fosse alterado; enquanto<br />
que nos segundos era possivel quando da ocorréncia de um acontecimento<br />
imprevisto e estranho ao contrato.<br />
Pelo exposto, percebemos que há obscuridade quanto ao surgimento da<br />
cláusula, devendo ser ressaltada a relevante contribuicao do Direito Romano para<br />
a noc.áo de imprevisáo.<br />
2.3 Direito Moderno<br />
Ao pesquisara teoría da imprevisáo na Idade Moderna, constatamos que<br />
as Ordenacoes Filipinas de 1603, como também suas predecessoras, as Ordenacóes<br />
Afonsinas e Manuelinas, acolhiam a nocáo de ¡mprevisáo e a cláusula revisionista. O<br />
livro IV, título XXIV das primeiras "disciplinava em que casos poderia o proprietário<br />
da casa desfazer o contrato de arrendamento e 'lancar o alugador fora', dentre eles<br />
o de precisar nela morar, por algo novo que Ihe sobreviesse".<br />
Entretanto, Coube ao Código Bávaro, publicado em 1756, o primeiro acolhi<br />
mento expresso da cláusula rebus sic stantibus. Através de seu título IV, Capitulo XV,<br />
parágrafo 12, tres requisitos eram elencados para a aplicacáo da mesma, dentre os<br />
quaís: a alteracáo das circunstancias nao fosse decorrente de mora ou fato imputável<br />
ao devedor, a alteracáo fosse imprevisível á época da celebracáo contratual e fosse<br />
esta relevante a ponto de o devedor nao se obrigar se a previsse. Havia aínda a pos-<br />
sibilidade de revisáo ou extincáo da obrigacáo, reservada á conveniencia jurídica.<br />
Entre os Séculos XVTII e XIX ocorreu a decadencia da cláusula devido a ele<br />
vado da autonomía da vontade e do individualismo jurídico. Os principáis diplomas<br />
legáis á época, como o Código de Napoleáo, consagraram a paremia pacta sunt ser-<br />
vanda, que exprimía as idéias de forca obrigatóría e intangibilidade dos contratos.<br />
2.4 Direito Atual<br />
A cláusula revisionista ressurge com forca a partir do Século XX, superada<br />
a fase decadencial, quando calu em desuso pela doutrina e pelos diplomas legáis.
TEORÍA DA IMPREVISAO: EVOLUqÁO HISTÓRICA E APLICABILIDADE A LUZ DO<br />
-A"'GO CIVIL DE 2002<br />
Supérflua se faz uma análise aprofundada da situado, devendo-se ressaltar<br />
apenas que o individualismo jurídico e a rigidez contratual foram caracte<br />
rísticas marcantes do período, valendo a palavra dada como leí na relacao<br />
contratualista.<br />
Todavía, eventos históricos como a Revoluto <strong>In</strong>dustria! e as duas<br />
Grandes Guerras alteraram o curso dos acontecímentos, influenciando sobremaneira<br />
a economía do contrato, fazendo renascer a cláusula com nova deno-<br />
minacao: Teoría da Imprevisao.<br />
Para melhor burilar a questao, podemos citar os acontecimentos ocorridos<br />
a partir da I Guerra. Desse modo, trazemos as precisas licoes de Pereira<br />
(2004, p.163): "A I Guerra (1914 - 1918) trouxe completo desequilibrio para os<br />
contratos a íongo prazo. Franqueou beneficios desarrazoados a um contra<br />
tante, em prejuízo de outro. Afetou a economía contratual, com prejuízo para<br />
a economía geral".<br />
Acompanhando o ambiente da época, varios países elaboraram ins<br />
trumentos que consagraran! o revisionismo contratual. Na Franca passou a<br />
vigorar a Lei Faillot, em <strong>21</strong> de Janeiro de 1918 pela qual, segundo Santos<br />
(1989, p-18):<br />
[...] em seus art. Io e 2o, os contratos celebrados antes<br />
de Ia de agosto de 1914, com prestacóes sucessivas ou<br />
diferidas, durante a guerra e tres meses após o seu ter<br />
mino, poderiam ser resolvidos se, em virtude do estado<br />
de guerra, a execucáo dos mesmos acarretasse a urna das<br />
partes perdas e prejuízos que ultrapassassem qualquer<br />
preuisso feita a época da contratado.<br />
Como conseqüéncia de tal fato, revogaram-se os preceitos vigentes<br />
a época do Código de Napoleao. Na Italia, o decreto n°. 739, de 27 de maio<br />
de 1915, determinava em seu artigo Io que a guerra seria considerada funda<br />
mento de forca maiorse levasse á impossibilidadeobrigacional e á onerosidade<br />
excessiva. Na <strong>In</strong>glaterra surgiu a teoria da frustation of adventure, sendo<br />
uma extensao da antiga cláusula rebus sic stantibus.<br />
Tais exemplos demonstram que a revisao contratual, além de ser necessária<br />
em tempos de guerra, era também em tempos de paz, pois eventos<br />
podem acontecer de forma imprevisível, alterando o ambiente objetivo da<br />
celebracáo do contrato e afetando a economía dentro da relacao entre os<br />
pactuantes.<br />
Por fim, há uma polarízacao de correntes quanto á aceitacao ou nao<br />
da revisao contratual. Há a vertente revisionista, composta por Alemanha, Suíca,<br />
Polonia, Italia e Portugal, que aceita a Íntervenc3o judicial nos contratos; e<br />
a anti-revisionista, que abarca Franca, Bélgica e Japao, aderindo esta á intangibilidade<br />
contratual. Cumpre salientar que Estados Unidos e <strong>In</strong>glaterra nao<br />
se fiüam a nenhuma corrente, em virtude de características peculiares que<br />
¡mpedem a caracterizacao desses países dentro dos polos.
3 FUNDAMENTOS DA TEORÍA DA IMPREVISÁO<br />
ANDRÉ LUÍS BEZERRA GALDINO lii ARAUJO<br />
Á luz da classificacao estabelecida por Anisio José de Oliveira? verifi<br />
camos que diversas doutrinas foram formuladas no decorrer da historia, com<br />
o intuito de servir de base para justificar a aplicacao da Teoria da Imprevisáo<br />
no ámbito contratualista. De forma suscinta analisaremos as mesmas, abor<br />
dando as de maior relevo.<br />
Na esteira do renomado autor, encontramos inicialmente as Teorías <strong>In</strong>trín<br />
secas com base na vontade. Dentro desta conceituacáo, podemos citar a Teoria da<br />
Pressuposicao, formulada pelo jurista Alemáo Bernard Windscheid. Segundo seus<br />
preceitos a parte, ao se obrigar na relacao contratual, o fa? medíante um pressu-<br />
posto subjetivo, ou seja, as circunstancias que cercavam tal relacao ao tempo da<br />
celebrado do contrato. Se tal pressuposto nao subsistir, o efeito jurídico decor-<br />
rente da obrigacáo pactuada nao mais se amoldará á vontade fundamento desta<br />
obrigacao. Conforme preconiza Klang (1991, p. <strong>21</strong> e ss.):<br />
Na realidade, segundo esta teoria, o cumprimento das obrigacóes<br />
está intrínsecamente ligado a urna "condicüo tácita",<br />
urna "cóndilo nao desenvolvida" na linguagem de Winds-<br />
cheid, consubstanciada no querer determinante do compor<br />
tamiento obrigacional. Assim, quando houver frustragao des-<br />
te querer, o efeito jurídico oriundo da declaracao de vontade<br />
nao mais corresponderá áquele querer, e, por esta razio,<br />
justificada estará a revisáo do contrato.<br />
A crítica mais contundente a esta teoria se refere ao fato de que ela é subjetiva<br />
ao extremo, visto que nao há ñas relacóes contratuais espaco para análise do foro ínti<br />
mo das partes quando do cumprimento da obrígacao. Esta relacao deve ser o mais cla<br />
ra possivel, a fim de que nao restem dúvidas quanto ao cumprimento da prestacao.<br />
Outro jurista alemáo, Paúl Oertmann, elaborou em 19<strong>21</strong> a teoria da Base<br />
do Negocio Jurídico, afirmando que as partes concluem o negocio jurídico ba-<br />
seando-se em acontecimentos já existentes ou futuros nos quais se encaixa sua<br />
vontade. Se tal realidade sofrer alterares a base do negocio nao mais existe, nao<br />
correspondendo mais a vontade das partes, devendo entáo o juiz intervir para re<br />
adaptar o contrato á intencao primeira destas ou resolvé-lo. Apesar das criticas<br />
quanto ao seu conteúdo e objelívidade, klang (1991, p.26) afirma ser esta teoría a<br />
que traz mais subsidios á aplicacáo da Teoria da Imprevisáo no campo da interpre-<br />
tacáo dos contratos.<br />
Tomamos como supoite a das5¡fica
TEORÍA DA IMPREVI5AO: EVOLUCAO HISTÓRICA I Al'! ICAIIII IDAlii A 111/ DO<br />
CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />
Podemos citar ainda a Teoría do Erro, de Achule Giovene, pela qual ha-<br />
vendo modificacáo das circunstancias do contrato ocorreria vicio da vontade, possibilitando<br />
a anulagáo do ato jurídico. A falha que pode ser alegada nesta teoría é<br />
de que tal alteracao é superveniente á manifestacáo volitiva das partes, coinddindo<br />
esta ultima com a realidade fática ao tempo da celebrado contratual. Desse modo,<br />
nao se pode argüir imprevisáo por erro haja vista que esta vontade se amoldava ao<br />
ambiente objetivo quando de sua exteríorizacáo.<br />
Dentre as Teorías <strong>In</strong>trínsecas com base na prestacáo, nos deparamos com<br />
a teoria do Estado de Necessidade e a teoria do Equilibrio das Prestacóes. A primeira,<br />
formulada por Lehmann e Covielo tem sua caracterizado bem explanada por<br />
Fonseca apud Klang (1991, p.28) que assevera:<br />
Surpteendido com urna superveniente e imprevista dificultas<br />
praeítationes, encontrar-se-ia o devedor num verdadeiro<br />
estado de necessidade que o escusaria o inadimplemento,<br />
podendo liberar-se por rneío da execucio pelo eqüipotente,<br />
sem qualquer ressarcímento de danos, o que importaría, em<br />
realidade, urna verdadeira expropriac.ao do direito do credor,<br />
assim substituido, quanto ao seu exercício em forma específi<br />
ca, pelo equivalente económico (Grifo do autor).<br />
Nao obstante tal fato, críticas podem ser feitas a esta teoria, como as<br />
que se referem á superioridade do direito do devedor em relacao ao do credor<br />
e á natureza jurídica da escusa do inadimplemento. A segunda, de autoría de<br />
Giorgi e Lenel, visa possibültar a revisao contratual quando acontecerem fatos<br />
supervenientes e que desequilibren! o contrato, alcancando-se com ¡sso o<br />
equilibrio do mesmo.<br />
Passando ao estudo das Teorias Extrínsecas, percebemos que estas<br />
baseiam a nocao de ímprevísao na Boa-fé (Wendt e Klenke) e na moral (Rípert<br />
e Voirin). Este último ponto requer urna maior análise. Entendemos estar ai o<br />
verdadeíro fundamento e o cerne subjetivo que deve servir de norte a Teoria<br />
da Imprevisáo e sua aplicacao nos contratos.<br />
A moral acompanha o mundo jurídico. Todavía, situacoes há em que<br />
os ditames do Direito nao incluem as regras moráis, visto haver um campo<br />
em que essas duas vertentes sao confutantes, havendo zonas de aproximacao<br />
como também de completo afastamento. A Teoria da Imprevisao se amolda<br />
ao primeiro caso. Seria no nosso entender totalmente imoral e injusto que<br />
um contratante, á mercé de eventos imprevlsíveis e estranhos á sua pessoa,<br />
cumprisse estrítamente o que foi pactuado, levando a sua ruina e a um bene<br />
ficio extremado da outra parte. Nesse caso, deve o Direito abarcaras regras<br />
moráis.<br />
A moral, abracando o conceito de equilibrio contratual, serve no nos-<br />
so entender como primordial e verdadeíro fundamento do Ideal revisionista,<br />
ofertando aos contratantes a possibilidade da justica ñas avencas, que deve<br />
ser a razáo última do direito no ámbito contratual.
4 TEORÍA DA IMPREVISAO NO DIREITO PATRIO<br />
ANIIÜI IV\K lil /¡ H!(ft I,AI DIMll DE ARAÚJO<br />
Analisando inicialmente o Código Civil de 1916 (CC/16), percebe-se que<br />
tal diploma legal nao acolhía expressamente a cláusula rebus sic stantibus ou a<br />
Teoría da Imprevisao. Todavía, também nao havia disposiqáo expressa que afastasse<br />
a aplicacáo da mesma, havendo diversas de suas passagens que poderiam<br />
servir de fundamento á cláusula de revisáo contratual, segundo corrente doutrinária<br />
á época, defendida por Washington de Barros Monteiro. Outra vertenle<br />
alegava nao haver subsidio para tal aplicacáo, tendo por expoente Caio Mario da<br />
Silva Pereira.<br />
Dentre diversos dispositivos, podemos citar o artigo 401 do CC/16 como<br />
aquele que melhor sintetiza a questáo: "Se, fixados os alimentos, sobrevier mu<br />
danza de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado recla<br />
mar do juiz, conforme as circunstancias, exoneracáo, redugáo, ou agravacáo do<br />
encargo". Trata este artigo da pensáo alimenticia, conferindo a possibilidade de<br />
revisao da situacao pactuada devído á mudanza ñas condicoes de quem supre<br />
ou recebe os alimentos, servindo como subsidio á nocáo de imprevisao. Vale salientar<br />
que a divida de alimentos nao é contratual, mas sim determinada por leí.<br />
Assim, apesar de ter sido elaborado sob o signo da intangibilidade das avengas,<br />
havia no CC/16 a noc.ao de revisao contratual, nao sendo afastada sua aplicagáo<br />
de forma efetiva.<br />
Após a Revolutáo de 1930 no Brasil o paradigma individualista perdeu<br />
espaco para o solidarismo, modificando-se os principios jurídicos alé entáo vi<br />
gentes. A partir de tal fato, varias leis extravagantes passaram a acolher a Teoria<br />
da Imprevisao no Direito Patrio.<br />
O Decreto n'. 19.573, de 7 de Janeiro de 1931, acolheu a noc.ao revisio<br />
nista ao disciplinar a resolucáo ou revisáo contratual dos predios alugados por<br />
funcionarios públicos, enquanto que o Decreto n°. 20.632, de 9 de novembro de<br />
1931, trouxe á tona a resoluto contratual dos predios aíugados para os servicos<br />
de Correios e Telégrafos. O Decreto n°. 24.150, de 20 de abril de 1934, dispondo<br />
sobre as condigóes e processo de renovacao dos contratos de locacáo de imóveis<br />
com fins comerciáis ou industriáis, aduzia a possibilidade de revisáo judicial caso<br />
houvesse alteracao das condicóes económicas do lugar, modificando o valor do<br />
aluguel.<br />
A Leí n°. 6.649, denominada de Leí do <strong>In</strong>quilinato, de 16 de maio de<br />
1979, abrangeu a nocáo de imprevisáo ao possíbilitar a atualizacáo dos precos<br />
nos contratos de locacáo residencial anteriores a 1967, através de convencáo<br />
entre as partes ou arbitramento judicial. Posteriormente, foi complementada pela<br />
Lei n°. 6.698, de 15 de outubro de 1979, quem em seu artigo 25, parágrafos 4°<br />
e 5o, trouxe disposicóes que aumentavam o campo de incidencia da revisao dos<br />
alugueis, abarcando agora todas as locacóes residenciáis.<br />
Através de tais dispositivos a intangibilidade contratual passa a ser mitigada<br />
no ordenamento patrio, acolhendo-se a imprevisáo como principio relevante aos
teoría da imi'üeuisac- evoluqAo histórica e aplicabilidade A luz do<br />
CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />
contratos. Contribuíram aínda para tal fato as orientacoes jurisprudenciaís que, nao<br />
podendo negar a evolucáo do direito contratual, passaram a acolher o principio.<br />
A primeira decisáo judicial acolbendo a Teoria da Imprevisao no Brasil<br />
foi proferida pelo entáo Juiz Nelson Hungría3, que conforme Maia apud Santos<br />
(1989, p.43) tal decisao se fundamenta: "[...] nos principios gerais do direito, na<br />
regra de interpretado da declaracao de conta e no principio da boa-fé contratual".<br />
A fim de melhor aprofundar a questao, Santos (1989, p.43) apresenta o seguinte<br />
trecho da decisao: "Há, porém, a considerar, na especie, que um evento extraordi<br />
nario, imprevisto e ¡mprevisível, veío alterar profundamente o ambiente objetivo<br />
dentro do qual se opera o acordó de vontades, a voluntas contrahentium (grifo do<br />
autor)". Decorrido certo lapso temporal a jurisprudencia veio a consolidar a aplicacao<br />
da teoria revisionista, conferindo ares de normatividade ao instituto.<br />
Por fim, deve ser feita urna análise quanto á regulamentac.ao legislativa da<br />
Teoria da imprevisao no Brasil. O Anteprojeto do Código das Obrigacóes de 1941,<br />
de autoría de juristas do porte de Orizombo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hah-<br />
nemann Guímaraes foi pioneiro neste sentido.<br />
A Teoria da Imprevísao também foi acolhida pelo Anteprojeto do Código<br />
das Obrigagóes de 1963, formulado por Calo Mario da Silva Pereirs, que em seus<br />
artigos 358 a 361 permitía a resoluto contratual para os contratos de execucáo<br />
sucessiva ou diferida. Tal diploma inovou no sentido de que trouxe é parte deman<br />
dada urna alternativa a fim de evitar a extingao do contrato, podendo ser argüida<br />
por esta a proposígao de revisao; e também quanto aos contratos aleatorios, aos<br />
quais era permitida apenas a revisao contratual e nao a resolucáo.<br />
Concluindo, citamos aínda o Projeto do Código Civil n°.634-B de 1975, que<br />
estatuía em sua parte especial, livro I, título V, capítulo II, secao IV - "Da Resolugao<br />
por Onerosidade Excessiva", a aplicado da cláusula revisionista em seus artigos<br />
478 a 480, disposicóes que seríam reproduzidas pelo Código Civil de 2002. Tal di<br />
ploma legal abrange inclusive a imprevisao ñas dividas de alimentos, em seu artigo<br />
1.727, reproduzindo preceito estatuido no artigo 401 do CC/16.<br />
5 PRÉSSUPOSTOS DE APLICABILIDADE Á LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />
A discussáo a respeito da incidencia da Teoria da imprevisao no ordenamento<br />
patrio foi parcialmente resolvida com a entrada em vigor da Leí n" 8.078, de<br />
25 de julho de 1990, denominada de Código de Defesa do Consumidor, erigindo<br />
como principio basilar da relacao de consumo o equilibrio contratual. Todavía, com<br />
o advento do Código Civil de 2002 (CC/02) a discussao restou encerrada, visto que<br />
tal diploma legal, seguindo a esteira do Anteprojeto de 1975, estabelece os preceltos<br />
atinentes á revisao contratual, sob o mesmo título do referido Anteprojeto<br />
em seus artigos 478 a 480. Necessária se faz entáo a exposigao de tais disposicóes<br />
Sfh<br />
no CC/02:<br />
3Tal decisáo aprésenla relevante valor á aplicacao da teoria da imprevisao no Brasil, em virtude de ter sido<br />
pioneira neste sentido, abrindo as portas da jurisprudencia pátiia á aplicado da Teoria.
AN!JIM LUÍS BEZERHA ..Al Liiriü DE ARAÚJO<br />
Art.478. Nos contratos de execuc.áo continuada ou diferida,<br />
se a prestacio de urna das partes se tornar excessiva mente<br />
onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de<br />
acontecimentos extraordinarios e ¡mprevisíveis, poderá o devedor<br />
pedir a resolugao do contrato. Os efeitos da sentenc.a<br />
que a decretar retroagirao á data da citacao.<br />
Art.479. A resolucáo poderá ser evitada, oferecendo-se o réu<br />
a modificar equitativamente as condi
TEORÍA DA IMI'HI VISMi I VOHICÁO HISTÓRICA E APLICABILIDADE A LUZ DO<br />
CÓDIQO CIVIL DE 2002<br />
O contratante prejudicado deve ingressar emjuizo enquanto aínda estiverem<br />
em vigor os efeitos do contrato, pois que nao há se falar em revisáo contratual<br />
se o contratojá foi executado. Este sempre deve buscara via judicial a fim de resol<br />
ver o litigio, que irá apurar de forma rigorosa os requisitos. Nao pode o contratan<br />
te, por exemplo, parar de cumprir as prestacoes devidas e reclamar diretamente a<br />
revisáo ou resolucáo contratual, visto que apenas através da ¡ntervencáo judicial é<br />
que estas podem ser realizadas.<br />
Cumpre saüentar ainda que as prestacoes efetuadas antes de o postulante<br />
entrar emjuizo nao podem ser revistas, ainda que seja confirmada a alteracáo no<br />
ambiente da relacáo contratual, haja vista que sao fruto de solucao espontánea por<br />
parte do devedor, gerando a extincao da obrigacáo. Todavía, como nao se podem<br />
cessar os pagamentos ou recebimentos das prestacoes, pelos motivos queja foram<br />
expostos ácima, estes ficaráo sujeitos á modificacáo na execucáo da sentenca em que<br />
foram proferidos. Do contrario, a justica na relacáo contratual nao seria alcancada.<br />
De acordó com o exposto pelo artigo 479 do CC/02, ao contratante prejudi<br />
cado é concedida a possibilidade de pleitear a resolucao contratual. Poderá o credor,<br />
porém, por iniciativa própría oferecer a revisao das cláusulas em litigio, a fim de nao<br />
prejudicar o contrato. Quanto aos contratos aleatorios nao cabe lugar a aplicacáo da<br />
Teoria da Imprevisao, pois nestes, conforme preconiza Pereira (2004, p.166) "[...] o<br />
ganlio e a perda nao podem estar sujeitos a um gabarito predeterminado".<br />
Por fim, extraindo o que preceitua o artigo 480 do CC/02, a cláusula revi<br />
sionista pode ser aplicada aos contratos unilaterais, nao havendo nesses casos a<br />
resolucao do contrato, mas sim a revisáo de suas cláusulas.<br />
6 INDIVIDUALIZADO QUANTO Á OUTROS INSTITUTOS JURÍDICOS<br />
Vista a conceituacáo e fundamentos da leoria da imprevisao, necessária se<br />
faz diferenciá-la com relacáo á outros <strong>In</strong>stitutos presentes no saber jurídico, a fim<br />
de evitar comparacóes erróneas. Todavía, há semelhancas quanto as suas bases<br />
teóricas, pois sao advindos dos conceitos de moral e justica presentes na realidade<br />
jurídica.<br />
6.1 Caso Fortuito e Foica Maior<br />
Tais nocóes muitas vezes se confundem, em virtude de serem frequentemente<br />
mal abordadas quando de sua aplicacao. Quando comprovadas, ambas<br />
Irazem o mesmo efeito, qual seja a liberacáo do devedor de sua obrigacáo. Porém,<br />
o fortuito se refere aos eventos naturais, nao havendo participacáo humana; en<br />
quanto que a forca maior concerne aos fatos ocasionados pelo ser humano.<br />
A principal diferenca entre estes conceitos tem guarida no fato de que a<br />
imprevisao abrange os casos inesperados, sendo esta sua característica fundamen<br />
tal; enquanto que no caso fortuito/io rea maior os eventos sao inevitáveis. Outra<br />
diferenca que pode ser citada é atinente aos campos de incidencia dos institutos,<br />
abragendo a imprevisao apenas os contratos de execucao diferida ou continuada.
6.2 Enriquecí mentó sem causa<br />
ANDRÉ LUÍS BEZERRA i.Al I ¡un, DE ARAÚJD<br />
Tal conceito, conforme preconiza Santos (1989, p. 28), se refere á "[...]<br />
ausencia de causa jurídica na transferencia de valores de um patrimonio para<br />
outro". Apesar de emanarem do sentimento de Justina e das regras moráis pre<br />
sentes no ordenamento jurídico, o enriquecimento sem causa diferencia-sé da<br />
imprevisáo no sentido de que esta provém de um liame contratual, sendo apli<br />
cada quando houver onerosidade excessiva para um e beneficio desarrazoado<br />
para outro, além de outros requisitos, enquanto que naquela ocorre a ausencia<br />
de causa para o enriquecimento, apresentando assim campos de atuacjo total<br />
mente distintos.<br />
6.3 Abuso de Direito<br />
Essa conceituac.ao abrange a intencjo de urna parte de prejudicar a outra,<br />
como no exemplo de um proprietário que abusa de seu direito de propriedade<br />
ao cercar de muros extremamente elevados o seu terreno, prejudicando a<br />
utilizac.áo efetiva do terreno de seus vizinhos, !imitando-o propositalmente. A<br />
díferenc.a quanto a Teoría da Imprevisáo é fácil apreciado, posto que nesta tal<br />
intencjio inexíste quando da celebrado do contrato. O fato que fundamenta a<br />
imprevisáo é superveniente e estranho ás partes, nao havenrio qualquer participac.áo<br />
destas no evento, enquanto que no abuso a intengáo caracteriza a partici-<br />
pac.áo.<br />
6.4 Teoría da Lesáo<br />
A lesáo fundamenta-se na intencao de urna das partes, ao tempo da formacáo<br />
contratual, de obter lucro excessivo através de um contrato, aproveitandose<br />
da outra que está em situacao de inferioridade. Por outro lado, a imprevisao<br />
tem como um de seus pressupostos a ocorréncia de um evento superveniente<br />
a ceiebragáo do contrato, nao havendo o escopo de urna parte em prejudicar a<br />
outra. Reside neste ponto a diferenc.a dos institutos, visto que a lesáo é con<br />
temporánea á formac.áo do contrato, tomando por base o equilibrio deste em<br />
tal momento, enquanto que a imprevisáo é posterior, partindo de um equilibrio<br />
inicial para um superveniente desequilibrio.<br />
Por fim, autores há, como Caio Mario da Silva Pereira que aduzem ter a<br />
imprevisáo por objeto a lesao superveniente, sendo esta urna categoría especial<br />
de lesáo, arguindo entáo que aquela pode se fundamentar nesta última.<br />
7 CONSIDERARES FINÁIS<br />
O Díreito hodierno, abrangendo sua vertente conlratualista, prioriza<br />
o equilibrio das partes ao pactuarem un negocio jurídico. Diversos principios,<br />
como a autonomía da vontade, a forca obrigatória dos contratos e a intangí-
teoría da imprevisAo: evolucAo histórica e aplicabiuoade A luz do<br />
CÓDIGO CIVIL DE 2002<br />
bilidade contratual sao hoje mitigados em funcao de um principio maior, mais<br />
soberano e mais justo: A fungao social do contrato.<br />
Estatuido nos diplomas legáis atuais, induindo-se o Código Civil de 2002,<br />
tal principio passa a ser o norte que deve ser seguido na busca dos homens do<br />
díreito por um ideal ainda nao alcanzado: a humanizac.ao do contrato.<br />
Decorre da análíse do <strong>In</strong>stituto a condusao de que a Teoría da Imprevisao<br />
é um dos instrumentos que possíbilitam o alcance de tal fim, sendo algo de<br />
extremo valor e utilidade ñas relacoes contratuais modernas. Todavía, deve-se ficar<br />
clara a ídéia de que sua aplicacáo nao deve se realizar de forma gratuita, mas sim<br />
nos casos em que a realidade objetiva contemporánea ao tempo da celebracáo<br />
coniratua! restar alterada.<br />
Decorre da necessidade de contratar a idéia de possibilitar aos contratan<br />
tes a revisáo judicial das cláusulas pactuadas, a fim de que o contrato nao se torne<br />
um instrumento de opressao económica. Desse modo, devemos ter em mente que<br />
a busca pelo equilibrio na relacáo contratual deve ser ¡ncessante, sendo a Teoría da<br />
Imprevisáo urna ferramenta para o alcance da Justina, ideal último que deve sempre<br />
guiar as relaces jurídicas.<br />
REFERENCIAS<br />
ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 10. ed. Sao Paulo; fcone, 2004.<br />
BRASIL Leí n°. 3.071, de 1 de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Revogada<br />
pela Le¡ no. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Rio de Janeiro, 1916. hit p://www.píanalto.gov.<br />
br/cdvil_03/le¡s/L3071.htm. Acesso em: 11 mar. 2006.<br />
BRASIL Leí n°. 10406, de lOdejaneiro de 2002. <strong>In</strong>stituí o Código Civil. Diario oficial [da] República<br />
Federativa do Brasil. Brasilia, 11 dejan.2002.<br />
GAGÜANO, Pablo Stolze. Algunas consideracóes sobre a Teoría da litiprevisáo Disponível em:<br />
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