Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça
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DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE<br />
Frederico nasceu em Timbó, no interior de Santa Catarina, área de colonização européia. Ain<strong>da</strong> criança, foi para o Rio de Janeiro, cursando o<br />
primário na escola municipal Dr. Cócio Barcellos, em Copacabana, e o curso ginasial e científico no Colégio Mallet Soares, no mesmo bairro.<br />
Foi um escoteiro exemplar, dos sete anos aos dezesseis, na Tropa Baden Powell. Gostava muito <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em contato com a natureza, dos<br />
acampamentos. Praticou pesca submarina na adolescência. Ingressou na Facul<strong>da</strong>de de Arquitetura <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janei-<br />
ro aos dezoito anos. Seu desempenho foi elogiado tanto pelos professores <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de, entre eles Ubi Bava, como por artistas plásticos com<br />
quem se relacionava, Ilio Burrini e Ivan Serpa, os mais próximos. Serpa foi o primeiro que lhe ensinou os segredos <strong>da</strong>s tintas e dos pincéis e<br />
como dividir o espaço nas telas. Participou coletivamente de sua primeira exposição, apresentando dois trabalhos, aos quinze anos.<br />
Em 1969, cursava o segundo ano <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de e se dedicava <strong>à</strong>s artes plásticas, quando passou a militar clandestinamente na ALN, partici-<br />
pando de ações arma<strong>da</strong>s e sendo condenado pela <strong>Justiça</strong> Militar. A partir disso, viajou para Cuba, onde recebeu treinamento de guerrilha e<br />
se incorporou ao MOLIPO, retornando ao Brasil em 1971.<br />
Frederico foi baleado e preso no dia 23 de fevereiro de 1972, em São Paulo. Levado ao DOI-CODI/SP, apesar de ferido foi visto por presos políticos<br />
na chama<strong>da</strong> cadeira de dragão. Os agentes <strong>da</strong>quele órgão não tinham dúvi<strong>da</strong>s em relação a quem era o preso e o identificaram claramente na<br />
prisão. Os documentos policiais trazem seu nome <strong>ver<strong>da</strong>de</strong>iro e, na ficha individual do DOPS, feita pelo Serviço de Identificação do Exército, consta<br />
sua foto de frente e de perfil, com <strong>da</strong>ta de 24/2/1972, informando sobre a prisão no dia anterior, na aveni<strong>da</strong> Paulista, em São Paulo.<br />
Nessa mesma <strong>da</strong>ta, 24/2/1972, teria <strong>da</strong>do entra<strong>da</strong> no IML/SP, <strong>à</strong>s 10 horas, após tiroteio com agentes na Rua Pero Correia, Jardim <strong>da</strong> Glória,<br />
conforme requisição de exame envia<strong>da</strong> pelo DOPS em nome de Eugênio Magalhães Sardinha, contendo no topo <strong>da</strong> página, em caixa alta,<br />
o nome <strong>ver<strong>da</strong>de</strong>iro e completo: Frederico Eduardo Mayr. O laudo necroscópico, assinado pelos legistas Isaac Abramovitc e Walter Sayeg no<br />
nome falso, repete a versão oficial e sucintamente descreve três tiros, sendo dois de cima para baixo. A foto de seu corpo, localiza<strong>da</strong> no<br />
arquivo do DOPS/SP, mostra o rosto e dorso de Frederico, sendo perceptível que não podia ter sido tira<strong>da</strong> apenas alguns momentos depois<br />
<strong>da</strong> foto <strong>da</strong> identificação no DOPS, já que aparece muito mais magro e desfigurado.<br />
Nenhuma informação oficial acerca de sua morte foi divulga<strong>da</strong> e, por isso, na elaboração <strong>da</strong>s listas de mortos e desaparecidos, seus organi-<br />
zadores tiveram dúvi<strong>da</strong>s a respeito de enquadrá-lo em qual <strong>da</strong>s duas categorias. Foi através de integrantes do Comitê Brasileiro de Anistia<br />
que seus familiares tiveram acesso ao atestado de óbito com nome falso, localizado em processo a que respondia na <strong>Justiça</strong> Militar. A<br />
extinção de sua punibili<strong>da</strong>de por morte foi comprova<strong>da</strong> a partir desse documento, sob a identi<strong>da</strong>de falsa de Eugenio Magalhães Sardinha.<br />
Os restos mortais de Frederico foram parar na vala clandestina do Cemitério de Perus e, somente em 1992, após a abertura <strong>da</strong> vala, sua<br />
ossa<strong>da</strong> foi identifica<strong>da</strong> pelo Departamento de Medicina Legal <strong>da</strong> UNICAMP. Após missa em homenagem na Igreja <strong>da</strong> Sé, em São Paulo,<br />
celebra<strong>da</strong> por Dom Paulo Evaristo Arns, juntamente com os restos mortais de Helber José Gomes Goulart e Emanuel Bezerra dos Santos, foi<br />
trasla<strong>da</strong>do para o jazigo <strong>da</strong> família, no Rio de Janeiro (RJ) em 13/7/1992.<br />
O jornalista Elio Gaspari, em A Ditadura Escancara<strong>da</strong> realça que, naquele período, os órgãos de segurança pareciam não pretender esconder<br />
a falsi<strong>da</strong>de de suas notas oficiais, tantas eram as contradições estampa<strong>da</strong>s nos próprios comunicados oficiais sobre a morte de subversivos:<br />
“Tamanha onipotência na manipulação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de produziria dois casos patéticos (...) Outro ‘cubano’, Frederico Eduardo Mayr, morre três<br />
vezes. A primeira, ‘a caminho do hospital’ depois de um tiroteio na aveni<strong>da</strong> Paulista. A segun<strong>da</strong>, no dia seguinte, fugindo de um ‘ponto’ no<br />
Jardim <strong>da</strong> Glória. A terceira, no mesmo dia, alvejado pelos colegas quando estava dentro de um carro, preso. Na reali<strong>da</strong>de, Mayr foi para o DOI,<br />
onde o fotografaram e ficharam, <strong>da</strong>ndo-lhe o número 1112. Tinha uma bala aloja<strong>da</strong> debaixo <strong>da</strong> pele <strong>da</strong> barriga. O ferimento era tão superfi-<br />
cial que se podia apalpar o projétil. Conversava normalmente. Mataram-no com três tiros no peito, perfurando-lhe os dois pulmões”.<br />
Com base em depoimentos de presos políticos que estiveram com Frederico Eduardo Mayr no DOI-CODI/SP, o livro Dos Filhos Deste Solo,<br />
de Nilmário Miran<strong>da</strong> e Carlos Tibúrcio, descreve o martírio desse militante naquela uni<strong>da</strong>de militar, apontando como responsáveis os in-<br />
tegrantes <strong>da</strong> Equipe C – o policial federal Ober<strong>da</strong>n, o investigador do DOPS Aderval Monteiro, o escrivão de polícia Gaeta e o policial civil<br />
Caio, sendo todos coman<strong>da</strong>dos pelo vice-chefe Dalmo Lúcio Cirillo e por Carlos Alberto Brilhante Ustra.<br />
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