modernismo brasileiro: antecedentes de 1922 - marcelo::frizon
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MODERNISMO<br />
BRASILEIRO:<br />
ANTECEDENTES DE <strong>1922</strong>
CARACTERÍSTICAS DA<br />
LITERATURA MODERNISTA<br />
LIBERDADE DE EXPRESSÃO<br />
A importância maior das vanguardas residiu no triunfo<br />
<strong>de</strong> uma concepção inteiramente libertária da criação<br />
artística. O pintor, o escritor ou o músico não precisam se<br />
guiar por outras leis que não as <strong>de</strong> sua própria interiorida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> seu próprio arbítrio. Picasso não pintará mais o real e<br />
sim a sua interpretação do real. Compositores como<br />
Schönberg e Stravinski levarão a música a novos limites,<br />
questionando a tonalida<strong>de</strong> usual.<br />
A liberda<strong>de</strong> só po<strong>de</strong>rá ser cerceada por regimes<br />
autoritários que proibirem a circulação dos objetos<br />
artísticos. Em resumo, todas as normas foram abolidas.<br />
“Poética”, <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira, é um manifesto <strong>de</strong>ssa nova<br />
postura, com seu célebre verso final:<br />
Não quero mais saber <strong>de</strong> lirismo que não é<br />
[libertação.
INCORPORAÇÃO DO COTIDIANO<br />
Uma das maiores conquistas do <strong>mo<strong>de</strong>rnismo</strong>, a<br />
valorização da vida cotidiana traz para a arte uma<br />
abertura temática sem prece<strong>de</strong>ntes, pois, até então,<br />
apenas assuntos "sublimes" tinham direito<br />
indiscutível ao mundo literário. Agora, o prosaico, o<br />
diário, o grosseiro, o vulgar, o resíduo e o lixo<br />
tornam-se os motivos centrais da nova estética. À<br />
grandiosida<strong>de</strong> da paisagem, Manuel Ban<strong>de</strong>ira<br />
sobrepõe a humilda<strong>de</strong> do beco:<br />
Que importa a paisagem, a Glória, a baía,<br />
[a linha do horizonte?<br />
- O que eu vejo é o beco.<br />
Mário Quintana afirma, em um <strong>de</strong> seus curtos<br />
poemas em prosa, que "os verda<strong>de</strong>iros poetas não<br />
lêem os outros poetas e sim os pequenos anúncios<br />
dos jornais", porque certamente nestes classificados<br />
pululam os dramas mais banais e os interesses mais<br />
comuns da humanida<strong>de</strong>.
A aventura do<br />
cotidiano leva o artista a<br />
romper com os esquemas<br />
<strong>de</strong> vida burguesa. Ele<br />
<strong>de</strong>scobre o folclórico e o<br />
popular, elementos dos<br />
quais se apropriará,<br />
muitas vezes<br />
in<strong>de</strong>vidamente. Acima <strong>de</strong><br />
tudo, o artista está<br />
consciente <strong>de</strong> que todos<br />
os objetos po<strong>de</strong>m se<br />
tornar literários.<br />
Drummond celebra as<br />
<strong>de</strong>ntaduras postiças, algo<br />
<strong>de</strong> inimaginável no século<br />
anterior:<br />
Dentaduras duplas<br />
Inda não sou bem velho<br />
para merecer-vos...<br />
Há que contentar-me<br />
com uma ponte móvel<br />
e esparsas coroas.(...)<br />
Resolvin! Hecolite!<br />
Nomes <strong>de</strong> países?<br />
Fantasmas femininos?<br />
Nunca: <strong>de</strong>ntaduras,<br />
engenhos mo<strong>de</strong>rnos,<br />
práticos, higiênicos,<br />
a vida habitável:<br />
a boca mor<strong>de</strong>ndo<br />
os <strong>de</strong>lirantes lábios<br />
apenas entreabertos<br />
num sorriso técnico<br />
e a língua especiosa<br />
através dos <strong>de</strong>ntes<br />
buscando outra língua<br />
afinal sossegada...(...)<br />
E todos os <strong>de</strong>ntes<br />
extraídos sem dor.<br />
E a boca liberta<br />
das funções poéticosofístico-dramáticas<br />
<strong>de</strong> que rezam filmes<br />
e velhos autores.(...)<br />
Largas <strong>de</strong>ntaduras,<br />
vosso riso largo<br />
me consolará<br />
não sei quantas fomes<br />
ferozes, secretas<br />
no fundo <strong>de</strong> mim.<br />
Não sei quantas fomes<br />
jamais compensadas.<br />
Dentaduras alvas,<br />
antes amarelas<br />
e por que não cromadas<br />
e por que não <strong>de</strong> âmbar?<br />
<strong>de</strong> âmbar! <strong>de</strong> âmbar!<br />
feéricas <strong>de</strong>ntaduras,<br />
admiráveis presas,<br />
mastigando lestas<br />
e indiferentes<br />
a carne da vida!
Tudo se presta à literatura, inclusive<br />
um pobre morto anônimo, como aquele<br />
que Ferreira Gullar poetizou em “Notícia<br />
da morte <strong>de</strong> Alberto Silva”:<br />
Morava no Méier <strong>de</strong>s<strong>de</strong> menino<br />
Seu gran<strong>de</strong> sonho era tocar violino<br />
Fez o curso primário numa escola pública<br />
quanto ao secundário resta muita dúvida<br />
Aos treze anos já estava empregado<br />
num escritório da rua do Senado<br />
Quando o pai morreu criou os irmãos<br />
Sempre foi um homem <strong>de</strong> bom coração<br />
Começou contínuo e acabou funcionário<br />
Sempre eficiente e cumpridor do horário<br />
Gostou <strong>de</strong> Nezinha, <strong>de</strong> cabelos longos,<br />
que um dia sumiu com um tal <strong>de</strong><br />
Raimundo<br />
Gostou <strong>de</strong> Esmeralda uma <strong>de</strong> olhos pretos<br />
Ela nunca soube <strong>de</strong>ste amor secreto<br />
Endoidou <strong>de</strong> fato por Laura Marlene<br />
que dormiu com todos menos com ele<br />
Casou com Luísa, que morava longe,<br />
não tinha olhos pretos nem cabelos longos<br />
Apesar <strong>de</strong> tudo, foi pai <strong>de</strong> família<br />
sua casa tinha uma boa mobília<br />
Conversava pouco mas foi bom marido<br />
comprou televisão e um rádio transístor<br />
Não foi carinhoso com a mulher e a filha<br />
mas <strong>de</strong>ixou para elas um seguro <strong>de</strong> vida<br />
Morreu <strong>de</strong> repente ao chegar em casa<br />
ainda com o terno puído que usava<br />
Não saiu notícia em jornal nenhum<br />
Foi apenas a morte <strong>de</strong> um homem comum<br />
E porque ninguém noticiou o fato<br />
fazemos aqui este breve relato. (...)
LINGUAGEM COLOQUIAL<br />
Este anticonvencionalismo temático, esta <strong>de</strong>ssacralização dos<br />
conteúdos encontra correspondência na linguagem. Além das inovações<br />
técnicas, a linguagem torna-se coloquial, espontânea, mesclando<br />
expressões da língua culta com termos populares, o estilo elevado com o<br />
estilo vulgar. Há uma forte aproximação com a fala, isto é, com a<br />
oralida<strong>de</strong>. Assim, liberto da escrita nobre, o artista volta-se para uma<br />
forma prosaica <strong>de</strong> dizer, feita <strong>de</strong> palavras simples e que, inclusive,<br />
admite erros gramaticais, conforme Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> preconiza no<br />
Manifesto da Poesia Pau Brasil, <strong>de</strong> 1824:<br />
A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A<br />
contribuição milionária <strong>de</strong> todos os erros.<br />
Ele próprio ironiza esta questão em “Vício na fala”:<br />
Para dizerem milho dizem mio<br />
Para melhor dizem mió<br />
Para pior pió<br />
Para telha dizem teia<br />
Para telhado dizem teiado<br />
E vão fazendo telhados.
Também Manuel Ban<strong>de</strong>ira admite a contribuição da<br />
linguagem popular:<br />
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros<br />
Vinha da boca do povo na língua errada do povo<br />
Língua certa do povo<br />
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil<br />
(...)
Todas as palavras são<br />
permitidas. Vinicius <strong>de</strong> Moraes,<br />
em dado poema, chama a mulher<br />
amada <strong>de</strong> "gran<strong>de</strong>ssíssima filha <strong>de</strong><br />
uma vaca". Do mesmo Vinícius,<br />
quem não lembra “Poema<br />
enjoadinho”:<br />
Filhos...Filhos?<br />
Melhor não tê-los!<br />
Mas se não temos<br />
Como sabê-lo<br />
Se não os temos<br />
Que <strong>de</strong> consulta<br />
Quando silêncio<br />
Como os queremos! (...)<br />
E então começa<br />
a aporrinhação<br />
cocô está branco<br />
cocô está preto<br />
Bebeu amoníaco<br />
Comeu botão<br />
Filhos? Filhos<br />
melhor não tê-los (...)<br />
Filhos são o <strong>de</strong>mo<br />
Melhor não tê-los<br />
Mas se não os temos<br />
Como sabê-lo? (...)
INOVAÇÕES TÉCNICAS<br />
O rompimento com os padrões culturais do século XIX implicaria no<br />
aparecimento <strong>de</strong> novas técnicas, tanto no domínio da poesia, quanto no<br />
da ficção. As principais conquistas foram:<br />
Verso livre<br />
O verso já não está sujeito ao rigor métrico e às formas fixas <strong>de</strong><br />
versificação, como o soneto, por exemplo. Também a rima se torna<br />
<strong>de</strong>snecessária. Vejamos um trecho <strong>de</strong> “Consi<strong>de</strong>ração do poema”, <strong>de</strong><br />
Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>:<br />
Não rimarei a palavra sono<br />
com a incorrespon<strong>de</strong>nte palavra outono.<br />
Rimarei com a palavra carne<br />
Ou qualquer outra, todas me convêm.
Destruição dos nexos<br />
Os chamados nexos sintáticos, preposições, conjunções, etc.,<br />
são eliminados da poesia mo<strong>de</strong>rna, que se torna mais solta, mais<br />
<strong>de</strong>scontínua e fragmentária e, fundamentalmente, mais sintética.<br />
Veja-se um exemplo radical no poema “Coca cola”, do concretista<br />
Décio Pignatari:<br />
beba coca cola<br />
babe cola<br />
beba coca<br />
babe cola caco<br />
caco<br />
cola<br />
cloaca.<br />
No plano da prosa, essas elipses geram o estilo telegráfico:<br />
frases curtas e sincopadas, cujo mo<strong>de</strong>lo são as narrativas do<br />
norte-americano Hemingway.
Paronomásia<br />
Figura muito usada <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>1922</strong>, consiste na junção <strong>de</strong><br />
palavras <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong> muito parecida, mas <strong>de</strong> significado<br />
diferente. Murilo Men<strong>de</strong>s escreve: "As têmporas da maçã, as<br />
têmporas da hortelã, as têmporas da romã, as têmporas do<br />
tempo, o tempo temporã." Da mesma maneira, Carlos<br />
Drummond é um especialista em paronomásias:<br />
"Melancolias, mercadorias espreitam-me."
Enumeração caótica<br />
Consiste no acúmulo <strong>de</strong> palavras que <strong>de</strong>signam objetos, seres,<br />
sensações, vinculados a uma idéia ou várias idéias básicas, sem<br />
ligação evi<strong>de</strong>nte entre si. A técnica está presente em Ferreira<br />
Gullar e seu “Poema sujo”:<br />
Era a vida a explodir por todas as fendas da cida<strong>de</strong> sob as<br />
sombras da guerra: a gestapo a wehrmacht a raf a feb a<br />
Blitzkrieg catalinas torpe<strong>de</strong>ando a quinta-coluna os fascistas os<br />
nazistas os comunistas o repórter esso a discussão na quitanda o<br />
querosene o sabão <strong>de</strong> andiroba o mercado negro o racionamento<br />
o blackout as montanhas <strong>de</strong> metais velhos o italiano assassinado<br />
na Praça João Lisboa o cheiro <strong>de</strong> pólvora os canhões alemães<br />
troando nas noites <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong> por cima <strong>de</strong> nossa casa.<br />
Stalingrado resiste. Por meu pai que contraban<strong>de</strong>ava cigarros,<br />
por meu primo que passava rifa, pelo tio que roubava estanho à<br />
Estrada-<strong>de</strong> Ferro, por seu Neco que fazia charutos ordinários,<br />
pelo sargento Gonzaga que tomava tiquira com mel-<strong>de</strong>abelha(...)
Fluxo da consciência<br />
Técnica narrativa estabelecida por Edouard Dujardin e<br />
sacramentada, como já vimos, por Joyce. Trata-se do<br />
monólogo interior levado para o texto <strong>de</strong> ficção sem<br />
qualquer obediência à normalida<strong>de</strong> gramatical, à lógica ou<br />
mesmo à coerência. É a mente do personagem revelada por<br />
ele próprio, sem nenhum tipo <strong>de</strong> barreira racional. O<br />
monólogo <strong>de</strong> Molly Bloom, no “Ulisses”, tornou-se clássico:<br />
(...) que alívio on<strong>de</strong> quer que seja teu vento <strong>de</strong>speja quem<br />
sabe se aquela costeleta <strong>de</strong> porco que comi com minha<br />
xícara <strong>de</strong> chá <strong>de</strong>pois estava boa com o calor ou não cheirei<br />
nada eu certa que aquele sujeito afrescalhado na charuteria<br />
é um gran<strong>de</strong> maroto eu espero que essa lamparina não<br />
esteja fumegando pra me encher o nariz <strong>de</strong> fuligem (...)
Colagem e montagem cinematográfica<br />
Ainda no campo da narrativa, valoriza-se a fragmentação do texto, sua<br />
montagem em blocos e a colagem - a exemplo do que tinham feito os<br />
pintores cubistas - <strong>de</strong> notícias <strong>de</strong> jornais, cartazes, telegramas, etc., no<br />
corpo dos romances, truque utilizado por John dos Passos na trilogia<br />
“U.S.A”. No Brasil, eventualmente, Jorge Amado vale-se da colagem em<br />
seus primeiros romances, como em Jubiabá e Capitães <strong>de</strong> areia.<br />
Ampliação das vozes narrativas<br />
No século XIX, os romances eram narrados em primeira ou terceira<br />
pessoa. A estética mo<strong>de</strong>rnista, sobremodo <strong>de</strong>pois das experiências do<br />
americano William Faulkner (Enquanto agonizo, O som e a fúria), passa<br />
a admitir uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perspectivas, vários narradores, mescla<br />
<strong>de</strong> primeira, terceira e até <strong>de</strong> segunda pessoa, possibilitando um<br />
complexo conjunto <strong>de</strong> ângulos sobre os acontecimentos e os<br />
protagonistas dos relatos.
Liberda<strong>de</strong> no uso dos sinais <strong>de</strong> pontuação<br />
Os sinais tornaram-se facultativos, com o escritor<br />
subordinando o uso <strong>de</strong> pontos, vírgulas, travessões, etc., a<br />
uma disposição estilística ou psicológica e não à regras<br />
gramaticais. Sua eliminação freqüente visa a dar ao texto<br />
um aspecto caótico ou febril.
AMBIGUIDADE<br />
O discurso literário per<strong>de</strong> o sentido fechado que geralmente<br />
possuía no século passado. Ou seja, ele oferecia ao leitor apenas<br />
um sentido, uma interpretação. Agora, ele tem um caráter<br />
variado e polissêmico. Uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> significações, que permite<br />
múltiplos níveis <strong>de</strong> leitura. É a chamada obra aberta, obra que<br />
não apresenta univocida<strong>de</strong>, ou seja, que não se esgota numa<br />
única interpretação. Daí a impressão <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que um<br />
romance como Dom Casmurro, ou um conto como “Missa do<br />
galo”, nos transmitem até hoje.<br />
“Estrela da manhã”, <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira, por exemplo, é um<br />
poema representativo do polissenso da literatura<br />
contemporânea. No final da leitura, não sabemos com absoluta<br />
convicção o que essa estrela simboliza. Uma mulher experiente<br />
que o poeta <strong>de</strong>seja? Uma prostituta? A própria vida a que<br />
Ban<strong>de</strong>ira pela doença foi obrigado a abdicar?
Eu quero a estrela da manhã<br />
On<strong>de</strong> está a estrela da manhã ?<br />
Meus amigos meus inimigos<br />
Procurem a estrela da manhã<br />
Ela <strong>de</strong>sapareceu ia nua<br />
Desapareceu com quem?<br />
Procurem por toda a parte<br />
Digam que sou um homem sem<br />
[orgulho<br />
Um homem que aceita tudo<br />
Que me importa?<br />
Eu quero a estrela da manhã<br />
Virgem mal-sexuada<br />
Atribuladora dos aflitos<br />
Girafa <strong>de</strong> duas cabeças<br />
Pecai por todos pecai com todos<br />
Pecai com os malandros<br />
Pecai com os sargentos<br />
Pecai com os fuzileiros navais<br />
Pecai <strong>de</strong> todas as maneiras<br />
Com os gregos e os troianos<br />
Com o padre e o sacristão<br />
Com o leproso <strong>de</strong> Pouso Alto<br />
Depois pecai comigo<br />
Te esperarei com mafuás novenas<br />
[cavalhadas<br />
comerei terra e direi coisas <strong>de</strong><br />
[uma<br />
ternura tão simples<br />
que tu <strong>de</strong>sfalecerás<br />
Procurem por toda a parte<br />
Pura ou <strong>de</strong>gradada até a última<br />
[baixeza<br />
Eu quero a estrela da manhã.
PARÓDIA<br />
Os mo<strong>de</strong>rnistas realizam, em todas as artes, uma aproximação crítica<br />
das obras do passado. No universo literário, a releitura <strong>de</strong> textos famosos<br />
das escolas anteriores torna-se uma forma <strong>de</strong> rejeição ou <strong>de</strong> admiração.<br />
Com freqüência, os mo<strong>de</strong>rnos terminar por reescrever alguns dos textos<br />
consagrados sob uma perspectiva <strong>de</strong> humor: é a paródia.<br />
Um dos livros <strong>de</strong> crítica literária <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> chama-se A<br />
escrava que não é Isaura, numa evi<strong>de</strong>nte alusão ao romance <strong>de</strong><br />
Bernardo Guimarães. Poucos poetas resistiram à chance <strong>de</strong> parodiar a<br />
antológica “Canção do exílio”, <strong>de</strong> Gonçalves Dias, conforme po<strong>de</strong>mos<br />
verificar num conjunto <strong>de</strong> excertos, como o <strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
“Canto do regresso à pátria”:
Minha terra tem palmares<br />
On<strong>de</strong> gorjeia o mar<br />
Os passarinhos aqui<br />
Não cantam como os <strong>de</strong> lá<br />
Minha terra tem mais rosas<br />
E quase que mais amores<br />
Minha terra tem mais ouro<br />
Minha terra tem mais terra (...)<br />
Não permita Deus que eu morra<br />
Sem que eu volte para são Paulo<br />
Sem que eu veja a rua 15<br />
E o progresso <strong>de</strong> São Paulo
Canção do exílio<br />
<strong>de</strong> Gonçalves Dias<br />
Minha terra tem palmeiras,<br />
On<strong>de</strong> canta o Sabiá;<br />
As aves que aqui gorjeiam,<br />
Não gorjeiam como lá.<br />
Nosso céu tem mais estrelas,<br />
Nossas várzeas têm mais flores,<br />
Nossos bosques têm mais vida,<br />
Nossa vida mais amores.<br />
Em cismar, sozinho, à noite,<br />
Mais prazer encontro eu lá;<br />
Minha terra tem palmeiras,<br />
On<strong>de</strong> canta o Sabiá.<br />
Minha terra tem primores,<br />
Que tais não encontro eu cá;<br />
Em cismar - sozinho, à noite -<br />
Mais prazer encontro eu lá;<br />
Minha terra tem palmeiras,<br />
On<strong>de</strong> canta o Sabiá.<br />
Não permita Deus que eu<br />
[morra,<br />
Sem que eu volte para lá;<br />
Sem que <strong>de</strong>sfrute os primores<br />
Que não encontro por cá;<br />
Sem qu'inda aviste as<br />
[palmeiras,<br />
On<strong>de</strong> canta o Sabiá.
Em “Canção”, Mário Quintana parece fazer um protesto ecológico:<br />
Minha terra não tem palmeiras...<br />
E em vez <strong>de</strong> um mero sabiá,<br />
Cantam aves invisíveis<br />
Nas palmeiras que não há.<br />
Carlos Drummond, mais filosófico, reflete sobre a distância da felicida<strong>de</strong><br />
em “Nova canção do exílio”:<br />
Um sabiá<br />
na palmeira, longe.<br />
Estas aves cantam<br />
um outro canto. (...)<br />
On<strong>de</strong> tudo é belo<br />
e fantástico,<br />
só, na noite,<br />
seria feliz.<br />
(Um sabiá,<br />
na palmeira, longe.)
Também Murilo Men<strong>de</strong>s mostra-se irreverente com o<br />
célebre poema romântico:<br />
Minha terra tem macieiras da Califórnia<br />
on<strong>de</strong> cantam gaturamos <strong>de</strong> Veneza. (...)<br />
Eu morro sufocado em terra estrangeira.<br />
Nossas flores são mais bonitas<br />
nossas frutas são mais gostosas<br />
mas custam cem mil réis a dúzia.<br />
Ai quem me <strong>de</strong>ra chupar uma carambola <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />
e ouvir um sabiá com certidão <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>!
É, no entanto, <strong>de</strong> Carlos Drummond uma das mais perfeitas paródias <strong>de</strong><br />
toda a nossa literatura: Sentimental. Partindo <strong>de</strong> um conhecido poema <strong>de</strong><br />
Fagun<strong>de</strong>s Varela, on<strong>de</strong> o mesmo expressa, com muita proprieda<strong>de</strong> e encanto,<br />
a aspiração do amor romântico à eternida<strong>de</strong> - traduzido na gravação do nome<br />
da amada num arbusto - o poeta mineiro vale-se, ao inverso, <strong>de</strong> letrinhas <strong>de</strong><br />
sopa <strong>de</strong> macarrão para registrar o seu afeto. Com isso, não apenas satiriza as<br />
gran<strong>de</strong>s paixões do Romantismo, como revela o caráter efêmero <strong>de</strong> todas as<br />
relações <strong>de</strong> nosso tempo.<br />
Ponho-me a escrever teu nome<br />
com letras <strong>de</strong> macarrão.<br />
No prato, a sopa esfria, cheia <strong>de</strong> escamas<br />
e <strong>de</strong>bruçados na mesa todos contemplam<br />
esse romântico trabalho.<br />
Desgraçadamente falta uma letra<br />
Uma letra somente<br />
para acabar teu nome!<br />
- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria.<br />
Eu estava sonhando...<br />
E há em todas as consciências este cartaz amarelo:<br />
"Neste país é proibido sonhar."
ESQUEMA<br />
AS REVOLTAS MODERNISTAS<br />
Situação histórica<br />
* início do século XX<br />
* I Guerra Mundial<br />
* Crise <strong>de</strong> todos os valores europeus<br />
Movimentos <strong>de</strong> vanguarda:<br />
Futurismo - Dadaísmo<br />
Características gerais da literatura mo<strong>de</strong>rnista<br />
* anticonvencionalismo dos temas e da linguagem<br />
* valorização do cotidiano<br />
* liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />
* ambiguida<strong>de</strong><br />
* <strong>de</strong>struição dos nexos<br />
* verso livre<br />
* enumeração caótica<br />
* fluxo da consciência<br />
* paródia
História Oci<strong>de</strong>ntal História do<br />
Brasil<br />
1914 Francisco Fernando, Wenceslau Brás é Chaplin estréia no<br />
Arquiduque da Áustria eleito presi<strong>de</strong>nte da cinema<br />
é assassinado em<br />
Serajevo. A Áustria<br />
inteifere na Sérvia,<br />
apoiada pela<br />
Alemanha. Ao lado da<br />
Sérvia ficam a Rússia,<br />
a França e a<br />
Inglaterra. Iniciava-se<br />
a I Guerra Mundial.<br />
República<br />
1915 A Itália entra na Instala-se na Brasil<br />
Guerra ao lado dos o "Nacional City<br />
anglo-franceses. A Bank of New York".<br />
Bulgária e a Turquia Pinheiro Machado<br />
entram ao lado dos "o coronel dos<br />
autro-alemães. coronéis", é<br />
assassinado.<br />
1916 Batalha <strong>de</strong> Verdum Pacifica-se a região Brancusi e<br />
entre franceses e do Contestado, Archipenko iniciam<br />
alemães <strong>de</strong>ixa on<strong>de</strong> em 1912 a escultura abstrata.<br />
centenas <strong>de</strong> milhares irrompera violento Sinais dadaístas na<br />
<strong>de</strong> mortos.<br />
surto <strong>de</strong> fanatismo<br />
messiânico.<br />
música.<br />
Arte Oci<strong>de</strong>ntal Arte no Brasil<br />
O termo futurismo<br />
comaça a aparecer<br />
nos jornais<br />
<strong>brasileiro</strong>s, com<br />
conteúdo<br />
pejorativo.
História Oci<strong>de</strong>ntal História do Brasil Arte Oci<strong>de</strong>ntal Arte no Brasil<br />
1917 Cai o Czar Nicolau II e<br />
inicia-se a revolução<br />
bolchevista, chefiada<br />
por Lenin.<br />
1918 A Alemanha ren<strong>de</strong>-se<br />
aos aliados. Nascem as<br />
repúblicas da Áustria,<br />
Hungria,<br />
Tchecoslováquia e<br />
Polônia. Proclama-se o<br />
reino da Ioguslávia.<br />
O Brasil entra na<br />
Guerra contra a<br />
Alemanha.<br />
Greves irrompem<br />
em várias capitais<br />
brasileiras.<br />
Mondrian lança o<br />
neo-plasticismo na<br />
pintura.<br />
Manifesto dadaísta<br />
<strong>de</strong> Tristan Tzara.<br />
Após estudos na<br />
Alemanha e na<br />
América, Anita<br />
Malfati retorna a São<br />
Paulo e expõe os<br />
seus quadros com<br />
elementos cubistas e<br />
expressionistas.<br />
Monteiro Lobato<br />
critica a mostra<br />
através do artigo:<br />
"Paranóia ou<br />
mistificação".<br />
Malfatti é <strong>de</strong>fendida<br />
por Oswald <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> e Menotti<br />
<strong>de</strong>l Picchia.
História<br />
Oci<strong>de</strong>ntal<br />
1919 O humilhante<br />
tratado <strong>de</strong> Versalhes<br />
é imposto aos<br />
alemães, gerando os<br />
ressentimentos que<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>arão o<br />
Nazismo.<br />
1920 Finda a Guerra Civil<br />
na Rússia com a<br />
vitória <strong>de</strong> Lenin e<br />
seus partidários.<br />
História do<br />
Brasil<br />
É fundada - na<br />
capital fe<strong>de</strong>ral - a<br />
primeira<br />
Universida<strong>de</strong><br />
brasileira, a<br />
Universida<strong>de</strong> do<br />
Brasil (futura<br />
UFRJ)<br />
Arte Oci<strong>de</strong>ntal Arte no Brasil<br />
Groplus funda a<br />
Escola <strong>de</strong><br />
Bauhaus. Inicia-se<br />
o cinema<br />
expressionista<br />
com O gabinente<br />
do dr. Calligari, do<br />
diretor alemão<br />
Robert Wiene.<br />
Carlitos realiza o<br />
clássico O Garoto.<br />
Escândalo na<br />
exposição<br />
dadaísta em<br />
Colônia, na qual<br />
os visitantes<br />
recebiam uma<br />
faca para<br />
danificar os<br />
Quadros.<br />
Brecheret, em<br />
contato com o<br />
grupo mo<strong>de</strong>rnista,<br />
expõe a máquina<br />
do Monumento às<br />
Ban<strong>de</strong>iras, a<br />
princípio recusada<br />
pelo gosto<br />
conservador das<br />
autorida<strong>de</strong>s<br />
paulistas.
História Oci<strong>de</strong>ntal História do Brasil Arte Oci<strong>de</strong>ntal Arte no Brasil<br />
1921 A URSS inicia a<br />
recuperação<br />
econômica. É assindo o<br />
Tratado <strong>de</strong><br />
Washington, <strong>de</strong>finindo<br />
a posse <strong>de</strong> territórios<br />
no pacífico.<br />
<strong>1922</strong> Após a "Marcha sobre<br />
Roma", Mussolini<br />
impõe o Fascismo na<br />
Itália.<br />
Inicia as suas<br />
ativida<strong>de</strong>s a<br />
Companhia Belgo-<br />
Mineira, a primeira<br />
indústria si<strong>de</strong>rúrgica<br />
no Brasil.<br />
Levante tenentista,<br />
no Forte <strong>de</strong><br />
Copacabana,<br />
expressando o<br />
nascimento <strong>de</strong> uma<br />
atitu<strong>de</strong><br />
antioligárquica e<br />
progressista em<br />
setores da jovem<br />
oficialida<strong>de</strong>.<br />
Erich Men<strong>de</strong>lssohn<br />
constrói a Torre <strong>de</strong><br />
Einstein e inaugura<br />
a arquitetura<br />
expressionista.<br />
Paul Klee com seus<br />
quadros prepara o<br />
advento do<br />
Surrealismo.<br />
Realiza-se no Teatro<br />
Municipal <strong>de</strong> São<br />
Paulo A Semana <strong>de</strong><br />
Arte Mo<strong>de</strong>rna.<br />
Novas a<strong>de</strong>sões ao<br />
grupo mo<strong>de</strong>rnista.<br />
Pensa-se na<br />
organização <strong>de</strong> uma<br />
mostra da nova arte.<br />
Artigo <strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> a respeito<br />
<strong>de</strong> Mário <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong>: Meu poeta<br />
futurista. Mário<br />
redige Pauliceia<br />
<strong>de</strong>svairada.
A SEMANA DE ARTE<br />
MODERNA<br />
A SEMANA DE ARTE MODERNA<br />
ANTECEDENTES NACIONAIS<br />
Por volta <strong>de</strong> 1912, Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
recém-chegado da Europa, começa a<br />
divulgar, através <strong>de</strong> jornais paulistas, as<br />
novas correntes estéticas européias,<br />
principalmente as idéias futuristas <strong>de</strong><br />
Marinetti. Mas, a rigor, essas idéias não<br />
encontram gran<strong>de</strong> receptivida<strong>de</strong> a não ser<br />
e m g r u p o s r e d u z i d o s d e j o v e n s<br />
intelectuais, ainda sufocados pela<br />
linguagem anacrônica da arte dominante.<br />
A Boba, <strong>de</strong> Anita Malfatti
A exposição <strong>de</strong> Anita Malfatti<br />
Em 1917, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Estudar na Europa e nos Estados Unidos, Anita<br />
Malfatti retorna ao Brasil e realiza uma mostra <strong>de</strong> seus quadros em São<br />
Paulo. Com uma técnica <strong>de</strong> vanguarda, a sua pintura surpreen<strong>de</strong> o<br />
público, acostumado com o realismo acadêmico, trivial e sem ousadia.<br />
pictórico. Mas, em geral, as reações são favoráveis até que Monteiro<br />
Lobato, crítico <strong>de</strong> artes <strong>de</strong> O Estado <strong>de</strong> São Paulo, escreve um artigo<br />
feroz intitulado “Paranóia ou mistificação”, no qual acusa toda a Arte<br />
mo<strong>de</strong>rna:<br />
Há duas espécies <strong>de</strong> artistas. Uma composta dos que vêem<br />
normalmente as coisas(..) A outra espécie é formada pelos que vêem<br />
anormalmente a natureza e interpretam-na à luz <strong>de</strong> teorias efêmeras,<br />
sob a sugestão estrábica <strong>de</strong> escolas rebel<strong>de</strong>s, surgidas cá e lá como<br />
furúnculos da cultura excessiva. (...) Embora eles se dêem como novos,<br />
precursores <strong>de</strong> uma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal<br />
ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação.(...) Essas<br />
consi<strong>de</strong>rações são provocadas pela exposição da senhora. Malfatti on<strong>de</strong><br />
se notam acentuadíssimas tendências para uma atitu<strong>de</strong> estética<br />
forçada no sentido das extravagâncias <strong>de</strong> Picasso e companhia.
A reação da elite paulistana, que confiava cegamente nas<br />
opiniões e gostos pessoais do autor <strong>de</strong> Urupês, é imediata:<br />
escândalo, quadros <strong>de</strong>volvidos, uma tentativa <strong>de</strong> agressão à<br />
pintora, a mostra fechada antes do tempo.<br />
O artigo <strong>de</strong>molidor serve, entretanto, par que os jovens<br />
"futuristas" <strong>brasileiro</strong>s, até então dispersos, isolados em<br />
pequenos agrupamentos, se unam em torno <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al<br />
comum: <strong>de</strong>struir as manifestações artísticas que<br />
remontavam ao século XIX, especificamente, no caso da<br />
literatura, o parnasianismo poético, medíocre e superado.<br />
Neste sentido, a exposição <strong>de</strong> Anita Malfatti funciona como<br />
estopim <strong>de</strong> um movimento que explodiria na Semana <strong>de</strong><br />
Arte Mo<strong>de</strong>rna.
Quatro estreias promissoras<br />
Ainda em 1917, são editados livros <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> quatro jovens<br />
autores. Percebe-se neles o quão forte era a herança parnasiana, e<br />
mesmo a simbolista ou a romântica, mas se po<strong>de</strong> vislumbrar também<br />
algo <strong>de</strong> novo. Mais uma ânsia, uma procura, um grito abafado que<br />
propriamente uma realização. Ainda com timi<strong>de</strong>z, eles intentavam<br />
caminhos alternativos: Há uma gota <strong>de</strong> sangue em cada poema, <strong>de</strong><br />
Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>; Nós, <strong>de</strong> Guilherme <strong>de</strong> Almeida; Cinzas das horas, <strong>de</strong><br />
Manuel Ban<strong>de</strong>ira; e Juca Mulato, <strong>de</strong> Menotti <strong>de</strong>l Picchia.<br />
As esculturas <strong>de</strong> Brecheret<br />
Em 1920, os jovens paulistas <strong>de</strong>scobrem as esculturas <strong>de</strong> Brecheret.<br />
Impregnadas <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, constituirão uma das ban<strong>de</strong>iras da<br />
Semana, pois Brecheret fora contratado para realizar o Monumento às<br />
Ban<strong>de</strong>iras e ao apresentar às autorida<strong>de</strong>s as maquetes da obra, tivera o<br />
trabalho recusado. Anos <strong>de</strong>pois, o monumento seria erigido, tornando-se<br />
um símbolo <strong>de</strong> São Paulo e a escultura pública mais admirada no país.<br />
Mas, naquele instante, o caso Brecheret fornece munição à rebeldia<br />
estética que germinava na capital paulista. Ou como diria Menotti <strong>de</strong>l<br />
Picchia: "Foi sua arte magnífica que abriu os nossos cérebros, (...) criado<br />
entre nós uma arte forte, liberta, espontânea."
Cabeça <strong>de</strong> Cristo, <strong>de</strong> Victor Brecheret
A Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna<br />
Finalmente, em fevereiro <strong>de</strong> <strong>1922</strong>, realiza-se em São Paulo a Semana<br />
<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna. O objetivo dos organizadores era acima <strong>de</strong> tudo a<br />
<strong>de</strong>struição das velhas formas artísticas na literatura, música e artes<br />
plásticas. Paralelamente, procuravam apresentar e afirmar os princípios<br />
da chamada arte mo<strong>de</strong>rna, ainda que eles mesmos estivessem confusos a<br />
respeito <strong>de</strong> seus projetos artísticos. Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> sintetiza o clima<br />
da época ao afirmar: "Não sabemos o que queremos. Mas sabemos o que<br />
não queremos." A proposição <strong>de</strong> uma semana (na verda<strong>de</strong>, foram só três<br />
noites) implicava uma amostragem geral da prática mo<strong>de</strong>rnista.<br />
Programaram-se conferências, recitais, exposições, leituras, etc. O<br />
Teatro Municipal foi alugado. Toda uma atmosfera <strong>de</strong> provocação se<br />
estabeleceu nos círculos letrados da capital paulista. Havia dois partidos<br />
na cida<strong>de</strong>: o dos futuristas e o dos passadistas.<br />
Des<strong>de</strong> a abertura da Semana, com a conferência equivocada <strong>de</strong> Graça<br />
Aranha: A emoção estética na Arte Mo<strong>de</strong>rna, até a leitura <strong>de</strong> trechos<br />
vanguardistas por Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Menotti <strong>de</strong>l Picchia, Oswald <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> e outros, o público se manifestaria por apupos e aplausos fortes.
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Porém, o momento<br />
mais sensacional da<br />
Semana ocorre na<br />
segunda noite, quando<br />
Ronald <strong>de</strong> Carvalho lê<br />
um poema <strong>de</strong> Manuel<br />
Ban<strong>de</strong>ira, o qual não<br />
comparecera ao teatro<br />
por motivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>:<br />
“Os sapos”. Trata-se <strong>de</strong><br />
uma ironia corrosiva<br />
aos parnasianos, que<br />
ainda dominavam o<br />
gosto do público. Este<br />
reage através <strong>de</strong> vaias,<br />
gritos, patadas,<br />
interrompendo a<br />
sessão. Mas,<br />
metaforicamente, com<br />
sua iconoclastia*<br />
pesada, o poema<br />
<strong>de</strong>limita o fim <strong>de</strong> uma<br />
época cultural:<br />
Enfunando* os papos,<br />
Saem da penumbra,<br />
Aos pulos, os sapos.<br />
A luz os <strong>de</strong>slumbra.<br />
Em ronco que aterra,<br />
Berra o sapo-boi:<br />
'- Meu pai foi à guerra<br />
- Não foi! - Foi! - Não foi!'<br />
O sapo-tanoeiro<br />
Parnasiano aguado<br />
Diz: - 'Meu cancioneiro<br />
É bem martelado*.'<br />
Ve<strong>de</strong> como primo<br />
Em comer os hiatos!<br />
Que arte! E nunca rimo<br />
Os termos cognatos*.<br />
O meu verso é bom<br />
Frumento* sem joio.<br />
Faço rimas com<br />
Consoantes <strong>de</strong> apoio.<br />
Vai por cinqüenta anos<br />
Que lhe <strong>de</strong>i a norma:<br />
Reduzi sem danos<br />
A formas a forma.<br />
Clame a sapataria<br />
Em críticas céticas:<br />
'Não há mais poesia,<br />
Mas há artes poéticas...'<br />
Brada <strong>de</strong> um assomo<br />
O sapo-tanoeiro:<br />
'A gran<strong>de</strong> arte é como<br />
Lavor <strong>de</strong> Joalheiro'<br />
Urra o sapo-boi:<br />
'- Meu pai foi rei - Foi!<br />
- Não foi! - Foi! - não foi!'<br />
1 Iconoclasta: <strong>de</strong>struidor <strong>de</strong> ícones, <strong>de</strong> valores consagrados. 2 Enfunando: inflando.<br />
3 Martelado: alusão ao martelo do escultor, com quem o poeta parnasiano se<br />
comparava. 4 Cognatos: que tem a mesma raiz. 5 Frumento: o melhor trigo.
Principais participantes da Semana<br />
Literatura: Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> - Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> - Graça Aranha<br />
- Ronald <strong>de</strong> Carvalho - Menotti <strong>de</strong>l Picchia - Guilherme <strong>de</strong> Almeida -<br />
Sérgio Milliett<br />
Música e Artes Plásticas: Anita Malfatti - Di Cavalcanti - Santa<br />
Rosa - Villa-Lobos - Guiomar Novaes<br />
A importância estética da Semana<br />
Se a Semana é realizada por jovens inexperientes, sob o domínio <strong>de</strong><br />
doutrinas europeias nem sempre bem assimiladas, conforme acentuam<br />
alguns críticos, ela significa também o atestado <strong>de</strong> óbito da arte<br />
dominante. O aca<strong>de</strong>micismo plástico, o romantismo musical e o<br />
parnasianismo literário esboroam-se por inteiro. Ela cumpre assim a<br />
função <strong>de</strong> qualquer vanguarda: exterminar o passado e limpar o terreno.<br />
É possível, por outro lado, que a Semana não tenha se convertido no<br />
fato mais importante da cultura brasileira, como queriam muitos <strong>de</strong> seus<br />
integrantes. Há <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, e no período que a suce<strong>de</strong> imediatamente<br />
(<strong>1922</strong>-1930), certa <strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong> gratuita, certo cabotinismo, certa<br />
ironia superficial e enorme confusão no plano das i<strong>de</strong>ias..
Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> dirá mais tar<strong>de</strong> que faltou aos mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> 22<br />
um maior empenho social, uma maior impregnação "com a angústia do<br />
tempo". Com efeito, os autores que organizaram a Semana colocaram a<br />
renovação estética acima <strong>de</strong> outras preocupações importantes. As<br />
questões da arte são sempre remetidas para a esfera técnica e para os<br />
problemas da linguagem e da expressão. O principal inimigo eram as<br />
formas artísticas do passado. De qualquer maneira, a rebelião<br />
mo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong>strói o imobilismo cultural - que entravava as criações<br />
mais revolucionárias e complexas - e instaura o império da<br />
experimentação, algo <strong>de</strong> indispensável para a fundação <strong>de</strong> uma arte<br />
verda<strong>de</strong>iramente nacional.<br />
Caberia ainda ao próprio Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> - verda<strong>de</strong>iro lí<strong>de</strong>r e<br />
principal teórico do movimento - sintetizar a herança <strong>de</strong> <strong>1922</strong>:<br />
* A estabilização <strong>de</strong> uma consciência criadora nacional,<br />
preocupada em expressar a realida<strong>de</strong> brasileira.<br />
* A atualização intelectual com as vanguardas europeias.<br />
* O direito permanente <strong>de</strong> pesquisa e criação estética.
Mario <strong>de</strong> "&núra<strong>de</strong><br />
PILTLTOBA<br />
ilNSYAïRANA
A Semana e a realida<strong>de</strong> brasileira<br />
A Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna insere-se num quadro mais amplo da<br />
realida<strong>de</strong> brasileira. Vários historiadores já a relacionaram com a revolta<br />
tenentista e com a criação do Partido Comunista, ambas <strong>de</strong> <strong>1922</strong>.<br />
Embora as aproximações não sejam imediatas, é flagrante o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
mudanças que varria o país, fosse no campo artístico, fosse no campo<br />
político.<br />
Um dos equívocos mais frequentes das análises da Semana consiste<br />
em i<strong>de</strong>ntificá-la com os valores <strong>de</strong> uma classe média emergente. Ela foi<br />
patrocinada pela elite agrária paulista. E os princípios nela expostos<br />
adaptavam-se às necessida<strong>de</strong>s da refinada oligarquia do café. Uma<br />
oligarquia cosmopolita, cujos filhos estudavam na Europa e lá entravam<br />
em contato com o "mo<strong>de</strong>rno". Uma oligarquia <strong>de</strong>sejosa <strong>de</strong> se diferenciar<br />
culturalmente dos grupos sociais. Enfim, uma classe que encontrava no<br />
jogo europeísmo (adoção do "último grito" europeu) - primitivismo<br />
(valorização das origens nacionais) - que marcaria a primeira fase<br />
mo<strong>de</strong>rnista - a expressão contraditória <strong>de</strong> suas aspirações i<strong>de</strong>ológicas.
Marinetti em visita ao Brasil, em 1926.<br />
Favela no Rio <strong>de</strong> Janeiro.
Outro equívoco é consi<strong>de</strong>rar o movimento como essencialmente<br />
antiburguês. O poema O<strong>de</strong> ao burguês, <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, e alguns<br />
escritos <strong>de</strong> outros participantes da Semana po<strong>de</strong>m levar a esta<br />
conclusão. Mas não esqueçamos que a burguesia rural, vinculada ao café,<br />
apoiou os jovens renovadores. E, além disso, toda crítica dirigia-se a um<br />
tipo <strong>de</strong> burguesia urbana, composta geralmente <strong>de</strong> imigrantes, inculta,<br />
limitada em seus projetos, sem gran<strong>de</strong>za histórica, ao contrário das<br />
camadas cafeicultoras, cujo nível <strong>de</strong> refinamento cultural e social era<br />
muito maior.<br />
Neste caso, os mo<strong>de</strong>rnistas se comportam como aqueles velhos<br />
aristocratas que menosprezam a mediocrida<strong>de</strong> dos "novos-ricos". No<br />
início da década <strong>de</strong> 30, Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> já perceberia o quão<br />
contraditória era a sua crítica ao universo das classes citadinas. Daí o<br />
prefácio do romance Serafim Ponte Gran<strong>de</strong>, em 1933.<br />
A situação "revolucionária" <strong>de</strong>sta bosta mental sul-americana,<br />
apresentava-se assim: o contrário do burguês não era o proletário -<br />
era o boêmio! As massas, ignoradas no território e como hoje, sob a<br />
completa <strong>de</strong>vassidão econômica dos políticos e dos ricos. Os intelectuais<br />
brincando <strong>de</strong> roda.
O MODERNISMO DE 22 A 30<br />
(FASE DE DESTRUIÇÃO E EXPERIMENTAÇÃO)<br />
O projeto dos mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> São Paulo po<strong>de</strong> ser dividido<br />
em três linhas básicas que se conjugam e confun<strong>de</strong>m<br />
DESINTEGRAÇÃO DA LINGUAGEM<br />
TRADICIONAL<br />
Questiona-se toda a arte acadêmica, com suas fórmulas<br />
envelhecidas, a expressão gasta, a linguagem convertida em<br />
clichês. O estilo parnasiano e o bacharelismo são os alvos<br />
prediletos dos ataques mo<strong>de</strong>rnizadores. Para efetivar tal<br />
<strong>de</strong>struição, usa-se a paródia, a piada, o sarcasmo. Os<br />
romances Serafim Ponte Gran<strong>de</strong> e Memórias sentimentais<br />
<strong>de</strong> João Miramar, <strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, levam essa prática<br />
às últimas conseqüências.
ADOÇÃO DAS CONQUISTAS DAS VANGUARDAS<br />
A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, a visão amorosa e crítica do cotidiano, a<br />
linguagem coloquial e outras inovações <strong>de</strong>senvolvidas pelas vanguardas<br />
européias são assimiladas, ainda que <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente pela geração <strong>de</strong><br />
22. A revista Klaxon, <strong>de</strong> <strong>1922</strong>, e os primeiros textos publicados no ano da<br />
Semana mostram essa preocupação com a contemporaneida<strong>de</strong>. Não tem<br />
fundamento, portanto, a afirmativa <strong>de</strong> que os mo<strong>de</strong>rnistas seriam<br />
antieuropeus. A i<strong>de</strong>ntificação com as velhas matrizes culturais ainda é<br />
evi<strong>de</strong>nte.<br />
BUSCA DA EXPRESSÃO NACIONAL<br />
Em 1924, em Paris, Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> assiste a uma exposição <strong>de</strong><br />
máscaras africanas. Elas parecem expressar toda a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos povos<br />
negros da África. Nesse momento, Oswald se interroga: "E nós, os<br />
<strong>brasileiro</strong>s? Quem seríamos? Qual o nosso retrato? Alguma arte nos<br />
representaria tão significativamente como aquelas máscaras?"<br />
Atrás <strong>de</strong>ssas perguntas, começava a <strong>de</strong>linear-se a luta por um<br />
abrasileiramento temático. O nacionalismo surge no horizonte do grupo<br />
mo<strong>de</strong>rnista apenas em 1924. Antes, as questões fundamentais eram<br />
estéticas. A partir <strong>de</strong> agora passam a ser i<strong>de</strong>ológicas: vai se discutir o<br />
nacional e o popular em nossa literatura. Sonha-se com a <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong><br />
uma cultura brasileira, <strong>de</strong> uma alma ver<strong>de</strong>-amarela.
A saída primitivista<br />
Não se processa, contudo, a volta ao ufanismo romântico. O novo<br />
nacionalismo irá assumir uma perspectiva crítica, um tom<br />
anárquico e <strong>de</strong>sabusado, como se o país causasse no artista uma<br />
mistura <strong>de</strong> orgulho e <strong>de</strong>boche. O caminho é a celebração do<br />
primitivismo, isto é, <strong>de</strong> nossas origens indígenas e extra-européias.<br />
Nas civilizações aborígenes e também no folclore, nos aspectos<br />
míticos e lendários da cultura popular, quer se <strong>de</strong>scobrir a essência<br />
do Brasil.<br />
É uma espécie <strong>de</strong> retorno às fontes primeiras <strong>de</strong> uma civilização<br />
original. Para ali encontrar algo que o colonialismo português não<br />
conseguira esmagar: a ausência <strong>de</strong> repressões morais e sexuais, e a<br />
alegria <strong>de</strong> viver, sobremodo entre os índios. Esta pesquisa <strong>de</strong> uma<br />
subjacente alma nacional só po<strong>de</strong>ria ser realizada, no entanto, com<br />
o instrumental artístico da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Por isso, os antigos<br />
habitantes não <strong>de</strong>veriam merecer análises antropológicas ou<br />
preservacionistas, e sim um registro ousado, inventivo e até<br />
humorístico, com a linguagem das vanguardas. Aliás, o Brasil seria<br />
esta síntese do primitivo e do inovador.
Quase todos os criadores da primeira fase vivem a<br />
dimensão primitivista. Porém, cometem o erro <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
o Brasil como unida<strong>de</strong> e não como diversida<strong>de</strong> social. A<br />
"síntese brasileira" não existia no plano histórico e não<br />
po<strong>de</strong>ria ocorrer no plano artístico. Apropriam-se assim da<br />
mitologia do povo, das tradições dos índios, etc., sem<br />
mostrar como essas realida<strong>de</strong>s culturais haviam se gerado e<br />
sobrevivido. Procuravam mais uma simbologia para a<br />
nacionalização da arte do que verda<strong>de</strong>s humanas e históricas<br />
oferecidas pelos valores populares ou indígenas.<br />
Entre os próprios mo<strong>de</strong>rnistas não houve acordo quanto<br />
ao rumo a seguir. Formaram-se vários grupos,<br />
proclamaram-se muitos movimentos, todos insistindo em<br />
sua autenticida<strong>de</strong> nacionalista. As mais significativas <strong>de</strong>ssas<br />
tendências foram o Pau-Brasil e a Antropofagia, ambas<br />
criadas por Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>.
OS MOVIMENTOS<br />
PRIMITIVISTAS<br />
1) PAU-BRASIL:<br />
Lançado em março <strong>de</strong> 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil trazia como idéiaschave:<br />
- A junção do mo<strong>de</strong>rno e do arcaico <strong>brasileiro</strong>s: "A poesia existe nos<br />
fatos. Os casebres <strong>de</strong> açafrão e <strong>de</strong> ocre nos ver<strong>de</strong>s da Favela, sob o azul cabralino,<br />
são fatos astéticos (...) obuses <strong>de</strong> elevadores, cubos <strong>de</strong> arranha-céu e a sábia<br />
preguiça solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalida<strong>de</strong> um<br />
pouco sensual, amorosa. A sauda<strong>de</strong> dos pajés e os campos <strong>de</strong> avaliação militar. Pau-<br />
Brasil."<br />
- A ironia contra o bacharelismo: "O lado doutor, o lado citações, o lado<br />
autores conhecidos. Comovente. (...) A riqueza dos bailes e das frases feitas.(...)<br />
Falar difícil."<br />
- A luta por uma nova linguagem: "A língua sem arcaísmo, sem erudição.<br />
Natural e neológica. A contribuição milionária <strong>de</strong> todos os erros. Como falamos.<br />
Como somos. (...) Contra a cópia, pela invenção e pela surpresa."<br />
- A <strong>de</strong>scoberta do popular: O Pau-Brasil <strong>de</strong>scortina para os mo<strong>de</strong>rnistas o<br />
universo mítico e ingênuo das camadas populares: "O Carnaval é o acontecimento<br />
religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões <strong>de</strong> Botafogo. A<br />
formação étnica rica. Riqueza vegetal."
Exemplo do conjunto da visão oswaldiana, na época, encontra-se em<br />
“Erro <strong>de</strong> português” (1925):<br />
Quando o português chegou<br />
Debaixo <strong>de</strong> uma bruta chuva<br />
Vestiu o índio<br />
Que pena!<br />
Fosse uma manhã <strong>de</strong> sol<br />
O índio tinha <strong>de</strong>spido<br />
O português<br />
Observe-se no poema, além do verso livre, da ausência <strong>de</strong> pontuação,<br />
e da dicção humorística, o contraste que o autor estabelece entre a<br />
natureza européia, marcada pelo frio e pela chuva, com a tropical,<br />
marcada pelo sol; entre o português que veste o índio com seus valores<br />
repressivos e o índio que po<strong>de</strong>ria ter <strong>de</strong>spido o português <strong>de</strong>sses mesmos<br />
valores, tendo a locução interjetiva "Que pena!" como indicadora da<br />
posição do poeta perante os fatos.
2) ANTROPOFAGIA:<br />
O manifesto antropofágico, lançado em 1928, amplia as idéias do Pau-Brasil,<br />
através dos seguintes elementos:<br />
- A insistência radical no caráter indígena <strong>de</strong> nossas raízes: "Tupy or<br />
not tupy that is the question".<br />
- O humor como forma crítica e traço distintivo do caráter<br />
<strong>brasileiro</strong>: "A alegria é a prova dos nove".<br />
- A criação <strong>de</strong> uma utopia brasileira, centrada numa socieda<strong>de</strong><br />
matriarcal, anárquica e sem repressões: "Contra a realida<strong>de</strong> social,<br />
vestida e opressora, cadastrada por Freud - a realida<strong>de</strong> sem complexos, sem<br />
loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado <strong>de</strong> Pindorama." -<br />
A postura antropofágica como alternativa entre o nacionalismo conservador,<br />
anti-europeu e a pura cópia dos valores oci<strong>de</strong>ntais: "Nunca fomos catequizados.<br />
(...) Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará."<br />
Curiosamente, Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> não produz nenhuma obra ficcional ou<br />
poética <strong>de</strong>ntro do espírito antropofágico (a não ser, talvez, a peça Rei da vela).<br />
Caberia a Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, com o romance Macunaíma, e a Raul Bopp, com o<br />
poema Cobra Norato, a tentativa <strong>de</strong> levar para o espaço da criação literária as<br />
idéias do Manifesto.<br />
Nos anos <strong>de</strong> 1967, Caetano Veloso e outros compositores populares voltam a<br />
acenar com os princípios antropofágicos para combater a estreiteza da chamada<br />
M.P.B., que rejeitava a incorporação <strong>de</strong> elementos da música pop internacional à<br />
música brasileira.
Abaporu, <strong>de</strong> Tarsila do Amaral<br />
A Negra, <strong>de</strong> Tarsila do Amaral
3) VERDE-AMARELO (1924) e ANTA (1928):<br />
Com a participação <strong>de</strong> Cassiano Ricardo, Menotti <strong>de</strong>l<br />
Picchia e Plínio Salgado, estas tendências opõem-se ao<br />
primitivismo <strong>de</strong>struidor e <strong>de</strong>bochado dos "antropófagos"<br />
através do reforço do "sentido <strong>de</strong> brasilida<strong>de</strong>" e <strong>de</strong> uma<br />
tendência conservadora e direitista no plano social.