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Edição 156 - Jornal Rascunho

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<strong>156</strong> • abril _ 2013<br />

arco, lira e interrogação<br />

obra de ocTaVio paz constrói a idéia de se pensar no mundo como um texto de páginas infinitas<br />

:: Cristiano ramos<br />

reCife – Pe<br />

O<br />

editor do <strong>Rascunho</strong><br />

recebeu esta resenha<br />

com prazo bem estourado.<br />

Razão foi que o<br />

autor mudou de rumo diversas vezes<br />

— pecado recorrente, mas que<br />

talvez seja menos condenável por<br />

ter como objeto da vez Octavio Paz.<br />

O poeta-crítico é um convite para<br />

que lidemos com nossas próprias<br />

contradições e dúvidas, sejam elas<br />

coisa antiga ou inquietações surgidas<br />

durante a leitura de sua obra. E<br />

nenhum dos seus trabalhos é mais<br />

pródigo em sugestões do que O<br />

arco e a lira, recentemente devolvido<br />

às prateleiras numa parceria<br />

entre a Cosac Naify e a mexicana<br />

Fondo de Cultura Económica, instituição<br />

editorial bastante conhecida<br />

dos pesquisadores brasileiros<br />

pelos muitos livros de referência de<br />

seu catálogo, resultado de oito décadas<br />

de publicações.<br />

A notícia era esperada há<br />

muito, principalmente entre professores<br />

e alunos dos cursos de Letras,<br />

para quem o ensaio se tornou<br />

obrigatório, apesar das críticas<br />

que sempre amealhou pela suposta<br />

falta de rigor e pelas recorrentes<br />

generalizações. Trinta anos se<br />

passaram desde a edição da Nova<br />

Fronteira, traduzida por Olga Savary.<br />

O leitor que tiver os dois livros<br />

em mãos perceberá que, para<br />

além das capas, existem outras<br />

diferenças: foram acrescentados<br />

índice onomástico (que torna ainda<br />

mais fácil perceber os poetas<br />

negligenciados), a carta-análise de<br />

Julio Cortázar, um prólogo retirado<br />

do primeiro volume das obras<br />

completas de Paz (La casa de la<br />

presencia: poesía e historia),<br />

a breve seção Recapitulações e o<br />

texto A nova analogia: poesia e<br />

tecnologia (que havia saído por<br />

aqui no Convergências: ensaios<br />

sobre arte e literatura,<br />

em 1991, pela Rocco).<br />

Acréscimos igualmente bem-<br />

-vindos seriam novas exegeses,<br />

que cumprissem o papel de atualizar<br />

a reflexão sobre a recepção<br />

do mexicano entre acadêmicos e<br />

críticos, sobre o acerto de seus vaticínios,<br />

seu diálogo com a poesia<br />

contemporânea. Ou, pelo menos, a<br />

veiculação de outras análises que,<br />

embora não inéditas, pudessem<br />

enriquecer a jornada, principalmente<br />

dos que chegassem à obra<br />

pela primeira vez. Para os interessados<br />

em buscar por conta própria,<br />

há dois conhecidos e bons artigos,<br />

entre tantos: Relectura de El arco<br />

y la lira, de Emir Rodríguez Monegal,<br />

e Octavio Paz: o mundo como<br />

texto, de Sebastião Uchoa Leite.<br />

ser e moVimenTo<br />

No artigo publicado pela revista<br />

Iberoamericana (nº 74, 1971),<br />

Monegal faz uma análise das mudanças<br />

ocorridas entre as duas versões<br />

mexicanas de O arco e a lira,<br />

de 1956 e 1967, ambas do Fondo de<br />

Cultura Económica. Antes de dissertar<br />

sobre algumas das modificações,<br />

ele adianta a tese: para Octavio<br />

Paz, cada nova aventura poética<br />

ou crítica termina por transformá-<br />

-lo sem descaracterizá-lo.<br />

Revisões importantes apareceram<br />

já na edição francesa do livro,<br />

como o sumiço das referências<br />

a Sartre e a Camus, alinhada com a<br />

tendência depreciativa enfrentada<br />

pelo existencialismo, e a maior relevância<br />

atribuída a Mallarmé. Do em<br />

redor que teria influenciado o autor,<br />

Monegal aponta a ascendência do<br />

estruturalismo francês. Não menos<br />

importante é a valorização da cultura<br />

oriental, que, se estava lá antes,<br />

passou a ser acompanhada de um<br />

ampliado conhecimento — no intervalo<br />

das duas publicações, Octavio<br />

Paz viveu na França e na Índia.<br />

Monegal registra ainda a<br />

substituição do epílogo original, de<br />

catorze páginas, por um longo ensaio,<br />

Signos em rotação, que saíra<br />

na revista argentina Sur. No Brasil,<br />

consta da coletânea de mesmo<br />

nome, publicada na coleção Debates,<br />

da Perspectiva. Aliás, é neste<br />

título que aparece como anexo o<br />

texto de Sebastião Uchoa Leite,<br />

síntese de boa parte das virtudes e/<br />

ou fragilidades geralmente apontadas<br />

na obra do mexicano.<br />

Para Sebastião, na obra de<br />

Paz “dúvida, ambigüidade e contradição<br />

são aceitas como tais”, e<br />

“o objeto parece às vezes inconsistente,<br />

sem peso, aéreo, difícil<br />

de ser apreendido pela linguagem<br />

lógica da crítica”. O método utilizado<br />

é cercar o tema, desdobrando-<br />

-o, ramificando-o em várias direções,<br />

detendo-se para lançar novos<br />

questionamentos. Tudo escrito<br />

com nítida redundância — que não<br />

se pode confundir com deslize ou<br />

hesitação. “Tudo é suspensivo e<br />

interrogante. Como se a própria<br />

escritura os quisesse indicar seu<br />

caráter hipotético.”<br />

Por todo o pensamento de<br />

Octavio Paz assoma a idéia da metáfora,<br />

conduzindo o leitor a pensar<br />

no mundo como um texto de<br />

páginas infinitas, que pode ser lido<br />

aleatoriamente ou metodicamente.<br />

Tudo é linguagem.<br />

A análise levanta ainda um dos<br />

pontos discutíveis dentre as teses do<br />

livro: a sua crença de que, no mundo<br />

moderno, a tecnologia substituiu<br />

a antiga “visão do mundo”. Posição<br />

que pode ser bem conferida nesta<br />

nova edição de O arco e a lira,<br />

porque é justamente no acrescido A<br />

nova analogia que Paz afirma:<br />

O mundo como imagem desaparece<br />

e em seu lugar se levantam<br />

as realidades da técnica, frágeis<br />

apesar de sua solidez já que<br />

estão condenadas a ser negadas<br />

por novas realidades.<br />

Sebastião Uchoa Leite lembra<br />

que algumas criações poéticas<br />

vão além dessa redutora dicotomia,<br />

pois incorporam o produto estético<br />

ao contexto tecnológico. Mas, explicita<br />

a discordância, não é para colocar<br />

em dúvida as conclusões, “mas<br />

para reafirmar o método operatório<br />

de sua crítica: partindo da criação<br />

poética particular, Paz transpõe<br />

sistematicamente o nível da análise<br />

para o contexto histórico”.<br />

suspenso no abismo<br />

Para o poeta e crítico Octavio<br />

Paz, “o poema não é uma forma<br />

literária, mas o ponto de encontro<br />

entre a poesia e o homem”. Unidade<br />

auto-suficiente, que não se<br />

repete, e que sempre carrega “com<br />

maior ou menor intensidade, toda<br />

a poesia”. O arco e a lira foi o<br />

esforço maior do mexicano para<br />

compreender esse especialíssimo<br />

lugar de diferenças e reconciliações,<br />

empreitada que nasceu de<br />

uma conferência proferida em<br />

1942, quatro anos antes da publicação<br />

de O labirinto da solidão,<br />

seu livro de estréia.<br />

Dividido em três partes (O<br />

poema, A revelação poética e Poesia<br />

e história), esse tratado se<br />

propõe a buscar respostas para três<br />

questões: há um dizer poético? O<br />

que dizem os poemas? E como se<br />

comunica esse dizer? Segundo Paz,<br />

existe sim a “outra voz”, o dizer poético,<br />

onde opostos se fundem, em<br />

que o homem se torna outro, para,<br />

depois, reconciliar-se consigo mes-<br />

manueL aLvarez bravo<br />

mo. “O homem é a sua imagem: ele<br />

mesmo e aquele outro. Através da<br />

frase que é ritmo, que é imagem, o<br />

homem — esse perpétuo chegar e<br />

ser — é. A poesia é entrar no ser.”<br />

O ritmo (que é bem diferente<br />

de métrica) surge como essencial<br />

na reflexão. “O ritmo é metáfora<br />

original e contém todas as outras.”<br />

Julio Cortázar considerou que aí<br />

reside a mais bela contribuição do<br />

estudo, “a de que o ritmo é sentido<br />

de algo, e de que não é medida,<br />

e sim tempo original. É visão do<br />

mundo, e imagem do mundo”.<br />

A investigação desse fenômeno<br />

revelação que é a poesia leva a extensas<br />

enumerações, repletas de semelhantes<br />

e de contrários. O arco<br />

e a lira começa com parágrafo que<br />

lança os dados, corre todos os riscos,<br />

encosta o leitor contra a parede,<br />

obrigando-o a abraçar ou desistir<br />

do texto. E, mais adiante, de modo<br />

resumido, chega à base de suas incansáveis<br />

descrições e definições, o<br />

caráter essencial e total da poesia:<br />

Ali, em pleno salto, o homem,<br />

suspenso no abismo, entre o isto e o<br />

aquilo, por um instante fulgurante é<br />

isto e aquilo, o que foi e o que será,<br />

vida e morte, num ser-se que é um<br />

pleno ser, uma plenitude presente. O<br />

homem já é tudo o que queria ser: rocha,<br />

mulher, ave, os outros homens e<br />

os outros seres. É imagem, casamento<br />

dos opostos, poema dizendo-se a si<br />

mesmo. É, enfim, a imagem do homem<br />

encarnado no homem.<br />

O ensaio também não demora<br />

a apresentar ressalvas, alertas que<br />

soam como defesas antecipadas às<br />

prováveis críticas, como ao repetir<br />

que suas afirmações não devem<br />

ser tomadas como mera teoria ou<br />

especulação, pois fundadas no testemunho<br />

do encontro com poemas.<br />

Nenhum esclarecimento ou<br />

justificativa, no entanto, evitaria<br />

que seu trabalho fosse questionado,<br />

colocado na esfera dos empreendimentos<br />

“sem rigor”, “dispersos” e<br />

“inconsistentes”, onde são freqüentemente<br />

locados também Cortázar,<br />

Borges, Blanchot e outros, cuja<br />

permanência e renovado fascínio<br />

— que pode nascer também da leitura<br />

antitética — são uma provocação:<br />

teria a crítica posterior a eles<br />

oferecido realmente mais rigor, ou<br />

recaído na armadilha dos clichês e<br />

das trilhas pasteurizadas que raramente<br />

resistem ao tempo ou a uma<br />

interrogação?<br />

o auTor<br />

ocTaVio paz<br />

(1914-1998) nasceu e faleceu<br />

na Cidade do méxico. foi<br />

um dos mais importantes e<br />

influentes poetas e ensaístas<br />

hispano-americanos, além<br />

de tradutor e diplomata.<br />

Passou a infância nos<br />

estados unidos, experiência<br />

de alteridade que seria<br />

fundamental para o seu<br />

primeiro livro, o labirinto<br />

da solidão, de 1950.<br />

também foram publicados<br />

no brasil conjunções e<br />

disjunções (1969) e a outra<br />

voz (1990), entre outros.<br />

o arco e a lira<br />

octavio Paz<br />

trad.: ari roitman e<br />

Paulina Wacht<br />

Cosac naify<br />

352 págs.<br />

Trecho<br />

o arco e a lira<br />

“a poesia é conhecimento,<br />

salvação, poder,<br />

abandono. operação<br />

capaz de transformar<br />

o mundo, a atividade<br />

poética é revolucionária<br />

por natureza; exercício<br />

espiritual, é um método<br />

de libertação interior. a<br />

poesia revela este mundo;<br />

cria outro. Pão dos eleitos;<br />

alimento maldito. isola;<br />

une. Convite à viagem;<br />

regresso à terra natal.<br />

inspiração, respiração,<br />

exercício muscular. súplica<br />

ao vazio, diálogo com a<br />

ausência, é alimentada<br />

pelo tédio, pela angústia<br />

e pelo desespero.<br />

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