Florestan Fernandes
Florestan Fernandes, 20 anos depois
Florestan Fernandes, 20 anos depois
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Florestan</strong> <strong>Fernandes</strong> • 20 anos depois 41<br />
Não adianta só mostrar qual é o arranjo que amarra as diversas partes da sociedade<br />
e nem sugerir que tais ou quais tendências podem estar presentes no seu<br />
interior. É preciso ver se no interior da sociedade se formam aqueles agentes capazes<br />
de converter virtualidades em processos efetivos. E ver como os próprios<br />
envolvidos enfrentam as suas questões. Sobre este aspecto, ainda insistindo no<br />
exemplo do livro sobre a integração do negro, há um outro achado de <strong>Florestan</strong>.<br />
Você tem por um lado as exigências mais amplas da sociedade que se vai<br />
constituindo com todas as suas dificuldades, mas que, enfim, se apresenta como<br />
um dado para os seus integrantes. Por outro lado você tem, no caso dos grupos<br />
negros, todas as questões que dizem respeito à aquisição de técnicas sociais, de<br />
capacidades para irem construindo a sua identidade própria e intervindo nessa<br />
sociedade maior. O que pode juntar estes dois níveis? Aí entra uma coisa importante,<br />
que é a análise que ele faz dos movimentos sociais.<br />
Os movimentos sociais viraram tema de análise corriqueira a partir dos<br />
anos 1980, a partir do fim da ditadura, da democratização, mas <strong>Florestan</strong> pegou<br />
o papel estratégico que os movimentos sociais têm na junção entre impulsos<br />
ainda pouco plasmados na base da sociedade e exigências que só se<br />
colocam como referência à sociedade como um todo. Os movimentos sociais<br />
podem ser fundamentais e desempenham um papel estratégico para <strong>Florestan</strong>,<br />
naquele segundo passo que é fundamental para ele, em que você supera<br />
a condição de constituir uma identidade à parte, a identidade negra, e passa a<br />
realmente fazer parte dos grupos que disputam poder, influência, riqueza, ou<br />
seja, se constitui em classe. Só que, claro, não será algo como a classe negra,<br />
mas será, digamos, o segundo passo daquilo que na perspectiva de <strong>Florestan</strong><br />
é uma espécie de avanço para uma democracia no âmbito racial. Ele não está<br />
defendendo a ideia erroneamente atribuída ao Gilberto Freyre da democracia<br />
racial, mas a ideia de que, se um primeiro passo na busca dessa identidade<br />
aponta para virtualidades democráticas, um segundo passo é efetivamente o<br />
de contribuir na constituição daquilo que está em jogo na cabeça de <strong>Florestan</strong>.<br />
Pois para ele a ordem social competitiva, para ser aberta e competitiva,<br />
tem que ser democrática, não pode ser de outro modo. Ele não está tendo<br />
uma visão simplesmente laudatória da democracia, ele está dizendo que não<br />
dá para pensar numa ordem social aberta e competitiva, em que se disputam<br />
efetivamente as posições, as influências, as capacidades de intervenção no<br />
todo social, não dá para separar isto de democracia, inseparavelmente as duas<br />
coisas vêm juntas.