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O círculo da paz - AMB

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S e s s ã o E s p e c i a l Marlon Brando<br />

O adeus a um mito<br />

Por Davi Brasil Simões Pires<br />

A conturba<strong>da</strong> figura de Marlon Brando é uma dessas esfinges ain<strong>da</strong> por ser desven<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

Fiel representante <strong>da</strong> geração retrata<strong>da</strong> no filme “Rebel Without a Cause” de Nicholas Ray<br />

(impropriamente verti<strong>da</strong>, no Brasil, para “Juventude Transvia<strong>da</strong>”), a motivação de sua rebeldia<br />

jamais ficou clara ao público. Em entrevista concedi<strong>da</strong> ao lendário Truman Capote, Brando<br />

dá uma pista: “um excesso de êxito pode arruinar um homem tão irremediavelmente<br />

quanto um excesso de fracasso”.<br />

Uma certa dificul<strong>da</strong>de de conviver com a própria populari<strong>da</strong>de e com o sucesso levou<br />

o ator a uma vi<strong>da</strong> eremita numa ilha distante, <strong>da</strong> Polinésia Francesa. A seqüência de tragédias<br />

pessoais contribuiu para aguçar ain<strong>da</strong> mais seu proverbial mal-humor e o enfado com<br />

entrevistas e ba<strong>da</strong>lações naturais ao mundo hollywoodiano. Suas aparições na tela foram se<br />

reduzindo a participações especiais, com a marca indelével do talento.<br />

A entrega do Oscar, em 1972, foi um dos tais momentos de “excesso de êxito” do<br />

astro. Depois do magistral Don Corleone, em “O Poderoso Chefão”, a escolha de Brando<br />

para receber a estatueta doura<strong>da</strong> de melhor ator parecia inevitável.<br />

Confirmado o seu nome após o bordão “the winner is”, veio a surpresa <strong>da</strong> noite:<br />

Brando não compareceu para receber o seu segundo Oscar de melhor ator (a sexta<br />

indicação para o prêmio – haveria, ain<strong>da</strong>, mais uma, no ano seguinte, por O último Tango<br />

em Paris). Mandou representante: uma lin<strong>da</strong> morena, caracteriza<strong>da</strong> de índia, que leu uma<br />

mensagem do ator justificando sua ausência por razões políticas.<br />

A tal motivação política ninguém entendeu, pois ele jamais se integrou a militância de<br />

causas políticas, pacifistas ou ambientalistas, mas o fato reforçou o enigma e o mito em torno<br />

de sua figura.<br />

Marlon Brando morreu, no princípio de julho, bastante distante do glamour de sex<br />

simbol que o tornou inesquecível. Aos 80 anos, acumulava dívi<strong>da</strong>s e peso - chegou a ter<br />

mais de cem quilos.<br />

Ao longo <strong>da</strong> carreira, deu vi<strong>da</strong> a uma ver<strong>da</strong>deira galeria de tipos inesquecíveis do<br />

cinema: Stanley Kowalsky, de Uma Rua Chama<strong>da</strong> Pecado (1951), Emiliano Zapata, em Viva<br />

Zapata (1952), Marco Antônio, em Júlio Cezar (1953), o rebelde de O Selvagem (1954), o<br />

ex-boxeador fracassado de Sindicato<br />

de Ladrões (1955), Don Vito<br />

Corleone, de O Poderoso Chefão<br />

(1972), o viúvo atormentado de O<br />

Último Tango em Paris (1973) e o<br />

coronel Kurtz, no cult Apocalypse<br />

Now (1979), entre outros.<br />

No Brasil, as vídeo locadoras<br />

ain<strong>da</strong> não possuem muitos títulos<br />

com interpretações de Brando, em<br />

versão DVD. Ain<strong>da</strong> assim, há boas<br />

pedi<strong>da</strong>s, como os dois Oscars:<br />

Sindicato de Ladrões e O Poderoso<br />

Chefão e mais O Último Tango em<br />

Paris, Apocalypse Now, Sayonara<br />

e, sua última aparição no cinema, A<br />

Carta<strong>da</strong> Final.<br />

Em abril, para comemorar<br />

os 80 anos de Marlon Brando, a<br />

Columbia Pictures lançou em DVD<br />

“Caça<strong>da</strong> Humana” (The Chase),<br />

de 1966, dirigido por Arthur Penn,<br />

Foto: AFP<br />

com um elenco de então ilustres iniciantes: Jane Fon<strong>da</strong>, Robert Redford, Angie Dickinson<br />

e Robert Duval. A história é bem ao gosto <strong>da</strong> visão cáustica do diretor. O individualismo, o<br />

elevado consumo de álcool, o racismo, a violência, a irracionali<strong>da</strong>de do uso <strong>da</strong>s armas de<br />

fogo e o culto à futili<strong>da</strong>de não são personagens, mas uma espécie de pano de fundo – sem<br />

o qual não haveria história a contar.<br />

Brando, neste “Caça<strong>da</strong> Humana” representa a “Lei” em uma ci<strong>da</strong>dezinha do interior<br />

do Texas, ele é Calder – o xerife que não vê a hora de abandonar tudo e comprar seu<br />

próprio rancho. Calder é honesto e incorruptível, mas não é respeitado pelos ci<strong>da</strong>dãos, que<br />

destinam temor reverencial somente ao poderoso capitalista <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />

Ca<strong>da</strong> habitante <strong>da</strong> pequena ci<strong>da</strong>de passa a encarar seus medos e frustrações, quando<br />

Bubber Reeves, vivido por Robert Redford, foge <strong>da</strong> prisão. Calder tenta conter a precipitação<br />

do julgamento popular e, por outro lado, evitar que prevaleça a força do poder econômico.<br />

A fragiliza<strong>da</strong> estrutura de poder, sem substância e ineficaz, sustenta<strong>da</strong> exclusivamente na<br />

forma, gera um crescente desconforto.<br />

Ain<strong>da</strong> que o espectador se recuse a ver to<strong>da</strong>s nuances do simbolismo de “Caça<strong>da</strong><br />

Humana”, restará a atuação de um equilibrado elenco (posteriormente consagrado) e uma<br />

bela história, filma<strong>da</strong> com fotografia muito bem cui<strong>da</strong><strong>da</strong>, que desde o início já o terá fisgado,<br />

podendo, conforme sua resistência, leva-lo à tranqüili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> superfície ou aos desafios e a<br />

sedução <strong>da</strong>s profundezas. Se na<strong>da</strong> disso funcionar, valeu a homenagem a Marlon Brando.<br />

JORNAL DO MAGISTRADO<br />

MARÇO A ABRIL DE 2004<br />

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