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Um lugar chamado Canastra - Ministério do Meio Ambiente

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<strong>Um</strong> <strong>lugar</strong> <strong>chama<strong>do</strong></strong> <strong>Canastra</strong>


OrganizaçãoMarcelo BizerrilCarla Cruz SoaresJean Pierre Santos<strong>Um</strong> <strong>lugar</strong> <strong>chama<strong>do</strong></strong> <strong>Canastra</strong>Instituto Pró-CarnívorosAtibaia2008


AutoresAdriane Cristina Aguiar - advogadaAlmerin<strong>do</strong> Faria de Oliveira - alfaiateAmadeu Paula <strong>do</strong>s Santos - aposenta<strong>do</strong>, ex-técnico administrativo <strong>do</strong> PARNA <strong>Canastra</strong>Ana Aparecida da Silva Abreu - técnica Ambiental <strong>do</strong> Instituto Chico MendesAna Cristina Rodrigues Alves Pereira Oliveira - veterináriaAndré Luis Braga Picardi - empresárioAntonia das Graças Silva Santos - agente ambiental administrativa <strong>do</strong> PARNA <strong>Canastra</strong>Antonio Francisco de Faria - aposenta<strong>do</strong>Aparecida Maria de Melo - estudanteAugusto Lima Neto - produtor rural e assistente de campo <strong>do</strong> projeto Pato MergulhãoCreuse Soares Ferreira - empresárioElmo Francisco <strong>do</strong>s Reis Moraes - produtor ruralFernan<strong>do</strong> Frederico da Silva - jornalistaFrancisca Romilda da Silva - servente <strong>do</strong> Instituto Chico MendesFrancisco Chagas Neto - fazendeiroJosé Baltazar da Silva “Zé Mário” - produtor ruralJosé Francisco de Almeida - pedreiroJosé de Lima - lavra<strong>do</strong>rMaria Luisa de Araujo Maia - pedagogaMaria Renilda Soares Dupin - empresáriaMaria <strong>do</strong> Rosário Marques Teixeira - professoraNilza Aparecida de Faria Silva - professoraOdair Sebastião de Oliveira - educa<strong>do</strong>r ambientalOsmar Alves da Silva - lavra<strong>do</strong>r e ex-garimpeiroRicar<strong>do</strong> Tavares Rodrigues - empresárioRoberto Francisco Lázaro de Souza - gráficoRoberto Vanderlei Macha<strong>do</strong> - borracheiroSophia Andrade de Faria - estudanteTatiana de Araújo Maia - estudanteValmório Lima Júnior - empresário


<strong>Um</strong> <strong>lugar</strong> <strong>chama<strong>do</strong></strong> <strong>Canastra</strong>. Instituto Pró-Carnívoros, Atibaia, 2008.1 a edição – 2000 exemplares. Venda proibida.Organiza<strong>do</strong>resMarcelo Bizerril, Carla Cruz Soares e Jean Pierre SantosEquipe <strong>do</strong> Projeto Lobos da <strong>Canastra</strong> 2004-2007Carla Cruz Soares, Eduar<strong>do</strong> Eizerik, Fabiana Lopes Rocha, Fernanda Cavalcanti, Flávio Rodrigues,Jean Pierre Santos, Joares MayJunior, Marcelo Bizerril, Nucharin Songsasen, Rogério Cunha de Paula e Ronal<strong>do</strong> MoratoProjeto editorial e texto finalJaime GesiskyProjeto gráfico e diagramaçãoMarilda DonatelliRevisão de textoEric SawyerFotos capaAdriano GambariniFotos <strong>do</strong>s autoresFabiana Lopes RochaFotos internasAdriano Gambarini, Antonio Francisco de Faria, Carla Cruz Soares, Fabiana Lopes Rocha, Lísia Lucchesi, Marcelo Bizerrile Ricar<strong>do</strong> Tavares RodriguesRealizaçãoInstituto Pró-CarnívorosUniversidade de BrasíliaApoioFun<strong>do</strong> Nacional <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> (FNMA)AgradecimentosFun<strong>do</strong> Itaú de Excelência SocialISBNInstituto para a Conservação <strong>do</strong>s Carnívoros Neotropicais - Pró-CarnívorosAv. Horácio Neto, 1030, casa 10, CEP 12945-010, Atibaia-SPFone: (11) 4411-6966 www.procarnivoros.org.br


ApresentaçãoA Serra da <strong>Canastra</strong> é única. É um <strong>lugar</strong> de resistência da cultura caipira, retrato fiel <strong>do</strong> interior <strong>do</strong>Brasil – o Brasil profun<strong>do</strong>, como dizia Mário de Andrade. Apresenta também uma composição diversa,que envolve riqueza cultural, exuberância de paisagens, a rica biodiversidade <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> eainda é o berço <strong>do</strong> rio São Francisco. Tu<strong>do</strong> isso a torna um <strong>lugar</strong> realmente especial.Este livro foi produzi<strong>do</strong> no âmbito <strong>do</strong> projeto O Lobo da <strong>Canastra</strong>, executa<strong>do</strong> por meio de umaparceria <strong>do</strong> Instituto Pró-Carnívoros, Universidade de Brasília, Universidade Federal de MinasGerais e Centro Nacional de Pesquisas para os Preda<strong>do</strong>res Naturais (Cenap), <strong>do</strong> Instituto ChicoMendes. A publicação foi financiada pelo Fun<strong>do</strong> Nacional <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> (FNMA) e apoiadapelo Fun<strong>do</strong> Itaú de Excelência Social, por intermédio <strong>do</strong> Prêmio FIES 2007, na categoria EducaçãoAmbiental.O Lobo da <strong>Canastra</strong> nasceu de um projeto de pesquisa e conservação <strong>do</strong> lobo-guará, inicia<strong>do</strong> naSerra da <strong>Canastra</strong> em 2004 e que apresentava ações relacionadas a diversos aspectos da conservação<strong>do</strong> lobo-guará, tais como ecologia, saúde animal, genética e educação ambiental.O foco inicial das ações de educação ambiental era congregar a comunidade para a discussão detemas de interesse local, especialmente a questão ambiental. A idéia de escrever um livro a partirdas experiências e pesquisas da própria comunidade surgiu de conversas com mora<strong>do</strong>res da<strong>Canastra</strong> e da observação de arquivos e registros fascinantes encontra<strong>do</strong>s em escolas da região.Também acreditávamos que o livro poderia ser uma interessante oportunidade de interação entreas pessoas da comunidade, de diferentes localidades, idades e atuações profissionais.O <strong>chama<strong>do</strong></strong> à comunidade foi feito por meio de conversas, mensagens na rádio local e faixasconvidan<strong>do</strong> para uma reunião realizada no dia 12 de abril de 2007. Para nossa alegria, 45 pessoascompareceram ao encontro motivadas pela curiosidade e pelo desafio de contar a sua própriahistória. A partir desse encontro, foram forma<strong>do</strong>s cinco grupos de trabalho que, durante três meses,se reuniram, planejaram, pesquisaram e elaboraram os textos básicos que compõem os olharesda comunidade sobre sua própria região. O interessante é que a idéia atraiu mora<strong>do</strong>res dasmais variadas idades e profissões. Ao final, tivemos como autores pessoas com idade entre 9 e 90anos. Coube aos autores a definição <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s e a abordagem a ser dada em cada tema.Ao final, organizamos tu<strong>do</strong> e demos um texto definitivo, que agregou todas as contribuições eacrescentou um aspecto ou outro, uma palavrinha aqui, outra acolá. Assumimos esse papel dianteda necessidade de criarmos uma linguagem homogênea, que aparasse as arestas de umtexto escrito por pessoas de diferentes perfis culturais, sociais e econômicos. A<strong>do</strong>tamos essaestratégia na busca de obtermos uma inteligibilidade que pudesse beneficiar o leitor de qualquerregião <strong>do</strong> país.


Afinal, a cultura, a história, a economia e o meio ambiente <strong>do</strong> Brasil Central são parte da realidadebrasileira. O livro que chega ao público trata das manifestações culturais e belezas cênicas,o resgate da história, passan<strong>do</strong> pela discussão de temas polêmicos e complexos associa<strong>do</strong>s àsquestões socioambientais locais e por uma reflexão sobre o futuro e a sustentabilidade dessebelo e delica<strong>do</strong> sistema que é a Serra da <strong>Canastra</strong>.Cabe destacar que as ilustrações <strong>do</strong> livro foram obtidas a partir de contribuições diversas, queincluem fotos feitas por mora<strong>do</strong>res, pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> projeto, imagens históricas <strong>do</strong> acervo públicode São Roque de Minas (reunidas por Antônio Francisco de Faria, o Antônio <strong>do</strong> Chico), alémde belíssimas fotos, incluin<strong>do</strong> as que ilustram a capa <strong>do</strong> livro, gentilmente cedidas pelo fotógrafoAdriano Gambarini.Além de gerar um registro importante sobre a região – que esperamos que possa apoiar o trabalhode educa<strong>do</strong>res na formação das futuras gerações – nosso intento é demonstrar que umacomunidade, ao se organizar e se comprometer com um objetivo, é capaz de realizar importantesações. O encontro de pessoas de diferentes histórias de vida para compartilharem seus olharesem relação ao mun<strong>do</strong> que os cerca é, sem dúvida, um <strong>do</strong>s pontos mais fortes <strong>do</strong> livro, o que certamenteserá percebi<strong>do</strong> pelo leitor.Participar <strong>do</strong> cotidiano e das vivências <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res da <strong>Canastra</strong> foi, sem dúvida, um privilégiopara nós que mediamos esses encontros e a produção <strong>do</strong> livro. Desejamos que essa experiênciatambém tenha si<strong>do</strong> tão marcante para os autores e que esse seja o início de muitas outrasgrandes realizações dessa comunidade.Marcelo, Carla e Jeanfoto Fabiana Lopes Rocha


SumárioPrefácio 09Primeiro CapítuloO <strong>lugar</strong> 11Segun<strong>do</strong> CapítuloBicho, planta e gente 25Terceiro CapítuloAs histórias <strong>do</strong> <strong>lugar</strong> 39Quarto CapítuloQuantas culturas cabem numa <strong>Canastra</strong>? 55Quinto CapítuloEconomia e desenvolvimento da <strong>Canastra</strong> 69


PrefácioA Serra da <strong>Canastra</strong> é, sem dúvida, um <strong>do</strong>s mais belos <strong>lugar</strong>es <strong>do</strong> país e também um <strong>do</strong>s maisimportantes para a conservação da natureza, pois agrega homem e meio ambiente dentro de umcontexto muito peculiar. A consciência que os mora<strong>do</strong>res da <strong>Canastra</strong> vêm adquirin<strong>do</strong> ao longo<strong>do</strong> tempo em relação ao uso sustentável <strong>do</strong>s recursos naturais e a opção de viver em meio à faunae flora <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> na tentativa de coexistir de forma harmoniosa são alguns <strong>do</strong>s componentesque mais enriquecem esse cenário.Ao perceber essa predisposição <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res locais de trabalhar por uma <strong>Canastra</strong> ambientalmentemelhor foi que o Instituto Pró-Carnívoros decidiu aportar na região nos i<strong>do</strong>s de 1997. Apartir daí, começamos a idealizar um projeto que envolvesse toda a comunidade. Nesses 10 anosde trabalho conjunto pela manutenção de áreas favoráveis à conservação da fauna da região,tivemos grandes conquistas. Ao levantar problemas ambientais e, principalmente, ao alcançarsoluções para resolvê-los, contamos invariavelmente com a participação de ‘filhos da <strong>Canastra</strong>’– pessoas que sempre quiseram preservar o <strong>lugar</strong>, com suas riquezas naturais e culturais.Para nós <strong>do</strong> Pró-Carnívoros, não interessavam apenas as discussões estritamente ambientais.Buscamos introduzir o conceito da auto-sustentabilidade, tanto no uso de recursos naturaisquanto na exploração bem manejada <strong>do</strong> potencial cultural por meio de atividades turísticas.Sempre acreditamos no povo da <strong>Canastra</strong> e, sobretu<strong>do</strong>, que a conservação de ambientes naturaise das espécies silvestres só é possível se a comunidade local também partilhar <strong>do</strong> desejo depreservar.| 11Em 2004, depois de anos de trabalho na região, tivemos a certeza que havíamos encontra<strong>do</strong> um<strong>lugar</strong> ideal para um programa de conservação de espécies ameaçadas. Isso nos levou à decisão deimplantar em São Roque de Minas uma base de pesquisas. Assim, a partilha de objetivos e açõesentre o Centro Nacional de Pesquisas para a Conservação de Preda<strong>do</strong>res Naturais (CENAP) e oInstituto Pró-Carnívoros permitiu o início <strong>do</strong> projeto de conservação <strong>do</strong> lobo-guará, uma espécieameaçada de extinção, mas que ainda encontra refúgio na Serra da <strong>Canastra</strong>.E foi justamente o lobo-guará – um <strong>do</strong>s animais-símbolos da região – que possibilitou o contatomais íntimo com a comunidade local. Esse contato se aprofun<strong>do</strong>u por meio das atividades deeducação ambiental e de uma infinidade de outros trabalhos em conjunto com a comunidadepara a preservação da natureza.Acreditamos que a proteção da fauna e a manutenção de áreas naturais dependem <strong>do</strong>s habitanteslocais. E o comprometimento de tantos amigos nos levou a construir um projeto em quea própria população apresentasse sua região com sua visão peculiar. E com a união de esforçosnasceu este livro, um tesouro lapida<strong>do</strong> através das memórias, da pesquisa e <strong>do</strong> saber de pessoasque prezam pela simplicidade e pelo bom viver.


Celebremos, então, essa obra com orgulho. Parabéns ao povo da <strong>Canastra</strong> e obriga<strong>do</strong> por nosbrindar com suas histórias, com seu conhecimento.Rogério Cunha de PaulaCENAP/ICMBio e Instituto Pró-Carnivoros


foto Marcelo BizerrilPrimeiro CapítuloO <strong>lugar</strong>Serra da <strong>Canastra</strong>, MG


Há um <strong>lugar</strong> muito especial no Brasil. Pelo menos, é especial para nós que vivemos aqui,na Serra da <strong>Canastra</strong>. Como se trata de um <strong>lugar</strong> bastante extenso geograficamente,decidimos, no âmbito deste livro, delimitar como sen<strong>do</strong> o “nosso <strong>lugar</strong>” a região que incluiapenas os municípios de São Roque de Minas – e alguns de seus distritos e localidades, taiscomo São José <strong>do</strong> Barreiro, São João Batista da Serra da <strong>Canastra</strong>, Buracas e Sobradinho – eVargem Bonita, com o seu distrito de Campinópolis.O <strong>lugar</strong> inclui o Parque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong>, que tem grande relevância para anossa história. Além disso, os <strong>do</strong>is principais municípios são os mais visita<strong>do</strong>s e com maiornúmero de atrativos naturais e culturais. Foi justamente a população <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is municípiosque participou efetivamente na formulação deste livro.Além <strong>do</strong>s municípios cita<strong>do</strong>s, destacam-se os seguintes povoa<strong>do</strong>s e regiões rurais:Buracas: Região <strong>do</strong> entorno da Serra da <strong>Canastra</strong>, constituída de fazendas, dentro <strong>do</strong> municípiode São Roque de Minas, com um grande crescimento na área de abastecimentoagrícola, destacan<strong>do</strong>-se plantações de milho e de café.14 |Os Leites: Pequeno povoa<strong>do</strong> com destaque para plantações de café, fabricação de queijo <strong>Canastra</strong>e que oferece a visão de belas cachoeiras como a <strong>do</strong> Antônio Ricar<strong>do</strong>, a da Fumaça e a <strong>do</strong>Vento.Serrinha: Área rural que, a exemplo <strong>do</strong>s Leites, localiza-se no município de São Roque deMinas. Possui fazendas onde também se fabrica o famoso queijo <strong>Canastra</strong>. A Serrinha temuma linda vista para o paredão norte da serra, onde o visitante ou mora<strong>do</strong>r vislumbra esplen<strong>do</strong>rosascachoeiras como a <strong>do</strong> Rolinhos, a <strong>do</strong> Quilombos e a Gameleira.Arre<strong>do</strong>res da cachoeira <strong>do</strong> Rolinhosfoto Marcelo Bizerril


São José <strong>do</strong> Barreiro: Distrito pertencentea São Roque de Minas, com grande potencialturístico. É <strong>do</strong> Boqueirão (seu antigo nome) quese avista uma das mais impressionantes paisagensda Serra da <strong>Canastra</strong>. É em São José <strong>do</strong>Barreiro onde se localiza a mundialmente conhecidacachoeira Casca d’Anta, que despencano paredão da Serra da <strong>Canastra</strong> com seus 186metros de altura, forman<strong>do</strong> a primeira grandequeda d´água <strong>do</strong> rio São Francisco.Tributo a São José <strong>do</strong> Barreiro (Nengo)Muitos anos atrás, com muita inspiraçãoSurgia um povoa<strong>do</strong>, na fazenda BoqueirãoBem na frente da <strong>Canastra</strong> num <strong>lugar</strong> especialNa cabeceira <strong>do</strong> rio, na unidade nacionalDona Dalmira Seriaca num ato de devoçãoAo patrono São José, ela fez a <strong>do</strong>açãoDeu parte de uma herança, que recebeu de seuspaisEste gesto de grandeza não esqueceremos jamais| 15Joaquim Manoel de Brito de espontânea vontadeDoou três litros de terra de sua propriedade<strong>Um</strong> grupo ali reunia em uma hora sagradaDeixan<strong>do</strong> uma cruz de cedro e uma capela marcadaPara realizar este sonho vejam o trabalho que foiDe juntarem os cabedais puxa<strong>do</strong>s em carros de boi<strong>Um</strong> povo muito singelo, mas to<strong>do</strong>s diziam assimNão há de faltar fiéis, nesta igreja de capimO vilarejo que existe de povo hospitaleiroFazem pare da história de São José <strong>do</strong> BarreiroEsse tributo ofereço de to<strong>do</strong> o meu coraçãoAos nobres <strong>do</strong>a<strong>do</strong>s da fazenda Boqueirão.Casca d’Antafoto Adriano GambariniSerra da <strong>Canastra</strong> (São João Batista): Distrito de São Roque de Minas, localiza<strong>do</strong> próximo àportaria 2 <strong>do</strong> Parque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong> (PARNA <strong>Canastra</strong>). O nome oficial desta vilaé Distrito da Serra da <strong>Canastra</strong>, e São João Batista é o nome da<strong>do</strong> em homenagem ao padroeiroda vila, festeja<strong>do</strong> no dia 24 de junho com grandes folgue<strong>do</strong>s, atrain<strong>do</strong> multidões ao local. Grandeparte <strong>do</strong> arraial faz divisa com o parque nacional. Há produção de queijo <strong>Canastra</strong>, agricultura desubsistência e turismo ecológico.


O potencial turístico é imenso, pois São Joãoé o famoso divisor de águas entre as Bacias <strong>do</strong>rio São Francisco e <strong>do</strong> rio Paraná, com uma exuberantenatureza, com inúmeras cachoeiras<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s <strong>do</strong> vilarejo.Igreja de São João Batistafoto Ricar<strong>do</strong> Tavares RodriguesSete Voltas: Região pertencente ao distrito de Sacramento, famosa pela passagem <strong>do</strong>s Bandeirantesno século XVIII, rumo ao desemboque. Tem esse nome devi<strong>do</strong> às sete voltas sinuosas quelevam à cidade de Delfinópolis e apresenta extensa área de reflorestamento de pinheiros.Aqui nascemos. Aqui vivemos16 |Foi aqui, nesse cantinho <strong>do</strong> país, encrava<strong>do</strong>s nesta bela <strong>Canastra</strong> que construímos nossa existênciae marcamos a nossa relação com a naturezaque nos cerca ao longo de uma históriaque tem muitos fatos interessantes.A nossa Serra da <strong>Canastra</strong> pode ser interpretadade várias maneiras, seja no aspecto <strong>do</strong> turismo,da história, das cidades e das comunidadesque habitam o entorno <strong>do</strong> Parque Nacional oumesmo da nossa cultura, que tem na gastronomiauma de suas maiores expressões: o queijo<strong>Canastra</strong>, aprecia<strong>do</strong> por gente <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro.Mas, vamos conhecer um pouco maisdesse <strong>lugar</strong> antes de falarmos das deliciosasiguarias.<strong>Canastra</strong> que guarda as águasA Serra da <strong>Canastra</strong> é muito antiga. Os geólogos estimam que ela tenha mais ou menos 1 bilhão deanos e que teria surgi<strong>do</strong> da colisão de duas grandes placas tectônicas – um movimento surgi<strong>do</strong> <strong>do</strong>interior da Terra que teria feito as rochas se assentarem na superfície, da forma como as conhecemosainda hoje. Mas, como a natureza tem seus caprichos, achou por bem dar à serra a formaque lembra um grande baú, que antigamente era <strong>chama<strong>do</strong></strong> canastra, daí a origem <strong>do</strong> nome quebatiza o nosso <strong>lugar</strong>.


Essas rochas, observadas em toda a geologialocal, inclusive em seu entorno, ora formamchapadões imensos com altitudes que variamentre 1.100 e 1.496 metros de altitude, oradespencam em inclinações abruptas de ondesempre fluem lindas cachoeiras. A natureza caprichoupara nós!Ainda por cima, temos o privilégio de estarmoslocaliza<strong>do</strong>s no coração <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, um biomatão importante quanto os seus vizinhos: MataAtlântica, Pantanal, Caatinga e Amazônia. OCerra<strong>do</strong> é o berço das águas que abastecemboa parte da população brasileira.Nesse contexto, a Serra da <strong>Canastra</strong> é de importânciaestratégica para o Brasil devi<strong>do</strong> aoseu grande potencial hidrográfico. De fato, aO planeta Terra está praticamente cobertode água. Mas esse grande volume éde água salgada. Apenas 2% da água disponívelno planeta é <strong>do</strong>ce. E menos de0,3% está disponível para o nosso consumo,pois a maior parte está em geleirase no subsolo.Essa água <strong>do</strong>ce está ameaçada devi<strong>do</strong> àfalta de respeito, imprudência e ganância<strong>do</strong> ser humano. A água, fonte de vida,está se tornan<strong>do</strong> imprópria para o consumo,colocan<strong>do</strong> em risco não só a biodiversidade,mas também os seres humanos.<strong>Canastra</strong> é um imenso depósito de água com milhares de nascentes e pequenos cursos d’águaque formam as bacias <strong>do</strong> rio São Francisco e alguns tributários <strong>do</strong> rio Paraná.Aqui são encontradas seis bacias hidrográficas de grande importância para o resto <strong>do</strong> país. Sãoelas: a <strong>do</strong> rio Grande, a <strong>do</strong> ribeirão Santo Antônio (ao sul da serra), a <strong>do</strong> rio São Francisco, a <strong>do</strong>rio Araguari e a <strong>do</strong> rio Santo Antônio (localizada ao norte).| 17Nascen<strong>do</strong> na parte nordeste <strong>do</strong> parque, no chapadão da Serra da <strong>Canastra</strong>, o rio São Franciscorecebe os córregos <strong>do</strong> Retiro das Posses, Capão e Lavras, enquanto percorre cerca de14 quilômetros em áreas de fraca declividade, até atingir a escarpa da Serra da <strong>Canastra</strong>,onde forma a cachoeira Casca d’Anta, com três quedas. A última e mais espetacular possuicerca de 200 metros de altura. Antes de deixar os limites <strong>do</strong> parque, o rio São Franciscorecebe ainda as águas <strong>do</strong> ribeirão <strong>do</strong> Alto da Cruz.O ribeirão das Lavras nasce na parte oriental <strong>do</strong> parque e desemboca no rio São Francisco, fora<strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> parque. Também nascen<strong>do</strong> na Serra da <strong>Canastra</strong>, na parte setentrional <strong>do</strong> parque,estão os córregos <strong>do</strong> Lava-Pés, <strong>do</strong> Mata-Cavalos, <strong>do</strong>s Rolinhos, <strong>do</strong>s Cochos, da Mata <strong>do</strong> Quilombo,<strong>do</strong> Campo Alegre, <strong>do</strong> Miguel, da Cachoeira, da Fazenda, <strong>do</strong> Ribeirão Grande e <strong>do</strong> rio <strong>do</strong> Peixeque, seguin<strong>do</strong> em direção aproximada ao Norte, abastecem o rio Santo Antônio, que desembocano rio São Francisco.


Nossa região é muito rica em água. São 36cachoeiras catalogadas na Serra da <strong>Canastra</strong>e arre<strong>do</strong>res. Essas águas nos enriquecem enos enchem de alegria. Podemos sair pelamanhã e nadar nas cachoeiras e córregos. Aserra é majestosa e tem as mais lindas cachoeiras,com águas cristalinas, cada qualcom sua beleza, sen<strong>do</strong> a principal, a cachoeiraCasca d’Anta.Cachoeira Boa Vista18 |O rio que tem nome de santo é sagra<strong>do</strong>,mas está em perigofoto Ricar<strong>do</strong> Tavares RodriguesVivemos no berço das águas <strong>do</strong> rio São Francisco. O Rio da Unidade Nacional, Rio Sagra<strong>do</strong> ou oNilo Brasileiro – como também é conheci<strong>do</strong> – nasce aqui neste rincão <strong>do</strong> Brasil. Nasce e ganhaforça para fazer sua longa jornada até o mar, que fica muito longe de Minas Gerais. O rio recebeforça, gera vida, mas em alguns trechos é um rio jura<strong>do</strong> de morte, começan<strong>do</strong> pela destruição desuas nascentes com as queimadas intensas e criminosas. As matas ciliares que ajudam a protegeros rios são cortadas, derrubadas para dar <strong>lugar</strong> ao homem. Jipes e motocicletas avançam ferozes,assoreiam e compactam o solo, fazen<strong>do</strong> com que a beleza morra pouco a pouco.O rio São Francisco – ou Chiquinho, quan<strong>do</strong> recebe os seus primeiros afluentes aqui na serra,forma a bacia <strong>do</strong> alto da Casca d’Anta, onde está a famosa cachoeira de 186 metros de queda livrecom seu poço de 19 metros de profundidade. A queda fica dentro <strong>do</strong> Parque Nacional da Serra da<strong>Canastra</strong>. Depois que passa por esse local, o rio fica à mercê da sorte, receben<strong>do</strong> agrotóxicos esofren<strong>do</strong> outros tipos de impactos.As fontes de água bem que podem ser preservadas com um manejo simples e consciente, queajuda a evitar desmatamentos e queimadas. O uso correto deve evitar os agrotóxicos e o despejode resíduos industriais e esgotos nos rios. Mas quase nada disso é feito. Em parte porque não háeducação da população. Por outro la<strong>do</strong>, os interesses financeiros falam mais alto e isso infelizmenteestá matan<strong>do</strong> o Velho Chico.


NASCENTEÉ preciso uma mobilização nacional urgentepara tentar salvar o que resta. Podemos cuidardas nascentes, replantan<strong>do</strong> áreas degradadas,plantan<strong>do</strong> alimentos orgânicos, evitan<strong>do</strong> quegrandes criações e rebanhos pisoteiem as nascentes.Mas precisamos de apoio <strong>do</strong>s governose da sociedade, pois esse é um serviço quegera o bem para milhões de pessoas.Por meio de estu<strong>do</strong>s avança<strong>do</strong>s, a nascente geográfica<strong>do</strong> rio São Francisco foi definida recentementecomo o rio Samburá, que nasce no município deMedeiros. Esta nascente está sofren<strong>do</strong> influênciasda degradação agropecuária, e estão sen<strong>do</strong> estudadasmaneiras de proteção e conservação daárea. A nascente histórica, porém, continua sen<strong>do</strong>o famoso filete de águas puras no Parque Nacionalda Serra da <strong>Canastra</strong>.Algumas coisas já estão sen<strong>do</strong> feitas. Muitasnascentes que haviam seca<strong>do</strong> voltaram a brotardevi<strong>do</strong> a uma ação de grupos que se mobilizaram e desenvolveram um movimento de recuperaçãoàs margens <strong>do</strong> rio São Francisco, em Lagoa da Prata.Existem na região outras ações simples e de grande importância, como é o caso da cidade deVargem Bonita, a primeira a ser banhada pelo rio São Francisco. Os mora<strong>do</strong>res demonstraram aconsciência da importância das águas com a implantação <strong>do</strong> tratamento de esgoto da cidade.“Esperamos contribuir para um futuro melhor para as nossas riquezas hidrográficas, respeitan<strong>do</strong>este delica<strong>do</strong> ecossistema <strong>do</strong> qual fazemos parte e pelo qual somos responsáveis.A geração futura nos julgará e esperamos que, pelo menos, sejamos compreendi<strong>do</strong>s pelanossa vontade em propiciar-lhes uma vida melhor.” Os mora<strong>do</strong>res| 19Nascente <strong>do</strong> rio São Franciscofoto Marcelo Bizerril


20 |O solo em que pisamos é a nossa basemineral, orgânica. Sustenta as águas eos organismos vivos vegetais e animais.Como em to<strong>do</strong> ecossistema, o solo tambémnecessita de equilíbrio para queos seres que nele habitam encontremcondições favoráveis para a sua sobrevivência,tais como abrigo e nutrição.É uma das partes fundamentais de umecossistema, pois é um ambiente de sustentaçãopara as plantas.<strong>Um</strong> solo fértil leva muito tempo parase formar, mas pode ser destruí<strong>do</strong> rapidamenteatravés das queimadas, daspráticas agrícolas inadequadas, <strong>do</strong>s desmatamentose pelo uso indiscrimina<strong>do</strong>de agrotóxicos.O chão de onde tu<strong>do</strong> nasceEstamos inseri<strong>do</strong>s naquilo que os especialistaschamam de bioma Cerra<strong>do</strong>. As rochas quedão origem ao solo <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> são bastanteantigas. Aproximadamente 90% <strong>do</strong>s solos sãoáci<strong>do</strong>s e de baixa fertilidade, isto é, com baixaconcentração de matéria orgânica e nutrientescomo o cálcio, magnésio, fósforo e potássio ealta concentração de ferro e alumínio.A flora <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> está adaptada a esses solospobres. As espécies dispõem de mecanismoseficientes que lhes permitem superar as dificuldadesnutricionais e absorver o que é essencialpara sobreviver.O solo da <strong>Canastra</strong> varia muito dependen<strong>do</strong> daregião em que se encontra. Em geral, o subsoloé forma<strong>do</strong> por um maciço de quartzito geologicamentedenomina<strong>do</strong> como “cristalino”. Em cima desse cristalino – que é <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de formaçãoda serra – o solo sofreu ações erosivas pelo próprio tempo, como os ventos, as chuvas e o fogo,proporcionan<strong>do</strong> a formação de outros tipos de solos. Nas baixadas, temos os solos aluviais, solosarenosos forma<strong>do</strong>s pelos sedimentos trazi<strong>do</strong>s pelos rios.Típicos das regiões altas e planas, os <strong>chama<strong>do</strong></strong>s latossolos são solos muito velhos e sofreram aação <strong>do</strong> tempo. Têm média fertilidade e muito alumínio. É um tipo de solo característico <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>.Possui lin<strong>do</strong>s tons amarelos, vermelhos ou uma mistura entre os <strong>do</strong>is – que pode dar pigmentosnaturais para os artistas. No alto da serra encontramos solos arenosos, com seus bancosde areia forma<strong>do</strong>res de rocha de quartzito.Na beira das encostas encontramos solos argilosos, não tão novos como no alto <strong>do</strong> morro, nemtão velhos como os de <strong>lugar</strong>es mais planos. Encontra-se em constante processo de lixiviação(quan<strong>do</strong> a água passa arrastan<strong>do</strong> os sedimentos), forman<strong>do</strong> assim uma camada superficial que écarregada e depositada na parte baixa <strong>do</strong> relevo, forman<strong>do</strong> as planícies. Na parte alta, o solo namaioria das vezes é renova<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> à ação das chuvas e ventos que carregam os sedimentos.VOCÊ SABIA?Que para formar um centímetro de solo leva-se mais ou menos 1 milhão de anos e hojeo ser humano degrada esse solo sem se importar com o tempo que a natureza levoupara elabororá-lo?


O fogoO uso <strong>do</strong> fogo é uma prática antiga, aprendida com os povos indígenas que faziam as queimadaspara caçar e preparar o terreno para o plantio. O uso da queima controlada foi absorvi<strong>do</strong> pelospovos não-índios e continua sen<strong>do</strong> importante para renovação das pastagens e limpeza de restosde vegetação.Só que se for mal usa<strong>do</strong>, o fogo pode se tornar um grande vilão <strong>do</strong> meio ambiente, destruin<strong>do</strong> osolo e os animais, secan<strong>do</strong> as nascentes e contribuin<strong>do</strong> para o aquecimento global. Após as queimadas,o solo fica muito prejudica<strong>do</strong>, levan<strong>do</strong>, no mínimo, três anos para se recuperar.Por outro la<strong>do</strong>, o fogo faz parte <strong>do</strong>s processos ecológicos que ocorrem no Cerra<strong>do</strong>. O fogo contribuipara favorecer a germinação de sementes que necessitam de sua passagem para quebrara <strong>do</strong>rmência. Só assim essas sementes podem brotar e embelezar a região, geran<strong>do</strong> alimento aohomem e aos animais.O fogo natural, que ocorre devi<strong>do</strong> aos raios, é muito freqüente na época das chuvas. Mas o queacontece muito e sem controle são as queimadas criminosas, que impedem o ciclo natural davegetação. Essas queimadas empobrecem o solo, que perde a sua fertilidade e sofre com grandeserosões.| 21O fogo controla<strong>do</strong> ainda não é muito freqüente na região, porém exige o máximo de cuida<strong>do</strong> eplanejamento, pois pode tomar grandes proporções, destruin<strong>do</strong> áreas nativas e animais e, principalmente,contribuin<strong>do</strong> para aumentar a temperatura da Terra. Ainda assim, a queima controladadeve ser substituída sempre que possível por alternativas que evitem o uso <strong>do</strong> fogo.FOGO CRIMINOSONa região da <strong>Canastra</strong>, tem havi<strong>do</strong> muitosincêndios causa<strong>do</strong>s pela mão irresponsável<strong>do</strong> ser humano, acarretan<strong>do</strong> a destruição eprejuízo ao nosso meio ambiente. Há da<strong>do</strong>s depesquisas de controle <strong>do</strong> fogo que demonstramque a queima anual prejudica o solo, seca asnascentes e regos d’água, não permitin<strong>do</strong> queos mesmos se recomponham. Portanto, apesarde algumas contrariedades populares, a ciênciacomprova que precisamos de um manejo correto<strong>do</strong> fogo ou tu<strong>do</strong> será destruí<strong>do</strong>. O prejuízojá se pode sentir. Basta prestar atenção noscórregos e rios que secaram perto de nossascasas ou fazendas e no calor insuportável queseca as plantações.Brigadistas combatem incêndiofoto Adriano Gambarini


QUEIMADASExistem diversas formas de queima controlada que podem ser utilizadas com vantagenssobre as de uso tradicional. O uso corriqueiro promove a limpeza das pastagense prepara os terrenos para plantio de culturas agrícolas.O plano de queima somente pode ser considera<strong>do</strong> como definitivo quan<strong>do</strong> tiversi<strong>do</strong> autoriza<strong>do</strong> pelos órgãos ambientais. Nesse plano, é preciso considerar osseguintes aspectos: descrição <strong>do</strong> terreno, prescrição técnica de queima e controle<strong>do</strong> desenvolvimento da queima, extinção e vigilância <strong>do</strong> fogo, medidas de segurança,recursos humanos e materiais necessários.No entorno <strong>do</strong> parque e nas propriedades particulares a autorização para queimadasé dada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). Importante saber que alegislação não proíbe a realização das queimadas, mas impõe condições seguraspara que elas aconteçam.22 |Regras:• Construir aceiros de <strong>do</strong>is a três metros de largura no entorno da área que seráqueimada.• Avisar os vizinhos, com três dias de antecedência, sobre data, horário e local daqueimada.• Ter pessoal treina<strong>do</strong> com ferramentas adequadas.• Ter em mãos autorização <strong>do</strong> local para executar a queimada, respeitan<strong>do</strong> a distância<strong>do</strong>s limites estabeleci<strong>do</strong>s das nascentes e áreas de florestas com preservaçãopermanente.ilustração Rodrigo CunhaMascote <strong>do</strong> projeto Lobos da <strong>Canastra</strong>


O clima pre<strong>do</strong>minante no Cerra<strong>do</strong> é o tropical sazonalde inverno seco. A temperatura média anualfica em torno de 22 a 23 graus Celsius e a máximapode chegar até os 36 graus.Em geral, o clima é caracteriza<strong>do</strong> pela presença deum inverno seco (de abril a setembro) e verão chuvoso(de outubro a março). O índice pluviométricomédio anual é de 1.448 milímetros.A título de informação, os cerra<strong>do</strong>s das regiõesserranas e de planaltos altos de Minas Gerais experimentamgrandes quedas de temperatura, inclusivegeadas, caracterizan<strong>do</strong> estas áreas comode clima tropical de altitude. Isso normalmente. Éque com as mudanças climáticas provocadas porvários fatores, entre eles o desmatamento <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>,tu<strong>do</strong> está mudan<strong>do</strong>.O clima é uma delícia!A Serra da <strong>Canastra</strong> apresenta clima agradáveldurante to<strong>do</strong> o ano. O calor nunca é muitointenso, pois no verão chove muito, especialmentenos meses de dezembro, janeiro e fevereiro.O inverno é perfeito para deliciosos cal<strong>do</strong>se causos à beira da fogueira ou <strong>do</strong>s fogõesa lenha.Nos meses de maio a julho, o clima é muitofrio e seco, com muitos ventos. Muitas vezesestá choven<strong>do</strong> nos vales <strong>do</strong> parque e, nos municípiosvizinhos, a chuva não chega. A paisagemfica amarelada. Na região da serra, ventamuito e o clima é inconstante. Na época <strong>do</strong>frio, podemos observar grandes áreas de neblinasobre os vales, dan<strong>do</strong> a impressão de umgrande mar. Temos um ar puro que relaxa eatrai muita gente.| 23A visão, um esplen<strong>do</strong>rA região que habitamos é formada por chapadões quase sempre acima <strong>do</strong>s 1.200 metros de altitude.O ponto mais alto está localiza<strong>do</strong> na serra Brava (1.496 metros acima <strong>do</strong> nível <strong>do</strong> mar),próximo ao acesso para a cachoeira Casca d’Anta. Atualmente, esse ponto só é acessível aos funcionários<strong>do</strong> parque, que fazem manutenção <strong>do</strong>s equipamentos de rádio instala<strong>do</strong>s neste pontoe onde há também uma guarita para observação de incêndios. Ainda dentro da área, há pontosque se destacam pela altitude, como o mirante <strong>do</strong> Bentinho (1.491 metros), a pouca distância <strong>do</strong>Curral de Pedra.Na estrada entre o arraial de São João Batista da <strong>Canastra</strong> e a Garagem de Pedra, registra-se umponto de 1.424 metros, no alto das vertentes <strong>do</strong> córrego das Lavras; e outro ponto com 1.494 metros.Outro <strong>lugar</strong> de destaque é o mirante <strong>do</strong> rola<strong>do</strong>r (1.311 metros).Mais adiante, perto da estrada na serra da Babilônia (1442 metros), há uma vista privilegiada efrontal da Casca d´Anta e <strong>do</strong> paredão da <strong>Canastra</strong>. Destaca-se ainda a localidade de São João Batistada Serra da <strong>Canastra</strong> (1.200 metros), localiza<strong>do</strong> a meio quilômetro de distância da portaria 2<strong>do</strong> parque. É o povoa<strong>do</strong> mais alto de toda a região.


foto Adriano GambariniA serra esconde muitos mistérios. Se prestarmos atenção, olhan<strong>do</strong> a serra <strong>do</strong> alto da cidade de São Roquede Minas, é possível observar o formato de uma mulher de cabelos longos, deitada. Há quem acredite queé uma guardiã das belezas da região.Dentro ou fora <strong>do</strong> parque, passeio é o que não faltaNo Parque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong>, há vários pontos de visitação, com destaque para anascente <strong>do</strong> rio São Francisco, a cachoeira Casca d’Anta, o Curral de Pedra, a Garagem de Pedra,a cachoeira <strong>do</strong> Rolinho e a cachoeira <strong>do</strong> Fundão.Mas há outros pontos de visitação fora <strong>do</strong> parque nacional, como a Cachoeira da Parida, o Vale daBabilônia, as nascentes das Gerais (macro-região da <strong>Canastra</strong>), a cachoeira <strong>do</strong> Cerradão, CapãoForro, Chapadãozinho, entre outros.24 |Existem muitos outros pontos de rara beleza e santuários ecológicos, mas que provavelmentenão serão abertos para visitação em larga escala por serem locais de procriação e refúgio deanimais silvestres.Ao percorrermos os chapadões da <strong>Canastra</strong>, observamos que toda aquela amplitude nos proporcionaum bem estar e sensação de liberdade. Ao trafegarem pelos platôs, muitos visitantes talveznão se dêem conta disso, mas o bem estar vem dessa situação <strong>do</strong> ambiente composto de climaameno, visão ampla, silêncio profun<strong>do</strong> e a observação <strong>do</strong> vôo <strong>do</strong>s pássaros.foto Marcelo Bizerril


Ao viajar pelo Brasil nos i<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVIII,o naturalista francês Auguste Saint Hilaire chegouà nascente <strong>do</strong> rio São Francisco, passan<strong>do</strong>pela Casca D’Anta, sobre a qual fez a seguintedescrição, extraída <strong>do</strong> livro Viagem às Nascentes<strong>do</strong> Rio São Francisco:“Acima dela vê-se, como já disse, uma largafenda na rocha. No ponto onde caem as águas,as pedras formam uma concavidade pouco pronunciada.Da casa de Felisberto, a cachoeirame pareceu ter apenas um terço da altura dasrochas mas, após tê-la observa<strong>do</strong> de diversosângulos, creio poder afirmar que suas extensassão de <strong>do</strong>is terços, com cálculos provavelmentebastante precisos de Eschwege , ela deve teruns 203 metros, aproximadamente. Ela não seprecipita das rochas com violência, exibin<strong>do</strong>,pelo contrário, um belo lençol de água branca eespumosa que se expande lentamente e pareceformar grandes flocos de neve. As águas caem numa bacia semicircular rodeada de pedras amontoadasdesordenadamente de onde descem por uma encosta escarpada para formar o famoso rioSão Francisco que tem quase 700 léguas de extensão e recebe uma infinidade de outros rios. Oestron<strong>do</strong> que as águas da cachoeira da Casca D’Anta fazem ao cair é ouvi<strong>do</strong> de longe e a névoaextremamente fina que elas produzem é levada a uma grande distância pela deslocação de arcausada pela queda. Dos <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s da cachoeira as rochas são permanentemente úmidas e emboratalhadas a pique, mostram-se cobertas por uma relva muito verde e fina que raramente deixa entrevera cor acinzentada da pedra abaixo das rochas, o terreno vai em declive até o rio e no trechomais próximo da cachoeira sua vegetação é composta só por arbustos.”| 25Para chegar aquiA malha viária no entorno da região da <strong>Canastra</strong> é basicamente de estradas vicinais. As ro<strong>do</strong>viasque servem para acessar o interior da serra são a br 452 e br 262, mg 050, mg 428 e mg 341, recentementeinaugurada com asfalto desde Piumhí até São Roque de Minas e Vargem Bonita. Asestradas de terra na região precisam de manutenção constante devi<strong>do</strong> ao tipo de solo, principalmentena época das águas.As chuvas dificultam o trânsito de mora<strong>do</strong>res e o escoamento da produção agropecuária. Poroutro la<strong>do</strong>, abastecem os mananciais das bacias <strong>do</strong> Paraná e <strong>do</strong> São Francisco. Tanta água contribuipara encher os reservatórios das hidrelétricas situadas em ambas as bacias. Guilherme Luiz Eschwege. Engenheiro minerologista e militar alemão. Contribuiu muito para o desenvolvimento das ciênciasgeológicas no Brasil. Calculou a rocha pique com mais de 1000 pés. Deduzin<strong>do</strong> um terço dessa altura para a parte superior damontanha até a cascata, teremos 667 pés.


HidrelétricasO Brasil possui um <strong>do</strong>s maiores potenciais hidrelétricos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. De acor<strong>do</strong> com recentes avaliações,poderia atingir um potencial contínuo de 75.000 megawatts. O desenvolvimento da indústriade energia elétrica na bacia <strong>do</strong> São Francisco tem um significa<strong>do</strong> muito importante, sociale político.O vilarejo onde se localiza a nascente <strong>do</strong> rio Araguari, que fornece águas para as hidrelétricas <strong>do</strong>referi<strong>do</strong> rio não recebe nenhum benefício das empresas privadas, e a recuperação <strong>do</strong> impactoambiental na região das hidrelétricas é questionável. Cabe aos governantes fiscalizar as empresase criar leis mais eficientes que beneficiem as comunidades e lhes dêem uma compensação justa.Quan<strong>do</strong> se conhece a nascente <strong>do</strong> rio São Francisco, ninguém imagina a sua importância para opaís, pois ele fornece energia para as maiores hidrelétricas brasileiras situadas em Minas Gerais,Bahia e Pernambuco.26 |Nascente <strong>do</strong> rio São Franciscofoto Adriano Gambarini


foto Adriano GambariniSegun<strong>do</strong> CapítuloBicho, planta e gente


28 |OCerra<strong>do</strong> é considera<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s <strong>lugar</strong>esmais ricos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em termos de biodiversidade.Isso quer dizer que aqui existe umavariedade incrível de plantas, bichos e organismosmicroscópicos. Quer dizer também queesses seres se relacionam entre si, forman<strong>do</strong>uma teia complexa e sofisticada na qual umacoisa depende da outra. Dizem os estudiososque existem mais de dez mil espécies de plantasno Cerra<strong>do</strong>. Só de bichos são mais de mil equinhentas espécies. Imagina só! E isso porquetoda hora aparece um que não era conheci<strong>do</strong>pela ciência. A gente ainda desconhece o nossoCerra<strong>do</strong>, isso sim.Os pássaros, semea<strong>do</strong>res de nossas florestasO sol surgiu tão de repenteSobre a terra bem molhada,Ouvi um coral contentesobre as árvores orvalhadas.Parei por um instanteE procurei entenderO que aquele coral importante,Queria lhe dizer.Eles diziam:Olhe ternamente e procure observarQuantas vidas há nos camposNas florestas e no mar.Por trás de tantas belezasMas os animais e vegetais que a gente identifica Estamos nós a semearpor aí são apenas parte da diversidade biológica.Os seres também mantêm entre si relaçõesEm harmonia com a naturezaVamos to<strong>do</strong>s juntos reflorestar.invisíveis, mas que ajudam a manter a vida em Ana Aparecida da Silva Alvesnosso ambiente, garantin<strong>do</strong> inclusive a sobrevivênciadas pessoas. O que seria de nós sem osrecursos que a natureza nos oferece? Certamente iríamos padecer.Nós, aqui da <strong>Canastra</strong>, temos um enorme privilégio. Vivemos inseri<strong>do</strong>s no meio de tanta coisaviva e bonita, que temos orgulho em relatar a to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Os bichos e as plantas daqui são nossosamigos e tornam nossas vidas realmente muito agradáveis. Eles nos dão alimentos, nos curame nos inspiram para contar causos que, muitas vezes, são só invenção. Outras vezes, são a puraverdade.Entre os bichos mais avista<strong>do</strong>s da <strong>Canastra</strong> estão alguns de rara beleza e que de tão raros, porcausa <strong>do</strong>s problemas ambientais, já freqüentam a lista das espécies ameaçadas de extinção.Então, antes que eles sumam <strong>do</strong> mapa, é melhor darmos a eles o devi<strong>do</strong> valor. E para dar valor,temos de conhecer primeiro. Segue uma lista <strong>do</strong>s animais que dividem com a gente o privilégiode viver na <strong>Canastra</strong>.As aves mais comunsPato-mergulhãoÉ uma ave muito linda, mas está em risco de extinção justamente porque o habitat preferencialdessa ave está se acaban<strong>do</strong>. O pato-mergulhão gosta de rios com cachoeiras e águas bem limpas.Mas, se está faltan<strong>do</strong> morada para o pato por aí, aqui na <strong>Canastra</strong> ele ainda pode viver tranqüilo,salvo quan<strong>do</strong> algum caça<strong>do</strong>r se atreve a incomodar o pato selvagem mais raro <strong>do</strong> Brasil.


Patinho bonitinho, esse!foto Adriano GambariniO primeiro cientista que avistou a ave na <strong>Canastra</strong>foi o alemão Wolf Bartmann, que encontrouo pato na parte alta da serra, no lagoda cachoeira e no Retiro de Pedra. Tambémforam observa<strong>do</strong>s alguns casais na parte baixada cachoeira. Hoje, podemos vê-lo na partelimpa <strong>do</strong> rio <strong>do</strong> Peixe, que vai da nascente atéo trecho <strong>do</strong> clube recreativo. Na pedreira <strong>do</strong>córrego <strong>do</strong> Coelho foi encontra<strong>do</strong> um ninho <strong>do</strong>pato-mergulhão.As principais características <strong>do</strong> pato mergulhãosão os penachos atrás da cabeça, maiores nos machos,pés vermelhos, espelha<strong>do</strong> branco nas asas ebico fino longo e serrilha<strong>do</strong>. Os patos utilizam asfendas das pedras nos paredões e ocos de árvorespara colocar os seus ovos. São extremamente ariscos.Encontram-se na lista mundial das 10 espéciesde aves aquáticas com maiores riscos de desapareceremcompletamente. Mas nós podemos mudaresse destino com o conhecimento, o cumprimentodas leis ambientais e a conservação de seu habitat,principalmente manten<strong>do</strong> as águas bem limpas. OParque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong> é um refugiopara essa ave. Nesse ambiente ele encontraseu alimento principal, os lambaris, sen<strong>do</strong> o localideal para o bicho fazer os ninhos, pois tem locaisinacessíveis para a maioria das pessoas.| 29EmaA ema é a maior ave brasileira. No ParqueNacional, a ema pode ser vista com maisfreqüência próximo à portaria III, no córrego<strong>do</strong> Rolinhos e no Curral de Pedra. Segun<strong>do</strong> osmora<strong>do</strong>res da região, as emas fazem os ninhospróximos aos córregos porque quan<strong>do</strong> ocorremos incêndios, elas transportam água naspenas para proteção <strong>do</strong>s ovos. A ema é muitoimportante para o equilíbrio da natureza.Você sabia?foto Adriano Gambarini Além <strong>do</strong> tamanho, o que difere a ema <strong>do</strong>avestruz são seus de<strong>do</strong>s. A ema tem três de<strong>do</strong>s e o avestruz, apenas <strong>do</strong>is. É uma avepernalta de grande porte e muito veloz. Alimenta-se de folhas, inclusive espinhosas eardidas, frutas, sementes, insetos e pequenos animais como lagartixas, rãs e serpentes.O seu ninho é coletivo. De quatro a cinco fêmeas põem seus ovos e são os machos oschoca<strong>do</strong>res. São cuida<strong>do</strong>sos. Preparam bem o ninho no solo. Alteram cons-tantementesua posição, giran<strong>do</strong> uma volta completa para ajeitar os ovos no ninho a cada 24 horas.Essa ninhada pode ser de 20 a 30 ovos.


Suindara (Coruja-da-igreja)As superstições que envolvem as corujas quase extinguiram esses fascinantes animais da região.Sempre associadas às bruxas e à magia, as corujas acabaram levan<strong>do</strong> a fama de agourentas. Masnão têm nada disso. Mas muitas sobreviveram aos preconceitos e voam de noite pela serra, àprocura de ratos, morcegos, filhotes de pássaros e sapos, como o sapo-martelo, muito encontra<strong>do</strong>aqui na região.Na verdade, as corujas são, desde a Antiguidade, símbolos de sabe<strong>do</strong>ria. É maravilhoso ter umacoruja cantan<strong>do</strong> no quintal. Na Garagem de Pedra, é possível ver a Suindara, branca e marrom,bela e majestosa. Diz uma lenda popular que uma coruja encantada, muito branca e prateada,aparece às vezes. É a guardiã da serra.30 |Você sabia?Que a Suindara prefere fazer o ninho em grutas, sótãos de casas velhas, forros e torresde igrejas? Daí o nome popular pelo qual ela é conhecida. As corujas costumamaproveitar os ninhos de outras aves para chocar seus ovos. A Suindara possui um gritofortíssimo emiti<strong>do</strong> quase sempre durante o vôo. No perío<strong>do</strong> de acasalamento, seucanto é entoa<strong>do</strong> em dueto pelo casal. A fêmea responde nos intervalos que o machointercala. Hoje, o maior perigo para essas corujas é a devastação das florestas e asqueimadas. É que o homem destrói o ambiente onde vivem os animais <strong>do</strong>s quais elasse alimentam.Urubu-reiO urubu-rei é uma ave interessante, rara e ameaçadade extinção. Ainda é muito discrimina<strong>do</strong>,pois não tem a beleza e colori<strong>do</strong> de outras aves.Mas o urubu-rei tem um papel fundamental nomeio ambiente. Podemos compará-lo com oscoletores de lixo e seu importante papel paraa coletividade. Em uma região de fauna ricacomo a Serra da <strong>Canastra</strong>, a morte de animaisfaz parte <strong>do</strong> dia-a-dia. E é o urubu-rei queaproveita a carne em putrefação deixada porfoto Adriano Gambarinialguns preda<strong>do</strong>res ou animais mortos por outras causas. Imaginem qual a imagem veríamos maisconstantemente se não existissem essas aves? E o cheiro?Você sabia?O urubu-rei é o primeiro a chegar e verificar a carne em putrefação, enquanto as demaisespécies de urubus ficam no aguar<strong>do</strong> da sua saída. Depois que ele come, ele segueem vôo para grandes altitudes, pois é lá no alto, com bastante oxigênio, que ele digerea comida que, sem ele, apodreceria no meio ambiente, causan<strong>do</strong> sérios problemas decontaminação.


MamíferosOnça-pardaÉ uma espécie de felino. <strong>Um</strong> <strong>do</strong>s maiores <strong>do</strong> Brasil. Pode ser vista em matas perto da serra, sempreem <strong>lugar</strong> onde tem possibilidade de haver presas. Durante a avistagem desse animal, podemosobservar a mãe com filhotes, sempre mostran<strong>do</strong> o melhor e mais seguro caminho, levan<strong>do</strong>ospara um grotão onde possam <strong>do</strong>rmir tranqüilos. É muito comum vê-la em tempos chuvosos oude muita neblina. Devi<strong>do</strong> ao desmatamento, também podemos observá-la rondan<strong>do</strong> as fazendas,espreitan<strong>do</strong> por alguma presa desgarrada. É o mesmo caso <strong>do</strong> lobo. Se falta alimento no mato, ojeito é tentar nas fazendas. Mas isso tem gera<strong>do</strong> muitos conflitos com os homens que, amedrontafotoAdriano GambariniLobo-guaráO lobo-guará é um animal de rara beleza e muitoimportante para o equilíbrio da natureza.Ele vive nos campos se alimentan<strong>do</strong> de frutos,especialmente da fruta lobeira e de pequenosanimais como ratos, perdizes, lagartos eoutros. A lobeira é muito importante para olobo-guará porque ela auxilia na sua digestãoe combate parasitas que atacam seus delica<strong>do</strong>srins. O lobo demarca seu território com fezese urina; assim podemos sentir com facilidade o o<strong>do</strong>r indican<strong>do</strong> que o lobo-guará esteve em determinadaárea. Cada casal ocupa uma grande área. Os machos solteiros que cruzam essas áreassão expulsos por intimidação. O lobo-guará é um animal tími<strong>do</strong>, que evita o contato com o serhumano, não fazen<strong>do</strong> mal a ninguém.“Eu saí da minha casa em direção ao parque. Cheguei na portaria. Passan<strong>do</strong> por ela, consegui observarvárias flores como, por exemplo, a canela-de-ema. Quan<strong>do</strong> tem queimada no parque, as sementes germiname nascem belas flores. Fui andan<strong>do</strong> e, quan<strong>do</strong> cheguei no Jaguarê, vi um lobo-guará. Era manso.Bastava os brigadistas <strong>do</strong> parque rasparem a panela, que ele vinha em busca de comida. Mas isso parou.Ele não pode comer comida de pessoas porque a barriga dele é muito frágil. Qualquer coisa diferente odeixa <strong>do</strong>ente, poden<strong>do</strong> até morrer.” Tatiana, 10 anos – mora<strong>do</strong>ra da <strong>Canastra</strong>| 31Você sabia?Que somente quan<strong>do</strong> falta alimento no mato para o lobo-guará é que ele busca aproximaçãonas fazendas? Mas não é preciso ter me<strong>do</strong>. Ele não vem “atacar” as pessoas. Vembuscar comida e os cria<strong>do</strong>res podem evitar, com muito sucesso, ataques de lobos àssuas galinhas, fechan<strong>do</strong>-as em galinheiros durante a noite. Testes feitos pelos pesquisa<strong>do</strong>res<strong>do</strong> Instituto Pró-Carnívoros na <strong>Canastra</strong> mostraram que, além de proteger asgalinhas de lobos e outros animais, o uso <strong>do</strong>s galinheiros traz muitos outros benefíciosà criação de galinhas, como aumento da produção de ovos e facilidades nos cuida<strong>do</strong>scom os animais. É preciso que a gente aprenda a conviver com o lobo. Dar tiros, nempensar. Além de o bicho sofrer, essa atitude é um crime ambiental.


<strong>do</strong>s ou temen<strong>do</strong> prejuízos, atiram nesses animais. Além de pôr a onça em risco de extinção – oque seria uma catástrofe – atirar em animal silvestre é contra a lei ambiental.Tamanduá-bandeirafoto Adriano GambariniO tamanduá-bandeira também está ameaça<strong>do</strong>de extinção. Desmatamento e caça são as causasdessa terrível situação. O tamanduá é degrande importância para o equilíbrio da natureza.Alimenta-se de formigas e cupins. O tamanduátem um focinho compri<strong>do</strong>, uma línguaroliça e uma saliva pegajosa para grudar comeficiência seu alimento. Quan<strong>do</strong> o tamanduábandeiraabre um cupinzeiro, ele não o destróitotalmente. Alimenta-se de uma quantidade necessária e parte em busca de outro, proporcionan<strong>do</strong>a recuperação <strong>do</strong> cupinzeiro aberto anteriormente. Tamanduá é sabi<strong>do</strong>. Ao <strong>do</strong>rmir, seenrosca to<strong>do</strong> em sua grande cauda, para se aquecer. As fêmeas carregam seus filhotes nas costas,camufla<strong>do</strong>s em suas listas <strong>do</strong>rsais. Eles são muito lentos quan<strong>do</strong> se deslocam e por isso, sãograndes vítimas <strong>do</strong>s incêndios florestais.32 |Você sabia?Que há muitas histórias sobre o tamanduá? Os antigos mora<strong>do</strong>res da <strong>Canastra</strong> e regiãocomentam que o tamanduá-bandeira era muito temi<strong>do</strong> pelo seu tamanho e seu “abraço”perigoso. Tinham me<strong>do</strong> de passear à noite nas casas <strong>do</strong>s parentes, pois no caminho,as trilhas passavam próximas ou entre as matas, um local escuro, onde o tamanduábandeirapoderia aparecer a qualquer momento. Segun<strong>do</strong> eles, muitos cães morreramnos braços <strong>do</strong> tamanduá. Na verdade, o tamanduá não é perigoso. Sua única defesa sãosuas grandes e fortes unhas usadas para abrir cupinzeiros. Atualmente, podemos ver noparque muitos tamanduás-bandeira, principalmente nos campos limpos, nos cerra<strong>do</strong>se nos capões de matas onde se refugiam.Tatu-canastraO tatu-canastra é o maior tatu brasileiro – e<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> também! Pesa, em média, 45 a 60quilos. É muito raro e ameaça<strong>do</strong> de extinção.Apesar de ser grande, é muito difícil vê-lo.Sua toca é enorme. Cabe uma pessoa dentro.O tatu-canastra tem hábitos noturnos. É comumver suas tocas no parque, a caminho <strong>do</strong>córrego <strong>do</strong> Rolinhos, Curral de Pedra e outrospontos visita<strong>do</strong>s. O tatu se alimenta de raízes,frutos e insetos. É uma grande sorte conseguirver um animal como esse.foto Lísia Lucchesi


PeixesCurimbaÉ um peixe branco com escamas cinza. É um <strong>do</strong>s peixes encontra<strong>do</strong>s com bastante abundâncianos rios da região, especialmente naqueles com grande volume d’água. O perío<strong>do</strong> da desova seestende pela lua cheia. Procuram sempre as cabeceiras <strong>do</strong>s rios para deixar os alevinos. Chegama pesar até cinco quilos.SurubimÉ um peixe branco com pintas pretas, encontra<strong>do</strong> em rios com grande volume d’água, como oSão Francisco, Samburá e Santo Antonio. É comum na região, chegan<strong>do</strong> a pesar até 50 quilos. Éuma iguaria da região.Doura<strong>do</strong>É um peixe muito bonito com sua cor amarela. Alimenta-se de outros peixes pequenos.LambariÉ uma piaba comum e pequena. Encontra-setanto em riachos volumosos como em pequenosfiletes d’água. Na parte alta e na partebaixa da Casca d’Anta, podemos observar essespeixinhosAnfíbiosfoto Adriano Gambarini| 33Sapo CururuNa <strong>Canastra</strong>, existem muitas espécies de sapos e pererecas. Juntos eles fazem uma bela orquestraquan<strong>do</strong> começam a coaxar. O sapo cururu é um <strong>do</strong>s mais comuns na região. Alimenta-se de insetos,minhocas, aranhas ou pequenos roe<strong>do</strong>res. Preferem os locais próximos da água, como rios,lagos, lagoas e córregos, ideais para depositarem seus ovos. Seus girinos nascem aos milharescom seus rabos que são perdi<strong>do</strong>s durante a sua metamorfose em sapos.Você sabia?Que o sapo cururu é inofensivo, mas como to<strong>do</strong> animal, possui suas defesas. Ele temuma bolsa de veneno nas laterais de sua cabeça que secreta um líqui<strong>do</strong> que, no contatocom a boca <strong>do</strong>s seus preda<strong>do</strong>res, provoca um gosto muito ruim, fazen<strong>do</strong> com que ocuspa rapidamente, enquanto ganha tempo para fugir e se esconder.“Os ouvi<strong>do</strong>s mais sensíveis, que costumam parar para ouvir os sapos, desfrutam de uma sinfonia maravilhosa.Mas, infelizmente, existem também os que fazem crueldades com esses animais... Precisamosperceber que as nossas atitudes fazem parte de um to<strong>do</strong>: são nossas atitudes individuais que nos unemà teia da vida.” Toinha da Serra, mora<strong>do</strong>ra


As serpentes da região da <strong>Canastra</strong>CAUSOCerta vez uma cascavel e um urutu se encontraram, e a cascavel perguntou ao cumpadre urutu:- Por que você carrega essa cruz na cabeça?E o urutu respondeu:- Ora, para colocar no local que eu matar a minha vítima.Depois, o urutu perguntou à cascavel:- E você, cumade, por que quan<strong>do</strong> você dá o bote, pula para trás ou sai de perto?E a cascavel respondeu:- Ora, cumpade urutu, é para que o defunto não caia sobre mim.Entre tantas belezas da <strong>Canastra</strong>, vamos apresentar algumas serpentes <strong>do</strong> <strong>lugar</strong>. Sabemos queelas são temidas por serem venenosas e assusta<strong>do</strong>ras para muita gente. Mas para outras pessoas,as serpentes são interessantes e de grande beleza.34 |As serpentes têm uma grande importância no equilíbrio da natureza, porque um <strong>do</strong>s seus alimentossão pequenos roe<strong>do</strong>res, cuja população elas ajudam a controlar. A maioria das serpentes sóataca o ser humano em legítima defesa, quan<strong>do</strong> passamos muito próximo ou quan<strong>do</strong> esbarramosnela. O veneno letal é importante para a sua sobrevivência, pois é a única maneira eficiente deconseguir seu alimento. Algumas não possuem essas presas que inoculam veneno, abaten<strong>do</strong> suaspresas por constrição, como é o caso da jibóia.Entre as serpentes mais comuns da <strong>Canastra</strong>, estão:CaninanaÉ uma serpente de extrema beleza, poden<strong>do</strong> medir até três metros de comprimento. Caracteriza-sepela coloração com rajas amareladas no <strong>do</strong>rso e pelo corpo, lateralmente. É espécie queprefere as árvores e pode ser encontrada próximo aos cursos d’água. Alimenta-se de sapos, filhotesde aves que capturam em cima <strong>do</strong>s galhos das árvores, pequenos roe<strong>do</strong>res e de outras serpentes.A caninana pode fazer posturas de seis a 20 ovos. O tempo de incubação é de 80 dias.JararacasSão trinta variedades de jararacas existentes no Brasil. Aqui na Serra da <strong>Canastra</strong> têm algumasdelas: a jararaca-<strong>do</strong>-campo, a pintada, a jararacuçu e a urutu-cruzeiro. A jararacuçu é a maiordelas, chegan<strong>do</strong> a medir mais de três metros de comprimento e é a mais agressiva. Até hoje, é aúnica que já vimos perseguir seres humanos quan<strong>do</strong> se sente ameaçada.CascavéisExistem seis variedades conhecidas e têm como principal característica seu guizo ou chocalho naponta da cauda. Quan<strong>do</strong> pressentem perigo, armam o bote e vibram continuamente o chocalho,denuncian<strong>do</strong> sua presença e alertan<strong>do</strong> a possível vítima. Vivem em regiões secas, pedregosas eacidentadas <strong>do</strong>s cerra<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> adultas, podem medir mais de um metro e meio.


A floraEstima-se que o Cerra<strong>do</strong> possua algo em tornode dez mil espécies de plantas. Poucas são asque têm estu<strong>do</strong>s sobre suas propriedades emuitas delas são usadas tradicionalmente comomedicamentos e têm importante papel na medicina<strong>do</strong>s povos da região. Outras têm grandeimportância na alimentação humana e fazemparte da segurança alimentar das populaçõestradicionais e rurais. Na <strong>Canastra</strong>, existemtodas essas plantas úteis ao homem e outrastantas que valem pela sua beleza na paisagem.Basta ver o ipê flori<strong>do</strong> de amarelo, roxo oubranco para entender o que estamos dizen<strong>do</strong>.E as sempre-vivas, que enfeitam a serra? Bem,não queremos de jeito nenhum esgotar o assuntosobre a flora da nossa região, mas gostaríamosde apresentar algumas plantas quesão parte importante das nossas vidas.Nossa rica floraMe encanta quan<strong>do</strong> chego na Serra da <strong>Canastra</strong>Me recepciona com aconchegoO perfume que vem da mataAqui há variedades de floresde diversas coresAlgumas têm cheiro especialOutras, efeito medicinalQuantidades de ipê amareloTornan<strong>do</strong> assim nossos camposflori<strong>do</strong>s e mais belosIsso aqui é preserva<strong>do</strong>respeita<strong>do</strong> e muito ama<strong>do</strong>Rica flora exuberanteQue Deus nos presenteouEntre vales e montanhasAqui presente sempre estouOdair Sebastião de Oliveira| 35foto Marcelo BizerrilArnicaÉ um arbusto conheci<strong>do</strong> em toda região daSerra da <strong>Canastra</strong>. A arnica é encontrada noscampos rupestres e nos campos limpos de altitude.Os mora<strong>do</strong>res da região utilizam tradicionalmentea planta para curar hematomas,torções e picadas de insetos. Ela é curtida econservada no álcool, possuin<strong>do</strong> um aromamuito gostoso. Tem um formato semelhante aode uma árvore de Natal. Não pode ser coletada em áreas protegidas, como no Parque Nacionalda Serra da <strong>Canastra</strong>.GabirobaArbusto com um metro e meio a <strong>do</strong>is metros de altura, recoberto com pêlos ralos e folhas avermelhadas,ovais, recobertas por pêlos se<strong>do</strong>sos. Tem flores brancas e a floração acontece entresetembro e outubro. Entre outubro e novembro, produz frutos avermelha<strong>do</strong>s e amarelo-esverdea<strong>do</strong>s,com muitas sementes. Seu formato lembra a goiaba ou araçá, só que pequeno. Temsabor inexplicável. É uma delícia. Sair no campo para pegar gabiroba é uma diversão. Podemosusar as folhas para curar diarréia. Com os frutos, fazemos geléias, sorvetes, refrescos.


IpêO ipê é uma árvore de rara beleza. Qualquer serhumano se admira ao avistar um ipê flori<strong>do</strong>. Oamarelo vivo e alegre <strong>do</strong> ipê parece anunciar avida, que se seguirá ao perío<strong>do</strong> da seca. Aliás,dizem que a flor <strong>do</strong> ipê não cai na poeira. Defato, suas flores só caem após as primeiras chuvas.Quan<strong>do</strong> não está flori<strong>do</strong>, o ipê se veste defolhas verde-claro, sen<strong>do</strong> também de grandebeleza. Pelo amarelo intenso de suas florestambém é declarada árvore-símbolo nacional.Hoje, o ipê é uma árvore protegida por lei estaduale está imune de corte. Há ipês tambémcom flores roxas ou brancas.36 |foto Adriano GambariniLíriosOs lírios-<strong>do</strong>-campo são lin<strong>do</strong>s. No mês de outubro, eles cobrem os campos da Serra da <strong>Canastra</strong>.São flores brancas, rosas e vermelhas forman<strong>do</strong> um lin<strong>do</strong> jardim silvestre. Quan<strong>do</strong> passa a floração,fica somente uma pequena batatinha no chão, esperan<strong>do</strong> a próxima florada. Aqui na <strong>Canastra</strong>,os lírios são mais vistos nos campos limpos, próximos à nascente <strong>do</strong> São Francisco e ao Curralde Pedra. Depois das queimadas, podemos observar os lírios que brotam da terra, cobrin<strong>do</strong> astristes camadas de cinzas e dan<strong>do</strong> vida ao ambiente.MargaridasNos meses de novembro e dezembro, as margaridas formam um imenso e lin<strong>do</strong> tapete com floresde vários tamanhos a se perder de vista. As margaridas são de cores variadas, com o amarelopre<strong>do</strong>minante. Os pesquisa<strong>do</strong>res acreditam que existem 225 espécies de margaridas na região.Elas são um patrimônio natural da <strong>Canastra</strong> e merecem toda a nossa atenção e carinho para queelas nunca desapareçam.Alecrim-<strong>do</strong>-campoO alecrim <strong>do</strong> campo é uma planta que chega a medir até quatro metros de altura. Tem folhaspequenas e perfumadas. É muito bom sentar em baixo <strong>do</strong> alecrim, apreciar o frescor de suasombra na época de floração, compartilhan<strong>do</strong> a companhia de vários beija-flores e abelhas quevisitam e se beneficiam da planta. Aqui na região, as pessoas que possuem forno a lenha, utilizammuito os pequenos galhos de alecrim para fazer vassouras para juntar as brasas de dentro<strong>do</strong> forno. Quan<strong>do</strong> o forno esquenta, exala um cheiro muito gostoso, devi<strong>do</strong> ao uso <strong>do</strong> alecrim,dan<strong>do</strong> mais sabor às quitandas, principalmente o biscoito amarelo e o pão de queijo. A madeiratem aplicações na carpintaria e confecção de raios de rodas de carroças e bengalas. Foi muitoutilizada pelos índios – quan<strong>do</strong> eles ainda viviam por aqui – na fabricação de flechas e tacapes.Seus frutos são muito aprecia<strong>do</strong>s pelos morcegos, que ajudam a polinizar outras plantas. Ocorreabundantemente em áreas de pastagens e campo sujo.


Canela-de-emaNo início de dezembro, florescem as canelas-de-ema. São 20 espécies, com flores brancas, roxase lilás. Elas se destacam entre as pedras, dan<strong>do</strong> uma beleza especial ao ambiente. Seria difícilimaginar esse <strong>lugar</strong> sem o colori<strong>do</strong> dessa planta tão exuberante. A canela de ema, na época dasqueimadas, é uma das plantas mais difíceis de se extinguir no combate ao fogo, pois sua resinaé de alta combustão. A canela-de-ema é uma presença marcante da Serra da <strong>Canastra</strong>. Entre asvariedades da espécie, existe a Barbacena, que só é encontrada aqui.SucupiraA sucupira tem entre 8 e 16 metros de altura, com tronco de 30 a 50 centímetros de diâmetro.Possui flores violetas. Os frutos são pequenas vagens achatadas. É uma planta típica <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>.A árvore é extremamente ornamental e pode ser empregada no paisagismo. Ocorre sempre nosterrenos altos de rápida drenagem. Na Serra da <strong>Canastra</strong>, pode ser vista na estrada para Sacramento,próximo ao Curral de Pedras e também na subida da serra.foto Marcelo BizerrilSempre-VivaExistem 15 espécies de sempre-vivas embelezan<strong>do</strong>a região da <strong>Canastra</strong>. Apesar de suaaparência seca, ela se destaca pela sua coresbranquiçada e seus vários tamanhos. Opepalanthus, também conheci<strong>do</strong> como chuveirinho,pode atingir até <strong>do</strong>is metros de altura eé lindíssimo.| 37CandeiaA candeia tem suas folhas prateadas. Ela tem um óleo pareci<strong>do</strong> com o da canela-de-ema e, quan<strong>do</strong>pega fogo, é pra valer. Ela é muito boa para fazer mourão, pois tem grande durabilidade. Nasmatas, ficam enormes, mas no chapadão, devi<strong>do</strong> ao solo pedregoso, a candeia cresce menos.LobeiraPode ter três nomes: lobeira, fruta-<strong>do</strong>-lobo e berinjela. É uma planta espinhenta de cerca <strong>do</strong>ismetros de altura, mas, na região da <strong>Canastra</strong>, geralmente se apresenta como simples arbustode porte rasteiro. Ela cresce em campo sujo e em áreas de pastagens. Os frutos amadurecemna primavera. Quan<strong>do</strong> maduro é um fruto <strong>do</strong>ce e cheiroso. É muito aprecia<strong>do</strong> pelo lobo-guará,sen<strong>do</strong> uma das principais fontes de alimento<strong>do</strong> bicho – daí a origem <strong>do</strong> nome. Seu frutotambém é usa<strong>do</strong> para fazer <strong>do</strong>ce. Sua flor temuso medicinal: faz-se um xarope para curar agripe. Floresce durante quase o ano to<strong>do</strong>, compre<strong>do</strong>mínio durante o inverno.foto Adriano Gambarini


Murici-de-flor-amarelaCom troncos tortuosos, casca grossa e áspera, não ultrapassa quatro metros de altura. Tem folhasopostas, grandes e ovais com muitos pêlos em ambas as faces. Seu fruto é arre<strong>do</strong>nda<strong>do</strong>, amarelo,com muitas sementes. Amadurece de outubro a dezembro, e seu sabor é estranho, meio azedinho,mas muito saboroso. A floração é de agosto a setembro. A planta é muito utilizada no esta<strong>do</strong>de Minas Gerais para tingir algodão de cor amarela. Também há o murici-de-flor-rosa, com floraçãode fevereiro a março, e frutificação de abril a maio. Seus frutos são usa<strong>do</strong>s para aromatizarcachaças e fazer licores. É usa<strong>do</strong> também para ornamentação. O dita<strong>do</strong> “É tempo de murici, cadaum faça pra si” quer dizer que a pessoa deve ter responsabilidade.BroméliasPodemos encontrar várias espécies de broméliasna região. Suas cores são as mais belas. Asalaranjadas, que ficam próximas ao centro devisitantes <strong>do</strong> Parque Nacional, são muito visitadaspelos beija-flores e pelos turistas também.To<strong>do</strong>s gostam das bromélias. É muito interessanteobservá-las entre as pedras, troncos dasárvores e no próprio solo.foto Carla Cruz Soares38 |Cajuzinho-<strong>do</strong>-campoO cajuzinho <strong>do</strong> campo ocorre em regiões decerra<strong>do</strong>. Tem porte de arbusto, lenhoso epequeno, caule tortuoso. As folhas são simplescom nervura mediana grossa. As floressão pequenas, brancas, rosadas ou amarelas com estrias arroxeadas e dispostas em cachos. Namedicina popular, usam-se as folhas e raízes para tratamento de diabetes, úlceras, inflamaçõesuterinas e <strong>do</strong>res de garganta. É fonte de vitamina C.AraçáPodemos encontrá-lo em forma de árvore ou arbusto, dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo de solo. O fruto lembrauma goiabinha e pode ser usa<strong>do</strong> para fabricar geléia, suco ou simplesmente degusta<strong>do</strong>. Suasfolhas são parecidas com as da goiabeira, só que mais lisas. Suas flores são brancas e perfumadas.É um grande alimento para os pássaros, atrain<strong>do</strong> várias espécies.QuaresmeiraA quaresmeira é uma árvore de médio porte. Embeleza o campo e as ruas das cidades, onde sãomuito comuns. Existem 90 espécies de quaresmeiras na região. As quaresmeiras de médio porteflorescem de fevereiro a maio, sen<strong>do</strong> que uma espécie floresce em setembro. Existem variedadesde quaresmeiras com flores roxas, brancas e rosas. Há também uma espécie da família daquaresmeira de pequeno porte com a flor amarela com pontas vermelhas. Das flores, extraímospigmentos para tingir a lã e tecer colchas no tear.


Medicina AlternativaExistem muitas plantas nativas da região que, há séculos, fazem parte da medicina popular. Antesda ciência, é o uso tradicional dessas plantas que atesta sua eficácia. Na verdade, a ciência segueos passos <strong>do</strong>s nossos hábitos culturais e tenta provar que as plantas curam. Nós, aqui da <strong>Canastra</strong>,já sabemos disso e usamos diversas espécies, entre elas:Calunga: Erva amarga típica da parte alta da <strong>Canastra</strong>. Serve para o alívio de problemas defíga<strong>do</strong> e vesícula biliar, além de estimular o apetite.Lobeirinha: Planta de pequeno porte típica das regiões baixas. É amarga e eficaz no controle <strong>do</strong>diabetes.Mangaba: Árvore mais encontrada na serra. É muito eficaz no controle <strong>do</strong> diabetes.Erva mulara: Planta de médio porte típica de cultura. Excelente para problemas de pele e depurativo<strong>do</strong> sangue.Giquiri: Planta que se alastra (cipó) somente em terra. É ótima para apurar o sangue e melhorara pele.Congonha de bugre: Árvore com excelente poder de limpar a pele e cicatrizante de qualquertipo de ferida e micose.Quebra pedra: Planta rasteira com excelente poder de eliminar cálculos renais.Erva de bicho: Planta de pequeno porte, encontrada quase sempre nas margens <strong>do</strong>s rios, córregos,brejos. Eficaz no controle de hemorróidas (chá para beber e se banhar).Erva de Santa Maria: Planta rasteira com cheiro forte, vermífugo. Excelente no controle deúlceras, gastrites e outros problemas estomacais.Velame: O leite extraí<strong>do</strong> da planta é cicatrizante para <strong>do</strong>enças da boca e gengivas.Arnica: Curtida no álcool é um poderoso antibiótico para passar em picadas de insetos e <strong>do</strong>resmusculares. Não deve ser ingeri<strong>do</strong>.foto Fabiana Lopes RochaBabosa: Suas folhas são usadas na preparaçãode shampoo para queda de cabelo, colocadaem queimaduras, alivia a <strong>do</strong>r.Quina de Canuto: <strong>Um</strong>a planta que merecedestaque. Pequenos pedaços da casca da quinade molho em um litro de água se transformamem um poderoso tônico que fortalece o courocabelu<strong>do</strong> evitan<strong>do</strong> queda de cabelos.Esquentária: uma árvore de médio porte queé extremamente afrodisíaca. A natureza dessaplanta é tão quente que debaixo dela a vegetaçãonão cresce.| 39Esquentária


Só para lembrarQue as gerações presentes se conscientizemcada vez mais sobre a importância de utilizaros recursos naturais de forma correta e adequada.É muito importante o conhecimentode todas as pessoas da região da Serra da <strong>Canastra</strong>,sobre a riqueza da biodiversidade <strong>do</strong>Cerra<strong>do</strong> e a importância da preservação dasnascentes e das matas ciliares. Devemos retirarda terra apenas o necessário, sem poluircom agrotóxicos ou agredir nossa terra, águae ar, investin<strong>do</strong> e utilizan<strong>do</strong> mais produtosorgânicos, reflorestamento e reciclagem.Devemos evitar o desperdício e o consumoexcessivo. As gerações futuras têm o direitode usufruir dessa nossa riqueza de águas limpas,lindas cachoeiras, terra fértil, liberdadee harmonia <strong>do</strong>s animais silvestres, além darica flora que nos encanta.40 |Preservar a natureza é preservar a nossaprópria vida. E isso é sinal de sabe<strong>do</strong>ria.Deus no céu e azeite na Terra!O azeite de mamona foi um produto muitousa<strong>do</strong> antigamente. O adágio de “Deus no céue azeite na Terra” sempre fez parte da culturalocal. E não é para menos. Aqui na região, oazeite da planta era usa<strong>do</strong> na medicina caseira(para curar umbigo de recém-nasci<strong>do</strong>,bronquite, cicatrizações, etc.), na iluminaçãodas casas, nos carros de boi e no tratamentode animais. Para se fazer o azeite de mamona,esta era a receita:• Colher os cachos de mamona, secar ao sol edebulhar.• Lavar os grãos em água corrente e recolocarpara secar em uma peneira ao ar livre. Depoisde secos, colocar tu<strong>do</strong> em um tacho sobre ofogo para torrar.• Mexer sempre com a pá feita <strong>do</strong> caule <strong>do</strong> péde mamona. Com o calor, o azeite começa a sesoltar.• Retirar o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> tacho e levar a um pilãopara ser soca<strong>do</strong> até formar uma pasta.• Voltar essa massa ao fogo em um tacho com ametade de água.• Ferver a mistura até que ocorra a separaçãoda água e <strong>do</strong> azeite, que ficará por cima.Aí, é só recolher o azeite com uma concha, deixaresfriar e está pronto o santo remédio.“Corre, que o boi já vem!”Essa história aconteceu mais ou menos 40 anos atrás. Éramos crianças e andávamos longa distância a pé,para chegar à escola. Quan<strong>do</strong> voltávamos, nos deparamos com um belo, grande e carrega<strong>do</strong> pé de gabirobasbem madurinhas. Não deu nem para pensar. Saímos corren<strong>do</strong> em direção ao pé para nos deliciar e aproveitaro momento. Só que para chegar nessa gabiroba tivemos que passar pela cerca de arame, onde o ga<strong>do</strong> curiosoobservava toda a nossa movimentação. De repente, um boi disparou em nossa direção. Tentávamos corrermais que ele, mas nossas pernas curtas não tinham chances. No pequeno espaço corri<strong>do</strong> nos vimos diante deuma grande, fron<strong>do</strong>sa e bela árvore com vários galhos baixos permitin<strong>do</strong> a nossa escalada. As crianças maisvelhas subiram rapidamente nos galhos mais altos e os mais novos acabaram fican<strong>do</strong> próximos às váriasinvestidas e chifradas <strong>do</strong> boi. Ele estava tão furioso que chifrava a terra e levantava um poeirão. Sacolejoutanto a árvore que uma das crianças, que levava consigo um saco de fubá, o deixou cair sobre o boi, levantan<strong>do</strong>assim uma poeira amarela que escondeu o animal por alguns instantes. Não sabíamos se ríamosou tremíamos de me<strong>do</strong> da cara furiosa <strong>do</strong> boi, amarela de fubá. Nossos gritos despertaram o <strong>do</strong>no da fazendaque veio em seu cavalo nos socorrer e mover o ga<strong>do</strong> para outro pasto. Ficamos felizes e alivia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> grandesusto. Mas não esqueceremos jamais da ajuda daquela fron<strong>do</strong>sa e amiga árvore <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, a casaqueira,que nos salvou a vida!


Reproduzida por Antônio FariaTerceiro CapítuloAs histórias <strong>do</strong> <strong>lugar</strong>| 41


História é uma coisa criada por nós. O acúmulo das experiências <strong>do</strong>s séculos vai forman<strong>do</strong> acolcha de retalhos que é a história. E na <strong>Canastra</strong> isso não é diferente. Então, vamos dar unspassos atrás no tempo e voltar ao perío<strong>do</strong> <strong>do</strong>s primeiros habitantes. Antes <strong>do</strong>s bandeirantes enaturalistas <strong>do</strong>s séculos XVIII e XIX chegarem aqui, a <strong>Canastra</strong> era ocupada por grupos indígenasque estavam na região havia milhares de anos. Entre eles estavam os Cataguazes.Só depois é que vieram os bandeirantes e depois os negros que sobreviveram graças à fuga e àorganização <strong>do</strong>s quilombos forma<strong>do</strong>s lá pela cabeceira <strong>do</strong> rio São Francisco. Então, o povo da<strong>Canastra</strong> – assim como o povo brasileiro em geral – é uma mistura dessas três etnias. Os índiose os quilombolas são considera<strong>do</strong>s povos tradicionais, pois seus mo<strong>do</strong>s de vida eram e ainda sãomuito liga<strong>do</strong>s ao ambiente natural, e a forma de passar a cultura para as gerações seguintes équase toda oral.Mas nem tu<strong>do</strong> foi harmonioso na história da ocupação humana por aqui. A <strong>Canastra</strong> serviu depalco para lutas sangrentas entre esses povos. Na primeira, em 1675, os índios Cataguazes foramdizima<strong>do</strong>s pelo bandeirante Lourenço Castanho Taques. Infelizmente, sabe-se muito pouco sobreos costumes desses índios. O certo é que eram bravos e que lutaram muito antes de serem venci<strong>do</strong>s,dizima<strong>do</strong>s e expulsos.42 |Posteriormente, alojaram-se nessas terras – então denominadas Cabrestos Grandes – os negrosescravos fugi<strong>do</strong>s das fazendas localizadas nas re<strong>do</strong>ndezas. Eles criaram os quilombos e resistiramao <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s brancos por muitos anos, manten<strong>do</strong> suas tradições e firman<strong>do</strong> um importante<strong>lugar</strong> na história <strong>do</strong> Brasil. O mais famoso quilombo da região foi o <strong>do</strong> Pai Inácio, que dizem tersi<strong>do</strong> tão grande quanto o de Palmares, que existiu em Alagoas.Os negros aproveitaram muito bem a abundância de água e as terras férteis da cabeceira <strong>do</strong> SãoFrancisco e viviam da agricultura, da pesca e da caça. Conheciam a bi<strong>do</strong>diversidade e os caminhosda <strong>Canastra</strong>. Por isso, puderam resistir durante longos anos ao <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s brancos. Emuma batalha sangrenta sob o coman<strong>do</strong> de Diogo Bueno da Fonseca, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVIII,os quilombolas foram aniquila<strong>do</strong>s. Alguns conseguiram fugir e ajudaram a compor a sociodioversidadeque hoje encontramos no Cerra<strong>do</strong>.A herança <strong>do</strong>s escravos guerreiros ficou emnomes como Ribeirão <strong>do</strong> Quilombo, cachoeira<strong>do</strong> Quilombo e Capão Forro – nome que podeser traduzi<strong>do</strong> por algo como: mata <strong>do</strong> escravolivre.foto Fabiana Lopes RochaVestígios de cerâmicas deantigos povos da <strong>Canastra</strong>


eproduzida por Antônio F. FariaAcampamento de garimpeiros em Vargem BonitaEm 1819, o naturalista francês Auguste deSaint-Hilaire conheceu a <strong>Canastra</strong> e revelouque a cidade de Piumhí nasceu de um acampamentode solda<strong>do</strong>s reuni<strong>do</strong>s para combateros negros da região. A população encontradapor Saint-Hilaire nas fazendas da época já eraoutra: brancos e mestiços vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s centrosde mineração em decadência, os primeiros habitantesda pequena povoação que se formariapróximo à capela de São Roque e se tornariadistrito de Piumhí em 1842.Depois disso, os municípios da Serra da <strong>Canastra</strong> tiveram um relativo crescimento devi<strong>do</strong> ao desenvolvimentoeconômico por meio de várias atividades, principalmente a agropecuária. A partirdaí, o garimpo se estabeleceu definitivamente na região. Segun<strong>do</strong> relatos, o garimpo foi forma<strong>do</strong>por nortistas, paraibanos, mineiros <strong>do</strong> norte de Minas e baianos.O surgimento e o crescimento <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>sOs municípios que atualmente compõem a região surgiram a partir <strong>do</strong>s ciclos de desenvolvimentoeconômico. Há um acervo muito interessante de fotos da região no início <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>.Contrapon<strong>do</strong> fotos dessa época e da atualidade, é possível reviver, ou imaginar, o dia-a-dia daregião em épocas passadas. Vamos entrar um pouco no túnel <strong>do</strong> tempo| 43Reproduzida por Antônio F. FariaAntiga Igreja Matriz de São Roque e a construção da atual, em 1940


foto Fabiana Lopes RochaSão Roque, antiga Guia Lopes, à esquerda, na década de 1930 e à direita, em 2007Reproduzida por Antônio F. FariaSão Roque de Minas – povoa<strong>do</strong>, vila e municípioO povoa<strong>do</strong> de São Roque de Minas – antiga Guia Lopes – surgiu, como a maioria <strong>do</strong>s municípiosbrasileiros, da fé religiosa de seus habitantes que, em 1762, construíram uma capela em honraa São Roque sob a liderança de Manuel Marques de Carvalho, o funda<strong>do</strong>r da cidade. A capelalocalizava-se em terreno da fazenda de Carvalho. Posteriormente a terra foi vendida a BelarminoRodrigues de Melo que, em 1858, <strong>do</strong>ou as terras que vieram a formar o patrimônio da futura cidadede São Roque de Minas. O povoa<strong>do</strong> tomou nome de São Roque, sen<strong>do</strong> eleva<strong>do</strong> à condiçãode vila. A criação <strong>do</strong> distrito efetivou-se em 22 de setembro de 1881. Somente em 17 de dezembrode 1938, pela Lei Estadual noº 148, a então vila de São Roque mu<strong>do</strong>u para a categoria de município,desmembran<strong>do</strong>-se de Piumhí.44 |São José <strong>do</strong> Barreiro – a fé que cria cidadesSitua<strong>do</strong> na região central da serra da <strong>Canastra</strong>, São José <strong>do</strong> Barreiro fica a nove quilômetros dacachoeira Casca d’Anta. Tu<strong>do</strong> começou no ano de 1906, quan<strong>do</strong> uma mora<strong>do</strong>ra da fazenda CampoRe<strong>do</strong>n<strong>do</strong>, <strong>do</strong>na Dalmira Seriaca, devota de São José <strong>do</strong> Barreiro decidiu <strong>do</strong>ar três alqueires deterra de suas propriedades para fazer um loteamento, que acabou não sen<strong>do</strong> concretiza<strong>do</strong>. DonaAna Antônia de Brito – mora<strong>do</strong>ra da fazenda Campo <strong>do</strong> Barreiro – propôs a D. Dalmira uma trocade terreno, para que ela pudesse realizar o seu desejo. Ela aceitou a troca e Joaquim Manoel deBrito, que possuía terras nessa fazenda, <strong>do</strong>ou, em medida antiga, três litros* de terras onde supostamenteseria uma capela. Assim, surgiu o loteamento de S. José <strong>do</strong> Barreiro e seu primeiroconselho administrativo foi composto por Messias Francisco de Almeida, Olimpio Francisco deAlmeida, Américo Olimpio de Almeida, Miguel Gamabardela, Francisco Bernardes <strong>do</strong>s Santos,Roque Bernardes <strong>do</strong>s Santos e João Bernardes <strong>do</strong>s Santos.*Litro. É a área <strong>do</strong> terreno em que se faz a semeadura de um litro (capacidade) de sementes de milho debulha<strong>do</strong>, numcompasso de um metro quadra<strong>do</strong>, para cada cinco ou seis grãos, cobrin<strong>do</strong> uma área de 605 metros quadra<strong>do</strong>s.à esquerda, acampamento de garimpeiros que deu origem à Vargem Bonita, à direita, a cidade em 2007Reproduzida por Antônio F. Fariafoto Fabiana Lopes Rocha


Alguns nomes que fizeram história na regiãoGuia LopesJosé Francisco Lopes, o Guia Lopes, nasceu em 1811. Ele possuía fazenda no Mato Grosso, na divisacom o Paraguai. Durante a guerra <strong>do</strong> Brasil com o país vizinho (1864-1870), muitos solda<strong>do</strong>shaviam se embrenha<strong>do</strong> nas matas e se perdi<strong>do</strong>. Nesse meio tempo, sofreram com <strong>do</strong>enças eataques de animais e índios. Foi quan<strong>do</strong> encontraram José Francisco Lopes, que acabou guian<strong>do</strong>o grupo de solda<strong>do</strong>s ao governa<strong>do</strong>r da época, a quem finalmente puderam contar a sua história.Guia Lopes tornou-se assim herói <strong>do</strong> Exército Brasileiro.Mestre JustoReproduzida por Antônio F. FariaMestre JustoO mestre Justo foi uma polêmica na região porvolta <strong>do</strong>s anos de 1918 e 1922. Ele morava naSerrinha, por onde passaram centenas de fiéispara conhecer seus milagres e ouvir suas profecias.Quan<strong>do</strong> mestre Justo fazia seus atos decaridade, usava sempre o evangelho e entravaem processo de incorporação mediúnica. Dentreos milagres atribuí<strong>do</strong>s a ele, conta-se quefazia comida em panelas pequenas. Não importavaa quantidade de gente: o alimento serviaa to<strong>do</strong>s. Foi acusa<strong>do</strong> por muitos de louco,charlatão e perigoso por mobilizar multidões.Desapareceu sem qualquer explicação.| 45“Te benzo, te curo”Reproduzida por Antônio F. FariaAlém de Mestre Justo, a região abrigou outrosbenze<strong>do</strong>res e curandeiros. Em Cabrestos, viveuAgostinho Cruz. Ele curava e fazia benzições apartir de diagnósticos feitos utilizan<strong>do</strong> cálculosmisteriosos. Em Vargem Bonita, por volta de1936, viveu Seu Mané, que atendia as pessoasperto da atual antena da telefonia na chamadaregião da “água virtuosa”. Essa região se chamaassim porque a água da nascente borbulhavana presença <strong>do</strong> curandeiro. Havia também emVargem Bonita, na região de Prata, JerônimoAmargoso, que era assim <strong>chama<strong>do</strong></strong> por semprereceitar remédios amargos aos que o procuravam.Seu Mané da Virtuosa


Reproduzida por Antônio F. FariaTradição e modernidade – Os costumes da <strong>Canastra</strong>Muitos artefatos antigos convivem com a modernidade. O forno a lenha, por exemplo, ainda hojeé muito usa<strong>do</strong> na culinária da região. Pão-de-queijo, roscas, biscoito amarelo, biscoito branco,broas de fubá, bolos e o joão-deita<strong>do</strong> são alguns quitutes que saem <strong>do</strong> forno com sabor detradição aqui na <strong>Canastra</strong>.46 |<strong>Um</strong>a das grandes dificuldades <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> era a locomoção de uma cidade para outra sem osveículos automotores. As charretes, os cavalos e os carros de boi eram os meios de transportemais usa<strong>do</strong>s na região.Havia disputas em relação aos carros de boi. Vencia o mais bonito, o que cantava mais e o quetinha melhor sistema de frenagem. O cocão era uma peça <strong>do</strong> carro na qual se passava sebo parafazer atrito com a madeira, fazen<strong>do</strong> o carro “cantar”. E já naqueles i<strong>do</strong>s, a prefeitura exigia licenciamento,colocan<strong>do</strong> placas com números nos carros de boi. Ainda hoje, o carro de boi pode servisto em desfiles pelas ruas, como na festa <strong>do</strong> queijo.As estradas da época eram de terra e viviam em péssimas condições. <strong>Um</strong> trecho entre São Roquede Minas e Bambuí, que tem cerca de 60 quilômetros, demorava dias para ser venci<strong>do</strong>. Tambémnão havia algumas pontes, tornan<strong>do</strong> os caminhos intransitáveis muitas vezes. Por isso, váriosprodutos, principalmente os alimentícios perecíveis, eram bem escassos e os que encontrávamostinham preços mais eleva<strong>do</strong>s que nas cidades maiores, por causa <strong>do</strong> custo <strong>do</strong> transporte.Temos notícia sobre o primeiro automóvel que apareceu em São Roque de Minas, que veio de Piumhíe demorou seis dias para chegar. O proprietário era Antônio Gabiroba. O Ford Bigode tinharodas de madeira. A partida era dada com o auxílio de uma manivela.Existem muitas outras curiosidades sobre o estilo de vida das épocas passadas. O açúcar, porexemplo, era super valoriza<strong>do</strong>. O produto era troca<strong>do</strong> por rapadura. Nos armazéns, comia-seaçúcar escondi<strong>do</strong> para se deliciar. O produto também era usa<strong>do</strong> como remédio. Vico da Olivia, oprincipal compra<strong>do</strong>r de queijo na região costumava descarregar o queijo e voltar com açúcar.


Até os banhos antigamente eram diferentes.Usava-se um sabão preto, feito de gordura animal.Depois <strong>do</strong> banho, calçavam-se as percatas,um tipo de sapato feito de couro de vaca.Os remédios eram to<strong>do</strong>s naturais e ninguémficava <strong>do</strong>ente com tanta facilidade. Era sabão,cal, querosene, e até poeira de chiqueiro paratratar bicho de pé e feridas. E o pessoal ficavabom!Outra curiosidade pode ser conferida aindahoje: na praça da ro<strong>do</strong>viária de Piumhí, encontra-sea máquina tipográfica com a qual semontava, letra por letra, os jornais que traziamas notícias para os leitores da época.Reproduzida por Antônio F. FariaNo carnaval, a brincadeira era muito divertida e sem tantos abusos de bebida e violência. Até oscavalos participavam.Para matar o tempo, que passava mais devagar que hoje, o costume nos dias de folga era fazerpiquenique, gostosas reuniões ao ar livre, perto de um rio ou uma cachoeira, onde as pessoasconversavam e degustavam comidas gostosas. Êta vida boa!| 47Havia também uma sala de cinema: o Cinema Oeste, movi<strong>do</strong> a luz de carvão. Era um espaço deencantamento que deixou muita saudade. O Cinema Oeste era onde as pessoas se reuniam paraassistir aos filmes mu<strong>do</strong>s, como eram na época. As pessoas sentavam-se em bancos feitos detábua... e eram muito felizes.Reproduzida por Antônio F. Faria


Espaço da féAs igrejas também têm muitas histórias interessantes. A Igreja Matriz de São Roque de Minas, porexemplo, encontra-se hoje onde era o antigo cemitério. Nas estruturas das igrejas da região nãoera utiliza<strong>do</strong> nenhum tipo de ferro. No <strong>lugar</strong> <strong>do</strong> arame, usava-se cipó. O cimento era importa<strong>do</strong>da Itália. Vinha de Bambuí pela linha férrea, que fazia ligação com o mun<strong>do</strong> exterior.Quadro de Almerin<strong>do</strong> Faria de OliveiraDe Bambuí, tu<strong>do</strong> era transporta<strong>do</strong> pelo carrode boi. A fundação da igreja utilizava madeiraforte que era fincada no chão pelo bate-estaca.A pedra fundamental (datada de 1924) encontra-seenterrada embaixo da sacristia dentrode um vidro com fotos, cartas e depoimentosda época.48 |<strong>Um</strong> fato interessante era a diferença entre os“espaços da fé” na região. Na zona rural, eram construídas pequenas capelas nos pontos maisaltos, onde podíamos observar cruzes fincadas pelos devotos paga<strong>do</strong>res de promessa. Já nascidades, construíam-se igrejas próximas aos cemitérios, talvez porque os terrenos pertenciam aopatrimônio urbano (as atuais prefeituras).Havia um cruzeiro de madeira <strong>chama<strong>do</strong></strong> Cruzdas Almas, situa<strong>do</strong> às margens da ro<strong>do</strong>via, a 4km de São Roque. O <strong>lugar</strong> era muito conheci<strong>do</strong>entre os andarilhos e os paga<strong>do</strong>res de promessa.As pessoas recebiam uma graça e deixavamdinheiro nessas cruzes. Quem precisava, usavao dinheiro e retribuía depois. Eram outros tempos!foto Adriano GambariniVocê sabia? Que o sino da igreja de SãoRoque de Minas foi compra<strong>do</strong> em 24 desetembro de 1900 por 560 mil réis. Já oatual relógio foi compra<strong>do</strong> por 30 mil réis,sen<strong>do</strong> inaugura<strong>do</strong> em 20 de abril de 1948.A imagem <strong>do</strong> padroeiro que se encontrana igreja é feita de madeira de lei. Mede1,60m de altura e foi adquirida em 30 deabril de 1918. <strong>Um</strong>a curiosidade é que antigamentenão havia bancos na igreja. Deum la<strong>do</strong>, ficavam as mulheres e <strong>do</strong> outroos homens. To<strong>do</strong>s de pé.Igreja Matriz de São Roque de Minas


As origens <strong>do</strong>s nomesO nome <strong>Canastra</strong> atribuí<strong>do</strong> à serra deve-se à sua aparência, que lembra um baú. Antigamenteera conhecida como Chapadão.Buracas, que hoje dá nome a uma região <strong>do</strong> município de São Roque era um improvisa<strong>do</strong> detábua e couro usa<strong>do</strong> para carregar queijo.O morro <strong>do</strong> Chapéu tem esse nome porque houve uma chuva de vento que levou o chapéu de umhomem para dentro <strong>do</strong> mato em plena noite. Dizem.Cabrestos, nome pelo qual o povoa<strong>do</strong> de Campinópolis também é conheci<strong>do</strong>, foi tira<strong>do</strong> de um<strong>lugar</strong> onde se amarravam cavalos.A área conhecida como Rola<strong>do</strong>r tem esse nome provavelmente devi<strong>do</strong> à forma <strong>do</strong> monte, quetem declive em to<strong>do</strong> o seu re<strong>do</strong>r. Mas outro episódio também faz jus a esse nome: um acidenteocorri<strong>do</strong> no início da década de 60, quan<strong>do</strong>, durante a construção da estrada, uma caminhoneterolou por uma ribanceira com mais de 10 pessoas dentro.Já a região denominada Rolinhos é assim chamada porque lá rolou um boi que tinha o nome de“rolinhos”. Foi na época das cheias pela cachoeira.| 49Também há muitos causos engraçadas na tradição aqui da <strong>Canastra</strong>CAVALO DIABOHavia um homem que ia à missa to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mingos pela manhã. Chegava semprea cavalo e rezan<strong>do</strong> seu terço. Mas toda vez que seu cavalo tropeçava, ele xingavae baten<strong>do</strong> no cavalo com seu terço, gritava: Cavalo diabo! E retornava com suareza.PROCISSÃO DE CORPUS CHRISTINa procissão de Corpus Christi, o padre ia debaixo <strong>do</strong> ‘palio’, um pano de cetimbranco ergui<strong>do</strong> com seis varas, cada uma carregada por uma pessoa, forman<strong>do</strong>uma espécie de tenda. O povo, que não é besta, ia cantan<strong>do</strong> o seguinte verso:“Sorta fuguete, rebenta bomba. Nóis vai no sóli... e o padre vai na sombra!”.O CAIXÃO<strong>Um</strong>a senhora faleceu e o caixão seguia para o cemitério. O mari<strong>do</strong>, apenas fingiaestar muito triste. Passan<strong>do</strong> por uma trilha muito íngreme, o povo que o acompanhavapedia para o homem deixar o caixão no chão que ele ia deslizar sozinho.Mas o viúvo disse espanta<strong>do</strong> que não, pois tinha me<strong>do</strong> <strong>do</strong> caixão bater em umcupinzeiro e ela voltar a viver.


50 |O garimpoO garimpo na região da <strong>Canastra</strong> surgiu nocomecinho <strong>do</strong> século XIX e durou cerca de90 anos. Os principais municípios onde haviagarimpo eram Vargem Bonita e São Roquede Minas, com grande parte concentrada nodistrito de São José <strong>do</strong> Barreiro. As fontes dediamantes nessas regiões eram tantas queatraíram diversos imigrantes em busca de umavida mais abundante.O garimpo era dividi<strong>do</strong> em áreas cedidas pelos<strong>do</strong>nos das terras, os fornece<strong>do</strong>res. Os garimpeiroseram <strong>chama<strong>do</strong></strong>s de meia-praça, que significavauma partilha de 50% <strong>do</strong> valor líqui<strong>do</strong>da renda <strong>do</strong>s diamantes com o proprietário, oque pagava o uso das terras e da água.Os garimpeiros usavam o escafandro para procurardiamantes no fun<strong>do</strong> d’água. O escafandroera um capacete com frente de vidro, liga<strong>do</strong> auma mangueira na superfície onde uma pessoaera responsável por bombear oxigênio paraquem mergulhasse. Junto com esse capacete,eram colocadas duas rochas ou pedaços dechumbo presos ao corpo para manter o garimpeirodebaixo d’água. To<strong>do</strong> esse equipamentopesava em torno de 72 quilos.“Desde a minha infância, participei <strong>do</strong> garimpo.Me preocupava com as transformações que podiamacontecer no futuro, pois o garimpo era o meu trabalho,e ele faz parte de minha história. Hoje sãopáginas viradas no meu grande livro. Vejo que foiuma ilusão, mas com isso pude aprender muito. Ogarimpo mudava o meio ambiente. As mudançaseram muitas, mas não havia outra solução. Observoatualmente a natureza com outros olhos: suabeleza e sua perfeição me fortalecem, me dan<strong>do</strong>vida. O próprio destino transformou a minha vidapara melhor. Sei que hoje o meio ambiente precisaser ajuda<strong>do</strong> pelas conseqüências de ontem. Aprendique tenho novos diamantes em mãos, outros meiosde sobrevivência como o turismo, atividade agráriae pecuária. As pessoas que estavam envolvidas nogarimpo descobriram também que não só <strong>do</strong> garimpovive o homem. Nasci aqui, na Serra da <strong>Canastra</strong>, tenho70 anos, e não sabia de uma riqueza tão grandeque são as águas <strong>do</strong> São Francisco.Quero terminar contan<strong>do</strong> uma história verdadeira:eu era ainda menino, quan<strong>do</strong> conheci um homem de<strong>do</strong>is metros de altura com o nome de Zé Baixinho.Esse homem pegou uma mina de diamante que durou<strong>do</strong>is anos. Enquanto ele estava na fase <strong>do</strong>s diamantesfalava que das águas <strong>do</strong> São Francisco não bebia,só tomava água mineral. Até foto num aniversário desua neta com um saco de dinheiro ele tirou. Ele nãoesperava que o tempo cobrasse o orgulho. E assim foifracassan<strong>do</strong>. Depois de <strong>do</strong>is anos, ele e sua famíliaforam embora. <strong>Um</strong> tempo depois voltaram e a água<strong>do</strong> São Francisco estava ainda mais suja por causa<strong>do</strong> garimpo constante. E essa foi a água que ele teveque beber e reconhecer que estava pagan<strong>do</strong> seu orgulho.É como diz o dita<strong>do</strong>: ‘o que se faz ce<strong>do</strong> paga-setarde’.” Seu Osmar Elias, ex-garimpeiroAlém desses equipamentos, os garimpeirostinham de revirar os monchões (pedras, cascalhose terra retira<strong>do</strong>s da água) para descobrir os diamantes. Era um trabalho braçal. Ajudamesmo só de carros de boi que arrastavam os montes de terra.To<strong>do</strong> dinheiro ganho, na maioria das vezes era “torra<strong>do</strong>” em cabarés, cachaça e diversão. O movimentoera tanto que havia até um cinema na região <strong>do</strong>s Bentos, a três quilômetros de VargemBonita. A região chegou a ter uma população flutuante de 20 mil habitantes. As pessoas migravamaos montes, mas não ficavam muito tempo. No auge <strong>do</strong> garimpo, nas décadas de 1940 e 1950, SãoRoque de Minas chegou a ter 12 mil habitantes.


O garimpo se manteve na região até a década de 1970. Nos anos 1980, com a fiscalização e proibição<strong>do</strong> antigo IBDF (hoje IBAMA), houve o declínio da atividade na região. Após essa proibiçãoe o fechamento <strong>do</strong>s garimpos, os mora<strong>do</strong>res tiveram dificuldades para encontrar uma nova atividade,pois muitos não sabiam fazer nada além de garimpar, já que não plantavam nem produziamalimentos para sua subsistência.Na percepção de alguns antigos garimpeiros, o garimpo só terminou mesmo devi<strong>do</strong> à destruição<strong>do</strong>s leitos <strong>do</strong> rio São Francisco. O rio estava começan<strong>do</strong> a secar e a água ficou barrenta. Mas essafoi só uma conseqüência da garimpagem desenfreada.O Parque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong> entra na história...e deixa marcasO processo da criação <strong>do</strong> Parque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong> foi bastante complica<strong>do</strong> e atétraumático para muitos de nós. Procuraremos relatar os fatos ocorri<strong>do</strong>s e vislumbrar um futuromais harmonioso. O que se sabe sobre a região <strong>do</strong> Chapadão das Posses, que hoje correspondeà atual área <strong>do</strong> parque, é que, na primeira metade <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> a maior parte das terraspertencia a um grande fazendeiro – que supostamente teria se apossa<strong>do</strong> das mesmas, como eracostume na época. Quan<strong>do</strong> o fazendeiro morreu, suas terras foram divididas entre seus filhosque, por sua vez, as venderam por volta de 1950.| 51Anos atrás, em alguns trechos da região da <strong>Canastra</strong>, o ga<strong>do</strong> era manti<strong>do</strong> na parte baixa <strong>do</strong>chapadão, e quan<strong>do</strong> chegava o inverno (perío<strong>do</strong> da seca), o ga<strong>do</strong> era leva<strong>do</strong> para a parte alta.A migração acontecia da seguinte maneira: os campos <strong>do</strong> Chapadão eram queima<strong>do</strong>s durante ofinal de julho, começo de agosto.A passagem <strong>do</strong> fogo “favorecia” a regeneraçãoda vegetação e, nas primeiras chuvas, o broto<strong>do</strong> capim crescia rapidamente. Cerca de 20dias depois já se podia levar o ga<strong>do</strong> para cima.Na parte baixa, o pasto já estava esgota<strong>do</strong> eo ga<strong>do</strong> precisava de novas pastagens. Então,subia-se com os rebanhos de ga<strong>do</strong>, porcos egalinhas.Conta-se que ali havia alimento em abundância.A relva era riquíssima em proteínas e nutrientespara os animais. As vacas produziammais leite e de melhor qualidade. E nas queijarias<strong>do</strong>s retiros, fabricavam-se os melhoresqueijos, desde então denomina<strong>do</strong>s queijo Ca-Curral de pedra no Chapadão da <strong>Canastra</strong>


nastra. Os proprietários permaneciam por lá de três a quatro meses (agosto a novembro), conviven<strong>do</strong>com animais silvestres, como seriemas, lobos-guará, cutias, tatus, vea<strong>do</strong>s, tamanduásbandeira,entre outros.<strong>Um</strong> aspecto interessante é que, como no alto <strong>do</strong> chapadão há poucas árvores que possam fornecermadeira para construções, o principal material utiliza<strong>do</strong> para erguer os muros, casas ecercas eram as pedras, abundantes por lá.O retorno para a parte baixa acontecia quan<strong>do</strong> a pastagem já estava recuperada. Usava-se omesmo procedimento com o fogo para a brota <strong>do</strong> capim. Queimavam o pasto no final de outubroou começo de novembro e, após uns 15 a 20 dias, desciam o ga<strong>do</strong>. O inverno seguinte era aguarda<strong>do</strong>ansiosamente, quan<strong>do</strong> então retornavam para a parte alta <strong>do</strong> Chapadão.O duro processo de implantação <strong>do</strong> parque52 |O decreto de criação <strong>do</strong> Parque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong> data de 1972. Na época em queo parque foi cria<strong>do</strong>, em pleno regime militar, não se ouvia muito falar em preocupação com apreservação ambiental. Ouvia-se, nos basti<strong>do</strong>res da ditadura, que a razão principal para a criação<strong>do</strong> parque seria questão de segurança nacional. Considerava-se uma área de interesse especialmentepor ser uma região de serras nas proximidades da usina de Furnas, que estaria supostamenteameaçada de sofrer represálias ao regime militar.Como já foi dito, as pessoas que viviam naquela região tinham como atividade econômica o pastoreiotemporário com o manejo feito com o fogo, pois não se conseguiu estabelecer nenhumtipo de plantio no local.Por serem áreas grandes (varian<strong>do</strong> de mil a dez mil hectares), os impostos eram altos. Conta-seque houve uma orientação, feita supostamente por funcionários <strong>do</strong> INCRA (Instituto Nacionalde Colonização e Reforma Agrária) aos fazendeiros, para elaborarem um <strong>do</strong>cumento dirigi<strong>do</strong> aogoverno, solicitan<strong>do</strong> a redução <strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s impostos, ten<strong>do</strong> como argumento o baixo valor dasterras utilizadas principalmente para o pastoreio temporário durante a seca.O <strong>do</strong>cumento foi aceito, porém logo veio o processo de desapropriação das terras para o estabelecimento<strong>do</strong> parque e os valores a serem pagos foram também muito baixos, corresponden<strong>do</strong>ao que havia si<strong>do</strong> declara<strong>do</strong> pelos próprios proprietários. Paira até hoje o mal estar e a dúvidasobre as intenções daquela orientação dada aos fazendeiros pelo pessoal <strong>do</strong> INCRA.Outro problema desse processo foi que não houve pagamento em dinheiro relativo às desapropriações.Isso ocorreu apenas em poucos casos relativos às benfeitorias das fazendas, sen<strong>do</strong> orestante pago na forma de Títulos da Dívida Agrária, a serem negocia<strong>do</strong>s em 20 a 30 anos e, àsvezes, resgatáveis em apenas 20%. Esse fato obrigou os fazendeiros a reduzirem drasticamenteseu rebanho, uma vez que não havia outra forma de alimentá-lo que não fosse o pasto natural.


Portaria <strong>do</strong> Parque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong>foto Marcelo BizerrilTu<strong>do</strong> isso representou um impacto muito forte na economia local, pois a agricultura era aindaincipiente e a criação de ga<strong>do</strong> era a principal atividade. Tampouco houve realocação das pessoaspara outras áreas, nem tempo ou recursos financeiros para se estabelecerem adequadamenteem outro local. Conta-se também que o processo de retirada das pessoas de dentro da área <strong>do</strong>parque envolveu excessos e violência.“A criação <strong>do</strong> Parque da <strong>Canastra</strong> foi uma época de muitas mudanças, não só de propriedades, como tambémde costumes e hábitos tradicionais interrompi<strong>do</strong>s sem nenhuma preparação aos proprietários.Não podemos deixar de esclarecer que tu<strong>do</strong> isso ocorreu em um perío<strong>do</strong> de regime militar, onde os proprietáriosnão tinham voz e seus direitos foram viola<strong>do</strong>s, não receben<strong>do</strong> valores justos. Muitos até hoje nãoreceberam a indenização pela desapropriação. Tu<strong>do</strong> isto deixou marcas indesejáveis, pois muitos tiveram queaban<strong>do</strong>nar suas terras, onde nasceram, viveram e criaram seus filhos sem nunca pensar em mudar paraoutros <strong>lugar</strong>es.<strong>Um</strong>a história ilustra bem esse acontecimento: O Seu Chico Bastiana, como assim era conheci<strong>do</strong>, já com seus74 anos, morava com a esposa e oito filhos em uma propriedade que hoje é a portaria 4 <strong>do</strong> parque, na Cascad’Anta. Sua casa foi preservada e transformada em um centro de visitantes. O Seu Chico abria a sua janela<strong>do</strong> quarto e via a cachoeira bem à sua frente, toda majestosa e barulhenta, com sua beleza inesquecível.Tu<strong>do</strong> aquilo pertencia à sua família e eles viviam felizes lá. Quan<strong>do</strong> veio a criação <strong>do</strong> parque, tu<strong>do</strong> se transformou.| 53Seu Chico e a família foram despeja<strong>do</strong>s sem receber indenização. Eles não tinham outras fontes de rendae, não ten<strong>do</strong> para onde ir, ficaram moran<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong> parque, mesmo contra a lei. E foi lá que ele faleceualguns anos depois, talvez por desgosto. Quem sabe? Depois de mudar para uma cidade no Triângulo Mineiro,já sem o chefe da casa, a família não conseguiu se adaptar aos novos costumes. Voltaram à <strong>Canastra</strong> ondesua esposa também morreu.Esta é uma de muitas histórias acontecidas no âmbito da criação <strong>do</strong> parque e muitos outros como o Seu Chicoviveram esse drama por aqui. Mesmo com sacrifícios de muitos, algo de bom aconteceu com a criação <strong>do</strong>parque. O rio São Francisco e seus afluentes foram mais bem cuida<strong>do</strong>s e os proprietários que perderam suasterras dentro <strong>do</strong> parque vieram morar no entorno. Mas os que mudaram tiveram que procurar novas técnicasde manejo, melhoran<strong>do</strong> seus rebanhos, equipan<strong>do</strong> suas propriedades com capineiras e máquinas. Outraspropriedades foram transformadas em pousadas. Enfim, algo de bom acontecen<strong>do</strong>.Trinta e cinco anos depois, o ‘pesadelo’ se repete para os proprietários <strong>do</strong> entorno <strong>do</strong> parque e até mesmopara aqueles que foram despeja<strong>do</strong>s na primeira etapa de sua criação. Hoje, novos proprietários estão sen<strong>do</strong>‘ameaça<strong>do</strong>s’ pela ampliação <strong>do</strong> parque. Aos proprietários e mora<strong>do</strong>res resta esperar essa ampliação. Se fornecessária, que seja feita com muito respeito, justiça e bom senso para que não tenha um impacto socialnegativo, levan<strong>do</strong> mora<strong>do</strong>res a migrarem para as cidades onde iam viver como peixes fora d’água.”Creuse Soares Ferreira, mora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> entorno <strong>do</strong> PARNA da Serra da <strong>Canastra</strong>


A situação atualApesar de tu<strong>do</strong> o que aconteceu, hoje entendemos que, se não houvesse esse parque, estaríamosbeben<strong>do</strong> água com agrotóxicos em grandes quantidades e hoje nós podemos beber uma águalimpa. O parque também possibilita a vinda de recursos para a região por meio <strong>do</strong> turismo, apesardessa atividade ainda não ser a base da economia.O decreto original considera uma área maior <strong>do</strong> parque, além <strong>do</strong>s atuais 71.525 mil hectares járegulariza<strong>do</strong>s, totalizan<strong>do</strong> 197 mil hectares. No entanto, está em discussão hoje a revisão dessedecreto, pois o mesmo considera que devem ser preservadas as áreas agricultáveis. Outro aspectoé que na região correspondente ao Vale da Babilônia e <strong>do</strong> Vão <strong>do</strong>s Cândi<strong>do</strong>s, pode-seencontrar famílias que ocupam a mesma localidade há várias décadas.Por outro la<strong>do</strong>, grandes minera<strong>do</strong>ras multinacionais também têm interesse nas áreas a seremregularizadas no parque. Pesquisas apontam a existência de uma das maiores rochas de diamante<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, próxima à cachoeira Casca d’Anta. Contu<strong>do</strong>, a exploração <strong>do</strong>s diamantes na regiãopreocupa os ambientalistas e muitos mora<strong>do</strong>res também.54 |A natureza ontem e hojeAchamos que o fogo é um grande causa<strong>do</strong>r de prejuízos à vegetação, aos animais e principalmenteao clima <strong>do</strong> planeta. Muitas vezes, os raios atingem a vegetação seca, um combustível inflamável,provocan<strong>do</strong> o fogo, que se alastra velozmente pela ação <strong>do</strong>s ventos freqüentes na região.foto Adriano Gambarini


Na nossa lembrança, temos claro que a área que atualmente é o parque era queimada to<strong>do</strong>s osanos em pontos diferentes. A queimada era feita no capim úmi<strong>do</strong> e, por isso, havia sempre capimnovo. A raiz <strong>do</strong> capim ficava protegida, pois só queimava por cima. Era um fogo “manso”, quequalquer um conseguia controlar. Desta forma, nunca se teve notícia da área ter queima<strong>do</strong> porinteiro.A impressão que temos é que a vegetação da região da Casca d’Anta era muito mais exuberanteque nos dias atuais. Antigamente, era freqüente ver ban<strong>do</strong>s de emas corren<strong>do</strong> nos campos.Quan<strong>do</strong> se juntava o ga<strong>do</strong> no curral, os vea<strong>do</strong>s e outros animais comiam juntos, principalmentelamben<strong>do</strong> o sal da<strong>do</strong> para o ga<strong>do</strong>. Hoje, sabemos <strong>do</strong> risco de contaminação de animais silvestrespelos animais <strong>do</strong>mésticos, o que pode ajudar a extinguir várias espécies. Muitos mora<strong>do</strong>resacham que, após o primeiro grande incêndio <strong>do</strong> parque, grande parcela <strong>do</strong>s animais foi eliminadapor não terem aceiros que os protegessem.Sentimentos de um mora<strong>do</strong>rQuan<strong>do</strong> o município de São Roque ainda era <strong>chama<strong>do</strong></strong> de Guia Lopes, furávamos fossas para os nossos detritos.Quan<strong>do</strong> chegou a modernidade, canalizou-se tu<strong>do</strong> para o nosso rio, poluin<strong>do</strong> o manancial. Na época,havia muita água. O povo da região nadava, lavava roupa, bebia e comia os peixes abundantes. Quan<strong>do</strong> aspessoas chegavam a São Roque pelo rio <strong>do</strong> Peixe, paravam na ponte para tomar um meio banho, lavavam ospés e calçavam a botina para entrar na cidade.“Na natureza, nada se perde. Tu<strong>do</strong> se transforma”. E a gente paga um preço por essa transformação. Temosque preservar o nosso ouro, que é a água. Existem nascentes na região que já secaram. Conta-se que antigamenteuma simpatia usada para fazer voltar a água em uma nascente que havia seca<strong>do</strong> era despejar água<strong>do</strong> rio São Francisco. É uma bela simpatia, mas o melhor mesmo é não precisar depender dela para termoságua pura no futuro.| 55O QUE QUEREMOSRelembran<strong>do</strong> o passa<strong>do</strong> e o mo<strong>do</strong> de vida que tínhamos antigamente, verificamosque pagamos essa modernidade toda com um preço alto. O sossego acabou e é sópreocupação hoje em dia: “Amanhã tenho que pagar isso, aquilo, comprar maisisso...”. Corremos o tempo to<strong>do</strong> atrás de coisas.As pessoas <strong>do</strong>rmiam por volta das 6 horas da tarde, sem televisão, tranqüilas.Hoje ninguém está satisfeito com o que tem. Estão sempre queren<strong>do</strong> mais. Defato, era tu<strong>do</strong> muito simples, mas muito mais feliz. Hoje há tu<strong>do</strong> em excesso eninguém é contente.Que as novas gerações queiram conhecer e aprender com a história e os costumespassa<strong>do</strong>s, pois nem tu<strong>do</strong> que chamamos de progresso são melhorias paranossas vidas.


foto Carla Cruz SoaresQuarto CapítuloQuantas culturas cabemnuma <strong>Canastra</strong>?


Os hábitos e costumes da nossa região são valores muito importantes. Eles representam umpatrimônio cultural que estava guarda<strong>do</strong> apenas na memória de alguns e que poderia seresqueci<strong>do</strong> com o passar <strong>do</strong>s tempos. É nesse contexto que escolhemos alguns costumes interessantespara ajudar a entender um pouco o que é o mosaico da nossa cultura.<strong>Um</strong> <strong>do</strong>s ingredientes da nossa tradição é o queijo <strong>Canastra</strong>, aprecia<strong>do</strong> por nós e por to<strong>do</strong>s os queexperimentam essa iguaria. O queijo é descrito pelos aprecia<strong>do</strong>res como um queijo de sabor ímparou até como o “melhor queijo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”, modéstia à parte. O queijo tem esse nome por serproduzi<strong>do</strong> na região da Serra da <strong>Canastra</strong> e em alguns municípios vizinhos, não existin<strong>do</strong> queijoigual em nenhuma outra parte. O queijo <strong>Canastra</strong> se tornou uma “marca” conhecida nacional einternacionalmente.Trata-se de um queijo artesanal, feito de massa crua (leite cru), produzi<strong>do</strong> artesanalmente nosmunicípios de Bambuí, Medeiros, Piumhí, São Roque de Minas, Tapiraí, Vargem Bonita e Delfinópolis.É constituí<strong>do</strong> de leite puro, adiciona<strong>do</strong> de pingo (áci<strong>do</strong> lático), coalho e sal.58 |São as suas características peculiares que o identificam como produto artesanal. O que faz <strong>do</strong>queijo <strong>Canastra</strong> um produto único em relação a outros queijos, como o queijo <strong>do</strong> Serro ou oMinas Frescal é seu sabor levemente áci<strong>do</strong> e coloração características, provenientes <strong>do</strong> leite devacas na maioria das vezes mestiças, pastan<strong>do</strong> em regiões típicas <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>.O queijo <strong>Canastra</strong> característico é aquele que ficou maturan<strong>do</strong> durante 10 dias. Apresenta coramarelada e sua “casquinha” (quan<strong>do</strong> matura<strong>do</strong>) é de pelo menos <strong>do</strong>is milímetros.foto Fabiana Lopes Rocha


A fabricação <strong>do</strong> queijo<strong>Canastra</strong>Antigamente, o queijo era fabrica<strong>do</strong> de umaforma ainda mais artesanal que nos dias dehoje. Usava-se um coalho que era elabora<strong>do</strong>através <strong>do</strong> bucho de porco ou <strong>do</strong> couro devaca. Eles eram coloca<strong>do</strong>s para secar ao sol e,algum tempo depois, tiravam-se lascas e as colocavamde molho em quantidades necessáriaspara a coagulação <strong>do</strong> leite.O próximo passo ocorria após cinco dias demolho, quan<strong>do</strong> se tirava aproximadamente trêscolheres dessa água, despejan<strong>do</strong>-a em um recipienteconten<strong>do</strong> leite quente (35 0 º C a 40 0 º C). Aetapa seguinte era bater bastante até misturarbem. Depois de aproximadamente meia hora,a massa estava no ponto. Colocava-se a massadentro de fôrmas, que eram feitas de folhasde abacaxi, umas sobre as outras, amarradaspela extremidade. Gastava-se de cinco a seisfolhas para a altura <strong>do</strong> queijo de 700 gramas.As fôrmas também podiam ser feitas de palhade bananeira, madeira ou cabaças.Ocorreram várias mudanças no processode produção <strong>do</strong> queijo, levan<strong>do</strong> em consideração,principalmente, técnicas de higiene emanuseio. Hoje, o queijo <strong>Canastra</strong> é um tesourofinanceiro e artesanal daqui e sua famadeve-se ao sabor que vem <strong>do</strong> leite produzi<strong>do</strong>com a influência <strong>do</strong> tipo de vegetação e <strong>do</strong> climaencontra<strong>do</strong>s somente nesta região.Deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> queijo <strong>Canastra</strong>Aprenden<strong>do</strong> a fazer o queijo <strong>Canastra</strong>Deve-se tirar o leite com asseio, colocá-lo emum recipiente limpo e, daí, despejar o coalho(industrializa<strong>do</strong>) e o pingo. A utilização <strong>do</strong>“pingo” é de suma importância para caracterização<strong>do</strong> sabor e consistência da massa.Após a colocação <strong>do</strong> pingo, deve-se esperarcerca de 40 minutos. Quebre o leite já coagula<strong>do</strong>com uma pá de madeira, de preferência. Emalguns minutos, quan<strong>do</strong> a massa tiver desci<strong>do</strong>para o fun<strong>do</strong> e restar o soro em cima, retire osoro até a massa ficar um pouco firme. Coloquena banca e, em seguida, passe para a fôrma.Dentro da fôrma novamente, quebre bem amassa e prense o queijo com as mãos. Vire oqueijo e reforme colocan<strong>do</strong> um pouco mais demassa e volte a prensar. (Hoje em dia, a maioria<strong>do</strong>s produtores de queijo <strong>Canastra</strong> utilizamo pano de náilon para a etapa de prensagemcom o objetivo de dar um melhor acabamento.Após a etapa de prensagem, o queijo estápronto. Lave-o bem e coloque sal grosso porcima. Deixe até mais tarde, quan<strong>do</strong> deve-sevirar o queijo e colocar sal novamente. Nooutro dia, vire-o mais uma vez. Por fim, façao acabamento, coloque na prateleira e deixematurar.Atenção: Pingo é o soro recolhi<strong>do</strong> <strong>do</strong> queijo <strong>do</strong>dia, só que no perío<strong>do</strong> da noite, mais ou menossete horas após a fabricação. Deve ser renova<strong>do</strong>diariamente para a confecção <strong>do</strong> queijo <strong>do</strong>dia seguinte.| 59São muitos os alimentos deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> queijo <strong>Canastra</strong>. A seguir, algumas receitas deliciosas dePão de queijo (prato típico feito a base de polvilho e queijo <strong>Canastra</strong>); João Deita<strong>do</strong> (quitutefeito a base de mandioca – aipim – ralada e queijo <strong>Canastra</strong>); Ameixa de queijo (<strong>do</strong>ce a base dequeijo <strong>Canastra</strong>); e Mexi<strong>do</strong> de queijo (comida típica feita à base de queijo <strong>Canastra</strong>, consumi<strong>do</strong>no café da manhã).


Mexi<strong>do</strong> de queijoIngredientes: 2 colheres de manteiga de leite, 200 gramas de queijo <strong>Canastra</strong> rala<strong>do</strong>grosso, 100 gramas de farinha de milho ou mandioca, sal ou açúcar a gostoMo<strong>do</strong> de fazer: Leve a panela ao fogo. Coloque a manteiga de leite e o queijo. Assimque o queijo derreter, coloque a farinha de mandioca ou milho. Mexa bem. Coloquesal ou açúcar a gosto.Pão de queijoIngredientes: 1 kg de polvilho <strong>do</strong>ce, 1 copo de 200ml de óleo, 1 e 1/2 copo de leite,300 gramas de queijo <strong>Canastra</strong> cura<strong>do</strong>, 7 ovos, 1 colher de sopa de salMo<strong>do</strong> de fazer: Coloque para ferver o leite e o óleo, escalde o polvilho e, em seguida,coloque os ovos, o queijo, o sal e sove (bata a massa) até o ponto de fazer bolinhas.Leve para assar com o forno bem quente.60 |João Deita<strong>do</strong>Ingredientes: 1 kg de mandioca, 200 gramas de manteiga de leite, 300 gramas dequeijo <strong>Canastra</strong> rala<strong>do</strong>, 2 ovos, 1 colher de sopa de fermento em pó, 300 gramas deaçúcar ou rapadura raspada até o ponto de a<strong>do</strong>çar, 4 cravos moí<strong>do</strong>s.Mo<strong>do</strong> de fazer: Descascar a mandioca e ralar para obter uma massa fina. Misturarto<strong>do</strong>s os ingredientes, enrolar na folha de bananeira e assar.Ameixa de queijoIngredientes: 500 gramas de queijo <strong>Canastra</strong> cura<strong>do</strong> rala<strong>do</strong>, 1 xícara de farinha detrigo, 5 ovos.Mo<strong>do</strong> de fazer: Acrescente ovos até a mistura dar liga e enrole em formato debolinhas. Cozinhar na calda de açúcar durante 10 minutos.foto Fabiana Lopes RochaVocê sabia?Que o monjolo era utiliza<strong>do</strong> antigamentepara socar café, arroz e milho? Principalmentepara fabricar a farinha de milho.Seu funcionamento era a partir da forçad’água. <strong>Um</strong>a bica era o suficiente paramantê-lo funcionan<strong>do</strong>. Os moinhos completavama fabricação de matérias primasessenciais para a nossa culinária, taiscomo o fino fubá com que produzimos asdeliciosas broas de milho.


Inspiração para as artes e a ciênciaPor suas belezas raras e cênicas, seus paredões imponentes, fauna e flora típicas, a região da <strong>Canastra</strong>inspira os habitantes locais e visitantes de diversos <strong>lugar</strong>es <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a usarem toda essafonte de inspiração em letras de músicas, desenhos, pinturas, lendas, crenças, teses científicas ecostumes varia<strong>do</strong>s. O mo<strong>do</strong> de falar daqui também é bastante típico. Os que vêm de fora dizemque falamos cantan<strong>do</strong>, lentamente.A região também atrai pesquisa<strong>do</strong>res em busca de novos conhecimentos sobre a natureza <strong>do</strong><strong>lugar</strong>, inclusive possibilidades de cura para <strong>do</strong>enças a partir das diversas plantas medicinaisque crescem aqui. Diversas pesquisas que hoje estão disponíveis em várias universidades e queajudaram a formar muitos cientistas foram baseadas nas riquezas naturais da <strong>Canastra</strong>.Há alguns anos, encontrávamos muitas tecedeiras, que faziam nos teares lindas colchas de lã ealgodão em cores e formatos incríveis. O trabalho não acabava por aí, também confeccionavampanos para roupas de algodão e malas que serviam para transportar alimentos nos cavalos.A música é uma das maneiras <strong>do</strong>s poetas expressarem sua inspiração. Na região da <strong>Canastra</strong>, abeleza natural e a paisagem principalmente <strong>do</strong>s vales, serras e águas cristalinas ainda embalamos sonha<strong>do</strong>res.| 61A música Velho Chico fala <strong>do</strong> transtorno que sofreu a família <strong>do</strong> Senhor Francisco, que era <strong>do</strong>node um paraíso onde hoje é a sede <strong>do</strong> parque e que foi desapropria<strong>do</strong> para formação <strong>do</strong> centro devisitantes e a portaria 4. Em outro momento da música, comenta-se sobre a altura da cachoeiraCasca d’Anta e a admiração <strong>do</strong>s turistas por ela. Leia a letra:Velho Chico (Nengo)Primeira queda <strong>do</strong> rio uma queda proporcionalVou contar uma história que a natureza retrataPor toda sua grandeza e seu valor culturalSão <strong>do</strong>is protagonistas da região da <strong>Canastra</strong><strong>Um</strong>a linda cachoeira por nome Casca d’AntaAmbos chamam Velho Chico com destinos semelhantesFamosa pela estatura<strong>Um</strong> é o rio São Francisco; o outro é o sau<strong>do</strong>so FranciscoDuzentos metros de alturaDe uma família importanteMora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> pé da serra de frente a uma cachoeiraPaz e amor não faltavam junto a sua companheiraAté que uma surpresa chocou o seu coração<strong>Um</strong> carro ali paravaBem equipa<strong>do</strong> estava pra uma demarcaçãoMas o rio Velho Chico aqui ele é pequeninoQue vai corren<strong>do</strong> para cima é o que aprendi no ensinoO velho Chico Bastiana um dia foi meninoRecebem esta homenagem por esta bela passagemDe cumprir com seu destino.A sua primeira queda foi fatalPor ser desapropria<strong>do</strong> por uma lei federalTen<strong>do</strong> que deixar sua sede, um lin<strong>do</strong> cartão postal<strong>Um</strong> projeto desenha<strong>do</strong> para ali ser transforma<strong>do</strong>Em parque nacional


As festas regionaisNa região da <strong>Canastra</strong>, há várias festas durante to<strong>do</strong> o ano. Os motivos são vários. São festasreligiosas que expressam toda a fé <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res ou festejos populares, onde o objetivo é adiversão e o convívio social, como exibição de músicas e danças, festas agropecuárias, rodeiose tantas outras. Em meio a tu<strong>do</strong> isso, várias pessoas visitam a região com um único objetivo:festejar!foto Carla Cruz SoaresAs festas <strong>do</strong>s santos padroeiros que acontecemnas cidades e comunidades são as maistradicionais. A participação da comunidade éfundamental nessas ocasiões.62 |Antigamente, as festas faziam a população sedeslocar de uma comunidade para outra. É queos automóveis eram poucos e as estradas dedifícil acesso aos mora<strong>do</strong>res, principalmenteos da zona rural. Quan<strong>do</strong> começavam as festase missões religiosas, os mora<strong>do</strong>res da zonarural faziam suas mudanças temporárias paraas pequenas cidades e povoa<strong>do</strong>s usan<strong>do</strong> seuscarros de boi. Levavam tu<strong>do</strong>: comida, roupade cama, agasalhos, capim para acolchoa<strong>do</strong>s etravesseiros e até lenha. Tu<strong>do</strong> feito com amore fé.Juca Chico e a bandeira <strong>do</strong> Conga<strong>do</strong>Hoje, ao conversar com mora<strong>do</strong>res mais antigos, podemos sentir a preocupação de to<strong>do</strong>s emrelação aos jovens que se mostram pouco interessa<strong>do</strong>s nesses costumes. São jovens da região ede outros municípios, atraí<strong>do</strong>s para a festa pelo motivo secundário que são as músicas, sorteios,shows e jogos, e não pelo caráter principal da festa, que é a religiosidade.Além das tradicionais festas <strong>do</strong>s padroeiros das respectivas cidades e povoa<strong>do</strong>s, acontece nosfinais de ano a festa <strong>do</strong>s Três Reis. É uma tradição européia que se refere à história <strong>do</strong> nascimentode Jesus Cristo, contada em forma de canção folclórica e encenada pelas ruas e estradasda região. A Folia <strong>do</strong>s Três Reis se estende <strong>do</strong> dia 24 e 25 de dezembro até o dia 6 de janeiro <strong>do</strong>ano seguinte.Os reis da Folia não são santos canoniza<strong>do</strong>s. Todavia, representam os três reis magos <strong>do</strong> Orienteque, guia<strong>do</strong>s por uma estrela, chegaram ao local de nascimento de Jesus, levan<strong>do</strong> bênçãos, incenso,ouro e mirra. Segun<strong>do</strong> a história, os magos receberam a mensagem de encontrar o Rei maior e


a<strong>do</strong>rar o seu nascimento. Viajaram muitos dias,atravessan<strong>do</strong> o deserto. Essa tradição chegou anós pela religião católica e vem desde o inícioda era cristã. Aqui na <strong>Canastra</strong>, a festa acontecedesde o tempo <strong>do</strong>s nossos antepassa<strong>do</strong>s eé um patrimônio cultural da gente.Na Folia de Reis, essa história é contada emforma de melodia pelo capitão. Essa figura precisaser um pouco de repentista, além é claro,de conhecer a história <strong>do</strong>s Três Reis. Tu<strong>do</strong> issoporque durante a caminhada até a chegada aopresépio, alguns versos acabam sen<strong>do</strong> improvisa<strong>do</strong>s.A figura <strong>do</strong> palhaço, que também tem<strong>lugar</strong> na Folia, responde às perguntas <strong>do</strong>s foliões.Ele é o tenente da folia e faz os versos,auxilian<strong>do</strong> o capitão em sua cantoria.O capitão divide a história em quatro partes:a anunciação de Nossa Senhora, a viagem <strong>do</strong>sreis a Belém, a visita e a a<strong>do</strong>ração a Jesus e, porfim, a coroação <strong>do</strong>s reis pelo Espírito Santo.A bandeira <strong>do</strong>s Três Reis é depositada no altarda igreja para ser contemplada pelos fiéis quevêm orar em visitações diárias até o dia 6 dejaneiro, dia <strong>do</strong>s Três Reis. Nesse dia, a mesmacompanhia que iniciou o rito fecha a bandeirae, cantan<strong>do</strong>, encerra a festa que será retomadano Natal seguinte.Quero parabenizar pelo meu conhecimentoPor este grupo forma<strong>do</strong> por artistas de talentoMostran<strong>do</strong> a filosofia de alta repercussãoFolia de Santos Reis formada por sua vezÉ a nossa tradiçãoDepois da base formada, a escala é a principalE o dueto de vozes também é fundamentalPor dar o contrate feito com o segun<strong>do</strong> capitãoDuas ritintas de aço que asseguram o compassoFazen<strong>do</strong> a afinaçãoO capitão é importante porque rege a companhiaTem de ter inspiração, trabalhan<strong>do</strong> a harmoniaOutra qualidade é a determinaçãoCom ajuda <strong>do</strong>s tenentes alegra toda a genteCom versos de saudaçãoPor onde passa a folia sempre chama a atençãoUns vão só pelo folcloreOutros pela devoçãoEm forma de meia lua, com aquele jeito cortêsA folia vai sain<strong>do</strong> e um guia vai conduzin<strong>do</strong>A bandeira <strong>do</strong>s Três ReisO destino é uma capelaO povo fica aguardan<strong>do</strong>Para o encerramento das festas de fim de anoE com muita competência o trabalho é concluí<strong>do</strong>A bandeira é fechada e fica ali bem guardadaPara um eventual pedi<strong>do</strong>.NengoFolia de Reis na década de 1960| 63Reproduzida por Antônio F. Faria


O palhaço na foliafoto Carla Cruz SoaresParece engraça<strong>do</strong> como a figura de um palhaço vemparar no meio da Folia de Reis. Mas tem uma explicação.Conta-se que o palhaço trabalhava para o reiHerodes como bobo da corte para entreter sua mulhere sua enteada Salomé, filha de seu irmão Felipe.Com a notícia <strong>do</strong> nascimento <strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r, Herodes,com me<strong>do</strong> de perder seu poder, man<strong>do</strong>u seus solda<strong>do</strong>smatarem todas as crianças menores de <strong>do</strong>isanos, pois o profeta anunciava o nascimento de umnovo rei, Jesus Cristo. O palhaço ouviu toda a conversae foi em busca da folia que anunciava a chegada<strong>do</strong> tal rei. Chegou disfarça<strong>do</strong>, usan<strong>do</strong> máscara eroupa estampada. To<strong>do</strong>s ficaram sem entender, maslogo ele contou o que Herodes estava planejan<strong>do</strong>.Assim avisaram José e Maria para fugir com o meninoJesus Cristo para o Egito. No caminho, José teveuma idéia: inverteu as ferraduras <strong>do</strong> jumento queos transportava, confundin<strong>do</strong> os persegui<strong>do</strong>res. Comisso, quanto mais os solda<strong>do</strong>s os seguiam, mais distanteseles ficavam.64 |Esse folclore é o mais tradicional da região, atrain<strong>do</strong> muita gente em sua festividade. Há grandedevoção aos Três Reis, mas os jovens não estão demonstran<strong>do</strong> grande interesse em continuarcom essa tradição. Os foliões antigos estão deixan<strong>do</strong> suas atividades. Estamos corren<strong>do</strong> o riscode perder essa tão antiga e bonita festa da <strong>Canastra</strong>.Outro momento são as quadrilhas da festa junina, amplamente comemoradas pelo Brasil. Contu<strong>do</strong>,aqui seguimos algumas dicas para não perdermos as características originais: cavalheirosnão devem usar brincos nem óculos escuros, e as damas devem usar vesti<strong>do</strong>s de chita ou estampa<strong>do</strong>s.A festa <strong>do</strong> queijo da <strong>Canastra</strong>Dentre as festas mais importantes e visitadas, podemos destacar a Festa <strong>do</strong> Queijo <strong>Canastra</strong>, queacontece em vários municípios da região, com o objetivo de divulgar o queijo produzi<strong>do</strong> aqui. Éum grande evento, visita<strong>do</strong> por pessoas de toda a região e outras partes <strong>do</strong> país e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Afesta tem como destaque o queijo <strong>Canastra</strong>, apresenta<strong>do</strong> como o principal produto. São exibidasmostras de como o queijo é produzi<strong>do</strong>, os tipos de queijos e há também um concurso para o melhorqueijo fabrica<strong>do</strong> pelos produtores locais.O evento oferece atrações como: shows de artistas famosos, concurso da rainha <strong>do</strong> queijo, sorteiosde brindes para os visitantes, barracas de comidas típicas e parque para crianças. A cadaano, a festa se torna melhor, com mais atrações e recebe um público cada vez maior. Vem gentede todas as idades e classes sociais. É uma festa para to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.


Na década de 1970, uma das últimas festas <strong>do</strong> Conga<strong>do</strong> na regiãoReproduzida por Antônio F. FariaCultura extintaDentre as manifestações culturais mais importantes estava o Conga<strong>do</strong> e o Moçambique. Ambosse assemelhavam por serem basea<strong>do</strong>s, como as demais manifestações de conga<strong>do</strong> pelo Brasilafora, em uma festa religiosa que envolve a forte participação da população negra, relacionada afatos da época da escravidão e <strong>do</strong> povo quilombola. Segun<strong>do</strong> relatos <strong>do</strong> Seu Juca Chico, que participouativamente dessas festividades, ambos saiam no mesmo dia e, se acaso se encontrassem,havia uma disputa de cantos e danças típicas. O Moçambique ainda se diferenciava por que seusparticipantes levavam latinhas amarradas aos pés, usadas também como forma de percussãodurante as danças. Infelizmente, o Conga<strong>do</strong> foi realiza<strong>do</strong> na região até os anos 1970, quan<strong>do</strong> nãohouve mais envolvimento suficiente da comunidade para mantê-lo.| 65As festas populares da região atraem visitantes de cidades vizinhas e de outros municípios maisdistantes pela diversidade cultural apresentada, os produtos típicos, as músicas e as danças.Em to<strong>do</strong>s os municípios da região, existem diversas festas populares que são distribuídas porto<strong>do</strong> o ano, haven<strong>do</strong> o cuida<strong>do</strong> de não coincidir datas com as de outros eventos de municípiosvizinhos. As festas populares geralmente são: exposições agropecuárias, mostras de produtostípicos, shows, festa <strong>do</strong> peão boiadeiro e campeonatos esportivos.Lendas e históriasComo acontece em várias regiões <strong>do</strong> Brasil, a <strong>Canastra</strong> encanta seus visitantes e mora<strong>do</strong>res tambémpor histórias incríveis e lendas que mexem com o imaginário das pessoas. São histórias depersonagens fictícios ou reais, <strong>lugar</strong>es históricos ou imaginários. Mas tu<strong>do</strong> se entrelaça, como nosteci<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s teares.


Mãe <strong>do</strong> ouroA Mãe <strong>do</strong> Ouro é uma lenda que mora<strong>do</strong>res mais antigos da <strong>Canastra</strong> conhecem bem. Apesar deter si<strong>do</strong> vista poucas vezes, muitos acreditam. Essa lenda vem passan<strong>do</strong> de geração a geraçãoe muitas pessoas já viram algo pareci<strong>do</strong>. A Mãe <strong>do</strong> Ouro só aparece em noites muito escuras.Segun<strong>do</strong> os relatos, suas características são: formato alonga<strong>do</strong> e oval, pouco maior que um abacate,mas reluzente feito ouro. Seu clarão atinge um quilômetro de distância. Sua aparição duracerca de um minuto e, em seguida, tu<strong>do</strong> volta à escuridão. Ninguém provou isso, cientificamente,digamos, pois o fenômeno não depende da vontade de quem vê. Mas o que importa é que temgente que vê e conta.Há muitos anos morava na região um sábio que estudava os astros para descobrir o segre<strong>do</strong> daMãe <strong>do</strong> Ouro. Ele chegou à conclusão de que a região é rica em minérios, principalmente o diamantee, provavelmente, por debaixo dessas serras maravilhosas também poderia haver diversostipos de tesouros que não são conheci<strong>do</strong>s nem explora<strong>do</strong>s e que atrairiam povos de outrosplanetas. Será?A febre em São João Batista da Serra da <strong>Canastra</strong>66 |Por volta <strong>do</strong> ano de 1879, no distrito de São João Batista da Serra da <strong>Canastra</strong>, uma forte febretomou conta de to<strong>do</strong>s os mora<strong>do</strong>res da região. O povo ficou vários dias com aquela febre. Váriaspessoas estavam morren<strong>do</strong> e a cura não aparecia. Ervas, chás, plantas e outros medicamentosusa<strong>do</strong>s na época não resolviam o problema.Algumas pessoas, então, resolveram procurar ajuda de um famoso curandeiro que habitava aregião. Durante a visita, tiveram uma revelação inesperada e surpreendente. Segun<strong>do</strong> ele, paraque a febre desaparecesse de uma vez por todas da região, seria necessário o sacrifício de umapessoa que estivesse contagiada pela febre. Ela deveria ser enterrada viva para levar a febre parao fun<strong>do</strong> da terra e só assim to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>entes seriam cura<strong>do</strong>s.Intriga<strong>do</strong>s com a solução apontada pelo curandeiro, eles voltaram ao arraial para anunciar àpopulação o que havia si<strong>do</strong> dito. To<strong>do</strong>s ficaram receosos com a notícia. Não acreditavam que istoresolveria o problema e ninguém se propôs a realizar tal sacrifício.Alguns dias depois, uma senhora contagiada pela <strong>do</strong>ença saiu de sua fazenda e foi ao arraial.Era conhecida como Dona Messias e pertencia a uma família muito rica da região, possui<strong>do</strong>ra devárias fazendas e muito ga<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> ela soube da solução proposta pelo curandeiro se propôsa ser enterrada viva para que a população fosse curada. No entanto, fez uma exigência: que fosseenterrada com suas jóias, tais como colares, brincos e pulseiras de ouro.Poucos dias depois de seu enterro, as pessoas da região estavam curadas da febre, graças ao sacrifícioda Dona Messias. O seu corpo foi enterra<strong>do</strong> no cemitério, ao re<strong>do</strong>r da igreja local, prática


que era realizada antigamente por vários adeptos da religião católica. Até hoje seu túmulo é visita<strong>do</strong>regularmente por pessoas da região, que conhecem sua história e vão até lá para agradecêlapelo sacrifício, levan<strong>do</strong> flores e oferendas.Zagaia – morte e mistério na <strong>Canastra</strong>Bem antes da criação <strong>do</strong> Parque Nacional da Serra da <strong>Canastra</strong>, várias fazendas de criação de ga<strong>do</strong>ocupavam a área. Em certas épocas <strong>do</strong> ano, os rebanhos eram leva<strong>do</strong>s para serem comercializa<strong>do</strong>sna região de Sacramento. Era um longo trecho de viagem para os comerciantes de ga<strong>do</strong>. Oúnico local de descanso destes vende<strong>do</strong>res era uma fazenda próxima ao arraial <strong>do</strong> Desemboque.Esses vende<strong>do</strong>res que ali passavam, ficavam hospeda<strong>do</strong>s na ida e na volta. Enquanto estavam naviagem de ida, tu<strong>do</strong> corria bem. Mas, na volta, traziam grande quantidade em dinheiro e paravammais uma vez no local para pernoitar. Cansa<strong>do</strong>s, iam <strong>do</strong>rmir. No teto <strong>do</strong> quarto havia escondidauma zagaia, uma espécie de lança de madeira com ponta de ferro que caía sobre eles enquanto<strong>do</strong>rmiam, matan<strong>do</strong>-os sem lhes dar chance de defesa.A trama era a seguinte: a ponta da corda que segurava a zagaia ficava no quarto ao la<strong>do</strong>, onde os<strong>do</strong>nos espreitavam o sono <strong>do</strong>s viajantes. Quan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>nos da casa escutavam o hóspede se mexen<strong>do</strong>na cama de palha, soltavam a corda. A zagaia caía, cravan<strong>do</strong> no peito ou nas costas <strong>do</strong>s viajantes.Após roubarem o dinheiro, os <strong>do</strong>nos enterravam o corpo em áreas próximas à fazenda.<strong>Um</strong> dia, um viajante que pernoitava por ali se encantou com uma das escravas e a presenteoucom um rolo de fumo durante a sua viagem de ida. A escrava se sentiu muito infeliz de imaginarque, na sua parada de volta, o seu benfeitor poderia morrer. Então ela o avisou da armadilha.| 67Ao entrar no quarto, e já desconfia<strong>do</strong> pelo que a escrava lhe dissera, ele mexeu no colchãode palha simulan<strong>do</strong> estar deita<strong>do</strong>. Foi aí que os <strong>do</strong>nos foram surpreendi<strong>do</strong>s, amarra<strong>do</strong>s e, emseguida, mortos, acaban<strong>do</strong> assim com uma série de assassinatos ocorri<strong>do</strong>s durante anos. Apóspesquisarem o local, foram encontradas dezenas de ossadas humanas, enterradas nas proximidadesda fazenda.Ruínas da casa da zagaiafoto Adriano Gambarini


Vocábulário próprioO vocabulário das pessoas da <strong>Canastra</strong> chega a ser tão diferente que às vezes parece até umdialeto. Esse jeito regional de falar muitas vezes é visto com certa desconfiança e até um poucode preconceito pelas pessoas de fora, mas, na verdade, trata-se de um <strong>do</strong>s patrimônios culturais<strong>do</strong> povo daqui. O palavrea<strong>do</strong> <strong>do</strong> pessoal requer até mesmo uma certa ‘tradução’. Então, se vocêpensa em visitar a região para passear ou estudar, é bom saber logo algumas palavrinhas muitocomuns entre nós.Por exemplo: para informar que o automóvel estragou ou quebrou na estrada, aqui dizemos queo carro “zangô na linha”.Outro costume local é ligar os nomes <strong>do</strong> pai, <strong>do</strong> avô e até <strong>do</strong> bisavô, ao invés de chamar pelonome e sobrenome. Há uma pessoa aqui que é conhecida como Éverton <strong>do</strong> Gaspar <strong>do</strong> Zé <strong>do</strong>Vicente. Quer dizer que o Everton é filho de Gaspar, que é filho de Zé que é filho <strong>do</strong> Vicente. Ouainda, o Adilson <strong>do</strong> Juca Regina, porque Adilson é filho <strong>do</strong> Juca que é filho de Regina. Assim,fazemos uma homenagem aos ancestrais da pessoa. Mas isso se dá naturalmente. É uma tradiçãoenraizada em nossa comunidade.68 |Algumas expressões <strong>do</strong> vocabulário da <strong>Canastra</strong>Apiar: descer. Vamos apiar desse cavalo!Balaio de gato: bagunça. Cheguei lá e minha casa tava um balaio de gato.Barrer: varrer. Fulana barreu a casa.Bibi café e fumo: Bebi café e fui.Corguim: córrego.Bucho: estômago.Custoso: difícil. O serviço de roça é custoso!Eu di a foia pra ela: Eu dei a folha para ela.Lá em riba: Lá em cima. Vamos lá em riba.Ninho de guacho: bagunça<strong>do</strong>. Seu cabelo tá um ninho de guacho.Percata: chinelo.Pousar: <strong>do</strong>rmir. Posso pousar na sua casa hoje?Roça: fazenda.Trabisseiro: travesseiro.Tunda/sova/pisa/coro: surra. Eu dei uma tunda naquela pessoa.Veaco: esperto. Aquele rapaz é muito veaco.Zombeta: tonto. Ele tava andan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> zombeta na rua.


Figuras populares e andarilhos da <strong>Canastra</strong>Por todas as cidades, vilas e povoa<strong>do</strong>s passam pessoas vindas sabe-se lá de onde. São os andarilhosque muitas vezes vemos ao longo das estradas e ro<strong>do</strong>vias, levan<strong>do</strong> consigo nada mais quea roupa <strong>do</strong> corpo e alguns pertences numa capanga. Aqui na região da <strong>Canastra</strong> não é diferente.Alguns desses andarilhos deixaram saudades. É o caso <strong>do</strong> Antônio Marcos, que tinha o apeli<strong>do</strong> deBacada. Ele não tinha casa. Dizia que morava em baixo <strong>do</strong> chapéu. Sobre sua origem ele não gostavade comentar. Falava apenas que era baiano. Sua voz era rouca e trêmula. Suas mãos tremiamtanto que quase não conseguia enrolar seu cigarro de palha. A história que ele mais gostava decontar era a de sua participação na guerra <strong>do</strong> Paraguai.Outra andarilha era a Mudinha, cujo nome ninguém sabe. Era uma mulher surda e muda queandava de casa em casa almoçan<strong>do</strong>, jantan<strong>do</strong> e <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> alguém lhe oferecia um café,muito contente ela tirava <strong>do</strong>s seios uma canequinha feita de lata de extrato de tomate e, alitomava o cafézinho. Tinha também o Seu Ico, um senhor muito nervoso. Em toda casa que elechegava, quan<strong>do</strong> alguém perguntava: Já almoçou? E ele dizia: “Não, só um mexidinho ce<strong>do</strong>”, ouseja, quase nada. Se alguém lhe mostrasse o sinal da cruz, então era hora de fugir, pois ele saiacorren<strong>do</strong> atrás.O Américo tinha apeli<strong>do</strong> de Pelota, mas gostava de ser <strong>chama<strong>do</strong></strong> pelo nome. Era uma pessoaextremamente calma. Também não tinha uma morada fixa. Quan<strong>do</strong> era mais novo, trabalhava nacapina de roça e <strong>do</strong>rmia por ali. Gostava muito de um café e um cigarrinho de palha. Quan<strong>do</strong> ficoumuito velho, carregava um embornal com cacos de vidro e dizia serem diamantes. Se alguém seatrevesse a meter a mão em seus “diamantes”, ele ficava furioso.| 69Ricar<strong>do</strong> era mais um que andava de casa em casa. Era <strong>chama<strong>do</strong></strong> de Tirico. Comia em um <strong>lugar</strong> epernoitava em outro. O que mais gostava de fazer era benzer as pessoas e buscar lenha no mato.Quan<strong>do</strong> menos se esperava, ele chegava com um grande feixe de lenha. Dizem que ele tinha ohábito de comer carvão.Capitão, outro desses ilustres desconheci<strong>do</strong>s, era um homem muito estranho e um pouco agressivo.Não gostava de <strong>do</strong>rmir dentro de casa, preferia o paiol. Como to<strong>do</strong>s sabiam de seu costume,já preparavam o paiol com colchão e coberta. Morreu em certa noite no chapadão da <strong>Canastra</strong>depois de um forte temporal.O rosário de andarilhos que perambulavam pela <strong>Canastra</strong> teve ainda o Roque Valério, o DoutorCabaça, o Bernardinho, o Zé Aleixo, o Joaquim Gomes, Semeão e muitos outros que contribuírampara o folclore local. Na verdade, o que queremos é que as gerações atuais e futuras se conscientizemsobre a importância da preservação da cultura da nossa região. Que as festas, crenças ecostumes, e todas as manifestações da cultura local não desapareçam com o tempo. É importanteque to<strong>do</strong>s entendam que a cultura de uma determinada região é um patrimônio que só aquelaregião possui e que deve ser preserva<strong>do</strong> ao máximo.


Histórias da <strong>Canastra</strong>: O santo fujãoSegun<strong>do</strong> reza a lenda <strong>do</strong> São Roque Fujão,a primeira capela de São Roque foiconstruída na fazenda <strong>do</strong> Zelinho (CapelaVelha), onde foi colocada uma imagem deSão Roque.Depois, foi erguida uma segunda capela,que é a atual igreja – no jardim da praçaAlibenides da Costa Faria.70 |Para a nova capela, trouxeram a imagemde São Roque que estava na primeira.Porém, durante a noite, a imagem de SãoRoque voltava para sua antiga morada,na Capela Velha. E assim aconteceu pordiversas noites e meses, até que levarama imagem <strong>do</strong> santo para bem longe, parauma capelinha localizada na Serrinha,distante 72 quilômetros de São Roque deMinas.Devi<strong>do</strong> à grande distância entre os <strong>do</strong>istemplos, a imagem teria ‘desisti<strong>do</strong>’ de suateimosia em continuar moran<strong>do</strong> na antigacapelinha, e por lá ficou até hoje.Esta imagem ainda existe e está na CapelaNossa Senhora Mãe <strong>do</strong>s Homens, Capelada Serrinha, onde o Mestre Justo fezhistória.foto Antonio Francisco de Faria


foto Marcelo BizerrilQuinto CapítuloEconomia edesenvolvimentoda <strong>Canastra</strong>| 71


Chegou a hora de falarmos da economia e <strong>do</strong> desenvolvimento da região da Serra da <strong>Canastra</strong>.E esse assunto interessa a to<strong>do</strong>s, pois o futuro da nossa história, das riquezas naturais edas nossas tradições culturais está relaciona<strong>do</strong> com esse aspecto. Embora não haja a pretensãode esgotarmos o assunto, ten<strong>do</strong> em vista a diversidade de temas que ele nos sugere, faremosuma breve revisão da nossa recente história econômica e tentaremos apontar um caminho quenos leve ao desenvolvimento, mas de base sustentável, ou seja, que leve em conta os aspectoseconômicos, sociais e ambientais da nossa região.O primeiro ciclo econômico foi o garimpo, atividade que começou a se desenvolver pelo municípiode Vargem Bonita por volta de 1930. A atividade atraiu muitos viajantes e aventureiros devários <strong>lugar</strong>es <strong>do</strong> país. Eram pessoas que procuravam mudar de vida, aumentar suas rendas, vivercom mais abundância com a venda <strong>do</strong>s diamantes.Com uma pedra preciosa era possível comprar 50 alqueires de terra. Mas nem to<strong>do</strong>s tinham essasorte. As pedras menores eram as mais encontradas. Tinham um menor valor, mas que rendiapequenas propriedades de terra, que mais tarde comportaria famílias inteiras. As expectativaseram grandes. To<strong>do</strong>s percebiam que o dinheiro circulava intensamente na cidade e que as mudançasestavam por vir. Mas a busca pelos diamantes resultava em grandes mazelas, como oalcoolismo freqüente entre os garimpeiros.72 |Espalha<strong>do</strong>s por toda a cidade, os botecos viviam cheios. Buscavam-se momentos de descontração,conversa e descanso da atividade diária. As histórias falavam <strong>do</strong> dia-a-dia nas grandes crateras,quais as pedras encontradas, suas formas e tamanhos e quem eram os novos afortuna<strong>do</strong>s. Ficavaminspira<strong>do</strong>s pelo efeito <strong>do</strong> álcool, não perceben<strong>do</strong> seu dinheiro tomar um rumo sem volta, que estavamperden<strong>do</strong> o fruto <strong>do</strong> trabalho e fican<strong>do</strong> pobres novamente. Também perdiam to<strong>do</strong> o seu dinheiroem jogatinas e cabarés. Poucos foram os garimpeiros que conseguiram investir, aumentan<strong>do</strong>suas propriedades ou investin<strong>do</strong> em novas áreas. Homens muito ricos na época, hoje estãoesqueci<strong>do</strong>s ou sen<strong>do</strong> ajudantes em roças. Outros esbanjavam seus pratos de diamantes, como umtroféu pela recompensa das incansáveis lavagens de calcário em busca da pedra preciosa.Havia também outros personagens nessa história: os compra<strong>do</strong>res de diamantes que moravamem Vargem Bonita e São Roque de Minas. O esquema das vendas <strong>do</strong>s diamantes era muito interessante.Os garimpeiros muitas vezes não conheciam o real valor de suas pedras, por vezesavaliadas injustamente, então eles ofereciam para mais de um compra<strong>do</strong>r até chegar ao preçoque eles achavam correto.Os garimpeiros trabalhavam de segunda a sába<strong>do</strong>, das sete da manhã às cinco da tarde. No <strong>do</strong>mingo,geralmente caíam na bebedeira ou cuidavam de suas pequenas plantações e família. Muitosnem chegavam a lavar o cascalho direito quan<strong>do</strong> achavam um diamante grande e já saiampara o mun<strong>do</strong> para tentar melhorar de vida, pois o valor era alto. Os diamantes eram guarda<strong>do</strong>sem piquás, um tipo de canu<strong>do</strong> com uma rolha em cima e que podia ser feito até mesmo com rabode tatu.


O garimpo e a questão ambientalEmbora a exploração <strong>do</strong> diamante não usasse o mercúrio, como no caso <strong>do</strong> ouro, o garimpodas pedras causava outros tipos de danos ambientais. Quan<strong>do</strong> o garimpo era manual, já haviaprejuízo para as beiras de rios e córregos, principalmente o rio São Francisco. Quan<strong>do</strong> chegaramas dragas, foi para destruir de vez os rios, derruban<strong>do</strong> os barrancos, assorean<strong>do</strong> rapidamente oscursos d’àgua e, principalmente, desmatan<strong>do</strong> as matas ciliares para dar acesso às máquinas.Hoje, podemos atravessar diversos córregos e rios por causa desse assoreamento. Vários bolsõesde areia podem ser encontra<strong>do</strong>s nos percursos <strong>do</strong> rio por causa da ação descontrolada <strong>do</strong>garimpo, prejudican<strong>do</strong> a fauna e flora. A água era barrenta e escura. Nos locais onde máquinastrabalhavam, a recuperação das matas é quase nula. A fiscalização não existia. O povo não ligavapara as questões ambientais. Poucos refletiam sobre isso.A produção <strong>do</strong> queijo <strong>Canastra</strong> e sua importância para aeconomia regionalO início da produção de queijo feito na região da Serra da <strong>Canastra</strong> data <strong>do</strong> século XVIII. Emboraainda haja pressões visan<strong>do</strong> à modernização <strong>do</strong>s processos de produção – que no curso dahistória forçaram a introdução da pasteurização <strong>do</strong> leite para a fabricação de queijos – as práticastradicionais permanecem vivas em Minas Gerais, o que não é diferente aqui na região.| 73O queijo Minas artesanal da Serra da <strong>Canastra</strong> é um produto fabrica<strong>do</strong> a partir de leite cru e integralda vaca, cultura láctea natural (pingo), coalho e sal. O clima local contribui para o processode maturação, o que garante sabor e coloração inconfundíveis ao produto.foto Fabiana Lopes Rocha


Identificação geográfica <strong>do</strong> queijo <strong>Canastra</strong>Por meio de um acor<strong>do</strong> de cooperação entreo Brasil e a França, é realiza<strong>do</strong> em MinasGerais desde o ano 2000, um trabalho deIdentificação Geográfica com o objetivo devalorizar o produto e a região. A idéia é fortalecera Associação Regional <strong>do</strong>s Produtoresde Queijo <strong>Canastra</strong> (APROCAN), valorizan<strong>do</strong>a cultura local, o histórico, o saber fazer, oprodutor e a fama da região. “A identificaçãogeográfica nada mais é <strong>do</strong> que o resgatede uma identidade de uma região. No casoda <strong>Canastra</strong>, ela apenas reconhece e resguardaum produto que já é sucesso garanti<strong>do</strong>no merca<strong>do</strong>, mas que ao mesmo tempoprecisa ser protegi<strong>do</strong>”, relata o veterinárioda APROCAN, Gilson de Assis Sales.Ainda segun<strong>do</strong> o veterinário, uma vez bemdesenvolvida essa identificação por meio daunião de produtores, governo federal, estaduale municipal e entidades parceiras, a74 tendência | é que o queijo Minas artesanal da<strong>Canastra</strong> traga ainda mais retorno econômicoaos produtores <strong>do</strong> município e toda aregião.Embora secular, com o passar <strong>do</strong> tempo, atradição artesanal agora se une às novas tecnologiase equipamentos, garantin<strong>do</strong> um queijode qualidade com o paladar característico esegurança sanitária.Na região da <strong>Canastra</strong>, a produção <strong>do</strong> queijoartesanal é um fator cultural de significativaimportância socioeconômica para grandeparte das famílias rurais. É principalmente daprodução familiar que saem cerca de cincomil toneladas por ano de queijo Minas paraabastecer os merca<strong>do</strong>s locais, regionais e atémesmo esta<strong>do</strong>s vizinhos, como é o caso de SãoPaulo, considera<strong>do</strong> o maior consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong>produto.Só em Minas Gerais, cerca de 30 mil produtoressobrevivem da atividade da produção dequeijo, sen<strong>do</strong> que, em São Roque de Minas, 850famílias fabricam anualmente 1600 toneladasde queijo <strong>Canastra</strong>. Isso representa 90% <strong>do</strong>sprodutores, uma taxa bastante considerável secomparada a outros municípios vizinhos, comoPiumhí e Bambuí, que é de 10% e 17%, respectivamente.Centenas de famílias dependem dessa atividade como garantia de sobrevivência. Nesta região, osprodutores são de pequeno porte e sua produção consome de 80 a 200 litros de leite por dia.A importância da agricultura e da pecuáriaJá no início <strong>do</strong> século XIX, por ocasião de pesquisas realizadas pelo renoma<strong>do</strong> naturalista francêsAuguste de Saint-Hilaire (1779-1853), foi observa<strong>do</strong> nas proximidades da Serra da <strong>Canastra</strong> umadensa vegetação de capim-flecha. Essa gramínea caracteriza-se por ser excelente pastagem eainda hoje é bastante apreciada pelo ga<strong>do</strong>.De acor<strong>do</strong> com Saint-Hilaire, “foi possível avistar algumas cabeças de ga<strong>do</strong> e plantações de milho”.Segun<strong>do</strong> um mora<strong>do</strong>r de época, tu<strong>do</strong> o que se queria comer naquela época – à exceção <strong>do</strong>sal – bastava plantar, pois dava de tu<strong>do</strong>. Tal afirmação preconizava a fertilidade das terras daregião que, no futuro, viriam a ser bastante importantes para o desenvolvimento econômico da<strong>Canastra</strong>.


O ga<strong>do</strong> rendia algumas divisas, mas os gastos com sal eram altíssimos. Quanto aos prejuízos, osmora<strong>do</strong>res se queixavam de certas ervas venenosas como responsáveis pela morte <strong>do</strong>s animais.Alia<strong>do</strong> a isso, soma-se a ação <strong>do</strong>s dizimeiros, que cobravam valores exorbitantes pela criação <strong>do</strong>ga<strong>do</strong>, o que não passava de uma grande exploração.De acor<strong>do</strong> com alguns produtores, antes da região ter se torna<strong>do</strong> área de preservação ambientalem 1972 por meio de lei federal, o ga<strong>do</strong> dispunha de bastante pasto. Entretanto, isso foi mudan<strong>do</strong>.Com a diminuição das áreas de pastagem, um novo mo<strong>do</strong> de produção teve de ser coloca<strong>do</strong>em prática.Começou-se a produzir alimentos na estação das águas (verão) para estocar na época da seca(inverno). Com essa mudança, nasceu a agricultura na região, com destaque para a cultura <strong>do</strong>milho, inicialmente para a subsistência. Com o passar <strong>do</strong>s anos, tornou-se profissionalizada. Oexcedente era comercializa<strong>do</strong>, geran<strong>do</strong> renda.Conforme depoimentos, o ga<strong>do</strong> <strong>do</strong>s séculos passa<strong>do</strong>s era “rústico”, o qual era usa<strong>do</strong> para fazero transporte de pessoas e merca<strong>do</strong>rias, sobretu<strong>do</strong> atadas ao carro de boi. Esse ga<strong>do</strong> produziapouco leite. Para se ter uma idéia de como as coisas eram diferentes, uma pessoa que saía de SãoJoão Batista com destino a Sacramento, demorava, em média, seis dias em viagem. Outro da<strong>do</strong>comparativo: para fabricar um queijo, era necessária a produção leiteira de dez vacas. Hoje, épossível fazer <strong>do</strong>is queijos com leite de apenas uma vaca.| 75A pecuária faz parte da paisagem regionalfoto Adriano Gambarini


A lavoura de café ocupa 3,5 mil hectares na regiãofoto Adriano Gambarini76 | Embora a região tenha atravessa<strong>do</strong> inúmeras dificuldades, a realidade hoje é bem diferente. Parailustrar melhor essa mudança, vale ressaltar um da<strong>do</strong> interessante. Apenas no município de SãoRoque de Minas, o rebanho é de aproximadamente 70 mil cabeças. Com uma produção de leiteem torno de 60 mil litros/dia, o equivalente a cerca de 1,8 mil litros/mês, o município é reconheci<strong>do</strong>como importante produtor <strong>do</strong> queijo artesanal da Serra da <strong>Canastra</strong>.Apesar de a atividade rural ter aumenta<strong>do</strong> significativamente nas últimas décadas, a populaçãorural diminuiu. Em 1970, representava quase 77% <strong>do</strong> total de mora<strong>do</strong>res. Em 1991, passou a representarapenas 56%. Em 2000, caiu para 41%.Mesmo assim, a agricultura tem peso na economia local. A força <strong>do</strong> setor deve-se, principalmente,ao surgimento das cooperativas – uma de crédito (Sicoob Saromcredi) e outra ligada aosprodutores rurais da Serra da <strong>Canastra</strong>. Fundada em 1974, com a denominação de CooperativaAgropecuária de São Roque de Minas Ltda., a instituição atuava apenas na venda de remédiosveterinários e supermerca<strong>do</strong>. Com o tempo, a cooperativa evoluiu e, em 2003, após nova reestruturação,passou a ser denominada Cooperativa <strong>do</strong>s Produtores Rurais da Serra da <strong>Canastra</strong>Ltda.Com mais infra-estrutura e novas parcerias, os associa<strong>do</strong>s passaram a contar com diversos benefícios,principalmente a assessoria técnica de um agrônomo e veterinário nas fazendas. Hoje são450 associa<strong>do</strong>s. Além disso, a cooperativa oferece armazenagem de grãos de milho e café em siloslocaliza<strong>do</strong>s a poucos quilômetros da cidade. Outra vantagem é a venda de fertilizantes e insumosagrícolas a preços acessíveis.


A cafeicultura, considerada a principal cultura agrícola da cidade, deu um grande salto. Com umaprodução altamente tecnológica, produz atualmente cerca de 70 mil sacas de café e tem cerca de3,5 mil hectares de área plantada. No final da década de 1980 e início de 1990, quan<strong>do</strong> São Roquede Minas passava por uma crise, a produção era de apenas quatro mil sacas de café, em uma áreaplantada de apenas 120 hectares. Diante desse cenário, ao perceber as dificuldades <strong>do</strong> homem<strong>do</strong> campo, a cooperativa de crédito, em parceria com o Sindicato <strong>do</strong>s Produtores Rurais de SãoRoque de Minas, construiu um viveiro de mudas de café para distribuição entre os produtores.O milho também ganhou espaço. A produção começou nos anos 1980. Atualmente, são produzidascerca de 15 mil toneladas em uma área próxima a quatro mil hectares, lembran<strong>do</strong> que maisde 1,5 mil hectares são usa<strong>do</strong>s para a produção de silagem de milho, que alimenta o ga<strong>do</strong> naépoca da seca. Os produtores estão se especializan<strong>do</strong> nas novas tecnologias agrícolas para obtero máximo de produtividade. Os grãos abastecem as granjas nos municípios vizinhos e, principalmente,as necessidades <strong>do</strong> município. Essa cultura traz benefícios, pois exige mão-de-obra,geran<strong>do</strong> trabalho e melhoran<strong>do</strong> a arrecadação. Além, é claro, de reconhecer o potencial agrícolae a valorização comercial das terras.Devi<strong>do</strong> ao aumento na produção de milho, surgiu a necessidade de uma estrutura para a construção<strong>do</strong>s silos com capacidade para armazenar até 9 mil toneladas de grão. Isso foi possívelgraças à parceria entre a Coocanastra e o Sicoob Saromcredi. Os silos ajudam os produtores aguardar sua produção enquanto esperam por melhores preços.| 77Diante desse cenário, pode-se dizer que na última década, a pecuária de leite e a agriculturatransformaram a vida <strong>do</strong>s habitantes da <strong>Canastra</strong>, principalmente a <strong>do</strong>s produtores rurais. Tu<strong>do</strong>isso com um trabalho de conscientização ambiental, em que mais de 90% das embalagens deagrotóxicos são devolvidas à Coocanastra, evitan<strong>do</strong> assim, mais contaminação <strong>do</strong> meio ambiente.A produção de milho atrai investimentos e tecnologiafoto Adriano Gambarini


A história de sucesso <strong>do</strong> Sicoob SaromcrediA Cooperativa de Crédito Rural de São Roque de Minas Ltda. nasceu da vontade da pequena comunidade deSão Roque de Minas de mudar a sua história de decadência causada pelo fechamento da extinta Minas Caixa,até então o único agente financeiro <strong>do</strong> município.Após ouvir de alguns bancos que a cidade não era uma praça bancária, a comunidade – mergulhada emdificuldades – resolveu reagir. Ao invés de mudar de cidade, resolveram mudar a cidade. Lidera<strong>do</strong>s pelo jovemempreende<strong>do</strong>r João Carlos Leite, o Joãozinho Messias, um grupo de 22 produtores rurais apoia<strong>do</strong>s pela prefeituramunicipal e comerciantes locais inaugurou a Saromcredi em 28 de outubro de 1991.No começo, a intenção era poder compensar um cheque ou outro, efetuar pagamentos, pagar benefícios, ouseja, resgatar a dignidade de um povo que se sentia excluí<strong>do</strong> de um sistema econômico, financeiro e social.Com um ano de funcionamento, toda movimentação financeira já estava de volta. A partir daí, a cooperativacomeçou a realizar operações de curto prazo, como desconto de cheque de terceiros com menos de 30 dias,empréstimos pessoais, dentre outras.“Já éramos o orgulho da comunidade, mas os problemas sociais continuavam graves. Com o advento <strong>do</strong> PlanoReal e queda da inflação, a cooperativa iniciou os projetos de investimento no setor de agricultura e pecuáriapara gerar produção, emprego, renda e, conseqüentemente, maior fluxo financeiro”, afirma João Carlos Leiteem um trecho <strong>do</strong> livro “A cidade morria devagar”.78 |Nessa época, a cultura <strong>do</strong> milho era uma atividade de subsistência no município, o que o tornava importa<strong>do</strong>r<strong>do</strong> produto. Em 1995, com muita luta e determinação, a história foi revertida e São Roque de Minas tornou-segrande produtor e exporta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> grão.A cafeicultura também era pouco expressiva na região, com aproximadamente 350 mil pés. Ten<strong>do</strong> em vista onovo cenário, a partir de 1994 a cooperativa de crédito começou a produzir, distribuir e financiar a produçãoe o plantio de mudas de café. Devi<strong>do</strong> ao acerto no empreendimento, existe hoje um parque cafeeiro com maisde seis milhões de pés de café.Outro caso de sucesso teve início em 1996. Demandada pelos associa<strong>do</strong>s e comunidade, a cooperativa passoua investir no setor de desenvolvimento social. Nasceu, então, a parceria com o Sindicato <strong>do</strong>s ProdutoresRurais de São Roque de Minas e a Cooperativa <strong>do</strong>s Produtores Rurais da Serra da <strong>Canastra</strong>. Nesse mesmoritmo, a cooperativa de crédito incentivou a criação da Associação Comercial, Industrial, Agropecuária eServiços de São Roque de Minas (ACIAS), da Cooperativa Educacional de São Roque de Minas e <strong>do</strong> prove<strong>do</strong>r deInternet SRMinas. O prove<strong>do</strong>r não tem fins lucrativos. Seu principal objetivo é trabalhar a inclusão digital dacomunidade.Livre Admissão: novos tempos na cooperativaEmbalada pelo crescimento, em 6 de novembro de 2004, a cooperativa passou a ser “aberta” (de Livre Admissão),ou seja: tanto pessoas físicas quanto jurídicas de natureza pública ou privada puderam se associar e ainstituição passou a ser chamada Cooperativa de Crédito de São Roque de Minas Ltda.Hoje, a cooperativa atua em outras quatro localidades (Vargem Bonita, Delfinopólis, São João Batista <strong>do</strong>Glória e Pratinha), benefician<strong>do</strong> aproximadamente 6.500 coopera<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong>s os setores. Ressalta-se que, àexceção de Delfinópolis, a cooperativa é o único agente financeiro nos outros quatro municípios. Portanto,pode-se dizer que o Sicoob Saromcredi funciona como um verdadeiro banco de desenvolvimento regional, geran<strong>do</strong>dezenas de empregos diretos e indiretos. A meta é ter pelo menos 50% da população da área de atuaçãocomo associa<strong>do</strong>s, fazen<strong>do</strong> uma verdadeira inclusão bancária, incentivan<strong>do</strong> poupança e empreende<strong>do</strong>rismo,alavancan<strong>do</strong> sonhos e geran<strong>do</strong> um verdadeiro desenvolvimento econômico e social.


O turismoNúmero de visitantes ao Parque Nacionalda Serra da <strong>Canastra</strong> por mês.O turismo na região da <strong>Canastra</strong> é um fatobastante recente. Por volta <strong>do</strong> ano 2000, acomunidade ainda não considerava viávelessa atividade na região, especialmente pornão perceber sua importância econômica. Noentanto, nessa época algumas poucas pessoascomeçaram a investir na ampliação daestrutura turística. Os primeiros turistas da<strong>Canastra</strong> vinham <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> vizinho de SãoPaulo, especialmente das regiões de Franca eRibeirão Preto. Esses visitantes freqüentavamas regiões de Delfinópolis e São João Batista<strong>do</strong> Glória, desfrutan<strong>do</strong> tanto das belezas dascachoeiras quanto <strong>do</strong> lago de Furnas.No final de 2001, o turismo na região sofreugrande incentivo, sen<strong>do</strong> projeta<strong>do</strong> pela mídiaem to<strong>do</strong> o país e no exterior por ocasião <strong>do</strong>s500 anos de descoberta <strong>do</strong> rio São Francisco. Apartir daí, aumentou o fluxo de turistas, comotambém o de pessoas queren<strong>do</strong> investir naatividade.Número Médio de VisitantesNúmero de visitantes2500200015001000500035000300002500020000150001000050000Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov DezMêsNúmero médio de visitantes ao Parque Nacionalda Serra da <strong>Canastra</strong> por ano.198919901991199219931994199519961997Fonte: Ibama199819992000200120022003200420052006| 79Segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Ibama, o número de visitantes ao parque passou de 3 mil ao ano para 32,5 milem 2006. São Roque, com cerca de seis mil habitantes, chega a receber um número de visitantesequivalente à sua população. É interessante notar o fluxo de turistas estrangeiros na <strong>Canastra</strong>.Em geral, são europeus e norte americanos, na maioria das vezes observa<strong>do</strong>res de pássaros quecostumam vir no segun<strong>do</strong> semestre de cada ano. Os turistas brasileiros vêm, em sua maioria, <strong>do</strong>esta<strong>do</strong> de São Paulo e <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Curiosamente, são poucos os turistas mineiros.Há também grande fluxo de pessoas nas festas populares e religiosas da <strong>Canastra</strong>. Mas nessescasos, os turistas são pessoas da própria região, ou que têm parentes aqui.Recentemente, os principais atrativos de Minas Gerais foram dividi<strong>do</strong>s em circuitos e o Circuitoda <strong>Canastra</strong> é um <strong>do</strong>s principais em to<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong>. A proximidade de outros centros turísticos <strong>do</strong>mesmo circuito – como a cidade de Araxá – e a parceria <strong>do</strong> Sebrae fortalecem as perspectivas <strong>do</strong>turismo sustentável na região. Concluída em 2006, a pavimentação da estrada que liga Piumhí aSão Roque de Minas e Vargem Bonita melhorou muito o acesso e a visitação, mas ainda restamações importantes como a implantação de um sistema eficiente de sinalização nas estradas relacionadasao circuito da <strong>Canastra</strong>.


Turismo com responsabilidadeNesse pouco tempo, ficaram claras algumas transformações que o turismo trouxe para a região.Em primeiro <strong>lugar</strong>, a presença <strong>do</strong>s turistas tem feito os mora<strong>do</strong>res perceberem que as belezaslocais, com as quais estão tão acostuma<strong>do</strong>s, deslumbram pessoas de outros <strong>lugar</strong>es e tem importânciamuito maior <strong>do</strong> que supunham.Em segun<strong>do</strong> <strong>lugar</strong>, o turismo hoje vem crescen<strong>do</strong> como gera<strong>do</strong>r de empregos na região, o quetradicionalmente estava relaciona<strong>do</strong> à agricultura e pecuária. Nos perío<strong>do</strong>s de alta temporada,os recursos gera<strong>do</strong>s são significativos não apenas nos serviços de hospedagem, mas também pormeio <strong>do</strong> comércio e da contratação de mão-de-obra.As perspectivas para o turismo na região são as melhores possíveis, inclusive porque há muitosaspectos ainda a serem explora<strong>do</strong>s. Finalmente, está consolidada a percepção de que o turismopode gerar renda. Mas uma grande preocupação é a exploração turística com responsabilidade,com foco na conservação da natureza que, afinal, é o principal atrativo <strong>do</strong>s turistas.80 |<strong>Um</strong> aspecto relevante para o planejamento <strong>do</strong> turismo na região é a sazonalidade, ou seja, existemépocas de grande procura, como feria<strong>do</strong>s prolonga<strong>do</strong>s e finais de semana, e épocas de baixatemporada, como os meios de semana e as épocas de chuva. Nesse último caso é preciso buscarum perfil de turista que freqüente a região na baixa temporada. Particularmente nas chuvas, seriainteressante atrair jipeiros e motoqueiros, dispostos a enfrentar as estradas de terra. Contu<strong>do</strong>,essa atração precisa vir acompanhada de um forte programa de educação ambiental para queesses turistas não acabem por depredar a região.Outro esforço que precisa ser feito é a divulgaçãode outros pontos de visitação, pois hoje oturismo se concentra muito em <strong>do</strong>is pontos <strong>do</strong>PARNA <strong>Canastra</strong>: a nascente <strong>do</strong> rio São Franciscoe a cachoeira Casca d’Anta. Existem naregião ao menos outras 50 cachoeiras com potencialturístico, porém de difícil acesso.O trabalho contínuo de capacitação para atendimentoao turista é uma necessidade, assimcomo o esforço para a consolidação <strong>do</strong> destinoturístico <strong>Canastra</strong> nos grandes centros enas agências de turismo. Mas existem certoscuida<strong>do</strong>s a serem toma<strong>do</strong>s para o sucesso <strong>do</strong>turismo na região: deve-se primeiro construira estrutura para receber o turista e, a partirdaí, iniciar uma divulgação ampla.foto Adriano Gambarini


foto Adriano GambariniNosso futuro econômico depende <strong>do</strong> que decidirmos agoraMuito <strong>do</strong> que conquistamos foi por meio da luta e da determinação <strong>do</strong> povo daqui. Entretanto,essa região anseia por novas conquistas. Alia<strong>do</strong> às novas tecnologias, pretendemos elevar aindamais a filosofia <strong>do</strong> cooperativismo, que já vem sen<strong>do</strong> desenvolvida e cujos resulta<strong>do</strong>s apontampara um caminho vitorioso.| 81A partir <strong>do</strong> momento em que as pessoas se conscientizarem <strong>do</strong> valor de nosso potencial ecoturísticoe da riqueza das águas, tu<strong>do</strong> isso passará a ser um fator de desenvolvimento e distribuição deriquezas.Embora o turismo seja a grande promessa, o setor agropecuário também é um fator de prosperidade,trazen<strong>do</strong> divisas. Veja o caso <strong>do</strong> queijo <strong>Canastra</strong> e da boa qualidade <strong>do</strong> café produzi<strong>do</strong> aqui,conheci<strong>do</strong> como o Café <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, que hoje já rompeu as barreiras nacionais.Mas não podemos ignorar a tendência de chegada da cultura da cana-de-açúcar. Em pelo menos<strong>do</strong>is municípios da região da <strong>Canastra</strong> (São João Batista <strong>do</strong> Glória e Delfinópolis), essa cultura jáé uma realidade que ganha, a cada dia, mais espaço e adeptos. Conseqüentemente, não é possívelprever as reais conseqüências e benefícios e/ou malefícios em longo prazo desse “modismo”.Será que uma região extremamente importante para a humanidade no tocante a recursos hídricos,já com sérios riscos de escassez para um futuro próximo, seria a melhor opção para seinvestir nessa cultura compromete<strong>do</strong>ra? Com esta indagação, espera-se que os leitores de hoje e<strong>do</strong> amanhã possam debater essa questão de uma forma racional e sustentável.Como forma de apresentar algum parâmetro, tivemos num passa<strong>do</strong> não muito distante, o exemploda exploração <strong>do</strong> garimpo na região, que causou uma revolução econômica em curto prazo, porémdeixou como lembrança negativa a degradação ambiental e humana até hoje irreparáveis.


Este livro é produto <strong>do</strong> projeto O lobo da <strong>Canastra</strong>, um programa de educação ambientaldesenvolvi<strong>do</strong> em conjunto com a comunidade <strong>do</strong> entorno <strong>do</strong> Parque Nacional da Serra da<strong>Canastra</strong> - MG. O projeto é financian<strong>do</strong> pelo Fun<strong>do</strong> Nacional <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> (FNMA) ecoordena<strong>do</strong> pelo Instituto Pró-Carnívoros em parceria com a Universidade de Brasília.apoio

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