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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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O visitante da noite<br />

Sua primeira viagem à Europa levou-o a assinalar o surgimento <strong>de</strong> uma<br />

nova classe social: a do Homem que Viaja. Dizele: “O homem que viaja é o ser<br />

dominante do momento universal.” E completa: “Viajar é uma função natural<br />

do homem cosmopolita, civilizado e superior.”<br />

As viagens a vários países, especialmente à França, asseguraram-lhe a condição<br />

<strong>de</strong> homem cosmopolita, civilizado e superior – e invejado pelos pobres<br />

confra<strong>de</strong>s a que o <strong>de</strong>stino cruel impusera a maldição <strong>de</strong> um se<strong>de</strong>ntarismo inarredável.<br />

O viajante João do Rio sabia ver e observar. No livro Portugal <strong>de</strong> Agora, <strong>de</strong>sce<br />

até as entranhas <strong>de</strong> uma Lisboa sórdida e miserável, e nos fazassistir a uma<br />

procissão <strong>de</strong> mendigos, prostitutas e rufiões, e <strong>de</strong>nuncia a exploração sexual <strong>de</strong><br />

crianças. Não era só para as baronesas outoniças que os seus olhos se arregalavam.<br />

Ele sabia ver o que chamava <strong>de</strong> “as classes inferiores”. Duplo discípulo <strong>de</strong><br />

Oscar Wil<strong>de</strong>, na arte e na vida, inseria essa <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>primente em seu esteticismo<br />

e hedonismo. Sublinhava: “A miséria <strong>de</strong> Lisboa! Eu sempre tive como<br />

princípio <strong>de</strong> que só são realmente interessantes os ricos e os miseráveis.” Para<br />

ele, a vida era um espetáculo. E até um divertimento. Ele amava as ruas. Ele<br />

amava os homens. Porém, amava mais as palavras, principalmente quando elas<br />

compõem frases afortunadas e paradoxais e servem para pavimentar o caminho<br />

da posterida<strong>de</strong>.<br />

Um ano após a morte <strong>de</strong> João do Rio, os mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> São Paulo se aglutinavam<br />

ruidosamente e festejavam também a pressa e a velocida<strong>de</strong>. Mário <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong>, poeta da Paulicéia Desvairada, saudava a passagem do automóvel – daquele<br />

automóvel que, para o poeta futurista Marinetti, o ícone importado do<br />

movimento, era mais belo do que a Vênus <strong>de</strong> Milo. Mas, porfiados em implantar<br />

um novo e fervilhante estatuto poético, os álacres e sensacionalistas rapazes<br />

pregavam a negação do passado, nomeadamente o mais próximo, representado<br />

pela gran<strong>de</strong> e diversificada geração anterior, e na qual avultavam Machado<br />

<strong>de</strong> Assis, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, Rui Barbosa, Coelho Neto, Olavo Bilac,<br />

Alberto <strong>de</strong> Oliveira e João do Rio. Assim, embora o autor <strong>de</strong> A Alma Encantadora<br />

das Ruas tenha abrigado em sua prosa a metrópole e as primeiras conquistas<br />

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