demo comunicação e cultura - Centro de Documentação e Pesquisa ...
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evista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />
ii DEMO<br />
COMUNICAÇÃO<br />
E CULTURA
Intercom<br />
Diretoria (Biênio 1985/1987)<br />
Presi<strong>de</strong>nte<br />
Gaudêncio Torquato (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo)<br />
Vice-presi<strong>de</strong>nte<br />
Luís Fernando Santoro (Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior)<br />
Tesoureiro<br />
Edivaldo Pereira Lima (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Social Cásper<br />
Libero)<br />
Secretária geral<br />
Fátima Feliciano (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo)<br />
/." Secretária<br />
Claudia V. Almeida (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Armando Alvares<br />
Penteado)<br />
2." Secretário<br />
Izo Zeigerman (Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior)<br />
Diretor Científico<br />
Isaac Epstein (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Armando Alvares Pen-<br />
teado)<br />
Diretora Cultural<br />
Margarida K. Kunsch (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Social Cásper<br />
Libero)<br />
Diretor Editorial<br />
Alceu A. da Costa (Telecomunicações <strong>de</strong> São Paulo)<br />
Conselho Fiscal: José Marques <strong>de</strong> Melo (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo),<br />
Carlos Eduardo Lins da Silva (Folha <strong>de</strong> São Paulo), Laurindo<br />
Leal Filho (Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo),<br />
Maria Felisminda Fusari (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo) e Sara<br />
Chucid da Viá (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo).<br />
A Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação<br />
— INTERCOM — é uma associação civil, sem fins lucrativos, que<br />
congrega os pesquisadores da área <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social, <strong>de</strong> todo<br />
o país. Fundada em São Paulo, a 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1977, conta<br />
com aproximadamente 500 associados, que estudam a <strong>comunicação</strong><br />
nas universida<strong>de</strong>s, empresas, órgãos públicos, igrejas, sindicatos e<br />
movimentos sociais.
AOS LEITORES<br />
ENTREVISTAS<br />
Centri <strong>de</strong> Pístüral Verguüro<br />
^ 21 AGam?<br />
SETOI Df DOCUMENTAÇÃO<br />
SUMÁRIO<br />
Luiz Beltrão: A folk<strong>comunicação</strong> não é uma <strong>comunicação</strong> classis-<br />
ta — José Marques <strong>de</strong> Melo, Carlos Eduardo Lins da Silva,<br />
Rogério Bastos Ca<strong>de</strong>ngue e Marta Alves D'Azevedo 5<br />
Carlos Rodrigues Brandão: A influência da <strong>comunicação</strong> se dá no<br />
interior <strong>de</strong> complexas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações <strong>cultura</strong>is entre sujei-<br />
tos sociais — Dario Luís Borelli e Virgílio Noya Pinto 16<br />
ENSAIOS<br />
Quando a Ciência é Notícia — Estudo comparativo da cobertura<br />
cientifica na imprensa diária do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong> São Pau-<br />
lo — José Marques <strong>de</strong> Melo 23<br />
Sentinelas da Liberda<strong>de</strong>: Jornalismo <strong>de</strong> combate — Marco Morei 36<br />
Propostas alternativas <strong>de</strong> Relações Públicas — Margarida M.<br />
Krohling Kunsch 48<br />
A Comunicação da Reforma Agrária: <strong>de</strong>sinformação e rumores —<br />
Hugo Gomalez Vela 59<br />
ARTIGOS<br />
Um continente no vi<strong>de</strong>o — Sérgio Caparelli 75<br />
Democracia, <strong>comunicação</strong> e classe trabalhadora — Antônio Albi-<br />
no Canelas Rubim 80<br />
A Cultura Bóia-Fria no Paraná — João Carlos Canuto 85<br />
Políticas Editoriais: processo <strong>de</strong> produção e difusão do conheci-<br />
mento novo — Ciro Mascarenhas Rodrigues 90<br />
COMENTÁRIOS<br />
A Comunicação e o Menor: uma possível <strong>comunicação</strong> para a jus-<br />
tiça — Ismar <strong>de</strong> Oliveira Soares 99<br />
Por uma Democracia Lingüística: o português no rádio e na te-<br />
levisão — Francisco Gomes <strong>de</strong> Matos 104
FÓRUM — Atualida<strong>de</strong>s do Ensino <strong>de</strong> Comunicação<br />
Formação Profissional <strong>de</strong> Comunicadores Sociais na América La-<br />
tina: a pesquisa da FELAFACS — Ângela Maria Goãoy e<br />
Cláudia Lúcia Herrán 109<br />
Portugal, primeiro a Inovar, último a Formar — Luís Humber-<br />
to Marcos 115<br />
Pós-Graduação em Comunicação no México: a experiência da Uni-<br />
versida<strong>de</strong> Iberoamericana — Luiz Javier Mier Vega 119<br />
RESENHAS<br />
Língua e Compromisso Histórico — Luiz Roberto Alves 126<br />
Brinquedo e Serieda<strong>de</strong> — Carlos Augusto Setti 127<br />
Repensando a Cultura <strong>de</strong> Massas — Francisco Rüdiger 129<br />
Comunicação Integrada — Francisco Assis Fernan<strong>de</strong>s 130<br />
Em Busca do "Mo'De Ser" — Pedro Gilberto Gomes 132<br />
Quem é Quem na Comunicação Cristã — Ismar <strong>de</strong> Oliveira Soares 134<br />
O Universo da Comunicação Empresarial/Institucional — Edval-<br />
do Pereira Lima 135<br />
Subsídios Demais Porém Gosto <strong>de</strong> Pouco — Tereza Lúcia Hal-<br />
liday 136<br />
Como Planejar o Marketing para Enfrentar Ambientes Competi-<br />
tivos — Wilson da Costa Bueno 138<br />
Jornal <strong>de</strong> Favela Também é História — Cicília M. Krohling Pe-<br />
ruzzo 139<br />
NOTICIÁRIO<br />
Primeiro Titular <strong>de</strong> Jornalismo na USP 141<br />
Nor<strong>de</strong>ste reivindica melhoria do Ensino <strong>de</strong> Comunicação 141<br />
Políticas Democráticas <strong>de</strong> Comunicação 142<br />
Revista Teórica da FELAFACS 143<br />
Cultura Contemporânea tem Revista no México 143<br />
Estudantes <strong>de</strong> Jornalismo da Europa: reunião em Portugal .... 143<br />
Escola <strong>de</strong> Jornalismo da Venezuela comemora 40 anos 144
AOS LEITORES<br />
Duas importantes entrevistas abrem esta edição <strong>de</strong> INTERCOM —<br />
REVISTA BRASILEIRA DE COMUNICAÇÃO. Luiz Beltrão, recen-<br />
temente falecido, faz uma revisão crítica da sua obra e precisa teo-<br />
ricamente a natureza da folk<strong>comunicação</strong>. Carlos Rodrigues Bran-<br />
dão reflete sobre <strong>comunicação</strong> e <strong>cultura</strong> na nossa socieda<strong>de</strong>, apon-<br />
tando questões a serem retomadas pelos participantes do IO*? Con-<br />
gresso da INTERCOM, previsto para setembro, em Campinas (SP),<br />
tendo como tema central: "Democracia, Comunicação e Cultura".<br />
Também se reportam diretamente à problemática do X Ciclo<br />
<strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação o artigo <strong>de</strong> Albino<br />
Rubim — "Democracia, Cultura e Classe Trabalhadora" —, o en-<br />
saio <strong>de</strong> Margarida Kunsch — "Propostas e alternativas <strong>de</strong> Relações<br />
Públicas" — e o comentário <strong>de</strong> Francisco Gomes <strong>de</strong> Mattos — "Por<br />
uma <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia lingüística: o português no rádio e na televisão".<br />
Destaques <strong>de</strong>sta edição, analisando facetas comunicacionais da<br />
conjuntura brasileira, são os estudos <strong>de</strong> Hugo G. Vela a respeito da<br />
<strong>de</strong>sinformação predominante na <strong>comunicação</strong> da reforma agrária, <strong>de</strong><br />
João Carlos Canuto, sobre a <strong>cultura</strong> bóia-fria no Paraná, <strong>de</strong> Ismar<br />
O. Soares sobre a campanha da fraternida<strong>de</strong> da CNBB, e <strong>de</strong> Sérgio<br />
Caparelli sobre a adaptação televisual da obra <strong>de</strong> Érico Veríssimo<br />
O Tempo e o Vento.<br />
No âmbito da <strong>comunicação</strong> científica e tecnológica figuram as<br />
anotações <strong>de</strong> Ciro Mascarenhas Rodrigues a propósito das políticas<br />
editoriais vigentes nos periódicos especializados e os resultados da<br />
pesquisa feita por José Marques <strong>de</strong> Melo sobre a cobertura cientí-<br />
fica na imprensa diária do Rio e <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Merece atenção, ainda, o fórum "Atualida<strong>de</strong>s do Ensino <strong>de</strong> Co-<br />
municação", reunindo informações sobre as tendências dos cursos <strong>de</strong><br />
graduação na América Latina e em Portugal e do curso <strong>de</strong> pós-gra-<br />
duação mantido no México pela Universida<strong>de</strong> Iberoamericana.<br />
O ensaio <strong>de</strong> Marco Morei sobre o jornalismo combativo <strong>de</strong> Ci-<br />
priano Barata resgata elementos históricos para a comemoração do<br />
sesquicentenário da morte do panfletário baiano, que ocorrerá a 1"?<br />
<strong>de</strong> julho do próximo ano.<br />
As seções habituais — resenhas e noticiário — atualizarão o co-<br />
nhecimento dos leitores sobre a pesquisa e o ensino da <strong>comunicação</strong>.
INTERCOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />
Ano X — N 9 57 — Julho a Dezembro <strong>de</strong> 1987<br />
Publicação semestral editada pela Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong><br />
Estudos Interdisciplinares da Comunicação — INTERCOM —<br />
com o apoio do Programa MCT CNPq/FINEP.<br />
ISSN 0102 — 6453<br />
Integrante da Re<strong>de</strong> Iberoamericana <strong>de</strong> Revistas <strong>de</strong> Comuni-<br />
cação e Cultura.<br />
Editor Responsável<br />
José Marques <strong>de</strong> Melo (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo)<br />
Editor Assistente<br />
Dario Luis Borelli (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo)<br />
Conselho Editorial<br />
Ana Maria Concentino Ramos (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Norte), Carlos Eduardo Uns da Silva (Folha <strong>de</strong> S. Paulo), Cicilia Maria<br />
Krohling Peruzzo (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo), Conceição Derzi<br />
(Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Amazonas), Cosme Alves Neto (Cinemateca do<br />
Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna — Rio <strong>de</strong> Janeiro), Guilherme Rezen<strong>de</strong> (Univer-<br />
sida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Maranhão), Gustavo Quesada (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Santa Maria), João Vianney Campos <strong>de</strong> Mesquita (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />
Ceará), Laurindo Leal Filho (Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo),<br />
Luiz Fernando Santoro (Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior), Raul Col-<br />
vara Rosinha (Empresa Brasileira <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong> Agropecuária — Brasília),<br />
Sérgio Caparelli (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul), Sérgio Mattos<br />
(Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia), Tereza Lúcia Halliday (Universida<strong>de</strong> Fe-<br />
<strong>de</strong>ral Rural <strong>de</strong> Pernambuco), Vera Lúcia Monteiro <strong>de</strong> Castro Amaral (Uni-<br />
versida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora — Minas Gerais).<br />
Capa<br />
Carlos Alberto d'Alkmin<br />
Compos/çaoZ/mpressão<br />
Edições Loyola — Rua 1822, n. 347 — Fone: 914-1922 — São Paulo<br />
Redação e Administração<br />
ECA-USP / CJE — Rua Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443 — BI. A<br />
Sala 15 — Cida<strong>de</strong> Universitária — Butantã — São Paulo — SP.<br />
Correspon<strong>de</strong>nc/a<br />
Caixa Postal 20.793 — 01498 — S"o Paulo — Brasil
ENTREVISTAS<br />
Luiz Beltrão:<br />
a folkcomunicaçào não é uma<br />
<strong>comunicação</strong> classista<br />
Entrevistadores: José Marques <strong>de</strong> Melo (USP), Carlos Eduardo<br />
Lins da Silva (USP), Rogério Bastos Ca<strong>de</strong>ngue (UFRN) e Marta<br />
Alves D'Azevedo (UFRS).<br />
Em 1980, Luiz Beltrão veio a São Paulo participar do Congresso<br />
da UCBC e lançar o seu livro Folkcomunicaçào, a <strong>comunicação</strong> dos<br />
marginalizados (Cortez Editora). As ativida<strong>de</strong>s do congresso se rea-<br />
lizaram em São Bernardo do Campo, tendo como tema central: co-<br />
municação e educação popular, e foram sediadas no Instituto Meto-<br />
dista <strong>de</strong> Ensino Superior. Naquela ocasião, a equipe responsável pelo<br />
então Boletim INTERCOM programou uma entrevista sobre a for-<br />
mação intelectual, a produção científica e a obra jornalística <strong>de</strong> Luiz<br />
Beltrão. A entrevista foi realizada pelas seguintes pessoas: José Mar-<br />
ques <strong>de</strong> Melo, Carlos Eduardo Lins da Silva, Rogério Bastos Ca-<br />
<strong>de</strong>ngue e Marta Alves jyAzevedo, tendo sido gravada nos estúdios <strong>de</strong><br />
rádio do IMS. Lamentavelmente, as fitas gravadas foram extravia-<br />
das e não houve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua yublicição.<br />
Depois do falecimento <strong>de</strong> Luiz Beltrão, fato que ocorreu em Bra-<br />
sília no dia 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1986, a fita da entrevista foi localizada.<br />
Feita a transcrição e a edição do texto pelo repórter Dario Luís Bo-<br />
relli, os editores <strong>de</strong> INTEECOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />
<strong>de</strong>cidiram publicá-la como homenagem póstuma ao emérito pesqui-<br />
sador que abriu a trilha do estudo científico da <strong>comunicação</strong> no<br />
Brasil. Mesmo incompleto, trata-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>poimento fecundo, ca-<br />
paz <strong>de</strong> proporcionar elementos biográficos e históricos que recons-<br />
tituirão a trajetória <strong>de</strong> Luiz Beltrão no ensino e na pesquisa <strong>de</strong> co-<br />
municação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus tempos como jornalista em Pernambuco<br />
até a sua projeção como escritor e acadêmico reconhecido no país<br />
e no exterior.
INTERCOM — Prof. Luiz Beltrão, como se <strong>de</strong>u sua iniciação inte-<br />
lectual? Ela começou no Seminário ãe Olinda e <strong>de</strong>pois foi continua-<br />
da na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife. Quais as reminiscências que<br />
o senhor guarda <strong>de</strong>sse período?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Minha formação <strong>cultura</strong>l teve início efetivamen-<br />
te no Seminário <strong>de</strong> Olinda. Ali principiei a estudar e a escrever.<br />
Nessa época <strong>de</strong> Seminário, eu escrevi num ca<strong>de</strong>rno um romance cha-<br />
mado O Aimoré. Era uma réplica <strong>de</strong> O Guarani, <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar.<br />
Saindo do Seminário, eu fui procurar o Colégio Estadual <strong>de</strong> Per-<br />
nambuco. Ele não tinha este nome, chamava-se Ginásio Pernambu-<br />
cano. Era famoso por ser uma escola muito avançada em matéria<br />
<strong>de</strong> métodos educacionais. Não era uma escola fechada.<br />
Após freqüentar o Ginásio, entrei na escola <strong>de</strong> Direito. Naque-<br />
la época não havia muitas opções, apenas três escolas <strong>de</strong> nível su-<br />
perior em Pernambuco: a escola <strong>de</strong> Medicina, a <strong>de</strong> Direito e a <strong>de</strong><br />
Engenharia. Fora isso aí, não havia mais nada.<br />
Antes <strong>de</strong> entrar na faculda<strong>de</strong> houve alguma coisa que influenciou<br />
nesta minha formação. Foi a existência, naquela época, dos cha-<br />
mados <strong>Centro</strong>s <strong>de</strong> Cultura ou Grêmios Literários. Cada cida<strong>de</strong> ti-<br />
nha o seu <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Cultura como hoje quase toda a cida<strong>de</strong> tem a<br />
sua Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Letras. Eu fui não somente sócio-fundador como<br />
também presi<strong>de</strong>nte do chamado <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Cultura Humberto <strong>de</strong><br />
Campos, em Olinda. Este <strong>Centro</strong> estava naturalmente sob a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um jornalista, pois a minha geração foi influenciada por Humberto<br />
<strong>de</strong> Campos como jornalista e cronista. Foi neste <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Cultura<br />
que eu conheci algumas pessoas que <strong>de</strong> certo modo se <strong>de</strong>stacaram<br />
nas letras brasileiras ou na política. Foi ali que eu conheci, por<br />
exemplo, o famoso lí<strong>de</strong>r das Ligas Camponesas, Francisco Julião.<br />
Ele foi meu companheiro <strong>de</strong> adolescência e o tenho como amigo até<br />
hoje. Ali também conheci Ledo Ivo, poeta e homem <strong>de</strong> letras. Aquele<br />
<strong>Centro</strong> promovia <strong>de</strong>bates com escritores, havia ali um início <strong>de</strong><br />
vida literária que me <strong>de</strong>u um bom interesse pelas letras.<br />
Aí eu entrei para a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito, que o meu entrevis-<br />
tador bem conhece, pois ali também estudou.<br />
INTERCOM — Que influências a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife exer-<br />
ceu na sua maneira <strong>de</strong> ver o mundo, já que ela sempre se carac-<br />
terizou por um espirito libertário?<br />
Prof. Luiz Beltrão — A Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife não eram as<br />
aulas. A Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife não eram os professores.<br />
A Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife, para mim, eram os corredores<br />
on<strong>de</strong> havia os famosos bancos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e ferro que jamais o ca-<br />
louro podia sentar no encosto, só os veteranos. Os veteranos sen-<br />
tavam no encosto e o calouro, on<strong>de</strong> a gente botava os pés.<br />
Nessa época o país estava vivendo a ditadura do Estado Novo<br />
e, por coincidência, na turma havia pessoas que mais tar<strong>de</strong> se ce-<br />
lebrizaram na vida política do país. Por exemplo: Oswaldo Lima<br />
Filho, ministro do Trabalho do Jango. E também gente do governo<br />
como Paulo Germano <strong>de</strong> Magalhães, filho do interventor fe<strong>de</strong>ral em<br />
Pernambuco, Agamenon Magalhães. Enfim, era uma turma inte-<br />
ressada nos problemas e fazia política possível à época.
INTERCOM — A sua época na Faculda<strong>de</strong> foi a época <strong>de</strong> Demócrito<br />
<strong>de</strong> Souza Filho, que se tornaria o mártir da re<strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização em<br />
Pernambuco?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Não, eu sou um pouco anterior a Demócrito.<br />
Quando ele entrou, nós já estávamos saindo. Nós saímos da Facul-<br />
da<strong>de</strong> em 1943. Creio que nesta época o Demócrito ainda não tinha<br />
entrado. Ele ia entrar em 1944 e morreria no conflito em 1946.<br />
A nossa rebeldia, já que não podia se voltar para uma ditadura<br />
tão ferrenha como era a do Estado Novo, ela se voltava contra a<br />
política interna da Faculda<strong>de</strong>. Nós combatíamos o diretório, sim-<br />
plesmente. Esse combate ao diretório representava assim uma pro-<br />
jeção ou uma tomada <strong>de</strong> posição. Praticamente toda a turma era a<br />
favor da campanha "O Petróleo é nosso". Então nós íamos prós<br />
morros e lá explicávamos para o povo o que era a campanha do<br />
petróleo, que nós tínhamos petróleo, que nós <strong>de</strong>veríamos explorar<br />
o nosso petróleo e tal. Isso era uma outra maneira, na época, <strong>de</strong><br />
combater a ditadura, porque a ditadura evitava <strong>de</strong> todo o modo a<br />
exploração do petróleo.<br />
INTERCOM — Como é que se <strong>de</strong>u a sua presença no Jornalismo?<br />
Como foi o inicio <strong>de</strong> sua carreira no Jornalismo?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Eu comecei a minha vida profissional no "Diá-<br />
rio <strong>de</strong> Pernambuco", isto é, eu entrei como revisor. Mas dois dias<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter entrado como revisor, fui promovido: passei <strong>de</strong> revi-<br />
sor a arquivista <strong>de</strong> clichê, que era organizar clichês. Depois <strong>de</strong> al-<br />
gum tempo, eu passei a tradutor <strong>de</strong> telegrama. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tradu-<br />
tor <strong>de</strong> telegrama, para repórter. O que eu consegui no "Diário <strong>de</strong><br />
Pernambuco" foi chegar a ser repórter. A minha ascensão <strong>de</strong> revi-<br />
sor para arquivista <strong>de</strong> clichê está baseada numa reportagem que<br />
escrevi sobre qualquer assunto lá que já não me recordo bem. Só<br />
sei que entreguei muito solenemente ao diretor como texto <strong>de</strong> au-<br />
toria <strong>de</strong> Luiz Beltrão. E o diretor, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar oito dias com<br />
a reportagem nas mãos, ele me <strong>de</strong>volveu o original cheio <strong>de</strong> riscos<br />
azuis. Eu começava a apren<strong>de</strong>r o estilo jornalístico com um dos<br />
gran<strong>de</strong>s mestres da imprensa pernambucana que foi Aníbal Fernan-<br />
<strong>de</strong>s. Nesse jornal, trabalhavam, entre outros. Gomes Maranhão e<br />
Odorico Costa. O Rubem Braga tinha trabalhado e estava saindo<br />
quando eu entrei. O curioso é que Rubem Braga dirigia a "Folha<br />
do Povo", jornal comunista, e era repórter <strong>de</strong> policia dos Associados.<br />
Como diretor <strong>de</strong> jornal comunista, ele combatia o diretor do "Diá-<br />
rio <strong>de</strong> Pernambuco". O Rubem era realmente um homem <strong>de</strong> gran-<br />
<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sentimento lírico e tal. Mas é tremenda-<br />
mente combativo quando quer.<br />
A reportagem sobre a qual me referi, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entregue pelo<br />
diretor do jornal, ela foi por mim reescrita. Depois <strong>de</strong> uns 15 dias,<br />
foi publicada sem o meu nome. A primeira coisa que o indivíduo<br />
apren<strong>de</strong> no Jornalismo é o anonimato, que hoje é pouco explorado,<br />
sobretudo na televisão, on<strong>de</strong> às vezes aparece um mero locutor se<br />
passando por jornalista.<br />
INTERCOM — O senhor começou no Jornalismo já sobrevivendo ou<br />
ó Jornalismo era um mero acessório <strong>de</strong> sua carreira?
Prof. Luiz Beltrão — Em 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1936, eu entrei no Jor-<br />
nalismo. Nessa época, o Jornalismo não era uma profissão, mas um<br />
"gancho" como nós o chamávamos. A pessoa tinha um emprego e<br />
trabalhava no jornal. Muitas vezes trabalhava no jornal para me-<br />
lhorar o nome no emprego. No meu caso, por exemplo, eu tinha<br />
entrado no Instituto <strong>de</strong> Previdência dos Serviços do Estado <strong>de</strong> Per-<br />
nambuco e utilizava <strong>de</strong> certo modo o jornal — após me firmar mais<br />
ali — para fazer um jogo: difundir as coisas do Instituto no jornal<br />
que não eram difíceis <strong>de</strong> serem difundidas, porque aquela época<br />
era a época da ditadura do Estado Novo. Então, os jornais publi-<br />
cariam tudo o que saísse <strong>de</strong> qualquer repartição do governo.<br />
INTERCOM — O senhor trabalhou muito tempo nos jornais <strong>de</strong> Per-<br />
nambuco?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Eu trabalhei mais <strong>de</strong> 25 anos. Quando eu saí<br />
do "Diário <strong>de</strong> Pernambuco", fui trabalhar no "Diário da Manhã", que<br />
pertencia ao Agamenon Magalhães. Nesse jornal eu cheguei até a<br />
redator-chefe. Só neste jornal eu trabalhei 17 anos. Depois eu tra-<br />
balhei nas agências noticiosas France Press e Asa Press. Fui cor-<br />
respon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> agências jornalísticas nacionais e internacionais em<br />
Recife.<br />
INTERCOM — Em algum momento o senhor viveu única e exclusi-<br />
vamente do Jornalismo?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Na minha época não era possível. Não creio<br />
que houvesse alguém que vivesse exclusivamente do Jornalismo. Eu<br />
pelo menos não conheço.<br />
Um belo dia, o Aníbal Fernan<strong>de</strong>s, diretor do jornal, apareceu na<br />
redação com um livro <strong>de</strong> cor cinza, francês, que se chamava Como fa-<br />
zer um jornal. Eu nunca tinha imaginado na minha vida que se pu<strong>de</strong>s-<br />
se apren<strong>de</strong>r fazer Jornalismo <strong>de</strong> outro modo senão fazendo o pró-<br />
prio jornal. Este momento marcou <strong>de</strong>mais a minha vida porque daí<br />
em diante eu passei a querer organizar uma biblioteca também. Eu<br />
comecei a perceber que era preciso estudar Jornalismo para po<strong>de</strong>r<br />
fazer Jornalismo. Esse foi o princípio do meu interesse pelo ensi-<br />
no do Jornalismo.<br />
INTERCOM — Há um aspecto na sua vida que é a sua atuação como<br />
lí<strong>de</strong>r sindical. O senhor não se limitou apenas ao exercício profis-<br />
sional do Jornalismo, mas se <strong>de</strong>stacou em Pernambuco como lí<strong>de</strong>r<br />
da categoria. O senhor po<strong>de</strong>ria nos dar algumas informações sobre<br />
essa sua passagem pela vida sindical brasileira?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Pois não, vamos a ela. Em Pernambuco não<br />
havia Sindicato <strong>de</strong> Jornalistas Profissionais. Havia uma Associação<br />
<strong>de</strong> Imprensa que reunia patrões e empregados como todas as outras<br />
Associações <strong>de</strong> Imprensa do Brasil. Eu me filiei à Associação <strong>de</strong><br />
Imprensa <strong>de</strong> Pernambuco e no ano <strong>de</strong> 1951 fui eleito presi<strong>de</strong>nte em<br />
três mandatos consecutivos. Se não me engano foram nos anos <strong>de</strong><br />
1951, 1953 e 1955. O mandato era bienal. Neste ínterim nós fomen-<br />
tamos a criação, <strong>de</strong>ntro da própria Associação, do Sindicato dos<br />
Jornalistas Profissionais. Criado o Sindicato e eleita a sua primei-<br />
ra diretoria, fui indicado representante junto ao Conselho da Fe<strong>de</strong>ra-<br />
8
ção Nacional <strong>de</strong> Jornalistas. Então eu fui participar <strong>de</strong> uma eleição<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro e chegando lá fui surpreendido com a notícia <strong>de</strong><br />
que estava eleito presi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração Nacional <strong>de</strong> Jornalistas.<br />
Saía da presidência da Fe<strong>de</strong>ração o caro amigo Freitas Nobre. Só<br />
que eu não podia ser presi<strong>de</strong>nte porque havia me comprometido com<br />
um candidato <strong>de</strong> Belo Horizonte, Marcelo Tavares, que <strong>de</strong>pois assu-<br />
miu o cargo. Eu me recusei terminantemente, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong><br />
ter recebido uma <strong>de</strong>legação do Sindicato. Então eu teria que vo-<br />
tar nele. I<br />
Durante esse tempo eu militei muito em congressos jornalísticos<br />
e congressos promovidos pela União Brasileira <strong>de</strong> Escritores. Em<br />
1950 eu tinha estreado nas letras com a publicação do meu roman-<br />
ce chamado Os Senhores do Mundo. Nesta época eu era repórter,<br />
não policial, mas <strong>de</strong> informações gerais. Eu convivia muito com<br />
o povo das chamadas classes subalternas e Os Senhores do Mundo<br />
eram aquelas pessoas que viviam marginalizadas da socieda<strong>de</strong> e que<br />
eram <strong>de</strong> fato marginais. O livro se ocupa <strong>de</strong>ssas pessoas. O ro-<br />
mance regional era o estilo da época. Mais do que regional, local.<br />
Foi editado pelo meu jornal em 1950.<br />
INTERCOM — O senhor <strong>de</strong>clarou que com o livro Como Fazer um<br />
Jornal começava a aparecer o estudioso Luiz Beltrão, que encarava o<br />
Jornalismo como matéria que evi<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>veria ser ensinada<br />
para os que <strong>de</strong>sejassem se tornar profissionais <strong>de</strong> imprensa. Mas<br />
como surgiu efetivamente o professor Luiz Beltrão ensinando aluno<br />
<strong>de</strong> Jornalismo?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Em 1951, eu participei do 59 Congresso Nacio-<br />
nal <strong>de</strong> Jornalistas, realizado em Curitiba. Eu já estava convencido<br />
nesta época <strong>de</strong> que não somente era possível apren<strong>de</strong>r Jornalismo,<br />
como <strong>de</strong>via se apren<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>via se prestigiar os cursos <strong>de</strong> Jornalis-<br />
mo e como se <strong>de</strong>via até não permitir que continuassem jornalistas sem<br />
uma formação superior. Nem naquela época, nem hoje, eu acredi-<br />
to na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formação específica <strong>de</strong> um indivíduo numa pro-<br />
fissão <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Eu acho que o indivíduo <strong>de</strong>ve ter curso su-<br />
perior, porque na universida<strong>de</strong> é on<strong>de</strong> se pesquisa, é on<strong>de</strong> se faz ex-<br />
periência. Quem ganha Prêmio Nobel no mundo são professores <strong>de</strong><br />
universida<strong>de</strong>s que fazem experiência <strong>de</strong>ntro da própria universida-<br />
<strong>de</strong>. Quer dizer, é necessário existir cursos específicos <strong>de</strong> formação<br />
jornalística, mas mais necessário ainda é a formação universitária<br />
do aluno e o jornalista naquela época não tinha essa formação su-<br />
perior.<br />
Então ocorreu que neste Congresso eu apresentei uma tese. Eu<br />
me lembro do momento da discussão da tese. Ela caiu nas mãos<br />
<strong>de</strong> um jornalista comunista para ele dar o seu parecer. Então este<br />
jornalista puxou a brasa para a sardinha <strong>de</strong>le, porque eu falava que,<br />
na União Soviética, como nos Estados Unidos, na Alemanha e na<br />
França, havia cursos <strong>de</strong> Jornalismo. Eu mostrava que cada país<br />
<strong>de</strong>fendia a sua concepção <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordo com a formação<br />
<strong>cultura</strong>l que tinha. Houve, então, um levante contra a minha tese,<br />
ou melhor, não contra a minha tese mas contra o parecer daquele<br />
jornalista comunista.<br />
INTERCOM — E quem era este jornalista?<br />
9
Prol. Luiz Beltrão — Olha, sabe que eu não me lembro mais! Era<br />
um rapaz da Bahia cujo nome não me recordo. Este rapaz puxou<br />
a brasa, dizendo: "Porque na União Soviética e tal..." Aí chegou<br />
a tal ponto o tumulto que eu disse à minha mulher: "É uma pena<br />
porque tive tanto trabalho para elaborar a tese e agora ela vai pas-<br />
sar em brancas nuvens".<br />
INTERCOM — Quer dizer que essa preocupação com os cursos <strong>de</strong><br />
Jornalismo como subversivos já é muito antiga?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Ah, muito antiga, é claro! Essa é a mais an-<br />
tiga <strong>de</strong>las. Hoje ainda é pior porque eles são mesmo subversivos,<br />
quer dizer, eles estão subvertendo porque não <strong>de</strong>vem e nem po<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> subverter toda essa idéia <strong>de</strong> que jornal po<strong>de</strong> ser feito co-<br />
mo era feito no princípio do século.<br />
Então eu fui obrigado a ir à tribuna, on<strong>de</strong> me perguntaram qual<br />
era o meu i<strong>de</strong>ário político e essa coisa toda. Eu vou dizer o se-<br />
guinte: quando assumi a tribuna para falar, eu ia dizer que aquilo<br />
era o parecer do jornalista e que a minha tese era assim, assim...<br />
Neste momento o Congresso todo fazia um combate ao atestado que<br />
o Ministério do Trabalho exigia chamado "atestado i<strong>de</strong>ológico". En-<br />
tão havia ali um repúdio geral ao "atestado i<strong>de</strong>ológico". E um da-<br />
queles mais exaltados virou-se para mim e perguntou assim: "O se-<br />
nhor é comunista?" Eu respondi: "Recuso passar um atestado <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ologia, eu não passo porque este Congresso é contrário a qual-<br />
quer tipo <strong>de</strong> atestado i<strong>de</strong>ológico. Agora o senhor lê a minha tese<br />
e vê o que é que eu sou, enten<strong>de</strong>u? Ainda se o senhor me pergun-<br />
tar o que é que eu sou politicamente, vou lhe dizer que quando<br />
havia um partido, chamado Social Democrático, eu costumava di-<br />
zer que era Democrata Social". Isso pra ninguém me confundir com<br />
o PSD.<br />
INTERCOM — E hoje?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Hoje, como eu quero que ninguém me confun-<br />
da com os <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratas sociais, passei a ser Social Democrata. Eu<br />
hoje sou um homem <strong>de</strong> idéias sociais <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticas, mas não confun-<br />
dir com o antigo PSD e nem com o <strong><strong>de</strong>mo</strong>crata social como o <strong>de</strong> hoje,<br />
o PDS.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista político, eu não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
a profunda injustiça da socieda<strong>de</strong> atual, que beneficia uns <strong>de</strong>ma-<br />
siadamente e <strong>de</strong>ixa a gran<strong>de</strong> maioria em situações <strong>de</strong> penúria in-<br />
telectual, <strong>cultura</strong>l, social, econômica e moral. É necessário que haja<br />
uma abertura socializante. Atenção, é necessário que haja uma<br />
abertura socializante, não socialista exatamente, mas socializante,<br />
a fim <strong>de</strong> que essas classes possam participar e ter os benefícios do <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento. Este é o meu pensamento político não extremado,<br />
pois não sou homem <strong>de</strong> extremos. Não acho que seja a solução.<br />
Compartilho da posição daqueles que acreditam que o indivíduo <strong>de</strong>ve<br />
ser doutrinado. Por outro lado, acho que <strong>de</strong>ve haver um acesso<br />
maior aos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> por parte do povo, <strong>de</strong> todas as<br />
camadas <strong>de</strong> opinião a fim <strong>de</strong> que se possa <strong>de</strong>bater livremente os<br />
temas.<br />
10
INTERCOM — Que idéia o senhor tem hoje da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> impren-<br />
sa e que limites o senhor vê no exercido profissional do Jornalis-<br />
mo para, <strong>de</strong> um lado, respeitar essa liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa e, do<br />
outro, garantir que ela se exerça?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Para mim a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa <strong>de</strong>ve ser<br />
consubstanciada no respeito que o indivíduo <strong>de</strong>ve ter à pessoa hu-<br />
mana. Não é o fato da lei dizer que não se <strong>de</strong>ve caluniar, não se<br />
<strong>de</strong>ve injuriar, mas não se po<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>? Então as coisas que ofen-<br />
<strong>de</strong>m ou quebrem esse respeito representam o limite da liberda<strong>de</strong>.<br />
A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa se confun<strong>de</strong> um pouco com a doutrina do<br />
amor, quer dizer, eu não posso injuriar, ofen<strong>de</strong>r a quem amo. Eu<br />
<strong>de</strong>vo respeitar a personalida<strong>de</strong> do indivíduo com amor. Eu acho perfei-<br />
tamente possível essa liberda<strong>de</strong>. Na prática, porém, a imprensa está do-<br />
minada por grupos econômicos e em outras áreas pelo próprio Es-<br />
tado. Então os limites da liberda<strong>de</strong> ficam difíceis <strong>de</strong> serem pre-<br />
cisados.<br />
Já se tentou <strong>de</strong> várias formas a distribuição <strong>de</strong> jornais impres-<br />
sos a <strong>de</strong>terminadas categorias <strong>de</strong> trabalhadores para que utilizas-<br />
sem esses jornais. Talvez esse sistema <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> jornais<br />
por categorias ou classes não seja realmente <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático, porque<br />
uma classe talvez não entenda todos os problemas das outras, pois<br />
elas estão sempre em <strong>de</strong>fesa dos seus interesses exclusivamente. Eu<br />
penso que não é ainda esse o caminho. Somente através <strong>de</strong> um es-<br />
tudo, <strong>de</strong> discussões e <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates <strong>de</strong> uma teoria e princípios firma-<br />
dos anteriormente, po<strong>de</strong>remos alcançar melhores resultados. E so-<br />
mente <strong>de</strong>ntro das universida<strong>de</strong>s é possível chegarmos a isso. Por<br />
isso é que <strong>de</strong>fendo a universida<strong>de</strong>. Mas também aí nós vamos en-<br />
trar na questão da universida<strong>de</strong> brasileira, tão distanciada do povo.<br />
Temos que <strong>de</strong>selitizar a universida<strong>de</strong> brasileira e torná-la popular.<br />
Não é fácil muna entrevista <strong>de</strong>finir a coisa com muita exatidão.<br />
INTERCOM — Pernambuco convicto, o senhor <strong>de</strong>ixou o seu Estado<br />
pelo Planalto Central. O que motivou esse seu abandono <strong>de</strong> Olinda?<br />
Prof. Luis Beltrão — A luta pela vida. Aliás, não bem a luta pela<br />
vida. Eu vou ser mais sincero. Em 1965, tive uma gran<strong>de</strong> opor-<br />
tunida<strong>de</strong>. A Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB) sofreu uma crise, pois<br />
lá havia um reitor que resolveu, <strong>de</strong> uma hora pra outra, botar pra<br />
fora da Universida<strong>de</strong> 265 professores <strong>de</strong> uma só vez. A UnB ficou<br />
vazia. Eu dirigia o curso <strong>de</strong> Jornalismo na Universida<strong>de</strong> Católica<br />
<strong>de</strong> Pernambuco, quando fui couvidado pe!o meu amigo e então se-<br />
cretário <strong>de</strong> Imprensa do governo Castelo Branco, José Vamberto<br />
Assunção, para reorganizar a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação <strong>de</strong> Massa<br />
da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Com a seguinte condição: não se falar<br />
em <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa porque era subversivo. Agora, como eu<br />
sempre achei que o meu trabalho po<strong>de</strong>ria ser ampliado caso eu es-<br />
tivesse num organismo fe<strong>de</strong>ral e não num estadual, além <strong>de</strong> esta-<br />
dual, sectário, pois era católico mesmo, aceitei a minha transferên-<br />
cia para Brasília. Lá eu verifiquei que o plano da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Co-<br />
municação <strong>de</strong> Massa feito por Pompeu <strong>de</strong> Souza era realmente mui-<br />
to bom. o que eu tinha que fazer era só tirar o nome e afastar um<br />
pouco as coisas que eu não tinha condições <strong>de</strong> realizar. Por exem-<br />
plo: o curso <strong>de</strong> Cinema. Nós não tínhamos condições <strong>de</strong> continuar<br />
11
fazendo Cinema lá, pois o número <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> Cinema no<br />
Brasil era muito restrito. Todos eles tinham saido.<br />
Então eu organizei a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação da Universi-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, mas isso só foi durante um ano e pouco que fun-<br />
cionou, porque logo tive que sair <strong>de</strong>vido a conflitos com o próprio rei-<br />
tor que havia me convidado. Com isso eu fui ensinar no <strong>Centro</strong> Uni-<br />
versitário <strong>de</strong> Brasília, lutando sempre pelo estudo da <strong>comunicação</strong><br />
das classes marginalizadas, ou melhor, dos grupos marginalizados,<br />
pois não quero falar em classes.<br />
INTERCOM — Quando o senhor chegou em Brasília, trazia já uma<br />
pesquisa que logo recebeu uma forma acadêmica e foi apresentada<br />
como tese <strong>de</strong> Doutoramento na UnB. Trata-se <strong>de</strong> seu estudo sobre<br />
folk<strong>comunicação</strong>. Que tipo <strong>de</strong> motivação o levou — sendo um ho-<br />
mem Social Democrata, como o senhor já se <strong>de</strong>finiu antes, e um<br />
homem que militou sempre na imprensa fazendo não apenas Jorna-<br />
lismo mas também um pouco <strong>de</strong> relações públicas, na medida em<br />
que fazia intermediação com o governo e a imprensa — a se preo-<br />
cupar com os grupos marginalizados da socieda<strong>de</strong> brasileira?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Bom, eu já expliquei que o meu primeiro ro-<br />
mance é sobre esse pessoal. Eu realmente me dava com esses gru-<br />
pos. Em segundo lugar, eu sou filho <strong>de</strong> um funcionário, um <strong>de</strong>n-<br />
tista e a minha mãe era "artes domésticas", como se dizia na épo-<br />
ca. Nós nunca fomos esnobes, sabe? Cada um procurava fazer sua<br />
vida com muito trabalho.<br />
Eu sempre tive uma forte ligação com o meu grupo, o grupo a que<br />
pertencia. Não era proprietário <strong>de</strong> nada, não era proprietário nem <strong>de</strong><br />
jornal em que eu servia. Como presi<strong>de</strong>nte da Associação <strong>de</strong> Imprensa<br />
<strong>de</strong> Pernambuco, fiz boas relações entre patrões e empregados. No<br />
momento em que os jornalistas precisavam <strong>de</strong> mim, eu estava lá<br />
para <strong>de</strong>fendê-los, porque eu achava que era necessária uma colabo-<br />
ração. Eu sou um Social Democrata e como tal não podia ficar<br />
alheio a um problema do trabalhador. Eu convivia nas associações<br />
<strong>de</strong> classes com operários mesmo, com gente das camadas mais apar-<br />
tadas da socieda<strong>de</strong>, com o indivíduo que jogava futebol e ern grá-<br />
fico <strong>de</strong> jornal. Eu fui secretário <strong>de</strong> jornal, trabalhando nas ofi-<br />
cinas, paginando o jornal com os gráficos. Muitas vezes comi da<br />
feijoada <strong>de</strong>les em cima da mesa <strong>de</strong> composição cheia <strong>de</strong> papel <strong>de</strong><br />
jornal e a feijoada <strong>de</strong> feijão misturada com farinha pra gente comer.<br />
Então eu convivia com eles, sentia os seus problemas e isso me<br />
levou aos poucos a enten<strong>de</strong>r certas linguagens, certos modismos,<br />
certas expressões que talvez escapassem a outro <strong>de</strong>sprevenido. O que<br />
significa o frevo, por exemplo? O que significa o samba? O que<br />
significa uma procissão? E a Capela dos Milagres, on<strong>de</strong> é <strong>de</strong>po-<br />
sitado os ex-votos? Seria só Deus, religião ou seria também uma<br />
dose <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero e protesto? Isso ai me levou a um estudo mais<br />
circunstanciado.<br />
INTERCOM — Eu tenho uma pergunta ambivalente para lhe fazer.<br />
A primeira parte está ligada ao método e a segunda às idéias e con-<br />
clusões. Com a evolução do seu trabalho intelectual hoje, o que é<br />
que o senhor reveria quanto ao método <strong>de</strong> trabalho e quanto às idéias<br />
que o senhor formulou?<br />
12
Prof. Luiz Beltrão — Do ponto <strong>de</strong> vista do método, a pesquisa so-<br />
cial é um campo que uma pessoa como eu não tinha muitas chan-<br />
ces <strong>de</strong> realizá-la or<strong>de</strong>nadamente. Houve muito empirismo em tudo<br />
quanto eu fiz naquela época e talvez ainda haja atualmente. A pes-<br />
quisa exige hoje um financiamento e é muito mais fácil um camara-<br />
da fazer uma pesquisa quando ela é financiada do que quando ele<br />
tem que lutar com as suas próprias linhas, ou seja, aproveitar to-<br />
dos os momentos e as oportunida<strong>de</strong>s para colher os dados neces-<br />
sários. Então eu acho que teria tido muito mais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento caso recebesse um financiamento e uma formação<br />
teórica a<strong>de</strong>quada. Eu acho que isso respon<strong>de</strong> a sua primeira per-<br />
gunta.<br />
Em relação a sua segunda pergunta, eu diria que houve uma<br />
evolução porque quando eu primeiro estu<strong>de</strong>i Jornalismo procurei fa-<br />
zer do estudo do Jornalismo ponto <strong>de</strong> partida. O que era para mim<br />
o Jornalismo? O meu primeiro livro. Iniciação à Filosofia do Jor-<br />
nalismo, expressa o meu conhecimento do Jornalismo em profun-<br />
dida<strong>de</strong>. Com o meu primeiro livro, surgido em 1959, que recebeu<br />
o Prêmio Orlando Dantas, e o segundo, A Imprensa Informativa, pu-<br />
blicado em 1964, e <strong>de</strong>pois O Jornalismo Interpretativo, que há dois<br />
anos atrás estava saindo a 2^ edição pela Sulina, e agora o Jornalis-<br />
mo Opinativo, eu tinha terminado toda uma estrutura teórica e <strong>de</strong><br />
orientação <strong>de</strong> Jornalismo. Mas quando eu terminei o primeiro, um<br />
fenômeno me apresentou curioso: se o indivíduo é analfabeto, como<br />
é que ele se informa? Se ele não vai ao cinema e se ele não tem<br />
televisão, como é que ele intercambia opinião?<br />
Daí eu me lembrei dos meus companheiros gráficos, me lembrei<br />
<strong>de</strong> um que era presi<strong>de</strong>nte do Lenhador do Recife, clube <strong>de</strong> frevo,<br />
me lembrei da história <strong>de</strong> Lampião, <strong>de</strong> Antônio Silvino e <strong>de</strong> todos<br />
os bandoleiros <strong>de</strong> Pernambuco, eu tinha contato com os coronéis,<br />
eu vi por outro lado as multinacionais substituindo os coronéis com<br />
a mesma voracida<strong>de</strong> com que os usineiros substituíram os senhores<br />
<strong>de</strong> engenho na indústria do açúcar. Aí então eu comecei a recon-<br />
si<strong>de</strong>rar tudo isso e comecei a apanhar esses dados. Eu ainda estava<br />
impressionado com a informação puramente. Aí eu chamei isso <strong>de</strong><br />
folk<strong>comunicação</strong> jornalística.<br />
O interessante é que eu achava que um dos maiores homens do<br />
folclore <strong>de</strong> todos os tempos, Edson Carneiro, era uma espécie <strong>de</strong><br />
homem maldito. Edson Carneiro foi o único homem que percebeu<br />
que o folclore não era estático, o folclore não era uma coisa parada<br />
no tempo, mas uma coisa dinâmica. Aí então ele diz que o folclore<br />
é dinâmico e tem o seu livro A Dinâmica do Folclore que apresenta<br />
essa tese aprovada internacionalmente. Este livro teve uma gran<strong>de</strong><br />
influência para mim, pois verifiquei que qualquer manifestação po-<br />
pular estava ligada ao povo, porque o povo não tinha meios, ele<br />
utilizava esses meios que lhe davam.<br />
Posteriormente, houve uma modificação. Aconteceu que eu vi<br />
que a função da Comunicação não estava tão somente em informar<br />
ou orientar, estava também em educar, havia uma função educati-<br />
va, uma função diversional e havia uma função promocional. Então<br />
eu comecei a aprofundar esses estudos e o resultado é que o con-<br />
ceito <strong>de</strong> folk<strong>comunicação</strong> foi ampliado para não dar somente a idéia<br />
<strong>de</strong> que o povo utiliza a folk<strong>comunicação</strong> para trocar notícias, mas<br />
sim para se educar. Dizer o que ele quer dizer, se promover e en-<br />
13
treter-se também, divertir-se do mesmo modo que nós usamos o sis-<br />
tema estabelecido, o qual chamei <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social para fazer<br />
uma diferenciação da <strong>comunicação</strong> folclórica.<br />
INTERCOM — On<strong>de</strong> é que estão os limites entre o folclore e a folk-<br />
<strong>comunicação</strong>?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Olha, eu costumo dizer que quando o indiví-<br />
duo me chama <strong>de</strong> folclorista, eu digo não, sou um aproveitador do<br />
folclorista. Na verda<strong>de</strong>, eu não sou um folclorista, mas um homem<br />
que aproveita a pesquisa feita pelo folclorista.<br />
O folclore é uma manifestação da sabedoria do povo, quer di-<br />
zer, o povo faz o folclore. Na folk<strong>comunicação</strong> o que a gente pro-<br />
cura é a mensagem real, atual, escondida naquela manifestação an-<br />
tiquada. É preciso analisar isso em profundida<strong>de</strong>, não ficar nas<br />
aparências. Vou dar um pequeno exemplo: se você aprecia a dan-<br />
ça do frevo, você levanta a sua história e <strong>de</strong>scobre que é uma dança<br />
que nasceu da capoeira. Capoeira é um jogo violento. A dança do<br />
frevo é violenta. Então você diz o povo está brincando carnaval,<br />
mas fervendo. O frevo vem <strong>de</strong> fervendo. Está brincando carna-<br />
val mas também está transmitindo uma mensagem. Essa mensa-<br />
gem, por sua vez, não é tuna mensagem pacífica, não é uma men-<br />
sagem do brasileiro bonzinho, é uma mensagem do bravo, do va-<br />
lente que saía lutando capoeira, às vezes com a navalha e a pei-<br />
xeira para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as suas reivindicações. E então se você ficar<br />
somente na interpretação semiológica <strong>de</strong> um passo <strong>de</strong> dança, você<br />
ficou na meta<strong>de</strong> do caminho. Agora se você tiver coragem e avan-<br />
çar mais, vai colher outros dados. Faça, por exemplo, uma espécie<br />
<strong>de</strong> folk<strong>comunicação</strong> comparada. Compare a dança do frevo com<br />
a dança das turbas francesas em torno da guilhotina enquanto as<br />
cabeças dos nobres caíam. Você vai ver que o brasileiro não é tão<br />
bonzinho e tão pacífico como se fala e talvez não seja tão paciente<br />
como se pensa. Pelo menos dois nunca foram muito pacientes: os<br />
gaúchos e os pernambucanos.<br />
INTERCOM — Com relação às suas idéias, que aspecto o senhor con-<br />
si<strong>de</strong>ra ainda pouco trabalhado? Para on<strong>de</strong> é que o senhor vai em<br />
termos <strong>de</strong> pesquisa e o que lhe parece mais necessário ainda <strong>de</strong> ser<br />
elaborado?<br />
Prof. Luiz Beltrão — Olha, eu ando muito preocupado com a folk-<br />
<strong>comunicação</strong>. Eu costumo dizer sempre que o meu trabalho tem<br />
sido todo abrindo picadas para que outros aqueçam o caminho. Eu,<br />
por exemplo, preciso <strong>de</strong> muito mais elementos para uma teoria da<br />
folk<strong>comunicação</strong>. Aliás, eu acho que nós estamos precisando <strong>de</strong><br />
muito mais elementos para uma teoria da própria <strong>comunicação</strong>, que<br />
ainda não tem os elementos suficientes para isso. Mas da folkco-<br />
municação precisamos realmente <strong>de</strong> muito mais estudos. No livro<br />
que eu vou editar agora, <strong>de</strong>lineio os elementos teóricos e em seguida<br />
passo a mostrar certos caminhos. Este livro ainda não me satis-<br />
faz em certas coisas. Por exemplo: às vezes me vem a idéia <strong>de</strong> que a<br />
pessoa po<strong>de</strong> confundir a folk<strong>comunicação</strong> com uma <strong>comunicação</strong><br />
classista. Mas ela não é exatamente uma <strong>comunicação</strong> classísta.<br />
14
Neste livro eu estu<strong>de</strong>i alguns grupos que utilizam a folkcomumcação,<br />
isto é, meios não-formais <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> ligados direta ou indire-<br />
tamente ao folclore. Então eu vi que alguns <strong>de</strong>sses grupos têm ca-<br />
pacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração na socieda<strong>de</strong>, apenas não concordam com<br />
essa socieda<strong>de</strong>. Os grupos a que me refiro são os <strong>cultura</strong>lmente mar-<br />
ginalizados, contestam a <strong>cultura</strong> dominante. Eles contestam, por<br />
exemplo, as crenças dominantes na socieda<strong>de</strong> e as religiões estabe-<br />
lecidas. O grupo erótico-pomográfico não aceita, por exemplo, a<br />
moral dominante.<br />
15
Carlos Rodrigues Brandão:<br />
a influência da <strong>comunicação</strong> se<br />
dá no interior <strong>de</strong> complexas<br />
re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações <strong>cultura</strong>is<br />
entre sujeitos sociais<br />
Dario Luis Borelli *<br />
Virgílio Noya Pinto **<br />
Temos a satisfação <strong>de</strong> apresentar aos pesquisadores e agentes so-<br />
ciais da <strong>comunicação</strong> da América Latina presentes no X Ciclo <strong>de</strong><br />
Estudos Interdisciplinares da Comunicação que a INTERCOM estará<br />
promovendo <strong>de</strong> 4 a 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 87, em Campinas (SP), uma abor-<br />
dagem antropológica do trinômio Democracia, Comunicação e Cultura<br />
elaborada por Carlos Rodrigues Brandão, professor do Departamen-<br />
to <strong>de</strong> Ciências Sociais da UNICAMP.<br />
Atualmente, o antropólogo e educador Carlos Rodrigues Brandão<br />
divi<strong>de</strong> o seu tempo <strong>de</strong> trabalho entre o estudo, a pesquisa e a do-<br />
cência <strong>de</strong> Antropologia Social, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1963 nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> par-<br />
ticipar do <strong>de</strong>bate extra-universitário dos movimentos e experiências<br />
<strong>de</strong> educação e <strong>cultura</strong> popular. Após se formar psicólogo na PUC<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ele fez o mestrado em Antropologia Social na<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília e o doutorado em Ciências Sociais na Uni-<br />
versida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Diz que tudo o que escreveu até hoje, "fora<br />
a poesia que me persegue <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a adolescência", são os seus rela-<br />
tórios <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> Antropologia ou os livros entre a didática e<br />
a militãncia, dirigidos a educadores.<br />
* Mestrando em Ciências da Comunicação na ECA-USP. Editor-assis-<br />
tente <strong>de</strong> INTERCOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação.<br />
** Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Pós-Graduação da ECA-USP. Autor do li-<br />
vro Comunicação e Cultura Brasileira (São Paulo, Editora Atica, 1986).<br />
16
Publicou, entre outras, as seguintes obras: Cavalhadas <strong>de</strong> Pirenópolis,<br />
Mão <strong>de</strong> Obra, Os Objetos do Dia, Peões Pretos e Gongos, por editoras dè<br />
Goiânia. O Divino, o Santo e a Senhora, Plantar, Colher e Comer,<br />
As Folias <strong>de</strong> Reis <strong>de</strong> Mossâme<strong>de</strong>s, Lutar com a Palavra, Sacerdotes<br />
<strong>de</strong> Viola, publicadas por editoras do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Por editoras do<br />
estado <strong>de</strong> São Paulo publicou: Os Deuses do Povo, Diário <strong>de</strong> Campo,<br />
O Que é Educação, O Que é Método Paulo Freire, O Que é Folclore,'<br />
O Ardil da Or<strong>de</strong>m, Casa <strong>de</strong> Escola, Educação como Cultura e, mais<br />
recentemente, I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> & Etnia. E coor<strong>de</strong>nou as edições <strong>de</strong>: A<br />
Questão Política da Educação Popular, <strong>Pesquisa</strong> Participante e O Edu-<br />
cador — Vida e Morte.<br />
INTERCOM — A que resultados chegou com relação à <strong>cultura</strong> bra-<br />
sileira após sua jornada pelo campo da psicologia, da educação e,<br />
mais recentemente, da antropologia?<br />
Prof. Carlos R. Brandão — Eu seria menos <strong>de</strong>sonesto se dissesse que<br />
ainda não cheguei propriamente a "resultados", após tantas andan-<br />
ças e por tantos caminhos. Na verda<strong>de</strong>, creio ter chegado a algu-<br />
mas suspeitas, a algumas zonas <strong>de</strong> compreensão um pouco mais<br />
transparentes, mas não creio ter agora idéias mais <strong>de</strong>finitivas a res-<br />
peito da questão da <strong>cultura</strong>, da <strong>cultura</strong> brasileira ou a respeito <strong>de</strong><br />
qualquer outro assunto que toque o homem, sua história, mistérios,<br />
símbolos e experiências <strong>de</strong> vida. De resto, não me sinto muito con-<br />
tra a corrente mais atual da própria antropologia. Faz muito tem-<br />
po nós nos livramos coletivamente da certeza ilusória e, ao mesmo<br />
tempo, da obrigação <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarmos os mistérios do homem, da<br />
socieda<strong>de</strong> e da <strong>cultura</strong>, <strong>de</strong>finitivamente subordinados a leis <strong>de</strong> ori-<br />
gem, <strong>de</strong> transformação e <strong>de</strong> sentido. Cada vez mais idéias como<br />
"leis", "principios" e "<strong>de</strong>terminantes" são palavras e assunto do mu-<br />
seu da antropologia. Sabemos que o campo que exploramos é bas-<br />
tante mais complexo, polissêmico e diferenciado do que imaginavam<br />
os nossos "pais fundadores". De algum modo, apren<strong><strong>de</strong>mo</strong>s a pensar<br />
a própria realida<strong>de</strong> da <strong>cultura</strong> como uma coisa que se abre a várias<br />
interpretações e, a seu modo, cada uma <strong>de</strong>las torna mais clara, mais<br />
compreensível, uma região obscura e inteligível da própria experiên-<br />
cia do homem com os seus símbolos e significados.<br />
A própria idéia <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> brasileira presta-se muito bem a pen-<br />
sar isto. Faz algum tempo havíamos erigido algo como "a <strong>cultura</strong><br />
brasileira" como alguma coisa cuja realida<strong>de</strong> seria indiscutível, cuja<br />
unida<strong>de</strong> seria inquestionável e cuja absoluta peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria<br />
ser motivo <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> orgulho nacional que não imagináva-<br />
mos tão imenso entre outros povos, em outras <strong>cultura</strong>s. Pois agora<br />
temos uma compreensão ao mesmo tempo mais rica e muito mais<br />
humil<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguma coisa a que é difícil, agora, dar o mesmo nome<br />
<strong>de</strong> "<strong>cultura</strong> brasileira".<br />
Uma visão classista, resultado <strong>de</strong> uma leitura apressada <strong>de</strong> co-<br />
mo as coisas <strong>de</strong>veriam ser, mais do que são, na realida<strong>de</strong>, permitiu<br />
que em um momento seguinte fizéssemos uma divisão arbitrária en-<br />
tre uma <strong>cultura</strong> erudita (dominante, hegemônica, das elites etc.) e<br />
uma <strong>cultura</strong> popular (dominada, das classes trabalhadoras, dos su-<br />
balternos, do povo etc). Eu mesmo escrevi assim, muito. Não me<br />
arrependo, porque correspon<strong>de</strong>u ao tempo em que foi escrito. Mas<br />
não o faria do mesmo modo, outra vez.<br />
17
Porque agora sabemos que, em primeiro lugar, a experiência<br />
humana e social da <strong>cultura</strong> não correspon<strong>de</strong> exatamente a territó-<br />
rios nacionais e, possivelmente, uma <strong>de</strong> suas maiores gran<strong>de</strong>zas seja<br />
justamente esta possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanentemente transpor e trans-<br />
gredir os territórios políticos e nacionais em que a querem encer-<br />
rar. Em segundo lugar, a própria polarida<strong>de</strong> erudito X popular, tão<br />
útil para tantas explicações, na verda<strong>de</strong> dissolve-se na realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
múltiplas <strong>cultura</strong>s, tantas e tão diferenciadas quantas são as pos-<br />
sibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> experiência da vida e <strong>de</strong> significação da vida por par-<br />
te <strong>de</strong> segmentos da vida social brasileira. Primeiro <strong>de</strong>scobrimos -—<br />
sem a ingenuida<strong>de</strong> escolar <strong>de</strong> nossos antecessores — que existem di-<br />
ferenças regionais e, mais importantes do que elas, diferenças étni-<br />
cas, <strong>de</strong> grupos sócio-<strong>cultura</strong>is e <strong>de</strong> subgrupos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>les. Desco-<br />
brimos uma vez mais, por exemplo, a <strong>cultura</strong> indígena, que, sendo<br />
no Brasil, recusa-se a ser brasileira. Depois re<strong>de</strong>scobrímos as dife-<br />
renças entre <strong>cultura</strong>s gê e <strong>cultura</strong>s tupi. Depois, ainda, re<strong>de</strong>scobrí-<br />
mos a peculiarida<strong>de</strong> da experiência <strong>cultura</strong>l <strong>de</strong> cada grupo especí-<br />
fico, <strong>de</strong> cada tribo. Isto vale mais para os segmentos não-indígenas<br />
<strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>. As múltiplas <strong>cultura</strong>s e diferenças <strong>cultura</strong>is dos<br />
povos camponeses e <strong>de</strong>mais povos rurais do país. Aquelas a que da-<br />
mos com freqüência o nome <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>s tradicionais. Depois, a nova<br />
e riquíssima experiência <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> e <strong>cultura</strong>s que, hoje, são criadas<br />
e recriadas na periferia das cida<strong>de</strong>s. Algo que tem sido cada vez<br />
com mais freqüência estudado entre nós: as <strong>cultura</strong>s dos movimen-<br />
tos sociais, dos movimentos populares. Aquilo que eles acrescentam,<br />
como símbolo e significados, ao repertório <strong>de</strong> nomes e palavras,<br />
mas também <strong>de</strong> gestos e cantos com que contamos para, afinal, sa-<br />
bermos por nós próprios quem somos e o valor do que fazemos.<br />
INTERCOM — Existe uma personalida<strong>de</strong> padrão do brasileiro?<br />
Prof. Carlos R. Brandão — A idéia <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> padrão foi mui-<br />
to comum na sociologia e na psicologia do passado. Hoje em dia<br />
ela tem sido muito posta em questão. O que se sabe — e há inú-<br />
meras investigações <strong>de</strong> psicólogos e antropólogos abordando isto ■—<br />
é que certos padrões básicos <strong>de</strong> relações primárias, entre pais e fi-<br />
lhos, por exemplo, po<strong>de</strong>m constituir certos modos coletivos <strong>de</strong> se ser,<br />
como uma pessoa social. Mas entre isto e a afirmação <strong>de</strong> que exis-<br />
te uma espécie <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> padrão do brasileiro, que o tor-<br />
naria diferente tanto <strong>de</strong> vizinhos, como os argentinos, quanto <strong>de</strong><br />
distantes, como os tailan<strong>de</strong>ses, há uma perigosa distância. Aqui<br />
mesmo no Brasil convivemos com várias e diferentes tendências <strong>de</strong><br />
conduta e <strong>de</strong> compreensão da realida<strong>de</strong>. Seriam várias "personali-<br />
da<strong>de</strong>s <strong>de</strong> brasileiros". Mas a gran<strong>de</strong> questão é que este problema,<br />
sem dúvida alguma tão generosamente fascinante quanto difícil e<br />
controvertido, tem sido mais objeto <strong>de</strong> preconceitos e gratuida<strong>de</strong>s<br />
do que <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> fato consistentes. Há, por exemplo, entre<br />
nós, um preconceito bastante difundido contra o carioca. Ele seria<br />
o sujeito pouco dado ao trabalho, amigo <strong>de</strong> praia, cerveja e prazer.<br />
Pois bem, uma séria pesquisa <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrou, faz pouco tempo, que<br />
o operariado carioca possui uma rotina <strong>de</strong> trabalho em nada dife-<br />
rente à do paulista e, sob certos pontos <strong>de</strong> vista, mais fatigante e<br />
produtiva do que a <strong>de</strong> operários norte-americanos e europeus.<br />
Hoje em dia voltamos à questão da "personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> base" com<br />
conceitos e teorias muito mais refinados. Por exemplo, toda a íér-<br />
18
til discussão sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
étnica na antropologia, na sociologia e na psicologia. Aqui mesmo<br />
no Brasil, uma ainda pequena, mas fértil nova produção <strong>de</strong> pes-<br />
quisas e escritos sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, sobre o ethos <strong>de</strong> diferentes<br />
grupos e categorias <strong>de</strong> sujeitos <strong>cultura</strong>is no Brasil, tem renovado<br />
bastante a própria visão que temos do assunto.<br />
Mas, para não <strong>de</strong>ixar a pergunta sem uma resposta, eu diria<br />
que em absoluto não existe cientificamente uma "personalida<strong>de</strong> pa-<br />
drão do brasileiro". Existem várias, diferentes e até contrastantes<br />
disposições <strong>de</strong> conduta, <strong>de</strong> orientação do sentido da vida, <strong>de</strong> repre-<br />
sentação simbólica da realida<strong>de</strong>, que po<strong>de</strong>riam configurar diferentes<br />
"maneiras <strong>de</strong> ser", se quisermos, diversas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segmentos<br />
sociais e <strong>cultura</strong>is <strong>de</strong> brasileiros e <strong>de</strong> outras pessoas no Brasil, como<br />
os nossos indígenas.<br />
INTERCOM — Como é que "elas" (as diversas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segmen-<br />
tos sociais e <strong>cultura</strong>is <strong>de</strong> brasileiros) vêm se modificando com a<br />
presença dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>?<br />
Prof. Carlos R. Brandão — Acho que esta pergunta po<strong>de</strong>ria ser res-<br />
pondida mais facilmente por vocês, especialistas em <strong>comunicação</strong>,<br />
do que por mim. O que eu po<strong>de</strong>ria dizer, com base em minhas pró-<br />
prias experiências <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> pesquisa, e com base em leituras e<br />
estudos, é que a presença e o incremento dos meios <strong>de</strong> comunica-<br />
ção sem dúvida alguma exercem alguma influência psicológica e cul-<br />
tural sobre as pessoas e sobre os grupos sociais. Quem seriamos e<br />
como seríamos sem a televisão em nossas vidas? Mas o que im-<br />
porta é que, em si mesmos, os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> pouco "mu-<br />
dam". O que muda é aquilo que se transforma no bojo das re<strong>de</strong>s<br />
e tramas <strong>de</strong> relações sociais e simbólicas entre pessoas, entre gru-<br />
pos <strong>de</strong> pessoas, entre classes e outros segmentos etários, sociais e<br />
étnicos. A influência dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> se dá no interior<br />
<strong>de</strong> tais complexas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações <strong>cultura</strong>is entre sujeitos sociais,<br />
se dá através disto. Uma maneira simples <strong>de</strong> dizer isto é afirmar que<br />
as pessoas <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> rural mudam mais através do que<br />
falam e como se comunicam após a TV começar a chegar em suas<br />
casas e vidas, do que através da influência pura e simples <strong>de</strong> seus<br />
programas.<br />
De resto, parece que pequenos grupos espalhados por todo o<br />
pais possuem um po<strong>de</strong>r bastante maior <strong>de</strong> "fazer a cabeça" do que<br />
os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Nas comunida<strong>de</strong>s rurais <strong>de</strong> Goiás, Minas<br />
e São Paulo on<strong>de</strong> pesquiso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1968, pequenos grupos <strong>de</strong> "cren-<br />
tes" pentecostais produzem mais modificações <strong>de</strong> fato significativas<br />
no modo <strong>de</strong> ser, <strong>de</strong> se conduzir e <strong>de</strong> se representar, como pessoas e<br />
sujeitos sociais, do que todos os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />
Se alguma coisa muda em "nós", há <strong>de</strong> ser também por causa<br />
dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Mas nada é antropologicamente mais in-<br />
<strong>de</strong>vido e errado do que isolá-los ou, pior ainda, isolar um <strong>de</strong> tais<br />
meios, e procurar <strong>de</strong>terminar os efeitos diretos <strong>de</strong>les ou <strong>de</strong>le sobre<br />
as mudanças <strong>cultura</strong>is no país. Porque eles são também parte das<br />
re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações que mudam e se modificam. Que os transformam<br />
continuamente, para que eles, por causa disto, possam participar do<br />
complexissimo jogo simbólico do que "muda" e do que "permanece"<br />
em cada um <strong>de</strong> nós, em nossas <strong>cultura</strong>s.<br />
19
INTERCOM — Qual é o <strong>de</strong>stino da <strong>cultura</strong> popular diante da indús-<br />
tria <strong>cultura</strong>l?<br />
Prof. Carlos R. Brandão — Acho que em boa medida a resposta à<br />
pergunta anterior po<strong>de</strong>ria caber aqui também. Sem dúvida alguma<br />
os meios e, principalmente, o po<strong>de</strong>r dos meios <strong>de</strong> significação e <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> e as estratégias da indústria <strong>cultura</strong>l exercem influên-<br />
cia sobre a <strong>cultura</strong> popular. Uma área que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitos anos me<br />
interessa particularmente, a da música sertaneja, o <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra cla-<br />
ramente. Faz algum tempo os cantores das "duplas sertanejas" can-<br />
tavam para os seus iguais, para os seus santos, para o seu público<br />
direto, as pessoas <strong>de</strong> suas e <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>s rurais semelhan-<br />
tes. Hoje e cada vez mais, eles cantam nas emissoras <strong>de</strong> rádio,<br />
para as gravadoras e com os olhos no "Som Brasil". Mas isto não<br />
quer dizer que o importante em tal tipo <strong>de</strong> música não esteja sendo<br />
preservado. Por outro lado, isto não significa que, por causa <strong>de</strong> tais<br />
novos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, novos padrões e novas possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> trabalho <strong>cultura</strong>l e artístico, não estejam sendo mais e mais ex-<br />
plorados. Não sejamos ingênuos. O fato é que, tal como em mi-<br />
nha resposta anterior, é necessário em primeiro lugar consi<strong>de</strong>rar o<br />
próprio "meio <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>" como um componente da <strong>cultura</strong>,<br />
tanto quanto a própria "indústria <strong>cultura</strong>l" — que não será mais<br />
do que uma dimensão contemporaneamente necessária e <strong>de</strong>pravada<br />
— para, então, analisar o seu efeito. Curioso que os produtores po-<br />
pulares <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> com quem me relaciono faz anos lidam com os<br />
meios e mundos da indústria <strong>cultura</strong>l com uma naturalida<strong>de</strong> apa-<br />
rentemente muito maior do que a nossa. Mais ameaçados, parece<br />
que a temem menos.<br />
Em sintese, não é possível prever um <strong>de</strong>stino único para a cul-<br />
tura popular face à indústria <strong>cultura</strong>l, justamente porque não há<br />
uma única, mas uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>s popula-<br />
res e, do mesmo modo, existem várias e diferentes possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
relacionamento entre elas e as indústrias <strong>cultura</strong>is.<br />
INTERCOM — A <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia no Brasil, sobretudo na perspectiva <strong>de</strong><br />
uma Nova Constituição, terá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resguardar e resgatar<br />
uma <strong>cultura</strong> brasileira?<br />
Prof. Carlos R. Brandão — Tenho dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r com<br />
segurança o que seja hoje, no Brasil, uma <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia e uma expe-<br />
riência <strong>cultura</strong>l <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática. Creio que vivemos um processo <strong>de</strong><br />
"abertura" parcelar das alternativas políticas, sociais e <strong>cultura</strong>is da<br />
vida, mas ainda estamos longe <strong>de</strong> vivermos uma experiência <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />
crática. Veja você o próprio caso da informação. Pobres do sen-<br />
tido político e pessoal da cidadania, ainda consi<strong>de</strong>ramos a comuni-<br />
cação <strong>de</strong> massas e a informação como um benefício, como uma dá-<br />
diva que o governo autoriza existir (mas que ele po<strong>de</strong> censurar<br />
quando quiser) e que certas empresas especializadas realizam e nos<br />
ofertam, gratuitamente. Lidamos com o "Jornal Nacional" como<br />
uma dádiva e, por isso, temos uma dificulda<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong> em<br />
compreen<strong>de</strong>rmos que a informação é um direito da cidadania e que,<br />
portanto, todos nós somos responsáveis pelo seu "<strong>de</strong>stino" e pela<br />
sua qualida<strong>de</strong>.<br />
Não creio que constituições e constituintes tenham o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
fazer isto ou aquilo com a <strong>cultura</strong>, <strong>de</strong> que elas próprias são uma<br />
20
parte e um momento, e que é muito mais dinâmica e, historicamen-<br />
te, muito mais po<strong>de</strong>rosa do que elas. Mas, como verda<strong>de</strong>ira ou ilu-<br />
sória realização da vonta<strong>de</strong> social e do contrato "<strong>de</strong> todos entre to-<br />
dos", uma constituinte po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve levar em conta questões relati-<br />
vas k <strong>cultura</strong> — como processo, como po<strong>de</strong>r, como instituição, co-<br />
mo simbolo, como patrimônio — e <strong>de</strong>ve procurar estabelecer prin-<br />
cípios não tanto <strong>de</strong> "salvaguarda", mas <strong>de</strong> realização da <strong>cultura</strong> co-<br />
mo uma experiência participada, aberta, enfim, verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>-<br />
mocrática.<br />
INTERCOM — Até que ponto a Comunicação, compreendida aqui<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o simples contato entre os indivíduos até os mais sofisticados<br />
meios eletrônicos, é um processo impulsionador na evolução <strong>cultura</strong>l?<br />
Prof. Carlos R. Brandão — Creio po<strong>de</strong>r respon<strong>de</strong>r isto <strong>de</strong> uma ma-<br />
neira muito simples. Até pouco tempo atrás a <strong>cultura</strong> da humani-<br />
da<strong>de</strong>, a <strong>de</strong> cada povo, a <strong>de</strong> cada tribo, era basicamente como aqui-<br />
lo que os homens faziam e transformavam ao se relacionar com a<br />
natureza. Hoje em dia, uma compreensão mais atual da <strong>cultura</strong><br />
prefere vê-la muito mais como símbolos e relações entre homens<br />
através <strong>de</strong> símbolos, do que como objetos e produções dos homens<br />
sobre a natureza. Afinal, sabemos hoje que a <strong>cultura</strong> é menos o que<br />
os homens fazem e mais o que eles se dizem. Ora, isto não é outra<br />
coisa senão <strong>comunicação</strong>.<br />
INTERCOM — Em suas pesquisas atuais sobre a <strong>cultura</strong> brasileira,<br />
os problemas <strong>de</strong>correntes da Comunicação estão sendo consi<strong>de</strong>rados?<br />
Prof. Carlos R. Brandão — De alguma maneira sim. Minha última<br />
pesquisa, entre camponeses tradicionais <strong>de</strong> São Luís do Paraitinga,<br />
em São Paulo, abordou a questão da reprodução do saber. Isto é,<br />
eu quis compreen<strong>de</strong>r como as pessoas dali transmitem umas às ou-<br />
tras, no trabalho, em casa, fora <strong>de</strong>la e até na escola, diferentes mo-<br />
dalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento necessário. Ora, sem estar propriamen-<br />
te investigando meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, eu estive todo o tempo pes-<br />
quisando modos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Espero que até o fim do ano o<br />
primeiro <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> três trabalhos <strong>de</strong>sta pesquisa seja publi-<br />
cado pela Brasiliense. Ele aborda a questão das relações entre a cul-<br />
tura camponesa e a escola rural e seu nome provavelmente será:<br />
O Trabalho <strong>de</strong> Saber.<br />
21
ENSAIOS<br />
Quando a Ciência é Notícia —<br />
Estudo comparativo<br />
da cobertura científica<br />
na imprensa diária do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong> Sáo Paulo*<br />
José Marques <strong>de</strong> Melo<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
1.1. Antece<strong>de</strong>ntes<br />
O Jornalismo Científico constitui um campo <strong>de</strong> estudos pouco<br />
<strong>de</strong>senvolvido no Brasil. Sua emergência ocorre no início da década<br />
<strong>de</strong> 70, quando o Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração da ECA-<br />
USP promove a vinda <strong>de</strong> Manuel Calvo Hernando ao país, com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ministrar um curso <strong>de</strong> extensão universitária sobre a<br />
matéria. Des<strong>de</strong> então, algumas iniciativas se verificaram no âmbito<br />
da pesquisa ou da reflexão teórica. Vera Lúcia Salles <strong>de</strong> Oliveira<br />
efetuou um estudo biográfico sobre João Ribeiro, consi<strong>de</strong>rado pelo<br />
Prof. José Reis como pioneiro da divulgação científica no pais. Wil-<br />
son da Costa Bueno realizou sua tese <strong>de</strong> doutoramento sobre a i<strong>de</strong>o-<br />
logia do Jornalismo Científico no Brasil, culminando assim um con-<br />
* Agra<strong>de</strong>cemos a colaboração <strong>de</strong> Fátima Feliciano e Marco Morei, que<br />
realizaram a mensuração da superfície impressa dos jornais pesquisados.<br />
O estudo tomou-se possível pelo apoio financeiro do CNPq, on<strong>de</strong> encon-<br />
tramos estímulo através <strong>de</strong> Célio da Cunha, Walter Garcia e Magali Izuwa.<br />
*• Proíessor-Titular e Chefe do Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Edito-<br />
ração da ECA-USP.<br />
23
junto <strong>de</strong> análise que vem fazendo sobre a dimensão política <strong>de</strong>ssa<br />
ativida<strong>de</strong> noticiosa. Magali Izuwa fez um levantamento sobre a no-<br />
tícia cientifica em vários jornais brasileiros, <strong>de</strong>tectando a abrangên-<br />
cia <strong>de</strong>sse noticiário no contexto da imprensa cotidiana.<br />
Além disso, algumas reflexões têm sido estimuladas sobre o<br />
conceito, a natureza e as mutações do Jornalismo Científico. Duas<br />
instituições têm se preocupado com a questão. A .Associação Bra-<br />
sileira <strong>de</strong> Jornalismo Cientifico promoveu, em 1981, um Ciclo <strong>de</strong> De-<br />
bates, e realizou, em 1982, um Congresso Nacional, on<strong>de</strong> afloraram<br />
muitas das discussões epístemológicas e metodológicas. A Socieda-<br />
<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação — IN-<br />
TERCOM — através do seu Grupo <strong>de</strong> Estudos sobre Comunicação,<br />
Ciência e Socieda<strong>de</strong>, organizou alguns simpósios no espaço da Reu-<br />
nião Anual da SBPC para confrontar cientistas e jornalistas diante<br />
das principais variáveis políticas que marcam a fisionomia do Jor-<br />
nalismo Científico no país.<br />
Ressalte-se ainda o esforço empreendido pelo Mestrado em Co-<br />
municação Científica e Tecnológica do Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensi-<br />
no Superior, em São Bernardo do Campo, no sentido <strong>de</strong> sistemati-<br />
zar a análise sobre os processos <strong>de</strong> divulgação científica e <strong>de</strong> popu-<br />
larização da tecnologia produzida pelos centros avançados da pes-<br />
quisa do país. Resultado <strong>de</strong>sse trabalho é a edição monográfica da<br />
revista Comunicação & Socieda<strong>de</strong> (1982) sobre Jornalismo Científi-<br />
co/Jornalismo Brasileiro, on<strong>de</strong> foram <strong>de</strong>senvolvidas algumas hipó-<br />
teses sobre uma nova concepção <strong>de</strong> Jornalismo Científico. E tam-<br />
bém a observação <strong>de</strong> práticas concretas, como aquela que foi ini-<br />
ciada em 1981 pela Agência Brasileira <strong>de</strong> Divulgação Científica, apoia-<br />
da pelo CNPq.<br />
No âmbito da Escola <strong>de</strong> Comunicações e Artes da Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo, o Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração vem res-<br />
gatando as iniciativas pioneiras encetadas no início da década passa-<br />
da. Por enquanto, as ativida<strong>de</strong>s realizadas limitam-se a projetos<br />
curriculares: a ministração <strong>de</strong> um curso semestral sobre "Difusão<br />
da Ciência e Tecnologia" (em nível <strong>de</strong> graduação) e <strong>de</strong> cursos even-<br />
tuais sobre Teoria e Prática do Jornalismo Científico (em nível <strong>de</strong><br />
pós-graduação).<br />
1.2. O avanço da pesquisa<br />
No que se refere particularmente à pesquisa, os avanços não são<br />
gran<strong>de</strong>s. Os resultados até agora obtidos mostram-se provisórios e<br />
fragmentados. Os estudos <strong>de</strong> Magali Izuwa e <strong>de</strong> Wilson da Costa<br />
Bueno cruzam perspectivas alentadoras. O primeiro, pelo suporte <strong>de</strong>s-<br />
critivo que oferece para o redimensionamento do noticiário científico<br />
nos jornais diários. O segundo, pelas evidências sócio-politicas que<br />
oferecem a compreensão da engrenagem subjacente à cobertura dos<br />
acontecimentos nacionais no plano da ciência e da tecnologia.<br />
Avançar a pesquisa nesse campo significa, na nossa maneira<br />
<strong>de</strong> ver, sistematizar mais a<strong>de</strong>quadamente o referencial teórico que<br />
vem sendo utilizado pelos pesquisadores e confrontá-los com a prá-<br />
tica permanente da informação científica processada nos gran<strong>de</strong>s<br />
meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Isso eqüivale a superar a <strong>de</strong>fasagem entre a<br />
teoria e a prática do Jornalismo Cientifico, abrindo caminhos para<br />
que as novas gerações <strong>de</strong> pesquisadores possam observar e inter-<br />
24
pretar as manifestações noticiosas que privilegiam a produção e dis-<br />
seminação do conhecimento.<br />
Trata-se evi<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> uma alternativa que busca combinar<br />
o trabalho <strong>de</strong> pesquisa com a tarefa pedagógica. De um lado, a<br />
preocupação com os conceitos, as categorias, os processos <strong>de</strong> codi-<br />
ficação e as técnicas <strong>de</strong> difusão. De outro lado, o acompanhamento<br />
perspicaz das ocorrências concretas que encontram abrigo nos MCM<br />
e fazem a ligação entre cidadãos e cientistas.<br />
É nessa direção que se alinha esta pesquisa, preten<strong>de</strong>ndo ser<br />
uma contribuição para a apreensão da ciência enquanto objeto no-<br />
ticioso e para a <strong>de</strong>terminação dos gêneros jornalísticos que concre-<br />
tizam os respectivos relatos na imprensa diária. Esperamos que os<br />
resultados obtidos possam servir como fonte <strong>de</strong> apoio para os novos<br />
jornalistas que divulgarão os fatos científicos e como estimulo para<br />
os jovens pesquisadores que vislumbrarão outras facetas do Jorna-<br />
lismo Científico praticado no Brasil.<br />
1.3. O estudo projetado<br />
Há alguns anos temos nos <strong>de</strong>dicado a observar sistematicamen-<br />
te os jornais diários <strong>de</strong> São Paulo, privilegiando duas variáveis: a)<br />
os gêneros jornalísticos, b) a expressão opinativa. Essa análise cor-<br />
respon<strong>de</strong> a um prolongamento do nosso trabalho didático nas dis-<br />
ciplinas "Jornalismo Opinativo" e "Gêneros Opinativos na Imprensa<br />
Diária". Correspon<strong>de</strong> também a uma tentativa <strong>de</strong> obter melhor ins-<br />
trumental metodológico para orientar a prática e a crítica dos gêne-<br />
ros opinativos no jornalismo cotidiano. Verificando que a frontei-<br />
ra entre informação e opinião na imprensa diária é bastante tênue,<br />
quase inexistente, <strong>de</strong>cidimo-nos a localizar um setor do noticiário ca-<br />
paz <strong>de</strong> oferecer evidências que robusteçam a hipótese basilar. Daí<br />
a intenção <strong>de</strong> privilegiar o noticiário científico, apreen<strong>de</strong>ndo sua sig-<br />
nificação jornalística e suas formas <strong>de</strong> expressão verbal. A escolha<br />
<strong>de</strong>ve-se ao caráter factual e à dimensão objetiva <strong>de</strong> que se reveste<br />
esse setor do noticiário no conjunto do espaço noticioso do jornal<br />
diário.<br />
O corpus da pesquisa é formado pelas edições dos jornais diá-<br />
rios das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> São Paulo e do Rio <strong>de</strong> Janeiro, durante uma se-<br />
mana escolhida aleatoriamente: 27 <strong>de</strong> agosto a 2 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />
1984. A observação recaiu sobre as unida<strong>de</strong>s relacionadas que relatam<br />
fatos vinculados ao mundo da ciência. Adotamos um conceito abran-<br />
gente <strong>de</strong> Jornalismo Cientifico (não restrito às ciências exatas ou<br />
biológicas).<br />
As indagações fundamentais foram as seguintes:<br />
a) Qual a natureza da notícia científica?<br />
b) Que protagonistas dão sentido ao noticiário científico?<br />
c) Quais as fontes que nutrem o noticiário cientifico?<br />
d) Através <strong>de</strong> que gêneros jornalísticos a ciência se torna no-<br />
tícia?<br />
e) Quais os limites entre a informação e a opinião no noticiá-<br />
rio que privilegia os fatos científicos?<br />
O estudo foi realizado segundo as possibilida<strong>de</strong>s oferecidas pelo<br />
método comparativo. Cada jornal mereceu uma análise isolada, o<br />
que permitiu um tratamento posterior <strong>de</strong> correlação dual ou múltipla.<br />
25
A i<strong>de</strong>ntificação das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise foi feita através <strong>de</strong> uma<br />
combinação das técnicas <strong>de</strong> pesquisa construídas por Jacques Kayser<br />
— Une Semaine dans <strong>de</strong> Mon<strong>de</strong> (Paris, UNESCO, 1953) e El Periódico<br />
— Estúdios <strong>de</strong> Morfologia, <strong>de</strong> Metodologia y <strong>de</strong> Prensa Comparada<br />
(Quito, CIESPAL, 1964) — por Joffre Dumazedier — Análises <strong>de</strong> 23<br />
Revistas Ilustradas, In De Ia Sociologia <strong>de</strong> Ia Comunicación Colectiva<br />
a Ia Sociologia <strong>de</strong>i Desarrollo Cultural (Quito, CIESPAL, 1968) — e<br />
por Violette Morin — Une Analyse <strong>de</strong> Presse: le voyage <strong>de</strong> Khroucht-<br />
chev en Franca, Communications (1), Paris, Seuil, 1961 e Tratamiento<br />
Periodistico <strong>de</strong> Ia Información (Barcelona, ATE, 1974).<br />
Recorremos basicamente ao referencial testado em pesquisas an-<br />
teriores sobre jornais brasileiros e que estão reproduzidas nos nossos<br />
livros — Comunicação Social: Teoria e <strong>Pesquisa</strong> (Petrópolis, Vozes,<br />
1970), Estudos <strong>de</strong> Jornalismo Comparado (São Paulo, Pioneira, 1972) e<br />
A Opinião no Jornalismo Brasileiro (Petrópolis, Vozes, 1985).<br />
2. RESULTADOS DA PESQUISA<br />
2.1. Âmbito e natureza da cobertura cientifica<br />
Os resultados da pesquisa indicam que o Jornalismo Cientifico<br />
ocupa um espaço razoável na imprensa diária das duas gran<strong>de</strong>s ci-<br />
da<strong>de</strong>s brasileiras. Permanece o mesmo patamar dimensionado por<br />
Magali Izuwa na análise feita em 1983 nos gran<strong>de</strong>s jornais do Rio,<br />
São Paulo e Brasília. 1<br />
Comparando com os dados do estudo <strong>de</strong> morfologia e conteúdo<br />
que realizamos nos jornais diários <strong>de</strong> São Paulo em 1967, verifica-se<br />
que o espaço <strong>de</strong>dicado à ciência cresceu consi<strong>de</strong>ravelmente. Naque-<br />
le momento o conjunto temático "Educação-Ciência-Cultura" com-<br />
preendia 7% da superfície impressa. 2 Excluindo Educação e Cul-<br />
tura, esta pesquisa encontrou 5,7% no Rio e 5% em São Paulo reser-<br />
vados somente à Ciência. Trata-se, sem dúvida, <strong>de</strong> um aumento sig-<br />
nificativo, ocorrido num período <strong>de</strong> aproximadamente 15 anos, pois<br />
na década passada a situação parecia não haver mudado fundamen-<br />
talmente, conforme o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Abramczyk no 2.9 Congresso<br />
Iberoamerícano <strong>de</strong> Jornalismo Científico: "a situação atual <strong>de</strong> di-<br />
vulgação científica no Brasil está necessitando <strong>de</strong> forte motivação". 3<br />
Tal mudança tem sua explicação na postura política adotada pelo<br />
Estado brasileiro, na década <strong>de</strong> 80, priorizando a ciência e a tec-<br />
nologia na alocação dos recursos públicos. E <strong>de</strong>corre indiscutivel-<br />
mente do processo <strong>de</strong> transição política, criando condições para que<br />
cientistas venham a público divulgar suas pesquisas e para que jor-<br />
nais abram espaço e atribuam valor diferenciado aos acontecimentos<br />
do mundo da ciência e da tecnologia. Registramos aqui o comen-<br />
tário que, a esse respeito, fizemos em trabalho anterior. "Cada dia<br />
mais os pesquisadores rompem o mutismo que cultivaram no passa-<br />
do e saem a público para dizer o que pensam e o que sugerem para<br />
os problemas nacionais. Trata-se <strong>de</strong> um movimento que correspon-<br />
<strong>de</strong> ao exercício da cidadania pelos cientistas, utilizando o conheci-<br />
mento acumulado e o referencial metodológico dos respectivos cam-<br />
pos do saber para interpretar dados significativos da realida<strong>de</strong> e<br />
intervir na política. Expressa também uma ação orgânica da co-<br />
munida<strong>de</strong> cientifica no sentido <strong>de</strong> participar do <strong>de</strong>bate sobre a po-<br />
lítica científica e tecnológica e influir nas <strong>de</strong>cisões governamentais
e empresariais. O quadro atual é bem diverso daquele que predo-<br />
minou há algum tempo, quando o cientista comparecia às colunas<br />
dos jornais para exercer uma tarefa que mais se assemelhava a um<br />
apostolado da ciência e buscava obter uma legitimação pública para<br />
as observações e <strong>de</strong>scobertas que fazia na universida<strong>de</strong>, nos hospi-<br />
tais, nos centros <strong>de</strong> experimentação tecnológica. Hoje, com a im-<br />
portância assumida pela ciência e tecnologia na vida dos povos,<br />
constituindo fonte privilegiada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, mudou radicalmente o va-<br />
lor jornalístico atribuído aos acontecimentos que aí ocorrem. Ciên-<br />
cia e cientistas são notícias, encontrando sempre oportunida<strong>de</strong>s para<br />
divulgar coletivamente seus conhecimentos, suas idéias". 4<br />
Naturalmente a presença da ciência na imprensa diária ainda<br />
permanece cíngída àquela matriz <strong>de</strong> "divulgação <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>" a<br />
que se refere Marco Antônio Filippi e que "<strong>de</strong>corre da importância<br />
ou da transcendência do fato científico, que obriga momentanea-<br />
mente os órgãos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social a <strong>de</strong>la se ocuparem". Difere,<br />
portanto, da "divulgação sistemática" — "publicação metódica e ro-<br />
tineira dos fatos científicos e suas conseqüências, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemen-<br />
te <strong>de</strong>sses fatos serem ou não <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacada importância no momen-<br />
to" 5 — ambicionada por tantos cientistas e divulgadores científicos.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma contingência da natureza peculiar ao Jornalis-<br />
mo nas socieda<strong>de</strong>s capitalistas, on<strong>de</strong> os fatos se tomam notícia quan-<br />
do <strong>de</strong>spertam sensação e provocam impacto junto à socieda<strong>de</strong>.<br />
Fica evi<strong>de</strong>nte que o conceito <strong>de</strong> Jornalismo Científico utilizado<br />
nesta pesquisa procurou ultrapassar a ambigüida<strong>de</strong> característica<br />
das concepções formuladas por Calvo Hernando e José Reis, que al-<br />
mejam um comportamento da imprensa ao tratar do universo cien-<br />
tifico comprometido com a divulgação do saber, <strong>de</strong>sempenhando por-<br />
tanto uma missão educativa. Para Calvo Hernando essa missão con-<br />
siste em "educar a humanida<strong>de</strong> para viver e trabalhar no novo mun-<br />
do criado pela revolução cientifica". 8 E para José Reis ela signifi-<br />
ca "infundir nos leitores a atitu<strong>de</strong> científica, que não é útil apenas<br />
ao pesquisador, mas também ao cidadão comum, porque é uma ati-<br />
tu<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise crítica e <strong>de</strong> solução racional dos problemas". 7<br />
Embora reconhecendo que os conceitos <strong>de</strong> Calvo Hernando e José<br />
Reis possuem uma motivação justificável, proce<strong><strong>de</strong>mo</strong>s <strong>de</strong> modo<br />
abrangente i<strong>de</strong>ntificando nas páginas dos diários analisados as ma-<br />
térias cujo conteúdo jornalístico vinculam-se ao universo científico,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da sua finalida<strong>de</strong>. Desta maneira, arrolamos to-<br />
das as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação cuja temática explícita era a ciência<br />
e a tecnologia e procuramos <strong>de</strong>limitar inclusive a natureza <strong>de</strong> cada<br />
mensagem a partir da direcionalida<strong>de</strong> construída pelos respectivos<br />
produtores. Tomamos como referencial a classificação <strong>de</strong> Antônio<br />
Pasquali, que concebe três categorias na <strong>comunicação</strong> científica: a<br />
difusão, a divulgação e a disseminação. 8<br />
Pasquali <strong>de</strong>fine cada categoria da seguinte maneira:<br />
Difusão — "envio <strong>de</strong> mensagens elaboradas em códigos ou linguagens<br />
universalmente compreensíveis à totalida<strong>de</strong> do universo receptor<br />
disponível em uma unida<strong>de</strong> geográfica, sócio-política, <strong>cultura</strong>l<br />
etc".<br />
Divulgação — "envio <strong>de</strong> mensagens elaboradas mediante a transco-<br />
difícação <strong>de</strong> linguagens <strong>de</strong>scritivas a linguagens oni-compreensí-<br />
veis à totalida<strong>de</strong> do universo receptor disponível".<br />
27
Disseminação — "envio <strong>de</strong> mensagens elaboradas em linguagens es-<br />
pecializadas a receptores seletivos e restritos".<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente as três categorias da <strong>comunicação</strong> científica fluem<br />
através da imprensa diária, mas não assumem necessariamente fei-<br />
ção jornalística. O que as torna singulares enquanto produtos da<br />
informação <strong>de</strong> atualida<strong>de</strong>s é justamente aquele traço <strong>de</strong> "oportuni-<br />
da<strong>de</strong>" a que se refere Pilippi e que justifica a sua inserção na super-<br />
fície impressa. Geralmente tais mensagens logram espaço num jor-<br />
nal porque os seus produtores aguçam a sensibilida<strong>de</strong> informativa<br />
para encontrar "ganhos" narrativos que as situam no cenário da<br />
atualida<strong>de</strong> e funcionam como mecanismos <strong>de</strong> apelo aos leitores po-<br />
tenciais.<br />
De qualquer maneira, é preciso alertar para a circunstância <strong>de</strong><br />
que das três categorias a mais i<strong>de</strong>ntificada com a natureza própria<br />
do Jornalismo é a difusão, pois realiza a tarefa <strong>de</strong> informar em lin-<br />
guagem universal o que ocorre no mundo da ciência, tomando tais<br />
fatos acessíveis ao conhecimento do público receptor. No caso da<br />
disseminação, esse conhecimento fica restrito ao segmento do públi-<br />
co que domina o jargão em que a mensagem foi elaborada. Quanto<br />
à divulgação, trata-se <strong>de</strong> uma mensagem que, pressupondo transco-<br />
dificação (tradução da linguagem e simplificação do conteúdo), só<br />
se efetiva quando os seus produtores possuem competência científica<br />
(dominam o conteúdo específico) e competência comunicativa (do-<br />
minam o processo <strong>de</strong> vulgarização informativa).<br />
Pelos dados coletados nesta pesquisa, observa-se que a catego-<br />
ria predominante é sem dúvida a difusão, perfazendo 84% <strong>de</strong> toda<br />
a cobertura científica nos jornais paulistas e 57% nos jornais ca-<br />
riocas. Essa tendência é constante na quase totalida<strong>de</strong> dos jornais<br />
pesquisados, com exceção <strong>de</strong> O Globo, on<strong>de</strong> predominam as maté-<br />
rias <strong>de</strong> divulgação (57%).<br />
E interessante notar que a presença das categorias divulgação e<br />
disseminação é tanto mais expressiva quanto mais sintonizada com<br />
a composição sócio-econômico-<strong>cultura</strong>l dos jornais. Assim sendo, os<br />
jornais populares <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstram mais sensibilida<strong>de</strong> para acolher os<br />
textos <strong>de</strong> divulgação científica, enquanto os jornais <strong>de</strong> elite mostram<br />
maior propensão para publicar as matérias <strong>de</strong> disseminação <strong>de</strong> co-<br />
nhecimentos especializados.<br />
A diferença quantitativa observada no perfil da imprensa paulis-<br />
ta e da imprensa carioca em relação ã tarefa difusionista encontra<br />
confirmação no confronto entre o espaço ocupado pelas três catego-<br />
rias e o espaço distribuído pelos três tipos <strong>de</strong> autoria. Em São Paulo,<br />
predominam as matérias <strong>de</strong> difusão (84%) e também a autoria jor-<br />
nalística (88%); isso significa dizer que as matérias publicadas re-<br />
cebem tratamento noticioso por parte <strong>de</strong> profissionais da notícia, da<br />
reportagem e da edição. Já, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> é menor o es-<br />
paço da difusão (57%), verifica-se também uma menor proporção da<br />
autoria jornalística (73%) e uma maior projeção da autoria mista<br />
(21%). Consi<strong>de</strong>rando que os textos <strong>de</strong> divulgação no Rio <strong>de</strong> Janei-<br />
ro correspon<strong>de</strong>m a quase um terço da superfície impressa ocupada<br />
pela cobertura científica, é plausível que adquira maior vulto a atua-<br />
ção conjunta <strong>de</strong> cientistas e jornalistas para realizar a simplificação<br />
e vulgarização dos acontecimentos científicos, tornando-os compre-<br />
ensíveis à maioria dos leitores.<br />
28
2.2. Tratamento jornalístico<br />
A cobertura científica realizada pelos jornais diários <strong>de</strong> São Paulo<br />
e Rio <strong>de</strong> Janeiro não tem caráter autônomo, no sentido <strong>de</strong> ocupar<br />
um espaço próprio e <strong>de</strong>finido no conjunto da superfície impressa.<br />
As informações relativas aos acontecimentos configurados no âmbito<br />
da ciência e da tecnologia encontram-se dispersas e atomizadas nas<br />
páginas <strong>de</strong> cada jornal, ressentindo-se portanto daquela coor<strong>de</strong>nação<br />
editorial reivindicada por Magali Izuwa. 9<br />
As unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação que aparecem articuladas numa "cober-<br />
tura setorial específica" perfazem a média <strong>de</strong> 1/5 das edições ana-<br />
lisadas, sendo mais expressiva no Rio <strong>de</strong> Janeiro (29 0 /o) do que em<br />
São Paulo (24%). Essa diferença entre as duas cida<strong>de</strong>s é mais pro-<br />
funda do que parece à primeira vista. Apesar <strong>de</strong> todos os jornais<br />
cariocas possuírem espaços reservados para a cobertura científica,<br />
trata-se <strong>de</strong> uma superfície minoritária em relação à ocorrência <strong>de</strong><br />
matérias sobre ciência e tecnologia nas <strong>de</strong>mais páginas. Enquanto<br />
Isso, em São Paulo, on<strong>de</strong> apenas três jornais — Folha <strong>de</strong> S. Paulo,<br />
Folha da Tar<strong>de</strong> e Diário Popular — possuem seções para a infor-<br />
mação científica, nota-se que tais espaços são privilegiados, pois quan-<br />
titativamente superam as outras matérias sobre o mesmo assunto<br />
que aparecem no corpo <strong>de</strong> cada diário.<br />
Po<strong>de</strong>-se concluir, portanto, que a política editorial dos jornais<br />
paulistas é mais bem articulada no que tange ao material científico,<br />
não apenas pela existência <strong>de</strong> uma cobertura setorial que concentra<br />
os textos <strong>de</strong>ssa rubrica em meta<strong>de</strong> da imprensa cotidiana, mas tam-<br />
bém pela presença significativa <strong>de</strong> matérias sobre essa temática nos<br />
suplementos semanais, totalizando 20% da superfície impressa. Se<br />
somarmos a cobertura setorial com a cobertura cientifica localizada<br />
nos suplementos, encontraremos 44% <strong>de</strong>ssa rubrica em São Paulo e<br />
33% no Rio <strong>de</strong> Janeiro. O volume das matérias cientificas nos su-<br />
plementos paulistas é bem maior que no carioca — O Estado <strong>de</strong> S.<br />
Paulo (29%), Folha <strong>de</strong> S. Paulo (29%) e Jornal do Brasil (16%).<br />
Outra diferenciação notada entre os jornais do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
e <strong>de</strong> São Paulo diz respeito à angulagem das matérias. A imprensa<br />
paulista adota um padrão narrativo convencional na cobertura cien-<br />
tífica, primando pela <strong>de</strong>scrição objetiva dos fatos científicos e quase<br />
não admitindo o tratamento sensacionalista. Uma exceção nesse pa-<br />
norama é o jornal Notícias Populares, on<strong>de</strong> predominam matérias<br />
científicas <strong>de</strong> cunho sensacionalista. Apesar <strong>de</strong> os jornais cariocas<br />
também revelarem um tratamento narrativo que privilegia a narra-<br />
ção convencional, nota-se uma maior propensão para o <strong>de</strong>staque <strong>de</strong><br />
ângulos pitorescos e sensacionais dos acontecimentos sobre ciência<br />
e tecnologia: quatro dos seis jornais recorrem a esse tipo <strong>de</strong> meca-<br />
nismo, sendo mais evi<strong>de</strong>nte nos diários <strong>de</strong> cunho popular — O Povo<br />
(66%) e O Dia (47%) — do que em O Globo (39%).<br />
Essa tendência da imprensa carioca para cultivar uma angula-<br />
gem sensacionalista em 2/5 da cobertura científica certamente ex-<br />
plica a maior, a predisposição mais acentuada que era São Paulo<br />
para veicular tais informações na primeira página, causando impac-<br />
to junto aos leitores. Ela é mais expressiva nos jornais O Dia (9%)<br />
e O Gtobo (7%).<br />
Se a imprensa paulista evita estimular o sensacionalismo jorna-<br />
lístico, ela não hesita era dar guarita à "<strong>de</strong>núncia acadêmica", ou se-<br />
ja, abrigar em suas páginas as reivindicações originárias <strong>de</strong> corpo-<br />
29
ação cientifica que quase sempre constituem libelos dirigidos con-<br />
tra o Estado e as autorida<strong>de</strong>s governamentais. Esse comportamen-<br />
to é mais intenso em São Paulo (21%) do que no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(15%). Sua ocorrência manifesta-se principalmente nos paulistas<br />
Jornal da Tar<strong>de</strong> (49%) e Diário Popular (32%) e no carioca Tribuna<br />
da Imprensa (38%).<br />
Ao funcionar como câmara <strong>de</strong> aço para as reivindicações da co-<br />
munida<strong>de</strong> cientifica, dando-lhes evi<strong>de</strong>ntemente um tratamento jor-<br />
nalístico, os jornais <strong>de</strong> São Paulo procuram <strong>de</strong>sestimular a atuação<br />
dos cientistas em suas páginas publicando textos marcados pela "so-<br />
brieda<strong>de</strong> acadêmica", ou seja, escritos em jargão próprio do respec-<br />
tivo segmento intelectual. Apenas a Folha <strong>de</strong> S. Paulo abre espaço<br />
para esse tipo <strong>de</strong> matéria. Já no Rio <strong>de</strong> Janeiro os escritos cifrados<br />
aca<strong>de</strong>micamente aparecem em quatro jornais, principalmente em<br />
O Globo.<br />
A codificação das matérias científicas na semana pesquisada <strong>de</strong>-<br />
monstra uma predominância dos gêneros informativos (76% em São<br />
Paulo e 64% no Rio <strong>de</strong> Janeiro) sobre os gêneros opinativos. A aná-<br />
lise realizada sobre essa variável do tratamento jornalístico tomou<br />
como esquema referenciador a classificação adotada em nosso livro<br />
A Opinião no Jornalismo Brasileiro 10 que agrupa da seguinte ma<br />
neira as mensagens <strong>de</strong> atualida<strong>de</strong>s difundidas através dos mass<br />
media:<br />
Gêneros Informativos — Nota, Notícia, Reportagem, Entrevista.<br />
Gêneros Opinativos — Editorial, Comentário, Artigo Resenha<br />
Coluna, Crônica, Caricatura e Carta.<br />
Nas duas cida<strong>de</strong>s, o gênero mais utilizado é a reportagem que<br />
ocupa quatro <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>z centimetros-colunas da cobertura cientí-<br />
fica. Essa constatação contraria a tendência observada por Wilson<br />
Bueno, em pesquisa realizada em junho <strong>de</strong> 1983 nos jornais paulis-<br />
tas e cariocas: "As reportagens sobre ciência e tecnologia são es-<br />
cassas. Por motivos já <strong>de</strong>lineados (...) as reportagens (.. ) não<br />
se constituem em gênero prestigiado pelo Jornalismo Científico"."<br />
Segundo os dados coletados nesta pesquisa <strong>de</strong> 1984 a reporta-<br />
gem obtém hegemonia em O Globo (54%), O Dia (59%) O Povo<br />
(54%), no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e na Folha da Tar<strong>de</strong> (64%) jornal da<br />
Tar<strong>de</strong> (44%) e na Folha <strong>de</strong> S. Paulo (37%) em São Paulo.<br />
Imediatamente <strong>de</strong>pois vem a notícia, mais usada pelos jornais<br />
paulistas (33%) do que pelos jornais cariocas (18%). Trata-se do<br />
gênero hegemônico no Jornal do Brasil (34%) e no Diário Popular<br />
(53%), sendo que em O Estado <strong>de</strong> S. Paulo sua expressão quantitativa<br />
(36%) é idêntica à da reportagem.<br />
Dos gêneros opinativos, o que mais se presta à difusão <strong>de</strong> ma-<br />
térias científicas é o artigo (16% no Rio <strong>de</strong> Janeiro e 8% em São<br />
Paulo), constituindo o gênero principal na Tribuna da Imprensa<br />
(52%) e em ultima Hora (40%).<br />
Em São Paulo, inexistem matérias codificadas <strong>de</strong> forma ame-<br />
na ou irônica. Nenhum jornal se vale da crônica e da caricatura<br />
para tratar informações científicas, o que <strong>de</strong>nota um certo compor-<br />
tamento <strong>de</strong> veneração a essa temática, não se prestando a narrações<br />
poéticas ou sarcásticas. Isso não ocorre no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong><br />
O Globo publica caricaturas sobre assunto <strong>de</strong> cunho científico e tam-<br />
30
ém crônicas, sendo acompanhado em relação a esse último gênero<br />
pelo Jornal do Brasil e por O Dia.<br />
As cartas dos leitores interessados em questões científicas são<br />
pouco freqüentes, totalizando 2% da cobertura paulista e 1% da co-<br />
bertura carioca.<br />
A correspondência entre a codificação das matérias jornalísticas<br />
e seu enfoque i<strong>de</strong>ológico nem sempre acontece. Como <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra-<br />
mos fartamente em A Opinião no Jornalismo Brasileiro, 12 os gêne-<br />
ros informativos não excluem a manipulação i<strong>de</strong>ológica e se pres-<br />
tam, da mesma maneira que os opinativos, à manifestação <strong>de</strong> pon-<br />
tos <strong>de</strong> vista e <strong>de</strong> valoração dos fatos, seguindo a linha editorial pe-<br />
culiar a cada veículo <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />
No caso da cobertura científica objeto <strong>de</strong>sta pesquisa, encontra-<br />
mos evidências que corroboram aquela tese. Senão vejamos: ape-<br />
sar <strong>de</strong> predominarem os gêneros informativos nos jornais das duas<br />
cida<strong>de</strong>s, o mesmo não ocorre em relação ao enfoque i<strong>de</strong>ológico. Em<br />
São Paulo há uma maior aproximação entre a codificação jornalís-<br />
tica e o enfoque i<strong>de</strong>ológico, pois o tratamento informativo das ma-<br />
térias (76 0 /o) mantém-se mais sintonizado com a postura não edito-<br />
rializante (61 0 /o). No Rio <strong>de</strong> Janeiro, o fenômeno é inverso: o com-<br />
portamento editorializante (61%) contrasta com o tratamento infor-<br />
mativo dado aos textos (61%). Isso significa dizer que nos jornais<br />
cariocas os recursos da adjetívação, da focalização <strong>de</strong> personagens,<br />
da orientação explícita do sentido para a leitura das notas, notícias,<br />
reportagens e entrevistas são mais comuns que em São Paulo. A co-<br />
bertura científica da imprensa paulista camufla com mais habilida-<br />
<strong>de</strong> suas tendências editoriais nos textos informativos, o que não sig-<br />
nifica absolutamente que são <strong>de</strong>spidos <strong>de</strong> matizes i<strong>de</strong>ológicos.<br />
É claro que essa generalização não se aplica a todos os jornais<br />
das duas cida<strong>de</strong>s: no Rio <strong>de</strong> Janeiro, por exemplo, o Jornal do Bra-<br />
sil <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra coerência entre o tratamento informativo dos seus<br />
textos e a postura não editorializante que adota nos espaços consi-<br />
<strong>de</strong>rados noticiosos. Já em São Paulo, o Jornal da Tar<strong>de</strong> recorre<br />
principalmente à notícia e ã reportagem para veicular informações<br />
científicas, não obstante tais matérias estejam matizadas claramen-<br />
te pela linha editorial que aparece com maior niti<strong>de</strong>z nos editoriais,<br />
artigos e comentários.<br />
A propensão mais editorializante da imprensa carioca correlacio-<br />
na-se em certo sentido com a sua tendência <strong>de</strong> privilegiar, mais que<br />
os jornais paulistas, as instituições como protagonistas dos aconte-<br />
cimentos científicos. Por sua vez, a imprensa <strong>de</strong> São Paulo enfa-<br />
tiza as personalida<strong>de</strong>s, mantendo uma postura editorial mais objetiva.<br />
Como justificar essa correlação? Na medida em que os atores<br />
dos registros jornalísticos sobre as ocorrências verificadas no cam-<br />
po da ciência e da tecnologia são individualizados e não institucio-<br />
nalizados, isso confere menor compromisso ao produtor da infor-<br />
mação e conseqüentemente ao relato a ser veiculado. Diferentemen-<br />
te, quando as matérias focalizam prioritariamente as instituições, é<br />
plausível que se alimentem <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações oficiais e estejam nutri-<br />
das pelas narrações típicas das assessorias <strong>de</strong> imprensa, cuja função<br />
é exatamente transferir valores sob a forma <strong>de</strong> notícias.<br />
Os dados coletados mostram que 64% da cobertura científica dos<br />
jornais paulistas tem como protagonistas personalida<strong>de</strong>s do mundo<br />
científico, principalmente os pesquisadores e seus li<strong>de</strong>res mais <strong>de</strong>s-<br />
31
tacados. Lembre-se que a tendência objetiva da imprensa <strong>de</strong> São<br />
Paulo nesse campo era da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 61%, don<strong>de</strong> se infere que as<br />
matérias científicas construídas em tomo <strong>de</strong> pessoas permitem maior<br />
autonomia editorial que aquelas articuladas em função <strong>de</strong> institui-<br />
ções, como ocorre no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> predominam os textos edito-<br />
rializantes (61%).<br />
De qualquer maneira, trata-se <strong>de</strong> uma variante interpretativa<br />
que precisa ser melhor investigada e aprofundada, pois em casos par-<br />
ticulares persistem contradições. Por exemplo: vimos que Notícias<br />
Populares adota um comportamento editorializante em suas maté-<br />
rias científicas (73%), correlacionando-se positivamente com a pre-<br />
valência dada aos protagonistas institucionais (76%). Fenômeno di-<br />
verso observa-se no caso do Jornal da Tar<strong>de</strong> que, não obstante en-<br />
fatize uma postura editorializante (63%), vale-se preferencialmente<br />
<strong>de</strong> protagonistas individuais (67%) para <strong>de</strong>screver e/ou analisar os<br />
fatos sobre ciência e tecnologia.<br />
Numa outra perspectiva, observa-se que tanto numa cida<strong>de</strong> quan-<br />
to na outra os protagonistas institucionais que mais se <strong>de</strong>stacam são<br />
os centros <strong>de</strong> pesquisa, figurando em posição inexpressiva os órgãos<br />
governamentais que fomentam e/ou financiam a pesquisa. Dentre<br />
as personalida<strong>de</strong>s aparecem com maior intensida<strong>de</strong> os pesquisadores<br />
famosos (24% em São Paulo e 15% no Rio <strong>de</strong> Janeiro). Um con-<br />
traste que ocorre entre a imprensa das duas cida<strong>de</strong>s é a projeção<br />
que a imprensa paulista confere às li<strong>de</strong>ranças científicas (14%) em<br />
<strong>de</strong>trimento dos cidadãos comuns (5%), enquanto no Rio <strong>de</strong> Janei-<br />
ro os cidadãos (10%) que protagonizam fatos científicos mostram-<br />
-se em posição mais vantajosa que os lí<strong>de</strong>res da comunida<strong>de</strong> aca-<br />
dêmica (3%). Os empresários aparecem mais em São Paulo (8%)<br />
do que no Rio <strong>de</strong> Janeiro (5%), ao contrário dos políticos que en-<br />
contram mais espaço nos jornais cariocas (5%) do que nos paulis-<br />
tas (3%).<br />
2.3. Temática e procedência<br />
Como a informação científica veiculada cotidianamente pelos<br />
jornais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação se estratifica segundo as áreas do co-<br />
nhecimento? Para quantificar esse aspecto, tomou-se a classifica-<br />
ção oficial do CNPq, também adotada pelo conjunto dos órgãos pú-<br />
blicos que fomentam a pesquisa no país.<br />
Essa classificação compreen<strong>de</strong> oito Gran<strong>de</strong>s Áreas do Conheci-<br />
mento, a seguir enunciadas:<br />
a. Ciências Exatas e da Terra<br />
b. Ciências Biológicas<br />
c. Ciências da Saú<strong>de</strong><br />
d. Ciências Agrárias<br />
e. Ciências Sociais Aplicadas<br />
f. Ciências Humanas<br />
g. Lingüística, Letras e Artes<br />
A esse esquema adicionou-se uma outra categoria — Ciência em Ge-<br />
ral — para incluir as matérias que, tratando <strong>de</strong> questões científicas,<br />
nao se referem especificamente a nenhuma área.<br />
As evidências registradas mostram uma diferença <strong>de</strong> perfil na<br />
imprensa das duas cida<strong>de</strong>s em relação a esse aspecto. As Huma-<br />
nida<strong>de</strong>s predominam no Rio <strong>de</strong> Janeiro, perfazendo 67% <strong>de</strong> todo o<br />
3?
espaço <strong>de</strong>dicado a ciência e tecnologia. Em São Paulo, há um equi-<br />
líbrio entre as Humanida<strong>de</strong>s (44%) e as Tecnologias (46%). A par-<br />
ticipação das ciências da vida — Biológicas e Saú<strong>de</strong> — é bastante<br />
reduzida, se bem que a imprensa carioca lhe dê um tratamento quan-<br />
titativo duas vezes maior que a imprensa paulista.<br />
Apesar do uso <strong>de</strong> um esquema classificatório das ciências diver-<br />
so daqueles empregados por Magali Izuwa e Wilson Bueno, vale a<br />
pena fazer algumas aproximações comparativas. Magali Izuwa va-<br />
leu-se da classificação do CNPq vigente a partir <strong>de</strong> 1978; tal esque-<br />
ma é basicamente semelhante ao adotado a partir <strong>de</strong> 1984, diferindo<br />
apenas num aspecto: a nova classificação (utilizada nesta pesquisa)<br />
mantém inalterado o conjunto das ciências exatas e da vida, inclu-<br />
sive as tecnologias, mas amplia o segmento das ciências humanas,<br />
dividindo-o em três subconjuntos, como aparece na página anterior.<br />
Os dados <strong>de</strong>sta pesquisa mostram que houve uma alteração no com-<br />
portamento temático da nossa imprensa, com o crescimento do es-<br />
paço humanistico e a redução das tecnologias, principalmente das<br />
ciências agrárias. No estudo <strong>de</strong> Izuwa as ciências humanas ocupa-<br />
vam o espaço maior porém contrabalançado por uma presença sig-<br />
nificativa das engenharias, das ciências da saú<strong>de</strong> e das ciências agrá-<br />
rias. 13 É bem verda<strong>de</strong> que a sua análise engloba também os dois<br />
gran<strong>de</strong>s diários <strong>de</strong> Brasília, o que constitui um fator distorsivo para<br />
efeitos <strong>de</strong> comparação.<br />
Confrontando com os resultados <strong>de</strong> Wilson Bueno, cuja pesqui-<br />
sa <strong>de</strong> 1983 limita-se a São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro, observa-se uma<br />
<strong>de</strong>fasagem consi<strong>de</strong>rável. Predominam ali as Tecnologias, represen-<br />
tando mais <strong>de</strong> dois terços das matérias científicas, figurando as Hu-<br />
manida<strong>de</strong>s numa posição inexpressiva, pois não atingem sequer um<br />
décimo da cobertura. 14 Dois elementos recomendam a relativização<br />
do confronto entre esta pesquisa e a <strong>de</strong> Bueno. É que ele utilizou<br />
uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mensuração diferente — a matéria jornalística ou<br />
a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, dimensionando portanto o volume da co-<br />
bertura e não a sua participação na superfície impressa. Além<br />
disso, ele excluiu da sua análise os suplementos semanais, consi<strong>de</strong>-<br />
rando apenas o espaço noticioso permanente.<br />
Numa outra perspectiva, é necessário dizer que os dados <strong>de</strong>sta<br />
pesquisa <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstraram matizes distintos entre a imprensa <strong>de</strong> eli-<br />
te e a popular. Os jornais populares revelam maior interesse cien-<br />
tífico nas duas cida<strong>de</strong>s, pelos temas vinculados ao homem e à vida,<br />
constatando-se nos jornais <strong>de</strong> elite uma maior diversificação entre as<br />
áreas do conhecimento. Tal amplitu<strong>de</strong> temática <strong>de</strong>sse segmento da<br />
imprensa mantém, contudo, o contraste já assinalado entre o Rio<br />
e São Paulo, com o <strong>de</strong>staque das Humanida<strong>de</strong>s na primeira cida<strong>de</strong><br />
e o das Tecnologias na segunda.<br />
Tendências diferentes também se observam na imprensa paulis-<br />
ta e carioca em relação às fontes da informação científica. Em São<br />
Paulo, são as socieda<strong>de</strong>s científicas (38%) que mais abastecem os<br />
jornais diários <strong>de</strong> fatos para a confecção do seu noticiário, enquanto<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>spontam com maior força as instituições go-<br />
vernamentais (22%).<br />
O papel da universida<strong>de</strong> como fonte noticiosa é inexpressivo,<br />
<strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrando o seu distanciamento dos canais que informam a opi-<br />
nião pública sobre os acontecimentos científicos e tecnológicos. Mes-<br />
mo assim, a imprensa carioca publica material universitário em vo-<br />
lume três vezes maior que a imprensa paulista.<br />
33
Enquanto as instituições universitárias praticam uma política <strong>de</strong><br />
silêncio em relação às pesquisas que efetuam, as empresas privadas<br />
ocupam um décimo <strong>de</strong> toda a cobertura científica, o que é revelador<br />
consi<strong>de</strong>rando a pequena participação do segmento empresarial<br />
na produção <strong>de</strong> conhecimentos. Com certeza, esse tipo <strong>de</strong> matéria<br />
cuia fonte é uma organização da iniciativa privada contem menos<br />
a difusão do saber do que o registro <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> transferencia<br />
teCn Conf 1 irmando os resultados <strong>de</strong> Magali Izuwa, esta pesquisa <strong>de</strong>-<br />
tectou uma predominância das informações <strong>de</strong> origem naciona.1 que<br />
totalizam 4/5 <strong>de</strong> todo o espaço ocupado por ciência e tecnologia nos<br />
jornais pesquisados. Na pesquisa <strong>de</strong> Izuwa essa cifra era um pou-<br />
co menor correspon<strong>de</strong>ndo a 3/4 das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação. \-<br />
Destoa assim, dos índices encontrados por Wilson Bueno que assi-<br />
nalavam uma ligeira hegemonia das informações proce<strong>de</strong>ntes do<br />
exterior (52 %) sobre as originárias do próprio Brasil (48%). Alias,<br />
o oróprio Wilson Bueno mostrou-se surpreso com os índices <strong>de</strong>tec-<br />
tados pois em suas hipóteses previa-se que "a maioria das informa-<br />
ções 'sobre ciência e tecnologia publicadas pela imprensa «rigina-<br />
-se <strong>de</strong> fontes externas e diz respeito aos interesses e expectativas <strong>de</strong><br />
mundo <strong>de</strong>senvolvido". 16 . . ,,. *„„(.,„. r>^<br />
A reversão <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> expectativa indica que_ as fontes pro-<br />
dutoras <strong>de</strong> conhecimento cientifico em nosso pais estão abrindo suas<br />
portas à imprensa, reduzindo <strong>de</strong>ssa maneira o espaço antes ocupado<br />
pela ciência estrangeira. ..... ,-,•<br />
Recor<strong>de</strong>-se que, no diagnóstico feito em 1977 Marco Antônio Fi-<br />
lippi assinalava uma evolução lenta, mas significativa, da divulga-<br />
ção cientifica no país, observando que ganhavam espaço os regis-<br />
tros das ativida<strong>de</strong>s da ciência nacional". Mas ele reconhecia: as<br />
notícias estrangeiras fluem com mais facilida<strong>de</strong> e sao <strong>de</strong> uma aoun-<br />
dância constrangedora". 17<br />
A tendência nacionalista observada nesta pesquisa realizada em<br />
1984 mostra-se constante em todos os jornais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
dos públicos a que se dirigem. O único caso extremado e o <strong>de</strong> No-<br />
tícias Populares que excluiu, naquela semana, qualquer informação<br />
<strong>de</strong> origem estrangeira.<br />
Todavia essa postura nacionalista dos jornais das duas cida<strong>de</strong>s<br />
no tocante áo universo científico assume um viés peculiar, na medida<br />
em que se apresenta como uma informação íocaiisía. Em outras pa-<br />
lavras- a maior proporção do espaço é ocupada por informações que<br />
se originaram na própria área geográfica on<strong>de</strong> se edita o respec-<br />
tivo jornal Essa rotina privílegiadora dos fatos científicos da pró-<br />
pria cida<strong>de</strong> ou do Estado é quebrada tão somente pela acolhida <strong>de</strong><br />
informações que emergem <strong>de</strong> Brasília ou <strong>de</strong> outra gran<strong>de</strong> metró-<br />
pole brasileira. . . ....<br />
O resto do Brasil praticamente inexiste na cobertura cientifica,<br />
sendo que os jornais paulistas equilibram o pequeno espaço <strong>de</strong>di-<br />
cado aos fatos oriundos do Sul e do Norte/Nor<strong>de</strong>ste, enquanto os<br />
jornais cariocas priorizam os acontecimentos ocorridos no Sul do<br />
Pais. . ^ o<br />
O noticiário internacional aparece diferenciado nas duas cida<strong>de</strong>s.<br />
A imprensa <strong>de</strong> São Paulo veicula maior volume <strong>de</strong> informação pro-<br />
ce<strong>de</strong>nte da Europa Oci<strong>de</strong>ntal. Por sua vez, a imprensa do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro prioriza o material originário da América do Norte.<br />
34
On<strong>de</strong> a imprensa das duas cida<strong>de</strong>s converge é no tratamento<br />
quantitativo dispensado ao Bloco Socialista e ao Terceiro Mundo.<br />
A informação científica gerada nos países que integram esses dois<br />
conjuntos <strong>de</strong> nações é sistematicamente omitida ou negligenciada.<br />
Os jornais paulistas ainda contemplam a ciência socialista, <strong>de</strong>dican-<br />
do-lhe um por cento do seu espaço científico; enquanto isso, ignoram<br />
solenemente as ocorrências sul-americanas. No caso dos jornais ca-<br />
riocas, o material proce<strong>de</strong>nte das áreas socialistas e terceiro-mun-<br />
distas não atingem sequer um por cento da cobertura científica, mes-<br />
mo assim atomizada e dispersa em dois jornais <strong>de</strong> elite — O GZobo<br />
e Tribuna da Imprensa.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. IZUWA, Magall, A Prática do Jornalismo Científico no Brasil, Co-<br />
municação & Socieda<strong>de</strong>, (11): 89-111, São Bernardo do Campo, Edições Li-<br />
berda<strong>de</strong>, 1984, p. 96.<br />
2. MARQUES DE MELO, José, Estudo Comparativo dos Jornais Diá-<br />
rios <strong>de</strong> São Paulo, In: Estudos <strong>de</strong> Jornalismo Comparado, São Paulo, Pio-<br />
neira, 1972, p. 94.<br />
3. ABRAMCZYK, Júlio, A situação atual do Jornalismo Científico no<br />
Brasil, Memória <strong>de</strong>i 2." Congreso Iberoamericano <strong>de</strong> Periodismo Cientifico,<br />
Madrid, 1977, p. 488.<br />
4. MARQUES DE MELO, José, Desafios do Jornalismo Científico:<br />
Hermatismo e Dependência Externa, In: Comunicação: Teoria e Politica,<br />
São Paulo, Summus, 1985, p. 85/86.<br />
5. FILIPPI, Marco Antônio, A Divulgação Científica no Brasil, Me-<br />
mória <strong>de</strong>i 2.° Congreso Iberoamericano <strong>de</strong> Periodismo Cientifico, Madrid,<br />
1977, p. 492.<br />
6. CALVO HERNANDO, Manuel, El Periodismo Científico: Misiones<br />
y Objetivos, Barcelona, Mitre, 1982, p. 29.<br />
7. REIS, José, Reflexões sobre Jornalismo Científico. Campinas,<br />
UNICAMP, 1985, p. 2.<br />
8. PASQUALI, Antônio, Compren<strong>de</strong>r Ia Comunicación. Caracas, Monte<br />
Ávila, 1979, p. 200/201.<br />
9. IZUWA, Magali, ob. cit., p. 110.<br />
10. MARQUES DE MELO, José, A Opinião no Jornalismo Brasileiro.<br />
Petrópolis, Vozes, 1985, p. 48/50.<br />
11. BUENO, Wilson, Jornalismo Científico no Brasil: os compromissos<br />
<strong>de</strong> uma prática <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (Tese <strong>de</strong> Doutoramento). São Paulo, ECA-USP,<br />
1984, p. 63.<br />
12. MARQUES DE MELO, José, A Opinião no Jornalismo Brasileiro.<br />
Petrópolis, Vozes, 1985, p. 57/76.<br />
13. IZUWA, Magali, ob. cit., p. 107.<br />
14. BUENO, Wilson, ob. cit., p. 157.<br />
15. IZUWA, Magali, ob. cit., p. 106.<br />
16. BUENO, Wilson, ob. cit., p. 151 e 169.<br />
17. FILIPPI, Marco Antônio, ob. cit., p. 492/493.<br />
35
Sentinelas da Liberda<strong>de</strong>:<br />
jornalismo <strong>de</strong> comabte<br />
Marco Morei *<br />
Em 1988 fará 150 anos a morte do jornalista Cipriano Barata.<br />
Muita gente tem direito <strong>de</strong> perguntar: quem foi este personagem, o<br />
que ele fez e escreveu?<br />
O trabalho a seguir é parte <strong>de</strong> uma pesquisa que está sendo <strong>de</strong>-<br />
senvolvida, cujo titulo provisório é Cipriano Barata, o outro lado<br />
da in<strong>de</strong>pendência, um esboço biográfico situando a trajetória do in-<br />
divíduo no chamado processo da "in<strong>de</strong>pendência" do Brasil, entre<br />
fins do século XVIII e começo do XIX.<br />
Cipriano José Barata <strong>de</strong> Almeida (Salvador, 1762-Natal, 1883)<br />
<strong>de</strong>stacou-se como um dos pioneiros da imprensa brasileira, editando<br />
seu periódico Sentinela da Liberda<strong>de</strong> até mesmo das prisões em que<br />
se achava, <strong>de</strong>tido sempre por "crime" <strong>de</strong> opinião ou rebelião. Tais<br />
escritos eram vinculados às ativida<strong>de</strong>s do autor, que envolveu-se em<br />
diversos movimentos como Conjuração Baiana, República <strong>de</strong> 1817,<br />
Cortes <strong>de</strong> Lisboa, Assembléia Constituinte <strong>de</strong> 1823, Confe<strong>de</strong>ração do<br />
Equador, além <strong>de</strong> manifestações contra o Imperador e motins da<br />
Regência. Nestes primórdios do jornalismo brasileiro <strong>de</strong>stacaram-<br />
-se figuras como Hipólito da Costa, Gonçalves Ledo, Evaristo da<br />
Veiga, Augusto May, Frei Caneca, Libero Badaró, Soares Lisboa, en-<br />
tre outros. Nenhum, entretanto, teve atuação ao mesmo tempo tão<br />
<strong><strong>de</strong>mo</strong>rada, intensa e aci<strong>de</strong>ntada: e nenhum, também, é tão pouco<br />
reconhecido pela historiografia oficial. O alcance <strong>de</strong> suas propos-<br />
tas para o país que nascia era surpreen<strong>de</strong>nte: propunha a extinção<br />
do aparelho repressivo colonial, o fim da escravidão, além <strong>de</strong> in-<br />
centivar os primeiros manifestos femininos e Comitê <strong>de</strong> Anistia. Co-<br />
mo se não bastasse, usava roupas consi<strong>de</strong>radas exóticas e tinha ca-<br />
belos longos, até os ombros. Com esta postura <strong>de</strong> questionar a or-<br />
<strong>de</strong>m escravista e colonial (que não foi rompida em 1822), Cipriano<br />
tornou-se um dos principais lí<strong>de</strong>res dos chamados "radicais" da In-<br />
<strong>de</strong>pendência, que se contrapunham ao nacionalismo conservador dos<br />
* Bacharel em Jornalismo pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Bio <strong>de</strong> Ja-<br />
neiro (UFRJ). Mestrando em História na UPRJ e pesquisador do <strong>Centro</strong><br />
<strong>de</strong> Memória da Associação Brasileira <strong>de</strong> Imprensa (ABI).<br />
36
\<br />
BARATA<br />
37
mo<strong>de</strong>rados como José Bonifácio ou aos restauradores como Viscon-<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cairu.<br />
Pouca coisa (e esparsa) foi escrita até hoje sobre Cipriano. Um<br />
historiador do século passado, o folclorista Mello <strong>de</strong> Moraes, tra-<br />
çou-lhe rápido esboço biográfico. 1 O também folclorista Luís da<br />
Câmara Cascudo lhe <strong>de</strong>dicou um ensaio, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>teve nos aspec-<br />
tos pitorescos, embora registrasse que Barata era "jornalista inti-<br />
morato, arrojado, <strong>de</strong>stemeroso". 2 Depois foi Hélio Viana, realizan-<br />
do amplo levantamento factual e opinando: "De todos os jornalistas<br />
brasileiros o que melhor mereceu o título <strong>de</strong> agitador popular foi,<br />
sem dúvida, Cipriano Barata". 3 O matiz conservador do pensa-<br />
mento <strong>de</strong> Gustavo Barroso fez com que ele <strong>de</strong>tectasse um fenômeno<br />
importante: "Quem aplicou em primeiro lugar na nossa Pátria o<br />
nome <strong>de</strong> Sentinela nos jornais <strong>de</strong>sabusados <strong>de</strong> combate ao regime<br />
vigente, verda<strong>de</strong>iros panfletos, foi o dr. Cipriano José Barata <strong>de</strong> Al-<br />
meida". ,í<br />
Fernando Segismundo, ao contrário, valorizava a "pugnacida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>sprendimento, amor ao povo e fervor patriótico" do panfletário<br />
baiano, a quem ele viu da seguinte maneira: "redigindo jornais in-<br />
flamados, sua passagem notabiliza-se no cenário nacional". 5 Outros,<br />
como Gondim da Fonseca, referiam-se ao "famosíssimo jornalista<br />
<strong>de</strong>scomedido". 6 Caio Prado Jr., para valorizá-lo, falava que Cipria-<br />
no Barata merecia "sem concorrência, o título <strong>de</strong> maior jornalista<br />
do povo que o Brasil se honra <strong>de</strong> contar entre seus filhos".'<br />
Todas as observações feitas até então eram predominantemente<br />
simpáticas ou antipáticas ao personagem, mas poucas aprofundavam<br />
o conhecimento das características do jornalismo <strong>de</strong> Cipriano Bara-<br />
ta. Nelson Werneck Sodré abriu caminhos, embora ainda como re-<br />
ferência: "Barata, pioneiro da imprensa libertária no Brasil, tem<br />
sido omitido, diminuído e no mínimo ridicularizado pela historiogra-<br />
fia oficial brasileira: é uma <strong>de</strong> suas maiores vítimas. Sua influên-<br />
cia foi extensa e profunda: outras Sentinelas apareceram, imitando<br />
a sua." 8<br />
Em nossos estudos sobre o assunto, iniciamos a abordagem <strong>de</strong><br />
alguns aspectos que, até então, eram pouco conhecidos. Em primei-<br />
ro lugar, verificamos o conceito que Cipriano tinha sobre a liberda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> imprensa, talvez a primeira formulação feita no Brasil com tal<br />
nível <strong>de</strong> vigor, clareza e complexida<strong>de</strong> — a ponto <strong>de</strong> levar seu au-<br />
tor, paradoxalmente, à prisão. Vimos ainda que Barata ensaiou<br />
vários estilos jornalísticos, embrionários na época: da sátira ao jor-<br />
nalismo político, econômico e filosófico; da informação sobre a vida<br />
cotidiana à doutrinação política; suplemento literário, correspondên-<br />
cia <strong>de</strong> guerra, noticiário internacional, acompanhando os trabalhos<br />
da primeira Constituinte, análises sociais sobre a aristocracia, fofo-<br />
cas sobre os figurões da época — não há dúvida que era um jornal<br />
atraente e polêmico o <strong>de</strong> Cipriano. Sua linguagem escrita, fluente,<br />
se aproximava da oralida<strong>de</strong>, do gosto das narrativas, da palavra emcn<br />
cionada e veemente, o que, certamente, permitia uma aproximação<br />
com as camadas populares emergentes.<br />
Além do mais, Barata inaugurou uma difícil forma <strong>de</strong> comuni-<br />
cação: o jornalismo do cárcere. Outro fenômeno interessante foi<br />
a formação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, englobando <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
jornais em todo o Brasil, que foi criada a partir <strong>de</strong> sua Sentinela da<br />
Liberda<strong>de</strong>. Uns até repetiam o mesmo título e muitos giravam na<br />
38
mesma órbita política, inclusive reproduzindo palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
Como se vê, fenômeno bastante difícil <strong>de</strong> realizar hoje em dia.<br />
Ou seja verificamos que Cipriano Barata criou, simultaneamen-<br />
te com o surgimento da imprensa no Brasil, uma verda<strong>de</strong>ira escola<br />
<strong>de</strong> jornalismo, que ainda hoje merece ser <strong>de</strong>vidamente estudada e<br />
conhecida.<br />
1. CONCEITO DE LIBERDADE DE IMPRENSA<br />
Cipriano passou mais da meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua vida no período colonial,<br />
quando não existia imprensa e sequer tipografias no país, época<br />
em que as bibliotecas particulares eram vistas com <strong>de</strong>sconfiança pela<br />
Coroa Real. Mesmo <strong>de</strong>pois da autonomia, li<strong>de</strong>ranças reconhecida-<br />
mente liberais como José Bonifácio aceitavam (e impunham) obs-<br />
táculos ao livre exercício da ativida<strong>de</strong> jornalística. A atenção <strong>de</strong><br />
Barata com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa estava, também, <strong>de</strong>ntro das<br />
chamadas preocupações formais do liberalismo. Ou seja, associa-<br />
va tal questão com a normatização <strong>de</strong> fatores jurídicos-constitucio-<br />
nais: "Deve pois ficar assentado, como dogma <strong>de</strong> nossa santa Fé<br />
política, que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa não <strong>de</strong>ve ser tocada, ou in-<br />
terrompida por censura prévia, ou qualquer embaraço que possa<br />
ser inventado, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> qualquer pretexto que a malícia humana<br />
excogite- e outrossim <strong>de</strong>ve ficar sentado, e <strong>de</strong>cididamente <strong>de</strong>termi-<br />
nado pelo povo, não aceitar Constituição, seja ela qual for, sem con-<br />
ter e encerrar como parte essencial a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa plena<br />
ou quase plena." » Isto ele escreveu como contribuição aos <strong>de</strong>bates<br />
da Constituição <strong>de</strong> 1823.<br />
Em seguida, po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s observar que Barata transcendia as preo-<br />
cupações jurídicas, chamando a atenção para a intervenção do Estado<br />
e o cerceamento que os aparelhos repressivos po<strong>de</strong>riam exercer: "A im-<br />
prensa no Rio <strong>de</strong> Janeiro está sufocada e não tem liberda<strong>de</strong> algu-<br />
ma e segundo as notícias ninguém po<strong>de</strong> escrever, porque se nao o<br />
perseguem por escritos, pren<strong>de</strong>m-no pela Polícia, pois ali não ha<br />
segurança <strong>de</strong> pessoa; os Ministros vão pondo tudo como no tempo<br />
antigo". 10 Note-se que esta <strong>de</strong>núncia data <strong>de</strong> um ano após o Grito<br />
do Ipiranga. . ,<br />
E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> englobar os aspectos institucionais e repressivos,<br />
bem como suas influências sobre a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa, ele for-<br />
mulava uma terceira articulação. Isto é, via a liberda<strong>de</strong> das ca-<br />
madas oprimidas como estreitamente ligadas à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opinião,<br />
como se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do seguinte trecho: "Toda e qualquer so-<br />
cieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> houver imprensa livre, está em liberda<strong>de</strong>; que esse<br />
Povo vive feliz e <strong>de</strong>ve ter aumento, alegria, segurança e fortuna;<br />
se pelo contrário, aquela Socieda<strong>de</strong> ou Povo, que tiver imprensa cor-<br />
tada pela censura prévia, presa e sem liberda<strong>de</strong>, seja <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> que<br />
pretexto for, é povo escravo, que pouco e pouco há <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sgra-<br />
çado até se reduzir ao mais brutal cativeiro". 11<br />
2. ANTECEDENTES<br />
Como Cipriano Barata apren<strong>de</strong>u jornalismo? óbvio que na épo-<br />
ca não existiam cursos específicos. Ele freqüentou a Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Coimbra, on<strong>de</strong> bacharelou-se em Filosofia e adquiriu licenciatu-<br />
39
a em Medicina e Matemática. E justamente quando estava na Eu-<br />
ropa fazendo estes cursos estourou a Revolução Francesa (1789).<br />
Logo, ele sente <strong>de</strong> perto o impacto da mobilização revolucionária,<br />
quando panfletários como Marat e Hérbert, entre outros, produzi-<br />
ram gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> livros, jornais, proclamações, panfletos.<br />
Depois, ele voltaria à Europa pela segunda vez. Deputado às Cortes<br />
<strong>de</strong> Lisboa, quando travou contato com Hipólito da Costa que, em<br />
Londres, publicava seu Correio Braziliense. Barata, inclusive, pu-<br />
blicou um manifesto neste jornal. No Brasil, até 1822, havia pou-<br />
cos jornais, e todos <strong>de</strong> alcance regional ou, então, financiados pelo<br />
governo. Exceção para o Revérhero Constitucional Fluminense, <strong>de</strong><br />
Gonçalves Ledo e Januário Barbosa; o Correio do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong><br />
João Soares Lisboa; e A Malagueta, <strong>de</strong> Luís Augusto May, cuja re-<br />
percussão, entretanto, limitava-se à Corte (Rio <strong>de</strong> Janeiro). De<br />
qualquer maneira, a imprensa estava se tornando um precioso ins-<br />
trumento <strong>de</strong> expressão no pais que nascia.<br />
3. CARACTERÍSTICAS DO PASQUIM<br />
A imprensa <strong>de</strong>ste tempo, fosse qual fosse o posicionamento po-<br />
lítico, era pré-industrial, artesanal. Na agitação <strong>de</strong>ste período <strong>de</strong><br />
ruptura com o domínio português, surgiu o pasquim. Portanto, <strong>de</strong>s-<br />
<strong>de</strong> a imprensa oficial à oposicionista, todas eram "pequenas" no ta-<br />
manho. Ou seja, formato pequeno, média <strong>de</strong> quatro páginas, lin-<br />
guagem exaltada e escrito quase sempre por uma pessoa só. As<br />
poucas tipografias serviam também como ponto <strong>de</strong> venda, ao lado<br />
das boticas. O jornalista não era categoria profissional: qualquer<br />
letrado, padre, militar, advogado etc, que <strong>de</strong>sejasse atuar na vida<br />
pública, tinha jeito <strong>de</strong> publicar seu pasquim. Era, portanto, uma<br />
imprensa que privilegiava o doutrinário, em prejuízo do factual.<br />
A intenção, quase sempre, era arregimentar para a discussão polí-<br />
tica, preenchendo as enormes dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> existen-<br />
tes na época. O apogeu dos pasquineiros foi, justamente, o chama-<br />
do processo da in<strong>de</strong>pendência, que prolongou-se até a década <strong>de</strong> 30<br />
do século passado, com a abdicação do Imperador.<br />
4. SENTINELAS<br />
No dia 9 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1823, quarta-feira. Recife viu nascer o pri-<br />
meiro número da Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita <strong>de</strong> Pernambuco.<br />
Impresso na Tipografia Cavalcante e Companhia, tinha em média<br />
quatro páginas e custava 40 réis, indo a publico quartas e sábados.<br />
Eventualmente saía com oito páginas e o preço também dobrava,<br />
sempre formato <strong>de</strong> 19 cm <strong>de</strong> altura e 13 cm <strong>de</strong> largura. Este jor-<br />
nal teve repercussão em todo o país, como comprovam os manifes-<br />
tos e cartas <strong>de</strong> leitores que chegavam, <strong>de</strong> todas as províncias, <strong>de</strong><br />
norte a sul. O último número, o 65, saiu a 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> Í823,<br />
véspera da prisão do redator.<br />
Na quarta-feira 19/11/1823, mesmo encarcerado, Cipriano con-<br />
tinua seu jornal, com o título modificado: Sentinela da Liberda<strong>de</strong><br />
na Guarita <strong>de</strong> Pernambuco, atacada e presa na Fortaleza do Brum<br />
por or<strong>de</strong>m da Força Armada reunida. As autorida<strong>de</strong>s imperiais pas-<br />
40
saram a vigiar melhor o panfletário, que ficou <strong>de</strong>tido durante sete<br />
anos, ou seja, até 1830, incomunicável. Em 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1831,<br />
Cipriano, aos 69 anos, consegue publicar, na Bahia, a Sentinela da<br />
Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Quartel General <strong>de</strong> Pirajá. Alerta!!, im-<br />
pressa na Tipografia do Baiano, La<strong>de</strong>ira da Praça, 28, Salvador.<br />
Neste número inicial um significativo Plano <strong>de</strong> Gazeta, no estilo in-<br />
confundível <strong>de</strong> Barata:<br />
"A Sentinela da liberda<strong>de</strong> tem por oficio clarear idéias e dar<br />
luzes aos leitores, combater erros, lembrar o bem público, repreen-<br />
<strong>de</strong>r os abusos do po<strong>de</strong>r, e <strong>de</strong> seus empregados, e atirar flechas er-<br />
vadas contra os servis aristocratas e os que solapam nosso liberal<br />
sistema: nunca perdoarei o <strong>de</strong>spotismo e tirania. Esta gazeta é a<br />
segunda parte da que escrevi em Pernambuco, todavia vai acomo-<br />
dada às circunstâncias, porém sempre bradando que a Pátria esteja:<br />
Alerta! (...) Não admito correspondências senão breves, claras e<br />
instrutivas. Não receberei anúncios sobre vendas e fugas <strong>de</strong> escra-<br />
vos; minha gazeta não é leilão nem capitão do mato."<br />
Vê-se no texto acima, entre outras coisas, que Cipriano não en-<br />
carava o jornal como "leilão", rejeitando uma das poucas fontes<br />
<strong>de</strong> anúncio, proveniente dos senhores <strong>de</strong> escravos. A referida Sen-<br />
tinela circulou periodicamente até o número 22. Barata novamente<br />
foi preso e levado para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. O número 23 saiu com o<br />
titulo forçosamente modificado: Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita<br />
do Quartel General <strong>de</strong> Pirajá, hoje presa na Guarita da Ilha das Co-<br />
bras no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Alerta!! O jornalista ia sendo transferido<br />
<strong>de</strong> prisão para prisão, os titulos iam mudando, mas nunca <strong>de</strong>ixavam<br />
<strong>de</strong> sair. Assim, tivemos Sentinelas no Forte <strong>de</strong> Villegaignon, na fra-<br />
gata militar "Niterói", no Forte <strong>de</strong> Mar (BA), na Presiganga, e no<br />
Hospital Militar. Isto durou até 1834, quando Cipriano foi finalmen-<br />
te solto. 12 Num exemplo raro <strong>de</strong> resistência, retoma seu periódico:<br />
Sentinela da Liberda<strong>de</strong> em sua primeira Guarita, a <strong>de</strong> Pernambuco,<br />
on<strong>de</strong> hoje brada Alerta!! O último número que se conhece saiu a<br />
26 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1835: era o 35. Nesta última fase, Cipriano já<br />
entrava fundo em discussões como o republicanismo, que só viria<br />
a aparecer no cenário nacional quatro décadas <strong>de</strong>pois. Curvado pela<br />
ida<strong>de</strong>, doenças e perseguições. Barata <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> publicar seus jor-<br />
nais e morre pouco <strong>de</strong>pois, no Rio Gran<strong>de</strong> do Norte.<br />
Sabe-se ainda que Cipriano colaborou em outros jornais como<br />
Gozeía Pernambucana, O Repúblico e O Espelho da Justiça.<br />
5. ESTILO E LINGUAGEM<br />
A linguagem jornalística <strong>de</strong> Cipriano, como já foi dito, alcan-<br />
çava o colorido límpido e direto <strong>de</strong> sua oratória, e refletia o conví-<br />
vio que ele mantinha com as camadas pobres da Bahia, freqüentan-<br />
do Candomblés, rodas <strong>de</strong> chula, bumba-meu-boi, dos quais constan-<br />
temente dá notícia. Em contrapartida, as elites o rejeitavam, como<br />
ele registrou: "o que escrevo são luzes que ofuscam os olhos dos<br />
aristocratas e absolutistas traidores". Preocupado com a recep-<br />
ção dos leitores. Barata afirmava: "Leia a Sentinela da Liberda<strong>de</strong><br />
com atenção mais pura, lógica, hermenêutica e patriotismo".<br />
Além das longas dissertações políticas, ele também informava.<br />
As noticias internacionais, por exemplo, não faltavam, com <strong>de</strong>staque<br />
para França, Inglaterra, Portugal, Espanha, o papel da Santa Alian-<br />
41
ça, sem esquecer países da América como México e Peru. O noti-<br />
ciário das Províncias brasileiras era farto, com <strong>de</strong>staque para a<br />
pregação fe<strong>de</strong>ralista. E, ainda, não esquecia as questões locais,<br />
como falta <strong>de</strong> segurança contra ladrões, hospitais sem aparelhagem,<br />
pouca higiene nas ruas, escravos surrados, alistamento militar for-<br />
çado, dificulda<strong>de</strong>s dos pequenos lavradores etc.<br />
Outra faceta pioneira era uma fórmula que ele arranjava <strong>de</strong> ser<br />
correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> guerra, isto é, das Guerras da In<strong>de</strong>pendência, que<br />
ocorreram com centenas <strong>de</strong> mortes na Bahia, Maranhão e Piauí. Re-<br />
cebia cartas <strong>de</strong> soldados e oficiais e as transformava em assunto.<br />
No entanto, a maioria do espaço era <strong>de</strong>dicada a análises da si-<br />
tuação política, on<strong>de</strong> o autor tomava partido e discutia longamen-<br />
te, sempre com a mesma linguagem fluente. Isto não impedia a<br />
gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> poemas, versos e até letras <strong>de</strong> música que ele<br />
colocava em seu jornal.<br />
6. REDE DE COMUNICAÇÃO<br />
"Não pareça estranho a publicação <strong>de</strong>ste periódico com título <strong>de</strong><br />
outro igual na Bahia, pois as Sentinelas <strong>de</strong>vem multiplicar-se". Tal<br />
aviso está na primeira pagina do jornal Sentinela da Liberda<strong>de</strong> do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> 1832. Como se vê, havia um projeto explícito<br />
<strong>de</strong> multiplicar tais veículos, o que efetivamente ocorreu. Assim, no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, além <strong>de</strong>ste órgão, tivemos: Sentinela da Liberda<strong>de</strong><br />
à beira do mar da Praia Gran<strong>de</strong>, agosto <strong>de</strong> 1823, citado várias vezes<br />
por Cipriano; A Sentinela do Povo, 1855; Sentinela da Liberda<strong>de</strong>, 1869.<br />
No Rio Gran<strong>de</strong> do Sul também surgiram a Sentinela da Liberda<strong>de</strong><br />
na Guarita ao Norte da Barra <strong>de</strong> São Pedro do Sul, com atuação na<br />
Revolta Farroupilha; Sentinela da Liberda<strong>de</strong>, Porto Alegre, 1831. Em<br />
Minas Gerais tivemos a Sentinela do Serro, por Teófílo Otoni, 1830,<br />
que se empenhou pela soltura <strong>de</strong> Barata; e A Sentinela, órgão repu-<br />
blicano, 1892. No Maranhão, a Sentinela Maranhense, 1834, <strong>de</strong> Fer-<br />
reira Lavor, com influência na Cabanagem; e Sentinela da Liberda<strong>de</strong>,<br />
São Luís, 1849. Na Pará uma inconfundível Sentinela Maranhense<br />
na Guarita do Pará, do mesmo Vicente Lavor, 1835. Também no<br />
Ceará, a Sentinela Constitucional, 1830; e a Sentinela Cearense na<br />
Ponta <strong>de</strong> Mucuripe, 1838. Pernambuco: Sentinela da Liberda<strong>de</strong>, 1847,<br />
na Revolta Praieira; Sentinela da República no Estado <strong>de</strong> Pernambu-<br />
co, 1891. Não podia faltar a Bahia, terra <strong>de</strong> Cipriano: Nova Senti-<br />
nela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Forte <strong>de</strong> São Pedro na Bahia <strong>de</strong><br />
Todos os Santos. Alerta!.'!, <strong>de</strong> 1831, surgiu para dar notícias da pri-<br />
são <strong>de</strong> Cipriano; Sentinela da Liberda<strong>de</strong>, 1871. Fato curiosíssimo, e<br />
ainda não investigado suficientemente, foi o surgimento <strong>de</strong> uma Sen-<br />
tinela da Liberda<strong>de</strong> do Brasil na Guarita <strong>de</strong> Londres, 1825, como<br />
suplemento do Sunday Times, escrita por exilados brasileiros perse-<br />
guidos por D. Pedro I.<br />
Outros periódicos, embora sem o nome <strong>de</strong> Sentinela, vinculavam-<br />
-se à mesma luta política <strong>de</strong> Cipriano, citando diversas vezes o no-<br />
me do panfletário baiano em suas páginas. Entre estes: O Repúblico,<br />
do famoso Borges da Fonseca; Tifis Pernambucano, <strong>de</strong> Frei Caneca;<br />
Nova Luz Brasileira, Rio, 1829; O Tribuno do Povo, Rio, 1831; Btísso-<br />
la da Liberda<strong>de</strong>, 1834; O Brasil Aflito, <strong>de</strong> Clemente José <strong>de</strong> Oliveira,<br />
que foi assassinado em 1833; O Homem <strong>de</strong> Cor, abordando proble-<br />
mas raciais em 1833; O Portacollo, da Bahia, com várias edições <strong>de</strong>-<br />
dicadas a Cipriano; entre muitos outros.<br />
42
4r«JU«r1. ( Pi«ini 1 ) ■. Pi»ço<br />
SENTINELLA<br />
LI BEMOADE ?fA<br />
HOJE íj. 7<br />
NA-GUARITA DO QUARTEL OBNKRAL DE KVkU^<br />
HA. UAH1A DE TODOS OS SANTOS. *<br />
a-. -' -;.<br />
^4 L E « T ^1 /.'<br />
Quarta feira 12 <strong>de</strong> Jtaeiro <strong>de</strong> 1831.<br />
BAHI* Hè. TvrooRlruiA vo miiuno, LADEIKA BA miç* >.* M.<br />
A BAHIA DE TODOS OS SANTOS. MINHA PÁTRIA*<br />
DEDICATÓRIA.<br />
J^^l i5 era minha intenção, 6<br />
Adorada Pátria, pegar mais nu ri-<br />
ra na peuna, para apresentar<br />
M Publico uma só idèa peta im-<br />
urcaM a respeito dos negócios<br />
% Brasil. Eu tenho sido arras-<br />
tido aieivosantente e sem cul-<br />
pa , por calabouços e masmor-<br />
AS; tenho estado quase sufoca-<br />
do pelo ar corrupto e ar<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> abobadas sepulcraes; • a fal-<br />
lar verda<strong>de</strong>, quase tenho sido<br />
primeiramente interrado do que<br />
morto: en, torno a repetir, tc-<br />
uho vivido longo tempo fora da<br />
cominunicaçüo dos humanos ,<br />
<strong>de</strong>sterrado, peregrino , e arran-<br />
cado i minha família; quase<br />
cego, atribulado, c com a pele<br />
sobre os ossos : eu finalmente<br />
lenjt) lutado perto <strong>de</strong> sete au-<br />
pos çoin.a intrijja, ódio, vin-<br />
ganga, « tjrnuiuia, e a boto di-<br />
zer cem a morte; e tudo sb<br />
por haver publicado.gazctqp pm-<br />
flefesa <strong>de</strong> teos direitos'/muc^tco-<br />
<strong>de</strong>ucia, e Liberda<strong>de</strong>, ó PatriaH '<br />
Por tanto eu tinha sobejos mo-<br />
tivos para pôr mordaça eterna-<br />
mente ao meo pensamento e bo-<br />
ca : em verd«<strong>de</strong> era <strong>de</strong> esperar<br />
que me uio lembrasse <strong>de</strong> ^ahir.<br />
outra ves como soldado da Li-<br />
berda<strong>de</strong> , a fazer sentiuclla a bem<br />
<strong>de</strong> cidadãos ingratos e cruéis :<br />
isto lie resolução mui natural ao<br />
homem c a todo o vivente per-<br />
seguido; mas em fim o amor da<br />
me» paiz <strong>de</strong>o batalha e venceo<br />
meo conrçao , vista a perigMa<br />
crise que nos ameassa.<br />
E com gran<strong>de</strong> esforço pego<br />
da minha arma para vigiar nes-<br />
ta nova guarita <strong>de</strong> Pirajá, po*<br />
siçãq segura , e nuaM «fuart^ .;<br />
general, apesar 4o tafnvclsfí|-><br />
'fli<br />
Este fac-símile e os três que se seguem reproduzem na integra o primeiro<br />
numero da Sentinela da Liberda<strong>de</strong> — Hoje na Guarita do Quartel-General<br />
<strong>de</strong> Pirajá na Bahia <strong>de</strong> Todos os Santos, <strong>de</strong> 12/1/1831, escrito por Cipriano<br />
em Salvador. Nesta edição, ele retoma seu .periódico após sete anos <strong>de</strong> ca-<br />
<strong>de</strong>ia, e aos 69 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> recusa-se a receber anúncio <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> es-<br />
cravos, combate a Santa Aliança, os Aristocratas e faz longas citações bí-<br />
blicas para justificar sua luta.<br />
43
Í2)<br />
Co v«>t1e poàem dirigir astu-<br />
■ví^siinmiigoí com intrigas e per-<br />
sejiiiç<strong>de</strong>s: a tudo me aventuro;<br />
porr|ue estou certo que su dor-<br />
mitar um instante , oi^ se for<br />
acoinmettido, ti5o faltara» pa-<br />
triotas corajosos que me acor<strong>de</strong>m ,<br />
c <strong>de</strong>fendam ; pois que hoje es-<br />
ta Mai Pátria, naçSo livre ^in-<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte , he <strong>de</strong> nós todos :<br />
» pouco erarmos um mixto <strong>de</strong><br />
Twbiivnnbas , Caités , Botieo-<br />
dos, e outros Caboculos , e gen-<br />
tes brancas e morenas, mistu-<br />
rados com Portguezes na apa-<br />
rência forrosfc na realida<strong>de</strong> es-<br />
cravos; mas boje todos somos<br />
Brasiteiros e formamos um só<br />
corpo, e psvo <strong>de</strong> irmãos livres<br />
uma só palavra abrange tudo. (1)<br />
Por /auto cheio <strong>de</strong> confiança,<br />
« coln' os-ólhos fitos cm ti, 6<br />
Pátria, dou principio ao meo<br />
(1) Unm tó palavra nbrange (ti-<br />
do. — Eu fallo dos bons Porlugue-<br />
r-ei) i» patriotas i<strong>de</strong>ntificados com<br />
nosco como irmãos , amigos lelosos<br />
da Constituição, in<strong>de</strong>pendência, e<br />
liberda<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>fensores do Brasil ,<br />
liop pátria comoium <strong>de</strong> nós todos:<br />
fallo daqaellea que te acham prom-<br />
ptos c <strong>de</strong>teraiiaadoa <strong>de</strong> coração, a<br />
combater a» tramas da abominável<br />
Santa Aliiança, M JesuMaa, eaeoa<br />
•equase» aristocratks; e <strong>de</strong> se arre-<br />
uiessarem cnn ferro e foge roalra<br />
todo e qualquer mdtvidiM, que se-<br />
ja opptMlo ao cyttema e liberdkda<br />
da rattia. Quanto aas Portuguenes<br />
egoistaa c Higtatua^ou qualquer Bro^<br />
•ileiro que goste <strong>de</strong> ser captivo, re-<br />
pito as palavra» d* Jesus Christo<br />
rs vad* retro Satanazír foge para<br />
*»age da Scatil % <strong>de</strong>mônio l altas....<br />
44<br />
trabalho , «judaml^ a causa (fn-<br />
blica nesta nova guarita; pota<br />
apesar <strong>de</strong> tudo parecer que vai<br />
bem, segundo o sysl^niâ doa<br />
egoístas, traidores mo<strong>de</strong>rados , e<br />
camellos, eu sempre gritarei co-<br />
mo Soldado da Liberda<strong>de</strong> ,=:<br />
Alerta !!=:....<br />
E Nem o estar <strong>de</strong> Sentinclla,<br />
e bradar Alerta , he cousa <strong>de</strong><br />
pouca importância, quando o<br />
mesmo Deos dos exércitos disse<br />
pelo ministério <strong>de</strong> Ezaiasrrvai;<br />
põem Scntinella =r nu atalaia <strong>de</strong><br />
vigia estou = '2) e pela do Pro-<br />
feta Esequk-I =: filho do homem ,<br />
por Sentiuclla te puz.stS) E<br />
por ventura será pequena hon-<br />
ra, igualar-me ao Profeta Iluba-<br />
cuc, dizendo, como clle aos me-<br />
os compatriotas, que estou pos-<br />
to eja atalaia, <strong>de</strong> guarda, e fa-<br />
zendo Scntinella f (4) Sim, ó<br />
Pátria', eu sou Svnlineüa da Li-<br />
berda<strong>de</strong>, In<strong>de</strong>pendência, e Cons-<br />
tituição , para velar a bem da<br />
nossa Pátria, e da prosperida-<br />
<strong>de</strong> que nos nromette o santo<br />
syslema liberal que abraçamos,<br />
e que havemos sustentar a cus-<br />
ta da própria vida.<br />
Este meo brado = Alerta li =:<br />
quer dizer que cui<strong><strong>de</strong>mo</strong>s bem<br />
em nossos direitos e garantias ,<br />
(S> Na atalaia <strong>de</strong> vigia estou. —<br />
Ve<strong>de</strong> Isuias cap. SI versoõ, 6, e 8.<br />
{5) Prov. Sentinella te pus — Ve-<br />
<strong>de</strong> as Profecias <strong>de</strong> Esequiel cap. 3.<br />
vera. 17, e cap. 33, vera. 7.<br />
(4>-Ei fazendo sentiacll»—JLfà»<br />
as Profecias <strong>de</strong> Habacuc cap. %<br />
teia. k
M^unmça, rvnSiJeira In<strong>de</strong>pen-<br />
•leflcia, c observância exueta da<br />
CoiijritjiqSo , porque a malva-<br />
da Sanfli Alliança, Apostoticos,<br />
r Aristocratas, ainda teimam por<br />
ti e pelos abomináveis Jesuítas<br />
disfarçados , iuimi^os das luzes<br />
e ii liberda<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>rramar um<br />
veneno sublil, que se esten<strong>de</strong><br />
■esmo na America; e tem pe*<br />
netrado por entre nôa. — Até<br />
me parece que foi para ensinar<br />
• todos que bra<strong>de</strong>m :s Alerta =<br />
em tempos duvidosos, que Nos-<br />
so Senhor Jesus Cliristo mesmo<br />
também, no/., e fez Senliiiella,<br />
como se le em S. Malheos, nus<br />
palavras = estai pois alerta = &-<br />
CHí-VOS aqui c vigiai comigo ; &c.<br />
S (5) E pela <strong>de</strong> S. Marcos,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mandar que se fuça<br />
Scntinella bem alteuta, nas pa-<br />
lavras , = olhai e estai alerta ;<br />
acaba bradando S Alerta =: (6)<br />
E finslineiite pela <strong>de</strong> S. Lucas<br />
mandou que estivessem alerta em<br />
toih o tempo. (7) Tudo isto, ó<br />
1'alria, prova indubitavelmente,<br />
que havendo crise, intrigas. «<br />
fierigo», <strong>de</strong>vemob estar <strong>de</strong> Sen-<br />
tinclla; e ^ue he virtu<strong>de</strong> e <strong>de</strong>-<br />
ver <strong>de</strong> um cidadão, zeloso pela<br />
prosperida<strong>de</strong> e segurança <strong>de</strong> seo<br />
jwit, estar <strong>de</strong> vigia á Liberda-<br />
(fi) Vigiai COIOíRO — Va<strong>de</strong> e No-<br />
vo Tcstanente: S. Matkeoa cap. S4,<br />
tsrs.48: e c«p. 25, vers. 11, e cap.<br />
M, vers. 38, • 41.<br />
(6j Alerta —8. MareM, eap. 15.<br />
«n. », 35, éST. ^^<br />
"'> Mm lado tempo — Ve<strong>de</strong> S.<br />
l, cap. «1, Ten. 56.<br />
(3><br />
<strong>de</strong>. e grilar conto en =: Klem^f<br />
Fazer Sentitella he acçãdtk:<br />
quem <strong>de</strong>seja segurança e pi^-<br />
a TOS zs Alerta! =não <strong>de</strong>ve cau-<br />
sar suspeita nem espanto ; e eis<br />
o porque eu grilo = alerta ,3<br />
e miiica mudarei • titulo e a epi-<br />
grafe da minha gazeU; digam.<br />
o |iie quizerem os servis adu-<br />
ladores do po<strong>de</strong>r, esses abjec-<br />
tos hipócritas, <strong>de</strong>baixo da capa<br />
<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rados, egoístas velha-<br />
cos. serpentes tentadoras sabi-<br />
da do abismo . e traidores á pá-<br />
tria. Esta palavras alertas he<br />
dos ceos. lie do Espirito Saa-<br />
lo; por isso brado, e bradarei<br />
sem sessar ao Povo da Bahia e<br />
do Brasil inteiro = Alerta !'<br />
Aceita pois , « Pátria . .a,pe-<br />
queno sacriãeio <strong>de</strong>ste filho/sol-<br />
dado tia liberda<strong>de</strong>, sabido da»<br />
masmoiras, hoje livre e lança-<br />
do em teo» braços; que esca-<br />
po a (antas feridas barbara, e<br />
aleivosamente aberta . peIo< trai-<br />
dores <strong>de</strong> Pernambuco; e tyran-<br />
nia do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> no-<br />
vo fax Sentin«lla, e continua-<br />
rá a bradar =: Alerta =: para teo»<br />
bem c <strong>de</strong> todo o Brasil, e pre-<br />
veilo geral da humanida<strong>de</strong>.<br />
Sé felix e livre eternamente, &<br />
Pátria adorada: assim eu te <strong>de</strong>se-<br />
jo ; e coahece que ainda tens<br />
filho que por ti combate e te <strong>de</strong>-<br />
dica econaagra esta gavM»-<br />
A Sentinella da Mnnfl a<strong>de</strong><br />
CypviamaJui Barata <strong>de</strong> Mmtià**<br />
Puiie M OAIIRI.<br />
Seatiaella da Ubetdajfe<br />
45
46<br />
('*y<br />
mtt'. o só>i«nNMiaa «ppípcA*<br />
' xt Mtòtv»; combate r-ortes, a» 5 <strong>de</strong><br />
_.»r oljem' pnhtice',. repr 'heo-<br />
.or os abiisus
7. CONCLUSÃO<br />
Portanto acabamos <strong>de</strong> ver uma amostra da importância da fi-<br />
gura <strong>de</strong> Cipriano Barata, e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conhecer melhor<br />
suas ativida<strong>de</strong>s jornalísticas. 13 Estas, como já foi dito, surgiram<br />
no contexto <strong>de</strong> seu envolvimento com os movimentos e rebeliões da<br />
época fruto <strong>de</strong> sua li<strong>de</strong>rança nacional entre os "radicais". Mas nem<br />
por isso o jornalismo em Cipriano era, apenas, um recurso, pretex-<br />
to Ao contrário, ele <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrou criativida<strong>de</strong> suficiente para, alem<br />
<strong>de</strong> reproduzir as características do jornalismo da época (imprensa<br />
doutrinária linguagem agressiva), concretizar novas perspectivas. Tan-<br />
to no conteúdo isto é, nos assuntos que tratava, como na lingua-<br />
gem que escrevia, ele marcou posição bem distinta no cenário polí-<br />
tico e <strong>cultura</strong>l. Posição esta que ganha maiores dimensões se le-<br />
vamos em conta o surgimento <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira re<strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni-<br />
cação a partir da sua Sentinela da Liberda<strong>de</strong>. Portanto, ao con-<br />
trário do que parece, o jornalismo <strong>de</strong> combate (vinculado aos movi-<br />
mentos sociais e às classes ou camadas populares) não surgiu, pela<br />
primeira vez, com a "imprensa operária" ou mesmo abolicionista.<br />
Des<strong>de</strong> o nascimento da imprensa no país que se esboçou esta ver-<br />
tente, cuja continuida<strong>de</strong> é tão difícil em nossos dias.<br />
NOTAS<br />
1. MORAES, Mello <strong>de</strong>, Brazil Histórico, edição <strong>de</strong> 5/2/1882.<br />
2. CASCUDO, Luís da Câmara, O Doutor Barata, político, <strong><strong>de</strong>mo</strong>crata<br />
e jornalista, Imprensa Oficial, Bahia, 1938.<br />
3. VIANA, Hélio, Contribuição à História da imprensa brasileira, Rio.<br />
INL, 1945. . , „ „ •<br />
4. BARROSO, Gustavo, "Sentinelas da Liberda<strong>de</strong>", in O Cruzeiro,<br />
31/12/1955. „ ' ,_ „<br />
5. SEGISMUNDO, Fernando, "Cipriano Barata, jornalista político , in<br />
Imprensa Brasileira, vultos e problemas. Rio, 1962.<br />
6. FONSECA, Gondim da, Biografia do Jornalismo Carioca, Rio, 1941.<br />
7. PRADO JR., Caio, Evolução Política do Brasil, São Paulo, 1977.<br />
S. SODRÉ, Nelson Werneck, Hisítíria da Imprensa no Brasil, Rio,<br />
1977 0<br />
9. Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita <strong>de</strong> Pernambuco, n. 11, 10/5/1823.<br />
10. I<strong>de</strong>m, n. 0 5, 23/4/1823.<br />
11. I<strong>de</strong>m, n. 0 11. 10/5/1823.<br />
12 Além dos quatro títulos relacionados, os <strong>de</strong>mais jornais <strong>de</strong> Cipriano<br />
foram: Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Quartel General <strong>de</strong> Pirajá,<br />
hoje presa na Guarita <strong>de</strong> Villegaignon no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Alerta!; Sentinela<br />
da Liberda<strong>de</strong> na Guarita Quartel General <strong>de</strong> Pirajá, hoje presa na fragata<br />
Niterói. Alerta!; e, ainda, Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Quartel General<br />
<strong>de</strong> Pirajá, mudada <strong>de</strong>spoticamente para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, e <strong>de</strong> lá para<br />
o Forte do Mar da Bahia, don<strong>de</strong> generosamente brada Alerta!!!; o título<br />
cresce para Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Quartel General <strong>de</strong> Pirajá,<br />
mudada <strong>de</strong>spoticamente para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, e <strong>de</strong> lá para o Porte<br />
do Mar da Bahia, <strong>de</strong>pois para a Presiganga, logo para o Forte do Barbalho<br />
e <strong>de</strong> novo para o Forte do Mar, e segunda vez para a Presiganga e<br />
por fim para o Hospital, don<strong>de</strong> brada Alerta!! Depois <strong>de</strong>sta série, ele ainda<br />
publicaria a última fase, em Pernambuco.<br />
13. MOREL, Marco, Cipriano Barata, Editora Brasiliense, 1986.<br />
47
Propostas alternativas <strong>de</strong><br />
Relações Públicas*<br />
Margarida M. Krohling Kunsch *♦<br />
O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES PUBLICAS<br />
NO SISTEMA EMPRESARIAL E NA BUSCA DE NOVAS<br />
ALTERNATIVAS<br />
As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Relações Públicas nasceram no contexto do sis-<br />
tema capitalista americano, por volta <strong>de</strong> 1906, quando o povo passou<br />
a exigir informações e esclarecimentos sobre certas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mui-<br />
tas organizações e <strong>de</strong> seus dirigentes. Naquele ano, John D. Rocke-<br />
feller, por ocasião <strong>de</strong> uma sangrenta greve da Colorado Fuel and<br />
Iron Co., se viu levado a contratar os serviços <strong>de</strong> Ivy Lee, por mui-<br />
tos consi<strong>de</strong>rado o pai das Relações Públicas.<br />
Ivy Lee, que como jornalista e, mais tar<strong>de</strong>, como publicitário,<br />
vinha se preocupando com a política discriminatória do mundo dos<br />
negócios, propôs a Rockfeller a adoção <strong>de</strong> medidas radicais. Con-<br />
tudo, ele somente viu aceitas suas sugestões em razão daquela greve.<br />
A primeira providência que tomou foi dispensar os agentes <strong>de</strong> se-<br />
gurança da família Rockfeller. Depois, abriu as portas da organiza-<br />
ção para a imprensa e admitiu o diálogo com lí<strong>de</strong>res da comunida-<br />
<strong>de</strong> e do governo. Fez introduzir a temática humana na organização<br />
econômica, para valorizar a corporação aos olhos do povo. E con-<br />
seguiu que se erguessem fundações filantrópicas, centros <strong>de</strong> pesqui-<br />
sas, universida<strong>de</strong>s, hospitais, museus e farmácias e se distribuíssem<br />
bolsas <strong>de</strong> estudo.<br />
A chamada "era das Relações Públicas" ocorreria durante e prin-<br />
cipalmente após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, quando o avan-<br />
ço tecnológico industrial e dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa eram<br />
fatores relevantes que interferiam diretamente na vida dos povos.<br />
* Palestra proferida na I Semana <strong>de</strong> Estudos da Comunicação, na Uni-<br />
versida<strong>de</strong> do Amazonas, a 6 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1986.<br />
** Mestra e doutoranda em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.<br />
Autora do livro Planejamento <strong>de</strong> Relações Públicas Tia Comunicação Inte-<br />
grada. (São Paulo, Summus Editorial, 1986).<br />
48
Os efeitos da <strong>de</strong>pressão econômica <strong>de</strong> 1929 e o plano norte-ame-<br />
ricado conhecido como "New Deal" trouxeram gran<strong>de</strong> contribuição<br />
para o aperfeiçoamento das Relações Públicas. Nesse contexto, um<br />
expoente foi o então presi<strong>de</strong>nte Franklin D. Roosevelt. Há os que<br />
consi<strong>de</strong>ram o período rooseveltiano, <strong>de</strong> 1933 a 1945, como o inicio<br />
da época <strong>de</strong> ouro das Relações Públicas nos Estados Unidos.<br />
Roosevelt, além <strong>de</strong> eminente político, se revelou homem <strong>de</strong> Re-<br />
lações Públicas no dia-a-dia. Utilizava muito os meios <strong>de</strong> comuni-<br />
cação <strong>de</strong> massa para esclarecer a opinião pública. Nas "conversas<br />
ao pé do fogo" prestava conta, semanalmente, à população das ati-<br />
vida<strong>de</strong>s e dos projetos governamentais, por meio <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> emis-<br />
soras do país.<br />
A partir do término da Segunda Guerra Mundial, as Relações<br />
Públicas, nos Estados Unidos, haviam alcançado um estágio <strong>de</strong> pro-<br />
gresso e <strong>de</strong> aceitação que facilitava o seu <strong>de</strong>senvolvimento em ou-<br />
tros países do mundo. Mais <strong>de</strong> quatrocentas empresas norte-ame-<br />
ricanas criaram serviços especializados e mais <strong>de</strong> quinhentas con-<br />
sultorias <strong>de</strong> Relações Públicas foram então fundadas.<br />
No Brasil, a experiência pioneira foi feita pela antiga Light (ho-<br />
je Eletropaulo), ao introduzir em seu organograma, a 30 <strong>de</strong> janei-<br />
ro <strong>de</strong> 1914, um <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Relações Públicas. Mas, somente<br />
no inicio da década <strong>de</strong> cinqüenta é que essa área passou a ser obje-<br />
to <strong>de</strong> atenção e mais conhecida, juntamente com o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
industrial <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado, na ocasião, por força da absorção <strong>de</strong> capi-<br />
tais estrangeiros que passaram a ser investidos no País.<br />
Surgem nesse período as primeiras assessorias <strong>de</strong> Relações Pú-<br />
blicas (Cia. Nacional <strong>de</strong> Relações Públicas e Propaganda, 1952) e co-<br />
meça a se articular um grupo <strong>de</strong> profissionais que acabam fundan-<br />
do a Associação Brasileira <strong>de</strong> Relações Públicas, em 1954. As gran-<br />
<strong>de</strong>s empresas, principalmente as multinacionais, e agências <strong>de</strong> pro-<br />
paganda montam setores <strong>de</strong> Relações Públicas.<br />
Daquela época até a década <strong>de</strong> oitenta, há um crescimento acen-<br />
tuado das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Relações Públicas. As empresas se conven-<br />
cem <strong>de</strong> que, além da publicida<strong>de</strong> dos seus produtos, têm necessida-<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidar do seu posicionamento institucional perante a opinião<br />
pública. E as Relações Públicas passam a fazer parte integrante do<br />
composto mercadológico, servindo <strong>de</strong> suporte na mediação da or-<br />
ganização com seus públicos.<br />
O breve retrospecto histórico apresentado nos leva a perceber<br />
que as Relações Públicas nasceram e se <strong>de</strong>senvolveram impregnadas<br />
<strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong> acomodação dos públicos aos interesses econô-<br />
micos e políticos daqueles que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r, colocando-se, portan-<br />
to, a serviço do sistema capitalista vigente.<br />
Toda essa atuação <strong>de</strong> Relações Públicas, voltada mais para os<br />
interesses empresariais, é calcada na transferência da bibliografia<br />
estrangeira, principalmente a norte-americana, que serviu <strong>de</strong> para-<br />
digma para os iniciantes brasileiros. Os textos acadêmicos <strong>de</strong> auto-<br />
res como Carlson, Childs, Edward Bernays, Canfield e Jamelson, en-<br />
tre outros, retratavam experiências americanas que foram facilmen-<br />
te assimiladas acadêmica e profissionalmente. 1 Tanto isto é ver-<br />
da<strong>de</strong> que a literatura brasileira sobre Relações Públicas, via <strong>de</strong> re-<br />
gra, até por volta dos anos oitenta, era toda centrada na preocupa-<br />
ção <strong>de</strong> como as empresas <strong>de</strong>viam se relacionar com seus públicos<br />
para melhorar sua "imagem" e serem bem aceitas, estabelecendo-se<br />
condições favoráveis para a venda <strong>de</strong> seus produtos e serviços.<br />
49
Foi no início da década <strong>de</strong> oitenta que se passou a <strong>de</strong>bater e<br />
praticar as Relações Públicas sob outra ótica, conferindo-lhes uma<br />
nova dimensão e subordinando-as aos interesses populares e comu-<br />
nitários. Isto se <strong>de</strong>u graças ao avanço que então já havia alcançado<br />
a <strong>comunicação</strong> alternativa, em <strong>de</strong>corrência dos esforços <strong>de</strong> <strong>de</strong>fenso-<br />
res das liberda<strong>de</strong>s <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticas e <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como a INTERCOM<br />
(Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação)<br />
e a UCBC (União Cristã Brasileira <strong>de</strong> Comunicação Social), que pro-<br />
moviam ciclos <strong>de</strong> estudos e congressos com <strong>de</strong>bates voltados, sem-<br />
pre, para uma temática <strong>de</strong> oposição ao governo militar, pondo em<br />
evidência as classes subalternas, os direitos humanos e uma nova<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social.<br />
Foi precisamente em 1980 que a UCBC, em seu IX Congresso,<br />
abordou a <strong>comunicação</strong> popular. Na ocasião, tivemos a oportuni-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> painel sobre Relações Públicas a serviço dos<br />
interesses populares, ao lado <strong>de</strong> Anísio Teixeira, representando a clas-<br />
se operária, José Queiroz, professor da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São<br />
Paulo, e Cicilia Peruzzo (que então já preconizava uma nova ma-<br />
neira <strong>de</strong> encarar as Relações Públicas e, posteriormente, em 1981,<br />
apresentaria sua dissertação <strong>de</strong> mestrado sobre "Relações Públicas<br />
no modo <strong>de</strong> produção capitalista", <strong>de</strong>pois transformada em livro,<br />
agora já em segunda edição). 2 Tudo isso contribuiu muito para<br />
uma nova visão <strong>de</strong> Relações Públicas. Na verda<strong>de</strong>, o referido painel<br />
fez germinar uma nova esperança <strong>de</strong> vida para essa área.<br />
À mesma época, com colegas <strong>de</strong> magistério e alunos do último<br />
ano do curso <strong>de</strong> Relações Públicas da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação So-<br />
cial do Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior, em São Bernardo do<br />
Campo, iniciávamos um projeto experimental voltado para a comu-<br />
nida<strong>de</strong>, numa tentativa concreta <strong>de</strong> viabilizar uma nova alternativa<br />
para as Relações Públicas.<br />
Pretendíamos <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrar que as técnicas e a arte <strong>de</strong> Relações<br />
Públicas podiam ser aplicadas também a outras camadas sociais que<br />
não somente as empresariais. Em um artigo intitulado "Relações<br />
Públicas comunitárias: um <strong>de</strong>safio", publicado em 1984, * relatamos<br />
algumas experiências levadas a efeito, nesse sentido, por nós e por<br />
outras escolas.<br />
ALGUMAS PROPOSTAS ALTERNATIVAS<br />
PARA AS RELAÇÕES PUBLICAS<br />
Como já comentamos anteriormente, até há pouco tempo as Re-<br />
lações Públicas eram vistas como uma ativida<strong>de</strong> empresarial ou go-<br />
vernamental. Os currículos das faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Comunicação Social<br />
e mesmo a literatura existente eram mais direcionados nessa linha.<br />
Hoje, as Relações Públicas começam a ser aplicadas também em ou-<br />
tros campos. Quais seriam essas novas alternativas, que estão pro-<br />
piciando gran<strong>de</strong>s perspectivas <strong>de</strong> trabalho para o futuro? Por que<br />
não pensar Relações Públicas na área sindical, nas organizações po-<br />
pulares, nas organizações sem fins lucrativos, nos grupos espontâ-<br />
neos e nos movimentos sociais?<br />
É o que procuraremos expor a seguir, embora reconhecendo as<br />
nossas limitações e a escassez <strong>de</strong> dados sobre o assunto.<br />
50
Relações públicas na área sindical<br />
Uma gran<strong>de</strong> alternativa para as Relações Públicas é a atuação<br />
junto aos sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores, organizações que ganham for-<br />
ça num regime <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático e representam uma solução para uni-<br />
ficar as reivindicações dos assalariados.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que aqui <strong>de</strong>vemos nos libertar <strong>de</strong> certos conceitos tra-<br />
dicionais <strong>de</strong> Relações Públicas e vestir outra camisa, a das classes<br />
menos favorecidas, subordinadas aos interesses do capital. Para<br />
isso, é preciso que conheçamos um pouco da história e da vida dos<br />
sindicatos brasileiros.<br />
Segundo Roque Silva, estes nasceram da necessida<strong>de</strong> sentida pe-<br />
los trabalhadores <strong>de</strong> se organizarem para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus interesses<br />
enquanto assalariados. 4<br />
Suas lutas, no Brasil, têm sido marcadas por intervenções con-<br />
tinuas do Estado, principalmente em <strong>de</strong>terminados períodos, quando,<br />
por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos, se eliminavam sua liberda<strong>de</strong> e autonomia, <strong>de</strong>s-<br />
viando-se os seus objetivos básicos para o assistencialismo e a <strong>de</strong>s-<br />
mobilização da classe trabalhadora.<br />
Referindo-se aos anos posteriores a 1964, Ricardo Antunes <strong>de</strong>-<br />
monstra como o regime autoritário redimensionou o movimento sin-<br />
dical brasileiro, fazendo <strong>de</strong>le um instrumento da "paz social". Se-<br />
cundo o autor, "reforçou-se, através <strong>de</strong> novos instrumentos legais,<br />
o papel do sindicato como mero órgão assistencialista e <strong>de</strong> agente<br />
intermediário entre o Estado e a classe trabalhadora", B E as li<strong>de</strong>-<br />
ranças anteriores viram-se transformadas em li<strong>de</strong>ranças administra-<br />
tivas, acrescenta Sarah Chucid da Viá.« Nesse período, segundo<br />
Roque Silva, "a legislação esvazia os sindicatos <strong>de</strong> toda represen-<br />
tativida<strong>de</strong>, convertendo-os em entida<strong>de</strong>s amorfas, capacitadas apenas<br />
para mediar os conflitos. Nessas condições, torna-se enormemente<br />
difícil qualquer tentativa mais eficaz <strong>de</strong> luta pela autonomização,<br />
visto que sua fonte básica <strong>de</strong> legitimação é o próprio Estado, que<br />
lhes outorga não apenas os meios financeiros mas também, ao reco-<br />
nhecer uma associação conce<strong>de</strong>ndo-lhe a 'carta sindical', o direito<br />
<strong>de</strong> mobilizar a representação <strong>de</strong> uma categoria <strong>de</strong> trabalhadores". ?<br />
Mas aos poucos as coisas tornariam a mudar. "Navegando con-<br />
tra essa maré, o sindicalismo brasileiro vive, atualmente, mais uma<br />
vez, expectativas quanto ao seu <strong>de</strong>senvolvimento, abertas com lutas<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas em 77/78", diz Roque Silva. 8<br />
E hoje, com a Nova República e novas medidas do Ministério<br />
do Trabalho com relação à autonomia e à liberda<strong>de</strong> sindical e com<br />
o fim das intervenções nos sindicatos, está-se caminhando para um<br />
revigoramento dos movimentos sindicais. Esses passam por trans-<br />
formações sociais, políticas e econômicas que exigirão novos canais<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> com os diversos públicos.<br />
Cabe aqui um importante papel às Relações Públicas, que encon-<br />
tram nessas organizações um novo campo <strong>de</strong> trabalho a ser explo-<br />
rado pelos profissionais da área. Só no Estado <strong>de</strong> São Paulo, por<br />
exemplo, temos mais <strong>de</strong> setecentos sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores.<br />
Trata-se, segundo Nicole Blouin, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver as relações in-<br />
ternas, que "<strong>de</strong>vem favorecer a <strong>comunicação</strong> entre os funcionários,<br />
a administração do sindicato e os sindicalizados", 9 usando-se para<br />
tanto todos os instrumentos postos à disposição, a fim <strong>de</strong> fazer os<br />
membros participarem <strong>de</strong> maneira mais ativa na vida <strong>de</strong> seu sindi-<br />
cato. "Resta todavia um vasto campo a explorar neste domínio", diz<br />
51
Nicole, acrescentando que "no dia em que o sindicalizado pu<strong>de</strong>r ins-<br />
tantaneamente comentar as <strong>de</strong>cisões e as tomadas <strong>de</strong> posição <strong>de</strong> sua<br />
associação e <strong>de</strong> seus lí<strong>de</strong>res sindicais, a palavra 'participação' tomará<br />
então toda a sua significação. Se não, para que serviria dispensar<br />
a melhor <strong>comunicação</strong> que seja, se o receptor, o sindicalizado, não<br />
estivesse inclinado a participar da elaboração <strong>de</strong> uma obra comum?" 10<br />
Além disso, há que se <strong>de</strong>senvolver as relações do sindicato com<br />
seus públicos externos, num trabalho que, para a autora citada, con-<br />
siste em "passar idéias", difundir um conteúdo que, muito freqüen-<br />
temente, não goza antecipadamente <strong>de</strong> um conceito favorável da par-<br />
te do público consumidor", " que po<strong>de</strong> ser o patrão, o Estado etc.<br />
Muitos trabalhos po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>senvolvidos em conjunto com as<br />
outras áreas da <strong>comunicação</strong> social (Jornalismo, Publicida<strong>de</strong> e Pro-<br />
paganda, Editoração etc), como ví<strong>de</strong>os, eventos, publicações, relações<br />
com a Imprensa, campanhas. Um setor ou <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Rela-<br />
ções Públicas numa estrutura sindical po<strong>de</strong>rá ter como uma <strong>de</strong> suas<br />
missões, por exemplo, promover um relacionamento muito maior dos<br />
trabalhadores com seu sindicato. Se consi<strong>de</strong>rarmos que a categoria<br />
metalúrgica <strong>de</strong> São Paulo reúne mais <strong>de</strong> trezentas mil pessoas e<br />
apenas pouco mais <strong>de</strong> vinte por cento <strong>de</strong>las são sindicalizadas, vê-se<br />
que há muito por fazer nesse sentido.<br />
Trata-se <strong>de</strong> conscientizar e mobilizar os trabalhadores para uma<br />
efetiva participação na vida sindical. É um item que faz parte <strong>de</strong><br />
ampla pesquisa realizada pelo CEDEC (<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Cul-<br />
tura Contemporânea), <strong>de</strong> São Paulo, junto a dirigentes sindicais <strong>de</strong><br />
vários estados brasileiros. A maioria dos entrevistados confirmou<br />
que "os trabalhadores ainda estão distantes da vida dos sindicatos<br />
e muitas vezes os sindicatos estão longe dos trabalhadores". 12 Para<br />
eles, só com uma "gran<strong>de</strong> participação" se conseguirá uma verda-<br />
<strong>de</strong>ira organização sindical.<br />
Relações Públicas nas organizações populares<br />
Pensar em Relações Públicas populares supõe que se conheça o<br />
que é "povo" e "organização popular".<br />
Eduardo Wan<strong>de</strong>rley analisa amplamente o conceito <strong>de</strong> povo em<br />
artigo publicado no livro A <strong>cultura</strong> do povo. í 3 Gramsci <strong>de</strong>fine<br />
povo como o "conjunto <strong>de</strong> classes subalternas e instrumentais, sub-<br />
metidas à combinação econômica e política das classes hegemônicas<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>". 1 * Regina Festa, citando essa<br />
mesma <strong>de</strong>finição, ao analisar um artigo <strong>de</strong> Gilberto Gimenez ("No-<br />
tas para una teoria <strong>de</strong> Ia comunicación popular"), diz: "Nós enten-<br />
<strong><strong>de</strong>mo</strong>s que povo e popular só po<strong>de</strong>m ser compreendidos através da<br />
diferenciação sócio-econômica e sócio-<strong>cultura</strong>l, no marco das rela-<br />
ções sociais <strong>de</strong> produção. O popular, portanto, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>finido à<br />
luz <strong>de</strong> uma teoria das classes sociais". 15<br />
E o que se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r por organizações populares? São os<br />
pequenos grupos, os núcleos <strong>de</strong> base que compõem a socieda<strong>de</strong><br />
maior. É nessas microssocieda<strong>de</strong>s que se gestará a nova socieda<strong>de</strong><br />
participativa e <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática, unida por uma nova trama social soli-<br />
dária e libertadora, conforme preconiza Bor<strong>de</strong>nave. 18<br />
Um trabalho <strong>de</strong> Relações Públicas nas organizações populares<br />
<strong>de</strong>verá partir <strong>de</strong> uma prática inteiramente nova, inserindo-se numa<br />
concepção libertadora da educação, i<strong>de</strong>ntificando-se com a realida-<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses agrupamentos sociais, por meio <strong>de</strong> uma ação conjunta com<br />
52
eles em busca das transformações sociais. Segundo Cicília Peruzzo,<br />
"não se trata <strong>de</strong> transpor simplesmente para os movimentos popu-<br />
lares ou sindicais as Relações Públicas que a burguesia criou. Há<br />
que alterá-las. Têm que ser orientadas por nova concepção <strong>de</strong> mun-<br />
do e por nova metodologia. Aqui as Relações Públicas são novas,<br />
são as Relações Públicas Populares que têm como pressuposto a ne-<br />
cessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar a socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> construir outra nova, funda-<br />
da na igualda<strong>de</strong>"."<br />
Po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s <strong>de</strong>senvolver programas <strong>de</strong> Relações Públicas com di-<br />
versos tipos <strong>de</strong> organizações populares, ou, mais especificamente, em<br />
diferentes movimentos sociais, como, por exemplo, os movimentos<br />
das comunida<strong>de</strong>s eclesiais <strong>de</strong> base, das associações <strong>de</strong> moradores, das<br />
comunida<strong>de</strong>s negras, dos sem-terra, dos que lutam pela reforma<br />
agrária, dos favelados, dos trabalhadores. São microssocieda<strong>de</strong>s que<br />
postulam novos espaços e uma vida humana mais digna e justa, ten-<br />
tando resistir à opressão do po<strong>de</strong>r público e econômico, sobretudo<br />
nos regimes on<strong>de</strong> não há espaço para a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia.<br />
Regina Festa, que faz interessante relato sobre a evolução dos<br />
movimentos sociais e sobre a <strong>comunicação</strong> popular e alternativa no<br />
Brasil, afirma: "Os movimentos sociais não ocorrem por acaso.<br />
Eles têm origem nas contradições sociais que levam parcelas ou<br />
toda uma população a buscar formas <strong>de</strong> conquistar ou reconquis-<br />
tar espaços <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos negados pela classe no po<strong>de</strong>r. Essas con-<br />
tradições são as que geram processos <strong>de</strong> resistências em momentos<br />
<strong>de</strong> repressão social, <strong>de</strong> convergência histórica em momentos <strong>de</strong><br />
acumulação <strong>de</strong> forças por parte das oposições, ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarticulação<br />
<strong>de</strong>ssas mesmas forças quando as condições internas que as gera-<br />
ram encontram-se incapazes <strong>de</strong> articular uma alternativa histórica.<br />
Portanto, os movimentos sociais existem em socieda<strong>de</strong>s tensionadas<br />
por conflitos <strong>de</strong> interesse entre as classes sociais. Nesse sentido, os<br />
movimentos sociais estruturam-se <strong>de</strong> acordo com a conjuntura, com<br />
interesses <strong>de</strong> grupos específicos, classes ou extrações <strong>de</strong> classes e<br />
em torno <strong>de</strong> projetos alternativos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>". 18<br />
Além das alternativas aqui expostas, po<strong>de</strong>ríamos, ainda, enume-<br />
rar muitas outras. Basta lembrar o elevado número <strong>de</strong> organiza-<br />
ções sem fins lucrativos (obras assistenciais, orfanatos, centros cul-<br />
turais, museus, escolas e hospitais públicos). São organizações que<br />
mantêm um fluxo intenso dos mais diferentes públicos e que na sua<br />
maioria carecem <strong>de</strong> um serviço eficiente <strong>de</strong> Relações Públicas.<br />
Estamos <strong>de</strong>senvolvendo, com os alunos da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Co-<br />
municação Casper Libero e da Metodista, projetos experimen-<br />
tais <strong>de</strong> Relações Públicas nessa linha. Estamos, por exemplo,<br />
trabalhando com o CVV (<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Valorização da Vida), a AACD<br />
(Associação <strong>de</strong> Assistência à Criança Defeituosa), a APAE (Associa-<br />
ção <strong>de</strong> Pais e Amigos dos Excepcionais), a APCD (Associação Pau-<br />
lista dos Cirurgiões Dentistas do ABC), o Coral Metodista, o MAC<br />
(Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo). Essas<br />
organizações foram escolhidas pelos próprios alunos, que se sen-<br />
tiram motivados a realizar seus trabalhos <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso com<br />
elas. São, na verda<strong>de</strong>, alternativas diferentes dos trabalhos propos-<br />
tos nos projetos empresariais.<br />
Outra área promissora a ser consi<strong>de</strong>rada é a <strong>de</strong> Relações Pú-<br />
blicas no meio rural. Quantas ativida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>riam ser pensadas<br />
para cooperativas e produtores rurais! Reuniões, produção <strong>de</strong> ví-<br />
53
<strong>de</strong>os e audiovisuais, folhetos explicativos sobre tratamento do solo<br />
e produção <strong>de</strong> alimentos...<br />
Imaginemos as Relações Públicas estudando e conhecendo bem<br />
o público rural e contribuindo para a concretização e implantação da<br />
reforma agrária em nosso país. Quantas falhas estão ocorrendo por<br />
causa da inexistência <strong>de</strong> uma <strong>comunicação</strong> mais eficaz com esse<br />
segmento <strong>de</strong> público!<br />
Em tudo isso, trata-se, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver Relações Pú-<br />
blicas comunitárias, num trabalho realizado diretamente com a co-<br />
munida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la e em função <strong>de</strong>la, "por profissionais que se<br />
integram nos grupos ou por profissionais orgânicos surgidos nos<br />
próprios grupos", como já escrevíamos em artigo publicado sobre<br />
o assunto em 1984. lfl<br />
Todo esse elenco <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> novas propostas para as<br />
Relações Públicas só encontrará efetivamente resultados comprome-<br />
tidos com as mudanças sociais, políticas e econômicas da socieda-<br />
<strong>de</strong> brasileira se nos imbuirmos da postura <strong>de</strong> quem quer crescer e<br />
trabalhar com as organizações populares como agente aglutinador das<br />
diversas forças sociais, promovendo a participação e integração em<br />
benefício da maioria. Acreditamos que temos <strong>de</strong> passar por uma<br />
nova reciclagem e que dois princípios são fundamentais: primeiro,<br />
a necessida<strong>de</strong> da absorção <strong>de</strong> alguns conceitos sobre <strong>comunicação</strong><br />
popular e alternativa, sobre movimentos sociais, sobre "educação li-<br />
bertadora" (Paulo Freire) e sobre Relações Públicas a serviço dos<br />
interesses populares; segundo, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conhecer as téc-<br />
nicas <strong>de</strong> planejamento, aplicadas especificamente ao trabalho <strong>de</strong> Re-<br />
lações Públicas em grupos <strong>de</strong>ssa natureza.<br />
Algumas exigências para a efetivação da prática alternativa<br />
<strong>de</strong> Relações Públicas<br />
Numa época em que é gran<strong>de</strong> o esforço feito no sentido <strong>de</strong> pen-<br />
sar ou repensar o papel das Relações Públicas, <strong>de</strong> buscar novas <strong>de</strong>-<br />
finições e novos caminhos para essa área, como se po<strong>de</strong>, além da<br />
formação normal oferecida pelos cursos, proporcionar meios que<br />
preparem o futuro profissional para atuar diretamente numa prática<br />
comunitária?<br />
Primeiramente, há que se introduzir algumas mudanças no con-<br />
teúdo das disciplinas oferecidas pelos cursos, dando espaço para<br />
novas alternativas, como a <strong>comunicação</strong> popular e projetos comu-<br />
nitários, revendo-se, portanto, os tradicionais conceitos <strong>de</strong> Relações<br />
Públicas, on<strong>de</strong> o centro <strong>de</strong> tudo são a empresa e os interesses co-<br />
merciais.<br />
Partindo da proposta do estudo da <strong>comunicação</strong> popular, é pre-<br />
ciso enten<strong>de</strong>r o seu real significado. Segundo Regina Festa a co-<br />
municação popular "refere-se ao modo <strong>de</strong> expressão das classes po-<br />
pulares <strong>de</strong> acordo com a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuar sobre o contexto<br />
social na qual ela se reproduz. Contexto <strong>de</strong> enfrentamento com o<br />
projeto <strong>de</strong> dominação capitalista. Nesse contexto, a <strong>comunicação</strong><br />
popular é o agente da <strong>de</strong>finição do projeto popular, que vai con-<br />
formando a inter-relação entre grupos e classes populares. Na nos-<br />
sa socieda<strong>de</strong>, entretanto, ela reproduz a fragmentação e a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong><br />
das classes populares e a sua incapacida<strong>de</strong> atual <strong>de</strong> articular alian-<br />
ças políticas. Daí porque ela se expressa em espaços <strong>de</strong>terminados<br />
como nas comunida<strong>de</strong>s eclesiais <strong>de</strong> base, em sindicatos, grupos <strong>de</strong>
mulheres, centros <strong>de</strong> educação e <strong>comunicação</strong> popular, grupos cul-<br />
turais, movimentos <strong>de</strong> favelados etc." 20<br />
Outro aspecto importante é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos inserirmos nu-<br />
ma concepção "libertadora" da Educação, superando a educação<br />
bancária a que se refere Paulo Freire. 21 Assim, ao <strong>de</strong>senvolvermos<br />
um trabalho junto às classes populares, temos que nos posicionar<br />
como alguém que se integra no grupo, com ele apren<strong>de</strong>ndo, ensi-<br />
nando e transformando alguma coisa, e não como alguém que irá<br />
ser um "transmissor <strong>de</strong> conhecimentos", em posição <strong>de</strong> superiori-<br />
da<strong>de</strong> e com soluções prontas para aquele grupo. Com base em Paulo<br />
Freire, dizem Rosiska e Miguel Darcy <strong>de</strong> Oliveira: "Educação não<br />
é sinônimo <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> conhecimento pela simples razão <strong>de</strong><br />
que não existe um saber feito e acabado, suscetível <strong>de</strong> ser captado<br />
e compreendido pelo educador e, em seguida, <strong>de</strong>positado nos edu-<br />
candos. O saber não é uma simples cópia ou <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma<br />
realida<strong>de</strong> estática. A realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>cifrada e reinventada a<br />
cada momento. Neste sentido, a verda<strong>de</strong>ira educação é um ato di-<br />
nâmico e permanente <strong>de</strong> conhecimento centrado na <strong>de</strong>scoberta, aná-<br />
lise e transformação da realida<strong>de</strong> pelos que a vivem". 22<br />
Nossa geração é vítima <strong>de</strong> uma educação passiva, que nos foi<br />
imposta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ambiente familiar até ao ensino <strong>de</strong> terceiro grau,<br />
tendo como respaldo o regime <strong>de</strong> ditadura militar durante vinte anos.<br />
Como conseqüência, vemos hoje uma participação amorfa da juven-<br />
tu<strong>de</strong>, dos profissionais e da socieda<strong>de</strong> em geral frente aos i<strong>de</strong>ais<br />
<strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos, em <strong>de</strong>corrência da inexistência <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>o-<br />
lógica dos atuais partidos políticos.<br />
Os novos tempos exigem que o profissional <strong>de</strong> Relações Públi-<br />
cas tenha uma visão muito mais crítica e <strong>de</strong>sempenhe uma função<br />
política na socieda<strong>de</strong>. Contestamos os que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a neutralida<strong>de</strong><br />
das Relações Públicas. Temos que ter coragem e assumir nossas<br />
posições publicamente.<br />
De acordo com José Queiroz, um trabalho <strong>de</strong> Relações Públi-<br />
cas a serviço dos interesses populares exige do profissional uma mu-<br />
dança existencial, <strong>de</strong> sorte que ele seja antes um ser <strong>de</strong> relações e<br />
não tanto um ser <strong>de</strong> contatos; que se compenetre <strong>de</strong> seus direitos<br />
e <strong>de</strong>veres no contexto em que vive; que faça coincidir os seus in-<br />
teresses com os das classes subalternas; a transformação sócio-eco-<br />
nômica-política em vista <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> justa e livre; por fim,<br />
que ofereça suas técnicas às classes subalternas, ajudando-as a me-<br />
lhorar a própria imagem diante do público, a tornar aceitáveis os<br />
seus programas e objetivos, a facilitar o fluxo <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> entre<br />
as li<strong>de</strong>ranças e as bases, a prever as possíveis reações às suas rei-<br />
vindicações, a transmitir a outros movimentos populares e ao outro<br />
pólo os seus propósitos e as suas realizações. 23<br />
Percebemos, pelas colocações feitas, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ssvisão<br />
dos conceitos adquiridos nos cursos <strong>de</strong> Relações Públicas e <strong>de</strong> uma<br />
premente reciclagem profissional, para po<strong>de</strong>rmos atuar satisfatoria-<br />
mente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa nova ótica das Relações Públicas.<br />
Nova práxis<br />
O marco inicial <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> Relações Públicas voltado pa-<br />
ra os interesses populares é o conhecimento da realida<strong>de</strong> com a<br />
qual se vai trabalhar. Antes <strong>de</strong> propormos qualquer programa <strong>de</strong><br />
ação, temos que verificar o ambiente e sondar quais são os reais<br />
55
anseios <strong>de</strong>sse agrupamento social. Isto <strong>de</strong>ve ser feito <strong>de</strong> preferên-<br />
cia por meio <strong>de</strong> uma pesquisa participante, "on<strong>de</strong> afinal pesquisa-<br />
dores e pesquisados são sujeitos <strong>de</strong> um mesmo trabalho comum,<br />
que, ainda que com situações e tarefas diferentes, preten<strong>de</strong> ser uni<br />
instrumento a mais <strong>de</strong> reconquista popular", conforme afirma Car-<br />
los Rodrigues Brandão. 24<br />
É preciso que se processe todo um estudo em conjunto (pes-<br />
quisador/pesquisado) em torno do macro-ambiente on<strong>de</strong> estão in-<br />
seridos a comunida<strong>de</strong> e os movimentos sociais. Temos que ter uma<br />
visão ampla da influência do ambiente externo sobre qualquer or-<br />
ganização social, exercida por meio das variáveis políticas, econômi-<br />
cas, sociais, <strong>cultura</strong>is, <strong><strong>de</strong>mo</strong>gráficas, tecnológicas, legais e ecológicas.<br />
São fatores que interferem enormemente na vida das organizações e<br />
ninguém po<strong>de</strong> ignorá-los.<br />
Depois <strong>de</strong> se estudar o ambiente como um todo, parte-se para<br />
o grupo ou a comunida<strong>de</strong> propriamente dita e para seu ambiente<br />
operacional mais próximo.<br />
Luiz Bravo apresenta um estudo preliminar da comunida<strong>de</strong> que,<br />
embora esteja dirigido para um trabalho <strong>de</strong> serviço social, po<strong>de</strong> ser-<br />
vir para a área <strong>de</strong> Relações Públicas. O esquema que ele propõe<br />
é constituído <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito itens: espaço geográfico, história, contexto<br />
<strong>cultura</strong>l, sistema político, social, econômico, <strong>de</strong> emprego, educacio-<br />
nal, médico-sanitário, <strong>de</strong> bem-estar social, <strong>de</strong> transporte e <strong>de</strong> comu-<br />
nicações sociais, recursos comunitários, tipos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, ex-<br />
pectativa da comunida<strong>de</strong> quanto às dificulda<strong>de</strong>s, soluções, experiên-<br />
cias significativas em projetos comunitários e participação <strong>de</strong> assis-<br />
tente social na comunida<strong>de</strong>. 2 5 Acrescentamos ao esquema as ques-<br />
tões da participação <strong>de</strong> profissionais da área <strong>de</strong> Comunicação Social<br />
e das perspectivas para um trabalho <strong>de</strong> Relações Públicas. De acor-<br />
do com a situação da comunida<strong>de</strong>, estudar-se-ia como proce<strong>de</strong>r para<br />
levantar as informações. Po<strong>de</strong> ser que o melhor não seja um ques-<br />
tionário formal, mas reuniões com lí<strong>de</strong>res e setores <strong>de</strong>terminados.<br />
Tem que haver bastante flexibilida<strong>de</strong> e adaptações, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> e com quem vai-se trabalhar.<br />
De posse <strong>de</strong> todas as informações necessárias parte-se para o<br />
diagnóstico, <strong>de</strong>stacando as áreas com dificulda<strong>de</strong>s, os problemas ou<br />
as situações-problemas que po<strong>de</strong>rão ser minimizados ou solucionados<br />
com a participação do profissional <strong>de</strong> Relações Públicas. O diagnós-<br />
tico permite, também, i<strong>de</strong>ntificar as causas <strong>de</strong>terminantes dos pro-<br />
blemas e bloqueios existentes.<br />
O próximo passo é estabelecer programas <strong>de</strong> ação com alterna-<br />
tivas e priorida<strong>de</strong>s para tentar solucionar os problemas encontra-<br />
dos. É aqui que po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s aproveitar e utilizar todo o instrumental<br />
<strong>de</strong> Relações Públicas disponível, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, é claro, da realida<strong>de</strong><br />
do agrupamento social em que se está trabalhando. Se a comuni-<br />
da<strong>de</strong> tem como predominância alto índice <strong>de</strong> analfabetismo, não adian-<br />
ta insistirmos em publicações. No caso, é mais eficaz recorrermos aos<br />
instrumentos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> dirigida oral, aproximativa e audio-<br />
visual. É preciso, pois, escolher os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> em fun-<br />
ção dos públicos que se quer atingir. Toda essa proposta <strong>de</strong> ação<br />
tem que ser feita <strong>de</strong> forma conjugada com os elementos da comu-<br />
nida<strong>de</strong> e com os <strong>de</strong>mais assessores.<br />
Ao se <strong>de</strong>senvolver um projeto comunitário <strong>de</strong> Relações Públicas<br />
nao se po<strong>de</strong> pensar unilateralmente. Temos que motivar a partici-<br />
pação <strong>de</strong> muitas áreas e pessoas. Depen<strong>de</strong>ndo do tipo <strong>de</strong> comunída-<br />
56
<strong>de</strong> e do estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento em que ela se encontra, tere-<br />
mos necessida<strong>de</strong> do psicólogo, do pedagogo, do advogado, do mé-<br />
dico, do educador-fisico, do publicitário, do jornalista. E vamos<br />
precisar, sobretudo, da própria comunida<strong>de</strong>, pois o importante é que<br />
se trabalhe "com" o grupo e não "para" o grupo.<br />
Todo o processo <strong>de</strong> ação planejada <strong>de</strong> Relações Públicas com as<br />
organizações populares <strong>de</strong>ve se <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong> uma forma dinâmica<br />
e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> mundo. Cada povo tem sua maneira pró-<br />
pria <strong>de</strong> ser e sua própria história. Uma comunida<strong>de</strong>, um movimen-<br />
to social é sempre um agrupamento <strong>de</strong> pessoas que têm muitas<br />
histórias e muitas vidas em comum.<br />
As Relações Públicas nas organizações populares, nos sindica-<br />
tos e nos movimentos sociais não constituem uma proposta acabada,<br />
mas apenas uma semente que precisa ser cultivada em todos os es-<br />
tudantes e profissionais <strong>de</strong> Relações Públicas. Somente com aber-<br />
tura, aceitação e assimilação essas novas idéias e formas <strong>de</strong> enca-<br />
rar as Relações Públicas serão levadas adiante e concretizarão obje-<br />
tivos <strong>de</strong> mudança em nossa socieda<strong>de</strong>.<br />
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. Cf. PERUZZO, Cicília Maria Krohling, Relações públicas no mo-<br />
do <strong>de</strong> produção capitalista, 2.a ed., São Paulo, Summus, 1986, p. 14. José<br />
Marques <strong>de</strong> Melo, ao prefaciar esse livro, analisa a influência da biblio-<br />
grafia estrangeira <strong>de</strong> Relações Públicas sobre a brasileira.<br />
2. PERUZZO, Cicília Maria Krohling, op. cit.<br />
3. KÜNSCH, Margarida M. Krohling, "Relações públicas comunitá-<br />
rias: um <strong>de</strong>safio", Revista Comunicação e Socieda<strong>de</strong>, do curso <strong>de</strong> Pós-gra-<br />
duação do Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior, São Bernardo do Cam-<br />
po, ano VI, n. 0 21, junho <strong>de</strong> 1984, pp. 131-150.<br />
4. SILVA, Roque Aparecido. "Representativida<strong>de</strong>, <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia e uni-<br />
da<strong>de</strong> no sindicalismo brasileiro", In: SILVA, Roque Aparecido et alii. Sin-<br />
dicatos em uma época <strong>de</strong> crise. Petrópolis, Vozes, em co-edição com o<br />
<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea, 1984, p. 17.<br />
5. ANTUNES, Ricardo L. C. O que é sindicalismo. São Paulo, Bra-<br />
siliense, 1984, p. 76.<br />
6. DA VIA, Sarah Chucid. Televisão e consciência <strong>de</strong> classe: o tra-<br />
balhador têxtil em face dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa. Petrópolis,<br />
Vozes, 1977, p. 53.<br />
7. SILVA, Roque. Op. cit., p. 19.<br />
8. Id., ibid., pp. 19-20.<br />
9. BLOUIN, Nicole, "Le syndlcallsme enseignant". In: BLOUIN, Ni-<br />
cole et alii. Communication et relations publiques. Montreal, Éditions Com-<br />
merce et Éditions Leméac, 1971, p. 248.<br />
10. Id., ibid., pp. 255-256.<br />
11. Id., ibid., pp. 252-253.<br />
12. SARTI, Ingrid An<strong>de</strong>rsen e MOISÉS, José Álvaro (coor<strong>de</strong>nadores).<br />
Sindicatos: autonomia e unida<strong>de</strong>. Petrópolis, Vozes, em co-edição com o<br />
<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea. Ca<strong>de</strong>rnos Populares, 1 1984,<br />
pp. 17-18.<br />
13. WANDERLEY, L. Eduardo. "Apontamentos sobre educação popu-<br />
lar". VALE, J. Edônio dos Reis e QUEIROZ, José J. (orgs.). A <strong>cultura</strong><br />
do povo. São Paulo, Cortez e Moraes, EDUC, 1979, pp. 49-64.<br />
57
14. GRAMSCI, Antônio. "Literatura y vida nacional". México, Juan Pa-<br />
blos Editor, 1976, pp. 239-240. Citado em "Notas para una teoria <strong>de</strong> Ia co-<br />
municación popular". In: Comunicación — Estúdios Venezolanos <strong>de</strong> Comu-<br />
nicación, Caracas, 1981, n. 0 35/36.<br />
15. FESTA, Regina, "Comunida<strong>de</strong>s eclesiais <strong>de</strong> base e <strong>comunicação</strong>".<br />
In: LINS DA SILVA, Carlos Eduardo (coor<strong>de</strong>nador). Comunicação, hegemo-<br />
nia e contra-informação. São Paulo, Cortez e Moraes, INTERCOM, 1982, pp.<br />
173-174.<br />
16. BORDENAVE, Juan E. Diaz. "A <strong>comunicação</strong> e o fortalecimen-<br />
to da organização popular". In: SOARES, Ismar <strong>de</strong> Oliveira e PUNTEL, Joa-<br />
na T. (orgs.), A segurança do povo: um <strong>de</strong>safio à <strong>comunicação</strong>. São Paulo,<br />
Paulinas, 1984, p. 220.<br />
17. PERUZZO, Cicília M. Krohling. "Propostas <strong>de</strong> transformação e <strong>de</strong><br />
relações públicas" na / Semana Londrinense <strong>de</strong> Relações Públicas, promovi-<br />
da pela Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina, <strong>de</strong> 20 a 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1986, Lon-<br />
drina, Paraná.<br />
18. FESTA, Regina e SILVA, Carlos Eduardo Lins (orgs.). Comuni-<br />
cação popular e alternativa no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986, p. 11.<br />
19. KUNSCH, Margarida M. Krohling. Op. cit., p. 133.<br />
20. FESTA, Regina. Comunicação popular e alternativa. A realida<strong>de</strong><br />
Je as utopias. São Bernardo do Campo, 1984, <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação do Ins-<br />
tituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior. Dissertação (mestrado), p. 170.<br />
21. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 7.» ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Paz e Terra, 1979, pp. 63-87.<br />
22. OLIVEIRA, Rosiska Darcy e OLIVEIRA, Miguel Darcy <strong>de</strong>. "Pes-<br />
quisa social e ação educativa: conhecer a realida<strong>de</strong> para po<strong>de</strong>r transforma-<br />
-Ia". In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). Pesguisa participante. 5.^ ed.,<br />
São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 19.<br />
23. QUEIROZ, José. "Relações públicas a serviço dos interesses po-<br />
pulares". In: PERUZZO, Cicília M. Krohling. JReZações públicas no modo<br />
<strong>de</strong> produção capitalista. 2* ed., São Paulo, Summus, 1986, pp. 127-128.<br />
24. BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). <strong>Pesquisa</strong> participante. 5."<br />
ed., São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 11.<br />
25. BRAVO, Luiz. Trabalhando com a comunida<strong>de</strong>: um manual <strong>de</strong><br />
operacionalização <strong>de</strong> serviço social <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>. 2.» ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Distilivros, 1983, p. 14.<br />
58
A Comunicação da Reforma<br />
Agrária: <strong>de</strong>sinformação<br />
e rumores*<br />
Hugo Gonzalez Vela **<br />
No Brasil, a assinatura dos 37 <strong>de</strong>cretos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong><br />
terras, em 12 estados do país, juntando-se às <strong>de</strong>clarações do ex-mi-<br />
nistro Dante <strong>de</strong> Oliveira, i <strong>de</strong> que "A Reforma Agrária é uma <strong>de</strong>-<br />
terminação do presi<strong>de</strong>nte que não está apenas no papel", e pouco<br />
tempo <strong>de</strong>pois, o lançamento do "pacote ver<strong>de</strong>", 2 numa perspectiva<br />
<strong>de</strong> Transformação Agrária, no mo<strong>de</strong>lo da Nova República (trans-<br />
formação nacional?) tem repercutido muito na realida<strong>de</strong> nacional,<br />
fazendo aflorar um quadro <strong>de</strong> constante injustiça, evi<strong>de</strong>nciando-se<br />
mais as contradições <strong>de</strong> classe. O resto é uma montoeira <strong>de</strong> acon-<br />
tecimentos, rumores, discussões jornalísticas, cada um, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua<br />
perspectiva, segundo os seus interesses e com a informação <strong>de</strong> que<br />
dispõe, trata <strong>de</strong> situar-se.<br />
Parece ser, que à medida que se aprofundam as discussões e<br />
proposições dos diversos segmentos envolvidos, a poeira ten<strong>de</strong> a au-<br />
mentar. E isto parece apenas começar, a julgar pela extrema si-<br />
milarida<strong>de</strong> do processo com outras experiências latino-americanas,<br />
evi<strong>de</strong>ntemente com um acréscimo <strong>de</strong> elementos mo<strong>de</strong>rnizantes. O pro-<br />
blema situa-se no ponto mais crucial para a vida da nação: a pos-<br />
se da terra e suas relações <strong>de</strong> trabalho.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que não só os elementos ligados ao setor agrário<br />
pressupõem o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um país, uma vez que para que<br />
isso aconteça é necessário aglomerar a totalida<strong>de</strong> dos elementos<br />
<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>, isto é, processos, estruturas, e relações que nem<br />
sempre são perceptíveis a olho nu. Noutras palavras, é necessá-<br />
ria uma luneta graduada para po<strong>de</strong>r perceber.<br />
♦ Documento apresentado no painel "Dimensões do Novo Desenvol-<br />
vimento" do Congresso INTERCOM/86, realizado <strong>de</strong> 01 a 05.09, em São Paulo.<br />
•* Mestre em Extensão Rural, Professor e Coor<strong>de</strong>nador do Curso Su-<br />
perior <strong>de</strong> Cooperativismo da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Maria — RS.<br />
59
0 ambiente criado no país por uma série <strong>de</strong> transformações<br />
ocorridas no contexto nacional evi<strong>de</strong>ncia uma certa confusão e ner-<br />
vosismo, principalmente no setor agrário, 3 que obriga a um tra-<br />
balho paciente e calmo, tentando <strong>de</strong>cifrar as relações mais simples,<br />
a fim <strong>de</strong> se chegar às mais complexas.<br />
Nesse contexto, este trabalho procura abordar, <strong>de</strong> maneira pro-<br />
visória, o âmbito da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, uma vez que esta, sem<br />
dúvida nenhuma, tem <strong>de</strong>staque numa perspectiva <strong>de</strong> transformação<br />
nacional, incluindo a agrária. A mudança dos elementos ligados<br />
ao setor agrário pressupõe uma mudança neste tipo <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />
E é exatamente essa relação que aqui se trata <strong>de</strong> questionar, embo-<br />
ra muito brevemente.<br />
Para a análise <strong>de</strong>sta relação, são utilizados os critérios operati-<br />
vos <strong>de</strong> antropólogos da <strong>comunicação</strong> no estudo dos sistemas pri-<br />
mários <strong>de</strong> mensagens, i<strong>de</strong>ntificando a estrutura maior da socieda<strong>de</strong><br />
e relaclonando-a com outra. Neste caso, Comunicação <strong>de</strong> Massa, Ru-<br />
mores e Reforma Agrária. Sob esta perspectiva, segundo Hall, 4 a<br />
observação e comprovação empírica fornece três critérios princi-<br />
pais para estudar tais sistemas:<br />
1 — Que estejam enraizados num ecossistema amplamente com-<br />
partido por outras formas <strong>de</strong> vida social.<br />
2 — Que possam ser analisados autonomamente, sem referência<br />
a outros sistemas e organizações <strong>de</strong> tal maneira que se possam i<strong>de</strong>n-<br />
tificar componentes isolados a serem conjugados com formas mai'3<br />
complexas.<br />
3 — Que estejam (paradoxalmente) constituídos <strong>de</strong> tal forma<br />
que cada um seja o reflexo <strong>de</strong> sua <strong>cultura</strong>, e por sua vez, refletidas<br />
por ela, enten<strong>de</strong>ndo <strong>cultura</strong> como o "cultivo" integral <strong>de</strong> uma co-<br />
munida<strong>de</strong> (subsistência, associação, interação, territorialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>-<br />
fesa etc).<br />
Sob estas condições, as três variáveis relacionadas com o pro-<br />
cesso brasileiro <strong>de</strong> mudança agrária po<strong>de</strong>m ser facilmente compre-<br />
endidas, porém, como se trata apenas <strong>de</strong> notas provisórias <strong>de</strong>vido<br />
ao curto espaço <strong>de</strong> tempo em que a questão foi retomada, e que <strong>de</strong><br />
fato evi<strong>de</strong>ncia-se algum indicio objetivo a respeito <strong>de</strong>ssa transfor-<br />
mação, o nosso procedimento é o mais simples. Tentar-se-á realizar<br />
uma análise sobre aquilo que a <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa tem feito com<br />
mais evidência a respeito das questões agrárias, especificamente a<br />
Reforma Agrária e os rumores na socieda<strong>de</strong>, a partir da data <strong>de</strong><br />
assinatura dos <strong>de</strong>cretos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação ao nível nacional. 5<br />
Empiricamente, os dados são coletados <strong>de</strong> dois jornais do in-<br />
terior, "A Razão", <strong>de</strong> Santa Maria, e a "Folha <strong>de</strong> São Borja", o "Ze-<br />
ro-Hora", da capital do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, e evi<strong>de</strong>nte-<br />
mente os consagrados "Jornal Hoje" e "Jornal Nacional", da TV-<br />
-Globo.<br />
1. PRIMEIRO MOMENTO: OS RUMORES<br />
E A REFORMA AGRARIA<br />
É, como já se argumentou, sem dúvida alguma, a <strong>comunicação</strong><br />
um dos elementos mais importantes no contexto da Reforma Agrá-<br />
ria, pois sem ela não existiria a interação, e portanto, estaríamos<br />
sem rumo, sem direção. E a assinatura do <strong>de</strong>creto com fins à rea-<br />
lização da Reforma Agrária <strong>de</strong>ixou em evidência, entre outras coi-<br />
60
sas, toda a problemática que vive a população brasileira quanto à<br />
informação, à opinião.<br />
Resulta extremamente curioso verificar que em apenas alguns es-<br />
cassos meses, questão <strong>de</strong> dias, e horas talvez, surge um conglomerado<br />
<strong>de</strong> "eruditos" em questões agrárias. A euforia dos rumores é tal,<br />
que <strong>de</strong> uma ou <strong>de</strong> outra maneira vai-se formando uma opinião,<br />
procurando, uns com outros, maior esclarecimento da problemática.<br />
Nesse contexto, histórico, a <strong>comunicação</strong> é utilizada para muitos<br />
objetivos ligados a interesses diversos, originados nas práticas <strong>de</strong><br />
classe.<br />
Sobre essas bases, dois são os principais elementos a serem fo-<br />
calizados no atual panorama da Reforma Agrária: as opiniões <strong>de</strong><br />
massa, ditas populares, originadas em opiniões pessoais e grupais<br />
espalhadas publicamente pelos múltiplos mecanismos do que aqui<br />
chamamos <strong>de</strong> rumor, e as opiniões pessoais e grupais espalhadas pu-<br />
blicamente pelas po<strong>de</strong>rosas e complexas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Comunicação <strong>de</strong><br />
Massa, através dos meios utilizados, principalmente o jornal, a rá-<br />
dio e a televisão.<br />
A Reforma Agrária é uma questão que, embora não esteja bem<br />
compreendida, e muito menos ao nível dos rumores, <strong>de</strong>ixa em evi-<br />
dência <strong>de</strong> que nesta socieda<strong>de</strong> nunca existiu um só bando, ou seja,<br />
que a cada tese segue-se uma anti-tese. Noutras palavras, trata-se<br />
<strong>de</strong> um projeto elaborado pelos homens, nas suas condições reais,<br />
perceptíveis à luz do dia. Historicamente <strong>de</strong>fendido por uns, pla-<br />
nejado por uns, criticado por outros etc. Objetivamente, o que se<br />
preten<strong>de</strong> significar é <strong>de</strong> que a uns contraria, a outros favorece, co-<br />
mo <strong>de</strong>corrência das contradições <strong>de</strong> classe e nesse contexto os "ini-<br />
migos" possuem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>r, influência, se articulam e agem.<br />
Sob esta perspectiva, o aumento das discussões e a assinatura<br />
do <strong>de</strong>creto, longe <strong>de</strong> distrair a atenção sobre as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s so-<br />
ciais, capitaliza sobre elas, fazendo-as aflorar, quase que <strong>de</strong> imedia-<br />
to. De fato, trata-se <strong>de</strong> um projeto que por mais priorida<strong>de</strong> e for-<br />
ça governamental que tenha, ainda permite muita <strong>comunicação</strong> e<br />
manobras, uma vez que ainda consiste num pedaço <strong>de</strong> papel.<br />
De um dia para outro, quem não entendia nada sobre o assun-<br />
to (Reforma Agrária) encontra-se discutindo energicamente sobre<br />
vantagens e <strong>de</strong>svantagens, sobre produtivida<strong>de</strong>, benefícios ecológicos,<br />
tipos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los rurais, mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> reformas etc. A <strong>de</strong>cretação da<br />
Reforma Agrária como necessida<strong>de</strong> nacional, mesmo que 20 anos <strong>de</strong>-<br />
pois, tem provocado um <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> informações e opiniões<br />
contrárias dificilmente encontradas em épocas recentes da história<br />
do país. É algo que realmente está provocando todo tipo <strong>de</strong> ru-<br />
mores.<br />
O conteúdo do que se comente é muito importante. Porém, o<br />
que nos interessa, agora, num primeiro instante, é o "jeito" <strong>de</strong> co-<br />
mentar. Nesses "jeitos", múltiplos processos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> (em-<br />
bora na forma <strong>de</strong> monólogos), po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>tectar situações impor-<br />
tantes que afetem a totalida<strong>de</strong> da nação, que evi<strong>de</strong>nciam predisposi-<br />
ções e indisposições, permitindo, em última instância, verificar cer-<br />
tas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mudanças objetivas no setor agrário. 6<br />
Nesse panorama, observa-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se questionar os<br />
mecanismos <strong>de</strong> formação e distribuição do Rumor nos distintos<br />
grupos que compõem a formação social. Isto é <strong>de</strong> fundamental im-<br />
portância, uma vez que permite conhecer-nos como <strong>cultura</strong>, <strong>de</strong>tec-<br />
61
tar comunicologicamente qual a hibridação <strong>cultura</strong>l brasileira, quais<br />
os caminhos para uma real i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>? E sobre estas bases, po<strong>de</strong>m<br />
ser respondidas com maior amplitu<strong>de</strong> questões como as que já se<br />
formularam na INTERCOM em 1979, isto é, qual o universo comu-<br />
nicacional das classes trabalhadoras e dos grupos ou camadas man-<br />
tidas sobre opressão nos porões da nossa socieda<strong>de</strong>, quais as reais<br />
convergências entre Estado, Populismo e Comunicação? 7<br />
Sobre a questão da Reforma Agrária, esta confusão <strong>de</strong> informa-<br />
ções e opiniões abre espaço para observar as idéias ou reações es-<br />
pontâneas que produzem os indivíduos, as gentes, pensantes e atuan-<br />
tes, segundo os seus estratos, como vão se modificando com mais<br />
discussões e mais fofocas no processo <strong>de</strong> consulta e interação social<br />
formal, qual o seu enraizamento individual, grupai e coletivo?, ou<br />
como diria Quesada, 8 qual a capacida<strong>de</strong> real dos meios <strong>de</strong> comu-<br />
nicação em perfurar os filtros seletivos das coletivida<strong>de</strong>s? Qual o<br />
ritmo <strong>de</strong> modificação da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa ante novos fatos his-<br />
tóricos?, quais são as condições <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> do rumor?, quais<br />
são as fontes do rumor, como se manipulam, a favor <strong>de</strong> quem? 9<br />
O estudo das relações entre todas essas variáveis assinaladas,<br />
evi<strong>de</strong>ntemente, não só é objeto <strong>de</strong> interesse para psicólogos, comu-<br />
nicadores ou sociólogos, é também um fato que <strong>de</strong>ve interessar ao<br />
próprio governo, no sentido <strong>de</strong> saber ven<strong>de</strong>r o projeto, nos diver-<br />
sos estratos da população, bem como fazer compreen<strong>de</strong>r o esforço<br />
<strong>de</strong> tal projeto perante os afetados, isto é, <strong>de</strong>ve manter uma estraté-<br />
gia complexa e múltipla para oferecer as informações a<strong>de</strong>quadas.<br />
A análise <strong>de</strong>ssas variáveis é extremamente complicada; sem dú-<br />
vida alguma, contudo, um fato fica evi<strong>de</strong>nte: o total, ou quase to-<br />
tal <strong>de</strong>sconhecimento que a população urbana tem sobre as questões<br />
agrárias no Brasil. Os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, estando<br />
orientados para um trabalho comercial e urbano, parecem contri-<br />
buir para aprofundar mais a valeta entre cida<strong>de</strong> e campo, 10 muitc<br />
embora, até o presente momento, nem na cida<strong>de</strong>, nem no campo,<br />
tem ocorrido uma difusão <strong>de</strong> elementos criteriosos, seriamente ela-<br />
borados, a fim <strong>de</strong> proporcionar, acessivelmente às maiorias, elemen-<br />
tos <strong>de</strong> juízo a fim <strong>de</strong> que possa formar-se uma opinião para tal<br />
mudança.<br />
Sob esta perspectiva, os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa nas<br />
mãos do capital privado, oferecendo, <strong>de</strong> um lado, informações ofi-<br />
ciais, e <strong>de</strong> outro, os interesses da burguesia industrial, que neste mo-<br />
mento são relativamente contrários aos da oligarquia rural, ten<strong>de</strong>m<br />
a criar um contexto SEMIÓTICO extremamente difícil <strong>de</strong> se per-<br />
ceber <strong>de</strong> imediato, provocando, como muitas experiências o <strong><strong>de</strong>mo</strong>ns-<br />
tram, maior confusão, fortalecimento <strong>de</strong> antigos prejuízos, temores<br />
<strong>de</strong>snecessários etc, dando origem assim a todo tipo <strong>de</strong> rumores, o<br />
com isso a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma efetivação educativa da relação<br />
entre <strong>comunicação</strong> e Reforma Agrária.<br />
É pois, nessas condições supracitadas, que se insere a relação<br />
aqui estudada, através <strong>de</strong>stas notas preliminares, isto é, o <strong>de</strong> qual<br />
papel dos meios <strong>de</strong> Comunicação <strong>de</strong> Massa, suas re<strong>de</strong>s e sistemas<br />
no processo <strong>de</strong> Reforma Agrária. Como falam os meios em relação<br />
a esse projeto?<br />
Assim, mesmo que provisoriamente, este questionamento po<strong>de</strong><br />
gerar outras perguntas, primeiro porque os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
<strong>de</strong> massa são, <strong>de</strong> um lado, fontes <strong>de</strong> informação e opiniões frente à<br />
62
execução da Reforma Agrária, ou qualquer outro problema, e <strong>de</strong><br />
outro, porque esses meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> não são pessoas isoladas,<br />
neutras ao processo social, antes pelo contrário, são instituições for-<br />
madas pelos homens atuantes e pensantes, num processo <strong>de</strong> interação<br />
constante. Como já se argumentou, as figuras <strong>de</strong>sta história têm no-<br />
mes, lugares geográficos visíveis, relações econômico-políticas etc. n<br />
E segundo, porque todos esses processos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> mas-<br />
sa <strong>de</strong>vem ser vistos no contexto maior da socieda<strong>de</strong>. Ainda mais,<br />
se estão encarregados <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma ativida<strong>de</strong> significativa, co-<br />
mo é o caso da transmissão <strong>de</strong> informações sobre a Reforma Agrá-<br />
ria, pelo menos durante os próximos 15 anos, segundo Dan-<br />
te <strong>de</strong> Oliveira. 12 É <strong>de</strong> suma importância a maneira, o "jeito"<br />
em que venha a se realizar esse labor, uma vez que a formação<br />
da chamada "opinião pública" não é nada mais do que a multidão,<br />
a massa que esses meios preten<strong>de</strong>m informar, representados por di-<br />
versos segmentos da socieda<strong>de</strong>, gerando então diferentes tendên-<br />
cias na atuação das classes, bem como ten<strong>de</strong> a ocasionar uma rup-<br />
tura entre as classes dominantes (burguesia industrial e oligarquia<br />
rural), po<strong>de</strong>ndo ocasionar com isso problemas conjunturais e estru-<br />
turais ao nível da nação.<br />
Relacionar: Comunicação <strong>de</strong> massa. Rumores sociais e Reforma<br />
Agrária é um problema que coloca <strong>de</strong> imediato a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
questionar: Por que o jornal e a televisão se pronunciam da maneira<br />
como se pronunciam? Por que escrevem os que escrevem e não ou-<br />
tros mais? Quem escolhe as notícias? Quais os seus critérios? Por<br />
que a TV ainda não promoveu discussões mais rigorosas sobre o<br />
assunto? Quais as suas relações?<br />
Um outro aspecto que seria ainda <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância estu-<br />
dar, para mais adiante, é o conteúdo das informações e a forma <strong>de</strong><br />
serem apresentadas pelos "meios" <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, segundo os di-<br />
versos grupos em conflito. Isto é, quais as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> per-<br />
suasão <strong>de</strong> cada informação em função dos diversos grupos <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />
tinatários, não <strong>de</strong> simples diferenciação mecanicista entre quem emi-<br />
te as mensagens e quem as recebe, mas uma análise semíológica, a<br />
rigor. Naturalmente é trabalho para os eruditos.<br />
Contudo, mesmo que iniciando as discussões, temos chegado num<br />
instante da socieda<strong>de</strong> nacional, e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, a <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong><br />
massa, em que é possível vislumbrar alguns tipos <strong>de</strong> novos fenô-<br />
menos sociais, bem como discutir sobre a real efetivida<strong>de</strong> dos meios<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> privados em informar e estabelecer uma relação do<br />
"continuum", na perspectiva da Reforma Agrária. A abundante ex-<br />
periência empírica <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra que temos chegado num ponto em que<br />
pelas contradições cada vez mais aguçadas entre o binômio — Cam-<br />
poneses sem-terra X Classe-Estado —, e a visível ruptura entre os<br />
homens latifundiários e os homens industriais, po<strong>de</strong> provocar si-<br />
tuações inéditas na Comunicação <strong>de</strong> Massa no Brasil (estamos ago-<br />
ra analisando sob o enfoque do 1.9 critério <strong>de</strong> nosso mo<strong>de</strong>lo).<br />
Já que trabalhamos para o setor rural, é natural que exista in-<br />
teresse em tentar conhecer a relação que se estabelece entre a Co-<br />
municação <strong>de</strong> massa e a Reforma Agrária, quais serão os meca-<br />
nismos <strong>de</strong> informação e distribuição etc.<br />
63
2. SEGUNDO MOMENTO: QUASE QUE DE NOVO A MESMA<br />
EXPERIÊNCIA. POR QUÊ?<br />
2.1. Primeira explicação: as tentativas<br />
A fim <strong>de</strong> tentar explicar o que preten<strong><strong>de</strong>mo</strong>s com esse subtítulo,<br />
por causa da similarida<strong>de</strong> nos processos latino-americanos, pensa-<br />
mos que para dar maiores bases às nossas colocações, estabeleceu-se<br />
uma seqüência <strong>de</strong> ETAPAS e MOMENTOS no conjunto das mensa-<br />
gens coletadas, bem como, tenta-se verificar os seus impactos. Co-<br />
mo já dissemos, isto é provisório.<br />
A distribuição das mensagens realizar-se-á <strong>de</strong> uma maneira se-<br />
qüencial, procurando <strong>de</strong>tectar quais são os blocos comunicativos que<br />
possam provocar impactos especiais.<br />
A análise é feita <strong>de</strong> maneira mais concentrada, nos jornais "A Ra-<br />
zão" e "Folha <strong>de</strong> São Borja", que atingem 5 municípios gaúchos,<br />
em todas as suas edições a partir <strong>de</strong> 1/1/1986 até o dia 28/8/1986, e<br />
"Zero-Hora" a partir do dia 23/6/1986, embora não signifique que<br />
<strong>de</strong>sconheçamos edições anteriores. A TV será mencionada apenas<br />
ocasionalmente. Os meios não passam a operar com todos os re-<br />
ceptores ao mesmo tempo, o que pressupõe um "a partir <strong>de</strong>", nos<br />
processos <strong>de</strong> difusão.<br />
Nesse contexto, embora legislativamente tenha-se conversado du-<br />
rante todo o ano passado, e a coisa tenha tomado alguma forma<br />
no mês <strong>de</strong> junho daquele ano, quando o sr. presi<strong>de</strong>nte assina 37<br />
<strong>de</strong>cretos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação que atingem 12 estados da nação, mo-<br />
tivando então a manchete <strong>de</strong> primeira página do jornal "Zero-Ho-<br />
ra" 13 "Sarney começa a Reforma Agrária", os outros jornais anali-<br />
sados fizeram o mesmo, embora sem tanta ênfase.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, o tom é firme, mas, pelas notícias publicadas<br />
anteriormente, 14 evi<strong>de</strong>ncia-se que está-se estudando o terreno. Ao<br />
dia seguinte das assinaturas dos <strong>de</strong>cretos, o "Zero-Hora" publica<br />
em duas páginas centrais, e distribuídas em diferentes espaços, vá-<br />
rias informações. O título <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque é sobre as <strong>de</strong>sapro-<br />
priações no estado. As posições dos proprietários ocuparam uma<br />
página inteira. Nas duas páginas seguintes são publicadas algumas<br />
informações sobre a caminhada dos colonos da fazenda "Anoni", há<br />
14 anos lutando por um pedaço <strong>de</strong> terra. 1B<br />
Um fato curioso, é importante observar, e é <strong>de</strong> que enquanto o<br />
governo não tinha assinado esses <strong>de</strong>cretos, sem atingir a área na-<br />
cional, esses jornais, especialmente "A Razão" e o "Folha <strong>de</strong> São<br />
Borja", somente apresentaram mensagens <strong>de</strong> instituições ou <strong>de</strong> in-<br />
divíduos isolados que se pronunciaram quase sempre a favor <strong>de</strong> tal<br />
medida, inclusive, algumas com críticas diretas ao governo, mas, <strong>de</strong>-<br />
pois do pronunciamento do Sr. Presi<strong>de</strong>nte, na rádio e TV, no dia<br />
19/6, dizendo que melhor uma reforma antes que uma revolução,<br />
e pouco <strong>de</strong>pois, a assinatura dos <strong>de</strong>cretos, a orientação e direção das<br />
mensagens parecem ter mudado <strong>de</strong> rumo.<br />
A partir <strong>de</strong>ssa data, pois, começa uma série <strong>de</strong> pronunciamentos<br />
vindos <strong>de</strong> quase todos os rumos, mas que no usar a bússola, as di-<br />
reções aparecem mais claras.<br />
Começaram então todo tipo <strong>de</strong> rumores; na semana que se se-<br />
gue à assinatura dos <strong>de</strong>cretos, são publicadas uma série <strong>de</strong> mensa-<br />
gens, começando por uma continuação das tímidas discussões so-<br />
bre o êxodo rural, e sobre a viabilida<strong>de</strong> da Reforma Agrária. Po-<br />
64
ém, no meio <strong>de</strong>ssa semana vem uma avalancha: Destacamento da<br />
brigada interdita área; la Reforma Agrária e BR Santa Maria; 17 Os<br />
proprietários entram na justiça; 18 Desapropriações no estado são<br />
<strong>de</strong>finitivas; " Produtores farão protesto na EXPOINTER, 2 , e por<br />
ai se vai...<br />
Nessa avalancha, <strong>de</strong> tentativas com tímidos questionamentos,<br />
mas também timidas respostas, po<strong>de</strong>-se tirar alguma coisa, nestes<br />
primeiros dois meses após a assinatura dos <strong>de</strong>cretos, e é <strong>de</strong> que a<br />
<strong>de</strong>scrição da <strong>comunicação</strong> ten<strong>de</strong>, logo, logo, a polarizar — não ne-<br />
cessariamente <strong>de</strong>ntro da dualida<strong>de</strong> — as opiniões, começa a se per-<br />
ceber, evi<strong>de</strong>ntemente, a posição da Igreja, dos proprietários e do<br />
governo.<br />
Essas polarizações são evi<strong>de</strong>ntes, num primeiro momento, pelas<br />
claras <strong>de</strong>clarações da Igreja a favor da Reforma Agrária, acusando<br />
os gran<strong>de</strong>s proprietários <strong>de</strong> estarem oferecendo as condições para<br />
uma guerra no campo, o próprio "vice-presi<strong>de</strong>nte da CNBB diz que<br />
a UDR está fazendo subversão". 2 i Por outro lado, não <strong><strong>de</strong>mo</strong>ram<br />
em aparecer as <strong>de</strong>fesas e acusações dos proprietários, <strong>de</strong>sta vez em<br />
<strong>de</strong>sacordo com quem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os "velhos tempos" sempre tinha pac-<br />
tuado, pedindo para a Igreja entregar as suas terras e as suas ri-<br />
quezas. O governo, da sua parte, diz estar "preocupado com as<br />
pessoas que atrapalham". 22<br />
Nesse contexto, os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, pelo menos<br />
os aqui analisados, apresentam também tímidos editoriais escritos<br />
por quem, <strong>de</strong> fato, se evi<strong>de</strong>ncia, que recém estão entrando no baile,<br />
e o que é pior, com um vestuário dos "anos dourados". Contudo,<br />
a farra não termina neste momento.<br />
A Igreja não parece estar totalmente a favor do governo, mas<br />
é clara sua posição contra os donos da terra, que hoje enfrentam as<br />
pressões do setor mo<strong>de</strong>rno (burguesia industrial), e evi<strong>de</strong>ntemente<br />
as diversas posições que po<strong>de</strong>m assumir os homenageados: "sem-<br />
terra". O que po<strong>de</strong>rá acontecer nos próximos 15 anos, se é isso o<br />
que se po<strong>de</strong> pressentir, apenas a partir das informações das pri-<br />
meiras duas semanas?<br />
2.2. Segunda explicação: levanta UDR!!! que os "sem-terra estão<br />
ficando inquietos" 23<br />
A fim <strong>de</strong> esclarecer esta segunda observação, tem que se dizer,<br />
<strong>de</strong> que a partir <strong>de</strong>ssas três primeiras semanas on<strong>de</strong> os jornais pes-<br />
quisados publicaram maior diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mensagens em relação à<br />
Reforma Agrária. Parece, após seis semanas transcorridas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a assinatura dos <strong>de</strong>cretos, que as mensagens ten<strong>de</strong>m a manifestar,<br />
em blocos <strong>de</strong> noticias, as posições dos gran<strong>de</strong>s proprietários, "es-<br />
clarecendo quais são as atitu<strong>de</strong>s que os mesmos estão tendo. As<br />
respostas do governo, e o espaço cada vez mais reduzido, para no-<br />
ticiar a luta dos "sem-terra", não se diga, para se manifestarem. Con-<br />
tinuam alguns editoriais sonolentos.<br />
Entretanto, na vida objetiva: A expansão da UDR a fim <strong>de</strong> se<br />
organizar melhor para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os seus "direitos", contando, já no<br />
início das <strong>de</strong>sapropriações, com Cz$ 9 milhões (equivalente a uma<br />
extração da loto) para a realização das suas ativida<strong>de</strong>s, ativida<strong>de</strong>s<br />
que não estão bem <strong>de</strong>finidas, 24 assim como a realização <strong>de</strong> diferen-<br />
tes reuniões em diferentes municípios do estado, <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstram um in-<br />
cremento constante das suas posições classistas, noutras palavras,<br />
65
é <strong>de</strong> se esperar uma explosão <strong><strong>de</strong>mo</strong>gráfica <strong>de</strong> comitês e organizações<br />
em <strong>de</strong>fesa da proprieda<strong>de</strong>. Nesse confronto, 250 mortes já ocorre-<br />
ram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1985, dia da oficialização do pla-<br />
no nacional <strong>de</strong> Reforma Agrária. 25<br />
Des<strong>de</strong> o dia da assinatura dos 37 <strong>de</strong>cretos, a FARSUL intensifica<br />
as suas reuniões, promove sob o lema: "Levanta Gaúcho", uma pri-<br />
meira reunião em Júlio <strong>de</strong> Castilho, 26 os pecuaristas <strong>de</strong> Tupanci-<br />
retã discutem a Reforma Agrária, 27 e em Cruz Alta, planeja-se o<br />
I Encontro da fronteira oeste <strong>de</strong> política Agricola-Agrária e Consti-<br />
tuinte para o dia 25/8/1986.<br />
Frente a tudo isso, o presi<strong>de</strong>nte Sarney faz um alerta ao sr. mi-<br />
nistro Dante <strong>de</strong> Oliveira: "Abra os olhos", 28 ao mesmo tempo a<br />
imprensa nacional publica: "Brasil tem nova política agrícola". De<br />
imediato, "São Borja reage: pacote veio confundir o produtor". 29<br />
Assim, nesse clima que se suce<strong>de</strong> nas primeiras seis semanas, dimi-<br />
nuem as posições da Igreja, e aumentam as da FARSUL. Frente às<br />
pressões da CONTAG, em reunião do dia 27/8, o sr. "ministro admi-<br />
te: Atraso é o principal problema". 30 É <strong>de</strong> se esperar que à medida<br />
que o processo avance, comece a história dos exemplos <strong>de</strong> fracasso <strong>de</strong><br />
outras reformas agrárias da parte dos proprietários.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que este recurso utilizado pelos meios <strong>de</strong> comunica-<br />
ção <strong>de</strong> massa tem um impacto indiscutível, principalmente ante pú-<br />
blicos que não possuem hábitos firmes <strong>de</strong> leitura (muitas vezes nem<br />
sequer <strong>de</strong> jornais) conduzindo eficazmente, ao surgimento <strong>de</strong> todo<br />
tipo <strong>de</strong> rumores.<br />
Observa-se, pois, pelos troca-troca publicados nos meios <strong>de</strong> co-<br />
municação <strong>de</strong> massa estudados, a viragem reformista do governo,<br />
começando pelo pacote econômico, logo a <strong>de</strong>cretação da Reforma<br />
Agrária e o pacote ver<strong>de</strong>, embora seja, realmente, bastante cedo pa-<br />
ra maiores argumentações. Contudo, a cada dia que passa, a farra<br />
parece ter direções muito <strong>de</strong>finidas, momentos <strong>de</strong> extrema impon<br />
tância, especialmente para os estudiosos das Ciências Sociais, em to-<br />
da a sua extensão.<br />
2.3. Terceiro exemplo: ruralistas consi<strong>de</strong>ram injustas as<br />
<strong>de</strong>sapropriações <strong>de</strong> terras. :n — Já sabíamos!!<br />
Nesse clima, no dia 14/6/1986, reúne-se em Brasília uma comis-<br />
são da Frente Ampla Agropecuária (FAA) com o sr. ministro Dante<br />
<strong>de</strong> Oliveira. Resultado: ao ouvir do ministro que as "<strong>de</strong>sapropria-<br />
ções são <strong>de</strong>finitivas", Ary Marimon, presi<strong>de</strong>nte da FARSUL, e re-<br />
presentante da FAA, volta ao estado <strong>de</strong>clarando que foram maltra-<br />
tados pelo ministro. 32 Frente a esses fatos, os agropecuarístas co-<br />
gitam boicotar a Exposição Internacional <strong>de</strong> Esteio (EXPOINTER),<br />
ao que o ministro respon<strong>de</strong> que não está preocupado. "O que eles<br />
não querem mesmo é a Reforma Agrária".<br />
Até o momento, a Igreja aparece menos, (pelo menos) na im-<br />
prensa, e nos noticiários locais da TV Uruguaiana, São Borja e<br />
Santa Maria, permanecem discursivos como sempre, os "sem-ter-<br />
ra" estão sem dar notícias.<br />
A reativação da UDR e a formação da FAA, que já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a reu-<br />
nião <strong>de</strong> Cruz Alta cogitava a organização do seminário com os pro-<br />
dutores da fronteira a fim <strong>de</strong> dar maior força ao movimento, 34 ter-<br />
mina se realizando em 25/8 na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Gabriel, resultando:<br />
66
Protestos na exposição (EXPOINTER) contra a Reforma Agrária, 35<br />
pois "Ruralistas da fronteira consi<strong>de</strong>ram injustas as <strong>de</strong>sapropria-<br />
ções". 36 É <strong>de</strong> salientar que esses encontros recebem uma vasta<br />
cobertura pelos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa do nosso exemplo.<br />
"A Razão" e a "Folha <strong>de</strong> São Borja" tinham prognosticado um com-<br />
parecimento <strong>de</strong> aproximadamente 600 proprietários no seminário,<br />
verificando-se, <strong>de</strong>pois, que o número foi <strong>de</strong> mil.<br />
As reportagens <strong>de</strong>sta reunião apresentam reptos atrevidos e sé-<br />
rias criticas contra a Igreja e o governo. O presi<strong>de</strong>nte do Barinsul<br />
disse que está preocupado com a "infiltração vermelha na Igreja",<br />
e que à "sombra da cruz tem a foice e o martelo". 37 Dentre todas<br />
as conclusões a que chegaram, uma é fundamental, em relação com o<br />
papel que a <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa po<strong>de</strong>rá realizar daqui para fren-<br />
te, e é <strong>de</strong> que, a fim <strong>de</strong> levar o movimento para frente, os produ-<br />
tores querem que 2% das vendas <strong>de</strong> animais na EXPOINTER, mais<br />
recursos <strong>de</strong> um fundo criado pela FARSUL, sejam utilizados para a<br />
compra <strong>de</strong> espaços na imprensa, <strong>de</strong>stinados a "explicar à opinião<br />
pública" a posição da classe sobre a atual Reforma Agrária.<br />
Além disso, discute-se e elabora-se um documento que vai ser<br />
entregue ao presi<strong>de</strong>nte Sarney durante a EXPOINTER. 38<br />
Todo este rumor, ocasionando diversos tipos <strong>de</strong> pressões, sus-<br />
tentados pelos pedidos ao governo a uma revisão sobre o plano <strong>de</strong><br />
Reforma Agrária, sintetizam-se na frase instalada no plenário do<br />
1? Encontro da Fronteira Oeste: "Hoje eles estão <strong>de</strong>sapropriando<br />
o campo. Amanhã, será sua casa e <strong>de</strong>pois seus outros bens". *<br />
Frente a tudo isso, é evi<strong>de</strong>nte que nós leitores temos o direito<br />
<strong>de</strong> esperar as informações e as reações dos outros segmentos envol-<br />
vidos, principalmente os pronunciamentos do governo que, à medi-<br />
da que se observa um acréscimo nas informações sobre o movimen-<br />
to dos proprietários, diminuem as suas manifestações, pelo menos,<br />
no caso do nosso exemplo. Ao nível do rumor, das "fofocas", co-<br />
menta-se, murmura-se um retrocesso e uma certa timi<strong>de</strong>z, e se por<br />
um lado parece uma reviravolta reformista, por outro, um <strong>de</strong>senten-<br />
dimento (passageiro) entre os proprietários. Para o 1.9 Encontro<br />
da Fronteira era esperado o sr. ministro da Justiça. Não compare-<br />
ceu. Três dias <strong>de</strong>pois, aparece a notícia <strong>de</strong> que o Sr. Presi<strong>de</strong>nte não<br />
po<strong>de</strong>rá assistir à EXPOINTER. 39<br />
Não sabemos agora qual será o <strong>de</strong>senlace, não sabemos quantos<br />
exemplos a mais po<strong>de</strong>remos observar na extrema semelhança que<br />
existe entre todos esses processos mo<strong>de</strong>rnizantes no contexto latino-<br />
-amerícano. 40 Contudo, já existem, para quem tem olhos para ver;<br />
alguns elementos <strong>de</strong> juízo para po<strong>de</strong>r enfrentar certos problemas<br />
estruturais e atitu<strong>de</strong>s que oferecem os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong><br />
massa.<br />
Temos muitas dúvidas <strong>de</strong> que suas formas <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r variem<br />
muito, uma vez que, nas mãos do capital, oferecem uma posição <strong>de</strong>-<br />
• Por "casualida<strong>de</strong>", em El Salvador, no mesmo mês <strong>de</strong> agosto do<br />
ano <strong>de</strong> 1976, dia 11. A Junta Departamental <strong>de</strong> Gana<strong>de</strong>ros <strong>de</strong> San<br />
Salvador, em reunião semelhante tinha como lema: "Ahora <strong>de</strong>s-<br />
peja Ia tierra a los agricultores <strong>de</strong> oriente, paraliza ei comercio<br />
<strong>de</strong> ia república, manana te <strong>de</strong>spoja <strong>de</strong> tu casa, tu cuenta banca-<br />
ria, tu vehiculo, tu trabalho, tus hijos y aplastara tu pensamiento<br />
y doblegara tu voluntad". El Diário <strong>de</strong> Hoy, 12/08/76, p. 28.<br />
67
íinida e uma tendência a se orientar mais claramente, e aqui então<br />
aparece outro elemento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância no estudo da Co-<br />
municação, é que os problemas que essa orientação implica, e po-<br />
<strong>de</strong>m levar a formas <strong>de</strong> operar insuficientes para a conjuntura que<br />
enfrenta o pais (à vida do pais), isto é que vai nos interessar nos<br />
próximos anos. Abordaremos alguns <strong>de</strong>sses aspectos, <strong>de</strong> uma for-<br />
ma, quase que nominal, nas seguintes linhas.<br />
3. TERCEIRO MOMENTO: DEFICIÊNCIA, MANIPULAÇÃO<br />
OU AS DUAS?<br />
Sob as condições colocadas ao início do trabalho, qual seja, o es-<br />
tudo da inter-relação entre duas estruturas tão importantes, tais co-<br />
mo a da proprieda<strong>de</strong> privada e o trabalho na terra, e a Comunica-<br />
ção <strong>de</strong> Massa, permite a observação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las ou ambas, em<br />
função da outra, e como conseqüência, po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s <strong>de</strong>scobrir uma boa<br />
perspectiva <strong>de</strong> análise sobre a socieda<strong>de</strong> inteira.<br />
A continuação <strong>de</strong>stas notas po<strong>de</strong> ser que faça aflorar quais<br />
os resultados da interação <strong>de</strong> ambas estruturas, ao funcionar a<strong>de</strong>-<br />
quadamente, intervigiando-se, inter-exigindo e talvez interfecundan-<br />
do e inter-melhorando. Ou então, a eficiência <strong>de</strong> uma, cause <strong>de</strong>fi-<br />
ciência na outra. Nesta perspectiva, po<strong>de</strong> também apresentar um<br />
quadro <strong>de</strong> muito mal-estar. Pelas informações coletadas, tal parece<br />
ser a tendência da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa a respeito da reforma<br />
agrária.<br />
Nosso pano <strong>de</strong> fundo nos estudos sobre as questões latino-ame-<br />
ricanas é <strong>de</strong> que uma série <strong>de</strong> fenômenos sociais que se suce<strong>de</strong>m<br />
(Revolução ver<strong>de</strong>, Mo<strong>de</strong>rnização, Pacto Social, Reforma Agrária etc.)<br />
dizem respeito a limitações e obstáculos externos a ambas estrutu-<br />
ras, impossibilitando-os <strong>de</strong> que se comportem à altura das suas pos-<br />
sibilida<strong>de</strong>s, ou das socieda<strong>de</strong>s em que existem. Contudo, não se<br />
po<strong>de</strong> negar <strong>de</strong> que internamente existem pessoas ou grupos que in-<br />
fluenciam em ambas as estruturas.<br />
Ou então, existem ambas as questões: limitações externas que im-<br />
pe<strong>de</strong>m algumas vonta<strong>de</strong>s internas, num processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação e li-<br />
mitações internas manipuladas por vonta<strong>de</strong>s locais para quem o ní-<br />
vel <strong>de</strong> subsistência dos camponeses interessa <strong>de</strong>mais.<br />
Os estudos realizados sobre o campesinato latino-americano, com<br />
resultados positivos a respeito <strong>de</strong> sua articulação, como necessida<strong>de</strong><br />
do imperialismo, permitem inclinarmos por esta última posição, com<br />
o evi<strong>de</strong>nte pressuposto <strong>de</strong> que essa coexistência não é casual, nem<br />
cada parte tem uma vida autônoma, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Pelo contrário,<br />
acreditamos que se trata <strong>de</strong> uma coexistência e cooperação que lon-<br />
ge <strong>de</strong> ser aci<strong>de</strong>ntal se apresenta como necessária, intencional, e que<br />
tem raízes e presença histórica, concreta.<br />
Nessas condições, a questão da Reforma Agrária não faz mais do<br />
que <strong>de</strong>stacar vários aspectos problemáticos <strong>de</strong>ssa vida inter-estrutu-<br />
ral, inter-funcional necessária, que evi<strong>de</strong>ntemente começou há mui-<br />
tos séculos. Mencionaremos pois, mesmo que superficialmente, três<br />
facetas que nos parecem básicas, nas quais po<strong>de</strong>m-se agrupar os<br />
problemas mais importantes: a cobertura, os conteúdos e a parti-<br />
cipação.<br />
68
3.1. A cobertura<br />
Tomando como base à "vocação" que os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
<strong>de</strong> massa estão chamados a cumprir na socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se pergun-<br />
tar: Até on<strong>de</strong> chegam os meios?, que cobertura real possuem os<br />
meios, cada um em separado ou quando combinados?<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista nacional, isto é, no contexto sócio-geográfico,<br />
a que grupos e a que regiões chegam esses meios? Qual a capaci-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> recepção da "massa", ou enfim, dos <strong>de</strong>stinatários em geral.<br />
No Brasil, apesar das consi<strong>de</strong>ráveis distâncias geográficas, e so-<br />
ciais também, não impe<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> certa forma, que um <strong>de</strong>terminado<br />
meio possa alcançar as regiões mais afastadas entre si, e a Re<strong>de</strong><br />
Globo está ali para quem quiser maiores informações. Entretanto, não<br />
é o caso da imprensa, e muito menos, o nosso estudo do caso.<br />
O problema da <strong>de</strong>codificação não está centrado nas caracterís-<br />
ticas <strong>de</strong>sses meios em si, mas ao fato <strong>de</strong> como são colocados e com<br />
que fim, pois, a sua linguagem é extremamente urbana, e os marcos<br />
<strong>cultura</strong>is das suas transmissões também, e muitas vezes não são se-<br />
quer das urbes locais (Aos "Ducks Hazar", segue-se uma "Armação<br />
Ilimitada"). Em síntese, todos participam em maior ou menor grau<br />
<strong>de</strong> uma cópia ou retransmissão indiscriminada <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los e pa-<br />
drões urbanos (<strong>de</strong>senvolvimentistas) importados. É bom lembrar<br />
que a CBS International possui negócios em 82 países do mundo,<br />
ven<strong>de</strong>ndo programas feitos e prestando "serviços administrativos". 41<br />
O caso do jornalismo impresso (que hoje nos ocupa como exem-<br />
plo) tem um problema maior quanto à cobertura, pois, longe <strong>de</strong><br />
chegar até à maioria da população, o analfabetismo pressupõe o<br />
gran<strong>de</strong> obstáculo, evi<strong>de</strong>ntemente, falamos <strong>de</strong> analfabetismo real, não<br />
estatístico, bem como os diversos níveis <strong>de</strong> compreensão entre os<br />
que supostamente sabem ler.<br />
Esses que supostamente sabem ler nem sequer são todos os<br />
que compram ou se informam através <strong>de</strong> jornais impressos. Mes-<br />
mo assim, por poucos que sejam esses leitores, são sempre, no mun-<br />
do mo<strong>de</strong>rno das mercadorias, fregueses em potencial, pois as pautas<br />
<strong>de</strong> cobertura não parecem estar <strong>de</strong>stinados a informar, em primei-<br />
ro Instante, mas a ven<strong>de</strong>r.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que esse fato supracitado <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra uma certa ine-<br />
ficiência essencial nestes sistemas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa en-<br />
quanto a sua responsabilida<strong>de</strong> para com a população, uma vez que<br />
ganhar dinheiro significa possuir o máximo <strong>de</strong> leitores, <strong>de</strong> escutas<br />
ou telespectadores, que se concretize na maior <strong>de</strong>manda dos bens<br />
e serviços anunciados. Neste sentido, as supostas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>-<br />
senvolvimentistas, <strong>de</strong> informação, <strong>de</strong> opinião, e, em geral, <strong>de</strong> cul-<br />
tura, principalmente entre as populações camponesas, ficam grave-<br />
mente comprometidas, pois os mesmos normalmente não vivem con-<br />
forme os padrões <strong>de</strong> consumo da cida<strong>de</strong>, assim como não possuem<br />
o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> compra suficiente.<br />
3.2. Os conteúdos<br />
Sob a perspectiva colocada no item anterior, o problema dos<br />
conteúdos difundidos pelos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa (ordina-<br />
riamente) se compreen<strong>de</strong> melhor, isto é, a <strong>de</strong> que a pauta da co-<br />
bertura é dada por razões <strong>de</strong> consumo, influenciando nos conteú-<br />
dos das mensagens. É evi<strong>de</strong>nte que o funcionamento <strong>de</strong>stes siste-
mas <strong>de</strong>scansa sobre os ingressos da publicida<strong>de</strong>. ** Não se pc<strong>de</strong>ria<br />
assistir televisão, e nem ouvir a rádio, sem a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comer-<br />
ciais que somos obrigados a engolir, como também não po<strong>de</strong>ríamos<br />
comprar os jornais ao preço que os pagamos, na verda<strong>de</strong>, custam<br />
mais do que Cz$ 3, 4 ou 5.<br />
Como conseqüência, ocorre uma escravidão dos conteúdos a res-<br />
peito das vonta<strong>de</strong>s dos que financiam publicitariamente. É evi<strong>de</strong>nte<br />
que sob este sistema, <strong>de</strong> empresas privadas da <strong>comunicação</strong>, cujos<br />
fregueses são, por sua vez, empresas capitalistas, dificilmente iriam<br />
admitir conteúdos que sejam opostos aos seus interesses, antes pelo<br />
contrário, ten<strong>de</strong>ram a favorecer as informações que ten<strong>de</strong>m a favo-<br />
recê-los e manter a sua situação, isso, se não aparecer outros que<br />
queiram difundir as opiniões contrárias, pagando a tabela que isso<br />
custa. Esperemos pois, para saber, quantos espaços po<strong>de</strong>rá pagar<br />
a UDR, a fim <strong>de</strong> "esclarecer a opinião pública", como foi <strong>de</strong>finido<br />
no último seminário do dia 25/8, e discordar com os seus parcei-<br />
ros industriais no espaço <strong>de</strong>dicado para "rumorar" sobre Reforma<br />
Agrária.<br />
Nesse contexto, fica evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que todos os conteúdos, antes<br />
que orientados a informar e formar, estão <strong>de</strong>stinados a atrair ao<br />
máximo <strong>de</strong> compradores para o anunciante, ou, para quem paga<br />
os espaços comerciais. Isto faz com que os conteúdos tenham que<br />
ser selecionados, <strong>de</strong> maneira que supostamente satisfaçam a opinião<br />
das maiorias, embora mediocremente, além <strong>de</strong> causarem uma agres-<br />
são <strong>cultura</strong>l, como já se argumentou, quando ao tratar <strong>de</strong> "<strong>de</strong>sen-<br />
volver" a "opinião pública" apresenta materiais que respon<strong>de</strong>m a<br />
parâmetros e arquétipos fabricados ou elaborados nos centros co-<br />
merciais e industriais <strong>de</strong> outros países, via colonialismo intelectual<br />
(os profissionais da propaganda).<br />
Sob essa perspectiva, fica a <strong>de</strong>scoberto uma gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência<br />
que os conteúdos das mensagens massivas apresentam em relação aos<br />
seus diversos públicos, principalmente aos setores camponeses, que<br />
se por um lado, sentem-se motivados, por outro, estão completa-<br />
mente <strong>de</strong>fasados economicamente, ao mesmo tempo em que estão<br />
subinformados, não enten<strong>de</strong>ndo interesses estruturais e globais para<br />
eles. como classe, mas uma atomização <strong>cultura</strong>l e social, provenien-<br />
te da própria conjuntura, dificultando a sua organização, gerência<br />
e produção <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> etc.<br />
O recente processo <strong>de</strong> Reforma Agrária permite evi<strong>de</strong>nciar, mes-<br />
mo que num primeiro instante, através <strong>de</strong> notas preliminares, a <strong>de</strong>fi-<br />
ciência; um jornalismo mais sério, com uma vocação informativa e<br />
equânime, já <strong>de</strong>veria ter promovido, ou <strong>de</strong>veria promover <strong>de</strong>bates aber-<br />
tos, tratando <strong>de</strong> incorporar as opiniões <strong>de</strong> todos os setores. Antes<br />
pelo contrário, a diferenciação e os rumos da cobertura sobre os<br />
diversos fenômenos que envolve a Reforma Agrária, antes e <strong>de</strong>pois<br />
da assinatura dos <strong>de</strong>cretos, contribuem muito na origem do rumor,<br />
ao mesmo tempo em que ten<strong>de</strong>m a confundir a chamada opinião<br />
pública.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nossa ótica não existe a "opinião pública", ou<br />
é quase impossível <strong>de</strong> existir sob esse sistema <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> mas-<br />
sa. Mas o que existem são consensos grupais que ao aflorar publi-<br />
camente por algum ou vários sistemas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa,<br />
tornam-se públicos. Na maioria das vezes, essa opinião pública não<br />
é mais do que uma reduzida e conveniente amostra <strong>de</strong> opiniões par-<br />
ticulares ou parciais, que chega até as maiorias sem margem real <strong>de</strong><br />
70
avaliação critica ou qualquer resposta, o que conduz a um outro<br />
problema.<br />
3.3. A participação<br />
É claro que este problema diz respeito a cada cidadão receptor<br />
ou usuário dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, como um ge-<br />
rador e comunicador <strong>de</strong> mensagens, em outras palavras, quan-<br />
tos ou quem são os habitantes que po<strong>de</strong>m ter acesso aos meios<br />
para se fazer ouvir?, que sejam lidas ou ouvidas as nossas<br />
opiniões? quem po<strong>de</strong> efetivamente participar <strong>de</strong>sses meios <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> coletiva?<br />
Uma primeira barreira, como já se argumentou, é o do proble-<br />
ma <strong>cultura</strong>l, principalmente dos setores camponeses, à margem <strong>de</strong><br />
muitas informações, e a outra é a combinação do i<strong>de</strong>ológico e do<br />
econômico. Essa base nos permite vislumbrar, primariamente, ou<br />
inicialmente, que a questão informativa da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa,<br />
e os rumores na Reforma Agrária, vai <strong>de</strong>ixando entrever, <strong>de</strong> que as opi-<br />
niões impressas e/ou lidas no microfone, não são representativas <strong>de</strong><br />
todos os setores, e a julgar pelos interesses da UDR, <strong>de</strong> se fazer<br />
ouvir "esclarecendo a opinião pública" via meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
<strong>de</strong> massa, já antecipadamente <strong>de</strong>ixa sem ânimo <strong>de</strong> concluir, a fim<br />
<strong>de</strong> ficar observando, os rumos, os jeitos das notícias, quem são<br />
os que se manifestam, quais são os novos rumores. Temos 15<br />
anos para observar portanto, NAO É HORA DE CONCLUIR.<br />
4. SEM CONCLUSÕES FINAIS<br />
Este trabalho inicialmente não previa maiores conclusões, além<br />
das já implícitas no <strong>de</strong>senvolvimento do mesmo. Porém, a raiz das<br />
discussões e a polêmica gerada durante o Congresso INTERCOM/86,<br />
com os diferentes trabalhos apresentados, surgiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
procurar uma linha conclusória, mesmo com os escassos elementos,<br />
<strong>de</strong>vido ao seu caráter preliminar.<br />
De fato, não nos propusemos a querer questionar o óbvio, o que<br />
é evi<strong>de</strong>nte para todos, ou seja, o conhecimento <strong>de</strong> que os meios<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> estão nas mãos do capital, e que, ao representar os<br />
interesses da classe dominante, é claro <strong>de</strong> que não haverá espaço<br />
para os não-dominantes. E nem, tomar a posição <strong>de</strong> atacar ou <strong>de</strong>-<br />
fen<strong>de</strong>r qualquer dos grupos envolvidos. Isso não significa que es-<br />
tejamos preten<strong>de</strong>ndo alguma neutralida<strong>de</strong>.<br />
Antes pelo contrário, a inserção social do pesquisador reflete<br />
seu mundo <strong>de</strong> relações sociais e o obriga, muitas vezes, a compara-<br />
ções históricas, a fim <strong>de</strong> que os mesmos erros sejam um tanto di-<br />
minuídos. Tal é o caso do presente trabalho, que mais preten<strong>de</strong><br />
<strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrar os "movimentos" das forças sociais, e as formas <strong>de</strong><br />
percepção dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, num contexto con-<br />
si<strong>de</strong>rado em <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
O que é realmente importante <strong>de</strong> observar, através das informa-<br />
ções da Comunicação <strong>de</strong> Massa, a respeito do processo agrário, não<br />
são as evidências supracitadas, mas o caráter e a tendência, na vida<br />
objetiva, dos movimentos dos diversos grupos envolvidos, pois os<br />
mesmos não se limitam às frases escritas nos jornais, mas são os<br />
71
verda<strong>de</strong>iros objetivos da noticia, em outras palavras, são os verda-<br />
<strong>de</strong>iros atores do teatro.<br />
Tal preocupação se <strong>de</strong>riva do fato <strong>de</strong> que, apesar <strong>de</strong> discutirmos<br />
Comunicação para o Desenvolvimento, o mesmo não se verifica na<br />
vida prática, isto é, que por exemplo, no caso que hoje nos ocupa,<br />
um assunto tão "ultrapassado", como é o caso da Reforma Agrária,<br />
que <strong>de</strong>veria, do ponto <strong>de</strong> vista capitalista, ter sido superado há mui-<br />
to tempo, apresenta-se num nivel inverso ao esperado, sob a pers-<br />
pectiva do Desenvolvimento. * Ou seja, que a classe dominante to-<br />
maria a dianteira, e utilizando o aparelho estatal, promoveria as<br />
mudanças necessárias à mo<strong>de</strong>rnização do sistema, não parece estar<br />
se realizando no contexto latino-americano.<br />
A Reforma Agrária, o avanço na tecnologia das comunicações, a<br />
formação da "opinião pública" etc, longe <strong>de</strong> terem sido elementos<br />
<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização e <strong>de</strong>senvolvimento na América Latina dos últimos<br />
50 anos, tem sido fonte <strong>de</strong> rumores e incitações sob a guerra fria,<br />
separação <strong>de</strong> grupos, e até revoluções.<br />
Pelas noticias coletadas para este estudo, o que se verifica cla-<br />
ramente são as direções que tomam os diversos grupos envolvidos<br />
em relação ao processo, e que têm muito a ver com a realida<strong>de</strong> na-<br />
cional. Realida<strong>de</strong> essa, que ao nível da América Latina tem se obser-<br />
vado, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a "Aliança para o Progresso", com vistas ao <strong>de</strong>sen-<br />
volvimento, não temos progredido muito. Temos a maior divida ex-<br />
terna do mundo, vinte e cinco anos <strong>de</strong> militarização social, quase uma<br />
década <strong>de</strong> revolução centro-americana, e a continuação da luta ar-<br />
mada na Colômbia, no Peru, no Chile...<br />
Nesse contexto, mesmo que discutamos a respeito <strong>de</strong> novas tec-<br />
nologias em <strong>comunicação</strong>, das negociações inter-setoriais das indús-<br />
trias da <strong>comunicação</strong>, o certo é, <strong>de</strong> que na vida objetiva dos ho-<br />
mens, o sistema <strong>de</strong> relações sociais <strong>de</strong> produção continua sendo o<br />
mesmo, em outras palavras. Mudar o microfone ou dar maior co-<br />
lorido a um filme não significa que isso tenha repercutido no <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento humano em geral, e muito menos, que tenha muda-<br />
do o discurso dos comunicadores. Muda a <strong>de</strong>coração, mas não mu-<br />
da a estrutura, e nessas condições, que tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento é<br />
esse? Não preten<strong><strong>de</strong>mo</strong>s, <strong>de</strong> maneira nenhuma, achar que po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s fa-<br />
lar sobre <strong>comunicação</strong> e <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>de</strong> uma maneira neutra,<br />
como se esse suposto <strong>de</strong>senvolvimento estivesse existindo, ou seja,<br />
que avançando os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> (como <strong>de</strong> fato estão), avan-<br />
çaria no mesmo sentido o contexto das relações sociais. E <strong>de</strong> fato,<br />
avançam, mas em que sentido? Toda a exploração e a <strong>de</strong>pendência<br />
da América Latina em relação ao avanço tecnológico, <strong>de</strong>nunciado por<br />
alguns pesquisadores, é <strong>de</strong>senvolvimento?<br />
Nosso estudo (<strong>de</strong> caso), que mais do que se tratar <strong>de</strong> uma teo-<br />
rização busca ser o reflexo (cientifizado) da experiência objetiva, ten-<br />
ta colocar em discussão, <strong>de</strong> que enquanto achamos que os meios <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> avançam, supostamente com benefícios para as cole-<br />
tivida<strong>de</strong>s (entendam-se aqui, todas as classes sociais), a realida<strong>de</strong><br />
é <strong>de</strong> que os mesmos continuam a exercer sua ativida<strong>de</strong> baseados na<br />
72<br />
Sobre isso, po<strong>de</strong>-se consultar o Informativo da FAO, baseado no<br />
relatório da IX Conferência Mundial sobre Desenvolvimento e Re-<br />
forma Agrária. San Salvador, ISTA-FAO, 1979.
divisão social do trabalho, em termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tentores e não-<strong>de</strong>tentores<br />
dos meios <strong>de</strong> produção, e sob essa perspectiva, difícil é, ou será,<br />
explicar, com um belo conceito sobre Desenvolvimento, a realida<strong>de</strong><br />
do Terceiro Mundo, e neste caso, da Reforma Agrária, como medi-<br />
camento para o nervosismo das classes sociais rurais.<br />
NOTAS<br />
1. Jornal Zero Hora, 24/06/86, p. 30.<br />
2. A assinatura dos <strong>de</strong>cretos ocorreu no dia 23/06/86, e o "pacote<br />
ver<strong>de</strong>" íoi lançado no dia 14/08/86.<br />
3. Esse nervosismo é amplamente analisado em: "Movimentos So-<br />
ciais no campo na América Latina", por GONZALEZ, H. e ALMEIDA, J.<br />
(dat.).<br />
4. HALL, D. T. The Silent Language, Nova York, 1968, pp. 44-62.<br />
5. É <strong>de</strong> salientar <strong>de</strong> que as observações empíricas <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstram <strong>de</strong><br />
que antes <strong>de</strong>sses fatos, os espaços <strong>de</strong>dicados a essa questão, pelo menos nos<br />
jornais estudados, eram muito reduzidos. A própria evidência <strong>de</strong>ssa mudança<br />
é o motivo <strong>de</strong>stas notas provisórias.<br />
6. Mesmo que não nas condições i<strong>de</strong>ais para o florescimento da "bur-<br />
guesia crioula".<br />
7. Veja-se: Comunicação: Da <strong>Pesquisa</strong>-Denúncia à <strong>Pesquisa</strong>-Ação. In:<br />
Teoria e <strong>Pesquisa</strong> em Comunicação, São Paulo, Cortez, 1983, p. 20.<br />
Loyola, 1982, p. 26.<br />
8. Comunicação e Comunida<strong>de</strong>: Mitos da Mudança Social. São Paulo,<br />
Loyola, 1982, p. 26.<br />
9. Mesmo analisando aqui, neste trabalho, apenas as relações en-<br />
tre o jornal, a TV e a Reforma Agrária, é evi<strong>de</strong>nte que não são as únicas<br />
fontes <strong>de</strong> rumor. A atual campanha política e os políticos têm intensifi-<br />
cado ainda mais esta questão. Durante a última reunião da SBPC, em Curi-<br />
tiba, pu<strong>de</strong> verificar, num <strong>de</strong>bate sobre a Reforma Agrária, que um políti-<br />
co <strong>de</strong> oposição criticava o atraso do governo em relação a essa questão, po-<br />
rém, o discurso utilizado era, sem exagero, exatamente o mesmo pronun-<br />
ciado dois meses antes, em Ban<strong>de</strong>irantes, durante o I Fórum <strong>de</strong> Debates so-<br />
bre a Questão Agrária. É bom lembrar, <strong>de</strong> que a história muda, incluindo<br />
60 dias.<br />
Não há nada <strong>de</strong> pessoal ou i<strong>de</strong>ológico nesta colocação, apenas é para<br />
exemplificar que o mesmo discurso em diferentes audiências, não só pro-<br />
voca expectativas diferentes entre o público, como também, diferentes ru-<br />
mores, po<strong>de</strong>ndo, inclusive, prejudicar a campanha política.<br />
10. O aumento da brecha entre cida<strong>de</strong> e campo não é fruto apenas<br />
dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, também no mundo intelectual e cien-<br />
tífico são encontrados certos segmentos com teorias que dizem respeito a<br />
uma possível diferenciação qualitativa entre o consi<strong>de</strong>rado rural e urba-<br />
no. A esse respeito po<strong>de</strong>-se consultar: Campesinato Latino-americano: Con-<br />
ceituação e Movimentos Sociais, <strong>de</strong> GONZALEZ, H. Tese <strong>de</strong> Mestrado,<br />
CPGER, UFSM, 1986.<br />
11. Para maiores informações sobre esses en<strong>de</strong>reços, nomes <strong>de</strong> indi-<br />
víduos, nessa interação econõmico-social e política po<strong>de</strong>-se consultar: GUA-<br />
RESCHI, P. A. Comunicação e Po<strong>de</strong>r. A presença e o papel dos meios <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis, Vozes,<br />
1981, bem como: MELO, J. M. Comunicação, Opinião, Desenvolvimento. Pe-<br />
trópolis, Vozes, 1972.<br />
73
12. Em <strong>de</strong>clarações ao "Bom Dia Brasil", TV Globo, 21/08/86.<br />
13. Manchete do dia 24/06/86.<br />
14. Deve-se salientar que o jornal A Razão publicou somente 14 men-<br />
sagens sobre Reforma Agrária antes da data estabelecida como limite para<br />
este trabalho, enquanto que o número <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa data, ou seja, em ape-<br />
nas dois meses foi <strong>de</strong> 19, na Folha <strong>de</strong> São Borja, foi <strong>de</strong> zero antes, e 6 <strong>de</strong>pois.<br />
15. Páginas 30, 31, 32, 33 da edição <strong>de</strong> 24/06/86.<br />
16. A Razão, 25/06/86, p. 3.<br />
17. A Razão, 28/06/86, p. 9.<br />
18. A Razão, 23/07/86, p. 30.<br />
19. Zero Hora, 15/08/86, p. 37.<br />
20. Zero Hora, 26/08/86, p. 45.<br />
21. A Razão, 19-20/07/86, p. 13.<br />
22. Zero Hora, 15/08/86, p. 36.<br />
23. A frase entre aspas é tomada do título <strong>de</strong> uma matéria publicada<br />
em Zero Hora do dia 15/08/86.<br />
24. A Razão, 17/06/86, p. 4, "O campeonato da terra violenta".<br />
25. A Razão, 25/07/86, p. 15.<br />
26. A Razão, 30/06/86, p. 7.<br />
27. Ibid.<br />
28. Zero Hora, 15/08/86, p. 36.<br />
29. Folha <strong>de</strong> São Borja, manchete do dia 20/08/86.<br />
30. Zero Hora, 28/08/86, p. 41.<br />
31. A Razão, 26/08/86, manchete.<br />
32. Veja-se Zero Hora, 15/08/86, p. 37.<br />
33. Ibid.<br />
34. Folha <strong>de</strong> São Borja, 23/06/86, p. 9.<br />
35. Folha <strong>de</strong> São Borja, 27/08/86, p. 11.<br />
36. A Razão, 26/08/86, manchete.<br />
37. Folha <strong>de</strong> São Borja, 27/08/86, p. 11.<br />
38. Esses fatos tiveram cobertura pela imprensa nacional.<br />
39. PARSUL estranha a ausência <strong>de</strong> Samey — Zero Hora, 28/08/86<br />
p. 41.<br />
40. Uma tentativa <strong>de</strong> colocar os traços mais comuns <strong>de</strong> algumas das<br />
reformas agrárias na América Latina e o possível papel dos extensionistas<br />
rurais, como comunicadores, é feito em: "Extensão Rural e Reforma Agrá-<br />
ria", por GONZALEZ, H. In: INFORMATIVO DEAER. Santa Maria, CPGER,<br />
UFSM, III — Julho <strong>de</strong> 1986.<br />
41. GÜARESCHI, op. cit., p. 25.<br />
42. Os diários latino-americanos <strong>de</strong>dicam 46% do seu espaço para publi-<br />
cida<strong>de</strong>, enquanto que 86% das estações <strong>de</strong> rádio da América Latina são co-<br />
merciais, 40% do seu tempo no ar é tomado por propaganda, os canais <strong>de</strong><br />
TV da América Latina utilizam comerciais em 83% dos casos, nestes dados<br />
não se inclui Cuba. (KAPLUM, 1973, apud GÜARESCHI, op. cit., p. 26).<br />
74
Um continente no ví<strong>de</strong>o<br />
Sérgio Caparelli<br />
ARTIGOS<br />
O romance O Tempo e o Vento, <strong>de</strong> Érico Veríssimo, foi apre-<br />
sentado pela Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu projeto séries<br />
especiais, em trinta capítulos, sendo o primeiro transmitido no dia<br />
23 <strong>de</strong> abril do ano passado, quando o país recebera o choque da<br />
morte <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus mais ilustres políticos, Tancredo Neves. A afir-<br />
mação acima levanta uma série <strong>de</strong> questões. Um romance po<strong>de</strong> ser<br />
televisado? Se isso for possível, seu autor ainda seria Érico Verís-<br />
simo? E o que tem a ver o contexto <strong>de</strong> sua emissão — momento po-<br />
lítico etc. — com a obra em si? Estas perguntas são pertinentes.<br />
Para iniciar a discussão, relataremos dois acontecimentos envolven-<br />
do a adaptação <strong>de</strong> obras produzidas originariamente para outros<br />
meios.<br />
Acontecimento I<br />
Em 1956, o romancista norte-americano William Faulkner, que<br />
também produziu textos para cinema, <strong>de</strong>u uma entrevista à "Paris<br />
Review". *<br />
Entrevistador: De que modo obtém os melhores resultados, ao<br />
trabalhar para o cinema?<br />
Faulkner: O meu trabalho cinematográfico que me pareceu o me-<br />
lhor foi feito pelos atores, tendo o escritor <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado o script<br />
e inventado a cena durante o ensaio, pouco antes das câmaras co-<br />
meçarem a rodar. Se eu não levasse, ou não sentisse que era capaz<br />
<strong>de</strong> levar a sério o trabalho cinematográfico, por pura honestida<strong>de</strong><br />
para com o cinema e para comigo próprio, não o teria tentado. Mas<br />
agora sei que jamais serei um bom escritor <strong>de</strong> cinema — <strong>de</strong> modo<br />
que tal trabalho jamais terá para mim a priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> minha pró-<br />
pria tarefa.<br />
* Professor <strong>de</strong> Comunicação na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Elo Gran-<br />
<strong>de</strong> do Sul e <strong>Pesquisa</strong>dor do CNPq.<br />
75
Acontecimento II<br />
O outro fato aconteceu vinte e cinco anos antes da entrevista <strong>de</strong><br />
Faulkner, com Bertolt Brecht. Em 1931, <strong>de</strong>pois do sucesso <strong>de</strong> sua<br />
Ópera dos três vinténs, o dramaturgo assinou um contrato com a<br />
Nero Film A. C. com cláusulas bastante especificas quanto ao rotei-<br />
ro, <strong>de</strong> cuja produção ele próprio participaria. Alegando que a adap-<br />
tação da peça exigiria consi<strong>de</strong>ráveis modificações no original e dian-<br />
te da intransigência <strong>de</strong> Brecht, a empresa ultima o roteiro sem sua<br />
participação. Brecht recorre aos tribunais. Dr. Fischer, o advoga-<br />
do da Nero Film, acusa-o <strong>de</strong> plágio, afirmando que ele "recolheu",<br />
em sua Ópera dos três vinténs, a tradução feita por Ammer das poe-<br />
sias <strong>de</strong> Villon, sem modificações das idéias estilísticas. Os tribunais<br />
dão ganho <strong>de</strong> causa à Nero Film mas esta, surpreen<strong>de</strong>ntemente, res-<br />
titui ao autor seus direitos <strong>de</strong> filmagem e paga as <strong>de</strong>spesas judiciais.<br />
A revista Kinematograph, analisando essa disputa, afirmou en-<br />
tão que Brecht queria embutir no seu filme uma tendência política<br />
combativa. "No teatro, qualquer autor po<strong>de</strong>ria fazer isso mas no ci-<br />
nema haveria prejuízos sociais consi<strong>de</strong>ráveis. Todo aquele que en-<br />
tra em relações comerciais ou trabalhistas com o cinema <strong>de</strong>ve ter em<br />
conta que se dirige a uma indústria, a pessoas que investem dinheiro<br />
e que <strong>de</strong>pois ou recebe aplausos <strong>de</strong> algumas mil salas exibidoras<br />
ou simplesmente per<strong>de</strong> dinheiro. 2 Os argumentos <strong>de</strong> Brecht vão<br />
um pouco além, analisando o cinema como uma pequena parte do<br />
gigantesco complexo i<strong>de</strong>ológico que integra a <strong>cultura</strong>.<br />
Literatura e televisão<br />
Os problemas levantados pela adaptação <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Êrico Ve-<br />
ríssimo na televisão têm muito a ver com os dois acontecimentos<br />
relatados, pois ambos envolvem aspectos da produção, do produto<br />
e dos usuários diante <strong>de</strong>ssas transposições <strong>de</strong> outro meio para o<br />
qual originariamente as obras não tinham sido escritas. E não ape-<br />
nas isso. Opera-se, na verda<strong>de</strong>, uma dupla passagem: "a <strong>de</strong> uma<br />
forma <strong>de</strong> expressão artística para outra (literatura x televisão) —<br />
ou <strong>de</strong> uma arte para outra (romance x televisão) — e a <strong>de</strong> um padrão<br />
da arte para outro (arte culta x <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> massa).3<br />
Ao transpor para a televisão o romance <strong>de</strong> Érico Veríssimo, a Re-<br />
<strong>de</strong> Globo o fez pensando nas comemorações <strong>de</strong> seus 20 anos <strong>de</strong> te-<br />
levisão e também nos milhares <strong>de</strong> cruzados que custa uma inserção<br />
publicitária no horário em que a série está sendo levada ao público.<br />
Diferente <strong>de</strong> Êrico, a Globo tinha uma imagem muito nítida do pú-<br />
blico que pretendia atingir, a partir <strong>de</strong> pesquisas exaustivas.<br />
E quem produziu O Tempo e o Vento? A Re<strong>de</strong> Globo. Mas a<br />
Globo é uma instituição <strong>de</strong> caráter nacional, um conglomerado com<br />
investimentos diversificados, da área financeira às gran<strong>de</strong>s exten-<br />
sões da terra, <strong>de</strong> mercado imobiliário aos projetos na área <strong>de</strong> en-<br />
sino. E certamente não foi o senhor Roberto Marinho quem fez<br />
O Tempo e o Vento. Nem o seu empregado numa plantação <strong>de</strong> soja<br />
<strong>de</strong> Goiás.<br />
Doe Comparato e Regina Braga fizeram a adaptação para o for-<br />
mato da minissérie, a trilha sonora é <strong>de</strong> Tom Jobim, editada tam-<br />
bém em disco pela Som Livre, da própria Re<strong>de</strong> Globo, junto com<br />
Guto Graça Mello, responsável pela gravação. Tem direção geral<br />
<strong>de</strong> Paulo José, ao lado <strong>de</strong> Denise Saraceni e Walter Campos, coman-<br />
76
dando 5 mil atores e figurantes, equipe técnica etc. O nome <strong>de</strong> to-<br />
dos os autores <strong>de</strong> O Tempo e o Vento na televisão encheria um li-<br />
vro e torna-se mais fácil dizer que os produtos da industria cultu-<br />
ral, como minisséries ou telenovelas, exigem uma rigorosa divisão<br />
do trabalho, muito diferente <strong>de</strong> Érico Veríssimo ainda em vida, so-<br />
litário com sua máquina <strong>de</strong> escrever.<br />
O próprio roteiro <strong>de</strong> O Tempo e o Vento fica antecipadamente<br />
<strong>de</strong>limitado pelas características do meio e do público. Doe Compa-<br />
rato confessa que fez dois tratamentos do romance. Numa entrevis-<br />
ta a Artur Xexeo, do "Jornal do Brasil", admite que a princípio es-<br />
tava intimidado, colocando poucos personagens e quase nenhuma<br />
cena <strong>de</strong> ação. A Globo pediu-lhe que reescrevesse tudo, sem se<br />
preocupar com economias. O roteiro final tinha mais <strong>de</strong> 1.000 pá-<br />
ginas, uma centena <strong>de</strong> personagens e quatro seqüências da Revo-<br />
lução Farroupilha. "Algumas pessoas acreditam que adaptar é co-<br />
piar um livro. É muito mais difícil. Tive que <strong>de</strong>sestruturar toda<br />
a história, <strong>de</strong>stacar personagens, os componentes dramáticos indis-<br />
pensáveis, para <strong>de</strong>pois recontar a história, <strong>de</strong>ntro da ótica da tele-<br />
visão". 4<br />
Dentro <strong>de</strong>sta perspectiva, Brecht não soube dimensionar as exi-<br />
gências da indústria <strong>cultura</strong>l, no trato com adaptações, transposi-<br />
ções ou produções especificas para o cinema, já que a televisão ain-<br />
da não existia. E tinha razão a Nero Fllm A. C, ao alegar que uma<br />
adaptação exige consi<strong>de</strong>ráveis modificações no original. Acontece<br />
que Brecht, conforme relata em O Processo dos Três Vinténs, um<br />
experimento sociológico, interessava-se em revelar os mecanismos da in-<br />
dústria <strong>cultura</strong>l postos a serviço da i<strong>de</strong>ologia burguesa e não ape-<br />
nas ver o seu trabalho no cinema. Apesar da exigência <strong>de</strong> mudan-<br />
ças, não significa que a minissérie da Globo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter débitos com<br />
Érico Veríssimo, pois a sua transposição faz <strong>de</strong>la um produto <strong>de</strong><br />
caráter híbrido. Mesmo com todas as transformações, O Tempo<br />
e o Vento, bem como as outras adaptações <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Veríssimo<br />
para a televisão, mantém com ela uma relação <strong>de</strong> origem e <strong>de</strong> con-<br />
tigüida<strong>de</strong>.<br />
É esta contigüida<strong>de</strong> que reforça o caráter híbrido <strong>de</strong> O Tempo<br />
e o Vento enquanto produto da indústria <strong>cultura</strong>l. Porque em sua<br />
elaboração foi necessário levar em conta o caráter massivo do meio,<br />
com exigências <strong>de</strong> integração do produto ao <strong>de</strong>stinatário, mas igual-<br />
mente, conforme Umberto Eco, o produto final po<strong>de</strong> embutir um<br />
projeto estético, a partir <strong>de</strong> seu êxito narrativo. 5 Não é impossí-<br />
vel, portanto, que o produto final explore as possibilida<strong>de</strong>s estéticas<br />
que o meio televisão oferece, e, ao mesmo tempo, integra-se ao <strong>de</strong>s-<br />
tinatário.<br />
As dificulda<strong>de</strong>s<br />
Muitas das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> adaptação já eram conhecidas mes-<br />
mo antes do roteiro. Certas obras são adaptadas à televisão com<br />
facilida<strong>de</strong>. Uma peça <strong>de</strong> teatro, por exemplo, é mais próxima das<br />
possibilida<strong>de</strong>s da linguagem televisiva do que o Ulisses, <strong>de</strong> Joyce.<br />
As obras já pensadas para a televisão po<strong>de</strong>m explorar ao máximo<br />
a técnica <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong> estúdio. A linguagem televisiva trabalha<br />
muito com os primeiros planos e com o cíose. Algumas partes <strong>de</strong><br />
O Tempo e o Vento privilegiam os gran<strong>de</strong>s espaços, que favorece-<br />
riam uma adaptação ao cinema mas a dificultaria à televisão. As<br />
77
cenas fechadas, "<strong>de</strong> estúdio", favorecem os Terra Cambará, no ve-<br />
lho sobrado, enquanto cenários das batalhas ou as andanças do Ca-<br />
pitão Rodrigo ganhariam numa tela maior. Numa adaptação da li-<br />
teratura, muitas vezes o diretor tem <strong>de</strong> escolher entre um gran<strong>de</strong><br />
plano, que realça o aspecto dramático, e o dose, que permite ao te-<br />
lespectador observar a técnica individual.<br />
Aliás, esta já é uma questão do meio em si e <strong>de</strong> suas exigências.<br />
As técnicas <strong>de</strong> contraponto utilizadas no romance são mais facil-<br />
mente assimiladas pelo leitor do romance. Já na minissérie, prin-<br />
cipalmente para o leitor comum, fica muito mais difícil a sua assi-<br />
milação. A polifonia resultante <strong>de</strong> uma "leitura" diária, ritual, sem<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> "releitura", a não ser no caso do vi<strong>de</strong>ocassete, fa-<br />
zem a narrativa confusa. Da trilogia, apenas O Continente foi adap-<br />
tado, ficando fora O Retrato e O Arquipélago. As quatro histórias<br />
constantes neste primeiro livro — Ana Terra, Um Certo Capitão Ro-<br />
drigo, Teiniaguá e O Sobrado — são contadas pelo fim, começando<br />
com a família Terra Cambará, republicana, cercada em seu sobrado<br />
<strong>de</strong> Santa Fé. A partir daí começam os flashbacks, chegando em cer-<br />
tos momentos a flashback <strong>de</strong> flashback. Mesmo que o telespectador<br />
comum já tenha se "a<strong>cultura</strong>do" <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas técnicas, <strong>de</strong>vido ao<br />
cinema, fica muito difícil quando a narrativa se processa a conta-<br />
gotas <strong>de</strong> 40 minutos cada, diariamente, em trinta capítulos, exigin-<br />
do continuamente a sua atenção. Esta argumentação fica ainda mais<br />
nítida quando se sabe que os resultados <strong>de</strong> várias pesquisas <strong><strong>de</strong>mo</strong>ns-<br />
tram que muitos telespectadores <strong>de</strong>dicam apenas uma parte <strong>de</strong> sua<br />
atenção ao que está acontecendo no ví<strong>de</strong>o. 6<br />
Um outro ponto a ser consi<strong>de</strong>rado no caso da linguagem da te-<br />
levisão versus outras linguagens é sua eficácia enquanto transmis-<br />
são ao vivo. A televisão, em sua a<strong>de</strong>rência ao real, tem mais que<br />
qualquer outro meio sua eficácia na <strong>comunicação</strong>, tanto pelo ime-<br />
diatismo do mídia (ela vê o que acontece), pela sua espontaneida<strong>de</strong><br />
(o que se vê nunca havia sucedido, pelo menos daquela maneira),<br />
e pela atualida<strong>de</strong> (a sensação <strong>de</strong> que o que se vê é verda<strong>de</strong>iro). Ao<br />
contrário da literatura e do cinema, que trazem imagem da realida-<br />
<strong>de</strong>, a televisão mostra a própria realida<strong>de</strong>. 7<br />
É claro que essas afirmações po<strong>de</strong>m ser contestadas. Alguém<br />
dirá, por exemplo, que entre as imagens captadas pela câmera e sua<br />
captação pelo telecpectador existe o ponto <strong>de</strong> vista do editor, que<br />
permanece o tempo todo montando as imagens que vão ao ar e que<br />
lhe chegam a partir <strong>de</strong> diversas câmeras. E que aqui também se<br />
trata da questão fundamental da Literatura, a figura do narrador.<br />
Neste caso. trata-se <strong>de</strong> um narrador (o editor) levando ao telespec-<br />
tador as imagens que lhes são trazidas pelas câmeras, subnarrado-<br />
res <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> narrar eletrônico. Aqui, no entanto, persiste a di-<br />
ferença fundamental: toda a montagem, isto é, a estruturação dos<br />
pontos <strong>de</strong> vista narrativos, é contemporânea aos próprios aconteci-<br />
mentos narrados, existindo uma espécie <strong>de</strong> isocronia, o que leva à<br />
questão do tempo da e na narrativa.<br />
Mesmo que se reconheça como potencialida<strong>de</strong> maior da televi-<br />
são sua a<strong>de</strong>rência ao real. possibilitando a transmissão ao vivo, é<br />
certo que o tempo <strong>de</strong>dicado a esse tipo <strong>de</strong> programa é mínimo em<br />
relação aos programas preparados com antecedência, como foi o<br />
caso <strong>de</strong> O Tempo e o Vento, cujas filmagens <strong>de</strong>senrolaram-se duran-<br />
te nove meses, com cenas tomadas no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e numa<br />
78
cida<strong>de</strong> fictícia montada no Rio <strong>de</strong> Janeiro, exclusivamente para as<br />
gravações.<br />
Finalmente, um último aspecto a ser consi<strong>de</strong>rado na adaptação<br />
do romance <strong>de</strong> Érico Veríssimo: a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que milhões <strong>de</strong><br />
pessoas tivessem acesso à saga da formação do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />
Po<strong>de</strong>-se dizer que esse gigantesco meio <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, que é a te-<br />
levisão, trouxe para o enredo <strong>de</strong> Ana Terra, <strong>de</strong> Um Certo Capitão<br />
Rodrigo, Teiniaguá e O Sobrado mais telespectadores que o total <strong>de</strong><br />
leitores <strong>de</strong> O Continente, em todas as edições do livro até agora e as<br />
próximas até o fim do século. Nisso a televisão é incomparável.<br />
E isso que ela tem <strong>de</strong> maravilhoso po<strong>de</strong> ter igualmente <strong>de</strong> lastimá-<br />
vel, envolvendo os <strong>de</strong>fensores da <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> massa e os seus acusa-<br />
dores. A televisão fez com que o livro <strong>de</strong> Érico Veríssimo, que<br />
custa mais <strong>de</strong> 10 por cento <strong>de</strong> um salário mínimo, per<strong>de</strong>sse sua aura.<br />
A bem da verda<strong>de</strong>, a sacralização se mantém no livro, mas sua adap-<br />
tação para o ví<strong>de</strong>o, reproduzindo uma "leitura" para milhões, o<br />
tomou um produto sem a aura característica da <strong>cultura</strong> <strong>de</strong><br />
elite. Já pensou os <strong>de</strong>vaneios da velha Bibiana serem discutidos no<br />
boteco, entre goles <strong>de</strong> cachaça com Un<strong>de</strong>rberg? E, neste caso, co-<br />
mo fica Érico Veríssimo? Ele infinitamente melhor? Acreditamos<br />
que nem uma coisa e nem a outra. Uma coisa é o livro, outra a<br />
transposição para a televisão. Mesmo que uma minissérie como<br />
esta utilize materiais <strong>de</strong> outros meios com outros propósitos e este-<br />
ja em débito com outras artes por absorver componentes (atores,<br />
tempo, ação) <strong>de</strong> formas artísticas mais antigas, 8 ela ocupa um es-<br />
paço que lhe é próprio na <strong>cultura</strong> do século XX. Os telespectadores<br />
não assistiram Érico Veríssimo pela televisão, mas um produto<br />
da indústria <strong>cultura</strong>l, que mantém com O Continente laços <strong>de</strong> ori-<br />
gem e <strong>de</strong> contigüída<strong>de</strong>. Ganhou a Literatura com isso? Isso é difícil<br />
respon<strong>de</strong>r, mas certamente ganhou a ficção eletrônica e ganhou o<br />
telespectador, ganhou a narrativa como um todo. E, indiretamente,<br />
ganhou o nome Érico Veríssimo e seus her<strong>de</strong>iros, com o aumento<br />
das vendas <strong>de</strong> seus livros. Neste caso, ganhou também a Literatura.<br />
BIBLIOGRAFIA CITADA<br />
1. Morávla, Alberto e outros. Escritores em ação. Rio, Paz e Terra,<br />
1982, p. 41.<br />
2. Brecht, Bertolt. El compromisso en literatura y arte. Barcelona, Pe-<br />
nínsula, 1984, p. 102.<br />
3. Averbuck, Lígla. Literatura em tempo <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> massa. São Paulo,<br />
Nobel, 1984, p. 191.<br />
4. Depoimento ao Jornal do Brasil, 21.04.85.<br />
5. Eco, Umberto, Apocalípticos e integrados. São Paulo, Perspectiva,<br />
1979, pp. 329 a 332.<br />
6. Brow, Roger. La Televisión y Ias artes, in: Halloran, James, Los<br />
ejectos <strong>de</strong> Ia televisión. Madrid, Editora Nacional, 1974, p. 193.<br />
7. Espinal, Luís. O cinema frente à TV. São Paulo, LIC Editores, 1976,<br />
p. 10.<br />
8. Brow, Roger, op. cit., p. 201.<br />
79
Democracia, comunicaçáo e<br />
classe trabalhadora*<br />
Antônio Albino Canelas Rubim **<br />
A ditadura que sofremos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1964 impôs significativas modi-<br />
ficações na realida<strong>de</strong> brasileira. Intencionalmente ou não a dita-<br />
dura <strong>de</strong>ixou seqüelas. Uma <strong>de</strong>las, quiçá benéfica, foi a transforma-<br />
ção acontecida no pensamento e na prática política <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática no<br />
Brasil. O Estado ditatorial — o Estado violentamente instrumen-<br />
to das classes dominantes — <strong>de</strong>struiu as esperanças e concepções,<br />
inclusive <strong>de</strong> parte substancial dos setores progressistas, que viam o<br />
Estado como ponta <strong>de</strong> lança e momento <strong>de</strong>terminante da <strong><strong>de</strong>mo</strong>cra-<br />
tização da socieda<strong>de</strong>. O Estado ditatorial <strong>de</strong>struiu esperanças e obri-<br />
gou a prática <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática a, como que, se refugiar na Socieda<strong>de</strong> Ci-<br />
vil. Circunscrita à socieda<strong>de</strong> civil, num embate muitas vezes violen-<br />
to com o Estado, a "nova" prática política necessitou para se rea-<br />
lizar <strong>de</strong> uma significativa transformação do próprio pensamento po-<br />
lítico <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático que a <strong>de</strong>ve refletir e impulsionar. No cerne <strong>de</strong>s-<br />
tas transformações <strong>de</strong>senvolveu-se a concepção <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong><br />
civil é o espaço <strong>de</strong>terminante da <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da socieda<strong>de</strong>.! Nes-<br />
ta reviravolta, neste aprendizado teórico e prático calam fundo as<br />
marcas da ditadura.<br />
Afirmar a socieda<strong>de</strong> civil como momento <strong>de</strong>terminante não sig-<br />
nifica conceber socieda<strong>de</strong> civil e Estado como momentos distintos,<br />
contrapostos e isolados na socieda<strong>de</strong>. Significa pensá-los como mo-<br />
mentos distintos, mas inter-relacionados no processo dialético <strong>de</strong> cons-<br />
tituição da socieda<strong>de</strong>, do qual a socieda<strong>de</strong> civil é o momento <strong>de</strong>-<br />
terminante. Tal concepção <strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização é, sem dúvida, um<br />
passo importante do pensamento e da prática políticos no Brasil<br />
contemporâneo e não po<strong>de</strong>, nem <strong>de</strong>ve ser "esquecida", apesar das<br />
tentações <strong>de</strong> um Estado mais <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático e principalmente dos "es-<br />
* Trabalho apresentado na mesa-redonda "Socieda<strong>de</strong> Civil e Democra-<br />
tização da Comunicação", realizada no Seminário "Constituinte e Política<br />
Democrática <strong>de</strong> Comunicação" (Salvador, 1986).<br />
•* Professor e Chefe do Departamento da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da<br />
Bahia.<br />
80
paços" possíveis <strong>de</strong> ocupar. Como resposta ao "esquecimento" e às<br />
tentações e tentativas <strong>de</strong> recolocar o Estado no centro da <strong><strong>de</strong>mo</strong>cra-<br />
tização da socieda<strong>de</strong>, faz-se necessário reafirmar e <strong>de</strong>senvolver o pen-<br />
samento e a prática política <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos que propõem a socieda<strong>de</strong><br />
civil como <strong>de</strong>terminante para a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da socieda<strong>de</strong> e in-<br />
clusive do Estado.<br />
A convergência <strong>de</strong>ste pensamento com o <strong>de</strong> Antônio Gramsci<br />
não é casual. Em verda<strong>de</strong>, este "novo" pensamento político <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />
crático tem nítida inspiração nas inúmeras e variadas leituras da<br />
obra do autor italiano. 2 Cabe portanto prosseguir e buscar <strong>de</strong>senvol-<br />
ver as formulações <strong>de</strong> Gramsci. Nele, o avanço do capitalismo (no<br />
Oci<strong>de</strong>nte) e mesmo sua superação estão umbilicalmente ligados ao<br />
fortalecimento da socieda<strong>de</strong> civil. Por sua vez o aparecimento e<br />
crescimento <strong>de</strong> uma ampla socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>termina que a coesão<br />
ganhe importância como elemento <strong>de</strong> dominação <strong>de</strong> classe e inclu-<br />
sive como elemento <strong>de</strong> transformação social. Óbvio que a domi-<br />
nação é sempre e necessariamente a combinação <strong>de</strong> coerção e coe-<br />
são, mas, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da evolução e conjuntura históricas, esta conjun-<br />
tura po<strong>de</strong> ter graus bastante variáveis <strong>de</strong> coerção e coesão. Acontece<br />
que com o <strong>de</strong>senvolvimento capitalista, tanto a socieda<strong>de</strong> civil, quan-<br />
to a coesão tornam-se elementos cada vez mais importantes para<br />
a dominação burguesa e para a superação histórica <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>.<br />
Daí que tem-se socieda<strong>de</strong> civil e coesão — ou luta pela hegemonia in-<br />
telectual e moral — como questões imbricadas e fundamentais para<br />
a transformação <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática e socialista da socieda<strong>de</strong> atual.<br />
Entretanto, ao assinalar estes elementos que, produtos das con-<br />
tradições imanentes do capitalismo, abrem possibilida<strong>de</strong>s à <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />
cracia e superação socialista <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>, Gramsci não indica sa-<br />
tisfatoriamente as tendências, gestadas também pelas próprias con-<br />
tradições capitalistas, que se contrapõem àquelas possibilida<strong>de</strong>s e<br />
que acentuam as características <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social e <strong>de</strong> autori-<br />
tarismo inerentes à socieda<strong>de</strong> burguesa. Este é o caso do cresci-<br />
mento tentacular do Estado; da monopolização da economia com to-<br />
das suas repercussões políticas e <strong>cultura</strong>is, imediatas ou não etc. Por<br />
exemplo, o capitalismo monopolista com suas empresas gigantescas<br />
amplia e intensifica a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> econômica e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r existentes<br />
no interior da socieda<strong>de</strong>, fortalecendo o autoritarismo do capital e,<br />
por conseqüência, cria entraves novos e bastante sérios ao processo<br />
<strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização social. Talvez por situar a socieda<strong>de</strong> civil só na<br />
esfera política — Marx e Hegel a situavam na esfera econômica —<br />
e não pensá-la simultaneamente nas esferas econômica e política,<br />
talvez por isto Gramsci se veja impossibilitado <strong>de</strong> assinalar e inves-<br />
tigar tais tendências autoritárias que se contrapõem às possibilida-<br />
<strong>de</strong>s <strong>de</strong> realização da <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia. 3<br />
Um dos elementos <strong>de</strong>sta tendência anti<strong><strong>de</strong>mo</strong>crática é a indús-<br />
tria <strong>cultura</strong>l, aqui entendida <strong>de</strong> acordo com as concepções <strong>de</strong> Theo-<br />
dor Adorno. 4 Em realida<strong>de</strong>, a indústria <strong>cultura</strong>l é o produto do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento capitalista (monopolista) da produção não mate-<br />
rial. Ou seja, a produção <strong>cultura</strong>l é (também) subordinada ao ca-<br />
pitalismo, segundo mo<strong>de</strong>los ten<strong>de</strong>ncialmente semelhantes àqueles an-<br />
teriormente realizados na subordinação da produção material ao ca-<br />
pital, ü Instala-se no seio da socieda<strong>de</strong> civil uma estrutura mono-<br />
polista que domina os meios <strong>de</strong> produção e distribuição <strong>cultura</strong>l e,<br />
por conseguinte, os meios <strong>de</strong> produção i<strong>de</strong>ológica. Isto é, <strong>de</strong> pro-<br />
dução <strong>de</strong> hegemonia. Deste modo, na etapa monopolista do capi-<br />
81
talismo, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> hegemonia passam a ser<br />
extremamente <strong>de</strong>siguais no seio mesmo da socieda<strong>de</strong> civil: enquan-<br />
to a burguesia e <strong>de</strong>mais frações das classes dominantes <strong>de</strong>têm os gi-<br />
gantescos meios <strong>de</strong> produção e distribuição <strong>cultura</strong>l e quase o mo-<br />
nopólio da fala, <strong>de</strong> tornar público na socieda<strong>de</strong>, as classes trabalha-<br />
doras e seus aliados são alijados, <strong>de</strong> forma anti<strong><strong>de</strong>mo</strong>crática, da pro-<br />
dução (e do produto) do que é tornado público na socieda<strong>de</strong> e do<br />
controle e acesso aos gran<strong>de</strong>s meios <strong>de</strong> produção e distribuição cul-<br />
tural. Nestas circunstâncias, para que exista <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia real não<br />
basta somente ter liberda<strong>de</strong> para ter voz própria — liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ex-<br />
pressão, <strong>de</strong> imprensa etc. — mas é essencial também ter direito e<br />
meios <strong>de</strong> tornar efetivamente públicas sua voz. E tornar pública<br />
qualquer voz na socieda<strong>de</strong> contemporânea supõe ter o controle e/ou<br />
acesso aos (gran<strong>de</strong>s) meios <strong>de</strong> produção <strong>cultura</strong>l, ter direito à co-<br />
municação. Somente assim estará reposto — ainda que parcial-<br />
mente, dado existirem inúmeros outros elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r — um certo equilíbrio para uma luta <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática <strong>de</strong> con-<br />
quista <strong>de</strong> hegemonia no interior da socieda<strong>de</strong> civil.<br />
Pelo exposto po<strong>de</strong>-se concluir que a situação contemporânea, on-<br />
<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> civil e a hegemonia são elementos indispensáveis, se-<br />
ja da dominação <strong>de</strong> classe, seja da transformação <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática e so-<br />
cialista da socieda<strong>de</strong>; nesía situação a luta pela <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização so-<br />
cial, dos meios <strong>de</strong> produção e distribuição <strong>cultura</strong>l é parte indis-<br />
pensável e essencial da luta pela <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização real — econômica,<br />
política e <strong>cultura</strong>l — da socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />
No entanto, a socieda<strong>de</strong> civil no Brasil, em especial as entida<strong>de</strong>s<br />
<strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticas ligadas às lutas das classes trabalhadoras, ainda não<br />
se colocaram esta questão <strong>de</strong> forma plena e aprofundada. Com ex-<br />
ceção <strong>de</strong> reivindicações como as tradicionais "liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expres-<br />
são", "liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa" etc; da luta das entida<strong>de</strong>s pela criação,<br />
manutenção e expressão <strong>de</strong> uma imprensa escrita satisfatória e efi-<br />
ciente etc; poucas são as organizações <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticas e populares da<br />
socieda<strong>de</strong> civil que têm, <strong>de</strong> modo mais contun<strong>de</strong>nte, se preocupado<br />
e lutado efetivamente por questões relativas à <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da comu-<br />
nicação social no Brasil contemporâneo. São exceções que confirmam a<br />
regra: setores próximos ou vinculados à Igreja, à Fe<strong>de</strong>ração das Associa-<br />
ções <strong>de</strong> moradores do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro-FAMERJ, alguns sindi-<br />
catos, em especial da região do ABC. Parece que o anti<strong><strong>de</strong>mo</strong>crá-<br />
tico, altamente controlado e repressor sistema <strong>de</strong> concessões <strong>de</strong> rá-<br />
dios e televisões pelo po<strong>de</strong>r executivo fe<strong>de</strong>ral tem impedido/inibido<br />
reivindicações e experiências <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong>stas (e <strong>de</strong> outras) tec-<br />
nologias <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social pelos setores progressistas da socie-<br />
da<strong>de</strong> civil. Só agora, por exemplo, e ainda muito embrionariamen-<br />
te começam a pipocar as rádios livres no Brasil e mesmo assim re-<br />
cebidas com restrições por alguns agrupamentos e personalida<strong>de</strong>s<br />
progressistas. 6<br />
Não ocorreu no Brasil nada similar a <strong>de</strong>terminadas experiências,<br />
acontecidas na Europa e na América Latina, em termos <strong>de</strong> lutas rei-<br />
vindicativas e/ou <strong>de</strong> utilização significativa <strong>de</strong> meios tecnológicos <strong>de</strong><br />
produção e distribuição <strong>cultura</strong>is por movimentos sociais, inclusive<br />
protagonizados pelas classes trabalhadoras. A título <strong>de</strong> exemplo se<br />
po<strong>de</strong> lembrar e escrever algo sobre dois <strong>de</strong>stes movimentos, ocor-<br />
ridos em épocas diferentes e locais diversos.<br />
82
"DETRÁS DE SEU APARELHO DE RADIO ESTA O INIMIGO DE<br />
CLASSE" (MOVIMENTO DAS RÁDIOS OPERÁRIAS)<br />
Durante a implantação do rádio, nos anos 20, na Alemanha da<br />
República <strong>de</strong> Weimar, os trabalhadores criaram diversos "rádio-clu-<br />
bes" operários, inicialmente com o objetivo <strong>de</strong> construir ou ensinar<br />
a produzir aparelhos <strong>de</strong> recepção radiofônica. Naquele momento<br />
tal produção era ilegal e mesmo reprimida, dado que as emissoras<br />
<strong>de</strong> radiodifusão se mantinham e buscavam seus lucros pela venda-<br />
gem <strong>de</strong> aparelhos. Logo o movimento se amplia e incorpora novas<br />
<strong>de</strong>mandas: através <strong>de</strong> recepções coletivas, os rádio-ouvintes passam<br />
a criticar a programação e procurar influir sobre ela com base em<br />
propostas como conselhos eleitos e <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos <strong>de</strong> controle da pro-<br />
gramação. De "rádio-clubes" isolados o movimento das rádios ver-<br />
melhas, como se torna conhecido, organiza-se nacionalmente em en-<br />
tida<strong>de</strong> nacional: no começo, uma Fe<strong>de</strong>ração unitária e, <strong>de</strong>pois, duas<br />
Fe<strong>de</strong>rações, uma que reunia os "rádio-clubes" social-<strong><strong>de</strong>mo</strong>cratas e<br />
outra que englobava os comunistas. Já na fase final da República <strong>de</strong><br />
Weimar o movimento passou a lutar por emissoras operárias pró-<br />
prias, mas com a ascensão <strong>de</strong> Hitler ao po<strong>de</strong>r a repressão foi a res-<br />
posta das classes dominantes. 7<br />
"A VOZ DOS SEM VOZ"<br />
(MOVIMENTO DAS RÁDIOS MINEIRAS)<br />
O outro exemplo é latino-americano: são as rádios mineiras bo-<br />
livianas. As primeiras <strong>de</strong>las aparecem em 1952 e até 1959 são alheias<br />
às questões políticas. Daí em diante vão se colando, cada vez mais,<br />
à vida e ás lutas dos mineiros. Fechadas/abertas, <strong>de</strong>struídas/re-<br />
construídas, proibidas/permitidas, elas resistem e hoje estão no ar.<br />
Mantidas pelos próprios trabalhadores, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontos em seus<br />
salários, estas rádios estão vinculadas aos sindicatos ou à Igreja e<br />
funcionam como verda<strong>de</strong>iros centros <strong>cultura</strong>is e políticos da classe<br />
trabalhadora boliviana. 8<br />
A partir <strong>de</strong>stes exemplos e experiências internacionais po<strong>de</strong>-se<br />
perceber que os movimentos sociais não estiveram ou não estão to-<br />
talmente alheios à questão dos meios eletrônicos, nem ao direito <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong>. Eles também confirmam que a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da<br />
<strong>comunicação</strong> social, que o controle <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático da <strong>comunicação</strong> pela<br />
socieda<strong>de</strong> civil é uma luta, uma conquista e não uma doação das<br />
classes dominantes. Como aliás também a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia foi e é sem-<br />
pre produto <strong>de</strong> intensas lutas da classe trabalhadora. Outro ensi-<br />
namento importante <strong>de</strong>stas experiências é o relativo à organização,<br />
uso e <strong>de</strong>senvolvimento das tecnologias. Derrotada na Alemanha, os<br />
trabalhadores viram a radiodifusão ser organizada e <strong>de</strong>senvolvida tec-<br />
nologicamente <strong>de</strong> forma a reproduzir o autoritarismo da burguesia,<br />
inclusive através <strong>de</strong> uma rigida diferenciação tecnológica entre emis-<br />
sor e receptor, entre produtor ativo e ouvinte passivo, entre o que<br />
tem voz e fala e o que não tem voz. A utopia brechtiana do emis-<br />
sor/receptor e do ouvinte/produtor foi social e tecnologicamente<br />
<strong>de</strong>scartada e o autoritarismo social e tecnológico instalou-se na or-<br />
ganização da radiodifusão. 9 Vê-se, portanto, que as tecnologias não<br />
são neutras, elas contêm potenciais <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratizantes e/ou autoritá-<br />
rios que são utilizados e se <strong>de</strong>senvolvem sempre na <strong>de</strong>pendência da
forma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento social da produção <strong>cultura</strong>l e da estrutura<br />
geral da socieda<strong>de</strong> que envolvem estas tecnologias. E como novas<br />
tecnologias da <strong>comunicação</strong> estão hoje novamente presentes é sem-<br />
pre bom lembrar a história não como mo<strong>de</strong>lo, antes como lição.<br />
Para concluir, duas observações finais. A importância da <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />
cratização da <strong>comunicação</strong> para a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia no Grasil e a não ar-<br />
ticulação e envolvimento dos movimentos sociais e da socieda<strong>de</strong> ci-<br />
vil nesta luta impõem que os comunicadores não só lutem pela <strong>de</strong>-<br />
mocratização da <strong>comunicação</strong>, como também trabalhem ativamente<br />
para interessar toda a socieda<strong>de</strong>, e em especial os setores progres-<br />
sistas, pela discussão e pela luta com vistas à <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da<br />
<strong>comunicação</strong> como direito básico e essencial à verda<strong>de</strong>ira <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />
cracia.<br />
Em segundo lugar, com relação à Constituinte, importa, a partir<br />
<strong>de</strong>sta luta, inscrever na Constituição princípios gerais que abram<br />
possibilida<strong>de</strong>s à instalação <strong>de</strong> uma efetiva <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da comu-<br />
nicação social e <strong>de</strong> uma <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia plena — econômica, política e<br />
<strong>cultura</strong>l — no Brasil.<br />
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. Num texto anterior procuramos <strong>de</strong>senvolver esta questão. Ver RU-<br />
BIM, A. A. C. "Democracia e Socieda<strong>de</strong> Civil", Jornal da Bahia, 28.06.1985,<br />
P. 2. 2. Em boa medida esta varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações se <strong>de</strong>ve, <strong>de</strong> um<br />
lado, ao caráter fragmentado da obra <strong>de</strong> Gramsci e, <strong>de</strong> outro lado, às ri-<br />
quezas <strong>de</strong> suas sugestões.<br />
3. Sobre a concepção diferenciada da socieda<strong>de</strong> civil em Hegel, Marx<br />
e Gramsci, consultar BOBBIO, Norberto, O Conceito <strong>de</strong> Socieda<strong>de</strong> Civil.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, Graal, 1982, 77 p.<br />
4. ADORNO, Theodor, "A Indústria Cultural" in: COHN, Gabriel<br />
(org.), Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Nacional/Edusp, 1971,<br />
pp. 287-295.<br />
5. RUBIM, A. A. C, "Marx e a Comunicação: a Subsunção <strong>de</strong> Bens<br />
Simbólicos ao Capital", Comunicação & Política, Rio <strong>de</strong> Janeiro, (2): 43-50,<br />
1983. 6. Sobre rádios livres no Brasil, ver MACHADO, Arlindo e outros. Rá-<br />
dios Livres: A Reforma Agrária no Ar. São Paulo, Brasiliense, 1986. 180 pp.<br />
Com relação às restrições, ver as <strong>de</strong>clarações do <strong>de</strong>putado Alberto Gold-<br />
man (PCB-SP) contra as rádios livres na Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 23.05.1986,<br />
7. DAHL, Peter, "Detrás <strong>de</strong> tu aparato <strong>de</strong> rádio está ei enemigo <strong>de</strong><br />
clase (movimiento <strong>de</strong> rádios obreras en La República <strong>de</strong> Weimar)". In<br />
BASSETS, Lluis (org.). De Ias ondas rojas a Ias rádios libres. Barcelona,<br />
Gustavo Gili, 1981, pp. 19-47.<br />
8. DAGRON, Alfonso Gumucio, "El papel político <strong>de</strong> Ias rádios mine<br />
ras", Comunicación y Cultura (xerox). ROMERO, Jorge Mancilia, "Entre-<br />
vista: Las Rádios Mineras <strong>de</strong> Bolivia", Cua<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Periodismo, Manágua,<br />
(2): 67-85, 1984.<br />
9. BBECHT, Bertolt, "Teoria <strong>de</strong> Ia radio (1927-1932)". In: BASSETS,<br />
Lluis (org.), ob. cit., pp. 48-61.<br />
84
A Cultura Bóia-Fria no Paraná<br />
João Carlos Canuto *<br />
Este artigo se constitui <strong>de</strong> notas preliminares sobre Comunica-<br />
ção e Desenvolvimento no âmbito restrito <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
trabalhadores Bóias-Frias (Vila São Pedro — Ban<strong>de</strong>irantes-PR), indi-<br />
cando alguns reflexos da Comunicação na consciência <strong>de</strong>stes volan-<br />
tes, consi<strong>de</strong>rando o confronto da sua situação material real e su-<br />
gerindo algumas idéias para o trabalho dos 'agentes <strong>de</strong> mudança<br />
social'. Trata-se <strong>de</strong> reflexões feitas sobre observações (i) sistemáti-<br />
cas, referentes à pesquisa "Perfil Sócio-econômico do trabalhador<br />
volante no município <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>irante-PR" e à pesquisa sobre "Con-<br />
dições <strong>de</strong> alimentação, saú<strong>de</strong> e alfabetização das famílias Bóias-<br />
-Prias/Ban<strong>de</strong>irantes-PR", e (ii) assistemáticas, fruto do convívio in-<br />
formal com os moradores da Vila São Pedro e Vila Maria, no mes-<br />
mo município.<br />
DESENVOLVIMENTO, DESENVOLVIMENTOS<br />
De um modo grosseiro, <strong>de</strong>senvolvimento po<strong>de</strong> ser entendido co-<br />
mo (i) crescimento econômico, acumulação capitalista e (ii) cresci-<br />
mento distribuído eqüitativamente na socieda<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong>senvolvimen-<br />
to social propriamente dito. É claro que a própria construção <strong>de</strong>s-<br />
ses conceitos reflete a posição social <strong>de</strong> quem o constrói.<br />
Desenvolvimento via <strong>de</strong> regra é um conceito elaborado '<strong>de</strong> fo-<br />
ra' do próprio grupo 'objeto' do <strong>de</strong>senvolvimento. A classe traba-<br />
lhadora ou ignora ou reproduz parcialmente a idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvol-<br />
vimento da classe dominante.<br />
Se existem pelo menos dois conceitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, tra-<br />
ta-se então <strong>de</strong> saber a que <strong>de</strong>senvolvimento se está optando: <strong>de</strong>sen-<br />
volvimento do capital ou <strong>de</strong>senvolvimento dos indivíduos, possibili-<br />
tando que se tomem os agentes e não 'objetos' do planejamento dos<br />
outros.<br />
Extrapolando um pouco, trata-se aqui do tema 'Comunicação e<br />
Desenvolvimento' e não <strong>de</strong> 'Comunicação ou Desenvolvimento'.<br />
* Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Extensão Rural da Univer-<br />
sida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Maria-RS.
TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA AGRICULTURA<br />
O Bóia-Fria é o trabalhador volante resi<strong>de</strong>nte na cida<strong>de</strong> e com<br />
ativida<strong>de</strong>s agrícolas. É produto das transformações nas relações <strong>de</strong><br />
trabalho na agri<strong>cultura</strong> brasileira sob o signo do avanço do mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong>nominado 'complexo agroindustrial'.<br />
O complexo agroindustrial combina as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção<br />
agrícola com o processamento industrial, sendo que o pólo dinâmi-<br />
co que move o processo é a indústria. Assim sendo, a indústria su-<br />
jeita a agri<strong>cultura</strong> e produz nesta transformações das mais diversas:<br />
a intensificação do uso <strong>de</strong> máquinas e produtos químicos (a isto se<br />
<strong>de</strong>nominou 'mo<strong>de</strong>rnização agrícola' — e nesse contexto cabe ver o<br />
papel dos serviços <strong>de</strong> Extensão Rural); mas ao mesmo tempo man-<br />
têm-se e até se aprofundam os <strong>de</strong>sequilíbrios em termos da proprie-<br />
da<strong>de</strong> da terra e dos <strong>de</strong>mais meios produtivos (a isto se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>no-<br />
minar 'mo<strong>de</strong>rnização conservadora', a qual aten<strong>de</strong> a alguns mas ex-<br />
clui gran<strong>de</strong>s parcelas <strong>de</strong> trabalhadores, por conservar a estrutura <strong>de</strong><br />
classes no agro).<br />
A 'mo<strong>de</strong>rnização conservadora' instaura assim novas relações <strong>de</strong><br />
trabalho, apropriadas ao mo<strong>de</strong>lo do complexo agroindustrial emer-<br />
gente: <strong>de</strong>saparece, por exemplo, a figura do colono, e surge a do<br />
Bóia-Fria.<br />
/. Bóia-Fria: estrutura material<br />
Esse Bóia-Fria se caracteriza, principalmente, por uma renda<br />
baixa, irregularmente distribuída ao longo do ano. Nos 'picos' <strong>de</strong><br />
trabalho po<strong>de</strong> dar a impressão <strong>de</strong> auferir uma boa renda, acima do<br />
salário mínimo, porém esta é diluída nos meses sem ou com ren-<br />
das baixas, e é diluída também pelo gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> filhos na<br />
família.<br />
Muitas vezes os Bóias-Frías constituem família sem o casamento<br />
e sem a estrutura familiar 'oficial', agrupando-se algumas vezes em<br />
verda<strong>de</strong>iros 'guetos'.<br />
São providos <strong>de</strong> poucos documentos e em muitas ocasiões têm<br />
dificulda<strong>de</strong>s ao enfrentar os órgãos <strong>de</strong> assistência ou o comércio. São<br />
contratados pelo 'gato' (arrebatador e fiscalizador do trabalhador<br />
volante) sem carteira <strong>de</strong> trabalho assinada.<br />
As habitações são precárias, têm baixo nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e<br />
preparo para outros trabalhos, alimentam-se muito mal e têm pro-<br />
blemas graves <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, i<br />
De um modo geral, as condições materiais <strong>de</strong> vida dos Bóiás-<br />
Frias são bastante precárias, muito longe <strong>de</strong> um efetivo <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento social.<br />
Rigorosamente, o Bóia-Fria não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um consu-<br />
midor. Há uma ilusão, ao se tomar itens (das compras) consi<strong>de</strong>ra-<br />
dos 'nobres', próprios das classes mais altas, como padrão <strong>de</strong> ava-<br />
liação; acontece, porém, que o Bóia-Fria, além <strong>de</strong> subconsumidor, é,<br />
condicionado pelos meios (a televisão, o futebol, o dinheiro, a pa-<br />
troa, o carro, o supermercado etc.) um subconsumidor que 'prefere'<br />
incluir os referidos itens.<br />
Se este subconsumo está condicionado por uma 'subrrenda", ca-<br />
be mencionar que o salário do trabalhador obe<strong>de</strong>ce a <strong>de</strong>terminações<br />
históricas. Em tese, o salário <strong>de</strong>ve permitir a reprodução do tra-<br />
balhador e sua família. Mas o padrão, do lado do capital, <strong>de</strong>ve ser<br />
86
o mínimo possível. E nesse 'possível' entra a <strong>de</strong>terminação histó-<br />
rica: vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da correlação das forças sociais em jogo. É claro<br />
que o 'capital em geral' (relação social) ten<strong>de</strong>rá a disciplinar as re-<br />
lações capital/trabalho, <strong>de</strong> modo que não ocorram riscos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
o salário ser menor (naquele lugar e tempo) do que os necessários<br />
à reprodução. Se bem que os 'capitais particulares' às vezes pro-<br />
movem uma espoliação que põe em risco a reprodução, o capital<br />
como relação social e a 'paz social'.<br />
Em Ban<strong>de</strong>irantes há um equilíbrio precário entre capital e tra-<br />
balho, só não rompido pela baixa organização dos trabalhadores.<br />
Mas já se insinua alguma preocupação do Estado em termos<br />
<strong>de</strong> prover o Bóia-Fria <strong>de</strong> condições um pouco menos <strong>de</strong>sastrosas<br />
para a or<strong>de</strong>m. Deve-se ainda lembrar que um governo com alguma<br />
tendência socializante no comando do Estado, tem-se, aqui e acolá,<br />
<strong>de</strong>sejos pontuais <strong>de</strong> mudança. Ou, quem sabe, a ação do Estado se<br />
dirige a colocar panos quentes sobre um movimento social ainda<br />
não maduro. Aliás, <strong>de</strong> fato há indícios claros <strong>de</strong> mobilizações, até<br />
agora basicamente reivindicando salários. A ação contraditória dos<br />
massa meãia-SP po<strong>de</strong> entrar aí como coadjuvante, cobrindo fatos co-<br />
mo os <strong>de</strong> Leme e outros tantos.<br />
De qualquer modo, a instalação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> habitações po-<br />
pulares em regime <strong>de</strong> mutirão na Vila São Pedro, principal pólo em<br />
concentração <strong>de</strong> Bóias-Frias, po<strong>de</strong> explicar parcialmente a tendên-<br />
cia hoje da ação estatal. 2<br />
//. Comunicação<br />
A '<strong>cultura</strong> bóia-fria' se funda numa miscigenação, em porções va-<br />
riáveis, da <strong>cultura</strong> camponesa com a urbana. Ao tempo em que car-<br />
regam valores ditos 'tradicionais', estão expostos a valores da 'mo-<br />
<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>' (a escola, os mass media, o supermercado, a produtivi-<br />
da<strong>de</strong> do trabalho, a monetarização, a economia <strong>de</strong> mercado).<br />
Algumas referências sobre esse quadro <strong>cultura</strong>l na realida<strong>de</strong> do<br />
Bóia-Fria são colocadas aqui apenas em termos <strong>de</strong> (i) exposição aos<br />
diferentes meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> e (ii) formas <strong>de</strong> lazer dos traba-<br />
lhadores:<br />
(i) Em uma amostra restrita <strong>de</strong> 30 famílias <strong>de</strong> Bóias-Frias se<br />
po<strong>de</strong> constatar que os meios eletrônicos hegemônicos ocupam gran-<br />
<strong>de</strong> espaço: 80 0 /o das famílias ouvem rádio (a local e FMs regionais),<br />
63% vêem televisão e é insignificante a leitura <strong>de</strong> jornais (3%) e<br />
inexistente a <strong>de</strong> revistas <strong>de</strong> informação (supõe-se que seja significan-<br />
te a <strong>de</strong> revistas <strong>de</strong> novelas e modas); há ainda 10% das famílias que<br />
não tem acesso a nenhum <strong>de</strong>sses meios (a penetração plena está<br />
limitada pela renda).<br />
(ii) Além do televisor e do rádio, há formas <strong>de</strong> lazer menos he-<br />
gemônicas, mais populares e mais comunitárias: festas, quermes-<br />
ses, visitas a parentes, futebol amador, entre outras citadas. Essas<br />
formas <strong>de</strong> lazer têm gran<strong>de</strong> significação (também para o capital),<br />
consi<strong>de</strong>rando-se aue o trabalho fatigante ocupa quase todo o seu<br />
tempo. É interessante observar a importância das igrejas no con-<br />
texto <strong>cultura</strong>l do lazer: a maior parte das festas e quermesses tem<br />
vinculação com elas; além disso, verifica-se que os Bóias-Frias mui-<br />
tas vezes consi<strong>de</strong>ram lazer a própria participação nas celebrações<br />
religiosas (em certos casos esta é a principal ou única forma <strong>de</strong><br />
lazer).<br />
87
Mesmo consi<strong>de</strong>rando a limitação <strong>de</strong>sta abordagem, po<strong>de</strong>-se afir-<br />
mar que o Bóia-Fria está submetido a formas contraditórias <strong>de</strong> ex-<br />
posição aos diversos meios — hegemônicos e não-hegemônicos. Isso<br />
conjuntamente, resulta em uma consciência altamente ambígua è<br />
contraditória. 3<br />
///. Consciência<br />
Consi<strong>de</strong>rando, numa perspectiva algo próxima à <strong>de</strong> McLuhan os<br />
meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> como sendo todas as entida<strong>de</strong>s que atingem<br />
os sentidos (tudo carrega mensagem), o Bóia-Fria está exposto a<br />
quase todos os meios a que está exposta a classe alta (a escola a<br />
televisão, a rua, a indústria, o rádio FM, o trânsito, a propaganda<br />
o Estado com suas leis). Somados a esses, têm contato com os<br />
meios 'próprios da sua classe': a favela, o trabalho e seus instru-<br />
mentos, os jogos, o caminhão <strong>de</strong> turma, o 'gato', as festas <strong>de</strong> igreja<br />
(há uma distinção perceptível entre 'igrejas dos pobres' e as igre-<br />
jas 'dos outros' (<strong>de</strong>mais, ou mais ricos).<br />
O Bóia-Fria normalmente percebe e tem consciência da sua pre-<br />
cária condição <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> (parcialmente) eliminado como consu-<br />
midor. Esta consciência é, no entanto, altamente ambígua e contra-<br />
ditória, constituída <strong>de</strong> compreensão parcial, incompreensão perple-<br />
xida<strong>de</strong>, alienação, afirmação e negação do mundo real da sua exis-<br />
tência:<br />
(i) percebe como parcialmente possível 'melhorar <strong>de</strong> vida' e re-<br />
força isso valorizando os 'meios' da classe dominante o trabalho a<br />
instrução e a família;<br />
(ii) mas esses mesmos meios po<strong>de</strong>m também ser percebidos<br />
apenas como 'reais para os outros' (os consumidores <strong>de</strong> fato) mas<br />
não realizáveis para si próprio;<br />
(iii) outro fenômeno é simplesmente a não-percepção: o bom-<br />
bar<strong>de</strong>io <strong>de</strong> informações <strong>de</strong> tais meios, confrontado com a precarís-<br />
sima realida<strong>de</strong> do cotidiano, se toma irrealida<strong>de</strong>, no máximo um<br />
continuo sonambulismo. A televisão, por exemplo, não provoca<br />
nesse caso, nem alienação pura (quanto menos revelação) — causa'<br />
no máximo, incompreensão, perplexida<strong>de</strong> e algum riso — mas alie-<br />
nação do nâo-saber-quase-que-total.<br />
Esses fenômenos ocorrem juntos ou não.<br />
As referidas formas <strong>de</strong> percepção ocorrem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mes-<br />
mo complexo. Ora afirmam, ora negam o sistema vigente Via <strong>de</strong><br />
regra, afirmam no plano do real, por não vislumbrarem formas <strong>de</strong><br />
combate-lo, e negam no plano do imaginário, já que percebem as<br />
injustiças a que estão sujeitos. E esta negação do sonho é o cami-<br />
nho para a negação do real.<br />
IV. Saídas (?)<br />
A partir dai, é necessário que os agentes do <strong>de</strong>senvolvimento se<br />
posicionem <strong>de</strong> um modo menos purista — tomem como ponto <strong>de</strong><br />
partida a <strong>cultura</strong> popular interpenetrada da <strong>cultura</strong> hegemônica Mui-<br />
tas vezes os agentes percebem os problemas dos trabalhadores e tra-<br />
çam linhas <strong>de</strong> ação que não funcionam na prática, visto que estes<br />
não percebem os problemas da mesma maneira. As ações 'que <strong>de</strong>-<br />
veriam ser implementadas' segundo os agentes não são as mesmas<br />
que os Bóias-Frias levantam (estas estariam contaminadas da i<strong>de</strong>o-<br />
88
logia burguesa). Uma estratégia <strong>de</strong> participação social e <strong>de</strong> eleva-<br />
ção <strong>de</strong> consciência ficaria impraticável, segundo certos agentes.<br />
Mas uma estratégia <strong>de</strong> participação política po<strong>de</strong> muito bem<br />
iniciar pela mobilização das pessoas a partir <strong>de</strong> assistência nos mol-<br />
<strong>de</strong>s dominantes (corte e costura, prevenção <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes, assistên-<br />
cia técnica agrícola, higiene etc.) para, num movimento pedagógico,<br />
aproximar-se da tomada <strong>de</strong> consciência das suas <strong>de</strong>mandas mais<br />
fundamentais.<br />
Esse processo envolve um certo personalismo e simpatia, normal-<br />
mente tidos como prática populista, mas sem as quais a mobiliza-<br />
ção é mínima e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avanços, menor ainda.<br />
0 projeto <strong>de</strong> habitação popular (Mutirão), embora com objeti-<br />
vos políticos (ano eleitoral, amenizar a 'feiúra' da favela etc.) e eco-<br />
nômicos (prover a reprodução da família trabalhadora) se insere<br />
numa perspectiva <strong>de</strong> mobilização não sem contradições e produtos<br />
não <strong>de</strong>sejados pelo Estado. Uma observação feita é a <strong>de</strong> que os<br />
Bdias-Frias, no mutirão, apren<strong>de</strong>m a força <strong>de</strong> trabalho comunitário<br />
e po<strong>de</strong>m começar a perceber sua potencialida<strong>de</strong> em conseguir coi-<br />
sas para si, potencialida<strong>de</strong> que muito bem po<strong>de</strong> extrapolar o mu-<br />
tirão da habitação para outras áreas <strong>de</strong> reivindicações: salários,<br />
acesso à terra, acesso ao consumo... <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
NOTAS<br />
1. Na pesquisa "Condições <strong>de</strong> alimentação, saú<strong>de</strong> e alfabetização nas<br />
famílias Bóias-Prias/Ban<strong>de</strong>irantes-PR", somente em 30 famílias constataram-<br />
•se 13 doenças diferentes, a saber: problemas <strong>de</strong> pressão, reumatismo, pa-<br />
ralisia, doenças do coração, <strong>de</strong>ficiência física, bronquite, 'amarelão', enxa-<br />
queca, doenças da coluna, doenças dos canais urinários, sinusite, doença <strong>de</strong><br />
Chagas e diabete.<br />
2. O ano eleitoral parece ter sido o fato <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador do projeto,<br />
com o que ganha o po<strong>de</strong>r local instituído.<br />
3. Ver, nessa linha, CHAUÍ, Marilena <strong>de</strong> S., .Resistência e Conformis-<br />
mo, Brasiliense, 1985.<br />
89
Políticas Editoriais:<br />
processo <strong>de</strong> produção e difusão<br />
do conhecimento novo*<br />
Ciro Mascarenhas Rodrigues **<br />
As consi<strong>de</strong>rações aqui apresentadas, apesar <strong>de</strong> embasadas num<br />
referencial teórico <strong>de</strong> caráter mais abrangente, cristalizam-se, em<br />
nível empírico, na experiência restrita à geração e difusão do co-<br />
nhecimento agronômico.<br />
Para dar maior consistência ao texto, preten<strong>de</strong>-se, em primeiro<br />
lugar, colocar os elementos básicos do conceito <strong>de</strong> política editorial,<br />
analisar o processo <strong>de</strong> produção e difusão do conhecimento enquan-<br />
to prática social e estabelecer o relacionamento entre essas catego-<br />
rias. Espera-se, <strong>de</strong>ste modo, evi<strong>de</strong>nciar que a pretensa objetivida<strong>de</strong><br />
do i<strong>de</strong>al científico escamoteia, na maioria das vezes, o controle e a<br />
instrumentalização real, encontrando, na editoração, um campo fér-<br />
til para o seu fortalecimento, como admite Machado (1983).<br />
A política editorial é entendida como um conjunto <strong>de</strong> princípios<br />
e normas estabelecidas para orientar os procedimentos das institui-<br />
ções que trabalham com a editoração. Tal <strong>de</strong>finição guarda certa<br />
coerência com a formulação do conceito <strong>de</strong> política <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
preconizado pela UNESCO (1974), justificando a vinculação <strong>de</strong>ssa<br />
política aos pressupostos dos planos nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Vieira (1984) <strong>de</strong>fine política editorial sob um enfoque menos<br />
abrangente, <strong>de</strong>ntro da especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma editora, ou seja, são<br />
os indicadores que estabelecem os marcos, objetivos, conteúdo e for-<br />
ma dos instrumentos <strong>de</strong> editoração, vale dizer, a indicação do que,<br />
como e para quem editar. Para o Prof. Antônio Houaiss, citado por<br />
Martins (1985), não existe uma <strong>de</strong>finição precisa <strong>de</strong> política edito-<br />
• Notas apresentadas no I Encontro Ibero-Americano <strong>de</strong> Editores <strong>de</strong><br />
Revistas <strong>de</strong> Comunicação, realizado em São Paulo nos dias 1.° e 2 <strong>de</strong> se-<br />
tembro <strong>de</strong> 1986, durante o Congresso INTEBCOM/86.<br />
** Editor <strong>de</strong> Resenhas do Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Difusão <strong>de</strong> Tecnologia — EM-<br />
BRAPA, Caixa Postal 04-0315-BrasIlia, DP.<br />
90
ial, porquanto se trata <strong>de</strong> uma política social <strong>de</strong> configurações di-<br />
versas, mas admite conceituá-la como "um conjunto <strong>de</strong> normas e<br />
condições ou processos seguidos para tomar público, editar obras<br />
<strong>de</strong> interesse social".<br />
Como se vê, o conceito <strong>de</strong> política editorial envolve basicamente<br />
a noção <strong>de</strong> princípios, normas, controle e marcos que se aplicam ao<br />
contexto específico <strong>de</strong> uma empresa pública ou privada, como tam-<br />
bém ao plano global da política governamental que traça diretrizes<br />
maiores. Contudo, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> refletir os valores da socieda<strong>de</strong> co-<br />
mo um todo, cujos ditames são a i<strong>de</strong>ologia das frações dominantes<br />
que <strong>de</strong>têm os meios <strong>de</strong> produção. As políticas <strong>de</strong> editoração não<br />
po<strong>de</strong>m ser aplicadas, portanto, fora dos marcos i<strong>de</strong>ológicos da so-<br />
cieda<strong>de</strong> que as produz, <strong>de</strong>finindo o que é bom e <strong>de</strong>sejável, impon-<br />
do mecanismos <strong>de</strong> controle que, via <strong>de</strong> regra, limitam a liberda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> expressão e informação. Em outras palavras, <strong>de</strong>fine e reforça<br />
o sistema <strong>de</strong> dominação dos segmentos hegemônicos da socieda<strong>de</strong>.<br />
E o que dizer da produção do conhecimento? Szmrecsanyi (1985)<br />
distingue o conhecimento científico das <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> conheci-<br />
mento não apenas pelo seu maior rigor e precisão, mas pelo fato<br />
<strong>de</strong> ser produzido através <strong>de</strong> pesquisa, uma ativida<strong>de</strong> especializada<br />
<strong>de</strong> cientistas que nunca é exclusivamente individual, implicando nu-<br />
ma divisão do trabalho técnico e social. Embora se reconheça uma<br />
tipologia diversificada <strong>de</strong> gêneros <strong>de</strong> conhecimento que varia <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o senso comum ao conhecimento científico, como admite Gurvitch,<br />
citado por Santos (1983), sabe-se que existem inter-relações entre os<br />
diversos gêneros, a ponto <strong>de</strong> estruturar um sistema que evoluí his-<br />
toricamente. Essa evolução <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> alterações que se proces-<br />
sam em partes dos seus componentes, porém condicionadas a <strong>de</strong>ter-<br />
minações da base sócio-material da socieda<strong>de</strong>. Estabelece-se. assim,<br />
o pressuposto <strong>de</strong> que todas as formas <strong>de</strong> conhecimento são influen-<br />
ciadas por formas sociais. Os postulados teóricos <strong>de</strong>sta assertiva<br />
estão fundamentados na sociologia do conhecimento que se origina<br />
na segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste século com Mannheim (1950), mas que tem<br />
fortes raízes no pensamento marxiano.<br />
A sociologia do conhecimento tem por objeto o estudo das idéias<br />
no seu relacionamento com a <strong>cultura</strong> e a socieda<strong>de</strong>. Segundo San-<br />
tos (1979:13), "ela estuda as relações existentes entre as produções<br />
mentais e os quadros existenciais dos quais emergem".<br />
Os fatores <strong>de</strong>terminantes da produção do conhecimento não são,<br />
portanto, apenas imanentes, condicionados pelo objeto do conhe-<br />
cimento e antece<strong>de</strong>ntes lógicos e metodológicos. Incluem-se, tam-<br />
bém, os <strong>de</strong> natureza sócio-<strong>cultura</strong>is, que em última instância <strong>de</strong>ter-<br />
minam os seus objetivos e, em verda<strong>de</strong>, os produz.<br />
Não se preten<strong>de</strong> aqui aprofundar a discussão das diversas abor-<br />
dagens que procuram explicar o conteúdo social da produção do co-<br />
nhecimento No Brasil, além <strong>de</strong> Santos (1978), Sousa (1980) e Sousa<br />
e Singer (1984) o fizeram com muita precisão, partindo da proble-<br />
mática geral da ciência e suas interconexões com a realida<strong>de</strong> social,<br />
passando pela questão da autonomia/não-autonomia da ciência na<br />
socieda<strong>de</strong>, terminando por analisar as suas implicações no campo<br />
da investigação agropecuária.<br />
No limite dos objetivos <strong>de</strong>ste texto, importa consi<strong>de</strong>rar que o<br />
processo <strong>de</strong> geração do conhecimento enquanto prática científica ocor-<br />
re <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> relações sociais, contagiado, portanto, por esse uni-<br />
91
verso <strong>de</strong> relações, estando muito longe <strong>de</strong> afigurar-se como uma ra-<br />
cionalida<strong>de</strong> objetiva concebida sob a égi<strong>de</strong> da neutralida<strong>de</strong> axiolo-<br />
gica. Daí a posição <strong>de</strong> Japiassu (1975), que <strong>de</strong>squalifica a ativida<strong>de</strong><br />
cientifica enquanto templo sagrado, porém a consi<strong>de</strong>ra uma prática<br />
humana e social como outra qualquer, impregnada <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias,<br />
juizos <strong>de</strong> valor, <strong>de</strong> argumentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e, muitas vezes, <strong>de</strong> dog-<br />
matísmos ingênuos. Nesta perspectiva, a objetivida<strong>de</strong> seria mesmo<br />
um projeto irrealizável, já que o sujeito é quem constrói o objeto<br />
<strong>de</strong> sua ciência, pressionado por instrumentos institucionais e i<strong>de</strong>o-<br />
lógicos criados e acionados para reproduzir o esquema dominação<br />
dos segmentos hegemônicos que se apropriam dos meios <strong>de</strong> produ-<br />
ção, na forma como está organizado o sistema produtivo na so-<br />
cieda<strong>de</strong>.<br />
Szmresanyi (1985:166) chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que "a<br />
pesquisa cientifica, entendida como um processo produtivo, está in-<br />
tegrada ao resto da economia e da socieda<strong>de</strong>, tanto pelos recursos<br />
como pelas solicitações que <strong>de</strong>las recebe". A produção científica <strong>de</strong>-<br />
pen<strong>de</strong>, portanto, <strong>de</strong> um exce<strong>de</strong>nte econômico da socieda<strong>de</strong> que pos-<br />
sa ser investido em recursos materiais e humanos com vistas à sua<br />
implementação. Quanto maiores esses recursos, maiores serão os<br />
avanços da investigação científica. Daí afirmar-se que a produção<br />
do conhecimento, via investigação científica em <strong>de</strong>terminada socie-<br />
da<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas que con-<br />
dicionam o seu caráter, intensida<strong>de</strong> e potencialida<strong>de</strong>s (Szmrecsanyi<br />
1985). Como corolário, <strong>de</strong>duz-se que o produto do conhecimento cien-<br />
tifico quando aplicado ao sistema produtivo vai reverter-se em ga-<br />
nhos cada vez maiores para as classes dominantes (<strong>de</strong>tentoras dos<br />
meios <strong>de</strong> produção) e não igualitariamente para todos os componen-<br />
tes da socieda<strong>de</strong> como muitos cientistas imaginam ao projetar as<br />
suas pesquisas.<br />
A produção do conhecimento cientifico e tecnológico é uma prá-<br />
tica social isenta <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong>, trazendo em si todas as contra-<br />
dições da socieda<strong>de</strong> que a engendra. A evidência empírica <strong>de</strong>ssa<br />
assertiva será agora rapidamente avaliada a partir do confronto do<br />
processo evolutivo da pesquisa agropecuária no Brasil e das trans-<br />
formações sócio-econômicas que contextualizaram e <strong>de</strong>terminaram<br />
a dinâmica <strong>de</strong>ssa trajetória.<br />
No período colonial e no império, prevaleceu no Brasil a forma<br />
<strong>de</strong> produção escravista sustentando uma economia mercantil, basea-<br />
da na agroindústria canavieira e na lavoura do café, totalmente vol-<br />
tadas para o mercado externo. A base técnica <strong>de</strong>ssa agri<strong>cultura</strong> era<br />
extremamente precária e jamais po<strong>de</strong>ria impor <strong>de</strong>safios à ciência,<br />
eis que o trabalho escravo historicamente paralisa completamente<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento da técnica e das forças produtivas (Thalheimer,<br />
1979).<br />
Somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esboçadas as perspectivas <strong>de</strong> substituição do<br />
trabalho esciavo por formas superiores <strong>de</strong> exploração, começaram a<br />
surgir por parte dos fazen<strong>de</strong>iros, classe dominante <strong>de</strong> então, as <strong>de</strong>-<br />
mandas por conhecimentos <strong>de</strong> ciências agrárias. Isto acontece <strong>de</strong>-<br />
pois da proibição do tráfico dos escravos em 1850, quando os senho-<br />
res da terra começam a pressionar o Imperador no sentido <strong>de</strong> criar<br />
instituições <strong>de</strong> ensino e pesquisas agrícolas, a exemplo das existen-<br />
tes na Europa. Desta forma surgiram os Imperiais Institutos <strong>de</strong><br />
Agri<strong>cultura</strong> a partir <strong>de</strong> 1895. Os estudos realizados viriam aten<strong>de</strong>r<br />
às necessida<strong>de</strong>s dos donos da terra <strong>de</strong> melhorar a sua rentabilida<strong>de</strong><br />
92
através <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> cultivo que compensassem a substituição da<br />
mão-<strong>de</strong>-obra escrava (Rodrigues, 1983).<br />
No que tange à editoração, entre os objetivos dos Imperiais Ins-<br />
titutos <strong>de</strong> Agri<strong>cultura</strong> constava "criar e manter um periódico no qual,<br />
além dos trabalhos próprios dos Institutos, se publiquem artigos,<br />
memórias, traduções e notícias <strong>de</strong> reconhecida utilida<strong>de</strong> para a nos-<br />
sa agri<strong>cultura</strong>, e que exponha em linguagem acomodada à inteligên-<br />
cia da generalida<strong>de</strong> dos agricultores os melhoramentos què mete'<br />
cem ser adaptados nos processos agrícolas e os princípios <strong>de</strong> eco-<br />
nomia rural indispensáveis para o judicioso emprego dos capitais,<br />
boa administração das fazendas e aproveitamento <strong>de</strong> seus produtos"<br />
(Silva, 1878: 18).<br />
No período compreendido entre a proclamação da República e<br />
a Revolução <strong>de</strong> 1930, não houve alterações significativas na base eco-<br />
nômica e na correlação <strong>de</strong> forças sociais, prevalecendo a oligarquia<br />
rural. Foi inexpressivo o <strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas, e<br />
a pesquisa agropecuária, acompanhando essa tendência, progrediu<br />
muito pouco. Contudo, registra-se a reinstalação do Ministério da<br />
Agri<strong>cultura</strong> e a organização <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> informação e divulga-<br />
ção com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprimir, distribuir e divulgar as publica-<br />
ções do Ministério.<br />
A aliança da burguesia industrial e mercantil, reforçada por seg-<br />
mentos da classe média e parte do bloco agrário (cafeeiro), viabi-<br />
lizou a Revolução <strong>de</strong> 1930. Várias reformas sucessivas resultaram do<br />
movimento revolucionário que significou para a pesquisa agronômi-<br />
ca uma reestruturação das unida<strong>de</strong>s técnico-administrativas anterior-<br />
mente dispersas, sob a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> uma Diretoria Geral <strong>de</strong> Pes-<br />
quisas Científicas. A implantação do Estado Novo em 1937 veio<br />
reforçar a intervenção estatal em todas as esferas da organização<br />
política, social e econômica. Logo foi criado o <strong>Centro</strong> Nacional <strong>de</strong><br />
Ensino e <strong>Pesquisa</strong>s Agronômicas, que em 1943 foi reformulado, dan-<br />
do lugar ao Serviço Nacional <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong>s Agronômicas — SNPA,<br />
com o <strong>de</strong>smembramento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino. O SNPA coor-<br />
<strong>de</strong>nava e dirigia as ativida<strong>de</strong>s da pesquisa fe<strong>de</strong>ral em todo o pais,<br />
sendo composto <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s centrais e <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong> ex-<br />
perimentação formada <strong>de</strong> institutos regionais.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista da divulgação dos resultados <strong>de</strong> pesquisa, con-<br />
vém salientar que o Ministério da Agri<strong>cultura</strong> havia criado em 1933<br />
um órgão que mais tar<strong>de</strong> seria conhecido como Serviço <strong>de</strong> Informa-<br />
ção Agrícola — SI A, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> editar livros, folhetos e<br />
periódicos, além <strong>de</strong> armazenar informações e divulgá-las através <strong>de</strong><br />
jornais, rádio e cinema (Martins, 1985).<br />
Da criação do SNPA até a sua extinção em 1962, por força <strong>de</strong><br />
uma nova reforma administrativa no Ministério da Agri<strong>cultura</strong>, não<br />
houve transformações maiores no sistema nacional <strong>de</strong> pesquisas agro-<br />
nômicas, a não ser a criação <strong>de</strong> novos institutos que se incorpora-<br />
ram à re<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral. Quanto à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> editoração no final <strong>de</strong>s-<br />
te período, embora não se possa afirmar a existência <strong>de</strong> uma polí-<br />
tica editorial, observa-se uma preocupação em <strong>de</strong>finir os veículos <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> mais a<strong>de</strong>quados aos públicos alvos: extensionistas agrí-<br />
colas e pesquisadores científicos.<br />
A extinção do SNPA <strong>de</strong>u lugar ao Departamento <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong>s<br />
e Experimentação Agropecuária — DPEA, que manteve a mesma es-<br />
trutura do sistema anterior, apresentando como única novida<strong>de</strong> a in-<br />
93
corporação dos órgãos <strong>de</strong> pesquisas zootécnicas e veterinárias até en-<br />
tão fora da órbita do sistema. Este período <strong>de</strong> vigência do DPEA,<br />
que sofreu mudanças na sigla para terminar como DNPEA, em 1974]<br />
representou a consolidação do sistema fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> pesquisas. Além dos<br />
resultados expressivos que contribuíram para o aumento da produti-<br />
vida<strong>de</strong> agropecuária, registra-se um fato da maior importância para<br />
a difusão das tecnologias geradas. Pela primeira vez, era formaliza-<br />
da a articulação da pesquisa com a extensão rural, visando, entre ou-<br />
tras ativida<strong>de</strong>s, à instalação, em cada instituto regional <strong>de</strong> pesquisa,<br />
<strong>de</strong> um <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Informação que possibilitasse a divulgação ampla<br />
dos resultados <strong>de</strong> pesquisa. Esses centros eram coor<strong>de</strong>nados por es-<br />
pecialistas em <strong>comunicação</strong> agrícola, oriundos do sistema <strong>de</strong> exten-<br />
são rural.<br />
Em 1973, o I Encontro Nacional <strong>de</strong> Técnicos em Divulgação do<br />
DNPEA estabeleceu as diretrizes para uma política <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>s-<br />
se órgão, com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> instrumentos públicos preferenciais, nor-<br />
mas <strong>de</strong> apresentação, padronização editorial e tramitação <strong>de</strong> origi-<br />
nais antes da impressão. Na oportunida<strong>de</strong>, reforçava-se a <strong>de</strong>cisão<br />
tirada no Encontro <strong>de</strong> Itaguai, em 1970, segundo a qual estabelecia<br />
-se a divisão <strong>de</strong> trabalho no campo da editoração agrícola. Os ex-<br />
tensionistas e os pesquisadores seriam o público preferencial das edi-<br />
ções dos institutos <strong>de</strong> pesquisa, enquanto os agricultores seriam o<br />
público preferencial das edições do Sistema <strong>de</strong> Extensão Rural. As<br />
diretrizes do I Encontro não chegaram a ser postas em prática, em<br />
virtu<strong>de</strong> da extinção do DNPEA, em 1974, que <strong>de</strong>u lugar à Empresa<br />
Brasileira <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong> Agropecuária — EMBRAPA (Rodrigues, 1975).<br />
A criação da EMBRAPA resultou <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que<br />
reorganizou o Estado brasileiro a partir do Decreto-lei 200, edita-<br />
do em 1967, que <strong>de</strong>u respaldo à política <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização da nossa<br />
economia, consolidando a sua internacionalização e <strong>de</strong>pendência ex-<br />
terna. Para a agri<strong>cultura</strong>, isso representou um compromisso <strong>de</strong><br />
melhorar a produtivida<strong>de</strong> da terra e do capital, apoiado na impor-<br />
tação, geração e difusão <strong>de</strong> tecnologia, assegurando mercado para<br />
o complexo industrial produtor <strong>de</strong> máquinas, equipamentos, ferti-<br />
lizantes agrotóxicos e outros insumos mo<strong>de</strong>rnos.<br />
Para dar suporte a essa política, a EMBRAPA implantou um<br />
mo<strong>de</strong>lo institucional e operativo <strong>de</strong> pesquisa, que respon<strong>de</strong>u pron-<br />
tamente às expectativas governamentais gerando, nos seus primei-<br />
ros anos, centenas <strong>de</strong> pacotes tecnológicos indutores do uso maciço<br />
<strong>de</strong> insumos mo<strong>de</strong>rnos. A par disso, a empresa <strong>de</strong>senvolveu um in-<br />
tenso programa <strong>de</strong> pesquisas que muito tem contribuído para o<br />
avanço da ciência e da tecnologia agrícola na última década. Se a<br />
mo<strong>de</strong>rnização do campo não tem transformado as bases do crescimento<br />
agrícola, pelo contrário beneficia apenas uma pequena parcela <strong>de</strong><br />
produtores e mais o capital industrial e financeiro, isso são distor-<br />
ções que não po<strong>de</strong>m ser creditadas à EMBRAPA por si só, mas ao<br />
conjunto da política econômica governamental.<br />
O mo<strong>de</strong>lo institucional da EMBRAPA privilegia a difusão <strong>de</strong><br />
tecnologia a ponto <strong>de</strong> colocar a geração e a difusão como compo-<br />
nentes <strong>de</strong> um mesmo processo. O reflexo <strong>de</strong>ssa postura no que tan<br />
ge à questão da editoração, um dos pilares das ações <strong>de</strong> difusão da<br />
tecnologia, é notável.<br />
Em 1974, a EMBRAPA já produzia um documento orientador das<br />
linhas básicas da política editorial da Empresa, estabelecendo me<br />
canismos para a edição <strong>de</strong> trabalhos realizados no âmbito da Em<br />
94
presa ou através <strong>de</strong> projetos cooperativos. Mais adiante, foram cria-<br />
das as normas e diretrizes referentes às publicações técnico-cienti-<br />
ficas, em complementação ao documento orientador da política edi-<br />
torial (Rodrigues, 1975).<br />
Uma nova versão da política editorial da EMBRAPA, <strong>de</strong>sta fei-<br />
ta mais aperfeiçoada e abrangente, foi estabelecida em 1979. Ela<br />
fixa linhas <strong>de</strong> ação e coor<strong>de</strong>nação para facilitar a geração e disse-<br />
minação das informações produzidas pelo Sistema Cooperativo <strong>de</strong><br />
<strong>Pesquisa</strong> Agropecuária coor<strong>de</strong>nado pela EMBRAPA. Trata-se <strong>de</strong><br />
uma política global que se aplica <strong>de</strong> forma normativa às entida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> execução direta <strong>de</strong> pesquisa da empresa e <strong>de</strong> forma indicativa aos<br />
<strong>de</strong>mais órgãos do sistema cooperativo. Junto à <strong>de</strong>finição da polí-<br />
tica editorial foi produzido um manual <strong>de</strong> publicações que dispõe<br />
sobre a operacionalização da política editorial. Este manual é atua-<br />
lizado periodicamente em Encontros <strong>de</strong> Editores da EMBRAPA (Mar-<br />
tins, 1985).<br />
Para garantir a execução da política editorial, existem os Co-<br />
mitês ao nível <strong>de</strong> administração central (Comitê <strong>de</strong> Política Editorial<br />
e Comitê <strong>de</strong> Publicações) e ao nível <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s Descentralizadas<br />
(Comitê <strong>de</strong> Publicações). Compete ao Comitê <strong>de</strong> Política Editorial<br />
apreciar, acompanhar e avaliar o programa <strong>de</strong> publicações técnico-<br />
-científicas formulado pelo Departamento <strong>de</strong> Difusão <strong>de</strong> Tecnologia.<br />
Aos Comitês <strong>de</strong> Publicações cabe julgar os trabalhos a serem publi-<br />
cados e zelar pelo cumprimento das normas e procedimentos esti-<br />
pulados pela política editorial da EMBRAPA.<br />
Hoje a EMBRAPA edita 14 títulos <strong>de</strong> publicações, sendo 5 uni-<br />
da<strong>de</strong>s <strong>de</strong> documentação e 9 instrumentos <strong>de</strong> divulgação. Entre os<br />
periódicos, <strong>de</strong>stacam-se "<strong>Pesquisa</strong> Agropecuária Brasileira" que obje-<br />
tiva divulgar para a comunida<strong>de</strong> cientifica os resultados conclusivos<br />
<strong>de</strong> pesquisa e "Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Difusão <strong>de</strong> Tecnologia", cuja finalida<strong>de</strong><br />
principal é veicular trabalhos que abor<strong>de</strong>m a problemática da ciên-<br />
cia e tecnologia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma perspectiva crítica, e aspectos da ge-<br />
ração e difusão <strong>de</strong> tecnologias agropecuárias.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Por tudo que foi aqui exposto, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se que os marcos da<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma política editorial têm muito a ver com o proces-<br />
so <strong>de</strong> produção do conhecimento científico e com a dinâmica das ins-<br />
tituições que fazem pesquisa. Tudo isso se contextualiza num cam-<br />
po <strong>de</strong> relações entre ciência e socieda<strong>de</strong> que evolui historicamente,<br />
crescendo na medida em que se verificam avanços mais significati-<br />
vos das forças produtivas e aperfeiçoamento das relações <strong>de</strong> produ-<br />
ção. O exemplo da evolução da pesquisa agropecuária brasileira é<br />
bastante ilustrativo.<br />
Os primeiros sinais <strong>de</strong> crise da economia escravista mercantil,<br />
provocada, entre outros fatores, pela substituição progressiva do tra-<br />
balho escravo por formas superiores <strong>de</strong> exploração, ocasionaram a<br />
<strong>de</strong>manda por conhecimentos <strong>de</strong> ciências agrárias, induzindo á ins-<br />
titucionalização da pesquisa e ensino agronômicos na segunda me-<br />
ta<strong>de</strong> do século XIX. Na oportunida<strong>de</strong>, surgiram, também, as pri-<br />
meiras publicações para divulgação dos resultados <strong>de</strong> pesquisa e ins-<br />
truções práticas para o cultivo <strong>de</strong> plantas e criação <strong>de</strong> animais.<br />
95
A monetarização das relações econômicas não foi suficiente pa-<br />
ra apear do po<strong>de</strong>r a aristocracia agrária que, a <strong>de</strong>speito da Procla-<br />
mação da República, continuava sendo a força hegemônica. A Re-<br />
volução <strong>de</strong> 1930 e seu <strong>de</strong>sdobramento no golpe do Estado Novo con-<br />
solidaram a aliança entre burguesia industrial e mercantil, provo-<br />
cando uma expansão das forças produtivas, e refletiu <strong>de</strong> imediato<br />
na racionalização e intensificação das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisas agro-<br />
nômicas. Simultaneamente, estruturavam-se o Serviço <strong>de</strong> Informação<br />
Agrícola do Ministério da Agri<strong>cultura</strong> e os setores <strong>de</strong> divulgação dos<br />
institutos <strong>de</strong> pesquisa.<br />
Na década <strong>de</strong> 1960, com o esgotamento do mo<strong>de</strong>lo econômico <strong>de</strong><br />
substituição <strong>de</strong> importações, o país esteve na iminência <strong>de</strong> envere-<br />
dar pelo caminho das reformas <strong>de</strong> base. O golpe militar <strong>de</strong> 1964 le-<br />
vou a socieda<strong>de</strong> brasileira para outra direção, a da mo<strong>de</strong>rnização<br />
conservadora. Para a agri<strong>cultura</strong>, isso significou a intocabilida<strong>de</strong><br />
da estrutura fundiária; aumento da base técnica, via crédito subsi-<br />
diado, objetivando a maximização do uso <strong>de</strong> produtos industriais<br />
(máquinas, equipamentos, fertilizantes e agrotóxicos); fornecimen-<br />
to <strong>de</strong> alimentos a baixo custo; e produção <strong>de</strong> matérias-primas para<br />
a indústria <strong>de</strong> transformação. A pesquisa agropecuária teve papel<br />
fundamental no apoio a este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização. Antes, po-<br />
rém, sofreu uma reformulação estrutural tanto do ponto <strong>de</strong> vista insti-<br />
tucional quanto filosófico e operativo. No bojo <strong>de</strong>ssa reforma, mon-<br />
tou-se uma sofisticada estrutura <strong>de</strong> documentação, informação e difusão<br />
<strong>de</strong> tecnologia, on<strong>de</strong> a questão editorial foi tratada com ênfase nun-<br />
ca experimentada pelo sistema <strong>de</strong> pesquisa agropecuária.<br />
Finalizando, cabe salientar que o propósito maior <strong>de</strong>ste trabalho<br />
foi mostrar que existe algo muito mais complexo que a simples for-<br />
malização <strong>de</strong> normas técnicas na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma política editorial.<br />
As mesmas <strong>de</strong>terminações sócio-materiais, que regem a produção do<br />
conhecimento científico, certamente exercem influência semelhante<br />
na formulação <strong>de</strong>ssas políticas que, via <strong>de</strong> regra, aten<strong>de</strong>m aos inte-<br />
resses <strong>de</strong> segmentos dominantes, ficando excluídas dos seus bene-<br />
fícios as maiores parcelas da socieda<strong>de</strong>.<br />
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p. 23-27.<br />
97
COMENTÁRIOS<br />
A Comunicação e o Menor:<br />
uma possível <strong>comunicação</strong><br />
para a justiça<br />
Ismar <strong>de</strong> Oliveira Soares<br />
A simpatia que o tema da Campanha da Fraternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 87 pro-<br />
movida pela CNBB, vem <strong>de</strong>spertando, ao convidar as pessoas <strong>de</strong> boa<br />
vonta<strong>de</strong> a meditarem em profundida<strong>de</strong> sobre os problemas da crian-<br />
ça, principalmente do menor <strong>de</strong>sassistido, leva-nos a pensar que uma<br />
reflexão sobre a condição dos pequenos brasileiros como receptores<br />
ou produtores da Comunicação Social po<strong>de</strong>ria ser bem recebida.<br />
Inspiramo-nos no fato <strong>de</strong> que cresce, no Brasil, a preocupação<br />
com a produção <strong>cultura</strong>l para a infância e a juventu<strong>de</strong>. A última<br />
Bienal do Livro, realizada em São Paulo, em agosto <strong>de</strong> 1986, <strong><strong>de</strong>mo</strong>ns-<br />
trou o acerto dos editores e autores ao ampliarem e diversificarem<br />
suas linhas editoriais tendo o público infantil como consumidor<br />
As emissoras <strong>de</strong> televisão estão atentas à potencialida<strong>de</strong> do mer-<br />
cado infanto-juvenil. Os horários <strong>de</strong>dicados às crianças foram con-<br />
si<strong>de</strong>ravelmente ampliados, nos últimos anos, tendo algumas emis-<br />
soras contratado psicólogos e pedagogos para assessorarem a pro-<br />
dução <strong>de</strong> seus horários matutinos ou vespertinos, que têm na crian-<br />
ça seu principal público telespectador.<br />
Não é nossa intenção discutir o controvertido tema das influên-<br />
cias positivas e/ou negativas da indústria <strong>cultura</strong>l sobre as crian-<br />
ças. E justificamos o porquê <strong>de</strong>ssa exclusão:<br />
Em primeiro lugar, os pesquisadores da Comunicação Social ali-<br />
mentam dúvidas quanto à serieda<strong>de</strong> da visão apocalíptica dos que<br />
enten<strong>de</strong>m a indústria <strong>cultura</strong>l como força dotada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r absolu-<br />
to sobre as mentes infantis. Ao lado, pois, dos que ainda susten-<br />
* Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e Coor<strong>de</strong>nador<br />
do Projeto Leitura Critica da Comunicação, da UCBC.
tam que os produtos <strong>cultura</strong>is veiculados pela televisão, rádio, re-<br />
vistas infantis e outros veículos <strong>de</strong> massa transportam uma carta<br />
<strong>de</strong>terministicamente nociva à formação dos pequenos cidadãos, com<br />
conteúdos <strong>cultura</strong>is e morais inaceitáveis ou no mínimo discutíveis,<br />
há os que tentam provar que os produtores <strong>cultura</strong>is também evo-<br />
luíram (como a própria socieda<strong>de</strong> evoluiu) <strong>de</strong>ixando transparecer,<br />
em suas produções, as contradições da própria socieda<strong>de</strong>, permitin-<br />
do, <strong>de</strong>sta forma, à inteligência — se orientada para tanto — formar<br />
seu próprio senso critico.<br />
Em segundo lugar, as pesquisas que levantam as relações <strong>de</strong> do^<br />
minação entre os veículos e o público infanto-juvenil — pela difi-<br />
culda<strong>de</strong> em se isolar o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> outras variáveis ou <strong>de</strong>-<br />
terminantes — são ainda insuficientes para dar segurança aos edu-<br />
cadores que se disponham a trabalhar com o tema a nível <strong>de</strong> ação<br />
pedagógica.<br />
Preferimos, portanto, direcionar nossa contribuição para dois<br />
outros campos <strong>de</strong> ação-reflexão sobre o problema, que, mantendo a<br />
proximida<strong>de</strong> da abordagem — "Comunicação/Criança" — explici-<br />
tem outras referências pedagógicas e metodológicas. Os dois campos<br />
são: "a criança como formadora <strong>de</strong> seu próprio senso crítico" e "a<br />
criança como produtora <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>".<br />
A CRIANÇA COMO FORMADORA DE SEU PRÓPRIO<br />
SENSO CRITICO<br />
A formação do senso crítico tem sido objeto das preocupações<br />
dos responsáveis pelos <strong>de</strong>stinos da educação católica, a começar pe-<br />
los romanos pontífices. Pio XI foi explícito em suas advertências<br />
em documentos que trataram do cinema e da educação cristã. Se-<br />
guidamente, Pio XII, João XXIII e Paulo VI voltaram ao tema. Foi,<br />
contudo, a instrução pastoral "Communio et Progressio" a que mais<br />
avançou, ao propor que os próprios jovens se educassem, e, mutua-<br />
mente, na recepção crítica das mensagens a eles dirigidas.<br />
Durante os últimos anos, dois tipos <strong>de</strong> experiências têm sido <strong>de</strong>-<br />
senvolvidas, buscando a elaboração <strong>de</strong> metodologias apropriadas pa-<br />
ra a abordagem da ação pedagógica da autoformação dos jovens<br />
na área da recepção <strong>de</strong> mensagens. Reportamo-nos à metodologia<br />
do Projeto <strong>de</strong> Leitura Crítica da Comunicação, <strong>de</strong>senvolvida em vá-<br />
rias partes do pais pela UCBC — União Cristã Brasileira <strong>de</strong> Comu-<br />
nicação Social e pelo mais recente projeto do SEPAC-EP — Ser-<br />
viço à Pastoral da Comunicação das Edições Paulinas, com sua pro-<br />
posta <strong>de</strong> integração Comunicação/Educação.<br />
A fundamentação teórica do Projeto LCC po<strong>de</strong> ser resumida <strong>de</strong>s-<br />
ta forma: Qualquer tipo <strong>de</strong> educação para a recepção que partis-<br />
se da difusão sistematizada por parte dos educadores <strong>de</strong> sua pró-<br />
pria interpretação dos significados e dos valores <strong>cultura</strong>is e morais<br />
transmitidos pela indústria <strong>cultura</strong>l, por melhor que fosse, estaria<br />
reproduzindo o vício maior <strong>de</strong>sta mesma produção: a imposição ver-<br />
tical <strong>de</strong> visões <strong>cultura</strong>is. O resultado <strong>de</strong>sta intervenção seria, no<br />
mínimo, a reafirmação, nas mentes dos educandos, da naturalida<strong>de</strong><br />
do modo <strong>de</strong> produção <strong>cultura</strong>l que norteia todo o processo <strong>de</strong> pro-<br />
dução dos bens simbólicos, o que se po<strong>de</strong> traduzir num conceito:<br />
alguns <strong>de</strong>têm o saber e o po<strong>de</strong>r e a eles compete ditar a verda<strong>de</strong>.<br />
Aos <strong>de</strong>mais, cabe apenas a<strong>de</strong>quar-se à última verda<strong>de</strong>, aquela que<br />
100
lhe foi mostrada com maior bom senso, a do educador. Ocorre,<br />
porém, que a força persuasiva dos gran<strong>de</strong>s veículos, pela natureza<br />
mesma <strong>de</strong> seus recursos, é mais persistente e envolvente. Nesta<br />
concorrência <strong>de</strong>sleal, o educador sairá per<strong>de</strong>ndo, fato que o <strong>de</strong>sa-<br />
nima e faz ruir por terra os esforços <strong>de</strong> enfrentamento. O profes-<br />
sor, ao <strong>de</strong>sanimar <strong>de</strong> sua ação pedagógica, não sabe, contudo, que<br />
acabou por alimentar ainda mais a mente <strong>de</strong> seus alunos, reafirman-<br />
do, justamente o essencial da mensagem dos meios: a <strong>cultura</strong> já<br />
vem produzida, cabendo ao povo apenas consumir.<br />
A formação para o senso crítico, segundo o Projeto LCC, <strong>de</strong>ve<br />
ter como base a proposta <strong>de</strong> Paulo Freire quando aponta para a<br />
essência do ato educativo: a criação <strong>de</strong> condições para que os edu-<br />
candos produzam <strong>cultura</strong> confrontando dialeticamente suas repre-<br />
sentações sociais com as representações sociais que lhes são impos-<br />
tas. Trata-se <strong>de</strong> um exercício permanente <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta, em que a<br />
<strong>de</strong>codifícação das mensagens passa permanentemente pela análise<br />
política do lugar social em que as mensagens massivas são produzi-<br />
das. Reconhece-se, <strong>de</strong>sta forma, o direito que a criança tem <strong>de</strong> ter<br />
sua fantasia alimentada — o direito ao lúdico e ao prazer estético.<br />
Reconhece-se, por outro lado, o direito da criança a julgar as for-<br />
mas <strong>de</strong> produção, pela socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, dos bens simbólicos que<br />
lhe chegam através dos veículos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />
O educador tem sua tarefa neste processo. Deve permitir aos<br />
educandos o acesso aos produtos <strong>cultura</strong>is (a televisão, o jornal, o<br />
rádio e as revistas <strong>de</strong>vem invadir as escolas, uma vez que fazem par-<br />
te do cotidiano das pessoas), criando condições para que os pró-<br />
prios educandos criem mecanismos <strong>de</strong> análises. O método da con-<br />
frontação <strong>de</strong> valores leva, a<strong>de</strong>mais, a vantagem <strong>de</strong> permitir aos edu-<br />
candos que <strong>de</strong>scubram seu próprio universo mental e realizem opções<br />
<strong>cultura</strong>is e políticas coerentes com os objetivos <strong>de</strong> vida que vão<br />
sendo formadas no <strong>de</strong>correr do processo educativo.<br />
O Projeto Comunicação/Educação do SEPAC-EP tenta levar es-<br />
tes princípios e métodos para a escola <strong>de</strong> primeiro e segundo graus,<br />
um dos espaços em que movimenta parte da infância brasileira.<br />
A proposta fundamental é a <strong>de</strong> motivar professores e alunos a pla-<br />
nejarem conjuntamente ativida<strong>de</strong>s pedagógicas, a partir da inter-<br />
disciplinarieda<strong>de</strong> do trabalho didático, que tenham, como pano <strong>de</strong><br />
fundo, a filosofia educacional libertadora. Através do aproveitamen-<br />
to do'que já se domina — o currículo — e da fixação conjunta <strong>de</strong><br />
objetivos educacionais críticos, torna-se possível inserir, nos plane-<br />
jamentos anuais dos colégios, ativida<strong>de</strong>s pedagógicas que — ao se-<br />
rem assessoradas por professores já <strong>de</strong>spertos para o problema e<br />
com um mínimo <strong>de</strong> leitura sobre teorias e processos <strong>de</strong> comunica-<br />
ção — levem o corpo discente a uma ação-reflexão. Neste sentido,<br />
não há fórmulas prontas, e cada caso é um caso. Em algumas ex-<br />
periências levadas a efeito na Região Ipiranga da Associação <strong>de</strong> Edu-<br />
cação Católica <strong>de</strong> São Paulo, chegou-se à conclusão, por exemplo,<br />
<strong>de</strong> que uma das principais mensagens veiculadas pelos meios <strong>de</strong> co-<br />
municação julgada inaceitável pelos estudantes é a insistência dos<br />
conteúdos que reforçam a oportunida<strong>de</strong>, conveniência e naturalida-<br />
<strong>de</strong> do individualismo, da violência e da competição na vida huma-<br />
na Os alunos e os professores <strong>de</strong> sete colégios <strong>de</strong>sta região opta-<br />
ram então pela promoção conjunta <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s em que o obje-<br />
tivo'era a prática <strong>de</strong> ações solidárias. A avaliação posterior a cada<br />
experiência apontou para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se rever os próprios pro-<br />
cessos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> adotados <strong>de</strong>ntro das escolas entre os pólos <strong>de</strong><br />
101
interação: diretores-professores-alunos. A análise da <strong>comunicação</strong>,<br />
como se vê, passa pela análise da vida.<br />
O que se preten<strong>de</strong> afirmar, no projeto Comunicação/Educação<br />
do SEPAC-EP, é a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se promover a educação do sen-<br />
so crítico a partir do conjunto da prática pedagógica e não da sim-<br />
ples introdução <strong>de</strong> disciplina <strong>de</strong>stinada á análise crítica dos meios.<br />
O importante é ressaltar que qualquer projeto <strong>de</strong> educação do<br />
senso critico <strong>de</strong>ve ser feito com a participação dos educandos, levan-<br />
do em consi<strong>de</strong>ração seus valores, sem imposições, ainda que o edu-<br />
cador tenha certeza sobre suas próprias avaliações. É o reconhe-<br />
cimento do direito da criança em participar <strong>de</strong> sua educação ten-<br />
do, entre os conteúdos programáticos, os produtos simbólicos <strong>de</strong>s-<br />
tinados a seu lazer e à sua informação, elaborados pela indústria<br />
<strong>cultura</strong>l.<br />
A CRIANÇA COMO PRODUTORA DE CULTURA<br />
A análise dos processos <strong>de</strong> educação crítica tem outro fundamen-<br />
to: o reconhecimento do direito do público infanto-juvenil <strong>de</strong> pro-<br />
duzir <strong>cultura</strong>. Tal reconhecimento leva em consi<strong>de</strong>ração a discussão<br />
do próprio conceito <strong>de</strong> "criança" ou <strong>de</strong> "menor".<br />
Existe, como é sabido, uma concepção biológica da criança,<br />
apontando para as fases etárias <strong>de</strong> sua formação. Neste sentido, a<br />
Psicologia vem observando o comportamento do ser humano, estu-<br />
dando os distintos estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> percepção, atuação e i<strong>de</strong>ntificação. A criança que cresce é um<br />
adulto em potencial, que <strong>de</strong>ve ser formado por quem já <strong>de</strong>tém o<br />
saber, os códigos <strong>de</strong> conduta, os valores, a experiência, enfim. Não<br />
se reconhece à criança méritos intelectuais ou emocionais para ela-<br />
borar seu próprio projeto da vida, nem são criadas condições para<br />
tanto. A socieda<strong>de</strong>, ao preocupar-se com a formação dos futuros<br />
adultos, elabora projetos educacionais que privilegiam o público in-<br />
fanto-juvenil pertencente, por nascimento, às classes com algum po-<br />
<strong>de</strong>r aquisitivo, <strong>de</strong>ixando a gran<strong>de</strong> maioria sem assistência. A au-<br />
sência <strong>de</strong> assistência é politicamente intencional por barrar aos po-<br />
bres e miseráveis o acesso à aquisição dos instrumentos necessários<br />
ao <strong>de</strong>sempenho das funções atribuídas à cidadania.<br />
A socieda<strong>de</strong> não reconhece, <strong>de</strong>vido à sua visão reducionista da<br />
evolução da criança, ou tenta camuflar a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> toda<br />
criança em dispor dos recursos da educação. E, o que é pior, a so-<br />
cieda<strong>de</strong> ao universalizar as conclusões da psicologia, tiradas <strong>de</strong> pes-<br />
quisas com grupos <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> classes com algum po<strong>de</strong>r econô-<br />
mico-político-social, atribuindo-as, genericamente, a todos as crianças<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suas condições históricas, nega, <strong>de</strong>finitivamen-<br />
te, a condição que <strong>de</strong>veria ser reconhecida à criança <strong>de</strong> ser co-au-<br />
tora do processo <strong>de</strong> produção da <strong>cultura</strong> na qual vive e viverá.<br />
Se reconhecemos que a produção da <strong>cultura</strong> é direito da crian-<br />
ça, tomamos como certo outro direito, que é <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>ste: ter<br />
o menor acesso a um processo <strong>de</strong> educação que lhe permita <strong>de</strong>codi-<br />
ficar o mundo <strong>cultura</strong>l dos adultos. Neste caso, caberá à própria<br />
criança, ao "menor", <strong>de</strong>scobrir os modos <strong>de</strong> produção <strong>cultura</strong>l do<br />
"maior", que lhe chega através dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social,<br />
do próprio sistema escolar, da religião e da família.<br />
Neste caso, a educação do senso crítico <strong>de</strong>ve ser propiciada a<br />
todas as crianças, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua condição econômica. E a<br />
102
educação para a <strong>comunicação</strong>, antes <strong>de</strong> ser diletantismo <strong>de</strong> alguns,<br />
passa a ser consi<strong>de</strong>rada ponto essencial em qualquer programa edu-<br />
cativo, principalmente nos programas <strong>de</strong>stinados às classes popu-<br />
lares.<br />
COMUNICAÇÃO, CRIANÇA: A COMUNICAÇÃO PARA A JUSTIÇA<br />
"Quem acolhe o menor, a mim acolhe". O lema da Campanha da<br />
Fraternida<strong>de</strong> aponta para a criança <strong>de</strong>sacolhida, abandonada. O tex-<br />
to base da campanha é um rico estudo sociológico da condição <strong>de</strong>s-<br />
te "menor fora do mercado" e instiga a ações para superar o <strong>de</strong>se-<br />
quilíbrio social provocado pela presença dos pequenos seres in<strong>de</strong>-<br />
sejados.<br />
Ainda que reconheçamos a importância e a serieda<strong>de</strong> do texto<br />
da CNBB, enten<strong><strong>de</strong>mo</strong>s que o tema "criança" <strong>de</strong>va ser analisado tam-<br />
bém pelo lado <strong>cultura</strong>l, que é, na verda<strong>de</strong>, o lado que busca tocar num<br />
dos pontos que preocupa os cristãos: a questão dos direitos funda-<br />
mentais da pessoa humana. No caso, o direito à <strong>cultura</strong>, ou me-<br />
lhor, à produção da <strong>cultura</strong>.<br />
Se a realida<strong>de</strong> do menor é a realida<strong>de</strong> do abandono (como já<br />
se tornou chavão: "criança é o menor com recursos; menor é a<br />
criança abandonada"), um dos abandonos mais radicais é a nega-<br />
ção ao direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. E a negação ao direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é,<br />
sobretudo, a negação do direito <strong>de</strong> construir, a partir dos próprios<br />
lugares sociais, as concepções <strong>de</strong> vida, amor, i<strong>de</strong>ntificação, inerentes<br />
às estruturas <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada ser humano localizado num<br />
tempo e espaço <strong>de</strong>terminados, sempre em associação com outros se-<br />
res humanos na edificação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> com justiça.<br />
A <strong>comunicação</strong> para a justiça é a <strong>comunicação</strong> exercida para a<br />
construção <strong>de</strong> um mundo justo. Cabe aos adultos interessar-se pelo<br />
uso dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> para construir a justiça ou, na ex-<br />
pressão <strong>de</strong> João Paulo II. interessar-se "em transmitir a estratégia<br />
da confiança por meio da estratégia da <strong>comunicação</strong>, ao serviço <strong>de</strong><br />
justiça e da paz" (Mensagem para o XXI Dia Mundial das Comu-<br />
nicações). Este princípio já é tido como correto. É necessário ago-<br />
ra perguntarmo-nos pela tarefa da criança no processo <strong>de</strong> produ-<br />
ção <strong>de</strong> uma <strong>comunicação</strong> para a justiça. Refletir sobre isso é papel<br />
dos comunicadores sociais, dos educadores. Permitir que as crianças<br />
reflitam sobre isso é papel <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>, principalmente <strong>de</strong><br />
alguns <strong>de</strong> seus segmentos, como é o caso dos agentes pastorais <strong>de</strong>-<br />
dicados ao trabalho com o menor em todo o Brasil.<br />
103
Por uma Democracia<br />
Lingüística: o português no rádio<br />
e na televisão<br />
Francisco Gomes <strong>de</strong> Matos *<br />
1. UM NOVO RAMO DOS DIREITOS HUMANOS<br />
A tradição dos Direitos Humanos, embora antiga — remonta aos<br />
i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> das civilizações hindu e greco-latina — só em<br />
nosso século recebeu um reconhecimento formal, através da Carta<br />
das Nações Unidas (1945) e, mais particularmente, da Declaração<br />
Universal dos Direitos do Homem (1948). Este último instrumento<br />
possibilitou o surgimento <strong>de</strong> um novo ramo dos Direitos Humanos:<br />
os Direitos Culturais. Apesar <strong>de</strong> sua abrangência, po<strong>de</strong>ríamos ex-<br />
plicitar um <strong>de</strong>sses direitos, inerentes à condição do ser humano: o<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r participar da vida <strong>cultura</strong>l <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>. Em que<br />
pese a importância do Pacto Internacional relativo aos direitos eco-<br />
nômicos, sociais e <strong>cultura</strong>is (1966), ratificado por muitos países, na<br />
prática tem sido difícil criar condições para a observância, a pro-<br />
moção e o respeito a direitos <strong>de</strong>ssa natureza.<br />
O interesse pela problemática dos direitos <strong>cultura</strong>is (<strong>de</strong> grupos<br />
mais amplos <strong>de</strong> minorias) motivou o aparecimento <strong>de</strong> uma novís-<br />
sima geração <strong>de</strong> direitos: os direitos lingüísticos. Após constatar-<br />
mos que, na bibliografia especializada internacional, não se tinha<br />
dado a atenção à i<strong>de</strong>ntificação e formulação <strong>de</strong> direitos lingüísticos<br />
da pessoa humana (mesmo no Direito Internacional Público o ra-<br />
mo dos Direitos relativo ao indivíduo é relativamente recente), pro-<br />
pusemos em artigo publicado na Revista <strong>de</strong> Cultura Vozes (março<br />
<strong>de</strong> 1984) um texto básico que eventualmente pu<strong>de</strong>sse servir à elabo-<br />
ração <strong>de</strong> uma Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos Indi-<br />
viduais. Em seguida, a UNESCO, em seu Boletim ALSED (Antro-<br />
pologia e Ciência da Linguagem para o Desenvolvimento Educacio-<br />
* Professor <strong>de</strong> Lingüística no Departamento <strong>de</strong> Letras fia Universi-<br />
da<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco, e Vice-Presi<strong>de</strong>nte da AIMAV.<br />
104
nal) <strong>de</strong> abril daquele mesmo ano, divulgava em francês e inglês nos-<br />
sa Proposta. Nossa intenção, ao fazermos um apelo em favor <strong>de</strong> uma<br />
Declaração Universal centrada nos direitos lingüísticos (toío sensu<br />
abrangendo os comunicacionais), foi <strong>de</strong> que se elaborasse e ado-<br />
tasse, internacionalmente, um instrumento eficaz na luta contra o<br />
preconceito lingüístico, a discriminação, a rejeição e outras mani-<br />
festações <strong>de</strong> injustiça e <strong>de</strong> opressão lingüísticas que ocorrem em âm-<br />
bito mundial em uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contextos: no lar, na escola, no<br />
trabalho, no local <strong>de</strong> lazer, nos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa.<br />
0 objetivo <strong>de</strong>ssa iniciativa é <strong>de</strong> provocar mudanças <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s e ge-<br />
rar ações, a níveis nacional e internacional (mais difícil, por sua<br />
complexida<strong>de</strong>), que contribuam para assegurar-se, ao indivíduo, co-<br />
mo usuário <strong>de</strong> uma língua, seu direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar plena e livre-<br />
mente sua competência comunicacional e sua potencialida<strong>de</strong> expres-<br />
siva. Um resultado concreto <strong>de</strong>sse movimento em prol dos direitos<br />
lingüísticos individuais é a realização na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Pernambuco (na tradicional Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife), nos<br />
dias 7, 8 e 9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1987 do primeiro Seminário Internacio-<br />
nal sobre Direitos Humanos, Direitos Culturais e Direitos Lingüísti-<br />
cos, organizado pela AIMAV — Associação Internacional para a Co-<br />
municação Inter<strong>cultura</strong>l (sediada na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ghent, Bélgica),<br />
com patrocínio da UNESCO (Divisão dos Direitos do Homem e da<br />
Paz) e o apoio da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco. Esse en-<br />
contro, <strong>de</strong> natureza interdisciplinar, objetiva discutir a proposta <strong>de</strong><br />
nossa autoria e aprofundar a compreensão dos direitos lingüísticos,<br />
tanto no plano coletivo (o direito das minorias, por exemplo), quanto<br />
da pessoa humana.<br />
2. OS DIREITOS LINGÜÍSTICOS DOS USUÁRIOS<br />
DE LÍNGUA MATERNA<br />
Toda pessoa nascida em uma oomunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ter assegurado<br />
seu direito <strong>de</strong> adquirir, manter, cultivar sua língua materna. No<br />
caso brasüeiro, on<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> português, dispomos <strong>de</strong> um valioso<br />
patrimônio lingüístico autóctone — representado pelas 152 línguas<br />
faladas por índios em vários estados —, o conceito <strong>de</strong> "língua ma-<br />
terna" carece <strong>de</strong> uma formulação precisa e objetiva, mas esse é um<br />
problema que interessa mais diretamente aos sociolingüistas, por<br />
isso não aprofundaremos a questão, lembrando apenas que o direi-<br />
to à aquisição, à manutenção, à preservação, ao cultivo da língua<br />
materna é o direito lingüístico individual por excelência e, como tal,<br />
prioritariamente merecedor <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no Documen-<br />
to-mor <strong>de</strong> uma nação: a Constituição.<br />
3. OS DIREITOS LINGÜÍSTICOS DOS PROFISSIONAIS<br />
DA COMUNICAÇÃO<br />
Que direitos lingüísticos po<strong>de</strong>riam ser postulados para os pro-<br />
fissionais do Rádio e da Televisão, especificamente os que exerçam<br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> locução, apresentação, comentário? Em síntese, <strong>de</strong>-<br />
fen<strong>de</strong>ríamos, para esse grupo, o direito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r usar sua varieda<strong>de</strong><br />
lingüística regional <strong>de</strong> português, em todos os momentos <strong>de</strong> sua atua-<br />
ção profissional. Questionamos a prática — uma tradição que não<br />
105
faz justiça ao conceito <strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia lingüística — <strong>de</strong> impor-se (ou<br />
recomendar-se), como português rádiotelevisivo padrão, uma pro-<br />
núncia compósita, resultante <strong>de</strong> características fonéticas <strong>de</strong> varieda-<br />
<strong>de</strong>s predominantemente sulistas. Na fala <strong>de</strong> apresentadores <strong>de</strong> tele-<br />
jornais nacionais é possível i<strong>de</strong>ntificar-se "sotaques" (para usarmos<br />
o termo conhecido pelo leigo) regionais, mas a realida<strong>de</strong> é que o<br />
português predominante (ou dominante, para um diagnóstico mais<br />
acurado) correspon<strong>de</strong> a uma adaptação ou uma aproximação <strong>de</strong> va-<br />
rieda<strong>de</strong>s ouvidas nos meios rádiotelevisivos do eixo Rio-São Paulo.<br />
Essa ficção, que po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>signar como português rádio-televi-<br />
sivo padrão do Brasil é muito mais uma imposição <strong>cultura</strong>l (e às<br />
vezes até mesmo empresarial: já ouvimos locutores recém-admitidos<br />
confessarem que precisam "a<strong>de</strong>quar" suas pronúncias para mante-<br />
rem seus empregos...) do que reflexo <strong>de</strong> uma política comunica-<br />
cional verda<strong>de</strong>iramente <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática, como seria <strong>de</strong>sejável.<br />
Se o direito <strong>de</strong> fazer opções lingüísticas é o segundo mais im-<br />
portante dos direitos lingüísticos individuais (o da aquisição, ma-<br />
nutenção, preservação e cultivo da língua materna é o primeiro),<br />
<strong>de</strong>le <strong>de</strong>correria o direito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r usar a varieda<strong>de</strong> regional que o<br />
usuário, por sua vivência e educação lingüística, domine efetiva-<br />
mente. Por isso, caberia aos responsáveis pela política lingüística<br />
(comunicacional) dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa (no caso, re-<br />
ferentes ao Rádio e a Televisão), estudar, com objetivida<strong>de</strong>, o pro-<br />
blema <strong>de</strong> assegurar-se ao comunicador o exercício <strong>de</strong> seu direito lin-<br />
güístico individual.<br />
Atitu<strong>de</strong>s conservadoras a respeito dos usos <strong>de</strong> uma língua (na-<br />
cional) no Rádio e na TV po<strong>de</strong>m ser mudadas: há o exemplo da tra-<br />
dicionalíssima BBC que, a partir <strong>de</strong> meados <strong>de</strong>sta década, começou<br />
a acolher varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pronúncia que não a tradicionalmente con-<br />
sagrada (Received Pronunciation ou Inglês Falado Padrão), Assim,<br />
é possível ouvir-se pronúncias regionais em transmissões daquela em-<br />
presa britânica, evi<strong>de</strong>nciando-se um passo adiante em prol da <strong>de</strong>-<br />
mocratização lingüística.<br />
Cônscios <strong>de</strong> que a INTERCOM propugna por uma política justa<br />
e realista <strong>de</strong> funcionamento (e o aspecto lingüístico é crucial, pois<br />
marca fortemente nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o individual ao regional)<br />
dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> rádiotelevisivos, servimo-nos <strong>de</strong>ste breve<br />
comentário para conclamar os interdisciplinaristas do país a rever-<br />
mos o problema por nós levantado. Um dia — não muito distante<br />
— quando nossos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes vivenciarem uma <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia plena<br />
(com as virtu<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>feitos que caracterizam esse sistema), o re-<br />
conhecimento dos direitos lingüísticos individuais e, particularmen-<br />
te, dos profissionais será uma realida<strong>de</strong>. Até lá, irmanemo-nos e num<br />
espirito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> respeito mútuo, aju<strong><strong>de</strong>mo</strong>s construir nos-<br />
sa própria <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia lingüística, valorizando a diversida<strong>de</strong> cultu-<br />
ral e comunicacional (dos falares regionais). Saibamos, como sa-<br />
biamente lembrava Bilac, amar com fé e orgulho a terra em que<br />
nascemos e (acrescentemos) usar, com confiança e liberda<strong>de</strong>, a va-<br />
rieda<strong>de</strong> do português que herdamos.<br />
106
FÓRUM<br />
Atualida<strong>de</strong>s do Ensino <strong>de</strong><br />
Comunicação
Formação Profissional<br />
<strong>de</strong> Comunicadores Sociais<br />
na América Latina: a pesquisa<br />
da FELAFACS*<br />
Angela Maria Godoy e<br />
Claudia Lucía Herrán ••<br />
INTRODUÇÃO<br />
Durante o ano 1984, a Fe<strong>de</strong>ración Latinoamericana <strong>de</strong> Asocia-<br />
ciones <strong>de</strong> Facultadas <strong>de</strong> Comunicación Social — FELAFACS realizou<br />
uma pesquisa sobre a "Formação Profissional <strong>de</strong> Comunicadores So-<br />
ciais na América Latina. Graduações e Pós-Graduações".*** Essa pes-<br />
quisa tinha como principal objetivo apresentar um diagnóstico da si-<br />
tuação nesses dois niveis <strong>de</strong> formação, visando a realização <strong>de</strong> pro-<br />
jetos junto a outros organismos que ajudariam a solucionar as di-<br />
versas problemáticas <strong>de</strong>tectadas ao longo <strong>de</strong>stes últimos anos.<br />
Os resultados da pesquisa foram publicados em um documento<br />
que a FELAFACS enviou às diferentes escolas do continente em 1985.<br />
As conclusões e recomendações daquele informe foram retomadas<br />
na Reunión Internacional <strong>de</strong> Expertos, realizada em Lima durante os<br />
dias 16, 17 e 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1985. A essa reunião assistiram re-<br />
presentantes das escolas <strong>de</strong> graduação e pós-graduação, represen-<br />
tantes <strong>de</strong> organismos internacionais e pesquisadores da comunica-<br />
ção social.<br />
O presente documento recolhe algumas das contribuições mais<br />
importantes discutidas durante o encontro, com ênfase naquelas pro-<br />
* Traduzido por Carlos Cortês e revisão <strong>de</strong> Marcus Aurelius Pimenta.<br />
*• Professoras da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Social da Universida<strong>de</strong><br />
Javeriana — Bogotá — Colômbia.<br />
*** FELAFACS. La formación profesional <strong>de</strong> Comunicadores Sociales<br />
en América Latina. Pregrados y Posgrados 1984-1985. Bogotá: FELAFACS —<br />
Publicaciones Universidad Javeriana, 1985.<br />
109
lemáticas que têm sido pouco estudadas em pesquisas anteriores.<br />
Recomenda-se às escolas que este informe seja tomado como ele-<br />
mento <strong>de</strong> reflexão para as ativida<strong>de</strong>s que estejam <strong>de</strong>senvolvendo em<br />
relação à reestruturação dos seus processos <strong>de</strong> formação.<br />
Finalmente, a FELAPACS expressa seu agra<strong>de</strong>cimento à Funda-<br />
ção Konrad A<strong>de</strong>nauer e à UNESCO, por todo o apoio que têm for-<br />
necido às escolas, particularmente na realização da pesquisa e na<br />
reunião internacional <strong>de</strong> expertos.<br />
I. ALGUNS PRESSUPOSTOS PARA ABORDAR A PROBLEMÁTICA<br />
DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE COMUNICADORES<br />
SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA<br />
Abordar a problemática das escolas e faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Comunica-<br />
ção na América Latina implica partir, antes <strong>de</strong> mais nada, da sua<br />
inserção em uma socieda<strong>de</strong> ou contexto global que converte sua<br />
<strong>de</strong>finição acadêmica em uma mediação das necessida<strong>de</strong>s sociais.<br />
Nesse sentido, o que se coloca é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisar o tipo<br />
<strong>de</strong> integração que se produz entre a universida<strong>de</strong> e seu contexto; in-<br />
tegração que tem <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> fora aspectos como os conflitos sociais,<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> "matrizes <strong>cultura</strong>is"<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se produzem e consomem os processos comunicativos<br />
e, inclusive, o paulatino abandono que tem-se operado na mentali-<br />
da<strong>de</strong> universitária da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reflexão sobre os formatos<br />
e as linguagens que atuam na indústria <strong>cultura</strong>l,<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento histórico das escolas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> permi-<br />
te-nos verificar como a universida<strong>de</strong> tem se integrado com aquele<br />
contexto, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado muitos aspectos importantes. Um primei-<br />
ro tipo <strong>de</strong> opção acadêmica foi assumido pelas pioneiras escolas<br />
<strong>de</strong> jornalismo que tentaram capacitar pessoal respon<strong>de</strong>ndo uma <strong>de</strong>-<br />
manda concreta do mercado <strong>de</strong> trabalho, a partir <strong>de</strong> um conceito<br />
restrito <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />
Em um segundo momento, a transformação das escolas <strong>de</strong> jor-<br />
nalismo em faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> permite-nos <strong>de</strong>tectar uma<br />
certa abertura que multiplica ou diversifica o perfil do comunica-<br />
dor ao custo <strong>de</strong> uma insegurança que <strong>de</strong>semboca — em muitos ca-<br />
sos — em uma miope percepção das <strong>de</strong>mandas sociais.<br />
Com a ampliação do perfil profissional produz-se uma prolife-<br />
ração <strong>de</strong> escolas e um terceiro tipo <strong>de</strong> opção acadêmica caracteri-<br />
zada pelo predomínio dos campos alternativos da <strong>comunicação</strong>, <strong>de</strong>i-<br />
xando <strong>de</strong> lado problemas tão importantes como os da indústria cul-<br />
tural e sua relação com os Meios <strong>de</strong> Massa. Atualmente, po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s<br />
observar uma abertura <strong>de</strong>smedida cuja conseqüência tem sido a falta<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>finição acadêmica das escolas.<br />
Essa breve retrospectiva do <strong>de</strong>senvolvimento histórico das esco-<br />
las põe em evidência que a integração entre as universida<strong>de</strong>s e seu<br />
contexto tem se caracterizado, fundamentalmente, por uma fragmen-<br />
tação da totalida<strong>de</strong> dos processos comunicativos presentes na socie-<br />
da<strong>de</strong>: a reflexão da problemática comunicativa <strong>de</strong>ntro das escolas<br />
não po<strong>de</strong> projetar-se sobre apenas um aspecto da realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s-<br />
conhecendo sua relação com a totalida<strong>de</strong> na qual está imersa.<br />
Des<strong>de</strong> essa perspectiva faz-se necessário elaborar uma tipologia<br />
das escolas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> no continente. Um primeiro passo na<br />
realização <strong>de</strong> tal trabalho exigiria uma resposta individualizada, isto<br />
110
é, que cada escola refletisse sua relação com o contexto em aspec-<br />
tos tais como:<br />
— Crise na educação, especialmente do sistema universitário;<br />
— Pressão do mercado <strong>de</strong> trabalho. O que implicaria um estudo da<br />
<strong>de</strong>manda econômica;<br />
— Estudo das políticas <strong>de</strong> seleção e admissão dos estudantes;<br />
— Estudo da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção dos meios;<br />
— Análise do mercado "potencial" para i<strong>de</strong>ntificar novas necessi-<br />
da<strong>de</strong>s;<br />
— Estudo do campo <strong>de</strong> trabalho dos formados.<br />
O conteúdo <strong>de</strong> uma resposta acadêmica às <strong>de</strong>mandas do contex-<br />
to po<strong>de</strong>ria ser pensado, num primeiro momento, partindo-se dos ní-<br />
veis <strong>de</strong> formação. Uma divisão integrada do trabalho <strong>de</strong>senvolvido<br />
pelas graduações e as pós-graduações permitiria confrontar diversos<br />
aspectos da problemática comunicacional global, <strong>de</strong> uma maneira<br />
complementaria e especializada. E surge, então, uma preocupação<br />
fundamental: Como e on<strong>de</strong> colocar o trabalho dos dois níveis <strong>de</strong><br />
formação?<br />
a) O específico na graduação<br />
No caso da Graduação, o trabalho <strong>de</strong>ve ser pensado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
sistema comunicacional, entendido como referente histórico mas re-<br />
cuperando outros usos diferentes aos já estabelecidos.<br />
A formação na Graduação <strong>de</strong>ve fornecer ao estudante noções do<br />
funcionamento dos meios como resultado <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo configu-<br />
rado historicamente. Nesse processo <strong>de</strong> reconhecimento, o aluno <strong>de</strong>-<br />
verá assumir a existência <strong>de</strong> outros processos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> que<br />
gestam-se em outros contextos e níveis e que não se esgotam na sua<br />
relação com o sistema comunicacional hegemônico.<br />
Dessa maneira, o estudante po<strong>de</strong>rá i<strong>de</strong>ntificar as possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> fazer outros usos diferentes aos já estabelecidos, recuperando,<br />
para tal propósito, a criativida<strong>de</strong> e a sensibilida<strong>de</strong> dirigidas a uma<br />
produção alternativa. Promover a criativida<strong>de</strong> coloca o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />
trabalhar a pesquisa como estratégia metodológica do processo en-<br />
sino-aprendizagem. A prática da pesquisa na Graduação não po<strong>de</strong><br />
se reduzir à aplicação <strong>de</strong> "fórmulas" <strong>de</strong> conhecimento; é preciso que<br />
ela seja pensada na produção, enten<strong>de</strong>ndo-se essa produção como<br />
espaço e objeto <strong>de</strong> pesquisa.<br />
A pesquisa-pensada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> essa perspectiva <strong>de</strong>ve assumir a plu-<br />
ralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>:<br />
— Modos por "matrizes <strong>cultura</strong>is" étnicas, <strong>de</strong> classe, regionais e lo-<br />
cais;<br />
— Modos a partir <strong>de</strong> universos massivos, comunitários, municipais<br />
etc. (Essa postura exige <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado a oposição entre o po-<br />
pular e o massivo.);<br />
— Modos a partir das diferentes práticas educativas, organizacionais,<br />
políticas etc.<br />
Nesse sentido, o processo da formação será entendido como uma<br />
progressão que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o aprendizado dos diferentes modos, meios<br />
e processos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> — <strong>de</strong>rivado da integração disciplinas e<br />
laboratórios — até uma fase <strong>de</strong> produção que se vincule à solução<br />
<strong>de</strong> problemas ou <strong>de</strong>mandas sociais específicas.<br />
111
Uma estrutura curricular que responda a essa proposta terá<br />
que assumir a organização <strong>de</strong> um ciclo básico <strong>de</strong> aprendizagem e<br />
uma segunda etapa <strong>de</strong> pesquisa-produção. O profissional, saído da<br />
Graduação, estará capacitado para gerar uma produção criativa em<br />
função das <strong>de</strong>mandas do seu contexto social e a partir <strong>de</strong> uma habi-<br />
litação concreta.<br />
b) O específico na Pós-Graduação<br />
Retomando a idéia da divisão integrada entre as ativida<strong>de</strong>s pró-<br />
prias da Graduação e as da Pós-Graduação, é preciso ressaltar o fato<br />
<strong>de</strong> que as pós-graduações não po<strong>de</strong>m converter-se no espaço para<br />
preencher as <strong>de</strong>ficiências formativas da Graduação.<br />
Porém, essa colocação não <strong>de</strong>scarta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a<br />
problemática e as <strong>de</strong>ficiências da Graduação convertam-se em um<br />
objeto <strong>de</strong> reflexão para aquelas pós-graduações interessadas em ofe-<br />
recer uma linha <strong>de</strong> especialização na área da docência em comu-<br />
nicação.<br />
A teoria — entendida como produção e reprodução do conheci-<br />
mento — <strong>de</strong>ve ter uma das tarefas prioritárias <strong>de</strong>sse nível <strong>de</strong> forma-<br />
ção. A Pós-Graduação <strong>de</strong>ve manifestar uma vocação pela busca da<br />
especificida<strong>de</strong> da <strong>comunicação</strong>, reconhecendo com esse propósito sua<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> latino-americana; isto é, trabalhando com as linhas <strong>de</strong><br />
pesquisa propostas pela teoria que está se gerando na América La-<br />
tina.<br />
Essa postura precisaria estimular a produção <strong>de</strong> novos conheci-<br />
mentos que retornem <strong>de</strong>pois à Graduação. Para isso, o papel da<br />
pesquisa na Pós-Graduação <strong>de</strong>ve orientar-se na direção do <strong>de</strong>sen-<br />
volvimento e consolidação da teoria, ou seja, da produção <strong>de</strong> conhe-<br />
cimentos novos e da sistematização das reflexões teóricas, previa-<br />
mente <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
Nessa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> idéias, o objetivo da Pós-Graduação será for-<br />
mar profissionais <strong>de</strong> pesquisa capazes <strong>de</strong> gerar uma produção teó-<br />
rico-crítica comprometida: profissionais especializados que possam<br />
<strong>de</strong>sempenhar sua ativida<strong>de</strong> como docentes-pesquisadores-produtores.<br />
A Pós-Graduação em Comunicação <strong>de</strong>ve tomar como ponto <strong>de</strong><br />
referência para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas áreas <strong>de</strong> especialização as proble-<br />
máticas vigentes na socieda<strong>de</strong> latino-americana. Essa colocação per-<br />
mitiria pensar em uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> reflexão como,<br />
por exemplo, a capacitação metodológica no esboço e planejamento<br />
<strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, as implicações das novas tecnologias,<br />
a <strong>comunicação</strong> popular etc.<br />
c) A formação profissional: um <strong>de</strong>safio metodológico<br />
A atenção prestada aos processos formativos tem sido muito<br />
discutida. Os erros não serão superados sem uma boa revisão. A prá-<br />
tica educativa <strong>de</strong>ve ser entendida como processo comunicativo pois<br />
a <strong>comunicação</strong> não é somente o objeto <strong>de</strong> estudo mas também o<br />
processo através do oual atualiza-se a experiência <strong>de</strong> ensino-aorendi-<br />
zagem. Em conseqüência, faz-se necessário resgatar a dimensão co-<br />
municativa da prática docente.<br />
A reflexão sobre os processos formativos não po<strong>de</strong> partir <strong>de</strong> zero<br />
nem po<strong>de</strong> se fazer do lado <strong>de</strong> fora. O olhar <strong>de</strong>ve se projetar sobre<br />
a totalida<strong>de</strong> do processo e a reestruturação curricular <strong>de</strong>ve enfatizar<br />
12
aspectos como a revisão dos fundamentos institucionais que orien-<br />
tam a prática educativa, e a recuperação da experiência das práti-<br />
cas profissionais dos formados, entre outros.<br />
II. LINHAS DE AÇÃO<br />
A reflexão gerada na reunião <strong>de</strong> Lima terminou com a propos-<br />
ta <strong>de</strong> linhas concretas <strong>de</strong> ação para abordar alguns dos problemas<br />
discutidos, nas quais a FELAFACS já está trabalhando.<br />
a) Promoção <strong>de</strong> encontros<br />
A Fe<strong>de</strong>ração assumirá, como tarefa prioritária, a promoção <strong>de</strong><br />
encontros em torno da situação dos currículos, para ver como as es-<br />
colas percebem a pressão social, os fenômenos <strong>de</strong> transnacionaliza-<br />
ção <strong>cultura</strong>l, os movimentos sociais e outros tipos <strong>de</strong> problemas.<br />
b) Capacitação <strong>de</strong> docentes<br />
O estabelecimento <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> intercâmbio <strong>de</strong>ve compro-<br />
meter as escolas com cursos <strong>de</strong> Pós-Graduação. Para apoiar essa<br />
proposta será esboçado um projeto visando a consecução <strong>de</strong> recur-<br />
sos financeiros que permitam implementá-lo. A Fundação Konrad<br />
A<strong>de</strong>nauer (FKA) está em condições <strong>de</strong> oferecer ajuda para esse tipo<br />
<strong>de</strong> programas na América Latina.<br />
A FELAFACS assumirá a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>sse programa que se<br />
orientará no sentido <strong>de</strong> procurar fundos <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s internacionais<br />
para a futura doação <strong>de</strong> bolsas. Os Coor<strong>de</strong>nadores dos cursos <strong>de</strong><br />
Pós-Graduação — presentes na reunião <strong>de</strong> Lima ■— comprometeram-<br />
se a colaborar nos processos para operacionalizar o projeto.<br />
Foi exposta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criar uma comissão encarregada<br />
<strong>de</strong> implementar os mecanismos propostos. O Prof. Dr. José Mar-<br />
ques <strong>de</strong> Melo — Diretor Científico da INTEBCOM — foi <strong>de</strong>signado<br />
coor<strong>de</strong>nador da mesma. Foi proposto que na Terceira Reunião dos<br />
Cursos <strong>de</strong> Pós-Graduação fosse incluída no temário a discussão <strong>de</strong><br />
ações concretas em torno do projeto <strong>de</strong> cooperação e intercâmbio<br />
entre os cursos.<br />
Finalmente, consi<strong>de</strong>rou-se que um outro mecanismo que po<strong>de</strong><br />
contribuir ao estabelecimento <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s entre as pós-graduações é<br />
a realização <strong>de</strong> pesquisas conjuntas, não só entre escolas latino-<br />
-americanas, como também entre estas e algumas universida<strong>de</strong>s ame-<br />
ricanas e cana<strong>de</strong>nses.<br />
o) flecwrsos bibliográficos<br />
É importante pensar na formulação <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> intercâm-<br />
bio <strong>de</strong> materiais entre as diferentes escolas da América Latina.<br />
O caso brasileiro <strong>de</strong>ve ser observado com especial atenção: pro-<br />
mover a circulação <strong>de</strong> textos brasileiros no resto do continente e<br />
vice-versa.<br />
A ABECOM oferece-se para distribuir textos no Brasil e para co-<br />
letar as necessida<strong>de</strong>s das escolas.<br />
O CIESPAL compromete-se a fornecer apoio bibliográfico aos<br />
docentes, sobre as temáticas básicas das suas disciplinas.<br />
113
É prioritário criar canais <strong>de</strong> distribuição para os materiais pu-<br />
blicados nas escolas.<br />
As Associações Nacionais <strong>de</strong>vem preocupar-se no sentido <strong>de</strong> criar<br />
centros <strong>de</strong> documentação que permitam canalizar os recursos biblio-<br />
gráficos.<br />
O projeto <strong>de</strong> publicações, no qual trabalham atualmente a<br />
PELAFACS e a ALAIC (Asociación Latinoamericana <strong>de</strong> Investigado-<br />
res <strong>de</strong> Ia Comunicación), po<strong>de</strong>rá respon<strong>de</strong>r a alguns problemas que,<br />
em termos <strong>de</strong> publicação e distribuição <strong>de</strong> material bibliográfico,<br />
afetam as escolas da América Latina.<br />
114
Portugal, primeiro a<br />
inovar, último a formar<br />
Luís Humberto Marcos *<br />
Portugal foi um dos primeiros países on<strong>de</strong> a prodigiosa inven-<br />
ção <strong>de</strong> Gutenberg começou a ser usada e hoje é o último pais euro-<br />
peu na formação <strong>de</strong> jornalistas.<br />
A tipografia foi introduzida, entre nós, primeiro em Leiria, <strong>de</strong>-<br />
pois em Lisboa, poucos anos após o invento <strong>de</strong> Johann Gutenberg que,<br />
com a <strong>de</strong>scoberta dos caracteres móveis, haveria <strong>de</strong> revolucionar o<br />
mundo. Há mesmo quem admita que Leiria terá sido a quarta ci-<br />
da<strong>de</strong> da Europa a aplicar o famoso invento, em 1466.<br />
De resto, nesta época florescente em que "dávamos novos mun-<br />
dos ao mundo", até mesmo uma das primeiras publicações européias<br />
fala dos feitos portugueses. Trata-se da "Cópia do novo diário das<br />
Terras Desconhecidas", que se publica em 1508 na pequena cida<strong>de</strong><br />
alemã <strong>de</strong> Augusburg. Relata os nossos <strong>de</strong>scobrimentos e contém uma<br />
xilogravura com o escudo das armas portuguesas.<br />
Mas se fomos pioneiros na imprensa, somos lanternas-vermelhas<br />
na formação jornalística. Mais <strong>de</strong> 500 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tal pioneiris-<br />
mo, somos o último país da Europa on<strong>de</strong> é criada uma escola <strong>de</strong><br />
formação <strong>de</strong> jornalistas. E somos o último com esta singular agra-<br />
vante: a <strong>de</strong> termos sido o berço da primeira escola <strong>de</strong> Jornalismo<br />
européia.<br />
Este fato é quase <strong>de</strong>sconhecido, mas é verda<strong>de</strong>iro.<br />
Em 1898, realizou-se em Lisboa o V Congresso Internacional da<br />
Imprensa, do qual sairia a resolução <strong>de</strong> criar escolas <strong>de</strong> formação<br />
<strong>de</strong> jornalistas. Autor da tese, um nome gran<strong>de</strong> do jornalismo fran-<br />
cês: Albert Bataílle. Dizia ele em pleno tempo da época <strong>de</strong> ouro<br />
da imprensa: "Com o aperfeiçoamento das máquinas <strong>de</strong> imprimir,<br />
com o telégrafo e o telefone, com a transformação do espírito pú-<br />
blico, cada vez mais ávido <strong>de</strong> ser informado, uma metamorfose se<br />
operou no jornalismo: a polêmica foi relegada para segundo plano<br />
e a informação passou para primeiro. No dia em que essa trans-<br />
* Presi<strong>de</strong>nte do <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Jornalistas e Subdiretor da Es-<br />
cola Superior <strong>de</strong> Jornalismo do Porto, Portugal.<br />
115
formação se verificou, o jornalismo converteu-se numa carreira; é<br />
preciso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dizer que a nossa profissão recruta os seus a<strong>de</strong>p-<br />
tos entre os <strong>de</strong>senganados <strong>de</strong> todas as carreiras; para chegar ao re-<br />
crutamento regular, à renovação normal <strong>de</strong> pessoal da imprensa, é<br />
preciso organizar os quadros <strong>de</strong> reserva e tornar menos penosos os<br />
anos <strong>de</strong> aprendizagem aos jovens que se sintam com vocação; e para<br />
isso é necessário que a educação geral se complete com a educação<br />
profissional".<br />
Um ano <strong>de</strong>pois do Congresso <strong>de</strong> Lisboa, em novembro <strong>de</strong> 1899,<br />
criava-se, <strong>de</strong> fato, em Paris, aquela que é tida como a primeira es-<br />
cola <strong>de</strong> Jornalismo da Europa. Os fundadores são: Albert Bataille<br />
e Périvier, diretor do Le Figaro.<br />
Foi necessário esperar 84 anos para que surgisse, não em Lisboa,<br />
mas no Porto, a primeira escola portuguesa, emanação da vonta<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong>terminação dos jornalistas que em abril <strong>de</strong> 1982 <strong>de</strong>ram vida ao<br />
II Encontro <strong>de</strong> Jornalistas do Norte.<br />
Por quê tão longa espera?<br />
"Pela simples e clara razão <strong>de</strong> que, falsamente baseadas num<br />
critério estreito, as sucessivas aristocracias mentais portuguesas, ao<br />
passo que impuseram à dignificação, uma a uma, todas as restantes<br />
profissões liberais, sem se esquecerem da Agronomia, da Economia<br />
e das Finanças, dando-lhes a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um titulo acadêmico<br />
com a criação <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> ensino superior a<strong>de</strong>quados, relegaram a<br />
um incompreensível ostracismo a ativida<strong>de</strong> espiritualmente mais <strong>de</strong>-<br />
licada que numa nação po<strong>de</strong> existir — a orientação da opinião pú-<br />
blica ..."<br />
Esta justificativa <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Quadros, "um homem apaixonado<br />
pela profissão para que Deus o fadou", dada em 1949, mantém-se prati-<br />
camente atual. Acrescento que não foi por falta do <strong>de</strong>sejo e da von-<br />
ta<strong>de</strong> dos jornalistas que não se avançou com a sua formação espe-<br />
cifica. Essa vonta<strong>de</strong> explicitou-se pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1941, precisa-<br />
mente alguns anos antes da fase <strong>de</strong> multiplicação das escolas <strong>de</strong> Jor-<br />
nalismo por muitas cida<strong>de</strong>s da Europa e Américas. É <strong>de</strong>ste ano a<br />
proposta do Sindicato dos Jornalistas para a criação <strong>de</strong> um "curso<br />
<strong>de</strong> formação jornalística", <strong>de</strong> dois anos, com o objetivo "<strong>de</strong> promo-<br />
ver, <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva, a valorização profissional dos jornalistas<br />
e elevar o seu nível <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> até os limites exigidos pela missão<br />
que <strong>de</strong>sempenham na vida portuguesa".<br />
No centro dos bloqueamentos e resistências, <strong>de</strong> vários tipos, está<br />
o regime do "orgulhosamente só", seráfico e salazarento, que pre-<br />
feria papagaios e marionetas a jornalistas <strong>de</strong>vidamente preparados<br />
para respon<strong>de</strong>rem aos <strong>de</strong>safios da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna.<br />
Ao contrário do que sucedia na Espanha, on<strong>de</strong> precisamente em<br />
1941 se criava a Escola Oficial <strong>de</strong> Jornalismo, não vai adiante a ini-<br />
ciativa do Sindicato dos Jornalistas portugueses. Mais tar<strong>de</strong> não fal-<br />
taram os apelos, como o <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Quadros: "...parece-nos urgen-<br />
te que no nosso país, hoje em pleno ressurgimento material e moral,<br />
se encare <strong>de</strong> vez, e a sério, a fundação <strong>de</strong> uma escola oficial <strong>de</strong> Jor-<br />
nalismo integrada na Universida<strong>de</strong> Técnica". Com este esconjuro:<br />
"sem fazer caso <strong>de</strong> objeções maldosas e <strong>de</strong> rotineiras cabotinices em-<br />
poleiradas em triunfos <strong>de</strong> circunstância". Insistia Luís <strong>de</strong> Quadros:<br />
"Que se olhe somente ao bem da Nação — e nada mais!"<br />
Salazar fechou os olhos e Caetano se os abriu, não se viu. E os<br />
projetos — houve vários — foram ficando na gaveta do esqueci-<br />
mento. Por tudo isto, conforme dizia a 30 e poucos anos Luís <strong>de</strong><br />
116
Quadros, "não é <strong>de</strong> admirar que o Jornalismo no nosso país e seu<br />
Império, seja tido pela maioria dos cidadãos como uma subprofis-<br />
são que'toda a gente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o engraxador ao ministro, se julga em<br />
refinada aptidão para cabalmente exercer".<br />
Palavras <strong>de</strong> ontem, palavras <strong>de</strong> hoje em larga medida.<br />
Com o 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1974 caiu o regime opressor e castrante,<br />
mas não caíram certas barreiras e novos projetos se fizeram para<br />
dar razão <strong>de</strong> existência a algumas rouçosas gavetas do "terreiro do<br />
Paço..." Com outras roupagens, o mesmo estado burocrático estíola<br />
iniciativas que ele próprio <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia.<br />
E é fora <strong>de</strong>le e longe do "terreiro do Paço" que nasce, por sim-<br />
ples iniciativa dos jornalistas, a primeira escola <strong>de</strong> Jornalismo: o Cen-<br />
tro <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Jornalistas. Em regime cooperativo, não se esque-<br />
ça, já que também alguns dos nossos gran<strong>de</strong>s jornalistas, que foram<br />
igualmente nomes cimeiros da nossa literatura, fizeram-se paladinos<br />
do cooperativísmo.<br />
Fazer da profissão <strong>de</strong> jornalista ao mesmo tempo "ofício, ciên-<br />
cia e arte" prestigiados foi o objetivo central que animou o punha-<br />
do <strong>de</strong> jornalistas que, com inúmeros e gratifícantes apoios públicos<br />
e privados, têm posto <strong>de</strong> pé esta instituição no seio da qual emer-<br />
giu, por imposição legal, um pouco anacrônica, diga-se, a Escola Su-<br />
perior <strong>de</strong> Jornalismo.<br />
Ainda há poucos dias comemoramos o nosso 3.9 aniversário que<br />
marcou o fim <strong>de</strong> um ciclo: o da implantação das infra-estruturas ti-<br />
das como indispensáveis para a concretização dos vários projetos <strong>de</strong><br />
formação integrados nos nossos objetivos institucionais. Dispomos<br />
neste momento <strong>de</strong> um estúdio <strong>de</strong> rádio, <strong>de</strong> três sistemas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o,<br />
<strong>de</strong> dois laboratórios fotográficos e <strong>de</strong> doze terminais <strong>de</strong> computador.<br />
"Ver, saber, saber fazer" é o nosso quadriedro lemático. Enca-<br />
ramos o nosso funcionamento como um sistema aberto com trocas<br />
permanentes e dinâmicas entre a teoria e a prática. A ligação estrei-<br />
ta à profissão tem sido uma vertente central <strong>de</strong>ste nosso projeto.<br />
Sem este elo com o campo da exercitação profissional, po<strong>de</strong>r-se-ão<br />
promover bons cursos <strong>de</strong> Comunicação Social, mas nunca bons cur-<br />
sos <strong>de</strong> Jornalismo. É essencialmente no Jornalismo que fazemos a<br />
nossa aposta. Sem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar as aptidões naturais — sempre ne-<br />
cessárias —, mas hoje bastante relativizadas pelas novas perspecti-<br />
vas psicológicas <strong>de</strong> orientação vocacional — o Jornalismo das pró-<br />
ximas décadas e o conjunto das várias opiniões públicas vão <strong>de</strong>pen-<br />
<strong>de</strong>r, em gran<strong>de</strong> parte, da formação profissional que se fizer a par-<br />
tir <strong>de</strong> agora.<br />
O jornalista tem <strong>de</strong> ser na atualida<strong>de</strong> muito mais que "um bom<br />
rapaz amparado a uma <strong>cultura</strong>zinha geral" <strong>de</strong> 7"? ano ou 12° ano.<br />
Fazendo uma radiografia da classe neste momento, verificamos<br />
que num universo <strong>de</strong> 1.841 jornalistas, a maioria (56%) não passou<br />
pelos bancos <strong>de</strong> qualquer escola superior. Com efeito, 558 (31,9%)<br />
situam-se no grau acadêmico mínimo hoje exigido para o exercício<br />
da profissão — 3 ( ? ciclo ou 12° ano — e 322 (17,4%) possuem o 29<br />
ciclo. Bastante mais baixos são os valores dos que têm apenas o<br />
19 ciclo (78 — 4,2%) ou a 4^ classe (47 — 2,5%).<br />
Esta situação é, mesmo assim, bastante distinta da dos finais<br />
dos anos 60, altura em que começaram a entrar para a profissão,<br />
com maior regularida<strong>de</strong>, estudantes universitários e mesmo licencia-<br />
dos. Hoje há 481 jornalistas (26%) com freqüência <strong>de</strong> cursos su-<br />
117
periores e 355 (19 0 /o) com diplomas superiores, <strong>de</strong> Direito e Letras<br />
na sua maioria.<br />
Naturalmente que as exigências <strong>de</strong> especialização que, com pro-<br />
gressiva acuida<strong>de</strong>, se colocam neste campo <strong>de</strong> transdisciplinarida<strong>de</strong><br />
que é o Jornalismo se satisfazem minimamente com certas freqüên-<br />
cias universitárias. Mas não serão suficientes.<br />
O trabalho jornalístico tem características muito próprias e obe-<br />
<strong>de</strong>ce a regras e metodologias específicas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a captação e apre-<br />
ciação dos acontecimentos até à produção dos enunciados dirigidos<br />
aos vários públicos.<br />
Defendo que há um "olhar psicossocial" específico do trabalho<br />
do jornalista, tendo do conceito psicossocial não a estreiteza <strong>de</strong><br />
campo da Psicologia Social americana, mas a amplitu<strong>de</strong> que lhe é<br />
dada por Serge Moscovíci. Trata-se <strong>de</strong> um "olhar" ligado à percep-<br />
ção e seleção dos acontecimentos, à pesquisa e recolha <strong>de</strong> dados,<br />
à compreensão dos fenômenos humanos e à forma <strong>de</strong> dizer "o real".<br />
"A única viagem verda<strong>de</strong>ira, o único banho <strong>de</strong> rejuvenescimento,<br />
não é partir para novas viagens, mas ter outros olhos", dizia Mar-<br />
eei Proust. O novo Jornalismo, aquele que aposta não na objeti-<br />
vida<strong>de</strong> tecnocrática, mas na objetiva subjetivida<strong>de</strong>, esse que foge aos<br />
porta-vozes e que investiga, é o único que nos permite verificar<br />
"através do que é secundário, que o mundo é ainda maior do que<br />
se diz".<br />
B com esta perspectiva que, no meu ponto <strong>de</strong> vista, se reapro-<br />
xima o jornalista do escritor, ficticiamente separados pela evolução<br />
tecnológica e pelo primado da notícia sobre a reportagem. Hoje,<br />
como se sabe, a aposta profissional dos jornalistas está não no no-<br />
ticiarismo seco, mas na explicação aprofundada do acontecer so-<br />
cial. Com a mais objetiva subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma a estabelecer uma<br />
ligação estreita entre o jornalista e o público.<br />
As novas tecnologias da informação e o primado da instanta-<br />
neida<strong>de</strong> obrigam a novas percepções da realida<strong>de</strong> e a novas narra-<br />
tivas jornalísticas.<br />
118
Pós-graduaçáo em<br />
Comunicação no México:<br />
a experiência da Universida<strong>de</strong><br />
iberoamericana*<br />
Luiz Javier Mier Vega<br />
Na história do ensino e pesquisa da <strong>comunicação</strong> no México, a<br />
Universida<strong>de</strong> Iberoamericana — com suas limitações, <strong>de</strong>feitos e con-<br />
tradições — tem exercido um papel protagônico. É esta a institui-<br />
ção que funda, em 1960, a primeira licenciatura em <strong>comunicação</strong><br />
propriamente dita, e é também a que cria o primeiro mestrado nes-<br />
ta área <strong>de</strong>zoito anos <strong>de</strong>pois. Isso não significa negar a importân-<br />
cia histórica das escolas <strong>de</strong> jornalismo criadas na meta<strong>de</strong> do século<br />
ou as contribuições <strong>de</strong> outras universida<strong>de</strong>s. Pelo contrário, bus-<br />
ca-se <strong>de</strong>stacar o fato <strong>de</strong> que as instituições <strong>de</strong> educação superior não<br />
se <strong>de</strong>senvolveram <strong>de</strong> maneira isolada, nem po<strong>de</strong>m resolver seus pro-<br />
blemas com voluntarismo e boas intenções.<br />
A licenciatura em <strong>comunicação</strong> da Iberoamericana cria-se pre-<br />
cisamente a partir <strong>de</strong>ssas escolas, e quando as universida<strong>de</strong>s — que<br />
geralmente respon<strong>de</strong>m lentamente às mudanças sócio-<strong>cultura</strong>is —<br />
começam a dar-se conta da importância dos meios massivos <strong>de</strong> co-<br />
municação. Seu princípio mostra-se ingênuo com o passar dos anos,<br />
pois não questiona a <strong>comunicação</strong> massiva, mas busca sim apro-<br />
veitar seu potencial. Em outras palavras, consi<strong>de</strong>ra-se que a pre-<br />
paração <strong>de</strong> profissionais capazes <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
manipular tecnicamente os meios bastará para converter em posi-<br />
tivos os efeitos negativos — mercantilistas e alienantes — da comu-<br />
nicação massiva.<br />
Dessa época ficam, no entanto, a essência humanista e a preo-<br />
cupação ética que têm caracterizado essa universida<strong>de</strong>.<br />
* Traduzido por Alba Valéria Lima Guimarães (INTERCOM) e pu-<br />
blicado originalmente na edição n. 0 16 da Revista FELAFACS.<br />
•• Coor<strong>de</strong>nador do Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação em Comunicação Social<br />
da Universida<strong>de</strong> Iberoamericana — México.<br />
119
O passo seguinte foi a adoção <strong>de</strong> recomendações do CIESPAL<br />
(tão a-historicamente criticadas <strong>de</strong>pois) e que se traduziram em<br />
cursos <strong>de</strong> teoria e pesquisa da <strong>comunicação</strong>, que se agregaram aos <strong>de</strong>-<br />
dicados ao estudo das linguagens e dos meios propriamente ditos.<br />
A esse quadro se somaram, nos anos 70, a preocupação em estudar<br />
a conformação da socieda<strong>de</strong> — que partiu principalmente dos estu-<br />
dantes — e o afã <strong>de</strong> fazer da <strong>comunicação</strong> uma ciência, idéia pre-<br />
sente sobretudo entre os que haviam realizado estudos <strong>de</strong> pós-gra-<br />
duação nos Estados Unidos.<br />
APAS CIENTÍFICOS E ROMANTISMO<br />
É neste contexto que surge, em 1978, o Mestrado em Comunica-<br />
ção da Universida<strong>de</strong> Iberoamericana. Sua fundação não respon<strong>de</strong>,<br />
entretanto, a um consenso e a um projeto claro. Mas é, sim, pro-<br />
duto <strong>de</strong> pugnas e intuições. Pensa-se na solução antes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntifi-<br />
car bem o problema, como tantas vezes tem sucedido no meio aca-<br />
dêmico da <strong>comunicação</strong>.<br />
Seu princípio é romântico, apesar <strong>de</strong> se querê-lo cientifico, o<br />
que explica a força <strong>de</strong> seu impulso e, em parte, do seu <strong>de</strong>caimento<br />
posterior.<br />
Sua criação, ao contrário da licenciatura, obe<strong>de</strong>ce a inquietu<strong>de</strong>s<br />
do claustro professoral e ao pequeno mundo da pesquisa da comu-<br />
nicação, mais do que às necessida<strong>de</strong>s comunicacionais claramente<br />
especificadas. Pensa-se que é hora <strong>de</strong> preparar verda<strong>de</strong>iros cientis-<br />
tas, comunicólogos capazes <strong>de</strong> resolver — agora sim — todos os pro-<br />
blemas comunicacionais da socieda<strong>de</strong>.<br />
Seu objetivo é preparar pesquisadores com uma sólida forma-<br />
ção teórica e metodológica, que tragam novos conhecimentos à área,<br />
que assessorem os que tomam as <strong>de</strong>cisões importantes e que diri-<br />
jam, em suma, a <strong>comunicação</strong> do país.<br />
A proposta, certamente, é pretensiosa, o que acontece com qua-<br />
se todas as pós-graduações quando começam. No fundo <strong>de</strong>positam<br />
uma fé cega na ciência, uma <strong>de</strong>sconfiança básica nos estudos <strong>de</strong> li-<br />
cenciatura e um <strong>de</strong>sprezo monumental à prática profissional.<br />
Os primeiros a <strong>de</strong>tectá-lo são os próprios egressos da licencia-<br />
tura em <strong>comunicação</strong> da Iberoamericana, que, ao abrir-se o pro-<br />
grama, respon<strong>de</strong>m com entusiasmo. Buscam um aprofundamento nos<br />
aspectos teóricos e metodológicos, mas logo se dão conta <strong>de</strong> que<br />
são subestimados: que não dão valor ao conhecimento que adqui-<br />
riram na prática profissional; que são consi<strong>de</strong>rados maus estudan-<br />
tes porque trabalham e não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>dicar-se <strong>de</strong> tempo integral ao<br />
programa, como se faz nos países <strong>de</strong>senvolvidos; e que qualquer coi-<br />
sa que digam, façam ou escrevam, carece do <strong>de</strong>vido rigor cien-<br />
tífico.<br />
Como é lógico supor, esses potenciais mestres optaram por re-<br />
tirar-se e <strong>de</strong>ixar o programa fechado em sua torre <strong>de</strong> marfim. No<br />
mestrado ficaram unicamente os que <strong>de</strong>sejavam <strong>de</strong>dicar-se plena-<br />
mente à pesquisa e à docência (a minoria) e os que buscavam enri-<br />
quecer seus currículos e careciam dos meios ou da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
investir dois anos em uma universida<strong>de</strong> estrangeira (a maioria).<br />
Não se trata com isso <strong>de</strong> subestimar o esforço dos que inicia-<br />
ram o programa. Para justificá-los bastaria assinalar que o fizeram,<br />
e que graças a eles a pesquisa e o estudo rigoroso da <strong>comunicação</strong><br />
receberam um notável impulso em nossa universida<strong>de</strong>; pois a pós-<br />
120
-graduação não <strong>de</strong>ve ser vista unicamente como um plano <strong>de</strong> estu-<br />
dos, mas também como um espaço <strong>de</strong> pesquisa e difusão, ativida-<br />
<strong>de</strong>s essenciais para uma universida<strong>de</strong> que realmente pretenda sê-lo.<br />
O que se quer é <strong>de</strong>stacar o fato <strong>de</strong> que os cursos <strong>de</strong> pós-gradua-<br />
ção <strong>de</strong> nossos paises, com freqüência, respon<strong>de</strong>m mais ao volunta-<br />
rismo do que a uma análise séria do campo <strong>de</strong> trabalho — que não<br />
o mercado — que esperam respon<strong>de</strong>r.<br />
O afã cientifico não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sligar-se da realida<strong>de</strong> concreta se<br />
não quiser cair nos três ismos <strong>de</strong>scritos por Daniel Prieto: o teori-<br />
cismo, o tecnicismo e o verbalismo. E assim como se tem que re-<br />
conhecer as contribuições que tem feito o programa, <strong>de</strong>ve-se tam-<br />
bém reconhecer seus <strong>de</strong>feitos.<br />
E o primeiro e maior <strong>de</strong>les, a meu ver, é o divórcio que se <strong>de</strong>u<br />
entre o meio acadêmico da <strong>comunicação</strong> e o meio profissional da<br />
mesma; a divisão drástica e absurda entre teoria e práxis.<br />
Esta separação não só tem custado o afastamento <strong>de</strong> profissio-<br />
nais sumamente valiosos (os melhores egressos da licenciatura ge-<br />
ralmente não querem saber <strong>de</strong> pós-graduação), como tem freado o<br />
avanço da própria pesquisa, <strong>de</strong> tanto que se fecha em cubículos e<br />
discussões <strong>de</strong> salão (per<strong>de</strong>ndo com isso as contribuições que na bus-<br />
ca da especificida<strong>de</strong> do comunicativo po<strong>de</strong>m trazer os profissionais).<br />
A tudo isso há que acrescentar uma contradição a mais que se<br />
<strong>de</strong>u na criação do Mestrado da Iberoamericana: o atrito entre os<br />
humanistas e os funcionalistas, e que significou uma rica discussão<br />
por uma parte, e uma divisão <strong>de</strong> recursos e esforços por outra.<br />
O primeiro programa foi, pois, o resultado <strong>de</strong> uma negociação<br />
que se traduziu em duas especializações: <strong>comunicação</strong> e <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento, que impulsionou a corrente humanista; e <strong>comunicação</strong> orga-<br />
nizacional, que impulsionou a corrente funcionalista. Antes, po-<br />
rém, as tendências não eram tão claras como os nomes indicam.<br />
A falta <strong>de</strong> recursos, a formação diversificada dos professores e<br />
os distintos projetos em pugna trouxeram confusão, mas também<br />
riqueza temática e <strong>de</strong> enfoques. Marxistas, semiólogos e humanis-<br />
tas lutavam entre si para impor seus projetos ou, pelo menos, pa-<br />
ra manter seus espaços, enquanto que a linha predominante — e não<br />
a única — era o funcionalismo.<br />
Esta etapa, que po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s qualificar <strong>de</strong> arranque, se caracterizou<br />
por contar com poucos estudantes e escassa influência no meio pro-<br />
fissional. Porém, impulsionou a pesquisa, que era praticamente nula<br />
no Departamento que <strong>de</strong>u origem ao programa; trouxe uma maior<br />
preocupação pelo rigor metodológico; e trouxe novas áreas temá-<br />
ticas, algumas truncadas posteriormente, como os estudos <strong><strong>de</strong>mo</strong>grá-<br />
ficos e a <strong>comunicação</strong>. Dela ficaram as cátedras: "Comunicação So-<br />
cial e Desenvolvimento Cultural", "A Comunicação no Pensamento<br />
Contemporâneo" e "Projetos <strong>de</strong> Desenvolvimento e Estratégias <strong>de</strong><br />
Comunicação", que formam a trilogia básica do atual programa e<br />
que constituem já uma tradição nesta pós-graduação.<br />
CRISE E REESTRUTURAÇÃO<br />
Passado o entusiasmo inicial, os magros resultados com relação<br />
à formação <strong>de</strong> mestres (que se traduziram em baixo ingresso <strong>de</strong> es-<br />
tudantes, alta <strong>de</strong>serção e paupérrima porcentagem <strong>de</strong> titulados),<br />
trouxeram consigo uma crise interna, que se agravou ao combinar<br />
121
-se com a maior crise que viveu o Departamento <strong>de</strong> Comunicação<br />
em toda a sua história.<br />
No começo dos anos 80, o Mestrado em Comunicação da Univer-<br />
sida<strong>de</strong> Iberoamericana não era mais do que uma caricatura <strong>de</strong> si<br />
mesmo: o projeto inicial havia-se perdido e junto, com ele, o espa-<br />
ço <strong>de</strong> discussão que tinha sido sua principal riqueza. Não ficavam<br />
mais do que os esforços <strong>de</strong> uns poucos professores, um punhado <strong>de</strong><br />
alunos e uma série <strong>de</strong> objetivos, cursos e ações <strong>de</strong>stinados a man-<br />
ter as aparências. Sem nenhum rigor e muito menos idéias claras,<br />
o programa simplesmente vegetava.<br />
Em 1982, o Departamento inicia um período <strong>de</strong> reestruturação.<br />
Pouco a pouco se forma uma equipe sólida e entusiasmada que re-<br />
vitaliza os programas, a pesquisa e a difusão. Nesse ano se refor-<br />
ma radicalmente a pós-graduação com o objetivo <strong>de</strong> levantá-la e<br />
consolidá-la. Não se conta praticamente com nada, à exceção da tri-<br />
logia <strong>de</strong> cátedras mencionadas anteriormente, para o que é necessá-<br />
rio reformular as coisas rapidamente.<br />
O primeiro que se cogita é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> optar por um ca-<br />
minho. Esquece-se a <strong>comunicação</strong> organizacional como um fim pa-<br />
ra centrar a pós-graduação nos problemas da <strong>comunicação</strong> para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Isto se apresenta, então, como o objetivo geral que <strong>de</strong>ve orientar<br />
o programa, tanto nos cursos como nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e di-<br />
fusão. O novo projeto interessa-se fundamentalmente pelo papel<br />
que correspon<strong>de</strong> à <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> facilitadora das tarefas do <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento. Já não se trata <strong>de</strong> formar mestres em abstrato ou<br />
<strong>de</strong> pesquisar anarquicamente, mas <strong>de</strong> levar adiante uma proposição.<br />
O projeto, que congrega vários dos elementos da proposta ori-<br />
ginal, começa por situar estrategicamente a nova pós-graduação —<br />
chamada "Mestrado em Comunicação e Desenvolvimento" — <strong>de</strong>ntro<br />
do Departamento que lhe dá origem, e que se <strong>de</strong>fine como o orga-<br />
nismo universitário que se <strong>de</strong>dica ao estudo da <strong>comunicação</strong> me-<br />
diante seu ensino, pesquisa e difusão. Retoma-se assim o espírito<br />
da reforma universitária que se levou a cabo na Iberoamericana en<br />
tre 1968 e 1974, que originou a <strong>de</strong>partamentalização.<br />
O Mestrado passa assim a ser um dos programas que se ofere-<br />
cem como resultado do trabalho <strong>de</strong>partamental, o que faz com que<br />
<strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser uma ilha separada da licenciatura. Com a nova pro-<br />
posta, a pós-graduação se vê obrigada a <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r seus objetivos<br />
dos do organismo que lhe dá origem, assegurando, <strong>de</strong>sta maneira,<br />
um mínimo <strong>de</strong> congruência.<br />
A preocupação em estudar as relações entre a <strong>comunicação</strong> e<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento para contribuir para a transformação da socie-<br />
da<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma que esta seja mais justa e igualitária, se converte em<br />
uma preocupação <strong>de</strong>partamental que guia os programas e as ativi-<br />
da<strong>de</strong>s, e não em uma concessão gratuita para a pós-graduação.<br />
O Mestrado adquire, então, um valor estratégico: a ele corres-<br />
pon<strong>de</strong> ser o espaço <strong>de</strong> vanguarda do Departamento; o espaço <strong>de</strong> pes-<br />
quisa, difusão e docência que levante novos problemas e respostas<br />
na busca da especificida<strong>de</strong> comunicativa e na construção das neces-<br />
sárias mediações entre a <strong>comunicação</strong> e os problemas do <strong>de</strong>senvol-<br />
vimento. Novos problemas e respostas que, por trás <strong>de</strong> um proces-<br />
so <strong>de</strong> <strong>de</strong>cantação, influam na licenciatura por uma parte, e no meio<br />
profissional por outra.<br />
Mais que formar pesquisadores, docentes e assessores como na<br />
proposta original, trata-se <strong>de</strong> fazer pesquisa, docência e difusão con-<br />
122
juntamente com os alunos <strong>de</strong> tal maneira que estes se formem co-<br />
mo tais enquanto a pós-graduação se converte em um espaço criati-<br />
vo e produtivo, no qual os estudantes contribuam também com seus<br />
conhecimentos e experiência profissional.<br />
Certamente, porém, estamos muito longe <strong>de</strong> consegui-lo.<br />
AS MEDIAÇÕES NECESSÁRIAS<br />
No momento atual, o Mestrado em Comunicação conseguiu uma<br />
significativa reviravolta. Conta com 50 estudantes, cujo nível tem<br />
melhorado nos últimos anos, com uma equipe <strong>de</strong> professores mais<br />
ou menos estável e sólida, com participação — ainda que incipien-<br />
te — nos projetos docentes, <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong> difusão do Departa-<br />
mento, e com uma crescente incidência na licenciatura e no meio<br />
profissional.<br />
Do trabalho <strong>de</strong>senvolvido nos últimos anos têm surgido cursos,<br />
pesquisas, ensaios e proposições várias sobre políticas <strong>de</strong> comunica-<br />
ção, <strong>comunicação</strong> e <strong>cultura</strong>, novas tecnologias etc. Desta perspec-<br />
tiva, o saldo é favorável. E é também se se consi<strong>de</strong>ra indicadores<br />
administrativos: mais alunos, menor <strong>de</strong>serção, maior porcentagem<br />
<strong>de</strong> titulação, maior número <strong>de</strong> seminários e melhor organização dos<br />
mesmos.<br />
Entretanto, se consi<strong>de</strong>rarmos os objetivos do projeto, a reali-<br />
da<strong>de</strong> não resulta tão favorável. Entre os objetivos do mesmo e a<br />
cotidianeida<strong>de</strong> existe um abismo que é necessário salvar mediante<br />
a elaboração das mediações necessárias. Em outras palavras, é ne-<br />
cessário criar condições para que o Mestrado em Comunicação e<br />
Desenvolvimento se converta em Mestrado <strong>de</strong> Comunicação para o<br />
Desenvolvimento.<br />
Esta é a tarefa que estamos empreen<strong>de</strong>ndo neste momento e<br />
que nos obriga a traçar uma reorganização da pós-graduação con-<br />
juntamente com a licenciatura. Trata-se <strong>de</strong> realizar uma reforma<br />
estratégica que nos permita cumprir melhor os objetivos traçados a<br />
partir dos escassos recursos que temos.<br />
A primeira pergunta que temos que respon<strong>de</strong>r é: Por que um<br />
mestrado em <strong>comunicação</strong> e <strong>de</strong>senvolvimento? Ou, em outras pa-<br />
lavras, quais são as necessida<strong>de</strong>s comunicativas reais que preten<strong>de</strong>-<br />
mos satisfazer? A valida<strong>de</strong> do curso e da perspectiva, creio, são<br />
óbvias, mas a mediação entre elas e as necessida<strong>de</strong>s reais nem tanto.<br />
O problema não se encontra nos objetivos, pois nos parece vá-<br />
lido propor-se a formação <strong>de</strong> pesquisadores, planejadores, expertos<br />
e professores nos termos que se explicitam no projeto e que po<strong>de</strong>m<br />
ser lidos no folheto do programa. Tais objetivos, que seria muito<br />
enfadonho <strong>de</strong>screver, po<strong>de</strong>m certamente ser discutidos, mas não<br />
invalidados completamente. A questão mais urgente é averiguar<br />
que estrutura curricular, que ações e que medidas <strong>de</strong>vem ser toma-<br />
das para que os objetivos se cumpram mais satisfatoriamente; para<br />
que as coisas que se quer sucedam, passem <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.<br />
E aí — perdoem-me a reiteração — entramos no problema das<br />
mediações. Qual é a especificida<strong>de</strong> estritamente comunicativa dos<br />
problemas do <strong>de</strong>senvolvimento? Como se traduz a <strong>comunicação</strong><br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento em uma tarefa comunicativa? E, supostas<br />
as respostas a estas perguntas, o que ensinar, pesquisar e difundir;<br />
com quais enfoques e metodologias?<br />
123
Mais ainda, o que se espera que façam especificamente os egressos?<br />
Estas questões são muito difíceis <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, o que resulta<br />
muito tentador <strong>de</strong>ixá-las <strong>de</strong> lado. Lamentavelmente, têm uma rela-<br />
ção direta com a natureza da pós-graduação em <strong>comunicação</strong> e com<br />
as tendências da pesquisa científica, criação <strong>de</strong> seminários e inter-<br />
câmbio acadêmico.<br />
Assim sendo, não estamos em condições <strong>de</strong> dar-lhes resposta<br />
imediata, daí propormo-las como guias que conduzam a busca dos<br />
próximos anos.<br />
Por agora, e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta linha, propusemo-nos uma tarefa: a<br />
criação <strong>de</strong> seminários e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stinadas a facilitar o cumpri-<br />
mento dos objetivos <strong>de</strong> pesquisa, docência, planejamento e difusão.<br />
A estratégia que estamos esboçando parte <strong>de</strong> uma consi<strong>de</strong>ração:<br />
nenhum <strong>de</strong>sses objetivos po<strong>de</strong>rá cumprir-se cabalmente mediante a<br />
introdução <strong>de</strong> cursos isolados que busquem dar respostas a cada obje-<br />
tivo por separado, e muito menos, quando não existam tais cursos.<br />
O tempo nos tem ensinado que não se formam pesquisadores me-<br />
diante seminários <strong>de</strong> metodologia; muito menos professores quando<br />
o ensino da <strong>comunicação</strong> não se apresenta sequer como problema,<br />
planejadores que <strong>de</strong>sconhecem totalmente o que vão planejar e os<br />
instrumentos comunícativos <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>riam valer-se, ou difusores<br />
que ignoram por completo as linguagens, as formas e o funcio-<br />
namento dos meios.<br />
Daí é que nos propusemos converter a pós-graduação em um<br />
laboratório, que, dividido por áreas, acometa os objetivos em seu<br />
conjunto. Cada uma <strong>de</strong>las poria ênfase no cumprimento <strong>de</strong> um<br />
dos objetivos, mas aten<strong>de</strong>ndo sua relação com os <strong>de</strong>mais e com o<br />
objetivo geral que lhe dá nome a pós-graduação.<br />
Trata-se, pois, <strong>de</strong> áreas que centram suas ativida<strong>de</strong>s nos afaze-<br />
res e não na transmissão <strong>de</strong> informação; um trabalho conjunto en-<br />
tre alunos e mestres que dê origem a verda<strong>de</strong>iros seminários <strong>de</strong><br />
pós-graduação, on<strong>de</strong> a ação e a reflexão se dêem lado a lado, e<br />
que resultem em produtos específicos, por mo<strong>de</strong>stos que sejam.<br />
Isto significa enlaçar as ativida<strong>de</strong>s da pós-graduação com as do<br />
Departamento, dado que as áreas que se propõem estariam direta-<br />
mente relacionadas com: ensino da <strong>comunicação</strong>, pesquisa, difusão<br />
da <strong>cultura</strong> e divulgação científica, melhoria e superação acadêmica<br />
e serviços acadêmicos profissionais.<br />
Da primeira se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>riam os seminários básicos da pós-gra-<br />
duação, sobretudo os referentes à teoria da <strong>comunicação</strong>, comuni-<br />
cação para o <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>comunicação</strong> e <strong>cultura</strong>; assim co-<br />
mo os cursos, práticas e ativida<strong>de</strong>s dirigidas à formação <strong>de</strong> pro-<br />
fessores.<br />
Da segunda, os projetos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>partamental que se tra-<br />
duziriam em verda<strong>de</strong>iros laboratórios <strong>de</strong> pesquisa; assim como os<br />
seminários metodológicos e teóricos que a realização <strong>de</strong> tais pro-<br />
jetos requererão.<br />
Da terceira, os laboratórios a que <strong>de</strong>ram origem os planos <strong>de</strong><br />
difusão <strong>de</strong>partamental (diretamente relacionados com as áreas an-<br />
teriores) e universitário; assim como seminários enfocados à dimen-<br />
são estética da <strong>comunicação</strong> (linguagem, formas e análise e elabora-<br />
ção <strong>de</strong> mensagens, <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong> meios etc), e ao problema capi-<br />
tal da divulgação cientifica.<br />
Da quarta, os seminários especiais a que dêem lugar as ativi-<br />
da<strong>de</strong>s, as novas tendências teóricas e metodológicas, as novas ne-<br />
cessida<strong>de</strong>s e, inclusive, as modas acadêmicas.<br />
124
Finalmente, a quinta enfocaria a criação <strong>de</strong> laboratórios, semi-<br />
nários e práticas profissionais que vincularão a pós-graduação com<br />
projetos específicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento (ou pelo menos com o tra-<br />
balho dos estudantes e dos assessores externos), pondo particular-<br />
mente a ênfase no planejamento da <strong>comunicação</strong> e na colocação em<br />
prática <strong>de</strong> projetos comunicacionais <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratizadores.<br />
Tudo isso, supõe, logicamente, uma discussão a fundo, e sobretu-<br />
do a aceitação <strong>de</strong> flexibilizar o currículo <strong>de</strong> pós-graduação, <strong>de</strong> que-<br />
brar as pare<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> estarem dispostos a correr o risco que as no-<br />
vas propostas trazem consigo.<br />
E isto, finalmente, não é mais do que uma mo<strong>de</strong>sta proposição,<br />
para empreen<strong>de</strong>r a busca da especificida<strong>de</strong> da área e para construir<br />
as mediações entre as <strong>de</strong>mandas sociais e a <strong>comunicação</strong>. Uma pro-<br />
posta que submetemos à discussão.<br />
125
RESENHAS<br />
Língua e Compromisso<br />
Histórico<br />
PINTO, Edith Pimentel — A<br />
Língua Escrita no Brasil.<br />
São Paulo, Editora Atica,<br />
1986, 80 pp.<br />
Próximos <strong>de</strong> uma nova reforma<br />
ortográfica, ou <strong>de</strong> mais uma con-<br />
cessão da língua chamada culta,<br />
que nos possibilitará escrever sem<br />
o uso <strong>de</strong> hifen e possivelmente<br />
grafar príncipe e ascendência, a<br />
mestra Edith propõe algo mais<br />
amplo e mais sério: as tramas<br />
da língua portuguesa no contexto<br />
<strong>cultura</strong>l do Brasil, entre a nor-<br />
mativicte<strong>de</strong> e a ampla gama <strong>de</strong> va-<br />
riações lingüísticas.<br />
Depois <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar os limites<br />
do seu trabalho, resultado <strong>de</strong> cur-<br />
sos homólogos dados na USP e<br />
tendo como referencial a língua li-<br />
terária, a autora esclarece ■— ou<br />
repete — que o nosso português<br />
não é nem dialeto e nem língua<br />
autônoma, mas sim um processo<br />
<strong>cultura</strong>l <strong>de</strong> diversificação. Aliás,<br />
pesquisas <strong>de</strong> opinião mostram que<br />
a média da população reafirma o<br />
acerto <strong>de</strong>ssa colocação e poucos<br />
se aventuram a consi<strong>de</strong>rar que nos<br />
comunicamos por meio da "lín-<br />
gua paulista", "mineira", "guara-<br />
ni", "dialeto brasileiro" etc. Nou-<br />
tras palavras, as consi<strong>de</strong>ráveis va-<br />
riações sócio-<strong>cultura</strong>is do nosso<br />
português não comprometem a es-<br />
trutura lingüística aclimatada na<br />
península e fruto das notáveis<br />
transformações do latim plebeu.<br />
Alguns momentos do seu traba-<br />
lho permitem a confluência dos<br />
excelentes estudos lingüísticos con-<br />
temporâneos, em que a consciên-<br />
cia <strong>de</strong> laborarmos em três níveis<br />
sociais: sistema/língua/fala <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />
126<br />
cratiza as falas e discursos e ul-<br />
trapassa as querelas sobre a "me-<br />
lhor" língua e as besteiras a res-<br />
peito da "pureza" lingüística. Ti-<br />
véssemos a consciência dos níveis<br />
e, conseqüentemente, das neces-<br />
sárias variações sócio-<strong>cultura</strong>is,<br />
não teríamos presenciado as bri-<br />
gas da época parnasiano-pré-mo-<br />
<strong>de</strong>mista sobre os mo<strong>de</strong>los da lin-<br />
guagem e a exigência <strong>de</strong> submis-<br />
são, em cujo contexto até mesmo<br />
excelentes escritores são acusados<br />
<strong>de</strong> perigosos heterodoxos, antina-<br />
oonalistas.<br />
O que realmente aconteceu na<br />
história foi a eleição <strong>de</strong> certa nor-<br />
ma socialmente prestigiada, a cujos<br />
pés esperou-se a genuflexão <strong>de</strong> to-<br />
dos, inclusive dos migrantes, se-<br />
miletrados, pobres e estudantes<br />
<strong>de</strong> classes subalternas. Hoje, fe-<br />
lizmente, a consciência das varia-<br />
ções começa a penetrar a consciên-<br />
cia dos educadores.<br />
Especificamente sobre a língua li-<br />
terária, Edith Pimentel <strong>de</strong>staca a<br />
limitação da sua "liberda<strong>de</strong>". De<br />
fato, ela foi abrigando, em sua<br />
evolução, falas populares, tor-<br />
neios sintáticos, consi<strong>de</strong>rável vo-<br />
cabulário da mescla social brasi-<br />
leira. A princípio, o autor não<br />
assumia a fala do povo, apondo<br />
claramente a sua, culta, à do ou-<br />
tro, popular, como em Raul Pom-<br />
péia e Coelho Neto. Depois, consi-<br />
<strong>de</strong>rada a revolução mo<strong>de</strong>rnista, ele<br />
passa a assumir o discurso do ou-<br />
tro: refletindo o drama social por<br />
<strong>de</strong>ntro do veículo real dos signi-<br />
ficados. As novas formas do dis-<br />
curso, notadamente <strong>de</strong>ntro da<br />
evolução psicológica, favoreceram<br />
bastante a nova atitu<strong>de</strong>. A má-<br />
xima regionalida<strong>de</strong> aponta para a<br />
efetiva universalida<strong>de</strong>. Aí a gran-<br />
<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Lins do Rego e Gracilia-<br />
no, bem como <strong>de</strong> Rulfo ou She-<br />
muel Agnon.
Felizmente, os mo<strong>de</strong>los lusitanos<br />
não nos enlouqueceram, nota-<br />
damente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> recebermos as<br />
novas ondas migratórias e <strong>de</strong>sco-<br />
brirmos que somos <strong>cultura</strong>s, somos<br />
plural (o que impossibilita, hoje<br />
a possível hipocrisia da nova cons-<br />
tituição, se preten<strong>de</strong>r estabelecer<br />
uma política nacional <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>).<br />
Enfim, lendo o livro releio as<br />
aulas dos mestres Edith e Antônio<br />
Cândido, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vêm as mensa-<br />
gens do compromisso da arte bra-<br />
sileira com as situações concretas<br />
do Brasil plural. Literatura com-<br />
prometida, língua comprometida,<br />
veicular, abrindo-se para as diver-<br />
sas concordâncias, regências, colo-<br />
cações, plural do léxico <strong>de</strong> i<strong>de</strong>o-<br />
logias, crônica diária das vicissi-<br />
tu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> país <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, cujas<br />
"frinéias <strong>de</strong> sarjetas" jamais leram<br />
Rui Barbosa, mas semantizaram<br />
o seu viver sofrido no diapasão<br />
possível do português que se<br />
apren<strong>de</strong>u na interação social; se<br />
longe das normas camonianas,<br />
ainda no sistema da gran<strong>de</strong> cria-<br />
ção luso-brasileira. Um portu-<br />
guês simplificado, mas não mor-<br />
to. Irregular, mas capaz <strong>de</strong> tocar<br />
a irregular vida brasileira. Não<br />
bárbaro, mas humano. Talvez<br />
oralizante e feito <strong>de</strong> clichês, por<br />
força das múltiplas repressões<br />
(até as suaves...), mas um por-<br />
tuguês que veicula o que po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s<br />
ser, até que sejamos mais do que<br />
somos.<br />
Luiz Roberto Alves<br />
Instituto Metodista <strong>de</strong><br />
Ensino Superior<br />
Brinquedo e Serieda<strong>de</strong><br />
OLIVEIRA, Paulo <strong>de</strong> Salles<br />
— Brinquedo e Indústria<br />
Cultural. Petrópolis, Vozes,<br />
1986, 96 pp.<br />
O maior mérito <strong>de</strong>ste livro não<br />
está, seguramente, no rigor cien-<br />
tífico que seria <strong>de</strong> se esperar <strong>de</strong><br />
uma obra cuja gênese é uma dis-<br />
sertação <strong>de</strong> mestrado em Ciências<br />
Sociais, dadas as suas imprecisões,<br />
omissões e falhas <strong>de</strong> organização.<br />
Mas se a Aca<strong>de</strong>mia não gerou<br />
um produto perfeito, o mercado<br />
editorial ganhou um livro neces-<br />
sário e instigante. Necessário por-<br />
que é pioneiro, ao apresentar ao<br />
leitor brasileiro pela primeira vez<br />
um quadro completo das ques-<br />
tões que envolvem o brinquedo in-<br />
dustrializado. O que se publicou<br />
antes no Brasil refere-se a estudos<br />
em que este tema é tratado <strong>de</strong><br />
forma parcial ou secundária. A<br />
publicação que mais se aproxima<br />
<strong>de</strong>ste livro é do próprio Paulo <strong>de</strong><br />
Salles Oliveira (O que é brinque-<br />
do, São Paulo, Brasiliense, 1984).<br />
Além <strong>de</strong> pioneiro, o livro é cora-<br />
joso. Ele trata o brinquedo — um<br />
objeto próprio <strong>de</strong>sta classe consi-<br />
<strong>de</strong>rada inferior que é a das crian-<br />
ças — como algo sério e relevan-<br />
te no contexto das Ciências So-<br />
ciais, alinhando-o ao lado dos <strong>de</strong>-<br />
mais agentes i<strong>de</strong>ológicos dominan-<br />
tes já <strong>de</strong>nunciados pela Escola <strong>de</strong><br />
Frankfurt, quais sejam, os meios<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social.<br />
Em segundo lugar, o livro é ins-<br />
tigante por abordar vários lados<br />
da questão "brinquedo industria-<br />
lizado", mostrando a multiplici-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> vias pelas quais ela po<strong>de</strong><br />
ser estudada. Ele é, neste senti-<br />
do, muito mais uma "introdução<br />
ao brinquedo industrializado" do<br />
que uma pesquisa dirigida especi-<br />
ficamente às relações entre o brin-<br />
quedo e a Indústria Cultural, con-<br />
forme quer indicar o título. Cen-<br />
tralmente, o livro se propõe a ana-<br />
lisar o brinquedo industrializa-<br />
do sob o ângulo sociológico, até<br />
aqui explorado <strong>de</strong> maneira insu-<br />
ficiente. Isto implica articulá-lo<br />
com a produção i<strong>de</strong>ológica do-<br />
minante e, em conseqüência, com<br />
o imperialismo <strong>cultura</strong>l, passando<br />
pela sua realização capitalista en-<br />
quanto mercadoria.<br />
Em torno <strong>de</strong>ste conduto princi-<br />
pal, gravitam aspectos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
interesse. Ura <strong>de</strong>les é o "adulto-<br />
centrisrao", pelo qual se dá a do-<br />
127
minação do adulto sobre a crian-<br />
ça e que se expressa <strong>de</strong> duas for-<br />
mas principais. A primeira é a<br />
própria conceituação <strong>de</strong> "criança"<br />
como um adulto em potencial, co-<br />
mo se o adulto fosse um ser aca-<br />
bado e completo. O autor prefe-<br />
re enxergar ambos, adultos e<br />
crianças, como seres em trans-<br />
formação. A segunda forma é a<br />
da visão diferencial que adultos e<br />
crianças tem das funções do brin-<br />
quedo. Neste ponto, o autor dá<br />
ênfase à capacida<strong>de</strong> que a crian-<br />
ça tem como ser ativo e relativa-<br />
mente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> reagir <strong>de</strong><br />
modo criativo às funções explíci-<br />
tas dos brinquedos, rejeitando-os,<br />
<strong>de</strong>struindo-os ou modificando-dos.<br />
Mas a dominação que o brin-<br />
quedo encerra não é só a do adul-<br />
to sobre a criança. Ela, além <strong>de</strong><br />
etária, é também econômico-cul-<br />
tural (dos países hegemônicos so-<br />
bre os <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes) e <strong>de</strong> classe<br />
(da burguesia sobre as <strong>de</strong>mais<br />
classes). O livro <strong>de</strong>staca, ainda,<br />
o caráter <strong>de</strong> mercadoria do brin-<br />
quedo, reforçado pelos gran<strong>de</strong>s<br />
números relativos à produção e<br />
ao lucro, e a importante noção<br />
<strong>de</strong> que o senso <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />
ta mercadoria, <strong>de</strong>terminado so-<br />
cialmente, é fundamental na eli-<br />
tização do brincar. Todavia, o ca-<br />
pitulo mais articulado, embora<br />
portador <strong>de</strong> um título ina<strong>de</strong>qua-<br />
do, é o que trata do brinquedo<br />
informatizado (ví<strong>de</strong>o-games, brin-<br />
quedos eletrônicos etc.) cuja dis-<br />
seminação no Brasil é vista pelo<br />
autor como um forte elo da trans-<br />
nacionalização da economia e da<br />
<strong>cultura</strong> e como um instrumento<br />
mais eficaz <strong>de</strong> manipulação i<strong>de</strong>o-<br />
lógica.<br />
Este é, aliás — e paradoxalmen.<br />
te —, um dos problemas metodo-<br />
lógicos do livro. Ao incluir o<br />
brinquedo informatizado (ou "tec-<br />
nologizado") no escopo do traba-<br />
lho, o autor misturou objetos <strong>de</strong><br />
estudo <strong>de</strong> naturezas diferentes,<br />
que não comportam análises e<br />
conclusões comuns. Tanto que,<br />
no capítulo das conclusões, ele<br />
128<br />
separa aquelas que são pertinen-<br />
tes a uns e a outros, embora a<br />
ênfase seja sobre os informatiza-<br />
dos.<br />
Mesmo tendo incidido sobre ob-<br />
jetos concretos, o trabalho não<br />
proce<strong>de</strong>u a uma investigação em-<br />
pírica <strong>de</strong>stes objetos, constituin-<br />
do-se, primordialmente, num con-<br />
junto <strong>de</strong> reflexões baseadas em<br />
pesquisas bibliográficas e em ob-<br />
servação assistemática. Per<strong>de</strong>u,<br />
com isto, uma ótima oportunida-<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar uma melhor contribui-<br />
ção á compreensão do fenômeno<br />
estudado, principalmente no que<br />
se refere às reais repercussões<br />
i<strong>de</strong>ológicas do brinquedo.<br />
E é na escolha da bibliografia<br />
que se encontrava a <strong>de</strong>ficiência teó-<br />
rico-metodológica mais grave do<br />
trabalho. Embora o título conte-<br />
nha a expressão "indústria cultu-<br />
ral", não há sequer uma remota<br />
alusão aos autores <strong>de</strong>sta expres-<br />
são, Theodor W. Adorno e Max<br />
Horkheimer, cuja produção, ao la-<br />
do daquela gerada pelos <strong>de</strong>mais<br />
integrantes da chamada Escola <strong>de</strong><br />
Frankfurt, já mencionada, é obri-<br />
gatória para a análise dos fenô-<br />
menos <strong>cultura</strong>is contemporâneos.<br />
No que tange ao tema da multi-<br />
nacionalização da <strong>cultura</strong>, o autor<br />
apóia-se sobremaneira no seu orien-<br />
tador, Octávio lanni, cujo livro<br />
Imperialismo e Cultura está pelo<br />
menos <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>fasado quanto<br />
ao <strong>de</strong>bate <strong>de</strong>sta questão. O au-<br />
tor, <strong>de</strong>sta maneira, ignora todos<br />
os estudos mo<strong>de</strong>rnos que vão <strong>de</strong>s-<br />
<strong>de</strong> as resoluções da UNESCO até,<br />
por exemplo, Juan Somavia e Her-<br />
bert Schiller, embora cite, em al-<br />
gumas oportunida<strong>de</strong>s, a figura<br />
essencial <strong>de</strong> Armand Matterlart.<br />
Por causa <strong>de</strong>sta omissão, o tra-<br />
balho passa ao largo <strong>de</strong> toda a<br />
discussão, originada ainda na dé-<br />
cada <strong>de</strong> 70, sobre a necessida<strong>de</strong><br />
do estabelecimento <strong>de</strong> uma Nova<br />
Or<strong>de</strong>m Mundial da Informação e<br />
da Comunicação, que ganhou até<br />
um nome, o <strong>de</strong> NOMIC.<br />
Nestes aspectos, o autor, tão<br />
tão brilhante em suas análises e
esponsável por um livro tão im-<br />
portante, <strong>de</strong>cididamente não levou<br />
a ciência muito a sério.<br />
Carlos Augusto Setti<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília<br />
Repensando a Cultura<br />
<strong>de</strong> Massas<br />
FILHO, Ciro Marcon<strong>de</strong>s —<br />
Quem Manipula Quem? O<br />
Po<strong>de</strong>r e Massas na Indús-<br />
tria da Cultura e da Comu-<br />
nicação no Brasil. Petrópo-<br />
lis, Vozes, 1986, 163 pp.<br />
O <strong>de</strong>bate intelectual é um cor-<br />
po estranho no ethos da universi-<br />
da<strong>de</strong> brasileira. O campo <strong>de</strong> es-<br />
tudos sobre <strong>cultura</strong> e comunica*<br />
ção social constitui, nesse sentido,<br />
um caso privilegiado, <strong>de</strong>vido a sua<br />
institucionalização tardia no sis-<br />
tema educacional. Quem Mani-<br />
pula Quem apresenta-se funda-<br />
mentalmente como um livro <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>bate. Por isso, corre o risco<br />
<strong>de</strong> passar <strong>de</strong>sapercebido. O silên-<br />
cio é geralmente tranqüilizador,<br />
especialmente diante <strong>de</strong> teses e<br />
idéias provocativas, como são as<br />
contidas neste último trabalho <strong>de</strong><br />
Ciro Marcon<strong>de</strong>s Filho.<br />
O livro reúne uma série <strong>de</strong> tex-<br />
tos publicados pelo autor ao lon-<br />
go dos últimos anos em revistas<br />
especializadas. O tema central é<br />
a <strong>cultura</strong> na socieda<strong>de</strong> capitalista<br />
contemporânea. Assim, ao lado<br />
<strong>de</strong> escritos <strong>de</strong> certa forma mais<br />
específicos, como os que tratam<br />
da questão da sexualida<strong>de</strong>, da te-<br />
lenovela, do shopping center e da<br />
publicida<strong>de</strong> transnacional, o leitor<br />
po<strong>de</strong> encontrar ensaios <strong>de</strong> caráter<br />
teórico, a propósito dos conceitos<br />
<strong>de</strong> <strong>cultura</strong>, i<strong>de</strong>ologia e imaginário.<br />
Todavia, convém não contrapor<br />
esses dois eixos. A leitura atenta<br />
da obra revela sua profunda im-<br />
bricação, como atesta o capitulo<br />
4, intitulado "Telenovela e Lógica<br />
do Capital", que nos parece um<br />
texto obrigatório para as futuras<br />
discussões sobre o assunto.<br />
Não obstante, a linha <strong>de</strong> força<br />
do livro resi<strong>de</strong>, sem dúvida, nas<br />
proposições teóricas que o autor<br />
apresenta. O ponto <strong>de</strong> partida<br />
constitui o texto "O Enterro <strong>de</strong><br />
Althusser", on<strong>de</strong> a critica do pa-<br />
radigma <strong>de</strong> estudos esboçado pelo<br />
pensador francês serve <strong>de</strong> sinal<br />
para "repensar toda a teoria das<br />
i<strong>de</strong>ologias e montar um instru-<br />
mental teórico <strong>de</strong> trabalho mais<br />
sólido e amplo para, a partir <strong>de</strong>s-<br />
se inicio, repensar todo o proble-<br />
ma da teoria da Comunicação"<br />
(121).<br />
É a essa tarefa que o autor se<br />
<strong>de</strong>dica notadamente nos capítulos<br />
6 e 10, on<strong>de</strong> por um lado apre-<br />
senta suas teses sobre a luta <strong>de</strong><br />
classes, a história e o imaginário;<br />
e, por outro, critica certas con-<br />
cepções <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, propaganda e<br />
<strong>cultura</strong>. O ponto comum é o ata-<br />
que ao marxismo tradicional, es-<br />
necialmente sua incapacida<strong>de</strong> em<br />
dar conta do papel do registro<br />
imaginário no movimento do ca-<br />
pitalismo monopolista. Marcon-<br />
<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>o-<br />
logia "homólogo à ativida<strong>de</strong> hu-<br />
mana em suas relações sociais e <strong>de</strong><br />
produção", que satura todos os<br />
campos sociais, provém do con-<br />
junto <strong>de</strong> suas lutas e contradições,<br />
e cujo único critério é a prática<br />
(55-56).<br />
Nessas colocações, nota-se a in-<br />
fluência do pensamento <strong>de</strong> Casto-<br />
riadis, centrado na idéia <strong>de</strong> que<br />
a socieda<strong>de</strong> se auto-institui atra-<br />
vés <strong>de</strong> um magma <strong>de</strong> significações,<br />
que o filósofo chama <strong>de</strong> imaginá-<br />
rio radical, não obstante Ciro<br />
Marcon<strong>de</strong>s manter a tese marxis-<br />
ta <strong>de</strong> que as i<strong>de</strong>ologias são his-<br />
toricamente <strong>de</strong>terminadas pela lu-<br />
ta <strong>de</strong> classe (48), o que contraria<br />
os fundamentos da reflexão ino-<br />
vadora <strong>de</strong> Castoriadis.<br />
Com relação às teses equivoca-<br />
das sobre po<strong>de</strong>r, propaganda e<br />
<strong>cultura</strong>, encontramos uma apro-<br />
ximação maior igualmente visí-<br />
129
vel na parte final da introdução,<br />
com o pensamento <strong>de</strong> autores co-<br />
mo Baudrillard, que, passível <strong>de</strong><br />
ser incluído no grupo que Haber-<br />
mas tem chamado dos "jovens<br />
conservadores", tem assinalado<br />
o comportamento ao mesmo tem-<br />
po ambíguo e perverso das mas-<br />
sas com relação ao po<strong>de</strong>r em nos-<br />
sa socieda<strong>de</strong>. Ciro Marcon<strong>de</strong>s<br />
ataca a idéia <strong>de</strong> que as classes su-<br />
balternas se opõem espontanea-<br />
mente, <strong>de</strong>vido a sua posição estru-<br />
tural na socieda<strong>de</strong>, às relações<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r estabelecidas pelo capi-<br />
tal, <strong>de</strong>scobrindo nelas "uma es-<br />
trutura suporte baseada na dife-<br />
renciação e no <strong>de</strong>staque", que re-<br />
produz as hierarquias sociais im-<br />
postas pelo capital no seio <strong>de</strong>ssas<br />
classes (122-131). Logo, <strong>de</strong>nuncia<br />
os projetos <strong>de</strong> contrapropaganda<br />
e o uso <strong>de</strong> clichês na linguagem<br />
política que, sob o pretexto <strong>de</strong> di-<br />
minuir a distância entre a políti-<br />
ca e a vida cotidiana, promovem<br />
a <strong>de</strong>spolitização e, indiretamente,<br />
o reforço da política tradicional<br />
(131-139). Finalmente, critica os<br />
prejuízos do economicismo na ex-<br />
plicação do social-histórico, che-<br />
gando mesmo a afirmar que "o<br />
econômico não é sempre o fim",<br />
mas freqüentemente o meio pa-<br />
ra se atingir objetivos fixados por<br />
outro registro. Isto é, "o que es-<br />
tá por trás <strong>de</strong> tudo é o imaginá-<br />
rio" (142).<br />
Em síntese, o autor explora a<br />
idéia <strong>de</strong> que as camadas popula-<br />
res efetivamente <strong>de</strong>positam espe-<br />
ranças e gozam com a <strong>cultura</strong><br />
proposta pelo capital através dos<br />
meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>; e que só<br />
há sentido em atuar junto a essas<br />
classes se for da perspectiva da<br />
penetração da indústria <strong>cultura</strong>l<br />
em seu modo <strong>de</strong> vida.<br />
Convém salientar que essas pro-<br />
posições não se encontram em for-<br />
ma acabada. São pontos para dis-<br />
cussão, elementos que ainda ca-<br />
recem <strong>de</strong> sistematização num mo-<br />
<strong>de</strong>lo teórico mais amplo, o que<br />
nos remete ao ponto <strong>de</strong> partida do<br />
autor, na medida em que só por<br />
130<br />
essa via, ao menos nos parece,<br />
po<strong>de</strong>remos avaliar se as perspec-<br />
tivas <strong>de</strong>lineadas no livro, a partir<br />
do enterro do paradigma althusse-<br />
riano e <strong>de</strong> outros — que o autor<br />
não aponta abertamente, mas con-<br />
trapõe a todo momemo, como o<br />
quê se volta basicamente à cultu-<br />
ra popular —, servem para repen-<br />
sar o campo <strong>de</strong> estudos da comu-<br />
nicação social. Com efeito, o uso<br />
<strong>de</strong> categorias como massas e po-<br />
<strong>de</strong>r, à falta <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição no<br />
quadro <strong>de</strong> uma teoria social, tem<br />
um conteúdo meramente <strong>de</strong>scriti-<br />
vo, quando não i<strong>de</strong>ológico, como<br />
é o caso do termo massas, ao lon-<br />
go do livro. Em particular, Ciro<br />
Marcon<strong>de</strong>s fica nos <strong>de</strong>vendo a ela-<br />
boração conceituai da categoria<br />
imaginário e dos pressupostos que<br />
permitem sua integração a uma<br />
teoria crítica (<strong>de</strong> cunho herme-<br />
nêutico e explicativo) da socie-<br />
da<strong>de</strong>.<br />
De qualquer forma, Quem Ma-<br />
nipula Quem atesta a presença<br />
<strong>de</strong> um movimento, visível tam-<br />
bém nos últimos escritos <strong>de</strong> Mu-<br />
niz Sodré, em favor da constitui-<br />
ção <strong>de</strong> um novo paradigma no<br />
campo <strong>de</strong> estudos da <strong>comunicação</strong>.<br />
Por isso, é um livro que, seja<br />
para <strong>de</strong>senvolver sua problemáti-<br />
ca, seja para criticar suas perspec-<br />
tivas, se impõe à discussão.<br />
Francisco Rüdiger<br />
Pontifícia Universida<strong>de</strong><br />
Católica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
Comunicação Integrada<br />
KUNSCH, Margarida M. Kro-<br />
ling — Planejamento <strong>de</strong> Re-<br />
lações Públicas na Comuni-<br />
cação Integrada. São Pau-<br />
lo, Summus Editorial, 1986,<br />
178 pp.<br />
Na socieda<strong>de</strong> contemporânea, as<br />
Relações Públicas se inscrevem no<br />
processo <strong>de</strong> mudanças exigidas<br />
pelo imperativo das círcunstân-
cias. No Brasil, as Escolas <strong>de</strong> Co-<br />
municação, responsáveis pela for-<br />
mação e profissionalização dos es-<br />
tudantes <strong>de</strong> Relações Públicas,<br />
com vistas ao mercado <strong>de</strong> traba-<br />
lho, não po<strong>de</strong>m correr o risco <strong>de</strong><br />
continuar sendo uma simples fá-<br />
brica <strong>de</strong> ilusões para profissionais<br />
sem emprego, sem conhecimento,<br />
sem perspectivas <strong>de</strong> futuro.<br />
É nesta visão <strong>de</strong> conjunto que<br />
Planejamento <strong>de</strong> Relações Públi-<br />
cas na <strong>comunicação</strong> integrada, <strong>de</strong><br />
Margarida Maria Krohling Kunsch,<br />
pela sua originalida<strong>de</strong> e profun<strong>de</strong>-<br />
za <strong>de</strong> conceitos visa a contribuir<br />
não apenas para o estudo do<br />
planejamento, mas também pa-<br />
ra sistematizar a <strong>comunicação</strong> in-<br />
tegrada nas organizações sociais.<br />
A autora propõe a "<strong>comunicação</strong><br />
integrada" como uma visão trans-<br />
formadora da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Rela-<br />
ções Públicas, que vai <strong>de</strong> encon-<br />
tro às expectativas <strong>de</strong> todos aque-<br />
les que atuam nesse campo pro-<br />
fissional, <strong>de</strong>ntro das fronteiras<br />
estabelecidas pela regulamentação,<br />
<strong>de</strong> acordo com a Lei nP 5.377/67,<br />
que disciplina o exercício profis-<br />
sional <strong>de</strong> Relações Públicas.<br />
Depois <strong>de</strong> sustentar que as or-<br />
ganizações mo<strong>de</strong>rnas se caracte-<br />
rizam como sistemas abertos, a<br />
autora sublinha a importância da<br />
transição "ambiente/organização"<br />
modificada tanto pela velocida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> das mudanças<br />
externas quanto pela complexida-<br />
<strong>de</strong> interna das próprias organiza-<br />
ções. Salienta que as análises<br />
ambientais são importantes para<br />
enten<strong>de</strong>r melhor todo o processo<br />
<strong>de</strong> planejamento estratégico, uma<br />
vez que as variáveis influenciam,<br />
enormemente, sobre as organiza-<br />
ções, obrigando-as a se adap-<br />
tar, a reagir e a uma constante<br />
inovação para po<strong>de</strong>r acompanhar<br />
as mutações contínuas do macros-<br />
sistema ambiental (p. 60).<br />
Margarida M. K. Kunsch, ao<br />
abordar as chamadas "questões<br />
controversas", <strong>de</strong>ixa implícito que<br />
a consciência da realida<strong>de</strong> nasce<br />
do confronto do homem com seu<br />
mundo multifacético e que é <strong>de</strong>ste<br />
confronto que surgem os questio-<br />
namentos, os problemas, as con-<br />
trovérsias. A preocupação funda-<br />
mental <strong>de</strong> quantos se <strong>de</strong>dicam ao<br />
estudo da opinião pública é a bus-<br />
ca <strong>de</strong> soluções para esses conflitos,<br />
inevitáveis numa socieda<strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />
crática. Fundamentando-se em Cha-<br />
se Jones, a autora afirma que pa-<br />
ra a solução das "controvérsias",<br />
na sua complexida<strong>de</strong>, faz-se mis-<br />
ter "integrar-se com os diversos<br />
setores da organização, assessoran-<br />
do-se <strong>de</strong>vidamente na i<strong>de</strong>ntifica-<br />
ção dos problemas, em sua aná-<br />
lise, no estabelecimento <strong>de</strong> estra-<br />
tégias e na tomada <strong>de</strong> providên-<br />
cias ou <strong>de</strong> ações necessárias para<br />
selecioná-los" (p. 116). Essa no-<br />
va dimensão das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Re-<br />
lações Públicas, cuja gênese re-<br />
monta a 1976, nos Estados Unidos,<br />
por obra <strong>de</strong> Howard Chase, foi in-<br />
troduzida no Brasil por Teobaldo<br />
<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, em 1979, com o arti-<br />
go Administração <strong>de</strong> controvérsia<br />
pública, publicada pela revista<br />
IDORT, <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Depois <strong>de</strong> referir-se aos aspec-<br />
tos teóricos das "questões contro-<br />
versas", a autora apresenta, nas<br />
páginas 117, 118 e 122, gráficos<br />
que ilustram o mo<strong>de</strong>lo do proces-<br />
so da administração, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />
a tese <strong>de</strong> que "as Relações Públi-<br />
cas", como gerenciamento ou ad-<br />
ministração <strong>de</strong> questões con-<br />
troversas, po<strong>de</strong>rão ter um papel<br />
<strong>de</strong>staque no composto da comuni-<br />
cação integrada das organizações,<br />
facilitando o diálogo entre as vá-<br />
rias áreas e, por meio <strong>de</strong> ação con-<br />
julgada, ajudar a encontrar as<br />
<strong>de</strong>vidas soluções para os proble-<br />
mas surgidos" (p. 119).<br />
No último capítulo do livro. Mar-<br />
garida M. K. Kunsch volta a foca-<br />
lizar as Relações Públicas no com-<br />
posto da <strong>comunicação</strong> integrada,<br />
assinalando que haja uma comu-<br />
nicação integrada, <strong>de</strong>senvolven-<br />
do-se <strong>de</strong> forma conjugada as ati-<br />
vida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> institu-<br />
cional e <strong>comunicação</strong> mercadoló-<br />
gica.<br />
131
Planejamento <strong>de</strong> Relações Pú-<br />
blicas na <strong>comunicação</strong> integrada<br />
é um livro muito bem estrutura-<br />
do. Nos seus quatro capítulos,<br />
examina a organização como siste-<br />
ma social, o planejamento orga-<br />
nizacional, o planejamento <strong>de</strong> Re-<br />
lações Públicas e as Relações Pú-<br />
blicas no composto da comunica-<br />
ção integrada. Pelo seu conteúdo,<br />
evi<strong>de</strong>ncia-se o conhecimento que<br />
a autora possui do assunto. A re-<br />
dação está <strong>de</strong>ntro dos parâmetros<br />
acadêmicos, com exposições cla-<br />
ras, cientificas e didáticas. Essas<br />
características fazem com que o<br />
livro se constitua num referencial<br />
teórico/prático para pesquisado-<br />
res <strong>de</strong>ssa área, que para alguns<br />
estudiosos pertence às ciências da<br />
administração e para outros às<br />
ciências da <strong>comunicação</strong>.<br />
Conquanto o tema central do li-<br />
vro seja "planejamento", consta-<br />
ta-se que a autora <strong>de</strong>u gran<strong>de</strong> re-<br />
levância à "<strong>comunicação</strong> integra-<br />
da". Deste modo, o conteúdo pa-<br />
rece complementar-se, pois anali-<br />
sa os processos <strong>de</strong> planejamento<br />
ressaltando que "antes <strong>de</strong> se esta-<br />
belecer uma política <strong>de</strong> comunica-<br />
ção, é necessário conhecer a po-<br />
lítica global da organização", pois<br />
"quando se faz um planejamento<br />
global <strong>de</strong> Relações Públicas, esta-<br />
belecem-se os objetivos a longo,<br />
médio e curto prazo, e para cada<br />
projeto, plano ou programa have-<br />
rá sempre objetivos e metas espe-<br />
cificas" (p. 87).<br />
A autora chega à conclusão <strong>de</strong><br />
que "a organização social <strong>de</strong>ve<br />
i<strong>de</strong>ntificar-se perante a opinião<br />
pública, cabendo às Relações Pú-<br />
blicas, por meio do planejamento<br />
fundamentado em pesquisas e na<br />
análise ambiental, ajudar a <strong>de</strong>finir<br />
os melhores caminhos para que<br />
ela atinja mais eficazmente os di-<br />
versos públicos, graças a ações<br />
perfeitamente integradas do com-<br />
posto da <strong>comunicação</strong>. (...) E<br />
se há muito que fazer em termos<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> integrada nas or-<br />
ganizações sociais, o <strong>de</strong>safio que<br />
se coloca para as Relações Públi-<br />
132<br />
cas, neste contexto, é excitante"<br />
(pp. 133-134).<br />
Pelo referencial teórico, pelos<br />
dados empíricos analisados, oe-<br />
los gráficos que facilitara a<br />
compreensão do processo e pela<br />
bibliografia, o livro Planejamento<br />
<strong>de</strong> Relações Públicas na comuni-<br />
cação integrada constitui para<br />
professores, estudantes e profissio-<br />
nais <strong>de</strong> Relações Públicas e <strong>de</strong> co-<br />
municação em geral uma contri-<br />
buição valiosa, já que para todos<br />
lança o <strong>de</strong>safio não apenas no que<br />
tange ao planejamento estratégi-<br />
co, mas principalmente no que<br />
concerne à proposta inovadora da<br />
<strong>comunicação</strong> integrada.<br />
Francisco Assis Fernan<strong>de</strong>s<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
Em Busca do "Mo'De Ser"<br />
MEDINA, Cremilda <strong>de</strong> Araújo<br />
— Entrevista (o diálogo<br />
possível). São Paulo, Ática,<br />
1986, 96 pp.<br />
Tomei emprestado da autora,<br />
Cremilda Medina (cf. "Mo^e ser,<br />
Mo'dizer", tese <strong>de</strong> doutorado na<br />
Escola <strong>de</strong> Comunicações e Artes<br />
da USP), a expressão que titula<br />
a resenha do seu livro: ENTRE-<br />
VISTA (o diálogo possível).<br />
"Em busca do Mo'<strong>de</strong> ser" bem<br />
representa a proposta <strong>de</strong>ste livro<br />
sobre a entrevista jornalística. Ne-<br />
le, Cremilda discute e, conseqüen-<br />
temente, apresenta os postulados<br />
<strong>de</strong> uma entrevista não-autoritária,<br />
dialógica. Procura superar uma<br />
visão tecnicista da tarefa do jor-<br />
nalista que sai em busca do outro<br />
na entrevista. Por isso, sua pro-<br />
posta vai mais além dos manuais<br />
práticos <strong>de</strong> redação jornalística.<br />
Na apresentação <strong>de</strong> sua propos-<br />
ta, perpassa todos os momentos<br />
<strong>de</strong> uma entrevista, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a con-<br />
fecção da pauta até a redação fi-<br />
nal da mesma, passando pela bus-<br />
ca do entrevistado, luta pelo es-<br />
paço na edição, modo <strong>de</strong> escrevê-<br />
-la e narrá-la.
O livro traz à baila uma preo-<br />
cupação fundamental e <strong>de</strong>cisiva<br />
para o que-fazer jornalístico na<br />
atualida<strong>de</strong>. Por uma série <strong>de</strong> cir-<br />
cunstâncias, as pessoas não se<br />
encontram. Os contatos se dão<br />
apenas a nível secundário. Não<br />
existe uma preocupação em <strong>de</strong>ixar<br />
com que o outro expresse sua in-<br />
teriorida<strong>de</strong>, que diga a sua pala-<br />
vra. O tr.odo <strong>de</strong> ser não aflora.<br />
Isto é fatal para a entrevista jor-<br />
nalística. Não se busca a pessoa.<br />
Procura-se tomar <strong>de</strong>poimentos.<br />
Pior ainda, o repórter, muitas<br />
vezes, tenta buscar no entrevista-<br />
do a confirmação <strong>de</strong> suas idéias<br />
preconcebidas. Não acontecendo a<br />
necessária e imprescindível inte-<br />
ração, on<strong>de</strong> o diálogo se estabele-<br />
ce e o encontro se realiza em pro-<br />
fundida<strong>de</strong>.<br />
Para que uma entrevista seja<br />
realmente propiciadora <strong>de</strong> diálogo,<br />
<strong>de</strong> encontro, é necessário que na<br />
relação entre repórter e entrevis-<br />
tado se estabeleça uma dialética<br />
fundamental: a dialética entre o<br />
SABER e o NAO-SABER. Pois,<br />
quem NAO SABE NADA está IM-<br />
POSSIBILITADO <strong>de</strong> perguntar;<br />
quem SABE TUDO, crê SER SU-<br />
PÉRFLUO perguntar. Portanto,<br />
tanto a total ignorância quanto o<br />
total conhecimento impe<strong>de</strong> a con-<br />
secução <strong>de</strong> uma entrevista, impos-<br />
sibilitando o estabelecimento do<br />
diálogo.<br />
Por outro lado, a mesma dialé-<br />
tica <strong>de</strong>ve estar presente na pes-<br />
soa do entrevistado. Ao dispor-se<br />
para uma entrevista, também ele<br />
<strong>de</strong>ve entrar em diálogo com o en-<br />
trevistador. Também ele <strong>de</strong>ve acei-<br />
tar que po<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r algo, que<br />
po<strong>de</strong> crescer com o repórter. Cre-<br />
milda Medina diz que na entrevis-<br />
ta <strong>de</strong>ve haver a "tentativa <strong>de</strong> com-<br />
preensão do modo <strong>de</strong> ser e do mo-<br />
do <strong>de</strong> dizer do entrevistado" (p.<br />
79). Atrevo-me a dizer que este<br />
princípio vale também para o en-<br />
trevistador. Na interação dialé-<br />
tica entre os dois também se bus-<br />
ca a compreensão do modo <strong>de</strong><br />
ser e do modo <strong>de</strong> dizer do entre-<br />
vistador, do repórter. Pois, salien-<br />
ta Cremilda, que na entrevista <strong>de</strong>ve<br />
haver um comprometimento com<br />
o real-imaginário <strong>de</strong> cada um (p.<br />
45). Por isso, não é apenas a bus-<br />
ca do entrevistado, mas também<br />
a busca do entrevistador. Portan-<br />
to, "o <strong>de</strong>safiador <strong>de</strong>ssa aventura é<br />
a inquietu<strong>de</strong>, mantida viva, <strong>de</strong> ir-<br />
-ao-encontro-do-outro, não toman-<br />
do o outro como ISTO, objeto em<br />
que imprimirei, a ferro e fogo, o<br />
meu EU" (p. 44).<br />
Esta posição é baseada na filo-<br />
sofia <strong>de</strong> Martin Buber — que se<br />
preocupou com a relação "EU e<br />
TU". Deste modo, cada relação,<br />
cada entrevista, cada encontro com<br />
o outro traz consigo um aprendiza-<br />
do, um crescimento no modo <strong>de</strong><br />
ser, tanto <strong>de</strong> quem pergunta quan-<br />
to <strong>de</strong> quem respon<strong>de</strong>.<br />
Esta consciência, este projeto<br />
(diríamos <strong>de</strong> vida!), fará com que<br />
entrevistar e ser entrevistado se-<br />
ja gratificante, seja um fato ge-<br />
rador <strong>de</strong> pessoas. Isto não se<br />
apren<strong>de</strong> nos manuais <strong>de</strong> redação<br />
que pululam no mercado. Ao con-<br />
trário, é fruto <strong>de</strong> uma formação<br />
humana e <strong>cultura</strong>l que transcen<strong>de</strong><br />
as "receitas prontas". É conse-<br />
qüência <strong>de</strong> um respeito pelo ser<br />
do outro e parte da compreensão<br />
da própria condição <strong>de</strong> ser huma-<br />
no, falivel e perfectível enquanto<br />
vive.<br />
Arrisco dizer que o jornalista<br />
— parafraseando um ex-ministro<br />
— "não é ou está repórter". An-<br />
tes, "está sendo repórter" enquan-<br />
to trabalha. Isto é, faz-se, cons-<br />
titui-se no que-fazer jornalístico.<br />
Por tudo isto, e por aquilo que<br />
significa na formação universitá-<br />
ria — necessária e fundamental —<br />
para o jornalista, este livro <strong>de</strong><br />
Cremilda Medina é leitura obriga-<br />
tória. Tem o mérito incontestá-<br />
vel <strong>de</strong> discutir o que-fazer jorna-<br />
lístico <strong>de</strong> uma maneira nova, ques-<br />
tionando os atuais pressupostos,<br />
propondo alternativas, colocando o<br />
"<strong>de</strong>do na ferida" <strong>de</strong> muito jerna-<br />
lismo falacioso e comprometido<br />
133
com interesses que nada têm a ver<br />
com a busca da verda<strong>de</strong>.<br />
A ENTREVISTA (O diálogo pos-<br />
sivel) é a BUSCA DO "MO'DE<br />
SER" do entrevistado e do entre-<br />
vistador. Por isso, merece ser li-<br />
do e recomendado.<br />
Pedro Gilberto Gomes<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
Quem é Quem na<br />
Comunicação Cristã<br />
CAMECO, WACC, UCBC —<br />
Entida<strong>de</strong>s Cristãs <strong>de</strong> Comu-<br />
nicação Social no Brasil.<br />
São Paulo, Edições Pauli-<br />
nas, 1987, 200 pp.<br />
Entre os vários ramos da co-<br />
municação especializada, vem ga-<br />
nhando <strong>de</strong>staque, nos últimos anos,<br />
a <strong>comunicação</strong> religiosa. Nos Cen-<br />
tros <strong>de</strong> pós-graduação da Esco-<br />
la <strong>de</strong> Comunicações e Artes da<br />
USP e do Instituto Metodista <strong>de</strong><br />
Ensino Superior <strong>de</strong> São Bernardo<br />
do Campo, pelo menos sete teses<br />
sobre o tema foram ou estão sen-<br />
do <strong>de</strong>fendidas a partir <strong>de</strong> 1980.<br />
Ainda no inicio <strong>de</strong>ste ano, três<br />
importantes livros foram publica-<br />
dos, tendo como conteúdo ques-<br />
tões como "a Igreja eletrônica" e<br />
a "Assembléia eletrônica": o pri-<br />
meiro <strong>de</strong> Hugo Assmann, editado<br />
pela Vozes, e os dois últimos,<br />
respectivamente, do CELAM e<br />
da CNBB, editados pelas Paulinas.<br />
A estes esforços editoriais so-<br />
mam-se os projetos <strong>de</strong> comunica-<br />
ção <strong>de</strong>senvolvidos por organismos<br />
especializados, quer a nível conti-<br />
nental, quer a nível nacional. Na<br />
América Latina, por exemplo, as<br />
associações <strong>de</strong>dicadas ao jornalis-<br />
mo, ao cinema, a rádio e à tele-<br />
visão, na área católica, estão <strong>de</strong>-<br />
batendo um programa comum <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s voltado para a capaci-<br />
tação <strong>de</strong> comunicadores em vários<br />
níveis, com o objetivo final <strong>de</strong><br />
134<br />
fazer avançar as propostas <strong>de</strong> cons-<br />
trução <strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> co-<br />
municação no continente.<br />
Os estudos acadêmicos, os pro-<br />
jetos editoriais e os programas <strong>de</strong><br />
ação evi<strong>de</strong>nciam tão somente o tra-<br />
balho <strong>de</strong> uma elite e dão a conhe-<br />
cer apenas algumas realida<strong>de</strong>s se-<br />
torizadas, não possibilitando, ainda,<br />
o conhecimento do universo re-<br />
presentado pela presença das Igre-<br />
jas na área da <strong>comunicação</strong>. O co-<br />
tidiano da <strong>comunicação</strong> cristã no<br />
país não é ainda suficientemente<br />
analisado, mesmo pelos que estão<br />
inseridos nas tarefas <strong>de</strong> produção<br />
em seus respectivos veículos ou<br />
instrumentos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Em<br />
pesquisa que efetuamos em 1980,<br />
por solicitação da CNBB, consta-<br />
tamos, por exemplo, que os pró-<br />
prios responsáveis pela atuação da<br />
Igreja Católica nas várias circuns-<br />
crições eclesiásticas <strong>de</strong>sconheciam<br />
boa parte dos recursos da comu-<br />
nicação disponíveis em suas dio-<br />
ceses, fato que evi<strong>de</strong>nciava a ne-<br />
cessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que alguém tomasse<br />
a iniciativa <strong>de</strong> facilitar o conheci-<br />
mento mútuo entre os produtores<br />
<strong>de</strong> mensagens a serviço da pasto-<br />
ral.<br />
Pois bem, a iniciativa acaba <strong>de</strong><br />
ser tomada por uma associação<br />
<strong>de</strong> quatro entida<strong>de</strong>s, duas estran-<br />
geiras e duas brasileiras: a Catho-<br />
lic Media Council (CAMECO), a<br />
World Association for Christian<br />
Communication (WACC), a União<br />
Cristã Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />
Social (UCBC) e as Edições Pau-<br />
linas.<br />
A contribuição que oferecem<br />
é o livro Entida<strong>de</strong>s Cristãs <strong>de</strong><br />
Comunicação Social no Brasil.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> 200<br />
páginas, contendo fichas <strong>de</strong>scri-<br />
tivas <strong>de</strong> 6 serviços noticiosos, 10<br />
centros <strong>de</strong> treinamento, 15 cen-<br />
tros produtores <strong>de</strong> audiovisuais,<br />
ví<strong>de</strong>o e cinema, 16 centros produ-<br />
tores em rádio e TV, 18 tipogra-<br />
fias, 46 editoras, 129 emissoras <strong>de</strong><br />
rádio e 211 periódicos. Cada fi-<br />
cha i<strong>de</strong>ntifica a razão social da em-<br />
presa, a <strong>de</strong>nominação religiosa da
mantenedora, a data <strong>de</strong> funda-<br />
ção, os objetivos e outros dados<br />
específicos ao tipo <strong>de</strong> empreendi-<br />
mento (número <strong>de</strong> trabalhadores;<br />
nome do editor-chefe; periodicida-<br />
<strong>de</strong>; tiragem; área <strong>de</strong> cobertura;<br />
potência e freqüência, no caso <strong>de</strong><br />
emissoras <strong>de</strong> rádio).<br />
Entida<strong>de</strong>s Cristãs <strong>de</strong> Comunica-<br />
ção Social no Brasil faz parte <strong>de</strong><br />
um projeto <strong>de</strong> levantamento dos<br />
centros <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> das Igre-<br />
jas Cristãs no Terceiro Mundo. Já<br />
foram editados os volumes cor-<br />
respon<strong>de</strong>ntes à África e a Ásia, es-<br />
tando em fase <strong>de</strong> preparação os<br />
catálogos referentes ao Pacifico<br />
Sul e Oceania, à América Central<br />
e Caribe e, finalmente, à Améri-<br />
ca do Sul. Para a preparação do<br />
volume sobre o Brasil, a UCBC<br />
ofereceu sua colaboração, revendo<br />
e atualizando todas as fichas em<br />
seu po<strong>de</strong>r.<br />
Existem lacunas e falhas, uma<br />
vez que algumas das empresas não<br />
<strong>de</strong>volveram respondidos os ques-<br />
tionários que lhes havia sido en-<br />
viados, obrigando os editores da<br />
obra a publicar alguns dados in-<br />
certos. Po<strong>de</strong>-se afirmar, contudo,<br />
que esta margem <strong>de</strong> dúvidas não<br />
ultrapassa <strong>de</strong> 5 a 8% das informa-<br />
ções, o que é aceitável.<br />
A que vem uma obra <strong>de</strong>ssas?<br />
Diríamos que à melhoria do tra-<br />
balho das próprias empresas, uma<br />
vez que facilitará seu relaciona-<br />
mento em busca <strong>de</strong> objetivos co-<br />
muns. Serão beneficiados os co-<br />
or<strong>de</strong>nadores <strong>de</strong> Setores e Departa-<br />
mentos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> das várias<br />
Igrejas Cristãs, bem como os for-<br />
necedores das empresas e os pes-<br />
quisadores da <strong>comunicação</strong>.<br />
A gran<strong>de</strong> omissão — que preju-<br />
dicará a estes mesmos <strong>de</strong>stinatá-<br />
rios — resi<strong>de</strong> na redução dos no-<br />
mes citados aos 200 diretores das<br />
empresas, <strong>de</strong>ixando-se <strong>de</strong> contem-<br />
plar os profissionais com atuação<br />
marcante nas várias áreas (jorna-<br />
lismo; radialismo; editoração; ar-<br />
tes; produção em ví<strong>de</strong>o, áudio, dis-<br />
co, cinema; publicida<strong>de</strong> e marke-<br />
ting; produção intelectual, pesqui-<br />
sa acadêmica etc), bem como os<br />
agentes da pastoral da comunica-<br />
ção e os comunicadores populares.<br />
Um "Quem é Quem" na Comuni-<br />
cação Cristã, caso seja incluído no<br />
projeto do CAMECO-WACC-UCBC,<br />
seria bem vindo e prestaria ines-<br />
timáveis serviços ao projeto maior<br />
<strong>de</strong> unir os profissionais da comu-<br />
nicação em tomo <strong>de</strong> objetivos co-<br />
muns.<br />
Ismar <strong>de</strong> Oliveira Soares<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
O Universo da Comunicação<br />
Empresarial/Institucional<br />
GAUDÊNCIO TORQUATO,<br />
Francisco — Comunicação Em-<br />
presarial/Comunicação Insti-<br />
tucional: Estratégias, Siste-<br />
mas, Estruturas, Planejamen-<br />
to e Técnicas. São Paulo,<br />
Summus Editorial, 1986, 182<br />
pp.<br />
Terceira obra publicada do pro-<br />
fessor Gaudêncio Torquato, este<br />
seu mais recente lançamento, pela<br />
Summus, reflete a trajetória aca-<br />
dêmica e profissional do autor, re-<br />
conhecidamente um nome <strong>de</strong> gran-<br />
<strong>de</strong> prestígio na área da comunica-<br />
ção institucional. Atual presi<strong>de</strong>n-<br />
te da INTERCOM, professor ti-<br />
tular da Escola <strong>de</strong> Comunicações<br />
e Artes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />
Paulo, Torquato foi inicialmente<br />
reconhecido como um especialista<br />
que pontificava no campo do jor-<br />
nalismo empresarial. O estágio se-<br />
guinte <strong>de</strong> seu avanço enquanto ex-<br />
pert em <strong>comunicação</strong> foi represen-<br />
tado pelo seu trabalho em mar-<br />
keting político. A terceira fase é<br />
essa <strong>de</strong> um horizonte mais am-<br />
plo, conseqüência natural dos pas-<br />
sos anteriores, abarcando numa<br />
so abordagem: o universo com-<br />
plexo e vasto da <strong>comunicação</strong> em-<br />
presarial/institucional .<br />
135
Como é <strong>de</strong> seu feitio, Torquato<br />
apóia-se na abordagem sistêmica.<br />
Procura não apenas refletir con-<br />
ceitualmente sobre o objeto que<br />
se propõe tratar, como também<br />
parte para traduzir os resultados<br />
<strong>de</strong> suas diversas experiências pro-<br />
fissionais em diferentes campos da<br />
<strong>comunicação</strong> em oue esteve a ser-<br />
viço das organizações. A proposta<br />
essencial do livro, nas palavras<br />
do autor, "é a <strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrar que<br />
a <strong>comunicação</strong> exerce um extra-<br />
ordinário po<strong>de</strong>r para o equilíbrio,<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento e a expansão<br />
das empresas". São também seus<br />
objetivos, "compreen<strong>de</strong>r quais as<br />
variáveis que influem para formar<br />
este po<strong>de</strong>r, situar seu papel ante<br />
outros po<strong>de</strong>res, mostrar como ga-<br />
nhar maior eficácia".<br />
Para tanto, o livro apresenta-se di-<br />
vidido em duas partes. Os capítulos<br />
da primeira parte resultam da Tese<br />
<strong>de</strong> Livre-Docência do autor, na<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, em<br />
que era discutido o uso <strong>de</strong> comu-<br />
nicação sinérgica para obtenção<br />
<strong>de</strong> eficácia em Organizações Utili-<br />
tárias. Depurados dos aspectos<br />
próprios ao texto acadêmico, os<br />
capítulos surgem no livro da Sum-<br />
mus mais diretos e objetivos,<br />
conseguindo estabelecer uma liga-<br />
ção "entre as variáveis que orga-<br />
nizam o conceito <strong>de</strong> empresa e os<br />
elementos condicionantes e <strong>de</strong>ter-<br />
minantes do conceito <strong>de</strong> comuni-<br />
cação". Conceitos como "comuni-<br />
cação <strong>de</strong> massa" e "<strong>comunicação</strong><br />
empresarial" são ali discutidos a<br />
fundo, bem como o uso sinérgico<br />
da comuhicação, a questão das ca-<br />
tegorias, níveis, fluxos e re<strong>de</strong>s da<br />
<strong>comunicação</strong>, as relações dos atos<br />
comunicativos da empresa com o<br />
ambiente externo e as condições<br />
para um programa <strong>de</strong> comunica-<br />
ção empresarial.<br />
Os capítulos da segunda parte<br />
voltam-se para a prática da comu-<br />
nicação empresarial/institucional.<br />
Visam fundamentalmente orientar o<br />
planejamento, analisar casos e<br />
apresentar estudos aplicados. Um<br />
<strong>de</strong>sses últimos trata <strong>de</strong> um minu-<br />
136<br />
cioso planejamento <strong>de</strong> comunica-<br />
ção impressa para o meio rural.<br />
Mas também entram em cena o<br />
uso da <strong>comunicação</strong> para a admi-<br />
nistração <strong>de</strong> conflitos, as relações<br />
com o consumidor, o marketing<br />
<strong>de</strong> produto e o marketing institu-<br />
cional, os compromissos sociais<br />
das empresas. E para quem jul-<br />
gar que o objetivo da <strong>comunicação</strong><br />
empresarial é servir ao consumis-<br />
mo, enquanto instrumento da so-<br />
cieda<strong>de</strong> industrial, o livro discuti-<br />
rá o início da superação <strong>de</strong>ssa<br />
i<strong>de</strong>ologia, surgindo a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se valorizar a verda<strong>de</strong>. Por<br />
isso mesmo, Torquato <strong>de</strong>dica um<br />
capitule a discutir a presença do<br />
mito da felicida<strong>de</strong> na comunica-<br />
ção empresarial.<br />
Por trás <strong>de</strong> tudo, há a intenção<br />
do autor em mostrar que a ope-<br />
ração <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
nas organizações públicas e priva-<br />
das exige um planejamento minu-<br />
cioso, que <strong>de</strong>ve levar em conta<br />
não só os instrumentos da comu-<br />
nicação social ou coletiva, mas<br />
também incluir outras formas <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong>, como a intrapessoal,<br />
a interpessoal e a grupai. Nesse<br />
universo, não há instrumentos iso-<br />
lados que possam fazer milagres<br />
e alcançar eficácia. É indispensá-<br />
vel a coor<strong>de</strong>nação centralizada <strong>de</strong><br />
meios, formas, recursos, canais e<br />
intenções. Ou seja: a comunica-<br />
ção <strong>de</strong>ve ser pensada <strong>de</strong> maneira<br />
estratégica, para assessorar a ad-<br />
ministração na conquista <strong>de</strong> me-<br />
lhores resultados e se inserir no<br />
rol dos bons investimentos das or-<br />
ganizações.<br />
Edvaldo Pereira Lima<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
Subsídios Demais Porém<br />
Gosto <strong>de</strong> Pouco<br />
BELTRÃO, Luiz e QUIRINO,<br />
Newton <strong>de</strong> Oliveira — Sub-<br />
sídios para uma Teoria da
Comunicação <strong>de</strong> Massa. São<br />
Paulo, Summus Editorial,<br />
1986, 214 pp.<br />
Sete capítulos <strong>de</strong> história uni-<br />
versal enquanto antece<strong>de</strong>nte, palco<br />
e conseqüente da evolução e pro-<br />
blemática dos meios <strong>de</strong> comunica-<br />
ção <strong>de</strong> massa compõem este arse-<br />
nal <strong>de</strong> "subsídios para uma teoria<br />
da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa", mo-<br />
<strong>de</strong>stamente chamado <strong>de</strong> "ensaio"<br />
pelos autores, e dirigido aos "es-<br />
tudantes, aos profissionais e aos<br />
estudiosos da <strong>comunicação</strong> em<br />
nosso País".<br />
É evi<strong>de</strong>nte a preocupação com o<br />
leitor-estudante, na contextualiza-<br />
ção histórica do fenômeno abor-<br />
dado, na cuidadosa <strong>de</strong>finição dos<br />
conceitos-chave (também exigência<br />
<strong>de</strong> um público docente com escrú-<br />
pulos acadêmicos) e no forneci-<br />
mento <strong>de</strong> taxonomías tais como os<br />
postulados fundamentais do ato<br />
comunicador, <strong>de</strong> Hawes (p. 137),<br />
as funções da <strong>comunicação</strong>, <strong>de</strong><br />
Lasswell (p. 141) e <strong>de</strong> Beltrão e<br />
Quiríno (p. 142), os tipos <strong>de</strong> or-<br />
ganização jornalística segundo Ma-<br />
leztke (p. 148) e as proposições<br />
<strong>de</strong> Klapper (p. 189) sobre os efei-<br />
tos da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa. Às<br />
vezes, essa preocupação didática<br />
faz resvalar o texto para o velho<br />
estilo "apostila", mas prevalece<br />
no leitor a sensação da riqueza<br />
dos conhecimentos ali organizados<br />
como mapa para teorizar.<br />
O segundo público-meta pensa-<br />
do pelos autores — os "profissio-<br />
nais da <strong>comunicação</strong>" — tem pelo<br />
menos duas necessida<strong>de</strong>s preen-<br />
chidas com este livro: a contextua-<br />
lização histórica do seu meíier (já<br />
aludida quanto ao tratamento da<br />
matéria para o público estudantil),<br />
a ênfase na função social da comu-<br />
nicação <strong>de</strong> massa e a <strong>de</strong>fesa do di-<br />
reito <strong>de</strong> expressão e à informação,<br />
que permeiam todo o texto e são<br />
resumidos ao fim do capitulo 2<br />
(sobre Vida Social e Comunica-<br />
ção) : "sem ela [a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ex-<br />
pressão] negam-se aos homens e<br />
à comunida<strong>de</strong> os inalienáveis di-<br />
reitos à informação e <strong>de</strong> expres-<br />
são, que fundamentam a ação so-<br />
cial na promoção do bem estar in-<br />
dividual e coletivo" (p. 76).<br />
Aos estudiosos da <strong>comunicação</strong><br />
(terceiro grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatários<br />
<strong>de</strong>ste "roteiro para o <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento <strong>de</strong> teorias" da comunica-<br />
ção <strong>de</strong> massa), os autores ofere-<br />
cem ricas apreciações críticas <strong>de</strong><br />
enfoques como o <strong>de</strong> Umberto Ecco<br />
sobre a socieda<strong>de</strong> dos apocalíp-<br />
ticos e dos integrados, e o <strong>de</strong> Mc-<br />
Luhan, o amado e <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhado<br />
"profeta" da al<strong>de</strong>ia global. O tra-<br />
tamento das funções e <strong>de</strong>sempe-<br />
nhos da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa é<br />
talvez o melhor concatenado (Ca-<br />
pitulo 6) <strong>de</strong>ste ambicioso roteiro.<br />
O leitor-pesquisador-teorizador fi-<br />
ca tanto fascinado quanto frustra-<br />
do com certas colocações profun-<br />
das que pe<strong>de</strong>m maior elaboração:<br />
o problema das disfunções da co-<br />
municação <strong>de</strong> massa é, infelizmen-<br />
te, tratado apenas esquematica-<br />
mente enquanto a importância da<br />
relação tempo/espaço nas ativida-<br />
<strong>de</strong>s • da <strong>comunicação</strong> industrial-<br />
mente acionada recebe uma cur-<br />
ta menção à p. 70 e não mais que<br />
um final <strong>de</strong> capítulo (pp. 178-79).<br />
Também, o posicionamento, im-<br />
portantíssimo, dos autores — "nos-<br />
so conceito <strong>de</strong> efeitos implica<br />
admitir que não há <strong>comunicação</strong><br />
<strong>de</strong>sinteressada" — é anunciado en<br />
passant (pp. 192-93), ficando com<br />
gosto <strong>de</strong> pouco.<br />
O Capítulo 4 (Ética, Estética e<br />
Política na Comunicação) é preju-<br />
dicado (e quase prejudicial ao en-<br />
tendimento pretendido pelos au-<br />
tores) por cobrir três aspectos<br />
macroscópicos da <strong>comunicação</strong> em<br />
uma só unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura. Uma<br />
melhor dosagem é conseguida na<br />
conjunção dos temas mensagem e<br />
meio (cap. 5), funções e <strong>de</strong>sem-<br />
penho (cap. 6) e efeitos e contro-<br />
le social da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> mas-<br />
sa (cap. 7).<br />
Os autores optam por eleger a<br />
Teoria da Informação como arca-<br />
bouço "imprescindível à explicação<br />
da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa" (p. 170).<br />
137
Em uma obra tão abrangente caberia<br />
menção circunstanciada <strong>de</strong> outras<br />
teorias pelas quais não optaram<br />
(por exemplo, o enfoque dos intera-<br />
cionistas simbólicos, ou os enfoques<br />
dos marxistas), mostrando as<br />
vantagens e <strong>de</strong>svantagens explica-<br />
tivas das mesmas. Sente-se falta,<br />
também, <strong>de</strong> uma introdução aos<br />
conceitos <strong>de</strong> teoria e mo<strong>de</strong>lo, uma<br />
vez que o livro apresenta, indis-<br />
tintamente, diversos ingredientes<br />
<strong>de</strong> teorias e vários mo<strong>de</strong>los.<br />
Para alguns aspectos que fica-<br />
ram "com gosto <strong>de</strong> pouco", há o<br />
recurso às obras anteriores <strong>de</strong> di-<br />
vulgação cientifica e teorização<br />
do autor-senior, Luiz Beltrão, que<br />
compõem a trilogia completada por<br />
"Subsídios...", pouco antes <strong>de</strong> seu<br />
falecimento: Fundamentos Cientí-<br />
ficos da Comunicação (Brasília,<br />
Thesaurus, 1973) e Teoria Geral da<br />
Comunicação (Brasília, Thesau-<br />
rus, 1977). Para os numerosos as-<br />
pectos que redundaram numa so-<br />
brecarga <strong>de</strong> subsídios em espaço<br />
exíguo, resta a esperança <strong>de</strong> que o<br />
autor-júnior, Newton Quirino, "<strong>de</strong>-<br />
senvolva, aprofundando, os temas<br />
can<strong>de</strong>ntes que tão bem soube<br />
apresentar, <strong>de</strong>ntro do espírito <strong>de</strong><br />
trabalho <strong>de</strong> seu mentor.<br />
Teresa Lúcia Halliday<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Rural<br />
<strong>de</strong> Pernambuco<br />
Como Planejar o<br />
Marketing para Enfrentar<br />
Ambientes Competitivos<br />
GRACIOSO, Francisco — Con-<br />
tato Imediato com Marke-<br />
ting. São Paulo, Global,<br />
1986, 152 pp.<br />
A importância do planejamento<br />
estratégico e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> con-<br />
tínua adaptação às circunstâncias<br />
do mercado são as premissas bá-<br />
sicas em que se respalda o tra-<br />
balho <strong>de</strong> Francisco Gracioso, cer-<br />
138<br />
tamente mais um bem-sucedido<br />
lançamento da Global na sua co-<br />
leção Contato Imediato que se ini-<br />
ciou com o excelente trabalho <strong>de</strong><br />
Mizuho Tahara sobre mídia.<br />
Fugindo ao esquema tradicional<br />
da maioria dos textos <strong>de</strong> marke-<br />
ting, que se dispõem a abordar to-<br />
dos os aspectos envolvidos no pro-<br />
cesso <strong>de</strong> produção e comercializa-<br />
ção <strong>de</strong> produtos e serviços, o au-<br />
tor concentra-se na conceituação<br />
<strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> marketing orien-<br />
tadas para situações competitivas.<br />
Gracioso, <strong>de</strong> maneira didática,<br />
discorre sobre as técnicas <strong>de</strong> aná-<br />
lise da concorrência (observação<br />
do port-fólio <strong>de</strong> negócios, por<br />
exemplo) e propõe a autocrítica<br />
(<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> pontos fracos e for-<br />
tes) como forma <strong>de</strong> enfrentar a<br />
competição acirrada.<br />
Sob esta perspectiva, o capítulo<br />
IV é particularmente elucidativo.<br />
Parte do conceito <strong>de</strong> plano anual,<br />
aprofunda-se na análise dos con-<br />
correntes e da posição da empre-<br />
sa no mercado, valendo-se <strong>de</strong> con-<br />
ceitos ao mesmo tempo transpa-<br />
rentes e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> força expressi-<br />
va (a nação <strong>de</strong> "vaquinhas leitei-<br />
ras"— produtos que estão há mui-<br />
to tempo no mercado exigindo pou-<br />
cos investimentos e dando bons<br />
lucros — é saborosa).<br />
Os conceitos <strong>de</strong> "product mix" e<br />
<strong>de</strong> ciclo vital do produto, <strong>de</strong>sen-<br />
volvidos no capítulo seguinte, re-<br />
presentam também contribuição<br />
relevante, sobretudo porque in-<br />
cluídos numa proposta dinâmica<br />
que não contempla ao marketing<br />
como um conhecimento e uma<br />
técnica acima da realida<strong>de</strong>, mas<br />
<strong>de</strong>rivados <strong>de</strong>la.<br />
O texto <strong>de</strong> Gracioso <strong>de</strong>dica ain-<br />
da espaço importante para consi-<br />
<strong>de</strong>rações sobre a informação no<br />
marketing, valorizando a utiliza-<br />
ção <strong>de</strong> dados do mercado e o <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento <strong>de</strong> pesquisas, exata-<br />
mente num momento em que, pe-<br />
la pressão do contexto (inflação,<br />
<strong>de</strong>sgoverno etc), anunciantes e<br />
agências po<strong>de</strong>m ser tentados a<br />
adotarem providências imediatis-
tas para enfrentarem a turbulên-<br />
cia.<br />
O trabalho <strong>de</strong> Gracioso repete,<br />
no entanto, a mesma omissão <strong>de</strong><br />
outros textos <strong>de</strong> marketing, quan-<br />
do se refere aos canais <strong>de</strong> comu-<br />
nicação empregados no setor. Pra-<br />
ticamente ignora o suporte indis-<br />
pensável da assessoria <strong>de</strong> impren-<br />
sa, das técnicas <strong>de</strong> relações públi-<br />
cas e dá as costas ao marketing<br />
institucional (marketing <strong>cultura</strong>l,<br />
esportivo, comunitário etc). Essa<br />
é uma falha que, embora não ex-<br />
clusiva <strong>de</strong> Gracioso, é mais sen-<br />
tida em seu texto face ao enfo-<br />
que mo<strong>de</strong>rno que o caracteriza.<br />
É preciso lembrar o caso das<br />
empresas fabricantes <strong>de</strong> cigarros<br />
(Souza Cruz, Reynolds e Philip<br />
Morris) que exatamente há um<br />
ano não anunciam, valendo-se <strong>de</strong><br />
canais alternativos e sobretudo da<br />
assessoria <strong>de</strong> imprensa para con-<br />
tinuarem presentes junto ao con-<br />
sumidor, inclusive para lançar no-<br />
vos produtos. Não se po<strong>de</strong> igno-<br />
rar também o esforço <strong>de</strong> alguns<br />
anunciantes que têm investido pe-<br />
sadamente nas estratégias <strong>de</strong> mar-<br />
keting institucional visando a re-<br />
forçar a marca e a imagem (afi-<br />
nal <strong>de</strong> contas, a lei Sarney, apesar<br />
das restrições que po<strong>de</strong>m ser fei-<br />
tas a ela, veio para ficar).<br />
A literatura brasileira <strong>de</strong> mar-<br />
keting ainda não se <strong>de</strong>bruçou so-<br />
bre o fenômeno da <strong>comunicação</strong><br />
institucional e tem insistido em<br />
pensar a <strong>comunicação</strong> apenas co-<br />
mo instrumento (ou complemen-<br />
to) direto do setor <strong>de</strong> vendas.<br />
O trabalho <strong>de</strong> Gracioso, apesar<br />
<strong>de</strong>sta omissão, tem inúmeras vir-<br />
tu<strong>de</strong>s. Com certeza, trata-se <strong>de</strong><br />
referência obrigatória para estu-<br />
dantes, profissionais e estudiosos<br />
<strong>de</strong> marketing, propaganda, publi-<br />
cida<strong>de</strong>, <strong>comunicação</strong> em geral. Na<br />
prática, reforça a contribuição do<br />
autor à área e integra-se ao seu<br />
conjunto <strong>de</strong> obras, todas elas bas-<br />
tante apreciadas pelo mercado.<br />
Wilson da Costa Bueno<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
Jornal <strong>de</strong> Favela Também<br />
é História<br />
MOREL, Marco — Jornalismo<br />
Popular nas Favelas Cario-<br />
cas. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RioArte,<br />
1986, 142 pp.<br />
Em Jornalismo Popular nas Fa-<br />
velas Cariocas, Marco Morei es-<br />
tuda os jornais populares produzi-<br />
dos em favelas da zona sul do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Além <strong>de</strong> medir e ana-<br />
lisar exemplares <strong>de</strong>sses jornais, ele<br />
discute a <strong>cultura</strong> das favelas, a<br />
violência e a preocupação das As-<br />
sociações <strong>de</strong> Moradores no com-<br />
bate a criminalida<strong>de</strong>, a relação da<br />
"gran<strong>de</strong> imprensa" e a imprensa<br />
<strong>de</strong> favelas e outros modos do po-<br />
vo se comunicar.<br />
Os jornais nas favelas cariocas<br />
emergem no contexto dos movi-<br />
mentos populares que começam a<br />
se organizar na segunda meta<strong>de</strong><br />
da década <strong>de</strong> 70, como instrumen-<br />
tos <strong>de</strong> luta. Nas favelas da zona<br />
sul do Rio o maior número <strong>de</strong>s-<br />
ses jornais existem nos anos 1980<br />
e 1981, num total <strong>de</strong> 10. Algumas<br />
características da imprensa <strong>de</strong> fa-<br />
vela são: é feita por moradores<br />
das favelas, impressa em mimeó-<br />
grafo, circulação local e a maior<br />
parte dos temas são locais ou co-<br />
mo diz o autor "os jornais fave-<br />
lados falam quase que exclusiva-<br />
mente da própria comunida<strong>de</strong>".<br />
Os dados mais significativos auan-<br />
to ao espaço dos jornais: o espa-<br />
ço <strong>de</strong>dicado à própria comunida-<br />
<strong>de</strong> é <strong>de</strong> 85% e para outras comu-<br />
nida<strong>de</strong>s 3,2 0 /o. Os temas nacio-<br />
nais ocupam 4,3% do espaço, a ci-<br />
da<strong>de</strong> 1,1% e assuntos internacio-<br />
nais 0,5% do total. Quanto ao es-<br />
paço ocupado por instituições, "ga-<br />
nham disparado as instituições<br />
comunitárias (Associações <strong>de</strong> Mo-<br />
radores, Pastoral <strong>de</strong> Favelas, Fa-<br />
ferj etc), ocupando 60% do es-<br />
paço dos jornais: 25% é <strong>de</strong> críti-<br />
tica a essas instituições. 15% <strong>de</strong> in-<br />
centivo e 20% <strong>de</strong> reivindicação e<br />
139
incentivo ao mesmo tempo". Entre<br />
os temas predominam: entreteni-<br />
mento (10%), saú<strong>de</strong> (4,7%), reli-<br />
gião (4,2%), esportes (1,8%), esco-<br />
la (1,7%), anúncios <strong>de</strong> produtos<br />
(1,4%), política partidária (1,2%)<br />
e as lutas femininas com 1,1% do<br />
espaço total.<br />
Um outro prisma analisado diz<br />
respeito à violência, que ocupa<br />
13,3% do espaço dos jornais <strong>de</strong><br />
favelas pesquisadas. Sendo seus<br />
autores, por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> importân-<br />
cia, os Governos/Órgãos Públicos,<br />
Empresas/Proprietários, Forças Po-<br />
liciais e Moradores das Favelas.<br />
Os jornais <strong>de</strong> favela não são<br />
mera reprodução mal feita <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s jornais, como acreditam<br />
alguns. Pelo contrário, eles regis-<br />
tram o outro lado da história, o<br />
lado vivido por setores das clas-<br />
ses trabalhadoras empobrecidas.<br />
Como diz Geraldo Mello Mourão<br />
na apresentação do livro, "a aná-<br />
lise da imprensa dos habitantes das<br />
favelas da zona sul (...) prova<br />
que o povo. esse povo negro/bran-<br />
co/mulato/mestiço-nor<strong>de</strong>stino não<br />
silenciou, tem voz, não é uma mas-<br />
sa amorfa, moldada e reduzida<br />
à impotência <strong>cultura</strong>l pela lingua-<br />
gem uniformizadora dos meios <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong>".<br />
A população das favelas é com-<br />
posta basicamente pela população<br />
local, urbana e rural, empobreci-<br />
da, migrantes vindos <strong>de</strong> Minas Ge-<br />
rais, Espirito Santo e principal-<br />
mente do Nor<strong>de</strong>ste. De 1950 a<br />
1983 a população do município do<br />
Rio cresceu 114% e a quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> favelas subiu 216%. Por outro<br />
lado, a concepção <strong>de</strong> favelado en-<br />
quanto malfeitor ou preguiçoso<br />
140<br />
não correspon<strong>de</strong> à realida<strong>de</strong>. Quem<br />
vive nas favelas são trabalhadores<br />
e suas famílias empobrecidas, ape-<br />
sar <strong>de</strong> existirem também ladrões<br />
e preguiçosos como existem tam-<br />
bém em outras partes da cida<strong>de</strong>.<br />
É nesse contexto que, por mais<br />
que a indústria <strong>cultura</strong>l se <strong>de</strong>sen-<br />
volva, convivem o Samba, o For-<br />
ró, a Folia dos Reis e a Capoeira.<br />
A imprensa <strong>de</strong> favela, se olhada<br />
isoladamente, po<strong>de</strong>ria significar<br />
pouco po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> ten-<br />
do em vista as pequenas tiragens,<br />
periodicida<strong>de</strong>s longas, dificulda<strong>de</strong>s<br />
na distribuição etc. No entapto<br />
ela é um instrumento <strong>de</strong> comuni-<br />
cação entre vários outros, como: o<br />
leva-e-traz através das crianças,<br />
que o autor diz ser uma re<strong>de</strong> efi-<br />
caz e rápida <strong>de</strong> informação, o al-<br />
to-falante localizado num ponto<br />
central e utilizado pela Associação<br />
<strong>de</strong> Moradores, o mural, o comu-<br />
nicado pregado nas contas <strong>de</strong> luz<br />
e o teatro.<br />
Jornalismo Popular nas Favelas<br />
Cariocas é um estudo que tem o<br />
mérito, entre outros, <strong>de</strong> documen-<br />
tar e sistematizar a história <strong>de</strong><br />
um tipo <strong>de</strong> jornalismo feito por<br />
setores das classes trabalhadoras<br />
urbanas no Brasil. Uma biblio-<br />
grafia que estava faltando que,<br />
a'ém <strong>de</strong> medir os espaços impres-<br />
sos <strong>de</strong> jornais <strong>de</strong> favelas, apanha<br />
o seu conteúdo, o processo <strong>de</strong> pro-<br />
dução e distribuição e o contexto<br />
histórico que surgem, crescem e<br />
<strong>de</strong>clinam.<br />
Cicília Aí. Krohling Peruzzo<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />
Espírito Santo
NOTICIÁRIO<br />
Primeiro Titular <strong>de</strong><br />
Jornalismo na USP<br />
O editor-responsável <strong>de</strong> INTER-<br />
COM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Co-<br />
municação, José Marques <strong>de</strong> Me-<br />
lo, é o primeiro Professor Titular<br />
do Curso <strong>de</strong> Jornalismo da Esco-<br />
la <strong>de</strong> Comunicações e Artes da Uni-<br />
versida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (ECA-<br />
USP). A titulação ocorreu após<br />
concurso público on<strong>de</strong> o candida-<br />
to se submeteu às provas com ba-<br />
se no programa das disciplinas<br />
Conceitos e Gêneros <strong>de</strong> Jornalis-<br />
mo, Jornalismo Opinativo, Jornalis-<br />
mo no Brasil: tendências do Ensino<br />
e da <strong>Pesquisa</strong> e Gêneros Opinati-<br />
vos na Imprensa Diária, sendo<br />
aprovado com nota 10 (<strong>de</strong>z).<br />
A comissão julgadora do con-<br />
curso — constituída dos Professo-<br />
res Doutores João Alexandre Bar-<br />
bosa (FFLCH), Rolando Morei Pin-<br />
to (FFLCH), Ecléa Bosi (IP), Cân-<br />
dido Teobaldo <strong>de</strong> Souza Andra<strong>de</strong><br />
(ECA) e Sarah Chucid Da Viá<br />
(ECA) — divulgou dia 19 <strong>de</strong> mar-<br />
ço <strong>de</strong> 87 o seguinte relatório:<br />
"As Provas Didáticas e <strong>de</strong> Ar-<br />
güição do Memorial realizaram-se<br />
no recinto da ECA-USP, conforme<br />
calendário previamente aprovado<br />
pela Comissão Julgadora do con-<br />
curso em questão".<br />
"Na Prova Didática, que consti-<br />
tui na exposição, em nível <strong>de</strong> Pós-<br />
-Graduação do ponto "Jornalismo,<br />
da profissionalização ao com-<br />
promisso social", o candidato re-<br />
velou um excelente nível <strong>de</strong> co-<br />
nhecimento, sabendo articular,<br />
com clareza e método, os prin-<br />
cipais itens da questão, dando <strong>de</strong>-<br />
monstração insofismável <strong>de</strong> sua<br />
capacitação".<br />
"Acrescente-se o modo pessoal<br />
com que soube coor<strong>de</strong>nar os vá-<br />
rios aspectos do ponto sorteado,<br />
fazendo da bibliografia concernen-<br />
te ao assunto uma maneira in-<br />
trínseca <strong>de</strong> enriquecimento cultu-<br />
ral".<br />
"O Julgamento do Memorial<br />
apresentado evi<strong>de</strong>ncia a excelente<br />
formação acadêmica do candidato,<br />
em que sobressai uma fecunda e<br />
ampla produção na área específi-<br />
ca, assim como a participação em<br />
congressos, simpósios e conferên-<br />
cias. É <strong>de</strong> salientar que, pela lei-<br />
tura do Memorial, verifica-se a<br />
penetração da obra do candidato,<br />
quer no Brasil, quer no Exterior,<br />
por on<strong>de</strong> se percebe a sua gran<strong>de</strong><br />
importância intelectual".<br />
"Na Prova <strong>de</strong> Argüição, o can-<br />
didato foi capaz <strong>de</strong> impressionar<br />
a Comissão Julgadora pela com-<br />
petência, serieda<strong>de</strong> e facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
expressão com que consi<strong>de</strong>rou as<br />
várias questões levantadas pelos<br />
examinadores, afirmando-se, mais<br />
uma vez, como um intelectual <strong>de</strong><br />
relevante importância na área."<br />
"À vista do exposto e através<br />
da atribuição <strong>de</strong> notas individuais,<br />
a Comissão Julgadora, <strong>de</strong> acordo<br />
com os preceitos estatutários e re-<br />
gimentais, consi<strong>de</strong>ra habilitado o<br />
Professor Doutor José Marques <strong>de</strong><br />
Melo e o indica à douta Congre-<br />
gação da Escola <strong>de</strong> Comunicações<br />
para prover o cargo <strong>de</strong> Professor<br />
Titular do Departamento <strong>de</strong> Jor-<br />
nalismo e Editoração da ECA-<br />
USP".<br />
Nor<strong>de</strong>ste reivindica<br />
melhoria do Ensino<br />
<strong>de</strong> Comunicação<br />
O III Encontro <strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nado-<br />
res e Chefes <strong>de</strong> Departamento <strong>de</strong><br />
141
Cursos <strong>de</strong> Comunicação Social das<br />
Regiões Norte e Nor<strong>de</strong>ste, reali-<br />
zado <strong>de</strong> 24 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 87,<br />
em Natal-RN, propôs à comunida-<br />
<strong>de</strong> acadêmica e profissional, "ques-<br />
tões para reflexão e para nortear<br />
a luta das escolas e dos comuni-<br />
cadores na presente conjuntura".<br />
Entre elas, <strong>de</strong>stacamos as seguin-<br />
tes: Constituinte e <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratiza-<br />
ção da <strong>comunicação</strong> — "De início,<br />
cabe ressaltar — como já fizemos<br />
na Carta do Encontro <strong>de</strong> João<br />
Pessoa — o papel fundamental do<br />
comunicador como divulgador ho-<br />
nesto, vigilante e crítico dos tra-<br />
balhos da Constituinte. Mais do<br />
que isto, cabe aos comunicadores<br />
lutar <strong>de</strong> forma intransigente con-<br />
tra toda sas formas abertas ou ve-<br />
ladas <strong>de</strong> censura econômica e/ou<br />
política que tentem impedir a am-<br />
pla e crítica divulgação dos <strong>de</strong>-<br />
bates da Constituinte. A transpa-<br />
rência dos trabalhos e a informa-<br />
ção plena da população acerca das<br />
polêmicas e <strong>de</strong>cisões são, em boa<br />
medida, elementos indispensáveis<br />
para garantir um processo cons-<br />
tituinte minimamente <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático,<br />
apesar da configuração majorita-<br />
riamente conservadora da Assem-<br />
bléia Constituinte".<br />
"Ao lado disto, cabe a todos os<br />
comunicadores <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos lu-<br />
tar por uma substantiva <strong><strong>de</strong>mo</strong>cra-<br />
tização da <strong>comunicação</strong> social no<br />
país, hoje estruturada e funcio-<br />
nando <strong>de</strong> maneira eminentemente<br />
concentradora, centralizada e au-<br />
toritária. Neste sentido as leis a<br />
serem inscritas na futura Consti-<br />
tuição po<strong>de</strong>rão ter papel <strong>de</strong>staca-<br />
do na <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da comuni-<br />
cação social, sem a qual não se<br />
po<strong>de</strong> na socieda<strong>de</strong> contemporânea<br />
falar efetivamente em <strong><strong>de</strong>mo</strong>cra-<br />
cia".<br />
"Para isto apoiamos no encon-<br />
tro a reativação da Frente Nacio-<br />
nal <strong>de</strong> Luta por Políticas Demo-<br />
cráticas <strong>de</strong> Comunicação e busca-<br />
remos participar <strong>de</strong> todas as ati-<br />
vida<strong>de</strong>s que visem <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratizar a<br />
comuniccção e a socieda<strong>de</strong> brasi-<br />
leira". Equipar e melhorar a qua-<br />
142<br />
lida<strong>de</strong> dos cursos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
social — "Para nós, professores <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> social, esta busca da<br />
aparelhagem e da melhoria da<br />
qualida<strong>de</strong> dos cursos se concretiza<br />
na luta pela implantação do novo<br />
currículo dos cursos <strong>de</strong> comuni-<br />
cação, inclusive <strong>de</strong> seus laborató-<br />
rios e equipamentos mínimos exi-<br />
gidos pelo CFE, até janeiro <strong>de</strong><br />
1988, <strong>de</strong> acordo com os prazos le-<br />
gais para implantação <strong>de</strong>finidos<br />
por este conselho".<br />
Políticas Democráticas<br />
<strong>de</strong> Comunicação<br />
A Frente Nacional <strong>de</strong> Luta por<br />
Políticas Democráticas <strong>de</strong> Comu-<br />
nicação, composta <strong>de</strong> 45 entida<strong>de</strong>s<br />
e 27 parlamentares, concluiu, em<br />
plenária realizada no dia 9 <strong>de</strong> abril<br />
<strong>de</strong> 87, no auditório da Confe<strong>de</strong>ra-<br />
ção Nacional dos Trabalhadores<br />
em Comunicação e Publicida<strong>de</strong><br />
(CONTCOP), em Brasília, um do-<br />
cumento contendo suas propostas<br />
para a Assembléia Nacional Cons-<br />
tituinte.<br />
A INTERCOM esteve presente<br />
aos encontros realizados pela Fren-<br />
te, em Brasília, representada pe-<br />
lo atual Presi<strong>de</strong>nte, Prof. Dr. Fran-<br />
cisco Gaudêncio Torquato do Re-<br />
go e pela ex-Presi<strong>de</strong>nte, Profa.<br />
Dra. Anamaria Fadul.<br />
De acordo com a secretaria da<br />
Fe<strong>de</strong>ração Nacional dos Jornalis.<br />
tas Profissionais (FENAJ) — que<br />
é entida<strong>de</strong> integrante e fundado-<br />
ra da Frente —, esse documento<br />
"serve para <strong>de</strong>flagrar uma campa-<br />
nha nacional pela <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização<br />
da <strong>comunicação</strong>, na qual se busca<br />
apoio popular e a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> no-<br />
vas entida<strong>de</strong>s".<br />
O jornalista Armando S. Rohem-<br />
ber, presi<strong>de</strong>nte da FENAJ, disse<br />
que "a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização dos meios<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> no Brasil é hoje<br />
assunto da mais alta relevância,<br />
não apenas para os setores dire-<br />
tamente ligados ao processo <strong>de</strong><br />
produção da informação, como<br />
para toda a socieda<strong>de</strong> brasileira.
Estamos convencidos <strong>de</strong> que sem<br />
profundas modificações no regime<br />
<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> no setor <strong>de</strong> comu-<br />
nicações, por meio dos quais se-<br />
ja garantido aos diversos segmen-<br />
tos da população o mais amplo<br />
acesso aos diferentes veículos, não<br />
lograremos construir um regime<br />
efetivamente <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático em nos-<br />
so pais".<br />
Maiores informações sobre a<br />
atuação da Frente Nacional <strong>de</strong> Lu-<br />
ta por Políticas Democráticas <strong>de</strong><br />
Comunicação, po<strong>de</strong>rão ser obtidas<br />
através do en<strong>de</strong>reço da FENAJ, lo-<br />
calizada no Setor Comercial Sul<br />
(SCS), Edifício Serra Dourada, 7"?<br />
andar, Brasília-DF. Ou então pelo<br />
fone (061) 223-7002 e 225-2273.<br />
Revista Teórica da<br />
FELAFACS<br />
O professor Walter Neira Bront-<br />
tis, secretário executivo da Fe<strong>de</strong>ra-<br />
ção Latino-americana <strong>de</strong> Associa-<br />
ções <strong>de</strong> Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Comunica-<br />
ção Social (FELAFACS), anunciou<br />
o lançamento da nova Revista Teó-<br />
rica da FELAFACS, em março <strong>de</strong><br />
87, como "um instrumento mais<br />
sólido <strong>de</strong> reflexão e <strong>de</strong> informa-<br />
ção, orientado .não apenas ao co-<br />
nhecimento do que hoje se pro-<br />
duz no campo <strong>de</strong> Comunicação<br />
Social, mas também à formula-<br />
ção <strong>de</strong> propostas que necessaria-<br />
mente nossa Fe<strong>de</strong>ração fará em<br />
relação ao ensino <strong>de</strong> Comunicação<br />
na América Latina".<br />
Neira Bronttis acredita que a<br />
nova revista "se insere <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
um processo <strong>de</strong> evolução que tem<br />
mantido não apenas nossas publi-<br />
cações, como a própria FELA-<br />
FACS". Para ele, porém, a revis-<br />
ta tem que ser, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro<br />
momento, "a revista <strong>de</strong> gente do<br />
ensino latino-americano <strong>de</strong> Comu-<br />
nicação".<br />
O en<strong>de</strong>reço para correspondên-<br />
cia com a FELAFACS permanece<br />
o mesmo: Apartado Postal 18-0371,<br />
Lima 18, Peru.<br />
Cultura Contemporânea<br />
tem Revista no México<br />
O Programa <strong>de</strong> Cultura do Cen-<br />
tro Universitário <strong>de</strong> Investigações<br />
Sociais (CUIS), vinculado à Uni-<br />
versida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Colima, no México,<br />
está lançando a revista Estúdios<br />
sobre Ias Culturas Contemporâ-<br />
neas. A professora Verônica Va-<br />
lenzuela. coor<strong>de</strong>nadora editorial<br />
do CUIS, disse que esta publica-<br />
ção quadrimestral "é um espaço<br />
editorial para a difusão <strong>de</strong> traba-<br />
lhos <strong>de</strong> investigação ou reflexão<br />
teórica e metodológica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
três áreas <strong>de</strong> problemáticas em re-<br />
lação com a vida contemporânea:<br />
— Culturas populares e frentes<br />
<strong>cultura</strong>is (construção e legitimida-<br />
<strong>de</strong> social do sentido);<br />
— Cultura urbana (movimentos<br />
sociais, história e vida cotidiana);<br />
— Indústrias <strong>cultura</strong>is (organi-<br />
zação, burocracia e mediação pro-<br />
fissional)".<br />
Os sócios interessados em rece-<br />
ber a revista Estúdios sobre Ias<br />
Culturas Contemporâneas ou mes-<br />
mo colaborar em suas páginas <strong>de</strong>-<br />
vem escrever para o seguinte en-<br />
<strong>de</strong>reço: Programa Cultura/CUIS,<br />
Apartado Postal 294, 28000 — Co-<br />
lima. México.<br />
Estudantes <strong>de</strong> Jornalismo<br />
da Europa: reunião em<br />
Portugal<br />
A direção da Escola Superior <strong>de</strong><br />
Jornalismo do Porto, Portugal,<br />
foi responsável pela organização do<br />
// Fórum <strong>de</strong> Estudantes <strong>de</strong> Jorna-<br />
lismo Europeus, que este ano reu-<br />
niu aproximadamente cerca <strong>de</strong> 60<br />
representantes <strong>de</strong> oito países da<br />
Europa (Inglaterra, Irlanda, Di-<br />
namarca, Holanda, Espanha, Itália,<br />
Bélgica e França) para discutir e<br />
analisar quatro temas:<br />
— O ensino do Jornalismo nas fa-<br />
culda<strong>de</strong>s e escolas européias;<br />
143
— Qualificação acadêmica e pro-<br />
fissional dos docentes da área;<br />
— A organização profissional em<br />
sindicatos;<br />
— Imprensa sensacionalista.<br />
De acordo com Documento envia-<br />
do à se<strong>de</strong> da INTERCOM, o FEJS<br />
— sigla com que se conhece na<br />
língua inglesa aquele Fórum — "é<br />
um organismo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, apo-<br />
lítico e não-governamental". E tem<br />
como principal objetivo promover<br />
o intercâmbio a nível nacional e<br />
internacional dos estudantes <strong>de</strong><br />
Jornalismo.<br />
Escola <strong>de</strong> Jornalismo da<br />
Venezuela comemora<br />
40 anos<br />
Em homenagem ao quadragési-<br />
mo aniversário <strong>de</strong> fundação da Es-<br />
cola <strong>de</strong> Comunicação Social da<br />
Universida<strong>de</strong> Central da Venezue-<br />
la (UCV), cuja criação foi <strong>de</strong>cre-<br />
tada em 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1946 co-<br />
mo Escola Nacional <strong>de</strong> Periodis-<br />
144<br />
mo pela Junta Revolucionária do<br />
Governo, a Oficina Central <strong>de</strong> In-<br />
formação (OCI) editou um folhe-<br />
to com título Linguagem, Ética e<br />
Informática, que contém as confe-<br />
rências ditadas pelos professores<br />
Alex Marques Rodrigues — "Ensi-<br />
no da linguagem nas escolas <strong>de</strong> co-<br />
municação social" —, Glória Cuen-<br />
ca <strong>de</strong> Herrera — "Ensino <strong>de</strong> ética<br />
nas escolas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> so-<br />
cial" —, e Luís Augusto Ruiz —<br />
"Existe uma linguagem jornalísti-<br />
ca?" — no painel "Linguagem e<br />
Informática" do Seminário Latino-<br />
-Americano <strong>de</strong> Educação, Comuni-<br />
cação e Informática, realizado <strong>de</strong><br />
20 a 23 <strong>de</strong> outubro passado, em<br />
Caracas, por ocasião dos 40 anos<br />
da Escola <strong>de</strong> Comunicação Social<br />
da UCV.<br />
Os sócios interessados em ad-<br />
quirir um exemplar do folheto<br />
Linguagem, Ética e Comunicação<br />
<strong>de</strong>vem escrever para o seguinte en-<br />
<strong>de</strong>reço: OCI — Faculdad <strong>de</strong> Hu-<br />
manida<strong>de</strong>s y Educación — Ciudad<br />
Universitária — 1040, Caracas, Ve-<br />
nezuela.
Publicações Integrantes da Re<strong>de</strong> Iheroamericana<br />
<strong>de</strong> Revistas <strong>de</strong> Comunicação e Cultura<br />
SIGNO E PENSAMIENTO é uma publicação semestral da Faculdad<br />
<strong>de</strong> Comunicação Social da Pontifícia Universidad Javeriana.<br />
Correspondência:<br />
Faculdad <strong>de</strong> Comunicação Social<br />
Pontifícia Universidad Javeriana<br />
Carrera 7* N9 43-82<br />
79 Piso — Edifício Angel Valtierra — Bogotá<br />
COLÔMBIA<br />
SIGNO<br />
Y<br />
PENSAMIENTO<br />
COMUNICACIÕN America Latina é uma publicação quadrimestral<br />
da Asociación Católica Latinoamericana para Ia Radio y Ia Te-<br />
levisión.<br />
:«»H'«! i .° l S,7»uo»:.j<br />
Correspondência:<br />
COMUNICACIÕN America Latina<br />
Estados Unidos 2057<br />
1227 Buenos Aires<br />
ARGENTINA<br />
145
COMUNICAÇÃO E LINGUAGENS é uma publicação semestral do Cen-<br />
tro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Comunicação e Linguagens (CECL).<br />
Correspondência:<br />
CECL<br />
Departamento <strong>de</strong> Comunicação Social<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 24<br />
1000 — Lisboa<br />
PORTUGAL<br />
^tCOMUNICAÇÃO<br />
E LINGUAGENS<br />
COMUNICACIÓN Y CULTURA é uma publicação semestral do De-<br />
partamento <strong>de</strong> Educaclón y Comunicaclón, Dlvlslón <strong>de</strong> Ciências<br />
Soclales y Humanida<strong>de</strong>s, Unlversldad Autônoma Metropolitana<br />
— Xochimilco.<br />
CiiiiiiniírTinn ^<br />
ycuttura *■<br />
El Estado multinacional:<br />
Aparatos i<strong>de</strong>ológicos<br />
Médio* mosicos t/<br />
políticas culluraln<br />
Correspondência:<br />
Revista Comunicaclón y Cultura<br />
Calzada <strong>de</strong>i Hueso 1100<br />
Col. Villa Quletud 04960<br />
MÉXICO<br />
DIÁLOGOS (antes Boletim FELAFACS) é uma publicação semestral<br />
da Fe<strong>de</strong>ração Latino-Americana <strong>de</strong> Associações <strong>de</strong> Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Comunicação Social (FELAFACS).<br />
Correspondência;<br />
FELAFACS<br />
Apartado Postal 18-0371<br />
Lima 18<br />
PERU<br />
146
INTERCOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação é uma publicação<br />
semestral da Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisdplinares<br />
da Comunicação — INTERCOM — com o apoio do Programa<br />
MCT CNPq/FINEF.<br />
* inTERCOtn 56<br />
Correspondência:<br />
INTERCOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />
Caixa Postal 20.793<br />
01498 — São Paulo<br />
BRASIL<br />
COMUNICAÇÃO & SOCIEDADE é uma publicação semestral edita-<br />
da pelo mestrado em Comunicação Social do Instituto Metodista<br />
<strong>de</strong> Ensino Superior (IMS).<br />
Correspondência:<br />
Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação em Comunicação Social<br />
IMS — Revista <strong>de</strong> Comunicação e Socieda<strong>de</strong><br />
Rua do Sacramento, 230 — Rudge Ramos<br />
09720 — São Bernardo do Campo (SP)<br />
BRASIL<br />
COMUNICARTE é uma publicação semestral do Instituto <strong>de</strong> Artes e<br />
Comunicações da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Campinas<br />
(PUOCAMP),<br />
Correspondência:<br />
Revista Comunicarte<br />
Rodovia D. Pedro I, Km 112<br />
Caixa Postal 317<br />
13100 — Campinas (SP)<br />
BRASIL<br />
147
LEOPOLDIANUM — Revista <strong>de</strong> Estudos e Comunicações é uma pu-<br />
blicação quadrimestral da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos (Uni-<br />
Santos)<br />
Correspondência:<br />
LEOPOLDIANUM — Revista<br />
<strong>de</strong> Estudos e Comunicações<br />
Rua Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, 241<br />
11060 — Santos (SP(<br />
BRASIL<br />
Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração é uma publicação trimestral do<br />
Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração da Escola <strong>de</strong> Comu-<br />
nicações e Artes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (ECA-USP).<br />
Correspondência:<br />
Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração<br />
Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443<br />
Cida<strong>de</strong> Universitária — Butantã<br />
05508 — São Paulo<br />
BRASIL<br />
Biblioteconomia e Comunicação é uma publicação semestral da Fa-<br />
culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Biblioteconomia e Comunicação da Universida<strong>de</strong> Fe-<br />
<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UFRGS).<br />
oi<br />
148<br />
Puhlicíilüdc: ivl.n ,(.-<br />
agência e cliente<br />
Muda: código <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> (in)coinuiiíca(,'ãu<br />
O lugar c a vez<br />
da bunda nos MCM .<br />
Ensaio<br />
folugráfico<br />
Bibliotecunomia e<br />
mudança <strong>de</strong> iniagein .<br />
Bibliotecários<br />
para què?<br />
O bihliolrrário c o<br />
atual DOOlextO social .<br />
Correspondência:<br />
Biblioteconomia e Comunicação<br />
Rua Jacinto Gomes, 540<br />
90.000 — Porto Alegre — RS<br />
BRASIL
SEJA SÓCIO DA INTERCOM<br />
A INTERCOM — Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplina-<br />
res da Comunicação — é uma socieda<strong>de</strong> civil, sem fins lucrativos,<br />
que reúne mais <strong>de</strong> 500 professores, pesquisadores e profissionais <strong>de</strong><br />
todo o país. Criada em São Paulo, em 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1977<br />
pelo Prof. José Marques <strong>de</strong> Melo, realiza seminários, simpósios e<br />
ciclos <strong>de</strong> estudos, além <strong>de</strong> publicar livros, ca<strong>de</strong>rnos e boletins. Pro-<br />
move também estudos e pesquisas sobre questões emergentes da co-<br />
municação brasileira e participa do <strong>de</strong>bate nacional e internacional<br />
sobre as tendências da pesquisa e da teoria da <strong>comunicação</strong>.<br />
INTERCOM — PROPOSTA DE SÓCIO<br />
Nome:<br />
En<strong>de</strong>reço: ■ • • •<br />
Bairro: Cida<strong>de</strong>: Estado:<br />
Telefone: CEP:<br />
Instituição em que trabalha:<br />
En<strong>de</strong>reço:<br />
<strong>Pesquisa</strong>s realizadas recentemente:<br />
Sócio proponente:<br />
Data: Cida<strong>de</strong>:<br />
Assinatura do Proponente Assinatura do Proposto<br />
Obs.: Anexar o Curriculum vitae, cheque nominal à INTERCOM<br />
no valor <strong>de</strong> 2,5 OTNs.<br />
Caixa Postal 20.793 — CEP 01498 — São Paulo/Brasil.<br />
149
LIVROS INTERCOM<br />
Obras coletivas, geralmente resultantes <strong>de</strong> reuniões científicas ou se-<br />
minários <strong>de</strong> difusão <strong>cultura</strong>l, focalizam assuntos da atualida<strong>de</strong> na-<br />
cional ou internacional no campo da <strong>comunicação</strong>, da indústria cul-<br />
tural e da <strong>cultura</strong> popular.<br />
1. IDEOLOGIA E PODER NO ENSINO DE COMUNICAÇÃO<br />
Coor<strong>de</strong>nadores: José Marques <strong>de</strong> Melo, Anamaria Fadul, Car-<br />
los Eduardo Lins da Silva. Co-edição: Cortez & Moraes (1979)<br />
2. COMUNICAÇÃO E CLASSES SUBALTERNAS<br />
Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Cortez (1980)<br />
3. POPULISMO E COMUNICAÇÃO<br />
Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Cortez (1981)<br />
4. COMUNICAÇÃO, HEGEMONIA E CONTRA-<br />
-INFORMAÇÃO<br />
Coor<strong>de</strong>nador: Carlos Eduardo Lins da Silva. Co-edição: Cor-<br />
tez (1982)<br />
5. PESOUISA EM COMUNICAÇÃO NO BRASIL:<br />
TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS<br />
Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Cortez (1983)<br />
6. TEORIA E PESQUISA EM COMUNICAÇÃO: PANORAMA<br />
LATINO-AMERICANO<br />
Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Cortez (1983)<br />
7. TEMAS BÁSICOS EM COMUNICAÇÃO<br />
Coor<strong>de</strong>nador: Roberto Queiroz. Co-edição: Paulinas (1983)<br />
8. JORNADAS IMPERTINENTES: O OBSCENO<br />
Coor<strong>de</strong>nadores: Jerusa Pires Pereira e Luís Milanesi. Co-edi-<br />
ção: Hucitec (1985)<br />
9. COMUNICAÇÃO E TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA<br />
Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Mercado<br />
Alberto (1985)<br />
10. NOVAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO<br />
Coor<strong>de</strong>nadores: Anamaria Fadul, Summus.<br />
11. COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: CAMINHOS CRUZADOS<br />
Coor<strong>de</strong>nadora: Margarida K. Kunsch. Edições Loyola.<br />
150<br />
Pedidos para INTERCOM: Caixa Postal 20793 — São Paulo<br />
CEP 01498 — Brasil
BIBLIOGRAFIAS INTERCOM<br />
O <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Documentação</strong> da Comunicação nos Países <strong>de</strong> Língua<br />
Portuguesa, PORT-COM — órgão complementar da INTERCOM —,<br />
vem resgatando a memória da produção científica e profissional so-<br />
bre <strong>comunicação</strong> no Brasil, em Portugal e África Portuguesa. Perio-<br />
dicamente, o PORT-COM edita bibliografias que permitem o acesso<br />
dos pesquisadores aos documentos referentes a um período ou a um<br />
assunto.<br />
Bibliografias Anuais<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 1 (1977)<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 2 (1978/1979)<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 3 (1980)<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 4 (1981)<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 5 (1982)<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 6 (1983)<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 7 (1984/1985) no prelo<br />
Bibliografias Temáticas<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação Popular — Encarte da Biblio-<br />
grafia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 6 (1984)<br />
Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação e Educação (1985)<br />
Obras <strong>de</strong> Referências<br />
Quem é Ouem na <strong>Pesquisa</strong> em Comunicação — Brasil, 1982/1983<br />
Inventário da <strong>Pesquisa</strong> em Comunicação no Brasil — 1883/1983<br />
Ouem é Ouem na <strong>Pesquisa</strong> em Comunicação — Brasil, 1985/1986<br />
— no prelo<br />
Pedidos para INTERCOM: Caixa Postal 20793<br />
CEP 01498 — São Paulo<br />
151
CADERNOS INTERCOM<br />
Publicação seriada que a INTERCOM edita em convênio com a<br />
Cortez Editora. Tem caráter monográfico, analisando temas <strong>de</strong> in-<br />
teresse da comunida<strong>de</strong> acadêmica e dos setores profissionais.<br />
1. JORNALISMO POPULAR<br />
Carlos Eduardo Lins da Silva, Jeanne Marie, C. A. <strong>de</strong> Medina<br />
2. TELEVISÃO, PODER E CLASSES TRABALHADORAS<br />
José Manuel Morán, Sérgio Mattos, Michel Thiollent, Sérgio<br />
Caparelli e Moacir Gadotti<br />
3. COMUNICAÇÃO LATINO-AMERICANA:<br />
REFORMA/REVOLUÇÃO<br />
Carlos Eduardo Lins da Silva, Valdir Mengardo, Regina Festa<br />
e José Marques <strong>de</strong> Melo<br />
4. NOVAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO E EDUCA-<br />
ÇÃO: USOS E ABUSOS<br />
Berta Maria Sichel, Luís Fernando Santoro, Anamaria Fadul,<br />
Onésimo <strong>de</strong> Oliveira Cardoso e Helena Gold<br />
5. CARNAVAL BRASILEIRO: COMUNICAÇÃO DE MASSA<br />
OU FOLKCOMUNICAÇÃO?<br />
Olga R. <strong>de</strong> Moraes von Simson, Maria Isaura Pereira <strong>de</strong> Ouei-<br />
roz, Roberto Emerson Benjamin, Ana Maria Rodrigues Ribeiro<br />
e Ana Maria Beatriz Copstein Wal<strong>de</strong>mar<br />
6. HISTÓRIA E COMUNICAÇÃO: DESAFIOS Ã PESQUISA<br />
Boris Kossoy, Francisco Rudiger, Maria Helena Capelato, Mí-<br />
riam Moreira Leite, Isabel Andra<strong>de</strong> Marson, Jorge Cláudio N.<br />
Ribeiro Jr., Vavy Pacheco Borges<br />
7. OBJETIVIDADE JORNALÍSTICA: ÉTICA E TÉCNICA<br />
José Marques <strong>de</strong> Melo, Arcelina Helena Publio Dias, Alice<br />
Mitika Koshiama e Cremilda Medina<br />
8. RADIO E CULTURA NO BRASIL<br />
Maria Salett Tauk, Luís Fernando Santoro, Sérgio Caparelli,<br />
Roberto Queiroz, João Batista Torres Rocha, Mundicarmo<br />
Ferretti<br />
152<br />
Pedidos para INTERCOM: Caixa Postal 20793<br />
CEP 01498 — São Paulo
INTERCOM — REVISTA BRASILEIRA<br />
DE COMUNICAÇÃO<br />
Originalmente <strong>de</strong>nominada BOLETIM INTERCOM, esta publicação<br />
periódica firmou-se na comunida<strong>de</strong> acadêmica brasileira como canal<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate das questões político-<strong>cultura</strong>is e científico-pedagógicas <strong>de</strong><br />
interesse dos pesquisadores que atuam na área <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> so-<br />
cial. Trata-se <strong>de</strong> uma revista científica ágil, vibrante e atualizada,<br />
que circula em todo o território nacional e está sintonizada com as<br />
tendências internacionais dos estudos científicos sobre <strong>comunicação</strong><br />
e <strong>cultura</strong>.<br />
N. 0 a<br />
N. 35<br />
N, 36<br />
34 — Edições esgotadas (março/78 a <strong>de</strong>zembro/81)<br />
— A pequena Elis e sua gran<strong>de</strong> obra (1982)<br />
— CFE: soluções equivocadas para o ensino <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
(1982)<br />
— Figueiredo na Globo (1982)<br />
— Televisão, futebol e controle social (1982)<br />
— O império do silêncio (1982)<br />
— A <strong>de</strong>rrota da farsa (1982)<br />
N, 37<br />
N. 38<br />
N. 39<br />
N. 40<br />
N. 41 — Rádio e revolução em El Salvador (1983)<br />
N, 42/ 43 — Meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> e novos governadores: um início<br />
tenso (1983)<br />
N. 44 — Marx, Bolívar e a <strong>comunicação</strong> (1983)<br />
N. 45 — Novas tecnologias <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> (1983)<br />
N. 46 — Campanha pelas diretas: a conspiração do silêncio (1984)<br />
N. 47 — Censura (1984)<br />
N. 48 — Socieda<strong>de</strong> digital (1984)<br />
N. 49/50 — Estado, socieda<strong>de</strong> civil e meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> (1984)<br />
N. 51 O mercado da <strong>cultura</strong> (1984)<br />
N. 52 O povo entre a vida e a morte <strong>de</strong> Tancredo Neves (1985)<br />
N. 53 Enzensberger: po<strong>de</strong>r e estética televisiva (1985)<br />
N. 54 Comunicação na Selva Amazônica (1986)<br />
N. 55 Comunicação e Desenvolvimento (1986)<br />
N. 56<br />
A crônica como gênero jornalístico na imprensa luso-brasileira<br />
e hispano-americana: contrastes e confrontos (1987)<br />
N. 57 — Democracia, Comunicação e Cultura (1987).<br />
Pedidos e assinaturas para INTERCOM: Caixa Postal 20793<br />
CEP 01498 — São Paulo
CONGRESSO<br />
INTERCOM87<br />
DEMOCRACIA,COMUNICAÇÃO E CULTURA<br />
Promoção: Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação | INTERCOM )<br />
e Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Campinas ( PUCCAMP )<br />
4 a 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1987<br />
Local: IAC - Instituto <strong>de</strong> Artes e Comunicações<br />
Campus I da PUCCAMP - Campinas - SP