Letra Viva: práticas de leitura e escrita - TV Brasil
Letra Viva: práticas de leitura e escrita - TV Brasil
Letra Viva: práticas de leitura e escrita - TV Brasil
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A mãe não lia a folhinha, quer dizer, ela sabia os números, sabia o dia da maior parte dos<br />
santos, e só. Na hora em que Osvaldo lia a folhinha é que Estefânia <strong>de</strong>terminava, então, se<br />
cortava as couves da horta hoje ou se esperava mais um ou dois dias, se a galinha ia pro<br />
choco dali a pouco ou na semana seguinte. Por que a mãe esperava a <strong>leitura</strong> da folhinha<br />
para fazer o que ela sabia fazer? Ela não sabia reconhecer a lua, não sabia o ponto das<br />
couves, a hora <strong>de</strong> começar o choco?<br />
Aurora não conseguia enten<strong>de</strong>r, mas parece que aquela <strong>leitura</strong> dava à mãe alguma espécie<br />
<strong>de</strong> certeza ou <strong>de</strong> autorização que estava fora do alcance da compreensão <strong>de</strong>la. (Lacerda,<br />
2005, p. 33).<br />
Duas mulheres – Aurora e sua mãe Estefânia – separadas por tempos distintos: uma que<br />
<strong>de</strong>seja ar<strong>de</strong>ntemente ler, escrever e freqüentar a escola como seus irmãos, no <strong>Brasil</strong> do início<br />
do século XX; a outra que apren<strong>de</strong>u a ler os sinais do mundo, por meio <strong>de</strong> suas experiências<br />
cotidianas, primeiro na al<strong>de</strong>ia natal, em Trás-os-Montes/Portugal, e, mais tar<strong>de</strong>, no contexto<br />
urbano permeado pela <strong>escrita</strong> do país que a recebeu, sem nunca ter ido à escola. E é por essa<br />
razão que a pequena Aurora não conseguia compreen<strong>de</strong>r por que Estefânia precisava ouvir a<br />
<strong>leitura</strong> da folhinha, diariamente, para <strong>de</strong>cidir sobre tarefas que estava acostumada a fazer<br />
todos os dias, já que sobre elas tinha pleno conhecimento e domínio a partir <strong>de</strong> sua própria<br />
experiência, o que seria <strong>de</strong>nominado, segundo Paulo Freire, <strong>de</strong> saber-<strong>de</strong>-experiência-feito.<br />
Neste sentido, po<strong>de</strong>ríamos dizer que Aurora ainda não tinha consciência <strong>de</strong> que a <strong>leitura</strong> do<br />
mundo antece<strong>de</strong> à <strong>leitura</strong> da palavra, sendo ambas tão importantes nos processos <strong>de</strong> aquisição<br />
da <strong>leitura</strong> e da <strong>escrita</strong>.<br />
Outra observação que o texto ficcional nos permite fazer refere-se à complexida<strong>de</strong> dos<br />
conhecimentos que as crianças vão <strong>de</strong>senvolvendo, ao levantarem suposições e expressarem<br />
os sentidos <strong>de</strong>sejados.<br />
Pensando na <strong>leitura</strong> e na <strong>escrita</strong> hoje, po<strong>de</strong>ríamos dizer, conforme Magda Soares (2000), que<br />
o sujeito que apren<strong>de</strong> a ler e a escrever atua “com” e “sobre” a língua <strong>escrita</strong>, tentando<br />
compreen<strong>de</strong>r o sistema <strong>de</strong> <strong>escrita</strong>, levantando hipóteses, interagindo com o outro,<br />
LETRA VIVA: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA 47 .