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trabalhando no banco: trajetória de mulheres gaúchas desde 1920

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL<br />

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS<br />

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA<br />

TRABALHANDO NO BANCO: TRAJETÓRIA DE<br />

MULHERES GAÚCHAS DESDE <strong>1920</strong><br />

ÁUREA TOMATIS PETERSEN<br />

Tese <strong>de</strong> doutorado apresentada como requisito<br />

parcial para a obtenção do grau <strong>de</strong><br />

Doutor em História do Brasil.<br />

Professora Orientadora : Dra. Núncia Santoro <strong>de</strong> Constanti<strong>no</strong><br />

Porto Alegre, agosto <strong>de</strong> 1999


AGRADECIMENTOS<br />

Embora assumindo a integral responsabilida<strong>de</strong> pelos conceitos emi-<br />

tidos, pela interpretação das fontes e pela metodologia empregada, é<br />

necessário reconhecer que não foram poucos os que contribuíram para que<br />

este trabalho fosse realizado. Difícil seria mencionar a todos. Assim, cita-<br />

mos alguns e através <strong>de</strong>les expressamos <strong>no</strong>ssa gratidão a eles e aos <strong>de</strong>mais.<br />

Em primeiro lugar, <strong>no</strong>ssa orientadora a Dra. Núncia Santoro <strong>de</strong><br />

Constanti<strong>no</strong>. Sempre pronta a esclarecer <strong>no</strong>ssas dúvidas, a sugerir caminhos<br />

a discutir propostas. Sua competente e responsável orientação foi funda-<br />

mental para a realização <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

Através da Dra Margaret Bakos e o Dr René Gertz, que avaliaram<br />

<strong>no</strong>sso projeto para ingresso <strong>no</strong> doutorado e que foram <strong>no</strong>ssos professores,<br />

agra<strong>de</strong>cemos a todos os professores do Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em His-<br />

tória com os quais muito apren<strong>de</strong>mos. Também expressamos <strong>no</strong>ssa gratidão<br />

às funcionárias Carla e Rosana pela solicitu<strong>de</strong> com que sempre <strong>no</strong>s aten<strong>de</strong>-<br />

ram.<br />

Através <strong>de</strong> Elizabeth Pedroso, colega e amiga <strong>de</strong> todas as horas e<br />

que teve a paciência <strong>de</strong> ler este trabalho, dando importantes sugestões, a-<br />

gra<strong>de</strong>cemos a todos os colegas da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />

Humanas que <strong>no</strong>s encorajaram a realizar este estudo.


Uma pessoa <strong>de</strong>sempenhou papel fundamental para que esta tese pu-<br />

<strong>de</strong>sse ser realizada. Foi Ivete Cecin, diretora do Museu Banrisul. Sem a<br />

sua colaboração constante e interessada não teria sido possível a realização<br />

<strong>de</strong>sta tese. Agra<strong>de</strong>cemos a ela e através <strong>de</strong> sua pessoa aos outros funcioná-<br />

rios do museu, assim como ao Banrisul que autorizou <strong>no</strong>ssa coleta <strong>de</strong><br />

dados, tanto <strong>no</strong> museu como <strong>no</strong> Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s.<br />

Nossos agra<strong>de</strong>cimentos também às funcionárias do Museu do Meri-<br />

dional – Márcia e Ivone e ao Setor <strong>de</strong> Microfilmagem do Banco<br />

Meridional.<br />

Nosso carinho à competente pesquisadora Mariza Schnei<strong>de</strong>r Non-<br />

nenmacher, que se envolveu completamente com <strong>no</strong>sso trabalho e foi<br />

responsável pela cansativa tarefa <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados <strong>no</strong> Museu Hipólito da<br />

Costa, instituição à qual expressamos <strong>no</strong>ssa gratidão.<br />

Agra<strong>de</strong>cemos, muito especialmente, a todas as <strong>mulheres</strong> ouvidas que<br />

gentilmente <strong>de</strong>dicaram parte <strong>de</strong> seu precioso tempo <strong>no</strong>s contando suas his-<br />

tórias e tornando não só possível como muito mais agradável a realização<br />

<strong>de</strong>ste trabalho.<br />

À minha filha Sílvia e aos meus dois filhos Renato e Jorge, assim<br />

como aos “outros filhos”– Inácio, Gládis e Patrícia – e a Leonardo, Rafael<br />

e Bru<strong>no</strong> agra<strong>de</strong>ço o estímulo que suas presenças sempre me <strong>de</strong>ram.<br />

Finalmente, agra<strong>de</strong>ço a Renato Petersen parceiro <strong>de</strong> todos os meus<br />

empreendimentos e que, a cada dia, reforça em mim a crença <strong>de</strong> que a i-<br />

gualda<strong>de</strong> entre homens e <strong>mulheres</strong> não só é possível como po<strong>de</strong> tornar a<br />

vida a dois bem mais agradável.


RESUMO<br />

Esta tese propôs-se a reconstituir a história das trabalhadoras <strong>de</strong><br />

quatro <strong>banco</strong>s gaúchos – o Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, o<br />

Banco Nacional do Comércio, o Banco Pfeiffer e o Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul - bem como a discutir as relações <strong>de</strong> gênero que foram <strong>de</strong>-<br />

senvolvidas <strong>no</strong> mundo bancário rio-gran<strong>de</strong>nse.<br />

No primeiro capítulo, é elaborada uma revisão crítica <strong>de</strong> conceitos e<br />

categorias fundamentais para a análise proposta, tais como: invisibilida<strong>de</strong> e<br />

silenciamento das <strong>mulheres</strong>, feminismo, patriarcado, gênero e mercado <strong>de</strong><br />

trabalho femini<strong>no</strong>.<br />

O segundo capítulo é <strong>de</strong>dicado ao estudo do conjunto <strong>de</strong> fatores,<br />

que em diferentes momentos da história gaúcha, condicionaram a formação<br />

e o <strong>de</strong>senvolvimento das relações <strong>de</strong> gênero.<br />

O terceiro capítulo tem como preocupação central a reconstituição<br />

da história das primeiras <strong>mulheres</strong> que ingressaram <strong>no</strong> Banco da Província,<br />

<strong>no</strong> Banco Nacional do Comércio e <strong>no</strong> Banco Pfeiffer, entre <strong>1920</strong> e 1945.<br />

No quarto capítulo, reconstitui-se a <strong>trajetória</strong> das trabalhadoras que<br />

foram admitidas <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, entre 1943 e<br />

1945, e se discutem as relações <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>senvolvidas na instituição até<br />

por volta <strong>de</strong> 1960.<br />

O capítulo final é <strong>de</strong>dicado à reconstituição da história das mulhe-<br />

res que ingressaram <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, em meados<br />

dos a<strong>no</strong>s cinqüenta e que conquistaram posições <strong>de</strong> relativa importância na<br />

instituição.<br />

Chega-se à conclusão <strong>de</strong>, que enquanto as <strong>mulheres</strong> se acomodaram<br />

a posições subalternas, as relações entre homens e <strong>mulheres</strong> foram cordiais<br />

e amistosas, mas que, quando estas passaram a disputar espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

com os homens, as relações <strong>de</strong> gênero tornaram-se tensas e conflituosas.


ABSTRACT<br />

Purpose of the dissertation was <strong>no</strong>t only reconstruct the history of<br />

women employed in four banks of the Brazilian state of Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

– Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Banco Nacional do Comércio,<br />

Banco Pfeiffer and Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul – but to discuss<br />

gen<strong>de</strong>r relationships evolved in the banking system of the state.<br />

A critical review of fundamental analytical concepts and categories,<br />

such as invisibility and silencing of women, feminism, patriarchy, gen<strong>de</strong>r<br />

and women in the job market was carried out in the first chapter.<br />

The study of the set of factors that at different moments of history<br />

of the state led to the formation and <strong>de</strong>velopment of gen<strong>de</strong>r relationships<br />

was ma<strong>de</strong> in the second chapter.<br />

The main object of the third chapter was the reconstruction of the<br />

history of the first women employees of the Banco da Província do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, Banco Nacional do Comércio, Banco Pfeiffer in the period<br />

of <strong>1920</strong>-1945.<br />

The path of women employed in the Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul in the years 1943 and 1945 and gen<strong>de</strong>r relationships evolved in the<br />

organization until the 1960 is the subject of the fourth chapter.<br />

The last chapter in centered in the reconstruction of the history of<br />

women who started working in the Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

in the mid 1950s and climbed up to relatively important posts in the or-<br />

ganization.<br />

The conclusion is that as long as women settled on subordinate<br />

ranks, relationships between men and women were affable and friendly, but<br />

they became tense and conflicting when women competed for power with<br />

men.


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1<br />

1. JUSTIFICATIVA, OBJETIVOS GERAIS, DELIMITAÇÃO DO TEMA ......................... 1<br />

2. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA E HIPÓTESES BÁSICAS ................. 5<br />

3. METODOLOGIA .................................................................................................. 11<br />

3.1 Questões teóricas introdutórias ......................................................................... 11<br />

3.2 Abordagem das fontes ...................................................................................... 13<br />

3.2.1 Revisão da bibliografia .................................................................................. 13<br />

3.2.2 Documentos escritos ..................................................................................... 15<br />

3.2.3 História Oral ................................................................................................ 19<br />

4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ......................................................................... 21<br />

CAPÍTULO I ........................................................................................................... 26<br />

DISCUTINDO QUESTÕES TEÓRICAS ...................................................................... 26<br />

1 INVISIBILIDADE E SILENCIAMENTO DAS MULHERES................................... 28<br />

2 FEMINISMO......................................................................................................... 38<br />

3 TEORIAS DO PATRIARCADO ............................................................................... 52<br />

4 CATEGORIA GÊNERO .......................................................................................... 60<br />

5 A QUESTÃO DO MERCADO DE TRABALHO FEMININO ................................... 70<br />

CAPÍTULO II .......................................................................................................... 78<br />

AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA SOCIEDADE GAÚCHA ........................................... 78<br />

1 BASES DA CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO .................................. 80<br />

2 INFLUÊNCIA DO IDEÁRIO POSITIVISTA NAS RELAÇÕES DE GÊNERO ............... 83<br />

3 TRANSFORMAÇÕES DAS DÉCADAS DE <strong>1920</strong> E DE 1930 ...................................... 88<br />

4 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS DÉCADAS DE 1940 E DE 1950 .............................. 100<br />

5 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS DÉCADAS RECENTES .......................................... 113<br />

CAPÍTULO III ....................................................................................................... 125<br />

O INGRESSO DAS MULHERES NO SETOR BANCÁRIO GAÚCHO ........................... 125<br />

1. ESTRUTURA BANCÁRIA NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO ................... 127<br />

1.1 Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul ........................................................ 129<br />

1.2 Banco Nacional do Comércio S. A. .................................................................. 133<br />

1.3 Banco Pfeiffer ............................................................................................... 136<br />

2 AS PRIMEIRAS TRABALHADORAS DOS BANCOS GAÚCHOS ............................. 140<br />

2.1 Banco da Província ........................................................................................ 141<br />

2.2 Banco Nacional do Comércio ......................................................................... 151<br />

2.3 Banco Pfeiffer .............................................................................................. 157<br />

3 CARREIRAS FEMININAS NO BANCO DA PROVÍNCIA ................................ 161<br />

Antonieta Porto Alegre Poeta ............................................................................... 163<br />

Marina Barreto Rosa ............................................................................................ 166<br />

As irmãs Veríssimo da Fonseca ............................................................................ 168<br />

Patricia Eugênia Gradiola Meinhardt ..................................................................... 175<br />

Geni Milkewck da Silva ....................................................................................... 180<br />

CAPÍTULO IV ....................................................................................................... 183<br />

AS PRIMEIRAS MULHERES NO BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL .... 183<br />

1 UM BREVE HISTÓRICO DO BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL<br />

1928-1950 ......................................................................................................... 185<br />

2 INGRESSO DAS MULHERES NO BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL 189<br />

3 PERFIL DAS PRIMEIRAS TRABALHADORAS DO BANCO ................................. 197<br />

4 O COTIDIANO DO TRABALHO NO BANCO DO RIO GRANDE DO SUL ................ 204


4.1 Escolha das <strong>de</strong>poentes .................................................................................... 207<br />

4.2 Breve perfil das <strong>de</strong>poentes .............................................................................. 209<br />

4.2.1 A<strong>de</strong>la Lígia Quasque Prates ........................................................................ 209<br />

4.2.2 Belloni Marques ........................................................................................ 210<br />

4.2.3 Diva Schramm ........................................................................................... 210<br />

4.2.4 Léa Raphaela D. <strong>de</strong> Azevedo ....................................................................... 211<br />

4.2.5 Leda Ilha Pacheco ...................................................................................... 212<br />

4.2.6 Olga Machado ........................................................................................... 212<br />

4.2.7 Sarita Aguinsky ......................................................................................... 213<br />

4.2.8 Sylvia Montin Teixeira ............................................................................... 213<br />

4.3 Decisão <strong>de</strong> trabalhar ...................................................................................... 215<br />

4.4 Escolha da profissão ...................................................................................... 217<br />

4.5 Reação da família ao trabalho das filhas .......................................................... 222<br />

4.6 Relação entre homens e <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong> ...................................................... 227<br />

4.7 Salário dos homens e das <strong>mulheres</strong> .................................................................. 233<br />

4.8 Ascensão das <strong>mulheres</strong> ................................................................................... 234<br />

4.9 Vida profissional e obrigações famíliares ......................................................... 238<br />

4.10 Atitu<strong>de</strong>s e valores das trabalhadoras do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul . 241<br />

CAPÍTULO V ........................................................................................................ 248<br />

A CONQUISTA DE ESPAÇO NO BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL .... 248<br />

1 O BANCO NAS DÉCADAS RECENTES ................................................................ 250<br />

2 PERFIL DAS BANCÁRIAS NAS DÉCADAS RECENTES ....................................... 258<br />

3 O COTIDIANO DO TRABALHO NO BANCO NAS DÉCADAS RECENTES .............. 261<br />

3.1 Escolha das <strong>de</strong>poentes .................................................................................... 263<br />

3.2 Perfil das <strong>de</strong>poentes ....................................................................................... 264<br />

3.2.1 Ivete Maria Thereza Moratore ..................................................................... 264<br />

3.2.2 Cora Rosa Gubert (da Silva) ....................................................................... 265<br />

3.2.3 Ecilda Menezes (Ban<strong>de</strong>ira) ......................................................................... 265<br />

3.2.4 Nemecy Simon Neme ................................................................................. 266<br />

3.2.5 Rosalina Gomes ......................................................................................... 267<br />

3.2.6 Maria Helena Veríssimo Ferreira (Pfeiffer) .................................................. 267<br />

3.2.7 Martha Kokot An<strong>de</strong>rs (<strong>de</strong> Freire) ................................................................. 268<br />

3.2.8 Maria Martha Franco <strong>de</strong> Jorge (Falcão) ........................................................ 269<br />

3.2.9 Analice Proch<strong>no</strong> w Leitão ............................................................................ 270<br />

3.2.10 Joyce Maria Olbenburg ............................................................................. 271<br />

3.2.11 Herondina Marun Faad ............................................................................. 272<br />

3.2.12 O<strong>de</strong>te <strong>de</strong> Freitas Soares ............................................................................ 273<br />

3.2.13 Anna Maria Machado Miragem .................................................................. 273<br />

3.3 Escolha da profissão <strong>de</strong> bancária ..................................................................... 275<br />

3.4 Ascensão das <strong>mulheres</strong> ................................................................................... 285<br />

3.5 Relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> <strong>banco</strong> .......................................................................... 294<br />

3.6 Vida profissional e obrigações familiares ......................................................... 314<br />

3.7 Atitu<strong>de</strong>s e valores das trabalhadoras dos a<strong>no</strong>s recentes ...................................... 325<br />

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 335<br />

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 366


INTRODUÇÃO<br />

1. JUSTIFICATIVA, OBJETIVOS GERAIS, DELIMITAÇÃO<br />

DO TEMA<br />

Disse Agnes Heller: “Naquele tempo havia um homem lá. Ele exis-<br />

tiu naquele tempo [...] e existirá enquanto alguém contar a sua história.” 1<br />

Homens e <strong>mulheres</strong> cuja história não é contada, pouco a pouco <strong>de</strong>sapare-<br />

cem. Suas vidas, suas lutas, suas vitórias, suas <strong>de</strong>rrotas, enfim, sua<br />

História, apaga-se ... Terão mesmo existido?<br />

Esta tese tem como motivação reflexões <strong>de</strong>sta natureza. Sabe-se que<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>1920</strong> algumas instituições bancárias do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul começa-<br />

ram a admitir <strong>mulheres</strong> em seus quadros funcionais. Contudo, quando se<br />

procura investigar a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong>stas <strong>no</strong> mundo do trabalho bancário, <strong>de</strong>pa-<br />

ra-se com a primeira dificulda<strong>de</strong>. Escassas linhas registram a passagem das<br />

trabalhadoras pelos <strong>banco</strong>s gaúchos.<br />

A consulta aos arquivos das instituições bancárias permite constatar<br />

que os dados referentes às primeiras trabalhadoras são muito reduzidos,<br />

fragmentados e incompletos. Por outro lado, o recurso à memória <strong>de</strong> fami-<br />

liares das antigas trabalhadoras dos <strong>banco</strong>s não se revela mais promissor.<br />

1 HELLER, Agnes. Uma teoria da História. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira,<br />

1993. p.13.


Se eles guardaram alguma lembrança da vida <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, em geral não<br />

é relacionada a sua ativida<strong>de</strong> profissional. Tais constatações confirmam a<br />

observação <strong>de</strong> Michelle Perrot e Georges Duby <strong>de</strong> que “<strong>no</strong> teatro da memó-<br />

ria, as <strong>mulheres</strong> são leves sombras, ocupando pouco espaço nas estantes<br />

dos arquivos públicos.” 2<br />

Mesmo consi<strong>de</strong>rando os limites impostos pelas dificulda<strong>de</strong>s acima<br />

comentadas, tem-se, nesta tese, dois objetivos fundamentais. Em primeiro<br />

lugar, preten<strong>de</strong>-se recuperar todas as informações possíveis sobre o proces-<br />

so <strong>de</strong> inserção das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s gaúchos e discutir os fatores que<br />

teriam facilitado, estimulado ou dificultado o referido processo. Em segun-<br />

do lugar, objetiva-se reconstituir e analisar as relações <strong>de</strong> gênero<br />

estabelecidas <strong>no</strong> espaço bancário <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ingresso das primeiras <strong>mulheres</strong>,<br />

em <strong>1920</strong>, até as últimas décadas <strong>de</strong>ste século. Nas diferentes conjunturas,<br />

será consi<strong>de</strong>rada e discutida a articulação dos processos que aconteceram<br />

<strong>no</strong> interior das instituições bancárias com a dinâmica da socieda<strong>de</strong> em que<br />

estas estavam ou estão inseridas.<br />

Para atingir os objetivos pretendidos, algumas <strong>de</strong>cisões precisaram<br />

ser tomadas. A primeira foi à seleção do <strong>banco</strong> ou dos <strong>banco</strong>s que seriam<br />

estudados. Colocou-se, então, o problema inicial. Os primeiros <strong>banco</strong>s que<br />

permitiram o ingresso <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> vinte, <strong>de</strong>saparece-<br />

ram posteriormente ou sofreram transformações, dando origem a <strong>no</strong>vas<br />

instituições. Isso levou a conclusão <strong>de</strong> que a presente pesquisa, <strong>de</strong>vido aos<br />

2<br />

DUBY, Georges e PERROT, Michelle. (orgs). História das Mulheres <strong>no</strong> Oci<strong>de</strong>nte.<br />

Vol. 1: A Antiguida<strong>de</strong>. Porto: Edições Afrontamento, 1990. p. 11.<br />

2


objetivos a que se propunha, não po<strong>de</strong>ria ater-se a um único estabelecimen-<br />

to bancário. Essa conclusão <strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u o procedimento adotado para a<br />

escolha das instituições a serem examinadas. Primeiramente, selecio<strong>no</strong>u-se<br />

alguns <strong>banco</strong>s que apresentavam a característica comum <strong>de</strong> ter admitido<br />

<strong>mulheres</strong> na década <strong>de</strong> <strong>1920</strong>. Os escolhidos foram o Banco da Província, o<br />

Banco Nacional do Comércio e o Banco Pfeiffer (mais tar<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>no</strong>minado<br />

Banco Industrial e Comercial). 3<br />

Os <strong>banco</strong>s da Província, Nacional do Comércio e Pfeiffer, na década<br />

<strong>de</strong> setenta, passaram por um processo <strong>de</strong> fusão, dando origem a uma <strong>no</strong>va<br />

instituição bancária – o Banco Sul-brasileiro. O processo <strong>de</strong> fusão <strong>de</strong>sses<br />

estabelecimentos bancários envolveu uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdobramentos que não<br />

se tinha interesse em abordar. A discussão do referido processo exigiria<br />

um aprofundamento, que acabaria por prejudicar a discussão central <strong>de</strong>sta<br />

tese. Por essa razão, <strong>de</strong>cidiu-se estudar o processo <strong>de</strong> inserção das mulhe-<br />

res <strong>no</strong>s três <strong>banco</strong>s nas décadas <strong>de</strong> <strong>1920</strong> a 1945 e escolher outra<br />

instituição bancária para ser objeto <strong>de</strong> estudo nas décadas seguintes. A op-<br />

ção foi pelo Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, 4 <strong>no</strong> qual a admissão<br />

das primeiras trabalhadoras ocorreu em 1943.<br />

3 Os três <strong>banco</strong>s selecionados foram os mais representativos do sistema bancário privado<br />

gaúcho do início do século, tendo sido escolhidos por essa razão. A seleção feita não<br />

significa ig<strong>no</strong>rar que o Banco Pelotense (<strong>de</strong> 1921 a 1931), o Banco Auxiliadora Predial<br />

(a partir <strong>de</strong> 1932), o Banco Agrícola Mercantil (a partir <strong>de</strong> 1943), entre outros, utilizaram<br />

mão-<strong>de</strong>-obra feminina.<br />

4 Será adotada, ao longo da tese, a <strong>de</strong><strong>no</strong>minação “Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul” (ou BERGS), <strong>no</strong>me atual da instituição, embora quando o mesmo foi criado tenha<br />

adotado o <strong>no</strong>me <strong>de</strong> “Banco do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul”. Também será utilizada a sigla<br />

3


Quando se iniciou o recolhimento, a organização e a análise dos da-<br />

dos relativos ao processo <strong>de</strong> inserção das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> Banco do Estado do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, percebeu-se que esse <strong>banco</strong> oferecia a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

testar praticamente todas as hipóteses levantadas <strong>no</strong> projeto <strong>de</strong>sta tese. No<br />

BERGS, era possível analisar as relações <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ingresso das<br />

primeiras <strong>mulheres</strong>, em 1943, até o momento em que as trabalhadoras co-<br />

meçam a ascen<strong>de</strong>r na instituição.<br />

Além disso, constatou-se que o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul tem arquivadas, <strong>no</strong> seu Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s, as fichas<br />

funcionais <strong>de</strong> todos os trabalhadores e trabalhadoras que passaram pela ins-<br />

tituição, contendo importantes registros. Também dispõe <strong>de</strong> um museu on<strong>de</strong><br />

estão preservados importantes documentos (Or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> Serviço, Resoluções,<br />

Balanços), coleção <strong>de</strong> revistas da instituição e rico acervo <strong>de</strong> fotografias<br />

<strong>de</strong> bancários e bancárias. Finalmente, como as <strong>mulheres</strong> ingressaram nesse<br />

<strong>banco</strong> somente a partir <strong>de</strong> 1943, quase todas estão em condições <strong>de</strong> serem<br />

ouvidas e contribuírem, com seus <strong>de</strong>poimentos, para a reconstituição da<br />

história das bancárias da instituição.<br />

Após essas constatações, chegou-se a pensar em realizar a pesquisa<br />

somente <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Todavia não se adotou<br />

esse procedimento por julgar que, embora os dados referentes aos primeiros<br />

<strong>banco</strong>s que admitiram <strong>mulheres</strong> sejam muitas vezes escassos, fragmentados<br />

e incompletos, era fundamental procurar reconstituir a história possível<br />

BANRISUL que era o código telegráfico do <strong>banco</strong> e, pouco a pouco, começou a ser usada<br />

para <strong>de</strong><strong>no</strong>minar a instituição.<br />

4


<strong>de</strong>ssas trabalhadoras. Os registros encontrados <strong>no</strong> Sindicato dos Emprega-<br />

dos dos Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre (SEEB-POA) eram<br />

indicativos <strong>de</strong> que várias <strong>mulheres</strong> haviam trabalhado em <strong>banco</strong>s gaúchos<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>1920</strong>. “Elas estiveram lá...” Porém <strong>de</strong>saparecerão se suas histórias<br />

não forem contadas.<br />

Cabe esclarecer, portanto, que esta tese terá uma parte <strong>de</strong>dicada à<br />

recuperação da <strong>trajetória</strong> das trabalhadoras das primeiras instituições que<br />

admitiram <strong>mulheres</strong>, on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vido aos limites acima comentados, nem sem-<br />

pre será possível um maior aprofundamento da análise. Outra parte será<br />

<strong>de</strong>dicada ao estudo da <strong>trajetória</strong> das trabalhadoras do Banco do Estado do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, on<strong>de</strong> os dados permitem uma análise mais consistente.<br />

Cabe salientar, também, que embora o fio condutor <strong>de</strong>sta tese seja<br />

uma trabalhadora <strong>de</strong>terminada – a bancária - sempre estará presente a preo-<br />

cupação <strong>de</strong> articular a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong>sta com a <strong>de</strong> outras trabalhadoras, bem<br />

como com a concepção <strong>de</strong> mulher, presente <strong>no</strong> imaginário da socieda<strong>de</strong><br />

gaúcha, <strong>no</strong>s diferentes períodos analisados.<br />

2. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA E HIPÓ-<br />

TESES BÁSICAS<br />

Ao longo da História, o trabalho <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s era <strong>de</strong>senvolvido, ex-<br />

clusivamente, por homens. O mundo do dinheiro era entendido como “um<br />

mundo masculi<strong>no</strong>”. Estava presente <strong>no</strong> imaginário social a idéia <strong>de</strong> que “li-<br />

5


dar com o dinheiro” estava muito mais <strong>de</strong> acordo com a natureza masculina,<br />

pois exigia “racionalida<strong>de</strong>” e “responsabilida<strong>de</strong>”, qualida<strong>de</strong>s culturalmente<br />

atribuídas apenas aos homens.<br />

Assim sendo, em princípio, não seria <strong>de</strong> se esperar, especialmente<br />

nas décadas iniciais do século XX, que <strong>mulheres</strong> buscassem ganhar o seu<br />

sustento com trabalho <strong>no</strong> setor bancário. O mais “natural” seria que mulhe-<br />

res que precisassem ou <strong>de</strong>sejassem um trabalho remunerado procurassem<br />

profissões que fossem, como era entendido, “mais a<strong>de</strong>quadas à frágil e sen-<br />

sível natureza feminina.”<br />

Entre as profissões consi<strong>de</strong>radas próprias para <strong>mulheres</strong> podiam ser<br />

i<strong>de</strong>ntificadas aquelas nas quais estas viessem a <strong>de</strong>sempenhar tarefas seme-<br />

lhantes às que lhes eram <strong>de</strong>stinadas <strong>no</strong> mundo privado. A inserção das<br />

<strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mundo do trabalho, especialmente nessa época, dava-se como<br />

um prolongamento <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s <strong>no</strong> espaço doméstico.<br />

No imaginário social da época, eram consi<strong>de</strong>radas profissões a<strong>de</strong>-<br />

quadas para as <strong>mulheres</strong> a <strong>de</strong> professora, a <strong>de</strong> enfermeira, a <strong>de</strong> parteira, a<br />

<strong>de</strong> costureira, a <strong>de</strong> doceira, a <strong>de</strong> lava<strong>de</strong>ira, a <strong>de</strong> empregada doméstica. Em<br />

todas essas ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> alguma maneira, as <strong>mulheres</strong> serviam a outras<br />

pessoas, executando, portanto, tarefas próximas às <strong>de</strong>sempenhadas <strong>no</strong> mun-<br />

do privado. Veja-se o exemplo da professora primária. Sua função é lidar<br />

com crianças, ensinando-lhes “as primeira letras e os bons costumes”. Nada<br />

mais próximo das atribuições da “mulher-mãe”, da “mulher guardiã da fa-<br />

mília.” A profissão ou a “missão” ou a “vocação” <strong>de</strong> professora primária,<br />

6


portanto, era consi<strong>de</strong>rada a<strong>de</strong>quada para as <strong>mulheres</strong>, sendo bem aceita e<br />

até gozando <strong>de</strong> certo prestígio na socieda<strong>de</strong> gaúcha dos a<strong>no</strong>s iniciais do sé-<br />

culo XX.<br />

Conforme salienta Jane Almeida,<br />

“ser professora representava um prolongamento das<br />

funções domésticas e instruir e educar crianças, sob o<br />

mascaramento da missão e da vocação inerentes às<br />

<strong>mulheres</strong>, significava uma maneira aceitável <strong>de</strong> sobrevivência,<br />

na qual a co<strong>no</strong>tação negativa com o<br />

trabalho remunerado femini<strong>no</strong> esvaía-se perante a<br />

<strong>no</strong>breza do magistério.” 5<br />

Apesar do acima exposto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> <strong>1920</strong> várias<br />

<strong>mulheres</strong> começaram a trabalhar em estabelecimentos bancários existentes<br />

<strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Com base nisso, surge a primeira indagação <strong>de</strong>sta<br />

tese: por que, a partir <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, algumas <strong>mulheres</strong> começaram a trabalhar<br />

em <strong>banco</strong>s? Não seria mais a<strong>de</strong>quado que, seguindo a tradição, as <strong>mulheres</strong><br />

continuassem lecionando ou <strong>de</strong>dicando-se a outras “ativida<strong>de</strong>s femininas”<br />

como sempre haviam feito? O que teria levado algumas <strong>mulheres</strong> a ingres-<br />

sar <strong>no</strong> mundo do trabalho bancário ?<br />

Para respon<strong>de</strong>r aos questionamentos formulados, levantou-se a pri-<br />

meira hipótese que se preten<strong>de</strong> verificar neste estudo: um conjunto <strong>de</strong><br />

transformações econômicas, socio-culturais e políticas, <strong>de</strong> alguma forma<br />

relacionadas com a conjuntura da Primeira Guerra Mundial e seus princi-<br />

pais <strong>de</strong>sdobramentos, teria feito emergir condições favoráveis à abertura <strong>de</strong><br />

5<br />

ALMEIDA, Jane Soares <strong>de</strong>. “Mulheres na escola: algumas reflexões sobre o magistério<br />

femini<strong>no</strong>”. Ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Pesquisa, São Paulo, nº 96, p. 71-78, fevereiro, 1996. p.74.<br />

7


espaços para as <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mundo do trabalho. Dentro <strong>de</strong>ste quadro esta-<br />

ria incluído o trabalho <strong>no</strong> setor bancário.<br />

Nesta tese, também está presente a preocupação em compreen<strong>de</strong>r o<br />

conjunto <strong>de</strong> fatores que, provavelmente, interagiram <strong>no</strong> momento do in-<br />

gresso das primeiras <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s gaúchos. Sabe-se que a socieda<strong>de</strong><br />

rio-gran<strong>de</strong>nse é marcadamente patriarcal, do que <strong>de</strong>corre o estrito controle<br />

das <strong>mulheres</strong>. Além disso, a partir da Proclamação da República, o Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul viveu, durante muitos a<strong>no</strong>s, sob a influência do positivismo,<br />

para o qual a mulher é a “guardiã do lar” e o “anjo protetor da família”.<br />

Assim sendo, coloca-se a seguinte indagação: o que teria <strong>de</strong>terminado a sa-<br />

ída das <strong>mulheres</strong> do mundo doméstico e seu ingresso num espaço<br />

nitidamente masculi<strong>no</strong>?<br />

Recorrendo a Pierre Bourdieu, tem-se que homens e <strong>mulheres</strong> cons-<br />

tróem representações <strong>de</strong> si mesmos e explicam suas práticas <strong>de</strong> acordo com<br />

tais representações. Dessa forma, numa socieda<strong>de</strong> patriarcal, as referidas<br />

práticas <strong>de</strong>terminam atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dominação/submissão. A socieda<strong>de</strong>, através<br />

da família e <strong>de</strong>pois através <strong>de</strong> outros canais (escola, religião, meios <strong>de</strong><br />

comunicação), introjeta <strong>no</strong>s indivíduos as representações geradoras <strong>de</strong> ati-<br />

tu<strong>de</strong>s e comportamentos que se mantêm ao longo <strong>de</strong> suas vidas. Nas<br />

palavras <strong>de</strong> Bourdieu,<br />

“As estruturas relativas aos sexos, <strong>no</strong>s ambientes em<br />

que vivem as crianças, produzem <strong>no</strong> meni<strong>no</strong> e na menina<br />

‘habitus’, isto é, sistemas <strong>de</strong> disposições<br />

duráveis que funcionarão como estruturas estruturantes.<br />

As práticas e representações daí geradas<br />

8


in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da consciência <strong>de</strong>ssas crianças e também<br />

não esperam por <strong>no</strong>rmas e leis ou alguém que as or<strong>de</strong>ne.”<br />

6<br />

Os “habitus” agem em relação ao futuro dos meni<strong>no</strong>s e meninas e<br />

“antecipam” suas escolhas, inclusive a nível profissional. Para Bourdieu o<br />

conjunto das práticas masculinas e femininas, tanto na infância como na i-<br />

da<strong>de</strong> adulta, mostra que “a geração <strong>de</strong>ssas práticas obe<strong>de</strong>ce a uma dialética<br />

<strong>de</strong> interiorida<strong>de</strong> e exteriorida<strong>de</strong>” ou, em outras palavras, <strong>de</strong> “interiorização<br />

da exteriorida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> exteriorização da interiorida<strong>de</strong>”. 7<br />

Partindo das colocações <strong>de</strong> Pierre Bourdieu, Maria Conceição Cor-<br />

rêa Pinto faz as seguintes consi<strong>de</strong>rações:<br />

“As estruturas incorporadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância <strong>de</strong>terminam<br />

as práticas <strong>de</strong> me<strong>no</strong>r raio para a mulher,<br />

voltada para o espaço inter<strong>no</strong>, e as <strong>de</strong> maior abrangência<br />

para o homem, orientado para o espaço<br />

exter<strong>no</strong>, ativida<strong>de</strong>s expressivas e afetivas para ela,<br />

ativida<strong>de</strong>s instrumentais para ele, orientação centrífuga<br />

para ele, centrípeta para ela.” 8<br />

Com base <strong>no</strong> acima exposto, po<strong>de</strong>-se concluir que tanto os homens<br />

como as <strong>mulheres</strong>, nas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe marcadas por fortes componen-<br />

tes patriarcais, colocam sua posição social masculina ou feminina sob a<br />

pressão originada pela divisão social do trabalho, bem como pelo autorita-<br />

rismo patriarcal.<br />

6<br />

BOURDIEU, Pierre. Esquisse d’une Theorie <strong>de</strong> la Pratique. Genebra: Droz, 1972.<br />

p.175.<br />

7<br />

BOURDIEU, Pierre. I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

8<br />

CORREA PINTO, Maria Conceição. A Dimensão Política da Mulher. São Paulo: Edi-<br />

ções Paulinas: 1992. p. 102.<br />

9


Essas reflexões encaminham <strong>no</strong>vos questionamentos. Em primeiro<br />

lugar, como terá se <strong>de</strong>senvolvido o processo <strong>de</strong> inserção das primeiras tra-<br />

balhadoras <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s gaúchos? Que espaço terá sido <strong>de</strong>stinado a essas<br />

trabalhadoras <strong>de</strong>ntro dos <strong>banco</strong>s? Ocuparão essas <strong>mulheres</strong> lugares equiva-<br />

lentes aos dos homens ou a elas serão <strong>de</strong>stinados postos subalter<strong>no</strong>s? Como<br />

reagirão as <strong>mulheres</strong> frente aos limites que, provavelmente, lhes serão in-<br />

terpostos? Acharão “natural” que seus lugares sejam subalter<strong>no</strong>s? Em caso<br />

positivo, quando essa situação começará a alterar-se? Em caso negativo, o<br />

que terão feito as <strong>mulheres</strong> para mudar a situação?<br />

Levantamentos preliminares, realizados para a elaboração do projeto<br />

<strong>de</strong>sta tese, indicaram que, <strong>no</strong> caso do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, até o início da década <strong>de</strong> sessenta, as <strong>mulheres</strong> ocupavam o cargo <strong>de</strong><br />

auxiliares. Somente a partir <strong>de</strong> meados dos a<strong>no</strong>s sessenta, algumas mulhe-<br />

res começaram a ser comissionadas e a assumir cargos <strong>de</strong> relativa<br />

importância na instituição (Chefia <strong>de</strong> Sessão, Chefia <strong>de</strong> Setor, Gerências <strong>de</strong><br />

Agências, Gerência Geral).<br />

Levanta-se a hipótese <strong>de</strong> que enquanto as <strong>mulheres</strong> estiveram, <strong>de</strong><br />

certa forma, acomodadas às posições subalternas que lhes eram <strong>de</strong>stinadas,<br />

<strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, as relações entre homens e mu-<br />

lheres foram razoavelmente “tranqüilas”. Supõe-se que a partir do momento<br />

em que as trabalhadoras começaram a disputar posições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r com os<br />

homens, a “paz” que até então parece ter existido, rompeu-se.<br />

10


Consi<strong>de</strong>ra-se que o momento do rompimento é privilegiado para es-<br />

tudar as relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> mundo do trabalho. Exatamente neste<br />

momento exteriorizaram-se as representações que homens e <strong>mulheres</strong> ti-<br />

nham <strong>de</strong> si mesmos e que uns tinham dos outros. Essas representações<br />

foram introjetadas ao longo <strong>de</strong> suas vidas. Julga-se que <strong>no</strong> confronto, en-<br />

tão, estabelecido entre eles, seja possível i<strong>de</strong>ntificar as atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

dominação/subordinação e as estratégias, <strong>de</strong> um lado, para manter a domi-<br />

nação e , <strong>de</strong> outro, para subvertê-la.<br />

Ressalta-se que a compreensão <strong>de</strong>sse momento supõe i<strong>de</strong>ntificar os<br />

fatores conjunturais que provocaram ou possibilitaram essa mudança, assim<br />

como as modificações ocorridas <strong>no</strong> interior do mundo bancário que interfe-<br />

riram nesse processo.<br />

3. METODOLOGIA<br />

3.1 Questões teóricas introdutórias<br />

A abordagem que se preten<strong>de</strong> adotar na elaboração <strong>de</strong>sta tese terá<br />

como característica fundamental a problematização da realida<strong>de</strong> a ser ana-<br />

lisada, estando presente a preocupação <strong>de</strong> superar a visão da História como<br />

simples narrativa <strong>de</strong> fatos.<br />

Sabe-se que o (a) historiador (a) enfrenta uma série <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s<br />

na realização <strong>de</strong> seu estudo e que, talvez, a primeira e mais complicada seja<br />

11


a relação que este (a) necessita estabelecer com o passado. De um “aqui e<br />

agora” – o seu presente – o (a) profissional da história <strong>de</strong>ve reconstituir<br />

um outro tempo, que já passou e on<strong>de</strong> os valores, as atitu<strong>de</strong>s, as visões,<br />

certamente, eram outros. Além disso, para a realização <strong>de</strong>ssa reconstitui-<br />

ção, o material disponível é, apenas, vestígio ou indício do passado.<br />

Mais complicadores acrescentam-se quando o objeto <strong>de</strong> estudo é a<br />

<strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> trabalhadoras. Neste caso, os vestígios são, na maio-<br />

ria das vezes, escassos, incompletos e fragmentados, pois, conforme afirma<br />

Michelle Perrot, às <strong>mulheres</strong> “foi negado até muito recentemente o acesso<br />

ao espaço público, lugar por excelência da História”. 9<br />

Acrescente-se ter claro que o (a) historiador (a) olha para o passa-<br />

do <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista particular, o qual é uma <strong>de</strong>corrência da classe a<br />

que pertence, do seu sexo e da sua raça ou etnia. Conforme Burke,<br />

“<strong>no</strong>ssas mentes não refletem diretamente a realida<strong>de</strong>.<br />

Só percebemos o mundo através <strong>de</strong> uma estrutura <strong>de</strong><br />

convenções, esquemas e estereótipos, um entrelaçamento<br />

que varia <strong>de</strong> uma cultura para outra.” 10<br />

Essas <strong>de</strong>terminações impe<strong>de</strong>m uma visão neutra da realida<strong>de</strong> estu-<br />

dada. Devido a isso, historiador (a) e História não são isentos, pois a<br />

seleção dos fatos históricos e a sua interpretação não são idênticos para to-<br />

dos os segmentos da socieda<strong>de</strong>.<br />

9<br />

PERROT, Michelle. “Práticas da memória feminina”. Revista Brasileira <strong>de</strong> História.<br />

São Paulo (18) : 9-18, 1989. p.9.<br />

10<br />

BURKE, Peter. A Escrita da História - <strong>no</strong>vas perspectivas. 2ª ed. São Paulo: UNESP,<br />

1992. p.15.<br />

12


3.2 Abordagem das fontes<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento do tema proposto exigiu dois procedimentos ini-<br />

ciais. Em primeiro lugar, foi realizada a revisão e a discussão <strong>de</strong><br />

bibliografia relativa a questões teóricas envolvidas <strong>no</strong> estudo. Também foi<br />

pesquisada a bibliografia referente à história das relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>no</strong> período compreendido pelo presente trabalho. Em segun-<br />

do lugar, foi realizada a coleta dos dados primários, que permitirão<br />

reconstituir a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> trabalhadoras <strong>de</strong> alguns <strong>banco</strong>s gaúchos e anali-<br />

sar as relações <strong>de</strong> gênero estabelecidas nestes. Os dados primários<br />

coletados e analisados são <strong>de</strong> dois tipos: documentos escritos e documenta-<br />

ção obtida através <strong>de</strong> História oral.<br />

3.2.1 Revisão da bibliografia<br />

Dois objetivos orientaram o levantamento e a análise bibliográfica<br />

realizados: Em primeiro lugar, a preocupação em construir um referencial<br />

teórico que permitisse discutir a temática fundamental <strong>de</strong>ste estudo. Em se-<br />

gundo lugar, a intenção <strong>de</strong> colher informações para enten<strong>de</strong>r como se<br />

<strong>de</strong>senvolveram as relações <strong>de</strong> gênero na socieda<strong>de</strong> gaúcha <strong>no</strong> período estu-<br />

dado.<br />

Para aten<strong>de</strong>r ao primeiro objetivo, recorreu-se a estudos realizados<br />

por autores (as) <strong>de</strong> diferentes nacionalida<strong>de</strong>s (francesa, <strong>no</strong>rte-americana,<br />

13


espanhola, italiana, entre outras), <strong>de</strong>vendo ser ressaltado que hoje já é bas-<br />

tante extensa e valiosa a bibliografia que trata das relações <strong>de</strong> gênero.<br />

Também foi levantada a bibliografia brasileira alusiva ao assunto.<br />

Esta, atualmente, conta com um consi<strong>de</strong>rável número <strong>de</strong> importantes estu-<br />

dos centrados na questão da mulher e na discussão das relações <strong>de</strong> gênero.<br />

Estes trabalhos têm sido reunidos em publicações conjuntas, aparecem em<br />

revistas especializadas <strong>no</strong> assunto ou têm sido publicados como obras indi-<br />

viduais.<br />

Quanto ao segundo objetivo, acima citado, realizou-se levantamento<br />

sistemático da bibliografia produzida <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, relativa às re-<br />

lações <strong>de</strong> gênero. Com isso constatou-se que já existe um número<br />

significativo <strong>de</strong> trabalhos sobre a questão feminina <strong>no</strong> Estado gaúcho. Es-<br />

ses foram elaborados nas últimas décadas, especialmente como dissertações<br />

<strong>de</strong> mestrado ou teses <strong>de</strong> doutorado. Entretanto, na sua gran<strong>de</strong> maioria, não<br />

estão publicados, o que po<strong>de</strong> sugerir, num levantamento preliminar, que o<br />

tema tenha sido pouco pesquisado <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Destaque-se que, <strong>no</strong>s cursos pós-graduação em história, o estudo<br />

das relações <strong>de</strong> gênero é ainda <strong>no</strong>vo, mas, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s mais recentes, tem<br />

crescido o número <strong>de</strong> trabalhos relativos ao tema. 11 Todavia, a questão das<br />

11<br />

No Curso <strong>de</strong> Pós-graduação em História da PUCRS, foram apresentadas, até a presente<br />

data, uma tese <strong>de</strong> doutorado e quatro dissertações <strong>de</strong> mestrado sobre o tema. A tese é<br />

<strong>de</strong> Cleci Eulália Fávaro, sendo intitulada Ïmagens Femininas: Contradições, Ambivalências,<br />

Violências - Região Colonial Italiana do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul - 1875/1950. As<br />

dissertações são as seguintes: Submissão e Po<strong>de</strong>r: Mulheres Operárias <strong>de</strong> Caxias do Sul<br />

- 1900-1950 <strong>de</strong> Maria Conceição Abel Missel Machado, O Importante Papel das Mulheres<br />

sem Importância: Porto Alegre 1889-1910 <strong>de</strong> Cláudia Pons Cardoso, A Mulher na<br />

Primeira República: 1889-1930 -O Imaginário e a Realida<strong>de</strong> <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong><br />

14


<strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mundo do trabalho ainda se constitui em temática pouco <strong>de</strong>-<br />

senvolvida, o que se enten<strong>de</strong> justificar o presente estudo.<br />

As informações obtidas através da revisão bibliográfica possibilita-<br />

ram a elaboração <strong>de</strong> referencial teórico que é objeto do Capítulo I <strong>de</strong>ste<br />

estudo, assim como permitiram discutir as relações <strong>de</strong> gênero na socieda<strong>de</strong><br />

gaúcha, tema do Capítulo II.<br />

3.2.2 Documentos escritos<br />

A pesquisa <strong>no</strong>s documentos escritos foi realizada nas seguintes ins-<br />

tituições: Sindicato dos Empregados dos Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong><br />

Porto Alegre, Museu do Banco Meridional, Setor <strong>de</strong> Microfilmagem do<br />

Banco Meridional, Museu Banrisul, 12 Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s<br />

do Banrisul, Biblioteca do Banrisul, Associação dos Funcionários Aposen-<br />

tados do Banco Meridional, Museu Hipólito da Costa, Museu <strong>de</strong> Porto<br />

Alegre, Themis – Núcleo <strong>de</strong> Assessoria e Estudos <strong>de</strong> Gênero <strong>de</strong> Porto Ale-<br />

gre e Centro Carmem da Silva da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul (UFRGS).<br />

No Sindicato dos Empregados dos Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong><br />

Porto Alegre, consultou-se, principalmente, as fichas <strong>de</strong> filiação a esse sin-<br />

dicato, <strong>de</strong> 1933 (data <strong>de</strong> criação do SEEB-POA) até 1990. O objetivo <strong>de</strong>sse<br />

levantamento foi i<strong>de</strong>ntificar as trabalhadoras do setor bancário gaúcho e e-<br />

Clarisse Ismério e Ferro <strong>de</strong> Brasa, tacho <strong>de</strong> cobre, puxados úmidos: cotidia<strong>no</strong> das <strong>mulheres</strong><br />

escravizadas em Porto Alegre( século XIX), <strong>de</strong> Carmen Lúcia Santos Castro.<br />

15


laborar uma primeira listagem, contendo os <strong>no</strong>mes das bancárias, data e lo-<br />

cal <strong>de</strong> nascimento, estado civil, <strong>banco</strong> em que trabalhou, data e local <strong>de</strong><br />

ingresso neste e função exercida, exoneração ou aposentadoria. 13 Poste-<br />

riormente a listagem geral foi reorganizada, separando-se as <strong>mulheres</strong> por<br />

<strong>banco</strong>.<br />

O procedimento seguinte foi recorrer ao Setor <strong>de</strong> Microfilmagem do<br />

Banco Meridional e ao Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s do Banco do<br />

Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Nesses locais, procurou-se complementar as<br />

listagens <strong>de</strong> trabalhadoras dos quatro <strong>banco</strong>s selecionados e obter outros<br />

dados relativos à <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong>s mesmos (cargos assumidos,<br />

comissionamentos, promoções, data <strong>de</strong> <strong>de</strong>sligamento da instituição, forma<br />

do mesmo (exoneração ou aposentadoria).<br />

Cabe aqui um esclarecimento. Os dados relativos às trabalhadoras<br />

do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul estão rigorosamente organizados<br />

<strong>no</strong> Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s da instituição, encontrando-se uma<br />

parte em arquivos e outra – a referente às primeiras trabalhadoras – já mi-<br />

crofilmada. Isso possibilitou uma consistente recuperação das informações.<br />

Por outro lado, os dados dos outros três <strong>banco</strong>s – Província, Nacional do<br />

Comércio e Pfeiffer - que estão reunidos <strong>no</strong> setor <strong>de</strong> microfilmagem do<br />

Banco Meridional, são irregulares, dispersos e incompletos. Cada um dos<br />

estabelecimentos bancários fez seus registros <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada forma,<br />

12 O museu do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong><strong>no</strong>mina-se “Museu Banrisul.”<br />

13 Em 1933, o gover<strong>no</strong> <strong>de</strong> Getúlio Vargas <strong>de</strong>sejando que todos os trabalhadores se sindicalizassem<br />

para melhor controlá-los, através do Ministério do Trabalho da Indústria e<br />

do Comércio, estabeleceu um certo número <strong>de</strong> dias <strong>de</strong> férias para os sindicalizados. Isso<br />

<strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u a sindicalização em massa <strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong>. Esse fato garantiu que,<br />

16


sendo alguns mais cuidadosos e outros me<strong>no</strong>s rigorosos. Resulta daí que a<br />

consulta a esse setor e a recuperação das informações não foi tão consisten-<br />

te como a possível <strong>no</strong> BERGS.<br />

No Museu do Banco Meridional, contou-se com uma importante fon-<br />

te <strong>de</strong> consulta – a Revista Província 14 - que possibilitou complementar uma<br />

série <strong>de</strong> informações sobre as trabalhadoras do Banco da Província (promo-<br />

ções, data <strong>de</strong> aposentadoria, distinções recebidas pelas funcionárias,<br />

variadas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, <strong>no</strong>tícias sobre diferentes even-<br />

tos ocorridos na instituição). Os outros dois <strong>banco</strong>s – Nacional do<br />

Comércio e Pfeiffer – não possuíam uma revista, não sendo possível, em<br />

<strong>de</strong>corrência disso, preencher várias lacunas. 15<br />

No Museu Banrisul, foi possível pesquisar farto material. Lá foi lo-<br />

calizada a Resolução que autorizou o primeiro concurso para <strong>mulheres</strong>, em<br />

1943, coleções <strong>de</strong> documentos (Or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> Serviço, Resoluções, Publicações<br />

<strong>de</strong> Promoções, Atas <strong>de</strong> Reuniões), coleção da Revista Banrisul, Informati-<br />

vos Banrisul e riquíssimo acervo <strong>de</strong> fotografias. As informações obtidas <strong>no</strong><br />

Museu Banrisul <strong>de</strong>ram condições para avançar na pesquisa e constituíram-<br />

se em importante fator para que se aprofundasse o estudo relativo às traba-<br />

lhadoras <strong>de</strong>ste <strong>banco</strong>.<br />

através da consulta às fichas do sindicato, se chegasse a um alto percentual <strong>de</strong> trabalhadoras<br />

do setor bancário.<br />

14<br />

A Revista Província pertencia à Associação dos Funcionários do Banco da Província,<br />

tendo sido feita inicialmente em São Paulo. A referida revista circulou <strong>de</strong> 1944 a 1946,<br />

quando teve sua publicação interrompida, durante greve que atingiu a categoria dos<br />

bancários. Somente em 1948 a Revista Província voltou a circulação, tendo, a partir <strong>de</strong><br />

então, sua se<strong>de</strong> em Porto Alegre.<br />

15<br />

Mesmo reconhecendo-se que o trabalho sobre o Banco Nacional do Comércio e o<br />

Banco Pfeiffer não apresentava a mesma profundida<strong>de</strong> do trabalho com o Banco da Província,<br />

resolveu-se incluí-los para não per<strong>de</strong>r as informações obtidas.<br />

17


Na Associação dos Funcionários Aposentados do Banco Meridional,<br />

obteve-se <strong>no</strong>mes e telefones <strong>de</strong> algumas funcionárias aposentadas dos Ban-<br />

cos da Província, Nacional do Comércio e Pfeiffer, o que permitiu fazer<br />

contato com as mesmas e ouvir <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> algumas..<br />

Além das instituições diretamente ligadas ao setor bancário, reali-<br />

zou-se levantamento <strong>de</strong> dados <strong>no</strong>s seguintes jornais: Fe<strong>de</strong>ração<br />

(principalmente nas duas primeiras décadas do século XX), Correio do Po-<br />

vo (<strong>de</strong> 1918 a 1945) e Diário <strong>de</strong> Notícias (em alguns períodos entre <strong>1920</strong><br />

– 1945). A consulta aos referidos órgãos da imprensa gaúcha teve por obje-<br />

tivo recolher subsídios para reconstruir os momentos mais importantes da<br />

História do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, obter informações sobre os avanços das mu-<br />

lheres <strong>no</strong> mundo do trabalho e indicativos do posicionamento da socieda<strong>de</strong><br />

frente a tais avanços.<br />

No Núcleo <strong>de</strong> Assessoria e Estudos Jurídicos <strong>de</strong> Gênero (Themis),<br />

realizou-se o levantamento <strong>de</strong> documentos relativos às relações <strong>de</strong> gênero<br />

<strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s recentes (1970-90).<br />

No Centro Carmem da Silva, procurou-se i<strong>de</strong>ntificar as feministas<br />

que se <strong>de</strong>stacaram a partir do final dos a<strong>no</strong>s setenta, bem como estudar os<br />

movimentos <strong>no</strong>s quais estas participaram e analisar suas formas <strong>de</strong> atuação.<br />

As informações contribuíram para complementar a história das relações <strong>de</strong><br />

gênero.<br />

A coleta, organização e análise dos dados obtidos nas várias institu-<br />

ições acima comentadas permitiu reconstituir as relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong>screver a <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s gaúchos e<br />

18


compreen<strong>de</strong>r a articulação <strong>de</strong>sta <strong>trajetória</strong> com o contexto histórico, bem<br />

como forneceu subsídios para a segunda parte da coleta <strong>de</strong> informações,<br />

que se <strong>de</strong>u através da utilização da metodologia da História oral.<br />

3.2.3 História Oral<br />

A segunda parte do levantamento <strong>de</strong> dados foi feita a partir da cole-<br />

ta <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> trabalhadoras dos <strong>banco</strong>s em estudo, <strong>de</strong> familiares<br />

<strong>de</strong>stas e <strong>de</strong> alguns bancários ou dirigentes <strong>de</strong> <strong>banco</strong>s. 16<br />

As primeiras <strong>mulheres</strong>, que ingressaram <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s nas décadas <strong>de</strong><br />

<strong>1920</strong> e 1930, já faleceram ou não têm condições <strong>de</strong> prestar <strong>de</strong>poimento. Por<br />

essa razão, optou-se por recorrer à memória <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> seus familiares.<br />

Ressalve-se que foi bastante difícil localizar pessoas que tivessem infor-<br />

mações sobre a vida profissional das primeiras trabalhadoras dos <strong>banco</strong>s.<br />

Nos raros casos em que isso foi possível, utilizou-se tais <strong>de</strong>poimentos para<br />

complementar as informações <strong>de</strong> que se dispunha.<br />

Foram localizadas algumas trabalhadoras do Banco da Província e<br />

do Banco Industrial e Comercial que ingressaram nessas instituições <strong>no</strong>s<br />

a<strong>no</strong>s quarenta ou cinqüenta. Usou-se seus <strong>de</strong>poimentos para acrescentar<br />

mais alguma informação ao estudo.<br />

16 No Capítulo IV <strong>de</strong>sta tese, discute-se a valida<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> evidências orais.<br />

19


No que se refere ao Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul foi pos-<br />

sível, através da História oral, reconstituir as relações <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1943 até os a<strong>no</strong>s recentes. Para tal, selecio<strong>no</strong>u-se dois grupos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>.<br />

O primeiro grupo foi constituído <strong>de</strong> oito trabalhadoras, que ingressaram <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> entre 1943 e 1945. Do segundo, fizeram parte treze bancárias, que<br />

ingressaram na instituição a partir do meados da década <strong>de</strong> cinquenta e que<br />

apresentaram como característica comum o fato <strong>de</strong> terem conquistado car-<br />

gos <strong>de</strong> relativa importância.<br />

Os objetivos que se tinha, com o primeiro grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> ouvi-<br />

das eram: enten<strong>de</strong>r que conjunto <strong>de</strong> fatores teria facilitado ou estimulado o<br />

ingresso das primeiras trabalhadoras <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s quarenta,<br />

verificar como as famílias <strong>de</strong>stas aceitaram esse tipo <strong>de</strong> trabalho, quais se-<br />

riam as relações <strong>de</strong> gênero estabelecidas <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, como se colocava<br />

a questão da ascensão e do salário das <strong>mulheres</strong> e como as trabalhadoras<br />

conciliavam as responsabilida<strong>de</strong>s profissionais com as obrigações familia-<br />

res.<br />

Os objetivos que se pretendia alcançar com o segundo grupo <strong>de</strong> en-<br />

trevistadas eram os seguintes: verificar que fatores facilitaram a ascensão<br />

das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e qual era o perfil <strong>de</strong>ssas bancárias, avaliar se a as-<br />

censão feminina teria interferido nas relações estabelecidas entre homens e<br />

<strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, verificar como as <strong>mulheres</strong> que ascen<strong>de</strong>ram <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> conciliavam vida profissional e obrigações domésticas e, finalmente,<br />

discutir os limites da ascensão feminina <strong>no</strong> espaço bancário gaúcho.<br />

20


Através dos <strong>de</strong>poimentos recolhidos foi possível recuperar aspectos<br />

importantes da <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong>, especialmente <strong>no</strong> Banco do Estado<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, assim como analisar as relações <strong>de</strong> gênero que se<br />

<strong>de</strong>senvolveram neste espaço <strong>de</strong> trabalho.<br />

4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO<br />

Na tentativa <strong>de</strong> dar conta das questões que motivaram a presente te-<br />

se e das que foram surgindo à medida que se avançou na pesquisa e análise<br />

dos dados obtidos, elaborou-se os cinco capítulos que compõem esta tese.<br />

Julgou-se necessário elaborar um capítulo inicial on<strong>de</strong> fosse possí-<br />

vel discutir as várias questões teóricas e as inúmeras dificulda<strong>de</strong>s que se<br />

colocam quando se preten<strong>de</strong> estudar as relações <strong>de</strong> gênero, especialmente<br />

<strong>no</strong> mundo do trabalho.<br />

No Capítulo I, intitulado Discutindo Questões Teóricas, aborda-se,<br />

a invisibilida<strong>de</strong> e o silenciamento a que foram reduzidas as <strong>mulheres</strong> na ou<br />

pela História; discute-se a <strong>trajetória</strong> do feminismo e sua articulação com a<br />

pesquisa acadêmica <strong>de</strong> temas relativos às <strong>mulheres</strong>; revisam-se diferentes<br />

categorias que po<strong>de</strong>m ser utilizadas <strong>no</strong> estudo da questão feminina; reto-<br />

mam-se as principais discussões que vêm sendo feitas sobre a categoria<br />

gênero e examina-se sua utilida<strong>de</strong> na análise histórica; por fim, aprofunda-<br />

se o estudo do processo <strong>de</strong> inserção das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mundo do trabalho e<br />

21


as implicações que a sua i<strong>de</strong>ntificação com mundo doméstico tem sobre o<br />

referido processo.<br />

O Capítulo I é <strong>de</strong>senvolvido a partir da leitura sistemática e da dis-<br />

cussão <strong>de</strong> textos relativos às questões abordadas e tem como objetivo<br />

construir um referencial teórico, que forneça subsídios à análise da pro-<br />

blemática <strong>de</strong>sta tese.<br />

No Capítulo II, cujo título é As Relações <strong>de</strong> Gênero na Socieda<strong>de</strong><br />

Gaúcha, examina-se o conjunto <strong>de</strong> fatores que, em diferentes momentos da<br />

História gaúcha condicionaram a formação e o <strong>de</strong>senvolvimento das rela-<br />

ções <strong>de</strong> gênero. Inicia-se analisando as particularida<strong>de</strong>s da formação<br />

histórica rio-gran<strong>de</strong>nse e a articulação <strong>de</strong>stas com <strong>de</strong>terminadas caracterís-<br />

ticas que parecem particularizar as <strong>mulheres</strong> <strong>gaúchas</strong>; discute-se a<br />

instalação da chamada “ditadura científica” <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e a influ-<br />

ência do positivismo nas relações <strong>de</strong> gênero; analisam-se as transformações<br />

econômicas, sociais e políticas ocorridas entre as duas guerras mundiais e<br />

avalia-se o papel <strong>de</strong>stas na abertura <strong>de</strong> espaços para as <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> merca-<br />

do <strong>de</strong> trabalho; estudam-se as mudanças que aconteceram <strong>no</strong> Brasil nas<br />

décadas <strong>de</strong> cinqüenta e sessenta e as possíveis influências <strong>de</strong>stas sobre as<br />

relações <strong>de</strong> gênero; finalmente, examina-se o avanço das <strong>mulheres</strong>, a partir<br />

dos a<strong>no</strong>s setenta, e a articulação <strong>de</strong>stes avanços com as conquistas femini-<br />

nas <strong>no</strong> mundo do trabalho.<br />

O objetivo do Capítulo II é verificar como o <strong>de</strong>senrolar do processo<br />

histórico contribuiu para a manutenção ou modificação nas características<br />

22


fundamentais das relações <strong>de</strong> gênero na socieda<strong>de</strong> gaúcha. Sua construção é<br />

feita, principalmente, a partir da consulta às principais obras sobre a Histó-<br />

ria rio-gran<strong>de</strong>nse e brasileira, bem como através da pesquisa em jornais da<br />

imprensa gaúcha.<br />

No III capítulo, intitulado As Primeiras Trabalhadoras do Setor<br />

Bancário Gaúcho, estuda-se a estrutura bancária <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul do<br />

início do século XX, sendo abordada a história dos <strong>banco</strong>s privados que,<br />

entre <strong>1920</strong> e 1945, admitiram <strong>mulheres</strong> em seus quadros funcionais; são i-<br />

<strong>de</strong>ntificadas as primeiras trabalhadoras do Banco da Província do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, do Banco Nacional do Comércio e do Banco Pfeiffer e é<br />

traçado um breve perfil <strong>de</strong>stas (<strong>no</strong>me, ida<strong>de</strong>, local <strong>de</strong> nascimento, estado<br />

civil, data <strong>de</strong> ingresso <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida). O objetivo do ca-<br />

pítulo é recuperar os dados relativos ao ingresso das primeiras<br />

trabalhadoras <strong>no</strong> setor bancário gaúcho e <strong>de</strong>senvolver a análise possível a<br />

partir <strong>de</strong>ssas informações.<br />

A elaboração do Capítulo III baseia-se em pesquisa bibliográfica,<br />

<strong>no</strong> que se refere à história dos <strong>banco</strong>s, e, para a parte relativa à <strong>trajetória</strong><br />

das primeiras bancárias, na coleta <strong>de</strong> dados <strong>no</strong> SEEB-POA, <strong>no</strong> Museu do<br />

Banco Meridional e <strong>no</strong> Setor <strong>de</strong> Microfilmagem do mesmo <strong>banco</strong>, bem co-<br />

mo em entrevistas com familiares <strong>de</strong> bancárias da época ou com bancárias<br />

que ingressaram <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s nas décadas <strong>de</strong> quarenta ou cinqüenta.<br />

23


O objetivo do Capítulo IV, intitulado O Ingresso das Mulheres <strong>no</strong><br />

Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, é reconstituir a <strong>trajetória</strong> das mu-<br />

lheres que ingressaram na instituição entre 1943-1945. O estudo esclarece<br />

que essas <strong>mulheres</strong> foram autorizadas a ingressar <strong>no</strong> <strong>banco</strong> a partir <strong>de</strong> reso-<br />

lução da diretoria da instituição, em 1943, assim como enfatiza que tais<br />

trabalhadoras não tiveram possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ascensão, permanecendo<br />

como auxiliares até 1961.<br />

A partir do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> oito das primeiras trabalhadoras do Ban-<br />

co do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul aprofunda-se o perfil das mesmas e<br />

discutem-se os seguintes aspectos: fatores que motivaram a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> tra-<br />

balhar, escolha da profissão, reação da família frente à escolha da<br />

profissão, relações entre homens e <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, salários <strong>de</strong> homens e<br />

<strong>mulheres</strong>, ascensão das <strong>mulheres</strong>, relação entre profissão e obrigações fa-<br />

miliares, principais valores e atitu<strong>de</strong>s das primeiras trabalhadoras do<br />

referido <strong>banco</strong>.<br />

Para elaborar o Capítulo IV foram utilizados dados obtidos em le-<br />

vantamentos junto ao SEEB-POA e <strong>no</strong> Museu Banrisul, fichas funcionais<br />

fornecidas pelo Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s do BERGS e os <strong>de</strong>po-<br />

imentos <strong>de</strong> oito das primeiras trabalhadoras.<br />

No Capítulo V, que se intitula As Mulheres Conquistando Espaço<br />

<strong>no</strong> Banrisul, tem-se por objetivo discutir o processo <strong>de</strong> ascensão das mu-<br />

lheres <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, a partir <strong>de</strong> meados da<br />

década <strong>de</strong> sessenta, e analisar suas dificulda<strong>de</strong>s e lutas para participar <strong>de</strong><br />

24


espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>cisão controlados pelos homens. Consi<strong>de</strong>ra-se que es-<br />

se processo articula-se com as modificações regimentais ocorridas na<br />

instituição, que facilitaram a ascensão feminina, bem como com o avanço<br />

das <strong>mulheres</strong> nas mais diferentes instâncias da socieda<strong>de</strong>, a partir das déca-<br />

das <strong>de</strong> setenta e oitenta.<br />

O Capítulo V é construído a partir <strong>de</strong> levantamento <strong>de</strong> documenta-<br />

ção do <strong>banco</strong> relativa a mudanças organizacionais <strong>de</strong>ste, da consulta às<br />

fichas funcionais das bancárias cujas histórias serão analisadas, dos <strong>de</strong>poi-<br />

mentos das treze trabalhadoras que galgaram postos importantes <strong>de</strong>ntro do<br />

Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (Chefia <strong>de</strong> Setor, Chefia <strong>de</strong> Seção,<br />

Coor<strong>de</strong>nadoria, Gerência, Inspetoria) e do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> dois diretores da<br />

instituição.<br />

25


CAPÍTULO I<br />

DISCUTINDO QUESTÕES TEÓRICAS<br />

Maria Odila Leite da Silva Dias afirma que muitas dificulda<strong>de</strong>s se<br />

apresentam para quem ousa “enveredar pelos estudos das <strong>mulheres</strong> em soci-<br />

eda<strong>de</strong>, pois se trata <strong>de</strong> terre<strong>no</strong> minado <strong>de</strong> incertezas, saturado <strong>de</strong><br />

controvérsias movediças, pontuado <strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong>s sutis.” 17<br />

afirma que<br />

Susan Bordo ao referir-se aos estudos relativos à temática feminina<br />

“se trata <strong>de</strong> um domínio inóspito para quem sofre <strong>de</strong><br />

ansieda<strong>de</strong> cartesiana, já que mais cabe ao pensamento<br />

feminista <strong>de</strong>struir parâmetros herdados do que construir<br />

marcos teóricos muito nítidos.” 18<br />

Foi consi<strong>de</strong>rando as incertezas, controvérsias e ambigüida<strong>de</strong>s acima<br />

mencionadas, que se julgou importante <strong>de</strong>dicar um capítulo <strong>de</strong>sta tese à<br />

discussão teórica <strong>de</strong> aspectos relativos ao estudo da questão feminina, o<br />

que será feito nas cinco partes que compõem este capítulo.<br />

17 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “Teoria e Método dos Estudos Feministas: Perspectiva<br />

Histórica e Hermenêutica do Cotidia<strong>no</strong>.” IN: COSTA, Albertina <strong>de</strong> Oliveira e<br />

BRUSCHINI, Cristina (orgs.) Uma Questão <strong>de</strong> Gênero. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rosa dos Tempos,<br />

1992. p.39.<br />

18 BORDO, Susan. “The cartesian masculinization of thought.” Signs, Chicago, v.11, nº<br />

3, p 439-56, 1986. p.439. Visando facilitar a leitura e compreensão do texto, optou-se<br />

por traduzir para o português todas as citações em idioma estrangeiro. As traduções do<br />

espanhol, francês e inglês foram feitas pela autora.


Na primeira parte do capítulo, intitulada Invisibilida<strong>de</strong> e o silenci-<br />

amento das <strong>mulheres</strong>, será abordado o obscurecimento <strong>de</strong>stas na (ou pela)<br />

História, assim como a conjugação <strong>de</strong> fatores que permitiu, nas últimas dé-<br />

cadas do século XX, iniciar-se o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução da<br />

invisibilida<strong>de</strong> e do silenciamento das <strong>mulheres</strong>.<br />

Na segunda parte, intitulada Feminismo, examina-se o feminismo,<br />

como i<strong>de</strong>ologia e como movimento <strong>de</strong> mudança sócio-política, assim como<br />

as diferentes formas que assumiu ao longo <strong>de</strong> sua <strong>trajetória</strong>. Discute-se<br />

também a sua articulação com o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa acadêmica <strong>de</strong><br />

temas relativos à problemática feminina.<br />

Na terceira parte, intitulada Teorias do patriarcado, examina-se a<br />

gênese <strong>de</strong>sta teoria e a contribuição que a mesma po<strong>de</strong> trazer para a com-<br />

preensão das relações que se estabelecem entre homens e <strong>mulheres</strong> na<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

A quarta parte do capítulo, cujo título é Categoria gênero, é <strong>de</strong>di-<br />

cada à revisão dos estudos sobre esta categoria <strong>de</strong> análise histórica. Parte-<br />

se do trabalho <strong>de</strong>senvolvido por Joan Scott e comenta-se a contribuição <strong>de</strong><br />

diferentes estudiosos (as) que vêm usando a referida categoria na análise<br />

histórica.<br />

Sob o título A questão do mercado <strong>de</strong> trabalho femini<strong>no</strong> examina-<br />

se, na quinta parte, as características do processo <strong>de</strong> inserção das mulhe-<br />

res <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, as dificulda<strong>de</strong>s que encontram na construção<br />

27


do seu projeto profissional e as estratégias que elaboram para conquistar<br />

espaço <strong>no</strong> mundo do trabalho.<br />

1 INVISIBILIDADE E SILENCIAMENTO DAS<br />

MULHERES<br />

A primeira dificulda<strong>de</strong> que o (a) historiador (a) precisa enfrentar,<br />

quando se <strong>de</strong>dica ao estudo da história das <strong>mulheres</strong>, <strong>de</strong>corre do que se po-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>no</strong>minar “natureza masculina” ou androcentrismo da História, que tem<br />

levado ao ocultamento do papel <strong>de</strong>sempenhado pelas <strong>mulheres</strong> na so- cie-<br />

da<strong>de</strong>.<br />

São muitos (as) os (as) autores (as) que têm salientado a invisibilida-<br />

<strong>de</strong> imposta às <strong>mulheres</strong>. Georges Duby e Michelle Perrot, por exemplo,<br />

apresentam a obra História das Mulheres <strong>no</strong> Oci<strong>de</strong>nte, da qual são organi-<br />

zadores, com a seguinte interrogação:<br />

“Escrever a história das <strong>mulheres</strong>? Durante muito<br />

tempo foi uma questão incongruente ou ausente. Votadas<br />

ao silêncio da reprodução materna e doméstica,<br />

na sombra da domesticida<strong>de</strong> que não merece ser<br />

quantificada nem narrada, terão mesmo as <strong>mulheres</strong><br />

uma história?” 19<br />

19 DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres <strong>no</strong> Oci<strong>de</strong>nte. Porto: E-<br />

dições Afrontamento, 1990. p.7.<br />

28


Em outra obra, intitulada Os excluídos: operários, <strong>mulheres</strong> e prisio-<br />

neiros, Michelle Perrot afirma que “o ofício <strong>de</strong> historiador é um ofício <strong>de</strong><br />

homens que escrevem a história <strong>no</strong> masculi<strong>no</strong>”, bem como que, “os campos<br />

que abordam são os da ação e do po<strong>de</strong>r masculi<strong>no</strong>s.”<br />

A afirmação <strong>de</strong> Perrot é confirmada quando se observa que os gran-<br />

<strong>de</strong>s <strong>no</strong>mes da historiografia clássica européia são, quase exclusivamente,<br />

<strong>no</strong>mes <strong>de</strong> homens (Zachary Macauly, Gibbon, Burckhardt, Michelet, Ranke,<br />

Seig<strong>no</strong>bos, Action, Marc Block, Lefevre, entre muitos outros). Por outro<br />

lado, os campos que esses autores enfatizam são: o econômico, que ig<strong>no</strong>ra a<br />

mulher, consi<strong>de</strong>rada improdutiva, o social, que privilegia a relação entre<br />

as classes sociais e negligencia as relações <strong>de</strong> gênero e o cultural, que fala<br />

<strong>de</strong> um homem “tão assexuado quanto a Humanida<strong>de</strong>.” 20<br />

Saliente-se, além disso, como o faz Perrot, que<br />

“os historiadores usam como fonte <strong>de</strong> pesquisa materiais<br />

produzidos por homens, que têm o mo<strong>no</strong>pólio do<br />

texto e da coisa públicos (arquivos diplomáticos ou<br />

administrativos, documentos parlamentares, biografias,<br />

produções periódicas). A carência <strong>de</strong> fontes<br />

diretas [...] constitui um tremendo meio <strong>de</strong> ocultamento.”<br />

21<br />

Discutindo a relação entre a História e as <strong>mulheres</strong>, Cécile Dauphin<br />

salientou que há dois séculos o homem vem sendo objeto <strong>de</strong> ciência e <strong>de</strong><br />

20 PERROT, Michelle. Os excluídos: operários, <strong>mulheres</strong> e prisioneiros. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Paz e Terra, 1992. p.185.<br />

21 I<strong>de</strong>m, p. 186.<br />

29


estudo e que há meio século Marc Bloch o colocou <strong>no</strong> centro da investiga-<br />

ção histórica ao afirmar que o objeto da História é o homem. Adverte,<br />

contudo, Dauphin que este homem é um homem assexuado e completa a-<br />

firmando, na mesma linha <strong>de</strong> Perrot, que sendo a história “um trabalho <strong>de</strong><br />

homens que escrevem a história <strong>no</strong> masculi<strong>no</strong> não é <strong>de</strong> admirar que a exclu-<br />

são da mulher tenha parecido e pareça ainda absolutamente natural.” 22<br />

A quase inexistência <strong>de</strong> registros acerca do passado das <strong>mulheres</strong><br />

constitui-se em um dos gran<strong>de</strong>s problemas enfrentados pelos (as) historia-<br />

dores (as) que se <strong>de</strong>dicam a esse tema. Os tênues vestígios ou os indícios<br />

da presença feminina, consi<strong>de</strong>rados sem importância, geralmente foram<br />

<strong>de</strong>sprezados e apagaram-se <strong>no</strong> tempo, dificultando, quando não impedindo,<br />

a reconstituição da <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong>.<br />

Um agravante <strong>de</strong>ssa situação é que os (as) pesquisadores (as) que<br />

estudam o assunto encontram, freqüentemente, representações sobre as mu-<br />

lheres baseadas em discursos masculi<strong>no</strong>s que, na maioria das vezes,<br />

<strong>de</strong>screvem as <strong>mulheres</strong> tal como elas eram pensadas ou vistas por uma cul-<br />

tura marcadamente patriarcal. Dessa forma, além dos registros relativos à<br />

história das <strong>mulheres</strong> serem muito raros, os encontrados, muitas vezes, vei-<br />

culam uma falsa imagem <strong>de</strong>stas.<br />

que:<br />

Recorrendo <strong>no</strong>vamente a Cécile Dauphin, tem-se a afirmativa <strong>de</strong><br />

22<br />

DAUPHIN, Cécile. “Mulheres.” IN: LE GOFF, Jacques, CHARTIER, Roger e REVEL,<br />

Jacques. A Nova História. Coimbra: Almedina, 1978. p. 494.<br />

30


“O gênero ‘história da mulher’ teve seus precursores.<br />

Um estudo histórico exaustivo levar-<strong>no</strong>s-ia até Plutarco<br />

e às múltiplas biografias <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> sempre<br />

virtuosas. Retratos edificantes, ensombrados pela polêmica<br />

sobre a hierarquia dos sexos; uma das poucas<br />

formas toleráveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio em relação a uma i<strong>de</strong>ologia<br />

dominante, mas que, paradoxalmente, reúne e<br />

perpetua os mesmos tópicos sobre a natureza feminina,<br />

tanto <strong>no</strong> seu movimento <strong>de</strong> conjunto como nas<br />

suas contradições e, apesar da sua ‘generosida<strong>de</strong>’,<br />

tal história continua a ser discurso do macho.” 23<br />

A problemática acima comentada ocorre, em gran<strong>de</strong> parte, porque ao<br />

longo da História as <strong>mulheres</strong> não tiveram voz para contar sua <strong>trajetória</strong> e<br />

quando o fizeram, falaram com voz e autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empréstimo, pois, se-<br />

gundo comenta Andréa Nye, com base em Lacan, “a linguagem disponível<br />

para o uso da mulher é, em si, sexista”, razão pela qual esta “repete atitu-<br />

<strong>de</strong>s sexistas ou gagueja”. Assim, não é <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r que “as <strong>mulheres</strong><br />

estejam silentes, consi<strong>de</strong>rando sua falta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Falta-lhes o direito <strong>de</strong> fa-<br />

lar.” 24<br />

O fato das <strong>mulheres</strong> terem ficado, por muito tempo, à margem da<br />

História, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> suas ações terem sido subestimadas ou remeti-<br />

das a uma arena me<strong>no</strong>s importante, além <strong>de</strong> constituir-se em um problema<br />

para a reconstituição <strong>de</strong> sua história, também fez com que a História uni-<br />

versal tivesse sido, <strong>de</strong> fato, a história da meta<strong>de</strong> da humanida<strong>de</strong>, ou seja,<br />

dos homens. Por essa razão, como diz Scott,<br />

“reivindicar a importância das <strong>mulheres</strong> na História<br />

significa necessariamente ir contra as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong><br />

23 DAUPHIN, Cécile. Op. cit., p. 494.<br />

24 NYE, Andrea. Teoria Feminista e as Filosofias do Homem. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rosa dos<br />

Tempos, 1995. p. 204-5.<br />

31


História e seus agentes já estabelecidos como ‘verda<strong>de</strong>iros’<br />

ou, pelo me<strong>no</strong>s, como reflexões acuradas<br />

sobre o que aconteceu (ou teve importância) <strong>no</strong> passado.<br />

E isso é lutar contra padrões consolidados por<br />

comparações nunca estabelecidas, por pontos <strong>de</strong> vista<br />

jamais expressos como tais. A história das <strong>mulheres</strong><br />

[...] questiona a priorida<strong>de</strong> relativa dada à ‘história<br />

do homem’, em oposição à ‘história da mulher’, expondo<br />

a hierarquia implícita em muitos relatos<br />

históricos.” 25<br />

Do que foi dito, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>duzir que escrever uma história na qual<br />

as <strong>mulheres</strong> também sejam sujeitos constitui-se numa crítica à História<br />

tradicional, pois é uma tentativa <strong>de</strong> incorporar à História “um tema consi-<br />

<strong>de</strong>rado marginal ou, quem sabe, irrelevante” com o qual os gran<strong>de</strong>s<br />

historiadores homens não haviam se preocupado. Integrar as <strong>mulheres</strong> à<br />

narrativa histórica, implica em uma modificação na própria matéria-prima<br />

da História e também em mudanças na concepção <strong>de</strong> tempo e espaço. Con-<br />

forme Marisa Navarro,<br />

“Se a História <strong>de</strong>vesse levar em conta a vida das <strong>mulheres</strong>,<br />

como sujeitos históricos, teria que incorporar<br />

o tempo e o espaço em que se materializa sua vida e<br />

seu pensamento, um tempo muito mais lento que o<br />

das conjunturas políticas ou sociais, por exemplo, e<br />

um espaço marcado pela fertilida<strong>de</strong>, as relações conjugais,<br />

o cuidado dos filhos, a repressão da<br />

sexualida<strong>de</strong> feminina ou a dupla jornada. Tinha que<br />

levar em conta esse mundo invisível para a História<br />

tradicional.” 26<br />

25<br />

SCOTT, Joan. “História das Mulheres.” IN: BURKE, Peter (org.). A Escrita da História<br />

. São Paulo: Ed. da Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista, 1992. p. 77-8.<br />

26<br />

NAVARRO, Marisa. “El androcentrismo en la História. La mujer como sujeto invisible.”<br />

IN: Gobier<strong>no</strong> Vasco. Congreso <strong>de</strong> mujer y realidad social. Vitoria: Servicio<br />

Editorial <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong>l País Vasco, 1988. p. 21.<br />

32


Assim sendo, po<strong>de</strong>-se dizer que incluir as <strong>mulheres</strong> na História sig-<br />

nifica, <strong>de</strong> certa forma, propor uma <strong>no</strong>va história porque supõe agregar<br />

experiências pessoais e subjetivas a ativida<strong>de</strong>s públicas e políticas. O estu-<br />

do das <strong>mulheres</strong> não acrescenta apenas <strong>no</strong>vos temas, mas importa <strong>no</strong><br />

reexame das premissas e critérios do trabalho científico existente.<br />

Segundo Gerda Lerner, o procedimento acima referido, constitui-se<br />

num <strong>de</strong>safio à História tradicional, pois significa dizer que “as <strong>mulheres</strong><br />

têm história e que essa história foi obscurecida e mal entendida pelos valo-<br />

res patriarcais <strong>de</strong> <strong>no</strong>ssa cultura e <strong>de</strong> <strong>no</strong>ssas idéias.” 27 Lerner acrescenta<br />

ainda que incluir as <strong>mulheres</strong> na História constitui-se em um <strong>de</strong>safio por-<br />

que<br />

“exige o exame das relações entre sexos e a incorporação<br />

do gênero como categoria analítica, <strong>de</strong>manda a<br />

aceitação <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas fontes, questiona a periodização<br />

tradicional, leva à re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> categorias e valores<br />

e finalmente produz uma mudança paradigmática.” 28<br />

Não apenas as <strong>mulheres</strong> historiadoras têm <strong>de</strong>monstrado preocupação<br />

com a discussão <strong>de</strong>ssas questões. Cabe agregar a essa polêmica algumas<br />

observações do historiador Michel De Certeau. Conforme Certeau, o fato<br />

<strong>de</strong> as <strong>mulheres</strong> terem sido excluídas, não só tor<strong>no</strong>u a História incompleta,<br />

mas também <strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u que o domínio que se tem do passado seja “parci-<br />

al.” De Certeau afirma categoricamente:<br />

27 LERNER, Gerda. The Majority Finds, Its Past: Placing Women in History. New York:<br />

1979. p. 169.<br />

28 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

33


“O fato <strong>de</strong> a particularida<strong>de</strong> do lugar on<strong>de</strong> o discurso<br />

é produzido ser relevante ficará naturalmente mais<br />

evi<strong>de</strong>nte quando o discurso historiográfico tratar das<br />

questões que focalizam o sujeito-produtor da História<br />

[...] Nesses campos, po<strong>de</strong>-se sustentar que a condição<br />

pessoal do autor é indiferente ou que somente ele ou<br />

ela autoriza ou invalida o discurso. Mas essa discussão<br />

requer o que tem sido dissimulado por uma<br />

epistemologia: o impacto das relações sujeito-sujeito<br />

(<strong>mulheres</strong> e homens, negros e brancos etc.) sobre as<br />

técnicas aparentemente neutras.” 29<br />

Gran<strong>de</strong> parte dos historiadores tradicionais tem ig<strong>no</strong>rado a discus-<br />

são <strong>de</strong>ssas questões, o que não se constitui em uma resistência<br />

<strong>de</strong>sinteressada ou neutra. De fato, tais historiadores <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o seu po<strong>de</strong>r,<br />

enquanto guardiães da História, contra uma forma <strong>de</strong> conhecimento que<br />

classificam como distorcido e i<strong>de</strong>ológico por levar em conta interesses <strong>de</strong><br />

um grupo. Evi<strong>de</strong>ntemente, “o rótulo <strong>de</strong> ‘i<strong>de</strong>ológico’ proporciona às opi-<br />

niões dissi<strong>de</strong>ntes a idéia <strong>de</strong> inaceitabilida<strong>de</strong> e às opiniões predominantes<br />

uma condição <strong>de</strong> lei indiscutível ou verda<strong>de</strong>.” 30<br />

De acordo com a historiadora Joan Scott, as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>si-<br />

guais <strong>de</strong>ntro da História tornam as acusações <strong>de</strong> “i<strong>de</strong>ologia” perigosas para<br />

aqueles (as) que buscam legitimida<strong>de</strong> profissional nessa área, tendo <strong>de</strong>sen-<br />

corajado, por muito tempo, historiadores (as) das <strong>mulheres</strong> a confrontarem<br />

as implicações mais radicais <strong>de</strong> seu trabalho com os pressupostos teórico-<br />

metodológicos da disciplina.<br />

29 DE CERTEAU, Michel. History and Fiction. Heterologies – Discourse on the Other,<br />

Mineapolis: 1986. p. 217-8.<br />

30 SCOTT, Joan. Op. cit., p.79.<br />

34


As questões acima comentadas dificultaram a emergência da histó-<br />

ria das <strong>mulheres</strong> e sua institucionalização como campo <strong>de</strong>finido <strong>de</strong>ntro da<br />

História, o que só ocorreu em período mais recente.<br />

A emergência e a institucionalização da história das <strong>mulheres</strong>, se-<br />

gundo salienta Ana Maria Fernan<strong>de</strong>z, foi uma <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> importantes<br />

avanços que se verificaram em três dimensões – a cotidiana, a política e a<br />

acadêmica –, as quais possibilitaram que as <strong>mulheres</strong> começassem a ser vis-<br />

tas como sujeitos históricos e, a partir daí, se constituíssem em campo <strong>de</strong><br />

estudo <strong>de</strong>ntro da História. 31<br />

No que se refere a mudanças na vida cotidiana, a autora acima cita-<br />

da salienta que, a partir das décadas <strong>de</strong> 1950-60, milhares <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, em<br />

diferentes centros urba<strong>no</strong>s, instituíram práticas transformadoras na sua vi-<br />

da, entre as quais a irrupção massiva <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, o ingresso em<br />

cursos secundários e superiores, a conquista <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas legislações, as trans-<br />

formações <strong>no</strong>s contratos conjugais, as <strong>no</strong>vas formas <strong>de</strong> viver o erotismo, as<br />

críticas sistemáticas à atribuição das tarefas domésticas necessariamente às<br />

<strong>mulheres</strong>. 32<br />

Os avanços acima referidos conferiram uma certa visibilida<strong>de</strong> às<br />

<strong>mulheres</strong>, fazendo com que, a partir <strong>de</strong> então, a História não pu<strong>de</strong>sse mais<br />

ig<strong>no</strong>rá-las. A percepção das <strong>mulheres</strong> como sujeito histórico e a abertura <strong>de</strong><br />

um campo <strong>de</strong>ntro da História para estudá-las também esteve profundamente<br />

31<br />

FERNANDEZ, Ana Maria. Las mujeres en la imaginacion colectiva - una história <strong>de</strong><br />

discriminacion y resistencias. (comp.). Bue<strong>no</strong>s Aires: Paidós, 1992.<br />

32<br />

FERNANDEZ, Ana Maria. Op. cit., p. 11.<br />

35


articulada com à força crescente do feminismo, que a partir das suas dife-<br />

rentes manifestações contribuiu para dar visibilida<strong>de</strong> às <strong>mulheres</strong>. 33<br />

No que se refere à dimensão acadêmica, cabe dizer que foram jus-<br />

tamente os avanços das <strong>mulheres</strong> e a força crescente do movimento<br />

feminista que fizeram com que a discussão <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> gênero fosse in-<br />

troduzida <strong>no</strong> meio acadêmico, o que não se <strong>de</strong>u, obviamente, sem a<br />

resistência dos setores mais conservadores do referido meio.<br />

Além dos três aspectos salientados por Ana Maria Fernan<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>ve<br />

ser enfatizado que transformações <strong>no</strong> interior da própria história enquanto<br />

disciplina acadêmica contribuíram <strong>de</strong>cisivamente para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da história das <strong>mulheres</strong>.<br />

Cabe recordar que enquanto a História tradicional preocupava-se<br />

fundamentalmente com a política, ativida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada exclusiva dos ho-<br />

mens, a <strong>no</strong>va história, ligada à chamada École <strong>de</strong>s Annales e à revista<br />

Annales (fundada em 1929), começou a interessar-se por variados aspectos<br />

da ativida<strong>de</strong> humana, partindo do princípio <strong>de</strong> que tudo tem uma história<br />

que po<strong>de</strong> ser reconstituída. Essa <strong>no</strong>va visão facilitou a inclusão das mulhe-<br />

res na História.<br />

Consi<strong>de</strong>re-se também que à medida que os <strong>no</strong>vos historiadores co-<br />

meçaram a interessar-se por toda a ativida<strong>de</strong> humana, abandonando a<br />

preocupação exclusiva com o estudo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s homens, estadistas, gene-<br />

rais e passando a <strong>de</strong>dicar-se à “história dos <strong>de</strong> baixo”, ou seja, daqueles<br />

33 O Feminismo será discutido na parte seguinte <strong>de</strong>ste capítulo.<br />

36


que até então não tinham história, foi aberto o caminho para a posterior in-<br />

clusão das <strong>mulheres</strong> na História.<br />

Deve ser consi<strong>de</strong>rado igualmente que, segundo o paradigma tradi-<br />

cional, a História <strong>de</strong>veria ser baseada em documentos oficiais. Conforme<br />

Burke,<br />

“uma das gran<strong>de</strong>s contribuições <strong>de</strong> Ranke foi sua exposição<br />

das limitações das fontes narrativas e sua<br />

ênfase na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> basear a história escrita em<br />

registros oficiais, emanados do gover<strong>no</strong> e preservados<br />

em arquivos. O preço <strong>de</strong>ssa contribuição foi a<br />

negligência <strong>de</strong> outros tipos <strong>de</strong> evidência [...] Entretanto,<br />

o movimento da ‘história vista <strong>de</strong> baixo’ expôs<br />

as limitações <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> documento. Os registros<br />

oficiais em geral expressam o ponto <strong>de</strong> vista oficial.”<br />

34<br />

O reconhecimento dos limites dos documentos oficiais levou os his-<br />

toriadores a explorarem uma maior varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> evidências (visuais, orais<br />

etc.), o que além <strong>de</strong> enriquecer a História, possibilitou o estudo daqueles<br />

que eram ig<strong>no</strong>rados pelos registros oficiais, como acontecia com as mulhe-<br />

res.<br />

Finalmente, cabe lembrar a abertura dada pelos historiadores dos<br />

Annales a aportes <strong>de</strong> outras Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia,<br />

Psicologia Social), que introduziu <strong>no</strong>vas formas <strong>de</strong> análise, bem como abriu<br />

caminho para que a história das <strong>mulheres</strong> conquistasse seu espaço na Histó-<br />

ria.<br />

34 BURKE, Peter. A Escrita da História - <strong>no</strong>vas perspectivas. 2ª ed. São Paulo: UNESP,<br />

1992. P. 13<br />

37


Conforme Maria Odila Leite da Silva Dias, a atuação <strong>de</strong> Lucien<br />

Febvre e <strong>de</strong> Marc Bloch na criação do grupo dos Annales, apesar <strong>de</strong> não ter<br />

incorporado <strong>de</strong> imediato uma história social das <strong>mulheres</strong>, abriu caminho<br />

para esta “na medida em que lutou para <strong>de</strong>svencilhar a historiografia <strong>de</strong> i-<br />

<strong>de</strong>alida<strong>de</strong>s abstratas e conceitos teóricos.” Os historiadores dos Annales<br />

abordaram realida<strong>de</strong>s vivas, temas concretos da vida cotidiana e aceitaram,<br />

como afirma Dias, “o conceito da fusão na linha do horizonte <strong>de</strong> Gadamer<br />

que sugere uma síntese ou cadinho <strong>de</strong> diferentes contemporaneida<strong>de</strong>s.” 35<br />

Todos esses avanços <strong>de</strong>ram visibilida<strong>de</strong> às <strong>mulheres</strong>, permitiram<br />

que essas passassem a ser encaradas como sujeitos históricos e possibilita-<br />

ram o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um <strong>no</strong>vo campo <strong>de</strong>ntro da História, interessado<br />

em reconstituir a <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong>. Incluindo a meta<strong>de</strong> da humanida-<br />

<strong>de</strong> até bem pouco tempo invisível – as <strong>mulheres</strong> – o domínio que os<br />

historiadores tinham do passado, que De Certeau classificou como “parci-<br />

al”, vem gradativamente se ampliando.<br />

2 FEMINISMO<br />

Quando se tem por objetivo trabalhar com a história das <strong>mulheres</strong>, é<br />

importante acompanhar a <strong>trajetória</strong> do “feminismo”, que tem sido tratado<br />

muitas vezes <strong>de</strong> forma superficial ou totalmente equivocada. O próprio<br />

35 DIAS, Maria Odila Leite da Silva Dias. Op. cit., p. 46-7.<br />

38


termo, vem sendo usado, freqüentemente <strong>de</strong> forma pejorativa. Comenta Jus-<br />

sara Prá:<br />

“Cumpre registrar que o caráter pejorativo imputado<br />

ao termo [...] é tão forte que é comum que se <strong>no</strong>meiem<br />

outras pessoas como feministas, com tendência à<br />

auto-exclusão. Durante muito tempo, ouviam-se muitos<br />

(as) pesquisadores (as) sustentarem a idéia <strong>de</strong> que<br />

estudavam as <strong>mulheres</strong>, mas não eram feministas.” 36<br />

Conforme o Dicionário do Pensamento Social do Século XX, o “fe-<br />

minismo” po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos iguais para homens e<br />

<strong>mulheres</strong>, acompanhada do compromisso <strong>de</strong> melhorar a posição <strong>de</strong>stas na<br />

socieda<strong>de</strong>. O feminismo pressupõe uma condição básica <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>,<br />

resultante da dominação masculina ou patriarcal, da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero<br />

ou dos efeitos sociais da diferença sexual. 37<br />

Enten<strong>de</strong>m Branca Moreira Alves e Jacqueline Pitanguy que o “femi-<br />

nismo” busca repensar e recriar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sexo sob uma ótica em que<br />

o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha <strong>de</strong> adaptar-se a mo<strong>de</strong>los<br />

hierarquizados. 38<br />

36 PRÁ, Jussara Reis. “O feminismo como teoria e prática política”. IN: STREY, Marlene.<br />

Mulher – estudos <strong>de</strong> gênero. Porto Alegre: Ed. Unisi<strong>no</strong>s, 1997. p. 41.<br />

37 DICIONÁRIO DO PENSAMENTO SOCIAL DO SÉCULO XX. Editores William Outwaite<br />

e Tom Bottomore. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.<br />

38 ALVES, Branca Moreira e PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1981. p. 9-10.<br />

39


Karen Offen afirma que, embora com freqüência se atribua a inven-<br />

ção da palavra “feminismo” a Charles Fourier na década <strong>de</strong> 1830, a origem<br />

<strong>de</strong>sse vocábulo continua incerta. 39<br />

De acordo com o que informa Offen, o uso da palavra “feminismo”<br />

começou a generalizar-se na França, em princípios dos a<strong>no</strong>s <strong>no</strong>venta do sé-<br />

culo XIX, significando a “emancipação da mulher.” Ao que se sabe, a<br />

primeira mulher que se proclamou feminista foi a francesa Hubertine Au-<br />

clert – <strong>de</strong>fensora do sufrágio femini<strong>no</strong> - que, ao me<strong>no</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1882,<br />

utilizou o termo em sua revista La Citoyenne (A Cidadã), para <strong>no</strong>mear a si<br />

mesma e a suas seguidoras. 40<br />

A palavra “feminismo” teve gran<strong>de</strong> aceitação <strong>no</strong> <strong>de</strong>bate travado na<br />

imprensa francesa sobre o primeiro congresso feminista <strong>de</strong> Paris, organiza-<br />

do em 1892 por Eugénie Potonie-Pierre e suas companheiras do grupo<br />

Solidarité (Solidarieda<strong>de</strong>).<br />

Por volta <strong>de</strong> 1894-95, o termo começou a aparecer também na Grã-<br />

Bretanha e, antes da virada do século, já podia ser encontrado em diversas<br />

publicações em espanhol, italia<strong>no</strong>, alemão, grego e russo. No final dos a<strong>no</strong>s<br />

<strong>no</strong>venta do século XIX, a palavra começou a ser usada <strong>no</strong>s Estados Unidos<br />

e em alguns países da América do Sul, tornando-se o seu uso corrente entre<br />

a primeira e segunda década do século XX. 41<br />

39 OFFEN, Karen, “Definir el feminismo: un análisis histórico comparativo.” Revista<br />

História Social, número 9 <strong>de</strong> 1991. Editada pelo Centro <strong>de</strong> la Uned Alzira-Valencia.<br />

40 OFFEN, Karen. Op. cit., p.108.<br />

41 I<strong>de</strong>m. p. 109-110.<br />

40


A partir dos a<strong>no</strong>s iniciais do século XX, é possível observar que o<br />

termo passou a ser utilizado não só pelos (as) partidários (as) do feminis-<br />

mo, conforme <strong>de</strong>finido acima, mas também pelos mais ardorosos<br />

adversários da emancipação feminina. 42<br />

Offen consi<strong>de</strong>ra que “feminismo” constitui-se num conceito capaz<br />

<strong>de</strong> englobar uma i<strong>de</strong>ologia e um movimento <strong>de</strong> mudança sociopolítico fun-<br />

dado em uma análise crítica do privilégio dos homens e da subordinação<br />

das <strong>mulheres</strong> em qualquer socieda<strong>de</strong>. Para a autora “a pedra fundamental<br />

do edifício i<strong>de</strong>ológico do feminismo é o gênero - imagem diferencial do<br />

comportamento dos sexos - construído sobre a base das diferenças fisioló-<br />

gicas.” 43<br />

O feminismo, portanto, opõe-se à subordinação da mulher ao homem<br />

na família e na socieda<strong>de</strong> e às pretensões masculinas <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o que é<br />

mais a<strong>de</strong>quado para as <strong>mulheres</strong> Dessa forma, o feminismo confronta-se<br />

formalmente com o pensamento patriarcal, 44 sua organização social e seus<br />

mecanismos <strong>de</strong> controle, sendo seu objetivo <strong>de</strong>struir a hierarquia masculi-<br />

na e não o dualismo sexual.<br />

O feminismo exige que o po<strong>de</strong>r social, econômico e político da so-<br />

cieda<strong>de</strong> estruture-se <strong>de</strong> maneira a possibilitar um equilíbrio entre as<br />

42<br />

Em jornais gaúchos da década <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, cujos artigos serão comentados <strong>no</strong> capítulo<br />

seguinte, encontrou-se inúmeras matérias nas quais a palavra feminismo era usada por<br />

diferentes articulistas exatamente com o objetivo <strong>de</strong> criticar os avanços femini<strong>no</strong>s.<br />

43<br />

A categoria gênero será objeto <strong>de</strong> estudo na quarta parte <strong>de</strong>ste capítulo.<br />

44<br />

A questão do patriarcado e das teorias que foram <strong>de</strong>senvolvidas para compreen<strong>de</strong>r essa<br />

forma <strong>de</strong> organização da socieda<strong>de</strong> será discutida na parte seguinte <strong>de</strong>ste capítulo.<br />

41


<strong>mulheres</strong> e os homens. Apela a uma humanida<strong>de</strong> comum, que foi obscureci-<br />

da pelo patriarcado, e exige o respeito às diferenças <strong>de</strong> ambos os sexos.<br />

Karen Offen elaborou três critérios com base <strong>no</strong>s quais, segundo e-<br />

la, é possível consi<strong>de</strong>rar que uma pessoa é feminista. Para Offen homem ou<br />

mulher é feminista quando<br />

“ 1) aceita a valida<strong>de</strong> das interpretações das <strong>mulheres</strong><br />

sobre suas próprias experiências e necessida<strong>de</strong>s e reconhece<br />

os valores que as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m; 2)<br />

manifesta-se consciente, repudia e <strong>de</strong>nuncia a injustiça<br />

(ou <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>) institucionalizada, que os<br />

homens como grupo exercem sobre as <strong>mulheres</strong> como<br />

grupo; 3) advoga a eliminação da dita injustiça e se<br />

opõe ao po<strong>de</strong>r, à força e à autorida<strong>de</strong> coercitiva que<br />

mantêm as prerrogativas do homem, esforçando-se<br />

para transformar as idéias dominantes e/ou as instituições<br />

e práticas sociais.” 45<br />

Consi<strong>de</strong>rando os aspectos acima salientados, é possível afirmar que<br />

embora o feminismo, como uma doutrina e um movimento, só tenha se <strong>de</strong>-<br />

senvolvido <strong>no</strong> período recente, em todas as épocas da História, como diz<br />

Maria-Milagros Riveira Garretas, “houve <strong>mulheres</strong> que viveram e pensa-<br />

ram o mundo <strong>no</strong> femini<strong>no</strong> a partir <strong>de</strong> sua experiência pessoal.” Em épocas<br />

bem anteriores, já se encontravam algumas <strong>mulheres</strong> que <strong>de</strong>fendiam posi-<br />

ções e estavam engajadas em lutas que po<strong>de</strong>m ser classificadas como<br />

feministas. 46<br />

45<br />

OFFEN, Karen. Op. cit. p. 130-2.<br />

46<br />

GARRETAS, Maria-Milagros Rivera. Nombrar el mundo em femeni<strong>no</strong> – Pensamiento<br />

<strong>de</strong> las mujeres y teoria feminista. Barcelona: Icaria Ed., 1994.<br />

42


No início do século XV, Christine <strong>de</strong> Pisan (1365-1430), partici-<br />

pando das querelles <strong>de</strong>s femmes (<strong>de</strong>bates literários e filosóficos sobre o<br />

valor das <strong>mulheres</strong>), já <strong>de</strong>nunciava a situação injusta a que estas eram sub-<br />

metidas. Nas referidas “querelas”, era discutido se as <strong>mulheres</strong> eram<br />

humanas, qual era a sua natureza, se podiam ser educadas, se era aconse-<br />

lhável que os homens se aproximassem <strong>de</strong>las.<br />

Na obra Libro <strong>de</strong> la ciudad <strong>de</strong> las damas (Livro da Cida<strong>de</strong> das Mu-<br />

lheres), Pisan insistiu em que as <strong>mulheres</strong> não eram, <strong>de</strong> modo inato,<br />

inferiores aos homens, mas que a base equivocada <strong>de</strong>ssa idéia era a educa-<br />

ção inferior que recebiam.<br />

É interessante salientar que o <strong>de</strong>fendido por Christine Pisan, <strong>no</strong> sé-<br />

culo XV, constituiu-se numa das questões que sempre esteve presente nas<br />

reivindicações das <strong>mulheres</strong>. Estas, portanto, vem reclamando há vários sé-<br />

culos o direito à educação.<br />

No século XVII, também, várias <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>stacaram-se por posi-<br />

ções que po<strong>de</strong>m ser classificadas como feministas. Entre elas, Marie <strong>de</strong><br />

Gournay, que escreveu sobre as qualida<strong>de</strong>s das <strong>mulheres</strong>, inclusive para<br />

governar; Mary Astell, que <strong>de</strong>fendia cursos superiores para <strong>mulheres</strong>; 47<br />

Maria <strong>de</strong> Zayas, que afirmava que as <strong>mulheres</strong> estavam tão capacitadas<br />

47 De acordo com An<strong>de</strong>rson e Zinsser, Mary Astel, na obra Reflexiones sobre el matrimonio<br />

estabeleceu, muito provavelmente pela primeira vez, uma relação entre gover<strong>no</strong> e<br />

domínio masculi<strong>no</strong> na família, perguntando: se a soberania absoluta não é necessária<br />

para o Estado, por que há <strong>de</strong> sê-lo para a família? Ela se referia à revolução inglesa <strong>de</strong><br />

1689 que limitara o po<strong>de</strong>r do rei inglês. In ANDERSON, Bonnie y ZINSSER, Judith,<br />

43


quanto os homens para ocupar postos <strong>de</strong> gover<strong>no</strong> e cátedras universitárias;<br />

e Mary Lee que na obra em En <strong>de</strong>fensa <strong>de</strong> las damas (Na <strong>de</strong>fesa das mulhe-<br />

res, 1701) afirmou que as <strong>mulheres</strong>, inclusive, podiam conseguir ser<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes dos homens... 48<br />

A Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do<br />

Cidadão (1789) levaram algumas <strong>mulheres</strong> a reclamar iguais direitos aos<br />

alcançados pelos homens. Entre elas <strong>de</strong>stacou-se Olympe <strong>de</strong> Gouges (1748-<br />

93), que questio<strong>no</strong>u profundamente a estrutura que oprimia as <strong>mulheres</strong> e<br />

exigiu direitos iguais aos que os homens estavam alcançando.<br />

Mary Wollstonecraft (1759-1797), pensadora inglesa, reuniu as pri-<br />

meiras idéias feministas em Vindicatión <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> la mujer<br />

(Reivindicações dos direitos da mulher), publicado em 1792, atribuindo à<br />

<strong>de</strong>mocracia do estado-nação, a melhoria <strong>de</strong> vida das <strong>mulheres</strong>. A proposta<br />

<strong>de</strong> Wollstonecraft era <strong>de</strong> educação gratuita para ambos os sexos e fim da<br />

tradição <strong>de</strong> subordinação feminina. Conforme Wollstonecraft, “as <strong>mulheres</strong><br />

nascem como seres huma<strong>no</strong>s, porém as fazem ‘femininas’ e, portanto, infe-<br />

riores aos homens por meio <strong>de</strong> uma educação <strong>de</strong>ficiente.” 49<br />

Historia <strong>de</strong> las mujeres: una história propia. 2ª vol. Barcelona: Noyagràfic, 1991.<br />

p.395.<br />

48<br />

ANDERSON, Bonnie y ZINSSER, Judith. Op. cit., p. 392.<br />

49<br />

Um dos maiores opositores das idéias <strong>de</strong> Wollstonecraft foi Rousseau, para o qual,<br />

posto que as <strong>mulheres</strong> nascian para dar prazer aos homens (fato <strong>de</strong>mostrado por sua innata<br />

coqueteria e seu interesse pela roupa), sua educação <strong>de</strong>via prepará-las para realizar<br />

corretamente seu futuro papel <strong>de</strong> esposas. ANDERSON, Bonnie y ZINSSER, Judith. Op.<br />

cit., p. 394.<br />

44


Salienta-se que mais <strong>de</strong> 150 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois Simone <strong>de</strong> Beauvoir escre-<br />

veu a obra que a celebrizou – O Segundo Sexo – na qual afirmava: “Não se<br />

nasce mulher, torna-se...”<br />

Wollstonecraft contribuiu <strong>de</strong> forma importante para a expansão <strong>de</strong><br />

idéias que po<strong>de</strong>riam ser consi<strong>de</strong>radas feministas. Tais idéias, associadas às<br />

possibilida<strong>de</strong>s libertadoras da Revolução Francesa (1789), encorajaram ou-<br />

tras <strong>mulheres</strong> da época a reclamar direitos políticos e jurídicos. 50 Porém a<br />

Revolução, que abrira portas a essas possibilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>pois as <strong>de</strong>struiu. A<br />

ativida<strong>de</strong> política foi proibida a todas as <strong>mulheres</strong> francesas, em outubro <strong>de</strong><br />

1793, com o argumento <strong>de</strong> que “uma mulher não <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>ixar a sua famí-<br />

lia para intrometer-se em assuntos <strong>de</strong> gover<strong>no</strong>.” 51<br />

Com o <strong>de</strong>senvolvimento do liberalismo <strong>no</strong> século XIX, tor<strong>no</strong>u-se<br />

me<strong>no</strong>s difícil para as <strong>mulheres</strong> organizarem-se e reivindicarem seus direi-<br />

tos, já que essa doutrina era uma forma <strong>de</strong> oposição à socieda<strong>de</strong> tradicional<br />

e uma valorização do indivíduo e da razão. Alguns liberais da época admi-<br />

tiram que a <strong>de</strong>fesa da conquista dos direitos pelas <strong>mulheres</strong> era um passo<br />

para o progresso moral da socieda<strong>de</strong>.<br />

50<br />

No Brasil, uma mulher que sofreu influência <strong>de</strong> Wollstonecraft foi Nísia Floresta<br />

Brasileira, que viveu 28 a<strong>no</strong>s na Europa, tendo partilhado das idéias emancipacionistas<br />

lá <strong>de</strong>senvolvidas. Nísia não chegou a organizar movimento, visando emancipar as <strong>mulheres</strong>,<br />

mas teve importante atuação literária, divulgando posições feministas e<br />

traduzindo o livro <strong>de</strong> Mary Wollstonecraff Direitos das Mulheres, Injustiças dos Homens<br />

(1852). Publicou também Conselhos a Minha Filha (1842) e A Mulher (1856) .<br />

Juntamente com Josefina Azevedo, Nísia Floresta teve importante papel na campanha<br />

pela abolição da escravatura <strong>no</strong> país.<br />

51<br />

ANDERSON, Bonnie y ZINSSER, Judith, Op. cit., p. 399.<br />

45


Entre os pensadores liberais do século XIX, alguns assumiram posi-<br />

ções em <strong>de</strong>fesa dos direitos femini<strong>no</strong>s ao questionarem a subordinação das<br />

<strong>mulheres</strong>. Entre estes po<strong>de</strong> ser citado John Stuart Mill, que em 1869 afir-<br />

mou o que segue:<br />

“A subordinação das <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>staca-se como rarida<strong>de</strong><br />

ilhada <strong>de</strong>ntro das instituições sociais mo<strong>de</strong>rnas,<br />

a única relíquia <strong>de</strong> um velho mundo <strong>de</strong> pensamento e<br />

<strong>de</strong> prática que em todo o restante <strong>de</strong>sapareceu... Esta<br />

radical contradição entre um fato social e todos os<br />

que o ro<strong>de</strong>iam, e a marcha para o progresso <strong>de</strong> que o<br />

mundo mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong> faz alar<strong>de</strong> é, sem dúvida, um assunto<br />

sério sobre o qual há que refletir.” 52<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que o feminismo, como movimento que reuniu um<br />

certo número <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, começou a florescer durante as revoluções libe-<br />

rais européias e <strong>de</strong>cli<strong>no</strong>u quando a or<strong>de</strong>m conservadora foi reconstituída.<br />

Na Inglaterra, o êxito da política liberal contribuiu para que cedo se for-<br />

masse o movimento pelos direitos da mulher. Na França, o feminismo<br />

ascen<strong>de</strong>u durante as revoluções <strong>de</strong> 1789, 1848 e 1871 e <strong>de</strong>cli<strong>no</strong>u <strong>no</strong>s perío-<br />

dos <strong>de</strong> repressão que seguiram aos revolucionários, especialmente <strong>no</strong>s 1º e<br />

2º império napoleônicos. Na Alemanha, também houve o florescimento do<br />

feminismo com a Revolução <strong>de</strong> 1848, que foi <strong>de</strong>bilitado com a posterior<br />

repressão. Na Rússia, o movimento liberal da década <strong>de</strong> 1850, também,<br />

possibilitou o <strong>de</strong>senvolvimento do feminismo. A repressão que se seguiu<br />

empurrou liberais e feministas para o terre<strong>no</strong> revolucionário. 53<br />

52 ANDERSON, Bonnie y ZINSSER, Judith, Op. cit. p. 400.<br />

53 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

46


Socialismo e feminismo tinham muito em comum, visto que ambos<br />

con<strong>de</strong>navam a or<strong>de</strong>m existente e a subordinação dos trabalhadores e/ou das<br />

<strong>mulheres</strong>. O socialismo rechaçava a proprieda<strong>de</strong> privada dos meios <strong>de</strong> pro-<br />

dução e <strong>de</strong>fendia a proprieda<strong>de</strong> social <strong>de</strong>stes. O feminismo rechaçava a<br />

“proprieda<strong>de</strong>” e o domínio masculi<strong>no</strong>s sobre as <strong>mulheres</strong>, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a<br />

emancipação feminina. Essa proximida<strong>de</strong> levou alguns pensadores a i<strong>de</strong>nti-<br />

ficar o socialismo com o feminismo. Charles Fourier (1772-1837), por<br />

exemplo, consi<strong>de</strong>rava que “o progresso social e as mudanças históricas o-<br />

correm graças ao progresso das <strong>mulheres</strong> face à liberda<strong>de</strong> [...], a ampliação<br />

dos direitos das <strong>mulheres</strong> é o princípio geral <strong>de</strong> todo o progresso social.” 54<br />

Várias <strong>mulheres</strong> socialistas, em diferentes países, especialmente A-<br />

lemanha e Rússia, <strong>de</strong>stacaram-se <strong>no</strong>s movimentos do final do século XIX e<br />

primeiras décadas do século XX. Entre elas Clara Zetkin 55 , Louise Michel,<br />

A<strong>de</strong>lheid Popp-Dworak, Elizaveta Kovalskaya, Vera Zasulich, Alexandra<br />

Kollontai. 56<br />

Saliente-se, todavia, que homens e <strong>mulheres</strong> socialistas antepu-<br />

nham o socialismo ao feminismo, o que fica evi<strong>de</strong>nte nas palavras <strong>de</strong> Clara<br />

54 ANDERSON, Bonnie y ZINSSER, Judith. Op. cit., p.420.<br />

55 Clara Zetkin (1857-1933) foi responsável pelo <strong>de</strong>senvolvimento da posição socialista<br />

feminista <strong>no</strong> Partido Socialista alemão e fundadora e dirigente da Internacional <strong>de</strong> Mulheres<br />

Socialistas. Ela afirmou em texto intitulado A questão das trabalhadoras e das<br />

<strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> momento atual que o socialismo e o feminismo estavam intimamente relacionados.<br />

Zetkin também foi editora do periódico das <strong>mulheres</strong> que batizou <strong>de</strong><br />

Gleichheit (Igualda<strong>de</strong>) em oposição ao <strong>no</strong>me anterior - A mulher Trabalhadora.<br />

47


Zetkin, que em 1895 afirmava que “a mulher proletária não po<strong>de</strong> alcançar<br />

seus mais altos i<strong>de</strong>ais através <strong>de</strong> um movimento pela igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sexo;<br />

somente alcançará a salvação através da luta pela emancipação do traba-<br />

lho.” 57<br />

As socialistas feministas inspiravam-se na obra <strong>de</strong> Marx e Engels,<br />

na qual estava presente a idéia <strong>de</strong> que o socialismo transformaria radical-<br />

mente a socieda<strong>de</strong>. Em tal transformação estavam incluídas as relações<br />

entre homens e <strong>mulheres</strong>, a forma <strong>de</strong> família e a opressão econômica das<br />

trabalhadoras. Engels, na obra Origem da família, da proprieda<strong>de</strong> privada<br />

e do Estado, explica a subordinação da mulher a partir da produção <strong>de</strong> ex-<br />

ce<strong>de</strong>nte econômico e da apropriação privada do mesmo. Na sua visão,<br />

somente a superação do modo <strong>de</strong> produção capitalista po<strong>de</strong>ria permitir a e-<br />

fetiva libertação das <strong>mulheres</strong>. 58<br />

56 ANDERSON, Bonnie y ZINSSER, Judith. Op. cit., p.420.<br />

57 ANDERSON, Bonnie y ZINSSER, Judith. Op. cit., p.421.<br />

58 Na obra Origem da Família, da Proprieda<strong>de</strong> Privada e do Estado, Engels afirmava<br />

também que a mo<strong>no</strong>gamia não apareceu na História como uma reconciliação entre o<br />

homem e a mulher e me<strong>no</strong>s ainda como uma forma mais elevada <strong>de</strong> matrimônio. Pelo<br />

contrário, ela surgiu sob a forma <strong>de</strong> escravização <strong>de</strong> um sexo pelo outro, como proclamação<br />

<strong>de</strong> um conflito entre sexos, ig<strong>no</strong>rado até então. Dizia ele: “Num velho<br />

manuscrito inédito, redigido por Marx e por mim, (I<strong>de</strong>ologia Alemã) encontro a seguinte<br />

frase: ‘A primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para<br />

a procriação dos filhos’. Hoje posso acrescentar: o primeiro antagonismo <strong>de</strong> classes<br />

que apareceu na História coinci<strong>de</strong> com o <strong>de</strong>senvolvimento do antagonismo entre o homem<br />

e a mulher na mo<strong>no</strong>gamia; e a primeira opressão <strong>de</strong> classes, com a opressão do<br />

femini<strong>no</strong> pelo masculi<strong>no</strong>. A mo<strong>no</strong>gamia foi um gran<strong>de</strong> progresso histórico, mas, ao<br />

mesmo tempo, iniciou, juntamente com a escravidão e as riquezas privadas, aquele período,<br />

que dura até <strong>no</strong>ssos dias, <strong>no</strong> qual cada progresso é simultaneamente um<br />

retrocesso relativo, e o bem-estar e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uns se verifica à custa da dor<br />

e da repressão <strong>de</strong> outros. É a forma celular da socieda<strong>de</strong> civilizada, na qual já po<strong>de</strong>mos<br />

estudar a natureza das contradições e dos antagonismos que atingem seu ple<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento nessa socieda<strong>de</strong>.” ENGELS, Friedrich. A família, origem da proprieda<strong>de</strong><br />

privada e do Estado. São Paulo: Global, 1984. p.104.<br />

48


No final do século XIX e início do século XX, as discussões femi-<br />

nistas centraram-se na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> política e na luta para atingir a<br />

igualda<strong>de</strong> nesse campo. Esse movimento ficou conhecido como sufragismo.<br />

A corrente do movimento feminista internacional, i<strong>de</strong>ntificada co-<br />

mo sufragista, <strong>de</strong>senvolveu-se principalmente <strong>no</strong>s Estados Unidos e na<br />

Inglaterra, nas últimas décadas do século XIX, apresentando características<br />

particulares em cada um dos casos. Embora, em geral, o movimento sufra-<br />

gista tenha assumido características mo<strong>de</strong>radas, algumas vezes foram<br />

adotadas táticas violentas, especialmente na Inglaterra.<br />

As principais reivindicações do sufragismo estavam relacionadas a<br />

reformas jurídicas relativas ao status político da mulher, baseando-se na<br />

concepção liberal <strong>de</strong> que a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos jurídicos seria o suficiente<br />

para solucionar os problemas enfrentados pelas <strong>mulheres</strong>.<br />

É interessante <strong>de</strong>stacar que o movimento sufragista, em geral, não<br />

questionava os papéis tradicionais da mulher mãe e esposa. Ao contrário,<br />

utilizava-se inclusive <strong>de</strong>sses papéis para argumentar que, se as reivindica-<br />

ções feitas fossem atendidas, as <strong>mulheres</strong> teriam melhores condições para<br />

aten<strong>de</strong>r a sua “principal” tarefa na socieda<strong>de</strong>: “a <strong>de</strong> ser mãe.”<br />

Cabe também mencionar, conforme salientam Cecília Sar<strong>de</strong>nberg e<br />

Ana Alice Costa, que as sufragistas não se preocuparam em analisar a con-<br />

tradição entre a incorporação da mulher ao mercado <strong>de</strong> trabalho e a tarefa<br />

principal que tanto <strong>de</strong>fendiam, passando ao largo das conseqüências que tal<br />

incorporação trazia às operárias, como a dupla jornada <strong>de</strong> trabalho. O femi-<br />

49


nismo sufragista foi, assim, uma corrente i<strong>de</strong>ntificada com <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong><br />

classe média que, em sua maioria, tiveram acesso à educação superior. 59<br />

Durante o final do século XIX e início do século XX, as feministas<br />

<strong>de</strong>dicaram-se à luta pela conquista do sufrágio. Passado este período, o<br />

movimento feminista viveu um longo período <strong>de</strong> refluxo. De certa forma<br />

faltavam <strong>no</strong>vas ban<strong>de</strong>iras que pu<strong>de</strong>ssem reunir e mobilizar as <strong>mulheres</strong>.<br />

Somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> meados do século XX é que refloresceram os<br />

movimentos feministas, impulsionados pelas mobilizações contestatórias<br />

dos a<strong>no</strong>s sessenta, dando origem ao que muitos autores <strong>de</strong><strong>no</strong>minaram a<br />

“Segunda Onda Feminista.”<br />

O <strong>no</strong>vo movimento feminista caracterizou-se por propostas que vão<br />

muito além da luta pela igualda<strong>de</strong> jurídica, visto que questiona o papel <strong>de</strong>-<br />

sempenhado pela mulher na família, <strong>no</strong> trabalho e na socieda<strong>de</strong>, bem como<br />

luta por transformações nas relações humanas e pela superação da discri-<br />

minação <strong>de</strong> gênero. Novas estratégias <strong>de</strong> luta são criadas, verificando-se<br />

uma politização do movimento. Começa a ficar cada vez mais claro que as<br />

relações entre homens <strong>mulheres</strong> não são naturais ou biologicamente <strong>de</strong>ter-<br />

minadas.<br />

Cabe <strong>de</strong>stacar que o <strong>no</strong>vo feminismo é bastante dinâmico, assumin-<br />

do diferentes características nas últimas décadas do século XX, o que levou<br />

Júlia Kristeva a i<strong>de</strong>ntificar três gerações <strong>de</strong> feministas, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s sessenta,<br />

59 SARDENBERG, Cecília M. B. e COSTA, Ana Alice. Feminismos, feministas e movimentos<br />

sociais. IN: BRANDÃO, Margarida Luiza Ribeiro e BINGEMER, Maria Clara L.<br />

Mulher e Relações <strong>de</strong> Gênero. São Paulo: Loyola, 1994. p.89.<br />

50


setenta e oitenta, as quais <strong>de</strong>fendiam propostas que, apesar <strong>de</strong> terem um<br />

fundo comum, apresentavam-se bastante diferenciadas.<br />

Segundo Kristeva, a primeira geração <strong>de</strong> feministas, da década <strong>de</strong><br />

sessenta, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u, com veemência, a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos entre homens e<br />

<strong>mulheres</strong>, <strong>no</strong> que foi influenciada pelos valores da racionalida<strong>de</strong> dominante<br />

dos estados-nação, assim como pelo movimento feminista anterior.<br />

Já a segunda geração, do pós-maio <strong>de</strong> 1968, propunha a diferença<br />

radical entre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> feminina e masculina, estando interessada “na es-<br />

pecificida<strong>de</strong> da psicologia feminina e suas realizações simbólicas” e<br />

buscando “dar uma linguagem para as experiências intra-subjetivas e cor-<br />

porais das <strong>mulheres</strong> emu<strong>de</strong>cidas pela cultura <strong>no</strong> passado.” 60 Essa geração<br />

enfatizou a oposição antagônica entre os sexos e a prática feminista separa-<br />

tista e sexista.<br />

A terceira geração, do final dos a<strong>no</strong>s setenta e a<strong>no</strong>s oitenta, advo-<br />

gou a manutenção da diferença entre os sexos/gêneros pela “interiorização<br />

da separação fundante do contrato sócio-simbólico, on<strong>de</strong> a mulher sem fal-<br />

lus, castrada, continuava a <strong>de</strong>sejar ter filhos.” Sua tarefa foi a <strong>de</strong> conciliar<br />

o tempo maternal (cíclico e monumental) com o linear (político e históri-<br />

co). Um importante avanço da terceira geração <strong>de</strong> feministas foi rejeitar a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r o femini<strong>no</strong> num mundo exclusivamente<br />

60<br />

MACHADO, Lia Za<strong>no</strong>tta. “Feminismo, Aca<strong>de</strong>mia e Interdisciplinarida<strong>de</strong>”. IN:<br />

COSTA, Albertina <strong>de</strong> Oliveira e BRUSCHINI, Cristina (Orgs). Uma Questão <strong>de</strong> Gênero.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. p.25.<br />

51


femini<strong>no</strong> ou em um gueto, passando o femini<strong>no</strong> a ser estudado em relação<br />

ao masculi<strong>no</strong>. 61<br />

Em meados da década <strong>de</strong> 1970, pela primeira vez, as feministas<br />

<strong>no</strong>rte-americanas, preocupadas com o fato dos estudos feministas estarem<br />

focalizando as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>sligadas do segmento masculi<strong>no</strong> da socieda<strong>de</strong>,<br />

passaram a utilizar a categoria “gênero” para analisar as relações estabele-<br />

cidas entre homens e <strong>mulheres</strong> na socieda<strong>de</strong>.<br />

3 TEORIAS DO PATRIARCADO<br />

As teorias do patriarcado explicam o processo <strong>de</strong> subordinação fe-<br />

minina como tendo sido construído a partir da necessida<strong>de</strong> masculina <strong>de</strong><br />

dominar as <strong>mulheres</strong>. A dominação masculina teria sua origem <strong>no</strong> <strong>de</strong>sejo<br />

dos homens <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>r sua privação dos meios <strong>de</strong> reprodução da espé-<br />

cie, sendo que o princípio <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> da geração restitui ao homem a<br />

primazia da paternida<strong>de</strong>, obscurecendo o trabalho das <strong>mulheres</strong> na reprodu-<br />

ção.<br />

Autores como Garretas, Gerda Lerner, Victória Sau dizem que o pa-<br />

triarcado resultou da histórica tomada do po<strong>de</strong>r por parte dos homens<br />

sobre as <strong>mulheres</strong>, cujo agente ocasional foi <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m biológica, mas que<br />

foi elevado à categoria política e econômica. Essa tomada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r passou<br />

61 MACHADO, Lia Za<strong>no</strong>tta. Op. cit., p.25.<br />

52


forçosamente pela submissão das <strong>mulheres</strong> à maternida<strong>de</strong>, à repressão da<br />

sexualida<strong>de</strong> e à apropriação da força <strong>de</strong> trabalho total do grupo dominado,<br />

do qual o primeiro, mas não o único produto, são os filhos. 62<br />

Judith Astelarra consi<strong>de</strong>ra que a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> patriarcado cumpriu uma<br />

dupla função. Em primeiro lugar, converteu-se em parte da i<strong>de</strong>ologia do<br />

movimento feminista e elemento mobilizador <strong>de</strong>ste. Em segundo lugar, ser-<br />

viu para revisar criticamente as teorias predominantes, tendo <strong>no</strong>s dois<br />

casos conseqüências relevantes. Como i<strong>de</strong>ologia, permitiu questionar outras<br />

propostas <strong>de</strong> mudança social (revolucionárias ou reformistas), mostrando<br />

que o sistema <strong>de</strong> opressão das <strong>mulheres</strong> tinha mecanismos específicos. Por<br />

outro lado, como concepção científica, <strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u uma significativa reto-<br />

mada <strong>de</strong> questões até então aparentemente resolvidas. 63<br />

A primeira autora que usou o conceito <strong>de</strong> patriarcado para <strong>de</strong>finir o<br />

sistema social que oprime as <strong>mulheres</strong> foi Kate Millet, em 1970. Para ela,<br />

socieda<strong>de</strong> patriarcal é aquela que se organiza segundo dois princípios, que<br />

são os seguintes: em primeiro lugar, os homens <strong>de</strong>vem dominar as <strong>mulheres</strong>;<br />

em segundo lugar, os homens mais velhos <strong>de</strong>vem dominar os mais jovens. 64<br />

Para Millet as relações entre homens e <strong>mulheres</strong> são um tipo do que<br />

Weber <strong>de</strong><strong>no</strong>mi<strong>no</strong>u <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> dominação e subordinação, o que as con-<br />

verte em relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

62<br />

GARRETAS, Maria-Milagros Rivera. Op. cit., p. 72.<br />

63<br />

ASTELARRA, Judith. “El patriarcado como realidad social.” IN: Congreso <strong>de</strong> mujer y<br />

realidad social. Vitoria: Servicio Editorial <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong>l País Vasco, 1988.<br />

64<br />

MILLET, Kate. Sexual politics. New York: Doubleday & Company, 1970.<br />

53


O po<strong>de</strong>r patriarcal é caracterizado por Max Weber como sendo um<br />

sistema <strong>de</strong> <strong>no</strong>rmas baseado na tradição. Um elemento fundamental da auto-<br />

rida<strong>de</strong> patriarcal é a obediência à autorida<strong>de</strong> pessoal do senhor, a qual é<br />

inquestionável. O sistema patriarcal é garantido pela sujeição pessoal. 65<br />

Outro aspecto salientado por Weber é que o patriarcalismo é um sis-<br />

tema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r caracterizado pela distância social ímpar entre o patriarca e<br />

os outros membros do grupo doméstico, assim como pela gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendên-<br />

cia econômica e social <strong>de</strong>stes em relação àquele. 66<br />

Vários (as) estudiosos (as), após Millet, examinaram a questão da<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre homens e <strong>mulheres</strong>, dando ênfase à <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> patriarca-<br />

do. Um dos mais interessantes trabalhos nessa linha é o <strong>de</strong> Elisabeth<br />

Badinter que se apoiou na contribuição teórica <strong>de</strong> várias disciplinas (Socio-<br />

logia, Antropologia, História), para melhor compreen<strong>de</strong>r a constituição e o<br />

dinamismo do “patriarcado.” 67<br />

Para Badinter o “patriarcado” não <strong>de</strong>signa só uma forma <strong>de</strong> família<br />

baseada <strong>no</strong> parentesco masculi<strong>no</strong> e <strong>no</strong> po<strong>de</strong>r pater<strong>no</strong>, mas também “toda es-<br />

trutura social que nasça <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r do pai.” Enten<strong>de</strong> a autora que o po<strong>de</strong>r<br />

do pai se transfere à socieda<strong>de</strong>, convertendo-se <strong>no</strong> po<strong>de</strong>r dos governantes.<br />

Esse processo faz com que, gradativamente, as <strong>mulheres</strong> assumam “status <strong>de</strong><br />

65 WEBER, Max.The Theory of Social and Eco<strong>no</strong>mic Organization.T. Parsons (org.),<br />

Glencoe-III, The Free Press e Falcon Wing Press, 1947. P. 396.<br />

66 WEBER, Max.Op. cit., p.396.<br />

67 BADINTER, Elisabeth. Um é o outro; relações entre homens e <strong>mulheres</strong>. Rio <strong>de</strong> Ja-<br />

neiro: Nova Fronteira, 1986.<br />

54


ens,” constituindo-se na característica fundamental da socieda<strong>de</strong> patriarcal<br />

“o estrito controle da sexualida<strong>de</strong> feminina.” 68<br />

Para que o po<strong>de</strong>r patriarcal se impusesse e perdurasse, foi necessá-<br />

rio organizar o po<strong>de</strong>r pater<strong>no</strong> na família e apoiá-lo numa i<strong>de</strong>ologia que<br />

enfatizasse uma hierarquia extrema entre os sexos, legitimando o exercício<br />

do po<strong>de</strong>r masculi<strong>no</strong>. Esse processo durou vários séculos e exigiu uma<br />

transformação i<strong>de</strong>ológica, política, econômica, social e até religiosa para<br />

consolidar o po<strong>de</strong>r absoluto do homem.<br />

A consolidação do patriarcado produziu uma relação entre os sexos,<br />

na qual a complementarida<strong>de</strong> converteu-se numa radical assimetria e, em<br />

certos casos, em exclusão das <strong>mulheres</strong>. Em algumas situações, essa assime-<br />

tria manifestava-se com me<strong>no</strong>s dureza do que em outras, porém sempre se<br />

tratava <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> domínio, que gerou uma <strong>no</strong>va lógica <strong>de</strong> relação en-<br />

tre os sexos, a lógica dos contrários, que, levada até seu extremo,<br />

transformou-se quase em negação do que homens e <strong>mulheres</strong> tinham em<br />

comum – “sua humanida<strong>de</strong>.” A i<strong>de</strong>ologia patriarcal não só legitimou o po-<br />

<strong>de</strong>r masculi<strong>no</strong>, como também converteu os homens <strong>no</strong> “bem”, atribuindo o<br />

“mal” às <strong>mulheres</strong> e assim justificando a imposição da sua submissão.<br />

Salienta Astelarra, antes citada, que todos os sistemas patriarcais<br />

têm três características comuns: a separação entre os sexos, um estado <strong>de</strong><br />

guerra entre eles e o ressurgimento do “outro femini<strong>no</strong>” <strong>no</strong> mundo imaginá-<br />

68 BADINTER, Elisabeth. Op. cit., p.95.<br />

68 LERNER, Gerda. Op. cit. p.22.<br />

55


io do homem. Conforme a autora, a separação dos sexos reduz a possibi-<br />

lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontro entre ambos. À força <strong>de</strong> imaginar-se “Um” como “o<br />

bem” e o “Outro” como “o mal”, acaba-se por não perceber a humanida<strong>de</strong>,<br />

o que ambos têm em comum. Em <strong>de</strong>corrência, a hostilida<strong>de</strong> entre os sexos<br />

converte-se em guerra, marcando todas as relações entre homens e mulhe-<br />

res. Os beneficiários <strong>de</strong>ssa guerra têm sido os homens que, apesar <strong>de</strong><br />

vitoriosos, ficam sempre inseguros, temendo per<strong>de</strong>r o po<strong>de</strong>r. Como conse-<br />

qüência, <strong>no</strong> imaginário masculi<strong>no</strong>, as <strong>mulheres</strong> são vistas como fonte <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m ou subversão. Embora não se tenha <strong>no</strong>tícia <strong>de</strong> uma rebelião cole-<br />

tiva <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> nas socieda<strong>de</strong>s patriarcais, toda rebelião individual é<br />

severamente castigada. Mesmo assim, o “Outro femini<strong>no</strong>” não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> a-<br />

tormentar os homens...<br />

Os estudos <strong>de</strong> Gerda Lerner, na obra intitulada A criação do patri-<br />

arcado, também trazem importante contribuição para o entendimento das<br />

relações <strong>de</strong> gênero a partir da compreensão das relações patriarcais. 69<br />

Lerner consi<strong>de</strong>ra que o patriarcado é um sistema histórico, ou seja,<br />

tem um início na História e que, se assim é, po<strong>de</strong> acabar, com o <strong>de</strong>senrolar<br />

do processo histórico. Enten<strong>de</strong> também que se o patriarcado fosse “natural”,<br />

baseado num <strong>de</strong>terminismo biológico, mudá-lo suporia mudar a natureza. É<br />

verda<strong>de</strong> que mudar a natureza foi precisamente o que a civilização fez, mas<br />

até agora, conforme salienta Lerner, a maior parte dos benefícios da civili-<br />

zação ficou com os homens.<br />

69 LERNER, Gerda. Op. cit. p.22.<br />

56


Objetivando enten<strong>de</strong>r como o patriarcado foi estabelecido e institu-<br />

cionalizado, criando as condições para a subordinação das <strong>mulheres</strong>, Lerner<br />

organizou um conjunto <strong>de</strong> proposições, através das quais esclarece um pou-<br />

co mais o que enten<strong>de</strong> por patriarcado. Segundo a autora:<br />

70 LERNER, Gerda. Op. cit. p.25-7.<br />

“1. a apropriação por parte dos homens da capacida<strong>de</strong><br />

sexual e reprodutiva das <strong>mulheres</strong> ocorreu antes da<br />

formação da proprieda<strong>de</strong> privada e da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

classes, estando seu uso como mercadoria na base da<br />

proprieda<strong>de</strong> privada; 2. os Estados arcaicos organizaram-se<br />

como um patriarcado, tendo o Estado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início, o interesse <strong>de</strong> manter a família patriarcal; 3. a<br />

subordinação sexual das <strong>mulheres</strong> foi institucionalizada<br />

<strong>no</strong>s primeiros códigos jurídicos e o po<strong>de</strong>r<br />

totalitário do Estado a impôs; 4. entre os homens, a<br />

classe estava e está baseada em sua relação com os<br />

meios <strong>de</strong> produção, mas para as <strong>mulheres</strong> a classe é<br />

mediatizada por seus vínculos sexuais com um homem;<br />

5. as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>sempenhavam um papel<br />

importante e respeitado ao fazer a mediação entre os<br />

<strong>de</strong>uses e os huma<strong>no</strong>s, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sacerdotisas,<br />

vi<strong>de</strong>ntes, curan<strong>de</strong>iras, sendo o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dar a vida<br />

venerado por homens e <strong>mulheres</strong> na forma <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosas<br />

<strong>de</strong>usas, porém as <strong>de</strong>usas foram substituídas por<br />

um <strong>de</strong>us dominante, na maioria das socieda<strong>de</strong>s; 6. o<br />

ressurgimento do mo<strong>no</strong>teísmo hebreu supôs o ataque<br />

aos numerosos cultos às diferentes <strong>de</strong>usas da fertilida<strong>de</strong>,<br />

sendo o po<strong>de</strong>r da criação e da procriação<br />

atribuído a um <strong>de</strong>us-todo-po<strong>de</strong>roso masculi<strong>no</strong> e a sexualida<strong>de</strong><br />

feminina, sem fins reprodutivos, associada<br />

ao pecado e ao mal; 7. com o estabelecimento da comunida<strong>de</strong><br />

da aliança, o simbolismo básico e o<br />

contrato real com Deus e a humanida<strong>de</strong> dão por estabelecida<br />

a posição subordinada da mulher e sua<br />

exclusão da aliança metafísica e a comunida<strong>de</strong> terrenal<br />

da aliança, sendo sua única maneira <strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>r a<br />

Deus e a comunida<strong>de</strong> santa através do seu papel <strong>de</strong><br />

mãe; 8. essa <strong>de</strong>svalorização simbólica das <strong>mulheres</strong><br />

em relação com o divi<strong>no</strong> passa a ser uma das metáforas<br />

<strong>de</strong> base da civilização oci<strong>de</strong>ntal, completada com<br />

a filosofia aristotélica que consi<strong>de</strong>ra as <strong>mulheres</strong> como<br />

seres huma<strong>no</strong>s incompletos e <strong>de</strong>feituosos.” 70<br />

57


Lerner ainda salienta que homens e <strong>mulheres</strong> vivem num cenário <strong>no</strong><br />

qual interpretam papéis. Porém, diz ela, a encenação foi concebida, pintada<br />

e <strong>de</strong>finida por homens. Eles dirigem o espetáculo, ficando com as partes<br />

mais interessantes, mais heróicas e dando às <strong>mulheres</strong> papéis secundários.<br />

Naturalmente, não interessa aos homens alterar o espetáculo... 71<br />

Conforme avalia Astelarra, a teorização sobre a socieda<strong>de</strong> patriar-<br />

cal, além <strong>de</strong> ter sido importante para ações do movimento feminista,<br />

permitiu a elaboração <strong>de</strong> um esquema para analisar a construção da discri-<br />

minação feminina. A afirmação <strong>de</strong> que existia um sistema <strong>de</strong> dominação<br />

sobre as <strong>mulheres</strong> – o patriarcado – teve pelo me<strong>no</strong>s três conseqüências, se-<br />

gundo a autora: 1. apontou para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> converter o feminismo<br />

num movimento político; 2. mostrou a complexida<strong>de</strong> e extensão <strong>de</strong>ste sis-<br />

tema <strong>de</strong> domínio, indicando que as transformações necessárias eram<br />

múltiplas e <strong>de</strong> largo alcance, fazendo falta um movimento amplo, com gran-<br />

<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilização para se contrapor ao po<strong>de</strong>r masculi<strong>no</strong>; 3.<br />

<strong>de</strong>ixou claro que, para terminar com a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre os sexos, era pre-<br />

ciso atuar não só <strong>no</strong> mundo público, mas também, e principalmente, <strong>no</strong><br />

mundo privado, o que converteu a família na instituição central da análise<br />

feminista. A autora enfatizou que sem uma transformação profunda da famí-<br />

lia é muito difícil, senão impossível, terminar com a discriminação das<br />

<strong>mulheres</strong>.<br />

71 LERNER, Gerda. Op. cit., p.30.<br />

58


Para examinar mais sistematicamente o papel da família na subordi-<br />

nação das <strong>mulheres</strong>, po<strong>de</strong>-se recorrer à importante contribuição trazida por<br />

Michelle Rosaldo, segundo a qual:<br />

“as <strong>mulheres</strong> [...] procuraram campos para a solidarieda<strong>de</strong><br />

feminina e a oportunida<strong>de</strong> para elas <strong>no</strong> mundo<br />

<strong>de</strong> trabalho masculi<strong>no</strong> [...] Contudo, uma vez que a<br />

esfera doméstica permaneça da mulher, as socieda<strong>de</strong>s<br />

femininas[...] nunca serão equivalentes às políticas<br />

dos homens [...] Se o mundo público é para abrir as<br />

portas para mais do que uma elite entre as <strong>mulheres</strong>,<br />

a própria natureza do trabalho <strong>de</strong>verá ser alterada e a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre trabalho e lar reduzida [...] precisamos<br />

trazer os homens para a esfera das<br />

preocupações e responsabilida<strong>de</strong>s domésticas.” 72<br />

Pelo que afirma Rosaldo po<strong>de</strong>-se concluir que a questão da divisão<br />

das tarefas <strong>no</strong> mundo privado <strong>de</strong>sempenha um papel fundamental na supe-<br />

ração da dominação exercida sobre as <strong>mulheres</strong>. Referindo-se à<br />

responsabilida<strong>de</strong> na criação dos filhos, a autora acrescenta que:<br />

“os homens que <strong>no</strong> passado <strong>de</strong>dicaram suas vidas à<br />

realização pública reconhecerão as <strong>mulheres</strong> como<br />

iguais somente quando eles próprios ajudarem a criar<br />

as <strong>no</strong>vas gerações, assumindo as responsabilida<strong>de</strong>s do<br />

lar.” 73<br />

Na opinião <strong>de</strong> Joan Scott, as teorias do patriarcado não explicam su-<br />

ficientemente a natureza das relações entre homens e <strong>mulheres</strong> sendo, <strong>no</strong><br />

seu entendimento, teorias que repousam sobre a variável única da diferen-<br />

ça física, problemáticas para os historiadores porque “pressupõem um<br />

72<br />

ROSALDO, Michelle. “A Mulher, a Cultura e a Socieda<strong>de</strong>: uma revisão teórica.” IN:<br />

ROSALDO, Michelle e LAMPHERE, Louise (coords). A Mulher, a Cultura e a Socieda<strong>de</strong>.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 60.<br />

73<br />

I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

59


sentido permanente ou inerente ao corpo huma<strong>no</strong> [...] e, em conseqüência, a<br />

não-historicida<strong>de</strong> do gênero em si mesmo,” o que faz com que a história se<br />

converta em um “epifenôme<strong>no</strong>,” que proporciona “variações intermináveis<br />

ao tema imutável da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> permanente do gênero.” 74<br />

4 CATEGORIA GÊNERO<br />

Ao iniciar esta parte do capítulo, cabe fazer uma observação. Quan-<br />

do se procura discutir “gênero”, constata-se que existe uma extensa<br />

bibliografia que utiliza a referida categoria ou que a discute. Todavia,<br />

quando se faz a leitura sistemática dos inúmeros trabalhos, percebe-se que,<br />

invariavelmente, a quase totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les remetem ao texto <strong>de</strong> Joan Scott,<br />

intitulado Gen<strong>de</strong>r: A Useful Category of historical Analysis (Gênero: uma<br />

categoria útil <strong>de</strong> análise histórica).<br />

É verda<strong>de</strong>, que nem todos (as) os (as) autores (as) que têm recorrido<br />

a Scott concordam com os vários aspectos salientados pela historiadora.<br />

Alguns (mas) discutem certas colocações; outros (as) aprofundam pontos<br />

que julgam não terem sido suficientemente <strong>de</strong>senvolvidos. Porém, como se<br />

registrou, na maioria dos casos, percebe-se a influência <strong>de</strong> Scott.<br />

Essa constatação permite que se afirme que o referido texto consti-<br />

tui-se em um paradigma para estudos <strong>de</strong> “gênero”, bem como que se<br />

74 SCOTT, Joan. “Gênero, uma categoria útil <strong>de</strong> análise histórica.” Educação e Realida-<br />

<strong>de</strong>. Vol.20, Jul - <strong>de</strong>z, 1995. p.9.<br />

60


fundamente esta parte do capítulo principalmente <strong>no</strong> que foi elaborado por<br />

Joan Scott.<br />

Conforme Scott, a categoria “gênero” foi tomada <strong>de</strong> empréstimo da<br />

gramática, na qual “gênero” significa o emprego <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinências diferencia-<br />

das para indicar indivíduos <strong>de</strong> sexos diferentes. Essa categoria não foi<br />

construída <strong>de</strong>ntro da História, mas, segundo Joana Maria Pedro, migrou das<br />

Ciências Sociais, “especialmente, da Antropologia para a História.” 75<br />

As primeiras estudiosas que começaram a usar a categoria “gênero”<br />

salientaram que o femini<strong>no</strong> só po<strong>de</strong>ria ser compreendido na sua relação<br />

com o masculi<strong>no</strong> e não em um gueto. Natalie Davis, por exemplo, afirma-<br />

va, em 1975, que <strong>de</strong>veria interessar aos (às) historiadores (as) que se<br />

<strong>de</strong>dicassem à reconstituição da história das <strong>mulheres</strong>, tanto a história <strong>de</strong>s-<br />

tas, como a dos homens “pela mesma razão que um historiador <strong>de</strong> classes<br />

sociais não po<strong>de</strong> ocupar-se exclusivamente dos camponeses.” 76<br />

Igualmente, Joan Scott enfatizou que a informação sobre o “assunto<br />

<strong>mulheres</strong> é necessariamente informação sobre os homens, implicando o es-<br />

tudo <strong>de</strong> um <strong>no</strong> estudo do outro.” 77 Como se po<strong>de</strong> perceber, nessa posição,<br />

está presente uma crítica aos estudos femini<strong>no</strong>s centrados nas <strong>mulheres</strong>, i-<br />

solando-as do resto do contexto. Segundo a historiadora, “estudar as<br />

75 PEDRO, Joana Maria. “Relações <strong>de</strong> Gênero na Pesquisa Histórica.” Revista Catarinense<br />

<strong>de</strong> História. Nº 2, p. 35-44, 1994. p. 40.<br />

76 DAVIS, Natalie. Women on Top. Society in Early Mo<strong>de</strong>rn France. Stanford, Califor-<br />

nia, 1975.<br />

77 SCOTT, Joan. Op. cit., p.7.<br />

61


<strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> maneira isolada perpetua o mito <strong>de</strong> que uma esfera, a experi-<br />

ência <strong>de</strong> um sexo, tenha muito pouco, ou nada, a ver com o outro sexo.” 78<br />

No que se refere a esse aspecto, não é diferente o posicionamento<br />

<strong>de</strong> Gisela Bock, para quem<br />

“A percepção do gênero como uma relação complexa<br />

e sociocultural implica que a ação <strong>de</strong> rastrear as <strong>mulheres</strong><br />

na História não é simplesmente uma busca <strong>de</strong><br />

certo aspecto antes esquecido; é, mais um problema<br />

<strong>de</strong> relações entre seres e grupos huma<strong>no</strong>s que antes<br />

haviam sido omitidas.” 79<br />

Outro aspecto salientado por Scott é que o uso da categoria “gêne-<br />

ro” também indica a rejeição às explicações a partir do “<strong>de</strong>terminismo<br />

biológico implícito, <strong>no</strong> uso dos termos sexo ou diferença sexual” e introduz<br />

a idéia <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre homens e <strong>mulheres</strong> é “socialmente<br />

construída” através da atribuição a ambos <strong>de</strong> papéis diferenciados e hie-<br />

rarquizados. 80<br />

Na obra A Criação do Patriarcado, Gerda Lerner procura clarificar<br />

a distinção entre “sexo” e “gênero”, quando afirma que<br />

“Os atributos sexuais são uma realida<strong>de</strong> biológica,<br />

porém gênero é um produto do processo histórico. O<br />

fato <strong>de</strong> que as <strong>mulheres</strong> tenham filhos correspon<strong>de</strong> ao<br />

sexo; que as <strong>mulheres</strong> os criem se <strong>de</strong>ve ao gênero,<br />

uma construção cultural. O gênero é o principal res-<br />

78<br />

SCOTT, Joan. Op. cit., p. 7.<br />

79<br />

BOCK, Gisela. “La História <strong>de</strong> las mujeres y la História <strong>de</strong> género: aspectos <strong>de</strong> un<br />

<strong>de</strong>bate internacional.” História Social. Barcelona: (9): 55-77, 1991. p. 68.<br />

80<br />

SCOTT. Joan. Op. cit., p. 13.<br />

62


ponsável por se <strong>de</strong>signar um lugar <strong>de</strong>terminado às<br />

<strong>mulheres</strong> na socieda<strong>de</strong>.” 81<br />

Na diferenciação e articulação <strong>de</strong> sexo e gênero, é importante recor-<br />

rer à elaboração feita pela psicanalista Emilce Bleichmar para explicar a<br />

gênese da feminilida<strong>de</strong> e da masculinida<strong>de</strong>. A psicanalista consi<strong>de</strong>ra que<br />

“gênero”abrange todos os aspectos psicológicos, sociais e culturais do ser<br />

femini<strong>no</strong> e do ser masculi<strong>no</strong>, enquanto que sexo engloba os componentes<br />

biológicos, anatômicos e fisiológicos do “ser-macho” e do “ser-fêmea”.<br />

Conforme Bleichmar, o “gênero” consiste numa categoria complexa, que<br />

articula três aspectos que são os seguintes:<br />

“1) a atribuição <strong>de</strong> gênero que significa a rotulação<br />

do recém-nascido como homem ou mulher, [...] com<br />

base <strong>no</strong>s indicadores anatômicos do sexo, a qual <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia<br />

um discurso cultural que se funda <strong>no</strong>s<br />

estereótipos da feminilida<strong>de</strong>/masculinida<strong>de</strong>; 2) a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> gênero [...] manifesta na crença “sou<br />

feminina”/ “sou masculi<strong>no</strong>” que se consolida quando<br />

a criança compreen<strong>de</strong> a expectativa das figuras parentais<br />

em relação a sua expressão <strong>de</strong> feminilida<strong>de</strong> e<br />

masculinida<strong>de</strong>; 3) o papel <strong>de</strong> gênero que significa o<br />

conjunto <strong>de</strong> expectativas socioculturais, quanto aos<br />

comportamentos apropriados às pessoas <strong>de</strong> cada sexo,<br />

<strong>de</strong>terminados em função da assimetria <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre<br />

o homem e a mulher.” (grifos <strong>no</strong>ssos) 82<br />

A elaboração teórica <strong>de</strong> Bleichmar <strong>de</strong>ixa claro que sexo, enquanto<br />

característica biológica e gênero, enquanto característica atribuída, não são<br />

a mesma coisa, mas estão profundamente articulados. Assim visto, “gêne-<br />

ro” indica construção social ou criação social das idéias sobre os papéis<br />

81 LERNER, Gerda. La creación <strong>de</strong>l patriarcado. Barcelona: Crítica, 1990. p. 42.<br />

82 BLEICHMAR, Emilce. El Feminismo espontâneo <strong>de</strong> la histeria. Madri: Adotrat, 1985.<br />

p.45.<br />

63


próprios para homens e <strong>mulheres</strong>. Explicitando um pouco mais, o sexo é<br />

socialmente utilizado como referência para a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gênero. Ou, recorrendo a Saffioti, “gênero é uma categoria social imposta a<br />

um corpo sexuado.” 83<br />

A articulação entre sexo e gênero e o caráter <strong>de</strong> construção social<br />

<strong>de</strong>ste último fica muito clara na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>senvolvida e apro-<br />

fundada por Scott. Sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “gênero” compõe-se <strong>de</strong> duas partes e<br />

diversas subpartes que, segundo ela, estão ligadas entre si, mas <strong>de</strong>veriam<br />

ser distinguidas na análise. Diz ela:<br />

“O núcleo essencial da <strong>de</strong>finição repousa sobre a relação<br />

fundamental entre duas proposições: o gênero é<br />

um elemento constitutivo das relações sociais fundadas<br />

sobre diferenças percebidas entre os dois sexos e<br />

um primeiro modo <strong>de</strong> dar significado às relações <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r.” 84<br />

A autora acima citada afirma que as mudanças na organização das<br />

relações sociais sempre correspon<strong>de</strong>m a mudanças nas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />

mas a direção da mudança não segue necessariamente um único sentido.<br />

Para Scott, como elemento constitutivo das relações sociais, fundadas sobre<br />

diferenças percebidas, o “gênero” implica quatro elementos, que a autora<br />

explica da seguinte maneira:<br />

“1. Os símbolos culturalmente disponíveis evocam<br />

representações simbólicas (e com freqüência contraditórias)<br />

– Eva e Maria como símbolo da mulher 2.<br />

Os conceitos <strong>no</strong>rmativos põem em evidência as inter-<br />

83 SAFFIOTI, Heleieth. O Estatuto Teórico da Violência. Mimeografado. p. 2.<br />

84 SCOTT, Joan. Op. cit., 1995, p.14.<br />

64


pretações do sentido dos símbolos, que se esforçam<br />

para limitar e conter suas possibilida<strong>de</strong>s metafóricas.<br />

3. O <strong>de</strong>safio da <strong>no</strong>va pesquisa histórica é fazer explodir<br />

essa <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> fixi<strong>de</strong>z e <strong>de</strong>scobrir a natureza do<br />

<strong>de</strong>bate que produzem a aparência <strong>de</strong> uma permanência<br />

eterna na representação binária <strong>de</strong> gênero. 4. as<br />

(os) historiadoras (es) [...] <strong>de</strong>vem examinar as maneiras<br />

pelas quais as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero são<br />

realmente construídas.” 85<br />

Scott salienta que esses quatro elementos não po<strong>de</strong>m operar um sem<br />

os outros, mas que eles não operam simultaneamente e que cabe à pesquisa<br />

histórica <strong>de</strong>scobrir as relações que se estabelecem entre eles em cada situa-<br />

ção concreta.<br />

Referindo-se a sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> gênero, a autora salienta que seu<br />

propósito foi o <strong>de</strong> “clarificar como se <strong>de</strong>ve pensar o efeito do gênero nas<br />

relações sociais e institucionais” e acrescenta que “a teorização do gênero”<br />

é apresentada em sua segunda proposição, ou seja: “o gênero é uma primei-<br />

ra maneira <strong>de</strong> dar significado às relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”. Em prosseguimento, é<br />

afirmado que seria melhor dizer que “o gênero é um primeiro campo <strong>no</strong><br />

seio do qual, ou por meio do qual, o po<strong>de</strong>r é articulado.” Scott complemen-<br />

ta sua idéia, dizendo que “o gênero não é o único campo, mas ele parece ter<br />

constituído um meio persistente e recorrente <strong>de</strong> dar eficácia à significação<br />

do po<strong>de</strong>r <strong>no</strong> Oci<strong>de</strong>nte, nas tradições judaico-cristãs e islâmicas.” (grifos<br />

<strong>no</strong>ssos) 86<br />

85 SCOTT, Joan. Op. cit., 1995. p. 14-5.<br />

86 I<strong>de</strong>m. p.16.<br />

65


As idéias até aqui expostas po<strong>de</strong>m ser complementadas com a afir-<br />

mação seguinte:<br />

“O gênero é então um meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>codificar o sentido e<br />

<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as relações complexas entre as diversas<br />

formas <strong>de</strong> interação humana. Quando as (os)<br />

historiadoras (es) buscam encontrar as maneiras pelas<br />

quais o conceito <strong>de</strong> gênero legitima e constrói as relações<br />

sociais elas (eles) começam a compreen<strong>de</strong>r a<br />

natureza recíproca do gênero e da socieda<strong>de</strong> e as maneiras<br />

particulares e situadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> contextos<br />

específicos, pelas quais a política constrói o gênero e<br />

o gênero constrói a política.” 87<br />

Nas últimas décadas, numerosos (as) historiadores (as) têm utiliza-<br />

do a categoria “gênero” para analisar as relações sociais entre homens e<br />

<strong>mulheres</strong> e tem-se tornado recorrente, entre muitos <strong>de</strong>les (as), a preocupa-<br />

ção em articular o “gênero” com classe social e raça/etnia, pois segundo<br />

tais autores (as) as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s organizam-se, <strong>no</strong> mínimo, conforme esses<br />

três eixos.<br />

Scott já havia feito referência a essas três categorias, em seu clássi-<br />

co artigo, afirmando que “as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r são organizadas<br />

segundo estes três eixos, pelo me<strong>no</strong>s,” 88 bem como que o gênero “<strong>de</strong>ve ser<br />

re<strong>de</strong>finido e reestruturado em conjunção com uma visão <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> polí-<br />

tica e social que inclui não somente o sexo, mas também a classe e a<br />

raça.” 89<br />

87 SCOTT, Joan. Op. cit., 1995, p.16.<br />

88 I<strong>de</strong>m. p. 6.<br />

89 I<strong>de</strong>m. p. 19.<br />

66


Outras estudiosas do assunto vêm insistindo <strong>no</strong> aprofundamento<br />

<strong>de</strong>sse aspecto. Entre as autoras brasileiras, que têm se <strong>de</strong>stacado quanto a<br />

esse tipo <strong>de</strong> encaminhamento, <strong>de</strong>ve ser citada Heleieth Saffioti, que vem<br />

<strong>de</strong>senvolvendo importantes discussões sobre a questão.<br />

Saffioti salienta que o sujeito coletivo e individual é forjado “nas” e<br />

“através das” relações sociais, o que significa que a formação do “eu” não<br />

po<strong>de</strong> prescindir, <strong>no</strong> mínimo, <strong>de</strong> “outro eu’ ou <strong>de</strong> “outros eus.” Assim sendo,<br />

conforme a autora “a diferença não participa da essência do sujeito/objeto”,<br />

visto que “ela é historicamente situada, ou seja, socialmente construída”. 90<br />

Conforme o pensamento <strong>de</strong> Saffioti, a constituição do sujeito a par-<br />

tir dos três eixos mencionados por Scott – gênero, raça/etnia e classe social<br />

– afasta a idéia <strong>de</strong> unicida<strong>de</strong> e introduz a percepção <strong>de</strong> que o sujeito é múl-<br />

tiplo e contraditório, o que não quer dizer fragmentado. Para Saffioti,<br />

“esses três antagonismos constituem um nó que potencia o efeito <strong>de</strong>ssas<br />

contradições tomadas cada uma <strong>de</strong> per si, isoladamente.” 91 A autora apro-<br />

funda a sua visão ao afirmar que:<br />

“As condições históricas <strong>de</strong>terminam qual <strong>de</strong>las será<br />

dominante naquele momento, sem prejuízo das <strong>de</strong>mais<br />

assumirem este papel em outra conjuntura [...]<br />

Homens e <strong>mulheres</strong> não constituem uma categoria<br />

homogênea, apresentando interesses <strong>de</strong> classe e <strong>de</strong><br />

raça/etnia inconciliáveis.” 92<br />

90 SAFFIOTI, Heleieth. “Diferença ou Indiferença: gênero, raça/etnia, classe social.”<br />

IN: ADORNO, Sérgio (org.). A Sociologia entre a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e a contemporâneida<strong>de</strong>.<br />

Porto Alegre: Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Sociologia, 1995. p. 159.<br />

91 SAFFIOTI, Heleieth. O Estatuto Teórico da Violência <strong>de</strong> Gênero. Mimeo. p. 1.<br />

92 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

67


Po<strong>de</strong>-se acrescentar à visão <strong>de</strong> Safiotti as afirmações feitas por Nara<br />

Maria Bernar<strong>de</strong>s. Esta autora ressalta que levando em conta que as <strong>de</strong>si-<br />

gualda<strong>de</strong>s sociais são <strong>de</strong> natureza totalizante e que seus efeitos ocorrem em<br />

interação, é possível, através <strong>de</strong> um olhar interdisciplinar, articular o gêne-<br />

ro a outras categorias como classe social e raça ou etnia para que “se possa<br />

abrir <strong>no</strong>vas perspectivas na busca da compreensão da subjetivida<strong>de</strong> mascu-<br />

lina e feminina em <strong>no</strong>sso contexto social e cultural.” Segundo Bernar<strong>de</strong>s,<br />

isso levaria a focalizar “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> um outro lugar teórico e epistemológico te-<br />

mas que aparentemente estariam esgotados na sua compreensão.” 93<br />

Outras autoras, entre as quais po<strong>de</strong> ser citada Maria-Milagros Rive-<br />

ra Garretas, reconhecem a presença <strong>de</strong> outras categorias históricas na<br />

organização da socieda<strong>de</strong>, mas enfatizam a importância do gênero. Garretas<br />

consi<strong>de</strong>ra que o gênero é, em todas as socieda<strong>de</strong>s conhecidas, “um princí-<br />

pio básico <strong>de</strong> organização social,” como po<strong>de</strong>m ser classe social e<br />

hierarquia, mas que gênero é anterior a elas e que não opera <strong>de</strong> maneira<br />

neutra, dando origem a duas socieda<strong>de</strong>s paralelas – a masculina e a femini-<br />

na – sendo praticamente universal o predomínio do gênero masculi<strong>no</strong> sobre<br />

o femini<strong>no</strong>. Em outras palavras, em todas as partes, segundo Garretas<br />

“os homens têm po<strong>de</strong>r sobre as <strong>mulheres</strong>, po<strong>de</strong>r social<br />

que na or<strong>de</strong>m patriarcal só po<strong>de</strong> ser confundido<br />

com autorida<strong>de</strong> [...] ainda que [...] algumas <strong>mulheres</strong><br />

têm e tiveram bastante influência e bastante po<strong>de</strong>r,<br />

esta influência e este po<strong>de</strong>r não estão nunca culturalmente<br />

legitimados [...] não estão nunca<br />

93<br />

BERNARDES, Nara Maria. “Auto<strong>no</strong>mia/Submissão do sujeito e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.”<br />

Ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Pesquisa. São Paulo, nº85, p. 43-53, maio <strong>de</strong> 1993. p. 52.<br />

68


legitimados com câ<strong>no</strong>nes, com medidas criadas e mediadas<br />

pelas próprias <strong>mulheres</strong>.” 94<br />

Cabe salientar que, em seu texto clássico, Scott já chamara atenção<br />

para o fato <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r das <strong>mulheres</strong> ten<strong>de</strong> sempre a ser percebido como<br />

manipulador, como disruptor das relações sociais, como ilegítimo, como fo-<br />

ra do lugar e como pouco importante.<br />

Cabe ainda fazer menção a uma preocupação <strong>de</strong> Saffioti. Essa autora<br />

enfatiza que gênero, classe e raça/etnia não são apenas categorias <strong>de</strong> análi-<br />

se, como <strong>no</strong> caso da primeira contradição – a <strong>de</strong> gênero – tem sido<br />

interpretada por aqueles que ela <strong>de</strong><strong>no</strong>mina <strong>de</strong> “leitores apressados <strong>de</strong><br />

Scott.” Conforme a autora o conceito <strong>de</strong> gênero “é empregado por Scott em<br />

mais <strong>de</strong> uma acepção, embora a quase totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus leitores tenha a-<br />

preendido tão somente a mensagem expressa <strong>no</strong> título do artigo” (Gen<strong>de</strong>r:<br />

A Useful Category of historical Analysis - Gênero: uma categoria útil <strong>de</strong><br />

análise histórica.<br />

Saffioti acrescenta a essa idéia a seguinte afirmação:<br />

“Antes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem ser concebidos como constructos<br />

intelectuais operam na realida<strong>de</strong> empírica enquanto<br />

categorias históricas. Como categoria analítica e,<br />

consequentemente, heurística, gênero só po<strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r<br />

a sua existência como categoria histórica.” (grifo<br />

<strong>no</strong>sso) 95<br />

94 GARRETAS, Maria-Milagros Rivera. Op. cit., p. 161.<br />

95 SAFFIOTI, Heleieth. Op. cit., p.3.<br />

69


A afirmação acima <strong>de</strong>ixa bastante claro qual é o entendimento que<br />

Heleieth Safiotti tem <strong>de</strong> gênero, enquanto categoria histórica e gênero en-<br />

quanto categoria <strong>de</strong> análise histórica.<br />

5 A QUESTÃO DO MERCADO DE TRABALHO<br />

FEMININO<br />

Com raras exceções, quotidianamente as <strong>mulheres</strong> realizam ou ad-<br />

ministram a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, indispensáveis à sobrevivência e<br />

bem-estar <strong>de</strong> todos membros da família. Entre essas ativida<strong>de</strong>s estão aque-<br />

las que objetivam permitir que o trabalhador do sexo masculi<strong>no</strong> <strong>de</strong>scanse e<br />

re<strong>no</strong>ve suas energias para o trabalho produtivo do dia seguinte. Aí se inclu-<br />

em o preparo dos alimentos, a limpeza da casa, a lavagem e o conserto <strong>de</strong><br />

roupas e a compra do que é necessário para o consumo familiar diário.<br />

Além <strong>de</strong> tais tarefas, as <strong>mulheres</strong> também são responsáveis pela<br />

formação <strong>de</strong> uma <strong>no</strong>va geração <strong>de</strong> trabalhadores que garantirá a reprodução<br />

do modo <strong>de</strong> produção vigente. Essa responsabilida<strong>de</strong> do sexo femini<strong>no</strong> in-<br />

clui a gravi<strong>de</strong>z, o parto e a amamentação, funções para as quais a mulher<br />

está biologicamente preparada. A essas funções biológicas, acrescentam-se<br />

tarefas que são culturalmente impostas, mas que são encaradas como pró-<br />

prias, senão exclusivas, do sexo femini<strong>no</strong>. Entre essas se incluem a higiene<br />

das crianças, a sua alimentação, o cuidado <strong>de</strong> suas roupas, a sua proteção e<br />

70


socialização. 96 Tais tarefas são <strong>de</strong>finidas pela psicóloga social <strong>no</strong>rte-<br />

americana Nancy Chodorow como “maternagem” e são resultado <strong>de</strong> imposi-<br />

ções culturais.<br />

A par <strong>de</strong> todas essas ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sempenhadas na unida<strong>de</strong> familiar<br />

e muitas vezes invisíveis, um percentual cada vez mais elevado <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong><br />

participa <strong>de</strong> forma assalariada <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho. Analisando essa si-<br />

tuação, Maria Valéria Pena diz que:<br />

“Mulheres trabalham porque são <strong>mulheres</strong>; gastam<br />

sua força <strong>de</strong> trabalho <strong>no</strong> trabalho reprodutivo e doméstico[...]<br />

<strong>de</strong>terminadas por sua inscrição na<br />

socieda<strong>de</strong> e na família, enquanto sexo. Trabalho doméstico<br />

é trabalho femini<strong>no</strong> [...] Mas <strong>mulheres</strong><br />

também trabalham, enquanto trabalho assalariado e<br />

não apenas enquanto mães e donas <strong>de</strong> casa; nesse caso<br />

– mas só aparentemente – não se distinguem dos<br />

homens [...] A sua força-<strong>de</strong>-trabalho é gasta através<br />

<strong>de</strong> seu trabalho não pago apropriado por seu marido e<br />

filhos e, ao mesmo tempo, é vendida, enquanto mercadoria,<br />

<strong>no</strong> espaço da produção e da troca.” 97<br />

O trabalho executado pelas <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mundo privado, apesar <strong>de</strong><br />

imprescindível para a reprodução da socieda<strong>de</strong>, tem sido pouco valorizado<br />

e permanecido quase invisível. Saliente-se, todavia, que nem sempre esse<br />

trabalho foi <strong>de</strong>svalorizado e sofreu processo <strong>de</strong> ocultamento. As tarefas<br />

domésticas, ao longo da história, embora restritas à unida<strong>de</strong> familiar eram<br />

executadas ao lado <strong>de</strong> outras ligadas diretamente à produção social.<br />

96<br />

BRUSCHINI, M. Cristina e ROSEMBERG, Fúlvia. Trabalhadoras do Brasil. São<br />

Paulo: Brasiliense, 1982. p. 9.<br />

97<br />

PENA, Maria Valéria J. “A mulher na força <strong>de</strong> trabalho.” Revista BIB. 1980, RJ,<br />

(9): 11-22. p.11.<br />

71


Estudos realizados por Tilly e Scott comprovam que os membros da<br />

família, historicamente, tinham tarefas <strong>de</strong>finidas <strong>de</strong> acordo com a ida<strong>de</strong>,<br />

sexo ou posição na estrutura familiar. Assim o homem tinha uma série <strong>de</strong><br />

obrigações na esfera pública e a mulher ficava encarregada do trabalho <strong>no</strong><br />

âmbito privado. Havia uma articulação bastante significativa entre as duas<br />

esferas; o progresso material da família <strong>de</strong>pendia tanto do homem como da<br />

mulher e ambas as ativida<strong>de</strong>s eram consi<strong>de</strong>radas fundamentais para a socie-<br />

da<strong>de</strong>.<br />

Com o advento da Revolução Industrial, <strong>no</strong> século XIX, o trabalho<br />

passou a ser dividido em duas esferas separadas: a unida<strong>de</strong> doméstica e a<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção. Essa fragmentação correspon<strong>de</strong>u à divisão sexual do<br />

trabalho, cabendo ao homem o trabalho “produtivo” e assalariado, <strong>no</strong> mun-<br />

do público, e à mulher a realização das tarefas não-pagas e que não eram<br />

consi<strong>de</strong>radas produtivas.<br />

Eficiente trabalho i<strong>de</strong>ológico tor<strong>no</strong>u essa divisão natural e a expli-<br />

cou como <strong>de</strong>corrente das características biológicas <strong>de</strong> cada sexo. Além<br />

disso, fez com que a “casa, unida<strong>de</strong> natural <strong>de</strong> produção e consumo, e a fa-<br />

mília, grupo <strong>de</strong> pessoas ligadas por laços afetivos e psicológicos,<br />

passassem a significar a mesma coisa.” 98 Tanto homens como <strong>mulheres</strong> fo-<br />

ram convencidos que aos primeiros cabia prover a existência da família e<br />

as segundas, “<strong>de</strong>vido a sua natureza”, <strong>de</strong>viam gerar filhos, cuidá-los aos<br />

longo da vida e encarregar-se das diferentes tarefas domésticas.<br />

98 BRUSCHINI, M. Cristina e ROSEMBERG, Fúlvia. Op. cit., p.10.<br />

72


É evi<strong>de</strong>nte que essa visão da questão foi muito conveniente para a<br />

socieda<strong>de</strong> capitalista. A realização do trabalho doméstico pelas <strong>mulheres</strong><br />

possibilitou o pagamento <strong>de</strong> um salário inferior aos homens, pois eles não<br />

precisavam “comprar” os serviços feitos “<strong>de</strong> graça” pelas <strong>mulheres</strong>.<br />

Conforme Bruschini e Rosemberg,<br />

“Eco<strong>no</strong>mistas que se preocupam com o valor monetário<br />

do trabalho doméstico produziram estimativas que<br />

mostram o quanto esse trabalho contribui para a eco<strong>no</strong>mia<br />

nacional: em 1973 Galbraith calculou em mais<br />

<strong>de</strong> 13.000 dólares o valor do trabalho <strong>de</strong> uma dona<strong>de</strong>-casa<br />

<strong>no</strong>rte-americana; estudos <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s<br />

estimam o trabalho doméstico em não me<strong>no</strong>s <strong>de</strong> 25%<br />

do produto nacional bruto.” 99<br />

Dados estatísticos contidos <strong>no</strong> Relatório <strong>de</strong> 1995 do Programa para<br />

o Desenvolvimento das Nações Unidas (PDNU) corroboram as observações<br />

acima. Segundo esse relatório, as <strong>mulheres</strong> são hoje responsáveis por 70%<br />

das horas trabalhadas em todo o mundo (evi<strong>de</strong>ntemente aí está incluído<br />

trabalho assalariado e o trabalho não pago, como é o caso das chamadas<br />

“li<strong>de</strong>s domésticas”), mas, em contrapartida, <strong>de</strong>têm tão somente 10% da ren-<br />

da mundial [...] Também é dito que se as <strong>mulheres</strong> recebessem pelo<br />

trabalho doméstico não pago circulariam <strong>no</strong> mundo mais <strong>de</strong> 13 trilhões <strong>de</strong><br />

dólares. 100<br />

99<br />

BRUSCHINI, M. Cristina e ROSEMBERG, Fúlvia. Op. cit., p.10.<br />

100<br />

PETERSEN, Áurea. Homens e <strong>mulheres</strong>: enfim, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s estão acabando?<br />

IN: STREY, Marlene. Mulher - Estudos <strong>de</strong> gênero. São Leopoldo: Ed. UNISINOS,<br />

1997. p. 24.<br />

73


Bruschini e Rosemberg salientam outro ponto fundamental. Segundo<br />

as autoras, a participação da mulher em ativida<strong>de</strong>s fora do lar não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

só <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s existentes <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, mas também é <strong>de</strong>-<br />

corrência do lugar que a mulher ocupa na família e da classe social à qual<br />

pertence.<br />

“Se a mulher é casada e, ainda mais, se tem filhos<br />

peque<strong>no</strong>s, é provável que permaneça <strong>no</strong> lar, não só<br />

porque o mercado <strong>de</strong> trabalho lhe oferece me<strong>no</strong>r número<br />

<strong>de</strong> opções, mas porque sua presença junto à<br />

família é necessária. Se ela é solteira, será acionada<br />

pela unida<strong>de</strong> doméstica para o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

produtivas <strong>de</strong> mercado, o que propiciará a<br />

ampliação da renda familiar. Esses arranjos, porém,<br />

sofrerão alterações conforme a posição que a família<br />

ocupa na estrutura social.” 101<br />

Assim, a inserção da mulher como trabalhadora assalariada <strong>no</strong> mer-<br />

cado <strong>de</strong> trabalho e seu papel <strong>de</strong> mãe e dona-<strong>de</strong>-casa na família, que lhe é<br />

atribuído pela socieda<strong>de</strong>, estão profundamente articulados, pois a opressão<br />

da mulher <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho se dá ao nível <strong>de</strong> classe, se dá como tra-<br />

balhadora que ven<strong>de</strong> sua força <strong>de</strong> trabalho e como mulher que <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>sempenhar o papel sexual que a socieda<strong>de</strong> lhe atribui. Por essa razão,<br />

conforme Pena:<br />

“os movimentos <strong>de</strong> incorporação e expulsão feminina<br />

são diferentes dos masculi<strong>no</strong>s; as <strong>mulheres</strong> são <strong>de</strong>sligadas<br />

do mercado <strong>de</strong> trabalho com mais facilida<strong>de</strong> do<br />

que homens, ocupam postos me<strong>no</strong>s categorizados [...]<br />

recebem, em média, salários mais baixos que os masculi<strong>no</strong>s,<br />

experimentam me<strong>no</strong>res chances <strong>de</strong><br />

mobilida<strong>de</strong> vertical e manifestam me<strong>no</strong>s agressiva-<br />

101 BRUSCHINI, M. Cristina e ROSEMBERG, Fúlvia. Op. cit., p.11.<br />

74


mente sua condição <strong>de</strong> trabalhadoras ao nível das organizações<br />

sindicais e partidárias.” 102<br />

Pena refere-se ainda ao fato <strong>de</strong> que o trabalho <strong>no</strong> espaço público a-<br />

caba sendo, para as <strong>mulheres</strong>, uma reprodução das relações <strong>de</strong>senvolvidas<br />

<strong>no</strong> mundo privado. De acordo com as suas palavras:<br />

“embora num locus <strong>de</strong> relações sociais substantivamente<br />

distinto daquele do lar, (o mundo do trabalho<br />

é) um prolongamento para o espaço público <strong>de</strong> funções<br />

por elas <strong>de</strong>sempenhadas <strong>no</strong>s limites<br />

enclausurados <strong>de</strong> suas casas.” 103<br />

A situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> caracterizada pelo fato das <strong>mulheres</strong> re-<br />

ceberem salários mais baixos que os masculi<strong>no</strong>s, aceitarem postos <strong>de</strong><br />

categoria mais baixa na hierarquia profissional, conviverem com claros li-<br />

mites para sua ascensão profissional, serem <strong>de</strong>spedidas com mais<br />

freqüência, <strong>no</strong> enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Pena <strong>de</strong>ve possuir “alguma tradução [...] ao ní-<br />

vel simbólico.” Assim, conforme a autora<br />

102 PENA, Maria Valéria. Op. cit., p.11-2.<br />

103 I<strong>de</strong>m. p. 12.<br />

104 I<strong>de</strong>m. p.14.<br />

“Um universo <strong>de</strong> consignações <strong>de</strong>ve ter sido apreendido<br />

pelas <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> maneira a lhes permitir<br />

compreen<strong>de</strong>r, aceitar e justificar como lógica sua<br />

participação diferente, específica e subordinada <strong>no</strong><br />

conjunto da força <strong>de</strong> trabalho. É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> questões que a ‘domesticida<strong>de</strong>’ da condição feminina<br />

se torna um elemento importante <strong>de</strong> apreensão<br />

da relação da mulher com o trabalho.” 104<br />

75


No entendimento <strong>de</strong> Sylvio Rabello, a própria mulher resiste em<br />

participar do trabalho remunerado. O sustento da casa e da família, em ge-<br />

ral, é visto como da responsabilida<strong>de</strong> do homem, cabendo às <strong>mulheres</strong><br />

manterem a casa e os filhos nas melhores condições possíveis. Isso ocorre<br />

porque homens e <strong>mulheres</strong> incorporam a divisão do trabalho como “<strong>no</strong>rmal”<br />

ou “natural.” 105<br />

Devido ao processo <strong>de</strong> socialização ao qual são submetidas, as mu-<br />

lheres vêem o trabalho assalariado como subordinado e complementar, pois<br />

preferem seu vínculo com a família. Isso não é uma <strong>de</strong>corrência da “nature-<br />

za feminina”, mas resultado da socialização e explica porque uma gran<strong>de</strong><br />

parte das <strong>mulheres</strong> procuram ativida<strong>de</strong>s em tempo parcial e, se possível, em<br />

locais próximos <strong>de</strong> suas casas. Por outro lado, esclarece a razão pela qual<br />

as <strong>mulheres</strong> costumam gastar seu tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso, “pondo em dia as ta-<br />

refas <strong>de</strong> sua obrigação”, ou seja, as da casa. Conforme Pena, é através da<br />

condição <strong>de</strong> esposa e <strong>de</strong> mãe que as <strong>mulheres</strong> se <strong>de</strong>finem <strong>no</strong> mundo. Diz a<br />

autora, complementando essa idéia:<br />

“É assim que a questão é posta pelo Código Civil, pela<br />

Legislação Trabalhista, pela psicologia que joga<br />

sobre seus ombros a saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong> seu núcleo<br />

familiar. Que a mulher interiorize que seu papel<br />

natural é na família e viva como legítima a sua<br />

subordinação <strong>no</strong> trabalho assalariado é um processo<br />

que segue logicamente sua apreensão da vida social e<br />

105<br />

RABELLO, Sílvio et al. Participação da Mulher <strong>no</strong> Mercado <strong>de</strong> Trabalho. Instituto<br />

Joaquim Nabuco <strong>de</strong> Pesquisas Sociais, 1969. p.15-6.<br />

76


gicamente sua apreensão da vida social e <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.”<br />

106<br />

Para complementar o que foi dito acima, po<strong>de</strong>-se recorrer Arakcy<br />

Martins Rodrigues. Esta faz referência ao “ethos femini<strong>no</strong>”que resulta <strong>de</strong>s-<br />

sas condições. Para Martins Rodrigues,<br />

“as <strong>mulheres</strong> [...] sentem-se ‘periféricas’ em relação<br />

ao mundo; não participaram da sua feitura e não se<br />

responsabilizam pelos resultados. A mulher vê sua<br />

história acontecer fora <strong>de</strong>la [...] O ethos femini<strong>no</strong> resultante<br />

<strong>de</strong>ssas condições objetivas leva a mulher, a<br />

nível individual, a perceber qualquer dimensão <strong>no</strong><br />

mundo exterior através da figura do marido. Ele está<br />

colocado entre ela e as coisas. É o crivo pelo qual a<br />

interação entre ela e o mundo se dá.” 107<br />

Com base <strong>no</strong> texto <strong>de</strong> Martins Rodrigues, é possível perceber as mu-<br />

lheres <strong>de</strong> forma não vitimada, pois, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r que muitas escolhem<br />

seu papel na família, “protegido das responsabilida<strong>de</strong>s que a cidadania<br />

completa impõe.” A i<strong>de</strong>ntificação com o papel mater<strong>no</strong> e com os trabalhos<br />

domésticos, <strong>de</strong> certa forma, livra a mulher dos perigos que obrigatoriamen-<br />

te precisa enfrentar <strong>no</strong> mundo real.<br />

106 PENA, Maria Valéria. Op. cit., p.15.<br />

107 MARTINS RODRIGUES, Arakcy. Operário, Operária. São Paulo: Símbolo, 1978.<br />

p.68-70.<br />

77


CAPÍTULO II<br />

AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA SOCIEDADE GAÚ-<br />

CHA<br />

O objetivo do presente capítulo é reconstituir a história das rela-<br />

ções <strong>de</strong> gênero na socieda<strong>de</strong> rio-gran<strong>de</strong>nse, <strong>de</strong> meados do século XIX até os<br />

a<strong>no</strong>s mais recentes, contribuindo com subsídios para o entendimento das re-<br />

feridas relações nesta socieda<strong>de</strong> e, especialmente, <strong>de</strong>ntro do espaço<br />

bancário gaúcho.<br />

O tema abordado <strong>no</strong> capítulo está distribuído nas cinco partes que o<br />

compõem. Na parte inicial, intitulada As bases sobre as quais foram cons-<br />

truídas as relações <strong>de</strong> gênero na socieda<strong>de</strong> gaúcha, discute-se o conjunto<br />

<strong>de</strong> fatores que possibilitaram a emergência <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> mulher que, se-<br />

gundo os estudiosos do assunto, diferenciava-se das <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> outras<br />

regiões do país. Articula-se a emergência <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> mulher com parti-<br />

cularida<strong>de</strong>s da colonização empreendida na região meridional do país.<br />

A segunda parte do capítulo, cujo título é A proclamação da repú-<br />

blica e a influência do positivismo nas relações <strong>de</strong> gênero, é <strong>de</strong>dicada ao<br />

estudo das mudanças havidas <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul com a Proclamação da<br />

República, e ao exame das influências que teve a implantação das idéias<br />

positivistas sobre as relações <strong>de</strong> gênero nesta socieda<strong>de</strong>.


Na terceira parte, intitulada As transformações dos a<strong>no</strong>s vinte e<br />

trinta e suas influências sobre as relações <strong>de</strong> gênero, são estudadas as<br />

principais transformações econômicas, sociais, políticas e culturais das du-<br />

as décadas do pós-Primeira Guerra Mundial e suas articulações com as<br />

relações <strong>de</strong> gênero e mercado <strong>de</strong> trabalho femini<strong>no</strong> <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

A quarta parte, intitulada As relações <strong>de</strong> gênero na socieda<strong>de</strong> gaú-<br />

cha nas décadas <strong>de</strong> 1940-50, é <strong>de</strong>dicada à análise das influências que a<br />

Segunda Guerra Mundial teve sobre a abertura <strong>de</strong> espaços para as <strong>mulheres</strong><br />

<strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho gaúcho, bem como à discussão do período subse-<br />

qüente ao térmi<strong>no</strong> do confronto mundial e seus principais <strong>de</strong>sdobramentos<br />

<strong>no</strong> país.<br />

Na parte final do capítulo, cujo título é As relações <strong>de</strong> gênero nas<br />

décadas recentes, faz-se a análise do avanço das <strong>mulheres</strong> nas diferentes<br />

instâncias da socieda<strong>de</strong> e as lutas que se estabeleceram entre estas e os re-<br />

presentantes do outro sexo, especialmente na disputa <strong>de</strong> postos <strong>no</strong> mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho. Nesta parte, é dada ênfase ao movimento feminista que se <strong>de</strong>-<br />

senvolveu <strong>no</strong> país a partir <strong>de</strong> meados dos a<strong>no</strong>s setenta e a seus principais<br />

reflexos.<br />

O presente capítulo foi <strong>de</strong>senvolvido com base na bibliografia exis-<br />

tente, em pesquisa em jornais (Fe<strong>de</strong>ração, Correio do Povo e Diário <strong>de</strong><br />

Notícias) e em entrevistas com historiadores (as) especialistas em diferen-<br />

tes períodos da História gaúcha e brasileira. No que se refere ao período<br />

79


mais recente, pesquisou-se também junto a instituições <strong>gaúchas</strong> que vêm<br />

estudando a questão feminina.<br />

1 BASES DA CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES DE GÊNE-<br />

RO<br />

Para uma melhor compreensão da situação da <strong>mulheres</strong> <strong>gaúchas</strong> <strong>no</strong><br />

século XX, é necessário que, inicialmente, seja examinada à formação his-<br />

tórica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e às articulações do tipo <strong>de</strong> colonização com<br />

as relações <strong>de</strong> gênero que foram sendo construídas.<br />

Consultando os estudos que têm como tema a mulher gaúcha <strong>no</strong> sé-<br />

culo XIX, constata-se que vários (as) autores (as) enten<strong>de</strong>m que a situação<br />

das <strong>mulheres</strong> da região apresentava certas peculiarida<strong>de</strong>s.<br />

Pedro Maia Soares, por exemplo, que analisa o período compreendi-<br />

do entre 1835-1945, consi<strong>de</strong>ra que a mulher rio-gran<strong>de</strong>nse distingue-se das<br />

<strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> outras regiões do país, pelo fato <strong>de</strong> as <strong>gaúchas</strong> serem “me<strong>no</strong>s<br />

acanhadas e conversarem mais <strong>de</strong>sembaraçadamente.” 108<br />

As colocações <strong>de</strong> Soares apoiam-se, principalmente, nas <strong>de</strong>scrições<br />

<strong>de</strong> viagens ao Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Auguste <strong>de</strong> Saint Hilaire, por volta da<br />

108<br />

SOARES, Pedro Maia. “Feminismo <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul: Primeiros apontamentos<br />

(1835-1945).” IN: BRUSCHINI, Maria Cristina e ROSEMBERGER, Fúlvia (orgs.) Vivência:<br />

história, sexualida<strong>de</strong> e imagens femininas. São Paulo: Brasiliense, 1980. p.<br />

123.<br />

80


década <strong>de</strong> vinte do século XIX. O autor também faz referência a um artigo<br />

<strong>de</strong> Júlia Lopes <strong>de</strong> Almeida, <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, <strong>no</strong> qual esta afirmava que<br />

“As [...] senhoras rio-gran<strong>de</strong>nses são belas e fortes<br />

[...] têm entusiasmo e sabem transmiti-lo [...] sabem<br />

rir com alegria e olhar com <strong>de</strong>sassombro para as pessoas<br />

que as fixam [...] e, sobretudo, <strong>de</strong>monstram um<br />

evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> instrução.” 109<br />

Também Joana Maria Pedro refere-se ao fato <strong>de</strong> algumas <strong>mulheres</strong><br />

do Sul comandarem estâncias, <strong>trabalhando</strong> e provendo sozinhas a sua sub-<br />

sistência, em vista da constante ausência dos maridos, envolvidos nas<br />

freqüentes guerras que ocorriam <strong>no</strong> Estado. 110<br />

Hilda Hübner Flores, que estudou o papel da mulher na Revolução<br />

Farroupilha, julga que esse acontecimento histórico propiciou a esta um es-<br />

paço <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e auto<strong>de</strong>terminação que estimulou sua produção<br />

intelectual. A historiadora traz o exemplo <strong>de</strong> várias <strong>mulheres</strong> que se salien-<br />

taram em diferentes setores em meados do século XIX. Entre elas a poetisa<br />

Maria Clementina da Silveira Sampaio, a escritora, jornalista e professora<br />

Maria Josefa Barreto Pereira Pinto, a escritora Ana Eurídice Eufrosina Bar-<br />

randas, a professora Luciana <strong>de</strong> Abreu. 111<br />

Igualmente, Maria Conceição Machado menciona que algumas mu-<br />

lheres, nas últimas décadas do século XIX, foram donas <strong>de</strong> manufaturas e<br />

109 ALMEIDA, Júlia. Apud SOARES, Pedro Maia. Op. cit. p. 124.<br />

110 PEDRO, Joana Maria. “Mulheres do Sul.” IN: DEL PRIORE, Mary e BASSANEZI,<br />

Carla ( cords), História das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.<br />

111 FLORES, Hilda. Socieda<strong>de</strong>, Preconceitos e Conquistas. Porto Alegre: Nova Dimen-<br />

são, 1989.<br />

81


indústrias na região caxiense. Este é o caso <strong>de</strong> Luiza Eberle que, em 1886,<br />

fundou uma funilaria que <strong>de</strong>u origem, posteriormente, à Metalúrgica Eberle<br />

<strong>de</strong> Caxias. 112 Machado refere-se, igualmente, a Catarina Cavag<strong>no</strong>li, da<br />

mesma região, que era proprietária <strong>de</strong> animais <strong>de</strong> carga e fazia transporte<br />

<strong>de</strong> mercadorias. 113<br />

Céli Regina Pinto, <strong>no</strong> estudo A mulher na socieda<strong>de</strong> rio-gran<strong>de</strong>nse<br />

na república velha, preocupa-se em i<strong>de</strong>ntificar fatores que expliquem as<br />

particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta mulher. A historiadora salienta dois aspectos. Em<br />

primeiro lugar, a exploração econômica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>no</strong>s séculos<br />

XVII a XIX, baseada na pecuária, que obrigava os homens a passar muito<br />

tempo longe da estância. Em segundo lugar, refere-se às guerras constantes<br />

ocorridas <strong>no</strong> Estado que mobilizavam o grupo masculi<strong>no</strong>. De acordo com<br />

Céli Pinto, esses dois fatores teriam levado as <strong>mulheres</strong> <strong>gaúchas</strong> a assumir<br />

posições públicas, como a direção da estância ou a gerência <strong>de</strong> casas co-<br />

merciais <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da família. 114<br />

As afirmações dos (as) vários (as) autores (as) citados (as), com-<br />

plementadas pelas observações <strong>de</strong> Céli Pinto, permitem concluir que as<br />

atitu<strong>de</strong>s e o comportamento mais livres e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das <strong>mulheres</strong> gaú-<br />

chas explicam-se pelas particularida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> em que estas viviam.<br />

112 MACHADO, Maria Conceição Abel Missel. Submissão e po<strong>de</strong>r: <strong>mulheres</strong> operárias<br />

<strong>de</strong> Caxias do Sul, 1900-1950. Porto Alegre: PUCRS, 1993. Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em<br />

História, PUCRS. p.107-108.<br />

113 MACHADO, Maria Conceição Abel Missel. Op. cit., p.102.<br />

114 Essas informações foram obtidas em entrevista concedida por Céli Pinto ao jornal<br />

Zero Hora, em 16/08/1987, p 3. Também foi publicado, na revista Ciências Sociais Hoje,<br />

São Paulo, Vértice, 1978, artigo <strong>de</strong> Pinto sobre parte da pesquisa, intitulado Mulher<br />

da Campanha Gaúcha na Velha República, pp. 133-149. O artigo refere-se à análise <strong>de</strong><br />

82


2 INFLUÊNCIA DO IDEÁRIO POSITIVISTA NAS RELA-<br />

ÇÕES DE GÊNERO<br />

Referindo-se à última década do século XIX e às primeiras do sécu-<br />

lo seguinte, pesquisadores (as) que têm estudado a <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong><br />

<strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul 115 julgam que a instalação <strong>de</strong> um gover<strong>no</strong> autoritário<br />

<strong>de</strong> forte orientação positivista, a partir da Proclamação da República em<br />

1889, veio a alterar o perfil da mulher rio-gran<strong>de</strong>nse.<br />

No referido período, diferentemente do contexto nacional, on<strong>de</strong><br />

predominaram idéias liberais, instaurou-se <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul um gover-<br />

<strong>no</strong> autoritário (que se auto-intitulava ditadura científica) li<strong>de</strong>rado<br />

inicialmente por Júlio <strong>de</strong> Castilhos e, posteriormente, por Borges <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>i-<br />

ros.<br />

Era objetivo da chamada “ditadura científica,” conforme afirma<br />

Paulo Vizentini, “<strong>de</strong>rrubar as barreiras que obstaculizavam a expansão ca-<br />

pitalista.” 116 Inúmeras medidas foram tomadas, entre as quais se colocava a<br />

construção do mo<strong>de</strong>lo femini<strong>no</strong> a<strong>de</strong>quado ao <strong>no</strong>vo momento econômico e<br />

político que vivia o Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

duas histórias <strong>de</strong> vida selecionadas entre várias entrevistas com <strong>mulheres</strong> feitas pela<br />

autora.<br />

115 LEAL, Elisabete da Costa. O Positivismo, o Partido Republica<strong>no</strong> Rio-Gran<strong>de</strong>nse, a<br />

Moral e a Mulher (1891-1913. Dissertação <strong>de</strong> Mestrado, apresentada na UFRGS em<br />

1996. ISMÉRIO, Clarisse. Mulher - a moral e o imaginário - 1889-1930. Porto Alegre:<br />

EDIPUCRS, 1995. PEDRO, Joana Maria. Op. cit, 1997.<br />

116 VIZENTINI, Paulo F. A crise dos a<strong>no</strong>s 20 - conflitos e transição. Porto Alegre: Ed.<br />

da UFRGS, 1992, p.12.<br />

83


Elisabete Leal procura explicar, a partir <strong>de</strong> estudo sistemático da<br />

obra <strong>de</strong> Comte, 117 que a família, consi<strong>de</strong>rada por ele como unida<strong>de</strong> básica<br />

da socieda<strong>de</strong>,<br />

“tinha como tarefa resolver a problemática social através<br />

do amor e da fé, assegurando aos cidadãos<br />

criados em famílias estáveis e seguras, os sentimentos<br />

<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ver social [...] A mulher estava<br />

[...] <strong>no</strong> centro da organização da família, exercendo<br />

dois ofícios sociais: aperfeiçoar o ‘servidor atual’ (o<br />

marido) e preparar o ‘servidor futuro’ da Humanida<strong>de</strong><br />

(o filho). Sua <strong>de</strong>stinação social caracterizou-se, pois,<br />

<strong>no</strong> Positivismo, sobretudo pela vocação e ofício doméstico<br />

e pela excelência moral para realizá-lo.” 118<br />

A influência que o i<strong>de</strong>ário positivista exerceu sobre a socieda<strong>de</strong> ga-<br />

úcha da época <strong>no</strong> que se refere ao papel atribuído às <strong>mulheres</strong>, introduziu<br />

modificações <strong>no</strong> perfil que estas apresentavam <strong>no</strong>s séculos anteriores e que<br />

fora i<strong>de</strong>ntificado como diferenciado do resto do Brasil. Além disso, como<br />

será visto adiante, este i<strong>de</strong>ário permaneceu <strong>no</strong> imaginário social gaúcho,<br />

em décadas posteriores, quando a socieda<strong>de</strong> já vivia um outro momento e-<br />

conômico e político.<br />

Estudando as influências do i<strong>de</strong>ário positivista <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, a historiadora Joana Maria Pedro alerta para fatos importantes, que<br />

117<br />

Elisabete da Costa Leal, para fundamentar sua análise do período iniciado <strong>no</strong> Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul com a proclamação da República, recorre às afirmações <strong>de</strong> comentaristas<br />

da obra <strong>de</strong> Augusto Comte, como José Murilo <strong>de</strong> Carvalho e Tocary Assis Bastos, e diz<br />

que estes i<strong>de</strong>ntificaram dois momentos na obra do pensador: num primeiro momento a<br />

mulher tinha somente uma posição inferior à do homem e, num segundo momento, após<br />

Comte ter conhecido Clotil<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vaux, este passou a ver a mulher como ascen<strong>de</strong>ndo<br />

moralmente sobre os homens por não ter sido contaminada pelos vícios <strong>de</strong> fora do lar.<br />

Cabia então à mulher ser a guardiã da moral da socieda<strong>de</strong>, ou seja, a mulher tinha uma<br />

tarefa fundamental na busca da socieda<strong>de</strong> positiva.<br />

118<br />

LEAL Elisabeth da Costa. Op. cit., p. 58-9.<br />

84


nem sempre são percebidos. Diz ela que, quando se tenta reconstituir o per-<br />

fil das <strong>mulheres</strong> da época é preciso consi<strong>de</strong>rar que<br />

“As imagens i<strong>de</strong>alizadas <strong>de</strong> mulher, possíveis para as<br />

elites urbanas, foram cobradas das <strong>mulheres</strong> das camadas<br />

populares; tornaram-se referências para o<br />

julgamento <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>mandas e para a aplicação <strong>de</strong><br />

punições do po<strong>de</strong>r público [...] as imagens i<strong>de</strong>alizadas<br />

que serviam <strong>de</strong> referência <strong>de</strong> distinção para a<br />

elite urbana foram utilizadas como justificativa, por<br />

parte dos empresários, para o pagamento <strong>de</strong> baixo salário<br />

e, por parte <strong>de</strong> muitos lí<strong>de</strong>res operários, para a<br />

tentativa <strong>de</strong> exclusão das <strong>mulheres</strong> e crianças do<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho.” 119<br />

Além das observações acima, Pedro ressalta outros dois aspectos <strong>de</strong><br />

extrema relevância. O primeiro é que “a elite <strong>de</strong> origem portuguesa” busca-<br />

va prestígio econômico e social pela “diferenciação <strong>de</strong> suas <strong>mulheres</strong>,”<br />

frente às <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> outras origens étnicas, que se faziam presentes na so-<br />

cieda<strong>de</strong> gaúcha <strong>de</strong>vido às correntes imigratórias da época. Em segundo<br />

lugar, a autora faz afirmações que se distanciam do que dizem outras auto-<br />

ras, quando salienta que,<br />

119 PEDRO, Joana Maria. Op. cit., p. 292.<br />

120 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

‘como a acumulação <strong>de</strong> riqueza não foi muito gran<strong>de</strong>,<br />

a divulgação <strong>de</strong> tais imagens foi limitada, sendo os<br />

<strong>no</strong>vos mo<strong>de</strong>los adotados por poucas <strong>mulheres</strong> [...] A<br />

pluralida<strong>de</strong> étnica e a conseqüente diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

culturas dificultaram a homogeneização <strong>de</strong> comportamentos,<br />

que <strong>de</strong>finiam para as <strong>mulheres</strong> os papéis <strong>de</strong><br />

esposa, mãe e dona <strong>de</strong> casa.” 120<br />

85


Na mesma direção do estudo <strong>de</strong> Joana Pedro, foi encaminhada a dis-<br />

sertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> Cláudia Pons Cardoso, que estuda as <strong>mulheres</strong> dos<br />

segmentos populares <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, entre 1889 e 1910, ou seja <strong>no</strong><br />

período <strong>de</strong> forte influência positivista. Também Cardoso chega a conclu-<br />

sões i<strong>no</strong>vadoras. A citada autora afirma que as <strong>mulheres</strong> dos segmentos<br />

populares, <strong>de</strong>vido a suas condições sócio-culturais, eram ig<strong>no</strong>radas pelos<br />

setores dominantes e que respondiam a essa exclusão<br />

“com comportamentos elaborados a luz <strong>de</strong> valores<br />

próprios geralmente diferentes dos i<strong>de</strong>alizados para a<br />

mulher burguesa [...] viam-se como pessoas <strong>de</strong> vida<br />

própria e não como proprieda<strong>de</strong> do pai e/ou do marido<br />

[...] sair <strong>de</strong> casa e freqüentar espaços públicos era<br />

natural e não culposo para essas <strong>mulheres</strong>, diferentemente<br />

das <strong>mulheres</strong> burguesas em geral.”(grifo<br />

<strong>no</strong>sso) 121<br />

A partir dos estudos <strong>de</strong> Joana Pedro e <strong>de</strong> Cláudia Cardoso, po<strong>de</strong>-se<br />

chegar à conclusão <strong>de</strong> que o positivismo, apesar <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>sempenhado um<br />

significativo papel entre as <strong>mulheres</strong> pertencentes aos setores dominantes<br />

da socieda<strong>de</strong> gaúcha, <strong>de</strong> ter sido um importante instrumento nas mãos do<br />

Estado e <strong>de</strong> ter servido para <strong>no</strong>rtear o tratamento que o meio sindical <strong>de</strong>u às<br />

trabalhadoras, não conseguiu a homogeneização do comportamento femini-<br />

<strong>no</strong> <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

121<br />

Cardoso, Cláudia Pons. O importante papel das <strong>mulheres</strong> sem importância: Porto Alegre<br />

- 1889-1910. Porto Alegre, 1995. 265 f. Dissertação (Mestrado em História) -<br />

Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS, 1995.<br />

86


As análises <strong>de</strong>senvolvidas pelas duas autoras, acima citadas, reme-<br />

tem às observações que faz Heleieth Saffioti, mencionada <strong>no</strong> Capítulo I<br />

<strong>de</strong>sta tese. Esta afirma que “o sujeito coletivo e individual é forjado a par-<br />

tir <strong>de</strong> três eixos – gênero, raça/etnia e classe social.” Assim sendo, o<br />

sujeito é múltiplo e, portanto, não existe “uma mulher rio-gran<strong>de</strong>nse”, du-<br />

rante a chamada primeira república, mas <strong>mulheres</strong> rio-gran<strong>de</strong>nses <strong>de</strong><br />

diferentes raças/etnias e <strong>de</strong> diferentes classes sociais.<br />

Procurando aprofundar um pouco mais essa discussão, é possível re-<br />

correr ao trabalho <strong>de</strong> Lorena Holzmann da Silva. Tal estudo, baseado <strong>no</strong>s<br />

censos <strong>de</strong>mográficos realizados <strong>no</strong> Brasil e <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, em <strong>1920</strong>,<br />

permite verificar que o percentual <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> inseridas <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong><br />

trabalho gaúcho, on<strong>de</strong> foi forte a penetração das idéias <strong>de</strong> Augusto Comte,<br />

não é diferente do observado <strong>no</strong> resto do Brasil, on<strong>de</strong> predomi<strong>no</strong>u o libera-<br />

lismo.<br />

De acordo com Lorena da Silva, em <strong>1920</strong>, 51,9% dos homens e 7,8%<br />

das <strong>mulheres</strong> participavam do mercado <strong>de</strong> trabalho gaúcho, enquanto que<br />

<strong>no</strong> Brasil os dados quase se repetiam, sendo <strong>de</strong> 52,0% para os homens e <strong>de</strong><br />

7,7% para as <strong>mulheres</strong>. 122<br />

As informações <strong>de</strong> Silva esclarecem duas questões. Em primeiro lu-<br />

gar, fica claro que o percentual <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, <strong>no</strong><br />

período em estudo, tanto <strong>no</strong> Brasil como <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, era muito<br />

122 SILVA, Lorena Holzmann da. Mulher e Trabalho: estrutura ocupacional <strong>no</strong> Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul -<strong>1920</strong>-1970. Esta dissertação foi apresentada <strong>no</strong> Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />

em Sociologia e Ciência Política da UFRGS, em 1977, e permanece mimeografada.<br />

87


inferior ao dos homens. Em segundo lugar, também fica evi<strong>de</strong>nte que o per-<br />

centual <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> inseridas <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

e <strong>no</strong> Brasil era semelhante. Daí po<strong>de</strong>-se inferir que a disseminação do posi-<br />

tivismo <strong>no</strong> Estado gaúcho, não retirou as <strong>mulheres</strong> dos setores médios e<br />

populares do mundo público.<br />

É muito importante, porém salientar que, <strong>no</strong> imaginário <strong>de</strong>ssa socie-<br />

da<strong>de</strong>, as idéias positivistas tiveram gran<strong>de</strong> penetração e permaneceram por<br />

longo período orientando posições masculinas e femininas, o que se po<strong>de</strong>rá<br />

constatar posteriormente. Julga-se que isso aconteceu porque que quem se<br />

apropriou <strong>de</strong>ssas idéias foram os setores dominantes da socieda<strong>de</strong> gaúcha,<br />

que dispunham dos meios para divulgá-las (jornais, revistas da época).<br />

3 TRANSFORMAÇÕES DAS DÉCADAS DE <strong>1920</strong> E DE 1930<br />

Vários acontecimentos da segunda e terceira décadas do século XX,<br />

como a crescente industrialização, a urbanização, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

<strong>no</strong>vas ativida<strong>de</strong>s <strong>no</strong> setor terciário, começaram, gradativamente, a abrir <strong>no</strong>-<br />

vos espaços <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, tanto para os homens como para as<br />

<strong>mulheres</strong>. Esses acontecimentos foram, em gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados pe-<br />

la eclosão da Primeira Guerra Mundial, que provocou transformações <strong>no</strong><br />

cenário mundial, nacional e local.<br />

88


O envolvimento dos países capitalistas centrais com o confronto<br />

mundial exigiu que nações como o Brasil, importadoras <strong>de</strong> produtos indus-<br />

trializados, ampliassem sua incipiente indústria, para suprir suas<br />

necessida<strong>de</strong>s mais imediatas. O surto <strong>de</strong> industrialização que então se veri-<br />

ficou exigiu a incorporação <strong>de</strong> <strong>no</strong>vos contingentes <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra não só<br />

na indústria, mas também <strong>no</strong> comércio e <strong>no</strong>s serviços, que se ampliaram.<br />

Isso facilitou uma primeira abertura para o ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mer-<br />

cado <strong>de</strong> trabalho.<br />

Informações recolhidas <strong>no</strong>s principais jornais da imprensa gaúcha<br />

relativos às décadas <strong>de</strong> <strong>1920</strong> e 1930, permitem constatar que, ao longo <strong>de</strong>s-<br />

se período, diferentes setores começavam a oferecer, com freqüência<br />

crescente, empregos para <strong>mulheres</strong>. Entre esses setores po<strong>de</strong>m ser citados o<br />

comércio (lojas, hotéis, bares, restaurantes), os escritórios <strong>de</strong> diferentes<br />

firmas (<strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong>, importação e exportação), fábricas (<strong>de</strong> tecidos,<br />

roupas, chapéus, cigarros, charutos e balas).<br />

Além da solicitação <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> para ocupar certos postos <strong>no</strong> mer-<br />

cado <strong>de</strong> trabalho, também tornaram-se relativamente freqüentes anúncios <strong>de</strong><br />

<strong>mulheres</strong> oferecendo seus serviços profissionais.<br />

Naturalmente que anúncios <strong>de</strong> professoras particulares, que se pro-<br />

punham a ensinar as primeiras letras, em geral na residência <strong>de</strong> seus<br />

futuros alu<strong>no</strong>s, e <strong>de</strong> professoras <strong>de</strong> canto, pia<strong>no</strong> ou pintura, já apareciam<br />

<strong>no</strong>s jornais do período anterior. Porém, por volta <strong>de</strong> <strong>1920</strong> e daí para dian-<br />

89


te, passaram a ser mais freqüentes os anúncios <strong>de</strong> costureiras, modistas e<br />

borda<strong>de</strong>iras, chapeleiras.<br />

Cabe fazer referência a que se haviam instalado na capital gaúcha<br />

cursos <strong>de</strong> corte e costura, os quais faziam sua própria propaganda <strong>no</strong>s jor-<br />

nais, publicando fotografias das formandas, acompanhadas do oferecimento<br />

do serviços <strong>de</strong>stas. Saliente-se que as propagandas <strong>de</strong>ssas escolas saíam<br />

quase que diariamente, por exemplo, <strong>no</strong> Correio do Povo, e que ocupavam<br />

um espaço gran<strong>de</strong> e <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. É interessante comentar que, em geral,<br />

aparecia ao lado do <strong>no</strong>me da formanda o a<strong>de</strong>ndo: “filha do senhor tal” ou<br />

“esposa do senhor tal.” Isso evi<strong>de</strong>ncia que ser “esposa ou filha do senhor<br />

tal” é que dava i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> às <strong>mulheres</strong>, o que, segundo foi explicado por<br />

Lerner <strong>no</strong> capítulo anterior, é uma das características fundamentais <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> patriarcal: a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>fine-se por seus vínculos<br />

com um homem - seu pai ou seu marido.<br />

Embora em número bem mais reduzido, também foram localizados<br />

alguns anúncios, por exemplo, <strong>de</strong> parteiras, entre as quais po<strong>de</strong>m ser cita-<br />

das Anna Malinsky, Amália Heberle e Helena Mierisch Wagner (esta última<br />

anunciando-se como diplomada em Bruxelas e aprovada pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Medicina do Rio <strong>de</strong> Janeiro).<br />

Encontrou-se também anúncios <strong>de</strong> profissionais mais especializadas,<br />

como o <strong>de</strong> uma tradutora juramentada <strong>de</strong> inglês, francês, espanhol e alemão<br />

(Julieta Felizardo <strong>de</strong> Leão), <strong>de</strong> uma cirurgiã-<strong>de</strong>ntista com clínica exclusiva<br />

90


para senhoras, senhoritas e crianças – Dra. Cecy Rodrigues, 123 bem como o<br />

oferecimento dos serviços <strong>de</strong> médica e operadora da Dra. Noemy Valle da<br />

Rocha, 124 que atendia seus pacientes na Pharmacia Carvalho. Os anúncios<br />

da médica diziam:<br />

“Dra. Noemy V. da Rocha – médica operadora do<br />

Serviço <strong>de</strong> Cirurgia <strong>de</strong> Mulheres da Santa Casa. Tratamento<br />

<strong>de</strong> moléstias <strong>de</strong> senhoras em geral. Consultas<br />

diárias na Pharmacia Carvalho, das 2 às 3 horas.” 125<br />

Os anúncios da Dra. Noemy da Rocha e das outras duas profissio-<br />

nais, acima mencionados, <strong>de</strong>monstram que, pouco a pouco, algumas<br />

<strong>mulheres</strong> começavam a exercer certas profissões que antes eram exclusiva-<br />

mente masculinas. Todavia, <strong>de</strong>staque-se que elas se constituíam em exceção<br />

e que, além disso, <strong>no</strong> caso da médica e da <strong>de</strong>ntista, ofereciam seus serviços<br />

somente para outras <strong>mulheres</strong> ou crianças,<br />

Cabe também <strong>de</strong>stacar que a gran<strong>de</strong> maioria das profissões acima ci-<br />

tadas eram <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviço , o que, conforme já foi discutido,<br />

caracterizava as “profissões femininas.”<br />

123<br />

Correio do Povo, 14 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, p.3.<br />

124<br />

Conforme Diva Machado Pereira Kaastrup, Noemy Valle Rocha ingressou na Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> Porto Alegre em 1912 e formou-se em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1917,<br />

começando, imediatamente a fazer clínica geral, obstetrícia e ginecologia. Foi a segunda<br />

mulher formada na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina em Porto Alegre (a primeira foi Alice<br />

Hess Maeffer que por exigência do marido abando<strong>no</strong>u a profissão ao casar-se). Consta<br />

que Noemy Rocha foi uma das primeiras <strong>mulheres</strong> <strong>gaúchas</strong> a dirigir veículo automotor.<br />

Noemy Rocha trabalhou até 1968 e faleceu em 1978, tendo sido dado seu <strong>no</strong>me a uma<br />

rua <strong>de</strong> Porto Alegre. KAASTRUP, Diva Machado Pereira. A Mulher na Medicina. Porto<br />

Alegre: Martins Livreiro, 1983, p.78-80,<br />

125<br />

Correio do Povo, 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, p 3.<br />

91


É provável que a crescente inserção das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong><br />

trabalho rio-gran<strong>de</strong>nse, a partir dos a<strong>no</strong>s vinte, explique a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ar-<br />

tigos que foram publicados <strong>no</strong>s jornais Diário <strong>de</strong> Notícias e,<br />

especialmente, Correio do Povo, a partir <strong>de</strong> <strong>1920</strong> até o início dos a<strong>no</strong>s qua-<br />

renta, criticando veementemente o ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mundo público<br />

e <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

Os referidos artigos permitem que se i<strong>de</strong>ntifique a resistência dos<br />

citados órgãos ou <strong>de</strong> seus articulistas, aos avanços obtidos pelas mulhe-<br />

res. 126 Em tais artigos, também po<strong>de</strong> ser percebida claramente a influência<br />

que as idéias positivistas exerceram sobre aqueles que eram os formadores<br />

<strong>de</strong> opinião da época. A título <strong>de</strong> exemplo, citam-se alguns dos inúmeros<br />

artigos da imprensa da época. 127<br />

Em janeiro <strong>de</strong> 1925, era comentado <strong>no</strong> Correio do Povo que “femi-<br />

nistas espanholas encheram-se <strong>de</strong> indignação” porque uma mulher “foi<br />

proibida <strong>de</strong> exercer a profissão <strong>de</strong> matadora” num circo <strong>de</strong> touros. O diretor<br />

do circo sentenciara que as <strong>mulheres</strong> não <strong>de</strong>veriam ir além do exercício “já<br />

assaz perigoso dos picadores e ban<strong>de</strong>rilheiros.” A <strong>no</strong>tícia concluía com a<br />

seguinte afirmação: “o feminismo vai numa marcha <strong>de</strong>veras vertigi<strong>no</strong>sa,<br />

126<br />

Está sendo <strong>de</strong>finido como “resistência ao avanço da mulher” o tratamento jocoso dado<br />

a alguma situação <strong>de</strong> avanço femini<strong>no</strong>, as variadas tentativas <strong>de</strong> sugerir<br />

inferiorida<strong>de</strong> da mulher em geral ou <strong>no</strong> campo profissional, as acusações feitas às <strong>mulheres</strong><br />

<strong>de</strong> subverterem a or<strong>de</strong>m do mundo masculi<strong>no</strong>, a crítica ao espírito <strong>de</strong> competição<br />

femini<strong>no</strong> ou a acusação do uso <strong>de</strong> “subterfúgios femini<strong>no</strong>s” para conquistar espaços.<br />

127<br />

Optou-se por atualizar a ortografia <strong>de</strong> todas as <strong>no</strong>tícias ou artigos transcritos da imprensa<br />

da época. Tal opção foi motivada pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> tornar a leitura das mesmas<br />

mais fácil e objetiva.<br />

92


não se <strong>de</strong>tendo diante dos maiores obstáculos, nem mesmo dos touros bra-<br />

vios.” 128<br />

Embora o fato comentado não diga respeito diretamente ao Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, mas sim à Espanha, é interessante observar que o ocorrido é<br />

aproveitado para fazer uma crítica ao que é <strong>de</strong>finido como caminhada da<br />

mulher e para lamentar que nada <strong>de</strong>tenha a “marcha <strong>de</strong>veras vertigi<strong>no</strong>sa do<br />

feminismo.”<br />

Conforme já discutido <strong>no</strong> capítulo anterior, o termo “feminismo”<br />

tanto foi utilizado por aqueles (as) que <strong>de</strong>fendiam a emancipação feminina<br />

como por seus mais ardorosos críticos. Nos artigos recolhidos <strong>no</strong> jornal<br />

Correio do Povo ou Diário <strong>de</strong> Notícias, a palavra “feminismo” era usada<br />

pelos críticos da emancipação feminina para criticar o avanço femini<strong>no</strong>.<br />

A posição expressa <strong>no</strong> artigo acima citado repete-se em matéria di-<br />

vulgada em julho <strong>de</strong> 1926, que trata das jogadoras <strong>de</strong> xadrez. Diz o referido<br />

escrito que a mulher “toma conta <strong>de</strong> tudo” (<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> inferir que esta<br />

é consi<strong>de</strong>rada uma usurpadora) e que agora chegou a vez do xadrez. “São<br />

numerosas as que se <strong>de</strong>dicam aos prazeres do xadrez, pelo me<strong>no</strong>s em Pa-<br />

ris.” O artigo conclui afirmando: “é mais um terre<strong>no</strong>, outrora vedado às<br />

<strong>mulheres</strong>, que o feminismo acaba <strong>de</strong> conquistar, com sua irresistível mar-<br />

cha <strong>de</strong> combate.” (grifos <strong>no</strong>ssos) 129<br />

128 Correio do Povo, 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1925, p. 3.<br />

129 Correio do Povo, 17 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1926, p. 3.<br />

93


As observações feitas ao primeiro artigo são igualmente pertinentes<br />

para o segundo. Noticiando um fato ocorrido em Paris, o articulista apro-<br />

veitava para afirmar que a mulher toma conta <strong>de</strong> tudo e para criticar o que<br />

chama <strong>de</strong> irresistível marcha <strong>de</strong> combate do feminismo.<br />

Na mesma direção é encaminhado também artigo do a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1926<br />

cujo o título é “Feminismo.” Este afirma que enquanto “a política interna-<br />

cional mais se complica [...] e muitas coisas ocorrem <strong>no</strong> mundo sublunar, o<br />

feminismo vai, indiferente, seguindo em frente”(grifo <strong>no</strong>sso) 130 Reforça-se,<br />

nesse terceiro artigo, exatamente a mesma idéia contida <strong>no</strong>s dois anteriores,<br />

ou seja o feminismo segue indiferente aos sérios problemas do mundo; nada<br />

consegue <strong>de</strong>tê-lo, como parece que seria o <strong>de</strong>sejável para quem escreve os<br />

referidos artigos.<br />

No prosseguimento do escrito acima, é comentado que os transatlân-<br />

ticos mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s necessitam do emprego <strong>de</strong> pessoal femini<strong>no</strong> para diferentes<br />

serviços (ven<strong>de</strong>doras <strong>de</strong> confeitos e charutos, cabeleireira, manicura, mas-<br />

sagista, enfermeira). O artigo finaliza com a afirmação: “Há mais a<br />

vantagem <strong>de</strong> viajar [...] gratuitamente e a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar o ma-<br />

rido sonhado entre os viajantes celibatários. Não parece muito proveito<br />

num saco só?” 131<br />

Percebe-se, através da leitura do artigo acima citado, que as mulhe-<br />

res estão se tornado necessárias em variados setores e que se abrem para<br />

130 Correio do Povo <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1926, p. 3.<br />

131 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

94


elas diferentes espaços <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, mas que isso é visto com<br />

<strong>de</strong>sagrado, havendo, portanto, uma clara resistência ao avanço femini<strong>no</strong>.<br />

Cabe ressaltar, que a partir <strong>de</strong> 1930, o Brasil passou por significati-<br />

vas transformações econômicas, sociais e políticas com o início do<br />

Gover<strong>no</strong> <strong>de</strong> Getúlio Vargas. Este assumiu o po<strong>de</strong>r tendo como meta promo-<br />

ver a industrialização do País. Para implementar o seu projeto,<br />

<strong>de</strong>senvolveu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> seu gover<strong>no</strong>, uma série <strong>de</strong> ações <strong>no</strong> campo<br />

econômico, social e político, respaldadas em um pacto político amplo e<br />

consistente – o pacto populista - que agregava diferentes setores da socie-<br />

da<strong>de</strong> (burguesia agrário-exportadora, emergente burguesia industrial,<br />

burocracia estatal civil e militar e operariado emergente).<br />

Destinada a suprir o mercado <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> consumo imediato, a<br />

crescente industrialização do País, aprofundou-se a partir <strong>de</strong> 1937 e ampli-<br />

ou as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho, tanto para os homens como para as<br />

<strong>mulheres</strong>. Isso po<strong>de</strong> ser comprovado a partir dos dados apresentados por<br />

Lorena da Silva, relativos ao Censo Demográfico <strong>de</strong> 1940.<br />

O Censo <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, como já foi visto, indicava que <strong>no</strong> Brasil 51,9%<br />

dos homens e 7,8% das <strong>mulheres</strong> estavam <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, enquanto<br />

que <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul tinha-se 52,0% dos homens e 7,7% das mulhe-<br />

res inseridos <strong>no</strong> referido mercado. Já o Censo <strong>de</strong> 1940 trazia a informação<br />

<strong>de</strong> que 82,8% dos homens e 19,2% das <strong>mulheres</strong> estavam <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong><br />

95


trabalho nacional. No Rio Gran<strong>de</strong> do Sul o percentual era <strong>de</strong> 81,8% para os<br />

homens e <strong>de</strong> 21,1% para as <strong>mulheres</strong>. 132<br />

A comparação dos dois Censos permite verificar que houve um im-<br />

portante incremento <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, tanto <strong>no</strong> Brasil como <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul. Além disso, esclarece que o crescimento percentual da mão-<strong>de</strong>-<br />

obra feminina foi bem mais elevado do que o da masculina, ficando a pri-<br />

meira em por volta <strong>de</strong> 250%, enquanto a segunda ficou próxima <strong>de</strong> 60%. 133<br />

A inclusão <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> em diferentes ativida<strong>de</strong>s, principalmente <strong>no</strong><br />

setor <strong>de</strong> serviços, estimulou forças conservadoras da socieda<strong>de</strong> gaúcha a se<br />

contraporem a esse movimento. Isso po<strong>de</strong>, <strong>no</strong>vamente, ser verificado atra-<br />

vés <strong>de</strong> artigos que foram publicados em órgãos da imprensa gaúcha<br />

Em outubro <strong>de</strong> 1932, por exemplo, foi escrito artigo intitulado Fe-<br />

minismo burocrata, cuja motivação parece ter sido a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> que as<br />

<strong>mulheres</strong> estavam se saindo melhor do que os homens, <strong>no</strong>s concursos públi-<br />

cos. O referido artigo não reconhece ou enaltece esse feito femini<strong>no</strong>, pelo<br />

contrário, critica as <strong>mulheres</strong> pela sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sbancar os homens e<br />

pelo seu espírito <strong>de</strong> competição. Veja-se o que é dito:<br />

132 SILVA, Lorena Holzmann da. Op. cit., p.22.<br />

133 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

“Mais um progresso do Brasil – a burocracia feminina.<br />

A vonta<strong>de</strong> intransigente da mulher brasileira é<br />

<strong>de</strong>sbancar o homem funcionário. Tamanho é o ardor<br />

da burocracia feminina do Brasil que as moças já<br />

conseguem, <strong>no</strong>s concursos públicos, abater os seus<br />

concorrentes masculi<strong>no</strong>s. Estudam para isso. Edu-<br />

96


cam-se diariamente para satisfazer o mais ar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sejo<br />

burocrático.” (grifos <strong>no</strong>ssos) 134<br />

O conteúdo <strong>de</strong> artigo escrito seis a<strong>no</strong>s após ao anteriormente citado<br />

e <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> João Henrique é muito próximo <strong>de</strong>ste. O título do mesmo é<br />

Progresso do feminismo, sendo seu conteúdo o seguinte:<br />

“A mulher vai galgando, cada vez mais, os postos que<br />

outrora pertenciam ao homem. Julga ela obter assim<br />

conquistas importantes. Porém, não pensa que, quanto<br />

mais se masculiniza, tanto me<strong>no</strong>s valor vai tendo.<br />

Efetivamente, a mulher começou a invadir as repartições<br />

públicas, os escritórios comerciais, as fábricas,<br />

tirando assim o lugar dos homens e tornando-se sua<br />

competidora. Ocupando cargos antes <strong>de</strong>sempenhados<br />

pelo sexo forte, ela não po<strong>de</strong> mais dizer-se<br />

pertencente ao sexo frágil. Nestas circunstâncias,<br />

<strong>de</strong>ixou ela <strong>de</strong> ser merecedora do carinho e da pieda<strong>de</strong><br />

que os fracos <strong>de</strong>spertam.” (grifos <strong>no</strong>ssos) 135<br />

O artigo acima é exemplar. Evi<strong>de</strong>ncia a inconformida<strong>de</strong> do articulis-<br />

ta com o fato das <strong>mulheres</strong> estarem ocupando lugares que “outrora<br />

pertenciam aos homens;” as adverte <strong>de</strong> que, assim, estarão “per<strong>de</strong>ndo o seu<br />

valor pois estão se masculinizando;” e ainda afirma que elas <strong>de</strong>ixaram “<strong>de</strong><br />

ser merecedoras do carinho e da pieda<strong>de</strong> que os fracos <strong>de</strong>spertam.” Fica<br />

muito claro que estão ocorrendo mudanças econômicas, sociais e políticas,<br />

mas que o imaginário social ainda é o <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> fortemente marca-<br />

da por componentes patriarcais.<br />

134 Correio do Povo, 2 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1932, p.3.<br />

135 Correio do Povo, 7 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1938, p.5.<br />

97


Saliente-se que os artigos acima transcritos <strong>de</strong>monstram que os<br />

homens não aceitam sequer que algumas poucas <strong>mulheres</strong> (na época estas<br />

são mi<strong>no</strong>ria) “subvertam”a or<strong>de</strong>m que está estabelecida e que dá vantagens<br />

ao sexo masculi<strong>no</strong>, bem como que apelam para diferentes discursos com ob-<br />

jetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ter possíveis avanços femini<strong>no</strong>s.<br />

Registre-se, ainda, que foi na década <strong>de</strong> 1930 que as <strong>mulheres</strong> con-<br />

quistaram o direito ao voto (1932) 136 . Muitos artigos foram publicados em<br />

órgãos da imprensa gaúcha, antes da concessão do direito <strong>de</strong> voto, critican-<br />

do a possibilida<strong>de</strong> da obtenção do mesmo. Entre os inúmeros artigos, cita-<br />

se o <strong>de</strong> João Chrysóstomo, <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1931, on<strong>de</strong> o autor revela-se, ca-<br />

tegoricamente, contrário ao voto femini<strong>no</strong>. Diz ele:<br />

“À mulher não compete direito eleitoral algum, pela<br />

sua inferiorida<strong>de</strong> política e cívica [...] dê-se à mulher<br />

direitos eleitorais completos tal qual o homem, como<br />

querem e gritam e vociferam meia dúzia <strong>de</strong> homens<br />

muito adiantados <strong>de</strong> idéias e muito atrasados <strong>de</strong> costumes<br />

e vamos ter, sem gran<strong>de</strong> viajar, muito<br />

concretamente uma doida anarquia.” 137<br />

Chrysóstomo acrescenta ainda que o povo brasileiro é “infante” e<br />

que lhe falta ainda o “<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> uma raça,” 138 sugerindo que não é a<strong>de</strong>-<br />

136 Cabe salientar que, apesar <strong>de</strong> algumas brasileiras terem-se envolvido intensamente<br />

nas lutas pela conquista do sufrágio femini<strong>no</strong>, enfim alcançado em 1932, não se verificou<br />

uma efetiva participação do eleitorado femini<strong>no</strong>, nas primeiras eleições ocorridas<br />

<strong>no</strong> país. É verda<strong>de</strong> que Carlota Pereira <strong>de</strong> Queiroz foi eleita constituinte em 1932, mas<br />

foram poucas as <strong>mulheres</strong> que se alistaram e participaram do processo, resultando a eleição<br />

<strong>de</strong> Carlota Queiroz muito mais <strong>de</strong> disputas que ocorriam em São Paulo do que do<br />

voto maciço das <strong>mulheres</strong>.<br />

137 Correio do Povo, 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1931, p.3.<br />

138 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

98


quado que este povo copie instituições <strong>de</strong> países que têm uma longa histó-<br />

ria.<br />

Através da seleção <strong>de</strong> artigos, <strong>no</strong>vamente se comprova que os avan-<br />

ços obtidos pelas <strong>mulheres</strong> não eram bem vistos pelos articulistas dos<br />

principais órgãos da imprensa rio-gran<strong>de</strong>nse. Consi<strong>de</strong>rando que esses jor-<br />

nais reproduziam o imaginário <strong>de</strong> importantes setores da socieda<strong>de</strong> gaúcha<br />

que, durante muitos a<strong>no</strong>s, organizara-se seguindo as orientações oriundas<br />

do positivismo, po<strong>de</strong>-se inferir que, apesar <strong>de</strong> transformações econômicas,<br />

sociais e políticas estarem acontecendo <strong>no</strong> Estado, ainda era muito difícil,<br />

para certos setores <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong>, aceitar que as <strong>mulheres</strong> ingressassem<br />

<strong>no</strong> mundo público. Para esses, o lugar das <strong>mulheres</strong> continuava sendo <strong>no</strong><br />

mundo privado, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>riam melhor contribuir para a manutenção <strong>de</strong><br />

uma rígida moral.<br />

Não po<strong>de</strong> ser esquecido que o fato <strong>de</strong> as <strong>mulheres</strong> estarem conquis-<br />

tando um lugar <strong>no</strong> mundo público e <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, ameaçava<br />

posições até então mo<strong>no</strong>polizadas pelos homens. Na forma assumida pelos<br />

artigos, percebe-se claramente que as relações <strong>de</strong> gênero são sempre rela-<br />

ções <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, conforme afirma Scott em seu clássico artigo Gênero, uma<br />

categoria útil <strong>de</strong> análise histórica.<br />

99


4 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS DÉCADAS DE 1940 E DE<br />

1950<br />

Ao longo da década <strong>de</strong> 1940, ocorreram <strong>no</strong>vas transformações eco-<br />

nômicas, sociais e políticas, tanto mundiais como <strong>no</strong> Brasil que, como não<br />

po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, acabaram refletindo <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. As refe-<br />

ridas transformações começaram a alterar, <strong>de</strong> forma mais profunda, as<br />

relações <strong>de</strong> gênero, abrindo possibilida<strong>de</strong>s mais concretas para o ingresso<br />

das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

O conjunto <strong>de</strong> transformações às quais se está fazendo referência<br />

começaram a se verificar a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-45) e,<br />

especialmente, após a entrada do Brasil na mesma, em 1942.<br />

Referindo-se a essa questão, Jane Soares <strong>de</strong> Almeida diz que os a-<br />

<strong>no</strong>s <strong>de</strong> guerra afetaram i<strong>de</strong>ologicamente todos os países do mundo oci<strong>de</strong>ntal<br />

e possibilitaram a emergência <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que viam o trabalho assalariado<br />

<strong>de</strong> maneira diversa das <strong>mulheres</strong> das décadas iniciais do século. 139<br />

Embora o Brasil, até 1942, não tenha se envolvido diretamente <strong>no</strong><br />

conflito mundial, as <strong>no</strong>tícias vindas da Europa e dos Estados Unidos, veicu-<br />

ladas pela imprensa, mostrando <strong>mulheres</strong> <strong>trabalhando</strong> <strong>no</strong>s mais diver-sos<br />

139<br />

ALMEIDA, Jane Soares <strong>de</strong>. “Mulheres na Escola: reflexões sobre o magistério femini<strong>no</strong>.”Ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong> Pesquisa. São Paulo, n. 96, p. 71-8, fev.1996. p.73.<br />

100


setores, sem a me<strong>no</strong>r dúvida, influenciaram as <strong>mulheres</strong> brasileiras e gaú-<br />

chas. 140<br />

Durante a Segunda Guerra, a mão-<strong>de</strong>-obra feminina teve importante<br />

crescimento, chegando, em alguns países, como por exemplo na Inglaterra,<br />

a representar quase meta<strong>de</strong> da força <strong>de</strong> trabalho.<br />

Conforme Saffioti, as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> guerra tiveram um efeito<br />

mais ou me<strong>no</strong>s compulsivo na força <strong>de</strong> trabalho feminina. As <strong>mulheres</strong> e-<br />

ram instadas a aceitar pelo me<strong>no</strong>s trabalho em tempo parcial. 141 Terminado<br />

o confronto, repetiu-se, embora em me<strong>no</strong>r escala, o que acontecera após a<br />

Primeira Guerra Mundial, ou seja, as <strong>mulheres</strong> começaram a ser estimula-<br />

das a voltar para casa.<br />

Fenôme<strong>no</strong> mundial, as já comentadas transformações vinham se ve-<br />

rificando também <strong>no</strong> cenário brasileiro, abrindo <strong>no</strong>vas oportunida<strong>de</strong>s para<br />

as <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

No Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, foi possível constatar que a entrada do Bra-<br />

sil na guerra, em 1942, acabou facilitando o ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong><br />

mercado <strong>de</strong> trabalho gaúcho. Artigos alusivos ao confronto mundial e ao<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho femini<strong>no</strong>, recolhidos na imprensa gaúcha, indicam<br />

que, a partir do momento em que a situação brasileira encaminhou-se para<br />

140<br />

ALMEIDA, Jane Soares <strong>de</strong>.Op. cit., p.73.<br />

141<br />

SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Classes: mito e realida<strong>de</strong>.<br />

2ª ed.Petrópolis: Vozes, 1979. p.46.<br />

101


uma tomada <strong>de</strong> posição frente à Segunda Guerra Mundial, começaram a<br />

ampliar-se os espaços das <strong>mulheres</strong>. 142<br />

Já a partir <strong>de</strong> 1940, começaram a aparecer na imprensa diversos ar-<br />

tigos alusivos à importância da participação das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> esforço <strong>de</strong><br />

guerra, enfatizando que estas, em outros países, estavam ocupando posições<br />

<strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho. Estimulava-se, assim, as brasileiras a seguirem o<br />

exemplo das estrangeiras.<br />

Um <strong>de</strong>sses artigos foi publicado <strong>no</strong> Diário <strong>de</strong> Notícias e era intitu-<br />

lado O pseudo sexo fraco. O artigo, cujo objetivo era contrapor-se à idéia<br />

<strong>de</strong> que as <strong>mulheres</strong> são o sexo fraco, afirmava:<br />

“Ainda existe muita gente que acredita pertencerem<br />

as <strong>mulheres</strong> ao chamado “sexo fraco,” quando, em<br />

verda<strong>de</strong>, inúmeros fatos aí estão para atestar o contrário.<br />

As <strong>mulheres</strong>, em geral, têm vida muito longa.<br />

São me<strong>no</strong>s sujeitas a doenças. O frio não as afeta tão<br />

profundamente [...] Mas a lenda do sexo fraco não será<br />

<strong>de</strong>struída tão facilmente ...” 143<br />

Entre vários artigos publicados pelo jornal Correio do Povo, que se-<br />

guem a tendência acima aludida, é interessante comentar o do dia 30 <strong>de</strong><br />

<strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1945, cujo título é A mulher é hoje fator imprescindível <strong>de</strong><br />

colaboração na obra político-social em que se empenham os povos. O refe-<br />

rido escrito menciona a Dra. Natércia Silveira Pinto da Rocha, bacharel em<br />

142<br />

Deve ser recordado que até <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1941, duas guerras estavam sendo travadas<br />

<strong>no</strong> mundo: uma ocorria entre o Japão e a China, tendo começado em julho <strong>de</strong> 1937. Outra<br />

era a européia resultante do ataque <strong>de</strong> Hitler à Polônia, em 1º <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1939.<br />

Esses dois conflitos fundiram-se, em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1941, quando a base naval <strong>no</strong>rteamericana<br />

<strong>de</strong> Pearl Harbor foi bombar<strong>de</strong>ada por aviões japoneses e os EUA a<strong>de</strong>riram à<br />

guerra. O ingresso dos EUA na guerra acabou forçando o Brasil, que sofria forte controle<br />

<strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, a também entrar <strong>no</strong> confronto ao lado dos EUA e dos Aliados.<br />

102


direito, feminista, candidata a <strong>de</strong>putada pelo Partido Libertador. A advoga-<br />

da, entrevistada pelo Correio do Povo, afirmou que:<br />

“Nos gran<strong>de</strong>s centros, a mulher <strong>de</strong>sempenha hoje<br />

funções as mais variadas, sendo impossível <strong>de</strong>sconhecer<br />

o valor <strong>de</strong> sua colaboração, já agora<br />

indispensável. E todos os países civilizados não admitem<br />

distinção em razão <strong>de</strong> sexo [...] e a guerra<br />

atual consolidou esta conquista da mulher [...] não<br />

foi um mero <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> i<strong>no</strong>vação que conduziu as <strong>mulheres</strong><br />

ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> fora do lar. As<br />

necessida<strong>de</strong>s industriais e econômicas, as dificulda<strong>de</strong>s<br />

na solução dos problemas relacionados com os<br />

interesses <strong>de</strong> família, o encarecimento da vida, foram<br />

fatores prepon<strong>de</strong>rantes e irremovíveis na atitu<strong>de</strong> assumida<br />

pelas <strong>mulheres</strong> [...] impelidas por fatores<br />

econômicos e sociais que modificaram a estrutura da<br />

socieda<strong>de</strong>, as <strong>mulheres</strong> não po<strong>de</strong>m limitar a sua ativida<strong>de</strong><br />

às pare<strong>de</strong>s do lar.” 144<br />

Outro dado que reforça a idéia <strong>de</strong> que a partir do início da década<br />

<strong>de</strong> quarenta percebe-se um certo estímulo ao ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mer-<br />

cado <strong>de</strong> trabalho é o número elevado <strong>de</strong> anúncios solicitando mão-<strong>de</strong>-obra<br />

feminina. Os lugares oferecidos, geralmente, eram em escritórios, sendo e-<br />

xigido que as moças fossem boas datilógrafas, 145 tivessem fundamentos <strong>de</strong><br />

cálculos, bem como, em alguns casos, redação própria, conhecimentos <strong>de</strong><br />

inglês e, embora com me<strong>no</strong>r freqüência, conhecimentos <strong>de</strong> este<strong>no</strong>grafia.<br />

143<br />

Diário <strong>de</strong> Notícias, 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1940, p.1.<br />

144<br />

Correio do Povo, 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1945, p. 3.<br />

145<br />

A partir do trabalho realizado, ficou claro que o uso generalizado da máquina datilográfica<br />

abriu um importante espaço <strong>de</strong> trabalho para as <strong>mulheres</strong>. O público<br />

freqüentador das escolas <strong>de</strong> datilografia era predominantemente femini<strong>no</strong>, pois essa ativida<strong>de</strong><br />

mecânica não atraiu os homens ocupados com trabalhos mais <strong>no</strong>bres. Os<br />

homens que aprendiam datilografia a utilizavam apenas como uma ferramenta eventualmente<br />

usada na sua ativida<strong>de</strong> principal. Em contrapartida, gran<strong>de</strong> parte das <strong>mulheres</strong><br />

faziam da datilografia sua ativida<strong>de</strong> principal.<br />

103


Os empregos anunciados eram, principalmente, em escritórios <strong>de</strong><br />

firmas comerciais, industriais e importadoras. Alguns anúncios especifica-<br />

vam o salário para a datilógrafa, variando este <strong>de</strong> Cr$ 250,00 a Cr$ 400,00.<br />

Em um caso específico <strong>de</strong> solicitação <strong>de</strong> uma datilógrafa correspon<strong>de</strong>nte, o<br />

salário mencionado era <strong>de</strong> Cr$ 500,00. Deve ser salientado que até 1943,<br />

<strong>no</strong>s dados coletados, as solicitações <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ntes especificavam<br />

“sexo masculi<strong>no</strong>,” o que, como fica comprovado <strong>no</strong> anúncio citado, come-<br />

çou a alterar-se a partir da referida data.<br />

Também eram comuns, nesse período, anúncios on<strong>de</strong> era solicitada<br />

moça para ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> balconista <strong>de</strong> loja, confeitaria ou bar, exigindo-se,<br />

nesses casos, “boa aparência” e saber “lidar com os fregueses.”<br />

A título <strong>de</strong> ilustração cabe fazer referência a que, nessa época, in-<br />

clusive a Cia. Carris <strong>de</strong> Porto Alegre cogitou <strong>de</strong> empregar <strong>mulheres</strong> como<br />

motorneiras dos bon<strong>de</strong>s da capital, o que <strong>de</strong>pois foi proibido pelo Ministé-<br />

rio do Trabalho. Vários anúncios foram veiculados na imprensa gaúcha<br />

solicitando <strong>mulheres</strong> e tendo o seguinte texto:<br />

“Precisam-se moças na Cia Carris: Para o serviço <strong>de</strong><br />

condutoras. Moças solteiras <strong>de</strong> 20 a 35 a<strong>no</strong>s que saibam<br />

ler e escrever. É indispensável o atestado do<br />

último emprego ou <strong>de</strong> pessoa idônea. Tratar <strong>no</strong> escritório<br />

<strong>de</strong> tráfego Av. João Pessoa nº 319, das 8.30 às<br />

10 e das 14.30 às 16.30 diariamente.” 146<br />

Esse anúncio saiu na imprensa, entre os dias 23 e 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />

1943, quando apareceu, na última página do Correio do Povo, matéria inti-<br />

146 Correio do Povo, 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1943, p.2.<br />

104


tulada É ilegal o emprego <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong>s bon<strong>de</strong>s. Transcreve-se a <strong>no</strong>tícia<br />

toda <strong>de</strong>vido a sua importância para esclarecer a questão.<br />

“A propósito <strong>de</strong> um anúncio da Cia Carris <strong>de</strong> Porto<br />

Alegre. Rio (28)- O diretor do Departamento Nacional<br />

do Trabalho foi, hoje procurado pelo<br />

representante <strong>de</strong> A Noite que queria ouvi-lo pois que<br />

tendo ele ontem, prestado <strong>de</strong>clarações peremptórias<br />

contra a idéia <strong>de</strong> se empregarem <strong>mulheres</strong> como condutoras<br />

ou trocadoras <strong>de</strong> ônibus, telegramas daí<br />

proce<strong>de</strong>ntes davam como certo que a Cia Carris Porto-alegrense<br />

já estava em vésperas <strong>de</strong> introduzir essa<br />

i<strong>no</strong>vação <strong>no</strong> tráfego da capital. Tanto que já estavam<br />

sendo publicados anúncios nesse sentido. O Sr. Rego<br />

Monteiro fez, então, estas <strong>de</strong>clarações: Reafirmo as<br />

minhas <strong>de</strong>clarações proferidas ontem ao seu jornal. O<br />

Departamento Nacional do Trabalho, coerente e interpretando<br />

fielmente as leis, é contrário à medida.<br />

Não se justifica tal providência que consi<strong>de</strong>ro absurda<br />

e lamentável. Qualquer pessoa <strong>de</strong> bom senso<br />

po<strong>de</strong>rá analisar que o emprego <strong>de</strong> moças nesses serviços,<br />

além <strong>de</strong> ser contrário à ética social e moral,<br />

não passa <strong>de</strong> uma das mais exageradas extravagâncias<br />

que temos assistido. É trabalho árduo, pesado e não<br />

po<strong>de</strong> ser executado por <strong>mulheres</strong> [...] Se companhias<br />

ou empresas colocarem <strong>mulheres</strong> nesse serviço serão<br />

punidas <strong>de</strong> acordo com a lei.”(grifo <strong>no</strong>sso) 147<br />

Saliente-se que a <strong>de</strong>claração enfatizava que empregar <strong>mulheres</strong> co-<br />

mo condutoras ou cobradoras <strong>de</strong> bon<strong>de</strong>s era contrário à ética social e à<br />

moral. Isso indica que estava havendo transformações <strong>de</strong>correntes da con-<br />

juntura <strong>de</strong> guerra, mas que a antiga moral ainda prevalecia.<br />

Destaque-se que sempre que era vedado o ingresso das <strong>mulheres</strong> em<br />

algum setor do mercado <strong>de</strong> trabalho a alegação era <strong>de</strong> que a referida ativi-<br />

da<strong>de</strong> era árdua, pesada e ina<strong>de</strong>quada às <strong>mulheres</strong>. Nesse tipo <strong>de</strong> afirmação<br />

147 Correio do Povo, 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1943, p.8.<br />

105


era sugerido que a proibição tinha por objetivo proteger as <strong>mulheres</strong> que<br />

eram in<strong>de</strong>fesas e necessitavam da proteção masculina.<br />

Retornando à questão da Carris, obteve-se a informação <strong>de</strong> que a<br />

posição do diretor do Departamento Nacional do Trabalho, foi reforçada,<br />

dias <strong>de</strong>pois, pelas <strong>de</strong>clarações do Dr. Rui Bue<strong>no</strong>, inspetor médico do refe-<br />

rido <strong>de</strong>partamento, que con<strong>de</strong><strong>no</strong>u a permissão para <strong>mulheres</strong> substituírem<br />

os homens nas funções <strong>de</strong> trocadoras, condutoras e motorneiras <strong>de</strong> bon<strong>de</strong>s,<br />

dizendo que<br />

“tais ativida<strong>de</strong>s são excessivamente árduas e extenuantes<br />

e não se conciliam com o necessário resguardo<br />

da formação moral e com a capacida<strong>de</strong> física da mulher<br />

[...] O exercício <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s por elementos<br />

femini<strong>no</strong>s em veículos <strong>de</strong> transporte coletivo só <strong>de</strong>vem<br />

ser permitidos em último caso, se a guerra <strong>no</strong>s<br />

impuser uma gran<strong>de</strong> mobilização dos homens [...]<br />

cumpre ao gover<strong>no</strong> resguardar as energias físicas da<br />

mulher para mais <strong>no</strong>bre e elevada missão.” (grifos<br />

<strong>no</strong>ssos) 148<br />

Na referência acima, o discurso é semelhante ao da referência ante-<br />

rior, mas é salientado que o objetivo da proibição é resguardar as energias<br />

físicas da mulher para “mais <strong>no</strong>bre e elevada missão, que, obviamente, é a<br />

<strong>de</strong> mãe ou <strong>de</strong> anjo tutelar da família.”<br />

Nova referência à questão da Carris foi feita em matéria mais am-<br />

pla, datada <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1943. O título da matéria é O emprego da<br />

mulher implica <strong>no</strong> barateamento da mão-<strong>de</strong>-obra. Em certa parte da <strong>no</strong>tí-<br />

cia foi dito:<br />

148 Correio do Povo, 02 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1943, p.8.<br />

106


“Quando se pretendia empregar moças para <strong>de</strong>sempenhar<br />

as funções <strong>de</strong> condutores e motorneiros, cuja<br />

falta se fazia sentir <strong>de</strong> maneira alarmante, a grita foi<br />

geral. As entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe reclamaram, alegando<br />

que o número <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados é bastante gran<strong>de</strong><br />

para que se pense em confiar à mulher tarefas que<br />

cabem ao homem. As moças que acompanhavam o<br />

curso criado pela Carris foram mandadas para casa; a<br />

empresa continuou a publicar anúncios chamando interessados<br />

para aten<strong>de</strong>r os serviços <strong>de</strong> transporte<br />

coletivo [...] o problema não está solucionado.” (grifo<br />

<strong>no</strong>sso) 149<br />

Com relação à citação acima, talvez caiba comentar que quem re-<br />

clamou do fato da Cia Carris estar recrutando moças foram as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

classe (leia-se, sindicatos) que, na verda<strong>de</strong>, estavam resguardando o “lugar<br />

dos homens” que estava sendo ameaçado pelas <strong>mulheres</strong>. Já se comentou<br />

anteriormente que os sindicatos, em geral, <strong>de</strong>sempenhavam esse papel, ou<br />

seja, garantiam os empregos masculi<strong>no</strong>s contra “a ameaça feminina.”<br />

Outra matéria datada <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943, traduz bem o que vinha sen-<br />

do observado e <strong>de</strong>ixa claro por que isso acontecia. A matéria, é muito<br />

esclarecedora e tem como título O Momento é das <strong>mulheres</strong>. O homem <strong>de</strong><br />

21 a 31 a<strong>no</strong>s esbarra, atualmente, com maiores dificulda<strong>de</strong>s para obter<br />

emprego. Seu teor é o seguinte:<br />

149 Correio do Povo, 08 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1943, p.3.<br />

“Tratando hoje da preferência que as <strong>mulheres</strong> vêm<br />

obtendo em todas as <strong>no</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s, principalmente,<br />

<strong>no</strong> comércio e nas repartições, O Globo diz que<br />

atualmente em algumas repartições o elemento femini<strong>no</strong><br />

é mais numeroso que o masculi<strong>no</strong>. Interessante<br />

que em tais serviços muitas <strong>mulheres</strong> exercem as respectivas<br />

chefias. Com a convocação dos homens em<br />

ida<strong>de</strong> militar para as Forças Armadas, maiores opor-<br />

107


tunida<strong>de</strong>s surgiram para as <strong>mulheres</strong>. Os estabelecimentos<br />

comerciais e industriais, prevenindo-se,<br />

talvez, contra maiores ônus provenientes do pagamento<br />

da parte dos salários dos empregados<br />

convocados, preferem hoje admitir, <strong>no</strong> seu serviço,<br />

pessoas do sexo femini<strong>no</strong>, me<strong>no</strong>res e homens <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />

acima <strong>de</strong> 35 a<strong>no</strong>s; até mesmo as instituições<br />

oficiais estão seguindo a mesma orientação, realizando<br />

concursos em que são admitidas apenas senhoras e<br />

senhoritas...”(grifo <strong>no</strong>sso) 150<br />

Esta <strong>no</strong>tícia, veiculada na imprensa, esclarece muita coisa. Não foi,<br />

como se po<strong>de</strong>ria supor, a priori, o fato <strong>de</strong> não haver homens para ocupar<br />

os lugares <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho que acabou facilitando o ingresso <strong>de</strong> mu-<br />

lheres <strong>no</strong> mesmo. Cabem aqui algumas explicações.<br />

O Brasil enviou cerca <strong>de</strong> 20 mil homens para Itália e estes começa-<br />

ram a sair do país a partir <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1944, tendo a guerra<br />

terminado em 2 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1945. A população brasileira, <strong>de</strong> acordo com o<br />

Censo <strong>de</strong> 1940, era <strong>de</strong> 41.236.315 habitantes. Se consi<strong>de</strong>rarmos que por<br />

volta <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> da população era do sexo masculi<strong>no</strong>, o percentual <strong>de</strong> ho-<br />

mens que foram para a guerra foi bastante reduzido, correspon<strong>de</strong>ndo a mais<br />

ou me<strong>no</strong>s 0,1% da população masculina.<br />

Se, o percentual <strong>de</strong> homens que compôs a Força Expedicionária Bra-<br />

sileira era tão baixo, não foi propriamente o envio <strong>de</strong>stes que levou as<br />

empresas a começarem a abrir espaços para as <strong>mulheres</strong>, mas sim, o fato<br />

<strong>de</strong>stas não <strong>de</strong>sejarem correr o risco <strong>de</strong> contratar homens em ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> servi-<br />

ço militar e estes virem a ser convocados, o que as obrigaria a continuar<br />

pagando 50% <strong>de</strong> seus salários.<br />

150 Correio do Povo, 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943, p.8.<br />

108


A <strong>no</strong>tícia a seguir, intitulada Os vencimentos dos empregados con-<br />

vocados, refere-se igualmente ao assunto e contribui para seu maior<br />

esclarecimento:<br />

“Nenhuma dúvida existe <strong>de</strong> que o empregado convocado<br />

tem direito à percepção <strong>de</strong> 50% dos respectivos<br />

salários. Expõe o diploma legal sobre a garantia do<br />

lugar e sobre a remuneração dos brasileiros convocados<br />

para qualquer encargo <strong>de</strong> natureza militar. Isso<br />

sem fazer nenhuma distinção a respeito da categoria<br />

do empregado ou seu tempo <strong>de</strong> serviço. Basta somente<br />

para que se caracterize a espécie legal que o<br />

empregado seja efetivo e nada mais. Diz o <strong>de</strong>cretolei:<br />

Todo brasileiro contribuinte inscrito ou não <strong>no</strong>s<br />

institutos ou caixas <strong>de</strong> aposentadoria e pensões,<br />

quando convocado para serviços <strong>de</strong> natureza militar,<br />

na forma das leis fe<strong>de</strong>rais, dos respectivos regulamentos,<br />

terá garantido o emprego que ocupa na vida<br />

civil, consi<strong>de</strong>rando-se licenciado pelo empregador<br />

que fica obrigado a lhe pagar mensalmente 50% dos<br />

vencimentos do or<strong>de</strong>nado ou salário, durante o tempo<br />

que permanecer convocado, recebendo pelo Ministério<br />

da Aeronáutica, Guerra ou Marinha, apenas a<br />

etapa.” (grifo <strong>no</strong>sso) 151<br />

A citação acima faz referência ao Decreto-lei <strong>de</strong> número 4902, <strong>de</strong><br />

31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1942. Além <strong>de</strong> garantir 50% do salário aos convocados, o<br />

referido <strong>de</strong>creto também objetivava a assegurar o lugar dos trabalhadores<br />

convocados quando do seu retor<strong>no</strong>. Estavam sujeitos à convocação homens<br />

dos 18 aos 45 a<strong>no</strong>s. Isso explica, <strong>de</strong> forma bastante clara, porque os empre-<br />

gadores começaram a preferir as <strong>mulheres</strong>.<br />

Não se imagine, contudo, que a contingência da guerra e a legisla-<br />

ção que protegia o trabalhador convocado tiveram força para modificar<br />

151 Correio do Povo, 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1943, p.4.<br />

109


adicalmente o imaginário da socieda<strong>de</strong> patriarcal gaúcha. Em diferentes<br />

momentos da conjuntura <strong>de</strong> guerra, foram veiculados, também, artigos na<br />

imprensa gaúcha, fazendo veemente crítica ao avanço das <strong>mulheres</strong>. Um<br />

exemplo disso é o que escreveu Fernando Borba, colunista do Correio do<br />

Povo e que se transcreve abaixo <strong>de</strong>vido a sua importância para que se possa<br />

perceber que, apesar dos avanços provocados pela <strong>no</strong>va conjuntura vivida<br />

pelo País e pelo Estado gaúcho, as marcas do patriarcalismo ainda estavam<br />

muito presentes. Diz Fernando Borba:<br />

“Mulher datilógrafa? Está certo. Mulher advogada?<br />

Está justo. Mulher funcionária? Confere. Mulher jornalista,<br />

pintora, doutora, aviadora? Perfeitamente.<br />

Agora mulher na direção <strong>de</strong> uma turma rumo à Amazônia<br />

é inconcebível. Mesmo que a mulher fosse feia,<br />

(mas esse negócio <strong>de</strong> mulher feia existe mesmo?)<br />

<strong>de</strong>slúcida, pre<strong>de</strong>stinada, maluca. Eu quero ser gentil<br />

com a senhorita que partiu <strong>de</strong> Fortaleza para o <strong>de</strong>sempenho<br />

<strong>de</strong> um mister tão contramão. Quero<br />

acreditar que ela seja bonita, inteligente, bondosa,<br />

simpática. E é na suposição <strong>de</strong> tudo isso que eu pergunto:<br />

- Escute, senhorita, nunca fez tricot? Nunca<br />

<strong>de</strong>sejou instruir parte da cabocladinha miúda que <strong>no</strong><br />

todo formam milhões <strong>de</strong> analfabetos? Não lhe atraiu<br />

a função <strong>no</strong>bilíssima <strong>de</strong> samaritana? Nunca pensou<br />

em comprar uma Singer em prestações? Nunca pensou<br />

quão útil seria em qualquer <strong>de</strong>ssas missões? Não<br />

pensou mesmo? Afinal eu já estou exigindo muito <strong>de</strong><br />

uma mulher...Pensar...Pensar é mais difícil e mais perigoso<br />

do que dirigir uma turma <strong>de</strong> seringueiros.<br />

Lembre-se que o cargo que cabotinamente, sim, cabotinamente,<br />

porque essas manifestações do feminismo<br />

são cabotinismo e cabotinismo aperfeiçoado, escolheu,<br />

po<strong>de</strong> ser em qualquer circunstância<br />

<strong>de</strong>sempenhado com vantagem por um homem. Dê volta<br />

e venha a dizer pelo caminho: ‘Singer’,<br />

110


‘samaritana’, ‘caboclinhos analfabetos’, tricot: um<br />

ponto, uma laçada... Um avesso... Um direito...” 152<br />

Como se po<strong>de</strong> observar a emergência da guerra, pelas razões que se<br />

comentou, facilitou a abertura <strong>de</strong> espaços para as <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong><br />

trabalho. Contudo, o <strong>no</strong>vo tempo que emergia não teve força suficiente para<br />

erradicar as características da socieda<strong>de</strong> patriarcal gaúcha, reforçadas pelo<br />

i<strong>de</strong>ário positivista.<br />

Quando termi<strong>no</strong>u a Segunda Guerra Mundial, que, como já mencio-<br />

nado, facilitou o ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, iniciou-se<br />

<strong>no</strong> Brasil, com a <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> Vargas, o período que ficou conhecido como<br />

“Re<strong>de</strong>mocratização.” 153 A Re<strong>de</strong>mocratização, embora tivesse gran<strong>de</strong>s limi-<br />

tes, permitiu que as <strong>mulheres</strong> começassem a marcar sua presença na vida<br />

pública, participando, significativamente, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s campanhas nacionais,<br />

que aconteceram a partir <strong>de</strong> então. Entre tais campanhas, po<strong>de</strong>-se citar a lu-<br />

ta pela anistia, pela nacionalização do petróleo e pela paz mundial. Essas<br />

152<br />

Correio do Povo, 13/04/1943, p.2. O artigo <strong>de</strong> Borba foi motivado pelo fato <strong>de</strong> ter<br />

chegado a Belém uma turma <strong>de</strong> 400 homens – cearenses, paraiba<strong>no</strong>s, cariocas – chefiados<br />

por Estrela Vila Pitaluga, <strong>de</strong> 26 a<strong>no</strong>s e natural <strong>de</strong> Mato Grosso. A <strong>no</strong>tícia<br />

afirmava: “A disciplina e as condições físicas dos trabalhadores são as melhores possíveis.<br />

A senhorita Pitaluga não é tipo masculinizado, viaja sem armas e consegue imporse<br />

admiravelmente, mantendo o respeito, a or<strong>de</strong>m e a confiança a todos.” Diário <strong>de</strong> Notícias,<br />

14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943, p. 3.<br />

153<br />

O projeto econômico e político implantado por Vargas, a partir <strong>de</strong> 1930 e, mais especificamente,<br />

a partir do Estado Novo, em 1937, era inspirado em instrumentos jurídicos<br />

da Europa fascista do período entre as duas guerras mundiais (a constituição alemã e a<br />

Carta <strong>de</strong>l Lavoro italiana). A referida Carta serviu <strong>de</strong> base para as leis sindicais brasileiras<br />

<strong>no</strong> pós-30. Além disso, o ditador brasileiro, <strong>no</strong> início da guerra, havia<br />

<strong>de</strong>monstrado, claramente, sua simpatia pelos países do Eixo, especialmente pela Alemanha.Todavia,<br />

forçado pelas circunstâncias, o Gover<strong>no</strong> <strong>de</strong> Getúlio Vargas, em 1942,<br />

<strong>de</strong>clarou-se em estado <strong>de</strong> guerra contra o Eixo, formou a FEB e enviou os pracinhas<br />

brasileiros para Europa, para combater um regime que era muito semelhante ao que tinha<br />

implantado <strong>no</strong> País. Isso criou uma séria contradição, que se aprofundou com a<br />

<strong>de</strong>rrota do fascismo na Europa e que acabou levando à <strong>de</strong>posição <strong>de</strong> Vargas, em 1945.<br />

111


lutas foram importantes por marcar a presença feminina na vida pública na-<br />

cional.<br />

Além das <strong>mulheres</strong> começarem a sair da invisibilida<strong>de</strong>, participando<br />

<strong>de</strong> importantes movimentos sociais, também mantiveram, <strong>de</strong> forma signifi-<br />

cativa, os espaços <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, que haviam conquistado durante<br />

a Guerra Mundial e, gradativamente, os ampliaram. Esse processo tor<strong>no</strong>u-se<br />

mais efetivo a partir da segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> cinqüenta, com a as-<br />

censão à Presidência da República <strong>de</strong> Jusceli<strong>no</strong> Kubistcheck <strong>de</strong> Oliveira. O<br />

<strong>no</strong>vo Presi<strong>de</strong>nte pôs em prática um projeto <strong>de</strong>senvolvimentista – o Pla<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />

Metas -, que exigiu a incorporação ao mercado <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um amplo<br />

contingente <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra. Tal conjuntura foi fator importante para que<br />

as <strong>mulheres</strong> mantivessem e, aos poucos, ampliassem os espaços que havi-<br />

am conquistado durante o confronto mundial.<br />

Não se imagine, todavia, que a partir <strong>de</strong>ssa conjuntura, o trabalho<br />

femini<strong>no</strong> tenha passado a ser amplamente aceito. As resistências ainda e-<br />

ram consi<strong>de</strong>ráveis como po<strong>de</strong> ser visto <strong>no</strong> trecho que segue, retirado da<br />

revista Querida, <strong>de</strong>stinada ao público femini<strong>no</strong>. Diz a revista:<br />

“Lugar <strong>de</strong> mulher é o lar [...] a tentativa da mulher<br />

mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> viver como um homem durante o dia, e<br />

como mulher durante a <strong>no</strong>ite é causa <strong>de</strong> muitos lares<br />

infelizes e <strong>de</strong>stroçados [...] Felizmente a ambição da<br />

maioria das <strong>mulheres</strong> ainda continua a ser o casamento<br />

e a família [...] Procurar ser à <strong>no</strong>ite esposa e mãe<br />

perfeitas e funcionária exemplar durante o dia requer<br />

um esforço excessivo [...] O resultado é geralmente a<br />

112


confusão e a tensão reinantes <strong>no</strong> lar em prejuízo dos<br />

filhos e da família.” 154<br />

Outro exemplo <strong>de</strong> que, apesar do País estar passando por significa-<br />

tivas transformações econômicas e sociais, <strong>no</strong> imaginário social não havia<br />

ocorrido gran<strong>de</strong>s modificações é o artigo da revista O Cruzeiro que se<br />

transcreve abaixo. Diz ele:<br />

“Os cônjuges se complementam, porque cada um tem<br />

o seu papel naturalmente <strong>de</strong>finido <strong>no</strong> casamento. E <strong>de</strong><br />

acordo com esse papel natural chegamos a acreditar<br />

que caiba à mulher maior parcela na felicida<strong>de</strong> do casal;<br />

porque a natureza dotou especialmente o espírito<br />

femini<strong>no</strong> <strong>de</strong> certas qualida<strong>de</strong>s sem as quais nenhuma<br />

espécie <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> matrimonial po<strong>de</strong>ria sobreviver<br />

bem [...] Haverá <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> espírito avançado que<br />

recusem essa teoria. A essas respon<strong>de</strong>riam as esposas<br />

felizes provando o quão compensador [...] é aceitar o<br />

casamento como uma socieda<strong>de</strong> em que a mulher dá<br />

um pouquinho mais.” 155<br />

5 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS DÉCADAS RECENTES<br />

No a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1964, os militares assumiram o gover<strong>no</strong> brasileiro. O <strong>no</strong>-<br />

vo regime tinha duas tarefas principais a realizar como exigência do<br />

capitalismo transnacional que <strong>de</strong>sejava instalar parte do seu parque indus-<br />

trial <strong>no</strong> País. A primeira tarefa era conter a ativação popular que vinha<br />

crescendo; a segunda era regularizar a eco<strong>no</strong>mia nacional que atravessava<br />

154 Revista Querida, <strong>no</strong>v. <strong>de</strong> 1954. p. 37.<br />

155 Revista O Cruzeiro, 20 <strong>de</strong> abr. <strong>de</strong> 1960. p. 12.<br />

113


mo-mentos críticos. Para cumprir sua missão o grupo estabelecido <strong>no</strong> po<strong>de</strong>r<br />

valeu-se <strong>de</strong> intensa repressão.<br />

Contida a ativação popular e feitos os primeiros encaminhamentos<br />

para regularizar a eco<strong>no</strong>mia, foi dado início à implantação do <strong>no</strong>vo “mo<strong>de</strong>-<br />

lo econômico,” que se caracterizou por ser acumulador e altamente<br />

concentrador da renda. A implantação do <strong>no</strong>vo mo<strong>de</strong>lo exigiu que fosse<br />

mantido um alto potencial <strong>de</strong> repressão.<br />

Somente a partir <strong>de</strong> 1967 houve um breve período <strong>de</strong> afrouxamento<br />

do intenso uso do aparato repressivo. O referido afrouxamento acabou pro-<br />

piciando a emergência da socieda<strong>de</strong> civil que, até então, fora contida.<br />

Cresceram os movimentos <strong>de</strong> protesto, começaram a ocorrer greves impor-<br />

tantes (Contagem e Osasco), organizou-se a Frente Ampla, movimento <strong>de</strong><br />

oposição ao gover<strong>no</strong> que reuniu <strong>no</strong>mes importantes das mais distantes ten-<br />

dências político-partidárias (Carlos Lacerda, João Goulart, Jusceli<strong>no</strong><br />

Kubitschek <strong>de</strong> Oliveira) e iniciou-se o movimento <strong>de</strong> guerrilhas. 156<br />

Conforme afirma Ana Maria Colling, muitas <strong>mulheres</strong>, por todo o<br />

País, e também <strong>no</strong> Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, participaram ativamente<br />

na luta <strong>de</strong> resistência ao regime militar. A autora salienta que várias mulhe-<br />

res <strong>gaúchas</strong> foram presas, torturadas e forçadas a sair do País por<br />

156<br />

PETERSEN, Áurea. “Uma breve discussão da História Política Brasileira: 1964-94.”<br />

IN: PETERSEN et al. Política Brasileira: Regimes, Partidos e Grupos <strong>de</strong> Pressão. Porto<br />

Alegre: EDIPUCRS, 1999. p. 20.<br />

114


participarem da resistência aos militares e comprova isso através <strong>de</strong> signi-<br />

ficativos <strong>de</strong>poimentos que conseguiu reunir. 157<br />

As diferentes formas <strong>de</strong> contestação da socieda<strong>de</strong> civil, que se en-<br />

saiaram em 1967 e 1968, sofreram profundo refluxo com a edição, em<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968, do Ato Institucional N.º 5 (AI-5), que ampliou, signifi-<br />

cativamente, a repressão e a censura. O AI-5 também foi importante fator<br />

para impedir que, seguindo o exemplo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> européias e <strong>no</strong>rte-<br />

americanas, as brasileiras, <strong>no</strong> final dos a<strong>no</strong>s sessenta, mobilizassem-se para<br />

a conquista <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong> espaço na socieda<strong>de</strong><br />

O aprofundamento do caráter autoritário do regime, através do AI 5,<br />

garantiu, por outro lado, a entrada maciça <strong>no</strong> País das empresas multina-<br />

cionais e permitiu que o gover<strong>no</strong> militar realizasse seu projeto<br />

industrializante e mo<strong>de</strong>rnizante. A conseqüência <strong>de</strong>sse projeto foi a emer-<br />

gência do chamado Milagre Brasileiro, que foi marcado por altos níveis <strong>de</strong><br />

crescimento econômico, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s iniciais da década <strong>de</strong> setenta. 158<br />

O processo <strong>de</strong> crescimento e mo<strong>de</strong>rnização da socieda<strong>de</strong> brasileira,<br />

que atingiu seu auge entre 1970 e 1973-74, produziu um importante impac-<br />

to sobre a situação das <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> classe média e as relações <strong>de</strong> gênero,<br />

especialmente, <strong>no</strong>s gran<strong>de</strong>s centros urba<strong>no</strong>s do País (São Paulo, Rio <strong>de</strong> Ja-<br />

157<br />

COLLING, Ana Maria. A Resistência da Mulher à Ditadura Militar <strong>no</strong> Brasil. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 1997. p.10.<br />

158<br />

Ressalva-se que, <strong>de</strong> 1968-69 a mais ou me<strong>no</strong>s 1974, o Brasil viveu um período <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> crescimento econômico (aumento <strong>de</strong> PIB, aumento da produtivida<strong>de</strong>, implantação<br />

<strong>de</strong> projeto industrial, mo<strong>de</strong>rnização), mas não se verificou um processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento, o que seria caracterizado pela superação das características do sub<strong>de</strong>senvolvimento<br />

(alta mortalida<strong>de</strong> infantil, alto índice <strong>de</strong> analfabetos, precárias<br />

condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> saneamento básico, <strong>de</strong> moradia etc.)<br />

115


neiro, Belo Horizonte, Porto Alegre). Um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> jovens, con-<br />

forme afirma Anette Golberg-Salinas, procurou emancipar-se <strong>de</strong> seus pais e<br />

converter-se em protagonista <strong>de</strong> suas próprias vidas, passando a participar<br />

dos processos <strong>de</strong> mudança social. Isso expressou-se <strong>de</strong> três maneiras que,<br />

segundo a autora acima citada, são as seguintes:<br />

“Por uma parte através <strong>de</strong> uma certa mo<strong>de</strong>rnização da<br />

feminilida<strong>de</strong> que ao questionar algumas expectativas<br />

familiares, ao fazer estudos superiores e ao seguir<br />

uma carreira preferentemente conciliável com o casamento<br />

e a maternida<strong>de</strong>, o que as tor<strong>no</strong>u aceitáveis e<br />

<strong>de</strong>sejáveis. Por outra parte, através <strong>de</strong> uma radicalização<br />

que consistiu em freqüentar meios culturais e<br />

artísticos politizados [...] Por último, em a<strong>de</strong>rir a<br />

meios culturais e artísticos afastados da militância,<br />

mas que tratavam <strong>de</strong> criar uma contracultura.” 159<br />

Outra questão bastante relevante <strong>no</strong> período foi que, em plena vi-<br />

gência do AI-5, a produção teórica feminista brasileira começou a aparecer<br />

com força consi<strong>de</strong>rável, o que <strong>de</strong>ve ter resultado da importância que o mo-<br />

vimento feminista assumia mundialmente. Além disso, algumas <strong>mulheres</strong><br />

ligadas ao referido movimento começaram a <strong>de</strong>stacar-se. Este é o caso <strong>de</strong><br />

Rose Marie Muraro que, em 1971, viabilizou a vinda ao Brasil da feminista<br />

<strong>no</strong>rte-americana Betty Friedan para o lançamento da obra A Mística Femi-<br />

nina. 160 A obra <strong>de</strong> Friedan teve gran<strong>de</strong> impacto sobre os movimentos da<br />

época, tanto fora como <strong>de</strong>ntro do Brasil. Todavia, a imprensa nacional, a-<br />

159<br />

GOLBERG-SALINAS, Anette. “Trinta A<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Feminismo <strong>no</strong> Brasil.” IN: Travesías<br />

6 – Temas <strong>de</strong>l Debate Feminista Contemporaneo. Nº 6, out <strong>de</strong> 1997, p.49-67. P 49.<br />

160<br />

Simone <strong>de</strong> Beauvoir, com sua obra O Segundo Sexo (1949), exerceu gran<strong>de</strong> influência<br />

sobre o movimento feminista mundial que ressurgiu na década <strong>de</strong> sessenta. A obra<br />

chave do feminsmo da década <strong>de</strong> setenta, todavia, foi A Mística Feminina <strong>de</strong> Friedan,<br />

que levou às <strong>mulheres</strong> a discutirem questões bem mais específicas como a discriminalização<br />

do aborto e a violência contra as <strong>mulheres</strong> em seus próprios lares.<br />

116


pesar <strong>de</strong> <strong>no</strong>ticiar amplamente sua visita, criticou duramente a iniciativa <strong>de</strong><br />

trazê-la. 161<br />

Referindo-se ao início dos a<strong>no</strong>s setenta, Jane Soares <strong>de</strong> Almeida a-<br />

firma que nessa época a socieda<strong>de</strong> brasileira era bastante conservadora e<br />

“acompanhou estarrecida as verda<strong>de</strong>iras revoluções feministas.”<br />

Conforme Almeida, as <strong>mulheres</strong> dos países mais adiantados, “não<br />

mais se aceitavam somente como reprodutoras” e começaram a “reivindicar<br />

o direito ao prazer sexual bem como o direito <strong>de</strong> viver a sua própria vida<br />

sem os grilhões impostos pelo sexo.” Além disso, o casamento “<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

ser a única opção <strong>de</strong> vida” para as <strong>mulheres</strong> e também passou a contar com<br />

“a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dissolução.” 162<br />

A partir <strong>de</strong> 1974, quando se esgotou o Milagre Brasileiro e iniciou-<br />

se a chamada distensão política, orientada pelo Gen. Golbery do Couto e<br />

Silva e executada pelo gover<strong>no</strong> do Gen. Ernesto Geisel, as <strong>mulheres</strong> brasi-<br />

leiras começaram a ter espaço para se engajarem <strong>no</strong>s movimentos<br />

emancipatórios que já haviam avançado em outros países.<br />

Por outro lado, o A<strong>no</strong> Internacional da Mulher, <strong>de</strong>cretado pela ONU<br />

em 1975, foi fator <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância <strong>no</strong> avanço das <strong>mulheres</strong> verifica-<br />

do <strong>no</strong> Brasil. Esse acontecimento possibilitou a discussão <strong>de</strong> várias<br />

questões fundamentais, bem como oportunizou a organização das <strong>mulheres</strong><br />

161<br />

GOLBERG-SALINAS, Anette. Op. cit., p. 42.<br />

162<br />

ALMEIDA, Jane Soares <strong>de</strong>. “Mulheres na Escola: algumas reflexões sobre o magistério<br />

femini<strong>no</strong>.” Ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Pesquisa, São Paulo, nº 96, p.71-78, fevereiro, 1996. P. 72.<br />

117


em um contexto on<strong>de</strong> quase todos os canais <strong>de</strong> participação política ainda<br />

estavam relativamente fechados. 163<br />

Durante o A<strong>no</strong> Internacional da Mulher, organizaram-se os primei-<br />

ros agrupamentos coletivos femini<strong>no</strong>s – como o Centro <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento da Mulher Brasileira (CDMB) <strong>de</strong> São Paulo e o Centro<br />

da Mulher Brasileira(CMB) do Rio <strong>de</strong> Janeiro -, surgiram as primeiras pu-<br />

blicações <strong>de</strong> caráter feminista – como Nós Mulheres e Brasil-Mulher -,<br />

assim como iniciaram-se as comemorações do Dia da Mulher (dia 8 <strong>de</strong><br />

março), momento privilegiado para a mobilização e a discussão da proble-<br />

mática feminina.<br />

Também foi uma <strong>de</strong>corrência do A<strong>no</strong> Internacional da Mulher a cri-<br />

ação do Movimento Femini<strong>no</strong> pela Anistia, que além <strong>de</strong> lutar pelo seu<br />

principal objetivo, colaborou significativamente para o avanço do movi-<br />

mento feminista.<br />

Entre 1975 e 1979, o movimento feminista brasileiro que ressurgia<br />

teve como preocupação central a luta pela conquista da cidadania das mu-<br />

lheres, o que, sem dúvida, era um reflexo da conjuntura política autoritária<br />

vivida pelo País. Este tipo <strong>de</strong> feminismo po<strong>de</strong> ser classificado como libe-<br />

ralizante, baseado <strong>no</strong> consenso e na unida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rados indispensáveis<br />

para enfrentar a situação política do País. Logo em seguida, as feministas<br />

brasileiras assumiram a tarefa <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma consciência <strong>de</strong> classe<br />

163<br />

Em 1975, foi <strong>de</strong>clarado o A<strong>no</strong> Internacional da Mulher, reunindo na cida<strong>de</strong> do México,<br />

<strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> diferentes países, que discutiram a condição feminina e concluíram<br />

que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvovimento econômico <strong>de</strong> seus países, as <strong>mulheres</strong><br />

eram tratadas <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sigual e como inferiores.<br />

118


das <strong>mulheres</strong> dos setores populares, verificando-se a passagem <strong>de</strong> um femi-<br />

nismo liberalizante para um feminismo <strong>de</strong> esquerda ou <strong>de</strong> influência<br />

marxista.<br />

Golberg-Salinas consi<strong>de</strong>ra que o a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1979 foi <strong>de</strong>cisivo para a po-<br />

lítica brasileira e também para o movimento feminista brasileiro, visto que<br />

a anistia possibilitou o retor<strong>no</strong> ao País <strong>de</strong> muitas <strong>mulheres</strong> que, durante o<br />

exílio, haviam estado em contato com os movimentos <strong>de</strong> liberação das mu-<br />

lheres européias e se engajado em suas diferentes orientações. Conforme<br />

diz a autora, “as ‘repatriadas’ contribuíram para abrir um <strong>de</strong>bate sobre a<br />

sexualida<strong>de</strong> e o aborto, preconizaram a auto<strong>no</strong>mia e a pluralida<strong>de</strong> e estavam<br />

entre as iniciadoras <strong>de</strong> uma etapa <strong>de</strong> cisões e criação <strong>de</strong> <strong>no</strong>vos grupos.” 164<br />

Os grupos feministas que surgiram nesse momento passaram a atuar<br />

em várias frentes. Em primeiro lugar junto às associações <strong>de</strong> bairros, na<br />

maioria das vezes ligadas às Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base (CEBs). Nas<br />

referidas associações as <strong>mulheres</strong>, inicialmente, executavam trabalhos ma-<br />

nuais e aprendiam catecismo. A partir <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 70, essas<br />

associações adquiriram caráter reivindicatório, passando a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a me-<br />

lhoria das condições <strong>de</strong> vida das populações <strong>de</strong> baixa renda. Os grupos<br />

feministas também <strong>de</strong>senvolveram sua ação junto às associações profissio-<br />

nais ou junto às <strong>mulheres</strong> sindicalizadas, qualificando as reivindicações<br />

femininas nessa área.<br />

164 ALMEIDA, Jane Soares <strong>de</strong>.Op. cit., p. 52.<br />

119


Cyntia Sarti consi<strong>de</strong>ra que a conjuntura política, on<strong>de</strong> se fazia pre-<br />

sente a luta contra o regime autoritário brasileiro, foi importante fator <strong>de</strong><br />

aliança entre as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>mocratas, mas salienta que:<br />

“Uma das questões unitárias, que <strong>de</strong>u origem a uma<br />

intensa mobilização coletiva foi a (luta pela) creche.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma reivindicação generalizada: das trabalhadoras,<br />

das <strong>mulheres</strong> da periferia e das<br />

feministas (que vinham sobretudo das camadas médias<br />

e instruídas). O que se buscava com a<br />

reivindicação por creches era criar condições para a<br />

participação da mulher <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, problema<br />

grave para as eco<strong>no</strong>micamente<br />

<strong>de</strong>sfavorecidas.” 165<br />

É interessante salientar que as feministas, <strong>no</strong> geral pertencentes à<br />

classe média, também assumiram a luta pela conquista <strong>de</strong> creches, mas en-<br />

tre estas, a referida reivindicação se inseria num quadro bem mais amplo <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>finição dos papéis familiares e <strong>de</strong> luta das <strong>mulheres</strong> pela conquista da<br />

auto<strong>no</strong>mia.<br />

Como a responsabilida<strong>de</strong> com o cuidado dos filhos é atribuída quase<br />

sempre às <strong>mulheres</strong> (num processo <strong>de</strong> maternagem, conforme <strong>de</strong><strong>no</strong>mina<br />

Chodorow), sejam essas as trabalhadoras da periferia ou feministas instruí-<br />

das <strong>de</strong> classe média, tanto umas como outras necessitavam equacionar o<br />

problema dos filhos para po<strong>de</strong>r ingressar <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

165<br />

SARTI, Cyntia. “Feminismo <strong>no</strong> Brasil: uma <strong>trajetória</strong> particular.” Ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Pesquisa.<br />

São Paulo (64): 38-47, fev., 1988. p. 42.<br />

120


Refletindo sobre o período, também cabe fazer referência à reforma<br />

partidária havida <strong>no</strong> País e ao do fortalecimento do movimento sindical, o<br />

que significou a abertura <strong>de</strong> <strong>no</strong>vos e importantes canais <strong>de</strong> participação, fa-<br />

zendo com que várias militantes abandonassem os movimentos feministas e<br />

passassem a atuar em comissões e <strong>de</strong>partamentos <strong>no</strong>s partidos ou sindica-<br />

tos.<br />

A <strong>no</strong>va forma <strong>de</strong> atuação e pressão resultou na criação, em 1985, do<br />

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), organismo consultivo<br />

ligado ao Ministério da Justiça. Desse organismo fizeram parte muitas anti-<br />

gas militantes dos movimentos feministas.<br />

O CNDM assumiu muitas ban<strong>de</strong>iras <strong>no</strong> que se refere a educação, sa-<br />

ú<strong>de</strong> e direitos reprodutivos e violência masculina contra a mulher. Também,<br />

muitas forças foram concentradas na reivindicação da modificação do Có-<br />

digo Civil, <strong>no</strong> qual era <strong>de</strong>stinada às <strong>mulheres</strong> casadas uma posição<br />

subalterna, pois os maridos estavam autorizados a reger a socieda<strong>de</strong> conju-<br />

gal, <strong>de</strong>cidir sobre o domicílio e administrar os bens do casal. 166<br />

No que se refere ao mercado <strong>de</strong> trabalho, é possível constatar que a<br />

incorporação das <strong>mulheres</strong> cresceu significativamente a partir da década <strong>de</strong><br />

setenta. Esse crescimento po<strong>de</strong> ser explicado por vários fatores. Por um la-<br />

166<br />

Conforme Marilene Silveira Guimarães, “o Código Civil Brasileiro <strong>de</strong> 1916, consi<strong>de</strong>rou<br />

a mulher casada relativamente incapaz, <strong>de</strong>terminando a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

autorização do marido para trabalhar ou para gerir seus bens. Na segunda meta<strong>de</strong> do século,<br />

as relações sociais mudaram profundamente, sendo editado, em 1962, o Estatuto<br />

da Mulher Casada, a partir do qual a mulher não mais foi consi<strong>de</strong>rada incapaz e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

do marido”. GUIMARÃES, Marilene Silveira. “A igualda<strong>de</strong> jurídica da mulher.”<br />

IN: STREY, Marlene. Mulher - Estudos <strong>de</strong> gênero. São Leopoldo: Ed. UNISINOS,<br />

1997. p. 32.<br />

121


do, os problemas econômicos que começaram a ser enfrentados pelo País<br />

com o colapso do Milagre (1973-74), certamente tornaram necessária a par-<br />

ticipação do salário femini<strong>no</strong> na composição da renda familiar,<br />

especialmente <strong>no</strong> que respeita à classe média. Outros fatores como, por e-<br />

xemplo, a queda da fecundida<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong>, 167 o aumento da sua<br />

escolarida<strong>de</strong>, a aspiração <strong>de</strong> um consumo mais diversificado, foram também<br />

causas importantes do crescimento da mão-<strong>de</strong>-obra feminina <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong><br />

trabalho, a partir <strong>de</strong> meados dos a<strong>no</strong>s setenta. 168<br />

Apesar do agravamento da crise econômica brasileira, na década <strong>de</strong><br />

oitenta, as <strong>mulheres</strong> continuaram mantendo ou aumentando seus níveis <strong>de</strong><br />

participação <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho. Isso contradiz o que afirmam alguns<br />

autores, ou seja, que <strong>no</strong>s momentos <strong>de</strong> crise profunda, a tendência é que as<br />

<strong>mulheres</strong> sejam estimuladas a retornar ao mundo privado. 169<br />

De acordo com Bruschini, o fato do mercado <strong>de</strong> trabalho das mulhe-<br />

res não ter sofrido gran<strong>de</strong> redução <strong>de</strong>vido à crise, po<strong>de</strong> ser explicado pela<br />

sexualização do mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

“As <strong>mulheres</strong> estariam preferencialmente concentradas<br />

em guetos ocupacionais alguns dos quais –<br />

167<br />

Segundo dados do IBGE, entre 1980-95, a taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> total das <strong>mulheres</strong><br />

brasileiras <strong>de</strong>cli<strong>no</strong>u <strong>de</strong> 4.4 filhos para 2.5.<br />

168<br />

BRUSCHINI, Cristina. Trabalho das Mulheres <strong>no</strong> Brasil – continuida<strong>de</strong>s e mudanças<br />

<strong>no</strong> período <strong>de</strong> 1985-95. São Paulo, 1998. Mimeografado.<br />

169<br />

Claus Offe afirma que as <strong>mulheres</strong> constituem-se <strong>no</strong> último grupo que ingressou <strong>no</strong><br />

mercado <strong>de</strong> trabalho e que por isso e por outras razões, “garantiram poucos cargos importantes<br />

e bem-situados hierarquicamente que estejam relativamente imunes aos<br />

processos <strong>de</strong> racionalização.” Diz também Offe que é amplamente aceito o papel social<br />

atribuído às <strong>mulheres</strong> na família, o que sugere que o sistema familiar <strong>de</strong>veria ser consi<strong>de</strong>rado<br />

“um local a<strong>de</strong>quado para on<strong>de</strong> uma parte da força <strong>de</strong> trabalho feminina po<strong>de</strong>ria<br />

ser transferida e acomodada.” OFFE, Claus. Capitalismo Desorganizado: transformações<br />

contemporâneas do trabalho e da política. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.122.<br />

122


comércio, instituições bancárias, serviços – não teriam<br />

sofrido tanto com a crise como a indústria. Além<br />

disso, outras ocupações – como funcionalismo público<br />

– teriam tido um maior <strong>de</strong>senvolvimento nesse<br />

período, favorecendo a incorporação do sexo femini<strong>no</strong><br />

[...] O Estado abriu um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong><br />

empregos, principalmente, em setores <strong>de</strong> educação e<br />

saú<strong>de</strong> que foram ocupados por <strong>mulheres</strong>.” 170<br />

O fato das <strong>mulheres</strong> ganharem me<strong>no</strong>s do que os homens ( cerca <strong>de</strong><br />

70% do que ganham os trabalhadores do sexo masculi<strong>no</strong>), também contribui<br />

para explicar por que, num momento <strong>de</strong> crise econômica, estas mantém ou<br />

ampliam seus espaços <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho. Isso é verda<strong>de</strong>iro, especial-<br />

mente, para aqueles e aquelas que têm curso superior, pois enquanto 28%<br />

dos homens com essa formação ganham mais <strong>de</strong> vinte salários mínimos, a-<br />

penas 7% das <strong>mulheres</strong>, na mesma situação, chegam a esse patamar<br />

salarial. 171<br />

Entre 1985 e 1995, as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>sempenharam um papel muito<br />

mais relevante do que os homens <strong>no</strong> crescimento da população eco<strong>no</strong>mica-<br />

mente ativa. Enquanto em 1985 estas eram 33,5% dos trabalhadores, em<br />

1990 passaram a ser 35,5% e em 1995, 40,5%.<br />

Cabe salientar todavia que, apesar da participação das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong><br />

mercado <strong>de</strong> trabalho vir crescendo significativamente nas décadas recentes,<br />

elas ainda são muito discriminadas, pois ganham me<strong>no</strong>s que os homens que<br />

estão na mesma ativida<strong>de</strong>, têm mais dificulda<strong>de</strong>s do que eles <strong>de</strong> ascensão a<br />

170<br />

BRUSCHINI, Cristina. “Mulher e Mundo do Trabalho.” IN: BRANDÃO, Maria Luiza<br />

Ribeiro e BINGEMER, Maria Clara (orgs). Mulher e Relação <strong>de</strong> Gênero. São Paulo:<br />

Loyola, 1994. P. 116-7.<br />

171<br />

PETERSEN, Áurea. Op. cit., p. 23.<br />

123


cargos <strong>de</strong> chefia e, segundo dados do Ministério do Trabalho <strong>de</strong> 1985, as<br />

diferenças salariais entre os dois sexos aumentam com o tempo <strong>de</strong> serviço.<br />

Andréa Puppim realizou interessante estudo sobre a <strong>mulheres</strong> em<br />

cargos <strong>de</strong> chefia, chegando à seguinte constatação:<br />

“verifica-se uma <strong>no</strong>tável sub-representação <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong><br />

<strong>no</strong>s quadros <strong>de</strong> comando: conforme dados <strong>de</strong><br />

1991, <strong>no</strong>s 300 maiores grupos privados nacionais,<br />

somente 3,47% <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> ocupam cargos executivos<br />

<strong>de</strong> topo. O percentual cai para 0,94%, se<br />

consi<strong>de</strong>radas as 40 maiores estatais brasileiras, e reduz-se<br />

para 0,48% entre as 40 maiores corporações<br />

estrangeiras.” 172<br />

Chega-se, portanto, às últimas décadas do século XX ainda com pro-<br />

fundas diferenças <strong>de</strong> gênero que se manifestam <strong>de</strong> forma clara nas relações<br />

que se estabelecem <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

172 PUPPIM, Andréa Brandão. “Mulheres em Cargos <strong>de</strong> Comando.” IN: BRUSCHINI<br />

Cristina e SORJ Bila (orgs.) Novos Olhares: <strong>mulheres</strong> e relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> Brasil.<br />

São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1994. p. 13.<br />

124


CAPÍTULO III<br />

O INGRESSO DAS MULHERES NO SETOR BANCÁ-<br />

RIO GAÚCHO<br />

O terceiro capítulo <strong>de</strong>sta tese é <strong>de</strong>dicado ao estudo das primeiras<br />

instituições bancárias <strong>gaúchas</strong> que admitiram <strong>mulheres</strong> em seus quadros,<br />

bem como à tentativa <strong>de</strong> traçar o perfil <strong>de</strong>ssas trabalhadoras.<br />

Repete-se a observação já feita na Introdução <strong>de</strong> que, como nem<br />

sempre foi possível obter dados da mesma natureza e completos, relativos<br />

às três instituições alvo do estudo neste capítulo, a análise será realizada<br />

<strong>de</strong>ntro dos limites impostos por essa contingência.<br />

Este capítulo compõe-se <strong>de</strong> três partes. Na primeira parte, intitulada<br />

A estrutura bancária gaúcha nas primeiras décadas do século XX, procu-<br />

ra-se fazer uma breve reconstituição da estrutura bancária do Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul nas décadas iniciais do século XX. Examina-se <strong>de</strong> forma mais siste-<br />

mática os <strong>banco</strong>s <strong>no</strong>s quais se <strong>de</strong>screverá a inserção das primeiras<br />

trabalhadoras (Banco da Província, Banco Nacional do Comércio e Banco<br />

Pfeifer). Esta parte do capítulo baseia-se <strong>no</strong> estudo <strong>de</strong> Eugênio Lage-


mann, 173 em algumas publicações dos <strong>banco</strong>s, contendo um esboço da histó-<br />

ria dos mesmos, <strong>no</strong> livro <strong>de</strong> Carlos Alberto Müller – História Econômica do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul - e em <strong>no</strong>tícias recolhidas na imprensa referentes às<br />

instituições examinadas.<br />

Na segunda parte, cujo título é As primeiras trabalhadoras dos<br />

<strong>banco</strong>s gaúchos, estuda-se o ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> setor bancário gaú-<br />

cho, procurando traçar o perfil das primeiras trabalhadoras (<strong>no</strong>me, ida<strong>de</strong>,<br />

local <strong>de</strong> nascimento, estado civil, data <strong>de</strong> ingresso <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />

senvolvida). A elaboração <strong>de</strong>sta parte baseia-se <strong>no</strong> estudo <strong>de</strong> dados<br />

recolhidos em diferentes instituições citadas na Introdução <strong>de</strong>sta tese. 174<br />

São também utilizados alguns <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> diretores dos <strong>banco</strong>s.<br />

A terceira parte do capítulo, intitulada A história <strong>de</strong> algumas ban-<br />

cárias do Banco da Província, é <strong>de</strong>dicada ao aprofundamento do estudo das<br />

trabalhadoras <strong>de</strong>ste <strong>banco</strong>. Optou-se por acrescentar, neste capítulo, um es-<br />

tudo da <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> algumas <strong>mulheres</strong> do Banco da Província porque, entre<br />

as três instituições estudadas, esta foi a que viabilizou um peque<strong>no</strong> apro-<br />

fundamento das informações. Isso ocorreu porque esse <strong>banco</strong> dispunha <strong>de</strong><br />

uma revista – a Revista Província – rica em informações, e também pela<br />

173<br />

LAGEMANN, Eugênio. O Banco Pelotense e o Sistema Financeiro Regional. Porto<br />

Alegre: Mercado Aberto, 1985. Pesquisa bibliográfica realizada pela autora indicou<br />

que a obra mais completa sobre o assunto é a dissertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> Lagemann,<br />

apresentada em 1984 e editada em 1985. Por essa razão, a síntese que se fez sobre a Estrutura<br />

Bancária do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>no</strong> começo do século, fundamentou-se<br />

principalmente <strong>no</strong> referido trabalho.<br />

174<br />

Conforme já citado os dados foram coletados <strong>no</strong> Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos<br />

Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre (SEEB-POA), <strong>no</strong> Museu do Banco Meridional e<br />

<strong>no</strong> Setor <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Materiais – Microfilmagem <strong>de</strong> Documentos <strong>de</strong> Recursos<br />

Huma<strong>no</strong>s do Banco Meridional.<br />

126


possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> localizar e entrevistar familiares ou bancárias <strong>de</strong>sta insti-<br />

tuição.<br />

1. ESTRUTURA BANCÁRIA NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO<br />

SÉCULO<br />

Conforme Eugênio Lagemann, nas primeiras décadas do século XX,<br />

<strong>de</strong>senvolveu-se <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, um setor financeiro do qual faziam<br />

parte <strong>banco</strong>s com se<strong>de</strong> nesse Estado, <strong>banco</strong>s nacionais, <strong>banco</strong>s estrangeiros<br />

e outros tipos <strong>de</strong> organizações ligadas à área financeira. 175<br />

Até o início da década <strong>de</strong> 1930, tinham se<strong>de</strong> <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

<strong>no</strong>ve <strong>banco</strong>s, sendo oito <strong>de</strong> capital privado e um estatal. Os <strong>banco</strong>s eram os<br />

seguintes: Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, fundado em 1858,<br />

Banco do Comércio <strong>de</strong> Porto Alegre (<strong>de</strong>pois Banco Nacional do Comércio),<br />

fundado em 1895, Banco Pelotense, <strong>de</strong> 1906, Banco Porto-Alegrense, que<br />

surgiu em 1905 como Caixa dos Funcionários Públicos, e recebeu tal <strong>de</strong><strong>no</strong>-<br />

minação em 1916, Banco <strong>de</strong> Crédito Territorial Sul-Brasileiro, instalado em<br />

1912, Banco Comercial Franco-Brasileiro, fundado em 1913, Banco Po-<br />

pular do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, criado em 1919, Banco Pfeiffer (<strong>de</strong>pois Banco<br />

Industrial e Comercial do Sul S/A), surgido em 1919 e Banco do Estado do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, instalado em 1928.<br />

175 LAGEMANN, Eugênio. Op. cit., p. 29-84.<br />

127


Era quase inexistente, <strong>no</strong> mercado gaúcho da época, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>banco</strong>s nacionais com se<strong>de</strong> fora do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Os dois únicos exis-<br />

tentes eram o Banco do Brasil, 176 <strong>banco</strong> oficial, que instalou sua primeira<br />

filial em Porto Alegre em 1916, e o Banco Popular Italia<strong>no</strong>, que tinha se<strong>de</strong><br />

em São Paulo e que abriu filial <strong>no</strong> Estado em 1926. 177<br />

De acordo com Lagemann, na Primeira República, os <strong>banco</strong>s estran-<br />

geiros não ocuparam lugar <strong>de</strong>stacado <strong>no</strong> setor financeiro rio-gran<strong>de</strong>nse<br />

porque a eco<strong>no</strong>mia gaúcha estava primordialmente voltada para o mercado<br />

inter<strong>no</strong>, não atraindo, por essa razão, o capital internacional.<br />

Os primeiros <strong>banco</strong>s estrangeiros que se instalaram <strong>no</strong> Estado gaúcho<br />

foram: o London & Brazilian Bank, (Rio Gran<strong>de</strong>, 1863 e Porto Alegre,<br />

1888) e o Brasilianiche Bank für Deutschland (1904). No final da Primeira<br />

Guerra Mundial, vieram o British Bank of South America (1919), o Bank of<br />

London & South America (1919), o National City Bank of New York<br />

(1919), o Banque Française et Italienne Pour l’Amerique du Sud (1917) e o<br />

London & River Plate Bank (1919).<br />

Outras organizações <strong>de</strong> crédito também estiveram presentes <strong>no</strong> setor<br />

financeiro gaúcho nas décadas iniciais do século. Eram elas as caixas ru-<br />

176<br />

O Banco do Brasil foi criado nacionalmente em 1808, mas foi fechado e recriado várias<br />

vezes (1833, 1851, 1854, 1905). Sua primeira filial <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul foi instalada<br />

em 1851, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong>.<br />

177<br />

O Banco Popular Italia<strong>no</strong> fechou sua agência <strong>no</strong> Estado em 1930.<br />

128


ais, inspiradas <strong>no</strong> cooperativismo, difundido na Europa, sob a <strong>de</strong><strong>no</strong>mina-<br />

ção <strong>de</strong> Raiffeisen. 178<br />

Neste capítulo da tese, será estudado o ingresso e <strong>de</strong>sempenho das<br />

<strong>mulheres</strong>, conforme já foi mencionado, em três instituições bancárias do<br />

setor privado gaúcho – o Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, o Ban-<br />

co Nacional do Comércio e o Banco Pfeiffer. Por essa razão, elabora-se, a<br />

seguir, um histórico sucinto <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses <strong>banco</strong>s.<br />

1.1 Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

O Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul foi o primeiro <strong>banco</strong><br />

gaúcho, fundado em 1º <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1858, em Porto Alegre, tendo sido seus<br />

estatutos aprovados pelo Decreto 2005 <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1857.<br />

Na página seguinte, po<strong>de</strong> ser observada a reprodução da terceira pá-<br />

gina do Decreto Imperial <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1857, que autorizou o<br />

funcionamento do Banco da Província.<br />

178 Segundo Lagemann, o portador <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al foi o padre Theodor Amstad que conseguiu<br />

a materialização <strong>de</strong> seu projeto num ambiente <strong>de</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes europeus,<br />

129


Reprodução do Decreto Imperial autorizando o funcionamento do<br />

Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. 179<br />

<strong>de</strong>satendidos pela frágil re<strong>de</strong> bancária do Estado.<br />

179 Material gentilmente cedido à autora por Maria Helena Pfeiffer.<br />

130


O Banco da Província instalou-se, inicialmente, na Rua da Praia, na<br />

esquina com a Rua <strong>de</strong> Bragança e, em 1859, comprou um prédio <strong>no</strong> Largo<br />

da Alfân<strong>de</strong>ga, on<strong>de</strong> funcio<strong>no</strong>u até 1885, quando inaugurou <strong>no</strong>va se<strong>de</strong> na es-<br />

quina da Rua Sete <strong>de</strong> Setembro com a Rua Gen. Câmara.<br />

Da primeira diretoria do Banco da Província participaram Manuel<br />

Ferreira Porto (presi<strong>de</strong>nte), João Pereira Machado (secretário), sendo dire-<br />

tores José Dias <strong>de</strong> Souza, José Joaquim dos Santos Ferreira, José Pedro<br />

Alves, José I<strong>no</strong>cêncio Pereira e Lopo Gonçalves Bastos. Inicialmente, a<br />

instituição contou com apenas quatro funcionários, <strong>no</strong> cargos <strong>de</strong> gerente,<br />

guarda-livros, escriturário e contínuo. 180<br />

Ao longo do século XIX, o Banco da Província cresceu satisfatori-<br />

amente, mas somente a partir <strong>de</strong> 1890 iniciou o alargamento <strong>de</strong> sua área <strong>de</strong><br />

operações. No pla<strong>no</strong> expansionista, surgiram primeiramente as filiais <strong>de</strong><br />

Pelotas (1890) e Rio Gran<strong>de</strong> (1891), seguidas pela instalação, <strong>no</strong> Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro (1908), da primeira casa fora do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Após essa data<br />

surgiram várias filiais <strong>no</strong> interior do Estado, sendo que em <strong>1920</strong> seu núme-<br />

ro elevava-se a 33 casas. 181<br />

180<br />

Dados históricos do Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Material datilografado<br />

fornecido pelo Museu do Banco Meridional.<br />

181<br />

As filiais fundadas <strong>no</strong> interior do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, até <strong>1920</strong> foram Santa Maria,<br />

Caxias do Sul, Livramento (1910), Cachoeira do Sul, Alegrete, Uruguaiana (1911), São<br />

Gabriel, Jaguarão, Novo Hamburgo, Cruz Alta Lajeado, Taquara, Passo Fundo, Dom<br />

Pedrito (1912), Montenegro (1913), Bagé (1914), Rio Pardo(1914), Santa Cruz do Sul,<br />

Bento Gonçalves, Lavras do Sul (1917), Pinheiro Machado, Rosário do Sul, Estrela<br />

(posteriormente fechada), Arroio Gran<strong>de</strong> (posteriormente fechada) São Francisco do<br />

Paula (1919), Vacaria, Santo Antônio, Garibaldi, Venâncio Aires(posteriormente fechada)<br />

e São Leopoldo (<strong>1920</strong>). Revista Província, jan/mar. <strong>de</strong> 1961, p. 17.<br />

131


Nesse período o Banco da Província também ampliou suas ativida-<br />

<strong>de</strong>s, agregando às operações tradicionais (recebimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos,<br />

concessão <strong>de</strong> empréstimos, <strong>de</strong>scontos <strong>de</strong> letras e emissão <strong>de</strong> saques sobre<br />

praças nacionais e estrangeiras) os <strong>de</strong>pósitos e <strong>de</strong>scontos populares. A par-<br />

tir <strong>de</strong> 1910, o <strong>banco</strong> passou a participar como órgão financiador e<br />

planejador na construção <strong>de</strong> obras públicas (estradas férreas, por exemplo).<br />

Em 1914, quando a eco<strong>no</strong>mia nacional atravessou crise financeira<br />

<strong>de</strong>corrente da guerra mundial, o Banco da Província sofreu os reflexos da<br />

mesma, sendo obrigado a <strong>de</strong>senvolver uma política <strong>de</strong> enxugamento que o<br />

levou a fechar algumas filiais e a liquidar a carteira <strong>de</strong> crédito real (que<br />

emprestava a longo prazo e juros baixos).<br />

Após a superação <strong>de</strong>ssas dificulda<strong>de</strong>s, iniciou-se um período <strong>de</strong> re-<br />

cuperação, <strong>de</strong>vido à expansão da eco<strong>no</strong>mia gaúcha com a venda <strong>de</strong> seus<br />

produtos <strong>no</strong> mercado nacional. Conforme salienta Lagemann,<br />

“Para o sistema bancário do Estado, como um todo,<br />

caracterizou-se esse período pela instalação <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas<br />

casas <strong>de</strong> crédito, tanto <strong>de</strong> capital local como filiais<br />

<strong>de</strong> <strong>banco</strong>s estrangeiros. Para o Província representou<br />

vultosos lucros, principalmente em 1918 e 1919,<br />

culminando <strong>no</strong>s aumentos <strong>de</strong> capital <strong>de</strong> 10 mil para<br />

20 mil contos em 1918 e <strong>de</strong> 20 para 40 mil contos em<br />

<strong>1920</strong>.” 182 .<br />

A expansão observada <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s imediatos ao fim da guerra não teve<br />

continuida<strong>de</strong> ao longo da década <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, que foi marcada por uma série<br />

<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s, incluindo-se entre elas os movimentos revolucionários <strong>de</strong><br />

182 LAGEMANN, Eugênio. Op. cit., p.35.<br />

132


1923 e 1924, que tiveram reflexos na inadimplência em relação aos com-<br />

promissos assumidos junto aos <strong>banco</strong>s. O Banco da Província assumiu uma<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> retração, o que só se alterou em 1926 quando as condições gerais<br />

começaram a tornar-se mais favoráveis.<br />

Entre 1927 e 1928, <strong>no</strong>vamente o Província cresceu, inclusive au-<br />

mentando o seu capital real <strong>de</strong> 40 mil para 50 mil contos e retomando a<br />

construção <strong>de</strong> prédios próprios para suas filiais. Todavia em 1929, com a<br />

queda da Bolsa <strong>de</strong> Valores <strong>de</strong> Nova Iorque e seus reflexos sobre o Brasil,<br />

adveio a séria crise vivida pela eco<strong>no</strong>mia e pelo sistema bancário nacional<br />

e gaúcho. Conforme Lagemann. “o Província sobreviveu bem à crise: pre-<br />

parara-se durante toda a década <strong>de</strong> <strong>1920</strong> e recebeu, oportunamente, a força<br />

moral do gover<strong>no</strong> do Estado, que o <strong>no</strong>meou seu agente financeiro em<br />

1930.” 183<br />

O Banco da Província existiu, com essa <strong>no</strong>me até 1973, quando pas-<br />

sou integrou o Banco Sul-Brasileiro, resultante <strong>de</strong> sua fusão com o Banco<br />

Nacional do Comércio e com o Banco Industrial e Comercial do Sul.<br />

1.2 Banco Nacional do Comércio S. A.<br />

O Banco Nacional do Comércio foi o segundo <strong>banco</strong> criado <strong>no</strong> Esta-<br />

do, em 2 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1895, tendo iniciado a operar em 1º <strong>de</strong> abril do<br />

mesmo a<strong>no</strong>, sob a <strong>de</strong><strong>no</strong>minação <strong>de</strong> Banco do Comércio, alterada em 1909<br />

183 LAGEMANN, Eugênio. Op. cit., p.36.<br />

133


para Banco do Comércio <strong>de</strong> Porto Alegre e, em 1917, para Banco Nacional<br />

do Comércio. Assembléia realizada em 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1941 modificou os<br />

estatutos do <strong>banco</strong> para adaptá-lo à <strong>no</strong>va lei <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s anônimas, acres-<br />

centando ao <strong>no</strong>me a expressão Socieda<strong>de</strong> Anônima (SA.). 184<br />

Fizeram parte da primeira diretoria <strong>de</strong>ssa instituição bancária Fran-<br />

cisco Gonçalves Carneiro, Eduardo Dreher e Ma<strong>no</strong>el Gonçalves Junior. O<br />

Banco Nacional do Comércio iniciou seus trabalhos com apenas seis fun-<br />

cionários; em 1899, já dispunha <strong>de</strong> 15, em 1909 eram 21 e em 1919, 410. O<br />

número <strong>de</strong> trabalhadores <strong>de</strong>sse estabelecimento bancário continuou cres-<br />

cendo, elevando-se, em 1944, a 954 funcionários. 185<br />

Nos primeiros a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> sua existência (1895-1905) o Banco do Co-<br />

mércio enfrentou dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes dos problemas da eco<strong>no</strong>mia<br />

regional, o que o obrigou a praticamente restringir sua ativida<strong>de</strong> aos em-<br />

préstimos sob hipotecas. Com isso, o <strong>banco</strong> acumulou muitos imóveis<br />

adquiridos na liquidação <strong>de</strong> contas <strong>de</strong> credores inadimplentes.<br />

Em 1906 a situação começou a melhorar e o Banco do Comércio,<br />

juntamente com o Banco da Província, participou da constituição, em Por-<br />

to Alegre, da Companhia Força e Luz e da Companhia <strong>de</strong> Seguros<br />

Previdência do Sul.<br />

Em 1910, o Banco Nacional do Comércio iniciou sua interiorização<br />

e, em 1919, já possuía quinze sucursais estabelecidas <strong>no</strong> Estado. Também<br />

184 Síntese Histórica do Banco Nacional do Comércio SA -1895-1945, p. 75.<br />

185 I<strong>de</strong>m. p. 78.<br />

134


começaram a ser criadas agências em outros estados (Santa Catarina, Mato<br />

Grosso e Paraná) a partir <strong>de</strong> 1915.<br />

Na década <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, as agitações políticas e as revoluções anterior-<br />

mente mencionadas obrigaram o <strong>banco</strong> a agir mais cautelosamente,<br />

inclusive fechando algumas sucursais consi<strong>de</strong>radas mais expostas a ata-<br />

ques. Entretanto outras sucursais foram abertas: a <strong>de</strong> Lavras, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul (1921), a <strong>de</strong> Paranaguá, <strong>no</strong> Paraná (1921), a <strong>de</strong> Brusque, em Santa<br />

Catarina (1922), a <strong>de</strong> Ponta Grossa, <strong>no</strong> Paraná (1926), e a do Rio Negro,<br />

também <strong>no</strong> Paraná (1927).<br />

A atuação principal do Banco do Comércio era junto ao comércio e<br />

à indústria, mas também atuou <strong>no</strong> setor público (cobertura <strong>de</strong> empréstimo<br />

da Intendência Municipal <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong> e empréstimo à Escola <strong>de</strong> Enge-<br />

nharia, por exemplo)<br />

A partir da década <strong>de</strong> 1910, o Banco do Comércio passou a <strong>de</strong>sen-<br />

volver programa <strong>de</strong> instalação da matriz, filiais e agências em prédios<br />

próprios, com o objetivo <strong>de</strong> oferecer melhores serviços a seus clientes e<br />

também para fugir do ônus <strong>de</strong> aluguéis exagerados.<br />

O Banco Nacional do Comércio cresceu significativamente <strong>de</strong> 1895 a<br />

<strong>1920</strong> pois, conforme Lagemann:<br />

“<strong>no</strong> que se refere ao movimento <strong>de</strong> seu capital, apresentam-se<br />

alterações em 1900, com o aumento do<br />

capital para 5 mil contos; em 1917, quando é integralizado<br />

o capital <strong>no</strong>minal anterior <strong>de</strong> 5 mil contos e<br />

135


aumentado este para 10 mil contos, e em <strong>1920</strong>, elevado<br />

o capital <strong>no</strong>minal para 25 mil contos.” 186<br />

No dia 2 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1945, o Banco Nacional do Comércio comple-<br />

tou o seu cinqüentenário. Eram seus diretores na época, Albi<strong>no</strong> Chaves <strong>de</strong><br />

Souza, Salathiel Soares <strong>de</strong> Barros, Jorge Bento e Joaquim José <strong>de</strong> Brito.<br />

Por ocasião dos seus cinqüenta a<strong>no</strong>s, a casa bancária contava com 89 fili-<br />

ais e agências <strong>no</strong> interior do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e <strong>no</strong>s estados <strong>de</strong> Santa<br />

Catarina e Paraná. Nas <strong>de</strong>mais cida<strong>de</strong>s do País e <strong>no</strong> exterior, o <strong>banco</strong> man-<br />

tinha correspon<strong>de</strong>ntes bancários. 187<br />

O Banco Nacional do Comércio existiu com essa <strong>de</strong><strong>no</strong>minação até<br />

1973, quando passou a integrar, juntamente com o Banco da Província e<br />

Banco Industrial e Comercial, o Banco Sul-Brasileiro.<br />

1.3 Banco Pfeiffer<br />

Num momento <strong>de</strong> euforia, reinante em todos os setores da eco<strong>no</strong>mia<br />

gaúcha, foi criada, <strong>no</strong> final da Primeira Guerra Mundial, Jorge Pfeiffer &<br />

Cia – Casa Bancária (<strong>de</strong>pois Banco Pfeiffer S/A e, posteriormente Banco<br />

Industrial e Comercial). A casa bancária foi constituída como socieda<strong>de</strong> em<br />

comandita simples, on<strong>de</strong> apareciam como sócio solidário Jorge Marcos <strong>de</strong><br />

186 LAGEMANN, Eugênio. Op. cit., p.46.<br />

187 Correio do Povo, 3 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1945, p. 3.<br />

136


Azevedo Pfeiffer e como comanditários Fre<strong>de</strong>rico Guilherme Bier, H. Theo<br />

Möller, Carlos Daudt e Jorge Brecht. 188<br />

As ativida<strong>de</strong>s da <strong>no</strong>va instituição financeira iniciaram <strong>no</strong> dia 2 <strong>de</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 1919, encontrando-se entre seus primeiros funcionários Pedro<br />

Schmitt e Carlos Lengler Filho, que mais tar<strong>de</strong> foram diretores do <strong>banco</strong>. 189<br />

Depois do sucesso dos primeiros a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> funcionamento a casa ban-<br />

cária enfrentou os problemas que atingiram a eco<strong>no</strong>mia gaúcha em meados<br />

da década <strong>de</strong> <strong>1920</strong>. Porém, em fins <strong>de</strong> 1928, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter superado a crise,<br />

<strong>no</strong>vamente verificou-se um clima <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> na instituição, que, por<br />

proposta <strong>de</strong> seus diretores, transformou-se em socieda<strong>de</strong> anônima, passando<br />

a <strong>de</strong><strong>no</strong>minar-se Banco Pfeiffer S/A, em 1929.<br />

Devido a seu <strong>no</strong>me, como também <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> seus mais im-<br />

portantes acionistas serem <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> alemães, era consi<strong>de</strong>rado um<br />

<strong>banco</strong> <strong>de</strong> imigrantes alemães e chamado <strong>de</strong> Banco Alemão. Essa caracterís-<br />

tica gerou pressões durante a Segunda Guerra Mundial que motivaram a<br />

alteração <strong>de</strong> sua <strong>de</strong><strong>no</strong>minação, em 1942, quando passou a chamar-se Banco<br />

Industrial e Comercial do Sul S/A.<br />

O capital <strong>no</strong>minal inicial <strong>de</strong>sse <strong>banco</strong> foi <strong>de</strong> mil e quinhentos con-<br />

tos, aumentado em meados da década <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, para 3 mil contos e, em<br />

1929, para 10 mil contos.<br />

188 LAGEMANN, Eugênio. Op. cit., p.56.<br />

189 Informações retiradas <strong>de</strong> Dados Históricos do Banco Industrial e Comercial do Sul.<br />

p. 4.<br />

137


Em 1944, o Banco Industrial e Comercial SA., que se expandira<br />

significativamente, contava com 21 agências <strong>no</strong> interior do Estado, além <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ntes, espalhados por todo o País. 190<br />

Cabe acrescentar que os <strong>banco</strong>s gaúchos na década <strong>de</strong> <strong>1920</strong> situa-<br />

vam-se em terceiro lugar entre os <strong>banco</strong>s nacionais quanto a <strong>de</strong>pósitos à<br />

vista, estando a sua frente somente Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo. Entretanto,<br />

pouco a pouco, as instituições bancárias <strong>gaúchas</strong> foram per<strong>de</strong>ndo essa posi-<br />

ção para <strong>banco</strong>s <strong>de</strong> outros estados. Conforme esclarece Lagemann,<br />

“A participação média, por década, do sistema bancário<br />

gaúcho <strong>no</strong> total geral dos <strong>de</strong>pósitos à vista e<br />

totais do país é <strong>de</strong>clinante: na década <strong>de</strong> <strong>1920</strong> –<br />

15,2%; na <strong>de</strong> 1930 – 10,1%; na <strong>de</strong> 1940 – 3,9%; na<br />

<strong>de</strong> 1950 – 3,8%; <strong>de</strong> 1960/64 – 3,5% e <strong>no</strong> período <strong>de</strong><br />

1975/79 – 2,8%.” 191<br />

Lagemann também informa que, nas décadas <strong>de</strong> 1950 e 1960, o sis-<br />

tema financeiro brasileiro caracterizou-se pela concentração <strong>de</strong> capital, que<br />

levou à formação <strong>de</strong> conglomerados financeiros, organizados em <strong>de</strong>corrên-<br />

cia <strong>de</strong> incorporações e fusões. 192<br />

A partir dos últimos a<strong>no</strong>s da década <strong>de</strong> sessenta, foi gran<strong>de</strong> a inves-<br />

tida <strong>de</strong> capitais paulistas tentando ganhar espaço na estrutura bancária<br />

gaúcha, comprando vários <strong>banco</strong>s locais. Este foi o caso do Banco Agrícola<br />

Mercantil, que foi absorvido pelo Uni<strong>banco</strong> e do Banco Porto Alegrense,<br />

190 Correio do Povo, 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1944, p.5.<br />

191 LAGEMANN, Eugênio. Op. cit., p. 176.<br />

192 I<strong>de</strong>m. p. 177.<br />

138


aborvido pelo Bra<strong>de</strong>sco. Também foram vendidos o Banco <strong>de</strong> Expansão E-<br />

conômica e o Banco Mentz.<br />

Referindo-se a fatos <strong>de</strong>ssa natureza, Mário Antunes da Cunha, que<br />

foi diretor do Banco da Província, relata que, <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s da década<br />

<strong>de</strong> sessenta,<br />

“as ações do Província começaram a ser adquiridas,<br />

em larga escala pela Corretora Me<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Albuquerque,<br />

aqui do Estado e começou a ser comentado,<br />

em grupos restritos, que o Banco da Província seria o<br />

próximo a ser adquirido por grupos paulistas. Isso<br />

<strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u rápida ação do gover<strong>no</strong> gaúcho, tentando<br />

impedir que tal viesse a acontecer. Os acionistas do<br />

<strong>banco</strong> foram reunidos, a situação foi explicada e estes<br />

<strong>de</strong>cidiram que a instituição <strong>de</strong>veria permanecer <strong>no</strong><br />

Estado, sob controle dos gaúchos.” 193<br />

Pouco <strong>de</strong>pois do fato acima relatado, verificou-se a fusão, (em 2 <strong>de</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 1973), do Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, do Banco<br />

Nacional do Comércio e do Banco Industrial e Comercial do Sul (antigo<br />

Banco Pfeiffer), que <strong>de</strong>ram origem a uma instituição financeira única, <strong>de</strong>-<br />

<strong>no</strong>minada Banco Sul-Brasileiro. 194<br />

Logo após a fusão, conforme Antunes,<br />

“As ações do <strong>no</strong>vo <strong>banco</strong> começaram a ser adquiridas<br />

pelo Montepio da Família Militar que se tor<strong>no</strong>u gran<strong>de</strong><br />

acionista do Banco Sul-brasileiro. A falência do<br />

Montepio da Família Militar levou o Banco Sulbrasileiro<br />

igualmente à falência.” 195<br />

193 Depoimento à autora em 04 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998.<br />

194 Mais tar<strong>de</strong>, esse <strong>banco</strong> <strong>de</strong>u origem ao Banco Meridional.<br />

195 Depoimento à autora em 04 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998.<br />

139


Após profundas dificulda<strong>de</strong>s, o que restou do Banco Sul-brasileiro<br />

foi transformado <strong>no</strong> Banco Meridional.<br />

2 AS PRIMEIRAS TRABALHADORAS DOS BANCOS GAÚ-<br />

CHOS<br />

No século XX, foram intensas as mudanças na tec<strong>no</strong>logia e nas rela-<br />

ções <strong>de</strong> trabalho ocorridas <strong>no</strong> mundo bancário, o que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a realização<br />

do trabalho “<strong>de</strong> forma manuscrita, através da caneta <strong>de</strong> pena, até os regis-<br />

tros contábeis informatizados.” 196<br />

Foi <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse movimento <strong>de</strong> transformações constantes que o se-<br />

tor bancário gaúcho começou a admitir <strong>mulheres</strong> em seu quadro <strong>de</strong><br />

funcional, por volta <strong>de</strong> <strong>1920</strong>.<br />

Também contribuiu para que os <strong>banco</strong>s aceitassem <strong>mulheres</strong>, a ex-<br />

pansão da ativida<strong>de</strong> econômica <strong>no</strong> Estado e a necessida<strong>de</strong> da realização <strong>de</strong><br />

inúmeras tarefas consi<strong>de</strong>radas auxiliares do trabalho mais qualificado exe-<br />

cutado pelos homens. Entre tais tarefas estavam os serviços repetitivos <strong>de</strong><br />

registro do movimento bancário.<br />

De acordo com Letícia Canêdo, até 1930 esses serviços eram reali-<br />

zados manualmente, sendo que “somente na década <strong>de</strong> 30 o trabalho foi<br />

facilitado com o aparecimento <strong>de</strong> copiadores <strong>de</strong> gelatina e a permissão <strong>de</strong><br />

196<br />

KAREPOVS, Dainis (coord.).A história dos bancários: lutas e conquistas – 1923-<br />

1993. São Paulo: Sindicato dos Bancários e Financiários <strong>de</strong> São Paulo, 1994.<br />

140


escrituração a máquina.” 197 Assim sendo, foi necessário recorrer à mão-<strong>de</strong>-<br />

obra feminina que <strong>de</strong>veria ser responsabilizada pela cansativa tarefa <strong>de</strong> fa-<br />

zer todos os registros do movimento dos <strong>banco</strong>s.<br />

Objetivando reconstituir o processo <strong>de</strong> inserção das primeiras mu-<br />

lheres <strong>no</strong> setor bancário gaúcho, <strong>de</strong>cidiu-se <strong>de</strong>dicar este capítulo da tese ao<br />

estudo do referido processo nas três instituições bancárias selecionadas, <strong>no</strong><br />

período compreendido entre <strong>1920</strong> e 1945.<br />

2.1 Banco da Província<br />

Os documentos do Banco da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul regis-<br />

tram os primeiros <strong>no</strong>mes <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> fazendo parte do quadro <strong>de</strong><br />

trabalhadores <strong>de</strong>ssa instituição bancária precisamente a partir <strong>de</strong> <strong>1920</strong>.<br />

Conforme fica documentado através da fotografia a seguir, publica-<br />

da na seção intitulada Reminiscências, da Revista Província do Banco da<br />

Província, as duas únicas trabalhadoras do referido <strong>banco</strong>, em <strong>1920</strong>, eram<br />

Alzira Borges <strong>de</strong> Almeida e Mariana Vasconcellos.<br />

197<br />

CANÊDO, Letícia Bicalho. O Sindicalismo Bancário em São Paulo <strong>no</strong> período 1923-<br />

44: seu significado político. São Paulo: Cortez, 1980, p. 32.<br />

141


142


Consulta aos dados disponíveis <strong>no</strong> setor <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Ma-<br />

teriais - Microfilmagem <strong>de</strong> Documentos <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s do Banco<br />

Meridional, permitiu confirmar que Alzira Borges <strong>de</strong> Almeida, natural <strong>de</strong><br />

Vacaria, ingressou <strong>no</strong> quadro <strong>de</strong> funcionários do Banco da Província do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>no</strong> dia 4 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, não tendo sido encontrado ne-<br />

nhum registro <strong>de</strong> Mariana Vasconcellos. 198<br />

Contudo, com base na fotografia acima e <strong>no</strong>s dados que constam do<br />

setor <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Materiais - Microfilmagem <strong>de</strong> Documentos <strong>de</strong><br />

Recursos Huma<strong>no</strong>s do Banco Meridional, po<strong>de</strong>-se afirmar que o Banco da<br />

Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, efetivamente, começou a admitir <strong>mulheres</strong><br />

em seus quadros por volta <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, período que, conforme foi visto <strong>no</strong> Ca-<br />

pítulo II, correspon<strong>de</strong>u a um significativo crescimento da eco<strong>no</strong>mia gaúcha,<br />

bem como a uma abertura <strong>de</strong> espaço para <strong>mulheres</strong> em alguns <strong>no</strong>vos setores<br />

que surgiam nas cida<strong>de</strong>s. Acrescente-se que o Banco da Província viveu <strong>de</strong><br />

1918 a 1921-22 um período <strong>de</strong> significativa expansão, o que igualmente já<br />

foi comentado.<br />

A pesquisa realizada junto ao Centro <strong>de</strong> Memória do Sindicato dos<br />

Empregados em Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre, junto ao setor<br />

<strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Materiais do Banco Meridional, e na Revista Pro-<br />

víncia, também permitiu construir o quadro a seguir, <strong>no</strong> qual po<strong>de</strong> ser<br />

198<br />

Conforme explicações colhidas junto ao serviço referido, muito possivelmente, alguns<br />

dados do período em estudo foram perdidos por não terem sido corretamente<br />

a<strong>no</strong>tados ou a<strong>de</strong>quadamente preservados, o que talvez explique por que não foram encontradas<br />

informações sobre Mariana Vasconcellos. É possível supor também que as<br />

a<strong>no</strong>tações relativas aos trabalhadores do <strong>banco</strong> não tenham sido feitas em <strong>1920</strong>, mas já<br />

na década <strong>de</strong> 1930 quando foram exigidas pela legislação trabalhista, então emergente,<br />

e que nessa época a referida funcionária não mais fizesse parte do quadro do <strong>banco</strong>.<br />

143


observado o movimento <strong>de</strong> ingresso <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> Banco da Província,<br />

entre <strong>1920</strong> e 1945, assim como examinar informações sobre as primeiras<br />

trabalhadoras do Banco da Província. 199<br />

Quadro 1<br />

Mulheres trabalhadoras do Banco da Província 200<br />

NOMES Data <strong>de</strong><br />

nascimento<br />

Local <strong>de</strong> nasci-<br />

mento<br />

Estado civil Ingresso<br />

<strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

Aposent. ou<br />

Exoneração<br />

Alzira Borges <strong>de</strong> Almeida 1901 Vacaria solt. 04/05/20 faleceu<br />

Antonieta Porto Alegre Poeta 25/02/1886 Porto Alegre viúva 01/02/24 02/06/49 -A<br />

Frieda Reche 11/11/1892 São Leopoldo solt. 28/10/24 31/01/52 -A<br />

Júlia <strong>de</strong> Lima Soares 08/03/1909 Porto Alegre solt. 1926 S/infor.<br />

Marina Barreto Rosa 05/11/1905 Porto Alegre solt. 19/12/27 01/02/68- A<br />

Maria da Gloria B. Coelho 06/05/1904 Porto Alegre solt. 03/01/28 05/07/45- E<br />

Dinah Oliveira Brandão 01/11/1892 Porto Alegre cas. 20/02/28 17/03/39- E<br />

Francisca Bina Fonyat 15/02/1904 Porto Alegre solt. 16/09/28 09/05/50- A<br />

Geneviéve Joséphe Fréret 31/08/1905 França solt. 17/12/28 S/ inform.<br />

Julieta Bastos (Engelsing) 01/07/1906 Júlio<strong>de</strong> Castilhos solt/cas 1928 16/09/66- A<br />

199 Entre <strong>1920</strong> e 1923 não se encontrou o registro <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> nenhuma mulher <strong>no</strong><br />

Banco da Província, mas não se po<strong>de</strong> garantir que isso não tenha ocorrido e os dados<br />

tenham sido perdidos como parece ter acontecido <strong>no</strong> caso referido na <strong>no</strong>ta anterior. Além<br />

disso, nem todas as informações estão completas por ter sido impossível completálas.<br />

200 Quadro construído pela autora com dados recolhidos nas instituições mencionadas.<br />

Optou-se por manter este quadro e os referentes aos outros <strong>banco</strong>s <strong>no</strong> corpo do trabalho<br />

por duas razões: primeiro, por julgar que eles eco<strong>no</strong>mizam várias <strong>de</strong>scrições; segundo,<br />

por julgar que é mais prático não ter que recorrer aos anexos para a consulta dos mesmos.<br />

144


Maria Edêmora Costa Galvão 11/07/1915 Pelotas solt. 01/07/29 S/ inform<br />

Alay<strong>de</strong> Mariani 01/02/1911 Porto Alegre solt. 1928 S/ inform<br />

Carmem Veríssimo da Fonseca 04/02/1907 Tupanciretã solt. 17/06/29 01/07/66- A<br />

Lígia Veríssimo da Fonseca Tupanciretã solt. 17/06/29 1935– E<br />

Nahir Teixeira 21/12/1907 Santa Vitória solt. 20/03/29 01/01/66- A<br />

Hilda Veríssimo da Fonseca 03/08/1905 Cruz Alta solt. 15/04/30 01/06/65 -A<br />

Maria Rosa Mó<strong>de</strong>nna 01/06/1910 Itália solt. 11/02/35 15/06/30 -E<br />

Bertha M. Jacob Harzheim 30/04/1916 Porto Alegre solt/cas. 25/02/35 14/07/44 -E<br />

Irma Florio 21/03/1914 Porto Alegre solt. 01/03/35 30/11/39-E<br />

Stela Alterbrend 27/08/1916 Porto Alegre solt. 1935 S/infor.<br />

Horminda Bimbi 05/12/1910 Alfredo Chaves solt. 10/01/35 S/infor.<br />

Cora Ruiz Caravantes 25/12/1912 Porto Alegre solt. 01/02/37 1972 - A<br />

Maria da Conceição S. Romero 24/07/1913 S. Luiz solt. 02/03/37 S/infor.<br />

Edith Magnus Protzen 12/05/1917 Porto Alegre solt. 03/02/37 01/04/68 -A<br />

Irma Luise Kurth (Schrane) 24/09/1913 Porto Alegre solt/cas 25/03/37 1972 - A<br />

Wally Rangrab 10/01/1914 Montenegro solt. 15/03/37 09/10/40 –E<br />

Alice Rousset 14/04/1911 Porto Alegre solt. 20/07/37 31/05/39 -E<br />

Bismalda Soares <strong>de</strong> Mendonça 25/05 1917 Rio Pardo solt. 23/08/37 31/07/39 -E<br />

Erna Lehmann D’Avila 21/07/1915 Santa Maria sol/cas 29/11/37 01/07/65 -A<br />

Olívia Traiani dos Santos 20/08/1913 S/infor. solt. 1937 S/infor.<br />

Nahir Marques Amorim 12/11/1910 Passo Fundo cas. 16/02/38 23/04/68 -A<br />

Lory Teichmann 11/05/1921 Porto Alegre solt. 17/10/38 18/03/68 -A<br />

145


M.<strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Bidart <strong>de</strong> Lima 22/09/1917 Bagé solt. 06/03/39 01/09/68- A<br />

Noir Vianna 06/05/1919 Estrela solt. 01/03/40 S/infor.<br />

Irene Blauth (Selhane) 22/05/1922 Porto Alegre sol/cas 01/03/40 01/08/70-A.<br />

Adair Con<strong>de</strong>ssa 02/12/1919 S Jerônimo. solt. 02/07/40 S/infor.<br />

Enilda Rosado Porto 12/12/<strong>1920</strong> Jaguarão. solt. 08/07/40 28/11/70-A<br />

Wilma Santos Panazzolo 08/12/1919 Porto Alegre solt/cas. 12/05/41 S/infor.<br />

Namir Barbosa Grós 02/03/1926 Porto Alegre solt. 13/05/41 S/infor<br />

Patrícia E. Guadiola Meinhardt 1922 Cachoeira solt/cas 22/01/42 01/01/73-A<br />

Eunice Wolff 21/06/1924 Porto Alegre solt. 03/02/42 S/infor.<br />

Amélia Silva Marques 03/03//1922 Rio <strong>de</strong> Janeiro solt. 19/02/42 S/infor.<br />

Elsa <strong>de</strong> Oliveira Ramos 22/05/1919 Porto Alegre solt. 01/04/42 S/infor.<br />

Julieta Taucer 22/07/1927 Porto Alegre solt. 13/06/42 S/infor.<br />

Nilse Moraes 14/10/1921 Porto Alegre solt. 22/04/42 S/infor.<br />

Lorena <strong>de</strong> Carvalho(Picarelli) 01/10/1922 Santo Antonio solt. 15/09/42 S/infor.<br />

Irene Kollás Príncipe 05/04/1923 Porto Alegre solt/cas 21/09/42 19/07/49 -E<br />

Oda Nunes <strong>de</strong> Lima 24/08/1922 Jaguari solt. 05/10/42 21/05/49 -F<br />

Isol<strong>de</strong> Fischer (Braescher) 16/12/1922 Porto Alegre sol/cas. 05//10/42 01/07/73 -A<br />

Scyomara Silveira <strong>de</strong> Moraes 05/11/1918 Porto Alegre solt. 04/11/42 27/02/72- A<br />

Lydia da Silva Barbosa 20/04/<strong>1920</strong> Porto Alegre solt. 1942 08/07/72 -A<br />

Sônia dos Santos (Rodrigues) 09/01/1922 Porto Alegre solt. 01/02/43 S/infor.<br />

Jenny Ovádia (<strong>de</strong> Souza) 08/08/1919 Porto Alegre solt. 15/03/43 30/09/71 -A<br />

Edith Dias <strong>de</strong> Oliveira 16/03/<strong>1920</strong> Rio Gran<strong>de</strong> solt/cas. 16/03/43 S/infor.<br />

146


Suely Corrêa da Silveira 29/10/1921 Porto Alegre solt. 13/04/43 20/03/66 -F<br />

Isolda Gomes D’Ornellas 20/05/1924 Bagé solt. 05/05/43 S/infor.<br />

Nelly Ho<strong>no</strong>rina Monteiro 09/09/1923 São Jeronimo solt. 07/06/43 S/infor.<br />

Dinah Apel Marques ( Lopes ) 15/10/1922 Santa Maria solt/cas. 03/07/43 03/11/72 -A<br />

Irene Ruperti Rolim 23/07/1924 Rio Gran<strong>de</strong> solt. 04/08/43 30/04/46 -E<br />

Thereza Jovina M.Ferrari 29/02/1924 Porto Alegre solt. 09/10/42 01/12/72 -A<br />

Rita Ladir Fröner 28/04/1921 Porto Alegre solt. 16/11/43 19/06/73 -A<br />

Anita Pereira da Cunha ( Maia ) 16/09/1921 Lajeado solt/cas. 1943 S/infor.<br />

Aurélia Lima Veiga 27/07/1924 Rio Pardo cas. 16/11/43 S/infor.<br />

Juracy Aveline 20/03/1924 Porto Alegre solt. 12/04/44 S/infor.<br />

Vera Cecília Vanzetto 01/05/<strong>1920</strong> Porto Alegre solt. 1944 S/infor.<br />

Elza Ratto Ribeiro 11/09/1921 Pelotas solt. 26/01/44 S/infor.<br />

Ely Carmelita M. <strong>de</strong> Oliveira 13/10/1923 Santo Antonio solt. 01/04/44 S/infor.<br />

Olga Ockneff 02/04/1922 Porto Alegre solt. 1944 08/03/51 -E<br />

Aglair Lages da Silva 30/11/<strong>1920</strong> Alegrete solt. 01/03/45 S/infor.<br />

Gelcy Belmonte <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> 13/10/1923 Santiago cas. 03/04/45 S/infor.<br />

Shirley Terry Jungues 20/01/927 Salvador solt. 02/04/45 S/infor.<br />

Lia Meyer Simundi 16/06/1928 Carazinho cas. 11/03/45 S/infor.<br />

A – Aposentou-se<br />

E - Exonerou-se<br />

Como po<strong>de</strong> ser observado, entre <strong>1920</strong> e 1926, poucas <strong>mulheres</strong><br />

(quatro) ingressaram <strong>no</strong> Banco da Província. Foram elas Alzira Borges <strong>de</strong><br />

147


Almeida, em <strong>1920</strong>, Antonieta Porto Alegre Poeta e Frieda Reche em 1924 e<br />

Júlia <strong>de</strong> Lima Soares em 1926.<br />

No período correspon<strong>de</strong>nte a 1927-1930, o número <strong>de</strong> admitidas e-<br />

levou-se para, pelo me<strong>no</strong>s, doze <strong>mulheres</strong>. Foram elas: Marina Barreto<br />

Rosa (1927), Julieta Bastos, Maria Galvão, Alay<strong>de</strong> Mariani, Dinah Olivei-<br />

ra Brandão, Maria da Gloria Ban<strong>de</strong>ira Coelho, Francisca Bina Fonyat e<br />

Geneviéve Joséphe Fréret (1928), Nahir Teixeira, Carmem Veríssimo da<br />

Fonseca e Lígia Veríssimo da Fonseca (1929) e Hilda Veríssimo da Fonseca<br />

(1930).<br />

De 1931 a 1934 não há registros <strong>de</strong> <strong>no</strong>vos ingressos, mas, após esse<br />

período, a cada a<strong>no</strong> algumas <strong>mulheres</strong> entraram <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, o que se intensi-<br />

ficou <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> 1942 e 1943.<br />

Foi possível observar que as <strong>mulheres</strong> que, entre <strong>1920</strong> e 1945, in-<br />

gressaram <strong>no</strong> Banco da Província eram, geralmente, bastante jovens, tendo<br />

entre 18 e 25 a<strong>no</strong>s e a ampla maioria era solteira. Constatou-se, com as in-<br />

formações possíveis em vários casos que muitas trabalhadoras mantiveram-<br />

se solteiras.<br />

Destaque-se que pelo me<strong>no</strong>s 15 bancárias <strong>de</strong>sse período tinham so-<br />

bre<strong>no</strong>mes estrangeiros, como po<strong>de</strong> ser observado <strong>no</strong> quadro1. Isso<br />

<strong>de</strong>monstra que era significativa a presença <strong>de</strong> filhas ou netas <strong>de</strong> imigrantes<br />

<strong>no</strong> setor bancário. Por outro lado, sugere que, conforme afirmou Joana Pe-<br />

dro, as filhas <strong>de</strong> imigrantes nem sempre seguiram o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mulher-mãe<br />

e guardiã do lar proposto pelo i<strong>de</strong>ário positivista e geralmente seguido pe-<br />

148


las filhas das famílias <strong>de</strong> origem portuguesa. A escassez <strong>de</strong> informações,<br />

contudo, não permite uma certeza sobre a observação.<br />

Também foi constatado que pelo me<strong>no</strong>s 25 <strong>mulheres</strong> trabalharam <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> durante 30 ou mais a<strong>no</strong>s, quando então se aposentaram. Por outro la-<br />

do, pelo me<strong>no</strong>s 11 funcionárias do Banco da Província trabalharam poucos<br />

a<strong>no</strong>s na instituição, exonerando-se, como era costume, para casar. Embora<br />

não se tenha obtido informação sobre a aposentadoria ou exoneração <strong>de</strong> um<br />

número elevado das pesquisadas, é provável que a maioria <strong>de</strong>stas tenha<br />

também se exonerado. As que permaneceram até aposentar-se, geralmente,<br />

tinham registros mais completos.<br />

Em um período em que ainda estava muito presente <strong>no</strong> imaginário<br />

popular que o lugar da mulher era <strong>no</strong> mundo privado, é significativo que<br />

cerca <strong>de</strong> 23 bancárias do Banco da Província tenham trabalhado na institui-<br />

ção até aposentar-se. Ressalte-se que essas bancárias não estavam<br />

exercendo aquelas profissões que eram consi<strong>de</strong>radas a<strong>de</strong>quadas para as mu-<br />

lheres, mas exerciam sua ativida<strong>de</strong> em um setor que até então fora<br />

eminentemente masculi<strong>no</strong>.<br />

Os dados recolhidos não fazem referência a nenhuma forma <strong>de</strong> con-<br />

curso para o ingresso nessa instituição. Também, os familiares <strong>de</strong> bancárias<br />

que foram ouvidos sugeriram, embora não tivessem certeza absoluta, que as<br />

bancárias haviam sido indicadas por algum funcionário do próprio <strong>banco</strong>.<br />

No caso das trabalhadoras que ingressaram mais tar<strong>de</strong>, quando os registros<br />

do movimento do <strong>banco</strong> já eram datilografados, há referência a provas <strong>de</strong><br />

149


datilografia.<br />

As a<strong>no</strong>tações da ficha funcional das trabalhadoras do Banco da Pro-<br />

víncia informavam que elas tinham alguns a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> estudo e originavam-se,<br />

em geral, <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> renda média. Os salários por elas recebidos eram,<br />

em geral, mais elevados do que os pagos pelo Banco Nacional do Comércio<br />

ou pelo Banco Industrial e Comercial. Isso lhes dava uma posição privile-<br />

giada junto às <strong>de</strong>mais bancárias <strong>gaúchas</strong>.<br />

As primeiras trabalhadoras que ingressaram <strong>no</strong> Banco da Província<br />

<strong>de</strong>dicavam-se a fazer os registros manuscritos do movimento do <strong>banco</strong>,<br />

sendo <strong>de</strong>las exigida “uma letra bem <strong>de</strong>senhada.” Elas também <strong>de</strong>senvolviam<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> arquivo e <strong>de</strong> sustentação do trabalho executado pelos homens.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, por volta <strong>de</strong> 1930, quando começou a ser permitido que os re-<br />

gistros do movimento do <strong>banco</strong> fossem datilografados, as <strong>mulheres</strong><br />

começaram a se ocupar do serviço <strong>de</strong> datilografia. Registre-se que o ingres-<br />

so <strong>de</strong> um número maior <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong> correspon<strong>de</strong>u, justamente, ao<br />

momento em que foi generalizado o uso das máquinas datilográficas nesse<br />

tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>.<br />

A constatação acima não significa julgar que apenas a introdução do<br />

serviço datilografado explique o aumento das admissões <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>. Naturalmente, esse processo está também associado a uma série <strong>de</strong><br />

transformações que vinham ocorrendo <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, especialmente<br />

<strong>de</strong>vido à conjuntura da Segunda Guerra Mundial.<br />

150


2.2 Banco Nacional do Comércio<br />

A pesquisa realizada junto ao Centro <strong>de</strong> Memória do Sindicato dos<br />

Empregados em Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre e junto ao se-<br />

tor <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Materiais do Banco Meridional, permitiu<br />

constatar-se que também neste <strong>banco</strong> as primeiras <strong>mulheres</strong> começaram a<br />

ser admitidas por volta <strong>de</strong> <strong>1920</strong>.<br />

Com base <strong>no</strong>s dados coletados foi possível construir o quadro a se-<br />

guir, <strong>no</strong> qual po<strong>de</strong> ser observado o movimento <strong>de</strong> ingresso <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong><br />

nessa instituição bancária, entre 1919 e 1945, assim como alguns traços do<br />

perfil das primeiras trabalhadoras.<br />

Quadro 2<br />

Mulheres trabalhadoras do Banco Nacional do Comércio 201<br />

NOMES Data <strong>de</strong><br />

nascimento<br />

Local <strong>de</strong> nas-<br />

cimento<br />

Estado<br />

civil<br />

Ingresso<br />

<strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

Panchita Stella Cibeira 26/08/1900 Pelotas solt. 1919<br />

Henriqueta Hailliot Cibeira 11/07/1896 Pelotas solt. 1919<br />

Otília Bai<strong>no</strong> 07/07/1902 Porto Alegre cas. <strong>1920</strong><br />

Carmem Veríssimo Fonseca 04/02/1907 Tupanciretã solt. 1921<br />

Emília Ber<strong>no</strong>wagner 03/04/1901 S/inform. solt. 1921<br />

201 Quadro construído pela autora com base <strong>no</strong>s dados recolhidos <strong>no</strong>s locais já indica-<br />

dos.<br />

151


Guilhermina Amaro 10/01/1900 S/inform. solt. 1922<br />

Izabel Amália Hennemann 18/03/1907 Estrela solt. 1922<br />

Maria José D’Avila 27/08/1894 S/inform. solt. 1922<br />

Ho<strong>no</strong>rata Fernan<strong>de</strong>s y Mello 09/08/1895 Uruguai solt. 1922<br />

Helena Mileski (Smieiewski) 03/03/1904 S Angelo solt. 1922<br />

Tereza Brito Fraga 20/06/1894 Pelotas viúva 1923<br />

Rita Helena Hennemann 14/10/1908 S Leopoldo solt. 1923<br />

Cleonice Nice Andra<strong>de</strong> 17/10/1889 Porto Alegre solt. 1923<br />

Teresa Brito Fraga 20/06/1894 S/inform. viúva 1923<br />

Estefânia Jova<strong>no</strong>ff 03/01/1901 Porto Alegre cas. 1923<br />

Almerinda Farias Dias 11/09/1901 Porto Alegre solt. 1924<br />

Noemia G. Fernan<strong>de</strong>s 23/10/1903 Lavras solt. 1924<br />

Maria Luiza Rolla 19/06/1900 Porto Alegre solt. 1924<br />

Antonieta da Rocha Maia 20/12/1891 Porto Alegre solt. 1927<br />

Romilda Braga 23/03/1907 Porto Alegre solt. 1937<br />

Alice Luiza Jaeger Hennemann 04/10/1913 Porto Alegre solt. 1939<br />

Zilda Leal Madureira 26/12/1909 S Gabriel viúva 1940<br />

Eloah Nectoux 24/12/1909 Porto Alegre solt. 1941<br />

Alice Silva Câmara Canto 08/08/1918 Porto Alegre solt. 1941<br />

Maria Cardoso Noms 22/071915 S. Gabriel cas. 1941<br />

E<strong>de</strong>lmira Silva Puper 08/01/<strong>1920</strong> Pelotas solt. 1942<br />

Zeni Porto De la Coste 03/12/1923 Uruguaiana solt. 1942<br />

152


Luci Margarida <strong>de</strong> Souza Lobo 14/05/1916 Porto Alegre solt. 1942<br />

Nelly Bianchese 18/09/1922 Porto Alegre solt. 1942<br />

E<strong>de</strong>lmira Silva 08/02/<strong>1920</strong> Porto Alegre solt. 1942<br />

Nilza Eufemia Bordini 03/09/1924 Cruz Alta cas. 1943<br />

Maria Vieira <strong>de</strong> Araujo 01/08/1924 S. Gabriel solt. 1944<br />

O<strong>de</strong>tte Amaral Birke 24/04/1923 S. Angelo solt. 1944<br />

Selma Pacheco <strong>de</strong> Araujo 02/12/1913 B. Ribeiro solt. 1944<br />

Hilda Nunes Gonçalves Vieira 15/05/1902 R. Gran<strong>de</strong> solt. 1944<br />

Selma Pacheco Araujo 03/12/1913 B. Ribeiro solt. 1944<br />

Doroti Wen<strong>de</strong>l <strong>de</strong> Oliveira 07/02/1926 S/inform. solt. 1944<br />

Eunice Martins Teixeira 07/04/1925 Mostardas solt. 1944<br />

Gelny Maria Piaggio Lisboa 09/04/1926 Bagé solt. 1944<br />

Anna Alves <strong>de</strong> Oliveira 13/10/1923 Porto Alegre solt. 1944<br />

Lucy Velasco Pinto 22/10/1922 Porto Alegre solt. 1945<br />

Beatriz A Argollo Bauerfeldt 19/01/1918 R. Gran<strong>de</strong> solt. 1945<br />

Ana Maria Monteiro Neves 13/11/1924 Itaqui solt. 1945<br />

Irene Ferreira 03/11/1928 Porto Alegre solt. 1945<br />

Jael Galvão da Silva 04/11/1922 S/inform. solt. 1945<br />

Maria Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Lima 09/03/1918 Porto Alegre solt. 1945<br />

Prudência Mairesse 14/10/1924 S. Angelo solt. 1945<br />

Alice da Silva Tavares 18/03/<strong>1920</strong> S. Gabriel solt. 1945<br />

Norma Wen<strong>de</strong>l <strong>de</strong> Oliveira 06/03/1925 Porto Alegre solt. 1945<br />

153


Como po<strong>de</strong> ser observado <strong>no</strong> quadro 2, entre as primeiras trabalha-<br />

doras que ingressaram <strong>no</strong> Banco Nacional do Comércio estavam Panchita<br />

Stella Cibeira e Henriqueta Hailliot Cibeira que foram admitidas em 1919 e<br />

Otília Bai<strong>no</strong> cuja entrada ocorreu em <strong>1920</strong>.<br />

À admissão das três trabalhadoras acima citadas seguiram-se as <strong>de</strong><br />

Carmem Veríssimo Fonseca e Emília Ber<strong>no</strong>wagner (1921), Guilhermina<br />

Amaro, Izabel Amália Hennemann, Maria José D’Avila, Ho<strong>no</strong>rata Fernan-<br />

<strong>de</strong>s, e Helena Mileski (1922), Rita Helena Hennemann, Cleonice Nice<br />

Andra<strong>de</strong>, Teresa Brito Fraga, Estefânia Jova<strong>no</strong>ff, Maria Luiza Rolla, Alme-<br />

rinda Farias Dias (1923) e Noemia G. Fernan<strong>de</strong>s (1924).<br />

Foi possível constatar que entre 1919 e 1924 foram admitidas <strong>no</strong><br />

Banco Nacional do Comércio pelo me<strong>no</strong>s <strong>de</strong>zoito <strong>mulheres</strong>, o que é um nú-<br />

mero muito mais elevado do que as admitidas <strong>no</strong> Banco da Província que,<br />

pelos dados anteriormente comentados, recebeu até 1924 apenas quatro mu-<br />

lheres.<br />

O número relativamente elevado <strong>de</strong> admissões <strong>no</strong> Banco do Comér-<br />

cio entre 1919 e 1924 é um dos fatores que explica porque, entre 1924 e<br />

1939, reduziu-se significativamente a entrada <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> neste <strong>banco</strong>. Na-<br />

turalmente outras importantes variáveis compõem a explicação do<br />

observado.<br />

No final da década <strong>de</strong> vinte e início dos a<strong>no</strong>s trinta, o País e, conse-<br />

154


qüentemente o Estado gaúcho, enfrentaram dificulda<strong>de</strong>s econômicas e polí-<br />

ticas, que naturalmente tiveram reflexos sobre a área financeira. A referida<br />

situação alterou-se <strong>no</strong>s primeiros a<strong>no</strong>s da década seguinte, verificando-se,<br />

a partir daí, o crescimento do ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> traba-<br />

lho, em geral, e também <strong>no</strong> setor bancário.<br />

No que se refere à primeira mulher que ingressou <strong>no</strong> Banco Nacio-<br />

nal do Comércio, obteve-se, junto ao setor <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Materiais<br />

– Microfilmagem <strong>de</strong> Documentos <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s do Banco Meridio-<br />

nal, a ficha funcional <strong>de</strong> Panchita Cibeira, on<strong>de</strong> está registrado que esta<br />

ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em 1919 e aposentou-se em 17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1959, tendo,<br />

portanto, trabalhado durante quarenta a<strong>no</strong>s.<br />

A seguir, po<strong>de</strong>-se examinar a primeira página da ficha funcional <strong>de</strong><br />

Panchita Cibeira e constatar a data em que a trabalhadora ingressou <strong>no</strong><br />

Banco da Província. Observe-se que o documento tem a data <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> abril<br />

<strong>de</strong> 1934. Isso reforça a suposição feita anteriormente, ou seja <strong>de</strong> que os re-<br />

gistros dos trabalhadores e trabalhadoras foram feitos a partir da<br />

emergência da leis sindicais do período varguista.<br />

155


Ficha <strong>de</strong> matrícula Panchita Stella Cibeira <strong>no</strong> Banco Nacional do Comércio<br />

156


Deve ser salientado que entre as primeiras <strong>mulheres</strong> que ingressa-<br />

ram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> muitas foram admitidas como “praticantes,” tendo algumas<br />

<strong>de</strong>las bem pouca ida<strong>de</strong> quando isso aconteceu. Este foi o caso <strong>de</strong> Carmem<br />

Veríssimo da Fonseca (que mais tar<strong>de</strong> foi para o Banco da Província), ad-<br />

mitida <strong>no</strong> Banco do Comércio com apenas 13 a<strong>no</strong>s ou das irmãs Izabel<br />

Amália Hennemann e Rita Helena Hennemann, ambas admitidas com 15 a-<br />

<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Essas jovens ocupavam o cargo <strong>de</strong> “praticantes,” apren<strong>de</strong>ndo<br />

a fazer boa parte do serviço dos <strong>banco</strong>s.<br />

2.3 Banco Pfeiffer<br />

A pesquisa realizada junto ao Centro <strong>de</strong> Memória do Sindicato dos<br />

Empregados em Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre (SEEB- POA)<br />

e junto ao setor <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Materiais do Banco Meridional,<br />

permitiu constatar que o ingresso <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> Banco Pfeiffer começou a<br />

se dar a partir <strong>de</strong> 1928.<br />

Embora o Banco Pfeiffer tenha iniciado as suas ativida<strong>de</strong>s em 1919,<br />

exatamente na época que os dois outros <strong>banco</strong>s estudados passaram a utili-<br />

zar mão-<strong>de</strong>-obra feminina, este <strong>banco</strong> só vai fazê-lo a partir <strong>de</strong> 1928.<br />

Guilhermina Bush foi a primeira mulher a ser admitida, quando o <strong>banco</strong> ti-<br />

nha quase <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s.<br />

Em parte, isso se explica pelo fato <strong>de</strong> que inicialmente o Banco<br />

Pfeiffer era uma instituição bancária com ativida<strong>de</strong>s bastante restritas e<br />

157


com poucos funcionários, não necessitando, como os dois outros <strong>banco</strong>s es-<br />

tudados, <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra feminina. Além disso, apesar dos seus primeiros<br />

a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> existência terem sido em clima <strong>de</strong> euforia econômica, em seguida a<br />

eco<strong>no</strong>mia gaúcha começou a enfrentar problemas e, conseqüentemente,<br />

também este <strong>banco</strong> que era ainda muito <strong>no</strong>vo.<br />

Os dados recolhidos, relativos às trabalhadoras do Banco Pfeiffer,<br />

permitiram construir o quadro a seguir, <strong>no</strong> qual po<strong>de</strong> ser observado o mo-<br />

vimento <strong>de</strong> ingresso <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> nessa instituição bancária, entre 1928 e<br />

1945. Também po<strong>de</strong>m ser examinados dados que permitem apreen<strong>de</strong>r algu-<br />

mas características das primeiras trabalhadoras da instituição.<br />

Quadro 3<br />

Mulheres trabalhadoras do Banco Pfeiffer 202<br />

NOMES Data <strong>de</strong><br />

nascimento<br />

Local <strong>de</strong> nas-<br />

cimento<br />

Estado<br />

202<br />

Quadro construído pela autora com dados recolhidos <strong>no</strong> Centro <strong>de</strong> Memória do<br />

SEEB-POA, <strong>no</strong> setor <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Materiais do Banco Meridional e <strong>no</strong> Museu<br />

do Banco Meridional.<br />

158<br />

civil<br />

Ingresso <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong><br />

Guilhermina Bush 09/08/1890 S. Maria solt. 10/03/1928<br />

Alice Burgaralt Bergallo 05/05/1997 Argentina solt. 07/10/1930<br />

Ella Ackermann da Silva 29/09/1912 Alemanha cas. 15/09/1933<br />

Helena Langer 05/06/<strong>1920</strong> S/inform. solt. 01/06/1938<br />

Elohy C. Bastos Veek /Rossier 14/07/1916 Caí solt/cas 01/08/1938<br />

Hilda K<strong>no</strong>han 30/08/1902 S. Maria solt. 02/01/1939


Annelise Ruegg 27/05/1922 S/inform solt. 01/03/1939<br />

Zita Mnessnich 01/11/1911 Estrela solt. 15/05/1939<br />

Glacy Anna Bastos Veek 17/06/1922 Porto Alegre solt. 16/08/1939<br />

Adélia Maria Schnei<strong>de</strong>r 27/12/1917 Estrela solt. 28/08/1939<br />

Nêdda Romana M. Cantarutti 04/09/1923 Porto Alegre solt. 02/02/1941<br />

Helena Vera Kussler 12/05/1923 S. Cruz solt. 01/03/1941<br />

Ivone Arraes 11/01/<strong>1920</strong> S.Maria solt. 11/03/1943<br />

Iracema Ignez Gaiewski 07/02/1923 S/inform. solt. 26/05/1943<br />

Maitena Rodrigues <strong>de</strong>Souza 10/09/1924 Recife solt. 01/09/1943<br />

Ilse Quesset 18/10/1924 Porto Alegre solt. 02/05/1944<br />

Catarina Rachelle 30/04/1927 Camaquã solt. 02/05/1944<br />

Maria Roth 30/03/1917 Porto Alegre solt. 02/05/1944<br />

Alizie Elsner (Wols) 26/10/1919 Porto Alegre solt. 01/07/1944<br />

Helene Bie<strong>de</strong>rmann 18/05/1917 R Gran<strong>de</strong> solt. 16/08/1944<br />

Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Santos 30/10/1922 Porto Alegre solt. 04/09/1944<br />

O<strong>de</strong>te Ferreira Plentz 28/05/1928 Porto Alegre cas. 08/10/1944<br />

Ladyr Leda <strong>de</strong> Oliveira 11/06/1926 Porto Alegre solt. 01/12/1944<br />

Edylla Meyer 02/04/1923 Carazinho solt. 1944<br />

Guilhermina S. Espindola 02/06/1923 S/inform solt. 06/12/1944<br />

Nelcy Schmitz 25/02/1923 Monten. solt. 06/12/1944<br />

Gladis Saffi (Machado) 23/03/1922 S Jeron. solt. 16/12/1944<br />

Norma Heldt 15/11/1930 Porto Alegre solt. 07/02/1945<br />

159


Janina Lubiarz 19/01/1926 Polonia solt. 02/03/1945<br />

Conradina Elisabeth Bohne 09/01/1926 B. Ribeiro solt. 21/08/1945<br />

Edith Terezinha Colombo 10/04/1929 Porto Alegre solt. 01/09/1945<br />

O quadro permite verificar que <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s trinta, após o in-<br />

gresso da precursora – Guilhermina Bush – pelo me<strong>no</strong>s mais duas <strong>mulheres</strong><br />

passaram a compor o quadro do Banco Pfeiffer. São elas Alice Bergallo que<br />

foi contratada em 1930 e Ella Ackermann, admitida em 1933.<br />

Somente a partir do final da década <strong>de</strong> trinta com alterações econô-<br />

micas, sociais e políticas que ocorriam <strong>no</strong> Estado e com o crescimento do<br />

<strong>banco</strong>, o número <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> contratadas começou a aumentar. Em 1938,<br />

foram admitidas pelo me<strong>no</strong>s duas trabalhadoras (Helena Langer, Elohy C.<br />

Bastos Veek). A partir <strong>de</strong> 1939, o movimento cresceu com a entrada <strong>de</strong><br />

cinco trabalhadoras. Nos a<strong>no</strong>s seguintes, verificou-se o registro do ingresso<br />

<strong>de</strong> 2 em 1941, 3 em 1943, 12 em 1944 e 4 em 1945.<br />

O Banco Pfeiffer, como já se comentou, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> seus mais<br />

importantes acionistas serem <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> alemães, era conhecido como<br />

Banco Alemão. É interessante ressaltar que o levantamento realizado per-<br />

mitiu verificar que, também, entre as primeiras trabalhadoras da instituição<br />

predominavam os sobre<strong>no</strong>mes alemães – Veek , Langer, Heldt, Bohne, Els-<br />

ner, Roth, Ruegg, Schnei<strong>de</strong>r, Kussler, entre outros. Isso, obviamente,<br />

sugere que <strong>de</strong>veria haver uma preferência por <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> alemães.<br />

160


Conforme foi discutido <strong>no</strong> capítulo anterior, o período da Segunda<br />

Guerra Mundial, principalmente <strong>de</strong>pois que o Brasil <strong>de</strong>clarou-se em guerra<br />

e começou a preparar a força expedicionária, criou <strong>no</strong>vas possibilida<strong>de</strong>s pa-<br />

ra a mulher entrar <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho. Esse fator é importante para<br />

explicar o crescimento do número ingressos <strong>no</strong> Banco Pfeiffer que, a partir<br />

<strong>de</strong> 1942 adotara sua <strong>no</strong>va <strong>de</strong><strong>no</strong>minação - Banco Industrial e Comercial<br />

Cabe acrescentar que somente se conseguiu a comprovação da apo-<br />

sentadoria <strong>de</strong> um número bastante limitado <strong>de</strong> trabalhadoras do Banco<br />

Pfeiffer, po<strong>de</strong>ndo-se citar entre elas: Hilda K<strong>no</strong>ban e Ella Ackermann da<br />

Silva (aposentadas em 1969), Glacy Anna Bastos Veek (1970), Glacy Saffi/<br />

Machado (1971), e Hélene Bie<strong>de</strong>rmann e Edylla Meurer (1974). Quanto às<br />

<strong>de</strong>mais, não se encontrou registro <strong>de</strong> aposentadoria ou exoneração.<br />

3 CARREIRAS FEMININAS NO BANCO DA PROVÍN-<br />

CIA<br />

Conforme a observação <strong>de</strong> Michelle Perrot e Georges Duby discuti-<br />

da <strong>no</strong> Capítulo I <strong>de</strong>sta tese, é bastante difícil reconstituir a história das<br />

<strong>mulheres</strong>, pois poucos registros da <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong>stas são encontrados. Con-<br />

firma-se isso quando se preten<strong>de</strong> reconstituir a história das trabalhadoras<br />

do setor bancário gaúcho. Realmente, muitos registros existem da <strong>trajetória</strong><br />

dos homens <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s; todavia da <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong>, em geral, en-<br />

contram-se tênues indícios. Afinal, as <strong>mulheres</strong> faziam tarefas auxiliares e<br />

161


consi<strong>de</strong>radas “<strong>de</strong> pouca importância” e só vieram a assumir cargos <strong>de</strong> man-<br />

do por volta da década <strong>de</strong> sessenta.<br />

Por outro lado, os familiares <strong>de</strong> antigas bancárias, com raríssimas<br />

exceções, nem remotamente preocuparam-se em guardar algum registro da<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas trabalhadoras. A resposta ouvida, quando se procura <strong>de</strong>s-<br />

cen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong>, é que, quando estas faleceram, qualquer<br />

material relativo ao trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong> que, eventualmente, pu<strong>de</strong>ssem ter<br />

guardado, foi consi<strong>de</strong>rado sem importância e <strong>de</strong>struído.<br />

Por essa razão, encontram-se sérias dificulda<strong>de</strong>s quando se procura<br />

reconstituir a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong>ssas trabalhadoras que inauguraram uma <strong>no</strong>va fa-<br />

se <strong>no</strong> trabalho dos <strong>banco</strong>s - a inclusão da mão-<strong>de</strong>-obra feminina, num<br />

mundo do trabalho até então exclusivamente masculi<strong>no</strong>.<br />

As dificulda<strong>de</strong>s encontradas para reconstituir a história <strong>de</strong> trabalha-<br />

doras do setor bancário das décadas iniciais do século, trouxeram a<br />

lembrança da obra <strong>de</strong> Alain Corbin, intitulada O Mundo Reencontrado <strong>de</strong><br />

Louis-François Pinagot – sobre os vestígios <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sconhecido.<br />

Na referida obra, Corbin procura, como ele mesmo afirma, “recons-<br />

tituir um quebra-cabeças a partir <strong>de</strong> elementos inicialmente dispersos” e, a<br />

partir <strong>de</strong>sse procedimento, “escrever sobre os <strong>de</strong>saparecidos, os apagados.”<br />

Esse tipo <strong>de</strong> trabalho visa, conforme o citado autor,<br />

“fazer existir, por uma segunda vez, um ser do qual a<br />

lembrança foi abolida, ao qual nenhum vínculo afetivo<br />

me liga, com o qual não reparto, a priori,<br />

162


nenhuma crença, missão ou engajamento. Trata-se <strong>de</strong><br />

recriá-lo, <strong>de</strong> lhe oferecer uma segunda chance [...] <strong>de</strong><br />

entrar na memória do seu século.” 203<br />

Exatamente isso preten<strong>de</strong>-se fazer, recolhendo pedaços das vidas <strong>de</strong><br />

algumas bancárias do Banco da Província: Antonieta Porto Alegre Poeta,<br />

Marina Barreto Rosa, Carmem Veríssimo da Fonseca, Hilda Veríssimo da<br />

Fonseca, Patrícia Gradiola Meinhardt e Geni Milkewck da Silva. Com os<br />

fragmentos recolhidos tenta-se, na medida do possível, reconstituir um<br />

pouco da vida das trabalhadoras <strong>de</strong>sse <strong>banco</strong>. 204<br />

Antonieta Porto Alegre Poeta<br />

Antonieta Porto Alegre Poeta era filha <strong>de</strong> Achilles José Gomes Por-<br />

to Alegre e <strong>de</strong> Maria Luiza Guerreiro Porto Alegre, que tinham 12 filhos.<br />

Ela nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre, em 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1886. Seu pai<br />

era funcionário público, jornalista, cronista, poeta e fundador, junto com<br />

seus irmãos Apeles e Apolinário Porto Alegre, da Socieda<strong>de</strong> Parte<strong>no</strong>n Lite-<br />

rário, que reunia intelectuais e escritores gaúchos.<br />

Po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar que Antonieta Porto Alegre Poeta situa-se entre<br />

as <strong>mulheres</strong> bancárias que eram originárias <strong>de</strong> famílias que, se não tinham<br />

203<br />

CORBIN, Alain Le mon<strong>de</strong> retrouvé <strong>de</strong> Louis-François Pinagot – sur les traces d’um<br />

inconnu – 1798-1876 (O mundo reencontrado <strong>de</strong> Louis-François Pinagot – sobre os vestígios<br />

<strong>de</strong> um <strong>de</strong>sconhecido – 1798-1876). Paris: Flamarion, 1998. p. 8.<br />

204<br />

No que se refere às bancárias das duas outras instituições, não foi possível realizar o<br />

mesmo trabalho. Primeiro porque estas não possuíam uma revista da qualida<strong>de</strong> da Revista<br />

Província ou qualquer outro tipo <strong>de</strong> informativo que tivesse registros sobre as<br />

<strong>mulheres</strong>. Segundo porque os registros das outras duas instituições eram mais<br />

incompletos do que os do Banco da Província. Finalmente, também foi bem mais difícil<br />

localizar familiares das antigas trabalhadoras ou mesmo trabalhadoras da década <strong>de</strong><br />

quarenta.<br />

163


gran<strong>de</strong>s posses, ao me<strong>no</strong>s tinham uma certa formação intelectual e <strong>de</strong>sfru-<br />

tavam <strong>de</strong> um relativo prestígio, pelo me<strong>no</strong>s em Porto Alegre.<br />

Ao ingressar <strong>no</strong> Banco da Província, em 1923, Antonieta, que fora<br />

casada com Athaualpa La<strong>de</strong>ira Poeta, era viúva, tinha dois filhos – Cícero e<br />

Irma – e já contava 37 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />

Antes <strong>de</strong> seu ingresso na instituição bancária, segundo informação<br />

<strong>de</strong> sua sobrinha, Antonieta havia dado aulas particulares para obter alguma<br />

remuneração e, além disso, contava com o apoio financeiro dos familiares,<br />

pois tinha dois filhos para criar. Porém, quando foi convidada para traba-<br />

lhar <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, o que, naturalmente, viria a facilitar a sua situação<br />

financeira, enfrentou resistência <strong>de</strong> sua família, que não consi<strong>de</strong>rava a<strong>de</strong>-<br />

quado para uma mulher o trabalho em um <strong>banco</strong> on<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> maioria dos<br />

empregados eram homens. 205<br />

A seguir, po<strong>de</strong>m ser examinados dados relativos a vida funcional <strong>de</strong><br />

Antonieta Porto Alegre Poeta, através da reprodução <strong>de</strong> algumas páginas <strong>de</strong><br />

sua Carteira do Trabalho.<br />

205<br />

Informações dadas à autora por Maria Porto Alegre Tomatis, sobrinha <strong>de</strong> Antonieta.<br />

164


165


Através das páginas reproduzidas po<strong>de</strong>-se comprovar o <strong>no</strong>me com-<br />

pleto da bancária, sua data <strong>de</strong> nascimento, filiação e grau <strong>de</strong> instrução.<br />

Também fica expressa a data em que foi admitida <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e a natureza do<br />

cargo que exerceu , <strong>de</strong>finido como “datilógrafa.”<br />

Embora conste na Carteira <strong>de</strong> Trabalho <strong>de</strong> Antonieta que esta era<br />

datilógrafa do Banco da Província, saliente-se que, quando ela ingressou na<br />

instituição, os registros <strong>de</strong>sta eram feitos <strong>de</strong> forma manuscrita e que<br />

somente mais tar<strong>de</strong> (na década <strong>de</strong> trinta) passaram a ser datilografados.<br />

Explica-se isso pelo fato da carteira ter sido expedida em 1934.<br />

Antonieta era cunhada <strong>de</strong> Virgílio Cortese, funcionário do Banco da<br />

Província, que a partir <strong>de</strong> 1947 passou a integrar a diretoria, tendo sido in-<br />

dicada por este para trabalhar na instituição, pois, conforme já mencionado,<br />

na época do seu ingresso não havia qualquer forma <strong>de</strong> concurso para admis-<br />

são <strong>no</strong> <strong>banco</strong>.<br />

Antonieta Porto Alegre Poeta aposentou-se em 2 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1949,<br />

tendo falecido em 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1975, quando tinha quase <strong>no</strong>venta a<strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />

Marina Barreto Rosa<br />

Marina Barreto Rosa, nascida em Porto Alegre em 05 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro<br />

<strong>de</strong> 1905, é uma das primeiras funcionárias <strong>no</strong> Banco da Província, visto que<br />

ingressou na instituição <strong>no</strong> dia 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1927 .<br />

166


Marina Barreto Rosa manteve-se solteira<br />

durante toda a sua vida, o que, muito prova-<br />

velmente, permitiu que se <strong>de</strong>dicasse<br />

inteiramente ao <strong>banco</strong>, fazendo carreira <strong>no</strong><br />

mesmo. Durante sua <strong>trajetória</strong> como bancá-<br />

ria, trabalhou na matriz do Banco da<br />

Província, ocupando, por longo período,<br />

cargo na Inspetoria Geral do <strong>banco</strong>, on<strong>de</strong> era<br />

consi<strong>de</strong>rada funcionária <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> compe-<br />

tência e <strong>de</strong>dicação.<br />

Marina Rosa trabalhou <strong>no</strong> Banco da Província durante 40 a<strong>no</strong>s, ten-<br />

do se aposentado <strong>no</strong> dia 1º <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1968. Por ocasião da<br />

aposentadoria, conforme relata a Revista Província, a bancária organizou<br />

uma festa <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida a seus colegas da Inspetoria Geral. Na oportunida-<br />

<strong>de</strong>, Marina foi agraciada com o alfinete <strong>de</strong> ouro oferecido pela instituição.<br />

Referindo-se à <strong>de</strong>spedida da funcionária, a Revista Província fez a<br />

seguinte afirmação:<br />

“uma das mais brilhantes funcionárias <strong>de</strong> quantas já<br />

passaram pelos quadros do Província, pela probida<strong>de</strong>,<br />

pela eficiência e pelo zelo com que sempre se <strong>de</strong>dicou<br />

ao trabalho, durante sua longa <strong>trajetória</strong><br />

167


ancária, toda ela palmilhada aqui na Matriz do Banco.”<br />

206<br />

As irmãs Veríssimo da Fonseca<br />

Entre as <strong>mulheres</strong> sobre as quais se conseguiu reunir algumas in-<br />

formações estão as irmãs Veríssimo da Fonseca - Carmem, Hilda e Lígia –<br />

que ingressaram <strong>no</strong> Banco da Província <strong>no</strong> final da década <strong>de</strong> <strong>1920</strong> (Car-<br />

mem e Lígia) e <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s trinta (Hilda). Foi possível constatar<br />

que as três irmãs eram bastante conhecidas e muito prestigiadas na institui-<br />

ção, sendo, reconhecidamente, trabalhadoras <strong>de</strong> alta competência.<br />

Em <strong>de</strong>poimento prestado à autora, a antiga funcionária do Banco da<br />

Província, Geni Milkewck da Silva afirmou que as irmãs Veríssimo eram<br />

muito conhecidas e “eram pessoas muito agradáveis e finas.” 207<br />

Carmem e Hilda trabalharam <strong>no</strong> Banco da Província 37 e 35 a<strong>no</strong>s,<br />

respectivamente. Lígia trabalhou cerca <strong>de</strong> seis a<strong>no</strong>s, tendo pedido <strong>de</strong>missão<br />

quando casou. Carmem e Hilda mantiveram-se solteiras e <strong>de</strong>dicaram-se in-<br />

tensamente ao trabalho na instituição. 208<br />

Os pais das três irmãs Veríssimo da Fonseca eram Domingos Verís-<br />

simo da Fonseca e Maria Barcellos da Fonseca, que tinham, ao todo, 21<br />

206 Revista Província janeiro/março <strong>de</strong> 1968, p.28.<br />

207 Depoimento à autora, em janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

208 Quando os filhos <strong>de</strong> Lígia já estavam crescidos, ela, que era exímia datilógrafa e tinha<br />

curso <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> e taquigrafia, voltou a trabalhar, fazendo escrituração<br />

168


filhos.<br />

A família Veríssimo da Fonseca <strong>de</strong>sfrutava <strong>de</strong> boa situação finan-<br />

ceira até a Primeira Gran<strong>de</strong> Guerra, quando enfrentou sérias dificulda<strong>de</strong>s.<br />

Domingos Veríssimo da Fonseca era do<strong>no</strong> <strong>de</strong> um estabelecimento que curtia<br />

couro e exportava seu produto fundamentalmente para a Alemanha. Quando<br />

estourou a guerra <strong>de</strong> 1914, ele havia mandado uma gran<strong>de</strong> partida <strong>de</strong> couro<br />

para lá, o que nunca foi pago, causando-lhe um imenso prejuízo. Veríssimo<br />

da Fonseca mal conseguiu saldar suas dívidas, sendo obrigado a liquidar o<br />

negócio e empregar-se na farmácia <strong>de</strong> seu irmão, Sebastião Veríssimo - pai<br />

do escritor gaúcho Érico Veríssimo – na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cruz Alta. 209<br />

Como a situação financeira da família tor<strong>no</strong>u-se bastante difícil, lo-<br />

go que foi possível, Carmem começou a trabalhar como praticante, 210 <strong>no</strong><br />

Banco Nacional do Comércio, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Maria, on<strong>de</strong> residia com<br />

seus pais.<br />

Conforme <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria Helena Veríssimo Pfeiffer, “com<br />

pouco mais <strong>de</strong> catorze a<strong>no</strong>s, Carmem fazia toda a escrita do Banco Nacio-<br />

nal do Comércio em Santa Maria. Ela apren<strong>de</strong>u com o contador e passou a<br />

fazer tudo; ele só assinava, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> pronto.” 211<br />

mercantil. Trabalhou primeiro <strong>no</strong> SESC e <strong>de</strong>pois <strong>no</strong> escritório <strong>de</strong> advocacia do Dr. Walter<br />

Becker, on<strong>de</strong> era secretária executiva.<br />

209<br />

Foi possível reconstituir, pelo me<strong>no</strong>s um fragmento da história das irmãs Veríssimo<br />

da Fonseca, graças ao <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria Helena Veríssimo Pfeiffer, filha <strong>de</strong> Lígia e<br />

sobrinha <strong>de</strong> Carmem e Hilda, recolhido pela autora em janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

210<br />

De<strong>no</strong>minava-se praticante, o iniciante que era treinado <strong>no</strong> trabalho bancário. Sua<br />

função era apren<strong>de</strong>r e realizar pequenas tarefas que davam suporte ao trabalho mais especializado<br />

dos bancários <strong>de</strong> carreira.<br />

211<br />

Depoimento à autora em janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

169


Mais tar<strong>de</strong>, os Veríssimo da Fonseca mudaram-se para Porto Alegre<br />

e, em 1928, quando houve uma gran<strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mia na cida<strong>de</strong>, vários membros<br />

da família contraíram o tifo. Entre eles Domingos Veríssimo da Fonseca e<br />

dois filhos, que faleceram em conseqüência da doença, e Hilda que conse-<br />

guiu se salvar, mas teve um longo e difícil período <strong>de</strong> convalescença.<br />

Em 1929, como a situação financeira da família tornara-se mais di-<br />

fícil com o falecimento do pai, Carmem e Lígia ingressaram <strong>no</strong> Banco da<br />

Província em Porto Alegre. Hilda, que estivera gravemente enferma e que<br />

tinha saú<strong>de</strong> mais frágil, começou a trabalhar somente em 1930, permane-<br />

cendo <strong>no</strong> <strong>banco</strong> até aposentar-se em 1965.<br />

Carmem foi secretária da diretoria do Banco da Província, cargo em<br />

que se <strong>de</strong>stacou por sua inteligência e <strong>de</strong>dicação, mas, conforme relata sua<br />

sobrinha, como participou <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> greve geral dos bancários em<br />

1946, 212 acabou per<strong>de</strong>ndo seu lugar e tendo que trabalhar em diferentes se-<br />

tores do <strong>banco</strong> e não sendo, por vários a<strong>no</strong>s, promovida. Aos poucos, “com<br />

seu temperamento <strong>de</strong>cidido e combativo e com sua alta capacida<strong>de</strong> profis-<br />

sional,” recuperou sua posição, conseguindo, <strong>no</strong>vamente, chegar à<br />

212<br />

Após a <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> Vargas, em 1945, o País entrou num período <strong>de</strong> reorganização<br />

das diferentes instituições da socieda<strong>de</strong> civil, entre as quais os sindicatos que haviam<br />

estado contidos até então e que, a partir daí, iniciaram movimentos reivindicatórios, valendo-se<br />

do recurso da greve, que na Constituição outorgada por Vargas (1937) era<br />

proibida como recurso anti-social, e que passou a ser admitida na Constituição <strong>de</strong> 1946.<br />

A greve dos bancários <strong>de</strong> 1946 insere-se nesse contexto e tinha como principais reivindicações:<br />

salário-profissional, aumento salarial e dos quinqüênios, organização da<br />

carreira, promoção por antigüida<strong>de</strong>. O movimento atingiu a capital e interior do Estado,<br />

envolvendo vários <strong>banco</strong>s, com exceção do <strong>banco</strong> do Brasil, esten<strong>de</strong>ndo-se por 21 dias<br />

(<strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> janeiro a 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1946) e tendo gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> suas reivindicações<br />

atendidas. Os meios <strong>de</strong> comunicação foram largamente utilizado para divulgar o movimento.<br />

A Fe<strong>de</strong>ração dos Bancários sofreu intervenção nessa oportunida<strong>de</strong>. Dados do<br />

Referencial Histórico do SEEB-POA. FREIRE, Cristiane, MIRAGEM, Anna, PEDROSO,<br />

Elisabeth, PETERSEN, Aurea. Porto Alegre: 1994, mimeografado.<br />

170


Inspetoria do <strong>banco</strong>. 213<br />

Detalhando um pouco mais a greve da qual participou Carmem Ve-<br />

ríssimo da Fonseca, conta Pfeiffer que sua tia “era bastante reivindicativa,<br />

participava intensamente <strong>de</strong> tudo, não se conformando quando se sentia<br />

prejudicada.” Porém, lembra também que, <strong>de</strong> certa forma, sua tia foi levada<br />

a participar <strong>de</strong> toda a movimentação da greve <strong>de</strong> 1946 por um tio, que era<br />

lí<strong>de</strong>r sindical e membro da diretoria do Sindicato dos Bancários <strong>de</strong> Porto<br />

Alegre - Artur Nunes Garcia. 214<br />

Conforme Pfeiffer, Hilda era também bastante inteligente e profun-<br />

damente <strong>de</strong>dicada ao <strong>banco</strong>, mas tinha um temperamento muito diferente do<br />

<strong>de</strong> sua irmã; era mais tranqüila e pacata. “Trabalhava muito, com gran<strong>de</strong><br />

disciplina, mas ficava quieta <strong>no</strong> seu canto.” Não admitia chegar atrasada ao<br />

trabalho, o que exigia que saísse muito cedo <strong>de</strong> casa, pois tinha dificulda<strong>de</strong><br />

para caminhar <strong>de</strong>vido a problema em uma das pernas, ocasionado por doen-<br />

ça que tivera na infância. 215<br />

Hilda trabalhou durante vários a<strong>no</strong>s na seção <strong>de</strong> pessoal, on<strong>de</strong> era<br />

encarregada <strong>de</strong> fazer a folha <strong>de</strong> pagamento dos funcionários do <strong>banco</strong>, auxi-<br />

liada por dois rapazes. Conforme Pfeiffer, quando Hilda aposentou-se,<br />

colocaram três pessoas para realizar o seu trabalho. Apesar disso, <strong>no</strong>s pri-<br />

meiros seis meses <strong>de</strong> sua aposentadoria, o grupo que ficou encarregado do<br />

seu serviço, freqüentemente ia a sua residência esclarecer dúvidas surgidas<br />

213 Depoimento <strong>de</strong> Maria Helena V. Pfeiffer à autora em janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

214 I<strong>de</strong>m.<br />

215 I<strong>de</strong>m.<br />

171


durante a realização do trabalho.<br />

Hilda aposentou-se em junho <strong>de</strong> 1965 e Carmem em julho <strong>de</strong> 1966.<br />

Por ocasião da aposentadoria <strong>de</strong> Carmem saiu <strong>no</strong>tícia na Revista Província,<br />

on<strong>de</strong> se podia ler:<br />

“Primeiros dias do a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1966, Carmem Veríssimo<br />

da Fonseca, João Carlos Gravina, Bóvio Nilo Ferlauto<br />

e Carlos Alfredo <strong>de</strong> Oliveira, todos da Inspetoria<br />

Geral, nesse dia abandonam a sua ativida<strong>de</strong> <strong>no</strong> Banco<br />

da Província, após largos e profícuos a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> labor,<br />

para usufruírem a justa aposentadoria, através do<br />

<strong>no</strong>sso Departamento <strong>de</strong> Aposentadoria e Benefícios<br />

(DAB).As colegas Marina Barreto Rosa e Sayonara<br />

Moraes ofereceram um ramo <strong>de</strong> flores ao Bóvio Nilo<br />

Ferlauto, que prestigiou a bela festa, assim como ofereceram<br />

um mimo à colega Carmem Veríssimo da<br />

Fonseca, em <strong>no</strong>me <strong>de</strong> suas companheiras que continuariam<br />

<strong>trabalhando</strong> e que a estavam homenageando<br />

naquele momento.” 216<br />

Conforme Pfeifer, Hilda faleceu em 1978 e as outras duas irmãs –<br />

Lígia e Carmem – em 1983, sendo que a última, dois meses após a primeira.<br />

Na foto a seguir, aparecem três <strong>mulheres</strong> que foram funcionárias do<br />

Banco da Província – Carmem e Hilda Veríssimo da Fonseca e Marina Bar-<br />

reto Rosa.<br />

216 Revista Província, jan/mar <strong>de</strong> 1966, p. 6.<br />

172


Trabalhadoras do Banco da Província<br />

Da esquerda para a direita vê-se Hilda Veríssimo da Fonseca, Marina<br />

Barreto Rosa e Carmem Veríssimo da Fonseca. A frente aparece<br />

Maria Helena Veríssimo da Fonseca (hoje Pfeiffer) com <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s.<br />

A foto seguinte retrata um momento festivo do Banco da Província,<br />

visto que foi tirada por ocasião da comemoração dos seus oitenta a<strong>no</strong>s, em<br />

1938. O saguão da casa matriz do <strong>banco</strong> está enfeitado com guirlandas <strong>de</strong><br />

flores e os funcionários da instituição estão trajados <strong>de</strong> acordo com o mo-<br />

mento.<br />

173


Fotografia comemorativa aos oitenta a<strong>no</strong>s do Banco da Província<br />

No centro da fotografia (<strong>de</strong> boina), vê-se Hilda Veríssimo da Fonseca. A terceira à direita<br />

<strong>de</strong>sta é Marina Barreto Rosa. Atrás <strong>de</strong> Hilda (também <strong>de</strong> boina), aparece Carmem<br />

Veríssimo da Fonseca. Atrás <strong>de</strong> Carmem, à direita vê-se Lígia Veríssimo da Fonseca e a<br />

esquerda, Cora Caravantes. De chapéu e roupa clara, à frente, está Maria Galvão e atrás<br />

<strong>de</strong>sta (aparecendo apenas parte do rosto) Antonieta Porto Alegre Poeta.<br />

É interessante observar que o grupo está organizado em semi-<br />

círculo e que as <strong>mulheres</strong> ocupam posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, colocando-se à<br />

frente e ao centro do grupo. Os homens foram posicionados ao redor e atrás<br />

das <strong>mulheres</strong>, como se estivessem a protegê-las. A distribuição do grupo<br />

sugere harmonia e integração.<br />

174


Patricia Eugênia Gradiola Meinhardt<br />

Patrícia Meinhardt representa o grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que ingressou <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> <strong>no</strong> final do período que se está estudando (1942) e que se aposentou<br />

em janeiro <strong>de</strong> 1973 (a<strong>no</strong> da fusão dos três <strong>banco</strong>s estudados).<br />

A bancária nasceu em Cachoeira do Sul, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1922, sendo filha<br />

<strong>de</strong> José Gradiola, funcionário graduado <strong>de</strong> companhia inglesa <strong>de</strong> estradas<br />

<strong>de</strong> ferro, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, e <strong>de</strong> Inês Flores Saldanha, que se <strong>de</strong>dicava<br />

às li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

Patrícia fez curso <strong>de</strong> técnica comercial, <strong>no</strong> colégio das freiras em<br />

Cachoeira, sendo por essas indicada, ao formar-se, para fazer seleção para<br />

o Banco da Província, em sua cida<strong>de</strong>. Aprovada, começou a trabalhar como<br />

datilógrafa <strong>no</strong> dia 22 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1942, mas logo passou a <strong>de</strong>sempenhar<br />

outras funções como substituta <strong>de</strong> colegas que saíam em férias.<br />

Conta Patrícia que sua família aprovou seu trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, pois<br />

“eles acharam que o emprego era <strong>de</strong> elite [...] tinham moças da socieda<strong>de</strong><br />

que trabalhavam em <strong>banco</strong>s.” 217<br />

Referindo-se ao seu salário <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, Patrícia afirmou: “Eu me<br />

lembro que quando comecei a trabalhar ganhava 150 mil réis. Era uma di-<br />

nheirama que eu nem sabia o que fazer...” 218 Foram feitas também<br />

217 Depoimento à autora em janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

218 I<strong>de</strong>m.<br />

175


eferências às gratificações que aumentavam o rendimento anual dos bancá-<br />

rios em geral e, obviamente, das <strong>mulheres</strong>.<br />

Quando ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, Patricia Meinhardt era solteira, tendo<br />

casado após cinco a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> trabalho na instituição. O casamento e o nasci-<br />

mento <strong>de</strong> seus cinco filhos não a fizeram <strong>de</strong>ixar o <strong>banco</strong>. Todavia, a<br />

<strong>de</strong>poente disse que não foi fácil conciliar suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dona <strong>de</strong> casa e<br />

mãe <strong>de</strong> cinco filhos com as obrigações do <strong>banco</strong>, especialmente quando as-<br />

sumiu um cargo <strong>de</strong> chefia e precisou trabalhar mais duas horas por dia. Os<br />

filhos precisavam ajudar e o marido, “na medida do possível, também cola-<br />

borava.” 219<br />

É possível perceber claramente <strong>no</strong> <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Patrícia Mei-<br />

nhardt como as <strong>mulheres</strong> assumem que as tarefas <strong>de</strong> casa são da sua<br />

obrigação e que precisam cumpri-las plenamente mesmo que tenham tam-<br />

bém suas ativida<strong>de</strong>s profissionais.<br />

Discutindo a questão da ascensão das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, Patrícia<br />

contou que chegou a chefe <strong>de</strong> setor <strong>no</strong> Banco da Província, mas disse que<br />

“era muito mais difícil para as <strong>mulheres</strong> ascen<strong>de</strong>rem <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e que hoje é<br />

diferente... a mulher está lado a lado, disputando com o homem tanto na<br />

sabedoria quanto em cargo...” 220<br />

A <strong>de</strong>poente referiu-se a outras <strong>mulheres</strong> que assumiram postos im-<br />

portantes <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. No seu setor, foram chefes antes <strong>de</strong>la, Horminda Bimbi<br />

219 Depoimento à autora em janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

220 I<strong>de</strong>m.<br />

176


e <strong>de</strong>pois Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Bidart <strong>de</strong> Lima, que segundo Patrícia era extre-<br />

mamente exigente, “não perdoava nada...”<br />

Também foi lembrado pela <strong>de</strong>poente o <strong>no</strong>me <strong>de</strong> Dalva Monta<strong>no</strong> que<br />

foi a primeira mulher gerente do setor femini<strong>no</strong> da agência Bragança do<br />

Banco da Província. 221<br />

Recorrendo à Revista Província, <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1968, com o objetivo<br />

<strong>de</strong> complementar as informações <strong>de</strong> Meinhardt, localizou-se <strong>no</strong>tícia alusiva<br />

à posse <strong>de</strong> Horminda Bimbi <strong>no</strong> cargo <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong> Serviço. O título da <strong>no</strong>tí-<br />

cia era Novos Horizontes para o Elemento Femini<strong>no</strong> e seu teor o seguinte:<br />

“Um acontecimento verificado a 30 <strong>de</strong> maio, revestese<br />

<strong>de</strong> incomensurável significado para o elemento<br />

femini<strong>no</strong> do <strong>no</strong>sso <strong>banco</strong>. Naquela data foi investida<br />

<strong>no</strong> cargo <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong> Serviço a colega Horminda<br />

Bimbi, da Casa Central. Fato inédito <strong>no</strong> quadro <strong>de</strong><br />

pessoal do Banco da Província, constituiu a abertura<br />

<strong>de</strong> <strong>no</strong>vo caminho para as colegas, que <strong>de</strong> agora em<br />

diante po<strong>de</strong>m aspirar, também, a cargos <strong>de</strong> chefia<br />

[...]a promoção [...] concretizava um sonho há muito<br />

acalentado por todas as provincianas.” 222<br />

A Revista Província também registrou a inauguração do setor femi-<br />

ni<strong>no</strong> do Banco da Província, ao qual se referiu Patricia Meinhardt.A<br />

inauguração ocorreu <strong>no</strong> dia 28 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1969.<br />

221<br />

Depoimento à autora em janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

222<br />

Revista Província– Edição Comemorativa ao Centenário do Banco da Província do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, julho <strong>de</strong> 1958, p.39.<br />

177


Na oportunida<strong>de</strong>, o diretor, Dário Ma<strong>no</strong>el Alves, pronunciou discur-<br />

so fazendo alusões à “in<strong>de</strong>pendência cada vez maior das <strong>mulheres</strong> e à<br />

faculda<strong>de</strong> que a lei lhes conce<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentar contas bancárias.” 223<br />

Na mesma ocasião, ainda segundo a revista, usou da palavra a <strong>no</strong>va<br />

gerente, Dalva Monta<strong>no</strong>. Esta elogiou a iniciativa do <strong>banco</strong>, que qualificou<br />

como pioneira e progressista e disse:<br />

“Enten<strong>de</strong>u a Diretoria do Província que <strong>de</strong>veria associar<br />

à sua dinâmica bancária um setor femini<strong>no</strong> para<br />

melhor aten<strong>de</strong>r à mulher mo<strong>de</strong>rna, dispensando-lhe<br />

uma consi<strong>de</strong>ração ‘sui-generis’, da qual se faz credora,<br />

porque a verda<strong>de</strong>, que não se po<strong>de</strong> negar, é que<br />

tudo que se visa principalmente aten<strong>de</strong>r aos interesses<br />

do homem, o que se justifica, pois a ele cabe a<br />

maior parcela <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> na condução da<br />

humanida<strong>de</strong>. Entretanto, reconheceu o Banco da Província<br />

que <strong>de</strong>veria realizar também, alguma coisa que<br />

fosse exclusiva da mulher para uso seu e criou este<br />

Departamento, que será o primeiro setor femini<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />

um <strong>banco</strong>.”(grifo <strong>no</strong>sso) 224<br />

Como se po<strong>de</strong> constatar, na década <strong>de</strong> 1960, o Banco da Província<br />

introduziu importantes i<strong>no</strong>vações <strong>de</strong>correntes da percepção da crescente<br />

importância que as <strong>mulheres</strong> vinham conquistando. Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

comentar, contudo, que as <strong>mulheres</strong>, mesmo as guindadas a postos impor-<br />

tantes, ainda se percebiam como inferiores aos homens, como fica muito<br />

claro <strong>no</strong> que foi grifado na citação acima.<br />

A fotos a seguir são relativas ao evento comentado por Patrícia e<br />

<strong>no</strong>ticiado na Revista Província.<br />

223 Revista Província, julho/ setembro <strong>de</strong> 1969, p. 9.<br />

224 I<strong>de</strong>m, p.10.<br />

178


179


Geni Milkewck da Silva<br />

Geni Milkewck da Silva nasceu <strong>no</strong> dia 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1927, na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Getúlio Vargas e é filha <strong>de</strong> Júlio Milkewck, que fabricava objetos<br />

<strong>de</strong> prata (a<strong>de</strong>reços <strong>de</strong> cuias, bombas <strong>de</strong> chimarrão, facas), e <strong>de</strong> Dulce Mil-<br />

kewck que era dona <strong>de</strong> casa. Geni é casada e tem cinco filhos.<br />

A <strong>de</strong>poente ingressou <strong>no</strong> Banco da Província em 1950, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />

trabalhado na Legião Brasileira <strong>de</strong> Assistência, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ijuí, on<strong>de</strong> mo-<br />

rou por 17 a<strong>no</strong>s. Ela conta que não houve um concurso para o ingresso <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>, mas que prestou uma prova.<br />

A entrevistada trabalhou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> por cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s, tendo pos-<br />

teriormente pedido <strong>de</strong>missão e ingressado <strong>no</strong> magistério estadual. Ela disse<br />

que havia escolhido ser bancária porque era uma profissão <strong>de</strong> bastante pres-<br />

tígio e bem paga, mas que acabou optando pelo magistério porque eram<br />

me<strong>no</strong>s horas <strong>de</strong> trabalho, a escola era perto <strong>de</strong> sua casa e o salário era mais<br />

ou me<strong>no</strong>s o mesmo.<br />

Nas afirmações <strong>de</strong> Milkewck está presente a idéia <strong>de</strong> que a mulher<br />

não <strong>de</strong>ve ocupar muitas horas do seu dia com a ativida<strong>de</strong> profissional. No<br />

imaginário social, o i<strong>de</strong>al é que a mulher <strong>de</strong>dique ao trabalho fora <strong>de</strong> casa<br />

apenas algumas horas, para que possa “aten<strong>de</strong>r a<strong>de</strong>quadamente” as tarefas<br />

que lhe são atribuídas <strong>no</strong> mundo privado.<br />

Referindo-se ao salário, Geni afirmou que, embora não tivesse cer-<br />

teza, achava que os homens ganhavam mais, até <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> que as<br />

180


possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ascensão eram muito maiores para estes, pois, nas suas<br />

palavras, “geralmente a gente (as <strong>mulheres</strong>) era só datilógrafa.” 225<br />

Também foi dito que o <strong>banco</strong> que melhor remunerava seus funcioná-<br />

rios era o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, mas que o Província era<br />

o segundo, bem como que, o Nacional do Comércio pagava muito mal. Essa<br />

afirmação confirma-se quando é possível comparar os salários <strong>de</strong> trabalha-<br />

doras do Banco da Província e do Banco Nacional do Comércio.<br />

Acrescente-se que a disparida<strong>de</strong> entre os salários das duas instituições foi<br />

um complicador por ocasião da fusão que <strong>de</strong>u origem ao Banco Sul Brasi-<br />

leiro.<br />

Formada em música pelo Instituto <strong>de</strong> Belas Artes e com pósgradua-<br />

ção <strong>no</strong> Palestrina, ambos em Porto Alegre, Milkewck <strong>de</strong>stacou-se <strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

por ter sido a organizadora do Coral do Banco da Província, razão pela<br />

qual se buscou seu <strong>de</strong>poimento. Referindo-se ao coral a <strong>de</strong>poente assim se<br />

manifestou:<br />

“Eu sempre tive vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar um grupo ... aí<br />

começou a tomar corpo. Nós íamos para o centenário<br />

do <strong>banco</strong>. Então resolvi reunir um grupo e começar a<br />

ensinar e o grupo ficou muito bom [...] Nós tivemos<br />

dificulda<strong>de</strong>s ... o grupo não ganhava nada ... era uma<br />

coisa feita <strong>no</strong> amor. A gente conseguia sair um pouco<br />

mais cedo para ensaiar <strong>no</strong> salão [...] O coral se apresentou<br />

na festa do centenário do <strong>banco</strong>. O diretor fez<br />

até um discurso elogiando [...] Quem assumiu quando<br />

eu saí foi um gran<strong>de</strong> regente, um frei.” 226<br />

225 Depoimento à autora, em janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

226 I<strong>de</strong>m. O frei ao qual se referiu Geni Milkewck é o Frei Gil <strong>de</strong> Roca Sales.<br />

181


Os dados reunidos neste capítulo permitiram a confirmação <strong>de</strong> que<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> vinte, quando a socieda<strong>de</strong> gaúcha passava por<br />

significativas transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, vá-<br />

rios <strong>banco</strong>s particulares começaram admitir <strong>mulheres</strong> em seus quadros<br />

funcionais, acompanhando um movimento que também se verificava em ou-<br />

tros setores econômicos.<br />

Esta constatação, portanto, confirma a hipótese levantada, <strong>de</strong> que a<br />

abertura do mercado <strong>de</strong> trabalho para as <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s gaúchos, es-<br />

tava articulada com importantes transformações que começaram a ocorrer a<br />

partir da Primeira Guerra Mundial e seus principais <strong>de</strong>sdobramentos.<br />

Foi possível verificar também que, apesar das primeiras trabalhado-<br />

ras terem entrado <strong>no</strong> setor bancário gaúcho a partir <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, o efetivo<br />

movimento <strong>de</strong> ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> referido setor registrou-se a partir<br />

<strong>de</strong> 1940. Nesse período, pelo me<strong>no</strong>s 39 trabalhadoras foram admitidas <strong>no</strong><br />

Banco da Província, 28 <strong>no</strong> Banco do Comércio e 21 <strong>no</strong> Banco Pfeiffer.<br />

Os dados também indicaram que as <strong>mulheres</strong> eram recrutadas para<br />

<strong>de</strong>sempenharem ativida<strong>de</strong>s auxiliares ao trabalho executado pelos homens.<br />

Além disso, <strong>no</strong>s casos em que foi possível algum aprofundamento, ficou e-<br />

vi<strong>de</strong>nte que, em geral, as <strong>mulheres</strong> não questionavam as funções<br />

subalternas que lhes eram <strong>de</strong>stinadas, parecendo consi<strong>de</strong>rar “natural” que<br />

assim fosse.<br />

182


CAPÍTULO IV<br />

AS PRIMEIRAS MULHERES NO BANCO DO ESTADO<br />

DO RIO GRANDE DO SUL<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste capítulo é reconstituir o processo <strong>de</strong> inserção das<br />

primeiras trabalhadoras <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. O perí-<br />

odo analisado esten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> 1943, quando as <strong>mulheres</strong> ingressaram <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> como auxiliares, em caráter precário, até o início dos a<strong>no</strong>s sessenta,<br />

quando foi permitido que essas se tornassem escriturárias, pu<strong>de</strong>ssem inte-<br />

grar o quadro A, assim como recebessem comissionamentos, como ocorria<br />

com os homens.<br />

O capítulo compõe-se <strong>de</strong> cinco partes. Na primeira parte, intitulada<br />

Um breve histórico do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, é elabora-<br />

do o histórico <strong>de</strong>ssa instituição bancária, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua criação até os a<strong>no</strong>s<br />

cinqüenta. A construção <strong>de</strong>ssa parte é feita com base na obra <strong>de</strong> Eugênio<br />

Lagemann, anteriormente citada, <strong>no</strong> Informativo Banrisul <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

1978 (comemorativo aos 50 a<strong>no</strong>s do Banco), em <strong>no</strong>tícias recolhidas na im-<br />

prensa gaúcha e em obras <strong>de</strong> História do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul referentes ao<br />

período.<br />

Na segunda parte, cujo título é, A entrada das primeiras <strong>mulheres</strong><br />

<strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, analisa-se o conjunto <strong>de</strong> fatores


que possibilitaram o ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, apresenta-se e discu-<br />

te-se a Resolução Nº 406, que <strong>de</strong>finiu a forma <strong>de</strong> inserção das primeiras<br />

trabalhadoras na instituição. São citadas as primeiras <strong>mulheres</strong> que entra-<br />

ram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em Porto Alegre e nas principais sucursais do interior do<br />

Estado. Esta parte foi elaborada com dados coletados <strong>no</strong> Museu Banrisul e<br />

Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre,<br />

assim como, com base em alguns <strong>de</strong>poimentos.<br />

Na terceira parte, intitulada Um breve perfil das primeiras traba-<br />

lhadoras do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul procura-se traçar o<br />

perfil das mesmas, consi<strong>de</strong>rando data e local <strong>de</strong> nascimento, estado civil,<br />

data e local <strong>de</strong> ingresso <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, data e forma <strong>de</strong> saída <strong>de</strong>ste (aposentado-<br />

ria ou pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão). Introduz-se a discussão do fato <strong>de</strong> muitas<br />

<strong>mulheres</strong> trabalharem apenas alguns a<strong>no</strong>s na instituição, exonerando-se por<br />

motivo <strong>de</strong> casamento. Para a elaboração <strong>de</strong>ssa parte são utilizados dados<br />

obtidos em levantamentos junto ao Sindicato dos Empregados em Estabe-<br />

lecimentos Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre (SEEB-POA), fichas funcionais das<br />

primeiras trabalhadoras da instituição, fornecidas pelo Departamento <strong>de</strong><br />

Recursos Huma<strong>no</strong>s do Banrisul, diferentes documentos obtidos <strong>no</strong> Museu<br />

Banrisul e <strong>de</strong>poimentos recolhidos junto a algumas das primeiras trabalha-<br />

doras.<br />

Na quarta parte, intitulada As primeiras trabalhadoras do Banco do<br />

Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, segundo seus <strong>de</strong>poimentos procura-se re-<br />

constituir a <strong>trajetória</strong> e o dia-a-dia <strong>de</strong>ssas trabalhadoras, a partir da sua<br />

184


memória. O material para a elaboração <strong>de</strong>ssa parte foi obtido através da<br />

utilização da técnica da história oral <strong>de</strong> oito <strong>mulheres</strong>, que ingressaram <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> entre 1943 e 1945, sendo que quatro <strong>de</strong>stas começaram a trabalhar<br />

em Porto Alegre e quatro <strong>no</strong> interior, vindo três <strong>de</strong>las, posteriormente, para<br />

a capital.<br />

1 UM BREVE HISTÓRICO DO BANCO DO ESTADO DO<br />

RIO GRANDE DO SUL 1928-1950<br />

A criação <strong>de</strong> um <strong>banco</strong> <strong>de</strong> crédito hipotecário <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

era uma reivindicação dos pecuaristas gaúchos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do século XIX.<br />

Tal reivindicação tor<strong>no</strong>u-se crescente quando a eco<strong>no</strong>mia do Estado passou<br />

a enfrentar a gran<strong>de</strong> crise <strong>de</strong>corrente da reação dos países europeus <strong>no</strong> pós-<br />

1ª Guerra Mundial. Estes países, tendo <strong>no</strong>rmalizado sua produção e consu-<br />

mo, reduziram a importação dos produtos dos frigoríficos gaúchos, o que<br />

<strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u o colapso da indústria rio-gran<strong>de</strong>nse, com os conseqüentes re-<br />

flexos na pecuária da região.<br />

Devido a essa difícil situação, <strong>no</strong> I e II Congresso <strong>de</strong> Criadores,<br />

realizados em 1927 e em 1928, foi <strong>de</strong>fendida, pelos pecuaristas gaúchos, a<br />

criação <strong>de</strong> um Banco Central <strong>de</strong> Crédito Rural <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, como<br />

já fizera o gover<strong>no</strong> paulista, em 1927, ao tornar-se o principal acionista do<br />

Banco <strong>de</strong> Crédito Agrícola e Hipotecário (<strong>de</strong>pois Banco do Estado <strong>de</strong> São<br />

185


Paulo) para apoiar a principal produção agrícola <strong>de</strong>ste Estado que era o ca-<br />

fé. 227<br />

Foi essa conjuntura que levou o Gover<strong>no</strong> gaúcho a assumir a criação<br />

do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, que teve seu funcionamento au-<br />

torizado pelo <strong>de</strong>creto fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> nº 18374, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1928, e seus<br />

estatutos aprovados pelo Presi<strong>de</strong>nte do Estado – Getúlio Vargas – em 06 <strong>de</strong><br />

setembro do mesmo a<strong>no</strong>, através do Decreto 4.139. 228<br />

A inauguração da casa bancária ocorreu <strong>no</strong> dia 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

1928, <strong>no</strong>s salões do edifício do Tesouro do Estado. Participaram da soleni-<br />

da<strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte do Estado – Getúlio Vargas –, o Presi<strong>de</strong>nte do Partido<br />

Republica<strong>no</strong> Rio-gran<strong>de</strong>nse – Borges <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros –, o Presi<strong>de</strong>nte do Supe-<br />

rior Tribunal do Estado – Desembargador André da Rocha –, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Banco – Gen. Firmi<strong>no</strong> Paim Filho -, Diretores do Banco e várias outras<br />

autorida<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> representantes da socieda<strong>de</strong>. 229<br />

Juntamente com o Presi<strong>de</strong>nte, compunham a primeira diretoria do<br />

<strong>banco</strong> como Diretores, o Cel. Agnello Correa da Silva, o Dr. João Vieira<br />

Macedo, o Dr. Renato Costa, o Major João Luiz Gomes.<br />

227<br />

Conforme LAGEMANN, Eugênio. Op. cit., p.59 e p.32, o gover<strong>no</strong> gaúcho reconhecia<br />

a necessida<strong>de</strong> da organização do crédito hipotecário e apoiava sua criação pela iniciativa<br />

privada, por exemplo, isentando <strong>de</strong> impostos as carteiras hipotecárias instaladas<br />

pelos <strong>banco</strong>s comerciais, como aconteceu com a Lei nº 95 <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1909,<br />

em relação ao Banco da Província, que possibilitou a criação, nesse <strong>banco</strong>, da Carteira<br />

Hipotecária <strong>de</strong> Crédito Real para empréstimos hipotecários e <strong>de</strong> prazos longos, <strong>de</strong>stinados<br />

ao setor rural, pagáveis por meio <strong>de</strong> anuida<strong>de</strong>s fixas, em prestações mensais. Essa<br />

carteira teve movimento muito fraco, funcio<strong>no</strong>u me<strong>no</strong>s <strong>de</strong> cinco a<strong>no</strong>s, sendo posteriormente<br />

incorporada pela carteira <strong>de</strong> empréstimos gerais da instituição.<br />

228<br />

Dados retirados <strong>de</strong> MÜLLER, Carlos Alberto. História Econômica do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul. Porto Alegre: Editora Gran<strong>de</strong> Sul, 1998. p. 70.<br />

229<br />

MÜLLER, Carlos. Op. cit. p.77.<br />

186


O BERGS iniciou sua ativida<strong>de</strong> com capital <strong>no</strong>minal <strong>de</strong> 50 mil con-<br />

tos <strong>de</strong> réis (Rs.50.000:000$000) dos quais 35 mil foram subscritos pelo<br />

gover<strong>no</strong> do Estado, o que o caracterizou como um <strong>banco</strong> oficial. 230<br />

A instituição <strong>de</strong>senvolveu um intenso processo <strong>de</strong> interiorização, o<br />

que foi possível graças à adaptação das coletorias e mesas <strong>de</strong> renda como<br />

agentes do <strong>banco</strong>. Também a instalação <strong>de</strong> agências específicas ocorreu<br />

com significativa velocida<strong>de</strong>, sendo criadas, <strong>no</strong> primeiro a<strong>no</strong> <strong>de</strong> existência,<br />

agências em Pelotas, Bagé, Rio Gran<strong>de</strong>, Caxias e Novo Hamburgo. Nos a-<br />

<strong>no</strong>s seguintes várias <strong>no</strong>vas agências foram inauguradas, expandindo-se o<br />

<strong>banco</strong> rapidamente.<br />

Com o crescimento dos primeiros a<strong>no</strong>s, ao longo da década <strong>de</strong> 1930,<br />

o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul igualou-se aos <strong>banco</strong>s mais tradi-<br />

cionais do Estado gaúcho, elevando seu potencial econômico, inaugurando<br />

casas importantes <strong>no</strong> interior e ampliando seu quadro <strong>de</strong> funcionários. Des-<br />

taque-se, entretanto, que, apesar dos <strong>banco</strong>s privados já contarem com<br />

<strong>mulheres</strong> em seu quadro funcional, o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul só as admitiu após 15 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> funcionamento, ou seja, em 1943.<br />

Em 1943, o BERGS estruturava-se em sucursais, agências e corres-<br />

pon<strong>de</strong>ntes. As sucursais situavam-se nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maior porte <strong>no</strong> Estado,<br />

sendo em número <strong>de</strong> 24 e estando localizadas em Alegrete, Bagé, Bento<br />

Gonçalves, Cachoeira, Carazinho, Caxias, Cruz Alta, Estrela, Ijuí, Itaqui,<br />

Jaguari, José Bonifácio, Livramento, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelo-<br />

230 LAGEMANN, Eugênio. Op. cit., p. 59.<br />

187


tas, Rio Gran<strong>de</strong>, Santa Cruz, Santa Maria, Santo Ângelo, São Gabriel, São<br />

Leopoldo, Uruguaiana, Vacaria. 231<br />

O <strong>banco</strong> dispunha também <strong>de</strong> 37 agências, que estavam situadas <strong>no</strong>s<br />

seguintes municípios: Alfredo Chaves, Arroio Gran<strong>de</strong>, Caçapava, Cacequi,<br />

Camaquã, Can<strong>de</strong>lária, D. Pedrito, Encruzilhada, Garibaldi, Guaporé, Jagua-<br />

rão, Júlio <strong>de</strong> Castilhos, Lajeado, Lagoa Vermelha, Lavras, Marceli<strong>no</strong><br />

Ramos, Montenegro, Osório, Pinheiro Machado, Pratos, Quaraí, Rio Pardo,<br />

Rosário, Santa Vitória, Santiago, Santo Antônio, São Borja, São Francisco<br />

<strong>de</strong> Assis, São Lourenço, São Sepé, Sobradinho, Soleda<strong>de</strong>, Tapes, Torres,<br />

Tupanciretã, Venâncio Aires. O <strong>banco</strong> também contava ainda 38 corres-<br />

pon<strong>de</strong>ntes distribuídos por peque<strong>no</strong>s municípios do Estado gaúcho. 232<br />

O crescimento do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul foi marca-<br />

do pela sucessão <strong>de</strong> vários acontecimentos como, por exemplo, a<br />

inauguração, em 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1950, <strong>de</strong> sua primeira agência urbana<br />

em Porto Alegre – a Agência São João. Eram diretores Francisco José Bor-<br />

raz, Renato Costa, Aldo Filgueiras e José Corriolas <strong>de</strong> Almeida Filho.<br />

231 Dados retirados do Correio do Povo <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1943, p. 18.<br />

232 I<strong>de</strong>m.<br />

188


2 INGRESSO DAS MULHERES NO BANCO DO ESTADO DO<br />

RIO GRANDE DO SUL<br />

Enquanto vários <strong>banco</strong>s do setor privado começaram a admitir mu-<br />

lheres em seus quadros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>1920</strong>, o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, fundado em 1928, somente permitiu o ingresso <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> em 1943.<br />

A Guerra Mundial <strong>de</strong> 1939-45 e seus <strong>de</strong>sdobramentos levaram a Di-<br />

reção do Banco, em 19 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1943, a emitir a Resolução <strong>de</strong> n.º 406,<br />

a qual comunicava que, <strong>de</strong>vido ao confronto mundial e à convocação dos<br />

homens para a Força Expedicionária Brasileira (FEB), bem como <strong>de</strong>vido ao<br />

esvaziamento que se verificava <strong>no</strong> quadro funcional do <strong>banco</strong>, fora <strong>de</strong>cidi-<br />

do admitir moças como funcionárias, a título precário.<br />

Assim <strong>de</strong>liberando, o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul adota-<br />

va o procedimento que várias empresas vinham adotando, pois preenchia<br />

sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funcionários com <strong>mulheres</strong>. Esse fato não era motivado,<br />

fundamentalmente, pela escassez <strong>de</strong> funcionários homens. Conforme já foi<br />

dito, as empresas passaram a contratar <strong>mulheres</strong> para não arcar com <strong>de</strong>spe-<br />

sas que teriam com trabalhadores que fossem convocados, pois a legislação<br />

da época <strong>de</strong>terminava que as instituições empregadoras ficariam responsá-<br />

veis pelo pagamento <strong>de</strong> 50% do salário <strong>de</strong> seus empregados chamados para<br />

o serviço militar.<br />

A Resolução Nº 406 estabelecia o seguinte:<br />

189


" RESOLUÇÃO N. 406 233<br />

Consi<strong>de</strong>rando que o estado <strong>de</strong> beligerância em que se encontra o País tem<br />

<strong>de</strong>sfalcado sensivelmente o corpo <strong>de</strong> funcionários do Banco, com a<br />

convocação para a prestação <strong>de</strong> serviço militar;<br />

consi<strong>de</strong>rando que não tem sido possível admitir funcionários na mesma<br />

proporção das vagas abertas, por não satisfazerem os candidatos as<br />

condições estabelecidas;<br />

consi<strong>de</strong>rando que a ida<strong>de</strong>-limite exigida por este Banco para as<br />

admissões <strong>de</strong> funcionários foi fixada após <strong>de</strong>morados estudos e<br />

observações funcionais e que não convém a sua ampliação;<br />

consi<strong>de</strong>rando que as operações e serviços do Banco não po<strong>de</strong>m sofrer<br />

solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> sem grave prejuizo para o seu patrimônio e<br />

consequente reflexo na eco<strong>no</strong>mia geral do Estado;<br />

consi<strong>de</strong>rando que o elevado número <strong>de</strong> casas e representações não permite<br />

reduzir o número <strong>de</strong> seus funcionários além do mínimo em que foi fixado;<br />

consi<strong>de</strong>rando que o Banco <strong>de</strong>ve continuar zelando pelo exato cumprimento<br />

da legislação trabalhista em vigôr, principalmente quanto à observância<br />

do horário e concessão <strong>de</strong> férias;<br />

consi<strong>de</strong>rando que bôa parte dos serviços <strong>de</strong> escritório po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>sempenhada por moças e que entre estas há muitas com suficiente grau<br />

<strong>de</strong> preparo e habilitação profissional para o trabalho bancário;<br />

RESOLVEMOS admitir moças, a título precário, em conformida<strong>de</strong> com as<br />

conveniências dos serviços, nas casas que disponham <strong>de</strong> instalações<br />

sanitárias a<strong>de</strong>quadas e mediante as seguintes condições:<br />

I - As admissões serão efetuadas :<br />

a) - na categoria <strong>de</strong> auxiliares ;<br />

b) - mediante o or<strong>de</strong>nado mensal <strong>de</strong> Cr$ 350, 00 ;<br />

c) - respeitando-se a proporção <strong>de</strong> 1/3 em relação aos empregados do sexo<br />

masculi<strong>no</strong> em cada casa ; e<br />

d) - mediante concurso que será realizado nas bases abaixo especificadas.<br />

2 - As candidatas <strong>de</strong>verão satisfazer as seguintes exigências :<br />

a) - Prova <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> l8 e me<strong>no</strong>s <strong>de</strong> 26 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>;<br />

b) - prova <strong>de</strong> condição <strong>de</strong> solteira ;<br />

c) - prova <strong>de</strong> que não tem ligação <strong>de</strong> parentesco, até 4º grau, com<br />

qualquer funcionário da casa ;<br />

d) - apresentação <strong>de</strong> duas cartas-atestados firmados por pessoas idoneas<br />

( não parentes ), conhecidas do Banco;<br />

Pôrto Alegre, l9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1943.<br />

BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S.A<br />

233 Cópia feita através <strong>de</strong> scanner da Resolução 406 <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943.<br />

Diretor”<br />

190


Como se po<strong>de</strong> observar através da leitura do documento acima, a<br />

admissão <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> era justificada como <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> problemas que fo-<br />

ram criados pelo confronto mundial, o qual, obrigando os funcionários a<br />

prestarem serviço militar, teria <strong>de</strong>sfalcado os quadros do <strong>banco</strong>. Era enfa-<br />

tizado que a admissão das trabalhadoras dava-se em caráter precário, o que,<br />

em princípio, <strong>de</strong>sobrigaria o <strong>banco</strong> <strong>de</strong> mantê-las findo o conflito ou a con-<br />

tinuar admitindo <strong>mulheres</strong> após o mesmo.<br />

O documento estabelecia a categoria na qual as <strong>mulheres</strong> seriam<br />

admitidas e fixava seus salários, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar que o número <strong>de</strong> mu-<br />

lheres não <strong>de</strong>veria ultrapassar a um terço dos empregados do sexo<br />

masculi<strong>no</strong> em cada casa bancária. Era fixada a ida<strong>de</strong> mínima (18 a<strong>no</strong>s) e a<br />

ida<strong>de</strong> máxima (26 a<strong>no</strong>s) <strong>de</strong> ingresso na instituição e exigido que as preten-<br />

<strong>de</strong>ntes ao cargo fossem solteiras.<br />

A partir da Resolução 406, o BERGS preparou o processo <strong>de</strong> sele-<br />

ção das <strong>mulheres</strong> que viriam a fazer parte do quadro <strong>de</strong> auxiliares. Ao que<br />

informaram as bancárias que participaram do referido processo, a seleção<br />

foi realizada em duas etapas. Da primeira etapa, constava prova <strong>de</strong> datilo-<br />

grafia, que era eliminatória. Na segunda parte, as aprovadas eram<br />

submetidas a exames <strong>de</strong> português, matemática comercial, contabilida<strong>de</strong> e<br />

conhecimentos gerais.<br />

A carta a seguir, recebida por uma das <strong>mulheres</strong> do primeiro grupo<br />

que ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, comprova o que se afirmou anteriormente.<br />

191


Conforme mencionado <strong>no</strong> Capítulo II, a partir da década <strong>de</strong> 1930,<br />

começou a ser permitido que os registros do movimento bancário fossem<br />

datilografados, o que facilitou a entrada das <strong>mulheres</strong> nessas instituições,<br />

192


uma vez que os homens, em geral, resistiam a essa tarefa repetitiva e monó-<br />

tona. Por essa razão, a prova <strong>de</strong> datilografia era eliminatória <strong>no</strong> concurso e,<br />

como mencionado por algumas <strong>de</strong>poentes, exigia um gran<strong>de</strong> treinamento. 234<br />

Contam as primeiras trabalhadoras do Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul que, na capital, candidataram-se à seleção por volta <strong>de</strong> 100<br />

jovens, sendo que apenas sete <strong>de</strong>las foram selecionadas e ingressaram na<br />

se<strong>de</strong> do <strong>banco</strong>, a partir <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1943. Eram elas: Anna Safro, Belloni<br />

Marques, Léa Raphaela D. <strong>de</strong> Azevedo, Lydia Haydée Pallares, Sylvia<br />

Montin Teixeira, Sarita Aguinsky e Yara Gomes <strong>de</strong> Mello. 235<br />

A Resolução 406 permitia às agências do interior que, segundo era<br />

dito, tivessem problemas <strong>no</strong> quadro <strong>de</strong> funcionários, igualmente, fizessem<br />

concurso para admitir moças. Todavia era necessário que dispusessem <strong>de</strong><br />

infra-estrutura para isso, possuindo, por exemplo, “instalações sanitárias<br />

a<strong>de</strong>quadas para as moças.” Esta exigência <strong>de</strong>ixa bastante claro o quanto o<br />

espaço <strong>de</strong> trabalho <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul era um espa-<br />

ço masculi<strong>no</strong> até 1943.<br />

234<br />

De acordo com o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Duvercy Barros à autora em 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

1998, <strong>no</strong> final da década <strong>de</strong> 1930, havia muitas escolas <strong>de</strong> datilografia, funcionando a<br />

maioria <strong>de</strong>las na Rua da Praia, oferecendo cursos, que eram freqüentados, principalmente,<br />

por moças. Estas se preparavam para o trabalho em escritórios e também em<br />

<strong>banco</strong>s.<br />

235<br />

Duvercy Barros, em entrevista à autora, confirmou que o número <strong>de</strong> jovens que concorreram,<br />

em Porto Alegre, às vagas do <strong>banco</strong> era bastante elevado, mas não soube<br />

precisar quantas seriam.<br />

193


Algumas sucursais do <strong>banco</strong>, sediadas em importantes cida<strong>de</strong>s do<br />

interior do Estado gaúcho, realizaram o concurso, com base na Resolução<br />

<strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1943, admitindo <strong>mulheres</strong> entre 1943 e 1945. Entre essas<br />

sucursais, po<strong>de</strong>-se citar a <strong>de</strong> Pelotas – on<strong>de</strong> ingressaram Diva Schramm,<br />

Maria Amélia Gonçalves, Cecília Safir e Ilka Helena Mattos Viegas; a su-<br />

cursal <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong> – on<strong>de</strong> foram admitidas Dulce Hiltl, Therezinha Fredo<br />

Ribeiro e Lygia Maria Ferreira; a <strong>de</strong> Uruguaiana – on<strong>de</strong> ingressou Nydia<br />

Roque Massimi<strong>no</strong>; a <strong>de</strong> Santa Maria – que admitiu Jupira Borges Antunes,<br />

Lory Sauer, Célia Pillar, Leda Ilha Pacheco e Nely Elwanger; a <strong>de</strong> Cachoei-<br />

ra do Sul on<strong>de</strong> ingressaram Carmem Martinez Domingues, Olga Batista<br />

Machado e Ledy Carvalho Lopes; a <strong>de</strong> São Leopoldo - on<strong>de</strong> ingressou Ira-<br />

cema Gomes Robison; a <strong>de</strong> Bagé, que admitiu Margareta Van Den Ee<strong>de</strong>n e<br />

Therezinha Barreto Corrêa e a <strong>de</strong> Livramento on<strong>de</strong> foram admitidas Maria<br />

Luiza Martins e A<strong>de</strong>la Lígia Guasque Prates.<br />

É interessante ressaltar que as <strong>mulheres</strong> que ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong>,<br />

entre 1943-45, ao serem entrevistadas, assim como homens, todos explicam<br />

que o <strong>banco</strong> abriu-se ao ingresso <strong>de</strong> trabalhadoras porque, com a guerra,<br />

faltavam muitos funcionários. Todavia como foi salientado, um importante<br />

fator <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica explica a aceitação <strong>de</strong> trabalhadoras, durante a<br />

guerra, <strong>no</strong>s mais variados setores do mercado <strong>de</strong> trabalho - as empresas fi-<br />

cavam responsáveis por 50% do salário dos convocados e <strong>de</strong>veriam<br />

readmiti-los quando do seu regresso da guerra. Isso estimulou a aceitação<br />

<strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>.<br />

194


Em outras cida<strong>de</strong>s, só bem mais tar<strong>de</strong>, o Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, passou a ter <strong>mulheres</strong> em seu quadro funcional. Isso ocor-<br />

reu, por exemplo, na sucursal <strong>de</strong> Caxias do Sul, on<strong>de</strong> somente em 1953,<br />

foram admitidas as primeiras trabalhadoras. Entre elas estavam Ivete Maria<br />

Thereza Moratore, Zamilda Skill, Léa Frigeri, Leda Grilo, Antonieta Da-<br />

metto. 236<br />

Embora o BERGS <strong>de</strong> Caxias do Sul só tenha admitido <strong>mulheres</strong> em<br />

1953, outros <strong>banco</strong>s já as empregavam nesta cida<strong>de</strong> bem antes <strong>de</strong>ssa data.<br />

Segundo Maria Conceição Machado, em 1925, por exemplo, ingressou <strong>no</strong><br />

Banco Francês Italia<strong>no</strong> para a América do Sul, Gismunda Pezzi, que chegou<br />

à presidência do Sindicato dos Bancários <strong>de</strong> Caxias, em 1938. 237<br />

No caso <strong>de</strong> Caxias do Sul, o ingresso das primeiras <strong>mulheres</strong> não es-<br />

tá, evi<strong>de</strong>ntemente, ligado ao confronto mundial <strong>de</strong> 1939-45 e seus<br />

<strong>de</strong>sdobramentos, mas, segundo o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Ivete Maria Thereza Mora-<br />

tore, à greve dos bancários ocorrida em 1953.<br />

Conta Moratore que, por ocasião da greve <strong>de</strong> 1953, o <strong>banco</strong>, não<br />

po<strong>de</strong>ndo contar com seus funcionários, procurou suprir suas necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> serviço recorrendo a algumas jovens da comunida<strong>de</strong> caxiense, que ti-<br />

nham uma formação escolar que lhes permitia realizar as tarefas essenciais<br />

do estabelecimento. Entre as jovens estava Ivete Moratore, que com as <strong>de</strong>-<br />

236 Informação obtida <strong>no</strong> <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Ivete Moratore.<br />

237 MACHADO, Maria Conceição A. M. Do avanço do feminismo. Folha <strong>de</strong> Hoje, Caxias<br />

do Sul, 11 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1993, p.2.<br />

195


mais, fez, durante um certo período, os serviços <strong>de</strong> datilografia dos docu-<br />

mentos do movimento da instituição. 238<br />

Menciona Moratore que, finda a greve, o <strong>banco</strong> <strong>de</strong>cidiu fazer con-<br />

curso para admissão <strong>de</strong> <strong>no</strong>vos funcionários, mas que teria dado preferência<br />

às <strong>mulheres</strong> “porque eles achavam que tinha mais segurança. O homem já é<br />

mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Nós entramos, assinando um compromisso que não <strong>no</strong>s<br />

associaríamos a sindicato nenhum.” 239<br />

Pelo que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Ivete Moratore, a<br />

<strong>de</strong>cisão da sucursal <strong>de</strong> Caxias do Sul, <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> abrir espaço para as<br />

<strong>mulheres</strong> em seus quadros, foi <strong>de</strong>corrência do movimento grevista <strong>de</strong> 1953<br />

e das dificulda<strong>de</strong>s que teve o <strong>banco</strong> para realizar suas tarefas durante aque-<br />

le acontecimento. Apostou a instituição que, preenchendo as necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> funcionários com <strong>mulheres</strong>, estas, provavelmente, não se envolveriam<br />

em movimentos grevistas, po<strong>de</strong>ndo o <strong>banco</strong> contar com sua mão-<strong>de</strong>-obra<br />

em futuros movimentos semelhantes ao <strong>de</strong> 1953.<br />

As <strong>mulheres</strong> a que se fez referência até aqui po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas<br />

como as pioneiras <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, on<strong>de</strong> ingres-<br />

saram em 1943, 1944, 1945 ou um pouco <strong>de</strong>pois. Todas elas eram muito<br />

jovens quando entraram na instituição, tendo entre 18 e 26 a<strong>no</strong>s, como exi-<br />

gia a Resolução 406.<br />

238 Depoimento <strong>de</strong> Ivete Moratore à autora em 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

239 I<strong>de</strong>m.<br />

196


As primeiras bancárias do BERGS foram admitidas na instituição<br />

em “caráter precário,” ocuparam o cargo <strong>de</strong> “auxiliares” e foram, funda-<br />

mentalmente, datilógrafas. Essa forma <strong>de</strong> admissão, por si só, <strong>de</strong>finiu a<br />

posição subalterna <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>. Consi<strong>de</strong>ra-se que <strong>de</strong>-<br />

vido a isso não se estabeleceu, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s iniciais <strong>de</strong> adoção do trabalho<br />

femini<strong>no</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, um confronto entre homens e <strong>mulheres</strong>, na disputa por<br />

espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na instituição. Isso só veio a ocorrer, a<strong>no</strong>s mais tar<strong>de</strong>,<br />

quando, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certos limites, homens e <strong>mulheres</strong> foram equiparados<br />

funcionalmente. 240<br />

3 PERFIL DAS PRIMEIRAS TRABALHADORAS DO<br />

BANCO<br />

O quadro a seguir oferece alguns dados para que se comece a cons-<br />

truir o perfil das primeiras trabalhadoras que ingressaram <strong>no</strong> Banco do<br />

Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, entre 1943 e 1945, ou seja, <strong>no</strong>s três primeiros<br />

a<strong>no</strong>s após a emissão da Resolução nº 406.<br />

240 A disputa entre homens e <strong>mulheres</strong> por espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong> será objeto<br />

<strong>de</strong> estudo <strong>no</strong> Capítulo V.<br />

197


Quadro 04<br />

Mulheres que ingressaram <strong>no</strong> Banco do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul - 1943-45 241<br />

NOMES Data <strong>de</strong><br />

nascim.<br />

Local <strong>de</strong> nascimento<br />

Ingresso Local <strong>de</strong> ingresso<br />

Aposent. (A)<br />

ou Exon. (E)<br />

Lydia Haydée Pallares 29/04/25 Porto Alegre 02/08/43 Porto Alegre 20/03/52 - E<br />

Sarita Aguinsky 31/03/25 S. Maria 02/08/43 Porto Alegre 19/06/55 - E<br />

Sylvia Montin Teixeira 19/12/19 Porto Alegre 02/08/43 Porto Alegre 01/07/74 - A<br />

Yara Gomes <strong>de</strong> Mello/Heldt 21/01/21 Garibaldi 02/08/43 Porto Alegre 16/06/46 - E<br />

Anna Safro 18/05/23 Ca<strong>no</strong>as 03/08/43 Porto Alegre 31/07/47 - E<br />

Léa Raphaela D. <strong>de</strong> Azevedo 21/09/21 Ca<strong>no</strong>as 03/08/43 Porto Alegre 30/09/54 - E<br />

Belloni Marques / <strong>de</strong> Azevedo 21/08/21 N. Hamburgo 01/10/43 Porto Alegre 01/07/74 - A<br />

Terezinha Fredo Ribeiro 30/09/21 R. Gran<strong>de</strong> 09/08/43 R.Gran<strong>de</strong> S/inform.<br />

Lygia Maria Ferreira/ Fischer 21/09/22 Tupanciretã 10/08/43 R Gran<strong>de</strong> 03/05/74 - A<br />

Diva Schramm / Natorf 10/03/23 Pelotas 16/08/43 Pelotas 01/02/74 - A<br />

Dulce Hiltl Swoboda 18/12/17 R. Gran<strong>de</strong> 01/09/43 R. Gran<strong>de</strong> 01/01/72 - A<br />

Carmem M.Domingues/Barros 28/04/27 Cachoeira 10/09/43 Cachoeira 01/12/75 - A<br />

M. Amélia Gonçalves/Hillal 12/06/21 Pelotas 10/09/43 Pelotas 15/05/74 - A<br />

Cecília Safir 06/10/23 Pelotas 10/09/43 Pelotas 31/10/46 - E<br />

Ilka Helena <strong>de</strong> M. Viegas 20/11/22 Pelotas 10/09/43 Pelotas 19/11/47 - E<br />

Jupira Borges Antunes 03/03/18 S.Maria 01/10/43 S.Maria 18/12/73 - A<br />

Olga Machado / Paschoal 10/01/25 Encruzilhada 16/10/43 Cachoeira 16/04/74 - A<br />

241<br />

Este quadro foi construído pela autora com base em dados recolhidos <strong>no</strong> SEEB-POA,<br />

complementados com informações da ficha funcional das trabalhadoras e com dados dos<br />

<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>stas. Ressalta-se que se tem <strong>no</strong>tícia <strong>de</strong> algumas outras <strong>mulheres</strong><br />

que ingressaram em sucursais do <strong>banco</strong> <strong>no</strong> interior do Estado gaúcho, mas que,<br />

como não se obteve maiores informações sobre elas, não constam do quadro.<br />

198


Ledy Carvalho Lopes 16/06/25 Cachoeira 16/11/43 Cachoeira 15/05/45 - E<br />

Nydia R. Massi<strong>no</strong>/Oliveira 27/08/24 Uruguaiana 06/12/43 Uruguaiana 16/03/74 - A<br />

Glacy Rodrigues da Silva 18/06/21 Porto Alegre 28/02/44 Porto Alegre 01/01/75 - A<br />

Guinda Goffman 03/07/26 Porto Alegre 18/07/44 Porto Alegre 31/07/50 - A<br />

Jessié Velasco Bastos 18/06/24 Porto Alegre 14/08/44 Porto Alegre 02/09/49 - E<br />

Iracema Gomes Robinson 15/12/25 S.Leopoldo 21/08/44 S.Leopoldo 30/09/49 - E<br />

Hermínia Gaja Cami<strong>no</strong> 07/02/17 Sananduva 01/09/44 Porto Alegre 06/02/75 - A<br />

Norma Levina Zicche 30/03/24 Porto Alegre 13/09/44 Porto Alegre 31/05/46 - E<br />

Margareta Van Den Ee<strong>de</strong>n 05/03/24 Bagé 01/02/45 Bagé 21/01/74 - A<br />

Therezinha Barreto Correa 26/07/23 Bagé 01/02/45 Bagé 25/10/48 - E<br />

Leda Ilha Pacheco 13/07/24 S. Maria 04/04/45 S. Maria 21/04/49 - E<br />

Naura Moogen Machado 20/09/21 Lages/St Cat. 09/05/45 Porto Alegre 12/02/48 - E<br />

Wanda A . Adámiak/Radziuk 21/12/24 Polonia 16/05/45 Porto Alegre 20/04/53 - E<br />

Iracema P.Schilling/Carvalho 31/01/19 Porto Alegre 28/05/45 Porto Alegre 26/08/59 - A<br />

Cely Zanini 03/12/19 S. Maria 28/05/45 Porto Alegre 22/11/47 - E<br />

Carmem Rego Reis 24/07/18 R.Gran<strong>de</strong> 01/06/45 Porto Alegre 14/02/48 - E<br />

A<strong>de</strong>la Ligia Prates 25/03/24 Livramento 01/06/45 Livramento. 01/01/77 - A<br />

Paula Silécia Dornelles 29/06/25 S. Jerônimo. 10/06/45 Porto Alegre 31/08/45 - E<br />

Dalva Manzoli 10/08/26 Porto Alegre 11/06/45 Porto Alegre Sem inform.<br />

M.Carmem Aurélia <strong>de</strong> Araujo 08/03/25 Porto Alegre 03/07/45 Porto Alegre 28/11/51 - E<br />

Ivonne L. Peterlongo Rosa 11/02/26 Garibaldi 13/07/45 Porto Alegre 30/04/64 - E<br />

Gladys Chagas Pereira 18/03/26 Porto Alegre 01/09/45 Porto Alegre 07/11/47 - E<br />

199


O quadro da página anterior permite verificar que o ingresso <strong>de</strong> mu-<br />

lheres <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul foi altamente significativo<br />

<strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1943 (19 <strong>mulheres</strong>), reduziu-se em 1944 (6) e que cresceu em<br />

1945 (14 <strong>mulheres</strong>). Naturalmente que em 1944 o número <strong>de</strong> admissões di-<br />

minuiu porque as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra já haviam sido supridas em<br />

1943.<br />

A observação do quadro possibilita constatar também que, embora<br />

uma boa parte das primeiras trabalhadoras do <strong>banco</strong> tenha sido admitidas<br />

em Porto Alegre, muitas <strong>de</strong>las eram oriundas <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s do interior do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul (Santa Maria, Pelotas, Rio Gran<strong>de</strong>, Cachoeira, Bagé, entre<br />

outras). Apenas <strong>de</strong>z trabalhadoras, em um total <strong>de</strong> 39, eram naturais <strong>de</strong><br />

Porto Alegre.<br />

Revelou-se elevado o número <strong>de</strong> trabalhadoras que fizeram concurso<br />

e ingressaram em sucursais do interior do Estado e, posteriormente, vieram<br />

trabalhar na capital, como é o caso <strong>de</strong> Diva Schramm, Lygia Maria Ferrei-<br />

ra, A<strong>de</strong>la Prates, Terezinha Ribeiro, Olga Machado, entre outras. Esse fato,<br />

tem alguma vinculação com o movimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento populacional em<br />

direção à capital do Estado, que se verificava nessa época.<br />

Examinando o quadro 04, po<strong>de</strong>-se também observar que mais da me-<br />

ta<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong> que ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> entre 1943-45 (22 <strong>mulheres</strong>)<br />

trabalhou apenas alguns a<strong>no</strong>s, pedindo posteriormente <strong>de</strong>missão. Na maio-<br />

ria dos casos, o pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão esteve associado ao fato <strong>de</strong>stas<br />

200


<strong>mulheres</strong> terem casado, ou aconteceu quando nasceram seus primeiros fi-<br />

lhos.<br />

Este comportamento po<strong>de</strong> ser compreendido como <strong>de</strong>corrente das<br />

características da socieda<strong>de</strong> gaúcha. Conforme já discutido, essa socieda<strong>de</strong><br />

era marcada por fortes componentes patriarcais, que foram reforçados por<br />

trinta ou quarenta a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> influência do i<strong>de</strong>ário positivista. Numa socieda-<br />

<strong>de</strong> com essas características, é comum que as <strong>mulheres</strong>, ao casar,<br />

abandonem a vida profissional e passem a <strong>de</strong>dicar-se, exclusivamente, ao<br />

marido, aos filhos e ao mundo doméstico.<br />

Saliente-se, contudo, que entre as <strong>mulheres</strong> que trabalharam <strong>no</strong> ban-<br />

co até se aposentarem, diferentemente do que se esperava encontrar, o<br />

percentual <strong>de</strong> casadas e solteiras é mais ou me<strong>no</strong>s semelhante.<br />

As duas fotografias, a seguir apresentadas, reúnem várias das pri-<br />

meiras trabalhadoras do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. A primeira<br />

<strong>de</strong>las foi tirada entre 1944-46, na Colônia <strong>de</strong> Férias do Banco, <strong>no</strong> bairro da<br />

Tristeza, aparecendo seis das sete primeiras trabalhadoras que entraram na<br />

matriz <strong>de</strong> Porto Alegre, em 1943. 242<br />

242 As trabalhadoras ouvidas sempre fazem referência a que, em Porto Alegre, entraram<br />

seis trabalhadoras em 1943. Todavia a documentação obtida junto ao Departamento <strong>de</strong><br />

Recursos Huma<strong>no</strong>s do Banrisul informa que juntamente com as seis que sempre são<br />

mencionadas também ingressou Yara Gomes <strong>de</strong> Mello, que se exonerou em 16 <strong>de</strong> junho<br />

201


Foto das seis primeiras trabalhadoras do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul que ingressaram em Porto Alegre<br />

Da direita para a esquerda, vê-se Anna Saffro, Léa Raphaela <strong>de</strong> Azevedo, Sylvia Montin<br />

Teixeira, Sarita Aguinsky, Lydia Haydée Pallarés e Belloni Azevedo.<br />

Na foto a seguir, aparecem <strong>de</strong>zoito das primeiras trabalhadoras,<br />

tendo sido a mesma tirada por ocasião da assinatura do quadro <strong>de</strong> carreira<br />

do <strong>banco</strong>, em 1952.<br />

<strong>de</strong> 1946. Nas fotografias, aparecem somente as seis sempre citadas. Ver ficha funcional<br />

<strong>de</strong> Yara em anexo.<br />

202


Foto <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito trabalhadoras do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong><br />

Porto Alegre em 1952<br />

Da direita para a esquerda vê-se Glacy Rodrigues da Silva, Sylvia Montin Teixeira, Léa<br />

Raphaela <strong>de</strong> Azevedo, Iara Rosa (à frente) Lydia Haydée Pallares, Sarita Aguinsky (atrás),<br />

Belloni Marques, Hermínia Gaja Camina, Carmem Rego Reis (atrás), Ivone<br />

Peterlongo Rosa, Iracema Robison, Terezinha Ribeiro (atrás) Guinda Goffman, Cecy<br />

Zanini, Wanda Adámiak, Dalva Manzolli, Jessié Bastos e Dulce Swoboda. (As trabalhadoras<br />

foram i<strong>de</strong>ntificadas por Léa Azevedo e Belloni Marques)<br />

203


4 O COTIDIANO DO TRABALHO NO BANCO DO RIO<br />

GRANDE DO SUL<br />

Esta parte foi construída utilizando fundamentalmente a evidência<br />

oral, embora se tenha recorrido, sempre que possível, a informações conti-<br />

das nas fichas funcionais das <strong>de</strong>poentes e em outros documentos<br />

localizados <strong>no</strong> acervo do Museu Banrisul. O recurso às outras fontes cita-<br />

das teve por objetivo confirmar a consistência interna do material obtido<br />

através dos <strong>de</strong>poimentos e, sempre que possível, completar os espaços em<br />

branco.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se que a História oral é um importante instrumento para<br />

reconstituir a história “daqueles que não têm história” porque poucos regis-<br />

tros escritos da sua <strong>trajetória</strong> foram preservados.<br />

Apesar <strong>de</strong> julgar-se fundamental a utilização da fonte oral para a re-<br />

constituição da história das <strong>mulheres</strong>, tem-se claro que as trabalhadoras<br />

que contaram as suas histórias, o fizeram com as imagens e idéias <strong>de</strong> hoje,<br />

do seu presente. Elas estiveram lá, naquele lugar e naquele tempo o qual<br />

recordaram, mas hoje não estão mais. Portanto, elas olharam do seu presen-<br />

te para o seu passado e reconstituíram o seu tempo e o seu lugar com os<br />

materiais que têm hoje a sua disposição. Conforme afirma Ecléa Bosi, re-<br />

correndo a Halbwachs:<br />

“Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver,<br />

mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias<br />

<strong>de</strong> hoje, as experiências do passado. A memória<br />

não é sonho, é trabalho [...] A lembrança é uma i-<br />

204


magem construída pelos materiais que estão agora a<br />

<strong>no</strong>ssa disposição, <strong>no</strong> conjunto <strong>de</strong> representações que<br />

povoam <strong>no</strong>ssa consciência atual. [...] O simples fato<br />

<strong>de</strong> lembrar o passado, ‘<strong>no</strong> presente’ exclui a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

entre as imagens <strong>de</strong> um e outro e propõe a sua<br />

diferença em termos <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista.”(grifo<br />

<strong>no</strong>sso) 243<br />

Agnes Heller, referindo-se a “recordação”, faz observações que se<br />

aproximam do pensamento <strong>de</strong> Bosi, quando alerta:<br />

“Toda recordação do que passou é uma interpretação:<br />

reconstruímos <strong>no</strong>sso passado. As experiências que tivemos,<br />

<strong>no</strong>ssos interesses, sincerida<strong>de</strong> e<br />

insincerida<strong>de</strong>, tudo isso modifica aquilo que reconstruímos,<br />

o modo pelo qual o fazemos e o tipo <strong>de</strong><br />

significação que atribuímos ao passado reconstruído.<br />

Em síntese, mudamos o <strong>no</strong>sso passado através <strong>de</strong> uma<br />

interpretação seletiva.” 244<br />

Embora se reconheça, com base <strong>no</strong>s autores acima mencionados, que<br />

a história oral, por trabalhar com a memória e a recordação das pessoas,<br />

tem <strong>de</strong>terminadas limitações, igualmente se sabe, recorrendo a J. P. Taylor<br />

que “todas as fontes são suspeitas,” mesmo o tão respeitado documento es-<br />

crito. 245<br />

243<br />

BOSI, Ecléa. Memória e Socieda<strong>de</strong> – Lembranças <strong>de</strong> Velhos. 3ª ed. São Paulo: Cia<br />

das Letras, 1994. p. 55.<br />

244<br />

HELLER, Agnes. Uma teoria da História. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira,<br />

1993. p.53.<br />

245<br />

TAYLOR, A. J. P. , apud THOMPSON, Paul. Op. cit., p. 82. Observa-se que Taylor<br />

cita, inclusive, o seguinte comentário <strong>de</strong> Richard Crossman, antigo ministro: “Ao ler<br />

todos os documentos do Ministério, relativos às reuniões que eu havia participado, <strong>de</strong>cobri<br />

que, freqüentemente, os documentos não tinham praticamente relação alguma com<br />

o que acontecera.”<br />

205


Assim sendo, a recomendação que faz Thompson a todo historiador<br />

oral atuante, <strong>no</strong>rteará o trabalho com a história oral, que será realizado<br />

nesta parte da tese. Recomenda Thompson:<br />

“Nossa principal tarefa aqui será tomá-la em seu sentido<br />

literal e verificar como se sustenta a evidência<br />

oral, quando apreciada e avaliada exatamente do<br />

mesmo modo como se avaliam todos os outros tipos<br />

<strong>de</strong> evidência histórica.” 246<br />

Ressalte-se que o trabalho com os <strong>de</strong>poimentos coletados, absolu-<br />

tamente, significa que se pretenda sugerir que as informações recolhidas<br />

entre as <strong>de</strong>poentes, que foram ouvidas permitam que se chegue à reconstitu-<br />

ição da história do conjunto das trabalhadoras do BERGS e muito me<strong>no</strong>s, é<br />

obvio, do setor bancário gaúcho. Os <strong>de</strong>poimentos reunidos permitem anali-<br />

sar a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong>stas trabalhadoras, assim como reconstituir o seu dia-a-<br />

dia e i<strong>de</strong>ntificar suas atitu<strong>de</strong>s e seus valores. Consi<strong>de</strong>ra-se, todavia, que o<br />

material obtido fornece “indícios” importantes para a análise das relações<br />

<strong>de</strong> gênero do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, assim como para a<br />

análise das relações <strong>de</strong> gênero em um sentido mais amplo.<br />

246 THOMPSON, Paul. Op. cit. P. 138.<br />

206


4.1 Escolha das <strong>de</strong>poentes<br />

Foram selecionadas para essa parte do trabalho oito das bancárias,<br />

que compuseram o primeiro grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que ingressou <strong>no</strong> Banco do<br />

Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul entre 1943 e 1945. São elas, A<strong>de</strong>la Lígia<br />

Quasque Prates, Belloni Marques, Diva Schramm, Léa Raphaela D. <strong>de</strong> A-<br />

zevedo, Leda Ilha Pacheco, Olga Machado, Sarita Aguinsky e Sylvia<br />

Montin Teixeira.<br />

Como não se teria possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir trabalhadoras, que ingres-<br />

saram em todas as sucursais que existiam à época, optou-se por quatro que<br />

foram admitidas em Porto Alegre (Belloni, Léa, Sarita e Sylvia) e quatro<br />

que ingressaram em diferentes cida<strong>de</strong>s <strong>gaúchas</strong> (A<strong>de</strong>la em Livramento, Di-<br />

va em Pelotas, Leda em Santa Maria e Olga em Cachoeira do Sul).<br />

Para a <strong>de</strong>finição dos <strong>no</strong>mes escolhidos, observaram-se os seguintes<br />

critérios: 1. cinco das ouvidas trabalharam <strong>no</strong> <strong>banco</strong> durante trinta a<strong>no</strong>s,<br />

retirando-se por ocasião da aposentadoria (A<strong>de</strong>la, Belloni, Diva, Olga e<br />

Sylvia) e as outras três (Léa, Leda e Sarita) saíram do <strong>banco</strong> após alguns<br />

a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> trabalho; 2. algumas das escolhidas tiveram relativa ascensão na<br />

207


instituição (A<strong>de</strong>la, Diva e Sylvia) e outras não (Belloni, Léa, Leda, Olga e<br />

Sarita). 247<br />

A escolha <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que integraram o primeiro grupo <strong>de</strong> trabalha-<br />

doras que ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e a realização do trabalho com as mesmas<br />

orientou-se pelo seguinte objetivo: recolher e analisar dados sobre o pri-<br />

meiro contato das <strong>mulheres</strong> com um mundo do trabalho até então<br />

exclusivamente masculi<strong>no</strong> <strong>no</strong> Banrisul.<br />

Enten<strong>de</strong>u-se que acompanhar a história <strong>de</strong>ssas bancárias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

seu ingresso na instituição até sua aposentadoria ou pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão,<br />

forneceria elementos importantes para que se pu<strong>de</strong>sse, além <strong>de</strong> reconstituir<br />

sua <strong>trajetória</strong>, recolher subsídios para a discussão <strong>de</strong> um processo mais am-<br />

plo que é o <strong>de</strong> inserção das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mundo do trabalho. Julgou-se,<br />

também, que seria possível i<strong>de</strong>ntificar e compreen<strong>de</strong>r as transformações<br />

ocorridas <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul num período <strong>de</strong> trinta<br />

a<strong>no</strong>s, e avaliar repercussões que as mesmas tiveram sobre as relações <strong>de</strong><br />

gênero na instituição.<br />

247<br />

Cabe dizer que a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>no</strong>mes foi limitada pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> localizar as<br />

trabalhadoras (algumas já haviam falecido e outras resi<strong>de</strong>m em locais que não foram<br />

<strong>de</strong>scobertos) e pela disposição e condições <strong>de</strong>stas <strong>de</strong> prestarem os seus <strong>de</strong>poimentos.<br />

208


4.2.1 A<strong>de</strong>la Lígia Quasque Prates<br />

4.2 Breve perfil das <strong>de</strong>poentes<br />

A<strong>de</strong>la nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santana do Livramento, em 25 <strong>de</strong> março<br />

<strong>de</strong> 1924, sendo filha <strong>de</strong> pai brasileiro – Atílio Pacheco Prates – e <strong>de</strong> mãe<br />

uruguaia – Soledad Quasque <strong>de</strong> Prates.<br />

Seu pai era proprietário <strong>de</strong> uma importante casa comercial e sua<br />

mãe, que faleceu quando A<strong>de</strong>la tinha oito a<strong>no</strong>s, nunca trabalhou fora <strong>de</strong> ca-<br />

sa.<br />

A <strong>de</strong>poente estudou em colégio <strong>de</strong> freiras da or<strong>de</strong>m das Terezianas,<br />

em Santana do Livramento, on<strong>de</strong> fez o ginásio e <strong>de</strong>pois o complementar (e-<br />

quivalente ao magistério <strong>de</strong> hoje). Posteriormente, fez o curso <strong>de</strong> Educação<br />

Física, na Escola Superior <strong>de</strong> Educação Física, em Porto Alegre.<br />

A<strong>de</strong>la, que se manteve solteira, ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em sua cida<strong>de</strong><br />

natal, em 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1945, sendo transferida para a capital gaúcha, on-<br />

<strong>de</strong> fez carreira, em fevereiro <strong>de</strong> 1955.<br />

A<strong>de</strong>la Prates aposentou-se <strong>no</strong> dia 01 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1977.<br />

209


4.2.2 Belloni Marques<br />

Belloni, nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Novo Hamburgo, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, <strong>no</strong> dia 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1921. É filha única <strong>de</strong> João Marques e Wilma<br />

Marques, que trabalhavam <strong>no</strong> setor calçadista.<br />

A <strong>de</strong>poente tem curso <strong>no</strong>rmal, tendo estudado <strong>no</strong> Colégio Santa Ca-<br />

tarina em Novo Hamburgo, como aluna semi-interna. Antes <strong>de</strong> ingressar <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> trabalhou <strong>no</strong> IBGE, durante quatro a<strong>no</strong>s.<br />

Belloni ingressou na matriz do BERGS em Porto Alegre, em 01 <strong>de</strong><br />

outubro <strong>de</strong> 1943, quando era ainda solteira. Em fevereiro <strong>de</strong> 1952, casou-<br />

se, passando a chamar-se Belloni Marques <strong>de</strong> Azevedo e permanecendo <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>. Em 01 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1974, após 31 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> aposentou-se.<br />

4.2.3 Diva Schramm<br />

Diva nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pelotas, <strong>no</strong> dia 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1923, sen-<br />

do filha <strong>de</strong> Júlio Schramm, <strong>de</strong> origem alemã e <strong>de</strong> Ma<strong>no</strong>ela Schramm,<br />

argentina. Seu pai era proprietário <strong>de</strong> uma funilaria em Pelotas e sua mãe<br />

<strong>de</strong>dicava-se aos afazeres domésticos e cuidados com seus <strong>no</strong>ve filhos (dois<br />

homens e sete <strong>mulheres</strong>).<br />

210


A <strong>de</strong>poente estudou <strong>no</strong> Colégio São Francisco <strong>de</strong> Assis, pertencente<br />

às irmãs franciscanas, on<strong>de</strong> fez o ginásio. Des<strong>de</strong> muito cedo trabalhou na<br />

funilaria <strong>de</strong> seu pai, como funileira, e <strong>no</strong> escritório da firma.<br />

Diva ingressou <strong>no</strong> Banrisul na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pelotas, em 16 <strong>de</strong> agosto<br />

<strong>de</strong> 1943, tendo sido transferida para Porto Alegre em agosto <strong>de</strong> 1961. Na<br />

capital conquistou postos <strong>de</strong> prestígio <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e aposentou-se <strong>no</strong> dia 01 <strong>de</strong><br />

fevereiro <strong>de</strong> 1974.<br />

4.2.4 Léa Raphaela D. <strong>de</strong> Azevedo<br />

Léa nasceu <strong>no</strong> dia 21 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1921, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ca<strong>no</strong>as,<br />

sendo filha <strong>de</strong> Miguel Maia <strong>de</strong> Azevedo, <strong>de</strong> origem portuguesa e espanhola<br />

e <strong>de</strong> Cecilda D’Alóia <strong>de</strong> Azevedo, <strong>de</strong> origem italiana. Seu pai era <strong>de</strong>spa-<br />

chante e sua mãe chegou a trabalhar um certo tempo como professora, mas<br />

acabou abandonando o magistério. Léa tinha apenas um irmão, que foi ins-<br />

petor do imposto <strong>de</strong> renda.<br />

A <strong>de</strong>poente iniciou seus estudos <strong>no</strong> Colégio Estadual Paula Soares,<br />

em Porto Alegre, também na capital gaúcha,transferindo-se, posteriormen-<br />

te, para o Instituto <strong>de</strong> Educação Gen. Flores da Cunha, on<strong>de</strong> formou-se<br />

professora.<br />

Léa ingressou na instituição, em Porto Alegre, <strong>no</strong> dia 03 <strong>de</strong> agosto<br />

<strong>de</strong> 1943 e, em 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1954, tendo casado, pediu <strong>de</strong>missão do<br />

<strong>banco</strong>.<br />

211


4.2.5 Leda Ilha Pacheco<br />

Leda nasceu <strong>no</strong> dia 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1924, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Maria.<br />

Seu pai era pecuarista e sua mãe <strong>de</strong>dicava-se as li<strong>de</strong>s domésticas. Viveu sua<br />

meninice em uma fazenda <strong>no</strong> interior do município <strong>de</strong> Santa Maria. Leda<br />

tinha duas irmãs e três irmãos, sendo ela a mais velha dos filhos.<br />

A <strong>de</strong>poente iniciou seus estudos como interna <strong>no</strong> Colégio Centená-<br />

rio <strong>de</strong> Santa Maria e mais tar<strong>de</strong> transferiu-se para o Colégio Técnico<br />

Fontoura Ilha, na mesma cida<strong>de</strong>. Esta escola a preparou para a ativida<strong>de</strong><br />

bancária.<br />

Leda ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Maria, <strong>no</strong> dia 04 <strong>de</strong><br />

abril <strong>de</strong> 1945 e, em 21 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1949, tendo casado com um colega da<br />

mesma agência (Jurandy Urbanetto), teve <strong>de</strong> pedir <strong>de</strong>missão, obe<strong>de</strong>cendo o<br />

estabelecido pelo <strong>banco</strong>. 248<br />

4.2.6 Olga Machado<br />

Olga nasceu <strong>no</strong> dia 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1925, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Encruzilha-<br />

da do Sul, sendo filha <strong>de</strong> Amado José Machado e <strong>de</strong> Ondina Jó Machado e<br />

pertencendo a uma família <strong>de</strong> sete filhos. Seu pai era pecuarista e sua mãe,<br />

que faleceu cedo, <strong>de</strong>dicava-se às li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

248 Nessa época o <strong>banco</strong> não permitia que funcionários casados trabalhassem na mesma<br />

agência.<br />

212


A <strong>de</strong>poente estudou <strong>no</strong> Colégio Imaculada Conceição, em Cachoeira<br />

do Sul, on<strong>de</strong> fez o curso <strong>de</strong> auxiliar <strong>de</strong> comércio, o qual correspon<strong>de</strong>ria ao<br />

segundo grau <strong>de</strong> hoje.<br />

Olga ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cachoeira do Sul, em 16 <strong>de</strong><br />

<strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1943, tendo sido transferida para Porto Alegre em março <strong>de</strong><br />

1972. Aposentou-se em abril <strong>de</strong> 1974.<br />

4.2.7 Sarita Aguinsky<br />

Sarita nasceu <strong>no</strong> dia 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1925, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Mari-<br />

a, sendo filha <strong>de</strong> Rafael Aguinsky, que era argenti<strong>no</strong> e <strong>de</strong> Fany Aguinsky,<br />

que veio da Romênia. Pertencia a família israelita, tendo dois irmãos e cin-<br />

co irmãs.<br />

O pai <strong>de</strong> Sarita era comerciante e sua mãe <strong>de</strong>dicava-se às li<strong>de</strong>s do-<br />

mésticas. A <strong>de</strong>poente estudou sempre em colégio público, até completar o<br />

curso ginasial.<br />

Sarita ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre, <strong>no</strong> dia 02 <strong>de</strong><br />

agosto <strong>de</strong> 1943, tendo trabalhado na instituição até 19 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1955,<br />

quando se exonerou por ter casado.<br />

4.2.8 Sylvia Montin Teixeira<br />

Sylvia nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre, <strong>no</strong> dia 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

1919, sendo filha <strong>de</strong> José Pedro Álvares Teixeira, <strong>de</strong> origem francesa e por-<br />

213


tuguesa, e <strong>de</strong> Alpalece Montin Teixeira, <strong>de</strong> origem italiana. Seu pai era<br />

bancário e sua mãe <strong>de</strong>dicava-se aos afazeres domésticos.<br />

A <strong>de</strong>poente, que tinha apenas um irmão, estudou <strong>no</strong> Colégio Sévig-<br />

né, em Porto Alegre, on<strong>de</strong> fez o curso ginasial. Dedicou-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra<br />

ida<strong>de</strong> ao balê.<br />

Sylvia ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> na cida<strong>de</strong> em Porto Alegre, <strong>no</strong> dia 02 <strong>de</strong><br />

agosto <strong>de</strong> 1943 e fez carreira na instituição on<strong>de</strong> se aposentou <strong>no</strong> dia 01 <strong>de</strong><br />

julho <strong>de</strong> 1974.<br />

Os dados recolhidos através dos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong>stas oito bancárias<br />

sugerem que elas, em geral, pertenciam à classe média ou média alta.<br />

As oito fizeram, pelo me<strong>no</strong>s, o que era chamado na época <strong>de</strong> giná-<br />

sio, sendo que algumas cursaram o complementar (equivalente ao atual<br />

curso <strong>de</strong> magistério), o curso <strong>de</strong> auxiliar <strong>de</strong> comércio e em um dos casos, o<br />

curso superior (A<strong>de</strong>la). Apenas duas estudaram em escola pública; as <strong>de</strong>-<br />

mais realizaram sua formação em escolas particulares femininas<br />

pertencentes a or<strong>de</strong>ns religiosas.<br />

No grupo em estudo, cinco <strong>mulheres</strong> (A<strong>de</strong>la, Belloni, Diva, Olga e<br />

Sylvia) trabalharam <strong>no</strong> <strong>banco</strong> até completar 30 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> serviço e aposentar-<br />

se. Dessas, duas mantiveram-se solteiras (A<strong>de</strong>la e Sylvia), tendo as outras<br />

três casado. Diva casou já não muito jovem e não teve filhos.<br />

214


Das três que saíram do <strong>banco</strong>, após alguns a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> serviço, duas<br />

pediram <strong>de</strong>missão quando casaram (Sarita e Léa) e a terceira foi forçada a<br />

fazê-lo por ter casado com colega da mesma agência bancária (Leda).<br />

4.3 Decisão <strong>de</strong> trabalhar<br />

As bancárias ouvidas, conforme já foi dito, pertenciam a famílias<br />

que <strong>de</strong>sfrutavam <strong>de</strong> uma situação financeira relativamente confortável. 249<br />

Este dado permite supor que seus salários não eram indispensáveis ou fun-<br />

damentais na constituição do orçamento familiar. Assim sendo, a <strong>de</strong>cisão<br />

<strong>de</strong> trabalhar, por elas tomada, po<strong>de</strong>, perfeitamente, ter sido estimulada pela<br />

conjuntura política do início da década <strong>de</strong> 1940, que se tornara favorável<br />

ao trabalho femini<strong>no</strong>, como já foi discutido <strong>no</strong> Capítulo II <strong>de</strong>sta tese.<br />

Acrescente-se que, em alguns dos <strong>de</strong>poimentos, fica explícito o <strong>de</strong>-<br />

sejo das <strong>mulheres</strong> ouvidas <strong>de</strong> alcançarem a in<strong>de</strong>pendência financeira. Uma<br />

das <strong>de</strong>poentes (Léa) foi clara: “eu queria a minha in<strong>de</strong>pendência econômica<br />

[...] eu queria ser dona do que era meu.” 250 Outra (A<strong>de</strong>la), disse que se for-<br />

mara professora, mas não fora <strong>no</strong>meada porque as <strong>no</strong>meações eram <strong>de</strong> dois<br />

249<br />

Consi<strong>de</strong>rou-se que as famílias das bancárias tinham uma situação financeira relativamente<br />

confortável, porque seus pais tinham empregos estáveis e, ao que se percebeu,<br />

razoavelmente ou até bem remunerados; as ouvidas estudaram em bons colégios, sendo<br />

a maioria <strong>de</strong>les pagos e nenhuma <strong>de</strong>las fez referência a que precisasse trabalhar para<br />

ajudar a família.<br />

250<br />

Depoimento à autora em 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

215


em dois a<strong>no</strong>s e acrescenta: “Então fiquei <strong>de</strong>sesperada. Eu queria trabalhar.<br />

Não que precisasse para manter a família, mas eu queria trabalhar.” 251<br />

Por outro lado, algumas das <strong>de</strong>poentes fizeram referência a que an-<br />

tes <strong>de</strong> ingressar <strong>no</strong> <strong>banco</strong> já haviam exercido alguma outra ativida<strong>de</strong><br />

remunerada: ajudando em casa comercial <strong>de</strong> parentes (Léa), <strong>trabalhando</strong> na<br />

oficina e <strong>no</strong> escritório do pai (Diva), dando aulas particulares (Sylvia), tra-<br />

balhando em escritório (Olga) ou <strong>de</strong>senvolvendo ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escriturária<br />

<strong>no</strong> Tribunal (Sarita). Além disso, uma das ouvidas aguardava que fosse a-<br />

berto o concurso para o magistério (A<strong>de</strong>la), ativida<strong>de</strong> para a qual estava<br />

habilitada, e outra esperava a <strong>no</strong>meação para o Imposto <strong>de</strong> Renda, em cujo<br />

concurso havia sido aprovada (Léa). 252<br />

As <strong>mulheres</strong> ouvidas viveram a sua juventu<strong>de</strong> quando <strong>no</strong>vas idéias<br />

estavam emergindo, mas costumes, atitu<strong>de</strong>s e valores <strong>de</strong> um tempo ante-<br />

rior ainda estavam muito presentes. Dessa forma, quando muito jovens e<br />

solteiras, elas, influenciadas pelo <strong>no</strong>vo que se colocava, <strong>de</strong>sejavam ter um<br />

trabalho remunerado e in<strong>de</strong>pendência financeira. Todavia, quando assumi-<br />

ram a condição <strong>de</strong> casadas, duas <strong>de</strong>las (Léa e Sarita) guiaram-se pelas<br />

influências do tempo anterior, pediram <strong>de</strong>missão <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e foram para ca-<br />

sa <strong>de</strong>dicar-se ao marido e aos filhos.<br />

251<br />

Depoimento <strong>de</strong> A<strong>de</strong>la à autora em 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

252<br />

Saliente-se que quando se consulta a ficha funcional das <strong>de</strong>mais trabalhadoras que<br />

ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> entre 1943-45, <strong>no</strong>ta-se que o constatado para as oito trabalhadoras<br />

que <strong>de</strong>ram seus <strong>de</strong>poimentos, repete-se para as <strong>de</strong>mais, das quais se tem a<br />

informação a partir da ficha funcional.<br />

216


4.4 Escolha da profissão<br />

Uma das indagações que motivou a realização <strong>de</strong>sta tese é o que te-<br />

ria levado várias jovens <strong>gaúchas</strong> a optarem por trabalhar <strong>no</strong> setor bancário.<br />

Indagava-se o que as teria estimulado (e as <strong>de</strong>mais que fizeram o concurso<br />

e não foram aprovadas) a <strong>de</strong>cidirem ser bancárias, ao invés <strong>de</strong> optar por<br />

profissões que usualmente eram escolhidas pelas <strong>mulheres</strong>, como o magis-<br />

tério. Levantou-se a hipótese <strong>de</strong> que, provavelmente, o salário das<br />

bancárias era bem mais alto do que o <strong>de</strong> outras profissões. 253<br />

Os relatos analisados trouxeram uma informação interessante: não<br />

houve, propriamente, uma escolha do trabalho <strong>no</strong> setor bancário pelas <strong>de</strong>-<br />

poentes. A maior parte <strong>de</strong>las afirmou que havia concluído o ginásio, o<br />

complementar ou o curso <strong>de</strong> auxiliar <strong>de</strong> comércio e <strong>de</strong>sejava trabalhar,<br />

quando ficou sabendo, por parente ou amigo, que haveria seleção para o<br />

Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, resolvendo inscrever-se.<br />

Duas das <strong>de</strong>poentes chegaram a afirmar (Léa) ou sugerir (Sylvia)<br />

que o ingresso na carreira foi aci<strong>de</strong>ntal. Outras disseram que, como não es-<br />

tavam <strong>trabalhando</strong>, resolveram inscrever-se <strong>no</strong> concurso, passaram e<br />

gostaram do trabalho e do ambiente que encontraram <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Uma <strong>de</strong>las<br />

(Diva) disse que trabalhar em <strong>banco</strong> dava status, principalmente <strong>no</strong> Banco<br />

do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. 254<br />

253<br />

Conforme alguns <strong>de</strong>poimentos, o número <strong>de</strong> jovens que fez concurso para o BERGS,<br />

em Porto Alegre, era muito elevado, chegando algumas a dizer que por volta <strong>de</strong> cem<br />

moças fizeram o concurso. Teve-se a confirmação <strong>de</strong> que o número <strong>de</strong> candidatas ao referido<br />

concurso foi elevado, mas não se obteve a confirmação <strong>de</strong> que teria chegado a<br />

cem jovens.<br />

254<br />

Depoimento à autora em 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1995.<br />

217


Apenas duas das entrevistadas (Leda e Belloni) disseram ter <strong>de</strong>cidi-<br />

do ser bancária. Leda contou que “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> menina” escolhera a profissão. Ela<br />

afirma que morava fora e que via o trabalho que passavam as professoras<br />

que tinham que ir para o interior. Isso a fez <strong>de</strong>cidir que jamais se <strong>de</strong>dicaria<br />

a essa profissão.<br />

Conforme o relato <strong>de</strong> Leda, certa vez, sua família recebeu a visita<br />

<strong>de</strong> uma funcionária do Banco Nacional do Comércio (Eda Soares). Tal co-<br />

nhecimento teria <strong>de</strong>spertado nela o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser bancária também. De<br />

acordo com suas palavras:<br />

“Naquele tempo mulher sempre era professora...então<br />

eu dizia: eu vou ser bancária ... porque eu recebi,<br />

uma vez, uma visita <strong>de</strong> uma moça bancária [...] e eu<br />

disse: mãe, eu vou ser isso.” 255<br />

Leda acrescenta que também sua formação escolar foi orientada pelo<br />

seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>, mais tar<strong>de</strong>, trabalhar em um <strong>banco</strong>. Disse ela:<br />

“Quando eles (os pais) vieram para a cida<strong>de</strong> para a<br />

gente estudar, eu já fui estudar <strong>no</strong> Colégio Técnico<br />

Fontoura Ilha [...] a minha instrução já foi direcionada<br />

para ser bancária. Eu terminei o curso e em<br />

seguida fiz o concurso [...] Era meu i<strong>de</strong>al ser bancária.”<br />

256<br />

Apesar do seu manifesto <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser bancária, Leda trabalhou <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> durante apenas cinco a<strong>no</strong>s. Por ocasião <strong>de</strong> seu casamento, com um<br />

colega que trabalhava na mesma agência, teve <strong>de</strong> cumprir a <strong>no</strong>rma do <strong>banco</strong><br />

que impedia funcionários casados <strong>de</strong> trabalharem na mesma casa. Como em<br />

255 Depoimento à autora em 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998.<br />

256 I<strong>de</strong>m.<br />

218


Santa Maria havia, na época, só uma agência do BERGS, a bancária não te-<br />

ve outra alternativa - precisou exonerar-se.<br />

Belloni Marques afirmou que não queria mesmo era ser professora<br />

porque “tinha que ter muita paciência e que ela não tinha” e acrescenta:<br />

“Eu escolhi ser bancária porque tinha um vizinho que<br />

era. Ele tinha muitos feriados, ganhava gratificações,<br />

férias. Aí eu dizia: meu pai e minha mãe trabalham<br />

tanto e ele (o vizinho) sempre está <strong>de</strong> folga e ganhando<br />

bem. Aquilo me ficou na cabeça <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

pequena [...] Des<strong>de</strong> os <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s eu tinha essa idéia;<br />

queria ser como o Seu Ardui<strong>no</strong> Bra<strong>de</strong>k que era do<br />

Banco da Província. Até fiz concurso para o Banco<br />

da Província, mas parece que não atingi os pontos.” 257<br />

Os <strong>de</strong>poimentos das outras bancárias ouvidas evi<strong>de</strong>nciam que, ape-<br />

sar <strong>de</strong> não ter, propriamente, havido uma escolha <strong>de</strong> profissão, estas<br />

sentiram-se bem <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e, por esse motivo, permaneceram <strong>trabalhando</strong>.<br />

As duas que pediram <strong>de</strong>missão (Léa e Sarita), o fizeram porque esse pro-<br />

cedimento ainda era comum entre as <strong>mulheres</strong> que contraíam matrimônio.<br />

firmação:<br />

Perguntada por que <strong>de</strong>ixou o <strong>banco</strong> ao casar, Léa fez a seguinte a-<br />

257 Depoimento à autora em 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999.<br />

“ele (o marido) nunca exter<strong>no</strong>u a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> que eu<br />

continuasse <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, mas ele nunca me disse: não.<br />

Ele <strong>de</strong>ixou à minha escolha. Sabe como é, graças a<br />

Deus, não havia necessida<strong>de</strong> da soma, eu achei que<br />

era tempo <strong>de</strong> me <strong>de</strong>dicar a minha família e não me<br />

219


fez falta, graças a Deus [...] Aí eu me <strong>de</strong>diquei só a<br />

minha família.” 258<br />

Articulando-se a afirmação acima com o que disse anteriormente a<br />

mesma <strong>de</strong>poente, justificando a sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> trabalhar <strong>no</strong> <strong>banco</strong> (eu que-<br />

ria a minha in<strong>de</strong>pendência econômica), po<strong>de</strong>-se comprovar que o momento<br />

vivido era <strong>de</strong> transição e que, efetivamente, o velho e o <strong>no</strong>vo confronta-<br />

vam-se. Quando solteira, a <strong>de</strong>poente <strong>de</strong>cidiu trabalhar para ter<br />

in<strong>de</strong>pendência financeira. Era isso que as jovens <strong>de</strong>sse <strong>no</strong>vo tempo <strong>de</strong>seja-<br />

vam. Porém, quando casou, <strong>de</strong>cidiu pedir <strong>de</strong>missão do trabalho para<br />

<strong>de</strong>dicar-se inteiramente à família. Percebe-se nesse comportamento que as<br />

marcas do positivismo do tempo anterior ainda estavam muito presentes <strong>no</strong><br />

imaginário das <strong>mulheres</strong> da época.<br />

Deve ser ressaltado que várias das <strong>de</strong>poentes justificaram, senão o<br />

seu ingresso, a sua permanência <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, referindo-se ao salário e afir-<br />

mando que este era elevado. Também foram feitas comparações com os<br />

salários <strong>de</strong> outras profissões, como o magistério, tendo as bancárias afir-<br />

mado que os seus salários eram bem mais altos do que os das professoras.<br />

Foi dito que <strong>no</strong> <strong>banco</strong> haviam gratificações que tornavam maiores os ga-<br />

nhos anuais. Houve referência (Sylvia) a que a profissão <strong>de</strong> bancária “era<br />

garantida,” pois haviam feito concurso e que era uma profissão “<strong>de</strong> futuro.”<br />

As informações dadas pelas <strong>de</strong>poentes confirmam-se na consulta às<br />

suas fichas funcionais, as quais informam que as bancárias, admitidas em<br />

agosto <strong>de</strong> 1943, receberam o salário inicial <strong>de</strong> Cr$ 350,00, mas que, dois<br />

258 Depoimento <strong>de</strong> Léa à autora em 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

220


meses <strong>de</strong>pois, com base na Resolução da Diretoria nº 430, tiveram seu salá-<br />

rio acrescido <strong>de</strong> Cr$ 100,00, passando a perceber Cr$ 450,00. Confirmam-<br />

se, igualmente, as várias gratificações mencionadas por algumas trabalha-<br />

doras.<br />

Os dados salariais mencionados comprovam a hipótese levantada <strong>de</strong><br />

que a questão salarial teria <strong>de</strong>sempenhado um papel importante na escolha<br />

do trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e na permanência na instituição.<br />

Além disso, a jornada <strong>de</strong> trabalho das bancárias era <strong>de</strong> seis horas, 259<br />

diferentemente <strong>de</strong> comerciárias, funcionárias públicas ou funcionárias <strong>de</strong><br />

escritórios, que trabalhavam oito horas diárias. Sem a me<strong>no</strong>r dúvida, a pos-<br />

sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo parcial foi fator importante na escolha <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

trabalho e na permanência <strong>no</strong> mesmo, principalmente <strong>no</strong> caso das casadas<br />

que continuaram <strong>trabalhando</strong>.<br />

Como já se discutiu, <strong>de</strong>vido ao processo <strong>de</strong> socialização ao qual são<br />

submetidas, as <strong>mulheres</strong>, em geral, vêem o trabalho assalariado como su-<br />

bordinado e complementar, pois preferem seu vínculo com a família. Por<br />

essa razão, gran<strong>de</strong> parte das <strong>mulheres</strong> procuram ativida<strong>de</strong>s em tempo parci-<br />

al. O trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong> apresentava a possibilida<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong><br />

aten<strong>de</strong>rem a esse objetivo.<br />

259<br />

Conforme o Referencial Histórico do SEEB-POA, a jornada <strong>de</strong> seis horas para os<br />

bancários em geral, foi estabelecida em 1933. Somente aqueles que tinham comissionamento<br />

trabalhavam oito horas. Os <strong>de</strong>mais trabalhadores, <strong>no</strong> entanto, podiam fazer<br />

horas-extra e aumentar seus ganhos. FREIRE, Cristiane, MIRAGEM, Anna, PEDROSO,<br />

Elisabeth, PETERSEN, Aurea. Referencial Histórico do SEEB-POA, 1994, mimeografado,<br />

p. 35.<br />

221


Comentando ainda a questão da escolha da profissão, cabe acrescen-<br />

tar que, perguntadas sobre como haviam ficado sabendo do concurso,<br />

nenhuma das <strong>de</strong>poentes mencio<strong>no</strong>u que fora através da imprensa. Também<br />

não se localizou, em nenhum dos jornais consultados (Correio do Povo, Di-<br />

ário <strong>de</strong> Notícias, Jornal do Comércio) anúncio do concurso do Banrisul, o<br />

que leva a crer que o mesmo não foi divulgado através <strong>de</strong>sse veículo. As<br />

moças que se inscreveram para o mesmo ficaram sabendo da sua realização<br />

através <strong>de</strong> informação <strong>de</strong> amigos ou conhecidos, alguns dos quais funcioná-<br />

rios da instituição.<br />

4.5 Reação da família ao trabalho das filhas<br />

Consi<strong>de</strong>rando as características patriarcais da socieda<strong>de</strong> gaúcha, re-<br />

forçadas pela influência positivista, trabalhava-se com a hipótese <strong>de</strong> que a<br />

família das jovens que ingressaram <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul teriam esboçado reação contrária ao trabalho <strong>de</strong>stas, pelo fato do mes-<br />

mo acontecer em um ambiente até então exclusivamente masculi<strong>no</strong>. É<br />

verda<strong>de</strong>, como foi discutido <strong>no</strong> Capítulo III, que outros <strong>banco</strong>s já admitiam<br />

<strong>mulheres</strong> em seus quadros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> vinte, mas <strong>no</strong><br />

BERGS, até 1943, isto não acontecia, o que justificava a hipótese levanta-<br />

da.<br />

O estudo dos <strong>de</strong>poimentos recolhidos, todavia, não indicou gran<strong>de</strong><br />

resistência dos familiares à escolha feita pelas jovens. Cinco das oito <strong>de</strong>po-<br />

entes afirmaram que a família <strong>de</strong>u todo o apoio a sua <strong>de</strong>cisão e que<br />

222


consi<strong>de</strong>rou uma ótima profissão. Algumas acrescentaram que os pais acha-<br />

ram que era um trabalho garantido, seguro e com bom salário. Outro<br />

argumento foi não haver a exigência <strong>de</strong> que a jovem fosse para outra cida<strong>de</strong><br />

como ocorria com as professoras.<br />

O último argumento acima citado, parece ter pesado, significativa-<br />

mente, para que as famílias aceitassem o trabalho das jovens <strong>no</strong> setor<br />

bancário. Uma das <strong>de</strong>poentes (A<strong>de</strong>la), que fizera o complementar (magisté-<br />

rio), explicando a aceitação do pai, inclusive, afirmou: “Quando eu me<br />

formei (professora) eu fui <strong>no</strong>meada para o interior e meu pai não me <strong>de</strong>ixou<br />

ir.” 260 Também o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Leda, anteriormente comentado, reforça<br />

essa idéia.<br />

Pelo que foi exposto, acredita-se que a atitu<strong>de</strong> favorável da maioria<br />

dos pais quanto ao trabalho das filhas <strong>no</strong> <strong>banco</strong> foi, pelo me<strong>no</strong>s em parte,<br />

motivada pela suposição <strong>de</strong> que estas não precisariam sair <strong>de</strong> suas cida<strong>de</strong>s.<br />

Ressalta-se, contudo, que legalmente qualquer trabalhadora admiti-<br />

da <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul po<strong>de</strong>ria ser mandada para<br />

outra cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> este tivesse sucursal ou agência. As fichas funcionais <strong>de</strong><br />

todas as bancárias eram iniciadas com a seguinte frase:<br />

260 Depoimento à autora em 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

261 Ver ficha funcional em anexo.<br />

“Admitida neste <strong>banco</strong> em (data) como auxiliar, com<br />

o or<strong>de</strong>nado mensal <strong>de</strong> (importância) para servir em<br />

qualquer <strong>de</strong> suas casas <strong>de</strong> acordo com o regime estabelecido<br />

para todos os funcionários.”(grifo <strong>no</strong>sso) 261<br />

223


Apesar <strong>de</strong>ssa advertência, não se tem registro <strong>de</strong> que, na prática, is-<br />

so tivesse ocorrido. As transferências havidas, conforme po<strong>de</strong> ser<br />

constatado nas fichas das trabalhadoras, aconteceram por solicitação <strong>de</strong>s-<br />

tas.<br />

Ainda com referência à aceitação do trabalho das jovens <strong>no</strong> <strong>banco</strong>,<br />

<strong>de</strong>ve ser registrado que em dois casos (Diva e Léa) foi feita alusão a algu-<br />

ma resistência do pai ao trabalho da filha e, em ambas as situações, foi dito<br />

que a mãe <strong>de</strong>u todo o apoio. Observe-se a afirmação <strong>de</strong> Léa:<br />

“A minha mãe era uma pessoa muito atualizada [...]<br />

Ela me <strong>de</strong>u força [...] Agora, eu entrei escondida do<br />

meu pai [...] não era pelo fato da mulher trabalhar,<br />

mas [...] não tinha o porque <strong>de</strong> tirar o lugar <strong>de</strong> um<br />

homem [...] esse era o raciocínio <strong>de</strong>le e eu queria que<br />

ele enten<strong>de</strong>sse que eu queria a minha in<strong>de</strong>pendência<br />

econômica. Não era o fato <strong>de</strong> ele [...] não me manter,<br />

mas eu queria ser dona do que era meu. [...] Ele achava<br />

que eu estava tirando o lugar <strong>de</strong> quem<br />

precisaria mais, ele não via o porquê [...] Nunca te<br />

faltou nada por que que tu queres trabalhar nisso?<br />

Não que impedisse <strong>de</strong> eu trabalhar, mas sei lá ...”<br />

(grifo <strong>no</strong>sso) 262<br />

Esse <strong>de</strong>poimento é paradigmático, contendo várias afirmações <strong>de</strong> al-<br />

ta relevância para o presente trabalho: a filha queria trabalhar para ter<br />

in<strong>de</strong>pendência financeira, mas precisou entrar <strong>no</strong> <strong>banco</strong> escondida do pai,<br />

que achava que esta estava tirando o lugar <strong>de</strong> um homem. As afirmações <strong>de</strong><br />

Léa retratam muito bem a época em que esta viveu. As <strong>mulheres</strong> mais jo-<br />

262 Depoimento à autora em 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

224


vens, influenciadas pelas idéias <strong>no</strong>vas, <strong>de</strong>sejavam trabalhar, mas seu traba-<br />

lho <strong>no</strong> espaço público era encarado pelos mais velhos, especialmente do<br />

sexo masculi<strong>no</strong>, como <strong>de</strong>snecessário. Cabia aos homens, pais ou maridos,<br />

proverem a subsistência das <strong>mulheres</strong> da casa, que não <strong>de</strong>veriam “tirar” o<br />

espaço que era visto como, <strong>de</strong> direito, “pertencendo aos homens.”<br />

A posição do pai <strong>de</strong> Léa, também ficou evi<strong>de</strong>nte quando esta fez re-<br />

ferência ao ao trabalho da mãe. A mãe <strong>de</strong> Léa havia trabalhado como<br />

professora e <strong>de</strong>pois, aten<strong>de</strong>ndo a vonta<strong>de</strong> do marido, <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> lecionar.<br />

De acordo com a <strong>de</strong>poente, seu pai “não <strong>de</strong>ixou que ela (a mãe) trabalhasse<br />

mais porque ele achava bobagem estar se <strong>de</strong>sgastando, levantar cedo, fazer<br />

e acontecer.” (grifo <strong>no</strong>sso) 263<br />

Na afirmação do pai da <strong>de</strong>poente, i<strong>de</strong>ntifica-se a relação patriarcal e<br />

autoritária presente na família - o pai não <strong>de</strong>ixou que a mãe trabalhasse<br />

mais – e fica <strong>de</strong>monstrado que era o homem da casa que <strong>de</strong>cidia o que sua<br />

mulher <strong>de</strong>via fazer. Também fica perfeitamente claro que, para famílias <strong>de</strong><br />

classe média, o trabalho da mulher fora <strong>de</strong> casa era consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>sneces-<br />

sário; afinal elas não <strong>de</strong>viam se <strong>de</strong>sgastar com o mesmo. As obrigações da<br />

mulher casada, segundo o imaginário social <strong>de</strong> época, eram com o marido,<br />

com os filhos e com casa, cabendo ao homem sustentar a família.<br />

A posição manifesta pelo pai da <strong>de</strong>poente articula-se com a visão<br />

veiculada pela imprensa gaúcha da época. Em jornais consultados, vários<br />

artigos expressam exatamente esse posicionamento. Afirmam tais artigos<br />

263 Depoimento à autora em 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

225


que as <strong>mulheres</strong> estavam ingressando <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho e tirando o<br />

lugar dos homens. O artigo a seguir, intitulado Aproveita, Eva, <strong>de</strong> autoria<br />

<strong>de</strong> Fernando Borba, é um dos vários exemplos do que se está dizendo. Es-<br />

creve o articulista:<br />

“Primeiro eram eles. Só eles. Ali <strong>no</strong> batente. Na brecha.<br />

Elas ficavam em casa. Espiando o fogo. Olhando<br />

as crianças. Cuidando o relógio. Com medo <strong>de</strong> tudo.<br />

Ensaiando faniquitos. Esperando. Depois a guerra<br />

passada [...] valorizou a mulher. Valorizou-a como<br />

fator <strong>de</strong> produção. Mediu a inteligência <strong>de</strong> Eva. Exami<strong>no</strong>u<br />

seus músculos. Comparou-a e achou que ela<br />

era igualzinha a Adão [...] E ela se fez caixeira. Policeman.<br />

Agitadora. Encrenqueira. E as <strong>mulheres</strong><br />

<strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser apenas <strong>mulheres</strong> e se tornaram funcionárias.<br />

Doutoras. Aviadoras. Juízas. Promotoras.<br />

Começaram a fazer ginástica. Campeãs <strong>de</strong> natação.<br />

De tudo. Tomaram conta do mercado. [...] os homens<br />

sentiram que estavam per<strong>de</strong>ndo terre<strong>no</strong>. E <strong>de</strong>ram em<br />

alijar dos concursos a terrível concorrente [...] Só para<br />

homens - Mas elas insistiram Tomaram <strong>de</strong> assalto<br />

outras posições. E venceram. Estão empatando com<br />

os homens. E ganhando <strong>de</strong>les [...] Já não pe<strong>de</strong>m licença:<br />

Metem os ombros. Metem a cara...”(Grifos<br />

<strong>no</strong>ssos) 264<br />

No início da década <strong>de</strong> quarenta, enquanto, por um lado, havia um<br />

certo estímulo para as <strong>mulheres</strong> ingressassem <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho, pelas<br />

razões que foram discutidas especialmente <strong>no</strong> Capítulo II <strong>de</strong>sta tese, por<br />

outro lado, ainda havia setores muito resistentes ao avanço das <strong>mulheres</strong>,<br />

os quais faziam intensa campanha contrária.<br />

Retornando às entrevistas, cabe ainda um breve comentário a respei-<br />

to da posição da mãe da <strong>de</strong>poente que, segundo esta, <strong>de</strong>u toda a força para<br />

264 Correio do Povo, 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1943, p.4.<br />

226


que ela ingressasse <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Consi<strong>de</strong>ra-se correto afirmar que as mulhe-<br />

res da geração <strong>de</strong> vinte, em geral, submeteram-se à vonta<strong>de</strong> do marido e<br />

não trabalhavam fora <strong>de</strong> casa, mas estimulavam suas filhas a investir numa<br />

profissão, bem como a buscarem in<strong>de</strong>pendência financeira. Alguns traba-<br />

lhos, relativos ao período, constataram isso. 265<br />

Finalmente, cabe ressaltar que Léa casou, após mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>banco</strong>, e pediu <strong>de</strong>missão, pois, segundo suas palavras, já citadas, optou por<br />

<strong>de</strong>dicar-se inteiramente a sua família. Essa posição reforça a idéia <strong>de</strong> que a<br />

influência positivista ainda estava bastante presente, apesar das transfor-<br />

mações e dos avanços havidos na socieda<strong>de</strong> gaúcha.<br />

4.6 Relação entre homens e <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

Ao se elaborar o projeto <strong>de</strong>sta tese, levantara-se a hipótese <strong>de</strong> que<br />

as relações <strong>de</strong> gênero estabelecidas <strong>no</strong> mundo do trabalho bancário, quando<br />

as primeiras <strong>mulheres</strong> ingressaram, <strong>de</strong>veriam ser bastante conflituosas. I-<br />

maginava-se que as <strong>mulheres</strong> que haviam feito o primeiro concurso para<br />

ingresso <strong>no</strong> <strong>banco</strong> seriam <strong>mulheres</strong> com uma consciência crítica bem <strong>de</strong>-<br />

senvolvida, que procurariam conquistar uma posição <strong>de</strong>ntro da instituição.<br />

265<br />

Maria Lúcia Coutinho, em estudo realizado, compara duas gerações <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> –<br />

mães e filhas –, nascidas as primeiras nas décadas <strong>de</strong> vinte e trinta e as segundas por<br />

volta <strong>de</strong> 1940 e 1950. Conforme Coutinho: “muitas <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>ssa geração (vinte e<br />

trinta) tentaram passar para suas filhas a idéia <strong>de</strong> que era preciso que elas investissem<br />

também numa carreira ou profissão, buscando a in<strong>de</strong>pendência financeira que não tiveram<br />

e a realização pessoal <strong>de</strong> que abriram mão para se <strong>de</strong>dicar integralmente à famlia.”<br />

COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos pa<strong>no</strong>s. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rocco, 1994.<br />

P.237.<br />

227


Julgava-se que essas <strong>mulheres</strong> estariam rompendo com o padrão <strong>de</strong> domina-<br />

ção masculina estabelecido na socieda<strong>de</strong> gaúcha. Por outro lado, supunha-<br />

se que os homens resistiriam, vendo seu domínio ameaçado. Essa hipótese,<br />

<strong>no</strong> entanto, não se confirmou com as primeiras trabalhadoras do Banco do<br />

Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Todas as <strong>de</strong>poentes afirmaram que as relações entre homens e mu-<br />

lheres, <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, eram as melhores possíveis, sendo marcadas por respeito,<br />

cordialida<strong>de</strong> e amiza<strong>de</strong>. Algumas explicaram o bom relacionamento, fazen-<br />

do referência à diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> entre elas e a maioria dos homens. As<br />

<strong>mulheres</strong> tinham em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> vinte ou vinte e poucos a<strong>no</strong>s e gran<strong>de</strong> parte<br />

dos homens, por volta <strong>de</strong> quarenta. Uma das <strong>de</strong>poentes (Léa) acrescentou<br />

que os homens eram como que pais <strong>de</strong>las, visto que eles eram “homens fei-<br />

tos e elas muito jovens.” 266<br />

Acredita-se que afirmações <strong>de</strong>ste tipo caracterizam a natureza das<br />

relações que se estabeleceram entre homens e <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> espaço <strong>de</strong> traba-<br />

lho bancário. Os homens eram vistos como pais das trabalhadoras e essas<br />

<strong>de</strong>veriam submeter-se a sua autorida<strong>de</strong> como, em uma socieda<strong>de</strong> patriarcal,<br />

as filhas submetem-se à “autorida<strong>de</strong> paterna.” Ao perceberem seus colegas<br />

como seus pais, evi<strong>de</strong>ntemente, as jovens bancárias não po<strong>de</strong>riam disputar<br />

com eles espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>. Deveriam, isto sim, acomodar-<br />

se <strong>no</strong> lugar que lhes era <strong>de</strong>stinado.<br />

266 Depoimento à autora em 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

228


Os homens que foram ouvidos, seja Mário Antunes da Cunha, seja<br />

Jurandy Urbanetto ou Duversy <strong>de</strong> Barros, foram unânimes em afirmar que<br />

as relações entre homens e <strong>mulheres</strong> eram as melhores que se po<strong>de</strong> imagi-<br />

nar. Duversy <strong>de</strong> Barros chegou a dizer que, com sua presença, “as <strong>mulheres</strong><br />

preencheram uma lacuna que havia <strong>no</strong> <strong>banco</strong>.” 267<br />

Apesar das repetidas referências a um ótimo relacionamento entre<br />

homens e <strong>mulheres</strong>, várias bancárias ouvidas disseram que tinham o hábito<br />

<strong>de</strong> andar sempre em grupo. “Saíamos juntas, entrávamos na mesma hora,<br />

todas juntas, se ia ao banheiro <strong>de</strong> duas [...] a gente se sentia assim meio in-<br />

segura por aquela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colegas.”(Léa) 268<br />

Outra questão a discutir é que quando se propôs às várias <strong>de</strong>poentes<br />

discutir a questão das relações entre homens e <strong>mulheres</strong>, a maioria fez refe-<br />

rência a que “os homens respeitavam as <strong>mulheres</strong>.” Enten<strong>de</strong>-se que isso<br />

sugere que a principal preocupação das <strong>mulheres</strong> era a <strong>de</strong> serem respeita-<br />

das como “diferentes dos homens” e não a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> iguais condições<br />

<strong>no</strong> espaço <strong>de</strong> trabalho. As <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>ssa época, portanto, não reivindica-<br />

vam igualda<strong>de</strong>, mas serem tratadas pelos homens com <strong>de</strong>ferência, pois eram<br />

<strong>mulheres</strong>, eram diferentes...<br />

Outra observação que merece ser analisada aparece <strong>no</strong> <strong>de</strong>poimento<br />

<strong>de</strong> Diva, que afirmou:<br />

267 Depoimento à autora em 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998.<br />

268 Depoimento à autora em 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

229


“Nos tratavam como bibelôs ... Quando faziam festinhas<br />

<strong>no</strong>s colocavam ao lado da diretoria... Na<br />

primeira festinha saudaram a força e a fraqueza, a<br />

força representada pelos rapazes que estavam convocados<br />

e a fraqueza nós, as <strong>mulheres</strong>, não é? Aí<br />

nenhuma quis agra<strong>de</strong>cer e eu fui [...] Foi a primeira<br />

vez que falei em público.” (grifo <strong>no</strong>sso) 269<br />

Este é outro <strong>de</strong>poimento paradigmático. As <strong>mulheres</strong> eram tratadas<br />

como bibelôs. Bibelôs são enfeites ou acessórios, não são peças indispen-<br />

sáveis. Também foi dito que as <strong>mulheres</strong> representavam a fraqueza e os<br />

homens a força. Se, efetivamente, as <strong>mulheres</strong> eram vistas <strong>de</strong>ssa forma não<br />

ofereciam nenhum perigo para o controle do espaço pelos homens. Em ou-<br />

tras palavras, não disputavam com eles um lugar <strong>no</strong> mundo do trabalho. Por<br />

essa razão, até podiam sentar ao lado da diretoria, pois não estavam tirando<br />

o lugar <strong>de</strong> nenhum dos homens. Estes, gentilmente, podiam lhes conce<strong>de</strong>r<br />

tal privilégio, pois não se sentiam ameaçados pela presença feminina.<br />

Por outro lado, os documentos do <strong>banco</strong> relativos ao ingresso das<br />

<strong>mulheres</strong>, bem como as fichas funcionais, esclarecem que as jovens admiti-<br />

das na instituição <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s quarenta tiveram que se adaptar à posição que<br />

fora estabelecida para elas - pertenciam a um quadro separado dos <strong>de</strong>mais<br />

funcionários do <strong>banco</strong> e seu cargo era <strong>de</strong><strong>no</strong>minado “auxiliar”. Era o que es-<br />

tava estabelecido.<br />

Nessa situação as <strong>mulheres</strong> permaneceram por quase vinte a<strong>no</strong>s, o<br />

que só se alterou a partir <strong>de</strong> 1961, quando <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser auxiliares, tor-<br />

nando-se escriturárias e po<strong>de</strong>ndo passar para o Quadro A.<br />

269 Depoimento <strong>de</strong> Diva à autora em 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1995.<br />

230


Antes, em 1952 foi aprovada a Resolução 850, que instituiu o qua-<br />

dro <strong>de</strong> funcionários do <strong>banco</strong>, mas havia <strong>no</strong> mesmo o Quadro D, composto<br />

<strong>de</strong> auxiliares e foi ali que foram classificadas as <strong>mulheres</strong>. Assim estas<br />

continuaram separadas dos <strong>de</strong>mais funcionários do <strong>banco</strong>.<br />

Não resta a me<strong>no</strong>r dúvida que essa questão regimental foi fator<br />

fundamental para manter as <strong>mulheres</strong> acomodadas às posições subalternas.<br />

Todavia, fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m cultural também foram relevantes para que as<br />

primeiras trabalhadoras do <strong>banco</strong> não se mobilizassem contra o que estava<br />

instituído. A mulher, na socieda<strong>de</strong> em geral, e na gaúcha, em especial, é<br />

socializada para ocupar uma posição secundária ou para ser auxiliar do ho-<br />

mem. Portanto, o que estava instituído podia ser consi<strong>de</strong>rado, pelas<br />

próprias <strong>mulheres</strong>, como perfeitamente “natural” ou “<strong>no</strong>rmal.”<br />

Da parte dos homens, como as <strong>mulheres</strong> estavam enquadradas em<br />

uma posição inferior, não tinha porque entrar em conflito com elas. O re-<br />

gimento inter<strong>no</strong> resguardava o lugar masculi<strong>no</strong>. Isso explica por que as<br />

relações entre os trabalhadores <strong>de</strong> ambos os sexos foram amistosas, não se<br />

estabelecendo a disputa por posições, pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong>s primeiros vinte a<strong>no</strong>s<br />

após o ingresso das trabalhadoras.<br />

As primeiras manifestações que evi<strong>de</strong>nciaram a tentativa <strong>de</strong> con-<br />

quistar um espaço <strong>de</strong>ntro do mundo do trabalho bancário só começaram a<br />

ocorrer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1961, quando a situação acima <strong>de</strong>scrita alterou-se. Foi a<br />

partir do final dos a<strong>no</strong>s sessenta e <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s setenta que as <strong>mulheres</strong>, em ge-<br />

ral, começaram a olhar <strong>de</strong> forma mais crítica para a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> nas<br />

231


elações <strong>de</strong> gênero, tanto <strong>no</strong> mundo do trabalho como em outras instâncias<br />

da socieda<strong>de</strong>.<br />

No que se refere ao relacionamento entre <strong>mulheres</strong>, quase todas as<br />

<strong>de</strong>poentes fizeram referência ao fato <strong>de</strong> que a convivência <strong>de</strong>ntro da<br />

instituição as ligou profundamente. Sylvia, Léa e Sarita, inclusive, foram<br />

juntas ao Museu Banrisul para fazer seus <strong>de</strong>poimentos e afirmaram que sua<br />

amiza<strong>de</strong> era <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cinqüenta a<strong>no</strong>s. Diva, por sua vez, disse que<br />

manteve amiza<strong>de</strong> com as bancárias que foram suas colegas em Pelotas,<br />

assim como com as que veio a conhecer em Porto Alegre. Além disso, em<br />

diferentes eventos do <strong>banco</strong> dos quais se participou foi possível observar<br />

que as bancárias, já aposentadas há mais <strong>de</strong> vinte a<strong>no</strong>s, efetivamente,<br />

pareciam muito próximas.<br />

Quase todas as <strong>de</strong>poentes referiram-se à Colônia <strong>de</strong> Férias do Ban-<br />

co 270 como sendo um local que facilitava a aproximação entre os<br />

trabalhadores da instituição. Conforme Sylvia, “a gente ia muito para a Co-<br />

lônia <strong>de</strong> Férias[...] a gente se reunia lá todos os fins <strong>de</strong> semana [...] todo<br />

mundo andava junto, ia para o cinema à <strong>no</strong>ite, para o Gioconda.” 271 Léa dis-<br />

se que a Colônia <strong>de</strong> Férias era “uma coisa maravilhosa [...] tinha bailes e a<br />

gente dançava <strong>de</strong>pois da janta [...] jogava sete e meio e ping-pong.” 272<br />

270<br />

Conforme o Informativo Banrisul, a Colônia <strong>de</strong> Férias do BERGS foi construída em<br />

terre<strong>no</strong> adquirido pelo <strong>banco</strong> em 1941 e ficava situada na Rua Mário Totta, na Tristeza.<br />

O terre<strong>no</strong> tinha 105 metros <strong>de</strong> frente para a rua e 102 <strong>de</strong> frente para o Rio Guaiba.<br />

271<br />

Depoimento <strong>de</strong> Sylvia à autora em 07 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

272<br />

Depoimento <strong>de</strong> Léa à autora em 07 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

232


Também foi dito que “lá iniciaram namoros que acabaram em casamen-<br />

to.” 273<br />

4.7 Salário dos homens e das <strong>mulheres</strong><br />

No que diz respeito à questão salarial, a primeira observação que<br />

po<strong>de</strong> ser feita é que, como foi anteriormente comentado, as oito <strong>de</strong>poentes<br />

manifestaram satisfação com seus salários. Disseram que ganhavam bem,<br />

fizeram menção ao aumento que receberam já <strong>no</strong> segundo mês <strong>de</strong> trabalho e<br />

ainda afirmaram que recebiam mais <strong>de</strong> 12 salários por a<strong>no</strong> porque havia as<br />

gratificações. Uma das <strong>de</strong>poentes (Sarita) chegou a dizer:<br />

“Eu ganhava muito bem. De seis em seis meses nós<br />

tínhamos gratificações, que a gente nem estava esperando.<br />

A gente nem esperava aquele dinheirão todo<br />

que vinha e nós recebíamos num envelope azul [...] E<br />

isso consi<strong>de</strong>rando que as <strong>mulheres</strong> ganhavam me<strong>no</strong>s<br />

que os homens, sempre teve essa diferença...Quem<br />

pagava era o seu Neves. Era o tesoureiro. [...] sempre<br />

<strong>no</strong> dia 25, nunca falhou.”(grifo <strong>no</strong>sso) 274<br />

Apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrarem que estavam contentes com seus salários,<br />

quase todas as ouvidas fizeram referência a que, como elas faziam parte <strong>de</strong><br />

quadro diferenciado do quadro geral do <strong>banco</strong>, havia diferenças <strong>de</strong> salário<br />

entre homens e <strong>mulheres</strong>. Referindo-se ao seu tempo <strong>de</strong> serviço e aos co-<br />

missionamentos do pós-1961, outra bancária (A<strong>de</strong>la) disse que “houve uma<br />

273 Depoimento <strong>de</strong> Sarita à autora em 07 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

274 Depoimento <strong>de</strong> Sarita à autora em 02 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

233


ocasião em que eu ganhava mais do que o gerente,” mas acrescentou que<br />

“via <strong>de</strong> regra os homens ganhavam mais do que as <strong>mulheres</strong>.” 275<br />

Ficou muito claro, <strong>no</strong> material coletado, que a diferença salarial en-<br />

tre homens e <strong>mulheres</strong> era uma <strong>de</strong>corrência da maneira diferenciada que<br />

caracterizou a inserção das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> que se refere<br />

às primeiras trabalhadoras , pois estas estavam em um quadro à parte. Essa<br />

situação inviabilizou a ascensão feminina e, como conseqüência, <strong>de</strong>termi-<br />

<strong>no</strong>u que os salários das <strong>mulheres</strong> fossem inferiores aos dos homens.<br />

4.8 Ascensão das <strong>mulheres</strong><br />

Dentre as oito bancárias ouvidas, três (A<strong>de</strong>la, Sylvia e Diva) tive-<br />

ram uma certa ascensão <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, o que ocorreu um pouco <strong>de</strong>pois do<br />

momento em que foi permitido às <strong>mulheres</strong> saírem do Quadro D.<br />

Do grupo investigado, A<strong>de</strong>la Prates foi a que teve a maior ascensão<br />

<strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Ela começou a trabalhar em Santana do Livramento em 1945,<br />

tendo sido transferida, a seu pedido, em fevereiro <strong>de</strong> 1955, para Porto Ale-<br />

gre. Na ocasião, foi <strong>de</strong>stacada para a agência <strong>de</strong> São João, que fora aberta<br />

em 1950, <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, posteriormente, foi transferida para a matriz do <strong>banco</strong>.<br />

A<strong>de</strong>la fez parte do primeiro grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> comissionadas, o que<br />

ocorreu em julho <strong>de</strong> 1964, quando assumiu a função <strong>de</strong> Auxiliar <strong>de</strong> Serviço<br />

275 Depoimento <strong>de</strong> A<strong>de</strong>la à autora em 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

234


da Agência Central. Em 1969, recebeu <strong>no</strong>vo comissionamento, <strong>de</strong>sta vez<br />

como Subchefe <strong>de</strong> Serviço Especial. Em janeiro <strong>de</strong> 1971 foi reclassificada<br />

<strong>no</strong> cargo <strong>de</strong> Conferente, pela Resolução nº 1908. Em 1973, passou a Chefe<br />

<strong>de</strong> Setor Especial e, em 1974, a Chefe da Seção <strong>de</strong> Pagamentos <strong>de</strong> Cheques.<br />

Na <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> A<strong>de</strong>la, portanto, constam duas chefias, uma <strong>de</strong> setor e ou-<br />

tra <strong>de</strong> seção.<br />

Sylvia Teixeira também fez parte do primeiro grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong><br />

comissionadas, assumindo a função <strong>de</strong> Auxiliar <strong>de</strong> Serviço da Diretoria Ge-<br />

ral, em julho <strong>de</strong> 1964. No a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1967, através da resolução 1763, foi<br />

classificada <strong>no</strong> cargo <strong>de</strong> Ajudante <strong>de</strong> Setor e, em 1971, reclassificada <strong>no</strong><br />

cargo <strong>de</strong> Conferente, ficando à disposição da Processul, a partir <strong>de</strong> maio do<br />

mesmo a<strong>no</strong>.<br />

Diva Schramm, que começara a trabalhar em Pelotas, foi transferida<br />

para a matriz do <strong>banco</strong> em Porto Alegre, em agosto <strong>de</strong> 1961, sendo comis-<br />

sionada com A<strong>de</strong>la e Sylvia em agosto <strong>de</strong> 1964. Porém, a seu pedido, o<br />

comissionamento foi tornado sem efeito. Em março <strong>de</strong> 1968, Diva voltou a<br />

ser comissionada como Subchefe <strong>de</strong> Setor e, em agosto <strong>de</strong> 1973, como Che-<br />

fe <strong>de</strong> Serviço da Direção Geral. 276<br />

Acrescente-se que Diva participou da Comissão <strong>de</strong> Promoções do<br />

<strong>banco</strong>, on<strong>de</strong>, segundo manifestações <strong>de</strong> outras trabalhadoras, foi muito efi-<br />

ciente e correta. Passavam por suas mão as fichas <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> todos os<br />

276 Diva explicou que na época do seu primeiro comissionamento, em 1964, ela fazia<br />

muitas horas-extras e que isso era mais compensador, em termos salariais, do que o co-<br />

235


funcionários do <strong>banco</strong>, previamente avaliados pelos seus chefes. Cabia à<br />

Comissão selecionar os que <strong>de</strong>veriam ser promovidos por antigüida<strong>de</strong> e os<br />

que po<strong>de</strong>riam sê-lo por merecimento.<br />

As três <strong>mulheres</strong> acima citadas, recebendo comissionamentos, tive-<br />

ram seus salários aumentados significativamente e assumiram posições <strong>de</strong><br />

mando <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, tendo, portanto, muitos homens sob suas or<strong>de</strong>ns e,<br />

segundo seus próprios <strong>de</strong>poimentos, como <strong>de</strong> outras bancárias do período<br />

posterior, parecem ter se <strong>de</strong>sempenhado muito bem na função.<br />

Perguntada se não teve problemas para dirigir os homens que esta-<br />

vam sob suas or<strong>de</strong>ns como Chefe <strong>de</strong> Setor e, posteriormente, Chefe <strong>de</strong><br />

Serviço, A<strong>de</strong>la disse que quando foi comissionada “tinha muita certeza do<br />

serviço [...] sabia todos os segredos do lugar e não teve contestação.” A-<br />

crescentou que “sempre teve boa comunicação com os dirigidos.” 277<br />

Das oito <strong>mulheres</strong> ouvidas, apenas as três acima citadas foram co-<br />

missionadas, tendo relativa ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. No que se refere às outras,<br />

Olga e Belloni foram auxiliares até 1961, quando passaram a escriturárias,<br />

função na qual se aposentaram. Sarita e Léa exoneraram-se do <strong>banco</strong> com<br />

pouco mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> trabalho e Leda precisou pedir exoneração com<br />

quatro a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong>vido ao casamento com o colega da mesma a-<br />

gência. As três últimas, portanto, saíram do <strong>banco</strong> ainda <strong>no</strong> período em que<br />

missionamento, razão pela qual pediu que o mesmo, naquela ocasião, fosse tornado sem<br />

efeito.<br />

277<br />

Depoimento <strong>de</strong> A<strong>de</strong>la à autora em 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

236


as <strong>mulheres</strong> eram auxiliares e, consequentemente, não conseguiram ascen-<br />

<strong>de</strong>r na instituição.<br />

Cabe acrescentar que, <strong>de</strong> todas as bancárias que constam do Quadro<br />

04, anteriormente apresentado, além <strong>de</strong> A<strong>de</strong>la, Sylvia e Diva, somente mais<br />

uma trabalhadora, que ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> entre 43-45 - Hermínia Branca<br />

Gaja da Cami<strong>no</strong> – obteve comissionamento, em agosto <strong>de</strong> 1964, assumindo<br />

funções <strong>de</strong> Auxiliar <strong>de</strong> Serviço da Direção Geral. Em 1967, Hermínia foi<br />

classificada, através da Resolução 1763, <strong>no</strong> cargo <strong>de</strong> Ajudante <strong>de</strong> Setor e,<br />

em 1971, através da Resolução1908, classificada <strong>no</strong> cargo <strong>de</strong> Conferente.<br />

Deve ser ressaltado que nenhuma das bancárias, que ingressaram em<br />

sucursais ou agências do interior, entre 1943-45, e que permaneceram em<br />

suas cida<strong>de</strong>s, tiveram a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber comissionamentos como<br />

ocorreu com duas da capital (Hermínia e Sylvia) e com duas do interior que<br />

vieram para Porto Alegre (A<strong>de</strong>la e Diva).<br />

Po<strong>de</strong> ser ressaltado ainda que, entre as bancárias que foram comis-<br />

sionadas <strong>no</strong> primeiro grupo, em 1964, constava também o <strong>no</strong>me <strong>de</strong> Ivete<br />

Maria Thereza Moratore que, conforme já dito, havia ingressado na agência<br />

do BERGS <strong>de</strong> Caxias em 1953, tendo vindo <strong>de</strong>pois para Porto Alegre. 278<br />

Apesar <strong>de</strong> algumas bancárias terem tido uma relativa ascensão <strong>de</strong>ntro<br />

do <strong>banco</strong>, sua caminhada não foi fácil, pelo que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r das pa-<br />

278<br />

A <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> Ivete Moratore e <strong>de</strong> outras bancárias que ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> mais<br />

tar<strong>de</strong> (1950, 1960, 1970, 1980) e galgaram postos importantes na instituição será objeto<br />

<strong>de</strong> estudo <strong>no</strong> capítulo seguinte.<br />

237


lavras <strong>de</strong> A<strong>de</strong>la. Perguntada sobre se era mais fácil para os homens subir <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>, sem vacilar, <strong>de</strong> forma direta: “Sempre foi mais fácil ...” 279<br />

4.9 Vida profissional e obrigações famíliares<br />

Trabalha-se nesta tese com o pressuposto <strong>de</strong> que o fato <strong>de</strong> serem a-<br />

tribuídas às <strong>mulheres</strong> casadas todas as obrigações com os filhos às quais<br />

acrescentam-se também <strong>de</strong>veres com o marido e cuidados com a casa, difi-<br />

culta a ascensão profissional das trabalhadoras em geral. As próprias<br />

<strong>mulheres</strong> julgam-se as únicas responsáveis por essas tarefas e acabam con-<br />

si<strong>de</strong>rando que a ativida<strong>de</strong> profissional é secundária.<br />

O estudo dos oito <strong>de</strong>poimentos recolhidos permitiu constatar que<br />

entre as três <strong>mulheres</strong> que obtiveram maior ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, duas eram<br />

solteiras e não tinham filhos (A<strong>de</strong>la e Sylvia). Das que casaram, três <strong>de</strong>ixa-<br />

ram o <strong>banco</strong> para <strong>de</strong>dicar-se à família (Sarita e Léa) ou porque era<br />

exigência da instituição (Leda) e três permaneceram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> (Belloni, Di-<br />

va e Olga). Saliente-se que <strong>de</strong>stas, apenas uma obteve comissionamento,<br />

após 1961 (Diva). Olga permaneceu <strong>no</strong> <strong>banco</strong> após o casamento e<br />

nascimento <strong>de</strong> seus três filhos, mas como ela própria relata, não aceitou<br />

cargos porque <strong>de</strong>sejava <strong>de</strong>dicar-se à família. Belloni também não recebeu<br />

comis- sionamentos.<br />

O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Olga é bastante importante para que se avalie as<br />

dificulda<strong>de</strong>s da trabalhadora que é casada e tem filhos. Ela referiu-se <strong>de</strong>ta-<br />

lhadamente aos problemas que precisou enfrentar para conciliar o trabalho<br />

279 Depoimento <strong>de</strong> A<strong>de</strong>la à autora em 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />

238


<strong>no</strong> <strong>banco</strong> com as obrigações junto à família. Assim se expressou a <strong>de</strong>poen-<br />

te:<br />

“Tinha que ter uma empregada e uma babá para cuidar<br />

do (filho) que estava em casa [...] A mais velha,<br />

ai eu botei em internato <strong>de</strong> colégio <strong>de</strong> freira [...] A<br />

gente passava dias difíceis, às vezes, a empregada<br />

não vinha, não tinha com quem <strong>de</strong>ixar as crianças<br />

[...] muitas vezes <strong>de</strong>ixei com os vizinhos. Depois eu<br />

consegui com um tio meu que tinha umas quantas filhas<br />

e filhos, eu consegui levar uma das meninas para<br />

cuidar da minha filha [...] O peque<strong>no</strong>, a mais velha já<br />

estava com <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s, então muitas vezes quando não<br />

tinha empregada ela cuidava <strong>de</strong>le [...] Um dia eu saí,<br />

fui para o <strong>banco</strong> e o meni<strong>no</strong> estava doente [...] o meu<br />

marido plantava e passava dias fora ... A casa passava<br />

só com as crianças. E neste dia o meni<strong>no</strong> estava<br />

doente e estava na hora <strong>de</strong> sair para o <strong>banco</strong> [...] ele<br />

foi <strong>de</strong>itar e eu disse: Marli, cuida <strong>de</strong>le, minha filhinha.<br />

Ela disse: Não, mãe, po<strong>de</strong> ir para o <strong>banco</strong> que<br />

eu vou cuidar. [...] Aí <strong>de</strong>pois que eu cheguei <strong>no</strong> <strong>banco</strong>,<br />

eu disse: Ai, meu Deus ! por que eu não fiquei,<br />

não faltei ao <strong>banco</strong>? Mas eu não gostava <strong>de</strong> faltar, eu<br />

achava que ficava ruim para mim. Então, eu, às vezes,<br />

pensava: <strong>de</strong>ixei meu filho doente em casa e fui<br />

trabalhar ... É aquela história ... ficava com dois corações<br />

... [...] com sentimento <strong>de</strong> culpa...” (grifo<br />

<strong>no</strong>sso) 280<br />

Reproduziu-se acima uma boa parte da fala <strong>de</strong> Olga porque suas pa-<br />

lavras expressam muito bem a dupla responsabilida<strong>de</strong> atribuída às <strong>mulheres</strong><br />

trabalhadoras. A socieda<strong>de</strong>, como já foi dito, consi<strong>de</strong>ra o cuidado dos fi-<br />

lhos como obrigação exclusiva das <strong>mulheres</strong> e as próprias <strong>mulheres</strong> não<br />

questionam tal atribuição.<br />

Conforme foi examinado <strong>no</strong> Capítulo I, com base em Chodorow, as<br />

<strong>mulheres</strong> são educadas para a “maternagem.” Como a obrigação <strong>de</strong> cuidar<br />

280 Depoimento <strong>de</strong> Olga à autora em 15 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1995.<br />

239


dos filhos é vista como exclusiva <strong>de</strong>stas, elas enfrentam dificulda<strong>de</strong>s para<br />

ascen<strong>de</strong>r profissionalmente. Isso parece ter acontecido com Olga, que aca-<br />

bou se abstendo <strong>de</strong> assumir <strong>de</strong>terminados postos, que lhe eram oferecidos<br />

porque, se o fizesse, não estaria <strong>de</strong>dicando “a <strong>de</strong>vida atenção” aos seus fi-<br />

lhos. Nas suas palavras percebe-se que a <strong>de</strong>poente sentia uma certa culpa<br />

pelo simples fato <strong>de</strong> estar <strong>trabalhando</strong>, o que, conseqüentemente, a levava a<br />

recusar qualquer convite para assumir mais responsabilida<strong>de</strong>s na institui-<br />

ção, as quais a afastariam ainda mais <strong>de</strong> seus filhos. A <strong>de</strong>poente não se<br />

permitiu isso. Conforme ela afirmou:<br />

“Eu recebi muitas propostas lá do <strong>banco</strong> para um cargo<br />

... mas eu não aceitei porque eu [...] sempre<br />

pensei <strong>de</strong> cuidar também da minha família; precisava<br />

trabalhar; <strong>de</strong>pois que a gente faz um curso a gente<br />

quer trabalhar, mas achava que tinha que <strong>de</strong>ixar uma<br />

parte do dia para aten<strong>de</strong>r a minha família, meus filhos.<br />

Fui criada sem mãe, então a gente sabe que<br />

uma mãe faz falta para um filho. Então eu achei que<br />

eu <strong>de</strong>via <strong>de</strong> fazer isso com os meus. Então, eu não<br />

aceitei ... não aceitei nenhum cargo por esse motivo.<br />

Sei que <strong>no</strong> final ... na tua aposentadoria tu vais ganhar<br />

mais, por que tu tens um cargo ... mas eu achei<br />

que não <strong>de</strong>via. E <strong>de</strong> fato não aceitei nenhum. Recebi<br />

umas quantas propostas, mas não aceitei ...” 281<br />

As afirmações <strong>de</strong> várias autoras discutidas <strong>no</strong> primeiro capítulo <strong>de</strong>s-<br />

ta tese 282 oferecem importantes subsídios para que se possa compreen<strong>de</strong>r<br />

por que as <strong>mulheres</strong> aceitam e justificam como <strong>no</strong>rmal sua participação <strong>de</strong>-<br />

sigual <strong>no</strong> mundo do trabalho. Eficiente trabalho i<strong>de</strong>ológico tor<strong>no</strong>u a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>no</strong> mundo do trabalho “natural” ou “<strong>no</strong>rmal,” explicando-a<br />

281 Depoimento <strong>de</strong> Olga à autora em 15 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1995.<br />

282 Valéria Pena, Cristina Bruschini, Fúlvia Rosemberg, Arakcy Martins Rodrigues.<br />

240


como <strong>de</strong>correntes das diferenças biológicas entre homens e <strong>mulheres</strong>. As<br />

palavras <strong>de</strong> Olga são uma evidência da eficácia <strong>de</strong>sse trabalho.<br />

A socialização a que são submetidas leva as <strong>mulheres</strong> a ver o traba-<br />

lho assalariado como subordinado e complementar às obrigações com a<br />

família. Por essa razão, gran<strong>de</strong> parte das <strong>mulheres</strong> procuram ativida<strong>de</strong>s em<br />

tempo parcial e que não exijam gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação. Conforme Pena, é através<br />

da condição <strong>de</strong> esposa e <strong>de</strong> mãe que as <strong>mulheres</strong> se <strong>de</strong>finem <strong>no</strong> mundo. A-<br />

lém disso, ainda segundo a mesma autora, “é jogada sobre seus ombros (a<br />

obrigação com) a saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong> seu núcleo familiar, sendo exigido que a<br />

mulher interiorize que seu papel natural é na família.” 283<br />

4.10 Atitu<strong>de</strong>s e valores das trabalhadoras do Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

Constavam do roteiro <strong>de</strong> questões, que se propôs às bancárias ouvi-<br />

das, algumas indagações que objetivavam analisar suas atitu<strong>de</strong>s e valores e,<br />

na medida do possível, verificar se estas <strong>mulheres</strong> foram i<strong>no</strong>vadoras, tendo<br />

rompido com os padrões <strong>de</strong> seu tempo e estabelecido <strong>no</strong>vas visões <strong>de</strong> mun-<br />

do e <strong>no</strong>vos comportamentos ou se mantinham os antigos valores e atitu<strong>de</strong>s.<br />

As questões propostas para aten<strong>de</strong>r a esse objetivo foram classifica-<br />

das em seis categorias: 1. Questões relativas ao gosto e a participação<br />

política; 2. Questões relativas à sindicalização, participação <strong>no</strong> sindicato e<br />

nas greves; 3. Questões relativas à educação <strong>de</strong> meni<strong>no</strong>s e meninas;<br />

241


4.Questões relativas à escolha das profissões por homens e <strong>mulheres</strong>; 5.<br />

Posição frente às mudanças do mundo; 6.Avaliação da vida da mulher on-<br />

tem e hoje.<br />

Nessa parte do trabalho optou-se por não i<strong>de</strong>ntificar as <strong>mulheres</strong>.<br />

Assim, numeraram-se os <strong>de</strong>poimentos aleatoriamente e fez-se uma síntese<br />

das respostas a partir <strong>de</strong> palavras ou expressões.<br />

Quadro 05<br />

Atitu<strong>de</strong>s e valores das primeiras trabalhadoras do Banco do Estado do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

Depoimento<br />

Nº1<br />

Nº2<br />

Nº3<br />

Política<br />

Não gosta e<br />

nunca discute<br />

política, mas<br />

vota nas eleições<br />

Não gosta,<br />

mas se informa<br />

Não é muito<br />

<strong>de</strong> política<br />

Sindicato<br />

Sincalizouse<br />

e participou<br />

<strong>de</strong> 2<br />

greves levada<br />

pelos<br />

colegas<br />

Acha que<br />

não se sindicalizou<br />

e<br />

nunca participou<br />

<strong>de</strong><br />

greves<br />

Era sindicalizada,<br />

mas nunca<br />

participou<br />

<strong>de</strong> greves<br />

283 PENA, Maria Valéria. Op. cit., p.15.<br />

Educação<br />

Não po<strong>de</strong><br />

ser igual.<br />

Meni<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong>ve jogar<br />

bola, brigar.<br />

Menina<br />

não<br />

Não po<strong>de</strong><br />

ser igual<br />

porque são<br />

diferentes<br />

Não tem<br />

opinião,<br />

mas acha<br />

que cada<br />

um é um<br />

Profissão<br />

Tem profissões<br />

que<br />

são só para<br />

homens: as<br />

mais pesadas<br />

Algumas<br />

profissões<br />

não são<br />

próprias<br />

para <strong>mulheres</strong><br />

A mulher é<br />

mais <strong>de</strong>licada.<br />

Não<br />

po<strong>de</strong> ter<br />

certas profissões<br />

Mudanças<br />

Tudo mudou<br />

muito.<br />

Aceita as<br />

mudanças,<br />

mas com<br />

reservas<br />

Hoje está<br />

muito difícil.<br />

Não<br />

adianta ter<br />

diploma.<br />

Não conseguem<br />

emprego<br />

bom<br />

Mudou<br />

muito. Há<br />

muita liberda<strong>de</strong>.<br />

Namorados<br />

vão sós ao<br />

cinema<br />

Vida da<br />

Mulher<br />

Melhorou<br />

muito. Po<strong>de</strong><br />

trabalhar e<br />

ter seu dinheiro<br />

A mulher<br />

tem mais<br />

liberda<strong>de</strong>,<br />

mas é mais<br />

sacrificada<br />

e já não é<br />

tão feminina<br />

Tem mais<br />

oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong><br />

emprego e<br />

mais opções<br />

242


Nº4<br />

Nº5<br />

Nº6<br />

Nº7<br />

Nº8<br />

Quase não<br />

acompanha<br />

Só vota<br />

Não gosta <strong>de</strong><br />

política e vota<br />

porque é<br />

obrigatório<br />

Só vota<br />

Gosta, acompanha<br />

e<br />

discute sempre<br />

Era sindicalizada<br />

e<br />

ia às festinhas<br />

do<br />

sindicato<br />

Era sindicalizada,<br />

mas nunca<br />

participou<br />

<strong>de</strong> greves<br />

Era sindicalizada<br />

e<br />

participou<br />

<strong>de</strong> greve<br />

logo que<br />

entrou <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> porque<br />

todos<br />

participaram<br />

Era sindicalizada<br />

e<br />

até participou<br />

<strong>de</strong><br />

greve<br />

em1946<br />

É sindicalizada<br />

e<br />

participava<br />

ativamente<br />

das greves<br />

Deve ser<br />

igual meni<strong>no</strong><br />

e<br />

menina<br />

Em geral<br />

<strong>de</strong>ve ser<br />

igual, mas<br />

tem certas<br />

diferenças<br />

Deve ser<br />

igual. Ela<br />

jogava futebol<br />

e<br />

gostava <strong>de</strong><br />

dirigir carros,<br />

o que<br />

era raro na<br />

época<br />

Deve ser<br />

igual<br />

Meni<strong>no</strong>s e<br />

meninas<br />

<strong>de</strong>vem ser<br />

educados<br />

da mesma<br />

forma<br />

Acha que é<br />

igual<br />

Tem profissão<br />

que<br />

é para homem.<br />

Outras são<br />

para mulher<br />

Não há diferença<br />

Não existe<br />

diferença<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

a pessoa<br />

goste do<br />

que faz<br />

Quase todas<br />

são<br />

para homem<br />

e<br />

mulher,<br />

mas computação<br />

é<br />

para homem<br />

As mudanças<br />

foram<br />

muito gran<strong>de</strong>s<br />

Mudou bastante.<br />

Algumas<br />

coisas melhoraram,<br />

outras não<br />

Mudou<br />

muito e ficou<br />

muito<br />

perigoso<br />

<strong>de</strong>vido à<br />

violência<br />

Mudou<br />

muito e isso<br />

foi bom<br />

Mudou<br />

muito. Tem<br />

mudanças<br />

positivas e<br />

negativas,<br />

estas, conseqüência<br />

das guerras<br />

e da miséria<br />

A vida da<br />

mulher é<br />

mais fácil.<br />

Po<strong>de</strong> organizar<br />

melhor a<br />

sua vida<br />

É muito<br />

mais fácil<br />

É relativo.<br />

Tem<br />

coisas melhores<br />

e<br />

muito<br />

mais dificulda<strong>de</strong>s<br />

Hoje a vida<br />

da<br />

mulher é<br />

muito<br />

mais difícil<br />

porque<br />

<strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r<br />

diferentes<br />

coisas. Em<br />

casa tem<br />

muitos<br />

confortos<br />

A vida da<br />

mulher é<br />

muito<br />

mais fácil<br />

hoje<br />

243


Observando o Quadro 05, po<strong>de</strong>-se constatar que a ampla maioria das<br />

<strong>de</strong>poentes não gosta <strong>de</strong> política, quase não a acompanha, vota nas eleições<br />

porque isso é obrigatório e, <strong>no</strong> máximo, informa-se sobre o assunto. Apenas<br />

uma das ouvidas afirmou gostar <strong>de</strong> política, acompanhar e discutir sempre.<br />

Com relação à participação sindical, constatou-se o seguinte: quatro<br />

das <strong>de</strong>poentes <strong>de</strong>clararam que eram sindicalizadas e uma não tinha certeza<br />

se era ou não, mas a maioria <strong>de</strong>clarou que não participava do sindicato a<br />

não ser em festinhas e que também não participava das greves. Em dois dos<br />

casos a <strong>de</strong>poente disse ter participado <strong>de</strong> uma greve, mas em um <strong>de</strong>les a<br />

trabalhadora sentiu-se meio traída pelos colegas que a fizeram participar.<br />

No outro caso a participação parece ter sido atribuída a uma certa irrespon-<br />

sabilida<strong>de</strong> do grupo. Somente <strong>no</strong> oitavo <strong>de</strong>poimento tem-se uma posição<br />

diferente da posição generalizada do grupo, visto que a resposta é que “era<br />

sindicalizada e participava ativamente das greves.”<br />

Este conjunto <strong>de</strong> respostas é indicativo <strong>de</strong> que as trabalhadoras ou-<br />

vidas não eram <strong>mulheres</strong> muito politizadas. Suas respostas sugerem que<br />

elas po<strong>de</strong>m ser incluídas <strong>no</strong> conjunto das <strong>mulheres</strong> que consi<strong>de</strong>ram que a<br />

política e o sindicato são “coisas <strong>de</strong> homens.”<br />

No que se refere a educação e profissão é interessante verificar que<br />

a maioria das ouvidas consi<strong>de</strong>ra que homens e <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>vem ser educa-<br />

dos <strong>de</strong> forma diferente e que existem profissões que são só para homens e<br />

profissões que são para as <strong>mulheres</strong>.<br />

244


Estas respostas po<strong>de</strong>m parecer paradoxais quando se está tratando<br />

com algumas das primeiras <strong>mulheres</strong> que ingressaram num setor <strong>de</strong> trabalho<br />

que até então era exclusivamente masculi<strong>no</strong>. Todavia, se levarmos em con-<br />

si<strong>de</strong>ração que tais <strong>mulheres</strong> ingressaram num mundo do trabalho masculi<strong>no</strong>,<br />

mas que lá ficaram “<strong>no</strong> seu lugar,” como auxiliares, em um quadro à parte ,<br />

durante quase vinte a<strong>no</strong>s, o que foi dito torna-se mais compreensível. As<br />

respostas obtidas nesta parte autorizam-<strong>no</strong>s a afirmar que as primeiras mu-<br />

lheres que ingressaram <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, ao<br />

me<strong>no</strong>s as ouvidas, apesar <strong>de</strong> terem optado por um setor até então exclusi-<br />

vamente masculi<strong>no</strong>, não eram i<strong>no</strong>vadoras ou progressistas.<br />

As duas últimas categorias <strong>de</strong> respostas indicam que as <strong>mulheres</strong><br />

ouvidas consi<strong>de</strong>ram que houve muitas mudanças <strong>no</strong> mundo e se divi<strong>de</strong>m,<br />

avaliando-as positiva ou negativamente. A ampla maioria consi<strong>de</strong>ra que a<br />

vida das <strong>mulheres</strong> é muito mais fácil na atualida<strong>de</strong>. As melhorias são asso-<br />

ciadas a ter mais oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emprego, po<strong>de</strong>r trabalhar, ter seu<br />

dinheiro, possuir uma série <strong>de</strong> facilida<strong>de</strong>s em casa e ter mais liberda<strong>de</strong>.<br />

Estas respostas po<strong>de</strong>m sugerir que as <strong>mulheres</strong> ouvidas têm certas<br />

atitu<strong>de</strong>s progressistas, já que consi<strong>de</strong>ram importante ter mais oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> emprego, ter o seu dinheiro e, principalmente, quando avaliam positiva-<br />

mente a maior liberda<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong>. Nesse tipo <strong>de</strong> resposta, também está<br />

contida uma crítica a sua época, quando era difícil para as <strong>mulheres</strong> terem<br />

emprego, dinheiro próprio e liberda<strong>de</strong>.<br />

245


Fechando este capítulo po<strong>de</strong>-se afirmar que o estudo realizado per-<br />

mitiu que se chegasse a algumas conclusões sobre o ingresso das <strong>mulheres</strong><br />

<strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Em primeiro lugar, concluiu-se que a entrada das <strong>mulheres</strong> neste<br />

<strong>banco</strong> esteve associada ao confronto mundial <strong>de</strong> 1939-45, embora não tenha<br />

sido, propriamente, a falta <strong>de</strong> funcionários homens que tenha levado o ban-<br />

co a <strong>de</strong>cidir-se a admitir <strong>mulheres</strong>. Pesou significativamente nessa <strong>de</strong>cisão<br />

a preocupação em evitar a admissão <strong>de</strong> homens que po<strong>de</strong>riam ser convoca-<br />

dos a qualquer momento, ficando o <strong>banco</strong> obrigado a continuar com seus<br />

encargos. Ressalte-se que esse foi o procedimento da maioria das empresas<br />

da época.<br />

Em segundo lugar, foi possível perceber que a direção do <strong>banco</strong> foi<br />

bastante cautelosa quando <strong>de</strong>cidiu aceitar <strong>mulheres</strong> na instituição, tomando<br />

várias precauções. Foi emitida a Resolução Nº 406, na qual ficavam <strong>de</strong>fini-<br />

dos todos os <strong>de</strong>talhes relativos ao ingresso das <strong>mulheres</strong>, com o objetivo <strong>de</strong><br />

evitar que a <strong>de</strong>cisão tomada viesse a ocasionar problemas futuros.<br />

Em terceiro lugar, o estudo permitiu reconstituir o perfil das pri-<br />

meiras trabalhadoras do <strong>banco</strong> (jovens, solteiras, <strong>de</strong> classe média, com grau<br />

<strong>de</strong> instrução médio), bem como perceber que, como uma boa parte das jo-<br />

vens do início da década <strong>de</strong> quarenta, estas estavam <strong>de</strong>sejosas <strong>de</strong> trabalhar,<br />

o que se articulava com a conjuntura política vivida, que incentivava o tra-<br />

balho femini<strong>no</strong>. Porém, também ficou evi<strong>de</strong>nte, que as <strong>mulheres</strong> que<br />

entraram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> entre 1943-45 estavam ainda muito marcadas pelas ca-<br />

racterísticas da socieda<strong>de</strong> gaúcha, on<strong>de</strong> o positivismo exercera papel<br />

246


significativo. Isso levou muitas <strong>mulheres</strong> a trabalhar somente até casarem<br />

ou, <strong>no</strong> caso das casadas que permaneceram <strong>trabalhando</strong>, a colocar sempre<br />

as obrigações familiares à frente das obrigações profissionais.<br />

Em quarto lugar, ficou claro que as primeiras bancárias tiveram li-<br />

mitadas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>r <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, até meados da década <strong>de</strong><br />

sessenta, <strong>de</strong>vido a regulamentação interna da instituição. Por essa razão,<br />

em geral, ganhavam bem me<strong>no</strong>s do que os homens.<br />

Em quinto lugar, também ficou evi<strong>de</strong>nte que a maioria das <strong>mulheres</strong><br />

consi<strong>de</strong>rava natural ocupar posições subalternas <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e que não estava<br />

preocupada em exigir igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições com os homens. O que as mu-<br />

lheres <strong>de</strong>sejavam era, como diferentes <strong>de</strong>stes, serem respeitadas e bem<br />

tratadas por eles.<br />

Finalmente, por tudo que foi constatado, é possível afirmar que as<br />

relações <strong>de</strong> gênero, <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, nas décadas<br />

<strong>de</strong> quarenta, cinqüenta e sessenta não foram, em geral, marcadas pela dis-<br />

puta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre homens e <strong>mulheres</strong>, visto que estas se acomodaram à<br />

posição que lhes foi <strong>de</strong>stinada.<br />

247


CAPÍTULO V<br />

A CONQUISTA DE ESPAÇO NO BANCO DO ESTADO<br />

DO RIO GRANDE DO SUL<br />

O Capítulo V <strong>de</strong>sta tese é <strong>de</strong>dicado ao estudo da <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> algu-<br />

mas <strong>mulheres</strong> que se <strong>de</strong>stacaram <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

nas décadas recentes, por terem alcançado postos <strong>de</strong> relativa importância na<br />

instituição.<br />

Procura-se acompanhar e analisar o processo <strong>de</strong> ascensão <strong>de</strong>ssas<br />

trabalhadoras e discutir as relações <strong>de</strong> gênero que se estabeleceram ao lon-<br />

go do mesmo. Também está presente a preocupação em verificar como as<br />

<strong>mulheres</strong> que têm sucesso <strong>no</strong> mundo do trabalho <strong>de</strong>senvolvem seu projeto<br />

profissional e como articulam sua vida profissional com obrigações domés-<br />

ticas que lhes são atribuídas.<br />

O presente capítulo compõe-se <strong>de</strong> três partes. Na primeira, examina-<br />

se, brevemente, a história do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a década <strong>de</strong> 1950 até o final dos a<strong>no</strong>s oitenta. Procura-se estudar a relação<br />

das modificações que foram ocorrendo na instituição com as transforma-<br />

ções verificadas na eco<strong>no</strong>mia e na socieda<strong>de</strong> gaúcha <strong>no</strong> período.


A primeira parte do capítulo foi <strong>de</strong>senvolvida através da pesquisa<br />

bibliográfica, da consulta <strong>de</strong> documentos do Banrisul, assim como, com ba-<br />

se <strong>no</strong>s <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> alguns dos antigos funcionários ou dirigentes da<br />

instituição e das próprias <strong>mulheres</strong> cujas histórias estão sendo estudadas.<br />

Na segunda parte do capítulo é feito breve estudo sobre a situação<br />

das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> setor bancário gaúcho <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s recentes. Para tal parte-se<br />

<strong>de</strong> pesquisa intitulada Retrato da Mulher Bancária: trabalho, família e ci-<br />

dadania, realizada em 1988, sob encomenda da Fe<strong>de</strong>ração dos Bancários do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, pelas pesquisadoras Roshangela Bastani, Ivonilda Han-<br />

sen e Elizabeth Pedroso.<br />

A terceira parte do capítulo é <strong>de</strong>dicada ao estudo da <strong>trajetória</strong> das<br />

<strong>mulheres</strong> que fizeram carreira <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Nesta parte, procura-se construir o perfil das trabalhadoras que, <strong>no</strong> pós-<br />

1960, ascen<strong>de</strong>ram na instituição, conquistando postos <strong>de</strong> relativa importân-<br />

cia e verificar se, efetivamente, as relações <strong>de</strong> gênero estabelecidas <strong>no</strong><br />

mundo do trabalho bancário alteraram-se nas décadas mais recentes, ou se-<br />

ja, se realmente se tornaram relações conflituosas e diferentes das<br />

observadas <strong>no</strong> período antece<strong>de</strong>nte. Será construído o perfil das <strong>de</strong>poentes<br />

e trabalhadas as seguintes variáveis: escolha da profissão <strong>de</strong> bancária, as-<br />

censão das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, dificulda<strong>de</strong>s para ascensão <strong>de</strong>stas, relações<br />

<strong>de</strong> gênero, vida profissional e obrigações domésticas e atitu<strong>de</strong>s e valores<br />

das bancárias.<br />

249


Esta parte do capítulo foi elaborada utilizando fundamentalmente a<br />

evidência oral, embora tenha sido realizada pesquisa nas fichas funcionais<br />

das <strong>de</strong>poentes e consulta a alguns documentos do <strong>banco</strong> relativos ao perío-<br />

do estudado. O recurso às outras fontes teve por objetivo comprovar a<br />

consistência interna do material obtido através dos <strong>de</strong>poimentos, confirmar<br />

algumas datas que haviam sido esquecidas pelas trabalhadoras ouvidas (da-<br />

tas <strong>de</strong> comissionamentos, promoções, transferências, aposentadoria,<br />

alteração da legislação interna do <strong>banco</strong> etc.) e completar espaços <strong>de</strong>ixados<br />

em branco <strong>no</strong>s <strong>de</strong>poimentos. 284<br />

1 O BANCO NAS DÉCADAS RECENTES<br />

A partir da década <strong>de</strong> cinqüenta, o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul passou por significativas transformações, as quais estiveram profun-<br />

damente articuladas às condições econômicas e políticas do Estado gaúcho<br />

e, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, às condições econômicas e políticas do<br />

País.<br />

Vários acontecimentos importantes marcaram a história do <strong>banco</strong>,<br />

<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s que são objeto <strong>de</strong> estudo nesta parte do trabalho. Um <strong>de</strong>sses acon-<br />

tecimentos foi a aprovação do Regulamento do Pessoal do Banco do Estado<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, através da Resolução 850, que foi assinada pelos di-<br />

retores Mário Antunes da Cunha, José Coriola<strong>no</strong> <strong>de</strong> Almeida Filho,<br />

284 Para a discussão do uso da fonte oral, ver a introdução do capítulo anterior.<br />

250


Francisco José Borraz e Firmia<strong>no</strong> Ramos Soares, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1952. Esse fato<br />

é <strong>de</strong>stacado pelos funcionários ouvidos como responsável por significativa<br />

melhoria nas condições dos trabalhadores da instituição.<br />

Com base <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo Regulamento <strong>de</strong> Pessoal, os funcionários do ban-<br />

co foram distribuídos em seis quadros. Do quadro A participavam os<br />

escriturários graduados (padrão A,B,C), escriturários (padrão D a J) e pra-<br />

ticantes (padrão K,L,M). O quadro B era composto pelos advogados<br />

(padrão A,B,C). Do quadro C participavam consultor jurídico e médico. O<br />

quadro D era composto por auxiliares (padrão A a H). O quadro E abrigava<br />

eletricistas, mecânicos e marceneiros. Finalmente, o quadro F era composto<br />

por contínuos (padrão A a J). 285<br />

O referido regulamento, igualmente dispunha sobre as funções <strong>de</strong><br />

direção, que abrangiam: Superintendências, Chefias <strong>de</strong> Departamento, Ge-<br />

rências (A,B,C,D,E), Inspetorias, Sub-gerências, Sub-chefias <strong>de</strong><br />

Departamento, Contadorias (A,B,C,D), Assistências <strong>de</strong> Departamento, Sub-<br />

contadorias (A,B,C), Chefias <strong>de</strong> Serviço na Direção Geral, Chefias <strong>de</strong> Ser-<br />

viço (A,B,C,D), entre outras. 286<br />

Conforme <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Mário Antunes da Cunha, o Regulamento<br />

do Pessoal do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul “estabeleceu regras<br />

para a classificação dos funcionários e para as promoções <strong>de</strong>ntro da institu-<br />

ição, evitando que essas viessem a ocorrer por simpatias individuais.” 287<br />

285<br />

Resolução Nº 850. Ver em anexo.<br />

286<br />

I<strong>de</strong>m.<br />

287<br />

Depoimento à autora em 04 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998.<br />

251


Ressalve-se, todavia, que as <strong>mulheres</strong> foram reunidas <strong>no</strong> Quadro D e conti-<br />

nuaram sendo auxiliares, situação que só mais tar<strong>de</strong> foi alterada.<br />

No a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1953, o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul comple-<br />

tou 25 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> sua fundação, o que foi amplamente comemorado, inclusive<br />

com a inauguração da primeira agência fora do Estado – a do Rio <strong>de</strong> Janei-<br />

ro. O quadro <strong>de</strong> funcionários expandiu-se, tendo ingressado na instituição<br />

várias <strong>mulheres</strong>. Eram diretores, José Coriola<strong>no</strong> <strong>de</strong> Almeida Filho, Francis-<br />

co José Borraz, Mário Antunes da Cunha e Firmia<strong>no</strong> Ramos Soares.<br />

Nos a<strong>no</strong>s seguintes o <strong>banco</strong> continuou crescendo. Um dos indicati-<br />

vos do seu crescimento foi o aumento <strong>de</strong> suas reservas, que, na segunda<br />

meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> cinqüenta, já se elevavam a quase 150 bilhões <strong>de</strong> cru-<br />

zeiros, bem como a ampliação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> filiais, cujo número, em 1957,<br />

ultrapassou o <strong>de</strong> cem casas. 288<br />

A expansão do BERGS também ficou <strong>de</strong>monstrada pelo fato <strong>de</strong>ste,<br />

em 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1958, dar início às operações da Carteira <strong>de</strong> Câmbio, ini-<br />

ciando-se o contato e o intercâmbio com cerca <strong>de</strong> 130 <strong>banco</strong>s em 30<br />

países. 289 Esse acontecimento indicava que o <strong>banco</strong> abria-se à atuação em<br />

<strong>no</strong>vos campos, articulado com vários países.<br />

Em 25 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1960, por iniciativa do gover<strong>no</strong> do Estado, foi<br />

efetivada reforma <strong>no</strong>s estatutos do <strong>banco</strong>, passando este a <strong>de</strong><strong>no</strong>minar-se<br />

288 Dados retirados do INFORMATIVO BANRISUL, Porto Alegre, setembro <strong>de</strong> 1978.<br />

289 I<strong>de</strong>m.<br />

252


Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul S.A (BERGS). 290 Houve também o<br />

aumento do capital da instituição, que passou <strong>de</strong> Cr$ 200 milhões para Cr$<br />

500 milhões, através da incorporação <strong>de</strong> reservas e subscrição <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas a-<br />

ções.<br />

Também <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1960, foi assinada, pelo Executivo estadual gaú-<br />

cho, a equiparação entre os homens e as <strong>mulheres</strong> do Banco do Estado do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Como conseqüência <strong>de</strong>sse Ato, a partir <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> janeiro<br />

do a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1961, as trabalhadoras do <strong>banco</strong> <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser auxiliares e<br />

passaram a ser, como os homens, escriturárias da instituição. Foi somente a<br />

partir <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão que as trabalhadoras pu<strong>de</strong>ram ascen<strong>de</strong>r na instituição<br />

estudada. 291<br />

Em 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1963, através da Resolução 1477, foi criada<br />

a Fundação Banrisul dos Funcionários do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul. Este acontecimento também foi marcante na história do <strong>banco</strong>. Sa-<br />

liente-se que a maioria dos bancários que foram ouvidos, consi<strong>de</strong>ra que a<br />

criação da Fundação Banrisul foi <strong>de</strong> alta importância para os funcionários<br />

da instituição.<br />

Foi também nessa época que se verificou a ampliação do número <strong>de</strong><br />

diretores do <strong>banco</strong>, que passou <strong>de</strong> quatro para sete. A primeira diretoria<br />

composta <strong>de</strong>ssa forma foi empossada em 1963 e <strong>de</strong>la faziam parte José<br />

Mansur Filho, Archime<strong>de</strong>s da Silva Almeida, Juracy <strong>de</strong> Souza Cardoso,<br />

290<br />

Conforme já colocado, até essa data a <strong>de</strong><strong>no</strong>minação era Banco do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

291<br />

Era governador à época Leonel <strong>de</strong> Moura Brizola.<br />

253


Bernardi<strong>no</strong> Conte, Gustavo Langsch, Amaro Barcellos Feio e Auto Paiva<br />

Guimarães.<br />

A tomada do po<strong>de</strong>r pelos militares, em 1964, teve forte reflexo so-<br />

bre a eco<strong>no</strong>mia dos Estados e naturalmente sobre o Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Aconteceu, a partir <strong>de</strong> então, uma radical centralização econômica e políti-<br />

ca e um enfraquecimento dos gover<strong>no</strong>s estaduais. Também houve um forte<br />

estímulo ao crescimento industrial.<br />

A eco<strong>no</strong>mia rio-gran<strong>de</strong>nse, fundamentada na produção primária,<br />

pecuária e lavoura, visando acompanhar o processo <strong>de</strong> industrialização,<br />

partiu para um movimento <strong>de</strong> intensa mecanização da agricultura.<br />

Essa política <strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u significativa elevação dos gastos do setor<br />

primário e diminuição dos ganhos do produtor, o que, gradativamente, re-<br />

fletiu <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s gaúchos em geral e, em especial, <strong>no</strong> <strong>banco</strong> oficial do<br />

estado. O Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul precisou reorientar suas<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acordo com a <strong>no</strong>va estrutura econômico-financeira <strong>de</strong>termi-<br />

nada pelo Gover<strong>no</strong> Fe<strong>de</strong>ral, assim como com vista a enfrentar os difíceis<br />

problemas que começaram a se anunciar.<br />

Apesar <strong>de</strong>ssas dificulda<strong>de</strong>s, o <strong>banco</strong> inaugurou sua <strong>no</strong>va se<strong>de</strong> na<br />

Rua Capitão Montanha, esquina com a Rua Sete <strong>de</strong> Setembro, em 04 <strong>de</strong> ju-<br />

lho <strong>de</strong> 1964, a qual estava, po<strong>de</strong>-se dizer pronta, quando os militares<br />

assumiram o po<strong>de</strong>r.<br />

254


No final da década <strong>de</strong> sessenta, o Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul já contava com inúmeras casas fora do Estado - algumas <strong>no</strong> Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, São Paulo (1957), Brasília (1961), Florianópolis (1962), Curitiba e<br />

Belo Horizonte (1963), Salvador (1966), Recife e Fortaleza (1969) - <strong>no</strong> in-<br />

terior do Estado, assim como já dispunha <strong>de</strong> várias agências em Porto<br />

Alegre. 292<br />

Por ocasião do seu cinqüentenário, em 1978, o Banco do Estado do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul possuía 21 agências na capital gaúcha, 165 agências <strong>no</strong><br />

interior do Estado, 21 em outros Estados e 8 em instalação. Também havia<br />

elevado-se, o total <strong>de</strong> recursos próprios do <strong>banco</strong> e o número <strong>de</strong> funcioná-<br />

rios chegava a 8.090. 293<br />

A partir <strong>de</strong> 1979, o Banrisul começou a <strong>de</strong>senvolver um “Projeto <strong>de</strong><br />

Multigerência”, o qual implantava uma <strong>no</strong>va filosofia, segundo a qual o<br />

cliente <strong>de</strong>via encontrar <strong>no</strong> <strong>banco</strong> variados serviços e melhor atendimento. A<br />

implantação do referido projeto abriu um leque <strong>de</strong> <strong>no</strong>vos cargos. Um <strong>de</strong>sses<br />

cargos foi o <strong>de</strong> assistente gerencial, o qual <strong>de</strong>veria visitar clientes potenci-<br />

ais. Estudos encomendados pela instituição provaram que as <strong>mulheres</strong><br />

<strong>de</strong>sempenhavam muito bem a tarefa <strong>de</strong> fazer contato com futuros clientes.<br />

292<br />

Conforme o INFORMATIVO BANRISUL, <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1978, <strong>no</strong> final dos a<strong>no</strong>s<br />

sessenta, já haviam sido criadas as seguintes agências na capital: Agência São João (em<br />

1950), Passo da Areia (1953), Floresta, Moinhos <strong>de</strong> Vento, Meni<strong>no</strong> Deus e Parte<strong>no</strong>n<br />

(em 1956), Azenha, Caminho do Meio, Tristeza e Petrópolis (em 1957), Cida<strong>de</strong> Baixa e<br />

Navegantes (em 1958), Teresópolis, Cristo Re<strong>de</strong>ntor, Glória e Bonfim (em 1959), Coliseu<br />

(em 1961), Otávio Rocha (1966).<br />

293<br />

Dados do INFORMATIVO BANRISUL, Porto Alegre, setembro <strong>de</strong> 1978.<br />

255


Devido a isso, foi criada a primeira turma <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> assistentes gerenci-<br />

ais, as quais foram preparadas para <strong>de</strong>sempenhar a <strong>no</strong>va tarefa. 294<br />

Entre as primeiras assistentes gerenciais estava Maria Martha Fal-<br />

cão que, posteriormente (1983), se tor<strong>no</strong>u a primeira mulher Gerente Geral<br />

<strong>de</strong> agência <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, assumindo a Agência<br />

In<strong>de</strong>pendência, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><strong>no</strong>minada Agência Bom Conselho. 295<br />

No a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1983, o BERGS <strong>de</strong>u outro passo importante na sua ex-<br />

pansão quando inaugurou a agência da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> New York, ampliando,<br />

significativamente, sua área <strong>de</strong> atuação. O primeiro gerente da referida a-<br />

gência foi Carlos Roberto Becker.<br />

A agência <strong>de</strong> New York, foi instalada <strong>no</strong> 15º andar <strong>de</strong> prédio situa-<br />

do na Park Avenue, número 400 e, conforme José Antônio Franco, diretor<br />

do <strong>banco</strong> que fez a intermediação para a instalação <strong>de</strong>sta, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> ins-<br />

talar uma casa em New York seguiu uma tendência da época, que era a <strong>de</strong><br />

todos os gran<strong>de</strong>s <strong>banco</strong>s terem uma agência nessa cida<strong>de</strong>. 296<br />

Apesar dos avanços acima mencionados, <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s oitenta,<br />

especialmente durante o gover<strong>no</strong> <strong>de</strong> Amaral <strong>de</strong> Sousa (1979-83), o BERGS<br />

começou a enfrentar problemas graves, resultantes, em gran<strong>de</strong> medida, <strong>de</strong><br />

empréstimos que este fez ao gover<strong>no</strong> do Estado gaúcho. Isso fica muito cla-<br />

ro <strong>no</strong> Relatório Administrativo do <strong>banco</strong> <strong>de</strong> 1987, que afirma o seguinte:<br />

294<br />

Dados retirados do jornal Correio do Povo <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1983, p. 6.<br />

295<br />

Em junho <strong>de</strong> 1982, outra mulher havia assumido a gerência geral <strong>de</strong> agência <strong>de</strong> outro<br />

<strong>banco</strong> – o Bamerindus, Agência Moinhos <strong>de</strong> Ventos. Era Edla Maria Birkmam. Dados<br />

retirados do jornal Correio do Povo <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1983, p.6.<br />

296<br />

Depoimento à autora em 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999.<br />

256


“A crise das finanças públicas [...] fez com que o<br />

Gover<strong>no</strong> <strong>de</strong>ste Estado submergisse em crescente endividamento<br />

junto a suas instituições financeiras. O<br />

Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul S.A. – Banrisul<br />

- como seu principal agente financeiro, <strong>de</strong>sti<strong>no</strong>u<br />

<strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s significativo volume <strong>de</strong> recursos ao<br />

setor público que <strong>no</strong> final do exercício (1987) representava<br />

ao redor <strong>de</strong> 70% das suas aplicações <strong>no</strong>rmais<br />

e valor superior a 100% do total das captações em<br />

<strong>de</strong>pósitos à vista e a prazo líquidos, apesar <strong>de</strong> na gestão<br />

<strong>de</strong>sta Diretoria ter ocorrido apenas a rolagem da<br />

dívida, sem <strong>no</strong>vos financiamentos.” 297<br />

O que é dito <strong>no</strong> relatório do <strong>banco</strong> evi<strong>de</strong>ncia que, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s iniciais<br />

da década <strong>de</strong> 1980, a instituição, em <strong>de</strong>corrência dos problemas do Estado<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e da íntima relação que se estabeleceu entre esta e o<br />

Estado, passou a enfrentar sérias dificulda<strong>de</strong>s. Isso se confirma pelo que<br />

diz Argemiro Brum, segundo o qual, em 1987, quando Pedro Simon assu-<br />

miu o gover<strong>no</strong> do Estado gaúcho,<br />

“cerca <strong>de</strong> 65% da dívida da administração direta e<br />

mais da meta<strong>de</strong> da dívida da administração indireta<br />

estava vencida ou que venceria <strong>no</strong> <strong>de</strong>correr do a<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />

1987, e não havia dinheiro nem previsão para pagá-la<br />

e, também, nada estava negociado nem havia qualquer<br />

entendimento para a sua negociação. O gover<strong>no</strong><br />

anterior (Jair Soares), premido pelas necessida<strong>de</strong>s, e<br />

infringindo as regras bancárias do país, havia comprometido<br />

cerca <strong>de</strong> 70% da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crédito dos<br />

<strong>banco</strong>s oficiais do Estado (Banrisul, Ba<strong>de</strong>sul, BRDE<br />

e CEE) com empréstimos ao setor público, criando a<br />

situação esdrúxula <strong>de</strong> que o Estado <strong>de</strong>via ao próprio<br />

Estado... Acrescia-se ainda o fato <strong>de</strong> que aproximadamente<br />

Cz$ 18 bilhões <strong>de</strong>ssa dívida serem em<br />

Certificados <strong>de</strong> Depósito Bancário (CDBs) junto ao<br />

Banrisul, com vencimento <strong>de</strong> curto prazo (60 dias),<br />

exigindo permanente ‘rolagem,’ com as mais altas ta-<br />

297 Relatório Administrativo <strong>de</strong> 1987 do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Porto<br />

Alegre.<br />

257


xas <strong>de</strong> juros pagas, então, <strong>no</strong> mercado (mais <strong>de</strong> 30%<br />

<strong>de</strong> juros reais).” 298<br />

Apesar da difícil situação vivida pela eco<strong>no</strong>mia gaúcha, que refletiu<br />

profundamente em seu <strong>banco</strong> oficial, a instituição não parou, continuou se<br />

mo<strong>de</strong>rnizando e, <strong>no</strong> início da década <strong>de</strong> <strong>no</strong>venta já contava com toda uma<br />

estrutura <strong>de</strong> informatização, com plataformas <strong>de</strong> negócios, homebank e ou-<br />

tras i<strong>no</strong>vações da mo<strong>de</strong>rna tec<strong>no</strong>logia.<br />

2 PERFIL DAS BANCÁRIAS NAS DÉCADAS RECENTES<br />

Conforme visto na quinta parte do Capítulo II, verificou-se, nas úl-<br />

timas décadas do século atual, o crescimento do número <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que<br />

passaram a integrar o mercado <strong>de</strong> trabalho, se bem que a maior parte <strong>de</strong>ssas<br />

<strong>no</strong>vas trabalhadoras ingressaram <strong>no</strong>s ramos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s mais tradicionais<br />

da eco<strong>no</strong>mia e mais precariamente remunerados.<br />

Também, nas últimas décadas, foi crescente o contingente femini<strong>no</strong><br />

que ingressou <strong>no</strong> setor bancário gaúcho. Isso po<strong>de</strong> parecer um avanço femi-<br />

ni<strong>no</strong>, pois o trabalho <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s constituía-se, até então, em ativida<strong>de</strong><br />

predominantemente masculina. Todavia a questão não é bem essa. Este se-<br />

tor, embora bem remunerado em outros tempos, nas décadas mais recentes<br />

teve seu salário significativamente reduzido. A redução salarial que se ve-<br />

rificou <strong>no</strong> setor bancário tor<strong>no</strong>u-o me<strong>no</strong>s atrativo para os homens e,<br />

298 BRUM, Argemiro. Rio Gran<strong>de</strong> do Sul: crise e perspectivas. Ijuí: Unijuí, 1988,<br />

p.61-2.<br />

258


conseqüentemente, mais acessível para as <strong>mulheres</strong>, que hoje já são quase<br />

50% do mesmo.<br />

Pesquisa da Fe<strong>de</strong>ração dos Empregados dos Estabelecimentos Ban-<br />

cários do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (FEEB-RS), cujo título é Retrato da Mulher<br />

Bancária : trabalho, família e cidadania, revela que 48,1% dos bancários<br />

gaúchos ganham entre 1 e 3 salários mínimos. A mesma pesquisa também<br />

informa que 57,6% das bancárias ouvidas está nesse patamar salarial, sendo<br />

a situação mais precária para as dos <strong>banco</strong>s privados, on<strong>de</strong> 84,7% das mu-<br />

lheres ganha <strong>de</strong> 1 a 3 salários mínimos. 299<br />

Outros dados po<strong>de</strong>m ser extraídos do estudo acima citado. Entre e-<br />

les a informação <strong>de</strong> que as <strong>mulheres</strong> que, nas últimas décadas, têm buscado<br />

o setor bancário, geralmente são muito jovens, visto que 42% tem entre 18<br />

e 25 a<strong>no</strong>s, sendo 48,3% solteiras e 44,9 casadas. Ressalte-se que existe uma<br />

diferença entre as trabalhadoras dos <strong>banco</strong>s privados e públicos. Nos pri-<br />

meiros concentram-se <strong>mulheres</strong> solteiras e mais jovens e <strong>no</strong>s segundos,<br />

casadas e com mais ida<strong>de</strong>. 300<br />

Uma informação bastante importante obtida através da citada pes-<br />

quisa, é que as bancárias apresentam elevado grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, uma vez<br />

que 67% possui 3º grau completo ou incompleto, enquanto que na categoria<br />

como um todo (homens e <strong>mulheres</strong>) o percentual é <strong>de</strong> 50%. Dessa informa-<br />

299<br />

BASTANI Roshangela HANSEN Ivonilda e PEDROSO Elizabeth. Retrato da Mulher<br />

Bancária: trabalho, família e cidadania, Porto Alegre: FEEB-RS, 1988. p.15.<br />

300<br />

I<strong>de</strong>m. p. 10.<br />

259


ção conclui-se que as trabalhadoras dos <strong>banco</strong>s têm melhor qualificação do<br />

que os homens. 301<br />

Apesar da maior escolarida<strong>de</strong>, é baixo o percentual das <strong>mulheres</strong><br />

que conseguem chegar a cargos <strong>de</strong> chefia. Nesse aspecto, também a situa-<br />

ção é mais favorável para as <strong>mulheres</strong> dos <strong>banco</strong>s públicos, on<strong>de</strong> já aparece<br />

um percentual, embora reduzido, <strong>de</strong> gerentes (0,8%), sub-gerentes (0,8%),<br />

auxiliares <strong>de</strong> gerente (7,9%), gerentes <strong>de</strong> núcleo (0,8%), chefes <strong>de</strong> <strong>de</strong>par-<br />

tamento(0,8%), chefes <strong>de</strong> seção (5,5%). No setor privado tem-se <strong>mulheres</strong><br />

subgerentes (2,6%), chefes <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamento (1,3%) e observa-se uma con-<br />

centração <strong>no</strong> cargo <strong>de</strong> chefe <strong>de</strong> seção (15,8%). 302<br />

Apesar do baixo salário e da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascensão profissional, a<br />

pesquisa citada <strong>de</strong>ixa claro que as <strong>mulheres</strong> “gostam muito” ou “gostam”<br />

do trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong> (48,2% gosta muito e 46,7% gosta). Também fica <strong>de</strong>-<br />

monstrado que 61,7% preten<strong>de</strong> fazer carreira <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Algumas <strong>mulheres</strong><br />

consi<strong>de</strong>ram a ativida<strong>de</strong> bancária como transitória. Estas afirmam que: o<br />

<strong>banco</strong> não oferece oportunida<strong>de</strong>, a mulher não é prestigiada ou a remunera-<br />

ção é baixa. 303<br />

A pesquisa citada ainda revela que as bancárias têm uma participa-<br />

ção bastante intensa na realização das ativida<strong>de</strong>s domésticas. Além da<br />

jornada <strong>de</strong> trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, 19,1% afirma que a responsabilida<strong>de</strong> com as<br />

ativida<strong>de</strong>s domésticas é exclusivamente sua. 304<br />

301 BASTANI Roshangela HANSEN Ivonilda e PEDROSO Elizabeth. Op. cit., p. 12.<br />

302 I<strong>de</strong>m. p.13.<br />

303 I<strong>de</strong>m. p. 23 e 27.<br />

304 I<strong>de</strong>m. p. 36.<br />

260


3 O COTIDIANO DO TRABALHO NO BANCO NAS DÉCA-<br />

DAS RECENTES<br />

Conforme já foi dito, a partir <strong>de</strong> meados dos a<strong>no</strong>s cinqüenta, o in-<br />

gresso <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul tor<strong>no</strong>u-se<br />

crescente, sendo que algumas agências, que até então não contavam em<br />

seus quadros com profissionais do sexo femini<strong>no</strong>, passaram a aceitar mu-<br />

lheres. Este é o caso <strong>de</strong> Caxias do Sul que admitiu, a partir <strong>de</strong> 1953, várias<br />

trabalhadoras entre as quais Ivete Moratore, cujo <strong>de</strong>poimento será trabalha-<br />

do neste capítulo.<br />

Para que se possa enten<strong>de</strong>r a <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong> que conquista-<br />

ram postos <strong>de</strong> relativa importância <strong>no</strong> BERGS, cabe salientar, em primeiro<br />

lugar, que estas ingressaram na instituição quando começavam a ocorrer al-<br />

terações importantes <strong>no</strong> interior da mesma. No início dos a<strong>no</strong>s sessenta, as<br />

trabalhadoras da instituição obtiveram duas gran<strong>de</strong>s conquistas: a equipara-<br />

ção com o quadro masculi<strong>no</strong>, que transformou as auxiliares em<br />

escriturárias, e o direito ao comissionamento, que possibilitou a ascensão<br />

profissional das <strong>mulheres</strong>.<br />

Saliente-se também que essas trabalhadoras ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

em uma época em que importantes alterações verificavam-se <strong>no</strong> contexto<br />

nacional. Eram os a<strong>no</strong>s do <strong>de</strong>senvolvimentismo e do Pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong> Jus-<br />

celi<strong>no</strong> Kubitschek <strong>de</strong> Oliveira, com todos os reflexos que estes tiveram<br />

sobre a socieda<strong>de</strong> brasileira e o mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

261


Também, essas <strong>mulheres</strong> tinham alguns a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

quando emergiram os movimentos feministas, o que, evi<strong>de</strong>ntemente, exer-<br />

ceu influência sobre as atitu<strong>de</strong>s e o comportamento das mesmas,<br />

interferindo nas relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> mundo do trabalho bancário.<br />

Acrescente-se que, apesar do que foi dito <strong>no</strong>s parágrafos anteriores,<br />

a <strong>trajetória</strong> das <strong>mulheres</strong> que ascen<strong>de</strong>ram <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, como será discutido a-<br />

diante, não foi fácil, tendo estas, não raro, <strong>de</strong> enfrentar sérios problemas,<br />

tanto <strong>no</strong> mundo do trabalho como para conciliar sua vida profissional com<br />

as tarefas domésticas que são <strong>de</strong>stinadas às <strong>mulheres</strong>.<br />

Nesta parte do Capítulo V, tem-se como objetivo testar a hipótese<br />

que foi sendo construída ao longo <strong>de</strong>ste trabalho e que po<strong>de</strong> ser resumida<br />

<strong>no</strong> seguinte: enquanto as <strong>mulheres</strong> do Banrisul acomodaram-se a posições<br />

subalternas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste, como a <strong>de</strong> auxiliares, e <strong>de</strong>dicaram-se a realizar<br />

tarefas <strong>de</strong> me<strong>no</strong>r prestígio, como a <strong>de</strong> datilógrafa, as relações entre homens<br />

e <strong>mulheres</strong> foram cordiais e amistosas. Todavia, à medida que começaram a<br />

disputar postos importantes, instaurou-se uma relação conflituosa entre re-<br />

presentantes <strong>de</strong> ambos os sexos. Isso <strong>de</strong>ixa muito claro que as relações <strong>de</strong><br />

gênero são sempre relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, conforme afirmou Joan Scott.<br />

Esta parte do capítulo é elaborada a partir do <strong>de</strong>poimento oral <strong>de</strong><br />

treze <strong>mulheres</strong> que tiveram papel <strong>de</strong>stacado <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, procurando-se verificar a confirmação ou a negação da hi-<br />

pótese, acima colocada.<br />

262


3.1 Escolha das <strong>de</strong>poentes<br />

Para construir este capítulo foram selecionadas trabalhadoras do<br />

Banrisul que se <strong>de</strong>stacaram por ter conquistado cargos importantes e que<br />

ingressaram na instituição entre 1953 e 1985. Entre os referidos cargos es-<br />

tão a gerência geral <strong>de</strong> agências, a sub-gerência <strong>de</strong> agência, a gerência <strong>de</strong><br />

operações, a gerência administrativa, a gerência adjunta, cargos técnicos<br />

como analista <strong>de</strong> operações e métodos, operadora <strong>de</strong> mercados e advogada,<br />

supervisoras e chefes <strong>de</strong> serviço, <strong>de</strong> setor e <strong>de</strong> núcleo. Também compõe o<br />

grupo que foi ouvido, a primeira mulher que foi Presi<strong>de</strong>nte do Sindicato<br />

dos Empregados dos Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre e que é<br />

funcionária do Banrisul.<br />

As bancárias selecionadas são as seguintes: Anna Maria Miragem,<br />

Analice Leitão, Cora Gubert da Silva, Ecilda Menezes Ban<strong>de</strong>ira, Herondina<br />

Maron Faad, Ivete Maria Thereza Moratore, Joyce Maria Olbenburg, Maria<br />

Helena Pfeiffer, Maria Martha Falcão, Martha An<strong>de</strong>rs <strong>de</strong> Freire, Nemecy<br />

Simon Neme, O<strong>de</strong>te <strong>de</strong> Freitas e Rosalina Gomes.<br />

Enten<strong>de</strong>-se que acompanhar a história <strong>de</strong> bancárias que se <strong>de</strong>staca-<br />

ram em sua vida profissional ou sindical fornecerá elementos importantes<br />

para que se possa enten<strong>de</strong>r o processo mais amplo <strong>de</strong> inserção das <strong>mulheres</strong><br />

<strong>no</strong> mundo do trabalho e, principalmente, discutir a natureza das relações <strong>de</strong><br />

gênero que se estabeleceram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> quando as <strong>mulheres</strong> começam a dis-<br />

putar com os homens cargos <strong>de</strong> relativa importância.<br />

263


3.2.1 Ivete Maria Thereza Moratore<br />

3.2 Perfil das <strong>de</strong>poentes<br />

Ivete nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caxias do Sul, <strong>no</strong> Estado gaúcho, em 20<br />

<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1930, pertencendo a uma família pequena, visto que tinha ape-<br />

nas um irmão, e sendo filha <strong>de</strong> Tarci<strong>no</strong> Moratore e <strong>de</strong> Maria Pazeto<br />

Moratore. Seu pai exerceu diferentes profissões: foi bancário do Banco Pe-<br />

lotense, trabalhou com ma<strong>de</strong>ira, teve loja <strong>de</strong> calçados. Sua mãe <strong>de</strong>dicava-se<br />

às li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

A <strong>de</strong>poente estudou em Caxias do Sul e tem curso técnico <strong>de</strong> Con-<br />

tabilida<strong>de</strong>. Seu <strong>de</strong>sejo, porém, era ter feito o curso <strong>de</strong> Engenharia, o que<br />

não era oferecido em sua cida<strong>de</strong> natal.<br />

Ivete, que é solteira e ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> <strong>no</strong> dia 03 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />

1953, na Agência <strong>de</strong> Caxias do Sul. Mais tar<strong>de</strong> transferiu-se para Porto A-<br />

legre, tendo se aposentado <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1983, após carreira na qual conseguiu<br />

galgar postos <strong>de</strong> relativa importância <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, como a chefia do Setor <strong>de</strong><br />

Atendimento ao Acionista.<br />

264


3.2.2 Cora Rosa Gubert (da Silva) 305<br />

Cora nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, em 09 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1932, sendo filha <strong>de</strong> Januário Gubert e <strong>de</strong> Angelina<br />

Gubert. Seu pai era bancário e trabalhava <strong>no</strong> Banco do Brasil. Sua mãe <strong>de</strong>-<br />

dicava-se às li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

A família Gubert era bastante gran<strong>de</strong>. Eram 16 irmãos, mas quatro<br />

faleceram ainda crianças e dois mais recentemente. Entre as irmãs, duas são<br />

aposentadas da re<strong>de</strong> ferroviária e uma do serviço público. Outras quatro<br />

<strong>de</strong>dicaram-se às li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

A <strong>de</strong>poente estudou em Cachoeira do Sul e tem o Curso Normal in-<br />

completo. Sua vinda para Porto Alegre e o início do trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong> a fez<br />

abandonar os estudos.<br />

Cora, que é casada e tem três filhos, ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em 10 <strong>de</strong><br />

<strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1953, na Agência Central em Porto Alegre, e aposentou-se <strong>no</strong><br />

dia 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro do a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1983. Ela chegou a Chefe <strong>de</strong> Setor do Servi-<br />

ço <strong>de</strong> Apoio.<br />

3.2.3 Ecilda Menezes (Ban<strong>de</strong>ira)<br />

Ecilda nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cacequi, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, em 17<br />

<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1932, sendo filha <strong>de</strong> Francisco Ferreira Menezes e <strong>de</strong> Ca-<br />

cilda D’Avila, ambos comerciantes. Tinha quatro irmãs e nenhum irmão. A<br />

305 O sobre<strong>no</strong>me que aparece entre parênteses foi o acrescentado ao <strong>no</strong>me da trabalhadora<br />

quando esta contraiu matrimônio. Adotou-se esse procedimento com todas as<br />

265


<strong>de</strong>poente estudou <strong>no</strong> Colégio Centenário, em Santa Maria, tendo o curso gi-<br />

nasial completo.<br />

Antes <strong>de</strong> ingressar <strong>no</strong> BERGS, Ecilda trabalhou, durante três a<strong>no</strong>s,<br />

<strong>no</strong> Banco da Província em Porto Alegre (<strong>de</strong> 1952 a 1954), tendo saído ao<br />

casar, quando se mudou para o interior. A <strong>de</strong>poente enviuvou em seguida e<br />

retor<strong>no</strong>u para Porto Alegre, tendo feito concurso e ingressado <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em<br />

22 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1956. Ecilda tem três filhos (dois do segundo casamento) e<br />

aposentou-se em 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1987, tendo chegado a Supervisora <strong>de</strong> Ser-<br />

viços.<br />

3.2.4 Nemecy Simon Neme<br />

Nemecy nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Gabriel, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, em<br />

28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1938, sendo filha <strong>de</strong> Antônio Neme e <strong>de</strong> Judith Simon<br />

Neme. Seu pai era comerciário e sua mãe professora municipal. A <strong>de</strong>poente<br />

tinha três irmãs, sendo uma funcionária <strong>de</strong> posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, outra professora<br />

e a última <strong>de</strong>dicava-se às li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

A <strong>de</strong>poente, que tinha o segundo grau completo, ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

na primeira turma <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que fez concurso na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Gabriel,<br />

<strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1957 ( 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1957). Ela alcançou postos importantes<br />

na instituição; foi Sub-gerente <strong>de</strong> agência, Gerente Adjunto e, ao aposen-<br />

tar-se em 1º <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1991, era Analista <strong>de</strong> Produção e Sistemas.<br />

trabalhadoras selecionadas que tiveram seu <strong>no</strong>me alterado <strong>de</strong>vido a casamento.<br />

266


3.2.5 Rosalina Gomes<br />

Rosalina nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Maria, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,<br />

<strong>no</strong> dia 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1933, sendo filha <strong>de</strong> Renato Pereira Gomes e Dorva-<br />

lina Oliveira Gomes. Seu pai teve várias ocupações. Foi <strong>de</strong>legado <strong>de</strong><br />

polícia, major e industrial. Sua mãe <strong>de</strong>dicava-se aos afazeres domésticos.<br />

A <strong>de</strong>poente é solteira e formada em dois cursos <strong>de</strong> nível superior.<br />

Fez curso <strong>de</strong> História, tendo lecionado durante <strong>de</strong>z a<strong>no</strong>s em escola <strong>de</strong> se-<br />

gundo grau <strong>no</strong>tur<strong>no</strong> (durante o dia trabalhava <strong>no</strong> <strong>banco</strong>) Formou-se em<br />

1977 em Administração <strong>de</strong> Empresas, na Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Rosalina trabalhou durante cinco a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> Moinho Rio-gran<strong>de</strong>nse,<br />

tendo ingressado <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, em Porto Alegre, <strong>no</strong> dia 1º <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1957. A<br />

<strong>de</strong>poente fez carreira na instituição e aposentou-se em 6 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />

1988.<br />

3.2.6 Maria Helena Veríssimo Ferreira (Pfeiffer)<br />

Maria Helena nasceu na capital gaúcha, <strong>no</strong> dia 8 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1938,<br />

sendo filha <strong>de</strong> Sylvio Barcellos Ferreira e <strong>de</strong> Lygia Veríssimo Ferreira. Seu<br />

pai era comerciante e sua mãe, que fora funcionária do Banco da Província,<br />

trabalhou, posteriormente, como secretária executiva.<br />

A <strong>de</strong>poente tem grau <strong>de</strong> instrução superior, tendo cursado a Facul-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> Administração <strong>de</strong> Empresas e Administração Pública, na<br />

267


Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Fez também muitos cursos na<br />

área <strong>de</strong> informática, tanto <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul como em outros Estados da<br />

Fe<strong>de</strong>ração.<br />

Maria Helena, que é casada e tem dois filhos, ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

em Porto Alegre <strong>no</strong> dia 22 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1957, tendo-se <strong>de</strong>stacado na área <strong>de</strong><br />

informática e processamento <strong>de</strong> dados. Aposentou-se <strong>no</strong> dia 06 <strong>de</strong> outubro<br />

<strong>de</strong> 1991, como Analista <strong>de</strong> Organização e Métodos.<br />

3.2.7 Martha Kokot An<strong>de</strong>rs (<strong>de</strong> Freire)<br />

Martha nasceu em Porto Alegre, <strong>no</strong> dia 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1935, sendo<br />

filha <strong>de</strong> Guilherme An<strong>de</strong>rs e <strong>de</strong> Bertha Kokot An<strong>de</strong>rs, ambos tchecos. Seu<br />

pai era tecelão e sua mãe professora, tendo lecionado durante muitos a<strong>no</strong>s<br />

<strong>no</strong> Colégio America<strong>no</strong>, em Porto Alegre. Martha tem duas irmãs, uma mais<br />

velha e a outra mais moça, ambas farmacêuticas.<br />

A <strong>de</strong>poente não tem grau <strong>de</strong> instrução superior. Todavia domina vá-<br />

rios idiomas (inglês, alemão e francês), tendo prestado o exame <strong>de</strong><br />

Cambridge. Ao longo <strong>de</strong> sua carreira profissional esteve constantemente<br />

aperfeiçoando seus conhecimentos, <strong>no</strong> que se relaciona ao trabalho que <strong>de</strong>-<br />

senvolvia <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Várias das <strong>de</strong>poentes <strong>de</strong>stacaram a capacida<strong>de</strong><br />

profissional, a competência e a <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> Martha ao <strong>banco</strong>.<br />

Martha não casou muito cedo (tinha 34 a<strong>no</strong>s) e ficou viúva 7 a<strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong>pois. Não teve filhos.<br />

268


A <strong>de</strong>poente ingressou na instituição <strong>no</strong> dia 1º <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1958,<br />

tendo sido procurada pelo <strong>banco</strong> <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong>ste necessitar <strong>de</strong> pessoa<br />

que dominasse várias línguas para integrar o setor <strong>de</strong> câmbio que estava<br />

sendo criado. Inicialmente ela não integrava o quadro <strong>de</strong> funcionários do<br />

<strong>banco</strong>, o que aconteceu a partir <strong>de</strong> 1960.<br />

Martha foi Auxiliar <strong>de</strong> Câmbio, Correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Câmbio, Chefe<br />

<strong>de</strong> Serviço <strong>de</strong> Câmbio, Chefe <strong>de</strong> Setor <strong>de</strong> Operações, Chefe <strong>de</strong> Divisão <strong>de</strong><br />

Câmbio. Sua aposentadoria data <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1983.<br />

3.2.8 Maria Martha Franco <strong>de</strong> Jorge (Falcão)<br />

Maria Martha nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santos, <strong>no</strong> Estado <strong>de</strong> São Paulo,<br />

<strong>no</strong> dia 23 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1941, sendo filha <strong>de</strong> Jorge Luiz <strong>de</strong> Jorge Junior e<br />

<strong>de</strong> Guilhermina Franco <strong>de</strong> Jorge. Seu pai era <strong>de</strong>ntista e tinha um tabelionato<br />

na cida<strong>de</strong> paulista <strong>de</strong> Itamirim Sua mãe <strong>de</strong>dicava-se às li<strong>de</strong>s domésticas e<br />

ela tem apenas um irmão.<br />

A <strong>de</strong>poente, que iniciara seu curso superior na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo (USP) e o interrompera quando casou, é formada pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Filosofia Ciências e Letras <strong>de</strong> Bagé, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, on<strong>de</strong> se diplo-<br />

mou em 1971.<br />

Maria Martha ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1961, em São<br />

Paulo, na Agência Silvério Toledo. É casada com funcionário graduado do<br />

Banrisul e tem duas filhas.<br />

269


Maria Martha <strong>de</strong>stacou-se <strong>no</strong> por ter sido a primeira mulher Gerente<br />

Geral <strong>de</strong> agência na história do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,<br />

cargo que <strong>de</strong>sempenhou na agência Bom Conselho, a partir <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> julho<br />

<strong>de</strong> 1982. Em 1985, ela assumiu o cargo <strong>de</strong> gerente <strong>de</strong> operações.<br />

3.2.9 Analice Proch<strong>no</strong>w Leitão<br />

Analice nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marilândia do Sul, <strong>no</strong> Estado do Para-<br />

ná, <strong>no</strong> dia 25 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1953, sendo filha <strong>de</strong> Levi Domingues Leitão e<br />

<strong>de</strong> Alda Bróch<strong>no</strong> Leitão. Seu pai era agropecuarista e sua mãe, embora ti-<br />

vesse trabalhado <strong>no</strong> comércio enquanto solteira, após o casamento passou a<br />

<strong>de</strong>dicar-se às li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

A <strong>de</strong>poente é a filha mais velha e tem uma irmã e um irmão, sendo<br />

que este também trabalha <strong>no</strong> Banrisul, na Agência Bonfim. Sua irmã é bio-<br />

química e tem uma farmácia em São Francisco <strong>de</strong> Assis, <strong>no</strong> Paraná.<br />

Analice tem curso superior incompleto, tendo iniciado o curso <strong>de</strong><br />

Matemática e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Eco<strong>no</strong>mia e <strong>de</strong> Administração, nenhum dos quais<br />

concluiu. São seus pla<strong>no</strong>s para a aposentadoria fazer o curso <strong>de</strong> Turismo e<br />

trabalhar nessa área.<br />

Analice, que é solteira, ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em 19 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1973,<br />

em Porto Alegre, on<strong>de</strong> rapidamente <strong>de</strong>stacou-se. Foi Conferente, Superviso-<br />

ra <strong>de</strong> Serviço, Gerente Administrativa na agência Bom Conselho e Gerente<br />

<strong>de</strong> Contas.<br />

270


Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1995, a <strong>de</strong>poente a<strong>de</strong>riu ao Pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> Aposentado-<br />

ria Voluntária do <strong>banco</strong> (PDV), aposentando-se com 22 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> <strong>banco</strong>.<br />

3.2.10 Joyce Maria Olbenburg<br />

Joyce nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Leopoldo, <strong>no</strong> dia 25 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

1951, sendo filha <strong>de</strong> Alonso Ruben Ol<strong>de</strong>nburg e <strong>de</strong> Frida Weber Ol<strong>de</strong>nburg.<br />

Seu pai foi pescador, músico e caminhoneiro. Sua mãe <strong>de</strong>dicava-se aos afa-<br />

zeres domésticos. Ela tem dois irmãos, sendo um médico e outro antigo<br />

funcionário da Companhia Rio-gran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> Telecomunicações (CRT).<br />

A <strong>de</strong>poente fez o curso colegial <strong>no</strong> Colégio Júlio <strong>de</strong> Castilhos; in-<br />

terrompeu os seus estudos por alguns a<strong>no</strong>s e, posteriormente, ingressou <strong>no</strong><br />

Curso <strong>de</strong> Direito, na PUCRS, tendo obtido seu diploma em 1979. O curso<br />

<strong>de</strong> direito lhe possibilitou trabalhar <strong>no</strong> setor jurídico do <strong>banco</strong>, on<strong>de</strong> teve<br />

atuação <strong>de</strong>stacada.<br />

Joyce que havia trabalhado União Gaúcha <strong>de</strong> Policiais Civis<br />

(UGAPOCI) e ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, em Porto Alegre, <strong>no</strong> dia 2 <strong>de</strong> setembro<br />

<strong>de</strong> 1974, quando foi ouvida estava preparando sua documentação para a a-<br />

posentadoria. Ela é divorciada e tem dois filhos.<br />

271


3.2.11 Herondina Marun Faad<br />

Herondina nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alegrete, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>no</strong><br />

dia 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1956, sendo filha <strong>de</strong> Emílio Chia<strong>de</strong> Faad e <strong>de</strong> Ester Ma-<br />

run Faad. Seus pais separaram-se muito cedo e ela viveu sempre com a mãe<br />

que era professora.<br />

A <strong>de</strong>poente tem quatro irmãs, uma já falecida, outra que trabalha na<br />

Fundação do Banco e outras duas que optaram por <strong>de</strong>dicar-se às li<strong>de</strong>s do-<br />

mésticas, mas que atualmente retornaram aos estudos. Tem também um<br />

irmão – José Maron Faad – hoje aposentado, que foi Gerente do <strong>banco</strong> em<br />

New York.<br />

Herondina sempre estudou em escola pública e tem curso superior<br />

incompleto, pois não conseguiu completar a licenciatura curta em Ciências<br />

Naturais, <strong>de</strong>vido à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar. Ela é divorciada e tem uma fi-<br />

lha <strong>de</strong> sua segunda união.<br />

A <strong>de</strong>poente foi contratada pelo <strong>banco</strong> em 01 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1975 e<br />

efetivada em 01 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1976. Sua ascensão <strong>no</strong> Banrisul foi rápida, ten-<br />

do ela sido Gerente da Agência do Praia <strong>de</strong> Belas e, posteriormente, tendo<br />

assumido a gerência da Agência Vinte e Quatro <strong>de</strong> Outubro.<br />

272


3.2.12 O<strong>de</strong>te <strong>de</strong> Freitas Soares<br />

O<strong>de</strong>te nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Encruzilhada do Sul, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, <strong>no</strong> dia 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1954, sendo filha <strong>de</strong> Hugo Teixeira e <strong>de</strong> A<strong>de</strong>-<br />

lai<strong>de</strong> <strong>de</strong> Freitas Soares. Seu pai era comerciário e sua mãe <strong>de</strong>dicava-se às<br />

li<strong>de</strong>s domésticas. Ela tem cinco irmãos e seis irmãs, sendo que algumas<br />

trabalham como funcionárias públicas e outras são do lar.<br />

A <strong>de</strong>poente, que é solteira e não tem filhos, fez curso superior com-<br />

pleto, formando-se em Relações Públicas.<br />

O<strong>de</strong>te trabalhou alguns a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> comércio e ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em<br />

03 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1977, na Agência Central em Porto Alegre. Sua ascen-<br />

são foi rápida, sendo hoje Inspetora.<br />

3.2.13 Anna Maria Machado Miragem<br />

Anna nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tupanciretã, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>no</strong><br />

dia 24 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1961, sendo filha <strong>de</strong> João Samuel Miragem e <strong>de</strong><br />

Carmem Machado Miragem. Seu pai era engenheiro agrô<strong>no</strong>mo e foi Supe-<br />

rinten<strong>de</strong>nte Regional do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Reforma Agrária (IBRA) <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> foi afastado pelo gover<strong>no</strong> militar. Sua mãe era professora primária.<br />

A <strong>de</strong>poente, fez o curso <strong>de</strong> segundo grau <strong>no</strong> Colégio Júlio <strong>de</strong> Casti-<br />

lhos e cursou História, em que é formada, na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul. Posteriormente fez curso <strong>de</strong> Especialização em Ciência Po-<br />

lítica na Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

273


Anna ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em 1985 e em 1990 foi eleita Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários <strong>de</strong> Porto Ale-<br />

gre. Atualmente trabalha como escriturária na Agência Bonfim.<br />

Cabe salientar, finalizando este item, que o grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que<br />

será objeto <strong>de</strong> estudo neste capítulo é, em linhas gerais, bastante diferenci-<br />

ado do grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que foram estudadas <strong>no</strong> capítulo anterior. Essas<br />

não só tiveram importante ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong> ou enquanto representantes da<br />

categoria <strong>no</strong> sindicato, como diferenciam-se do grupo anterior também pe-<br />

los seguintes aspectos:<br />

• meta<strong>de</strong> do grupo é composto por <strong>mulheres</strong> casadas e/ou viúvas<br />

(Cora, Ecilda, Martha Freire, Martha Falcão, Maria Helena, Joy-<br />

ce e Herondina), sendo que seis <strong>de</strong>las tiveram um, dois ou três<br />

filhos, fato que não as levou a abandonar a carreira;<br />

• duas disseram-se divorciadas (Joyce e Herondina), uma separada<br />

(Ecilda) e duas afirmaram não estar, na época da entrevista, ofi-<br />

cialmente casadas, embora ambas tenham afirmado ter<br />

companheiros (Anna e Herondina);<br />

• duas das <strong>de</strong>poentes (Maria Helena e Rosalina) têm dois cursos<br />

superiores; seis têm curso superior completo (Rosalina, Maria<br />

Helena, Martha Falcão, Joyce, O<strong>de</strong>te e Anna) e duas, superior<br />

incompleto (Analice e Herondina).<br />

Os pontos acima citados são apenas algumas evidências <strong>de</strong> que estas<br />

<strong>mulheres</strong> apresentam características diferentes das apresentadas pelas que<br />

274


as antece<strong>de</strong>ram. Elas colocam a vida profissional em lugar importante em<br />

suas vidas, conciliam trabalho e obrigações domésticas e maternas, enca-<br />

ram com naturalida<strong>de</strong> o divórcio e as uniões não oficiais e possuem o grau<br />

<strong>de</strong> instrução bem mais elevado.<br />

3.3 Escolha da profissão <strong>de</strong> bancária<br />

Os <strong>de</strong>poimentos obtidos indicaram que a maior parte das <strong>de</strong>poentes<br />

não fez, propriamente, a escolha da profissão <strong>de</strong> bancária. A maioria <strong>de</strong>las,<br />

<strong>de</strong> fato, <strong>de</strong>sejava ter uma ocupação, quando surgiu a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> traba-<br />

lhar <strong>no</strong> Banrisul. Assim sendo, submeteram-se à seleção, foram aprovadas e<br />

ingressaram na instituição.<br />

Algumas das trabalhadoras ouvidas explicaram que não estavam fa-<br />

zendo nada e, por essa razão, candidataram-se ao trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong> (Cora e<br />

Nemecy). Outras esclareceram que sua entrada na instituição fora motivada<br />

pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> custear os estudos (Analice e Ecilda) ou <strong>de</strong> tornar-se<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos pais (Anna).<br />

Cora explicou seu ingresso <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, contando que não estava mais<br />

estudando e não queria ficar em casa, sem fazer nada. “Eu fui conversar<br />

com ele (um Diretor do BERGS que era amigo <strong>de</strong> seu pai) para entrar <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> porque eu queria trabalhar, eu queria ter uma ativida<strong>de</strong>. Eu não sou<br />

<strong>de</strong> ficar parada.” 306<br />

306 Depoimento à autora em maio <strong>de</strong> 1996.<br />

275


No caso <strong>de</strong> Nemecy, é possível perceber que a entrada <strong>no</strong> <strong>banco</strong> foi<br />

completamente casual. Ela contou que “um senhor (amigo seu) que traba-<br />

lhava lá (<strong>no</strong> <strong>banco</strong>) me convidou e eu gostei da idéia. Fiz concurso, fui<br />

aprovada e fiquei <strong>no</strong> <strong>banco</strong>.” 307<br />

Já Ecilda relatou que residia em Cacequi e que <strong>de</strong>sejava vir estudar<br />

e morar na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre. Porém, para isso, precisaria conseguir<br />

um emprego, que lhe permitisse garantir sua manutenção e o custeio <strong>de</strong><br />

seus estudos<br />

“E como o que se proporcio<strong>no</strong>u foi isso ... Não foi<br />

assim ... por escolha, propriamente ... Eu precisava<br />

<strong>de</strong> um emprego para po<strong>de</strong>r continuar estudando. Então<br />

eu vim para cá [...] arrumei este emprego [...] e<br />

comecei a trabalhar aqui e fiquei. Enfim não estu<strong>de</strong>i<br />

porque comecei <strong>no</strong> Julinho, mas... falhava muito à<br />

aula porque eu não estava acostumada a trabalhar,<br />

então ficava muito cansativo...” 308<br />

Analice explicou que, <strong>no</strong> início da década <strong>de</strong> setenta, era estudante<br />

e que o <strong>banco</strong> foi visto por ela como “um bico” para continuar os seus es-<br />

tudos. Conforme suas palavras, “o horário teórico do <strong>banco</strong> era <strong>de</strong> seis<br />

horas <strong>de</strong> serviço.” Com essa carga horária tornava-se possível “conciliar o<br />

estudo na faculda<strong>de</strong> e o trabalho,” o que levou a referida bancária a fazer.<br />

o concurso e entrar <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. 309<br />

307 Depoimento à autora em 06 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

308 Depoimento à autora em 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

309 Depoimento à autora em 12 e 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

276


Analice esclareceu que, durante um certo tempo, encarou o trabalho<br />

<strong>no</strong> <strong>banco</strong> somente como uma ativida<strong>de</strong> temporária, especialmente, porque<br />

havia ingressado num quadro complementar, on<strong>de</strong> o salário era muito redu<br />

zido e as chances <strong>de</strong> subir na instituição, quase inexistentes. Ela chegou a<br />

mencionar que, em suas primeiras férias, fez curso <strong>de</strong> computação e vários<br />

concursos, pois era seu objetivo conseguir um emprego com melhor remu-<br />

neração e <strong>de</strong>ixar o <strong>banco</strong>. Entretanto, segundo relatou,<br />

“Em 1976, fiz o concurso (inter<strong>no</strong> <strong>no</strong> Banrisul) para<br />

o quadro efetivo, porque melhorava (o salário). Até<br />

não estava pensando em permanecer <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, mas<br />

quando eu passei e houve uma boa melhoria salarial,<br />

eu comecei a me apaixonar pela ativida<strong>de</strong> bancária<br />

[...] e isso foi uma constante na minha vida. Fui uma<br />

apaixonada pela ativida<strong>de</strong> bancária durante os meus<br />

vinte e dois a<strong>no</strong>s e meio (<strong>de</strong> trabalho <strong>no</strong> <strong>banco</strong>).” 310<br />

No <strong>de</strong>correr do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Analice foi possível constatar que,<br />

efetivamente, ela gostava muito da ativida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sempenhava e que se<br />

<strong>de</strong>dicou inteiramente à mesma. Ela <strong>de</strong>screveu com muito entusiasmo vários<br />

dos projetos que <strong>de</strong>senvolveu <strong>no</strong> <strong>banco</strong>.<br />

Refletindo, <strong>de</strong> uma certa forma, a influência dos movimentos <strong>de</strong> li-<br />

beração dos jovens e das <strong>mulheres</strong>, que aconteceram <strong>no</strong> País, a partir <strong>de</strong><br />

meados dos a<strong>no</strong>s setenta, Anna Miragem, que ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> em 1985,<br />

explicou seu ingresso dizendo que precisava libertar-se da influência e do<br />

controle <strong>de</strong> sua família. Perguntada sobre se, <strong>de</strong> fato, escolhera a profissão<br />

<strong>de</strong> bancária, ela respon<strong>de</strong>u prontamente:<br />

310 Depoimento à autora em 12 e 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

277


“Não, <strong>de</strong> forma alguma [...] eu estudava. Eu estava<br />

fazendo a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> História, mas, por problemas<br />

familiares, foi necessário conseguir um trabalho para<br />

po<strong>de</strong>r ter mais in<strong>de</strong>pendência em relação as influências<br />

<strong>de</strong> pai e <strong>de</strong> mãe. Então, comecei a procurar um<br />

trabalho em que eu pu<strong>de</strong>sse ter um salário para po<strong>de</strong>r<br />

sobreviver e o <strong>banco</strong> com o concurso foi uma das alternativas<br />

que apareceram e, felizmente, eu passei.<br />

Foi importante, bastante importante, passar <strong>no</strong> concurso<br />

e po<strong>de</strong>r trabalhar.” 311<br />

Po<strong>de</strong>-se concluir, pelos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Cora, Ecilda, Analice e An-<br />

na Miragem que as quatro ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> como po<strong>de</strong>riam ter<br />

ingressado em qualquer outro emprego. Não houve, nestes quatro casos,<br />

uma escolha profissional, o que não impediu que essas bancárias viessem a<br />

<strong>de</strong>dicar-se com entusiasmo ao trabalho.<br />

Entre as várias <strong>de</strong>poentes, também houve as que revelaram que ti-<br />

nham outras opções profissionais, mas, não tendo condições <strong>de</strong> realizá-las<br />

(Ivete) ou adiando seus projetos para um momento posterior (Maria Martha<br />

Falcão, Rosalina), haviam feito seleção para ingresso <strong>no</strong> Banrisul. O traba-<br />

lho <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, nestes casos, era encarado como temporário.<br />

Ivete contou que sempre <strong>de</strong>sejou ser engenheira, mencionando que<br />

havia trabalhado ajudando um engenheiro a <strong>de</strong>senvolver o Pla<strong>no</strong> Diretor <strong>de</strong><br />

Caxias do Sul, bem como que gostava muito da Engenharia, tendo pretendi-<br />

do formar-se nessa área. Todavia, em Caxias, sua terra natal, não havia este<br />

curso e sua família não permitiu que ela viesse residir em Porto Alegre, pa-<br />

ra cursar a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Engenharia.<br />

311 Depoimento à autora em 06 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

278


Impossibilitada <strong>de</strong> fazer o curso <strong>de</strong>sejado, Ivete <strong>de</strong>dicou-se, durante<br />

certo tempo a lecionar Matemática. Porém, conforme <strong>de</strong>clarou, não era seu<br />

<strong>de</strong>sejo consagrar a sua vida ao magistério. Por essa razão, quando surgiu a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar <strong>no</strong> Banrisul, ela resolveu seguir esse caminho.<br />

Moratore explicou que ela e outras moças caxienses foram convida-<br />

das a prestar serviços <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, durante<br />

uma greve ocorrida em 1953. Terminado o movimento grevista, a agência<br />

do <strong>banco</strong> em Caxias do Sul, que até então não empregava <strong>mulheres</strong>, <strong>de</strong>cidiu<br />

abrir concurso para moças. Ela fez o concurso, foi aprovada e entrou na<br />

instituição. 312<br />

Conforme afirmou Ivete, o <strong>banco</strong> “não foi praticamente uma esco-<br />

lha, mas um meio <strong>de</strong> vida.” 313 Saliente-se que, apesar <strong>de</strong>sta afirmação, a<br />

<strong>de</strong>poente <strong>de</strong>dicou-se inteiramente ao <strong>banco</strong>, ao longo <strong>de</strong> sua vida profissio-<br />

nal, a ponto <strong>de</strong> sua mãe afirmar, segundo suas palavras, que ela “havia<br />

casado com o <strong>banco</strong>.” 314<br />

Também, <strong>no</strong>s pla<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Maria Martha Falcão não estava incluída a<br />

idéia <strong>de</strong> ser bancária. Seu sonho era fazer carreira diplomática, não estando<br />

afastada <strong>de</strong> seus projetos, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar-se professora. Veja-se o<br />

que a bancária <strong>de</strong>clarou:<br />

“Eu pretendia ser professora, <strong>no</strong> caso, já era professora<br />

primária. Estava cursando a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras<br />

na qual pretendia me formar e continuar os estudos.<br />

312 Conforme disse Ivete, em seu <strong>de</strong>poimento, junto com ela entraram mais quatro <strong>mulheres</strong><br />

na agência <strong>de</strong> Caxias do Sul: Laura Frigeri, Zamilda Skill, Leda Grillo e<br />

Antonieta Dametto.<br />

313 Depoimento à autora em 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

314 I<strong>de</strong>m.<br />

279


Eu tinha a intenção <strong>de</strong> fazer o Instituto Rio Branco.<br />

Eu estudava Alemão, Inglês, já tinha feito a Aliança<br />

Francesa até o quarto a<strong>no</strong>, gostava imensamente <strong>de</strong><br />

línguas, tinha feito um a<strong>no</strong> <strong>de</strong> Italia<strong>no</strong> e pensava em<br />

terminar a faculda<strong>de</strong> e ingressar <strong>no</strong> Instituto Rio<br />

Branco para fazer a carreira diplomática. Mas aí, a<br />

minha vida <strong>de</strong>u uma guinada e o Banrisul me puxou.<br />

Eu tinha uma amiga que trabalhava (<strong>no</strong> <strong>banco</strong>) e ela<br />

me disse que o <strong>banco</strong> estava precisando <strong>de</strong> funcionários.<br />

Como eu queria trabalhar <strong>de</strong> meio período, por<br />

causa da faculda<strong>de</strong>, eu disse: Ah! Vou trabalhar neste<br />

<strong>banco</strong> só até me formar para <strong>de</strong>pois [...] ver outra<br />

coisa para fazer e lá fiquei 30 a<strong>no</strong>s.” 315<br />

Além <strong>de</strong> permanecer por mais <strong>de</strong> trinta a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> Banco do Estado do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Maria Martha fez <strong>de</strong>stacada carreira, sendo a primeira<br />

mulher Gerente Geral <strong>de</strong> agência. Ao longo <strong>de</strong> sua vida profissional, Maria<br />

Martha assumiu uma posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos da mulher bancária,<br />

como será discutido adiante.<br />

Rosalina Gomes, igualmente não escolheu ser bancária por gostar<br />

<strong>de</strong>sta profissão, mas por razões que po<strong>de</strong>riam ser classificadas como <strong>de</strong> or-<br />

<strong>de</strong>m prática. Ela estava estudando e pretendia ter um trabalho que lhe<br />

permitisse cursar a universida<strong>de</strong>. Conforme suas palavras,<br />

“Na época eu escolhi porque pretendia estudar. Eu<br />

trabalhava já em área <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong>.. Quando eu<br />

saí do Moinho (Rio-gran<strong>de</strong>nse) [...] passei para o<br />

<strong>banco</strong> ganhando a meta<strong>de</strong>, [...] mas lá (<strong>no</strong> Moinho) eu<br />

trabalhava <strong>de</strong> manhã e <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>, inclusive sábado <strong>de</strong><br />

manhã. E eu pretendia estudar, continuar a faculda<strong>de</strong><br />

[...] Então, como eu queria tirar uma faculda<strong>de</strong>, optei<br />

pelo <strong>banco</strong> porque eu pegava meio tur<strong>no</strong>. Aí eu tirei<br />

História e Geografia. Aí eu comecei a lecionar <strong>de</strong><br />

<strong>no</strong>ite e trabalhar <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Eu lecionei 10 a<strong>no</strong>s. Aí<br />

chegou a época que eu tinha que optar [...]. Tinha<br />

que tomar uma <strong>de</strong>cisão. Podia continuar acumulando,<br />

315 Depoimento à autora em 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

280


mas eu achei que o caminho melhor para mim seria<br />

ser bancária. Então eu fui para (o curso <strong>de</strong>) Administração<br />

<strong>de</strong> Empresas, aí eu tirei a segunda<br />

faculda<strong>de</strong>.[...] Eu terminei em 77 a Administração.”<br />

316<br />

Os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Maria Martha Falcão, Rosalina e Analice indi-<br />

cam que um importante fator que levou algumas <strong>mulheres</strong> a <strong>de</strong>cidirem<br />

trabalhar <strong>no</strong> <strong>banco</strong> foi o fato da jornada <strong>de</strong> trabalho neste setor ser <strong>de</strong> ape-<br />

nas seis horas diárias. Isso possibilitava que as trabalhadoras <strong>de</strong>dicassem<br />

uma parte do dia ao estudo. Saliente-se que, a partir do final dos a<strong>no</strong>s se-<br />

tenta e oitenta, tor<strong>no</strong>u-se crescente o número <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que começaram a<br />

fazer curso universitário, em gran<strong>de</strong> parte dos casos, custeando elas pró-<br />

prias os seus estudos. Isso em parte explica os <strong>de</strong>poimentos acima.<br />

O ingresso <strong>de</strong> Martha An<strong>de</strong>rs <strong>de</strong> Freire <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul apresenta certa peculiarida<strong>de</strong>. Martha relatou que foi procu-<br />

rada para prestar serviços ao Banrisul. Conforme suas palavras:<br />

316 Depoimento à autora em 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

“A carteira <strong>de</strong> câmbio (do Banrisul) foi organizada<br />

em 1958 e precisava <strong>de</strong> alguém que aten<strong>de</strong>sse a parte<br />

<strong>de</strong> correspondência estrangeira. O <strong>banco</strong> <strong>de</strong>cidiu então<br />

procurar alguém (fora), porque não encontrou<br />

<strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, e me contrataram. Eu fui funcionária<br />

contratada do <strong>banco</strong> por dois a<strong>no</strong>s [...] Depois <strong>de</strong><br />

dois a<strong>no</strong>s é que a diretoria <strong>de</strong>cidiu que eu faria parte<br />

do quadro. Então, eu continuei, a partir daí, como<br />

funcionária do <strong>banco</strong>.(No <strong>banco</strong>) havia uma pessoa<br />

conhecida (<strong>de</strong> Martha), que trabalhava <strong>no</strong> Departamento<br />

<strong>de</strong> Contabilida<strong>de</strong>, na época, e que, sabendo<br />

que eu estava <strong>de</strong>dicada ao estudo <strong>de</strong> línguas, mencio<strong>no</strong>u<br />

o meu <strong>no</strong>me. Então me fizeram um teste, a<br />

direção do Departamento <strong>de</strong> Contabilida<strong>de</strong> e a pessoa<br />

281


encarregada <strong>de</strong> organizar a área <strong>de</strong> câmbio [...] e resolveram<br />

me admitir como contratada.” 317<br />

Outras bancárias ouvidas (Maria Helena, Herondina) explicaram seu<br />

ingresso <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, relatando que, <strong>de</strong> alguma forma, as suas famílias esta-<br />

vam ligadas ao trabalho <strong>no</strong> setor bancário, ou seja, que elas já teriam uma<br />

certa inclinação pela ativida<strong>de</strong> bancária, <strong>de</strong>vido à influência familiar.<br />

Maria Helena contou que vários familiares seus tinham sido ou e-<br />

ram bancários, mas não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> acrescentar que o fundamental para ela,<br />

quando <strong>de</strong>cidiu trabalhar, era ter um emprego. De acordo com as suas pala-<br />

vras,<br />

“Eu queria trabalhar, não necessariamente ser bancária,<br />

mas como já tinha uma tradição <strong>de</strong> bancárias na<br />

família... Eu tinha duas primas (bancárias), a minha<br />

mãe tinha sido bancária [...] Então, eu estava<br />

mais ou me<strong>no</strong>s numa família <strong>de</strong> bancárias. Antes <strong>de</strong><br />

ir para o Banrisul eu fui com a minha avó <strong>no</strong> Banco<br />

da Província. Ela me apresentou para um dos diretores<br />

que era primo <strong>no</strong>sso, mas eu optei pelo Banrisul.<br />

Até não sei dizer por que [...] Eu tinha também duas<br />

primas que trabalhavam <strong>no</strong> Banrisul - Nei<strong>de</strong> Veríssimo<br />

da Fonseca Meyer e Liane Ferreira <strong>de</strong> Campos<br />

[...]. Depois tivemos mais, a Norma que era irmã da<br />

Nei<strong>de</strong> e o Wilson Veríssimo da Fonseca, da Fundação<br />

do Banrisul, que é meu primo-irmão.” 318<br />

A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Herondina <strong>no</strong> que se refere a escolha <strong>de</strong> profissão<br />

<strong>de</strong> bancária aproxima-se do que foi dito por Maria Helena. Também Heron-<br />

dina possuía vários familiares que trabalhavam <strong>no</strong> setor bancário, o que, <strong>no</strong><br />

317 Depoimento à autora em 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

318 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

282


seu enten<strong>de</strong>r, a teria influenciado <strong>no</strong> momento em que procurou escolher<br />

um emprego. Conforme as palavras <strong>de</strong> Herondina,<br />

“A minha família toda era <strong>de</strong> bancários. Praticamente<br />

os homens todos eram bancários. O meu tio [...] era<br />

Gerente do Banco da Província. Na época, o meu irmão<br />

já tinha entrado <strong>no</strong> Banco. Os namorados das<br />

minhas primas eram bancários, o namorado da minha<br />

irmã era bancário. Então a gente sempre viveu numa<br />

família, on<strong>de</strong> a conversa <strong>de</strong> <strong>banco</strong> era muito comum e<br />

eu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequena, quis ser bancária. Perguntavam o<br />

que é que tu vai ser quando crescer? Eu sempre dizia:<br />

bancária. Quer dizer, eu até podia ser outra coisa,<br />

mas não sei por que eu optei...Quando surgiu a oportunida<strong>de</strong>,<br />

eu não pensei duas vezes.” 319<br />

Outras duas bancárias ouvidas (O<strong>de</strong>te e Joyce) afirmaram que ti-<br />

nham forte inclinação para trabalhar <strong>no</strong> setor bancário. Gostavam da<br />

ativida<strong>de</strong> bancária em si e <strong>de</strong>sejavam exercer essa profissão. Estas seriam<br />

as duas únicas trabalhadoras do grupo ouvido que teriam, efetivamente, es-<br />

colhido a profissão <strong>de</strong> bancária.<br />

Conforme disse O<strong>de</strong>te:<br />

”Eu sempre fui meio curiosa com as coisas e eu olhava<br />

as pessoas <strong>trabalhando</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e achava aquilo<br />

maravilhoso. Eu dizia: mas que sensacional! Eu tinha<br />

alguns amigos que trabalhavam em <strong>banco</strong>. Então eu<br />

acompanhava o trabalho <strong>de</strong>les. Eu via o pessoal fazendo<br />

pesquisas e eu via muitas pessoas com<br />

problemas <strong>no</strong>s guichês. Normalmente [...] os clientes<br />

dos <strong>banco</strong>s, na maioria, são muito alienados [...] eles<br />

não sabem interpretar um extrato, ver que lançamento<br />

é aquela confusão. Então, eu comecei a achar fascinante<br />

isso...Eu acho que é isso que eu quero fazer!<br />

Daí fiz o concurso e passei.” 320 .<br />

319 Depoimento à autora em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

320 Depoimento à autora em abril <strong>de</strong> 1996.<br />

283


Por sua vez, Joyce confessou que o trabalho dos Caixas <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s<br />

a <strong>de</strong>ixavam fascinada. Inclusive, quando resolveu fazer seleção para o Ban-<br />

risul, ela já trabalhava na polícia. Portanto, trocou <strong>de</strong> emprego para fazer o<br />

que gostava. Ela contou o seguinte:<br />

“Eu trabalhava na UGAPOCI [...] Eu era secretária<br />

do presi<strong>de</strong>nte e eu recebia os meus vencimentos pelo<br />

<strong>banco</strong>. E eu olhava e pensava... o meu sonho é ser<br />

Caixa, achava uma coisa maravilhosa. Eu disse: Eu<br />

quero trabalhar <strong>no</strong> caixa. Aí, a Noemi, uma Caixa do<br />

<strong>banco</strong>, muito amiga minha (disse): está aberto o concurso,<br />

estão abertas as inscrições para o concurso. Aí<br />

eu fui, me inscrevi, passei e fui <strong>de</strong>signada para a Agência<br />

Parte<strong>no</strong>n, como Caixa [...] É uma das<br />

ativida<strong>de</strong>s do <strong>banco</strong> mais bonitas que existe [...]<br />

Principalmente em agências. Tu faz amiza<strong>de</strong> com os<br />

clientes e eles se tornam praticamente da tua família.<br />

Tu faz um relacionamento com essas pessoas e muda<br />

aquela tua rotina É uma profissão na qual tu contata<br />

muito com o público.” 321<br />

A partir dos <strong>de</strong>poimentos aqui reunidos, comprova-se que somente<br />

quatro das treze bancárias ouvidas, <strong>de</strong> uma certa forma, escolheram a pro-<br />

fissão <strong>de</strong> bancária (Maria Helena, Herondina, O<strong>de</strong>te e Joyce). As <strong>de</strong>mais<br />

<strong>de</strong>sejavam ou precisavam trabalhar e a possibilida<strong>de</strong> que se ofereceu foi a<br />

<strong>de</strong> trabalhar <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. No que se refere a esse aspecto, as bancárias que in-<br />

gressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> nas décadas mais recentes, apresentam uma gran<strong>de</strong><br />

semelhança com as primeiras trabalhadoras que entraram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> entre<br />

1943 e 1945, ou seja, a maioria <strong>de</strong>sejava um emprego e a possibilida<strong>de</strong> que<br />

surgiu foi a <strong>de</strong> trabalhar <strong>no</strong> <strong>banco</strong>.<br />

321 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1996.<br />

284


Finalizando esta parte, cabe salientar, ainda, que foi possível cons-<br />

tatar que todas as <strong>mulheres</strong> ouvidas, embora não tenham <strong>de</strong>clarado como<br />

Analice que se “apaixonaram pelo trabalho bancário,” gostavam ou gostam<br />

muito do que faziam ou fazem e que se <strong>de</strong>dicaram ou se <strong>de</strong>dicam inteira-<br />

mente à profissão <strong>de</strong> bancárias, embora a mesma não tenha sido escolhida<br />

pela maioria das <strong>de</strong>poentes. Esta constatação aproxima o grupo estudado<br />

dos resultados que foram obtidos na pesquisa realizada por encomenda da<br />

Fe<strong>de</strong>ração dos Bancários, <strong>de</strong>scrita na segunda parte <strong>de</strong>ste capítulo.<br />

3.4 Ascensão das <strong>mulheres</strong><br />

No Capítulo IV <strong>de</strong>sta tese, foi salientado que raras <strong>mulheres</strong>, entre<br />

as que ingressaram na instituição <strong>no</strong> período compreendido entre 1943 e<br />

1945, tiveram alguma ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Como foi visto, <strong>no</strong> grupo das<br />

primeiras trabalhadoras, apenas A<strong>de</strong>la Prates, Diva Schramm, Sylvia Tei-<br />

xeira e Hermínia Gaya <strong>de</strong> Cami<strong>no</strong> foram comissionadas. As <strong>de</strong>mais<br />

mantiveram-se em cargos auxiliares da ativida<strong>de</strong> masculina.<br />

Entre as razões para que isso ocorresse, salientou-se o fato do texto<br />

da Resolução 406, estabelecer que as moças seriam admitidas “a título pre-<br />

cário na categoria <strong>de</strong> auxiliares.” Esta <strong>de</strong>finição colocava um impedimento<br />

institucional para a ascensão das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> Banrisul.<br />

Foi mencionado, igualmente, que em 1952, através da Resolução nº<br />

85, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> setembro, foi instituído o Regulamento <strong>de</strong> Pessoal do Banco,<br />

285


que distribuía os funcionários da instituição em vários quadros. Acrescen-<br />

tou-se que as <strong>mulheres</strong> foram mantidas <strong>no</strong> Quadro D, composto por<br />

auxiliares do padrão H ao A.<br />

Finalmente, afirmou-se que só <strong>no</strong> final do a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1960, <strong>no</strong> gover<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong> Leonel Brizola, foi assinada, pelo executivo estadual gaúcho, a equipa-<br />

ração <strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong> do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Como conseqüência <strong>de</strong>sse Ato, a partir <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1961, as mulhe-<br />

res passaram a ser, como os homens, escriturárias.<br />

Em seu <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria Helena Pffeifer faz referência a um<br />

movimento realizado pelas <strong>mulheres</strong> do <strong>banco</strong>, que teria levado a direção<br />

<strong>de</strong>ste a conce<strong>de</strong>r a equiparação <strong>de</strong>sejada pelas trabalhadoras. De acordo<br />

com Maria Helena,<br />

“Nós éramos muito unidas. Nós tínhamos uma toalete<br />

em comum e na hora do lanche todo mundo ficava lá.<br />

Nós não saíamos para fazer lanche fora. A gente levava<br />

uma merenda e comia lá na toalete, on<strong>de</strong> tinha<br />

uma ante-sala com um sofazinho. Era o lugar <strong>de</strong> conversa,<br />

<strong>de</strong> fofoca. Ali o pessoal foi se organizando e<br />

<strong>de</strong>cidimos um dia ir na diretoria reclamar porque estava<br />

todo mundo <strong>de</strong>scontente, todo mundo trabalhava,<br />

fazia o mesmo (que os homens), mas nós éramos mais<br />

penalizadas. Na hora <strong>de</strong> ganhar nós ganhávamos me<strong>no</strong>s.<br />

Então nós resolvemos fazer um protesto junto à<br />

diretoria e fomos bem sucedidas. Foi o mulherio todo,<br />

todas as <strong>mulheres</strong> e entramos lá (na sala da<br />

diretoria). E sabe como é, mulher junto, todas falavam<br />

ao mesmo tempo. Eles pediram que a gente se<br />

organizasse, aí umas duas tomaram a palavra e falaram.<br />

Um pouco <strong>de</strong>pois, vamos dizer coisa <strong>de</strong> três ou<br />

286


quatro meses, mais ou me<strong>no</strong>s, eles cumpriram (veio a<br />

equiparação).” 322<br />

A obtenção da equiparação teoricamente criava a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as<br />

<strong>mulheres</strong> po<strong>de</strong>rem receber seus primeiros comissionamentos, como aconte-<br />

cia com os homens. Contudo, constatou-se que isso não aconteceu <strong>de</strong><br />

imediato. Embora a equiparação tenha sido concedida a partir <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> ja-<br />

neiro <strong>de</strong> 1961, os primeiros comissionamentos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> só começaram a<br />

ocorrer a partir <strong>de</strong> 1964.<br />

A explicação para este fato foi obtida através do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Ro-<br />

salina Gomes. Veja-se o que ela disse:<br />

322 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

“O Seu Rocha era Chefe do Departamento <strong>de</strong> Pessoal,<br />

e eu tinha (um) grupo <strong>de</strong> amigas <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, [...] a<br />

Neda Belini, a Cora, a Wilma Botomé, a Eunice Holleben<br />

e eu. Éramos cinco, inicialmente.[...] Nós cinco<br />

estávamos um dia conversando <strong>no</strong> café. Elas me perguntaram:<br />

Rosa, tu não achas gozado [...] que a<br />

mulher não seja comissionada <strong>no</strong> <strong>banco</strong>? Eu digo que<br />

acho, que é discriminação. Verifica para nós se tem<br />

alguma coisa <strong>no</strong> regulamento [...]. Eu olhei os regulamentos<br />

e não tinha nada que mulher não pu<strong>de</strong>sse<br />

(ser comissionada). E [...] a Constituição veda a discriminação.<br />

Então elas disseram: Ah! Isso era caso da<br />

gente falar. Eu digo: Já falei para o Seu Rocha. Ele<br />

disse que tem que falar com a Diretoria. Vamos pedir<br />

uma audiência, vocês vão comigo? Eu falo. Elas: Tá,<br />

tá bom. Elas foram comigo. Nós pedimos a audiência,<br />

era o Archime<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almeida, por isso que até hoje,<br />

na festa <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> a<strong>no</strong>, o Archime<strong>de</strong>s é homenageado<br />

pelas <strong>mulheres</strong>. Ele <strong>no</strong>s recebeu e eu expus que nós<br />

pretendíamos só uma resposta (sobre a razão) por que<br />

a mulher não era comissionada se nós fazíamos o<br />

mesmo trabalho dos homens. Aí ele chamou o Seu<br />

Rocha e perguntou por que mulher não era comissionada<br />

[...] Ele (Seu Rocha) disse: a Dona Rosa, já<br />

287


falou comigo [...] não existe nada contra. E ele (o Diretor)<br />

disse: vocês me aguar<strong>de</strong>m que eu vou dar uma<br />

resposta para vocês. Aí ele (o Diretor) ficou com o<br />

Seu Rocha e nós saímos. (Depois) Seu Rocha <strong>de</strong>sceu<br />

e disse: Dona Rosa, o Seu Archime<strong>de</strong>s está pensando<br />

em comissionar as <strong>mulheres</strong>. E eu disse: Oh! ótimo, é<br />

isso que eu quero, que reconheçam o <strong>no</strong>sso valor. Se<br />

nós estamos <strong>trabalhando</strong> igual, por que não vamos ser<br />

comissionadas? No dia do aniversário do <strong>banco</strong>, ele<br />

comissio<strong>no</strong>u eu, a Cora, a Neda... 323<br />

O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Rosalina foi altamente esclarecedor. Através <strong>de</strong>le<br />

foi possível enten<strong>de</strong>r como iniciou o comissionamento <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong><br />

BERGS. No entanto, existem alguns equívocos na história contada pela<br />

bancária, <strong>no</strong> que se refere à data dos mesmos e aos <strong>no</strong>mes das primeiras<br />

comissionadas.<br />

Na verda<strong>de</strong>, os primeiros comissionamentos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> ocorreram<br />

em 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1964 e não em setembro (data do aniversário do <strong>banco</strong>) e<br />

as comissionadas foram Martha Kokot An<strong>de</strong>rs, Rosalina Gomes, Diva Sc-<br />

hramm (que não aceitou), Sylvia Montin Teixeira, Nair Pereira, Neda<br />

Severo Bellini, Eunice Holleben, A<strong>de</strong>la Lígia Prates, Marlene Campos e Ju-<br />

lieta dos Santos Horst. 324<br />

Cabe ressaltar que, pelo que relatou Rosalina, foi necessário que<br />

um grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, li<strong>de</strong>rado por esta, questionasse, com muita diploma-<br />

cia, a Direção do <strong>banco</strong> quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> um direito<br />

que estas, legalmente, já possuíam, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a equiparação em 1960.<br />

323 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1996.<br />

324 Dados obtidos em pesquisa <strong>no</strong> Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s do Banrisul.<br />

288


Somente em julho <strong>de</strong> 1964, portanto, ocorreram os primeiros comis-<br />

sionamentos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>. Um pouco <strong>de</strong>pois, neste mesmo a<strong>no</strong> ainda foram<br />

comissionadas Hermínia Gaja <strong>de</strong> Cami<strong>no</strong> (19/08/64) e Eunice Rodrigues da<br />

Costa (04/11/64). A partir <strong>de</strong> 1970, os comissionamentos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> pas-<br />

saram a ser mais freqüentes, sendo viabilizada a ascensão das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong><br />

Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Ouvido, o Dr. Archime<strong>de</strong>s da Silva Almeida que foi um dos direto-<br />

res do <strong>banco</strong> entre 1963 e 1964 e ao qual Rosalina fez referência, este<br />

afirmou ter uma vaga idéia a respeito do que ela relatou, mas disse não<br />

lembrar do fato “com muita precisão visto ter <strong>de</strong>corrido mais <strong>de</strong> trinta a-<br />

<strong>no</strong>s.” Embora não tendo uma lembrança clara do ocorrido, o Dr.<br />

Archime<strong>de</strong>s Almeida afirmou categoricamente que “não havia vedação esta-<br />

tutária para os comissionamentos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, mas, <strong>de</strong> fato, (na época<br />

referida) estes não eram feitos. ”325<br />

O quadro a seguir reúne, sinteticamente, algumas informações so-<br />

bre a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> 12 das 13 <strong>mulheres</strong> que são objeto <strong>de</strong> estudo nesta parte<br />

do trabalho, as quais foram distinguidas com comissionamentos. 326<br />

325 Depoimento à autora em 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999.<br />

326 Não consta <strong>de</strong>ste quadro Anna Maria Miragem que, ingressou <strong>no</strong> Banrisul em fevereiro<br />

<strong>de</strong> 1985, como escriturária. Miragem não recebeu nenhum comissionamento <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>, mas, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1990, foi eleita Presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Bancários, razão pela<br />

qual seu <strong>no</strong>me foi selecionado para constar do grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> cuja história está<br />

sendo estudada nesta parte da tese.<br />

289


Bancárias<br />

Ivete Moratore<br />

Cora Gubert<br />

(da<br />

Silva)<br />

Ecilda<br />

Menezes<br />

(Ban<strong>de</strong>ira)<br />

Nemecy<br />

Simon<br />

Neme<br />

Rosalina<br />

Gomes<br />

Ingresso/Alte<br />

rações<br />

Auxiliar<br />

03/10/53<br />

Escriturária<br />

01/01/61<br />

Auxiliar<br />

10/11/53<br />

Escriturária<br />

01/01/61<br />

Auxiliar<br />

22/05/56<br />

Escriturária<br />

01/01/61<br />

Auxiliar<br />

21/01/57<br />

Escriturária<br />

01/01/61<br />

Auxiliar<br />

01/04/57<br />

Escriturária<br />

01/01/61<br />

Quadro 06<br />

Ascensão das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong> 327<br />

Comissionamento<br />

Chefe <strong>de</strong><br />

Seção<br />

Ajudante<br />

<strong>de</strong> Setor<br />

22/03/68<br />

Conferente<br />

01/07/72<br />

Chefe <strong>de</strong><br />

Serviço<br />

01/12/73<br />

Auxiliar<br />

<strong>de</strong> Serviço<br />

na<br />

Direção<br />

Geral<br />

31/07/64<br />

Comissionamento<br />

Chefe <strong>de</strong><br />

Setor <strong>de</strong><br />

Atendimento<br />

a<br />

Acionistas<br />

24/05/73<br />

Conferente<br />

01/01/71<br />

Técnica<br />

em Processamen<br />

to <strong>de</strong> Dados<br />

01/09/74<br />

Subgerente<br />

<strong>de</strong> Agência<br />

22/01/79<br />

Ajudante<br />

<strong>de</strong> Setor<br />

07/04/67<br />

Comissionamento<br />

Chefe <strong>de</strong><br />

Setor do<br />

Serv.<strong>de</strong><br />

Apoio<br />

01/09/74<br />

Supervisora<br />

<strong>de</strong><br />

Serviços<br />

Gerente<br />

Administrativo<br />

21/11/79<br />

Sub-chefe<br />

<strong>de</strong> Setor<br />

29/01/68<br />

Comissionamento<br />

Gerente<br />

Adjunto<br />

06/09/84<br />

Chefe <strong>de</strong><br />

Setor na<br />

Direção<br />

Geral<br />

20/06/76<br />

Comissionamento<br />

Analista<br />

<strong>de</strong> Produção<br />

e<br />

Sistemas<br />

01/05/88<br />

Chefe <strong>de</strong><br />

Núcleo<br />

01/10/82<br />

Aposenta-doria <br />

Aposentada<br />

1983<br />

Aposentada<br />

30/6/87<br />

Aposentada<br />

30/06/81<br />

Aposentadoria<br />

01/10/91<br />

Aposentada<br />

06/01/88<br />

327<br />

Aparecem <strong>no</strong> quadro somente os cargos que, em cada um dos casos, julgou-se mais<br />

importantes. Faltam algumas datas que não constavam dos registros do <strong>banco</strong> e que não<br />

foram lembradas pelas <strong>de</strong>poentes.<br />

290


Maria<br />

Helena<br />

Veríssimo<br />

Ferreira<br />

(Pfeiffer)<br />

Martha<br />

Kokot<br />

An<strong>de</strong>rs<br />

(<strong>de</strong> Freire)<br />

Maria<br />

Martha<br />

Franco <strong>de</strong><br />

Jorge<br />

(Falcão)<br />

Analice<br />

B. Leitão<br />

Joyce<br />

Maria<br />

Olbenburg <br />

Herondina<br />

Maron<br />

Faad<br />

O<strong>de</strong>te <strong>de</strong><br />

Freitas<br />

Soares<br />

Auxiliar<br />

22/05/57<br />

Escriturária<br />

01/01/61<br />

Auxiliar<br />

01/09/58<br />

Escriturária<br />

1/1/61<br />

Escriturária<br />

22/08/61<br />

Escriturária<br />

19/07/73<br />

Escriturária<br />

02/09/74<br />

Escriturária<br />

11/10/75<br />

Escriturária<br />

03/11/77<br />

Ajudante<br />

<strong>de</strong> Setor<br />

01/02/68<br />

Auxiliar<br />

<strong>de</strong> Câmbio<br />

01/0960<br />

Secretária<br />

da<br />

Direção<br />

Geral<br />

01/09/60<br />

Conferente<br />

1/12/76<br />

Conferente <br />

Assistente<br />

Geren-<br />

cial<br />

01/12/86<br />

Conferente<br />

01/11/81<br />

Conferente<br />

01/01/71<br />

Correspon<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> Câmbio<br />

01/09/62<br />

Assistente<br />

Gerencial<br />

01/12/79<br />

Supervisora<br />

<strong>de</strong><br />

Serviço<br />

01/01/82<br />

Assessora<br />

Técnica<br />

Gerente<br />

Opera-<br />

cional da<br />

Agência<br />

Coliseu<br />

06/04/87<br />

Supervisor<br />

<strong>de</strong><br />

Serviço<br />

01/03/88<br />

Técnico<br />

em Processamen<br />

to <strong>de</strong> Dados<br />

01/09/74<br />

Chefe do<br />

Serviço<br />

<strong>de</strong> Câmbio<br />

02/07/72<br />

Gerente<br />

Geral da<br />

Agência<br />

Bom<br />

Conselho<br />

23/07/82<br />

Gerente<br />

Administrativa<br />

14/07/82<br />

Gerente<br />

Opera-<br />

cional da<br />

Agência<br />

Cristovão<br />

Colombo<br />

28/05/88<br />

Inspetora<br />

01/09/90<br />

Analista<br />

<strong>de</strong> Organização<br />

e<br />

Métodos<br />

01/04/78<br />

Chefe do<br />

Setor <strong>de</strong><br />

Operações<br />

21/03/74<br />

Gerente<br />

<strong>de</strong> Operações<br />

03/06/85<br />

Supervisor<br />

<strong>de</strong><br />

Serviço<br />

01/03/85<br />

Gerente<br />

Geral da<br />

Agência<br />

Praia <strong>de</strong><br />

Belas<br />

28/10/91<br />

Chefe da<br />

Divisão<br />

<strong>de</strong> Câmbio<br />

02/01/75<br />

Gerente<br />

<strong>de</strong> Contas<br />

01/06/85<br />

Gerente<br />

Geral da<br />

Agência<br />

Moinhos<br />

<strong>de</strong> Vento<br />

Aposentada<br />

06/11/91<br />

Aposentadoria<br />

03/04/83<br />

Aposentada<br />

PDV –<br />

aceito pelo<br />

<strong>banco</strong><br />

em<br />

28/12/95<br />

Preparandodocumentação<br />

para aposentadoria<br />

Não está<br />

aposentada<br />

Não está<br />

aposentada<br />

291


Observando o quadro 06, po<strong>de</strong>-se constatar que as <strong>mulheres</strong> que fa-<br />

zem parte do mesmo tiveram significativa ascensão <strong>no</strong> Banrisul. Martha<br />

An<strong>de</strong>rs <strong>de</strong> Freire, por exemplo, chegou a Chefe da Divisão <strong>de</strong> Câmbio,<br />

Martha Falcão foi a primeira mulher Gerente Geral <strong>de</strong> Agência e <strong>de</strong>pois foi<br />

Gerente <strong>de</strong> Operações, Herondina Maron Faad foi Gerente Geral da Agên-<br />

cia Banrisul <strong>no</strong> Shopping Praia <strong>de</strong> Belas e, posteriormente, da Agência do<br />

Moinhos <strong>de</strong> Vento, Rosalina Gomes chegou à Chefia <strong>de</strong> Núcleo, Analice<br />

Leitão foi Gerente <strong>de</strong> Contas, O<strong>de</strong>te Soares é inspetora, enfim, todas tive-<br />

ram cargos <strong>de</strong> relativa importância, <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />

Contudo, essas <strong>mulheres</strong>, embora não tenham sido as únicas a se<br />

<strong>de</strong>stacarem <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, constituem-se em uma mi<strong>no</strong>ria <strong>de</strong>ntro do quadro geral<br />

<strong>de</strong> funcionárias da instituição, que contava, em 1998, com 3882 <strong>mulheres</strong>, o<br />

que representa 46,39% dos 8367 trabalhadores. 328<br />

Se levarmos em conta exclusivamente as <strong>mulheres</strong> Gerentes <strong>de</strong> a-<br />

gências, po<strong>de</strong>remos constatar o foi dito. Conforme fica <strong>de</strong>monstrado <strong>no</strong><br />

quadro a seguir, em 25 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1995, apenas 25 bancárias ocupa-<br />

vam funções <strong>de</strong> gerência em agências <strong>de</strong> Porto Alegre ou <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s do<br />

interior do estado. Destas, apenas 7 são Gerentes Gerais, sendo as <strong>de</strong>mais<br />

Gerentes Adjuntas ou Operacionais. Ressalte-se que o Banrisul tem agên-<br />

cias espalhadas por quase todos os municípios do Estado.<br />

328 Dados obtidos <strong>no</strong> Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s do Banrisul, em julho <strong>de</strong><br />

1998.<br />

292


Mulheres que ocupavam funções <strong>de</strong> gerência em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1995<br />

293


Ficou evi<strong>de</strong>nte em vários <strong>de</strong>poimentos, que a ascensão das <strong>mulheres</strong><br />

a cargos <strong>de</strong> gerente ou outras funções importantes, não foi fácil. Elas tive-<br />

ram que remover muitas barreiras e, em várias situações por elas <strong>de</strong>scritas,<br />

foram claramente discriminadas e preteridas pelo fato <strong>de</strong> serem <strong>mulheres</strong>.<br />

Aliás <strong>no</strong> que se refere à questão da discriminação <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>,<br />

Archime<strong>de</strong>s Almeida foi categórico: “sem dúvida, havia muita discrimina-<br />

ção <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, até racial...” 329<br />

3.5 Relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

Comentou-se, <strong>no</strong> Capítulo IV, que ao discutir a questão das rela-<br />

ções entre homens e <strong>mulheres</strong>, a maioria das bancárias que ingressou <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> entre 1943 e 1945, afirmou que tais relações, eram “excelentes ou as<br />

melhores possíveis.” Elas também disseram que os homens tratavam as mu-<br />

lheres “com muito respeito.”<br />

Sugeriu-se que esse tipo <strong>de</strong> resposta era um indicativo <strong>de</strong> que a<br />

principal preocupação das <strong>mulheres</strong> que ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> na década <strong>de</strong><br />

quarenta, era a <strong>de</strong> serem respeitadas como “diferentes dos homens,” não<br />

fazendo parte dos seus objetivos reivindicar o gozo <strong>de</strong> iguais condições <strong>no</strong><br />

espaço <strong>de</strong> trabalho.<br />

329 Depoimento à autora em 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999.<br />

294


Em nenhum dos <strong>de</strong>poimentos das trabalhadoras do primeiro grupo<br />

havia questionamento à <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos entre homens e <strong>mulheres</strong>,<br />

muito me<strong>no</strong>s <strong>de</strong>núncia da discriminação às <strong>mulheres</strong>. É verda<strong>de</strong> que uma ou<br />

outra <strong>de</strong>poente mencio<strong>no</strong>u que os homens tinham mais chances <strong>de</strong> subir <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>. Porém, essa situação parecia ser encarada como “natural.”<br />

Argumentou-se, ainda <strong>no</strong> capítulo anterior, que os homens tratavam<br />

bem as <strong>mulheres</strong> e as respeitavam porque estas não ameaçavam o po<strong>de</strong>r<br />

masculi<strong>no</strong> <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, pois a própria legislação interna da instituição<br />

impedia a ascensão feminina, protegendo, consequentemente, as posições<br />

masculinas.<br />

No grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> nas décadas mais re-<br />

centes, observou-se um comportamento diferenciado. Em primeiro lugar,<br />

essas trabalhadoras percebiam perfeitamente que homens e <strong>mulheres</strong> não<br />

<strong>de</strong>sfrutavam <strong>de</strong> iguais condições na instituição. Em segundo lugar, na maio-<br />

ria dos casos, não se conformavam com o tratamento <strong>de</strong>sigual dado ao sexo<br />

femini<strong>no</strong>. Em terceiro lugar, em várias situações, essas trabalhadoras ques-<br />

tionaram a discriminação ou mobilizaram-se para superá-la.<br />

Os <strong>de</strong>poimentos recolhidos evi<strong>de</strong>nciaram que as componentes do<br />

grupo estudado neste capítulo não se satisfaziam apenas com o respeito,<br />

mas <strong>de</strong>sejavam ter as mesmas oportunida<strong>de</strong>s que tinham os homens <strong>de</strong> fazer<br />

carreira na instituição.<br />

Como já foi discutido, pouco a pouco e, por vezes em <strong>de</strong>corrência<br />

da mobilização <strong>de</strong> algumas <strong>mulheres</strong>, a legislação interna do <strong>banco</strong> foi sen-<br />

295


do alterada e, assim, <strong>de</strong>sapareceram os obstáculos legais para a ascensão<br />

feminina na instituição.<br />

Todavia, <strong>no</strong> imaginário <strong>de</strong> muitos homens e também <strong>de</strong> algumas mu-<br />

lheres, continuou presente a idéia <strong>de</strong> que estas <strong>de</strong>veriam ficar restritas aos<br />

postos subalter<strong>no</strong>s da instituição, pois não tinham as mesmas condições dos<br />

homens para ascen<strong>de</strong>r a cargos <strong>de</strong> mando e <strong>de</strong>cisão ou cargos que exigis-<br />

sem responsabilida<strong>de</strong> ou disponibilida<strong>de</strong>.<br />

Como vai ser visto, algumas vezes o único fator apresentado para<br />

impedir a ascensão feminina era a condição <strong>de</strong> mulher. A <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong><br />

Rosalina Gomes, relativas ao assunto, são profundamente elucidativas.<br />

Rosalina foi citada por várias <strong>de</strong>poentes como sendo uma bancária<br />

<strong>de</strong> alta competência e extrema <strong>de</strong>dicação ao <strong>banco</strong>. Algumas chegaram a di-<br />

zer que “ela vestia a camiseta do <strong>banco</strong>.” Veja-se, contudo, o que ela<br />

afirmou, referindo-se ao fato <strong>de</strong> jamais ter chegado a chefia <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamen-<br />

to:<br />

“o preconceito contra a mulher, com a Chefe <strong>de</strong> Departamento,<br />

era um horror! Imagina se eu ia chefiar<br />

um <strong>de</strong>partamento [...] Se eu estava numa chefia ou<br />

divisão, eu concorria naturalmente. Se existiam <strong>de</strong>z<br />

Chefes <strong>de</strong> Divisão concorrendo, a escolha é <strong>de</strong>les para<br />

a chefia do <strong>de</strong>partamento. Eu sei que eu nunca fui<br />

cogitada. E, inclusive, uma vez eu soube que um Diretor<br />

disse assim: (Rosalina) É a que mais tem<br />

conhecimento, mas é mulher. Eu tenho consciência<br />

que eu tinha mais condições <strong>de</strong> chefiar um <strong>de</strong>partamento<br />

que muitos homens que assumiram. Tenho<br />

consciência disso [...] nesse ponto eu não sou mo<strong>de</strong>sta.<br />

Mas homens e <strong>mulheres</strong> não têm as mesmas<br />

chances <strong>de</strong> subir <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. [...] Se tiver duas pessoas<br />

296


concorrendo ao mesmo cargo, eles vão dar preferência<br />

ao homem. Isso não é só <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, é em tudo que<br />

é empresa. Se tiver duas pessoas com as mesmas condições,<br />

eles vão dar preferência ao homem. É muito<br />

preconceituoso.” 330<br />

Através do que <strong>de</strong>clarou Rosalina percebe-se o quanto era forte a<br />

discriminação que sofriam as <strong>mulheres</strong>. Mesmo as que conseguiram alguma<br />

ascensão <strong>de</strong>nunciavam os obstáculos que eram colocados. Destaque-se, con-<br />

tudo, que para esse grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> a situação era muito clara: havia<br />

discriminação e elas não se conformavam com a mesma, <strong>de</strong>nunciando o fato<br />

sempre que tinham oportunida<strong>de</strong>.<br />

Outra bancária - Maria Helena Pfeiffer – igualmente mencio<strong>no</strong>u a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, fazendo alusão, à<br />

questão da chefia <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamento. Conforme as suas palavras,<br />

“Tu não vês nenhuma mulher Chefe <strong>de</strong> Departamento.<br />

Tu vês algumas gerentes, mas são pouquíssimas e não<br />

é que elas não tenham capacida<strong>de</strong>, eu conheci <strong>mulheres</strong><br />

extremamente capazes <strong>no</strong> <strong>banco</strong>.” 331<br />

Para exemplificar o que estava dizendo, Maria Helena citou Martha<br />

An<strong>de</strong>rs <strong>de</strong> Freire, do Departamento <strong>de</strong> Câmbio, afirmando o seguinte:<br />

330 Depoimento à autora em 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

331 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

“Inclusive houve um caso [...] <strong>de</strong> mulher ser preterida<br />

que eu consi<strong>de</strong>ro um crime o que fizeram. Foi com<br />

a Martha An<strong>de</strong>rs. Ela trabalhava muito, ela era quase,<br />

como se po<strong>de</strong> dizer, um burro <strong>de</strong> carga do câmbio <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>. Ela carregava a área <strong>de</strong> câmbio nas costas, ela<br />

conhecia profundamente [...]. Escolheram (Martha<br />

para a gerência da agência em New York) <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>-<br />

297


am um chega para lá nela. Mandaram o chefe <strong>de</strong>la<br />

para a gerência em Nova York [...] Passaram ela totalmente<br />

para trás. Era uma mulher competentíssima,<br />

além <strong>de</strong> ser culta, ela era inteligente e extremamente<br />

trabalhadora. Foi um crime o que fizeram com ela<br />

[...] Todo mundo contava certo que a Martha iria e<br />

indicaram outro.” 332<br />

Perguntada sobre esse fato Martha An<strong>de</strong>rs <strong>de</strong> Freire foi extrema-<br />

mente discreta, limitando-se a <strong>de</strong>screver a sua <strong>trajetória</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Martha<br />

relatou o seguinte:<br />

332 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

“Eu comecei como Correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Câmbio [...]<br />

Em 1964 passei a Assistente <strong>de</strong> Câmbio. Depois [...]<br />

passei a Subchefe da Carteira <strong>de</strong> Câmbio [...] Em 71,<br />

fui a primeira mulher a ter firma pelo <strong>banco</strong>; inicialmente,<br />

assinava com outra pessoa, mas <strong>de</strong>pois passei<br />

a assinar sozinha. Em 72 esse cargo passou a se chamar<br />

Chefe <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Câmbio, mas continuava<br />

com a Sub-chefia da área. Em 74, começou o Departamento<br />

<strong>de</strong> Câmbio, que passou a ser dirigido pelo Sr<br />

Carlos Roberto Becker, que hoje é responsável pela<br />

agência <strong>de</strong> New York. Nós dois juntos organizamos o<br />

Departamento <strong>de</strong> Câmbio e eu fui Chefe <strong>de</strong> Setor <strong>de</strong><br />

Operações. Em 75, passei a Chefe <strong>de</strong> Divisão que<br />

correspondia a ser Sub-chefe <strong>de</strong> Departamento <strong>de</strong><br />

Câmbio, com a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> Substituto Eventual da<br />

Chefia da Assessoria <strong>de</strong> Câmbio. Em 82, o <strong>banco</strong> estava<br />

muito voltado para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abrir a<br />

Agência <strong>de</strong> Nova York e houve um convite <strong>no</strong>minal<br />

do Chemical Bank [...] para que eu fosse <strong>de</strong>signada<br />

para participar <strong>de</strong> um seminário internacional <strong>de</strong> dois<br />

meses (em New York). Foi muito interessante porque<br />

foi a ocasião <strong>de</strong> sentir tudo que a gente vivia aqui,<br />

mas numa área maior, num espaço maior. Havia pessoas<br />

<strong>de</strong> 10 ou 12 países diferentes, discutindo<br />

assuntos relacionados com a contabilida<strong>de</strong>, a análise<br />

<strong>de</strong> crédito, enfim todos os assuntos bancários além <strong>de</strong><br />

conhecer a rotina do próprio Chemical Bank. (Houve)<br />

contatos com o Banco Mundial, com o Fundo Monetário<br />

Internacional, com o Fe<strong>de</strong>ral Bank ... Foi uma<br />

experiência muito interessante. No fim da minha car-<br />

298


eira, eu <strong>de</strong>veria, eventualmente, ter ido para New<br />

York, mas achei que o melhor era ficar. Então, nesse<br />

momento (1983) eu me aposentei.” 333<br />

Embora Martha não tenha feito qualquer crítica ao encaminhamento<br />

que o Banrisul <strong>de</strong>u a questão da agência em New York, é possível confir-<br />

mar, a partir do que falou e, especialmente pelo seu silêncio sobre os<br />

<strong>de</strong>talhes da abertura da referida agência, que o relato <strong>de</strong> Maria Helena cor-<br />

respon<strong>de</strong> ao que aconteceu. Conforme afirma Eni Orlandi,<br />

“O silêncio significa <strong>de</strong> múltiplas maneiras. Há silêncios<br />

múltiplos: o silêncio das emoções, o místico,<br />

o da contemplação, o da introspeção, o da revolta, o<br />

da resistência, o da disciplina, o do exercício do po<strong>de</strong>r,<br />

o da <strong>de</strong>rrota da vonta<strong>de</strong> etc.” 334<br />

As afirmações <strong>de</strong> Orlandi salientam a importância <strong>de</strong> pensar os si-<br />

lêncios pois estes “significam,” cabendo ao pesquisador interpretá-los...<br />

Ainda com referência à questão da agência <strong>de</strong> New York, cabe men-<br />

cionar que José Antônio Franco, Diretor do <strong>banco</strong> que tratou da instalação<br />

da mesma, indagado sobre se Martha Freire havia sido cogitada ou não para<br />

mesma, respon<strong>de</strong>u o seguinte:<br />

“Acho que não, mas não tenho bem certeza. Acho que<br />

o Becker foi o escolhido... Acho, conhecendo um<br />

pouco ela (a Martha) que não ia aceitar... Acho que<br />

por trabalhar muito tempo abaixo do Becker, faltavalhe<br />

um pouco <strong>de</strong> iniciativa, aquela coisa <strong>de</strong> enfrentar<br />

sozinha [...] O Becker tinha uma personalida<strong>de</strong> muito<br />

forte. Era a estrela e os que trabalhavam com ele não<br />

apareciam [...] Para <strong>no</strong>ssa surpresa quando o Becker<br />

333 Depoimento <strong>de</strong> Martha An<strong>de</strong>rs <strong>de</strong> Freire, em 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

334 ORLANDI, Eni. As Formas do Silêncio.São Paulo: Ed. Unicamp, 1995. p.44.<br />

299


foi mandado para os Estados Unidos, o <strong>de</strong>sempenho<br />

da Martha foi excelente.” 335<br />

O <strong>de</strong>poimento acima é interessante. Na verda<strong>de</strong>, não confirma, nem<br />

<strong>de</strong>smente que Martha tenha sido cogitada para ir para New York. A ques-<br />

tão não fica esclarecida. Todavia surgem outros aspectos: Primeiro, que<br />

Becker (chefe <strong>de</strong> Martha) era uma “estrela” que não permitia que os que<br />

trabalhavam com ele aparecessem; segundo, a direção ficou surpresa com o<br />

excelente <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> Martha. Ressalte-se que apesar da surpresa da di-<br />

reção do <strong>banco</strong>, várias colegas da referida bancária haviam <strong>de</strong>stacado sua<br />

capacida<strong>de</strong> profissional, competência e <strong>de</strong>dicação. Fica a interrogação: Is-<br />

so terá ocorrido porque é difícil para os homens (a direção do <strong>banco</strong>)<br />

reconhecerem tais qualida<strong>de</strong>s em uma mulher?<br />

Voltando ao <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria Helena Pfeiffer, ela também fez<br />

referência a dois episódios ocorridos em sua própria vida profissional, que<br />

igualmente ilustram a discriminação que as <strong>mulheres</strong> enfrentam <strong>no</strong> mundo<br />

do trabalho. O primeiro fato narrado refere-se a uma promoção, na qual a<br />

<strong>de</strong>poente afirmou que foi preterida. Conforme suas palavras:<br />

335 Depoimento à autora em 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999.<br />

“uma vez eu concorri com um colega em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

condições. Em termos <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong><br />

nós dois tínhamos a mesma, só que eu era muito<br />

mais <strong>de</strong>dicada do que ele e minha ficha <strong>de</strong> informações<br />

era "n" vezes melhor que a <strong>de</strong>le pelo fato <strong>de</strong> eu<br />

ser mais <strong>de</strong>dicada do que ele. Na hora da promoção,<br />

ele é que foi promovido. Fui reclamar com o chefe.<br />

Perguntei qual o critério que usaram, pois eu tinha<br />

muito mais pontos do que ele. Aí o chefe disse: A senhora<br />

vê... o fula<strong>no</strong> precisa, ele tem dois filhos. Eu<br />

disse: Mas eu também tenho... Ele (o chefe) respon-<br />

300


<strong>de</strong>u: Mas a senhora não é chefe <strong>de</strong> família... Eu disse:<br />

E daí? Lá em casa nós dividimos meio a meio a<br />

<strong>de</strong>spesa familiar. Às vezes contribuo com mais. Que<br />

história é essa <strong>de</strong> que não sou chefe <strong>de</strong> família? (Se)<br />

o <strong>banco</strong> é uma associação beneficente, o senhor tem<br />

toda a razão, ele tem que ser promovido, mas agora<br />

se for uma associação que visa lucros, sou eu que dou<br />

mais lucros para o <strong>banco</strong>...” 336<br />

Através das palavras <strong>de</strong> Maria Helena, po<strong>de</strong>-se perceber que as rela-<br />

ções <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, a partir <strong>de</strong> um certo momento, já eram bastante<br />

conflituosas. As <strong>mulheres</strong> (ou algumas <strong>mulheres</strong>) começavam a se dar conta<br />

<strong>de</strong> que <strong>de</strong>veriam ter os mesmos direitos que tinham os homens, começavam<br />

a questionar tratamento <strong>de</strong>sigual dado a homens e <strong>mulheres</strong> e procuravam<br />

fazer alguma coisa para modificar a situação.<br />

Em outra passagem do seu <strong>de</strong>poimento, Maria Helena referiu-se a<br />

um curso que pretendia fazer na área <strong>de</strong> informática, o qual <strong>de</strong>veria ocorrer<br />

na Bahia. Segundo ela:<br />

336 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

337 I<strong>de</strong>m.<br />

“Uma vez teve um (curso) na Bahia que o assunto me<br />

interessava, mas não me inscreveram [...] Quando era<br />

<strong>no</strong> Rio e São Paulo até nem me perguntavam se queria<br />

ir, quando via estava inscrita. Eu disse: por que<br />

não me mandaram? (Respon<strong>de</strong>ram:) Porque vão mais<br />

homens, não é bem para <strong>mulheres</strong>. Eu disse: Não é<br />

bem para mulher, o quê? O assunto não é processamento<br />

<strong>de</strong> dados ou é sexologia que vão dar? Não<br />

tinha nada a ver; foi uma <strong>de</strong>sculpa boba, simplesmente<br />

[...] Sempre tem alguém que lembra a <strong>no</strong>ssa<br />

condição <strong>de</strong> mulher. Ela é mulher...” 337<br />

301


Em várias passagens do <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Maria Helena, foi possível<br />

perceber que ela jamais se acomodou à discriminação às <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>ntro<br />

do <strong>banco</strong>, bem como que sempre questio<strong>no</strong>u a concessão <strong>de</strong> privilégios ao<br />

grupo masculi<strong>no</strong>. Cabe salientar, todavia, que este não era o comportamen-<br />

to da maioria das bancárias, conforme salientou Rosalina ao referir-se a<br />

algumas <strong>de</strong> suas colegas:<br />

“(elas eram) muito acomodadas. A maioria, se apegava<br />

à situação [...] Muitas <strong>mulheres</strong> têm medo <strong>de</strong><br />

per<strong>de</strong>r aquele emprego [...] Eu tenho impressão que<br />

elas [...] preferem assumir uma situação <strong>de</strong> acomodação<br />

para não lutar pelo que elas querem [...] A<br />

mulher se acomoda com medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r (o emprego)<br />

ou ser tachada <strong>de</strong> revolucionária, <strong>de</strong> reivindicar coisas<br />

que as chefias não gostavam.” 338<br />

O que disse Rosalina sugere que muitas <strong>mulheres</strong> se acomodavam<br />

em posições subalternas e não as questionavam. Apenas uma mi<strong>no</strong>ria, como<br />

ela, questionava a natureza das relações e criticava aquelas que se acomo-<br />

davam.<br />

Outro <strong>de</strong>poimento muito esclarecedor sobre os problemas que as<br />

trabalhadoras enfrentaram foi o <strong>de</strong> Maria Martha Falcão. Apesar da proje-<br />

ção que teve <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, chegando a ser a primeira mulher Gerente Geral <strong>de</strong><br />

agência, Martha <strong>de</strong>monstrou ter muito claro o problema da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

oportunida<strong>de</strong>s entre homens e <strong>mulheres</strong>. Isso po<strong>de</strong> ser percebido <strong>no</strong> que <strong>de</strong>-<br />

clarou, referindo-se ao assunto:<br />

338 Depoimento à autora em 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

“(as <strong>mulheres</strong>) não tinham oportunida<strong>de</strong>s iguais (aos<br />

homens), absolutamente. Houve muita resistência em<br />

302


se dar oportunida<strong>de</strong> às <strong>mulheres</strong>. Aos poucos essa<br />

tradição machista foi se remo<strong>de</strong>lando, mas a resistência<br />

era gran<strong>de</strong> [...] Primeiro só comissionavam as<br />

solteiras porque ficavam amedrontados com a maternida<strong>de</strong><br />

das <strong>mulheres</strong>, com as ausências constantes e<br />

tal. Havia mesmo uma certa <strong>de</strong>sconfiança até <strong>no</strong> <strong>de</strong>sempenho.<br />

Será que com tantas responsabilida<strong>de</strong>s,<br />

elas vão pegar firme como se fossem homens? Eles<br />

achavam que só homens teriam responsabilida<strong>de</strong> e<br />

venceriam os <strong>de</strong>safios, mas não é assim. Eu creio que<br />

tanto a mulher como o homem quando querem, quando<br />

se <strong>de</strong>dicam são excelentes trabalhadores e<br />

funcionários em qualquer ativida<strong>de</strong>. Eu dou muita<br />

força. Eu [...] não me arrependo da minha vida toda<br />

ter valorizado sobremaneira o trabalho da mulher<br />

bancária e banrisulense, justamente. por essa discriminação,<br />

por eu ter sofrido essa discriminação,<br />

também. Então foi com muita luta, com muito estudo<br />

com muita garra, enfim, me submetendo, às vezes,<br />

até a muitas coisas...enfim. A gente se candidata aqui,<br />

não é escolhida, é preterida, às vezes, por<br />

colegas <strong>de</strong> muito me<strong>no</strong>s capacida<strong>de</strong>. Quando a gente<br />

vê que o único <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> não ter conseguido aquele<br />

cargo era <strong>de</strong> ser mulher, então a gente <strong>no</strong>ta a discriminação.<br />

Mas aos poucos essa discriminação vai<br />

<strong>de</strong>saparecendo por que os <strong>no</strong>ssos valores vão surgindo,<br />

<strong>no</strong>ssa capacida<strong>de</strong> vai surgindo, as metas vão<br />

sendo cumpridas; então as <strong>de</strong>sconfianças vão caindo<br />

por terra.” 339<br />

O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria Martha Falcão é <strong>de</strong> fundamental importân-<br />

cia. Ela teve gran<strong>de</strong> ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Po<strong>de</strong>ria ig<strong>no</strong>rar a discriminação<br />

das <strong>mulheres</strong>, mas não é essa a sua posição. Maria Martha diz com todas as<br />

letras que “o <strong>banco</strong> tem uma tradição machista e que há uma gran<strong>de</strong> resis-<br />

tência em dar oportunida<strong>de</strong>s às <strong>mulheres</strong>,” especialmente se casadas. “A<br />

maternida<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong>,” segundo a <strong>de</strong>poente, “assusta aos homens” que<br />

339 Depoimento à autora em 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

303


temem que estas “com filhos não possam assumir as responsabilida<strong>de</strong>s pro-<br />

fissionais.” 340<br />

A <strong>de</strong>poente afirma que sempre valorizou o trabalho das <strong>mulheres</strong><br />

por ter ela própria sofrido discriminação. Cabe salientar que a posição ma-<br />

nifesta por Maria Martha Falcão em seu <strong>de</strong>poimento traduziu-se em ações,<br />

que evi<strong>de</strong>nciam que ela, não só questio<strong>no</strong>u a discriminação das <strong>mulheres</strong>,<br />

mas procurou, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s, modificar a situação discrimi-<br />

natória. Comentando o seu período <strong>de</strong> gerência da Agência Bom Conselho,<br />

ela contou que:<br />

“uma das minhas funcionárias foi comissionada conferente<br />

por nós. Ela estava grávida na época do<br />

comissionamento. Então, (houve) muito receio <strong>de</strong> se<br />

comissionar uma funcionária grávida porque aí ela<br />

teria nenê, ficaria afastada muito tempo, <strong>de</strong>pois viria<br />

o problema <strong>de</strong> amamentação[...] E ela ficaria ausente<br />

do <strong>banco</strong>, do serviço ... Nós convencemos o Departamento<br />

<strong>de</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s que ela merecia aquele<br />

comissionamento, mesmo grávida e se ausentando do<br />

<strong>banco</strong>. Ela foi realmente comissionada. Depois que<br />

ela ganhou o nenê, <strong>no</strong> período <strong>de</strong> amamentação, ela<br />

saía do <strong>banco</strong> para amamentar, na creche, pertinho do<br />

<strong>banco</strong> e voltava, a cada três horas.. Amamentava e<br />

voltava. Foi a Graciosa, hoje ela é Gerente também.<br />

Graciosa Citolin. Excelente funcionária, muito boa<br />

amiga, e não foi por causa da gravi<strong>de</strong>z e do nenê que<br />

ela <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser excelente funcionária como é até<br />

hoje. Fez carreira <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Aí a <strong>no</strong>ssa luta, sempre<br />

pela valorização da mulher em qualquer circunstância<br />

solteira, casada, com nenê, grávida, aí a valorização.”<br />

341<br />

340 Depoimento à autora em 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

341 I<strong>de</strong>m.<br />

304


Embora Maria Martha Falcão em nenhum momento <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>poi-<br />

mento tenha se <strong>de</strong>finido como feminista, na verda<strong>de</strong>, o relatado acima está<br />

perfeitamente <strong>de</strong> acordo com o que as feministas dos a<strong>no</strong>s mais recentes<br />

têm pregado e que po<strong>de</strong> ser traduzido <strong>no</strong> seguinte: as <strong>mulheres</strong> geram fi-<br />

lhos, dão a luz a esses filhos, os amamentam, portanto são diferentes dos<br />

homens. Isso, porém, não <strong>de</strong>ve impedi-las <strong>de</strong> ter oportunida<strong>de</strong>s iguais <strong>de</strong><br />

ascen<strong>de</strong>r <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho e não justifica sua discriminação. A dife-<br />

rença sexual, biológica, não legitima a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre homens e<br />

<strong>mulheres</strong> nas várias instâncias da socieda<strong>de</strong>.<br />

Cabe ainda fazer referência, com base <strong>no</strong> <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria Mar-<br />

tha Falcão, a alguns comentários que esta fez quanto ao fato <strong>de</strong> ter sido a<br />

primeira mulher Gerente Geral <strong>de</strong> agência e a natureza da experiência que<br />

foi realizada na Agência Bom Conselho. Conforme Maria Martha, o fato <strong>de</strong><br />

ter só <strong>mulheres</strong> na administração não foi uma coincidência,<br />

“foi planejado. Eu tenho impressão que o Banrisul<br />

quis fazer uma experiência para ver se dava certo<br />

mulher na administração, tanto com gerência, como<br />

com toda a administração. Já que vamos botar uma<br />

mulher para gerenciar vamos colocar toda a administração<br />

feminina. E <strong>de</strong>u certo [...] conseguimos ganhar<br />

três prêmios <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, que eram prêmios dados<br />

às agências que conseguiam alcançar todas as metas<br />

propostas pela diretoria. Ganhamos três. Três vezes<br />

em três a<strong>no</strong>s.” 342<br />

Referindo-se à instalação da Agência Bom Conselho, o Diretor José<br />

Antônio Franco explicou que foi feito um estudo pela equipe <strong>de</strong> marketing<br />

342 Depoimento à autora em 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

305


do <strong>banco</strong>. Este concluiu que, naquele local, a casa bancária seria muito<br />

procurada por donas <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> classe média e julgaram que seria interes-<br />

sante colocar na gerência uma mulher.<br />

“Isso seria bem recebido pelo público que usaria a<br />

agência. Aí se fez uma agência diferenciada para tentar<br />

aten<strong>de</strong>r ao público daquela região e funcio<strong>no</strong>u<br />

bem. A Martha era muito competente, uma pessoa<br />

que se comunicava muito bem com os clientes. Se<br />

tentava fazer um <strong>banco</strong> integrado à comunida<strong>de</strong>. Aí<br />

surgiu essa idéia <strong>de</strong> agência da mulher. Recebíamos<br />

muitos cumprimentos pela iniciativa.” 343<br />

Apesar do que relatou José Antônio Franco, Maria Martha mencio-<br />

<strong>no</strong>u que muitas pessoas entravam <strong>no</strong> <strong>banco</strong> procurando pelo Gerente e<br />

quando ela se apresentava como tal, insistiam que era com o Gerente que<br />

<strong>de</strong>sjavam falar. Conforme suas palavras,<br />

343 Depoimento à autora em 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999.<br />

344 I<strong>de</strong>m.<br />

“Muitos clientes entravam na agência, isso acontecia<br />

muito, me viam sentada à mesa da gerência e diziam:<br />

‘Eu quero falar com o Gerente.’ E eu dizia: ‘Pois<br />

não, sou eu mesma’. ‘Não, mas eu quero falar com o<br />

gerente.’ Na cabeça das pessoas, uma mulher não podia<br />

ser Gerente <strong>de</strong> uma agência. Eles insistiam em<br />

que eu chamasse o Gerente. Aí com muito jeito, com<br />

muito tato a gente explicava que naquela agência não<br />

havia o Gerente e sim aquela mulher que estava ali<br />

representando o administrador da agência. Muitas vezes<br />

entravam clientes na agência e perguntavam se eu<br />

era a secretária do gerente. Por que a figura feminina<br />

sempre foi da secretária, da ajudante, da assistente.<br />

Mas isso foi um período <strong>de</strong> transição, logo as pessoas<br />

foram se habituando co<strong>no</strong>sco.” 344<br />

306


Analice Leitão, que era Gerente Administrativa, compondo a admi-<br />

nistração da Agência Bom Conselho junto com Maria Martha Falcão,<br />

consi<strong>de</strong>ra que “foi feita uma experiência para medir a capacida<strong>de</strong> gerencial<br />

das <strong>mulheres</strong>.” Ela disse que:<br />

“Para mim, <strong>de</strong> todas (a Agência Bom Conselho era), a<br />

mais discriminatória. Essa agência <strong>de</strong>veria ser comandada<br />

por <strong>mulheres</strong> e ter um quadro funcional só<br />

<strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>. Foi a primeira coisa que eu entrei em<br />

choque [...] não vejo porque nós temos que chefiar só<br />

<strong>mulheres</strong>. Por que os homens não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> uma<br />

agência (chefiada por <strong>mulheres</strong>?) Ali nós sofremos<br />

diversos tipos <strong>de</strong> discriminação.[...]: Os chefes <strong>de</strong><br />

Divisão dos Recursos Huma<strong>no</strong>s disseram que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />

do <strong>no</strong>sso <strong>de</strong>sempenho seria dada ou não chance<br />

para as <strong>de</strong>mais <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>[...] Era uma<br />

testagem. Eu contestei: mas quem é que disse para<br />

vocês que nós somos as <strong>mulheres</strong> competentes do<br />

<strong>banco</strong>? Mas saímos bem, felizmente. Como dupla nós<br />

saímos bem. Mas foi difícil. Houve discriminação e<br />

havia a torcida contrária.” 345<br />

Ainda discutindo a questão da Agência Bom Conselho, Analice le-<br />

vantou um aspecto muito importante. A <strong>de</strong>poente disse o seguinte:<br />

“Eu acho que ali foi a primeira ameaça formal que a<br />

mulher representou <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, porque tinha a<br />

Rosalina já <strong>no</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s que já era a dona<br />

Rosalina e outras mais, mas [...] elas estavam isoladas.<br />

É diferente, porque elas não faziam <strong>no</strong>me e ali<br />

eles adoraram pôr em evidência o fato <strong>de</strong> ter uma<br />

administração feminina e <strong>de</strong> mulher ter <strong>de</strong> dar resultado<br />

porque agência ou dá lucro ou prejuízo e, <strong>de</strong><br />

repente, nós começamos a dar lucro. Foi uma jogada<br />

masculina até para cercear um pouco (as <strong>mulheres</strong>) e<br />

que não <strong>de</strong>u certo.” 346<br />

345 Depoimento à autora em 12 e 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

346 I<strong>de</strong>m.<br />

307


Acredita-se que Analice avaliou bem a questão. De fato, na Agência<br />

Bom Conselho as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>monstraram que tinham competência para so-<br />

zinhas dirigirem uma agência. No caso referido, não foi uma mulher<br />

excepcional (diferente das outras <strong>mulheres</strong>) que teve sucesso, mas várias<br />

<strong>mulheres</strong> que, juntas e sem a presença <strong>de</strong> um homem, realizaram com com-<br />

petência a tarefa que lhes foi <strong>de</strong>stinada. O resultado alcançado <strong>de</strong>monstrava<br />

que o tratamento diferenciado das <strong>mulheres</strong> era completamente in<strong>de</strong>vido e<br />

discriminatório. Indiretamente, era posta em questão a hegemonia masculi-<br />

na <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>. Enten<strong>de</strong>-se que resi<strong>de</strong> exatamente aí a importância da<br />

experiência.<br />

Acrescente-se que o êxito obtido pela equipe dirigente da Agência<br />

Bom Conselho foi bastante divulgado pela imprensa. O jornal Correio do<br />

Povo <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1983, por exemplo, veiculou ampla matéria, intitu-<br />

lada Mulheres chegam à gerência <strong>de</strong> <strong>banco</strong>s. 347 Além disso, como essas<br />

<strong>mulheres</strong> estavam em contato permanente com o público, o acontecimento<br />

transpôs as pare<strong>de</strong>s da instituição.<br />

Retornando ao <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Analice Leitão, cabe mencionar que<br />

<strong>de</strong>ntre as várias <strong>mulheres</strong> ouvidas, sem dúvida, esta foi a que mais se em-<br />

penhou em relatar fatos que evi<strong>de</strong>nciam a resistência masculina à ascensão<br />

feminina <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>.<br />

347<br />

Na referida matéria era citada Maria Martha Falcão e sua equipe e Edla Maria Birckmam,<br />

Gerente da Agência Moinhos <strong>de</strong> Vento do Bamerindus.<br />

308


Analice, que fez uma carreira muito rápida, afirmou, categoricamen-<br />

te, que era consi<strong>de</strong>rada “excelente secretária. Era disputada como<br />

assessora pelas chefias. Mas, <strong>no</strong> momento que eu tive o meu primeiro car-<br />

go, tive as primeiras posições antagônicas.” 348<br />

As informações contidas <strong>no</strong> quadro 06, na parte anterior e os fatos<br />

contados evi<strong>de</strong>nciam que Analice Leitão, realmente, teve uma rápida ascen-<br />

são <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, tão rápida que chegou a <strong>de</strong>ixar seu pai preocupado “com o<br />

que iriam dizer a respeito <strong>de</strong>la.” A bancária contou o que segue:<br />

“quando eu ganhei a primeira chefia, ele (o pai) ficou<br />

muito orgulhoso [...] Mas São Francisco (cida<strong>de</strong> natal<br />

<strong>de</strong> Analice e on<strong>de</strong> residia sua família) é uma cida<strong>de</strong><br />

pequena. Quando eu ganhei o segundo, o terceiro<br />

cargo, começaram a surgir comentários. Ele começou<br />

a ficar preocupado. O que podiam pensar <strong>de</strong> mim,<br />

uma mulher, subindo tanto?” 349 .<br />

A citação acima <strong>de</strong>monstra o quanto ainda é forte, em <strong>no</strong>ssa cultura,<br />

o preconceito com relação à ascensão profissional das <strong>mulheres</strong>. No imagi-<br />

nário popular, “as <strong>mulheres</strong> que fazem carreira só po<strong>de</strong>m tê-lo conseguido,<br />

usando certos subterfúgios femini<strong>no</strong>s.” Dito <strong>de</strong> outra forma, as <strong>mulheres</strong><br />

não po<strong>de</strong>m vencer por serem eficientes, responsáveis e capazes. Essas qua-<br />

lida<strong>de</strong>s são consi<strong>de</strong>radas masculinas e não femininas.<br />

348 Depoimento à autora em 12 e 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

349 I<strong>de</strong>m.<br />

309


Em seu relato Analice <strong>de</strong>staca alguns momentos <strong>de</strong> sua <strong>trajetória</strong>.<br />

Entre eles, aquele em que foi convidada para participar <strong>de</strong> projeto que tinha<br />

por objetivo criar a gerência <strong>de</strong> clientes especiais do <strong>banco</strong>. Ela foi encar-<br />

regada da estruturação <strong>de</strong>ssa gerência. Porém, quando a mesma começou a<br />

funcionar, não permitiram, <strong>no</strong> primeiro momento, que ela a gerenciasse,<br />

pois, segundo disse,<br />

“Não queriam que eu, mulher, fosse Gerente <strong>de</strong> Contas<br />

porque tinha que viajar. Achavam que como<br />

mulher não po<strong>de</strong>ria [...] Aí fiquei num trabalho mais<br />

inter<strong>no</strong>, mais <strong>de</strong> estruturação. Eu trabalhei muito com<br />

<strong>banco</strong> <strong>de</strong> dados, na época [...] No <strong>banco</strong> tinha muita<br />

carência da parte <strong>de</strong> estrutura <strong>de</strong> informática para análise<br />

<strong>de</strong> dados. Eu me <strong>de</strong>diquei a trabalhar essa<br />

parte <strong>de</strong> estruturação.” 350<br />

Contudo, a partir <strong>de</strong> 1986, ela conseguiu coor<strong>de</strong>nar o trabalho <strong>de</strong><br />

treinamento das gerências do interior para passar às mesmas a metodologia<br />

<strong>de</strong> trabalho que, a essa altura, ela já <strong>de</strong>tinha. Conforme suas palavras,<br />

“Nós tínhamos <strong>de</strong>senvolvido toda uma tec<strong>no</strong>logia para<br />

isso, então me incumbiram <strong>de</strong> criar um projeto <strong>de</strong><br />

treinamento para os gerentes [...] Eu tinha turmas <strong>de</strong><br />

setenta homens e nenhuma mulher (sendo treinados).<br />

Me <strong>de</strong>ram uma equipe para montar e implantar em <strong>de</strong>finitivo,<br />

o que veio a se chamar o projeto GECLIEN<br />

(Gerência <strong>de</strong> Clientes) que é o sistema ainda (adotado<br />

pelo <strong>banco</strong>). Esse trabalho foi <strong>de</strong>senvolvido em equipe<br />

com apoio <strong>de</strong> outros órgãos e <strong>de</strong> grupos. Viajamos<br />

por todo o Brasil, treinando. Fiz o trabalho <strong>de</strong> Fortaleza<br />

a Bossoroca, <strong>no</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sul, com os<br />

Gerentes, tentando passar essa metodologia.” 351<br />

350 Depoimento à autora em 12 e 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

351 I<strong>de</strong>m.<br />

310


Analice também relatou que, em 1993, foi encarregada da abertura<br />

<strong>de</strong> uma plataforma, 352 na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Blumenau, trabalho que <strong>de</strong>u excelentes<br />

resultados. O sucesso <strong>de</strong> Blumenau <strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u que ela voltasse <strong>de</strong> lá cota-<br />

da para chefiar a plataforma em Porto Alegre. Mas, conforme suas palavras,<br />

“a pressão começou a ser muito gran<strong>de</strong>, muito acirrada.<br />

Em 1º <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1994, eu assumi a gerência<br />

geral da plataforma e em 23 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1995 extinguiram<br />

a plataforma e me colocaram na comissão <strong>de</strong><br />

integração Banrisul-Caixa. Aí passei um a<strong>no</strong> apanhando<br />

dos dois lados (dos funcionários do Banrisul<br />

e dos funcionários da Caixa). A partir do momento<br />

em que foi <strong>de</strong>sestruturada a plataforma, os meus propósitos,<br />

os meus objetivos <strong>de</strong> trabalho ficaram muito<br />

em <strong>de</strong>sacordo com a política implantada <strong>de</strong>ntro do<br />

<strong>banco</strong>. A partir daí, eu comecei a pensar na aposentadoria.<br />

Eu sempre me orgulhei muito <strong>de</strong> dizer que eu<br />

estu<strong>de</strong>i para ser bancária. Tudo o que eu pu<strong>de</strong> estudar<br />

para conhecer a fundo a minha função, estu<strong>de</strong>i...” 353<br />

Herondina Maron Faad, referindo-se a Analice, <strong>de</strong>stacou sua compe-<br />

tência e profissionalismo, afirmando:<br />

“Analice foi uma das pessoas mais competentes que<br />

conheci. Eu a tenho como uma guerreira, como uma<br />

pessoa que sempre batalhou para que as coisas fossem<br />

diferentes <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Ela foi Gerente Adjunta e<br />

<strong>de</strong>pois gerente <strong>de</strong> plataforma. Uma pessoa extremamente<br />

competente.” 354<br />

352<br />

De acordo com o que afirmou Analice, “a plataforma ou gerência <strong>de</strong> contas especiais<br />

aten<strong>de</strong> o cliente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da sua se<strong>de</strong>. Ele po<strong>de</strong> ser um cliente resi<strong>de</strong>nte em qualquer<br />

cida<strong>de</strong> e sua conta é gerenciada, por um gerente específico daquela conta, em<br />

Porto Alegre. As <strong>de</strong>cisões são próximas à diretoria, emanavam da Direção Geral. O Gerente<br />

<strong>de</strong> uma agência não po<strong>de</strong>, ao mesmo tempo, dar atenção à agência e dar uma<br />

atenção específica a este nível <strong>de</strong> clientes. A auto<strong>no</strong>mia do Gerente é muito pequena.<br />

Ela é para negócios <strong>de</strong> muito peque<strong>no</strong> vulto. Hoje, o mercado trabalha por telefone. A<br />

plataforma permite que produtos, serviços, negócios, crédito, captações, sejam combinados/resolvidos<br />

por telefone.” Depoimento à autora em 12 e 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

353<br />

Depoimento à autora em 12 e 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

354<br />

Depoimento à autora em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

311


É provável que esta bancária, citada por várias colegas e que se <strong>de</strong>-<br />

clarou “apaixonada pela ativida<strong>de</strong> bancária durante seus vinte e dois a<strong>no</strong>s”<br />

<strong>de</strong> <strong>banco</strong>, tenha se <strong>de</strong>siludido quando foi fechada a plataforma <strong>de</strong> negócios<br />

da qual era gerente. De uma certa forma, neste momento, a sua ascen<strong>de</strong>nte<br />

carreira foi abortada.<br />

Outras trabalhadoras, embora não <strong>de</strong> forma tão direta como Analice,<br />

<strong>de</strong>stacaram que “os homens sempre acham que sabem mais do que as mu-<br />

lheres e que para as <strong>mulheres</strong> tem que ser as coisas mais sem importância”<br />

(Ecilda); ou que “a pessoa não te diz não vou te dar a promoção por és mu-<br />

lher, mas a gente sente que o motivo é este” (Joyce); ou “havia<br />

discriminação, tenho certeza absoluta, as <strong>mulheres</strong> não entravam em todos<br />

os setores”ou “enfrentamos uma barra difícil; eles achavam que a mulher<br />

que trabalhava era diferente da mulher <strong>de</strong>les; lutamos muito com isso.”<br />

(Cora); “ se enfrentou muito machismo; vocês nem fazem idéia; nós como<br />

<strong>mulheres</strong> passamos muito trabalho; poucas das que entraram comigo se<br />

comissionaram; para eles as <strong>mulheres</strong> nunca prestavam” (Ivete).<br />

Acrescente-se que as <strong>mulheres</strong> não são discriminadas apenas <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>. No sindicato, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>ria esperar que houvesse relações iguali-<br />

tárias, também estas se sentem discriminadas como po<strong>de</strong> se verificar<br />

através do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Anna Maria Miragem. Conforme Anna Maria:<br />

“Muitas vezes, os homens (<strong>no</strong> sindicato) caricaturam<br />

as <strong>mulheres</strong> que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m posições diferentes das <strong>de</strong>les.<br />

Baixam o nível e te rotulam <strong>de</strong> histérica porque<br />

tu queres tanto quanto eles impor teu ponto <strong>de</strong> vista<br />

numa discussão [...] Numa reunião para <strong>de</strong>scaracteri-<br />

312


zarem a minha posição me trataram como se eu fosse<br />

uma jovem adolescente, chegando na reunião sem experiência<br />

alguma. Isso eu consi<strong>de</strong>rei um machismo<br />

bastante significativo.” 355<br />

Além <strong>de</strong> fazer referências à relação entre homens e <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong><br />

Sindicato dos Bancários <strong>de</strong> Porto Alegre, Anna Maria referiu-se aos fóruns<br />

mais amplos – nacionais ou estaduais e disse:<br />

“nessas ocasiões eu acho que o fato <strong>de</strong> eu ser mulher<br />

propiciou uma certa rejeição até a colocações que eu<br />

fiz pois, como eu te disse, tem esse preconceito contra<br />

mulher sindicalista. Dentro do sindicato, afora<br />

aqueles momento <strong>de</strong> atrito por causa das discussões<br />

políticas e <strong>de</strong> divergências, não aconteceu, até porque<br />

eu era a presi<strong>de</strong>nte do sindicato, isso ai tinha um peso.<br />

Mas a nível mais geral acho que houve alguns<br />

momentos em que houve mais rejeição às minhas posições<br />

pelo fato <strong>de</strong> eu ser mulher.” 356<br />

Finalizando este item, po<strong>de</strong>ria ser acrescentado que os vários <strong>de</strong>po-<br />

imentos examinados evi<strong>de</strong>nciam que, quando as <strong>mulheres</strong> começaram a<br />

conquistar postos importantes <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, ou mesmo <strong>no</strong> sindicato, os homens<br />

mobilizaram-se para evitar que sua hegemonia fosse rompida. Assim se<br />

configuraram relações <strong>de</strong> gênero bastante conflituosas.<br />

Uma observação que se fez e que se julga importante registrar é que<br />

os homens foram percebidos pelas <strong>mulheres</strong>, em seus <strong>de</strong>poimentos, como “o<br />

<strong>banco</strong>”: o <strong>banco</strong> discrimina as <strong>mulheres</strong>, o <strong>banco</strong> não comissiona <strong>mulheres</strong>,<br />

<strong>no</strong> <strong>banco</strong> as <strong>mulheres</strong> são preteridas, o <strong>banco</strong> testa as <strong>mulheres</strong>...” De uma<br />

certa forma, isso comprova que o po<strong>de</strong>r masculi<strong>no</strong> institucionaliza-se <strong>no</strong><br />

355 Depoimento à autora em 6 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

356 I<strong>de</strong>m.<br />

313


imaginário femini<strong>no</strong>. Assim, não são os homens, mas a instituição “<strong>banco</strong>”<br />

que as discrimina.<br />

Finalmente, cabe comentar que os homens que foram ouvidos não<br />

souberam citar <strong>no</strong>mes <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que haviam se <strong>de</strong>stacado na instituição.<br />

Isso se aplica para tanto para os que foram ouvidos para o Capítulo IV<br />

(Mário Antunes e Jurandi Urbanetto) como para os que foram ouvidos para<br />

o Capítulo V (Duvercy Barros, Archime<strong>de</strong>s Almeida e José Antônio Fran-<br />

co). Ressalve-se que este último, inicialmente, lembrou apenas <strong>de</strong> Maria<br />

Martha Falcão, que tendo sido <strong>no</strong>meada Gerente quando Franco era Diretor<br />

não podia ser esquecida por este. Além <strong>de</strong> Maria Martha, Franco disse sa-<br />

ber que “havia uma ‘outra Martha’ que tinha trabalhado <strong>no</strong> ‘Câmbio’, mas<br />

que esquecera seu <strong>no</strong>me completo. Citadas as <strong>de</strong>mais bancárias que se <strong>de</strong>s-<br />

tacaram, José Antônio Franco afirmou não se lembrar das mesmas.<br />

O acima mencionado é uma evidência da pouca importância que têm<br />

as trabalhadoras, mesmo as mais <strong>de</strong>stacadas, para seus colegas homens.<br />

3.6 Vida profissional e obrigações familiares<br />

Na quinta parte do Capítulo II, on<strong>de</strong> se discutiu a questão do mer-<br />

cado <strong>de</strong> trabalho femini<strong>no</strong>, recorreu-se a Maria Valéria Pena, para quem “as<br />

<strong>mulheres</strong> por sua inscrição na socieda<strong>de</strong> e na família são responsáveis pelo<br />

trabalho reprodutivo e doméstico” pois “trabalho doméstico é trabalho fe-<br />

314


mini<strong>no</strong>.” 357 Também foi discutido, <strong>no</strong> referido capítulo, que além das ativi-<br />

da<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sempenhadas na unida<strong>de</strong> familiar, um percentual cada vez mais<br />

elevado <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> participa <strong>de</strong> forma assalariada <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

Nesta parte do presente capítulo, é <strong>no</strong>sso objetivo discutir como as<br />

<strong>mulheres</strong> que tiveram sucesso em sua vida profissional <strong>no</strong> Banco do Estado<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul comportaram-se frente a essa problemática.<br />

O grupo com o qual se trabalha, <strong>no</strong> Capítulo V, compõe-se , <strong>de</strong> cin-<br />

co <strong>mulheres</strong> solteiras (Ivete Moratore, Nemecy Neme, Rosalina Gomes,<br />

Analice Leitão e O<strong>de</strong>te Soares). Estas não enfrentam o problema ao qual se<br />

fez referência <strong>no</strong>s parágrafos anteriores. As outras oito são casadas, mas<br />

duas não têm filhos (Anna Maria Miragem e Martha An<strong>de</strong>rs Freire), o que<br />

naturalmente as exime <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> atribuições (gravi<strong>de</strong>z, amamentação,<br />

variados cuidados com os filhos, como higiene, alimentação, educação).<br />

Seis componentes do grupo são casadas ou separadas e têm um, dois ou três<br />

filhos (Cora Gubert da Silva, Ecilda Menezes, Maria Helena Veríssimo,<br />

Maria Martha Falcão, Joyce Olbenburg e Herondina Faad), o que amplia<br />

suas tarefas na unida<strong>de</strong> familiar.<br />

Nesta parte do trabalho será examinado, principalmente, o cotidia<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong>ssas seis <strong>mulheres</strong>, procurando-se verificar como elas conseguiram<br />

conciliar a ativida<strong>de</strong> profissional com as atribuições <strong>no</strong> mundo doméstico.<br />

357 PENA, Maria Valéria. Op. cit. (1980), p. 11.<br />

315


Todavia, inicia-se recorrendo ao <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Rosalina Gomes<br />

(que é solteira), a qual tentou fazer uma análise da situação das <strong>mulheres</strong>,<br />

casadas e solteiras, <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Rosalina afirmou o seguinte:<br />

“Mulher que tem família é diferente. Eu fiz outra opção<br />

<strong>de</strong> vida. Não casei, não tive filhos [...] As<br />

priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>las eram diferentes. A <strong>de</strong>dicação ao<br />

<strong>banco</strong> é diferente. Não é integral. A minha era integral.<br />

Elas têm duas ativida<strong>de</strong>s paralelas. Eu acho a<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dona <strong>de</strong> casa um massacre. Po<strong>de</strong> ser que<br />

futuramente os homens façam o serviço. Mas o preconceito<br />

e o machismo é muito arraigado <strong>no</strong> Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul.” 358<br />

O que diz Rosalina é uma evidência do quanto é difícil para as mu-<br />

lheres que têm um projeto profissional conciliar suas ativida<strong>de</strong>s <strong>no</strong> <strong>banco</strong><br />

com as tarefas <strong>de</strong> mãe e dona-<strong>de</strong>-casa. Provavelmente isso levou Martha<br />

Freire, como ela <strong>de</strong>clarou, a optar por não ter filhos. Ela casou com 34 a-<br />

<strong>no</strong>s, quando já havia ascendido em sua carreira <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Era, por ocasião<br />

<strong>de</strong> seu matrimônio, sub-chefe da Carteira <strong>de</strong> Câmbio do Banrisul e, se vies-<br />

se a ter filhos, certamente teria que redimensionar o seu tempo, o que teria<br />

reflexos em sua carreira. Ela acabou optando pela sua profissão, o que não<br />

é muito comum entre as <strong>mulheres</strong> da sua época. Martha Freire explicou sua<br />

<strong>de</strong>cisão da seguinte forma:<br />

358 Depoimento à autora em 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

“Eu casei em 1969 e meu marido faleceu 7 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois[...]<br />

Ele era bem mais velho do que eu [...] Nós<br />

<strong>de</strong>cidimos não ter filhos. Foi, eu diria, uma <strong>de</strong>cisão<br />

minha que ele apoiou integralmente. Ele me apoiou<br />

sempre muito <strong>no</strong> meu trabalho, em tudo que eu fazia.<br />

Muitas vezes eu voltava tar<strong>de</strong> para casa, já tinha passado<br />

a hora <strong>de</strong> janta, mas ele sempre enten<strong>de</strong>u muito<br />

316


em [...] Não houve nenhuma dificulda<strong>de</strong> nesse sentido[...]<br />

Ele não ajudava nas tarefas da casa, isso era<br />

uma das coisas que ele não fazia, mas ele compreendia<br />

que se as coisas não estivessem feitas era porque<br />

realmente não havia tempo, não havia como fazer.<br />

Como não tive filhos, a vida em casa era um pouco<br />

me<strong>no</strong>s onerada. Eu não tinha essa preocupação.(grifos<br />

<strong>no</strong>ssos)” 359<br />

Pelo que afirmou Martha Freire constata-se que sua situação era<br />

muito particular, comparada à do grupo das <strong>mulheres</strong> casadas. A socieda<strong>de</strong><br />

esperava que as <strong>mulheres</strong> casassem e tivessem filhos e estas cumpriam a-<br />

quilo que era visto como seu papel ou seu <strong>de</strong>sti<strong>no</strong>. Todavia, saliente-se que<br />

apesar <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não ter filhos, que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada avançada<br />

para a época, <strong>no</strong> que se refere às ativida<strong>de</strong>s domésticas a relação <strong>de</strong> Martha<br />

e seu marido era igual à das <strong>de</strong>mais trabalhadoras, pois ela afirma: “ele não<br />

ajudava nas tarefas da casa. Isso ele não fazia, mas compreendia...” De cer-<br />

ta forma, o marido a <strong>de</strong>sculpava por estar sendo mais profis- sional do que<br />

dona <strong>de</strong> casa.<br />

Falando a respeito <strong>de</strong> suas colegas que tinham problemas para con-<br />

ciliar cuidados com os filhos e ativida<strong>de</strong>s domésticas com o trabalho <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>, Martha assim se manifestou:<br />

“muitas das minhas colegas <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> receber cargos<br />

em comissão <strong>de</strong>vido aos problemas <strong>de</strong> casa, ao<br />

fato <strong>de</strong> terem filhos para cuidar. A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>las<br />

era justamente as tarefas <strong>de</strong> casa, o marido, os filhos,<br />

enfim não po<strong>de</strong>r ficar à disposição do <strong>banco</strong> mais do<br />

359 Depoimento à autora em 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

317


que as 6 horas regulamentares. Isso para elas era uma<br />

dificulda<strong>de</strong>.” 360<br />

Martha foi além, salientando que a mulher tem uma certa responsa-<br />

bilida<strong>de</strong> pelo fato das coisas ainda serem assim. Ela disse o seguinte sobre<br />

o assunto:<br />

“eu acredito que muito <strong>de</strong>ssas dificulda<strong>de</strong>s, naquela<br />

época como ainda hoje, são um fruto do próprio condicionamento<br />

femini<strong>no</strong>. São as <strong>mulheres</strong> que criam os<br />

filhos que passam essas idéias. Elas passaram para<br />

seus filhos homens e fizeram <strong>de</strong>les adultos que discriminam<br />

a ativida<strong>de</strong> feminina em uma ou outra área.<br />

Até que as <strong>mulheres</strong> consigam se libertar totalmente<br />

<strong>de</strong>ssas idéias, que as crianças se habituem, meninas e<br />

meni<strong>no</strong>s, a eliminar toda a discriminação porque ela<br />

não tem, realmente, nenhuma razão, será assim.” 361<br />

Entre as <strong>mulheres</strong> casadas e com filhos, todas fizeram referência à<br />

dificulda<strong>de</strong> que enfrentam as <strong>mulheres</strong> que exercem uma profissão e têm a<br />

obrigação <strong>de</strong> cuidar dos filhos e da casa. Comenta-se, a seguir, alguns e-<br />

xemplos.Maria Helena Pfeiffer afirmou:<br />

“Era sacrificado porque, como eu digo, a mulher que<br />

é dona <strong>de</strong> casa e trabalha tem três tur<strong>no</strong>s [...] quando<br />

a gente chega em casa, vai fazer o serviço da casa.<br />

Principalmente <strong>no</strong> início da carreira quando o dinheiro<br />

era bem mais curto. Depois, comissionada foi<br />

ficando mais folgado. Tu consegue botar empregada,<br />

A partir <strong>de</strong> 68, quando eu fui comissionada, botei<br />

uma empregada. Quando eu tinha meio tur<strong>no</strong> eu conseguia<br />

conciliar melhor, não precisava e nem podia<br />

ter empregada doméstica.” 362<br />

360<br />

Depoimento à autora em 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

361<br />

I<strong>de</strong>m.<br />

362<br />

Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

318


Maria Helena referiu-se a diferentes situações problemáticas que<br />

precisou enfrentar para aten<strong>de</strong>r a sua dupla responsabilida<strong>de</strong>. Seu relato<br />

bem caracteriza os problemas que enfrentavam todas as trabalhadoras casa-<br />

das e com filhos. A responsabilida<strong>de</strong> com os cuidados <strong>de</strong>stes é atribuída,<br />

exclusivamente, às mães, cabendo a elas encontrar alternativas para equa-<br />

cionar os problemas do dia- a-dia.<br />

Relatando uma situação bem característica <strong>de</strong>ste problema, conta<br />

Maria Helena, que até 1968 <strong>de</strong>ixava seus filhos (dois meni<strong>no</strong>s) com seus<br />

pais. Certo dia, ao levá-los à casa dos pais, sua mãe necessitara ir ao Pron-<br />

to Socorro por problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

“Eu não tinha com quem <strong>de</strong>ixar (as crianças).Eu fui<br />

numa tia, a tia também não estava em casa, eu fui na<br />

outra, também não estava. Eu terminei indo na casa<br />

<strong>de</strong> uma ex-empregada <strong>no</strong>ssa que morava na General<br />

Portinho. Eu me lembro que eu vinha a Rua da Praia<br />

inteira com um gurizão <strong>de</strong> seis meses <strong>no</strong> colo que pesava<br />

doze quilos, mais bolsa com mama<strong>de</strong>ira, com<br />

fralda para <strong>de</strong>ixar com ela e po<strong>de</strong>r ir trabalhar. Eu<br />

chegava a chorar pelo caminho.” 363<br />

Apesar dos problemas relatados, a <strong>de</strong>poente é categórica ao afirmar:<br />

“nunca pensei em largar o <strong>banco</strong>. Era difícil, mas dava para conciliar traba-<br />

lho e li<strong>de</strong>s domésticas.” E acrescenta, referindo-se às suas colegas,<br />

363 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

“Algumas conseguiam (conciliar profissão e obrigações<br />

com os filhos e a casa), mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> também da<br />

boa vonta<strong>de</strong> da pessoa. Eu sempre fui muito caxias<br />

comigo mesma. Então eu me exigia algumas coisas<br />

que as outras, às vezes, já tiravam licença, arruma-<br />

319


vam motivos. Mas eram poucas que faziam isso, a<br />

gran<strong>de</strong> maioria enfrentava os problemas.” 364<br />

O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria Helena, que ascen<strong>de</strong>u <strong>no</strong> <strong>banco</strong> pelo seu ex-<br />

celente <strong>de</strong>sempenho profissional, é altamente ilustrativo das dificulda<strong>de</strong>s<br />

enfrentadas pelas trabalhadoras <strong>no</strong> seu dia-a-dia. Ressalte-se, porém, que<br />

em nenhum momento ela questio<strong>no</strong>u o fato <strong>de</strong> todas as tarefas com os filhos<br />

e domésticas serem atribuídas às <strong>mulheres</strong>. Perguntada sobre se o marido<br />

não assumia algumas responsabilida<strong>de</strong>s <strong>no</strong>s cuidados com os filhos, res-<br />

pon<strong>de</strong>u prontamente: “me ajudava bastante, não propriamente em trabalho<br />

<strong>de</strong> casa, mas com os filhos ajudava levando e buscando na escola.” 365<br />

Também Joyce disse que foi muito difícil conciliar a ativida<strong>de</strong> pro-<br />

fissional com as obrigações <strong>de</strong> mãe. Conforme suas palavras,<br />

“<strong>no</strong> período em que tu és escriturária, tu ganhas pouco.<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte disso eu estava fazendo a<br />

faculda<strong>de</strong>. Para eu po<strong>de</strong>r trabalhar e ir para a faculda<strong>de</strong><br />

eu <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> veículo escolar, <strong>de</strong> ter creche ou<br />

ter empregada, <strong>de</strong> fazer a comida, à <strong>no</strong>ite, para ficar<br />

encaminhada para <strong>de</strong> manhã. O microondas, quebrava<br />

o galho para esquentar, e se corria ao meio-dia para<br />

ver se estava tudo inteiro e tudo vivo. Eu <strong>de</strong>vo (o fato<br />

<strong>de</strong>) estar <strong>no</strong> <strong>banco</strong> a uma única pessoa, ao seu<br />

Pinto, dos Recursos Huma<strong>no</strong>s. Dezenas <strong>de</strong> vezes eu<br />

cheguei lá chorando, dizendo eu vinha pedir a minha<br />

<strong>de</strong>missão, porque a minha filha estava chorando <strong>no</strong><br />

portão da creche. Ele dizia assim: não faça isso, teus<br />

filhos vão crescer e tu vai ficar uma dona <strong>de</strong> casa<br />

frustrada, faz a tua carreira até o fim. Por isso que eu<br />

fiquei. E hoje não me arrependo. Meus filhos realmente<br />

cresceram, estão com suas vidas praticamente<br />

364 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.I<strong>de</strong>m.<br />

365 I<strong>de</strong>m.<br />

320


<strong>de</strong>lineadas. Estão construindo o seu mundo e eu também<br />

construí o meu. Sem frustrações.” 366<br />

Como se vê, o acúmulo <strong>de</strong> obrigações que têm as trabalhadoras com<br />

filhos é tão gran<strong>de</strong> que, muitas vezes, as obriga a pedir <strong>de</strong>missão, abando-<br />

nando sua vida profissional. Também ocorre que muitas permanecem, mas<br />

não almejam ascensão na profissão porque sabem que, por exemplo, um<br />

comissionamento vai exigir <strong>de</strong>las mais horas <strong>de</strong> trabalho e maior disponibi-<br />

lida<strong>de</strong> ao <strong>banco</strong>.<br />

Referindo-se ao assunto, Cora Gubert da Silva afirmou que essas di-<br />

ficulda<strong>de</strong>s levavam muitas trabalhadoras a pedir <strong>de</strong>missão quando casavam<br />

ou quando tinham o primeiro filho. Conforme ela disse,<br />

“Era comum as <strong>mulheres</strong> pedirem <strong>de</strong>missão. As que<br />

não saíam eram umas heroínas porque nós sempre tínhamos<br />

que contar com alguém da família que<br />

pu<strong>de</strong>sse olhar (pelos filhos). Eu tive essa babá que<br />

trabalhou para mim Foi uma sorte, graça <strong>de</strong> Deus<br />

mesmo.” 367<br />

Prosseguindo em seu <strong>de</strong>poimento Cora procurou avaliar a situação<br />

das trabalhadoras da época em que foi bancária, inclusive comparando com<br />

as condições atuais. Cora afirmou o seguinte:<br />

“Esta era uma das causas pelas quais as <strong>mulheres</strong> eram<br />

discriminadas naquela época. Nós não tínhamos<br />

os direitos que tem hoje e foi muito difícil, muito difícil<br />

mesmo. Tu nem imagina como foi difícil.<br />

Primeiro: Não havia creches; segundo, tu imaginas se<br />

366 Depoimento à autora em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> <strong>de</strong> 1996.<br />

367 Depoimento à autora em maio <strong>de</strong> 1996.<br />

321


eu achei difícil e eu tive uma babá que criou os meus<br />

três filhos. Essa babá era uma senhora maravilhosa,<br />

tinha paixão pelos meus filhos, meus filhos paixão<br />

por ela. Além <strong>de</strong> tudo, eu morava em Teresópolis on<strong>de</strong><br />

morava a maioria da minha família, então eu tinha<br />

tudo, por isso acho que os meus filhos não têm traumas<br />

com relação a mulher trabalhar. Hoje tem as<br />

creches, é muito diferente, naquele tempo não tinha.”<br />

368<br />

Também segundo Ecilda Menezes não é fácil para uma trabalhadora<br />

aten<strong>de</strong>r as várias obrigações que tem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa e ser uma profissional<br />

competente. Ela manifestou-se da seguinte maneira:<br />

“Era difícil, mas felizmente eu tinha uma gran<strong>de</strong> coisa:<br />

quando saía <strong>de</strong> casa procurava não lembrar do que<br />

ia acontecer na minha ausência [...] Também não posso<br />

me queixar, sempre tive quem me auxiliasse.<br />

Primeiro minha mãe e <strong>de</strong>pois que ela faleceu, a minha<br />

irmã. Aí a outra (filha) já estava grandinha,<br />

porque eu tinha uma filha com bastante diferença dos<br />

outros. Ela ajudava a reparar os outros.” 369<br />

Maria Martha e Herondina são entre as ouvidas as que parecem ter<br />

equacionado melhor os problemas domésticos e as ativida<strong>de</strong>s bancárias.<br />

Maria Martha reconhece que é muito difícil para as <strong>mulheres</strong> cuidar<br />

da casa e dos filhos e trabalhar <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, como em qualquer outro lugar.<br />

Consi<strong>de</strong>ra também que por essa razão gran<strong>de</strong> parte das <strong>mulheres</strong> não almeja<br />

ser comissionada, pois o comissionamento implica em maior <strong>de</strong>dicação ao<br />

<strong>banco</strong>. Em seu caso particular, Maria Martha diz que não teve gran<strong>de</strong>s pro-<br />

blemas e justifica da seguinte forma:<br />

368 Depoimento à autora em maio <strong>de</strong> 1996.<br />

369 Depoimento à autora em 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

322


“Eu fui comissionada em 75, mas graças a Deus eu já<br />

tinha as gurias grandinhas. A minha maior já tinha<br />

10 a<strong>no</strong>s a me<strong>no</strong>r 7 a<strong>no</strong>s. Então já se <strong>de</strong>fendiam e eu<br />

pu<strong>de</strong> contar com uma estrutura doméstica já garantida.<br />

Eu tenho a minha secretária que tem 23 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong><br />

casa hoje. Minha mãe também ajudava muito. Então<br />

eu estava com a minha casa estruturadinha e eu pu<strong>de</strong><br />

me <strong>de</strong>dicar mais ao Banrisul. Se a gente não tem uma<br />

estrutura em casa, aí fica difícil mesmo, realmente,<br />

muito difícil para a mulher conciliar as duas ativida<strong>de</strong>s<br />

[...] Hoje é mais fácil, existe muitas instituições<br />

como creches, escolinhas que à época não existiam.”<br />

370<br />

A resposta dada por Herondina foi semelhante à <strong>de</strong> Maria Martha:<br />

“Eu, graças a Deus, posso dizer que sou uma pessoa<br />

que tenho uma estrutura montada <strong>de</strong>ntro da minha casa<br />

para po<strong>de</strong>r fazer isso. Eu sei que nem todas têm a<br />

mesma sorte. Mas eu tenho uma boa empregada, eu<br />

tenho a minha mãe que mora do lado da minha casa,<br />

que me dá muita força e me ajuda com a minha filha.<br />

Eu tenho o meu marido que é comerciante, que o<br />

tempo que ele tem ele também me ajuda. Então eu tenho<br />

uma estrutura montada que eu posso me <strong>de</strong>sligar<br />

da casa enquanto eu estou <strong>de</strong>ntro do meu trabalho,<br />

porque uma das coisas mais difíceis que tem, e que tu<br />

consegues se quiseres, é quando tu entrar <strong>de</strong>ntro do<br />

Banco tu <strong>de</strong>ixar os teus problemas pessoais do lado<br />

<strong>de</strong> fora da porta e, quando tu sair <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do Banco<br />

<strong>de</strong>ixar os teus problemas <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>ntro do Banco,<br />

e não levar para <strong>de</strong>ntro da tua casa isso aí. Depois<br />

<strong>de</strong> muitos a<strong>no</strong>s eu consegui fazer.” 371<br />

Entre todas as bancárias ouvidas apenas Herondina e Anna Maria re-<br />

feriram-se à colaboração mais efetiva do marido <strong>no</strong> cuidado com os filhos<br />

ou <strong>no</strong>s afazeres domésticos.<br />

370 Depoimento à autora em 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

371 Depoimento à autora em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

323


Anna Maria que não tem filhos, pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> momento, por opção<br />

sua, afirmou que seu companheiro divi<strong>de</strong> (e usou a palavra “divi<strong>de</strong>” e não<br />

“ajuda”), com ela as obrigações domésticas.<br />

Com a realização <strong>de</strong>sta parte do trabalho chega-se à conclusão <strong>de</strong><br />

que, embora este grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> tenha assumido posições relativamente<br />

importantes <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, a maioria continuou responsável pelo o que Chodo-<br />

row chama <strong>de</strong> “maternagem,” como também pelas as li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

Algumas <strong>mulheres</strong> conseguiram ter atenuada a sua responsabilida<strong>de</strong>s com<br />

os filhos e com a casa quando outras <strong>mulheres</strong> – uma empregada, a sua mãe<br />

ou a filha mais velha – dividiram com elas tais tarefas.<br />

Registre-se que <strong>no</strong>s <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> algumas <strong>mulheres</strong> havia “um<br />

certo orgulho” quando afirmavam que, apesar das infinitas dificulda<strong>de</strong>s,<br />

conseguiram conciliar bem sua carreira e o cumprimento das “obrigações<br />

com os filhos, com o marido, e com as li<strong>de</strong>s domésticas. Elas orgulhavam-<br />

se <strong>de</strong> “heroicamente” cumprir a chamada “dupla jornada”das <strong>mulheres</strong>...<br />

Indaga-se: estas <strong>mulheres</strong> terão, efetivamente, <strong>de</strong>sejado mudar a situação?<br />

Somente <strong>no</strong> caso <strong>de</strong> Anna Maria houve referência a divisão <strong>de</strong> res-<br />

ponsabilida<strong>de</strong>s com o homem. Provavelmente, o comportamento <strong>de</strong> Anna<br />

Maria <strong>de</strong>va ser associado ao fato <strong>de</strong> que ela é a mais jovem do grupo, visto<br />

ter nascido em 1961 e, portanto, viveu o final <strong>de</strong> sua adolescência em outro<br />

contexto. Não po<strong>de</strong> ser esquecido também que esta bancária teve ativa mili-<br />

tância partidária e sindical, o que <strong>de</strong>ve ter contribuído para o<br />

aprofundamento <strong>de</strong> sua consciência crítica.<br />

324


3.7 Atitu<strong>de</strong>s e valores das trabalhadoras dos a<strong>no</strong>s recentes<br />

Conforme já foi exposto <strong>no</strong> capítulo anterior, constavam do roteiro<br />

algumas indagações que foram propostas às bancárias, com o objetivo <strong>de</strong><br />

conhecer suas atitu<strong>de</strong>s e valores e, na medida do possível, verificar se estas<br />

<strong>mulheres</strong> foram i<strong>no</strong>vadoras, tendo rompido com os padrões <strong>de</strong> seu tempo e<br />

estabelecido <strong>no</strong>vas visões <strong>de</strong> mundo e <strong>no</strong>vos comportamentos ou se manti-<br />

nham os antigos valores e atitu<strong>de</strong>s.<br />

Quanto às primeiras trabalhadoras do Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, chegou-se à conclusão <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>poentes não eram mulhe-<br />

res muito politizadas, bem como, que não foram i<strong>no</strong>vadoras, mantendo-se<br />

orientadas pelos valores e atitu<strong>de</strong>s que lhes haviam sido passados pelas su-<br />

as mães. Suas respostas sugeriram que elas podiam ser incluídas <strong>no</strong><br />

conjunto das <strong>mulheres</strong> que consi<strong>de</strong>ram que a política e o sindicato são<br />

“coisas <strong>de</strong> homens.”<br />

Também <strong>no</strong> que se refere às questões relativas à educação <strong>de</strong> meni-<br />

<strong>no</strong>s e meninas e às aptidões <strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong> para o trabalho, várias<br />

<strong>de</strong>clararam que meni<strong>no</strong>s e meninas não <strong>de</strong>vem ser educados da mesma ma-<br />

neira e que homens e <strong>mulheres</strong> não têm, exatamente, as mesmas aptidões<br />

para o trabalho.<br />

325


Esperava-se que as trabalhadoras que ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> <strong>no</strong>s a-<br />

<strong>no</strong>s mais recentes e que ascen<strong>de</strong>ram a cargos <strong>de</strong> relativa importância<br />

tivessem atitu<strong>de</strong>s bastante diferenciadas das do primeiro grupo. Todavia<br />

não foi bem isso o que se verificou, especialmente <strong>no</strong> que diz respeito à<br />

participação política e sindical.<br />

Quanto a política, gran<strong>de</strong> parte das ouvidas afirmou que não gostava<br />

<strong>de</strong> política ou que “nunca fui <strong>de</strong> política” (Ivete) ou que “não gosto das<br />

coisas que acontecem na política” (O<strong>de</strong>te) ou que “nunca fui voltada a polí-<br />

tica” (Maria Helena) ou “eu tenho conhecimento da política, mas não gosto<br />

porque a minha maneira <strong>de</strong> pensar é completamente diferente. Então prefiro<br />

não participar.” (Herondina)<br />

Apesar <strong>de</strong> terem dito que não gostavam <strong>de</strong> política, quase todas, <strong>no</strong><br />

entanto, disseram que se mantinham informadas, visto que a cada eleição<br />

precisavam fazer escolhas e votar.<br />

Foram poucas as <strong>mulheres</strong> que informaram ter uma participação po-<br />

lítica mais ativa. Este foi o caso apenas <strong>de</strong> Ecilda e Anna Maria. Ecilda<br />

afirmou o seguinte:<br />

“Eu sempre fui muito ativa na política. Sempre acompanhei<br />

tudo. A gente fazia campanhas para os<br />

candidatos que a gente acreditava e até hoje faço, se<br />

for preciso. Eu acho muito importante. Tenho as minhas<br />

simpatias pelo PT.” 372<br />

372 Depoimento à autora em 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

326


Também Anna Maria fez referência a sua participação político-<br />

partidária, dizendo o que segue:<br />

“Eu já tinha participado do movimento estudantil,<br />

mas o movimento estudantil sinceramente nunca foi o<br />

meu forte. Mas serviu como uma experiência até para<br />

ajudar na politização. E tinha a participação <strong>no</strong> PT.<br />

No Julinho, eu já participava do núcleo <strong>de</strong> estudantes<br />

do PT. Acho que era influência da família. Nunca<br />

<strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> participar politicamente.” 373<br />

Pelo que relatou Anna Maria foi possível perceber que sua partici-<br />

pação político-partidária foi muito intensa e se verificou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a<br />

<strong>de</strong>poente era ainda muito jovem. Saliente-se que estudou <strong>no</strong> Colégio Júlio<br />

<strong>de</strong> Castilhos, escola <strong>de</strong>stacada na época pela politização <strong>de</strong> seus estudantes.<br />

No que se refere a sindicalização, participação sindical e em greves,<br />

as posições foram coerentes com a resposta relativa à política e à participa-<br />

ção política. A maioria disse ser sindicalizada, mas não participar das<br />

ativida<strong>de</strong>s sindicais ou das greves. Algumas (Maria Helena, Maria Martha,<br />

Ecilda, Cora) chegaram a dizer que <strong>no</strong> início <strong>de</strong> suas carreiras haviam par-<br />

ticipado <strong>de</strong> greves, mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> comissionadas não participaram mais das<br />

ativida<strong>de</strong>s do sindicato e muito me<strong>no</strong>s das greves.<br />

Referindo-se à questão sindical, Maria Helena disse ser sindicaliza-<br />

da e afirmou que tivera participação em movimentos grevistas, <strong>no</strong>s<br />

primeiros a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> <strong>banco</strong>. Conforme suas palavras,<br />

373 Depoimento à autora em 6 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

327


“só enquanto eu não era comissionada. Eu participei<br />

das greves como qualquer funcionário, mas não por<br />

meio do sindicato, nem por nada. Eu entrava na onda<br />

e pronto [...] Eu me lembro <strong>de</strong> uma (greve) da época<br />

do Brizola que foi gran<strong>de</strong> [...] Todas já tinham voltado.<br />

(Eu e duas colegas) fomos as três últimas da<br />

mecanizada a voltar. Deu na televisão que quem não<br />

voltasse imediatamente seria <strong>de</strong>mitido. Nós voltamos<br />

muito sem graça, voltamos as últimas três.” 374<br />

Maria Helena salientou que <strong>de</strong>pois que foi comissionada não parti-<br />

cipou mais das greves que ocorreram. O comissionamento, <strong>de</strong> fato, parece<br />

ter sido o motivo que levou as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>ste grupo a afastarem-se dos<br />

movimentos sindicais.<br />

Herondina comentou a questão das greves, referindo-se ao período<br />

em que já tinha um cargo comissionado ou já era Gerente. Ela afirmou que:<br />

“Em todas as agências que eu trabalhei eu enfrentei<br />

momentos <strong>de</strong> greve. Em uma agências houve greve,<br />

nas outras duas não. A Agência Coliseu, quando eu<br />

trabalhei o pessoal fazia greve, mas na Agência Cristóvão<br />

Colombo, quando houve greve ninguém fez.<br />

Quando eu trabalhei <strong>no</strong> Shopping, nesses quatro a<strong>no</strong>s,<br />

ninguém fez greve [...] Não impeço ninguém <strong>de</strong> fazer;<br />

<strong>no</strong>rmalmente a gente faz uma reunião, converso e<br />

<strong>de</strong>ixo o funcionário bem à vonta<strong>de</strong> para fazer aquilo<br />

que ele tiver na consciência. Agora, sempre alerto<br />

que eles têm que assumir a responsabilida<strong>de</strong> daquilo<br />

que eles estão fazendo. Só isso, não sou repressora<br />

para dizer, ‘olha, não isso, não aquilo.’ Não faço isso,<br />

até porque eu não sou dona da verda<strong>de</strong>.” 375<br />

Ecilda afirmou que sempre participou <strong>de</strong> greves, acrescentando “só<br />

<strong>de</strong>pois me escravizei com o comissionamento, não participei mais <strong>de</strong> gre-<br />

374 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

375 Depoimento à autora em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

328


ves, mas sou completamente a favor <strong>de</strong> movimentos reivindicatórios.” 376<br />

(grifo <strong>no</strong>sso) Também Cora disse “fui sindicalizada e admiro muito o sindi-<br />

cato.” 377<br />

Destaque-se que na afirmação <strong>de</strong> Ecilda percebe-se uma certa auto-<br />

crítica e, também, um questionamento dos limites que o comissionamento<br />

acaba impondo. O posicionamento <strong>de</strong>ssa trabalhadora po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />

como um indicativo <strong>de</strong> uma consciência crítica mais <strong>de</strong>senvolvida.<br />

Rosalina foi a única das trabalhadoras que afirmou não ser sindica-<br />

lizada. Ela disse o seguinte:<br />

“Nunca fui sindicalizada, nem quis ser, mas participava<br />

nas negociações. Eu representava o<br />

(Departamento <strong>de</strong>) Recursos Huma<strong>no</strong>s. Eu ia pela Diretoria,<br />

representando o <strong>banco</strong>. O Olívio Dutra era<br />

representante do Sindicato dos Bancários e pelo <strong>banco</strong><br />

era o Lucena e eu. O Olívio é uma pessoa que tem<br />

respeito aos limites, ele nunca foi agressivo. Uma<br />

pessoa extremamente educada, uma pessoa muito boa<br />

<strong>de</strong> trabalhar.” 378<br />

Fica claro <strong>no</strong> <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Rosalina que esta participava represen-<br />

tando o <strong>banco</strong> e não os trabalhadores. Também fica <strong>de</strong>monstrado que esta<br />

trabalhadora tinha um importante papel <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, visto representar os inte-<br />

resses <strong>de</strong>ste nas negociações salariais.<br />

No grupo <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> ouvidas, Anna Maria foi a que teve maior<br />

participação sindical, chegando à presidência do Sindicato dos Bancários<br />

376 Depoimento à autora em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

377 Depoimento à autora em maio <strong>de</strong> 1996.<br />

378 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

329


<strong>de</strong> Porto Alegre, aos 29 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Anna Maria <strong>de</strong>screveu sua <strong>trajetória</strong><br />

<strong>no</strong> sindicato da seguinte maneira:<br />

“Eu já tinha um grupo do qual eu participava e quando<br />

eu fui para o sindicato isso tudo estava mais ou<br />

me<strong>no</strong>s construído na minha cabeça. Quando eu cheguei<br />

<strong>no</strong> <strong>banco</strong> (1985) logo me sindicalizei e fiquei<br />

preocupada em participar. Fui eleita <strong>de</strong>legada sindical<br />

em 87, se não me enga<strong>no</strong>... todos os a<strong>no</strong>s fui<br />

eleita <strong>de</strong>legada sindical. Em 1990 fui a primeira mulher<br />

eleita Presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Bancários <strong>de</strong><br />

Porto Alegre.” 379<br />

No <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Analice também po<strong>de</strong> se perceber que, embora<br />

não tendo o envolvimento <strong>de</strong> Anna Maria, ela teve certa participação sindi-<br />

cal. São essas as palavras <strong>de</strong> Analice,<br />

“Até 79 eu an<strong>de</strong>i atuando junto ao sindicato. Era para<br />

ter sido suplente do Felipe (Nogueira). Eu ia participar<br />

daquela chapa como suplente, mas um tio meu,<br />

que tinha sido preso em 64/65 pela revolução me pediu<br />

pelo amor <strong>de</strong> Deus para não me meter.” 380<br />

Analice fez ainda referências à greve <strong>de</strong> 1979, 381 contando como se<br />

<strong>de</strong>senrolou na Agência Glória, on<strong>de</strong> trabalhava. Disse que não fez greve<br />

pois per<strong>de</strong>ria o comissionamento, mas que participava inclusive da maioria<br />

das assembléias. A bancária mencio<strong>no</strong>u que ao térmi<strong>no</strong> do movimento par-<br />

ticipou das negociações com a diretoria do <strong>banco</strong> para evitar <strong>de</strong>missões dos<br />

colegas grevistas.<br />

379<br />

Depoimento à autora em 6 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

380<br />

Depoimento à autora em 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

381<br />

Nessa greve dos bancários foram presas importantes li<strong>de</strong>ranças sindicais <strong>gaúchas</strong>.<br />

Entre estas Olívio Dutra, Felipe Nogueira, Ana Santa Cruz.<br />

330


Embora Anna Maria tenha participado intensamente do sindicato e<br />

Analice e Ecilda tenham tido alguma participação antes <strong>de</strong> serem comissio-<br />

nadas, po<strong>de</strong>-se concluir que a maioria das trabalhadoras que ingressaram <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong> nas décadas recentes, não teve gran<strong>de</strong> participação sindical. Contu-<br />

do, apesar <strong>de</strong> serem poucas as <strong>mulheres</strong> que evi<strong>de</strong>nciaram alguma<br />

participação, isso po<strong>de</strong> ser um indicativo <strong>de</strong> que algumas modificações co-<br />

meçam a ocorrer.<br />

Quanto às questões relativas à educação <strong>de</strong> meni<strong>no</strong>s e meninas e ap-<br />

tidões <strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong> para diferentes ativida<strong>de</strong>s <strong>no</strong> mundo do<br />

trabalho, foi possível constatar que já são poucas as <strong>mulheres</strong> que dizem<br />

que meni<strong>no</strong>s e meninas não <strong>de</strong>vem ser educados da mesma maneira e que<br />

homens e <strong>mulheres</strong> têm diferentes aptidões.<br />

A posição <strong>de</strong> Cora ainda está bastante próxima do que afirmaram as<br />

<strong>mulheres</strong> do primeiro grupo com o qual se trabalhou. Ela afirmou:<br />

382 Depoimento à autora em maio <strong>de</strong> 1996.<br />

“Acho que homens e <strong>mulheres</strong> não <strong>de</strong>vem ser educados<br />

da mesma maneira, <strong>de</strong> forma alguma. Já mostro<br />

por que: Se o teu pai cometesse um gran<strong>de</strong> erro seria<br />

a mesma coisa que se tua mãe cometesse? Claro que<br />

não. O pai tem um papel sumamente importante na<br />

família. Deveria ser sempre a cabeça do casal, mas<br />

se ele <strong>de</strong>sliza, não fere tanto o filho como se a mãe<br />

<strong>de</strong>sliza. Então acho que a mãe tem que ter esse preparo<br />

maior, uma estrutura maior.” 382<br />

331


Na resposta dada por Cora parece estar ainda muito presente a visão<br />

positivista <strong>de</strong> que a mulher é a guardiã do lar e seu anjo protetor, <strong>de</strong>vendo<br />

manter-se pura.<br />

Ecilda que se <strong>de</strong>stacou <strong>no</strong> grupo por ter certa participação política e<br />

sindical, tem posição bem mais crítica. Ela fez a seguinte observação:<br />

“Eu acho que os homens são melhores para mandar e<br />

as <strong>mulheres</strong> da minha geração, tiveram uma educação<br />

para obe<strong>de</strong>cer. No entanto, são competentíssimas <strong>no</strong><br />

trabalho, são bem mais minuciosas para trabalhar; eu<br />

sempre gostei muito do trabalho das meninas.” 383<br />

Ecilda atribui à educação o fato dos homens terem maior condição<br />

para mandar e as <strong>mulheres</strong> para obe<strong>de</strong>cer. Portanto, po<strong>de</strong>ria se dizer que na<br />

afirmação <strong>de</strong>ssa bancária está implícito que as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre homens<br />

e <strong>mulheres</strong> são construídas.<br />

Quase na mesma direção vai o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Ivete. Ela assim se<br />

expressou, referindo-se ao assunto:<br />

“Acho que quanto a capacida<strong>de</strong> intelectual e profissional<br />

não tem homem mais inteligente ou mulher<br />

mais inteligente. Isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da pessoa e não da<br />

classe feminina ou masculina. Tem mulher, por exemplo,<br />

que não quer saber <strong>de</strong> nada <strong>de</strong> trabalhos<br />

femini<strong>no</strong>s e tem homens hoje em dia que estão cozinhando,<br />

bordando, fazendo tudo que uma mulher faz.<br />

Eu acho que essas coisas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da criação, da<br />

formação do caráter da pessoa. Acho que a educação<br />

influi muito, a família influi muito, mas eu acho que<br />

383 Depoimento à autora em 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996.<br />

332


tanto um como o outro po<strong>de</strong> fazer o que quer. E isso<br />

é que muitos homens não aceitam.” 384<br />

Também são interessantes as observações que Rosalina faz sobre a<br />

questão. Conforme suas palavras:<br />

“Eu posso até admitir uma mulher ma<strong>no</strong>brando um<br />

guindaste, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ela goste daquele trabalho. Tu<br />

tem que saber o que tu gostas <strong>de</strong> fazer. Dentro <strong>de</strong><br />

uma instituição, como o <strong>banco</strong>, que é um serviço<br />

mais intelectual, não exige força, eu acho que tanto<br />

homem quanto mulher fazem qualquer coisa lá <strong>de</strong>ntro.<br />

Qualquer um <strong>de</strong>les tem a mesma capacida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da formação, se ele tem uma <strong>de</strong>senvoltura<br />

maior, se <strong>de</strong>senvolveu o conhecimento. Isso é <strong>de</strong> cada<br />

um, tu po<strong>de</strong>s não ter curso nenhum e ter uma visão<br />

muito boa, uma intuição. Não se po<strong>de</strong> generalizar,<br />

homem é mais inteligente, mulher é mais inteligente.<br />

Não po<strong>de</strong>. Depen<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um.” 385<br />

Comparando os <strong>de</strong>poimentos do primeiro grupo <strong>de</strong> trabalhadoras do<br />

Banrisul com os do segundo grupo (as ingressas <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s mais recentes),<br />

não se percebe diferenças muito profundas quanto a participação política e<br />

sindical. É verda<strong>de</strong> que algumas <strong>mulheres</strong> (Anna Maria, Analice e Ecilda)<br />

evi<strong>de</strong>nciaram uma consciência crítica mais <strong>de</strong>senvolvida e razoável mili-<br />

tância política e sindical. Porém isso não ocorreu com a maioria do grupo.<br />

Quanto a atitu<strong>de</strong>s e valores frente à educação <strong>de</strong> meni<strong>no</strong>s e meninas<br />

e aptidões <strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong> registraram-se avanços importantes, visto<br />

que gran<strong>de</strong> parte das ouvidas é favorável a educação igual para meni<strong>no</strong>s e<br />

384 Depoimento à autora em 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996.<br />

385 Depoimento à autora em 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1996.<br />

333


meninas, consi<strong>de</strong>ra que homens e <strong>mulheres</strong> têm as mesmas aptidões e que<br />

as diferenças <strong>de</strong>correm <strong>de</strong> uma educação diferenciada.<br />

Finalmente, <strong>de</strong>ve ser ressaltado que o estudo realizado <strong>no</strong> Capítulo<br />

V <strong>de</strong>sta tese indicou que as <strong>mulheres</strong>, efetivamente, estão ocupando espa-<br />

ços importantes <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho. Todavia, também ficou claro que<br />

não existe igualda<strong>de</strong> entre os trabalhadores e trabalhadoras. Como foi visto,<br />

ainda são poucas as <strong>mulheres</strong> que, com muitas dificulda<strong>de</strong>s, conseguem<br />

uma certa ascensão profissional. Além disso, ficou <strong>de</strong>monstrado que as tra-<br />

balhadoras continuam sendo responsáveis, quase que exclusivamente, pelo<br />

cuidado dos filhos e pelas li<strong>de</strong>s da casa. O mais preocupante foi perceber<br />

que muitas das <strong>mulheres</strong> ouvidas, embora competentes profissionais, ainda<br />

não se <strong>de</strong>ram conta <strong>de</strong> que as atribuições que culturalmente lhes foram im-<br />

postas, precisam ser discutidas entre homens e <strong>mulheres</strong> e distribuídas <strong>de</strong><br />

uma forma <strong>no</strong>va, mais igualitária.<br />

334


CONCLUSÃO<br />

Conclui-se esta tese julgando que os objetivos que motivaram a sua<br />

elaboração, na medida do possível, foram alcançados. Chegar ao final <strong>de</strong>ste<br />

trabalho, contudo, não significa abandonar os estudos <strong>de</strong> gênero, em que se<br />

imagina haver muito a realizar, especialmente, <strong>no</strong> caso do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul.<br />

Novamente relembrando Agnes Heller, citada na Introdução do pre-<br />

sente trabalho, e aplicando suas palavras à realida<strong>de</strong> que foi analisada,<br />

po<strong>de</strong>-se, agora, dizer: naquele tempo havia <strong>mulheres</strong> lá ... lá <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s.<br />

Sem dúvida, elas existiram naquele tempo e, <strong>de</strong> certa forma, contribuiu-se<br />

para que continuassem existindo, pois se recolheram os tênues vestígios<br />

que <strong>de</strong>ixaram ao longo <strong>de</strong> sua caminhada, procurando reconstiuir a sua His-<br />

tória.<br />

Esta tese teve como um dos seus objetivos fundamentais reunir, or-<br />

ganizar e interpretar os “pedaços” que restavam da história <strong>de</strong> algumas<br />

<strong>mulheres</strong> que ingressaram, há muitos a<strong>no</strong>s atrás, <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s gaúchos.<br />

Conforme esclarecido na parte introdutória <strong>de</strong>ste estudo, o interesse<br />

pelo assunto foi estimulado pela constatação <strong>de</strong> que o setor bancário que,<br />

até o início do século XX empregara exclusivamente homens, a partir <strong>de</strong>


<strong>1920</strong> começa a admitir <strong>mulheres</strong> em seus quadros funcionais. Procurou-se<br />

esclarecer por que isso aconteceu. Sabia-se, também, que estudando as re-<br />

lações entre as primeiras bancárias e seus colegas po<strong>de</strong>r-se-ia ter<br />

informações preliminares sobre a natureza das relações que se constroem<br />

entre homens e <strong>mulheres</strong> quando estas penetram em um espaço <strong>de</strong> trabalho<br />

até então exclusivamente masculi<strong>no</strong>.<br />

Pelas razões acima citadas, buscou-se reconstituir a história possí-<br />

vel das primeiras trabalhadoras <strong>de</strong> três <strong>banco</strong>s gaúchos - Banco da<br />

Província, Banco Nacional do Comércio e Banco Pfeiffer - embora sabendo<br />

que inúmeras lacunas permaneceriam, pois os registros da época são muito<br />

incompletos. O objetivo almejado apoiou-se em Alain Corbin: era preciso<br />

fazer essas <strong>mulheres</strong> “existir por uma segunda vez...” ou seja, oferecer-lhes<br />

“uma segunda chance <strong>de</strong> entrar na memória do seu século ...” 386<br />

Além das três instituições já citadas, também se estudou a história<br />

das <strong>mulheres</strong> do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Estas ingressaram<br />

neste <strong>banco</strong> bem mais tar<strong>de</strong>, ou seja, somente a partir <strong>de</strong> 1943. Decidiu-se<br />

aprofundar o estudo <strong>de</strong>sse grupo <strong>de</strong> trabalhadoras porque o Banco do Esta-<br />

do do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul oferecia melhores condições do que os primeiros<br />

para a recuperação da <strong>trajetória</strong> das bancárias. Optou-se, então, por recons-<br />

tituir a história das <strong>mulheres</strong> do Banrisul, procurando alcançar um segundo<br />

objetivo: discutir as relações <strong>de</strong> gênero construídas <strong>no</strong> interior da institui-<br />

ção.<br />

386 Ver <strong>no</strong>ta 203.<br />

336


Um conjunto <strong>de</strong> indagações, articuladas aos dois objetivos centrais<br />

<strong>de</strong>ste trabalho, orientou a pesquisa realizada. A primeira questão para a<br />

qual se buscou resposta foi a seguinte: o que teria levado alguns <strong>banco</strong>s<br />

gaúchos, <strong>no</strong> início da década <strong>de</strong> <strong>1920</strong>, a permitir o ingresso <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> em<br />

seus quadros funcionais?<br />

O estudo da História do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul informara que essa soci-<br />

eda<strong>de</strong> era marcadamente patriarcal, além <strong>de</strong> ter sofrido forte influência do<br />

positivismo, <strong>no</strong> final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.<br />

Sabia-se, com base <strong>no</strong> estudo teórico <strong>de</strong>senvolvido, que, em socieda<strong>de</strong>s<br />

com essas características, as <strong>mulheres</strong> estão submetidas ao po<strong>de</strong>r masculi<strong>no</strong><br />

(patriarcal) e ocupam um lugar <strong>de</strong>terminado na estrutura social. Esse lugar<br />

prescreve-lhes papéis a <strong>de</strong>sempenhar <strong>no</strong> âmbito privado, tais como o cui-<br />

dado dos filhos, a prestação <strong>de</strong> serviços ao marido, as li<strong>de</strong>s domésticas.<br />

Tinha-se também presente que, nessas socieda<strong>de</strong>s, se as <strong>mulheres</strong> necessi-<br />

tam <strong>de</strong> um trabalho remunerado, costumam procurar ocupações “<strong>de</strong> acordo<br />

com a natureza feminina,” como magistério, enfermagem, confecção <strong>de</strong><br />

roupas, preparo <strong>de</strong> doces.<br />

Foi a partir <strong>de</strong>ste conjunto <strong>de</strong> informações preliminares, que surgiu<br />

o interesse em esclarecer por que o setor bancário gaúcho – um setor <strong>de</strong><br />

trabalho tipicamente masculi<strong>no</strong> - abrira-se às <strong>mulheres</strong> a partir da década<br />

<strong>de</strong> <strong>1920</strong>. A hipótese que se levantou, visando respon<strong>de</strong>r a essa indagação,<br />

foi que um conjunto <strong>de</strong> transformações econômicas, sócioculturais e políti-<br />

cas, relacionadas com a conjuntura da Primeira Guerra Mundial,<br />

337


provavelmente, teria facilitado a abertura <strong>de</strong> espaços para as <strong>mulheres</strong>, <strong>no</strong><br />

mercado <strong>de</strong> trabalho em geral e, conseqüentemente, <strong>no</strong> setor bancário gaú-<br />

cho.<br />

Comprovou que, <strong>de</strong> fato, o confronto mundial e seus principais <strong>de</strong>s-<br />

dobramentos provocou importantes alterações na eco<strong>no</strong>mia rio-gran<strong>de</strong>nse.<br />

Entre elas, o crescimento econômico, a industrialização, a urbanização, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>no</strong> setor terciário. Essas alterações foram<br />

responsáveis pela gradativa incorporação das <strong>mulheres</strong> ao mercado <strong>de</strong> tra-<br />

balho.<br />

Dados recolhidos na imprensa local, referentes aos a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>z, vinte e<br />

trinta do século atual, comprovaram que variados setores econômicos, com<br />

freqüência crescente, começaram a oferecer empregos para <strong>mulheres</strong>. Ci-<br />

tam-se o comércio (lojas, hotéis, bares, restaurantes, confeitarias), os<br />

escritórios (<strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> importação e <strong>de</strong> exportação), as fábricas<br />

(<strong>de</strong> roupas, <strong>de</strong> chapéus, <strong>de</strong> cigarros, <strong>de</strong> doces, <strong>de</strong> balas).<br />

Acrescente-se que a expansão econômica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,<br />

ocorrida nessa época, exigiu a ampliação das ativida<strong>de</strong>s e dos serviços ofe-<br />

recidos pelos <strong>banco</strong>s. Este processo tor<strong>no</strong>u necessária a ampliação da mão-<br />

<strong>de</strong>-obra ocupada <strong>no</strong> setor, estimulando a utilização do trabalho femini<strong>no</strong>,<br />

especialmente para a realização <strong>de</strong> tarefas auxiliares das ativida<strong>de</strong>s mais<br />

qualificadas executadas pelos homens. Desta forma comprova-se a hipótese<br />

levantada.<br />

338


A segunda questão que se visava esclarecer é por que o Banco do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, que fora criado em 1928 e, seguindo a tradição <strong>de</strong> ou-<br />

tros <strong>banco</strong>s oficiais do País não admitira <strong>mulheres</strong> em seu quadro<br />

funcional, passou a fazê-lo a partir <strong>de</strong> 1943.<br />

Levantamento documental, realizado junto ao Museu do Banco do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, levou à localização da Resolução <strong>de</strong> número 406, emi-<br />

tida pela diretoria do <strong>banco</strong>, em 19 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943. O referido documento<br />

dava uma resposta preliminar ao questionamento. Dizia a Resolução: “Con-<br />

si<strong>de</strong>rando que o estado <strong>de</strong> beligerância em que se encontra o País tem<br />

<strong>de</strong>sfalcado sensivelmente o corpo <strong>de</strong> funcionários do Banco, [...] Resolve-<br />

mos admitir moças [...]”<br />

Julgando que o <strong>de</strong>clarado <strong>no</strong> documento não esclarecia toda a ques-<br />

tão, partiu-se para o levantamento histórico do período. Este permitiu<br />

concluir que outros componentes faziam-se presentes na <strong>de</strong>cisão tomada pe-<br />

lo Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

A investigação permitiu que se chegasse ao Decreto-lei 4902 <strong>de</strong> 31<br />

<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1942. Este, reportando-se à conjuntura da Segunda Guerra<br />

Mundial, <strong>de</strong>terminava que as empresas que tivessem empregados convoca-<br />

dos para as Forças Armadas ficavam obrigadas a garantir o emprego <strong>de</strong>stes<br />

e pagar-lhes mensalmente 50% do seu or<strong>de</strong>nado ou salário, durante o tempo<br />

em que permanecessem convocados.<br />

Como comentaram largamente os jornais da época, em <strong>de</strong>corrência<br />

do citado <strong>de</strong>creto, as empresas voltaram-se para o emprego <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra<br />

339


feminina. Era mais barato e mais garantido, pois as <strong>mulheres</strong> não seriam<br />

convocadas para o serviço militar.<br />

Pelo exposto, conclui-se que foi seguindo a tendência predominante<br />

<strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho gaúcho da época que o Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul abriu-se ao ingresso das primeiras trabalhadoras.<br />

Assim sendo, efetivamente, a entrada das <strong>mulheres</strong> na instituição<br />

esteve articulada com a conjuntura política da Segunda Guerra Mundial.<br />

Todavia, não foi simplesmente porque a guerra “<strong>de</strong>sfalcou o corpo <strong>de</strong> fun-<br />

cionários,” como afirmava a Resolução 406 do BERGS, que este resolveu<br />

admitir <strong>mulheres</strong>. Pesou fortemente nessa <strong>de</strong>cisão a intenção <strong>de</strong> conter o<br />

ingresso <strong>de</strong> homens que po<strong>de</strong>riam ser convocados para a guerra, pois, se tal<br />

ocorresse, o <strong>banco</strong> ficaria obrigado a manter os encargos que tinha com es-<br />

ses trabalhadores.<br />

Acrescente-se que o fato <strong>de</strong> outros estabelecimentos bancários já<br />

incluírem <strong>mulheres</strong> em seus quadros funcionais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década<br />

<strong>de</strong> <strong>1920</strong>, naturalmente, facilitou a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão pelo <strong>banco</strong> oficial do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Junte-se a informação <strong>de</strong> que, a partir da década <strong>de</strong><br />

quarenta, elevou-se significativamente a entrada <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong>s outros<br />

<strong>banco</strong>s gaúchos.<br />

Respondidas as duas indagações preliminares, passou-se a estudar a<br />

<strong>trajetória</strong> das trabalhadoras do setor bancário gaúcho. Para tal, estas foram<br />

divididas em três grupos: 1. as que ingressaram <strong>no</strong> Banco da Província, <strong>no</strong><br />

Banco Nacional do Comércio e <strong>no</strong> Banco Pfeiffer entre <strong>1920</strong> e 1945; 2. as<br />

340


que foram admitidas <strong>no</strong> Banco do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, entre 1943 e 1945; 3.<br />

as que entraram <strong>no</strong> mesmo <strong>banco</strong> a partir da década <strong>de</strong> cinqüenta e que ti-<br />

nham como característica comum o fato <strong>de</strong> terem conquistado postos <strong>de</strong><br />

relativa importância na instituição. O estudo <strong>de</strong> cada grupo visou alguns<br />

objetivos gerais e vários específicos.<br />

No que se refere às trabalhadoras do primeiro grupo, tor<strong>no</strong>u-se ne-<br />

cessário a<strong>de</strong>quar os objetivos almejados aos limites colocados pela<br />

dificulda<strong>de</strong>, escassez e fragmentação dos dados, o que foi amplamente dis-<br />

cutido ao longo <strong>de</strong>sta tese. Optou-se, neste caso, por organizar o material<br />

recolhido, construir um breve perfil das trabalhadoras e, quando as infor-<br />

mações permitiram, acompanhar a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>las. No caso do<br />

Banco da Província, do Nacional do Comércio e do Pfeiffer, portanto, ela-<br />

borou-se apenas uma análise <strong>de</strong>scritiva, pois apenas este procedimento era<br />

possível.<br />

A análise dos dados referentes às trabalhadoras do primeiro grupo<br />

permitiu constatar que estas eram muito jovens quando ingressaram <strong>no</strong>s<br />

<strong>banco</strong>s e, na maioria dos casos, solteiras. Um elevado número <strong>de</strong>las traba-<br />

lhou apenas por alguns a<strong>no</strong>s, pedindo <strong>de</strong>missão, em geral, quando alterou<br />

seu estado civil através do casamento. Esse comportamento estava perfei-<br />

tamente <strong>de</strong> acordo com as características patriarcais da socieda<strong>de</strong> gaúcha,<br />

bem como com a influência das idéias positivistas sobre a mesma. Confor-<br />

me o imaginário social da época, a mulher casada - anjo protetor da<br />

341


família - <strong>de</strong>veria ocupar-se com as tarefas <strong>de</strong> mãe e esposa, sendo-lhe per-<br />

mitido trabalhar fora <strong>de</strong> casa, somente por extrema necessida<strong>de</strong>.<br />

Os dados recolhidos também esclareceram que as bancárias do Ban-<br />

co da Província, Nacional do Comércio e Pfeiffer <strong>de</strong>dicaram-se ao<br />

<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> tarefas auxiliares ao trabalho executado pelos homens (re-<br />

gistros escritos e, mais tar<strong>de</strong>, datilografados, do movimento do <strong>banco</strong>,<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> arquivo, serviço <strong>de</strong> almoxarifado). O “lugar das <strong>mulheres</strong>”<br />

<strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s, portanto, ficava claramente <strong>de</strong>finido. Não era o lugar ocupado<br />

pelos homens. Logo aquelas não disputaram espaços com estes.<br />

Nos casos em que foi possível maior aprofundamento, ficou evi<strong>de</strong>n-<br />

te que as bancárias não questionavam as funções subalternas que lhes eram<br />

<strong>de</strong>stinadas, parecendo consi<strong>de</strong>rar “natural” que assim fosse. Sugere-se que<br />

a explicação <strong>de</strong>ste comportamento encontra-se <strong>no</strong> fato <strong>de</strong> que, <strong>no</strong> mundo<br />

privado, as <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>sempenhavam papéis subalter<strong>no</strong>s. Logo, não seria<br />

<strong>de</strong> se esperar que <strong>no</strong> mundo do trabalho a situação fosse diferente ou que as<br />

<strong>mulheres</strong> reivindicassem uma melhor posição.<br />

Os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> familiares das bancárias ou as informações obti-<br />

das na revista Província indicaram que algumas trabalhadoras do Banco da<br />

Província haviam abraçado a vida profissional, <strong>de</strong>dicando-se inteiramente à<br />

mesma. Este é o caso, por exemplo, das Irmãs Veríssimo da Fonseca –<br />

Carmem e Hilda - ou <strong>de</strong> Marina Barreto Rosa.<br />

As bancárias acima referidas entraram muito jovens <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e se<br />

aposentaram com mais <strong>de</strong> trinta e cinco a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> serviço, sendo consi<strong>de</strong>ra-<br />

342


das excelentes profissionais. Os <strong>de</strong>poimentos obtidos sobre a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong>s-<br />

sas três <strong>mulheres</strong> evi<strong>de</strong>nciaram que elas só não fizeram uma carreira <strong>de</strong><br />

maior <strong>de</strong>staque <strong>de</strong>vido aos limites impostos pelo seu tempo. As três eram<br />

reconhecidamente competentes, realizavam tarefas <strong>de</strong> alta responsabilida<strong>de</strong>,<br />

mas, na época, as <strong>mulheres</strong> não podiam ser mais do que competentes e res-<br />

ponsáveis auxiliares dos homens do <strong>banco</strong>.<br />

É interessante salientar que Carmem, Hilda e Marina mantiveram-<br />

se solteiras por toda vida, po<strong>de</strong>ndo-se inferir do observado que o estado ci-<br />

vil das trabalhadoras constituía-se, nesse período, em componente<br />

importante para seu crescimento ou não nas instituições estudadas. Só as<br />

solteiras podiam oferecer uma total <strong>de</strong>dicação ao <strong>banco</strong> e, conseqüentemen-<br />

te, ter um certo <strong>de</strong>staque. Para as casadas em primeiro lugar estavam os<br />

compromissos com a família e <strong>de</strong>pois a ativida<strong>de</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>.<br />

Quanto ao segundo grupo estudado – as trabalhadoras que ingressa-<br />

ram <strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul entre 1943-45, tinha-se por<br />

objetivo respon<strong>de</strong>r a várias indagações: qual era seu perfil? Por que estas<br />

<strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>cidiram ser bancárias? Como suas famílias aceitaram o trabalho<br />

<strong>no</strong> <strong>banco</strong>? Como eram as relações entre homens e <strong>mulheres</strong> na instituição?<br />

Quais as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ascensão <strong>de</strong>stas? Como as trabalhadoras concili-<br />

avam ativida<strong>de</strong> profissional e obrigações domésticas? Quais suas principais<br />

atitu<strong>de</strong>s e valores?<br />

Para respon<strong>de</strong>r aos questionamentos levantados, conforme discutido<br />

em partes anteriores <strong>de</strong>sta tese, realizou-se a pesquisa sistemática em do-<br />

343


cumentos da instituição, tendo-se recorrido também ao <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> oito<br />

<strong>mulheres</strong> que fizeram parte do primeiro grupo <strong>de</strong> trabalhadoras do Banco<br />

do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

A coleta dos dados, a organização e a análise <strong>de</strong>stes permitiu cons-<br />

truir o perfil das primeiras trabalhadoras do Banco do Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul e discutir as relações <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>senvolvidas na instituição,<br />

a partir <strong>de</strong> 1943.<br />

Com base nesse estudo, po<strong>de</strong>-se afirmar que as primeiras trabalha-<br />

doras do Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul eram muito jovens e<br />

solteiras, como exigia a Resolução 406, originavam-se <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> classe<br />

média e tinham grau médio <strong>de</strong> instrução. Haviam cursado o ginásio e, em<br />

alguns casos, o complementar (equivalente ao atual curso <strong>de</strong> magistério) ou<br />

tinham feito o curso <strong>de</strong> auxiliar <strong>de</strong> comércio. Em apenas um dos casos a<br />

trabalhadora fizera o curso superior.<br />

Também foi verificado que gran<strong>de</strong> parte das bancárias do BERGS<br />

era natural <strong>de</strong> municípios do interior do Estado, sendo que muitas fizeram o<br />

concurso para ingresso em agências do <strong>banco</strong> em suas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> origem,<br />

tendo trabalhado nas mesmas por alguns a<strong>no</strong>s e <strong>de</strong>pois se transferido para<br />

Porto Alegre. Na capital, algumas vieram a ter uma certa ascensão profis-<br />

sional, o mesmo não ocorrendo com as que permaneceram <strong>no</strong> interior. As<br />

agências interioranas não ofereciam oportunida<strong>de</strong> para tal: tinham poucos<br />

funcionários e os comissionados eram os homens.<br />

344


Como se esperava, <strong>de</strong>vido às características patriarcais da socieda<strong>de</strong><br />

gaúcha, um elevado número das ingressas <strong>no</strong> início da década <strong>de</strong> quarenta,<br />

ao casar, pediu <strong>de</strong>missão do <strong>banco</strong>, alegando que passaria a <strong>de</strong>dicar-se aos<br />

cuidados do marido, dos filhos e da casa. Todavia, diferentemente do que<br />

se imaginava, entre as que chegaram a aposentar-se, o percentual <strong>de</strong> casa-<br />

das e solteiras foi mais ou me<strong>no</strong>s equivalente. Inferiu-se <strong>de</strong>ssa constatação<br />

que, embora ainda estivessem presentes fortes traços da antiga cultura gaú-<br />

cha, lentamente, emergiam atitu<strong>de</strong>s e comportamentos <strong>de</strong> um tempo <strong>no</strong>vo<br />

que começava a se esboçar. Nesse tempo, a situação das <strong>mulheres</strong> pouco a<br />

pouco se alterava.<br />

Através do uso da história oral – importante metodologia para a re-<br />

constituição da história “daqueles que não têm história” – foi possível<br />

recuperar a <strong>trajetória</strong> <strong>de</strong> oito das primeiras trabalhadoras do Banco do Es-<br />

tado do Rio Gran<strong>de</strong> Sul e analisar as relações <strong>de</strong> gênero estabelecidas <strong>no</strong><br />

interior da instituição bancária.<br />

Ofereceu-se a várias <strong>mulheres</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar a sua histó-<br />

ria, tendo-se muitas vezes ouvido afirmações da seguinte natureza: “mas<br />

quem sou eu para contar a minha história?”(Sarita). Ou “eu era uma pessoa<br />

muito simples, sem importância.”(Sylvia). Ou “nunca pensei que alguém<br />

pu<strong>de</strong>sse se interessar pela minha vida.” (Léa)<br />

Apesar <strong>de</strong>stas afirmações, quando as <strong>mulheres</strong> tomaram a palavra<br />

tinham muito a contar. Primeiro, falaram timidamente. O gravador era um<br />

parceiro um tanto incômodo. Depois foram “se soltando.” O que contaram<br />

345


permitiu reconstituir momentos importantes da história das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong><br />

Banrisul e das relações <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>senvolvidas <strong>no</strong> interior <strong>de</strong>ssa institui-<br />

ção bancária.<br />

Ressalte-se que, ao recolher a fala das trabalhadoras, bem como ao<br />

analisá-la, não foi esquecido que as <strong>mulheres</strong> que contaram sua história o<br />

fizeram com as imagens e as idéias <strong>de</strong> hoje, do seu presente. Elas têm mais<br />

<strong>de</strong> setenta a<strong>no</strong>s, algumas já são viúvas, os filhos não vivem mais com elas.<br />

Assim sendo, o tempo em que ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> era “um tempo bom.”<br />

Elas eram jovens e cheias <strong>de</strong> esperanças...<br />

Por esta razão, o alerta <strong>de</strong> Ecléa Bosi, quando enfatiza que “toda re-<br />

cordação do que passou é uma interpretação” ou que “lembrar não é<br />

reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens <strong>de</strong> hoje as experi-<br />

ências do passado,” orientou a coleta dos <strong>de</strong>poimentos e a análise dos<br />

mesmos.<br />

O material recolhido esclareceu que muitas jovens ingressas <strong>no</strong> ban-<br />

co <strong>no</strong> início da década <strong>de</strong> quarenta tinham um objetivo fundamental:<br />

queriam ter um trabalho. Esse <strong>de</strong>sejo, <strong>de</strong> certa forma, tem explicação na<br />

conjuntura política vivida pelo País, <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s quarenta. Nessa é-<br />

poca, o trabalho femini<strong>no</strong> era estimulado. Como já foi discutido, vivia-se<br />

em plena Segunda Guerra Mundial, sendo importante contar com a mão-<strong>de</strong>-<br />

obra feminina. A pesquisa em jornais ou em revistas da época confirma que<br />

havia um forte apelo para que as <strong>mulheres</strong> ingressassem <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> tra-<br />

balho, por razões antes discutidas.<br />

346


Ficou comprovado que a maioria das <strong>mulheres</strong> não fez, propriamen-<br />

te, a escolha da profissão <strong>de</strong> bancária. Segundo várias <strong>de</strong>las: “foi o que se<br />

ofereceu <strong>no</strong> momento.” Todavia, constatou-se que essas <strong>mulheres</strong> sentiram-<br />

se muito bem <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, sendo um dos principais fatores para isso os seus<br />

salários que eram elevados “para uma mulher.”(Diva), ou, como disse Sari-<br />

ta, “a gente ganhava uma ‘dinheirama’ que nem sabia o que fazer com ela.”<br />

Saliente-se que essas <strong>mulheres</strong> eram solteiras, oriundas <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> clas-<br />

se média e, em geral, não precisavam ajudar na composição do orçamento<br />

familiar, <strong>de</strong>stinando-se seus salários para os peque<strong>no</strong>s gastos pessoais <strong>de</strong><br />

uma jovem da época.<br />

Deve ser enfatizado que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar na cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

fora feito o concurso para o BERGS foi outro fator que induziu a escolha<br />

da profissão <strong>de</strong> bancária. Muitas <strong>de</strong>poentes afirmaram que não haviam op-<br />

tado, por exemplo pelo magistério, porque as professoras precisavam ir<br />

para outras cida<strong>de</strong>s ou para o interior do Estado. Este fato também foi im-<br />

portante fator para que a família das primeiras bancárias aceitasse bem o<br />

trabalho <strong>de</strong>stas. Desta forma não se confirmou a hipótese <strong>de</strong> que a família<br />

das primeiras bancárias do Banrisul teria reagido negativamente à escolha<br />

das jovens.<br />

Um aspecto interessante a salientar é que algumas <strong>mulheres</strong> entra-<br />

ram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> dizendo-se impulsionadas pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> trabalhar e <strong>de</strong> ter “o<br />

seu dinheiro.” Esta afirmativa, naturalmente, <strong>de</strong><strong>no</strong>tava um “espírito <strong>no</strong>vo e<br />

progressista,” “in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.” Porém as mesmas trabalhadoras pediram<br />

347


<strong>de</strong>missão do <strong>banco</strong> ao casar, afirmando que <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>dicar-se à família e<br />

ao cuidado dos filhos. Enten<strong>de</strong>-se que estes dois posicionamentos <strong>de</strong>ixam<br />

claro que, apesar <strong>de</strong> as <strong>no</strong>vas idéias estarem surgindo, a tradição patriarcal<br />

ainda permanecia muito forte. Era um tempo <strong>de</strong> contradições. O <strong>no</strong>vo esta-<br />

va emergindo, mas o velho ainda não fora superado.<br />

Acrescente-se que algumas bancárias que continuaram <strong>trabalhando</strong><br />

após o casamento, segundo suas próprias palavras, <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> aceitar car-<br />

gos para não prejudicar suas obrigações com os filhos, com o marido e com<br />

as li<strong>de</strong>s domésticas... Vê-se, assim, que em primeiro lugar, na vida <strong>de</strong>ssas<br />

<strong>mulheres</strong>, estavam as responsabilida<strong>de</strong>s do mundo privado, “as obrigações<br />

femininas,” “<strong>de</strong> mulher”, <strong>de</strong>pois se colocava a vida profissional.<br />

A Resolução 406, antes mencionada, <strong>de</strong>finia a posição que as traba-<br />

lhadoras <strong>de</strong>veriam ocupar <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. O documento estabelecia que estas<br />

seriam admitidas “a título precário [...] na categoria <strong>de</strong> auxiliares.” A for-<br />

ma <strong>de</strong> admissão, portanto, <strong>de</strong>terminava a posição subalterna das <strong>mulheres</strong><br />

<strong>no</strong> Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Como havia uma legislação interna do <strong>banco</strong> que, nas décadas <strong>de</strong><br />

1940 e 1950, estabelecia objetivamente “o lugar das <strong>mulheres</strong>”, não se <strong>de</strong>-<br />

senvolveu um confronto entre homens e <strong>mulheres</strong> na disputa <strong>de</strong> espaços na<br />

instituição. Era ineficaz da parte das trabalhadoras e <strong>de</strong>snecessário da parte<br />

do grupo masculi<strong>no</strong>.<br />

O estudo realizado, portanto, permite afirmar que as relações <strong>de</strong> gê-<br />

nero <strong>no</strong> Banco do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s quarenta e cinqüenta não<br />

348


foram, em geral, marcadas pela disputa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre homens e <strong>mulheres</strong>.<br />

Estas se acomodaram à posição que lhes foi <strong>de</strong>stinada, como auxiliares dos<br />

homens e, mesmo o fato <strong>de</strong> ganharem me<strong>no</strong>s do que estes, porque não podi-<br />

am ascen<strong>de</strong>r a cargos importantes, não se tor<strong>no</strong>u objeto <strong>de</strong> polêmica ou<br />

contestação nas décadas acima mencionadas.<br />

A atitu<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong> muito provavelmente se explica pelo fato <strong>de</strong><br />

que estas haviam sido educadas em uma socieda<strong>de</strong> patriarcal, que fazia com<br />

que vissem o mundo, também, <strong>de</strong> uma perspectiva patriarcal. Assim, acha-<br />

vam “natural” que os homens ocupassem posições <strong>de</strong> prestígio, po<strong>de</strong>r e<br />

melhor remuneração. Cabia a elas “ficar <strong>no</strong> seu lugar,” “servir,” “obe<strong>de</strong>cer”<br />

e tão somente isso. Esta atitu<strong>de</strong> explica o fato <strong>de</strong> não terem emergido con-<br />

flitos entre homens e <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> referido período.<br />

Acrescente-se às colocações que vêm sendo feitas que as primeiras<br />

trabalhadoras do BERGS, em geral, não eram <strong>mulheres</strong> muito politizadas,<br />

não gostavam <strong>de</strong> política e não participavam da vida sindical. “Política e<br />

sindicato não são ‘coisas’ ou ‘lugares’ <strong>de</strong> mulher,” segundo o imaginário<br />

social <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> patriarcal. Este tipo <strong>de</strong> percepção, internalizado<br />

pelas <strong>mulheres</strong> da época, condicionava-as a uma posição me<strong>no</strong>s crítica e<br />

mais acomodada.<br />

No que se refere ao terceiro grupo <strong>de</strong> trabalhadoras – as que in-<br />

gressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> a partir <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> cinqüenta e que<br />

tiveram uma relativa ascensão na instituição – teve-se por objetivo investi-<br />

gar duas questões fundamentais. Em primeiro lugar, visou-se esclarecer o<br />

349


que teria possibilitado a ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong> <strong>de</strong> um certo número <strong>mulheres</strong>, a<br />

partir <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> sessenta. Em segundo lugar, procurou-se e-<br />

xaminar os mesmos aspectos que haviam sido pesquisados junto ao grupo<br />

anterior, objetivando realizar algumas comparações.<br />

Quanto à primeira questão acima citada, havia-se constatado, con-<br />

forme já discutido, que raras <strong>mulheres</strong>, entre as que ingressaram na<br />

instituição <strong>no</strong> período compreendido entre 1943 e 1945, haviam alcançado<br />

alguma ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Apenas A<strong>de</strong>la Prates, Diva Schramm, Sylvia<br />

Teixeira e Hermínia Gaya <strong>de</strong> Cami<strong>no</strong> haviam sido comissionadas.<br />

O estudo dos <strong>de</strong>poimentos das <strong>mulheres</strong> que ingressaram mais tar<strong>de</strong><br />

na instituição permitiu verificar que o número <strong>de</strong> comissionamentos ele-<br />

vou-se mais tar<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong>ssa constatação tinha-se um <strong>no</strong>vo problema a<br />

esclarecer: que acontecimento ou <strong>de</strong>cisão teria aberto às <strong>mulheres</strong> do Ban-<br />

risul a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>r funcionalmente?<br />

A investigação realizada permitiu que se chegasse à informação <strong>de</strong><br />

que, <strong>no</strong> final do a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1960, o executivo estadual gaúcho, tendo como go-<br />

vernador Leonel Brizola, assinara a equiparação <strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong> do<br />

Banco do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Como conseqüência <strong>de</strong>ste Ato, a<br />

partir <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1961, as <strong>mulheres</strong>, classificadas até então como<br />

“auxiliares,” passaram a ser, como os homens, escriturárias do <strong>banco</strong>.<br />

O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Maria Helena Pfeiffer permitiu um maior esclare-<br />

cimento do ocorrido. A bancária relatou que, em fins <strong>de</strong> 1960, um grupo<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> se reunira e fora à direção do <strong>banco</strong> reclamar da situa-<br />

350


ção <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre homens e <strong>mulheres</strong> da instituição e reivindicar a<br />

equiparação <strong>de</strong>stas com os homens. Na oportunida<strong>de</strong>, as trabalhadoras ale-<br />

garam que realizavam as mesmas tarefas executadas pelos homens, mas<br />

que, pelo fato <strong>de</strong> ocuparem um lugar inferior <strong>no</strong> quadro funcional do <strong>banco</strong>,<br />

ganhavam me<strong>no</strong>s do que estes. Pfeiffer esclareceu que a reivindicação do<br />

grupo femini<strong>no</strong> foi bem acolhida pela direção e que, pouco <strong>de</strong>pois, foi con-<br />

cedida a solicitada equiparação.<br />

Juntando as informações, po<strong>de</strong>-se concluir que a <strong>de</strong>cisão do gover<strong>no</strong><br />

estadual gaúcho foi tomada em resposta ao movimento das <strong>mulheres</strong> que<br />

começava a se <strong>de</strong>senvolver <strong>no</strong> BERGS. A equiparação, portanto, resultou<br />

<strong>de</strong> uma das primeiras lutas reivindicatórias das trabalhadoras da institui-<br />

ção, quando já fazia quase vinte a<strong>no</strong>s da data em que as primeiras <strong>mulheres</strong><br />

foram admitidas.<br />

A obtenção da equiparação teoricamente criava a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as<br />

<strong>mulheres</strong>, a partir <strong>de</strong> então, serem comissionadas como acontecia com os<br />

homens. Contudo, conforme se verificou, apesar <strong>de</strong> a equiparação ter sido<br />

concedida a partir <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1961, os primeiros comissionamentos fe-<br />

mini<strong>no</strong>s só ocorreram a partir <strong>de</strong> meados <strong>de</strong> 1964. Ficava, portanto, uma<br />

segunda pergunta: por que os comissionamentos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong>moraram<br />

três a<strong>no</strong>s e meio para acontecer?<br />

Não existe, ao que se conseguiu apurar, nenhum documento ou re-<br />

gistro que explique o ocorrido. Contudo, po<strong>de</strong>-se fazer uma inferência do<br />

que foi observado: embora formalmente, com a equiparação, as <strong>mulheres</strong><br />

351


tenham adquirido os mesmos direitos funcionais dos homens, <strong>no</strong> imaginário<br />

<strong>de</strong> homens e <strong>mulheres</strong> do <strong>banco</strong>, estas continuavam sendo “auxiliares” da-<br />

queles. Passando a escriturárias, as <strong>mulheres</strong> naturalmente tiveram<br />

acréscimos salariais, o que lhes bastou por um certo tempo. Porém seu “es-<br />

paço” <strong>de</strong>ntro da instituição continuou limitado. Não se colocava a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascenção.<br />

Procurando obter explicação sobre o que teria motivado os primei-<br />

ros comissionamentos femini<strong>no</strong>s chegou-se ao esclarecedor <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong><br />

Rosalina Gomes. Essa bancária contou que começara a causar uma certa es-<br />

tranheza e mesmo um <strong>de</strong>sconforto entre as <strong>mulheres</strong> o fato <strong>de</strong> estas não<br />

serem contempladas com comissionamentos. A situação levou algumas tra-<br />

balhadoras, li<strong>de</strong>radas por Rosalina, a irem até um dos diretores do <strong>banco</strong> -<br />

Archime<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almeida - e pedirem esclarecimentos sobre a questão. O re-<br />

ferido diretor prometeu analisar o regulamento da instituição para verificar<br />

se havia algum impedimento legal para comissionamentos femini<strong>no</strong>s. A-<br />

crescentou que, se não houvesse nada em contrário, as <strong>mulheres</strong> passariam<br />

a ser comissionadas. Conforme Rosalina, pouco tempo <strong>de</strong>pois, saíram os<br />

primeiros comissionamentos femini<strong>no</strong>s.<br />

Ouvido o Dr. Archime<strong>de</strong>s da Silva Almeida, este afirmou ter uma<br />

lembrança muito vaga a respeito do que fora relatado por Rosalina. Justifi-<br />

cou que não lembrava o fato “com muita precisão” pelo mesmo ter ocorrido<br />

há “mais <strong>de</strong> trinta a<strong>no</strong>s.” Afirmou, contudo, que “não havia vedação estatu-<br />

352


tária para os comissionamentos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong>, mas, (que) <strong>de</strong> fato, (na época<br />

referida) estes não eram feitos. ”<br />

Faz-se aqui um breve parêntese e observa-se que foram ouvidos cin-<br />

co homens do Banrisul. Como Archime<strong>de</strong>s Almeida, todos os <strong>de</strong>poentes, em<br />

geral, não lembravam <strong>de</strong> fatos que haviam sido <strong>de</strong>cisivos para a ascensão<br />

das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, mesmo <strong>no</strong>s casos em que eles tiveram um certo en-<br />

volvimento.<br />

Cabe ainda acrescentar outro fato relacionado com os acontecimen-<br />

tos relatados por Maria Helena e Rosalina. Nas duas situações <strong>de</strong>scritas<br />

pelas bancárias, a reunião das <strong>mulheres</strong>, a discussão dos problemas, a mon-<br />

tagem <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> ação e a organização da comissão que encaminharia<br />

o problema junto à direção foi feita “em um peque<strong>no</strong> espaço que havia jun-<br />

to a toalete feminina. Lá havia um peque<strong>no</strong> sofá on<strong>de</strong> as <strong>mulheres</strong> se<br />

reuniam para comer a merenda e conversar.” (Pfeiffer) Ou “nós estávamos<br />

merendando ao redor do sofá do toalete quando surgiu o assunto.” (Rosali-<br />

na) Percebe-se pelo que foi dito que o lugar on<strong>de</strong> as <strong>mulheres</strong> se reuniam e<br />

discutiam seus problemas era o toalete femini<strong>no</strong> do <strong>banco</strong>. Fica uma per-<br />

gunta: <strong>no</strong> mundo privado, o lugar <strong>de</strong> reunião das <strong>mulheres</strong> da casa era na<br />

cozinha. No mundo do trabalho, será <strong>no</strong> toalete femini<strong>no</strong>?<br />

Esclarecidas as situações relativas aos fatos que criaram a possibi-<br />

lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as <strong>mulheres</strong> ascen<strong>de</strong>rem <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, na primeira meta<strong>de</strong> da década<br />

<strong>de</strong> sessenta, passa-se a discutir aspectos relacionados ao segundo objetivo<br />

que se tinha junto ao terceiro grupo <strong>de</strong> trabalhadoras.<br />

353


Examinando a documentação do Departamento <strong>de</strong> Recursos Huma-<br />

<strong>no</strong>s do Banrisul e analisando os treze <strong>de</strong>poimentos que se colheram, foi<br />

possível constatar que as <strong>mulheres</strong> que ingressaram <strong>no</strong> <strong>banco</strong> a partir <strong>de</strong><br />

meados <strong>de</strong> 1950 distinguiam-se das do grupo anterior em vários aspectos.<br />

Entre os aspectos que diferenciam os dois grupos estudados, chama<br />

a atenção a alta escolarida<strong>de</strong> das componentes do último. Das treze <strong>de</strong>poen-<br />

tes, seis tinham o curso superior completo, sendo que duas tinham dois<br />

cursos superiores e duas, superior incompleto. No grupo anterior, conforme<br />

foi visto, apenas uma tinha curso superior.<br />

Deve ser dito que o fato <strong>de</strong> as bancárias do terceiro grupo terem es-<br />

colarida<strong>de</strong> mais alta do que as do segundo não se constitui em uma<br />

particularida<strong>de</strong> das trabalhadoras <strong>de</strong>ste setor. Dados estatísticos compro-<br />

vam que, a partir da década <strong>de</strong> setenta, elevados contingentes <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong><br />

brasileiras ingressam nas Universida<strong>de</strong>s.<br />

É interessante salientar que, <strong>no</strong> terceiro grupo estudado, o número<br />

<strong>de</strong> bancárias que eram ou haviam sido casadas elevou-se, ou seja, <strong>no</strong>ve das<br />

treze <strong>de</strong>poentes eram ou tinham sido casadas. Acrescente-se que com exce-<br />

ção <strong>de</strong> Martha Freire, todas essas trabalhadoras tinham um, dois ou três<br />

filhos.<br />

Apesar do estado civil, as referidas bancárias continuaram traba-<br />

lhando, bem como tiveram relativa ascensão <strong>no</strong> <strong>banco</strong> após o casamento e o<br />

nascimento dos filhos. Esta observação comprova que estão ocorrendo, nas<br />

últimas décadas do século, modificações significativas na socieda<strong>de</strong> gaúcha<br />

354


como na brasileira. O fato <strong>de</strong>stacado constitui-se, também, em elemento di-<br />

ferenciador entre os dois grupos <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> do Banrisul. As ingressas<br />

entre 1943 e 1945 que ascen<strong>de</strong>ram <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, em geral, eram solteiras.<br />

Contudo, ficou claramente <strong>de</strong>monstrado que a vida das trabalhado-<br />

ras casadas do período mais recente não foi fácil. Muitas <strong>de</strong>las, conforme<br />

foi discutido <strong>no</strong> Capítulo V <strong>de</strong>sta tese, relataram as imensas dificulda<strong>de</strong>s<br />

que precisaram enfrentar para conciliar a ativida<strong>de</strong> profissional e as tarefas<br />

do mundo privado, que ainda continuam sendo atribuídas quase que exclu-<br />

sivamente às <strong>mulheres</strong>.<br />

Foi possível apurar que a maioria das trabalhadoras do terceiro gru-<br />

po casou e continuou <strong>trabalhando</strong> por dois motivos principais. Em primeiro<br />

lugar, elas precisavam contribuir na constituição da renda familiar, pois a<br />

situação econômica do País alterou-se a partir <strong>de</strong> meados dos a<strong>no</strong>s setenta,<br />

com o colapso do chamado milagre brasileiro. Em segundo lugar, o avanço<br />

dos movimentos feministas a partir <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> setenta e a <strong>de</strong>-<br />

fesa do direito das <strong>mulheres</strong> <strong>de</strong> exercerem uma profissão, gradativamente<br />

as estimulou a ingressar e permanecer <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho. Este com-<br />

portamento foi comum entre as <strong>mulheres</strong> das mais variadas profissões.<br />

Cabe aqui fazer um parêntese para dizer que, embora ao nível na-<br />

cional já existam muitos estudos sobre o ingresso das <strong>mulheres</strong> <strong>no</strong> mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho a partir dos a<strong>no</strong>s setenta, <strong>no</strong> que se refere ao Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, estes praticamente inexistem. Também são muito escassos estudos re-<br />

lativos ao papel <strong>de</strong>sempenhado pelas <strong>mulheres</strong> na socieda<strong>de</strong> gaúcha nas<br />

355


décadas recentes. Assim sendo, preten<strong>de</strong>-se, em trabalhos futuros abordar<br />

estas questões.<br />

Retomando o que se discutia, cabe ressaltar que o fato <strong>de</strong> a escola-<br />

rida<strong>de</strong> das <strong>mulheres</strong>, nas últimas décadas, tornar-se crescente também<br />

facilitou o ingresso e a permanência <strong>de</strong>stas <strong>no</strong> mercado <strong>de</strong> trabalho. Contu-<br />

do, não se julgue que a maior escolarida<strong>de</strong> das trabalhadoras possibilitou<br />

sua chegada a cargos <strong>de</strong> prestígio e remuneração equivalentes aos <strong>de</strong>stina-<br />

dos aos homens. Vários <strong>de</strong>poimentos evi<strong>de</strong>nciaram que ainda está muito<br />

presente uma forte discriminação às <strong>mulheres</strong>. Apesar da maior qualifica-<br />

ção, ainda são poucas as trabalhadoras que chegam a cargos <strong>de</strong> relativa<br />

importância <strong>no</strong> <strong>banco</strong> e as que chegam, geralmente, têm longas histórias <strong>de</strong><br />

discriminação a relatar.<br />

Como <strong>no</strong> grupo anterior, também a maioria das trabalhadoras que<br />

ingressou <strong>no</strong> <strong>banco</strong> <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s mais recentes não escolheu a profissão <strong>de</strong><br />

bancária. Queriam ou precisavam trabalhar quando surgiu a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ingressar <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Porém, <strong>no</strong> caso <strong>de</strong>stas, o fato <strong>de</strong> a jornada <strong>de</strong> traba-<br />

lho nesse setor ser <strong>de</strong> apenas seis horas diárias foi fator fundamental na<br />

escolha do mesmo. Algumas <strong>de</strong>poentes afirmaram que esse regime <strong>de</strong> traba-<br />

lho facilitava a continuação dos estudos, outras fizeram referência à<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliar o trabalho remunerado com as “obrigações <strong>no</strong><br />

mundo privado.”<br />

Outro aspecto importante ficou muito claro <strong>no</strong> trabalho realizado.<br />

Mesmo que as <strong>mulheres</strong> sejam as mais <strong>de</strong>stacadas profissionais, continuam<br />

356


esponsáveis pelo que Chodorow <strong>de</strong><strong>no</strong>mi<strong>no</strong>u <strong>de</strong> “mothering” (maternagem),<br />

ou seja pelo cuidado dos filhos e, ainda, pela realização ou administração<br />

das variadas tarefas domésticas. Os <strong>de</strong>poimentos são elucidativos. As mu-<br />

lheres, portanto, sofrem um altíssimo <strong>de</strong>sgaste físico e psíquico para “dar<br />

conta” das responsabilida<strong>de</strong>s profissionais e dos encargos familiares.<br />

Enten<strong>de</strong>-se que o fato comentado acima é <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> um certo<br />

<strong>de</strong>scompasso. O mundo público passou por transformações. As <strong>mulheres</strong><br />

conquistaram profissões que antes eram exclusivamente masculinas e têm<br />

conseguido até alguma ascensão nestas. No entanto, o mundo privado con-<br />

serva-se preso aos padrões tradicionais da família patriarcal. Dito <strong>de</strong> outra<br />

forma, a família mudou muito pouco, continuando a mulher responsável<br />

por todas as tarefas domésticas. A <strong>de</strong>corrência natural <strong>de</strong>sta situação é que<br />

o rendimento profissional das <strong>mulheres</strong> acaba sendo inferior ao dos ho-<br />

mens. Este é outro fator que limita a ascensão feminina <strong>no</strong> mundo do<br />

trabalho.<br />

Reforçando a conclusão acima po<strong>de</strong>-se recorrer ao que afirmou Judi-<br />

th Astelarra, citada <strong>no</strong> Capítulo I <strong>de</strong>sta tese: “sem a transformação<br />

profunda da família é muito difícil, senão impossível, terminar com a dis-<br />

criminação das <strong>mulheres</strong>.” 387 As palavras da citada autora indicam que a<br />

luta das <strong>mulheres</strong> para a conquista <strong>de</strong> uma maior igualda<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> já ser<br />

muito longa em termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgastes e sacrifícios, avançou pouco quanto a<br />

ganhos efetivos.<br />

387 Ver <strong>no</strong>ta 63.<br />

357


Deve ser salientado que os levantamentos prévios realizados para<br />

i<strong>de</strong>ntificar <strong>mulheres</strong> que nas décadas recentes tiveram alguma ascensão <strong>no</strong><br />

<strong>banco</strong>, evi<strong>de</strong>nciaram o seguinte: apesar <strong>de</strong> as bancárias já representarem<br />

quase meta<strong>de</strong> dos funcionários do <strong>banco</strong>, as que ascen<strong>de</strong>ram na instituição<br />

ainda são em número reduzido. Hoje, as <strong>mulheres</strong> que ocupam postos im-<br />

portantes são em número bem maior do que antes. Contudo, <strong>no</strong> conjunto<br />

dos trabalhadores do <strong>banco</strong>, representam ainda um baixo percentual. Res-<br />

salta-se que isso não se constitui em uma peculiarida<strong>de</strong> do setor<br />

O estudo realizado permitiu que se comprovasse que o conflito entre<br />

homens e <strong>mulheres</strong> do <strong>banco</strong> iniciou a partir do momento em que começa-<br />

ram os comissionamentos femini<strong>no</strong>s. Em outras palavras, a partir dos<br />

comissionamentos femini<strong>no</strong>s, as relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> <strong>banco</strong> tornaram-se<br />

conflituosas, caracterizando-se pela disputa <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Os vários<br />

<strong>de</strong>poimentos recolhidos evi<strong>de</strong>nciaram que, quando as <strong>mulheres</strong> começaram<br />

a conquistar postos <strong>de</strong> relativa importância na instituição, os homens passa-<br />

ram a se articular para evitar que sua hegemonia fosse rompida. Como<br />

várias bancárias mencionaram, a partir <strong>de</strong>sse momento elas passam a ser<br />

“discriminadas,” “boicotadas,” “preteridas,” “testadas.”<br />

Esta constatação, portanto, confirma a hipótese fundamental <strong>de</strong>sta<br />

tese, que se recoloca a seguir: “enquanto as <strong>mulheres</strong> do Banco do Estado<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul acomodaram-se a posições subalternas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste,<br />

como a <strong>de</strong> auxiliares e se <strong>de</strong>dicaram a realizar tarefas <strong>de</strong> me<strong>no</strong>r prestígio<br />

como as <strong>de</strong> datilógrafas, as relações entre homens e <strong>mulheres</strong>, <strong>no</strong> <strong>banco</strong>, fo-<br />

358


am cordiais e amistosas. Todavia, à medida que as <strong>mulheres</strong> começaram a<br />

disputar postos importantes <strong>de</strong>ntro do mundo do trabalho bancário, nas dé-<br />

cadas mais recentes, instaurou-se uma relação conflituosa entre<br />

representantes <strong>de</strong> ambos os sexos, o que <strong>de</strong>ixa muito claro que as relações<br />

<strong>de</strong> gênero são sempre relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.”<br />

Ressalte-se que as primeiras trabalhadoras do Banrisul almejavam<br />

ser respeitadas e tratadas com cortesia pelos seus colegas do sexo masculi-<br />

<strong>no</strong>. No imaginário <strong>de</strong>ssas <strong>mulheres</strong> fora construída a idéia <strong>de</strong> que a<br />

diferença dos sexos justificava a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> nas variadas instâncias da<br />

socieda<strong>de</strong>. As trabalhadoras do período mais recente não têm a mesma vi-<br />

são. Apesar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarem que homens e <strong>mulheres</strong> tinham diferenças não<br />

aceitavam que as diferenças biológicas justificassem <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> na vida<br />

bancária. Esse tipo <strong>de</strong> percepção as levou, em alguns momentos, a contestar<br />

a discriminação do sexo femini<strong>no</strong> e a lutar pela igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições<br />

<strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>.<br />

Relembrando os vários <strong>de</strong>poimentos em que as trabalhadoras relata-<br />

ram inúmeras formas <strong>de</strong> discriminação à mulher <strong>de</strong>ntro do <strong>banco</strong>, cabe<br />

fazer uma observação: em diferentes momentos, os homens foram percebi-<br />

dos pelas bancárias como “o <strong>banco</strong>”, pois estas afirmaram: “o <strong>banco</strong><br />

discrimina as <strong>mulheres</strong>”(Ezilda), “o <strong>banco</strong> não comissiona <strong>mulheres</strong>” (Ro-<br />

salina), “<strong>no</strong> <strong>banco</strong> as <strong>mulheres</strong> são preteridas”(Pfeiffer), “o <strong>banco</strong> testa as<br />

<strong>mulheres</strong>”(Analice).<br />

359


A partir do observado e acima mencionado, po<strong>de</strong>m-se fazer duas a-<br />

firmações: em primeiro lugar, <strong>no</strong> imaginário femini<strong>no</strong>, o po<strong>de</strong>r masculi<strong>no</strong><br />

institucionaliza-se. Não é mais o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um homem ou mesmo, o po<strong>de</strong>r<br />

dos homens, mas o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma instituição “o <strong>banco</strong>.” Quem discrimina,<br />

pretere, não comissiona ou testa as <strong>mulheres</strong> é a instituição “<strong>banco</strong>.” Em<br />

segundo lugar, po<strong>de</strong>-se inferir que na percepção feminina, “o <strong>banco</strong> são os<br />

homens” e não as <strong>mulheres</strong>. Estas são marginais a essa po<strong>de</strong>rosa instituição<br />

“masculina.” As <strong>mulheres</strong> estão <strong>no</strong> “<strong>banco</strong>”, trabalham <strong>no</strong> “<strong>banco</strong>”, mas<br />

não são “parte” do mesmo, pois o “corpo” <strong>de</strong>ste é um “corpo masculi<strong>no</strong>.”<br />

No observado, fica muito claro que a rígida hierarquia existente <strong>no</strong> <strong>banco</strong>,<br />

como <strong>de</strong> resto na socieda<strong>de</strong> patriarcal, é sentida pelas <strong>mulheres</strong>, embora<br />

provavelmente não seja inteiramente compreendida. Este aspecto também<br />

seria interessante <strong>de</strong> aprofundar, mas os dados recolhidos para esta tese<br />

não permitem fazê-lo. É, portanto, um estudo que posteriormente po<strong>de</strong>rá<br />

ser retomado.<br />

Embora já se tenha feito comentário sobre o fato <strong>de</strong> os homens que<br />

foram ouvidos serem incapazes <strong>de</strong> citar <strong>no</strong>mes <strong>de</strong> <strong>mulheres</strong> que se haviam<br />

<strong>de</strong>stacado pela sua competência profissional, retoma-se um pouco mais esse<br />

ponto. Como era objetivo <strong>de</strong>sta tese estudar as relações <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong> Banri-<br />

sul, julgou-se importante obter o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> alguns homens da<br />

instituição. Tinha-se por objetivo conhecer a posição <strong>de</strong>stes sobre a inser-<br />

ção das <strong>mulheres</strong> e o papel <strong>de</strong>sempenhado por elas <strong>no</strong> <strong>banco</strong>. Foram<br />

ouvidos Mário Antunes, Jurandi Urbanetto, Duvercy Barros, Archime<strong>de</strong>s<br />

Almeida e José Antônio Franco.<br />

360


Os homens ouvidos esclareceram aspectos <strong>de</strong> alta relevância para a<br />

compreensão da história do Banrisul. Referiram-se à aprovação do Quadro<br />

<strong>de</strong> Carreira dos Funcionários do Banco, à criação da Fundação Banrisul, à<br />

interiorização do <strong>banco</strong> com a criação <strong>de</strong> agências <strong>no</strong>s mais distantes muni-<br />

cípios ou fora do Estado, à informatização, à criação da agência <strong>de</strong> New<br />

York. Também foram salientados os momentos <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> vividos pela<br />

instituição e as alternativas que foram construídas para superá-las. Foram<br />

citados vários diretores ou funcionários que tiveram papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na<br />

condução da instituição ou na realização <strong>de</strong> tarefas fundamentais na mes-<br />

ma.<br />

Apesar da riqueza dos <strong>de</strong>poimentos, em um aspecto eles foram pro-<br />

fundamente frustrantes. Os cinco homens ouvidos pouco ou quase nada<br />

tinham a dizer a respeito das trabalhadoras da instituição. Com exceção <strong>de</strong><br />

José Antônio Franco, que citou duas <strong>mulheres</strong> (Maria Martha Falcão e Mar-<br />

tha Freire), nenhum dos <strong>de</strong>mais lembrou sequer do <strong>no</strong>me <strong>de</strong> uma<br />

funcionária.<br />

A partir da constatação acima, po<strong>de</strong>-se concluir que, apesar <strong>de</strong> as<br />

<strong>mulheres</strong> terem a seu cargo uma série <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> realizarem<br />

com gran<strong>de</strong> eficiência as tarefas que lhes eram confiadas, para os homens<br />

elas “quase” não existiram ou não existiram enquanto pessoas individuais.<br />

Conseqüentemente, se apenas os homens tivessem sido ouvidos po<strong>de</strong>r-se-ia<br />

chegar à conclusão <strong>de</strong> que as <strong>mulheres</strong> nunca estiveram lá... Saliente-se que<br />

361


o mesmo não ocorreu com os <strong>de</strong>poimentos femini<strong>no</strong>s. As <strong>mulheres</strong> sempre<br />

sabiam citar colegas do outro sexo.<br />

Duas conclusões po<strong>de</strong>m ser tiradas do comportamento acima comen-<br />

tado. A primeira é que, para o grupo masculi<strong>no</strong>, as trabalhadoras eram<br />

totalmente secundárias <strong>no</strong> processo <strong>de</strong> trabalho do <strong>banco</strong>. Desempenhavam<br />

papéis <strong>de</strong> quase nenhuma relevância. Em segundo lugar, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>duzir<br />

que, para os homens, as trabalhadoras não tinham i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Formavam<br />

um conjunto <strong>de</strong> pessoas mais ou me<strong>no</strong>s iguais que realizavam tarefas tam-<br />

bém mais ou me<strong>no</strong>s iguais. Talvez, “tarefas <strong>de</strong> mulher.” Fica, portanto,<br />

muito claro que, para os homens que foram ouvidos, as <strong>mulheres</strong> eram um<br />

“Outro” muito diferentes <strong>de</strong>les. Esta questão po<strong>de</strong>rá ser aprofundada em fu-<br />

turas pesquisas, já que os dados coletados para a presente tese só permitem<br />

levantar o problema.<br />

Ao concluir esta tese, temos consciência <strong>de</strong> que o tema não foi es-<br />

gotado. Apesar <strong>de</strong> termos alcançado os principais objetivos propostos,<br />

ficaram lacunas <strong>de</strong>correntes da falta <strong>de</strong> dados ou do caráter incompleto dos<br />

mesmos. Também, <strong>no</strong> <strong>de</strong>correr da análise, surgiram <strong>no</strong>vas questões interes-<br />

santes que não podiam ser esclarecidas com os dados que haviam sido<br />

coletados. Esta percepção <strong>no</strong>s estimula a futuras pesquisas <strong>no</strong> campo das<br />

relações <strong>de</strong> gênero.<br />

Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dizer que a realização <strong>de</strong>ste estudo, apesar<br />

<strong>de</strong> ter exigido uma intensa e interminável pesquisa, trouxe-<strong>no</strong>s gran<strong>de</strong> sa-<br />

362


tisfação pessoal. Ao concluí-la, fica, portanto, uma certa sensação <strong>de</strong> tarefa<br />

cumprida<br />

Através <strong>de</strong> <strong>no</strong>sso trabalho, conce<strong>de</strong>mos a algumas <strong>mulheres</strong>, que<br />

permaneceriam <strong>no</strong> a<strong>no</strong>nimato, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, como diz Corbin, existi-<br />

rem por mais uma vez. Este foi um processo profundamente instigante.<br />

Nomes que, a princípio, absolutamente nada significavam para nós, pouco a<br />

pouco, ganhavam vida, começavam a “significar.”<br />

Com o <strong>de</strong>senrolar da pesquisa, <strong>mulheres</strong> que nasceram <strong>no</strong> início do<br />

século e que ingressaram <strong>no</strong>s <strong>banco</strong>s <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s vinte, trinta ou quarenta –<br />

Carmem, Hilda, Marina, Antonieta e tantas outras – foram-se tornando mui-<br />

to próximas <strong>de</strong> nós. Convivemos com elas por meses a fio. Empenhamo-<strong>no</strong>s<br />

em <strong>de</strong>scobrir tudo que fosse possível a respeito <strong>de</strong> suas vidas. Muitas vezes<br />

<strong>no</strong>s sentimos frustrada. Lamentamos não conseguir as informações <strong>de</strong>seja-<br />

das. Porém, se não <strong>de</strong>scobrimos muito a respeito das primeiras<br />

trabalhadoras dos <strong>banco</strong>s gaúchos – Província, Nacional do Comércio,<br />

Pfeiffer – <strong>de</strong>scobrimos o bastante para admirá-las...<br />

Um pouco diferente foi <strong>no</strong>sso encontro com as primeiras trabalha-<br />

doras do Banrisul. Elas estavam vivas. Era só localizá-las, marcar um<br />

encontro, explicar-lhes <strong>no</strong>ssos objetivos, pedir seus <strong>de</strong>poimentos. Na vida<br />

<strong>de</strong>stas <strong>mulheres</strong> podíamos intrometer-<strong>no</strong>s muito mais.<br />

Geralmente, mo<strong>de</strong>stas, elas afirmavam que não tinham história a<br />

contar, pois suas vidas não tinham sido importantes. Todavia, quando co-<br />

363


meçavam a falar contavam muito, tinham muito a contar. Assim, oferece-<br />

ram um riquíssimo material para o <strong>no</strong>sso trabalho.<br />

Elas foram generosas, pacientes e colaborativas. Respon<strong>de</strong>ram às<br />

<strong>no</strong>ssas indagações, trouxeram fotografias e documentos amarelados pelo<br />

tempo, indicaram telefones <strong>de</strong> outras possíveis <strong>de</strong>poentes, i<strong>de</strong>ntificaram co-<br />

legas em fotografias. Tiveram sempre toda a disponibilida<strong>de</strong> para <strong>no</strong>s<br />

receber uma vez mais ou para esclarecer pelo telefone alguma dúvida sur-<br />

gida durante a análise <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>poimentos.<br />

Nossa mo<strong>de</strong>sta retribuição à atenção que A<strong>de</strong>la, Beloni, Diva, Léa,<br />

Leda, Olga, Sarita, Sylvia <strong>no</strong>s dispensaram foi dar-lhes voz. Tirá-las do si-<br />

lêncio. Ouvi-las. Permitir que contassem o que julgavam importante em sua<br />

longa <strong>trajetória</strong>. Dar-lhes a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretar um tempo que já<br />

passou, que não é mais presente. Enfim <strong>de</strong> contar a “sua” História...<br />

Resta falar das <strong>mulheres</strong> do Banrisul do período mais recente. Elas<br />

fizeram parte <strong>de</strong> <strong>no</strong>ssa pesquisa porque se <strong>de</strong>stacaram, conquistando posi-<br />

ções importantes <strong>no</strong> <strong>banco</strong> ou na vida sindical. Anna, Analice, Cora,<br />

Ecilda, Herondina, Ivete, Joyce, Nemecy, Maria Helena, Maria Martha,<br />

Martha Freire, O<strong>de</strong>te, Rosalina. Todas relativamente jovens. A maioria en-<br />

tre quarenta e cinqüenta a<strong>no</strong>s. Fora Anna, quase todas recém-aposentadas<br />

ou em vias <strong>de</strong> aposentar-se. Mulheres inteligentes, combativas, lutadoras e,<br />

principalmente, inconformadas com qualquer forma <strong>de</strong> discriminação à mu-<br />

lher.<br />

364


Dá para dizer que todas elas se engajaram <strong>no</strong> espírito do <strong>no</strong>sso tra-<br />

balho. Inteiradas dos <strong>no</strong>ssos objetivos, não mediram esforços. Sabiam que<br />

sua contribuição era <strong>de</strong> fundamental importância.<br />

Em alguns casos, foram necessários vários encontros. As histórias<br />

eram longas. Elas tinham muito para contar e, realmente, contaram muito.<br />

Algumas chegavam a telefonar <strong>de</strong>pois do encontro para dizer que haviam<br />

lembrado <strong>de</strong> mais um ou outro <strong>de</strong>talhe ou para sugerir que se incluísse na<br />

pesquisa alguma colega cujo <strong>de</strong>poimento julgavam importante.<br />

Ter conhecido essas <strong>mulheres</strong> batalhadoras, feministas, em geral<br />

sem sabê-lo ou admiti-lo, dá-<strong>no</strong>s a esperança <strong>de</strong> que em um dia não muito<br />

distante homens e <strong>mulheres</strong>, apesar <strong>de</strong> diferentes por natureza, serão mais<br />

iguais, seja <strong>no</strong> mundo do trabalho, seja na convivência familiar...<br />

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Correio do Povo, <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1925.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong> 17<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1926.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1926.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1932.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1931.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1938.<br />

Correio do Povo, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943.<br />

Correio do Povo, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943.<br />

Correio do Povo, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1943.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1943.<br />

Correio do Povo, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1944.<br />

Correio do Povo, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1945.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1945.<br />

Correio do Povo, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1943.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong> 08 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1943.<br />

Correio do Povo, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1943.<br />

Correio do Povo <strong>de</strong>,02 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1943.<br />

Correio do Povo, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1983<br />

Diário <strong>de</strong> Notícias, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1940.<br />

Diário <strong>de</strong> Notícias, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943.<br />

Revista Província, jan/mar <strong>de</strong> 1961.<br />

Revista Província, jan/mar <strong>de</strong> 1966.<br />

Revista Província, jan/mar <strong>de</strong> 1968<br />

Revista Província, jul/ set <strong>de</strong> 1969<br />

Revista Província – Edição Comemorativa ao Centenário do Banco da Pro-<br />

víncia do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, julho <strong>de</strong> 1958.<br />

Revista Querida, <strong>no</strong>v. <strong>de</strong> 1954.<br />

Revista O Cruzeiro, 20 <strong>de</strong> abr. <strong>de</strong> 1960.<br />

Folha <strong>de</strong> Hoje, Caxias do Sul, 11 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1993.<br />

373


PUBLICAÇÕES DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E SINDICATO<br />

INFORMATIVO BANRISUL, Porto Alegre, setembro <strong>de</strong> 1978.<br />

DADOS HISTÓRICOS DO BANCO INDUSTRIAL E COMERCIAL DO<br />

SUL S A .<br />

DADOS HISTÓRICOS DO BANCO DA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE<br />

DO SUL. MATERIAL MIMEOGRAFADO FORNECIDO PELO BANCO<br />

MERIDIONAL.<br />

RELATÓRIO ADMINISTRATIVO DE 1987 DO BANCO DO ESTADO DO<br />

RIO GRANDE DO SUL, PORTO ALEGRE.<br />

REFERENCIAL HISTÓRICO DO SEEB-POA. FREIRE, Cristiane,<br />

MIRAGEM, Anna, PEDROSO, Elisabeth, PETERSEN, Aurea. Porto Ale-<br />

gre: 1994. Mimeografado.<br />

DOCUMENTOS:<br />

Resolução Nº 406 <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943<br />

Resolução Nº 850, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1952<br />

Resolução Nº 1477, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1963<br />

374

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