12.04.2013 Views

demo comunicação e cultura - Centro de Documentação e Pesquisa ...

demo comunicação e cultura - Centro de Documentação e Pesquisa ...

demo comunicação e cultura - Centro de Documentação e Pesquisa ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

evista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />

ii DEMO<br />

COMUNICAÇÃO<br />

E CULTURA


Intercom<br />

Diretoria (Biênio 1985/1987)<br />

Presi<strong>de</strong>nte<br />

Gaudêncio Torquato (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo)<br />

Vice-presi<strong>de</strong>nte<br />

Luís Fernando Santoro (Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior)<br />

Tesoureiro<br />

Edivaldo Pereira Lima (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Social Cásper<br />

Libero)<br />

Secretária geral<br />

Fátima Feliciano (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo)<br />

/." Secretária<br />

Claudia V. Almeida (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Armando Alvares<br />

Penteado)<br />

2." Secretário<br />

Izo Zeigerman (Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior)<br />

Diretor Científico<br />

Isaac Epstein (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Armando Alvares Pen-<br />

teado)<br />

Diretora Cultural<br />

Margarida K. Kunsch (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Social Cásper<br />

Libero)<br />

Diretor Editorial<br />

Alceu A. da Costa (Telecomunicações <strong>de</strong> São Paulo)<br />

Conselho Fiscal: José Marques <strong>de</strong> Melo (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo),<br />

Carlos Eduardo Lins da Silva (Folha <strong>de</strong> São Paulo), Laurindo<br />

Leal Filho (Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo),<br />

Maria Felisminda Fusari (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo) e Sara<br />

Chucid da Viá (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo).<br />

A Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação<br />

— INTERCOM — é uma associação civil, sem fins lucrativos, que<br />

congrega os pesquisadores da área <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social, <strong>de</strong> todo<br />

o país. Fundada em São Paulo, a 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1977, conta<br />

com aproximadamente 500 associados, que estudam a <strong>comunicação</strong><br />

nas universida<strong>de</strong>s, empresas, órgãos públicos, igrejas, sindicatos e<br />

movimentos sociais.


AOS LEITORES<br />

ENTREVISTAS<br />

Centri <strong>de</strong> Pístüral Verguüro<br />

^ 21 AGam?<br />

SETOI Df DOCUMENTAÇÃO<br />

SUMÁRIO<br />

Luiz Beltrão: A folk<strong>comunicação</strong> não é uma <strong>comunicação</strong> classis-<br />

ta — José Marques <strong>de</strong> Melo, Carlos Eduardo Lins da Silva,<br />

Rogério Bastos Ca<strong>de</strong>ngue e Marta Alves D'Azevedo 5<br />

Carlos Rodrigues Brandão: A influência da <strong>comunicação</strong> se dá no<br />

interior <strong>de</strong> complexas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações <strong>cultura</strong>is entre sujei-<br />

tos sociais — Dario Luís Borelli e Virgílio Noya Pinto 16<br />

ENSAIOS<br />

Quando a Ciência é Notícia — Estudo comparativo da cobertura<br />

cientifica na imprensa diária do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong> São Pau-<br />

lo — José Marques <strong>de</strong> Melo 23<br />

Sentinelas da Liberda<strong>de</strong>: Jornalismo <strong>de</strong> combate — Marco Morei 36<br />

Propostas alternativas <strong>de</strong> Relações Públicas — Margarida M.<br />

Krohling Kunsch 48<br />

A Comunicação da Reforma Agrária: <strong>de</strong>sinformação e rumores —<br />

Hugo Gomalez Vela 59<br />

ARTIGOS<br />

Um continente no vi<strong>de</strong>o — Sérgio Caparelli 75<br />

Democracia, <strong>comunicação</strong> e classe trabalhadora — Antônio Albi-<br />

no Canelas Rubim 80<br />

A Cultura Bóia-Fria no Paraná — João Carlos Canuto 85<br />

Políticas Editoriais: processo <strong>de</strong> produção e difusão do conheci-<br />

mento novo — Ciro Mascarenhas Rodrigues 90<br />

COMENTÁRIOS<br />

A Comunicação e o Menor: uma possível <strong>comunicação</strong> para a jus-<br />

tiça — Ismar <strong>de</strong> Oliveira Soares 99<br />

Por uma Democracia Lingüística: o português no rádio e na te-<br />

levisão — Francisco Gomes <strong>de</strong> Matos 104


FÓRUM — Atualida<strong>de</strong>s do Ensino <strong>de</strong> Comunicação<br />

Formação Profissional <strong>de</strong> Comunicadores Sociais na América La-<br />

tina: a pesquisa da FELAFACS — Ângela Maria Goãoy e<br />

Cláudia Lúcia Herrán 109<br />

Portugal, primeiro a Inovar, último a Formar — Luís Humber-<br />

to Marcos 115<br />

Pós-Graduação em Comunicação no México: a experiência da Uni-<br />

versida<strong>de</strong> Iberoamericana — Luiz Javier Mier Vega 119<br />

RESENHAS<br />

Língua e Compromisso Histórico — Luiz Roberto Alves 126<br />

Brinquedo e Serieda<strong>de</strong> — Carlos Augusto Setti 127<br />

Repensando a Cultura <strong>de</strong> Massas — Francisco Rüdiger 129<br />

Comunicação Integrada — Francisco Assis Fernan<strong>de</strong>s 130<br />

Em Busca do "Mo'De Ser" — Pedro Gilberto Gomes 132<br />

Quem é Quem na Comunicação Cristã — Ismar <strong>de</strong> Oliveira Soares 134<br />

O Universo da Comunicação Empresarial/Institucional — Edval-<br />

do Pereira Lima 135<br />

Subsídios Demais Porém Gosto <strong>de</strong> Pouco — Tereza Lúcia Hal-<br />

liday 136<br />

Como Planejar o Marketing para Enfrentar Ambientes Competi-<br />

tivos — Wilson da Costa Bueno 138<br />

Jornal <strong>de</strong> Favela Também é História — Cicília M. Krohling Pe-<br />

ruzzo 139<br />

NOTICIÁRIO<br />

Primeiro Titular <strong>de</strong> Jornalismo na USP 141<br />

Nor<strong>de</strong>ste reivindica melhoria do Ensino <strong>de</strong> Comunicação 141<br />

Políticas Democráticas <strong>de</strong> Comunicação 142<br />

Revista Teórica da FELAFACS 143<br />

Cultura Contemporânea tem Revista no México 143<br />

Estudantes <strong>de</strong> Jornalismo da Europa: reunião em Portugal .... 143<br />

Escola <strong>de</strong> Jornalismo da Venezuela comemora 40 anos 144


AOS LEITORES<br />

Duas importantes entrevistas abrem esta edição <strong>de</strong> INTERCOM —<br />

REVISTA BRASILEIRA DE COMUNICAÇÃO. Luiz Beltrão, recen-<br />

temente falecido, faz uma revisão crítica da sua obra e precisa teo-<br />

ricamente a natureza da folk<strong>comunicação</strong>. Carlos Rodrigues Bran-<br />

dão reflete sobre <strong>comunicação</strong> e <strong>cultura</strong> na nossa socieda<strong>de</strong>, apon-<br />

tando questões a serem retomadas pelos participantes do IO*? Con-<br />

gresso da INTERCOM, previsto para setembro, em Campinas (SP),<br />

tendo como tema central: "Democracia, Comunicação e Cultura".<br />

Também se reportam diretamente à problemática do X Ciclo<br />

<strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação o artigo <strong>de</strong> Albino<br />

Rubim — "Democracia, Cultura e Classe Trabalhadora" —, o en-<br />

saio <strong>de</strong> Margarida Kunsch — "Propostas e alternativas <strong>de</strong> Relações<br />

Públicas" — e o comentário <strong>de</strong> Francisco Gomes <strong>de</strong> Mattos — "Por<br />

uma <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia lingüística: o português no rádio e na televisão".<br />

Destaques <strong>de</strong>sta edição, analisando facetas comunicacionais da<br />

conjuntura brasileira, são os estudos <strong>de</strong> Hugo G. Vela a respeito da<br />

<strong>de</strong>sinformação predominante na <strong>comunicação</strong> da reforma agrária, <strong>de</strong><br />

João Carlos Canuto, sobre a <strong>cultura</strong> bóia-fria no Paraná, <strong>de</strong> Ismar<br />

O. Soares sobre a campanha da fraternida<strong>de</strong> da CNBB, e <strong>de</strong> Sérgio<br />

Caparelli sobre a adaptação televisual da obra <strong>de</strong> Érico Veríssimo<br />

O Tempo e o Vento.<br />

No âmbito da <strong>comunicação</strong> científica e tecnológica figuram as<br />

anotações <strong>de</strong> Ciro Mascarenhas Rodrigues a propósito das políticas<br />

editoriais vigentes nos periódicos especializados e os resultados da<br />

pesquisa feita por José Marques <strong>de</strong> Melo sobre a cobertura cientí-<br />

fica na imprensa diária do Rio e <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Merece atenção, ainda, o fórum "Atualida<strong>de</strong>s do Ensino <strong>de</strong> Co-<br />

municação", reunindo informações sobre as tendências dos cursos <strong>de</strong><br />

graduação na América Latina e em Portugal e do curso <strong>de</strong> pós-gra-<br />

duação mantido no México pela Universida<strong>de</strong> Iberoamericana.<br />

O ensaio <strong>de</strong> Marco Morei sobre o jornalismo combativo <strong>de</strong> Ci-<br />

priano Barata resgata elementos históricos para a comemoração do<br />

sesquicentenário da morte do panfletário baiano, que ocorrerá a 1"?<br />

<strong>de</strong> julho do próximo ano.<br />

As seções habituais — resenhas e noticiário — atualizarão o co-<br />

nhecimento dos leitores sobre a pesquisa e o ensino da <strong>comunicação</strong>.


INTERCOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />

Ano X — N 9 57 — Julho a Dezembro <strong>de</strong> 1987<br />

Publicação semestral editada pela Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong><br />

Estudos Interdisciplinares da Comunicação — INTERCOM —<br />

com o apoio do Programa MCT CNPq/FINEP.<br />

ISSN 0102 — 6453<br />

Integrante da Re<strong>de</strong> Iberoamericana <strong>de</strong> Revistas <strong>de</strong> Comuni-<br />

cação e Cultura.<br />

Editor Responsável<br />

José Marques <strong>de</strong> Melo (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo)<br />

Editor Assistente<br />

Dario Luis Borelli (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo)<br />

Conselho Editorial<br />

Ana Maria Concentino Ramos (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Norte), Carlos Eduardo Uns da Silva (Folha <strong>de</strong> S. Paulo), Cicilia Maria<br />

Krohling Peruzzo (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo), Conceição Derzi<br />

(Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Amazonas), Cosme Alves Neto (Cinemateca do<br />

Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna — Rio <strong>de</strong> Janeiro), Guilherme Rezen<strong>de</strong> (Univer-<br />

sida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Maranhão), Gustavo Quesada (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Santa Maria), João Vianney Campos <strong>de</strong> Mesquita (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Ceará), Laurindo Leal Filho (Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo),<br />

Luiz Fernando Santoro (Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior), Raul Col-<br />

vara Rosinha (Empresa Brasileira <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong> Agropecuária — Brasília),<br />

Sérgio Caparelli (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul), Sérgio Mattos<br />

(Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia), Tereza Lúcia Halliday (Universida<strong>de</strong> Fe-<br />

<strong>de</strong>ral Rural <strong>de</strong> Pernambuco), Vera Lúcia Monteiro <strong>de</strong> Castro Amaral (Uni-<br />

versida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora — Minas Gerais).<br />

Capa<br />

Carlos Alberto d'Alkmin<br />

Compos/çaoZ/mpressão<br />

Edições Loyola — Rua 1822, n. 347 — Fone: 914-1922 — São Paulo<br />

Redação e Administração<br />

ECA-USP / CJE — Rua Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443 — BI. A<br />

Sala 15 — Cida<strong>de</strong> Universitária — Butantã — São Paulo — SP.<br />

Correspon<strong>de</strong>nc/a<br />

Caixa Postal 20.793 — 01498 — S"o Paulo — Brasil


ENTREVISTAS<br />

Luiz Beltrão:<br />

a folkcomunicaçào não é uma<br />

<strong>comunicação</strong> classista<br />

Entrevistadores: José Marques <strong>de</strong> Melo (USP), Carlos Eduardo<br />

Lins da Silva (USP), Rogério Bastos Ca<strong>de</strong>ngue (UFRN) e Marta<br />

Alves D'Azevedo (UFRS).<br />

Em 1980, Luiz Beltrão veio a São Paulo participar do Congresso<br />

da UCBC e lançar o seu livro Folkcomunicaçào, a <strong>comunicação</strong> dos<br />

marginalizados (Cortez Editora). As ativida<strong>de</strong>s do congresso se rea-<br />

lizaram em São Bernardo do Campo, tendo como tema central: co-<br />

municação e educação popular, e foram sediadas no Instituto Meto-<br />

dista <strong>de</strong> Ensino Superior. Naquela ocasião, a equipe responsável pelo<br />

então Boletim INTERCOM programou uma entrevista sobre a for-<br />

mação intelectual, a produção científica e a obra jornalística <strong>de</strong> Luiz<br />

Beltrão. A entrevista foi realizada pelas seguintes pessoas: José Mar-<br />

ques <strong>de</strong> Melo, Carlos Eduardo Lins da Silva, Rogério Bastos Ca-<br />

<strong>de</strong>ngue e Marta Alves jyAzevedo, tendo sido gravada nos estúdios <strong>de</strong><br />

rádio do IMS. Lamentavelmente, as fitas gravadas foram extravia-<br />

das e não houve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua yublicição.<br />

Depois do falecimento <strong>de</strong> Luiz Beltrão, fato que ocorreu em Bra-<br />

sília no dia 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1986, a fita da entrevista foi localizada.<br />

Feita a transcrição e a edição do texto pelo repórter Dario Luís Bo-<br />

relli, os editores <strong>de</strong> INTEECOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />

<strong>de</strong>cidiram publicá-la como homenagem póstuma ao emérito pesqui-<br />

sador que abriu a trilha do estudo científico da <strong>comunicação</strong> no<br />

Brasil. Mesmo incompleto, trata-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>poimento fecundo, ca-<br />

paz <strong>de</strong> proporcionar elementos biográficos e históricos que recons-<br />

tituirão a trajetória <strong>de</strong> Luiz Beltrão no ensino e na pesquisa <strong>de</strong> co-<br />

municação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus tempos como jornalista em Pernambuco<br />

até a sua projeção como escritor e acadêmico reconhecido no país<br />

e no exterior.


INTERCOM — Prof. Luiz Beltrão, como se <strong>de</strong>u sua iniciação inte-<br />

lectual? Ela começou no Seminário ãe Olinda e <strong>de</strong>pois foi continua-<br />

da na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife. Quais as reminiscências que<br />

o senhor guarda <strong>de</strong>sse período?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Minha formação <strong>cultura</strong>l teve início efetivamen-<br />

te no Seminário <strong>de</strong> Olinda. Ali principiei a estudar e a escrever.<br />

Nessa época <strong>de</strong> Seminário, eu escrevi num ca<strong>de</strong>rno um romance cha-<br />

mado O Aimoré. Era uma réplica <strong>de</strong> O Guarani, <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar.<br />

Saindo do Seminário, eu fui procurar o Colégio Estadual <strong>de</strong> Per-<br />

nambuco. Ele não tinha este nome, chamava-se Ginásio Pernambu-<br />

cano. Era famoso por ser uma escola muito avançada em matéria<br />

<strong>de</strong> métodos educacionais. Não era uma escola fechada.<br />

Após freqüentar o Ginásio, entrei na escola <strong>de</strong> Direito. Naque-<br />

la época não havia muitas opções, apenas três escolas <strong>de</strong> nível su-<br />

perior em Pernambuco: a escola <strong>de</strong> Medicina, a <strong>de</strong> Direito e a <strong>de</strong><br />

Engenharia. Fora isso aí, não havia mais nada.<br />

Antes <strong>de</strong> entrar na faculda<strong>de</strong> houve alguma coisa que influenciou<br />

nesta minha formação. Foi a existência, naquela época, dos cha-<br />

mados <strong>Centro</strong>s <strong>de</strong> Cultura ou Grêmios Literários. Cada cida<strong>de</strong> ti-<br />

nha o seu <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Cultura como hoje quase toda a cida<strong>de</strong> tem a<br />

sua Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Letras. Eu fui não somente sócio-fundador como<br />

também presi<strong>de</strong>nte do chamado <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Cultura Humberto <strong>de</strong><br />

Campos, em Olinda. Este <strong>Centro</strong> estava naturalmente sob a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

um jornalista, pois a minha geração foi influenciada por Humberto<br />

<strong>de</strong> Campos como jornalista e cronista. Foi neste <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Cultura<br />

que eu conheci algumas pessoas que <strong>de</strong> certo modo se <strong>de</strong>stacaram<br />

nas letras brasileiras ou na política. Foi ali que eu conheci, por<br />

exemplo, o famoso lí<strong>de</strong>r das Ligas Camponesas, Francisco Julião.<br />

Ele foi meu companheiro <strong>de</strong> adolescência e o tenho como amigo até<br />

hoje. Ali também conheci Ledo Ivo, poeta e homem <strong>de</strong> letras. Aquele<br />

<strong>Centro</strong> promovia <strong>de</strong>bates com escritores, havia ali um início <strong>de</strong><br />

vida literária que me <strong>de</strong>u um bom interesse pelas letras.<br />

Aí eu entrei para a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito, que o meu entrevis-<br />

tador bem conhece, pois ali também estudou.<br />

INTERCOM — Que influências a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife exer-<br />

ceu na sua maneira <strong>de</strong> ver o mundo, já que ela sempre se carac-<br />

terizou por um espirito libertário?<br />

Prof. Luiz Beltrão — A Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife não eram as<br />

aulas. A Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife não eram os professores.<br />

A Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife, para mim, eram os corredores<br />

on<strong>de</strong> havia os famosos bancos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e ferro que jamais o ca-<br />

louro podia sentar no encosto, só os veteranos. Os veteranos sen-<br />

tavam no encosto e o calouro, on<strong>de</strong> a gente botava os pés.<br />

Nessa época o país estava vivendo a ditadura do Estado Novo<br />

e, por coincidência, na turma havia pessoas que mais tar<strong>de</strong> se ce-<br />

lebrizaram na vida política do país. Por exemplo: Oswaldo Lima<br />

Filho, ministro do Trabalho do Jango. E também gente do governo<br />

como Paulo Germano <strong>de</strong> Magalhães, filho do interventor fe<strong>de</strong>ral em<br />

Pernambuco, Agamenon Magalhães. Enfim, era uma turma inte-<br />

ressada nos problemas e fazia política possível à época.


INTERCOM — A sua época na Faculda<strong>de</strong> foi a época <strong>de</strong> Demócrito<br />

<strong>de</strong> Souza Filho, que se tornaria o mártir da re<strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização em<br />

Pernambuco?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Não, eu sou um pouco anterior a Demócrito.<br />

Quando ele entrou, nós já estávamos saindo. Nós saímos da Facul-<br />

da<strong>de</strong> em 1943. Creio que nesta época o Demócrito ainda não tinha<br />

entrado. Ele ia entrar em 1944 e morreria no conflito em 1946.<br />

A nossa rebeldia, já que não podia se voltar para uma ditadura<br />

tão ferrenha como era a do Estado Novo, ela se voltava contra a<br />

política interna da Faculda<strong>de</strong>. Nós combatíamos o diretório, sim-<br />

plesmente. Esse combate ao diretório representava assim uma pro-<br />

jeção ou uma tomada <strong>de</strong> posição. Praticamente toda a turma era a<br />

favor da campanha "O Petróleo é nosso". Então nós íamos prós<br />

morros e lá explicávamos para o povo o que era a campanha do<br />

petróleo, que nós tínhamos petróleo, que nós <strong>de</strong>veríamos explorar<br />

o nosso petróleo e tal. Isso era uma outra maneira, na época, <strong>de</strong><br />

combater a ditadura, porque a ditadura evitava <strong>de</strong> todo o modo a<br />

exploração do petróleo.<br />

INTERCOM — Como é que se <strong>de</strong>u a sua presença no Jornalismo?<br />

Como foi o inicio <strong>de</strong> sua carreira no Jornalismo?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Eu comecei a minha vida profissional no "Diá-<br />

rio <strong>de</strong> Pernambuco", isto é, eu entrei como revisor. Mas dois dias<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter entrado como revisor, fui promovido: passei <strong>de</strong> revi-<br />

sor a arquivista <strong>de</strong> clichê, que era organizar clichês. Depois <strong>de</strong> al-<br />

gum tempo, eu passei a tradutor <strong>de</strong> telegrama. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tradu-<br />

tor <strong>de</strong> telegrama, para repórter. O que eu consegui no "Diário <strong>de</strong><br />

Pernambuco" foi chegar a ser repórter. A minha ascensão <strong>de</strong> revi-<br />

sor para arquivista <strong>de</strong> clichê está baseada numa reportagem que<br />

escrevi sobre qualquer assunto lá que já não me recordo bem. Só<br />

sei que entreguei muito solenemente ao diretor como texto <strong>de</strong> au-<br />

toria <strong>de</strong> Luiz Beltrão. E o diretor, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar oito dias com<br />

a reportagem nas mãos, ele me <strong>de</strong>volveu o original cheio <strong>de</strong> riscos<br />

azuis. Eu começava a apren<strong>de</strong>r o estilo jornalístico com um dos<br />

gran<strong>de</strong>s mestres da imprensa pernambucana que foi Aníbal Fernan-<br />

<strong>de</strong>s. Nesse jornal, trabalhavam, entre outros. Gomes Maranhão e<br />

Odorico Costa. O Rubem Braga tinha trabalhado e estava saindo<br />

quando eu entrei. O curioso é que Rubem Braga dirigia a "Folha<br />

do Povo", jornal comunista, e era repórter <strong>de</strong> policia dos Associados.<br />

Como diretor <strong>de</strong> jornal comunista, ele combatia o diretor do "Diá-<br />

rio <strong>de</strong> Pernambuco". O Rubem era realmente um homem <strong>de</strong> gran-<br />

<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sentimento lírico e tal. Mas é tremenda-<br />

mente combativo quando quer.<br />

A reportagem sobre a qual me referi, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entregue pelo<br />

diretor do jornal, ela foi por mim reescrita. Depois <strong>de</strong> uns 15 dias,<br />

foi publicada sem o meu nome. A primeira coisa que o indivíduo<br />

apren<strong>de</strong> no Jornalismo é o anonimato, que hoje é pouco explorado,<br />

sobretudo na televisão, on<strong>de</strong> às vezes aparece um mero locutor se<br />

passando por jornalista.<br />

INTERCOM — O senhor começou no Jornalismo já sobrevivendo ou<br />

ó Jornalismo era um mero acessório <strong>de</strong> sua carreira?


Prof. Luiz Beltrão — Em 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1936, eu entrei no Jor-<br />

nalismo. Nessa época, o Jornalismo não era uma profissão, mas um<br />

"gancho" como nós o chamávamos. A pessoa tinha um emprego e<br />

trabalhava no jornal. Muitas vezes trabalhava no jornal para me-<br />

lhorar o nome no emprego. No meu caso, por exemplo, eu tinha<br />

entrado no Instituto <strong>de</strong> Previdência dos Serviços do Estado <strong>de</strong> Per-<br />

nambuco e utilizava <strong>de</strong> certo modo o jornal — após me firmar mais<br />

ali — para fazer um jogo: difundir as coisas do Instituto no jornal<br />

que não eram difíceis <strong>de</strong> serem difundidas, porque aquela época<br />

era a época da ditadura do Estado Novo. Então, os jornais publi-<br />

cariam tudo o que saísse <strong>de</strong> qualquer repartição do governo.<br />

INTERCOM — O senhor trabalhou muito tempo nos jornais <strong>de</strong> Per-<br />

nambuco?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Eu trabalhei mais <strong>de</strong> 25 anos. Quando eu saí<br />

do "Diário <strong>de</strong> Pernambuco", fui trabalhar no "Diário da Manhã", que<br />

pertencia ao Agamenon Magalhães. Nesse jornal eu cheguei até a<br />

redator-chefe. Só neste jornal eu trabalhei 17 anos. Depois eu tra-<br />

balhei nas agências noticiosas France Press e Asa Press. Fui cor-<br />

respon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> agências jornalísticas nacionais e internacionais em<br />

Recife.<br />

INTERCOM — Em algum momento o senhor viveu única e exclusi-<br />

vamente do Jornalismo?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Na minha época não era possível. Não creio<br />

que houvesse alguém que vivesse exclusivamente do Jornalismo. Eu<br />

pelo menos não conheço.<br />

Um belo dia, o Aníbal Fernan<strong>de</strong>s, diretor do jornal, apareceu na<br />

redação com um livro <strong>de</strong> cor cinza, francês, que se chamava Como fa-<br />

zer um jornal. Eu nunca tinha imaginado na minha vida que se pu<strong>de</strong>s-<br />

se apren<strong>de</strong>r fazer Jornalismo <strong>de</strong> outro modo senão fazendo o pró-<br />

prio jornal. Este momento marcou <strong>de</strong>mais a minha vida porque daí<br />

em diante eu passei a querer organizar uma biblioteca também. Eu<br />

comecei a perceber que era preciso estudar Jornalismo para po<strong>de</strong>r<br />

fazer Jornalismo. Esse foi o princípio do meu interesse pelo ensi-<br />

no do Jornalismo.<br />

INTERCOM — Há um aspecto na sua vida que é a sua atuação como<br />

lí<strong>de</strong>r sindical. O senhor não se limitou apenas ao exercício profis-<br />

sional do Jornalismo, mas se <strong>de</strong>stacou em Pernambuco como lí<strong>de</strong>r<br />

da categoria. O senhor po<strong>de</strong>ria nos dar algumas informações sobre<br />

essa sua passagem pela vida sindical brasileira?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Pois não, vamos a ela. Em Pernambuco não<br />

havia Sindicato <strong>de</strong> Jornalistas Profissionais. Havia uma Associação<br />

<strong>de</strong> Imprensa que reunia patrões e empregados como todas as outras<br />

Associações <strong>de</strong> Imprensa do Brasil. Eu me filiei à Associação <strong>de</strong><br />

Imprensa <strong>de</strong> Pernambuco e no ano <strong>de</strong> 1951 fui eleito presi<strong>de</strong>nte em<br />

três mandatos consecutivos. Se não me engano foram nos anos <strong>de</strong><br />

1951, 1953 e 1955. O mandato era bienal. Neste ínterim nós fomen-<br />

tamos a criação, <strong>de</strong>ntro da própria Associação, do Sindicato dos<br />

Jornalistas Profissionais. Criado o Sindicato e eleita a sua primei-<br />

ra diretoria, fui indicado representante junto ao Conselho da Fe<strong>de</strong>ra-<br />

8


ção Nacional <strong>de</strong> Jornalistas. Então eu fui participar <strong>de</strong> uma eleição<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro e chegando lá fui surpreendido com a notícia <strong>de</strong><br />

que estava eleito presi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração Nacional <strong>de</strong> Jornalistas.<br />

Saía da presidência da Fe<strong>de</strong>ração o caro amigo Freitas Nobre. Só<br />

que eu não podia ser presi<strong>de</strong>nte porque havia me comprometido com<br />

um candidato <strong>de</strong> Belo Horizonte, Marcelo Tavares, que <strong>de</strong>pois assu-<br />

miu o cargo. Eu me recusei terminantemente, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong><br />

ter recebido uma <strong>de</strong>legação do Sindicato. Então eu teria que vo-<br />

tar nele. I<br />

Durante esse tempo eu militei muito em congressos jornalísticos<br />

e congressos promovidos pela União Brasileira <strong>de</strong> Escritores. Em<br />

1950 eu tinha estreado nas letras com a publicação do meu roman-<br />

ce chamado Os Senhores do Mundo. Nesta época eu era repórter,<br />

não policial, mas <strong>de</strong> informações gerais. Eu convivia muito com<br />

o povo das chamadas classes subalternas e Os Senhores do Mundo<br />

eram aquelas pessoas que viviam marginalizadas da socieda<strong>de</strong> e que<br />

eram <strong>de</strong> fato marginais. O livro se ocupa <strong>de</strong>ssas pessoas. O ro-<br />

mance regional era o estilo da época. Mais do que regional, local.<br />

Foi editado pelo meu jornal em 1950.<br />

INTERCOM — O senhor <strong>de</strong>clarou que com o livro Como Fazer um<br />

Jornal começava a aparecer o estudioso Luiz Beltrão, que encarava o<br />

Jornalismo como matéria que evi<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>veria ser ensinada<br />

para os que <strong>de</strong>sejassem se tornar profissionais <strong>de</strong> imprensa. Mas<br />

como surgiu efetivamente o professor Luiz Beltrão ensinando aluno<br />

<strong>de</strong> Jornalismo?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Em 1951, eu participei do 59 Congresso Nacio-<br />

nal <strong>de</strong> Jornalistas, realizado em Curitiba. Eu já estava convencido<br />

nesta época <strong>de</strong> que não somente era possível apren<strong>de</strong>r Jornalismo,<br />

como <strong>de</strong>via se apren<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>via se prestigiar os cursos <strong>de</strong> Jornalis-<br />

mo e como se <strong>de</strong>via até não permitir que continuassem jornalistas sem<br />

uma formação superior. Nem naquela época, nem hoje, eu acredi-<br />

to na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formação específica <strong>de</strong> um indivíduo numa pro-<br />

fissão <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Eu acho que o indivíduo <strong>de</strong>ve ter curso su-<br />

perior, porque na universida<strong>de</strong> é on<strong>de</strong> se pesquisa, é on<strong>de</strong> se faz ex-<br />

periência. Quem ganha Prêmio Nobel no mundo são professores <strong>de</strong><br />

universida<strong>de</strong>s que fazem experiência <strong>de</strong>ntro da própria universida-<br />

<strong>de</strong>. Quer dizer, é necessário existir cursos específicos <strong>de</strong> formação<br />

jornalística, mas mais necessário ainda é a formação universitária<br />

do aluno e o jornalista naquela época não tinha essa formação su-<br />

perior.<br />

Então ocorreu que neste Congresso eu apresentei uma tese. Eu<br />

me lembro do momento da discussão da tese. Ela caiu nas mãos<br />

<strong>de</strong> um jornalista comunista para ele dar o seu parecer. Então este<br />

jornalista puxou a brasa para a sardinha <strong>de</strong>le, porque eu falava que,<br />

na União Soviética, como nos Estados Unidos, na Alemanha e na<br />

França, havia cursos <strong>de</strong> Jornalismo. Eu mostrava que cada país<br />

<strong>de</strong>fendia a sua concepção <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordo com a formação<br />

<strong>cultura</strong>l que tinha. Houve, então, um levante contra a minha tese,<br />

ou melhor, não contra a minha tese mas contra o parecer daquele<br />

jornalista comunista.<br />

INTERCOM — E quem era este jornalista?<br />

9


Prol. Luiz Beltrão — Olha, sabe que eu não me lembro mais! Era<br />

um rapaz da Bahia cujo nome não me recordo. Este rapaz puxou<br />

a brasa, dizendo: "Porque na União Soviética e tal..." Aí chegou<br />

a tal ponto o tumulto que eu disse à minha mulher: "É uma pena<br />

porque tive tanto trabalho para elaborar a tese e agora ela vai pas-<br />

sar em brancas nuvens".<br />

INTERCOM — Quer dizer que essa preocupação com os cursos <strong>de</strong><br />

Jornalismo como subversivos já é muito antiga?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Ah, muito antiga, é claro! Essa é a mais an-<br />

tiga <strong>de</strong>las. Hoje ainda é pior porque eles são mesmo subversivos,<br />

quer dizer, eles estão subvertendo porque não <strong>de</strong>vem e nem po<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> subverter toda essa idéia <strong>de</strong> que jornal po<strong>de</strong> ser feito co-<br />

mo era feito no princípio do século.<br />

Então eu fui obrigado a ir à tribuna, on<strong>de</strong> me perguntaram qual<br />

era o meu i<strong>de</strong>ário político e essa coisa toda. Eu vou dizer o se-<br />

guinte: quando assumi a tribuna para falar, eu ia dizer que aquilo<br />

era o parecer do jornalista e que a minha tese era assim, assim...<br />

Neste momento o Congresso todo fazia um combate ao atestado que<br />

o Ministério do Trabalho exigia chamado "atestado i<strong>de</strong>ológico". En-<br />

tão havia ali um repúdio geral ao "atestado i<strong>de</strong>ológico". E um da-<br />

queles mais exaltados virou-se para mim e perguntou assim: "O se-<br />

nhor é comunista?" Eu respondi: "Recuso passar um atestado <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ologia, eu não passo porque este Congresso é contrário a qual-<br />

quer tipo <strong>de</strong> atestado i<strong>de</strong>ológico. Agora o senhor lê a minha tese<br />

e vê o que é que eu sou, enten<strong>de</strong>u? Ainda se o senhor me pergun-<br />

tar o que é que eu sou politicamente, vou lhe dizer que quando<br />

havia um partido, chamado Social Democrático, eu costumava di-<br />

zer que era Democrata Social". Isso pra ninguém me confundir com<br />

o PSD.<br />

INTERCOM — E hoje?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Hoje, como eu quero que ninguém me confun-<br />

da com os <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratas sociais, passei a ser Social Democrata. Eu<br />

hoje sou um homem <strong>de</strong> idéias sociais <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticas, mas não confun-<br />

dir com o antigo PSD e nem com o <strong><strong>de</strong>mo</strong>crata social como o <strong>de</strong> hoje,<br />

o PDS.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista político, eu não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />

a profunda injustiça da socieda<strong>de</strong> atual, que beneficia uns <strong>de</strong>ma-<br />

siadamente e <strong>de</strong>ixa a gran<strong>de</strong> maioria em situações <strong>de</strong> penúria in-<br />

telectual, <strong>cultura</strong>l, social, econômica e moral. É necessário que haja<br />

uma abertura socializante. Atenção, é necessário que haja uma<br />

abertura socializante, não socialista exatamente, mas socializante,<br />

a fim <strong>de</strong> que essas classes possam participar e ter os benefícios do <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento. Este é o meu pensamento político não extremado,<br />

pois não sou homem <strong>de</strong> extremos. Não acho que seja a solução.<br />

Compartilho da posição daqueles que acreditam que o indivíduo <strong>de</strong>ve<br />

ser doutrinado. Por outro lado, acho que <strong>de</strong>ve haver um acesso<br />

maior aos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> por parte do povo, <strong>de</strong> todas as<br />

camadas <strong>de</strong> opinião a fim <strong>de</strong> que se possa <strong>de</strong>bater livremente os<br />

temas.<br />

10


INTERCOM — Que idéia o senhor tem hoje da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> impren-<br />

sa e que limites o senhor vê no exercido profissional do Jornalis-<br />

mo para, <strong>de</strong> um lado, respeitar essa liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa e, do<br />

outro, garantir que ela se exerça?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Para mim a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa <strong>de</strong>ve ser<br />

consubstanciada no respeito que o indivíduo <strong>de</strong>ve ter à pessoa hu-<br />

mana. Não é o fato da lei dizer que não se <strong>de</strong>ve caluniar, não se<br />

<strong>de</strong>ve injuriar, mas não se po<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>? Então as coisas que ofen-<br />

<strong>de</strong>m ou quebrem esse respeito representam o limite da liberda<strong>de</strong>.<br />

A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa se confun<strong>de</strong> um pouco com a doutrina do<br />

amor, quer dizer, eu não posso injuriar, ofen<strong>de</strong>r a quem amo. Eu<br />

<strong>de</strong>vo respeitar a personalida<strong>de</strong> do indivíduo com amor. Eu acho perfei-<br />

tamente possível essa liberda<strong>de</strong>. Na prática, porém, a imprensa está do-<br />

minada por grupos econômicos e em outras áreas pelo próprio Es-<br />

tado. Então os limites da liberda<strong>de</strong> ficam difíceis <strong>de</strong> serem pre-<br />

cisados.<br />

Já se tentou <strong>de</strong> várias formas a distribuição <strong>de</strong> jornais impres-<br />

sos a <strong>de</strong>terminadas categorias <strong>de</strong> trabalhadores para que utilizas-<br />

sem esses jornais. Talvez esse sistema <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> jornais<br />

por categorias ou classes não seja realmente <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático, porque<br />

uma classe talvez não entenda todos os problemas das outras, pois<br />

elas estão sempre em <strong>de</strong>fesa dos seus interesses exclusivamente. Eu<br />

penso que não é ainda esse o caminho. Somente através <strong>de</strong> um es-<br />

tudo, <strong>de</strong> discussões e <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates <strong>de</strong> uma teoria e princípios firma-<br />

dos anteriormente, po<strong>de</strong>remos alcançar melhores resultados. E so-<br />

mente <strong>de</strong>ntro das universida<strong>de</strong>s é possível chegarmos a isso. Por<br />

isso é que <strong>de</strong>fendo a universida<strong>de</strong>. Mas também aí nós vamos en-<br />

trar na questão da universida<strong>de</strong> brasileira, tão distanciada do povo.<br />

Temos que <strong>de</strong>selitizar a universida<strong>de</strong> brasileira e torná-la popular.<br />

Não é fácil muna entrevista <strong>de</strong>finir a coisa com muita exatidão.<br />

INTERCOM — Pernambuco convicto, o senhor <strong>de</strong>ixou o seu Estado<br />

pelo Planalto Central. O que motivou esse seu abandono <strong>de</strong> Olinda?<br />

Prof. Luis Beltrão — A luta pela vida. Aliás, não bem a luta pela<br />

vida. Eu vou ser mais sincero. Em 1965, tive uma gran<strong>de</strong> opor-<br />

tunida<strong>de</strong>. A Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB) sofreu uma crise, pois<br />

lá havia um reitor que resolveu, <strong>de</strong> uma hora pra outra, botar pra<br />

fora da Universida<strong>de</strong> 265 professores <strong>de</strong> uma só vez. A UnB ficou<br />

vazia. Eu dirigia o curso <strong>de</strong> Jornalismo na Universida<strong>de</strong> Católica<br />

<strong>de</strong> Pernambuco, quando fui couvidado pe!o meu amigo e então se-<br />

cretário <strong>de</strong> Imprensa do governo Castelo Branco, José Vamberto<br />

Assunção, para reorganizar a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação <strong>de</strong> Massa<br />

da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Com a seguinte condição: não se falar<br />

em <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa porque era subversivo. Agora, como eu<br />

sempre achei que o meu trabalho po<strong>de</strong>ria ser ampliado caso eu es-<br />

tivesse num organismo fe<strong>de</strong>ral e não num estadual, além <strong>de</strong> esta-<br />

dual, sectário, pois era católico mesmo, aceitei a minha transferên-<br />

cia para Brasília. Lá eu verifiquei que o plano da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Co-<br />

municação <strong>de</strong> Massa feito por Pompeu <strong>de</strong> Souza era realmente mui-<br />

to bom. o que eu tinha que fazer era só tirar o nome e afastar um<br />

pouco as coisas que eu não tinha condições <strong>de</strong> realizar. Por exem-<br />

plo: o curso <strong>de</strong> Cinema. Nós não tínhamos condições <strong>de</strong> continuar<br />

11


fazendo Cinema lá, pois o número <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> Cinema no<br />

Brasil era muito restrito. Todos eles tinham saido.<br />

Então eu organizei a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação da Universi-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, mas isso só foi durante um ano e pouco que fun-<br />

cionou, porque logo tive que sair <strong>de</strong>vido a conflitos com o próprio rei-<br />

tor que havia me convidado. Com isso eu fui ensinar no <strong>Centro</strong> Uni-<br />

versitário <strong>de</strong> Brasília, lutando sempre pelo estudo da <strong>comunicação</strong><br />

das classes marginalizadas, ou melhor, dos grupos marginalizados,<br />

pois não quero falar em classes.<br />

INTERCOM — Quando o senhor chegou em Brasília, trazia já uma<br />

pesquisa que logo recebeu uma forma acadêmica e foi apresentada<br />

como tese <strong>de</strong> Doutoramento na UnB. Trata-se <strong>de</strong> seu estudo sobre<br />

folk<strong>comunicação</strong>. Que tipo <strong>de</strong> motivação o levou — sendo um ho-<br />

mem Social Democrata, como o senhor já se <strong>de</strong>finiu antes, e um<br />

homem que militou sempre na imprensa fazendo não apenas Jorna-<br />

lismo mas também um pouco <strong>de</strong> relações públicas, na medida em<br />

que fazia intermediação com o governo e a imprensa — a se preo-<br />

cupar com os grupos marginalizados da socieda<strong>de</strong> brasileira?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Bom, eu já expliquei que o meu primeiro ro-<br />

mance é sobre esse pessoal. Eu realmente me dava com esses gru-<br />

pos. Em segundo lugar, eu sou filho <strong>de</strong> um funcionário, um <strong>de</strong>n-<br />

tista e a minha mãe era "artes domésticas", como se dizia na épo-<br />

ca. Nós nunca fomos esnobes, sabe? Cada um procurava fazer sua<br />

vida com muito trabalho.<br />

Eu sempre tive uma forte ligação com o meu grupo, o grupo a que<br />

pertencia. Não era proprietário <strong>de</strong> nada, não era proprietário nem <strong>de</strong><br />

jornal em que eu servia. Como presi<strong>de</strong>nte da Associação <strong>de</strong> Imprensa<br />

<strong>de</strong> Pernambuco, fiz boas relações entre patrões e empregados. No<br />

momento em que os jornalistas precisavam <strong>de</strong> mim, eu estava lá<br />

para <strong>de</strong>fendê-los, porque eu achava que era necessária uma colabo-<br />

ração. Eu sou um Social Democrata e como tal não podia ficar<br />

alheio a um problema do trabalhador. Eu convivia nas associações<br />

<strong>de</strong> classes com operários mesmo, com gente das camadas mais apar-<br />

tadas da socieda<strong>de</strong>, com o indivíduo que jogava futebol e ern grá-<br />

fico <strong>de</strong> jornal. Eu fui secretário <strong>de</strong> jornal, trabalhando nas ofi-<br />

cinas, paginando o jornal com os gráficos. Muitas vezes comi da<br />

feijoada <strong>de</strong>les em cima da mesa <strong>de</strong> composição cheia <strong>de</strong> papel <strong>de</strong><br />

jornal e a feijoada <strong>de</strong> feijão misturada com farinha pra gente comer.<br />

Então eu convivia com eles, sentia os seus problemas e isso me<br />

levou aos poucos a enten<strong>de</strong>r certas linguagens, certos modismos,<br />

certas expressões que talvez escapassem a outro <strong>de</strong>sprevenido. O que<br />

significa o frevo, por exemplo? O que significa o samba? O que<br />

significa uma procissão? E a Capela dos Milagres, on<strong>de</strong> é <strong>de</strong>po-<br />

sitado os ex-votos? Seria só Deus, religião ou seria também uma<br />

dose <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero e protesto? Isso ai me levou a um estudo mais<br />

circunstanciado.<br />

INTERCOM — Eu tenho uma pergunta ambivalente para lhe fazer.<br />

A primeira parte está ligada ao método e a segunda às idéias e con-<br />

clusões. Com a evolução do seu trabalho intelectual hoje, o que é<br />

que o senhor reveria quanto ao método <strong>de</strong> trabalho e quanto às idéias<br />

que o senhor formulou?<br />

12


Prof. Luiz Beltrão — Do ponto <strong>de</strong> vista do método, a pesquisa so-<br />

cial é um campo que uma pessoa como eu não tinha muitas chan-<br />

ces <strong>de</strong> realizá-la or<strong>de</strong>nadamente. Houve muito empirismo em tudo<br />

quanto eu fiz naquela época e talvez ainda haja atualmente. A pes-<br />

quisa exige hoje um financiamento e é muito mais fácil um camara-<br />

da fazer uma pesquisa quando ela é financiada do que quando ele<br />

tem que lutar com as suas próprias linhas, ou seja, aproveitar to-<br />

dos os momentos e as oportunida<strong>de</strong>s para colher os dados neces-<br />

sários. Então eu acho que teria tido muito mais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento caso recebesse um financiamento e uma formação<br />

teórica a<strong>de</strong>quada. Eu acho que isso respon<strong>de</strong> a sua primeira per-<br />

gunta.<br />

Em relação a sua segunda pergunta, eu diria que houve uma<br />

evolução porque quando eu primeiro estu<strong>de</strong>i Jornalismo procurei fa-<br />

zer do estudo do Jornalismo ponto <strong>de</strong> partida. O que era para mim<br />

o Jornalismo? O meu primeiro livro. Iniciação à Filosofia do Jor-<br />

nalismo, expressa o meu conhecimento do Jornalismo em profun-<br />

dida<strong>de</strong>. Com o meu primeiro livro, surgido em 1959, que recebeu<br />

o Prêmio Orlando Dantas, e o segundo, A Imprensa Informativa, pu-<br />

blicado em 1964, e <strong>de</strong>pois O Jornalismo Interpretativo, que há dois<br />

anos atrás estava saindo a 2^ edição pela Sulina, e agora o Jornalis-<br />

mo Opinativo, eu tinha terminado toda uma estrutura teórica e <strong>de</strong><br />

orientação <strong>de</strong> Jornalismo. Mas quando eu terminei o primeiro, um<br />

fenômeno me apresentou curioso: se o indivíduo é analfabeto, como<br />

é que ele se informa? Se ele não vai ao cinema e se ele não tem<br />

televisão, como é que ele intercambia opinião?<br />

Daí eu me lembrei dos meus companheiros gráficos, me lembrei<br />

<strong>de</strong> um que era presi<strong>de</strong>nte do Lenhador do Recife, clube <strong>de</strong> frevo,<br />

me lembrei da história <strong>de</strong> Lampião, <strong>de</strong> Antônio Silvino e <strong>de</strong> todos<br />

os bandoleiros <strong>de</strong> Pernambuco, eu tinha contato com os coronéis,<br />

eu vi por outro lado as multinacionais substituindo os coronéis com<br />

a mesma voracida<strong>de</strong> com que os usineiros substituíram os senhores<br />

<strong>de</strong> engenho na indústria do açúcar. Aí então eu comecei a recon-<br />

si<strong>de</strong>rar tudo isso e comecei a apanhar esses dados. Eu ainda estava<br />

impressionado com a informação puramente. Aí eu chamei isso <strong>de</strong><br />

folk<strong>comunicação</strong> jornalística.<br />

O interessante é que eu achava que um dos maiores homens do<br />

folclore <strong>de</strong> todos os tempos, Edson Carneiro, era uma espécie <strong>de</strong><br />

homem maldito. Edson Carneiro foi o único homem que percebeu<br />

que o folclore não era estático, o folclore não era uma coisa parada<br />

no tempo, mas uma coisa dinâmica. Aí então ele diz que o folclore<br />

é dinâmico e tem o seu livro A Dinâmica do Folclore que apresenta<br />

essa tese aprovada internacionalmente. Este livro teve uma gran<strong>de</strong><br />

influência para mim, pois verifiquei que qualquer manifestação po-<br />

pular estava ligada ao povo, porque o povo não tinha meios, ele<br />

utilizava esses meios que lhe davam.<br />

Posteriormente, houve uma modificação. Aconteceu que eu vi<br />

que a função da Comunicação não estava tão somente em informar<br />

ou orientar, estava também em educar, havia uma função educati-<br />

va, uma função diversional e havia uma função promocional. Então<br />

eu comecei a aprofundar esses estudos e o resultado é que o con-<br />

ceito <strong>de</strong> folk<strong>comunicação</strong> foi ampliado para não dar somente a idéia<br />

<strong>de</strong> que o povo utiliza a folk<strong>comunicação</strong> para trocar notícias, mas<br />

sim para se educar. Dizer o que ele quer dizer, se promover e en-<br />

13


treter-se também, divertir-se do mesmo modo que nós usamos o sis-<br />

tema estabelecido, o qual chamei <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social para fazer<br />

uma diferenciação da <strong>comunicação</strong> folclórica.<br />

INTERCOM — On<strong>de</strong> é que estão os limites entre o folclore e a folk-<br />

<strong>comunicação</strong>?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Olha, eu costumo dizer que quando o indiví-<br />

duo me chama <strong>de</strong> folclorista, eu digo não, sou um aproveitador do<br />

folclorista. Na verda<strong>de</strong>, eu não sou um folclorista, mas um homem<br />

que aproveita a pesquisa feita pelo folclorista.<br />

O folclore é uma manifestação da sabedoria do povo, quer di-<br />

zer, o povo faz o folclore. Na folk<strong>comunicação</strong> o que a gente pro-<br />

cura é a mensagem real, atual, escondida naquela manifestação an-<br />

tiquada. É preciso analisar isso em profundida<strong>de</strong>, não ficar nas<br />

aparências. Vou dar um pequeno exemplo: se você aprecia a dan-<br />

ça do frevo, você levanta a sua história e <strong>de</strong>scobre que é uma dança<br />

que nasceu da capoeira. Capoeira é um jogo violento. A dança do<br />

frevo é violenta. Então você diz o povo está brincando carnaval,<br />

mas fervendo. O frevo vem <strong>de</strong> fervendo. Está brincando carna-<br />

val mas também está transmitindo uma mensagem. Essa mensa-<br />

gem, por sua vez, não é tuna mensagem pacífica, não é uma men-<br />

sagem do brasileiro bonzinho, é uma mensagem do bravo, do va-<br />

lente que saía lutando capoeira, às vezes com a navalha e a pei-<br />

xeira para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as suas reivindicações. E então se você ficar<br />

somente na interpretação semiológica <strong>de</strong> um passo <strong>de</strong> dança, você<br />

ficou na meta<strong>de</strong> do caminho. Agora se você tiver coragem e avan-<br />

çar mais, vai colher outros dados. Faça, por exemplo, uma espécie<br />

<strong>de</strong> folk<strong>comunicação</strong> comparada. Compare a dança do frevo com<br />

a dança das turbas francesas em torno da guilhotina enquanto as<br />

cabeças dos nobres caíam. Você vai ver que o brasileiro não é tão<br />

bonzinho e tão pacífico como se fala e talvez não seja tão paciente<br />

como se pensa. Pelo menos dois nunca foram muito pacientes: os<br />

gaúchos e os pernambucanos.<br />

INTERCOM — Com relação às suas idéias, que aspecto o senhor con-<br />

si<strong>de</strong>ra ainda pouco trabalhado? Para on<strong>de</strong> é que o senhor vai em<br />

termos <strong>de</strong> pesquisa e o que lhe parece mais necessário ainda <strong>de</strong> ser<br />

elaborado?<br />

Prof. Luiz Beltrão — Olha, eu ando muito preocupado com a folk-<br />

<strong>comunicação</strong>. Eu costumo dizer sempre que o meu trabalho tem<br />

sido todo abrindo picadas para que outros aqueçam o caminho. Eu,<br />

por exemplo, preciso <strong>de</strong> muito mais elementos para uma teoria da<br />

folk<strong>comunicação</strong>. Aliás, eu acho que nós estamos precisando <strong>de</strong><br />

muito mais elementos para uma teoria da própria <strong>comunicação</strong>, que<br />

ainda não tem os elementos suficientes para isso. Mas da folkco-<br />

municação precisamos realmente <strong>de</strong> muito mais estudos. No livro<br />

que eu vou editar agora, <strong>de</strong>lineio os elementos teóricos e em seguida<br />

passo a mostrar certos caminhos. Este livro ainda não me satis-<br />

faz em certas coisas. Por exemplo: às vezes me vem a idéia <strong>de</strong> que a<br />

pessoa po<strong>de</strong> confundir a folk<strong>comunicação</strong> com uma <strong>comunicação</strong><br />

classista. Mas ela não é exatamente uma <strong>comunicação</strong> classísta.<br />

14


Neste livro eu estu<strong>de</strong>i alguns grupos que utilizam a folkcomumcação,<br />

isto é, meios não-formais <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> ligados direta ou indire-<br />

tamente ao folclore. Então eu vi que alguns <strong>de</strong>sses grupos têm ca-<br />

pacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração na socieda<strong>de</strong>, apenas não concordam com<br />

essa socieda<strong>de</strong>. Os grupos a que me refiro são os <strong>cultura</strong>lmente mar-<br />

ginalizados, contestam a <strong>cultura</strong> dominante. Eles contestam, por<br />

exemplo, as crenças dominantes na socieda<strong>de</strong> e as religiões estabe-<br />

lecidas. O grupo erótico-pomográfico não aceita, por exemplo, a<br />

moral dominante.<br />

15


Carlos Rodrigues Brandão:<br />

a influência da <strong>comunicação</strong> se<br />

dá no interior <strong>de</strong> complexas<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações <strong>cultura</strong>is<br />

entre sujeitos sociais<br />

Dario Luis Borelli *<br />

Virgílio Noya Pinto **<br />

Temos a satisfação <strong>de</strong> apresentar aos pesquisadores e agentes so-<br />

ciais da <strong>comunicação</strong> da América Latina presentes no X Ciclo <strong>de</strong><br />

Estudos Interdisciplinares da Comunicação que a INTERCOM estará<br />

promovendo <strong>de</strong> 4 a 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 87, em Campinas (SP), uma abor-<br />

dagem antropológica do trinômio Democracia, Comunicação e Cultura<br />

elaborada por Carlos Rodrigues Brandão, professor do Departamen-<br />

to <strong>de</strong> Ciências Sociais da UNICAMP.<br />

Atualmente, o antropólogo e educador Carlos Rodrigues Brandão<br />

divi<strong>de</strong> o seu tempo <strong>de</strong> trabalho entre o estudo, a pesquisa e a do-<br />

cência <strong>de</strong> Antropologia Social, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1963 nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> par-<br />

ticipar do <strong>de</strong>bate extra-universitário dos movimentos e experiências<br />

<strong>de</strong> educação e <strong>cultura</strong> popular. Após se formar psicólogo na PUC<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ele fez o mestrado em Antropologia Social na<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília e o doutorado em Ciências Sociais na Uni-<br />

versida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Diz que tudo o que escreveu até hoje, "fora<br />

a poesia que me persegue <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a adolescência", são os seus rela-<br />

tórios <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> Antropologia ou os livros entre a didática e<br />

a militãncia, dirigidos a educadores.<br />

* Mestrando em Ciências da Comunicação na ECA-USP. Editor-assis-<br />

tente <strong>de</strong> INTERCOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação.<br />

** Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Pós-Graduação da ECA-USP. Autor do li-<br />

vro Comunicação e Cultura Brasileira (São Paulo, Editora Atica, 1986).<br />

16


Publicou, entre outras, as seguintes obras: Cavalhadas <strong>de</strong> Pirenópolis,<br />

Mão <strong>de</strong> Obra, Os Objetos do Dia, Peões Pretos e Gongos, por editoras dè<br />

Goiânia. O Divino, o Santo e a Senhora, Plantar, Colher e Comer,<br />

As Folias <strong>de</strong> Reis <strong>de</strong> Mossâme<strong>de</strong>s, Lutar com a Palavra, Sacerdotes<br />

<strong>de</strong> Viola, publicadas por editoras do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Por editoras do<br />

estado <strong>de</strong> São Paulo publicou: Os Deuses do Povo, Diário <strong>de</strong> Campo,<br />

O Que é Educação, O Que é Método Paulo Freire, O Que é Folclore,'<br />

O Ardil da Or<strong>de</strong>m, Casa <strong>de</strong> Escola, Educação como Cultura e, mais<br />

recentemente, I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> & Etnia. E coor<strong>de</strong>nou as edições <strong>de</strong>: A<br />

Questão Política da Educação Popular, <strong>Pesquisa</strong> Participante e O Edu-<br />

cador — Vida e Morte.<br />

INTERCOM — A que resultados chegou com relação à <strong>cultura</strong> bra-<br />

sileira após sua jornada pelo campo da psicologia, da educação e,<br />

mais recentemente, da antropologia?<br />

Prof. Carlos R. Brandão — Eu seria menos <strong>de</strong>sonesto se dissesse que<br />

ainda não cheguei propriamente a "resultados", após tantas andan-<br />

ças e por tantos caminhos. Na verda<strong>de</strong>, creio ter chegado a algu-<br />

mas suspeitas, a algumas zonas <strong>de</strong> compreensão um pouco mais<br />

transparentes, mas não creio ter agora idéias mais <strong>de</strong>finitivas a res-<br />

peito da questão da <strong>cultura</strong>, da <strong>cultura</strong> brasileira ou a respeito <strong>de</strong><br />

qualquer outro assunto que toque o homem, sua história, mistérios,<br />

símbolos e experiências <strong>de</strong> vida. De resto, não me sinto muito con-<br />

tra a corrente mais atual da própria antropologia. Faz muito tem-<br />

po nós nos livramos coletivamente da certeza ilusória e, ao mesmo<br />

tempo, da obrigação <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarmos os mistérios do homem, da<br />

socieda<strong>de</strong> e da <strong>cultura</strong>, <strong>de</strong>finitivamente subordinados a leis <strong>de</strong> ori-<br />

gem, <strong>de</strong> transformação e <strong>de</strong> sentido. Cada vez mais idéias como<br />

"leis", "principios" e "<strong>de</strong>terminantes" são palavras e assunto do mu-<br />

seu da antropologia. Sabemos que o campo que exploramos é bas-<br />

tante mais complexo, polissêmico e diferenciado do que imaginavam<br />

os nossos "pais fundadores". De algum modo, apren<strong><strong>de</strong>mo</strong>s a pensar<br />

a própria realida<strong>de</strong> da <strong>cultura</strong> como uma coisa que se abre a várias<br />

interpretações e, a seu modo, cada uma <strong>de</strong>las torna mais clara, mais<br />

compreensível, uma região obscura e inteligível da própria experiên-<br />

cia do homem com os seus símbolos e significados.<br />

A própria idéia <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> brasileira presta-se muito bem a pen-<br />

sar isto. Faz algum tempo havíamos erigido algo como "a <strong>cultura</strong><br />

brasileira" como alguma coisa cuja realida<strong>de</strong> seria indiscutível, cuja<br />

unida<strong>de</strong> seria inquestionável e cuja absoluta peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria<br />

ser motivo <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> orgulho nacional que não imagináva-<br />

mos tão imenso entre outros povos, em outras <strong>cultura</strong>s. Pois agora<br />

temos uma compreensão ao mesmo tempo mais rica e muito mais<br />

humil<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguma coisa a que é difícil, agora, dar o mesmo nome<br />

<strong>de</strong> "<strong>cultura</strong> brasileira".<br />

Uma visão classista, resultado <strong>de</strong> uma leitura apressada <strong>de</strong> co-<br />

mo as coisas <strong>de</strong>veriam ser, mais do que são, na realida<strong>de</strong>, permitiu<br />

que em um momento seguinte fizéssemos uma divisão arbitrária en-<br />

tre uma <strong>cultura</strong> erudita (dominante, hegemônica, das elites etc.) e<br />

uma <strong>cultura</strong> popular (dominada, das classes trabalhadoras, dos su-<br />

balternos, do povo etc). Eu mesmo escrevi assim, muito. Não me<br />

arrependo, porque correspon<strong>de</strong>u ao tempo em que foi escrito. Mas<br />

não o faria do mesmo modo, outra vez.<br />

17


Porque agora sabemos que, em primeiro lugar, a experiência<br />

humana e social da <strong>cultura</strong> não correspon<strong>de</strong> exatamente a territó-<br />

rios nacionais e, possivelmente, uma <strong>de</strong> suas maiores gran<strong>de</strong>zas seja<br />

justamente esta possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanentemente transpor e trans-<br />

gredir os territórios políticos e nacionais em que a querem encer-<br />

rar. Em segundo lugar, a própria polarida<strong>de</strong> erudito X popular, tão<br />

útil para tantas explicações, na verda<strong>de</strong> dissolve-se na realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

múltiplas <strong>cultura</strong>s, tantas e tão diferenciadas quantas são as pos-<br />

sibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> experiência da vida e <strong>de</strong> significação da vida por par-<br />

te <strong>de</strong> segmentos da vida social brasileira. Primeiro <strong>de</strong>scobrimos -—<br />

sem a ingenuida<strong>de</strong> escolar <strong>de</strong> nossos antecessores — que existem di-<br />

ferenças regionais e, mais importantes do que elas, diferenças étni-<br />

cas, <strong>de</strong> grupos sócio-<strong>cultura</strong>is e <strong>de</strong> subgrupos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>les. Desco-<br />

brimos uma vez mais, por exemplo, a <strong>cultura</strong> indígena, que, sendo<br />

no Brasil, recusa-se a ser brasileira. Depois re<strong>de</strong>scobrímos as dife-<br />

renças entre <strong>cultura</strong>s gê e <strong>cultura</strong>s tupi. Depois, ainda, re<strong>de</strong>scobrí-<br />

mos a peculiarida<strong>de</strong> da experiência <strong>cultura</strong>l <strong>de</strong> cada grupo especí-<br />

fico, <strong>de</strong> cada tribo. Isto vale mais para os segmentos não-indígenas<br />

<strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>. As múltiplas <strong>cultura</strong>s e diferenças <strong>cultura</strong>is dos<br />

povos camponeses e <strong>de</strong>mais povos rurais do país. Aquelas a que da-<br />

mos com freqüência o nome <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>s tradicionais. Depois, a nova<br />

e riquíssima experiência <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> e <strong>cultura</strong>s que, hoje, são criadas<br />

e recriadas na periferia das cida<strong>de</strong>s. Algo que tem sido cada vez<br />

com mais freqüência estudado entre nós: as <strong>cultura</strong>s dos movimen-<br />

tos sociais, dos movimentos populares. Aquilo que eles acrescentam,<br />

como símbolo e significados, ao repertório <strong>de</strong> nomes e palavras,<br />

mas também <strong>de</strong> gestos e cantos com que contamos para, afinal, sa-<br />

bermos por nós próprios quem somos e o valor do que fazemos.<br />

INTERCOM — Existe uma personalida<strong>de</strong> padrão do brasileiro?<br />

Prof. Carlos R. Brandão — A idéia <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> padrão foi mui-<br />

to comum na sociologia e na psicologia do passado. Hoje em dia<br />

ela tem sido muito posta em questão. O que se sabe — e há inú-<br />

meras investigações <strong>de</strong> psicólogos e antropólogos abordando isto ■—<br />

é que certos padrões básicos <strong>de</strong> relações primárias, entre pais e fi-<br />

lhos, por exemplo, po<strong>de</strong>m constituir certos modos coletivos <strong>de</strong> se ser,<br />

como uma pessoa social. Mas entre isto e a afirmação <strong>de</strong> que exis-<br />

te uma espécie <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> padrão do brasileiro, que o tor-<br />

naria diferente tanto <strong>de</strong> vizinhos, como os argentinos, quanto <strong>de</strong><br />

distantes, como os tailan<strong>de</strong>ses, há uma perigosa distância. Aqui<br />

mesmo no Brasil convivemos com várias e diferentes tendências <strong>de</strong><br />

conduta e <strong>de</strong> compreensão da realida<strong>de</strong>. Seriam várias "personali-<br />

da<strong>de</strong>s <strong>de</strong> brasileiros". Mas a gran<strong>de</strong> questão é que este problema,<br />

sem dúvida alguma tão generosamente fascinante quanto difícil e<br />

controvertido, tem sido mais objeto <strong>de</strong> preconceitos e gratuida<strong>de</strong>s<br />

do que <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> fato consistentes. Há, por exemplo, entre<br />

nós, um preconceito bastante difundido contra o carioca. Ele seria<br />

o sujeito pouco dado ao trabalho, amigo <strong>de</strong> praia, cerveja e prazer.<br />

Pois bem, uma séria pesquisa <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrou, faz pouco tempo, que<br />

o operariado carioca possui uma rotina <strong>de</strong> trabalho em nada dife-<br />

rente à do paulista e, sob certos pontos <strong>de</strong> vista, mais fatigante e<br />

produtiva do que a <strong>de</strong> operários norte-americanos e europeus.<br />

Hoje em dia voltamos à questão da "personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> base" com<br />

conceitos e teorias muito mais refinados. Por exemplo, toda a íér-<br />

18


til discussão sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

étnica na antropologia, na sociologia e na psicologia. Aqui mesmo<br />

no Brasil, uma ainda pequena, mas fértil nova produção <strong>de</strong> pes-<br />

quisas e escritos sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, sobre o ethos <strong>de</strong> diferentes<br />

grupos e categorias <strong>de</strong> sujeitos <strong>cultura</strong>is no Brasil, tem renovado<br />

bastante a própria visão que temos do assunto.<br />

Mas, para não <strong>de</strong>ixar a pergunta sem uma resposta, eu diria<br />

que em absoluto não existe cientificamente uma "personalida<strong>de</strong> pa-<br />

drão do brasileiro". Existem várias, diferentes e até contrastantes<br />

disposições <strong>de</strong> conduta, <strong>de</strong> orientação do sentido da vida, <strong>de</strong> repre-<br />

sentação simbólica da realida<strong>de</strong>, que po<strong>de</strong>riam configurar diferentes<br />

"maneiras <strong>de</strong> ser", se quisermos, diversas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segmentos<br />

sociais e <strong>cultura</strong>is <strong>de</strong> brasileiros e <strong>de</strong> outras pessoas no Brasil, como<br />

os nossos indígenas.<br />

INTERCOM — Como é que "elas" (as diversas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segmen-<br />

tos sociais e <strong>cultura</strong>is <strong>de</strong> brasileiros) vêm se modificando com a<br />

presença dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>?<br />

Prof. Carlos R. Brandão — Acho que esta pergunta po<strong>de</strong>ria ser res-<br />

pondida mais facilmente por vocês, especialistas em <strong>comunicação</strong>,<br />

do que por mim. O que eu po<strong>de</strong>ria dizer, com base em minhas pró-<br />

prias experiências <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> pesquisa, e com base em leituras e<br />

estudos, é que a presença e o incremento dos meios <strong>de</strong> comunica-<br />

ção sem dúvida alguma exercem alguma influência psicológica e cul-<br />

tural sobre as pessoas e sobre os grupos sociais. Quem seriamos e<br />

como seríamos sem a televisão em nossas vidas? Mas o que im-<br />

porta é que, em si mesmos, os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> pouco "mu-<br />

dam". O que muda é aquilo que se transforma no bojo das re<strong>de</strong>s<br />

e tramas <strong>de</strong> relações sociais e simbólicas entre pessoas, entre gru-<br />

pos <strong>de</strong> pessoas, entre classes e outros segmentos etários, sociais e<br />

étnicos. A influência dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> se dá no interior<br />

<strong>de</strong> tais complexas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações <strong>cultura</strong>is entre sujeitos sociais,<br />

se dá através disto. Uma maneira simples <strong>de</strong> dizer isto é afirmar que<br />

as pessoas <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> rural mudam mais através do que<br />

falam e como se comunicam após a TV começar a chegar em suas<br />

casas e vidas, do que através da influência pura e simples <strong>de</strong> seus<br />

programas.<br />

De resto, parece que pequenos grupos espalhados por todo o<br />

pais possuem um po<strong>de</strong>r bastante maior <strong>de</strong> "fazer a cabeça" do que<br />

os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Nas comunida<strong>de</strong>s rurais <strong>de</strong> Goiás, Minas<br />

e São Paulo on<strong>de</strong> pesquiso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1968, pequenos grupos <strong>de</strong> "cren-<br />

tes" pentecostais produzem mais modificações <strong>de</strong> fato significativas<br />

no modo <strong>de</strong> ser, <strong>de</strong> se conduzir e <strong>de</strong> se representar, como pessoas e<br />

sujeitos sociais, do que todos os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />

Se alguma coisa muda em "nós", há <strong>de</strong> ser também por causa<br />

dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Mas nada é antropologicamente mais in-<br />

<strong>de</strong>vido e errado do que isolá-los ou, pior ainda, isolar um <strong>de</strong> tais<br />

meios, e procurar <strong>de</strong>terminar os efeitos diretos <strong>de</strong>les ou <strong>de</strong>le sobre<br />

as mudanças <strong>cultura</strong>is no país. Porque eles são também parte das<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações que mudam e se modificam. Que os transformam<br />

continuamente, para que eles, por causa disto, possam participar do<br />

complexissimo jogo simbólico do que "muda" e do que "permanece"<br />

em cada um <strong>de</strong> nós, em nossas <strong>cultura</strong>s.<br />

19


INTERCOM — Qual é o <strong>de</strong>stino da <strong>cultura</strong> popular diante da indús-<br />

tria <strong>cultura</strong>l?<br />

Prof. Carlos R. Brandão — Acho que em boa medida a resposta à<br />

pergunta anterior po<strong>de</strong>ria caber aqui também. Sem dúvida alguma<br />

os meios e, principalmente, o po<strong>de</strong>r dos meios <strong>de</strong> significação e <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong> e as estratégias da indústria <strong>cultura</strong>l exercem influên-<br />

cia sobre a <strong>cultura</strong> popular. Uma área que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitos anos me<br />

interessa particularmente, a da música sertaneja, o <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra cla-<br />

ramente. Faz algum tempo os cantores das "duplas sertanejas" can-<br />

tavam para os seus iguais, para os seus santos, para o seu público<br />

direto, as pessoas <strong>de</strong> suas e <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>s rurais semelhan-<br />

tes. Hoje e cada vez mais, eles cantam nas emissoras <strong>de</strong> rádio,<br />

para as gravadoras e com os olhos no "Som Brasil". Mas isto não<br />

quer dizer que o importante em tal tipo <strong>de</strong> música não esteja sendo<br />

preservado. Por outro lado, isto não significa que, por causa <strong>de</strong> tais<br />

novos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, novos padrões e novas possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> trabalho <strong>cultura</strong>l e artístico, não estejam sendo mais e mais ex-<br />

plorados. Não sejamos ingênuos. O fato é que, tal como em mi-<br />

nha resposta anterior, é necessário em primeiro lugar consi<strong>de</strong>rar o<br />

próprio "meio <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>" como um componente da <strong>cultura</strong>,<br />

tanto quanto a própria "indústria <strong>cultura</strong>l" — que não será mais<br />

do que uma dimensão contemporaneamente necessária e <strong>de</strong>pravada<br />

— para, então, analisar o seu efeito. Curioso que os produtores po-<br />

pulares <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> com quem me relaciono faz anos lidam com os<br />

meios e mundos da indústria <strong>cultura</strong>l com uma naturalida<strong>de</strong> apa-<br />

rentemente muito maior do que a nossa. Mais ameaçados, parece<br />

que a temem menos.<br />

Em sintese, não é possível prever um <strong>de</strong>stino único para a cul-<br />

tura popular face à indústria <strong>cultura</strong>l, justamente porque não há<br />

uma única, mas uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>s popula-<br />

res e, do mesmo modo, existem várias e diferentes possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

relacionamento entre elas e as indústrias <strong>cultura</strong>is.<br />

INTERCOM — A <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia no Brasil, sobretudo na perspectiva <strong>de</strong><br />

uma Nova Constituição, terá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resguardar e resgatar<br />

uma <strong>cultura</strong> brasileira?<br />

Prof. Carlos R. Brandão — Tenho dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r com<br />

segurança o que seja hoje, no Brasil, uma <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia e uma expe-<br />

riência <strong>cultura</strong>l <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática. Creio que vivemos um processo <strong>de</strong><br />

"abertura" parcelar das alternativas políticas, sociais e <strong>cultura</strong>is da<br />

vida, mas ainda estamos longe <strong>de</strong> vivermos uma experiência <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />

crática. Veja você o próprio caso da informação. Pobres do sen-<br />

tido político e pessoal da cidadania, ainda consi<strong>de</strong>ramos a comuni-<br />

cação <strong>de</strong> massas e a informação como um benefício, como uma dá-<br />

diva que o governo autoriza existir (mas que ele po<strong>de</strong> censurar<br />

quando quiser) e que certas empresas especializadas realizam e nos<br />

ofertam, gratuitamente. Lidamos com o "Jornal Nacional" como<br />

uma dádiva e, por isso, temos uma dificulda<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong> em<br />

compreen<strong>de</strong>rmos que a informação é um direito da cidadania e que,<br />

portanto, todos nós somos responsáveis pelo seu "<strong>de</strong>stino" e pela<br />

sua qualida<strong>de</strong>.<br />

Não creio que constituições e constituintes tenham o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

fazer isto ou aquilo com a <strong>cultura</strong>, <strong>de</strong> que elas próprias são uma<br />

20


parte e um momento, e que é muito mais dinâmica e, historicamen-<br />

te, muito mais po<strong>de</strong>rosa do que elas. Mas, como verda<strong>de</strong>ira ou ilu-<br />

sória realização da vonta<strong>de</strong> social e do contrato "<strong>de</strong> todos entre to-<br />

dos", uma constituinte po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve levar em conta questões relati-<br />

vas k <strong>cultura</strong> — como processo, como po<strong>de</strong>r, como instituição, co-<br />

mo simbolo, como patrimônio — e <strong>de</strong>ve procurar estabelecer prin-<br />

cípios não tanto <strong>de</strong> "salvaguarda", mas <strong>de</strong> realização da <strong>cultura</strong> co-<br />

mo uma experiência participada, aberta, enfim, verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>-<br />

mocrática.<br />

INTERCOM — Até que ponto a Comunicação, compreendida aqui<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o simples contato entre os indivíduos até os mais sofisticados<br />

meios eletrônicos, é um processo impulsionador na evolução <strong>cultura</strong>l?<br />

Prof. Carlos R. Brandão — Creio po<strong>de</strong>r respon<strong>de</strong>r isto <strong>de</strong> uma ma-<br />

neira muito simples. Até pouco tempo atrás a <strong>cultura</strong> da humani-<br />

da<strong>de</strong>, a <strong>de</strong> cada povo, a <strong>de</strong> cada tribo, era basicamente como aqui-<br />

lo que os homens faziam e transformavam ao se relacionar com a<br />

natureza. Hoje em dia, uma compreensão mais atual da <strong>cultura</strong><br />

prefere vê-la muito mais como símbolos e relações entre homens<br />

através <strong>de</strong> símbolos, do que como objetos e produções dos homens<br />

sobre a natureza. Afinal, sabemos hoje que a <strong>cultura</strong> é menos o que<br />

os homens fazem e mais o que eles se dizem. Ora, isto não é outra<br />

coisa senão <strong>comunicação</strong>.<br />

INTERCOM — Em suas pesquisas atuais sobre a <strong>cultura</strong> brasileira,<br />

os problemas <strong>de</strong>correntes da Comunicação estão sendo consi<strong>de</strong>rados?<br />

Prof. Carlos R. Brandão — De alguma maneira sim. Minha última<br />

pesquisa, entre camponeses tradicionais <strong>de</strong> São Luís do Paraitinga,<br />

em São Paulo, abordou a questão da reprodução do saber. Isto é,<br />

eu quis compreen<strong>de</strong>r como as pessoas dali transmitem umas às ou-<br />

tras, no trabalho, em casa, fora <strong>de</strong>la e até na escola, diferentes mo-<br />

dalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento necessário. Ora, sem estar propriamen-<br />

te investigando meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, eu estive todo o tempo pes-<br />

quisando modos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Espero que até o fim do ano o<br />

primeiro <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> três trabalhos <strong>de</strong>sta pesquisa seja publi-<br />

cado pela Brasiliense. Ele aborda a questão das relações entre a cul-<br />

tura camponesa e a escola rural e seu nome provavelmente será:<br />

O Trabalho <strong>de</strong> Saber.<br />

21


ENSAIOS<br />

Quando a Ciência é Notícia —<br />

Estudo comparativo<br />

da cobertura científica<br />

na imprensa diária do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong> Sáo Paulo*<br />

José Marques <strong>de</strong> Melo<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

1.1. Antece<strong>de</strong>ntes<br />

O Jornalismo Científico constitui um campo <strong>de</strong> estudos pouco<br />

<strong>de</strong>senvolvido no Brasil. Sua emergência ocorre no início da década<br />

<strong>de</strong> 70, quando o Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração da ECA-<br />

USP promove a vinda <strong>de</strong> Manuel Calvo Hernando ao país, com a<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ministrar um curso <strong>de</strong> extensão universitária sobre a<br />

matéria. Des<strong>de</strong> então, algumas iniciativas se verificaram no âmbito<br />

da pesquisa ou da reflexão teórica. Vera Lúcia Salles <strong>de</strong> Oliveira<br />

efetuou um estudo biográfico sobre João Ribeiro, consi<strong>de</strong>rado pelo<br />

Prof. José Reis como pioneiro da divulgação científica no pais. Wil-<br />

son da Costa Bueno realizou sua tese <strong>de</strong> doutoramento sobre a i<strong>de</strong>o-<br />

logia do Jornalismo Científico no Brasil, culminando assim um con-<br />

* Agra<strong>de</strong>cemos a colaboração <strong>de</strong> Fátima Feliciano e Marco Morei, que<br />

realizaram a mensuração da superfície impressa dos jornais pesquisados.<br />

O estudo tomou-se possível pelo apoio financeiro do CNPq, on<strong>de</strong> encon-<br />

tramos estímulo através <strong>de</strong> Célio da Cunha, Walter Garcia e Magali Izuwa.<br />

*• Proíessor-Titular e Chefe do Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Edito-<br />

ração da ECA-USP.<br />

23


junto <strong>de</strong> análise que vem fazendo sobre a dimensão política <strong>de</strong>ssa<br />

ativida<strong>de</strong> noticiosa. Magali Izuwa fez um levantamento sobre a no-<br />

tícia cientifica em vários jornais brasileiros, <strong>de</strong>tectando a abrangên-<br />

cia <strong>de</strong>sse noticiário no contexto da imprensa cotidiana.<br />

Além disso, algumas reflexões têm sido estimuladas sobre o<br />

conceito, a natureza e as mutações do Jornalismo Científico. Duas<br />

instituições têm se preocupado com a questão. A .Associação Bra-<br />

sileira <strong>de</strong> Jornalismo Cientifico promoveu, em 1981, um Ciclo <strong>de</strong> De-<br />

bates, e realizou, em 1982, um Congresso Nacional, on<strong>de</strong> afloraram<br />

muitas das discussões epístemológicas e metodológicas. A Socieda-<br />

<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação — IN-<br />

TERCOM — através do seu Grupo <strong>de</strong> Estudos sobre Comunicação,<br />

Ciência e Socieda<strong>de</strong>, organizou alguns simpósios no espaço da Reu-<br />

nião Anual da SBPC para confrontar cientistas e jornalistas diante<br />

das principais variáveis políticas que marcam a fisionomia do Jor-<br />

nalismo Científico no país.<br />

Ressalte-se ainda o esforço empreendido pelo Mestrado em Co-<br />

municação Científica e Tecnológica do Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensi-<br />

no Superior, em São Bernardo do Campo, no sentido <strong>de</strong> sistemati-<br />

zar a análise sobre os processos <strong>de</strong> divulgação científica e <strong>de</strong> popu-<br />

larização da tecnologia produzida pelos centros avançados da pes-<br />

quisa do país. Resultado <strong>de</strong>sse trabalho é a edição monográfica da<br />

revista Comunicação & Socieda<strong>de</strong> (1982) sobre Jornalismo Científi-<br />

co/Jornalismo Brasileiro, on<strong>de</strong> foram <strong>de</strong>senvolvidas algumas hipó-<br />

teses sobre uma nova concepção <strong>de</strong> Jornalismo Científico. E tam-<br />

bém a observação <strong>de</strong> práticas concretas, como aquela que foi ini-<br />

ciada em 1981 pela Agência Brasileira <strong>de</strong> Divulgação Científica, apoia-<br />

da pelo CNPq.<br />

No âmbito da Escola <strong>de</strong> Comunicações e Artes da Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> São Paulo, o Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração vem res-<br />

gatando as iniciativas pioneiras encetadas no início da década passa-<br />

da. Por enquanto, as ativida<strong>de</strong>s realizadas limitam-se a projetos<br />

curriculares: a ministração <strong>de</strong> um curso semestral sobre "Difusão<br />

da Ciência e Tecnologia" (em nível <strong>de</strong> graduação) e <strong>de</strong> cursos even-<br />

tuais sobre Teoria e Prática do Jornalismo Científico (em nível <strong>de</strong><br />

pós-graduação).<br />

1.2. O avanço da pesquisa<br />

No que se refere particularmente à pesquisa, os avanços não são<br />

gran<strong>de</strong>s. Os resultados até agora obtidos mostram-se provisórios e<br />

fragmentados. Os estudos <strong>de</strong> Magali Izuwa e <strong>de</strong> Wilson da Costa<br />

Bueno cruzam perspectivas alentadoras. O primeiro, pelo suporte <strong>de</strong>s-<br />

critivo que oferece para o redimensionamento do noticiário científico<br />

nos jornais diários. O segundo, pelas evidências sócio-politicas que<br />

oferecem a compreensão da engrenagem subjacente à cobertura dos<br />

acontecimentos nacionais no plano da ciência e da tecnologia.<br />

Avançar a pesquisa nesse campo significa, na nossa maneira<br />

<strong>de</strong> ver, sistematizar mais a<strong>de</strong>quadamente o referencial teórico que<br />

vem sendo utilizado pelos pesquisadores e confrontá-los com a prá-<br />

tica permanente da informação científica processada nos gran<strong>de</strong>s<br />

meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Isso eqüivale a superar a <strong>de</strong>fasagem entre a<br />

teoria e a prática do Jornalismo Cientifico, abrindo caminhos para<br />

que as novas gerações <strong>de</strong> pesquisadores possam observar e inter-<br />

24


pretar as manifestações noticiosas que privilegiam a produção e dis-<br />

seminação do conhecimento.<br />

Trata-se evi<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> uma alternativa que busca combinar<br />

o trabalho <strong>de</strong> pesquisa com a tarefa pedagógica. De um lado, a<br />

preocupação com os conceitos, as categorias, os processos <strong>de</strong> codi-<br />

ficação e as técnicas <strong>de</strong> difusão. De outro lado, o acompanhamento<br />

perspicaz das ocorrências concretas que encontram abrigo nos MCM<br />

e fazem a ligação entre cidadãos e cientistas.<br />

É nessa direção que se alinha esta pesquisa, preten<strong>de</strong>ndo ser<br />

uma contribuição para a apreensão da ciência enquanto objeto no-<br />

ticioso e para a <strong>de</strong>terminação dos gêneros jornalísticos que concre-<br />

tizam os respectivos relatos na imprensa diária. Esperamos que os<br />

resultados obtidos possam servir como fonte <strong>de</strong> apoio para os novos<br />

jornalistas que divulgarão os fatos científicos e como estimulo para<br />

os jovens pesquisadores que vislumbrarão outras facetas do Jorna-<br />

lismo Científico praticado no Brasil.<br />

1.3. O estudo projetado<br />

Há alguns anos temos nos <strong>de</strong>dicado a observar sistematicamen-<br />

te os jornais diários <strong>de</strong> São Paulo, privilegiando duas variáveis: a)<br />

os gêneros jornalísticos, b) a expressão opinativa. Essa análise cor-<br />

respon<strong>de</strong> a um prolongamento do nosso trabalho didático nas dis-<br />

ciplinas "Jornalismo Opinativo" e "Gêneros Opinativos na Imprensa<br />

Diária". Correspon<strong>de</strong> também a uma tentativa <strong>de</strong> obter melhor ins-<br />

trumental metodológico para orientar a prática e a crítica dos gêne-<br />

ros opinativos no jornalismo cotidiano. Verificando que a frontei-<br />

ra entre informação e opinião na imprensa diária é bastante tênue,<br />

quase inexistente, <strong>de</strong>cidimo-nos a localizar um setor do noticiário ca-<br />

paz <strong>de</strong> oferecer evidências que robusteçam a hipótese basilar. Daí<br />

a intenção <strong>de</strong> privilegiar o noticiário científico, apreen<strong>de</strong>ndo sua sig-<br />

nificação jornalística e suas formas <strong>de</strong> expressão verbal. A escolha<br />

<strong>de</strong>ve-se ao caráter factual e à dimensão objetiva <strong>de</strong> que se reveste<br />

esse setor do noticiário no conjunto do espaço noticioso do jornal<br />

diário.<br />

O corpus da pesquisa é formado pelas edições dos jornais diá-<br />

rios das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> São Paulo e do Rio <strong>de</strong> Janeiro, durante uma se-<br />

mana escolhida aleatoriamente: 27 <strong>de</strong> agosto a 2 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

1984. A observação recaiu sobre as unida<strong>de</strong>s relacionadas que relatam<br />

fatos vinculados ao mundo da ciência. Adotamos um conceito abran-<br />

gente <strong>de</strong> Jornalismo Cientifico (não restrito às ciências exatas ou<br />

biológicas).<br />

As indagações fundamentais foram as seguintes:<br />

a) Qual a natureza da notícia científica?<br />

b) Que protagonistas dão sentido ao noticiário científico?<br />

c) Quais as fontes que nutrem o noticiário cientifico?<br />

d) Através <strong>de</strong> que gêneros jornalísticos a ciência se torna no-<br />

tícia?<br />

e) Quais os limites entre a informação e a opinião no noticiá-<br />

rio que privilegia os fatos científicos?<br />

O estudo foi realizado segundo as possibilida<strong>de</strong>s oferecidas pelo<br />

método comparativo. Cada jornal mereceu uma análise isolada, o<br />

que permitiu um tratamento posterior <strong>de</strong> correlação dual ou múltipla.<br />

25


A i<strong>de</strong>ntificação das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise foi feita através <strong>de</strong> uma<br />

combinação das técnicas <strong>de</strong> pesquisa construídas por Jacques Kayser<br />

— Une Semaine dans <strong>de</strong> Mon<strong>de</strong> (Paris, UNESCO, 1953) e El Periódico<br />

— Estúdios <strong>de</strong> Morfologia, <strong>de</strong> Metodologia y <strong>de</strong> Prensa Comparada<br />

(Quito, CIESPAL, 1964) — por Joffre Dumazedier — Análises <strong>de</strong> 23<br />

Revistas Ilustradas, In De Ia Sociologia <strong>de</strong> Ia Comunicación Colectiva<br />

a Ia Sociologia <strong>de</strong>i Desarrollo Cultural (Quito, CIESPAL, 1968) — e<br />

por Violette Morin — Une Analyse <strong>de</strong> Presse: le voyage <strong>de</strong> Khroucht-<br />

chev en Franca, Communications (1), Paris, Seuil, 1961 e Tratamiento<br />

Periodistico <strong>de</strong> Ia Información (Barcelona, ATE, 1974).<br />

Recorremos basicamente ao referencial testado em pesquisas an-<br />

teriores sobre jornais brasileiros e que estão reproduzidas nos nossos<br />

livros — Comunicação Social: Teoria e <strong>Pesquisa</strong> (Petrópolis, Vozes,<br />

1970), Estudos <strong>de</strong> Jornalismo Comparado (São Paulo, Pioneira, 1972) e<br />

A Opinião no Jornalismo Brasileiro (Petrópolis, Vozes, 1985).<br />

2. RESULTADOS DA PESQUISA<br />

2.1. Âmbito e natureza da cobertura cientifica<br />

Os resultados da pesquisa indicam que o Jornalismo Cientifico<br />

ocupa um espaço razoável na imprensa diária das duas gran<strong>de</strong>s ci-<br />

da<strong>de</strong>s brasileiras. Permanece o mesmo patamar dimensionado por<br />

Magali Izuwa na análise feita em 1983 nos gran<strong>de</strong>s jornais do Rio,<br />

São Paulo e Brasília. 1<br />

Comparando com os dados do estudo <strong>de</strong> morfologia e conteúdo<br />

que realizamos nos jornais diários <strong>de</strong> São Paulo em 1967, verifica-se<br />

que o espaço <strong>de</strong>dicado à ciência cresceu consi<strong>de</strong>ravelmente. Naque-<br />

le momento o conjunto temático "Educação-Ciência-Cultura" com-<br />

preendia 7% da superfície impressa. 2 Excluindo Educação e Cul-<br />

tura, esta pesquisa encontrou 5,7% no Rio e 5% em São Paulo reser-<br />

vados somente à Ciência. Trata-se, sem dúvida, <strong>de</strong> um aumento sig-<br />

nificativo, ocorrido num período <strong>de</strong> aproximadamente 15 anos, pois<br />

na década passada a situação parecia não haver mudado fundamen-<br />

talmente, conforme o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Abramczyk no 2.9 Congresso<br />

Iberoamerícano <strong>de</strong> Jornalismo Científico: "a situação atual <strong>de</strong> di-<br />

vulgação científica no Brasil está necessitando <strong>de</strong> forte motivação". 3<br />

Tal mudança tem sua explicação na postura política adotada pelo<br />

Estado brasileiro, na década <strong>de</strong> 80, priorizando a ciência e a tec-<br />

nologia na alocação dos recursos públicos. E <strong>de</strong>corre indiscutivel-<br />

mente do processo <strong>de</strong> transição política, criando condições para que<br />

cientistas venham a público divulgar suas pesquisas e para que jor-<br />

nais abram espaço e atribuam valor diferenciado aos acontecimentos<br />

do mundo da ciência e da tecnologia. Registramos aqui o comen-<br />

tário que, a esse respeito, fizemos em trabalho anterior. "Cada dia<br />

mais os pesquisadores rompem o mutismo que cultivaram no passa-<br />

do e saem a público para dizer o que pensam e o que sugerem para<br />

os problemas nacionais. Trata-se <strong>de</strong> um movimento que correspon-<br />

<strong>de</strong> ao exercício da cidadania pelos cientistas, utilizando o conheci-<br />

mento acumulado e o referencial metodológico dos respectivos cam-<br />

pos do saber para interpretar dados significativos da realida<strong>de</strong> e<br />

intervir na política. Expressa também uma ação orgânica da co-<br />

munida<strong>de</strong> cientifica no sentido <strong>de</strong> participar do <strong>de</strong>bate sobre a po-<br />

lítica científica e tecnológica e influir nas <strong>de</strong>cisões governamentais


e empresariais. O quadro atual é bem diverso daquele que predo-<br />

minou há algum tempo, quando o cientista comparecia às colunas<br />

dos jornais para exercer uma tarefa que mais se assemelhava a um<br />

apostolado da ciência e buscava obter uma legitimação pública para<br />

as observações e <strong>de</strong>scobertas que fazia na universida<strong>de</strong>, nos hospi-<br />

tais, nos centros <strong>de</strong> experimentação tecnológica. Hoje, com a im-<br />

portância assumida pela ciência e tecnologia na vida dos povos,<br />

constituindo fonte privilegiada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, mudou radicalmente o va-<br />

lor jornalístico atribuído aos acontecimentos que aí ocorrem. Ciên-<br />

cia e cientistas são notícias, encontrando sempre oportunida<strong>de</strong>s para<br />

divulgar coletivamente seus conhecimentos, suas idéias". 4<br />

Naturalmente a presença da ciência na imprensa diária ainda<br />

permanece cíngída àquela matriz <strong>de</strong> "divulgação <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>" a<br />

que se refere Marco Antônio Filippi e que "<strong>de</strong>corre da importância<br />

ou da transcendência do fato científico, que obriga momentanea-<br />

mente os órgãos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social a <strong>de</strong>la se ocuparem". Difere,<br />

portanto, da "divulgação sistemática" — "publicação metódica e ro-<br />

tineira dos fatos científicos e suas conseqüências, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemen-<br />

te <strong>de</strong>sses fatos serem ou não <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacada importância no momen-<br />

to" 5 — ambicionada por tantos cientistas e divulgadores científicos.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma contingência da natureza peculiar ao Jornalis-<br />

mo nas socieda<strong>de</strong>s capitalistas, on<strong>de</strong> os fatos se tomam notícia quan-<br />

do <strong>de</strong>spertam sensação e provocam impacto junto à socieda<strong>de</strong>.<br />

Fica evi<strong>de</strong>nte que o conceito <strong>de</strong> Jornalismo Científico utilizado<br />

nesta pesquisa procurou ultrapassar a ambigüida<strong>de</strong> característica<br />

das concepções formuladas por Calvo Hernando e José Reis, que al-<br />

mejam um comportamento da imprensa ao tratar do universo cien-<br />

tifico comprometido com a divulgação do saber, <strong>de</strong>sempenhando por-<br />

tanto uma missão educativa. Para Calvo Hernando essa missão con-<br />

siste em "educar a humanida<strong>de</strong> para viver e trabalhar no novo mun-<br />

do criado pela revolução cientifica". 8 E para José Reis ela signifi-<br />

ca "infundir nos leitores a atitu<strong>de</strong> científica, que não é útil apenas<br />

ao pesquisador, mas também ao cidadão comum, porque é uma ati-<br />

tu<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise crítica e <strong>de</strong> solução racional dos problemas". 7<br />

Embora reconhecendo que os conceitos <strong>de</strong> Calvo Hernando e José<br />

Reis possuem uma motivação justificável, proce<strong><strong>de</strong>mo</strong>s <strong>de</strong> modo<br />

abrangente i<strong>de</strong>ntificando nas páginas dos diários analisados as ma-<br />

térias cujo conteúdo jornalístico vinculam-se ao universo científico,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da sua finalida<strong>de</strong>. Desta maneira, arrolamos to-<br />

das as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação cuja temática explícita era a ciência<br />

e a tecnologia e procuramos <strong>de</strong>limitar inclusive a natureza <strong>de</strong> cada<br />

mensagem a partir da direcionalida<strong>de</strong> construída pelos respectivos<br />

produtores. Tomamos como referencial a classificação <strong>de</strong> Antônio<br />

Pasquali, que concebe três categorias na <strong>comunicação</strong> científica: a<br />

difusão, a divulgação e a disseminação. 8<br />

Pasquali <strong>de</strong>fine cada categoria da seguinte maneira:<br />

Difusão — "envio <strong>de</strong> mensagens elaboradas em códigos ou linguagens<br />

universalmente compreensíveis à totalida<strong>de</strong> do universo receptor<br />

disponível em uma unida<strong>de</strong> geográfica, sócio-política, <strong>cultura</strong>l<br />

etc".<br />

Divulgação — "envio <strong>de</strong> mensagens elaboradas mediante a transco-<br />

difícação <strong>de</strong> linguagens <strong>de</strong>scritivas a linguagens oni-compreensí-<br />

veis à totalida<strong>de</strong> do universo receptor disponível".<br />

27


Disseminação — "envio <strong>de</strong> mensagens elaboradas em linguagens es-<br />

pecializadas a receptores seletivos e restritos".<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente as três categorias da <strong>comunicação</strong> científica fluem<br />

através da imprensa diária, mas não assumem necessariamente fei-<br />

ção jornalística. O que as torna singulares enquanto produtos da<br />

informação <strong>de</strong> atualida<strong>de</strong>s é justamente aquele traço <strong>de</strong> "oportuni-<br />

da<strong>de</strong>" a que se refere Pilippi e que justifica a sua inserção na super-<br />

fície impressa. Geralmente tais mensagens logram espaço num jor-<br />

nal porque os seus produtores aguçam a sensibilida<strong>de</strong> informativa<br />

para encontrar "ganhos" narrativos que as situam no cenário da<br />

atualida<strong>de</strong> e funcionam como mecanismos <strong>de</strong> apelo aos leitores po-<br />

tenciais.<br />

De qualquer maneira, é preciso alertar para a circunstância <strong>de</strong><br />

que das três categorias a mais i<strong>de</strong>ntificada com a natureza própria<br />

do Jornalismo é a difusão, pois realiza a tarefa <strong>de</strong> informar em lin-<br />

guagem universal o que ocorre no mundo da ciência, tomando tais<br />

fatos acessíveis ao conhecimento do público receptor. No caso da<br />

disseminação, esse conhecimento fica restrito ao segmento do públi-<br />

co que domina o jargão em que a mensagem foi elaborada. Quanto<br />

à divulgação, trata-se <strong>de</strong> uma mensagem que, pressupondo transco-<br />

dificação (tradução da linguagem e simplificação do conteúdo), só<br />

se efetiva quando os seus produtores possuem competência científica<br />

(dominam o conteúdo específico) e competência comunicativa (do-<br />

minam o processo <strong>de</strong> vulgarização informativa).<br />

Pelos dados coletados nesta pesquisa, observa-se que a catego-<br />

ria predominante é sem dúvida a difusão, perfazendo 84% <strong>de</strong> toda<br />

a cobertura científica nos jornais paulistas e 57% nos jornais ca-<br />

riocas. Essa tendência é constante na quase totalida<strong>de</strong> dos jornais<br />

pesquisados, com exceção <strong>de</strong> O Globo, on<strong>de</strong> predominam as maté-<br />

rias <strong>de</strong> divulgação (57%).<br />

E interessante notar que a presença das categorias divulgação e<br />

disseminação é tanto mais expressiva quanto mais sintonizada com<br />

a composição sócio-econômico-<strong>cultura</strong>l dos jornais. Assim sendo, os<br />

jornais populares <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstram mais sensibilida<strong>de</strong> para acolher os<br />

textos <strong>de</strong> divulgação científica, enquanto os jornais <strong>de</strong> elite mostram<br />

maior propensão para publicar as matérias <strong>de</strong> disseminação <strong>de</strong> co-<br />

nhecimentos especializados.<br />

A diferença quantitativa observada no perfil da imprensa paulis-<br />

ta e da imprensa carioca em relação ã tarefa difusionista encontra<br />

confirmação no confronto entre o espaço ocupado pelas três catego-<br />

rias e o espaço distribuído pelos três tipos <strong>de</strong> autoria. Em São Paulo,<br />

predominam as matérias <strong>de</strong> difusão (84%) e também a autoria jor-<br />

nalística (88%); isso significa dizer que as matérias publicadas re-<br />

cebem tratamento noticioso por parte <strong>de</strong> profissionais da notícia, da<br />

reportagem e da edição. Já, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> é menor o es-<br />

paço da difusão (57%), verifica-se também uma menor proporção da<br />

autoria jornalística (73%) e uma maior projeção da autoria mista<br />

(21%). Consi<strong>de</strong>rando que os textos <strong>de</strong> divulgação no Rio <strong>de</strong> Janei-<br />

ro correspon<strong>de</strong>m a quase um terço da superfície impressa ocupada<br />

pela cobertura científica, é plausível que adquira maior vulto a atua-<br />

ção conjunta <strong>de</strong> cientistas e jornalistas para realizar a simplificação<br />

e vulgarização dos acontecimentos científicos, tornando-os compre-<br />

ensíveis à maioria dos leitores.<br />

28


2.2. Tratamento jornalístico<br />

A cobertura científica realizada pelos jornais diários <strong>de</strong> São Paulo<br />

e Rio <strong>de</strong> Janeiro não tem caráter autônomo, no sentido <strong>de</strong> ocupar<br />

um espaço próprio e <strong>de</strong>finido no conjunto da superfície impressa.<br />

As informações relativas aos acontecimentos configurados no âmbito<br />

da ciência e da tecnologia encontram-se dispersas e atomizadas nas<br />

páginas <strong>de</strong> cada jornal, ressentindo-se portanto daquela coor<strong>de</strong>nação<br />

editorial reivindicada por Magali Izuwa. 9<br />

As unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação que aparecem articuladas numa "cober-<br />

tura setorial específica" perfazem a média <strong>de</strong> 1/5 das edições ana-<br />

lisadas, sendo mais expressiva no Rio <strong>de</strong> Janeiro (29 0 /o) do que em<br />

São Paulo (24%). Essa diferença entre as duas cida<strong>de</strong>s é mais pro-<br />

funda do que parece à primeira vista. Apesar <strong>de</strong> todos os jornais<br />

cariocas possuírem espaços reservados para a cobertura científica,<br />

trata-se <strong>de</strong> uma superfície minoritária em relação à ocorrência <strong>de</strong><br />

matérias sobre ciência e tecnologia nas <strong>de</strong>mais páginas. Enquanto<br />

Isso, em São Paulo, on<strong>de</strong> apenas três jornais — Folha <strong>de</strong> S. Paulo,<br />

Folha da Tar<strong>de</strong> e Diário Popular — possuem seções para a infor-<br />

mação científica, nota-se que tais espaços são privilegiados, pois quan-<br />

titativamente superam as outras matérias sobre o mesmo assunto<br />

que aparecem no corpo <strong>de</strong> cada diário.<br />

Po<strong>de</strong>-se concluir, portanto, que a política editorial dos jornais<br />

paulistas é mais bem articulada no que tange ao material científico,<br />

não apenas pela existência <strong>de</strong> uma cobertura setorial que concentra<br />

os textos <strong>de</strong>ssa rubrica em meta<strong>de</strong> da imprensa cotidiana, mas tam-<br />

bém pela presença significativa <strong>de</strong> matérias sobre essa temática nos<br />

suplementos semanais, totalizando 20% da superfície impressa. Se<br />

somarmos a cobertura setorial com a cobertura cientifica localizada<br />

nos suplementos, encontraremos 44% <strong>de</strong>ssa rubrica em São Paulo e<br />

33% no Rio <strong>de</strong> Janeiro. O volume das matérias cientificas nos su-<br />

plementos paulistas é bem maior que no carioca — O Estado <strong>de</strong> S.<br />

Paulo (29%), Folha <strong>de</strong> S. Paulo (29%) e Jornal do Brasil (16%).<br />

Outra diferenciação notada entre os jornais do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

e <strong>de</strong> São Paulo diz respeito à angulagem das matérias. A imprensa<br />

paulista adota um padrão narrativo convencional na cobertura cien-<br />

tífica, primando pela <strong>de</strong>scrição objetiva dos fatos científicos e quase<br />

não admitindo o tratamento sensacionalista. Uma exceção nesse pa-<br />

norama é o jornal Notícias Populares, on<strong>de</strong> predominam matérias<br />

científicas <strong>de</strong> cunho sensacionalista. Apesar <strong>de</strong> os jornais cariocas<br />

também revelarem um tratamento narrativo que privilegia a narra-<br />

ção convencional, nota-se uma maior propensão para o <strong>de</strong>staque <strong>de</strong><br />

ângulos pitorescos e sensacionais dos acontecimentos sobre ciência<br />

e tecnologia: quatro dos seis jornais recorrem a esse tipo <strong>de</strong> meca-<br />

nismo, sendo mais evi<strong>de</strong>nte nos diários <strong>de</strong> cunho popular — O Povo<br />

(66%) e O Dia (47%) — do que em O Globo (39%).<br />

Essa tendência da imprensa carioca para cultivar uma angula-<br />

gem sensacionalista em 2/5 da cobertura científica certamente ex-<br />

plica a maior, a predisposição mais acentuada que era São Paulo<br />

para veicular tais informações na primeira página, causando impac-<br />

to junto aos leitores. Ela é mais expressiva nos jornais O Dia (9%)<br />

e O Gtobo (7%).<br />

Se a imprensa paulista evita estimular o sensacionalismo jorna-<br />

lístico, ela não hesita era dar guarita à "<strong>de</strong>núncia acadêmica", ou se-<br />

ja, abrigar em suas páginas as reivindicações originárias <strong>de</strong> corpo-<br />

29


ação cientifica que quase sempre constituem libelos dirigidos con-<br />

tra o Estado e as autorida<strong>de</strong>s governamentais. Esse comportamen-<br />

to é mais intenso em São Paulo (21%) do que no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(15%). Sua ocorrência manifesta-se principalmente nos paulistas<br />

Jornal da Tar<strong>de</strong> (49%) e Diário Popular (32%) e no carioca Tribuna<br />

da Imprensa (38%).<br />

Ao funcionar como câmara <strong>de</strong> aço para as reivindicações da co-<br />

munida<strong>de</strong> cientifica, dando-lhes evi<strong>de</strong>ntemente um tratamento jor-<br />

nalístico, os jornais <strong>de</strong> São Paulo procuram <strong>de</strong>sestimular a atuação<br />

dos cientistas em suas páginas publicando textos marcados pela "so-<br />

brieda<strong>de</strong> acadêmica", ou seja, escritos em jargão próprio do respec-<br />

tivo segmento intelectual. Apenas a Folha <strong>de</strong> S. Paulo abre espaço<br />

para esse tipo <strong>de</strong> matéria. Já no Rio <strong>de</strong> Janeiro os escritos cifrados<br />

aca<strong>de</strong>micamente aparecem em quatro jornais, principalmente em<br />

O Globo.<br />

A codificação das matérias científicas na semana pesquisada <strong>de</strong>-<br />

monstra uma predominância dos gêneros informativos (76% em São<br />

Paulo e 64% no Rio <strong>de</strong> Janeiro) sobre os gêneros opinativos. A aná-<br />

lise realizada sobre essa variável do tratamento jornalístico tomou<br />

como esquema referenciador a classificação adotada em nosso livro<br />

A Opinião no Jornalismo Brasileiro 10 que agrupa da seguinte ma<br />

neira as mensagens <strong>de</strong> atualida<strong>de</strong>s difundidas através dos mass<br />

media:<br />

Gêneros Informativos — Nota, Notícia, Reportagem, Entrevista.<br />

Gêneros Opinativos — Editorial, Comentário, Artigo Resenha<br />

Coluna, Crônica, Caricatura e Carta.<br />

Nas duas cida<strong>de</strong>s, o gênero mais utilizado é a reportagem que<br />

ocupa quatro <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>z centimetros-colunas da cobertura cientí-<br />

fica. Essa constatação contraria a tendência observada por Wilson<br />

Bueno, em pesquisa realizada em junho <strong>de</strong> 1983 nos jornais paulis-<br />

tas e cariocas: "As reportagens sobre ciência e tecnologia são es-<br />

cassas. Por motivos já <strong>de</strong>lineados (...) as reportagens (.. ) não<br />

se constituem em gênero prestigiado pelo Jornalismo Científico"."<br />

Segundo os dados coletados nesta pesquisa <strong>de</strong> 1984 a reporta-<br />

gem obtém hegemonia em O Globo (54%), O Dia (59%) O Povo<br />

(54%), no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e na Folha da Tar<strong>de</strong> (64%) jornal da<br />

Tar<strong>de</strong> (44%) e na Folha <strong>de</strong> S. Paulo (37%) em São Paulo.<br />

Imediatamente <strong>de</strong>pois vem a notícia, mais usada pelos jornais<br />

paulistas (33%) do que pelos jornais cariocas (18%). Trata-se do<br />

gênero hegemônico no Jornal do Brasil (34%) e no Diário Popular<br />

(53%), sendo que em O Estado <strong>de</strong> S. Paulo sua expressão quantitativa<br />

(36%) é idêntica à da reportagem.<br />

Dos gêneros opinativos, o que mais se presta à difusão <strong>de</strong> ma-<br />

térias científicas é o artigo (16% no Rio <strong>de</strong> Janeiro e 8% em São<br />

Paulo), constituindo o gênero principal na Tribuna da Imprensa<br />

(52%) e em ultima Hora (40%).<br />

Em São Paulo, inexistem matérias codificadas <strong>de</strong> forma ame-<br />

na ou irônica. Nenhum jornal se vale da crônica e da caricatura<br />

para tratar informações científicas, o que <strong>de</strong>nota um certo compor-<br />

tamento <strong>de</strong> veneração a essa temática, não se prestando a narrações<br />

poéticas ou sarcásticas. Isso não ocorre no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong><br />

O Globo publica caricaturas sobre assunto <strong>de</strong> cunho científico e tam-<br />

30


ém crônicas, sendo acompanhado em relação a esse último gênero<br />

pelo Jornal do Brasil e por O Dia.<br />

As cartas dos leitores interessados em questões científicas são<br />

pouco freqüentes, totalizando 2% da cobertura paulista e 1% da co-<br />

bertura carioca.<br />

A correspondência entre a codificação das matérias jornalísticas<br />

e seu enfoque i<strong>de</strong>ológico nem sempre acontece. Como <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra-<br />

mos fartamente em A Opinião no Jornalismo Brasileiro, 12 os gêne-<br />

ros informativos não excluem a manipulação i<strong>de</strong>ológica e se pres-<br />

tam, da mesma maneira que os opinativos, à manifestação <strong>de</strong> pon-<br />

tos <strong>de</strong> vista e <strong>de</strong> valoração dos fatos, seguindo a linha editorial pe-<br />

culiar a cada veículo <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />

No caso da cobertura científica objeto <strong>de</strong>sta pesquisa, encontra-<br />

mos evidências que corroboram aquela tese. Senão vejamos: ape-<br />

sar <strong>de</strong> predominarem os gêneros informativos nos jornais das duas<br />

cida<strong>de</strong>s, o mesmo não ocorre em relação ao enfoque i<strong>de</strong>ológico. Em<br />

São Paulo há uma maior aproximação entre a codificação jornalís-<br />

tica e o enfoque i<strong>de</strong>ológico, pois o tratamento informativo das ma-<br />

térias (76 0 /o) mantém-se mais sintonizado com a postura não edito-<br />

rializante (61 0 /o). No Rio <strong>de</strong> Janeiro, o fenômeno é inverso: o com-<br />

portamento editorializante (61%) contrasta com o tratamento infor-<br />

mativo dado aos textos (61%). Isso significa dizer que nos jornais<br />

cariocas os recursos da adjetívação, da focalização <strong>de</strong> personagens,<br />

da orientação explícita do sentido para a leitura das notas, notícias,<br />

reportagens e entrevistas são mais comuns que em São Paulo. A co-<br />

bertura científica da imprensa paulista camufla com mais habilida-<br />

<strong>de</strong> suas tendências editoriais nos textos informativos, o que não sig-<br />

nifica absolutamente que são <strong>de</strong>spidos <strong>de</strong> matizes i<strong>de</strong>ológicos.<br />

É claro que essa generalização não se aplica a todos os jornais<br />

das duas cida<strong>de</strong>s: no Rio <strong>de</strong> Janeiro, por exemplo, o Jornal do Bra-<br />

sil <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra coerência entre o tratamento informativo dos seus<br />

textos e a postura não editorializante que adota nos espaços consi-<br />

<strong>de</strong>rados noticiosos. Já em São Paulo, o Jornal da Tar<strong>de</strong> recorre<br />

principalmente à notícia e ã reportagem para veicular informações<br />

científicas, não obstante tais matérias estejam matizadas claramen-<br />

te pela linha editorial que aparece com maior niti<strong>de</strong>z nos editoriais,<br />

artigos e comentários.<br />

A propensão mais editorializante da imprensa carioca correlacio-<br />

na-se em certo sentido com a sua tendência <strong>de</strong> privilegiar, mais que<br />

os jornais paulistas, as instituições como protagonistas dos aconte-<br />

cimentos científicos. Por sua vez, a imprensa <strong>de</strong> São Paulo enfa-<br />

tiza as personalida<strong>de</strong>s, mantendo uma postura editorial mais objetiva.<br />

Como justificar essa correlação? Na medida em que os atores<br />

dos registros jornalísticos sobre as ocorrências verificadas no cam-<br />

po da ciência e da tecnologia são individualizados e não institucio-<br />

nalizados, isso confere menor compromisso ao produtor da infor-<br />

mação e conseqüentemente ao relato a ser veiculado. Diferentemen-<br />

te, quando as matérias focalizam prioritariamente as instituições, é<br />

plausível que se alimentem <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações oficiais e estejam nutri-<br />

das pelas narrações típicas das assessorias <strong>de</strong> imprensa, cuja função<br />

é exatamente transferir valores sob a forma <strong>de</strong> notícias.<br />

Os dados coletados mostram que 64% da cobertura científica dos<br />

jornais paulistas tem como protagonistas personalida<strong>de</strong>s do mundo<br />

científico, principalmente os pesquisadores e seus li<strong>de</strong>res mais <strong>de</strong>s-<br />

31


tacados. Lembre-se que a tendência objetiva da imprensa <strong>de</strong> São<br />

Paulo nesse campo era da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 61%, don<strong>de</strong> se infere que as<br />

matérias científicas construídas em tomo <strong>de</strong> pessoas permitem maior<br />

autonomia editorial que aquelas articuladas em função <strong>de</strong> institui-<br />

ções, como ocorre no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> predominam os textos edito-<br />

rializantes (61%).<br />

De qualquer maneira, trata-se <strong>de</strong> uma variante interpretativa<br />

que precisa ser melhor investigada e aprofundada, pois em casos par-<br />

ticulares persistem contradições. Por exemplo: vimos que Notícias<br />

Populares adota um comportamento editorializante em suas maté-<br />

rias científicas (73%), correlacionando-se positivamente com a pre-<br />

valência dada aos protagonistas institucionais (76%). Fenômeno di-<br />

verso observa-se no caso do Jornal da Tar<strong>de</strong> que, não obstante en-<br />

fatize uma postura editorializante (63%), vale-se preferencialmente<br />

<strong>de</strong> protagonistas individuais (67%) para <strong>de</strong>screver e/ou analisar os<br />

fatos sobre ciência e tecnologia.<br />

Numa outra perspectiva, observa-se que tanto numa cida<strong>de</strong> quan-<br />

to na outra os protagonistas institucionais que mais se <strong>de</strong>stacam são<br />

os centros <strong>de</strong> pesquisa, figurando em posição inexpressiva os órgãos<br />

governamentais que fomentam e/ou financiam a pesquisa. Dentre<br />

as personalida<strong>de</strong>s aparecem com maior intensida<strong>de</strong> os pesquisadores<br />

famosos (24% em São Paulo e 15% no Rio <strong>de</strong> Janeiro). Um con-<br />

traste que ocorre entre a imprensa das duas cida<strong>de</strong>s é a projeção<br />

que a imprensa paulista confere às li<strong>de</strong>ranças científicas (14%) em<br />

<strong>de</strong>trimento dos cidadãos comuns (5%), enquanto no Rio <strong>de</strong> Janei-<br />

ro os cidadãos (10%) que protagonizam fatos científicos mostram-<br />

-se em posição mais vantajosa que os lí<strong>de</strong>res da comunida<strong>de</strong> aca-<br />

dêmica (3%). Os empresários aparecem mais em São Paulo (8%)<br />

do que no Rio <strong>de</strong> Janeiro (5%), ao contrário dos políticos que en-<br />

contram mais espaço nos jornais cariocas (5%) do que nos paulis-<br />

tas (3%).<br />

2.3. Temática e procedência<br />

Como a informação científica veiculada cotidianamente pelos<br />

jornais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação se estratifica segundo as áreas do co-<br />

nhecimento? Para quantificar esse aspecto, tomou-se a classifica-<br />

ção oficial do CNPq, também adotada pelo conjunto dos órgãos pú-<br />

blicos que fomentam a pesquisa no país.<br />

Essa classificação compreen<strong>de</strong> oito Gran<strong>de</strong>s Áreas do Conheci-<br />

mento, a seguir enunciadas:<br />

a. Ciências Exatas e da Terra<br />

b. Ciências Biológicas<br />

c. Ciências da Saú<strong>de</strong><br />

d. Ciências Agrárias<br />

e. Ciências Sociais Aplicadas<br />

f. Ciências Humanas<br />

g. Lingüística, Letras e Artes<br />

A esse esquema adicionou-se uma outra categoria — Ciência em Ge-<br />

ral — para incluir as matérias que, tratando <strong>de</strong> questões científicas,<br />

nao se referem especificamente a nenhuma área.<br />

As evidências registradas mostram uma diferença <strong>de</strong> perfil na<br />

imprensa das duas cida<strong>de</strong>s em relação a esse aspecto. As Huma-<br />

nida<strong>de</strong>s predominam no Rio <strong>de</strong> Janeiro, perfazendo 67% <strong>de</strong> todo o<br />

3?


espaço <strong>de</strong>dicado a ciência e tecnologia. Em São Paulo, há um equi-<br />

líbrio entre as Humanida<strong>de</strong>s (44%) e as Tecnologias (46%). A par-<br />

ticipação das ciências da vida — Biológicas e Saú<strong>de</strong> — é bastante<br />

reduzida, se bem que a imprensa carioca lhe dê um tratamento quan-<br />

titativo duas vezes maior que a imprensa paulista.<br />

Apesar do uso <strong>de</strong> um esquema classificatório das ciências diver-<br />

so daqueles empregados por Magali Izuwa e Wilson Bueno, vale a<br />

pena fazer algumas aproximações comparativas. Magali Izuwa va-<br />

leu-se da classificação do CNPq vigente a partir <strong>de</strong> 1978; tal esque-<br />

ma é basicamente semelhante ao adotado a partir <strong>de</strong> 1984, diferindo<br />

apenas num aspecto: a nova classificação (utilizada nesta pesquisa)<br />

mantém inalterado o conjunto das ciências exatas e da vida, inclu-<br />

sive as tecnologias, mas amplia o segmento das ciências humanas,<br />

dividindo-o em três subconjuntos, como aparece na página anterior.<br />

Os dados <strong>de</strong>sta pesquisa mostram que houve uma alteração no com-<br />

portamento temático da nossa imprensa, com o crescimento do es-<br />

paço humanistico e a redução das tecnologias, principalmente das<br />

ciências agrárias. No estudo <strong>de</strong> Izuwa as ciências humanas ocupa-<br />

vam o espaço maior porém contrabalançado por uma presença sig-<br />

nificativa das engenharias, das ciências da saú<strong>de</strong> e das ciências agrá-<br />

rias. 13 É bem verda<strong>de</strong> que a sua análise engloba também os dois<br />

gran<strong>de</strong>s diários <strong>de</strong> Brasília, o que constitui um fator distorsivo para<br />

efeitos <strong>de</strong> comparação.<br />

Confrontando com os resultados <strong>de</strong> Wilson Bueno, cuja pesqui-<br />

sa <strong>de</strong> 1983 limita-se a São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro, observa-se uma<br />

<strong>de</strong>fasagem consi<strong>de</strong>rável. Predominam ali as Tecnologias, represen-<br />

tando mais <strong>de</strong> dois terços das matérias científicas, figurando as Hu-<br />

manida<strong>de</strong>s numa posição inexpressiva, pois não atingem sequer um<br />

décimo da cobertura. 14 Dois elementos recomendam a relativização<br />

do confronto entre esta pesquisa e a <strong>de</strong> Bueno. É que ele utilizou<br />

uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mensuração diferente — a matéria jornalística ou<br />

a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, dimensionando portanto o volume da co-<br />

bertura e não a sua participação na superfície impressa. Além<br />

disso, ele excluiu da sua análise os suplementos semanais, consi<strong>de</strong>-<br />

rando apenas o espaço noticioso permanente.<br />

Numa outra perspectiva, é necessário dizer que os dados <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstraram matizes distintos entre a imprensa <strong>de</strong> eli-<br />

te e a popular. Os jornais populares revelam maior interesse cien-<br />

tífico nas duas cida<strong>de</strong>s, pelos temas vinculados ao homem e à vida,<br />

constatando-se nos jornais <strong>de</strong> elite uma maior diversificação entre as<br />

áreas do conhecimento. Tal amplitu<strong>de</strong> temática <strong>de</strong>sse segmento da<br />

imprensa mantém, contudo, o contraste já assinalado entre o Rio<br />

e São Paulo, com o <strong>de</strong>staque das Humanida<strong>de</strong>s na primeira cida<strong>de</strong><br />

e o das Tecnologias na segunda.<br />

Tendências diferentes também se observam na imprensa paulis-<br />

ta e carioca em relação às fontes da informação científica. Em São<br />

Paulo, são as socieda<strong>de</strong>s científicas (38%) que mais abastecem os<br />

jornais diários <strong>de</strong> fatos para a confecção do seu noticiário, enquanto<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>spontam com maior força as instituições go-<br />

vernamentais (22%).<br />

O papel da universida<strong>de</strong> como fonte noticiosa é inexpressivo,<br />

<strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrando o seu distanciamento dos canais que informam a opi-<br />

nião pública sobre os acontecimentos científicos e tecnológicos. Mes-<br />

mo assim, a imprensa carioca publica material universitário em vo-<br />

lume três vezes maior que a imprensa paulista.<br />

33


Enquanto as instituições universitárias praticam uma política <strong>de</strong><br />

silêncio em relação às pesquisas que efetuam, as empresas privadas<br />

ocupam um décimo <strong>de</strong> toda a cobertura científica, o que é revelador<br />

consi<strong>de</strong>rando a pequena participação do segmento empresarial<br />

na produção <strong>de</strong> conhecimentos. Com certeza, esse tipo <strong>de</strong> matéria<br />

cuia fonte é uma organização da iniciativa privada contem menos<br />

a difusão do saber do que o registro <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> transferencia<br />

teCn Conf 1 irmando os resultados <strong>de</strong> Magali Izuwa, esta pesquisa <strong>de</strong>-<br />

tectou uma predominância das informações <strong>de</strong> origem naciona.1 que<br />

totalizam 4/5 <strong>de</strong> todo o espaço ocupado por ciência e tecnologia nos<br />

jornais pesquisados. Na pesquisa <strong>de</strong> Izuwa essa cifra era um pou-<br />

co menor correspon<strong>de</strong>ndo a 3/4 das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação. \-<br />

Destoa assim, dos índices encontrados por Wilson Bueno que assi-<br />

nalavam uma ligeira hegemonia das informações proce<strong>de</strong>ntes do<br />

exterior (52 %) sobre as originárias do próprio Brasil (48%). Alias,<br />

o oróprio Wilson Bueno mostrou-se surpreso com os índices <strong>de</strong>tec-<br />

tados pois em suas hipóteses previa-se que "a maioria das informa-<br />

ções 'sobre ciência e tecnologia publicadas pela imprensa «rigina-<br />

-se <strong>de</strong> fontes externas e diz respeito aos interesses e expectativas <strong>de</strong><br />

mundo <strong>de</strong>senvolvido". 16 . . ,,. *„„(.,„. r>^<br />

A reversão <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> expectativa indica que_ as fontes pro-<br />

dutoras <strong>de</strong> conhecimento cientifico em nosso pais estão abrindo suas<br />

portas à imprensa, reduzindo <strong>de</strong>ssa maneira o espaço antes ocupado<br />

pela ciência estrangeira. ..... ,-,•<br />

Recor<strong>de</strong>-se que, no diagnóstico feito em 1977 Marco Antônio Fi-<br />

lippi assinalava uma evolução lenta, mas significativa, da divulga-<br />

ção cientifica no país, observando que ganhavam espaço os regis-<br />

tros das ativida<strong>de</strong>s da ciência nacional". Mas ele reconhecia: as<br />

notícias estrangeiras fluem com mais facilida<strong>de</strong> e sao <strong>de</strong> uma aoun-<br />

dância constrangedora". 17<br />

A tendência nacionalista observada nesta pesquisa realizada em<br />

1984 mostra-se constante em todos os jornais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

dos públicos a que se dirigem. O único caso extremado e o <strong>de</strong> No-<br />

tícias Populares que excluiu, naquela semana, qualquer informação<br />

<strong>de</strong> origem estrangeira.<br />

Todavia essa postura nacionalista dos jornais das duas cida<strong>de</strong>s<br />

no tocante áo universo científico assume um viés peculiar, na medida<br />

em que se apresenta como uma informação íocaiisía. Em outras pa-<br />

lavras- a maior proporção do espaço é ocupada por informações que<br />

se originaram na própria área geográfica on<strong>de</strong> se edita o respec-<br />

tivo jornal Essa rotina privílegiadora dos fatos científicos da pró-<br />

pria cida<strong>de</strong> ou do Estado é quebrada tão somente pela acolhida <strong>de</strong><br />

informações que emergem <strong>de</strong> Brasília ou <strong>de</strong> outra gran<strong>de</strong> metró-<br />

pole brasileira. . . ....<br />

O resto do Brasil praticamente inexiste na cobertura cientifica,<br />

sendo que os jornais paulistas equilibram o pequeno espaço <strong>de</strong>di-<br />

cado aos fatos oriundos do Sul e do Norte/Nor<strong>de</strong>ste, enquanto os<br />

jornais cariocas priorizam os acontecimentos ocorridos no Sul do<br />

Pais. . ^ o<br />

O noticiário internacional aparece diferenciado nas duas cida<strong>de</strong>s.<br />

A imprensa <strong>de</strong> São Paulo veicula maior volume <strong>de</strong> informação pro-<br />

ce<strong>de</strong>nte da Europa Oci<strong>de</strong>ntal. Por sua vez, a imprensa do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro prioriza o material originário da América do Norte.<br />

34


On<strong>de</strong> a imprensa das duas cida<strong>de</strong>s converge é no tratamento<br />

quantitativo dispensado ao Bloco Socialista e ao Terceiro Mundo.<br />

A informação científica gerada nos países que integram esses dois<br />

conjuntos <strong>de</strong> nações é sistematicamente omitida ou negligenciada.<br />

Os jornais paulistas ainda contemplam a ciência socialista, <strong>de</strong>dican-<br />

do-lhe um por cento do seu espaço científico; enquanto isso, ignoram<br />

solenemente as ocorrências sul-americanas. No caso dos jornais ca-<br />

riocas, o material proce<strong>de</strong>nte das áreas socialistas e terceiro-mun-<br />

distas não atingem sequer um por cento da cobertura científica, mes-<br />

mo assim atomizada e dispersa em dois jornais <strong>de</strong> elite — O GZobo<br />

e Tribuna da Imprensa.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

1. IZUWA, Magall, A Prática do Jornalismo Científico no Brasil, Co-<br />

municação & Socieda<strong>de</strong>, (11): 89-111, São Bernardo do Campo, Edições Li-<br />

berda<strong>de</strong>, 1984, p. 96.<br />

2. MARQUES DE MELO, José, Estudo Comparativo dos Jornais Diá-<br />

rios <strong>de</strong> São Paulo, In: Estudos <strong>de</strong> Jornalismo Comparado, São Paulo, Pio-<br />

neira, 1972, p. 94.<br />

3. ABRAMCZYK, Júlio, A situação atual do Jornalismo Científico no<br />

Brasil, Memória <strong>de</strong>i 2." Congreso Iberoamericano <strong>de</strong> Periodismo Cientifico,<br />

Madrid, 1977, p. 488.<br />

4. MARQUES DE MELO, José, Desafios do Jornalismo Científico:<br />

Hermatismo e Dependência Externa, In: Comunicação: Teoria e Politica,<br />

São Paulo, Summus, 1985, p. 85/86.<br />

5. FILIPPI, Marco Antônio, A Divulgação Científica no Brasil, Me-<br />

mória <strong>de</strong>i 2.° Congreso Iberoamericano <strong>de</strong> Periodismo Cientifico, Madrid,<br />

1977, p. 492.<br />

6. CALVO HERNANDO, Manuel, El Periodismo Científico: Misiones<br />

y Objetivos, Barcelona, Mitre, 1982, p. 29.<br />

7. REIS, José, Reflexões sobre Jornalismo Científico. Campinas,<br />

UNICAMP, 1985, p. 2.<br />

8. PASQUALI, Antônio, Compren<strong>de</strong>r Ia Comunicación. Caracas, Monte<br />

Ávila, 1979, p. 200/201.<br />

9. IZUWA, Magali, ob. cit., p. 110.<br />

10. MARQUES DE MELO, José, A Opinião no Jornalismo Brasileiro.<br />

Petrópolis, Vozes, 1985, p. 48/50.<br />

11. BUENO, Wilson, Jornalismo Científico no Brasil: os compromissos<br />

<strong>de</strong> uma prática <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (Tese <strong>de</strong> Doutoramento). São Paulo, ECA-USP,<br />

1984, p. 63.<br />

12. MARQUES DE MELO, José, A Opinião no Jornalismo Brasileiro.<br />

Petrópolis, Vozes, 1985, p. 57/76.<br />

13. IZUWA, Magali, ob. cit., p. 107.<br />

14. BUENO, Wilson, ob. cit., p. 157.<br />

15. IZUWA, Magali, ob. cit., p. 106.<br />

16. BUENO, Wilson, ob. cit., p. 151 e 169.<br />

17. FILIPPI, Marco Antônio, ob. cit., p. 492/493.<br />

35


Sentinelas da Liberda<strong>de</strong>:<br />

jornalismo <strong>de</strong> comabte<br />

Marco Morei *<br />

Em 1988 fará 150 anos a morte do jornalista Cipriano Barata.<br />

Muita gente tem direito <strong>de</strong> perguntar: quem foi este personagem, o<br />

que ele fez e escreveu?<br />

O trabalho a seguir é parte <strong>de</strong> uma pesquisa que está sendo <strong>de</strong>-<br />

senvolvida, cujo titulo provisório é Cipriano Barata, o outro lado<br />

da in<strong>de</strong>pendência, um esboço biográfico situando a trajetória do in-<br />

divíduo no chamado processo da "in<strong>de</strong>pendência" do Brasil, entre<br />

fins do século XVIII e começo do XIX.<br />

Cipriano José Barata <strong>de</strong> Almeida (Salvador, 1762-Natal, 1883)<br />

<strong>de</strong>stacou-se como um dos pioneiros da imprensa brasileira, editando<br />

seu periódico Sentinela da Liberda<strong>de</strong> até mesmo das prisões em que<br />

se achava, <strong>de</strong>tido sempre por "crime" <strong>de</strong> opinião ou rebelião. Tais<br />

escritos eram vinculados às ativida<strong>de</strong>s do autor, que envolveu-se em<br />

diversos movimentos como Conjuração Baiana, República <strong>de</strong> 1817,<br />

Cortes <strong>de</strong> Lisboa, Assembléia Constituinte <strong>de</strong> 1823, Confe<strong>de</strong>ração do<br />

Equador, além <strong>de</strong> manifestações contra o Imperador e motins da<br />

Regência. Nestes primórdios do jornalismo brasileiro <strong>de</strong>stacaram-<br />

-se figuras como Hipólito da Costa, Gonçalves Ledo, Evaristo da<br />

Veiga, Augusto May, Frei Caneca, Libero Badaró, Soares Lisboa, en-<br />

tre outros. Nenhum, entretanto, teve atuação ao mesmo tempo tão<br />

<strong><strong>de</strong>mo</strong>rada, intensa e aci<strong>de</strong>ntada: e nenhum, também, é tão pouco<br />

reconhecido pela historiografia oficial. O alcance <strong>de</strong> suas propos-<br />

tas para o país que nascia era surpreen<strong>de</strong>nte: propunha a extinção<br />

do aparelho repressivo colonial, o fim da escravidão, além <strong>de</strong> in-<br />

centivar os primeiros manifestos femininos e Comitê <strong>de</strong> Anistia. Co-<br />

mo se não bastasse, usava roupas consi<strong>de</strong>radas exóticas e tinha ca-<br />

belos longos, até os ombros. Com esta postura <strong>de</strong> questionar a or-<br />

<strong>de</strong>m escravista e colonial (que não foi rompida em 1822), Cipriano<br />

tornou-se um dos principais lí<strong>de</strong>res dos chamados "radicais" da In-<br />

<strong>de</strong>pendência, que se contrapunham ao nacionalismo conservador dos<br />

* Bacharel em Jornalismo pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Bio <strong>de</strong> Ja-<br />

neiro (UFRJ). Mestrando em História na UPRJ e pesquisador do <strong>Centro</strong><br />

<strong>de</strong> Memória da Associação Brasileira <strong>de</strong> Imprensa (ABI).<br />

36


\<br />

BARATA<br />

37


mo<strong>de</strong>rados como José Bonifácio ou aos restauradores como Viscon-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cairu.<br />

Pouca coisa (e esparsa) foi escrita até hoje sobre Cipriano. Um<br />

historiador do século passado, o folclorista Mello <strong>de</strong> Moraes, tra-<br />

çou-lhe rápido esboço biográfico. 1 O também folclorista Luís da<br />

Câmara Cascudo lhe <strong>de</strong>dicou um ensaio, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>teve nos aspec-<br />

tos pitorescos, embora registrasse que Barata era "jornalista inti-<br />

morato, arrojado, <strong>de</strong>stemeroso". 2 Depois foi Hélio Viana, realizan-<br />

do amplo levantamento factual e opinando: "De todos os jornalistas<br />

brasileiros o que melhor mereceu o título <strong>de</strong> agitador popular foi,<br />

sem dúvida, Cipriano Barata". 3 O matiz conservador do pensa-<br />

mento <strong>de</strong> Gustavo Barroso fez com que ele <strong>de</strong>tectasse um fenômeno<br />

importante: "Quem aplicou em primeiro lugar na nossa Pátria o<br />

nome <strong>de</strong> Sentinela nos jornais <strong>de</strong>sabusados <strong>de</strong> combate ao regime<br />

vigente, verda<strong>de</strong>iros panfletos, foi o dr. Cipriano José Barata <strong>de</strong> Al-<br />

meida". ,í<br />

Fernando Segismundo, ao contrário, valorizava a "pugnacida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>sprendimento, amor ao povo e fervor patriótico" do panfletário<br />

baiano, a quem ele viu da seguinte maneira: "redigindo jornais in-<br />

flamados, sua passagem notabiliza-se no cenário nacional". 5 Outros,<br />

como Gondim da Fonseca, referiam-se ao "famosíssimo jornalista<br />

<strong>de</strong>scomedido". 6 Caio Prado Jr., para valorizá-lo, falava que Cipria-<br />

no Barata merecia "sem concorrência, o título <strong>de</strong> maior jornalista<br />

do povo que o Brasil se honra <strong>de</strong> contar entre seus filhos".'<br />

Todas as observações feitas até então eram predominantemente<br />

simpáticas ou antipáticas ao personagem, mas poucas aprofundavam<br />

o conhecimento das características do jornalismo <strong>de</strong> Cipriano Bara-<br />

ta. Nelson Werneck Sodré abriu caminhos, embora ainda como re-<br />

ferência: "Barata, pioneiro da imprensa libertária no Brasil, tem<br />

sido omitido, diminuído e no mínimo ridicularizado pela historiogra-<br />

fia oficial brasileira: é uma <strong>de</strong> suas maiores vítimas. Sua influên-<br />

cia foi extensa e profunda: outras Sentinelas apareceram, imitando<br />

a sua." 8<br />

Em nossos estudos sobre o assunto, iniciamos a abordagem <strong>de</strong><br />

alguns aspectos que, até então, eram pouco conhecidos. Em primei-<br />

ro lugar, verificamos o conceito que Cipriano tinha sobre a liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> imprensa, talvez a primeira formulação feita no Brasil com tal<br />

nível <strong>de</strong> vigor, clareza e complexida<strong>de</strong> — a ponto <strong>de</strong> levar seu au-<br />

tor, paradoxalmente, à prisão. Vimos ainda que Barata ensaiou<br />

vários estilos jornalísticos, embrionários na época: da sátira ao jor-<br />

nalismo político, econômico e filosófico; da informação sobre a vida<br />

cotidiana à doutrinação política; suplemento literário, correspondên-<br />

cia <strong>de</strong> guerra, noticiário internacional, acompanhando os trabalhos<br />

da primeira Constituinte, análises sociais sobre a aristocracia, fofo-<br />

cas sobre os figurões da época — não há dúvida que era um jornal<br />

atraente e polêmico o <strong>de</strong> Cipriano. Sua linguagem escrita, fluente,<br />

se aproximava da oralida<strong>de</strong>, do gosto das narrativas, da palavra emcn<br />

cionada e veemente, o que, certamente, permitia uma aproximação<br />

com as camadas populares emergentes.<br />

Além do mais, Barata inaugurou uma difícil forma <strong>de</strong> comuni-<br />

cação: o jornalismo do cárcere. Outro fenômeno interessante foi<br />

a formação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, englobando <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

jornais em todo o Brasil, que foi criada a partir <strong>de</strong> sua Sentinela da<br />

Liberda<strong>de</strong>. Uns até repetiam o mesmo título e muitos giravam na<br />

38


mesma órbita política, inclusive reproduzindo palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />

Como se vê, fenômeno bastante difícil <strong>de</strong> realizar hoje em dia.<br />

Ou seja verificamos que Cipriano Barata criou, simultaneamen-<br />

te com o surgimento da imprensa no Brasil, uma verda<strong>de</strong>ira escola<br />

<strong>de</strong> jornalismo, que ainda hoje merece ser <strong>de</strong>vidamente estudada e<br />

conhecida.<br />

1. CONCEITO DE LIBERDADE DE IMPRENSA<br />

Cipriano passou mais da meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua vida no período colonial,<br />

quando não existia imprensa e sequer tipografias no país, época<br />

em que as bibliotecas particulares eram vistas com <strong>de</strong>sconfiança pela<br />

Coroa Real. Mesmo <strong>de</strong>pois da autonomia, li<strong>de</strong>ranças reconhecida-<br />

mente liberais como José Bonifácio aceitavam (e impunham) obs-<br />

táculos ao livre exercício da ativida<strong>de</strong> jornalística. A atenção <strong>de</strong><br />

Barata com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa estava, também, <strong>de</strong>ntro das<br />

chamadas preocupações formais do liberalismo. Ou seja, associa-<br />

va tal questão com a normatização <strong>de</strong> fatores jurídicos-constitucio-<br />

nais: "Deve pois ficar assentado, como dogma <strong>de</strong> nossa santa Fé<br />

política, que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa não <strong>de</strong>ve ser tocada, ou in-<br />

terrompida por censura prévia, ou qualquer embaraço que possa<br />

ser inventado, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> qualquer pretexto que a malícia humana<br />

excogite- e outrossim <strong>de</strong>ve ficar sentado, e <strong>de</strong>cididamente <strong>de</strong>termi-<br />

nado pelo povo, não aceitar Constituição, seja ela qual for, sem con-<br />

ter e encerrar como parte essencial a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa plena<br />

ou quase plena." » Isto ele escreveu como contribuição aos <strong>de</strong>bates<br />

da Constituição <strong>de</strong> 1823.<br />

Em seguida, po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s observar que Barata transcendia as preo-<br />

cupações jurídicas, chamando a atenção para a intervenção do Estado<br />

e o cerceamento que os aparelhos repressivos po<strong>de</strong>riam exercer: "A im-<br />

prensa no Rio <strong>de</strong> Janeiro está sufocada e não tem liberda<strong>de</strong> algu-<br />

ma e segundo as notícias ninguém po<strong>de</strong> escrever, porque se nao o<br />

perseguem por escritos, pren<strong>de</strong>m-no pela Polícia, pois ali não ha<br />

segurança <strong>de</strong> pessoa; os Ministros vão pondo tudo como no tempo<br />

antigo". 10 Note-se que esta <strong>de</strong>núncia data <strong>de</strong> um ano após o Grito<br />

do Ipiranga. . ,<br />

E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> englobar os aspectos institucionais e repressivos,<br />

bem como suas influências sobre a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa, ele for-<br />

mulava uma terceira articulação. Isto é, via a liberda<strong>de</strong> das ca-<br />

madas oprimidas como estreitamente ligadas à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opinião,<br />

como se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do seguinte trecho: "Toda e qualquer so-<br />

cieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> houver imprensa livre, está em liberda<strong>de</strong>; que esse<br />

Povo vive feliz e <strong>de</strong>ve ter aumento, alegria, segurança e fortuna;<br />

se pelo contrário, aquela Socieda<strong>de</strong> ou Povo, que tiver imprensa cor-<br />

tada pela censura prévia, presa e sem liberda<strong>de</strong>, seja <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> que<br />

pretexto for, é povo escravo, que pouco e pouco há <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sgra-<br />

çado até se reduzir ao mais brutal cativeiro". 11<br />

2. ANTECEDENTES<br />

Como Cipriano Barata apren<strong>de</strong>u jornalismo? óbvio que na épo-<br />

ca não existiam cursos específicos. Ele freqüentou a Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Coimbra, on<strong>de</strong> bacharelou-se em Filosofia e adquiriu licenciatu-<br />

39


a em Medicina e Matemática. E justamente quando estava na Eu-<br />

ropa fazendo estes cursos estourou a Revolução Francesa (1789).<br />

Logo, ele sente <strong>de</strong> perto o impacto da mobilização revolucionária,<br />

quando panfletários como Marat e Hérbert, entre outros, produzi-<br />

ram gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> livros, jornais, proclamações, panfletos.<br />

Depois, ele voltaria à Europa pela segunda vez. Deputado às Cortes<br />

<strong>de</strong> Lisboa, quando travou contato com Hipólito da Costa que, em<br />

Londres, publicava seu Correio Braziliense. Barata, inclusive, pu-<br />

blicou um manifesto neste jornal. No Brasil, até 1822, havia pou-<br />

cos jornais, e todos <strong>de</strong> alcance regional ou, então, financiados pelo<br />

governo. Exceção para o Revérhero Constitucional Fluminense, <strong>de</strong><br />

Gonçalves Ledo e Januário Barbosa; o Correio do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong><br />

João Soares Lisboa; e A Malagueta, <strong>de</strong> Luís Augusto May, cuja re-<br />

percussão, entretanto, limitava-se à Corte (Rio <strong>de</strong> Janeiro). De<br />

qualquer maneira, a imprensa estava se tornando um precioso ins-<br />

trumento <strong>de</strong> expressão no pais que nascia.<br />

3. CARACTERÍSTICAS DO PASQUIM<br />

A imprensa <strong>de</strong>ste tempo, fosse qual fosse o posicionamento po-<br />

lítico, era pré-industrial, artesanal. Na agitação <strong>de</strong>ste período <strong>de</strong><br />

ruptura com o domínio português, surgiu o pasquim. Portanto, <strong>de</strong>s-<br />

<strong>de</strong> a imprensa oficial à oposicionista, todas eram "pequenas" no ta-<br />

manho. Ou seja, formato pequeno, média <strong>de</strong> quatro páginas, lin-<br />

guagem exaltada e escrito quase sempre por uma pessoa só. As<br />

poucas tipografias serviam também como ponto <strong>de</strong> venda, ao lado<br />

das boticas. O jornalista não era categoria profissional: qualquer<br />

letrado, padre, militar, advogado etc, que <strong>de</strong>sejasse atuar na vida<br />

pública, tinha jeito <strong>de</strong> publicar seu pasquim. Era, portanto, uma<br />

imprensa que privilegiava o doutrinário, em prejuízo do factual.<br />

A intenção, quase sempre, era arregimentar para a discussão polí-<br />

tica, preenchendo as enormes dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> existen-<br />

tes na época. O apogeu dos pasquineiros foi, justamente, o chama-<br />

do processo da in<strong>de</strong>pendência, que prolongou-se até a década <strong>de</strong> 30<br />

do século passado, com a abdicação do Imperador.<br />

4. SENTINELAS<br />

No dia 9 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1823, quarta-feira. Recife viu nascer o pri-<br />

meiro número da Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

Impresso na Tipografia Cavalcante e Companhia, tinha em média<br />

quatro páginas e custava 40 réis, indo a publico quartas e sábados.<br />

Eventualmente saía com oito páginas e o preço também dobrava,<br />

sempre formato <strong>de</strong> 19 cm <strong>de</strong> altura e 13 cm <strong>de</strong> largura. Este jor-<br />

nal teve repercussão em todo o país, como comprovam os manifes-<br />

tos e cartas <strong>de</strong> leitores que chegavam, <strong>de</strong> todas as províncias, <strong>de</strong><br />

norte a sul. O último número, o 65, saiu a 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> Í823,<br />

véspera da prisão do redator.<br />

Na quarta-feira 19/11/1823, mesmo encarcerado, Cipriano con-<br />

tinua seu jornal, com o título modificado: Sentinela da Liberda<strong>de</strong><br />

na Guarita <strong>de</strong> Pernambuco, atacada e presa na Fortaleza do Brum<br />

por or<strong>de</strong>m da Força Armada reunida. As autorida<strong>de</strong>s imperiais pas-<br />

40


saram a vigiar melhor o panfletário, que ficou <strong>de</strong>tido durante sete<br />

anos, ou seja, até 1830, incomunicável. Em 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1831,<br />

Cipriano, aos 69 anos, consegue publicar, na Bahia, a Sentinela da<br />

Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Quartel General <strong>de</strong> Pirajá. Alerta!!, im-<br />

pressa na Tipografia do Baiano, La<strong>de</strong>ira da Praça, 28, Salvador.<br />

Neste número inicial um significativo Plano <strong>de</strong> Gazeta, no estilo in-<br />

confundível <strong>de</strong> Barata:<br />

"A Sentinela da liberda<strong>de</strong> tem por oficio clarear idéias e dar<br />

luzes aos leitores, combater erros, lembrar o bem público, repreen-<br />

<strong>de</strong>r os abusos do po<strong>de</strong>r, e <strong>de</strong> seus empregados, e atirar flechas er-<br />

vadas contra os servis aristocratas e os que solapam nosso liberal<br />

sistema: nunca perdoarei o <strong>de</strong>spotismo e tirania. Esta gazeta é a<br />

segunda parte da que escrevi em Pernambuco, todavia vai acomo-<br />

dada às circunstâncias, porém sempre bradando que a Pátria esteja:<br />

Alerta! (...) Não admito correspondências senão breves, claras e<br />

instrutivas. Não receberei anúncios sobre vendas e fugas <strong>de</strong> escra-<br />

vos; minha gazeta não é leilão nem capitão do mato."<br />

Vê-se no texto acima, entre outras coisas, que Cipriano não en-<br />

carava o jornal como "leilão", rejeitando uma das poucas fontes<br />

<strong>de</strong> anúncio, proveniente dos senhores <strong>de</strong> escravos. A referida Sen-<br />

tinela circulou periodicamente até o número 22. Barata novamente<br />

foi preso e levado para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. O número 23 saiu com o<br />

titulo forçosamente modificado: Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita<br />

do Quartel General <strong>de</strong> Pirajá, hoje presa na Guarita da Ilha das Co-<br />

bras no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Alerta!! O jornalista ia sendo transferido<br />

<strong>de</strong> prisão para prisão, os titulos iam mudando, mas nunca <strong>de</strong>ixavam<br />

<strong>de</strong> sair. Assim, tivemos Sentinelas no Forte <strong>de</strong> Villegaignon, na fra-<br />

gata militar "Niterói", no Forte <strong>de</strong> Mar (BA), na Presiganga, e no<br />

Hospital Militar. Isto durou até 1834, quando Cipriano foi finalmen-<br />

te solto. 12 Num exemplo raro <strong>de</strong> resistência, retoma seu periódico:<br />

Sentinela da Liberda<strong>de</strong> em sua primeira Guarita, a <strong>de</strong> Pernambuco,<br />

on<strong>de</strong> hoje brada Alerta!! O último número que se conhece saiu a<br />

26 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1835: era o 35. Nesta última fase, Cipriano já<br />

entrava fundo em discussões como o republicanismo, que só viria<br />

a aparecer no cenário nacional quatro décadas <strong>de</strong>pois. Curvado pela<br />

ida<strong>de</strong>, doenças e perseguições. Barata <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> publicar seus jor-<br />

nais e morre pouco <strong>de</strong>pois, no Rio Gran<strong>de</strong> do Norte.<br />

Sabe-se ainda que Cipriano colaborou em outros jornais como<br />

Gozeía Pernambucana, O Repúblico e O Espelho da Justiça.<br />

5. ESTILO E LINGUAGEM<br />

A linguagem jornalística <strong>de</strong> Cipriano, como já foi dito, alcan-<br />

çava o colorido límpido e direto <strong>de</strong> sua oratória, e refletia o conví-<br />

vio que ele mantinha com as camadas pobres da Bahia, freqüentan-<br />

do Candomblés, rodas <strong>de</strong> chula, bumba-meu-boi, dos quais constan-<br />

temente dá notícia. Em contrapartida, as elites o rejeitavam, como<br />

ele registrou: "o que escrevo são luzes que ofuscam os olhos dos<br />

aristocratas e absolutistas traidores". Preocupado com a recep-<br />

ção dos leitores. Barata afirmava: "Leia a Sentinela da Liberda<strong>de</strong><br />

com atenção mais pura, lógica, hermenêutica e patriotismo".<br />

Além das longas dissertações políticas, ele também informava.<br />

As noticias internacionais, por exemplo, não faltavam, com <strong>de</strong>staque<br />

para França, Inglaterra, Portugal, Espanha, o papel da Santa Alian-<br />

41


ça, sem esquecer países da América como México e Peru. O noti-<br />

ciário das Províncias brasileiras era farto, com <strong>de</strong>staque para a<br />

pregação fe<strong>de</strong>ralista. E, ainda, não esquecia as questões locais,<br />

como falta <strong>de</strong> segurança contra ladrões, hospitais sem aparelhagem,<br />

pouca higiene nas ruas, escravos surrados, alistamento militar for-<br />

çado, dificulda<strong>de</strong>s dos pequenos lavradores etc.<br />

Outra faceta pioneira era uma fórmula que ele arranjava <strong>de</strong> ser<br />

correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> guerra, isto é, das Guerras da In<strong>de</strong>pendência, que<br />

ocorreram com centenas <strong>de</strong> mortes na Bahia, Maranhão e Piauí. Re-<br />

cebia cartas <strong>de</strong> soldados e oficiais e as transformava em assunto.<br />

No entanto, a maioria do espaço era <strong>de</strong>dicada a análises da si-<br />

tuação política, on<strong>de</strong> o autor tomava partido e discutia longamen-<br />

te, sempre com a mesma linguagem fluente. Isto não impedia a<br />

gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> poemas, versos e até letras <strong>de</strong> música que ele<br />

colocava em seu jornal.<br />

6. REDE DE COMUNICAÇÃO<br />

"Não pareça estranho a publicação <strong>de</strong>ste periódico com título <strong>de</strong><br />

outro igual na Bahia, pois as Sentinelas <strong>de</strong>vem multiplicar-se". Tal<br />

aviso está na primeira pagina do jornal Sentinela da Liberda<strong>de</strong> do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> 1832. Como se vê, havia um projeto explícito<br />

<strong>de</strong> multiplicar tais veículos, o que efetivamente ocorreu. Assim, no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, além <strong>de</strong>ste órgão, tivemos: Sentinela da Liberda<strong>de</strong><br />

à beira do mar da Praia Gran<strong>de</strong>, agosto <strong>de</strong> 1823, citado várias vezes<br />

por Cipriano; A Sentinela do Povo, 1855; Sentinela da Liberda<strong>de</strong>, 1869.<br />

No Rio Gran<strong>de</strong> do Sul também surgiram a Sentinela da Liberda<strong>de</strong><br />

na Guarita ao Norte da Barra <strong>de</strong> São Pedro do Sul, com atuação na<br />

Revolta Farroupilha; Sentinela da Liberda<strong>de</strong>, Porto Alegre, 1831. Em<br />

Minas Gerais tivemos a Sentinela do Serro, por Teófílo Otoni, 1830,<br />

que se empenhou pela soltura <strong>de</strong> Barata; e A Sentinela, órgão repu-<br />

blicano, 1892. No Maranhão, a Sentinela Maranhense, 1834, <strong>de</strong> Fer-<br />

reira Lavor, com influência na Cabanagem; e Sentinela da Liberda<strong>de</strong>,<br />

São Luís, 1849. Na Pará uma inconfundível Sentinela Maranhense<br />

na Guarita do Pará, do mesmo Vicente Lavor, 1835. Também no<br />

Ceará, a Sentinela Constitucional, 1830; e a Sentinela Cearense na<br />

Ponta <strong>de</strong> Mucuripe, 1838. Pernambuco: Sentinela da Liberda<strong>de</strong>, 1847,<br />

na Revolta Praieira; Sentinela da República no Estado <strong>de</strong> Pernambu-<br />

co, 1891. Não podia faltar a Bahia, terra <strong>de</strong> Cipriano: Nova Senti-<br />

nela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Forte <strong>de</strong> São Pedro na Bahia <strong>de</strong><br />

Todos os Santos. Alerta!.'!, <strong>de</strong> 1831, surgiu para dar notícias da pri-<br />

são <strong>de</strong> Cipriano; Sentinela da Liberda<strong>de</strong>, 1871. Fato curiosíssimo, e<br />

ainda não investigado suficientemente, foi o surgimento <strong>de</strong> uma Sen-<br />

tinela da Liberda<strong>de</strong> do Brasil na Guarita <strong>de</strong> Londres, 1825, como<br />

suplemento do Sunday Times, escrita por exilados brasileiros perse-<br />

guidos por D. Pedro I.<br />

Outros periódicos, embora sem o nome <strong>de</strong> Sentinela, vinculavam-<br />

-se à mesma luta política <strong>de</strong> Cipriano, citando diversas vezes o no-<br />

me do panfletário baiano em suas páginas. Entre estes: O Repúblico,<br />

do famoso Borges da Fonseca; Tifis Pernambucano, <strong>de</strong> Frei Caneca;<br />

Nova Luz Brasileira, Rio, 1829; O Tribuno do Povo, Rio, 1831; Btísso-<br />

la da Liberda<strong>de</strong>, 1834; O Brasil Aflito, <strong>de</strong> Clemente José <strong>de</strong> Oliveira,<br />

que foi assassinado em 1833; O Homem <strong>de</strong> Cor, abordando proble-<br />

mas raciais em 1833; O Portacollo, da Bahia, com várias edições <strong>de</strong>-<br />

dicadas a Cipriano; entre muitos outros.<br />

42


4r«JU«r1. ( Pi«ini 1 ) ■. Pi»ço<br />

SENTINELLA<br />

LI BEMOADE ?fA<br />

HOJE íj. 7<br />

NA-GUARITA DO QUARTEL OBNKRAL DE KVkU^<br />

HA. UAH1A DE TODOS OS SANTOS. *<br />

a-. -' -;.<br />

^4 L E « T ^1 /.'<br />

Quarta feira 12 <strong>de</strong> Jtaeiro <strong>de</strong> 1831.<br />

BAHI* Hè. TvrooRlruiA vo miiuno, LADEIKA BA miç* >.* M.<br />

A BAHIA DE TODOS OS SANTOS. MINHA PÁTRIA*<br />

DEDICATÓRIA.<br />

J^^l i5 era minha intenção, 6<br />

Adorada Pátria, pegar mais nu ri-<br />

ra na peuna, para apresentar<br />

M Publico uma só idèa peta im-<br />

urcaM a respeito dos negócios<br />

% Brasil. Eu tenho sido arras-<br />

tido aieivosantente e sem cul-<br />

pa , por calabouços e masmor-<br />

AS; tenho estado quase sufoca-<br />

do pelo ar corrupto e ar<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> abobadas sepulcraes; • a fal-<br />

lar verda<strong>de</strong>, quase tenho sido<br />

primeiramente interrado do que<br />

morto: en, torno a repetir, tc-<br />

uho vivido longo tempo fora da<br />

cominunicaçüo dos humanos ,<br />

<strong>de</strong>sterrado, peregrino , e arran-<br />

cado i minha família; quase<br />

cego, atribulado, c com a pele<br />

sobre os ossos : eu finalmente<br />

lenjt) lutado perto <strong>de</strong> sete au-<br />

pos çoin.a intrijja, ódio, vin-<br />

ganga, « tjrnuiuia, e a boto di-<br />

zer cem a morte; e tudo sb<br />

por haver publicado.gazctqp pm-<br />

flefesa <strong>de</strong> teos direitos'/muc^tco-<br />

<strong>de</strong>ucia, e Liberda<strong>de</strong>, ó PatriaH '<br />

Por tanto eu tinha sobejos mo-<br />

tivos para pôr mordaça eterna-<br />

mente ao meo pensamento e bo-<br />

ca : em verd«<strong>de</strong> era <strong>de</strong> esperar<br />

que me uio lembrasse <strong>de</strong> ^ahir.<br />

outra ves como soldado da Li-<br />

berda<strong>de</strong> , a fazer sentiuclla a bem<br />

<strong>de</strong> cidadãos ingratos e cruéis :<br />

isto lie resolução mui natural ao<br />

homem c a todo o vivente per-<br />

seguido; mas em fim o amor da<br />

me» paiz <strong>de</strong>o batalha e venceo<br />

meo conrçao , vista a perigMa<br />

crise que nos ameassa.<br />

E com gran<strong>de</strong> esforço pego<br />

da minha arma para vigiar nes-<br />

ta nova guarita <strong>de</strong> Pirajá, po*<br />

siçãq segura , e nuaM «fuart^ .;<br />

general, apesar 4o tafnvclsfí|-><br />

'fli<br />

Este fac-símile e os três que se seguem reproduzem na integra o primeiro<br />

numero da Sentinela da Liberda<strong>de</strong> — Hoje na Guarita do Quartel-General<br />

<strong>de</strong> Pirajá na Bahia <strong>de</strong> Todos os Santos, <strong>de</strong> 12/1/1831, escrito por Cipriano<br />

em Salvador. Nesta edição, ele retoma seu .periódico após sete anos <strong>de</strong> ca-<br />

<strong>de</strong>ia, e aos 69 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> recusa-se a receber anúncio <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> es-<br />

cravos, combate a Santa Aliança, os Aristocratas e faz longas citações bí-<br />

blicas para justificar sua luta.<br />

43


Í2)<br />

Co v«>t1e poàem dirigir astu-<br />

■ví^siinmiigoí com intrigas e per-<br />

sejiiiç<strong>de</strong>s: a tudo me aventuro;<br />

porr|ue estou certo que su dor-<br />

mitar um instante , oi^ se for<br />

acoinmettido, ti5o faltara» pa-<br />

triotas corajosos que me acor<strong>de</strong>m ,<br />

c <strong>de</strong>fendam ; pois que hoje es-<br />

ta Mai Pátria, naçSo livre ^in-<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte , he <strong>de</strong> nós todos :<br />

» pouco erarmos um mixto <strong>de</strong><br />

Twbiivnnbas , Caités , Botieo-<br />

dos, e outros Caboculos , e gen-<br />

tes brancas e morenas, mistu-<br />

rados com Portguezes na apa-<br />

rência forrosfc na realida<strong>de</strong> es-<br />

cravos; mas boje todos somos<br />

Brasiteiros e formamos um só<br />

corpo, e psvo <strong>de</strong> irmãos livres<br />

uma só palavra abrange tudo. (1)<br />

Por /auto cheio <strong>de</strong> confiança,<br />

« coln' os-ólhos fitos cm ti, 6<br />

Pátria, dou principio ao meo<br />

(1) Unm tó palavra nbrange (ti-<br />

do. — Eu fallo dos bons Porlugue-<br />

r-ei) i» patriotas i<strong>de</strong>ntificados com<br />

nosco como irmãos , amigos lelosos<br />

da Constituição, in<strong>de</strong>pendência, e<br />

liberda<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>fensores do Brasil ,<br />

liop pátria comoium <strong>de</strong> nós todos:<br />

fallo daqaellea que te acham prom-<br />

ptos c <strong>de</strong>teraiiaadoa <strong>de</strong> coração, a<br />

combater a» tramas da abominável<br />

Santa Aliiança, M JesuMaa, eaeoa<br />

•equase» aristocratks; e <strong>de</strong> se arre-<br />

uiessarem cnn ferro e foge roalra<br />

todo e qualquer mdtvidiM, que se-<br />

ja opptMlo ao cyttema e liberdkda<br />

da rattia. Quanto aas Portuguenes<br />

egoistaa c Higtatua^ou qualquer Bro^<br />

•ileiro que goste <strong>de</strong> ser captivo, re-<br />

pito as palavra» d* Jesus Christo<br />

rs vad* retro Satanazír foge para<br />

*»age da Scatil % <strong>de</strong>mônio l altas....<br />

44<br />

trabalho , «judaml^ a causa (fn-<br />

blica nesta nova guarita; pota<br />

apesar <strong>de</strong> tudo parecer que vai<br />

bem, segundo o sysl^niâ doa<br />

egoístas, traidores mo<strong>de</strong>rados , e<br />

camellos, eu sempre gritarei co-<br />

mo Soldado da Liberda<strong>de</strong> ,=:<br />

Alerta !!=:....<br />

E Nem o estar <strong>de</strong> Sentinclla,<br />

e bradar Alerta , he cousa <strong>de</strong><br />

pouca importância, quando o<br />

mesmo Deos dos exércitos disse<br />

pelo ministério <strong>de</strong> Ezaiasrrvai;<br />

põem Scntinella =r nu atalaia <strong>de</strong><br />

vigia estou = '2) e pela do Pro-<br />

feta Esequk-I =: filho do homem ,<br />

por Sentiuclla te puz.stS) E<br />

por ventura será pequena hon-<br />

ra, igualar-me ao Profeta Iluba-<br />

cuc, dizendo, como clle aos me-<br />

os compatriotas, que estou pos-<br />

to eja atalaia, <strong>de</strong> guarda, e fa-<br />

zendo Scntinella f (4) Sim, ó<br />

Pátria', eu sou Svnlineüa da Li-<br />

berda<strong>de</strong>, In<strong>de</strong>pendência, e Cons-<br />

tituição , para velar a bem da<br />

nossa Pátria, e da prosperida-<br />

<strong>de</strong> que nos nromette o santo<br />

syslema liberal que abraçamos,<br />

e que havemos sustentar a cus-<br />

ta da própria vida.<br />

Este meo brado = Alerta li =:<br />

quer dizer que cui<strong><strong>de</strong>mo</strong>s bem<br />

em nossos direitos e garantias ,<br />

(S> Na atalaia <strong>de</strong> vigia estou. —<br />

Ve<strong>de</strong> Isuias cap. SI versoõ, 6, e 8.<br />

{5) Prov. Sentinella te pus — Ve-<br />

<strong>de</strong> as Profecias <strong>de</strong> Esequiel cap. 3.<br />

vera. 17, e cap. 33, vera. 7.<br />

(4>-Ei fazendo sentiacll»—JLfà»<br />

as Profecias <strong>de</strong> Habacuc cap. %<br />

teia. k


M^unmça, rvnSiJeira In<strong>de</strong>pen-<br />

•leflcia, c observância exueta da<br />

CoiijritjiqSo , porque a malva-<br />

da Sanfli Alliança, Apostoticos,<br />

r Aristocratas, ainda teimam por<br />

ti e pelos abomináveis Jesuítas<br />

disfarçados , iuimi^os das luzes<br />

e ii liberda<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>rramar um<br />

veneno sublil, que se esten<strong>de</strong><br />

■esmo na America; e tem pe*<br />

netrado por entre nôa. — Até<br />

me parece que foi para ensinar<br />

• todos que bra<strong>de</strong>m :s Alerta =<br />

em tempos duvidosos, que Nos-<br />

so Senhor Jesus Cliristo mesmo<br />

também, no/., e fez Senliiiella,<br />

como se le em S. Malheos, nus<br />

palavras = estai pois alerta = &-<br />

CHí-VOS aqui c vigiai comigo ; &c.<br />

S (5) E pela <strong>de</strong> S. Marcos,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mandar que se fuça<br />

Scntinella bem alteuta, nas pa-<br />

lavras , = olhai e estai alerta ;<br />

acaba bradando S Alerta =: (6)<br />

E finslineiite pela <strong>de</strong> S. Lucas<br />

mandou que estivessem alerta em<br />

toih o tempo. (7) Tudo isto, ó<br />

1'alria, prova indubitavelmente,<br />

que havendo crise, intrigas. «<br />

fierigo», <strong>de</strong>vemob estar <strong>de</strong> Sen-<br />

tinclla; e ^ue he virtu<strong>de</strong> e <strong>de</strong>-<br />

ver <strong>de</strong> um cidadão, zeloso pela<br />

prosperida<strong>de</strong> e segurança <strong>de</strong> seo<br />

jwit, estar <strong>de</strong> vigia á Liberda-<br />

(fi) Vigiai COIOíRO — Va<strong>de</strong> e No-<br />

vo Tcstanente: S. Matkeoa cap. S4,<br />

tsrs.48: e c«p. 25, vers. 11, e cap.<br />

M, vers. 38, • 41.<br />

(6j Alerta —8. MareM, eap. 15.<br />

«n. », 35, éST. ^^<br />

"'> Mm lado tempo — Ve<strong>de</strong> S.<br />

l, cap. «1, Ten. 56.<br />

(3><br />

<strong>de</strong>. e grilar conto en =: Klem^f<br />

Fazer Sentitella he acçãdtk:<br />

quem <strong>de</strong>seja segurança e pi^-<br />

a TOS zs Alerta! =não <strong>de</strong>ve cau-<br />

sar suspeita nem espanto ; e eis<br />

o porque eu grilo = alerta ,3<br />

e miiica mudarei • titulo e a epi-<br />

grafe da minha gazeU; digam.<br />

o |iie quizerem os servis adu-<br />

ladores do po<strong>de</strong>r, esses abjec-<br />

tos hipócritas, <strong>de</strong>baixo da capa<br />

<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rados, egoístas velha-<br />

cos. serpentes tentadoras sabi-<br />

da do abismo . e traidores á pá-<br />

tria. Esta palavras alertas he<br />

dos ceos. lie do Espirito Saa-<br />

lo; por isso brado, e bradarei<br />

sem sessar ao Povo da Bahia e<br />

do Brasil inteiro = Alerta !'<br />

Aceita pois , « Pátria . .a,pe-<br />

queno sacriãeio <strong>de</strong>ste filho/sol-<br />

dado tia liberda<strong>de</strong>, sabido da»<br />

masmoiras, hoje livre e lança-<br />

do em teo» braços; que esca-<br />

po a (antas feridas barbara, e<br />

aleivosamente aberta . peIo< trai-<br />

dores <strong>de</strong> Pernambuco; e tyran-<br />

nia do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> no-<br />

vo fax Sentin«lla, e continua-<br />

rá a bradar =: Alerta =: para teo»<br />

bem c <strong>de</strong> todo o Brasil, e pre-<br />

veilo geral da humanida<strong>de</strong>.<br />

Sé felix e livre eternamente, &<br />

Pátria adorada: assim eu te <strong>de</strong>se-<br />

jo ; e coahece que ainda tens<br />

filho que por ti combate e te <strong>de</strong>-<br />

dica econaagra esta gavM»-<br />

A Sentinella da Mnnfl a<strong>de</strong><br />

CypviamaJui Barata <strong>de</strong> Mmtià**<br />

Puiie M OAIIRI.<br />

Seatiaella da Ubetdajfe<br />

45


46<br />

('*y<br />

mtt'. o só>i«nNMiaa «ppípcA*<br />

' xt Mtòtv»; combate r-ortes, a» 5 <strong>de</strong><br />

_.»r oljem' pnhtice',. repr 'heo-<br />

.or os abiisus


7. CONCLUSÃO<br />

Portanto acabamos <strong>de</strong> ver uma amostra da importância da fi-<br />

gura <strong>de</strong> Cipriano Barata, e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conhecer melhor<br />

suas ativida<strong>de</strong>s jornalísticas. 13 Estas, como já foi dito, surgiram<br />

no contexto <strong>de</strong> seu envolvimento com os movimentos e rebeliões da<br />

época fruto <strong>de</strong> sua li<strong>de</strong>rança nacional entre os "radicais". Mas nem<br />

por isso o jornalismo em Cipriano era, apenas, um recurso, pretex-<br />

to Ao contrário, ele <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrou criativida<strong>de</strong> suficiente para, alem<br />

<strong>de</strong> reproduzir as características do jornalismo da época (imprensa<br />

doutrinária linguagem agressiva), concretizar novas perspectivas. Tan-<br />

to no conteúdo isto é, nos assuntos que tratava, como na lingua-<br />

gem que escrevia, ele marcou posição bem distinta no cenário polí-<br />

tico e <strong>cultura</strong>l. Posição esta que ganha maiores dimensões se le-<br />

vamos em conta o surgimento <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira re<strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni-<br />

cação a partir da sua Sentinela da Liberda<strong>de</strong>. Portanto, ao con-<br />

trário do que parece, o jornalismo <strong>de</strong> combate (vinculado aos movi-<br />

mentos sociais e às classes ou camadas populares) não surgiu, pela<br />

primeira vez, com a "imprensa operária" ou mesmo abolicionista.<br />

Des<strong>de</strong> o nascimento da imprensa no país que se esboçou esta ver-<br />

tente, cuja continuida<strong>de</strong> é tão difícil em nossos dias.<br />

NOTAS<br />

1. MORAES, Mello <strong>de</strong>, Brazil Histórico, edição <strong>de</strong> 5/2/1882.<br />

2. CASCUDO, Luís da Câmara, O Doutor Barata, político, <strong><strong>de</strong>mo</strong>crata<br />

e jornalista, Imprensa Oficial, Bahia, 1938.<br />

3. VIANA, Hélio, Contribuição à História da imprensa brasileira, Rio.<br />

INL, 1945. . , „ „ •<br />

4. BARROSO, Gustavo, "Sentinelas da Liberda<strong>de</strong>", in O Cruzeiro,<br />

31/12/1955. „ ' ,_ „<br />

5. SEGISMUNDO, Fernando, "Cipriano Barata, jornalista político , in<br />

Imprensa Brasileira, vultos e problemas. Rio, 1962.<br />

6. FONSECA, Gondim da, Biografia do Jornalismo Carioca, Rio, 1941.<br />

7. PRADO JR., Caio, Evolução Política do Brasil, São Paulo, 1977.<br />

S. SODRÉ, Nelson Werneck, Hisítíria da Imprensa no Brasil, Rio,<br />

1977 0<br />

9. Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita <strong>de</strong> Pernambuco, n. 11, 10/5/1823.<br />

10. I<strong>de</strong>m, n. 0 5, 23/4/1823.<br />

11. I<strong>de</strong>m, n. 0 11. 10/5/1823.<br />

12 Além dos quatro títulos relacionados, os <strong>de</strong>mais jornais <strong>de</strong> Cipriano<br />

foram: Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Quartel General <strong>de</strong> Pirajá,<br />

hoje presa na Guarita <strong>de</strong> Villegaignon no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Alerta!; Sentinela<br />

da Liberda<strong>de</strong> na Guarita Quartel General <strong>de</strong> Pirajá, hoje presa na fragata<br />

Niterói. Alerta!; e, ainda, Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Quartel General<br />

<strong>de</strong> Pirajá, mudada <strong>de</strong>spoticamente para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, e <strong>de</strong> lá para<br />

o Forte do Mar da Bahia, don<strong>de</strong> generosamente brada Alerta!!!; o título<br />

cresce para Sentinela da Liberda<strong>de</strong> na Guarita do Quartel General <strong>de</strong> Pirajá,<br />

mudada <strong>de</strong>spoticamente para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, e <strong>de</strong> lá para o Porte<br />

do Mar da Bahia, <strong>de</strong>pois para a Presiganga, logo para o Forte do Barbalho<br />

e <strong>de</strong> novo para o Forte do Mar, e segunda vez para a Presiganga e<br />

por fim para o Hospital, don<strong>de</strong> brada Alerta!! Depois <strong>de</strong>sta série, ele ainda<br />

publicaria a última fase, em Pernambuco.<br />

13. MOREL, Marco, Cipriano Barata, Editora Brasiliense, 1986.<br />

47


Propostas alternativas <strong>de</strong><br />

Relações Públicas*<br />

Margarida M. Krohling Kunsch *♦<br />

O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES PUBLICAS<br />

NO SISTEMA EMPRESARIAL E NA BUSCA DE NOVAS<br />

ALTERNATIVAS<br />

As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Relações Públicas nasceram no contexto do sis-<br />

tema capitalista americano, por volta <strong>de</strong> 1906, quando o povo passou<br />

a exigir informações e esclarecimentos sobre certas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mui-<br />

tas organizações e <strong>de</strong> seus dirigentes. Naquele ano, John D. Rocke-<br />

feller, por ocasião <strong>de</strong> uma sangrenta greve da Colorado Fuel and<br />

Iron Co., se viu levado a contratar os serviços <strong>de</strong> Ivy Lee, por mui-<br />

tos consi<strong>de</strong>rado o pai das Relações Públicas.<br />

Ivy Lee, que como jornalista e, mais tar<strong>de</strong>, como publicitário,<br />

vinha se preocupando com a política discriminatória do mundo dos<br />

negócios, propôs a Rockfeller a adoção <strong>de</strong> medidas radicais. Con-<br />

tudo, ele somente viu aceitas suas sugestões em razão daquela greve.<br />

A primeira providência que tomou foi dispensar os agentes <strong>de</strong> se-<br />

gurança da família Rockfeller. Depois, abriu as portas da organiza-<br />

ção para a imprensa e admitiu o diálogo com lí<strong>de</strong>res da comunida-<br />

<strong>de</strong> e do governo. Fez introduzir a temática humana na organização<br />

econômica, para valorizar a corporação aos olhos do povo. E con-<br />

seguiu que se erguessem fundações filantrópicas, centros <strong>de</strong> pesqui-<br />

sas, universida<strong>de</strong>s, hospitais, museus e farmácias e se distribuíssem<br />

bolsas <strong>de</strong> estudo.<br />

A chamada "era das Relações Públicas" ocorreria durante e prin-<br />

cipalmente após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, quando o avan-<br />

ço tecnológico industrial e dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa eram<br />

fatores relevantes que interferiam diretamente na vida dos povos.<br />

* Palestra proferida na I Semana <strong>de</strong> Estudos da Comunicação, na Uni-<br />

versida<strong>de</strong> do Amazonas, a 6 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1986.<br />

** Mestra e doutoranda em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.<br />

Autora do livro Planejamento <strong>de</strong> Relações Públicas Tia Comunicação Inte-<br />

grada. (São Paulo, Summus Editorial, 1986).<br />

48


Os efeitos da <strong>de</strong>pressão econômica <strong>de</strong> 1929 e o plano norte-ame-<br />

ricado conhecido como "New Deal" trouxeram gran<strong>de</strong> contribuição<br />

para o aperfeiçoamento das Relações Públicas. Nesse contexto, um<br />

expoente foi o então presi<strong>de</strong>nte Franklin D. Roosevelt. Há os que<br />

consi<strong>de</strong>ram o período rooseveltiano, <strong>de</strong> 1933 a 1945, como o inicio<br />

da época <strong>de</strong> ouro das Relações Públicas nos Estados Unidos.<br />

Roosevelt, além <strong>de</strong> eminente político, se revelou homem <strong>de</strong> Re-<br />

lações Públicas no dia-a-dia. Utilizava muito os meios <strong>de</strong> comuni-<br />

cação <strong>de</strong> massa para esclarecer a opinião pública. Nas "conversas<br />

ao pé do fogo" prestava conta, semanalmente, à população das ati-<br />

vida<strong>de</strong>s e dos projetos governamentais, por meio <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> emis-<br />

soras do país.<br />

A partir do término da Segunda Guerra Mundial, as Relações<br />

Públicas, nos Estados Unidos, haviam alcançado um estágio <strong>de</strong> pro-<br />

gresso e <strong>de</strong> aceitação que facilitava o seu <strong>de</strong>senvolvimento em ou-<br />

tros países do mundo. Mais <strong>de</strong> quatrocentas empresas norte-ame-<br />

ricanas criaram serviços especializados e mais <strong>de</strong> quinhentas con-<br />

sultorias <strong>de</strong> Relações Públicas foram então fundadas.<br />

No Brasil, a experiência pioneira foi feita pela antiga Light (ho-<br />

je Eletropaulo), ao introduzir em seu organograma, a 30 <strong>de</strong> janei-<br />

ro <strong>de</strong> 1914, um <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Relações Públicas. Mas, somente<br />

no inicio da década <strong>de</strong> cinqüenta é que essa área passou a ser obje-<br />

to <strong>de</strong> atenção e mais conhecida, juntamente com o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

industrial <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado, na ocasião, por força da absorção <strong>de</strong> capi-<br />

tais estrangeiros que passaram a ser investidos no País.<br />

Surgem nesse período as primeiras assessorias <strong>de</strong> Relações Pú-<br />

blicas (Cia. Nacional <strong>de</strong> Relações Públicas e Propaganda, 1952) e co-<br />

meça a se articular um grupo <strong>de</strong> profissionais que acabam fundan-<br />

do a Associação Brasileira <strong>de</strong> Relações Públicas, em 1954. As gran-<br />

<strong>de</strong>s empresas, principalmente as multinacionais, e agências <strong>de</strong> pro-<br />

paganda montam setores <strong>de</strong> Relações Públicas.<br />

Daquela época até a década <strong>de</strong> oitenta, há um crescimento acen-<br />

tuado das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Relações Públicas. As empresas se conven-<br />

cem <strong>de</strong> que, além da publicida<strong>de</strong> dos seus produtos, têm necessida-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidar do seu posicionamento institucional perante a opinião<br />

pública. E as Relações Públicas passam a fazer parte integrante do<br />

composto mercadológico, servindo <strong>de</strong> suporte na mediação da or-<br />

ganização com seus públicos.<br />

O breve retrospecto histórico apresentado nos leva a perceber<br />

que as Relações Públicas nasceram e se <strong>de</strong>senvolveram impregnadas<br />

<strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong> acomodação dos públicos aos interesses econô-<br />

micos e políticos daqueles que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r, colocando-se, portan-<br />

to, a serviço do sistema capitalista vigente.<br />

Toda essa atuação <strong>de</strong> Relações Públicas, voltada mais para os<br />

interesses empresariais, é calcada na transferência da bibliografia<br />

estrangeira, principalmente a norte-americana, que serviu <strong>de</strong> para-<br />

digma para os iniciantes brasileiros. Os textos acadêmicos <strong>de</strong> auto-<br />

res como Carlson, Childs, Edward Bernays, Canfield e Jamelson, en-<br />

tre outros, retratavam experiências americanas que foram facilmen-<br />

te assimiladas acadêmica e profissionalmente. 1 Tanto isto é ver-<br />

da<strong>de</strong> que a literatura brasileira sobre Relações Públicas, via <strong>de</strong> re-<br />

gra, até por volta dos anos oitenta, era toda centrada na preocupa-<br />

ção <strong>de</strong> como as empresas <strong>de</strong>viam se relacionar com seus públicos<br />

para melhorar sua "imagem" e serem bem aceitas, estabelecendo-se<br />

condições favoráveis para a venda <strong>de</strong> seus produtos e serviços.<br />

49


Foi no início da década <strong>de</strong> oitenta que se passou a <strong>de</strong>bater e<br />

praticar as Relações Públicas sob outra ótica, conferindo-lhes uma<br />

nova dimensão e subordinando-as aos interesses populares e comu-<br />

nitários. Isto se <strong>de</strong>u graças ao avanço que então já havia alcançado<br />

a <strong>comunicação</strong> alternativa, em <strong>de</strong>corrência dos esforços <strong>de</strong> <strong>de</strong>fenso-<br />

res das liberda<strong>de</strong>s <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticas e <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como a INTERCOM<br />

(Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação)<br />

e a UCBC (União Cristã Brasileira <strong>de</strong> Comunicação Social), que pro-<br />

moviam ciclos <strong>de</strong> estudos e congressos com <strong>de</strong>bates voltados, sem-<br />

pre, para uma temática <strong>de</strong> oposição ao governo militar, pondo em<br />

evidência as classes subalternas, os direitos humanos e uma nova<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social.<br />

Foi precisamente em 1980 que a UCBC, em seu IX Congresso,<br />

abordou a <strong>comunicação</strong> popular. Na ocasião, tivemos a oportuni-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> painel sobre Relações Públicas a serviço dos<br />

interesses populares, ao lado <strong>de</strong> Anísio Teixeira, representando a clas-<br />

se operária, José Queiroz, professor da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São<br />

Paulo, e Cicilia Peruzzo (que então já preconizava uma nova ma-<br />

neira <strong>de</strong> encarar as Relações Públicas e, posteriormente, em 1981,<br />

apresentaria sua dissertação <strong>de</strong> mestrado sobre "Relações Públicas<br />

no modo <strong>de</strong> produção capitalista", <strong>de</strong>pois transformada em livro,<br />

agora já em segunda edição). 2 Tudo isso contribuiu muito para<br />

uma nova visão <strong>de</strong> Relações Públicas. Na verda<strong>de</strong>, o referido painel<br />

fez germinar uma nova esperança <strong>de</strong> vida para essa área.<br />

À mesma época, com colegas <strong>de</strong> magistério e alunos do último<br />

ano do curso <strong>de</strong> Relações Públicas da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação So-<br />

cial do Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior, em São Bernardo do<br />

Campo, iniciávamos um projeto experimental voltado para a comu-<br />

nida<strong>de</strong>, numa tentativa concreta <strong>de</strong> viabilizar uma nova alternativa<br />

para as Relações Públicas.<br />

Pretendíamos <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrar que as técnicas e a arte <strong>de</strong> Relações<br />

Públicas podiam ser aplicadas também a outras camadas sociais que<br />

não somente as empresariais. Em um artigo intitulado "Relações<br />

Públicas comunitárias: um <strong>de</strong>safio", publicado em 1984, * relatamos<br />

algumas experiências levadas a efeito, nesse sentido, por nós e por<br />

outras escolas.<br />

ALGUMAS PROPOSTAS ALTERNATIVAS<br />

PARA AS RELAÇÕES PUBLICAS<br />

Como já comentamos anteriormente, até há pouco tempo as Re-<br />

lações Públicas eram vistas como uma ativida<strong>de</strong> empresarial ou go-<br />

vernamental. Os currículos das faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Comunicação Social<br />

e mesmo a literatura existente eram mais direcionados nessa linha.<br />

Hoje, as Relações Públicas começam a ser aplicadas também em ou-<br />

tros campos. Quais seriam essas novas alternativas, que estão pro-<br />

piciando gran<strong>de</strong>s perspectivas <strong>de</strong> trabalho para o futuro? Por que<br />

não pensar Relações Públicas na área sindical, nas organizações po-<br />

pulares, nas organizações sem fins lucrativos, nos grupos espontâ-<br />

neos e nos movimentos sociais?<br />

É o que procuraremos expor a seguir, embora reconhecendo as<br />

nossas limitações e a escassez <strong>de</strong> dados sobre o assunto.<br />

50


Relações públicas na área sindical<br />

Uma gran<strong>de</strong> alternativa para as Relações Públicas é a atuação<br />

junto aos sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores, organizações que ganham for-<br />

ça num regime <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático e representam uma solução para uni-<br />

ficar as reivindicações dos assalariados.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que aqui <strong>de</strong>vemos nos libertar <strong>de</strong> certos conceitos tra-<br />

dicionais <strong>de</strong> Relações Públicas e vestir outra camisa, a das classes<br />

menos favorecidas, subordinadas aos interesses do capital. Para<br />

isso, é preciso que conheçamos um pouco da história e da vida dos<br />

sindicatos brasileiros.<br />

Segundo Roque Silva, estes nasceram da necessida<strong>de</strong> sentida pe-<br />

los trabalhadores <strong>de</strong> se organizarem para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus interesses<br />

enquanto assalariados. 4<br />

Suas lutas, no Brasil, têm sido marcadas por intervenções con-<br />

tinuas do Estado, principalmente em <strong>de</strong>terminados períodos, quando,<br />

por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos, se eliminavam sua liberda<strong>de</strong> e autonomia, <strong>de</strong>s-<br />

viando-se os seus objetivos básicos para o assistencialismo e a <strong>de</strong>s-<br />

mobilização da classe trabalhadora.<br />

Referindo-se aos anos posteriores a 1964, Ricardo Antunes <strong>de</strong>-<br />

monstra como o regime autoritário redimensionou o movimento sin-<br />

dical brasileiro, fazendo <strong>de</strong>le um instrumento da "paz social". Se-<br />

cundo o autor, "reforçou-se, através <strong>de</strong> novos instrumentos legais,<br />

o papel do sindicato como mero órgão assistencialista e <strong>de</strong> agente<br />

intermediário entre o Estado e a classe trabalhadora", B E as li<strong>de</strong>-<br />

ranças anteriores viram-se transformadas em li<strong>de</strong>ranças administra-<br />

tivas, acrescenta Sarah Chucid da Viá.« Nesse período, segundo<br />

Roque Silva, "a legislação esvazia os sindicatos <strong>de</strong> toda represen-<br />

tativida<strong>de</strong>, convertendo-os em entida<strong>de</strong>s amorfas, capacitadas apenas<br />

para mediar os conflitos. Nessas condições, torna-se enormemente<br />

difícil qualquer tentativa mais eficaz <strong>de</strong> luta pela autonomização,<br />

visto que sua fonte básica <strong>de</strong> legitimação é o próprio Estado, que<br />

lhes outorga não apenas os meios financeiros mas também, ao reco-<br />

nhecer uma associação conce<strong>de</strong>ndo-lhe a 'carta sindical', o direito<br />

<strong>de</strong> mobilizar a representação <strong>de</strong> uma categoria <strong>de</strong> trabalhadores". ?<br />

Mas aos poucos as coisas tornariam a mudar. "Navegando con-<br />

tra essa maré, o sindicalismo brasileiro vive, atualmente, mais uma<br />

vez, expectativas quanto ao seu <strong>de</strong>senvolvimento, abertas com lutas<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas em 77/78", diz Roque Silva. 8<br />

E hoje, com a Nova República e novas medidas do Ministério<br />

do Trabalho com relação à autonomia e à liberda<strong>de</strong> sindical e com<br />

o fim das intervenções nos sindicatos, está-se caminhando para um<br />

revigoramento dos movimentos sindicais. Esses passam por trans-<br />

formações sociais, políticas e econômicas que exigirão novos canais<br />

<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> com os diversos públicos.<br />

Cabe aqui um importante papel às Relações Públicas, que encon-<br />

tram nessas organizações um novo campo <strong>de</strong> trabalho a ser explo-<br />

rado pelos profissionais da área. Só no Estado <strong>de</strong> São Paulo, por<br />

exemplo, temos mais <strong>de</strong> setecentos sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores.<br />

Trata-se, segundo Nicole Blouin, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver as relações in-<br />

ternas, que "<strong>de</strong>vem favorecer a <strong>comunicação</strong> entre os funcionários,<br />

a administração do sindicato e os sindicalizados", 9 usando-se para<br />

tanto todos os instrumentos postos à disposição, a fim <strong>de</strong> fazer os<br />

membros participarem <strong>de</strong> maneira mais ativa na vida <strong>de</strong> seu sindi-<br />

cato. "Resta todavia um vasto campo a explorar neste domínio", diz<br />

51


Nicole, acrescentando que "no dia em que o sindicalizado pu<strong>de</strong>r ins-<br />

tantaneamente comentar as <strong>de</strong>cisões e as tomadas <strong>de</strong> posição <strong>de</strong> sua<br />

associação e <strong>de</strong> seus lí<strong>de</strong>res sindicais, a palavra 'participação' tomará<br />

então toda a sua significação. Se não, para que serviria dispensar<br />

a melhor <strong>comunicação</strong> que seja, se o receptor, o sindicalizado, não<br />

estivesse inclinado a participar da elaboração <strong>de</strong> uma obra comum?" 10<br />

Além disso, há que se <strong>de</strong>senvolver as relações do sindicato com<br />

seus públicos externos, num trabalho que, para a autora citada, con-<br />

siste em "passar idéias", difundir um conteúdo que, muito freqüen-<br />

temente, não goza antecipadamente <strong>de</strong> um conceito favorável da par-<br />

te do público consumidor", " que po<strong>de</strong> ser o patrão, o Estado etc.<br />

Muitos trabalhos po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>senvolvidos em conjunto com as<br />

outras áreas da <strong>comunicação</strong> social (Jornalismo, Publicida<strong>de</strong> e Pro-<br />

paganda, Editoração etc), como ví<strong>de</strong>os, eventos, publicações, relações<br />

com a Imprensa, campanhas. Um setor ou <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Rela-<br />

ções Públicas numa estrutura sindical po<strong>de</strong>rá ter como uma <strong>de</strong> suas<br />

missões, por exemplo, promover um relacionamento muito maior dos<br />

trabalhadores com seu sindicato. Se consi<strong>de</strong>rarmos que a categoria<br />

metalúrgica <strong>de</strong> São Paulo reúne mais <strong>de</strong> trezentas mil pessoas e<br />

apenas pouco mais <strong>de</strong> vinte por cento <strong>de</strong>las são sindicalizadas, vê-se<br />

que há muito por fazer nesse sentido.<br />

Trata-se <strong>de</strong> conscientizar e mobilizar os trabalhadores para uma<br />

efetiva participação na vida sindical. É um item que faz parte <strong>de</strong><br />

ampla pesquisa realizada pelo CEDEC (<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Cul-<br />

tura Contemporânea), <strong>de</strong> São Paulo, junto a dirigentes sindicais <strong>de</strong><br />

vários estados brasileiros. A maioria dos entrevistados confirmou<br />

que "os trabalhadores ainda estão distantes da vida dos sindicatos<br />

e muitas vezes os sindicatos estão longe dos trabalhadores". 12 Para<br />

eles, só com uma "gran<strong>de</strong> participação" se conseguirá uma verda-<br />

<strong>de</strong>ira organização sindical.<br />

Relações Públicas nas organizações populares<br />

Pensar em Relações Públicas populares supõe que se conheça o<br />

que é "povo" e "organização popular".<br />

Eduardo Wan<strong>de</strong>rley analisa amplamente o conceito <strong>de</strong> povo em<br />

artigo publicado no livro A <strong>cultura</strong> do povo. í 3 Gramsci <strong>de</strong>fine<br />

povo como o "conjunto <strong>de</strong> classes subalternas e instrumentais, sub-<br />

metidas à combinação econômica e política das classes hegemônicas<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>". 1 * Regina Festa, citando essa<br />

mesma <strong>de</strong>finição, ao analisar um artigo <strong>de</strong> Gilberto Gimenez ("No-<br />

tas para una teoria <strong>de</strong> Ia comunicación popular"), diz: "Nós enten-<br />

<strong><strong>de</strong>mo</strong>s que povo e popular só po<strong>de</strong>m ser compreendidos através da<br />

diferenciação sócio-econômica e sócio-<strong>cultura</strong>l, no marco das rela-<br />

ções sociais <strong>de</strong> produção. O popular, portanto, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>finido à<br />

luz <strong>de</strong> uma teoria das classes sociais". 15<br />

E o que se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r por organizações populares? São os<br />

pequenos grupos, os núcleos <strong>de</strong> base que compõem a socieda<strong>de</strong><br />

maior. É nessas microssocieda<strong>de</strong>s que se gestará a nova socieda<strong>de</strong><br />

participativa e <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática, unida por uma nova trama social soli-<br />

dária e libertadora, conforme preconiza Bor<strong>de</strong>nave. 18<br />

Um trabalho <strong>de</strong> Relações Públicas nas organizações populares<br />

<strong>de</strong>verá partir <strong>de</strong> uma prática inteiramente nova, inserindo-se numa<br />

concepção libertadora da educação, i<strong>de</strong>ntificando-se com a realida-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses agrupamentos sociais, por meio <strong>de</strong> uma ação conjunta com<br />

52


eles em busca das transformações sociais. Segundo Cicília Peruzzo,<br />

"não se trata <strong>de</strong> transpor simplesmente para os movimentos popu-<br />

lares ou sindicais as Relações Públicas que a burguesia criou. Há<br />

que alterá-las. Têm que ser orientadas por nova concepção <strong>de</strong> mun-<br />

do e por nova metodologia. Aqui as Relações Públicas são novas,<br />

são as Relações Públicas Populares que têm como pressuposto a ne-<br />

cessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar a socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> construir outra nova, funda-<br />

da na igualda<strong>de</strong>"."<br />

Po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s <strong>de</strong>senvolver programas <strong>de</strong> Relações Públicas com di-<br />

versos tipos <strong>de</strong> organizações populares, ou, mais especificamente, em<br />

diferentes movimentos sociais, como, por exemplo, os movimentos<br />

das comunida<strong>de</strong>s eclesiais <strong>de</strong> base, das associações <strong>de</strong> moradores, das<br />

comunida<strong>de</strong>s negras, dos sem-terra, dos que lutam pela reforma<br />

agrária, dos favelados, dos trabalhadores. São microssocieda<strong>de</strong>s que<br />

postulam novos espaços e uma vida humana mais digna e justa, ten-<br />

tando resistir à opressão do po<strong>de</strong>r público e econômico, sobretudo<br />

nos regimes on<strong>de</strong> não há espaço para a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia.<br />

Regina Festa, que faz interessante relato sobre a evolução dos<br />

movimentos sociais e sobre a <strong>comunicação</strong> popular e alternativa no<br />

Brasil, afirma: "Os movimentos sociais não ocorrem por acaso.<br />

Eles têm origem nas contradições sociais que levam parcelas ou<br />

toda uma população a buscar formas <strong>de</strong> conquistar ou reconquis-<br />

tar espaços <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos negados pela classe no po<strong>de</strong>r. Essas con-<br />

tradições são as que geram processos <strong>de</strong> resistências em momentos<br />

<strong>de</strong> repressão social, <strong>de</strong> convergência histórica em momentos <strong>de</strong><br />

acumulação <strong>de</strong> forças por parte das oposições, ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarticulação<br />

<strong>de</strong>ssas mesmas forças quando as condições internas que as gera-<br />

ram encontram-se incapazes <strong>de</strong> articular uma alternativa histórica.<br />

Portanto, os movimentos sociais existem em socieda<strong>de</strong>s tensionadas<br />

por conflitos <strong>de</strong> interesse entre as classes sociais. Nesse sentido, os<br />

movimentos sociais estruturam-se <strong>de</strong> acordo com a conjuntura, com<br />

interesses <strong>de</strong> grupos específicos, classes ou extrações <strong>de</strong> classes e<br />

em torno <strong>de</strong> projetos alternativos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>". 18<br />

Além das alternativas aqui expostas, po<strong>de</strong>ríamos, ainda, enume-<br />

rar muitas outras. Basta lembrar o elevado número <strong>de</strong> organiza-<br />

ções sem fins lucrativos (obras assistenciais, orfanatos, centros cul-<br />

turais, museus, escolas e hospitais públicos). São organizações que<br />

mantêm um fluxo intenso dos mais diferentes públicos e que na sua<br />

maioria carecem <strong>de</strong> um serviço eficiente <strong>de</strong> Relações Públicas.<br />

Estamos <strong>de</strong>senvolvendo, com os alunos da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Co-<br />

municação Casper Libero e da Metodista, projetos experimen-<br />

tais <strong>de</strong> Relações Públicas nessa linha. Estamos, por exemplo,<br />

trabalhando com o CVV (<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Valorização da Vida), a AACD<br />

(Associação <strong>de</strong> Assistência à Criança Defeituosa), a APAE (Associa-<br />

ção <strong>de</strong> Pais e Amigos dos Excepcionais), a APCD (Associação Pau-<br />

lista dos Cirurgiões Dentistas do ABC), o Coral Metodista, o MAC<br />

(Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo). Essas<br />

organizações foram escolhidas pelos próprios alunos, que se sen-<br />

tiram motivados a realizar seus trabalhos <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso com<br />

elas. São, na verda<strong>de</strong>, alternativas diferentes dos trabalhos propos-<br />

tos nos projetos empresariais.<br />

Outra área promissora a ser consi<strong>de</strong>rada é a <strong>de</strong> Relações Pú-<br />

blicas no meio rural. Quantas ativida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>riam ser pensadas<br />

para cooperativas e produtores rurais! Reuniões, produção <strong>de</strong> ví-<br />

53


<strong>de</strong>os e audiovisuais, folhetos explicativos sobre tratamento do solo<br />

e produção <strong>de</strong> alimentos...<br />

Imaginemos as Relações Públicas estudando e conhecendo bem<br />

o público rural e contribuindo para a concretização e implantação da<br />

reforma agrária em nosso país. Quantas falhas estão ocorrendo por<br />

causa da inexistência <strong>de</strong> uma <strong>comunicação</strong> mais eficaz com esse<br />

segmento <strong>de</strong> público!<br />

Em tudo isso, trata-se, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver Relações Pú-<br />

blicas comunitárias, num trabalho realizado diretamente com a co-<br />

munida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la e em função <strong>de</strong>la, "por profissionais que se<br />

integram nos grupos ou por profissionais orgânicos surgidos nos<br />

próprios grupos", como já escrevíamos em artigo publicado sobre<br />

o assunto em 1984. lfl<br />

Todo esse elenco <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> novas propostas para as<br />

Relações Públicas só encontrará efetivamente resultados comprome-<br />

tidos com as mudanças sociais, políticas e econômicas da socieda-<br />

<strong>de</strong> brasileira se nos imbuirmos da postura <strong>de</strong> quem quer crescer e<br />

trabalhar com as organizações populares como agente aglutinador das<br />

diversas forças sociais, promovendo a participação e integração em<br />

benefício da maioria. Acreditamos que temos <strong>de</strong> passar por uma<br />

nova reciclagem e que dois princípios são fundamentais: primeiro,<br />

a necessida<strong>de</strong> da absorção <strong>de</strong> alguns conceitos sobre <strong>comunicação</strong><br />

popular e alternativa, sobre movimentos sociais, sobre "educação li-<br />

bertadora" (Paulo Freire) e sobre Relações Públicas a serviço dos<br />

interesses populares; segundo, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conhecer as téc-<br />

nicas <strong>de</strong> planejamento, aplicadas especificamente ao trabalho <strong>de</strong> Re-<br />

lações Públicas em grupos <strong>de</strong>ssa natureza.<br />

Algumas exigências para a efetivação da prática alternativa<br />

<strong>de</strong> Relações Públicas<br />

Numa época em que é gran<strong>de</strong> o esforço feito no sentido <strong>de</strong> pen-<br />

sar ou repensar o papel das Relações Públicas, <strong>de</strong> buscar novas <strong>de</strong>-<br />

finições e novos caminhos para essa área, como se po<strong>de</strong>, além da<br />

formação normal oferecida pelos cursos, proporcionar meios que<br />

preparem o futuro profissional para atuar diretamente numa prática<br />

comunitária?<br />

Primeiramente, há que se introduzir algumas mudanças no con-<br />

teúdo das disciplinas oferecidas pelos cursos, dando espaço para<br />

novas alternativas, como a <strong>comunicação</strong> popular e projetos comu-<br />

nitários, revendo-se, portanto, os tradicionais conceitos <strong>de</strong> Relações<br />

Públicas, on<strong>de</strong> o centro <strong>de</strong> tudo são a empresa e os interesses co-<br />

merciais.<br />

Partindo da proposta do estudo da <strong>comunicação</strong> popular, é pre-<br />

ciso enten<strong>de</strong>r o seu real significado. Segundo Regina Festa a co-<br />

municação popular "refere-se ao modo <strong>de</strong> expressão das classes po-<br />

pulares <strong>de</strong> acordo com a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuar sobre o contexto<br />

social na qual ela se reproduz. Contexto <strong>de</strong> enfrentamento com o<br />

projeto <strong>de</strong> dominação capitalista. Nesse contexto, a <strong>comunicação</strong><br />

popular é o agente da <strong>de</strong>finição do projeto popular, que vai con-<br />

formando a inter-relação entre grupos e classes populares. Na nos-<br />

sa socieda<strong>de</strong>, entretanto, ela reproduz a fragmentação e a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong><br />

das classes populares e a sua incapacida<strong>de</strong> atual <strong>de</strong> articular alian-<br />

ças políticas. Daí porque ela se expressa em espaços <strong>de</strong>terminados<br />

como nas comunida<strong>de</strong>s eclesiais <strong>de</strong> base, em sindicatos, grupos <strong>de</strong>


mulheres, centros <strong>de</strong> educação e <strong>comunicação</strong> popular, grupos cul-<br />

turais, movimentos <strong>de</strong> favelados etc." 20<br />

Outro aspecto importante é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos inserirmos nu-<br />

ma concepção "libertadora" da Educação, superando a educação<br />

bancária a que se refere Paulo Freire. 21 Assim, ao <strong>de</strong>senvolvermos<br />

um trabalho junto às classes populares, temos que nos posicionar<br />

como alguém que se integra no grupo, com ele apren<strong>de</strong>ndo, ensi-<br />

nando e transformando alguma coisa, e não como alguém que irá<br />

ser um "transmissor <strong>de</strong> conhecimentos", em posição <strong>de</strong> superiori-<br />

da<strong>de</strong> e com soluções prontas para aquele grupo. Com base em Paulo<br />

Freire, dizem Rosiska e Miguel Darcy <strong>de</strong> Oliveira: "Educação não<br />

é sinônimo <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> conhecimento pela simples razão <strong>de</strong><br />

que não existe um saber feito e acabado, suscetível <strong>de</strong> ser captado<br />

e compreendido pelo educador e, em seguida, <strong>de</strong>positado nos edu-<br />

candos. O saber não é uma simples cópia ou <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma<br />

realida<strong>de</strong> estática. A realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>cifrada e reinventada a<br />

cada momento. Neste sentido, a verda<strong>de</strong>ira educação é um ato di-<br />

nâmico e permanente <strong>de</strong> conhecimento centrado na <strong>de</strong>scoberta, aná-<br />

lise e transformação da realida<strong>de</strong> pelos que a vivem". 22<br />

Nossa geração é vítima <strong>de</strong> uma educação passiva, que nos foi<br />

imposta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ambiente familiar até ao ensino <strong>de</strong> terceiro grau,<br />

tendo como respaldo o regime <strong>de</strong> ditadura militar durante vinte anos.<br />

Como conseqüência, vemos hoje uma participação amorfa da juven-<br />

tu<strong>de</strong>, dos profissionais e da socieda<strong>de</strong> em geral frente aos i<strong>de</strong>ais<br />

<strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos, em <strong>de</strong>corrência da inexistência <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>o-<br />

lógica dos atuais partidos políticos.<br />

Os novos tempos exigem que o profissional <strong>de</strong> Relações Públi-<br />

cas tenha uma visão muito mais crítica e <strong>de</strong>sempenhe uma função<br />

política na socieda<strong>de</strong>. Contestamos os que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a neutralida<strong>de</strong><br />

das Relações Públicas. Temos que ter coragem e assumir nossas<br />

posições publicamente.<br />

De acordo com José Queiroz, um trabalho <strong>de</strong> Relações Públi-<br />

cas a serviço dos interesses populares exige do profissional uma mu-<br />

dança existencial, <strong>de</strong> sorte que ele seja antes um ser <strong>de</strong> relações e<br />

não tanto um ser <strong>de</strong> contatos; que se compenetre <strong>de</strong> seus direitos<br />

e <strong>de</strong>veres no contexto em que vive; que faça coincidir os seus in-<br />

teresses com os das classes subalternas; a transformação sócio-eco-<br />

nômica-política em vista <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> justa e livre; por fim,<br />

que ofereça suas técnicas às classes subalternas, ajudando-as a me-<br />

lhorar a própria imagem diante do público, a tornar aceitáveis os<br />

seus programas e objetivos, a facilitar o fluxo <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> entre<br />

as li<strong>de</strong>ranças e as bases, a prever as possíveis reações às suas rei-<br />

vindicações, a transmitir a outros movimentos populares e ao outro<br />

pólo os seus propósitos e as suas realizações. 23<br />

Percebemos, pelas colocações feitas, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ssvisão<br />

dos conceitos adquiridos nos cursos <strong>de</strong> Relações Públicas e <strong>de</strong> uma<br />

premente reciclagem profissional, para po<strong>de</strong>rmos atuar satisfatoria-<br />

mente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa nova ótica das Relações Públicas.<br />

Nova práxis<br />

O marco inicial <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> Relações Públicas voltado pa-<br />

ra os interesses populares é o conhecimento da realida<strong>de</strong> com a<br />

qual se vai trabalhar. Antes <strong>de</strong> propormos qualquer programa <strong>de</strong><br />

ação, temos que verificar o ambiente e sondar quais são os reais<br />

55


anseios <strong>de</strong>sse agrupamento social. Isto <strong>de</strong>ve ser feito <strong>de</strong> preferên-<br />

cia por meio <strong>de</strong> uma pesquisa participante, "on<strong>de</strong> afinal pesquisa-<br />

dores e pesquisados são sujeitos <strong>de</strong> um mesmo trabalho comum,<br />

que, ainda que com situações e tarefas diferentes, preten<strong>de</strong> ser uni<br />

instrumento a mais <strong>de</strong> reconquista popular", conforme afirma Car-<br />

los Rodrigues Brandão. 24<br />

É preciso que se processe todo um estudo em conjunto (pes-<br />

quisador/pesquisado) em torno do macro-ambiente on<strong>de</strong> estão in-<br />

seridos a comunida<strong>de</strong> e os movimentos sociais. Temos que ter uma<br />

visão ampla da influência do ambiente externo sobre qualquer or-<br />

ganização social, exercida por meio das variáveis políticas, econômi-<br />

cas, sociais, <strong>cultura</strong>is, <strong><strong>de</strong>mo</strong>gráficas, tecnológicas, legais e ecológicas.<br />

São fatores que interferem enormemente na vida das organizações e<br />

ninguém po<strong>de</strong> ignorá-los.<br />

Depois <strong>de</strong> se estudar o ambiente como um todo, parte-se para<br />

o grupo ou a comunida<strong>de</strong> propriamente dita e para seu ambiente<br />

operacional mais próximo.<br />

Luiz Bravo apresenta um estudo preliminar da comunida<strong>de</strong> que,<br />

embora esteja dirigido para um trabalho <strong>de</strong> serviço social, po<strong>de</strong> ser-<br />

vir para a área <strong>de</strong> Relações Públicas. O esquema que ele propõe<br />

é constituído <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito itens: espaço geográfico, história, contexto<br />

<strong>cultura</strong>l, sistema político, social, econômico, <strong>de</strong> emprego, educacio-<br />

nal, médico-sanitário, <strong>de</strong> bem-estar social, <strong>de</strong> transporte e <strong>de</strong> comu-<br />

nicações sociais, recursos comunitários, tipos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, ex-<br />

pectativa da comunida<strong>de</strong> quanto às dificulda<strong>de</strong>s, soluções, experiên-<br />

cias significativas em projetos comunitários e participação <strong>de</strong> assis-<br />

tente social na comunida<strong>de</strong>. 2 5 Acrescentamos ao esquema as ques-<br />

tões da participação <strong>de</strong> profissionais da área <strong>de</strong> Comunicação Social<br />

e das perspectivas para um trabalho <strong>de</strong> Relações Públicas. De acor-<br />

do com a situação da comunida<strong>de</strong>, estudar-se-ia como proce<strong>de</strong>r para<br />

levantar as informações. Po<strong>de</strong> ser que o melhor não seja um ques-<br />

tionário formal, mas reuniões com lí<strong>de</strong>res e setores <strong>de</strong>terminados.<br />

Tem que haver bastante flexibilida<strong>de</strong> e adaptações, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> e com quem vai-se trabalhar.<br />

De posse <strong>de</strong> todas as informações necessárias parte-se para o<br />

diagnóstico, <strong>de</strong>stacando as áreas com dificulda<strong>de</strong>s, os problemas ou<br />

as situações-problemas que po<strong>de</strong>rão ser minimizados ou solucionados<br />

com a participação do profissional <strong>de</strong> Relações Públicas. O diagnós-<br />

tico permite, também, i<strong>de</strong>ntificar as causas <strong>de</strong>terminantes dos pro-<br />

blemas e bloqueios existentes.<br />

O próximo passo é estabelecer programas <strong>de</strong> ação com alterna-<br />

tivas e priorida<strong>de</strong>s para tentar solucionar os problemas encontra-<br />

dos. É aqui que po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s aproveitar e utilizar todo o instrumental<br />

<strong>de</strong> Relações Públicas disponível, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, é claro, da realida<strong>de</strong><br />

do agrupamento social em que se está trabalhando. Se a comuni-<br />

da<strong>de</strong> tem como predominância alto índice <strong>de</strong> analfabetismo, não adian-<br />

ta insistirmos em publicações. No caso, é mais eficaz recorrermos aos<br />

instrumentos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> dirigida oral, aproximativa e audio-<br />

visual. É preciso, pois, escolher os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> em fun-<br />

ção dos públicos que se quer atingir. Toda essa proposta <strong>de</strong> ação<br />

tem que ser feita <strong>de</strong> forma conjugada com os elementos da comu-<br />

nida<strong>de</strong> e com os <strong>de</strong>mais assessores.<br />

Ao se <strong>de</strong>senvolver um projeto comunitário <strong>de</strong> Relações Públicas<br />

nao se po<strong>de</strong> pensar unilateralmente. Temos que motivar a partici-<br />

pação <strong>de</strong> muitas áreas e pessoas. Depen<strong>de</strong>ndo do tipo <strong>de</strong> comunída-<br />

56


<strong>de</strong> e do estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento em que ela se encontra, tere-<br />

mos necessida<strong>de</strong> do psicólogo, do pedagogo, do advogado, do mé-<br />

dico, do educador-fisico, do publicitário, do jornalista. E vamos<br />

precisar, sobretudo, da própria comunida<strong>de</strong>, pois o importante é que<br />

se trabalhe "com" o grupo e não "para" o grupo.<br />

Todo o processo <strong>de</strong> ação planejada <strong>de</strong> Relações Públicas com as<br />

organizações populares <strong>de</strong>ve se <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong> uma forma dinâmica<br />

e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> mundo. Cada povo tem sua maneira pró-<br />

pria <strong>de</strong> ser e sua própria história. Uma comunida<strong>de</strong>, um movimen-<br />

to social é sempre um agrupamento <strong>de</strong> pessoas que têm muitas<br />

histórias e muitas vidas em comum.<br />

As Relações Públicas nas organizações populares, nos sindica-<br />

tos e nos movimentos sociais não constituem uma proposta acabada,<br />

mas apenas uma semente que precisa ser cultivada em todos os es-<br />

tudantes e profissionais <strong>de</strong> Relações Públicas. Somente com aber-<br />

tura, aceitação e assimilação essas novas idéias e formas <strong>de</strong> enca-<br />

rar as Relações Públicas serão levadas adiante e concretizarão obje-<br />

tivos <strong>de</strong> mudança em nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

1. Cf. PERUZZO, Cicília Maria Krohling, Relações públicas no mo-<br />

do <strong>de</strong> produção capitalista, 2.a ed., São Paulo, Summus, 1986, p. 14. José<br />

Marques <strong>de</strong> Melo, ao prefaciar esse livro, analisa a influência da biblio-<br />

grafia estrangeira <strong>de</strong> Relações Públicas sobre a brasileira.<br />

2. PERUZZO, Cicília Maria Krohling, op. cit.<br />

3. KÜNSCH, Margarida M. Krohling, "Relações públicas comunitá-<br />

rias: um <strong>de</strong>safio", Revista Comunicação e Socieda<strong>de</strong>, do curso <strong>de</strong> Pós-gra-<br />

duação do Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior, São Bernardo do Cam-<br />

po, ano VI, n. 0 21, junho <strong>de</strong> 1984, pp. 131-150.<br />

4. SILVA, Roque Aparecido. "Representativida<strong>de</strong>, <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia e uni-<br />

da<strong>de</strong> no sindicalismo brasileiro", In: SILVA, Roque Aparecido et alii. Sin-<br />

dicatos em uma época <strong>de</strong> crise. Petrópolis, Vozes, em co-edição com o<br />

<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea, 1984, p. 17.<br />

5. ANTUNES, Ricardo L. C. O que é sindicalismo. São Paulo, Bra-<br />

siliense, 1984, p. 76.<br />

6. DA VIA, Sarah Chucid. Televisão e consciência <strong>de</strong> classe: o tra-<br />

balhador têxtil em face dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa. Petrópolis,<br />

Vozes, 1977, p. 53.<br />

7. SILVA, Roque. Op. cit., p. 19.<br />

8. Id., ibid., pp. 19-20.<br />

9. BLOUIN, Nicole, "Le syndlcallsme enseignant". In: BLOUIN, Ni-<br />

cole et alii. Communication et relations publiques. Montreal, Éditions Com-<br />

merce et Éditions Leméac, 1971, p. 248.<br />

10. Id., ibid., pp. 255-256.<br />

11. Id., ibid., pp. 252-253.<br />

12. SARTI, Ingrid An<strong>de</strong>rsen e MOISÉS, José Álvaro (coor<strong>de</strong>nadores).<br />

Sindicatos: autonomia e unida<strong>de</strong>. Petrópolis, Vozes, em co-edição com o<br />

<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea. Ca<strong>de</strong>rnos Populares, 1 1984,<br />

pp. 17-18.<br />

13. WANDERLEY, L. Eduardo. "Apontamentos sobre educação popu-<br />

lar". VALE, J. Edônio dos Reis e QUEIROZ, José J. (orgs.). A <strong>cultura</strong><br />

do povo. São Paulo, Cortez e Moraes, EDUC, 1979, pp. 49-64.<br />

57


14. GRAMSCI, Antônio. "Literatura y vida nacional". México, Juan Pa-<br />

blos Editor, 1976, pp. 239-240. Citado em "Notas para una teoria <strong>de</strong> Ia co-<br />

municación popular". In: Comunicación — Estúdios Venezolanos <strong>de</strong> Comu-<br />

nicación, Caracas, 1981, n. 0 35/36.<br />

15. FESTA, Regina, "Comunida<strong>de</strong>s eclesiais <strong>de</strong> base e <strong>comunicação</strong>".<br />

In: LINS DA SILVA, Carlos Eduardo (coor<strong>de</strong>nador). Comunicação, hegemo-<br />

nia e contra-informação. São Paulo, Cortez e Moraes, INTERCOM, 1982, pp.<br />

173-174.<br />

16. BORDENAVE, Juan E. Diaz. "A <strong>comunicação</strong> e o fortalecimen-<br />

to da organização popular". In: SOARES, Ismar <strong>de</strong> Oliveira e PUNTEL, Joa-<br />

na T. (orgs.), A segurança do povo: um <strong>de</strong>safio à <strong>comunicação</strong>. São Paulo,<br />

Paulinas, 1984, p. 220.<br />

17. PERUZZO, Cicília M. Krohling. "Propostas <strong>de</strong> transformação e <strong>de</strong><br />

relações públicas" na / Semana Londrinense <strong>de</strong> Relações Públicas, promovi-<br />

da pela Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina, <strong>de</strong> 20 a 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1986, Lon-<br />

drina, Paraná.<br />

18. FESTA, Regina e SILVA, Carlos Eduardo Lins (orgs.). Comuni-<br />

cação popular e alternativa no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986, p. 11.<br />

19. KUNSCH, Margarida M. Krohling. Op. cit., p. 133.<br />

20. FESTA, Regina. Comunicação popular e alternativa. A realida<strong>de</strong><br />

Je as utopias. São Bernardo do Campo, 1984, <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação do Ins-<br />

tituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior. Dissertação (mestrado), p. 170.<br />

21. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 7.» ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Paz e Terra, 1979, pp. 63-87.<br />

22. OLIVEIRA, Rosiska Darcy e OLIVEIRA, Miguel Darcy <strong>de</strong>. "Pes-<br />

quisa social e ação educativa: conhecer a realida<strong>de</strong> para po<strong>de</strong>r transforma-<br />

-Ia". In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). Pesguisa participante. 5.^ ed.,<br />

São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 19.<br />

23. QUEIROZ, José. "Relações públicas a serviço dos interesses po-<br />

pulares". In: PERUZZO, Cicília M. Krohling. JReZações públicas no modo<br />

<strong>de</strong> produção capitalista. 2* ed., São Paulo, Summus, 1986, pp. 127-128.<br />

24. BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). <strong>Pesquisa</strong> participante. 5."<br />

ed., São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 11.<br />

25. BRAVO, Luiz. Trabalhando com a comunida<strong>de</strong>: um manual <strong>de</strong><br />

operacionalização <strong>de</strong> serviço social <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>. 2.» ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Distilivros, 1983, p. 14.<br />

58


A Comunicação da Reforma<br />

Agrária: <strong>de</strong>sinformação<br />

e rumores*<br />

Hugo Gonzalez Vela **<br />

No Brasil, a assinatura dos 37 <strong>de</strong>cretos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong><br />

terras, em 12 estados do país, juntando-se às <strong>de</strong>clarações do ex-mi-<br />

nistro Dante <strong>de</strong> Oliveira, i <strong>de</strong> que "A Reforma Agrária é uma <strong>de</strong>-<br />

terminação do presi<strong>de</strong>nte que não está apenas no papel", e pouco<br />

tempo <strong>de</strong>pois, o lançamento do "pacote ver<strong>de</strong>", 2 numa perspectiva<br />

<strong>de</strong> Transformação Agrária, no mo<strong>de</strong>lo da Nova República (trans-<br />

formação nacional?) tem repercutido muito na realida<strong>de</strong> nacional,<br />

fazendo aflorar um quadro <strong>de</strong> constante injustiça, evi<strong>de</strong>nciando-se<br />

mais as contradições <strong>de</strong> classe. O resto é uma montoeira <strong>de</strong> acon-<br />

tecimentos, rumores, discussões jornalísticas, cada um, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua<br />

perspectiva, segundo os seus interesses e com a informação <strong>de</strong> que<br />

dispõe, trata <strong>de</strong> situar-se.<br />

Parece ser, que à medida que se aprofundam as discussões e<br />

proposições dos diversos segmentos envolvidos, a poeira ten<strong>de</strong> a au-<br />

mentar. E isto parece apenas começar, a julgar pela extrema si-<br />

milarida<strong>de</strong> do processo com outras experiências latino-americanas,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente com um acréscimo <strong>de</strong> elementos mo<strong>de</strong>rnizantes. O pro-<br />

blema situa-se no ponto mais crucial para a vida da nação: a pos-<br />

se da terra e suas relações <strong>de</strong> trabalho.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que não só os elementos ligados ao setor agrário<br />

pressupõem o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um país, uma vez que para que<br />

isso aconteça é necessário aglomerar a totalida<strong>de</strong> dos elementos<br />

<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>, isto é, processos, estruturas, e relações que nem<br />

sempre são perceptíveis a olho nu. Noutras palavras, é necessá-<br />

ria uma luneta graduada para po<strong>de</strong>r perceber.<br />

♦ Documento apresentado no painel "Dimensões do Novo Desenvol-<br />

vimento" do Congresso INTERCOM/86, realizado <strong>de</strong> 01 a 05.09, em São Paulo.<br />

•* Mestre em Extensão Rural, Professor e Coor<strong>de</strong>nador do Curso Su-<br />

perior <strong>de</strong> Cooperativismo da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Maria — RS.<br />

59


0 ambiente criado no país por uma série <strong>de</strong> transformações<br />

ocorridas no contexto nacional evi<strong>de</strong>ncia uma certa confusão e ner-<br />

vosismo, principalmente no setor agrário, 3 que obriga a um tra-<br />

balho paciente e calmo, tentando <strong>de</strong>cifrar as relações mais simples,<br />

a fim <strong>de</strong> se chegar às mais complexas.<br />

Nesse contexto, este trabalho procura abordar, <strong>de</strong> maneira pro-<br />

visória, o âmbito da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, uma vez que esta, sem<br />

dúvida nenhuma, tem <strong>de</strong>staque numa perspectiva <strong>de</strong> transformação<br />

nacional, incluindo a agrária. A mudança dos elementos ligados<br />

ao setor agrário pressupõe uma mudança neste tipo <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />

E é exatamente essa relação que aqui se trata <strong>de</strong> questionar, embo-<br />

ra muito brevemente.<br />

Para a análise <strong>de</strong>sta relação, são utilizados os critérios operati-<br />

vos <strong>de</strong> antropólogos da <strong>comunicação</strong> no estudo dos sistemas pri-<br />

mários <strong>de</strong> mensagens, i<strong>de</strong>ntificando a estrutura maior da socieda<strong>de</strong><br />

e relaclonando-a com outra. Neste caso, Comunicação <strong>de</strong> Massa, Ru-<br />

mores e Reforma Agrária. Sob esta perspectiva, segundo Hall, 4 a<br />

observação e comprovação empírica fornece três critérios princi-<br />

pais para estudar tais sistemas:<br />

1 — Que estejam enraizados num ecossistema amplamente com-<br />

partido por outras formas <strong>de</strong> vida social.<br />

2 — Que possam ser analisados autonomamente, sem referência<br />

a outros sistemas e organizações <strong>de</strong> tal maneira que se possam i<strong>de</strong>n-<br />

tificar componentes isolados a serem conjugados com formas mai'3<br />

complexas.<br />

3 — Que estejam (paradoxalmente) constituídos <strong>de</strong> tal forma<br />

que cada um seja o reflexo <strong>de</strong> sua <strong>cultura</strong>, e por sua vez, refletidas<br />

por ela, enten<strong>de</strong>ndo <strong>cultura</strong> como o "cultivo" integral <strong>de</strong> uma co-<br />

munida<strong>de</strong> (subsistência, associação, interação, territorialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>-<br />

fesa etc).<br />

Sob estas condições, as três variáveis relacionadas com o pro-<br />

cesso brasileiro <strong>de</strong> mudança agrária po<strong>de</strong>m ser facilmente compre-<br />

endidas, porém, como se trata apenas <strong>de</strong> notas provisórias <strong>de</strong>vido<br />

ao curto espaço <strong>de</strong> tempo em que a questão foi retomada, e que <strong>de</strong><br />

fato evi<strong>de</strong>ncia-se algum indicio objetivo a respeito <strong>de</strong>ssa transfor-<br />

mação, o nosso procedimento é o mais simples. Tentar-se-á realizar<br />

uma análise sobre aquilo que a <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa tem feito com<br />

mais evidência a respeito das questões agrárias, especificamente a<br />

Reforma Agrária e os rumores na socieda<strong>de</strong>, a partir da data <strong>de</strong><br />

assinatura dos <strong>de</strong>cretos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação ao nível nacional. 5<br />

Empiricamente, os dados são coletados <strong>de</strong> dois jornais do in-<br />

terior, "A Razão", <strong>de</strong> Santa Maria, e a "Folha <strong>de</strong> São Borja", o "Ze-<br />

ro-Hora", da capital do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, e evi<strong>de</strong>nte-<br />

mente os consagrados "Jornal Hoje" e "Jornal Nacional", da TV-<br />

-Globo.<br />

1. PRIMEIRO MOMENTO: OS RUMORES<br />

E A REFORMA AGRARIA<br />

É, como já se argumentou, sem dúvida alguma, a <strong>comunicação</strong><br />

um dos elementos mais importantes no contexto da Reforma Agrá-<br />

ria, pois sem ela não existiria a interação, e portanto, estaríamos<br />

sem rumo, sem direção. E a assinatura do <strong>de</strong>creto com fins à rea-<br />

lização da Reforma Agrária <strong>de</strong>ixou em evidência, entre outras coi-<br />

60


sas, toda a problemática que vive a população brasileira quanto à<br />

informação, à opinião.<br />

Resulta extremamente curioso verificar que em apenas alguns es-<br />

cassos meses, questão <strong>de</strong> dias, e horas talvez, surge um conglomerado<br />

<strong>de</strong> "eruditos" em questões agrárias. A euforia dos rumores é tal,<br />

que <strong>de</strong> uma ou <strong>de</strong> outra maneira vai-se formando uma opinião,<br />

procurando, uns com outros, maior esclarecimento da problemática.<br />

Nesse contexto, histórico, a <strong>comunicação</strong> é utilizada para muitos<br />

objetivos ligados a interesses diversos, originados nas práticas <strong>de</strong><br />

classe.<br />

Sobre essas bases, dois são os principais elementos a serem fo-<br />

calizados no atual panorama da Reforma Agrária: as opiniões <strong>de</strong><br />

massa, ditas populares, originadas em opiniões pessoais e grupais<br />

espalhadas publicamente pelos múltiplos mecanismos do que aqui<br />

chamamos <strong>de</strong> rumor, e as opiniões pessoais e grupais espalhadas pu-<br />

blicamente pelas po<strong>de</strong>rosas e complexas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Comunicação <strong>de</strong><br />

Massa, através dos meios utilizados, principalmente o jornal, a rá-<br />

dio e a televisão.<br />

A Reforma Agrária é uma questão que, embora não esteja bem<br />

compreendida, e muito menos ao nível dos rumores, <strong>de</strong>ixa em evi-<br />

dência <strong>de</strong> que nesta socieda<strong>de</strong> nunca existiu um só bando, ou seja,<br />

que a cada tese segue-se uma anti-tese. Noutras palavras, trata-se<br />

<strong>de</strong> um projeto elaborado pelos homens, nas suas condições reais,<br />

perceptíveis à luz do dia. Historicamente <strong>de</strong>fendido por uns, pla-<br />

nejado por uns, criticado por outros etc. Objetivamente, o que se<br />

preten<strong>de</strong> significar é <strong>de</strong> que a uns contraria, a outros favorece, co-<br />

mo <strong>de</strong>corrência das contradições <strong>de</strong> classe e nesse contexto os "ini-<br />

migos" possuem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>r, influência, se articulam e agem.<br />

Sob esta perspectiva, o aumento das discussões e a assinatura<br />

do <strong>de</strong>creto, longe <strong>de</strong> distrair a atenção sobre as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s so-<br />

ciais, capitaliza sobre elas, fazendo-as aflorar, quase que <strong>de</strong> imedia-<br />

to. De fato, trata-se <strong>de</strong> um projeto que por mais priorida<strong>de</strong> e for-<br />

ça governamental que tenha, ainda permite muita <strong>comunicação</strong> e<br />

manobras, uma vez que ainda consiste num pedaço <strong>de</strong> papel.<br />

De um dia para outro, quem não entendia nada sobre o assun-<br />

to (Reforma Agrária) encontra-se discutindo energicamente sobre<br />

vantagens e <strong>de</strong>svantagens, sobre produtivida<strong>de</strong>, benefícios ecológicos,<br />

tipos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los rurais, mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> reformas etc. A <strong>de</strong>cretação da<br />

Reforma Agrária como necessida<strong>de</strong> nacional, mesmo que 20 anos <strong>de</strong>-<br />

pois, tem provocado um <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> informações e opiniões<br />

contrárias dificilmente encontradas em épocas recentes da história<br />

do país. É algo que realmente está provocando todo tipo <strong>de</strong> ru-<br />

mores.<br />

O conteúdo do que se comente é muito importante. Porém, o<br />

que nos interessa, agora, num primeiro instante, é o "jeito" <strong>de</strong> co-<br />

mentar. Nesses "jeitos", múltiplos processos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> (em-<br />

bora na forma <strong>de</strong> monólogos), po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>tectar situações impor-<br />

tantes que afetem a totalida<strong>de</strong> da nação, que evi<strong>de</strong>nciam predisposi-<br />

ções e indisposições, permitindo, em última instância, verificar cer-<br />

tas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mudanças objetivas no setor agrário. 6<br />

Nesse panorama, observa-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se questionar os<br />

mecanismos <strong>de</strong> formação e distribuição do Rumor nos distintos<br />

grupos que compõem a formação social. Isto é <strong>de</strong> fundamental im-<br />

portância, uma vez que permite conhecer-nos como <strong>cultura</strong>, <strong>de</strong>tec-<br />

61


tar comunicologicamente qual a hibridação <strong>cultura</strong>l brasileira, quais<br />

os caminhos para uma real i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>? E sobre estas bases, po<strong>de</strong>m<br />

ser respondidas com maior amplitu<strong>de</strong> questões como as que já se<br />

formularam na INTERCOM em 1979, isto é, qual o universo comu-<br />

nicacional das classes trabalhadoras e dos grupos ou camadas man-<br />

tidas sobre opressão nos porões da nossa socieda<strong>de</strong>, quais as reais<br />

convergências entre Estado, Populismo e Comunicação? 7<br />

Sobre a questão da Reforma Agrária, esta confusão <strong>de</strong> informa-<br />

ções e opiniões abre espaço para observar as idéias ou reações es-<br />

pontâneas que produzem os indivíduos, as gentes, pensantes e atuan-<br />

tes, segundo os seus estratos, como vão se modificando com mais<br />

discussões e mais fofocas no processo <strong>de</strong> consulta e interação social<br />

formal, qual o seu enraizamento individual, grupai e coletivo?, ou<br />

como diria Quesada, 8 qual a capacida<strong>de</strong> real dos meios <strong>de</strong> comu-<br />

nicação em perfurar os filtros seletivos das coletivida<strong>de</strong>s? Qual o<br />

ritmo <strong>de</strong> modificação da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa ante novos fatos his-<br />

tóricos?, quais são as condições <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> do rumor?, quais<br />

são as fontes do rumor, como se manipulam, a favor <strong>de</strong> quem? 9<br />

O estudo das relações entre todas essas variáveis assinaladas,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, não só é objeto <strong>de</strong> interesse para psicólogos, comu-<br />

nicadores ou sociólogos, é também um fato que <strong>de</strong>ve interessar ao<br />

próprio governo, no sentido <strong>de</strong> saber ven<strong>de</strong>r o projeto, nos diver-<br />

sos estratos da população, bem como fazer compreen<strong>de</strong>r o esforço<br />

<strong>de</strong> tal projeto perante os afetados, isto é, <strong>de</strong>ve manter uma estraté-<br />

gia complexa e múltipla para oferecer as informações a<strong>de</strong>quadas.<br />

A análise <strong>de</strong>ssas variáveis é extremamente complicada; sem dú-<br />

vida alguma, contudo, um fato fica evi<strong>de</strong>nte: o total, ou quase to-<br />

tal <strong>de</strong>sconhecimento que a população urbana tem sobre as questões<br />

agrárias no Brasil. Os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, estando<br />

orientados para um trabalho comercial e urbano, parecem contri-<br />

buir para aprofundar mais a valeta entre cida<strong>de</strong> e campo, 10 muitc<br />

embora, até o presente momento, nem na cida<strong>de</strong>, nem no campo,<br />

tem ocorrido uma difusão <strong>de</strong> elementos criteriosos, seriamente ela-<br />

borados, a fim <strong>de</strong> proporcionar, acessivelmente às maiorias, elemen-<br />

tos <strong>de</strong> juízo a fim <strong>de</strong> que possa formar-se uma opinião para tal<br />

mudança.<br />

Sob esta perspectiva, os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa nas<br />

mãos do capital privado, oferecendo, <strong>de</strong> um lado, informações ofi-<br />

ciais, e <strong>de</strong> outro, os interesses da burguesia industrial, que neste mo-<br />

mento são relativamente contrários aos da oligarquia rural, ten<strong>de</strong>m<br />

a criar um contexto SEMIÓTICO extremamente difícil <strong>de</strong> se per-<br />

ceber <strong>de</strong> imediato, provocando, como muitas experiências o <strong><strong>de</strong>mo</strong>ns-<br />

tram, maior confusão, fortalecimento <strong>de</strong> antigos prejuízos, temores<br />

<strong>de</strong>snecessários etc, dando origem assim a todo tipo <strong>de</strong> rumores, o<br />

com isso a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma efetivação educativa da relação<br />

entre <strong>comunicação</strong> e Reforma Agrária.<br />

É pois, nessas condições supracitadas, que se insere a relação<br />

aqui estudada, através <strong>de</strong>stas notas preliminares, isto é, o <strong>de</strong> qual<br />

papel dos meios <strong>de</strong> Comunicação <strong>de</strong> Massa, suas re<strong>de</strong>s e sistemas<br />

no processo <strong>de</strong> Reforma Agrária. Como falam os meios em relação<br />

a esse projeto?<br />

Assim, mesmo que provisoriamente, este questionamento po<strong>de</strong><br />

gerar outras perguntas, primeiro porque os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />

<strong>de</strong> massa são, <strong>de</strong> um lado, fontes <strong>de</strong> informação e opiniões frente à<br />

62


execução da Reforma Agrária, ou qualquer outro problema, e <strong>de</strong><br />

outro, porque esses meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> não são pessoas isoladas,<br />

neutras ao processo social, antes pelo contrário, são instituições for-<br />

madas pelos homens atuantes e pensantes, num processo <strong>de</strong> interação<br />

constante. Como já se argumentou, as figuras <strong>de</strong>sta história têm no-<br />

mes, lugares geográficos visíveis, relações econômico-políticas etc. n<br />

E segundo, porque todos esses processos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> mas-<br />

sa <strong>de</strong>vem ser vistos no contexto maior da socieda<strong>de</strong>. Ainda mais,<br />

se estão encarregados <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma ativida<strong>de</strong> significativa, co-<br />

mo é o caso da transmissão <strong>de</strong> informações sobre a Reforma Agrá-<br />

ria, pelo menos durante os próximos 15 anos, segundo Dan-<br />

te <strong>de</strong> Oliveira. 12 É <strong>de</strong> suma importância a maneira, o "jeito"<br />

em que venha a se realizar esse labor, uma vez que a formação<br />

da chamada "opinião pública" não é nada mais do que a multidão,<br />

a massa que esses meios preten<strong>de</strong>m informar, representados por di-<br />

versos segmentos da socieda<strong>de</strong>, gerando então diferentes tendên-<br />

cias na atuação das classes, bem como ten<strong>de</strong> a ocasionar uma rup-<br />

tura entre as classes dominantes (burguesia industrial e oligarquia<br />

rural), po<strong>de</strong>ndo ocasionar com isso problemas conjunturais e estru-<br />

turais ao nível da nação.<br />

Relacionar: Comunicação <strong>de</strong> massa. Rumores sociais e Reforma<br />

Agrária é um problema que coloca <strong>de</strong> imediato a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

questionar: Por que o jornal e a televisão se pronunciam da maneira<br />

como se pronunciam? Por que escrevem os que escrevem e não ou-<br />

tros mais? Quem escolhe as notícias? Quais os seus critérios? Por<br />

que a TV ainda não promoveu discussões mais rigorosas sobre o<br />

assunto? Quais as suas relações?<br />

Um outro aspecto que seria ainda <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância estu-<br />

dar, para mais adiante, é o conteúdo das informações e a forma <strong>de</strong><br />

serem apresentadas pelos "meios" <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, segundo os di-<br />

versos grupos em conflito. Isto é, quais as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> per-<br />

suasão <strong>de</strong> cada informação em função dos diversos grupos <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />

tinatários, não <strong>de</strong> simples diferenciação mecanicista entre quem emi-<br />

te as mensagens e quem as recebe, mas uma análise semíológica, a<br />

rigor. Naturalmente é trabalho para os eruditos.<br />

Contudo, mesmo que iniciando as discussões, temos chegado num<br />

instante da socieda<strong>de</strong> nacional, e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, a <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong><br />

massa, em que é possível vislumbrar alguns tipos <strong>de</strong> novos fenô-<br />

menos sociais, bem como discutir sobre a real efetivida<strong>de</strong> dos meios<br />

<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> privados em informar e estabelecer uma relação do<br />

"continuum", na perspectiva da Reforma Agrária. A abundante ex-<br />

periência empírica <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra que temos chegado num ponto em que<br />

pelas contradições cada vez mais aguçadas entre o binômio — Cam-<br />

poneses sem-terra X Classe-Estado —, e a visível ruptura entre os<br />

homens latifundiários e os homens industriais, po<strong>de</strong> provocar si-<br />

tuações inéditas na Comunicação <strong>de</strong> Massa no Brasil (estamos ago-<br />

ra analisando sob o enfoque do 1.9 critério <strong>de</strong> nosso mo<strong>de</strong>lo).<br />

Já que trabalhamos para o setor rural, é natural que exista in-<br />

teresse em tentar conhecer a relação que se estabelece entre a Co-<br />

municação <strong>de</strong> massa e a Reforma Agrária, quais serão os meca-<br />

nismos <strong>de</strong> informação e distribuição etc.<br />

63


2. SEGUNDO MOMENTO: QUASE QUE DE NOVO A MESMA<br />

EXPERIÊNCIA. POR QUÊ?<br />

2.1. Primeira explicação: as tentativas<br />

A fim <strong>de</strong> tentar explicar o que preten<strong><strong>de</strong>mo</strong>s com esse subtítulo,<br />

por causa da similarida<strong>de</strong> nos processos latino-americanos, pensa-<br />

mos que para dar maiores bases às nossas colocações, estabeleceu-se<br />

uma seqüência <strong>de</strong> ETAPAS e MOMENTOS no conjunto das mensa-<br />

gens coletadas, bem como, tenta-se verificar os seus impactos. Co-<br />

mo já dissemos, isto é provisório.<br />

A distribuição das mensagens realizar-se-á <strong>de</strong> uma maneira se-<br />

qüencial, procurando <strong>de</strong>tectar quais são os blocos comunicativos que<br />

possam provocar impactos especiais.<br />

A análise é feita <strong>de</strong> maneira mais concentrada, nos jornais "A Ra-<br />

zão" e "Folha <strong>de</strong> São Borja", que atingem 5 municípios gaúchos,<br />

em todas as suas edições a partir <strong>de</strong> 1/1/1986 até o dia 28/8/1986, e<br />

"Zero-Hora" a partir do dia 23/6/1986, embora não signifique que<br />

<strong>de</strong>sconheçamos edições anteriores. A TV será mencionada apenas<br />

ocasionalmente. Os meios não passam a operar com todos os re-<br />

ceptores ao mesmo tempo, o que pressupõe um "a partir <strong>de</strong>", nos<br />

processos <strong>de</strong> difusão.<br />

Nesse contexto, embora legislativamente tenha-se conversado du-<br />

rante todo o ano passado, e a coisa tenha tomado alguma forma<br />

no mês <strong>de</strong> junho daquele ano, quando o sr. presi<strong>de</strong>nte assina 37<br />

<strong>de</strong>cretos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação que atingem 12 estados da nação, mo-<br />

tivando então a manchete <strong>de</strong> primeira página do jornal "Zero-Ho-<br />

ra" 13 "Sarney começa a Reforma Agrária", os outros jornais anali-<br />

sados fizeram o mesmo, embora sem tanta ênfase.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, o tom é firme, mas, pelas notícias publicadas<br />

anteriormente, 14 evi<strong>de</strong>ncia-se que está-se estudando o terreno. Ao<br />

dia seguinte das assinaturas dos <strong>de</strong>cretos, o "Zero-Hora" publica<br />

em duas páginas centrais, e distribuídas em diferentes espaços, vá-<br />

rias informações. O título <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque é sobre as <strong>de</strong>sapro-<br />

priações no estado. As posições dos proprietários ocuparam uma<br />

página inteira. Nas duas páginas seguintes são publicadas algumas<br />

informações sobre a caminhada dos colonos da fazenda "Anoni", há<br />

14 anos lutando por um pedaço <strong>de</strong> terra. 1B<br />

Um fato curioso, é importante observar, e é <strong>de</strong> que enquanto o<br />

governo não tinha assinado esses <strong>de</strong>cretos, sem atingir a área na-<br />

cional, esses jornais, especialmente "A Razão" e o "Folha <strong>de</strong> São<br />

Borja", somente apresentaram mensagens <strong>de</strong> instituições ou <strong>de</strong> in-<br />

divíduos isolados que se pronunciaram quase sempre a favor <strong>de</strong> tal<br />

medida, inclusive, algumas com críticas diretas ao governo, mas, <strong>de</strong>-<br />

pois do pronunciamento do Sr. Presi<strong>de</strong>nte, na rádio e TV, no dia<br />

19/6, dizendo que melhor uma reforma antes que uma revolução,<br />

e pouco <strong>de</strong>pois, a assinatura dos <strong>de</strong>cretos, a orientação e direção das<br />

mensagens parecem ter mudado <strong>de</strong> rumo.<br />

A partir <strong>de</strong>ssa data, pois, começa uma série <strong>de</strong> pronunciamentos<br />

vindos <strong>de</strong> quase todos os rumos, mas que no usar a bússola, as di-<br />

reções aparecem mais claras.<br />

Começaram então todo tipo <strong>de</strong> rumores; na semana que se se-<br />

gue à assinatura dos <strong>de</strong>cretos, são publicadas uma série <strong>de</strong> mensa-<br />

gens, começando por uma continuação das tímidas discussões so-<br />

bre o êxodo rural, e sobre a viabilida<strong>de</strong> da Reforma Agrária. Po-<br />

64


ém, no meio <strong>de</strong>ssa semana vem uma avalancha: Destacamento da<br />

brigada interdita área; la Reforma Agrária e BR Santa Maria; 17 Os<br />

proprietários entram na justiça; 18 Desapropriações no estado são<br />

<strong>de</strong>finitivas; " Produtores farão protesto na EXPOINTER, 2 , e por<br />

ai se vai...<br />

Nessa avalancha, <strong>de</strong> tentativas com tímidos questionamentos,<br />

mas também timidas respostas, po<strong>de</strong>-se tirar alguma coisa, nestes<br />

primeiros dois meses após a assinatura dos <strong>de</strong>cretos, e é <strong>de</strong> que a<br />

<strong>de</strong>scrição da <strong>comunicação</strong> ten<strong>de</strong>, logo, logo, a polarizar — não ne-<br />

cessariamente <strong>de</strong>ntro da dualida<strong>de</strong> — as opiniões, começa a se per-<br />

ceber, evi<strong>de</strong>ntemente, a posição da Igreja, dos proprietários e do<br />

governo.<br />

Essas polarizações são evi<strong>de</strong>ntes, num primeiro momento, pelas<br />

claras <strong>de</strong>clarações da Igreja a favor da Reforma Agrária, acusando<br />

os gran<strong>de</strong>s proprietários <strong>de</strong> estarem oferecendo as condições para<br />

uma guerra no campo, o próprio "vice-presi<strong>de</strong>nte da CNBB diz que<br />

a UDR está fazendo subversão". 2 i Por outro lado, não <strong><strong>de</strong>mo</strong>ram<br />

em aparecer as <strong>de</strong>fesas e acusações dos proprietários, <strong>de</strong>sta vez em<br />

<strong>de</strong>sacordo com quem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os "velhos tempos" sempre tinha pac-<br />

tuado, pedindo para a Igreja entregar as suas terras e as suas ri-<br />

quezas. O governo, da sua parte, diz estar "preocupado com as<br />

pessoas que atrapalham". 22<br />

Nesse contexto, os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, pelo menos<br />

os aqui analisados, apresentam também tímidos editoriais escritos<br />

por quem, <strong>de</strong> fato, se evi<strong>de</strong>ncia, que recém estão entrando no baile,<br />

e o que é pior, com um vestuário dos "anos dourados". Contudo,<br />

a farra não termina neste momento.<br />

A Igreja não parece estar totalmente a favor do governo, mas<br />

é clara sua posição contra os donos da terra, que hoje enfrentam as<br />

pressões do setor mo<strong>de</strong>rno (burguesia industrial), e evi<strong>de</strong>ntemente<br />

as diversas posições que po<strong>de</strong>m assumir os homenageados: "sem-<br />

terra". O que po<strong>de</strong>rá acontecer nos próximos 15 anos, se é isso o<br />

que se po<strong>de</strong> pressentir, apenas a partir das informações das pri-<br />

meiras duas semanas?<br />

2.2. Segunda explicação: levanta UDR!!! que os "sem-terra estão<br />

ficando inquietos" 23<br />

A fim <strong>de</strong> esclarecer esta segunda observação, tem que se dizer,<br />

<strong>de</strong> que a partir <strong>de</strong>ssas três primeiras semanas on<strong>de</strong> os jornais pes-<br />

quisados publicaram maior diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mensagens em relação à<br />

Reforma Agrária. Parece, após seis semanas transcorridas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a assinatura dos <strong>de</strong>cretos, que as mensagens ten<strong>de</strong>m a manifestar,<br />

em blocos <strong>de</strong> noticias, as posições dos gran<strong>de</strong>s proprietários, "es-<br />

clarecendo quais são as atitu<strong>de</strong>s que os mesmos estão tendo. As<br />

respostas do governo, e o espaço cada vez mais reduzido, para no-<br />

ticiar a luta dos "sem-terra", não se diga, para se manifestarem. Con-<br />

tinuam alguns editoriais sonolentos.<br />

Entretanto, na vida objetiva: A expansão da UDR a fim <strong>de</strong> se<br />

organizar melhor para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os seus "direitos", contando, já no<br />

início das <strong>de</strong>sapropriações, com Cz$ 9 milhões (equivalente a uma<br />

extração da loto) para a realização das suas ativida<strong>de</strong>s, ativida<strong>de</strong>s<br />

que não estão bem <strong>de</strong>finidas, 24 assim como a realização <strong>de</strong> diferen-<br />

tes reuniões em diferentes municípios do estado, <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstram um in-<br />

cremento constante das suas posições classistas, noutras palavras,<br />

65


é <strong>de</strong> se esperar uma explosão <strong><strong>de</strong>mo</strong>gráfica <strong>de</strong> comitês e organizações<br />

em <strong>de</strong>fesa da proprieda<strong>de</strong>. Nesse confronto, 250 mortes já ocorre-<br />

ram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1985, dia da oficialização do pla-<br />

no nacional <strong>de</strong> Reforma Agrária. 25<br />

Des<strong>de</strong> o dia da assinatura dos 37 <strong>de</strong>cretos, a FARSUL intensifica<br />

as suas reuniões, promove sob o lema: "Levanta Gaúcho", uma pri-<br />

meira reunião em Júlio <strong>de</strong> Castilho, 26 os pecuaristas <strong>de</strong> Tupanci-<br />

retã discutem a Reforma Agrária, 27 e em Cruz Alta, planeja-se o<br />

I Encontro da fronteira oeste <strong>de</strong> política Agricola-Agrária e Consti-<br />

tuinte para o dia 25/8/1986.<br />

Frente a tudo isso, o presi<strong>de</strong>nte Sarney faz um alerta ao sr. mi-<br />

nistro Dante <strong>de</strong> Oliveira: "Abra os olhos", 28 ao mesmo tempo a<br />

imprensa nacional publica: "Brasil tem nova política agrícola". De<br />

imediato, "São Borja reage: pacote veio confundir o produtor". 29<br />

Assim, nesse clima que se suce<strong>de</strong> nas primeiras seis semanas, dimi-<br />

nuem as posições da Igreja, e aumentam as da FARSUL. Frente às<br />

pressões da CONTAG, em reunião do dia 27/8, o sr. "ministro admi-<br />

te: Atraso é o principal problema". 30 É <strong>de</strong> se esperar que à medida<br />

que o processo avance, comece a história dos exemplos <strong>de</strong> fracasso <strong>de</strong><br />

outras reformas agrárias da parte dos proprietários.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que este recurso utilizado pelos meios <strong>de</strong> comunica-<br />

ção <strong>de</strong> massa tem um impacto indiscutível, principalmente ante pú-<br />

blicos que não possuem hábitos firmes <strong>de</strong> leitura (muitas vezes nem<br />

sequer <strong>de</strong> jornais) conduzindo eficazmente, ao surgimento <strong>de</strong> todo<br />

tipo <strong>de</strong> rumores.<br />

Observa-se, pois, pelos troca-troca publicados nos meios <strong>de</strong> co-<br />

municação <strong>de</strong> massa estudados, a viragem reformista do governo,<br />

começando pelo pacote econômico, logo a <strong>de</strong>cretação da Reforma<br />

Agrária e o pacote ver<strong>de</strong>, embora seja, realmente, bastante cedo pa-<br />

ra maiores argumentações. Contudo, a cada dia que passa, a farra<br />

parece ter direções muito <strong>de</strong>finidas, momentos <strong>de</strong> extrema impon<br />

tância, especialmente para os estudiosos das Ciências Sociais, em to-<br />

da a sua extensão.<br />

2.3. Terceiro exemplo: ruralistas consi<strong>de</strong>ram injustas as<br />

<strong>de</strong>sapropriações <strong>de</strong> terras. :n — Já sabíamos!!<br />

Nesse clima, no dia 14/6/1986, reúne-se em Brasília uma comis-<br />

são da Frente Ampla Agropecuária (FAA) com o sr. ministro Dante<br />

<strong>de</strong> Oliveira. Resultado: ao ouvir do ministro que as "<strong>de</strong>sapropria-<br />

ções são <strong>de</strong>finitivas", Ary Marimon, presi<strong>de</strong>nte da FARSUL, e re-<br />

presentante da FAA, volta ao estado <strong>de</strong>clarando que foram maltra-<br />

tados pelo ministro. 32 Frente a esses fatos, os agropecuarístas co-<br />

gitam boicotar a Exposição Internacional <strong>de</strong> Esteio (EXPOINTER),<br />

ao que o ministro respon<strong>de</strong> que não está preocupado. "O que eles<br />

não querem mesmo é a Reforma Agrária".<br />

Até o momento, a Igreja aparece menos, (pelo menos) na im-<br />

prensa, e nos noticiários locais da TV Uruguaiana, São Borja e<br />

Santa Maria, permanecem discursivos como sempre, os "sem-ter-<br />

ra" estão sem dar notícias.<br />

A reativação da UDR e a formação da FAA, que já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a reu-<br />

nião <strong>de</strong> Cruz Alta cogitava a organização do seminário com os pro-<br />

dutores da fronteira a fim <strong>de</strong> dar maior força ao movimento, 34 ter-<br />

mina se realizando em 25/8 na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Gabriel, resultando:<br />

66


Protestos na exposição (EXPOINTER) contra a Reforma Agrária, 35<br />

pois "Ruralistas da fronteira consi<strong>de</strong>ram injustas as <strong>de</strong>sapropria-<br />

ções". 36 É <strong>de</strong> salientar que esses encontros recebem uma vasta<br />

cobertura pelos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa do nosso exemplo.<br />

"A Razão" e a "Folha <strong>de</strong> São Borja" tinham prognosticado um com-<br />

parecimento <strong>de</strong> aproximadamente 600 proprietários no seminário,<br />

verificando-se, <strong>de</strong>pois, que o número foi <strong>de</strong> mil.<br />

As reportagens <strong>de</strong>sta reunião apresentam reptos atrevidos e sé-<br />

rias criticas contra a Igreja e o governo. O presi<strong>de</strong>nte do Barinsul<br />

disse que está preocupado com a "infiltração vermelha na Igreja",<br />

e que à "sombra da cruz tem a foice e o martelo". 37 Dentre todas<br />

as conclusões a que chegaram, uma é fundamental, em relação com o<br />

papel que a <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa po<strong>de</strong>rá realizar daqui para fren-<br />

te, e é <strong>de</strong> que, a fim <strong>de</strong> levar o movimento para frente, os produ-<br />

tores querem que 2% das vendas <strong>de</strong> animais na EXPOINTER, mais<br />

recursos <strong>de</strong> um fundo criado pela FARSUL, sejam utilizados para a<br />

compra <strong>de</strong> espaços na imprensa, <strong>de</strong>stinados a "explicar à opinião<br />

pública" a posição da classe sobre a atual Reforma Agrária.<br />

Além disso, discute-se e elabora-se um documento que vai ser<br />

entregue ao presi<strong>de</strong>nte Sarney durante a EXPOINTER. 38<br />

Todo este rumor, ocasionando diversos tipos <strong>de</strong> pressões, sus-<br />

tentados pelos pedidos ao governo a uma revisão sobre o plano <strong>de</strong><br />

Reforma Agrária, sintetizam-se na frase instalada no plenário do<br />

1? Encontro da Fronteira Oeste: "Hoje eles estão <strong>de</strong>sapropriando<br />

o campo. Amanhã, será sua casa e <strong>de</strong>pois seus outros bens". *<br />

Frente a tudo isso, é evi<strong>de</strong>nte que nós leitores temos o direito<br />

<strong>de</strong> esperar as informações e as reações dos outros segmentos envol-<br />

vidos, principalmente os pronunciamentos do governo que, à medi-<br />

da que se observa um acréscimo nas informações sobre o movimen-<br />

to dos proprietários, diminuem as suas manifestações, pelo menos,<br />

no caso do nosso exemplo. Ao nível do rumor, das "fofocas", co-<br />

menta-se, murmura-se um retrocesso e uma certa timi<strong>de</strong>z, e se por<br />

um lado parece uma reviravolta reformista, por outro, um <strong>de</strong>senten-<br />

dimento (passageiro) entre os proprietários. Para o 1.9 Encontro<br />

da Fronteira era esperado o sr. ministro da Justiça. Não compare-<br />

ceu. Três dias <strong>de</strong>pois, aparece a notícia <strong>de</strong> que o Sr. Presi<strong>de</strong>nte não<br />

po<strong>de</strong>rá assistir à EXPOINTER. 39<br />

Não sabemos agora qual será o <strong>de</strong>senlace, não sabemos quantos<br />

exemplos a mais po<strong>de</strong>remos observar na extrema semelhança que<br />

existe entre todos esses processos mo<strong>de</strong>rnizantes no contexto latino-<br />

-amerícano. 40 Contudo, já existem, para quem tem olhos para ver;<br />

alguns elementos <strong>de</strong> juízo para po<strong>de</strong>r enfrentar certos problemas<br />

estruturais e atitu<strong>de</strong>s que oferecem os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong><br />

massa.<br />

Temos muitas dúvidas <strong>de</strong> que suas formas <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r variem<br />

muito, uma vez que, nas mãos do capital, oferecem uma posição <strong>de</strong>-<br />

• Por "casualida<strong>de</strong>", em El Salvador, no mesmo mês <strong>de</strong> agosto do<br />

ano <strong>de</strong> 1976, dia 11. A Junta Departamental <strong>de</strong> Gana<strong>de</strong>ros <strong>de</strong> San<br />

Salvador, em reunião semelhante tinha como lema: "Ahora <strong>de</strong>s-<br />

peja Ia tierra a los agricultores <strong>de</strong> oriente, paraliza ei comercio<br />

<strong>de</strong> ia república, manana te <strong>de</strong>spoja <strong>de</strong> tu casa, tu cuenta banca-<br />

ria, tu vehiculo, tu trabalho, tus hijos y aplastara tu pensamiento<br />

y doblegara tu voluntad". El Diário <strong>de</strong> Hoy, 12/08/76, p. 28.<br />

67


íinida e uma tendência a se orientar mais claramente, e aqui então<br />

aparece outro elemento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância no estudo da Co-<br />

municação, é que os problemas que essa orientação implica, e po-<br />

<strong>de</strong>m levar a formas <strong>de</strong> operar insuficientes para a conjuntura que<br />

enfrenta o pais (à vida do pais), isto é que vai nos interessar nos<br />

próximos anos. Abordaremos alguns <strong>de</strong>sses aspectos, <strong>de</strong> uma for-<br />

ma, quase que nominal, nas seguintes linhas.<br />

3. TERCEIRO MOMENTO: DEFICIÊNCIA, MANIPULAÇÃO<br />

OU AS DUAS?<br />

Sob as condições colocadas ao início do trabalho, qual seja, o es-<br />

tudo da inter-relação entre duas estruturas tão importantes, tais co-<br />

mo a da proprieda<strong>de</strong> privada e o trabalho na terra, e a Comunica-<br />

ção <strong>de</strong> Massa, permite a observação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las ou ambas, em<br />

função da outra, e como conseqüência, po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s <strong>de</strong>scobrir uma boa<br />

perspectiva <strong>de</strong> análise sobre a socieda<strong>de</strong> inteira.<br />

A continuação <strong>de</strong>stas notas po<strong>de</strong> ser que faça aflorar quais<br />

os resultados da interação <strong>de</strong> ambas estruturas, ao funcionar a<strong>de</strong>-<br />

quadamente, intervigiando-se, inter-exigindo e talvez interfecundan-<br />

do e inter-melhorando. Ou então, a eficiência <strong>de</strong> uma, cause <strong>de</strong>fi-<br />

ciência na outra. Nesta perspectiva, po<strong>de</strong> também apresentar um<br />

quadro <strong>de</strong> muito mal-estar. Pelas informações coletadas, tal parece<br />

ser a tendência da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa a respeito da reforma<br />

agrária.<br />

Nosso pano <strong>de</strong> fundo nos estudos sobre as questões latino-ame-<br />

ricanas é <strong>de</strong> que uma série <strong>de</strong> fenômenos sociais que se suce<strong>de</strong>m<br />

(Revolução ver<strong>de</strong>, Mo<strong>de</strong>rnização, Pacto Social, Reforma Agrária etc.)<br />

dizem respeito a limitações e obstáculos externos a ambas estrutu-<br />

ras, impossibilitando-os <strong>de</strong> que se comportem à altura das suas pos-<br />

sibilida<strong>de</strong>s, ou das socieda<strong>de</strong>s em que existem. Contudo, não se<br />

po<strong>de</strong> negar <strong>de</strong> que internamente existem pessoas ou grupos que in-<br />

fluenciam em ambas as estruturas.<br />

Ou então, existem ambas as questões: limitações externas que im-<br />

pe<strong>de</strong>m algumas vonta<strong>de</strong>s internas, num processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação e li-<br />

mitações internas manipuladas por vonta<strong>de</strong>s locais para quem o ní-<br />

vel <strong>de</strong> subsistência dos camponeses interessa <strong>de</strong>mais.<br />

Os estudos realizados sobre o campesinato latino-americano, com<br />

resultados positivos a respeito <strong>de</strong> sua articulação, como necessida<strong>de</strong><br />

do imperialismo, permitem inclinarmos por esta última posição, com<br />

o evi<strong>de</strong>nte pressuposto <strong>de</strong> que essa coexistência não é casual, nem<br />

cada parte tem uma vida autônoma, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Pelo contrário,<br />

acreditamos que se trata <strong>de</strong> uma coexistência e cooperação que lon-<br />

ge <strong>de</strong> ser aci<strong>de</strong>ntal se apresenta como necessária, intencional, e que<br />

tem raízes e presença histórica, concreta.<br />

Nessas condições, a questão da Reforma Agrária não faz mais do<br />

que <strong>de</strong>stacar vários aspectos problemáticos <strong>de</strong>ssa vida inter-estrutu-<br />

ral, inter-funcional necessária, que evi<strong>de</strong>ntemente começou há mui-<br />

tos séculos. Mencionaremos pois, mesmo que superficialmente, três<br />

facetas que nos parecem básicas, nas quais po<strong>de</strong>m-se agrupar os<br />

problemas mais importantes: a cobertura, os conteúdos e a parti-<br />

cipação.<br />

68


3.1. A cobertura<br />

Tomando como base à "vocação" que os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />

<strong>de</strong> massa estão chamados a cumprir na socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se pergun-<br />

tar: Até on<strong>de</strong> chegam os meios?, que cobertura real possuem os<br />

meios, cada um em separado ou quando combinados?<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista nacional, isto é, no contexto sócio-geográfico,<br />

a que grupos e a que regiões chegam esses meios? Qual a capaci-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> recepção da "massa", ou enfim, dos <strong>de</strong>stinatários em geral.<br />

No Brasil, apesar das consi<strong>de</strong>ráveis distâncias geográficas, e so-<br />

ciais também, não impe<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> certa forma, que um <strong>de</strong>terminado<br />

meio possa alcançar as regiões mais afastadas entre si, e a Re<strong>de</strong><br />

Globo está ali para quem quiser maiores informações. Entretanto, não<br />

é o caso da imprensa, e muito menos, o nosso estudo do caso.<br />

O problema da <strong>de</strong>codificação não está centrado nas caracterís-<br />

ticas <strong>de</strong>sses meios em si, mas ao fato <strong>de</strong> como são colocados e com<br />

que fim, pois, a sua linguagem é extremamente urbana, e os marcos<br />

<strong>cultura</strong>is das suas transmissões também, e muitas vezes não são se-<br />

quer das urbes locais (Aos "Ducks Hazar", segue-se uma "Armação<br />

Ilimitada"). Em síntese, todos participam em maior ou menor grau<br />

<strong>de</strong> uma cópia ou retransmissão indiscriminada <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los e pa-<br />

drões urbanos (<strong>de</strong>senvolvimentistas) importados. É bom lembrar<br />

que a CBS International possui negócios em 82 países do mundo,<br />

ven<strong>de</strong>ndo programas feitos e prestando "serviços administrativos". 41<br />

O caso do jornalismo impresso (que hoje nos ocupa como exem-<br />

plo) tem um problema maior quanto à cobertura, pois, longe <strong>de</strong><br />

chegar até à maioria da população, o analfabetismo pressupõe o<br />

gran<strong>de</strong> obstáculo, evi<strong>de</strong>ntemente, falamos <strong>de</strong> analfabetismo real, não<br />

estatístico, bem como os diversos níveis <strong>de</strong> compreensão entre os<br />

que supostamente sabem ler.<br />

Esses que supostamente sabem ler nem sequer são todos os<br />

que compram ou se informam através <strong>de</strong> jornais impressos. Mes-<br />

mo assim, por poucos que sejam esses leitores, são sempre, no mun-<br />

do mo<strong>de</strong>rno das mercadorias, fregueses em potencial, pois as pautas<br />

<strong>de</strong> cobertura não parecem estar <strong>de</strong>stinados a informar, em primei-<br />

ro Instante, mas a ven<strong>de</strong>r.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que esse fato supracitado <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstra uma certa ine-<br />

ficiência essencial nestes sistemas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa en-<br />

quanto a sua responsabilida<strong>de</strong> para com a população, uma vez que<br />

ganhar dinheiro significa possuir o máximo <strong>de</strong> leitores, <strong>de</strong> escutas<br />

ou telespectadores, que se concretize na maior <strong>de</strong>manda dos bens<br />

e serviços anunciados. Neste sentido, as supostas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>-<br />

senvolvimentistas, <strong>de</strong> informação, <strong>de</strong> opinião, e, em geral, <strong>de</strong> cul-<br />

tura, principalmente entre as populações camponesas, ficam grave-<br />

mente comprometidas, pois os mesmos normalmente não vivem con-<br />

forme os padrões <strong>de</strong> consumo da cida<strong>de</strong>, assim como não possuem<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> compra suficiente.<br />

3.2. Os conteúdos<br />

Sob a perspectiva colocada no item anterior, o problema dos<br />

conteúdos difundidos pelos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa (ordina-<br />

riamente) se compreen<strong>de</strong> melhor, isto é, a <strong>de</strong> que a pauta da co-<br />

bertura é dada por razões <strong>de</strong> consumo, influenciando nos conteú-<br />

dos das mensagens. É evi<strong>de</strong>nte que o funcionamento <strong>de</strong>stes siste-


mas <strong>de</strong>scansa sobre os ingressos da publicida<strong>de</strong>. ** Não se pc<strong>de</strong>ria<br />

assistir televisão, e nem ouvir a rádio, sem a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comer-<br />

ciais que somos obrigados a engolir, como também não po<strong>de</strong>ríamos<br />

comprar os jornais ao preço que os pagamos, na verda<strong>de</strong>, custam<br />

mais do que Cz$ 3, 4 ou 5.<br />

Como conseqüência, ocorre uma escravidão dos conteúdos a res-<br />

peito das vonta<strong>de</strong>s dos que financiam publicitariamente. É evi<strong>de</strong>nte<br />

que sob este sistema, <strong>de</strong> empresas privadas da <strong>comunicação</strong>, cujos<br />

fregueses são, por sua vez, empresas capitalistas, dificilmente iriam<br />

admitir conteúdos que sejam opostos aos seus interesses, antes pelo<br />

contrário, ten<strong>de</strong>ram a favorecer as informações que ten<strong>de</strong>m a favo-<br />

recê-los e manter a sua situação, isso, se não aparecer outros que<br />

queiram difundir as opiniões contrárias, pagando a tabela que isso<br />

custa. Esperemos pois, para saber, quantos espaços po<strong>de</strong>rá pagar<br />

a UDR, a fim <strong>de</strong> "esclarecer a opinião pública", como foi <strong>de</strong>finido<br />

no último seminário do dia 25/8, e discordar com os seus parcei-<br />

ros industriais no espaço <strong>de</strong>dicado para "rumorar" sobre Reforma<br />

Agrária.<br />

Nesse contexto, fica evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que todos os conteúdos, antes<br />

que orientados a informar e formar, estão <strong>de</strong>stinados a atrair ao<br />

máximo <strong>de</strong> compradores para o anunciante, ou, para quem paga<br />

os espaços comerciais. Isto faz com que os conteúdos tenham que<br />

ser selecionados, <strong>de</strong> maneira que supostamente satisfaçam a opinião<br />

das maiorias, embora mediocremente, além <strong>de</strong> causarem uma agres-<br />

são <strong>cultura</strong>l, como já se argumentou, quando ao tratar <strong>de</strong> "<strong>de</strong>sen-<br />

volver" a "opinião pública" apresenta materiais que respon<strong>de</strong>m a<br />

parâmetros e arquétipos fabricados ou elaborados nos centros co-<br />

merciais e industriais <strong>de</strong> outros países, via colonialismo intelectual<br />

(os profissionais da propaganda).<br />

Sob essa perspectiva, fica a <strong>de</strong>scoberto uma gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência<br />

que os conteúdos das mensagens massivas apresentam em relação aos<br />

seus diversos públicos, principalmente aos setores camponeses, que<br />

se por um lado, sentem-se motivados, por outro, estão completa-<br />

mente <strong>de</strong>fasados economicamente, ao mesmo tempo em que estão<br />

subinformados, não enten<strong>de</strong>ndo interesses estruturais e globais para<br />

eles. como classe, mas uma atomização <strong>cultura</strong>l e social, provenien-<br />

te da própria conjuntura, dificultando a sua organização, gerência<br />

e produção <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> etc.<br />

O recente processo <strong>de</strong> Reforma Agrária permite evi<strong>de</strong>nciar, mes-<br />

mo que num primeiro instante, através <strong>de</strong> notas preliminares, a <strong>de</strong>fi-<br />

ciência; um jornalismo mais sério, com uma vocação informativa e<br />

equânime, já <strong>de</strong>veria ter promovido, ou <strong>de</strong>veria promover <strong>de</strong>bates aber-<br />

tos, tratando <strong>de</strong> incorporar as opiniões <strong>de</strong> todos os setores. Antes<br />

pelo contrário, a diferenciação e os rumos da cobertura sobre os<br />

diversos fenômenos que envolve a Reforma Agrária, antes e <strong>de</strong>pois<br />

da assinatura dos <strong>de</strong>cretos, contribuem muito na origem do rumor,<br />

ao mesmo tempo em que ten<strong>de</strong>m a confundir a chamada opinião<br />

pública.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nossa ótica não existe a "opinião pública", ou<br />

é quase impossível <strong>de</strong> existir sob esse sistema <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> mas-<br />

sa. Mas o que existem são consensos grupais que ao aflorar publi-<br />

camente por algum ou vários sistemas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa,<br />

tornam-se públicos. Na maioria das vezes, essa opinião pública não<br />

é mais do que uma reduzida e conveniente amostra <strong>de</strong> opiniões par-<br />

ticulares ou parciais, que chega até as maiorias sem margem real <strong>de</strong><br />

70


avaliação critica ou qualquer resposta, o que conduz a um outro<br />

problema.<br />

3.3. A participação<br />

É claro que este problema diz respeito a cada cidadão receptor<br />

ou usuário dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, como um ge-<br />

rador e comunicador <strong>de</strong> mensagens, em outras palavras, quan-<br />

tos ou quem são os habitantes que po<strong>de</strong>m ter acesso aos meios<br />

para se fazer ouvir?, que sejam lidas ou ouvidas as nossas<br />

opiniões? quem po<strong>de</strong> efetivamente participar <strong>de</strong>sses meios <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong> coletiva?<br />

Uma primeira barreira, como já se argumentou, é o do proble-<br />

ma <strong>cultura</strong>l, principalmente dos setores camponeses, à margem <strong>de</strong><br />

muitas informações, e a outra é a combinação do i<strong>de</strong>ológico e do<br />

econômico. Essa base nos permite vislumbrar, primariamente, ou<br />

inicialmente, que a questão informativa da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa,<br />

e os rumores na Reforma Agrária, vai <strong>de</strong>ixando entrever, <strong>de</strong> que as opi-<br />

niões impressas e/ou lidas no microfone, não são representativas <strong>de</strong><br />

todos os setores, e a julgar pelos interesses da UDR, <strong>de</strong> se fazer<br />

ouvir "esclarecendo a opinião pública" via meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />

<strong>de</strong> massa, já antecipadamente <strong>de</strong>ixa sem ânimo <strong>de</strong> concluir, a fim<br />

<strong>de</strong> ficar observando, os rumos, os jeitos das notícias, quem são<br />

os que se manifestam, quais são os novos rumores. Temos 15<br />

anos para observar portanto, NAO É HORA DE CONCLUIR.<br />

4. SEM CONCLUSÕES FINAIS<br />

Este trabalho inicialmente não previa maiores conclusões, além<br />

das já implícitas no <strong>de</strong>senvolvimento do mesmo. Porém, a raiz das<br />

discussões e a polêmica gerada durante o Congresso INTERCOM/86,<br />

com os diferentes trabalhos apresentados, surgiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

procurar uma linha conclusória, mesmo com os escassos elementos,<br />

<strong>de</strong>vido ao seu caráter preliminar.<br />

De fato, não nos propusemos a querer questionar o óbvio, o que<br />

é evi<strong>de</strong>nte para todos, ou seja, o conhecimento <strong>de</strong> que os meios<br />

<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> estão nas mãos do capital, e que, ao representar os<br />

interesses da classe dominante, é claro <strong>de</strong> que não haverá espaço<br />

para os não-dominantes. E nem, tomar a posição <strong>de</strong> atacar ou <strong>de</strong>-<br />

fen<strong>de</strong>r qualquer dos grupos envolvidos. Isso não significa que es-<br />

tejamos preten<strong>de</strong>ndo alguma neutralida<strong>de</strong>.<br />

Antes pelo contrário, a inserção social do pesquisador reflete<br />

seu mundo <strong>de</strong> relações sociais e o obriga, muitas vezes, a compara-<br />

ções históricas, a fim <strong>de</strong> que os mesmos erros sejam um tanto di-<br />

minuídos. Tal é o caso do presente trabalho, que mais preten<strong>de</strong><br />

<strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrar os "movimentos" das forças sociais, e as formas <strong>de</strong><br />

percepção dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, num contexto con-<br />

si<strong>de</strong>rado em <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

O que é realmente importante <strong>de</strong> observar, através das informa-<br />

ções da Comunicação <strong>de</strong> Massa, a respeito do processo agrário, não<br />

são as evidências supracitadas, mas o caráter e a tendência, na vida<br />

objetiva, dos movimentos dos diversos grupos envolvidos, pois os<br />

mesmos não se limitam às frases escritas nos jornais, mas são os<br />

71


verda<strong>de</strong>iros objetivos da noticia, em outras palavras, são os verda-<br />

<strong>de</strong>iros atores do teatro.<br />

Tal preocupação se <strong>de</strong>riva do fato <strong>de</strong> que, apesar <strong>de</strong> discutirmos<br />

Comunicação para o Desenvolvimento, o mesmo não se verifica na<br />

vida prática, isto é, que por exemplo, no caso que hoje nos ocupa,<br />

um assunto tão "ultrapassado", como é o caso da Reforma Agrária,<br />

que <strong>de</strong>veria, do ponto <strong>de</strong> vista capitalista, ter sido superado há mui-<br />

to tempo, apresenta-se num nivel inverso ao esperado, sob a pers-<br />

pectiva do Desenvolvimento. * Ou seja, que a classe dominante to-<br />

maria a dianteira, e utilizando o aparelho estatal, promoveria as<br />

mudanças necessárias à mo<strong>de</strong>rnização do sistema, não parece estar<br />

se realizando no contexto latino-americano.<br />

A Reforma Agrária, o avanço na tecnologia das comunicações, a<br />

formação da "opinião pública" etc, longe <strong>de</strong> terem sido elementos<br />

<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização e <strong>de</strong>senvolvimento na América Latina dos últimos<br />

50 anos, tem sido fonte <strong>de</strong> rumores e incitações sob a guerra fria,<br />

separação <strong>de</strong> grupos, e até revoluções.<br />

Pelas noticias coletadas para este estudo, o que se verifica cla-<br />

ramente são as direções que tomam os diversos grupos envolvidos<br />

em relação ao processo, e que têm muito a ver com a realida<strong>de</strong> na-<br />

cional. Realida<strong>de</strong> essa, que ao nível da América Latina tem se obser-<br />

vado, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a "Aliança para o Progresso", com vistas ao <strong>de</strong>sen-<br />

volvimento, não temos progredido muito. Temos a maior divida ex-<br />

terna do mundo, vinte e cinco anos <strong>de</strong> militarização social, quase uma<br />

década <strong>de</strong> revolução centro-americana, e a continuação da luta ar-<br />

mada na Colômbia, no Peru, no Chile...<br />

Nesse contexto, mesmo que discutamos a respeito <strong>de</strong> novas tec-<br />

nologias em <strong>comunicação</strong>, das negociações inter-setoriais das indús-<br />

trias da <strong>comunicação</strong>, o certo é, <strong>de</strong> que na vida objetiva dos ho-<br />

mens, o sistema <strong>de</strong> relações sociais <strong>de</strong> produção continua sendo o<br />

mesmo, em outras palavras. Mudar o microfone ou dar maior co-<br />

lorido a um filme não significa que isso tenha repercutido no <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento humano em geral, e muito menos, que tenha muda-<br />

do o discurso dos comunicadores. Muda a <strong>de</strong>coração, mas não mu-<br />

da a estrutura, e nessas condições, que tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento é<br />

esse? Não preten<strong><strong>de</strong>mo</strong>s, <strong>de</strong> maneira nenhuma, achar que po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s fa-<br />

lar sobre <strong>comunicação</strong> e <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>de</strong> uma maneira neutra,<br />

como se esse suposto <strong>de</strong>senvolvimento estivesse existindo, ou seja,<br />

que avançando os meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> (como <strong>de</strong> fato estão), avan-<br />

çaria no mesmo sentido o contexto das relações sociais. E <strong>de</strong> fato,<br />

avançam, mas em que sentido? Toda a exploração e a <strong>de</strong>pendência<br />

da América Latina em relação ao avanço tecnológico, <strong>de</strong>nunciado por<br />

alguns pesquisadores, é <strong>de</strong>senvolvimento?<br />

Nosso estudo (<strong>de</strong> caso), que mais do que se tratar <strong>de</strong> uma teo-<br />

rização busca ser o reflexo (cientifizado) da experiência objetiva, ten-<br />

ta colocar em discussão, <strong>de</strong> que enquanto achamos que os meios <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong> avançam, supostamente com benefícios para as cole-<br />

tivida<strong>de</strong>s (entendam-se aqui, todas as classes sociais), a realida<strong>de</strong><br />

é <strong>de</strong> que os mesmos continuam a exercer sua ativida<strong>de</strong> baseados na<br />

72<br />

Sobre isso, po<strong>de</strong>-se consultar o Informativo da FAO, baseado no<br />

relatório da IX Conferência Mundial sobre Desenvolvimento e Re-<br />

forma Agrária. San Salvador, ISTA-FAO, 1979.


divisão social do trabalho, em termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tentores e não-<strong>de</strong>tentores<br />

dos meios <strong>de</strong> produção, e sob essa perspectiva, difícil é, ou será,<br />

explicar, com um belo conceito sobre Desenvolvimento, a realida<strong>de</strong><br />

do Terceiro Mundo, e neste caso, da Reforma Agrária, como medi-<br />

camento para o nervosismo das classes sociais rurais.<br />

NOTAS<br />

1. Jornal Zero Hora, 24/06/86, p. 30.<br />

2. A assinatura dos <strong>de</strong>cretos ocorreu no dia 23/06/86, e o "pacote<br />

ver<strong>de</strong>" íoi lançado no dia 14/08/86.<br />

3. Esse nervosismo é amplamente analisado em: "Movimentos So-<br />

ciais no campo na América Latina", por GONZALEZ, H. e ALMEIDA, J.<br />

(dat.).<br />

4. HALL, D. T. The Silent Language, Nova York, 1968, pp. 44-62.<br />

5. É <strong>de</strong> salientar <strong>de</strong> que as observações empíricas <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstram <strong>de</strong><br />

que antes <strong>de</strong>sses fatos, os espaços <strong>de</strong>dicados a essa questão, pelo menos nos<br />

jornais estudados, eram muito reduzidos. A própria evidência <strong>de</strong>ssa mudança<br />

é o motivo <strong>de</strong>stas notas provisórias.<br />

6. Mesmo que não nas condições i<strong>de</strong>ais para o florescimento da "bur-<br />

guesia crioula".<br />

7. Veja-se: Comunicação: Da <strong>Pesquisa</strong>-Denúncia à <strong>Pesquisa</strong>-Ação. In:<br />

Teoria e <strong>Pesquisa</strong> em Comunicação, São Paulo, Cortez, 1983, p. 20.<br />

Loyola, 1982, p. 26.<br />

8. Comunicação e Comunida<strong>de</strong>: Mitos da Mudança Social. São Paulo,<br />

Loyola, 1982, p. 26.<br />

9. Mesmo analisando aqui, neste trabalho, apenas as relações en-<br />

tre o jornal, a TV e a Reforma Agrária, é evi<strong>de</strong>nte que não são as únicas<br />

fontes <strong>de</strong> rumor. A atual campanha política e os políticos têm intensifi-<br />

cado ainda mais esta questão. Durante a última reunião da SBPC, em Curi-<br />

tiba, pu<strong>de</strong> verificar, num <strong>de</strong>bate sobre a Reforma Agrária, que um políti-<br />

co <strong>de</strong> oposição criticava o atraso do governo em relação a essa questão, po-<br />

rém, o discurso utilizado era, sem exagero, exatamente o mesmo pronun-<br />

ciado dois meses antes, em Ban<strong>de</strong>irantes, durante o I Fórum <strong>de</strong> Debates so-<br />

bre a Questão Agrária. É bom lembrar, <strong>de</strong> que a história muda, incluindo<br />

60 dias.<br />

Não há nada <strong>de</strong> pessoal ou i<strong>de</strong>ológico nesta colocação, apenas é para<br />

exemplificar que o mesmo discurso em diferentes audiências, não só pro-<br />

voca expectativas diferentes entre o público, como também, diferentes ru-<br />

mores, po<strong>de</strong>ndo, inclusive, prejudicar a campanha política.<br />

10. O aumento da brecha entre cida<strong>de</strong> e campo não é fruto apenas<br />

dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa, também no mundo intelectual e cien-<br />

tífico são encontrados certos segmentos com teorias que dizem respeito a<br />

uma possível diferenciação qualitativa entre o consi<strong>de</strong>rado rural e urba-<br />

no. A esse respeito po<strong>de</strong>-se consultar: Campesinato Latino-americano: Con-<br />

ceituação e Movimentos Sociais, <strong>de</strong> GONZALEZ, H. Tese <strong>de</strong> Mestrado,<br />

CPGER, UFSM, 1986.<br />

11. Para maiores informações sobre esses en<strong>de</strong>reços, nomes <strong>de</strong> indi-<br />

víduos, nessa interação econõmico-social e política po<strong>de</strong>-se consultar: GUA-<br />

RESCHI, P. A. Comunicação e Po<strong>de</strong>r. A presença e o papel dos meios <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis, Vozes,<br />

1981, bem como: MELO, J. M. Comunicação, Opinião, Desenvolvimento. Pe-<br />

trópolis, Vozes, 1972.<br />

73


12. Em <strong>de</strong>clarações ao "Bom Dia Brasil", TV Globo, 21/08/86.<br />

13. Manchete do dia 24/06/86.<br />

14. Deve-se salientar que o jornal A Razão publicou somente 14 men-<br />

sagens sobre Reforma Agrária antes da data estabelecida como limite para<br />

este trabalho, enquanto que o número <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa data, ou seja, em ape-<br />

nas dois meses foi <strong>de</strong> 19, na Folha <strong>de</strong> São Borja, foi <strong>de</strong> zero antes, e 6 <strong>de</strong>pois.<br />

15. Páginas 30, 31, 32, 33 da edição <strong>de</strong> 24/06/86.<br />

16. A Razão, 25/06/86, p. 3.<br />

17. A Razão, 28/06/86, p. 9.<br />

18. A Razão, 23/07/86, p. 30.<br />

19. Zero Hora, 15/08/86, p. 37.<br />

20. Zero Hora, 26/08/86, p. 45.<br />

21. A Razão, 19-20/07/86, p. 13.<br />

22. Zero Hora, 15/08/86, p. 36.<br />

23. A frase entre aspas é tomada do título <strong>de</strong> uma matéria publicada<br />

em Zero Hora do dia 15/08/86.<br />

24. A Razão, 17/06/86, p. 4, "O campeonato da terra violenta".<br />

25. A Razão, 25/07/86, p. 15.<br />

26. A Razão, 30/06/86, p. 7.<br />

27. Ibid.<br />

28. Zero Hora, 15/08/86, p. 36.<br />

29. Folha <strong>de</strong> São Borja, manchete do dia 20/08/86.<br />

30. Zero Hora, 28/08/86, p. 41.<br />

31. A Razão, 26/08/86, manchete.<br />

32. Veja-se Zero Hora, 15/08/86, p. 37.<br />

33. Ibid.<br />

34. Folha <strong>de</strong> São Borja, 23/06/86, p. 9.<br />

35. Folha <strong>de</strong> São Borja, 27/08/86, p. 11.<br />

36. A Razão, 26/08/86, manchete.<br />

37. Folha <strong>de</strong> São Borja, 27/08/86, p. 11.<br />

38. Esses fatos tiveram cobertura pela imprensa nacional.<br />

39. PARSUL estranha a ausência <strong>de</strong> Samey — Zero Hora, 28/08/86<br />

p. 41.<br />

40. Uma tentativa <strong>de</strong> colocar os traços mais comuns <strong>de</strong> algumas das<br />

reformas agrárias na América Latina e o possível papel dos extensionistas<br />

rurais, como comunicadores, é feito em: "Extensão Rural e Reforma Agrá-<br />

ria", por GONZALEZ, H. In: INFORMATIVO DEAER. Santa Maria, CPGER,<br />

UFSM, III — Julho <strong>de</strong> 1986.<br />

41. GÜARESCHI, op. cit., p. 25.<br />

42. Os diários latino-americanos <strong>de</strong>dicam 46% do seu espaço para publi-<br />

cida<strong>de</strong>, enquanto que 86% das estações <strong>de</strong> rádio da América Latina são co-<br />

merciais, 40% do seu tempo no ar é tomado por propaganda, os canais <strong>de</strong><br />

TV da América Latina utilizam comerciais em 83% dos casos, nestes dados<br />

não se inclui Cuba. (KAPLUM, 1973, apud GÜARESCHI, op. cit., p. 26).<br />

74


Um continente no ví<strong>de</strong>o<br />

Sérgio Caparelli<br />

ARTIGOS<br />

O romance O Tempo e o Vento, <strong>de</strong> Érico Veríssimo, foi apre-<br />

sentado pela Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu projeto séries<br />

especiais, em trinta capítulos, sendo o primeiro transmitido no dia<br />

23 <strong>de</strong> abril do ano passado, quando o país recebera o choque da<br />

morte <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus mais ilustres políticos, Tancredo Neves. A afir-<br />

mação acima levanta uma série <strong>de</strong> questões. Um romance po<strong>de</strong> ser<br />

televisado? Se isso for possível, seu autor ainda seria Érico Verís-<br />

simo? E o que tem a ver o contexto <strong>de</strong> sua emissão — momento po-<br />

lítico etc. — com a obra em si? Estas perguntas são pertinentes.<br />

Para iniciar a discussão, relataremos dois acontecimentos envolven-<br />

do a adaptação <strong>de</strong> obras produzidas originariamente para outros<br />

meios.<br />

Acontecimento I<br />

Em 1956, o romancista norte-americano William Faulkner, que<br />

também produziu textos para cinema, <strong>de</strong>u uma entrevista à "Paris<br />

Review". *<br />

Entrevistador: De que modo obtém os melhores resultados, ao<br />

trabalhar para o cinema?<br />

Faulkner: O meu trabalho cinematográfico que me pareceu o me-<br />

lhor foi feito pelos atores, tendo o escritor <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado o script<br />

e inventado a cena durante o ensaio, pouco antes das câmaras co-<br />

meçarem a rodar. Se eu não levasse, ou não sentisse que era capaz<br />

<strong>de</strong> levar a sério o trabalho cinematográfico, por pura honestida<strong>de</strong><br />

para com o cinema e para comigo próprio, não o teria tentado. Mas<br />

agora sei que jamais serei um bom escritor <strong>de</strong> cinema — <strong>de</strong> modo<br />

que tal trabalho jamais terá para mim a priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> minha pró-<br />

pria tarefa.<br />

* Professor <strong>de</strong> Comunicação na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Elo Gran-<br />

<strong>de</strong> do Sul e <strong>Pesquisa</strong>dor do CNPq.<br />

75


Acontecimento II<br />

O outro fato aconteceu vinte e cinco anos antes da entrevista <strong>de</strong><br />

Faulkner, com Bertolt Brecht. Em 1931, <strong>de</strong>pois do sucesso <strong>de</strong> sua<br />

Ópera dos três vinténs, o dramaturgo assinou um contrato com a<br />

Nero Film A. C. com cláusulas bastante especificas quanto ao rotei-<br />

ro, <strong>de</strong> cuja produção ele próprio participaria. Alegando que a adap-<br />

tação da peça exigiria consi<strong>de</strong>ráveis modificações no original e dian-<br />

te da intransigência <strong>de</strong> Brecht, a empresa ultima o roteiro sem sua<br />

participação. Brecht recorre aos tribunais. Dr. Fischer, o advoga-<br />

do da Nero Film, acusa-o <strong>de</strong> plágio, afirmando que ele "recolheu",<br />

em sua Ópera dos três vinténs, a tradução feita por Ammer das poe-<br />

sias <strong>de</strong> Villon, sem modificações das idéias estilísticas. Os tribunais<br />

dão ganho <strong>de</strong> causa à Nero Film mas esta, surpreen<strong>de</strong>ntemente, res-<br />

titui ao autor seus direitos <strong>de</strong> filmagem e paga as <strong>de</strong>spesas judiciais.<br />

A revista Kinematograph, analisando essa disputa, afirmou en-<br />

tão que Brecht queria embutir no seu filme uma tendência política<br />

combativa. "No teatro, qualquer autor po<strong>de</strong>ria fazer isso mas no ci-<br />

nema haveria prejuízos sociais consi<strong>de</strong>ráveis. Todo aquele que en-<br />

tra em relações comerciais ou trabalhistas com o cinema <strong>de</strong>ve ter em<br />

conta que se dirige a uma indústria, a pessoas que investem dinheiro<br />

e que <strong>de</strong>pois ou recebe aplausos <strong>de</strong> algumas mil salas exibidoras<br />

ou simplesmente per<strong>de</strong> dinheiro. 2 Os argumentos <strong>de</strong> Brecht vão<br />

um pouco além, analisando o cinema como uma pequena parte do<br />

gigantesco complexo i<strong>de</strong>ológico que integra a <strong>cultura</strong>.<br />

Literatura e televisão<br />

Os problemas levantados pela adaptação <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Êrico Ve-<br />

ríssimo na televisão têm muito a ver com os dois acontecimentos<br />

relatados, pois ambos envolvem aspectos da produção, do produto<br />

e dos usuários diante <strong>de</strong>ssas transposições <strong>de</strong> outro meio para o<br />

qual originariamente as obras não tinham sido escritas. E não ape-<br />

nas isso. Opera-se, na verda<strong>de</strong>, uma dupla passagem: "a <strong>de</strong> uma<br />

forma <strong>de</strong> expressão artística para outra (literatura x televisão) —<br />

ou <strong>de</strong> uma arte para outra (romance x televisão) — e a <strong>de</strong> um padrão<br />

da arte para outro (arte culta x <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> massa).3<br />

Ao transpor para a televisão o romance <strong>de</strong> Érico Veríssimo, a Re-<br />

<strong>de</strong> Globo o fez pensando nas comemorações <strong>de</strong> seus 20 anos <strong>de</strong> te-<br />

levisão e também nos milhares <strong>de</strong> cruzados que custa uma inserção<br />

publicitária no horário em que a série está sendo levada ao público.<br />

Diferente <strong>de</strong> Êrico, a Globo tinha uma imagem muito nítida do pú-<br />

blico que pretendia atingir, a partir <strong>de</strong> pesquisas exaustivas.<br />

E quem produziu O Tempo e o Vento? A Re<strong>de</strong> Globo. Mas a<br />

Globo é uma instituição <strong>de</strong> caráter nacional, um conglomerado com<br />

investimentos diversificados, da área financeira às gran<strong>de</strong>s exten-<br />

sões da terra, <strong>de</strong> mercado imobiliário aos projetos na área <strong>de</strong> en-<br />

sino. E certamente não foi o senhor Roberto Marinho quem fez<br />

O Tempo e o Vento. Nem o seu empregado numa plantação <strong>de</strong> soja<br />

<strong>de</strong> Goiás.<br />

Doe Comparato e Regina Braga fizeram a adaptação para o for-<br />

mato da minissérie, a trilha sonora é <strong>de</strong> Tom Jobim, editada tam-<br />

bém em disco pela Som Livre, da própria Re<strong>de</strong> Globo, junto com<br />

Guto Graça Mello, responsável pela gravação. Tem direção geral<br />

<strong>de</strong> Paulo José, ao lado <strong>de</strong> Denise Saraceni e Walter Campos, coman-<br />

76


dando 5 mil atores e figurantes, equipe técnica etc. O nome <strong>de</strong> to-<br />

dos os autores <strong>de</strong> O Tempo e o Vento na televisão encheria um li-<br />

vro e torna-se mais fácil dizer que os produtos da industria cultu-<br />

ral, como minisséries ou telenovelas, exigem uma rigorosa divisão<br />

do trabalho, muito diferente <strong>de</strong> Érico Veríssimo ainda em vida, so-<br />

litário com sua máquina <strong>de</strong> escrever.<br />

O próprio roteiro <strong>de</strong> O Tempo e o Vento fica antecipadamente<br />

<strong>de</strong>limitado pelas características do meio e do público. Doe Compa-<br />

rato confessa que fez dois tratamentos do romance. Numa entrevis-<br />

ta a Artur Xexeo, do "Jornal do Brasil", admite que a princípio es-<br />

tava intimidado, colocando poucos personagens e quase nenhuma<br />

cena <strong>de</strong> ação. A Globo pediu-lhe que reescrevesse tudo, sem se<br />

preocupar com economias. O roteiro final tinha mais <strong>de</strong> 1.000 pá-<br />

ginas, uma centena <strong>de</strong> personagens e quatro seqüências da Revo-<br />

lução Farroupilha. "Algumas pessoas acreditam que adaptar é co-<br />

piar um livro. É muito mais difícil. Tive que <strong>de</strong>sestruturar toda<br />

a história, <strong>de</strong>stacar personagens, os componentes dramáticos indis-<br />

pensáveis, para <strong>de</strong>pois recontar a história, <strong>de</strong>ntro da ótica da tele-<br />

visão". 4<br />

Dentro <strong>de</strong>sta perspectiva, Brecht não soube dimensionar as exi-<br />

gências da indústria <strong>cultura</strong>l, no trato com adaptações, transposi-<br />

ções ou produções especificas para o cinema, já que a televisão ain-<br />

da não existia. E tinha razão a Nero Fllm A. C, ao alegar que uma<br />

adaptação exige consi<strong>de</strong>ráveis modificações no original. Acontece<br />

que Brecht, conforme relata em O Processo dos Três Vinténs, um<br />

experimento sociológico, interessava-se em revelar os mecanismos da in-<br />

dústria <strong>cultura</strong>l postos a serviço da i<strong>de</strong>ologia burguesa e não ape-<br />

nas ver o seu trabalho no cinema. Apesar da exigência <strong>de</strong> mudan-<br />

ças, não significa que a minissérie da Globo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter débitos com<br />

Érico Veríssimo, pois a sua transposição faz <strong>de</strong>la um produto <strong>de</strong><br />

caráter híbrido. Mesmo com todas as transformações, O Tempo<br />

e o Vento, bem como as outras adaptações <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Veríssimo<br />

para a televisão, mantém com ela uma relação <strong>de</strong> origem e <strong>de</strong> con-<br />

tigüida<strong>de</strong>.<br />

É esta contigüida<strong>de</strong> que reforça o caráter híbrido <strong>de</strong> O Tempo<br />

e o Vento enquanto produto da indústria <strong>cultura</strong>l. Porque em sua<br />

elaboração foi necessário levar em conta o caráter massivo do meio,<br />

com exigências <strong>de</strong> integração do produto ao <strong>de</strong>stinatário, mas igual-<br />

mente, conforme Umberto Eco, o produto final po<strong>de</strong> embutir um<br />

projeto estético, a partir <strong>de</strong> seu êxito narrativo. 5 Não é impossí-<br />

vel, portanto, que o produto final explore as possibilida<strong>de</strong>s estéticas<br />

que o meio televisão oferece, e, ao mesmo tempo, integra-se ao <strong>de</strong>s-<br />

tinatário.<br />

As dificulda<strong>de</strong>s<br />

Muitas das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> adaptação já eram conhecidas mes-<br />

mo antes do roteiro. Certas obras são adaptadas à televisão com<br />

facilida<strong>de</strong>. Uma peça <strong>de</strong> teatro, por exemplo, é mais próxima das<br />

possibilida<strong>de</strong>s da linguagem televisiva do que o Ulisses, <strong>de</strong> Joyce.<br />

As obras já pensadas para a televisão po<strong>de</strong>m explorar ao máximo<br />

a técnica <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong> estúdio. A linguagem televisiva trabalha<br />

muito com os primeiros planos e com o cíose. Algumas partes <strong>de</strong><br />

O Tempo e o Vento privilegiam os gran<strong>de</strong>s espaços, que favorece-<br />

riam uma adaptação ao cinema mas a dificultaria à televisão. As<br />

77


cenas fechadas, "<strong>de</strong> estúdio", favorecem os Terra Cambará, no ve-<br />

lho sobrado, enquanto cenários das batalhas ou as andanças do Ca-<br />

pitão Rodrigo ganhariam numa tela maior. Numa adaptação da li-<br />

teratura, muitas vezes o diretor tem <strong>de</strong> escolher entre um gran<strong>de</strong><br />

plano, que realça o aspecto dramático, e o dose, que permite ao te-<br />

lespectador observar a técnica individual.<br />

Aliás, esta já é uma questão do meio em si e <strong>de</strong> suas exigências.<br />

As técnicas <strong>de</strong> contraponto utilizadas no romance são mais facil-<br />

mente assimiladas pelo leitor do romance. Já na minissérie, prin-<br />

cipalmente para o leitor comum, fica muito mais difícil a sua assi-<br />

milação. A polifonia resultante <strong>de</strong> uma "leitura" diária, ritual, sem<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> "releitura", a não ser no caso do vi<strong>de</strong>ocassete, fa-<br />

zem a narrativa confusa. Da trilogia, apenas O Continente foi adap-<br />

tado, ficando fora O Retrato e O Arquipélago. As quatro histórias<br />

constantes neste primeiro livro — Ana Terra, Um Certo Capitão Ro-<br />

drigo, Teiniaguá e O Sobrado — são contadas pelo fim, começando<br />

com a família Terra Cambará, republicana, cercada em seu sobrado<br />

<strong>de</strong> Santa Fé. A partir daí começam os flashbacks, chegando em cer-<br />

tos momentos a flashback <strong>de</strong> flashback. Mesmo que o telespectador<br />

comum já tenha se "a<strong>cultura</strong>do" <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas técnicas, <strong>de</strong>vido ao<br />

cinema, fica muito difícil quando a narrativa se processa a conta-<br />

gotas <strong>de</strong> 40 minutos cada, diariamente, em trinta capítulos, exigin-<br />

do continuamente a sua atenção. Esta argumentação fica ainda mais<br />

nítida quando se sabe que os resultados <strong>de</strong> várias pesquisas <strong><strong>de</strong>mo</strong>ns-<br />

tram que muitos telespectadores <strong>de</strong>dicam apenas uma parte <strong>de</strong> sua<br />

atenção ao que está acontecendo no ví<strong>de</strong>o. 6<br />

Um outro ponto a ser consi<strong>de</strong>rado no caso da linguagem da te-<br />

levisão versus outras linguagens é sua eficácia enquanto transmis-<br />

são ao vivo. A televisão, em sua a<strong>de</strong>rência ao real, tem mais que<br />

qualquer outro meio sua eficácia na <strong>comunicação</strong>, tanto pelo ime-<br />

diatismo do mídia (ela vê o que acontece), pela sua espontaneida<strong>de</strong><br />

(o que se vê nunca havia sucedido, pelo menos daquela maneira),<br />

e pela atualida<strong>de</strong> (a sensação <strong>de</strong> que o que se vê é verda<strong>de</strong>iro). Ao<br />

contrário da literatura e do cinema, que trazem imagem da realida-<br />

<strong>de</strong>, a televisão mostra a própria realida<strong>de</strong>. 7<br />

É claro que essas afirmações po<strong>de</strong>m ser contestadas. Alguém<br />

dirá, por exemplo, que entre as imagens captadas pela câmera e sua<br />

captação pelo telecpectador existe o ponto <strong>de</strong> vista do editor, que<br />

permanece o tempo todo montando as imagens que vão ao ar e que<br />

lhe chegam a partir <strong>de</strong> diversas câmeras. E que aqui também se<br />

trata da questão fundamental da Literatura, a figura do narrador.<br />

Neste caso. trata-se <strong>de</strong> um narrador (o editor) levando ao telespec-<br />

tador as imagens que lhes são trazidas pelas câmeras, subnarrado-<br />

res <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> narrar eletrônico. Aqui, no entanto, persiste a di-<br />

ferença fundamental: toda a montagem, isto é, a estruturação dos<br />

pontos <strong>de</strong> vista narrativos, é contemporânea aos próprios aconteci-<br />

mentos narrados, existindo uma espécie <strong>de</strong> isocronia, o que leva à<br />

questão do tempo da e na narrativa.<br />

Mesmo que se reconheça como potencialida<strong>de</strong> maior da televi-<br />

são sua a<strong>de</strong>rência ao real. possibilitando a transmissão ao vivo, é<br />

certo que o tempo <strong>de</strong>dicado a esse tipo <strong>de</strong> programa é mínimo em<br />

relação aos programas preparados com antecedência, como foi o<br />

caso <strong>de</strong> O Tempo e o Vento, cujas filmagens <strong>de</strong>senrolaram-se duran-<br />

te nove meses, com cenas tomadas no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e numa<br />

78


cida<strong>de</strong> fictícia montada no Rio <strong>de</strong> Janeiro, exclusivamente para as<br />

gravações.<br />

Finalmente, um último aspecto a ser consi<strong>de</strong>rado na adaptação<br />

do romance <strong>de</strong> Érico Veríssimo: a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que milhões <strong>de</strong><br />

pessoas tivessem acesso à saga da formação do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que esse gigantesco meio <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, que é a te-<br />

levisão, trouxe para o enredo <strong>de</strong> Ana Terra, <strong>de</strong> Um Certo Capitão<br />

Rodrigo, Teiniaguá e O Sobrado mais telespectadores que o total <strong>de</strong><br />

leitores <strong>de</strong> O Continente, em todas as edições do livro até agora e as<br />

próximas até o fim do século. Nisso a televisão é incomparável.<br />

E isso que ela tem <strong>de</strong> maravilhoso po<strong>de</strong> ter igualmente <strong>de</strong> lastimá-<br />

vel, envolvendo os <strong>de</strong>fensores da <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> massa e os seus acusa-<br />

dores. A televisão fez com que o livro <strong>de</strong> Érico Veríssimo, que<br />

custa mais <strong>de</strong> 10 por cento <strong>de</strong> um salário mínimo, per<strong>de</strong>sse sua aura.<br />

A bem da verda<strong>de</strong>, a sacralização se mantém no livro, mas sua adap-<br />

tação para o ví<strong>de</strong>o, reproduzindo uma "leitura" para milhões, o<br />

tomou um produto sem a aura característica da <strong>cultura</strong> <strong>de</strong><br />

elite. Já pensou os <strong>de</strong>vaneios da velha Bibiana serem discutidos no<br />

boteco, entre goles <strong>de</strong> cachaça com Un<strong>de</strong>rberg? E, neste caso, co-<br />

mo fica Érico Veríssimo? Ele infinitamente melhor? Acreditamos<br />

que nem uma coisa e nem a outra. Uma coisa é o livro, outra a<br />

transposição para a televisão. Mesmo que uma minissérie como<br />

esta utilize materiais <strong>de</strong> outros meios com outros propósitos e este-<br />

ja em débito com outras artes por absorver componentes (atores,<br />

tempo, ação) <strong>de</strong> formas artísticas mais antigas, 8 ela ocupa um es-<br />

paço que lhe é próprio na <strong>cultura</strong> do século XX. Os telespectadores<br />

não assistiram Érico Veríssimo pela televisão, mas um produto<br />

da indústria <strong>cultura</strong>l, que mantém com O Continente laços <strong>de</strong> ori-<br />

gem e <strong>de</strong> contigüída<strong>de</strong>. Ganhou a Literatura com isso? Isso é difícil<br />

respon<strong>de</strong>r, mas certamente ganhou a ficção eletrônica e ganhou o<br />

telespectador, ganhou a narrativa como um todo. E, indiretamente,<br />

ganhou o nome Érico Veríssimo e seus her<strong>de</strong>iros, com o aumento<br />

das vendas <strong>de</strong> seus livros. Neste caso, ganhou também a Literatura.<br />

BIBLIOGRAFIA CITADA<br />

1. Morávla, Alberto e outros. Escritores em ação. Rio, Paz e Terra,<br />

1982, p. 41.<br />

2. Brecht, Bertolt. El compromisso en literatura y arte. Barcelona, Pe-<br />

nínsula, 1984, p. 102.<br />

3. Averbuck, Lígla. Literatura em tempo <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> massa. São Paulo,<br />

Nobel, 1984, p. 191.<br />

4. Depoimento ao Jornal do Brasil, 21.04.85.<br />

5. Eco, Umberto, Apocalípticos e integrados. São Paulo, Perspectiva,<br />

1979, pp. 329 a 332.<br />

6. Brow, Roger. La Televisión y Ias artes, in: Halloran, James, Los<br />

ejectos <strong>de</strong> Ia televisión. Madrid, Editora Nacional, 1974, p. 193.<br />

7. Espinal, Luís. O cinema frente à TV. São Paulo, LIC Editores, 1976,<br />

p. 10.<br />

8. Brow, Roger, op. cit., p. 201.<br />

79


Democracia, comunicaçáo e<br />

classe trabalhadora*<br />

Antônio Albino Canelas Rubim **<br />

A ditadura que sofremos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1964 impôs significativas modi-<br />

ficações na realida<strong>de</strong> brasileira. Intencionalmente ou não a dita-<br />

dura <strong>de</strong>ixou seqüelas. Uma <strong>de</strong>las, quiçá benéfica, foi a transforma-<br />

ção acontecida no pensamento e na prática política <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática no<br />

Brasil. O Estado ditatorial — o Estado violentamente instrumen-<br />

to das classes dominantes — <strong>de</strong>struiu as esperanças e concepções,<br />

inclusive <strong>de</strong> parte substancial dos setores progressistas, que viam o<br />

Estado como ponta <strong>de</strong> lança e momento <strong>de</strong>terminante da <strong><strong>de</strong>mo</strong>cra-<br />

tização da socieda<strong>de</strong>. O Estado ditatorial <strong>de</strong>struiu esperanças e obri-<br />

gou a prática <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática a, como que, se refugiar na Socieda<strong>de</strong> Ci-<br />

vil. Circunscrita à socieda<strong>de</strong> civil, num embate muitas vezes violen-<br />

to com o Estado, a "nova" prática política necessitou para se rea-<br />

lizar <strong>de</strong> uma significativa transformação do próprio pensamento po-<br />

lítico <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático que a <strong>de</strong>ve refletir e impulsionar. No cerne <strong>de</strong>s-<br />

tas transformações <strong>de</strong>senvolveu-se a concepção <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong><br />

civil é o espaço <strong>de</strong>terminante da <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da socieda<strong>de</strong>.! Nes-<br />

ta reviravolta, neste aprendizado teórico e prático calam fundo as<br />

marcas da ditadura.<br />

Afirmar a socieda<strong>de</strong> civil como momento <strong>de</strong>terminante não sig-<br />

nifica conceber socieda<strong>de</strong> civil e Estado como momentos distintos,<br />

contrapostos e isolados na socieda<strong>de</strong>. Significa pensá-los como mo-<br />

mentos distintos, mas inter-relacionados no processo dialético <strong>de</strong> cons-<br />

tituição da socieda<strong>de</strong>, do qual a socieda<strong>de</strong> civil é o momento <strong>de</strong>-<br />

terminante. Tal concepção <strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização é, sem dúvida, um<br />

passo importante do pensamento e da prática políticos no Brasil<br />

contemporâneo e não po<strong>de</strong>, nem <strong>de</strong>ve ser "esquecida", apesar das<br />

tentações <strong>de</strong> um Estado mais <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático e principalmente dos "es-<br />

* Trabalho apresentado na mesa-redonda "Socieda<strong>de</strong> Civil e Democra-<br />

tização da Comunicação", realizada no Seminário "Constituinte e Política<br />

Democrática <strong>de</strong> Comunicação" (Salvador, 1986).<br />

•* Professor e Chefe do Departamento da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da<br />

Bahia.<br />

80


paços" possíveis <strong>de</strong> ocupar. Como resposta ao "esquecimento" e às<br />

tentações e tentativas <strong>de</strong> recolocar o Estado no centro da <strong><strong>de</strong>mo</strong>cra-<br />

tização da socieda<strong>de</strong>, faz-se necessário reafirmar e <strong>de</strong>senvolver o pen-<br />

samento e a prática política <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos que propõem a socieda<strong>de</strong><br />

civil como <strong>de</strong>terminante para a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da socieda<strong>de</strong> e in-<br />

clusive do Estado.<br />

A convergência <strong>de</strong>ste pensamento com o <strong>de</strong> Antônio Gramsci<br />

não é casual. Em verda<strong>de</strong>, este "novo" pensamento político <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />

crático tem nítida inspiração nas inúmeras e variadas leituras da<br />

obra do autor italiano. 2 Cabe portanto prosseguir e buscar <strong>de</strong>senvol-<br />

ver as formulações <strong>de</strong> Gramsci. Nele, o avanço do capitalismo (no<br />

Oci<strong>de</strong>nte) e mesmo sua superação estão umbilicalmente ligados ao<br />

fortalecimento da socieda<strong>de</strong> civil. Por sua vez o aparecimento e<br />

crescimento <strong>de</strong> uma ampla socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>termina que a coesão<br />

ganhe importância como elemento <strong>de</strong> dominação <strong>de</strong> classe e inclu-<br />

sive como elemento <strong>de</strong> transformação social. Óbvio que a domi-<br />

nação é sempre e necessariamente a combinação <strong>de</strong> coerção e coe-<br />

são, mas, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da evolução e conjuntura históricas, esta conjun-<br />

tura po<strong>de</strong> ter graus bastante variáveis <strong>de</strong> coerção e coesão. Acontece<br />

que com o <strong>de</strong>senvolvimento capitalista, tanto a socieda<strong>de</strong> civil, quan-<br />

to a coesão tornam-se elementos cada vez mais importantes para<br />

a dominação burguesa e para a superação histórica <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>.<br />

Daí que tem-se socieda<strong>de</strong> civil e coesão — ou luta pela hegemonia in-<br />

telectual e moral — como questões imbricadas e fundamentais para<br />

a transformação <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática e socialista da socieda<strong>de</strong> atual.<br />

Entretanto, ao assinalar estes elementos que, produtos das con-<br />

tradições imanentes do capitalismo, abrem possibilida<strong>de</strong>s à <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />

cracia e superação socialista <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>, Gramsci não indica sa-<br />

tisfatoriamente as tendências, gestadas também pelas próprias con-<br />

tradições capitalistas, que se contrapõem àquelas possibilida<strong>de</strong>s e<br />

que acentuam as características <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social e <strong>de</strong> autori-<br />

tarismo inerentes à socieda<strong>de</strong> burguesa. Este é o caso do cresci-<br />

mento tentacular do Estado; da monopolização da economia com to-<br />

das suas repercussões políticas e <strong>cultura</strong>is, imediatas ou não etc. Por<br />

exemplo, o capitalismo monopolista com suas empresas gigantescas<br />

amplia e intensifica a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> econômica e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r existentes<br />

no interior da socieda<strong>de</strong>, fortalecendo o autoritarismo do capital e,<br />

por conseqüência, cria entraves novos e bastante sérios ao processo<br />

<strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização social. Talvez por situar a socieda<strong>de</strong> civil só na<br />

esfera política — Marx e Hegel a situavam na esfera econômica —<br />

e não pensá-la simultaneamente nas esferas econômica e política,<br />

talvez por isto Gramsci se veja impossibilitado <strong>de</strong> assinalar e inves-<br />

tigar tais tendências autoritárias que se contrapõem às possibilida-<br />

<strong>de</strong>s <strong>de</strong> realização da <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia. 3<br />

Um dos elementos <strong>de</strong>sta tendência anti<strong><strong>de</strong>mo</strong>crática é a indús-<br />

tria <strong>cultura</strong>l, aqui entendida <strong>de</strong> acordo com as concepções <strong>de</strong> Theo-<br />

dor Adorno. 4 Em realida<strong>de</strong>, a indústria <strong>cultura</strong>l é o produto do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento capitalista (monopolista) da produção não mate-<br />

rial. Ou seja, a produção <strong>cultura</strong>l é (também) subordinada ao ca-<br />

pitalismo, segundo mo<strong>de</strong>los ten<strong>de</strong>ncialmente semelhantes àqueles an-<br />

teriormente realizados na subordinação da produção material ao ca-<br />

pital, ü Instala-se no seio da socieda<strong>de</strong> civil uma estrutura mono-<br />

polista que domina os meios <strong>de</strong> produção e distribuição <strong>cultura</strong>l e,<br />

por conseguinte, os meios <strong>de</strong> produção i<strong>de</strong>ológica. Isto é, <strong>de</strong> pro-<br />

dução <strong>de</strong> hegemonia. Deste modo, na etapa monopolista do capi-<br />

81


talismo, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> hegemonia passam a ser<br />

extremamente <strong>de</strong>siguais no seio mesmo da socieda<strong>de</strong> civil: enquan-<br />

to a burguesia e <strong>de</strong>mais frações das classes dominantes <strong>de</strong>têm os gi-<br />

gantescos meios <strong>de</strong> produção e distribuição <strong>cultura</strong>l e quase o mo-<br />

nopólio da fala, <strong>de</strong> tornar público na socieda<strong>de</strong>, as classes trabalha-<br />

doras e seus aliados são alijados, <strong>de</strong> forma anti<strong><strong>de</strong>mo</strong>crática, da pro-<br />

dução (e do produto) do que é tornado público na socieda<strong>de</strong> e do<br />

controle e acesso aos gran<strong>de</strong>s meios <strong>de</strong> produção e distribuição cul-<br />

tural. Nestas circunstâncias, para que exista <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia real não<br />

basta somente ter liberda<strong>de</strong> para ter voz própria — liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ex-<br />

pressão, <strong>de</strong> imprensa etc. — mas é essencial também ter direito e<br />

meios <strong>de</strong> tornar efetivamente públicas sua voz. E tornar pública<br />

qualquer voz na socieda<strong>de</strong> contemporânea supõe ter o controle e/ou<br />

acesso aos (gran<strong>de</strong>s) meios <strong>de</strong> produção <strong>cultura</strong>l, ter direito à co-<br />

municação. Somente assim estará reposto — ainda que parcial-<br />

mente, dado existirem inúmeros outros elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r — um certo equilíbrio para uma luta <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática <strong>de</strong> con-<br />

quista <strong>de</strong> hegemonia no interior da socieda<strong>de</strong> civil.<br />

Pelo exposto po<strong>de</strong>-se concluir que a situação contemporânea, on-<br />

<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> civil e a hegemonia são elementos indispensáveis, se-<br />

ja da dominação <strong>de</strong> classe, seja da transformação <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática e so-<br />

cialista da socieda<strong>de</strong>; nesía situação a luta pela <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização so-<br />

cial, dos meios <strong>de</strong> produção e distribuição <strong>cultura</strong>l é parte indis-<br />

pensável e essencial da luta pela <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização real — econômica,<br />

política e <strong>cultura</strong>l — da socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

No entanto, a socieda<strong>de</strong> civil no Brasil, em especial as entida<strong>de</strong>s<br />

<strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticas ligadas às lutas das classes trabalhadoras, ainda não<br />

se colocaram esta questão <strong>de</strong> forma plena e aprofundada. Com ex-<br />

ceção <strong>de</strong> reivindicações como as tradicionais "liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expres-<br />

são", "liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa" etc; da luta das entida<strong>de</strong>s pela criação,<br />

manutenção e expressão <strong>de</strong> uma imprensa escrita satisfatória e efi-<br />

ciente etc; poucas são as organizações <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticas e populares da<br />

socieda<strong>de</strong> civil que têm, <strong>de</strong> modo mais contun<strong>de</strong>nte, se preocupado<br />

e lutado efetivamente por questões relativas à <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da comu-<br />

nicação social no Brasil contemporâneo. São exceções que confirmam a<br />

regra: setores próximos ou vinculados à Igreja, à Fe<strong>de</strong>ração das Associa-<br />

ções <strong>de</strong> moradores do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro-FAMERJ, alguns sindi-<br />

catos, em especial da região do ABC. Parece que o anti<strong><strong>de</strong>mo</strong>crá-<br />

tico, altamente controlado e repressor sistema <strong>de</strong> concessões <strong>de</strong> rá-<br />

dios e televisões pelo po<strong>de</strong>r executivo fe<strong>de</strong>ral tem impedido/inibido<br />

reivindicações e experiências <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong>stas (e <strong>de</strong> outras) tec-<br />

nologias <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social pelos setores progressistas da socie-<br />

da<strong>de</strong> civil. Só agora, por exemplo, e ainda muito embrionariamen-<br />

te começam a pipocar as rádios livres no Brasil e mesmo assim re-<br />

cebidas com restrições por alguns agrupamentos e personalida<strong>de</strong>s<br />

progressistas. 6<br />

Não ocorreu no Brasil nada similar a <strong>de</strong>terminadas experiências,<br />

acontecidas na Europa e na América Latina, em termos <strong>de</strong> lutas rei-<br />

vindicativas e/ou <strong>de</strong> utilização significativa <strong>de</strong> meios tecnológicos <strong>de</strong><br />

produção e distribuição <strong>cultura</strong>is por movimentos sociais, inclusive<br />

protagonizados pelas classes trabalhadoras. A título <strong>de</strong> exemplo se<br />

po<strong>de</strong> lembrar e escrever algo sobre dois <strong>de</strong>stes movimentos, ocor-<br />

ridos em épocas diferentes e locais diversos.<br />

82


"DETRÁS DE SEU APARELHO DE RADIO ESTA O INIMIGO DE<br />

CLASSE" (MOVIMENTO DAS RÁDIOS OPERÁRIAS)<br />

Durante a implantação do rádio, nos anos 20, na Alemanha da<br />

República <strong>de</strong> Weimar, os trabalhadores criaram diversos "rádio-clu-<br />

bes" operários, inicialmente com o objetivo <strong>de</strong> construir ou ensinar<br />

a produzir aparelhos <strong>de</strong> recepção radiofônica. Naquele momento<br />

tal produção era ilegal e mesmo reprimida, dado que as emissoras<br />

<strong>de</strong> radiodifusão se mantinham e buscavam seus lucros pela venda-<br />

gem <strong>de</strong> aparelhos. Logo o movimento se amplia e incorpora novas<br />

<strong>de</strong>mandas: através <strong>de</strong> recepções coletivas, os rádio-ouvintes passam<br />

a criticar a programação e procurar influir sobre ela com base em<br />

propostas como conselhos eleitos e <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos <strong>de</strong> controle da pro-<br />

gramação. De "rádio-clubes" isolados o movimento das rádios ver-<br />

melhas, como se torna conhecido, organiza-se nacionalmente em en-<br />

tida<strong>de</strong> nacional: no começo, uma Fe<strong>de</strong>ração unitária e, <strong>de</strong>pois, duas<br />

Fe<strong>de</strong>rações, uma que reunia os "rádio-clubes" social-<strong><strong>de</strong>mo</strong>cratas e<br />

outra que englobava os comunistas. Já na fase final da República <strong>de</strong><br />

Weimar o movimento passou a lutar por emissoras operárias pró-<br />

prias, mas com a ascensão <strong>de</strong> Hitler ao po<strong>de</strong>r a repressão foi a res-<br />

posta das classes dominantes. 7<br />

"A VOZ DOS SEM VOZ"<br />

(MOVIMENTO DAS RÁDIOS MINEIRAS)<br />

O outro exemplo é latino-americano: são as rádios mineiras bo-<br />

livianas. As primeiras <strong>de</strong>las aparecem em 1952 e até 1959 são alheias<br />

às questões políticas. Daí em diante vão se colando, cada vez mais,<br />

à vida e ás lutas dos mineiros. Fechadas/abertas, <strong>de</strong>struídas/re-<br />

construídas, proibidas/permitidas, elas resistem e hoje estão no ar.<br />

Mantidas pelos próprios trabalhadores, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontos em seus<br />

salários, estas rádios estão vinculadas aos sindicatos ou à Igreja e<br />

funcionam como verda<strong>de</strong>iros centros <strong>cultura</strong>is e políticos da classe<br />

trabalhadora boliviana. 8<br />

A partir <strong>de</strong>stes exemplos e experiências internacionais po<strong>de</strong>-se<br />

perceber que os movimentos sociais não estiveram ou não estão to-<br />

talmente alheios à questão dos meios eletrônicos, nem ao direito <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong>. Eles também confirmam que a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da<br />

<strong>comunicação</strong> social, que o controle <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático da <strong>comunicação</strong> pela<br />

socieda<strong>de</strong> civil é uma luta, uma conquista e não uma doação das<br />

classes dominantes. Como aliás também a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia foi e é sem-<br />

pre produto <strong>de</strong> intensas lutas da classe trabalhadora. Outro ensi-<br />

namento importante <strong>de</strong>stas experiências é o relativo à organização,<br />

uso e <strong>de</strong>senvolvimento das tecnologias. Derrotada na Alemanha, os<br />

trabalhadores viram a radiodifusão ser organizada e <strong>de</strong>senvolvida tec-<br />

nologicamente <strong>de</strong> forma a reproduzir o autoritarismo da burguesia,<br />

inclusive através <strong>de</strong> uma rigida diferenciação tecnológica entre emis-<br />

sor e receptor, entre produtor ativo e ouvinte passivo, entre o que<br />

tem voz e fala e o que não tem voz. A utopia brechtiana do emis-<br />

sor/receptor e do ouvinte/produtor foi social e tecnologicamente<br />

<strong>de</strong>scartada e o autoritarismo social e tecnológico instalou-se na or-<br />

ganização da radiodifusão. 9 Vê-se, portanto, que as tecnologias não<br />

são neutras, elas contêm potenciais <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratizantes e/ou autoritá-<br />

rios que são utilizados e se <strong>de</strong>senvolvem sempre na <strong>de</strong>pendência da


forma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento social da produção <strong>cultura</strong>l e da estrutura<br />

geral da socieda<strong>de</strong> que envolvem estas tecnologias. E como novas<br />

tecnologias da <strong>comunicação</strong> estão hoje novamente presentes é sem-<br />

pre bom lembrar a história não como mo<strong>de</strong>lo, antes como lição.<br />

Para concluir, duas observações finais. A importância da <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />

cratização da <strong>comunicação</strong> para a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia no Grasil e a não ar-<br />

ticulação e envolvimento dos movimentos sociais e da socieda<strong>de</strong> ci-<br />

vil nesta luta impõem que os comunicadores não só lutem pela <strong>de</strong>-<br />

mocratização da <strong>comunicação</strong>, como também trabalhem ativamente<br />

para interessar toda a socieda<strong>de</strong>, e em especial os setores progres-<br />

sistas, pela discussão e pela luta com vistas à <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da<br />

<strong>comunicação</strong> como direito básico e essencial à verda<strong>de</strong>ira <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />

cracia.<br />

Em segundo lugar, com relação à Constituinte, importa, a partir<br />

<strong>de</strong>sta luta, inscrever na Constituição princípios gerais que abram<br />

possibilida<strong>de</strong>s à instalação <strong>de</strong> uma efetiva <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da comu-<br />

nicação social e <strong>de</strong> uma <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia plena — econômica, política e<br />

<strong>cultura</strong>l — no Brasil.<br />

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

1. Num texto anterior procuramos <strong>de</strong>senvolver esta questão. Ver RU-<br />

BIM, A. A. C. "Democracia e Socieda<strong>de</strong> Civil", Jornal da Bahia, 28.06.1985,<br />

P. 2. 2. Em boa medida esta varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações se <strong>de</strong>ve, <strong>de</strong> um<br />

lado, ao caráter fragmentado da obra <strong>de</strong> Gramsci e, <strong>de</strong> outro lado, às ri-<br />

quezas <strong>de</strong> suas sugestões.<br />

3. Sobre a concepção diferenciada da socieda<strong>de</strong> civil em Hegel, Marx<br />

e Gramsci, consultar BOBBIO, Norberto, O Conceito <strong>de</strong> Socieda<strong>de</strong> Civil.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, Graal, 1982, 77 p.<br />

4. ADORNO, Theodor, "A Indústria Cultural" in: COHN, Gabriel<br />

(org.), Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Nacional/Edusp, 1971,<br />

pp. 287-295.<br />

5. RUBIM, A. A. C, "Marx e a Comunicação: a Subsunção <strong>de</strong> Bens<br />

Simbólicos ao Capital", Comunicação & Política, Rio <strong>de</strong> Janeiro, (2): 43-50,<br />

1983. 6. Sobre rádios livres no Brasil, ver MACHADO, Arlindo e outros. Rá-<br />

dios Livres: A Reforma Agrária no Ar. São Paulo, Brasiliense, 1986. 180 pp.<br />

Com relação às restrições, ver as <strong>de</strong>clarações do <strong>de</strong>putado Alberto Gold-<br />

man (PCB-SP) contra as rádios livres na Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 23.05.1986,<br />

7. DAHL, Peter, "Detrás <strong>de</strong> tu aparato <strong>de</strong> rádio está ei enemigo <strong>de</strong><br />

clase (movimiento <strong>de</strong> rádios obreras en La República <strong>de</strong> Weimar)". In<br />

BASSETS, Lluis (org.). De Ias ondas rojas a Ias rádios libres. Barcelona,<br />

Gustavo Gili, 1981, pp. 19-47.<br />

8. DAGRON, Alfonso Gumucio, "El papel político <strong>de</strong> Ias rádios mine<br />

ras", Comunicación y Cultura (xerox). ROMERO, Jorge Mancilia, "Entre-<br />

vista: Las Rádios Mineras <strong>de</strong> Bolivia", Cua<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Periodismo, Manágua,<br />

(2): 67-85, 1984.<br />

9. BBECHT, Bertolt, "Teoria <strong>de</strong> Ia radio (1927-1932)". In: BASSETS,<br />

Lluis (org.), ob. cit., pp. 48-61.<br />

84


A Cultura Bóia-Fria no Paraná<br />

João Carlos Canuto *<br />

Este artigo se constitui <strong>de</strong> notas preliminares sobre Comunica-<br />

ção e Desenvolvimento no âmbito restrito <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

trabalhadores Bóias-Frias (Vila São Pedro — Ban<strong>de</strong>irantes-PR), indi-<br />

cando alguns reflexos da Comunicação na consciência <strong>de</strong>stes volan-<br />

tes, consi<strong>de</strong>rando o confronto da sua situação material real e su-<br />

gerindo algumas idéias para o trabalho dos 'agentes <strong>de</strong> mudança<br />

social'. Trata-se <strong>de</strong> reflexões feitas sobre observações (i) sistemáti-<br />

cas, referentes à pesquisa "Perfil Sócio-econômico do trabalhador<br />

volante no município <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>irante-PR" e à pesquisa sobre "Con-<br />

dições <strong>de</strong> alimentação, saú<strong>de</strong> e alfabetização das famílias Bóias-<br />

-Prias/Ban<strong>de</strong>irantes-PR", e (ii) assistemáticas, fruto do convívio in-<br />

formal com os moradores da Vila São Pedro e Vila Maria, no mes-<br />

mo município.<br />

DESENVOLVIMENTO, DESENVOLVIMENTOS<br />

De um modo grosseiro, <strong>de</strong>senvolvimento po<strong>de</strong> ser entendido co-<br />

mo (i) crescimento econômico, acumulação capitalista e (ii) cresci-<br />

mento distribuído eqüitativamente na socieda<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong>senvolvimen-<br />

to social propriamente dito. É claro que a própria construção <strong>de</strong>s-<br />

ses conceitos reflete a posição social <strong>de</strong> quem o constrói.<br />

Desenvolvimento via <strong>de</strong> regra é um conceito elaborado '<strong>de</strong> fo-<br />

ra' do próprio grupo 'objeto' do <strong>de</strong>senvolvimento. A classe traba-<br />

lhadora ou ignora ou reproduz parcialmente a idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvol-<br />

vimento da classe dominante.<br />

Se existem pelo menos dois conceitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, tra-<br />

ta-se então <strong>de</strong> saber a que <strong>de</strong>senvolvimento se está optando: <strong>de</strong>sen-<br />

volvimento do capital ou <strong>de</strong>senvolvimento dos indivíduos, possibili-<br />

tando que se tomem os agentes e não 'objetos' do planejamento dos<br />

outros.<br />

Extrapolando um pouco, trata-se aqui do tema 'Comunicação e<br />

Desenvolvimento' e não <strong>de</strong> 'Comunicação ou Desenvolvimento'.<br />

* Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Extensão Rural da Univer-<br />

sida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Maria-RS.


TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA AGRICULTURA<br />

O Bóia-Fria é o trabalhador volante resi<strong>de</strong>nte na cida<strong>de</strong> e com<br />

ativida<strong>de</strong>s agrícolas. É produto das transformações nas relações <strong>de</strong><br />

trabalho na agri<strong>cultura</strong> brasileira sob o signo do avanço do mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong>nominado 'complexo agroindustrial'.<br />

O complexo agroindustrial combina as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção<br />

agrícola com o processamento industrial, sendo que o pólo dinâmi-<br />

co que move o processo é a indústria. Assim sendo, a indústria su-<br />

jeita a agri<strong>cultura</strong> e produz nesta transformações das mais diversas:<br />

a intensificação do uso <strong>de</strong> máquinas e produtos químicos (a isto se<br />

<strong>de</strong>nominou 'mo<strong>de</strong>rnização agrícola' — e nesse contexto cabe ver o<br />

papel dos serviços <strong>de</strong> Extensão Rural); mas ao mesmo tempo man-<br />

têm-se e até se aprofundam os <strong>de</strong>sequilíbrios em termos da proprie-<br />

da<strong>de</strong> da terra e dos <strong>de</strong>mais meios produtivos (a isto se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>no-<br />

minar 'mo<strong>de</strong>rnização conservadora', a qual aten<strong>de</strong> a alguns mas ex-<br />

clui gran<strong>de</strong>s parcelas <strong>de</strong> trabalhadores, por conservar a estrutura <strong>de</strong><br />

classes no agro).<br />

A 'mo<strong>de</strong>rnização conservadora' instaura assim novas relações <strong>de</strong><br />

trabalho, apropriadas ao mo<strong>de</strong>lo do complexo agroindustrial emer-<br />

gente: <strong>de</strong>saparece, por exemplo, a figura do colono, e surge a do<br />

Bóia-Fria.<br />

/. Bóia-Fria: estrutura material<br />

Esse Bóia-Fria se caracteriza, principalmente, por uma renda<br />

baixa, irregularmente distribuída ao longo do ano. Nos 'picos' <strong>de</strong><br />

trabalho po<strong>de</strong> dar a impressão <strong>de</strong> auferir uma boa renda, acima do<br />

salário mínimo, porém esta é diluída nos meses sem ou com ren-<br />

das baixas, e é diluída também pelo gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> filhos na<br />

família.<br />

Muitas vezes os Bóias-Frías constituem família sem o casamento<br />

e sem a estrutura familiar 'oficial', agrupando-se algumas vezes em<br />

verda<strong>de</strong>iros 'guetos'.<br />

São providos <strong>de</strong> poucos documentos e em muitas ocasiões têm<br />

dificulda<strong>de</strong>s ao enfrentar os órgãos <strong>de</strong> assistência ou o comércio. São<br />

contratados pelo 'gato' (arrebatador e fiscalizador do trabalhador<br />

volante) sem carteira <strong>de</strong> trabalho assinada.<br />

As habitações são precárias, têm baixo nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e<br />

preparo para outros trabalhos, alimentam-se muito mal e têm pro-<br />

blemas graves <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, i<br />

De um modo geral, as condições materiais <strong>de</strong> vida dos Bóiás-<br />

Frias são bastante precárias, muito longe <strong>de</strong> um efetivo <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento social.<br />

Rigorosamente, o Bóia-Fria não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um consu-<br />

midor. Há uma ilusão, ao se tomar itens (das compras) consi<strong>de</strong>ra-<br />

dos 'nobres', próprios das classes mais altas, como padrão <strong>de</strong> ava-<br />

liação; acontece, porém, que o Bóia-Fria, além <strong>de</strong> subconsumidor, é,<br />

condicionado pelos meios (a televisão, o futebol, o dinheiro, a pa-<br />

troa, o carro, o supermercado etc.) um subconsumidor que 'prefere'<br />

incluir os referidos itens.<br />

Se este subconsumo está condicionado por uma 'subrrenda", ca-<br />

be mencionar que o salário do trabalhador obe<strong>de</strong>ce a <strong>de</strong>terminações<br />

históricas. Em tese, o salário <strong>de</strong>ve permitir a reprodução do tra-<br />

balhador e sua família. Mas o padrão, do lado do capital, <strong>de</strong>ve ser<br />

86


o mínimo possível. E nesse 'possível' entra a <strong>de</strong>terminação histó-<br />

rica: vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da correlação das forças sociais em jogo. É claro<br />

que o 'capital em geral' (relação social) ten<strong>de</strong>rá a disciplinar as re-<br />

lações capital/trabalho, <strong>de</strong> modo que não ocorram riscos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

o salário ser menor (naquele lugar e tempo) do que os necessários<br />

à reprodução. Se bem que os 'capitais particulares' às vezes pro-<br />

movem uma espoliação que põe em risco a reprodução, o capital<br />

como relação social e a 'paz social'.<br />

Em Ban<strong>de</strong>irantes há um equilíbrio precário entre capital e tra-<br />

balho, só não rompido pela baixa organização dos trabalhadores.<br />

Mas já se insinua alguma preocupação do Estado em termos<br />

<strong>de</strong> prover o Bóia-Fria <strong>de</strong> condições um pouco menos <strong>de</strong>sastrosas<br />

para a or<strong>de</strong>m. Deve-se ainda lembrar que um governo com alguma<br />

tendência socializante no comando do Estado, tem-se, aqui e acolá,<br />

<strong>de</strong>sejos pontuais <strong>de</strong> mudança. Ou, quem sabe, a ação do Estado se<br />

dirige a colocar panos quentes sobre um movimento social ainda<br />

não maduro. Aliás, <strong>de</strong> fato há indícios claros <strong>de</strong> mobilizações, até<br />

agora basicamente reivindicando salários. A ação contraditória dos<br />

massa meãia-SP po<strong>de</strong> entrar aí como coadjuvante, cobrindo fatos co-<br />

mo os <strong>de</strong> Leme e outros tantos.<br />

De qualquer modo, a instalação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> habitações po-<br />

pulares em regime <strong>de</strong> mutirão na Vila São Pedro, principal pólo em<br />

concentração <strong>de</strong> Bóias-Frias, po<strong>de</strong> explicar parcialmente a tendên-<br />

cia hoje da ação estatal. 2<br />

//. Comunicação<br />

A '<strong>cultura</strong> bóia-fria' se funda numa miscigenação, em porções va-<br />

riáveis, da <strong>cultura</strong> camponesa com a urbana. Ao tempo em que car-<br />

regam valores ditos 'tradicionais', estão expostos a valores da 'mo-<br />

<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>' (a escola, os mass media, o supermercado, a produtivi-<br />

da<strong>de</strong> do trabalho, a monetarização, a economia <strong>de</strong> mercado).<br />

Algumas referências sobre esse quadro <strong>cultura</strong>l na realida<strong>de</strong> do<br />

Bóia-Fria são colocadas aqui apenas em termos <strong>de</strong> (i) exposição aos<br />

diferentes meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> e (ii) formas <strong>de</strong> lazer dos traba-<br />

lhadores:<br />

(i) Em uma amostra restrita <strong>de</strong> 30 famílias <strong>de</strong> Bóias-Frias se<br />

po<strong>de</strong> constatar que os meios eletrônicos hegemônicos ocupam gran-<br />

<strong>de</strong> espaço: 80 0 /o das famílias ouvem rádio (a local e FMs regionais),<br />

63% vêem televisão e é insignificante a leitura <strong>de</strong> jornais (3%) e<br />

inexistente a <strong>de</strong> revistas <strong>de</strong> informação (supõe-se que seja significan-<br />

te a <strong>de</strong> revistas <strong>de</strong> novelas e modas); há ainda 10% das famílias que<br />

não tem acesso a nenhum <strong>de</strong>sses meios (a penetração plena está<br />

limitada pela renda).<br />

(ii) Além do televisor e do rádio, há formas <strong>de</strong> lazer menos he-<br />

gemônicas, mais populares e mais comunitárias: festas, quermes-<br />

ses, visitas a parentes, futebol amador, entre outras citadas. Essas<br />

formas <strong>de</strong> lazer têm gran<strong>de</strong> significação (também para o capital),<br />

consi<strong>de</strong>rando-se aue o trabalho fatigante ocupa quase todo o seu<br />

tempo. É interessante observar a importância das igrejas no con-<br />

texto <strong>cultura</strong>l do lazer: a maior parte das festas e quermesses tem<br />

vinculação com elas; além disso, verifica-se que os Bóias-Frias mui-<br />

tas vezes consi<strong>de</strong>ram lazer a própria participação nas celebrações<br />

religiosas (em certos casos esta é a principal ou única forma <strong>de</strong><br />

lazer).<br />

87


Mesmo consi<strong>de</strong>rando a limitação <strong>de</strong>sta abordagem, po<strong>de</strong>-se afir-<br />

mar que o Bóia-Fria está submetido a formas contraditórias <strong>de</strong> ex-<br />

posição aos diversos meios — hegemônicos e não-hegemônicos. Isso<br />

conjuntamente, resulta em uma consciência altamente ambígua è<br />

contraditória. 3<br />

///. Consciência<br />

Consi<strong>de</strong>rando, numa perspectiva algo próxima à <strong>de</strong> McLuhan os<br />

meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> como sendo todas as entida<strong>de</strong>s que atingem<br />

os sentidos (tudo carrega mensagem), o Bóia-Fria está exposto a<br />

quase todos os meios a que está exposta a classe alta (a escola a<br />

televisão, a rua, a indústria, o rádio FM, o trânsito, a propaganda<br />

o Estado com suas leis). Somados a esses, têm contato com os<br />

meios 'próprios da sua classe': a favela, o trabalho e seus instru-<br />

mentos, os jogos, o caminhão <strong>de</strong> turma, o 'gato', as festas <strong>de</strong> igreja<br />

(há uma distinção perceptível entre 'igrejas dos pobres' e as igre-<br />

jas 'dos outros' (<strong>de</strong>mais, ou mais ricos).<br />

O Bóia-Fria normalmente percebe e tem consciência da sua pre-<br />

cária condição <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> (parcialmente) eliminado como consu-<br />

midor. Esta consciência é, no entanto, altamente ambígua e contra-<br />

ditória, constituída <strong>de</strong> compreensão parcial, incompreensão perple-<br />

xida<strong>de</strong>, alienação, afirmação e negação do mundo real da sua exis-<br />

tência:<br />

(i) percebe como parcialmente possível 'melhorar <strong>de</strong> vida' e re-<br />

força isso valorizando os 'meios' da classe dominante o trabalho a<br />

instrução e a família;<br />

(ii) mas esses mesmos meios po<strong>de</strong>m também ser percebidos<br />

apenas como 'reais para os outros' (os consumidores <strong>de</strong> fato) mas<br />

não realizáveis para si próprio;<br />

(iii) outro fenômeno é simplesmente a não-percepção: o bom-<br />

bar<strong>de</strong>io <strong>de</strong> informações <strong>de</strong> tais meios, confrontado com a precarís-<br />

sima realida<strong>de</strong> do cotidiano, se toma irrealida<strong>de</strong>, no máximo um<br />

continuo sonambulismo. A televisão, por exemplo, não provoca<br />

nesse caso, nem alienação pura (quanto menos revelação) — causa'<br />

no máximo, incompreensão, perplexida<strong>de</strong> e algum riso — mas alie-<br />

nação do nâo-saber-quase-que-total.<br />

Esses fenômenos ocorrem juntos ou não.<br />

As referidas formas <strong>de</strong> percepção ocorrem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mes-<br />

mo complexo. Ora afirmam, ora negam o sistema vigente Via <strong>de</strong><br />

regra, afirmam no plano do real, por não vislumbrarem formas <strong>de</strong><br />

combate-lo, e negam no plano do imaginário, já que percebem as<br />

injustiças a que estão sujeitos. E esta negação do sonho é o cami-<br />

nho para a negação do real.<br />

IV. Saídas (?)<br />

A partir dai, é necessário que os agentes do <strong>de</strong>senvolvimento se<br />

posicionem <strong>de</strong> um modo menos purista — tomem como ponto <strong>de</strong><br />

partida a <strong>cultura</strong> popular interpenetrada da <strong>cultura</strong> hegemônica Mui-<br />

tas vezes os agentes percebem os problemas dos trabalhadores e tra-<br />

çam linhas <strong>de</strong> ação que não funcionam na prática, visto que estes<br />

não percebem os problemas da mesma maneira. As ações 'que <strong>de</strong>-<br />

veriam ser implementadas' segundo os agentes não são as mesmas<br />

que os Bóias-Frias levantam (estas estariam contaminadas da i<strong>de</strong>o-<br />

88


logia burguesa). Uma estratégia <strong>de</strong> participação social e <strong>de</strong> eleva-<br />

ção <strong>de</strong> consciência ficaria impraticável, segundo certos agentes.<br />

Mas uma estratégia <strong>de</strong> participação política po<strong>de</strong> muito bem<br />

iniciar pela mobilização das pessoas a partir <strong>de</strong> assistência nos mol-<br />

<strong>de</strong>s dominantes (corte e costura, prevenção <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes, assistên-<br />

cia técnica agrícola, higiene etc.) para, num movimento pedagógico,<br />

aproximar-se da tomada <strong>de</strong> consciência das suas <strong>de</strong>mandas mais<br />

fundamentais.<br />

Esse processo envolve um certo personalismo e simpatia, normal-<br />

mente tidos como prática populista, mas sem as quais a mobiliza-<br />

ção é mínima e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avanços, menor ainda.<br />

0 projeto <strong>de</strong> habitação popular (Mutirão), embora com objeti-<br />

vos políticos (ano eleitoral, amenizar a 'feiúra' da favela etc.) e eco-<br />

nômicos (prover a reprodução da família trabalhadora) se insere<br />

numa perspectiva <strong>de</strong> mobilização não sem contradições e produtos<br />

não <strong>de</strong>sejados pelo Estado. Uma observação feita é a <strong>de</strong> que os<br />

Bdias-Frias, no mutirão, apren<strong>de</strong>m a força <strong>de</strong> trabalho comunitário<br />

e po<strong>de</strong>m começar a perceber sua potencialida<strong>de</strong> em conseguir coi-<br />

sas para si, potencialida<strong>de</strong> que muito bem po<strong>de</strong> extrapolar o mu-<br />

tirão da habitação para outras áreas <strong>de</strong> reivindicações: salários,<br />

acesso à terra, acesso ao consumo... <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

NOTAS<br />

1. Na pesquisa "Condições <strong>de</strong> alimentação, saú<strong>de</strong> e alfabetização nas<br />

famílias Bóias-Prias/Ban<strong>de</strong>irantes-PR", somente em 30 famílias constataram-<br />

•se 13 doenças diferentes, a saber: problemas <strong>de</strong> pressão, reumatismo, pa-<br />

ralisia, doenças do coração, <strong>de</strong>ficiência física, bronquite, 'amarelão', enxa-<br />

queca, doenças da coluna, doenças dos canais urinários, sinusite, doença <strong>de</strong><br />

Chagas e diabete.<br />

2. O ano eleitoral parece ter sido o fato <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador do projeto,<br />

com o que ganha o po<strong>de</strong>r local instituído.<br />

3. Ver, nessa linha, CHAUÍ, Marilena <strong>de</strong> S., .Resistência e Conformis-<br />

mo, Brasiliense, 1985.<br />

89


Políticas Editoriais:<br />

processo <strong>de</strong> produção e difusão<br />

do conhecimento novo*<br />

Ciro Mascarenhas Rodrigues **<br />

As consi<strong>de</strong>rações aqui apresentadas, apesar <strong>de</strong> embasadas num<br />

referencial teórico <strong>de</strong> caráter mais abrangente, cristalizam-se, em<br />

nível empírico, na experiência restrita à geração e difusão do co-<br />

nhecimento agronômico.<br />

Para dar maior consistência ao texto, preten<strong>de</strong>-se, em primeiro<br />

lugar, colocar os elementos básicos do conceito <strong>de</strong> política editorial,<br />

analisar o processo <strong>de</strong> produção e difusão do conhecimento enquan-<br />

to prática social e estabelecer o relacionamento entre essas catego-<br />

rias. Espera-se, <strong>de</strong>ste modo, evi<strong>de</strong>nciar que a pretensa objetivida<strong>de</strong><br />

do i<strong>de</strong>al científico escamoteia, na maioria das vezes, o controle e a<br />

instrumentalização real, encontrando, na editoração, um campo fér-<br />

til para o seu fortalecimento, como admite Machado (1983).<br />

A política editorial é entendida como um conjunto <strong>de</strong> princípios<br />

e normas estabelecidas para orientar os procedimentos das institui-<br />

ções que trabalham com a editoração. Tal <strong>de</strong>finição guarda certa<br />

coerência com a formulação do conceito <strong>de</strong> política <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />

preconizado pela UNESCO (1974), justificando a vinculação <strong>de</strong>ssa<br />

política aos pressupostos dos planos nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Vieira (1984) <strong>de</strong>fine política editorial sob um enfoque menos<br />

abrangente, <strong>de</strong>ntro da especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma editora, ou seja, são<br />

os indicadores que estabelecem os marcos, objetivos, conteúdo e for-<br />

ma dos instrumentos <strong>de</strong> editoração, vale dizer, a indicação do que,<br />

como e para quem editar. Para o Prof. Antônio Houaiss, citado por<br />

Martins (1985), não existe uma <strong>de</strong>finição precisa <strong>de</strong> política edito-<br />

• Notas apresentadas no I Encontro Ibero-Americano <strong>de</strong> Editores <strong>de</strong><br />

Revistas <strong>de</strong> Comunicação, realizado em São Paulo nos dias 1.° e 2 <strong>de</strong> se-<br />

tembro <strong>de</strong> 1986, durante o Congresso INTEBCOM/86.<br />

** Editor <strong>de</strong> Resenhas do Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Difusão <strong>de</strong> Tecnologia — EM-<br />

BRAPA, Caixa Postal 04-0315-BrasIlia, DP.<br />

90


ial, porquanto se trata <strong>de</strong> uma política social <strong>de</strong> configurações di-<br />

versas, mas admite conceituá-la como "um conjunto <strong>de</strong> normas e<br />

condições ou processos seguidos para tomar público, editar obras<br />

<strong>de</strong> interesse social".<br />

Como se vê, o conceito <strong>de</strong> política editorial envolve basicamente<br />

a noção <strong>de</strong> princípios, normas, controle e marcos que se aplicam ao<br />

contexto específico <strong>de</strong> uma empresa pública ou privada, como tam-<br />

bém ao plano global da política governamental que traça diretrizes<br />

maiores. Contudo, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> refletir os valores da socieda<strong>de</strong> co-<br />

mo um todo, cujos ditames são a i<strong>de</strong>ologia das frações dominantes<br />

que <strong>de</strong>têm os meios <strong>de</strong> produção. As políticas <strong>de</strong> editoração não<br />

po<strong>de</strong>m ser aplicadas, portanto, fora dos marcos i<strong>de</strong>ológicos da so-<br />

cieda<strong>de</strong> que as produz, <strong>de</strong>finindo o que é bom e <strong>de</strong>sejável, impon-<br />

do mecanismos <strong>de</strong> controle que, via <strong>de</strong> regra, limitam a liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> expressão e informação. Em outras palavras, <strong>de</strong>fine e reforça<br />

o sistema <strong>de</strong> dominação dos segmentos hegemônicos da socieda<strong>de</strong>.<br />

E o que dizer da produção do conhecimento? Szmrecsanyi (1985)<br />

distingue o conhecimento científico das <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> conheci-<br />

mento não apenas pelo seu maior rigor e precisão, mas pelo fato<br />

<strong>de</strong> ser produzido através <strong>de</strong> pesquisa, uma ativida<strong>de</strong> especializada<br />

<strong>de</strong> cientistas que nunca é exclusivamente individual, implicando nu-<br />

ma divisão do trabalho técnico e social. Embora se reconheça uma<br />

tipologia diversificada <strong>de</strong> gêneros <strong>de</strong> conhecimento que varia <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o senso comum ao conhecimento científico, como admite Gurvitch,<br />

citado por Santos (1983), sabe-se que existem inter-relações entre os<br />

diversos gêneros, a ponto <strong>de</strong> estruturar um sistema que evoluí his-<br />

toricamente. Essa evolução <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> alterações que se proces-<br />

sam em partes dos seus componentes, porém condicionadas a <strong>de</strong>ter-<br />

minações da base sócio-material da socieda<strong>de</strong>. Estabelece-se. assim,<br />

o pressuposto <strong>de</strong> que todas as formas <strong>de</strong> conhecimento são influen-<br />

ciadas por formas sociais. Os postulados teóricos <strong>de</strong>sta assertiva<br />

estão fundamentados na sociologia do conhecimento que se origina<br />

na segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste século com Mannheim (1950), mas que tem<br />

fortes raízes no pensamento marxiano.<br />

A sociologia do conhecimento tem por objeto o estudo das idéias<br />

no seu relacionamento com a <strong>cultura</strong> e a socieda<strong>de</strong>. Segundo San-<br />

tos (1979:13), "ela estuda as relações existentes entre as produções<br />

mentais e os quadros existenciais dos quais emergem".<br />

Os fatores <strong>de</strong>terminantes da produção do conhecimento não são,<br />

portanto, apenas imanentes, condicionados pelo objeto do conhe-<br />

cimento e antece<strong>de</strong>ntes lógicos e metodológicos. Incluem-se, tam-<br />

bém, os <strong>de</strong> natureza sócio-<strong>cultura</strong>is, que em última instância <strong>de</strong>ter-<br />

minam os seus objetivos e, em verda<strong>de</strong>, os produz.<br />

Não se preten<strong>de</strong> aqui aprofundar a discussão das diversas abor-<br />

dagens que procuram explicar o conteúdo social da produção do co-<br />

nhecimento No Brasil, além <strong>de</strong> Santos (1978), Sousa (1980) e Sousa<br />

e Singer (1984) o fizeram com muita precisão, partindo da proble-<br />

mática geral da ciência e suas interconexões com a realida<strong>de</strong> social,<br />

passando pela questão da autonomia/não-autonomia da ciência na<br />

socieda<strong>de</strong>, terminando por analisar as suas implicações no campo<br />

da investigação agropecuária.<br />

No limite dos objetivos <strong>de</strong>ste texto, importa consi<strong>de</strong>rar que o<br />

processo <strong>de</strong> geração do conhecimento enquanto prática científica ocor-<br />

re <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> relações sociais, contagiado, portanto, por esse uni-<br />

91


verso <strong>de</strong> relações, estando muito longe <strong>de</strong> afigurar-se como uma ra-<br />

cionalida<strong>de</strong> objetiva concebida sob a égi<strong>de</strong> da neutralida<strong>de</strong> axiolo-<br />

gica. Daí a posição <strong>de</strong> Japiassu (1975), que <strong>de</strong>squalifica a ativida<strong>de</strong><br />

cientifica enquanto templo sagrado, porém a consi<strong>de</strong>ra uma prática<br />

humana e social como outra qualquer, impregnada <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias,<br />

juizos <strong>de</strong> valor, <strong>de</strong> argumentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e, muitas vezes, <strong>de</strong> dog-<br />

matísmos ingênuos. Nesta perspectiva, a objetivida<strong>de</strong> seria mesmo<br />

um projeto irrealizável, já que o sujeito é quem constrói o objeto<br />

<strong>de</strong> sua ciência, pressionado por instrumentos institucionais e i<strong>de</strong>o-<br />

lógicos criados e acionados para reproduzir o esquema dominação<br />

dos segmentos hegemônicos que se apropriam dos meios <strong>de</strong> produ-<br />

ção, na forma como está organizado o sistema produtivo na so-<br />

cieda<strong>de</strong>.<br />

Szmresanyi (1985:166) chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que "a<br />

pesquisa cientifica, entendida como um processo produtivo, está in-<br />

tegrada ao resto da economia e da socieda<strong>de</strong>, tanto pelos recursos<br />

como pelas solicitações que <strong>de</strong>las recebe". A produção científica <strong>de</strong>-<br />

pen<strong>de</strong>, portanto, <strong>de</strong> um exce<strong>de</strong>nte econômico da socieda<strong>de</strong> que pos-<br />

sa ser investido em recursos materiais e humanos com vistas à sua<br />

implementação. Quanto maiores esses recursos, maiores serão os<br />

avanços da investigação científica. Daí afirmar-se que a produção<br />

do conhecimento, via investigação científica em <strong>de</strong>terminada socie-<br />

da<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas que con-<br />

dicionam o seu caráter, intensida<strong>de</strong> e potencialida<strong>de</strong>s (Szmrecsanyi<br />

1985). Como corolário, <strong>de</strong>duz-se que o produto do conhecimento cien-<br />

tifico quando aplicado ao sistema produtivo vai reverter-se em ga-<br />

nhos cada vez maiores para as classes dominantes (<strong>de</strong>tentoras dos<br />

meios <strong>de</strong> produção) e não igualitariamente para todos os componen-<br />

tes da socieda<strong>de</strong> como muitos cientistas imaginam ao projetar as<br />

suas pesquisas.<br />

A produção do conhecimento cientifico e tecnológico é uma prá-<br />

tica social isenta <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong>, trazendo em si todas as contra-<br />

dições da socieda<strong>de</strong> que a engendra. A evidência empírica <strong>de</strong>ssa<br />

assertiva será agora rapidamente avaliada a partir do confronto do<br />

processo evolutivo da pesquisa agropecuária no Brasil e das trans-<br />

formações sócio-econômicas que contextualizaram e <strong>de</strong>terminaram<br />

a dinâmica <strong>de</strong>ssa trajetória.<br />

No período colonial e no império, prevaleceu no Brasil a forma<br />

<strong>de</strong> produção escravista sustentando uma economia mercantil, basea-<br />

da na agroindústria canavieira e na lavoura do café, totalmente vol-<br />

tadas para o mercado externo. A base técnica <strong>de</strong>ssa agri<strong>cultura</strong> era<br />

extremamente precária e jamais po<strong>de</strong>ria impor <strong>de</strong>safios à ciência,<br />

eis que o trabalho escravo historicamente paralisa completamente<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento da técnica e das forças produtivas (Thalheimer,<br />

1979).<br />

Somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esboçadas as perspectivas <strong>de</strong> substituição do<br />

trabalho esciavo por formas superiores <strong>de</strong> exploração, começaram a<br />

surgir por parte dos fazen<strong>de</strong>iros, classe dominante <strong>de</strong> então, as <strong>de</strong>-<br />

mandas por conhecimentos <strong>de</strong> ciências agrárias. Isto acontece <strong>de</strong>-<br />

pois da proibição do tráfico dos escravos em 1850, quando os senho-<br />

res da terra começam a pressionar o Imperador no sentido <strong>de</strong> criar<br />

instituições <strong>de</strong> ensino e pesquisas agrícolas, a exemplo das existen-<br />

tes na Europa. Desta forma surgiram os Imperiais Institutos <strong>de</strong><br />

Agri<strong>cultura</strong> a partir <strong>de</strong> 1895. Os estudos realizados viriam aten<strong>de</strong>r<br />

às necessida<strong>de</strong>s dos donos da terra <strong>de</strong> melhorar a sua rentabilida<strong>de</strong><br />

92


através <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> cultivo que compensassem a substituição da<br />

mão-<strong>de</strong>-obra escrava (Rodrigues, 1983).<br />

No que tange à editoração, entre os objetivos dos Imperiais Ins-<br />

titutos <strong>de</strong> Agri<strong>cultura</strong> constava "criar e manter um periódico no qual,<br />

além dos trabalhos próprios dos Institutos, se publiquem artigos,<br />

memórias, traduções e notícias <strong>de</strong> reconhecida utilida<strong>de</strong> para a nos-<br />

sa agri<strong>cultura</strong>, e que exponha em linguagem acomodada à inteligên-<br />

cia da generalida<strong>de</strong> dos agricultores os melhoramentos què mete'<br />

cem ser adaptados nos processos agrícolas e os princípios <strong>de</strong> eco-<br />

nomia rural indispensáveis para o judicioso emprego dos capitais,<br />

boa administração das fazendas e aproveitamento <strong>de</strong> seus produtos"<br />

(Silva, 1878: 18).<br />

No período compreendido entre a proclamação da República e<br />

a Revolução <strong>de</strong> 1930, não houve alterações significativas na base eco-<br />

nômica e na correlação <strong>de</strong> forças sociais, prevalecendo a oligarquia<br />

rural. Foi inexpressivo o <strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas, e<br />

a pesquisa agropecuária, acompanhando essa tendência, progrediu<br />

muito pouco. Contudo, registra-se a reinstalação do Ministério da<br />

Agri<strong>cultura</strong> e a organização <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> informação e divulga-<br />

ção com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprimir, distribuir e divulgar as publica-<br />

ções do Ministério.<br />

A aliança da burguesia industrial e mercantil, reforçada por seg-<br />

mentos da classe média e parte do bloco agrário (cafeeiro), viabi-<br />

lizou a Revolução <strong>de</strong> 1930. Várias reformas sucessivas resultaram do<br />

movimento revolucionário que significou para a pesquisa agronômi-<br />

ca uma reestruturação das unida<strong>de</strong>s técnico-administrativas anterior-<br />

mente dispersas, sob a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> uma Diretoria Geral <strong>de</strong> Pes-<br />

quisas Científicas. A implantação do Estado Novo em 1937 veio<br />

reforçar a intervenção estatal em todas as esferas da organização<br />

política, social e econômica. Logo foi criado o <strong>Centro</strong> Nacional <strong>de</strong><br />

Ensino e <strong>Pesquisa</strong>s Agronômicas, que em 1943 foi reformulado, dan-<br />

do lugar ao Serviço Nacional <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong>s Agronômicas — SNPA,<br />

com o <strong>de</strong>smembramento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino. O SNPA coor-<br />

<strong>de</strong>nava e dirigia as ativida<strong>de</strong>s da pesquisa fe<strong>de</strong>ral em todo o pais,<br />

sendo composto <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s centrais e <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong> ex-<br />

perimentação formada <strong>de</strong> institutos regionais.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista da divulgação dos resultados <strong>de</strong> pesquisa, con-<br />

vém salientar que o Ministério da Agri<strong>cultura</strong> havia criado em 1933<br />

um órgão que mais tar<strong>de</strong> seria conhecido como Serviço <strong>de</strong> Informa-<br />

ção Agrícola — SI A, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> editar livros, folhetos e<br />

periódicos, além <strong>de</strong> armazenar informações e divulgá-las através <strong>de</strong><br />

jornais, rádio e cinema (Martins, 1985).<br />

Da criação do SNPA até a sua extinção em 1962, por força <strong>de</strong><br />

uma nova reforma administrativa no Ministério da Agri<strong>cultura</strong>, não<br />

houve transformações maiores no sistema nacional <strong>de</strong> pesquisas agro-<br />

nômicas, a não ser a criação <strong>de</strong> novos institutos que se incorpora-<br />

ram à re<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral. Quanto à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> editoração no final <strong>de</strong>s-<br />

te período, embora não se possa afirmar a existência <strong>de</strong> uma polí-<br />

tica editorial, observa-se uma preocupação em <strong>de</strong>finir os veículos <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong> mais a<strong>de</strong>quados aos públicos alvos: extensionistas agrí-<br />

colas e pesquisadores científicos.<br />

A extinção do SNPA <strong>de</strong>u lugar ao Departamento <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong>s<br />

e Experimentação Agropecuária — DPEA, que manteve a mesma es-<br />

trutura do sistema anterior, apresentando como única novida<strong>de</strong> a in-<br />

93


corporação dos órgãos <strong>de</strong> pesquisas zootécnicas e veterinárias até en-<br />

tão fora da órbita do sistema. Este período <strong>de</strong> vigência do DPEA,<br />

que sofreu mudanças na sigla para terminar como DNPEA, em 1974]<br />

representou a consolidação do sistema fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> pesquisas. Além dos<br />

resultados expressivos que contribuíram para o aumento da produti-<br />

vida<strong>de</strong> agropecuária, registra-se um fato da maior importância para<br />

a difusão das tecnologias geradas. Pela primeira vez, era formaliza-<br />

da a articulação da pesquisa com a extensão rural, visando, entre ou-<br />

tras ativida<strong>de</strong>s, à instalação, em cada instituto regional <strong>de</strong> pesquisa,<br />

<strong>de</strong> um <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Informação que possibilitasse a divulgação ampla<br />

dos resultados <strong>de</strong> pesquisa. Esses centros eram coor<strong>de</strong>nados por es-<br />

pecialistas em <strong>comunicação</strong> agrícola, oriundos do sistema <strong>de</strong> exten-<br />

são rural.<br />

Em 1973, o I Encontro Nacional <strong>de</strong> Técnicos em Divulgação do<br />

DNPEA estabeleceu as diretrizes para uma política <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>s-<br />

se órgão, com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> instrumentos públicos preferenciais, nor-<br />

mas <strong>de</strong> apresentação, padronização editorial e tramitação <strong>de</strong> origi-<br />

nais antes da impressão. Na oportunida<strong>de</strong>, reforçava-se a <strong>de</strong>cisão<br />

tirada no Encontro <strong>de</strong> Itaguai, em 1970, segundo a qual estabelecia<br />

-se a divisão <strong>de</strong> trabalho no campo da editoração agrícola. Os ex-<br />

tensionistas e os pesquisadores seriam o público preferencial das edi-<br />

ções dos institutos <strong>de</strong> pesquisa, enquanto os agricultores seriam o<br />

público preferencial das edições do Sistema <strong>de</strong> Extensão Rural. As<br />

diretrizes do I Encontro não chegaram a ser postas em prática, em<br />

virtu<strong>de</strong> da extinção do DNPEA, em 1974, que <strong>de</strong>u lugar à Empresa<br />

Brasileira <strong>de</strong> <strong>Pesquisa</strong> Agropecuária — EMBRAPA (Rodrigues, 1975).<br />

A criação da EMBRAPA resultou <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que<br />

reorganizou o Estado brasileiro a partir do Decreto-lei 200, edita-<br />

do em 1967, que <strong>de</strong>u respaldo à política <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização da nossa<br />

economia, consolidando a sua internacionalização e <strong>de</strong>pendência ex-<br />

terna. Para a agri<strong>cultura</strong>, isso representou um compromisso <strong>de</strong><br />

melhorar a produtivida<strong>de</strong> da terra e do capital, apoiado na impor-<br />

tação, geração e difusão <strong>de</strong> tecnologia, assegurando mercado para<br />

o complexo industrial produtor <strong>de</strong> máquinas, equipamentos, ferti-<br />

lizantes agrotóxicos e outros insumos mo<strong>de</strong>rnos.<br />

Para dar suporte a essa política, a EMBRAPA implantou um<br />

mo<strong>de</strong>lo institucional e operativo <strong>de</strong> pesquisa, que respon<strong>de</strong>u pron-<br />

tamente às expectativas governamentais gerando, nos seus primei-<br />

ros anos, centenas <strong>de</strong> pacotes tecnológicos indutores do uso maciço<br />

<strong>de</strong> insumos mo<strong>de</strong>rnos. A par disso, a empresa <strong>de</strong>senvolveu um in-<br />

tenso programa <strong>de</strong> pesquisas que muito tem contribuído para o<br />

avanço da ciência e da tecnologia agrícola na última década. Se a<br />

mo<strong>de</strong>rnização do campo não tem transformado as bases do crescimento<br />

agrícola, pelo contrário beneficia apenas uma pequena parcela <strong>de</strong><br />

produtores e mais o capital industrial e financeiro, isso são distor-<br />

ções que não po<strong>de</strong>m ser creditadas à EMBRAPA por si só, mas ao<br />

conjunto da política econômica governamental.<br />

O mo<strong>de</strong>lo institucional da EMBRAPA privilegia a difusão <strong>de</strong><br />

tecnologia a ponto <strong>de</strong> colocar a geração e a difusão como compo-<br />

nentes <strong>de</strong> um mesmo processo. O reflexo <strong>de</strong>ssa postura no que tan<br />

ge à questão da editoração, um dos pilares das ações <strong>de</strong> difusão da<br />

tecnologia, é notável.<br />

Em 1974, a EMBRAPA já produzia um documento orientador das<br />

linhas básicas da política editorial da Empresa, estabelecendo me<br />

canismos para a edição <strong>de</strong> trabalhos realizados no âmbito da Em<br />

94


presa ou através <strong>de</strong> projetos cooperativos. Mais adiante, foram cria-<br />

das as normas e diretrizes referentes às publicações técnico-cienti-<br />

ficas, em complementação ao documento orientador da política edi-<br />

torial (Rodrigues, 1975).<br />

Uma nova versão da política editorial da EMBRAPA, <strong>de</strong>sta fei-<br />

ta mais aperfeiçoada e abrangente, foi estabelecida em 1979. Ela<br />

fixa linhas <strong>de</strong> ação e coor<strong>de</strong>nação para facilitar a geração e disse-<br />

minação das informações produzidas pelo Sistema Cooperativo <strong>de</strong><br />

<strong>Pesquisa</strong> Agropecuária coor<strong>de</strong>nado pela EMBRAPA. Trata-se <strong>de</strong><br />

uma política global que se aplica <strong>de</strong> forma normativa às entida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> execução direta <strong>de</strong> pesquisa da empresa e <strong>de</strong> forma indicativa aos<br />

<strong>de</strong>mais órgãos do sistema cooperativo. Junto à <strong>de</strong>finição da polí-<br />

tica editorial foi produzido um manual <strong>de</strong> publicações que dispõe<br />

sobre a operacionalização da política editorial. Este manual é atua-<br />

lizado periodicamente em Encontros <strong>de</strong> Editores da EMBRAPA (Mar-<br />

tins, 1985).<br />

Para garantir a execução da política editorial, existem os Co-<br />

mitês ao nível <strong>de</strong> administração central (Comitê <strong>de</strong> Política Editorial<br />

e Comitê <strong>de</strong> Publicações) e ao nível <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s Descentralizadas<br />

(Comitê <strong>de</strong> Publicações). Compete ao Comitê <strong>de</strong> Política Editorial<br />

apreciar, acompanhar e avaliar o programa <strong>de</strong> publicações técnico-<br />

-científicas formulado pelo Departamento <strong>de</strong> Difusão <strong>de</strong> Tecnologia.<br />

Aos Comitês <strong>de</strong> Publicações cabe julgar os trabalhos a serem publi-<br />

cados e zelar pelo cumprimento das normas e procedimentos esti-<br />

pulados pela política editorial da EMBRAPA.<br />

Hoje a EMBRAPA edita 14 títulos <strong>de</strong> publicações, sendo 5 uni-<br />

da<strong>de</strong>s <strong>de</strong> documentação e 9 instrumentos <strong>de</strong> divulgação. Entre os<br />

periódicos, <strong>de</strong>stacam-se "<strong>Pesquisa</strong> Agropecuária Brasileira" que obje-<br />

tiva divulgar para a comunida<strong>de</strong> cientifica os resultados conclusivos<br />

<strong>de</strong> pesquisa e "Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Difusão <strong>de</strong> Tecnologia", cuja finalida<strong>de</strong><br />

principal é veicular trabalhos que abor<strong>de</strong>m a problemática da ciên-<br />

cia e tecnologia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma perspectiva crítica, e aspectos da ge-<br />

ração e difusão <strong>de</strong> tecnologias agropecuárias.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Por tudo que foi aqui exposto, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se que os marcos da<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma política editorial têm muito a ver com o proces-<br />

so <strong>de</strong> produção do conhecimento científico e com a dinâmica das ins-<br />

tituições que fazem pesquisa. Tudo isso se contextualiza num cam-<br />

po <strong>de</strong> relações entre ciência e socieda<strong>de</strong> que evolui historicamente,<br />

crescendo na medida em que se verificam avanços mais significati-<br />

vos das forças produtivas e aperfeiçoamento das relações <strong>de</strong> produ-<br />

ção. O exemplo da evolução da pesquisa agropecuária brasileira é<br />

bastante ilustrativo.<br />

Os primeiros sinais <strong>de</strong> crise da economia escravista mercantil,<br />

provocada, entre outros fatores, pela substituição progressiva do tra-<br />

balho escravo por formas superiores <strong>de</strong> exploração, ocasionaram a<br />

<strong>de</strong>manda por conhecimentos <strong>de</strong> ciências agrárias, induzindo á ins-<br />

titucionalização da pesquisa e ensino agronômicos na segunda me-<br />

ta<strong>de</strong> do século XIX. Na oportunida<strong>de</strong>, surgiram, também, as pri-<br />

meiras publicações para divulgação dos resultados <strong>de</strong> pesquisa e ins-<br />

truções práticas para o cultivo <strong>de</strong> plantas e criação <strong>de</strong> animais.<br />

95


A monetarização das relações econômicas não foi suficiente pa-<br />

ra apear do po<strong>de</strong>r a aristocracia agrária que, a <strong>de</strong>speito da Procla-<br />

mação da República, continuava sendo a força hegemônica. A Re-<br />

volução <strong>de</strong> 1930 e seu <strong>de</strong>sdobramento no golpe do Estado Novo con-<br />

solidaram a aliança entre burguesia industrial e mercantil, provo-<br />

cando uma expansão das forças produtivas, e refletiu <strong>de</strong> imediato<br />

na racionalização e intensificação das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisas agro-<br />

nômicas. Simultaneamente, estruturavam-se o Serviço <strong>de</strong> Informação<br />

Agrícola do Ministério da Agri<strong>cultura</strong> e os setores <strong>de</strong> divulgação dos<br />

institutos <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Na década <strong>de</strong> 1960, com o esgotamento do mo<strong>de</strong>lo econômico <strong>de</strong><br />

substituição <strong>de</strong> importações, o país esteve na iminência <strong>de</strong> envere-<br />

dar pelo caminho das reformas <strong>de</strong> base. O golpe militar <strong>de</strong> 1964 le-<br />

vou a socieda<strong>de</strong> brasileira para outra direção, a da mo<strong>de</strong>rnização<br />

conservadora. Para a agri<strong>cultura</strong>, isso significou a intocabilida<strong>de</strong><br />

da estrutura fundiária; aumento da base técnica, via crédito subsi-<br />

diado, objetivando a maximização do uso <strong>de</strong> produtos industriais<br />

(máquinas, equipamentos, fertilizantes e agrotóxicos); fornecimen-<br />

to <strong>de</strong> alimentos a baixo custo; e produção <strong>de</strong> matérias-primas para<br />

a indústria <strong>de</strong> transformação. A pesquisa agropecuária teve papel<br />

fundamental no apoio a este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização. Antes, po-<br />

rém, sofreu uma reformulação estrutural tanto do ponto <strong>de</strong> vista insti-<br />

tucional quanto filosófico e operativo. No bojo <strong>de</strong>ssa reforma, mon-<br />

tou-se uma sofisticada estrutura <strong>de</strong> documentação, informação e difusão<br />

<strong>de</strong> tecnologia, on<strong>de</strong> a questão editorial foi tratada com ênfase nun-<br />

ca experimentada pelo sistema <strong>de</strong> pesquisa agropecuária.<br />

Finalizando, cabe salientar que o propósito maior <strong>de</strong>ste trabalho<br />

foi mostrar que existe algo muito mais complexo que a simples for-<br />

malização <strong>de</strong> normas técnicas na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma política editorial.<br />

As mesmas <strong>de</strong>terminações sócio-materiais, que regem a produção do<br />

conhecimento científico, certamente exercem influência semelhante<br />

na formulação <strong>de</strong>ssas políticas que, via <strong>de</strong> regra, aten<strong>de</strong>m aos inte-<br />

resses <strong>de</strong> segmentos dominantes, ficando excluídas dos seus bene-<br />

fícios as maiores parcelas da socieda<strong>de</strong>.<br />

REFERENCIAS<br />

GURVITCH, G., Traité <strong>de</strong> sociologie. Paris, PUF, 1958 (Vol. II).<br />

JAPIAS, H., O mito da neutralida<strong>de</strong> científica. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imago, 1975,<br />

187 p.<br />

MACHADO, C. M. C, Palavra-<strong>de</strong>calque; a morte da significação e a edito-<br />

ração científica. São Paulo, IEA, 1983, 18 p.<br />

MANNHEIM, K., I<strong>de</strong>ologia e utopia; Introdução à sociologia do conhecimen-<br />

to. Porto Alegre, Globo, 1950.<br />

MARTINS, M. S., Análise da Politica Editorial da EMBRAPA. São Paulo,<br />

Instituto Metodista <strong>de</strong> Ensino Superior, 1985. Tese <strong>de</strong> mestrado.<br />

RODRIGUES, C. M., Gênese e evolução da pesquisa agropecuária no Brasil;<br />

da instalação da Corte Portuguesa ao inicio da República, s.n.t. Tra-<br />

balho apresentado na XXXVIII Reunião Anual da Socieda<strong>de</strong> Brasileira<br />

para o Progresso da Ciência, Curitiba, PR, jul. 1986.<br />

RODRIGUES, C. M., Programa nacional <strong>de</strong> publicações técnico-cientificas<br />

da EMBRAPA. Brasília, EMBRAPA, 1975, 20 p.<br />

SANTOS, I. R. dos., Os fundamentos sociais da ciência. São Paulo, Polis,<br />

1978, 93 p.<br />

96


SANTOS, I. R. dos., & Lewinsohn, T., Ciência e tecnologia; teoria e histó<br />

ria. Campinas, UNICAMP, 1983, 36 p. (Ca<strong>de</strong>rnos IFCH, UNICAMP, 3).<br />

SILVA, M. A. <strong>de</strong>., Agri<strong>cultura</strong> nacional. Revista Agrícola do Imperial Instituto<br />

Fluminense <strong>de</strong> Agri<strong>cultura</strong>. 9 (1): 2-15, 1878.<br />

SOUSA, I. S. P. <strong>de</strong>., Accumulation of capital and agri<strong>cultura</strong>l research tech-<br />

nology: a brazilian case study. The Ohio State University, 1980. Tese<br />

<strong>de</strong> doutorado. Disponível através da University Microfilms, Ann Anbor,<br />

Michigan.<br />

SOUSA, I. S. F. <strong>de</strong>., & Singer, E., Tecnologia e pesquisa agropecuárias; con-<br />

si<strong>de</strong>rações preliminares sobre a geração <strong>de</strong> tecnologia. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong><br />

Difusão <strong>de</strong> Tecnologia. Brasília, 1 (1): 1-25, 1984.<br />

SZMECSANYI, T., Elementos para uma história social da produção cien-<br />

tífica no Brasil. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Difusão <strong>de</strong> Tecnologia. Brasília, 2(1)-<br />

165-170, 1985.<br />

THALHEIMER, A., Introdução ao materialismo dialético. Trad. Moniz Ban-<br />

<strong>de</strong>ira. São Paulo, Ciências Humanas, 1979, 152 p.<br />

UNESCO, Paris, França. Informe <strong>de</strong> Ia Reunión <strong>de</strong> Expertos sobre Ia Pia-<br />

nificación y Ias Politicas <strong>de</strong> Ia Comunicación en America Latina. Pa-<br />

ris, 1974, 36 p. Anexos.<br />

VIEIRA, R. A., Política editorial. In: SEMINÁRIO DE PUBLICAÇÕES DA<br />

ÁREA DE EDUCAÇÃO, Brasília, 1983. Anais.... Brasília, INEP, 1984<br />

p. 23-27.<br />

97


COMENTÁRIOS<br />

A Comunicação e o Menor:<br />

uma possível <strong>comunicação</strong><br />

para a justiça<br />

Ismar <strong>de</strong> Oliveira Soares<br />

A simpatia que o tema da Campanha da Fraternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 87 pro-<br />

movida pela CNBB, vem <strong>de</strong>spertando, ao convidar as pessoas <strong>de</strong> boa<br />

vonta<strong>de</strong> a meditarem em profundida<strong>de</strong> sobre os problemas da crian-<br />

ça, principalmente do menor <strong>de</strong>sassistido, leva-nos a pensar que uma<br />

reflexão sobre a condição dos pequenos brasileiros como receptores<br />

ou produtores da Comunicação Social po<strong>de</strong>ria ser bem recebida.<br />

Inspiramo-nos no fato <strong>de</strong> que cresce, no Brasil, a preocupação<br />

com a produção <strong>cultura</strong>l para a infância e a juventu<strong>de</strong>. A última<br />

Bienal do Livro, realizada em São Paulo, em agosto <strong>de</strong> 1986, <strong><strong>de</strong>mo</strong>ns-<br />

trou o acerto dos editores e autores ao ampliarem e diversificarem<br />

suas linhas editoriais tendo o público infantil como consumidor<br />

As emissoras <strong>de</strong> televisão estão atentas à potencialida<strong>de</strong> do mer-<br />

cado infanto-juvenil. Os horários <strong>de</strong>dicados às crianças foram con-<br />

si<strong>de</strong>ravelmente ampliados, nos últimos anos, tendo algumas emis-<br />

soras contratado psicólogos e pedagogos para assessorarem a pro-<br />

dução <strong>de</strong> seus horários matutinos ou vespertinos, que têm na crian-<br />

ça seu principal público telespectador.<br />

Não é nossa intenção discutir o controvertido tema das influên-<br />

cias positivas e/ou negativas da indústria <strong>cultura</strong>l sobre as crian-<br />

ças. E justificamos o porquê <strong>de</strong>ssa exclusão:<br />

Em primeiro lugar, os pesquisadores da Comunicação Social ali-<br />

mentam dúvidas quanto à serieda<strong>de</strong> da visão apocalíptica dos que<br />

enten<strong>de</strong>m a indústria <strong>cultura</strong>l como força dotada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r absolu-<br />

to sobre as mentes infantis. Ao lado, pois, dos que ainda susten-<br />

* Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e Coor<strong>de</strong>nador<br />

do Projeto Leitura Critica da Comunicação, da UCBC.


tam que os produtos <strong>cultura</strong>is veiculados pela televisão, rádio, re-<br />

vistas infantis e outros veículos <strong>de</strong> massa transportam uma carta<br />

<strong>de</strong>terministicamente nociva à formação dos pequenos cidadãos, com<br />

conteúdos <strong>cultura</strong>is e morais inaceitáveis ou no mínimo discutíveis,<br />

há os que tentam provar que os produtores <strong>cultura</strong>is também evo-<br />

luíram (como a própria socieda<strong>de</strong> evoluiu) <strong>de</strong>ixando transparecer,<br />

em suas produções, as contradições da própria socieda<strong>de</strong>, permitin-<br />

do, <strong>de</strong>sta forma, à inteligência — se orientada para tanto — formar<br />

seu próprio senso critico.<br />

Em segundo lugar, as pesquisas que levantam as relações <strong>de</strong> do^<br />

minação entre os veículos e o público infanto-juvenil — pela difi-<br />

culda<strong>de</strong> em se isolar o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> outras variáveis ou <strong>de</strong>-<br />

terminantes — são ainda insuficientes para dar segurança aos edu-<br />

cadores que se disponham a trabalhar com o tema a nível <strong>de</strong> ação<br />

pedagógica.<br />

Preferimos, portanto, direcionar nossa contribuição para dois<br />

outros campos <strong>de</strong> ação-reflexão sobre o problema, que, mantendo a<br />

proximida<strong>de</strong> da abordagem — "Comunicação/Criança" — explici-<br />

tem outras referências pedagógicas e metodológicas. Os dois campos<br />

são: "a criança como formadora <strong>de</strong> seu próprio senso crítico" e "a<br />

criança como produtora <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>".<br />

A CRIANÇA COMO FORMADORA DE SEU PRÓPRIO<br />

SENSO CRITICO<br />

A formação do senso crítico tem sido objeto das preocupações<br />

dos responsáveis pelos <strong>de</strong>stinos da educação católica, a começar pe-<br />

los romanos pontífices. Pio XI foi explícito em suas advertências<br />

em documentos que trataram do cinema e da educação cristã. Se-<br />

guidamente, Pio XII, João XXIII e Paulo VI voltaram ao tema. Foi,<br />

contudo, a instrução pastoral "Communio et Progressio" a que mais<br />

avançou, ao propor que os próprios jovens se educassem, e, mutua-<br />

mente, na recepção crítica das mensagens a eles dirigidas.<br />

Durante os últimos anos, dois tipos <strong>de</strong> experiências têm sido <strong>de</strong>-<br />

senvolvidas, buscando a elaboração <strong>de</strong> metodologias apropriadas pa-<br />

ra a abordagem da ação pedagógica da autoformação dos jovens<br />

na área da recepção <strong>de</strong> mensagens. Reportamo-nos à metodologia<br />

do Projeto <strong>de</strong> Leitura Crítica da Comunicação, <strong>de</strong>senvolvida em vá-<br />

rias partes do pais pela UCBC — União Cristã Brasileira <strong>de</strong> Comu-<br />

nicação Social e pelo mais recente projeto do SEPAC-EP — Ser-<br />

viço à Pastoral da Comunicação das Edições Paulinas, com sua pro-<br />

posta <strong>de</strong> integração Comunicação/Educação.<br />

A fundamentação teórica do Projeto LCC po<strong>de</strong> ser resumida <strong>de</strong>s-<br />

ta forma: Qualquer tipo <strong>de</strong> educação para a recepção que partis-<br />

se da difusão sistematizada por parte dos educadores <strong>de</strong> sua pró-<br />

pria interpretação dos significados e dos valores <strong>cultura</strong>is e morais<br />

transmitidos pela indústria <strong>cultura</strong>l, por melhor que fosse, estaria<br />

reproduzindo o vício maior <strong>de</strong>sta mesma produção: a imposição ver-<br />

tical <strong>de</strong> visões <strong>cultura</strong>is. O resultado <strong>de</strong>sta intervenção seria, no<br />

mínimo, a reafirmação, nas mentes dos educandos, da naturalida<strong>de</strong><br />

do modo <strong>de</strong> produção <strong>cultura</strong>l que norteia todo o processo <strong>de</strong> pro-<br />

dução dos bens simbólicos, o que se po<strong>de</strong> traduzir num conceito:<br />

alguns <strong>de</strong>têm o saber e o po<strong>de</strong>r e a eles compete ditar a verda<strong>de</strong>.<br />

Aos <strong>de</strong>mais, cabe apenas a<strong>de</strong>quar-se à última verda<strong>de</strong>, aquela que<br />

100


lhe foi mostrada com maior bom senso, a do educador. Ocorre,<br />

porém, que a força persuasiva dos gran<strong>de</strong>s veículos, pela natureza<br />

mesma <strong>de</strong> seus recursos, é mais persistente e envolvente. Nesta<br />

concorrência <strong>de</strong>sleal, o educador sairá per<strong>de</strong>ndo, fato que o <strong>de</strong>sa-<br />

nima e faz ruir por terra os esforços <strong>de</strong> enfrentamento. O profes-<br />

sor, ao <strong>de</strong>sanimar <strong>de</strong> sua ação pedagógica, não sabe, contudo, que<br />

acabou por alimentar ainda mais a mente <strong>de</strong> seus alunos, reafirman-<br />

do, justamente o essencial da mensagem dos meios: a <strong>cultura</strong> já<br />

vem produzida, cabendo ao povo apenas consumir.<br />

A formação para o senso crítico, segundo o Projeto LCC, <strong>de</strong>ve<br />

ter como base a proposta <strong>de</strong> Paulo Freire quando aponta para a<br />

essência do ato educativo: a criação <strong>de</strong> condições para que os edu-<br />

candos produzam <strong>cultura</strong> confrontando dialeticamente suas repre-<br />

sentações sociais com as representações sociais que lhes são impos-<br />

tas. Trata-se <strong>de</strong> um exercício permanente <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta, em que a<br />

<strong>de</strong>codifícação das mensagens passa permanentemente pela análise<br />

política do lugar social em que as mensagens massivas são produzi-<br />

das. Reconhece-se, <strong>de</strong>sta forma, o direito que a criança tem <strong>de</strong> ter<br />

sua fantasia alimentada — o direito ao lúdico e ao prazer estético.<br />

Reconhece-se, por outro lado, o direito da criança a julgar as for-<br />

mas <strong>de</strong> produção, pela socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, dos bens simbólicos que<br />

lhe chegam através dos veículos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />

O educador tem sua tarefa neste processo. Deve permitir aos<br />

educandos o acesso aos produtos <strong>cultura</strong>is (a televisão, o jornal, o<br />

rádio e as revistas <strong>de</strong>vem invadir as escolas, uma vez que fazem par-<br />

te do cotidiano das pessoas), criando condições para que os pró-<br />

prios educandos criem mecanismos <strong>de</strong> análises. O método da con-<br />

frontação <strong>de</strong> valores leva, a<strong>de</strong>mais, a vantagem <strong>de</strong> permitir aos edu-<br />

candos que <strong>de</strong>scubram seu próprio universo mental e realizem opções<br />

<strong>cultura</strong>is e políticas coerentes com os objetivos <strong>de</strong> vida que vão<br />

sendo formadas no <strong>de</strong>correr do processo educativo.<br />

O Projeto Comunicação/Educação do SEPAC-EP tenta levar es-<br />

tes princípios e métodos para a escola <strong>de</strong> primeiro e segundo graus,<br />

um dos espaços em que movimenta parte da infância brasileira.<br />

A proposta fundamental é a <strong>de</strong> motivar professores e alunos a pla-<br />

nejarem conjuntamente ativida<strong>de</strong>s pedagógicas, a partir da inter-<br />

disciplinarieda<strong>de</strong> do trabalho didático, que tenham, como pano <strong>de</strong><br />

fundo, a filosofia educacional libertadora. Através do aproveitamen-<br />

to do'que já se domina — o currículo — e da fixação conjunta <strong>de</strong><br />

objetivos educacionais críticos, torna-se possível inserir, nos plane-<br />

jamentos anuais dos colégios, ativida<strong>de</strong>s pedagógicas que — ao se-<br />

rem assessoradas por professores já <strong>de</strong>spertos para o problema e<br />

com um mínimo <strong>de</strong> leitura sobre teorias e processos <strong>de</strong> comunica-<br />

ção — levem o corpo discente a uma ação-reflexão. Neste sentido,<br />

não há fórmulas prontas, e cada caso é um caso. Em algumas ex-<br />

periências levadas a efeito na Região Ipiranga da Associação <strong>de</strong> Edu-<br />

cação Católica <strong>de</strong> São Paulo, chegou-se à conclusão, por exemplo,<br />

<strong>de</strong> que uma das principais mensagens veiculadas pelos meios <strong>de</strong> co-<br />

municação julgada inaceitável pelos estudantes é a insistência dos<br />

conteúdos que reforçam a oportunida<strong>de</strong>, conveniência e naturalida-<br />

<strong>de</strong> do individualismo, da violência e da competição na vida huma-<br />

na Os alunos e os professores <strong>de</strong> sete colégios <strong>de</strong>sta região opta-<br />

ram então pela promoção conjunta <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s em que o obje-<br />

tivo'era a prática <strong>de</strong> ações solidárias. A avaliação posterior a cada<br />

experiência apontou para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se rever os próprios pro-<br />

cessos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> adotados <strong>de</strong>ntro das escolas entre os pólos <strong>de</strong><br />

101


interação: diretores-professores-alunos. A análise da <strong>comunicação</strong>,<br />

como se vê, passa pela análise da vida.<br />

O que se preten<strong>de</strong> afirmar, no projeto Comunicação/Educação<br />

do SEPAC-EP, é a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se promover a educação do sen-<br />

so crítico a partir do conjunto da prática pedagógica e não da sim-<br />

ples introdução <strong>de</strong> disciplina <strong>de</strong>stinada á análise crítica dos meios.<br />

O importante é ressaltar que qualquer projeto <strong>de</strong> educação do<br />

senso critico <strong>de</strong>ve ser feito com a participação dos educandos, levan-<br />

do em consi<strong>de</strong>ração seus valores, sem imposições, ainda que o edu-<br />

cador tenha certeza sobre suas próprias avaliações. É o reconhe-<br />

cimento do direito da criança em participar <strong>de</strong> sua educação ten-<br />

do, entre os conteúdos programáticos, os produtos simbólicos <strong>de</strong>s-<br />

tinados a seu lazer e à sua informação, elaborados pela indústria<br />

<strong>cultura</strong>l.<br />

A CRIANÇA COMO PRODUTORA DE CULTURA<br />

A análise dos processos <strong>de</strong> educação crítica tem outro fundamen-<br />

to: o reconhecimento do direito do público infanto-juvenil <strong>de</strong> pro-<br />

duzir <strong>cultura</strong>. Tal reconhecimento leva em consi<strong>de</strong>ração a discussão<br />

do próprio conceito <strong>de</strong> "criança" ou <strong>de</strong> "menor".<br />

Existe, como é sabido, uma concepção biológica da criança,<br />

apontando para as fases etárias <strong>de</strong> sua formação. Neste sentido, a<br />

Psicologia vem observando o comportamento do ser humano, estu-<br />

dando os distintos estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> percepção, atuação e i<strong>de</strong>ntificação. A criança que cresce é um<br />

adulto em potencial, que <strong>de</strong>ve ser formado por quem já <strong>de</strong>tém o<br />

saber, os códigos <strong>de</strong> conduta, os valores, a experiência, enfim. Não<br />

se reconhece à criança méritos intelectuais ou emocionais para ela-<br />

borar seu próprio projeto da vida, nem são criadas condições para<br />

tanto. A socieda<strong>de</strong>, ao preocupar-se com a formação dos futuros<br />

adultos, elabora projetos educacionais que privilegiam o público in-<br />

fanto-juvenil pertencente, por nascimento, às classes com algum po-<br />

<strong>de</strong>r aquisitivo, <strong>de</strong>ixando a gran<strong>de</strong> maioria sem assistência. A au-<br />

sência <strong>de</strong> assistência é politicamente intencional por barrar aos po-<br />

bres e miseráveis o acesso à aquisição dos instrumentos necessários<br />

ao <strong>de</strong>sempenho das funções atribuídas à cidadania.<br />

A socieda<strong>de</strong> não reconhece, <strong>de</strong>vido à sua visão reducionista da<br />

evolução da criança, ou tenta camuflar a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> toda<br />

criança em dispor dos recursos da educação. E, o que é pior, a so-<br />

cieda<strong>de</strong> ao universalizar as conclusões da psicologia, tiradas <strong>de</strong> pes-<br />

quisas com grupos <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> classes com algum po<strong>de</strong>r econô-<br />

mico-político-social, atribuindo-as, genericamente, a todos as crianças<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suas condições históricas, nega, <strong>de</strong>finitivamen-<br />

te, a condição que <strong>de</strong>veria ser reconhecida à criança <strong>de</strong> ser co-au-<br />

tora do processo <strong>de</strong> produção da <strong>cultura</strong> na qual vive e viverá.<br />

Se reconhecemos que a produção da <strong>cultura</strong> é direito da crian-<br />

ça, tomamos como certo outro direito, que é <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>ste: ter<br />

o menor acesso a um processo <strong>de</strong> educação que lhe permita <strong>de</strong>codi-<br />

ficar o mundo <strong>cultura</strong>l dos adultos. Neste caso, caberá à própria<br />

criança, ao "menor", <strong>de</strong>scobrir os modos <strong>de</strong> produção <strong>cultura</strong>l do<br />

"maior", que lhe chega através dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social,<br />

do próprio sistema escolar, da religião e da família.<br />

Neste caso, a educação do senso crítico <strong>de</strong>ve ser propiciada a<br />

todas as crianças, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua condição econômica. E a<br />

102


educação para a <strong>comunicação</strong>, antes <strong>de</strong> ser diletantismo <strong>de</strong> alguns,<br />

passa a ser consi<strong>de</strong>rada ponto essencial em qualquer programa edu-<br />

cativo, principalmente nos programas <strong>de</strong>stinados às classes popu-<br />

lares.<br />

COMUNICAÇÃO, CRIANÇA: A COMUNICAÇÃO PARA A JUSTIÇA<br />

"Quem acolhe o menor, a mim acolhe". O lema da Campanha da<br />

Fraternida<strong>de</strong> aponta para a criança <strong>de</strong>sacolhida, abandonada. O tex-<br />

to base da campanha é um rico estudo sociológico da condição <strong>de</strong>s-<br />

te "menor fora do mercado" e instiga a ações para superar o <strong>de</strong>se-<br />

quilíbrio social provocado pela presença dos pequenos seres in<strong>de</strong>-<br />

sejados.<br />

Ainda que reconheçamos a importância e a serieda<strong>de</strong> do texto<br />

da CNBB, enten<strong><strong>de</strong>mo</strong>s que o tema "criança" <strong>de</strong>va ser analisado tam-<br />

bém pelo lado <strong>cultura</strong>l, que é, na verda<strong>de</strong>, o lado que busca tocar num<br />

dos pontos que preocupa os cristãos: a questão dos direitos funda-<br />

mentais da pessoa humana. No caso, o direito à <strong>cultura</strong>, ou me-<br />

lhor, à produção da <strong>cultura</strong>.<br />

Se a realida<strong>de</strong> do menor é a realida<strong>de</strong> do abandono (como já<br />

se tornou chavão: "criança é o menor com recursos; menor é a<br />

criança abandonada"), um dos abandonos mais radicais é a nega-<br />

ção ao direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. E a negação ao direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é,<br />

sobretudo, a negação do direito <strong>de</strong> construir, a partir dos próprios<br />

lugares sociais, as concepções <strong>de</strong> vida, amor, i<strong>de</strong>ntificação, inerentes<br />

às estruturas <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada ser humano localizado num<br />

tempo e espaço <strong>de</strong>terminados, sempre em associação com outros se-<br />

res humanos na edificação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> com justiça.<br />

A <strong>comunicação</strong> para a justiça é a <strong>comunicação</strong> exercida para a<br />

construção <strong>de</strong> um mundo justo. Cabe aos adultos interessar-se pelo<br />

uso dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> para construir a justiça ou, na ex-<br />

pressão <strong>de</strong> João Paulo II. interessar-se "em transmitir a estratégia<br />

da confiança por meio da estratégia da <strong>comunicação</strong>, ao serviço <strong>de</strong><br />

justiça e da paz" (Mensagem para o XXI Dia Mundial das Comu-<br />

nicações). Este princípio já é tido como correto. É necessário ago-<br />

ra perguntarmo-nos pela tarefa da criança no processo <strong>de</strong> produ-<br />

ção <strong>de</strong> uma <strong>comunicação</strong> para a justiça. Refletir sobre isso é papel<br />

dos comunicadores sociais, dos educadores. Permitir que as crianças<br />

reflitam sobre isso é papel <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>, principalmente <strong>de</strong><br />

alguns <strong>de</strong> seus segmentos, como é o caso dos agentes pastorais <strong>de</strong>-<br />

dicados ao trabalho com o menor em todo o Brasil.<br />

103


Por uma Democracia<br />

Lingüística: o português no rádio<br />

e na televisão<br />

Francisco Gomes <strong>de</strong> Matos *<br />

1. UM NOVO RAMO DOS DIREITOS HUMANOS<br />

A tradição dos Direitos Humanos, embora antiga — remonta aos<br />

i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> das civilizações hindu e greco-latina — só em<br />

nosso século recebeu um reconhecimento formal, através da Carta<br />

das Nações Unidas (1945) e, mais particularmente, da Declaração<br />

Universal dos Direitos do Homem (1948). Este último instrumento<br />

possibilitou o surgimento <strong>de</strong> um novo ramo dos Direitos Humanos:<br />

os Direitos Culturais. Apesar <strong>de</strong> sua abrangência, po<strong>de</strong>ríamos ex-<br />

plicitar um <strong>de</strong>sses direitos, inerentes à condição do ser humano: o<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r participar da vida <strong>cultura</strong>l <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>. Em que<br />

pese a importância do Pacto Internacional relativo aos direitos eco-<br />

nômicos, sociais e <strong>cultura</strong>is (1966), ratificado por muitos países, na<br />

prática tem sido difícil criar condições para a observância, a pro-<br />

moção e o respeito a direitos <strong>de</strong>ssa natureza.<br />

O interesse pela problemática dos direitos <strong>cultura</strong>is (<strong>de</strong> grupos<br />

mais amplos <strong>de</strong> minorias) motivou o aparecimento <strong>de</strong> uma novís-<br />

sima geração <strong>de</strong> direitos: os direitos lingüísticos. Após constatar-<br />

mos que, na bibliografia especializada internacional, não se tinha<br />

dado a atenção à i<strong>de</strong>ntificação e formulação <strong>de</strong> direitos lingüísticos<br />

da pessoa humana (mesmo no Direito Internacional Público o ra-<br />

mo dos Direitos relativo ao indivíduo é relativamente recente), pro-<br />

pusemos em artigo publicado na Revista <strong>de</strong> Cultura Vozes (março<br />

<strong>de</strong> 1984) um texto básico que eventualmente pu<strong>de</strong>sse servir à elabo-<br />

ração <strong>de</strong> uma Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos Indi-<br />

viduais. Em seguida, a UNESCO, em seu Boletim ALSED (Antro-<br />

pologia e Ciência da Linguagem para o Desenvolvimento Educacio-<br />

* Professor <strong>de</strong> Lingüística no Departamento <strong>de</strong> Letras fia Universi-<br />

da<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco, e Vice-Presi<strong>de</strong>nte da AIMAV.<br />

104


nal) <strong>de</strong> abril daquele mesmo ano, divulgava em francês e inglês nos-<br />

sa Proposta. Nossa intenção, ao fazermos um apelo em favor <strong>de</strong> uma<br />

Declaração Universal centrada nos direitos lingüísticos (toío sensu<br />

abrangendo os comunicacionais), foi <strong>de</strong> que se elaborasse e ado-<br />

tasse, internacionalmente, um instrumento eficaz na luta contra o<br />

preconceito lingüístico, a discriminação, a rejeição e outras mani-<br />

festações <strong>de</strong> injustiça e <strong>de</strong> opressão lingüísticas que ocorrem em âm-<br />

bito mundial em uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contextos: no lar, na escola, no<br />

trabalho, no local <strong>de</strong> lazer, nos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa.<br />

0 objetivo <strong>de</strong>ssa iniciativa é <strong>de</strong> provocar mudanças <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s e ge-<br />

rar ações, a níveis nacional e internacional (mais difícil, por sua<br />

complexida<strong>de</strong>), que contribuam para assegurar-se, ao indivíduo, co-<br />

mo usuário <strong>de</strong> uma língua, seu direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar plena e livre-<br />

mente sua competência comunicacional e sua potencialida<strong>de</strong> expres-<br />

siva. Um resultado concreto <strong>de</strong>sse movimento em prol dos direitos<br />

lingüísticos individuais é a realização na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Pernambuco (na tradicional Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Recife), nos<br />

dias 7, 8 e 9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1987 do primeiro Seminário Internacio-<br />

nal sobre Direitos Humanos, Direitos Culturais e Direitos Lingüísti-<br />

cos, organizado pela AIMAV — Associação Internacional para a Co-<br />

municação Inter<strong>cultura</strong>l (sediada na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ghent, Bélgica),<br />

com patrocínio da UNESCO (Divisão dos Direitos do Homem e da<br />

Paz) e o apoio da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco. Esse en-<br />

contro, <strong>de</strong> natureza interdisciplinar, objetiva discutir a proposta <strong>de</strong><br />

nossa autoria e aprofundar a compreensão dos direitos lingüísticos,<br />

tanto no plano coletivo (o direito das minorias, por exemplo), quanto<br />

da pessoa humana.<br />

2. OS DIREITOS LINGÜÍSTICOS DOS USUÁRIOS<br />

DE LÍNGUA MATERNA<br />

Toda pessoa nascida em uma oomunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ter assegurado<br />

seu direito <strong>de</strong> adquirir, manter, cultivar sua língua materna. No<br />

caso brasüeiro, on<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> português, dispomos <strong>de</strong> um valioso<br />

patrimônio lingüístico autóctone — representado pelas 152 línguas<br />

faladas por índios em vários estados —, o conceito <strong>de</strong> "língua ma-<br />

terna" carece <strong>de</strong> uma formulação precisa e objetiva, mas esse é um<br />

problema que interessa mais diretamente aos sociolingüistas, por<br />

isso não aprofundaremos a questão, lembrando apenas que o direi-<br />

to à aquisição, à manutenção, à preservação, ao cultivo da língua<br />

materna é o direito lingüístico individual por excelência e, como tal,<br />

prioritariamente merecedor <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no Documen-<br />

to-mor <strong>de</strong> uma nação: a Constituição.<br />

3. OS DIREITOS LINGÜÍSTICOS DOS PROFISSIONAIS<br />

DA COMUNICAÇÃO<br />

Que direitos lingüísticos po<strong>de</strong>riam ser postulados para os pro-<br />

fissionais do Rádio e da Televisão, especificamente os que exerçam<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> locução, apresentação, comentário? Em síntese, <strong>de</strong>-<br />

fen<strong>de</strong>ríamos, para esse grupo, o direito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r usar sua varieda<strong>de</strong><br />

lingüística regional <strong>de</strong> português, em todos os momentos <strong>de</strong> sua atua-<br />

ção profissional. Questionamos a prática — uma tradição que não<br />

105


faz justiça ao conceito <strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia lingüística — <strong>de</strong> impor-se (ou<br />

recomendar-se), como português rádiotelevisivo padrão, uma pro-<br />

núncia compósita, resultante <strong>de</strong> características fonéticas <strong>de</strong> varieda-<br />

<strong>de</strong>s predominantemente sulistas. Na fala <strong>de</strong> apresentadores <strong>de</strong> tele-<br />

jornais nacionais é possível i<strong>de</strong>ntificar-se "sotaques" (para usarmos<br />

o termo conhecido pelo leigo) regionais, mas a realida<strong>de</strong> é que o<br />

português predominante (ou dominante, para um diagnóstico mais<br />

acurado) correspon<strong>de</strong> a uma adaptação ou uma aproximação <strong>de</strong> va-<br />

rieda<strong>de</strong>s ouvidas nos meios rádiotelevisivos do eixo Rio-São Paulo.<br />

Essa ficção, que po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>signar como português rádio-televi-<br />

sivo padrão do Brasil é muito mais uma imposição <strong>cultura</strong>l (e às<br />

vezes até mesmo empresarial: já ouvimos locutores recém-admitidos<br />

confessarem que precisam "a<strong>de</strong>quar" suas pronúncias para mante-<br />

rem seus empregos...) do que reflexo <strong>de</strong> uma política comunica-<br />

cional verda<strong>de</strong>iramente <strong><strong>de</strong>mo</strong>crática, como seria <strong>de</strong>sejável.<br />

Se o direito <strong>de</strong> fazer opções lingüísticas é o segundo mais im-<br />

portante dos direitos lingüísticos individuais (o da aquisição, ma-<br />

nutenção, preservação e cultivo da língua materna é o primeiro),<br />

<strong>de</strong>le <strong>de</strong>correria o direito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r usar a varieda<strong>de</strong> regional que o<br />

usuário, por sua vivência e educação lingüística, domine efetiva-<br />

mente. Por isso, caberia aos responsáveis pela política lingüística<br />

(comunicacional) dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa (no caso, re-<br />

ferentes ao Rádio e a Televisão), estudar, com objetivida<strong>de</strong>, o pro-<br />

blema <strong>de</strong> assegurar-se ao comunicador o exercício <strong>de</strong> seu direito lin-<br />

güístico individual.<br />

Atitu<strong>de</strong>s conservadoras a respeito dos usos <strong>de</strong> uma língua (na-<br />

cional) no Rádio e na TV po<strong>de</strong>m ser mudadas: há o exemplo da tra-<br />

dicionalíssima BBC que, a partir <strong>de</strong> meados <strong>de</strong>sta década, começou<br />

a acolher varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pronúncia que não a tradicionalmente con-<br />

sagrada (Received Pronunciation ou Inglês Falado Padrão), Assim,<br />

é possível ouvir-se pronúncias regionais em transmissões daquela em-<br />

presa britânica, evi<strong>de</strong>nciando-se um passo adiante em prol da <strong>de</strong>-<br />

mocratização lingüística.<br />

Cônscios <strong>de</strong> que a INTERCOM propugna por uma política justa<br />

e realista <strong>de</strong> funcionamento (e o aspecto lingüístico é crucial, pois<br />

marca fortemente nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o individual ao regional)<br />

dos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> rádiotelevisivos, servimo-nos <strong>de</strong>ste breve<br />

comentário para conclamar os interdisciplinaristas do país a rever-<br />

mos o problema por nós levantado. Um dia — não muito distante<br />

— quando nossos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes vivenciarem uma <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia plena<br />

(com as virtu<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>feitos que caracterizam esse sistema), o re-<br />

conhecimento dos direitos lingüísticos individuais e, particularmen-<br />

te, dos profissionais será uma realida<strong>de</strong>. Até lá, irmanemo-nos e num<br />

espirito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> respeito mútuo, aju<strong><strong>de</strong>mo</strong>s construir nos-<br />

sa própria <strong><strong>de</strong>mo</strong>cracia lingüística, valorizando a diversida<strong>de</strong> cultu-<br />

ral e comunicacional (dos falares regionais). Saibamos, como sa-<br />

biamente lembrava Bilac, amar com fé e orgulho a terra em que<br />

nascemos e (acrescentemos) usar, com confiança e liberda<strong>de</strong>, a va-<br />

rieda<strong>de</strong> do português que herdamos.<br />

106


FÓRUM<br />

Atualida<strong>de</strong>s do Ensino <strong>de</strong><br />

Comunicação


Formação Profissional<br />

<strong>de</strong> Comunicadores Sociais<br />

na América Latina: a pesquisa<br />

da FELAFACS*<br />

Angela Maria Godoy e<br />

Claudia Lucía Herrán ••<br />

INTRODUÇÃO<br />

Durante o ano 1984, a Fe<strong>de</strong>ración Latinoamericana <strong>de</strong> Asocia-<br />

ciones <strong>de</strong> Facultadas <strong>de</strong> Comunicación Social — FELAFACS realizou<br />

uma pesquisa sobre a "Formação Profissional <strong>de</strong> Comunicadores So-<br />

ciais na América Latina. Graduações e Pós-Graduações".*** Essa pes-<br />

quisa tinha como principal objetivo apresentar um diagnóstico da si-<br />

tuação nesses dois niveis <strong>de</strong> formação, visando a realização <strong>de</strong> pro-<br />

jetos junto a outros organismos que ajudariam a solucionar as di-<br />

versas problemáticas <strong>de</strong>tectadas ao longo <strong>de</strong>stes últimos anos.<br />

Os resultados da pesquisa foram publicados em um documento<br />

que a FELAFACS enviou às diferentes escolas do continente em 1985.<br />

As conclusões e recomendações daquele informe foram retomadas<br />

na Reunión Internacional <strong>de</strong> Expertos, realizada em Lima durante os<br />

dias 16, 17 e 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1985. A essa reunião assistiram re-<br />

presentantes das escolas <strong>de</strong> graduação e pós-graduação, represen-<br />

tantes <strong>de</strong> organismos internacionais e pesquisadores da comunica-<br />

ção social.<br />

O presente documento recolhe algumas das contribuições mais<br />

importantes discutidas durante o encontro, com ênfase naquelas pro-<br />

* Traduzido por Carlos Cortês e revisão <strong>de</strong> Marcus Aurelius Pimenta.<br />

*• Professoras da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação Social da Universida<strong>de</strong><br />

Javeriana — Bogotá — Colômbia.<br />

*** FELAFACS. La formación profesional <strong>de</strong> Comunicadores Sociales<br />

en América Latina. Pregrados y Posgrados 1984-1985. Bogotá: FELAFACS —<br />

Publicaciones Universidad Javeriana, 1985.<br />

109


lemáticas que têm sido pouco estudadas em pesquisas anteriores.<br />

Recomenda-se às escolas que este informe seja tomado como ele-<br />

mento <strong>de</strong> reflexão para as ativida<strong>de</strong>s que estejam <strong>de</strong>senvolvendo em<br />

relação à reestruturação dos seus processos <strong>de</strong> formação.<br />

Finalmente, a FELAPACS expressa seu agra<strong>de</strong>cimento à Funda-<br />

ção Konrad A<strong>de</strong>nauer e à UNESCO, por todo o apoio que têm for-<br />

necido às escolas, particularmente na realização da pesquisa e na<br />

reunião internacional <strong>de</strong> expertos.<br />

I. ALGUNS PRESSUPOSTOS PARA ABORDAR A PROBLEMÁTICA<br />

DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE COMUNICADORES<br />

SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA<br />

Abordar a problemática das escolas e faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Comunica-<br />

ção na América Latina implica partir, antes <strong>de</strong> mais nada, da sua<br />

inserção em uma socieda<strong>de</strong> ou contexto global que converte sua<br />

<strong>de</strong>finição acadêmica em uma mediação das necessida<strong>de</strong>s sociais.<br />

Nesse sentido, o que se coloca é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisar o tipo<br />

<strong>de</strong> integração que se produz entre a universida<strong>de</strong> e seu contexto; in-<br />

tegração que tem <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> fora aspectos como os conflitos sociais,<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> "matrizes <strong>cultura</strong>is"<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se produzem e consomem os processos comunicativos<br />

e, inclusive, o paulatino abandono que tem-se operado na mentali-<br />

da<strong>de</strong> universitária da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reflexão sobre os formatos<br />

e as linguagens que atuam na indústria <strong>cultura</strong>l,<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento histórico das escolas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> permi-<br />

te-nos verificar como a universida<strong>de</strong> tem se integrado com aquele<br />

contexto, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado muitos aspectos importantes. Um primei-<br />

ro tipo <strong>de</strong> opção acadêmica foi assumido pelas pioneiras escolas<br />

<strong>de</strong> jornalismo que tentaram capacitar pessoal respon<strong>de</strong>ndo uma <strong>de</strong>-<br />

manda concreta do mercado <strong>de</strong> trabalho, a partir <strong>de</strong> um conceito<br />

restrito <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>.<br />

Em um segundo momento, a transformação das escolas <strong>de</strong> jor-<br />

nalismo em faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> permite-nos <strong>de</strong>tectar uma<br />

certa abertura que multiplica ou diversifica o perfil do comunica-<br />

dor ao custo <strong>de</strong> uma insegurança que <strong>de</strong>semboca — em muitos ca-<br />

sos — em uma miope percepção das <strong>de</strong>mandas sociais.<br />

Com a ampliação do perfil profissional produz-se uma prolife-<br />

ração <strong>de</strong> escolas e um terceiro tipo <strong>de</strong> opção acadêmica caracteri-<br />

zada pelo predomínio dos campos alternativos da <strong>comunicação</strong>, <strong>de</strong>i-<br />

xando <strong>de</strong> lado problemas tão importantes como os da indústria cul-<br />

tural e sua relação com os Meios <strong>de</strong> Massa. Atualmente, po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s<br />

observar uma abertura <strong>de</strong>smedida cuja conseqüência tem sido a falta<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>finição acadêmica das escolas.<br />

Essa breve retrospectiva do <strong>de</strong>senvolvimento histórico das esco-<br />

las põe em evidência que a integração entre as universida<strong>de</strong>s e seu<br />

contexto tem se caracterizado, fundamentalmente, por uma fragmen-<br />

tação da totalida<strong>de</strong> dos processos comunicativos presentes na socie-<br />

da<strong>de</strong>: a reflexão da problemática comunicativa <strong>de</strong>ntro das escolas<br />

não po<strong>de</strong> projetar-se sobre apenas um aspecto da realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s-<br />

conhecendo sua relação com a totalida<strong>de</strong> na qual está imersa.<br />

Des<strong>de</strong> essa perspectiva faz-se necessário elaborar uma tipologia<br />

das escolas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> no continente. Um primeiro passo na<br />

realização <strong>de</strong> tal trabalho exigiria uma resposta individualizada, isto<br />

110


é, que cada escola refletisse sua relação com o contexto em aspec-<br />

tos tais como:<br />

— Crise na educação, especialmente do sistema universitário;<br />

— Pressão do mercado <strong>de</strong> trabalho. O que implicaria um estudo da<br />

<strong>de</strong>manda econômica;<br />

— Estudo das políticas <strong>de</strong> seleção e admissão dos estudantes;<br />

— Estudo da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção dos meios;<br />

— Análise do mercado "potencial" para i<strong>de</strong>ntificar novas necessi-<br />

da<strong>de</strong>s;<br />

— Estudo do campo <strong>de</strong> trabalho dos formados.<br />

O conteúdo <strong>de</strong> uma resposta acadêmica às <strong>de</strong>mandas do contex-<br />

to po<strong>de</strong>ria ser pensado, num primeiro momento, partindo-se dos ní-<br />

veis <strong>de</strong> formação. Uma divisão integrada do trabalho <strong>de</strong>senvolvido<br />

pelas graduações e as pós-graduações permitiria confrontar diversos<br />

aspectos da problemática comunicacional global, <strong>de</strong> uma maneira<br />

complementaria e especializada. E surge, então, uma preocupação<br />

fundamental: Como e on<strong>de</strong> colocar o trabalho dos dois níveis <strong>de</strong><br />

formação?<br />

a) O específico na graduação<br />

No caso da Graduação, o trabalho <strong>de</strong>ve ser pensado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

sistema comunicacional, entendido como referente histórico mas re-<br />

cuperando outros usos diferentes aos já estabelecidos.<br />

A formação na Graduação <strong>de</strong>ve fornecer ao estudante noções do<br />

funcionamento dos meios como resultado <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo configu-<br />

rado historicamente. Nesse processo <strong>de</strong> reconhecimento, o aluno <strong>de</strong>-<br />

verá assumir a existência <strong>de</strong> outros processos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> que<br />

gestam-se em outros contextos e níveis e que não se esgotam na sua<br />

relação com o sistema comunicacional hegemônico.<br />

Dessa maneira, o estudante po<strong>de</strong>rá i<strong>de</strong>ntificar as possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> fazer outros usos diferentes aos já estabelecidos, recuperando,<br />

para tal propósito, a criativida<strong>de</strong> e a sensibilida<strong>de</strong> dirigidas a uma<br />

produção alternativa. Promover a criativida<strong>de</strong> coloca o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />

trabalhar a pesquisa como estratégia metodológica do processo en-<br />

sino-aprendizagem. A prática da pesquisa na Graduação não po<strong>de</strong><br />

se reduzir à aplicação <strong>de</strong> "fórmulas" <strong>de</strong> conhecimento; é preciso que<br />

ela seja pensada na produção, enten<strong>de</strong>ndo-se essa produção como<br />

espaço e objeto <strong>de</strong> pesquisa.<br />

A pesquisa-pensada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> essa perspectiva <strong>de</strong>ve assumir a plu-<br />

ralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>:<br />

— Modos por "matrizes <strong>cultura</strong>is" étnicas, <strong>de</strong> classe, regionais e lo-<br />

cais;<br />

— Modos a partir <strong>de</strong> universos massivos, comunitários, municipais<br />

etc. (Essa postura exige <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado a oposição entre o po-<br />

pular e o massivo.);<br />

— Modos a partir das diferentes práticas educativas, organizacionais,<br />

políticas etc.<br />

Nesse sentido, o processo da formação será entendido como uma<br />

progressão que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o aprendizado dos diferentes modos, meios<br />

e processos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> — <strong>de</strong>rivado da integração disciplinas e<br />

laboratórios — até uma fase <strong>de</strong> produção que se vincule à solução<br />

<strong>de</strong> problemas ou <strong>de</strong>mandas sociais específicas.<br />

111


Uma estrutura curricular que responda a essa proposta terá<br />

que assumir a organização <strong>de</strong> um ciclo básico <strong>de</strong> aprendizagem e<br />

uma segunda etapa <strong>de</strong> pesquisa-produção. O profissional, saído da<br />

Graduação, estará capacitado para gerar uma produção criativa em<br />

função das <strong>de</strong>mandas do seu contexto social e a partir <strong>de</strong> uma habi-<br />

litação concreta.<br />

b) O específico na Pós-Graduação<br />

Retomando a idéia da divisão integrada entre as ativida<strong>de</strong>s pró-<br />

prias da Graduação e as da Pós-Graduação, é preciso ressaltar o fato<br />

<strong>de</strong> que as pós-graduações não po<strong>de</strong>m converter-se no espaço para<br />

preencher as <strong>de</strong>ficiências formativas da Graduação.<br />

Porém, essa colocação não <strong>de</strong>scarta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a<br />

problemática e as <strong>de</strong>ficiências da Graduação convertam-se em um<br />

objeto <strong>de</strong> reflexão para aquelas pós-graduações interessadas em ofe-<br />

recer uma linha <strong>de</strong> especialização na área da docência em comu-<br />

nicação.<br />

A teoria — entendida como produção e reprodução do conheci-<br />

mento — <strong>de</strong>ve ter uma das tarefas prioritárias <strong>de</strong>sse nível <strong>de</strong> forma-<br />

ção. A Pós-Graduação <strong>de</strong>ve manifestar uma vocação pela busca da<br />

especificida<strong>de</strong> da <strong>comunicação</strong>, reconhecendo com esse propósito sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> latino-americana; isto é, trabalhando com as linhas <strong>de</strong><br />

pesquisa propostas pela teoria que está se gerando na América La-<br />

tina.<br />

Essa postura precisaria estimular a produção <strong>de</strong> novos conheci-<br />

mentos que retornem <strong>de</strong>pois à Graduação. Para isso, o papel da<br />

pesquisa na Pós-Graduação <strong>de</strong>ve orientar-se na direção do <strong>de</strong>sen-<br />

volvimento e consolidação da teoria, ou seja, da produção <strong>de</strong> conhe-<br />

cimentos novos e da sistematização das reflexões teóricas, previa-<br />

mente <strong>de</strong>senvolvidas.<br />

Nessa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> idéias, o objetivo da Pós-Graduação será for-<br />

mar profissionais <strong>de</strong> pesquisa capazes <strong>de</strong> gerar uma produção teó-<br />

rico-crítica comprometida: profissionais especializados que possam<br />

<strong>de</strong>sempenhar sua ativida<strong>de</strong> como docentes-pesquisadores-produtores.<br />

A Pós-Graduação em Comunicação <strong>de</strong>ve tomar como ponto <strong>de</strong><br />

referência para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas áreas <strong>de</strong> especialização as proble-<br />

máticas vigentes na socieda<strong>de</strong> latino-americana. Essa colocação per-<br />

mitiria pensar em uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> reflexão como,<br />

por exemplo, a capacitação metodológica no esboço e planejamento<br />

<strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, as implicações das novas tecnologias,<br />

a <strong>comunicação</strong> popular etc.<br />

c) A formação profissional: um <strong>de</strong>safio metodológico<br />

A atenção prestada aos processos formativos tem sido muito<br />

discutida. Os erros não serão superados sem uma boa revisão. A prá-<br />

tica educativa <strong>de</strong>ve ser entendida como processo comunicativo pois<br />

a <strong>comunicação</strong> não é somente o objeto <strong>de</strong> estudo mas também o<br />

processo através do oual atualiza-se a experiência <strong>de</strong> ensino-aorendi-<br />

zagem. Em conseqüência, faz-se necessário resgatar a dimensão co-<br />

municativa da prática docente.<br />

A reflexão sobre os processos formativos não po<strong>de</strong> partir <strong>de</strong> zero<br />

nem po<strong>de</strong> se fazer do lado <strong>de</strong> fora. O olhar <strong>de</strong>ve se projetar sobre<br />

a totalida<strong>de</strong> do processo e a reestruturação curricular <strong>de</strong>ve enfatizar<br />

12


aspectos como a revisão dos fundamentos institucionais que orien-<br />

tam a prática educativa, e a recuperação da experiência das práti-<br />

cas profissionais dos formados, entre outros.<br />

II. LINHAS DE AÇÃO<br />

A reflexão gerada na reunião <strong>de</strong> Lima terminou com a propos-<br />

ta <strong>de</strong> linhas concretas <strong>de</strong> ação para abordar alguns dos problemas<br />

discutidos, nas quais a FELAFACS já está trabalhando.<br />

a) Promoção <strong>de</strong> encontros<br />

A Fe<strong>de</strong>ração assumirá, como tarefa prioritária, a promoção <strong>de</strong><br />

encontros em torno da situação dos currículos, para ver como as es-<br />

colas percebem a pressão social, os fenômenos <strong>de</strong> transnacionaliza-<br />

ção <strong>cultura</strong>l, os movimentos sociais e outros tipos <strong>de</strong> problemas.<br />

b) Capacitação <strong>de</strong> docentes<br />

O estabelecimento <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> intercâmbio <strong>de</strong>ve compro-<br />

meter as escolas com cursos <strong>de</strong> Pós-Graduação. Para apoiar essa<br />

proposta será esboçado um projeto visando a consecução <strong>de</strong> recur-<br />

sos financeiros que permitam implementá-lo. A Fundação Konrad<br />

A<strong>de</strong>nauer (FKA) está em condições <strong>de</strong> oferecer ajuda para esse tipo<br />

<strong>de</strong> programas na América Latina.<br />

A FELAFACS assumirá a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>sse programa que se<br />

orientará no sentido <strong>de</strong> procurar fundos <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s internacionais<br />

para a futura doação <strong>de</strong> bolsas. Os Coor<strong>de</strong>nadores dos cursos <strong>de</strong><br />

Pós-Graduação — presentes na reunião <strong>de</strong> Lima ■— comprometeram-<br />

se a colaborar nos processos para operacionalizar o projeto.<br />

Foi exposta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criar uma comissão encarregada<br />

<strong>de</strong> implementar os mecanismos propostos. O Prof. Dr. José Mar-<br />

ques <strong>de</strong> Melo — Diretor Científico da INTEBCOM — foi <strong>de</strong>signado<br />

coor<strong>de</strong>nador da mesma. Foi proposto que na Terceira Reunião dos<br />

Cursos <strong>de</strong> Pós-Graduação fosse incluída no temário a discussão <strong>de</strong><br />

ações concretas em torno do projeto <strong>de</strong> cooperação e intercâmbio<br />

entre os cursos.<br />

Finalmente, consi<strong>de</strong>rou-se que um outro mecanismo que po<strong>de</strong><br />

contribuir ao estabelecimento <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s entre as pós-graduações é<br />

a realização <strong>de</strong> pesquisas conjuntas, não só entre escolas latino-<br />

-americanas, como também entre estas e algumas universida<strong>de</strong>s ame-<br />

ricanas e cana<strong>de</strong>nses.<br />

o) flecwrsos bibliográficos<br />

É importante pensar na formulação <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> intercâm-<br />

bio <strong>de</strong> materiais entre as diferentes escolas da América Latina.<br />

O caso brasileiro <strong>de</strong>ve ser observado com especial atenção: pro-<br />

mover a circulação <strong>de</strong> textos brasileiros no resto do continente e<br />

vice-versa.<br />

A ABECOM oferece-se para distribuir textos no Brasil e para co-<br />

letar as necessida<strong>de</strong>s das escolas.<br />

O CIESPAL compromete-se a fornecer apoio bibliográfico aos<br />

docentes, sobre as temáticas básicas das suas disciplinas.<br />

113


É prioritário criar canais <strong>de</strong> distribuição para os materiais pu-<br />

blicados nas escolas.<br />

As Associações Nacionais <strong>de</strong>vem preocupar-se no sentido <strong>de</strong> criar<br />

centros <strong>de</strong> documentação que permitam canalizar os recursos biblio-<br />

gráficos.<br />

O projeto <strong>de</strong> publicações, no qual trabalham atualmente a<br />

PELAFACS e a ALAIC (Asociación Latinoamericana <strong>de</strong> Investigado-<br />

res <strong>de</strong> Ia Comunicación), po<strong>de</strong>rá respon<strong>de</strong>r a alguns problemas que,<br />

em termos <strong>de</strong> publicação e distribuição <strong>de</strong> material bibliográfico,<br />

afetam as escolas da América Latina.<br />

114


Portugal, primeiro a<br />

inovar, último a formar<br />

Luís Humberto Marcos *<br />

Portugal foi um dos primeiros países on<strong>de</strong> a prodigiosa inven-<br />

ção <strong>de</strong> Gutenberg começou a ser usada e hoje é o último pais euro-<br />

peu na formação <strong>de</strong> jornalistas.<br />

A tipografia foi introduzida, entre nós, primeiro em Leiria, <strong>de</strong>-<br />

pois em Lisboa, poucos anos após o invento <strong>de</strong> Johann Gutenberg que,<br />

com a <strong>de</strong>scoberta dos caracteres móveis, haveria <strong>de</strong> revolucionar o<br />

mundo. Há mesmo quem admita que Leiria terá sido a quarta ci-<br />

da<strong>de</strong> da Europa a aplicar o famoso invento, em 1466.<br />

De resto, nesta época florescente em que "dávamos novos mun-<br />

dos ao mundo", até mesmo uma das primeiras publicações européias<br />

fala dos feitos portugueses. Trata-se da "Cópia do novo diário das<br />

Terras Desconhecidas", que se publica em 1508 na pequena cida<strong>de</strong><br />

alemã <strong>de</strong> Augusburg. Relata os nossos <strong>de</strong>scobrimentos e contém uma<br />

xilogravura com o escudo das armas portuguesas.<br />

Mas se fomos pioneiros na imprensa, somos lanternas-vermelhas<br />

na formação jornalística. Mais <strong>de</strong> 500 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tal pioneiris-<br />

mo, somos o último país da Europa on<strong>de</strong> é criada uma escola <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> jornalistas. E somos o último com esta singular agra-<br />

vante: a <strong>de</strong> termos sido o berço da primeira escola <strong>de</strong> Jornalismo<br />

européia.<br />

Este fato é quase <strong>de</strong>sconhecido, mas é verda<strong>de</strong>iro.<br />

Em 1898, realizou-se em Lisboa o V Congresso Internacional da<br />

Imprensa, do qual sairia a resolução <strong>de</strong> criar escolas <strong>de</strong> formação<br />

<strong>de</strong> jornalistas. Autor da tese, um nome gran<strong>de</strong> do jornalismo fran-<br />

cês: Albert Bataílle. Dizia ele em pleno tempo da época <strong>de</strong> ouro<br />

da imprensa: "Com o aperfeiçoamento das máquinas <strong>de</strong> imprimir,<br />

com o telégrafo e o telefone, com a transformação do espírito pú-<br />

blico, cada vez mais ávido <strong>de</strong> ser informado, uma metamorfose se<br />

operou no jornalismo: a polêmica foi relegada para segundo plano<br />

e a informação passou para primeiro. No dia em que essa trans-<br />

* Presi<strong>de</strong>nte do <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Jornalistas e Subdiretor da Es-<br />

cola Superior <strong>de</strong> Jornalismo do Porto, Portugal.<br />

115


formação se verificou, o jornalismo converteu-se numa carreira; é<br />

preciso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dizer que a nossa profissão recruta os seus a<strong>de</strong>p-<br />

tos entre os <strong>de</strong>senganados <strong>de</strong> todas as carreiras; para chegar ao re-<br />

crutamento regular, à renovação normal <strong>de</strong> pessoal da imprensa, é<br />

preciso organizar os quadros <strong>de</strong> reserva e tornar menos penosos os<br />

anos <strong>de</strong> aprendizagem aos jovens que se sintam com vocação; e para<br />

isso é necessário que a educação geral se complete com a educação<br />

profissional".<br />

Um ano <strong>de</strong>pois do Congresso <strong>de</strong> Lisboa, em novembro <strong>de</strong> 1899,<br />

criava-se, <strong>de</strong> fato, em Paris, aquela que é tida como a primeira es-<br />

cola <strong>de</strong> Jornalismo da Europa. Os fundadores são: Albert Bataille<br />

e Périvier, diretor do Le Figaro.<br />

Foi necessário esperar 84 anos para que surgisse, não em Lisboa,<br />

mas no Porto, a primeira escola portuguesa, emanação da vonta<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong>terminação dos jornalistas que em abril <strong>de</strong> 1982 <strong>de</strong>ram vida ao<br />

II Encontro <strong>de</strong> Jornalistas do Norte.<br />

Por quê tão longa espera?<br />

"Pela simples e clara razão <strong>de</strong> que, falsamente baseadas num<br />

critério estreito, as sucessivas aristocracias mentais portuguesas, ao<br />

passo que impuseram à dignificação, uma a uma, todas as restantes<br />

profissões liberais, sem se esquecerem da Agronomia, da Economia<br />

e das Finanças, dando-lhes a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um titulo acadêmico<br />

com a criação <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> ensino superior a<strong>de</strong>quados, relegaram a<br />

um incompreensível ostracismo a ativida<strong>de</strong> espiritualmente mais <strong>de</strong>-<br />

licada que numa nação po<strong>de</strong> existir — a orientação da opinião pú-<br />

blica ..."<br />

Esta justificativa <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Quadros, "um homem apaixonado<br />

pela profissão para que Deus o fadou", dada em 1949, mantém-se prati-<br />

camente atual. Acrescento que não foi por falta do <strong>de</strong>sejo e da von-<br />

ta<strong>de</strong> dos jornalistas que não se avançou com a sua formação espe-<br />

cifica. Essa vonta<strong>de</strong> explicitou-se pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1941, precisa-<br />

mente alguns anos antes da fase <strong>de</strong> multiplicação das escolas <strong>de</strong> Jor-<br />

nalismo por muitas cida<strong>de</strong>s da Europa e Américas. É <strong>de</strong>ste ano a<br />

proposta do Sindicato dos Jornalistas para a criação <strong>de</strong> um "curso<br />

<strong>de</strong> formação jornalística", <strong>de</strong> dois anos, com o objetivo "<strong>de</strong> promo-<br />

ver, <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva, a valorização profissional dos jornalistas<br />

e elevar o seu nível <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> até os limites exigidos pela missão<br />

que <strong>de</strong>sempenham na vida portuguesa".<br />

No centro dos bloqueamentos e resistências, <strong>de</strong> vários tipos, está<br />

o regime do "orgulhosamente só", seráfico e salazarento, que pre-<br />

feria papagaios e marionetas a jornalistas <strong>de</strong>vidamente preparados<br />

para respon<strong>de</strong>rem aos <strong>de</strong>safios da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna.<br />

Ao contrário do que sucedia na Espanha, on<strong>de</strong> precisamente em<br />

1941 se criava a Escola Oficial <strong>de</strong> Jornalismo, não vai adiante a ini-<br />

ciativa do Sindicato dos Jornalistas portugueses. Mais tar<strong>de</strong> não fal-<br />

taram os apelos, como o <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Quadros: "...parece-nos urgen-<br />

te que no nosso país, hoje em pleno ressurgimento material e moral,<br />

se encare <strong>de</strong> vez, e a sério, a fundação <strong>de</strong> uma escola oficial <strong>de</strong> Jor-<br />

nalismo integrada na Universida<strong>de</strong> Técnica". Com este esconjuro:<br />

"sem fazer caso <strong>de</strong> objeções maldosas e <strong>de</strong> rotineiras cabotinices em-<br />

poleiradas em triunfos <strong>de</strong> circunstância". Insistia Luís <strong>de</strong> Quadros:<br />

"Que se olhe somente ao bem da Nação — e nada mais!"<br />

Salazar fechou os olhos e Caetano se os abriu, não se viu. E os<br />

projetos — houve vários — foram ficando na gaveta do esqueci-<br />

mento. Por tudo isto, conforme dizia a 30 e poucos anos Luís <strong>de</strong><br />

116


Quadros, "não é <strong>de</strong> admirar que o Jornalismo no nosso país e seu<br />

Império, seja tido pela maioria dos cidadãos como uma subprofis-<br />

são que'toda a gente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o engraxador ao ministro, se julga em<br />

refinada aptidão para cabalmente exercer".<br />

Palavras <strong>de</strong> ontem, palavras <strong>de</strong> hoje em larga medida.<br />

Com o 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1974 caiu o regime opressor e castrante,<br />

mas não caíram certas barreiras e novos projetos se fizeram para<br />

dar razão <strong>de</strong> existência a algumas rouçosas gavetas do "terreiro do<br />

Paço..." Com outras roupagens, o mesmo estado burocrático estíola<br />

iniciativas que ele próprio <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia.<br />

E é fora <strong>de</strong>le e longe do "terreiro do Paço" que nasce, por sim-<br />

ples iniciativa dos jornalistas, a primeira escola <strong>de</strong> Jornalismo: o Cen-<br />

tro <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Jornalistas. Em regime cooperativo, não se esque-<br />

ça, já que também alguns dos nossos gran<strong>de</strong>s jornalistas, que foram<br />

igualmente nomes cimeiros da nossa literatura, fizeram-se paladinos<br />

do cooperativísmo.<br />

Fazer da profissão <strong>de</strong> jornalista ao mesmo tempo "ofício, ciên-<br />

cia e arte" prestigiados foi o objetivo central que animou o punha-<br />

do <strong>de</strong> jornalistas que, com inúmeros e gratifícantes apoios públicos<br />

e privados, têm posto <strong>de</strong> pé esta instituição no seio da qual emer-<br />

giu, por imposição legal, um pouco anacrônica, diga-se, a Escola Su-<br />

perior <strong>de</strong> Jornalismo.<br />

Ainda há poucos dias comemoramos o nosso 3.9 aniversário que<br />

marcou o fim <strong>de</strong> um ciclo: o da implantação das infra-estruturas ti-<br />

das como indispensáveis para a concretização dos vários projetos <strong>de</strong><br />

formação integrados nos nossos objetivos institucionais. Dispomos<br />

neste momento <strong>de</strong> um estúdio <strong>de</strong> rádio, <strong>de</strong> três sistemas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o,<br />

<strong>de</strong> dois laboratórios fotográficos e <strong>de</strong> doze terminais <strong>de</strong> computador.<br />

"Ver, saber, saber fazer" é o nosso quadriedro lemático. Enca-<br />

ramos o nosso funcionamento como um sistema aberto com trocas<br />

permanentes e dinâmicas entre a teoria e a prática. A ligação estrei-<br />

ta à profissão tem sido uma vertente central <strong>de</strong>ste nosso projeto.<br />

Sem este elo com o campo da exercitação profissional, po<strong>de</strong>r-se-ão<br />

promover bons cursos <strong>de</strong> Comunicação Social, mas nunca bons cur-<br />

sos <strong>de</strong> Jornalismo. É essencialmente no Jornalismo que fazemos a<br />

nossa aposta. Sem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar as aptidões naturais — sempre ne-<br />

cessárias —, mas hoje bastante relativizadas pelas novas perspecti-<br />

vas psicológicas <strong>de</strong> orientação vocacional — o Jornalismo das pró-<br />

ximas décadas e o conjunto das várias opiniões públicas vão <strong>de</strong>pen-<br />

<strong>de</strong>r, em gran<strong>de</strong> parte, da formação profissional que se fizer a par-<br />

tir <strong>de</strong> agora.<br />

O jornalista tem <strong>de</strong> ser na atualida<strong>de</strong> muito mais que "um bom<br />

rapaz amparado a uma <strong>cultura</strong>zinha geral" <strong>de</strong> 7"? ano ou 12° ano.<br />

Fazendo uma radiografia da classe neste momento, verificamos<br />

que num universo <strong>de</strong> 1.841 jornalistas, a maioria (56%) não passou<br />

pelos bancos <strong>de</strong> qualquer escola superior. Com efeito, 558 (31,9%)<br />

situam-se no grau acadêmico mínimo hoje exigido para o exercício<br />

da profissão — 3 ( ? ciclo ou 12° ano — e 322 (17,4%) possuem o 29<br />

ciclo. Bastante mais baixos são os valores dos que têm apenas o<br />

19 ciclo (78 — 4,2%) ou a 4^ classe (47 — 2,5%).<br />

Esta situação é, mesmo assim, bastante distinta da dos finais<br />

dos anos 60, altura em que começaram a entrar para a profissão,<br />

com maior regularida<strong>de</strong>, estudantes universitários e mesmo licencia-<br />

dos. Hoje há 481 jornalistas (26%) com freqüência <strong>de</strong> cursos su-<br />

117


periores e 355 (19 0 /o) com diplomas superiores, <strong>de</strong> Direito e Letras<br />

na sua maioria.<br />

Naturalmente que as exigências <strong>de</strong> especialização que, com pro-<br />

gressiva acuida<strong>de</strong>, se colocam neste campo <strong>de</strong> transdisciplinarida<strong>de</strong><br />

que é o Jornalismo se satisfazem minimamente com certas freqüên-<br />

cias universitárias. Mas não serão suficientes.<br />

O trabalho jornalístico tem características muito próprias e obe-<br />

<strong>de</strong>ce a regras e metodologias específicas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a captação e apre-<br />

ciação dos acontecimentos até à produção dos enunciados dirigidos<br />

aos vários públicos.<br />

Defendo que há um "olhar psicossocial" específico do trabalho<br />

do jornalista, tendo do conceito psicossocial não a estreiteza <strong>de</strong><br />

campo da Psicologia Social americana, mas a amplitu<strong>de</strong> que lhe é<br />

dada por Serge Moscovíci. Trata-se <strong>de</strong> um "olhar" ligado à percep-<br />

ção e seleção dos acontecimentos, à pesquisa e recolha <strong>de</strong> dados,<br />

à compreensão dos fenômenos humanos e à forma <strong>de</strong> dizer "o real".<br />

"A única viagem verda<strong>de</strong>ira, o único banho <strong>de</strong> rejuvenescimento,<br />

não é partir para novas viagens, mas ter outros olhos", dizia Mar-<br />

eei Proust. O novo Jornalismo, aquele que aposta não na objeti-<br />

vida<strong>de</strong> tecnocrática, mas na objetiva subjetivida<strong>de</strong>, esse que foge aos<br />

porta-vozes e que investiga, é o único que nos permite verificar<br />

"através do que é secundário, que o mundo é ainda maior do que<br />

se diz".<br />

B com esta perspectiva que, no meu ponto <strong>de</strong> vista, se reapro-<br />

xima o jornalista do escritor, ficticiamente separados pela evolução<br />

tecnológica e pelo primado da notícia sobre a reportagem. Hoje,<br />

como se sabe, a aposta profissional dos jornalistas está não no no-<br />

ticiarismo seco, mas na explicação aprofundada do acontecer so-<br />

cial. Com a mais objetiva subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma a estabelecer uma<br />

ligação estreita entre o jornalista e o público.<br />

As novas tecnologias da informação e o primado da instanta-<br />

neida<strong>de</strong> obrigam a novas percepções da realida<strong>de</strong> e a novas narra-<br />

tivas jornalísticas.<br />

118


Pós-graduaçáo em<br />

Comunicação no México:<br />

a experiência da Universida<strong>de</strong><br />

iberoamericana*<br />

Luiz Javier Mier Vega<br />

Na história do ensino e pesquisa da <strong>comunicação</strong> no México, a<br />

Universida<strong>de</strong> Iberoamericana — com suas limitações, <strong>de</strong>feitos e con-<br />

tradições — tem exercido um papel protagônico. É esta a institui-<br />

ção que funda, em 1960, a primeira licenciatura em <strong>comunicação</strong><br />

propriamente dita, e é também a que cria o primeiro mestrado nes-<br />

ta área <strong>de</strong>zoito anos <strong>de</strong>pois. Isso não significa negar a importân-<br />

cia histórica das escolas <strong>de</strong> jornalismo criadas na meta<strong>de</strong> do século<br />

ou as contribuições <strong>de</strong> outras universida<strong>de</strong>s. Pelo contrário, bus-<br />

ca-se <strong>de</strong>stacar o fato <strong>de</strong> que as instituições <strong>de</strong> educação superior não<br />

se <strong>de</strong>senvolveram <strong>de</strong> maneira isolada, nem po<strong>de</strong>m resolver seus pro-<br />

blemas com voluntarismo e boas intenções.<br />

A licenciatura em <strong>comunicação</strong> da Iberoamericana cria-se pre-<br />

cisamente a partir <strong>de</strong>ssas escolas, e quando as universida<strong>de</strong>s — que<br />

geralmente respon<strong>de</strong>m lentamente às mudanças sócio-<strong>cultura</strong>is —<br />

começam a dar-se conta da importância dos meios massivos <strong>de</strong> co-<br />

municação. Seu princípio mostra-se ingênuo com o passar dos anos,<br />

pois não questiona a <strong>comunicação</strong> massiva, mas busca sim apro-<br />

veitar seu potencial. Em outras palavras, consi<strong>de</strong>ra-se que a pre-<br />

paração <strong>de</strong> profissionais capazes <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

manipular tecnicamente os meios bastará para converter em posi-<br />

tivos os efeitos negativos — mercantilistas e alienantes — da comu-<br />

nicação massiva.<br />

Dessa época ficam, no entanto, a essência humanista e a preo-<br />

cupação ética que têm caracterizado essa universida<strong>de</strong>.<br />

* Traduzido por Alba Valéria Lima Guimarães (INTERCOM) e pu-<br />

blicado originalmente na edição n. 0 16 da Revista FELAFACS.<br />

•• Coor<strong>de</strong>nador do Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação em Comunicação Social<br />

da Universida<strong>de</strong> Iberoamericana — México.<br />

119


O passo seguinte foi a adoção <strong>de</strong> recomendações do CIESPAL<br />

(tão a-historicamente criticadas <strong>de</strong>pois) e que se traduziram em<br />

cursos <strong>de</strong> teoria e pesquisa da <strong>comunicação</strong>, que se agregaram aos <strong>de</strong>-<br />

dicados ao estudo das linguagens e dos meios propriamente ditos.<br />

A esse quadro se somaram, nos anos 70, a preocupação em estudar<br />

a conformação da socieda<strong>de</strong> — que partiu principalmente dos estu-<br />

dantes — e o afã <strong>de</strong> fazer da <strong>comunicação</strong> uma ciência, idéia pre-<br />

sente sobretudo entre os que haviam realizado estudos <strong>de</strong> pós-gra-<br />

duação nos Estados Unidos.<br />

APAS CIENTÍFICOS E ROMANTISMO<br />

É neste contexto que surge, em 1978, o Mestrado em Comunica-<br />

ção da Universida<strong>de</strong> Iberoamericana. Sua fundação não respon<strong>de</strong>,<br />

entretanto, a um consenso e a um projeto claro. Mas é, sim, pro-<br />

duto <strong>de</strong> pugnas e intuições. Pensa-se na solução antes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntifi-<br />

car bem o problema, como tantas vezes tem sucedido no meio aca-<br />

dêmico da <strong>comunicação</strong>.<br />

Seu princípio é romântico, apesar <strong>de</strong> se querê-lo cientifico, o<br />

que explica a força <strong>de</strong> seu impulso e, em parte, do seu <strong>de</strong>caimento<br />

posterior.<br />

Sua criação, ao contrário da licenciatura, obe<strong>de</strong>ce a inquietu<strong>de</strong>s<br />

do claustro professoral e ao pequeno mundo da pesquisa da comu-<br />

nicação, mais do que às necessida<strong>de</strong>s comunicacionais claramente<br />

especificadas. Pensa-se que é hora <strong>de</strong> preparar verda<strong>de</strong>iros cientis-<br />

tas, comunicólogos capazes <strong>de</strong> resolver — agora sim — todos os pro-<br />

blemas comunicacionais da socieda<strong>de</strong>.<br />

Seu objetivo é preparar pesquisadores com uma sólida forma-<br />

ção teórica e metodológica, que tragam novos conhecimentos à área,<br />

que assessorem os que tomam as <strong>de</strong>cisões importantes e que diri-<br />

jam, em suma, a <strong>comunicação</strong> do país.<br />

A proposta, certamente, é pretensiosa, o que acontece com qua-<br />

se todas as pós-graduações quando começam. No fundo <strong>de</strong>positam<br />

uma fé cega na ciência, uma <strong>de</strong>sconfiança básica nos estudos <strong>de</strong> li-<br />

cenciatura e um <strong>de</strong>sprezo monumental à prática profissional.<br />

Os primeiros a <strong>de</strong>tectá-lo são os próprios egressos da licencia-<br />

tura em <strong>comunicação</strong> da Iberoamericana, que, ao abrir-se o pro-<br />

grama, respon<strong>de</strong>m com entusiasmo. Buscam um aprofundamento nos<br />

aspectos teóricos e metodológicos, mas logo se dão conta <strong>de</strong> que<br />

são subestimados: que não dão valor ao conhecimento que adqui-<br />

riram na prática profissional; que são consi<strong>de</strong>rados maus estudan-<br />

tes porque trabalham e não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>dicar-se <strong>de</strong> tempo integral ao<br />

programa, como se faz nos países <strong>de</strong>senvolvidos; e que qualquer coi-<br />

sa que digam, façam ou escrevam, carece do <strong>de</strong>vido rigor cien-<br />

tífico.<br />

Como é lógico supor, esses potenciais mestres optaram por re-<br />

tirar-se e <strong>de</strong>ixar o programa fechado em sua torre <strong>de</strong> marfim. No<br />

mestrado ficaram unicamente os que <strong>de</strong>sejavam <strong>de</strong>dicar-se plena-<br />

mente à pesquisa e à docência (a minoria) e os que buscavam enri-<br />

quecer seus currículos e careciam dos meios ou da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

investir dois anos em uma universida<strong>de</strong> estrangeira (a maioria).<br />

Não se trata com isso <strong>de</strong> subestimar o esforço dos que inicia-<br />

ram o programa. Para justificá-los bastaria assinalar que o fizeram,<br />

e que graças a eles a pesquisa e o estudo rigoroso da <strong>comunicação</strong><br />

receberam um notável impulso em nossa universida<strong>de</strong>; pois a pós-<br />

120


-graduação não <strong>de</strong>ve ser vista unicamente como um plano <strong>de</strong> estu-<br />

dos, mas também como um espaço <strong>de</strong> pesquisa e difusão, ativida-<br />

<strong>de</strong>s essenciais para uma universida<strong>de</strong> que realmente pretenda sê-lo.<br />

O que se quer é <strong>de</strong>stacar o fato <strong>de</strong> que os cursos <strong>de</strong> pós-gradua-<br />

ção <strong>de</strong> nossos paises, com freqüência, respon<strong>de</strong>m mais ao volunta-<br />

rismo do que a uma análise séria do campo <strong>de</strong> trabalho — que não<br />

o mercado — que esperam respon<strong>de</strong>r.<br />

O afã cientifico não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sligar-se da realida<strong>de</strong> concreta se<br />

não quiser cair nos três ismos <strong>de</strong>scritos por Daniel Prieto: o teori-<br />

cismo, o tecnicismo e o verbalismo. E assim como se tem que re-<br />

conhecer as contribuições que tem feito o programa, <strong>de</strong>ve-se tam-<br />

bém reconhecer seus <strong>de</strong>feitos.<br />

E o primeiro e maior <strong>de</strong>les, a meu ver, é o divórcio que se <strong>de</strong>u<br />

entre o meio acadêmico da <strong>comunicação</strong> e o meio profissional da<br />

mesma; a divisão drástica e absurda entre teoria e práxis.<br />

Esta separação não só tem custado o afastamento <strong>de</strong> profissio-<br />

nais sumamente valiosos (os melhores egressos da licenciatura ge-<br />

ralmente não querem saber <strong>de</strong> pós-graduação), como tem freado o<br />

avanço da própria pesquisa, <strong>de</strong> tanto que se fecha em cubículos e<br />

discussões <strong>de</strong> salão (per<strong>de</strong>ndo com isso as contribuições que na bus-<br />

ca da especificida<strong>de</strong> do comunicativo po<strong>de</strong>m trazer os profissionais).<br />

A tudo isso há que acrescentar uma contradição a mais que se<br />

<strong>de</strong>u na criação do Mestrado da Iberoamericana: o atrito entre os<br />

humanistas e os funcionalistas, e que significou uma rica discussão<br />

por uma parte, e uma divisão <strong>de</strong> recursos e esforços por outra.<br />

O primeiro programa foi, pois, o resultado <strong>de</strong> uma negociação<br />

que se traduziu em duas especializações: <strong>comunicação</strong> e <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento, que impulsionou a corrente humanista; e <strong>comunicação</strong> orga-<br />

nizacional, que impulsionou a corrente funcionalista. Antes, po-<br />

rém, as tendências não eram tão claras como os nomes indicam.<br />

A falta <strong>de</strong> recursos, a formação diversificada dos professores e<br />

os distintos projetos em pugna trouxeram confusão, mas também<br />

riqueza temática e <strong>de</strong> enfoques. Marxistas, semiólogos e humanis-<br />

tas lutavam entre si para impor seus projetos ou, pelo menos, pa-<br />

ra manter seus espaços, enquanto que a linha predominante — e não<br />

a única — era o funcionalismo.<br />

Esta etapa, que po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s qualificar <strong>de</strong> arranque, se caracterizou<br />

por contar com poucos estudantes e escassa influência no meio pro-<br />

fissional. Porém, impulsionou a pesquisa, que era praticamente nula<br />

no Departamento que <strong>de</strong>u origem ao programa; trouxe uma maior<br />

preocupação pelo rigor metodológico; e trouxe novas áreas temá-<br />

ticas, algumas truncadas posteriormente, como os estudos <strong><strong>de</strong>mo</strong>grá-<br />

ficos e a <strong>comunicação</strong>. Dela ficaram as cátedras: "Comunicação So-<br />

cial e Desenvolvimento Cultural", "A Comunicação no Pensamento<br />

Contemporâneo" e "Projetos <strong>de</strong> Desenvolvimento e Estratégias <strong>de</strong><br />

Comunicação", que formam a trilogia básica do atual programa e<br />

que constituem já uma tradição nesta pós-graduação.<br />

CRISE E REESTRUTURAÇÃO<br />

Passado o entusiasmo inicial, os magros resultados com relação<br />

à formação <strong>de</strong> mestres (que se traduziram em baixo ingresso <strong>de</strong> es-<br />

tudantes, alta <strong>de</strong>serção e paupérrima porcentagem <strong>de</strong> titulados),<br />

trouxeram consigo uma crise interna, que se agravou ao combinar<br />

121


-se com a maior crise que viveu o Departamento <strong>de</strong> Comunicação<br />

em toda a sua história.<br />

No começo dos anos 80, o Mestrado em Comunicação da Univer-<br />

sida<strong>de</strong> Iberoamericana não era mais do que uma caricatura <strong>de</strong> si<br />

mesmo: o projeto inicial havia-se perdido e junto, com ele, o espa-<br />

ço <strong>de</strong> discussão que tinha sido sua principal riqueza. Não ficavam<br />

mais do que os esforços <strong>de</strong> uns poucos professores, um punhado <strong>de</strong><br />

alunos e uma série <strong>de</strong> objetivos, cursos e ações <strong>de</strong>stinados a man-<br />

ter as aparências. Sem nenhum rigor e muito menos idéias claras,<br />

o programa simplesmente vegetava.<br />

Em 1982, o Departamento inicia um período <strong>de</strong> reestruturação.<br />

Pouco a pouco se forma uma equipe sólida e entusiasmada que re-<br />

vitaliza os programas, a pesquisa e a difusão. Nesse ano se refor-<br />

ma radicalmente a pós-graduação com o objetivo <strong>de</strong> levantá-la e<br />

consolidá-la. Não se conta praticamente com nada, à exceção da tri-<br />

logia <strong>de</strong> cátedras mencionadas anteriormente, para o que é necessá-<br />

rio reformular as coisas rapidamente.<br />

O primeiro que se cogita é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> optar por um ca-<br />

minho. Esquece-se a <strong>comunicação</strong> organizacional como um fim pa-<br />

ra centrar a pós-graduação nos problemas da <strong>comunicação</strong> para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Isto se apresenta, então, como o objetivo geral que <strong>de</strong>ve orientar<br />

o programa, tanto nos cursos como nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e di-<br />

fusão. O novo projeto interessa-se fundamentalmente pelo papel<br />

que correspon<strong>de</strong> à <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> facilitadora das tarefas do <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento. Já não se trata <strong>de</strong> formar mestres em abstrato ou<br />

<strong>de</strong> pesquisar anarquicamente, mas <strong>de</strong> levar adiante uma proposição.<br />

O projeto, que congrega vários dos elementos da proposta ori-<br />

ginal, começa por situar estrategicamente a nova pós-graduação —<br />

chamada "Mestrado em Comunicação e Desenvolvimento" — <strong>de</strong>ntro<br />

do Departamento que lhe dá origem, e que se <strong>de</strong>fine como o orga-<br />

nismo universitário que se <strong>de</strong>dica ao estudo da <strong>comunicação</strong> me-<br />

diante seu ensino, pesquisa e difusão. Retoma-se assim o espírito<br />

da reforma universitária que se levou a cabo na Iberoamericana en<br />

tre 1968 e 1974, que originou a <strong>de</strong>partamentalização.<br />

O Mestrado passa assim a ser um dos programas que se ofere-<br />

cem como resultado do trabalho <strong>de</strong>partamental, o que faz com que<br />

<strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser uma ilha separada da licenciatura. Com a nova pro-<br />

posta, a pós-graduação se vê obrigada a <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r seus objetivos<br />

dos do organismo que lhe dá origem, assegurando, <strong>de</strong>sta maneira,<br />

um mínimo <strong>de</strong> congruência.<br />

A preocupação em estudar as relações entre a <strong>comunicação</strong> e<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento para contribuir para a transformação da socie-<br />

da<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma que esta seja mais justa e igualitária, se converte em<br />

uma preocupação <strong>de</strong>partamental que guia os programas e as ativi-<br />

da<strong>de</strong>s, e não em uma concessão gratuita para a pós-graduação.<br />

O Mestrado adquire, então, um valor estratégico: a ele corres-<br />

pon<strong>de</strong> ser o espaço <strong>de</strong> vanguarda do Departamento; o espaço <strong>de</strong> pes-<br />

quisa, difusão e docência que levante novos problemas e respostas<br />

na busca da especificida<strong>de</strong> comunicativa e na construção das neces-<br />

sárias mediações entre a <strong>comunicação</strong> e os problemas do <strong>de</strong>senvol-<br />

vimento. Novos problemas e respostas que, por trás <strong>de</strong> um proces-<br />

so <strong>de</strong> <strong>de</strong>cantação, influam na licenciatura por uma parte, e no meio<br />

profissional por outra.<br />

Mais que formar pesquisadores, docentes e assessores como na<br />

proposta original, trata-se <strong>de</strong> fazer pesquisa, docência e difusão con-<br />

122


juntamente com os alunos <strong>de</strong> tal maneira que estes se formem co-<br />

mo tais enquanto a pós-graduação se converte em um espaço criati-<br />

vo e produtivo, no qual os estudantes contribuam também com seus<br />

conhecimentos e experiência profissional.<br />

Certamente, porém, estamos muito longe <strong>de</strong> consegui-lo.<br />

AS MEDIAÇÕES NECESSÁRIAS<br />

No momento atual, o Mestrado em Comunicação conseguiu uma<br />

significativa reviravolta. Conta com 50 estudantes, cujo nível tem<br />

melhorado nos últimos anos, com uma equipe <strong>de</strong> professores mais<br />

ou menos estável e sólida, com participação — ainda que incipien-<br />

te — nos projetos docentes, <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong> difusão do Departa-<br />

mento, e com uma crescente incidência na licenciatura e no meio<br />

profissional.<br />

Do trabalho <strong>de</strong>senvolvido nos últimos anos têm surgido cursos,<br />

pesquisas, ensaios e proposições várias sobre políticas <strong>de</strong> comunica-<br />

ção, <strong>comunicação</strong> e <strong>cultura</strong>, novas tecnologias etc. Desta perspec-<br />

tiva, o saldo é favorável. E é também se se consi<strong>de</strong>ra indicadores<br />

administrativos: mais alunos, menor <strong>de</strong>serção, maior porcentagem<br />

<strong>de</strong> titulação, maior número <strong>de</strong> seminários e melhor organização dos<br />

mesmos.<br />

Entretanto, se consi<strong>de</strong>rarmos os objetivos do projeto, a reali-<br />

da<strong>de</strong> não resulta tão favorável. Entre os objetivos do mesmo e a<br />

cotidianeida<strong>de</strong> existe um abismo que é necessário salvar mediante<br />

a elaboração das mediações necessárias. Em outras palavras, é ne-<br />

cessário criar condições para que o Mestrado em Comunicação e<br />

Desenvolvimento se converta em Mestrado <strong>de</strong> Comunicação para o<br />

Desenvolvimento.<br />

Esta é a tarefa que estamos empreen<strong>de</strong>ndo neste momento e<br />

que nos obriga a traçar uma reorganização da pós-graduação con-<br />

juntamente com a licenciatura. Trata-se <strong>de</strong> realizar uma reforma<br />

estratégica que nos permita cumprir melhor os objetivos traçados a<br />

partir dos escassos recursos que temos.<br />

A primeira pergunta que temos que respon<strong>de</strong>r é: Por que um<br />

mestrado em <strong>comunicação</strong> e <strong>de</strong>senvolvimento? Ou, em outras pa-<br />

lavras, quais são as necessida<strong>de</strong>s comunicativas reais que preten<strong>de</strong>-<br />

mos satisfazer? A valida<strong>de</strong> do curso e da perspectiva, creio, são<br />

óbvias, mas a mediação entre elas e as necessida<strong>de</strong>s reais nem tanto.<br />

O problema não se encontra nos objetivos, pois nos parece vá-<br />

lido propor-se a formação <strong>de</strong> pesquisadores, planejadores, expertos<br />

e professores nos termos que se explicitam no projeto e que po<strong>de</strong>m<br />

ser lidos no folheto do programa. Tais objetivos, que seria muito<br />

enfadonho <strong>de</strong>screver, po<strong>de</strong>m certamente ser discutidos, mas não<br />

invalidados completamente. A questão mais urgente é averiguar<br />

que estrutura curricular, que ações e que medidas <strong>de</strong>vem ser toma-<br />

das para que os objetivos se cumpram mais satisfatoriamente; para<br />

que as coisas que se quer sucedam, passem <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.<br />

E aí — perdoem-me a reiteração — entramos no problema das<br />

mediações. Qual é a especificida<strong>de</strong> estritamente comunicativa dos<br />

problemas do <strong>de</strong>senvolvimento? Como se traduz a <strong>comunicação</strong><br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento em uma tarefa comunicativa? E, supostas<br />

as respostas a estas perguntas, o que ensinar, pesquisar e difundir;<br />

com quais enfoques e metodologias?<br />

123


Mais ainda, o que se espera que façam especificamente os egressos?<br />

Estas questões são muito difíceis <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, o que resulta<br />

muito tentador <strong>de</strong>ixá-las <strong>de</strong> lado. Lamentavelmente, têm uma rela-<br />

ção direta com a natureza da pós-graduação em <strong>comunicação</strong> e com<br />

as tendências da pesquisa científica, criação <strong>de</strong> seminários e inter-<br />

câmbio acadêmico.<br />

Assim sendo, não estamos em condições <strong>de</strong> dar-lhes resposta<br />

imediata, daí propormo-las como guias que conduzam a busca dos<br />

próximos anos.<br />

Por agora, e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta linha, propusemo-nos uma tarefa: a<br />

criação <strong>de</strong> seminários e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stinadas a facilitar o cumpri-<br />

mento dos objetivos <strong>de</strong> pesquisa, docência, planejamento e difusão.<br />

A estratégia que estamos esboçando parte <strong>de</strong> uma consi<strong>de</strong>ração:<br />

nenhum <strong>de</strong>sses objetivos po<strong>de</strong>rá cumprir-se cabalmente mediante a<br />

introdução <strong>de</strong> cursos isolados que busquem dar respostas a cada obje-<br />

tivo por separado, e muito menos, quando não existam tais cursos.<br />

O tempo nos tem ensinado que não se formam pesquisadores me-<br />

diante seminários <strong>de</strong> metodologia; muito menos professores quando<br />

o ensino da <strong>comunicação</strong> não se apresenta sequer como problema,<br />

planejadores que <strong>de</strong>sconhecem totalmente o que vão planejar e os<br />

instrumentos comunícativos <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>riam valer-se, ou difusores<br />

que ignoram por completo as linguagens, as formas e o funcio-<br />

namento dos meios.<br />

Daí é que nos propusemos converter a pós-graduação em um<br />

laboratório, que, dividido por áreas, acometa os objetivos em seu<br />

conjunto. Cada uma <strong>de</strong>las poria ênfase no cumprimento <strong>de</strong> um<br />

dos objetivos, mas aten<strong>de</strong>ndo sua relação com os <strong>de</strong>mais e com o<br />

objetivo geral que lhe dá nome a pós-graduação.<br />

Trata-se, pois, <strong>de</strong> áreas que centram suas ativida<strong>de</strong>s nos afaze-<br />

res e não na transmissão <strong>de</strong> informação; um trabalho conjunto en-<br />

tre alunos e mestres que dê origem a verda<strong>de</strong>iros seminários <strong>de</strong><br />

pós-graduação, on<strong>de</strong> a ação e a reflexão se dêem lado a lado, e<br />

que resultem em produtos específicos, por mo<strong>de</strong>stos que sejam.<br />

Isto significa enlaçar as ativida<strong>de</strong>s da pós-graduação com as do<br />

Departamento, dado que as áreas que se propõem estariam direta-<br />

mente relacionadas com: ensino da <strong>comunicação</strong>, pesquisa, difusão<br />

da <strong>cultura</strong> e divulgação científica, melhoria e superação acadêmica<br />

e serviços acadêmicos profissionais.<br />

Da primeira se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>riam os seminários básicos da pós-gra-<br />

duação, sobretudo os referentes à teoria da <strong>comunicação</strong>, comuni-<br />

cação para o <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>comunicação</strong> e <strong>cultura</strong>; assim co-<br />

mo os cursos, práticas e ativida<strong>de</strong>s dirigidas à formação <strong>de</strong> pro-<br />

fessores.<br />

Da segunda, os projetos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>partamental que se tra-<br />

duziriam em verda<strong>de</strong>iros laboratórios <strong>de</strong> pesquisa; assim como os<br />

seminários metodológicos e teóricos que a realização <strong>de</strong> tais pro-<br />

jetos requererão.<br />

Da terceira, os laboratórios a que <strong>de</strong>ram origem os planos <strong>de</strong><br />

difusão <strong>de</strong>partamental (diretamente relacionados com as áreas an-<br />

teriores) e universitário; assim como seminários enfocados à dimen-<br />

são estética da <strong>comunicação</strong> (linguagem, formas e análise e elabora-<br />

ção <strong>de</strong> mensagens, <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong> meios etc), e ao problema capi-<br />

tal da divulgação cientifica.<br />

Da quarta, os seminários especiais a que dêem lugar as ativi-<br />

da<strong>de</strong>s, as novas tendências teóricas e metodológicas, as novas ne-<br />

cessida<strong>de</strong>s e, inclusive, as modas acadêmicas.<br />

124


Finalmente, a quinta enfocaria a criação <strong>de</strong> laboratórios, semi-<br />

nários e práticas profissionais que vincularão a pós-graduação com<br />

projetos específicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento (ou pelo menos com o tra-<br />

balho dos estudantes e dos assessores externos), pondo particular-<br />

mente a ênfase no planejamento da <strong>comunicação</strong> e na colocação em<br />

prática <strong>de</strong> projetos comunicacionais <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratizadores.<br />

Tudo isso, supõe, logicamente, uma discussão a fundo, e sobretu-<br />

do a aceitação <strong>de</strong> flexibilizar o currículo <strong>de</strong> pós-graduação, <strong>de</strong> que-<br />

brar as pare<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> estarem dispostos a correr o risco que as no-<br />

vas propostas trazem consigo.<br />

E isto, finalmente, não é mais do que uma mo<strong>de</strong>sta proposição,<br />

para empreen<strong>de</strong>r a busca da especificida<strong>de</strong> da área e para construir<br />

as mediações entre as <strong>de</strong>mandas sociais e a <strong>comunicação</strong>. Uma pro-<br />

posta que submetemos à discussão.<br />

125


RESENHAS<br />

Língua e Compromisso<br />

Histórico<br />

PINTO, Edith Pimentel — A<br />

Língua Escrita no Brasil.<br />

São Paulo, Editora Atica,<br />

1986, 80 pp.<br />

Próximos <strong>de</strong> uma nova reforma<br />

ortográfica, ou <strong>de</strong> mais uma con-<br />

cessão da língua chamada culta,<br />

que nos possibilitará escrever sem<br />

o uso <strong>de</strong> hifen e possivelmente<br />

grafar príncipe e ascendência, a<br />

mestra Edith propõe algo mais<br />

amplo e mais sério: as tramas<br />

da língua portuguesa no contexto<br />

<strong>cultura</strong>l do Brasil, entre a nor-<br />

mativicte<strong>de</strong> e a ampla gama <strong>de</strong> va-<br />

riações lingüísticas.<br />

Depois <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar os limites<br />

do seu trabalho, resultado <strong>de</strong> cur-<br />

sos homólogos dados na USP e<br />

tendo como referencial a língua li-<br />

terária, a autora esclarece ■— ou<br />

repete — que o nosso português<br />

não é nem dialeto e nem língua<br />

autônoma, mas sim um processo<br />

<strong>cultura</strong>l <strong>de</strong> diversificação. Aliás,<br />

pesquisas <strong>de</strong> opinião mostram que<br />

a média da população reafirma o<br />

acerto <strong>de</strong>ssa colocação e poucos<br />

se aventuram a consi<strong>de</strong>rar que nos<br />

comunicamos por meio da "lín-<br />

gua paulista", "mineira", "guara-<br />

ni", "dialeto brasileiro" etc. Nou-<br />

tras palavras, as consi<strong>de</strong>ráveis va-<br />

riações sócio-<strong>cultura</strong>is do nosso<br />

português não comprometem a es-<br />

trutura lingüística aclimatada na<br />

península e fruto das notáveis<br />

transformações do latim plebeu.<br />

Alguns momentos do seu traba-<br />

lho permitem a confluência dos<br />

excelentes estudos lingüísticos con-<br />

temporâneos, em que a consciên-<br />

cia <strong>de</strong> laborarmos em três níveis<br />

sociais: sistema/língua/fala <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />

126<br />

cratiza as falas e discursos e ul-<br />

trapassa as querelas sobre a "me-<br />

lhor" língua e as besteiras a res-<br />

peito da "pureza" lingüística. Ti-<br />

véssemos a consciência dos níveis<br />

e, conseqüentemente, das neces-<br />

sárias variações sócio-<strong>cultura</strong>is,<br />

não teríamos presenciado as bri-<br />

gas da época parnasiano-pré-mo-<br />

<strong>de</strong>mista sobre os mo<strong>de</strong>los da lin-<br />

guagem e a exigência <strong>de</strong> submis-<br />

são, em cujo contexto até mesmo<br />

excelentes escritores são acusados<br />

<strong>de</strong> perigosos heterodoxos, antina-<br />

oonalistas.<br />

O que realmente aconteceu na<br />

história foi a eleição <strong>de</strong> certa nor-<br />

ma socialmente prestigiada, a cujos<br />

pés esperou-se a genuflexão <strong>de</strong> to-<br />

dos, inclusive dos migrantes, se-<br />

miletrados, pobres e estudantes<br />

<strong>de</strong> classes subalternas. Hoje, fe-<br />

lizmente, a consciência das varia-<br />

ções começa a penetrar a consciên-<br />

cia dos educadores.<br />

Especificamente sobre a língua li-<br />

terária, Edith Pimentel <strong>de</strong>staca a<br />

limitação da sua "liberda<strong>de</strong>". De<br />

fato, ela foi abrigando, em sua<br />

evolução, falas populares, tor-<br />

neios sintáticos, consi<strong>de</strong>rável vo-<br />

cabulário da mescla social brasi-<br />

leira. A princípio, o autor não<br />

assumia a fala do povo, apondo<br />

claramente a sua, culta, à do ou-<br />

tro, popular, como em Raul Pom-<br />

péia e Coelho Neto. Depois, consi-<br />

<strong>de</strong>rada a revolução mo<strong>de</strong>rnista, ele<br />

passa a assumir o discurso do ou-<br />

tro: refletindo o drama social por<br />

<strong>de</strong>ntro do veículo real dos signi-<br />

ficados. As novas formas do dis-<br />

curso, notadamente <strong>de</strong>ntro da<br />

evolução psicológica, favoreceram<br />

bastante a nova atitu<strong>de</strong>. A má-<br />

xima regionalida<strong>de</strong> aponta para a<br />

efetiva universalida<strong>de</strong>. Aí a gran-<br />

<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Lins do Rego e Gracilia-<br />

no, bem como <strong>de</strong> Rulfo ou She-<br />

muel Agnon.


Felizmente, os mo<strong>de</strong>los lusitanos<br />

não nos enlouqueceram, nota-<br />

damente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> recebermos as<br />

novas ondas migratórias e <strong>de</strong>sco-<br />

brirmos que somos <strong>cultura</strong>s, somos<br />

plural (o que impossibilita, hoje<br />

a possível hipocrisia da nova cons-<br />

tituição, se preten<strong>de</strong>r estabelecer<br />

uma política nacional <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>).<br />

Enfim, lendo o livro releio as<br />

aulas dos mestres Edith e Antônio<br />

Cândido, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vêm as mensa-<br />

gens do compromisso da arte bra-<br />

sileira com as situações concretas<br />

do Brasil plural. Literatura com-<br />

prometida, língua comprometida,<br />

veicular, abrindo-se para as diver-<br />

sas concordâncias, regências, colo-<br />

cações, plural do léxico <strong>de</strong> i<strong>de</strong>o-<br />

logias, crônica diária das vicissi-<br />

tu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> país <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, cujas<br />

"frinéias <strong>de</strong> sarjetas" jamais leram<br />

Rui Barbosa, mas semantizaram<br />

o seu viver sofrido no diapasão<br />

possível do português que se<br />

apren<strong>de</strong>u na interação social; se<br />

longe das normas camonianas,<br />

ainda no sistema da gran<strong>de</strong> cria-<br />

ção luso-brasileira. Um portu-<br />

guês simplificado, mas não mor-<br />

to. Irregular, mas capaz <strong>de</strong> tocar<br />

a irregular vida brasileira. Não<br />

bárbaro, mas humano. Talvez<br />

oralizante e feito <strong>de</strong> clichês, por<br />

força das múltiplas repressões<br />

(até as suaves...), mas um por-<br />

tuguês que veicula o que po<strong><strong>de</strong>mo</strong>s<br />

ser, até que sejamos mais do que<br />

somos.<br />

Luiz Roberto Alves<br />

Instituto Metodista <strong>de</strong><br />

Ensino Superior<br />

Brinquedo e Serieda<strong>de</strong><br />

OLIVEIRA, Paulo <strong>de</strong> Salles<br />

— Brinquedo e Indústria<br />

Cultural. Petrópolis, Vozes,<br />

1986, 96 pp.<br />

O maior mérito <strong>de</strong>ste livro não<br />

está, seguramente, no rigor cien-<br />

tífico que seria <strong>de</strong> se esperar <strong>de</strong><br />

uma obra cuja gênese é uma dis-<br />

sertação <strong>de</strong> mestrado em Ciências<br />

Sociais, dadas as suas imprecisões,<br />

omissões e falhas <strong>de</strong> organização.<br />

Mas se a Aca<strong>de</strong>mia não gerou<br />

um produto perfeito, o mercado<br />

editorial ganhou um livro neces-<br />

sário e instigante. Necessário por-<br />

que é pioneiro, ao apresentar ao<br />

leitor brasileiro pela primeira vez<br />

um quadro completo das ques-<br />

tões que envolvem o brinquedo in-<br />

dustrializado. O que se publicou<br />

antes no Brasil refere-se a estudos<br />

em que este tema é tratado <strong>de</strong><br />

forma parcial ou secundária. A<br />

publicação que mais se aproxima<br />

<strong>de</strong>ste livro é do próprio Paulo <strong>de</strong><br />

Salles Oliveira (O que é brinque-<br />

do, São Paulo, Brasiliense, 1984).<br />

Além <strong>de</strong> pioneiro, o livro é cora-<br />

joso. Ele trata o brinquedo — um<br />

objeto próprio <strong>de</strong>sta classe consi-<br />

<strong>de</strong>rada inferior que é a das crian-<br />

ças — como algo sério e relevan-<br />

te no contexto das Ciências So-<br />

ciais, alinhando-o ao lado dos <strong>de</strong>-<br />

mais agentes i<strong>de</strong>ológicos dominan-<br />

tes já <strong>de</strong>nunciados pela Escola <strong>de</strong><br />

Frankfurt, quais sejam, os meios<br />

<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> social.<br />

Em segundo lugar, o livro é ins-<br />

tigante por abordar vários lados<br />

da questão "brinquedo industria-<br />

lizado", mostrando a multiplici-<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> vias pelas quais ela po<strong>de</strong><br />

ser estudada. Ele é, neste senti-<br />

do, muito mais uma "introdução<br />

ao brinquedo industrializado" do<br />

que uma pesquisa dirigida especi-<br />

ficamente às relações entre o brin-<br />

quedo e a Indústria Cultural, con-<br />

forme quer indicar o título. Cen-<br />

tralmente, o livro se propõe a ana-<br />

lisar o brinquedo industrializa-<br />

do sob o ângulo sociológico, até<br />

aqui explorado <strong>de</strong> maneira insu-<br />

ficiente. Isto implica articulá-lo<br />

com a produção i<strong>de</strong>ológica do-<br />

minante e, em conseqüência, com<br />

o imperialismo <strong>cultura</strong>l, passando<br />

pela sua realização capitalista en-<br />

quanto mercadoria.<br />

Em torno <strong>de</strong>ste conduto princi-<br />

pal, gravitam aspectos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

interesse. Ura <strong>de</strong>les é o "adulto-<br />

centrisrao", pelo qual se dá a do-<br />

127


minação do adulto sobre a crian-<br />

ça e que se expressa <strong>de</strong> duas for-<br />

mas principais. A primeira é a<br />

própria conceituação <strong>de</strong> "criança"<br />

como um adulto em potencial, co-<br />

mo se o adulto fosse um ser aca-<br />

bado e completo. O autor prefe-<br />

re enxergar ambos, adultos e<br />

crianças, como seres em trans-<br />

formação. A segunda forma é a<br />

da visão diferencial que adultos e<br />

crianças tem das funções do brin-<br />

quedo. Neste ponto, o autor dá<br />

ênfase à capacida<strong>de</strong> que a crian-<br />

ça tem como ser ativo e relativa-<br />

mente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> reagir <strong>de</strong><br />

modo criativo às funções explíci-<br />

tas dos brinquedos, rejeitando-os,<br />

<strong>de</strong>struindo-os ou modificando-dos.<br />

Mas a dominação que o brin-<br />

quedo encerra não é só a do adul-<br />

to sobre a criança. Ela, além <strong>de</strong><br />

etária, é também econômico-cul-<br />

tural (dos países hegemônicos so-<br />

bre os <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes) e <strong>de</strong> classe<br />

(da burguesia sobre as <strong>de</strong>mais<br />

classes). O livro <strong>de</strong>staca, ainda,<br />

o caráter <strong>de</strong> mercadoria do brin-<br />

quedo, reforçado pelos gran<strong>de</strong>s<br />

números relativos à produção e<br />

ao lucro, e a importante noção<br />

<strong>de</strong> que o senso <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />

ta mercadoria, <strong>de</strong>terminado so-<br />

cialmente, é fundamental na eli-<br />

tização do brincar. Todavia, o ca-<br />

pitulo mais articulado, embora<br />

portador <strong>de</strong> um título ina<strong>de</strong>qua-<br />

do, é o que trata do brinquedo<br />

informatizado (ví<strong>de</strong>o-games, brin-<br />

quedos eletrônicos etc.) cuja dis-<br />

seminação no Brasil é vista pelo<br />

autor como um forte elo da trans-<br />

nacionalização da economia e da<br />

<strong>cultura</strong> e como um instrumento<br />

mais eficaz <strong>de</strong> manipulação i<strong>de</strong>o-<br />

lógica.<br />

Este é, aliás — e paradoxalmen.<br />

te —, um dos problemas metodo-<br />

lógicos do livro. Ao incluir o<br />

brinquedo informatizado (ou "tec-<br />

nologizado") no escopo do traba-<br />

lho, o autor misturou objetos <strong>de</strong><br />

estudo <strong>de</strong> naturezas diferentes,<br />

que não comportam análises e<br />

conclusões comuns. Tanto que,<br />

no capítulo das conclusões, ele<br />

128<br />

separa aquelas que são pertinen-<br />

tes a uns e a outros, embora a<br />

ênfase seja sobre os informatiza-<br />

dos.<br />

Mesmo tendo incidido sobre ob-<br />

jetos concretos, o trabalho não<br />

proce<strong>de</strong>u a uma investigação em-<br />

pírica <strong>de</strong>stes objetos, constituin-<br />

do-se, primordialmente, num con-<br />

junto <strong>de</strong> reflexões baseadas em<br />

pesquisas bibliográficas e em ob-<br />

servação assistemática. Per<strong>de</strong>u,<br />

com isto, uma ótima oportunida-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar uma melhor contribui-<br />

ção á compreensão do fenômeno<br />

estudado, principalmente no que<br />

se refere às reais repercussões<br />

i<strong>de</strong>ológicas do brinquedo.<br />

E é na escolha da bibliografia<br />

que se encontrava a <strong>de</strong>ficiência teó-<br />

rico-metodológica mais grave do<br />

trabalho. Embora o título conte-<br />

nha a expressão "indústria cultu-<br />

ral", não há sequer uma remota<br />

alusão aos autores <strong>de</strong>sta expres-<br />

são, Theodor W. Adorno e Max<br />

Horkheimer, cuja produção, ao la-<br />

do daquela gerada pelos <strong>de</strong>mais<br />

integrantes da chamada Escola <strong>de</strong><br />

Frankfurt, já mencionada, é obri-<br />

gatória para a análise dos fenô-<br />

menos <strong>cultura</strong>is contemporâneos.<br />

No que tange ao tema da multi-<br />

nacionalização da <strong>cultura</strong>, o autor<br />

apóia-se sobremaneira no seu orien-<br />

tador, Octávio lanni, cujo livro<br />

Imperialismo e Cultura está pelo<br />

menos <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>fasado quanto<br />

ao <strong>de</strong>bate <strong>de</strong>sta questão. O au-<br />

tor, <strong>de</strong>sta maneira, ignora todos<br />

os estudos mo<strong>de</strong>rnos que vão <strong>de</strong>s-<br />

<strong>de</strong> as resoluções da UNESCO até,<br />

por exemplo, Juan Somavia e Her-<br />

bert Schiller, embora cite, em al-<br />

gumas oportunida<strong>de</strong>s, a figura<br />

essencial <strong>de</strong> Armand Matterlart.<br />

Por causa <strong>de</strong>sta omissão, o tra-<br />

balho passa ao largo <strong>de</strong> toda a<br />

discussão, originada ainda na dé-<br />

cada <strong>de</strong> 70, sobre a necessida<strong>de</strong><br />

do estabelecimento <strong>de</strong> uma Nova<br />

Or<strong>de</strong>m Mundial da Informação e<br />

da Comunicação, que ganhou até<br />

um nome, o <strong>de</strong> NOMIC.<br />

Nestes aspectos, o autor, tão<br />

tão brilhante em suas análises e


esponsável por um livro tão im-<br />

portante, <strong>de</strong>cididamente não levou<br />

a ciência muito a sério.<br />

Carlos Augusto Setti<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília<br />

Repensando a Cultura<br />

<strong>de</strong> Massas<br />

FILHO, Ciro Marcon<strong>de</strong>s —<br />

Quem Manipula Quem? O<br />

Po<strong>de</strong>r e Massas na Indús-<br />

tria da Cultura e da Comu-<br />

nicação no Brasil. Petrópo-<br />

lis, Vozes, 1986, 163 pp.<br />

O <strong>de</strong>bate intelectual é um cor-<br />

po estranho no ethos da universi-<br />

da<strong>de</strong> brasileira. O campo <strong>de</strong> es-<br />

tudos sobre <strong>cultura</strong> e comunica*<br />

ção social constitui, nesse sentido,<br />

um caso privilegiado, <strong>de</strong>vido a sua<br />

institucionalização tardia no sis-<br />

tema educacional. Quem Mani-<br />

pula Quem apresenta-se funda-<br />

mentalmente como um livro <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>bate. Por isso, corre o risco<br />

<strong>de</strong> passar <strong>de</strong>sapercebido. O silên-<br />

cio é geralmente tranqüilizador,<br />

especialmente diante <strong>de</strong> teses e<br />

idéias provocativas, como são as<br />

contidas neste último trabalho <strong>de</strong><br />

Ciro Marcon<strong>de</strong>s Filho.<br />

O livro reúne uma série <strong>de</strong> tex-<br />

tos publicados pelo autor ao lon-<br />

go dos últimos anos em revistas<br />

especializadas. O tema central é<br />

a <strong>cultura</strong> na socieda<strong>de</strong> capitalista<br />

contemporânea. Assim, ao lado<br />

<strong>de</strong> escritos <strong>de</strong> certa forma mais<br />

específicos, como os que tratam<br />

da questão da sexualida<strong>de</strong>, da te-<br />

lenovela, do shopping center e da<br />

publicida<strong>de</strong> transnacional, o leitor<br />

po<strong>de</strong> encontrar ensaios <strong>de</strong> caráter<br />

teórico, a propósito dos conceitos<br />

<strong>de</strong> <strong>cultura</strong>, i<strong>de</strong>ologia e imaginário.<br />

Todavia, convém não contrapor<br />

esses dois eixos. A leitura atenta<br />

da obra revela sua profunda im-<br />

bricação, como atesta o capitulo<br />

4, intitulado "Telenovela e Lógica<br />

do Capital", que nos parece um<br />

texto obrigatório para as futuras<br />

discussões sobre o assunto.<br />

Não obstante, a linha <strong>de</strong> força<br />

do livro resi<strong>de</strong>, sem dúvida, nas<br />

proposições teóricas que o autor<br />

apresenta. O ponto <strong>de</strong> partida<br />

constitui o texto "O Enterro <strong>de</strong><br />

Althusser", on<strong>de</strong> a critica do pa-<br />

radigma <strong>de</strong> estudos esboçado pelo<br />

pensador francês serve <strong>de</strong> sinal<br />

para "repensar toda a teoria das<br />

i<strong>de</strong>ologias e montar um instru-<br />

mental teórico <strong>de</strong> trabalho mais<br />

sólido e amplo para, a partir <strong>de</strong>s-<br />

se inicio, repensar todo o proble-<br />

ma da teoria da Comunicação"<br />

(121).<br />

É a essa tarefa que o autor se<br />

<strong>de</strong>dica notadamente nos capítulos<br />

6 e 10, on<strong>de</strong> por um lado apre-<br />

senta suas teses sobre a luta <strong>de</strong><br />

classes, a história e o imaginário;<br />

e, por outro, critica certas con-<br />

cepções <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, propaganda e<br />

<strong>cultura</strong>. O ponto comum é o ata-<br />

que ao marxismo tradicional, es-<br />

necialmente sua incapacida<strong>de</strong> em<br />

dar conta do papel do registro<br />

imaginário no movimento do ca-<br />

pitalismo monopolista. Marcon-<br />

<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>o-<br />

logia "homólogo à ativida<strong>de</strong> hu-<br />

mana em suas relações sociais e <strong>de</strong><br />

produção", que satura todos os<br />

campos sociais, provém do con-<br />

junto <strong>de</strong> suas lutas e contradições,<br />

e cujo único critério é a prática<br />

(55-56).<br />

Nessas colocações, nota-se a in-<br />

fluência do pensamento <strong>de</strong> Casto-<br />

riadis, centrado na idéia <strong>de</strong> que<br />

a socieda<strong>de</strong> se auto-institui atra-<br />

vés <strong>de</strong> um magma <strong>de</strong> significações,<br />

que o filósofo chama <strong>de</strong> imaginá-<br />

rio radical, não obstante Ciro<br />

Marcon<strong>de</strong>s manter a tese marxis-<br />

ta <strong>de</strong> que as i<strong>de</strong>ologias são his-<br />

toricamente <strong>de</strong>terminadas pela lu-<br />

ta <strong>de</strong> classe (48), o que contraria<br />

os fundamentos da reflexão ino-<br />

vadora <strong>de</strong> Castoriadis.<br />

Com relação às teses equivoca-<br />

das sobre po<strong>de</strong>r, propaganda e<br />

<strong>cultura</strong>, encontramos uma apro-<br />

ximação maior igualmente visí-<br />

129


vel na parte final da introdução,<br />

com o pensamento <strong>de</strong> autores co-<br />

mo Baudrillard, que, passível <strong>de</strong><br />

ser incluído no grupo que Haber-<br />

mas tem chamado dos "jovens<br />

conservadores", tem assinalado<br />

o comportamento ao mesmo tem-<br />

po ambíguo e perverso das mas-<br />

sas com relação ao po<strong>de</strong>r em nos-<br />

sa socieda<strong>de</strong>. Ciro Marcon<strong>de</strong>s<br />

ataca a idéia <strong>de</strong> que as classes su-<br />

balternas se opõem espontanea-<br />

mente, <strong>de</strong>vido a sua posição estru-<br />

tural na socieda<strong>de</strong>, às relações<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r estabelecidas pelo capi-<br />

tal, <strong>de</strong>scobrindo nelas "uma es-<br />

trutura suporte baseada na dife-<br />

renciação e no <strong>de</strong>staque", que re-<br />

produz as hierarquias sociais im-<br />

postas pelo capital no seio <strong>de</strong>ssas<br />

classes (122-131). Logo, <strong>de</strong>nuncia<br />

os projetos <strong>de</strong> contrapropaganda<br />

e o uso <strong>de</strong> clichês na linguagem<br />

política que, sob o pretexto <strong>de</strong> di-<br />

minuir a distância entre a políti-<br />

ca e a vida cotidiana, promovem<br />

a <strong>de</strong>spolitização e, indiretamente,<br />

o reforço da política tradicional<br />

(131-139). Finalmente, critica os<br />

prejuízos do economicismo na ex-<br />

plicação do social-histórico, che-<br />

gando mesmo a afirmar que "o<br />

econômico não é sempre o fim",<br />

mas freqüentemente o meio pa-<br />

ra se atingir objetivos fixados por<br />

outro registro. Isto é, "o que es-<br />

tá por trás <strong>de</strong> tudo é o imaginá-<br />

rio" (142).<br />

Em síntese, o autor explora a<br />

idéia <strong>de</strong> que as camadas popula-<br />

res efetivamente <strong>de</strong>positam espe-<br />

ranças e gozam com a <strong>cultura</strong><br />

proposta pelo capital através dos<br />

meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>; e que só<br />

há sentido em atuar junto a essas<br />

classes se for da perspectiva da<br />

penetração da indústria <strong>cultura</strong>l<br />

em seu modo <strong>de</strong> vida.<br />

Convém salientar que essas pro-<br />

posições não se encontram em for-<br />

ma acabada. São pontos para dis-<br />

cussão, elementos que ainda ca-<br />

recem <strong>de</strong> sistematização num mo-<br />

<strong>de</strong>lo teórico mais amplo, o que<br />

nos remete ao ponto <strong>de</strong> partida do<br />

autor, na medida em que só por<br />

130<br />

essa via, ao menos nos parece,<br />

po<strong>de</strong>remos avaliar se as perspec-<br />

tivas <strong>de</strong>lineadas no livro, a partir<br />

do enterro do paradigma althusse-<br />

riano e <strong>de</strong> outros — que o autor<br />

não aponta abertamente, mas con-<br />

trapõe a todo momemo, como o<br />

quê se volta basicamente à cultu-<br />

ra popular —, servem para repen-<br />

sar o campo <strong>de</strong> estudos da comu-<br />

nicação social. Com efeito, o uso<br />

<strong>de</strong> categorias como massas e po-<br />

<strong>de</strong>r, à falta <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição no<br />

quadro <strong>de</strong> uma teoria social, tem<br />

um conteúdo meramente <strong>de</strong>scriti-<br />

vo, quando não i<strong>de</strong>ológico, como<br />

é o caso do termo massas, ao lon-<br />

go do livro. Em particular, Ciro<br />

Marcon<strong>de</strong>s fica nos <strong>de</strong>vendo a ela-<br />

boração conceituai da categoria<br />

imaginário e dos pressupostos que<br />

permitem sua integração a uma<br />

teoria crítica (<strong>de</strong> cunho herme-<br />

nêutico e explicativo) da socie-<br />

da<strong>de</strong>.<br />

De qualquer forma, Quem Ma-<br />

nipula Quem atesta a presença<br />

<strong>de</strong> um movimento, visível tam-<br />

bém nos últimos escritos <strong>de</strong> Mu-<br />

niz Sodré, em favor da constitui-<br />

ção <strong>de</strong> um novo paradigma no<br />

campo <strong>de</strong> estudos da <strong>comunicação</strong>.<br />

Por isso, é um livro que, seja<br />

para <strong>de</strong>senvolver sua problemáti-<br />

ca, seja para criticar suas perspec-<br />

tivas, se impõe à discussão.<br />

Francisco Rüdiger<br />

Pontifícia Universida<strong>de</strong><br />

Católica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

Comunicação Integrada<br />

KUNSCH, Margarida M. Kro-<br />

ling — Planejamento <strong>de</strong> Re-<br />

lações Públicas na Comuni-<br />

cação Integrada. São Pau-<br />

lo, Summus Editorial, 1986,<br />

178 pp.<br />

Na socieda<strong>de</strong> contemporânea, as<br />

Relações Públicas se inscrevem no<br />

processo <strong>de</strong> mudanças exigidas<br />

pelo imperativo das círcunstân-


cias. No Brasil, as Escolas <strong>de</strong> Co-<br />

municação, responsáveis pela for-<br />

mação e profissionalização dos es-<br />

tudantes <strong>de</strong> Relações Públicas,<br />

com vistas ao mercado <strong>de</strong> traba-<br />

lho, não po<strong>de</strong>m correr o risco <strong>de</strong><br />

continuar sendo uma simples fá-<br />

brica <strong>de</strong> ilusões para profissionais<br />

sem emprego, sem conhecimento,<br />

sem perspectivas <strong>de</strong> futuro.<br />

É nesta visão <strong>de</strong> conjunto que<br />

Planejamento <strong>de</strong> Relações Públi-<br />

cas na <strong>comunicação</strong> integrada, <strong>de</strong><br />

Margarida Maria Krohling Kunsch,<br />

pela sua originalida<strong>de</strong> e profun<strong>de</strong>-<br />

za <strong>de</strong> conceitos visa a contribuir<br />

não apenas para o estudo do<br />

planejamento, mas também pa-<br />

ra sistematizar a <strong>comunicação</strong> in-<br />

tegrada nas organizações sociais.<br />

A autora propõe a "<strong>comunicação</strong><br />

integrada" como uma visão trans-<br />

formadora da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Rela-<br />

ções Públicas, que vai <strong>de</strong> encon-<br />

tro às expectativas <strong>de</strong> todos aque-<br />

les que atuam nesse campo pro-<br />

fissional, <strong>de</strong>ntro das fronteiras<br />

estabelecidas pela regulamentação,<br />

<strong>de</strong> acordo com a Lei nP 5.377/67,<br />

que disciplina o exercício profis-<br />

sional <strong>de</strong> Relações Públicas.<br />

Depois <strong>de</strong> sustentar que as or-<br />

ganizações mo<strong>de</strong>rnas se caracte-<br />

rizam como sistemas abertos, a<br />

autora sublinha a importância da<br />

transição "ambiente/organização"<br />

modificada tanto pela velocida<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> das mudanças<br />

externas quanto pela complexida-<br />

<strong>de</strong> interna das próprias organiza-<br />

ções. Salienta que as análises<br />

ambientais são importantes para<br />

enten<strong>de</strong>r melhor todo o processo<br />

<strong>de</strong> planejamento estratégico, uma<br />

vez que as variáveis influenciam,<br />

enormemente, sobre as organiza-<br />

ções, obrigando-as a se adap-<br />

tar, a reagir e a uma constante<br />

inovação para po<strong>de</strong>r acompanhar<br />

as mutações contínuas do macros-<br />

sistema ambiental (p. 60).<br />

Margarida M. K. Kunsch, ao<br />

abordar as chamadas "questões<br />

controversas", <strong>de</strong>ixa implícito que<br />

a consciência da realida<strong>de</strong> nasce<br />

do confronto do homem com seu<br />

mundo multifacético e que é <strong>de</strong>ste<br />

confronto que surgem os questio-<br />

namentos, os problemas, as con-<br />

trovérsias. A preocupação funda-<br />

mental <strong>de</strong> quantos se <strong>de</strong>dicam ao<br />

estudo da opinião pública é a bus-<br />

ca <strong>de</strong> soluções para esses conflitos,<br />

inevitáveis numa socieda<strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>-<br />

crática. Fundamentando-se em Cha-<br />

se Jones, a autora afirma que pa-<br />

ra a solução das "controvérsias",<br />

na sua complexida<strong>de</strong>, faz-se mis-<br />

ter "integrar-se com os diversos<br />

setores da organização, assessoran-<br />

do-se <strong>de</strong>vidamente na i<strong>de</strong>ntifica-<br />

ção dos problemas, em sua aná-<br />

lise, no estabelecimento <strong>de</strong> estra-<br />

tégias e na tomada <strong>de</strong> providên-<br />

cias ou <strong>de</strong> ações necessárias para<br />

selecioná-los" (p. 116). Essa no-<br />

va dimensão das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Re-<br />

lações Públicas, cuja gênese re-<br />

monta a 1976, nos Estados Unidos,<br />

por obra <strong>de</strong> Howard Chase, foi in-<br />

troduzida no Brasil por Teobaldo<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, em 1979, com o arti-<br />

go Administração <strong>de</strong> controvérsia<br />

pública, publicada pela revista<br />

IDORT, <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Depois <strong>de</strong> referir-se aos aspec-<br />

tos teóricos das "questões contro-<br />

versas", a autora apresenta, nas<br />

páginas 117, 118 e 122, gráficos<br />

que ilustram o mo<strong>de</strong>lo do proces-<br />

so da administração, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />

a tese <strong>de</strong> que "as Relações Públi-<br />

cas", como gerenciamento ou ad-<br />

ministração <strong>de</strong> questões con-<br />

troversas, po<strong>de</strong>rão ter um papel<br />

<strong>de</strong>staque no composto da comuni-<br />

cação integrada das organizações,<br />

facilitando o diálogo entre as vá-<br />

rias áreas e, por meio <strong>de</strong> ação con-<br />

julgada, ajudar a encontrar as<br />

<strong>de</strong>vidas soluções para os proble-<br />

mas surgidos" (p. 119).<br />

No último capítulo do livro. Mar-<br />

garida M. K. Kunsch volta a foca-<br />

lizar as Relações Públicas no com-<br />

posto da <strong>comunicação</strong> integrada,<br />

assinalando que haja uma comu-<br />

nicação integrada, <strong>de</strong>senvolven-<br />

do-se <strong>de</strong> forma conjugada as ati-<br />

vida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> institu-<br />

cional e <strong>comunicação</strong> mercadoló-<br />

gica.<br />

131


Planejamento <strong>de</strong> Relações Pú-<br />

blicas na <strong>comunicação</strong> integrada<br />

é um livro muito bem estrutura-<br />

do. Nos seus quatro capítulos,<br />

examina a organização como siste-<br />

ma social, o planejamento orga-<br />

nizacional, o planejamento <strong>de</strong> Re-<br />

lações Públicas e as Relações Pú-<br />

blicas no composto da comunica-<br />

ção integrada. Pelo seu conteúdo,<br />

evi<strong>de</strong>ncia-se o conhecimento que<br />

a autora possui do assunto. A re-<br />

dação está <strong>de</strong>ntro dos parâmetros<br />

acadêmicos, com exposições cla-<br />

ras, cientificas e didáticas. Essas<br />

características fazem com que o<br />

livro se constitua num referencial<br />

teórico/prático para pesquisado-<br />

res <strong>de</strong>ssa área, que para alguns<br />

estudiosos pertence às ciências da<br />

administração e para outros às<br />

ciências da <strong>comunicação</strong>.<br />

Conquanto o tema central do li-<br />

vro seja "planejamento", consta-<br />

ta-se que a autora <strong>de</strong>u gran<strong>de</strong> re-<br />

levância à "<strong>comunicação</strong> integra-<br />

da". Deste modo, o conteúdo pa-<br />

rece complementar-se, pois anali-<br />

sa os processos <strong>de</strong> planejamento<br />

ressaltando que "antes <strong>de</strong> se esta-<br />

belecer uma política <strong>de</strong> comunica-<br />

ção, é necessário conhecer a po-<br />

lítica global da organização", pois<br />

"quando se faz um planejamento<br />

global <strong>de</strong> Relações Públicas, esta-<br />

belecem-se os objetivos a longo,<br />

médio e curto prazo, e para cada<br />

projeto, plano ou programa have-<br />

rá sempre objetivos e metas espe-<br />

cificas" (p. 87).<br />

A autora chega à conclusão <strong>de</strong><br />

que "a organização social <strong>de</strong>ve<br />

i<strong>de</strong>ntificar-se perante a opinião<br />

pública, cabendo às Relações Pú-<br />

blicas, por meio do planejamento<br />

fundamentado em pesquisas e na<br />

análise ambiental, ajudar a <strong>de</strong>finir<br />

os melhores caminhos para que<br />

ela atinja mais eficazmente os di-<br />

versos públicos, graças a ações<br />

perfeitamente integradas do com-<br />

posto da <strong>comunicação</strong>. (...) E<br />

se há muito que fazer em termos<br />

<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> integrada nas or-<br />

ganizações sociais, o <strong>de</strong>safio que<br />

se coloca para as Relações Públi-<br />

132<br />

cas, neste contexto, é excitante"<br />

(pp. 133-134).<br />

Pelo referencial teórico, pelos<br />

dados empíricos analisados, oe-<br />

los gráficos que facilitara a<br />

compreensão do processo e pela<br />

bibliografia, o livro Planejamento<br />

<strong>de</strong> Relações Públicas na comuni-<br />

cação integrada constitui para<br />

professores, estudantes e profissio-<br />

nais <strong>de</strong> Relações Públicas e <strong>de</strong> co-<br />

municação em geral uma contri-<br />

buição valiosa, já que para todos<br />

lança o <strong>de</strong>safio não apenas no que<br />

tange ao planejamento estratégi-<br />

co, mas principalmente no que<br />

concerne à proposta inovadora da<br />

<strong>comunicação</strong> integrada.<br />

Francisco Assis Fernan<strong>de</strong>s<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

Em Busca do "Mo'De Ser"<br />

MEDINA, Cremilda <strong>de</strong> Araújo<br />

— Entrevista (o diálogo<br />

possível). São Paulo, Ática,<br />

1986, 96 pp.<br />

Tomei emprestado da autora,<br />

Cremilda Medina (cf. "Mo^e ser,<br />

Mo'dizer", tese <strong>de</strong> doutorado na<br />

Escola <strong>de</strong> Comunicações e Artes<br />

da USP), a expressão que titula<br />

a resenha do seu livro: ENTRE-<br />

VISTA (o diálogo possível).<br />

"Em busca do Mo'<strong>de</strong> ser" bem<br />

representa a proposta <strong>de</strong>ste livro<br />

sobre a entrevista jornalística. Ne-<br />

le, Cremilda discute e, conseqüen-<br />

temente, apresenta os postulados<br />

<strong>de</strong> uma entrevista não-autoritária,<br />

dialógica. Procura superar uma<br />

visão tecnicista da tarefa do jor-<br />

nalista que sai em busca do outro<br />

na entrevista. Por isso, sua pro-<br />

posta vai mais além dos manuais<br />

práticos <strong>de</strong> redação jornalística.<br />

Na apresentação <strong>de</strong> sua propos-<br />

ta, perpassa todos os momentos<br />

<strong>de</strong> uma entrevista, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a con-<br />

fecção da pauta até a redação fi-<br />

nal da mesma, passando pela bus-<br />

ca do entrevistado, luta pelo es-<br />

paço na edição, modo <strong>de</strong> escrevê-<br />

-la e narrá-la.


O livro traz à baila uma preo-<br />

cupação fundamental e <strong>de</strong>cisiva<br />

para o que-fazer jornalístico na<br />

atualida<strong>de</strong>. Por uma série <strong>de</strong> cir-<br />

cunstâncias, as pessoas não se<br />

encontram. Os contatos se dão<br />

apenas a nível secundário. Não<br />

existe uma preocupação em <strong>de</strong>ixar<br />

com que o outro expresse sua in-<br />

teriorida<strong>de</strong>, que diga a sua pala-<br />

vra. O tr.odo <strong>de</strong> ser não aflora.<br />

Isto é fatal para a entrevista jor-<br />

nalística. Não se busca a pessoa.<br />

Procura-se tomar <strong>de</strong>poimentos.<br />

Pior ainda, o repórter, muitas<br />

vezes, tenta buscar no entrevista-<br />

do a confirmação <strong>de</strong> suas idéias<br />

preconcebidas. Não acontecendo a<br />

necessária e imprescindível inte-<br />

ração, on<strong>de</strong> o diálogo se estabele-<br />

ce e o encontro se realiza em pro-<br />

fundida<strong>de</strong>.<br />

Para que uma entrevista seja<br />

realmente propiciadora <strong>de</strong> diálogo,<br />

<strong>de</strong> encontro, é necessário que na<br />

relação entre repórter e entrevis-<br />

tado se estabeleça uma dialética<br />

fundamental: a dialética entre o<br />

SABER e o NAO-SABER. Pois,<br />

quem NAO SABE NADA está IM-<br />

POSSIBILITADO <strong>de</strong> perguntar;<br />

quem SABE TUDO, crê SER SU-<br />

PÉRFLUO perguntar. Portanto,<br />

tanto a total ignorância quanto o<br />

total conhecimento impe<strong>de</strong> a con-<br />

secução <strong>de</strong> uma entrevista, impos-<br />

sibilitando o estabelecimento do<br />

diálogo.<br />

Por outro lado, a mesma dialé-<br />

tica <strong>de</strong>ve estar presente na pes-<br />

soa do entrevistado. Ao dispor-se<br />

para uma entrevista, também ele<br />

<strong>de</strong>ve entrar em diálogo com o en-<br />

trevistador. Também ele <strong>de</strong>ve acei-<br />

tar que po<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r algo, que<br />

po<strong>de</strong> crescer com o repórter. Cre-<br />

milda Medina diz que na entrevis-<br />

ta <strong>de</strong>ve haver a "tentativa <strong>de</strong> com-<br />

preensão do modo <strong>de</strong> ser e do mo-<br />

do <strong>de</strong> dizer do entrevistado" (p.<br />

79). Atrevo-me a dizer que este<br />

princípio vale também para o en-<br />

trevistador. Na interação dialé-<br />

tica entre os dois também se bus-<br />

ca a compreensão do modo <strong>de</strong><br />

ser e do modo <strong>de</strong> dizer do entre-<br />

vistador, do repórter. Pois, salien-<br />

ta Cremilda, que na entrevista <strong>de</strong>ve<br />

haver um comprometimento com<br />

o real-imaginário <strong>de</strong> cada um (p.<br />

45). Por isso, não é apenas a bus-<br />

ca do entrevistado, mas também<br />

a busca do entrevistador. Portan-<br />

to, "o <strong>de</strong>safiador <strong>de</strong>ssa aventura é<br />

a inquietu<strong>de</strong>, mantida viva, <strong>de</strong> ir-<br />

-ao-encontro-do-outro, não toman-<br />

do o outro como ISTO, objeto em<br />

que imprimirei, a ferro e fogo, o<br />

meu EU" (p. 44).<br />

Esta posição é baseada na filo-<br />

sofia <strong>de</strong> Martin Buber — que se<br />

preocupou com a relação "EU e<br />

TU". Deste modo, cada relação,<br />

cada entrevista, cada encontro com<br />

o outro traz consigo um aprendiza-<br />

do, um crescimento no modo <strong>de</strong><br />

ser, tanto <strong>de</strong> quem pergunta quan-<br />

to <strong>de</strong> quem respon<strong>de</strong>.<br />

Esta consciência, este projeto<br />

(diríamos <strong>de</strong> vida!), fará com que<br />

entrevistar e ser entrevistado se-<br />

ja gratificante, seja um fato ge-<br />

rador <strong>de</strong> pessoas. Isto não se<br />

apren<strong>de</strong> nos manuais <strong>de</strong> redação<br />

que pululam no mercado. Ao con-<br />

trário, é fruto <strong>de</strong> uma formação<br />

humana e <strong>cultura</strong>l que transcen<strong>de</strong><br />

as "receitas prontas". É conse-<br />

qüência <strong>de</strong> um respeito pelo ser<br />

do outro e parte da compreensão<br />

da própria condição <strong>de</strong> ser huma-<br />

no, falivel e perfectível enquanto<br />

vive.<br />

Arrisco dizer que o jornalista<br />

— parafraseando um ex-ministro<br />

— "não é ou está repórter". An-<br />

tes, "está sendo repórter" enquan-<br />

to trabalha. Isto é, faz-se, cons-<br />

titui-se no que-fazer jornalístico.<br />

Por tudo isto, e por aquilo que<br />

significa na formação universitá-<br />

ria — necessária e fundamental —<br />

para o jornalista, este livro <strong>de</strong><br />

Cremilda Medina é leitura obriga-<br />

tória. Tem o mérito incontestá-<br />

vel <strong>de</strong> discutir o que-fazer jorna-<br />

lístico <strong>de</strong> uma maneira nova, ques-<br />

tionando os atuais pressupostos,<br />

propondo alternativas, colocando o<br />

"<strong>de</strong>do na ferida" <strong>de</strong> muito jerna-<br />

lismo falacioso e comprometido<br />

133


com interesses que nada têm a ver<br />

com a busca da verda<strong>de</strong>.<br />

A ENTREVISTA (O diálogo pos-<br />

sivel) é a BUSCA DO "MO'DE<br />

SER" do entrevistado e do entre-<br />

vistador. Por isso, merece ser li-<br />

do e recomendado.<br />

Pedro Gilberto Gomes<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

Quem é Quem na<br />

Comunicação Cristã<br />

CAMECO, WACC, UCBC —<br />

Entida<strong>de</strong>s Cristãs <strong>de</strong> Comu-<br />

nicação Social no Brasil.<br />

São Paulo, Edições Pauli-<br />

nas, 1987, 200 pp.<br />

Entre os vários ramos da co-<br />

municação especializada, vem ga-<br />

nhando <strong>de</strong>staque, nos últimos anos,<br />

a <strong>comunicação</strong> religiosa. Nos Cen-<br />

tros <strong>de</strong> pós-graduação da Esco-<br />

la <strong>de</strong> Comunicações e Artes da<br />

USP e do Instituto Metodista <strong>de</strong><br />

Ensino Superior <strong>de</strong> São Bernardo<br />

do Campo, pelo menos sete teses<br />

sobre o tema foram ou estão sen-<br />

do <strong>de</strong>fendidas a partir <strong>de</strong> 1980.<br />

Ainda no inicio <strong>de</strong>ste ano, três<br />

importantes livros foram publica-<br />

dos, tendo como conteúdo ques-<br />

tões como "a Igreja eletrônica" e<br />

a "Assembléia eletrônica": o pri-<br />

meiro <strong>de</strong> Hugo Assmann, editado<br />

pela Vozes, e os dois últimos,<br />

respectivamente, do CELAM e<br />

da CNBB, editados pelas Paulinas.<br />

A estes esforços editoriais so-<br />

mam-se os projetos <strong>de</strong> comunica-<br />

ção <strong>de</strong>senvolvidos por organismos<br />

especializados, quer a nível conti-<br />

nental, quer a nível nacional. Na<br />

América Latina, por exemplo, as<br />

associações <strong>de</strong>dicadas ao jornalis-<br />

mo, ao cinema, a rádio e à tele-<br />

visão, na área católica, estão <strong>de</strong>-<br />

batendo um programa comum <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s voltado para a capaci-<br />

tação <strong>de</strong> comunicadores em vários<br />

níveis, com o objetivo final <strong>de</strong><br />

134<br />

fazer avançar as propostas <strong>de</strong> cons-<br />

trução <strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> co-<br />

municação no continente.<br />

Os estudos acadêmicos, os pro-<br />

jetos editoriais e os programas <strong>de</strong><br />

ação evi<strong>de</strong>nciam tão somente o tra-<br />

balho <strong>de</strong> uma elite e dão a conhe-<br />

cer apenas algumas realida<strong>de</strong>s se-<br />

torizadas, não possibilitando, ainda,<br />

o conhecimento do universo re-<br />

presentado pela presença das Igre-<br />

jas na área da <strong>comunicação</strong>. O co-<br />

tidiano da <strong>comunicação</strong> cristã no<br />

país não é ainda suficientemente<br />

analisado, mesmo pelos que estão<br />

inseridos nas tarefas <strong>de</strong> produção<br />

em seus respectivos veículos ou<br />

instrumentos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Em<br />

pesquisa que efetuamos em 1980,<br />

por solicitação da CNBB, consta-<br />

tamos, por exemplo, que os pró-<br />

prios responsáveis pela atuação da<br />

Igreja Católica nas várias circuns-<br />

crições eclesiásticas <strong>de</strong>sconheciam<br />

boa parte dos recursos da comu-<br />

nicação disponíveis em suas dio-<br />

ceses, fato que evi<strong>de</strong>nciava a ne-<br />

cessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que alguém tomasse<br />

a iniciativa <strong>de</strong> facilitar o conheci-<br />

mento mútuo entre os produtores<br />

<strong>de</strong> mensagens a serviço da pasto-<br />

ral.<br />

Pois bem, a iniciativa acaba <strong>de</strong><br />

ser tomada por uma associação<br />

<strong>de</strong> quatro entida<strong>de</strong>s, duas estran-<br />

geiras e duas brasileiras: a Catho-<br />

lic Media Council (CAMECO), a<br />

World Association for Christian<br />

Communication (WACC), a União<br />

Cristã Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />

Social (UCBC) e as Edições Pau-<br />

linas.<br />

A contribuição que oferecem<br />

é o livro Entida<strong>de</strong>s Cristãs <strong>de</strong><br />

Comunicação Social no Brasil.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> 200<br />

páginas, contendo fichas <strong>de</strong>scri-<br />

tivas <strong>de</strong> 6 serviços noticiosos, 10<br />

centros <strong>de</strong> treinamento, 15 cen-<br />

tros produtores <strong>de</strong> audiovisuais,<br />

ví<strong>de</strong>o e cinema, 16 centros produ-<br />

tores em rádio e TV, 18 tipogra-<br />

fias, 46 editoras, 129 emissoras <strong>de</strong><br />

rádio e 211 periódicos. Cada fi-<br />

cha i<strong>de</strong>ntifica a razão social da em-<br />

presa, a <strong>de</strong>nominação religiosa da


mantenedora, a data <strong>de</strong> funda-<br />

ção, os objetivos e outros dados<br />

específicos ao tipo <strong>de</strong> empreendi-<br />

mento (número <strong>de</strong> trabalhadores;<br />

nome do editor-chefe; periodicida-<br />

<strong>de</strong>; tiragem; área <strong>de</strong> cobertura;<br />

potência e freqüência, no caso <strong>de</strong><br />

emissoras <strong>de</strong> rádio).<br />

Entida<strong>de</strong>s Cristãs <strong>de</strong> Comunica-<br />

ção Social no Brasil faz parte <strong>de</strong><br />

um projeto <strong>de</strong> levantamento dos<br />

centros <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> das Igre-<br />

jas Cristãs no Terceiro Mundo. Já<br />

foram editados os volumes cor-<br />

respon<strong>de</strong>ntes à África e a Ásia, es-<br />

tando em fase <strong>de</strong> preparação os<br />

catálogos referentes ao Pacifico<br />

Sul e Oceania, à América Central<br />

e Caribe e, finalmente, à Améri-<br />

ca do Sul. Para a preparação do<br />

volume sobre o Brasil, a UCBC<br />

ofereceu sua colaboração, revendo<br />

e atualizando todas as fichas em<br />

seu po<strong>de</strong>r.<br />

Existem lacunas e falhas, uma<br />

vez que algumas das empresas não<br />

<strong>de</strong>volveram respondidos os ques-<br />

tionários que lhes havia sido en-<br />

viados, obrigando os editores da<br />

obra a publicar alguns dados in-<br />

certos. Po<strong>de</strong>-se afirmar, contudo,<br />

que esta margem <strong>de</strong> dúvidas não<br />

ultrapassa <strong>de</strong> 5 a 8% das informa-<br />

ções, o que é aceitável.<br />

A que vem uma obra <strong>de</strong>ssas?<br />

Diríamos que à melhoria do tra-<br />

balho das próprias empresas, uma<br />

vez que facilitará seu relaciona-<br />

mento em busca <strong>de</strong> objetivos co-<br />

muns. Serão beneficiados os co-<br />

or<strong>de</strong>nadores <strong>de</strong> Setores e Departa-<br />

mentos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> das várias<br />

Igrejas Cristãs, bem como os for-<br />

necedores das empresas e os pes-<br />

quisadores da <strong>comunicação</strong>.<br />

A gran<strong>de</strong> omissão — que preju-<br />

dicará a estes mesmos <strong>de</strong>stinatá-<br />

rios — resi<strong>de</strong> na redução dos no-<br />

mes citados aos 200 diretores das<br />

empresas, <strong>de</strong>ixando-se <strong>de</strong> contem-<br />

plar os profissionais com atuação<br />

marcante nas várias áreas (jorna-<br />

lismo; radialismo; editoração; ar-<br />

tes; produção em ví<strong>de</strong>o, áudio, dis-<br />

co, cinema; publicida<strong>de</strong> e marke-<br />

ting; produção intelectual, pesqui-<br />

sa acadêmica etc), bem como os<br />

agentes da pastoral da comunica-<br />

ção e os comunicadores populares.<br />

Um "Quem é Quem" na Comuni-<br />

cação Cristã, caso seja incluído no<br />

projeto do CAMECO-WACC-UCBC,<br />

seria bem vindo e prestaria ines-<br />

timáveis serviços ao projeto maior<br />

<strong>de</strong> unir os profissionais da comu-<br />

nicação em tomo <strong>de</strong> objetivos co-<br />

muns.<br />

Ismar <strong>de</strong> Oliveira Soares<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

O Universo da Comunicação<br />

Empresarial/Institucional<br />

GAUDÊNCIO TORQUATO,<br />

Francisco — Comunicação Em-<br />

presarial/Comunicação Insti-<br />

tucional: Estratégias, Siste-<br />

mas, Estruturas, Planejamen-<br />

to e Técnicas. São Paulo,<br />

Summus Editorial, 1986, 182<br />

pp.<br />

Terceira obra publicada do pro-<br />

fessor Gaudêncio Torquato, este<br />

seu mais recente lançamento, pela<br />

Summus, reflete a trajetória aca-<br />

dêmica e profissional do autor, re-<br />

conhecidamente um nome <strong>de</strong> gran-<br />

<strong>de</strong> prestígio na área da comunica-<br />

ção institucional. Atual presi<strong>de</strong>n-<br />

te da INTERCOM, professor ti-<br />

tular da Escola <strong>de</strong> Comunicações<br />

e Artes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo, Torquato foi inicialmente<br />

reconhecido como um especialista<br />

que pontificava no campo do jor-<br />

nalismo empresarial. O estágio se-<br />

guinte <strong>de</strong> seu avanço enquanto ex-<br />

pert em <strong>comunicação</strong> foi represen-<br />

tado pelo seu trabalho em mar-<br />

keting político. A terceira fase é<br />

essa <strong>de</strong> um horizonte mais am-<br />

plo, conseqüência natural dos pas-<br />

sos anteriores, abarcando numa<br />

so abordagem: o universo com-<br />

plexo e vasto da <strong>comunicação</strong> em-<br />

presarial/institucional .<br />

135


Como é <strong>de</strong> seu feitio, Torquato<br />

apóia-se na abordagem sistêmica.<br />

Procura não apenas refletir con-<br />

ceitualmente sobre o objeto que<br />

se propõe tratar, como também<br />

parte para traduzir os resultados<br />

<strong>de</strong> suas diversas experiências pro-<br />

fissionais em diferentes campos da<br />

<strong>comunicação</strong> em oue esteve a ser-<br />

viço das organizações. A proposta<br />

essencial do livro, nas palavras<br />

do autor, "é a <strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>mo</strong>nstrar que<br />

a <strong>comunicação</strong> exerce um extra-<br />

ordinário po<strong>de</strong>r para o equilíbrio,<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento e a expansão<br />

das empresas". São também seus<br />

objetivos, "compreen<strong>de</strong>r quais as<br />

variáveis que influem para formar<br />

este po<strong>de</strong>r, situar seu papel ante<br />

outros po<strong>de</strong>res, mostrar como ga-<br />

nhar maior eficácia".<br />

Para tanto, o livro apresenta-se di-<br />

vidido em duas partes. Os capítulos<br />

da primeira parte resultam da Tese<br />

<strong>de</strong> Livre-Docência do autor, na<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, em<br />

que era discutido o uso <strong>de</strong> comu-<br />

nicação sinérgica para obtenção<br />

<strong>de</strong> eficácia em Organizações Utili-<br />

tárias. Depurados dos aspectos<br />

próprios ao texto acadêmico, os<br />

capítulos surgem no livro da Sum-<br />

mus mais diretos e objetivos,<br />

conseguindo estabelecer uma liga-<br />

ção "entre as variáveis que orga-<br />

nizam o conceito <strong>de</strong> empresa e os<br />

elementos condicionantes e <strong>de</strong>ter-<br />

minantes do conceito <strong>de</strong> comuni-<br />

cação". Conceitos como "comuni-<br />

cação <strong>de</strong> massa" e "<strong>comunicação</strong><br />

empresarial" são ali discutidos a<br />

fundo, bem como o uso sinérgico<br />

da comuhicação, a questão das ca-<br />

tegorias, níveis, fluxos e re<strong>de</strong>s da<br />

<strong>comunicação</strong>, as relações dos atos<br />

comunicativos da empresa com o<br />

ambiente externo e as condições<br />

para um programa <strong>de</strong> comunica-<br />

ção empresarial.<br />

Os capítulos da segunda parte<br />

voltam-se para a prática da comu-<br />

nicação empresarial/institucional.<br />

Visam fundamentalmente orientar o<br />

planejamento, analisar casos e<br />

apresentar estudos aplicados. Um<br />

<strong>de</strong>sses últimos trata <strong>de</strong> um minu-<br />

136<br />

cioso planejamento <strong>de</strong> comunica-<br />

ção impressa para o meio rural.<br />

Mas também entram em cena o<br />

uso da <strong>comunicação</strong> para a admi-<br />

nistração <strong>de</strong> conflitos, as relações<br />

com o consumidor, o marketing<br />

<strong>de</strong> produto e o marketing institu-<br />

cional, os compromissos sociais<br />

das empresas. E para quem jul-<br />

gar que o objetivo da <strong>comunicação</strong><br />

empresarial é servir ao consumis-<br />

mo, enquanto instrumento da so-<br />

cieda<strong>de</strong> industrial, o livro discuti-<br />

rá o início da superação <strong>de</strong>ssa<br />

i<strong>de</strong>ologia, surgindo a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se valorizar a verda<strong>de</strong>. Por<br />

isso mesmo, Torquato <strong>de</strong>dica um<br />

capitule a discutir a presença do<br />

mito da felicida<strong>de</strong> na comunica-<br />

ção empresarial.<br />

Por trás <strong>de</strong> tudo, há a intenção<br />

do autor em mostrar que a ope-<br />

ração <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />

nas organizações públicas e priva-<br />

das exige um planejamento minu-<br />

cioso, que <strong>de</strong>ve levar em conta<br />

não só os instrumentos da comu-<br />

nicação social ou coletiva, mas<br />

também incluir outras formas <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong>, como a intrapessoal,<br />

a interpessoal e a grupai. Nesse<br />

universo, não há instrumentos iso-<br />

lados que possam fazer milagres<br />

e alcançar eficácia. É indispensá-<br />

vel a coor<strong>de</strong>nação centralizada <strong>de</strong><br />

meios, formas, recursos, canais e<br />

intenções. Ou seja: a comunica-<br />

ção <strong>de</strong>ve ser pensada <strong>de</strong> maneira<br />

estratégica, para assessorar a ad-<br />

ministração na conquista <strong>de</strong> me-<br />

lhores resultados e se inserir no<br />

rol dos bons investimentos das or-<br />

ganizações.<br />

Edvaldo Pereira Lima<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

Subsídios Demais Porém<br />

Gosto <strong>de</strong> Pouco<br />

BELTRÃO, Luiz e QUIRINO,<br />

Newton <strong>de</strong> Oliveira — Sub-<br />

sídios para uma Teoria da


Comunicação <strong>de</strong> Massa. São<br />

Paulo, Summus Editorial,<br />

1986, 214 pp.<br />

Sete capítulos <strong>de</strong> história uni-<br />

versal enquanto antece<strong>de</strong>nte, palco<br />

e conseqüente da evolução e pro-<br />

blemática dos meios <strong>de</strong> comunica-<br />

ção <strong>de</strong> massa compõem este arse-<br />

nal <strong>de</strong> "subsídios para uma teoria<br />

da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa", mo-<br />

<strong>de</strong>stamente chamado <strong>de</strong> "ensaio"<br />

pelos autores, e dirigido aos "es-<br />

tudantes, aos profissionais e aos<br />

estudiosos da <strong>comunicação</strong> em<br />

nosso País".<br />

É evi<strong>de</strong>nte a preocupação com o<br />

leitor-estudante, na contextualiza-<br />

ção histórica do fenômeno abor-<br />

dado, na cuidadosa <strong>de</strong>finição dos<br />

conceitos-chave (também exigência<br />

<strong>de</strong> um público docente com escrú-<br />

pulos acadêmicos) e no forneci-<br />

mento <strong>de</strong> taxonomías tais como os<br />

postulados fundamentais do ato<br />

comunicador, <strong>de</strong> Hawes (p. 137),<br />

as funções da <strong>comunicação</strong>, <strong>de</strong><br />

Lasswell (p. 141) e <strong>de</strong> Beltrão e<br />

Quiríno (p. 142), os tipos <strong>de</strong> or-<br />

ganização jornalística segundo Ma-<br />

leztke (p. 148) e as proposições<br />

<strong>de</strong> Klapper (p. 189) sobre os efei-<br />

tos da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa. Às<br />

vezes, essa preocupação didática<br />

faz resvalar o texto para o velho<br />

estilo "apostila", mas prevalece<br />

no leitor a sensação da riqueza<br />

dos conhecimentos ali organizados<br />

como mapa para teorizar.<br />

O segundo público-meta pensa-<br />

do pelos autores — os "profissio-<br />

nais da <strong>comunicação</strong>" — tem pelo<br />

menos duas necessida<strong>de</strong>s preen-<br />

chidas com este livro: a contextua-<br />

lização histórica do seu meíier (já<br />

aludida quanto ao tratamento da<br />

matéria para o público estudantil),<br />

a ênfase na função social da comu-<br />

nicação <strong>de</strong> massa e a <strong>de</strong>fesa do di-<br />

reito <strong>de</strong> expressão e à informação,<br />

que permeiam todo o texto e são<br />

resumidos ao fim do capitulo 2<br />

(sobre Vida Social e Comunica-<br />

ção) : "sem ela [a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ex-<br />

pressão] negam-se aos homens e<br />

à comunida<strong>de</strong> os inalienáveis di-<br />

reitos à informação e <strong>de</strong> expres-<br />

são, que fundamentam a ação so-<br />

cial na promoção do bem estar in-<br />

dividual e coletivo" (p. 76).<br />

Aos estudiosos da <strong>comunicação</strong><br />

(terceiro grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatários<br />

<strong>de</strong>ste "roteiro para o <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento <strong>de</strong> teorias" da comunica-<br />

ção <strong>de</strong> massa), os autores ofere-<br />

cem ricas apreciações críticas <strong>de</strong><br />

enfoques como o <strong>de</strong> Umberto Ecco<br />

sobre a socieda<strong>de</strong> dos apocalíp-<br />

ticos e dos integrados, e o <strong>de</strong> Mc-<br />

Luhan, o amado e <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhado<br />

"profeta" da al<strong>de</strong>ia global. O tra-<br />

tamento das funções e <strong>de</strong>sempe-<br />

nhos da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa é<br />

talvez o melhor concatenado (Ca-<br />

pitulo 6) <strong>de</strong>ste ambicioso roteiro.<br />

O leitor-pesquisador-teorizador fi-<br />

ca tanto fascinado quanto frustra-<br />

do com certas colocações profun-<br />

das que pe<strong>de</strong>m maior elaboração:<br />

o problema das disfunções da co-<br />

municação <strong>de</strong> massa é, infelizmen-<br />

te, tratado apenas esquematica-<br />

mente enquanto a importância da<br />

relação tempo/espaço nas ativida-<br />

<strong>de</strong>s • da <strong>comunicação</strong> industrial-<br />

mente acionada recebe uma cur-<br />

ta menção à p. 70 e não mais que<br />

um final <strong>de</strong> capítulo (pp. 178-79).<br />

Também, o posicionamento, im-<br />

portantíssimo, dos autores — "nos-<br />

so conceito <strong>de</strong> efeitos implica<br />

admitir que não há <strong>comunicação</strong><br />

<strong>de</strong>sinteressada" — é anunciado en<br />

passant (pp. 192-93), ficando com<br />

gosto <strong>de</strong> pouco.<br />

O Capítulo 4 (Ética, Estética e<br />

Política na Comunicação) é preju-<br />

dicado (e quase prejudicial ao en-<br />

tendimento pretendido pelos au-<br />

tores) por cobrir três aspectos<br />

macroscópicos da <strong>comunicação</strong> em<br />

uma só unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura. Uma<br />

melhor dosagem é conseguida na<br />

conjunção dos temas mensagem e<br />

meio (cap. 5), funções e <strong>de</strong>sem-<br />

penho (cap. 6) e efeitos e contro-<br />

le social da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> mas-<br />

sa (cap. 7).<br />

Os autores optam por eleger a<br />

Teoria da Informação como arca-<br />

bouço "imprescindível à explicação<br />

da <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> massa" (p. 170).<br />

137


Em uma obra tão abrangente caberia<br />

menção circunstanciada <strong>de</strong> outras<br />

teorias pelas quais não optaram<br />

(por exemplo, o enfoque dos intera-<br />

cionistas simbólicos, ou os enfoques<br />

dos marxistas), mostrando as<br />

vantagens e <strong>de</strong>svantagens explica-<br />

tivas das mesmas. Sente-se falta,<br />

também, <strong>de</strong> uma introdução aos<br />

conceitos <strong>de</strong> teoria e mo<strong>de</strong>lo, uma<br />

vez que o livro apresenta, indis-<br />

tintamente, diversos ingredientes<br />

<strong>de</strong> teorias e vários mo<strong>de</strong>los.<br />

Para alguns aspectos que fica-<br />

ram "com gosto <strong>de</strong> pouco", há o<br />

recurso às obras anteriores <strong>de</strong> di-<br />

vulgação cientifica e teorização<br />

do autor-senior, Luiz Beltrão, que<br />

compõem a trilogia completada por<br />

"Subsídios...", pouco antes <strong>de</strong> seu<br />

falecimento: Fundamentos Cientí-<br />

ficos da Comunicação (Brasília,<br />

Thesaurus, 1973) e Teoria Geral da<br />

Comunicação (Brasília, Thesau-<br />

rus, 1977). Para os numerosos as-<br />

pectos que redundaram numa so-<br />

brecarga <strong>de</strong> subsídios em espaço<br />

exíguo, resta a esperança <strong>de</strong> que o<br />

autor-júnior, Newton Quirino, "<strong>de</strong>-<br />

senvolva, aprofundando, os temas<br />

can<strong>de</strong>ntes que tão bem soube<br />

apresentar, <strong>de</strong>ntro do espírito <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> seu mentor.<br />

Teresa Lúcia Halliday<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Rural<br />

<strong>de</strong> Pernambuco<br />

Como Planejar o<br />

Marketing para Enfrentar<br />

Ambientes Competitivos<br />

GRACIOSO, Francisco — Con-<br />

tato Imediato com Marke-<br />

ting. São Paulo, Global,<br />

1986, 152 pp.<br />

A importância do planejamento<br />

estratégico e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> con-<br />

tínua adaptação às circunstâncias<br />

do mercado são as premissas bá-<br />

sicas em que se respalda o tra-<br />

balho <strong>de</strong> Francisco Gracioso, cer-<br />

138<br />

tamente mais um bem-sucedido<br />

lançamento da Global na sua co-<br />

leção Contato Imediato que se ini-<br />

ciou com o excelente trabalho <strong>de</strong><br />

Mizuho Tahara sobre mídia.<br />

Fugindo ao esquema tradicional<br />

da maioria dos textos <strong>de</strong> marke-<br />

ting, que se dispõem a abordar to-<br />

dos os aspectos envolvidos no pro-<br />

cesso <strong>de</strong> produção e comercializa-<br />

ção <strong>de</strong> produtos e serviços, o au-<br />

tor concentra-se na conceituação<br />

<strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> marketing orien-<br />

tadas para situações competitivas.<br />

Gracioso, <strong>de</strong> maneira didática,<br />

discorre sobre as técnicas <strong>de</strong> aná-<br />

lise da concorrência (observação<br />

do port-fólio <strong>de</strong> negócios, por<br />

exemplo) e propõe a autocrítica<br />

(<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> pontos fracos e for-<br />

tes) como forma <strong>de</strong> enfrentar a<br />

competição acirrada.<br />

Sob esta perspectiva, o capítulo<br />

IV é particularmente elucidativo.<br />

Parte do conceito <strong>de</strong> plano anual,<br />

aprofunda-se na análise dos con-<br />

correntes e da posição da empre-<br />

sa no mercado, valendo-se <strong>de</strong> con-<br />

ceitos ao mesmo tempo transpa-<br />

rentes e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> força expressi-<br />

va (a nação <strong>de</strong> "vaquinhas leitei-<br />

ras"— produtos que estão há mui-<br />

to tempo no mercado exigindo pou-<br />

cos investimentos e dando bons<br />

lucros — é saborosa).<br />

Os conceitos <strong>de</strong> "product mix" e<br />

<strong>de</strong> ciclo vital do produto, <strong>de</strong>sen-<br />

volvidos no capítulo seguinte, re-<br />

presentam também contribuição<br />

relevante, sobretudo porque in-<br />

cluídos numa proposta dinâmica<br />

que não contempla ao marketing<br />

como um conhecimento e uma<br />

técnica acima da realida<strong>de</strong>, mas<br />

<strong>de</strong>rivados <strong>de</strong>la.<br />

O texto <strong>de</strong> Gracioso <strong>de</strong>dica ain-<br />

da espaço importante para consi-<br />

<strong>de</strong>rações sobre a informação no<br />

marketing, valorizando a utiliza-<br />

ção <strong>de</strong> dados do mercado e o <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento <strong>de</strong> pesquisas, exata-<br />

mente num momento em que, pe-<br />

la pressão do contexto (inflação,<br />

<strong>de</strong>sgoverno etc), anunciantes e<br />

agências po<strong>de</strong>m ser tentados a<br />

adotarem providências imediatis-


tas para enfrentarem a turbulên-<br />

cia.<br />

O trabalho <strong>de</strong> Gracioso repete,<br />

no entanto, a mesma omissão <strong>de</strong><br />

outros textos <strong>de</strong> marketing, quan-<br />

do se refere aos canais <strong>de</strong> comu-<br />

nicação empregados no setor. Pra-<br />

ticamente ignora o suporte indis-<br />

pensável da assessoria <strong>de</strong> impren-<br />

sa, das técnicas <strong>de</strong> relações públi-<br />

cas e dá as costas ao marketing<br />

institucional (marketing <strong>cultura</strong>l,<br />

esportivo, comunitário etc). Essa<br />

é uma falha que, embora não ex-<br />

clusiva <strong>de</strong> Gracioso, é mais sen-<br />

tida em seu texto face ao enfo-<br />

que mo<strong>de</strong>rno que o caracteriza.<br />

É preciso lembrar o caso das<br />

empresas fabricantes <strong>de</strong> cigarros<br />

(Souza Cruz, Reynolds e Philip<br />

Morris) que exatamente há um<br />

ano não anunciam, valendo-se <strong>de</strong><br />

canais alternativos e sobretudo da<br />

assessoria <strong>de</strong> imprensa para con-<br />

tinuarem presentes junto ao con-<br />

sumidor, inclusive para lançar no-<br />

vos produtos. Não se po<strong>de</strong> igno-<br />

rar também o esforço <strong>de</strong> alguns<br />

anunciantes que têm investido pe-<br />

sadamente nas estratégias <strong>de</strong> mar-<br />

keting institucional visando a re-<br />

forçar a marca e a imagem (afi-<br />

nal <strong>de</strong> contas, a lei Sarney, apesar<br />

das restrições que po<strong>de</strong>m ser fei-<br />

tas a ela, veio para ficar).<br />

A literatura brasileira <strong>de</strong> mar-<br />

keting ainda não se <strong>de</strong>bruçou so-<br />

bre o fenômeno da <strong>comunicação</strong><br />

institucional e tem insistido em<br />

pensar a <strong>comunicação</strong> apenas co-<br />

mo instrumento (ou complemen-<br />

to) direto do setor <strong>de</strong> vendas.<br />

O trabalho <strong>de</strong> Gracioso, apesar<br />

<strong>de</strong>sta omissão, tem inúmeras vir-<br />

tu<strong>de</strong>s. Com certeza, trata-se <strong>de</strong><br />

referência obrigatória para estu-<br />

dantes, profissionais e estudiosos<br />

<strong>de</strong> marketing, propaganda, publi-<br />

cida<strong>de</strong>, <strong>comunicação</strong> em geral. Na<br />

prática, reforça a contribuição do<br />

autor à área e integra-se ao seu<br />

conjunto <strong>de</strong> obras, todas elas bas-<br />

tante apreciadas pelo mercado.<br />

Wilson da Costa Bueno<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

Jornal <strong>de</strong> Favela Também<br />

é História<br />

MOREL, Marco — Jornalismo<br />

Popular nas Favelas Cario-<br />

cas. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RioArte,<br />

1986, 142 pp.<br />

Em Jornalismo Popular nas Fa-<br />

velas Cariocas, Marco Morei es-<br />

tuda os jornais populares produzi-<br />

dos em favelas da zona sul do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Além <strong>de</strong> medir e ana-<br />

lisar exemplares <strong>de</strong>sses jornais, ele<br />

discute a <strong>cultura</strong> das favelas, a<br />

violência e a preocupação das As-<br />

sociações <strong>de</strong> Moradores no com-<br />

bate a criminalida<strong>de</strong>, a relação da<br />

"gran<strong>de</strong> imprensa" e a imprensa<br />

<strong>de</strong> favelas e outros modos do po-<br />

vo se comunicar.<br />

Os jornais nas favelas cariocas<br />

emergem no contexto dos movi-<br />

mentos populares que começam a<br />

se organizar na segunda meta<strong>de</strong><br />

da década <strong>de</strong> 70, como instrumen-<br />

tos <strong>de</strong> luta. Nas favelas da zona<br />

sul do Rio o maior número <strong>de</strong>s-<br />

ses jornais existem nos anos 1980<br />

e 1981, num total <strong>de</strong> 10. Algumas<br />

características da imprensa <strong>de</strong> fa-<br />

vela são: é feita por moradores<br />

das favelas, impressa em mimeó-<br />

grafo, circulação local e a maior<br />

parte dos temas são locais ou co-<br />

mo diz o autor "os jornais fave-<br />

lados falam quase que exclusiva-<br />

mente da própria comunida<strong>de</strong>".<br />

Os dados mais significativos auan-<br />

to ao espaço dos jornais: o espa-<br />

ço <strong>de</strong>dicado à própria comunida-<br />

<strong>de</strong> é <strong>de</strong> 85% e para outras comu-<br />

nida<strong>de</strong>s 3,2 0 /o. Os temas nacio-<br />

nais ocupam 4,3% do espaço, a ci-<br />

da<strong>de</strong> 1,1% e assuntos internacio-<br />

nais 0,5% do total. Quanto ao es-<br />

paço ocupado por instituições, "ga-<br />

nham disparado as instituições<br />

comunitárias (Associações <strong>de</strong> Mo-<br />

radores, Pastoral <strong>de</strong> Favelas, Fa-<br />

ferj etc), ocupando 60% do es-<br />

paço dos jornais: 25% é <strong>de</strong> críti-<br />

tica a essas instituições. 15% <strong>de</strong> in-<br />

centivo e 20% <strong>de</strong> reivindicação e<br />

139


incentivo ao mesmo tempo". Entre<br />

os temas predominam: entreteni-<br />

mento (10%), saú<strong>de</strong> (4,7%), reli-<br />

gião (4,2%), esportes (1,8%), esco-<br />

la (1,7%), anúncios <strong>de</strong> produtos<br />

(1,4%), política partidária (1,2%)<br />

e as lutas femininas com 1,1% do<br />

espaço total.<br />

Um outro prisma analisado diz<br />

respeito à violência, que ocupa<br />

13,3% do espaço dos jornais <strong>de</strong><br />

favelas pesquisadas. Sendo seus<br />

autores, por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> importân-<br />

cia, os Governos/Órgãos Públicos,<br />

Empresas/Proprietários, Forças Po-<br />

liciais e Moradores das Favelas.<br />

Os jornais <strong>de</strong> favela não são<br />

mera reprodução mal feita <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s jornais, como acreditam<br />

alguns. Pelo contrário, eles regis-<br />

tram o outro lado da história, o<br />

lado vivido por setores das clas-<br />

ses trabalhadoras empobrecidas.<br />

Como diz Geraldo Mello Mourão<br />

na apresentação do livro, "a aná-<br />

lise da imprensa dos habitantes das<br />

favelas da zona sul (...) prova<br />

que o povo. esse povo negro/bran-<br />

co/mulato/mestiço-nor<strong>de</strong>stino não<br />

silenciou, tem voz, não é uma mas-<br />

sa amorfa, moldada e reduzida<br />

à impotência <strong>cultura</strong>l pela lingua-<br />

gem uniformizadora dos meios <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong>".<br />

A população das favelas é com-<br />

posta basicamente pela população<br />

local, urbana e rural, empobreci-<br />

da, migrantes vindos <strong>de</strong> Minas Ge-<br />

rais, Espirito Santo e principal-<br />

mente do Nor<strong>de</strong>ste. De 1950 a<br />

1983 a população do município do<br />

Rio cresceu 114% e a quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> favelas subiu 216%. Por outro<br />

lado, a concepção <strong>de</strong> favelado en-<br />

quanto malfeitor ou preguiçoso<br />

140<br />

não correspon<strong>de</strong> à realida<strong>de</strong>. Quem<br />

vive nas favelas são trabalhadores<br />

e suas famílias empobrecidas, ape-<br />

sar <strong>de</strong> existirem também ladrões<br />

e preguiçosos como existem tam-<br />

bém em outras partes da cida<strong>de</strong>.<br />

É nesse contexto que, por mais<br />

que a indústria <strong>cultura</strong>l se <strong>de</strong>sen-<br />

volva, convivem o Samba, o For-<br />

ró, a Folia dos Reis e a Capoeira.<br />

A imprensa <strong>de</strong> favela, se olhada<br />

isoladamente, po<strong>de</strong>ria significar<br />

pouco po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> ten-<br />

do em vista as pequenas tiragens,<br />

periodicida<strong>de</strong>s longas, dificulda<strong>de</strong>s<br />

na distribuição etc. No entapto<br />

ela é um instrumento <strong>de</strong> comuni-<br />

cação entre vários outros, como: o<br />

leva-e-traz através das crianças,<br />

que o autor diz ser uma re<strong>de</strong> efi-<br />

caz e rápida <strong>de</strong> informação, o al-<br />

to-falante localizado num ponto<br />

central e utilizado pela Associação<br />

<strong>de</strong> Moradores, o mural, o comu-<br />

nicado pregado nas contas <strong>de</strong> luz<br />

e o teatro.<br />

Jornalismo Popular nas Favelas<br />

Cariocas é um estudo que tem o<br />

mérito, entre outros, <strong>de</strong> documen-<br />

tar e sistematizar a história <strong>de</strong><br />

um tipo <strong>de</strong> jornalismo feito por<br />

setores das classes trabalhadoras<br />

urbanas no Brasil. Uma biblio-<br />

grafia que estava faltando que,<br />

a'ém <strong>de</strong> medir os espaços impres-<br />

sos <strong>de</strong> jornais <strong>de</strong> favelas, apanha<br />

o seu conteúdo, o processo <strong>de</strong> pro-<br />

dução e distribuição e o contexto<br />

histórico que surgem, crescem e<br />

<strong>de</strong>clinam.<br />

Cicília Aí. Krohling Peruzzo<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Espírito Santo


NOTICIÁRIO<br />

Primeiro Titular <strong>de</strong><br />

Jornalismo na USP<br />

O editor-responsável <strong>de</strong> INTER-<br />

COM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Co-<br />

municação, José Marques <strong>de</strong> Me-<br />

lo, é o primeiro Professor Titular<br />

do Curso <strong>de</strong> Jornalismo da Esco-<br />

la <strong>de</strong> Comunicações e Artes da Uni-<br />

versida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (ECA-<br />

USP). A titulação ocorreu após<br />

concurso público on<strong>de</strong> o candida-<br />

to se submeteu às provas com ba-<br />

se no programa das disciplinas<br />

Conceitos e Gêneros <strong>de</strong> Jornalis-<br />

mo, Jornalismo Opinativo, Jornalis-<br />

mo no Brasil: tendências do Ensino<br />

e da <strong>Pesquisa</strong> e Gêneros Opinati-<br />

vos na Imprensa Diária, sendo<br />

aprovado com nota 10 (<strong>de</strong>z).<br />

A comissão julgadora do con-<br />

curso — constituída dos Professo-<br />

res Doutores João Alexandre Bar-<br />

bosa (FFLCH), Rolando Morei Pin-<br />

to (FFLCH), Ecléa Bosi (IP), Cân-<br />

dido Teobaldo <strong>de</strong> Souza Andra<strong>de</strong><br />

(ECA) e Sarah Chucid Da Viá<br />

(ECA) — divulgou dia 19 <strong>de</strong> mar-<br />

ço <strong>de</strong> 87 o seguinte relatório:<br />

"As Provas Didáticas e <strong>de</strong> Ar-<br />

güição do Memorial realizaram-se<br />

no recinto da ECA-USP, conforme<br />

calendário previamente aprovado<br />

pela Comissão Julgadora do con-<br />

curso em questão".<br />

"Na Prova Didática, que consti-<br />

tui na exposição, em nível <strong>de</strong> Pós-<br />

-Graduação do ponto "Jornalismo,<br />

da profissionalização ao com-<br />

promisso social", o candidato re-<br />

velou um excelente nível <strong>de</strong> co-<br />

nhecimento, sabendo articular,<br />

com clareza e método, os prin-<br />

cipais itens da questão, dando <strong>de</strong>-<br />

monstração insofismável <strong>de</strong> sua<br />

capacitação".<br />

"Acrescente-se o modo pessoal<br />

com que soube coor<strong>de</strong>nar os vá-<br />

rios aspectos do ponto sorteado,<br />

fazendo da bibliografia concernen-<br />

te ao assunto uma maneira in-<br />

trínseca <strong>de</strong> enriquecimento cultu-<br />

ral".<br />

"O Julgamento do Memorial<br />

apresentado evi<strong>de</strong>ncia a excelente<br />

formação acadêmica do candidato,<br />

em que sobressai uma fecunda e<br />

ampla produção na área específi-<br />

ca, assim como a participação em<br />

congressos, simpósios e conferên-<br />

cias. É <strong>de</strong> salientar que, pela lei-<br />

tura do Memorial, verifica-se a<br />

penetração da obra do candidato,<br />

quer no Brasil, quer no Exterior,<br />

por on<strong>de</strong> se percebe a sua gran<strong>de</strong><br />

importância intelectual".<br />

"Na Prova <strong>de</strong> Argüição, o can-<br />

didato foi capaz <strong>de</strong> impressionar<br />

a Comissão Julgadora pela com-<br />

petência, serieda<strong>de</strong> e facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressão com que consi<strong>de</strong>rou as<br />

várias questões levantadas pelos<br />

examinadores, afirmando-se, mais<br />

uma vez, como um intelectual <strong>de</strong><br />

relevante importância na área."<br />

"À vista do exposto e através<br />

da atribuição <strong>de</strong> notas individuais,<br />

a Comissão Julgadora, <strong>de</strong> acordo<br />

com os preceitos estatutários e re-<br />

gimentais, consi<strong>de</strong>ra habilitado o<br />

Professor Doutor José Marques <strong>de</strong><br />

Melo e o indica à douta Congre-<br />

gação da Escola <strong>de</strong> Comunicações<br />

para prover o cargo <strong>de</strong> Professor<br />

Titular do Departamento <strong>de</strong> Jor-<br />

nalismo e Editoração da ECA-<br />

USP".<br />

Nor<strong>de</strong>ste reivindica<br />

melhoria do Ensino<br />

<strong>de</strong> Comunicação<br />

O III Encontro <strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nado-<br />

res e Chefes <strong>de</strong> Departamento <strong>de</strong><br />

141


Cursos <strong>de</strong> Comunicação Social das<br />

Regiões Norte e Nor<strong>de</strong>ste, reali-<br />

zado <strong>de</strong> 24 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 87,<br />

em Natal-RN, propôs à comunida-<br />

<strong>de</strong> acadêmica e profissional, "ques-<br />

tões para reflexão e para nortear<br />

a luta das escolas e dos comuni-<br />

cadores na presente conjuntura".<br />

Entre elas, <strong>de</strong>stacamos as seguin-<br />

tes: Constituinte e <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratiza-<br />

ção da <strong>comunicação</strong> — "De início,<br />

cabe ressaltar — como já fizemos<br />

na Carta do Encontro <strong>de</strong> João<br />

Pessoa — o papel fundamental do<br />

comunicador como divulgador ho-<br />

nesto, vigilante e crítico dos tra-<br />

balhos da Constituinte. Mais do<br />

que isto, cabe aos comunicadores<br />

lutar <strong>de</strong> forma intransigente con-<br />

tra toda sas formas abertas ou ve-<br />

ladas <strong>de</strong> censura econômica e/ou<br />

política que tentem impedir a am-<br />

pla e crítica divulgação dos <strong>de</strong>-<br />

bates da Constituinte. A transpa-<br />

rência dos trabalhos e a informa-<br />

ção plena da população acerca das<br />

polêmicas e <strong>de</strong>cisões são, em boa<br />

medida, elementos indispensáveis<br />

para garantir um processo cons-<br />

tituinte minimamente <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático,<br />

apesar da configuração majorita-<br />

riamente conservadora da Assem-<br />

bléia Constituinte".<br />

"Ao lado disto, cabe a todos os<br />

comunicadores <strong><strong>de</strong>mo</strong>cráticos lu-<br />

tar por uma substantiva <strong><strong>de</strong>mo</strong>cra-<br />

tização da <strong>comunicação</strong> social no<br />

país, hoje estruturada e funcio-<br />

nando <strong>de</strong> maneira eminentemente<br />

concentradora, centralizada e au-<br />

toritária. Neste sentido as leis a<br />

serem inscritas na futura Consti-<br />

tuição po<strong>de</strong>rão ter papel <strong>de</strong>staca-<br />

do na <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização da comuni-<br />

cação social, sem a qual não se<br />

po<strong>de</strong> na socieda<strong>de</strong> contemporânea<br />

falar efetivamente em <strong><strong>de</strong>mo</strong>cra-<br />

cia".<br />

"Para isto apoiamos no encon-<br />

tro a reativação da Frente Nacio-<br />

nal <strong>de</strong> Luta por Políticas Demo-<br />

cráticas <strong>de</strong> Comunicação e busca-<br />

remos participar <strong>de</strong> todas as ati-<br />

vida<strong>de</strong>s que visem <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratizar a<br />

comuniccção e a socieda<strong>de</strong> brasi-<br />

leira". Equipar e melhorar a qua-<br />

142<br />

lida<strong>de</strong> dos cursos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />

social — "Para nós, professores <strong>de</strong><br />

<strong>comunicação</strong> social, esta busca da<br />

aparelhagem e da melhoria da<br />

qualida<strong>de</strong> dos cursos se concretiza<br />

na luta pela implantação do novo<br />

currículo dos cursos <strong>de</strong> comuni-<br />

cação, inclusive <strong>de</strong> seus laborató-<br />

rios e equipamentos mínimos exi-<br />

gidos pelo CFE, até janeiro <strong>de</strong><br />

1988, <strong>de</strong> acordo com os prazos le-<br />

gais para implantação <strong>de</strong>finidos<br />

por este conselho".<br />

Políticas Democráticas<br />

<strong>de</strong> Comunicação<br />

A Frente Nacional <strong>de</strong> Luta por<br />

Políticas Democráticas <strong>de</strong> Comu-<br />

nicação, composta <strong>de</strong> 45 entida<strong>de</strong>s<br />

e 27 parlamentares, concluiu, em<br />

plenária realizada no dia 9 <strong>de</strong> abril<br />

<strong>de</strong> 87, no auditório da Confe<strong>de</strong>ra-<br />

ção Nacional dos Trabalhadores<br />

em Comunicação e Publicida<strong>de</strong><br />

(CONTCOP), em Brasília, um do-<br />

cumento contendo suas propostas<br />

para a Assembléia Nacional Cons-<br />

tituinte.<br />

A INTERCOM esteve presente<br />

aos encontros realizados pela Fren-<br />

te, em Brasília, representada pe-<br />

lo atual Presi<strong>de</strong>nte, Prof. Dr. Fran-<br />

cisco Gaudêncio Torquato do Re-<br />

go e pela ex-Presi<strong>de</strong>nte, Profa.<br />

Dra. Anamaria Fadul.<br />

De acordo com a secretaria da<br />

Fe<strong>de</strong>ração Nacional dos Jornalis.<br />

tas Profissionais (FENAJ) — que<br />

é entida<strong>de</strong> integrante e fundado-<br />

ra da Frente —, esse documento<br />

"serve para <strong>de</strong>flagrar uma campa-<br />

nha nacional pela <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização<br />

da <strong>comunicação</strong>, na qual se busca<br />

apoio popular e a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> no-<br />

vas entida<strong>de</strong>s".<br />

O jornalista Armando S. Rohem-<br />

ber, presi<strong>de</strong>nte da FENAJ, disse<br />

que "a <strong><strong>de</strong>mo</strong>cratização dos meios<br />

<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> no Brasil é hoje<br />

assunto da mais alta relevância,<br />

não apenas para os setores dire-<br />

tamente ligados ao processo <strong>de</strong><br />

produção da informação, como<br />

para toda a socieda<strong>de</strong> brasileira.


Estamos convencidos <strong>de</strong> que sem<br />

profundas modificações no regime<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> no setor <strong>de</strong> comu-<br />

nicações, por meio dos quais se-<br />

ja garantido aos diversos segmen-<br />

tos da população o mais amplo<br />

acesso aos diferentes veículos, não<br />

lograremos construir um regime<br />

efetivamente <strong><strong>de</strong>mo</strong>crático em nos-<br />

so pais".<br />

Maiores informações sobre a<br />

atuação da Frente Nacional <strong>de</strong> Lu-<br />

ta por Políticas Democráticas <strong>de</strong><br />

Comunicação, po<strong>de</strong>rão ser obtidas<br />

através do en<strong>de</strong>reço da FENAJ, lo-<br />

calizada no Setor Comercial Sul<br />

(SCS), Edifício Serra Dourada, 7"?<br />

andar, Brasília-DF. Ou então pelo<br />

fone (061) 223-7002 e 225-2273.<br />

Revista Teórica da<br />

FELAFACS<br />

O professor Walter Neira Bront-<br />

tis, secretário executivo da Fe<strong>de</strong>ra-<br />

ção Latino-americana <strong>de</strong> Associa-<br />

ções <strong>de</strong> Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Comunica-<br />

ção Social (FELAFACS), anunciou<br />

o lançamento da nova Revista Teó-<br />

rica da FELAFACS, em março <strong>de</strong><br />

87, como "um instrumento mais<br />

sólido <strong>de</strong> reflexão e <strong>de</strong> informa-<br />

ção, orientado .não apenas ao co-<br />

nhecimento do que hoje se pro-<br />

duz no campo <strong>de</strong> Comunicação<br />

Social, mas também à formula-<br />

ção <strong>de</strong> propostas que necessaria-<br />

mente nossa Fe<strong>de</strong>ração fará em<br />

relação ao ensino <strong>de</strong> Comunicação<br />

na América Latina".<br />

Neira Bronttis acredita que a<br />

nova revista "se insere <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

um processo <strong>de</strong> evolução que tem<br />

mantido não apenas nossas publi-<br />

cações, como a própria FELA-<br />

FACS". Para ele, porém, a revis-<br />

ta tem que ser, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro<br />

momento, "a revista <strong>de</strong> gente do<br />

ensino latino-americano <strong>de</strong> Comu-<br />

nicação".<br />

O en<strong>de</strong>reço para correspondên-<br />

cia com a FELAFACS permanece<br />

o mesmo: Apartado Postal 18-0371,<br />

Lima 18, Peru.<br />

Cultura Contemporânea<br />

tem Revista no México<br />

O Programa <strong>de</strong> Cultura do Cen-<br />

tro Universitário <strong>de</strong> Investigações<br />

Sociais (CUIS), vinculado à Uni-<br />

versida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Colima, no México,<br />

está lançando a revista Estúdios<br />

sobre Ias Culturas Contemporâ-<br />

neas. A professora Verônica Va-<br />

lenzuela. coor<strong>de</strong>nadora editorial<br />

do CUIS, disse que esta publica-<br />

ção quadrimestral "é um espaço<br />

editorial para a difusão <strong>de</strong> traba-<br />

lhos <strong>de</strong> investigação ou reflexão<br />

teórica e metodológica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

três áreas <strong>de</strong> problemáticas em re-<br />

lação com a vida contemporânea:<br />

— Culturas populares e frentes<br />

<strong>cultura</strong>is (construção e legitimida-<br />

<strong>de</strong> social do sentido);<br />

— Cultura urbana (movimentos<br />

sociais, história e vida cotidiana);<br />

— Indústrias <strong>cultura</strong>is (organi-<br />

zação, burocracia e mediação pro-<br />

fissional)".<br />

Os sócios interessados em rece-<br />

ber a revista Estúdios sobre Ias<br />

Culturas Contemporâneas ou mes-<br />

mo colaborar em suas páginas <strong>de</strong>-<br />

vem escrever para o seguinte en-<br />

<strong>de</strong>reço: Programa Cultura/CUIS,<br />

Apartado Postal 294, 28000 — Co-<br />

lima. México.<br />

Estudantes <strong>de</strong> Jornalismo<br />

da Europa: reunião em<br />

Portugal<br />

A direção da Escola Superior <strong>de</strong><br />

Jornalismo do Porto, Portugal,<br />

foi responsável pela organização do<br />

// Fórum <strong>de</strong> Estudantes <strong>de</strong> Jorna-<br />

lismo Europeus, que este ano reu-<br />

niu aproximadamente cerca <strong>de</strong> 60<br />

representantes <strong>de</strong> oito países da<br />

Europa (Inglaterra, Irlanda, Di-<br />

namarca, Holanda, Espanha, Itália,<br />

Bélgica e França) para discutir e<br />

analisar quatro temas:<br />

— O ensino do Jornalismo nas fa-<br />

culda<strong>de</strong>s e escolas européias;<br />

143


— Qualificação acadêmica e pro-<br />

fissional dos docentes da área;<br />

— A organização profissional em<br />

sindicatos;<br />

— Imprensa sensacionalista.<br />

De acordo com Documento envia-<br />

do à se<strong>de</strong> da INTERCOM, o FEJS<br />

— sigla com que se conhece na<br />

língua inglesa aquele Fórum — "é<br />

um organismo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, apo-<br />

lítico e não-governamental". E tem<br />

como principal objetivo promover<br />

o intercâmbio a nível nacional e<br />

internacional dos estudantes <strong>de</strong><br />

Jornalismo.<br />

Escola <strong>de</strong> Jornalismo da<br />

Venezuela comemora<br />

40 anos<br />

Em homenagem ao quadragési-<br />

mo aniversário <strong>de</strong> fundação da Es-<br />

cola <strong>de</strong> Comunicação Social da<br />

Universida<strong>de</strong> Central da Venezue-<br />

la (UCV), cuja criação foi <strong>de</strong>cre-<br />

tada em 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1946 co-<br />

mo Escola Nacional <strong>de</strong> Periodis-<br />

144<br />

mo pela Junta Revolucionária do<br />

Governo, a Oficina Central <strong>de</strong> In-<br />

formação (OCI) editou um folhe-<br />

to com título Linguagem, Ética e<br />

Informática, que contém as confe-<br />

rências ditadas pelos professores<br />

Alex Marques Rodrigues — "Ensi-<br />

no da linguagem nas escolas <strong>de</strong> co-<br />

municação social" —, Glória Cuen-<br />

ca <strong>de</strong> Herrera — "Ensino <strong>de</strong> ética<br />

nas escolas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> so-<br />

cial" —, e Luís Augusto Ruiz —<br />

"Existe uma linguagem jornalísti-<br />

ca?" — no painel "Linguagem e<br />

Informática" do Seminário Latino-<br />

-Americano <strong>de</strong> Educação, Comuni-<br />

cação e Informática, realizado <strong>de</strong><br />

20 a 23 <strong>de</strong> outubro passado, em<br />

Caracas, por ocasião dos 40 anos<br />

da Escola <strong>de</strong> Comunicação Social<br />

da UCV.<br />

Os sócios interessados em ad-<br />

quirir um exemplar do folheto<br />

Linguagem, Ética e Comunicação<br />

<strong>de</strong>vem escrever para o seguinte en-<br />

<strong>de</strong>reço: OCI — Faculdad <strong>de</strong> Hu-<br />

manida<strong>de</strong>s y Educación — Ciudad<br />

Universitária — 1040, Caracas, Ve-<br />

nezuela.


Publicações Integrantes da Re<strong>de</strong> Iheroamericana<br />

<strong>de</strong> Revistas <strong>de</strong> Comunicação e Cultura<br />

SIGNO E PENSAMIENTO é uma publicação semestral da Faculdad<br />

<strong>de</strong> Comunicação Social da Pontifícia Universidad Javeriana.<br />

Correspondência:<br />

Faculdad <strong>de</strong> Comunicação Social<br />

Pontifícia Universidad Javeriana<br />

Carrera 7* N9 43-82<br />

79 Piso — Edifício Angel Valtierra — Bogotá<br />

COLÔMBIA<br />

SIGNO<br />

Y<br />

PENSAMIENTO<br />

COMUNICACIÕN America Latina é uma publicação quadrimestral<br />

da Asociación Católica Latinoamericana para Ia Radio y Ia Te-<br />

levisión.<br />

:«»H'«! i .° l S,7»uo»:.j<br />

Correspondência:<br />

COMUNICACIÕN America Latina<br />

Estados Unidos 2057<br />

1227 Buenos Aires<br />

ARGENTINA<br />

145


COMUNICAÇÃO E LINGUAGENS é uma publicação semestral do Cen-<br />

tro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Comunicação e Linguagens (CECL).<br />

Correspondência:<br />

CECL<br />

Departamento <strong>de</strong> Comunicação Social<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 24<br />

1000 — Lisboa<br />

PORTUGAL<br />

^tCOMUNICAÇÃO<br />

E LINGUAGENS<br />

COMUNICACIÓN Y CULTURA é uma publicação semestral do De-<br />

partamento <strong>de</strong> Educaclón y Comunicaclón, Dlvlslón <strong>de</strong> Ciências<br />

Soclales y Humanida<strong>de</strong>s, Unlversldad Autônoma Metropolitana<br />

— Xochimilco.<br />

CiiiiiiniírTinn ^<br />

ycuttura *■<br />

El Estado multinacional:<br />

Aparatos i<strong>de</strong>ológicos<br />

Médio* mosicos t/<br />

políticas culluraln<br />

Correspondência:<br />

Revista Comunicaclón y Cultura<br />

Calzada <strong>de</strong>i Hueso 1100<br />

Col. Villa Quletud 04960<br />

MÉXICO<br />

DIÁLOGOS (antes Boletim FELAFACS) é uma publicação semestral<br />

da Fe<strong>de</strong>ração Latino-Americana <strong>de</strong> Associações <strong>de</strong> Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Comunicação Social (FELAFACS).<br />

Correspondência;<br />

FELAFACS<br />

Apartado Postal 18-0371<br />

Lima 18<br />

PERU<br />

146


INTERCOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação é uma publicação<br />

semestral da Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisdplinares<br />

da Comunicação — INTERCOM — com o apoio do Programa<br />

MCT CNPq/FINEF.<br />

* inTERCOtn 56<br />

Correspondência:<br />

INTERCOM — Revista Brasileira <strong>de</strong> Comunicação<br />

Caixa Postal 20.793<br />

01498 — São Paulo<br />

BRASIL<br />

COMUNICAÇÃO & SOCIEDADE é uma publicação semestral edita-<br />

da pelo mestrado em Comunicação Social do Instituto Metodista<br />

<strong>de</strong> Ensino Superior (IMS).<br />

Correspondência:<br />

Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação em Comunicação Social<br />

IMS — Revista <strong>de</strong> Comunicação e Socieda<strong>de</strong><br />

Rua do Sacramento, 230 — Rudge Ramos<br />

09720 — São Bernardo do Campo (SP)<br />

BRASIL<br />

COMUNICARTE é uma publicação semestral do Instituto <strong>de</strong> Artes e<br />

Comunicações da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Campinas<br />

(PUOCAMP),<br />

Correspondência:<br />

Revista Comunicarte<br />

Rodovia D. Pedro I, Km 112<br />

Caixa Postal 317<br />

13100 — Campinas (SP)<br />

BRASIL<br />

147


LEOPOLDIANUM — Revista <strong>de</strong> Estudos e Comunicações é uma pu-<br />

blicação quadrimestral da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos (Uni-<br />

Santos)<br />

Correspondência:<br />

LEOPOLDIANUM — Revista<br />

<strong>de</strong> Estudos e Comunicações<br />

Rua Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, 241<br />

11060 — Santos (SP(<br />

BRASIL<br />

Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração é uma publicação trimestral do<br />

Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração da Escola <strong>de</strong> Comu-<br />

nicações e Artes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (ECA-USP).<br />

Correspondência:<br />

Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração<br />

Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443<br />

Cida<strong>de</strong> Universitária — Butantã<br />

05508 — São Paulo<br />

BRASIL<br />

Biblioteconomia e Comunicação é uma publicação semestral da Fa-<br />

culda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Biblioteconomia e Comunicação da Universida<strong>de</strong> Fe-<br />

<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UFRGS).<br />

oi<br />

148<br />

Puhlicíilüdc: ivl.n ,(.-<br />

agência e cliente<br />

Muda: código <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> (in)coinuiiíca(,'ãu<br />

O lugar c a vez<br />

da bunda nos MCM .<br />

Ensaio<br />

folugráfico<br />

Bibliotecunomia e<br />

mudança <strong>de</strong> iniagein .<br />

Bibliotecários<br />

para què?<br />

O bihliolrrário c o<br />

atual DOOlextO social .<br />

Correspondência:<br />

Biblioteconomia e Comunicação<br />

Rua Jacinto Gomes, 540<br />

90.000 — Porto Alegre — RS<br />

BRASIL


SEJA SÓCIO DA INTERCOM<br />

A INTERCOM — Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplina-<br />

res da Comunicação — é uma socieda<strong>de</strong> civil, sem fins lucrativos,<br />

que reúne mais <strong>de</strong> 500 professores, pesquisadores e profissionais <strong>de</strong><br />

todo o país. Criada em São Paulo, em 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1977<br />

pelo Prof. José Marques <strong>de</strong> Melo, realiza seminários, simpósios e<br />

ciclos <strong>de</strong> estudos, além <strong>de</strong> publicar livros, ca<strong>de</strong>rnos e boletins. Pro-<br />

move também estudos e pesquisas sobre questões emergentes da co-<br />

municação brasileira e participa do <strong>de</strong>bate nacional e internacional<br />

sobre as tendências da pesquisa e da teoria da <strong>comunicação</strong>.<br />

INTERCOM — PROPOSTA DE SÓCIO<br />

Nome:<br />

En<strong>de</strong>reço: ■ • • •<br />

Bairro: Cida<strong>de</strong>: Estado:<br />

Telefone: CEP:<br />

Instituição em que trabalha:<br />

En<strong>de</strong>reço:<br />

<strong>Pesquisa</strong>s realizadas recentemente:<br />

Sócio proponente:<br />

Data: Cida<strong>de</strong>:<br />

Assinatura do Proponente Assinatura do Proposto<br />

Obs.: Anexar o Curriculum vitae, cheque nominal à INTERCOM<br />

no valor <strong>de</strong> 2,5 OTNs.<br />

Caixa Postal 20.793 — CEP 01498 — São Paulo/Brasil.<br />

149


LIVROS INTERCOM<br />

Obras coletivas, geralmente resultantes <strong>de</strong> reuniões científicas ou se-<br />

minários <strong>de</strong> difusão <strong>cultura</strong>l, focalizam assuntos da atualida<strong>de</strong> na-<br />

cional ou internacional no campo da <strong>comunicação</strong>, da indústria cul-<br />

tural e da <strong>cultura</strong> popular.<br />

1. IDEOLOGIA E PODER NO ENSINO DE COMUNICAÇÃO<br />

Coor<strong>de</strong>nadores: José Marques <strong>de</strong> Melo, Anamaria Fadul, Car-<br />

los Eduardo Lins da Silva. Co-edição: Cortez & Moraes (1979)<br />

2. COMUNICAÇÃO E CLASSES SUBALTERNAS<br />

Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Cortez (1980)<br />

3. POPULISMO E COMUNICAÇÃO<br />

Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Cortez (1981)<br />

4. COMUNICAÇÃO, HEGEMONIA E CONTRA-<br />

-INFORMAÇÃO<br />

Coor<strong>de</strong>nador: Carlos Eduardo Lins da Silva. Co-edição: Cor-<br />

tez (1982)<br />

5. PESOUISA EM COMUNICAÇÃO NO BRASIL:<br />

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS<br />

Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Cortez (1983)<br />

6. TEORIA E PESQUISA EM COMUNICAÇÃO: PANORAMA<br />

LATINO-AMERICANO<br />

Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Cortez (1983)<br />

7. TEMAS BÁSICOS EM COMUNICAÇÃO<br />

Coor<strong>de</strong>nador: Roberto Queiroz. Co-edição: Paulinas (1983)<br />

8. JORNADAS IMPERTINENTES: O OBSCENO<br />

Coor<strong>de</strong>nadores: Jerusa Pires Pereira e Luís Milanesi. Co-edi-<br />

ção: Hucitec (1985)<br />

9. COMUNICAÇÃO E TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA<br />

Coor<strong>de</strong>nador: José Marques <strong>de</strong> Melo. Co-edição: Mercado<br />

Alberto (1985)<br />

10. NOVAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO<br />

Coor<strong>de</strong>nadores: Anamaria Fadul, Summus.<br />

11. COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: CAMINHOS CRUZADOS<br />

Coor<strong>de</strong>nadora: Margarida K. Kunsch. Edições Loyola.<br />

150<br />

Pedidos para INTERCOM: Caixa Postal 20793 — São Paulo<br />

CEP 01498 — Brasil


BIBLIOGRAFIAS INTERCOM<br />

O <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Documentação</strong> da Comunicação nos Países <strong>de</strong> Língua<br />

Portuguesa, PORT-COM — órgão complementar da INTERCOM —,<br />

vem resgatando a memória da produção científica e profissional so-<br />

bre <strong>comunicação</strong> no Brasil, em Portugal e África Portuguesa. Perio-<br />

dicamente, o PORT-COM edita bibliografias que permitem o acesso<br />

dos pesquisadores aos documentos referentes a um período ou a um<br />

assunto.<br />

Bibliografias Anuais<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 1 (1977)<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 2 (1978/1979)<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 3 (1980)<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 4 (1981)<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 5 (1982)<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 6 (1983)<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 7 (1984/1985) no prelo<br />

Bibliografias Temáticas<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação Popular — Encarte da Biblio-<br />

grafia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação n. 6 (1984)<br />

Bibliografia Brasileira <strong>de</strong> Comunicação e Educação (1985)<br />

Obras <strong>de</strong> Referências<br />

Quem é Ouem na <strong>Pesquisa</strong> em Comunicação — Brasil, 1982/1983<br />

Inventário da <strong>Pesquisa</strong> em Comunicação no Brasil — 1883/1983<br />

Ouem é Ouem na <strong>Pesquisa</strong> em Comunicação — Brasil, 1985/1986<br />

— no prelo<br />

Pedidos para INTERCOM: Caixa Postal 20793<br />

CEP 01498 — São Paulo<br />

151


CADERNOS INTERCOM<br />

Publicação seriada que a INTERCOM edita em convênio com a<br />

Cortez Editora. Tem caráter monográfico, analisando temas <strong>de</strong> in-<br />

teresse da comunida<strong>de</strong> acadêmica e dos setores profissionais.<br />

1. JORNALISMO POPULAR<br />

Carlos Eduardo Lins da Silva, Jeanne Marie, C. A. <strong>de</strong> Medina<br />

2. TELEVISÃO, PODER E CLASSES TRABALHADORAS<br />

José Manuel Morán, Sérgio Mattos, Michel Thiollent, Sérgio<br />

Caparelli e Moacir Gadotti<br />

3. COMUNICAÇÃO LATINO-AMERICANA:<br />

REFORMA/REVOLUÇÃO<br />

Carlos Eduardo Lins da Silva, Valdir Mengardo, Regina Festa<br />

e José Marques <strong>de</strong> Melo<br />

4. NOVAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO E EDUCA-<br />

ÇÃO: USOS E ABUSOS<br />

Berta Maria Sichel, Luís Fernando Santoro, Anamaria Fadul,<br />

Onésimo <strong>de</strong> Oliveira Cardoso e Helena Gold<br />

5. CARNAVAL BRASILEIRO: COMUNICAÇÃO DE MASSA<br />

OU FOLKCOMUNICAÇÃO?<br />

Olga R. <strong>de</strong> Moraes von Simson, Maria Isaura Pereira <strong>de</strong> Ouei-<br />

roz, Roberto Emerson Benjamin, Ana Maria Rodrigues Ribeiro<br />

e Ana Maria Beatriz Copstein Wal<strong>de</strong>mar<br />

6. HISTÓRIA E COMUNICAÇÃO: DESAFIOS Ã PESQUISA<br />

Boris Kossoy, Francisco Rudiger, Maria Helena Capelato, Mí-<br />

riam Moreira Leite, Isabel Andra<strong>de</strong> Marson, Jorge Cláudio N.<br />

Ribeiro Jr., Vavy Pacheco Borges<br />

7. OBJETIVIDADE JORNALÍSTICA: ÉTICA E TÉCNICA<br />

José Marques <strong>de</strong> Melo, Arcelina Helena Publio Dias, Alice<br />

Mitika Koshiama e Cremilda Medina<br />

8. RADIO E CULTURA NO BRASIL<br />

Maria Salett Tauk, Luís Fernando Santoro, Sérgio Caparelli,<br />

Roberto Queiroz, João Batista Torres Rocha, Mundicarmo<br />

Ferretti<br />

152<br />

Pedidos para INTERCOM: Caixa Postal 20793<br />

CEP 01498 — São Paulo


INTERCOM — REVISTA BRASILEIRA<br />

DE COMUNICAÇÃO<br />

Originalmente <strong>de</strong>nominada BOLETIM INTERCOM, esta publicação<br />

periódica firmou-se na comunida<strong>de</strong> acadêmica brasileira como canal<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate das questões político-<strong>cultura</strong>is e científico-pedagógicas <strong>de</strong><br />

interesse dos pesquisadores que atuam na área <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> so-<br />

cial. Trata-se <strong>de</strong> uma revista científica ágil, vibrante e atualizada,<br />

que circula em todo o território nacional e está sintonizada com as<br />

tendências internacionais dos estudos científicos sobre <strong>comunicação</strong><br />

e <strong>cultura</strong>.<br />

N. 0 a<br />

N. 35<br />

N, 36<br />

34 — Edições esgotadas (março/78 a <strong>de</strong>zembro/81)<br />

— A pequena Elis e sua gran<strong>de</strong> obra (1982)<br />

— CFE: soluções equivocadas para o ensino <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />

(1982)<br />

— Figueiredo na Globo (1982)<br />

— Televisão, futebol e controle social (1982)<br />

— O império do silêncio (1982)<br />

— A <strong>de</strong>rrota da farsa (1982)<br />

N, 37<br />

N. 38<br />

N. 39<br />

N. 40<br />

N. 41 — Rádio e revolução em El Salvador (1983)<br />

N, 42/ 43 — Meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> e novos governadores: um início<br />

tenso (1983)<br />

N. 44 — Marx, Bolívar e a <strong>comunicação</strong> (1983)<br />

N. 45 — Novas tecnologias <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> (1983)<br />

N. 46 — Campanha pelas diretas: a conspiração do silêncio (1984)<br />

N. 47 — Censura (1984)<br />

N. 48 — Socieda<strong>de</strong> digital (1984)<br />

N. 49/50 — Estado, socieda<strong>de</strong> civil e meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> (1984)<br />

N. 51 O mercado da <strong>cultura</strong> (1984)<br />

N. 52 O povo entre a vida e a morte <strong>de</strong> Tancredo Neves (1985)<br />

N. 53 Enzensberger: po<strong>de</strong>r e estética televisiva (1985)<br />

N. 54 Comunicação na Selva Amazônica (1986)<br />

N. 55 Comunicação e Desenvolvimento (1986)<br />

N. 56<br />

A crônica como gênero jornalístico na imprensa luso-brasileira<br />

e hispano-americana: contrastes e confrontos (1987)<br />

N. 57 — Democracia, Comunicação e Cultura (1987).<br />

Pedidos e assinaturas para INTERCOM: Caixa Postal 20793<br />

CEP 01498 — São Paulo


CONGRESSO<br />

INTERCOM87<br />

DEMOCRACIA,COMUNICAÇÃO E CULTURA<br />

Promoção: Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Estudos Interdisciplinares da Comunicação | INTERCOM )<br />

e Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Campinas ( PUCCAMP )<br />

4 a 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1987<br />

Local: IAC - Instituto <strong>de</strong> Artes e Comunicações<br />

Campus I da PUCCAMP - Campinas - SP

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!