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uma possível sentença que a lei decretava para<br />
delitos semelhantes àquele de que era acusado (19) .<br />
Pouco apetrechado, ain<strong>da</strong>, em termos de vestuário.<br />
Fernando Álvares era clérigo. Mas um clérigo, um<br />
cura de almas, para mais rural, neste século XV, não<br />
se distinguia dos seus paroquianos, nem quanto ao<br />
vestuário (20) , nem, até, quanto ao teor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Por<br />
isso ele devia vestir, com to<strong>da</strong> a verosimilhança,<br />
sobre umas calças justas, uma saia, talvez com<br />
mangas, a dispensar camisa, mas que deveria, no<br />
mínimo, chegar aos joelhos (21) . A mo<strong>da</strong> que a vinha<br />
decretando mais curta, ca<strong>da</strong> vez mais curta, não<br />
chegava aos campos e às suas gentes comuns e<br />
neste caso, ain<strong>da</strong> que tivesse chegado, a Igreja<br />
tentaria que os seus membros a não adoptassem (22) .<br />
To<strong>da</strong>via, este aspecto, <strong>da</strong> forma do vestuário, não é<br />
revelante, de momento. O que importa, isso sim, é o<br />
tecido.<br />
Sabemos que na I<strong>da</strong>de Média não existia vestuário<br />
de estação (23) . A mesma roupa era usa<strong>da</strong>,<br />
indiferentemente, no Verão e no Inverno. Numa<br />
grande parte <strong>da</strong>s vezes ela era, mesmo, única (24) ,<br />
com a possível excepção de algumas peças mais<br />
requinta<strong>da</strong>s, que se usava apenas nas grandes<br />
ocasiões e que não raro passava de pai a filho, de<br />
mãe a filha (25) .<br />
Ora, se excluirmos algumas roupas interiores - nem<br />
sempre existentes - confecciona<strong>da</strong>s com o bragal<br />
fabricado em casa, as gentes do campo vestiam-se<br />
de buréis, nacionais ou estrangeiros, galezes, panos<br />
de Castela, de Irlan<strong>da</strong>, por vezes, numa roupa<br />
melhor,algum pano de Bristol. Isto é, vestiam-se de<br />
lã (26) . Aliás outros tecidos seriam demasiado caros<br />
para as suas bolsas, ain<strong>da</strong> mesmo que as<br />
pragmáticas que sucessivamente foram sendo<br />
promulga<strong>da</strong>s, lhes permitissem usá-los. Restavam-<br />
-lhes, pois, estes tecidos mais baratos. Todos de lã.<br />
Para o tempo frio, como para o tempo quente. Na<br />
ver<strong>da</strong>de, o vestuário medieval era feito,<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente, para proteger o corpo <strong>da</strong>s<br />
intepéries invernais, além de, naturalmente, o<br />
preservar, em público, dos olhares alheios (27) .<br />
Fernando Álvares devia, pois com to<strong>da</strong> a<br />
verosimilhança, encontrar-se vestido de lã. Neste<br />
pormenor, é certo, não existia desvantagem em<br />
relação aos seus companheiros de momento, pois<br />
todos deviam trajar pelo mesmo figurino, mas estes<br />
eram, por certo, mais novos e não carregavam o fardo<br />
<strong>da</strong> detenção que sobre ele pesava. Com tudo isto.<br />
“por ser muyto uelho e bem assy com a grande calma<br />
que fazia se uiera a finar antr elles todos que o assy<br />
presso traziam” (28) .<br />
De novo a velhice, a doença, as condições de<br />
violência a que o indivíduo se encontrava sujeito, a<br />
tornarem insuportável as cruezas do clima beirão.<br />
Desta vez os tórridos calores estivais que a serra<br />
também sabe oferecer.<br />
Em todos os casos, o perdão é o mesmo: o homem<br />
muito velho, portanto o que já entrou na decrepitude<br />
ou na senili<strong>da</strong>de, se quisermos retomar as<br />
teorizações sobre as i<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que a época nos<br />
legou, o indivíduo fraco e cansado, no dizer mais<br />
simples <strong>da</strong>s gentes simples, já não pode suportar as<br />
condições adversas. Adoece. Fisicamente degra<strong>da</strong>do<br />
pelos anos, tornara-se um ser frágil. Só lhe falta<br />
morrer. Morre.<br />
Com efeito, para a I<strong>da</strong>de Média, a fragili<strong>da</strong>de do<br />
velho só pode ser compara<strong>da</strong> à <strong>da</strong> criança muito<br />
pequenina. Só pode ser supera<strong>da</strong> pela dela. Como,<br />
Por exemplo, a <strong>da</strong>quele menino de três ou quatro<br />
meses que, por esta mesma altura, de acordo com o<br />
testemunho materno, morreu de medo de uma briga,<br />
em Benespera, lá para os lados <strong>da</strong> Guar<strong>da</strong> (29) .<br />
NOTAS<br />
(1) - Arquivo Nacional <strong>da</strong> Torre do Tombo (a seguir<br />
designado por A.N.T.T.), Chancelaria (a seguir<br />
designado por Chanc.) de D. João lI, liv.2, fl.71. Trata-<br />
-se de uma carta de perdão, onde se circunstanciam<br />
as ocorrências que determinaram aqueles desfechos.<br />
É nela que me vou basear para o que digo a seguir.<br />
Dispenso-me, por isso, de voltar a citá-la.<br />
(2) - Cf., por exemplo, Emmanuel Le Roy Ladurie,<br />
Histoire du climat depuis I’an mil, Paris, 1967, pp.66,<br />
208 e outras ain<strong>da</strong>.<br />
(3) - Id., “Le climat. L’histoire de Ia pluie et du beau<br />
temps”, Faire l’histoire, dirig. por Jacques Le Goff e<br />
Pierre Nora, vol.lll, Nouveaux Objects, (Paris), 1974,<br />
p.22.<br />
(4) - Ib., pp.22-23, 25.<br />
(5) - Rita Costa Gomes, A Guar<strong>da</strong> medieval. Posição,<br />
morfologia e socie<strong>da</strong>de (1200-1500), Lisboa, 1987,<br />
p.176.<br />
(6) - A.N.T.T. Chanc. de D. Afonso V, liv.4, FI.40.<br />
(7) - Sobre as funções do ouvidor podem ver-se,<br />
por exemplo, Marcello Caetano, <strong>História</strong> do direito<br />
português, vol.I, Fontes-Direito público (1140-1495),<br />
Lisboa-S. Paulo, 1981, p.309; António Manuel<br />
Hespanha, <strong>História</strong> <strong>da</strong>s instituições. Épocas medieval<br />
e moderna, Coimbra, 1982, pp.300-301.<br />
(8) - O ouvidor morrera por essa altura e a cadeia<br />
ficara, possivelmente, a aguar<strong>da</strong>r a nomeação do<br />
substituto.<br />
(9) - Robert Delort, La vie au Moyen Age, Paris, 1982,<br />
p.33.<br />
(10) - É sabido como o regime alimentar dos<br />
indivíduos se deteriorava (se deteriora) à medi<strong>da</strong> que<br />
também se deterioravam as sua condições<br />
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