escrito pelo eminente Chefe Naval, logo após deixar - Clube Naval
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S emana<br />
daPátria<br />
Issn 0102-0382 • ano 118 • nº 355 • jul/ago/set • 2010
Nesta edição:<br />
4 editorial<br />
• Realizações do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> no último trimestre<br />
6 eM PaUta<br />
• Notas sobre acontecimentos no CN<br />
9 seMana da Pátria<br />
IndependêncIa do brasIl • alocução proferida <strong>pelo</strong><br />
cMg cláudio da costa braga, na sessão solene.<br />
16 indePendência<br />
sete de seteMbro<br />
• Valte sergio tasso Vásquez de aquino<br />
18 análise Política<br />
o equíVoco de Israel • desembargador reis Friede<br />
23 defesa<br />
IntelIgêncIa na época nuclear<br />
• cMg sergio l. Y. dos guaranys<br />
28 atUalidade<br />
o clube nuclear e os "penetras"<br />
• cMg Fernando Malburg da silveira<br />
34 coMUnidades indígenas<br />
soMos todos sIMplesMente brasIleIros<br />
• alte Mario cesar Flores<br />
36 dhn<br />
a naVegação eM prol do desenVolVIMento<br />
econôMIco • diretoria de Hidrografia e navegação<br />
40 Marinha do brasil<br />
sobreVIVêncIa do socIalIsMo • Walter arnaud<br />
Mascarenhas<br />
46 atUalize-se<br />
• Fatos de interesse naval<br />
48 viagens<br />
Floresta aMazônIca, uM destIno que cada Vez<br />
MaIs atraI a atenção dos brasIleIros<br />
• ct rosa nair Medeiros<br />
56 viagens<br />
dubroVnIck. a pérola do adrIátIco<br />
• comte jaime Florencio de assis Filho<br />
60 segUnda gUerra<br />
a últIMa entreVIsta coM uM Veterano de guerra<br />
• raul coelho barreto neto<br />
64 segUnda gUerra<br />
be4 bauru, uM síMbolo VIVo da partIcIpação da<br />
Mb na II guerra MundIal • cMg William carmo cesar<br />
68 história naval<br />
MonItor parnaíba • alte oscar Moreira da silva<br />
69 saúde naval<br />
104 anos do laboratórIo<br />
FarMacêutIco da MarInHa<br />
72 leia Mais<br />
• lançamentos e doações de livros à<br />
biblioteca do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong><br />
74 últiMa Página<br />
exposIção dos alunos do InstItuto<br />
benjaMIM constant<br />
indePendência do<br />
brasil Pág 9 os fatos<br />
que antecederam o<br />
grito do Ipiranga, sob a<br />
visão dos historiadores<br />
portugueses • cMg<br />
cláudio da costa braga<br />
o clUbe nUclear e<br />
os "Penetras"<br />
Pág 28 a delicada<br />
questão do poder nuclear<br />
no mundo • cMg<br />
Fernando Malburg da<br />
Silveira<br />
o eqUívoco de<br />
israel Pág 18 um<br />
erro estratégico de Israel<br />
em relação à sua posição<br />
sobre o desenvolvimento<br />
nuclear do Irã, que<br />
poderá comprometer a<br />
paz mundial • Reis<br />
Friede<br />
soMos todos<br />
siMPlesMente<br />
brasileiros<br />
Pág 34 a política<br />
social correta para a<br />
preservação dos índios<br />
brasileiros • alte Mario<br />
cesar Flores
O <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> prosseguiu<br />
com as inúmeras atividades do<br />
centenário da Sede Social.<br />
EVENTOS:<br />
• Sessão Solene em<br />
homenagem à Semana da<br />
Pátria, com a alocução do CMG<br />
(RM-1) Cláudio da Costa Braga.<br />
• Missa na Igreja Nossa Senhora<br />
da Candelária, em memória aos<br />
Mortos da Marinha do Brasil e<br />
da Marinha Mercante Brasileira<br />
na 2ª Guerra Mundial.<br />
• Reunião, seguida de coquetel<br />
e almoço, dos Veteranos da<br />
Marinha na 2ª Guerra Mundial.<br />
• Roda de Choro.<br />
• Palestra do AE José Alberto<br />
Accioly Fragelli – “Programa da<br />
Construção do Submarino<br />
Nuclear”.<br />
• Inauguração da Exposição do<br />
Instituto Benjamin Constant,<br />
que cuida de deficientes visuais.<br />
• Lançamento da Antologia<br />
Ítalo-Brasiliana di Lettere ed<br />
Arti, Do Coliseu ao Corcovado.<br />
• Lançamento do livro Minha<br />
travessia, de autoria do AE<br />
Roberto de Guimarães Carvalho.<br />
• Lançamento do livro 1910 –<br />
o fim da chibata, de autoria<br />
do CMG (RM1) Cláudio da<br />
Costa Braga.<br />
• Lançamento do livro Milhas<br />
navegadas, de autoria do<br />
CA Oscar Moreira da Silva.<br />
• Palestra do Comte da<br />
Marinha, AE Julio Soares<br />
de Moura Neto, tema<br />
“Atualidades da<br />
Marinha do Brasil”.<br />
• Premiação do Concurso<br />
Literário de Poesia do <strong>Clube</strong><br />
<strong>Naval</strong>, em torno de 100<br />
participantes.<br />
• Noite Italiana.<br />
• Torneio de Tiro<br />
Independência, na Linha de<br />
Tiro da Base de Fuzileiros<br />
Navais da Ilha do Governador,<br />
de 20 a 27 de setembro de 2010.<br />
• Inauguração do 41o Salão de<br />
Belas Artes. Exposição aberta<br />
ao público de 30 de setembro<br />
a 22 de outubro.<br />
Nesta edição de nossa Revista<br />
serão ressaltados os assuntos<br />
acima mencionados, além dos<br />
inúmeros artigos relacionados<br />
às atividades de nossa Classe.<br />
• • •<br />
<strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong><br />
Av. Rio Branco, 180 • 5º andar<br />
Centro • Rio de Janeiro • RJ<br />
Brasil • 20040-003<br />
Tel.: (21) 2112-2425<br />
Presidente<br />
V Alte Ricardo Antonio da Veiga Cabral<br />
Diretor do Departamento Cultural<br />
V Alte José Eduardo Pimentel de Oliveira<br />
• • •<br />
Editoria<br />
VAlte José Eduardo Pimentel de Oliveira<br />
CMG Adão Chagas de Rezende<br />
Jornalista Responsável<br />
Antônio de Oliveira Pereira<br />
(DRT-MT. Reg. 15.712)<br />
Direção de Arte e Diagramação<br />
AG Rio - Comunicação Corporativa<br />
ag-rio@agcom.com.br<br />
(21) 2569-9651<br />
Produção<br />
Luciana Buarque Goulart<br />
José Carlos Medeiros<br />
Atendimento Comercial<br />
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As informações e opiniões emitidas em<br />
entrevistas, matérias assinadas e cartas<br />
publicadas são de exclusiva responsabilidade<br />
de seus autores. Não exprimem,<br />
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Brasil, nem do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, a menos que<br />
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A transcrição ou reprodução de matérias aqui<br />
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da autorização prévia da Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />
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• • •
EVENTOS E<br />
COMEMORAÇõES<br />
NA SEDE SOCIAL<br />
ALMOÇO<br />
COMENCH • o presidente do<br />
clube naval, Vc ricardo antonio<br />
da Veiga cabral e a diretoria do<br />
clube receberam o Vc eduardo<br />
Monteiro lopes e oficiais do<br />
comando-em-chefe-da-esquadra<br />
(coMencH) para um almoço no<br />
salão dos conselheiros no dia<br />
12 de julho passado.<br />
HOMENAGEM AO NOVO<br />
SÓCIO EFETIVO • dia 13 de julho, no salão Vermelho, o<br />
tenente Melchizedeche afonso de carvalho foi agraciado <strong>pelo</strong><br />
presidente do clube naval com o título de sócio efetivo do<br />
clube naval, tendo na ocasião recebido a carteira de sócio e<br />
uma placa comemorativa do centenário da sede.<br />
MISSA NA IGREJA DA CANDELÁRIA E ALMOÇO NA<br />
SEDE SOCIAL DO CLUBE NAVAL • o primeiro distrito naval, o clube naval e a sociedade de amigos da<br />
Marinha realizaram a Missa solene em memória dos integrantes da Marinha do brasil e da Marinha Mercante brasileira<br />
que perderam suas vidas em operações no mar durante a segunda guerra Mundial. no dia 14 de julho, às<br />
10 horas, a Missa foi celebrada <strong>pelo</strong> capelão-de-Mar-e-guerra (cn) nelson dendena, capelão-chefe da Marinha<br />
do brasil, na Igreja nossa senhora da candelária, contando com a participação especial do coral do clube naval<br />
e com representantes de várias oMs. Foi oferecido em seguida um almoço, por adesão, na sede social do clube<br />
naval, para os veteranos que serviram na guerra e convidados.<br />
PRESIDENTE<br />
RECEBE EQUIPE DA FOLHA<br />
DIRIGIDA • o alteVeiga cabral e<br />
o alte rios receberam no dia 23 de<br />
julho o presidente da Folha dirigida,<br />
adolfo Martins com os senhores<br />
afonso Faria e josé luiz de Mello.<br />
os convidados participaram de<br />
um almoço juntamente com o<br />
representante da adesg, professor<br />
edson schetine, que agradeceu o<br />
apoio dado pela Folha dirigida ao<br />
clube naval.<br />
PALESTRA ALTE FRAGELLI • o ae josé<br />
alberto accioly Fragelli pronunciou uma palestra<br />
sobre “o submarino nuclear brasileiro”, no dia<br />
20 de julho. o evento foi realizado no salão dos<br />
conselheiros.<br />
6 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 7<br />
REUNIÃO ANUAL<br />
DE PRESTAÇÃO DE CONTAS • realizada no salão dos conselheiros<br />
a reunião anual de prestação de contas que foi iniciada às 17:30h do dia<br />
28 de julho, sendo convidado o ae josé julio pedrosa para dirigir a mesa.<br />
25 ANOS DA APRAMA • o comte França foi homenageado <strong>pelo</strong> presidente Veiga cabral<br />
<strong>pelo</strong>s 25 anos da apraMa que vem durante todos esses anos apoiando o clube naval em seus<br />
eventos e ocasiões que propiciam a união e o desenvolvimento da classe marinheira.<br />
o evento contou também com a presença das esposas que receberam flores<br />
da sra. elsa Veiga cabral.
PATRÍCIA AMORIM<br />
NO CLUBE NAVAL • a Vereadora<br />
e presidente do Flamengo, patrícia<br />
amorim foi convidada com seus pais<br />
e o esposo para um almoço com os<br />
flamenguistas sócios do clube. entre os<br />
presentes estavam o presidente do clube<br />
naval, alte Veiga cabral, o alte karam,<br />
e o alte pimentel, diretor cultural.<br />
<strong>após</strong> os agradecimentos, houve a troca<br />
de presentes em que o alte Veiga cabral<br />
recebeu a camisa 10 do Flamengo, e<br />
a vereadora uma placa comemorativa<br />
do centenário.<br />
ALMOÇO<br />
COM FERNANDO<br />
BICUDO • o comte belém,<br />
com o apoio do departamento<br />
cultural, organizou o grupo<br />
de Música que deu início a<br />
uma série de palestras sobre<br />
ópera. para iniciar esta etapa<br />
foi convidado o artista e diretor<br />
Fernando bicudo, no dia 18<br />
de agosto, que antes do evento<br />
almoçou com o presidente<br />
Veiga cabral e a diretoria<br />
do clube.<br />
ALMOÇO COM A<br />
SAÚDE • dia 18 de agosto a<br />
Diretoria do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> reuniu-se<br />
para mais uma confraternização com<br />
a Diretoria de Saúde da Marinha no<br />
salão dos conselheiros.<br />
EVENTOS E<br />
COMEMORAÇõES<br />
NA SEDE SOCIAL<br />
seMana da Pátria<br />
A INDEPENDêNCIA DO<br />
BRASIL<br />
UMa visão<br />
PortUgUesa<br />
Alocução proferida <strong>pelo</strong> Capitão-de-Mar-e-Guerra Cláudio da Costa Braga, na<br />
Sessão Solene do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> em homenagem à Semana da Pátria.<br />
A história da Independência do Brasil, principalmente o período<br />
que a antecedeu, de 1808 a 1822, já foi muito estudada <strong>pelo</strong>s<br />
historiadores brasileiros. Achei-me, então, na obrigação de fazer<br />
uma abordagem que fosse pouco conhecida. Para isso, fui<br />
buscar em autores portugueses os seus pontos de vista sobre<br />
a nossa Independência. Não que esses pontos de vista sejam,<br />
necessariamente, diferentes, podendo ser até semelhantes,<br />
entretanto observaremos enfoques distintos daqueles<br />
que sempre nos foram apresentados.<br />
Diversas são as abrangências, ênfases e qualificações apresentadas <strong>pelo</strong>s<br />
historiadores, portugueses ou brasileiros, ao tratarem da ruptura<br />
política do Brasil e Portugal, ocorrida em 7 de setembro de 1822.<br />
Observei nesse estudo que alguns deles, principalmente os brasileiros,<br />
apresentam a nossa independência dentro de um processo cheio de<br />
tensões, conflitos, guerras e profundas alterações na ordem vigente.<br />
Já os portugueses, tentam mostrar nossa independência inserida<br />
dentro de um processo amplo, relacionado, de um lado, com a crise do sistema<br />
colonial tradicional e com a crise das formas absolutistas de governo e, de<br />
outro, com as lutas liberais e nacionalistas que se sucederam na Europa<br />
e na América nos fins do século XVIII, aqui incluídas a Independência<br />
Americana (em 1776), a Revolução Francesa (em 1789) e o fim do<br />
Império Espanhol nas Américas a partir de 1810.<br />
Em todos os casos, porém, são marcantes três acontecimentos que iriam<br />
contribuir profundamente para o nosso processo de independência:<br />
5 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 353 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 9
O primeiro deles inicia-se com a mudança da sede da Monarquia<br />
portuguesa para o Brasil, em decorrência da invasão da Metrópole por<br />
forças napoleônicas. Atos consequentes, como o que franqueava os<br />
portos do Brasil ao comércio internacional, contribuiriam para o crescimento<br />
econômico da Colônia e mudanças políticas significativas.<br />
Muitos historiadores portugueses consideram este Ato um dos<br />
mais nefastos para Portugal, pois com ele se extinguiria o Pacto<br />
Colonial e o monopólio comercial que impunham ao Brasil.<br />
De uma hora para outra desmoronaria todo o processo de lucro<br />
que por mais de 300 anos os grandes beneficiários haviam sido os<br />
portugueses, que agora desesperados viam extinguir-se o tempo dos<br />
privilégios e monopólios. Tudo se agravava ainda mais pela crescente<br />
Revolução Industrial em curso na Inglaterra.<br />
Para os portugueses, todos os males pareciam advir da permanência<br />
da Corte no Brasil e da autonomia concedida à Colônia. Era<br />
pensamento comum em Portugal que o regresso da Corte a Lisboa<br />
teria como consequência natural o fim dos privilégios da Colônia e<br />
o retorno dos benefícios que o Pacto Colonial lhes proporcionava.<br />
Era para D. João VI uma situação muito difícil, ser ao mesmo<br />
tempo rei de Portugal e do Brasil, dois povos que neste momento<br />
possuíam interesses opostos.<br />
O segundo foi a criação do Reino de Portugal, Brasil e Algarves,<br />
pondo um fim ao regime colonial nas Terras de Santa Cruz. Este Ato<br />
criou uma situação paradoxal – o Brasil faria parte do Reino, tinha<br />
a sua sede no momento, porém os brasileiros não desfrutavam dos<br />
mesmos direitos e benefícios dos portugueses, apesar de com seus<br />
impostos sustentarem a Corte e o governo.<br />
O terceiro seria decorrente do processo que levaria ao retorno<br />
de D. João VI a Portugal iniciado com a revolução de 24 de agosto<br />
de 1820, na cidade do Porto. Em continuação, no Rio de Janeiro<br />
um movimento militar, em 26 de fevereiro de 1821, pressionou<br />
o regresso da Corte a Lisboa. D. João VI, muito a contragosto,<br />
decide então regressar a Portugal, ficando D. Pedro como Regente<br />
no Brasil. O posicionamento liberal e nacionalista dessa<br />
revolução que, intransigente e radicalmente, desejava manter o<br />
regime colonial no Brasil, criou fortes reações dos brasileiros,<br />
Mudança da sede da Monarquia portuguesa para o brasil<br />
10 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355<br />
apressando com isso a nossa independência política, embora esta<br />
estivesse na lógica dos acontecimentos.<br />
Vamos ver, então, como tudo se processaria, com a visão dos<br />
historiadores portugueses sobre esses três acontecimentos:<br />
A conturbada situação política vivida na Europa no início do<br />
século XIX e especificamente por Portugal, com seu território<br />
invadido por tropas de Napoleão, ameaçando a continuidade da<br />
dinastia dos Bragança, fizeram com que o Príncipe Regente Dom<br />
João, juntamente com seus familiares e a Corte, transferirem-se<br />
para a sua principal colônia, o Brasil.<br />
A partir de 1808, diversas foram as alterações que se processaram<br />
na sociedade brasileira, principalmente nos aspectos econômico, social<br />
e cultural. Essas mudanças foram tão marcantes que provocariam<br />
modificações políticas irreversíveis entre o Brasil e Portugal.<br />
Com a vinda da Família Real e boa parte da nobreza, as exigências<br />
de melhores bens de consumo aumentaram e tornava-se<br />
necessário o seu provimento sem que se dependesse das importações<br />
estrangeiras.<br />
Consta que foram trazidos para o Brasil, não só do Tesouro Real,<br />
mas também pelas famílias que para cá vieram, o quantitativo de<br />
200 milhões de cruzados, uma fortuna na época, e que se tornaram<br />
disponíveis para investimento e consumo. A Colônia se capitalizara<br />
de uma hora para outra. Como fator comparativo, no retorno da<br />
Família Real para Portugal foram levados cerca de 50 milhões, valor<br />
este que caracterizaria uma quase falência do Brasil.<br />
Diversos passam a ser os atos liberalizantes editados pela Coroa,<br />
principalmente no comércio exterior, entre eles podemos destacar:<br />
a abertura dos portos às nações amigas; o favorecimento aos<br />
ingleses, com taxas baixas para importação de seus produtos;<br />
a instalação no Brasil de várias indústrias.<br />
O fim da prática mercantilista aplicada pela Metrópole à sua<br />
Colônia, permitiria maior comércio do Brasil sem a interferência<br />
da Metrópole, provocando grande incentivo econômico e marcantes<br />
mudanças sociais e políticas decorrentes.<br />
Também a imigração de estrangeiros foi estimulada a partir de<br />
1808, principalmente suíça, italiana e alemã, assim como a de se<br />
manter aqui os portugueses.<br />
O impacto da chegada da Corte portuguesa no Brasil causou<br />
dois sentimentos antagônicos. O primeiro deles foi o de hostilidade<br />
aos novos residentes, em decorrência do grande incômodo que tal<br />
quantidade de pessoas, e das mais exigentes, provocou aos<br />
moradores da cidade, tendo alguns deles sido<br />
obrigados a cederem suas próprias residências<br />
para os nobres portugueses<br />
que aqui chegaram. Como dado<br />
para comparação, o acréscimo<br />
de pessoas na cidade<br />
foi da ordem de 15 mil<br />
para uma população de<br />
60 mil. O outro sentimento<br />
era de regozijo<br />
<strong>pelo</strong> fato de estarem podendo desfrutar da convivência de tão requintadas<br />
famílias, de uma nobreza das mais antigas da Europa.<br />
As mudanças sociais foram significativas e aconteceram rápido<br />
tendo em vista a predisposição de se aceitar modos e costumes de<br />
tão requintados personagens. Uma das maiores características foi<br />
nas vestimentas, que passaram a ter as características europeias,<br />
principalmente na figura feminina.<br />
Também na construção houve modificações sensíveis, principalmente<br />
nas habitações, onde luxuosas residências passaram<br />
a ser erguidas para a acomodação dos nobres e burgueses mais<br />
endinheirados, normalmente de portugueses e estrangeiros,<br />
e também de diplomatas que para cá se transferiram. Outras<br />
modificações mais aconteceriam principalmente nos hábitos<br />
alimentares, no incremento de festividades e manifestações culturais<br />
como ópera e teatro, nas belas-artes com a vinda da Missão<br />
de Artes da França, a criação de curso de medicina, comércio, a<br />
Biblioteca Pública e o Jardim Botânico.<br />
Não seria mais possível continuar o Brasil a ser governado como<br />
colônia. Era necessário fazê-lo funcionar como um reino, e assim<br />
organizar e implementar os serviços governamentais e de atividade<br />
política de um Estado. Criou-se, então, o Conselho Superior de<br />
Justiça, o Arquivo Militar do Brasil, a Mesa do Desembargo do Paço,<br />
a Mesa da Consciência e Ordens, a Intendência Geral, a<br />
Jardim botânico<br />
retorno de d. João vi a Portugal<br />
Polícia da Corte, a Junta de Comércio-Agricultura-Fábricas<br />
e Navegação, a Casa da<br />
Moeda, um Banco Público, a Fábrica<br />
Real da Pólvora, a Imprensa<br />
Régia, o Erário e o Conselho<br />
de Fazenda. Elevouse<br />
a Relação do Rio à<br />
Casa de Suplicação<br />
do Brasil e Superior<br />
Tribunal de Justiça.
Remodelaram-se o Arsenal Real de Marinha e o Recrutamento para<br />
recompletar os Regimentos de Linha. Todos esses nomes são os da<br />
época, e decidi preservá-los.<br />
Em 1815, a elevação do Brasil a reino e a propaganda que se fez na<br />
Europa da criação de um novo reino na América do Sul, somadas às<br />
medidas liberalizantes de D. João, aguçaram a curiosidade estrangeira<br />
sobre essa terra tão distante que era o Brasil. Com isso, os interesses<br />
despertados nos estudiosos das ciências naturais os levaram a vir<br />
para cá, tendo sido eles os responsáveis <strong>pelo</strong> grande incremento no<br />
conhecimento, mais profundo, sobre nossos recursos naturais. Nessa<br />
ocasião várias expedições científicas vieram ao Brasil, para registrar a<br />
fauna, a flora e estudar o povo brasileiro.<br />
Todas essas alterações viriam a modificar os modos de ser e de<br />
pensar dos brasileiros, muitos influenciados também pela repentina<br />
abundância de livros e periódicos que passaram a circular, divulgando<br />
novas ideologias, de tendência liberal e de formação de um<br />
espírito de autonomia. Não podemos <strong>deixar</strong> de destacar a Revolução<br />
Republicana Pernambucana de 1817, que estabeleceu, por 80 dias,<br />
uma República, com a adesão das províncias de Alagoas, Ceará,<br />
Rio Grande do Norte e Paraíba, tendo chegado inclusive a adotar<br />
uma Constituição. Sairia desse cenário, anos mais tarde, o título do<br />
Patrono da Marinha do Brasil – o Marquês de Tamandaré.<br />
Debelada essa revolta, juntamente com o fim da invasão da Guiana<br />
Francesa e a incorporação da Província Cisplatina ao Reino caracterizariam<br />
a intenção de D. João em formar um Império no Brasil.<br />
Porém, terminadas as guerras na Europa, Portugal entra num<br />
processo de Regeneração que acabaria colidindo com as liberdades<br />
comerciais agora já vividas <strong>pelo</strong> Brasil.<br />
D. João VI postergava o seu retorno a Lisboa, mesmo tendo<br />
sido solicitado o seu regresso <strong>pelo</strong> Conselho de Governadores e por<br />
diversas Casas Reais da Europa.<br />
A Inglaterra, uma das maiores incentivadoras desse retorno,<br />
chegou a enviar uma Esquadra para comboiar o regresso. Essa<br />
manifestação seria um dos primeiros indícios da Grã-Bretanha em<br />
apoiar a independência do Brasil trazendo para si grandes vantagens<br />
comerciais com o Brasil independente.<br />
A Revolução Liberal de 24 de agosto de 1820, na cidade do<br />
Porto, <strong>logo</strong> repercutiria em várias províncias do Brasil, que aderiram<br />
à causa da Regeneração. Essa causa pretendia reerguer a<br />
Monarquia portuguesa, com a união de todos os seus territórios,<br />
a volta do controle de Lisboa sobre suas colônias, inclusive o monopólio<br />
comercial. Logo, o processo de Regeneração defendido em<br />
Lisboa torna-se antagônico com as liberdades, principalmente a do<br />
comércio vivida <strong>pelo</strong> Brasil. Era de se esperar que, com a saída do<br />
monarca, os brasileiros não aceitariam mais o retrocesso de suas<br />
liberdades, principalmente as comerciais. D. João insistia em ficar<br />
no Brasil, até que um Ato da Assembleia Constituinte em Lisboa,<br />
de 15 de janeiro de 1821, exigiu o seu regresso.<br />
A Província do Pará em 1º de fevereiro de 1821, Bahia em 10 e<br />
Maranhão foram as primeiras onde seus governadores portugueses<br />
aderiram ao movimento Liberal e à Causa da Regeneração.<br />
D. João VI, sob pressão das tropas portuguesas no Rio de Janeiro,<br />
decide pela transferência da Corte para Lisboa em março de 1821. Esse<br />
Ato torna-se de muita importância, pois o regresso a Lisboa da Corte e<br />
a consequente tentativa de se retirar do país as liberdades conquistadas<br />
iriam contribuir para a ruptura do Brasil com Portugal.<br />
Em abril, o Congresso português promulga uma portaria onde<br />
considera legítimos todos os governos estabelecidos ou que se estabelecerem<br />
nos Estados portugueses do ultramar e ilhas adjacentes<br />
que abraçarem a Causa da Regeneração. Em seguida, manda que se<br />
procedam as devidas eleições de deputados para a sua representação<br />
à Corte. Com esta ação, as províncias, agora de norte a sul do Brasil,<br />
passam a apoiar a Regeneração.<br />
Diante desse apoio, e já com o regresso de D. João a Portugal,<br />
ocorrido em 4 de julho de 1821, a Corte em Lisboa passa a deliberar,<br />
mesmo sem a presença dos representantes das províncias, criando<br />
um conflito com a recusa dos representantes provincianos em<br />
aceitar tais deliberações. Vale destacar que quando de sua chegada<br />
a Lisboa, D. João VI encontraria um reino fragilizado politicamente,<br />
com ameaças substanciais até da manutenção da Monarquia e do<br />
regime liberal que se vivia, além de muito endividado.<br />
O problema se agravaria quando a Corte passa a tomar novas<br />
deliberações no intuito de fazer retirar do Brasil a situação de liberdade<br />
política e comercial que alcançara, tentando retorná-lo à<br />
situação de colônia. Três delas se destacam:<br />
A) Decreto de 29 de setembro de 1821 das Cortes Gerais – que<br />
estabelecia nova administração política, militar e financeira para<br />
o Brasil, todas sujeitas diretamente à Corte em Lisboa, e exigia o<br />
regresso de D. Pedro, por não ser mais a sua presença no Brasil,<br />
necessária. Esta medida só chegaria ao Brasil em 10 de dezembro<br />
de 1821, provocando forte reação do grupo que defendia uma separação<br />
de Portugal.<br />
Na verdade existiam no Brasil, no aspecto social e ideológico,<br />
três partidos:<br />
1º – que defendia a união luso-brasileira, constituída basicamente<br />
de portugueses;<br />
2º – constituída por senhores de engenho, empregados públicos<br />
e alguns eclesiástico influentes, defendiam um governo independente,<br />
com sede no Rio de Janeiro com uma Constituição Moderada<br />
e duas Câmaras; e<br />
3º – um Partido Democrata, muito numeroso, constituído <strong>pelo</strong><br />
povo em geral que defendia a existência de governos provinciais<br />
independentes.<br />
Opondo-se a toda essa pressão de Lisboa, o Senado no Rio de<br />
Janeiro cobra uma posição de D. Pedro, que publicamente declara,<br />
em 9 de janeiro de 1822, que aqui ficaria, celebrizando-se esta data<br />
como “O Dia do Fico”.<br />
B) Outra foi quando, em 13 de janeiro de 1822, extinguiram-se<br />
os Tribunais de Justiça aqui estabelecidos depois de 1808.<br />
C) A outra foi relacionada à situação da tropa militar portuguesa<br />
no Brasil, era desejo dos brasileiros que as tropas militares fossem<br />
formadas por elementos aqui nascidos.<br />
Nesse momento, observa-se o início de uma separação nítida<br />
entre as Províncias do Norte, fiéis à Corte e com centro na Província<br />
da Bahia e as do sul, separatistas. Destaca-se o posicionamento<br />
independente de Pernambuco que não só queria mudar a relação de<br />
dependência como também modificar o sistema político no Brasil.<br />
É célebre uma declaração da Província de São Paulo a D. Pedro:<br />
“Ou vai e nós nos declaramos independentes, ou fica e então<br />
continuamos a estar unidos e seremos responsáveis pela falta de<br />
execução das ordens do Congresso; além disso, tanto os ingleses<br />
europeus como os americanos ingleses nos protegem na nossa<br />
independência no caso de ir Sua Alteza”.<br />
Esta atitude revelaria que os separatistas contavam obter o apoio<br />
dos EUA e da Grã-Bretanha.<br />
Os deputados de São Paulo no Congresso em Lisboa assim se<br />
manifestaram:<br />
“Os povos do Brasil são tão portugueses como os de Portugal<br />
e por isso hão de ter iguais direitos e se assim não fosse a nossa<br />
união não duraria um mês.”<br />
dom João vi e dom Pedro i<br />
12 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 13<br />
Como resposta das Cortes portuguesas ao que acontecia no<br />
Brasil, foi criada em 18 de março de 1822, a Comissão Especial dos<br />
Negócios Políticos do Brasil que em seu primeiro parecer propunha,<br />
entre outras resoluções opressivas, que:<br />
• o Príncipe permanecesse no Rio de Janeiro enquanto não se<br />
fizesse a organização geral do governo do Brasil;<br />
• não se instalasse a Junta Provisional no Rio de Janeiro;<br />
• se fizesse executar o decreto de extinção dos tribunais; e<br />
• as Juntas de Fazenda passassem a ficar subordinadas às Juntas<br />
Provisionais em Lisboa.<br />
Esse mesmo documento aconselhava o Congresso a não transigir<br />
quanto às relações comerciais que a Comissão considerava um dos<br />
mais fortes vínculos de união e que deviam ser discutidas na base<br />
da reciprocidade.<br />
Vale destacar que o fator tempo e distância fizeram com que<br />
nem sempre os atos promulgados em Portugal e no Brasil fossem<br />
um decorrente do outro. Muitos deles foram promulgados sem se<br />
ter conhecimento dos atos promulgados <strong>pelo</strong> outro.<br />
No Brasil continuava a evolução do sentimento de independência.<br />
As províncias de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e<br />
Minas Gerais pressionavam o Príncipe a tomar medidas de oposição<br />
às deliberações portuguesas. Uma delas consistia na determinação<br />
do regresso a Portugal das tropas portuguesas sediadas no Brasil.<br />
Outra medida tomada por D. Pedro foi a convocação, em 3 de<br />
junho de 1822, de uma Assembleia Constituinte e Legislativa com<br />
a pretensão de atingir autonomia legislativa, embora mantendo<br />
a união com a Coroa portuguesa, além de declarar-se Regente<br />
Constitucional. Nesse dia D. Pedro recebe o título de Defensor<br />
Perpétuo do Brasil.<br />
Como podemos depreender, o Brasil queria a sua independência,<br />
mas firmada sobre a união bem entendida com Portugal.<br />
Mas o Congresso em Lisboa não tinha um perfeito conhecimento<br />
da realidade brasileira, recusando-se a votar os artigos referentes<br />
à criação de dois Congressos, um em Portugal e outro no Brasil,<br />
além de Cortes Gerais na Capital do Império. A Carta de D. Pedro<br />
informando sobre a convocação da Assembleia Constituinte e a<br />
sua proclamação como Regente Constitucional só se tornariam do<br />
conhecimento em Lisboa a 26 de agosto.<br />
A crise aumentou no Congresso em Lisboa, tendo os representantes<br />
das províncias brasileiras solicitado a anulação de suas<br />
representações. A Comissão de Constituição em Lisboa, reunida em<br />
urgência, renega a solicitação dos deputados brasileiros.<br />
Interessante destacar é que devido ao fator tempo e distância que<br />
dificultavam e tornavam demoradas as disseminações dos conhecimentos<br />
na ocasião, é que em 24 de setembro de 1822, quando nossa<br />
independência já estava proclamada por D. Pedro, a Assembleia<br />
Constituinte em Lisboa decreta a nomeação de uma Regência no<br />
Brasil nos termos da Constituição portuguesa, devendo o Príncipe<br />
Regente voltar a Portugal no prazo de 30 dias, sob pena de perda dos<br />
seus direitos ao trono português, anulando o decreto de 3 de junho<br />
de 1822 que convocava a Constituinte do Brasil, assim como todos<br />
os atos de D. Pedro. Esse decreto tornou-se inócuo e inaplicável,<br />
pois o Brasil já era independente desde o glorioso “7 de setembro”,<br />
nas margens do Ipiranga, em São Paulo.<br />
O que levaria D. Pedro à proclamação de nossa independência foi<br />
quando recebeu de Portugal o decreto de 23 de julho, que embora<br />
permitisse a sua permanência no Brasil até à publicação da futura<br />
Constituição Portuguesa, exigia a aplicação imediata do decreto<br />
de 29 de setembro de 1821 e a instalação das Juntas Provisionais,<br />
que ficariam subordinadas diretamente a Portugal. Este decreto
chegaria às mãos da Imperatriz Leopoldina, que se encontrava na<br />
Fazenda Santa Cruz, hoje um bairro do Rio com o mesmo nome, e<br />
que junto com José Bonifácio mandara que o Major Cordeiro fizesse<br />
chegar às mãos de D. Pedro tal decreto.<br />
Nada mais além da diplomacia restaria nas relações entre os dois<br />
reinados. Já nada podia fazer Portugal para recuperar o Brasil.<br />
A separação do Brasil, para Portugal, seria calamitosa em termos<br />
econômicos. Portugal estava arrasado depois de tantos percalços<br />
devido às guerras napoleônicas. Era necessária a manutenção das<br />
condições de comércio estabelecidas com o Brasil. Estas, rompidas,<br />
iriam agravar ainda mais a situação econômica portuguesa.<br />
Os problemas econômicos e comerciais que se agravariam para<br />
Portugal com a separação do Brasil já haviam sido detectados há<br />
algum tempo. Em 5 de fevereiro de 1821, em relatório apresentado<br />
às Cortes, vislumbrava-se o incremento das transações comerciais de<br />
Portugal com suas demais colônias, principalmente as africanas.<br />
Nesse período pré-independência do Brasil, a opinião pública<br />
portuguesa, orientada por diversos periódicos, defendia uma posição<br />
de força contra as liberdades, principalmente comerciais, concedidas<br />
ao Brasil, sendo hostil à nossa separação e/ou a qualquer solução de<br />
conciliação. Apoiavam mesmo o uso da força para impor ao Brasil<br />
a sua subordinação à Corte. Ora, uma solução deste tipo, que só<br />
atenderia aos ânimos portugueses, nunca poderia ser aplicada sem<br />
o apoio externo. Entretanto, esse apoio externo não aconteceria<br />
devido ao quase completo isolamento internacional que Portugal<br />
vivia naquele momento.<br />
Concluindo, considerando aspectos de estudo e análise dos<br />
pontos de vista dos historiadores portugueses, a Independência do<br />
Brasil não foi um acontecimento isolado do contexto internacional,<br />
podendo ser inserido em dois grandes movimentos que se caracterizaram<br />
no início do século XIX: o liberal e o das nacionalidades.<br />
A chegada da Família Real portuguesa em 1808 e o incremento<br />
de desenvolvimento que se processou na Colônia, tendo em vista as<br />
medidas liberalizantes decretadas <strong>pelo</strong> Príncipe Regente D. João,<br />
nos aspectos político, econômico e social, foram marcantes para<br />
estimular o sentimento de independência das lideranças e população<br />
brasileiras, juntamente com um profundo descontentamento na<br />
Metrópole, ajudariam a conduzir a um processo de ruptura.<br />
Outro aspecto interessante a se destacar foi o das promulgações<br />
dos Atos Governamentais, tanto do Brasil como de Portugal. Devido<br />
à distância entre os dois países e a demora para se conhecer a<br />
decisão de um e do outro, os atos nem sempre eram promulgados<br />
em decorrência de uma decisão tomada <strong>pelo</strong> outro.<br />
Historiadores portugueses destacam que o radicalismo político<br />
e a crise econômica vivida por Portugal, limitaram-no e o afastaram<br />
de decisões mais moderadas ou contemporizadas que permitissem<br />
soluções conciliatórias que aceitassem uma autonomia moderada<br />
que evitasse a ruptura do 7 de setembro.<br />
Os avanços econômicos e culturais alcançados <strong>pelo</strong> Brasil não<br />
poderiam mais ser travados, e por isso, qualquer decisão no sentido<br />
de suprimir privilégios já adquiridos, seria sempre mal aceita por<br />
quem está ávido por autonomia.<br />
Outra consideração também apresentada por historiadores portugueses<br />
é que o processo de Regeneração Política da Nação Portuguesa<br />
levou-a a um isolamento internacional, isto é da Europa monarquista,<br />
não permitindo qualquer apoio militar externo. Além disso, do ponto<br />
de vista econômico, o Brasil oferecia muito mais vantagens aos países<br />
europeus do que Portugal, daí o desinteresse daqueles pela manutenção<br />
da soberania portuguesa sobre o Brasil.<br />
Outro fato marcante era a hegemonia inglesa na ocasião. Pioneira<br />
na Revolução Industrial, a nossa independência e dos demais<br />
países da América do Sul era de grande importância no desenvolvimento<br />
do capitalismo britânico.<br />
Essa hegemonia fez com que os gabinetes britânicos procurassem<br />
sempre inserir o processo de Independência do Brasil no<br />
contexto geral da emancipação americana, impedindo todas as<br />
tentativas das potências europeias ou dos Estados Unidos para<br />
intervirem na América Latina, onde os novos países representavam<br />
um vasto mercado para os produtos da sua indústria.<br />
Vale destacar a existência de dois documentos antagônicos,<br />
encaminhados ao Rei D. João VI, a respeito de como Portugal<br />
deveria agir em decorrência de nossa independência. O primeiro<br />
deles, elaborado <strong>pelo</strong> primeiro-ministro – General Manoel Ignácio<br />
Martins Pamplona – 1º Conde de Subserra, defendia a linha<br />
de retorno da subordinação do Brasil a Portugal, mesmo com<br />
a intervenção militar, posição esta que se coadunava com forte<br />
influência francesa no governo de Portugal.<br />
Uma segunda posição, agora sob forte influência da Grã-Bretanha,<br />
era defendida <strong>pelo</strong> encarregado dos Negócios Estrangeiros<br />
– Marquês de Palmela, que defendia o reconhecimento de nossa<br />
independência e a aproximação ao novo Império, principalmente<br />
nos aspectos comerciais.<br />
Por fim, como a história nos ensina, qualquer processo de<br />
independência de um país de seu opressor, sempre foi precedido<br />
14 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 15<br />
de verdadeiras, longas e sangrentas guerras entre o colonizador e<br />
o colonizado. Entretanto, a nossa independência aconteceu sem<br />
derramamento de sangue e sem guerras expressivas.<br />
No Brasil, como em Portugal, alguns historiadores, <strong>após</strong> analisarem<br />
as cartas trocadas entre D. Pedro e D. João, nos meses que<br />
antecederam o 7 de setembro, cartas essas mais de pai para filho do<br />
que de monarca para súdito, chegam a vislumbrar que diante das<br />
circunstâncias que aqui se vivia e no crescente clima de liberdade,<br />
a nossa Independência nada mais teria sido do que fruto de uma<br />
brilhante estratégia de D. João VI e de D. Pedro.<br />
Independente de ter havido simulação ou emprego de estratégia,<br />
a verdade é que seria um remédio amargo para Portugal, mas que<br />
evitaria derramamento de sangue e atenderia aos interesses da<br />
Corte portuguesa, mantendo como primeiro imperador do Brasil<br />
um Príncipe Regente de Portugal.<br />
Em 13 de maio de 1825, D. João VI legitimaria a independência<br />
política do Império do Brasil, ressalvando para si o título de Imperador<br />
do Brasil e Rei de Portugal e Algarves e para D. Pedro o de<br />
Imperador do Brasil e Príncipe de Portugal e Algarves.<br />
O cenário da Independência do Brasil ficaria registrado para a<br />
posteridade no quadro de Pedro Américo, representando o relato<br />
deixado <strong>pelo</strong> Major Francisco de Castro Canto e Mello, que fazia<br />
parte da comitiva de D. Pedro em viagem a São Paulo, quando <strong>após</strong><br />
receber correspondências trazidas <strong>pelo</strong> Major Cordeiro, enviadas<br />
pela Princesa Leopoldina e José Bonifácio, assim teria dito:<br />
“É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de<br />
Portugal!”<br />
Estava, assim, proclamada a nossa Independência.
indePendência<br />
SETE DE SETEMBRO<br />
Vice-AlmirAnte<br />
Sergio tASSo VáSquez de Aquino<br />
Membro da Academia Brasileira de Defesa<br />
Hoje é o dia do aniversário do<br />
Brasil independente. É preciso abrir<br />
o coração, e proclamar, aos quatro<br />
ventos, nossa paixão pela Pátria!<br />
Como escrevi há tempos, “desde que nos percebemos<br />
como gente, sintonizando com o que e participando<br />
do que se passa em volta, surge um gosto, uma doce<br />
atração <strong>pelo</strong> ambiente em que estamos inseridos,<br />
pela paisagem física e anímica, pelas cores, <strong>pelo</strong>s aromas,<br />
<strong>pelo</strong>s lugares que se tornam mais conhecidos<br />
e, por isso, tão queridos. Quase sem sentirmos, vai<br />
crescendo no peito um amor que, <strong>logo</strong>, se transforma em forte e<br />
bendita paixão, para toda a vida: é assim que surge, e sentimos, o<br />
amor à Pátria, capaz de enternecer até as lágrimas e de inspirar e<br />
provocar dedicação visceral, sacrifício sem limites, entrega total,<br />
coragem ciclópica, heroísmo sem medo e sem vacilação.<br />
“Tomei nítida consciência de que era brasileiro, de que era filho<br />
de um País abençoado e pertencente a uma comunidade de pessoas,<br />
um povo, de características, valores, tradições, usos e costumes<br />
próprios e únicos, bem menino ainda, vivendo nos Estados Unidos<br />
da América com minha família, por três anos, durante a Segunda<br />
Guerra Mundial. Sim, era, sou brasileiro! Com que orgulho e paixão,<br />
transmitidos por meu pai, ampliados <strong>pelo</strong>s quatro anos em que<br />
fui aluno do nobre Colégio Militar do Rio de Janeiro, fortalecidos<br />
<strong>pelo</strong>s 41 anos de serviço na brava Marinha do Brasil, confirmados e<br />
reiterados por toda a minha vida! Até hoje, e enquanto viver, estou<br />
16 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 17<br />
a serviço do Brasil, da sua grandeza e da felicidade de sua gente, da<br />
preservação das instituições que nos ajudam a construir uma Nação<br />
justa, temente a Deus, em paz e harmonia!”<br />
O Brasil é a terra, o céu e o mar; as serras, as montanhas e<br />
as coxilhas; os planaltos, as planícies e os vales; as florestas, os<br />
bosques e os campos; os rios, os lagos, as lagoas e as lagunas; os<br />
sertões, as campinas e os cerrados; os manguezais, os alagados e<br />
os desertos; as árvores, as flores e os frutos; os animais de terra,<br />
das águas e dos ares.<br />
O Brasil são as gentes, de todas as origens, crenças e cores: morenas,<br />
mulatas, pretas, louras, ruivas, amarelas, vermelhas, de olhos<br />
verdes, negros, castanhos, azuis; de jeitos de falar com sotaques próprios<br />
e diferenciados, nada mais que variações pequenas da mesma e<br />
bendita língua portuguesa, em que todas se irmanam, comunicam e<br />
entendem, graças a Deus, de norte a sul e de leste a oeste do imenso<br />
País da Esperança... Todas “unidas na mesma emoção”!<br />
O Brasil é os aromas, os gostos e os sons, das matas, do interior<br />
e do litoral; dos pequenos povoados, vilas e cidades menores, e dos<br />
grandes centros, capitais e metrópoles. O Brasil tem o gosto das frutas<br />
riquíssimas com que foi abençoado, em todas as regiões, mangaba,<br />
açaí, guaraná, sapoti, manga, pitanga, abacaxi, laranja, pera, maçã,<br />
pêssego, goiaba, jabuticaba, pinha, jaca... Dos pratos inesquecíveis e<br />
especiais de sua cozinha herdada de índios, negros e portugueses e<br />
enriquecida pela contribuição dos brasileiros mais novos, os corajosos<br />
imigrantes dos séculos XIX e XX, para os quais foi a Terra da<br />
Promissão, e o Novo Lar, graças à acolhida sem par dos brasileiros<br />
mais antigos. Por causa do nosso caráter nacional, em nenhum país<br />
do mundo é o estrangeiro tão bem recebido e tratado como aqui!<br />
Os sons do Brasil, a “sinfonia brasileira”, estão devidamente<br />
presentes no canto dos pássaros e nos ruídos do mar, das quebradas<br />
e da floresta, atingindo sua máxima expressão humana na nossa<br />
inigualável música erudita e popular, que compõe um dos mais<br />
belos, difundidos e reconhecidos acervos do mundo.<br />
O Brasil tem cor: verde, amarelo, azul e branco. Tem a refrescante<br />
e renovadora umidade perfumada da mata ao amanhecer e o<br />
êxtase do encantamento do nascer e do pôr do sol sobre o mar. O<br />
Brasil é uma pintura, especial, única, do Divino Criador, é música,<br />
prosa e poesia. O Brasil é ritmo e harmonia.<br />
A “Aquarela do Brasil”, síntese de tudo isso e nossa mais bela e<br />
inspirada música popular, é como se fosse um autêntico segundo<br />
hino nacional, que toca, de maneira especial, os corações patrióticos<br />
toda vez que ouvida.<br />
O Brasil é devoção, emoção e sentimento. Pátria, Pátria minha,<br />
que cabe inteirinha no meu coração! E que desperta sempre, nos<br />
corações dos brasileiros afastados em outras plagas, onde se percebem<br />
como exilados, ou dos marinheiros a teu serviço, longe no mar ou por<br />
outras terras, aquele sentir doce e amargo, misto de dor e esperança,<br />
que somente em nossa língua tem adequada expressão: SAUDADE!<br />
Neste teu dia, Brasil dos meus amores, quero repetir-te minha<br />
declaração de amor mais profundo e gritar, alto e bom som, minha<br />
paixão por ti, e renovar o solene juramento de te ser fiel e de<br />
defender-te até a morte!<br />
Que o Senhor Deus, com a gloriosa intercessão de tua sagrada<br />
padroeira, a Virgem Mãe da Conceição Aparecida, te abençoe e proteja,<br />
concedendo que sejas, para todo o sempre, o torrão abençoado,<br />
“livre terra de livres irmãos”!<br />
Rio de Janeiro, RJ, 7 de setembro de 2010
EQUÍVOCO<br />
DE ISRAEL<br />
análise Política<br />
O<br />
deSembArgAdor reiS Friede (1)<br />
Israel, muito provavelmente, cometeu um dos mais graves erros de avaliação estratégica,<br />
no que concerne à denominada questão do Irã: confiou e, em uma decisão reconhecidamente<br />
pouco refletida, simplesmente, delegou a solução de um problema vital para sua segurança<br />
(e para o destino do Oriente Médio) ao aliado estadunidense.<br />
Se por um lado, nunca houve dúvidas razoáveis sobre<br />
a evidente intenção belicista do Irã, por outro não há,<br />
a esta altura, qualquer dúvida, séria e isenta, que não<br />
aponte a inevitabilidade do ingresso do Irã no seleto<br />
grupo de nações dotadas de armas nucleares, inclusive<br />
com capacidade estratégica, uma vez que é de amplo<br />
conhecimento o desenvolvimento, por esta nação, de<br />
um Míssil Balístico Intercontinental – ICBM. (2)<br />
O conhecido resultado (pífio) da tão propalada Cúpula de<br />
Líderes em Washington sobre Segurança Nuclear, ocorrida<br />
em 2010, neste sentido, não somente comprovou a absoluta<br />
ingenuidade do presidente Barack Obama – como, aliás, bem<br />
asseverou o próprio Mahmoud Ahmadinejad –, mas, igualmente<br />
a reconhecida aposta equivocada de Israel em confiar incondicionalmente<br />
no aliado norte-americano e em sua (suposta e<br />
continuada) disposição de desempenhar a função de garantidor<br />
do status quo e, consequentemente, da paz mundial e, em particular,<br />
no Oriente Médio.<br />
Aliás, em uma rápida análise, constata-se, com relativa<br />
facilidade, que os EUA nunca se qualificaram propriamente na<br />
condição de um aliado histórico incondicional de Israel, conforme<br />
tanto se divulga aos quatro ventos. Muito <strong>pelo</strong> contrário, em<br />
todas as situações em que a sobrevivência do Estado judeu esteve<br />
efetivamente em jogo, foi o heroísmo de seu próprio povo – e sua<br />
admirável e indeclinável determinação –, mais do que qualquer<br />
outro motivo, que fizeram prevalecer os interesses hebreus.<br />
Poder-se-ia argumentar, em contraposição crítica, que foi o<br />
(suposto) apoio decisivo do presidente Richard Nixon que permitiu<br />
a vitória militar de Israel na Guerra de Yom Kipur, em outubro de<br />
1973. Porém, tal fato (incontestável para muitos) está longe de corresponder<br />
à absoluta verdade. Diferentemente da história “oficial”,<br />
Israel encontrava-se, em grande medida, sozinho em 1973,<br />
como também encontrava-se, em idêntica posição, na Guerra<br />
dos Seis Dias (1967) e, posteriormente, na chamada Guerra de<br />
Desgaste (1969-72). Tanto tal fato é verdadeiro que, <strong>logo</strong> <strong>após</strong><br />
o confronto de 1967, reconhecidamente isolado (e condenado<br />
pela comunidade internacional por ter tomado a iniciativa do<br />
ataque preventivo), Israel tratou de buscar e desenvolver – utilizando<br />
todos os meios disponíveis (3) – tecnologia nuclear bélica<br />
dissuasiva, o que logrou obter, inicialmente no final da década<br />
de 60 e, de forma plena, em 1972.<br />
O que realmente ocorreu, na primeira semana da guerra de<br />
1973, foi que, surpreendido com a magnitude do ataque árabe,<br />
Israel não tinha mais como repor as enormes perdas de equipa-<br />
Guerra de Yom Kipur<br />
Golda Meir<br />
Henry Kissinger<br />
mentos nos primeiros dias de combate e, literalmente, Golda Meir,<br />
assessorada por Moshe Dayan, explicou firmemente ao Secretário de<br />
Estado americano Henry Kissinger que não vacilaria em utilizar as<br />
bombas nucleares táticas de que dispunham, armadas em seus A-4<br />
Skyhawk e F-4E Phantom II, contra os árabes, na situação-limite<br />
que se afigurava no horizonte, obrigando aos EUA a estabelecerem<br />
18 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 19<br />
uma das maiores pontes aéreas do mundo para rapidamente rearmar<br />
o Estado judeu, inclusive enviando-lhe a mais alta tecnologia<br />
militar convencional disponível à época, (4) o que foi decisivo para a<br />
reversão de uma possível derrota israelense e, consequentemente,<br />
para a vitória final na contenda.<br />
Portanto, nunca foi aconselhável em toda a história de lutas do<br />
Estado judeu, para dizer o mínimo, confiar cegamente no aliado<br />
estadunidense em assuntos de segurança nacional, e, da mesma<br />
forma que no passado (quando foram as ações isoladas de Israel, em<br />
1981, que puseram termo às ambições nucleares de Sadam Hussein<br />
e, mais recentemente, em 2007, às idênticas intenções sírias (5) ),<br />
Moshe Dayan<br />
Guerra dos Seis Dias<br />
mais uma vez não era e nunca foi sensato “delegar” uma missão<br />
que deveria ter sido desempenhada por meio de uma ação solitária<br />
de Israel – especificamente no caso do Império Persa, imediatamente<br />
quando a mesma se apresentou como um desafio real (e o<br />
Irã ainda não havia preparado tão efetivamente suas defesas) –, não<br />
obstante todas as dificuldades operacionais (distância geográfica,<br />
complexidade e dispersão de alvos, entre outras) que a empreitada<br />
sempre sinalizou existir. (6)<br />
Agora, passados todos estes anos em que operou-se uma relativa<br />
negligência a respeito do tema, parece-nos que não resta outra
alternativa factível do que simplesmente Israel se preparar para um<br />
novo Oriente Médio, em que não somente um Irã regionalmente<br />
hegemônico emergirá, (7) como ainda diversos outros potenciais<br />
adversários (provavelmente, pela ordem, Turquia, Síria e Líbia –<br />
mesmo esta última tendo abdicado, no passado recente, de suas<br />
ambições nucleares) buscarão tecnologia bélica nuclear, rivalizando<br />
com o poderio militar (nuclear e tecnologicamente mais avançado)<br />
israelense, (8) até então incontrastável. (9)<br />
Por efeito consequente, Israel necessita, urgentemente, de um<br />
“choque de realidade”, (10) considerando que nunca é por demais<br />
lembrar, com necessária ênfase, que existe uma grande diferença<br />
entre as percepções (e interesses) dos EUA e de Israel nessa específica<br />
e sui generis parte da Ásia, porquanto o povo israelense<br />
efetivamente habita o Oriente Médio, ao passo que os EUA apenas<br />
possuem interesses estratégicos mutáveis, sobretudo no petróleo<br />
dessa região, e, na própria medida em que, no futuro próximo, o<br />
petróleo perder sua importância energética, Israel acabará por perceber<br />
que a estabilidade geopolítica e militar no Oriente Médio é, de<br />
fato, muito mais um problema regional de seu particular interesse<br />
(diretamente ligado a sua segurança nacional) do que propriamente<br />
um problema norte-americano mais amplo, associado à chamada<br />
pax americana.<br />
Sob este prisma, resta afirmar, em tom de sublime advertência,<br />
que um Irã, potência nuclear e com efetiva capacidade estratégica<br />
(dotada de ICBMs) – e, portanto, com capacidade de neutralização<br />
dissuasiva em relação aos EUA –, será, a esta altura de forma aparentemente<br />
irreversível, o grande legado da administração Obama,<br />
(11) em uma indesejável repetição do equívoco da administração<br />
Kennedy que, em 1962, permitiu o estabelecimento derradeiro de<br />
uma área de influência soviética em Cuba, com todas as conhecidas<br />
consequências geopolíticas (de revoluções exportadoras e instabilidades)<br />
que o regime de Fidel Castro logrou conduzir nas décadas de<br />
60, 70 e 80 na América Latina e, posteriormente, na África.<br />
Informações complementares<br />
(1) Reis Friede é desembargador federal e professor adjunto<br />
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Economista,<br />
mestre e doutor em Direito e ex-membro do Ministério Público,<br />
é professor de Relações Internacionais da UNVC, cientista político<br />
e analista militar com dezenas de artigos e diversos livros<br />
publicados, entre os quais destacam-se Curso de Ciência Política<br />
e Teoria Geral do Estado: Teoria Constitucional e Relações Internacionais,<br />
GEN, 4ª ed., e O poderio soviético e a política de defesa<br />
de Moscou, MFE, 4ª ed.<br />
(2) O próprio comandante da<br />
Guarda Revolucionária Iraniana,<br />
Gen. Massoud Jazayeri, em crescente<br />
prestígio na hierarquia política<br />
da sociedade persa, tem afirmado<br />
textualmente que o Irã possui um<br />
plano de dissuasão estratégica “que<br />
Gen. Massoud<br />
<strong>deixar</strong>ia o inimigo arrependido se<br />
lançasse um ataque contra o país”,<br />
tendo sido um dos principais responsáveis e incentivadores do<br />
desenvolvimento de mísseis de defesa e ataque (particularmente,<br />
os sistemas recentemente instalados no Estreito de Ormuz),<br />
tendo, inclusive, sido um dos protagonistas no apoio à celebração<br />
de um acordo com o Zimbábue para o fornecimento de urânio<br />
in natura para o enriquecimento projetado a 90%, necessário<br />
para a construção de armas nucleares.<br />
Dentro desse mesmo contexto analítico, o Gen. James<br />
Cartwright, segundo na hierarquia do Estado-Maior das Forças<br />
Armadas estadunidenses, revelou recentemente ao Congresso<br />
Nacional Americano que em no máximo três anos o Irã possuirá,<br />
de forma plenamente operacional, Mísseis Balísticos de Alcance<br />
Intermediário (IRBMs), capazes de atingir Israel e, em no máximo<br />
cinco anos Mísseis Balísticos Intercontinentais (ICBMs),<br />
capazes de atingir os EUA, ambos dotados de ogivas nucleares<br />
(o Irã já possui IRBMs operacionais com ogivas convencionais),<br />
considerando o alcance da reconhecida assistência técnica<br />
norte-coreana (no que concerne à transferência de tecnologia<br />
dos vetores e design de ogivas) e o indireto auxílio russo na área<br />
de transferência de tecnologia nuclear (finalisticamente para<br />
funções pacíficas), habitualmente desviado para fins militares<br />
pela liderança política iraniana.<br />
Aliás, no que concerne especificamente à Rússia, vale registrar<br />
que este país mantém, em relação ao Irã, uma política, no<br />
mínimo ambígua. Ao mesmo tempo em que não deseja desencadear<br />
uma corrida armamentista no Oriente Médio e armar um<br />
país com um “radicalismo islâmico contagiante” que poderia,<br />
em futuro não muito distante, causar-lhe sérios problemas em<br />
suas regiões de população muçulmana (ex vi: Chechênia), por<br />
outro lado, igualmente, deseja preservar os expressivos lucros<br />
com as vendas de armas sofisticadas (e tecnologia nuclear:<br />
ressalte-se, por oportuno, que somente a Usina de Bushehr,<br />
no Golfo Pérsico, injetou nos cofres russos US$ 1 bilhão) que<br />
tanto têm preocupado os EUA, como os moderníssimos mísseis<br />
terra-ar (SAM)S-300 – que, desde 2005, tiveram suas entregas<br />
adiadas sucessivas vezes por pressões americanas –, e que com<br />
toda a certeza, dificultariam, sobremaneira, um ataque aéreo<br />
preventivo israelense ou mesmo estadunidense.<br />
(3) Em verdade, Israel não buscou<br />
somente a necessária obtenção<br />
de tecnologia nuclear, mas também<br />
desenvolver uma completa e<br />
sofisticada indústria bélica que lhe<br />
assegurasse plena independência<br />
das oscilantes disposições de seus<br />
supostos aliados ocidentais em su-<br />
Dimona<br />
prir, sem restrições e de imediato,<br />
as suas necessidades militares.<br />
O obscuro episódio, no que concerne ao acesso e incorporação<br />
de explosivos atômicos – segundo as informações mais confiáveis<br />
disponíveis (e documentos secretos americanos, recentemente<br />
tornados públicos) –, envolveu, entre outras manobras espetaculares<br />
e altamente sigilosas, o “desvio” de um carregamento<br />
de urânio enriquecido suíço, além de aquisições secretas de<br />
material sensível na Noruega e em outros países, para o complexo<br />
nuclear de Dimona (usina de tecnologia francesa – presenteada<br />
<strong>pelo</strong>s mesmos em agradecimento à participação judia no episódio<br />
da Guerra de Suez de 1956 –, que foi o princípio norteador<br />
do acelerado desenvolvimento da tecnologia nuclear bélica de<br />
Israel, coordenada, mais tarde, por Shimon Peres) que permitiu<br />
a obtenção de artefatos atômicos plenamente operacionais em<br />
1972, não obstante a primeira e única explosão nuclear (teste<br />
atômico) israelense somente ter ocorrido em 22 de setembro de<br />
1979 sobre uma plataforma oceânica ao norte da Antártida, com<br />
auxílio técnico da África do Sul.<br />
Já, no que alude aos vetores aeronáuticos, o serviço secreto<br />
de Israel, em uma audaciosa operação, logrou obter, no final da<br />
década de 60, parte do projeto de desenvolvimento do caça francês<br />
Mirage III, fabricado, à época, sob licença na Suíça, o que lhe<br />
permitiu, <strong>pelo</strong> emprego combinado de técnicas de engenharia<br />
reversa o desenvolvimento do caça Dagger (versão reversa do<br />
Mirage V) e, particularmente, do caça Kfir, versão aperfeiçoada (e<br />
até mesmo tecnologicamente superior) do Mirage V (comprado<br />
por Israel em 1969 de terceiros países, e renomeado Nescher<br />
quando passou a ser construído localmente e exportado para a<br />
África do Sul e Argentina com a designação de Dagger), utilizando<br />
o motor americano GE J-79 do caça F4E Phantom II que<br />
Israel possuía a título de estoque de reposição.<br />
Panthom II<br />
(4) Em essência,<br />
os norte-americanos<br />
procuraram prover Israel<br />
de um expressivo<br />
número de caças F-4E<br />
Phantom II, aviões de<br />
ataque A-4 SkyHawk e helicópteros CH-53 Sea Stallion, além<br />
dos mais modernos equipamentos de defesa eletrônica, objetivando<br />
não somente anular a surpresa tecnológica dos mísseis<br />
antiaéreos SA-6 Gainful, fornecidos <strong>pelo</strong>s soviéticos aos árabes,<br />
mas, sobretudo, permitir a necessária reposição das expressivas<br />
perdas israelenses nos primeiros dias de combate.<br />
(5) A denominada<br />
Operação Orchard<br />
foi executada<br />
pela Força Aérea de<br />
Israel (FAI), em 6 de<br />
setembro de 2007,<br />
com o emprego de<br />
sete caças-bombardeiros<br />
Boeing F-15I<br />
Ra’am (Trovão) –<br />
versão modificada<br />
da F-15E Stricke<br />
Boeing F-151<br />
Eagle estadunidense –, contra o complexo de Al Kibar, um prédio<br />
de concreto (de aproximadamente 47m de largura de cada lado e<br />
24m de altura), situado próximo ao rio Eufrates, que o Mossad<br />
(serviço de inteligência israelense) constatou abrigar um reator<br />
nuclear, possivelmente construído <strong>pelo</strong>s norte-coreanos.<br />
A decisão de atacar ocorreu imediatamente <strong>após</strong> a chegada<br />
do navio cargueiro Al Hamed a um porto sírio, supostamente<br />
transportando urânio da Coreia do Norte, que seria utilizado<br />
<strong>pelo</strong> mencionado reator – especuladamente semelhante (em<br />
função da similaridade dimensional do abrigo fortificado) ao<br />
reator norte-coreano de Yongbyon de 20MW, com capacidade,<br />
em tese de produzir material físsil para uma bomba nuclear a<br />
cada dois anos –, que encontrava-se (de igual forma ao reator<br />
iraquiano de Osirak destruído por Israel em 1981) oculto em<br />
prédios enterrados a cinco metros de profundidade.<br />
É de se acrescentar, por oportuno, que a operação em questão<br />
foi amplamente facilitada em decorrência da ausência de defesas<br />
antiaéreas sírias (uma vez que optou-se in casu por ocultar o<br />
núcleo do reator e os trocadores de calor dentro de uma caixa de<br />
concreto que poderia parecer uma instalação de menor importância)<br />
e da prévia destruição da estação de radar síria, situada nos<br />
arredores de Tel al-Abuad (próximo à fronteira com a Turquia),<br />
que impediu a detecção das aeronaves israelenses.<br />
20 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> •355 21<br />
(6) É importante<br />
frisar que, muito embora<br />
Israel não possua<br />
bombardeiros estratégicos,<br />
em seu inventário,<br />
a FAI dispõe, em<br />
seus arsenais, de versões<br />
especializadas dos<br />
F-15<br />
caças-bombardeiros<br />
F-15E Strike Eagle e dos caças táticos F-16D (Block 50/52)<br />
Fighting Falcon, nomeados, respectivamente, F-15I Ra’am<br />
(Trovão) – dotados com equipamentos de ataque estratégico,<br />
tais como o radar AN/APG-70 com capacidade de mapeamento<br />
de terreno; suíte de avionics para guerra eletrônica, produzida<br />
pela indústria israelense, SPS-21100; maior peso de decolagem<br />
e alcance ampliado (4.450km) e com capacidade de transportar<br />
11 ton de armamento –, e F-16I Sufa (Tempestade) – baseado<br />
no F-16ES – Enhanced Strategic e também equipado com radar<br />
com capacidade de mapeamento do terreno (AN/APG-68); suíte de<br />
avionics israelense com possibilidade de lançamento de mísseis<br />
de longo alcance (stand-off) e alcance ampliado (4.200km)–,<br />
ambos dotados de capacidade de reabastecimento em voo e<br />
desdobrados em 127 unidades (102 F-16I e 25 F-15I).<br />
Além desses importantes vetores aeronáuticos, sabidamente<br />
Israel dispõe de VANT’S de longo alcance (mais de<br />
7.000km), como o IAI Heron TP (Eitan), com capacidade de<br />
transportar até 1 ton, que, não obstante, possuir como função<br />
primária missões de inteligência, vigilância e reconhecimento,<br />
poderiam ser rapidamente adaptados para missões de<br />
ataque, além de Mísseis Balísticos de Alcance Intermediário<br />
(IRBMs) Jericho II (inclusive dotados de ogivas nucleares) que<br />
poderiam, utilizando ogivas convencionais de alto explosivo,<br />
com sistemas de guiagem com precisão CEP (Circular Error<br />
Propality) inferior a 30 metros, atingir as instalações nucleares<br />
iranianas. Também, é de amplo conhecimento que Israel adquiriu,<br />
da Alemanha, submarinos classe Dolphin com capacidade<br />
(adaptada) de lançamento de Mísseis Balísticos ou de Cruzeiro<br />
(SLBM/SLCMs), que ampliaram, sobremaneira, a capacidade<br />
estratégico-militar de Tel Aviv.<br />
Não obstante, todo este reconhecido potencial militar, e<br />
ainda que a destruição dos principais locais nucleares iranianos<br />
conhecidos – a instalação de água pesada de Arak e<br />
as fábricas de enriquecimento de urânio em Natanz (semelhante<br />
ao complexo sírio de Al Kibar) e em QOM (esta última<br />
ocultada da AIEA) –, sempre tenha se constituído em uma<br />
empreitada altamente complexa, na atualidade parece-nos,<br />
todavia, uma tarefa simplesmente impraticável, considerando<br />
não somente o desdobramento de sofisticados mísseis de<br />
defesa aérea (SAM) e de uma sofisticada rede complementar<br />
de meios antiaéreos, como, particularmente, o fato de que<br />
toda a operação necessita da permissão de sobrevoo sobre<br />
território iraquiano (em função da imprescindibilidade do<br />
uso, sobretudo, dos caças-bombardeiros F-15I e, ainda, dos<br />
F-16I), hoje sob jurisdição autorizativa do presidente Barack<br />
Obama, um improvável defensor de uma ação militar conjunta<br />
ou mesmo isolada de Israel contra o Irã.<br />
Também, em necessária adição, convém ainda lembrar que<br />
o Irã se constitui, nos dias atuais, em uma reconhecida “Potência<br />
Balística” – em decorrência do desdobramento dos diversos
Mísseis Balísticos de Alcance Intermediário (IRBMs) dotados de<br />
ogivas convencionais e químicas –, com efetiva capacidade de<br />
atingir, com precisão, alvos estratégicos israelenses (inclusive<br />
instalações nucleares), caracterizando, no cenário do Oriente<br />
Médio, uma autêntica força dissuasiva que, por si só, impediria<br />
qualquer ação militar israelense.<br />
“Sabem que o Irã se tornou uma potência balística (...) sabem<br />
que se laçarem um míssil contra o Irã, os mísseis iranianos<br />
vão cair no centro de Tel Aviv.”<br />
Mojtaba Zolnur (Adjunto do Representante na Guarda Revolucionária<br />
do Líder Supremo do Irã, Aiatolá Ali Khamenei)<br />
(France Press – 6/4/2010)<br />
(7) No início de 2010, em um encontro<br />
de jornalistas em Jerusalém,<br />
Dan Meridor, vice-primeiro-ministro de<br />
Israel, procurou ressaltar o progresso nuclear<br />
iraniano como uma questão global,<br />
concluindo que “no fim das contas, o Irã<br />
terá poder nuclear (...) haverá implica-<br />
ções para a ordem mundial, o equilíbrio<br />
de poder e as regras do jogo”.<br />
(8) No futuro próximo – a exemplo do que ocorreu com os<br />
EUA e a URSS durante a época da Guerra Fria –, em face da<br />
própria irreversibilidade da situação iraniana, uma reedição da<br />
bipolaridade, ainda que com especificidades próprias, envolvendo<br />
Israel-Irã, emergirá naturalmente no Oriente Médio, obrigando,<br />
muito provavelmente, a nação hebraica a manter, em regime de<br />
prontidão de 24h, aeronaves dotadas de armamento nuclear, bem<br />
como mísseis balísticos ou de cruzeiro, com ogivas atômicas,<br />
montadas em bases em terra (com algum tipo de silo móvel e<br />
camuflado) e em submarinos, buscando-se forjar uma forma<br />
sinérgica de dissuasão estratégica, ainda que a um elevado<br />
custo financeiro.<br />
(9) É de se acrescentar, por oportuno, que no início de 2010<br />
estimava-se que o Irã já possuía mais de 1.700kg de urânio<br />
enriquecido a 3,5%, dispondo de, <strong>pelo</strong> menos, 5kg de urânio<br />
enriquecido a 20% (supostamente destinados a um reator de<br />
pesquisas médicas), sendo certo que a bomba atômica de Hiroshima<br />
(U-235) demandou uma quantidade de apenas 25kg de<br />
urânio enriquecido a aproximadamente 90%.<br />
Também vale esclarecer que o processo de enriquecimento<br />
de urânio (da forma que vem sendo conduzida <strong>pelo</strong> Irã) encerra<br />
resultados de crescimento exponencial, na própria medida que<br />
possui uma inerente capacidade de reprodução intrínseca, o que,<br />
por si só, tornaria sem qualquer efeito prático a suposta concordância<br />
do Irã de enviar à Turquia 1.200kg de urânio enriquecido<br />
a 3,5% em troca de 120kg de urânio enriquecido a 20% (mais que<br />
o dobro necessário para os fins pacíficos admitidos por Teerã),<br />
uma vez que não seria, segundo a proposta, interrompido seu<br />
processo de enriquecimento sem um controle total por parte da<br />
Agência Internacional de Energia Atômica – IAEA.<br />
(10) Neste especial aspecto é de uma absoluta ingenuidade,<br />
a esta altura, supor que sanções econômicas – mesmo que<br />
implementadas em seu grau máximo, (ainda que tal fato fosse<br />
realisticamente factível) – possam, isoladamente, debelar o sonho<br />
de Ahmadinejad de reconstruir um novo Império Persa e, em<br />
particular, impedir os planos iranianos de obtenção de tecnologia<br />
militar estratégico-nuclear, considerando não somente o estágio<br />
de desenvolvimento (bem como de desdobramento) de mísseis<br />
Dan Meridor<br />
balísticos e de cruzeiro, como, especificamente, a própria proximidade<br />
da conquista final do ciclo nuclear para fins bélicos,<br />
incluindo o design das ogivas e dos correspondentes dispositivos<br />
detonadores.<br />
(11) O presidente Barack Obama encontra-se muito distante<br />
do que se convencionou chamar de realpolitik. Seu reconhecido<br />
despreparo para o exercício do cargo (não obstante todos os seus<br />
reconhecidos esforços de superar suas inerentes limitações,<br />
mais que comprovadas com a sábia decisão de manter no cargo<br />
o Secretário de Defesa republicano Robert Gates) encontra-se<br />
em perigoso confronto com o necessário preparo (associado a<br />
três fatores básicos: expressivo e reconhecido conhecimento de<br />
política internacional, liderança e experiência) e pragmatismo<br />
indispensáveis às grandes responsabilidades de um chefe de<br />
Estado da nação líder mundial.<br />
Seu excessivo idealismo beira, muitas vezes, a uma visão<br />
romântica e distorcida (quando não até mesmo infantilizada)<br />
da realidade contemporânea, quando supõe, por exemplo, ser<br />
possível uma desnuclearização mundial ou uma democratização<br />
dos sistemas políticos teocráticos, no Iraque ou no<br />
Afeganistão e, no que concerne, especificamente, ao tema em<br />
debate, à falsa ideia de que a comunidade internacional – e<br />
particularmente a China (com quem sequer sinalizou com algum<br />
tipo de rascunho de soluções para os problemas bilaterais<br />
envolvendo o arquipélago de Taiwan e o Tibet, para consignar<br />
o mínimo) –, estaria igualmente engajada, junto com os EUA,<br />
no firme propósito de impedir o acesso de armas nucleares a<br />
um regime radical xiita, com todas as consequências previsíveis<br />
(e desastrosas) dessa empreitada.<br />
(Submarino Nuclear Brasileiro – Boia Retransmissora)<br />
Barack Obama<br />
defesa<br />
INTELIGêNCIA<br />
NA ÉPOCA NUCLEAR<br />
22 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 23<br />
cApitão-de-mAr-e-guerrA<br />
Sergio l. Y. doS guArAnYS
A introdução de submarino nuclear no<br />
inventário da MB aumenta capacidades dela,<br />
mas acarreta introdução de rituais de<br />
informações e de contrainformações mais<br />
exigentes de aprendizado e treinamento<br />
de tal submarino.<br />
O<br />
Brasil tem autonomia de escolher onde situar-se no<br />
cenário estratégico. Não tem poder de situar nesse<br />
cenário outros países, mas caso aprenda a ciência<br />
Estratégia intervirá nele. Firmando posição nesta<br />
prática sabe que nunca poderá exibir algum submarino<br />
nuclear a menos que os possua em número superior ao<br />
das áreas em que estiver obrigado a posicioná-los. Essa<br />
incapacidade provém da obrigação de esconder o volume indiscreto<br />
de cada submarino e pela mesma razão os volumes indiscretos dos<br />
demais submarinos. (Ver Submarino nuclear brasileiro, de minha<br />
autoria em 2/6/2009.) Cada informação referente a um deles é dado<br />
adicional da situação dos demais.<br />
Outras marinhas sentirão insegurança restritiva ao saberem que<br />
já estamos patrulhando. Haverá investidas de outros submarinos<br />
destinadas a testar nossas patrulhas. Talvez convenha esconder a<br />
detecção com a consistência do primeiro contato, deformando-a<br />
para distância menor que a real, a fim de iludir a leitura feita <strong>pelo</strong><br />
intruso ou <strong>deixar</strong> o intruso indene e inadvertido, ou ainda marcá-lo<br />
com marisco lançado por autodefesa. Se o contato ocorreu junto a<br />
alguma plataforma, a mensagem da BR (Boia Retransmissora) deve<br />
descrever a proximidade para dar ao divulgador opção de mostrar<br />
como autora a plataforma a fim de manter a discrição do submarino<br />
patrulheiro. Os intrusos evitarão rápido as plataformas. A omissão<br />
e a disseminação de detecção devem ser decisão de alto nível em<br />
benefício da discrição e da incerteza.<br />
Dá bem para avaliar o efeito de preservar a discrição não de um, mas<br />
de cada submarino do país, participante ou não dessa patrulha.<br />
Outras nações duvidarão de quais zonas estão sob nosso único<br />
nuclear ou sob os convencionais. Além disso, não saberiam se já<br />
estamos patrulhando nem onde ficam as zonas. Se os convencionais<br />
fizerem varredura ativa antes de recarregarem bateria ou se o<br />
patrulhamento impediu o ingresso de estrangeiro em nossas águas,<br />
a discrição estaria preservada e confiável, exceto <strong>pelo</strong>s satélites.<br />
Devido à prolongada penúria de recursos da MB nos últimos 20<br />
anos a discrição brasileira atual é nula ou quase isso.<br />
A criação de incerteza é um produto da indiscrição fora de nosso<br />
alcance enquanto nossos submarinos não possuírem lançador de<br />
boias retransmissoras. Antes de nosso primeiro nuclear estar operando,<br />
os convencionais poderiam criar incerteza, caso possuíssem<br />
lançadores, que deverão ser instalados neles se a MB desejar preservar<br />
a discrição dele. As retransmissoras têm a virtude de, sem tornar<br />
indiscreto o submarino que efetuou o esclarecimento, manter a MB<br />
a par do resultado. Realizam ilusão de observadores em tal variedade,<br />
que obrigam outros países a arriscarem esclarecimento ativo a todo<br />
instante. Criam a sensação de presença de outros submarinos onde<br />
começarem a transmitir, confirmando aquele parágrafo inicial do<br />
trabalho citado, ao dizer que ninguém sabe o que há embaixo apenas<br />
olhando a superfície do mar. Fica difícil sustentar a inexistência nos<br />
submarinos de antenas receptoras de sinais de toda ordem, pois a<br />
recepção os habilita a estender presença e a poderem ser avisados<br />
sobre observadores fora do alcance deles. É a incerteza funcional, cujo<br />
desfrute retarda nosso aprendizado de empregá-la em combate.<br />
A MB possui dois analisadores de quadro de bóias “radiossônicas”<br />
(BRS). Ambos estão inoperantes sem apresentar algum defeito. A MB<br />
nunca operou BRS diretamente. O Grupo de Aviação Embarcada da<br />
FAB lançava e operava boias do inventário do grupo no tempo do<br />
NAE Minas Gerais. Por isso a MB nunca se preocupou, aprendeu,<br />
adquiriu, treinou, escolheu tipos no assunto BRS. Pior foi descuidar<br />
institucionalmente dos dois tipos diversos possuídos de analisadores<br />
de campos de BRS, mormente porque a MB deixou de conhecer o<br />
processo de receber sinais submarinos, irradiá-los para um receptor<br />
automático, identificar mediante frequências individuais quais das<br />
boias interceptaram sinais, selecionar os classificados coerentes e<br />
processá-los para mostrar rumo, velocidade e distância do submarino<br />
invasor do campo. Não admira que na MB o consumo total, médio e<br />
periódico de BRS seja zero ao longo de 54 anos. Não tenho notícia de<br />
encontros entre MB e Petrobras sobre instalação e operação de escuta<br />
nas plataformas, embora constituísse redução de encargos navais e<br />
pudesse servir para interferir no “passeio” dos intrusos. Seria escuta<br />
remota, desguarnecida, com alarme, gravador e retransmissor SR<br />
(Sem Recibo). Hoje oficiais da MB que fazem estágio na Armada Del<br />
Chile operam quadros de BRS lançados por ela e tentam transpor<br />
em submarinos chilenos esses quadros. A MB não visou aprender<br />
emprego de BRS, e provavelmente continua ignorando, pois não<br />
foram incluídas em currículos de outros cursos as experiências dos<br />
pouquíssimos submarinistas brasileiros que cursaram o Curso para<br />
Comtes de Submarinos chileno. O NAE São Paulo deveria navegar<br />
apenas em raias de BRS declaradas isentas de submarinos, mais fáceis<br />
de estabelecer e mais baratas que escoltas A/S de superfície. Não vê,<br />
não lança as raias nem simula o assunto porque não é visado por<br />
nenhum dos países que se exercitam conosco. O mesmo lançador<br />
de BR dos submarinos serve para lançar BRS cujas detecções sejam<br />
transmitidas, por emissão sonar onidirecional ao submarino lançador<br />
e, por emissão rádio a aeronaves e navios amigos. Nossos submarinos<br />
convencionais ou nucleares serão sempre empregados em patrulha,<br />
devendo lançar BRS em acréscimo a sua zona e a sua estadia no local,<br />
sem <strong>deixar</strong> submarino intruso perceber o lançamento.<br />
Ao ter capacidade de patrulhar o litoral nacional, o SNB tem a<br />
de patrulhar qualquer outro, pois nada muda na configuração dele.<br />
Não há distinção entre ataques a forças capazes de denunciar a propulsão<br />
do atacante, útil para facilitar localização do único nuclear,<br />
mas pode haver análise de movimento entre suspeita anterior de<br />
contato com algum submarino, e o ponto do ataque, a menos que<br />
tal ataque seja execução de soberania. Mesmo assim o alcance das<br />
armas é maior que o volume indiscreto, mantendo a discrição do<br />
submarino convencional ou nuclear. Enquanto o Brasil possuir<br />
apenas um nuclear, este será perseguido, “plotado” e mantido<br />
indiscreto por todas as marinhas eficazes, mormente ao saberem a<br />
posse brasileira de mísseis costeiros.<br />
Além de a Autoridade de Controle de Operações de Submarinos<br />
(ACOS) conjugar normalmente as movimentações de todos os submarinos,<br />
a brasileira deverá usar as dos convencionais em benefício da<br />
discrição do nuclear. Uma vez identificado num dado ponto é possível<br />
proclamar que não está no resto da área acessível por submarino<br />
nosso. Em prol da discrição é doutrinária a evasão posterior ao ataque<br />
ainda que não estejam na mesma área outras unidades submarinas ou<br />
de superfície. Tampouco é possível distinguir a propulsão de quem se<br />
está evadindo. Contato por submarino estranho escondido na mesma<br />
área pode identificar propulsão do atacante caso esteja em distância<br />
24 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 25<br />
menor que o envoltório indiscreto. Essa identificação é indiscrição<br />
para países com apenas um nuclear, que devem estabelecer ações de<br />
outras unidades, voltadas para iludir esclarecedores estranhos. Sem<br />
tais ações o nuclear fica “desperdiçado” como ficavam nucleares<br />
americanos e russos ao receberem a escolta de um “carrapato” apto<br />
a interferir numa execução de lançamento.<br />
Discrição obriga que o procedimento de ataque a forças inclua<br />
evasão local <strong>após</strong> o último disparo e mudança de área a fim de alimentar<br />
dúvida sobre número de atacantes. Reduzido a um torpedo<br />
e um míssil nos tubos ainda ocupados <strong>após</strong> um ataque, o submarino<br />
deve programar o reabastecimento dos outros tubos e a troca de área<br />
de operação. Esse procedimento é mais eficaz conforme seja maior<br />
a velocidade de trânsito para a nova área, velocidade talvez acessível<br />
apenas <strong>pelo</strong> nuclear, mas também viável <strong>pelo</strong>s convencionais, que<br />
deverão repor sem demora tal consumo. Com o intuito de instilar<br />
a compreensão do submarino, basta dizer que são concomitantes<br />
o esclarecimento de longo alcance, o trânsito em alta velocidade, o<br />
recarregamento dos demais tubos de torpedo e a interpretação dos<br />
dados referentes à área seguinte de operação. Aí cresce a importância<br />
do projetor de BR para levar até a área de combate a visão do ACOS,<br />
única pessoa na face da Terra capaz de autorizar indiscrições, se os<br />
submarinos dela possuírem projetores de BR.<br />
O sinal recebido em sensor afastado do submarino como o captado<br />
por sonar rebocado desfruta vantagem de acuidade sobre outros<br />
sonares do rebocador porque não tem nenhum sinal interno. Possui<br />
também a vantagem de ser situável em região favorável ao sinal que<br />
se deseja interceptar, diversa da ocupada <strong>pelo</strong> submarino rebocador.<br />
A água afeta o percurso e a atenuação das manifestações físicas, a<br />
ponto de escondê-las. Há deformações menos efetivas que sem ocultar<br />
os sinais, alteram a medição deles em benefício da fonte, iludindo a<br />
localização dela. Medindo dados instantâneos da água o submarino<br />
sabe como os sinais mudam e quais regiões vizinhas não podem<br />
percebê-lo numa ou em várias das manifestações dele. Pode encontrar<br />
regiões oceânicas onde a variação de temperatura com profundidade<br />
cria dutos acústicos, permitindo propagação anormalmente livre de<br />
perdas. Um sensor situado no duto percebe passiva ou ativamente<br />
fontes situadas a centenas de milhas. Sonares rebocados podem ser<br />
posicionados num duto enquanto o submarino que o reboca permanece<br />
escondido fora do duto, explorando vantagens dele sem se oferecer<br />
nele. Detecta uma fonte móvel com prazo longo de aproximação,<br />
suficiente para classificar precisamente a fonte, atacá-la ou esquivá-la.<br />
É útil em todos os trânsitos sob grande velocidade, pois possibilita<br />
esclarecimento amplo nas paradas de pesquisa. A modalidade de<br />
sonar rebocado que forma antena emissora entre o extremo afastado<br />
(“peixe”) e um trecho do cabo de reboque permite emissões de muito<br />
baixa frequência (o mesmo que de grande comprimento de onda)<br />
perpendiculares à direção do cabo, esclarecendo enorme distância.<br />
Emissão oriunda no rebocado pode iluminar uma região do mar sem<br />
situar no rebocador a indiscrição da emissão (embora seja o melhor<br />
dado para busca). Mostra a bordo o maior alcance ativo disponível,<br />
mede o poder esclarecedor. Esta mesma antena tem o maior alcance<br />
passivo disponível a bordo devido a três fatores: ausência de ruídos<br />
de bordo, detecção em muito baixas frequências, as de menor perda,<br />
e o desfrute de duto. Aumenta a produção de inteligência efetuando<br />
leitura de águas onde o submarino não se encontra. Sonares rebocados<br />
deixam de ser opcionais, são obrigatórios porque habilitam ao<br />
submarino rebocador o emprego de velocidades superiores a de surdez<br />
dos sensores/cegueira do Centro de Controle. Em submarinos não é<br />
a potência da propulsão o limitador da velocidade viável, mas o esclarecimento<br />
produzido <strong>pelo</strong> alcance dos sensores. Submarinos têm, na
extensão total de cada bordo, antena para muito baixa frequência. São<br />
as de maior alcance passivo a bordo, se fossem ativas constituiriam<br />
as indiscrições de maior volume do submarino.<br />
Sinais enviados sobre o submarino não serão refletidos na fonte<br />
ou não o atingirão, caso o estado da água os desvie no percurso<br />
da incidência ou da reflexão. Um mesmo estado pode esconder<br />
o submarino de um sensor situado em nível acima do dele sem<br />
esconder do submarino a fonte do sensor, pois o desvio de emissão<br />
descendente difere do desvio numa ascendente. Quando o submarino<br />
recebe uma emissão deve alterar seu estado emissor naquele<br />
instante e mudar rápido para água de qualidade diversa. Quanto mais<br />
profundo estiver, mais discreto está o submarino. Sente mais, emite<br />
menos. A profundidade é particularmente útil para longos trânsitos,<br />
permitindo maiores velocidades e menos numerosas paradas para<br />
varredura, independente de usar o sonar rebocado.<br />
Há submarinistas avessos ao sonar rebocado, cuja instalação eles<br />
consideram nociva à manobra. Os melhores apuram a manobra com<br />
o sonar disparado, para empregá-lo mais, exceto onde haja pouca<br />
profundidade. Este sonar é uma unanimidade dos nucleares, os de<br />
ataque e os lança mísseis, também nos convencionais, onde tem a<br />
mesma utilidade de esclarecer a grande distância.<br />
A propulsão nuclear é um “saber como” indispensável à soberania<br />
francesa porque viabiliza a prática de autonomia estratégica da<br />
França. É indispensável à soberania brasileira porque confirmará<br />
a autonomia estratégica do Brasil desde quando dissermos à AIEA<br />
(Agência Internacional de Energia Atômica) que recusamos o limite<br />
de 20% ao enriquecimento do urânio brasileiro. A autonomia<br />
francesa foi afirmada <strong>pelo</strong>s SNLE (Submarino Nuclear Lançador de<br />
Artefatos), mas não precisamos de SNLE nosso desde que existam<br />
mais de três países possuidores deles, porque um <strong>pelo</strong> menos constitui<br />
certeza de segundo golpe em quem der um primeiro golpe.<br />
Depois que um diplomata ignorante da arte de segundo golpe<br />
levou o Brasil a assinar o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear),<br />
e a AIEA nos impôs o limite de 20%, somente <strong>após</strong> recusá-lo<br />
cumprindo a regra do próprio TNP, estaremos exercendo nossa<br />
autonomia. Recusá-lo-emos quando fizermos o reator embarcado<br />
definitivo, pois carregado com combustível de teor inferior a 30%,<br />
somente é útil e confiável sob operação meticulosa, hoje totalmente<br />
fora de nosso “saber como”.<br />
A Estratégia exerce quatro funções: dissuasão, prevenção, projeção<br />
e proteção. Submarinos têm aptidão múltipla para realizá-las,<br />
mas os nucleares lançadores de mísseis balísticos são o núcleo da<br />
dissuasão, enquanto os nucleares de ataque os apoiam justificando<br />
a união deles num Comando da Força Oceânica, onde têm partes<br />
regulares nas funções de prevenção e projeção e aptidão ímpar na<br />
proteção. Os nucleares de ataque participam da dissuasão porque<br />
apoiam os SNLE, e porque são imunes ao primeiro golpe, de vez que<br />
o segundo golpe está inibido pela disseminação de SNLE.<br />
“A estratégia francesa se caracteriza pela vontade de autonomia<br />
e a de conservar uma capacidade de influência significativa nos<br />
assuntos mundiais. Esta estratégia supõe que estejam dedicados ao<br />
aparelhamento militar recursos capazes, para responder aos interesses<br />
do governo, de garantir sem nenhuma ajuda de fora a função de<br />
dissuasão e de dispor de capacidades que lhe permitam tanto manejar<br />
desde o início as crises, como projetar forças, só ou em coalizão para<br />
implementar a decisão nas operações chegando a ter amplitude significativa<br />
ou mesmo tornar-se verdadeiras guerras.<br />
O tamanho do aparelhamento militar convencional atende a<br />
este último requisito, o mais exigente em termos de capacidades<br />
operativas, qual seja mais que suficiente para desempenhar papel em<br />
nível mundial que consiga numa dada coalizão, forçar os parceiros<br />
quaisquer que sejam a se importarem com as orientações que a França<br />
houvesse emitido. Com efeito, participar das decisões é então negócio<br />
de credibilidade nas capacidades que se está pronto a dedicar, seja<br />
ao nível da direção das operações ou no da execução delas. Quando,<br />
como é frequente, um dos parceiros é a potência americana, merecer<br />
respeito é mostrar muita competência e posicionar meios militares<br />
atuantes e funcionais”. Autoria de PICARD, Michel, Pesquisador Associado,<br />
FRS e TERTRAIS, Bruno, Mestre de Pesquisa, colaborador<br />
FRS, publicado em Pesquisas e Documentos da Fundação de Pesquisa<br />
Estratégica, FRS, da França, sob o título: A propulsão nuclear, um<br />
saber-fazer indispensável à soberania francesa.<br />
A França não declarará guerra, mas mostrará equipamento militar<br />
crível e em quantidade bastante para o respeito da atitude dela.<br />
Dissipando dúvidas os dois autores explicitaram o caso frequente<br />
em que a parceria é americana e a dissuasão é francesa. Além disso,<br />
invoca o princípio de autonomia estratégica (o Brasil não adota este<br />
princípio nem o derivado de concentração para autonomia que implica<br />
acrescentar esforço em objetivo compartido) segundo o qual a<br />
França aplica esforço capaz de isoladamente respaldar atitude sem<br />
considerar esforços reinantes no cenário estratégico. O Brasil pode<br />
ostentar autonomia estratégica mediante posições nos foros mundiais,<br />
mas terá de antes abandonar as convicções “ditas” estratégicas<br />
da ESG, a fim de possuir coordenação central do comportamento<br />
internacional de cada componente brasileiro das expressões de poder.<br />
Em 1998 e 1999 a França manteve o SNA (Submarino Nuclear de<br />
Ataque) “Amethyste” diante de Kontor na Iugoslávia, protegendo o<br />
NAE (Navio Aeródromo) Foch, cujas operações aéreas bloquearam<br />
durante 50 dias a Marinha iugoslava, evitando a agressividade americana<br />
contra a parte montenegrina da Sérvia, que certamente a<br />
aproximaria demais de Belgrado. Este caso de autonomia estratégica<br />
impediu a ação de país amigo prejudicial à França. Foi dissuasão por<br />
SNA tornada efetiva pela presença do NAE.<br />
O esforço de ameaça de primeiro ou segundo golpe requer<br />
prontidão de disparar, não localizada por outro país, conjugada<br />
com prontidão de vigilância espacial global e de superfície em<br />
direção a território francês. Em resumo: a prontidão dos SNLE<br />
(Submarins Nucléaires Lanceurs d’Engins). Ameaças somam<br />
grandes potências com menores, com aspirantes e<br />
com terroristas. Vem junto com preservar guerra<br />
acústica, incluir os SMC (Submarinos Convencionais)<br />
com AIP (Propulsão Independente da Atmosfera),<br />
a projeção de ataque ao solo, o emprego de<br />
forças especiais e uso de UAV, UCAV e UUV a partir de<br />
SNG (Submarino Nuclear Nova Geração. Unmanned<br />
Aerial Vehicle, Unmanned Combat Aerial Vehicle e<br />
Cabine de<br />
operações de<br />
um submarino<br />
e, ao lado,<br />
duas imagens<br />
do sonar<br />
Multibeam<br />
WASSP a<br />
30m de<br />
profundidade<br />
Unmanned Underwater Vehicle, Veículo Aéreo Não Tripulado,<br />
Veículo Aéreo Não Tripulado de Combate e Veículo Submerso<br />
Não Tripulado). Evidentemente isso requer ampliação e diversificação<br />
dos sistemas de armas embarcadas e da coleta e<br />
distribuição de dados.<br />
Os atuais SNLE são 50% mais pesados por atender a dois<br />
fatores: melhor estado acústico e mísseis de maior porte, ambos<br />
resultando em melhor diluição na massa oceânica mundial. Os<br />
SNLE permitiram desenvolvimento de navegação inercial e de<br />
combate tático com maior zona de patrulha, tanto aliviando tarefas<br />
dos SNA como dando a eles maior cobertura em patrulha, que os<br />
promoveu a SMAF (Submarino Futuro de Ataque) com deslocamento<br />
dobrado de 2.670 a 5.300, posse de MDCN (Míssil <strong>Naval</strong> de<br />
Cruzeiro) e aumento da velocidade silenciosa máxima.<br />
São atribuídas aos SNA franceses tarefas de prover a segurança<br />
da FOST (Força Estratégica Oceânica), dominar espaços aeromarítimos<br />
e ação contra terra. O SMAF tem intervalo entre docagens<br />
ampliado para 10 anos, que junto ao maior porte resulta em maior<br />
poder submarino por unidade, a solução deles para conter despesas.<br />
A quantidade mínima de SNA deve prover: 1-um SNA para compor<br />
o grupamento de cada navio capital (NAE ou BPC, Navio Principal<br />
de Comando); 2-presença em cada área operada por SNLE a fim de<br />
apoiá-lo; 3-dispor permanentemente um “pronto” para golpe contra<br />
terra; e 4-consagrar anualmente um para formação e treinamento<br />
de uma tripulação com atividade equivalente a de um operativo.<br />
A capacidade nuclear é um dos únicos elementos de “paridade”<br />
26 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 27<br />
com os USA em poder da França. O papel da dissuasão francesa<br />
está acrescido na medida em que o país é o único da Europa Continental<br />
a possuir armas em seu território, bem como mostrar em<br />
seu arsenal capacidades industriais e tecnológicas de afirmá-lo sem<br />
dependência exterior em sua existência, que garantem para a França<br />
superioridade perante novos membros não nucleares a ingressar<br />
no Conselho de Segurança.<br />
Até que surgiu um SNA a Marinha Francesa só possuía os dieselelétricos,<br />
valorosos, mas cuja mobilidade e permanência no mar não<br />
inquietavam os aliados, ciosos de preservar a discrição de suas próprias<br />
operações. A existência de um SNA francês, ferramenta cujos<br />
posicionamento e atividades eram menos fáceis de controlar, fizeram<br />
receberem em seu proveito informações até então negadas a eles.<br />
Além desse conhecimento a entrada em serviço do SNA contribuiu<br />
ao desenvolvimento da tática de luta sob o mar, ao conhecimento<br />
do meio ocupado e ao conhecimento da atividade dos SNLE, cujo<br />
predador mais ativo é o SNA.<br />
Acresce a prática francesa de não entregar o comando de um SNLE a<br />
oficial que não tenha sido bem sucedido em SNA. O apoio direto do SNA<br />
ao SNLE é insubstituível em: 1. treinamento das tripulações do SNLE,<br />
enfrentando-o em exercícios no mar; 2. participação nas operações de<br />
saída de porto, por segurança no início da patrulha; e 3. aptidão de apoio<br />
direto em patrulha navegando em águas restritas com toda discrição<br />
caso requisitado. Explicando: o Brasil não precisa possuir SNLE, mas<br />
precisa possuir SNA e SMC e para manter valor externo da MB. Precisa<br />
possuir vigilância espacial para contribuir ao esclarecimento da FORS<br />
(Força de Submarinos) e ter valor externo.<br />
Uma das opções características das originalidades da propulsão<br />
nuclear francesa é o uso como combustível de urânio enriquecido<br />
em valor próximo do das centrais nucleares. Decidida e adotada em<br />
1996 a cessação da produção de urânio enriquecido em qualidade<br />
militar (qualidade militar é enriquecimento em grau de artefato)<br />
justifica essa orientação que tem grandes consequências sobre o<br />
projeto dos reatores e o manejo dos navios que os possuem. Hoje é<br />
impossível fabricar núcleos para navios com enriquecimento “civil”<br />
que garantam a propulsão deles por toda a vida, embora possível com<br />
urânio fortemente enriquecido sem ser grau de arma. É por isso que<br />
se renova nas interrupções operativas de longa duração.<br />
Nuclear ou convencional o submarino pede propulsão independente<br />
de atmosfera (AIP), a ser usada por falha na nuclear ou<br />
por perda de autonomia na convencional. As variedades de AIP que<br />
usam combustível diferente do diesel têm inconveniente de espaço<br />
ocupado a bordo com dois combustíveis e dois motores diferentes,<br />
indicando o Stirling como único preferível.<br />
Os submarinos são subordinados ao ComForS (Comandante da<br />
Força de Submarinos), que os instrui, adestra e opera, mas não pode<br />
exceder as capacidades materiais deles. Caso não possuam antenas<br />
receptoras para emissões de satélites, emitirão sinais ópticos sob<br />
forma de outras antenas. Caso não possuam lançadores de veículos<br />
despistadores ou aplicadores de marcas e armas noutros submarinos,<br />
nada farão contra intrusos, por maior que seja o mando do ComForS.<br />
Administrativamente a instalação dos realizadores dessas capacidades<br />
é do Setor de Material, mas a provocação dela está dispersa <strong>pelo</strong>s<br />
Comtes de Submarinos, <strong>pelo</strong> ModSub (Programa de Modernização<br />
de Submarinos), pela COGESN (Comissão de Gerência do Desenvolvimento<br />
do Submarino Nuclear), <strong>pelo</strong> CIAMA (Centro de Instrução<br />
e Adestramento Almte Atila Monteiro Achê), <strong>pelo</strong> GDS (Grupo de<br />
Desenvolvimento de Submarinos) e <strong>pelo</strong> ComForS. Na ausência de<br />
provocação submarinos modernizados ou adquiridos ostentarão<br />
incapacidades descabidas, acessíveis sem custo adicional.
atUalidade<br />
O CLUBE NUCLEAR E OS<br />
“ PENETRAS ”<br />
cApitão-de-mAr-e-guerrA<br />
FernAndo mAlburg dA SilVeirA<br />
As recentes tensões<br />
aquecidas <strong>pelo</strong><br />
prosseguimento do<br />
programa de<br />
desenvolvimento de<br />
tecnologia nuclear<br />
do Irã e da Coreia do<br />
Norte trouxeram à<br />
superfície a questão<br />
do poder nuclear<br />
bélico no mundo e<br />
da assimetria de<br />
direitos que cerca<br />
esse delicado tema.<br />
Uma questão de status<br />
É<br />
fato que existem cinco potências consideradas como<br />
Estados “legitimamente” possuidores de armas nucleares<br />
(NWS – Nuclear Weapons States), um status internacionalmente<br />
reconhecido, ou conferido, <strong>pelo</strong> Tratado<br />
de Não-Proliferação Nuclear (TNP) que entrou em vigor<br />
no final dos anos 60. Trata-se dos países vencedores da<br />
2ª Guerra Mundial, aqui citados na sequência em que<br />
conquistaram a tecnologia, mais a China: Estados Unidos, Rússia<br />
(Federação Russa, sucessora da União Soviética), Reino Unido, França<br />
e China. Este grupo forma o <strong>Clube</strong> Nuclear propriamente dito,<br />
países que, tendo como principal “atributo” a posse de armamento<br />
nuclear, ganharam assento permanente no Conselho de Segurança<br />
da ONU (todos com poder de veto). São países que, <strong>pelo</strong> TNP,<br />
podem manter suas armas atômicas e até mesmo modernizá-las,<br />
embora não possam repassá-las (nem sua tecnologia) a terceiros<br />
e estejam submetidos a um programa de redução progressiva de<br />
estoques (de eficácia duvidosa). Esse acordo, desenhado <strong>pelo</strong>s mais<br />
fortes no pós-guerra, permite que os demais países desenvolvam a<br />
tecnologia nuclear para fins exclusivamente pacíficos (geração de<br />
energia elétrica, uso medicinal e outros), sujeitando-se às inspeções<br />
EUA<br />
da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) da Organização<br />
das Nações Unidas. Violações de suas regras são submetidas ao<br />
Conselho de Segurança (CS) da ONU, única organização habilitada<br />
<strong>pelo</strong> TNP para tomar, ou propor, as medidas cabíveis para conter a<br />
proliferação das armas de destruição em massa no planeta.<br />
É fato, também, que o domínio da tecnologia das armas nucleares<br />
não ficou restrito a esse grupo de cinco poderosos. Nove Estados<br />
já detonaram artefatos bélicos nucleares. Dos quatro não pertencentes<br />
ao <strong>Clube</strong>, três não são signatários do TNP: Índia, Paquistão<br />
e Coreia do Norte, sendo que esta última foi membro do tratado até<br />
2003, quando se desligou do pacto; e o quarto é a África do Sul, que<br />
chegou a produzir artefatos nucleares nos anos 70/80, mas desfez-se<br />
deles no início dos anos 90, aderindo então ao TNP.<br />
Existe, ainda, o caso obscuro de Israel, que não é país signatário<br />
do tratado e se recusa a admitir que possua ou esteja desenvolvendo<br />
armas nucleares, apesar das evidências em contrário. E existe o<br />
caso do Irã, país signatário que, juntamente com a Coreia do Norte<br />
(não signatária), é considerado <strong>pelo</strong>s EUA e seus aliados como um<br />
“Estado pária” (rogue state), sobre o qual recai a suspeita de estar<br />
dissimuladamente conduzindo um programa nuclear voltado para<br />
28 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355<br />
fins bélicos. Embora isso seja sistematicamente negado <strong>pelo</strong> governo<br />
desse país teocrático islâmico, o CS da ONU vem aplicando sanções<br />
políticas e econômicas à República Islâmica do Irã, dividindo as<br />
opiniões mundiais a respeito (principalmente <strong>pelo</strong> efeito adverso<br />
das sanções econômicas sobre a população iraniana).<br />
Finalmente, existe o caso dos Estados que – fruto da Guerra<br />
Fria, que opunha Ocidente e Oriente – não dominam a tecnologia,<br />
nem fabricam suas ogivas nucleares, mas compartilham a posse,<br />
a guarda e o eventual uso de armas atômicas de seus aliados. Esse<br />
grupo contempla países que receberam armas dos Estados Unidos<br />
sob o guarda-chuva (nuclear weapons sharing) da Organização<br />
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN): Alemanha, Itália, Bélgica,<br />
Holanda e Turquia (bem como o Canadá, até 1984, e a Grécia,<br />
até 2001); e contempla também os países que as receberam sob<br />
o manto do Pacto de Varsóvia, comandado pela Rússia na extinta<br />
União Soviética, como Ucrânia, Cazaquistão, Bielo-Rússia (e talvez<br />
outros da ex-URSS). Esse grupo não dispõe de autonomia para o<br />
emprego das armas, mas seus países ostentam o singular status<br />
de hospedeiros das armas de outrem. A rigor, isso viola artigos do<br />
TNP que vedam a delegação, direta<br />
ou indireta, <strong>pelo</strong>s membros do NWS,<br />
do controle dessas armas a terceiros;<br />
mas a ONU não condena essa situação.<br />
Com a dissolução da URSS, os países<br />
desse grupo oriental, a partir de 1995,<br />
progressivamente devolveram à Rússia<br />
suas ogivas e aderiram ao TNP.<br />
Em síntese, poder-se-ia dizer que<br />
dessas circunstâncias deriva a existência<br />
de grupos assimétricos de poder<br />
nuclear, assim divididos entre “sócios<br />
efetivos do clube” e “penetras”:<br />
• os Nuclear Weapons States<br />
(NWS) do TNP (EUA, Rússia, Reino<br />
Unido, França e China), formando o<br />
<strong>Clube</strong> Nuclear original, membros permanentes<br />
do Conselho de Segurança<br />
da ONU com poder de veto, que tenta<br />
dar as cartas sobre a matéria no âmbito<br />
Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355<br />
REINO UNIDO<br />
da Organização das Nações Unidas;<br />
• os não signatários possuidores<br />
de armas nucleares (Índia, Paquistão<br />
e Coreia do Norte), que se preservaram<br />
fora das rédeas restritivas do<br />
tratado, declinando de assiná-lo (ou<br />
dele se desligando), para poderem<br />
RÚSSIA perseguir seus objetivos estratégicos<br />
regionais sem serem acusados de<br />
violar as regras do TNP;<br />
• os não declarados, mas presumidamente<br />
possuidores, como é o caso<br />
de Israel (ao qual poderá se juntar o<br />
Irã, se conseguir prosseguir com seu<br />
programa); e<br />
• os Estados não nucleares que<br />
ainda hospedam, com delegação da<br />
OTAN – e com a tolerância da ONU –,<br />
armas nucleares americanas.<br />
Registre-se que, no âmbito do primeiro<br />
e mais poderoso grupo, a Rússia<br />
e os Estados Unidos – anteriormente os dois atores principais da<br />
bipolaridade que durante décadas alimentou os receios mundiais de<br />
uma hecatombe nuclear – negociaram, com o fim da Guerra Fria,<br />
sucessivos acordos de verificação e redução de estoques, que vêm<br />
sendo objeto de frequente rediscussão entre as partes envolvidas.<br />
A terceira versão do START (Strategic Arms Reduction Treat) foi<br />
firmada em abril de 2010 em Praga, por Barack Obama e Dmitri<br />
Medvedev, limitando mais, em comparação com o tratado original, a<br />
quantidade de armas estratégicas dos dois países. Não se vislumbra,<br />
todavia, um movimento firme e decisivo no NWS que conduza à<br />
eliminação total dos estoques de ogivas nucleares, que ainda existem<br />
– e aparentemente existirão por longo tempo – em quantidade<br />
suficiente para destruir a vida no planeta Terra. Das cerca de 65 mil<br />
ogivas atômicas existentes em 1985, acredita-se que ainda existam<br />
cerca de 10 mil ativas e aproximadamente 22 mil desativadas, mas<br />
não destruídas (em maio de 2010, o Pentágono admitiu que possui<br />
mais de 5 mil armas ativas). Essa omissão do NWS é o motivo<br />
principal da crítica dos que ainda perseguem a obtenção da bomba<br />
atômica, como Coreia do Norte e Irã.
Como chegaram lá (1)<br />
Os primeiros a obter a bomba de fusão<br />
nuclear foram os norte-americanos, que<br />
iniciaram em 1939, com cooperação britânica<br />
e canadense, o Projeto Manhattan,<br />
estimulados <strong>pelo</strong> receio de que os alemães,<br />
então em guerra, a desenvolvessem antes (as<br />
pesquisas alemãs estavam bem avançadas). FRANÇA<br />
Em julho de 1945, já <strong>após</strong> a rendição nazista,<br />
os americanos testaram o primeiro artefato,<br />
e em agosto o empregaram contra os japoneses<br />
em Hiroshima e Nagasaki. Ao longo<br />
de toda a Guerra Fria os EUA continuaram<br />
a desenvolver armas nucleares (chegando<br />
às bombas de hidrogênio – fissão nuclear<br />
– em 1952/54) e a modernizar seu arsenal<br />
de bombas, mísseis balísticos e poderosos<br />
submarinos nucleares de várias classes, mas<br />
a partir de 1992 começaram a frutificar os<br />
esforços de redução de estoques.<br />
A União Soviética fez seu primeiro teste em 1949, dando-se<br />
então a partida na corrida nuclear entre URSS e EUA, que se estendeu<br />
até a ruína da União Soviética em 1991. A motivação era a<br />
busca por um equilíbrio de poder nuclear, que consumiu enormes<br />
investimentos em armas, mísseis balísticos intercontinentais e<br />
submarinos nucleares, contribuindo para a exaustão da economia<br />
soviética. Por décadas, a disputa entre americanos e russos deixou<br />
o mundo sob ameaça.<br />
Seguiram-se os ingleses, buscando igualmente ostentar um<br />
status nuclear em oposição à ameaça soviética no cenário europeu.<br />
Os primeiros testes britânicos bem-sucedidos foram realizados em<br />
1952 no deserto de Nevada, nos EUA, e em sequência na Austrália,<br />
em 1953. Os ingleses chegaram à bomba de hidrogênio em 1957,<br />
e tal como seus parceiros americanos mantiveram pesado arsenal<br />
de bombardeiros estratégicos e submarinos armados com mísseis<br />
de ogiva nuclear, vários deles (classe Vanguard) ainda em operação.<br />
Existe um anunciado programa de redução de estoques, a se<br />
estender até 2024.<br />
A França chegou à arma de fusão nuclear em 1960, fruto de<br />
pesquisa própria e motivada pela obtenção de status compatível com<br />
o de seus aliados, bem como pela tensão gerada pela crise do Canal<br />
de Suez e pela derrota francesa na Indochina em 1954. A bomba de<br />
fissão de hidrogênio francesa foi conseguida em 1968, mas a partir do<br />
fim da Guerra Fria teve início um programa de redução de estoques,<br />
embora estejam mantidas a modernização das armas e a evolução do<br />
emprego a partir de submarinos nucleares (com mísseis balísticos)<br />
e de bombardeiros leves (com mísseis de médio alcance).<br />
A China conquistou o status de potência nuclear em 1964. O<br />
desenvolvimento chinês foi uma resposta a ambas as ameaças, a<br />
representada <strong>pelo</strong>s Estados Unidos e a pela URSS (com quem as<br />
relações chinesas vinham se deteriorando há anos). Em 1967, <strong>após</strong><br />
a mais rápida de todas as transições da fusão nuclear para a fissão,<br />
a China explodiu sua primeira bomba de hidrogênio. São limitadas<br />
as informações sobre o atual estoque chinês, mas o governo afirma<br />
que adota uma política de só usar tais armas em retaliação a um<br />
ataque nuclear (não se podendo afirmar que essa postura será<br />
mantida caso a situação na península coreana deteriore para novo<br />
confronto bélico).<br />
A Índia, país não membro do TNP e que, desde a independência<br />
dos britânicos, não escondeu que faria pesquisas nessa área, explodiu<br />
sua primeira arma nuclear em 1974 (quando já existia o tratado),<br />
sob a curiosa argumentação de que se tratava de uma “explosão nuclear<br />
voltada para a paz” (daí ter sido a bomba indiana denominada<br />
Smiling Buddah). Na verdade, os indianos tinham seu subcontinente<br />
ameaçado por contenciosos fronteiriços com a China – já nuclearizada<br />
– e enfrentavam os problemas decorrentes de sérias dissidências<br />
com o Paquistão, que deram causa a três guerras indo-paquistanesas.<br />
O desenvolvimento indiano tirou partido de tecnologia de reatores<br />
nucleares cedida <strong>pelo</strong> Canadá para fins pacíficos, o que despertou<br />
as preocupações do “clube atômico” sobre a dualidade de uso dessas<br />
tecnologias. Embora os EUA não confiram à Índia um status de<br />
NWS, vários acordos foram desenvolvidos com os americanos para<br />
dar um tratamento especial ao caso, em face da realidade de que a<br />
ONU não conseguira deter o programa indiano.<br />
A resposta paquistanesa não tardou. Ao conhecer a determinação<br />
indiana de fazer a arma nuclear, o Paquistão, por seu primeiroministro<br />
Ali Bhutto, proclamou em 1965 que também o faria, “nem<br />
que os paquistaneses tivessem que passar fome e comer grama”.<br />
Apesar das restrições econômicas e militares impostas <strong>pelo</strong>s EUA, em<br />
1998 houve uma sequência de seis explosões paquistanesas, poucas<br />
semanas <strong>após</strong> uma série de novos testes atômicos indianos. Diante<br />
das tensões permanentes entre Índia e Paquistão, ambos continuam,<br />
segundo analistas, a desenvolver armas nucleares e seus vetores.<br />
Quanto à Coreia do Norte, que havia firmado com os EUA em<br />
1994 um acordo de cessão de usinas nucleares para produção de<br />
energia elétrica em troca da interrupção de um incipiente desenvolvimento<br />
de armas nucleares, este país retirou-se do TNP em 2003,<br />
<strong>após</strong> acusações norte-americanas sobre a existência de um programa<br />
secreto de enriquecimento de urânio para fins bélicos, desrespeitando<br />
o pacto. As acusações foram seguidas de sanções econômicas.<br />
De fato, em 2006 teve lugar uma explosão de um artefato coreano<br />
de pequena potência, e em 2009 um segundo teste foi conduzido<br />
com sucesso. O regime comunista coreano do norte, com apoio<br />
chinês, diante da ameaça de uma reunificação da península com<br />
a predominância sul-coreana, vem usando essa capacitação como<br />
intimidação regional, preocupando os coreanos do sul e o Japão,<br />
ambos fortes aliados dos EUA na região.<br />
O real status israelense é controverso. Israel nega a posse de<br />
armas nucleares, mas as evidências em contrário são convincentes.<br />
Embora nunca tenha sido confirmado, há também evidências de<br />
30 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355<br />
ter sido feito um teste em cooperação com a África do Sul – que<br />
depois abandonou seu programa nuclear militar – em 1979, explodindo<br />
um artefato no mar, ao sul do Cabo da Boa Esperança (o<br />
“incidente Vela”). Alguns analistas estimam que Israel tenha mais<br />
de uma centena de armas atômicas, inicialmente desenvolvidas<br />
a partir de tecnologia francesa, e não afastam a possibilidade de<br />
Israel vir a usá-las para destruir as instalações nucleares iranianas,<br />
diante da contínua hostilidade do governo dos aiatolás à existência<br />
do Estado judeu.<br />
Como se vê desse breve histórico, o mundo convive há mais de<br />
seis décadas com a proliferação de armas nucleares, em maior ou<br />
menor grau, mas a eficácia do desarmamento e da não proliferação<br />
sob o TNP ainda não são visíveis no horizonte, apesar de alguns<br />
progressos alcançados.<br />
A assimetria de poderes e suas tendências<br />
De fato, a assimetria é um dos pontos de maior atrição entre as<br />
potências que pertencem ao <strong>Clube</strong> Nuclear e os demais possuidores<br />
(reais ou potenciais, declarados ou não) dessas armas. Alegam<br />
estes que a assimetria é injusta, dado que cada Estado deveria ser<br />
soberano para identificar a necessidade, ou não, de possuí-las, em<br />
função de seus peculiares cenários estratégicos; e que não se pode<br />
eternizar a “legitimação” conferida <strong>pelo</strong> TNP, com base no cenário<br />
do pós 2ª Guerra Mundial, para que cinco potências desfrutem de<br />
tamanho poder, e outras não.<br />
Sem dúvida, trata-se de uma das matérias mais polêmicas<br />
do século XXI. A energia atômica pode ter uso civil e militar.<br />
Efetivamente, ao assinar o TNP em 1967, os países não nucleares<br />
ambicionavam abrir mão do acesso às armas atômicas em troca do<br />
progressivo desarmamento dos que as possuíam, perseguindo uma<br />
extinção semelhante à que ocorreu no passado com as armas bacteriológicas.<br />
Ambicionavam, ainda, ganhar o acesso às tecnologias<br />
voltadas para o emprego pacífico dessa poderosa forma de energia,<br />
visando à produção de energia elétrica e outras aplicações civis.<br />
Não tendo o desarmamento total dos mais fortes logrado êxito, e<br />
tendo a Índia, o Paquistão, Israel e a Coreia do Norte desenvolvido<br />
artefatos nucleares, pode-se dizer que o TNP é um tratado apenas<br />
parcialmente bem-sucedido (ou em grande parte fracassado, como<br />
preferem dizer seus críticos).<br />
A assimetria nuclear tolerada <strong>pelo</strong> TNP não é a única a in-<br />
comodar os que podem menos. Sabidamente, inúmeras outras<br />
assimetrias são notáveis no planeta, como a industrial, a cultural, a<br />
econômica, a científica e tantas outras, sendo legítimo o objetivo das<br />
sociedades de perseguir melhor equiparação em todas essas áreas.<br />
Legítimo, mas nem sempre factível. Na área nuclear voltada para<br />
fins bélicos, a tendência é que a assimetria de poderes permaneça<br />
por longo tempo.<br />
Um argumento em favor desse entendimento pode ser encontrado<br />
na postura da potência hegemônica do pós Guerra Fria,<br />
os Estados Unidos. Apesar do discurso pacifista do prêmio Nobel<br />
da paz, Barak Obama, que em 2009, em Praga, afirmou que era<br />
imperioso tornar o século XXI menos perigoso e que, para tanto,<br />
os EUA deveriam perseguir a meta da paz e da segurança olhando<br />
para um planeta livre de armas nucleares, o documento oficial<br />
norte-americano de 2010 sobre segurança nuclear (2010 Nuclear<br />
Posture Review) enfoca cinco objetivos estratégicos que explicitam<br />
a postura estadunidense, a saber:<br />
• prevenir a proliferação de armas nucleares e o terrorismo<br />
nuclear;<br />
• reduzir o papel das armas nucleares americanas na estratégia<br />
nacional de segurança;<br />
• manter a deterrência e a estabilidade em níveis reduzidos de<br />
força nuclear;<br />
• reforçar a deterrência regional e reassegurar as alianças e<br />
parcerias dos Estados Unidos; e<br />
• sustentar um arsenal nuclear seguro e eficaz.<br />
Como se vê, nenhum deles leva a um planeta livre de armas nucleares,<br />
pois é bem sabido que o discurso é político, mas a estratégia<br />
é realista. A referência à estabilidade de certo nível de força nuclear<br />
é claramente voltada para um equilíbrio com a Rússia e a China. A<br />
preocupação com o terrorismo nuclear deve-se à possibilidade de<br />
organizações terroristas inimigas dos EUA, como a Al Qaeda, virem<br />
a conseguir a posse de artefatos capazes de causar grande dano em<br />
atentados terroristas, hipótese que não pode ser descartada <strong>pelo</strong>s<br />
norte-americanos (afinal, há estoques de armas em países da ex-<br />
URSS, há artefatos na Coreia do Norte, e não é impossível que venham<br />
a ser obtidos por meios escusos). A menção à não proliferação<br />
tem, decerto, o Irã e a Coreia do Norte como principais alvos.<br />
Tanto na prevenção do terrorismo nuclear como na da proliferação<br />
de armas, há alguns elementos de importância crítica para<br />
os EUA. São eles o TNP, como peça central,<br />
reforçando o respeito às regras da AIEA; o cerco<br />
à segurança das matérias-primas nucleares<br />
em todo o planeta, combatendo as vulnerabilidades<br />
de sua obtenção; e a continuidade<br />
das negociações para a ratificação de novos<br />
acordos de redução de armamento nuclear<br />
com as potências do <strong>Clube</strong> Nuclear.<br />
Pode-se esperar progressos nesses campos,<br />
mas não é ainda possível vislumbrar no horizonte<br />
o cenário “zero nuclear” do discurso<br />
político. Não se pode, porém, <strong>deixar</strong> de louvar<br />
os progressos havidos na recente conferência<br />
(maio de 2010) de revisão do TNP na ONU,<br />
ÍNDIA<br />
onde os delegados de 189 países alcançaram<br />
raro consenso ao esquematizar os passos<br />
futuros rumo ao desarmamento nuclear,<br />
<strong>após</strong> quase um mês de debates. Das cinco<br />
potências do <strong>Clube</strong> Nuclear original, apenas<br />
a China manteve resistência em revelar seu
arsenal atômico.<br />
Uma reunião específica para cuidar de um Oriente Médio livre<br />
de armas nucleares foi agendada para 2012, mas não se obteve o<br />
compromisso do Irã de prestigiá-la, pois o representante iraniano<br />
condicionou a participação iraniana à revelação transparente, por<br />
parte de Israel, de seu programa nuclear, o que parece bastante<br />
improvável de acontecer. Índia, Paquistão e Coreia do Norte permaneceram<br />
fora do tratado.<br />
O Brasil, seus objetivos e posturas<br />
Nesse cenário assimétrico, que tende a se manter por décadas,<br />
o Brasil, país que hospeda grande parte das reservas conhecidas de<br />
urânio no mundo (ocupando o sexto lugar em reservas, havendo<br />
indicações de que poderá vir a alcançar o terceiro lugar com novas<br />
prospecções), defende que todos devem ter o direito de desenvolver<br />
tecnologia nuclear para fins pacíficos; que o esforço maior da ONU<br />
deve ser dirigido para o desarmamento nuclear, isto é, deve ser<br />
voltado para os possuidores de armas atômicas; e que a não proliferação<br />
deve ser objeto de grande ênfase no concerto das nações. Essa<br />
posição – bem respaldada pela Constituição de 1988, que só admite o<br />
domínio da tecnologia nuclear no Brasil para fins pacíficos – parece<br />
irretocável, mas seu emprego, na prática, principalmente em razão<br />
das posturas brasileiras em face do suspeitíssimo programa nuclear<br />
iraniano, tem levado nossa diplomacia a pisar em terreno pantanoso,<br />
confrontando os Estados Unidos, seus maiores aliados ocidentais e<br />
o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.<br />
O Brasil, durante certo tempo, considerou também a vertente<br />
da aplicação militar, principalmente em face dos contenciosos<br />
que, à época, cercavam o cone sul do continente sul-americano.<br />
Superada essa fase, a evolução das relações Brasil-Argentina levou<br />
ao abandono dos intentos bélicos, tendo os dois países, inclusive,<br />
firmado um acordo pioneiro de cooperação bilateral, <strong>pelo</strong> qual<br />
ambos podem, pela Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e<br />
Controle (ABACC), efetuar e acompanhar medições de quantidades<br />
de matérias-primas necessárias à fabricação de artefatos nucleares.<br />
Teoricamente, temos o Cone Sul da América do Sul isento da presença<br />
de armamento nuclear, mas isso não impede Brasil e Argentina<br />
de desenvolverem programas como o de projetar e construir submarinos<br />
de propulsão nuclear, desde que não portem armas atômicas<br />
(ou seja, na tênue linha que separa as aplicações, a propulsão naval<br />
nuclear não é entendida como uma aplicação<br />
bélica da energia atômica, embora muitos<br />
críticos discordem).<br />
A necessidade de fortalecer nosso Poder<br />
<strong>Naval</strong> com submarinos nucleares vem sendo<br />
objeto de transparente argumentação apresentada<br />
à sociedade <strong>pelo</strong> Ministério da Defesa e<br />
pela Marinha, tendo como fulcro a necessidade<br />
de zelar <strong>pelo</strong> enorme mar patrimonial e <strong>pelo</strong>s<br />
imensos recursos naturais (vivos e não vivos)<br />
da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira.<br />
Como é sabido, as reivindicações brasileiras<br />
perante a Convenção das Nações Unidas sobre<br />
o Direito do Mar têm logrado sucesso, resultando<br />
num grande aumento (cerca de 960 mil<br />
km2 ) de nossa área patrimonial marítima, que<br />
vem sendo denominada Amazônia Azul. Esse<br />
ganho é fruto do gigantesco trabalho de levantamento<br />
dos limites da plataforma continental<br />
brasileira, capitaneado pela Marinha do Brasil.<br />
PAQUISTÃO<br />
Para preservar seus resultados, o Estado tem que se fazer presente<br />
na guarda e na gestão de seus recursos. Se não estiver aprestado para<br />
defendê-los, despertará a cobiça de outros interessados, que não raro<br />
se apresentam com maior poder político, militar e econômico. (2) O<br />
submarino nuclear é, sob essa visão estratégica, um meio essencial,<br />
dada sua alta mobilidade e seu poder de deterrência.<br />
Não obstante essa aplicação naval, a necessidade brasileira de<br />
dominar a tecnologia nuclear se justifica plenamente, mesmo que<br />
considerado apenas o problema energético. Nosso país é altamente<br />
dependente da geração de energia pelas usinas hidroelétricas. Embora<br />
contemplado pela natureza com abundantes recursos hídricos,<br />
as perspectivas de crescimento de nossa economia, o esgotamento<br />
no médio prazo do potencial hidroelétrico, os problemas ambientais<br />
que decorrem da construção de mais represas de grande porte, a<br />
crescente necessidade de lançar mão de usinas térmicas poluentes<br />
(movidas a carvão, gás natural, biomassa ou óleo combustível), levam,<br />
entre outros fatores, à conclusão de que é imperioso aumentar<br />
a produção de energia elétrica a partir de usinas nucleares, ainda<br />
mais quando se leva em conta ser o Brasil um dos maiores possuidores<br />
de reservas de urânio no mundo, cuja maior utilidade industrial<br />
é justamente a geração de energia. A reativação da construção da<br />
usina Angra 3 e os planos governamentais para a construção de<br />
outras usinas nucleares no Norte e Nordeste evidenciam a inexorável<br />
transição do modelo quase essencialmente hidroelétrico para um<br />
modelo misto hidro/térmico.<br />
Confluem para fins pacíficos, portanto, os dois principais objetivos<br />
nacionais de emprego de reatores nucleares: as usinas termoelétricas<br />
e a propulsão naval. Nesse contexto, o Brasil vem, de uma<br />
maneira geral, se comportando em consonância com o TNP e com<br />
as exigências da Agência Internacional de Energia Atômica; e tem<br />
mantido abertas as portas para inspeções desse organismo, desde<br />
que não sejam inspecionadas as máquinas ultracentrifugadoras de<br />
enriquecimento de urânio, porquanto foram elas desenvolvidas com<br />
tecnologia nacional de alto rendimento, não sendo conveniente<br />
revelar seus segredos industriais.<br />
Essa restrição brasileira à atuação da AIEA – que na verdade é<br />
apenas uma proteção de tecnologia própria, praticada por muitos<br />
países em setores industriais e científicos diversos – vem sendo<br />
razoavelmente tolerada, mas em época recente, em decorrência<br />
da inabilidade de nossa política externa ao apoiar vigorosamente o<br />
programa iraniano, e das reações brasileiras aos protocolos adicionais<br />
ao TNP que vêm sendo objeto de negociação nas Nações Unidas,<br />
muitos analistas e diplomatas passaram a colocar nosso programa<br />
na lista de suspeições da comunidade internacional.<br />
Na visão predominante no âmbito das Nações Unidas, a Coreia do<br />
Norte e o Irã são Estados párias (“penetras” indesejáveis no clube),<br />
cujas atividades no setor nuclear são comprovadamente belicistas<br />
(como é o caso coreano, que já explodiu artefatos nucleares) ou<br />
dissimuladamente pacifistas (caso do Irã). A questão iraniana,<br />
lamentavelmente, levou mais uma vez nossa diplomacia a adotar<br />
postura largamente influenciada pela ideologia das esquerdas antiamericanistas<br />
latino-americanas; e deixou-se novamente levar <strong>pelo</strong><br />
terceiro-mundismo, cultivando o apoio de quem quer que seja, desde<br />
que possa servir ao sonho de nosso atual governo de tornar o Brasil<br />
membro efetivo do Conselho de Segurança da ONU. Ao defender o<br />
programa nuclear de um país que vem sistematicamente afrontando<br />
as decisões da ONU e vem mostrando iniludível belicismo ao proclamar<br />
aos quatro ventos que Israel deve ser “varrida do mapa”, nossos<br />
governantes quebraram a confiança de que vínhamos usufruindo<br />
há muitas décadas no concerto nas nações. Alia-se a isso a posição<br />
brasileira contrária à assinatura de um protocolo adicional ao TNP;<br />
nossa aproximação com a Coreia do Norte (inclusive protegendo-a<br />
de sanções internacionais, como também vem acontecendo em relação<br />
ao Irã); nossa tolerância diplomática com regimes ditatoriais<br />
(ou bem perto disso, como é o caso venezuelano e o iraniano); e<br />
nosso domínio da tecnologia de enriquecimento de urânio a 20%<br />
em instalações da Marinha, posturas que começaram a chamar<br />
a atenção da comunidade internacional, já tendo sido objeto de<br />
alguma repercussão midiática no mundo.<br />
Ao reconhecer de pronto, mesmo diante de abundantes evidências<br />
de fraude, a legitimidade da reeleição do presidente iraniano<br />
Mahmoud Ahmadinejad, e ao apoiar o programa nuclear de um governo<br />
ditatorial teocrático que desrespeita as regras da comunidade<br />
internacional, os direitos humanos, e que persegue e executa seus<br />
oponentes, fragilizamos a credibilidade brasileira, principalmente<br />
perante nossos principais parceiros comerciais do mundo ocidental.<br />
Causa espanto mundial a desproporcional ousadia brasileira de<br />
apresentar o Brasil como mediador do complexo conflito do Oriente<br />
Médio, quando nem sequer conseguimos mediar contenciosos regionais<br />
menores nas nossas vizinhanças. Ao tentar, de mãos dadas<br />
COREIA DO NORTE<br />
Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 33<br />
com a Turquia – porta de entrada para os<br />
interesses muçulmanos na Europa –, fazer o<br />
mundo acreditar num frágil acordo firmado<br />
entre os chanceleres do Irã, Brasil e Turquia,<br />
nossa diplomacia (com o empenho pessoal de<br />
nosso dirigente máximo) enredou-se numa<br />
confusão que quebrou a outrora respeitada<br />
credibilidade do Itamaraty e resultou, em<br />
junho de 2010, numa ampla e retumbante<br />
derrota no Conselho de Segurança da ONU,<br />
além de nos colocar em confrontação com<br />
os Estados Unidos e com todos os membros<br />
efetivos do CS, inclusive Rússia e China, que<br />
também votaram contra o tal acordo (haja<br />
vista que, <strong>logo</strong> <strong>após</strong> assiná-lo, o Irã declarou<br />
publicamente que não iria interromper seu<br />
programa de enriquecimento caseiro de<br />
urânio a 20%, rompendo uma premissa básica<br />
das negociações com as Nações Unidas<br />
e contrariando três resoluções da ONU). Foi<br />
postura de alto risco, nutrida por ingredientes ideológicos e <strong>pelo</strong><br />
terceiro-mundismo anacrônico de nossa atual política externa,<br />
não justificada nem mesmo por um pragmatismo comercial, dada<br />
a pouca expressão de nosso comércio com o Irã. (3)<br />
Nossa política externa vem enfrentando uma série de reveses.<br />
Em Doha, apostou contra a ALCA e os acordos bilaterais, e ficou<br />
sem nada de concreto nas mãos; no norte e no oeste do continente,<br />
não consegue mediar os conflitos entre Colômbia, Peru<br />
e Venezuela, que fraturaram o Pacto Andino, nem neutralizar os<br />
arroubos nacionalistas do caudilho Hugo Chávez e seus discípulos<br />
da Bolívia e Equador; no âmbito do Mercosul, não consegue evitar<br />
seu progressivo enfraquecimento (a se agravar caso a Venezuela se<br />
junte ao grupo); no caso hondurenho, nossa diplomacia deu abrigo<br />
a um presidente deposto por tentar golpear a Constituição para se<br />
manter no poder, ao mesmo tempo que rejeita reconhecer o governo<br />
eleito para substituí-lo e dificulta a readmissão do país na OEA.<br />
Envaidecido pela popularidade nutrida <strong>pelo</strong> assistencialismo, nosso<br />
governante almeja o papel de negociador global, embora não tenha<br />
sequer mostrado atributos para conciliar problemas regionais como<br />
os que opõem Venezuela e Colômbia, ou Uruguai e Argentina.<br />
Todos esses reveses – aos quais se soma o inexplicável e fracassado<br />
apoio aos “aiatolás atômicos” – contribuem para enfraquecer a<br />
imagem brasileira e a ambição de contar com assento permanente<br />
no CS da ONU. Esperemos que essas inabilidades diplomáticas não<br />
atuem adversamente, agravando suspeições sobre o nosso programa<br />
nuclear, em cujo âmago está o interesse do país <strong>pelo</strong> domínio<br />
completo do ciclo de enriquecimento de urânio e pela obtenção do<br />
submarino nuclear, objetivos estratégicos nos quais exponenciam<br />
a participação e a capacitação da Marinha do Brasil.<br />
Notas:<br />
(1) Em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_states_with_nu-<br />
clear _weapons.<br />
(2) Ver do mesmo autor Gestão do mar patrimonial jurisdicional,<br />
Revista Marítima Brasileira, v. 129, n. 1-3, jan./mar. 2009.<br />
(3) Mesmo a Rússia e a China, que têm expressivos interesses<br />
econômicos e políticos no Irã, votaram a favor de novas<br />
sanções para inibir o prosseguimento do programa nuclear<br />
daquele país islâmico.
coMUnidades indígenas<br />
SOMOS TODOS<br />
SIMPLESMENTE<br />
BRASILEIROS<br />
Este artigo do AE Mário César Flores, publicado no Estado de S. Paulo em 2/8,<br />
vem tendo grande repercussão e merece leitura atenta. Lembrem-se da perda<br />
do Kosovo pela Sérvia. Lembrem-se que nosso Acre também foi uma perda<br />
da Bolívia por não ter ocupado a área com bolivianos e marcado a presença do<br />
Estado. Pensem no País Basco, no Curdistão etc... e lembrem-se da nação<br />
Ianomami em Roraima, sentada em cima de enormes riquezas minerais<br />
brasileiras (e não indígenas). FMS<br />
AlmirAnte-de-eSquAdrA (reF) mArio ceSAr FloreS<br />
É<br />
justo proteger comunidades indígenas primitivas e isoladas, assegurando-lhes condições de vida<br />
pautadas por suas culturas ancestrais – comunidades que, sem atro<strong>pelo</strong>, serão gradual e naturalmente<br />
assimiladas, como sempre aconteceu quando culturas de níveis distintos se põem em contato.<br />
Entretanto, em se tratando de índios aculturados – cocar e pintura para a TV… –, que se valem<br />
do apoio social público, embora mal atendidos, como grande parte do povo brasileiro, inseridos<br />
na moldura da civilização, usufruindo suas vantagens, sofrendo suas atribulações e até cometendo<br />
seus delitos (a exemplo da venda clandestina de madeira), é, no mínimo, discutível a prática de<br />
nossa penitência pela História, cuja lógica, se estendida ao mundo, subverteria radicalmente a ordem global<br />
construída ao longo de séculos.<br />
A solução para esses índios não é a demarcação de áreas imensas, de que já não precisam. É a correta<br />
integração cidadã do índio ser humano brasileiro, em áreas adequadas à socioeconomia de cada comunidade,<br />
asseguradas as condições (inclusive espaço, se for o caso) para a prática da cultura ancestral espontaneamente<br />
mantida – portanto, não orquestrada para a TV. Os critérios demarcatórios hoje usados fariam sentido se o<br />
número de índios, o nomadismo e a vida de radical dependência da natureza ainda fossem os anteriores à<br />
inserção na civilização. Nas circunstâncias atuais eles precisam mais de políticas social e econômica eficazes e<br />
menos de política fundiária antropoideológica. Os índios beneficiários da polêmica demarcação Raposa-Serra<br />
do Sol (Roraima) usam seu imenso território ao estilo primitivo de seus ancestrais? Ou vivem atrelados à<br />
socioeconomia regional, ao apoio social e até ao financiamento público? Nesta última hipótese, há sentido na<br />
extensão definida por parâmetros não mais existentes?<br />
As reivindicações desproporcionais às necessidades não exigidas pela vida selvagem e nômade, de populações<br />
indígenas maiores do que as atuais, são autenticamente indígenas? Os defensores das reservas-vastidões<br />
arriscariam perguntar a preferência dos índios, entre a vida do passado, dispersos e isolados em grandes<br />
extensões, e a integração na civilização, é claro que econômica e socialmente apoiada? Sobre essa dicotomia,<br />
uma observação animadora: os soldados do Exército na Amazônia são em grande número de etnias indígenas,<br />
34 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 35<br />
familiarizados com as peculiaridades da região, dedicados e eficientes. Resposta de comandante de batalhão do<br />
interior da Amazônia, perguntado sobre os problemas indígenas locais: “Isso é coisa de São Paulo e Brasília,<br />
aqui índio quer é ver TV no quartel e ser cuidado <strong>pelo</strong> meu serviço médico…”<br />
A natureza básica dessas observações se aplica, em menor dimensão, à questão quilombola, também ela<br />
com sabor de penitência (pela escravidão), que reemerge no século XXI o conceito de raça, enaltecido para<br />
justificar o colonialismo europeu na África. Com os índios e quilombolas – e paralelamente, sem conotação<br />
territorial, com o sistema de cotas nas universidades, recurso do Estado que abdicou do Ensino Fundamental e<br />
Médio de qualidade – estamos criando distinções incoerentes com a miscigenação brasileira. Estamos inserindo<br />
um complicador na unidade nacional, já atribulada pela diversidade regional: a admissão de duas cidadanias,<br />
a cidadania brasileira e a cidadania-raça, negra ou índia, aplicada a índios e negros nascidos no Brasil, que<br />
deixam de ser simplesmente cidadãos brasileiros negros ou de etnias indígenas. A precedência entre a cidadania<br />
brasileira e a cidadania-raça, dependente do interesse conjuntural: ser índio ou o vago afrodescendente quando<br />
conveniente, ou ser brasileiro negro ou índio quando interessam os direitos da cidadania brasileira.<br />
É razoável a demarcação para índios vistos sob a perspectiva da cidadania-raça e, simultaneamente, Bolsa-<br />
Família e Pronaf para as mesmas pessoas, agora brasileiros índios?<br />
À semelhança dos impérios do passado, não convém a um país grande e complexo a existência de critérios<br />
geradores de sentimentos raciais (ou religiosos…) indutores do solapamento da identidade nacional.<br />
Estamos “racializando” o país, criando condições potencialmente estimuladoras desse solapamento, gerando<br />
uma divisão em que, dependendo da conveniência, poderá prevalecer a pátria Brasil ou o indigenismo e<br />
a negritude. O Estado brasileiro vai acabar tendo de conciliar um “império republicano” de três cidadanias: a<br />
eurodescendente, a afrodescendente e a indígena. Em contenciosos que ponham em confronto a ideia nacional<br />
e a subnacional, qual prevalecerá? É um paradoxo procurar a união supranacional de base política e econômica<br />
(Mercosul, Unasul…) e simultaneamente facilitar a cisão subnacional de base racial!<br />
Tolerâncias dessa natureza têm (no mundo e em todos os tempos) estimulado tensões e até secessões<br />
ou, ao menos, pretensões à autonomia singular. A adesão sem ressalvas à Declaração dos Direitos dos Povos<br />
Indígenas (ONU) implicará risco de ser a unidade nacional tumultuada pela concepção desagregadora do<br />
nacionalismo étnico – que tumultuou a Europa na primeira metade do século XX e ainda a perturba, talvez<br />
com o apoio da ONU e/ou de alguma versão século XXI da concepção do presidente Wilson de um século atrás,<br />
favorável à autodeterminação fundamentada no conceito da “nação” étnica e cultural.<br />
Não será surpreendente se, algum dia, uma ONG vier a sugerir plebiscito sobre o status político-administrativo<br />
desejado por comunidade indígena travestida de “nação indígena” – já aventada, ainda que até agora<br />
sem repercussão significativa, na área Raposa-Serra do Sol –, obviamente restrito à comunidade: o “resto”<br />
do Brasil não opinaria. Plebiscito que, se pretendido para o País Basco, Tibete, Xinjiang e Curdistão, seria<br />
repelido decisivamente por Espanha, China, Turquia, Irã e Iraque.
dhn<br />
a navegação eM pRol Do<br />
DESENVOLVIMENTO<br />
ECONOMICO<br />
^<br />
com capacidade de prover monitorização<br />
mAtériA dA diretoriA de HidrogrAFiA e nAVegAção (dHn)<br />
O incremento da atividade portuária é uma consequência natural do desenvolvimento<br />
econômico, tendo em vista que o grosso das trocas comerciais entre os países se dá por via<br />
marítima. Cabe notar que a capacidade instalada de um dado porto, bem como os canais<br />
que permitem seu acesso, tem elasticidade limitada, no sentido de que é necessário<br />
planejamento e investimentos vultosos para ampliar o volume da carga transportada e<br />
permitir o acesso de navios maiores, sem comprometer a segurança da navegação.<br />
Ao longo dos últimos anos, vários<br />
portos e terminais brasileiros<br />
passaram a adotar medidas destinadas<br />
a permitir sua expansão,<br />
mais significativamente por intermédio<br />
de dragagens e ampliação<br />
da área de acostagem, além<br />
de novos terminais de uso privativo (TUP) que<br />
foram construídos recentemente ou estão<br />
projetados. Tudo isso, somado às atividades<br />
de exploração de petróleo no mar, ampliou o<br />
tráfego generalizado de embarcações não só<br />
ao longo da costa, mas principalmente nas<br />
vias de acesso que levam às águas interiores,<br />
onde a navegação é restrita, o risco é maior<br />
e a atenção deve ser redobrada.<br />
Dentro desse quadro, com o intuito de<br />
contribuir para a salvaguarda da vida humana<br />
no mar, para a segurança da navegação e<br />
para a proteção do meio ambiente marinho, a<br />
Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN),<br />
por intermédio do Centro de Sinalização Náutica<br />
Almirante Moraes Rego (CAMR), passou<br />
a adotar algumas técnicas relacionadas com<br />
a navegação eletrônica e com o dimensionamento<br />
de canais que são descritas a seguir.<br />
VTS experimental instalado no CAMR<br />
Serviço de Tráfego de Embarcações (VTS)<br />
O trânsito por águas restritas é o aspecto<br />
mais relevante na navegação de qualquer<br />
embarcação. Nas águas restritas o risco<br />
de ocorrer um acidente é maior, seja por<br />
abalroamento com outras embarcações que<br />
naveguem nas proximidades, colisão contra<br />
obstáculos sobre ou sob as águas ou por<br />
encalhe em algum alto-fundo. Para grandes<br />
embarcações, como navios de uma forma geral,<br />
cuja capacidade de manobra é ainda mais<br />
limitada, a navegação pode se tornar crítica<br />
em algumas circunstâncias, motivo <strong>pelo</strong> qual<br />
existe a sinalização náutica para indicar o caminho<br />
por águas seguras. Não obstante, é natural<br />
supor que o nível da sinalização náutica<br />
para uma determinada área marítima esteja<br />
correlacionado com a intensidade do tráfego,<br />
o tamanho das embarcações envolvidas e a<br />
periculosidade das cargas transportadas, o<br />
que faz variar proporcionalmente a rede de<br />
auxílios à navegação disponíveis.<br />
Serviço de Tráfego de Embarcações<br />
(VTS) é um auxílio eletrônico à navegação,<br />
ativa do tráfego aquaviário, cujo propósito<br />
é ampliar a segurança da vida humana no<br />
mar, a segurança da navegação e a proteção<br />
ao meio ambiente nas áreas em que haja<br />
intensa movimentação de embarcações ou<br />
risco de acidente de grandes proporções. Tais<br />
áreas geralmente estão relacionadas: com o<br />
acesso a grandes portos; com a exploração de<br />
grandes bacias petrolíferas no mar, onde há a<br />
presença de elevado número de plataformas;<br />
e com a operação de terminais que movimentem<br />
grandes quantidades de petróleo e<br />
seus derivados ou gás natural. Dessa forma,<br />
existem dois aspectos básicos que definem a<br />
necessidade de se implementar um VTS: volume<br />
de tráfego e grau de risco envolvido.<br />
O início do desenvolvimento dos VTS<br />
data de 1948, com o aproveitamento da nova<br />
tecnologia do radar para permitir o acesso<br />
ininterrupto aos portos em qualquer situação<br />
de tempo ou tráfego. Esse tipo de aplicação<br />
do radar, combinado com comunicações via<br />
rádio, fez surgir um consenso na comunidade<br />
marítima de que a monitorização do tráfego<br />
aquaviário, a partir de estações de terra, poderia<br />
contribuir para a eficiência e segurança da<br />
navegação nas áreas portuárias e seus acessos.<br />
Com o aumento do tráfego e do porte dos<br />
navios ao longo das décadas seguintes, o risco<br />
de ocorrer acidentes potencialmente danosos<br />
para o meio ambiente fez surgir a necessidade<br />
de se instalar um número cada vez maior de<br />
estações VTS e de se definir normas internacionais<br />
para sua operação. Atualmente, o desenvolvimento<br />
de novas tecnologias se mostra<br />
muito importante para o conceito técnico do<br />
VTS, que deixou de ser um simples sistema de<br />
radar e comunicação de voz via rádio para se<br />
tornar um conjunto de sistemas complexos,<br />
com múltiplos sensores e ampliada capacidade<br />
de interagir com o tráfego marítimo para além<br />
das áreas portuárias somente.<br />
Uma distinção deve ser feita entre VTS<br />
dedicados ao serviço portuário e VTS dedicados<br />
ao serviço costeiro. As atribuições de um VTS<br />
36 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 37
de porto estarão voltadas primariamente para<br />
o tráfego da área portuária e seus acessos diretos<br />
(águas interiores e canais, de uma forma<br />
geral), ao passo que um VTS costeiro estará<br />
preocupado com o trânsito de embarcações<br />
por um determinado trecho do mar territorial.<br />
Com relação aos tipos de serviço, para um VTS<br />
de porto é comum esperar serviços de assistência<br />
à navegação ou de organização de tráfego,<br />
ao passo que um VTS costeiro usualmente<br />
contará apenas com o serviço de informações.<br />
Não obstante, uma estação de VTS pode ser as<br />
duas coisas, desde que equipada para isso.<br />
A implantação e operação de um VTS são,<br />
em princípio, atribuições das administrações<br />
portuárias ou de operadores de terminais<br />
de uso privativo (TUP), sob supervisão da<br />
Autoridade Marítima. Dessa forma, a DHN<br />
publicou as Normas da Autoridade Marítima<br />
para o Serviço de Tráfego de Embarcações<br />
(NORMAM-26/DHN), a fim de organizar o<br />
serviço e estabelecer os procedimentos para<br />
sua execução adequada e segura.<br />
Construção das Vias Navegáveis<br />
Como forma de ampliar as medidas<br />
voltadas para a segurança da navegação nas<br />
águas interiores e acesso a portos e terminais<br />
marítimos, o CAMR passou a adotar o<br />
conceito de Construção das Vias Navegáveis,<br />
que aplica nos projetos de sinalização náutica<br />
sobre os quais deve emitir parecer. Tal<br />
conceito se baseia em que um balizamento<br />
existe para delimitar uma via navegável que<br />
será utilizada por embarcações de tamanho<br />
e formas variadas com a expectativa de realizarem<br />
uma navegação segura, enquanto<br />
permanecerem dentro dos limites da área<br />
balizada. Todavia, por questões de ordem<br />
econômica, operacional, logística e outras,<br />
as dimensões dos navios que utilizam tais<br />
vias é cada vez maior, em termos de comprimento,<br />
boca e calado, com capacidade de<br />
transporte de carga também maior. Isso cria<br />
a necessidade de analisar a constituição física<br />
da via navegável, seja natural ou construída<br />
<strong>pelo</strong> homem, no caso de canais, para que<br />
sejam verificadas as dimensões máximas das<br />
embarcações que podem utilizar aquela via<br />
com a devida segurança.<br />
Para tanto, o CAMR adota a NBR-13246 –<br />
Planejamento Portuário – Aspectos Náuticos,<br />
da ABNT, que é o único documento nacional<br />
que transcreve técnicas internacionalmente<br />
adotadas para a construção de canais, com<br />
procedimentos para se definir as características<br />
geométricas como alinhamento, largura e<br />
profundidade de canais, bacias de manobra e<br />
do berço. O documento permite determinar o<br />
calado máximo e o “pé de piloto” para qualquer<br />
Tela de VTS com AIS integrado com radar<br />
embarcação que deseje acessar um dado<br />
canal, com base em considerações como:<br />
precisão de sondagem; tolerância de dragagem;<br />
assoreamento entre duas dragagens<br />
sucessivas; folga adicional variável de acordo<br />
com a natureza da tença; e movimentos<br />
verticais devido à ação das ondas.<br />
A tendência atual é os<br />
navios utilizarem os canais<br />
no seu limite máximo<br />
Com isso o CAMR tem melhores condições<br />
de determinar se a posição de uma boia<br />
está correta para a função que pretende, ou se<br />
deve ser reposicionada de forma a permitir que<br />
embarcações maiores possam fazer uma curva,<br />
ou transitar em determinado trecho sem arriscar<br />
tocar o talude ou mesmo sair do canal.<br />
Rede de AIS AtoN<br />
Rede de AIS para Auxílio à Navegação<br />
Sigla inglesa para Sistema Automático<br />
de Identificação de embarcações e outros<br />
alvos no mar, um AIS é constituído por<br />
transceptores de dados que operam na faixa<br />
de VHF Marítimo.<br />
Por suas características é possível associar<br />
transceptores AIS a sinais náuticos de Auxílio<br />
à Navegação (Aids to Navigation – AtoN), como<br />
boias, faróis etc., e criar uma rede dedicada a<br />
esse tipo de serviço.<br />
Tipicamente uma rede de AIS AtoN será<br />
composta por um conjunto de estações fixas,<br />
denominadas Estações Terrestres Físicas de<br />
AIS (PSS de Physical AIS Shore Station),<br />
que podem conter uma estação base ou<br />
uma estação repetidora, com os elementos<br />
necessários para o funcionamento desses<br />
equipamentos, e estações transceptoras para<br />
o balizamento fixo. A rede é complementada<br />
pelas estações transceptoras eventualmente<br />
posicionadas nas boias.<br />
A função primária de uma estação repe-<br />
tidora é estabelecer uma rede que permita<br />
ampliar a cobertura de uma estação base, o<br />
que pode ser necessário não só para ampliar<br />
fisicamente a área de cobertura, mas também<br />
para contornar problemas de propagação e<br />
obstáculos topográficos. A estação repetidora<br />
recebe as mensagens das estações móveis e as<br />
retransmite para a estação base, ao mesmo<br />
tempo em que retransmite as informações<br />
oriundas da estação base.<br />
Uma estação base é o componente principal<br />
da infraestrutura de qualquer AIS baseado<br />
em terra e se destina a trocar informações<br />
com os demais AIS na sua área de cobertura.<br />
Os componentes essenciais de uma estação<br />
base são um transceptor de VHF, um receptor<br />
de GNSS (Global Navigation Satellite<br />
Systems), cuja tarefa primária é fornecer a<br />
marcação precisa do tempo, e uma unidade<br />
de controle. Como opção, pode ser instalada<br />
uma estação de referência DGNSS (Diferencial<br />
GNSS), caso já não exista a transmissão<br />
de correções diferenciais para a sua área.<br />
38 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 39<br />
As estações base recebem as mensagens<br />
dos demais AIS e as transmitem para o processador<br />
central do sistema (que compõe a<br />
imagem do tráfego), ao mesmo tempo em<br />
que transmitem <strong>pelo</strong> VDL (VHF data link)<br />
sua identidade, posição, tempo HMG para<br />
sincronização e, eventualmente, correções<br />
DGNSS. Uma estação base tem capacidade de<br />
exercer controle total sobre o VDL<br />
Os demais AIS AtoN permitem ampliar o<br />
alcance e complementar, para o navegante,<br />
as informações fornecidas <strong>pelo</strong>s sinais náuticos<br />
convencionais. Para tanto, os AIS AtoN<br />
podem operar em dois modos distintos: o<br />
real e o virtual.<br />
No modo real existe uma estação AIS<br />
AtoN efetivamente instalada no sinal náutico,<br />
que transmite sua posição e representa a posição<br />
atual do sinal nos sistemas de navegação<br />
eletrônica de bordo.<br />
No modo virtual o sinal náutico não existe<br />
fisicamente, mas a estação base transmite<br />
uma mensagem remota para uma dada posição<br />
e cria para o usuário um balizamento<br />
eletrônico, que só existe na tela de apresentação<br />
do seu sistema de navegação eletrônica<br />
de bordo. Essa opção pode ser útil em locais<br />
onde seja contraproducente estabelecer um<br />
auxílio à navegação real, mas só tem aplicação<br />
para as embarcações que possuam AIS, ou<br />
seja, não atende a todos os navegantes.<br />
Todavia, um AIS sozinho não tem capacidade<br />
de proporcionar um quadro completo e<br />
atualizado do tráfego. Salvo regulamentação<br />
nacional específica, somente as embarcações<br />
enquadradas na Convenção SOLAS de 1974<br />
são obrigadas a portar AIS. Assim, em águas<br />
interiores, a maior parte das embarcações<br />
não disporá desse sistema. Em concomitância,<br />
uma embarcação pode ter seu AIS<br />
desligado ou operando incorretamente, o<br />
que limita a confiabilidade do sistema. De<br />
qualquer forma, se o objetivo é obter uma<br />
imagem completa do tráfego, é necessário<br />
integrar o AIS em um sistema que receba<br />
dados de outras fontes, como um VTS.<br />
Atualmente, a primeira rede de AIS AtoN<br />
no Brasil está instalada na Baía da Guanabara,<br />
com extensões para a área de Cabo Frio<br />
e para a Baía da Ilha Grande, com estações<br />
repetidoras instaladas respectivamente nos<br />
faróis de Cabo Frio e Castelhanos. A rede<br />
encontra-se em teste de aceitação, mas é prevista<br />
a possibilidade de compartilhamento de<br />
dados, o que pode permitir, por exemplo, que<br />
outros setores da Marinha acompanhem a<br />
movimentação de navios nas proximidades e<br />
no interior da Baía da Guanabara em tempo<br />
próximo do real.
Marinha do brasil<br />
ALMIRANTE<br />
MAXIMIANO,<br />
UM<br />
PIONEIRO<br />
Vice-AlmirAnte (reF) rui dA FonSecA eliA<br />
Este artigo tem o propósito de reverenciar a memória do saudoso Almirante Maximiano<br />
Eduardo da Silva Fonseca, que ocupou o cargo de Ministro da Marinha no período de 1979 a<br />
1984, falecido em 1998. Pretende ressaltar uma das mais expressivas características de sua<br />
personalidade, qual seja, a visão prospectiva e inovadora de um administrador público que<br />
sabia identificar prioridades e transformar ideias em realidade. O trabalho recorda algumas<br />
realizações concretas do Almirante pioneiro e os positivos reflexos que delas decorreram<br />
para a Marinha e o país. Teve como fonte principal de informações os registros constantes do<br />
livro 5 anos na Pasta da Marinha – <strong>escrito</strong> <strong>pelo</strong> <strong>eminente</strong> <strong>Chefe</strong> <strong>Naval</strong>, <strong>logo</strong> <strong>após</strong> <strong>deixar</strong><br />
prematuramente o cargo de Ministro da Marinha, complementados pela experiência pessoal<br />
do autor em cinco anos de convívio no seu Gabinete, respectivamente no Comando do 1º Distrito<br />
<strong>Naval</strong>, na Diretoria Geral do Material e no cargo de Secretário Militar do então Ministro.<br />
Pioneiro, eis uma qualificação que bem sintetiza o agir do<br />
Alte Maximiano à frente da Marinha. Senão vejamos.<br />
Mulher militar na Marinha. Nos idos de 1979, ouvi,<br />
numa conversa informal com o então recém-empossado<br />
Ministro da Marinha, do qual era o Secretário Militar, a<br />
emblemática frase: “no limiar do próximo milênio ninguém<br />
no Brasil poderá prescindir da força de trabalho<br />
da mulher”. Emblemática, sim, pois nenhuma iniciativa concreta<br />
recente teve mais sentido de pioneirismo nas Forças Armadas brasileiras<br />
do que o ingresso da mulher em suas fileiras. Com efeito, a<br />
ideia prosperou, “em que pesassem algumas opiniões contrárias”,<br />
nas próprias palavras do Almirante (livro citado). Inspirado nos<br />
exemplos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos da América, que nas<br />
duas guerras mundiais haviam contado com a valorosa cooperação<br />
dos quadros femininos militares, bem como na não menos valiosa<br />
cooperação de nossas enfermeiras fardadas do Exército e da Força<br />
Alte Maximiano<br />
Aérea, na Campanha da Itália, a aguçada visão prospectiva do Alte<br />
Maximiano deu partida ao projeto “Mulher na Marinha”.<br />
No oportuno livro já citado, o empreendedor Almirante relata que<br />
a criação de um Corpo Feminino já havia sido cogitada na administração<br />
do Alte Renato Guilhobel, bem como num aide-memoire, do<br />
então <strong>Chefe</strong> do Estado-Maior da Armada (1979), AE Carlos Auto de<br />
Andrade, no qual eram expostas as vantagens da criação de um Corpo<br />
Feminino, especialmente para suprir um crônico problema de pessoal<br />
na área técnica e de saúde. No entanto, tais ideias jamais haviam saído<br />
do papel. Haviam que ser transformadas em realidade. Foi então que<br />
o Almirante pioneiro fez convincente exposição verbal ao Presidente<br />
da República, João Figueiredo, que lhe deu autorização para estudar<br />
o problema e propor a criação do almejado Corpo. Finalmente, já<br />
40 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 41<br />
em 7 de julho de 1980, o Congresso Nacional, com incrível rapidez,<br />
aprovava a Lei nº 6.807, criando o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva<br />
da Marinha – CAFRM. Registre-se que no momento em que<br />
são escritas estas linhas a nossa Instituição esteja comemorando os<br />
“Trinta Anos da Presença da Mulher Militar na Marinha”.<br />
Os resultados aí estão a evidenciar o acerto da decisão. Hoje,<br />
pela evolução natural da Instituição, o Corpo Auxiliar Feminino da<br />
Marinha (CAFRM) foi transformado, passando as mulheres militares<br />
a integrar os diversos Corpos e Quadros da MB, sendo de ressaltar a<br />
possibilidade das mulheres poderem ascender às estrelas de Almirante,<br />
no Corpo de Engenheiros e no Corpo de Saúde.<br />
Brasil na Antártica. No cenário político-estratégico mundial,<br />
avulta outra pioneira conquista, sobre a qual muitos brasileiros<br />
ainda não se deram conta da importância para o Estado brasileiro,<br />
qual seja, a inserção do Brasil no Tratado da Antártica. A relevância<br />
político-estratégica e científica do Continente Austral é verdade<br />
incontroversa, como sempre asseverava o Alte Maximiano. Ressaltava<br />
ele a sua localização ímpar no globo terrestre, com imenso<br />
potencial de recursos materiais ainda inexplorados, a sua influência<br />
no clima da Terra, com reflexos diretos no Brasil, além das<br />
possibilidades de suas promissoras reservas minerais, incluindo<br />
a ocorrência de ferro, carvão, cobre, cromo e ouro, entre tantos<br />
outros metais. Além do mais, em face da decantada futura escassez<br />
mundial de alimentos, o ecossistema da Antártica acenava com<br />
uma abundante produção de alimentos variados.<br />
Pois bem, o Tratado da Antártica fora assinado em 1961 e teria<br />
vigência até 1991, quando então os países-membros do seu Conselho<br />
Consultivo iriam discutir o status internacional daquela imensa área<br />
gelada. Evidentemente, era de todo interesse do Brasil conseguir<br />
um assento no Conselho, eis que teria direito de voto nas resoluções<br />
concernentes. Para tanto, era indispensável que o país interessado<br />
desenvolvesse atividades de pesquisa na região. Urgia uma expedição<br />
brasileira à Antártica. Novamente far-se-ia sentir o espírito empreendedor<br />
e pioneiro do então Ministro da Marinha, chamando para<br />
a nossa Força a iniciativa de organizar a expedição e <strong>logo</strong> tomando<br />
as providências objetivas para a aquisição de um navio adequado.<br />
Assim, no primeiro semestre de 1982, foi comprado o navio polar<br />
dinarmaquês Thala Dan, o único com as características adequadas<br />
que se encontrava à venda, posteriormente rebatizado de Barão de<br />
Teffé. Duas expedições foram de pronto realizadas, nos verões austrais<br />
de 1982/83 e 1983/84. Na segunda expedição foi estabelecida,<br />
Barão de Teffé
mercê da tenacidade do nosso pessoal, a estação antártica brasileira,<br />
hoje a Estação Antártica Comandante Ferraz, nome que reverenciou<br />
a memória de um dos mais abnegados executores do projeto, prematuramente<br />
falecido durante as árduas providências preliminares.<br />
Ressalte-se uma relevante consequência do acerto das medidas<br />
lideradas <strong>pelo</strong> Ministro Maximiano Fonseca, qual seja, a admissão<br />
do Brasil no Conselho Consultivo do Tratado da Antártica, durante a<br />
Reunião realizada em Camberra, Austrália, em 1983, antes mesmo<br />
da realização da segunda expedição. No mesmo sentido, enfatize-se<br />
que a ocupação permanente da nossa Base na Ilha do Almirantado é<br />
fato de alto interesse do Brasil, no âmbito internacional.<br />
Reinício da construção naval-militar no Brasil. Vislumbrando<br />
a necessidade de fazer renascer a nossa indústria naval-militar e,<br />
de forma mais específica, cumprir o Plano de Reaparelhamento<br />
da Marinha (PRM), essencialmente dependente de captação de<br />
recursos externos e da exportação do material produzido pela<br />
Marinha, o Alte Maximiano, como medida preliminar e seguindo a<br />
necessária orientação da Secretaria de Planejamento da Presidência<br />
da República (SEPLAN), encampou a ideia de criar a EMGEPRON<br />
– Empresa Gerencial de Projetos Navais, com personalidade jurídica<br />
própria. Ressalte-se que a empresa iria prover uma adequada<br />
estrutura à Marinha capaz de assumir todas as gestões necessárias<br />
à realização das mencionadas atividades, que até então eram realizadas<br />
por intermediários. Resultante das providências lideradas<br />
<strong>pelo</strong> diligente Ministro, em 9/6/1982, era criada a EMGEPRON,<br />
pela Lei nº 7.000. A recente inauguração de um condigno edifíciosede<br />
(30/7/10), no interior do Arsenal de Marinha, é um marco do<br />
sucesso da EMGEPRON.<br />
No que tange à obtenção de meios flutuantes, releva consignar<br />
que o Alte Maximiano recebera do seu antecessor, o Alte<br />
Henning, uma atualização do PRM, na qual constava cerca de<br />
meia centena de navios, havendo de ressaltar, entre tantas classes<br />
de navios, por sua importância estratégica, a inclusão de 12<br />
corvetas de escolta, 2 fragatas antiaéreas e 9 submarinos.<br />
Como sempre enfatizava o ilustre <strong>Chefe</strong> <strong>Naval</strong>, em que pesasse<br />
parecer a um leigo um empreendimento ambicioso, na realidade<br />
estava muito aquém das responsabilidades de defesa do Brasil,<br />
país com graves deveres sobre uma imensa área marítima sob sua<br />
jurisdição. Haveria então de prevalecer o lado prático e objetivo do<br />
líder que dominava a arte do possível. Com efeito, o país enfrentava<br />
uma conjuntura econômica internacional adversa, onde a administração<br />
de recursos financeiros escassos tornava-se um imperativo<br />
para o Governo. Em tal contexto, foram iniciadas tratativas junto à<br />
Secretaria de Planejamento da Presidência da República para a construção<br />
inicial de um navio-escola, três submarinos e 12 corvetas.<br />
A SEPLAN concordou apenas com uma parte do que já era pouco,<br />
ou seja, um navio-escola, um submarino e quatro corvetas, além<br />
de quatro helicópteros que também constavam do PRM. Apesar do<br />
natural descontentamento da Alta Administração <strong>Naval</strong> pela redução<br />
NE Brasil<br />
Corveta Barroso<br />
da quantidade inicialmente planejada, especialmente <strong>pelo</strong>s prejuízos<br />
à meta de nacionalização dos nossos navios, o obstinado propósito<br />
do Alte Maximiano haveria de dar início, tão <strong>logo</strong>, à construção<br />
dos meios já autorizados. Insistir nas 12 corvetas, por exemplo,<br />
certamente retardaria a solução do problema, colocando em risco a<br />
continuidade da construção naval militar. Prevaleceria o aforismo de<br />
um dos <strong>Chefe</strong>s Navais paradigmas da Marinha, muito admirado <strong>pelo</strong><br />
Alte Maximiano – o Alte Frontin: “Quando não se pode fazer tudo<br />
que se deve, deve-se fazer tudo que se pode.” E assim, em 19/1/1981,<br />
foi iniciada a construção do Navio-Escola Brasil, cujo projeto foi,<br />
no país, totalmente executado pela nossa Diretoria de Engenharia<br />
<strong>Naval</strong> (DEN), com alto índice de nacionalização, cerca de 75%.<br />
A elaboração do projeto das corvetas viria a ser facilitado pela<br />
assessoria da firma alemã Marinetecnik. O Almirante optou por<br />
uma firma, em vez de simplesmente por técnicos, tendo em vista a<br />
obtenção de elementos essenciais de arquivo, tais como programas<br />
de computador. Dotado de uma visão prospectiva própria dos verdadeiros<br />
estadistas, entendia que as dificuldades a serem vencidas para<br />
a elaboração do projeto no Brasil constituíam excelente fator em<br />
prol da experiência e da determinação de necessidades para outros<br />
projetos. Aí estão, hoje, no mar, as quatro Corvetas classe Inhaúma<br />
e aquela um pouco maior e mais sofisticada, a classe Barroso,<br />
com elevados índices de nacionalização, e com grandes ganhos de<br />
experiência no setor, especialmente para o AMRJ e a DEN.<br />
Após delongados estudos e deliberações entre os setores<br />
42 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 43<br />
S Tupi<br />
S Tapajo<br />
operativos e de material, escolheuse<br />
o submarino alemão IKL-209,<br />
para construção das unidades<br />
autorizadas pela SEPLAN. O contrato<br />
seria assinado com o estaleiro<br />
alemão Howaldtswerke, poucos<br />
dias <strong>após</strong> o dinâmico Almirante ter<br />
deixado, prematuramente, o cargo<br />
de Ministro da Marinha, em 1984.<br />
O contrato inicialmente previa a<br />
S Tikuna construção, do primeiro submarino<br />
na Alemanha e do segundo no Brasil,<br />
além de uma cláusula com opção para construção, também no<br />
Brasil, de mais duas unidades de maior porte, com cerca de 2 mil<br />
toneladas. Previa ainda assessoria para construção no Brasil e treinamento<br />
na Alemanha para o nosso pessoal. Hoje temos a satisfação<br />
de ver em operação os submarinos Tupi, Tamoio, Timbira, Tapajó e<br />
Tikuna, sendo que os quatro últimos construídos no Brasil.<br />
Navio-Escola. Logo <strong>após</strong> a sua posse no cargo, em 1979, o Alte<br />
Maximiano manifestou firme disposição em construir no Brasil um<br />
moderno navio-escola para substituir o velho Custódio de Mello,<br />
um navio-transporte adaptado para instrução que, apesar dos<br />
inestimáveis serviços que havia prestado, por mais de 20 anos, ao<br />
preparo dos Guardas-Marinha, precisava ser substituído. Haveria<br />
de ser obtido um moderno navio de feição combatente, projetado<br />
<strong>pelo</strong>s nossos engenheiros navais, construído no Arsenal de Marinha<br />
e dotado dos modernos equipamentos indispensáveis à formação<br />
prático-profissional dos futuros oficiais. Após acurados estudos,<br />
prevaleceu a ideia de se aproveitar o projeto do casco das fragatas<br />
classe Niterói, ideia esta que o Alte Maximiano fazia questão de<br />
lembrar que fora do seu antecessor, o Alte Henning. Vislumbrava<br />
assim não só aproveitar e desenvolver a experiência adquirida <strong>pelo</strong><br />
AMRJ na construção do referido casco, mas, também, maior rapidez<br />
na construção. O financiamento da obra foi obtido por meio de<br />
entendimentos diretos do nosso dinâmico Ministro junto ao então<br />
presidente do Banco do Brasil, Sr. Oswaldo Collin. Foi dessa forma
que, já em 18 de setembro de 1981, com muito orgulho para os<br />
marinheiros do Brasil, era batida a quilha do nosso atual Navio-<br />
Escola, o Cisne Branco.<br />
Navios de Apoio Hospitalar – NASH. Uma das tarefas subsidiárias<br />
da Flotilha da Amazonas que mais recebe manifestações de gratidão<br />
e respeito pela Marinha, por parte das populações ribeirinhas<br />
da bacia amazônica, é sem dúvida a assistência médico-hospitalar,<br />
prestada durante as comissões de Ação Cívico-Social – ACISO. Além<br />
disso, é inegável a importância de um Navio Hospital da Marinha em<br />
uma eventual ação militar na área. Por outro lado, nos primórdios<br />
dos anos 80 o AMRJ encontrava-se em carência de novas encomendas.<br />
Neste quadro, o espírito dinâmico e criativo do nosso Pioneiro,<br />
ciente de que já havia um projeto preliminar de construção de um<br />
NASH, elaborado <strong>pelo</strong> AMRJ, calcado no projeto do patrulha fluvial<br />
classe Roraima, visualizou a possibilidade de iniciar a construção<br />
daquela classe de navio. Entendimentos diretos com a SEPLAN,<br />
Ministérios dos Transportes, Saúde e Previdência Social, lograram<br />
excelentes resultados, tais como: financiamento da construção<br />
pela SUNAMAN, com prazo e juros favoráveis; o compromisso da<br />
Previdência Social em fornecer os equipamentos especializados<br />
necessários; o convênio com a Saúde, não só para cooperação nos<br />
custos e manutenção das operações mas também no provimento de<br />
profissionais de saúde. Assim foram construídos os pioneiros NASH,<br />
batizados de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, em homenagem a dois<br />
grandes médicos e sanitaristas brasileiros.<br />
Veleiro Oceânico. Em que pese ao elevado nível tecnológico<br />
atingido pela indústria naval de nossos dias, qualquer homem do<br />
mar haverá de concordar que as embarcações a vela são ainda uma<br />
essencial escola da marinharia e da arte de navegar. Tal evidência não<br />
escaparia à arguta visão administrativa do Almirante empreendedor<br />
que, de pronto, analisou<br />
e acedeu à sugestão<br />
do saudoso Comte<br />
Érico José Cavalcante<br />
de Albuquerque, então<br />
um abnegado Capitão<br />
de Corveta – Comte<br />
Érico – instrutor de<br />
navegação da Escola<br />
<strong>Naval</strong>, para que o<br />
veleiro Cisne Branco<br />
realizasse uma viagem<br />
de instrução <strong>pelo</strong><br />
NASH Oswaldo Cruz<br />
exterior, simultaneamente com o NE Custódio de Mello. O veleiro<br />
deveria ser tripulado por alguns Guardas-Marinha e comandado por<br />
um oficial e seguiria uma derrota diferente e adequada à navegação<br />
a vela. Relembre-se que o Cisne Branco era um antigo veleiro oceânico,<br />
de casco de madeira, doado à Escola <strong>Naval</strong> pela empresa Ferrostal,<br />
então chamado “Fortuna II”. A referida viagem certamente<br />
traria ganhos importantes na formação daqueles jovens. O desafio<br />
foi aceito, a viagem foi realizada com pleno êxito, pela costa norte do<br />
Navio-Escola Cisne Branco<br />
Brasil, Antilhas, costa leste dos Estados Unidos e travessia oceânica<br />
até Portugal, com regresso ao país <strong>após</strong> percorrer a costa nordeste da<br />
África. O sucesso da viagem estimulou o nosso Ministro a adquirir<br />
o Ondine, conhecido veleiro americano, vencedor de várias regatas<br />
oceânicas, barco de maior porte que o seu predecessor, em casco de<br />
alumínio e muito bem dotado de modernos equipamentos de navegação.<br />
O novo veleiro seria rebatizado de Cisne Branco, passando o<br />
anterior a ser denominado Albatroz. Eis aqui, em breve síntese, as<br />
origens do nosso atual e majestoso Veleiro Oceânico.<br />
Na esteira do possível, e orientado <strong>pelo</strong> do binômio “quantidade-variedade”,<br />
por ele idealizado como parâmetro para obtenção<br />
de um número razoável de meios flutuantes, selecionados entre<br />
as diversas classes identificadas como prioritárias, foram obtidos<br />
outros tantos.<br />
A transcrição de um trecho de sua Ordem-do-Dia nº 6, de<br />
18/9/1981, alusiva ao batimento da quilha do Navio-Escola Brasil,<br />
parece o melhor meio de recordar os primórdios da retomada da<br />
construção naval-militar no país, a saber:<br />
“[…] Hoje acabamos de presenciar o lançamento do Navio-<br />
Balizador Comandante VARELLA, o primeiro de uma série de<br />
quatro, estando outros três em construção no Estaleiro SÃO JOÃO,<br />
de Manaus, mediante financiamento da SUNAMAM. Tal fato, aliado<br />
a este batimento de quilha do novo navio-escola e à cerimônia<br />
a ser realizada dentro de poucos dias, relativa à assinatura do<br />
contrato de construção <strong>pelo</strong> AMRJ de dois navios de assistência<br />
hospitalar para a Amazônia, também financiados pela SUNAMAM,<br />
reveste-se do mais alto significado, pois é nossa firme intenção<br />
que esta atividade industrial não sofra mais as nocivas soluções de<br />
continuidade que nós mencionamos anteriormente. Num futuro<br />
próximo, iniciaremos a construção de nossas corvetas, concebidas<br />
e projetadas <strong>pelo</strong>s nossos engenheiros navais, assim como, pela<br />
primeira vez em nossa história, a construção de um submarino.<br />
Temos a firme convicção que dessa maneira renasce de forma irreversível<br />
a indústria de navios de guerra no Brasil e, à semelhança<br />
de um passado memorável, da carreira deste Arsenal de Marinha e<br />
também de estaleiros particulares passarão a ser lançados ao mar,<br />
sem solução de continuidade, os barcos da nossa Esquadra. Fazer o<br />
máximo esforço para construir os nossos próprios navios de guerra<br />
será , na realidade, a única maneira de elevar o nosso Poder <strong>Naval</strong><br />
ao nível que é indispensável à segurança do Brasil. [...].”<br />
Propulsão Nuclear. A importância estratégica do submarino<br />
movido a propulsão nuclear é de sobejo conhecimento dos estudiosos<br />
da guerra naval. Um exemplo concreto disso foi a presença de<br />
três submarinos nucleares ingleses na área de operações da Guerra<br />
das Malvinas, nos idos de 1982, promovendo um intenso desequilíbrio<br />
de forças a favor da força-tarefa inglesa. Sempre visando ao<br />
NASH Carlos Chagas<br />
44 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 45<br />
futuro, foi constituída uma equipe de especialistas<br />
para estudar não só a possibilidade de construção<br />
do almejado submarino no país, mas, também,<br />
para obtenção do combustível nuclear necessário a<br />
operá-lo. Registre-se ainda que o Alte Maximiano, ao<br />
tratar do assunto, sempre fazia uma justa referência<br />
à memória do Alte Alvaro Alberto, que na presidência<br />
da Comissão de Energia Nuclear, nos idos dos anos<br />
50, realizara um patriótico esforço para levar adiante<br />
um programa nuclear brasileiro, que infelizmente<br />
não recebeu o apoio necessário, atrasando em <strong>pelo</strong><br />
menos duas décadas nossa entrada no setor. Graças,<br />
uma vez mais, à sua visão de pioneiro, e ao competente e árduo<br />
trabalho dos nossos oficiais engajados no relevantíssimo projeto,<br />
hoje podemos vislumbrar os magníficos resultados obtidos com o<br />
Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP).<br />
CTMSP<br />
Concepção de<br />
submarino movido a energia nuclear<br />
Outras inovações. Não seria possível no espaço destinado a<br />
este artigo discorrer sobre todas as iniciativas inovadoras do Alte<br />
Maximiano, desse modo, optou-se por ressaltar algumas julgadas<br />
de relevo, a seguir elencadas. A criação do posto de AE do Corpo de<br />
Fuzileiros Navais, em face do alcance estratégico e do consequente<br />
aumento de efetivo já atingido <strong>pelo</strong> CFN àquela época; a mudança<br />
da presidência da Comissão <strong>Naval</strong> em Washington e e da Comissão<br />
<strong>Naval</strong> na Europa para oficiais do Corpo de Intendência; a entrega das<br />
Adidâncias do Paraguai e da Bolívia, países interiores, à responsabilidade<br />
de Oficiais Fuzileiros Navais; a transformação do velho casco<br />
do CT Bauru, último navio brasileiro que participara da Segunda<br />
Guerra Mundial, em Navio Museu; a dinamização do relacionamento<br />
da Marinha com as Associações Amigos da Marinha (SOAMARES),<br />
entre tantas outras iniciativas pioneiras.<br />
Em suma, essas recordações pretendem ser, como dito no início<br />
deste artigo, uma singela maneira de prestar mais uma homenagem<br />
à memória de um ilustre Ministro da Marinha, sendo oportuno<br />
registrar a nossa alegria de assistir, recentemente, o batismo com<br />
o nome de Almirante Maximiano, do mais novo Navio-Polar brasileiro.<br />
Por certo mais um preito de gratidão e justiça concedido pela<br />
Marinha do Brasil àquele <strong>eminente</strong> <strong>Chefe</strong> <strong>Naval</strong>.
FATOS DE<br />
INTERESSE<br />
NAVAL<br />
ODONTOCLÍNICA<br />
CENTRAL DA MARINHA<br />
o atual prédio da odontoclínica Central<br />
da marinha iniciou, em 5 de outubro de<br />
2009, obras de expansão, com o intuito de<br />
aprimorar o conforto das instalações<br />
existentes para melhor atender à Família<br />
naval e proporcionar aos militares e civis<br />
que ali servem, instalações modernas,<br />
e que integrem os mais recentes avanços<br />
na odontologia.<br />
o projeto de investimento para a ampliação<br />
e reforma das instalações físicas do atual<br />
prédio da ocM contempla um acréscimo de<br />
1.430m2 na sua área total, permitindo uma<br />
melhor qualidade e capacidade de<br />
atendimento aos usuários do sistema de<br />
saúde da Marinha. além dos 27 novos<br />
consultórios, também está prevista a criação<br />
de um centro cirúrgico, com quatro salas,<br />
modeladas de acordo com as normas técnicas<br />
da anVIsa, além de três salas de rx<br />
panorâmico, duas salas para rx periapicais e<br />
uma sala para tomografia.<br />
devido às obras de expansão da ocM, a partir<br />
de 2/8/2010, a clínica de cirurgia funciona<br />
no Hospital central da Marinha (HcM), no<br />
período de 7 às 18h, com marcação de<br />
consultas <strong>pelo</strong> telefone (21) 2104-6593 ou<br />
presencial e, a partir de 9/8/2010, a clínica<br />
de ortodontia atende na policlínica naval<br />
nossa senhora da glória (pnnsg), no período<br />
de 7 às 18h, com marcação de consultas, <strong>pelo</strong><br />
telefone (21) 2566-1272 ou presencial.<br />
o seu sorriso É a Nossa Vitória!<br />
134º ANIVERSÁRIO DE<br />
CRIAÇÃO DO COMANDO<br />
DA FLOTILHA DE<br />
MATO GROSSO<br />
no dia 20 de outubro de 2010, o comando<br />
da Flotilha de Mato grosso (comFlotMt)<br />
completa seu 134º aniversário de criação,<br />
representando um longo período de<br />
contribuição com a defesa da fronteira<br />
oeste de nosso país.<br />
a Flotilha de Mato grosso foi criada por<br />
meio do aviso Ministerial de 20 de outubro<br />
de 1876, devido à necessidade de garantir o<br />
guarnecimento de nossas fronteiras, num<br />
esforço para salvaguardar os interesses<br />
nacionais na bacia do rio paraguai, buscando,<br />
assim, minimizar a vulnerabilidade na defesa<br />
da soberania brasileira na região, situação<br />
esta que ficou clara por ocasião da<br />
guerra da tríplice aliança.<br />
atualmente, o comando da Flotilha de<br />
Mato grosso tem por missão “executar<br />
operações ribeirinhas, executar a patrulha<br />
naval nos rios da bacia do rio paraguai e<br />
cuiabá, cooperar em ações de Inspeção<br />
naval, efetuar busca e socorro Fluvial e<br />
prestar assistência cívico-social às<br />
populações ribeirinhas, a fim de contribuir<br />
para a aplicação do poder naval na área de<br />
jurisdição do comando do 6º distrito naval”.<br />
No histórico desses 134 anos de<br />
existência, ressalta-se o constante esforço<br />
à manutenção e ao aprimoramento da<br />
capacidade operacional da Flotilha, visando<br />
ao cumprimento de suas atribuições, que<br />
abrangem um amplo espectro de atividades,<br />
como a execução de operações de extrema<br />
complexidade, as operações ribeirinhas, que<br />
exigem forças especialmente configuradas<br />
e preparadas para tal; a fiscalização do<br />
cumprimento de leis e regulamentos nas<br />
águas interiores sob jurisdição do comando<br />
do 6º distrito naval, através da realização de<br />
patrulha naval, de acordo com a lei<br />
PALESTRA NO CLUBE DE AERONÁUTICA<br />
o candidato à presidência da república josé serra foi convidado <strong>pelo</strong>s presidentes<br />
dos clubes naval, Militar e de aeronáutica, para realizar palestra sobre sua<br />
plataforma política no clube de aeronáutica, no dia 27 de agosto. o evento contou<br />
com a participação dos associados e convidados dos três clubes.<br />
46 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 47<br />
complementar nº 97/1999 e a lei<br />
complementar nº 136/2010, sancionada<br />
em 25 de agosto, que estabelece como<br />
atribuição subsidiária das Forças armadas<br />
atuar, por meio de ações preventivas e<br />
repressivas, nas águas interiores, contra<br />
delitos transfronteiriços e ambientais,<br />
definindo claramente o poder de polícia da<br />
Marinha do brasil na região de fronteira;<br />
como também a nobre tarefa de concorrer<br />
para melhorar o bem-estar das populações<br />
ribeirinhas da região, por meio de operações<br />
de assistência Hospitalar, realizadas <strong>pelo</strong><br />
nasH tenente Maximiano.<br />
assim, seguindo o exemplo dos marinheiros<br />
do passado, os tripulantes da Flotilha de Mato<br />
grosso, sob o farol da rosa das Virtudes de<br />
nossa Marinha, trabalham com perseverança,<br />
entusiasmo e profissionalismo, a fim de<br />
contribuir para a presença do poder naval<br />
na fronteira oeste.<br />
parabéns Flotilha de Mato grosso!<br />
a Marinha do brasil no pantanal,<br />
“Flotilha, um só time, um só rumo”.<br />
FATOS DE<br />
INTERESSE<br />
NAVAL
viagens<br />
FLORESTA<br />
AMAzôNICA,<br />
UM DESTINO<br />
QUE CADA VEz<br />
MAIS ATRAI A<br />
ATENÇÃO DOS<br />
BRASILEIROS<br />
48 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 49<br />
Texto e fotos:<br />
cApitão-tenente roSA nAir medeiroS<br />
O contato com esse colossal espetáculo da<br />
natureza que transpõe fronteiras, procurado<br />
por estrangeiros de várias partes do mundo,<br />
ainda é um destino caro para a maioria dos brasileiros. Mas o número de turistas nacionais<br />
cresce, resultado do aprimoramento da infraestrutura turística e da presença cada vez maior<br />
da Amazônia nos meios de comunicação, o que tem contribuído para despertar o interesse<br />
por essa região mítica do Brasil. A floresta com suas cores, fragrâncias, sabores, sons, texturas,<br />
proporciona uma experiência única.<br />
Acima: Vitórias-Régias, uma<br />
das plantas símbolo da Amazônia<br />
O encontro das águas<br />
A<br />
Amazônia habita o imaginário como uma das últimas<br />
fronteiras selvagens do planeta. Conhecê-la não é<br />
tarefa das mais simples. Ao se planejar a ida à Amazônia<br />
deve-se definir o tipo de roteiro, se aquele mais<br />
convencional e bem estruturado ou mais informal em<br />
que se aproveitam os mesmos meios com os quais a<br />
população amazônica se desloca, portanto sujeito a<br />
certa medida de imprevisto. Pode-se optar <strong>pelo</strong> meio-termo, entre o<br />
conforto e a informalidade. Manaus é o ponto de acesso mais fácil à<br />
floresta e oferece boas opções de passeios. Embora haja vários tipos<br />
de roteiros partindo de Manaus em direção aos pontos mais distantes<br />
da Amazônia brasileira, as opções apresentadas são especialmente<br />
para os que dispõem de pouco tempo.<br />
Antes de seguir viagem, algumas informações sobre a floresta são<br />
importantes. Primeiro, uma série de condições singulares concorreu<br />
para a formação da imensa floresta que cobre a planície banhada pela<br />
bacia amazônica. Um magnífico anfiteatro, assim pode ser descrita<br />
a Amazônia. Pelo sul e <strong>pelo</strong> norte, os planaltos Central do Brasil<br />
e das Guianas, limitam a grande planície, respectivamente. E <strong>pelo</strong><br />
oeste um vasto setor de cordilheira dos Andes fecha o que seria uma<br />
plateia em U, cuja boca se abre, a leste, para o oceano Atlântico.<br />
Das antigas montanhas e mesetas do planalto das Guianas vêm<br />
as águas escuras e ácidas formadoras do rio Negro. Da cadeia andina,<br />
precipitam-se geleiras que descem as montanhas levando uma carga<br />
de sedimentos que compõem o leito barrento de uma série de rios,<br />
cujas águas as populações amazônicas chamam de brancas – que,<br />
ao se juntar na planície dão origem ao Solimões.<br />
Do encontro do Negro com o Solimões nasce o Amazonas,<br />
chamado sabiamente de rio-mar <strong>pelo</strong>s ribeirinhos e de “mar Dulce”<br />
<strong>pelo</strong>s conquistadores espanhóis. Em poucos pontos ele deixa<br />
entrever que é apenas um rio.<br />
Não menos extraordinário que o mundo das águas é o contínuo<br />
florestal que domina praticamente toda a planície amazônica. Nenhum<br />
outro bioma mundial rivaliza com a Amazônia em termos<br />
de variedade de vida. Nesse ponto, um aparente paradoxo, em um<br />
primeiro olhar a enorme massa verde da floresta sugere certa<br />
homogeneidade da paisagem. O viajante que percorre por longos<br />
períodos a imensidão dos rios amazônicos talvez seja acometido<br />
por uma sensação de monotonia, pois faltam acidentes ao relevo,<br />
com algumas exceções. Entre elas sobressaem as belíssimas tepuis<br />
(espécies de chapadões) e o Pico da Neblina (o maior do Brasil), no<br />
Planalto das Guianas; a serra do Divisor, no Acre, que prenuncia as<br />
montanhas andinas; as pequenas serranias de arenito da região de<br />
Monte Alegre, no médio Amazonas, e de Carajás, no sul do Pará.
Florestas de terra firme e matas inundadas<br />
O espetacular tapete verde, que entremeado de águas, cobre a<br />
planície amazônica merece um olhar demorado. Engana-se quem<br />
pensa que o solo da Amazônia é fértil, em grande parte consiste<br />
em extensões arenosas e estéreis. O segredo de desenvolvimento<br />
da floresta está na eficiente ciclagem de nutrientes, quando um<br />
ser morre, rapidamente é decomposto e reaproveitado graças às<br />
bactérias e fungos presentes nas raízes dos vegetais, raízes sempre<br />
superficiais que crescem, sobretudo para os lados, de modo a aproveitar<br />
melhor os nutrientes disponíveis. A floresta se autossustenta,<br />
mas não produz excedente. Intrigantes exceções são as terras pretas,<br />
espécies de ilhas de solo rico que se espalham por toda a planície,<br />
onde se desenvolvem atividades agrícolas. As maiores áreas de terras<br />
pretas têm pouco mais de um quilômetro quadrado.<br />
As florestas de terra firme dominam cerca de 96% da região.<br />
Abrigadas das inundações anuais da bacia, apresentam as maiores<br />
taxas de biodiversidade da Amazônia. Nelas se encontram árvores<br />
como o angelim, o cedro, o mogno e a castanheira. As copas dessas<br />
árvores são tão densas que cobrem a passagem de quase toda a luz<br />
do sol, mantendo úmidos, escuros e abafados os estratos da mata<br />
mais próximos do solo, onde prolifera número espetacular de espécies<br />
menores: samambaias, folhagens rasteiras, fungos, insetos<br />
– formigas, cupins, besouros –, aracnídeos, entre outras.<br />
Embora não representem mais de 4% do bioma, as florestas localizadas<br />
em terras alagadas durante parte do ano, sempre próximas<br />
às calhas do rios, são as mais frequentes do ponto de vista de quem<br />
A floresta inundada<br />
O cais flutuante<br />
50 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 51<br />
viaja de barco. Há tanto várzeas baixas dominadas por vegetação<br />
rasteira arbustiva, como florestada – cujas árvores se adaptaram a<br />
viver parte do ano dentro d’água. Nos rios de águas negras e claras, as<br />
várzeas florestadas são chamadas de ig<strong>após</strong>. Típicas das matas alagadas<br />
são árvores como o taxi, a mamorana e a copaíba; além dos igapés,<br />
agrupamento de plantas flutuantes, das seringueiras, das sumaúmas,<br />
gigantes com 60 metros de altura (igualmente comuns em terrenos<br />
secos), das vitórias-régias, plantas aquáticas transformadas em símbolo<br />
da Amazônia, e de diversas espécies de palmeiras.<br />
A flora da Amazônia também é famosa pela grande variedade de<br />
vegetais medicinais (destacam-se andiroba, copaíba, aroeira) e de<br />
frutas regionais, entre as mais consumidas e comercializadas estão:<br />
guaraná, açaí, cupuaçu, castanha-do-brasil (castanha-do-pará),<br />
pupunha, tucumã, buriti, taperebá. Também a fauna é vasta, desde<br />
onças, capivaras, aves, quelônios, répteis e primatas. Das milhares de<br />
espécies de peixes da Amazônia, com algumas ainda desconhecidas<br />
ou sob estudo, as mais exploradas são: tambaqui, jaraqui, tucunaré,<br />
surubi, pirarucu (considerado o bacalhau da Amazônia).<br />
A riqueza da fauna e flora da região foram descritas no impressionante<br />
Flora brasiliensis (15 volumes), de Carl von Martius,<br />
naturalista austríaco que dedicou boa parte de sua vida à pesquisa<br />
da Amazônia, no século XIX. No entanto, a diversidade de espécies e<br />
a dificuldade de acesso às copas elevadas tornam ainda desconhecida<br />
grande parte das riquezas da fauna.<br />
Épocas de cheia e de seca<br />
As informações sobre o clima são importantes ferramentas para o<br />
deslocamento mais confortável dos viajantes. As variações no índice<br />
pluviométrico levam a duas situações climáticas bem definidas, a<br />
da seca ou estiagem que compreende os meses de maio a outubro,<br />
quando os leitos dos rios se restringem às calhas e emergem as<br />
praias; e a da cheia ou inundação, de novembro a abril, período em<br />
que os rios transbordam, espalhando-se pelas florestas lindeiras.<br />
Há diferenças regionais e mesmo de ano para ano. Áreas como o<br />
sul do Pará, o norte do Mato Grosso e os estados de Rondônia e Acre<br />
sofrem uma diminuição no volume de águas em maio, enquanto nas<br />
demais regiões da Amazônia, centrais e ao norte, os rios continuam<br />
cheios, mas com pricipitações abrandadas. As populações amazônicas<br />
chamam a estação seca de verão e o período chuvoso de inverno.<br />
No extremo norte dos estados do Amazonas e do Pará, no oeste<br />
do Amapá e em quase todo território de Roraima, a seca e a cheia<br />
ocorrem na ordem inversa em relação às regiões mais ao sul.<br />
Uma metrópole cercada pela selva<br />
Uma metrópole cultural e a mais bem estruturada porta de<br />
entrada para os viajantes da Amazônia, assim pode ser descrita<br />
Manaus. Operadoras de turismo oferecem passeios em barcos,<br />
navios e iates para os pontos mais remotos da região. Nos arredores,<br />
hotéis de selva para todos os gostos e bolsos, proporcionam<br />
imersão na natureza com conforto. E, aos interessados, há vasta<br />
oferta de informações sobre os povos da floresta e a biodiversidade,<br />
em centros de pesquisa, museus e parques.<br />
Manaus nasceu na segunda metade do século XVII, época em<br />
que a floresta era objeto de disputa de portugueses, espanhóis e<br />
de outros povos. A Amazônia, segundo o Tratado de Tordesilhas,<br />
pertencia à Espanha, mas isso jamais foi empecilho para os conquistadores,<br />
que ali ambicionavam encontrar riquezas. Assim em<br />
1669 os portugueses construíram no estratégico ponto de encontro<br />
do rio Negro e Solimões, o Forte de São José da Barra, a fim de<br />
consolidar os avanços para o interior. O local fora antes ocupado
<strong>pelo</strong>s índios manaos, daí o nome Manaus. A cidade viveu espetacular<br />
desenvolvimento econômico entre o fim do século XIX e o início do<br />
século XX, durante o período da borracha, quando o látex tornou-se<br />
o principal produto de exportação brasileira.<br />
Foi um dos primeiros municípios do país a receber energia elétrica<br />
e bonde, antes mesmo do Rio de Janeiro, então capital federal, e<br />
inaugurou, em 1909, a primeira universidade do Brasil. São da época<br />
construções como o Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, o Palácio<br />
Rio Negro, o prédio da Alfândega e o Mercado Adopho Lisboa, além<br />
de diversos casarões. Esse patrimônio arquitetônico, em parte bem<br />
preservado, confere graça à cidade. Com a derrocada da borracha,<br />
Manaus entrou num ciclo de decadência, quebrado somente meio<br />
século depois com a Zona Franca de Manaus, que atraiu indústrias<br />
de eletroeletrônicos ao oferecer isenções fiscais.<br />
Atrações da cidade<br />
Antes de sair em expedição rumo à floresta, vale conhecer<br />
algumas das atrações da cidade. A principal riqueza arquitetônica<br />
é o Teatro Amazonas, de estilo eclético com elementos neoclássicos,<br />
inaugurado em 1896, 15 anos <strong>após</strong> o início da construção. A<br />
cúpula, composta por 36 mil escamas de cerâmica esmaltadas e<br />
telhas vitrificadas da Alsácia, leva as cores da bandeira do Brasil. As<br />
pinturas do pano de boca do palco, que reproduzem o encontro das<br />
águas dos rios Negro e Solimões, são de autoria do pernambucano<br />
Crispim do Amaral. Os painéis do luxuoso salão têm assinatura do<br />
italiano Domenico de Angelis e retratam a abundante natureza local.<br />
O destaque fica por conta da pintura do teto, “A glorificação das<br />
belas-artes na Amazônia”. No mesmo espaço, destaca-se o assoalho<br />
composto por 12 mil peças de madeira encaixadas, sem cola ou<br />
pregos; o espelho de Veneza e os 32 lustres de Murano.<br />
Outras atrações da parte histórica da cidade são: o Centro Cultural<br />
Palácio da Justiça, em estilo neoclássico – o prédio foi inaugurado<br />
em 1900. O primeiro andar é reservado para exposições temporárias<br />
e uma mostra permanente do acervo da Pinacoteca do Estado. O<br />
segundo andar guarda boa parte do mobiliário originalmente utilizado<br />
no tribunal, além de lustres de cristal italiano, vasos chineses<br />
e outros detalhes decorativos. O Centro Cultural Palácio Rio Negro,<br />
Teatro Amazonas<br />
que por muitos anos foi sede do governo estadual e atualmente é<br />
palco de exposições, shows e espetáculos de teatro. Outro símbolo,<br />
o Mercado Municipal, construído de frente para o rio Negro, é considerado<br />
uma réplica do extinto mercado Les Halles, de Paris – está<br />
em restauração. Os prédios da Alfândega e da Guardamoria, de 1906,<br />
com tijolos aparentes importados da Inglaterra foram tombados<br />
<strong>pelo</strong> Patrimônio Histórico Nacional em 1987.<br />
A Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição foi<br />
erguida em 1695, <strong>logo</strong> <strong>após</strong> a fundação da cidade. Em 1850 foi destruída<br />
por um incêndio. O prédio atual ficou pronto em 1878. No<br />
teto está representada a coroação de Nossa Senhora e nas laterais<br />
a Virgem Maria e a história das missões na Amazônia.<br />
Além do patrimônio arquitetônico é interessante conhecer a Manaus<br />
científica. O Bosque da Ciência, parque ecológico pertencente<br />
ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é voltado<br />
para a educação ambiental e conservação, oferece trilhas interpretativas<br />
para os visitantes. Podem ser vistos cotias, algumas espécies<br />
Palácio Rio Negro<br />
de macacos e bicho-preguiça soltos pela mata. No Museu de Ciências<br />
Naturais, encontram-se algumas espécies de peixes da Amazônia,<br />
em vários aquários, além de uma grande coleção de borboletas e<br />
insetos. Já o Museu do Índio, mantido pela Congregação das Irmãs<br />
Salesianas, possui um rico acervo – utensílios domésticos, armas e<br />
adornos das tribos indígenas do alto rio Negro.<br />
Praias e o encontro das águas<br />
Na época da seca, os manauaras lotam as praias que surgem<br />
com a diminuição do nível das águas do rio Negro. A praia de Ponta<br />
Negra é uma das mais populares e está sempre cheia nos feriados<br />
e fins de semana. Para chegar às praias da Lua e do Tupé, que são<br />
bastante procuradas, só é possível por via fluvial. Canoeiros ficam<br />
de prontidão todos os dias da semana para levar e buscar turistas.<br />
A praia do Tupé é a mais distante das duas mencionadas.<br />
Apesar de ser muito procurada por banhistas nos feriados e fins<br />
de semana, o maior atrativo fica por conta da paisagem durante<br />
a travessia <strong>pelo</strong> rio Negro.<br />
A selva amazônica revela sua exuberância já nas proximidades<br />
de Manaus. Há uma série de passeios de um dia nos arredores da<br />
52 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 53<br />
cidade, ideais para quem dispõe de pouco tempo na região, mas<br />
deseja experimentar as sensações provocadas pela maior floresta do<br />
mundo. Um passeio que não pode <strong>deixar</strong> de ser feito é o encontro<br />
das águas dos rios Solimões e Negro para formar o Amazonas. O<br />
encontro ocorre a aproximadamente 10 quilômetros de Manaus,<br />
descendo o rio Negro. Quando as águas se encontram correm lado<br />
a lado sem se misturar por cerca de seis quilômetros. Isso ocorre<br />
devido às diferenças de temperatura, pH e velocidade dos rios. Se<br />
for por conta própria, procure um barqueiro vinculado a alguma<br />
cooperativa ou associação. Barcos altos oferecem melhor visibilidade,<br />
porém menos contato direto com o rio. É interessante colocar<br />
a mão na água para sentir a diferença de temperatura.<br />
Os roteiros que partem de Ponta Negra, embora mais longos,<br />
proporcionam vista da cidade de Manaus no trajeto – como do<br />
Mercado Municipal, entre outros prédios, do porto flutuante, das<br />
embarcações regionais. Quando se chega ao encontro das águas<br />
há uma “parada” para a observação do fenômeno. O passeio continua<br />
em direção ao Parque Ecológico Janauary,<br />
nessa área é feita uma caminhada na selva para<br />
observar a famosa vitória-régia; na sequência<br />
um passeio de canoa motorizada para conhecer<br />
os ig<strong>após</strong> e os igarapés, observando a rica flora<br />
e fauna típica da região. O roteiro inclui almoço<br />
(pratos regionais) em restaurante flutuante.<br />
No período de seca, dependendo do nível das<br />
águas, o passeio de canoa é substituído por uma<br />
caminhada na selva.<br />
Outra opção é fazer o encontro das águas<br />
com a focagem do jacaré. O roteiro é o mesmo,<br />
mas inclui pescaria de piranhas e outras espécies<br />
de peixes da região. Ao anoitecer inicia-se a<br />
captura dos jacarés (os guias os capturam com<br />
as mãos, realizam explicações e fotografias e os<br />
devolvem ao seu habitat). A focagem do jacaré<br />
pode ser feita à parte, em um cruzeiro noturno<br />
<strong>pelo</strong>s canais que fazem a ligação entre o rio<br />
Negro e o Solimões.<br />
Ritual indígena no Tupé<br />
Essa é uma rara oportunidade de conhecer<br />
um ritual indígena. Na Reserva de Desenvolvimento Sustentavel<br />
do Tupé vive uma comunidade cabocla. Duas famílias de índios<br />
dessanas, oriundos do alto rio Negro e alguns representantes das<br />
etnias Tucano e Tuiúca. Nas duas malocas indígenas, os irmãos<br />
Domingos e Raimundo Vaz Dessana organizam uma demonstração<br />
de ritos ancestrais sempre que há visita de turistas. A apresentação<br />
de pouco mais de uma hora, oferece uma boa noção de músicas,<br />
danças e cantos dessanas. Agências de Manaus e alguns hotéis de<br />
selva incluem o passeio no roteiro.<br />
Hotéis de selva e arquipélago de Anavilhanas<br />
De Manaus parte-se para uma série de hotéis de selva de onde se<br />
organizam pequenas “incursões” na floresta. A maioria dos hotéis de<br />
selva ou jungle lodges, instalados nos arredores de Manaus, oferece<br />
atividades semelhantes, passeios de barcos por ig<strong>após</strong> e igarapés,<br />
caminhadas na mata, visita a comunidades ribeirinhas, pesca de<br />
piranha e focagem de jacaré. Foram inaugurados no início da década<br />
de 1980, porém o ícone entre os hotéis de selva é o grandioso Ariaú<br />
Amazon Towers, resultado de uma sugestão de Jacques Cousteau ao<br />
empresário amazonense Ritta Bernardino, durante a célebre visita
do documentarista francês à Amazônia, em 1982.<br />
O tour arquipélago de Anavilhanas (localizado às proximidades<br />
do município de Novo Airão, no Rio Negro, e do Parque Nacional do<br />
Jaú) é outra experiência imperdível. As mais de 400 ilhas compõem<br />
uma estação ecológica, categoria de unidade de conservação que não<br />
admite ocupação (somente são permitidas atividades relacionadas<br />
à pesquisa e à educação ambiental). Foi criada em 1980, na época<br />
boa parte das ilhas era ocupada por fazendas de gado e algumas<br />
comunidades. Hoje os ribeirinhos vivem no entorno do arquipélago,<br />
para onde também foi realocado o gado. A floresta se encontra em<br />
avançado estágio de regeneração.<br />
Manaus é ponto de partida mais frequente de barcos com<br />
destino ao arquipélago, cujas primeiras ilha se encontram a 60<br />
quilometros. Novo Airão também é um bom local de conhecer as<br />
Anavilhanas, mas a melhor forma é do alto, a bordo de um avião. O<br />
roteiro inclui parada no início do arquipélago (sem desembarque);<br />
visita às dependências do Ariaú Amazon Towers, como à Casa do<br />
Tarzan, entre outras atrações. Na sequência, ida à praia do Tupé,<br />
onde haverá um ritual indígena. Conforme a operadora, pode ser<br />
visitado o hotel de selva Jungle Palace.<br />
Embora seja mais famosa, Anavilhanas não é o maior arquipélago<br />
fluvial do mundo, mas o de Mariuá, em Barcelos, com aproximadamente<br />
700 ilhas.<br />
Um breve histórico do Amazonas<br />
Como nesse roteiro, escolheu-se Manaus<br />
como ponto de acesso à floresta<br />
amazônica, esse breve relato pretende<br />
resgatar alguns dos fatos marcantes<br />
na formação da história da cidade e do estado<br />
do Amazonas, que é tão rica quanto a imensidão<br />
da floresta e seus rios.<br />
Originalmente, a área do atual estado<br />
do Amazonas não integrava as terras portuguesas,<br />
conforme os termos do Tratado de<br />
Tordesilhas, ficando sob domínio espanhol. O<br />
primeiro europeu a percorrer todo o curso do<br />
rio Amazonas teria sido o espanhol Francisco<br />
de Orellana, que afirmou ter encontrado e<br />
combatido uma tribo de mulheres guerreiras<br />
e por isso batizou aquele curso de “rio das<br />
amazonas”, em referência às personagens da<br />
mitologia grega. Os relatos sobre a imensa<br />
floresta cortada por rios grandes como mares<br />
espalharam-se pela Europa, atraindo aventureiros<br />
e exploradores.<br />
Em 1580, <strong>após</strong> uma crise sucessória, a<br />
Coroa portuguesa fundiu-se com a Espanha.<br />
Inaugurava-se assim a chamada União Ibérica,<br />
que se estendeu até 1640. Ao mesmo<br />
tempo, os inimigos da Espanha passaram<br />
a sentir-se livres para incursionar sobre os<br />
domínios ultramarinos portugueses. Sob o<br />
governo da Espanha, Portugal expulsou os<br />
franceses do Maranhão, em 1616, e fundou<br />
o Forte do Presépio, núcleo da atual cidade<br />
orellana<br />
de Belém do Pará. A partir de então, forças<br />
portuguesas começaram a penetrar na<br />
floresta, repelindo rapidamente os demais<br />
estrangeiros. No governo de Filipe III da Espanha,<br />
foi criado o estado do Maranhão, em<br />
1621, independente do restante da colônia,<br />
ou seja, do Estado do Brasil.<br />
Com a Restauração Portuguesa, em 1640,<br />
o estado do Maranhão voltou à soberania de<br />
Lisboa, agora expandido, uma vez que os<br />
portugueses, a partir de Belém do Pará, já<br />
promoviam expedições regulares no Amazonas<br />
e no baixo rio Madeira. Em 1669, foi<br />
fundado o Forte de São José da Barra do Rio<br />
Negro, na área onde hoje fica Manaus. Tam-<br />
Sobrevivência na selva, cachoeiras e cavernas<br />
Outra experiência interessante é o tour de sobrevivência na selva.<br />
De Manaus desloca-se de barco até a Vila Tupé, onde é realizada<br />
uma caminhada na selva de duas horas. Durante a caminhada são<br />
bém começou a ocupação dos rios Solimões<br />
e Madeira. Devido às limitações de contigente<br />
para ocupar as extensões do Norte, o governo<br />
se apoiou nas missões religiosas. Primeiro<br />
foram os jesuítas espanhóis, no entanto,<br />
a atividade destes passou a ser vista como<br />
ocupação estrangeira e a Coroa portuguesa<br />
determinou a sua expulsão. Os missionários<br />
espanhóis foram substituídos por outros,<br />
portugueses (que mais tarde também foram<br />
expulsos). Nasceram nessa época as povoações<br />
que dariam origem às atuais Barcelos<br />
(então chamada Mariuá), Tefé, Coari, Borba,<br />
Airão e Carvoeiro.<br />
O estado do Maranhão virou “Grão-Pará<br />
fornecidas instruções de construção de armadilhas e sobre como<br />
reconhecer plantas medicinais e frutíferas. Após é feito um passeio<br />
de canoa e visita a uma vila indígena.<br />
Já o município de Presidente Figueiredo, a 107 quilômetros de<br />
e Maranhão” em 1737 e<br />
sua sede foi transferida<br />
de São Luís para Belém<br />
do Pará. O Tratado de<br />
Madri de 1750 confirmou<br />
a posse portuguesa<br />
sobre a área.<br />
Em 1755 foi criada a<br />
Capitania de São José<br />
do Rio Negro, no atual<br />
Amazonas, subordinada<br />
ao Grão-Pará. A nova<br />
capitania compreendia<br />
territórios hoje equivalentes<br />
ao do estado<br />
rondon<br />
de Roraima e parte do<br />
Amazonas. A capital foi estabelecida na vila de<br />
Mariuá, atual Barcelos. Durante alguns anos,<br />
de 1792 a 1799 a capital esteve informalmente<br />
em São José da Barra do Rio Negro.<br />
Em 1772, a Coroa portuguesa dividiu o<br />
estado do Grão-Pará e Maranhão em duas<br />
unidades administrativas: estado do Grão-Pará<br />
e Rio Negro com sede em Belém do Pará, e o<br />
estado do Maranhão e Piauí, com sede em São<br />
Luís. Com a Independência do Brasil, esses<br />
estados foram incorporados e tornaram-se<br />
províncias, a despeito de resistências. Em<br />
1850, a província do Grão-Pará foi desmembrada<br />
em duas unidades, formando a do Pará<br />
e a do Amazonas (antiga capitania de São José<br />
do Rio Negro). Com a autonomia, a capital<br />
voltou para São José da Barra, renomeada<br />
ainda naquela década como Manaus.<br />
Ariaú Amazon<br />
Towers, hotel de selva<br />
Ciclo da borracha<br />
Na segunda metade do século<br />
XIX, o comércio da borracha deu<br />
novo rumo à história e à economia<br />
da Amazônia. A Hevea brasiliensis<br />
era antiga conhecida dos povos<br />
amazônicos, que durante séculos<br />
extraíram do seu tronco uma massa<br />
mole e elástica de pouca aplicação<br />
prática. Em 1838, Charles Goodyear<br />
desenvolveu o processo de vulcanização,<br />
aumentando a resistência<br />
da borracha e transformando-a em<br />
um produto de múltipla utilidade<br />
na indústria.<br />
Em poucos anos, a borracha<br />
constituiu um dos principais itens da pauta<br />
de exportação do Brasil. A nova atividade sustentou<br />
a economia do Amazonas a partir da<br />
década de 1850. A lucratividade da borracha<br />
criou fortunas, financiou o crescimento de<br />
Manaus e atraiu especialmente nordestinos<br />
e imigrantes de países vizinhos, como Bolívia<br />
e Peru. A população se estendia cada vez mais<br />
para o oeste, levando ao povoamento do Acre,<br />
já em território boliviano (o que causou o<br />
conflito que levou à Revolução Acreana). No<br />
auge, quase 100% da produção mundial de<br />
borracha saía da Amazônia.<br />
A corrida da borracha também estimulou<br />
expedições científicas para catalogar a biodiversidade<br />
amazonense. Cientistas como Carl<br />
von Martius, William Chandless, Henry Walter<br />
Bates e Louis Agassiz exploraram a floresta.<br />
54 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 55<br />
Manaus pela BR-174, tem como atrativo mais de 100 cachoeiras,<br />
além de uma série de cavernas. Em geral as cachoeiras estão localizadas<br />
em áreas particulares e nem todas são abertas ao público.<br />
Há propriedades que dispõem de hospedagem e restaurantes. Os<br />
passeios geralmente incluem visita à cachoeira do Santuário e às<br />
do rio Urubuí – o qual apresenta uma sequência de três cachoeiras,<br />
do Sucuriju, da Iracema e das Araras, das quais somente as duas<br />
últimas se destinam a banho. A cachoeira da Pedra Furada é outra<br />
muito procurada, possui um cenário idílico, praias de areias brancas<br />
e piscina natural de água cristalina.<br />
As cavernas mais atraentes são as do Refúgio do Maruaga e as do<br />
complexo da Iracema – três pequenas grutas podem ser visitadas:<br />
a da Onça, a da Catedral e a do Galo-da-Serra, com grandes rochas<br />
sobrepostas e passagens em arco. Também há pequenas grutas no<br />
Parque Municipal Galo-da-Serra, localizado em uma área de sítio<br />
arqueológico. Na mesma região fica a Gruta do Raio.<br />
As opções são muitas, pois há uma infinidade de riquezas ambientais<br />
a serem conhecidas na Amazônia. Cruzeiros <strong>pelo</strong> rio Negro<br />
e <strong>pelo</strong> Solimões, roteiros que partem de Manaus a Belém, entre<br />
outros destinos, podem ser realizados conforme a disponibilidade<br />
e o grau desejado de interação do visitante com essa região singular<br />
que atravessa fronteiras e ganha o mundo.<br />
Já no século XX, Theodore Roosevelt, ex-presidente<br />
dos Estados Unidos, emprendeu uma<br />
viagem à floresta (1913-1914) acompanhado<br />
<strong>pelo</strong> sertanista brasileiro Cândido Rondon.<br />
O ciclo da borracha durou até 1913,<br />
quando o preço do produto no mercado internacional<br />
sofreu forte baixa por causa da<br />
concorrência da Malásia (para onde foram contrabandeadas<br />
sementes de seringueira anos<br />
antes). A empresa Hevea, grande exploradora<br />
do setor, transferiu-se para o Sudeste asiático.<br />
Em 1920, praticamente já não havia mais<br />
extração de látex e o Brasil contribuía com<br />
apenas 2% da produção mundial. No mesmo<br />
ano, o Acre foi desmembrado do Amazonas,<br />
tornando-se território e depois estado.<br />
Com o fim do ciclo da borracha, a economia<br />
amazonense entrou em crise. Como<br />
uma das formas de tentar retomar o crescimento<br />
da região, em 1953 o governo federal<br />
criou a Superintendência do Plano de Valorização<br />
Econômica da Amazônia (SPVEA)<br />
e instituiu a Amazônia Legal Brasileira,<br />
área que abrange os atuais estados do Acre,<br />
Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima,<br />
Tocantins e grande parte dos estados<br />
do Maranhão e do Mato Grosso. Em 1966, a<br />
SPVEA foi substituída pela Superintendência<br />
do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).<br />
Mas o principal impulso ao crescimento veio<br />
em 1967, quando foi criada a Zona Franca<br />
de Manaus, um polo para indústrias de alta<br />
tecnologia com isenção fiscal.
viagens<br />
DUBROVNIk.<br />
A PÉROLA DO<br />
ADRIÁTICO<br />
cApitão-de-mAr-e-guerrA (Fn-rm1)<br />
JAime Florencio de ASSiS FilHo<br />
Há pouco tempo Veneza, na Itália,<br />
era a mais bela e a mais interessante<br />
cidade banhada <strong>pelo</strong> Mar Adriático,<br />
sob o ponto de vista turístico.<br />
No meio naval não me recordo de<br />
comentários sobre Dubrovnik, cidade<br />
da Croácia, até que em 1986, a<br />
Marinha do Brasil a incluiu no roteiro<br />
da primeira viagem de Instrução do<br />
Navio-Escola Brasil. Não fosse um<br />
colega de turma, designado para<br />
realizar essa viagem, comentar sobre<br />
a beleza dessa cidade, não teria me<br />
despertado o interesse em conhecê-la,<br />
oportunidade que tive recentemente.<br />
Eslovênia<br />
Mar Adriático<br />
Bandeira e mapa da Croácia<br />
Croácia<br />
Bósnia<br />
Dubrovnik<br />
Hungria<br />
Sérvia<br />
A<br />
Croácia, país localizado na faixa noroeste da península<br />
dos Bálcãs, é uma das antigas repúblicas que constituíam<br />
a antiga Iugoslávia, esta dissolvida em 1989. As<br />
outras repúblicas são: a Sérvia; a Bósnia Herzegovina;<br />
Montenegro; a Eslovênia e a Macedônia. Aproximadamente<br />
82% da população da Croácia é católica, 9,2%<br />
são cristãos e os demais são ateus.<br />
Sua independência foi declarada em 1991. Contudo, o país<br />
não escapou dos conflitos étnicos gerados no período de 1992 a<br />
1995 entre essas antigas repúblicas. Nos embates militares que<br />
se sucederam, várias cidades, inclusive Dubrovnik, foram alvos de<br />
bombardeio e palco de cenários de guerra, ocasionando destruição<br />
de parte de sua cultura arquitetônica, em especial as do interior das<br />
muralhas da velha Dubrovnik.<br />
Localizada na Dalmácia, uma faixa costeira croata dominada<br />
<strong>pelo</strong>s Alpes dináricos, cujas encostas se debruçam no Mar Adriático,<br />
formando baías, golfos e cerca de mil ilhas, Dubrovnik é hoje um<br />
ponto de passagem de boa parte dos navios transatlânticos que<br />
realizam cruzeiros marítimos no Mar Mediterrâneo. Quem chega à<br />
cidade <strong>pelo</strong> mar, atracando no seu novo porto, tem como cartão de<br />
visita cenas de belezas naturais e paisagísticas próprias de suas construções,<br />
que a fizeram ser chamada de “A pérola do Adriático”.<br />
Entretanto, o que a torna cobiçada <strong>pelo</strong>s turistas é o setor que<br />
fica por trás de um promontório que se avista do porto. É a parte<br />
mais importante da cidade que leva o nome de “Old Town”, uma<br />
cidade medieval, rodeada por muralhas (com quase 2km de extensão)<br />
e fortificações, que no passado serviram de defesa contra os<br />
Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 57<br />
ataques de venezianos e de turcos.<br />
Em 1991, Dubrovnik foi cercada e bombardeada por forças<br />
militares da Sérvia e de Montenegro que causaram muitas destruições.<br />
Um projeto de reconstrução pós-guerra, que teve o apoio da<br />
UNESCO, devolveu à cidade o prestígio de outrora, alcançando, neste<br />
momento, os níveis turísticos anteriores à guerra, e reativando uma<br />
das atividades mais importantes do país.<br />
Fundada na Idade Média, por volta de 617 a.C., ela hoje ocupa a<br />
região da antiga República de Ragusa (palavra de origem italiana),<br />
nome pela qual foi conhecida no passado. No seu apogeu (séculos<br />
XV e XVI), quando o comércio e a atividade marítima eram as suas<br />
mais importantes fontes de renda, chegou a ter uma frota com cerca<br />
de 200 navios, sendo a única cidade-estado do Adriático a competir<br />
com a vizinha Veneza.<br />
Na sua história, entre tantas outras passagens, já fez parte do<br />
Império Bizantino, ficou sob o domínio de Veneza, foi Estado vassalo<br />
do Reino da Hungria e integrante do reino napoleônico da Itália.<br />
Após a Grande Guerra, com o fim do Império Austro-húngaro,<br />
a cidade integrou o reino dos sérvios, croatas e eslovenos (reino<br />
da Iugoslávia, a partir de 1929), e passou a se chamar oficialmente<br />
Dubrovnik. No início da Segunda Guerra Mundial, já fazia parte<br />
do Estado independente da Croácia, sendo ocupada inicialmente<br />
<strong>pelo</strong>s italianos e depois <strong>pelo</strong>s alemães. Em 1944, os partisans de<br />
Tito conquistaram a cidade, parte então da República Socialista<br />
da Croácia, um dos estados da República Socialista Federativa da<br />
Iugoslávia, até o seu desmembramento em 1991.<br />
A “Old Town”, classificada, em 1979, como Patrimônio Mundial<br />
Dubrovnik vista do seu porto novo
pela UNESCO, é um lugarejo de ruas antigas<br />
alinhadas, encravado na atual Dubrovnik, que<br />
mescla arquitetura medieval, renascentista e<br />
barroca, contemplando palácios de pedra, prédios<br />
em estilo veneziano, igrejas e torres com sinos,<br />
que nos últimos anos foram alvo de um excelente<br />
trabalho de restauração.<br />
A entrada em “Old Town” se faz por meio de<br />
um pórtico de pedra – o Portão Pile – que permeia<br />
a muralha que a circunda. A primeira imagem que<br />
se tem ao entrar na velha cidade é a do calçadão<br />
de pedestres (chamado de “Placa”) recheado de<br />
lojas e de pequenos bares e restaurantes, que se<br />
estende por cerca de 280m até a torre do relógio,<br />
localizada ao lado do Palácio Sponza. O palácio,<br />
de estilo gótico, já serviu de alfândega e de casa<br />
da moeda no século XVI.<br />
O lado norte da cidade, à esquerda do calçadão,<br />
concentra muitas residências, algumas das quais<br />
transformaram-se em pousadas e pequenos restaurantes. Nessa área<br />
existe um mosteiro dominicano, obra dos séculos XIV e XV.<br />
No lado sul, por sua vez, os quarteirões são maiores, e contempla<br />
lojas, restaurantes, praças com artesanatos locais, museus etc.<br />
No lado oeste, existe uma saída (Porta de Ploce) que dá acesso ao<br />
antigo porto – “Old Harbor”, onde atracam, também, as lanchas dos<br />
O movimentado Old Harbor<br />
O antigo canhão, relíquia medieval<br />
navios de cruzeiro que optam por fundear ao largo da “Old Town”<br />
em vez de atracar.<br />
A cidade em si, portanto, é pitoresca, tem história, e faz jus ao<br />
título que lhe foi conferido. Considero um excelente local para uma<br />
visita, desde que se chegue à mesma por navio, que, normalmente,<br />
fica atracado por no máximo dez horas. Tempo mais do que suficiente<br />
Acima, o final da Placa. Abaixo, o Portão Pile<br />
58 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 59<br />
Turistas no Old Town<br />
para conhecer a “Old Town”, visitar os pequenos museus locais,<br />
almoçar, comprar umas lembranças e retornar ao navio com tempo<br />
para um bom descanso antes do seu retorno ao mar.<br />
Apesar da existência de aeroporto nas proximidades, acredito que<br />
uma visita à Dubrovnik por outros meios de transporte não compense,<br />
pois, o custo-benefício (transporte aéreo, hospedagem, táxi etc) seria<br />
alto demais para conhecer a “Pérola do Adriático”.<br />
Obs.: A moeda local é o kuna, mas aceita-se também o euro,<br />
cuja relação de troca nas lojas locais é de 1 euro para 7,2 kunas.<br />
Referências – Enciclopédia wikipédia – http:///pt.wikipedia.<br />
org/wki/dubrovnik<br />
Todas as fotos foram cedidas <strong>pelo</strong> autor da matéria
segUnda gUerra<br />
A ÚLTIMA ENTREVISTA DE<br />
UM VETERANO DE GUERRA<br />
Memórias do Almirante Espellet demonstram a imensa lacuna por ele deixada<br />
rAul coelHo bArreto neto<br />
Professor Mestre em História<br />
Pesquisador <strong>Naval</strong><br />
Por muito pouco a entrevista apresentada nestas páginas não<br />
se realizava. Em meados de abril de 2010, durante período<br />
de estadia no Rio de Janeiro para uma série de entrevistas<br />
visando meu projeto de doutorado, o AE Eddy Sampaio Espellet<br />
somente poderia me receber em dias e horários já reservados<br />
para outros veteranos. Diante desse entrave, um sentimento<br />
de frustração apoderou-se provisoriamente de mim.<br />
Afinal, como seria possível <strong>deixar</strong> passar a oportunidade<br />
de conhecer as memórias de um oficial agraciado<br />
com a famosa Medalha de Serviços Relevantes,<br />
outorgada apenas àqueles com mais de 300 dias<br />
de mar ao longo da guerra (na verdade, ele<br />
passou mais de 350)? Após alguns ajustes de<br />
agenda, telefonei mais uma vez ao Alte Espellet,<br />
que prontamente questionou-me: “Como é,<br />
conseguiu um espaço para mim?” E eu, em um<br />
misto de euforia e satisfação, respondi: “É claro<br />
que sim!” A notícia de seu passamento, ocorrido<br />
dois meses <strong>após</strong> meu encontro com ele em seu<br />
apartamento em Copacabana, apanhou-me de<br />
surpresa. Por algum tempo, rememorei passagens<br />
de seu relato, repleto de preciosidades sobre o<br />
período embarcado na Corveta Rio Branco e no<br />
Contratorpedeiro Marcílio Dias durante a Segunda<br />
Guerra Mundial. Como forma de homenageá-lo,<br />
decidi publicar trechos do depoimento, provave<br />
mente o último por ele concedido. O que se segue<br />
são as palavras de alguém que, além das saudades,<br />
nos <strong>deixar</strong>á seu exemplo como legado.<br />
ae eddy sampaio<br />
espellet em recente<br />
palestra no clube<br />
naval<br />
Que lembranças o senhor guarda do ingresso do Brasil<br />
na Segunda Guerra Mundial?<br />
A Declaração de Guerra foi no dia 31 de agosto (de 1942), um<br />
sábado. Sou melômano, louco por música clássica. E fui ao (Theatro)<br />
Municipal assistir a um concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira,<br />
cujo regente, no dia, era o grande maestro Eleazar de Carvalho, que<br />
foi marinheiro na Escola de Aprendizes do Ceará. Eu o conheci na<br />
Escola <strong>Naval</strong> tocando tuba na banda da Marinha. Depois, tornou-se<br />
um grande maestro internacional. Eleazar regia a overture da ópera<br />
Tannhäuser, da obra de (Richard) Wagner. Uma beleza de ópera.<br />
Estava ouvindo a música quando, de repente, aconteceu uma coisa<br />
inédita. Eu já assisti a mais de uma centena de concertos e nunca vi<br />
isso, nem nunca verei. Ele bateu com a batuta na estante, virou-se para<br />
o público e disse: “Meus senhores, o Brasil acaba de declarar guerra<br />
às potências do Eixo!”, e depois tocou o Hino Nacional. Todo mundo<br />
levantou, cantamos, foi uma emoção geral, eu chorei, todo mundo. Foi<br />
uma coisa fantástica. Acabou o concerto, fomos para rua. A Avenida<br />
Rio Branco estava cheia de gente, a Cinelândia, uma barbaridade. E<br />
aí começaram os vânda los quererem pegar todos os alemães. Havia<br />
um restaurante famosíssimo alemão, o Bar Adolfo, na Rua da Carioca.<br />
E eles acharam que o restaurante era uma homenagem ao Hitler.<br />
Mentira. O dono do restaurante veio no século XIX para o Brasil, e<br />
o bar chamava-se Adolfo. Por sorte, o Ary Barroso estava lá fazendo<br />
uma refeição e não deixou arrebentarem com o bar.<br />
Como foram os preparativos e os primeiros dias<br />
do conflito para o senhor?<br />
Eu estava embarcado no Encouraçado Minas Gerais. Havia um<br />
boato de que o Minas, com a guerra, iria para Salvador – como<br />
de fato foi – servir de fortaleza. E o São Paulo, para Recife. E eu<br />
fiquei pensando: “Poxa vida, não vou para Salvador ficar a guerra<br />
toda parado, fundeado. Negativo!” Eu era moço, segundo-tenente,<br />
querendo brigar. Aí, por sorte minha, em outubro nós fomos promovidos<br />
a primeiro-tenente. Houve uma vaga de encarregado de<br />
navegação no NHi Rio Branco. A minha vocação era a hidrografia,<br />
eu queria ser hidrógrafo. E eu disse: “Eu vou para o Rio Branco.”<br />
E consegui. Quando eu embarquei, aí que eu descobri: “O Rio<br />
Branco não é mais navio hidrográfico não, rapaz. Ele agora vai ser<br />
corveta. Vai ser transformado em corveta.” Foi para o Arsenal de<br />
Marinha, colocou-se um canhão de 101 (mm) na proa, dois conjuntos<br />
de metralhadora a boreste e bombordo, na popa bombas de<br />
profundidade, mais dois morteiros de cada bordo, e o sonar. Foi o<br />
primeiro navio brasileiro a receber sonar no Brasil. Em janeiro, o<br />
Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 61<br />
navio ficou pronto. No dia 25 de janeiro, nós suspendemos do Rio<br />
escoltando o Tender Belmonte, que seria o capitânia da Força <strong>Naval</strong><br />
do Nordeste, em Recife. Nós e o (navio-mineiro, depois corveta)<br />
Carioca. Fomos comboiando-o até Recife. Como o Rio Branco era<br />
um navio hidrográfico, o Diretor de Hidrografia determinou que o<br />
navio, antes de se apresentar à Força, terminasse a carta do porto<br />
do Recife, que ele tinha começado a fazer no ano anterior, a pedido<br />
dos americanos. Os americanos estavam loucos porque a carta nossa<br />
era do Alte Mouchet (francês), da Guerra do Paraguai. Começamos<br />
a fazer a carta, interrompeu-se e aí veio a guerra.<br />
Como era o Nordeste brasileiro naquela época?<br />
O Nordeste era muito mal desenvolvido. Basta dizer o seguinte:<br />
foi decidido fazer uma base naval em Natal. Pois bem. Nós tivemos<br />
de levar daqui do Rio de Janeiro telha, cimento, madeira, tudo<br />
para fazer a base. Por aí você vê o atraso que havia por lá. Recife<br />
era melhor, de fato. Quando terminou a guerra, houve uma coisa<br />
interessante. Os americanos tinham depósitos enormes de material<br />
para os navios e acharam melhor, mais barato, <strong>deixar</strong> esses equipamentos<br />
aqui no Brasil do que transportar para os EUA. Então nós<br />
recebemos um material enorme na Base de Recife. O atraso era<br />
muito grande, não tenha dúvida, mas eles nos receberam muito<br />
bem. Muitos colegas meus se casaram lá. Os clubes de Recife, o<br />
<strong>Clube</strong> Português, o Internacional, nos deram <strong>logo</strong> acesso às suas<br />
dependências. Podíamos entrar nos clubes a hora que quiséssemos.<br />
O recebimento foi formidável. O povo do Nordeste, tanto do Recife<br />
quanto o de Natal, que eram os dois principais centros, e Salvador<br />
também, nos recebeu muito bem.<br />
Qual o momento de maior tensão vivido a bordo do<br />
Rio Branco durante a guerra?<br />
O comandante era o CC Silvio Mota, hidrógrafo. Apresentouse<br />
ao Alte Dutra e fomos incorporados à Força <strong>Naval</strong> do Nordeste.<br />
Começamos a fazer comboio de Salvador a Recife. Na véspera do dia<br />
1º de março (de 1943), íamos suspender de Salvador ao meio-dia,<br />
e eu estava pela manhã traçando a rota do comboio. De repente,<br />
entrou no camarim de cartas um senhor de cabelos brancos, velho.<br />
Quando olhei, vi que era um CMG americano. E eu disse: “O que<br />
esse cara faz aí?” Aí ele: “Sou passageiro do navio, vou até Recife<br />
embarcado.” Depois perguntou: “What are you doing?” Eu disse:<br />
“Estou traçando a rota do comboio.” “Ah, sim. Qual a velocidade?”<br />
Fez uma porção de perguntas. Ele viu um ponto marcado na carta:<br />
“E este ponto, o que é?” Eu disse: “Um possível submarino.” Aí,<br />
quando o americano disse: “Olha, esse submarino vai nos pegar<br />
dentro de duas a três horas”, eu olhei para a cara dele e dei um<br />
sorriso de mofa. E ele: “Oh, you’ll see, young man!”, e foi embora.<br />
Eu disse: “Esse cara está maluco.” Ao meio-dia suspendemos, à noite<br />
fui dormir. Às duas e meia, não deu outra: postos de combate. Corri<br />
para o passadiço, cheguei lá e perguntei: “O que houve?” E disseram:<br />
“Olha aí, ponha o binóculo. O (navio mercante norte-ameri cano)<br />
Fitz-John Porter foi a pique.” Esse comboio nosso era enorme.<br />
Eram três colunas de 10 navios e apenas três navios de escolta: o<br />
Rio Branco no flanco esquerdo, o Carioca no flanco direito, e o<br />
Caravelas de centro. O Fitz-John Porter teve um problema de máquinas,<br />
se atrasou e fi cou desgarrado. Naturalmente, o submarino<br />
(mais tarde descobriu-se tratar-se do U-518) estava de olho. Essa<br />
noite era uma noite excepcional. Tinha uma lua do tamanho de um<br />
bonde, que transformou a noite em dia claro. Era dia, a gente via
tudo, era uma coisa fantástica. O submarino viu muito bem o<br />
navio completamente isolado. O Carioca, quando viu a mensagem<br />
do navio que foi torpedeado, imediatamente se dirigiu para lá.<br />
Naquele tempo, nossos navios não tinham comunicação noturna.<br />
Éramos obrigados a navegar às escuras, não podíamos usar<br />
holofote e não tínhamos fonia. Então, o comandante do Carioca,<br />
que era um sujeito muito atento, chegou lá e recolheu todos os<br />
náufragos. Depois eles foram interrogados e descobriu-se que o<br />
navio tinha um vigia na proa. Ele viu passar uma coisa que ele<br />
achou ser uma toninha. Enganou-se, era um torpedo. O segundo<br />
torpedo passou e o terceiro pegou na popa. O navio, quando eu<br />
olhei, estava uns 60 graus inclinado. Até hoje tenho essa imagem<br />
na minha cabeça. E o navio foi, foi, foi, até desaparecer.<br />
Mas como o oficial norte-americano estava tão certo<br />
quanto ao submarino?<br />
Aí vale uma explicação. O radiogoniômetro é um aparelho que<br />
foi inventado há muitos anos, no início do século (XX), <strong>logo</strong> que<br />
apareceu o rádio. Todos os navios tinham radiogoniômetro, mas só<br />
trabalhavam com ondas longas e médias. Ele pegava a componente<br />
da onda que vai sobre a terra para marcar de onde é que saiu aquela<br />
onda. Mas um oficial francês descobriu uma maneira, não sei como,<br />
de trabalhar com ondas curtas, que são ondas que vão lá na ionosfera<br />
e voltam. E ele descobriu que poderia, através de ondas curtas,<br />
também trabalhar como se fosse radiogoniômetro. Foi uma descoberta<br />
sensacional, mas ele guardou isso com ele. Aí veio a guerra<br />
na Europa, em 1939, e ele fugiu para a Inglaterra com as tropas<br />
do General Charles de Gaulle. Na Inglaterra, deu essa descoberta<br />
dele para os ingleses que fizeram a experiência e funcionou. Então,<br />
quando os EUA entraram na guerra, em 1941, os ingleses deram para<br />
os americanos. Os americanos instalaram no Brasil três estações:<br />
uma em Salinas da Margarida, que fica no Recôncavo baiano, outra<br />
na praia do Pina, em Recife, e outra perto de Belém do Pará. Com<br />
essas três, mais duas estações na África, eles podiam determinar a<br />
posição do submarino. Os submarinos alemães não sabiam que os<br />
americanos e ingleses tinham essa modalidade de marcação e falavam<br />
impunemente. Todo dia o submarino telefonava para o chefe<br />
para saber o que fazer. As estações marcavam e mandavam todas as<br />
marcações para Trinidad, e aquilo era difundido para os navios da 4ª<br />
Esquadra. Eu que era jovem, tinha vinte e poucos anos, iconoclasta,<br />
não acreditava naquilo, não. Achava fajuto.<br />
A capacidade técnica e profissional da Marinha dos EUA<br />
era impressionante, não?<br />
O atraso nosso em relação aos americanos era enorme, não tenha<br />
dúvida. Nós os respeitávamos muito. Uma vez, quando cheguei a<br />
Salvador, pedi à base para fazer um conserto no motor, ou que me<br />
dessem um novo. E aí o técnico, um sargento americano, foi a bordo,<br />
viu aquele penduricalho e perguntou: “What’s this? Oh, no!” Ele não<br />
acreditou. Os técnicos deles eram muito limitados. Eles pegavam gente<br />
do interior, do Tennessee, Montana, davam um cursinho de três, seis<br />
meses, e o cara tornava-se marinheiro. Ele não tinha conhecimento<br />
técnico. Quando nós recebemos o radar, recebemos, além do radar,<br />
duas caixas cheias de material sobressalente. Quando você chegava à<br />
primeira base americana, eles substituíam as coisas. Tiravam o motor<br />
e punham um motor novo. Eles não consertavam nada. Naquele<br />
tempo o radar funcionava com válvula. Tudo funcionava com válvula.<br />
Eu não era técnico e fiquei até assustado quando, um belo dia, o<br />
comandante me chamou e disse: “Espellet, olha, o teu navio já está<br />
para receber radar e você vai ser o responsável.” E eu disse: “Quem,<br />
eu?” E ele: “Está aqui o manual, você vai ler.” E eu comecei a ler. De<br />
fato, o manual deles era muito bem feito. Feito para um indivíduo<br />
que fosse analfabeto. Tinha as figuras, os quadros, tudo selecionado,<br />
mostrando como funcionava, para qual finalidade, tudo direitinho. E<br />
com uma multidão de sobressalentes. Então, eles trabalhavam nessa<br />
base. Os técnicos não eram técnicos coisa nenhuma.<br />
Houve alguma outra experiência tensa que possa nos relatar?<br />
Uma noite, eu ia entrar de serviço no quarto d’alva, das quatro às<br />
oito horas. Fui acordado <strong>pelo</strong> ronda e acendi a luz do camarote para<br />
lavar o rosto. Quando saí, não enxergava nada. Além de não enxergar<br />
nada, tinha uma cerração fortíssima. A noite preta. Naquele tempo<br />
não se sabia, mas depois se descobriu que a visão noturna deve ser<br />
com luz vermelha, porque o olho se acomoda mais rapidamente<br />
com ela do que com a luz branca. Fui <strong>pelo</strong> tato. Subi pela escada e<br />
cheguei ao passadiço. Cheguei e disse ao meu colega: “Olha, eu não<br />
estou vendo nada. Não posso cumprir o serviço porque eu não estou<br />
enxergando.” O vigia, que estava ao meu lado, e o sinaleiro também<br />
não enxergavam nada. E ele me disse: “Não, Espellet, não tem problema.<br />
Você, daqui a pouco, vai enxergar. Mas, se por acaso você<br />
não enxergar, quando chegar às 4:05h, você guina para bombordo<br />
(para fazer o ziguezague).” Dali a pouco, eu comecei a ver o vulto<br />
de um navio. Quando chegou o horário eu disse: “Timoneiro, guina<br />
para bombordo”, e fui para o outro bordo. Quando cheguei ao outro<br />
bordo, nós estávamos cortando a proa de um navio do comboio, o<br />
petroleiro Sinclair. Para mim, era um navio do tamanho de um<br />
bonde. Hoje é uma porcaria de navio, de 10 mil toneladas. Mas para<br />
nós era um navio do tamanho de um bonde. Nós íamos cortar a proa<br />
deles: “Timoneiro, vira a boreste, muda o rumo, quebra a guinada!”<br />
Fiquei com medo da popa bater na proa do navio. Nós estávamos<br />
a 12 nós e o comboio a oito. Nós tínhamos muito mais velocidade<br />
que eles. E aí o navio passou. Depois que passou, eu me lembrei<br />
daquele ditado que diz que o sujeito tremeu como vara verde. E<br />
aconteceu isso comigo. Minhas pernas tremiam como vara verde.<br />
Eu disse: “Meu Deus do céu, o que poderia ter acontecido com o<br />
navio cheio de bombas de profundidade na popa?” Se bate na proa<br />
dele, ia explodir tudo, ia ser uma coisa horrível.<br />
O senhor esteve embarcado em outro navio durante<br />
o conflito, não é isso?<br />
Sim. Veio um rádio do Ministro da Marinha para o comandante<br />
do navio (Rio Branco), Paulo Bosísio, ordenando passar-me para o<br />
Contratorpedeiro Marcílio Dias. Este CT fora construído no Arsenal<br />
de Marinha e era um navio que todo tenente queria embarcar. Era o<br />
melhor navio da Esquadra. Em 7 de dezembro de 1943, embarquei<br />
no Marcílio Dias. O navio estava quase pronto. Não tinha armamento<br />
ainda, mas o pessoal do Arsenal resolveu instalar uns canhões<br />
antigos de 101, 120 mm, que tínhamos em um depósito, e o navio<br />
ficou armado. Em 6 de janeiro de 1944, Dia de Reis, suspendemos.<br />
Fizemos experiências mil: compensação de agulha, do radiogoniômetro,<br />
fomos até a Ilha Grande. Quando foi no fim de fevereiro,<br />
princípio de março, fomos para Recife. O comandante apresentou-se<br />
ao Alte Dutra e nos incorporamos à Força <strong>Naval</strong> do Nordeste. As três<br />
primeiras comissões nossas foram escoltando um navio transporte<br />
que fazia a viagem dos EUA, via Recife, para Ascensão. A Ilha de Ascensão<br />
fica entre a América do Sul e a África. Era uma ilha fantástica<br />
para os americanos, mas era inglesa. Os americanos conseguiram<br />
com os ingleses tomar posse de Ascensão e de Trinidad e Tobago. Em<br />
troca, deram 50 contratorpedeiros antigos para os ingleses fazerem<br />
escolta de comboios. Essa ilha tinha de receber material para se<br />
fazer uma base aérea, porque os aviões de caça tinham um raio de<br />
ação muito curto. Então eles vinham até Natal, de Natal dava para<br />
ir a Ascensão, mas de Ascensão não dava para chegar até a África.<br />
E nós assistimos à construção dessa base.<br />
Que outra missão a bordo do Marcílio Dias o<br />
senhor considera marcante?<br />
Salvador tinha um grupo-tarefa baseado nos cruzadores americanos.<br />
Eram quatro cruzadores: Cincinnatti, Milwaukee, Omaha e<br />
Memphis. Estes cruzadores faziam patrulha no Atlântico, em uma<br />
área enorme, e precisavam de uma escolta, de dois contratorpedeiros.<br />
Então nós ficamos na escolta destes cruzadores. Mas antes<br />
que começássemos a primeira patrulha, um belo dia o comandante<br />
ae eddy sampaio<br />
espellet, alguns<br />
anos atrás<br />
62 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 63<br />
foi chamado <strong>pelo</strong> comandante do Distrito <strong>Naval</strong>. Voltou de lá e nos<br />
perguntou: “Vocês sabem o que é isso aqui? Uma carta de prego.”<br />
A carta de prego é algo tradicional, que existe há séculos. Nem<br />
sei quem foi que inventou isso, mas é um termo que significa o<br />
seguinte: o navio que recebe uma carta de prego, o comandante<br />
tem de suspender, ir para fora da barra, e quando chegar lá fora, em<br />
alto-mar, é que ele vai saber para onde ele vai. Quando chegamos lá<br />
fora, abrimos o envelope. Tinha uma mensagem cifrada. “Espellet, vá<br />
decifrar a mensagem.” E eu disse: “Está bem.” Todo mundo louco:<br />
“Poxa, para onde é que nós vamos?” A mensagem dizia o seguinte:<br />
Vá até a posição tal, a mil milhas de Salvador. Longe à beça. E lá<br />
iríamos nos encontrar com o contratorpedeiro Alger americano,<br />
que partia do Rio de Janeiro. Ele iria nos dar as instruções. Fomos<br />
embora. No outro dia encontramos o navio americano. Ele mandou<br />
a mensagem para nós dizendo que deveríamos seguir a um ponto<br />
bem perto da Ilha de Santa Helena para nos encontrarmos com dois<br />
NAe’s (navios-aeródromos) que vinham da Índia. Eles tinham ido à<br />
Índia levar um carregamento de aviões. Eles vinham do Índico sem<br />
escolta, mas no Atlântico, não. Nossa missão era levá-los até Trinidad<br />
e eles tinham que se reabastecer em Salvador. Nos encontramos<br />
com eles às quatro horas da manhã. Ficamos 27 dias no mar, sem<br />
ver terra. Uma coisa terrível.<br />
Que recordações o senhor tem dos últimos momentos<br />
da Segunda Guerra?<br />
Fizemos patrulhas até que terminou a guerra. Era maio de<br />
1945. Eu disse: “Maravilha! Se acabou a guerra, vamos embora.”<br />
Mas, para os americanos, a guerra do Pacífico continuava. Ela só<br />
acabou em agosto. Então eles tiveram de transferir toda a aviação<br />
deles que estava na Europa e na África para o Pacífico. Tinha que<br />
passar <strong>pelo</strong> Atlântico. Eles ficaram com receio porque os aviões<br />
de caça tinham pouco raio de ação. Pediram nossa cooperação<br />
para marcar dois pontos fixos entre Ascensão e Recife, e dois entre<br />
Ascensão e Natal. Cada navio nosso recebeu um equipamento de<br />
radiogoniômetro, que ficava funcionando para orientar os aviões.<br />
Com isso, nós ficamos lá até o fim de outubro, quando terminou<br />
de passar os aviões e fomos premiados. Voltamos para o Rio de<br />
Janeiro. Antes, porém, aconteceu uma coisa curiosa. No dia 29<br />
de outubro, os navios estavam em Salvador. O Almirante quis<br />
parar em Salvador porque a cidade havia trabalhado muito para a<br />
guerra, e o governador ofereceu um jantar aos comandantes e aos<br />
almirantes exatamente no dia em que o Getúlio (Vargas) caiu aqui<br />
no Rio. Chegamos aqui (no Rio de Janeiro) nos primeiros dias de<br />
novembro. No dia 7 foi organizado um desfile com todo o pessoal<br />
dos navios pela Avenida Rio Branco. Foi muito bonito. Fizemos isso<br />
para encerrar as nossas operações.<br />
Por favor, deixe-nos uma mensagem final.<br />
Quando faço uma palestra, eu sempre a concluo com algumas<br />
palavras do Alte Guillobel, apresentadas em sua conferência, no<br />
<strong>Clube</strong> Militar, quando terminou a guerra. Ele terminou com uma<br />
alocução muito bonita, que eu guardo comigo e leio sempre (com<br />
a voz embargada): “Elevemos o nosso pensamento em homenagem<br />
aos nossos bravos marujos cujos restos vagueiam ao sabor das ondas,<br />
tendo apenas para lhes abençoar a última morada o signo resplandecente<br />
do Cruzeiro do Sul. Mas seus nomes hão de viver para sempre<br />
no coração da Pátria estremecida e o marulhar constante das águas<br />
do oceano há de cantar eternamente sua glória.”
e 4<br />
segUnda gUerra<br />
BAURU, UM SÍMBOLO VIVO da partIcIpação<br />
da MB na II guerra MundIal<br />
cApitão-de-mAr-e-guerrA(rm1)<br />
WilliAm cArmo ceSAr<br />
USS<br />
Missouri<br />
USS<br />
Arizona<br />
O USS Missouri e USS Arizona<br />
Há exatamente 65 anos, o último<br />
dos grandes encouraçados construídos<br />
<strong>pelo</strong>s Estados Unidos,<br />
com 45 mil toneladas e 270 metros<br />
de comprimento, pouco mais<br />
de um ano <strong>após</strong> a sua incorporação<br />
à Marinha norte-americana,<br />
se tornaria um dos mais famosos navios da<br />
Segunda Guerra Mundial. Na manhã do dia<br />
2 de setembro de 1945, na baía de Tóquio, a<br />
bordo do USS Missouri era assinada a rendição<br />
formal do Império Japonês pondo fim a<br />
um dos mais longos e sangrentos conflitos<br />
do século XX. Representavam os Estados<br />
Unidos os dois pro<strong>eminente</strong>s comandantesem-chefe<br />
que conduziram seu país à vitória<br />
na Campanha do Pacífico, o General Douglas<br />
MacArthur e o AE Chester Nimitz.<br />
O “Big Mo” apelido do BB-63 Missouri,<br />
voltaria à ação na Guerra da Coreia, em<br />
1950/51, efetuando bombardeios de costa<br />
com sua poderosa bateria de 16 polegadas<br />
e, mais tarde, no início dos anos 1990, já<br />
modernizado com equipamentos de guerra<br />
eletrônica e armado com mísseis, participaria<br />
da Guerra do Golfo, lançando Tomahawks<br />
sobre o território iraquiano.<br />
Descomissionado em 1993, cinco anos<br />
depois foi levado para Pearl Harbor, Havaí,<br />
para a amarração definitiva a um cais da Ilha<br />
Ford, a uma distância de cerca de 500 jardas<br />
do Arizona Memorial.<br />
O USS Arizona, BB-39, foi um encouraçado<br />
de 31 mil toneladas e 185 metros,<br />
12 canhões de 14 polegadas (360 mm),<br />
lançado em 1915 e afundado pelas aeronaves<br />
japonesas em Pearl Harbor no ataque de 7<br />
de dezembro de 1941, no qual mais de mil<br />
Navio-museu<br />
Bauru<br />
CT Bauru<br />
tripulantes perderam a vida.<br />
Desde 1999 esses dois famosos encouraçados,<br />
Arizona e Missouri, passaram a simbolizar,<br />
como históricos memoriais, o início<br />
e o fim da participação norte-americana na<br />
Segunda Guerra Mundial.<br />
O navio-museu Bauru<br />
Aqui no Rio de Janeiro, no Espaço Cultural<br />
da Marinha, temos o Bauru, que, <strong>após</strong><br />
ter sido desarmado em 1981 e restaurado<br />
com suas características originais, foi transformado<br />
em navio-museu, em julho do ano<br />
seguinte, quando voltou inclusive a arvorar<br />
o seu antigo indicativo de casco Be 4.<br />
Contratorpedeiro de escolta com 1.300<br />
toneladas, 93 metros de comprimento e 11<br />
64 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 65<br />
m de boca, o Be4 era armado<br />
com três canhões de 76 mm<br />
em reparos singelos, dois<br />
Bofors de 40 mm em reparo<br />
duplo e oito metralhadoras<br />
de 20 mm, além de reparo<br />
triplo de tubos de torpedo de<br />
21 polegadas (533 mm), lançador de bomba<br />
granada antissubmarino e duas calhas de<br />
cargas de profundidade.<br />
Belonave não tão poderosa e nem mundialmente<br />
famosa quanto os gigantescos<br />
encouraçados norte-americanos, o nosso<br />
Bauru é, entretanto, igualmente importante<br />
<strong>pelo</strong> que ele também simboliza: a participação<br />
da Marinha Brasileira na Segunda Guerra<br />
Mundial.<br />
Por essa razão, a simples presença desse<br />
garboso contratorpedeiro atracado ao cais do<br />
Espaço Cultural da Marinha irá sempre refletir<br />
a imagem de seus velhos companheiros<br />
daqueles difíceis anos de operação de guerra<br />
no Atlântico Sul: os pequenos cacinhas de<br />
pouco mais de 100 toneladas de casco de
madeira, os caça-pau classe J – Javari, Jutaí,<br />
Juruá, Juruena, Jaguarão, Jaguaribe, Jacuí e<br />
Jundiaí; os intrépidos cações de 320 toneladas<br />
de casco de ferro, os caça-ferro classe G –<br />
Guaporé, Gurupi, Guaíba, Gurupá, Guajará,<br />
Goiana, Grajaú e Graúna; os demais CTE classe<br />
B – Bertioga, Beberibe, Bracuí, Baependi,<br />
Benevente, Babitonga e Bocaina; os contratorpedeiros<br />
classe M construídos no Arsenal<br />
de Marinha do Rio de Janeiro – Marcílio Dias,<br />
Mariz e Barros e Greenhalgh; as corvetas das<br />
classes Vital de Negreiros e Carioca; os velhos<br />
cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul; os antigos<br />
contratorpedeiros classe Pará, além dos<br />
navios-hidrográficos Rio Branco e Jaceguai, o<br />
NT Marajó, o Tênder Belmonte e tantos outros<br />
navios-auxiliares, adaptados e armados para a<br />
árdua campanha antissubmarino a que foram<br />
submetidos. Sua presença lembrará também,<br />
os saudosos navios que não tiveram a chance<br />
de regressar à sua base – o cruzador Bahia,<br />
a corveta Camaquã, o transporte Vital de<br />
Oliveira além das três dezenas de mercantes<br />
brasileiros afundados <strong>pelo</strong>s submarinos alemães<br />
e italianos.<br />
Mas, não fossem os homens que guarneceram<br />
bravamente todos aqueles navios,<br />
não teria a Marinha do Brasil <strong>escrito</strong> tão<br />
indeléveis páginas na história naval brasileira.<br />
O velho Bauru, portanto, simboliza, mais do<br />
que qualquer outra coisa, a participação dos<br />
nossos oficiais e praças na dura campanha<br />
naval que foi a Guerra <strong>Naval</strong> no Atlântico Sul<br />
durante a Segunda Guerra Mundial.<br />
Ao ensejo, pois, da passagem desses 65<br />
anos que nos separam do ato solene de rendição<br />
do Japão a bordo do Missouri, nada mais<br />
oportuno do que relembrarmos um pouco<br />
da história de nossa participação naquele<br />
conflito, “trabalho silencioso, constante,<br />
pouco conhecido e bravo... que manteve livre<br />
a circulação marítima e assegurou a sobrevivência<br />
do país” no dizer de dois veteranos,<br />
ex-comandantes do Juruena e do Grajaú,<br />
autores de detalhado texto sobre a nossa<br />
Marinha na Segunda Guerra Mundial, (1) os<br />
Altes Arthur Oscar Saldanha da Gama e Hélio<br />
Leôncio Martins, um trabalho de inestimável<br />
valor histórico e referência obrigatória para<br />
qualquer estudo sobre o assunto em pauta.<br />
Relembrando a participação de nossas<br />
forças navais na Segunda Guerra Mundial<br />
Tudo começou em março de 1941 quando<br />
o mercante brasileiro Taubaté foi metralhado<br />
por aeronave nazista durante sua<br />
navegação no Mediterrâneo Oriental, entre<br />
Chipre e Alexandria.<br />
Desde então, tensão e insegurança passaram<br />
a ser sentimentos comuns a bordo<br />
CT Greenhalgh<br />
de nossos cargueiros, apesar da declarada<br />
neutralidade brasileira.<br />
Com o ataque aeronaval japonês à base<br />
norte-americana no Pacífico Norte, em Pearl<br />
Harbor, Havaí, em 7 de dezembro de 1941, e a<br />
entrada dos Estados Unidos no conflito, a guerra<br />
de corso empreendida <strong>pelo</strong>s submarinos<br />
nazistas chegou ao litoral das Américas.<br />
Em fevereiro de 1942, o navio mercante<br />
brasileiro Buarque viria a se tornar a nossa<br />
primeira vítima fatal, seguido de mais 17 afundamentos<br />
até meados daquele ano! A reação<br />
político-diplomática e militar brasileira foi<br />
inevitável: a 31 de agosto de 1942, <strong>pelo</strong> Decreto<br />
n o 10.358, o Brasil declarou guerra ao Eixo.<br />
A mobilização militar-naval veio imediata:<br />
decreto seguinte, de n o 10.359, criou seis<br />
Comandos Navais – CN do Norte em Belém,<br />
do Nordeste em Recife, do Leste em Salvador,<br />
do Centro no Rio de Janeiro, do Sul em<br />
Florianópolis e do Mato Grosso em Ladário.<br />
Ficaram os CN responsáveis <strong>pelo</strong> apoio logístico<br />
e pela defesa de suas respectivas áreas de<br />
responsabilidade. Aqui no Rio de Janeiro, por<br />
exemplo, além da colocação de uma rede de<br />
aço protetora, entre Villegagnon e Boa Viagem,<br />
foi iniciado o patrulhamento interno da<br />
baía de Guanabara <strong>pelo</strong>s navios-mineiros da<br />
Flotilha João das Botas e externo <strong>pelo</strong>s antigos<br />
contratorpedeiros classe Pará. Em Recife<br />
e Salvador compuseram as defesas locais,<br />
com suas poderosas artilharias, os veteranos<br />
Dreadnoughts, São Paulo e Minas Gerais,<br />
além dos monitores Parnaíba e Paraguaçu<br />
que foram deslocados de Mato Grosso para a<br />
baía de Todos os Santos.<br />
Começava a efetiva participação militar<br />
brasileira na Segunda Guerra Mundial.<br />
Mas a Marinha <strong>logo</strong> se depararia com dois<br />
grandes problemas: o desconhecimento das<br />
novas táticas antissubmarino e a escassez de<br />
meios apropriados à sua execução. A solução<br />
tornou-se possível com o acordo militar<br />
Brasil-EUA, de maio de 1942, e o apoio da<br />
Marinha norte-americana, fornecendo navios<br />
e qualificando tripulações. Em julho foi<br />
criada a Comissão de Recebimento de Navios,<br />
em Miami, na Flórida, seguido do Grupo de<br />
Caça-submarinos, em Natal, no Rio Grande<br />
do Norte.<br />
Os primeiros navios começaram a chegar:<br />
dois caças-ferro e oito caças-pau que<br />
demandaram o Brasil em grupos diversos,<br />
já navegando em cruzeiro de guerra. Por<br />
ingerência do nosso governo e apoio do<br />
almirante norte-americano Jonas Ingram,<br />
Comandante da 4ª Esquadra, recebemos mais<br />
seis classe G e os oito contratorpedeiros de<br />
escolta classe B.<br />
A 5 de outubro de 1942, <strong>pelo</strong> Aviso 1.661,<br />
era criada a Força <strong>Naval</strong> do Nordeste – FNNE<br />
assim originalmente constituída: cruzadores<br />
Bahia e Rio Grande do Sul, corvetas Carioca,<br />
Caravelas, Camaquã e Cabedelo, e caçassubmarino<br />
Guaporé e Gurupi. Sob a firme<br />
liderança do insigne chefe naval, CA Alfredo<br />
Carlos Soares Dutra, começava efetivamente<br />
a difícil e árdua participação da MB na Batalha<br />
do Atlântico, infelizmente ainda hoje muito<br />
pouco conhecida <strong>pelo</strong>s brasileiros.<br />
A tarefa da FNNE, a Força-Tarefa 46<br />
subordinada à Força do Atlântico Sul do Alte<br />
Jonas Ingram, não foi simples. E começou<br />
com meios insuficientes e tripulações ainda<br />
pouco adestradas em ações de guerra antissubmarino.<br />
Comboios, regulares e especiais,<br />
patrulhas costeiras e oceânicas, exigiram<br />
esforços acima das capacidades dos nossos<br />
caças. O sacrifício das tripulações era imenso,<br />
a resistência física era superada a cada dia de<br />
mar em cruzeiro de guerra e alerta constante.<br />
O desconforto, especialmente nos pequeninos<br />
e bravos cacinhas, era inimaginável:<br />
espaço confinado, caturros e balanços quase<br />
que diuturnos, conveses sempre molhados,<br />
aguada insuficiente. Ainda que as condições<br />
Caça-Pau<br />
Classe J<br />
CT Mariz<br />
e Barros<br />
tenham sido um pouco melhores nos caçaspau<br />
e, especialmente, nos contratorpedeiros<br />
classes B e M, as prolongadas ausências e os<br />
momentos de tensão e de agonia a bordo,<br />
diante das frequentes ameaças de submarinos,<br />
afetavam constantemente o estado de<br />
espírito e o moral das tripulações, mormente<br />
quando o regime costumeiro dos “pingues”<br />
dos sonares alterava sua cadência, sinalizando<br />
situação de emergência, e as buzinas de<br />
alarme acionadas indicavam o momento de<br />
tensão máxima e de sacrifício extremo: os<br />
postos de combate reais! Ainda que a ênfase<br />
na segurança e na proteção permanente dos<br />
navios comboiados lhes tirasse a oportunidade<br />
de ataques a submarinos detectados<br />
(cerca de 66 registrados <strong>pelo</strong>s alemães, entre<br />
1943-45), cada travessia de comboio sem<br />
incidentes era uma vitória. (2)<br />
A participação brasileira em números<br />
Com uma exaustiva rotina, os nossos<br />
bravos navios de guerra realizaram 575<br />
comboios e escoltaram 3.164 navios incorporados,<br />
de nacionalidades variadas,<br />
totalizando 16.470.205 toneladas brutas<br />
protegidas. Quarenta e seis unidades navais<br />
realizaram serviços de escolta, das quais 11<br />
participaram de mais de 50 comboios cada,<br />
sendo de 50 unidades a média de mercantes<br />
escoltados por navio da Marinha do Brasil,<br />
contra 16 dos escoltas da Esquadra norteamericana.<br />
Nossos caças-submarino navegaram<br />
cerca de 600 mil milhas náuticas,<br />
quase 30 voltas ao redor do Equador, e nos<br />
grandes percursos eram comuns travessias<br />
de mais de 15 dias de mar.<br />
Além dos comboios regulares, nossos<br />
navios participaram de comboios especiais,<br />
entre os quais destacamos as escoltas dos<br />
cinco escalões da Força Expedicionária<br />
Brasileira – FEB, entre os meses de julho de<br />
1944 e fevereiro de 1945. Alguns tomaram<br />
parte, também, em patrulhas oceânicas,<br />
com médias de 400 milhas diárias navegadas,<br />
entre Recife e a Ilha de Ascensão no<br />
meio do Atlântico Sul.<br />
As perdas brasileiras nas Marinhas, Mercante<br />
e de Guerra, desde o primeiro ataque<br />
nazista sobre o Taubaté no Mediterrâneo até<br />
o final da guerra, não foram poucas: totalizaram<br />
1.458 mortos ou desaparecidos. Dos<br />
32 navios mercantes atacados, apenas dois<br />
não foram a pique: o próprio Taubaté e o<br />
Comandante Lira, somando 972 mortos ou<br />
desaparecidos entre tripulantes e passageiros.<br />
Na Marinha de Guerra, três foram as baixas<br />
verificadas: a corveta Camaquã, o transporte<br />
Vital de Oliveira e o cruzador Bahia, e um<br />
total de 486 mortos, aí incluídos 15 militares<br />
embarcados em navios mercantes e sete nos<br />
demais navios de guerra da MB.<br />
Término das ações<br />
e regresso das forças à sede<br />
Em abril de 1943 o comandante da 4ª<br />
Esquadra da Marinha norte-americana<br />
declarou limpas as águas brasileiras e suspendeu<br />
a proteção dos navios mercantes de<br />
cabotagem. O nosso <strong>Chefe</strong> do Estado-Maior<br />
da Armada, no entanto, manteve a navegação<br />
em comboios escoltados.<br />
Em outubro de 1944 os Estados Unidos<br />
começaram a sua retirada do Atlântico Sul.<br />
A 8 de maio de 1945 a guerra terminou<br />
na Europa com a rendição da Alemanha.<br />
Uma semana depois do Dia da Vitória, a<br />
Marinha Brasileira suspendeu as escoltas<br />
aos navios nacionais, mas ainda manteve<br />
o litoral brasileiro sob patrulha. A guerra<br />
no Pacífico só terminou em agosto, <strong>após</strong><br />
as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima<br />
e Nagasaki e, no dia 2 de setembro,<br />
como vimos, foi assinada a rendição<br />
japonesa na baía de Tóquio.<br />
Após quase quatro anos de ausência, a<br />
Força <strong>Naval</strong> do Nordeste, ainda sob o comando<br />
do Alte Soares Dutra, pôde iniciar,<br />
finalmente, o seu regresso à sede, na baía<br />
de Guanabara, manobra seguida <strong>pelo</strong> Alte<br />
Octávio Figueiredo de Medeiros, comandante<br />
da Força <strong>Naval</strong> do Sul, que também retornou<br />
ao Rio de Janeiro com seus navios.<br />
No dia 7 de novembro de 1945, as tripulações<br />
vitoriosas dos navios da Marinha<br />
Brasileira, acompanhadas por representações<br />
da 4ª Esquadra norte-americana e da Marinha<br />
Mercante além de destacamentos do Exército,<br />
66 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 67<br />
da FAB e dos Fuzileiros Navais desfilaram<br />
orgulhosamente pelas ruas da então capital<br />
federal e sede de nossa Esquadra.<br />
Reconhecimento e legado<br />
Finalizada a guerra, o reconhecimento<br />
pela participação efetiva e dedicada de nossas<br />
forças, que levou ao êxito aquela árdua campanha<br />
naval, pode ser traduzido na mensagem<br />
de despedida do Alte Ingram endereçada<br />
ao Alte Soares Dutra, em 1945: (3)<br />
“Orgulho-me de ter tido os oficiais e<br />
praças da Força <strong>Naval</strong> do Nordeste sob meu<br />
comando estratégico. Mantivestes sempre<br />
um magnífico espírito, fostes eficientes no<br />
desempenho de vossas missões e trouxestes<br />
notáveis créditos para o vosso país. Vossa<br />
contribuição para a Campanha do Atlântico<br />
foi absolutamente igual à de minhas<br />
próprias forças.”<br />
E na mensagem final de guerra, do Ministro<br />
da Marinha, Alte Henrique Aristides<br />
Guilhem, dirigida aos navios e estabelecimentos<br />
navais: (4)<br />
“É-me grato, agora, ressaltar a conduta<br />
de nossos bravos marinheiros, enfrentando<br />
as mais duras provações, com destemor e<br />
elevado espírito de civismo, e colocando<br />
as suas vidas inteiramente a serviço da<br />
Marinha e do Brasil. A Armada Nacional,<br />
mais uma vez, concluiu sua missão, nessa<br />
árdua campanha, com louros merecidamente<br />
conquistados, onde foi preciso estar<br />
presente e foi necessário lutar.”<br />
Ou, ainda, nas condecorações de guerra<br />
concedidas aos bravos veteranos: a Cruz<br />
<strong>Naval</strong>, a Força <strong>Naval</strong> do Nordeste e a Força<br />
<strong>Naval</strong> do Sul.<br />
Mas creio ter sido o sentimento interior,<br />
a grande satisfação <strong>pelo</strong> dever cumprido,<br />
coroado com a vitória final sobre as forças<br />
do Eixo e o regresso aos lares, a maior recompensa<br />
recebida pelas tripulações de cada<br />
um daqueles navios.<br />
Restou, ainda, o importante legado que<br />
trouxeram às gerações seguintes quando, passadas<br />
as agruras da Segunda Guerra Mundial,<br />
inúmeros ex-combatentes da Marinha tiveram<br />
a oportunidade de transmitir, em escolas<br />
de formação, centros de instrução e de adestramento<br />
ou a bordo dos mesmos veteranos<br />
navios como o Bauru, então D-18 ou U-28,<br />
ou de novas unidades incorporadas à nossa<br />
Armada, as experiências e os ensinamentos<br />
que, duramente, a guerra lhes ensinou.<br />
Missão cumprida!<br />
Notas:<br />
1 a 4. MM, SDGM. História naval brasileira.<br />
Volume 5, tomo 2, 1985. p. 255-434.
história naval<br />
MONITOR<br />
PARNAÍBA<br />
AlmirAnte oScAr moreirA dA SilVA<br />
Quando comandava o Sexto Distrito <strong>Naval</strong> em Ladário,<br />
1993/94, recebi a visita oficial do Ministro da Marinha,<br />
Alte Serpa, acompanhado do seu <strong>Chefe</strong> de Gabinete,<br />
Alte Peixoto, e de uma pequena comitiva.<br />
Nessa visita o Ministro anunciou a baixa do Monitor<br />
Parnaíba e a construção de um outro navio<br />
para substituí-lo, com um custo aproximado de<br />
US$ 10 milhões.<br />
Diante dessa notícia, eu o<br />
interpelei e pedi que não tomasse aquela<br />
decisão antes de visitar o navio e assistir<br />
ao projeto que tinha feito para ele. O<br />
Parnaíba era o mais imponente e respeitado<br />
navio de guerra de toda a região<br />
do rio Paraguai. Não tinha sequer uma<br />
lágrima de ferrugem. Seus amarelos<br />
brilhavam como novo.<br />
E assim foi feito. Visitamos o Parnaíba<br />
e em seguida fiz uma palestra<br />
para toda a comitiva, que consistia<br />
básicamente no seguinte:<br />
• a retirada da máquina alternativa<br />
que seria guardada para um futuro<br />
distante quando ele efetivamente<br />
desse baixa. Ela voltaria para o seu<br />
interior e faríamos dele um navio<br />
museu (único exemplar da Marinha<br />
com máquina alternativa);<br />
marinha do brasil<br />
Capitão-de-Corveta Mozart Junqueira ribeiro e<br />
Capitão-tenente Jorge Henrique Correia de Sá<br />
ANTECEDENTES HISTÓRICOS<br />
ace às crescentes ameaças que resultariam na Grande<br />
Guerra, aos interesses nacionais de garantir a soberania e<br />
integridade territorial e à campanha<br />
a Marinha pass<br />
O fato relatado<br />
a seguir deve ser<br />
acrescentado à matéria<br />
sobre o Monitor Parnaíba<br />
publicada na Revista<br />
do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> 353,<br />
em março de 2010,<br />
nas páginas 57,<br />
58 e 59.<br />
• substituição da máquina alternativa por motores diesel (2);<br />
• substituição do uso do óleo bunker C <strong>pelo</strong> diesel, o que aumentaria<br />
a sua autonomia de 3 dias para 30 dias;<br />
• adaptação do navio Potengi (transporte de óleo para o<br />
Parnaíba) para recebimento e estocagem de óleo diesel.<br />
Terminada a apresentação, o Ministro Serpa aprovou o projeto<br />
e hoje navega imponente nas águas do rio Paraguai o belo<br />
Monitor Parnaíba.<br />
Monitor<br />
Parnaiba<br />
de Marinha do Rio de Janeiro, marcando o início da construção<br />
naval nacional naquele século. Iniciava-se, então, a construção do<br />
Monitor Parnaíba, hoje, o Caverna Mestre da Armada, despontando<br />
nas lides operativas há 72 anos.<br />
O NOME PARNAÍBA<br />
saúde naval<br />
104 ANOS<br />
DO LABORATÓRIO<br />
FARMACêUTICO<br />
DA MARINHA<br />
O LFM tem como missão “Contribuir para a eficácia do Sistema<br />
de Saúde da Marinha, no tocante à produção e distribuição de especialidades<br />
químico-farmacêuticas”. Além disso, produz fármacos para<br />
propiciar, também, a aquisição de medicamentos a baixo custo nos<br />
Setores de Distribuição de Medicamentos (SeDiMe).<br />
Por meio do Decreto nº 6.233, de 14 de novembro de 1906, do<br />
Ministro da Marinha Júlio César de Noronha, foi criado o LFM, com<br />
a denominação de Laboratório Pharmacêutico e Gabinete de Analyses,<br />
na Ilha das Cobras, onde funcionou até 1973, quando teve suas<br />
atividades transferidas para o atual endereço, no bairro de Benfica<br />
(Rio de Janeiro/RJ).<br />
Nos últimos anos, diversas mudanças estruturais foram desenvolvidas<br />
para atender às exigências tecnológicas e sanitárias, o que<br />
levou à inauguração da atual fábrica, em 2006, nos mais rígidos parâmetros<br />
exigidos, culminando com a outorga do Certificado de Boas<br />
Práticas de Fabricação (CBPF), em 2009, pela Agência Nacional de<br />
Vigilância Sanitária (ANVISA), a qual conferiu ao LFM o maior grau<br />
de reconhecimento de qualidade que uma indústria farmacêutica<br />
pode obter no país.<br />
Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 69
A NOVA FÁBRICA DE MEDICAMENTOS<br />
A partir do final da década de 1990, com a criação da ANVISA,<br />
as exigências sanitárias tornaram-se mais complexas. Com as novas<br />
exigências daquela Agência Nacional e as limitações de terreno do<br />
LFM, foi necessária a construção de novo parque fabril com foco<br />
na racionalização da linha de fabricação. A nova filosofia de produção<br />
fundamenta-se, principalmente, na busca por medicamentos<br />
considerados de alto valor agregado ou estratégicos, para serem<br />
adequadamente produzidos e armazenados.<br />
A construção foi concluída em 2006, apresentando uma nova<br />
concepção, dispondo de tecnologias mais modernas e equipamentos<br />
que incrementam a atual capacidade de produção, da ordem de 200<br />
milhões de unidades por ano.<br />
A nova fábrica possui linhas de sólidos orais, como comprimidos,<br />
comprimidos revestidos e cápsulas, e, ainda, líquidos orais, como<br />
suspensões, soluções, xaropes e gotas. A linha de semissólidos<br />
(cremes) encontra-se em fase de implementação.<br />
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO<br />
Com a constante preocupação em oferecer o melhor produto<br />
para seus clientes, manter o LFM competitivo entre os demais<br />
laboratórios e estar sempre atualizado em novas tecnologias e<br />
produtos modernos, a Divisão de Pesquisa do LFM vem buscando<br />
excelência em seus serviços. A aquisição de equipamentos modernos,<br />
a capacitação de recursos humanos e a parceria com instituições<br />
públicas e privadas, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro<br />
(UFRJ), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de<br />
Janeiro (FAPERJ), universidades particulares e outros laboratórios<br />
farmacêuticos, representam algumas das ações desenvolvidas rumo<br />
à melhor qualidade de serviços e produtos.<br />
O LFM, em parceria com a Universidade do Estado do Rio de<br />
Janeiro (UERJ), desenvolve estudo sobre o efeito cicatrizante de<br />
uma pomada, à base do extrato de açaí, em camundongos. Esse<br />
projeto é totalmente custeado pela FAPERJ. A fase atual do projeto<br />
consiste no desenvolvimento e produção, por parte do LFM, de lotes<br />
galênicos para encaminhamento à UERJ, fim pesquisa clínica em<br />
animais e, posteriormente, em voluntários.<br />
REALIzAÇõES E PERSPECTIVAS<br />
De acordo com o Ministério da Saúde (MS), 55% da população<br />
brasileira não tem condições de arcar com os custos de medicação,<br />
e, em alguns casos, a indústria farmacêutica privada não se interessa<br />
em produzir medicamentos para doenças, como a tuberculose e a<br />
hanseníase. Nesse segmento, os laboratórios oficiais são de vital<br />
importância, pois passam a ser a principal alternativa para o atendimento<br />
à população menos favorecida.<br />
A partir de 2008, em atenção à produção de medicamentos<br />
considerados estratégicos, o MS incrementou o Programa do Complexo<br />
Industrial da Saúde, incentivando empresas farmoquímicas<br />
nacionais a produzirem os insumos farmacêuticos ativos (IFA),<br />
em parceria com laboratórios farmacêuticos oficiais, como o LFM.<br />
Nesse contexto, a Marinha já assinou dois termos de compromisso<br />
atinentes aos medicamentos raloxifeno, indicado para a prevenção<br />
e o tratamento da osteoporose, e ziprasidona, um antipsicótico,<br />
sendo previsto o início de suas produções em 2011 e 2012, respectivamente.<br />
Em 2009, o LFM estabeleceu parceria para produção de medicamentos<br />
visando atender ao programa Farmácia Popular do Governo<br />
Federal, que fornece medicamentos a preço de custo às populações<br />
mais carentes. Esse programa possui uma demanda nacional de<br />
mais de 2 bilhões de comprimidos por ano.<br />
O LFM participou, em conjunto com a Fundação Oswaldo Cruz,<br />
da produção de 20 milhões de cápsulas do medicamento fosfato de<br />
oseltamivir (nome comercial tamiflu), utilizado no tratamento da<br />
pandemia do vírus Influenza A-H1N1 (gripe suína).<br />
Em abril de 2010, foi firmado um termo de cooperação entre<br />
a Marinha e a ANVISA, objetivando desenvolver trabalhos e ações<br />
de capacitação nos âmbitos científico, acadêmico e técnico. Essa<br />
interação tem sido extremamente profícua no sentido de estreitar<br />
o relacionamento funcional entre as duas instituições, com benefícios<br />
recíprocos.<br />
É importante mencionar que o LFM, com sua nova fábrica e sua<br />
participação nos mais variados Programas de Saúde do MS, atende a<br />
todos os requisitos exigidos pela legislação sanitária, melhorando a<br />
qualidade e desenvolvendo novos medicamentos, incrementando a<br />
produção e melhorando suas condições de trabalho, sempre atento<br />
à preocupação com o meio ambiente, tornando-se uma Organização<br />
Militar Prestadora de Serviço cada vez melhor, mais produtiva e<br />
mais moderna.<br />
A ampliação dos horizontes de atuação do LFM trará grandes<br />
benefícios à Família <strong>Naval</strong>, e, com o domínio de tecnologias mais<br />
modernas e produção de medicamentos de maior valor agregado,<br />
possibilitará aos beneficiários do Sistema de Saúde da Marinha<br />
maior economia na aquisição dos medicamentos de sua linha de<br />
produção, cada vez com mais qualidade.<br />
Parabéns LFM por seus 104 anos, aqui se produz saúde!<br />
70 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 71<br />
Fotos<br />
do interior do<br />
laboratório<br />
Acima,<br />
à esquerda, a<br />
Divisão de<br />
Pesquisa<br />
Abaixo,<br />
a manipulação<br />
de líquidos<br />
Na foto maior,<br />
o processo de<br />
embalagem
LANÇAMENTOS<br />
E DOAÇõES<br />
DE LIVROS NO<br />
CLUBE NAVAL<br />
LAN -<br />
ÇA -<br />
MEN -<br />
TOS<br />
Milhas navegadas<br />
CA Oscar Moreira da Silva<br />
O livro Milhas navegadas foi<br />
lançado no dia 30 de julho no<br />
Departamento Esportivo, Piraquê.<br />
Nele, o Alte Oscar reuniu vários<br />
artigos <strong>escrito</strong>s onde relata sobre<br />
a carreira naval e suas experiências<br />
pessoais. Segundo o autor a capa é<br />
uma caricatura do Comte Danilo<br />
Montenegro.<br />
Na foto, o autor fazendo uma<br />
dedicatória ao amigo Alte Pimentel,<br />
Diretor Cultural do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />
•••<br />
Minha travessia<br />
Almirante-de-Esquadra<br />
Roberto de Guimarães Carvalho<br />
O Almirante Guimarães Carvalho<br />
lançou o seu livro no dia 17 de<br />
setembro, no Departamento Esportivo<br />
do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> – Piraquê. Na<br />
foto, o momento em que o autor<br />
fazia a dedicatória de um exemplar<br />
ao Vice-Almirante Veiga Cabral,<br />
Presidente do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>.<br />
•••<br />
1910 – o fim da chibata –<br />
vítimas ou algozes<br />
CMG Cláudio da Costa Braga<br />
O Comte Costa Braga realizou<br />
o lançamento de seu terceiro livro,<br />
1910 – o fim da chibata – vítimas<br />
ou algozes, no Salão de Encontro<br />
Social, no 2º andar, da Sede, no dia<br />
26 de agosto com um coquetel oferecido<br />
aos amigos e convidados.<br />
72 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355 73<br />
DOAÇõES à BIBLIOTECA DO CLUBE NAVAL<br />
O CA Fernandes, da Comissão Interclubes Militares – CIM (à direita),<br />
com o CMG Mäder, da ADESG Nacional (ao centro), foram recebidos<br />
<strong>pelo</strong> Presidente do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> para uma conversa amiga, durante<br />
a qual o Comte Mader doou à Biblioteca do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> o livro:<br />
US Navy – a complete history<br />
No dia 14 de maio de 2010, o Professor Fernando Tadeu de Miranda<br />
Borges e a Dra. Maria Carolina de Almeida Duarte doaram à Biblioteca<br />
do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, por intermédio do Comte Chagas, as seguintes obras:<br />
Do extrativismo à pecuária<br />
Fernando Tadeu de Miranda Borges<br />
Algumas observações sobre a história econômica de Mato Grosso<br />
de 1870 a 1930.<br />
Trajetórias de vidas na história<br />
Prosas com governadores de Mato Grosso<br />
Coletânea de biografias, parcelas de vidas de algumas pessoas que<br />
descrevem o cenário histórico.<br />
LANÇAMENTOS<br />
E DOAÇõES<br />
DE LIVROS NO<br />
CLUBE NAVAL
últiMa Página<br />
Exposição dos alunos do Instituto Benjamin Constant<br />
ARTE SEM PRECONCEITO<br />
mYriAm guAnAeS<br />
Criado em 1854, o Instituto Benjamin Constant é hoje uma<br />
instituição pioneira na educação de deficientes visuais.<br />
Em 2003, iniciou-se o projeto IBC cerâmica, com<br />
ceramistas voluntários e de apoio.<br />
As atividades apareceram, atendendo às diferentes<br />
peculiaridades das deficiências dos alunos.<br />
Esse movimento cresceu, revelando a sensibilidade<br />
criadora dos artistas. Arte, poder criativo, cultura e autoestima mesclam-se<br />
nesse trabalho, que prioriza a força interior de cada um.<br />
Fazer cerâmica, trazer a arte, com tudo que ela pode nos oferecer,<br />
sem preconceitos.<br />
Seguindo esse pensamento, o Instituto<br />
Benjamin Constant abriu o Salão Nobre do<br />
<strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong>, com uma belíssima exposição<br />
de cerâmica dos seus alunos, às 15h do dia<br />
26 de julho.<br />
Apresentando-se como verdadeiros artistas,<br />
são eles pessoas que ultrapassam obstáculos<br />
que enfrentam desafios e colocam-se<br />
na vida entre aqueles que usam o direito de<br />
sonhar e realizar.<br />
Ao Instituto, nossos parabéns.<br />
74 Revista do <strong>Clube</strong> <strong>Naval</strong> • 355