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grupo bom jesus de alcoólicos anônimos - existe uma solução

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MADRUGADA AFORA<br />

PARTILHAS<br />

Pouco antes <strong>de</strong> sair para Akron, o Dr. Silkworth tinha me dado um gran<strong>de</strong><br />

conselho. Sem isso, A. A. nunca po<strong>de</strong>ria ter existido. “Veja, Bill”, ele disse, “você<br />

somente conseguiu fracassos porque estava pregando a esses <strong>alcoólicos</strong>. Você<br />

está lhes falando a respeito dos preconceitos do Grupo Oxford <strong>de</strong> ser<br />

absolutamente honesto, absolutamente puro, absolutamente altruísta e<br />

absolutamente <strong>de</strong>dicado. Isso é <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m. Daí você termina, falando acerca <strong>de</strong><br />

sua misteriosa experiência espiritual. Não é <strong>de</strong> admirar que eles apontam seus<br />

<strong>de</strong>dos para duas cabeças e saem para beber. Por que você não muda sua<br />

estratégica? Não foi você que em certa ocasião me mostrou aquele livro do<br />

psicólogo James, que diz que a <strong>de</strong>rrota total é a base da maioria das experiências


espirituais? Esqueceu­se também <strong>de</strong> que o Dr. Carl Jung disse, em Zurique, a<br />

certo alcoólico, aquele que mais tar<strong>de</strong> ajudou Ebby a alcançar a sobrieda<strong>de</strong>, que<br />

sua única esperança <strong>de</strong> salvação seria <strong>uma</strong> experiência espiritual? Não, Bill, você<br />

tem colocado a carroça na frente dos bois. Você tem que <strong>de</strong>ixar essas pessoas<br />

primeiro se sentirem <strong>de</strong>rrotadas. Depois, dê a elas os fatos médicos e insista<br />

nisso. Explique a elas a obsessão que as leva a beber e a sensibilida<strong>de</strong> ou alergia<br />

física do corpo que as leva à loucura ou à morte, se continuarem bebendo. Vindo<br />

<strong>de</strong> outro alcoólico, um alcoólico falando com outro, é provável que isso rompa<br />

seus egos. Somente então você po<strong>de</strong>rá começar a tentar, sua outra medicina, os<br />

princípios éticos que apren<strong>de</strong>u nos Grupos Oxford.”<br />

(Fonte.: Alcoólicos <strong>anônimos</strong> Atinge a Maiorida<strong>de</strong> – página: 59)<br />

Experiências pessoais - Aceitaçăo, tolerância e auto-estima<br />

Aceitaçăo, tolerância e auto-estima<br />

A vida nos termos da vida<br />

No início da minha recuperaçăo, que năo coinci<strong>de</strong> com a minha entrada em Alcoólicos Anónimos,<br />

coloquei a mim próprio, <strong>de</strong>liberadamente, várias questőes. Era suposto que as respostas que<br />

viesse a encontrar iriam servir <strong>de</strong> chave, ou pelo menos <strong>de</strong> alavanca, para o meu processo <strong>de</strong><br />

recuperaçăo. Uma das mais importantes assaltava-me com frequncia: Porque é que eu sou<br />

alcoólico? Como é que fiquei doente?. Entăo, rebuscava no meu passado, recuando à juventu<strong>de</strong>,<br />

aos primeiros copos e às primeiras bebe<strong>de</strong>iras, das quais gostava dos efeitos e <strong>de</strong>testava as<br />

consequências. Galopava pelo tempo passado até chegar ao meu pior período no activo, que<br />

antece<strong>de</strong>u a minha chegada a AA.<br />

Invariavelmente, acabava sem respostas e <strong>de</strong>primido, já que muitos dos episódios recordados<br />

eram <strong>de</strong>gradantes. Por outro lado, usando <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong>, já năo podia atribuir a terceiros as<br />

razőes do meu alcoolismo. Tinha <strong>de</strong> me voltar para o meu Deus, mas fazia-o da forma errada,<br />

agarrado ao passado. Com este estado <strong>de</strong> alma rapidamente chegava à raiva, à angústia e ao<br />

ressentimento, perante a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter feito a minha vida <strong>de</strong> um modo diferente, sem<br />

abusar das bebidas alcoólicas. Passei a usar <strong>de</strong> <strong>uma</strong> completa intolerância para comigo mesmo.<br />

Nestes momentos, a minha auto-estima <strong>de</strong>rrapava para níveis abaixo <strong>de</strong> zero. De seguida,<br />

instalavam-se os sentimentos <strong>de</strong> auto pieda<strong>de</strong>. É <strong>de</strong>primente ter pena <strong>de</strong> mim próprio.<br />

Cada um dos ingredientes da alma que atrás referi, se é que po<strong>de</strong>m existir separadamente, săo<br />

perigosos para um alcoólico como eu. Todos juntos, nos termos em que os <strong>de</strong>screvi, constituíam a<br />

gran<strong>de</strong> rampa <strong>de</strong> lançamento para o abismo que, para mim, săo as bebidas alcoólicas. Mas<br />

continuei em AA, fazendo as minhas reuniőes e, <strong>de</strong> tudo o que fui ouvindo, fizeram-me perceber o<br />

quanto estava errado ao persistir naquele caminho. Afinal, a minha recuperaçăo năo passa pela<br />

obtençăo <strong>de</strong> respostas a questőes dialécticas, que só me confun<strong>de</strong>m e em nada contribuem para<br />

o meu bem-estar, como se tivesse que haver <strong>uma</strong> razăo, facilmente quantificável e qualificável,<br />

em tudo o que ocorre na minha vida.<br />

Hoje aceito o meu passado, trazendo-o à tona dos sentimentos sem orgulho e/ou temor. Afinal, o<br />

meu passado contém a razăo pela qual hoje me sinto bem em recuperaçăo: sou alcoólico e isto<br />

<strong>de</strong>ve bastar-me. É <strong>bom</strong> năo o fechar no esquecimento, mas năo tem nada <strong>de</strong> <strong>bom</strong> quando o<br />

pretendo (re) viver, como se pu<strong>de</strong>sse alterá-lo. Aceito-o simplesmente e, ao fazê-lo, consigo


atribuir valor ao presente. Quero aceitar "a vida nos termos da vida", como ouvi a um querido<br />

companheiro e que tanto sentido me faz. Para o conseguir, tenho o Programa e as Tradiçőes <strong>de</strong><br />

AA e sei que tenho a vossa ajuda. Quanto ao futuro, esse é só por hoje.<br />

Saber aceitar torna-me tolerante e, usando <strong>de</strong> tolerância vou-me aceitando, aumentando a minha<br />

auto-estima, transformando-me paulatinamente n<strong>uma</strong> pessoa com a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar. É<br />

<strong>uma</strong> tarefa nunca acabada e, por isso, năo vou <strong>de</strong>sesperar pelo resultado final. Năo procuro um<br />

produto acabado. A mim, basta-me ser capaz <strong>de</strong> no meu quotidiano, ir aplicando o Programa <strong>de</strong><br />

AA, o que só vou conseguir com a vossa ajuda. Espero ser capaz <strong>de</strong> ir adoptando este modo <strong>de</strong><br />

vida. Escrevo num momento feliz da minha vida, por isso quis partilhá-lo e ao mesmo tempo<br />

agra<strong>de</strong>cer-vos, porque a vós o <strong>de</strong>vo. Sei que amanhă po<strong>de</strong> năo ser assim, mas também sei que<br />

posso contar com todos vocês. Oxalá seja capaz <strong>de</strong> aceitar a vossa ajuda, a qual está sempre<br />

presente. Um gran<strong>de</strong> abraço, com gratidăo.<br />

Jorge B. - Área 9<br />

Experiências pessoais - Persistęncia na recuperaçăo<br />

Persistęncia na recuperaçăo<br />

Lembro-me <strong>de</strong> ter apanhado a minha primeira bebe<strong>de</strong>ira com doze anos. Na altura, bebi mesmo<br />

para me embebedar e nem sequer pensei nas consequências que daí po<strong>de</strong>riam advir. Eu era<br />

muito nova e năo tinha gran<strong>de</strong>s preocupaçőes, responsabilida<strong>de</strong>s. As minhas maiores<br />

preocupaçőes eram: ajudar os outros e, se possível, sofrer na vez <strong>de</strong>les. Năo gostava <strong>de</strong> ter<br />

pessoas tristes ao meu redor, gostava que toda a gente me visse como <strong>uma</strong> pessoa exemplar,<br />

<strong>uma</strong> amiga <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, ainda que isso me levasse a fazer coisas que, na altura, năo eram o que<br />

eu queria. Mesmo que, para que os outros se sentissem bem na minha companhia, tivesse <strong>de</strong><br />

mentir ou ser alguém que, no fundo, năo era. Năo tinha noçăo das coisas, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

conseguisse contribuir para a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algum amigo, isso bastava-me - pensava eu!<br />

Com o passar dos anos, com os amigos que fiz e as festas que frequentei, com a profissăo que<br />

arranjei aos <strong>de</strong>zasseis anos e que até hoje mantenho (trabalhar na música e, portanto, na noite),<br />

fui acentuando o meu consumo <strong>de</strong> álcool e, mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong> outras drogas. Enquanto durava a<br />

euforia, era sempre muito agradável, tinha sempre consciência do que fazia e achava-me "o<br />

máximo" por ser sempre a que aguentava mais. A maior parte dos meus amigos era do sexo<br />

oposto e conseguia acompanhá-los, ou mesmo "vencê-los" n<strong>uma</strong> noite <strong>de</strong> copos.<br />

Eu gostava <strong>de</strong> beber. Gostava do efeito que o álcool provocava em mim. Era tímida, insegura e o<br />

álcool punha todas as minhas inseguranças para trás das costas, fazia <strong>de</strong> mim <strong>uma</strong> pessoa<br />

sociável, confiante e cheia <strong>de</strong> certezas para a vida.<br />

Mas, com o fim <strong>de</strong> um relacionamento on<strong>de</strong> <strong>de</strong>positei a minha vida e apostei o meu “eus, comecei<br />

a usar o álcool como um anestesiante. Mesmo fazendo-o <strong>de</strong> forma inconsciente (porque năo tinha<br />

efectivamente noçăo que bebia para năo sentir), comecei a aguentar cada vez menos e a acentuar<br />

o meu consumo, que já năo era apenas alcoólico.<br />

Nos primeiros anos <strong>de</strong> consumo diário, năo me apercebi da gravida<strong>de</strong> da situaçăo, nem sequer<br />

tinha a noçăo <strong>de</strong> ter <strong>uma</strong> doença chamada adiçăo. Na minha cabeça era impensável que eu, que<br />

tirava um curso <strong>de</strong> Serviço Social para trabalhar na área das <strong>de</strong>pendências, precisasse <strong>de</strong> ajuda<br />

para sair dum poço no qual ainda tinha os pés bem firmes.<br />

Tinha consciência que alg<strong>uma</strong> coisa estava mal comigo. Năo via as pessoas à minha volta a terem<br />

o mesmo tipo <strong>de</strong> comportamentos que eu tinha. Ficava dias fechada em casa, no meu quarto, à<br />

espera que a noite chegasse para po<strong>de</strong>r sair e ir beber mais uns copos, acabando a noite sabe-se<br />

lá on<strong>de</strong>. Passava os dias a chorar e a implorar a um Deus que năo acreditava que existisse, para<br />

me tirar a vida, já que a minha cobardia era tanta que nem sequer coragem tinha para me matar!


Tive, durante uns dias, a minha garrafa <strong>de</strong> whisky <strong>de</strong>baixo da cama para ir dando uns goles por<br />

entre as minhas constantes lamentaçőes. Cortava-me nos braços para que, a dor que sentia por<br />

<strong>de</strong>ntro passasse a física e entăo, me aliviasse. Fiz tantas parvoíces! Sempre com a esperança que<br />

um dia acordaria e tudo se resolveria, mais que năo fosse, com a morte.<br />

Cada vez comecei a ser menos tolerantê à bebida e, as minhas noites <strong>de</strong> festa, transformaram-se<br />

em dias, semanas, meses <strong>de</strong> vergonha, em consequęncia do que acontecia nas minhas<br />

bebe<strong>de</strong>iras, das quais eu năo me lembrava rigorosamente nada! Este foi o primeiro sinal <strong>de</strong> alerta.<br />

Como me arrependia sempre do que fazia quando estava embriagada, como năo conseguia<br />

encarar as pessoas ou os sítios on<strong>de</strong> tinha estado, resolvi <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber. Andava sem beber<br />

durante <strong>uma</strong>s semanas, às vezes meses, mas chegava sempre o dia em que, por este ou aquele<br />

motivo ou simplesmente porque "hoje apetece-me apanhar <strong>uma</strong> bebe<strong>de</strong>ira", acabava a noite em<br />

estados lastimáveis on<strong>de</strong>, a pouca dignida<strong>de</strong> que ainda tinha, se reduzia a zero.<br />

Foi no casamento <strong>de</strong> <strong>uma</strong> parente muito próxima que passei, talvez, <strong>uma</strong> das minhas maiores<br />

vergonhas. Digo talvez porque, apesar do sentimento <strong>de</strong> vergonha e arrependimento ser sempre<br />

tenebroso, tudo aconteceu na presença <strong>de</strong> toda a minha família que, aparte da minha măe e<br />

irmăo, nunca me tinha visto naquele estado! Para mim foi o bastante para que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acordar<br />

com <strong>uma</strong> branca total, me sentasse em frente do computador a investigar o que era a doença do<br />

alcoolismo.<br />

Entrei no site <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos e li tudo com muita atençăo. I<strong>de</strong>ntifiquei-me mas, mais <strong>uma</strong><br />

vez, o medo impediu-me <strong>de</strong> avançar. Contudo, năo mais me saiu da cabeça a hipótese <strong>de</strong> eu ser<br />

<strong>uma</strong> pessoa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

An<strong>de</strong>i meses sem beber e, quando bebia, tinha sempre o cuidado <strong>de</strong> misturar as bebidas<br />

espirituosas com sumos ou beber cerveja sem álcool; as coisas corriam mais ou menos, até ao dia<br />

em que realmente percebi que o álcool me vencia sempre.<br />

Entrei n<strong>uma</strong> sala, pela primeira vez, com um amigo que também se mantém em recuperaçăo<br />

através <strong>de</strong>ste programa. Saí <strong>de</strong> lá cheia <strong>de</strong> dúvidas mas com <strong>uma</strong> certeza: eu tinha um problema!<br />

A i<strong>de</strong>ntificaçăo era muita, pensava eu que <strong>de</strong>mais, mas a palavra alcoólica era, para mim, tăo<br />

esquisita quando auto-aplicada, que preferi năo pensar muito nisso e continuar a beber.<br />

Passados uns tempos, procurei Alcoólicos Anónimos sozinha, já ajoelhada no patamar on<strong>de</strong> antes<br />

conseguia, pelo menos, levantar-me. Pedi ajuda, pois vi que sozinha era incapaz, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse<br />

dia a esta parte, faço por admitir todos os dias o primeiro passo e tenho aprendido a viver um dia<br />

da cada vez.<br />

Recaí alg<strong>uma</strong>s vezes, mas fui sempre recebida da mesma maneira: nunca me julgaram e diziam<br />

ficar felizes pela minha persistência na recuperaçăo. Deram-me contactos e mostraram-se sempre<br />

disponíveis para quando eu precisasse.<br />

Apesar <strong>de</strong> estar ainda há pouco tempo sem beber, sinto-me feliz pelos progressos que já<br />

consegui. Sou capaz <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> mim e empenho-me dia após dia em sentir-me <strong>uma</strong> pessoa<br />

melhor, menos egoísta e mais verda<strong>de</strong>ira comigo e com os outros.<br />

Sei que năo sou perfeita nem o quero ser agora; este percurso é o que quero para a minha vida.<br />

Quero andar sóbria e năo apenas sem beber e isso é <strong>uma</strong> luta para toda a vida mas que, <strong>de</strong> vinte<br />

e quatro em vinte e quatro horas e com a ajuda <strong>de</strong> AA e do meu Po<strong>de</strong>r Superior, eu vou<br />

conseguindo.<br />

Hoje já faço serviço no meu <strong>grupo</strong> base e sei que os meus companheiros confiam em mim.


Quero também continuar a acreditar em mim, no programa, nos companheiros e recomeçar a<br />

viver, pois cansei-me <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vida a vegetar.<br />

Ana - Área 3<br />

Experiências pessoais - Gratidăo<br />

Gratidăo<br />

Quando me sugeriram que escrevesse <strong>uma</strong> partilha para a revista "Partilhar", perguntei qual o<br />

tema que seria mais indicado, ao que me respon<strong>de</strong>ram que po<strong>de</strong>ria partilhar sobre o que bem<br />

enten<strong>de</strong>sse mas, lembraram-me que o męs <strong>de</strong> Novembro era o mês da gratidăo. Achei graça<br />

quando pensei que a minha única partilha, para a revista, tinha sido precisamente sobre a<br />

gratidăo, que eu sentia, meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter chegado aos Alcoólicos Anónimos. E, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aí,<br />

porque năo tinha eu enviado mais partilhas? On<strong>de</strong> estava a minha gratidăo? Franzi a testa, năo<br />

gostei da pergunta, e passei à frente.<br />

A semana passou e, para evitar que o "Grilinho" da minha consciência me continuasse a martelar<br />

a cabeça por eu năo fazer nada, dispus-me a escrever a minha partilha. Achei que teria graça reler<br />

a outra e fui à sua procura, mas năo a encontrei. Foi quando peguei num dossier, perdido no fundo<br />

da gaveta e reparei que lá <strong>de</strong>ntro havia <strong>uma</strong> folha amarrotada, com pequenas missivas datadas <strong>de</strong><br />

três dias do mês <strong>de</strong> Janeiro. Engraçado, pensei, tinha escrito aquilo no męs anterior ŕ minha vinda<br />

para AA, mas quando nada a fazia antever, porque o milagre se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> um modo súbito, no dia<br />

três <strong>de</strong> Fevereiro.<br />

E comecei a ler:<br />

Sinto-me mal, năo sei lidar com a realida<strong>de</strong>. Acho que estou no fundo <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> poço. Tento<br />

agarrar-me às pare<strong>de</strong>s, trepar, mas escorrego.<br />

Senti que as lágrimas me começavam a embaciar os olhos. Como tinha eu ido buscar a imagem<br />

do poço? Que raio!(?) Só nas salas <strong>de</strong> reuniőes dos <strong>grupo</strong>s <strong>de</strong> AA eu me recordo <strong>de</strong> ter ouvido<br />

falar pela primeira vez no fundo do poço! Continuei a ler:<br />

Às vezes penso estar à beira da <strong>de</strong>mência. A memória escapa-se, a cabeça dói-me, os olhos<br />

pesam-me e quando os fecho, já <strong>de</strong>itada, parece-me o melhor momento do dia.<br />

Fiz mais um esforço para năo chorar e continuei para a linha escrita no último dia, com <strong>uma</strong> letra<br />

tăo tremida que me fez estremecer:<br />

Tento trepar e năo consigo, năo consigo. Gostaria tanto <strong>de</strong> morrer!<br />

O meu po<strong>de</strong>r sobre as lágrimas <strong>de</strong>sapareceu. Chorei aquele choro <strong>bom</strong> e convulsivo, feito <strong>de</strong> más<br />

lembranças, feito <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>los. E perguntei-me porque estava a chorar. A gratidăo estoirou <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> mim com todas as forças. Foram vocês, queridos companheiros, que me esten<strong>de</strong>ram a măo,<br />

me retiraram do poço e me entregaram à vida. Foram vocês!<br />

Olho agora a minha folha, tirada do dossier. Com cuidado, reponho-a no seu lugar. As lágrimas<br />

<strong>de</strong>sapareceram. Já năo tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> chorar. As lembranças văo ficar ali, guardadas,<br />

lembrando-me o inferno ao qual năo quero voltar.<br />

Estou a acabar esta partilha. Sinto-me bem por tê-la escrito, por ir enviá-la para a revista.


Mas o meu "Grilinho" volta-me a acenar: O quê? Com <strong>uma</strong> gratidăo tăo gran<strong>de</strong> é só isto que<br />

fazes?<br />

Maldito "Grilinho"! Ele tem razăo.<br />

Sorrio e respondo-lhe: Tudo bem, está <strong>de</strong>cidido. Vou telefonar àquela companheira que me disse<br />

haver falta <strong>de</strong> um servidor, dizendo-lhe que estou disponível para o serviço.<br />

O "Grilinho"” está agora a sorrir, contente. Retribuo-lhe o sorriso. Vamo-nos <strong>de</strong>itar.<br />

Zé Área 7<br />

Experiências pessoais - Apostar no dia <strong>de</strong> hoje<br />

Apostar no dia <strong>de</strong> hoje<br />

Uma das coisas que mais me fascinou, quando conheci <strong>alcoólicos</strong> em recuperaçăo, foi a<br />

serenida<strong>de</strong> que vi em alguns <strong>de</strong>les. Era <strong>uma</strong> coisa que eu achava impossível vir a ter; aquele olhar<br />

pacífico, a calma, como se nada do que acontecesse em volta os pu<strong>de</strong>sse perturbar.<br />

Falavam <strong>de</strong> problemas que tinham e, até quando falavam <strong>de</strong> raiva, eram diferentes. Năo ficavam<br />

vermelhos (ou ver<strong>de</strong>s), nem se exaltavam ou <strong>de</strong>satavam a dizer palavrőes.<br />

Por mais que me parecesse impossível vir a ser assim um dia, era <strong>uma</strong> das coisas que mais<br />

ambicionava. Talvez por ter sido tăo revoltado com a socieda<strong>de</strong> e com a família e ter percebido<br />

que esses sentimentos se viravam contra mim, pois an<strong>de</strong>i a <strong>de</strong>struir-me <strong>uma</strong> série <strong>de</strong> anos.<br />

Já me sinto bem melhor com a vida e com as pessoas, que há algum tempo atrás e hoje, vou<br />

treinando em busca <strong>de</strong>ssa paz.<br />

Às vezes, na hora do Telejornal, tenho <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> canal para ver <strong>uma</strong> série cómica para năo me<br />

pôr a mandar bocas para o ecră!<br />

Às vezes, tenho <strong>de</strong> pôr tampőes nos ouvidos, para năo ouvir e ponho a tocar <strong>uma</strong> musiquinha no<br />

leitor que tenho implantado na cabeça!<br />

Às vezes, tenho <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> companhias e lembrar-me que há um monte <strong>de</strong> pessoas lindas por<br />

aí, para eu conhecer!<br />

Às vezes, basta virar a cara, para năo ver pessoas e atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que năo gosto e, o mais<br />

importante, é apostar no dia <strong>de</strong> hoje, porque o <strong>de</strong> amanhă năo <strong>existe</strong>.<br />

Hoje sei que sou a única pessoa capaz <strong>de</strong> construir o meu próprio paraíso.<br />

Silva A - Área 1<br />

Experiências pessoais - Crescer num novo caminho<br />

Crescer num novo caminho<br />

O tema proposto no último número da nossa revista, fez-me reflectir naquilo a que chamo <strong>de</strong><br />

"gratidăo" e que digo sentir por Alcoólicos Anónimos, na importância e sentido da 'consciência <strong>de</strong>


<strong>grupo</strong>' que o escolheu e na minha responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acatar e agir com boa vonta<strong>de</strong> segundo a<br />

sua <strong>de</strong>cisăo.<br />

Para mim, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vir a "crescer" só se tornou real quando <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> beber. Tal<br />

significou abrir a porta; mas apenas isso. O caminho que percorri (já em AA) e durante um <strong>bom</strong><br />

tempo, năo me proporcionou crescimento, apenas sofrimento que julgava sem sentido. Fui<br />

massacrado com emoçőes e sentimentos <strong>de</strong>scontrolados, era apenas guiado pelos instintos, já<br />

que a razăo tropeçava, a cada passo, nas suas própria falhas e sofria horrores pois năo sabia lidar<br />

com o que sentia. Decididamente, năo era este o caminho para dois objectivos essenciais: um, o<br />

suficiente bem-estar interior <strong>de</strong> que me falavam face às "provas" da vida, outro, aquele que me<br />

po<strong>de</strong>ria manter afastado <strong>de</strong> voltar a beber.<br />

A <strong>uma</strong> dada altura foi-me dado ver claramente e tive que corrigir a rota, também por duas razőes<br />

fundamentais: a primeira, queria sentir-me bem, precisava <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a capitalizar a dor<br />

(inevitável), a segunda, porque mais dia menos dia voltaria a beber e isso apavorava-me, pois<br />

tinha a certeza que <strong>de</strong>pressa morreria "às măos" do álcool.<br />

A liçăo que aprendi com dificulda<strong>de</strong> e da maneira mais dolorosa, ficou sabida: parar <strong>de</strong> beber era<br />

apenas o ponto <strong>de</strong> partida. O caminho chamava-se "o da mudança" e para o percorrer com um<br />

mínimo <strong>de</strong> sucesso, tinha que praticar na minha vida os Doze Passos do programa <strong>de</strong> AA, se<br />

queria <strong>de</strong> facto viver!<br />

Com o <strong>de</strong>correr do tempo senti melhorias significativas mas, <strong>de</strong> quando em quando, sobretudo<br />

nas relaçőes com os outros, vivia retrocessos ŕs antigas atitu<strong>de</strong>s que me <strong>de</strong>ixavam estupefacto e<br />

em <strong>de</strong>sespero. Afinal, que se passava comigo? Certo dia, um companheiro mais antigo, ainda hoje<br />

gran<strong>de</strong> amigo, sugeriu-me que me envolvesse com os outros membros no Serviço do <strong>grupo</strong>, só<br />

para experimentar, dizia ele.<br />

Já tinham tentado envolver-me mas, fazer o café, expor a literatura na mesa ou limpar os<br />

cinzeiros, eram tarefas que achava incompatíveis com o “estatuto” que eu próprio me atribuía.<br />

Ainda assim, a medo, lá me fui envolvendo e, maravilha das maravilhas! AA tinha <strong>uma</strong> coisa<br />

chamada "12 Tradiçőes" que, além <strong>de</strong> me ensinar a conviver, testava eficazmente o meu nível <strong>de</strong><br />

absorçăo dos Doze Passos. Para mim, este era o caminho: tentar viver segundo o sugerido nos<br />

Doze Passos e servir a comunida<strong>de</strong> em tudo que pu<strong>de</strong>sse.<br />

É um caminho fácil? Para mim nunca o foi e fico sempre com um monte <strong>de</strong> interrogaçőes na<br />

minha cabeça quando ouço companheiros dizerem que, para eles, năo é difícil. Acabo por<br />

lembrar-me e reconhecer que o difícil, sou eu. É um facto: cheguei mesmo muito doente a<br />

Alcoólicos Anónimos.<br />

Percorrer este caminho nunca me foi fácil mas, foi bem pior durante a primeira meia dúzia <strong>de</strong> anos<br />

da minha nova vida sem álcool. Porquę? Porque sempre me angustiou imenso ser frontal e<br />

honesto, sempre perdi o sono ao reconhecer os meus erros, sempre me faltou o ar quando tinha<br />

que pedir <strong>de</strong>sculpa a alguém, sempre me doeu (tanto!) abdicar em favor dos outros - era como se<br />

arrancasse um pedaço <strong>de</strong> mim mesmo.<br />

Como po<strong>de</strong>ria chamar a isto um caminho fácil? Lembrava-me, a cada dia (e lembro ainda), <strong>de</strong><br />

<strong>uma</strong> máxima <strong>de</strong> AA que ouvira n<strong>uma</strong> reuniăo: "Os Passos para viver, as Tradiçőes para conviver";<br />

estas palavras animavam-me para continuar pois almejava viver e conviver bem melhor que no<br />

passado. E bastava olhar para este, feito <strong>de</strong> pedaços a boiarem num mar <strong>de</strong> álcool, para năo me<br />

acomodar, para ganhar novo alento e esforçar-me mais um pouco. Cheguei até aqui com esforço,<br />

por vezes até, com muito esforço. Consegui mudar-me em várias coisas para melhor, o suficiente<br />

para năo viver angustiado. Assim, posso dizer que alg<strong>uma</strong> coisa "cresci" neste novo caminho.<br />

Finalmente, o "amor". Acerca <strong>de</strong>sta palavra, do seu significado e das diversas variantes do


sentimento, também foi necessário quedar-me muita vez a meditar. Meditar sobre os meus<br />

sentimentos e (como o sábio), olhar para <strong>uma</strong> pedra o tempo necessário para ela mudar. A pedra,<br />

obviamente, năo mudou; mas mudou a minha maneira <strong>de</strong> sentir. Liberto da atrofia da "posse" e do<br />

egoísmo que sempre carreguei com aquilo a que chamava "amor", consegui chegar a um<br />

entendimento que me tranquiliza. "O modo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> AA" levou-me a amar o próximo com <strong>uma</strong><br />

generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que me julgava incapaz, a amar o "sentido do bem", o que é justo e correcto (e<br />

<strong>de</strong>vido a cada ser h<strong>uma</strong>no) <strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma que sinto tăo genuína, como se fora <strong>uma</strong> revelaçăo.<br />

Sinto que posso amar sem condiçőes, livremente, toda a gente ou alguém em particular, porque<br />

este sentimento que me aquece hoje a alma năo requer exposiçăo, nem exige retribuiçăo. Tal<br />

como na Oraçăo <strong>de</strong> que gosto muito, já vou acreditando que "vale mais amar que ser amado". E,<br />

neste domínio, a dor também lá estava (e está), inevitavelmente, como mais um paradoxo da<br />

recuperaçăo <strong>de</strong> um alcoólico como eu. Isto porque o caminho năo é fácil, é longo e os meus<br />

passos tăo pequenos.<br />

Ainda an<strong>de</strong>i tăo pouco...<br />

Agostinho N - Área 9<br />

História <strong>de</strong> vida - Uma perspectiva <strong>de</strong> fé<br />

Uma perspectiva <strong>de</strong> fé<br />

Sou o quinto filho <strong>de</strong> nove irmăos e tenho quarenta e sete anos. Sou do norte do País, mais<br />

concretamente do Minho, d<strong>uma</strong> pequena al<strong>de</strong>ia do interior. Vim para Lisboa com cinco anos.<br />

Frequentei a escola primária até à quarta classe e fui fazer treze anos no meu primeiro emprego,<br />

n<strong>uma</strong> drogaria e papelaria. Ganhava 12$50 (0.06€) por dia, com almoço. Um dia, perdi um chapéu<br />

<strong>de</strong> chuva que a minha măe me tinha dado e pensei em ir juntando dinheiro para comprar um novo.<br />

Entăo, furtei 2$50 da caixa. Fui <strong>de</strong>scoberto e <strong>de</strong>spedido ao fim <strong>de</strong> tręs meses. Arranjei outro<br />

emprego no mesmo ramo, on<strong>de</strong> estive oito meses. Fui trabalhar e fazer os catorze anos n<strong>uma</strong><br />

oficina, em Lisboa, on<strong>de</strong> aprendi o ofício <strong>de</strong> electricista. Aí, tive o primeiro contacto com as<br />

bebidas alcoólicas, visto ser eu quem ia à taberna buscar a bebida para os meus colegas. Como<br />

alguns queriam o vinho com mistura <strong>de</strong> gasosa e laranjada, comecei a provar e a gostar do sabor.<br />

Passado algum tempo, já trazia para mim <strong>uma</strong> garrafa <strong>de</strong> cerveja ("<strong>bom</strong>ba"). Entretanto, com o 25<br />

<strong>de</strong> Abril, começo a ter contacto com as primeiras passas, nunca abandonando o álcool. Comecei a<br />

acompanhar só com pessoal que fazia o mesmo. Ainda năo tinha <strong>de</strong>zoito anos e já tinha<br />

experimentado <strong>uma</strong> variada gama <strong>de</strong> substâncias e <strong>uma</strong> boa dose <strong>de</strong> álcool.<br />

Entretanto, a firma faliu e fui para as obras, dar serventia a pedreiros. Depois, fui para a Câmara<br />

como asfaltador. Só se bebia vinho e cerveja e eu, para năo ficar atrás, fazia o mesmo e mais as<br />

outras coisas, para ser diferente. Aos vinte e dois anos, com a cabeça bem cheia porque tinha<br />

recebido o salário, furtei <strong>de</strong> um carro dois faróis <strong>de</strong> longo alcance. Fui apanhado na primeira<br />

esquina. Mesmo nunca tendo tido nada com a Justiça, fui julgado e con<strong>de</strong>nado a quatro meses e<br />

meio <strong>de</strong> prisăo. Cumpri apenas noventa dias porque o Papa visitou Portugal nesse ano e<br />

amnistiaram os <strong>de</strong>litos menores. Enquanto estive <strong>de</strong>tido, trabalhei na prisăo. Saí com 500$00, que<br />

<strong>de</strong>ram para chegar a casa já bebido. Entretanto tinham-me levantado um processo disciplinar que<br />

me valeu o <strong>de</strong>spedimento da Câmara e fui novamente para as obras. Era sempre o mesmo!<br />

Ambiçőes? Nunca tive. Fiquei livre do Serviço Militar e nunca me senti verda<strong>de</strong>iramente<br />

responsável por alg<strong>uma</strong> coisa. Crescer, era <strong>uma</strong> coisa que me recusava fazer.<br />

Um dia, o meu pai falou-me em ir para a fábrica on<strong>de</strong> trabalhava. Embora preferisse um trabalho<br />

<strong>de</strong> rua, lá aceitei. Foi on<strong>de</strong> tive contacto com os operários bebedores, dos quais o meu pai<br />

também fazia parte. Entrei por turnos e, <strong>de</strong> manhă, ia todos os dias comer <strong>uma</strong> bucha com o meu<br />

pai. Começou por me dar meio copo <strong>de</strong> vinho e comecei a gostar muito daquela hora. Por fim, já


năo me contentava com menos <strong>de</strong> dois ou três, só ali. Como conhecia quem tinha vinho para<br />

ven<strong>de</strong>r, comecei a relacionar-me mais estreitamente com esses colegas. Entăo, comecei a levar<br />

para a fábrica as minhas garrafas <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte que ficava a <strong>de</strong>ver cá fora. Fazia isto só para me<br />

sentir igual ŕqueles que eu pensava serem os verda<strong>de</strong>iros homens. Assim an<strong>de</strong>i, a cometer<br />

gran<strong>de</strong>s insanida<strong>de</strong>s durante alguns anos, nunca me apercebendo da tristeza que causava à<br />

minha família. De facto, já estava convencido <strong>de</strong> que a minha vida seria sempre <strong>de</strong>ssa maneira.<br />

Embora as raparigas dissessem que eu até nem era feio, nunca fui capaz <strong>de</strong> ter gran<strong>de</strong> à -<br />

vonta<strong>de</strong> nesse campo, visto que sou um pouco gago. Por esta e muitas outras razőes, sentia<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> beber, para me sentir mais solto. Tinha vinte e nove anos quando conheci a<br />

mulher que tenho hoje. Como ela tinha casa própria e gostávamos um do outro, "juntámos os<br />

trapos". Negociei a minha rescisăo <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> trabalho, recebi <strong>uma</strong> pequena in<strong>de</strong>mnizaçăo e<br />

arranjei novamente trabalho na Câmara. Comecei, entăo, <strong>uma</strong> outra fase da minha vida. Comecei<br />

a consumir outras coisas e, mesmo vendo os meus principais amigos <strong>de</strong> infância a morrer,<br />

continuei. Năo havia dinheiro que chegasse.<br />

Aos trinta e três anos, resolvemos ser pais. Tenho <strong>uma</strong> filha, agora com quinze anos.<br />

De 1998 até 2004, altura em que conheci Alcoólicos Anónimos, passei a consumir só álcool e<br />

charros.<br />

Fiz <strong>de</strong> mim <strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> homem vazio <strong>de</strong> qualquer traço <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>.<br />

Pedia dinheiro a todos, só para beber. Sempre trabalhei, mas o dinheiro dava para cada vez<br />

menos. Quando saía do trabalho, já năo ia para casa.<br />

Nunca tirei a carta <strong>de</strong> conduçăo, andava <strong>de</strong> mota, fui apanhado duas vezes, fui a tribunal. e jurava<br />

à minha măe, à minha companheira e ŕ filha, que ia tomar juízo. Mas voltava sempre ao mesmo.<br />

Deixei roubar duas motas e comecei a andar <strong>de</strong> bicicleta. Destas, roubaram-me três, ao todo. Fiz<br />

muitas vezes a pé o trajecto para o trabalho, porque a minha mulher já năo queria saber <strong>de</strong> nada.<br />

E eu sempre convencido <strong>de</strong> que năo andava a fazer nada <strong>de</strong> mal! "Apenas uns copinhos a mais"...<br />

Justificava-me dizendo que saía ao meu pai...<br />

O ambiente em casa, já năo tinha por on<strong>de</strong> se pegar. Nem presente estive, quando a minha filha<br />

fez <strong>de</strong>z anos. Depois <strong>de</strong> várias ameaças, a minha companheira disse-me: "Ou te tratas, ou aqui<br />

em casa năo vives mais!". Como eu dormia no sofá havia bastante tempo, pensei que entre estar<br />

ali ou na casa da minha măe tanto fazia e resolvi sair. Só me preocupei em levar o cartăo<br />

Multibanco. Entăo, livre, começou a <strong>de</strong>scida à escuridăo do meu Fundo do Poço.<br />

Fui com a minha măe, o meu irmăo e a minha cunhada, passar <strong>uma</strong> semana <strong>de</strong> férias à minha<br />

terra. Foi nessa semana que cometi mais insanida<strong>de</strong>s. Levantava-me <strong>de</strong> manhă, comia qualquer<br />

coisa e bebia logo vinho. Depois, ia para o café e começava a beber vinho do Porto branco, que<br />

nunca tinha bebido. Nunca an<strong>de</strong>i com a família. Combinávamos qualquer passeio, mas esqueciame<br />

ou aparecia já bebido. Vendo tudo isto, a minha cunhada agarrou-se a mim a chorar, dizendo<br />

que gostava muito <strong>de</strong> mim mas eu năo lhes estava a dar <strong>de</strong>scanso nenhum. Olhei para a minha<br />

măe e para o meu irmăo, estavam os dois com lágrimas nos olhos. Na viagem <strong>de</strong> regresso, só<br />

pensava em parar para po<strong>de</strong>r beber. Já em casa, a minha măe falou-me nos Alcoólicos Anónimos,<br />

que eu julgava uns bêbedos que bebiam sem quererem ser conhecidos.<br />

Um dia, a minha irmă disse-me: "Gusto! Năo tens o direito <strong>de</strong>, sozinho, andares a fazer sofrer a<br />

măe, mais do que todos nós juntos. A măe năo é só tua e năo gosto <strong>de</strong> a ver assim". Isso tocoume<br />

bem cá no fundo! E assim foi: por eles, preferi mudar. (Hoje faço-o por mim, visto que o<br />

problema sou eu). Como minha măe me tinha falado <strong>de</strong> AA, pensei em ir lá um dia, para lhe fazer<br />

a vonta<strong>de</strong>. Num sábado <strong>de</strong> manhă, notei que tremia mais do que era costume. Bebi duas cervejas<br />

e fiquei melhor. Entăo, pensei - "Amanhă vou a Alcoólicos Anónimos". Foi no dia 18 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong><br />

2004. Fiz a minha primeira reuniăo e, se tinha dúvidas, as maiores ficaram esclarecidas. Como<br />

<strong>bom</strong> alcoólico, bebi todo o resto do dia. Acor<strong>de</strong>i <strong>de</strong> madrugada, no quarto on<strong>de</strong> fui criado com os


meus irmăos. Agora estava ali, sozinho. Sentia-me um estranho <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim mesmo, por estar<br />

num sítio que era suposto já năo ser para mim. Veio-me à i<strong>de</strong>ia a reuniăo. Lembrei-me <strong>de</strong> me<br />

terem dito que era a pessoa mais importante que naquele dia ali estava, que o alcoolismo é <strong>uma</strong><br />

doença que năo tem cura, mas po<strong>de</strong> ser parada. Bastava năo beber o primeiro copo, seguir um<br />

Programa <strong>de</strong> Doze Passos e fazer reuniőes. Entăo pensei: hoje năo vou beber, amanhă logo se<br />

vę! No meu primeiro dia <strong>de</strong> abstinência, ofereceram-me cinco litros <strong>de</strong> vinho. Dei-os. Na reuniăo<br />

seguinte, partilhei tudo o que se tinha passado. Comecei a interessar-me pela nossa literatura, a<br />

sentir a força que exercia sobre mim. Des<strong>de</strong> entăo, tenho lido tudo o que está publicado em<br />

Portugal. Ao fim <strong>de</strong> onze meses <strong>de</strong> assiduida<strong>de</strong> no meu <strong>grupo</strong>, <strong>de</strong> ter passado pelos serviços <strong>de</strong><br />

café e <strong>de</strong> literatura, comecei também a mo<strong>de</strong>rar reuniőes. Hoje estou consciente <strong>de</strong> que o serviço<br />

em AA, é o caminho que me leva a compreen<strong>de</strong>r, cada vez mais, a minha condiçăo <strong>de</strong> alcoólico.<br />

Só trabalhando a minha humilda<strong>de</strong>, estando disponível para o alcoólico que ainda sofre, é que<br />

consigo dar sentido à minha nova vida que começou, precisamente, quando admiti que năo<br />

conseguia lutar mais comigo próprio.<br />

Antes, quando me levantava e fazia a barba, só via mazelas no meu rosto e năo sabia quem, nem<br />

on<strong>de</strong> as tinha feito. Hoje, faço a barba com um sorriso nos lábios por saber o que ontem fiz. Por<br />

isso, sinto-me todos os dias grato por ter encontrado um Po<strong>de</strong>r Superior a mim, que me <strong>de</strong>u <strong>uma</strong><br />

perspectiva <strong>de</strong> fé. Hoje, acredito que Deus fará por mim aquilo que sozinho nunca fui capaz.<br />

Comigo, as promessas que vęm escritas no nosso Livro Azul estăo-se a cumprir. Hoje, faço<br />

serviço em Instituiçőes e já aju<strong>de</strong>i a abrir um novo <strong>grupo</strong>. Pela primeira vez, sinto que faço parte<br />

<strong>de</strong> <strong>uma</strong> comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> homens e mulheres do mundo inteiro, todos tripulantes <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong><br />

Barco da Vida sabendo que, só com Unida<strong>de</strong> e Serviço conseguimos, um dia <strong>de</strong> cada vez, estar<br />

sóbrios, mantendo assim o rumo certo.<br />

Agora já sei aquilo que năo quero, porque encontrei AA. O recém-chegado, faz-me lembrar<br />

sempre o meu primeiro dia e a confusăo que trazia comigo. Por isso, tento sempre ser o mais<br />

caloroso possível com os mais novos, porque foi <strong>de</strong> Amor que todos andámos à procura <strong>uma</strong> vida<br />

inteira. É nos <strong>grupo</strong>s que ele <strong>existe</strong>, basta ter boa vonta<strong>de</strong> e fé.<br />

Augusto M. - Área7<br />

Experiências pessoais - Tenho <strong>de</strong> fazer a minha parte<br />

Tenho <strong>de</strong> fazer a minha parte<br />

Por vezes dou por mim a reflectir sobre quem era há 9792 horas atrás e em quem me tornei,<br />

graças a Alcoólicos Anónimos, ao amor incondicional que se vive <strong>de</strong>ntro dos <strong>grupo</strong>s, aos Doze<br />

Passos, ŕs Doze Tradiçőes, à literatura, a todo este programa.<br />

Ainda enquanto bebia, nos meus últimos dias negros já năo conseguia manter a cabeça erguida<br />

como consequęncia <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>itado tudo a per<strong>de</strong>r. Um dia à tar<strong>de</strong>, graças à minha mulher que me<br />

entregou um cartăo, vi que po<strong>de</strong>ria tentar pedir ajuda. No início, para ser sincero, queria apren<strong>de</strong>r<br />

a beber como as pessoas ditas normais, mas <strong>de</strong>pois, os companheiros que me fizeram o Décimo<br />

Segundo Passo, que estimo, explicaram-me que năo podia tocar no álcool se realmente quisesse<br />

parar <strong>de</strong> beber. Senti que estava no sítio certo, bastava ter boa vonta<strong>de</strong>, mente aberta e ir às<br />

reuniőes. Assim foi. Naquela tar<strong>de</strong> fui para casa, pensei em mim, na minha família, e assim que<br />

acabei <strong>de</strong> jantar, fui à primeira reuniăo. Com o passar do tempo, fui frequentando outros <strong>grupo</strong>s<br />

com outros companheiros por quem tenho todo o respeito e admiraçăo. Vejo, actualmente, que<br />

apesar <strong>de</strong> ter sido fácil entrar na comunida<strong>de</strong>, pois lá senti algo <strong>de</strong> <strong>bom</strong> para a minha recuperaçăo,<br />

foi muito difícil manter-me sem beber. Hoje, como só <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim, e porque tenho <strong>uma</strong> "Força<br />

Superior" atenta aos meus passos, tenho <strong>de</strong> fazer a minha parte.<br />

É com alegria que digo que faço parte <strong>de</strong> <strong>uma</strong> comunida<strong>de</strong> maravilhosa em que todos juntos


po<strong>de</strong>mos estar, um dia <strong>de</strong> cada vez, sem beber álcool, pensando apenas num presente e futuro<br />

melhores. Como é <strong>bom</strong> viver em sobrieda<strong>de</strong>! Todos os dias pratico a minha humilda<strong>de</strong> sincera,<br />

dou a măo ao próximo sem esperar nada em troca e todos estes sentimentos tornam-me cada vez<br />

mais feliz.<br />

Quero fazer com que as pessoas que me ro<strong>de</strong>iam, sejam felizes também. Vou-me lembrar <strong>de</strong>les<br />

todos os dias, com muito amor, por me proporcionarem a minha recuperaçăo. É muito gratificante.<br />

José Henriques - Área 9<br />

Experiências pessoais - Alegria <strong>de</strong> viver em sobrieda<strong>de</strong><br />

Alegria <strong>de</strong> viver em sobrieda<strong>de</strong><br />

Durante anos vivi <strong>uma</strong> vida cheia <strong>de</strong> "sonhos", pensando que a vida era viver e <strong>de</strong>ixar viver.<br />

Exercia <strong>uma</strong> profissăo bonita, ajudava a preservar o futuro; era, enfim, um ser h<strong>uma</strong>no que<br />

procurava ajudar os outros a serem felizes. No meu dia a dia, vivia eufórico e sempre alegre,<br />

bebendo o meu copo aqui e ali, estando muitas vezes alcoolizado, mas sem aceitar o meu<br />

alcoolismo como factor <strong>de</strong>sse meu bem-estar com a h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> - vivia na lua.<br />

Entretanto pensei em constituir família, prometendo sempre a mim mesmo e a quem me ro<strong>de</strong>ava,<br />

que iria mudar. Veio o casamento e, com o nascimento da minha filha, tudo se complicou ainda<br />

mais. A minha mulher, que antes já me indicara Alcoólicos Anónimos, resolveu <strong>de</strong>ixar-me <strong>de</strong>vido a<br />

<strong>uma</strong> insanida<strong>de</strong> por mim feita.<br />

Foi o meu cair no fundo do poço, foi o <strong>de</strong>scalabro total, foi o INFERNO. Tudo na minha vida se<br />

tornou num caos, a alegria <strong>de</strong> viver <strong>de</strong>sapareceu. Eram dívidas atrás <strong>de</strong> dívidas, era o fugir da<br />

realida<strong>de</strong>. No meu emprego tudo se afundava, já năo tinha o crédito <strong>de</strong> ninguém e o resto da<br />

minha família tinha <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> acreditar em mim. Enfim, estava sem saída. Tinha medo <strong>de</strong> entrar<br />

em casa e procurava que os vizinhos năo notassem a minha permanência na minha própria<br />

habitaçăo. Tudo era medonho para mim e eu năo sabia (nem conhecia nada) da doença <strong>de</strong> que<br />

pa<strong>de</strong>cia.<br />

Pela terceira vez hoje, entrei n<strong>uma</strong> reuniăo <strong>de</strong> AA - estou em recuperaçăo. Já tenho <strong>uma</strong> outra<br />

alegria <strong>de</strong> viver e tento no dia a dia e só por "vinte e quatro horas", muitas vezes dificilmente, viver<br />

sem pensar no álcool. Tento recuperar o tempo perdido naquela vida que me estava a levar para<br />

um buraco e hoje, empregando a "Oraçăo da Serenida<strong>de</strong>" várias vezes durante o dia, consigo<br />

evitar ou contornar situaçőes anteriormente complicadíssimas para mim.<br />

Hoje, vivo alg<strong>uma</strong> felicida<strong>de</strong>, utilizando para tal as "ferramentas" que o programa <strong>de</strong> Alcoólicos<br />

Anónimos me dá e frequentando assiduamente as reuniőes.<br />

Hoje e só por hoje, o meu obrigado ao AA por me ajudar a viver com alegria em sobrieda<strong>de</strong>.<br />

Marco - Área 9<br />

Experiências pessoais - Gratidăo em acçăo<br />

Gratidão em acçăo<br />

Recebi a revista Partilhar do 1º Trimestre <strong>de</strong> 2007, e "<strong>de</strong>vorei-a". Para mim a capa está<br />

esplêndida e o conteúdo um conforto.


Quero partilhar com os companheiros que a revista ajudou-me muito durante um período em que<br />

estive internado num hospital, com graves problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Um companheiro que me foi<br />

visitar levou-ma e eu nunca vou esquecer isso. Lê-la ajudou-me a ter mais fé e força, e a acreditar<br />

em dias melhores, que mais tar<strong>de</strong> vieram, graças a um Deus como eu O concebo.<br />

Também queria <strong>de</strong>ixar <strong>uma</strong> mensagem <strong>de</strong> esperança aos companheiros do <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> Benguela,<br />

em Angola. Nasci perto <strong>de</strong>sse país e guardo gratas recordaçőes da minha infância e <strong>de</strong>ssas<br />

terras. Comovi-me com a imagem da sua sala e <strong>de</strong>sejo-lhes, do coraçăo, muitas vinte e quatro<br />

horas <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>. Também, por esta notícia tăo boa, dou os meus parabéns muito especiais à<br />

nossa revista e pelo seu aniversário, pois nascemos no mesmo ano: eu, para <strong>uma</strong> nova vida em<br />

AA e a revista (4331, como se chamava entăo), para levar a mensagem. Obrigado aos<br />

companheiros que a têm mantido viva.<br />

Zé Carlos - Área 9<br />

Experiências pessoais - Em recuperaçăo, o amor é incondicional<br />

Em recuperaçăo, o amor é incondicional<br />

Amar é estar disponível para chegar àquele que sofre, é viver e <strong>de</strong>ixar viver e ser humil<strong>de</strong>; é<br />

aceitar os outros como săo, é năo ter inveja e <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ver o mundo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> maneira egocêntrica.<br />

Em s<strong>uma</strong>, é ser <strong>uma</strong> pessoa năo geradora <strong>de</strong> conflitos mas sim apaziguadora e cordial, é praticar<br />

as sugestőes com os outros como gostaria que as praticassem comigo. Tem a ver com o<br />

esquecimento <strong>de</strong> mim mesmo, como sugere a Oraçăo <strong>de</strong> S. Francisco.<br />

É também a forma <strong>de</strong> continuar a crescer interiormente neste programa <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos e<br />

suportando a dor quando alguém me magoa, consciente ou inconscientemente, pois năo <strong>existe</strong><br />

crescimento sem dor. Assim, tenho a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar e perdoar alguém, năo me<br />

esquecendo que o perdăo, năo é tanto para os que me magoam, mas para mim; porque <strong>de</strong>ixando<br />

<strong>de</strong> pensar no assunto, fico em paz para manter as energias <strong>de</strong> que necessito para viver bem<br />

comigo mesmo, com Deus e com os meus companheiros <strong>de</strong> AA. Porque tudo o que acontece em<br />

AA só po<strong>de</strong> ser o melhor para mim, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do meu pensamento ser, por vezes<br />

contrário.<br />

Mas já năo ligo a alguns dos meus pensamentos e, já os i<strong>de</strong>ntifico, como <strong>de</strong>struidores do meu<br />

processo <strong>de</strong> crescimento. Coloco em prática a fórmula mágica - acçăo e atitu<strong>de</strong> construtiva.<br />

Assim, estarei sempre pronto e disposto a dar amor incondicional por respeito aos que fizeram <strong>de</strong><br />

mim um homem melhor e mais sereno.<br />

Luís F. - Área 9<br />

Mudança<br />

Experiências pessoais - Mudança<br />

Há pouco tempo, no meu <strong>grupo</strong> base falou-se do tema "Sucesso" do livro "Na Opiniăo <strong>de</strong> Bill",<br />

tema que actualmente eu associo ŕ conquista e ao elogio. Săo temas com os quais eu năo sei lidar<br />

muito bem, com os quais eu năo estou habituado a lidar, e com os quais também tenho muito<br />

cuidado em querer saber lidar. Pois <strong>de</strong>les advém a minha vaida<strong>de</strong>, o "inchar" do meu ego! É aqui<br />

que tenho que estar alerta, saber o limite entre a vaida<strong>de</strong> saudável e a vaida<strong>de</strong> doentia, aquela<br />

que atrás <strong>de</strong> si traz a arrogância e que, se me subir ŕ cabeça, me vai causar danos. Mas a vaida<strong>de</strong><br />

saudável é <strong>uma</strong> área que eu tenho <strong>de</strong> modificar e aceitar que também tenho virtu<strong>de</strong>s, capacida<strong>de</strong>s<br />

e valores <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim que eu <strong>de</strong>sconhecia, os quais tenho agora posto em prática, graças ao


programa <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, ao meu Po<strong>de</strong>r Superior e a mim, que muita acçăo tenho metido<br />

em todo este processo da minha recuperaçăo.<br />

Mas tem-me sido difícil lidar com a minha parte boa, tenho sérias dificulda<strong>de</strong>s em manifestar e<br />

<strong>de</strong>monstrar o meu amor, em dizer ŕs pessoas que gosto <strong>de</strong>las. É-me mais fácil transmitir a minha<br />

parte má. Ter noçăo disso e querer mudar, para mim já é muito <strong>bom</strong>, aliás, é um privilégio po<strong>de</strong>r<br />

contrariar-me. Também isto graças ao programa <strong>de</strong> AA, que eu faço por praticar em todas as<br />

áreas da minha vida. Todo este meu processo <strong>de</strong> recuperaçăo tem mexido muito com o meu<br />

interior, alg<strong>uma</strong>s vezes com muita dor, pois mudar comportamentos e atitu<strong>de</strong>s, enfim, maneiras <strong>de</strong><br />

estar, <strong>de</strong> agir e <strong>de</strong> falar, ao longo <strong>de</strong>ste meu tempo <strong>de</strong> vida, causa-me incómodo; mexer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

mim năo tem sido nada fácil, pelo contrário.<br />

Mas basta querer, o falar <strong>de</strong> mim e dos meus "podres" perante os meus companheiros causa-me<br />

transtorno e por vezes até penso que podia năo partilhar "estas coisas". Mas, no entanto, passado<br />

algum tempo a dor passa, analiso, e no fundo aquilo sou eu! Abrir o livro da minha vida é<br />

fundamental para a minha mudança, năo vale a pena andar a varrer para <strong>de</strong>baixo do tapete.<br />

Quando há qualquer "coisinha" que mexe <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim e eu năo ando bem, que se reflecte no<br />

meu dia a dia (e até sei o que é!), dá-me mais jeito falar dos sintomas do que falar da nascente<br />

<strong>de</strong>ssa "coisinha". Tenho que meter acçăo e ir à fonte do problema, muitas vezes coisas simples,<br />

como o pedir <strong>de</strong>sculpa, o dar a razăo ao outro, o aceitar a maneira <strong>de</strong> ver do outro, coisas simples<br />

que eu complico e muitas vezes me <strong>de</strong>ixam ressentido. Mas, a verda<strong>de</strong>, é que todo este trabalho<br />

tem-me trazido paz para comigo mesmo. Sinto-me aliviado, sinto-me mais tranquilo, mais<br />

confiante, mais em paz com os outros e até durmo muito melhor.<br />

O certo é que graças a AA, através da ida a reuniőes, das partilhas e do serviço, eu já consigo<br />

exprimir os meus sentimentos, ainda que com alg<strong>uma</strong> dificulda<strong>de</strong>. Já năo tenho aquele sufoco ao<br />

falar com as pessoas, já năo preciso <strong>de</strong> beber para năo ser tímido (o bicho que eu era, que<br />

agredia as pessoas verbalmente, psicologicamente e fisicamente!...). Hoje, sei que năo passava<br />

<strong>de</strong> inveja, <strong>de</strong> frustraçőes e complexos <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong>. Hoje, já me vou aceitando como sou, tento<br />

năo criticar o outro, o que o outro năo faz ou que <strong>de</strong>via fazer. Cada vez mais, tento fazer menos<br />

inventários dos outros (outro meu gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>feito) e fazer o meu, estar atento às minhas<br />

limitaçőes, separar o momento até on<strong>de</strong> posso ir e largar, fazer a minha parte e entregar a Deus<br />

como eu O concebo. É fundamental sentir-me bem com aquilo que faço e năo o fazer em prol do<br />

agrado ou aprovaçăo dos outros, fazer as coisas com amor a troco <strong>de</strong> nada.<br />

Em todas estas mudanças aconteceram-me muitas coisas boas. Hoje faz-me todo o sentido que<br />

as coisas năo acontecem por acaso, e <strong>de</strong> que năo há coincidências.<br />

Às vezes, penso que já estou bem. Mas todo este processo năo acaba, sei que tenho que estar<br />

sempre alerta, diariamente. Porque quando me esqueço, principalmente quando me afasto das<br />

reuniőes, mesmo que por <strong>uma</strong> semana, noto logo o reactivar da falta <strong>de</strong> tolerância, <strong>de</strong> paciência...<br />

Serafim - Área 9<br />

Experiências pessoais - Primeiros passos<br />

Primeiros passos<br />

Alcoólicos Anónimos salvou-me a vida. Se a minha mulher năo tivesse telefonado para AA a pedir<br />

ajuda, provavelmente já năo estaria vivo, pois o meu alcoolismo foi muito duro. Quando a conheci<br />

ainda năo bebia. Comecei a beber muito tar<strong>de</strong>. Quando fui para a tropa bebia pouco mas, o meu<br />

consumo foi-se agravando ao ponto <strong>de</strong> a minha vida se tornar ingovernável - bebia logo <strong>de</strong> manhă<br />

e năo comia nada.<br />

Sofri muito e fiz sofrer a minha mulher. Nunca lhe bati mas, as palavras que lhe dizia, ofendiam-na<br />

ainda mais. Nunca esperei que com o álcool me viesse tornar na pessoa que eu era. Ela dizia-me


muitas vezes que me estava a tornar num alcoólico, mas eu respondia-lhe que um alcoólico era<br />

aquele que dormia na rua, <strong>de</strong>baixo das pontes e eu năo era nada disso.<br />

Fiz sofrer os meus patrőes e estive em risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o emprego.<br />

Pensava que enganava a minha médica, dizendo que <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> beber mas, chegava à rua e lá<br />

estava eu, outra vez, a pensar no "veneno". Até que cheguei ao fundo do poço - Já năo tinha<br />

quase ninguém; estava tudo perdido.<br />

Quando há anos a minha mulher viu o número <strong>de</strong> telefone <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, guardou-o<br />

mas nunca me disse nada. Um dia telefonou a pedir ajuda e, graças a Deus, falei com um<br />

companheiro e fui a <strong>uma</strong> reuniăo.<br />

Disseram-me que era a pessoa mais importante nessa reuniăo e fiquei muito admirado. Disseramme<br />

para voltar e, quantas mais vezes fossem, tanto melhor para mim.<br />

Ando em Alcoólicos Anónimos já há algum tempo e sinto-me muito feliz.<br />

Graças a Deus, năo perdi a minha família. A minha mulher já năo tem medo nem vergonha <strong>de</strong> ir<br />

comigo a <strong>uma</strong> festa.<br />

Hoje tenho tudo.<br />

Tenho trabalho, amor, carinho, amiza<strong>de</strong> e muitos amigos que encontrei em AA.<br />

Alcoólicos Anónimos é um centro <strong>de</strong> paz e amor, para quem sofre <strong>de</strong> alcoolismo.<br />

Mário - Área 9<br />

Experiências pessoais - Acçăo, honestida<strong>de</strong> e compromisso<br />

Acção, honestida<strong>de</strong> e compromisso<br />

Disse o poeta-cantor: "Bebe-se o alento num copo sem fundo (!) afoga-se a mágoa num mar <strong>de</strong><br />

cerveja." Foi por isso que eu, durante vinte e dois anos, <strong>de</strong> modo ininterrupto, fui acumulando<br />

copos no balcăo, enquanto contribuía afincada e inexoravelmente para o meu <strong>de</strong>smoronamento<br />

enquanto ser h<strong>uma</strong>no e, simultaneamente, sem qualquer pudor, cego e surdo, estendia o<br />

sofrimento e o caos ŕàminha volta. Lágrimas amargas <strong>de</strong> um copo <strong>de</strong> três!<br />

Historicamente, trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> <strong>de</strong>sgraça sem princípio, mas a que tento, no meu caso e só por<br />

hoje, pôr um fim.<br />

No entanto, a verda<strong>de</strong> sombria é que combatia <strong>de</strong>sesperadamente a evidęncia <strong>de</strong> que a única<br />

comunida<strong>de</strong> a que pertencia, <strong>de</strong> facto, era a dos bêbedos irredimíveis das tabernas mais lúgubres<br />

e sujas, com as quais dissipava a solidão e a vida num jogo <strong>de</strong> moedinha, entre o riso alarve e o<br />

choro fácil. E que me recorda, hoje, o sábio Principezinho no planeta do bêbedo: este explica-lhe<br />

que bebe por vergonha. - Mas vergonha <strong>de</strong> quê? - "Vergonha <strong>de</strong> beber."<br />

Espiritualmente, do fundo da garrafa cujo líquido feito a malho eu gabava como "connaisseur"<br />

agradador, na expectativa <strong>de</strong> beber sempre um "último para o caminho" e pagar mais tar<strong>de</strong>,<br />

oscilava assim, entre a auto-pieda<strong>de</strong> culposa e envergonhada e o <strong>de</strong>lírio da gran<strong>de</strong>za. Quase năo<br />

conseguia virar as costas às tascas, a verda<strong>de</strong>ira vida era aí; e para qualquer lado levava<br />

generosas doses da minha poçăo mágica, sorrateiramente ou ensaiando o papel <strong>de</strong> excêntrico,


conforme as situaçőes ou o estado <strong>de</strong> espírito. Realmente cego! Guardando como um tesouro o<br />

passaporte do Inferno!<br />

Espalhei misérias - muitas irreparáveis - activamente e por omissăo, cujo ricochete em forma <strong>de</strong><br />

danos próprios, inventariava em voz alta nessas tascas surdas ou sussurrava aos ouvidos das<br />

mulheres, tomando o sedutor anti-herói pela <strong>de</strong>sprezível auto-comiseraçăo.<br />

Ouvi por vezes en<strong>de</strong>reçarem-me a expressăo: alcoólico. Sendo reconhecido, julgava tratar-se do<br />

nome elegante com que, afinal, me distinguia dos (outros) bêbedos, dos da valeta, on<strong>de</strong>, por sorte<br />

ou invisível ajuda, năo cheguei.<br />

Mas <strong>de</strong>morou anos <strong>de</strong> solidăo, <strong>de</strong>sespero e angústia suicidas até encontrar um <strong>grupo</strong> <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>iros iguais, on<strong>de</strong> aprendi a năo me sentir acima nem abaixo, gente empática,<br />

compreensiva e alegre, que proclamavam entre eles que năo queriam nem precisavam <strong>de</strong> beber!<br />

Pois sim! Via-se mesmo pelas carinhas e pela disposiçăo que sabiam lá o que era sofrer! Outros<br />

tinham chegado com truques e po<strong>de</strong>res sobrenaturais, ou coisa que o valha! E por estas e por<br />

outras (hoje i<strong>de</strong>ntifico a minha postura), durante ano e meio, das reuniőes <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos,<br />

aproveitei o café e as bolachas! An<strong>de</strong>i, como me disse um companheiro, "dividido, a procurar o<br />

melhor das reuniőes e o melhor das tascas". O <strong>de</strong>sespero e a amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste conjunto <strong>de</strong><br />

<strong>alcoólicos</strong> sóbrios, lá me levaram a optar. A minha abstinência ainda sofreu avanços e recuos, a<br />

sobrieda<strong>de</strong> percalços e, a vida, dissabores. Mas hoje redobro a boa-vonta<strong>de</strong> e a acçăo, a<br />

honestida<strong>de</strong> e o compromisso.<br />

Provavelmente, um Po<strong>de</strong>r Superior, cujos ínvios caminhos e sentido <strong>de</strong> humor ainda me escapam,<br />

ditou-me o caminho até ao limite da minha força obstinada e, como a tantos outros, permitiu a<br />

salvaçăo e nova vida, afastando <strong>de</strong> nós esse cálice.<br />

A minha maior gratidăo a Ele e a toda a enorme família do Bill e do Bob.<br />

Pedro - Área 7<br />

Experiências pessoais - Um infindável caminho a percorrer<br />

Um infindável caminho a percorrer<br />

Caros companheiros. É <strong>de</strong>sta forma que, com gran<strong>de</strong> satisfaçăo, partilho convosco esta fase da<br />

minha recuperaçăo em Alcoólicos Anónimos, esperando que sirva como exemplo para alguns <strong>de</strong><br />

vós.<br />

Tenho pouco tempo em recuperaçăo mas, o que tenho, permite-me i<strong>de</strong>ntificar com relativa<br />

facilida<strong>de</strong>, comportamentos por mim protagonizados e que năo săo, <strong>de</strong> forma alg<strong>uma</strong>, compatíveis<br />

com a recuperaçăo em AA. Muito honestamente, perante certas situaçőes que se me <strong>de</strong>param no<br />

dia-a-dia, nomeadamente no que à minha família diz respeito e principalmente no meu local <strong>de</strong><br />

trabalho, dou por mim a ter alg<strong>uma</strong> dificulda<strong>de</strong> em utilizar os conhecimentos que adquiri. Uns,<br />

durante o internamento <strong>de</strong> quatro semanas que efectuei num centro <strong>de</strong> tratamento mas, e<br />

principalmente, os outros que aprendi e aprendo nas reuniőes <strong>de</strong> AA, com a necessária ajuda <strong>de</strong><br />

todos os companheiros. De entre estes conhecimentos, <strong>de</strong>staco: saber empregar a Oraçăo da<br />

Serenida<strong>de</strong>, saber ouvir e respeitar (năo me consi<strong>de</strong>rando sempre dono da razão), no fundo, ser<br />

assertivo.<br />

Muito sinceramente, consi<strong>de</strong>ro que já estive melhor nestes aspectos fundamentais para a minha<br />

recuperaçăo mas, também năo quero que sirva <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa para isto, o que se passa, quase<br />

diariamente, no meu local <strong>de</strong> trabalho; pese embora o ter sido recentemente promovido, o que<br />

espoletou em mim, automaticamente, sentimentos <strong>de</strong> auto-estima que já havia esquecido há muito


tempo. Tudo isto leva-me a concluir (como se existissem dúvidas!) que tenho <strong>de</strong> abraçar o<br />

Programa <strong>de</strong> AA com muito mais convicçăo, sentindo que, por vezes, esqueço-me <strong>de</strong> on<strong>de</strong> venho.<br />

Conscientemente, sei que năo ganhei, năo ganho, nem nunca ganharei esta guerra. Apenas<br />

ganhei <strong>uma</strong> batalhazinha quando entrei em sobrieda<strong>de</strong>.<br />

Admito, e não me quero esquecer nunca, que tenho <strong>uma</strong> doença incurável, logo, tenho um<br />

infindável caminho a percorrer: porque quero continuar a sentir o amor, o carinho, a compreensăo,<br />

a confiança e o respeito que recuperei da minha família; porque quero continuar a ter o meu<br />

emprego, mantendo e, se possível, melhorando a atitu<strong>de</strong> que adoptei quando entrei em<br />

recuperaçăo; porque quero continuar a ter amigos verda<strong>de</strong>iros e a ser respeitado por todas as<br />

pessoas que conheço; ainda, e principalmente, porque năo quero voltar ao antigamente. Quero<br />

viver ainda muitos anos sóbrio e em recuperaçăo pois, tenho <strong>uma</strong> importantíssima e gratificante<br />

missăo a cumprir - com a necessária, preciosa e sábia ajuda <strong>de</strong> todos os companheiros.<br />

Rogério M. - Área 8<br />

Experiências pessoais - Eu?... Nunca!<br />

Eu?... Nunca!<br />

Estou, pela primeira vez, a escrever para a revista "Partilhar" sobre a minha experięncia com o<br />

álcool.<br />

Eu sempre pensei que năo era bebedora compulsiva. Quando me disseram que era alcoólica e<br />

que <strong>de</strong>veria ir a reuniőes <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, disse que năo. -"Eu?... Nunca!". Porém, estou a<br />

fazê-lo. Muitas vezes, o meu marido, filhos e restante família me chamaram a atençăo, mas năo<br />

<strong>de</strong>i ouvidos. Sob o efeito do álcool, comecei a ser agressiva, arrogante, <strong>de</strong>sconfiada. Até roubei os<br />

meus filhos e marido, imaginem. Falava mal com todos. Culpava todos os que me queriam bem.<br />

Além do mais, era muito orgulhosa. E "o orgulho é o causador principal da maior parte das<br />

dificulda<strong>de</strong>s h<strong>uma</strong>nas e a maior barreira ao verda<strong>de</strong>iro progresso".<br />

Agora, quero atingir a humilda<strong>de</strong>. Só que, "Apenas na medida em que for capaz <strong>de</strong> evitar, por um<br />

lado, o pântano da culpa e da rebeldia e, por outro, a terra maravilhosa mas enganadora que está<br />

pejada com as moedas <strong>de</strong> orgulho." E, para isso, preciso <strong>de</strong> fazer um inventário constante, que<br />

me indique o caminho certo quando me afasto <strong>de</strong>le.<br />

A minha principal dificulda<strong>de</strong> é aceitar as circunstâncias presentes tais como săo, eu como sou e<br />

as pessoas à minha volta como elas săo. Por isso, tenho <strong>de</strong> ir muitas vezes atrás no tempo, ao<br />

ponto <strong>de</strong> partida, o que se torna num exercício <strong>de</strong> aceitaçăo que tenho <strong>de</strong> praticar para o meu<br />

bem, todos os dias da minha vida. Hoje, embora com pouco tempo <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong> tenho paz,<br />

serenida<strong>de</strong>, esperança e boa vonta<strong>de</strong>. Estou grata porque "admiti que era impotente perante o<br />

álcool e que a minha vida se tinha tornado ingovernável".<br />

Margarida - República Democrática do Congo<br />

Experiências pessoais - A minha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver<br />

A minha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver<br />

Quero partilhar convosco a imensa alegria, a felicida<strong>de</strong> que eu sinto, ao escrever pela primeira vez<br />

<strong>uma</strong>s linhas para a nossa revista.<br />

Sou militar <strong>de</strong> carreira e até aos vinte cinco anos bebia como as pessoas ditas "normais". Estive


nos Açores, a fazer <strong>uma</strong> comissăo on<strong>de</strong> conheci a minha ex-mulher. Eu nessa altura bebia, e ela<br />

sabia que eu bebia. Depois casei, tive <strong>uma</strong> filha e, os seis anos em que estive casado, foram os<br />

anos mais felizes da minha vida; sempre tive o amor da minha mulher e da minha filha.<br />

Devido à minha profissăo tive que embarcar e essa vida levou-me a exagerar um pouco o<br />

consumo <strong>de</strong> álcool. Ao fim <strong>de</strong> ano e meio embarcado, as coisas começaram a complicar-se. Só<br />

via a minha mulher e a minha filha <strong>de</strong> vez em quando. O amor começou a <strong>de</strong>saparecer, por causa<br />

do álcool, e eu sem me aperceber <strong>de</strong>sse mal. Lembro-me da minha filha me dizer que eu estava a<br />

beber <strong>de</strong>mais. Por causa do álcool tive um divórcio muito doloroso. Deixei <strong>de</strong> acompanhar o<br />

crescimento da minha filha pelos seus seis anos e tenho essa mágoa comigo. Sinto-o como um<br />

castigo por aquilo que eu fiz. Entăo, ao năo saber o que fazer com a minha vida, comecei a beber<br />

ainda mais, ao ponto <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a consciência do que fazia.<br />

No meu serviço, as coisas também já năo iam muito boas e foi entăo que o meu chefe me pôs<br />

entre a espada e a pare<strong>de</strong> e me mandou para <strong>uma</strong> clínica para me <strong>de</strong>sintoxicar. Senti que era o<br />

melhor para mim e evitava mais problemas. Fui <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> para esse tratamento, um pouco<br />

duro mas muito <strong>bom</strong>, on<strong>de</strong> estive vinte e oito dias e on<strong>de</strong> readquiri a minha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver. Foi<br />

aí que, com a ajuda dos terapêutas, vi o quanto queria ter <strong>uma</strong> vida nova e, nessa altura, retomei<br />

um pouco da alegria que tinha perdido. Foi na clínica que me falaram pela primeira vez dos<br />

Alcoólicos Anónimos e me disseram no que consistiam as suas reuniőes. Estranhei o que me foi<br />

dito, e pensei para comigo - "Eu alcoólico? Năo! Eu sou só um bêbedo". E lá fui, a <strong>uma</strong> reuniăo <strong>de</strong><br />

AA, sem saber o que ia encontrar e, quando entrei na sala năo me senti muito à vonta<strong>de</strong>. As<br />

partilhas que ouvi <strong>de</strong>ixaram-me sem palavras. De tudo o que foi dito, as palavras que me ficaram<br />

gravadas foram: - "Queria em especial dar as boas vindas ao recém-chegado, que é a pessoa<br />

mais importante nesta sala."<br />

Fiquei a pensar, o que tinha eu feito para ser a pessoa mais importante naquela sala? Com o<br />

<strong>de</strong>correr do tratamento e com as reuniőes a que assisti fui-me apercebendo do sentido do que<br />

tinha ouvido, e que tinha a ver com eu <strong>de</strong>ixar o álcool e querer tratar-me. Deu-me ainda mais<br />

vonta<strong>de</strong> para arranjar força para parar <strong>de</strong> beber e creio que nunca irei esquecer essas palavras.<br />

As partilhas nos <strong>grupo</strong>s <strong>de</strong> AA fazem-me feliz, e consi<strong>de</strong>ro os Grupos <strong>uma</strong> dádiva que me<br />

fortalece para enfrentar os problemas do dia a dia, que era o que năo conseguia fazer quando<br />

bebia, o que sempre me prejudicou muito. Agora, além das reuniőes, também já leio um pouco,<br />

em particular a revista "Partilhar", que me chama a atençăo para as partilhas dos companheiros.<br />

Ao ir às reuniőes <strong>de</strong> AA, fui vendo tudo o que fiz ao longo da minha vida e o que <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> fazer<br />

por causa do álcool.<br />

Vejo que, por ter <strong>de</strong>ixado o álcool, năo <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> todo a mesma pessoa mas, para já, o que<br />

<strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ter foram as reacçőes que o álcool me provocava. Sinto que houve alg<strong>uma</strong> mudança em<br />

mim, pois já tenho alg<strong>uma</strong> tolerância para com as outras pessoas, tenho mais confiança em mim<br />

mesmo, nomeadamente em relaçăo à vida profissional. Já me olho ao espelho e năo chamo<br />

nomes feios a mim próprio, vejo que sou outro homem com <strong>uma</strong> vonta<strong>de</strong> e crença nos meus<br />

valores. Estou a recuperar a auto estima, com muita ajuda das partilhas dos companheiros.<br />

Apercebo-me da importância da minha sobrieda<strong>de</strong> para o <strong>grupo</strong>, dando a minha parte, e no valor<br />

que a minha experięncia po<strong>de</strong> ter para as pessoas que quiserem parar <strong>de</strong> beber. O amor-próprio,<br />

que perdi por causa do álcool, está a ser recuperado com muito esforço, ao mesmo tempo que<br />

recupero o amor da minha filha e a confiança dos meus chefes. Năo é fácil estar em sobrieda<strong>de</strong><br />

na socieda<strong>de</strong> em que vivemos, o que me obriga a ter imenso cuidado para conseguir superar as<br />

dificulda<strong>de</strong>s. Preciso praticar a honestida<strong>de</strong> e o amor para conseguir năo sair do caminho da<br />

recuperaçăo. Esta partilha, neste momento, é <strong>uma</strong> partilha <strong>de</strong> bem-estar. Partilho convosco mas<br />

nunca posso esquecer que tenho <strong>uma</strong> doença chamada alcoolismo.<br />

Carlos - Área 8


Experiências pessoais - Tábua <strong>de</strong> salvaçăo<br />

Tábua <strong>de</strong> salvaçăo<br />

O meu percurso com o álcool começou muito cedo. Lembro-me <strong>de</strong>, aos 17 anos, ter bebido muito<br />

no casamento <strong>de</strong> minha irmă e <strong>de</strong> todas as peripécias disparatadas que fiz, alcoolizado, durante e<br />

<strong>de</strong>pois da festa. A partir daí, com a vida militar e a ida ao Ultramar, a minha vida foi piorando.<br />

Todas as situaçőes me serviam <strong>de</strong> pretexto para beber e năo conseguia controlar o meu consumo.<br />

Quando regressei, abran<strong>de</strong>i ligeiramente, pois tinha que refazer a minha vida, só que năo<br />

conseguia controlar. Casei e fui pai mas, nunca <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> beber como alcoólico, porque năo<br />

conseguia beber socialmente. Quando começava nunca parava, e já o fazia a toda a hora.<br />

Arranjava sempre <strong>de</strong>sculpas para me isolar ou ausentar para po<strong>de</strong>r beber. Para resolver os meus<br />

problemas, bebia primeiro e só <strong>de</strong>pois é que me sentia em condiçőes. Começaram as<br />

insanida<strong>de</strong>s, os problemas em casa <strong>de</strong>vido à bebida, os aci<strong>de</strong>ntes e o medo <strong>de</strong>, em cada curva da<br />

estrada estar <strong>uma</strong> autorida<strong>de</strong>, o que me aconteceu alg<strong>uma</strong>s vezes. Com a ajuda do meu Po<strong>de</strong>r<br />

Superior, que nunca me abandonou, percebi que assim năo era vida para mim, que tinha que<br />

mudar <strong>de</strong> caminho. Foi entăo que vi, na igreja que frequento, o número <strong>de</strong> telefone <strong>de</strong> Alcoólicos<br />

Anónimos, para o qual liguei. Pensei que talvez fosse essa a minha tábua <strong>de</strong> salvaçăo.<br />

Fui assistir a <strong>uma</strong> reuniăo e, logo na abertura, disseram-me que eu era a pessoa mais importante<br />

nessa reuniăo. Năo percebi, pois ninguém me conhecia mas, nas suas partilhas, as pessoas que<br />

lá estavam falavam como se me conhecessem pois, o que diziam tocava-me imenso. Parecia que<br />

a minha vida estava ali a ser relatada, mas năo. O que ali estava a ser dito, era a vida <strong>de</strong> todos os<br />

<strong>alcoólicos</strong>. Falaram-me ainda, em olhar para as semelhanças e năo para as diferenças. Eu, que<br />

tinha ido para ver se tinham alg<strong>uma</strong> coisa como "comprimidos, chá, etc., para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber,<br />

afinal só ouvia falar. Porém, quando a reuniăo acabou sentia-me outra pessoa. Resolvi voltar e<br />

ainda bem, pois já lá văo alg<strong>uma</strong>s '24 horas' sem beber. A primeira coisa que tive <strong>de</strong> reconhecer e<br />

aceitar, foi a minha impotência perante a bebida e que a minha vida se tinha tornado ingovernável.<br />

Aprendi também que, quando <strong>de</strong> manhă me levantava com a ressaca e culpava sempre o último<br />

copo ou alg<strong>uma</strong> mistura que tinha feito, estava completamente errado pois, o que me fazia mal<br />

era, sempre e só, o primeiro copo. A partir <strong>de</strong>sse momento, fui adiando sempre o primeiro copo<br />

por 24 horas. Se alg<strong>uma</strong> vez năo conseguia, dividia <strong>de</strong> 12 em 12 ou <strong>de</strong> 6 em 6 horas e assim<br />

sucessivamente. Também aprendi que posso utilizar diversas "ferramentas" do programa <strong>de</strong><br />

Alcoólicos Anónimos, como o telefone para pedir ajuda quando necessário, o meu padrinho <strong>de</strong> AA<br />

para me aconselhar e, principalmente, as reuniőes, pois só um alcoólico compreen<strong>de</strong> outro<br />

alcoólico.<br />

Hoje compreendo quăo <strong>bom</strong> é estar em sobrieda<strong>de</strong>.<br />

Arnaldo - Área 6<br />

Experiências pessoais - Guia para a liberda<strong>de</strong><br />

Guia para a liberda<strong>de</strong><br />

Nos primeiros dias <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>, a incerteza dos passos seguintes reavivaram-me os fantasmas<br />

<strong>de</strong> trinta anos <strong>de</strong> alcoolismo. Foi um sofrimento que tive muita dificulda<strong>de</strong> em suportar - foi isto que<br />

mais me custou. Dividido entre um mau passado e a dúvida das vinte e quatro horas seguintes,<br />

vou tentar abrir as portas da memória, com a certeza <strong>de</strong> que quando entrei em Alcoólicos<br />

Anónimos, entrei n<strong>uma</strong> nova vida. O companheirismo em AA, aparentemente tímido e frágil,<br />

ajuda-me a <strong>de</strong>struir as duras carapaças que o álcool me vestiu. Preciso <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a rir, a chorar,<br />

a pensar e a falar com o coraçăo, a apreciar as pequenas coisas da vida. Vinte e quatro horas<br />

após vinte e quatro horas <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>, vou buscar um pedaço da vida que perdi, com excepçăo<br />

das várias fazes <strong>de</strong> crescimento da minha filha, <strong>de</strong> que năo tenho memória, embora estivesse


fisicamente ao seu lado. A prisăo por duas vezes, o ter partido <strong>uma</strong> perna, o ter feito sofrer muitos<br />

dos meus familiares, sobretudo a minha querida măe, que agora pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> Alzeimer e não po<strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>r o meu pedido <strong>de</strong> perdăo, o que estu<strong>de</strong>i até ao 11º ano e năo me lembro, a <strong>de</strong>struiçăo do<br />

meu lar...Tenho sofrido muito mas fiz sofrer muito mais.<br />

Eu estava habituado ao <strong>de</strong>scontrole e à <strong>de</strong>sorganizaçăo mas, agora, estou no sítio certo.<br />

Alcoólicos Anónimos está a ser o meu guia para a liberda<strong>de</strong>, aqui eu procuro-a on<strong>de</strong> ela está, que<br />

é <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim mesmo. Ao vir às reuniőes e partilhar, estou a construir a minha liberda<strong>de</strong> e a<br />

ajudar outros a alcançarem a sua. Quando os <strong>alcoólicos</strong> partilham entre si, <strong>existe</strong> paz, <strong>existe</strong><br />

amor, porque nós vivemos a turbulência dos dias <strong>de</strong> embriaguês - nós sabemos o que é essa<br />

turbulência. O importante foi ter conseguido tirar os olhos do chăo. Obrigado AA, agora consigo<br />

olhar em frente. Recuso entregar-me ao medo, năo vou <strong>de</strong>ixar que o álcool roube a minha vida,<br />

nem a minha liberda<strong>de</strong>.<br />

O alcoolismo năo é um vício! É <strong>uma</strong> doença para a qual năo há medicamentos que a consigam<br />

<strong>de</strong>belar; a "cura" para ela é só e apenas viver em sobrieda<strong>de</strong>, partilhar só por hoje, estar feliz só<br />

por hoje e năo ter medo só por hoje.<br />

Como sinto o amor<br />

António N. - Área 8<br />

Experiências pessoais - Como sinto o amor<br />

Penso que a maior parte da minha vida an<strong>de</strong>i sofregamente à procura <strong>de</strong> amor, ou entăo,<br />

compulsivamente, a compensar o <strong>de</strong>samor em que me <strong>de</strong>ixava voluntariamente envolver com<br />

<strong>de</strong>sistência.<br />

Ligada a sentimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sesperança e <strong>de</strong> solidão, sentia-me envergonhada pela incompetęncia<br />

e incapacida<strong>de</strong> em me tornar um ser "amável". Progressivamente, à medida que o álcool<br />

substituía todas as minhas necessida<strong>de</strong>s, fui-me conformando com a ausęncia <strong>de</strong>ste "sentir" e<br />

racionalizando que tinha outras coisas melhores. Conformando-me com o <strong>de</strong>samor, bebendo para<br />

fingir năo estar só, foi-se instalando um medo muito básico <strong>de</strong> năo me conseguir valer, <strong>de</strong> năo<br />

conseguir sobreviver. A espiritualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>u lugar a <strong>uma</strong> permanente exigęncia <strong>de</strong> satisfazer as<br />

necessida<strong>de</strong>s básicas e a um <strong>de</strong>sencanto esvaziado. A <strong>de</strong>s<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> substituiu-me. Porque<br />

<strong>de</strong>sisti <strong>de</strong> amar, <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ser. Assim, a minha relaçăo com os outros foi sendo, progressivamente,<br />

mais funcional e mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio à minha segurança emocional e<br />

material.<br />

Bill W. refere no "Melhor <strong>de</strong> Bill" que: "O meu principal <strong>de</strong>feito fora sempre a <strong>de</strong>pendência - quase<br />

absoluta - <strong>de</strong> pessoas ou <strong>de</strong> circunstâncias para me proporcionarem prestígio, segurança e coisas<br />

semelhantes." Refere ainda que: "A minha <strong>de</strong>pendência era sinónimo <strong>de</strong> exigęncia - <strong>uma</strong><br />

exigência <strong>de</strong> posse e controlo das pessoas e das condiçőes à minha volta" e que "É perfeitamente<br />

evi<strong>de</strong>nte que a verda<strong>de</strong>ira corrente năo po<strong>de</strong> fluir até se quebrarem, e quebrarem em absoluto, as<br />

nossas <strong>de</strong>pendências paralisantes. Só entăo é que eventualmente po<strong>de</strong>remos vislumbrar o<br />

significado do verda<strong>de</strong>iro amor adulto".<br />

A minha recuperaçăo iniciou-se com <strong>uma</strong> primeira urgência, que foi a <strong>de</strong> passar 24 horas sem<br />

beber. A primeira vez que me congratulei com isso, foi o primeiro momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> intimida<strong>de</strong><br />

comigo, o primeiro momento <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> respeito por mim: "Estás <strong>de</strong> parabéns! Quero que te<br />

sintas bem. Quero que estejas viva. Mereces sentir energia, alegria e motivaçăo para construíres<br />

coisas e sentires amor como qualquer outra pessoa".<br />

Penso que o amor surgiu em mim, num primeiro momento, pelo facto <strong>de</strong> me acarinhar. Mas neste


acto, eu repliquei as frases <strong>de</strong> alento e <strong>de</strong> amor com que os meus companheiros em Alcoólicos<br />

Anónimos e a minha família, me encorajaram e me reforçaram. Sem os outros, eu nunca teria sido<br />

capaz <strong>de</strong> me amar a mim própria, <strong>de</strong> me conce<strong>de</strong>r importância, <strong>de</strong> me respeitar, me elogiar, me<br />

apreciar; <strong>de</strong> me sentir em plenitu<strong>de</strong> comigo; e <strong>de</strong> me "orgulhar" por ser capaz <strong>de</strong> viver em<br />

consciência um dia sem beber, e <strong>de</strong> o viver bem - apesar do vazio e da angústia que, <strong>de</strong> "volta e<br />

meia", me inva<strong>de</strong>m.<br />

Num segundo momento, o amor veio na forma <strong>de</strong> gratidăo: um sentimento <strong>de</strong> perplexida<strong>de</strong><br />

comovida perante as dádivas espontâneas e incondicionais <strong>de</strong> mensagens, partilhas, abraços,<br />

olhares <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong>, empatia, alternativas <strong>de</strong> soluçăo, i<strong>de</strong>ias, sugestőes, compreensăo,<br />

companhia... A gratidăo surgiu, também, pela concretizaçăo das promessas, sobretudo pela nova<br />

consciência que me permitiu esperar ainda mais da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver sem álcool. Viver sem<br />

álcool, é o suficiente para amar e ser amada, porque me permite estar atenta aos outros e à<br />

ressonância dos outros em mim. Num terceiro momento, o amor surgiu espontaneamente no acto<br />

<strong>de</strong> amar, largando o medo, a <strong>de</strong>sconfiança e a intolerância. Nasceu por me expor às<br />

consequências <strong>de</strong> agir com amor, dar e receber, em todos os tipos <strong>de</strong> relaçăo. Tal como o Bill,<br />

senti que: "As compensaçőes emocionais e instintivas eram realmente os divi<strong>de</strong>ndos adicionais <strong>de</strong><br />

sentir amor, dar amor e manifestar amor na forma apropriada a cada relacionamento da vida".<br />

Percebi que amar é essencialmente aceitar, perdoar, confiar e largar. O amor é quente, suave e<br />

parece-se com a gratidăo e com o perdăo. Comove <strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma serena. Já năo é intensida<strong>de</strong>,<br />

mas sim um permanecer sossegadamente no sentimento, sem ter <strong>de</strong> possuir, <strong>de</strong> agarrar e <strong>de</strong> năo<br />

per<strong>de</strong>r. Vivo o amor, agora, com muita calma, porque nada tenho a per<strong>de</strong>r. O sentimento fica em<br />

mim, quando alguém o toma e recebe com amor, mesmo que se vá embora. Sinto o amor como<br />

algo simultaneamente partilhado, mas também íntimo. É no amor que me sinto acompanhada<br />

quando estou só.<br />

É pois com amor que partilho a minha felicida<strong>de</strong> e é a todos vós que eu <strong>de</strong>vo aquilo que já possuo<br />

e sou capaz <strong>de</strong> sentir.<br />

Paula M. - Área 7<br />

Experiências pessoais - A honestida<strong>de</strong> necessária<br />

A honestida<strong>de</strong> necessária<br />

Des<strong>de</strong> muito cedo tive contacto com o álcool. Lembro-me vagamente <strong>de</strong> um dia, <strong>de</strong>via ter sete ou<br />

oito anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, num casamento, ter bebido o resto dos copos <strong>de</strong> vinho do Porto que se<br />

encontravam em cima das mesas e <strong>de</strong> ter ficado alterado. Essa foi, sem dúvida, a minha primeira<br />

experiência. Seguiram-se outras, <strong>uma</strong> das quais grave, aos <strong>de</strong>z anos. Estava a brincar em casa<br />

<strong>de</strong> um colega <strong>de</strong> escola e lembramo-nos, sem mais nem porquê, <strong>de</strong> assaltar a garrafeira do pai<br />

<strong>de</strong>le. Bebemos <strong>de</strong> tudo um pouco, pelo gargalo das garrafas e nem faço <strong>uma</strong> pequena i<strong>de</strong>ia da<br />

quantida<strong>de</strong> que bebemos nem das misturas que fizemos. Cheguei a casa num estado que toda a<br />

gente reparou e, para agravar, os meus pais tinham visitas. Nunca imaginaram que eu tivesse<br />

bebido mas que estava com outro problema. Claro que o meu pai, assim que se aproximou mais<br />

<strong>de</strong> mim <strong>de</strong>scobriu logo. Levaram-me para o hospital já em coma alcoólico. Depois <strong>de</strong>ste triste<br />

episódio, năo me lembro <strong>de</strong> ter continuado a beber até aos 15 anos, quando comecei a trabalhar.<br />

Entăo, bebia regularmente às refeiçőes e, normalmente, embebedava-me aos fins-<strong>de</strong>-semana<br />

quando ia às discotecas. O álcool, <strong>de</strong>sinibia-me junto das miúdas. Era um procedimento normal<br />

pois, a maioria dos meus amigos fazia o mesmo e eu năo era <strong>uma</strong> excepçăo à regra.<br />

Os anos foram passando e aos 17 fui para a tropa. Como tinha <strong>de</strong> estudar, controlava-me mais,<br />

pois năo conseguia <strong>de</strong>corar a matéria se estivesse com os copos, mas já notava que me custava<br />

estar sem a bebida. Muitas vezes, dava por mim a pensar no vinho e na cerveja sem motivo<br />

aparente. Tinha também a sensaçăo <strong>de</strong> que o tempo nunca mais passava, para chegar ao fim <strong>de</strong>


semana e po<strong>de</strong>r apanhar <strong>uma</strong> daquelas "<strong>de</strong> caixăo à cova", como lhes chamava. Também era da<br />

praxe, no meu <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> amigos, fazer <strong>uma</strong> pequena celebraçăo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> qualquer teste - era<br />

mais um motivo para bebermos até năo po<strong>de</strong>r mais. E assim foram passando os anos.<br />

Entretanto embarquei. O culto do álcool estava mais presente do que nunca e eu, como seu<br />

adorador, fazia questăo <strong>de</strong> năo ficar <strong>de</strong> fora. Claro que, com estes comportamentos, começaram a<br />

surgir os problemas a nível profissional. Nessa altura, as pessoas que trabalhavam comigo<br />

alertavam-me, diziam que assim năo podia ser, que eu até era <strong>bom</strong> rapaz mas, que com a bebida<br />

estragava tudo, que a minha funçăo era <strong>de</strong> muita responsabilida<strong>de</strong>... Enfim! Coisas a que dava<br />

valor na altura mas, passados dois dias, lá estava a repetir as mesmas proezas. Na maior parte<br />

das vezes, a minha intençăo năo era embebedar-me <strong>de</strong>liberadamente, apenas confraternizar com<br />

um amigo ou dois <strong>de</strong>pois do serviço mas, o que é certo, é que quando começava já năo conseguia<br />

parar. Claro que, no outro dia não me lembrava <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte das coisas que tinham<br />

acontecido. Sentia culpa, <strong>uma</strong> angústia enorme e medo <strong>de</strong> encarar as pessoas. Por vezes,<br />

aproximava-me das que me lembrava vagamente <strong>de</strong> terem estado comigo no dia anterior e pedialhes<br />

<strong>de</strong>sculpa, envergonhado. Enfim, <strong>uma</strong> vida triste e <strong>de</strong> sofrimento. Nessa altura (1988), já tinha<br />

a noçăo do meu problema com a bebida, năo sabia era a maneira <strong>de</strong> o resolver.<br />

Mais tar<strong>de</strong> casei e nasceram dois filhos <strong>de</strong>sse casamento. Quando bebia, procurava sempre que<br />

os meus filhos năo presenciassem o pai com os copos; (também sou filho <strong>de</strong> um pai alcoólico,<br />

felizmente em recuperaçăo, já lá văo 17 anos. Sei bem o que sofri e a sensaçăo que tinha ao ouvir<br />

a porta da rua a abrir-se quando ele chegava). Para isso, fazia malabarismos do arco-da-velha.<br />

Comecei a beber quando estava <strong>de</strong> serviço, quando navegava, quando ia à pesca, muitas vezes<br />

também <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> jantar mas, mesmo assim, muitas das vezes e por muito que me esforçasse,<br />

năo conseguia evitar que eles vissem. Foi por amor a eles e por já năo conseguir viver com o<br />

álcool nem sem ele, que falei com a minha irmă e o meu cunhado e lhes contei toda a verda<strong>de</strong>.<br />

Năo sei on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobri ou quem <strong>de</strong>scobriu o sítio das reuniőes mas, o que é certo, é que no dia 5<br />

<strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1998, salvo erro num domingo <strong>de</strong> manhă, estava a entrar pela primeira vez n<strong>uma</strong> sala<br />

<strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos. Receberam-me com simpatia e disseram que eu era a pessoa mais<br />

importante nessa reuniăo, situaçăo que me embaraçou um bocado pois queria passar<br />

<strong>de</strong>spercebido. Lembro-me <strong>de</strong> ter dito quem eu era e por que razăo ali estava.<br />

A sensaçăo imediata que tive, foi <strong>de</strong> um alívio extremo, a opressăo que tinha no peito<br />

<strong>de</strong>saparecera. Talvez por estar a confessar "os meus pecados" e o que tinha <strong>de</strong> mais íntimo a<br />

pessoas que nunca tinha visto na vida. Năo sabia se elas iriam contar a alguém quem eu era na<br />

realida<strong>de</strong>. Senti, <strong>de</strong> facto, que tinha dividido os meus problemas, o que me agradou bastante.<br />

Continuei a ir ŕs reuniőes e cada vez me i<strong>de</strong>ntificava mais com as pessoas que lá estavam. O meu<br />

cérebro foi <strong>de</strong>scongestionando, 24 horas após 24 horas, e já conseguia rir com vonta<strong>de</strong>. Comecei<br />

a olhar para a vida com outros olhos, a minha auto-estima foi aumentando, comecei a ter mais<br />

cuidado com a minha aparência e melhorei a atitu<strong>de</strong> para com os outros. Isto, porque comecei a<br />

fazer o que os companheiros me sugeriam, a tentar concretizar um passo <strong>de</strong> cada vez, <strong>uma</strong>s<br />

vezes melhor outras pior, mas sempre a tentar.<br />

Fui-me mantendo nas reuniőes, fazendo algum serviço e tudo corria bem, até à altura em que a<br />

minha mulher me fez a proposta <strong>de</strong> comprar <strong>uma</strong> pastelaria, o que recusei logo. Expliquei-lhe que<br />

tinha medo <strong>de</strong> lidar com o "veneno" o dia todo, o que era perigoso para mim. Mas a i<strong>de</strong>ia já estava<br />

na cabeça <strong>de</strong>la e nada a <strong>de</strong>movia do objectivo. E, para que um dia os meus filhos năo dissessem<br />

que năo tinham mais porque o pai năo tinha querido evoluir, lá con<strong>de</strong>scendi e o negócio foi para a<br />

frente. Claro que isso teve as suas consequęncias. Trabalhava até as 16.30 horas no meu serviço<br />

e <strong>de</strong>pois ia para a pastelaria até ŕs 24 horas. Fiquei sem tempo para ir às reuniőes e fazer serviço,<br />

mas mesmo assim, muitos companheiros <strong>de</strong> A.A. passavam pela pastelaria para verem como eu<br />

estava, para me darem fé, força e esperança e me fazerem um pouco <strong>de</strong> companhia. Lia muitas<br />

vezes a literatura <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos e năo bebia. Entretanto, outra prova <strong>de</strong> fogo estava para<br />

vir - tinha <strong>de</strong> embarcar novamente! Os fantasmas do passado vieram ao <strong>de</strong> cima, os petiscos, as<br />

festas. Toda <strong>uma</strong> série <strong>de</strong> pensamentos obscuros me assaltava constantemente mas, eu estava


convicto <strong>de</strong> que se conseguia lidar com o "veneno" no dia-a-dia, também conseguiria dar-me bem<br />

quando chegasse a altura <strong>de</strong> navegar e, assim foi.<br />

Entretanto, a minha vida <strong>de</strong>u muitas voltas. Vendi a pastelaria, divorciei-me, mas consegui<br />

resolver todos estes problemas e continuar sóbrio. Há três anos, casei novamente. Vida nova,<br />

casa nova, carro novo. Foi começar do zero. Estava feliz e sentia amor por alguém, coisa que era<br />

muito difícil acontecer no passado. Falava <strong>de</strong> quase tudo com a minha mulher, nunca discutíamos,<br />

ajudava-a no que fosse preciso e era amigo <strong>de</strong>la mas, havia <strong>uma</strong> coisa que me atormentava.<br />

Nunca lhe tinha dito quem eu era na realida<strong>de</strong>, que sou alcoólico. Para mim, a minha cabeça<br />

doente dizia: "Isso faz parte do passado, agora tens outra vida, outra mulher. O passado está<br />

<strong>de</strong>finitivamente enterrado ". Havia porém, situaçőes em que me sentia perturbado. Nos almoços<br />

<strong>de</strong> família, o meu sogro que gosta <strong>de</strong> beber uns copitos, dizia-me - "Vá, que isto até dá vida aos<br />

mortos!" eu ria-me e recusava. Como faço <strong>de</strong>sporto, <strong>de</strong>sculpava-me dizendo que isso era<br />

incompatível e lá me safava. Depois, as pessoas iam-se habituando e <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> insistir. De vez<br />

em quando a minha mulher, no <strong>de</strong>sconhecimento da minha doença, perguntava-me às refeiçőes:<br />

Entăo, năo vai <strong>uma</strong> pinga da boa para acompanhar? Respondia-lhe que se bebesse, me cresciam<br />

os <strong>de</strong>ntes e as unhas como aos lobos e a conversa parava por ali. Mas todas estas situaçőes<br />

ficavam cá <strong>de</strong>ntro, a serem "cozinhadas" na minha cabeça doente, e eu sem ver!<br />

Um dia, à mesa, a minha mulher tinha um belo vinho para o seu almoço e, sem saber como nem<br />

porquê, peguei no copo, levei-o à boca e provei. A sensaçăo nem foi <strong>de</strong> culpa, por estranho que<br />

pareça pois, inconscientemente, eu já me estava a mentalizar que talvez fosse <strong>uma</strong> pessoa<br />

normal (isto, imagine-se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo o que li e <strong>de</strong> tudo por que passei!). Tinha <strong>uma</strong><br />

companheira nova, iria ser tudo diferente mas enganei-me. Lembro-me <strong>de</strong> beber os três primeiros<br />

copos <strong>de</strong> seguida, compulsivamente, como se tivesse <strong>de</strong> recuperar o tempo perdido. Também me<br />

lembro <strong>de</strong> beber whisky e vodka. Já năo era eu, era outra pessoa que năo eu. Assolava-me a<br />

<strong>de</strong>pressăo no dia seguinte. Maiores que as dores <strong>de</strong> cabeça, eram as dores na Alma. Ao fim <strong>de</strong><br />

quase nove anos <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>, tinha recaído.<br />

Todo um trabalho <strong>de</strong>itado por terra. Os medos novamente, as sensaçőes in<strong>de</strong>scritíveis, <strong>uma</strong><br />

angústia <strong>de</strong> apertar o peito. Po<strong>de</strong>r-me-ia ter ficado <strong>de</strong> emenda, mas năo. Repeti-o ainda mais<br />

<strong>uma</strong>s <strong>de</strong>z vezes; urinei sangue e passei por situaçőes vergonhosas até a minha mulher me dizer<br />

que, realmente, "me cresciam os <strong>de</strong>ntes e os pelos do corpo, que năo era aquela pessoa com<br />

quem se tinha casado, que queria o marido <strong>de</strong>la <strong>de</strong> volta". E foi assim, entre lágrimas e gran<strong>de</strong><br />

tristeza que resolvi ser HONESTO com Deus e com ela. Contei-lhe tudo o que até aqui transcrevi.<br />

Năo foi fácil mas, novamente se acercou <strong>de</strong> mim a sensaçăo que tinha tido na primeira vez que<br />

entrei em Alcoólicos Anónimos, a sensaçăo <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> tranquilida<strong>de</strong> - partilhei a história da<br />

minha vida com companheiros que nunca tinha visto. Por coincidência ou por algo que năo sei<br />

explicar, nos dias seguintes encontrei dois companheiros <strong>de</strong> AA que năo via já há alguns anos e<br />

contei a um <strong>de</strong>les o que se tinha passado,"que me tinha ido abaixo". Virou-se para mim e disse-me<br />

simplesmente isto - "Nós só temos dois caminhos, a sobrieda<strong>de</strong> ou a morte". Com toda a certeza,<br />

năo quero a morte.<br />

Dois dias <strong>de</strong>pois, estava novamente junto dos companheiros <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos que, mais<br />

<strong>uma</strong> vez, me receberam <strong>de</strong> braços abertos. Se quero parar <strong>de</strong> beber e crescer em sobrieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

certeza que é com eles que consigo pois, SOZINHO NUNCA FUI CAPAZ.<br />

Manuel B. - Área 9<br />

Experiências pessoais - Responsabilida<strong>de</strong> e Recuperaçăo<br />

Responsabilida<strong>de</strong> e Recuperaçăo


Caros Companheiros,<br />

Venho partilhar convosco o meu percurso <strong>de</strong> recuperaçăo começando por aquilo que chamo: "o<br />

que năo <strong>de</strong>vo fazer".<br />

Em 1998, por minha própria iniciativa, e já com o único requisito para pertencer a Alcoólicos<br />

Anónimos, o <strong>de</strong>sejo (e já năo tinha outra soluçăo) <strong>de</strong> parar <strong>de</strong> beber, fui à minha primeira reuniăo.<br />

Nessa reuniăo <strong>de</strong> que me lembro vagamente, chorei a maior parte do tempo e pouco consegui<br />

falar. Houve alguém que me ouviu e confortou dizendo que se eu queria realmente parar <strong>de</strong> beber,<br />

estava no sítio certo; que AA era <strong>uma</strong> soluçăo. Decidi voltar e fazer 90 dias 90 reuniőes tal como<br />

me tinha sido sugerido.<br />

Passados cerca <strong>de</strong> três meses fui proposto para fazer café, serviço esse que aceitei com falsa<br />

humilda<strong>de</strong>, por achar que năo era a<strong>de</strong>quado a alguém "com a minha importância" e, além disso,<br />

năo via a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer serviço; afinal, eu só queria parar <strong>de</strong> beber.<br />

Frequentei as reuniőes durante três anos e a única coisa que fazia era năo beber. O programa<br />

parecia-me <strong>de</strong>spropositado. Achava que năo era necessário fazer nada do que estava escrito, eu<br />

só precisava do AA como compromisso para năo beber, tudo o resto era dispensável. As minhas<br />

partilhas eram construídas tendo em atençăo a sua fluência e qualida<strong>de</strong> linguística para que<br />

convencesse (tal qual campanha eleitoral) os meus companheiros do Grupo da minha<br />

"extraordinária recuperaçăo e inteligência". Como é óbvio a única pessoa que enganei foi a mim<br />

...preciso <strong>de</strong> todos e da unida<strong>de</strong> para a minha própria recuperaçăo.<br />

próprio. Mais tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ir às reuniőes <strong>de</strong> serviço porque ninguém me nomeava para funçőes<br />

que eu consi<strong>de</strong>rasse importantes, dizendo para mim próprio que năo havia nessas reuniőes<br />

ninguém com a competência necessária para avaliar e reconhecer as minhas "extraordinárias<br />

capacida<strong>de</strong>s". Por fim <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> frequentar as reuniőes, e como seria <strong>de</strong> esperar, veio a recaída.<br />

Esta foi perfeitamente programada. Aconteceu exactamente no dia do meu quinto aniversário <strong>de</strong><br />

abstinência e a partir <strong>de</strong>sse dia, durante um período <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> três anos (salvo raríssimas<br />

excepçőes nunca foram <strong>de</strong> bebe<strong>de</strong>iras), bebi 2 cervejas, diariamente, às 18h05m (os cinco<br />

minutos era o tempo que eu levava <strong>de</strong> carro, até ao café a distância mais ou menos segura do<br />

meu local <strong>de</strong> trabalho).<br />

Toda a minha vida se havia <strong>de</strong>smoronado apenas com esta quantida<strong>de</strong>. Tinha começado tudo <strong>de</strong><br />

novo: as mentiras, as manipulaçőes, a ansieda<strong>de</strong> esmagadora <strong>de</strong> beber mais, ou seja, toda a<br />

minha vida se resumia àquelas duas cervejas.<br />

Até que, inevitavelmente, chegou o dia em que năo me fiquei pelas duas cervejas mas sim por<br />

várias <strong>de</strong>zenas. No dia seguinte, em plena ressaca e com um esmagador sentimento <strong>de</strong> culpa,<br />

tendo a perfeita noçăo que já năo iria voltar a conseguir beber apenas duas cervejas, <strong>de</strong>cidi ir a<br />

<strong>uma</strong> reuniăo <strong>de</strong> AA, pois apesar <strong>de</strong> ter recusado o programa, eu sabia que, se eu quisesse, a<br />

soluçăo ainda lá estava.<br />

Entrei na sala e ao contrário do que eu esperava, o meu sentimento foi<br />

<strong>de</strong> alegria, tendo experimentado um sentimento <strong>de</strong> paz e alívio. Vinha<br />

comigo a consciência <strong>de</strong> que năo me bastava parar <strong>de</strong> beber: era<br />

fundamental baixar os braços e aceitar que seria necessário modificar<br />

muitas coisas para que, năo beber, passasse <strong>de</strong> fardo a alegria. Acima<br />

<strong>de</strong> tudo ser HONESTO comigo próprio e com os outros. Sim, <strong>de</strong>sta vez, permiti que o programa <strong>de</strong><br />

AA me entrasse no coraçăo, peguei na literatura, envolvi-me no serviço, esforcei-me por ser mais<br />

responsável e percebi finalmente que năo sou auto-suficiente, que preciso <strong>de</strong> todos e da unida<strong>de</strong><br />

para a minha própria recuperaçăo. Percebi que năo basta dizer obrigado para mostrar a minha<br />

gratidăo. É preciso "fazer" obrigado, sendo responsável e aceitando a responsabilida<strong>de</strong> em servir


os outros. No fundo dar o que recebi, acçăo sem a qual (hoje sei) năo terei a recuperaçăo que<br />

procuro.<br />

Gostaria <strong>de</strong> terminar dizendo que hoje, sou responsável pela minha recuperaçăo, pela do meu<br />

companheiro, por a daquele que ainda vai chegar e acima <strong>de</strong> tudo por estar feliz e porque digo,<br />

com orgulho saudável, sou Pedro, sou Alcoólico e hoje, só por hoje, năo bebi.<br />

Pedro F. - Área 09<br />

Experiências pessoais - Tempo <strong>de</strong> mudar<br />

Tempo <strong>de</strong> mudar<br />

Já há algum tempo que andava para "falar <strong>de</strong> mim", por escrito. Porém, cedia sempre ŕquela<br />

fórmula: "amanhă eu escrevo". Decidi contrariar-me. E "qui vai"!<br />

Muitas vezes, o meu pensamento voa do presente para o passado e <strong>de</strong>ste para o presente e vejo<br />

a diferença entre o consumo do álcool e a sobrieda<strong>de</strong>.<br />

Durante o meu período <strong>de</strong> alcoolismo activo passava a vida a escon<strong>de</strong>r-me para ir beber. Adquiria<br />

as bebidas em vários supermercados, <strong>de</strong>pois escondia-me no carro e em locais inimagináveis e,<br />

na mais perfeita solidăo, bebia. Năo suportava muito as conversas e a companhia <strong>de</strong> outras<br />

pessoas, tendo sempre a tendência para as criticar ou julgar.<br />

...na mais perfeita solidão, bebia.<br />

Em Alcoólicos Anónimos, cujo programa <strong>de</strong> 12 Passos adoptei para a minha vida, adquiri a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceitar os outros e as suas opiniőes. Adquiri também serenida<strong>de</strong> para aceitar os<br />

momentos menos bons que na vida văo surgindo. Sim, porque hoje năo tenho momentos maus<br />

mas sim menos bons.<br />

Aprendi também que năo posso modificar nem pessoas nem situaçőes, mas eu posso modificarme<br />

a mim, ao apren<strong>de</strong>r com os meus erros. Aprendi também a viver um dia <strong>de</strong> cada vez, a<br />

encontrar a serenida<strong>de</strong> e a paz; e imaginem, hoje posso dizer que sou feliz.<br />

Em AA, só por hoje, consegui ter a coragem para encarar o futuro.<br />

Joăo - Área 08<br />

Experiências pessoais - Renascer<br />

Renascer<br />

Comecei a beber muito cedo. Apesar <strong>de</strong> beber muito, a primeira bebe<strong>de</strong>ira com "apagamento", foi<br />

aos <strong>de</strong>zoito anos.<br />

Tive <strong>uma</strong> infância e adolescência muito infelizes. Os maus tratos que a minha măe me infligia,<br />

eram constantes. E eu, como saída possível, bebia, e bebia e bebia.


Houve <strong>uma</strong> temporada em que o bagaço era o meu companheiro inseparável. Os meus<br />

comportamentos e atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vido ao consumo <strong>de</strong> álcool, levaram-me a passar por situaçőes<br />

muito difíceis. Julgando que apagaria tudo o que <strong>de</strong> mau me faziam bebia ainda mais. Só que... a<br />

bebe<strong>de</strong>ira passava, <strong>uma</strong> ressaca enorme apo<strong>de</strong>rava-se <strong>de</strong> mim e tudo continuava na mesma.<br />

Pensei que se casasse tudo mudaria para melhor. Pura ilusăo! Casei-me sem amor. No fundo<br />

para me libertar dos maus tratos na casa materna. O casamento foi o maior dos pesa<strong>de</strong>los.<br />

Rapidamente me apercebi <strong>de</strong> que esta <strong>de</strong>cisăo tinha sido a pior da minha vida. Logo no dia do<br />

casamento, à noite, fui sovada pelo meu marido. Pensando que tinha sido <strong>uma</strong> situaçăo pontual,<br />

que ele năo me voltaria a agredir, perdoei-lhe e <strong>de</strong>cidi ir em frente. Afinal... tinha sido só o começo.<br />

Mais <strong>uma</strong> vez a bebida tornou-se o meu refúgio. Bebia também para me vingar <strong>de</strong>le. Passou-me<br />

pela cabeça matá-lo.<br />

Comecei a ter tremores e só ao fim <strong>de</strong> dois ou três copos eles <strong>de</strong>sapareciam. Depois, era beber<br />

até cair, sem me preocupar com o sofrimento que causava năo só a mim mas também aos outros.<br />

Cometi muitas insanida<strong>de</strong>s. Sentia-me um verda<strong>de</strong>iro trapo. Tentei o suicídio várias vezes, tendo<br />

estado às portas da morte. Porém, salvei-me. E... hoje, aqui estou eu a partilhar com todos vós o<br />

meu sofrimento e a alegria por estar em recuperaçăo, graças aos Alcoólicos Anónimos. Com a<br />

ajuda dos companheiros, hoje năo bebi e amanhă também năo penso beber. Assim, dia após dia,<br />

vou construindo a minha sobrieda<strong>de</strong>. Hoje tenho amigos que me ajudam a superar as minhas<br />

dificulda<strong>de</strong>s. Deixei <strong>de</strong> estar sozinha. Pela primeira vez na minha vida senti que gostavam <strong>de</strong> mim<br />

e que me queriam ajudar. Consi<strong>de</strong>ro-os a minha primeira família pois sem eles năo teria os meus<br />

filhos que săo tudo para mim. Sinto-me <strong>uma</strong> outra pessoa, com outras capacida<strong>de</strong>s, apesar <strong>de</strong><br />

ainda năo ter muito tempo <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>. Aprendi a ser tolerante e a ouvir os outros.<br />

Agra<strong>de</strong>ço-vos a todos por me terem dado esta oportunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sejo-vos mais 24 horas.<br />

Anabela - Área 08<br />

Experiências pessoais - Trabalhando a humilda<strong>de</strong><br />

Trabalhando a humilda<strong>de</strong><br />

Para aqueles que tęm progredido em AA, a humilda<strong>de</strong> significa um reconhecimento claro daquilo<br />

que somos e <strong>de</strong> quem realmente somos, seguido <strong>de</strong> um sincero esforço para nos tornarmos<br />

naquilo que po<strong>de</strong>remos ser. - "Na Opiniăo <strong>de</strong> Bill" pg. 156<br />

No dia 18 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 2007, ao ler a Reflexăo Diária sobre a humilda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>i comigo a meditar:<br />

serei humil<strong>de</strong>? Trabalho para isso? Conseguirei alg<strong>uma</strong> vez sê-lo? Afinal o que é a humilda<strong>de</strong>?<br />

Nada acontece por acaso. Nesse mesmo dia o tema escolhido pelo mo<strong>de</strong>rador para a reuniăo do<br />

Grupo foi a "Reflexăo Diária". Tive entăo a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir os sentimentos <strong>de</strong> outros<br />

companheiros sobre a humilda<strong>de</strong>. Năo fiquei por aqui. Algo me incitava a continuar às voltas com<br />

a humilda<strong>de</strong> (seria a minha má consciência?).<br />

Năo é isto que o Programa <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos propõe...<br />

Partilho convosco alguns dos pensamentos que me ocorreram. Um dicionário <strong>de</strong> sinónimos on-line<br />

<strong>de</strong>fine a humilda<strong>de</strong> da seguinte forma: "virtu<strong>de</strong> que nos dá o sentimento da nossa fraqueza e<br />

modéstia"; esta última, por sua vez: "ausência <strong>de</strong> vaida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> ostentaçăo, simplicida<strong>de</strong> e<br />

mo<strong>de</strong>raçăo". Fui levado a concluir que estou a praticar, amiú<strong>de</strong>, a humilda<strong>de</strong>.<br />

Năo fiquei satisfeito, porque a humilda<strong>de</strong> năo se pratica a meu belo prazer: ou a sinto e sou ou<br />

nada feito. Entăo o que é que tenho vindo a fazer? Para năo vos maçar muito vou directo ao


assunto. Tenho usado a humilda<strong>de</strong> à medida do meu ego e da maneira que mais me convém.<br />

Quando me calo perante <strong>uma</strong> opiniăo diferente, quando falo <strong>de</strong> maneira serena, mas só com o<br />

intuito <strong>de</strong> convencer o meu interlocutor ou quando nada faço quando se impőe tomar <strong>uma</strong> atitu<strong>de</strong>,<br />

năo estou a ser humil<strong>de</strong>. Estou apenas a acomodar-me, a ser preguiçoso, <strong>de</strong>sonesto e orgulhoso.<br />

O pior é que o somatório <strong>de</strong> tudo isto vem logo a seguir e é igual a raiva, ressentimento e<br />

<strong>de</strong>sprezo pelos outros. Năo é isto que o Programa <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos propőe e recuperaçăo<br />

năo é certamente. O que <strong>de</strong>vo fazer perante este cenário?<br />

Recentemente ouvi dizer a um conhecido comunicador que, quando questionado se era feliz,<br />

disse que a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitos factores exteriores à vonta<strong>de</strong>. Contudo, e ainda segundo<br />

ele, apesar dos factores adversos po<strong>de</strong>-se ser alegre. Bom, se năo consigo ser feliz, conseguirei<br />

ser alegre (soa bem); se năo consigo ser humil<strong>de</strong> acho que posso ser tolerante (soa ainda<br />

melhor). Fui outra vez ao dicionário e tolerante vem <strong>de</strong>finido como "a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> admitir a outrem<br />

<strong>uma</strong> maneira <strong>de</strong> pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo" e "acto <strong>de</strong> năo exigir ou<br />

interditar, mesmo po<strong>de</strong>ndo fazê-lo".<br />

Fiquei mais tranquilo porque me senti mais capaz <strong>de</strong> pôr em prática a tolerância, ao contrário do<br />

que estava a acontecer com o sentimento <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>. Acredito que para a minha recuperaçăo,<br />

a humilda<strong>de</strong> enquanto sentimento, seja algo perto da perfeiçăo.<br />

Aceitando a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que <strong>de</strong>vo procurar o progresso e năo a perfeiçăo espiritual, começa a<br />

fazer sentido colocar acçăo na tolerância.<br />

Ou estarei a manipular os meus sentimentos para evitar algo que me incomoda, dói e dá mais<br />

trabalho? Estarei no caminho certo? A minha cabeça năo é local on<strong>de</strong> <strong>de</strong>va ir sozinho. O melhor é<br />

falar nisto com o meu padrinho.<br />

Jorge B. - Área 09<br />

Experiências pessoais - Isto resulta!<br />

Isto resulta!<br />

Foi algures, num dia <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2002, que me <strong>de</strong>parei com a triste realida<strong>de</strong> do alcoolismo!<br />

Uma doença terrível, <strong>de</strong>sgastante, que <strong>de</strong>morei a i<strong>de</strong>ntificar como sendo algo que adquiri contra a<br />

minha vonta<strong>de</strong>. Depois <strong>de</strong> admitir que este enorme problema era meu, ainda pensei que,<br />

consultando um psiquiatra e com algum esforço, o conseguiria ultrapassar.<br />

O resultado foi <strong>de</strong>sastroso. Fechei-me n<strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> redoma pensando que nesse isolamento<br />

ninguém me via beber, esquecendo que năo havia hipótese <strong>de</strong> me escon<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mim próprio. Essa<br />

etapa foi o início do consumo <strong>de</strong>scontrolado, dos escon<strong>de</strong>rijos das garrafas, do adormecer bêbado<br />

acordar mal e com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> parar, prometendo que naquele dia năo iria beber. Mas năo<br />

passava da hora <strong>de</strong> almoço. O que bebia acumulava-se ao que tinha bebido no dia anterior e<br />

rapidamente ficava preparado para repor os níveis até ao final da tar<strong>de</strong>, o que se tornou objectivo<br />

diário. resolvi consultar um médico e pedir-lhe para fazer o favor <strong>de</strong> me internar, o que <strong>de</strong> facto<br />

aconteceu. Esta foi <strong>uma</strong> experiência que năo <strong>de</strong>sejo a ninguém. Naquele dia (lembro-me como se<br />

fosse hoje), senti-me como <strong>uma</strong> criança que é largada pelos pais num hospital on<strong>de</strong> năo conhece<br />

ninguém e ninguém a conhece. Os tremores triplicaram, a insegurança foi terrível, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

partir năo sei para on<strong>de</strong>, enorme.<br />

Mas foi melhorando a cada dia que passava. No dia 23 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 2003 saí, com a forte<br />

convicçăo <strong>de</strong> que năo iria beber mais, embora me estivesse a custar bastante. Năo conseguia<br />

imaginar a minha vida sem um copo <strong>de</strong> whisky na măo ao final da tar<strong>de</strong>, com os amigos, para<br />

rebater o cansaço do trabalho (afinal, eu ainda năo tinha interiorizado que tinha <strong>de</strong> abandonar o


álcool).<br />

Com tudo isto na minha cabeça, uns meses <strong>de</strong>pois pensei que já po<strong>de</strong>ria beber um copito às<br />

Com os meus amigos <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, iniciei a minha recuperaçăo<br />

refeiçőes e assim continuei, aumentando o consumo até Dezembro <strong>de</strong> 2006, altura em que tive a<br />

consciência <strong>de</strong> que tinha recaído. Encontrava-me com problemas <strong>de</strong> consciência muito maiores do<br />

que da primeira vez por melindrar os meus pais, os meus filhos e a minha companheira que foi<br />

sempre para mim <strong>uma</strong> "muleta" muito importante e que via agora os seus esforços irem por água<br />

abaixo.<br />

Decidi ir novamente para o suplício. O primeiro dia foi <strong>de</strong> novo difícil. A noite foi ainda pior! A<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> chorar cercava-me e năo consegui dormir. O simples facto <strong>de</strong> levar a injecçăo ao início<br />

da manhă, constituía para mim o começo <strong>de</strong> algo que me auxiliava a transpor aquelas primeiras<br />

horas <strong>de</strong> angustia, ao <strong>de</strong>sabafar com o enfermeiro.<br />

Pela força do hábito, ele ia-me dizendo a verda<strong>de</strong>, explicando que eu teria <strong>de</strong> interiorizar que<br />

aquela era <strong>uma</strong> vida que teria <strong>de</strong> abandonar.<br />

Fazia-o com tal habilida<strong>de</strong>, que me passava a mensagem <strong>de</strong> que eu ainda po<strong>de</strong>ria vir a ser <strong>uma</strong><br />

pessoa muito válida. E assim se passaram quinze dias. Queria apenas restabelecer-me e<br />

<strong>de</strong>monstrar aos meus <strong>de</strong> que seria capaz.<br />

Até a visita dos meus pais me incomodava mas, ao mesmo tempo, era <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> medir qual o<br />

seu estado em relaçăo a mim e assim procurar alg<strong>uma</strong> serenida<strong>de</strong>.<br />

Estive <strong>uma</strong> semana internado. Quando saí um médico meu amigo disse-me<br />

que um amigo seu, que recorre ao Programa <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos,<br />

estava muito pior do que eu quando tinha entrado. Foi entăo que <strong>de</strong>cidi<br />

contactar essa pessoa que me levou a conhecer <strong>uma</strong> sala <strong>de</strong> AA.<br />

Consi<strong>de</strong>ro-o hoje ter-me caído do céu. Nesse dia senti-me esquisito, embora<br />

me tenham dito que eu era a pessoa mais importante que ali se encontrava. Partilharam os seus<br />

inícios <strong>de</strong> consumo exagerado, com os quais me i<strong>de</strong>ntifiquei perfeitamente. Percebi que aquela<br />

era <strong>uma</strong> linguagem com a qual todos nós nos compreendíamos. Ninguém con<strong>de</strong>nava o próximo<br />

pelo facto <strong>de</strong> ter bebido ou estar ressentido por o ter feito. Foi assim que, com os meus amigos <strong>de</strong><br />

Alcoólicos Anónimos, iniciei a minha recuperaçăo.<br />

Ainda bebi duas vezes mas, o meu Po<strong>de</strong>r Superior e a minha humilda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ram-me força para<br />

que nas reuniőes que se seguiram as confessasse, obtendo com isso a compreensăo dos meus<br />

companheiros e a força para contrariar este manhoso que é o álcool, continuando até hoje sóbrio,<br />

há já alg<strong>uma</strong>s 24 horas.<br />

Vale a pena frequentar AA "QUE ISTO RESULTA"!<br />

Zé - Área 09<br />

Experiências pessoais - Passado e presente<br />

Passado e presente<br />

Agora, estou em recuperaçăo há cerca <strong>de</strong> três meses. Após dois anos <strong>de</strong> abstinęncia, recaí, e<br />

an<strong>de</strong>i a beber durante ano e meio. Năo tem sido fácil para mim. Comecei a beber aos treze anos


(tenho agora quarenta e oito), e por vezes, ainda me confun<strong>de</strong> pensar que năo posso beber mais.<br />

Criei hábitos em locais on<strong>de</strong> se bebia e f<strong>uma</strong>vam drogas. Quando bebia, a minha vida era um<br />

caos e tentei o suicídio várias vezes.<br />

Tinha problemas em casa, com vizinhos, amigos, em locais públicos e no trabalho. As pessoas<br />

evitavam-me, nem me telefonavam porque tinham vergonha dos meus comportamentos. Sou<br />

tímido, muito metido comigo mesmo e precisava <strong>de</strong> beber para conseguir enfrentar o mundo pois,<br />

se năo o fizesse, isolava-me.<br />

Hoje, consigo saborear momentos da vida que antes năo conseguia, ver pormenores que antes<br />

ignorava, tais como a beleza da natureza, das pessoas e do quanto elas nos po<strong>de</strong>m dar: o amor,<br />

ajuda, felicida<strong>de</strong> e vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver.<br />

Ainda tenho um longo caminho a percorrer mas, com a ajuda do meu Po<strong>de</strong>r Superior, com<br />

humilda<strong>de</strong>, boa vonta<strong>de</strong>, honestida<strong>de</strong>, frequentando as reuniőes <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, lendo a<br />

literatura <strong>de</strong> AA e cumprindo o programa <strong>de</strong> Doze Passos, vou tentando năo repetir as<br />

insanida<strong>de</strong>s cometidas no passado e recuperar muitas das coisas que perdi.<br />

Neste momento, sinto que as pessoas se aproximam mais <strong>de</strong> mim, pois o meu comportamento é<br />

diferente <strong>de</strong> quando bebia.<br />

As dificulda<strong>de</strong>s, tento atenuá-las com a ajuda das reuniőes <strong>de</strong> AA, ouvindo as partilhas,<br />

partilhando e pedindo ajuda a outros companheiros.<br />

M. Jorge - Área 08<br />

Experiências pessoais - Espiritualida<strong>de</strong> e auto-suficiência<br />

Espiritualida<strong>de</strong> e auto-suficięncia<br />

...sinto que as pessoas se aproximam mais <strong>de</strong> mim...<br />

Nos meus primeiros tempos em Alcoólicos Anónimos ouvi, várias vezes, um companheiro mais<br />

antigo proferir, num dos Grupos on<strong>de</strong> eu tentava voltar à vida, a seguinte frase: "Meus amigos,<br />

nós agora estamos em segurança; alguém nos salvou. Bom, mas há muitos lá fora que văo morrer<br />

se nós năo chegarmos até eles... Por isso, temos que meter măos à obra!"<br />

O que esse companheiro pretendia era sensibilizar os presentes para estarem disponíveis e<br />

possuídos da boa vonta<strong>de</strong> indispensável em relaçăo a duas questőes muito concretas: <strong>uma</strong>, para<br />

servir a comunida<strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong> levar a mensagem <strong>de</strong> esperança <strong>de</strong> AA ŕquele que ainda sofre;<br />

a outra, para dispormos <strong>de</strong> algum do nosso dinheiro <strong>de</strong> modo a tornar possíveis as acçőes<br />

necessárias.<br />

Demorei algum tempo, primeiro a enten<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>pois a praticar, o que me era proposto. Como<br />

alcoólico típico (que me consi<strong>de</strong>ro), os sentimentos <strong>de</strong> conjunto ou solidarieda<strong>de</strong> năo eram o meu<br />

forte, antes pelo contrário: o individualismo e o egoísmo eram alg<strong>uma</strong>s das estrelas do meu<br />

imaturo carácter. Contudo, como me asseguraram ser verda<strong>de</strong> o que estava escrito no Capítulo V<br />

do livro "Alcoólicos Anónimos", sob o título "Como Funciona", que era possível recuperar-me do<br />

alcoolismo se "tivesse a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser honesto", tive que começar por aí.<br />

Honestamente, reconheci que o álcool me tornara seu escravo e que, apenas com a ajuda e força<br />

<strong>de</strong> outros <strong>alcoólicos</strong>, conseguira livrar-me <strong>de</strong>ssa escravidăo e apenas um dia <strong>de</strong> cada vez. Deste


modo, foi fácil enten<strong>de</strong>r que a minha vida <strong>de</strong>pendia mais <strong>de</strong> um Grupo do que mim próprio e que<br />

era vital para a minha sobrieda<strong>de</strong> manter esse Grupo. Também foi fácil perceber que o mais<br />

seguro e inteligente, era ajudar no que pu<strong>de</strong>sse para que mais <strong>alcoólicos</strong>, como eu, se juntassem<br />

ao Grupo.<br />

Foi <strong>de</strong>sta forma que, na altura, por <strong>uma</strong> questăo <strong>de</strong> sobrevivência, me dispus a enfrentar alguns<br />

dos meus <strong>de</strong>feitos e a iniciar um processo <strong>de</strong> mudança que me sugeriam, como <strong>uma</strong> razoável<br />

garantia <strong>de</strong> me manter afastado do álcool. Dispus, pois, <strong>de</strong> parte do meu tempo e <strong>de</strong> algum do<br />

meu dinheiro e envolvi-me no serviço da comunida<strong>de</strong>. A verda<strong>de</strong> é que a última bebe<strong>de</strong>ira e a<br />

angústia da respectiva ressaca, iam ficando mais longe; os meus olhos iam adquirindo a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver as pessoas e as coisas <strong>de</strong> outra maneira, e esta, mais em consonância com as<br />

realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste mundo. Ao mesmo tempo, o instinto <strong>de</strong> sobrevivência foi sendo substituído por<br />

...reconheci que o álcool me tornara seu escravo...<br />

um sentimento <strong>de</strong> pertença e <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, a ponto <strong>de</strong> começar a dar priorida<strong>de</strong> ao<br />

interesse colectivo sobre os meus interesses pessoais.<br />

Demorei anos neste processo, os mesmos <strong>de</strong> que necessitei para perceber a "auto-suficiência"<br />

financeira <strong>de</strong> AA nas suas várias vertentes e para a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, através das minhas voluntárias e<br />

conscientes contribuiçőes. Entendi que, na Tradiçăo Sete, que recomenda a auto-suficiência da<br />

comunida<strong>de</strong>, se alicerçam outras das nossas Doze Tradiçőes. E que estas, garantem que AA se<br />

mantenha como é e nunca venha a ser outra coisa qualquer; assegura, ao năo ter influências <strong>de</strong><br />

fora, que haverá sempre <strong>uma</strong> porta aberta para quem precisa, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da cor da pele,<br />

do sexo, ida<strong>de</strong>, da religiăo ou da classe social; assegura também, que năo teremos entre nós lutas<br />

motivadas pelo po<strong>de</strong>r, prestígio e dinheiro e contraria, que pessoas individuais ou colectivas, se<br />

sirvam <strong>de</strong> AA em proveito próprio. Faz com que AA permaneça <strong>uma</strong> comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iguais, com<br />

um único propósito primordial e on<strong>de</strong>, os nossos lí<strong>de</strong>res săo escolhidos e eleitos pelas suas<br />

<strong>de</strong>monstradas capacida<strong>de</strong>s, à luz dos nossos princípios, e nunca por estatuto, seja ele qual for.<br />

...tive <strong>de</strong> conseguir alg<strong>uma</strong> humilda<strong>de</strong>...<br />

Ainda, dá condiçőes para que qualquer um <strong>de</strong> nós, individualmente ou em conjunto possa dizer, a<br />

quem precise, que encontramos <strong>uma</strong> soluçăo para o nosso problema <strong>de</strong> alcoolismo e que essa<br />

soluçăo está a resultar para nós. Tudo isto torna possível que AA seja um porto seguro para<br />

milhares e milhares <strong>de</strong> <strong>alcoólicos</strong>, como eu, que vivemos gran<strong>de</strong> parte das nossas vidas num mar<br />

<strong>de</strong> angústias e <strong>de</strong>sesperança. Tive que me forçar a <strong>de</strong>sfazer-me <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> arrogância, que<br />

mostrava, quando dizia a alguém <strong>de</strong> for que AA só aceitava contribuiçőes dos seus membros;<br />

também foi necessário ser honesto para reconhecer perante outros que, gran<strong>de</strong> parte da minha<br />

vida <strong>de</strong> bebedor <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>u em gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma ou <strong>de</strong> outra, da intervençăo <strong>de</strong><br />

terceiros para resolver os meus problemas; finalmente, tive <strong>de</strong> conseguir alg<strong>uma</strong> humilda<strong>de</strong> para<br />

explicar que agora estava treinando outra forma <strong>de</strong> estar na vida, apren<strong>de</strong>ndo a viver <strong>de</strong> acordo<br />

com a minha realida<strong>de</strong>, inclusive a financeira, e como isso era (e é) importante para me manter<br />

sem beber. Muito facilmente, qualquer um perceberá que AA, como eu próprio, qualquer pessoa<br />

ou organizaçăo, năo vive do ar. E se năo recebe contribuiçőes <strong>de</strong> fora, alguém terá <strong>de</strong> assumir a<br />

sua manutençăo. E a quem melhor caberia esse papel, senăo aos próprios membros <strong>de</strong> AA?<br />

Longe vai o início da década <strong>de</strong> 90 quando, a um centro <strong>de</strong> tratamento on<strong>de</strong> me encontrava<br />

internado, dois membros <strong>de</strong> AA foram dizer que era possível um alcoólico, salvar-se das garras do<br />

alcoolismo. Neste meio tempo adquiri, readquiri ou<br />

<strong>de</strong>senvolvi alg<strong>uma</strong>s coisas que, actualmente, săo<br />

fundamentais para a harmonia da minha vida.<br />

De entre estas, <strong>de</strong>staco, sem hesitaçőes duas: <strong>uma</strong> <strong>de</strong>las, dá<br />

pelo nome <strong>de</strong> 'Gratidăo', palavra que me parece mal


compreendida muitas das vezes que a ela se referem. Para mim, "Gratidăo" <strong>de</strong>signa um<br />

sentimento quente, amistoso, avesso à apatia e ao imobilismo, adversário <strong>de</strong>clarado da preguiça e<br />

do comodismo, entre outros tantos <strong>de</strong>feitos; a gratidăo, faz com que sinta e queira partilhar o que<br />

tenho com outros, agindo com entusiasmo, fazendo parte com empenhamento, comprometendome<br />

sem reservas e responsavelmente e, <strong>de</strong>scartando, qualquer hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa para o<br />

inverso. A outra, <strong>de</strong>fino como um "apuramento" do conceito <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong> e que, em todos os<br />

aspectos da minha vida me convida a reflectir, a sentir e a agir segundo a real natureza das coisas<br />

e a aceitar-me e aceitar os outros n<strong>uma</strong> base <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> inegociável.<br />

E, nesta matéria, também entre a "auto-suficiência" <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos sempre que penso e<br />

<strong>de</strong>cido sobre o valor da minha voluntária contribuiçăo financeira: dos meus rendimentos actuais,<br />

<strong>de</strong>vidos sem dúvida à sobrieda<strong>de</strong> conseguida em AA, disponho <strong>de</strong> <strong>uma</strong> percentagem que acho<br />

justa, com verda<strong>de</strong>. A minha conscięncia anda tranquila acerca <strong>de</strong>sta questăo, a qual, coloquei<br />

num lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque das minhas priorida<strong>de</strong>s, na alínea "Obrigaçőes", completamente<br />

salvaguardada <strong>de</strong> eventuais frivolida<strong>de</strong>s que o meu ego ou vaida<strong>de</strong> ainda possam suscitar. A<br />

espiritualida<strong>de</strong>, que dizemos estar no nosso programa <strong>de</strong> Doze Passos e Doze Tradiçőes e,<br />

obviamente, na auto-suficiência <strong>de</strong> AA assegurada pelas contribuiçőes voluntárias dos membros,<br />

creio entendê-la e senti-la, hoje em dia <strong>de</strong> maneira muito clara.<br />

Quando, nas reuniőes <strong>de</strong> AA se fala da sua "auto-suficięncia" financeira, recorda-me<br />

sempre que "eu agora, estou em segurança..."<br />

Como, entretanto, muito mudou para melhor na minha vida, por todas as razőes eu terei sempre<br />

<strong>de</strong> fazer a minha parte, como membro responsável <strong>de</strong>sta comunida<strong>de</strong>: com algum do meu tempo<br />

e com algum do meu dinheiro. E, no meu espírito, é absolutamente claro que esse meu dinheiro<br />

sendo material, rápido se transformará em espiritual quando, ao próximo alcoólico que peça ajuda,<br />

seja passada a mensagem <strong>de</strong> esperança <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos.<br />

Agostinho N. - Área 09<br />

Toda ela, essa espiritualida<strong>de</strong>, visa manter-me sob a luz (năo sob as trevas), a salvo do álcool, ao<br />

mesmo tempo que me transforma num ser h<strong>uma</strong>no menos imperfeito, a ponto <strong>de</strong> querer ajudar a<br />

salvar outros e fazendo, para isso, o esforço necessário. Fez-me enten<strong>de</strong>r e praticar <strong>de</strong> maneira<br />

honesta a verda<strong>de</strong>ira i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>: "dar parte do que preciso e năo do que me sobra".<br />

Tanto do meu tempo, como do meu dinheiro. Assim, quando dou parte do meu dinheiro, penso no<br />

alcoólico que ainda sofre e urge alcançar; năo é mais e apenas um gesto <strong>de</strong> ocasiăo, um ritual<br />

mecânico que me integra no meio <strong>de</strong> outros ou apenas, mais um "porque sim". E, muito menos,<br />

movido por qualquer i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> ina<strong>de</strong>quada e sem sentido, pois AA năo é <strong>uma</strong> comunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> "coitadinhos". Esse papel, tomei-o muitas vezes sob o efeito do meu alcoolismo activo, no auge<br />

da minha doença. Em recuperaçăo, o usual é os membros <strong>de</strong> AA voltarem a ser cidadăos do<br />

mundo, <strong>de</strong> pleno direito, e responsáveis pelas suas acçőes e opçőes. tal como eu. quando, nas<br />

reuniőes <strong>de</strong> AA se fala da sua "auto-suficiência" financeira, recorda-me sempre que "eu agora<br />

estou em segurança; alguém me salvou. Mas, há muitos lá fora que văo morrer se năo chegarmos<br />

até eles. temos <strong>de</strong> meter măos ŕ obra."<br />

Experiências pessoais - Bato à porta dos Alcoólicos Anónimos<br />

"Bato à porta dos Alcoólicos Anónimos"<br />

Nasci n<strong>uma</strong> pequena al<strong>de</strong>ia. Uma escola. Uma igreja. Um cemitério. Seis tabernas. Debaixo das<br />

telhas ouvi histórias <strong>de</strong> embalar. A minha al<strong>de</strong>ia é o centro do Universo. Escavo na memória e só<br />

encontro pedras, casas em ruínas e mortos. Ladram căes na lonjura. As sombras metem medo.<br />

Medo <strong>de</strong> quê? Dorme. Esquece.


Bebi o primeiro copo <strong>de</strong> vinho aos sete anos. Aos oito, a primeira cerveja. Festejava os Natais,<br />

logo pela manhă, com cálices <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte doce. Nas longas tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Verăo bebia capilé às<br />

escondidas. Pai, afasta <strong>de</strong> mim esse cálice. N<strong>uma</strong> manhă <strong>de</strong> Setembro, ainda o sol năo tinha<br />

nascido, abalo da minha terra rumo ao <strong>de</strong>sconhecido. Vou pela estrada sem fim, converso e<br />

<strong>de</strong>sconverso, procuro dar um sentido ao năo sentido. Na linha do horizonte um petiz corre atrás<br />

das bolas <strong>de</strong> sabăo. O vento ondula as searas. Pássaros esvoaçam em volta dos ninhos. Uma<br />

nuvem <strong>de</strong> gafanhotos tapou o sol. O tempo escureceu. De que matéria săo os sonhos? Sempre<br />

tive a tendência mórbida para interrogaçőes abstractas e fui apanhado nas teias do álcool. Perdi a<br />

bússola interior.<br />

Caminho estrada fora e năo sei como, nem don<strong>de</strong>, oiço foguetes e música no ar. Paro e pergunto<br />

a um pastor que <strong>de</strong>scia pela encosta do monte: Há festa na al<strong>de</strong>ia?<br />

(Devido a <strong>uma</strong> falha estrutural do meu pensamento, sempre associei as alegrias e as tristezas ao<br />

consumo exagerado do álcool).<br />

Em vez <strong>de</strong> ir ao circo, dar <strong>uma</strong> volta pela montanha mágica ou comprar bilhete para assistir ao<br />

poço da morte, fui direito à taberna. Puxo um cigarro. Um quadro surrealista pendurado na pare<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sperta-me a atençăo. Lá fora, a multidăo bate palmas.<br />

Perdi a bússola interior.<br />

A quem? Porquê? Peço <strong>uma</strong> bebida. Estou bem disposto. Bebo e saboreio o momento. Uma onda<br />

<strong>de</strong> euforia toma conta <strong>de</strong> mim. I<strong>de</strong>ias coloridas bailam no ar. Consulto as horas. Deus năo se<br />

explica: admira-se. A Fé năo se <strong>de</strong>monstra: interioriza-se.<br />

Pago a conta e saio. De repente, o vazio, a insegurança, o medo <strong>de</strong> viver. Passo da euforia à<br />

angústia. A feira, as barracas da feira, os a<strong>de</strong>reços, as luzes da feira, as pessoas, tudo me é<br />

indiferente. Ao virar a esquina, dou <strong>de</strong> caras com o absurdo. "Como vim aqui parar?... Mais valia<br />

năo ter nascido!"<br />

Completamente <strong>de</strong>sorientado (falta-me a bússola), entro <strong>de</strong> novo na taberna. Bebo copos <strong>de</strong><br />

vinho, sem conta. Tenho vómitos e vomito. Discuto comigo. Digo mal do bem e bem do mal: - Olha<br />

quem chega... a excelsa melancolia!<br />

- Năo brinques. Querias ver-te livre <strong>de</strong> mim?<br />

- Perdăo. Mil vezes perdăo.<br />

- Vamos, ó Zé-ninguém!<br />

Saímos. A feira está <strong>de</strong>serta. Chove torrencialmente. Tropeço n<strong>uma</strong> pedra e caio na lama. A lua<br />

escon<strong>de</strong>u-se. As estrelas apagaram-se, <strong>uma</strong> a <strong>uma</strong>. Adormeci, sonhei que estava no mar alto.<br />

Lanço um SOS.<br />

Maio <strong>de</strong> 2007. Bato à porta dos Alcoólicos Anónimos.<br />

Uma gran<strong>de</strong> caminhada começa com o primeiro passo.<br />

Bem-Haja.<br />

Lino G. - Área 09


Experiências pessoais - Mudava, ou morria.<br />

Mudava, ou morria.<br />

Sabia que tinha um problema com a bebida. Queria parar, jurava a mim própria que hoje é que era<br />

para valer!<br />

Hoje, até tinha ido ao supermercado e tinha feito questăo <strong>de</strong> năo comprar bebidas alcoólicas. Mas,<br />

ao chegar a casa, olhei à minha volta, e como năo conseguia funcionar, meti-me no carro e dirigime<br />

ao supermercado mais próximo (mais ou menos seis quilómetros) e comprei o bendito pacote<br />

<strong>de</strong> vinho rasca; qualquer coisa servia. Ao voltar a casa, estava mais tranquila. Afinal, só um copo<br />

ou dois, que era <strong>de</strong> certeza o que ia beber, também năo fazia mal e amanhă, entăo parava. Era<br />

realmente este o meu pensamento, mas bebi o pacote e mais <strong>uma</strong> vez năo chegou. Para năo<br />

voltar à cida<strong>de</strong>, fui mesmo à taberna próxima <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vivia. Na verda<strong>de</strong>, precisava <strong>de</strong> vinho para a<br />

comida...<br />

Quem é que eu queria enganar? Aos outros ou a mim? A mim sem dúvida.<br />

Bebia às escondidas, escondia os pacotes e as garrafas nos lugares mais insólitos para năo ser<br />

apanhada a beber e negando que tivesse bebido - como năo se visse o quanto ficava perdida <strong>de</strong><br />

bębeda e as nódoas negras nas pernas dos trambolhőes da bebe<strong>de</strong>ira anterior. Bebia em serviço,<br />

provoquei um aci<strong>de</strong>nte com <strong>uma</strong> taxa <strong>de</strong> alcoolémia <strong>de</strong> 2.2, cheguei a ir trabalhar <strong>de</strong> cabeça<br />

partida e a sangrar, mas nenh<strong>uma</strong> <strong>de</strong>stas insanida<strong>de</strong>s me levaram a parar <strong>de</strong> beber.<br />

Fui internada <strong>uma</strong> primeira vez por sugestăo <strong>de</strong> pessoas que trabalhavam comigo. Oito dias após<br />

tive alta. Saí medicada e năo conseguindo comunicar com a minha família (marido), saí sozinha.<br />

Fui procurar um "expresso" para a minha cida<strong>de</strong> mas, como há oito dias năo bebia, năo resisti, fui<br />

ao supermercado em frente e bebi <strong>uma</strong>s cervejas. Sei que cheguei a casa mas nem sei bem<br />

como: alucinaçőes, dificulda<strong>de</strong> em respirar, parecia que o coraçăo ia parar. Nessa noite năo<br />

consegui sequer <strong>de</strong>itar-me, tal era o mal-estar que sentia, mas năo me queixei.<br />

De novo a trabalhar, passaram alguns dias que năo bebi; mas um dia e nos seguintes, voltou tudo<br />

ao mesmo. Foi ao final <strong>de</strong> um dia <strong>de</strong> <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> bebe<strong>de</strong>ira, ao esquecer-me <strong>de</strong> dar um<br />

comprimido <strong>de</strong>sparasitante a um dos nossos căes (isto fez toda a diferença), o meu ex marido<br />

insultou-me, como fazia sempre. Discutimos muito... năo sei bem precisar pois já eram tantas as<br />

mágoas, os danos... Sei que nessa noite ele fechou-me a porta do quarto e năo me <strong>de</strong>ixou entrar.<br />

Foi nessa altura que pensei para mim: "nunca mais me fecharás a porta do quarto .<br />

Pensei também: "isto tem <strong>de</strong> terminar!". Este sofrimento que sentia e que transpunha para os<br />

outros tinha <strong>de</strong> ter um fim.<br />

Fui dormir n<strong>uma</strong> sala ao lado e nessa noite, ainda bêbeda, <strong>de</strong>cidi que no dia seguinte tinha <strong>de</strong><br />

mudar a minha vida: ou morria ou mudava.<br />

Optei por morrer e comecei a planear o meu suicídio.<br />

Como sabia que ninguém estaria em casa nessa manhã tomei medicamentos em quantida<strong>de</strong> letal.<br />

Mas... o meu ex marido voltou a casa, chamando a filha para ir ver <strong>de</strong> mim... Levaram-me para o<br />

hospital, em coma, e salvei-me. A minha filha disse-me: - "Tu precisas <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, vai<br />

à lista telefónica".<br />

Nesta altura da minha vida já nada me fazia sentido. Tinha falhado em tudo: como măe, esposa,<br />

profissional... - O que restava <strong>de</strong> mim afinal? O trabalho, e eu năo podia per<strong>de</strong>r o meu trabalho.<br />

Fui internada no hospital psiquiátrico da cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vivo. Aí, o enfermeiro falou-me da bebida, <strong>de</strong><br />

consumos e <strong>de</strong>u-me o livro "Viver Sóbrio" para ler durante a semana seguinte. Foram-me


sugerindo que fosse às reuniőes <strong>de</strong> AA. Fiquei cheia <strong>de</strong> medos e receios que partilhei com o<br />

enfermeiro que me respon<strong>de</strong>u com <strong>uma</strong> frase que até hoje năo esqueci: "Conforme tu te<br />

mostrares aos outros será assim que eles te vêem."<br />

Lembro-me da minha primeira reuniăo. Fiquei muito contente porque havia mais mulheres - afinal<br />

eu năo era a única. I<strong>de</strong>ntifiquei-me com as partilhas que ouvi e achei as pessoas maravilhosas.<br />

Senti que estava no lugar certo. Havia algo que eu năo sabia explicar mas que me fazia sentir<br />

bem.<br />

Tinha dito que vinha cheia <strong>de</strong> força para parar <strong>de</strong> beber e logo um companheiro disse que a "força<br />

<strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>" <strong>de</strong> nada me servia. O necessário era ter "boa vonta<strong>de</strong>, mente aberta e honestida<strong>de</strong>".<br />

Eu năo entendi muito bem o que me queria dizer com aquilo, mas queria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber e <strong>uma</strong><br />

coisa foi importante para mim. Lembro-me <strong>de</strong> ter pensado: se ele é homem e conseguiu, para mim<br />

é mais fácil porque sou mulher.<br />

No primeiro mês a frequentar as reuniőes apanhei a minha última bebe<strong>de</strong>ira, e partilhei sobre isso<br />

na reuniăo. Até hoje năo voltei a beber.<br />

Tem sido com o programa, um dia <strong>de</strong> cada vez, <strong>uma</strong> vezes mais <strong>de</strong>pressa outras mais <strong>de</strong>vagar,<br />

que tenho conseguido alg<strong>uma</strong> auto estima e é a luz ao fundo do túnel que me <strong>de</strong>u vida para a vida<br />

e me conduz.<br />

Năo pretendo a perfeiçăo, mas procuro ser honesta comigo e responsável pela minha vida. De<br />

cabeça erguida e sem esquecer aquilo que sou (alcoólica em recuperaçăo), para fazer bem feito o<br />

primeiro passo e tentar ao longo da vida aplicar os restantes onze passos do nosso programa o<br />

melhor que souber e pu<strong>de</strong>r.<br />

Até há alg<strong>uma</strong>s 24 horas atrás, ouviam-me dizer que eu sabia o que năo queria; hoje sei o que<br />

quero para a minha vida e essa conscięncia <strong>de</strong>vo-a a AA e ao que chamo crescimento espiritual.<br />

Hoje sou respeitada no meu local <strong>de</strong> trabalho. Ganhei a confiança das pessoas, sou responsável.<br />

Também ganhei o respeito dos meus filhos, fui capaz <strong>de</strong> pedir <strong>de</strong>sculpas e isso, <strong>de</strong>vo-o a AA.<br />

Tento conduzir a minha vida sem raivas e sem ressentimentos. Tenho por hábito dizer que năo me<br />

posso dar ao luxo <strong>de</strong> ter tais sentimentos, pois eles săo um impedimento para o meu crescimento<br />

espiritual. Com tolerância, humilda<strong>de</strong> e muito amor, tento trabalhar os meus <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> carácter,<br />

apren<strong>de</strong>r a viver a vida e alterar as minhas atitu<strong>de</strong>s.<br />

Năo <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ter problemas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> chegar a AA. Mas hoje tenho a capacida<strong>de</strong>, se eu a quiser<br />

usar, <strong>de</strong> tentar aceitar o que năo posso modificar e <strong>de</strong> modificar aquilo que posso; peço a Deus<br />

sabedoria para distinguir <strong>uma</strong>s coisas das outras.<br />

Hoje entendo perfeitamente um companheiro nosso quando diz: "Ainda bem que sou alcoólico".<br />

Porque se o năo fosse, năo tinha conhecido um programa que năo é só para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber. É<br />

também um programa <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s perante a vida, para toda a vida.<br />

"AA năo é <strong>uma</strong> história <strong>de</strong> sucesso no sentido comum da palavra. É a história do sofrimento<br />

transformado, pela graça <strong>de</strong> Deus, em progresso espiritual." ( Na Opiniăo <strong>de</strong> Bill )*.<br />

Só por hoje năo bebi e quero năo beber. A todos os companheiros muita serenida<strong>de</strong> e + 24 horas.<br />

Maria - Área 09<br />

*(Bill W. - co-fundador <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos)


Experiências pessoais - A minha vida é um jogo<br />

A minha vida é um jogo<br />

Sou militar e tenho quarenta e três anos. Comecei a ter contacto com o álcool pelos meus<br />

<strong>de</strong>zassete anos. Quando comecei a trabalhar, comecei também a ter um pouco <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência.<br />

Já tinha a chave <strong>de</strong> casa e entrava às horas que queria, já podia ir para a discoteca e festivais<br />

com os meus amigos mas, também ajudava alg<strong>uma</strong> coisa em casa. Entrei na vida militar aos<br />

meus vinte anos e já me sentia totalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte na vida. Fiz a recruta e ainda a<br />

especialida<strong>de</strong>, durante <strong>de</strong>zoito semanas. Năo se bebia álcool e, mesmo que quisesse, năo o podia<br />

fazer pois era proibido a um aluno recruta. Tinha licença às quartas-feiras, aos sábados e<br />

domingos. Às quartas-feiras, năo bebia muito porque, no outro dia, tinha que me apresentar ao<br />

serviço mas, nos fins-<strong>de</strong>-semana, ia com os meus amigos para as discotecas, para os petiscos e<br />

entăo já consumia um pouco mais.<br />

Acabei essas <strong>de</strong>zoito semanas, "jurei ban<strong>de</strong>ira" e fui para a unida<strong>de</strong> da escola <strong>de</strong> fuzileiros, on<strong>de</strong><br />

estive vinte e sete meses. O meu serviço era na área <strong>de</strong> alimentaçăo para a campanha dos<br />

exercícios e tinha saídas para o mato. Nesses dias que eu passava com os fuzileiros e que eram<br />

Todas as reuniőes săo muito importantes para a minha recuperaçăo...<br />

entre sete a quinze, conforme a missăo dos exercícios, comecei a beber<br />

mais. Fazia petiscos para todos. Logo pela manhă, o nosso pequeno-almoço<br />

era bifanas acompanhadas com cerveja e vinho. Parávamos por algum<br />

tempo até fazer a hora do almoço e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ste e <strong>de</strong> tudo estar feito,<br />

voltávamos ao nosso convívio neste ambiente, no mato ou <strong>de</strong>ntro da<br />

unida<strong>de</strong>. Havia sempre um motivo para beber e, a todos os que năo queriam,<br />

chamávamos meninos copo <strong>de</strong> leite. A minha vida foi um jogo <strong>de</strong> xadrez em que as peças<br />

estiveram fora do lugar.<br />

Agora, se essas peças năo estiverem no tabuleiro e no sítio certo, năo consigo ter honestida<strong>de</strong> e<br />

humilda<strong>de</strong> perante os outros. Transporto esta i<strong>de</strong>ia do jogo <strong>de</strong> xadrez para a minha vida, como<br />

<strong>uma</strong> orientaçăo e um equilíbrio. As peças mais importantes para mim, o rei e a rainha, săo os dois<br />

símbolos que significam a minha vida. A rainha é a minha <strong>de</strong>fesa, a que me protege perante o<br />

álcool. O rei, a minha firmeza no querer vencer todos os males. As outras peças <strong>de</strong>ste meu<br />

tabuleiro (Recuperaçăo, Honestida<strong>de</strong>, Humilda<strong>de</strong>, o meu <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos e a minha<br />

querida revista Partilhar), săo auxiliares <strong>de</strong>fensivos aos ataques à minha rainha e ao meu rei. É<br />

com tudo isto que consigo lidar com aquilo que me aparece no dia-a-dia. Po<strong>de</strong>m parecer teimosia<br />

as minhas convicçőes <strong>de</strong> agora mas, na realida<strong>de</strong>, só com firmeza <strong>de</strong> carácter consigo encarar a<br />

minha doença do alcoolismo e contorná-la para năo voltar a passar pelo mesmo. Estou muito<br />

agra<strong>de</strong>cido a todos os <strong>grupo</strong>s <strong>de</strong> AA, a todos os companheiros que escrevem para a revista e a<br />

todos os que me acompanharam quando estive internado - sozinho eu năo teria conseguido.<br />

Agra<strong>de</strong>ço ao meu <strong>grupo</strong> pelo carinho que me transmite. Todas as reuniőes săo muito importantes<br />

para a minha recuperaçăo.<br />

Carlos S. - Área 08<br />

Experiências pessoais - Hoje, tenho <strong>uma</strong> escolha!<br />

Hoje, tenho <strong>uma</strong> escolha!<br />

Hoje, dia 27 <strong>de</strong> Julho, faço sete meses que estou em recuperaçăo. Ofereço esta partilha <strong>de</strong><br />

coraçăo aberto a todos aqueles que năo tęm o privilégio como eu, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ir a <strong>uma</strong> reuniăo todos


os dias se eu quiser. Esta partilha simboliza gratidăo, <strong>uma</strong> fé que alimento diariamente, a<br />

aprendizagem do que é verda<strong>de</strong>iramente a honestida<strong>de</strong>, um contentor cheio <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> e, a<br />

esperança <strong>de</strong> que juntos somos capazes do que pelo menos eu sozinha năo fui.<br />

Percebi finalmente que este programa é um projecto <strong>de</strong> vida nova. As promessas cumprem-se,<br />

se eu puser acçăo na minha vida. Alcoólicos Anónimos năo significa só <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber. É muito<br />

para além disso. É acreditar que <strong>existe</strong> um paraíso, lá, on<strong>de</strong> a minha imaginaçăo <strong>de</strong> alcoólica os<br />

sequer sonhou. É acreditar num Po<strong>de</strong>r Superior cheio <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> paz que me conduzirá ao meu<br />

bem supremo. Para tal, só necessito <strong>de</strong> ser honesta, ter boa vonta<strong>de</strong> e <strong>uma</strong> mente aberta. É<br />

confiar nas sugestőes dos Grupos. É ouvindo partilhas. É lendo literatura. É elegendo um padrinho<br />

ou madrinha que sejam dignos <strong>de</strong> respeito e admiraçăo pela recuperaçăo que possuem. É<br />

acreditando nas experiências dos que já passaram por isto. É seguindo aqueles que praticam<br />

diariamente o programa. É apren<strong>de</strong>ndo a amar, oferecendo aos outros, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />

eles retribuírem ou năo. É fazendo os passos com toda a honestida<strong>de</strong>.<br />

Venho <strong>de</strong> <strong>uma</strong> família disfuncional. Terceira na linhagem <strong>de</strong>crescente, sempre me senti diferente<br />

e, apesar das semelhanças físicas eu exclamava que năo era filha dos meus pais. Entrei pela<br />

segunda vez em recuperaçăo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter conhecido este programa, há muitos anos atrás.<br />

Ambas as vezes entrei pelas razőes erradas - as <strong>de</strong>pressőes. Neguei sempre a mim mesma que<br />

era <strong>uma</strong> alcoólica. Justifiquei e culpei todos, menos a mim própria. Tinha graves, verda<strong>de</strong>iras e<br />

sérias acusaçőes que justificariam todas as minhas <strong>de</strong>pressőes, todas as minhas bebe<strong>de</strong>iras,<br />

todos os anti-<strong>de</strong>pressivos e ansiolíticos dos quais <strong>de</strong>pendi. Vivi sempre relaçőes <strong>de</strong>sequilibradas.<br />

Permaneci em negaçăo até ter entrado pela segunda vez em recuperaçăo e, mesmo assim, năo o<br />

admitia perante mim mesma. Para mim, tinha um problema muito maior e muito pior que o álcool.<br />

...só necessito ser honesta...<br />

As minhas perturbaçőes mentais e emocionais eram verda<strong>de</strong>iros tormentos. Estava a enlouquecer<br />

a um ritmo alucinante. Paradoxalmente, quando entrei <strong>de</strong> novo nas salas <strong>de</strong> AA, percebi que,<br />

apesar do meu problema năo ser o álcool (pensava eu), estava no lugar certo. Hoje, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />

finalmente feito o meu primeiro passo, percebi que an<strong>de</strong>i a tentar controlar o álcool estes anos<br />

todos. Que perigo, quanta insanida<strong>de</strong>. N<strong>uma</strong> busca <strong>de</strong>sesperada, precisava <strong>de</strong> encontrar o<br />

motivo, pelo qual me tinha tornado <strong>uma</strong> alcoólica.<br />

Finalmente penso ter <strong>de</strong>scoberto a verda<strong>de</strong>ira causa. A resposta chegou quando por fim aceitei<br />

com toda a honestida<strong>de</strong> começar a praticar os passos e em especial, quando a minha madrinha<br />

achou que era altura <strong>de</strong> eu escrever o meu Quarto Passo. Percebi entăo que tinha estado em<br />

negaçăo todos estes anos, incluindo todos estes meses já em recuperaçăo. A incapacida<strong>de</strong> para<br />

aceitar-me verda<strong>de</strong>iramente, era tăo ferozmente resistente, tăo renitente, que prolonguei o meu<br />

sofrimento, até a dor me <strong>de</strong>struir sem dó nem pieda<strong>de</strong>. Foi entăo e só nesse momento que admiti<br />

todos os meus <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> carácter. Tive <strong>de</strong> recorrer a toda a literatura que o AA dispőe, pedir<br />

ajuda a alguns companheiros(as), pedir exemplos, directrizes, para que eu finalmente pu<strong>de</strong>sse<br />

começar a <strong>de</strong>molir o cimento das pare<strong>de</strong>s dos inúmeros andares que tinha edificado, ao longo <strong>de</strong><br />

todos estes anos, na minha mente alcoólica, manhosa, <strong>de</strong>sconcertante e po<strong>de</strong>rosa. O<br />

emaranhado era <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m gran<strong>de</strong> que se assemelhava a <strong>uma</strong> teia <strong>de</strong> aranha<br />

assustadoramente gigante e viscosa. A princípio, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter partilhado sincera gratidăo durante<br />

os primeiros cinco meses, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter seguido todas as sugestőes da minha madrinha, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> ter percebido que se eu entregasse a minha vida aos cuidados <strong>de</strong> Deus como eu O concebo,<br />

tudo era mais fácil; fui tendo <strong>uma</strong> recuperaçăo milagrosa.<br />

Foi assim que acost<strong>uma</strong>da a <strong>de</strong>safios, voluntariosa e caprichosa, a fazer tudo à minha maneira,<br />

<strong>de</strong>vagarinho, como quem năo quer dar a enten<strong>de</strong>r a ninguém, nem às pare<strong>de</strong>s eu me confessava,<br />

comecei a praticar o programa à minha maneira, como eu o entendia e năo como os outros<br />

experimentaram, porque eu sabia mais e muito melhor, eu era cheia <strong>de</strong> convicçőes, eu é que


estava certa, eu é que sabia tudo. EU, EU, EU. E surda, mais surda que um surdo que năo quer<br />

ouvir, completamente cega, envolvi-me n<strong>uma</strong> relaçăo muito doente e <strong>de</strong> novo mergulhei no fundo<br />

do poço emocional.<br />

...prolonguei o meu sofrimento, até a dor me <strong>de</strong>struir...<br />

Passado este tempo tive a companhia <strong>de</strong> Deus, que nunca me abandonou, amando-me<br />

incansável e incondicionalmente. Estou a ser seguida por <strong>uma</strong> profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

especializada nesta área e recomecei a fazer reuniőes diariamente. Horrorizada com o que atraí<br />

pensava que, já estando em recuperaçăo, só po<strong>de</strong>ria atrair gente maravilhosa. Percebi finalmente,<br />

ao começar a fazer um <strong>de</strong>stemido inventário <strong>de</strong> mim própria, que só ao reconhecer humil<strong>de</strong>mente<br />

as minhas imperfeiçőes e os meus <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> carácter, pu<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que tinha <strong>de</strong> parar <strong>de</strong><br />

falar dos outros, culpando-os sistematicamente e finalmente, começar a olhar para mim. Percebi<br />

quăo egoísta, quăo egocęntrica, quăo orgulhosa, quăo manipuladora, quăo preguiçosa tenho sido<br />

ao longo <strong>de</strong>stes meses, para só agora me ter disponibilizado a partilhar convosco o que há muito<br />

já po<strong>de</strong>ria ter feito. A minha arrogância era tăo camuflada, que eu năo a conseguia <strong>de</strong>tectar.<br />

No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vida sempre pensei e, pior, acreditei sinceramente que era um ser h<strong>uma</strong>no<br />

humil<strong>de</strong>, sempre atenta às necessida<strong>de</strong>s alheias, generosa, sensível, <strong>de</strong>licada, sempre pronta a<br />

ajudar, sempre disponível e, à semelhança do maior exemplo h<strong>uma</strong>no, estendia a outra face para<br />

me esbofetearem quando me maltratavam. Desgraçadamente tinha-me tornado n<strong>uma</strong> vítima.<br />

Um dia <strong>de</strong> cada vez, por vezes meio-dia <strong>de</strong> cada vez, vou apren<strong>de</strong>ndo a viver a vida seguindo as<br />

sugestőes do programa. Umas vezes <strong>de</strong>vagar outras mais <strong>de</strong>pressa. Este modo <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> facto,<br />

é só para quem quer, năo é para quem precisa. Eu sei que hoje tenho <strong>uma</strong> escolha.<br />

Quero agra<strong>de</strong>cer ao meu Po<strong>de</strong>r Superior e a todos os que tornaram possível este momento<br />

precioso na minha vida. Que Ele nos abençoe e nos proteja.<br />

Teresa - Área 07<br />

Experiências pessoais - Partilha em AA<br />

Partilha em AA<br />

Pe<strong>de</strong>m-me com alg<strong>uma</strong> frequência que escreva <strong>uma</strong>s linhas para a nossa revista "Partilhar ".<br />

Năo o tenho feito porque receio ver-me envolvido num processo do tipo "parafuso <strong>de</strong> Arquime<strong>de</strong>s";<br />

começar e nunca mais parar. Em Alcoólicos Anónimos também se exercita a disciplina, e é o que<br />

vou tentar fazer. Cheguei ao Grupo Serenida<strong>de</strong> da Pare<strong>de</strong> por măo amiga, o José que me<br />

telefonou três dias antes, preocupado com o meu estado, logo ele que tinha sido testemunha,<br />

durante <strong>uma</strong> viagem <strong>de</strong> trabalho aos Açores, da situaçăo em que me encontrava, cada vez mais<br />

atirado para o fundo. Costumo dizer que pior do que "bater no fundo" é chegar ao "beco sem<br />

saída". Creio que as gran<strong>de</strong>s diferenças nestes dois conceitos săo nítidas e servem-me muito<br />

como ajuda para <strong>de</strong>tectar os meus estados. Se hoje posso dizer que estou muito melhor e no<br />

caminho certo, năo posso no entanto <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> constatar que sem os companheiros, sem as<br />

reuniőes, sem a literatura e sem <strong>uma</strong> vonta<strong>de</strong> gigantesca <strong>de</strong> melhorar năo estaria aqui hoje a<br />

partilhar convosco este meu primeiro ano <strong>de</strong> AA. Sou um felizardo. O José telefonou-me e só o<br />

meu Po<strong>de</strong>r Superior sabe quanto esperei esse telefonema. Em vez <strong>de</strong> lhe ter respondido sim,<br />

perguntei-lhe prontamente a que horas e on<strong>de</strong> era a reuniăo; vim para a Pare<strong>de</strong>, adoro esta sala,<br />

e faço estes cinquenta quilómetros com o prazer com que só se <strong>de</strong>ve ir para o Paraíso...<br />

Se alg<strong>uma</strong> vez na minha vida a repetiçăo se me revelou inovadora é aqui, nas minhas viagens<br />

permanentes <strong>de</strong> Lisboa até cá. Săo os companheiros que aqui vim a conhecer que me "chamam"


para o convívio que julguei impossível na minha vida - é <strong>bom</strong> năo esquecer aquele meu <strong>de</strong>feito <strong>de</strong><br />

carácter - "já năo tenho ida<strong>de</strong> para fazer mais amigos...". Năo digo que sou um felizardo à toa.<br />

Resisti ao alcoolismo no activo anos e anos a fio. A doença foi sempre vencendo pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

beber, dia após dia, num ciclo infernal que me conduziu àquela absurda situaçăo <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />

que <strong>uma</strong> simples <strong>de</strong>slocaçăo <strong>de</strong> meia dúzia <strong>de</strong> passos já só se processava se <strong>de</strong>vidamente<br />

acompanhada <strong>de</strong> um ou vários copos. Os que me conhecem sabem que tenho responsabilida<strong>de</strong>s<br />

acrescidas <strong>de</strong>vido à exposiçăo mais ou menos sistemática a que me obriga a minha profissăo.<br />

Sabem também que eu próprio ponho os princípios à frente das personalida<strong>de</strong>s e que me esforço<br />

muito para que a minha profissăo năo tenha qualquer interferęncia com AA no meu processo <strong>de</strong><br />

recuperaçăo do alcoolismo. Se é verda<strong>de</strong> que é impossível omitir quem eu possa ser<br />

publicamente, năo é menos verda<strong>de</strong> que esse factor tem servido para todos nós como<br />

confirmaçăo <strong>de</strong> que em AA todos somos tratados e todos tratamos todos na plena e profunda<br />

igualda<strong>de</strong> que nos distingue. Ser felizardo é năo ter que fazer qualquer esforço para vir às<br />

reuniőes, é encarar a sala a que pertenço como o local da felicida<strong>de</strong> que julguei năo existir. Ser<br />

felizardo é ter <strong>de</strong>scoberto que nas aparentes diferenças <strong>de</strong><br />

processos <strong>de</strong> vida po<strong>de</strong> existir <strong>uma</strong> semelhança muito mais<br />

forte do que um laço familiar.<br />

Ser felizardo é ter sempre esta disposiçăo para sugerir que o<br />

riso e o sentido <strong>de</strong> humor săo bens que jamais po<strong>de</strong>remos<br />

per<strong>de</strong>r, sob pena <strong>de</strong> transformarmos AA n<strong>uma</strong> "missa"<br />

redutora que nos po<strong>de</strong> castrar para além do que os nossos anos <strong>de</strong> sofrimento pu<strong>de</strong>ram permitir.<br />

Sou um felizardo porque vos conheci já no limite do meu tempo <strong>de</strong> ainda conseguir aceitar que,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanta tentativa sem consequências, o único caminho que um doente como eu podia<br />

seguir era este que hoje completa apenas um ano mas que me salvou a vida. Sou um felizardo<br />

porque a minha família compreen<strong>de</strong>u que năo era justo consumir-me o resto das forças com<br />

recriminaçőes estéreis que só me aproximavam, ainda mais, do <strong>de</strong>sastre absoluto.<br />

Năo tenho ilusőes. O álcool está aí, engarrafado das maneiras mais sugestivas e "enternecedoras"<br />

para me enganar em qualquer altura. O álcool sabe esperar, nós é que năo. Em qualquer<br />

empurrăo da vida posso ir <strong>de</strong> caras contra o copo e pôr a minha vida em sério risco, outra vez.<br />

Mas atençăo. A partir <strong>de</strong> AA na minha vida, nada voltará e ser como foi. Acabaram-se as<br />

<strong>de</strong>sculpas <strong>de</strong> năo saber o que fazer, năo ter para on<strong>de</strong> me virar, năo saber a quem recorrer, "que<br />

sozinho que eu me sinto". AA năo é um processo mole nem é <strong>uma</strong> terapia doce. A sua estrutura<br />

tem tanto <strong>de</strong> sinceramente h<strong>uma</strong>no quanto <strong>de</strong> rigorosamente inflexível. AA é um processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminaçăo universal, que viaja nas águas do entendimento do ser h<strong>uma</strong>no, no respeito do<br />

individual e na rejeiçăo do individualismo. Tentar enganar - como faz qualquer <strong>bom</strong> alcoólico que<br />

se preze... - AA, é <strong>uma</strong> pura perda <strong>de</strong> tempo e mais <strong>uma</strong> tábua no lindíssimo caixăo que esta<br />

nossa doença está sempre, tăo solícita, a preparar para nós.<br />

Năo posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> me dirigir aos companheiros que aqui encontrei nos meus primeiros dias em<br />

AA.<br />

A amiza<strong>de</strong> năo será para agra<strong>de</strong>cer, dizem, mas pelo menos aceitem que muitas vezes digo a<br />

Oraçăo da Serenida<strong>de</strong> e penso em todos vós, queridos companheiros. Pouco ou nada posso fazer<br />

pelas vossas vidas e por tantos problemas que vocês tentam resolver com coragem e amor. Mas<br />

quero que saibam que estou com todos vós, on<strong>de</strong> quer que me encontre, em qualquer situaçăo,<br />

sempre seguro <strong>de</strong> que ao encontrar-vos <strong>de</strong>scobri para mim e para os que me viram em sofrimento<br />

<strong>uma</strong> vida mais bonita, aquela mesma vida que do coraçăo <strong>de</strong>sejo para todos os que aqui<br />

chegaram <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mim, e que continuarăo a chegar, enquanto AA for a casa e a consciência <strong>de</strong><br />

acolhimento <strong>de</strong> que as nossas vidas tanto necessitaram e necessitam. A vida tem <strong>de</strong>stas coisas:<br />

terá sido necessário ser alcoólico para finalmente começar a vislumbrar, lá ao longe, a luzinha que<br />

nos leva à espiritualida<strong>de</strong>?


Fernando - Área 07<br />

Experiências pessoais - Afinal, tenho <strong>uma</strong> vida...<br />

Afinal, tenho <strong>uma</strong> vida...<br />

Agarrava-me à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que, enquanto bebia, năo fazia mal a ninguém a năo ser a mim próprio. A<br />

minha família năo sofria porque eu pagava as contas, năo bebia álcool em casa e năo faltava ao<br />

trabalho. A minha filha e a măe năo sofriam porque eu estava presente. Afinal, que mal é que eu<br />

lhes fazia? Nada que năo fosse remediado com um pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas.<br />

Hoje, em Alcoólicos Anónimos, compreendo o mal que lhes fiz e a mim próprio. Consegui<br />

compreen<strong>de</strong>r que bebia para escon<strong>de</strong>r a minha timi<strong>de</strong>z e para esquecer a minha <strong>de</strong>ficiência.<br />

Agora entendo que o meu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r e esquecer năo surtia efeito porque, no dia seguinte<br />

estava com <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> ressaca e os problemas continuavam a ser os mesmos ou ainda maiores.<br />

Por vezes, quando me lembrava, sentia vergonha do que tinha feito no dia anterior e voltava a<br />

beber para me esquecer. Vivi escravo dum dia-a-dia em que ressaltavam a raiva, a <strong>de</strong>silusăo e os<br />

ressentimentos, mas năo sabia o que me faltava.<br />

Sinto que vou crescendo espiritualmente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sabido e admitido que tenho a doença do<br />

alcoolismo e também, após ter entendido as razőes que me levavam a beber tanto. Já consigo<br />

encarar os meus problemas com sobrieda<strong>de</strong> e muita fé no meu Po<strong>de</strong>r Superior.<br />

...năo posso <strong>de</strong>ixar morrer o meu sorriso, pois preciso <strong>de</strong>le...<br />

Estou a preparar-me para retomar o meu caminho sem tempesta<strong>de</strong>s a barrar o meu tempo. Já que<br />

săo tantos os elos quebrados, preciso refazer com cuidado os meus dias, n<strong>uma</strong> procura sóbria<br />

dos meus erros e negligências juntando pacientemente os meus pedaços, retalhos da minha<br />

existência. Po<strong>de</strong>rei criar um novo orgulho, talvez outras culpas, outros medos, mas ao arr<strong>uma</strong>r os<br />

meus dissabores, os meus instantes, năo posso <strong>de</strong>ixar morrer o meu sorriso, pois preciso <strong>de</strong>le<br />

para reger o meu dia com serenida<strong>de</strong> e precisăo.<br />

O caminho po<strong>de</strong> ser sombrio e silencioso. Muitas vezes po<strong>de</strong>rei nem provar esse "mosto" do puro<br />

amor, mas quero distanciar-me do sofrimento, permitindo-me ser feliz exercendo toda a minha<br />

liberda<strong>de</strong>.<br />

Afinal, tenho <strong>uma</strong> vida financeiramente estável, tenho saú<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> linda filha. Porque é que eu<br />

tinha <strong>de</strong> andar a sofrer e a fazer sofrer por causa do álcool?<br />

A oraçăo da serenida<strong>de</strong> mostra-me como <strong>de</strong>vo manter o equilíbrio entre os sonhos e realida<strong>de</strong>,<br />

até atingir a estrada da sobrieda<strong>de</strong>.<br />

Tenho <strong>de</strong> aceitar-me tal como Deus quer que eu seja. Aceitar aquilo que năo posso modificar e<br />

modificar aquilo que posso, mas sóbrio, por mais 24 horas.<br />

Obrigado Alcoólicos Anónimos.<br />

Obrigado companheiros.<br />

António N. - Área 08<br />

Experiências pessoais - Há <strong>uma</strong> diferença


Há <strong>uma</strong> diferença<br />

Já há algum tempo que andava para escrever para a revista Partilhar mas, só agora resolvi fazêlo.<br />

Dou por mim, muitas vezes, a pensar no meu passado e no meu presente e na diferença que é<br />

estar em sobrieda<strong>de</strong>. Na diferença entre o hoje e ter <strong>de</strong> passar o tempo a escon<strong>de</strong>r-me para po<strong>de</strong>r<br />

ir beber e a escon<strong>de</strong>r a bebida no carro e nos locais mais inimagináveis. Na diferença <strong>de</strong> hoje<br />

po<strong>de</strong>r conviver com as outras pessoas sem criticar ou julgar e <strong>de</strong> já ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as aceitar<br />

e às suas opiniőes. De ter serenida<strong>de</strong> para aceitar os momentos menos bons que na vida surgem.<br />

Porque hoje năo tenho momentos maus, tenho sim momentos menos bons. Há muitas coisas e<br />

pessoas que năo posso modificar, só me posso modificar a mim e aos meus erros e só em<br />

Alcoólicos Anónimos o aprendi. Sim, porque hoje aprendo a viver um dia <strong>de</strong> cada vez, a encontrar<br />

a serenida<strong>de</strong>, a paz e até a conseguir ser feliz. Só em Alcoólicos Anónimos consegui ter coragem,<br />

com o "Só por hoje", para encarar o futuro.<br />

Joăo - Área 08<br />

Experiências pessoais - Sou alcoólico<br />

Sou alcoólico<br />

Oiço e digo inúmeras vezes - "Sou alcoólico". Sai-me <strong>de</strong> forma mecânica, sem me dar conta. Ao<br />

princípio, quando comecei a frequentar as reuniőes <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, "alcoólico" era <strong>uma</strong><br />

palavra que năo me assentava bem. Reconhecia que tinha um problema muito grave com o álcool,<br />

que bebia até ao estado <strong>de</strong> embriaguês, que era incapaz <strong>de</strong> parar como qualquer bebedor social,<br />

mas năo aceitava que fosse <strong>uma</strong> doença. Agora, passados pouco mais <strong>de</strong> seis meses <strong>de</strong><br />

frequentar as reuniőes a AA e com total abstinência <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> álcool, reconheço que<br />

sofro <strong>de</strong> <strong>uma</strong> doença - o alcoolismo. Sei que é incurável mas, com as ferramentas espirituais que<br />

me <strong>de</strong>ram em Alcoólicos Anónimos, posso evitar a compulsăo. Só tenho <strong>de</strong> me abster do primeiro<br />

copo e apenas só por hoje.<br />

Parar <strong>de</strong> beber năo foi muito difícil, empenhei-me com <strong>de</strong>terminaçăo. As energias que usava para<br />

a minha auto<strong>de</strong>struiçăo, săo agora canalizadas para fins construtivos. A minha vida passou a ter<br />

objectivos; profissionalmente as coisas começaram a melhorar e o meu trato com as outras<br />

pessoas também. Interiorizei o primeiro Passo e hoje digo com <strong>de</strong>terminaçăo - "Sou alcoólico",<br />

orgulhoso <strong>de</strong>, só por hoje, năo ter bebido o primeiro copo.<br />

Estou imensamente grato por pertencer a Alcoólicos Anónimos.<br />

Daniel A. - Área 06<br />

Experiências pessoais - Lutei, mas vivi!<br />

Lutei, mas vivi!<br />

Sou da ilha Terceira nos Açores, e estou em recuperaçăo há seis anos.<br />

Fui criado num hospital. Saí <strong>de</strong> lá por volta dos meus sete anos e fui para casa dos meus pais.<br />

Éramos <strong>uma</strong> família pobre. Com apenas oito anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, tive a minha primeira experiência com<br />

o álcool, n<strong>uma</strong> festa do Espírito Santo. Nesse dia, bebi um copo <strong>de</strong> vinho e gostei. Des<strong>de</strong> entăo,<br />

acho que nunca mais parei pois, quando podia roubava, sem que os meus pais soubessem vinho<br />

e outras bebidas. Na verda<strong>de</strong>, eles achavam estranho eu ficar muitas vezes mal disposto mas,<br />

como năo sabiam, pensavam que era por eu ser fraco e doente. Perdi o meu pai e fiquei com a<br />

minha măe que năo podia fazer nada por mim. Ficava fora <strong>de</strong> casa noites e noites sem lhe dizer


nada e ela, sozinha, lamentava a sua sorte por ter um filho perdido na vida. Era mentiroso por<br />

natureza e tudo era fácil, pensava eu, mas estava enganado.<br />

Quando fui para a tropa em Paço <strong>de</strong> Arcos, foi o <strong>de</strong>scalabro total. Fora da família e sem ter<br />

ninguém para me controlar, bebia <strong>de</strong> tudo, dia e noite. Quando regressei à terra continuei<br />

bebendo. Casei e năo me lembro <strong>de</strong>sse tempo pois passei-o no "escuro", sem ver nada nem<br />

ninguém. A minha mulher tinha a esperança <strong>de</strong> que eu um dia parasse. Nasceu um filho e<br />

continuei bebendo <strong>de</strong>salmadamente. A minha vida era comandada pelo álcool. Já estava doente e<br />

<strong>de</strong> manhă tremia muito. Tinha que beber para que o meu corpo parasse <strong>de</strong> tremer, para conseguir<br />

trabalhar. Meu Deus! Eu já năo era h<strong>uma</strong>no, era um vegetal. Lutava, năo contra o álcool mas para<br />

conseguir algo que nem sabia o quê - só via a garrafa.<br />

Até que um dia alguém ou um Po<strong>de</strong>r Superior me <strong>de</strong>u a măo e me puxou <strong>de</strong>sse poço em que<br />

anos e anos an<strong>de</strong>i mergulhado. Aconselhado por um médico, pedi ajuda e fui internado num<br />

Centro <strong>de</strong> Alcoologia, on<strong>de</strong> estive quatro semanas. Foi o inicio da minha recuperaçăo. Quando saí<br />

vinha confuso, <strong>de</strong>sorientado e năo sabia o que fazer. Foi entăo que fui a <strong>uma</strong> reuniăo e conheci<br />

Alcoólicos Anónimos. Entrei n<strong>uma</strong> sala cheia <strong>de</strong> caras risonhas e alegres enquanto eu estava<br />

cheio <strong>de</strong> medo e vergonha, o que me fez muita confusăo. Um companheiro <strong>de</strong>u-me as boas<br />

vindas, conversou comigo um bocado e fiquei mais à vonta<strong>de</strong>. Ouvi muitas partilhas e fiquei a<br />

pensar naquilo que tinha ouvido.Mas as primeiras reuniőes năo me faziam sentido, achava que<br />

aquilo năo era para mim, que ali năo era o meu lugar e como era óbvio voltei a beber. Novamente<br />

a minha mulher ficou <strong>de</strong>stroçada mas eu năo queria saber. Para mim, era a bebida quem<br />

mandava. Entăo, Deus teve dó <strong>de</strong> mim e tornei a ir às reuniőes. Tive a humilda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedir ajuda<br />

para trabalhar o programa <strong>de</strong> AA. Assumi a minha impotência perante o álcool e que a minha vida<br />

se tinha tornado ingovernável. Comecei a fazer serviço no <strong>grupo</strong>: fazia o café, limpava a sala e<br />

sentia-me bem. Pela primeira vez na vida estava a ser útil em alg<strong>uma</strong> coisa. Alguém estava a<br />

acreditar em mim e isso era muito <strong>bom</strong>. Sentia-me outra pessoa. Aprendi a ter fé e a ser humil<strong>de</strong><br />

perante mim e perante os outros.<br />

Pela primeira vez na vida estava a ser útil em alg<strong>uma</strong> coisa.<br />

Hoje sou diferente, sou mais h<strong>uma</strong>no. Aprendi a viver um dia <strong>de</strong> cada vez. Năo prometo nada a<br />

ninguém mas sei que quero ser melhor. Hoje o meu filho é um homem e orgulha-se do pai que<br />

tem. Já năo se escon<strong>de</strong> com vergonha <strong>de</strong> mim, vem ter comigo e dá-me um beijo. Como é <strong>bom</strong><br />

sentir o amor do meu filho! Mas choro porque a minha măe já morreu e nunca lhe pedi perdăo pelo<br />

que a fiz sofrer. Sempre que acaba <strong>uma</strong> reuniăo, ao dizer a nossa Oraçăo da Serenida<strong>de</strong> penso<br />

que talvez se orgulhe do seu filho.<br />

Todos os dias agra<strong>de</strong>ço a Deus, como eu O concebo, e a AA por me terem dado esta<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver <strong>de</strong> novo. Faço serviço no meu <strong>grupo</strong> e tento fazer cada dia melhor. Só<br />

assim vou dando mais um passo na minha sobrieda<strong>de</strong>.<br />

Hoje sou feliz graças a Alcoólicos Anónimos e ao meu Po<strong>de</strong>r Superior e peço-Lhe que, aon<strong>de</strong> haja<br />

um alcoólico a sofrer, que a măo <strong>de</strong> AA esteja perto para ajudá-lo como aconteceu comigo. Por<br />

tudo o que passei, hoje digo que vale a pena lutar. Lutei mas vivi e vivo cada dia com o programa<br />

<strong>de</strong> recuperaçăo que me <strong>de</strong>ram com amor em AA.<br />

Pires - Ilha Terceira / Açores<br />

Experiências pessoais - Um dia <strong>de</strong> cada vez<br />

Um dia <strong>de</strong> cada vez


No passado dia 30 <strong>de</strong> Dezembro completei mais um ano <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>, o quinto. E como era<br />

Domingo resolvi festejá-lo com a minha família. Toda ela. E vejam esta maravilha: nenhum faltou.<br />

E ali estavam todos os meus entes queridos, aqueles a quem tantos danos causei, felizes. E<br />

percebi como me amavam, e que riqueza eu tenho. Hoje sei que sou merecedora do seu amor,<br />

mas a verda<strong>de</strong> é que nem sempre foi assim. Com a minha doença, causei danos a mim própria e<br />

a eles. Pratiquei actos que eram puras insanida<strong>de</strong>s, com os quais prejudiquei a todos eles. A<br />

excepçăo po<strong>de</strong>rá ser o meu primeiro e único neto até agora, porque esse já nasceu comigo em<br />

sobrieda<strong>de</strong>. Foi muito difícil entrar em recuperaçăo.<br />

Fui pela primeira vez a <strong>uma</strong> reuniăo <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos em Abril <strong>de</strong> 1996 e nunca me<br />

...algo interiormente me dizia que a soluçăo estaria ali.<br />

esquecerei da forma arrogante como me apresentei: "Eu chamo-me Maria Teresa, sou alcoólica e<br />

estou aqui porque o médico me mandou". Consegui, passados anos, perceber o sentimento que<br />

me acompanhava nesse momento -- o medo e a forma como toda a minha vida tinha lidado com<br />

ele, mostrando arrogância e agressivida<strong>de</strong>.<br />

Na altura tinha já parado <strong>de</strong> beber mas, ao fim <strong>de</strong> dois meses, achei que eu năo tinha nada em<br />

comum com aquelas pessoas que ali estavam: năo bebia todos os dias e naqueles em que isso<br />

acontecia nunca era <strong>de</strong> manhă. Năo!... Năo me i<strong>de</strong>ntificava com aquelas pessoas. Por outro lado<br />

fiquei muito ofendida (apesar <strong>de</strong> năo ter <strong>de</strong>ixado transparecer), quando me elegeram servidora do<br />

café. Eu servir café? Que horror! Năo volto lá mais!... Passados <strong>de</strong>z meses... voltei, mas já năo foi<br />

por sugestăo do médico, mas porque algo interiormente me dizia que a soluçăo estaria ali. Porém,<br />

ainda tive que "voltar", mais duas vezes, ou seja: recaía. Tudo para mim era racionalizado. Tinha<br />

gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s em sentir. A razăo dizia-me que era alcoólica mas eu năo queria sê-lo.<br />

Debati-me durante seis longos anos com <strong>uma</strong> realida<strong>de</strong> que todos viam menos eu. E durante<br />

estes avanços e recuos lá estavam aqueles que me amavam a experimentar sentimentos <strong>de</strong><br />

esperança e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cepçăo, <strong>de</strong> zanga, <strong>de</strong> impotência. E quando no dia 25 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2002<br />

disse que năo queria beber mais e que ia entrar em recuperaçăo, alguém me disse com <strong>uma</strong><br />

frieza e indiferença que eu senti no tom <strong>de</strong> voz: "Năo tens nada <strong>de</strong> novo para dizer?" Apre! Ali<br />

estava eu, com tăo boa vonta<strong>de</strong> e a reacçăo era aquela? Rapidamente percebi que năo havia<br />

justificaçăo para estar zangada.<br />

Cabia-me a mim, só a mim, fazer tudo o que estivesse ao meu alcance<br />

para ser merecedora da confiança e do amor <strong>de</strong> todos eles. É o que eu<br />

tenho tentado fazer ao longo <strong>de</strong>stes cinco anos. Apesar <strong>de</strong> ter parado<br />

<strong>de</strong> beber no dia <strong>de</strong> Natal, consi<strong>de</strong>ro o dia 30 <strong>de</strong> Dezembro como a data<br />

em que comecei a minha recuperaçăo, pois durante aqueles cinco dias<br />

năo pensei em nada, porque năo conseguia: todos os esforços eram<br />

direccionados para um único fim: năo beber.<br />

Estes cinco anos tęm sido <strong>de</strong> mudança, através da prática do programa <strong>de</strong> AA, que năo é mais do<br />

que um conjunto <strong>de</strong> princípios espirituais que adoptei para a minha vida e que se tornaram nas<br />

minhas linhas <strong>de</strong> orientaçăo. Desses princípios <strong>de</strong>staco dois que săo, para mim, básicos:<br />

humilda<strong>de</strong> e honestida<strong>de</strong>. Todos os outros (responsabilida<strong>de</strong>, solidarieda<strong>de</strong>, tolerância, etc.)<br />

assentam nestes. Estou consciente que estes cinco anos <strong>de</strong> nada valerăo se năo continuar a<br />

trilhar este caminho, um dia <strong>de</strong> cada vez. É que... sabem... o ontem já passou, o amanhă ainda<br />

năo chegou. Ah... pois é! Mas afinal o que é que eu tenho para viver? O "agora", o "hoje"! Os<br />

sentimentos e emoçőes săo para serem vividos no momento, para que năo passem a<br />

ressentimentos ou expectativas. Ambos, săo puro veneno para mim. Quero continuar a merecer o<br />

amor, o respeito e a confiança dos meus entes queridos. Quero ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lhes dar todo<br />

o meu amor, carinho e compreensăo. Quero continuar a gostar <strong>de</strong> mim, a sentir-me bem na minha<br />

pele. E, para que tudo isto aconteça, há só um caminho: continuar convosco, queridos<br />

companheiros, porque foram vocês que me ajudaram nesta caminhada. Agra<strong>de</strong>ço-vos <strong>de</strong> todo o


coraçăo.<br />

Maria Teresa - Área 08<br />

Experiências pessoais - Viemos, o medo e eu, até aqui.<br />

Viemos, o medo e eu, até aqui.<br />

Até aqui. A este sítio, que eu assim chamo, porque "sítio" para mim é mais abrangente que lugar.<br />

Com sítio, <strong>de</strong>signo o espaço on<strong>de</strong> me refugiei para năo morrer, ou enlouquecer, e o tempo on<strong>de</strong><br />

estou, no tempo que a vida me <strong>de</strong>u. Estou em, sou <strong>de</strong>, vivo em Alcoólicos Anónimos.<br />

- E aqui tu, medo, já năo és o que eras! Per<strong>de</strong>ste força, meu maroto, mas năo te finaste! Gran<strong>de</strong><br />

manhoso! Estás sempre à espreita...<br />

Que falar ou escrever sobre esta emoçăo que me apertava - aperta ainda, por vezes - as<br />

entranhas a ponto <strong>de</strong> me faltar o ar, <strong>de</strong> me tirar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar com algum tino? Afinal <strong>de</strong><br />

que tinha (ou tenho) medo? Afinal que tipo <strong>de</strong> sentir é este? Descobri imensas razőes para<br />

o viver : os julgamentos menos favoráveis, o sentir culpa, remorso ou vergonha; o ter <strong>de</strong> tomar<br />

<strong>de</strong>cisőes cujos resultados năo podia controlar ou, o năo tomar <strong>de</strong>cisăo nenh<strong>uma</strong>; a rejeiçăo das<br />

pessoas, mesmo que só imaginada; medo das raivas e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> me podiam levar; dos silęncios,<br />

meus e dos outros. Medo <strong>de</strong> falar e medo <strong>de</strong> năo falar o <strong>de</strong>vido; medo da mudança e medo <strong>de</strong> năo<br />

mudar; concluí que o medo, esteve quase sempre colado nas minhas atitu<strong>de</strong>s: o medo <strong>de</strong> me<br />

mostrar tal como sou, levou-me a fingir e criar um "eu" diferente; medo <strong>de</strong> situaçőes<br />

<strong>de</strong>sconfortáveis levou-me a atacar tudo e todos; o medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o controlo levava-me ao<br />

afastamento, à fuga. Vi, que esta terrível emoçăo gera ou potencia outras, <strong>de</strong>strutivas, como a<br />

raiva e o ressentimento, a baixa auto estima, a <strong>de</strong>sconfiança e a tristeza.<br />

O medo, esse velho parceiro <strong>de</strong> viagem! Des<strong>de</strong> menino, tem sido fiel na sua permanência: vimonos<br />

crianças, adolescentes e adultos. Em todas as ida<strong>de</strong>s que fomos percorrendo juntos.<br />

O medo, <strong>de</strong> me mostrar tal como era, e sou. Sim, o medo <strong>de</strong> mostrar que tenho fragilida<strong>de</strong>s, que<br />

năo era (nem sou) tăo "boa pessoa" quanto possam pensar, nem tăo responsável, nem tăo forte,<br />

nem tăo infalível ou sábio, nem tăo...<br />

Aquele aperto no estômago, que subia em novelo à garganta e se espalhava, como onda pela<br />

cabeça, fazendo-a latejar, (Pum...pum...pum...), como um martelo a bater, enquanto a boca<br />

secava ficando como cortiça...<br />

E entăo, bebi! Ah! Tinha <strong>de</strong>scoberto, entretanto, <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> trocar as voltas ao medo. Jogava<br />

às escondidas com ele, fugia-lhe a espaços, dava-lhe com frequęncia bastante trabalho para me<br />

encontrar <strong>de</strong> novo. Sim, o álcool! -- Que <strong>de</strong>scoberta! Outros dias, iguais ou parecidos, o mesmo<br />

sentir, ou mais. Por vezes a angústia -- o medo refinado. E bebia! Fugia-lhe, escondia-me num<br />

bar, n<strong>uma</strong> tasca, armava-me <strong>de</strong> garrafas. Tinha um meio, vários meios <strong>de</strong> lutar contra esse<br />

estupor, e ia usá-los: Vais ver! -- Dizia-lhe em <strong>de</strong>safio.<br />

Que <strong>de</strong>sculpas..., que mentiras..., que manipulaçőes... que artimanhas... - A verda<strong>de</strong> é que năo!<br />

Que caminhos sofridos, repletos <strong>de</strong> aleijőes, <strong>de</strong> penas, <strong>de</strong> vergonhas, <strong>de</strong> remorsos, <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sespero... E lá estava ele, colado a mim, sem <strong>de</strong>spegar. O medo. Da rejeiçăo, das<br />

consequęncias, do julgamento, da crítica, do <strong>de</strong>sconhe cido, das dificulda<strong>de</strong>s, do sofrimento.<br />

- Faço năo faço... digo năo digo... vou, năo vou... Que vida! - Isto é vida?!... Que vida é esta?<br />

Bom... enquanto bebo, năo sinto! A partir <strong>de</strong> certo momento, claro, é tudo normal! - Quais


problemas? Năo tenho problemas! O mundo, sim,... os outros é que têm problemas; aliás, eles săo<br />

o Problema!<br />

- O efeito está a passar, tenho que beber alg<strong>uma</strong> coisa. Lá vem a minha cabeça fazer um balanço<br />

do passado recente: - Năo! Eu năo quero que penses no ontem! - E agora? Como te sentes? Que<br />

vais dizer? Pronto, já que insistes... - Que fizeste ontem? Que disseste? On<strong>de</strong> andaste? Com<br />

quem? Năo sei! Năo me lembro! Estou agoniado, <strong>de</strong>ixa-me! - Ah... năo sabes!... Estou mesmo<br />

muito agoniado. Sinto o coraçăo a pular, a pular... Limpo às calças as măos molhadas <strong>de</strong> suor.<br />

- Que pena eu năo ser como aqueles outros que vejo rir, sem culpas dos próprios erros, que se<br />

aceitam sem dramas nem lamúrias, nem queixas... e que parecem tirar proveito dos momentos<br />

que passam e vivem... A inveja, e que inveja!<br />

Como eles sorriem e reagem <strong>de</strong> satisfaçăo a um simples "Olá", e se comovem e entristecem com<br />

a dor que lhes causa a dor alheia... e a manifestam sem peias, sem receios, simplesmente. Văo<br />

tranquilos, até ao amanhă, até todos os amanhăs...Eu năo! Se sorrisse, se calhar era apenas para<br />

tapar o negrume que me ia na alma, sei lá...<br />

E agora? Repetia. - Que digo? Que motivo suficientemente forte posso arranjar para justificar o<br />

que fiz, o que năo fiz, o que disse, este que sou? - Presenciei um aci<strong>de</strong>nte horrível; tive <strong>uma</strong><br />

discussăo tremenda com o meu chefe; ia batendo com o carro naquele imbecil, só por milagre... -<br />

Tretas!<br />

Parei <strong>de</strong> beber. Correcçăo: pararam-me! - A partir <strong>de</strong> agora, como vou conviver comigo? Que faço<br />

com as măos, agora que văo estar horas sem um copo entre elas? Que digo nas conversas, se as<br />

palavras já năo fluem com aquela prontidăo que tinham, entre goladas <strong>de</strong> qualquer bebida<br />

alcoólica que me transformavam, por <strong>de</strong>ntro, n<strong>uma</strong> onda <strong>de</strong> calor?<br />

Vou aos livros. Sim, nos livros <strong>de</strong>ve haver <strong>uma</strong> explicaçăo. A ansieda<strong>de</strong> năo passa, antes<br />

aumenta, avol<strong>uma</strong>-se... Sufoco! Telefono a alguém? A esta hora estarăo em casa? E que digo?<br />

Que estou a sentir-me mal, aliás muito mal, năo sei o que tenho... Vai perguntar-me se bebi... năo!<br />

Năo bebi, sei que năo <strong>de</strong>vo, năo sei muito bem se năo quero... - Năo, năo quero! - Vou dizer-lhe,<br />

se me perguntar. Mas, se bebesse... passava tudo, năo ia sentir mais nada... - Está lá? Desculpa,<br />

amigo, estou para aqui, lembrei-me <strong>de</strong> ti... (...) - Sim, está tudo mais ou menos. Claro! É só por<br />

hoje. E tu? (...) Ok! Um abraço!<br />

- Pronto! Que disse eu? Que está tudo bem? Ou mais ou menos? Mentiroso... que gran<strong>de</strong><br />

aldrabăo!<br />

- Os livros explicaram-me tudo sobre o medo: porque está nos genes; ou porque o meu corpo se<br />

perturba; porque os meus pensamentos lhe dăo origem e, porque o aprendi.<br />

- Agora já sei com o que lido, é fácil! Fácil? O quê?<br />

Que adiantam teorias? Ainda năo há muito, naquela reuniăo, quando pensei que o companheiro<br />

estava a ser menos verda<strong>de</strong>iro..., Tinha que dizer que năo era assim, é diferente o que está no<br />

"livrinho" mas, como? Que tom <strong>de</strong> voz uso? Sério ou meio a brincar? Ríspido ou bonacheirăo?<br />

Talvez... e se reage mal? E se me irrito e digo coisas que năo <strong>de</strong>vo? -Sim, senti medo <strong>de</strong> mim. E<br />

dos outros, do <strong>de</strong>sconhecido, do imprevisível. De năo me controlar... <strong>de</strong> "partir a loiça", como<br />

gostava <strong>de</strong> fazer, mas que me faz muito mal, <strong>de</strong>pois, ao cobrar-me facturas <strong>de</strong> arrependimento, <strong>de</strong><br />

pena.<br />

Agora, a Fé! Li que a Fé é o antídoto para o medo, há duas măos cheias <strong>de</strong> anos. Eu, o problema,<br />

sempre fui um homem <strong>de</strong> pouca fé. O álcool distorceu ou <strong>de</strong>svaneceu alg<strong>uma</strong> que tivesse, no


<strong>de</strong>correr dos muitos anos em que o alcoolismo activo me levou a viver <strong>uma</strong> vida <strong>de</strong> "faz-<strong>de</strong>-conta",<br />

ao lado da realida<strong>de</strong>. O programa <strong>de</strong> AA, que me encaminha para o bem, assim eu o siga e<br />

pratique, tem vindo a restaurar-me a fé: em mim, nos outros, e nessa força superior à minha que<br />

me vem restituindo a sanida<strong>de</strong>, a que chamo um Po<strong>de</strong>r Superior. Sim a Fé, atenua e até já tirou<br />

alguns dos meus medos. Se fizer a minha parte, <strong>de</strong> que tenho que ter medo? - pergunto-me.<br />

Ainda a dúvida, se estou a fazer o mais correcto, o melhor que posso e se me esforço o suficiente<br />

ou o necessário porque, dizem, "a Fé sem obras é morta".<br />

Ainda a dúvida, quando a dor me bate, estando ou năo prevenido. A força <strong>de</strong> que preciso hoje,<br />

para nem sequer pensar em beber quando eu próprio ou o mundo me magoa, tenho-a na<br />

comunida<strong>de</strong> dos Alcoólicos Anónimos. Tenho ainda medo <strong>de</strong> sofrer. Porém, ao ouvir as<br />

experiências <strong>de</strong> vida n<strong>uma</strong> qualquer reuniăo, ao receber no final os abraços dos companheiros, o<br />

medo já năo me condiciona. Se eu quiser, jamais estarei só e o medo, e a dor, quando vęm, serăo<br />

partilhados pelos meus irmăos <strong>de</strong> AA que, aos poucos, me levaram a interiorizar que sou apenas<br />

mais um, frágil, limitado, imperfeito mas, ainda assim, único.<br />

- Que năo tendo que sentir-me especial, o sou, como todos os outros; e que apenas tenho <strong>de</strong> viver<br />

a vida, nos termos da vida, aceitando-a e aceitando-me. Um dia <strong>de</strong> cada vez.<br />

Agostinho - Área 09<br />

Experiências pessoais - Medo<br />

Medo<br />

O telefone tocou!<br />

Ainda bem que há mais gente em casa... Năo tenho, forçosamente, <strong>de</strong> o aten<strong>de</strong>r. Também,<br />

mesmo sozinho, năo era obrigado a atendê-lo... Po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixa-lo tocar... Mas, ficava mal comigo.<br />

Năo sei quem estará do outro lado; porque năo me telefonam por telemóvel? Assim já saberia<br />

quem me chama. Espero que a minha mulher esteja disponível para chegar primeiro ao telefone,<br />

para que eu năo seja obrigado a concretizar este arremedo <strong>de</strong> atendimento (levantei-me<br />

lentamente da ca<strong>de</strong>ira). Pronto! Que alívio, finalmente ela levantou o auscultador - espero que me<br />

diga já, se é para mim e quem é ou se entretenha n<strong>uma</strong> conversa <strong>de</strong> circunstância, para eu<br />

perceber quem está do outro lado. Realmente o telefonema é para mim. Um companheiro <strong>de</strong><br />

Alcoólicos Anónimos a <strong>de</strong>sejar-me as Boas Festas; nada <strong>de</strong> complicado.<br />

Des<strong>de</strong> as 10 horas da manhă que o correio está <strong>de</strong>positado na mesa pequena da sala. É quase<br />

meio dia e ainda năo abri aquelas tręs cartas; duas, sei que săo contas pagar e a outra? Tenho <strong>de</strong><br />

tomar a resoluçăo <strong>de</strong> as abrir para que a minha mulher năo faça qualquer comentário referente ao<br />

meu <strong>de</strong>sleixo. Que será que tem o outro subscrito? Vou começar pelas contas...<br />

Porque sou assim? Porque há dias em que acordo assobiando, capaz <strong>de</strong> arrostar com o mundo,<br />

cheio <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong> e confiança e outros em que os antigos medos e inseguranças voltam para me<br />

ensombrar?<br />

Năo bebo. Como membro <strong>de</strong> AA tenho à minha disposiçăo, um conjunto <strong>de</strong> ferramentas espirituais<br />

e <strong>uma</strong> série <strong>de</strong> sugestőes práticas que me po<strong>de</strong>răo fazer relegar, para um plano irrisório, todos<br />

estes meus medos <strong>de</strong> outrora. Entăo, porque continuo a ser prepotente para aqueles que consigo<br />

manipular e que, <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> forma, se tornaram co-<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes em virtu<strong>de</strong> do meu alcoolismo<br />

passado? A minha tortura começa aí, quando reparo que continuo inseguro e que só me agiganto


em cima das costas daqueles que mais me querem.<br />

Já tenho tempo <strong>de</strong> saber que estes medos resultam <strong>de</strong> <strong>uma</strong> má forma <strong>de</strong> lidar com o passado; da<br />

relutância <strong>de</strong> entregar a um Po<strong>de</strong>r Superior as coisas que năo posso modificar. Resultam,<br />

principalmente, da fé que muitas vezes, eu năo consigo, por má prática, encontrar no programa.<br />

Fé que teimo em năo buscar em mim quando medito durante aquele quarto-<strong>de</strong>-hora que reservo<br />

só para mim. Quando estou realmente sóbrio e năo unicamente abstinente, sou amável, sorrio<br />

para os outros e para mim, atendo o telefone, vejo quem bate à porta, abro o correio, vou com a<br />

minha mulher ao teatro, faço-lhe <strong>uma</strong> festa no rosto e <strong>de</strong>ito-me feliz. Năo é fácil estar assim todos<br />

os dias. Claro que, sendo alcoólico, năo beber já é <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> vitória mas, sem a venda que o<br />

torpor alcoólico colava ao meu discernimento, vejo que quero mais para mim: quero <strong>uma</strong><br />

sobrieda<strong>de</strong> continuada, quero um auxílio Superior que me abra mais vezes o caminho da fé, quero<br />

năo ter medo das coisas mesquinhas. Enfim... Quero ser feliz.<br />

Vítor P. - Área 07<br />

Experiências pessoais - Beber ou năo beber<br />

Beber ou năo beber<br />

O meu nome é Jorge R., sou um alcoólico que năo bebeu hoje. Năo bebi porque encontrei um<br />

novo modo <strong>de</strong> vida, no qual năo tenho necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingerir qualquer tipo <strong>de</strong> bebida que<br />

contenha álcool.<br />

Ingressei em Alcoólicos Anónimos em 5 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1985 no Grupo Canela Ver<strong>de</strong> <strong>de</strong> AA, na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vila Velha, Espírito Santo - Brasil. Foi <strong>uma</strong> chegada difícil, năo cheguei por amor, mas<br />

sim pela dor. Desempregado, sem família (após 3 relacionamentos), sem morada. Tudo que um<br />

ser h<strong>uma</strong>no năo quer para seu pior inimigo. Doente fisicamente, mental e espiritualmente. Tudo o<br />

que um "fundo <strong>de</strong> poço" po<strong>de</strong> oferecer. Mas, com a ajuda dos companheiros daquele <strong>grupo</strong>, fuime<br />

recuperando. Disseram-me, alguns anos <strong>de</strong>pois, que comentaram entre eles que eu năo<br />

ficaria. Mas fiquei, e este ano completo os meus 23 anos. Com a ajuda<br />

<strong>de</strong> meu Po<strong>de</strong>r Superior e meus companheiros <strong>de</strong> AA, farei <strong>de</strong> tudo<br />

para estar em recuperaçăo.<br />

Já com alguns anos em recuperaçăo, surgiu a chamada cerveja sem<br />

álcool. Isto balançou com muitos aas em recuperaçăo. - Será que<br />

realmente posso experimentar? Muitos recaíram, pois năo só<br />

experimentaram, como voltaram a ingerir outras bebidas; soube-o através das partilhas e<br />

experiências ouvidas.<br />

A minha preocupaçăo com a recuperaçăo advém da abstinência a toda a bebida que contenha<br />

álcool, mudanças <strong>de</strong> hábitos, valores e crenças. A partir do momento em que admiti a minha<br />

impotência perante a bebida, porque <strong>de</strong>vo recomeçar tudo novamente? E porquę experimentar<br />

<strong>uma</strong> bebida dita "sem álcool", se gostava mesmo era do álcool que ela continha? Aqui <strong>de</strong>ixo um<br />

ponto <strong>de</strong> interrogaçăo. Devo experimentar ou continuar tendo esta vida maravilhosa que tenho<br />

hoje, apesar das dificulda<strong>de</strong>s que <strong>de</strong> vez em quando aparecem? E olhem que năo trocaria o meu<br />

pior dia sóbrio, pelo melhor dia no activo.<br />

Jorge R. - Área 10<br />

Experiências pessoais - Năo entendia a doença<br />

Năo entendia a doença


Quero partilhar com os meus companheiros a imensa alegria e felicida<strong>de</strong> que sinto, ao escrever<br />

estas poucas linhas para a nossa revista.<br />

Comecei muito cedo a consumir álcool. Tinha <strong>uma</strong> família que gostava muito <strong>de</strong> almoçaradas e<br />

beber, principalmente nos fins-<strong>de</strong>-semana. Resultado: sempre álcool com fartura!<br />

Fui para a tropa, petiscos diários com amigos que também gostavam e que eram<br />

escolhidos a <strong>de</strong>do. Assim tornei-me um alcoólico, sem saber que o álcool,<br />

manhoso e <strong>de</strong>sconcertante tanto me prejudicava. Eu năo entendia a doença que<br />

tinha. Fui internado mas năo resultou, porque eu năo queria ou năo tinha boa<br />

vonta<strong>de</strong>. Já um farrapo h<strong>uma</strong>no, sonhava com abismos e acordava<br />

sobressaltado, a transpirar, a tremer, mal disposto, tudo por falta do álcool. Só<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> beber alguns copos é que começava a sentir alg<strong>uma</strong> boa disposiçăo e<br />

era assim todos os dias. Năo admitia que era alcoólico mas năo conseguia olhar<br />

para mim! Tinha vergonha <strong>de</strong> falar com as pessoas e, quando falava, era a olhar<br />

para o lado. Certo dia, a minha mulher e a minha filha aconselharam-me ir a<br />

Alcoólicos Anónimos.<br />

Sinto muita gratidăo pela maneira como fui recebido na primeira reuniăo, acompanhado pela<br />

minha mulher e filha; <strong>de</strong>sorientado, arrasado pelo álcool, sem saber o que fazer da minha vida.<br />

Estou com sobrieda<strong>de</strong>, humilda<strong>de</strong> e feliz.<br />

Agora, com alg<strong>uma</strong>s vinte e quatro horas <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>, já sou mais tolerante e calmo. Já pareço<br />

outro ser h<strong>uma</strong>no graças às partilhas nas reuniőes <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, que tanto apoio me<br />

<strong>de</strong>ram.<br />

Aprendi a ter fé e a encontrar Deus, o meu Po<strong>de</strong>r Superior - eu, que nem tinha a noçăo da<br />

existência <strong>de</strong> Deus! Comecei a reparar danos que causei aos outros e à família. Agora, reuniőes e<br />

mais reuniőes, partilhar e ouvir partilhar. Estou com sobrieda<strong>de</strong>, humilda<strong>de</strong> e feliz. A minha vida<br />

tem outro sentido, graças a AA. Dou-me bem com a minha família, <strong>de</strong> que tanto gosto, e até já<br />

damos uns passeios, o que năo acontecia quando bebia.<br />

Com a ajuda dos Doze Passos e Doze Tradiçőes e das reuniőes, tenho <strong>uma</strong> vida cheia <strong>de</strong><br />

humilda<strong>de</strong>, amor, alegria e muita gratidăo.<br />

Obrigado companheiros, por me ajudarem a sair do fundo do poço negro on<strong>de</strong> eu me encontrava!<br />

Saraiva - Área 06<br />

Experiências pessoais - A doença nasceu comigo...<br />

A doença nasceu comigo...<br />

O meu percurso alcoólico começou em casa, por volta dos meus doze, treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, com<br />

um copinho <strong>de</strong> vinho ao almoço, aos fins-<strong>de</strong>-semana, "porque fazia bem".<br />

Os meus pais e os meus seis irmăos năo săo <strong>alcoólicos</strong>. Porém o meu<br />

avô materno e tręs filhos morreram prematuramente por causa do<br />

álcool. A doença nasceu comigo talvez por herança do meu avô.<br />

Aos catorze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> fui estudar para <strong>uma</strong> escola on<strong>de</strong> se


ensinava um pouco <strong>de</strong> tudo o que estivesse ligado à pecuária e agricultura. Na parte agrícola<br />

ensinava-se a tratar da vinha e do vinho que era servido no refeitório da escola aos professores e<br />

alunos <strong>de</strong> maior ida<strong>de</strong>. A minha primeira bebe<strong>de</strong>ira aconteceu lá. Eu era menor mas consegui<br />

beber vinho naquele dia. Tinha entăo quinze anos. Escorreguei na sala <strong>de</strong> trabalhos manuais e<br />

acor<strong>de</strong>i na enfermaria da escola, ao fim da tar<strong>de</strong>. Daí para a frente, foi crescendo o meu apetite<br />

pelo álcool, pelas drogas ditas leves e barbitúricos tomados com álcool.<br />

Parei com as drogas ao fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, sem ajuda! Mas o álcool continuou a dominar-me<br />

durante mais vinte anos. Foi entăo, que resolvi pedir ajuda a Alcoólicos Anónimos. Bendita a hora<br />

em que o meu Po<strong>de</strong>r Superior me indicou o caminho para a sobrieda<strong>de</strong>.<br />

Tenho alg<strong>uma</strong>s, poucas ainda, "vinte e quatro horas" <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>. Entrei pela primeira vez n<strong>uma</strong><br />

sala <strong>de</strong> AA, no dia 5 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2007. Entretanto, já recaí - apanhei <strong>uma</strong> bebe<strong>de</strong>ira num dia <strong>de</strong><br />

festa mesmo sabendo que năo é só a tristeza que nos leva a beber, mas também a alegria. Nesse<br />

dia, fui a um convívio on<strong>de</strong> iam ser entregues os troféus relativos a um torneio <strong>de</strong> snooker em que<br />

participei e fui o primeiro classificado. Năo fui humil<strong>de</strong> o suficiente para controlar a minha euforia e<br />

embebe<strong>de</strong>i-me - pensei que já sabia beber álcool!<br />

Năo é só a tristeza que nos leva a beber; também é a alegria<br />

Agora, estou mais alerta para esses perigos, sinto que estou a crescer emocional e<br />

espiritualmente, embora ainda mantenha alg<strong>uma</strong>s manhas que o álcool me incutiu ao longo<br />

<strong>de</strong>sses trinta anos <strong>de</strong> alcoolismo. Estou a trabalhar para melhorar a minha forma <strong>de</strong> estar na vida<br />

sem culpas, nem raiva, nem ressentimentos. Năo é fácil mas, com a ajuda dos companheiros e<br />

companheiras do meu <strong>grupo</strong> e <strong>de</strong> outros, pese embora ir poucas vezes a outros <strong>grupo</strong>s, vou<br />

conseguir.<br />

Gosto muito do meu <strong>grupo</strong> base e sinto <strong>uma</strong> alegria e <strong>uma</strong> felicida<strong>de</strong> enormes sempre que entro<br />

na sala ou encontro alguém do meu <strong>grupo</strong> na rua.<br />

Quero pedir-lhes que me <strong>de</strong>sculpem por partilhar poucas vezes nas reuniőes. Năo o faço mais<br />

vezes porque, cada vez que tento partilhar, fico emocionado e năo consigo falar. O álcool afectoume<br />

muito emocionalmente.<br />

Estou sóbrio, com a ajuda do meu Po<strong>de</strong>r Superior e dos meus companheiros e companheiras.<br />

Obrigado AA.<br />

António N. - Área 08<br />

Experiências pessoais - Sobrieda<strong>de</strong>, um estado <strong>de</strong> espírito.<br />

Sobrieda<strong>de</strong>, um estado <strong>de</strong> espírito.<br />

Nos meus primeiros tempos em Alcoólicos Anónimos houve várias coisas que me intrigaram,<br />

certamente pelo facto <strong>de</strong> tudo ser novo para mim, a começar pela linguagem: honestida<strong>de</strong>,<br />

humilda<strong>de</strong>, entrega, aceitaçăo, eram palavras que eu năo me lembro <strong>de</strong> ter empregue ou ouvido<br />

no meu passado <strong>de</strong> alcoólico - ou se ouvi, năo lhes <strong>de</strong>i a mínima importância. Mas, as que mais<br />

me confundiram foram abstinência e sobrieda<strong>de</strong> e comecei a querer distinguir on<strong>de</strong> acabava <strong>uma</strong><br />

e começava a outra e, quando é que eu estou <strong>de</strong> um lado ou do outro <strong>de</strong>ssa linha <strong>de</strong> separaçăo.<br />

Isto nem sempre me é fácil e a única forma que eu conheço é a <strong>de</strong> fazer um inventário honesto,<br />

sem querer escon<strong>de</strong>r o que me contraria ou agrada menos. Năo é só o lado exterior do meu eus,<br />

ou seja: as palavras que digo e as acçőes que pratico. Mas, sobretudo, pelos pensamentos e


emoçőes interiores que estăo fortemente ligados entre si e que me proporcionam o meu estado<br />

emocional e espiritual do momento.<br />

Quando consigo contrariar os instintos menos bons, que me levam a dizer e fazer coisas que nada<br />

tęm a ver com os Doze Passos; quando ouço mais a voz da aceitaçăo em vez do ego e negaçăo,<br />

corrigindo assim pouco a pouco os meus muitos (e ainda presentes), <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> carácter; quando<br />

năo dou ouvidos às vozes dos meus <strong>de</strong>mónios interiores e estou em harmonia e paz comigo e<br />

com os outros; entăo, estou em sobrieda<strong>de</strong> De contrário apenas năo bebo, estou só em<br />

abstinência.<br />

...pensei que năo tinha direito a essa sobrieda<strong>de</strong>...<br />

Também, por várias vezes, nas reuniőes ou ao falar com outros membros mais antigos e<br />

experientes, ouvi empregar o termo <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong> espiritual. Eu, com a confusăo que ainda havia<br />

na minha mente, logo associei espiritualida<strong>de</strong> a religiăo e isso assustou-me. Năo sendo eu crente,<br />

senti-me excluído e pensei que năo tinha direito a essa sobrieda<strong>de</strong> espiritual <strong>de</strong> que se falava.<br />

Seria que para a alcançar teria que ter <strong>uma</strong> religiăo ou acreditar num Deus escolhido por mim, ou<br />

imposto pelos outros? Eram dúvidas que eu tinha em forma <strong>de</strong> perguntas, que queriam respostas,<br />

e que pu<strong>de</strong>ssem contribuir para a continuida<strong>de</strong> da minha abstinência, pelo menos. Como năo tinha<br />

as respostas, fiz o que é sugerido em AA: perguntei a membros mais experientes e servi-me da<br />

nossa Literatura. As dúvidas dissiparam-se pouco a pouco e fui compreen<strong>de</strong>ndo que a sobrieda<strong>de</strong>,<br />

seja ela qual for, é o fruto da minha recuperaçăo e que esta também tem altos e baixos. Eu sou<br />

apenas um ser h<strong>uma</strong>no e năo aspiro ŕ perfeiçăo. Tenho é que fazer a minha parte o melhor que<br />

posso, como é sugerido, que é praticar o nosso programa: através das reuniőes, da literatura e<br />

sobretudo pela prática dos nossos Doze Passos no meu dia a dia.<br />

Nestes últimos tempos tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar, juntamente com outros companheiros e<br />

companheiras, n<strong>uma</strong> festa <strong>de</strong> passagem <strong>de</strong> ano e, a um dado momento, <strong>de</strong>i por mim a olhar para<br />

as pessoas com olhos <strong>de</strong> ver e a pensar nas antigas passagens <strong>de</strong> ano. Senti algo que me<br />

comoveu e encheu <strong>de</strong> contentamento pois estávamos, todos nós, a viver uns momentos <strong>de</strong><br />

intensa comunhăo e franca alegria, on<strong>de</strong> se misturava o calor <strong>de</strong> um abraço com o amor <strong>de</strong><br />

partilhar os <strong>de</strong>liciosos manjares com que todos contribuíram.<br />

Ora, momentos como este (e outros, como as nossas convençőes), on<strong>de</strong> estăo presentes a paz<br />

interior e o amor entre nós, săo para mim pedaços <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong> espiritual como eu a entendo.<br />

Cândido C. - Área 09<br />

Experiências pessoais - "Aceitaçăo"<br />

"Aceitaçăo"<br />

Escrevo hoje para a nossa revista "Partilhar", năo porque me apeteça ou sequer tomasse essa<br />

<strong>de</strong>cisăo, bem pelo contrário: escrevo porque, sem dúvida alg<strong>uma</strong>, essa foi manifestamente a<br />

vonta<strong>de</strong> do meu Po<strong>de</strong>r Superior. Tăo pouco escolhi o tema -aceitaçăo - foi Ele que assim o<br />

enten<strong>de</strong>u.<br />

Esta mensagem que eu recebi, foi <strong>de</strong> <strong>uma</strong> clareza e transparęncia sublimes. Pu<strong>de</strong>ra eu conseguir<br />

interpretar tudo o que ainda está para vir a acontecer na minha vida, <strong>de</strong> forma tăo inequívoca.<br />

Hoje, ainda por cima, dia 27 <strong>de</strong> Junho, data do meu renascimento, năo me restam dúvidas <strong>de</strong> que<br />

se eu tivesse entregue verda<strong>de</strong>iramente a minha vonta<strong>de</strong> e a minha vida aos cuidados <strong>de</strong> Deus,<br />

aceitando o que Ele tem reservado para mim, năo teria <strong>de</strong> novo <strong>de</strong>scido aos infernos.


Cheguei à penosa conclusăo <strong>de</strong> que o busílis da questăo, da intençăo, a "aceitaçăo", năo passa<br />

<strong>de</strong> <strong>uma</strong> farsa traiçoeira, mascarada com asinhas angélicas, vozes ardilosas e monumentais<br />

construçőes parafrásticas, <strong>de</strong> justificaçőes, quando se trata <strong>de</strong> eu querer, pura e simplesmente,<br />

realizar a minha vonta<strong>de</strong> e os meus <strong>de</strong>sejos à minha maneira. Qual humilda<strong>de</strong>? Qual programa?<br />

Qual partilha? Qual honestida<strong>de</strong>? Qual gratidăo? Qual Passo? Qual carapuça. É tudo <strong>uma</strong><br />

blasfémia. Que vergonha! A partir do momento em que eu quero <strong>uma</strong> coisa, automaticamente<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir humilda<strong>de</strong>, honestida<strong>de</strong> e gratidăo. Vira-se o feitiço contra o feiticeiro.<br />

Obcecada pelos meus pensamentos, tropecei dando <strong>uma</strong> violentíssima queda com consequęncias<br />

bastante <strong>de</strong>sagradáveis, nomeadamente a fractura exposta do pulso, o que me obriga a<br />

permanecer, no mínimo, um mês com o braço ao peito e engessado. O <strong>de</strong>sconforto, a<br />

<strong>de</strong>pendência física dos outros, as dores, a fragilida<strong>de</strong> e a vulnerabilida<strong>de</strong> em que me encontrava,<br />

estimularam os meus <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> carácter, provocando <strong>uma</strong> avalanche que culminou n<strong>uma</strong><br />

recaída emocional.<br />

Foi assim, muito subtilmente, muito <strong>de</strong>vagarinho, muito ardilosamente, tal e qual como vem escrito<br />

no "Livro Azul", que <strong>de</strong>sci aos infernos e volvi a estar em contacto com as tentaçőes diabólicas,<br />

perversas e traiçoeiras. Num minuto, apenas num minuto, <strong>uma</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>svairada, quase que<br />

incontrolável <strong>de</strong> anestesiar a minha dor apo<strong>de</strong>rou-se <strong>de</strong> mim. Apeteceu-me beber e imaginei o<br />

"meu" Whisky forte, po<strong>de</strong>roso, majestoso, a escorregar venenosamente no labirinto da minha<br />

garganta, afundando, sem dó nem pieda<strong>de</strong>, a miserável dor on<strong>de</strong> eu patinava a minha autopieda<strong>de</strong>,<br />

havia dois dias.<br />

Năo fora esse inferno <strong>de</strong> pensamentos e lágrimas intercalado com <strong>de</strong>sesperados pedidos <strong>de</strong> ajuda<br />

e... imaginem on<strong>de</strong> eu estaria?<br />

Ah... se eu năo pegasse no telefone e năo pedisse ajuda, imaginem se eu năo tivesse muitos<br />

contactos, se eu năo tivesse <strong>uma</strong> madrinha, se eu năo seguisse sugestőes, imaginem se eu<br />

continuasse a fazer tudo à minha maneira... muito provavelmente, conhecendo-me bem, estaria,<br />

neste preciso momento, mais só do que um căo abandonado, a viver a minha ingratidăo, a minha<br />

<strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong>, a minha auto-pieda<strong>de</strong>, a minha miséria, todas elas mascaradas <strong>de</strong> vítima, em vez<br />

<strong>de</strong> estar aqui a partilhar convosco as sensacionais <strong>de</strong>scobertas do meu auto conhecimento e que<br />

me levaram a aceitar humil<strong>de</strong>mente este momento preciso.<br />

Hoje, tenho poucas coisas como certas na minha vida, mas <strong>existe</strong> <strong>uma</strong> certeza indubitável: -– Este<br />

programa <strong>de</strong> amor resulta, se eu o aceitar e o praticar com honestida<strong>de</strong>, humilda<strong>de</strong> e gratidăo.<br />

Obrigada a todos vós. "Juntos conseguimos aquilo que eu sozinha nunca fui capaz".<br />

Com amor,<br />

Teresa M. - Área 07<br />

Experiências pessoais - ACEITAÇĂO<br />

ACEITAÇĂO<br />

Para mim, a base da minha recuperaçăo foi a aceitaçăo. Aceitar em primeiro lugar que sou<br />

alcoólico pois, quando vim para Alcoólicos Anónimos, năo foi por acreditar que o era nem porque<br />

quisesse <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber, mas apenas porque a minha mulher me obrigou a entrar. Se o năo<br />

fizesse, separava-se <strong>de</strong> mim. E eu, por medo <strong>de</strong> ficar sozinho, aceitei.<br />

Na minha primeira reuniăo compreendi e aceitei que sou alcoólico. Foi doloroso para mim mas


também foi <strong>uma</strong> vitória, porque começou assim a minha recuperaçăo.<br />

Năo posso dizer que tenha sido fácil e, tenho por costume dizer nas reuniőes, que em AA<br />

aconteceram duas coisas que eu năo queria: Uma, foi <strong>de</strong>ixar o copo, a outra carregar-me <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>feitos. A aceitaçăo <strong>de</strong>stas coisas, foi o que me <strong>de</strong>u a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber quem sou eu.<br />

Com o trabalho dos 12 Passos e conseguindo apren<strong>de</strong>r a aceitar as <strong>de</strong>mais pessoas, aprendi a<br />

perdoar e aprendi a pedir perdăo.<br />

Estou muito grato a Alcoólicos Anónimos, por me ter dado a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> me transformar em<br />

quem sou.<br />

Manolo - Área 07<br />

Experiências pessoais - Paulo<br />

Experiências pessoais - Paulo<br />

Nasci n<strong>uma</strong> cida<strong>de</strong>zinha do interior do Brasil. Pouco havia para se fazer além <strong>de</strong> <strong>uma</strong>s peladas <strong>de</strong><br />

futebol, <strong>uma</strong>s partidas <strong>de</strong> cartas e uns bailaricos para animar.<br />

Tinha sete anos quando apanhei a primeira bebe<strong>de</strong>ira e ficou<br />

marcada porque foi com um vinho <strong>de</strong> péssima qualida<strong>de</strong>.<br />

O tempo foi passando e a adolescência chegou. Era o que eu mais<br />

queria pois, ao ter <strong>de</strong>zoito anos, já podia mandar em mim mesmo e<br />

tomar as minhas <strong>de</strong>cisőes.<br />

Perdi a minha măe muito cedo mas isso năo po<strong>de</strong> servir para me <strong>de</strong>sculpar. Antes, já ela tinha<br />

perdido muitas noites <strong>de</strong> sono por minha causa e, apesar do seu amor, este năo foi suficiente para<br />

eu dar ouvidos aos seus conselhos. O meu orgulho e prepotęncia eram maiores que tudo o resto.<br />

O álcool já estava ficando em primeiro lugar na minha vida e, sabedor disto, mesmo assim năo<br />

queria parar. Achava-me muito novo, só tinha vinte e seis anos e năo tinha aproveitado nada da<br />

vida, quando me apercebi que a minha própria vida estava toda embaraçada. Abandonei o liceu,<br />

năo tinha objectivos, perdi a fé por completo e construí um mundo à minha maneira. Maltratei-me,<br />

mas quem mais sofria eram os meus familiares e amigos, até a socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> eu vivia. O pior é<br />

que eu năo tinha justificaçăo para estar neste caminho porque, bem próximo <strong>de</strong> mim, tinha <strong>uma</strong><br />

pessoa que era membro <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, no caso, o meu querido pai. Ele, com o seu<br />

amor e paciência, tentava passar-me a mensagem <strong>de</strong> AA e eu recusava-a sempre, arranjando<br />

<strong>de</strong>sculpas. Passaram-se assim cinco anos, mas ele nunca <strong>de</strong>sistiu.<br />

No dia em que fiz vinte e sete anos, bebi até entrar em coma, a minha mulher ficou <strong>de</strong>sesperada<br />

com aquela situaçăo mas, mesmo assim, o seu amor e apoio eram incondicionais perante o<br />

álcool. No dia seguinte levantei-me com <strong>uma</strong> tremenda ressaca e fui ao médico, on<strong>de</strong> contei que<br />

vinha saindo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> tremenda bebe<strong>de</strong>ira. Enquanto me passava <strong>uma</strong> receita com medicamentos,<br />

foi dizendo que aquilo pouco ia adiantar e que, quem sabe, se eu fosse a <strong>uma</strong> reuniăo <strong>de</strong><br />

Alcoólicos Anónimos talvez me ajudassem, se eu quisesse.<br />

Vindo do Hospital, ia <strong>de</strong>scendo a rua on<strong>de</strong> morava, com a receita na măo e sem <strong>uma</strong> moeda<br />

sequer no bolso, quando vi o meu pai vir ao meu encontro. O seu semblante mostrava <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong><br />

tristeza pela minha situaçăo. Mais <strong>uma</strong> vez me propôs ajuda, foi comprar-me os remédios e<br />

convidou-me para, naquele momento (eram nove horas da manhă), ir com ele conhecer a sala do


<strong>grupo</strong> on<strong>de</strong> ele se recuperava.<br />

Aceitei, e lá fomos os dois.<br />

Quando lá cheguei, <strong>de</strong>parei-me com os cartazes e a literatura AA expostos, i<strong>de</strong>ntificando-me <strong>de</strong><br />

imediato com o 1º Passo que li. Fui olhando e <strong>de</strong>i com um livrinho <strong>de</strong> capa ver<strong>de</strong> cujo título era<br />

"Ainda há Esperança" - foi o meu guia <strong>de</strong> salvaçăo na minha vinda para AA.<br />

Naquele dia, era <strong>uma</strong> Quarta-feira e havia reuniăo no Grupo. Ainda vejo os olhos <strong>de</strong> meu pai<br />

cheios <strong>de</strong> lágrimas <strong>de</strong> emoçăo enquanto me abraçava, quando lhe disse que iria à reuniăo.<br />

...quem sabe, se eu fosse a <strong>uma</strong> reuniăo <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos...<br />

A vida mudou muito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> entăo. Hoje tenho duas famílias maravilhosas: a primeira é a <strong>de</strong> AA, a<br />

segunda é minha mulher, filhos e netos. Através do programa <strong>de</strong> AA, apareceram muitas<br />

oportunida<strong>de</strong>s na minha vida. Hoje tenho um Po<strong>de</strong>r Superior que está sempre presente quando eu<br />

O procuro, tenho companheiras e companheiros em recuperaçăo por todo o mundo e eu, nunca<br />

mais fiquei só.<br />

Actualmente vivo em Portugal, que acho maravilhoso e on<strong>de</strong> falamos a mesma língua. Um dia que<br />

parta, vou levar muita experięncia dos companheiros fantásticos que tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecer.<br />

O meu Grupo base fica no norte do País, em Mafamu<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> fui recebido <strong>de</strong> braços abertos e<br />

com muito amor, tal como senti nos outros <strong>grupo</strong>s que visitei. Esta afinida<strong>de</strong> contagiante torna-me<br />

n<strong>uma</strong> pessoa muito grata, tanto mais porque a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> AA sempre fez e fará a diferença<br />

no <strong>de</strong>correr da minha existência.<br />

Quero <strong>de</strong>sejar a todos muitas 24 horas <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>, com muita serenida<strong>de</strong>, partindo da certeza<br />

<strong>de</strong> que sempre haverá <strong>uma</strong> măo amiga que passará adiante a Esperança.<br />

Paulo - Área 02<br />

Experiências pessoais - Pensei que năo conseguia parar <strong>de</strong><br />

beber<br />

Experiências pessoais - Pensei que năo conseguia parar <strong>de</strong> beber<br />

Comecei a beber muito novo porque fui trabalhar logo assim que fiz a escola primária. Naquele<br />

tempo, em 1968, a vida era difícil para toda a gente. Comecei a trabalhar com homens <strong>de</strong> vinte e<br />

tal anos e eu tinha treze ou catorze. Bebiam muito e eu ia buscar as compras para eles. Trazia<br />

garrafőes <strong>de</strong> vinho e bebia um bocadinho que me ofereciam. Assim fui andando até aos<br />

<strong>de</strong>zasseis, <strong>de</strong>zassete anos e cada vez bebia mais. Comecei a andar com outros amigos em<br />

petiscos e "coboiadas", mas aquilo era <strong>bom</strong>.<br />

Quando fui para a tropa, a vida continuou e assim se foram passando os anos até que casei aos<br />

vinte e sete anos mas, sempre a beber. Com o casamento acalmei durante uns cinco ou seis<br />

anos. Fui trabalhar para outra empresa on<strong>de</strong> estive <strong>de</strong>zoito anos mas, os companheiros eram<br />

como eu ou piores.<br />

Entăo, acedi vir para Alcoólicos Anónimos...


Nestes últimos quatro, cinco anos, já andava pior no trabalho, já năo respeitava as pessoas.<br />

Eu já andava a querer parar <strong>de</strong> beber mas năo conseguia. Fazia asneiras em casa, partia coisas,<br />

andava mal com a minha mulher. O que ela sofria comigo! Tirei a carta <strong>de</strong> conduçăo e passados<br />

oito meses fiquei sem ela. Enfim! Tanta coisa má que fiz, dinheiro que gastei com amigos que o<br />

năo eram. Ultimamente, já tinha que ir ao frigorífico durante a noite, duas ou três vezes, para<br />

beber vinho ou cerveja. Uma noite, năo tinha vinho nem cerveja, abri<br />

<strong>uma</strong> garrafa <strong>de</strong> vinho do Porto e bebi-o, em duas vezes, para ficar bem.<br />

Nunca faltou nada em casa, também graças à minha mulher que muito<br />

aguentou. Felizmente năo nos separámos. Entăo, acedi vir para<br />

Alcoólicos Anónimos, com a ajuda da minha mulher porque eu năo<br />

queria. Tinha vergonha, pensava que fosse alg<strong>uma</strong> religiăo. Agora vou<br />

às reuniőes; já há oito meses que năo bebo e sentimo-nos bem eu e a minha família, graças aos<br />

companheiros que me ajudam.<br />

Obrigado.<br />

Vítor C.<br />

Experiências pessoais - Honestida<strong>de</strong><br />

Experiências pessoais - Honestida<strong>de</strong><br />

Chamo-me Henriques e sou alcoólico em recuperaçăo em Alcoólicos Anónimos há já alg<strong>uma</strong>s<br />

24H.<br />

Honestida<strong>de</strong>, o tema do último nş da revista, mexeu um pouco comigo.<br />

- Será que já tenho um pouco <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estou em recuperaçăo?<br />

Pois é, se voltar um pouco atrás, quando andava no activo, lembro-me que a honestida<strong>de</strong> era <strong>uma</strong><br />

coisa <strong>de</strong>sconhecida para mim, basicamente simulava essa palavra.<br />

Hoje, vejo as coisas <strong>de</strong> <strong>uma</strong> outra forma. Vejo que para ser honesto com as pessoas que me<br />

ro<strong>de</strong>iam na vida quotidiana, tenho que ser, primeiro que tudo, honesto comigo próprio, ter a mente<br />

aberta e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entregar: <strong>uma</strong> coisa que noto: só por hoje, já tenho um pouco. Isto <strong>de</strong>vo-o<br />

ao programa, à família, aos companheiros.<br />

...ainda sou um pouco teimoso na entrega.<br />

Hoje, faz-me todo o sentido tentar fazer o programa: porque me sinto melhor e vejo que as coisas<br />

andam para a frente. Mas tenho que trabalhar para isso. Sinto-me membro <strong>de</strong> <strong>uma</strong> comunida<strong>de</strong><br />

fabulosa, mas também tenho <strong>de</strong> trabalhar para isso. Por tudo isto, tenho gratidăo para com<br />

Alcoólicos Anónimos pois foi on<strong>de</strong> encontrei a paz que tanto andava à procura. Adoro cada vez<br />

mais aquilo que faço no meu trabalho, apesar da tremenda crise que <strong>existe</strong>, a família e os<br />

companheiros e companheiras que frequentam as reuniőes. Săo eles que me dăo confiança para<br />

continuar a i<strong>de</strong>ntificar-me com muita coisa, e a năo cair em situaçőes menos boas.


Como é <strong>bom</strong> estar com vocês!... Só nas reuniőes é que a minha linguagem é entendida, pois lá<br />

fora é difícil enten<strong>de</strong>rem-me. Hoje tento ser feliz com aquilo que Deus me conce<strong>de</strong>u e tento<br />

entregar ao meu Po<strong>de</strong>r Superior aquilo que năo consigo resolver, apesar<br />

<strong>de</strong>, por vezes, notar que ainda sou um pouco teimoso na entrega.<br />

Quero agra<strong>de</strong>cer a todos vocês por me ajudarem e <strong>de</strong>sejo muitas 24h<br />

para todos, com muita paz e amor. Juntos, conseguimos o que eu<br />

sozinho nunca consegui - PARAR DE BEBER.<br />

José Henriques - Área 09<br />

Experiências pessoais - A minha história com o álcool<br />

Experiências pessoais - A minha história com o álcool<br />

Quando fui estudar para o Cacém, calhou ficar na mesma turma <strong>de</strong> <strong>uma</strong> colega minha que f<strong>uma</strong>va<br />

charros, tal como eu. Faltávamos às aulas e íamos f<strong>uma</strong>r daquilo e aproveitávamos também para<br />

irmos a <strong>uma</strong> tasca que ficava por <strong>de</strong>trás da escola. Bebíamos até ficarmos <strong>de</strong> rastos, foi nessa<br />

altura que comecei a beber a sério.<br />

Entretanto, conheci aquele que viria a ser o meu primeiro marido, pois comprava-lhe haxixe, a ele<br />

e à irmă e foi também com ela que comecei a consumir heroína. Tive um casamento muito<br />

atribulado <strong>de</strong>rivado às drogas e ao álcool, que terminou ao fim <strong>de</strong> quase sete anos. Quando me<br />

divorciei, é que me "agarrei" a sério à bebida e as minhas preferidas, eram a vodka e o gim. Ia<br />

trabalhar sempre <strong>de</strong> cabeça cheia e bem-disposta (pu<strong>de</strong>ra!) e à noite, os meus filhos tinham <strong>de</strong><br />

me chamar para fazer o jantar. Cost<strong>uma</strong>va pôr a bebida n<strong>uma</strong> garrafa <strong>de</strong> água e, quando à hora<br />

do almoço as minhas colegas, no supermercado on<strong>de</strong> trabalhei, me perguntavam se năo comia,<br />

eu dizia que estava <strong>de</strong> dieta e só bebia "água". Às Sextas e aos Sábados, ia sempre para as<br />

Docas com <strong>uma</strong> colega minha que năo bebia e levava o carro. Eu apanhava sempre gran<strong>de</strong>s<br />

bebe<strong>de</strong>iras e só fazia figuras tristes. N<strong>uma</strong> <strong>de</strong>ssas saídas conheci um rapaz com o qual me<br />

envolvi, mas a nossa relaçăo baseava-se no consumo <strong>de</strong> álcool; năo tinha futuro.<br />

Entretanto, vim a conhecer o irmăo <strong>de</strong>sse rapaz com quem me envolvi também, mas <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />

estou muito melhor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que conheci os Alcoólicos Anónimos<br />

maneira diferente. Ele <strong>de</strong>ixou a família para se juntar a mim. Com ele, aprendi a viver sem álcool,<br />

até porque o meu companheiro é totalmente contra qualquer tipo <strong>de</strong> consumo embora, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

estamos juntos, eu já tenha pelo menos recaído duas vezes; tanto em droga como em álcool; a<br />

última foi há pouco mais <strong>de</strong> um ano. Abrimos um café e é claro aproveitei para voltar a beber.<br />

Hoje em dia já sobrevivo sem a bebida, embora me faça <strong>uma</strong> certa confusăo, às vezes, ter <strong>de</strong><br />

servir bebidas alcoólicas aos clientes. Espero ter aprendido a liçăo e estou muito melhor <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que conheci os Alcoólicos Anónimos há cerca <strong>de</strong> seis meses, através <strong>de</strong> um amigo meu.<br />

Ana Lúcia - Área 06<br />

Experiências pessoais - História <strong>de</strong> um médico alcoólico<br />

Experiências pessoais - História <strong>de</strong> um médico alcoólico<br />

- Existe <strong>uma</strong> cura milagrosa


Chamo-me Mário e nasci em Yucatám, <strong>uma</strong> cida<strong>de</strong> do México, filho natural <strong>de</strong> <strong>uma</strong> humil<strong>de</strong> e<br />

jovem mulher.<br />

Vivi toda a minha infância com muita pobreza porém, ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> muito amor e carinho por parte<br />

<strong>de</strong> minha măe e minha avó materna, que me <strong>de</strong>dicaram totalmente as suas vidas. Fui o primeiro<br />

filho e o mais amado pela minha măe; filho também <strong>de</strong> um pai egoísta que abandonou minha măe<br />

quando ela engravidou. Fui muito enfermiço, também pelas dificulda<strong>de</strong>s económicas e só entrei<br />

para a escola aos oito anos. Ainda pequeno, a minha măe uniu-se ao que é meu padrasto,<br />

procriando cinco filhos. O meu padrasto era alcoólico e <strong>de</strong>u muitas angústias a minha măe durante<br />

15 anos, até que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> beber por motivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Pese o seu alcoolismo, foi um <strong>bom</strong> pai<br />

para mim, nunca me dando maus tratos, sequer por palavras e ajudou-me sempre nas minhas<br />

necessida<strong>de</strong>s. Apesar <strong>de</strong> sentir na pele os efeitos <strong>de</strong>sastrosos do alcoolismo, năo só na pessoa<br />

do meu padrasto como <strong>de</strong> outros familiares próximos, năo foi impedimento para, anos mais tar<strong>de</strong>,<br />

sofrer eu mesmo <strong>de</strong>sta terrível doença, fazendo sofrer todos os que me ro<strong>de</strong>avam; doença do<br />

corpo, mente e alma que, lentamente, mata um indivíduo.<br />

Por exigência da minha măe recebi <strong>uma</strong> educaçăo <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong> e fui um excelente estudante.<br />

Nos finais da preparatória tomei as primeiras bebidas nas festas <strong>de</strong> família para que me<br />

convidavam. Em todas, recordo, que bebia com avi<strong>de</strong>z, eufórico, comia e continuava bebendo, até<br />

ficar completamente bêbedo. De natureza rebel<strong>de</strong>, năo experimentava amor pelos meus entes<br />

queridos, tinha um egoísmo acentuado, assim como dificulda<strong>de</strong> para as relaçőes sociais,<br />

sobretudo com mulheres. Des<strong>de</strong> muito pequeno a<strong>de</strong>ri aos jogos sexuais com raparigas mais<br />

velhas e, com a ida<strong>de</strong>, tinha <strong>uma</strong> hipersexualida<strong>de</strong>, o que me levou a procurar prostitutas e<br />

homosexuais.<br />

Comecei os meus estudos <strong>de</strong> medicina que se caracterizaram sempre por períodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicaçăo<br />

Năo fiz nenhum relatório para as autorida<strong>de</strong>s sobre o que era necessário no meu local <strong>de</strong><br />

trabalho<br />

e <strong>bom</strong> rendimento, intercalados por outros <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> álcool e drogas que me traziam<br />

consequências <strong>de</strong>sastrosas. No segundo ano <strong>de</strong> medicina, recordo que era o aluno com melhor<br />

nota na disciplina <strong>de</strong> Fisiologia e, um companheiro que tomava anfetaminas, convidou-me para as<br />

tomar o que fiz com gosto; porém com o tempo, tive consequências nefastas no meu rendimento:<br />

tinha insónias, irritabilida<strong>de</strong> e percas <strong>de</strong> memória.<br />

Devido ao meu comportamento a minha măe <strong>de</strong>cidiu pôr-me fora <strong>de</strong> casa, andava já no quarto<br />

ano do curso <strong>de</strong> medicina. Durante um tempo vivi em casa <strong>de</strong> amigos, nos hospitais on<strong>de</strong><br />

conseguia trabalho e comida e repetia o mesmo círculo: períodos <strong>de</strong> <strong>bom</strong> <strong>de</strong>sempenho,<br />

interrompidos por outros <strong>de</strong> exagerado consumo <strong>de</strong> álcool e marcados pela minha<br />

irresponsabilida<strong>de</strong>. Conduzia a moto que possuía em estado <strong>de</strong> embriaguez, do que resultaram<br />

vários aci<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>pois subornava a polícia para năo ser preso. Tudo o que ganhava era<br />

esbanjado, principalmente em álcool e prostitutas.<br />

A minha măe e a minha avó recriminavam-me pela minha conduta, porém eu năo prestava<br />

nenh<strong>uma</strong> atençăo aos seus conselhos. Em finais <strong>de</strong> 1968 apaixonei-me e fiquei noivo <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />

linda jovem cujo pai era alcoólico crónico e que vivia só para beber. O irmăo mais velho, com a<br />

ajuda dos restantes irmăos resgataram-na, juntamente com a măe, à vida miserável com o pai e<br />

foram viver noutro lugar. Em várias ocasiőes, para tristeza <strong>de</strong>la, <strong>de</strong>i mostras do meu alcoolismo,<br />

chegando bêbedo a sua casa. Uma vez, tentei entrar à força dando pesadas na porta, mas năo o<br />

consegui porque os vizinhos alertaram a polícia e eu fugi. Esta e outras atitu<strong>de</strong>s levaram a que a<br />

sua măe a levasse, passado algum tempo, a que me trocasse por outro, que năo sofresse como<br />

eu <strong>de</strong> alcoolismo.<br />

Em 1969/70 tive que fazer um ano <strong>de</strong> serviço rural n<strong>uma</strong> pequena povoaçăo a cerca <strong>de</strong> 90


quilómetros da minha terra. Ali havia carência <strong>de</strong> tudo e o serviço médico local năo tinha<br />

medicamentos nem equipamentos <strong>de</strong> qualquer tipo. Havia <strong>uma</strong> quantida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> doenças<br />

<strong>de</strong>rivadas da pobreza. Porém năo fiz nenhum relatório para as autorida<strong>de</strong>s sobre o que era<br />

necessário no meu local <strong>de</strong> trabalho. Isto, teve efeitos mais tar<strong>de</strong>, pois suscitou a morte <strong>de</strong> um<br />

trabalhador do campo que foi mordido por <strong>uma</strong> víbora, <strong>uma</strong> vez que năo existia no lugar nenhum<br />

antídoto para a mor<strong>de</strong>dura venenosa <strong>de</strong> cobras, muito comuns naquela regiăo. Recordo com<br />

amargura esse ano, que foi cheio <strong>de</strong> amargura e dor, especialmente para a minha avó, que me<br />

tinha acompanhado e que adoecera. Năo lhe prestava a atençăo que <strong>de</strong>via e quando ia receber o<br />

me salário, <strong>de</strong> quinze em quinze dias, a primeira coisa que fazia era dirigir-me aos bares e<br />

procurar prostitutas e álcool. Muitas vezes aconteceu irem-me chamar para alg<strong>uma</strong> emergência<br />

médica e eu năo acordava. Quando estava a dois meses <strong>de</strong> terminar o estágio tive que parar <strong>de</strong><br />

beber para escrever a minha tese final, para conseguir o título <strong>de</strong> médico <strong>de</strong> clínica geral.<br />

No ano seguinte fui trabalhar para outro lugar e, a primeira pessoa que conheci, graças às<br />

referências <strong>de</strong> um passageiro do autocarro em que viajava, foi um jovem gerente <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />

Farmácia, conhecido pelo seu amor ao próximo e pelo seu <strong>bom</strong> trato. Chamava-se Álvaro L.<br />

Tempos <strong>de</strong>pois, tornou-se no meu melhor amigo e vim mais tar<strong>de</strong> a saber que pertencia a <strong>uma</strong><br />

socieda<strong>de</strong> chamada Alcoólicos Anónimos.<br />

Esbanjava todo o dinheiro que ganhava e, rapidamente, fui <strong>de</strong>spedido do emprego<br />

Apresentei-me a ele, que me ajudou a estabelecer-me na cida<strong>de</strong> e comecei logo a trabalhar tendo,<br />

no princípio, muita clientela. O meu amigo Álvaro ajudou-me e consegui até o emprego <strong>de</strong> médico<br />

municipal. Porém, ao fim <strong>de</strong> pouco tempo retomei a minha rotina <strong>de</strong> álcool e prostitutas. Consegui<br />

comprar um carro e o meu amigo ensinou-me a conduzir, e eu fazia-o muitas vezes embriagado.<br />

Voltei a năo estudar nem dar atençăo aos meus pacientes apesar dos rogos da minha idosa avó<br />

que năo <strong>de</strong>sistia <strong>de</strong> me acompanhar. Esbanjava todo o dinheiro que ganhava e, rapidamente, fui<br />

<strong>de</strong>spedido do emprego <strong>de</strong> médico municipal e a clientela começo a baixar.<br />

Em várias ocasiőes me feri em aci<strong>de</strong>ntes e tive que pagar pesadas multas para năo ser preso.<br />

N<strong>uma</strong> das vezes levaram-me para o hospital e o meu amigo Álvaro foi visitar-me no dia seguinte.<br />

Convidou-me para ir a <strong>uma</strong> reuniăo mas eu recusei. Só agora me dou conta que, na maioria dos<br />

casos <strong>de</strong> alcoolismo, o último a dar-se conta da situaçăo caótica em que se encontra é a pessoa<br />

que sofre da doença.<br />

Em menos <strong>de</strong> um ano tive que <strong>de</strong>ixar a cida<strong>de</strong> porque năo tinha clientes. Por sugestăo do meu<br />

amigo Álvaro fui para a capital para tirar <strong>uma</strong> especialida<strong>de</strong> e consegui entrar num gran<strong>de</strong> hospital<br />

on<strong>de</strong> estive três anos.<br />

No primeiro ano năo bebi <strong>de</strong>vido ao excesso <strong>de</strong> trabalho. No segundo ano, foi o ano <strong>de</strong> alcoolismo<br />

mais severo. Todos os dias bebia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as sete ou oito da noite até ês quatro, cinco da manhă.<br />

Năo <strong>de</strong>ixava dormir os meus companheiros e, <strong>de</strong> madrugada, batia nas portas pedindo bebida, até<br />

que ao fim <strong>de</strong> oito ou nove meses, fartos da minha conduta, um <strong>grupo</strong> foi queixar-se às<br />

autorida<strong>de</strong>s médicas do hospital, as quais or<strong>de</strong>naram a minha expulsăo. Os meus dois únicos<br />

amigos ali interce<strong>de</strong>ram por mim e conseguiram suspen<strong>de</strong>r a expulsăo com a condiçăo <strong>de</strong> eu năo<br />

causar mais problemas nem continuasse bebendo. Os meus amigos levaram-me a um psicólogo e<br />

<strong>de</strong>pois a um psiquiatra <strong>de</strong> prestígio, o qual me diagnosticou <strong>uma</strong> severa neurose, tratando-me com<br />

psicanálise e, posteriormente, com psicofármacos. Năo <strong>de</strong>u importância ao meu alcoolismo. Deixei<br />

<strong>de</strong> beber e terminei a especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> radiologia.<br />

Logo após terminar a especialida<strong>de</strong> comecei a trabalhar no hospital <strong>de</strong> <strong>uma</strong> empresa petrolífera.<br />

De 1974 a 1980 estive abstémio, só bebi em duas ocasiőes. Durante este período casei com <strong>uma</strong><br />

profissional da Área Social do hospital, com quem vivo até aos dias <strong>de</strong> hoje. Tivemos apenas <strong>uma</strong><br />

filha. Contudo tive <strong>de</strong> ir trabalhar para outro sítio e, vivendo só, caí novamente no mesmo círculo.<br />

Năo tinha amigos, frequentava prostitutas, tinha crises <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressăo e irritabilida<strong>de</strong>, tăo pouco me


acercava <strong>de</strong> Deus, esquecendo-me dos ensinamentos recebidos. Agora dou-me conta que, <strong>de</strong>vido<br />

à negaçăo do meu problema alcoólico, năo tinha controle sobre as minhas emoçőes, tinha sinais<br />

<strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong> emocional, sem senso comum e nula consciência dos meus <strong>de</strong>feitos, assim como<br />

afastamento <strong>de</strong> Deus.<br />

Em 1980 consegui um posto <strong>de</strong> radiologista, compramos <strong>uma</strong> casa e vivi ali com a minha família<br />

até 1997. Comecei a beber novamente, tomando alg<strong>uma</strong>s bebidas diariamente, com bebe<strong>de</strong>iras<br />

aos fins <strong>de</strong> semana. A minha măe visitava-nos e recriminava a minha forma <strong>de</strong> beber, dizia-me<br />

que eu era alcoólico e que <strong>de</strong>veria pedir ajuda, citando-me Alcoólicos Anónimos. Durante este<br />

período a minha măe morreu, subitamente, o que foi <strong>uma</strong> perca muito dolorosa para mim. Depois<br />

da sua morte parei <strong>de</strong> beber durante duas semanas mas logo continuei, fazendo caso omisso <strong>de</strong><br />

todas as recomendaçőes que me tinha feito.<br />

Um fim <strong>de</strong> semana, conduzindo embriagado, tive um gran<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte. Destruí quase<br />

completamente a frente do carro mas eu apenas tive ferimentos ligeiros. Devido a que no choque<br />

<strong>uma</strong> mulher sofreu <strong>uma</strong> fractura num braço, suspeitou-se que conduzia ébrio e a polícia<br />

procurava-me. Por sorte (intervençăo divina), no momento do choque, um colega meu que<br />

passava nesse lugar recolheu-me e levou-me ao hospital. Posteriormente, e perante a<br />

proximida<strong>de</strong> dos agentes policiais, levou-me para casa <strong>de</strong> um amigo próximo da minha residência.<br />

Passei a noite mais angustiada da minha vida. Possuído por pânico e remorsos, năo consegui<br />

adormecer. Na manhă seguinte, preso <strong>de</strong> angústia, resolvi pedir ajuda pois compreendi que năo<br />

podia tolerar mais esta situaçăo. Um vizinho levou-me a um advogado que morava próximo. Era<br />

membro <strong>de</strong> AA. Levou-me nessa mesma noite à minha primeira reuniăo. Aí, escutei histórias<br />

parecidas com a minha, mensagens <strong>de</strong> alento, esperança e amor perante cada um e os <strong>de</strong>mais,<br />

sentindo um imenso alívio para a minha mente e para a minha alma em agonia.<br />

Compreendi que havia batido fundo, dando graças a Deus por me haver conduzido a um porto<br />

seguro, a um programa cheio <strong>de</strong> amor e vida, eficaz contra a doença do alcoolismo, <strong>uma</strong> das<br />

doenças que mais dano causam ao indivíduo, à família e à socieda<strong>de</strong>. Ataca todo o corpo,<br />

incluindo a mente, assim como a alma. É <strong>uma</strong> doença cuja etiologia ainda năo é bem conhecida e<br />

portanto, está sem tratamento.<br />

Sou testemunho <strong>de</strong> um dos milagres (cura sobrenatural), operado por um Po<strong>de</strong>r Superior que eu<br />

chamo Deus.<br />

Deus, através <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos fez o milagre, extirpando subitamente a obsessăo por<br />

beber, restabelecendo paulatinamente a mente, o corpo e a alma. Cura milagrosa năo explicada<br />

ainda pela medicina. Até ao dia <strong>de</strong> hoje continuo trabalhando o meu programa, dando testemunho<br />

da eficácia do programa <strong>de</strong> AA, como tantos outros seres h<strong>uma</strong>nos no mundo inteiro.<br />

Mário S. (In La Vińa) - Quebec - Canadá<br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

A humilda<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>-se. Será que quero apren<strong>de</strong>r?<br />

A verda<strong>de</strong> é que como alcoólico năo a tive, năo a conheci. Em recuperaçăo é necessário lutar por<br />

ela, encontrá-la, sabendo que o esforço é gigantesco, maior do que a minha vaida<strong>de</strong>, a minha<br />

raiva, do que o meu mundo que virei ao contrário por doença e por <strong>de</strong>sleixo.


A humilda<strong>de</strong> é enten<strong>de</strong>r os outros, amá-los como iguais, é reconhecer que os magoei e que tratei<br />

as suas vidas com o <strong>de</strong>sprezo e a arrogância que sempre estiveram colados às minhas<br />

bebe<strong>de</strong>iras. Com o pior <strong>de</strong> mim próprio brin<strong>de</strong>i os outros, sem respeito, sem <strong>de</strong>cência, afinal, sem<br />

humilda<strong>de</strong>.<br />

Os humil<strong>de</strong>s năo săo os pobres nem os ricos, os cultos ou os iletrados. Os humil<strong>de</strong>s săo apenas<br />

os melhores. Na escola da nossa sobrieda<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>-se a humilda<strong>de</strong>. Será que quero apren<strong>de</strong>r?<br />

Mas é na rua, na vida que ela se cultiva e cresce, em harmonia com os outros, em dádiva<br />

permanente do melhor que houver em mim, em tolerância. Tarefa difícil, a humilda<strong>de</strong>; por isso vale<br />

a pena todo o esforço para a conquistar, apren<strong>de</strong>ndo-a.<br />

Fernando - Área 07<br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

Sendo a Humilda<strong>de</strong> o tema da nossa revista, também quero partilhar o que para mim significa esta<br />

virtu<strong>de</strong>.<br />

Para mim, antes <strong>de</strong> entrar em Alcoólicos Anónimos, pensava que humil<strong>de</strong> era sinónimo <strong>de</strong> pobre,<br />

<strong>de</strong> "coitadinho", com fracos recursos h<strong>uma</strong>nos e sociais, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>uma</strong> família pobre como<br />

a minha. E por isso eu pensava que era humil<strong>de</strong>.<br />

Hoje, sinto que a humilda<strong>de</strong> é um estado <strong>de</strong> espírito que tem <strong>de</strong> se ir trabalhando em cada dia que<br />

passa, <strong>de</strong> forma a nunca se confundir com humilhaçăo.<br />

Aceitar a minha vida com humilda<strong>de</strong>, faz-me ver o dia-a-dia com maior alegria. Ajuda-me acima <strong>de</strong><br />

tudo a aceitar "Deus como eu O concebo" na minha vida. Ser humil<strong>de</strong> faz com que năo me sinta<br />

tentado a ser vaidoso. Ajuda-me a compreen<strong>de</strong>r mais os outros e a conhecer-me melhor.<br />

Aprendi no Programa <strong>de</strong> 12 Passos e 12 Tradiçőes <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos que, sendo um<br />

...aprendi a dar valor ás pequenas coisas...<br />

alcoólico em recuperaçăo, quanto mais trabalhar esta virtu<strong>de</strong>, mais "o copo que está por aí à<br />

minha espera" terá que esperar. Quando bebia só tinha sonhos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za: gran<strong>de</strong>s motas,<br />

gran<strong>de</strong>s carros, gran<strong>de</strong>s vivendas, mulheres bonitas. Hoje, aprendi a dar valor às pequenas coisas<br />

porque săo elas que fazem parte da minha realida<strong>de</strong>.<br />

E é assim que quando me levanto todos os dias penso: posso năo ser rico, năo ter bens materiais<br />

mas, tenho um programa <strong>de</strong> vida que me dá o que mais falta me faz - a Humilda<strong>de</strong>.<br />

Augusto - Área 07<br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

(Ou a falta <strong>de</strong>la)<br />

Já <strong>de</strong>correu <strong>uma</strong> quantida<strong>de</strong> significativa <strong>de</strong> anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, levado pela curiosida<strong>de</strong>, procurei no


dicionário <strong>uma</strong> <strong>de</strong>finiçăo sobre a humilda<strong>de</strong>. E hoje, que penso nisto, acho curioso que até entrar<br />

para Alcoólicos Anónimos e apesar <strong>de</strong> ter consultado milhares <strong>de</strong> vezes os mais variados<br />

dicionários, jamais me tenha ocorrido saber fosse o que fosse sobre esta qualida<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na.<br />

Bom, mas um dia no meu <strong>grupo</strong> base começou-se a falar da humilda<strong>de</strong> (ou da falta <strong>de</strong>la), e lá fui<br />

eu arranjar <strong>uma</strong> <strong>de</strong>finiçăo "oficial" para apresentar aos meus companheiros. E na próxima reuniăo,<br />

dizia-lhes: "Humilda<strong>de</strong>, é o sentimento que advém do reconhecimento das nossas próprias<br />

incapacida<strong>de</strong>s".<br />

Nada <strong>de</strong> mal teria se este acto tivesse como razăo apenas o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> informar, o que năo era o<br />

caso. A verda<strong>de</strong>ira razăo prendia-se com o meu entendimento <strong>de</strong> que alguns companheiros, ao<br />

năo fazerem o seu inventário com honestida<strong>de</strong> (como é sugerido no Quarto Passo do programa <strong>de</strong><br />

recuperaçăo <strong>de</strong> AA), năo se conheciam o suficiente e, por via disso, aceitavam fazer coisas para<br />

as quais năo tinham capacida<strong>de</strong>s. Tive sempre muita dificulda<strong>de</strong> com essa história da Aceitaçăo,<br />

principalmente no que toca a aspectos do serviço <strong>de</strong>sempenhado pelos membros. Assim, a minha<br />

Tolerância era regra geral diminuta e a forma como brandia alguns saberes que o Po<strong>de</strong>r Superior<br />

me conce<strong>de</strong>u, era totalmente oposta a qualquer tipo <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>.<br />

No processo <strong>de</strong> tentativa e erro, fui adquirindo um certo tipo <strong>de</strong> paciência que adoçou, <strong>de</strong> algum<br />

modo, esses aspectos quezilentos do meu carácter. Até por este reconhecimento, <strong>de</strong> que ainda<br />

dificilmente aceito a incompetęncia e a complacência, no que diz respeito às questőes do serviço<br />

voluntário na comunida<strong>de</strong> dos Alcoólicos Anónimos.<br />

Continuo a preten<strong>de</strong>r, muitas vezes, que os outros sejam honestos na medida do meu<br />

entendimento, no reconhecimento das suas incapacida<strong>de</strong>s e, portanto, suficientemente humil<strong>de</strong>s<br />

para pedirem ajuda ou, em muitos casos, nem sequer tentarem fazer <strong>de</strong>terminadas tarefas.<br />

Uma querida amiga e companheira citava muitas vezes slogans <strong>de</strong> AA e, um <strong>de</strong>les, que servia na<br />

Tive sempre muita dificulda<strong>de</strong> com essa história da Aceitaçăo<br />

perfeiçăo para a minha pessoa, diz: "As cre<strong>de</strong>nciais e o intelecto, ficam à porta da sala".<br />

Frequentemente esquecia esta máxima nas reuniőes do Grupo on<strong>de</strong> me ajudavam a manter-me<br />

sem beber e, ao servir a Comunida<strong>de</strong>, também esquecia que os meus saberes, fossem eles quais<br />

fossem, só tinham algum merecimento se os revestisse do espírito dos Doze Passos e das Doze<br />

Tradiçőes <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos.<br />

Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ler um pequeno artigo que o Dr. Bob, um dos fundadores <strong>de</strong> AA, escreveu sobre<br />

a humilda<strong>de</strong>, este assunto continua a ser um sério problema que tardo em conseguir solucionar. O<br />

Dr. Bob chamava a atençăo para a imagem dos raios <strong>de</strong> <strong>uma</strong> roda <strong>de</strong> bicicleta, realçando o facto<br />

<strong>de</strong> todos serem do mesmo tamanho, à mesma distância do centro e terem todos a mesma<br />

utilida<strong>de</strong>. Lembrava assim que, tal como eles, os membros <strong>de</strong> AA săo todos necessários e,<br />

portanto, iguais para o nosso propósito.<br />

Mesmo assim! Quando por qualquer razăo sinto que há oscilaçăo <strong>de</strong>masiada em AA (este barco<br />

salva vidas em que me encontro), muito do meu mau feitio ainda vem ao <strong>de</strong> cima. E ainda que,<br />

eventualmente, seja por bons motivos, isso năo me tranquiliza o suficiente. É manifesta esta<br />

minha incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, humil<strong>de</strong>mente, pedir ao meu Po<strong>de</strong>r Superior que remova <strong>de</strong>finitivamente<br />

alguns dos meus <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> carácter.<br />

Um querido amigo e companheiro, há uns anos atrás, para me sossegar dizia-me que Deus<br />

também se servia <strong>de</strong> mim e dos meus <strong>de</strong>feitos para fazer coisas boas. Ainda hoje me sossego<br />

com esta i<strong>de</strong>ia, enquanto pratico alg<strong>uma</strong> humilda<strong>de</strong> naquilo que me é mais fácil reconhecer com<br />

absoluta verda<strong>de</strong>: o meu enorme grau <strong>de</strong> imperfeiçăo, a minha impotência perante o álcool e a<br />

minha incapacida<strong>de</strong> para, sozinho, me manter afastado do primeiro copo.


Agostinho N. - Área 09<br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

Bill W. fala-nos da humilda<strong>de</strong> como sendo o "caminho do meio"; o caminho que fica entre: <strong>de</strong> um<br />

lado o orgulho, a arrogância, o ter sempre razăo, o querer impor-se; do outro, o achar-se o pior <strong>de</strong><br />

todos, o <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quado, o sem jeito, o que faz sempre tudo errado e, por isso, vive com pena <strong>de</strong> si.<br />

Estas săo as visőes distorcidas que, por vezes, tenho <strong>de</strong> mim. Difícil é conseguir ver-me como<br />

sou; sem querer ser melhor nem me achar pior do que os outros. Reparar que me comparo com<br />

os outros é já um passo importante. Porquê e para quê comparar-me? Que liçőes retiro eu <strong>de</strong>ssas<br />

comparaçőes sistemáticas que surgem na minha cabeça <strong>de</strong> forma automática e irritante?<br />

Normalmente só retiro mesmo esses sentimentos irreais <strong>de</strong> ina<strong>de</strong>quaçăo ou <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> - lixo<br />

emocional.<br />

Talvez, quando bebia, tivesse necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas perspectivas. Sabia, no fundo <strong>de</strong> mim mesma,<br />

que beber como bebia năo era <strong>bom</strong>, năo era <strong>de</strong> pessoa <strong>de</strong>cente. Qualificava-me assim, <strong>de</strong>itavame<br />

abaixo por causa do que fazia e <strong>de</strong>pois bebia mais para năo pensar, para năo sentir esse<br />

remorso e essa culpa. Mais tar<strong>de</strong> caía entăo no outro extremo, querendo provar a mim própria que<br />

era <strong>uma</strong> mulher <strong>de</strong> sucesso, <strong>uma</strong> mulher valente, <strong>uma</strong> mulher com valor. Năo é verda<strong>de</strong> que era<br />

eu quem geria a minha casa? Năo é verda<strong>de</strong> que era eu quem tinha atençăo aos filhos? Năo é<br />

verda<strong>de</strong> que era eu quem estava sempre com atençăo às economias? Năo é verda<strong>de</strong> que era eu<br />

que tinha um lugar <strong>de</strong> sucesso no meu emprego? Uma pessoa respeitada? Entăo?? Como<br />

conjugar isto com a minha outra face, o meu lado escuro, com o que fazia escondida? Como<br />

conjugar isto com a dificulda<strong>de</strong> em falar por a voz a sair entaramelada, com dificulda<strong>de</strong> em<br />

raciocinar. Como justificar o esquecimento, como conseguir aceitar a minha raiva, a zanga, a<br />

revolta que me nascia no peito? Como justificar as quedas em casa, <strong>de</strong> bêbeda? Como justificar<br />

as alturas em que năo podia estar presente para os meus filhos porque năo estava em condiçőes?<br />

Afinal qual das duas sou eu?<br />

Sou as duas. Dentro <strong>de</strong> mim <strong>existe</strong> ainda tudo isso, tudo o que fui, sou. O programa <strong>de</strong> Alcoólicos<br />

Anónimos torna possível esta aceitaçăo <strong>de</strong> mim. Para isso, foi preciso quebrar primeiro a barreira<br />

da arrogância e do orgulho, que năo <strong>de</strong>ixava que entrasse muita coisa. E sem entrar algo <strong>de</strong> novo,<br />

eu năo podia mudar. Foi possível criar alg<strong>uma</strong>s brechas através dos três primeiros Passos.<br />

Reconhecer primeiro o óbvio e dizê-lo em voz alta: "Sou <strong>uma</strong> alcoólica". Perceber que aquelas<br />

Primeiro reconhecer o óbvio e dizê-lo em voz alta<br />

i<strong>de</strong>ias da mulher <strong>de</strong> sucesso, boa dona <strong>de</strong> casa, boa măe e boa esposa talvez năo<br />

correspon<strong>de</strong>ssem bem à realida<strong>de</strong>... talvez houvesse algo para além <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ia. Talvez fosse<br />

como o impacto do álcool na minha vida: năo foi só um pouquinho; a verda<strong>de</strong> é que o álcool tinha<br />

afectado todas as áreas da minha vida: saú<strong>de</strong>, vida familiar, vida social, emprego, finanças, vida<br />

espiritual. Talvez a minha vida, se eu me dispusesse a olhar para ela <strong>de</strong> frente, năo fosse como eu<br />

a imaginava. Ah... boa vonta<strong>de</strong>! Perante a evidência do que o álcool tinha feito na minha vida sem<br />

que eu me <strong>de</strong>sse conta, percebi que năo tinha a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter um julgamento real sobre mim<br />

e sobre a minha vida.<br />

Talvez se eu admitisse que seria <strong>bom</strong> ter um dia, mais tar<strong>de</strong>, um Po<strong>de</strong>r Superior na minha vida,<br />

talvez isso fosse <strong>bom</strong> para mim, talvez eu pu<strong>de</strong>sse vir a ter um pouco mais <strong>de</strong> tranquilida<strong>de</strong>,<br />

menos revolta, menos zanga, menos culpa e remorso. Só, talvez, para começar. Foi tudo o que<br />

me foi pedido nessa altura. Esse talvez, fez milagres na minha vida. Foi a brecha que permitiu que<br />

a Luz começasse a entrar, que eu fosse sendo capaz <strong>de</strong> ouvir e <strong>de</strong> ir falando <strong>de</strong> mim. Pouco, a


princípio. Depois <strong>de</strong>ssa brecha e <strong>de</strong>ssa réstia <strong>de</strong> luz ter entrado, foi-me pedida <strong>uma</strong> <strong>de</strong>cisăo.<br />

Precisava <strong>de</strong> um dia estar disposta a aceitar que esse Po<strong>de</strong>r Superior é que mandava na minha<br />

vida. Esta foi difícil. Eu era anti-<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Ninguém nem nada tinha que ver ou saber da minha<br />

vida. Eu sabia muito bem o que fazer. Por outro lado, eu já tinha percebido a falência <strong>de</strong>stas<br />

i<strong>de</strong>ias... já tinha visto o que tinha dado essa minha mania <strong>de</strong> super-mulher. Entăo, parecia que<br />

simplesmente năo tinha nenh<strong>uma</strong> outra alternativa válida. Precisava <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, mesmo que năo<br />

fosse <strong>uma</strong> <strong>de</strong>cisăo para aquele momento. Podia <strong>de</strong>cidir que estava disponível para, um dia mais<br />

tar<strong>de</strong>, vir a entregar a minha vida e a minha vonta<strong>de</strong> ao meu Po<strong>de</strong>r Superior, quem quer que Ele<br />

fosse. Um dia mais tar<strong>de</strong> quando isso me fizesse sentido, e só se me fizesse sentido!<br />

Foi assim, passo a passo, vencendo a minha obstinaçăo, o meu mau feitio, as minhas manias e<br />

i<strong>de</strong>ias erradas.<br />

...a minha serenida<strong>de</strong> é directamente proporcional à aceitaçăo <strong>de</strong> mim, dos outros e da<br />

vida<br />

É o programa <strong>de</strong> AA que me mantém no "caminho do meio". Sou a mesma: o orgulho e a autopieda<strong>de</strong><br />

continuam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. Tenho aprendido a olhar para mim e a escolher, em cada<br />

momento, atitu<strong>de</strong>s que năo me prejudiquem. Tenho aprendido a olhar para a minha vida e <strong>de</strong>la<br />

recolher liçőes sobre mim mesma, sobre o que quero para mim, como quero sentir-me, como<br />

quero estar. Năo sou eu quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o que é a minha vida. Percebo agora, sem dúvidas<br />

nenh<strong>uma</strong>s, que é Deus quem comanda os acontecimentos. Mas posso escolher, só por hoje, ser<br />

feliz. Esta capacida<strong>de</strong> foi-me dada por AA. E, mesmo que no meio da dor eu năo consiga ter a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser feliz, tenho sem dúvida, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> querer ser feliz, <strong>de</strong> querer aceitar a<br />

vida como ela me é dada, <strong>de</strong> querer continuar neste "caminho do meio".<br />

Já năo preciso <strong>de</strong> me comparar para verificar o meu valor. Sei que sou <strong>uma</strong> filha do Universo,<br />

amada por Deus, especial e única simplesmente por existir aqui e agora. Sei que o meu valor năo<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> daquilo que faço. Sei que a minha serenida<strong>de</strong> é directamente proporcional à aceitaçăo<br />

<strong>de</strong> mim, dos outros e da vida.<br />

Sei que <strong>uma</strong> das maiores dádivas que já recebi foi a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar, com esse amor que năo<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> nada; amar, simplesmente porque o amor é a fibra <strong>de</strong> que sou feita no mais íntimo <strong>de</strong><br />

mim mesma. Por isso é que, quando consigo amar mesmo estando em sofrimento, em revolta, em<br />

zanga, em teimosia, sinto que o Universo está em comunhão comigo.<br />

Sem dúvida que tudo isto revela <strong>uma</strong> nova dimensăo na minha vida. Esta é a dimensão que AA<br />

me <strong>de</strong>u.<br />

Fátima O. - Área 07<br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

Tema específico - A Humilda<strong>de</strong><br />

Afinal, quem sou eu?<br />

Entrei em Alcoólicos Anónimos por "prescriçăo médica". E isto porque, n<strong>uma</strong> <strong>de</strong>terminada altura, a<br />

família começou a pressionar-me para procurar ajuda visto eu estar com um sério problema: falta<br />

<strong>de</strong> controlo a beber.<br />

E eu, que apesar <strong>de</strong> perceber que tinha um sério problema <strong>de</strong> alcoolismo, tinha <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong> em admiti-lo: primeiro sintoma <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>. Eu? Alcoólica? Falta <strong>de</strong> controlo?<br />

Isso era para os fracos e, achava eu (na minha concepçăo maniqueísta <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> entăo), năo


pertencia a esse <strong>grupo</strong>, mas sim ao outro, ao dos fortes, ao dos vencedores.<br />

E n<strong>uma</strong> noite, cheia <strong>de</strong> medo do que iria encontrar, dirigi-me a <strong>uma</strong> reuniăo e apresentei-me: "Boa<br />

noite, chamo-me Maria Teresa, sou alcoólica, e estou aqui porque o<br />

médico me mandou". Outro sintoma <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>: incapacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> pedir ajuda.<br />

Quando relembro estes factos, recrio a atmosfera <strong>de</strong> auto-ilusăo em que<br />

vivia. Tinha <strong>uma</strong> imagem totalmente distorcida <strong>de</strong> mim própria, imaginando-me o que eu julgava<br />

ser o melhor e o pior, cegando-me completamente para a realida<strong>de</strong>.<br />

Des<strong>de</strong> essa altura até ter o primeiro acto <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong> (admitir a minha total e absoluta<br />

impotęncia perante o álcool) passaram-se seis longos anos <strong>de</strong> muito sofrimento, recaídas e danos.<br />

Encetei esta caminhada na estrada da recuperaçăo absolutamente convicta <strong>de</strong> que necessitaria<br />

<strong>de</strong> duas muletas para năo cair: a honestida<strong>de</strong> e humilda<strong>de</strong>. Percebi claramente que sem <strong>uma</strong> ou<br />

outra, passaria o tempo todo a cair e a tentar levantar-me. Fora isso que eu fizera durante os seis<br />

anos anteriores.<br />

Centrando-me agora mais na segunda muleta (a humilda<strong>de</strong>), apren<strong>de</strong>r a andar com ela tem sido<br />

muito difícil porque é <strong>uma</strong> luta constante contra a cegueira provocada pelo orgulho.<br />

Ao entrar em recuperaçăo, estava muito longe <strong>de</strong> saber quem era realmente. Assim tinha <strong>uma</strong><br />

imagem <strong>de</strong> alguém que năo existia, pois balançava entre o melhor e o pior.<br />

Tem sido ao longo <strong>de</strong>sta caminhada que tenho aprendido a viver no domínio do relativo. Mas foi,<br />

sem dúvida, quando fiz o meu inventário, com a maior honestida<strong>de</strong> possível, e o partilhei com<br />

outra pessoa que experimentei a libertaçăo.<br />

E esse foi, efectivamente, um acto <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>: falar <strong>de</strong> mim, do que <strong>de</strong> mais negro a minha<br />

alma albergava, foi extraordinariamente difícil mas libertador.<br />

Năo era aquele ser h<strong>uma</strong>no maravilhoso e também năo era um lixo. Era apenas um ser h<strong>uma</strong>no<br />

que se tinha maltratado ao longo da vida e tinha maltratado os outros. Que tinha tido linhas <strong>de</strong><br />

conduta absolutamente reprováveis mas que, se tivesse fé, po<strong>de</strong>ria mudar. E com muita fé <strong>de</strong>sejei<br />

mudar. E tem sido isso que tenho tentado fazer: às vezes com sucesso, outras nem tanto.<br />

Ao longo <strong>de</strong>ste tempo em recuperaçăo tenho tido alguns acessos <strong>de</strong> orgulho que por vezes se<br />

apresentam, năo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma tăo evi<strong>de</strong>nte, mas dissimulados o que por vezes me causam mau<br />

estar, zanga, ira...<br />

necessitaria <strong>de</strong> duas muletas para năo cair: honestida<strong>de</strong> e humilda<strong>de</strong><br />

Dizia o Bill W.: "năo po<strong>de</strong> haver nenh<strong>uma</strong> absoluta humilda<strong>de</strong> para nós, seres h<strong>uma</strong>nos. Na<br />

melhor das hipóteses, po<strong>de</strong>mos apenas vislumbrar o significado e o esplendor <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al<br />

perfeito. (...) nós, seres h<strong>uma</strong>nos, temos que viver e crescer no domínio do relativo. Buscamos a<br />

humilda<strong>de</strong> para hoje".<br />

Cada dia da minha vida é <strong>uma</strong> nova experiência na vivência das emoçőes, pelo que, a cada vinte<br />

e quatro horas, peço ajuda ao meu Po<strong>de</strong>r Superior para tentar ser <strong>uma</strong> pessoa melhor.<br />

Maria Teresa - Área 08


Experiências pessoais<br />

Experiências pessoais<br />

Dou graças por hoje năo ter bebido.<br />

Estou n<strong>uma</strong> al<strong>de</strong>ia isolada on<strong>de</strong> me encontro a passar uns dias <strong>de</strong> férias e năo há reuniőes perto,<br />

mas nada justifica ir beber. Tenho a minha literatura <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos e estou a ler o livro<br />

das "Reflexőes Diárias" que me faz muito bem. Leio a oraçăo da serenida<strong>de</strong> todos os dias e sintome<br />

feliz só por me lembrar das partilhas dos companheiros.<br />

Sinto-me outro homem, embora me an<strong>de</strong> a ausentar das reuniőes alg<strong>uma</strong>s vezes, o que năo me<br />

está a fazer nada bem, pois estou a ter alg<strong>uma</strong>s atitu<strong>de</strong>s que năo <strong>de</strong>via. Começo a lembrar-me do<br />

tempo em que bebia, das atitu<strong>de</strong>s que tinha e isto para mim năo é <strong>bom</strong>. Tenho <strong>de</strong> começar a fazer<br />

o que fazia ao princípio, quando entrei para Alcoólicos Anónimos. Tenho <strong>de</strong> me lembrar muitas<br />

vezes que foi on<strong>de</strong> me salvei e salvei a minha família - senăo eu já estaria morto.<br />

A minha vida <strong>de</strong>u <strong>uma</strong> volta muito gran<strong>de</strong> e, se me lembrar sempre daquilo que fui, năo quero<br />

voltar lá outra vez, pois seria <strong>uma</strong> <strong>de</strong>sgraça. Entăo sim, per<strong>de</strong>ria tudo: a minha dignida<strong>de</strong> e o<br />

respeito dos meus familiares e amigos <strong>alcoólicos</strong> anónimos. Por isto, năo me posso esquecer que<br />

sou alcoólico para toda a vida e năo quero sofrer mais. Mas, quem sofreu mais com o meu<br />

alcoolismo foi a minha mulher e ela agora é feliz - quero que sempre o seja.<br />

Agora năo bebo e năo quero voltar lá, pois seria a minha morte.<br />

Mário M. - Área 09<br />

Experiências pessoais - Palavras do Coraçăo<br />

Experiências pessoais - Palavras do Coraçăo<br />

Aprendi nas reuniőes: primeiro as primeiras coisas. Como tal, tenho andado na minha luta para<br />

conseguir emprego, bem como a melhorar a minha condiçăo <strong>de</strong> măe, sendo-o a cem por cento. ou<br />

pelo menos a oitenta por cento. Sem a minha progenitora insubstituível, a minha própria măe, esta<br />

caminhada năo seria possível.<br />

Quero salientar que a recuperaçăo é possível se sentirmos o amor que se vive em Alcoólicos<br />

Anónimos; tirarmos o algodăo dos ouvidos e o colocarmos na boca, para assim escutarmos as<br />

sugestőes <strong>de</strong> companheiros com mais tempo, que nos ensinam, sóbria e pacientemente, <strong>uma</strong><br />

nova forma <strong>de</strong> vida tão gratificante. A minha alegria <strong>de</strong> viver (o meu filho, no seu 1º ano <strong>de</strong> vida),<br />

parecia esquecida, pelo prazer amargo e obscuro do álcool, que para mim, é fatal. Mas agora,<br />

aquele anjo na terra trouxe-me a felicida<strong>de</strong>, a par da sobrieda<strong>de</strong> continuada, há alg<strong>uma</strong>s 24h em<br />

Alcoólicos Anónimos.<br />

Quero <strong>de</strong>ixar aqui bem clara a minha gratidăo para com todos os que me ouviram com tanta<br />

paciência até iniciar a minha recuperaçăo.<br />

Neusa - Área 09<br />

Experiências pessoais<br />

Experiências pessoais


Até há muito pouco tempo, achava que a timi<strong>de</strong>z e os complexos <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> é que me<br />

levavam a beber. Quando tentava modificar-me, via que năo o conseguia fazê-lo com inteira<br />

satisfaçăo. Nunca me ocorreu modificar-me <strong>de</strong> forma a aceitar as minhas características físicas e<br />

psíquicas, em s<strong>uma</strong>: a amar-me. Perdi o controlo sobre o álcool e tornei-me alcoólico.<br />

A abstinência foi apenas o começo. Uma nova vida <strong>de</strong> infinitas possibilida<strong>de</strong>s é o que pretendo,<br />

prosseguindo o meu <strong>de</strong>spertar através da prática dos Doze Passos <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos.<br />

A aceitaçăo e a fé relativamente às minhas dificulda<strong>de</strong>s, fazem com que eu vá tendo progressos, e<br />

năo o tudo ou nada como eu queria que fosse quando estava a beber. A in<strong>de</strong>pendência financeira<br />

era para mim mais importante do que a <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> Deus. Tinha medos irracionais, medos<br />

esses que tornavam impossível ter <strong>uma</strong> vida serena e útil. À medida que o tempo vai passando,<br />

vou percebendo que, com a ajuda <strong>de</strong> Deus e dos Doze Passos <strong>de</strong> AA, vou per<strong>de</strong>ndo esses<br />

medos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das minhas perspectivas materiais.<br />

Descobri que Deus é a única fonte possível <strong>de</strong> segurança emocional e <strong>de</strong> amor. Esta minha<br />

convicçăo tem resultado n<strong>uma</strong> vida tranquila, feliz e boa para fazer algo na vida e o profundo<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> o fazer. Depois, ter fé e confiança <strong>de</strong> que isto po<strong>de</strong> ser feito. Com maturida<strong>de</strong>,<br />

respirando vida, em contacto aberto com o que amo e abandonando tudo o que é superficial e<br />

tornando-me num ser h<strong>uma</strong>no melhor.<br />

Quero, ao compreen<strong>de</strong>r-me, compreen<strong>de</strong>r os outros. Tenho que aceitar aquilo que me é dado em<br />

qualquer momento, sem pedir mais. Tenho que ser paciente e esperar pela altura certa, porque<br />

tudo acontece quando tem <strong>de</strong> acontecer. A vida năo po<strong>de</strong> ser apressada, nem inserida num<br />

programa como eu pretendia.<br />

Deixei <strong>de</strong> recear a doença ou a morte. Agora que encontrei equilíbrio e harmonia comigo próprio, a<br />

vida tem um significado e <strong>uma</strong> finalida<strong>de</strong>. Sinto <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> paz interior, porque aceito tudo como<br />

parte integrante daquilo que sou.<br />

A minha vida modificou-se. As liçőes aprendidas nas partilhas dos meus companheiros, tornaramse<br />

parte da minha vida <strong>de</strong> todos os dias. Tornei-me mais paciente, mais empático, mais amistoso.<br />

Também me sinto mais responsável pelas minhas acçőes.<br />

A felicida<strong>de</strong> tem <strong>de</strong> facto as suas raízes na simplicida<strong>de</strong>. A felicida<strong>de</strong> vem do facto <strong>de</strong> ter o<br />

coraçăo cheio <strong>de</strong> amor, fé, esperança, e ser bondoso para com os outros.<br />

Só por hoje, vou ser feliz.<br />

António - Área 08<br />

Experiências pessoais - Crise <strong>de</strong> Servidores?<br />

Experiências pessoais - Crise <strong>de</strong> Servidores?<br />

Tem-se falado muito, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, na crise <strong>de</strong> servidores. Mas o que sinto é que o que está<br />

em causa, <strong>de</strong> facto, é <strong>uma</strong> crise <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> serviço. De facto, à luz da minha própria<br />

experiência, fazer serviço năo é necessariamente o mesmo que estar em serviço. Fazer serviço é<br />

pontual, direccionado, a curto ou médio prazo. Estar em serviço é pôr em prática, no dia-a-dia da<br />

minha nova vida, o pleno propósito primordial <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos: é sentir todos os dias que a<br />

minha sobrieda<strong>de</strong> é um tesouro a manter mas também a partilhar com aqueles que, tal como eu<br />

no passado, vivem todos os dias a humilhaçăo e a vergonha <strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rem do álcool para


cumprir as tarefas diárias mínimas.<br />

Estar em serviço é, antes <strong>de</strong> tudo, um sentimento. Uma necessida<strong>de</strong> espiritual. Faz parte da<br />

minha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como alcoólica em recuperaçăo em AA. Já năo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver serviço<br />

específico para realizar ou năo. Há sempre: na minha atitu<strong>de</strong> diária para com os outros,<br />

especialmente com aqueles que conhecem a minha qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> membro <strong>de</strong> AA - e săo muitos -<br />

<strong>uma</strong> palavra generosa, um gesto <strong>de</strong> educaçăo, um sorriso amigável săo um belo cartăo <strong>de</strong> visita<br />

para quem possa ainda ter do alcoólico a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um ser h<strong>uma</strong>no fraco, egoísta e inútil. Năo vem<br />

<strong>de</strong>sta atitu<strong>de</strong> nenh<strong>uma</strong> recompensa imediata nem o reconhecimento <strong>de</strong> ninguém. Năo dá direito a<br />

palavras <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento por parte <strong>de</strong> companheiros <strong>de</strong> AA. Às vezes nem da própria pessoa a<br />

quem dirijo esses gestos recebo mais do que um aceno complacente. Mas, entretanto, AA esteve<br />

a funcionar para mim e eu estive a pôr em prática a estafada palavra "gratidăo". O modo <strong>de</strong> vida<br />

<strong>de</strong> AA impőe-se tranquilamente ao que possa ainda restar da minha arrogância. É AA a agir<br />

através <strong>de</strong> mim, sou eu a agir em consonância com o espírito <strong>de</strong> AA.<br />

E é com este espírito que faço serviço em AA, quando é necessário. Levo para o serviço o que <strong>de</strong><br />

melhor já consegui <strong>de</strong> mim própria como pessoa e disponho-me a trazer <strong>de</strong> cada reuniăo <strong>de</strong><br />

serviço mais uns pontos a acrescentar ao meu inventário diário: Será que tive alg<strong>uma</strong> coisa a ver<br />

com a cara zangada daquele companheiro? Po<strong>de</strong>ria eu ter calado aquela frase <strong>de</strong>snecessária e<br />

que provocou confusăo? Calei-me quando <strong>de</strong>via falar - porquê? E porque razăo năo me estou a<br />

sentir tăo tranquila como é costume <strong>de</strong>pois da reuniăo?<br />

Quando se diz que fazer serviço faz crescer, concordo. Mas só se se souber aproveitar o que ele<br />

às vezes traz <strong>de</strong> menos agradável e até <strong>de</strong>smotivador. Se me ajudar a pedir mais ajuda. Se me<br />

ensinar a ouvir opiniőes completamente diferentes.<br />

Se as palavras respeito e disciplina já tiverem significado espiritual. Se o encarar como <strong>uma</strong> das<br />

formas mais nobres <strong>de</strong> praticar a imensa gratidăo que tenho por AA. Se fazer serviço for apenas<br />

mais <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> estar em serviço...<br />

Felizmente que as Tradiçőes <strong>de</strong> AA năo dăo gran<strong>de</strong> espaço a que protagonismos e egos<br />

<strong>de</strong>smedidos sejam recompensados com crescimento espiritual quando postos em prática no<br />

ambiente <strong>de</strong> serviço. O crescimento implica <strong>uma</strong> base <strong>de</strong> recuperaçăo que năo co<strong>existe</strong> com a<br />

prática crónica e teimosa <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> carácter. Estes facilmente passam a ser um ninho <strong>de</strong><br />

ressentimentos e raivas que <strong>de</strong>strói a essęncia do espírito <strong>de</strong> serviço e afastam o servidor,<br />

zangado e frustrado, <strong>de</strong>ste caminho <strong>de</strong> libertaçăo do ego que é servir AA.<br />

Às vezes pergunto-me se um dia po<strong>de</strong>rei sentir falta <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> servir AA. Sei que, nesse<br />

momento, o que estará em causa é a minha própria recuperaçăo - que quero e preciso <strong>de</strong> fazer<br />

através do programa <strong>de</strong> AA e năo <strong>de</strong> qualquer variante inventada pela preguiça ou pela<br />

arrogância. Mas sei também que, com esta dinâmica empolgante que percorre AA do <strong>grupo</strong>-base<br />

à Conferência, e que tăo intensamente faz parte integrante da minha vida diária, năo será fácil que<br />

um qualquer <strong>de</strong>sapontamento ou <strong>uma</strong> ponta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sânimo, possam minar o meu <strong>de</strong>sejo e a minha<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> servir o alcoólico que ainda sofre, e que esse eventual dia <strong>de</strong> dúvida ou <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sânimo se converterá em mais 24 horas <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong> feliz e grata.<br />

Elisa - Área 07<br />

Experiências pessoais - O Alcoólico que queria ser Rei<br />

Experiências pessoais - O Alcoólico que queria ser Rei<br />

Eu sempre tive enormes dificulda<strong>de</strong>s com a humilda<strong>de</strong> e tolerância.


Embora sejam palavras cujo significado, é na aparência perfeitamente distinto, verifiquei mais<br />

tar<strong>de</strong> que além <strong>de</strong> conceitos, săo formas <strong>de</strong> vida que inter-agem e se complementam.<br />

Passei toda <strong>uma</strong> vida a classificar pessoas e dividi-las em <strong>grupo</strong>s selectivos: primeiro a aproximarme<br />

dos ricos e ignorar os pobres. Depois, <strong>de</strong>ntro dos ricos, a seleccionar os que achava<br />

"diferentes", e só estes, por sua vez, teriam as condiçőes necessárias <strong>de</strong> serem chamados <strong>de</strong> -<br />

"meus amigos".<br />

Com os "pobres" usava <strong>uma</strong> complacência quase paternal, <strong>de</strong>scendo periodicamente do meu<br />

trono para lhes dirigir alg<strong>uma</strong>s palavras, como se <strong>de</strong> um acto <strong>de</strong> extrema generosida<strong>de</strong> se<br />

tratasse.<br />

Durante anos cultivei esta personalida<strong>de</strong> dominada por um enorme ego. É claro que o mundo que<br />

me "pertencia" me escapava por entre os <strong>de</strong>dos, <strong>uma</strong> vez que eu próprio năo reunia os requisitos<br />

que exigia ao meu círculo fechado <strong>de</strong> "amiza<strong>de</strong>s".<br />

Como é evi<strong>de</strong>nte, o meu status só podia ser mantido à custa <strong>de</strong> mentiras sucessivas, e <strong>de</strong> muita<br />

bebida para continuar a inventar cada vez mais mentiras, e para ter a coragem <strong>de</strong> fazer <strong>uma</strong> vida<br />

muitíssimo superior às minhas possibilida<strong>de</strong>s.<br />

Com o passar dos anos, o meu problema com a bebida agravou-se e, n<strong>uma</strong> razăo directamente<br />

proporcional, as minhas mentiras aumentaram, bem como o endividamento financeiro.<br />

Quando a minha primeira bebida começou a ser às 8h30 da manhă, e já năo tinha dinheiro (às<br />

vezes nem para comer), todos os meus "amigos" me haviam abandonado e, após mais um grave<br />

aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> automóvel, <strong>de</strong>cidi que era altura <strong>de</strong> fazer alg<strong>uma</strong> coisa.<br />

Liguei para Alcoólicos Anónimos e lá fui à minha primeira reuniăo, da qual apenas me lembro da<br />

companheira que me recebeu.<br />

Na 2ª reuniăo a minha primeira preocupaçăo foi saber quem é que<br />

mandava ali e, mais <strong>uma</strong> vez, o meu percurso foi relacionar-me com<br />

quem eu achava que tinha mais estatuto/po<strong>de</strong>r.<br />

Transferi entăo a prática da minha estratificaçăo social para o AA, sendo<br />

o meu primeiro gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sapontamento o facto do seu Presi<strong>de</strong>nte (lugar<br />

o qual eu pretendia ocupar) ter <strong>de</strong> ser ocupado por um membro năo alcoólico.<br />

Nos cerca <strong>de</strong> três anos em que frequentei reuniőes <strong>de</strong> AA, sempre preocupado com a "evoluçăo<br />

da carreira" (<strong>uma</strong> vez que o programa era para tolos), <strong>de</strong>monstrava a todo o custo as minhas<br />

"extraordinárias capacida<strong>de</strong>s" mas, como é obvio, ninguém me dava confiança para o serviço.<br />

Acabei por me afastar das reuniőes, <strong>uma</strong> vez que o nível <strong>de</strong> quem as frequentava era <strong>de</strong> tal forma<br />

baixo que năo tinha a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer <strong>uma</strong> "óbvia e potencial mais-valia para AA".<br />

Como seria <strong>de</strong> esperar: veio a recaída.<br />

Hoje, passados dois anos da minha reentrada em AA, percebi que apenas reconhecer a minha<br />

impotência perante o álcool é manifestamente insuficiente para que haja recuperaçăo. Finalmente,<br />

após nove anos da minha chegada a AA consegui, com honestida<strong>de</strong>, aceitar o programa, perceber<br />

que minha vida <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quanto eu conseguir colocá-lo em prática. Já năo se trata só <strong>de</strong> năo<br />

beber, mas <strong>de</strong> tornar o năo beber n<strong>uma</strong> escolha e năo num fardo. Para que isso seja um facto,<br />

tenho que estar disposto a fazer mudanças profundas e a sofrer para que as mesmas aconteçam.<br />

Năo tem sido fácil, mas hoje, embora sem ser tăo feliz quanto <strong>de</strong>sejava, já recuperei muito da<br />

minha vida. Consegui alg<strong>uma</strong> humilda<strong>de</strong> genuína, e envolvi-me em serviço, unicamente movido


pela gratidăo e pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> servir que, contrariamente ao passado, faz-me dar năo só do que<br />

tenho a mais, mas também daquilo que me faz falta. Consigo sentir que o acto <strong>de</strong> dar (sem<br />

esperar qualquer retorno) <strong>de</strong>volve-me muito mais sobrieda<strong>de</strong> do que um "obrigado".<br />

Hoje, com a indispensável ajuda do meu padrinho tento colocar e partilhar com os outros, os Doze<br />

Passos na minha vida e praticá-los um dia <strong>de</strong> cada vez, garantindo, a cada pequena mudança, o<br />

caminho para a sobrieda<strong>de</strong> e felicida<strong>de</strong>.<br />

Pedro F. - Área 09<br />

Experiências pessoais - A Varinha Mágica<br />

Experiências pessoais - A Varinha Mágica<br />

A minha varinha mágica avariou-se.<br />

Năo era <strong>uma</strong> varinha mágica qualquer. Era <strong>uma</strong> sobrevivente, <strong>uma</strong> varinha mágica <strong>de</strong> guerra que<br />

me acompanhou durante 25 anos (porque será que na minha vida os acontecimentos marcantes<br />

tęm lugar <strong>de</strong> 5 em 5 anos, ou múltiplos <strong>de</strong> 5?). Mas é verda<strong>de</strong>: foram anos cheios <strong>de</strong> sopas<br />

variadas: <strong>de</strong> feijăo, <strong>de</strong> grăo, <strong>de</strong> legumes, caldo ver<strong>de</strong>... eu sei lá quantos litros <strong>de</strong> sopa fiz. Éramos<br />

seis pessoas em casa e a sopa, <strong>uma</strong> necessida<strong>de</strong>. A varinha mágica também, claro. Depois,<br />

passou a ter menos uso, mas mesmo assim eu tinha-a, era a minha varinha mágica e năo falhava.<br />

Entretanto, a família seguiu o seu rumo e hoje nem sei como a caracterizar. Só sei que năo é, em<br />

absoluto, o que sonhei, e que neste momento me sinto algo perdida.<br />

Depois <strong>de</strong> ter parado <strong>de</strong> beber e no <strong>de</strong>vido tempo, fiz o meu 4º Passo, bem como os seguintes e,<br />

a pouco e pouco, as ruínas do passado pareciam estar a compor-se. Alg<strong>uma</strong>s, porque outras<br />

pareciam irremediavelmente perdidas (o que năo é verda<strong>de</strong>: ensinaram-me a compaixăo e săo o<br />

meu maior tesouro, aquele que posso oferecer ao recém-chegado).<br />

Uma das maiores bênçăos que recebi <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> estar em recuperaçăo, foi a <strong>de</strong> me sentir livre<br />

para amar bem os meus filhos e assumir a tremenda importância do seu afecto na minha vida.<br />

Mas houve acontecimentos que escapam completamente ao meu controlo e que săo impeditivos<br />

<strong>de</strong> um relacionamento próximo com eles e com os netos, e tenho-me sentido profundamente<br />

abalada com isso. Neste momento, o amor pelos filhos faz-me chorar <strong>de</strong> tristeza, năo <strong>de</strong> alegria. A<br />

sensaçăo é <strong>de</strong> ruína e <strong>de</strong> sonhos <strong>de</strong>sfeitos.<br />

Sei que nada acontece na minha vida que năo seja para o meu bem e para o meu crescimento.<br />

Também sei que năo nos é dado mais do que os ombros po<strong>de</strong>m aguentar. E eu aceito, mesmo<br />

quando está escuro e năo vejo quase nada. Aceito porque estive a morrer e o "nós" <strong>de</strong> Alcoólicos<br />

Anónimos me <strong>de</strong>volveu a vida e me <strong>de</strong>u a Fé.<br />

Mas se aceito, preciso também <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a razăo <strong>de</strong> ser das coisas pois, até lá, sinto-me<br />

sempre perdida. A pergunta que faço é: o que é que eu preciso <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com isto? Com isto<br />

tudo, que me parece <strong>de</strong>mais?<br />

Hoje sinto que a avaria, para mim simbólica, da minha varinha mágica me po<strong>de</strong> ajudar nessa<br />

aprendizagem. Năo posso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> coisas, porque se estragam e avariam. Mas "coisas"<br />

po<strong>de</strong>m-se substituir. Os afectos, năo. Mas haverá, certamente, outra forma <strong>de</strong> os viver que năo<br />

cause tanta dor. Năo será que eu <strong>de</strong>pendo excessivamente dos afectos dos meus filhos e netos,<br />

dando-lhes <strong>uma</strong> importância tal que <strong>de</strong>ixo pouco espaço para a <strong>de</strong>pendência, que é afectiva, no


meu Po<strong>de</strong>r Superior?<br />

Escrever sobre isto ajuda-me a ver claro. Mas sinto medo. É terrível, é como andar no fio da<br />

navalha entre a minha realida<strong>de</strong> tăo limitada e h<strong>uma</strong>na e a vonta<strong>de</strong> tăo cheia <strong>de</strong> amor para<br />

comigo do meu Deus. Lembro-me, como se fosse hoje, daquela milésima <strong>de</strong> segundo em que tive<br />

<strong>de</strong> escolher entre manter o meu mais precioso bem (<strong>de</strong> entăo) e continuar a beber, ou abrir măo<br />

<strong>de</strong>ssa posse e saltar para o vazio. A minha "encruzilhada" foi absolutamente evi<strong>de</strong>nte. E saltei<br />

porque estava a morrer, sem saber que saltava para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta nova vida tăo bonita, apesar <strong>de</strong>,<br />

ou por causa da dor.<br />

Tenho essa mesma sensaçăo: preciso <strong>de</strong> entregar a minha forma <strong>de</strong> amar os filhos, tăo fundante<br />

em mim, tesouro precioso. Tenho medo e sinto dor, mas estou a conseguir começar a perceber: é<br />

<strong>uma</strong> nova liberda<strong>de</strong> que espreita e me convida a seguir viagem.<br />

Sei que vou amar os meus filhos até morrer, mas hoje rasguei papéis antigos que foram para o<br />

lixo, tal como a varinha mágica. Năo posso viver o dia <strong>de</strong> hoje com os pesos, bons ou maus, do<br />

passado. Tudo passa, tudo se modifica, e só a aceitaçăo, por vezes tăo difícil, <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, me<br />

permitirá receber <strong>de</strong> braços abertos as bênçăos do dia <strong>de</strong> hoje. Que incluem, entre outras coisas<br />

boas que me văo acontecendo, lembrar-me que năo preciso <strong>de</strong> beber; lembrar-me dos meus<br />

meninos com esta enorme ternura; lembrar-me dos meus companheiros/amigos do Grupo, que<br />

nem imaginam o quanto me ajudam. E para a semana vou<br />

comprar outra varinha, que também será mágica.<br />

Isabel - Área 07<br />

N.R. - Esta partilha, escrita há anos atrás, só agora é<br />

publicada <strong>de</strong>vido a um lamentável extravio. Eventualmente,<br />

o contexto em que foi escrita já năo correspon<strong>de</strong>rá ŕ<br />

realida<strong>de</strong> dos dias <strong>de</strong> hoje. Porém, o sentido geral do texto em relaçăo ao programa <strong>de</strong> AA<br />

continua absolutamente actual. Ao nosso carinhoso muito obrigado para a Isabel, juntamos o<br />

<strong>de</strong>vido pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas.<br />

Tema específico - O Amor - Uma Comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> AMOR!<br />

Tema específico - O Amor - Uma Comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> AMOR!<br />

O amor foi o tema sugerido para esta ediçăo. Ou seja, falar <strong>de</strong> sentimentos e emoçőes,<br />

precisamente sobre <strong>uma</strong> das questőes mais difíceis para um doente alcoólico como eu que,<br />

<strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong> e à instabilida<strong>de</strong>, năo conseguia abordar e enfrentar no passado.<br />

Para mim, o amor é algo intrínseco e endógeno à Comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos: o amor<br />

está presente quando um Grupo <strong>de</strong> AA acolhe um recém-chegado e o faz sentir no sítio certo,<br />

num lugar seguro e protegido, entre irmăos; quando um membro <strong>de</strong> AA faz o trabalho essencial do<br />

12º Passo.<br />

Eu, para além do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> parar <strong>de</strong> sofrer, tenho hoje claramente interiorizado que foi o amor<br />

recebido <strong>de</strong> outros membros <strong>de</strong> AA, que me conduziu à escolha <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova vida - semelhante a<br />

um renascer e a <strong>uma</strong> nova e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança.<br />

Hoje, está claro para mim que, quando um membro <strong>de</strong> AA se dispőe a dar do seu tempo a outro<br />

alcoólico ainda a sofrer e em negaçăo, está a oferecer amor a outrem sem esperar ser retribuído.<br />

Entendo este amor fraternal associado à humilda<strong>de</strong>. E vejo ambos os sentimentos, como presença


permanente no programa dos Doze Passos <strong>de</strong> AA; cuja prática, continuada, conduz à sobrieda<strong>de</strong><br />

emocional e ao crescimento espiritual - dando assim, <strong>uma</strong> nova dimensăo ŕ vida <strong>de</strong> um alcoólico<br />

em recuperaçăo. É através da prática <strong>de</strong>ste amor altruísta que encontro a libertaçăo <strong>de</strong> todas e<br />

quaisquer <strong>de</strong>pendęncias do passado, tornando possível <strong>uma</strong> vida <strong>de</strong> tranquilida<strong>de</strong> e paz, on<strong>de</strong> os<br />

momentos <strong>de</strong> alegria văo sendo mais frequentes e as circunstancias menos boas, săo enfrentadas<br />

e resolvidas com equilíbrio emocional.<br />

O amor recebido <strong>de</strong> AA, associado ao trabalho individual <strong>de</strong> auto conhecimento, favorece a<br />

elevaçăo da auto-estima, levando-me a compreen<strong>de</strong>r e aceitar o amor - a ponto <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong><br />

amar o próximo <strong>de</strong> forma sóbria e a<strong>de</strong>quada, em cada momento e relacionamento.<br />

Porque, progressivamente mais sectores da socieda<strong>de</strong> nos procuram, é importante que os Grupos<br />

<strong>de</strong> AA trabalhem cada vez mais unidos e que cada Grupo funcione no espírito do 12º Passo. Eu,<br />

como membro agra<strong>de</strong>cido, estou procurando fazer a minha parte. Com amor.<br />

Como disse Bill W., "Só entăo seremos livres para viver e amar, e capazes <strong>de</strong> aplicar o Décimo<br />

Segundo Passo a nós mesmos e aos outros no sentido da sobrieda<strong>de</strong> emocional". In "O melhor <strong>de</strong><br />

Bill", Pg. 45<br />

Fernando N. - Área 01<br />

Tema específico - O Amor<br />

Tema específico - O Amor<br />

"...que eu procure mais consolar do que ser consolado, compreen<strong>de</strong>r do que ser<br />

compreendido, amar do que ser amado..." In "O melhor <strong>de</strong> Bill" Pg. 47<br />

Consigo agora, nos meus inventários, <strong>de</strong>scobrir a minha antiga (?...) <strong>de</strong>pendęncia da aprovaçăo<br />

dos outros, principalmente daqueles que mais respeitava. Recordo a minha necessida<strong>de</strong> quase<br />

doentia <strong>de</strong> encontrar quem me <strong>de</strong>sse mimo, um mimo que nunca era suficiente. Lembro-me<br />

também do meu medo <strong>de</strong> ser criticado, que me impedia muitas vezes <strong>de</strong> fazer certas coisas; mais<br />

valia estar quieto que correr o risco <strong>de</strong> ouvir criticas.<br />

Contudo, em nome <strong>de</strong> <strong>uma</strong> suposta honestida<strong>de</strong> (as verda<strong>de</strong>s săo para se dizer!), permitia-me<br />

fazer aos outros acusaçőes ou críticas, ignorando completamente o enorme sofrimento que lhes<br />

provocava. Ainda por cima fazia-o principalmente ŕqueles <strong>de</strong> quem dizia gostar muito, pois<br />

afirmava que era um sinal <strong>de</strong> amor ajudá-los a libertarem-se dos seus <strong>de</strong>feitos.<br />

Mas li algures que <strong>de</strong>veria ser tudo ao contrário. Isto é: tinha que ser mais duro comigo e mais<br />

amável e tolerante com os outros. Năo era nada fácil; tinha que ser mais sensível aos problemas<br />

dos outros e tentar diminuir a minha exacerbada sensibilida<strong>de</strong> a tudo o que me atingisse.<br />

Curiosamente, ŕ medida que conseguia ser mais tolerante com os outros, ao <strong>de</strong>scobrir e apreciar<br />

as suas qualida<strong>de</strong>s e aceitar os seus <strong>de</strong>feitos, também começava a aceitar os meus e igualmente<br />

a reconhecer a confortável sensaçăo <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> possuir certas qualida<strong>de</strong>s.<br />

Felizmente, já me tinham entretanto ensinado a utilizar a prática <strong>de</strong> fazer, diariamente, <strong>uma</strong> lista<br />

das bęnçăos que recebia. Este trabalho ia-me, pouco a pouco, ensinando a estar grato pelo que<br />

tinha, em vez <strong>de</strong> pôr sempre ŕ frente aquilo que era mau, ou o que me fazia falta. Ao ir<br />

interiorizando esta gratidăo, ia começando a atribuir os meus progressos mais ŕ măo <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong><br />

que a mim próprio. Estava a reduzir o meu orgulho e a conseguir dar amor. Em vez <strong>de</strong> criticar,<br />

aprendi a apoiar e a motivar.<br />

Săo pequenos passos, conseguidos pela prática do programa <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos mas fazem<br />

a enorme diferença entre a antiga sensaçăo <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong> e nova felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentir que vale a


pena viver activamente: o dia a dia.<br />

Duarte B. - Área 07<br />

Tema específico - O Amor<br />

Tema específico - O Amor<br />

Sou um ser h<strong>uma</strong>no com quarenta e nove anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e, para ser sincero, nunca soube lidar<br />

com este nobre sentimento, que é o Amor. Acho que os meus pais me criaram a mim e aos<br />

restantes filhos com amor, só que nunca senti o efeito que me pu<strong>de</strong>sse ter causado.<br />

Recordo quando a minha măe, falando com alguém me acariciava a cabeça e dizia: Este é o meu<br />

Augusto! Năo posso negar que sentia algum amor neste gesto. Mas era um gesto tăo raro quanto<br />

fugaz e já lá văo mais <strong>de</strong> quarenta anos.<br />

Hoje, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter entrado em Alcoólicos Anónimos, posso afirmar que o Amor <strong>existe</strong> em cada<br />

reuniăo feita nos nossos <strong>grupo</strong>s. Porque, quando eu bebia, podia ter muitas sensaçőes, mas o<br />

Amor verda<strong>de</strong>iro nunca o senti; e se alg<strong>uma</strong> vez senti, năo me lembro. Mas lembro-me do gesto<br />

<strong>de</strong> Amor dirigido a mim, quando me disseram que era a pessoa mais importante naquela sala.<br />

Sim, aí, senti o meu amor-próprio acordar <strong>de</strong> um longo sono e <strong>de</strong>spertar para <strong>uma</strong> nova vida. Vida<br />

cheia <strong>de</strong> vida, porque sobrieda<strong>de</strong> partilhada com Amor faz crescer a esperança nos coraçőes mais<br />

cépticos. Foi o que me aconteceu.<br />

Por tudo isto, posso ter a certeza que um alcoólico em recuperaçăo em AA consegue transmitir, a<br />

quem precise, o que o Amor é capaz <strong>de</strong> fazer. Sinto-me um felizardo por ser um dos poucos, <strong>de</strong><br />

entre milhőes a ter sido escolhido<br />

para o partilhar com todos vós,<br />

pois, citando Platăo, "Só pelo<br />

Amor o homem se realiza<br />

plenamente".<br />

Augusto - Área 07<br />

Tema específico - O Amor - Alg<strong>uma</strong>s notas sobre O Amor<br />

Tema específico - O Amor - Alg<strong>uma</strong>s notas sobre O Amor<br />

Era muito pequena, quando um dia o pensamento "o amor é o que faz rolar o mundo" me surgiu.<br />

Disse-o à minha măe que imediatamente me respon<strong>de</strong>u: "năo, o que faz rolar o mundo é o<br />

dinheiro". Felizmente nunca acreditei nela.<br />

Quando penso nisto, acho que tive um verda<strong>de</strong>iro insight, algo que veio <strong>de</strong> muito atrás, d<strong>uma</strong><br />

época em que tudo era mais simples e mais límpido. Amor é o que faz rolar o mundo, hoje năo<br />

tenho qualquer dúvida, como naquela época também năo tinha. Mas hoje é a certeza <strong>de</strong> algo já<br />

vivido, experimentado.<br />

A linguagem do coraçăo é realmente <strong>uma</strong> linguagem universal, percebida por todos, a única que<br />

conseguimos aceitar quando a dor é muito gran<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sespero parece ser o caminho percorrido.


O amor <strong>de</strong> măe, o amor romântico, săo apenas pequenas variantes <strong>de</strong> algo maior, săo ponto <strong>de</strong><br />

partida para esse amor maior pelos seres h<strong>uma</strong>nos e năo só. O amor ao meu filho ensinou-me o<br />

que é o amor, <strong>de</strong>u-me laivos <strong>de</strong> entendimento, algo <strong>de</strong> inclusivo e <strong>de</strong> abrangente, <strong>de</strong><br />

profundamente universal. O amor nos olhos do meu neto também continua a<br />

ensinar-me o que é aceitaçăo: porque o amor é também aceitaçăo do outro, com<br />

tudo que ele contém <strong>de</strong> <strong>bom</strong> e <strong>de</strong> menos <strong>bom</strong>. O amor faz rolar o mundo e,<br />

<strong>de</strong>ntro do mundo, ele está sempre presente em todos os lugares e em todas as<br />

situaçőes, é o fio condutor, a cola <strong>de</strong> tudo o resto.<br />

O coraçăo é o órgăo do amor; é o órgăo da vida; o órgăo nobre do nosso corpo;<br />

é tanta a sua energia e o trabalho é tal que tudo movimenta - mostra-nos o que é<br />

servir.<br />

O coraçăo está sempre ao serviço da vida; da nossa vida. Se eu quiser perceber o que é servir,<br />

O amor... é o fio condutor, a cola <strong>de</strong> tudo o resto<br />

apenas tenho <strong>de</strong> reflectir um pouco sobre o modo como o meu coraçăo trabalha... o coraçăo está<br />

ligado a tantas qualida<strong>de</strong>s... coragem, compaixăo, pureza, nobreza, criativida<strong>de</strong>, beleza, luz,<br />

silêncio, paciência... através <strong>de</strong>le chego ŕs respostas que preciso e também, percebo a<br />

importância das perguntas que faço a mim mesma.<br />

A linguagem do coraçăo, como Bill (co-fundador <strong>de</strong> AA) falou é realmente o caminho mais certeiro<br />

para chegar ao outro instantaneamente.<br />

Ana A. - Área 07<br />

Tema específico - O Amor - Apren<strong>de</strong>r a Amar<br />

Tema específico - O Amor - Apren<strong>de</strong>r a Amar<br />

Após alguns meses <strong>de</strong> abstinência, gostaria <strong>de</strong> partilhar este período da minha vida.<br />

O impacto que o álcool teve na minha vida resultou em coragem para vivê-la em sobrieda<strong>de</strong>, ou<br />

seja: assumir as minhas responsabilida<strong>de</strong>s, tomar melhores <strong>de</strong>cisőes, em vez <strong>de</strong> fugir e arranjar<br />

<strong>de</strong>sculpas para beber; neste aspecto, que perícia eu tinha em arranjar pretextos para me agarrar à<br />

garrafa, mudar <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> casa, <strong>de</strong> companhias...<br />

Analisando agora as coisas com pon<strong>de</strong>raçăo e com a serenida<strong>de</strong> que fui conquistando, é muito<br />

gratificante ter em meu redor pessoas em quem confio, que conhecem a minha doença e que me<br />

ajudam também a conhecer-me melhor. Inevitavelmente esta ajuda é recíproca.<br />

A família <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos é saudavelmente o carregador <strong>de</strong> afecto, <strong>de</strong> amor e carinho que<br />

o meu coraçăo <strong>de</strong>seja para po<strong>de</strong>r sentir e ser tocado por sentimentos nunca antes vividos. Como<br />

consequęncia, sinto-me capaz <strong>de</strong> ir reparando os danos causados, principalmente ŕqueles que<br />

sempre se preocuparam comigo, pois eram essas pessoas que eu mais magoava.<br />

...simplesmente, <strong>de</strong>ixei-me conduzir<br />

Na verda<strong>de</strong>, durante anos o álcool, cegou-me, năo me <strong>de</strong>ixando ver o amor em meu redor; fez<br />

com que o meu coraçăo <strong>bom</strong>beasse sangue com anestesia, <strong>de</strong> tal forma que nem o meu corpo<br />

sentia vibraçőes, sensaçőes, um simples toque.


Que diferença espantosa eu sinto! Confesso que inicialmente tive medo, dos espaços vazios, pela<br />

confusăo que existia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim e da experiência <strong>de</strong> sentir. Todos estes obstáculos foram<br />

sendo ultrapassados com coragem, esperança, e nunca sozinho. Sim, porque foi aqui que o meu<br />

Po<strong>de</strong>r Superior se revelou no seu esplendor. Baixei os braços e, simplesmente, <strong>de</strong>ixei-me<br />

conduzir, começando a fazer diferente. Um dia <strong>de</strong> cada vez, pequenos objectivos diários.<br />

Clarifiquei as minhas verda<strong>de</strong>iras necessida<strong>de</strong>s e i<strong>de</strong>ntifiquei os meus <strong>de</strong>sejos. No final do dia,<br />

sinto-me preenchido e recompenso-me dizendo: "Boa! Mais um dia, mais <strong>uma</strong> conquista rumo à<br />

sobrieda<strong>de</strong>!".<br />

Por outro lado, senti necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajudar, <strong>de</strong> dar <strong>de</strong> mim, em casa e com os outros. Com um<br />

amigo, partilhava as minhas experiências <strong>de</strong> vida. Aos poucos, fui-me sentindo útil - com valor. A<br />

minha auto-estima regressou. É impressionante como simples actos como estes me dăo um<br />

retorno tăo positivo, năo só à minha mente como também ao meu corpo e, sobretudo, o sentido<br />

que dăo ŕ minha vida.<br />

Sinto-me em sintonia com o meu Po<strong>de</strong>r Superior, o criador da vida. Deixo-me guiar, simplesmente,<br />

da forma como Ele enten<strong>de</strong>.<br />

Nuno - Área 09<br />

Tema específico - O Amor - Sentir o Amor<br />

Tema específico - O Amor - Sentir o Amor<br />

Fui a mais <strong>uma</strong> reuniăo. Tive esse privilégio. Agora, nesta noite <strong>de</strong> luar magnífico, medito e<br />

escrevo.<br />

Graças ao meu Po<strong>de</strong>r Superior e aos meus companheiros, sou capaz <strong>de</strong> sentir o amor. O amor<br />

năo tem preço algum, năo se compra nem se ven<strong>de</strong>. Quanto amor eu <strong>de</strong>i e năo foi compreendido;<br />

quanto amor me <strong>de</strong>ram e eu <strong>de</strong>sperdicei... Nas reuniőes <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, porém,<br />

encontrei a magia do amor dos meus companheiros e companheiras, que me acarinharam sem<br />

nada pedir em troca... Reiniciei <strong>uma</strong> nova vida com <strong>uma</strong> maior paz interior, apren<strong>de</strong>ndo que é com<br />

respeito, paciência e humilda<strong>de</strong> que se chega ao amor.<br />

Năo me canso <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer ao meu Po<strong>de</strong>r Superior e a todos os companheiros em AA, esta paz<br />

cheia <strong>de</strong> amor que agora encontrei.<br />

Zé Carlos - Área 09<br />

Tema específico - O Amor<br />

Tema específico - O Amor<br />

O amor, é um sentimento indispensável para que eu possa viver normalmente.<br />

Hoje sei que a minha vida está condicionada pelo amor que dou e recebo no meu dia-a-dia e, só<br />

por isto, <strong>de</strong>veria ser muito fácil para mim falar <strong>de</strong> amor. Ora, é completamente o contrário que<br />

acontece e, ao querer falar <strong>de</strong> amor, fico bloqueado e năo encontro as palavras para expressar o<br />

que me vai na alma e po<strong>de</strong>r partilhá-lo convosco.<br />

No dia 27 <strong>de</strong> Setembro fui à reuniăo e, como em Alcoólicos Anónimos nada acontece por acaso, o<br />

tema era a reflexăo do dia - amor espiritual, do livro "Reflexőes Diárias". Partilhei o meu embaraço<br />

em falar <strong>de</strong> amor, ouvi os companheiros/as e pu<strong>de</strong> verificar que afinal năo sou o único com


dificulda<strong>de</strong>s neste capítulo.<br />

Fiz um inventário do meu passado e presente para ver a que conclusăo chegava.<br />

Comecei por me lembrar que, na adolescência, já tinha <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber amor<br />

dos meus pais e que tudo fazia para lhes chamar a atençăo, inclusivamente várias fugas <strong>de</strong> casa,<br />

porque era a minha maneira <strong>de</strong> lhes dizer - năo me esqueçam! Năo seria a melhor, mas era a<br />

única que eu conhecia.<br />

...o amor entre os homens po<strong>de</strong> existir<br />

O tempo foi passando e, talvez pelo meu modo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> emigrante, <strong>de</strong> andar <strong>de</strong> um lado para o<br />

outro, nunca tive ocasiăo <strong>de</strong> criar gran<strong>de</strong>s amiza<strong>de</strong>s.<br />

A seguir veio o momento <strong>de</strong> confundir sexo e amor; nada tem a ver <strong>uma</strong> coisa com a outra,<br />

sobretudo quando as experiências săo dolorosas. Entăo, refugiei-me em mim próprio, criando <strong>uma</strong><br />

carapaça <strong>de</strong> indiferença, recusando receber amor para năo ter <strong>de</strong> retribuir.<br />

Entretanto começou a nascer a gran<strong>de</strong> paixăo da minha vida - o álcool, que <strong>de</strong> maneira manhosa,<br />

me foi fazendo esquecer o verda<strong>de</strong>iro amor e transformou a minha existência num inferno. Os<br />

sentimentos nobres per<strong>de</strong>ram todo o valor, para dar lugar a tudo o que era mesquinho e<br />

<strong>de</strong>sprezível, on<strong>de</strong> a única coisa que contava era po<strong>de</strong>r beber, năo ouvindo aqueles que me<br />

amavam e sofriam por isso.<br />

Ao fim <strong>de</strong> muitos anos <strong>de</strong> sofrimento, veio a minha casa um membro <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos falar<br />

<strong>de</strong> si, pôs a sua vida a nu perante mim, sem me conhecer <strong>de</strong> lado algum. Estava a dar-me <strong>uma</strong><br />

parte da sua vida e isso é amor e eu, muito timidamente, aceitei e comecei a acreditar que o amor<br />

entre os homens po<strong>de</strong> existir.<br />

Comecei a participar nas reuniőes <strong>de</strong> AA e, <strong>de</strong>vagarinho e muito a medo, fui aceitando o amor e<br />

carinho que ali me davam sem nada me pedirem em troca.<br />

Tudo <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> mim e nada me obrigava a dar o que quer que fosse.<br />

Com a continuaçăo, fui apren<strong>de</strong>ndo que é dando que se recebe e comecei a dar o amor que tinha<br />

guardado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim durante tantos anos, e das formas mais simples; em AA, partilhando com<br />

os outros a minha experiência e fé no programa, fazendo serviço, levando a mensagem. Na minha<br />

vida social, através da forma <strong>de</strong> conviver e lidar com os outros e na minha vida sentimental, já<br />

consigo dizer à minha esposa que a amo, <strong>de</strong> um amor puro e honesto, sem mentiras e <strong>de</strong>sculpas.<br />

Tudo isto, graças ao programa dos Doze Passos e a todos os companheiros/as que me têm<br />

ensinado a amar os outros e a mim próprio.<br />

Como po<strong>de</strong>m ver, năo me é fácil falar <strong>de</strong> amor.<br />

Cândido - Área 09<br />

Tema específico - O Amor - A<strong>de</strong>us amigo<br />

Tema específico - O Amor - A<strong>de</strong>us amigo<br />

Tinha-o embrulhado n<strong>uma</strong> manta e a sua cabeça <strong>de</strong> olhos cerrados, <strong>de</strong>scansava no meu ombro.<br />

Acho que năo sofria naquele momento. Gozava a paz que a confiança cega no meu colo lhe


transmitia.<br />

Ali, sentado na sala <strong>de</strong> espera do veterinário, aconchegando o melhor possível a velhice do meu<br />

căo, passei em revista todos os anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicaçăo e cumplicida<strong>de</strong> mútuas.<br />

Há 16 anos, quando <strong>de</strong>positaram nas minhas măos em concha aquela bolinha fofa, as orelhas<br />

eram as únicas partes pen<strong>de</strong>ntes, todo o resto do seu corpinho aninhava-se, tremendo <strong>de</strong><br />

insegurança e fragilida<strong>de</strong>.<br />

Nessa altura, eu tinha pouco tempo <strong>de</strong> recuperaçăo em Alcoólicos Anónimos; tal como ele estava<br />

inseguro e, assumir um căo, era a minha primeira prova-<strong>de</strong>-fogo. Pouco mais representava para<br />

mim do que um brinquedo, năo suspeitando eu que este animal iria tornar-se <strong>uma</strong> pedra <strong>de</strong> toque<br />

importantíssima na evoluçăo da minha reabilitaçăo da doença do alcoolismo.<br />

Toda a minha vida passada pautou-se por um comportamento egoísta, intolerante, prepotente e,<br />

consequentemente, pouco humil<strong>de</strong>. Eram meus atributos o năo assumir responsabilida<strong>de</strong>s, mentir<br />

e esperar que os outros fizessem aquilo que me pertencia, tudo borrifado com doses generosas <strong>de</strong><br />

AA tem-me ensinado a realçar a aceitaçăo<br />

das coisas inevitáveis<br />

comodismo e cobardia.<br />

O alheamento e a fuga para tudo isto era o álcool.<br />

AA tem um excelente programa espiritual que me ajuda a <strong>de</strong>tectar e a contornar todos estes<br />

<strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> carácter. A acçăo <strong>de</strong> um padrinho que me foi e vai apontando as arestas para limar e<br />

os "buracos" para eu preencher, revela-se <strong>de</strong> capital importância na minha progressăo para<br />

melhor conviver comigo e com os outros. Mas eu preciso <strong>de</strong> exercitar e pôr à prova os avanços e<br />

recuos, que vou tendo neste meu percurso que <strong>de</strong>sejo ser <strong>de</strong> melhorias. Tendo tomado<br />

consciência <strong>de</strong>sta minha realida<strong>de</strong>, fui reparando que tinha, mesmo ali tăo próximo, <strong>uma</strong><br />

"ferramenta" pronta a "servir" - o meu căo.<br />

A <strong>de</strong>dicaçăo ininterrupta sem nada reclamar, ia-me alertando para a exigęncia <strong>de</strong> me dar aos<br />

outros; a proximida<strong>de</strong> continuada criou-lhe <strong>de</strong>pendência das minhas acçőes: se tinha comida, se<br />

necessitava <strong>de</strong> ir à rua, se estava doente, se ensopou o pêlo na chuva <strong>de</strong> Inverno, se precisava <strong>de</strong><br />

ir à tosquia, os prazos das vacinas e dos antiparasitas; enfim, este leque <strong>de</strong> obrigaçőes e<br />

atençőes, fez-me <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> olhar para o meu umbigo e olhar, isso sim, para o que vou recebendo<br />

dos outros, para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> me tornar útil e merecedor do amor que me văo dispensando.<br />

Estou bem. Năo sinto vonta<strong>de</strong> nem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regressar ao álcool.<br />

Tenho <strong>de</strong>sperta em mim a noçăo <strong>de</strong> que quanto mais seguir as sugestőes que o programa <strong>de</strong><br />

Alcoólicos Anónimos pőe à minha disposiçăo, melhor eu saberei "beber" o que os outros têm para<br />

me dar.<br />

O amor que recebo e aquele que já aprendi a dar, que tem a marca in<strong>de</strong>lével da humilda<strong>de</strong>,<br />

nasceu do embate das contrarieda<strong>de</strong>s, do rasgar do comodismo e do egoísmo, do abdicar do<br />

conforto da algibeira recheada. Quero agora contribuir quanto pu<strong>de</strong>r.<br />

Depositei-o na marquesa; pelo olhar do veterinário concluí que já nada havia a fazer. Uma<br />

injecçăo acabou-lhe com o sofrimento <strong>de</strong>sta vida já sem vida. Dirigiu-me um último olhar e senti no<br />

<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro afago que lhe tributei, o profundo suspiro da sua partida. Sem vergonha chorei. Chorei,<br />

năo por <strong>uma</strong> perda egoística, mas pela <strong>de</strong>dicaçăo que votava àquele căo e pela ajuda que <strong>de</strong>le


ecebi, a apren<strong>de</strong>r a multiplicar o amor por todos os que me ro<strong>de</strong>iam.<br />

AA tem-me ensinado a realçar a aceitaçăo das coisas inevitáveis.<br />

Inevitável foi a morte do meu căo.<br />

Inevitável foi também a lágrima que <strong>de</strong>ixei cair ao escrever estas linhas.<br />

Vítor P. - Área 07<br />

Tema específico - O Amor - O Amor é a Soluçăo<br />

Tema específico - O Amor - O Amor é a Soluçăo<br />

Nasci no seio <strong>de</strong> <strong>uma</strong> família aparentemente funcional, com pai, măe, avô, avó, bisavó... mas<br />

seriamente marcada pelo alcoolismo do avô que, tal como ondas sonoras, se propagou a todos. E<br />

assim sendo, a disfuncionalida<strong>de</strong> era gritante. Todos se usavam e tentavam sobreviver entre<br />

raivas, ódios, <strong>de</strong>sesperos, esperançados que um dia tudo mudasse, mas completamente<br />

incapazes <strong>de</strong> se aperceberem do que se passava. Como era possível, num turbilhăo <strong>de</strong>stes, eu<br />

po<strong>de</strong>r crescer d<strong>uma</strong> forma equilibrada?<br />

Na verda<strong>de</strong>, nunca me senti amada: apenas julgada e castigada. Sei, hoje, que năo era por falta<br />

<strong>de</strong> amor mas sim as suas próprias incapacida<strong>de</strong>s. Cada um <strong>de</strong>les tentou, com toda a certeza,<br />

fazer o que achava certo, e que aquela forma <strong>de</strong> lidarem comigo era a única que conheciam como<br />

sendo a melhor para <strong>de</strong>monstrarem o seu amor por mim. Acresce que nunca conheci dificulda<strong>de</strong>s<br />

financeiras e que do ponto <strong>de</strong> vista material nada me faltava. Mas a verda<strong>de</strong> é que a minha<br />

infância foi triste, pela carga <strong>de</strong> solidăo que teve e que <strong>de</strong>lineou profundamente o meu carácter.<br />

Des<strong>de</strong> muito cedo percebi que, se mentisse, escapava a maior parte das vezes. Como năo podia<br />

recorrer a ninguém (para mim eram todos inimigos), passei a contar só comigo. E na adolescência<br />

aprendi que, se falasse do "topo", me tornava menos vulnerável.<br />

E foi assim que três gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>feitos se instalaram em mim: <strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong>, arrogância e autosuficiência.<br />

De forma alg<strong>uma</strong> me sentia bem interiormente porque, na verda<strong>de</strong>, o peso do medo,<br />

da solidăo, do orgulho e do sentimento tăo presente <strong>de</strong> que só me tinha a mim, amarfanhava-me;<br />

fazia-me sentir indigna <strong>de</strong> receber amor, elogios. E foi nesta altura, por volta dos quinze anos, que<br />

<strong>de</strong>scobri <strong>uma</strong> substância que me fazia, ainda que temporariamente, sentir o oposto - o álcool.<br />

Se ainda pu<strong>de</strong>sse haver alg<strong>uma</strong> esperança no sentido <strong>de</strong> inverter este carácter, per<strong>de</strong>u-se com<br />

aquela <strong>de</strong>scoberta. E porquê? É simples: o álcool apenas conseguiu acentuar ainda mais estas<br />

características que me levaram, a mim e aos que me ro<strong>de</strong>avam e ro<strong>de</strong>aram ao longo <strong>de</strong> quase<br />

trinta anos, a um gran<strong>de</strong> e tremendo sofrimento. Casei-me, divorciei-me, tive três filhos, <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />

posiçăo invejável profissionalmente passei, <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>missăo, a períodos <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira<br />

indigência. Um curso superior ficou pelo terceiro ano, perdi a casa, os filhos estiveram privados da<br />

minha companhia e separados entre si cinco anos... Enfim, levei anos a fio a cair e a tentar<br />

levantar-me e, evi<strong>de</strong>ntemente, culpando tudo e todos por tudo o que me ia acontecendo...<br />

porque... bem, é que, a somar à <strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong>, arrogância, auto-suficięncia, medo, veio um<br />

sentimento mais <strong>de</strong>struidor e po<strong>de</strong>roso: auto pieda<strong>de</strong>.


po<strong>de</strong>ria controlar năo bebendo. Demorei seis anos a interiorizar, para admitir a minha impotência<br />

perante o álcool e a ingovernabilida<strong>de</strong> da minha vida.<br />

Recusei-me, durante muitos anos, a ver a realida<strong>de</strong> que me envolvia: tinha <strong>uma</strong> doença que năo<br />

De queria 1996 aceitar a 2002, e que foram dava sucessivas pelo nome viagens <strong>de</strong> alcoolismo. <strong>de</strong> ida e volta. Sei hoje Nestes que essa seis anos negaçăo estive era alternadamente<br />

um dos vários<br />

quarenta sintomas. e seis Um outro, meses era abstinente a absoluta e vinte incapacida<strong>de</strong> seis a beber, <strong>de</strong> controlar tendo sido a minha os últimos forma quatro, <strong>de</strong> beber. o <strong>de</strong>scalabro Aliás, a<br />

partir total do - a momento <strong>de</strong>scida aos que infernos, comecei emocionalmente. a preocupar-me com Mas a foi quantida<strong>de</strong> a cavalgada que para iria beber, o fundo já que a doença me fez se<br />

<strong>de</strong>spertar revelara, para sem a minha que eu realida<strong>de</strong>: me apercebesse năo bastava - no parar princípio <strong>de</strong> beber, por ignorância tinha que e mudar <strong>de</strong>pois profundamente por negaçăo. os<br />

meus comportamentos e atitu<strong>de</strong>s. Dispus-me entăo, pela primeira vez e honestamente, a iniciar<br />

um caminho orientado pela prática diária e o mais exaustiva possível dos Doze Passos. E foi<br />

assim que comecei a aperceber-me da realida<strong>de</strong>. E um dos aspectos reais era a minha profunda<br />

incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar.<br />

Amar é, essencialmente, dar, dar, dar...<br />

Na verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>testava-me por tudo aquilo que era e tinha feito. Uma profunda dor, angustia,<br />

arrependimento, apo<strong>de</strong>raram-se <strong>de</strong> mim. Chorei, chorei muito quando voltei ao meu passado para<br />

inventariar, <strong>de</strong>ntro do possível, todos os actos insanos que havia cometido. Nunca mais me<br />

esqueci das palavras da minha conselheira na altura. Quando chorava convulsivamente ao<br />

lembrar-me <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>s atitu<strong>de</strong>s que tinha tido para com os meus filhos, ela perguntou-me: - Se<br />

fosse hoje terias agido da mesma forma?; e a minha resposta foi um inequívoco "Claro que năo".<br />

Este foi um marco muito importante na minha recuperaçăo. Foi o princípio do auto conhecimento e<br />

da aceitaçăo. E, lentamente, comecei a gostar <strong>de</strong> mim como um ser h<strong>uma</strong>no cheio <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong>feitos e limitaçőes. E, no final <strong>de</strong>ste processo, comecei a olhar em meu redor e a gostar dos<br />

outros.<br />

Aprendi em AA o que é o amor incondicional: "Năo importa o que faças, o que digas, também tu és<br />

um ser h<strong>uma</strong>no, como eu, cheio <strong>de</strong> imperfeiçőes e que preciso muito <strong>de</strong> ti para viver e estar<br />

sóbria".<br />

Comecei a sentir que amar é essencialmente dar... dar... dar. Estar disponível para os outros<br />

sempre que eles precisem e, eu necessito "que eles precisem", para que me possa libertar do meu<br />

egoísmo. E, sempre que possível, fazê-lo <strong>de</strong> forma anónima, para que năo haja tendências<br />

egocêntricas, que me levariam a recaídas emocionais, afastando-me do caminho da felicida<strong>de</strong>.<br />

E aquela solidăo <strong>de</strong> que eu falei no inicio da minha partilha, que me acompanhou durante tantos<br />

anos, esfumou-se, <strong>de</strong>sapareceu. Eu nunca mais vou estar sozinha se o Amor permanecer no meu<br />

coraçăo.<br />

Maria Teresa - Área 08


Experiências Pessoais - "Devo a minha Vida"<br />

Devo a minha vida, se quiser fazer este raciocínio, à pessoa que informou <strong>uma</strong> Médica <strong>de</strong> Família<br />

<strong>de</strong> que Alcoólicos Anónimos existia e <strong>de</strong> como e on<strong>de</strong> funcionava. E a um “Não-sei-quê” que me<br />

tinha feito confi<strong>de</strong>nciar-lhe a minha triste, angustiante e <strong>de</strong>pressiva tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber.<br />

Sozinho.<br />

Obrigou-me a prometer que iria à próxima reunião <strong>de</strong> AA, em Portimão, e mudou a minha vida.<br />

Des<strong>de</strong> o início do meu caminho em AA que li (engoli?) toda a Literatura que fui arranjando tendo<br />

ficado com duas paixões “à primeira vista”: as Promessas e a Declaração <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong>.<br />

O dizer, ou mesmo só o pensar: “Eu sou responsável”, enchia-me o peito <strong>de</strong> entusiasmo e alegria<br />

e fazia-me sentir parte integrante e importante <strong>de</strong> um projecto magnífico; apagando, como se não<br />

tivessem gran<strong>de</strong> importância, quase 30 anos <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> não-pertença, a nada e a<br />

ninguém.<br />

As Promessas ”<strong>uma</strong>s vezes <strong>de</strong>pressa, outras mais <strong>de</strong>vagar”, foram-se concretizando e a verda<strong>de</strong><br />

é que o Programa <strong>de</strong> AA ao serviço da minha vida (mais do que o contrário) fez <strong>de</strong> mim um<br />

homem diferente; e modificou, <strong>de</strong> maneira tão importante, a maneira <strong>de</strong> olhar para mim, para os<br />

outros e para a vida.<br />

A Declaração <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> provoca-me hoje <strong>uma</strong> sensação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto...mas<br />

ao mesmo tempo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mais sentida e melhor entendida responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Ouvi há pouco tempo <strong>uma</strong> frase atribuída a um médico, pioneiro no tratamento do alcoolismo em<br />

Portugal: “ Só é digno <strong>de</strong> os tratar quem for capaz <strong>de</strong> os amar “. E penso que esse amor<br />

incondicional pelos <strong>alcoólicos</strong> em sofrimento, provavelmente estimulado pela memória <strong>de</strong> quanto<br />

sofri, é <strong>uma</strong> das razões que me fazem viver, tentando encontrar a maneira <strong>de</strong> lhes fazer chegar a<br />

mensagem e procurando torná-la tão atraente ao ponto <strong>de</strong> a quererem aceitar.<br />

A minha experiência em Informação Pública começou ao fazer o12º Passo do programa <strong>de</strong> AA<br />

(levar a mensagem), a seguir ao 1º, tentando ajudar a salvar outros a todo o custo, sem ter a<br />

noção das minhas fragilida<strong>de</strong>s e que quem precisava <strong>de</strong> mais ajuda, era eu. Mas fui apren<strong>de</strong>ndo.<br />

A leitura da nossa Literatura, a assistência sempre atenta e interessada em reuniões <strong>de</strong> vários<br />

<strong>grupo</strong>s, o convívio e apadrinhamento por membros cujos comportamentos eram verda<strong>de</strong>iras linhas<br />

<strong>de</strong> orientação, fizeram aumentar a minha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> pertencer e <strong>de</strong> fazer a minha quota-parte do<br />

trabalho. E fui fazendo.<br />

Conto hoje com duas ferramentas importantes que o álcool me tinha roubado e que AA me<br />

<strong>de</strong>volveu: <strong>uma</strong>, a Consciência; sinto frequentemente que é através <strong>de</strong>sta que Deus, como hoje O<br />

concebo, se manifesta na minha vida.<br />

A outra, a Responsabilida<strong>de</strong>; “Estamos todos aqui porque não estamos aqui todos” é <strong>uma</strong> frase<br />

que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira vez que a ouvi permanece no meu pensamento - <strong>uma</strong>s vezes mais<br />

adormecida outras mais <strong>de</strong>sperta e vigilante.<br />

Desempenhei quase todas as tarefas nos vários Serviços na comunida<strong>de</strong>, em vários Grupos, e<br />

todos foram importantes. Mas, o privilégio <strong>de</strong> ser o portador <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mensagem capaz <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r<br />

a luz da esperança nos olhos mortiços (tal como eram os meus), <strong>de</strong> alguém que quer parar <strong>de</strong><br />

beber mas não sabe como e nem acredita que seja possível.<br />

O po<strong>de</strong>r contribuir para que as Promessas se cumpram na vida <strong>de</strong> outros e a certeza <strong>de</strong> que<br />

alguns <strong>de</strong>les estarão mais tar<strong>de</strong> a fazer o trabalho <strong>de</strong> AA, enchem-me o peito: o coração, o


espírito e a alma, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> alegria e <strong>uma</strong> emoção incomparáveis. É preciso fazê-lo para o sentir.<br />

Mas é, verda<strong>de</strong>iramente, <strong>uma</strong> magnífica forma <strong>de</strong> vida que me foi dada em troca da ”estranha<br />

forma <strong>de</strong> vida” que vivi noutros tempos.<br />

Daniel<br />

Área 6<br />

Experiências Pessoais - "Olhos nos Olhos"<br />

Encostado ao paredão da arriba sobre a praia <strong>de</strong>serta, absorto nas minhas reminiscências da<br />

juventu<strong>de</strong>, olhava o molhe que, à minha direita, arava suavemente um oceano quase chão. O Sol<br />

já tinha <strong>de</strong>clinado e a frialda<strong>de</strong> do Dezembro natalício não convidava a paragens prolongadas e,<br />

muito menos, junto ao mar. No entanto, aquela quietu<strong>de</strong> instava-me a passar em revista tempos<br />

ali passados; tempos em que ria <strong>de</strong>spreocupadamente, em que olhava com optimismo o meu<br />

futuro, em que acreditava vir a ser pleno senhor da minha vida. Não foi assim que aconteceu. Por<br />

doença, por incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com as realida<strong>de</strong>s da vida em socieda<strong>de</strong>, por companhias<br />

admitidas e/ou suportadas, abri a porta ao álcool insidioso que, lentamente, se foi imiscuindo na<br />

minha vida, quando esta pedia licença para <strong>de</strong>ixar a adolescência e filiar-se no clube dos adultos.<br />

Com o álcool abdiquei <strong>de</strong> mim; bebê-lo, idolatrá-lo e paradoxalmente odiá-lo, tornou-se então a<br />

finalida<strong>de</strong> da minha existência. A dor que ainda sinto ao constatar o <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> todos aqueles<br />

anos, em que cegamente <strong>de</strong>i livre trânsito à minha doença alcoólica, em que achei mais fácil<br />

mergulhar n<strong>uma</strong> garrafa do que assumir as minhas responsabilida<strong>de</strong>s, em que me revoltei contra<br />

a socieda<strong>de</strong> em vez <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a estar nela, esta dor latente, posta a <strong>de</strong>scoberto pelo meu<br />

saudosismo, tornou-se naquele momento mais cortante que a nortada acentuada pelo ocaso.<br />

Anos que se passaram sem realmente viver. Anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>svario, <strong>de</strong> insanida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrédito e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>srespeito para comigo e para com os outros. Anos em que nada construí; pelo contrário: <strong>de</strong>struí<br />

muito do que quiseram edificar para meu bem.<br />

E os outros? Aqueles que estiveram e ainda estão a meu lado? Aqueles que por amor suportaram<br />

os meus maus comportamentos, as minhas prepotências, manipulações e mentiras? Esses que,<br />

influenciados pela minha esfera <strong>de</strong>strutiva, foram aos poucos tornando-se <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes dos meus<br />

actos e abdicaram das suas vidas? Pesa-me a consciência por não os ter <strong>de</strong>ixado viver!<br />

Fui um buraco negro dos sentimentos, meus e dos outros. Há um gran<strong>de</strong> e triste espaço vazio na<br />

minha vida que po<strong>de</strong>ria ter sido ocupado na consolidação e afirmação <strong>de</strong> mim como um elemento<br />

válido na socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> me insiro e da qual faço parte, quer eu goste ou não.<br />

Lamento ter negado a mim próprio, anos a fio, as evidências da minha incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com<br />

o álcool. Foi <strong>uma</strong> luta inglória em que ele sempre saiu vencedor, arrastando-me cada vez mais<br />

para o abismo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> insanida<strong>de</strong> mental anunciada e distorcendo toda a estabilida<strong>de</strong> emocional<br />

<strong>de</strong> quem me quer bem.<br />

Tardiamente reconheci que este simulacro <strong>de</strong> vida redundaria num epitáfio <strong>de</strong> alívio, na lousa da<br />

minha campa <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto prematuro. Alívio meu por <strong>uma</strong> existência <strong>de</strong> sofrimento, alívio dos outros<br />

pelo <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> <strong>uma</strong> perniciosa influência.<br />

Indicaram-me Alcoólicos Anónimos como <strong>uma</strong> possível bóia <strong>de</strong> salvação para o meu afogamento


iminente.<br />

Era preciso eu querer, era preciso ter a mente aberta e apresentar-me <strong>de</strong> braços caídos pela<br />

<strong>de</strong>rrota reconhecida. Decidi experimentar. Não foi fácil…mas, <strong>de</strong> hora-a-hora, dia-a-dia, fui<br />

levantando a cabeça, olhando cada vez com menos receio as ruas, as casas e, mais afoito, olhosnos-olhos,<br />

as pessoas; olhos-nos-olhos também, ao confrontar-me com o meu espelho interior<br />

revelador <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos, medos e coisas boas. Não estou curado do alcoolismo; não há cura para<br />

esta doença mas, AA <strong>de</strong>u-me companheiros apostados na recuperação <strong>de</strong>les e minha; pôs à<br />

minha disposição toda <strong>uma</strong> rota <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrimentos que me leva a saber porque não quero<br />

beber, porque <strong>de</strong>vo ter interesse pela vida, porque <strong>de</strong>vo voltar a acreditar em mim; enfim: porque<br />

<strong>de</strong>vo respeitar os outros, libertá-los do jugo do meu alcoolismo e reparar, se possível, os danos<br />

causados.<br />

Graças à prática continuada da observância das sugestões contidas no programa <strong>de</strong> recuperação<br />

<strong>de</strong> AA, hoje encaro a minha vida como aquele molhe acolá à direita, já arruinado em alguns<br />

pontos, vestígios <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>s passadas que, paulatinamente, vai fazendo frente a este mar,<br />

afirmando sem altanarias a sua presença, vivendo este momento <strong>de</strong> calmaria e <strong>de</strong>ixando para o<br />

incógnito futuro, a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência a tormentas que virão. Por agora, tal como eu,<br />

vai cumprindo a função para que o <strong>de</strong>stinaram: preservar-se o mais possível e constituir um porto<br />

<strong>de</strong> abrigo para quem <strong>de</strong>le se acerque.<br />

Vítor P.<br />

Área 7<br />

Mais Experiências Pessoais...<br />

SERENIDADE<br />

para adquirir Coragem e Sabedoria<br />

Hoje não senti vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> beber mas, alg<strong>uma</strong>s vezes durante o dia, fico com medo dos meus<br />

pensamentos.<br />

Felizmente, em minha casa não há bebida. Sinto preconceito <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> minha própria família;<br />

estão todos satisfeitos por eu não estar a beber, mas acham que eu posso controlar. Até<br />

enten<strong>de</strong>m sobre o alcoolismo, mas não fazem a i<strong>de</strong>ia do que sinto.<br />

Ouvi <strong>uma</strong> partilha sobre o <strong>de</strong>spertar espiritual e senti vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever. Creio que o meu<br />

<strong>de</strong>spertar aconteceu a partir do momento que fiz o meu "Primeiro Passo" completo porque, até<br />

então, eu só admitia ser alcoólico e não achava que havia perdido o controlo da minha vida. Sofri<br />

mais um pouco.<br />

Tenho hoje a i<strong>de</strong>ia do que estou falando mas, na época, eu estava cego, obcecado pelo álcool e<br />

não percebia. A partir daquele momento, tive um encontro comigo mesmo e <strong>de</strong>scobri que há um<br />

Po<strong>de</strong>r Superior a mim, que me tem protegido a vida inteira e eu não me tinha apercebido. Este<br />

<strong>de</strong>spertar foi muito lindo, resultando na felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar verda<strong>de</strong>iramente sóbrio e a cada dia<br />

mais próximo da sobrieda<strong>de</strong> com plena serenida<strong>de</strong>. Creio estar no caminho certo.<br />

Tenho alguns problemas, mas lembro-me que se eu voltar a beber <strong>de</strong>ixarei <strong>de</strong> os resolver e criarei<br />

alguns outros. Estou muito feliz por estar sóbrio e fazer parte da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> A.A., a qual me<br />

proporciona <strong>uma</strong> programação para reformular a minha vida: aceitar o que não posso modificar,<br />

ter coragem para mudar aquilo que posso e apren<strong>de</strong>r a lidar com meu lado emocional, a parte que


mais me incomoda no momento e, esta sim, que me po<strong>de</strong> levar a <strong>uma</strong> recaída.<br />

Sei que só através da serenida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rei adquirir coragem e sabedoria. Na minha caminhada<br />

procuro ser honesto, primeiro com o Po<strong>de</strong>r Superior, <strong>de</strong>pois comigo mesmo e com os<br />

companheiros - com a certeza que tudo dará certo! Agra<strong>de</strong>ço ao Po<strong>de</strong>r Superior e a Alcoólicos<br />

Anónimos, por mais um dia mais distante <strong>de</strong>sse primeiro copo. Desejo a todos mais 24 horas <strong>de</strong><br />

sobrieda<strong>de</strong> e paz.<br />

Com Amor em AA.<br />

Fernando M.<br />

Área 11<br />

Experiências Pessoais<br />

Uma Entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Amor<br />

Durante toda a vida ouvi falar <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s e já trabalhei para alg<strong>uma</strong>s, mas jamais <strong>uma</strong> entida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> amor como é o caso <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos. Percebi, com o tempo, o propósito dos<br />

companheiros ao me passarem a sua mensagem e a força <strong>de</strong>sta que <strong>de</strong>pôs em mim o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

parar <strong>de</strong> beber. Manter-me em <strong>grupo</strong> com todos eles fez nascer em mim <strong>uma</strong> ligação que nunca<br />

existira em toda a minha vida com ninguém e, entendi mais tar<strong>de</strong>, que havia um Po<strong>de</strong>r Superior<br />

que se manifestava através <strong>de</strong>les – era o que faltava na minha nova consciência. Ao longo da<br />

minha caminhada em AA, tenho vindo a <strong>de</strong>scobrir que quero, cada vez mais, fazer parte do meu<br />

<strong>grupo</strong> e com ele realizar o propósito <strong>de</strong> levar a mensagem; que a força da espiritualida<strong>de</strong> em AA<br />

faz <strong>de</strong> mim <strong>uma</strong> pessoa melhor e merecedora da confiança dos meus companheiros.<br />

Desejo que o meu Po<strong>de</strong>r Superior abra a minha mente sempre que errar e me lembre que <strong>existe</strong><br />

<strong>uma</strong> entida<strong>de</strong>, o meu <strong>grupo</strong>, que me orienta e me ajuda na procura <strong>de</strong> um “eu” melhor; que para<br />

funcionar bem, preciso <strong>de</strong> me unir a eles e trabalhar em conjunto, não pela minha cabeça ou<br />

vonta<strong>de</strong> mas como parte <strong>de</strong> <strong>uma</strong> entida<strong>de</strong> espiritual. Se, por acaso, como <strong>grupo</strong> um dia<br />

fracassarmos, não po<strong>de</strong>mos esquecer que há um todo a quem po<strong>de</strong>mos pedir ajuda, tal como eu<br />

fiz quando admiti a minha <strong>de</strong>rrota - pois da <strong>de</strong>rrota nasceu <strong>uma</strong> <strong>solução</strong>. A minha ainda pequenina<br />

humilda<strong>de</strong> e pouca experiência em AA, têm vindo a mostrar-me que não sei tudo e por vezes<br />

cometo falhas, principalmente quando acho que consigo fazer muitas coisas por AA.<br />

Quando isso acontece, <strong>de</strong>scubro que não tenho que achar nada à minha maneira e muito menos<br />

querer realizar tudo sozinha. Basta praticar à maneira <strong>de</strong> AA e, junto com os meus companheiros,<br />

fazer a minha parte. Ao fazer honestamente o meu inventário, a resposta está sempre lá: dou por<br />

mim a pensar no castelo que, sozinha, imaginei construir e on<strong>de</strong> os tijolos estão sempre a cair.<br />

Porém, quando o faço com meus companheiros, pelo menos os muros já estão alicerçados e, se<br />

<strong>de</strong> vez em quando lá cai um tijolo, um <strong>de</strong> nós trata logo <strong>de</strong> pedir ajuda e pô-lo no sítio, para que<br />

tudo não se <strong>de</strong>smorone. Devo contribuir e procurar o bem-estar do meu <strong>grupo</strong> que <strong>de</strong>ve estar<br />

sempre em primeiro lugar, pois da unida<strong>de</strong> conseguida <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a minha recuperação e<br />

tranquilida<strong>de</strong>. Também, com a existência <strong>de</strong>sta unida<strong>de</strong>, nasce <strong>uma</strong> autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amor que se<br />

manifesta na consciência <strong>de</strong> <strong>grupo</strong> e que eu tenho o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> aceitar.<br />

Peço ao meu Po<strong>de</strong>r Superior que me aju<strong>de</strong> a fazer com que o único requisito no meu <strong>grupo</strong>, para<br />

aceitar um alcoólico, seja sempre e só a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> parar <strong>de</strong> beber e não outro qualquer, pois eu<br />

<strong>de</strong>pendo também daquele que está a sofrer - tal como eu já estive um dia. Espero contribuir para a<br />

autonomia do meu <strong>grupo</strong>, mas sempre à luz dos 36 princípios <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos e não os<br />

que, por vezes, por manhosice minha, me dão jeito. Por isto, não posso esquecer que há um todo<br />

e, esse todo não <strong>de</strong>ve ser afectado pelos meus erros. O meu amor não é mais nem melhor do que<br />

aquele que muitos membros têm por AA; sou só um grãozinho no meio <strong>de</strong> todos. Porém, sinto-me


privilegiada por ter sido salva. Jamais po<strong>de</strong>rei agra<strong>de</strong>cer tudo o que sou hoje e, por isso, a minha<br />

gratidão passa pela acção e pelo que tenho para dar. Que o Po<strong>de</strong>r Superior <strong>de</strong> cada um nos<br />

ilumine na busca <strong>de</strong> um AA mais forte, on<strong>de</strong> germine a fé, e aumente a força e esperança para dar<br />

àqueles que hão-<strong>de</strong> vir.<br />

Isabel V.<br />

Área 2<br />

Não Posso Mudar o Vento, mas Posso Ajustar a Vela...<br />

Maus ventos bafejaram a minha infância. Perante a morte <strong>de</strong> minha<br />

mãe, meu pai que há pouco tempo tinha inaugurado a vida <strong>de</strong> casado, viu-se assim com <strong>uma</strong><br />

criança <strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong> nos braços, sem saber bem como superar tal situação. Valeu-lhe <strong>uma</strong><br />

amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> infância, companheira <strong>de</strong> <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> praia e que sempre gostara <strong>de</strong>le.<br />

Casaram e, por incompatibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> longa data entre meu pai e meus avós, este <strong>de</strong>ixou-se<br />

influenciar pela família da minha madrasta. Nesta família ninguém gostava <strong>de</strong> rapazes e, logo eu<br />

que era bastardo…<br />

Como recebia um amor por obrigação, materialmente nada me faltava. Meu pai, que na sua<br />

infância contou com <strong>uma</strong> larga dose <strong>de</strong> indiferença afectiva por parte dos meus avós, pouco se<br />

apercebia da ari<strong>de</strong>z <strong>de</strong> carinho que me ro<strong>de</strong>ava e, pior ainda, da falta <strong>de</strong> incentivos à formação do<br />

meu carácter. Espartilhado por <strong>uma</strong> invisível mas sempre presente cartilha <strong>de</strong> proibições,<br />

acompanhada <strong>de</strong> um constante repisar da minha falta <strong>de</strong> valor, da minha iniquida<strong>de</strong> e da<br />

subalternida<strong>de</strong> perante todos os outros elementos da família fui, aos poucos, acreditando que <strong>de</strong><br />

facto era tardo <strong>de</strong> raciocínio, pouco inteligente, feio e falto <strong>de</strong> iniciativas.<br />

N<strong>uma</strong> progressiva castração intelectual, acomo<strong>de</strong>i-me a que outros por mim pensassem,<br />

resolvessem os meus problemas e tomassem as iniciativas que supostamente só a mim estariam<br />

reservadas.<br />

Estu<strong>de</strong>i em regime <strong>de</strong> internato, num colégio cuja orientação disciplinar era acentuadamente<br />

militar. Também aqui, pouco espaço tive para me <strong>de</strong>scobrir; os castigos eram severos (ainda não<br />

havia a fobia das criancinhas tra<strong>uma</strong>tizadas…) e, há que convir, esta situação masoquistamente<br />

convinha-me, mau grado sentir que continuava subjugado, joguete <strong>de</strong> quem se consi<strong>de</strong>rava, com<br />

o meu aval, superior a mim.<br />

Encolhi os ombros ao rumo que <strong>de</strong>via dar à minha vida. Era um barco encostado ao cais sem<br />

velas para zarpar.<br />

Nesta altura, <strong>de</strong>scobri o efeito que as bebidas alcoólicas em mim produziam. Ah!... que<br />

<strong>de</strong>scoberta; que in<strong>de</strong>pendência, que soltura <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>senvoltura o álcool me dava; era isto,<br />

era este o elixir da coragem que eu há muito procurava; era esta a vela que <strong>de</strong>sencalharia o meu<br />

barco.<br />

Com a bebida, vesti a capa <strong>de</strong> espirituoso; comecei a ser animador <strong>de</strong> festas e convidado crónico<br />

em todas as reuniões, mais ou menos intelectualoi<strong>de</strong>s, promovidas pelo círculo <strong>de</strong> amigos em que<br />

eu recentemente me tinha integrado ou me integraram; em pouco tempo, no entanto, os excessos<br />

com a bebida superaram as suas imaginárias vantagens.


É certo que <strong>de</strong>sencalhei o veleiro mas, aproveitar os Alísios ou bolinar para vencer ventos<br />

contrários, era arte que então não dominava; mais ainda, não estabeleci um fito, <strong>uma</strong> ambição, um<br />

rumo para o barco da minha vida. Era o que a maré ditava. Das tempesta<strong>de</strong>s das minhas<br />

bebe<strong>de</strong>iras, restavam <strong>de</strong>stroços, rombos cada vez mais difíceis <strong>de</strong> colmatar. Erguia os olhos a<br />

<strong>uma</strong> potesta<strong>de</strong>, em súplica, pontualmente em pedincha <strong>de</strong> sorte mas, sistematicamente cometia<br />

os mesmos erros com as adriças dos meus comportamentos, esperando tirar resultados diferentes<br />

com as velas da minha fortuna.<br />

Derrotado, naufraguei e morri <strong>de</strong> <strong>de</strong>salento na praia da minha impotência. Inerte <strong>de</strong> auto-pieda<strong>de</strong>,<br />

fui erguido em peso por um pescador-<strong>de</strong>-<strong>alcoólicos</strong>-perdidos que me apontou Alcoólicos Anónimos<br />

como <strong>uma</strong> boa escola para apren<strong>de</strong>r a forma <strong>de</strong>, com segurança, aproar ao futuro.<br />

Tive e tenho reuniões <strong>de</strong> AA que, sistematicamente, me relembram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> me manter<br />

sem beber para que melhor possa ler a minha bússola e r<strong>uma</strong>r, em pequenas viagens, <strong>de</strong> porto<br />

seguro para porto seguro. Conheço agora Doze Passos que me ajudam a lidar com todos os<br />

instrumentos do meu barco e a forma <strong>de</strong> o conduzir; tenho também Doze Tradições para que, ao<br />

tentar cumpri-las, consiga conviver e respeitar os outros mareantes, sem os abalroar nem cruzar<br />

rotas. Tal como os antigos nautas, obriguei-me a ter fé na superação do <strong>de</strong>sconhecido, que cada<br />

alvorada me traz.<br />

Graças a AA e à companha engajada em cada Grupo, aprendi a conhecer as minhas<br />

possibilida<strong>de</strong>s e as minhas limitações. Qual ventos <strong>de</strong> alto-mar, recebo influências fortes e muitas<br />

vezes contraditórias; mais seguro, porque o álcool já não faz parte da minha vida, <strong>de</strong>scubro agora<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter opções e, mais espantoso ainda, que posso escolher qual quero<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> ser a melhor. Procedo agora segundo a minha consciência, perante os<br />

<strong>de</strong>safios diários, seguro <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>rei arrostar com as consequências; as provações <strong>existe</strong>m tal<br />

como o vento, como este, não as posso mudar mas posso ajustar a minha vela para que o rumo a<br />

<strong>bom</strong> porto não seja interrompido.<br />

Vítor P.<br />

Área 7<br />

"Não é a minha sorte que tem <strong>de</strong> mudar…"<br />

Durante os anos da minha vida <strong>de</strong> bebedor activo, eram frequentes as lamentações pela pouca<br />

sorte. Diria mesmo que, nos últimos anos <strong>de</strong> consumo, já em gran<strong>de</strong> sofrimento físico e<br />

emocional, esse apego à pouca sorte se tornou diário e obsessivo.<br />

Esta questão da sorte estava directamente ligada ao meu estado emocional, <strong>de</strong> permanente<br />

insatisfação com a vida com as pessoas, com o trabalho, com o país, com o mundo. Mesmo com<br />

aqueles que mais me amavam e se esforçavam por correspon<strong>de</strong>r aos meus <strong>de</strong>sejos e vonta<strong>de</strong>s,<br />

ou simplesmente para não me contradizerem, para mim era insuficiente e queixava-me da minha<br />

pouca sorte. Quando os amigos acediam à minha teimosia, era porque não questionavam…e que<br />

pouca sorte. Porque estava um clima chuvoso ou o céu nublado e sem sol…que pouca sorte para<br />

esse meu dia. Nestas circunstâncias, sempre foram momentos propícios para beber <strong>de</strong>masiado e<br />

justificativos <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>struidora e arrasadora dos que me estavam próximos.<br />

Nos dias <strong>de</strong> hoje, em relação aos que me amavam, julgo que passaram a amar mais e <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />

forma mais madura e tranquila. Aos amigos que <strong>de</strong> todo se mantiveram, juntaram-se mais e as<br />

relações hoje são <strong>de</strong> <strong>uma</strong> maior e mais profunda amiza<strong>de</strong> e afectivida<strong>de</strong>, pois baseadas no<br />

respeito mútuo. As pessoas em geral, o país e o mundo, continuam a não ser perfeitos, tal como<br />

eu. Continuam a existir dias chuvosos e <strong>de</strong> céu cinzento e o sol nem sempre aparece. Aliás,<br />

continua a ser um sol que quando nasce "não é para todos", o que no passado me <strong>de</strong>ixara irado e<br />

refugiado no copo. Ou seja, a vida não mudou assim tanto e o mundo é feito por todas as


pessoas, como eu, com <strong>de</strong>feitos e virtu<strong>de</strong>s, naturalmente. Entretanto, nos dias <strong>de</strong> hoje estou mais<br />

tranquilo, continuo a consi<strong>de</strong>rar que há situações e atitu<strong>de</strong>s lamentáveis, na minha perspectiva,<br />

mas que nada disso tem que ver com a sorte.<br />

De facto, fui eu que tive <strong>de</strong> mudar e passei a ter mais "sorte". Tenho obtido mais amor, mais<br />

amiza<strong>de</strong>, mais saú<strong>de</strong> e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, talvez o mais relevante: tenho conseguido estar <strong>de</strong> bem<br />

comigo e melhor com os outros. Tenho sido mais capaz <strong>de</strong> dar sem esperar receber, o que nem<br />

sempre é fácil neste mundo conturbado e algo <strong>de</strong>sequilibrado. A mudança, só foi possível pela<br />

compreensão e prática dos Doze Passos <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos. A <strong>solução</strong> passa pela nem<br />

sempre conseguida mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>, diariamente: face à impotência <strong>de</strong> re<strong>solução</strong> <strong>de</strong> um<br />

problema, acreditar e aceitar; fazer a auto-avaliação e corrigir o que não está bem; meditar e agir.<br />

Não é fácil, mas quem disse que a vida passaria a ser um mar <strong>de</strong> rosas? Uma nova vida, em<br />

recuperação, é um processo iniciado e nunca terminado - é <strong>uma</strong> busca constante e gratificante<br />

pela perfeição inatingível.<br />

Meus companheiros e Amigos, obrigado pela <strong>solução</strong>!<br />

Fernando N.<br />

Área 1<br />

Experiências Pessoais<br />

"Não é a minha sorte..."<br />

Sou um companheiro <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, <strong>de</strong> um dos torrões que Portugal tem no meio do<br />

oceano. Sou casado, pai <strong>de</strong> dois lindos meninos, filho <strong>de</strong> pessoas simples que vivem do seu<br />

trabalho dia a dia. A minha sorte e o meu <strong>de</strong>stino já estavam marcados quando nasci, segundo me<br />

dizia a minha avozinha paterna, era eu menino.<br />

Sou um companheiro <strong>de</strong> Alcoólicos Anónimos, <strong>de</strong> um dos torrões que Portugal tem no meio do<br />

oceano. Sou casado, pai <strong>de</strong> dois lindos meninos, filho <strong>de</strong> pessoas simples que vivem do seu<br />

trabalho dia a dia. A minha sorte e o meu <strong>de</strong>stino já estavam marcados quando nasci, segundo me<br />

dizia a minha avozinha paterna, era eu menino.<br />

Durante o <strong>de</strong>correr da vida estão acontecendo, naturalmente, coisas boas e menos boas e não sei<br />

se tenho tido ou não muita sorte; mas, é costume dizer-se que a sorte não se compra, procura-se.<br />

Para mim é <strong>uma</strong> realida<strong>de</strong>, tenho <strong>de</strong> procurar até a encontrar e estou convencido que ela<br />

aparecerá (vai aparecendo), com o <strong>de</strong>correr do tempo.<br />

Em sobrieda<strong>de</strong>, tenho vindo dia após dia a trabalhar no sentido <strong>de</strong> ser eu a <strong>de</strong>terminar a sorte. No<br />

passado, só me aconteciam coisas <strong>de</strong>sagradáveis quando andava metido com os copos, não tinha<br />

sorte nenh<strong>uma</strong>; fiz coisas <strong>de</strong> que hoje me arrependo e que, em sobrieda<strong>de</strong>, jamais teriam<br />

acontecido. Mas o álcool, infelizmente, é que mandava em mim e não eu nele, o que me levou a<br />

tomar <strong>uma</strong> das atitu<strong>de</strong>s mais correctas da minha vida: visto não conseguir <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber sozinho<br />

procurei ajuda e, por essa estrada, na qual pensei seguir, encontrei Alcoólicos Anónimos.<br />

Hoje tenho todas as ferramentas que preciso: as reuniões, os 12 Passos, as 12 Tradições o<br />

Serviço em AA, tudo que AA possa ter para me oferecer. Tinha <strong>de</strong> mudar e mu<strong>de</strong>i; enquanto AA<br />

fizer parte da minha vida como tem feito ultimamente (espero que para sempre), po<strong>de</strong>rei pensar<br />

que a sorte apareceu, ou está <strong>de</strong> volta, pois é este o caminho certo a percorrer para tentar corrigir<br />

os erros do passado e viver o presente <strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma real.


Só por hoje, não quero álcool na minha vida.<br />

António<br />

Área 11 (Açores)<br />

Ingovernabilida<strong>de</strong><br />

Dia normal, <strong>de</strong> fazer companhia à minha namorada, visto ser o seu dia <strong>de</strong> folga; fomos às<br />

compras como habitualmente. Dificulda<strong>de</strong>s todos têm , foi o pensamento que me ocorreu quando,<br />

no hipermercado, passava pelas bebidas. Estava a olhar para o meu interior, a entrar no abismo<br />

no qual me tenho escondido a vida toda - mas... eu já parei <strong>de</strong> beber?! Como é que isto me po<strong>de</strong><br />

estar a acontecer? Já fiz o que era preciso (pensava eu). Como po<strong>de</strong>ria estar a pensar em beber?<br />

Tenho apenas sete meses (aproximadamente) <strong>de</strong> abstinência mas já me sentira tão bem... Como<br />

mergulhei eu nesta apatia?<br />

Como é que <strong>de</strong> repente fui catapultado, correcção, me catapultei para este estado? Como era<br />

possível ainda há tão poucas 24 horas me sentir bem e estar tão mal neste momento? Porquê<br />

logo agora, que tenho <strong>de</strong> fazer companhia à minha namorada? Porquê este mergulho na<br />

<strong>de</strong>pressão? Porquê? Porquê? Porque que é que a minha cabeça me está a <strong>bom</strong>bar<strong>de</strong>ar com tanta<br />

pergunta? Que coisa insuportável! Como é que saio <strong>de</strong>sta? Vou beber? Será que não consigo?<br />

Será que quero <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> beber? Se calhar não! Mas no meio <strong>de</strong>sta confusão toda <strong>uma</strong> coisa<br />

permanecia bem cimentada, EU QUERO PARAR DE SOFRER! E, neste preciso momento, que<br />

fazer? Padrinho, reunião, algum companheiro, preciso <strong>de</strong> ajuda! Eram 22 horas estava a <strong>de</strong>correr<br />

a reunião no Feijó - Quarta-feira, a reunião no Feijó. A semana passada fui a esta reunião, calhou.<br />

A minha namorada trabalhou, não precisei <strong>de</strong> lhe fazer companhia! Calhou?!<br />

Fui à reunião porque calhou? Que se passa? Vou às reuniões quando me sobra tempo? (as<br />

perguntas continuavam a surgir) Estou mal neste momento, é um facto, lembro-me agora<br />

claramente dos meus companheiros e do meu padrinho me dizerem: A recuperação está em<br />

primeiro lugar! E eu vou à reunião quando tenho tempo livre! Parece que estou a ver o slogan<br />

‘Primeiro o mais importante’ e como ganha sentido agora. Como tenho menosprezado esse<br />

particular que, agora em sofrimento, sou obrigado a aceitar como regra <strong>de</strong> ouro! Mas, nesta<br />

retrospectiva, vinha-me à cabeça tudo o que <strong>de</strong> mal tinha feito: recuei um pouco e lembrei-me do<br />

futebol que fui ver com as antigas companhias e <strong>de</strong> ter ido, Domingo <strong>de</strong> manhã, jogar com estas<br />

mesmas companhias… Outra vez os companheiros e o padrinho: não vás aos mesmos sítios, não<br />

an<strong>de</strong>s com as mesmas companhias.<br />

Apercebi-me nesta fase, não só estava a por a minha recuperação num<br />

lugar que não o primeiro, como não estava a seguir as sugestões. Assim, tudo isto era igual a<br />

sofrimento, mal-estar. E sofrimento, é aquilo que eu não quero. Saíram conclusões <strong>de</strong>ste<br />

episodio? Sim! Eu <strong>de</strong>pendo <strong>de</strong> AA e se quero recuperação tenho que fazer o programa, tal como<br />

está escrito, seguir as sugestões dos companheiros e, todos juntos, irmos conseguindo aquilo que<br />

eu não sou capaz sozinho. Mas não foram só coisas más no meio <strong>de</strong>sta embrulhada toda <strong>de</strong><br />

sentimentos e emoções negativas. Tive a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedir ajuda e fui à reunião, apesar <strong>de</strong><br />

muito atrasado; ainda tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> partilhar este episódio negativo, <strong>de</strong> conversar com o<br />

meu padrinho, que me tem mostrado que está mesmo disponível para o que for preciso, que me<br />

falou <strong>de</strong>le e me ajudou. Outra ilação que retiro <strong>de</strong>ste episodio é que o AA está sempre disponível


para mim e que se o frequentar assiduamente e me entregar, mesmo que a vida me corra mal ou<br />

me sinta mal, estou mais preparado para enfrentar essas dificulda<strong>de</strong>s. Apenas e mais <strong>uma</strong> vez,<br />

agra<strong>de</strong>ço aos meus companheiros e a este programa o voltar novamente à luta.<br />

Anónimo<br />

Área 9<br />

"Po<strong>de</strong>r Superior"<br />

O meu Po<strong>de</strong>r Superior é nada mais, nada menos, do que algo em que eu acredito e me faz andar<br />

com a vida para a frente. Lutar pelos meus direitos, sem esquecer os meus <strong>de</strong>veres como cidadão<br />

íntegro que sou e, é claro, pôr acção.<br />

Não posso <strong>de</strong> modo algum acomodar-me e ficar à espera que o meu Po<strong>de</strong>r Superior, por si só, me<br />

resolva os problemas, pois isso não se tornaria em mais do que um acto <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong> da<br />

minha parte e um gran<strong>de</strong> bloqueio à continuida<strong>de</strong> da minha sobrieda<strong>de</strong> e recuperação.<br />

Nesta altura da minha vida a única coisa que lhe peço é que me continue a ajudar a manter a<br />

minha sanida<strong>de</strong> mental equilibrada, para que quando possa aparecer o tal turbilhão <strong>de</strong><br />

sentimentos e emoções menos bons, eu tenha a capacida<strong>de</strong> mental para ultrapassar essa fase,<br />

sem pôr <strong>de</strong> modo algum em risco a minha recuperação, pedindo apenas que seja feita a sua<br />

vonta<strong>de</strong> e não a minha.<br />

A fé que actualmente sinto no meu Po<strong>de</strong>r Superior é o que me faz acreditar todos os dias <strong>de</strong><br />

manhã que o meu dia irá ser tão <strong>bom</strong> ou melhor que o anterior, tendo a certeza que o pior dia que<br />

já passei em recuperação é sem dúvida e em larga escala, muito melhor do que o melhor dia que<br />

passei no antigo modo <strong>de</strong> vida que um dia tive a infelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adoptar. Faz também, sem dúvida<br />

alg<strong>uma</strong>, abstrair-me do medo paralisante dos fantasmas do passado, que em tantos momentos da<br />

minha vida me adormeciam, aprisionavam e literalmente me privavam <strong>de</strong> viver.<br />

An<strong>de</strong>i muitos anos da minha vida a sobreviver e não a viver. Essa sobrevivência era, com toda a<br />

certeza, acompanhada e protegida pelo meu Po<strong>de</strong>r Superior mas, ainda assim, a minha cegueira<br />

e sobretudo a minha adicção faziam com que tudo e todos à minha volta me<br />

fossem indiferentes, quanto mais sentir algum pingo <strong>de</strong> gratidão por Ele… Pelo contrário, pois<br />

quando me acontecia algo pior ou as coisas não corriam como eu <strong>de</strong>sejava, dava comigo a<br />

questionar-me se realmente Ele existia e, se existia, on<strong>de</strong> estava? Com <strong>uma</strong> ignorância <strong>de</strong> tal<br />

natureza cheguei ao ponto <strong>de</strong> quanto pior, melhor. Auto-<strong>de</strong>struição completa, só possível <strong>de</strong><br />

ultrapassar com a existência Dele, sem dúvida. Também, verda<strong>de</strong> seja dita que, só há poucas<br />

24horas tomei plena consciência <strong>de</strong> tudo isto que acabei <strong>de</strong> relatar.<br />

Só quando baixei os braços, me entreguei, e acima <strong>de</strong> tudo, quando me aceitei como realmente<br />

sou e aceitei a minha doença e a minha vida, aí sim, esta começou a ter alg<strong>uma</strong> qualida<strong>de</strong>, a fazer<br />

sentido - e a sentir amor e gratidão por toda a protecção por ele concedida à minha pessoa.<br />

Hoje dou graças a Ele por tudo o que tenho, não <strong>de</strong>scurando por momento algum, o mérito que<br />

tive para as alcançar, pois só eu posso. Mas só, nada posso - e é com toda a certeza que afirmo<br />

que a fé e credibilida<strong>de</strong> que eu <strong>de</strong>posito Nele é, sem dúvida, o melhor lubrificante para a<br />

manutenção da minha recuperação e <strong>de</strong> tudo aquilo que alcancei <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que quis para mim este


novo<br />

Inicialmente relutante em escrever, como disse agora, hoje sento-me e começo a escrever sem<br />

problema nenhum. As frases saem como se estivesse a falar com outro companheiro; é <strong>uma</strong><br />

forma <strong>de</strong> ter a reunião em casa pois, ao escrever, é como se fosse <strong>uma</strong> outra pessoa que está a<br />

ler o que escreve e não eu próprio. Serve, em s<strong>uma</strong>, para me ouvir melhor.<br />

Gostaria muito que a revista não se extinguisse, pois espero assiná-la para 2010. Vou ter que<br />

esperar um pouco mais, a fim <strong>de</strong> saber qual o resultado dos apelos que têm sido feitos no sentido<br />

<strong>de</strong> enviarmos partilhas e escritos, para continuarmos a cumprir com o Nosso Propósito Primordial<br />

através da Revista “Partilhar”.<br />

Eu vou continuar a fazer a minha parte.<br />

João E.<br />

Área 08<br />

AA, a minha força para o futuro<br />

Sou alcoólico em recuperação e hoje, sinto-me um ser h<strong>uma</strong>no privilegiado pelo facto do meu<br />

Po<strong>de</strong>r Superior ter posto Alcoólicos Anónimos no meu caminho. Esta gran<strong>de</strong> família, que é AA,<br />

acordou-me para a vida <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 43 anos <strong>de</strong> sofrimento no meu passado <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s consumos,<br />

on<strong>de</strong> estive sempre agarrado a sentimentos negativos, tais como a mentira, preguiça, gula e<br />

inveja.<br />

Hoje a minha vida só faz sentido com verda<strong>de</strong> e amor e é a todos vós que eu <strong>de</strong>vo estas gran<strong>de</strong>s<br />

diferenças operadas em mim. Deixei o medo e agarrei-me à força <strong>de</strong> acreditar e, com vocês, estou<br />

a reapren<strong>de</strong>r a viver; sei que é possível, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu queira, e eu quero mudar: <strong>de</strong> maneiras, <strong>de</strong><br />

atitu<strong>de</strong>s, fazer as coisas <strong>de</strong> forma diferente. Ao chegar a A.A. vinha um completo farrapo h<strong>uma</strong>no<br />

e hoje, com cinco anos e mais <strong>uma</strong>s boas 24 horas sem beber, sou <strong>uma</strong> pessoa melhor, igual à<br />

que era antes <strong>de</strong> me enganar (e magoar) ao beber álcool <strong>de</strong>salmadamente, pensando que era por<br />

esse caminho que seria feliz. Foram 43 anos perdidos a magoar-me, a <strong>de</strong>struir a família, a magoar<br />

todos quantos gostavam <strong>de</strong> mim. Agora, na minha vida faz sentido fazer por mim o que mais<br />

ninguém po<strong>de</strong> fazer: reparações dos estragos do meu passado e amar os meus dois filhos e<br />

esposa que foram quem eu mais prejudiquei.<br />

Actualmente, tenho um <strong>de</strong>ver perante mim e o meu AA: eu sou um alcoólico anónimo e ter esta<br />

responsabilida<strong>de</strong>, é ter <strong>de</strong> servir a minha comunida<strong>de</strong>, dar aos outros tudo o que me <strong>de</strong>ram <strong>de</strong><br />

graça e ser responsável em serviço, pois só assim posso passar a mensagem ao alcoólico que<br />

ainda sofre.<br />

Sou servidor no Grupo on<strong>de</strong> me recupero e on<strong>de</strong> cedo comecei a fazer serviço: vou a um centro<br />

<strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> quinze em quinze dias partilhar a minha experiência, a escolas da zona,<br />

farmácias, centros <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, forças <strong>de</strong> segurança, <strong>bom</strong>beiros, etc., dizer o que é AA e que está<br />

disponível. Um dos maiores prazeres que tenho, actualmente, é ir para o meu Grupo sempre cedo,<br />

com <strong>uma</strong> hora <strong>de</strong> antecedência e lavar a sala, limpar as mesas, perfilar as ca<strong>de</strong>iras e participar<br />

sempre em todos os serviços.<br />

A minha recuperação passa sempre por ajudar o alcoólico que não sabe da doença que tem, que<br />

foi o que em muitos anos da minha vida me aconteceu. A todas as reuniões que eu frequento e a<br />

todos os companheiros que me <strong>de</strong>volveram à vida o meu Bem Hajam a todos.


João C.<br />

Área 06<br />

História <strong>de</strong> Vida<br />

Nasci no seio <strong>de</strong> <strong>uma</strong> família composta pelo pai, mãe e um irmão mais velho ano e meio. Meu pai<br />

trabalhava para a casa, era motorista <strong>de</strong> profissão. Além <strong>de</strong> trabalhar muito para que não nos<br />

faltasse nada, também bebia muito, com frequência, especialmente aos fins-<strong>de</strong>-semana. Quando<br />

chegava a casa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> beber batia-nos muito, a mim e ao meu irmão. Minha mãe para nos<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r apanhava também. Por vezes, como não bastasse, ainda ia buscar os nossos<br />

brinquedos que <strong>de</strong>pois partia, com os pés, à nossa frente - e isso, durante anos.<br />

Eu estudava, mas não era gran<strong>de</strong> estudante (fui ao ponto <strong>de</strong> repetir 3 vezes o mesmo ano). Então,<br />

entre os quinze e os <strong>de</strong>zasseis anos disse aos meus pais que queria trabalhar pois esperava que<br />

assim as coisas melhorassem. Comecei a trabalhar n<strong>uma</strong> oficina <strong>de</strong> automóveis e, mais tar<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>cidi trabalhar e estudar <strong>de</strong> noite. Um certo dia, <strong>uma</strong> sexta-feira (há 27 anos atrás) comprei <strong>uma</strong><br />

garrafa <strong>de</strong> brandy, juntei-me com um <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> amigos habituais num jardim e começamos a<br />

beber. Passávamos a garrafa <strong>de</strong> mão em mão só que, enquanto os meus amigos bebiam um gole,<br />

eu não ficava por ali e bebia gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s da garrafa. Foi o começo. Deixei <strong>de</strong> ir para a<br />

escola e, em três anos, chumbei sempre. Decidi abandonar a escola.<br />

Mais tar<strong>de</strong> conheci <strong>uma</strong> rapariga, namorei com ela durante cerca <strong>de</strong> 3 anos e, a certa altura, ficou<br />

grávida - ela tinha <strong>de</strong>zassete anos e eu ia fazer vinte. Vieram alguns problemas <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> ambas<br />

as famílias mas eu assumi a responsabilida<strong>de</strong> da gravi<strong>de</strong>z. Casei-me <strong>uma</strong> semana antes <strong>de</strong> ir<br />

para a vida militar. Passados alguns meses nasceu um menino (eu na tropa), começavam as<br />

dificulda<strong>de</strong>s: vieram as discussões, as bebidas durante <strong>de</strong>zasseis messes (o tempo que tive <strong>de</strong><br />

tropa) e veio o divórcio. O filho da relação tinha 9 meses.<br />

Durante os quatro anos seguintes conheci outra rapariga, que é hoje a minha mulher e <strong>de</strong>ssa<br />

relação nasceu um rapaz e, quatro anos mais tar<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> rapariga. Mais ao menos por essa altura,<br />

foi diagnosticada <strong>uma</strong> doença crónica à minha mulher e eu fiquei extremamente preocupado e<br />

sem saber que fazer. Com o tempo e <strong>de</strong> procura <strong>de</strong> como lidar com essa doença, fui-me<br />

mentalizando; também não tinha outra escolha a não ser viver essa doença, que era da minha<br />

mulher mas que também era minha, pois era a mãe dos meus filhos e eu amava-a muito Um dia,<br />

revoltado com a vida, bebi tanto que parecia que tinha o diabo no corpo e parti tudo o que tinha<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. Vieram polícia e <strong>bom</strong>beiros mas ninguém se aproximou <strong>de</strong> mim, pois ameacei que<br />

abria o gás e que rebentava com tudo.<br />

No dia seguinte, quando acor<strong>de</strong>i no meio dos estragos (parecia que tinha havido um terramoto),<br />

com a ressaca, olhando à minha volta, senti <strong>uma</strong> revolta, <strong>uma</strong> vergonha e <strong>uma</strong> tristeza tão<br />

gran<strong>de</strong>s que nem tinha cara <strong>de</strong> olhar para as pessoas.<br />

Perguntava-me o porquê disso tudo, pois não era aquilo que queria fazer. Revoltado, a chorar,<br />

pedi <strong>de</strong>sculpa à minha mulher por tudo o que tinha acontecido e pedi-lhe que me ajudasse. Na<br />

semana seguinte fui à médica <strong>de</strong> família, ela receitou-me uns comprimidos que tomei durante uns<br />

quatro anos, Após esse período, fui <strong>de</strong>smamando os comprimidos e não bebi álcool durante cinco<br />

anos (andava bem).


Certo dia mu<strong>de</strong>i <strong>de</strong> patrão para ganhar mais dinheiro, conheci novos colegas e novos <strong>de</strong>safios. O<br />

trabalho era um pouco mais puxado, passava semanas inteiras sem ter contactos com a minha<br />

família a não ser por telemóvel e só aos fins-<strong>de</strong>-semana estava com eles. Passava muitas horas<br />

sozinho, <strong>de</strong> noite e <strong>de</strong> dia, pois eu tinha herdado a profissão do meu pai, motorista, e percorria a<br />

Europa toda.<br />

Certo dia, n<strong>uma</strong> patuscada entre colegas <strong>de</strong> trabalho, junto á fronteira do nosso país tornei a<br />

beber: bebi, bebi, foi <strong>de</strong> caixão à cova. Bebi seis garrafas <strong>de</strong> vinho tinto, <strong>de</strong>pois fui para o café e<br />

bebi mais uns brandis. Fiquei <strong>de</strong> rastos. Revoltado, triste e sem razões <strong>de</strong> viver por aperceber-me<br />

como tinha bebido, até pensei em suicídio. Com o tempo a minha mulher apercebeu-se que eu<br />

tinha voltado a beber e ficou muito triste, com medo - ela mais que ninguém sabia como eu era<br />

quando bebia.<br />

Então pedi mais <strong>uma</strong> vez ajuda à minha mulher e aos meus pais, a médica <strong>de</strong> família <strong>de</strong>u-me um<br />

número <strong>de</strong> telefone. Liguei, marcaram-me <strong>uma</strong> consulta e fui, na expectativa; falaram comigo,<br />

mandaram-me fazer exames, e marcaram-me <strong>uma</strong> consulta num centro <strong>de</strong> tratamento. Aqui estou<br />

hoje, sabendo que sou um doente alcoólico.<br />

Conheci Alcoólicos Anónimos e quero lutar com todas as minhas forças para dizer: “Só por hoje<br />

não quero beber álcool” não ser <strong>de</strong>scriminado e para ser respeitado, como sou quando estou<br />

sóbrio.<br />

Chamo-me Rui e sou um alcoólico.<br />

Área 09<br />

Sonhei com o álcool<br />

Dia 24/06/09, faço dois anos que não bebo álcool.<br />

Nessa noite, porém, sonhei que estava a beber com uns amigos, dos tais que eu tinha. Alguns, até<br />

eram mesmo amigos, outros, eram como nós sabemos - do crava.<br />

Então acor<strong>de</strong>i e parecia mesmo que tinha estado a beber, como há alg<strong>uma</strong>s 24 horas atrás. Fiquei<br />

muito admirado por parecer mesmo verda<strong>de</strong>. Fui beber água, fiz a barba, tomei duche, sempre a<br />

pensar nisto, mas sem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> beber.<br />

Saí <strong>de</strong> casa como <strong>de</strong> costume aos fins-<strong>de</strong>-semana. Fui dar a minha voltinha pelo parque e tomar<br />

um café. Saí do café e continuei a minha volta, quase como quando bebia. Ao passar por um outro<br />

café, mais tipo tasca, estava lá um amigo que já não via há muito tempo. Cumprimentámo-nos.<br />

Perguntou-me em quantas tascas já tinha entrado, <strong>de</strong> acordo com o antigo hábito - as voltas eram<br />

quase sempre as mesmas, rotineiras.<br />

Disse-lhe que tinha entrado apenas n<strong>uma</strong> para tomar um café e que não bebia há muito tempo.<br />

Logo me convidou para beber. Aceitei e bebi mais um café. Contei-lhe que tinha estado muito<br />

doente e que pensei em parar <strong>de</strong> beber, o que <strong>de</strong> então tenho feito por um dia <strong>de</strong> cada vez. É um<br />

tipo porreiro e ficou muito admirado com aquilo que lhe disse.


Confessou-me que queria reduzir o seu consumo <strong>de</strong> álcool mas que não conseguia. Já tinha<br />

experimentado tudo e não dava, voltava sempre ao mesmo. Perante a sua sincerida<strong>de</strong>, resolvi<br />

dizer-lhe que fiz um tratamento e que agora frequento Alcoólicos Anónimos, on<strong>de</strong> me sinto muito<br />

bem e on<strong>de</strong> me têm ajudado muito na minha recuperação do alcoolismo. Disse-lhe que estava<br />

muito satisfeito ao pensar como estou agora e como era quando bebia.<br />

Agra<strong>de</strong>ço a Alcoólicos Anónimos e a todos os companheiros o terem-me <strong>de</strong>volvido a minha vida,<br />

que estava completamente arruinada.<br />

Vítor C.<br />

Área 09<br />

Mudança <strong>de</strong> vida<br />

Companheiros: hoje com alg<strong>uma</strong>s 24 horas sem beber, vou partilhar a experiência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

ando em Alcoólicos Anónimos.<br />

Tem sido para mim <strong>uma</strong> mudança <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que frequento AA, on<strong>de</strong> vou adquirindo alg<strong>uma</strong><br />

sobrieda<strong>de</strong>. Pouca!... Mas, quando bebia dia sim dia sim, não tinha nenh<strong>uma</strong> - sabem ou calculam<br />

como era... Hoje, com os princípios do Programa - Humilda<strong>de</strong>, Honestida<strong>de</strong>, Tolerância e Amor, cá<br />

vou andando, com calma, alegria, gratidão e com a paz que Deus, o meu Po<strong>de</strong>r Superior, me <strong>de</strong>u.<br />

Quando passo pelas pessoas amigas e pelas que o não são, mostro um sorriso; aos amigos dou<br />

um abraço. Aqueles outros, sorrio com simpatia - na escola on<strong>de</strong> eu trabalho também lá há <strong>de</strong>ssa<br />

gente.<br />

Sinto-me muito feliz porque me dou muito bem com a família e com todo o mundo graças aos<br />

princípios espirituais do AA, às reuniões <strong>de</strong> serviço, aos sorrisos, carinho e amor, vivo feliz.<br />

Quero continuar assim, tal como o programa <strong>de</strong> AA sugere para que, também, todos juntos<br />

consigamos ajudar o alcoólico que ainda sofre.<br />

Saraiva<br />

Área 6<br />

Uma relação <strong>de</strong> onze anos<br />

Nos primeiros meses o nosso namoro foi muito cauteloso, com muita timi<strong>de</strong>z da minha parte,<br />

muito medo e, durante todo este tempo, eu só bebia dois copos por dia, raramente três. Mas ele,<br />

atrevido, sabichão, manhoso, aproveitou-se da minha carência <strong>de</strong> apoio, da minha solidão, <strong>de</strong> não<br />

saber lidar ao mesmo tempo com doenças irreversíveis em três pessoas muito, muito queridas da<br />

minha família e conseguiu que eu me apaixonasse perdidamente por ele! Rapidamente, dos três<br />

copos passei ao dobro e, num ápice, à garrafa!<br />

Os meus dias eram passados a trabalhar durante a manhã e, à tar<strong>de</strong>, ia aos hospitais visitar os<br />

meus familiares, visto estarem em locais diferentes. Quando voltava, cheia <strong>de</strong> sofrimento, a casa<br />

estava vazia. Os filhos tinham crescido, tirado cursos superiores, e tinham abandonado o ninho<br />

quais pássaros ansiosos pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> voar. O meu marido vivia obcecado pelo trabalho e<br />

quase nunca tinha tempo, ou não queria per<strong>de</strong>r tempo comigo - porque isso, implicava ter <strong>de</strong> me<br />

ouvir, <strong>de</strong> me ajudar e, no seu enten<strong>de</strong>r, isso não era importante - estava <strong>de</strong>masiado cansado.<br />

Mas ele, o álcool, estava lá; sempre <strong>de</strong> braços abertos para me acarinhar, para anestesiar a minha


dor, para me passar a mão maldosa pelas minhas costas e fazer-me feliz!<br />

Cresci sempre muito só, pois era filha única, neta única, sobrinha única, nora única. Todo este<br />

monopólio familiar não me permitiu nunca, conhecer e conviver com outras pessoas. Esse viver<br />

só, reflectiu-se na minha relação com o álcool. Era só eu e ele! Tínhamos <strong>uma</strong> vida a dois<br />

“maravilhosa”. No princípio, esperava ansiosamente pela noite para me fechar na casa <strong>de</strong> banho e<br />

beber até cair. Tantas quedas que eu <strong>de</strong>i! Depois, passei a contar as horas até chegar o final do<br />

dia, porque a noite ainda vinha longe e eu necessitava do álcool como do ar para respirar.<br />

Nunca pedi ajuda. A quem pedir? Tive discussões com ele, alg<strong>uma</strong>s muito feias, muito graves,<br />

jurei imensas vezes que o abandonava, até perdi a conta. Acabava sempre por perdoar e voltava<br />

rendida para os seus braços, para o seu aconchego, para o seu colinho quentinho que me fazia<br />

esquecer tudo o que me ro<strong>de</strong>ava.<br />

No espaço <strong>de</strong> ano e meio perdi os meus familiares: pai, mãe, tio! Nessa altura, a minha vida ficou<br />

<strong>de</strong> pernas para o ar. O sofrimento, o sufoco, foram maiores. Os meus dias, os meus actos, os<br />

meus pensamentos, ficaram totalmente <strong>de</strong>scontrolados. O meu cair foi a pique!<br />

Os últimos cinco anos da minha relação com o álcool foram <strong>de</strong> um sofrimento, d<strong>uma</strong> angústia e <strong>de</strong><br />

<strong>uma</strong> ansieda<strong>de</strong> esgotantes. Passei a beber logo às seis da manhã. Levantava-me às cinco e meia<br />

para estar à porta da loja às seis horas, on<strong>de</strong> comprava a minha dose diária que, afinal, acabava<br />

sempre por não chegar. Aprendi a ver e a <strong>de</strong>slocar-me no escuro, para que ninguém me<br />

<strong>de</strong>scobrisse. Começou na minha vida o jogo do gato que andava. Cheguei a per<strong>de</strong>r a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

viver! A vida para mim não tinha qualquer valor!<br />

Estava no fundo <strong>de</strong> um poço - como sair daquela escuridão e daquela solidão profundas?<br />

Um dia, alguém me esten<strong>de</strong>u a mão. Consegui agarrar essa tábua <strong>de</strong> salvação e, no dia 19 <strong>de</strong><br />

Abril <strong>de</strong> 2006, tive a coragem <strong>de</strong> pedir o divórcio do meu companheiro <strong>de</strong> longa data - o álcool!<br />

Fiquei confusa. Como ia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> viver sem <strong>uma</strong> relação <strong>de</strong> onze anos, como seriam os meus<br />

dias, que fazer sem beber? Eu não sabia fazer mais nada!... Levaram-me a <strong>uma</strong> sala <strong>de</strong><br />

Alcoólicos Anónimos. Um mês <strong>de</strong>pois, toda a minha vida tinha mudado. Tanto carinho, tanta<br />

atenção, tanta preocupação comigo, fizeram com que eu pensasse que, afinal, sempre existia <strong>uma</strong><br />

vida bela, <strong>uma</strong> vida livre e tranquila e que, aos 64 anos, quando queremos, ainda há salvação!<br />

Hoje posso contar com AA, com a sua ajuda e assim vou fazendo passo a passo, dia após dia, o<br />

meu caminho <strong>de</strong> recuperação. Para todos os companheiros, o meu coração do tamanho do<br />

mundo, cheio, cheio <strong>de</strong> gratidão. Bem hajam!<br />

Tina<br />

Área 7<br />

Um retiro no <strong>de</strong>serto<br />

Regressei.<br />

Chamam-lhe férias a essas interrupções que fazemos em cada ano que passa. Uns aproveitam-


nas da melhor forma: procuram um convívio são, com familiares e amigos, reencontram-se com o<br />

seu Po<strong>de</strong>r Superior, apaziguam-se; outros, esgotam a sua agonia na embriaguez das noites e nas<br />

ressacas das manhãs, como eu o fiz durante alguns anos.<br />

Regressei pois <strong>de</strong>ssa pausa que, este ano, foi mais <strong>uma</strong> fuga para o <strong>de</strong>serto. Bem po<strong>de</strong>ria ser<br />

aquele lugar <strong>de</strong>sconcertante, on<strong>de</strong> o povo <strong>de</strong> Israel procurava e encontrava Deus <strong>de</strong>safiando as<br />

forças mais adversas e on<strong>de</strong> Jesus se submeteu, durante quarenta dias e quarenta noites, a<br />

privações re<strong>de</strong>ntoras; aquele <strong>de</strong>serto, on<strong>de</strong>, resistindo à tentação satânica, confirmou a Sua força<br />

interior.<br />

Fugi para o <strong>de</strong>serto, também eu, e <strong>de</strong>frau<strong>de</strong>i o contacto com Alcoólicos Anónimos, durante trinta e<br />

seis dias. O bem e o mal lá estavam, <strong>de</strong>batendo-se com ferocida<strong>de</strong>, afrontando dia a dia, hora a<br />

hora, a minha parca resistência ao orgulho, à ambição, ao egoísmo, ao álcool.<br />

Regressei <strong>de</strong>primida, apesar da abstinência. Uma <strong>de</strong>pressão dimanante, por um lado, <strong>de</strong>sse<br />

confronto <strong>de</strong> consciência com os meus comportamentos ten<strong>de</strong>ncialmente compulsivos para o<br />

trabalho, para o isolamento, para o sucesso, para a insatisfação; <strong>uma</strong> <strong>de</strong>pressão agravada pela<br />

letargia perante um programa que <strong>de</strong>scui<strong>de</strong>i, perante a falta <strong>de</strong> reuniões e dos meus<br />

companheiros.<br />

I<strong>de</strong>ntifico agora claramente, a necessida<strong>de</strong> incontornável <strong>de</strong>sse acompanhamento no meu<br />

processo <strong>de</strong> recuperação. A leitura que faço dos dias - em que me distanciei <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos<br />

com quem reaprendi a viver - tem <strong>de</strong> ser só <strong>uma</strong>: quando partir <strong>de</strong> novo para o <strong>de</strong>serto, terei <strong>de</strong><br />

levar na mala três instrumentos elementares: Deus, a literatura <strong>de</strong> AA e formas <strong>de</strong> contacto com<br />

quem me percebe e sabe ouvir.<br />

Fátima<br />

Área 7<br />

Senti que já nada me valia<br />

Recordo que quando cheguei aos Alcoólicos Anónimos, tinha consciência <strong>de</strong> que o álcool<br />

<strong>de</strong>struíra a minha vida.<br />

O admitir que eu era impotente perante o álcool foi algo que não me custou, pois sabia que, ao fim<br />

<strong>de</strong> beber “uns copos”, não conseguia controlar-me… a mim nem a nada mais. Nos momentos em<br />

que estava sóbrio, dava comigo a pensar e a dizer que todos os meus problemas <strong>de</strong>rivavam do<br />

álcool mas, quando saía <strong>de</strong> casa, começava a manipular o meu próprio pensamento e o resultado<br />

era sempre o mesmo: ir beber uns copos. Inventava mil e <strong>uma</strong> <strong>de</strong>sculpas para me embebedar. Ao<br />

fim <strong>de</strong> algum tempo começou a vir o álcool matinal, o que foi o início da queda para o fundo do<br />

meu poço. Quando comecei a beber <strong>de</strong> manhã, <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ter a noção do que fazia, do que dizia,<br />

enfim comecei a per<strong>de</strong>r todas as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>uma</strong> pessoa dita normal. No meu percurso<br />

consumidor <strong>de</strong>ixei um rasto <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição.<br />

Por vezes, custa-me a acreditar que tenha sido eu a fazer todas aquelas insanida<strong>de</strong>s. Recordo-me<br />

<strong>de</strong> sair <strong>de</strong> casa, com ou sem dinheiro, e <strong>de</strong> regressar perdido <strong>de</strong> bêbado, <strong>de</strong>ixando dívidas em<br />

cafés, restaurantes e junto dos amigos dos copos. A minha vida chegou a um ponto em que <strong>de</strong>ixei<br />

<strong>de</strong> ter coragem para sair à rua, por vergonha, medo e outros sentimentos estranhos que, naquela<br />

fase, se instalaram na minha cabeça. Deixei <strong>de</strong> pagar as prestações que tinha assumido. Senti<br />

que já nada me valia, tal era o estado da minha vida. Ao fim <strong>de</strong> uns anos <strong>de</strong> bebe<strong>de</strong>iras, cometi o<br />

maior erro da minha vida: com <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> bebe<strong>de</strong>ira, pus a minha esposa na rua.<br />

Nessa noite fui visitado por companheiros <strong>de</strong> AA que me ofereceram ajuda. Disse que sim sem ter<br />

a noção do que seria. Passei dias <strong>de</strong> dor com a ausência <strong>de</strong> quem eu mais queria e que tanto me


aturou e ajudou. Então surgiu aquela luz que me trouxe para AA. Hoje, dou graças ao meu po<strong>de</strong>r<br />

superior, companheiros e companheiras, por ter tido esta oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> me ir recuperando.<br />

Felizmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que entrei em AA, tenho adquirido serenida<strong>de</strong> para ir resolvendo os problemas<br />

que foram <strong>de</strong>ixados do tempo em que bebia...<br />

Estou profundamente grato a AA por me ajudar a ser a pessoa que hoje sou e a querer ajudar<br />

quem necessita e quer largar esse amante: o álcool.<br />

Paulo C.<br />

Área 09<br />

Estes são os Passos…<br />

Vou recorrer à história para falar um pouco da minha experiência com o Décimo Passo.<br />

O terramoto <strong>de</strong> Lisboa em 1755 é consi<strong>de</strong>rado a maior tragédia natural até hoje vivida pela<br />

Europa. Milhares <strong>de</strong> mortos. E da pergunta <strong>de</strong> Dom José, Rei <strong>de</strong> Portugal à época, ao Marquês <strong>de</strong><br />

Alorna, General D'Almeida: - E agora, que fazer?<br />

Veio a sábia resposta: “Agora Majesta<strong>de</strong>, é enterrar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os<br />

portos”. É a partir <strong>de</strong>sta resposta que vou traçar meu paralelo com o Décimo Passo, pois é<br />

exactamente isso que acredito <strong>de</strong>vemos fazer na prática <strong>de</strong>ste Passo. Enterrar os mortos, não<br />

ficar imaginando como seria se eu não fosse alcoólico, se meu passado fosse diferente, se isso,<br />

se aquilo (armadilha do “se”) não tivesse acontecido, nem ficar tentando enten<strong>de</strong>r as razões mais<br />

profundas <strong>de</strong> minhas crises passadas.<br />

Enterrar os mortos para cuidar dos vivos, significa cuidar do que sobrou, do que <strong>existe</strong> <strong>de</strong><br />

concreto, <strong>de</strong> real.<br />

Fechar os portos, significava para eles à época, impedir que novas epi<strong>de</strong>mias chegassem, pois<br />

eram os navios que chegavam aos portos que traziam epi<strong>de</strong>mias, saques, bandidos, etc. e, para<br />

mim, significa praticar os Passos para evitar nova tragédia no alcoolismo.<br />

Portanto, praticar o Décimo Passo é fechar os portos e, porque não, as portas para <strong>uma</strong> recaída,<br />

seja ela física, emocional ou espiritual.<br />

A tempesta<strong>de</strong> passou; cuidamos <strong>de</strong>la até o Nono Passo; agora é criar condições para evitar novas<br />

tempesta<strong>de</strong>s e criar <strong>uma</strong> base sólida <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento emocional e espiritual para que<br />

possamos vir a ser seres h<strong>uma</strong>nos íntegros, úteis e, acima <strong>de</strong> tudo, merecedores <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova<br />

vida.<br />

No Décimo Passo começamos a praticar o modo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> A.A. Além <strong>de</strong> dar manutenção ao que<br />

já foi realizado nos Passos anteriores, agora precisamos <strong>de</strong> muita vigilância para não <strong>de</strong>ixar<br />

acumular acções negativas. Apren<strong>de</strong>mos a conservar o que alcançamos, ficamos mais confiantes<br />

e prosseguimos nossa viagem espiritual com alegria.<br />

Os nove primeiros Passos puseram a nossa casa em or<strong>de</strong>m e nos permitiram mudar alguns <strong>de</strong><br />

nossos comportamentos <strong>de</strong>strutivos. A prática dos Passos começa a valer a pena quando<br />

aumentamos nossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver meios novos e mais saudáveis <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> nós<br />

mesmos e <strong>de</strong> nos relacionar com os outros.<br />

Por em prática os Passos ajudou-nos a ver como somos frágeis e vulneráveis mas, com a prática<br />

diária <strong>de</strong>sses Passos, começamos a sentir que somos capazes <strong>de</strong> alcançar e manter o nosso<br />

novo equilíbrio.<br />

Nossas habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento melhorarão e veremos como as nossas inter-acções com<br />

os outros assumem nova qualida<strong>de</strong>.


O Décimo Passo mostra o caminho para o contínuo crescimento espiritual. No passado, tínhamos<br />

o fardo constante dos resultados <strong>de</strong> nossa falta <strong>de</strong> atenção no que fazíamos. Deixamos pequenos<br />

problemas tornarem-se gran<strong>de</strong>s, ignorando-os até se multiplicarem. Deixamos nosso<br />

comportamento ineficiente criar confusão nas nossas vidas. No Décimo Passo, conscientemente<br />

examinamos nossa conduta diária e admitimos o que encontramos <strong>de</strong> errado. Precisamos não nos<br />

julgar com severida<strong>de</strong> excessiva. Precisamos reconhecer que a nossa educação emocional e<br />

espiritual requer vigilância diária, compreensão carinhosa e paciência. A vida nunca é estável;<br />

muda constantemente e a cada mudança exige ajustes e <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

O inventário pessoal é um exame quotidiano <strong>de</strong> nossas forças e fraquezas, das ameaças e<br />

oportunida<strong>de</strong>s que o mundo nos propicia, é um exame <strong>de</strong> nossos motivos e <strong>de</strong> nossos<br />

comportamentos. Fazer o inventário diário não é <strong>uma</strong> tarefa <strong>de</strong>morada, em geral não se gasta<br />

mais do que 15 minutos para a sua prática e po<strong>de</strong> ser feito em qualquer lugar. Temos que ter<br />

disciplina e regularida<strong>de</strong>, pois o comodismo po<strong>de</strong> nos afastar <strong>de</strong>le. É importante vigiarmo-nos para<br />

verificar se estamos enviando sinais <strong>de</strong> que estamos voltando aos velhos hábitos.<br />

A prática diária do Décimo Passo conserva a nossa sincerida<strong>de</strong> e humilda<strong>de</strong> e permite-nos<br />

continuar o nosso <strong>de</strong>senvolvimento. O inventário pessoal ajuda-nos a <strong>de</strong>scobrir quem somos, o<br />

que somos e para on<strong>de</strong> vamos.<br />

No século XVIII os problemas externos chegavam pelos portos. Fechar os portos para dar foco e<br />

cuidar do que sobrou dos vivos. Para nós hoje, fechar os portos significa que a vida é daqui para a<br />

frente. Ao fecharmos os nossos portos para novos saques, para os abutres (ressentimento, mania<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za, arrogância, auto-pieda<strong>de</strong>, prepotência, etc.) estamos cuidando <strong>de</strong> nossa vida actual.<br />

E, como sabemos, se quisermos viver bem o amanhã, temos que cuidar bem do hoje.<br />

A tempesta<strong>de</strong> passou, agora é <strong>de</strong>ixar o passado on<strong>de</strong> ele <strong>de</strong>ve estar, ou seja, no passado, e<br />

cuidar do hoje, que é o que realmente <strong>existe</strong>. Este é o meu entendimento e a i<strong>de</strong>ia que faço hoje<br />

do Décimo Passo.<br />

Agra<strong>de</strong>ço a todos os companheiros pela minha sobrevivência ao alcoolismo e à Revista<br />

”Não posso mudar o vento, mas posso ajustar a vela”<br />

Depois <strong>de</strong> muitas promessas a mim mesmo, resolvi meter acção, que é <strong>uma</strong> das coisas que<br />

aprendi em Alcoólicos Anónimos e aqui estou, finalmente, a contribuir para a nossa revista.<br />

Por altura das “quentes” Assembleias <strong>de</strong> Área e Conferências <strong>de</strong>ste ano, com tudo o que se<br />

estava a passar e por força da minha maneira <strong>de</strong> ser, comecei a per<strong>de</strong>r a minha serenida<strong>de</strong> e<br />

luci<strong>de</strong>z, a ficar afectado emocionalmente e, consequentemente, a tomar cegamente partido <strong>de</strong> um<br />

dos lados.<br />

Em boa altura partilhei o problema com o meu Padrinho que me <strong>de</strong>u, como sugestão, retirar-me<br />

para o Grupo a que pertenço e zelar primeiro pela minha recuperação - embora fosse, apenas e<br />

só, observador nas Referidas Assembleias. Assim fiz e, embora hoje tenha sentimentos e i<strong>de</strong>ias<br />

arr<strong>uma</strong>dos sobre o assunto, não é esse o foco da minha partilha.<br />

No conteúdo do nosso programa maravilhoso, o apadrinhamento revelou-se eficaz no meu<br />

processo <strong>de</strong> recuperação. Ao seguir a sugestão (quem diria há <strong>uma</strong>s 24 h atrás?) do meu<br />

Padrinho, voltei a encontrar paz <strong>de</strong> espírito suficiente para singrar em frente na procura constante<br />

<strong>de</strong> ser <strong>uma</strong> pessoa melhor e feliz, mais humil<strong>de</strong> e sobretudo, mais disposta a servir.<br />

Zé Luís<br />

Inter<strong>grupo</strong> Margem Sul

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