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I Colóquio Internacional de Epistemologia e Psicologia ... - FUNDEPE

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ISSN 2175-8204


I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas:<br />

Atualida<strong>de</strong> da Obra <strong>de</strong> Jean Piaget<br />

Aprendizagem e Conhecimento em Construção<br />

Anais<br />

Organização<br />

Josana Ferreira Bassi <strong>de</strong> Moura – UNESP<br />

Vicente Eduardo Ribeiro Marçal – UNIR<br />

Alessandra <strong>de</strong> Morais Shimizu – UNESP<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista – UNESP<br />

Campus Marília-SP<br />

– 2009 –


Comissão Editorial<br />

© by Autores<br />

Josana Ferreira Bassi <strong>de</strong> Moura (UNESP – Marília/SP)<br />

Vicente E. Ribeiro Marçal – UNIR – Porto Velho-RO<br />

Alessandra <strong>de</strong> Morais Shimizu (UNESP – Marília/SP)<br />

Ricardo Pereira Tassinari (UNESP – Marília/SP)<br />

Aline Aparecida Gonçalves (UNESP – Marília/SP)<br />

Aline Monges dos Santos Soares (UNESP – Marília/SP)<br />

Ana Cláudia Saladini (UEL – Londrina)<br />

Antônio dos Reis Lopes Mello (UNIMAR – Marília)<br />

Dilian Martins <strong>de</strong> Oliveira (UNESP – Marília/SP)<br />

Fabrício Costa <strong>de</strong> Oliveira (UNESP – Marília/SP)<br />

Nelson Pedro da Silva (UNESP – Assis/SP)<br />

Orlando Men<strong>de</strong>s Fogaça Júnior (UEL – Londrina)<br />

Rafael dos Reis Ferreira (UNESP – Marília/SP)<br />

Sabrina Sacoman Campos (UNESP – Marília/SP)<br />

C719a<br />

Ficha Catalográfica<br />

Silvia Nathaly Yassuda<br />

Diagramação e Composição<br />

Vicente Eduardo Ribeiro Marçal<br />

Capa<br />

Maria Leila <strong>de</strong> Marins Orquizas<br />

Formato – Digital – PDF<br />

Distribuído em CD-ROM<br />

<strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas (1.:<br />

2009: Marília. SP).<br />

Anais do I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong><br />

Genéticas: atualida<strong>de</strong> da obra <strong>de</strong> Jean Piaget – 08 a 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

2009, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências da UNESP – Campus <strong>de</strong><br />

Marília / Organização: Josana Ferreira Bassi <strong>de</strong> Moura, Vicente<br />

Eduardo Ribeiro Marçal e Alessandra <strong>de</strong> Morais Shimizu. – Marília:<br />

UNESP/FFC, 2009.<br />

1 Meio Digital:<br />

http://www.fun<strong>de</strong>pe.com/coloquiopiaget/brazil/pdf/anais.pdf<br />

ISSN 2175-8204<br />

1. <strong>Epistemologia</strong> Genética. 2. <strong>Psicologia</strong> Genética. 3.<br />

Aprendizagem. 4. Jean Piaget. I. Moura, Josana Ferreira Bassi. II.<br />

Marçal, Vicente Eduardo Ribeiro. III. Shimizu, Alessandra <strong>de</strong> Morais.<br />

VI. Título.<br />

CDD 121<br />

Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto n.º 1.825 <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1907. Todos os direitos<br />

para a língua portuguesa reservados para o autor. Nenhuma parte da publicação po<strong>de</strong>rá ser reproduzida ou<br />

transmitida <strong>de</strong> qualquer modo ou por qualquer meio, seja eletrônico, mecânico, <strong>de</strong> fotocópia, <strong>de</strong> gravação, ou outros,<br />

sem prévia autorização por escrito dos Autores. O código penal brasileiro <strong>de</strong>termina, no artigo 184: Dos crimes<br />

contra a proprieda<strong>de</strong> intelectual: violação do direito autoral – art. 184; Violar direito autoral: pena – <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> três<br />

meses a um ano, ou multa. 1º Se a violação consistir na reprodução por qualquer meio da obra intelectual, no todo ou<br />

em parte para fins <strong>de</strong> comércio, sem autorização expressa do autor ou <strong>de</strong> quem o represente, ou consistir na<br />

reprodução <strong>de</strong> fonograma ou vi<strong>de</strong>ograma, sem autorização do produtor ou <strong>de</strong> quem o represente: pena – reclusão <strong>de</strong><br />

um a quatro anos e multa. Todos os direitos reservados e protegidos por lei.


Apresentação<br />

É inegável a forte presença e importância da obra <strong>de</strong> Jean Piaget em Ciências Humanas,<br />

principalmente, em áreas da <strong>Psicologia</strong>, Educação e Filosofia, no Brasil e no exterior.<br />

No contexto brasileiro, diversas pesquisas têm sido realizadas tendo como referência o sistema e<br />

as <strong>de</strong>scobertas <strong>de</strong> Jean Piaget e, os resultados <strong>de</strong>ssas pesquisas têm influenciado fortemente nossas vidas<br />

em seus diferentes âmbitos: acadêmicos, político-educacionais (e.g., Parâmetros Curriculares Nacionais)<br />

e culturais em geral.<br />

Muitos grupos <strong>de</strong> pesquisa nas universida<strong>de</strong>s do país têm tido como eixo <strong>de</strong> referência as<br />

<strong>Psicologia</strong> e a <strong>Epistemologia</strong> Genéticas, fundadas por Jean Piaget, e o volume <strong>de</strong> pesquisas realizadas por<br />

esses grupos, bem como a sólida formação que oferecem, evi<strong>de</strong>nciam a maturida<strong>de</strong> da aca<strong>de</strong>mia brasileira<br />

nessa área.<br />

Neste cenário, surge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer um fórum <strong>de</strong> discussão <strong>de</strong> pesquisadores<br />

brasileiros e estrangeiros que tenha como foco a análise da teoria e das práticas referentes à obra <strong>de</strong> Jean<br />

Piaget, para contribuir no avanço consistente e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> dos conhecimentos nessa área.<br />

Em especial, o Grupo <strong>de</strong> Estudo e Pesquisa <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> Genética e Educação (GEPEGE),<br />

nos seus 20 anos <strong>de</strong> existência, tem realizado um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pesquisas e contribuído na formação<br />

<strong>de</strong> diversos pesquisadores. Esse grupo conta com pesquisadores que atuam nas mais diferentes áreas <strong>de</strong><br />

conhecimento e com muitos estudantes <strong>de</strong> pós-graduação e <strong>de</strong> graduação. O GEPEGE também mantém<br />

contato com diferentes grupos <strong>de</strong> estudo e pesquisa da UNESP e <strong>de</strong> outras universida<strong>de</strong>s do Brasil e do<br />

exterior.<br />

É neste espírito <strong>de</strong> contribuição à continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> e consistente movimento que<br />

iniciamos a realização do I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas - Atualida<strong>de</strong><br />

da Obra <strong>de</strong> Jean Piaget.<br />

Comissão Organizadora<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 4


Objetivos<br />

• Promover o encontro <strong>de</strong> pesquisadores brasileiros <strong>de</strong>dicados ao estudo da obra <strong>de</strong> Jean Piaget e <strong>de</strong><br />

questões atuais abordadas pela <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong> Genéticas.<br />

• Promover o encontro <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong> Genéticas no Brasil.<br />

• Promover a aproximação <strong>de</strong> pesquisadores brasileiros com pesquisadores estrangeiros (latinoamericanos,<br />

europeus e americanos) sobre questões e pesquisas <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong><br />

Genéticas.<br />

• Oferecer elementos <strong>de</strong> discussão e subsídios teóricos aos estudantes <strong>de</strong> Programas <strong>de</strong> Pós-<br />

Graduação e <strong>de</strong> Graduação na elaboração <strong>de</strong> suas pesquisas.<br />

• Promover a discussão e divulgação dos trabalhos do Grupo <strong>de</strong> Estudo e Pesquisa <strong>de</strong><br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética e Educação – GEPEGE, da UNESP – campus <strong>de</strong> Marília.<br />

• Publicar os resultados alcançados no Evento.<br />

Local e Data<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências da UNESP – Campus <strong>de</strong> Marília/SP<br />

Av. Hygino Muzzi Filho, 737<br />

CEP: 17525-900<br />

Marília - SP – Brasil<br />

De 8 à 11 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2009.<br />

Eixos Temáticos<br />

1. Filosofia e <strong>Epistemologia</strong> Genética<br />

2. Conhecimento Matemático<br />

3. Conhecimento Social<br />

4. Conhecimento Escolar<br />

5. Aprendizagem<br />

6. Linguagem e Pensamento<br />

7. Moralida<strong>de</strong><br />

8. Afetivida<strong>de</strong><br />

9. Jogos e Brinca<strong>de</strong>iras<br />

10. Desenvolvimento Infantil e/ou do Adolescente<br />

11. Interação Social e Desenvolvimento Psicológico<br />

12. Formação <strong>de</strong> Professores<br />

Palavras-Chaves<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética; <strong>Psicologia</strong> Genética; Aprendizagem; Jean Piaget<br />

Público Alvo<br />

• Pesquisadores e estudiosos interessados na obra <strong>de</strong> Jean Piaget.<br />

• Estudantes <strong>de</strong> graduação, pós-graduação e profissionais ligados aos cursos <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>,<br />

Filosofia, Educação e áreas afins.<br />

Ativida<strong>de</strong>s Previstas<br />

• Conferência <strong>de</strong> abertura<br />

• Mesas redondas<br />

• Relatos <strong>de</strong> Pesquisa<br />

• Minicursos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genética 5


Comissão Organizadora<br />

Presi<strong>de</strong>nte: Adrián Oscar Dongo Montoya (UNESP – Marília/SP)<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte: Alessandra <strong>de</strong> Morais Shimizu (UNESP – Marília/SP)<br />

Secretaria: Vicente Eduardo Ribeiro Marçal (UNIR – Porto Velho/RO)<br />

Ivone Emília <strong>de</strong> Oliveira Fogaça (UNESP – Marília/SP)<br />

Tesouraria: Inaiara Bartol Rodrigues (UNESP – Marília/SP)<br />

Rosimar Bertolini Poker (UNESP – Marília/SP)<br />

Comissão Científica<br />

Presi<strong>de</strong>nte: Ricardo Pereira Tassinari (UNESP – Marília/SP)<br />

Membros:<br />

Adrián Oscar Dongo Montoya (UNESP – Marília/SP)<br />

Alessandra <strong>de</strong> Morais Shimizu (UNESP – Marília/SP)<br />

Ana Cláudia Saladini (UEL – Londrina)<br />

Ângela Pereira Teixeira Victoria Palma (UEL - Londrina)<br />

Antônio dos Reis Lopes Mello (UNIMAR – Marília)<br />

Carmen Lúcia Dias (UNOESTE - Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte/SP)<br />

Clélia Maria Ignatus Nogueira (UEM – Maringá/PR)<br />

Eliane Giachetto Saravali (UNESP – Marília/SP)<br />

Inaiara Bartol Rodrigues (UNESP – Marília/SP)<br />

Marcelo Carbone Carneiro (UNESP – Bauru/SP)<br />

Maria Suzana De Stefano Menin (UNESP – Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte/SP)<br />

Maria Thereza Costa Coelho <strong>de</strong> Souza (USP – São Paulo/SP)<br />

Nelson Pedro da Silva (UNESP – Assis/SP)<br />

Ricardo Pereira Tassinari (UNESP – Marília/SP)<br />

Rita Melissa Lepre (UNESP- Bauru)<br />

Rosely Palermo Brenelli (UNICAMP – Campinas/SP)<br />

Rosimar Bortolini Poker (UNESP – Marília/SP)<br />

Telma Pileggi Vinha (UNICAMP – Campinas/SP)<br />

Comissão <strong>de</strong> Trabalho<br />

Presi<strong>de</strong>ntes: Carla Luciane Blum Vestena (UNICENTRO – Guarapuava/PR)<br />

Josana Ferreira Bassi <strong>de</strong> Moura (UNESP – Marília/SP)<br />

Membros:<br />

A<strong>de</strong>mar Simões Motta Jr. (FACCAT – Tupã)<br />

Aline Monges dos Santos Soares (UNESP – Marília/SP)<br />

Camila Pinheiro (UNESP – Marília/SP)<br />

Carla Andressa Placido Ribeiro (UNESP – Marília/SP)<br />

Carla Luciane Blum Vestena (UNESP – Marília/SP)<br />

Cristiane Pereira Marquezini (UNESP – Marília/SP)<br />

Danubia Ferraz dos Santos (UNESP – Marília/SP)<br />

Danuza Dal Bom (UNESP – Marília/SP)<br />

Dilian Martins <strong>de</strong> Oliveira (UNESP – Marília/SP)<br />

Elaine Cristina Cabral Tassinari (UNESP – Marília/SP)<br />

Elaine Rezen<strong>de</strong> (UNESP – Marília/SP)<br />

Fabrício Costa <strong>de</strong> Oliveira (UNESP – Marília/SP)<br />

Fernanda Reis (UNESP – Marília/SP)<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 6


Gerson Alves <strong>de</strong> Oliveira (UNESP – Marília/SP)<br />

Jussara da Silva (UNESP – Marília/SP)<br />

Karina Luciana Silva Deolindo (UNESP – Marília/SP)<br />

Kelly Cardoso dos Santos (UNESP – Marília/SP)<br />

Leonardo Miranda (UNESP – Marília/SP)<br />

Leticia Humberto Guinato (UNESP – Marília/SP)<br />

Luciana Batista Spiller (UNESP – Marília/SP)<br />

Maewa Martina Gomes da Silva e Souza (UNESP – Marília/SP)<br />

Marina Carara Americhi (UNESP – Marília/SP)<br />

Orlando Men<strong>de</strong>s Fogaça Júnior (UEL- Londrina)<br />

Paulo Eduardo Marciano (UNESP – Marília/SP)<br />

Rafael dos Reis Ferreira (UNESP – Marília/SP)<br />

Rita <strong>de</strong> Cássia Vieira Martins (UNESP – Marília/SP)<br />

Sabrina Sacoman Campos (UNESP – Marília/SP)<br />

Simone <strong>de</strong> Melo (UNESP – Marília/SP)<br />

Talita Deniz Amâncio (UNESP – Marília/SP)<br />

Tamires Alves Monteiro (UNESP – Marília/SP)<br />

Thais <strong>de</strong> Biagi Viana (UNESP – Marília/SP)<br />

Vanessa Latansio (UNESP – Marília/SP)<br />

Comissão <strong>de</strong> Tradução<br />

Taiana <strong>de</strong> Freitas Vanucci (UNESP – Marília/SP)<br />

Promoção<br />

FAPESP – Fundação <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa do Estado São Paulo<br />

PROPG – Pró- Reitoria <strong>de</strong> Pós-Graduação – UNESP<br />

PROEX – Pró-Reitoria <strong>de</strong> Extensão Universitária – UNESP<br />

FUNDUNESP – Fundação para o Desenvolvimento da UNESP<br />

Fundação VUNESP<br />

Apoio<br />

Departamento <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da Educação/ FFC/ UNESP – Marília/SP<br />

Pós-Graduação em Educação/ FFC/ UNESP – Marília/SP<br />

Pós-Graduação em Filosofia/ FFC/ UNESP – Marília/SP<br />

Conselho <strong>de</strong> Curso <strong>de</strong> Pedagogia FFC/ UNESP – Marília/SP<br />

Departamento <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Evolutiva, Social e Escolar/ FCL - UNESP – Assis/SP<br />

<strong>FUNDEPE</strong> - Fundação para o Desenvolvimento do Ensino, Pesquisa e Extensão – Marília/SP<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genética 7


Sumário<br />

Comunicações Orais por Eixo Temático.......................................................................................................9<br />

1. Filosofia e <strong>Epistemologia</strong> Genética.......................................................................................................9<br />

2. Conhecimento Matemático.................................................................................................................62<br />

3. Conhecimento Social.........................................................................................................................103<br />

4. Conhecimento Escolar.......................................................................................................................226<br />

5. Aprendizagem...................................................................................................................................242<br />

6. Linguagem e Pensamento..................................................................................................................330<br />

7. Moralida<strong>de</strong>........................................................................................................................................366<br />

8. Afetivida<strong>de</strong>........................................................................................................................................513<br />

9. Jogos e Brinca<strong>de</strong>iras..........................................................................................................................525<br />

10. Desenvolvimento Infantil e/ou do Adolescente..............................................................................561<br />

11. Interação Social e Desenvolvimento Psicológico...........................................................................596<br />

12. Formação <strong>de</strong> Professores.................................................................................................................610<br />

Relatos <strong>de</strong> Grupos <strong>de</strong> Pesquisa..................................................................................................................690<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 8


Comunicações Orais por Eixo Temático<br />

1. Filosofia e <strong>Epistemologia</strong> Genética<br />

A <strong>Epistemologia</strong> Genética como Referencial Teórico a Investigações Epistemológicas acerca da<br />

Relação Informação-Conhecimento<br />

Resumo<br />

CASTIGLIONE, Luiz Henrique G.<br />

UERJ – Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

castiglione.luiz@gmail.com<br />

Este trabalho enfoca a mo<strong>de</strong>lagem e estruturação epistemológica da informação-conhecimento. Esta<br />

relação, como objeto <strong>de</strong> pesquisa, se contextualizou numa investigação mais ampla, que consubstanciou a<br />

tese <strong>de</strong> doutoramento em Ciência da Informação intitulada <strong>Epistemologia</strong> da geoinformação: uma análise<br />

histórico-crítica. Neste contexto, impôs-se como necessária a busca por quadros conceituais que afluíssem<br />

<strong>de</strong> uma epistemologia científica ampla, capaz <strong>de</strong> bem mo<strong>de</strong>lar não apenas a epistemologia <strong>de</strong>sta ou<br />

daquela seara científica, mas que antes se mantivesse referencial mesmo em face <strong>de</strong> um enfoque<br />

interdisciplinar amplo. Nestas circunstâncias, os estudos epistemológicos básicos elegeram a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética como referência teórica à estruturação <strong>de</strong> todas as investigações e impuseram<br />

como essencial o estabelecimento <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>lagem epistemológica da relação informação-conhecimento,<br />

em face do papel vital que esta relação <strong>de</strong>sempenha na pesquisa acerca da epistemologia das<br />

geoinformações. O trabalho aqui apresentado contempla a investigação <strong>de</strong> aspectos da teorização da<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética que permitem a construção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo referencial para a relação informaçãoconhecimento,<br />

bem como apresenta a própria mo<strong>de</strong>lagem que resulta <strong>de</strong>sta investigação. As expectativas<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa dão conta <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>senho epistemológico da relação informação-conhecimento<br />

permitiria uma melhor qualificação da natureza essencial <strong>de</strong>sta relação, tão cara aos estudos<br />

epistemológicos em Ciência da Informação.<br />

Palavras-chave: <strong>Epistemologia</strong> Genética. Informação. Conhecimento. Ciência da Informação.<br />

Abstract<br />

This paper focuses the epistemological mo<strong>de</strong>l and structures of the relationship between<br />

information and knowledge. This relationship, as a research object, is inclu<strong>de</strong>d in a broad research that<br />

was done as a core of a doctoral thesis in Information Science, entitled Epistemology of geoinformation:<br />

an analysis historical-critical. In this context, it was necessary a search for theoretical frames that came<br />

from a broad scientific epistemology, able to mo<strong>de</strong>l not just a specific epistemology for a specific kind of<br />

science field, but large interdisciplinary fields of research. In this circumstances, the basic analysis choice<br />

the Genetic Epistemology as a reference to infrastructure all the investigations and impose as essential to<br />

establish an epistemological mo<strong>de</strong>l of the relationship between knowledge and information, in light of the<br />

importance that this relationship has to the research in the epistemology of geoinformation. The work<br />

showed here keep an eye on the aspects of Genetic Epistemology that make possible to built a referential<br />

mo<strong>de</strong>l for the information-knowledge relationship, as well as show the mo<strong>de</strong>l of that relationship that<br />

emerge from this investigation. The expectative of this research is that the epistemological mo<strong>de</strong>ling of<br />

the information-knowledge relationship will just make viable a better comprehension of its essential<br />

nature, which is very important to the epistemological studies in Information Science.<br />

Keywords: Genetic Epistemology. Information. Knowledge. Information Science.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 9


Introdução<br />

Este trabalho reporta os esforços <strong>de</strong> investigação empreendidos no sentido da mo<strong>de</strong>lagem e<br />

estruturação epistemológica da relação informação-conhecimento.<br />

A relação informação-conhecimento como objeto <strong>de</strong> pesquisa se contextualizou numa<br />

investigação mais ampla, que consubstanciou a tese <strong>de</strong> doutoramento em Ciência da Informação<br />

intitulada <strong>Epistemologia</strong> da geoinformação: uma análise histórico-crítica. Esta tese contemplou uma<br />

análise das transformações da geoinformação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a pré-história até o século XXI, com o objetivo <strong>de</strong><br />

analisar o sentido epistêmico <strong>de</strong>stas transformações e <strong>de</strong> ensejar uma melhor compreensão acerca da<br />

natureza epistemológica do fenômeno geoinformacional. Neste contexto, impôs-se como necessária a<br />

busca por quadros conceituais que afluíssem <strong>de</strong> uma epistemologia científica ampla, capaz <strong>de</strong> bem<br />

mo<strong>de</strong>lar não apenas a epistemologia <strong>de</strong>sta ou daquela seara científica, mas que antes se mantivesse<br />

referencial mesmo em face <strong>de</strong> um enfoque interdisciplinar amplo, capaz <strong>de</strong> articular perspectivas<br />

matemáticas, como as geometrias e a topologia, perspectivas semióticas, como a semiologia gráfica, em<br />

cartografia, e ainda perspectivas analíticas amplas, como aquelas que hoje se colocam à base da formação<br />

dos chamados SIG – Sistemas <strong>de</strong> Informações Geográficas.<br />

Nestas circunstâncias, os estudos epistemológicos básicos elegeram a <strong>Epistemologia</strong> Genética<br />

como referência teórica à estruturação <strong>de</strong> todas as investigações e impuseram como essencial o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>lagem epistemológica da relação informação-conhecimento, em face do<br />

papel vital que esta relação <strong>de</strong>sempenha na pesquisa acerca da epistemologia das geoinformações.<br />

O trabalho a seguir apresentado contempla a investigação <strong>de</strong> aspectos da teorização da<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética que permitem a construção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo referencial para a relação informação-<br />

conhecimento, bem como apresenta a própria mo<strong>de</strong>lagem que resulta <strong>de</strong>sta investigação.<br />

Referencial teórico<br />

À luz da consi<strong>de</strong>ração metafórica <strong>de</strong> que o uso, a produção e o compartilhamento <strong>de</strong> informações<br />

seria uma espécie <strong>de</strong> prótese intelectual <strong>de</strong> que os humanos se servem para alargar suas capacida<strong>de</strong>s<br />

representativas e cognitivas, as <strong>de</strong>mandas pela eleição e adoção <strong>de</strong> uma epistemologia referencial<br />

atinham-se à importância <strong>de</strong> se perscrutar teorias do conhecimento <strong>de</strong> amplo espectro, que, expostas à<br />

crítica, respon<strong>de</strong>ssem consistentemente não apenas às questões mais abstratas do conhecer, mas também<br />

às questões mais correntes <strong>de</strong> um conhecer que, ao longo do século XX e mais ainda neste alvorecer <strong>de</strong><br />

século XXI, não cessa <strong>de</strong> se transformar e <strong>de</strong> criar novos contextos <strong>de</strong> cognição, em tudo <strong>de</strong>safiadores a<br />

todas as teorias epistemológicas já <strong>de</strong>senvolvidas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 10


Em termos epistemológicos amplos, ao tratar da constituição dos conhecimentos válidos, Jean-<br />

Louis Le Moigne (1995) estabelece que as três questões essenciais <strong>de</strong> uma epistemologia geral são o seu<br />

estatuto (o que é o conhecimento – a questão gnosiológica), o seu método (como o conhecimento se<br />

constitui – a questão metodológica) e o seu valor (como validar o conhecimento – a questão ética).<br />

Neste ponto inicial, parece importante estabelecer algumas premissas que parametrizam a questão<br />

que Le Moigne chamou <strong>de</strong> metodológicas, em epistemologia. Neste sentido, a complexificação da vida e<br />

do conhecimento, da forma como o homem se relaciona com o meio, como ele cria próteses para apoio à<br />

cognição, sinalizam uma imbricação entre as estruturas do sujeito e do objeto, que dão muito sentido à<br />

consi<strong>de</strong>ração, como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>sta relação cognoscitiva, das perspectivas trazidas à luz pelo<br />

Construtivismo, que, reconhecendo a importância das estruturas <strong>de</strong> ambos os pólos, questiona a<br />

sobrevalorização <strong>de</strong> uma ou <strong>de</strong> outra estrutura. Com efeito, “a restauração por J. Piaget das<br />

epistemologias construtivistas, que ele formulava [...] sobre um suporte construído em 1934 por G.<br />

Bachelard” (LE MOIGNE, [1999?], p. 72), transcen<strong>de</strong> a limitação ou a ina<strong>de</strong>quação do i<strong>de</strong>alismo e do<br />

empirismo à compreensão epistemológica da complexida<strong>de</strong>, propondo “um quadro <strong>de</strong> validação sólido e<br />

argumentado” (LE MOIGNE, [1999?], p. 72), que privilegia “a interação do sujeito observador e do<br />

objeto observado mais do que a sua absoluta separação, consi<strong>de</strong>rando o conhecimento mais um projeto<br />

construído do que um objeto dado.” (LE MOIGNE, [1999?], p. 72).<br />

Com efeito, o referencial teórico da mo<strong>de</strong>lagem da relação informação-conhecimento se<br />

estabeleceu à luz do Construtivismo e se orientou inicialmente pela síntese <strong>de</strong> Adrián Oscar Dongo<br />

Montoya (2005) acerca do uso do termo representação na obra <strong>de</strong> Piaget. A esta referência inicial<br />

associaram-se diversas outras referências epistemológicas da obra teórica coor<strong>de</strong>nada por Jean Piaget,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as mais sintéticas <strong>de</strong> toda a teoria, como <strong>Epistemologia</strong> Genética (2002) até obras mais específicas<br />

como A equilibração das estruturas cognitivas (1976).<br />

Objetivos<br />

O objetivo <strong>de</strong>sta investigação é elaborar uma mo<strong>de</strong>lagem epistemológica consistente para a<br />

relação informação-conhecimento, à luz das referências teóricas da <strong>Epistemologia</strong> Genética. Este trabalho<br />

tem a expectativa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r contribuir para a discussão epistemológica em Ciência da Informação, bem<br />

como, <strong>de</strong> aduzir novos subsídios a uma melhor compreensão, da perspectiva das ricas construções<br />

teóricas do Construtivismo, <strong>de</strong>sta que é uma relação tão importante à chamada socieda<strong>de</strong> do<br />

conhecimento.<br />

Metodologia<br />

Nos termos <strong>de</strong> uma epistemologia <strong>de</strong> referência que permitisse uma fundamentada reflexão acerca<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 11


da relação informação-conhecimento, há, na teorização construtivista, diversos aspectos teóricos que<br />

parecem profundamente ricos como bases <strong>de</strong> sustentação ao entendimento <strong>de</strong>sta relação. Se, <strong>de</strong> partida, se<br />

consi<strong>de</strong>ra que o usuário <strong>de</strong> uma informação é um integrador <strong>de</strong> informações através <strong>de</strong> suas condutas<br />

sensório-perceptivas e representativas, as mo<strong>de</strong>lagens epistemológicas que resultam da teoria<br />

construtivista se consubstanciam numa matriz profundamente rica ao estabelecimento da relação entre<br />

conhecimento e informação. O que se investigou, e o que se apresenta no trabalho que se segue, são as<br />

consonâncias entre as mo<strong>de</strong>lagens epistemológicas da <strong>Epistemologia</strong> Genética e o processo<br />

assimilador/emissor <strong>de</strong> informações do sujeito, em relação aos seus objetos <strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong> forma a<br />

que se pu<strong>de</strong>sse, através da investigação <strong>de</strong>stas consonâncias, melhor qualificar, em termos epistêmicos, a<br />

relação que articula a geração/integração <strong>de</strong> informações ao processo constitutivo do conhecer.<br />

Desenvolvimento<br />

A mo<strong>de</strong>lagem da relação informação-conhecimento à luz da <strong>Epistemologia</strong> Genética origina-se da<br />

observação <strong>de</strong> que o caráter essencial do pensamento é seu duplo aspecto representativo e operativo.<br />

Desta perspectiva, parece razoável consi<strong>de</strong>rar que na mente constitui-se uma representação <strong>de</strong> natureza<br />

imagética, figurativa, <strong>de</strong> forte caráter simbólico, que po<strong>de</strong> ser essencial à mo<strong>de</strong>lagem da relação<br />

informação-conhecimento. No entanto, focar a mo<strong>de</strong>lagem epistemológica apenas na questão da<br />

representação imagética e simbólica não resolve o problema, porque o conhecimento transcen<strong>de</strong> esta<br />

representação. Representar simbolicamente é apenas uma das condutas do ato cognitivo, ou, em outras<br />

palavras, este representar cognitivamente trataria essencialmente da formação do lócus sobre o qual<br />

operam intelectualmente as estruturas superiores da cognição conceitual. Com efeito, a representação<br />

mental como um todo se constituiria <strong>de</strong> dois gran<strong>de</strong>s níveis <strong>de</strong> representação. Um primeiro nível <strong>de</strong><br />

representação imagética, figurativa, simbólica e mais um nível, superior ao primeiro, <strong>de</strong> representação<br />

conceitual, que seria o lócus das estruturas lógicas e conceituais essenciais do pensamento. Como observa<br />

Piaget, “po<strong>de</strong>-se distinguir, em todos os níveis do <strong>de</strong>senvolvimento das funções cognitivas, um aspecto<br />

operativo (da motricida<strong>de</strong> às operações intelectuais) e um aspecto figurativo (percepção, imagem, etc.).”<br />

(PIAGET apud BATTRO, 1978, p. 113).<br />

A representação simbólico-imagética, constituída a partir da gênese da função simbólica, nasceria<br />

“da união <strong>de</strong> significantes, que permite evocar os objetos ausentes com um jogo <strong>de</strong> significação que os<br />

reúnem aos elementos presentes.” (PIAGET apud BATTRO, 1978, p. 113). Em face da função operativa<br />

da cognição e da natural necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong>sta cognição constitua um lócus operativo,<br />

ou seja, um teatro <strong>de</strong> operações sobre o qual os significantes pu<strong>de</strong>ssem ser articulados pela operação<br />

cognitiva, a i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> um nível <strong>de</strong> representação simbólico-imagética parece estabelecer<br />

a<strong>de</strong>quadamente este lócus, on<strong>de</strong> aconteceria a “conexão específica entre os significantes e os significados<br />

[que] constitui o que é próprio <strong>de</strong> uma função nova, que ultrapassa a ativida<strong>de</strong> sensorial-motora, e que se<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 12


po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong> modo muito geral <strong>de</strong> função simbólica.” (PIAGET apud BATTRO, 1978, p.114). O<br />

<strong>de</strong>senvolvimento permanente <strong>de</strong>ste lócus da representação simbólico-imagética nos sujeitos irá permitir o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> centro <strong>de</strong> funcionamento da inteligência; ou, em outra figura teórica<br />

semelhante, num nível <strong>de</strong> operação <strong>de</strong> sínteses cognitivas que se constituiria num centro <strong>de</strong> integração da<br />

memória com as informações afluentes.<br />

Importante se torna ter presente que, para a <strong>Epistemologia</strong> Genética, o conhecimento não é estado,<br />

mas sim processo. “Conhecer consiste em construir ou reconstruir o objeto do conhecimento <strong>de</strong> modo a<br />

apreen<strong>de</strong>r o mecanismo <strong>de</strong>sta construção [...] conhecer é produzir um pensamento, <strong>de</strong> modo a reconstituir<br />

o ‘modo <strong>de</strong> produção dos fenômenos’.” (PIAGET apud BATTRO, 1978, p.114). A questão que se coloca<br />

então é: on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> o sujeito reconstruir, cognitivamente, o modo <strong>de</strong> produção dos fenômenos? Neste<br />

modo <strong>de</strong> produção do pensamento, <strong>de</strong> construção e reconstrução, não seriam necessárias simbolizações e<br />

atribuições <strong>de</strong> significados que permitissem a elaboração <strong>de</strong> sínteses ou <strong>de</strong> representações repletas <strong>de</strong><br />

significantes? Neste nível representacional da cognição, on<strong>de</strong> o sujeito reconstrói cognitivamente seu<br />

objeto <strong>de</strong> conhecimento, a função simbólica e a representação tornam “possíveis a constituição <strong>de</strong> outras<br />

estruturas figurativas tais como as imagens e as representações imaginadas.” (PIAGET apud BATTRO,<br />

1978, p.131).<br />

Este nível representacional simbólico e imagético parece ser o nível da cognição em que as<br />

informações afluentes ao sujeito são postas em relação com o seu estado <strong>de</strong> conhecimento prévio. Isto,<br />

contudo, obriga a trazer para esta análise uma questão ainda não <strong>de</strong>vidamente incorporada: a da<br />

assimilação das informações em termos da representação simbólica. Como se dá esta assimilação? Trata-<br />

se <strong>de</strong> uma assimilação seletiva, cognitivamente ativa, que atribui valor simbólico à informação quando <strong>de</strong><br />

sua assimilação, ou se trata <strong>de</strong> uma assimilação acrítica, que traz a informação em termos da<br />

representação simbólica para que, apenas neste, haja a sua a<strong>de</strong>quada qualificação?<br />

Para uma mais precisa <strong>de</strong>scrição mo<strong>de</strong>ladora <strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> assimilação parece importante ter<br />

presente o entendimento <strong>de</strong> que o pensamento opera símbolos e não signos. Ele opera simbolicamente e<br />

não linguisticamente, ou seja, ele opera sobre o simbolismo que constrói a partir das informações que<br />

recebe, interpreta e às quais atribui valor simbólico. Ele opera sobre os símbolos que constrói a partir dos<br />

signos das informações que assimila. Esta mo<strong>de</strong>lagem da assimilação e da sua relação com a formação da<br />

representação simbólica resulta do entendimento <strong>de</strong> que as operações simbólicas e conceituais implicam a<br />

elaboração <strong>de</strong> representações, exatamente para que essas operações tenham um continente sobre o qual<br />

operar. Com efeito, a razão provável para a relevância sempre crescente dos processos informacionais,<br />

para o homem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios da formação das civilizações, pren<strong>de</strong>-se ao fato <strong>de</strong> que, para ele, a<br />

simples ação e interação no mundo exterior não se faziam suficientes à formação segura da representação<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 13


simbólica que ele precisava constituir mentalmente, para representar e operar as antecipações que lhe<br />

permitiriam melhor orientar sua própria existência. As informações passaram então, cada vez mais, a<br />

constituir meios artificiais para obtenção <strong>de</strong> dados significativos à construção do seu horizonte <strong>de</strong><br />

representação interior. Daí, muito provavelmente, a elaboração dos signos e <strong>de</strong> todos os meios sociais <strong>de</strong><br />

compartilhamento simbólico, que são semióticos no sentido mais amplo, e que transcen<strong>de</strong>m em muito a<br />

simples língua escrita, como <strong>de</strong>monstra a farta utilização social <strong>de</strong> imagens e <strong>de</strong> figurações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

figuração rupestre até a existência <strong>de</strong> registros cartográficos, mesmo em civilizações bastante primitivas.<br />

Se assimilação <strong>de</strong> elementos exteriores à representação simbólica interior é então um<br />

procedimento ativo, inteligente, <strong>de</strong> qualificação simbólica daquilo que é assimilado, parece importante à<br />

tentativa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem que aqui se estabelece tentar <strong>de</strong>screver as condutas que interligam e constituem o<br />

que seriam, então, os três níveis <strong>de</strong> inteligência ativa do sujeito epistêmico, ou, em outras palavras, as três<br />

condutas generalizáveis mais importantes do pensamento: a inteligência perceptiva, a representativa e a<br />

conceitual. Estas três condutas não <strong>de</strong>vem ser tratadas <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> terem<br />

funções relativamente especializadas na equilibração das estruturas cognitivas como um todo (PIAGET,<br />

1976, p. 64).<br />

A figura apresentada a seguir ilustra esquematicamente os três níveis <strong>de</strong> cognição propugnados<br />

por esta mo<strong>de</strong>lagem do processo cognitivo, servindo <strong>de</strong> referência permanente à mo<strong>de</strong>lagem funcional<br />

que aqui se tenta estabelecer.<br />

Figura 1 – Três níveis <strong>de</strong> cognição da inteligência representativa<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 14


Em termos sintéticos e introdutórios, cumpre dizer que a inteligência perceptiva seria responsável<br />

pela interação inteligente do sujeito com o mundo exterior, seja na assimilação das informações<br />

perceptivas (sensoriais) que recebe continuamente no curso <strong>de</strong> suas ações, seja na assimilação <strong>de</strong><br />

informações que são por ele recebidas, qualificadas simbolicamente e levadas à cognição. Trata-se <strong>de</strong><br />

uma inteligência eminentemente prática, que é pautada tanto pela interação entre sujeito, objeto <strong>de</strong><br />

conhecimento e informações dos mais variados tipos, durante os processos <strong>de</strong> assimilação, quanto pela<br />

operação dos dois níveis superiores (inteligência simbólico-imagética e inteligência formal-conceitual)<br />

sobre a ação do sujeito.<br />

Quanto à inteligência representativa simbólico-imagética, esta se constituiria pela construção das<br />

representações interiores à mente, <strong>de</strong> natureza imagética e simbólica, sobre as quais irão atuar as<br />

operações conceituais e simbólicas que caracterizam a produção <strong>de</strong> conhecimentos. Trata-se, portanto, <strong>de</strong><br />

uma conduta inteligente posta no centro da cognição, formando um verda<strong>de</strong>iro teatro <strong>de</strong> operações, sobre<br />

o qual atuam tanto a inteligência perceptiva, através da incorporação <strong>de</strong> novos elementos à representação,<br />

como a inteligência formal-conceitual, através da operação dos esquemas que estruturam a representação.<br />

Finalmente, nos mais elevados níveis da cognição, encontram-se representadas as estruturas <strong>de</strong><br />

conhecimento que operam as inteligências representativa e perceptiva e que são responsáveis pela<br />

estruturação lógica e abstrata <strong>de</strong> todo o pensamento.<br />

Com efeito, em se tratando do sistema cognitivo como um todo, po<strong>de</strong>ria se observar que a<br />

interação do sujeito com seus objetos <strong>de</strong> conhecimento dar-se-ia segundo a seguinte conduta genérica e<br />

simplificada: o sujeito epistêmico possui uma <strong>de</strong>terminada mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> conhecimento sobre algum<br />

objeto, que constitui como representação no plano da inteligência simbólico-imagética. Esta mo<strong>de</strong>lagem,<br />

esquematizada lógica e conceitualmente através das operações da inteligência formal-conceitual superior,<br />

elabora esquematizações do objeto <strong>de</strong> conhecimento, que ela representa e opera ao nível da inteligência<br />

simbólico-imagética, preenchendo as representações formais-conceituais puras com o conteúdo imagético<br />

e/ou simbólico que caracteriza a inteligência representacional. No âmbito <strong>de</strong>sta operação relativamente<br />

equilibrada <strong>de</strong> uma representação interior suportada por uma estrutura conceitual bem acabada, num<br />

<strong>de</strong>terminado momento, e por razões diversas, po<strong>de</strong>m surgir <strong>de</strong>mandas pela assimilação <strong>de</strong> novos<br />

elementos exteriores (informações, por exemplo), a ponto <strong>de</strong>, após a assimilação dos elementos à<br />

inteligência representativa, se produzir um <strong>de</strong>sequilíbrio no esquema representacional.<br />

Em cada uma <strong>de</strong>stas três condutas, este processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio circunstancial ensejaria uma<br />

ação do sistema cognitivo na busca <strong>de</strong> um novo equilíbrio, num movimento <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong><br />

reequilibração, que essencialmente parte em busca do restabelecimento da coerência interior da cognição,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 15


em cada conduta. Este processo consistiria na equilibração das estruturas cognitivas.<br />

Para tentar estabelecer mais amiú<strong>de</strong> o papel <strong>de</strong> cada uma das três condutas cognitivas <strong>de</strong>sta<br />

mo<strong>de</strong>lagem construtivista que aqui se <strong>de</strong>senha, parece mais a<strong>de</strong>quado que se inicie pela caracterização da<br />

inteligência perceptiva e <strong>de</strong> sua relação próxima com a inteligência representacional simbólico-imagética,<br />

lócus da formação das imagens mentais. Parece haver uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cognição que opera a percepção e<br />

a integração daquilo que é percebido ou assimilado, no nível da inteligência representacional simbólico-<br />

imagética. Montoya (2005, p. 39) <strong>de</strong>staca que “a imagem mental não é o prolongamento da percepção<br />

como tal, mas da ativida<strong>de</strong> perceptiva, a qual é uma forma elementar <strong>de</strong> inteligência.”<br />

No conjunto da atuação cognitiva do sujeito, esta ativida<strong>de</strong> ou inteligência perceptiva opera em<br />

tempo real na relação do sujeito com o mundo exterior, o que <strong>de</strong>la retira a característica <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

reflexiva integralmente endógena, e a obriga a ajustar-se às imposições temporais da relação homem-<br />

mundo. Apesar disso, a <strong>de</strong>speito dos ditames da velocida<strong>de</strong> que a ação do homem no mundo lhe impõe,<br />

trata-se <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> que, dinamicamente, na medida do possível, interage com os níveis mais<br />

endógenos da inteligência, principalmente com aqueles nos quais ela irá lançar suas assimilações<br />

exteriores, que é o nível da inteligência representacional simbólico-imagética. Essa assimilação, que<br />

incorpora novida<strong>de</strong>s ao plano representacional possui uma seletivida<strong>de</strong> restrita. Po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />

rejeitáveis elementos exteriores que pareçam, grosso modo, incompatíveis com as estruturas operatórias<br />

que comandam a inteligência representativa, como também po<strong>de</strong>m assimilar perturbações que, em face <strong>de</strong><br />

sua interação dinâmica com os objetos do mundo exterior, lhe pareçam assimiláveis, ou que contenham<br />

uma capacida<strong>de</strong> potencial <strong>de</strong> articulação com as representações interiores, que são paradigmáticas às suas<br />

ações. Montoya observa que, “os elementos exteriores”, e aqui parece importante <strong>de</strong>stacar que se po<strong>de</strong>ria<br />

consi<strong>de</strong>rar as informações como elementos exteriores, “selecionados entre todos que será possível<br />

consi<strong>de</strong>rar, são organizados <strong>de</strong> um modo tal que obe<strong>de</strong>cem às possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação operatória<br />

do sujeito” (MONTOYA, 2005, p. 108), coor<strong>de</strong>nações estas que, ao momento da assimilação, estarão em<br />

ativida<strong>de</strong> no nível da inteligência representacional simbólico-imagética, sob a forma <strong>de</strong> esquemas, que<br />

são elaborados à luz das estruturas conceituais consolidadas, àquele momento, no nível superior da<br />

inteligência formal-conceitual. Há, portanto, uma atuação direta da inteligência perceptiva na relação<br />

homem-mundo exterior, mas esta atuação, apesar <strong>de</strong> restrita pelo tempo possível da ação do sujeito, nada<br />

tem <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em relação aos níveis mais endógenos da inteligência, quais sejam o<br />

representacional simbólico-imagético, que ela ajuda a construir, e o formal-conceitual, no qual estão as<br />

estruturas superiores, que operam a busca permanente pela equilibração mais ampla do sistema cognitivo<br />

e pelo fechamento coerente da estruturação cognitiva como um todo.<br />

Com efeito, o teatro <strong>de</strong> operações efetivo da cognição não é o real em seu sentido absoluto, nem<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 16


um espelhamento <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong> refletida interiormente na inteligência, mas, sim, essas “organizações<br />

que constituem os ‘mo<strong>de</strong>los’ a partir dos quais os objetos e os fenômenos do mundo exterior são<br />

interpretados” (MONTOYA, 2005, p. 108), situadas e construídas ao nível da inteligência<br />

representacional. Vale observar que a i<strong>de</strong>ia, já aqui apresentada, do plano representacional da inteligência<br />

como um teatro <strong>de</strong> operações do sujeito inspira-se nas consi<strong>de</strong>rações do próprio Piaget, que, a respeito<br />

das relações da percepção com a cognição, resume a ação construtora e diretora do sujeito da seguinte<br />

forma:<br />

Já sobre o terreno da percepção, o sujeito não é o simples teatro em cujo palco se<br />

representam peças in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>le e previamente reguladas por leis <strong>de</strong> uma<br />

equilibração física automática: ele é o ator e, com frequência mesmo, o autor <strong>de</strong>ssas<br />

estruturações que ajusta, na proporção <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senrolar, por uma equilibração ativa feita<br />

das compensações opostas às perturbações exteriores, portanto, por uma contínua autoregulação<br />

(PIAGET, 2003, p. 54).<br />

O palco do teatro, o plano representacional simbólico-imagético, seria o lócus da construção do<br />

objeto percebido, construção esta que já atribui simbolismo àquilo que é percebido, através <strong>de</strong> uma<br />

inteligência perceptiva ativa, no sentido <strong>de</strong> selecionar e (re) significar o que lança ao palco (ao plano da<br />

representação). Esta atuação do sujeito é essencialmente sincrônica, mas, ao fim e ao cabo, ela é orientada<br />

<strong>de</strong> forma operatória pela ação intelectual da inteligência formal-conceitual, que lança suas estruturas <strong>de</strong><br />

pensamento anteriores na direção operativa da peça do teatro e, <strong>de</strong>sta forma, cria uma dinâmica <strong>de</strong><br />

interação entre as dimensões sincrônicas (representação simbólico-imagética) e diacrônicas<br />

(representação formal-conceitual), que tanto dirigem e reconfiguram a representação simbólica pela ação<br />

operatória, como po<strong>de</strong>m abrir processos reestruturais aditivos na representação formal-conceitual, através<br />

da abstração reflexiva, esta sim capaz <strong>de</strong> introduzir alterações <strong>de</strong> natureza diacrônica, porque<br />

construtivistas ao nível formal-conceitual.<br />

As informações, para retomar o foco das preocupações com a relação informação-conhecimento,<br />

no sentido amplo, fazem parte do jogo sincrônico, são manipuladas operatoriamente no plano da<br />

representação, porque são parte daquilo que é percebido, assimilado, que é trazido para a cena do teatro,<br />

sempre que o sujeito-diretor as atribui valor na percepção, porque nelas reconhece, algumas vezes intui<br />

uma função potencial na encenação que ele está operacionalizando.<br />

Operando no plano da representação simbólico-imagética, o sujeito po<strong>de</strong>, também, em face da sua<br />

ação operatória, feita à luz das estruturas que formam a representação formal-conceitual, i<strong>de</strong>ntificar<br />

motivos para efetuar avanços e retroações na sua busca perceptiva. Esta <strong>de</strong>manda por avanços e<br />

retroações po<strong>de</strong> se transformar numa busca por informação que o permita encontrar aquelas que po<strong>de</strong>m<br />

dar mais sentido lógico e coerência aos esquemas que ele constrói e reconstrói, sincronicamente, no palco<br />

do teatro. E afinal, quando estes esquemas se fecham em coerência, eles começam a ganhar forma<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 17


(diacrônica, estrutural, construtiva) e a se liberar, a se abstrair dos conteúdos (sincrônicos, contextuais,<br />

variados). Os esquemas amadurecidos, consolidados, se abstraem em formas (mais permanentes) e se<br />

elevam do plano da representação simbólico-imagética para o plano da representação formal-conceitual,<br />

provocando a abertura das estruturas já existentes para a incorporação <strong>de</strong> uma nova subestrutura (os<br />

esquemas consolidados), num jogo <strong>de</strong> assimilações e reequilibrações que são a síntese do processo<br />

construtivista do pensamento superior.<br />

Com efeito, e consoante um esforço <strong>de</strong> síntese do que foi até aqui apresentado, parece importante<br />

relembrar que a mo<strong>de</strong>lagem do conhecer que aqui se tenta estabelecer, à luz da <strong>Epistemologia</strong> Genética,<br />

com o objetivo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a relação informação-conhecimento, fundamenta-se nos quatorze pontos<br />

expostos a seguir:<br />

I – A inteligência representacional comporta três gran<strong>de</strong>s níveis, três gran<strong>de</strong>s lócus <strong>de</strong> processos<br />

cognitivos: a inteligência perceptiva, a inteligência simbólico-imagética e a inteligência formal-<br />

conceitual. Neste contexto, “a inteligência (adaptação) é, assim, um termo genérico que <strong>de</strong>signa as formas<br />

superiores <strong>de</strong> organização ou <strong>de</strong> equilíbrio das estruturações cognitivas;” (PIAGET apud BATTRO, 1978,<br />

p. 138).<br />

II – Em cada um dos três gran<strong>de</strong>s lócus ocorre um ciclo epistêmico que comporta assimilações e<br />

acomodações, sendo estas últimas ensejadas pelas <strong>de</strong>sequilibrações, que por sua vez ensejam regulações e<br />

reequilibrações majorantes;<br />

III – A ação inteligente, assim como a operação cognitiva, contempla uma teleonomia. Os meios<br />

da ação inteligente do sujeito em relação ao objeto <strong>de</strong>vem adaptar-se às duas primeiras espécies <strong>de</strong><br />

equilibração (inteligência perceptiva e representação simbólico-imagética), enquanto que os objetivos<br />

novos da ação <strong>de</strong>vem fluir das duas últimas (representação formal-conceitual e representação simbólico-<br />

imagética) (PIAGET, 1976, p. 43);<br />

IV – Os <strong>de</strong>sequilíbrios cumprem um papel fundamental no <strong>de</strong>senvolvimento dos conhecimentos,<br />

porque “obrigam um sujeito a ultrapassar seu estado atual e a procurar o que quer que seja em direções<br />

novas.” (PIAGET, 1976, p. 14);<br />

V – Os <strong>de</strong>sequilíbrios externos (dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aplicações e <strong>de</strong> atribuições das operações aos<br />

objetos) e internos (dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> composição) se constituem em motores do <strong>de</strong>senvolvimento, uma vez<br />

que a equilibração é necessariamente majorante e constitui um processo <strong>de</strong> ultrapassagem, tanto quanto<br />

<strong>de</strong> estabilização; (PIAGET, 1976, p. 43);<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 18


VI – Como observa Piaget, “a ativida<strong>de</strong> do sujeito é relativa à constituição do objeto, assim como<br />

esta implica aquela: é a afirmação <strong>de</strong> uma inter<strong>de</strong>pendência irredutível entre a experiência e a razão.”<br />

(PIAGET apud BATTRO, 1978 p. 23);<br />

VII – As regulações ilustram como se efetua a equilibração sob suas três formas <strong>de</strong> equilíbrio,<br />

entre o sujeito e os objetos, no nível da inteligência perceptiva, entre os esquemas e os subsistemas <strong>de</strong><br />

mesmo grau hierárquico, ao nível da inteligência simbólico-imagética, e entre sua diferenciação e<br />

integração em totalida<strong>de</strong>s superiores, no nível superior da inteligência formal-conceitual (PIAGET, 1976,<br />

p. 34);<br />

VIII – Como observa Piaget, “a equilibração cognitiva não marca jamais um ponto <strong>de</strong> parada,<br />

senão a título provisório.” (1976, p. 34). Os equilíbrios circunstanciais são sempre ultrapassados porque<br />

“todo conhecimento consiste em levantar novos problemas à medida que resolve os prece<strong>de</strong>ntes.”<br />

(PIAGET, 1976, p. 34);<br />

IX – Esta mo<strong>de</strong>lagem se fundamenta no estruturalismo, e que o lócus das estruturas lógicas e<br />

conceituais que parametrizam todos os processos e todas as condutas inteligentes, <strong>de</strong> uma forma mais ou<br />

menos direta, é o nível da representação formal-conceitual, superior, que opera sobre os dois níveis<br />

inferiores, o das representações simbólico-imagéticas e o da inteligência perceptiva;<br />

X – A operação do pensamento se constitui nas transformações reversíveis <strong>de</strong> esquemas e<br />

estruturas, seja por modificação da forma estrutural <strong>de</strong> ambos, seja pela modificação que incida sobre os<br />

conteúdos circunstanciais que a<strong>de</strong>rem às estruturas atemporais, porque “uma ativida<strong>de</strong> estruturante não<br />

po<strong>de</strong> consistir senão em um sistema <strong>de</strong> transformações.” (PIAGET, 2003, p. 12). E ainda, que “o próprio<br />

das operações é constituir sistemas” (PIAGET apud BATTRO, 1978, p. 173);<br />

XI – O nível integrador das informações aos esquemas, e, portanto, o nível mais importante à<br />

compreensão da relação entre informação e conhecimento, é o nível da representação simbólico-<br />

imagética, on<strong>de</strong> ocorrem os principais processos <strong>de</strong> assimilação <strong>de</strong> informação aos esquemas e <strong>de</strong><br />

integração da informação às estruturas <strong>de</strong> conhecimento prévias do sujeito;<br />

XII – A inteligência perceptiva comporta uma ação inteligente e crítica do sujeito, que não lança<br />

ao plano da representação simbólico-imagética tudo aquilo que sensorialmente recebe, mas que antes<br />

qualifica e atribui valor simbólico àquilo que assimila e incorpora à cognição dos níveis mais elevados<br />

(representações simbólico-imagéticas e formal-conceituais);<br />

XIII – A chamada função semiótica (linguagem, jogo simbólico, imagens etc.) é central à<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 19


mo<strong>de</strong>lagem que aqui se ensaia, porque é mesmo esta capacida<strong>de</strong> do sujeito que “permite a evocação <strong>de</strong><br />

situações não atualmente percebidas, ou seja, a representação ou pensamento” (PIAGET, 2003, p. 58-59),<br />

tanto na recepção da informação percebida quanto na elaboração e emissão da informação a<br />

disseminar/compartilhar;<br />

XIV – As abstrações reflexivas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras etapas da gênese do sujeito epistêmico,<br />

consistem em tirar dos esquemas as estruturas conceituais, estas cognitivamente superiores àqueles, que<br />

se abstraem e constroem a estruturação lógica e conceitual nos níveis mais elevados da cognição<br />

(PIAGET, 2003, p. 58-59).<br />

Conclusões<br />

A partir <strong>de</strong>sta síntese em quatorze pontos, parece sensato consi<strong>de</strong>rar que o lócus da integração das<br />

informações assimiladas à cognição do sujeito ocorre ao nível da representação simbólico-imagética,<br />

consoante as condutas inteligentes aqui <strong>de</strong>scritas. Primeiramente, age a inteligência perceptiva, que<br />

efetivamente comanda a ação do sujeito no uso e na interpretação preliminar e seletiva da informação. É<br />

fundamentalmente esta conduta inteligente que interage com a informação e a coloca em confrontação<br />

com os esquemas da representação simbólico-imagética. Neste nível, no qual ele representa seus<br />

esquemas acerca do objeto do conhecimento, ao assimilar a informação ele passa a operá-la numa<br />

tentativa <strong>de</strong> articulação entre ela e seus esquemas. Estes esquemas contemplam não apenas uma<br />

estruturação, estabelecida em consonância com o quadro <strong>de</strong> referências que se encontra representado no<br />

nível superior formal-conceitual, como também comportam conteúdos circunstanciais que revestem estas<br />

estruturas/esquemas, como é característico das representações simbólicas e imagéticas.<br />

A <strong>de</strong>scrição, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> assim apresentada, ou seja, <strong>de</strong> forma fragmentada, não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar<br />

dúvidas quanto à simultaneida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> certas condutas do pensamento. A <strong>de</strong>scrição precisa se fazer<br />

compartimentada, mas as operações, por certo são simultâneas. Enquanto opera sobre o teatro <strong>de</strong><br />

operações da representação simbólico-imagética, colocando em jogo a equilibração <strong>de</strong> conhecimentos<br />

antes existente com a nova realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente da incorporação da informação, num processo <strong>de</strong><br />

regulação em tudo equivalente ao <strong>de</strong>scrito por Piaget, por certo que o sujeito se referencia, com<br />

frequência, à matriz estrutural que se encontra ao nível da representação formal-conceitual. Certamente há<br />

condutas do pensamento que são muito interiores, muito endógenas, <strong>de</strong>ixando o sujeito imerso em sua<br />

atenção aos ciclos epistêmicos interiores (da representação simbólico-imagética e da representação<br />

formal-conceitual), assim como há momentos em que, em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrios internos à equilibração<br />

simbólico-imagética, o sujeito se volta ao exterior, ao mundo exterior, para, novamente conduzido pela<br />

inteligência perceptiva, buscar novas informações ou dados sensíveis capazes <strong>de</strong> enriquecer seus ciclos<br />

epistêmicos interiores. A informação cumpriria, assim, o papel <strong>de</strong> ser um dos elos <strong>de</strong> integração<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 20


epresentacional da inteligência com o mundo exterior.<br />

Referências<br />

BATTRO, Antonio M. Dicionário terminológico <strong>de</strong> Jean Piaget. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,<br />

1978.<br />

LE MOIGNE, Jean-Louis. Les Épistémologies Constructivistes. Paris: Presses Universitaires <strong>de</strong> France,<br />

1995.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 21


Duas <strong>Epistemologia</strong>s em Debate: Piaget e Vygotsky<br />

Resumo<br />

BELLINI, Marta Bellini<br />

PAVANELLO, Regina Maria<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />

martabellini@uol.com.br<br />

reginapavanello@hotmail.com<br />

As autoras analisam os postulados epistemológicos <strong>de</strong> Piaget e Vygotsky. Apresentam a posição<br />

epistemológica <strong>de</strong> Piaget pautada nos três tipos <strong>de</strong> conhecimento: o conhecimento físico, o conhecimento<br />

lógico-matemático e o conhecimento social. Estes três tipos <strong>de</strong> conhecimento são construídos mediante a<br />

interação <strong>de</strong> um quarto fator, a equilibração. Uma dimensão do conhecimento não existe sem a outra, e<br />

sua interação produz a dinâmica da inteligência. A posição epistemológica <strong>de</strong> Vygotsky supõe dois tipos<br />

<strong>de</strong> conhecimento: um <strong>de</strong>rivado do conhecimento físico (que é permitida pelos processos elementares) e,<br />

outro, o conhecimento social, ou seja, os conhecimentos gerados pela interação com os adultos. O<br />

postulado <strong>de</strong> Piaget supera o empirismo, uma vez que estabelece uma dinâmica <strong>de</strong> pensamento regulado<br />

pelas abstrações e pelo processo <strong>de</strong> equilibração. Em Vygotsky a conduta empirista se mantém quando a<br />

inteligência fica atrelada às <strong>de</strong>terminações sociais e o sujeito do conhecimento não aparece senão como<br />

aquele que interioriza o social.<br />

Palavras-chave: <strong>Epistemologia</strong> empirista. <strong>Epistemologia</strong> genética. Piaget. Vygotsky.<br />

Abstract<br />

Piaget’s and Vygotsky’s epistemological foregroundings are provi<strong>de</strong>d. Piaget’s epistemological position<br />

is based on three types of knowledge: physical, logical and mathematical, and social knowledge, which<br />

are constructed through the interaction of a fourth factor, namely, equilibration. One type of knowledge<br />

does not exist without the other whilst their interaction produces the dynamics of intelligence. Vygotsky’s<br />

epistemological position supposes two types of knowledge, or rather, whereas one is <strong>de</strong>rived from<br />

physical knowledge (through elementary processes), the other, or social knowledge, is knowledge<br />

produced by the interaction with adults. Piaget’s postulate goes beyond empiricism since it establishes the<br />

dynamics of thought governed by abstractions and by the equilibration process. The empiricist behavior<br />

in Vygotsky is supported by the intelligence linked to social <strong>de</strong>terminations and the subject of knowledge<br />

only appears to interiorize the social factor.<br />

Keywords: Empiricist epistemology. Genetic epistemology. Piaget. Vygotsky.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 22


Introdução<br />

Neste artigo discutimos as epistemologias que orientaram os estudos <strong>de</strong> Piaget e Vygotsky<br />

procurando discernir suas diferenças. Piaget e Vygotsky elaboraram projetos sobre o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

mente que superassem os postulados empiristas para a explicação da origem do pensamento abstrato<br />

predominantes, até então, nas ciências do homem. Consi<strong>de</strong>ramos, no entanto, que esses dois pensadores,<br />

embora possam ser vistos como próximos do ponto <strong>de</strong> vista do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma teoria da<br />

inteligência, apresentam epistemologias que se opõem.<br />

Piaget <strong>de</strong>dicou-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início dos anos 20 até sua morte em 1980, aos estudos das<br />

epistemologias hegemônicas no século XIX ainda presentes no século XX. Os séculos XVIII e XIX<br />

presenciaram o <strong>de</strong>bate sobre o <strong>de</strong>senvolvimento humano, no qual se envolveram Lamarck, Kant, Darwin,<br />

Hegel, Marx, Spencer e Comte. Piaget, fundamentando-se em sua trajetória investigativa no universo das<br />

questões epistemológicas propostas por estes autores, conduziu por mais <strong>de</strong> 50 anos seu projeto <strong>de</strong><br />

pesquisa elaborando, nesse trajeto, uma epistemologia que superasse os postulados empiristas.<br />

Vygotsky, por outro lado, preocupou-se em estudar o <strong>de</strong>senvolvimento humano com vistas a<br />

ultrapassar os métodos <strong>de</strong>scritivos e/ou fenomenológicos empregados pela psicologia russa das décadas<br />

<strong>de</strong> 20/30 do século XX. Nesse seu estudo centrou-se na investigação das ações conscientemente<br />

controladas (a atenção voluntária, a memorização e o pensamento abstrato) vinculadas à psicologia e à<br />

cultura.<br />

As mesmas preocupações não levaram, todavia, Piaget e Vygotsky a trilhar o mesmo caminho.<br />

Piaget <strong>de</strong>senvolveu uma epistemologia construtivista, sobretudo quando pesquisou as abstrações pseudo-<br />

empíricas e a reflexionante como <strong>de</strong>rivadas da abstração empírica. Esses processos construiriam o sujeito<br />

epistêmico; um sujeito que representa a todos os outros sujeitos, mas a nenhum <strong>de</strong> nós, especificamente.<br />

Vygotsky, centrado na questão <strong>de</strong> como os processos naturais se entrelaçam aos processos culturalmente<br />

<strong>de</strong>terminados, elaborou o sujeito social que representa todos os sujeitos <strong>de</strong>terminados historicamente.<br />

Este modo <strong>de</strong> pensar a cognição do sujeito manteve Vygotsky, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> seu belo trabalho com<br />

crianças, jovens e adultos analfabetos, preso a uma concepção empirista, a mesma que ele criticava. Ou<br />

seja, o sujeito <strong>de</strong> Vygotsky é produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminações sociais, mas ele as interioriza <strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro.<br />

As funções psicológicas superiores advêm da interiorização da cultura e da socieda<strong>de</strong>. São criadas do<br />

entrelaçamento biológico com a transmissão social.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 23


A epistemologia <strong>de</strong> Piaget: as quatro dimensões do <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência<br />

Tratar da posição epistemológica <strong>de</strong> Piaget requer levantar o <strong>de</strong>bate central <strong>de</strong> suas obras em torno<br />

dos três tipos <strong>de</strong> conhecimento: o conhecimento físico, o conhecimento lógico-matemático e o<br />

conhecimento social.<br />

O conhecimento físico é o construído pela interação da criança com as proprieda<strong>de</strong>s físicas dos<br />

objetos e dos eventos. Des<strong>de</strong> o sensório-motor as crianças extraem dos objetos com os quais interagem<br />

aspectos como forma, textura, tamanho e aspectos gerais como mobilida<strong>de</strong>, por exemplo. Pela ação<br />

po<strong>de</strong>m conhecer a mecânica dos objetos e pela observação as mudanças dos objetos (pensando no açúcar<br />

“<strong>de</strong>saparecendo na água”).<br />

O que Piaget chama <strong>de</strong> conhecimento lógico-matemático é a ação mental da criança <strong>de</strong> classificar<br />

as ações que realiza. Por exemplo: crianças <strong>de</strong> 7 a 10 anos, fazendo experiência com flutuação <strong>de</strong> corpos<br />

na água, observam que um pedaço <strong>de</strong> sabão pequeno não afunda e um gran<strong>de</strong> afunda. Elas concluem que<br />

objetos pequenos não afundam, os gran<strong>de</strong>s afundam. Ao estabelecerem esta “divisão”, estão realizando o<br />

que chamamos <strong>de</strong> inclusão <strong>de</strong> classes: um ato <strong>de</strong> pensar que é lógico-matemático.<br />

O conhecimento lógico-matemático é, então, aquele construído a partir do pensamento sobre<br />

experiências com os objetos e os eventos. Para essa construção o sujeito não ter diante <strong>de</strong> si o objeto, o<br />

sujeito, agora, estabelece relações lógicas e tece relações <strong>de</strong> relações. Ele representa o objeto e <strong>de</strong>ssa<br />

forma, diríamos que ele “inventa” conhecimentos cuja base é lógica. Faz inferências lógicas consi<strong>de</strong>rando<br />

suas ações.<br />

Quanto ao conhecimento social, este não é extraído diretamente das relações sobre os objetos, mas<br />

<strong>de</strong> ações – interações – com outras pessoas e grupos sociais. Piaget enfatiza a transmissão social, a qual se<br />

constitui por meio da linguagem. Dessa forma, a aquisição social não po<strong>de</strong> ser vista apenas como advinda<br />

<strong>de</strong> uma transmissão cultural, como uma copia, porque ela sempre envolve uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representação<br />

social que envolve a ativida<strong>de</strong> cognitiva.<br />

Estes três tipos <strong>de</strong> conhecimento são construídos graças à interação <strong>de</strong> um quarto fator, a<br />

equilibração, que permite que a construção <strong>de</strong> um sistema auto-regulado. Uma dimensão do<br />

conhecimento não existe sem a outra, e sua interação produz a dinâmica da inteligência, o próprio ato da<br />

cognição. Assim, temos intervindo na cognição os fatores:<br />

• A maturação – quando falamos em maturação isto significa falar em sistemas fechados e fechados.<br />

Os sistemas fechados são os ligados à hereditarieda<strong>de</strong>; os abertos, os sistemas que construímos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 24


durante nossa vida. A maturação é condição necessária, mas não suficiente para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. Precisamos trazer, então, mais uma dimensão necessária ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da inteligência, a experiência ativa.<br />

• A Experiência Ativa – as ações sobre os objetos, as ações mentais e as ações sociais são<br />

experiências que permitem ao sujeito que conhece a construção do conhecimento físico e<br />

permitem a construção das noções <strong>de</strong> peso, volume, comprimento, área e outras. Se esta<br />

experiência possibilita a construção do conhecimento lógico-matemático, ela é também uma<br />

condição necessária, mas não é suficiente para o <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência. Assim, Piaget<br />

fala em um terceiro fator, a interação social.<br />

• A interação social é a transmissão linguística que advém do intercâmbio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias entre as<br />

pessoas. É importante lembrar não se tratar aqui <strong>de</strong> transmissão em seu sentido empirista, mas <strong>de</strong><br />

uma dimensão cultural, uma vez que a linguagem é também, como os outros objetos, construída.<br />

Como se trata <strong>de</strong> objeto socialmente construído, outras implicações <strong>de</strong>sse processo estão sendo,<br />

hoje, estudadas, sobretudo do ponto <strong>de</strong> vista das Representações Sociais (DUVEEN, 1995).<br />

Estes três fatores, no entanto, ainda que necessários, não são suficientes ao <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

inteligência. Há um quarto fator a consi<strong>de</strong>rar: a equilibração. Esta rege a coor<strong>de</strong>nação entre os três<br />

fatores: maturação, experiência física (lógico-matemática) e a transmissão social. Sem o conceito <strong>de</strong><br />

equilibração a epistemologia genética não traria novida<strong>de</strong> alguma para as discussões sobre o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da inteligência humana.<br />

A equilibração não é um mecanismo linear. Falar em equilibração é falar em abstração<br />

reflexionante, que se constitui nas coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> ações ou operações do sujeito. Pensamos em um<br />

sistema <strong>de</strong> transformações e, ao pensar este sistema, estamos pensando nas operações ou ações do sujeito.<br />

Este processo não linear é o processo <strong>de</strong> assimilação-acomodação, as regulações que permitem o<br />

enriquecimento das estruturas, a admissão <strong>de</strong> novas possibilida<strong>de</strong>s, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer inferências<br />

(previsão sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constatação). Importante ressaltar aqui que a abstração reflexionante não se<br />

dá apenas no período das operações formais, ela ocorre <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período sensório-motor.<br />

Em um escrito póstumo (L S., 1987), Piaget dá um exemplo <strong>de</strong> abstração reflexionante no<br />

nível sensório-motor. O lactente constrói o esquema <strong>de</strong> conteúdo a continente (que lhe<br />

permite brincar <strong>de</strong> inserir um pequeno cubo em um maior) por abstração reflexionante a<br />

partir do esquema “colocar na boca”. O autor pô<strong>de</strong>, com efeito, observar um lactente que,<br />

antes <strong>de</strong> colocar um pequeno cubo em um gran<strong>de</strong>, colocou o pequeno em sua boca<br />

(MONTANGERO; NAVILLE, 1998, p. 92).<br />

O conceito <strong>de</strong> abstração reflexionante é um dos mais originais <strong>de</strong> Piaget. O conceito <strong>de</strong> abstração<br />

foi estabelecido por Aristóteles e significava abstração empírica. Para Piaget este conceito significa<br />

abstrair a partir dos objetos, mas o sujeito não para ai, a ativida<strong>de</strong> operatória do sujeito lhe permite atingir<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 25


um grau mais rico <strong>de</strong> abstração o que sustenta a formação <strong>de</strong> novos conhecimentos.<br />

Este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> equilibração refere-se ao jogo <strong>de</strong> contradições nas ativida<strong>de</strong>s cognitivas do sujeito.<br />

Por exemplo, aos cinco anos uma criança acredita que na transposição <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> líquido <strong>de</strong> um<br />

copo estreito para outro mais largo, resulte menos líquido. Um ano <strong>de</strong>pois ela avalia, na mesma situação,<br />

que há mais liquido no mais largo, porque o copo é mais gordo. Mais tar<strong>de</strong> ainda, ela coor<strong>de</strong>na os dois<br />

aspectos: embora o copo possa ser mais estreito ou mais largo a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> liquido se mantém. Ela<br />

está reorganizando suas inferências ou lógica elementar, reorganização esta que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>screver como<br />

processo <strong>de</strong> equilibração ou <strong>de</strong> abstração reflexionante.<br />

Desta forma, o conhecimento não é uma cópia do real. Para conhecer um objeto ou um evento não<br />

basta olhá-lo e elaborar uma cópia mental ou uma imagem. Para conhecer um objeto é preciso agir sobre<br />

ele. Conhecer é modificar o objeto, é compreen<strong>de</strong>r o processo <strong>de</strong> sua transformação e, em conseqüência,<br />

compreen<strong>de</strong>r o caminho pelo qual o objeto é construído. A operação é, então, a essência do<br />

conhecimento, é a ação interiorizada que modifica o objeto <strong>de</strong> conhecimento. Operação é ato <strong>de</strong> pensar; é<br />

o conjunto <strong>de</strong> ações mentais modificando o objeto. É uma ação que constrói estruturas lógicas. E a<br />

operação nunca é isolada, ela está sempre ligada a outras operações.<br />

Os conhecimentos são produzidos por <strong>de</strong>sequilíbrio na interação. O apreendido é o conhecimento<br />

reestruturado. É um processo <strong>de</strong> construção e reconstrução contínua, no qual não há ponto <strong>de</strong> partida e<br />

não há ponto <strong>de</strong> chegada final. A generalização po<strong>de</strong> ser indutiva em um primeiro nível e, também,<br />

construída por outras novas formas <strong>de</strong> raciocinar, formas <strong>de</strong> inferir, formas <strong>de</strong> pensamento lógico. A<br />

generalização produz novas formas para atuar sobre os conteúdos <strong>de</strong> conhecimento: noções, conceitos,<br />

relações e tudo por abstrações reflexivas e por equilibrações sucessivas. Em consequência, o sujeito<br />

amplia seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>dutivo.<br />

Isso nos leva a falar das estruturas cognitivas ou sistemas <strong>de</strong> transformações – que comportam leis<br />

como sistema e conservam-se ou enriquecem-se pelo próprio jogo <strong>de</strong> suas transformações, sem que estas<br />

ultrapassem suas fronteiras ou façam apelo a elementos exteriores. Aqui, Piaget, mais uma vez, refina a<br />

<strong>de</strong>finição do conceito <strong>de</strong> estrutura: Estruturas pressupõem um conjunto <strong>de</strong> elementos que tenham sempre<br />

as características: totalida<strong>de</strong>, transformação e auto-regulação. Totalida<strong>de</strong> ou estabilida<strong>de</strong> porque a relação<br />

entre os elementos (eventos no qual a criança age) nunca resulta em outro elemento estranho ao conjunto.<br />

Transformação, porque os elementos estão sempre relacionando dinamicamente entre si. Auto-regulação,<br />

porque uma estrutura nunca po<strong>de</strong> ser regulada por outra. Um exemplo: po<strong>de</strong>mos pensar em quando uma<br />

criança soma números naturais ou faz outra operação e é capaz <strong>de</strong> chegar a uma outra operação mais<br />

complexa com números naturais.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 26


É o que ocorre com a criança quando, por exemplo, é confrontada com o novo “objeto” vaca. Ela<br />

tem conhecimento das semelhanças com outros animais, porém há um novo evento – po<strong>de</strong> ser o som do<br />

animal, po<strong>de</strong> ser qualquer outra experiência ou ação. Então: ela po<strong>de</strong> modificar seu antigo esquema <strong>de</strong><br />

conhecimento e acomodar este novo evento aos velhos esquemas cognitivos. Neste caso, ela transforma<br />

sua estrutura e acomoda um dado novo. A acomodação explica o <strong>de</strong>senvolvimento – mudança qualitativa<br />

– e a assimilação explica o crescimento – mudança quantitativa; juntos estes dois processos explicam o<br />

que Piaget chamou <strong>de</strong> adaptação intelectual. Assimilação e acomodação são pólos da adaptação cognitiva.<br />

Um po<strong>de</strong> ocorrer sem o outro <strong>de</strong>ixando lacunas na construção da cognição. Uma pessoa que só assimilou<br />

estímulos e nunca fez acomodações acabaria com poucos esquemas (pouco enriquecimento da estrutura) e<br />

incapaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar diferenças nas coisas. Veria somente o similar. Por outro lado, se uma pessoa somente<br />

fizesse acomodações e nunca assimilasse, faria um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> esquemas, mas pouco ricos para<br />

po<strong>de</strong>r realizar o ato cognitivo <strong>de</strong> generalizar. Essa pessoa seria incapaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar semelhanças; a<br />

maioria das coisas seria vista como diferente.<br />

Este processo é o ato cognitivo, ou seja, uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização e adaptação ao meio. As<br />

interações – assimilação e acomodação – são partes constituintes da adaptação. Temos aqui a construção<br />

<strong>de</strong> esquemas - subsistemas ou sistemas <strong>de</strong> transformações - que enriquecem as estruturas. Estrutura é um<br />

conceito que, conforme Piaget, “não se <strong>de</strong>fine ... pelo que a criança pensa, mas pelo que ela sabe fazer”.<br />

Isto não significa que Piaget seja um positivista. Para Piaget as ações que a criança faz indicam as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar as i<strong>de</strong>ias entre si.<br />

Vale apontar aqui que certa crítica a Piaget intitulando-o <strong>de</strong> positivista origina-se na confusão que<br />

muitos fazem entre empirismo e experimentação. De fato, para precisar o termo <strong>de</strong>senvolvimento em sua<br />

teoria, Piaget recorreu a uma exaustiva experimentação, mas tendo em foco seu plano teórico: o da<br />

construção <strong>de</strong> conhecimento tomando a noção <strong>de</strong> auto-regulação e sistemas <strong>de</strong> transformações como base.<br />

O trabalho A equilibração das estruturas cognitivas ilustra bem o mo<strong>de</strong>lo piagetiano para pensarmos a<br />

construção do conhecimento. Nele, vemos a precisão do termo interação em sua teoria: não se trata <strong>de</strong><br />

falar <strong>de</strong> interação, mas <strong>de</strong> estabelecer um mo<strong>de</strong>lo explicativo para os níveis <strong>de</strong> interação que ele<br />

<strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> equilibração cognitiva.<br />

Nesse caminho, Piaget “<strong>de</strong>senha” sua teoria <strong>de</strong> sistema auto-regulatório na qual a interação do<br />

Sujeito com o Objeto po<strong>de</strong> ser traduzida como uma relação dialética em que o sujeito passa <strong>de</strong> um nível<br />

<strong>de</strong> conhecimento (temos aqui que pensar nas diferentes abstrações e nas equilibrações) para outro, mais<br />

complexo. Nessa espiral o conhecimento anterior não é superado ou substituído, mas enriquecido,<br />

diferenciando-se e integrando-se em um sistema mais complexo <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nações. Por isso, Piaget fala <strong>de</strong><br />

equilibração cognitiva e não simplesmente equilíbrio o que <strong>de</strong>notaria algo linear.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 27


Pensando sobre o ato <strong>de</strong> conhecer, Piaget argumenta que tanto a realida<strong>de</strong> quanto as estruturas<br />

cognitivas do sujeito são transformadas constantemente em um autêntico “movimento do conhecimento”,<br />

um sistema <strong>de</strong> mudanças contínuas <strong>de</strong> controles e equilíbrios entre quem conhece e a realida<strong>de</strong> a ser<br />

conhecida. O que requer a criativida<strong>de</strong> do sujeito na invenção <strong>de</strong> novos meios <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação entre ele e<br />

a realida<strong>de</strong>.<br />

O percurso <strong>de</strong> Vygotsky e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma epistemologia empirista <strong>de</strong> conhecimento<br />

Luria (1988) contextualiza o surgimento da obra <strong>de</strong> Vygotsky como produto <strong>de</strong> um tempo em que<br />

os intelectuais russos questionavam o empirismo, o i<strong>de</strong>alismo, a introspecção na psicologia. Esses<br />

intelectuais também eram produtos <strong>de</strong> um espaço em que a política, a educação e a psicologia eram<br />

repensadas. Estavam no início da Revolução Russa e novos projetos eram elaborados para acompanhar a<br />

mudança econômica, política e cultural da época.<br />

Quando Vygotsky conheceu Luria e Leontiev, no II Congresso <strong>de</strong> Neurologia, em 1924, era<br />

professor na Escola <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Professores em Gomel (Minsk) e estudava crianças com <strong>de</strong>feitos<br />

congênitos. Entre 1924 e 1926 o projeto <strong>de</strong> Vygotsky guiava-se pelas formulações: Quais eram os<br />

mecanismos psicológicos elementares que podiam ser estudados em laboratório? Como se davam as<br />

ações conscientemente controladas, como a atenção voluntária, a memorização ativa e o pensamento<br />

abstrato? Para Vygotsky essas ações eram estudadas apenas pelos psicólogos mediante métodos<br />

<strong>de</strong>scritivos ou fenomenológicos e, <strong>de</strong>sse modo, pesquisava-se a mente <strong>de</strong>svinculada da cultura (LURIA,<br />

1988.).<br />

Em 1925 Vygotsky iniciou seu percurso em direção ao projeto sobre a construção social da mente.<br />

Estudou Pavlov, sobretudo a psicofisiologia, para obter daí um apoio materialista nas discussões sobre a<br />

origem da mente. Para compreen<strong>de</strong>r a evolução biológica dos homens estudou V. A. Wagner, especialista<br />

russo em comportamento animal. Para além dos estudos biológicos, Vygotsky pesquisou Kurt Levin,<br />

Bulher e Köhler, por consi<strong>de</strong>rar que o reflexo pavloviano insuficiente para a compreensão das realida<strong>de</strong>s<br />

estruturais do comportamento complexo. Leu, também, a obra <strong>de</strong> Piaget, A linguagem e o pensamento da<br />

criança, da qual retirou o método clínico para estudar o processo cognitivo individual com o objetivo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scobrir as diferenças qualitativas das crianças em diferentes ida<strong>de</strong>s. Além <strong>de</strong>ssas fontes, estudou Marx,<br />

marco <strong>de</strong> seu conceito chave <strong>de</strong> que a consciência é produto da transformação dos processos elementares<br />

aos processos complexos <strong>de</strong>ntro das <strong>de</strong>terminações culturais (LURIA, 1988).<br />

Seu projeto era constituído <strong>de</strong> duas dimensões a serem pesquisadas, a biológica e a social. Como<br />

essas dimensões se entrelaçam? Como os processos <strong>de</strong> maturação física, os mecanismos sensórios<br />

elementares (os processos naturais) interagem com os socialmente <strong>de</strong>terminados e produzem as funções<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 28


psicológicas dos adultos? (LURIA, 1988).<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista metodológico, Vygotsky reuniu três fontes para sua pesquisa: a instrumental,<br />

com a qual estudou os comportamentos culturais como, por exemplo, “amarrar um barbante no <strong>de</strong>do para<br />

não esquecer algo”; a cultural, pela qual investigou os meios socialmente estruturados que permitiam à<br />

criança se organizar em socieda<strong>de</strong> como a linguagem e o pensamento. A terceira fonte é a dimensão<br />

histórica. Nesta ocorre a fusão do indivíduo com o cultural. Aí o papel da linguagem torna-se vital, pois<br />

ela carrega conceitos culturais que, por exemplo, ajudam a escrita e a aritmética (LURIA, 1988).<br />

Como se <strong>de</strong>senvolve a criança, então? No início as crianças são dominadas pelos processos<br />

naturais, isto é, a maturação física dos sistemas sensórios motores. A interação com os adultos faz<br />

nascerem os processos interpsíquicos: os adultos são agentes externos e, conforme as crianças crescem, os<br />

processos partilhados com esses adultos passam a ser executados <strong>de</strong>ntro das próprias crianças. As<br />

respostas mediadoras da criança em relação ao mundo externo transformam-se em um processo<br />

interpsíquico que as leva à interiorização das informações historicamente organizadas. Esta organização é<br />

<strong>de</strong> natureza psicológica (LURIA, 1988).<br />

A epistemologia que sustenta essa tese supõe dois tipos <strong>de</strong> conhecimento: um <strong>de</strong>rivado do<br />

conhecimento físico (que é permitida pelos processos elementares) e, outro, o conhecimento social, ou<br />

seja, os conhecimentos gerados pela interação com os adultos. O sujeito é o sujeito passivo que mediante<br />

suas experiências sensório-motoras adquire as capacida<strong>de</strong>s para ler, escrever e interagir com os adultos <strong>de</strong><br />

uma socieda<strong>de</strong> historicamente <strong>de</strong>terminada. A partilha das crianças com os adultos é, mais uma, vez<br />

passiva. Destas, as crianças recebem e operam um conhecimento já pronto, sem lançar mão <strong>de</strong><br />

equilibrações e abstrações sucessivas.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Os postulados epistemológicos <strong>de</strong> Piaget e Vygotsky têm fundamentos diferentes. A hipótese<br />

piagetina para o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo centra-se na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> interação como processos <strong>de</strong><br />

equilibração e a equilibração majorante, indicando sua distância do empirismo e do apriorismo.<br />

Vygotsky, ao contrário <strong>de</strong> Piaget, aproxima-se do empirismo, uma vez que seu mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento da inteligência não ultrapassa dois fatores: a dimensão da maturação e da transmissão<br />

social. Sua ênfase na transmissão social indica que seu mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo foi<br />

estabelecido nos limites do postulado empirista uma vez que o espírito humano se submete ao real. É a<br />

acomodação do sujeito ao objeto.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 29


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Pioneira, 1989.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 30


O Tempo como Noção A PRIORI: Contribuições da <strong>Epistemologia</strong> Genética à Teoria do<br />

Conhecimento<br />

Resumo<br />

ROCHA, Caio<br />

Universida<strong>de</strong> do Estado do Amazonas.<br />

caiokirk@hotmail.com<br />

Nesta comunicação preten<strong>de</strong>mos analisar as contribuições oriundas da <strong>Epistemologia</strong> Genética para a<br />

Teoria do Conhecimento. Para tanto, partiremos <strong>de</strong> um estudo do tempo como uma intuição a priori no<br />

texto kantiano e da proposta teórica da <strong>Epistemologia</strong> Genética que o consi<strong>de</strong>ra como uma construção<br />

realizada nos primeiros <strong>de</strong>z a doze anos <strong>de</strong> vida do ser humano. Preocuparemos-nos em pensar sobre as<br />

condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> presentes no aparato cognitivo humano que possibilitam a elaboração <strong>de</strong> um<br />

campo temporal e, principalmente, na discussão do tempo como uma noção a priori na <strong>Epistemologia</strong><br />

Genética. Adiantamos que tanto para Kant quanto para Piaget o tempo é um elemento fundamental para a<br />

elaboração da realida<strong>de</strong> como o ser humano a conhece. No entanto, o primeiro consi<strong>de</strong>ra o tempo como<br />

uma forma a priori da sensibilida<strong>de</strong> humana, já dada no aparato cognitivo humano; enquanto o segundo<br />

busca compreen<strong>de</strong>r as maneiras <strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong>sta noção. Enquanto a filosofia crítica kantiana não<br />

discute as possíveis maneiras <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong>sta noção, enten<strong>de</strong>ndo o tempo como dado, fruto do<br />

funcionamento interno da mente humana, a <strong>Epistemologia</strong> Genética encontra uma historicida<strong>de</strong> na<br />

construção <strong>de</strong>ssa noção, ou seja, a forma como o ser humano organiza o tempo passa por sucessivas<br />

mudanças no <strong>de</strong>correr do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo.<br />

Palavras-chave: <strong>Epistemologia</strong> Genética. Filosofia crítica. Noção <strong>de</strong> tempo.<br />

Abstract<br />

The currently study aimed to analyze the <strong>de</strong>riving contributions of the Genetic Epistemology for the<br />

knowledge theory. For in such a way, we will leave from a study of the time as a intuition a priori on the<br />

kantian text and the Genetic Epistemology proposal which consi<strong>de</strong>ry as a construction from the first ten<br />

to twelve years old of human been. We will focus on think about the conditions of possibilities presents<br />

on the human cognition that allows the <strong>de</strong>velopment of a time field and mainly, in the discussion of time<br />

as an a priori notion on the genetic epistemology. Advanced as that for both Kant and Piaget time is a key<br />

to the <strong>de</strong>velopment of reality as human beings to know. However, the first consi<strong>de</strong>red time as a priori<br />

way of human sensitivity, already given in the human cognition, while the second search for un<strong>de</strong>rstand<br />

the ways of structuring this notion. While the kantian critical philosophy does not discuss the possible<br />

ways of <strong>de</strong>veloping this concept, consi<strong>de</strong>ring the time given as the result of the internal workings of the<br />

human mind, the genetic epistemology finds a historical building on this concept, that is, the way how<br />

humans organize time and passes for successives changes in the course of cognitive <strong>de</strong>velopment.<br />

Keywords: Genetic Epistemology. Time notion. Kantian philosophy.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 31


Introdução<br />

No presente trabalho temos como objetivo analisar e compreen<strong>de</strong>r alguns problemas levantados<br />

pela Teoria do Conhecimento sobre a forma como um sujeito epistêmico universal organiza seu campo<br />

temporal. Nos preocuparemos em pensar sobre as condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> presentes no aparato<br />

cognitivo humano que possibilitam a elaboração <strong>de</strong> um campo temporal e, principalmente, na discussão<br />

do tempo como uma noção a priori na <strong>Epistemologia</strong> Genética.<br />

Como Immanuel Kant é o primeiro filósofo a consi<strong>de</strong>rar e analisar <strong>de</strong> forma sistemática o tempo<br />

como forma a priori da sensibilida<strong>de</strong> humana, e dada sua influência sobre Jean Piaget (cf. RAMOZZI-<br />

CHIAROTTINO, 1972, pg. 75.) empreen<strong>de</strong>mos também uma análise do tempo como forma a priori em<br />

Kant e sua relação com a análise da <strong>Epistemologia</strong> Genética, buscando evi<strong>de</strong>nciar contribuições <strong>de</strong>sta<br />

última à Teoria do Conhecimento. Três questões se colocam então: o sujeito apreen<strong>de</strong> o tempo por<br />

percepção direta ou o tempo é uma estrutura presente no sujeito epistêmico que or<strong>de</strong>na os elementos<br />

percebidos por ele? Neste último caso, o tempo teria uma gênese ou se encontraria já dado no sujeito<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu início? Após o estudo dos dois autores preten<strong>de</strong>mos fazer uma comparação visando <strong>de</strong>stacar os<br />

momentos em que a Teoria do Conhecimento elaborada por Kant e a <strong>Epistemologia</strong> Genética, no que<br />

concerne ao tempo como uma noção a priori, se aproximam e se distanciam.<br />

Para compreen<strong>de</strong>rmos as possíveis relações entre a concepção <strong>de</strong> tempo elaborada por Kant e a<br />

<strong>de</strong>senvolvida por Piaget, faremos primeiro uma apresentação da concepção kantiana do a priori e<br />

posteriormente mostraremos suas possíveis vinculações com a <strong>Epistemologia</strong> Genética. Nossa proposta<br />

<strong>de</strong> mostrar as possíveis relações entre a Teoria do Conhecimento piagetiana (no que concerne a<br />

construção do tempo como uma forma a priori) e a forma como a filosofia crítica kantiana enten<strong>de</strong> a<br />

relação entre o ser humano e o tempo não <strong>de</strong>ve ser entendida no sentido <strong>de</strong> enxergamos uma continuação<br />

da filosofia kantiana em Piaget, mas apenas que, nos problemas relativos ao tempo, Piaget foi buscar as<br />

origens do que Kant enten<strong>de</strong>u como um princípio a priori.<br />

Referencial teórico<br />

O referencial teórico utilizado para a elaboração da presente pesquisa se pauta pelos trabalhos<br />

elaborados por Immanuel Kant e por Jean Piaget. É importante ressaltar que não temos a pretensão <strong>de</strong><br />

analisar a filosofia crítica kantiana em seu todo, tampouco será nosso objeto <strong>de</strong> estudo a totalida<strong>de</strong> dos<br />

conceitos elaborados pela <strong>Epistemologia</strong> Genética. Nos preocuparemos, essencialmente, com a primeira<br />

parte do texto “A Crítica da Razão Pura”, no qual Kant analisa o espaço e o tempo com os quais o ser<br />

humano estrutura a sua realida<strong>de</strong> e com o texto “A Noção <strong>de</strong> Tempo na Criança” on<strong>de</strong> Piaget estuda as<br />

maneiras pelas quais as crianças, paulatinamente, constroem a noção <strong>de</strong> tempo. Nos socorreremos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 32


também <strong>de</strong> Alexandre Fradique Morujão, Leonel Ribeiro dos Santos e Antonio Marques comentadores<br />

dos texto kantiano e <strong>de</strong> Zélia Ramozzi-chiarottino, comentadora do trabalho realizado por Piaget.<br />

Objetivos<br />

O objetivo central do presente trabalho é mostrar os momentos nos quais a concepção <strong>de</strong> tempo<br />

elaborada por Kant e a noção <strong>de</strong> tempo construída pela <strong>Epistemologia</strong> Genética convergem e divergem.<br />

Temos como objetivos secundários a análise sistemática da “Estética Transcen<strong>de</strong>ntal”, primeira<br />

parte da “Crítica da Razão Pura” e do texto “A Noção <strong>de</strong> Tempo na Criança”. O estudo <strong>de</strong>stes dois textos<br />

nos leva a outro objetivo secundário, qual seja, a compreensão do método utilizado por Piaget para<br />

analisar a estruturação da noção <strong>de</strong> tempo levada a cabo pelo ser humano. Posteriormente visamos<br />

encontrar algumas contribuições da <strong>Epistemologia</strong> Genética à Teoria do Conhecimento.<br />

Metodologia <strong>de</strong> trabalho<br />

Como método <strong>de</strong> trabalho nos pautamos pela leitura sistemática dos textos supracitados,<br />

estudando-os primeiro em separado, para posteriormente analisá-los em conjunto. A leitura dos<br />

comentadores, visando uma melhor compreensão tanto do texto piagetiano quanto do texto kantiano e a<br />

elaboração <strong>de</strong> apresentações orais e textos escritos também foram maneiras às quais recorremos quando<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento da presente pesquisa.<br />

Desenvolvimento<br />

A noção <strong>de</strong> tempo em Kant<br />

Reconhecemos a profundida<strong>de</strong> e dificulda<strong>de</strong> da obra kantiana e salientamos que iremos nos<br />

<strong>de</strong>bruçar, no presente estudo, apenas sobre suas reflexões elaboradas a respeito do tempo como uma<br />

noção a priori da sensibilida<strong>de</strong> humana.<br />

Começaremos nosso estudo da noção <strong>de</strong> tempo na filosofia kantiana a partir da distinção<br />

elaborada por Kant entre conhecimento empírico ou a posteriori e conhecimento puro ou a priori. Nas<br />

palavras <strong>de</strong> Deleuze, com as quais faz uma paráfrase do próprio texto kantiano, fica claro que “Os<br />

critérios do a priori são o necessário e o universal. O a priori <strong>de</strong>fine-se como in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da<br />

experiência, mais precisamente porque a experiência jamais nos dá algo que seja universal e<br />

necessário.” 1 Esses critérios <strong>de</strong>ixam claro o tipo <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>signado por Kant como a priori, ou<br />

seja, aqueles que não recorrem a nenhuma influência da experiência para serem constituídos e que po<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>senvolver-se sem o auxilio da empiria, como “A matemática [que] oferece-nos um exemplo brilhante<br />

1 DELEUZE, G., 1976, p. 25 (grifo do autor).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 33


<strong>de</strong> quanto se po<strong>de</strong> ir longe no conhecimento a priori, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da experiência” 2 . Os conhecimentos<br />

tipificados como empíricos são aqueles nos quais a universalida<strong>de</strong> e a necessida<strong>de</strong> absoluta não estão<br />

presentes, isto porque sua elaboração se apoia em dados oriundos dos sentidos e generalizar uma lei para<br />

a absoluta maioria dos casos não é o mesmo que <strong>de</strong>duzir uma necessida<strong>de</strong> lógica. Na introdução da<br />

tradução portuguesa da primeira “Crítica” temos o seguinte sobre o a priori:<br />

Para além do saber a posteriori, extraído da experiência, haverá um saber <strong>de</strong> outra<br />

or<strong>de</strong>m, saber a priori, que prece<strong>de</strong> a experiência e cujo objecto não nos po<strong>de</strong> ser<br />

dado pela experiência. Um objecto <strong>de</strong>sta or<strong>de</strong>m será o próprio sujeito, a estrutura<br />

do sujeito, e é esta estrutura que torna possível a experiência. 3<br />

Após esta breve apresentação do a priori para a filosofia kantiana, passamos agora para o estudo<br />

da noção <strong>de</strong> tempo no mesmo autor. No texto kantiano as formas puras da sensibilida<strong>de</strong> – espaço e tempo<br />

– têm que estar presentes no espírito humano justamente porque sem elas não seria possível or<strong>de</strong>nar o<br />

diverso sensível dos fenômenos segundo <strong>de</strong>terminadas relações. Como são elas as condições <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong> da sensibilida<strong>de</strong> humana, precisam estar presentes antes <strong>de</strong> qualquer experiência, justamente<br />

para possibilitar que a mesma aconteça. Para MORUJÃO,<br />

Uma análise mais atenta da forma do conhecimento mostra-nos que as formas a<br />

priori da sensibilida<strong>de</strong> – o espaço e o tempo – não são conceitos, mas intuições,<br />

isto é representações singulares, e quando falamos em espaços ou tempos no<br />

plural, não queremos significar espaços diferentes, mas partes <strong>de</strong> um espaço ou <strong>de</strong><br />

um tempo únicos. 4<br />

Quando consi<strong>de</strong>ramos intervalos <strong>de</strong> tempo muito afastados, o que estamos fazendo, segundo a<br />

filosofia crítica kantiana, é recortar um intervalo <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mesmo e único tempo universal,<br />

não existem tempos diferentes e sim pedaços <strong>de</strong> um mesmo e único tempo.<br />

Estas formas são a priori, pois para originar uma sensação é necessário a presença <strong>de</strong>las sendo,<br />

portanto, impossível que procedam ou tenham sua origem nas sensações e mesmo em qualquer<br />

experiência. Sobre este ponto Kant assim se expressa no sexto parágrafo <strong>de</strong>dicado ao tempo na<br />

“Dissertação <strong>de</strong> 1770”:<br />

2<br />

É absurdo, portanto, querer armar a razão contra os primeiros postulados do temo<br />

puro, por exemplo contra a continuida<strong>de</strong>, etc., uma vez que estes <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong> leis<br />

tais que não se encontra nada mais primitivo e mais importante que elas, e a<br />

própria razão não po<strong>de</strong> dispensar o apoio <strong>de</strong>ste conceito no uso do princípio <strong>de</strong><br />

contradição; a tal ponto ele é primitivo e originário. 5<br />

KANT, I., 1997, p. 41 (grifo do autor).<br />

3 MORUJÃO, A. F. Introdução, in Kant, I. , 1997, p. XI. (grifo do autor).<br />

4 MORUJÃO, A. F. Introdução, in Kant, I., 1997, p. XIII. (grifo do autor).<br />

5 KANT, I., 2004, p. 56.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 34


Para a filosofia kantiana, sem um tempo já dado na constituição cognitiva humana, o contato mais<br />

imediato com a realida<strong>de</strong> que nos cerca seria impossível <strong>de</strong>ntro dos mol<strong>de</strong>s por nós conhecidos. É<br />

necessário, então, que esta forma primeira <strong>de</strong> organizar os estímulos por nós recebidos através dos<br />

sentidos – o tempo – seja dada a priori, ou seja, que ela já esteja presente na constituição cognitiva<br />

humana, apesar <strong>de</strong> ser indispensável o contato com a experiência para que ela “entre em funcionamento”.<br />

Tanto o espaço quanto o tempo são condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> da experiência humana, sensações<br />

primeiras e puras que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da empiria para serem elaboradas, mas necessitam <strong>de</strong>la para entrar<br />

“em funcionamento”. “A representação do espaço e do tempo não seria então <strong>de</strong>rivada da experiência<br />

(...), mas constitui antes a sua condição. Eu nada posso imaginar, em mim, ou fora <strong>de</strong> mim, que não<br />

situe, a priori, no espaço e no tempo.” 6 Como o mundo fenomênico organizado pelos seres humanos situa<br />

tudo num espaço e num tempo e não existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abstraí-los <strong>de</strong> nossa experiência sensitiva e,<br />

afora isso, o próprio princípio racional da não contradição necessita da sucessão temporal para ser<br />

compreendido, a filosofia crítica kantiana consi<strong>de</strong>ra os espaço e o tempo como aspectos formais,<br />

primeiros e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da experiência presentes no aparato cognitivo humano.<br />

A gênese da noção <strong>de</strong> tempo em Piaget<br />

Na teoria piagetiana o tempo é uma das quatro categorias principais para a elaboração <strong>de</strong> uma<br />

concepção objetiva do real, junto com a noção <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> substância, <strong>de</strong> campo espacial e <strong>de</strong><br />

causalida<strong>de</strong>. Segundo Piaget, estas formas são “(...) as principais “categorias” <strong>de</strong> que a inteligência faz<br />

uso para adaptar-se ao mundo exterior - o espaço e o tempo, a causalida<strong>de</strong> e a substância, a<br />

classificação e o número etc. - correspon<strong>de</strong>m, cada uma <strong>de</strong>las, a um aspecto da realida<strong>de</strong> (...)” 7 .<br />

No livro “A noção <strong>de</strong> tempo na criança”, Piaget e seus colaboradores realizam diferentes<br />

situações experimentais on<strong>de</strong> os sujeitos são questionados, após presenciarem situações nas quais a<br />

maneira como organizam o tempo é verificada, sobre a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessão, duração ou simultaneida<strong>de</strong><br />

dos acontecimentos que acabaram <strong>de</strong> perceber.<br />

A situação experimental que analisaremos no presente estudo é a seguinte: os pesquisadores<br />

apresentam à criança dois recipientes superpostos on<strong>de</strong> o superior tem a forma <strong>de</strong> uma pêra (D I) e o<br />

outro é cilíndrico (D II); ambos têm exatamente o mesmo volume e são ligados por um orifício que po<strong>de</strong><br />

ser aberto ou fechado durante o transcorrer da experiência. Ao iniciar a situação experimental o recipiente<br />

superior é preenchido por um líquido colorido através <strong>de</strong> uma abertura em sua parte mais elevada, uma<br />

vez repleto <strong>de</strong> líquido é aberto o orifício que interliga os dois recipientes e todo o volume <strong>de</strong> D I é<br />

6<br />

PIETTRE, B., 1997, p. 98.<br />

7<br />

PIAGET, J., 1982, p. 19.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 35


transvasado para D II, com isso os experimentadores mostravam para as crianças que o volume dos dois<br />

frascos é o mesmo. 8 Após <strong>de</strong>ixar claro a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> volume entre os dois vidros é efetuado um<br />

transvasamento em seis fases sendo elas DI 1, DI 2, DI 3, DI 4, DI 5 e DI 6 que correspon<strong>de</strong>m no frasco<br />

inferior a DII 1, DII 2, DII 3, DII 4, DII 5 e DII 6. São fornecidos às crianças uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />

xerocopiados on<strong>de</strong> a situação acima <strong>de</strong>scrita é representada e, após cada fase <strong>de</strong> transvasamento <strong>de</strong> D I<br />

para D II é solicitado à criança que marque com um lápis colorido os respectivos níveis do líquido, tanto<br />

em D I quanto em D II. Depois <strong>de</strong> marcar com o lápis todo o escoamento do líquido os <strong>de</strong>senhos são<br />

misturados pelos experimentadores e se pe<strong>de</strong> a criança que os serie segundo a or<strong>de</strong>m que viu ocorrer na<br />

experiência; num segundo momento os <strong>de</strong>senhos D I e D II são recortados e embaralhados entre si e<br />

também se pe<strong>de</strong> a criança que os serie segundo a or<strong>de</strong>m que percebeu. 9<br />

O tempo como a priori construído<br />

A análise dos dados obtidos com crianças <strong>de</strong> variadas ida<strong>de</strong>s submetidas a situação experimental<br />

<strong>de</strong>scrita permitiram a Piaget e seus colaborados distinguir três diferentes etapas na construção efetuada<br />

pelo sujeito da noção temporal: na primeira etapa a criança não consegue reconstruir pelos <strong>de</strong>senhos a<br />

série temporal que viu ocorrer na situação experimental, ela adota uma seriação que geralmente começa<br />

pelos extremos (o recipiente todo vazio ou repleto <strong>de</strong> líquido) e, mesmo com a ajuda do experimentador,<br />

tem dificulda<strong>de</strong> em aceitar mudanças na sua seriação.<br />

O tempo da primeira etapa é então um tempo local no duplo sentido <strong>de</strong> um tempo<br />

não geral, que varia <strong>de</strong> um movimento para outro, e no sentido <strong>de</strong> um tempo que<br />

se confun<strong>de</strong> com a or<strong>de</strong>m espacial própria <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>slocamento num sentido<br />

positivo do percurso. Ele é então, po<strong>de</strong> se dizer, um tempo sem velocida<strong>de</strong>s, ou<br />

um tempo que não po<strong>de</strong>ria tornar-se homogêneo, a não ser que as velocida<strong>de</strong>s<br />

sejam todas as mesmas e todas uniformes. 10<br />

Qual o significado da expressão: “Um tempo sem velocida<strong>de</strong>s”? Acreditamos estar ai a chave para<br />

compreen<strong>de</strong>r como Piaget concebe o tempo na primeira etapa. “Um tempo sem velocida<strong>de</strong>s” significa<br />

que, no começo do <strong>de</strong>senvolvimento da noção temporal, a criança negligencia as diferenças <strong>de</strong><br />

velocida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m existir entre dois movimentos. Isto ocorre porque ela ainda não tem a capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar os dois movimentos em questão em um tempo único e homogêneo, neste caso ela cria uma<br />

série temporal para cada um dos movimentos que percebe. A noção tempo da primeira etapa também é<br />

completamente fundida com a noção <strong>de</strong> espaço, segundo Piaget:<br />

8 A criança presencia este processo.<br />

9 Cf. PIAGET, J., 1946, p. 17 e ss.<br />

10 PIAGET, J., 1946, p. 296.<br />

Efetivamente correspon<strong>de</strong>ndo a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> percurso espacial à or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessão<br />

temporal, no caso <strong>de</strong> um só movimento <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> uniforme, a criança <strong>de</strong>sta<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 36


fase [etapa 1] aplica simplesmente este mesmo esquema no caso <strong>de</strong> dois<br />

movimentos do mesmo sentido e <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>s distintas. 11<br />

Na outra ponta do <strong>de</strong>senvolvimento da noção temporal, o tempo operatório (etapa 3), começa a<br />

surgir quando a sujeito consegue levar em consi<strong>de</strong>ração as variações <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> dos móveis (muitas<br />

vezes percebida pela ultrapassagem <strong>de</strong> um móvel por outro) e, a partir <strong>de</strong>stas co-varianças, elaborar uma<br />

série temporal única e homogênea além <strong>de</strong> diferenciada do espaço percorrido, para todos os movimentos<br />

que percebe.<br />

Segundo a análise da <strong>Epistemologia</strong> Genética o campo temporal sofre profundas modificações<br />

durante o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo da criança. “A começar pelas estruturas espaço-temporais, verifica-<br />

se que, no princípio, não existe espaço único nem or<strong>de</strong>m temporal que englobe os acontecimentos como<br />

os continentes englobam os conteúdos.” 12 No início as noções temporais são profundamente egocêntricas,<br />

ou seja, estão imbricadas com julgamentos psicológicos imediatistas referentes às expectativas da criança<br />

quanto à sucessão ou duração dos eventos. Quando a criança está fazendo uma ativida<strong>de</strong> que proporciona<br />

prazer e divertimento ela ten<strong>de</strong> a julgar a passagem do tempo muito rápida. Por outro lado, quando a<br />

ativida<strong>de</strong> em questão exige muito trabalho intelectual ou físico, a passagem do tempo ten<strong>de</strong> a ser<br />

consi<strong>de</strong>rada excessivamente <strong>de</strong>morada. Destes exemplos po<strong>de</strong>mos retirar que o julgamento relativo ao<br />

tempo <strong>de</strong> crianças ten<strong>de</strong> a ser alterado pelas sensações que elas experimentam no <strong>de</strong>correr da ativida<strong>de</strong><br />

sendo, portanto egocêntrico, ou seja, relativo não a um sistema lógico e coerente <strong>de</strong> relações on<strong>de</strong> a<br />

sucessão, a simultaneida<strong>de</strong> e velocida<strong>de</strong> dos eventos têm um papel central. Nas palavras <strong>de</strong> Piaget, a<br />

constituição do tempo<br />

(...) vai igualmente do imediatismo característico do egocentrismo radical a uma<br />

relacionação tal que o espírito se liberta do ponto <strong>de</strong> vista próprio do sujeito para<br />

situar-se num universo coerente. O tempo confun<strong>de</strong>-se, pois, no seu ponto <strong>de</strong><br />

partida, com as impressões <strong>de</strong> duração psicológica inerentes as expectativa, <strong>de</strong><br />

esforço, e <strong>de</strong> satisfação, em resumo, à ativida<strong>de</strong> do próprio sujeito. 13<br />

Segundo o trabalho <strong>de</strong> Carneiro, para a teoria do conhecimento <strong>de</strong>senvolvida por Piaget “O tempo<br />

é uma noção física construída na relação com as coisas, isto é, consiste em coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> ações<br />

especializadas que levam em conta as relações e as proprieda<strong>de</strong>s dos objetos.” 14 Para a <strong>Epistemologia</strong><br />

Genética, portanto, o tempo esta no rol dos conhecimentos físicos, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uma proprieda<strong>de</strong> do<br />

objeto para ser elaborado e organizado; isto não o torna um apanhado <strong>de</strong> relações exteriores, ou uma<br />

simples constatação <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>s causais presentes no real, ainda seguindo o texto <strong>de</strong> Carneiro:<br />

11 PIAGET, J., 1946, p. 103- 104.<br />

12<br />

PIAGET, J., 1989, p. 20.<br />

13<br />

PIAGET, J., 1946, p. 299.<br />

14<br />

CARNEIRO, M. C., 2002, p. 137.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 37


O tempo não é um mero <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> relações exteriores (...) mas “emerge” <strong>de</strong> um<br />

conjunto <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nações que se formam na relação do sujeito com o meio físico,<br />

isto é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio do <strong>de</strong>senvolvimento do sujeito, o tempo não é uma mera<br />

comprovação empírica ou <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> causal, senão uma assimilação do<br />

objeto à ativida<strong>de</strong> própria do sujeito que progressivamente o coor<strong>de</strong>na. 15<br />

O tempo é entendido por Piaget como uma construção elaborada sobre os <strong>de</strong>slocamentos espaciais<br />

ou, em outras palavras, é um sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos consi<strong>de</strong>rados em conjunto (co-<strong>de</strong>slocamentos).<br />

No final do livro “A Construção do Real na Criança” Piaget diz “(...) o tempo, tal como o espaço,<br />

constroem-se pouco a pouco, e implicam a elaboração <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> relações.” 16 Esta construção<br />

<strong>de</strong>ve ser elaborada por meio <strong>de</strong> ações efetuadas sobre o real, mais especificamente, sobre <strong>de</strong>terminadas<br />

características do objeto que, no caso do tempo, são as diferenças <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>. No início da elaboração<br />

da noção temporal estas diferenças <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>s são simples ultrapassamentos, mas uma vez que a<br />

criança construa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar estas co-variações elas possibilitam a elaboração <strong>de</strong> um<br />

tempo único e homogêneo para todos os eventos. Em outra palavras, o “sistema <strong>de</strong> relações” ao qual<br />

Piaget alu<strong>de</strong> é especificamente um sistema on<strong>de</strong>, para ter uma noção operatória <strong>de</strong> tempo, a criança<br />

precisa <strong>de</strong>senvolver a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer relações logicamente coerentes entre a noção <strong>de</strong><br />

diferenças <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua organização em conjunto com as noções <strong>de</strong> sucessão, duração e<br />

simultaneida<strong>de</strong>.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista da experiência imediata, a criança chega muito cedo a avaliar as<br />

velocida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> que tem uma consciência direta, e os espaços percorridos em um<br />

tempo idêntico ou “antes” e “<strong>de</strong>pois” na chegada à meta escolhida, no caso <strong>de</strong><br />

trajetórias <strong>de</strong> mesmo comprimento. Mas daí a <strong>de</strong>compor as velocida<strong>de</strong>s para<br />

aduzir uma medida do próprio tempo vai uma diferença consi<strong>de</strong>rável, pois tratarse-ia,<br />

precisamente, <strong>de</strong> substituir as intuições diretas próprias da acomodação<br />

elementar do pensamento às coisas por um sistema <strong>de</strong> relações que implica uma<br />

assimilação construtiva. 17<br />

O Tempo como Noção a priori: contribuições da <strong>Epistemologia</strong> Genética à Teoria do Conhecimento<br />

Nos dois autores hora analisados é essencial a relação entre uma forma (proveniente do<br />

funcionamento do aparato cognitivo humano) e um conteúdo (possibilitado pelo contato entre nossos<br />

órgãos dos sentidos e o ambiente) para a constituição do conhecimento.<br />

No que concerne ao tempo, Kant compreen<strong>de</strong> esta noção como um aspecto primeiro, formal,<br />

totalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da experiência e, portanto, já dado no aparato cognitivo humano. Nesta<br />

perspectiva, a noção humana <strong>de</strong> tempo não precisa passar por uma construção na qual seus elementos<br />

centrais (simultaneida<strong>de</strong>, duração e sucessão) seriam gradativamente coor<strong>de</strong>nados. Para a filosofia crítica<br />

15 CARNEIRO, M. C., 2002, p. 139.<br />

16 PIAGET, J., 1975, p. 298.<br />

17 PIAGET, J., 1975, p. 357.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 38


kantiana o tempo é um aspecto formal e a priori da sensibilida<strong>de</strong> humana, e a “noção <strong>de</strong> tempo” já é dada<br />

no aparato cognitivo humano, sem a necessida<strong>de</strong> do concurso da experiência para que ela seja construída.<br />

Na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro da filosofia kantiana, não tem sentido falar em construção da noção temporal,<br />

justamente porque ela é dada já completamente estruturada e organiza em nosso aparato cognitivo. “O<br />

espaço e o tempo são as formas puras <strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong> perceber sensação em geral a sua matéria. Aquelas<br />

formas só po<strong>de</strong>mos conhecê-las a priori, isto é, antes <strong>de</strong> qualquer percepção real e, por isso , se<br />

<strong>de</strong>nominam intuições puras; (...)” 18 . Na filosofia kantiana o tempo é um elemento formal, é uma das<br />

condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> da sensibilida<strong>de</strong> humana sem a qual nossa relação mais imediata com a<br />

realida<strong>de</strong> seria inconcebível. Tudo aquilo com o que entramos em contato é imediatamente organizado<br />

segundo a sua sucessão, sua duração e sua simultaneida<strong>de</strong>, ou seja, organizado temporalmente. O tempo<br />

(e o espaço) são as condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos os fenômenos, sendo a sensibilida<strong>de</strong> humana,<br />

<strong>de</strong>ntro da filosofia kantiana, impensável sem estes dois aspectos formais.<br />

A <strong>Epistemologia</strong> Genética, diferente <strong>de</strong> Kant, pensa no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> algumas noções<br />

fundamentais consi<strong>de</strong>radas como as condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> do conhecimento humano. Falando<br />

especificamente sobre o tempo, Piaget e seus colaboradores encontraram características tão diversas<br />

durante o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>sta noção que elencaram três diferente etapas. No início da<br />

organização do tempo temos as seguintes idiossincrasias: I) incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seriar os eventos segundo<br />

sua sucessão, duração ou simultaneida<strong>de</strong>; II) confusão absoluta entre os julgamentos temporais e os<br />

espaciais; III) uma incompreensão da velocida<strong>de</strong> como inversamente proporcional ao tempo necessário<br />

para executar <strong>de</strong>terminada tarefa; IV) inexistência <strong>de</strong> um tempo comum a todos os acontecimentos. Por<br />

exemplo, quando é colocada na presença <strong>de</strong> dois movimentos <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>s diferentes, a criança cria<br />

uma série temporal para cada movimento e não une os dois em uma única e mesma série. Já no final da<br />

construção das condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> da noção temporal, ela passa a ser operatoriamente estruturada<br />

(com a sucessão sendo extraída da duração e a duração po<strong>de</strong>ndo ser elaborada a partir da sucessão, ou<br />

seja, a seriação dos eventos passa a ser fundamenta no tamanho do intervalo <strong>de</strong> tempo que eles levam<br />

para ocorrer). Além disso, a criança já consegue compreen<strong>de</strong>r a velocida<strong>de</strong> como inversamente<br />

proporcional ao tempo gasto ou ao trabalho executado. Segundo Piaget, o tempo operatório é aquele<br />

tempo universal e único para todos os acontecimentos, fruto da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar velocida<strong>de</strong>s<br />

diferentes tendo como referencial as posições sucessivas dos móveis. É o tempo que or<strong>de</strong>na em<br />

comunhão as diferentes sucessões, durações e simultaneida<strong>de</strong>s que existem em movimentos <strong>de</strong><br />

velocida<strong>de</strong>s diferentes. “O tempo é uma noção física, construída na relação com as coisas, isto é,<br />

consiste em coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> ações especializadas que levam em conta as relações e as proprieda<strong>de</strong>s dos<br />

objetos.” 19<br />

18 KANT, I., 1997, p. 79 (grifo do autor).<br />

19 CARNEIRO, M. C., 2002, p. 137.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 39


O tempo, para a <strong>Epistemologia</strong> Genética, não é dado a priori, já organizado no aparato cognitivo<br />

humano, ele é uma noção que precisa ser elaborada pelo sujeito no contato com a realida<strong>de</strong>. Para Kant ele<br />

é um aspecto formal a priori, portanto completamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da experiência.<br />

Existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliar estas formas <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o tempo que, a uma primeira<br />

vista, mostram-se totalmente antagônicas? Acreditamos que sim. Ao nosso ver o epistemólogo genebrino<br />

vai buscar as origens e maneiras <strong>de</strong> estruturação daquilo que o filósofo <strong>de</strong> Königsberg consi<strong>de</strong>ra dado a<br />

priori. Piaget conclui que as condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> da noção temporal sofrem profundas<br />

modificações durante o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do ser humano. Nesse sentido, Piaget utiliza a i<strong>de</strong>ia<br />

kantiana 20 do tempo como um aspecto fundamental para a construção da realida<strong>de</strong> feita pelo ser humano<br />

mas também a altera, uma vez que mostra a historicida<strong>de</strong>, ou seja, as profundas modificações que esta<br />

noção sofre durante o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do sujeito.<br />

O tempo passa a ser uma noção fundamental apenas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ser laboriosamente construído por<br />

meio da coor<strong>de</strong>nação levada a cabo pelo sujeito sobre as diferenças <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>s. Ele não é mais<br />

compreendido como dado, pronto e acabado no aparato cognitivo humano e muito menos como<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da experiência. Com a proposta teórica oriunda da <strong>Epistemologia</strong> Genética, a noção <strong>de</strong><br />

tempo precisa ser construída pelo sujeito por meio <strong>de</strong> sua ação no ambiente em que se encontra, ou seja, a<br />

experiência, a ação no mundo é fundamental. “Logo, o a priori não se apresenta sob a forma <strong>de</strong><br />

estruturas necessárias senão no final da evolução das noções, nunca em seu início (...)”. 21<br />

Tanto para Kant quanto para Piaget o tempo é um elemento fundamental para a elaboração da<br />

realida<strong>de</strong> como o ser humano a conhece. No entanto, o primeiro consi<strong>de</strong>ra o tempo como um forma a<br />

priori da sensibilida<strong>de</strong> humana enquanto o segundo busca compreen<strong>de</strong>r as maneiras <strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong>sta<br />

noção “(...) para Piaget, as operações temporais <strong>de</strong>rivam das condutas pré-operatórias e o tempo nada<br />

mais é que o conjunto <strong>de</strong>ssas condutas e operações.” 22 Enquanto a filosofia crítica kantiana enten<strong>de</strong> o<br />

tempo como dado e fruto do funcionamento interno da mente humana, a <strong>Epistemologia</strong> Genética encontra<br />

uma historicida<strong>de</strong> na construção <strong>de</strong>ssa noção, ou seja, a forma como o ser humano organiza o tempo<br />

passa por sucessivas mudanças no <strong>de</strong>correr do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. “Entretanto, o que para Kant<br />

parecia ser um “dado” (todo sujeito dotado <strong>de</strong> razão possui os instrumentos do pensamento postulados<br />

nas categorias a priori) é para Piaget um instrumento em permanente reelaboração.” 23 É justamente<br />

neste aspecto on<strong>de</strong> encontramos uma divergência substancial entre os autores pois, para Kant, a<br />

20 Utilizamos aqui “i<strong>de</strong>ia kantiana” mas temos claro que estes dois autores não são os únicos a consi<strong>de</strong>rar o tempo como um<br />

elemento fundamental para a estruturação da realida<strong>de</strong> feita pelo ser humano.<br />

21 PIAGET, J., 1982, p. 15 (grifo do autor).<br />

22 PIAGET, J., 1971, p. 60. “(…) para Piaget, las operaciones temporales, <strong>de</strong>rivan <strong>de</strong> las conductas preoperatorias y el tiempo<br />

no es otra cosa que el conjunto <strong>de</strong> esas conductas y operaciones.” (traduzimos livremente).<br />

23 FREITAG, B. 1991, pg. 50 (grifo da autora).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 40


constituição do tempo é totalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e anterior à experiência, já para Piaget é necessário que<br />

a criança construa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar velocida<strong>de</strong>s diferentes para que ela estruture um campo<br />

temporal coerente, neste sentido a experiência é fundamental.<br />

Acreditamos ter mostrado, por meio do estudo da noção <strong>de</strong> tempo no ser humano, as contribuições<br />

oriundas da <strong>Epistemologia</strong> Genética para a teoria do conhecimento. Ou seja, a proposta teórica <strong>de</strong><br />

encontrar as diferentes maneiras <strong>de</strong> elaboração pelas quais passam as condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> do<br />

conhecimento humano durante o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo.<br />

Referências<br />

CARNEIRO, M. C. A Noção <strong>de</strong> Tempo segundo a <strong>Epistemologia</strong> Genética. Tese <strong>de</strong> Doutorado –<br />

UNESP, Marília, 2002.195 fl.<br />

FREITAG, B. Piaget e a Filosofia. São Paulo: Unesp, 1991. 99 p.<br />

KANT, I. Dissertação <strong>de</strong> 1770; Carta a Marcus Herz. Tradução, apresentação e notas <strong>de</strong> Leonel Ribeiro<br />

dos Santos e Antonio Marques. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2004. 143 p.<br />

KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução <strong>de</strong> Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão;<br />

Prefácio, introdução e notas <strong>de</strong> Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,<br />

1997. 680 p.<br />

PIAGET, J. O Nascimento da Inteligência na Criança. Tradução <strong>de</strong> Álvaro Cabral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar,<br />

1982. 389 p.<br />

PIAGET, J. A Noção <strong>de</strong> Tempo na Criança. Tradução <strong>de</strong> Rubens Fiúza. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 1946.<br />

321 p.<br />

PIAGET, J.; INHELDER, B. A <strong>Psicologia</strong> da Criança. Tradução <strong>de</strong> Octávio Men<strong>de</strong>s Cajado. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.135 p.<br />

PIAGET, J. A Construção do Real na Criança. Tradução <strong>de</strong> Álvaro Cabral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar<br />

Editores, 1975. 360 p.<br />

PIAGET, J.; GRIZE, J-B.; HENRY, K.; MEYLAN-BACKS, M.; ORSINE, F.; VAN DEN BOGAERT-<br />

ROMBOUTS, N. La <strong>Epistemologia</strong> <strong>de</strong>l Tiempo. Tradução <strong>de</strong> Jorge A. Sirolli. Buenos Aires: El Ateneo,<br />

1971. 226 p.<br />

PIETRE, B. Filosofia e Ciência do Tempo. Tradução <strong>de</strong> Maria Antonia Pires <strong>de</strong> C. Figueiredo. Bauru:<br />

Edusc, 1997.<br />

RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Piaget: mo<strong>de</strong>lo e estrutura. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio, 1972. 94 p.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 41


O conceito <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong> em Jean Piaget: questões teóricas e contribuições para o âmbito<br />

educativo<br />

Resumo<br />

CHARCZUK, Simone Bicca<br />

NEVADO, Rosane Aragón <strong>de</strong><br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, CAPES<br />

sibicca@gmail.com<br />

rosane.aragon@gmail.com<br />

As discussões em torno do conceito <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong> aparecem <strong>de</strong> forma recorrente nas pesquisas<br />

e práticas educacionais. A fim <strong>de</strong> contribuir com os <strong>de</strong>bates <strong>de</strong>senvolvidos em obras <strong>de</strong>dicadas ao tema,<br />

nesse trabalho discute-se esse conceito a partir <strong>de</strong> diversos textos <strong>de</strong> Jean Piaget. Os artigos e livros<br />

utilizados para análise foram selecionados através da realização <strong>de</strong> uma revisão bibliográfica,<br />

priorizando-se aqueles nos quais o autor apresenta e caracteriza o conceito. Nos textos analisados, Piaget<br />

propõe uma concepção <strong>de</strong> ciência que se organiza em espiral ascen<strong>de</strong>nte, na qual as fronteiras entre as<br />

disciplinas são compreendidas como artificiais, contrapondo-se à classificação linear proposta,<br />

principalmente, por Comte. Segundo o autor, as ciências ocupam-se com a abordagem dos observáveis e<br />

não com a pesquisa <strong>de</strong> relações explicativas sobre a gênese dos fenômenos. Tais pesquisas requerem uma<br />

abordagem interdisciplinar, sendo que essa é compreendida como condição para o progresso das ciências.<br />

Nesse sentido, a interdisciplinarida<strong>de</strong> é concebida como a colaboração entre diversas disciplinas ou<br />

setores heterogêneos <strong>de</strong> uma mesma ciência que conduz a interações nas quais se estabelecem<br />

reciprocida<strong>de</strong>s nas trocas e que possibilitam um enriquecimento mútuo das disciplinas envolvidas, ou<br />

seja, on<strong>de</strong> exista assimilação recíproca. Quando essas colaborações são efetivadas, um campo ou<br />

disciplina é enriquecido por outro, sendo que se estabelece uma complementarida<strong>de</strong> entre eles. Embora as<br />

pesquisas <strong>de</strong> Piaget não tenham como foco prioritário a educação, este campo <strong>de</strong> saber e prática foi objeto<br />

<strong>de</strong> reflexão <strong>de</strong>ste autor, além do que, estas pesquisas foram e ainda são utilizadas por uma ampla gama <strong>de</strong><br />

pesquisadores <strong>de</strong>sta área. Neste sentido, consi<strong>de</strong>ra-se que a concepção <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong> proposta<br />

por ele permite pensarmos a prática e pesquisa educacional como um espaço possível para o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> assimilações recíprocas entre as diversas disciplinas que o compõe contribuindo assim<br />

para uma abordagem menos fragmentária.<br />

Palavras-chave: Piaget. Interdisciplinarida<strong>de</strong>. Educação.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 42


Abstract<br />

Discussions around the concept of interdisciplinarity are frequent in research and educational practices. In<br />

or<strong>de</strong>r to contribute to this issue, this work presents the discussion of this i<strong>de</strong>a starting from several texts of<br />

Jean Piaget. Articles and books used for this purpose were selected through a literature review,<br />

prioritizing those in which the author presents and typifies the concept. In the texts analyzed, Piaget<br />

proposes a conception of science that is organized in ascending spiral in which the boundaries among<br />

disciplines are un<strong>de</strong>rstood as artificial, in contrast to the linear classification proposed, mainly, by Comte.<br />

According to the author, science <strong>de</strong>als with the approach of the 'observable' and not with the search for<br />

explanatory relations on the genesis of phenomena. Such studies require an interdisciplinary approach<br />

that is un<strong>de</strong>rstood as a condition for progress in science. In this sense, interdisciplinarity is conceived as<br />

the collaboration among different disciplines or heterogeneous sectors of a same science that leads to<br />

interactions that allow mutual enrichment of the disciplines involved, ie, where there is reciprocal<br />

assimilation. When these collaborations are effective, a field or discipline is enriched by another, and the<br />

complementarity is installed between them. Although Piaget's investigation did not focus primarily on<br />

education, this field of knowledge and practice was subject of consi<strong>de</strong>ration by this author, besi<strong>de</strong>s the<br />

fact that these studies were and still are used by a wi<strong>de</strong> range of researchers in this area. Therefore, it is<br />

consi<strong>de</strong>red that the <strong>de</strong>sign of interdisciplinarity suggested by him enables thinking the practice and<br />

educational research as a possible area for the establishment of reciprocal assimilations among the various<br />

disciplines that comprise it, contributing to a less fragmented approach.<br />

Keywords: Piaget. Interdisciplinarity. Education.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 43


Introdução<br />

Diferentemente <strong>de</strong> outros temas, tais como aprendizagem e <strong>de</strong>senvolvimento moral, o conceito <strong>de</strong><br />

interdisciplinarida<strong>de</strong> na teoria <strong>de</strong> piagetiana é pouco investigado em trabalhos brasileiros. Raros são os<br />

trabalhos em língua portuguesa que se <strong>de</strong>dicaram a investigar as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse conceito segundo a<br />

formulação que lhe <strong>de</strong>u o pesquisador genebrino. A este tema, Piaget <strong>de</strong>dicou alguns trabalhos <strong>de</strong><br />

relevância, além <strong>de</strong> implementar, na prática, o trabalho interdisciplinar juntamente com seus<br />

colaboradores no Centro <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> Genética em Genebra. Neste Centro, vários especialistas <strong>de</strong><br />

diferentes áreas do conhecimento trabalhavam <strong>de</strong> forma cooperativa visando o estudo dos mecanismos<br />

responsáveis pela evolução dos conhecimentos, seja na ciência ou no estudo da ontogênese (PORTELA,<br />

1997). Além disso, segundo Thiesen (2008), as obras piagetianas serviram <strong>de</strong> base para fomentar<br />

discussões <strong>de</strong> pesquisadores brasileiros acerca do tema da interdisciplinarida<strong>de</strong>.<br />

Consi<strong>de</strong>rando o que acima foi exposto, este artigo busca contribuir para uma melhor compreensão<br />

do tema, tanto procurando precisar o seu significado para o autor em questão, quanto o discutindo a fim<br />

<strong>de</strong> obter subsídios que possam auxiliar as pesquisas e práticas no campo educativo. Para tanto,<br />

selecionou-se artigos e livros através <strong>de</strong> revisão bibliográfica na qual foram priorizados aqueles textos em<br />

que o autor apresenta e caracteriza o conceito. O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho não é esgotar a discussão sobre o<br />

tema nem abarcar toda obra do autor, mas sim trazer para o <strong>de</strong>bate algumas concepções <strong>de</strong> Piaget que<br />

po<strong>de</strong>rão orientar as reflexões sobre interdisciplinarida<strong>de</strong>, sobretudo, como já foi afirmado, no âmbito<br />

educacional.<br />

Sobre a pesquisa bibliográfica e os textos encontrados<br />

A pesquisa bibliográfica foi realizada através dos sites da web Google e Google Acadêmico<br />

utilizando-se como palavras-chave “Piaget” e “interdisciplinarida<strong>de</strong>”. A partir da busca realizada, foi<br />

possível localizar três artigos e um livro publicados que tratam especificamente sobre<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong>.<br />

Levando em consi<strong>de</strong>ração a organização cronológica dos artigos, o primeiro intitula-se “La<br />

psychologie, les relations interdisciplinaires et le systeme <strong>de</strong>s sciences 24 ” e é resultado <strong>de</strong> uma<br />

conferência pronunciada por Piaget no XVIII Congresso <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> em agosto <strong>de</strong> 1966<br />

na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Moscou. O segundo, “L’epistemologie <strong>de</strong>s relations interdisciplinaires 25 ”, foi apresentado<br />

em um seminário sobre interdisciplinarida<strong>de</strong> nas Universida<strong>de</strong>s em setembro <strong>de</strong> 1970 na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

24 Não foi localizada tradução <strong>de</strong>ste texto para o português. Desta forma, a responsabilida<strong>de</strong> pela tradução do original em<br />

francês cabe às autoras <strong>de</strong>ste artigo.<br />

25 Foi localizada uma tradução comentada <strong>de</strong>ste texto, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Terezinha M. Vargas Flores e Nelcy E. Dondoni Borella,<br />

publicada na Revista Educação e Realida<strong>de</strong>, Porto Alegre, 19(1): 113-120, jan/jun 1994. Embora essa tradução tenha<br />

apoiado a leitura do texto original, a tradução do texto original em francês cabe às autoras <strong>de</strong>ste artigo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 44


Nice, França. O terceiro artigo, “Méthodologie <strong>de</strong>s relations interdisciplinaires 26 ”, foi publicado na<br />

revista Archives <strong>de</strong> Philosophie em 1971. O livro localizado intitula-se “Problemas gerais da<br />

investigação interdisciplinar e mecanismos comuns 27 ” e foi publicado no ano <strong>de</strong> 1973 em português <strong>de</strong><br />

Portugal pela Livraria Bertrand.<br />

Além <strong>de</strong>stes textos mencionados, serão utilizadas nesta revisão bibliográfica algumas passagens<br />

do livro “Où va l’education? 28 ”, escrito em 1971, nas quais Piaget menciona o tema da<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong>. Consi<strong>de</strong>ra-se que neste livro o autor aproxima as temáticas da interdisciplinarida<strong>de</strong><br />

e da educação, por isso optou-se por incluí-lo na análise.<br />

No próximo item, serão apresentadas <strong>de</strong> forma sintética as principais concepções do autor sobre o<br />

tema a fim <strong>de</strong> que seja possível fazer uma reflexão sobre elas. Posteriormente, serão tecidas algumas<br />

consi<strong>de</strong>rações sobre as contribuições <strong>de</strong>ssa concepção <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong> para o âmbito educativo.<br />

As concpções <strong>de</strong> Piaget acerca da interdisciplinarieda<strong>de</strong><br />

De acordo com o que foi exposto no item anterior, po<strong>de</strong>-se perceber que os textos <strong>de</strong> Piaget que<br />

tratam sobre interdisciplinarida<strong>de</strong> foram produzidos na mesma época, ou seja, no período que<br />

compreen<strong>de</strong> o final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Portanto, muitas i<strong>de</strong>ias apresentadas em um<br />

texto aparecem em outros <strong>de</strong> formas semelhantes ou mais elaboradas. Desta forma, para expor as i<strong>de</strong>ias<br />

do autor, será seguida a or<strong>de</strong>m das obras conforme apresentada no item anterior, sendo que as i<strong>de</strong>ias<br />

recorrentes serão <strong>de</strong>stacadas.<br />

No artigo “La psychologie, les relations interdisciplinaires et le systeme <strong>de</strong>s sciences”, Piaget<br />

examina as colaborações possíveis entre a psicologia e diversas ciências exatas e naturais tais como a<br />

matemática, a física, a biologia, e com as ciências sociais e humanas, quais sejam, a sociologia, a<br />

lingüística, a economia política. Aborda também as relações que po<strong>de</strong>m ser estabelecidas entre a<br />

psicologia e a lógica. Finaliza o artigo apresentando algumas consi<strong>de</strong>rações sobre a psicologia no sistema<br />

das ciências.<br />

O texto inicia com a afirmação <strong>de</strong> que a psicologia po<strong>de</strong>rá, futuramente, enriquecer e ser<br />

enriquecida por outras ciências a partir do estabelecimento <strong>de</strong> relações interdisciplinares. Piaget refere<br />

que as ciências exatas e naturais ten<strong>de</strong>m a estabelecer mais elos entre si do que as ciências sociais e<br />

26 Esse texto foi publicado em português <strong>de</strong> Portugal no ano <strong>de</strong> 2006 em uma coletânea organizada por Olga Pombo e<br />

colaboradores, intitulada Interdisciplinarida<strong>de</strong>: antologia. Tal como apontamos nas referências anteriores, embora essa<br />

tradução tenha apoiado a leitura do texto original, a tradução do texto em francês cabe às autoras <strong>de</strong>ste artigo.<br />

27 Este livro é um capítulo da obra “Tendances principales <strong>de</strong> la recherce dans les sciences sociales et humaines – Partie I:<br />

Sciences sociales”, publicada pela UNESCO em 1970.<br />

28 Este livro foi escrito a pedido da Comissão <strong>Internacional</strong> para o Desenvolvimento da Educação, organismo vinculado à<br />

UNESCO. As passagens utilizadas foram traduzidas pelas próprias autoras do presente artigo. O texto foi traduzido para o<br />

português com o título “Para on<strong>de</strong> vai a educação?”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 45


humanas, pois essas últimas não apresentam filiações hierárquicas nítidas entre as diversas disciplinas, ao<br />

contrário das primeiras. Porém, em ambos os casos existe pouca colaboração com a psicologia, embora<br />

sejam <strong>de</strong>stacados, ao longo do texto, diversos pontos que po<strong>de</strong>m apoiar tal colaboração.<br />

Quanto à organização das ciências, ainda que se fale <strong>de</strong> filiações hierárquicas, as relações entre as<br />

ciências não são concebidas como lineares, mas sim como relações em espiral. Para ele: “as conexões<br />

entre as ciências não consistem em uma redução do superior ao inferior, mas conduzem à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

novos fenômenos, que compreen<strong>de</strong>m os antigos ou anteriores, mas enriquecendo-os com relações mais<br />

complexas” (PIAGET, 1966, p. 245-246). Assim, as trocas interdisciplinares que são estabelecidas não<br />

po<strong>de</strong>m se caracterizar como serviços <strong>de</strong> sentido único, nos quais uma disciplina seja reduzida a outras,<br />

mas sim que possam ser <strong>de</strong>senvolvidas assimilações recíprocas, através das quais as disciplinas possam<br />

ser beneficiadas e enriquecidas por essa relação. Além disso, o autor refere que uma primeira condição<br />

para que seja possível falar em relações interdisciplinares é po<strong>de</strong>r estabelecer colaborações no interior da<br />

própria disciplina. Destaca ainda que para que se possa empreen<strong>de</strong>r trabalhos interdisciplinares entre<br />

diversas disciplinas é necessário que se estabeleça uma “compreensão mútua, pois as i<strong>de</strong>ias pré-<br />

concebidas e o vocabulário po<strong>de</strong>m ser obstáculos graves” (PIAGET, 1966, p. 247).<br />

O estabelecimento <strong>de</strong> relações interdisciplinares entre as ciências é compreendido como <strong>de</strong> suma<br />

importância, pois “uma ciência não se distribui somente em um plano, sobretudo se ela é avançada: ela irá<br />

necessariamente se colocar o problema <strong>de</strong> sua própria natureza e <strong>de</strong> seus fundamentos” (PIAGET, 1966,<br />

p. 243). Igualmente, uma teoria não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar suas próprias não-contradições, necessitando,<br />

portanto, apoiar-se em outros meios fornecidos, muitas vezes, por teorias oriundas <strong>de</strong> outras disciplinas. É<br />

nesse sentido que o autor finaliza o artigo pontuando que “a psicologia ocupa uma posição central no<br />

sistema das ciências, não como produto <strong>de</strong> todas as outras ciências, mas como fonte possível <strong>de</strong><br />

explicação <strong>de</strong> sua formação e <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento” (PIAGET, 1966, p. 244).<br />

Dando sequência a exposição, o artigo “L’epistemologie <strong>de</strong>s relations interdisciplinaires” parece<br />

ser o texto mais divulgado e comentado por outros autores em trabalhos <strong>de</strong>dicados ao tema, segundo<br />

apontam Flores e Borella (1994). Nele, o autor procura precisar as distinções entre o interdisciplinar em<br />

um sentido estrito e os conceitos vizinhos, quais sejam, o multidisciplinar e o transdisciplinar. Para tanto,<br />

parte da discussão acerca dos problemas científicos.<br />

Primeiramente, comenta sobre a distinção entre as ciências puramente <strong>de</strong>dutivas e as disciplinas<br />

experimentais <strong>de</strong> modo geral. As primeiras abrangem disciplinas tais como as matemáticas e a lógica e<br />

são consi<strong>de</strong>radas disciplinas autônomas. As segundas são aquelas que estão submetidas aos fatos e são<br />

elas que levantam o problema do qual parece <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r o significado mesmo da interdisciplinarida<strong>de</strong>.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 46


Tal como no artigo apresentado anteriormente, Piaget tece críticas a classificação das ciências<br />

proposta por Augusto Comte, na qual as disciplinas são concebidas segundo uma or<strong>de</strong>m linear e dupla, <strong>de</strong><br />

complexida<strong>de</strong> crescente e generalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>crescente. De acordo com o texto, “com o positivismo, se<br />

limitou o campo das ciências à análise dos observáveis, ou seja, a <strong>de</strong>scrição e a medida”. O autor segue<br />

dizendo que “no que se refere às relações entre os fenômenos, se abordou a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />

leis funcionais, mais ou menos gerais ou específicas. Como nos recusamos à pesquisa das causas e<br />

mesmo dos modos <strong>de</strong> existência que po<strong>de</strong>riam caracterizar os diversos substratos dos quais os fenômenos<br />

seriam a expressão, fomos conduzidos a fragmentar o real em certo número <strong>de</strong> territórios mais ou menos<br />

separados ou em estágios superpostos que correspon<strong>de</strong>m aos domínios bem <strong>de</strong>limitados das diversas<br />

disciplinas científicas” (PIAGET, 1972, p. 132).<br />

Contrapondo-se a Comte e ao positivismo, reafirma nesse artigo a sua concepção <strong>de</strong> ciência como<br />

sistema não linear, mas sim como organização que regressa sobre si mesma <strong>de</strong> forma espiral a partir da<br />

qual po<strong>de</strong>m ser estabelecidas múltiplas conexões entre as diversas disciplinas que a compõe. Ou seja, a<br />

classificação das ciências <strong>de</strong>ve prever situações nas quais seja possível estabelecer conexões entre<br />

disciplinas, <strong>de</strong>nominadas assimilações recíprocas. Nesse sentido, po<strong>de</strong>mos dizer que a existência ou a<br />

importância das diversas disciplinas não é negada, mas sim ressalta-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>las estabelecerem<br />

colaborações e trocas que possam gerar enriquecimentos para todas as disciplinas que se interrelacionam.<br />

Por outro lado, como já foi referenciado na apresentação do artigo anterior, Piaget diferencia as relações<br />

interdisciplinares da simples interrelação por redução, na qual o complexo ou superior se reduz ao inferior<br />

ou este é projetado diretamente no superior. Nesse sentido, ressalta que as relações interdisciplinares<br />

autênticas conduzem a serviços recíprocos entre disciplinas.<br />

No que se refere especificamente à caracterização da interdisciplinarida<strong>de</strong>, o autor comenta que a<br />

pesquisa das explicações causais é indispensável para a ativida<strong>de</strong> científica e fonte <strong>de</strong> conexões<br />

interdisciplinares. Sugere que “a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensaios interdisciplinares se <strong>de</strong>ve a uma evolução interna<br />

das ciências sobre a dupla influência das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> explicação, a qual gera o esforço por completar,<br />

através <strong>de</strong> ‘mo<strong>de</strong>los causais’ e do caráter mais e mais ‘estrutural’, a simples legalida<strong>de</strong> proposta pelas<br />

disciplinas” (PIAGET, 1972, p. 133). Ressalta ainda que a interdisciplinarida<strong>de</strong> torna-se condição para o<br />

progresso das pesquisas científicas.<br />

Piaget concebe os progressos do estruturalismo como fator principal que favorece a<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong>. Conforme ele, “se a pesquisa <strong>de</strong> ‘estruturas’, no sentido <strong>de</strong> sistemas subjacentes <strong>de</strong><br />

transformações, já se constitui um fator fundamental <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong>, é claro que toda<br />

epistemologia interna, visando caracterizar as relações existentes em uma ciência, entre os observáveis e<br />

os mo<strong>de</strong>los utilizados, será solidária da epistemologia das ciências vizinhas, não somente porque os<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 47


mesmos problemas epistemológicos são reencontrados por toda parte, mas ainda porque as relações entre<br />

sujeito e objetos não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> visões comparativas” (PIAGET, 1972, p. 133-134).<br />

Também aponta algumas proprieda<strong>de</strong>s das estruturas que possibilitam pensar as relações<br />

interdisciplinares: a) a estrutura introduz no real um conjunto <strong>de</strong> conexões necessárias e b) a estrutura<br />

ultrapassa a fronteira dos fenômenos, ou seja, suas manifestações são observáveis, mas o sistema só é<br />

acessado por <strong>de</strong>dução, por ligações não observáveis.<br />

Outro fator que favorece a interdisciplinarida<strong>de</strong> é a abordagem genética. Para Piaget, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da gênese <strong>de</strong> um fenômeno exclui todo começo absoluto obrigando o pesquisador a<br />

religar os patamares <strong>de</strong>ssa gênese com conexões entre diversas disciplinas. Da mesma forma, no interior<br />

<strong>de</strong> uma mesma ciência, o estudo <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento obriga ao estabelecimento <strong>de</strong> ligações entre<br />

partes inicialmente sem contato.<br />

Após essas consi<strong>de</strong>rações aqui apresentadas, são distinguidos três níveis <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> acordo<br />

com o grau <strong>de</strong> interação entre disciplinas: a multidisciplinarida<strong>de</strong> é concebida como um patamar inferior<br />

que po<strong>de</strong> ser encontrado quando a solução <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado problema requer informações provenientes <strong>de</strong><br />

duas ou mais disciplinas ou áreas <strong>de</strong> conhecimento, mas sem que elas possam ser modificadas ou<br />

enriquecidas por essa interação. Esse nível po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como “estado <strong>de</strong> partida que po<strong>de</strong> ser<br />

observado em grupos <strong>de</strong> pesquisadores reunidos com um objetivo interdisciplinar, mas que permanecem<br />

em um nível <strong>de</strong> informação mútua e cumulativa, sem interações propriamente ditas” (PIAGET, 1972, p.<br />

141). No segundo nível, o interdisciplinar propriamente dito, as colaborações conduzem a interações, ou<br />

seja, a certa reciprocida<strong>de</strong> nas trocas que possibilita um enriquecimento mútuo. A interdisciplinarida<strong>de</strong><br />

resultará <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>de</strong> estruturas mais profundas que os fenômenos e que se <strong>de</strong>stinam a explicar<br />

estes. Três são as formas <strong>de</strong> ligação interdisciplinar: o isomorfismo entre estruturas, as ligações entre<br />

estruturas e a combinação ou intersecções entre estruturas diferentes. Finalmente, o transdisciplinar é<br />

concebido como uma etapa superior que suce<strong>de</strong> o interdisciplinar. Conforme o autor, “esse nível não se<br />

restringe a interações ou reciprocida<strong>de</strong>s entre pesquisas especializadas, mas situa essas ligações no<br />

interior <strong>de</strong> um sistema total, sem fronteira estáveis entre as disciplinas” (PIAGET, 1972, p. 144).<br />

Finalizando a análise dos artigos piagetianos, em “Méthodologie <strong>de</strong>s relations interdisciplinaires”<br />

é <strong>de</strong>stacado que as fronteiras <strong>de</strong> todas as ciências experimentais, fundadas sobre o observável, <strong>de</strong>vem ser<br />

consi<strong>de</strong>radas artificiais. Nesse texto, é apresentada novamente a questão dos observáveis. Destaca-se que<br />

o progresso do conhecimento científico consiste em ultrapassar o fenômeno, procurar, sob os observáveis,<br />

coor<strong>de</strong>nações necessárias, <strong>de</strong>terminações ou relações <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>, ou seja, relações explicativas e não<br />

somente fatos e leis. Quando os observáveis são ultrapassados, ultrapassa-se também as fronteiras da<br />

ciência consi<strong>de</strong>rada e penetramos no domínio das ciências vizinhas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 48


No texto são <strong>de</strong>stacadas três situações que tornam os problemas interdisciplinares complexos e<br />

variados: 1) as relações entre as ciências que se po<strong>de</strong> hierarquizar, ou seja, entre as ciências que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> outras, porém a recíproca não é verda<strong>de</strong>ira, 2) as relações entre as ciências não<br />

hierarquizáveis, ou seja, nas quais po<strong>de</strong> existir apoio mútuo, sendo que uma ciência não po<strong>de</strong> ser reduzida<br />

a outra e 3) relações entre as ciências dos fatos e as ciências <strong>de</strong>dutivas.<br />

Quanto às relações interdisciplinares possíveis entre as ciências hierarquizáveis dois métodos<br />

<strong>de</strong>vem ser evitados: primeiramente, não se <strong>de</strong>ve projetar diretamente um domínio consi<strong>de</strong>rado superior<br />

(mais complexo, aquele que é explicado a partir <strong>de</strong> dados <strong>de</strong> base) no inferior (aquele que serve <strong>de</strong> base<br />

para construções ulteriores). Por outro lado, não se <strong>de</strong>ve reduzir o superior a formas <strong>de</strong>masiado simples<br />

por um reducionismo que suprimiria, <strong>de</strong>ssa forma, os caracteres próprios das funções superiores para<br />

reduzi-las a mecanismos elementares insuficientes para explicá-las. Alternativamente, são sugeridos que<br />

sejam seguidos os seguintes métodos: nas relações entre ciências consi<strong>de</strong>radas hierarquizáveis <strong>de</strong>ve-se<br />

buscar uma assimilação recíproca e não uma redução <strong>de</strong> sentido único. As assimilações recíprocas<br />

permitem que uma escala inferior seja enriquecida por proprieda<strong>de</strong>s novas por meio das quais se po<strong>de</strong><br />

explicar os fenômenos da escala superior. Já no caso das ciências não hierarquizáveis, como não existe<br />

hierarquia, não se po<strong>de</strong> falar, portanto, <strong>de</strong> superior e inferior, mas sim da existência da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

estabelecerem-se assimilações recíprocas. Piaget já havia mencionado o mecanismo das assimilações<br />

recíprocas nos artigos analisados anteriormente e esse mecanismo aparece, então, como método que <strong>de</strong>ve<br />

ser seguido a fim <strong>de</strong> que relações interdisciplinares entre as diversas ciências possam ser estabelecidas.<br />

Por fim, são tecidos alguns comentários sobre as relações entre as ciências ditas formais e as<br />

ciências dos fatos. Para Piaget, é possível que se estabeleçam relações entre essas ciências, no entanto é<br />

necessário que a autonomia das ciências formais seja assumida, pois o formal tem leis próprias nas quais<br />

não <strong>de</strong>vem intervir consi<strong>de</strong>rações a partir dos fatos.<br />

No que se refere aos livros <strong>de</strong>dicados ao tema, o conceito também é abordado em “Problemas<br />

gerais da investigação interdisciplinar e mecanismos comuns”. Para o autor, duas espécies <strong>de</strong><br />

preocupações po<strong>de</strong>m gerar investigações interdisciplinares, a primeira relativa às estruturas ou<br />

mecanismos comuns entre as ciências e a segunda relativa aos métodos comuns.<br />

Destaca que a divisão do ensino em faculda<strong>de</strong>s ou áreas distintas e impermeáveis dificulta a<br />

investigação interdisciplinar. Assim, “[...] cada disciplina emprega parâmetros que são variáveis<br />

estratégicas para outras disciplinas, o que abre um vasto campo <strong>de</strong> investigações às colaborações<br />

interdisciplinares, mas, como se não dispõe duma composição linear do sistema em subsistemas, as<br />

colaborações reduzem-se frequentemente a simples justaposições” (PIAGET, 1973, p. 17).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 49


O autor propõe que a reforma ou reorganização dos diversos domínios do saber é o objetivo da<br />

investigação interdisciplinar. Tal reforma e/ou reorganização po<strong>de</strong> ocorrer por recombinações<br />

construtivas proporcionadas por trocas entre os saberes. Nesse sentido, estabelece-se entre as diversas<br />

ciências um movimento <strong>de</strong> assimilação recíproca, já referida em artigos anteriores e explicitada nas<br />

análises, que promove o enriquecimento das ciências em interação, pois proporciona a percepção e<br />

compreensão <strong>de</strong> aspectos da realida<strong>de</strong> que uma ciência sozinha não consegue atingir.<br />

Quando à prática interdisciplinar, po<strong>de</strong>-se dizer que para tornar possível a viabilização das<br />

relações entre disciplinas é necessário que aqueles que as representam possam engajar-se em interações<br />

cooperativas. Outra proposição <strong>de</strong> Piaget é o agrupamento dos problemas interdisciplinares em torno <strong>de</strong><br />

três realida<strong>de</strong>s comuns compartilhadas entre diversas ciências, quais sejam, as estruturas ou regras, os<br />

valores e as significações.<br />

No livro “Où va l’education?”, não diretamente vinculado ao conceito <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong>,<br />

Piaget comenta que a existência <strong>de</strong> estruturas comuns ou solidárias nas diversas ciências ten<strong>de</strong> a fazer<br />

com que as fronteiras entre as disciplinas <strong>de</strong>sapareçam. Destaca que “a primeira das lições a tirar das<br />

tendências interdisciplinares atuais é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rever <strong>de</strong> perto as relações futuras entre as ciências<br />

ditas humanas e as ciências ditas naturais e, consequentemente, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procurar um remédio<br />

para as consequências catastróficas geradas pela repartição do ensino universitário em ‘faculda<strong>de</strong>s’ e do<br />

ensino secundário em ‘matérias’, todos separados por compartimentos impermeáveis” (PIAGET, 1971, p.<br />

33). Nesse sentido, é importante que as especialida<strong>de</strong>s ou disciplinas possam generalizar “... as estruturas<br />

que empregam ou as recolocar em um sistema <strong>de</strong> conjunto englobando as outras disciplinas” (PIAGET,<br />

1971, p. 32).<br />

No item seguinte, algumas contribuições das formulações <strong>de</strong> Piaget sobre interdisciplinarida<strong>de</strong><br />

para o âmbito educativo serão discutidas. Embora as pesquisas piagetianas acerca do tema não tenham<br />

como foco prioritário a educação, acredita-se que suas concepções po<strong>de</strong>m auxiliar a pensar sobre as<br />

possibilida<strong>de</strong>s da interdisciplinarida<strong>de</strong> tanto no âmbito do currículo quanto da prática pedagógica.<br />

educativo.<br />

Contribuições do conceito <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong>, conforme proposto por Piaget, para o âmbito<br />

De acordo com Portela (1997), a questão da interdisciplinarida<strong>de</strong> faz-se presente cada vez mais<br />

nas discussões acerca da produção <strong>de</strong> conhecimentos e pela necessida<strong>de</strong> da ciência em superar a<br />

fragmentação dos saberes. Nesse sentido, a educação, enquanto instituição reconhecida socialmente como<br />

espaço <strong>de</strong> produção e socialização <strong>de</strong> conhecimentos, po<strong>de</strong> tornar-se palco privilegiado para <strong>de</strong>bater e<br />

acolher a proposta interdisciplinar.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 50


Porém, é necessário que se tenham claras as bases epistemológicas que sustentam um projeto<br />

educativo interdisciplinar, pois, muitas vezes, encontra-se o conceito mencionado na própria legislação<br />

sobre a educação brasileira sem que sua <strong>de</strong>finição seja explicitada <strong>de</strong> forma clara (BRASIL, 1996). É<br />

nesse sentido que a proposta teórica <strong>de</strong> Piaget po<strong>de</strong> contribuir com as discussões acerca da<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong> na educação.<br />

Piaget (1971, 1973) <strong>de</strong>staca a organização do ensino em faculda<strong>de</strong>s e dos conteúdos em matérias<br />

como aspectos que dificultam o estabelecimento <strong>de</strong> relações interdisciplinares na educação. Nos artigos e<br />

livros analisados, o autor aponta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecerem-se colaborações entre as disciplinas e<br />

que tais colaborações possam gerar enriquecimentos mútuos e não serviços <strong>de</strong> sentido único, ou seja,<br />

possam se caracterizar como assimilações recíprocas (PIAGET, 1966, 1971, 1972, 1973). A partir <strong>de</strong>ssas<br />

observações, po<strong>de</strong>-se pensar na importância <strong>de</strong> criarmos currículos mais integrados, nos quais os<br />

conteúdos disciplinares não sejam o foco prioritário da educação, mas sim que temas possam ser<br />

trabalhados por diversas disciplinas sendo que os pontos <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las possam se<br />

complementar a fim <strong>de</strong> enriquecer a compreensão da realida<strong>de</strong>.<br />

Uma proposta pedagógica que contempla uma abordagem curricular interdisciplinar é o trabalho<br />

com projetos <strong>de</strong> aprendizagem (FAGUNDES; SATO; MAÇADA, 1999). De acordo com os autores, este<br />

trabalho po<strong>de</strong> ser caracterizado como uma metodologia que privilegia a aprendizagem do aluno em<br />

<strong>de</strong>trimento das metodologias <strong>de</strong> ensino. Como a elaboração do projeto requer a explicação <strong>de</strong> um dado<br />

fenômeno, escolhido pelo aluno ou grupo <strong>de</strong> alunos, e não somente sua <strong>de</strong>scrição, os estudantes são<br />

<strong>de</strong>safiados a construir a resposta para o que <strong>de</strong>sejam saber e não somente buscar informações prontas,<br />

fornecidas por disciplinas estanques.<br />

No que se refere ao trabalho colaborativo envolvendo diversos professores, ou seja, a equipe <strong>de</strong><br />

docentes, po<strong>de</strong>-se levar em consi<strong>de</strong>ração a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer a compreensão mútua e a<br />

elaboração <strong>de</strong> um vocabulário compartilhado, conforme apontado por Piaget (1966). Quando dois ou mais<br />

professores se propõe a realizar um trabalho conjunto, é necessário que o diálogo seja uma constante a<br />

fim <strong>de</strong> que as diretrizes <strong>de</strong>ste trabalho possam ser estabelecidas <strong>de</strong> comum acordo e para que haja uma<br />

verda<strong>de</strong>ira integração <strong>de</strong> propostas e objetivos.<br />

Finalmente, acredita-se ser necessário proporcionar interlocuções entre a educação e outras áreas<br />

<strong>de</strong> conhecimento, tais como a psicologia, a filosofia e a sociologia, a fim <strong>de</strong> que, a partir do olhar <strong>de</strong>ssas<br />

áreas, ela possa pensar suas próprias limitações e dificulda<strong>de</strong>s, pois, conforme Piaget (1966), uma teoria<br />

ou área <strong>de</strong> saber po<strong>de</strong> encontrar em outras alguns elementos que a aju<strong>de</strong>m a refletir sobre sua própria não-<br />

contradição, seus limites e os <strong>de</strong>safios a serem enfrentados.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 51


Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Neste artigo apresentamos uma análise do conceito <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong> conforme proposto por<br />

Piaget em diversas obras suas <strong>de</strong>dicadas ao tema. Com essa apresentação, objetivamos trazer à tona e<br />

analisar algumas produções do autor nas quais ele explicita o conceito a fim <strong>de</strong> pensarmos as<br />

contribuições que ele po<strong>de</strong> trazer para o âmbito educativo.<br />

Embora as pesquisas <strong>de</strong> Piaget acerca da interdisciplinarida<strong>de</strong> não tenham como foco prioritário a<br />

educação, este campo <strong>de</strong> saber e prática foi objeto <strong>de</strong> reflexão <strong>de</strong>ste autor, além do que, estas pesquisas<br />

foram e ainda são utilizadas por uma ampla gama <strong>de</strong> pesquisadores <strong>de</strong>sta área. Neste sentido, acreditamos<br />

que a concepção <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong> proposta por ele permite pensarmos a prática e pesquisa<br />

educacional como um espaço possível para o estabelecimento <strong>de</strong> assimilações recíprocas entre as diversas<br />

disciplinas que o compõe contribuindo assim para uma abordagem mais integrada e menos fragmentária,<br />

tanto no que se refere à proposta curricular quanto à prática pedagógica.<br />

Referências<br />

BRASIL. Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9394/96. Disponível em:<br />

http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/lei9394.pdf. Acesso em: 10 junho 2009.<br />

FAGUNDES, L.C.; SATO, L.S.; MAÇADA, D.L. Projeto? O que é? Como se faz? Aprendizes do futuro:<br />

as inovações começaram! Coleção Informática para a mudança na educação. Ministério da Educação,<br />

1999.<br />

PIAGET, J. Méthodologie <strong>de</strong>s relations interdisciplinaires. Archives <strong>de</strong> Philosophie, 34, 1971, p. 539-<br />

549.<br />

PIAGET, J. Problemas gerais da investigação interdisciplinar e mecanismos comuns. Lisboa: Livraria<br />

Bertrand, 1973.<br />

PIAGET, J. L’epistemologie <strong>de</strong>s relations interdisciplinaires. In: APOSTEL, L.; BERGER, G.; BRIGGS,<br />

A.; MICHAUD, G. (org.). L'interdisciplinarité: problemes d'enseignement et <strong>de</strong> recherche dans les<br />

universites. Paris – France: Organization <strong>de</strong> Coperation et <strong>de</strong>veloppement Économiques, 1972.<br />

PIAGET, J. Où va l’éducation? Folio Essais, 1971.<br />

PIAGET, J. La psychologie, les relations interdisciplinaires et le systeme <strong>de</strong>s sciences. Bulletin <strong>de</strong><br />

psychologie, 20, n o . 254, 1966, p. 242-254.<br />

PORTELA, A. L. Jean Piaget, um clássico contemporâneo? Revista FACED, v. 2, n. 1, 1997. Disponível<br />

em: http://www.portalseer.ufba.br/in<strong>de</strong>x.php/rfaced/article/view/2879/2046. Acesso em: 10 junho 2009.<br />

THIESEN, J. S. A interdisciplinarida<strong>de</strong> como um movimento articulador no processo ensinoaprendizagem.<br />

Revista Brasileira <strong>de</strong> Educação, v. 13 n. 39, set./<strong>de</strong>z. 2008, p. 545-554.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 52


A inteligência como Adaptação: relação entre Acomodação e Assimilação<br />

Resumo<br />

SILVA, Tathiane Ananias da<br />

Graduanda em Pedagogia<br />

Instituto <strong>de</strong> Ensino Superior <strong>de</strong> São Manoel<br />

ANGÉLICO, Raphaele Afonso<br />

Graduanda em Pedagogia<br />

Instituto <strong>de</strong> Ensino Superior <strong>de</strong> São Manoel<br />

MARÇAL, Vicente Eduardo Ribeiro<br />

Professor Assistente da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Rondônia – UNIR<br />

Membro do GEPEGE<br />

tathi_joh@hotmail.com<br />

Este artigo tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informar como a inteligência se constrói na criança segundo Jean Piaget,<br />

tendo em vista que sua preocupação central foi respon<strong>de</strong>r à questão <strong>de</strong> como se constrói o conhecimento.<br />

Piaget <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a inteligência é um processo adaptativo e que a sua função é estruturar o universo, da<br />

mesma forma que o organismo estrutura o meio ambiente. Portanto o presente artigo <strong>de</strong>screverá o processo<br />

<strong>de</strong> adaptação e organização, assim como a assimilação, acomodação e equilibração tendo em vista<br />

chegar á conclusão <strong>de</strong> como o conhecimento é construído pela criança, para que com essa resposta possa<br />

auxiliar na compreensão do como a criança apren<strong>de</strong>. Jean Piaget, para explicar o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

intelectual, partiu da i<strong>de</strong>ia que os atos biológicos são atos <strong>de</strong> adaptação ao meio e organizações do meio<br />

ambiente, sempre procurando manter um equilíbrio, ou seja, a organização é inseparável da adaptação,<br />

essa que por sua vez é a essência do funcionamento intelectual. A organização é a habilida<strong>de</strong> do individuo<br />

<strong>de</strong> integrar as suas estruturas prévias em sistemas coerentes. Enten<strong>de</strong>remos também que a assimilação é o<br />

processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual às<br />

estruturas cognitivas prévias, e que a chamada acomodação é toda modificação dos esquemas <strong>de</strong><br />

assimilação sob a influência <strong>de</strong> situações exteriores ao quais se aplicam. E que equilibração trata <strong>de</strong> um<br />

ponto <strong>de</strong> equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. Este artigo tem o intuito <strong>de</strong> esclarecer sobre a<br />

questão <strong>de</strong> como o conhecimento é adquirido com base na teoria <strong>de</strong> Piaget, visando ajudar a enten<strong>de</strong>r a<br />

respeito <strong>de</strong> como a criança apren<strong>de</strong>, portanto os presentes escritos dirigem-se à atuais e futuros<br />

professores e a todos que se interessarem em saber sobre como se dá o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual na<br />

criança.<br />

Palavras-chaves: Inteligência. Construção do conhecimento. Desenvolvimento intelectual.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 53


Abstract<br />

This article has the purpose of informing how the intelligence if it builds in the child according to Jean<br />

Piaget, having in mind what his central preoccupation answered to the question of as if it builds the<br />

knowledge. Piaget <strong>de</strong>fends that the intelligence is an adaptive process and that his function is to structure<br />

the universe, like the organism structures the environment. So the present article will <strong>de</strong>scribe the process<br />

of adaptation and organization, as well as the assimilation, accommodation and equilibration having in<br />

mind to bring a conclusion near of as the knowledge is built by the child, so that with this answer it can<br />

help to a un<strong>de</strong>rstanding all how the child learns. Jean Piaget, to explain the intellectual <strong>de</strong>velopment,<br />

broke of the i<strong>de</strong>a that the biological acts are acts of adaptation to the physical way and organizations of<br />

the environment, always trying to maintain a balance, in other words the organization is inseparable of the<br />

adaptation, that one that for his time is the extract of the intellectual functioning. And the organization to<br />

skill of an individual of coherent systems. We will un<strong>de</strong>rstand also that the assimilation is the cognitive<br />

process for which a person integrates a new fact perceptual, driving or conceptual to the prior cognitive<br />

structures, and that the called accommodation is any modification of the schemes of assimilation un<strong>de</strong>r<br />

the influence of exterior situations to which <strong>de</strong>vote themselves. And which equilibration is treated as a<br />

break-even point between the assimilation and the accommodation. This article has the intention of<br />

explaining on the question of as the knowledge is acquired on basis of the theory Piaget, aiming to help to<br />

un<strong>de</strong>rstand as to as the child learns, so the written presents direct to current and future teachers to<br />

themselves and to all who will be interested in knowing be left as the intellectual <strong>de</strong>velopment happens in<br />

the child.<br />

Keywords: Intelligence. Construction of the knowledge. Intellectual <strong>de</strong>velopment.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 54


Introdução<br />

Para se enten<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência na criança, partiremos <strong>de</strong> alguns princípios<br />

elaborados por Jean Piaget, que afirma ser a inteligência uma forma <strong>de</strong> adaptação do organismo ao meio<br />

para sua própria sobrevivência, tendo essas adaptações graus diferenciados indo do menor para o maior<br />

em complexida<strong>de</strong>. Falaremos também em linhas gerais sobre as invariantes intelectuais como<br />

assimilação, acomodação e organização e como o processo <strong>de</strong> equilibração entre essas invariantes dá<br />

condições ao organismo <strong>de</strong> constituir suas estruturas, o que lhe permite elaborar o próprio o Real. A<br />

análise <strong>de</strong>ssas invariantes permite “[...] conciliar os aspectos epistemológicos, psicológicos e biológicos<br />

[ao enten<strong>de</strong>r a adaptação] como a transformação ativa <strong>de</strong>sse sistema <strong>de</strong> esquemas <strong>de</strong> ação que<br />

possibilitam maior interação entre o sujeito-organismo e o próprio meio que o cerca [...]” (MARÇAL,<br />

2009, p. 32, grifo do autor), além <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r a organização como a habilida<strong>de</strong> do organismo <strong>de</strong><br />

integrar suas estruturas prévias em sistemas coerentes. Assim, para Piaget o conhecimento é a ação sobre<br />

o objeto, e através da inteligência, o homem po<strong>de</strong> progredir e construir o conhecimento cada vez maior e<br />

melhor.<br />

A Formação da Inteligência Enquanto Adaptação<br />

A formação da inteligência e da ativida<strong>de</strong> natural dos conhecimentos, para Piaget, é parte da<br />

própria adaptação do organismo por seu modo <strong>de</strong> formação e <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. Ele divi<strong>de</strong> a<br />

inteligência em duas meta<strong>de</strong>s que se mantém iguais em todos os seres humanos: a inteligência como<br />

função e a inteligência como estrutura.<br />

A inteligência como função é essencial para os seres humanos e consiste em compreen<strong>de</strong>r,<br />

inventar e construir estruturas que possibilitam ao sujeito elaborar o Real. É o processo da adaptação do<br />

organismo ao meio, visando a transformação que amplia a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua sobrevivência. Isso<br />

implica que para se compreen<strong>de</strong>r uma situação, fenômeno ou acontecimento é preciso que o individuo<br />

seja capaz <strong>de</strong> reconstruir re-elaborar as transformações que levam ao resultado, ainda que para acontecer<br />

essa reconstrução, seja preciso, primeiramente, organizar as estruturas <strong>de</strong>ssas transformações, isto é,<br />

inventar e reinventar. Mas a invenção aqui, não supõe a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s já existentes, pelo<br />

contrário, a compreensão subordina-se à invenção, consi<strong>de</strong>rando a última a expressão <strong>de</strong> um organismo<br />

com estruturas <strong>de</strong> conjunto.<br />

A formação da inteligência não obe<strong>de</strong>ce às leis da “aprendizagem”, mas sim, consiste na ação<br />

<strong>de</strong>rivada do conhecimento, não no sentido da profunda associação do real com as necessárias<br />

coor<strong>de</strong>nações da ação. Para Piaget, conhecer o objeto é agir sobre ele e transformá-lo, apren<strong>de</strong>ndo os<br />

mecanismos <strong>de</strong>ssa transformação vinculados com as ações transformadoras. Conhecer é assimilar o real<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 55


às estruturas <strong>de</strong> transformação. A inteligência <strong>de</strong>riva da ação, e ainda consiste em executar e coor<strong>de</strong>nar as<br />

ações, que, nas fases posteriores ao Sensório Motor, se dará <strong>de</strong> forma interiorizada e reflexiva.<br />

A inteligência como estrutura é uma organização, ou seja, um conjunto <strong>de</strong> processos, po<strong>de</strong>ndo ser<br />

superior ou inferior <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do seu grau <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>. Para Piaget, crescer é reorganizar a<br />

inteligência para ter mais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação do meio e do objeto <strong>de</strong> conhecimento. Tornar<br />

seu algo que é do mundo.<br />

Piaget ainda diz que a inteligência é condicionada pela hereditarieda<strong>de</strong>, e divi<strong>de</strong> esta em dois<br />

grupos. Biologicamente o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual está diretamente afetado através da<br />

hereditarieda<strong>de</strong>, mesmo que em seus dois sentidos diferentes. No primeiro grupo, os fatores hereditários<br />

estão vinculados à constituição do sistema nervoso e dos órgãos sensoriais, influenciam na construção das<br />

noções mais fundamentais, por exemplo nossa visão intuitiva do espaço está ligada à essas noções mesmo<br />

que consigamos elaborar espaços puramente <strong>de</strong>dutivos. Esses fatores do primeiro grupo, embora úteis,<br />

são extremamente limitados, enquanto que no segundo grupo encontramos a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>dutiva e<br />

organizada da razão que é ilimitada e que conduz ao domínio do espaço e que ultrapassa toda a intuição.<br />

Esse segundo tipo <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s hereditárias é <strong>de</strong> suma importância para o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

inteligência, porque se existe um centro funcional do intelecto que é programado biologicamente, é<br />

evi<strong>de</strong>nte que esse centro se orientará para sucessivas estruturas elaboradas pela razão em contato com o<br />

real. Para Piaget, o homem é um ser inacabado, que traz hereditariamente uma estrutura que necessita da<br />

interação com o meio para que se forme e <strong>de</strong>senvolva.<br />

Invariantes funcionais da inteligência<br />

Para Piaget, as invariantes funcionais da inteligência são o mecanismo funcional do pensamento,<br />

<strong>de</strong>stacando em termos biológicos, o que é comum a todas as estruturações <strong>de</strong> que a vida é capaz. A<br />

primeira invariante é a adaptação. Sobre ela, ele diz:<br />

É a relação fundamental própria do conhecimento, que é a relação entre o pensamento e<br />

as coisas. O organismo adapta-se construindo materialmente novas formas para inseri-las<br />

do universo, ao passo que a inteligência prolonga tal criação construindo, mentalmente,<br />

as estruturas suscetíveis <strong>de</strong> aplicarem-se às do meio. Num sentido e no começo da<br />

evolução mental, a adaptação intelectual é portanto, mais restrita do que a adaptação<br />

biológica, mas prolongando-se esta, aquela supera-a infinitamente; embora do ponto <strong>de</strong><br />

vista biológico, a inteligência seja um caso particular da ativida<strong>de</strong> orgânica e as coisas<br />

percebidas ou conhecidas sejam uma parcela limitada do meio a que o organismo ten<strong>de</strong> a<br />

adaptar-se, opera-se em seguida uma inversão <strong>de</strong>ssas relações.(PIAGET, 1987, p. 15-16)<br />

As invariantes mais genéricas conhecidas são: a organização e a adaptação. É comum entre os<br />

biólogos a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> adaptação como simples conservação e sobrevivência, isto é, um equilíbrio entre<br />

o individuo e o meio, mas não seria essa a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> vida? Para Piaget, existem graus <strong>de</strong> sobrevivência,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 56


e a adaptação implica justamente em mostrar o maior e o menor <strong>de</strong>les. Por isso “[...] há adaptação quando<br />

o organismo se transforma em uma função do meio, e essa variação tem por efeito um incremento do<br />

intercambio entre o meio e aquele, favorável à sua conservação, isto é, à conservação do organismo.”<br />

(PIAGET, 1987, p. 16).<br />

Em suma po<strong>de</strong>mos dizer que “adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação”<br />

Sendo essas outras as invariantes <strong>de</strong> que falaremos.<br />

A adaptação do ser humano ao meio, segundo Piaget, se realiza através da ação portanto, é um<br />

processo continuo <strong>de</strong> organização biológica que evolui ou se <strong>de</strong>senvolve em interação com o meio. Para<br />

ele a adaptação significa, literalmente, que o meio efetivo <strong>de</strong> um organismo está tão relacionado ao<br />

organismo quanto o organismo ao seu meio.<br />

Assimilação: integrar novas informações em esquemas existentes. O próprio Piaget <strong>de</strong>fine a<br />

assimilação como (PIAGET, 1996, p. 13) :<br />

[...] uma integração às estruturas prévias, que po<strong>de</strong>m permanecer invariáveis ou são mais<br />

ou menos modificadas por esta própria integração, mas sem <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> com o<br />

estado prece<strong>de</strong>nte, isto é, sem serem <strong>de</strong>struídas, mas simplesmente acomodando-se à<br />

nova situação.<br />

Assim, a assimilação é comparada à compreensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado fato em termos <strong>de</strong> um esquema<br />

ou conceito generalizado, o conhecimento <strong>de</strong> um fato particular exige uma assimilação à esquemas. A<br />

assimilação está totalmente ligada à invariante da inteligência acomodação dita por Piaget como ponto<br />

genérico referente as noções mais difíceis da acomodação, do conteúdo ou do objeto <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Já no estágio sensório-motor o estimulo sensorial não leva ao conhecimento, a menos que haja um<br />

esquema estruturado, pronto para a assimilação e a acomodação. O bebê, num primeiro momento não está<br />

aberto ao aspecto “figurativo”, como por exemplo o ruído dos aviões, porque os esquemas mínimos<br />

exigidos como pré-requisitos da assimilação/acomodação não estavam disponíveis, ou ainda não estavam<br />

construídos. Po<strong>de</strong>ríamos expor essa criança inúmeras vezes a esse ruído e mesmo assim não alteraria a<br />

situação, a menos que com o passar do tempo a criança <strong>de</strong>senvolvesse esquemas a<strong>de</strong>quados para assimilar<br />

tal fato.<br />

Piaget emprega o paradigma assimilação/acomodação em todas as manifestações das ativida<strong>de</strong>s<br />

cognitivas. O processo cognitivo tem dois rumos, um voltado para <strong>de</strong>ntro que assimila o objeto do<br />

conhecimento às estruturas internas conhecidas; e outro voltado para fora, que acomoda um esquema<br />

interno em instâncias particulares.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 57


Uma das outras invariantes da inteligência é a acomodação: mudança nos esquemas existentes<br />

pela alteração <strong>de</strong> antigas formas <strong>de</strong> pensar ou agir. Vejamos a <strong>de</strong>finição dada por PIAGET (1996, p. 18):<br />

Chamaremos acomodação (por analogia com os “acomodatos” biológicos) toda<br />

modificação dos esquemas <strong>de</strong> assimilação sob a influência <strong>de</strong> situações exteriores (meio)<br />

ao quais se aplicam.<br />

Wadsworth (1996, p. 7) diz que “A acomodação explica o <strong>de</strong>senvolvimento (uma mudança<br />

qualitativa), e a assimilação explica o crescimento (uma mudança quantitativa); juntos eles explicam a<br />

adaptação intelectual e o <strong>de</strong>senvolvimento das estruturas cognitivas”.<br />

Acomodação no sentido formulado por Jean Piaget po<strong>de</strong> ser entendida como um dos mecanismos<br />

da adaptação que estruturam e impulsionam o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. É o processo pelo qual os<br />

esquemas mentais existentes se modificam em função das experiências e relações com o meio. É o<br />

movimento que o organismo realiza para se submeter às exigências exteriores, a<strong>de</strong>quando-se ao meio. O<br />

outro mecanismo da adaptação é a assimilação, que consiste no processo pelo qual os dados das<br />

experiências são incorporados aos esquemas <strong>de</strong> ação e aos esquemas operatórios existentes, num<br />

movimento <strong>de</strong> integração do meio pelo organismo. O processo <strong>de</strong> regulação entre a assimilação e a<br />

acomodação é a equilibração. Em algumas ativida<strong>de</strong>s mentais predomina a assimilação (jogo simbólico) e<br />

em outras predomina a acomodação (reprodução).<br />

Para Piaget, o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do indivíduo está sempre passando por equilíbrios e<br />

<strong>de</strong>sequilíbrios. Isso se dá com a mínima interferência, seja ela orgânica ou ambiental. Para que passe do<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio para o equilíbrio são acionados dois mecanismos: assimilação e acomodação, como nos diz<br />

Marçal (2009, p. 106):<br />

Caso a perturbação – o surgimento <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong>sconhecido, por exemplo – seja<br />

análoga às situações anteriores, o sujeito-organismo a assimilará aos esquemas<br />

conhecidos, dando significação à nova situação, adaptando-se, sem mais, à perturbação e<br />

restaurando o equilíbrio.<br />

Caso a perturbação não seja análoga às situações anteriores, o sujeito-organismo<br />

modificará sua forma <strong>de</strong> ação, ou seja, acomodará seu sistema <strong>de</strong> esquemas <strong>de</strong> ação para<br />

que a nova situação possa ser assimilada e, assim, ser significativa ao sujeito-organismo<br />

Assim, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r a inteligência como acomodação, pois há assimilação, <strong>de</strong>vido<br />

justamente, à incorporação dos dados da experiência pelo indivíduo. Uma vez que assimilou uma nova<br />

experiência, vai formar um novo esquema ou modificar, por acomodação, o esquema antes vigente, pois<br />

“[...] esse processo <strong>de</strong> re-equilibração do sujeito-organismo não é caracterizado por um automatismo<br />

mecânico, mas por condutas, no sentido <strong>de</strong> uma reação total do próprio organismo [...]” (MARÇAL,<br />

2009, p. 106). Então, na medida que ele compreen<strong>de</strong> aquele novo conhecimento ele se apropria <strong>de</strong>le e se<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 58


acomoda, aquilo passa a ser normal, há portanto equilibração entre assimilação e acomodação. Esse<br />

processo <strong>de</strong> equilibração no qual o organismo assimila e se acomoda ao novo é chamado <strong>de</strong> adaptação.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer, que é <strong>de</strong>ssa forma que se dá o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo humano, o qual está<br />

representado no diagrama a seguir (cf. MARÇAL, 2009, p. 107):<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 59


Conclusões<br />

Sabemos que Piaget (cf. WADSWORTH, 1996), quando expõe os conceitos <strong>de</strong> assimilação e <strong>de</strong><br />

acomodação, <strong>de</strong>ixa claro que da mesma forma como não há assimilação sem acomodações (anteriores ou<br />

atuais), também não existem acomodações sem assimilações, mas há uma equilibração entre esses dois<br />

pólos.<br />

A teoria da equilibração (cf. WADSWORTH, 1996), <strong>de</strong> uma maneira geral, trata <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong><br />

equilíbrio entre a assimilação e a acomodação e, assim, é consi<strong>de</strong>rada como um mecanismo auto-<br />

regulador necessário para assegurar à criança uma interação eficiente <strong>de</strong>la com o meio-ambiente. A<br />

equilibração é um meio auto-regulador pelo qual se dá o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento mental da criança.<br />

A importância da teoria da equilibração, é notada principalmente quando se enten<strong>de</strong> que todo<br />

esquema <strong>de</strong> assimilação ten<strong>de</strong> a alimentar-se, i. e., a incorporar os elementos do meio, portanto que lhes<br />

são exteriores, e para os quais já está pronto, contudo, po<strong>de</strong>, também, ser obrigado a se acomodar diante<br />

dos elementos que assimila sem, contudo, per<strong>de</strong>r a continuida<strong>de</strong>, ou seja, seu fechamento enquanto ciclo,<br />

nem suas capacida<strong>de</strong> assimiladora já adquirida.<br />

Po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r, em outras palavras, que o equilíbrio cognitivo é o processo natural existente<br />

entre assimilação e acomodação. É pela equilibração que as estruturas modificadas se constroem e se<br />

conservam em caso <strong>de</strong> acomodações bem sucedidas. Portanto a equilibração é fundamental, pois se uma<br />

pessoa só assimilasse acabaria com alguns esquemas existentes.<br />

Por fim, sobre esse processo <strong>de</strong> equilibração entre a assimilação e a acomodação, po<strong>de</strong>mos dizer<br />

que essa relação se dá por três formas básicas, a primeira é a que se dá <strong>de</strong>vido à interação entre sujeito e<br />

objeto, entre a assimilação dos objetos aos esquemas e a acomodação dos esquemas aos objetos. A<br />

segunda forma é a que assegura as interações entre os esquemas, ou seja, intervém nas interações entre as<br />

partes, e a terceira é a que assegura as interações entre os esquemas e a totalida<strong>de</strong>. Dessa forma po<strong>de</strong>mos<br />

enten<strong>de</strong>r a inteligência como adaptação na <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget.<br />

Referências<br />

CHIAROTTINO, Z. R. <strong>Psicologia</strong> e epistemologia genética <strong>de</strong> Jean Piaget. São Paulo: EPU, 1988. 79p.<br />

FURTH, H. G. Piaget e o conhecimento: fundamentos teóricos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense universitária<br />

Ltda, 1974. 300p.<br />

MARÇAL, V. E. R. O esquema <strong>de</strong> ação e a constituição do sujeito epistêmico: contribuições da<br />

epistemologia genética à teoria do conhecimento. 2009. 115f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) –<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências, Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista, Marília, 2009.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 60


PIAGET, J. Os pensadores. São Paulo: Victor Civita, 1978. 294 p.<br />

PIAGET, J. <strong>Psicologia</strong> e Pedagogia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense universitária Ltda, 1998. 184 p.<br />

PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 4. Ed. Tradução <strong>de</strong> Álvaro Cabral. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Guanabara, 1987. 389p.<br />

PIAGET, J. Construção do Real na Criança. Tradução <strong>de</strong> Álvaro Cabral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1970.<br />

360p.<br />

PIAGET, J. A <strong>Epistemologia</strong> Genética e a Pesquisa Psicológica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1974.<br />

PIAGET, J. A Formação do Símbolo na Criança. Imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Trad.<br />

Alvaro Cabral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1971.<br />

PIAGET, J. A Linguagem e o Pensamento da Criança. Trad. Manuel Campos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fundo <strong>de</strong><br />

Cultura, 1959. 307p.<br />

PIAGET, J. Aprendizagem e Conhecimento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1979.<br />

WADSWORTH, B. J. Inteligência e afetivida<strong>de</strong> da criança na teoria <strong>de</strong> Piaget. 5. ed. São Paulo:<br />

Thomson Pioneira, 1996. 204p.<br />

WIKIPEDIA. Acomodação Jean Piaget, 24 jun. 2009. Disponível em:<br />

http://pt.wikipedia.org/wiki/Acomoda%C3%A7%C3%A3o_(Piaget). Acesso em: 24 jun. 2009.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 61


2. Conhecimento Matemático<br />

Sobre a Função Proposicional no Sujeito Epistêmico em Jean Piaget<br />

Resumo<br />

FERREIRA, Rafael dos Reis<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista (UNESP)<br />

Dr. TASSINARI, Ricardo Pereira<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista (UNESP)<br />

e-mail: leafareis@yahoo.com.br<br />

Um dos elementos mais fundamentais da Lógica Operatória <strong>de</strong> Jean Piaget é a Função Proposicional, sua<br />

gênese e utilização, e sua relação com a <strong>Epistemologia</strong> Genética e a <strong>Psicologia</strong> Genética. Nesse sentido,<br />

apresentaremos, nessa comunicação, os resultados parciais <strong>de</strong> nossa pesquisa que tem como ponto central<br />

o seguinte problema: como o Sujeito Epistêmico usa ou se torna capaz <strong>de</strong> usar Funções Proposicionais?<br />

Trataremos aqui, em particular, da relação entre <strong>Epistemologia</strong> Genética e <strong>Psicologia</strong> Genética, do Psicologismo<br />

em Filosofia, da relação entre <strong>Epistemologia</strong> Genética e Filosofia e do papel que a Função Proposicional<br />

e a Lógica Operatória <strong>de</strong>sempenham na <strong>Epistemologia</strong> Genética.<br />

Palavras-chave: Sujeito Epistêmico. Função Proposicional. <strong>Epistemologia</strong> Genética. Lógica Operatória.<br />

Abstract<br />

One of most fundamental elementaries of Jean Piaget’s Operative Logic is Propositional Function, its<br />

genesis and use, and its relation with the Genetic Epistemology and Psychology. In this way, we will<br />

present in this communication the partial results of our research, which the central part is the following<br />

problem: how the Epistemic Subject use or is able to use Propositional Function? We will treat here, in<br />

particular, the relation between Genetical Epistemology and Genetical Psychology, the psychologism in<br />

the Philosophy, the relation between Genetical Epistemology and Philosophy, and the role that the<br />

Propositional Function and the Operative Logic have in the Genetical Epistemology.<br />

Keywords: Epistemic Subject. Propositional Function. Genetical. Epistemology. Operative Logic.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 62


Introdução<br />

Segundo Piaget (1976, p. 1), “[...] a lógica conquistou a posição <strong>de</strong> ciência propriamente dita,<br />

graças aos métodos precisos que substituíram os procedimentos simplesmente reflexivos e verbais da<br />

lógica clássica”. No entanto, como observou “[...] o consenso <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser geral quando se trata da<br />

significação a ser atribuída aos princípios, ou mesmo do objetivo a ser atingido e dos métodos a serem<br />

seguidos”. (PIAGET, 1976, p. 1).<br />

Dentre os problemas <strong>de</strong>ssa significação dos princípios, objetivos e métodos, principalmente no<br />

que tange à relação sujeito-objeto do conhecimento, surge a questão da relação entre <strong>Psicologia</strong> e Lógica.<br />

De especial importância para nós, aqui, é a relação entre <strong>Psicologia</strong> Genética e <strong>Epistemologia</strong> Genética.<br />

<strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong> Genética<br />

Piaget (1973, p. 32), em sua obra <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong>, disse que: “A psicologia genética é<br />

a ciência cujos métodos são cada vez mais semelhantes aos da biologia”, enquanto que “A epistemologia,<br />

em compensação, passa, em geral, por parte da filosofia, necessariamente solidária a todas as outras<br />

disciplinas filosóficas e que comportam, em consequência, uma tomada <strong>de</strong> posição metafísica”.<br />

(PIAGET, 1973, p. 32). Sendo ainda que, “O primeiro objetivo que a epistemologia genética persegue é,<br />

pois, por assim dizer, <strong>de</strong> levar a psicologia a sério e fornecer verificações em todas as questões <strong>de</strong> fato<br />

que cada epistemologia suscita necessariamente”. (Piaget, 1973, p. 13). Desse modo, escreve Piaget, na<br />

mesma obra, que:<br />

Em lugar <strong>de</strong> se indagar o que é o conhecimento em geral ou como o conhecimento<br />

científico (tomado também em bloco) é possível, o que produz, naturalmente, a<br />

constituição <strong>de</strong> toda uma filosofia, po<strong>de</strong>mos limitar-nos, pelo método, ao problema<br />

‘positivo’ seguinte: como aumentam os (e não o) conhecimentos? [...] É <strong>de</strong>sta<br />

epistemologia genética ou científica que falaremos aqui para mostrar quanto a psicologia<br />

da criança é capaz <strong>de</strong> trazer-lhe concurso talvez não negligenciável. (p. 32).<br />

Piaget, então, com base em seu método, limita-se ao problema <strong>de</strong> como aumentam os (e não o)<br />

conhecimentos, realizando uma investigação que remonte às origens e <strong>de</strong>senvolvimentos das estruturas<br />

necessárias ao nosso conhecimento. Nesse sentido, o autor procurará mostrar que a psicologia da criança<br />

é essencial para compreen<strong>de</strong>r o processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>ssas estruturas, pois, como escreve o autor, ainda<br />

em <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong>:<br />

Realmente, se todo conhecimento é sempre vir a ser e consiste em passar <strong>de</strong> um conhecimento<br />

menor para um estado mais completo e mais eficaz, é claro que se trata <strong>de</strong> conhecer esse vir a ser e <strong>de</strong><br />

analisá-lo da maneira mais exata possível. Entretanto, esse vir a ser não <strong>de</strong>corre do acaso, mas constitui<br />

um <strong>de</strong>senvolvimento e como não existe, em nenhum domínio cognitivo, começo absoluto até o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 63


<strong>de</strong>senvolvimento, este mesmo <strong>de</strong>ve ser examinado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os estágios <strong>de</strong>nominados <strong>de</strong> formação [...]<br />

(PIAGET, 1973, p. 12).<br />

Notemos ainda que a <strong>Epistemologia</strong> Genética comporta uma análise da História da Ciência, além<br />

<strong>de</strong> ser uma epistemologia da <strong>Psicologia</strong> Genética. Segundo Piaget (1973), além das estruturas<br />

psicológicas possibilitarem o conhecimento científico contemporâneo, é possível traçar uma analogia<br />

entre as operações mais gerais <strong>de</strong> formação das operações intelectuais (presente na História da Ciência)<br />

com a experiência no terreno da psicogenética.<br />

Nesse sentido, as etapas da causalida<strong>de</strong> no pensamento individual, por exemplo, é análoga às<br />

etapas do <strong>de</strong>senvolvimento da causalida<strong>de</strong> na história do pensamento científico. Assim, diz-nos o autor,<br />

na Introdução à <strong>Epistemologia</strong> Genética, que “[...] o método completo da epistemologia genética está<br />

constituído por uma elaboração íntima dos métodos histórico-crítico e psicogenético”. (PIAGET, 1950, p.<br />

17, tradução nossa). Ou seja, como salienta Piaget (1978, p. 4) “[...] se esse gênero <strong>de</strong> análise [a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética] comporta uma parte essencial <strong>de</strong> experimentação psicológica, <strong>de</strong> modo algum<br />

significa, por essa razão, um esforço <strong>de</strong> pura psicologia.” Retornaremos mais adiante, na Seção a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética à questão da classificação <strong>de</strong> Piaget, como “Psicologista”. Antes, analisaremos a<br />

questão da relação entre <strong>Psicologia</strong> e Filosofia.<br />

Sobre o Psicologismo em Filosofia<br />

Voltamo-nos, então, para o tema mais amplo da relação entre Lógica e <strong>Psicologia</strong>. Existe uma<br />

corrente filosófica, conhecida como Psicologismo, que ten<strong>de</strong> a consi<strong>de</strong>rar a <strong>Psicologia</strong> como o<br />

conhecimento que explicaria todos os outros conhecimentos. Por via <strong>de</strong>sta corrente, argumenta-se que, se<br />

todo conhecimento é um conhecimento elaborado pelo homem e se este homem é objeto <strong>de</strong> uma<br />

psicologia, então esta psicologia seria a pedra base que fundamentaria a árvore do conhecimento, pois<br />

seria o conhecimento do conhecimento.<br />

Nesse sentido, se quisermos investigar a essência das coisas, torna-se necessário elaborar um<br />

conhecimento <strong>de</strong> psicologia suficientemente sólido para servir à explicação dos outros conhecimentos. De<br />

acordo com tais necessida<strong>de</strong>s, surge na História da Filosofia, segundo Mora (2001, p. 2414), “[...] a<br />

tendência a ‘reduzir’ a lógica e a teoria do conhecimento à psicologia, ou então a tratar as noções lógicas<br />

e epistemológicas principalmente por meio <strong>de</strong> conceitos <strong>de</strong> caráter psicológico”.<br />

O Psicologismo compreen<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> autores que, segundo Mora (2001, p. 2414), ten<strong>de</strong>m<br />

a estudar a Lógica, por exemplo, como a ciência do pensar ou dos pensamentos. Segundo esta tendência,<br />

se as leis da Lógica são igualmente leis do pensamento e se um dos objetos da <strong>Psicologia</strong> são as leis do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 64


pensamento, então a Lógica é um dos objetos da <strong>Psicologia</strong>. Observa Mora (2001, p. 2414) que, para os<br />

pensadores do psicologismo, caberia à <strong>Psicologia</strong>, então, investigar os fatos do pensamento, como, por<br />

exemplo, <strong>de</strong>screvendo os juízos, os raciocínios, os conceitos etc., isto é, como se pensa; ou, em uma<br />

análise prescritiva e normativa, caberia tal ciência examinar a Lógica como leis do pensamento, ou seja,<br />

investigar como se <strong>de</strong>ve pensar.<br />

Locke (1999, p. 57), por exemplo, um psicologista empirista, procura argumentar, no Ensaio<br />

Sobre o Entendimento Humano, que “Todas as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>rivam da sensação ou reflexão [...] pois, que a<br />

mente é, como dissemos, um papel em branco, <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> todos os caracteres, sem nenhuma i<strong>de</strong>ia”.<br />

Para Locke (1999, p. 38) até mesmo o princípio da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não prova a existência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias inatas.<br />

Consi<strong>de</strong>ra o autor que tal princípio não é universal, pois segundo ele “Não são conhecidas por gran<strong>de</strong><br />

parte da humanida<strong>de</strong>”, isto é, “Não se encontra naturalmente impressas na mente porque não são<br />

conhecidas [por exemplo] pelas crianças, idiotas etc.”.<br />

No entanto, muitos autores, entre eles Frege e Husserl, colocaram-se contrários ao psicologismo.<br />

Frege, por exemplo, nos Fundamentos da Aritmética, nos diz que o psicologismo suprime o nosso<br />

conhecimento verda<strong>de</strong>iro das coisas. Quanto a isso, escreve o autor:<br />

Imagina-se, pelo que parece, que os conceitos nascem na alma individual como as folhas<br />

nas árvores, e preten<strong>de</strong>-se ser possível conhecer sua essência por meio da investigação<br />

<strong>de</strong> sua gênese, que se procura explicar psicologicamente a partir da natureza humana.<br />

Mas esta concepção lança tudo no subjetivo e, levada às últimas consequências, suprime<br />

a verda<strong>de</strong>. (HURSSEL, 1980, p. 202).<br />

Ora, <strong>de</strong>legar, pois, à <strong>Psicologia</strong> os fundamentos do conhecimento é, segundo o autor, negar o<br />

conhecimento objetivo e impossibilitar a ciência, pois migraríamos para as incertezas do relativismo e<br />

supriríamos, com efeito, a verda<strong>de</strong>. Nesse sentido, o pensador argumenta, na mesma obra, que: “Se nor<br />

fluxo constante <strong>de</strong> todas as coisas nada se mantivesse firme e eterno, o conhecimento do mundo <strong>de</strong>ixaria<br />

<strong>de</strong> ser possível e tudo mergulharia em confusão.” (HUSSERL, 1980, p. 2002).<br />

Frege usa o termo alemão “Gedanke” para expressar o conhecimento firme e eterno supracitado.<br />

Traduz-se “Gedanke” por pensamento ou i<strong>de</strong>ia. O que Frege quer dizer por “Gedanke” não é algo<br />

subjetivo, uma ativida<strong>de</strong> mental, assim como as palavras “pensamento” ou “i<strong>de</strong>ia” po<strong>de</strong>riam comumente<br />

entrever. O autor quer expressar por “Gedanke” algo que existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> nós, que po<strong>de</strong> ser<br />

expresso por sentenças e é compreendido por muitos, portanto, objetivo.<br />

Escreve em sua O Pensamento, que “O pensamento não pertence nem a meu mundo interior,<br />

como uma i<strong>de</strong>ia, nem tampouco ao mundo exterior, ao mundo das coisas sensorialmente perceptíveis”.<br />

(FREGE, 2002, p. 35). O pensamento é, para o autor, algo objetivo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 65


Vemos, assim, que se assumirmos os pressupostos da existência das leis da lógica como o fio <strong>de</strong><br />

prumo para a correção do raciocínio, a Lógica po<strong>de</strong>ria ser a base mais elementar do conhecimento, pois<br />

existe a noção metodológica <strong>de</strong> que para se pensar corretamente é preciso, primeiramente, explicitar as<br />

leis do pensar correto. Por outro lado, se aceitarmos os pressupostos <strong>de</strong> um sujeito psicológico como o<br />

centro do conhecimento, a <strong>Psicologia</strong> seria, então, o fundamento do conhecimento humano. Transitamos,<br />

assim, <strong>de</strong> um extremo a outro <strong>de</strong> concepções aparentemente opostas.<br />

A <strong>Epistemologia</strong> Genética e sua relação com a Filosofia<br />

Para enriquecer o <strong>de</strong>bate filosófico contemporâneo acerca da relação entre o sujeito epistêmico e o<br />

objeto do conhecimento, bem como da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentação do conhecimento humano, Piaget<br />

propôs, no século passado, uma concepção distinta das anteriores, um sujeito epistêmico que conhece.<br />

Esse sujeito epistêmico constrói seu conhecimento, e as estruturas necessárias a esse, a partir <strong>de</strong> suas<br />

ações com o meio.<br />

A originalida<strong>de</strong> do pensamento <strong>de</strong> Piaget consiste, sobretudo em escrever uma teoria do<br />

conhecimento com base na noção <strong>de</strong> gênese das estruturas da razão e na i<strong>de</strong>ia kantiana, <strong>de</strong> que as<br />

estruturas ou, nos termos piagetianos, os esquemas da razão, condicionam nosso conhecimento das coisas<br />

(LOURENÇO, 2008).<br />

O termo “gênese” é usado no sentido <strong>de</strong> origem e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da razão e não está<br />

relacionado à ciência Genética. Po<strong>de</strong>mos com isso fazer relações <strong>de</strong> Piaget com um kantismo evolutivo.<br />

Em especial, Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 29) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> “[...] a obra <strong>de</strong> Piaget como uma retomada da<br />

problemática kantiana que se resolverá à luz da Biologia e da concepção do ser humano como um animal<br />

simbólico”.<br />

Segundo Lourenço (2008, p. 249-250), <strong>de</strong>vemos observar, porém, que o kantismo evolutivo <strong>de</strong><br />

Piaget não se restringe à filosofia <strong>de</strong> Kant.<br />

Para Kant “[...] embora o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se<br />

origina justamente da experiência” e:<br />

[...] há um tal conhecimento in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da experiência e mesmo <strong>de</strong> todas as impressões<br />

dos sentidos. Tais conhecimentos <strong>de</strong>nominam-se a priori e distinguem-se dos empíricos,<br />

que possuem suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência. (KANT, 1983, p. 22).<br />

Para Kant existem, assim, estruturas ou esquemas, ou melhor, “as formas a priori”, que parecem<br />

ser fixas e imutáveis, previamente contidos nas capacida<strong>de</strong>s racionais. Biólogo <strong>de</strong> formação, influenciado<br />

pelas discussões da biologia evolutiva e pelos trabalhos <strong>de</strong> Spencer e Bergson, que dão um tratamento<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 66


iológico à teoria do conhecimento, Piaget não po<strong>de</strong>ria aceitar as consi<strong>de</strong>rações kantianas sobre as<br />

estruturas prévias da razão sem enten<strong>de</strong>r seus mecanismos formadores.<br />

Escreve Lourenço (2005, p. 250) que “A inteligência e o conhecimento são, segundo eles [Spencer<br />

e Bergson], o resultado <strong>de</strong> todo o processo evolutivo e, como a vida, formas <strong>de</strong> ajustamento e adaptação<br />

ao meio [...] O conhecimento não é apenas contemplação; é também execução e ação”. Bergson escreveu<br />

em A Evolução Criadora que:<br />

[...] a inteligência é a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fabricar instrumentos inorganizados, isto é, artificiais.<br />

Se, através <strong>de</strong>la, a natureza nega-se a dotar o ser vivo do instrumento que lhe servirá, é<br />

para que o ser vivo possa, <strong>de</strong> acordo com as circunstâncias, diversificar sua fabricação. A<br />

função essencial da inteligência será, pois, <strong>de</strong> <strong>de</strong>slindar, em quaisquer circunstâncias, o<br />

meio <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s. Ela irá procurar o que melhor lhe possa aten<strong>de</strong>r, isto é,<br />

inserir no quadro proposto. Ela recairá essencialmente sobre as relações entre a situação<br />

dada e os meios <strong>de</strong> a utilizar. (1979, p. 185).<br />

Sobre a influência <strong>de</strong> Bergson em seu pensamento, no seu tempo <strong>de</strong> adolescente, Piaget (1978a, p.<br />

72) diz: “Em resumo, eu <strong>de</strong>scobriria uma filosofia [a <strong>de</strong> Bergson] respon<strong>de</strong>ndo exatamente à minha<br />

estrutura intelectual <strong>de</strong> então”. Segundo Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 33) “A ação, na concepção <strong>de</strong><br />

Piaget, só po<strong>de</strong> ser entendida como parte do funcionamento <strong>de</strong> toda organização viva [...]”. Po<strong>de</strong>mos<br />

dizer, com isso, que temos em Piaget algo como uma filosofia da ação, pois, para o pensador, as ações são<br />

condição necessária para a estruturação do mundo pelo sujeito dotado <strong>de</strong> cognição.<br />

Piaget se propõe, então, a resolver o clássico problema da fixi<strong>de</strong>z ou da plasticida<strong>de</strong> da razão,<br />

sustentado pelas <strong>de</strong>scobertas científicas da Biologia e também da <strong>Psicologia</strong> <strong>de</strong> seu tempo. Em particular<br />

é influenciado pelo ramo da <strong>Psicologia</strong> que, também, ajudaria a fundar, que é a <strong>Psicologia</strong> Genética.<br />

Segundo Lourenço (2005), em Piaget, com análise <strong>de</strong> casos da psicologia do sujeito, no que<br />

concerne às questões <strong>de</strong> fato sobre a forma do conhecimento humano, as epistemologias <strong>de</strong>ixam o<br />

isolamento das i<strong>de</strong>ias e ganham uma perspectiva <strong>de</strong> controle. No comprimento <strong>de</strong>sta tarefa, Piaget analisa<br />

o comportamento infantil para compreen<strong>de</strong>r como nasce a inteligência e como se constituem os<br />

fundamentos da Razão.<br />

Piaget, ao realizar uma investigação sobre o comportamento infantil, na <strong>Psicologia</strong> Genética,<br />

procura elaborar uma epistemologia, conhecida como <strong>Epistemologia</strong> Genética, que vincula-se,<br />

metodologicamente, com os dados <strong>de</strong>ssa psicologia. A teoria <strong>de</strong> Piaget ganha, com isso, não apenas<br />

análise <strong>de</strong> caráter psicológico, mas filosófico e, também, <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência dos dados científicos. Tal<br />

atitu<strong>de</strong> metodológica faz com que, muitas vezes, Piaget seja mal compreendido e receba o título <strong>de</strong><br />

“positivista” e, principalmente, <strong>de</strong> “psicologista”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 67


Quanto ao título <strong>de</strong> “positivista”, escreve Piaget (1978a, p. 5), na introdução <strong>de</strong> A <strong>Epistemologia</strong><br />

Genética, que “Em poucas palavras se encontrará nestas páginas a exposição <strong>de</strong> uma epistemologia que é<br />

naturalista sem ser positivista [...]”. Nesse sentido, comenta Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 29), que:<br />

[...] como ele [Piaget] disse repetidas vezes, nada há em seu sistema <strong>de</strong> ‘positivo’ a não<br />

ser o ocupar-se <strong>de</strong> fatos positivos que, não obstante, refutam o Positivismo enquanto<br />

forma <strong>de</strong> epistemologia que ignora ou substitui a ativida<strong>de</strong> do sujeito em benefício apenas<br />

da constatação ou da generalização <strong>de</strong> leis constatadas.<br />

Piaget manifesta-se nestes termos em uma das passagens <strong>de</strong> sua obra Sabedoria e Ilusões da<br />

Filosofia, on<strong>de</strong> ele <strong>de</strong>screve um diálogo seu com o filósofo I. Benrubi, o qual classificara o próprio Piaget<br />

<strong>de</strong> “positivista”. O autor, na ocasião <strong>de</strong> sua conversa com o referido filósofo, argumentara que, se o<br />

positivismo é uma certa forma <strong>de</strong> epistemologia que ignora ou subestima a ativida<strong>de</strong> do sujeito, a favor<br />

apenas da constatação ou da generalização das leis constatadas, então ele não po<strong>de</strong> ser compreendido<br />

como “positivista”, pois, como ele escreve:<br />

[...] tudo o que encontro mostra-me o papel das ativida<strong>de</strong>s do sujeito e a necessida<strong>de</strong><br />

racional da explicação causal. Sinto-me bem mais próximo <strong>de</strong> Kant ou <strong>de</strong> Brunschvicg<br />

que <strong>de</strong> Comte, e próximo <strong>de</strong> Meyerson que opôs ao positivismo argumentos que verifico<br />

sem cessar (posta à parte a i<strong>de</strong>ntificação). (PIAGET, 1978, p. 80).<br />

Piaget é, também, mal intitulado <strong>de</strong> “psicologista” pelo fato <strong>de</strong> ele, no exercício da <strong>Epistemologia</strong><br />

Genética, recorrer à análise da psicologia do sujeito. Nesse sentido, escreve Lourenço (2008, p. 247-248)<br />

que:<br />

Piaget vira-se para a psicologia, porque era a disciplina que melhor po<strong>de</strong>ria estabelecer a ligação<br />

entre a biologia e a epistemologia, as suas preocupações fundamentais – é uma ciência que, tendo suas<br />

raízes na biologia, <strong>de</strong>semboca na inteligência e nas formas cognitivas em que assenta toda a construção<br />

do conhecimento possível.<br />

No entanto, como vimos, no início <strong>de</strong>sta Justificativa, o autor escreve que o fato <strong>de</strong> o gênero <strong>de</strong><br />

análise da <strong>Epistemologia</strong> Genética comportar uma parte essencial <strong>de</strong> experimentação psicológica, <strong>de</strong><br />

modo algum significa uma pura psicologia. Vale ressaltar que a <strong>Epistemologia</strong> Genética, além <strong>de</strong> estar<br />

inserida nos <strong>de</strong>bates metafísicos da epistemologia, enriquece-se, também, <strong>de</strong> áreas afins do conhecimento,<br />

pois contou com:<br />

[...] a colaboração <strong>de</strong> especialistas em epistemologia da ciência consi<strong>de</strong>rada, psicólogos,<br />

historiadores das ciências, lógicos, matemáticos, cultores da cibernética, linguística, etc.<br />

Este tem sido sempre o método <strong>de</strong> nosso Centro <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> Genética,<br />

cuja ativida<strong>de</strong> integral tem sido sempre <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> equipe. (PIAGET, 1978b, p. 5).<br />

Portanto, o autor procura argumentar que seu método, apesar <strong>de</strong> recorrer, também, a uma<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 68


psicologia, não é um fazer puramente <strong>de</strong> psicólogo, mas interdisciplinar.<br />

Além disso, escreve Furth (1974, p. 33) que:<br />

[...] Piaget estudou aquilo que é geral ou generalizável na estrutura cognitiva <strong>de</strong> um<br />

indivíduo; o objeto <strong>de</strong> sua investigação, como ele afirma, é o homem como conhecedor<br />

em geral, ao invés <strong>de</strong> um conhecedor singular, com uma individualida<strong>de</strong> singular.<br />

Nesse sentido, observa Lourenço (2008, p. 247) que o pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> sua teoria são questões e<br />

métodos <strong>de</strong> epistemologia, centradas em uma tentativa <strong>de</strong> naturalizar a epistemologia, cujo resultado é a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética. Assim, as questões centrais <strong>de</strong> sua obra são fundamentalmente epistemológicas e<br />

não psicológicas, por isso, escreve Lourenço que ela <strong>de</strong>ve merecer uma atenção especial dos filósofos.<br />

A Lógica Operatória e a <strong>Epistemologia</strong> Genética: a gênese<br />

Genética.<br />

Façamos, agora, uma breve análise <strong>de</strong> como se constitui a Lógica Operatória na <strong>Epistemologia</strong><br />

Escreve Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 32 - 33):<br />

Des<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> suas observações do comportamento infantil, sua hipótese era a <strong>de</strong> que,<br />

assim como existem estruturas específicas para cada função no organismo, da mesma<br />

forma existiriam estruturas específicas para o ato <strong>de</strong> conhecer que produziriam o<br />

conhecimento necessário e universal sempre buscado pelos filósofos. Essas estruturas,<br />

ainda por hipótese, teriam uma gênese, isto é, não apareceriam prontas no organismo.<br />

Po<strong>de</strong>mos notar, neste sentido, que a tese epistemológica central <strong>de</strong> Piaget, em consonância com os<br />

dados da experiência, conforme foi apresentada na introdução do Nascimento da Inteligência é <strong>de</strong> que há<br />

uma continuida<strong>de</strong>, muito mais fundamental do que se possa imaginar, entre a organização biológica do<br />

sujeito e suas estruturas mais abstratas. Desse modo, escreve o autor na obra:<br />

A inteligência verbal ou refletida baseia-se numa inteligência prática ou sensório-motora,<br />

a qual se apoia, por seu turno, nos hábitos e associações adquiridos para recombiná-los.<br />

Por outra parte, esses mesmos hábitos e associações pressupõem a existência do sistema<br />

<strong>de</strong> reflexos, cuja conexão com a estrutura anatômica e morfológica do organismo é<br />

evi<strong>de</strong>nte. Existe, portanto, certa continuida<strong>de</strong> entre a inteligência e os processos<br />

puramente biológicos <strong>de</strong> morfogênese e adaptação ao meio. (PIAGET, 1977, p. 13)<br />

Essa continuida<strong>de</strong> entre a organização biológica e as estruturas superiores da cognição é expressa<br />

pela complexificação gradual dos esquemas <strong>de</strong> ação que o sujeito constrói na sua interação com o meio.<br />

Relacionado às ações, temos, então, uma das noções centrais da <strong>Epistemologia</strong> Genética que é o esquema<br />

<strong>de</strong> ação.<br />

Para Piaget (1990, p. 15) “Um esquema é a estrutura ou a organização das ações, as quais se<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 69


transferem ou generalizam no momento da repetição da ação, em circunstâncias semelhantes ou<br />

análogas”. O esquema é, pois, uma estrutura da ativida<strong>de</strong> do sujeito que, enquanto geral, isto é, comum às<br />

diversas ações <strong>de</strong> mesmo tipo, torna-se condição para a ação, sendo, portanto, a forma da ação, pois é<br />

uma estrutura que organiza a ação do sujeito sobre o mundo. Em outras palavras, o esquema <strong>de</strong> ação é,<br />

segundo Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 34), o seguinte:<br />

[...] condição primeira da ação, ou seja, da troca do organismo com o meio. Ele é<br />

engendrado pelo funcionamento geral <strong>de</strong> toda organização viva, a adaptação. O<br />

organismo com sua bagagem hereditária, em contato com o meio, perturba-se,<br />

<strong>de</strong>sequilibra-se e, para superar esse <strong>de</strong>sequilíbrio, ou seja, para adaptar-se, constrói os<br />

esquemas.<br />

O esquema <strong>de</strong> ação guarda tanto uma relação com o aspecto biológico quanto com o aspecto<br />

intelectual. Citemos um exemplo retirado <strong>de</strong> O Nascimento da Inteligência (PIAGET, 1975b, p. 124): os<br />

esquemas <strong>de</strong> “sucção, preensão e visão” assinalam o início <strong>de</strong> um comportamento complexo, sendo um<br />

traço <strong>de</strong> união indispensável entre a adaptação biológica e intelectual. Em específico, objetos que são<br />

agarrados pela criança, nos primeiros meses, ten<strong>de</strong>m a ser chupados ou olhados, e objetos que são olhados<br />

ten<strong>de</strong>m a ser agarrados e chupados.<br />

Nesse sentido, através da coor<strong>de</strong>nação sucessiva entre as ações <strong>de</strong> sucção e visão, o objeto é<br />

assimilado, adquirindo um conjunto <strong>de</strong> significações para o sujeito. A partir <strong>de</strong> experiências particulares<br />

<strong>de</strong> preensão, sucção e visão com o objeto, o sujeito as generalizam <strong>de</strong> forma a ter esquemas prévios,<br />

condição <strong>de</strong> sua ação, para aplicá-los às situações análogas. Vale observar, a<strong>de</strong>mais, que um esquema se<br />

relaciona com outro, <strong>de</strong> modo a haver inter-relações entre esquemas, as quais se complexificam e são<br />

também condição para o nascimento da inteligência.<br />

Mais futuramente, nessa relação com o meio, temos, segundo Piaget (1973, p. 35-36), dois tipos<br />

<strong>de</strong> experiências: a “experiência física” e a “experiência lógico-matemática”.<br />

Segundo Ramozzi-Chiarottino (1984), a experiência física correspon<strong>de</strong> à concepção clássica <strong>de</strong><br />

experiência, consistindo na ação do sujeito sobre os objetos <strong>de</strong> seu meio. As mais simples ativida<strong>de</strong>s do<br />

cotidiano são <strong>de</strong>sta categoria, por exemplo: consi<strong>de</strong>rar as diferenças <strong>de</strong> peso, tamanho e volume entre<br />

outros dados do objeto.<br />

A experiência lógico-matemática constitui, no entanto, uma experiência mais elaborada, <strong>de</strong>vido a<br />

uma abstração a partir das coor<strong>de</strong>nações das ações e não apenas das proprieda<strong>de</strong>s físicas do objeto.<br />

Exemplifica Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 38):<br />

No caso das relações entre a soma e a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> pedrinhas enumeradas por uma criança, é<br />

evi<strong>de</strong>nte que a or<strong>de</strong>m é introduzida nas pedrinhas pela ação (colocadas em fila ou em<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 70


círculo) do mesmo modo que a soma (<strong>de</strong>vido a um ato <strong>de</strong> ligação ou reunião) [...]<br />

Notemos, na citação acima, um exemplo das operações mais simples da Lógica e da Matemática, a<br />

saber, a reunião e a constituição <strong>de</strong> uma série. As noções da lógica das classes e das relações se refletem,<br />

então, nas ações que criança realiza sobre o mundo.<br />

Assim, as ações lógico-matemáticas nascem, segundo Piaget, no berço da experiência e se<br />

constituirão com a ajuda <strong>de</strong> abstrações a partir das coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> esquemas <strong>de</strong> ação, até se tornarem<br />

noções abstratas.<br />

Segundo Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 39):<br />

A Lógica e a Matemática expressariam a forma pura do funcionamento da Razão (ou seja,<br />

do conjunto das estruturas mentais). Esse funcionamento “organizante”, que implica a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer ligações <strong>de</strong> encaixe (inclusão), <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> correspondência<br />

termo a termo, etc. (condição necessária <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> funcionamento), permite ao<br />

ser humano i<strong>de</strong>ntificar conjuntos <strong>de</strong> elementos dotados <strong>de</strong> significado, inicialmente, no<br />

plano concreto, <strong>de</strong>pois, no plano abstrato. Assim, a necessida<strong>de</strong> lógico-matemática não<br />

está contida no funcionamento orgânico das estruturas mentais, mas resulta <strong>de</strong>ste<br />

funcionamento que é, aliás, condição <strong>de</strong> todo funcionamento possível.<br />

E, logo abaixo, conclui a autora que “A Lógica (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que é da linguagem natural), então,<br />

estaria vinculada ou se originaria na ação, na medida em que é esta que possibilita as trocas do organismo<br />

com o meio, graças às quais há a construção (endógena) das estruturas mentais” (RAMOZZI-<br />

CHIAROTTINO, 1984, p. 39). A essa lógica, Piaget <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “Lógica Operatória”, propriamente<br />

tratada em sua obra intitulada Ensaio <strong>de</strong> Lógica Operatória 29 .<br />

A Lógica Operatória e a <strong>Epistemologia</strong> Genética: a caracterização da Lógica Operatória<br />

Segundo Piaget (1984, p. 39), o problema que <strong>de</strong>u origem ao Ensaio <strong>de</strong> Lógica é o seguinte:<br />

[...] compreen<strong>de</strong>r como se constituem as estruturas elementares <strong>de</strong> classe, <strong>de</strong><br />

relações, <strong>de</strong> números, <strong>de</strong> proposições, etc., [...] e <strong>de</strong> procurar quais são suas<br />

relações com as ‘operações’ do pensamento ‘natural’, muito mais pobre e não<br />

formalizado.<br />

Nesse sentido, po<strong>de</strong>mos notar que em Piaget, as operações lógico-formais são vinculadas também<br />

a uma psicologia do sujeito, isto é, a um conjunto <strong>de</strong> operações do pensamento “natural”, que retomam<br />

como, se propõe, a epistemologia proposta pelo autor às origem das estruturas do pensamento, a fim <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r como se formam as estruturas elementares do sujeito epistêmico.<br />

29 Denominaremos, a partir daqui, esta obra apenas por Ensaio <strong>de</strong> Lógica. Esta obra foi escrita em colaboração com o lógico<br />

J. B. Grize, sendo, pois, a segunda edição <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong>nominada Tratado <strong>de</strong> Lógica: Ensaio <strong>de</strong> Logística Operatória,<br />

escrita apenas por Piaget, em 1949.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 71


Segundo o Piaget (1976, p. XVII) “A i<strong>de</strong>ia central é a <strong>de</strong> que a formalização não é um estado, mas<br />

um processo, e que ela se apoia, consequentemente, em estruturas que se elaboram segundo níveis”.<br />

Notemos, <strong>de</strong>sse modo, que o autor procura compreen<strong>de</strong>r as formas lógicas como resultante <strong>de</strong> um<br />

processo <strong>de</strong> construção, vinculadas tanto a uma psicologia como a uma sociologia das operações<br />

intelectuais do sujeito epistêmico. Sob tal ponto <strong>de</strong> vista, temos que Piaget compreen<strong>de</strong> a Lógica como<br />

“[...] a axiomática das estruturas lógicas operatórias, da qual a psicologia e a sociologia do pensamento<br />

estudam o funcionamento real”. (1976, p. 14)<br />

A fim <strong>de</strong> justificar esta <strong>de</strong>finição, Piaget (1976, p. 14) argumenta que existe <strong>de</strong> um lado a teoria<br />

formal e <strong>de</strong> outro a análise real, entre as quais temos uma relação muito semelhante àquela que há, por<br />

exemplo, entre a geometria axiomática e a geometria dos objetos físicos.<br />

Nesse sentido, escreve Piaget que a técnica <strong>de</strong> formalização exigida por uma axiomática da Lógica<br />

garante sua autonomia em relação à <strong>Psicologia</strong> e à Sociologia. A axiomatização, segundo autor (1976,<br />

p. 15), “[...] [por um lado] po<strong>de</strong> liberar uma ciência <strong>de</strong>dutiva <strong>de</strong> suas amarras intuitivas e [por outro]<br />

liberar um estudo concreto e causal <strong>de</strong> suas pressuposições normativas”.<br />

Piaget argumenta que a questão <strong>de</strong> como formalizamos nosso pensamento é uma questão que<br />

ultrapassa os limites do formalismo e po<strong>de</strong> ser tema <strong>de</strong> intersecção entre uma lógica e uma<br />

psicossociologia. Nesse sentido, escreve o autor que à “[...] cada estrutura formalizada correspon<strong>de</strong> a uma<br />

estrutura real, no pensamento comum ou, na ausência <strong>de</strong>ste, no espírito do próprio lógico, etc.”; e, por<br />

outro lado, “[...] toda estrutura atingida pelas operações mentais do indivíduo, ou por uma cooperação<br />

interindividual, suscita o problema lógico <strong>de</strong> sua formalização possível [..]”. (PIAGET, 1976, p. 15).<br />

Próximos Passos...<br />

Nosso objetivo <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> da pesquisa é, então, procurar explicitar ainda o significado da<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Lógica Operatória dada pelo autor e respon<strong>de</strong>r à questão <strong>de</strong> como é possível a Lógica<br />

Operatória. No interior <strong>de</strong>ssa pesquisa, propomo-nos, em especial, a fazer uma análise mais profunda<br />

sobre a Função Proposicional, sua gênese e utilização.<br />

A Lógica Operatória e a <strong>Epistemologia</strong> Genética: a Função Proposicional<br />

Piaget (1976, p. 45), no Ensaio <strong>de</strong> Lógica, apresenta a Função Proposicional como um dos objetos<br />

mais elementares da Lógica Operatória. Na Definição 7 (§ 4 do primeiro capítulo), escreve: “Uma função<br />

proposicional ax é um anunciado nem verda<strong>de</strong>iro nem falso, mas suscetível <strong>de</strong> adquirir um valor <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> falsida<strong>de</strong> segundo a <strong>de</strong>terminação dos argumentos que substituem o argumento<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 72


in<strong>de</strong>terminado x.”<br />

Na <strong>de</strong>finição, a exerce o papel <strong>de</strong> predicado e x o <strong>de</strong> sujeito. Desse modo, a partir da proposição,<br />

“este cravo é vermelho” temos o predicado “x é vermelho” que, indicado por a, nos conduz a e expressão<br />

formal ax.<br />

Mais adiante, Piaget trata da noção <strong>de</strong> quantificação em lógica. O autor <strong>de</strong>nota o fato <strong>de</strong> pelo<br />

menos um x ter a proprieda<strong>de</strong> a por (x<br />

)ax e o fato <strong>de</strong> todo x ter a proprieda<strong>de</strong> a por (x)ax.<br />

O autor nos faz observar, então, com isso, que, ao exprimirmos essas noções <strong>de</strong> quantificação<br />

lógica, relacionamos as estruturas <strong>de</strong> encaixe <strong>de</strong> classes com as Funções Proposicionais. Neste sentido,<br />

vemos uma relação muito próxima entre Função Proposicional e classe lógica. Escreve Piaget (1976, p.<br />

46), que “Reciprocamente, cada classe po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida por qualquer função proposicional que será<br />

verda<strong>de</strong>ira para os membros da classe e falsa para os membros da classe complementar”. É <strong>de</strong>ssa<br />

correlação que surge a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> classe, elaborada por Piaget (1976, p. 49), a saber: “Definição 8. –<br />

Uma classe é o conjunto dos termos que po<strong>de</strong>m ser substituídos uns pelos outros a título <strong>de</strong> argumentos<br />

conferindo um valor <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> a uma função proposicional.”<br />

Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir “classe”, o autor <strong>de</strong>fine “relação”. Encontramos uma relação quando, por<br />

exemplo, admitimos dois argumentos para as funções proposicionais, tal que temos a expressão axy.<br />

Neste caso, axy expressa uma relação a entre dois termos quaisquer x e y. Nesse sentido, a relação é assim<br />

<strong>de</strong>finida: “Definição 9. – Uma relação é o que caracteriza um termo por intermédio <strong>de</strong> outro.” (PIAGET,<br />

1976, p. 52).<br />

Vemos, assim, que o conceito <strong>de</strong> Função Proposicional contribui para a lógica das classes <strong>de</strong> das<br />

relações no que se refere a construção que o sujeito faz do Real.<br />

A questão que guiará a investigação mais específica neste trabalho é, então, a <strong>de</strong> saber como o<br />

sujeito epistêmico torna-se capaz <strong>de</strong> usar Funções Proposicionais, principalmente para a estruturação<br />

lógico-matemática que ele faz do Real.<br />

A nossa hipótese inicial é a <strong>de</strong> que a Função Proposicional é um esquema <strong>de</strong> operações que tem<br />

início no sensório-motor. Ora, visto que a Função Proposicional está imbricada com a lógica das classes e<br />

das relações, então investigá-la implica em investigar as classes e as relações.<br />

Dentre as Teorias do Conhecimento mais estruturadas e atuais, que buscam respon<strong>de</strong>r a questão da<br />

relação entre a lógica e o pensamento não formalizado, temos a <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget.<br />

Conforme escreveu Piaget (1978, p. XVI):<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 73


[...] o problema geral formulado pela epistemologia genética sendo o <strong>de</strong> procurar<br />

<strong>de</strong>scobrir qual a relação entre a natureza do conhecimento em função <strong>de</strong> seus mecanismos<br />

formadores, é evi<strong>de</strong>nte que <strong>de</strong>veríamos incluir neste programa a análise da constituição<br />

das estruturas lógicas.<br />

Nessa perspectiva, sob o amparo <strong>de</strong> uma postura filosófica e crítica, no contexto dos <strong>de</strong>bates<br />

epistemológicos e científicos atuais, verificaremos o quanto a teoria <strong>de</strong> Piaget po<strong>de</strong> fazer-nos<br />

compreen<strong>de</strong>r a natureza da função proposicional aliada às estruturas <strong>de</strong> um sujeito epistêmico. Nesse<br />

sentido, explicitaremos, no contexto da <strong>Epistemologia</strong> Genética, como é possível a Lógica Operatória e,<br />

em particular, como o sujeito epistêmico usa, ou se torna capaz <strong>de</strong> usar, funções proposicionais.<br />

Vale observar que a problemática central <strong>de</strong> nosso trabalho não é formulada literalmente por<br />

Piaget. Com base na teoria <strong>de</strong> Piaget, formulamos a questão que, nos termos em que foi formulada, faz<br />

sentido <strong>de</strong>ntro da teoria, pois po<strong>de</strong> ser tratada e verificada a partir dos elementos teóricos fornecidos pela<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética.<br />

Para este fim, além das obras já citadas, usaremos também a Gênese das Estruturas Lógicas<br />

Elementares (1975c), que Piaget escreve em colaboração com Inhel<strong>de</strong>r, bem como as obras O<br />

Nascimento da Inteligência na Criança (1975b), A Construção do Real na Criança (1970) e A Formação<br />

do Símbolo na Criança (1975a), as quais, segundo Piaget (1975b, p. 9), “[...] formam, pois, um todo<br />

consagrado aos primórdios da inteligência, isto é, às diversas manifestações da inteligência sensório-<br />

motora e às formas mais elementares da representação.”<br />

Referências<br />

BERGSON, H. A evolução criadora. São Paulo: Abril Cultural, 1979.<br />

FREGE, F. L. G. Os fundamentos da aritmética: uma investigação lógico matemática sobre o conceito <strong>de</strong><br />

número. São Paulo: Abril Cultural, 1980.<br />

______. O Pensamento: uma investigação lógica. In: Investigações lógicas. Porto Alegre: PUCRS, 2002.<br />

FURTH, H. G. Piaget e o conhecimento: fundamentos teóricos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense-Universitária,<br />

1974.<br />

KANT, I. Critica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1983.<br />

LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999.<br />

LOURENÇO, M. Pontos <strong>de</strong> vista sobre Piaget como epistemológico. Disponível em:<br />

Acesso em: 24 mar. 2008.<br />

MORA, J. F. Dicionário <strong>de</strong> Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 74


PIAGET, J. A construção do real na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1970.<br />

______. A epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1978a.<br />

______. A formação do símbolo na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1975a.<br />

______. Ensaio <strong>de</strong> lógica operatória. Porto Alegre: Globo; São Paulo: Ed. da USP, 1976.<br />

______. Intruduction a l’épistemémologie génétique. Paris: Presses Universitaires <strong>de</strong> France, 1950.<br />

______. O Nascimento da inteligência na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1975b.<br />

______. <strong>Psicologia</strong> e epistemologia: por uma teoria do conhecimento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense-<br />

Universitária, 1973.<br />

______. Sabedoria e ilusões da filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1978b.<br />

PIAGET, J.; INHELDER, B. A gênese das estruturas lógica elementares. Brasília: Zahar Editores, 1975c.<br />

______. A <strong>Psicologia</strong> da criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.<br />

RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Em busca do sentido da obra <strong>de</strong> Jean Piaget. São Paulo: Ática, 1984.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 75


Aspectos metodológicos e constitutivos do pensamento do adulto<br />

Resumo<br />

SILVA, João Alberto da<br />

FREZZA, Júnior Saccon<br />

KEBACH, Patrícia<br />

NEEGE/UFRGS<br />

joao.alberto@ufrgs.br<br />

junior.frezza@ufrgs.br<br />

patriciakebach@faccat.br<br />

O estudo do pensamento do adulto apresenta algumas particularida<strong>de</strong>s metodológicas que dificultam a<br />

investigação. Para a análise das estruturas e dos processos mentais os pesquisadores da <strong>Epistemologia</strong><br />

Genética têm por referência o Método Clínico-Crítico ou, simplesmente, Método Clínico. Todavia, os<br />

estudos <strong>de</strong> Piaget e da Escola <strong>de</strong> Genebra se ocupam, principalmente, do <strong>de</strong>senvolvimento em termos<br />

psicogenéticos, isto é, da evolução intelectual a partir da criança. No caso dos adultos, o Método Clínico<br />

precisa sofrer algumas adaptações, pois estes apresentam estruturas e processos <strong>de</strong> pensamento<br />

singulares. Em geral, o raciocínio mais apurado e rápido dos adultos po<strong>de</strong> levar à abertura <strong>de</strong> múltiplos<br />

possíveis e <strong>de</strong> incontáveis patamares <strong>de</strong> hipóteses que se reúnem em quadros <strong>de</strong>dutíveis simultâneos. É<br />

particularmente difícil averiguar um pensamento que po<strong>de</strong> seguir, ao mesmo tempo, mais do que um<br />

percurso, bem como <strong>de</strong>scartar ligeiramente algumas hipóteses em favor <strong>de</strong> outras. O objetivo <strong>de</strong>ste artigo<br />

é apresentar possibilida<strong>de</strong>s metodológicas <strong>de</strong> pesquisa que atendam as especificida<strong>de</strong>s do adulto. Em<br />

particular, abordaremos a prática do Método Clínico e suas nuances na aplicação com sujeitos maiores <strong>de</strong><br />

20 anos. Dada a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> operações lógico-matemáticas possíveis, <strong>de</strong>stacaremos a investigação na<br />

perspectiva do sujeito psicológico e da construção da significação.<br />

Palavras-chave: <strong>Epistemologia</strong> Genética. Sujeito Psicológico. Processos Cognitivos<br />

Abstract<br />

The study of the adults’s thought has some methodological features that hin<strong>de</strong>r the investigation. For the<br />

analysis of structures and mental processes of the researchers are reference Epistemology Genetics<br />

Clinical-Critical Method, or simply Clinical Method. However, the studies of Piaget and the Geneva<br />

School of <strong>de</strong>aling, mainly in terms of <strong>de</strong>velopment psychogenetic ie the intellectual <strong>de</strong>velopment from the<br />

child. For adults, the clinical method needs some adjustments suffer because they have structures and<br />

processes of thinking individuals. In general, the more accurate and quick thinking of adults can lead to<br />

the opening of multiple possible levels and countless chances to meet that <strong>de</strong>ductible in tables<br />

simultaneously. It is particularly difficult to find a thought that may follow the same time more than one<br />

route, and slightly out some hypotheses in favor of others. This article aims to provi<strong>de</strong> opportunities for<br />

methodological research that address the specifics of the adult. In particular, we discuss the clinical<br />

practice of the method and its nuances in the application subject to greater of 20 years. Given the variety<br />

of logical- mathematical operations possible, we highlight the research in view of the psychological<br />

subject and the construction of meaning.<br />

Keywords: Genetic Epistemology. Psychological Subject. Cognitives Process<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 76


Introdução<br />

No arcabouço teórico da <strong>Epistemologia</strong> Genética o estudo do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo po<strong>de</strong> se<br />

dar em duas dimensões: uma geral (o sujeito epistêmico) e outra particular (o sujeito psicológico). Piaget<br />

<strong>de</strong>dicou-se, na maioria das vezes, à primeira <strong>de</strong>ssas possibilida<strong>de</strong>s. O sujeito epistêmico refere-se às<br />

características mais gerais <strong>de</strong> estruturação mental. O foco está na investigação das gran<strong>de</strong>s categorias do<br />

pensamento: espaço, tempo, causalida<strong>de</strong>, etc. Nesse sentido, as pesquisas piagetianas <strong>de</strong>sdobraram-se na<br />

procura pelas operações lógico-matemáticas universais <strong>de</strong> cada estádio do <strong>de</strong>senvolvimento, tais como a<br />

presença da reversibilida<strong>de</strong>, da negação ou da reciprocida<strong>de</strong>. Para a investigação <strong>de</strong>ssas operações, foi<br />

preciso que se abstraísse, dos problemas propostos, as peculiarida<strong>de</strong>s dos conteúdos, ocupando-se do<br />

modo pelo qual o sujeito age sobre a tarefa.<br />

Por outro lado, além das estruturas gerais <strong>de</strong> pensamento, po<strong>de</strong>-se investigar os procedimentos <strong>de</strong><br />

resolução <strong>de</strong> problemas, isto é, os aspectos funcionais do raciocínio. Neste caso, estaremos nos dirigindo<br />

para o sujeito psicológico, que se caracteriza por sua subjetivida<strong>de</strong>, vonta<strong>de</strong>, particularida<strong>de</strong> e<br />

complementação conceitual ao sujeito epistêmico; ou ainda, aquele em que suas características pessoais e<br />

exclusivas: formas <strong>de</strong> pensamento e ações particulares, adquirem relevância.<br />

Piaget estudou ao longo <strong>de</strong> toda a sua obra, em maior parte, as características <strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong><br />

maneira psicogenética, isto é, a partir da gênese dos conhecimentos originados na criança. Todavia, ele<br />

mesmo i<strong>de</strong>ntificou dificulda<strong>de</strong>s em compreen<strong>de</strong>r o pensamento do adulto. Dada às diversida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

experiências particulares anteriores e à organização mais sofisticada do pensamento do adulto, torna-se<br />

muito complicado i<strong>de</strong>ntificar as características mais gerais <strong>de</strong> estruturação. De fato, se pensarmos em um<br />

sujeito que se encontra no estádio das operações formais, suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organização mental<br />

po<strong>de</strong>m reunir quadros simultâneos <strong>de</strong> pensamento que dificultam em <strong>de</strong>masia o acompanhamento do<br />

raciocínio. Em função das particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada sujeito, as experiências individuais frente aos objetos<br />

são as mais distintas, ocasionando na vida adulta, diversas maneiras <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e assimilar os<br />

conteúdos. Assim, é possível encontrar nos adultos uma varieda<strong>de</strong> bastante gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> comportamentos a<br />

respeito <strong>de</strong> problemas que são apresentados, visto que é possível encontrar distintos estados <strong>de</strong><br />

significação e explicação das situações. Nesse sentido, acreditamos que é interessante investigar os<br />

procedimentos dos adultos frente aos problemas, isto é, à organização dos comportamentos em suas<br />

características processuais na dimensão do sujeito psicológico.<br />

Na Escola <strong>de</strong> Genebra, encontramos alguns autores que se <strong>de</strong>dicaram ao estudo dos aspectos<br />

funcionais (INHELDER e col., 1976; INHELDER & KARMILOFF-SMITH, 1981; INHELDER &<br />

CÉLLÉRIER, 1992). Todavia, o enfoque se manteve na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> gênese, isto é, sempre a partir da criança.<br />

Acreditamos que esses estudos po<strong>de</strong>m ser continuados e adaptados à investigação dos adultos, tornando-<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 77


se simultaneamente uma perspectiva <strong>de</strong> abordagem metodológica inovadora e <strong>de</strong> construção teórica sobre<br />

um momento ainda pouco explorado no que tange à inteligência. As pesquisas <strong>de</strong> Inhel<strong>de</strong>r e<br />

colaboradores encontraram características comuns dos comportamentos que permitiram a construção <strong>de</strong><br />

categorias em níveis análogos aos estudos epistemológicos, mas com foco nos processos empregados.<br />

Acreditamos ser possível investigar <strong>de</strong> maneira semelhante o pensamento do adulto a fim <strong>de</strong> se construir<br />

níveis <strong>de</strong> organização do funcionamento da inteligência, mesmo havendo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> operações<br />

lógico-matemáticas mais elaboradas (KEBACH, 2008; SILVA, 2009).<br />

Para falar nestes diferentes níveis <strong>de</strong> condutas dos adultos é importante esclarecer que isto se tange<br />

na dimensão do sujeito psicológico. Os estudos na ótica do sujeito epistêmico permitem compreen<strong>de</strong>r a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação entre sujeito e objeto, todavia, os conteúdos influenciam fortemente as<br />

condutas. Os graus <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> das tarefas propostas perturbam as operações lógico-<br />

matemáticas que existem apenas no plano teórico do sujeito epistêmico. Levando em conta as<br />

características dos procedimentos, po<strong>de</strong>ríamos investigar os conjuntos <strong>de</strong> comportamento que permitem<br />

diversos níveis <strong>de</strong> resolução dos problemas e <strong>de</strong> organização da inteligência. Se por um lado, o estudo da<br />

estruturação mental do adulto é muito difícil, torna-se interessante a consi<strong>de</strong>ração dos conteúdos e a<br />

dimensão do sujeito psicológico.<br />

Ainda que façamos uma divisão didática entre sujeito epistêmico e psicológico, é evi<strong>de</strong>nte que ela<br />

não se manifesta na realida<strong>de</strong>. Cada pessoa possui características comuns <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento, que<br />

abrangem a dimensão do sujeito epistêmico; bem como comportamentos exclusivos que remontam ao<br />

estudo do sujeito psicológico. De fato, po<strong>de</strong> parecer, superficialmente, que estamos <strong>de</strong>terminando que<br />

todos os adultos são sujeitos formais. Longe disso, pois temos claro que o <strong>de</strong>senvolvimento das estruturas<br />

lógico-matemáticas não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas da maturação e da ida<strong>de</strong> (Piaget, 1936, 1957). O que propomos é<br />

um outro escopo <strong>de</strong> análise. Acreditamos que o viés metodológico da pesquisa com adultos po<strong>de</strong> se<br />

ocupar das características processuais que os conteúdos específicos <strong>de</strong>mandam, ainda que sofrendo<br />

influência da mobilida<strong>de</strong> lógico-matemática <strong>de</strong> sua estrutura mental. Antes <strong>de</strong> apresentarmos a<br />

abordagem metodológica que <strong>de</strong>senvolvemos para aten<strong>de</strong>r essas especificida<strong>de</strong>s do adulto,<br />

apresentaremos uma construção teórica necessária para compreen<strong>de</strong>r o sujeito psicológico nesta<br />

perspectiva.<br />

A constituição do pensamento do adulto<br />

Quando se pensa o conhecimento a partir da <strong>Epistemologia</strong> Genética, o ser humano po<strong>de</strong> ser<br />

entendido na interação entre o sujeito e os objetos <strong>de</strong> conhecimento. O <strong>de</strong>senvolvimento ocorre na medida<br />

em que se passa por diversos níveis <strong>de</strong> construção. Os estádios <strong>de</strong>ssa evolução encontram-se amplamente<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 78


analisados por Piaget (1955; 1970 et al.) e <strong>de</strong>monstram as características <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do recém-<br />

nascido ao adulto. Todavia, quando o sujeito atinge a adolescência e o que se chama <strong>de</strong> estádio das<br />

operações formais, isto não implica a garantia <strong>de</strong> que doravante operará formalmente sobre todos os<br />

objetos. Há um <strong>de</strong>talhe imprescindível a ser consi<strong>de</strong>rado: as especificida<strong>de</strong>s dos conteúdos. No que se<br />

refere à significação, diante <strong>de</strong> um conteúdo novo, mesmo um sujeito adulto tem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se (re)<br />

organizar frente às novida<strong>de</strong>s. No entanto, diferente da criança, o adulto consegue (re) elaborar suas<br />

i<strong>de</strong>ias muito mais rapidamente (PIAGET, 1970; BOVET, 1975, 2002). Enquanto a criança leva, por<br />

exemplo, aproximadamente <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> sua vida para construir a conservação do volume, um adulto<br />

frente a um novo problema po<strong>de</strong>rá assimilar as particularida<strong>de</strong>s em um tempo significativamente menor.<br />

O pensamento do adulto apresenta características <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> e organização bastante diferentes em<br />

relação às das crianças.<br />

No que tange ao <strong>de</strong>senvolvimento, a estrutura lógico-matemática que sustenta as condutas está<br />

presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras ações, mas sob diferentes configurações. Os comportamentos do bebê se<br />

distinguem pelas primeiras coor<strong>de</strong>nações das ações em função do seu corpo e <strong>de</strong> sua motricida<strong>de</strong>. A<br />

noção <strong>de</strong> objeto permanente e o grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento (incluindo-se aí o espaço, o tempo e a<br />

causalida<strong>de</strong>) são as marcas mais importantes <strong>de</strong>ssa composição (PIAGET, 1936, 1937). O primeiro dará<br />

ao bebê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar que as coisas não <strong>de</strong>saparecem quando retiradas do seu campo <strong>de</strong><br />

visão. O segundo <strong>de</strong>ixará a criança organizar seus próprios movimentos e os dos objetos no espaço. Em<br />

seguida, com o advento da função semiótica, a estrutura lógico-matemática ascen<strong>de</strong> a um novo patamar.<br />

Aquilo que, inicialmente, no período sensório-motor caracterizava-se por uma organização prática,<br />

<strong>de</strong>sdobra-se agora numa construção simbólica (PIAGET, 1945).<br />

Mais adiante, no estádio operatório-concreto, as ações interiorizadas do período pré-operatório<br />

passam a ser organizadas sob a forma <strong>de</strong> operações lógico-matemáticas que indicam maiores mudanças<br />

estruturais. A nova organização é o agrupamento (PIAGET, 1955), o qual dá origem às operações<br />

concretas e apresenta uma sofisticação: permite construir estruturas <strong>de</strong> classe, chegando até a mo<strong>de</strong>los<br />

semelhantes às árvores genealógicas, e <strong>de</strong> elaborar séries in<strong>de</strong>finidas <strong>de</strong> objetos, em função <strong>de</strong> critérios<br />

estabelecidos à seriação. Em seguida, no estádio operatório-formal, o aperfeiçoamento do agrupamento<br />

<strong>de</strong>sdobra-se em uma estrutura lógica <strong>de</strong> grupo, com diferentes formas <strong>de</strong> reversibilida<strong>de</strong> e organização<br />

das operações. As novas proprieda<strong>de</strong>s do chamado Grupo INRC reúnem as operações <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (I),<br />

negação (N), reciprocida<strong>de</strong> (R) e correlação (C) em uma mesma estrutura <strong>de</strong> conjunto, cuja construção<br />

permite ao pensamento chegar ao plano hipotético-<strong>de</strong>dutivo (PIAGET, 1955).<br />

Como se vê, as operações lógico-matemáticas possuem características muito gerais e representam<br />

o que há <strong>de</strong> mais universal no sujeito epistêmico. O conceito <strong>de</strong> uma estrutura que organiza as operações<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 79


emete à idéia <strong>de</strong> que elas atuam em um “vazio”, visto que uma vez constituídas po<strong>de</strong>m ser aplicadas a<br />

quaisquer conteúdos. Diferentemente, na ação do sujeito sobre a realida<strong>de</strong>, os problemas e as situações<br />

resistem à assimilação. O objeto também é ativo. Assim, baseados em Piaget e Inhel<strong>de</strong>r, nossa hipótese é<br />

<strong>de</strong> que, quando o sujeito se ocupa <strong>de</strong> um problema, as operações e a estrutura proporcionam uma<br />

dimensão lógico-matemática para abordar a situação. Todavia, além disso, é necessário que haja novas<br />

organizações em função dos conteúdos e <strong>de</strong> suas especificida<strong>de</strong>s.<br />

Nossa hipótese é <strong>de</strong> que os conteúdos interferem diretamente na organização das condutas na<br />

medida em que <strong>de</strong>mandam a construção <strong>de</strong> significações. Toda significação é a atribuição <strong>de</strong> um esquema<br />

<strong>de</strong> ação a um objeto ou situação (PIAGET e INHELDER, 1979; INHELDER e col., 1980), <strong>de</strong> maneira<br />

que um esquema é “a estrutura comum que caracteriza uma classe <strong>de</strong> ações equivalentes, do ponto <strong>de</strong><br />

vista do sujeito” (PIAGET, 1957, p. 46). Assim sendo, para significar uma situação é preciso construir<br />

esquemas a respeito dos problemas envolvidos, mas estes apresentam características particulares e<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> construções específicas.<br />

Além disso, a construção da significação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> dois fatores ligados aos conteúdos: o grau <strong>de</strong><br />

novida<strong>de</strong> que eles representam para o sujeito e a complexida<strong>de</strong> da problemática envolvida. Por exemplo,<br />

ao compararmos dois sujeitos formais, um físico e um médico, vemos duas reações semelhantes e, ao<br />

mesmo tempo, distintas. Diante <strong>de</strong> um problema a propósito da fusão nuclear ambos po<strong>de</strong>m apresentar<br />

equivalência <strong>de</strong> condutas quanto à dimensão estrutural. Po<strong>de</strong>m levantar hipóteses, valer-se da dupla<br />

reversibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> operações e da estrutura do Grupo INRC. Contudo, o conteúdo abordado é mais<br />

familiar ao físico, <strong>de</strong>vido à especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua formação. Muito provavelmente, ele será capaz <strong>de</strong><br />

significar a situação <strong>de</strong> uma maneira mais eficaz que o médico. Este, ao organizar suas condutas, encontra<br />

dificulda<strong>de</strong> na novida<strong>de</strong> do conteúdo e na ausência <strong>de</strong> esquemas para lidar com a situação. Além disso, o<br />

problema apresenta certo grau <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, o que representa mais uma dificulda<strong>de</strong> para a<br />

significação. A disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma estrutura formal, tal como o INRC, não basta por si só, pois é<br />

preciso ter esquemas construídos para significar os problemas. Dessa maneira, aparentemente, as<br />

condutas voltariam a apresentar características mais simples, ainda que não haja uma regressão da<br />

estrutura lógico-matemática. O adulto não per<strong>de</strong> a capacida<strong>de</strong> (o po<strong>de</strong>r) <strong>de</strong> agir <strong>de</strong> modo hipotético-<br />

<strong>de</strong>dutivo e é justamente isto que garante uma quantida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> possíveis a serem acionados na hora <strong>de</strong><br />

agir sobre um objeto resistente e complexo.<br />

Antes <strong>de</strong> nos envolvermos em uma situação, acreditamos que o sujeito organiza um conjunto <strong>de</strong><br />

inferências que antecipa suas condutas e juízos, no sentido <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo. Nessa perspectiva, enten<strong>de</strong>-se<br />

que um mo<strong>de</strong>lo é o quadro assimilador formado pelos esquemas construídos, o qual permite atribuir<br />

significação aos problemas, controlar, organizar e dirigir a ativida<strong>de</strong> cognitiva do sujeito. Assim, na<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 80


análise do pensamento do adulto pela ótica do sujeito psicológico, ao invés <strong>de</strong> nos referirmos a níveis <strong>de</strong><br />

conduta ou <strong>de</strong> estádios do <strong>de</strong>senvolvimento, optamos por falar <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> significação (SILVA,<br />

2009), os quais indicariam a importância das proprieda<strong>de</strong>s dos conteúdos na organização das condutas e<br />

da ativida<strong>de</strong> mental em si mesma.<br />

Se estruturalmente os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> significação estão relacionados aos esquemas, do ponto <strong>de</strong> vista<br />

<strong>de</strong> sua ligação funcional, eles conectam-se pelas implicações que se constroem entre os significados.<br />

Piaget (1974, p. 178) diz que a característica mais geral dos estados conscientes é “exprimir significações<br />

e reuni-las em uma forma <strong>de</strong> conexão que chamaremos, na falta <strong>de</strong> um termo melhor, <strong>de</strong> ‘implicação<br />

significante’”. Enten<strong>de</strong>-se que a implicação significante <strong>de</strong>monstra a importância dos conteúdos nos<br />

processos <strong>de</strong> pensamento, pois evi<strong>de</strong>ncia uma lógica das significações que influencia diretamente as<br />

condutas. Sobre a natureza da implicação significante, Piaget diz que elas se apoiam nos instrumentos<br />

semióticos disponíveis e as operações mentais possuem sempre um viés <strong>de</strong> significação, pois “a operação<br />

não é uma representação <strong>de</strong> uma ação: ela é, falando francamente, ainda uma ação, visto que é construtora<br />

<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s, mas é uma ação “significante” e não mais física, porque os meios que utiliza são <strong>de</strong><br />

natureza implicativa e não mais causal”. (1974, p. 178). Se as conexões entre as significações apresentam<br />

um caráter implicativo, pressupomos que se po<strong>de</strong> falar, então, <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo fundado nas implicações<br />

que unem os esquemas atribuídos a uma <strong>de</strong>terminada situação, isto é, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> significação que<br />

antevê as condutas e organiza a ativida<strong>de</strong> cognitiva do sujeito.<br />

De acordo com Wermus (1982, p. 264): “O termo mo<strong>de</strong>lo indica seu status mediador entre o<br />

pensamento formal e o pensamento natural”, isto é, os mo<strong>de</strong>los originam-se <strong>de</strong>ssa relação entre a<br />

estrutura lógico-matemática e os conteúdos a fim <strong>de</strong> fornecerem instrumentos pelos quais o sujeito po<strong>de</strong><br />

interpretar a realida<strong>de</strong> e elaborar uma significação. É possível encontrar duas pessoas que possuem um<br />

mesmo mo<strong>de</strong>lo, mas que apresentam significações, aparentemente, com conteúdos diferenciados sobre o<br />

mesmo problema. No caso das pesquisas com adultos que Bovet (2002) realizou a respeito da flutuação,<br />

foi possível i<strong>de</strong>ntificar sujeitos que apresentavam explicações bastante distintas, mas com características<br />

em comum. Alguns diziam que um objeto flutuava por ser redondo, outros diziam que flutuava por<br />

parecer um barco. As explicações parecem ser diferentes, mas po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>rivar <strong>de</strong> um mesmo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

significação, que é o <strong>de</strong> se centrar sobre características externas do objeto.<br />

Diferente <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia behaviorista, uma organização em função dos conteúdos não significa que<br />

há um comportamento a ser construído para cada situação. Faz-se o uso da palavra mo<strong>de</strong>lo para exprimir<br />

que essa organização das significações apresenta certo grau <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, pois os próprios esquemas<br />

são organizações das características mais gerais das ações. As operações, oriundas da estrutura lógico-<br />

matemática, apresentam um caráter ainda mais universal, po<strong>de</strong>ndo sustentar diversos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 81


significação. Por exemplo, a reversibilida<strong>de</strong> é uma construção estrutural <strong>de</strong> cunho lógico-matemático. O<br />

pensamento po<strong>de</strong> se valer da reversibilida<strong>de</strong> nas mais diversas situações, mas acreditamos que frente aos<br />

conteúdos é preciso que essa reversibilida<strong>de</strong> se adapte às especificida<strong>de</strong>s e aos significados atribuídos aos<br />

objetos, isto é, uma operação lógico-matemática po<strong>de</strong> ser utilizada em diversos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> significação,<br />

mas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada mo<strong>de</strong>lo ela precisa se organizar em função dos conteúdos e dos esquemas disponíveis.<br />

Figura 1 – Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Significação<br />

A figura anterior ilustra a dinâmica que propomos. Encontra-se no sujeito uma estrutura mais ou<br />

menos geral que é responsável por organizar as operações lógico-matemáticas. Além <strong>de</strong>la, existiriam<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> significação que se originaram da ativida<strong>de</strong> operatória particular do sujeito frente aos<br />

conteúdos. Os comportamentos continuariam, como já afirmou Piaget (1972), equivalentes, sob o ponto<br />

<strong>de</strong> vista lógico-matemático, mas po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados hierarquicamente diferenciados se levarmos em<br />

conta os conteúdos e a significação construída sobre estes. Assim, no caso do adulto, o interesse <strong>de</strong><br />

pesquisa recairia sobre os inúmeros mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> significação que po<strong>de</strong>m ser elaborados em função <strong>de</strong> uma<br />

varieda<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> esquemas e implicações construídos ao longo da vida. Nesse sentido, o estudo do<br />

pensamento do adulto carece <strong>de</strong> inovações metodológicas que atendam às suas especificida<strong>de</strong>s e<br />

singularida<strong>de</strong>s.<br />

A perspectiva metodológica<br />

Acreditamos que as pesquisas a respeito do pensamento do adulto adquirem os seguintes status<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 82


metodológicos:<br />

- exploratório: haja vista que não existem gran<strong>de</strong>s marcos teóricos a propósito da cognição em<br />

adultos, os estudos exploratórios configuram-se como uma opção razoável para investigar um objeto<br />

ainda pouco investigado;<br />

- <strong>de</strong>scritivo: os estudos <strong>de</strong>scritivos permitem que se examinem os métodos e os dados <strong>de</strong> forma<br />

mais direta, proporcionando ao leitor formular suas próprias hipóteses sobre as técnicas empregadas e a<br />

análise efetuada;<br />

- qualitativo: os dados quantitativos po<strong>de</strong>m fornecer quadros interessantes, mas no que tange ao<br />

raciocínio, os processos tornam-se mais relevantes do que os resultados em si. A pesquisa qualitativa<br />

parece exprimir melhor as nuances <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong> estudo que não possui fronteiras muito bem <strong>de</strong>finidas.<br />

A orientação metodológica que propomos é inspirada nos procedimentos normalmente utilizados<br />

nas pesquisas em <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas. Em especial, o Método Clínico e suas variações<br />

ao longo da obra <strong>de</strong> Piaget (VINH-BANG, 1966) são o referencial que se adota como base para a coleta e<br />

a análise dos dados. Para investigar a significação e a mobilida<strong>de</strong> do pensamento do adulto elaboramos<br />

um procedimento metodológico em três etapas.<br />

Em um primeiro momento acreditamos que é importante verificar a significação imediata que o<br />

sujeito po<strong>de</strong> fornecer, isto é, os esquemas <strong>de</strong> partida disponíveis em função do grau <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> do<br />

conteúdo. Todavia, isto se torna muito difícil, pois a própria realização da entrevista ou prova clínica já<br />

mobiliza alguns esquemas, que vão se ajustando <strong>de</strong> acordo com o raciocínio empregado no próprio<br />

momento. Nesse sentido, acreditamos que um instrumento válido para a exploração dos esquemas já<br />

disponíveis é a entrevista semi-estruturada (LAVILLE e DIONE, 1994; LUDKE e ANDRE, 1986). O<br />

pesquisador tem um roteiro previsto e po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>le na medida em que precisa esclarecer alguma<br />

questão. Porém, não se trata ainda <strong>de</strong> uma entrevista clínica, pois as situações <strong>de</strong> conflito e contra-<br />

sugestão po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar processos cognitivos e o momento é <strong>de</strong> verificar os esquemas que são<br />

mobilizados <strong>de</strong> imediato. É verda<strong>de</strong> que procurar por um quadro estático do pensamento é mera ilusão,<br />

mas estes <strong>de</strong>talhes po<strong>de</strong>m nos aproximar <strong>de</strong> uma imagem sem muito movimento e que expressa os<br />

esquemas disponíveis <strong>de</strong> construções anteriores. De fato, o objetivo é fazer uma “primeira foto” do<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> significação do adulto a fim <strong>de</strong> investigar o grau <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> que o conteúdo representa para o<br />

sujeito.<br />

O segundo momento consistiria na aplicação do Método Clínico propriamente dito, através do<br />

qual o experimentador procura explorar o pensamento do sujeito <strong>de</strong> modo a mobilizar seus esquemas na<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 83


construção <strong>de</strong> uma significação mais elaborada do problema. O Método Clínico ou Método <strong>de</strong> Exploração<br />

Crítica é um procedimento <strong>de</strong> coleta e análise <strong>de</strong> dados que fornece ao pesquisador uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compreensão do pensamento e dos comportamentos dos sujeitos. Ele é flexível para suprir as inúmeras<br />

possibilida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m surgir ao longo <strong>de</strong> uma experiência ou entrevista, ao mesmo tempo em que<br />

exige uma organização muito rápida das hipóteses e do pensamento do pesquisador para que seja aplicado<br />

da maneira mais a<strong>de</strong>quada.<br />

Se a entrevista semi-estruturada permite a confecção <strong>de</strong> uma foto quase estática do pensamento, o<br />

Método Clínico permite captar o movimento e fazer um “filme” que, além <strong>de</strong> registrar a significação<br />

atribuída, é capaz <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar o grau <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> que conteúdo representa para o sujeito. Nesse<br />

caso, o interesse da análise dos dados cai diretamente sobre os procedimentos empregados em função dos<br />

esquemas mobilizados. O pesquisador po<strong>de</strong> analisar tanto o conjunto <strong>de</strong> novos esquemas ativados em<br />

comparação aos da primeira etapa, bem como eles foram se organizando em função das <strong>de</strong>mandas do<br />

problema. Além disso, <strong>de</strong>ve-se observar o quadro implicativo que sustenta os juízos formulados, isto é,<br />

investigando-se as implicações significantes construídas. A investigação do sistema <strong>de</strong> implicações<br />

permite verificar a sofisticação das ligações <strong>de</strong>dutivas que o sujeito realiza entre diferentes esquemas em<br />

razão do grau <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> que o conteúdo representa.<br />

Por último, em uma terceira etapa, volta-se à entrevista, com uma pequena variação do problema<br />

em relação à situação inicial, e registra-se uma “última foto”, entendida como a significação que o sujeito<br />

produz sozinho ao final da sessão. Não se torna interessante realizar os mesmos questionamentos da<br />

primeira etapa, pois o sujeito já vivenciou aquela situação e já passou pela experimentação com o Método<br />

Clínico. O que propomos é uma variação <strong>de</strong> mesmo conteúdo, mas com diferente formulação. Esta<br />

alteração é importante por que, como Piaget (1931) já alertou, a inteligência possui dois aspectos: a<br />

invenção e a verificação. O pensamento do adulto possui, em geral, ferramentas <strong>de</strong> verificação muito<br />

mais po<strong>de</strong>rosas do que as das crianças. Ao longo da segunda etapa, o sujeito po<strong>de</strong> verificar a coerência<br />

dos procedimentos e das perguntas realizadas pelo próprio experimentador. Retomar a problemática sem<br />

a intervenção feita na etapa anterior permite, <strong>de</strong> fato, averiguar a coerência e a autenticida<strong>de</strong> dos<br />

procedimentos e significações elaborados. Além disso, muitos adultos po<strong>de</strong>m apresentar múltiplos<br />

processos <strong>de</strong> pensamento ao longo da aplicação da ativida<strong>de</strong> e que vão sendo <strong>de</strong>scartados um a um. O<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> verificação do pensamento do adulto faz com que ele <strong>de</strong>scarte hipóteses que não lhe parecem<br />

coerentes. A cada <strong>de</strong>scarte ele po<strong>de</strong> formular outra hipótese e outra estratégia para interpretar a situação,<br />

ficando difícil i<strong>de</strong>ntificar aquela que realmente o satisfaz. Neste caso, esta última etapa serve para<br />

evi<strong>de</strong>nciar qual das estratégias, propriamente, o sujeito consi<strong>de</strong>ra como a mais a<strong>de</strong>quada.<br />

O segundo momento, em especial, representa um <strong>de</strong>safio para o experimentador, pois é preciso<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 84


estar atento às respostas e condutas do entrevistado. Dada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> múltiplos processos <strong>de</strong><br />

pensamento, é interessante o uso <strong>de</strong> perguntas tais como “E se po<strong>de</strong>ria pensar diferente?” ou “Há outra<br />

maneira <strong>de</strong> fazer?”. Estas indagações po<strong>de</strong>m dar margem para que o entrevistado possa exprimir os<br />

raciocínios que elaborou, mas que foram <strong>de</strong>scartados em função <strong>de</strong> uma solução que lhe pareceu mais<br />

coerente.<br />

Um recurso que propomos para este segundo momento é o uso <strong>de</strong> materiais concretos. Muitas<br />

vezes, só a fala durante a entrevista não é capaz <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar os processos <strong>de</strong> pensamento que o adulto<br />

elabora. O próprio Piaget se <strong>de</strong>u conta, em <strong>de</strong>terminado período <strong>de</strong> seus estudos, que somente as<br />

verbalizações sobre os fatos po<strong>de</strong>riam não revelar tudo o que o sujeito saberia sobre ele, pois as ações<br />

prece<strong>de</strong>m as compreensões. Se a especificida<strong>de</strong> do conteúdo comporta, é sempre melhor o uso <strong>de</strong><br />

materiais. Eles permitem que o sujeito atue <strong>de</strong> forma mais livre, que i<strong>de</strong>ntifique <strong>de</strong> maneira mais clara o<br />

problema proposto, bem como proporcionam maior possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise das ações. Neste sentido,<br />

consi<strong>de</strong>ramos que os materiais propostos para uma tarefa serão mais a<strong>de</strong>quados quando:<br />

• Há um problema claro a ser <strong>de</strong>senvolvido.<br />

• O material permite a ocorrência <strong>de</strong> feedbacks, isto é, o sujeito po<strong>de</strong> testar hipóteses e o próprio<br />

material permite verificar a valida<strong>de</strong> das proposições.<br />

• Existem situações no uso dos materiais que po<strong>de</strong>m se manifestar como conflitos ou resistências às<br />

i<strong>de</strong>ias mais imediatas e simples.<br />

• O material não permite uma solução imediata. É necessário passar por diversas etapas que<br />

explicitam os procedimentos <strong>de</strong> resolução e <strong>de</strong>mandam a justificativa e a significação das ações<br />

empregadas.<br />

• Po<strong>de</strong>m-se propor variações usando o mesmo material, a fim <strong>de</strong> verificar a coerência dos<br />

procedimentos utilizados em diferentes situações.<br />

Em termos práticos, durante a etapa em que se utiliza o Método Clínico, procura-se propor<br />

situações <strong>de</strong> contra-sugestão, ou <strong>de</strong> conflito, que permitam ao sujeito operar sobre os conteúdos <strong>de</strong> modo<br />

a evitar respostas prontas ou automáticas. O uso <strong>de</strong> tarefas que envolvem problemas com materiais<br />

concretos facilita toda essa conjectura em função dos motivos anteriormente expostos.<br />

No que tange à análise dos dados coletados, produzida estas três instâncias da sessão e da coleta,<br />

po<strong>de</strong>-se organizar um protocolo que contemple os seguintes índices <strong>de</strong> categorização:<br />

- Primeira foto: O interesse está em i<strong>de</strong>ntificar os esquemas <strong>de</strong> partida. Po<strong>de</strong>-se elencar os<br />

principais esquemas envolvidos e verificar quais os sujeitos que os apresentam. De fato, a primeira foto<br />

proporciona a i<strong>de</strong>ntificação do grau <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> que a tarefa representa para o sujeito.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 85


- Método Clínico: Procura-se i<strong>de</strong>ntificar quais os procedimentos realizados e as implicações<br />

construídas. Investiga-se como os esquemas mobilizados vão sendo <strong>de</strong>scartados ou substituídos por<br />

outros. A mobilida<strong>de</strong> do pensamento durante esta etapa permite evi<strong>de</strong>nciar a complexida<strong>de</strong> que a<br />

problemática representa para o sujeito.<br />

- Última foto: Verificar a coerência dos procedimentos da segunda etapa, i<strong>de</strong>ntificando os<br />

esquemas que o sujeito mobiliza por si mesmo durante a solução do problema.<br />

A partir do protocolo <strong>de</strong> análise, as condutas po<strong>de</strong>m ser agrupadas e categorizadas em função dos<br />

esquemas e das implicações envolvidos. De acordo com a tarefa, o pesquisador po<strong>de</strong>rá perceber <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

esquemas mais simples e as implicações mais frágeis até as organizações mais sofisticadas e coerentes.<br />

Como se trata <strong>de</strong> um estudo funcional, não há número fixo <strong>de</strong> níveis. As diferentes condutas surgem da<br />

varieda<strong>de</strong> dos procedimentos empregados e da complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong>mandadas pelos<br />

problemas. O número <strong>de</strong> níveis e mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> significação a serem encontrados <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do grau <strong>de</strong><br />

precisão da coleta <strong>de</strong> dados. De fato, po<strong>de</strong>-se chegar a infinitos níveis, caso analisemos as minúcias das<br />

condutas. A variabilida<strong>de</strong> do comportamento humano não permite o estabelecimento <strong>de</strong> fronteiras muito<br />

precisas que indiquem pontos <strong>de</strong> partida e chegada. Estudos exploratórios ten<strong>de</strong>m a se pren<strong>de</strong>r nos<br />

esquemas e procedimentos mais gerais, limitando-se a i<strong>de</strong>ntificar quatro ou cinco mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />

significação. Investigações mais rigorosas po<strong>de</strong>m se apoiar nestas pesquisas exploratórias para elaborar<br />

protocolos mais refinados e que conduzam a níveis mais diferenciados e específicos, sem que se possa<br />

<strong>de</strong>finir um número possível <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los a serem construídos.<br />

Detalhes práticos<br />

Um aspecto importante é o <strong>de</strong>, antes <strong>de</strong> iniciar a sessão, tranquilizar o sujeito quanto ao sigilo dos<br />

dados e às intenções da pesquisa. O fato <strong>de</strong> explicar a intencionalida<strong>de</strong> da sessão é um elemento<br />

importante, pois o sujeito – tanto a criança quanto o adulto - ten<strong>de</strong> a querer adivinhar as respostas que o<br />

experimentador gostaria <strong>de</strong> ouvir. Os adultos ten<strong>de</strong>m a se preocupar mais com a avaliação que se faz <strong>de</strong><br />

seu <strong>de</strong>sempenho, além disso, o raciocínio mais veloz e coerente permite que se elaborem muitas<br />

conjecturas sobre qual seria a real intenção do entrevistador. Em experiências anteriores percebemos que<br />

muitos sujeitos acreditavam que as provas clínicas eram meros disfarces para outros tipos <strong>de</strong> análise e,<br />

por diversas vezes, nos perguntavam se as respostas eram boas o suficiente ou se gostaríamos que eles<br />

agissem <strong>de</strong> outra maneira. Quando o pesquisador explicita suas intenções, referindo-se diretamente ao<br />

conteúdo que procura investigar, po<strong>de</strong>-se evitar que o sujeito se concentre em outros fatores e que <strong>de</strong>svie<br />

seu raciocínio na construção <strong>de</strong> hipóteses sobre o que o experimentador <strong>de</strong> fato quer saber.<br />

Outro <strong>de</strong>talhe prático a ser observado refere-se às conversas que atravessam os diferentes<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 86


momentos da sessão. Piaget (1926) i<strong>de</strong>ntificou que as crianças pequenas po<strong>de</strong>m executar fabulações ou<br />

entregarem-se ao <strong>de</strong>vaneio durante a entrevista clínica. Isso não é muito diferente nos adultos. Eles<br />

começam, muitas vezes, a rememorarem momentos <strong>de</strong> sua vida ou ocasiões que consi<strong>de</strong>ram análogas.<br />

Nestes casos, po<strong>de</strong> ser interessante explorar as comparações que o sujeito executa, pois elas po<strong>de</strong>m<br />

revelar os esquemas que estão mobilizados e as diferentes significações que o sujeito relaciona entre as<br />

situações.<br />

Igualmente, ainda que, para o pesquisador, a sessão se constitua <strong>de</strong> três momentos, com as<br />

entrevistas e o Método Clínico, tal organização não é transparente ao sujeito. Para ele, trata-se <strong>de</strong> uma<br />

ativida<strong>de</strong> contínua na qual o experimentador apresentou um tema e o retoma <strong>de</strong> diferentes maneiras.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

O pensamento do adulto apresenta particularida<strong>de</strong>s que o distinguem da investigação com<br />

crianças. O objetivo <strong>de</strong>ste artigo foi apresentar as peculiarida<strong>de</strong>s metodológicas na pesquisa da<br />

inteligência <strong>de</strong>stes sujeitos. A dificulda<strong>de</strong>, oriunda das inúmeras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estruturação lógico-<br />

matemática, favorece a investigação através <strong>de</strong> um viés diferenciado, isto é, do sujeito psicológico. Nesse<br />

sentido, a influência dos conteúdos e do papel ativo dos objetos permite analisar aspectos processuais do<br />

pensamento do adulto até então não muito explorados. Essas características exigem adaptações<br />

metodológicas em função das construções teóricas que temos investigado. Acreditamos que a proposta<br />

apresentada po<strong>de</strong> contribuir no avanço do conhecimento a respeito dos processos cognitivos, o que<br />

ocasiona a abertura <strong>de</strong> um possível programa <strong>de</strong> pesquisas em <strong>Psicologia</strong> Genética.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 87


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Jean Piaget -Epistemologie Génétique et science cognitive n. 3, 1982. p. 239-271.<br />

30 Nos casos em que não foi consultada diretamente a primeira edição, a data entre parênteses indica o ano <strong>de</strong> publicação<br />

<strong>de</strong>sta. O restante concerne à referência consultada efetivamente. No texto é empregada a data da primeira aparição da obra.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 88


Conhecimentos Matemáticos em Meios Populares: A Relação entre Letramento Matemático e a<br />

Construção do Saber<br />

Resumo<br />

SILVA, Ruana Priscila 31<br />

SOUZA, Neusa Maria Marques 32<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Mato Grosso do Sul - Campus <strong>de</strong> Três Lagoas<br />

CNPq / PIBIC3 33 .<br />

ruanapriscila@hotmail.com<br />

Várias são as discussões realizadas no campo da Educação Matemática que apontam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

refletir sobre o ensino da mesma, a fim <strong>de</strong> garantir uma formação crítico-social do indivíduo, habilitando<br />

o mesmo a conviver em socieda<strong>de</strong> exercendo sua autonomia. Assim, o presente trabalho é resultado dos<br />

encaminhamentos <strong>de</strong> uma pesquisa que vem sendo realizada por alunos <strong>de</strong> iniciação científica e docentes<br />

da UFMS, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 2006 em uma escola <strong>de</strong> ensino fundamental no município <strong>de</strong> Três Lagoas MS.<br />

Através da parceria entre universida<strong>de</strong> e escola, temos <strong>de</strong>senvolvido várias ações <strong>de</strong> extensão que envolve<br />

diretores, coor<strong>de</strong>nadores pedagógicos, professores, docentes da universida<strong>de</strong>, acadêmicos do curso <strong>de</strong><br />

Pedagogia, alunos da 1ª e 2ª etapa da educação básica e, em especial, as mães <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses alunos. A<br />

pesquisa tem como objetivo investigar os conhecimentos que as mães dos alunos possuem em relação à<br />

matemática, <strong>de</strong> acordo com o conceito do Letramento Matemático, ou seja, a utilização da matemática no<br />

cotidiano como ferramenta <strong>de</strong> sobrevivência e, com o conceito da Construção do Conhecimento<br />

Matemático segundo Piaget, que diz – o conhecimento não é uma cópia da realida<strong>de</strong>, mas sim o agir, modificar,<br />

transformar e compreen<strong>de</strong>r todo o processo <strong>de</strong> aprendizagem. Como opção metodológica adotarse-á<br />

a abordagem <strong>de</strong> pesquisa qualitativa baseando em autores com Flick (2004) e Ludke (1986) e como<br />

instrumento para tratamento dos dados a análise <strong>de</strong> conteúdo segundo a ótica <strong>de</strong> Bardin enfocada por<br />

Franco (2003) Para coleta <strong>de</strong> dados serão utilizadas entrevistas semi-estruturadas e registro <strong>de</strong> vivências<br />

com grupos <strong>de</strong> mães em que entrarão em contato com materiais <strong>de</strong> conteúdo matemático presentes em<br />

textos escolares e não-escolares. Esta pesquisa certamente contribuirá para que as mães tomem ciência <strong>de</strong><br />

seus saberes sobre a matemática num contexto não habitual, resultando em uma melhor interpretação dos<br />

problemas matemáticos.<br />

Palavras-chave: Educação Matemática. Letramento <strong>de</strong> Mães. Construção do Conhecimento Matemático.<br />

31 Acadêmica do curso <strong>de</strong> Pedagogia – 4º ano da UFMS, bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica UFMS – PIBIC 2007/09.<br />

32 Doutora em Educação, docente do Departamento <strong>de</strong> Educação da UFMS, Campus Três Lagoas – e dos Programas <strong>de</strong> Pós<br />

Graduação – CCHS/UFMS e <strong>de</strong> Educação Matemática EDUMAT/UFMS.<br />

33 Agência <strong>de</strong> Fomento.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 89


Abstract<br />

There are diverse discussions in the field of mathematics education pointing for the necessity of thinking<br />

about its teaching with the finality of guarantying the social and critical formation of the individuals,<br />

enabling them to live in society and maintaining their own autonomy. Thus, the present work is the result<br />

of a research that has been done by scientific initiation stu<strong>de</strong>nts and professors of UFMS since 2006 in a<br />

fundamental level school of the city of Tres Lagoas MS. By the partnership between University and<br />

School, we have been <strong>de</strong>veloping many extension actions involving directors, pedagogic coordinators,<br />

teachers, university professors, aca<strong>de</strong>mics from the pedagogy course, stu<strong>de</strong>nts from the first and second<br />

levels of basic education, and especially some stu<strong>de</strong>nts’ mothers. The aim of this research is to investigate<br />

the knowledge that stu<strong>de</strong>nts’ mothers have about mathematics, in accordance with the concept of<br />

mathematical literacy, in other words, using mathematics as a tool in the everyday life, and the concept of<br />

the construction of the mathematical knowledge accordingly with Piaget, which propose that “the<br />

knowledge is not a copy of reality, but it is acting, modifying, transforming, and comprehending all the<br />

learning process”. The qualitative research based on the authors Flick (2004) and Ludke (1986) was<br />

adopted as the methodological tool. The content analysis accordingly with Bardin and later focused by<br />

Franco (2003) was adopted as the instrumentation for treating the data. We will collect the data utilizing<br />

semi-structured interviews and everyday recordings from a group of mothers that will be in touch with<br />

mathematical content materials present in scholar and non-scholar texts. This research certainly will<br />

contribute to let mothers know their own mathematical knowledge in a non-usual context, which will<br />

result in a better interpretation of these mathematical problems.<br />

Keywords: Mathematics Education. Mother’s Literacy. Construction of Mathematical. Knowledge.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 90


Introdução<br />

Várias são as discussões realizadas no campo da Educação Matemática que apontam a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> refletir sobre o ensino da mesma, a fim <strong>de</strong> garantir uma formação crítico-social do indivíduo,<br />

habilitando o mesmo a conviver em socieda<strong>de</strong> exercendo sua autonomia. Nos eventos que abordam<br />

temáticas educacionais, o ensino da matemática é sempre muito <strong>de</strong>batido, principalmente nos enfoques<br />

sobre a formação docente, o processo ensino-aprendizagem, a didática do ensino e, a construção do saber.<br />

Durante muito tempo pensou-se que o conhecimento matemático era privilégio <strong>de</strong> alguns portadores<br />

<strong>de</strong> mentes especiais, ou seja, poucos entre os muitos que não nasceram para a Matemática. Com isso, a<br />

escola por muito tempo supervalorizou a matemática científica e/ou escolar como a única representante<br />

do saber e, a única capaz <strong>de</strong> elevar o sujeito na socieda<strong>de</strong>.<br />

Com isso, uma das questões que nos impulsionou neste estudo foi o fato da matemática na maioria<br />

das vezes, ser reproduzida nas escolas com um padrão científico, quase sempre imposto e não construído.<br />

De acordo com Grando & Men<strong>de</strong>s (2007), vista neste enfoque a matemática acadêmica trabalhada nas<br />

escolas seria a única responsável pela promoção <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s, portanto, a única matemática possível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolver no sujeito capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abstração.<br />

Entretanto, sabemos que além da escola, existem vários outros espaços educativos que permitem ao<br />

sujeito construir seu conhecimento, pois <strong>de</strong> acordo com Piaget, a Construção do Conhecimento<br />

Matemático não se dá como uma cópia da realida<strong>de</strong>, mas sim com o agir, modificar, transformar e<br />

compreen<strong>de</strong>r todo o processo <strong>de</strong> aprendizagem. E isto, o sujeito realiza a partir da reflexão sobre sua<br />

prática cotidiana, po<strong>de</strong>ndo fazê-lo não somente no espaço escolar.<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa compreensão, o presente trabalho resulta dos encaminhamentos <strong>de</strong> uma pesquisa que<br />

vem sendo realizada por alunos <strong>de</strong> iniciação científica e docentes da UFMS, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 2006 em uma<br />

escola <strong>de</strong> ensino fundamental no município <strong>de</strong> Três Lagoas MS. Tem como sujeitos <strong>de</strong> investigação<br />

algumas mães <strong>de</strong> alunos das séries iniciais <strong>de</strong>sta escola municipal, que mantém parceria <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong><br />

ensino e extensão com a Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Mato Grosso do Sul – UFMS, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2006.<br />

Sendo assim, a pesquisa tem por objetivo investigar os conhecimentos que as mães dos alunos<br />

possuem em relação à matemática, na perspectiva do conceito <strong>de</strong> Letramento Matemático, ou seja, da<br />

utilização da matemática no cotidiano como ferramenta <strong>de</strong> sobrevivência. Sabemos que o número está<br />

presente em toda parte, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos <strong>de</strong> vida estabelecemos contato direto com sistema <strong>de</strong><br />

numeração <strong>de</strong>cimal ao construirmos a idéia <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, a noção <strong>de</strong> tempo, espaço e quantida<strong>de</strong>, quando<br />

somos capazes <strong>de</strong> realizar ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classificação e seriação a partir dos esquemas cognitivos já<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 91


construídos. Pelo fato <strong>de</strong> possuir posição relevante:<br />

O conceito <strong>de</strong> número ocupa um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na matemática escolar. Desenvolver o<br />

sentido do número, ou seja, adquirir uma concepção global dos números e das operações<br />

e usá-la <strong>de</strong> modo flexível para analisar situações e <strong>de</strong>senvolver estratégias úteis para lidar<br />

com os números e as operações é um objetivo central da aprendizagem da Matemática.<br />

(PONTE, 2006, p. 55)<br />

Através das análises, da criação <strong>de</strong> estratégias, das conjecturas, da troca <strong>de</strong> experiências, dos<br />

conhecimentos anteriormente construídos, acreditamos que o aprendizado da matemática se torna mais<br />

significativo, ou seja, o sujeito consegue construir mecanismos que possibilitarão o domínio e a abstração<br />

dos conceitos. Sendo a matemática uma ciência abstrata, <strong>de</strong>ve-se partir do contato com o real, como<br />

possibilida<strong>de</strong> para as abstrações.<br />

Tanto no ensino das crianças como também dos adultos, valorizar os conhecimentos prévios do<br />

sujeito é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor, pois permite articulações entre o conhecimento já construído e esquematizado,<br />

com os novos conhecimentos que serão construídos através da reflexão sobre a prática cotidiana.<br />

Assim, essa pesquisa preten<strong>de</strong> contribuir para que as mães compreendam que os saberes que<br />

<strong>de</strong>senvolvem num contexto não habitual sobre a matemática, resultam em uma melhor interpretação dos<br />

problemas matemáticos e po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senvolver as competências numéricas tão indispensáveis em nossos<br />

dias. “[...] Saber i<strong>de</strong>ntificar, compreen<strong>de</strong>r e saber usar os números, as operações com números e as<br />

relações numéricas. [...] saber interpretar criticamente o modo como os números são usados na vida <strong>de</strong><br />

todos”. (PONTE, 2006, p. 70).<br />

Referencial teórico<br />

Muitas são as discussões e pesquisas realizadas sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática,<br />

que buscam <strong>de</strong>smistificar mitos e tabus já estabelecidos pela socieda<strong>de</strong> como: a matemática é difícil,<br />

matemática é só pra alguns, eu não gosto <strong>de</strong> matemática, etc., argumentos que po<strong>de</strong>riam ser evitados no<br />

uso diário se o ensino da matemática tivesse acontecido <strong>de</strong> forma diferente, significativa.<br />

O fato <strong>de</strong> a escola supervalorizar a matemática acadêmica é um dos principais motivos que levam as<br />

pessoas menos ou sem nenhuma escolarização a se afastarem da matemática, e por vezes são gerados<br />

sentimentos <strong>de</strong> repulsa e até mesmo <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> diante <strong>de</strong>ssa ciência tão presente em nossas vidas.<br />

Segundo Knijnik (1995, com essa data não há referência), ao consi<strong>de</strong>rar que o saber legitimado e o<br />

não-legitimado se relacionam <strong>de</strong> forma complexa, é estabelecido uma relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do legitimado<br />

sobre o não-legitimado. A autora sublinha que o ensino da matemática <strong>de</strong>ve, entre outros fatores,<br />

consi<strong>de</strong>rar o conhecimento produzido tanto no cotidiano quanto no universo acadêmico, fornecendo<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 92


comparação entre os dois saberes afim <strong>de</strong> que se analisem essas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r contido em seu uso.<br />

Diante disso, surgem alguns conceitos voltados para a matemática significativa, ou seja, para a<br />

valorização e o reconhecimento dos conhecimentos construídos no dia a dia. São eles: Letramento<br />

Matemático, Alfabetização Matemática, Numeramento, Linguagem Matemática entre outros.<br />

Utilizaremos conceitos sob a ótica do letramento matemático a fim <strong>de</strong> melhor fundamentar nosso<br />

trabalho.<br />

A tudo quanto foi dito, é preciso acrescentar que a discussão teórica <strong>de</strong>ste trabalho tem como<br />

fundamento o conceito da construção do conhecimento matemático, segundo a <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong><br />

Piaget, o qual busca [...] “por à <strong>de</strong>scoberta as raízes das diversas varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

suas formas mais elementares e seguir sua evolução até os níveis seguintes , até, inclusive, o pensamento<br />

científico”. (PIAGET, 1971, p.8)<br />

Interfaces entre Letramento e Alfabetização Matemática.<br />

O termo Letramento Matemático vem do conceito inglês conhecido como Numeracy, que procura<br />

enfocar os aspectos sociais que envolvem a escrita matemática incluindo as diversas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

representação, seguindo os mesmos caminhos do Letramento, que se resume nas práticas e eventos<br />

sociais permeados pela escrita. (GRANDO; MENDES, 2007, p. 13)<br />

Segundo as referidas autoras, o letramento matemático por vezes faz referência ao termo<br />

Numeramento, por estarem intrinsecamente ligados, não sendo possível haver dicotomia entre eles. O que<br />

muda é apenas por uma questão <strong>de</strong> tradução conceitual. Pois o numeramento po<strong>de</strong> ser pensando no<br />

sentido das diversas práticas em que são produzidas diferentes matemáticas, entre as quais existem<br />

aquelas diferentes das práticas escolares. Concordando com essa idéia, Barton (1994) afirma que:<br />

É necessário visualizar o numeramento a partir <strong>de</strong> suas bases culturais observando como<br />

ele é alocado em práticas particulares. Dessa forma, o numeramento não po<strong>de</strong> ser visto<br />

como algo singular: po<strong>de</strong>mos nos referir os diversos numeramentos, da mesma forma que<br />

se tem atribuído a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pluralida<strong>de</strong> ao letramento. Portanto, a pluralida<strong>de</strong> do<br />

numeramento se manifesta pela diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas sociais existentes em torno das<br />

noções <strong>de</strong> quantificação, medição, or<strong>de</strong>nação e classificação em contextos específicos,<br />

em que os diversos usos <strong>de</strong>ssas noções estão estritamente ligados aos valores<br />

socioculturais que permeiam essas práticas. (apud: GRANDO; MENDES, 2007, p. 23).<br />

Os estudos realizados na perspectiva do letramento matemático até o presente momento nos<br />

permitem chegar à constatação que pessoas pouco escolarizadas po<strong>de</strong>m, frente às experiências e<br />

necessida<strong>de</strong>s do dia a dia, executar práticas <strong>de</strong> letramento.<br />

Em contraposição com a visão geral que se po<strong>de</strong> encontrar sobre o ensino da matemática na escola,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 93


o Letramento Matemático <strong>de</strong>ve ser entendido como o uso da matemática no contexto social, práticas estas<br />

que além <strong>de</strong> exercidas no âmbito social, muita das vezes diferentes do mo<strong>de</strong>lo escolar, precisam ser<br />

escolarizadas.<br />

Também po<strong>de</strong> ser entendido como <strong>de</strong>nominação das habilida<strong>de</strong>s básicas para utilização <strong>de</strong> registros<br />

matemáticos diante do trabalho ou da vida diária.<br />

Preparar listas <strong>de</strong> compras, verificar o vencimento dos produtos que serão comprados,<br />

comparar preços antes <strong>de</strong> comprar, conferir o consumo <strong>de</strong> água, luz ou telefone, procurar<br />

as ofertas da semana em folhetos e jornais, comprar a prazo, anotar dívidas e <strong>de</strong>spesas,<br />

conferir troco, conferir notas e recibos, fazer ou conferir acertos <strong>de</strong> contas ou orçamento<br />

<strong>de</strong> serviços, pagar contas em bancos ou casas lotéricas, anotar números <strong>de</strong> telefones, ver<br />

as horas em relógio <strong>de</strong> ponteiros ou digital, ler bula <strong>de</strong> um remédio que comprou e ler<br />

manuais para instalar aparelhos domésticos são tarefas que fazem parte do cotidiano [...].<br />

(TOLEDO, 2004, p. 97).<br />

Esta é uma habilida<strong>de</strong> que faz parte da competência do sujeito do ponto <strong>de</strong> vista da autonomia<br />

sócio-educativa. Compreen<strong>de</strong>r a matemática como um fator constante no dia-a-dia implica em enten<strong>de</strong>r o<br />

porquê <strong>de</strong>la, haja vista que durante o processo <strong>de</strong> escolarização seu ensino basicamente persiste na i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> conceber os objetos <strong>de</strong> ensino como cópias dos objetos da ciência, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando que no cotidiano,<br />

o sujeito é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver mecanismos e ativida<strong>de</strong>s matemáticas a fim <strong>de</strong> sanar seus conflitos.<br />

O letramento matemático nos permite compreen<strong>de</strong>r como os sujeitos pouco escolarizados enxergam<br />

a matemática em seu dia a dia e, ainda, nos permite fazer articulações e reflexões sobre como seus<br />

conhecimentos práticos são construídos. A partir do letramento matemático po<strong>de</strong> possível aproximar o<br />

saber legitimado, ou seja, o escolar, das práticas sociais, ou ainda, a partir <strong>de</strong>las, reconstruir nosso mo<strong>de</strong>lo<br />

educacional.<br />

A Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o código da escrita, e Alfabetização Matemática<br />

o processo em que se adquirem os códigos matemáticos. Pelo fato da Matemática ser uma ciência viva ela<br />

é capaz <strong>de</strong> criar seus próprios símbolos e signos. Também por possuir uma linguagem própria, a<br />

Linguagem Matemática po<strong>de</strong> ser permeada pela escrita, leitura e oralida<strong>de</strong>.<br />

Apesar <strong>de</strong> ser muito forte a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o sujeito para apren<strong>de</strong>r a matemática precisa ser<br />

alfabetizado, esta já vem sendo <strong>de</strong>smistificada. Através <strong>de</strong> estudos e pesquisas fica evi<strong>de</strong>nciado que a<br />

aprendizagem da matemática com a alfabetização na língua materna não ocorrem linearmente. O sujeito<br />

não precisa apren<strong>de</strong>r primeiro as letras para <strong>de</strong>pois apren<strong>de</strong>r os números.<br />

Já que está inserida no universo numérico <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, po<strong>de</strong>mos perceber a matemática em<br />

uma criança pequena <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que questiona a sua ida<strong>de</strong> e outros entes matemáticos que a ro<strong>de</strong>ia,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 94


observamos que rapidamente ela articula os <strong>de</strong>dinhos tentando mostrar o número referente à sua ida<strong>de</strong>.<br />

Mas o que ocorre com crianças que crescem em comunida<strong>de</strong>s alfabetizadas? O notacional<br />

aparece em diferentes contextos – em pare<strong>de</strong>s, objetos, embalagens, jogos, papel ou<br />

papelão – e também como parte <strong>de</strong> diversas ativida<strong>de</strong>s. Para muitas crianças, ver um<br />

cartaz, fazer um <strong>de</strong>senho, copiar letras ou “fazer números” é uma experiência tão direta<br />

quanto brincar com areia ou ir a um supermercado. (TEBEROSKY & TOLCHINSKY,<br />

2003, p. 198)<br />

Teberosky e Tolchinsky (2003) <strong>de</strong>monstram em uma pesquisa que realizaram em que eram<br />

apresentados para as crianças vários cartões com letras ou números marcados, que ao agrupá-los segundo<br />

suas semelhanças, as crianças mesmo sendo pequenas fizeram agrupavam, número com número e letra<br />

com letra.<br />

Quando questionadas quanto aos agrupamentos, as crianças respon<strong>de</strong>ram que os cartões com letras<br />

serviam para “escrever”, já os cartões com números para “contar”. E que os cartões que apresentavam<br />

letras e números juntos, não serviam para nada.<br />

Diante <strong>de</strong>sse dado, reafirmamos que o ensino da matemática não <strong>de</strong>ve ser postergado ao da escrita,<br />

visto que a criança esta em contato com o número todo o tempo, fazendo do mesmo uso e reconhecendo<br />

sua função no contexto social.<br />

Com respeito a esta questão, cumpre salientar que em nossa pesquisa, partimos do principio que o<br />

significado da matemática resulta da vinculação entre seu aprendizado social e escolar, consi<strong>de</strong>rando seu<br />

conhecimento prévio baseado em uma inteligência prática adquirida no âmbito social.<br />

Assim, acreditamos na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar mecanismos que estabeleçam aproximações entre as<br />

práticas <strong>de</strong> letramento das mães <strong>de</strong> meios populares às práticas escolares para concretização <strong>de</strong>stes<br />

conhecimentos sobre os saberes matemáticos. Para que além <strong>de</strong> letradas, as mães também possam ser<br />

sujeitos alfabetizados em matemática.<br />

Alfabetização matemática diz respeito aos atos <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler e escrever a linguagem<br />

matemática, usadas nas séries iniciais da escolarização. [...] a alfabetização matemática,<br />

portanto, como fenômeno que trata da compreensão, da interpretação e da comunicação<br />

dos conteúdos matemáticos ensinados na escola, tidos como iniciais para a construção do<br />

conhecimento matemático. Ser alfabetizado em matemática, então, é compreen<strong>de</strong>r o que<br />

se lê e escreve o que se compreen<strong>de</strong> a respeito das primeiras noções <strong>de</strong> lógica, <strong>de</strong><br />

aritmética e <strong>de</strong> geometria. Assim, a escrita e a leitura das primeiras i<strong>de</strong>ias matemáticas<br />

po<strong>de</strong>m fazer parte do contexto <strong>de</strong> alfabetização. (DANYLUK, 2002, p. 20-21)<br />

A Construção do Conhecimento Matemático e a Teoria da <strong>Epistemologia</strong> Genética.<br />

Os estudos realizados <strong>de</strong>ntro da Educação Matemática buscam enten<strong>de</strong>r como acontece o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 95


<strong>de</strong>senvolvimento do pensamento matemático no sujeito e tem sido uma das principais preocupações da<br />

investigação melhorar o ensino e a aprendizagem da matemática.<br />

Segundo Piaget (1971), o conhecimento não po<strong>de</strong> ser visto como algo pre<strong>de</strong>terminado nas<br />

estruturas internas do sujeito, pois resultam <strong>de</strong> uma construção efetiva e continua, ou seja, são as<br />

interações e as vivências com o meio que levarão sujeito a construir seu conhecimento.<br />

O conhecimento resultaria <strong>de</strong> interações que se produzem a meio caminho entre os dois,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, portanto, dos dois ao mesmo tempo ( um sujeito consciente <strong>de</strong> si mesmo –<br />

objetos construídos) mas em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma indiferenciação completa e não <strong>de</strong><br />

intercâmbio entre formas distintas. (PIAGET, 1971, p. 14)<br />

Assim, todo conhecimento a ser interiorizado pelo sujeito é fruto <strong>de</strong> sua relação com o meio social<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nível <strong>de</strong> sua estrutura cognitiva. Desse modo, todo conhecimento prévio, ou seja, todo<br />

conhecimento já construído anteriormente através dos esquemas cognitivos, são <strong>de</strong> importante valor para<br />

a aprendizagem, pois são a partir <strong>de</strong>les que os sujeitos construirão novos conhecimentos.<br />

Façamos um parêntese para ressaltar que os conhecimentos adquiridos na prática, no dia a dia, não<br />

só po<strong>de</strong>m como <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados, pois são a partir <strong>de</strong>les que o sujeito po<strong>de</strong>rá refletir sobre suas<br />

ações, modificando, transformando e, por conseguinte, compreen<strong>de</strong>ndo todo o processo <strong>de</strong> sua<br />

aprendizagem.<br />

O conhecimento é algo que está sempre em movimento, ninguém permanece estagnado em um<br />

conhecimento <strong>de</strong>terminado, pela própria dinâmica do universo em que os estudos avançam, a ciência<br />

evolui e a humanida<strong>de</strong> caminha, rumo a novos conhecimentos. As tecnologias se transformam a cada dia,<br />

a medicina inova seus medicamentos e procedimentos, enfim, estamos em uma socieda<strong>de</strong> em constante<br />

mudança. E no meio educacional não po<strong>de</strong> ser diferente, e o conhecimento matemático, pertencendo ao<br />

meio educacional, também está em movimento.<br />

O que é Matemática e a forma <strong>de</strong> ensiná-la são elementos que irão compor o<br />

conhecimento em movimento chamado Educação Matemática, bom exemplo do que é um<br />

conceito em movimento. Esta <strong>de</strong>nominação para o conjunto <strong>de</strong> leis que compõe o<br />

processo <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> Matemática, os seus objetivos e conteúdos tem avançado<br />

juntamente com os conhecimentos das leis gerais que regem o convívio social e o mundo<br />

físico. Isto é, a Educação Matemática tem respondido às questões: "O que ensinar?", "Por<br />

que ensinar?”, "Como ensinar?", na medida em que têm ficado mais claros processos <strong>de</strong><br />

aprendizagem, as razões sociais do que se apren<strong>de</strong> e o quanto o aprendido po<strong>de</strong> gerar<br />

novos conhecimentos. (MOURA, Série I<strong>de</strong>ias n. 10, São Paulo: FDE, 1992).<br />

O conhecimento matemático, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus primórdios vem se modificando. No principio, o homem<br />

utilizava a matemática como uma forma <strong>de</strong> sobrevivência, com o objetivo <strong>de</strong> contar dos dias, os animais,<br />

estabelecendo <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> trocas e construindo domínios sobre o signo numérico.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 96


Em nossos dias, o homem continua utilizando à matemática, porém não apenas com essas<br />

finalida<strong>de</strong>s. A preocupação em controlar quantida<strong>de</strong>s continua, mas, hoje é possível utilizar vários outros<br />

recursos logísticos e tecnológicos.<br />

Enten<strong>de</strong>mos a matemática hoje, como uma ciência que permite construir no sujeito certas<br />

habilida<strong>de</strong>s para a resolução dos problemas diários, que permite a ação e reflexão sobre a prática<br />

cotidiana.<br />

Objetivos<br />

Essa pesquisa tem como objetivo investigar os conhecimentos que as mães dos alunos <strong>de</strong> meios<br />

populares possuem em relação à matemática. A investigação tem como base o conceito do Letramento<br />

Matemático, ou seja, busca <strong>de</strong>svelar a utilização que essas mães fazem da matemática no cotidiano, como<br />

ferramenta <strong>de</strong> sobrevivência, em consonância com o conceito da Construção do Conhecimento<br />

Matemático não como cópia da realida<strong>de</strong>, mas sim como o agir, modificar, transformar e compreen<strong>de</strong>r<br />

todo o processo <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Partimos do pressuposto que saber matemática não é sinônimo apenas <strong>de</strong> fazer e repetir contas.<br />

[...] é mais do que simplesmente conhecer o número e saber fazer contas “secas”, sem<br />

vida: a alfabetização matemática busca dar condições para que os jovens e adultos<br />

possam enten<strong>de</strong>r, criticar e propor modificações para situações <strong>de</strong> sua vida pessoal, da<br />

vida coletiva do assentamento e do mundo mais adiante. (MST, 1996 p. 2 apud LOPES,<br />

2005).<br />

Quando se fala da escrita matemática é impossível não fazer correlação com a Linguagem<br />

Matemática, pois não existe dicotomia entre ambas. A escrita compõe a linguagem e a linguagem compõe<br />

a escrita <strong>de</strong>ntro do processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem. A matemática, enquanto linguagem é capaz <strong>de</strong> criar<br />

seus próprios símbolos e elaborar suas próprias or<strong>de</strong>ns, pois se trata <strong>de</strong> ciência viva. Porém, existem<br />

diferenças gritantes entre a linguagem matemática vivenciada na escola com a linguagem matemática<br />

vivenciada em casa, pois “a linguagem matemática não é só um fator do <strong>de</strong>senvolvimento intelectual do<br />

aluno, mas também um instrumento fundamental na sua formação social”. (VERGANI, 1993). Sendo<br />

assim, se torna fundamental aproximar a linguagem matemática da escola com a linguagem matemática<br />

materna.<br />

Acreditamos que ao realizar tal aproximação, estaremos contribuindo para o acesso do indivíduo ao<br />

conhecimento científico, possibilitando o exercício <strong>de</strong> sua autonomia e facilitando sua convivência em<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 97


Metodologia<br />

Nossa opção metodológica consiste na abordagem qualitativa, visto que essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pesquisa fundamenta-se em dados coligados e nas integrações interpessoais, na co-participação das<br />

situações em que os dados não são encarados como totais e absolutos.<br />

A abordagem qualitativa permite ao pesquisador manter contato direto com seu objeto <strong>de</strong> estudo,<br />

preservando a complexida<strong>de</strong> do comportamento humano, observando a realida<strong>de</strong> através da participação<br />

em ações do grupo, por meio <strong>de</strong> entrevistas, conversas, permitindo ao mesmo tempo comparar e<br />

interpretar as respostas encontradas em situações adversas. (LÜDKE e ANDRÉ,1986).<br />

As investigações vêm sendo até então realizadas em observações quinzenais com um grupo <strong>de</strong> mães<br />

por um período <strong>de</strong>terminado; pelo contato com leituras <strong>de</strong> produções e relatos orais das mães em<br />

situações formais e não-formais <strong>de</strong> suas vivências matemáticas do dia a dia. Preten<strong>de</strong>mos ainda trabalhar<br />

tanto a interpretação como a elaboração <strong>de</strong> textos matemáticos a serem produzidos pelas mães.<br />

Para a análise dos dados estamos consi<strong>de</strong>rando os aspectos referentes ao domínio dos mecanismos<br />

práticos da matemática, ou seja, a utilização da “matemática do cotidiano”, partindo do pressuposto da<br />

existência <strong>de</strong> uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> letramento <strong>de</strong>senvolvidas pelas mães no seu dia a dia.<br />

A opção por ativida<strong>de</strong>s que propiciem o contato das mães e filhos/alunos em situações próprias à<br />

utilização do letramento matemático, também foram ainda utilizadas, com o intuito <strong>de</strong> explorar, além dos<br />

conhecimentos específicos da matemática, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas <strong>de</strong> interpretar e utilizar o sistema<br />

notacional específico da matemática.<br />

Desenvolvimento<br />

A nossa pesquisa está vinculada a uma pesquisa maior, intitulada: “Mães, Crianças e Livros:<br />

Investigando Práticas <strong>de</strong> Letramento em Meios Populares”, que já vem acontecendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2007. Já foi<br />

possível reunir com algumas mães em alguns encontros. No primeiro encontro foi lido para as mães o<br />

livro Mania <strong>de</strong> Explicação da Adriana Falcão, e em seguida foi pedido que elas interagissem <strong>de</strong> acordo<br />

com o que era proposto durante a leitura.<br />

No segundo encontro foi lida a estória criada por um participante da pesquisa, com o título “O lenço<br />

que queria ser...”. A participação tanto <strong>de</strong> mães como dos filhos foi intensa, a estória foi muito bem aceita<br />

e em seguida foi pedido a elas que fizessem as dobraduras propostas na estória com o lenço. E no terceiro<br />

encontro foi apresentado o livro Olha o Olho da Menina da Marisa Prado, em seguida foi solicitado para<br />

as mães que criassem um texto relatando qual a maior mentira que já haviam contado, já que o livro<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 98


falava sobre mentiras.<br />

Nesse último encontro foi possível recolher as ativida<strong>de</strong>s escritas para serem analisadas juntamente<br />

com as próximas ativida<strong>de</strong>s que serão aplicadas, já que um dos instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados foi à<br />

elaboração <strong>de</strong> textos escritos pelas mães.<br />

Também realizamos observações nas residências <strong>de</strong>ssas mães a fim <strong>de</strong> verificarmos a presença <strong>de</strong><br />

materiais escritos em suas casas. Foram feitas também algumas entrevistas com as mães a fim <strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>rmos como é o dia a dia <strong>de</strong>las, o que elas fazem que envolva a matemática e como é a relação<br />

<strong>de</strong>las com os filhos na hora <strong>de</strong> orientar as tarefas.<br />

Pelo fato da pesquisa <strong>de</strong>ssa narrativa <strong>de</strong>rivar <strong>de</strong> outra pesquisa já em andamento, foi possível<br />

utilizar alguns dados já comprovados como o fato que as mães mesmo não sendo escolarizadas<br />

conseguem <strong>de</strong>senvolver mecanismos provenientes do letramento matemático.<br />

Nesses encontros realizados com as mães e filhos foram geradas discussões revelando tanto<br />

significados presumidos pelas mães sobre os entes matemáticos, como a maneira pela qual elas<br />

negociavam esses significados. Foi observado gran<strong>de</strong> esforço por parte das mães em auxiliar seus filhos<br />

durante o <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s. Houve situações em que se <strong>de</strong>senvolveram relatos e discussões<br />

sobre a utilização do conhecimento matemático informal e outras <strong>de</strong> produções escritas entre mães e<br />

filhos.<br />

Algumas consi<strong>de</strong>rações<br />

A tabela a seguir apresenta as ocorrências seguidas das analises das observações nas residências e<br />

<strong>de</strong> entrevistas semi-estruturadas realizadas com as mães sujeitos da pesquisa.<br />

Das observações feitas nas residências a fim <strong>de</strong> constatar quais os tipos <strong>de</strong> materiais escritos<br />

presentes e, como os mesmos influenciam no processo <strong>de</strong> letramento utilizado pelas mães com seus<br />

filhos, foram encontrados os seguintes resultados:<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 99


TABELA1: TIPOS DE MATERIAIS ESCRITOS ENCONTRADOS.<br />

SUJEITO MATERIAIS<br />

1- -Alguns livros didáticos, livros <strong>de</strong> romance, suspense, livros <strong>de</strong> receitas, ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> receitas (escritos à<br />

mão e com muitos recortes), calendários, Bíblia, revistas, revistas religiosas, lista telefônica, contas <strong>de</strong><br />

banco, água, luz e outros, folhetos <strong>de</strong> supermercado e propagandas, dicionários, enciclopédias, bulas <strong>de</strong><br />

remédio, recados na gela<strong>de</strong>ira, livros <strong>de</strong> literatura infantil, manual <strong>de</strong> eletrodomésticos.<br />

2- -Calendário, Bíblias, revistas, livro religioso, bulas, folhetos <strong>de</strong> propagandas, livro didático, folhetos<br />

religiosos, manual <strong>de</strong> eletrodoméstico.<br />

3- -Livros infantis, livros didáticos, literatura para vestibular, enciclopédia <strong>de</strong> livros: Biologia, Química,<br />

Matemática, Física, História e Geografia, Bíblias, livro <strong>de</strong> histórias bíblicas, livro <strong>de</strong> literatura infantil,<br />

calendário, lista telefônica, dicionário, agenda telefônica, revistas e jornais antigos, embalagens <strong>de</strong> produtos<br />

alimentícios e cartas <strong>de</strong> correspondência.<br />

4- -Livros <strong>de</strong> literatura infantil (12), livros didáticos, revistas, folhetos <strong>de</strong> propagandas, Bíblias, livro <strong>de</strong><br />

oração, dicionário e calendário.<br />

5- -Livros <strong>de</strong> literatura infantil, dicionário, apostilas escolares, revista, enciclopédias, listas telefônicas, agenda<br />

telefônica, calendários, manuais <strong>de</strong> eletrodomésticos, Bíblia, recados na gela<strong>de</strong>ira, revistas <strong>de</strong> receitas, livro<br />

<strong>de</strong> receitas, recorte <strong>de</strong> embalagens e bulas <strong>de</strong> remédios.<br />

Nas entrevistas, quando foram questionadas a respeito das ativida<strong>de</strong>s que realizam diariamente e<br />

que utilizam a matemática, algumas mães respon<strong>de</strong>ram que utilizam a matemática com frequência ao<br />

irem ao supermercado e comparar preços, na hora que estão fazendo o almoço, e também <strong>de</strong> pagar as<br />

<strong>de</strong>spesas mensais.<br />

Quanto ao acompanhamento escolar, elas afirmam ajudar nas tarefas <strong>de</strong> matemática, uma mãe, em<br />

especial, nos disse que ensinava a filha com grãos <strong>de</strong> soja. Quando questionada o porquê da soja, ela<br />

respon<strong>de</strong>u:<br />

Conclusões prévias<br />

[...] ah... é porque é o que tem em casa...tem muita soja em casa. E quando a tarefa <strong>de</strong>la é<br />

di mais eu pego cinco soja e mais duas soja e pergunto pra ela quanta soja tem?...E se é<br />

<strong>de</strong> menos também...daí ela pega a soja e eu faço junto com ela...daí ela consegue fazer...<br />

[sic] (Entrevista Ros)<br />

Para por fim em nossas observações, lembramos que se trata <strong>de</strong> uma pesquisa em andamento sujeita<br />

a alteração, porém com dados suficientes para firmarmos algumas questões sobre o conhecimento<br />

matemático que as mães <strong>de</strong> meios populares possuem e a relação com a construção do saber.<br />

Nossos dados convergem com os pressupostos <strong>de</strong> Zunino (1995), quando mostram que as mães<br />

pouco ou não escolarizadas <strong>de</strong>monstram preocupação com a escolarização <strong>de</strong> seus filhos e, mesmo que<br />

<strong>de</strong>sconheçam possuírem conhecimentos da matemática formal, participam do processo<br />

ensino/aprendizagem, pelo fato <strong>de</strong> assumirem a obrigação <strong>de</strong> preparar seus filhos para as aulas.<br />

Em seu dia a dia colocam em prática esses conceitos mesmo <strong>de</strong>sconhecendo-os enquanto tais frente<br />

ao conhecimento formal. Conseguem realizar ativida<strong>de</strong>s práticas em que utilizam matemática, como<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 100


analisar em qual supermercado a <strong>de</strong>spesa será menor – as quantida<strong>de</strong>s necessárias <strong>de</strong> alimento para o<br />

almoço – os juros das prestações mais extensas, entre outras coisas que pu<strong>de</strong>ram ser observadas. Mas não<br />

se dão conta que estão trabalhando conceitos matemáticos, que, para elas, consistem naqueles mo<strong>de</strong>los e<br />

formas que a escola difun<strong>de</strong> a partir dos livros que seguem formatos pré - estabelecidos.<br />

Ficou claro para nós que essas mães <strong>de</strong> camadas populares são capazes <strong>de</strong> criar mecanismos <strong>de</strong><br />

utilização dos conceitos matemáticos diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sanar os problemas que surgem no<br />

cotidiano, mas por vezes, encontram dificulda<strong>de</strong> para auxiliar os <strong>de</strong>veres escolares <strong>de</strong> seus filhos quando<br />

apresentados no formato da matemática escolar. Elas exercem práticas do letramento e letramento<br />

matemático, sem que estas sejam valorizadas até por elas mesmas.<br />

A pesquisa certamente contribuirá para que as mães tomem ciência <strong>de</strong> seus saberes sobre a<br />

matemática e sobre a língua materna, num contexto não habitual, po<strong>de</strong>ndo resultar em uma melhor<br />

interpretação dos problemas matemáticos.<br />

Conclui-se que para que seja <strong>de</strong>smistificada a visão preconceituosa sobre o conhecimento das<br />

famílias <strong>de</strong> meios populares e que se possa contribuir para a superação das discriminações e preconceitos<br />

em torno <strong>de</strong>ste assunto, cabe à escola valorizar essas práticas <strong>de</strong> letramento dos meios populares,<br />

estabelecendo vias <strong>de</strong> interação entre escola/comunida<strong>de</strong>. E a partir <strong>de</strong>ssas vivências, contribuir para<br />

sedimentar as relações apontadas como meio eficaz <strong>de</strong> consolidação da interação escola/ família/práticas<br />

<strong>de</strong> letramento e letramento matemático.<br />

[...] acreditamos ser papel da Educação Matemática fornecer ferramentas que permitam a<br />

construção do conhecimento futuro. E isto é feito a partir do domínio do conhecimento<br />

presente, que, segundo PIAGET& GARCIA (1984), nunca é um estado, mas sim um<br />

processo, influenciado por etapas prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, cuja transformação<br />

contínua dá-se por meio da reorganização e reequilíbrio das necessida<strong>de</strong>s intrínsecas das<br />

estruturas, constituindo o produto <strong>de</strong> conquistas sucessivas. E, sendo assim, "as normas<br />

científicas se situam no prolongamento das normas <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong> práticas<br />

anteriores...". (MOURA, Série I<strong>de</strong>ias n. 10, São Paulo: FDE, 1992).<br />

Em última análise, po<strong>de</strong>mos afirmar que os conhecimentos matemáticos que as mães <strong>de</strong> meios<br />

populares possuem, foram construídos mediante os conflitos diários, e o fato <strong>de</strong> não possuírem elevados<br />

graus <strong>de</strong> escolarização não as impediu <strong>de</strong> construir o saber matemático, pois o mesmo não se restringe aos<br />

espaços escolares.<br />

Referências<br />

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GRANDO, R. C.; MENDES, J. R. (Org). Múltiplos olhares: matemática e produção <strong>de</strong> conhecimento.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 101


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Sulina, Passo Fundo: Ediupf, 2002.<br />

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JUNIOR, G. P. A matemática e os temas transversais. São Paulo: Mo<strong>de</strong>rna, 2001.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 102


3. Conhecimento Social<br />

O papel da escola e do professor numa situação <strong>de</strong> não aprendizagem: o que dizem as crianças?<br />

Resumo<br />

GUIMARÃES, Taislene<br />

FFC/UNESP-Marília<br />

SARAVALI, Eliane Giachetto<br />

FFC/UNESP-Marília<br />

Fundação <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa do Estado <strong>de</strong> São Paulo – FAPESP<br />

taislene_ped@yahoo.com.br<br />

O artigo apresenta dados parciais <strong>de</strong> uma pesquisa sobre a construção do conhecimento social a partir da<br />

perspectiva piagetiana, mais especificamente as i<strong>de</strong>ias das crianças a respeito da escola e do professor. Os<br />

participantes do estudo foram 52 crianças entre 7 e 8 anos inseridas em ambientes educacionais<br />

diferenciados: um consi<strong>de</strong>rado como ambiente tradicional <strong>de</strong> ensino e o outro consi<strong>de</strong>rado como ambiente<br />

sócio-moral construtivista. O instrumento apresentado aqui, utilizado para coleta <strong>de</strong> dados, é uma história<br />

envolvendo uma situação <strong>de</strong> não-aprendizagem. Os participantes eram convidados a pensar sobre as<br />

questões inerentes à história, bem como o papel da escola e do professor na situação proposta. Os dados<br />

indicaram não haver diferença entre os dois ambientes no que se refere à construção <strong>de</strong>sse conhecimento<br />

social. No entanto, houve diferença muito significativa na maneira utilizada pelos alunos para resolverem<br />

os problemas da história: no ambiente tradicional a coerção e a expiação foram mais mencionadas e no<br />

ambiente sócio-moral construtivista, o diálogo e a cooperação. Os dados apontam ainda para a<br />

necessida<strong>de</strong> do trabalho com esse tipo <strong>de</strong> conhecimento em sala <strong>de</strong> aula, visto que as respostas dos<br />

sujeitos caracterizaram-se por uma compreensão parcial da realida<strong>de</strong>, centrada em aspectos mais visíveis<br />

e aparentes dos fatos e na não-consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> processos ocultos.<br />

Palavras-chave: Conhecimento social. Teoria piagetiana. I<strong>de</strong>ias infantis.<br />

Abstract<br />

This paper presents partial data of a research on the construction of social knowledge un<strong>de</strong>r the Piagetian<br />

perspective, more specifically on children’s i<strong>de</strong>as about the school and the teacher. The participants of the<br />

study were 52 children aged between 7 and 8 years, who were immersed into different educational<br />

environments: one of them consi<strong>de</strong>red a traditional teaching environment and the other one consi<strong>de</strong>red a<br />

socio-moral constructivist environment. The instrument that we present here, used for data collection, is a<br />

story involving a non-learning situation. The participants were asked to think about issues related to the<br />

story, as well as the role of the school and the teacher in the proposed situation. Data indicated no<br />

difference between the two environments concerning the construction of social knowledge. However,<br />

there was significant difference in the way the stu<strong>de</strong>nts solved the problems of the story: in the traditional<br />

environment, coercion and atonement were more mentioned while in the socio-moral constructivist<br />

environment, dialogue and cooperation were mentioned instead. Data also indicate the need to work with<br />

this type of knowledge in the classroom since the answers of the subjects were characterized by a partial<br />

comprehension of reality, focusing on more visible and apparent aspects of the facts and on the nonconsi<strong>de</strong>ration<br />

of hid<strong>de</strong>n processes.<br />

Keywords: Social knowledge. Piagetian theory. Children's i<strong>de</strong>as.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 103


Introdução<br />

Neste artigo, buscamos apresentar parte dos resultados <strong>de</strong> uma pesquisa que investigou a<br />

construção do conhecimento social, em crianças <strong>de</strong> 7 e 8 anos, especificamente, as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>ssas crianças<br />

sobre a escola e sobre o professor.<br />

O instrumento que apresentaremos aqui teve a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisar como as crianças viam as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação docente e o papel da escola em uma situação <strong>de</strong> não aprendizagem. Trata-se da<br />

interpretação <strong>de</strong> uma história envolvendo a problemática da não aprendizagem, sobre a qual crianças <strong>de</strong><br />

dois tipos <strong>de</strong> ambientes educativos, um consi<strong>de</strong>rado tradicional e outro sócio-moral construtivista, foram<br />

solicitadas a apresentarem suas concepções acerca do assunto, as possíveis resoluções e ainda as possíveis<br />

consequências para os envolvidos, sobretudo aluno e professor.<br />

Referencial Teórico<br />

O legado da obra Piaget nos mostra, em pesquisas criteriosas realizadas em diferentes socieda<strong>de</strong>s e<br />

com um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> sujeitos, que o conhecimento é construído a partir da interação que<br />

estabelecemos com o meio físico e social. Para Piaget, o <strong>de</strong>senvolvimento psicológico, que conduz a<br />

criança ao pensamento adulto, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> unicamente <strong>de</strong> fatores hereditários, ou da pressão do meio<br />

físico, mas, sobretudo, da influência da vida social sobre o indivíduo. O escopo <strong>de</strong> seu trabalho foi<br />

comprovar esse longo processo <strong>de</strong> construção e equilibração que percorremos no aperfeiçoamento <strong>de</strong><br />

nossas capacida<strong>de</strong>s adaptativas.<br />

Os estudos <strong>de</strong> Piaget, como também <strong>de</strong> seus seguidores, <strong>de</strong>monstraram que nem todos os<br />

conhecimentos são da mesma natureza. Portanto, <strong>de</strong> acordo com o referencial piagetiano, há três tipos <strong>de</strong><br />

conhecimento: o conhecimento físico, o conhecimento lógico-matemático e o conhecimento social.<br />

Simplificadamente, po<strong>de</strong>mos dizer que o conhecimento físico é aquele adquirido a partir da<br />

experiência direta sobre os objetos, pelo processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta e estruturado a partir da “abstração<br />

empírica”, isto é, a “abstração das proprieda<strong>de</strong>s observáveis que são inerentes aos objetos” (ASSIS, 2003,<br />

p.78). Cor, forma, textura, gosto, odor, entre outros, são alguns exemplos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s que<br />

encontramos nos objetos. O conhecimento lógico-matemático é aquele estruturado a partir da “abstração<br />

reflexionante” que tem origem na coor<strong>de</strong>nação das ações que os indivíduos exercem sobre os objetos<br />

(PIAGET et al, 1995). Por meio <strong>de</strong>ssa abstração são criadas e introduzidas relações entre os objetos,<br />

como, por exemplo, comparar, quantificar, entre outros. O conhecimento social é o conhecimento<br />

proveniente das transmissões sociais, fruto das <strong>de</strong>terminações e interações sociais. Tal conhecimento é<br />

adquirido a partir <strong>de</strong> informações fornecidas pelas pessoas e pelo ambiente social em que estão inseridas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 104


No entanto, ainda que proveniente do ambiente social, os resultados <strong>de</strong> pesquisas sobre o<br />

conhecimento social, corroboram aquilo que a teoria piagetiana acreditava ser o papel ativo do sujeito que<br />

conhece. Nessa perspectiva, a construção <strong>de</strong>sse conhecimento vai assumir uma interpretação diferente, a<br />

<strong>de</strong> que os dados não se impõem, mas são reorganizados, interpretados, o que condiz com os processos <strong>de</strong><br />

assimilação e acomodação 34 . Portanto, as crianças transformam os fenômenos sociais em objetos <strong>de</strong><br />

conhecimento, dando-lhes conceitualizações e i<strong>de</strong>ias bastante singulares.<br />

Durante o <strong>de</strong>senvolvimento infantil, a criança vai formando representações dos diferentes aspectos<br />

da socieda<strong>de</strong> em que vive, sendo esta representação produto da influência dos adultos e “resultado <strong>de</strong> uma<br />

ativida<strong>de</strong> construtiva a partir <strong>de</strong> elementos fragmentados que recebe e seleciona” (DELVAL, 1989, p.<br />

245). Dessa forma, po<strong>de</strong>mos concluir que a criança realiza uma tarefa individual que nada tem a ver com<br />

uma assimilação passiva e que as representações que elabora não são simples cópias das dos adultos<br />

(DELVAL, 2007).<br />

Enesco et al (1995) esclarecem que ao se tratar do conhecimento social como objeto <strong>de</strong><br />

conhecimento, estuda-se aquilo que é produzido em um contexto social e que adquire o seu significado no<br />

seio das relações com os outros. Esse objeto <strong>de</strong> conhecimento po<strong>de</strong> se caracterizar por diferentes<br />

dimensões, tais como: o conhecimento do eu e dos outros (conhecimento psicológico ou pessoal), as<br />

relações interpessoais, os papéis sociais, as normas que regulam as condutas <strong>de</strong>ntro do grupo social, o<br />

funcionamento e a organização da socieda<strong>de</strong> (economia, política, etc).<br />

Ao consi<strong>de</strong>rarmos essas diferentes dimensões que compõem o conhecimento social, observamos,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, que as crianças sofrem múltiplas influências sociais por meio <strong>de</strong> suas interações e trocas<br />

com tudo e todos que fazem parte do ambiente em que estão inseridas, como por exemplo: a linguagem,<br />

os valores, as regras e normas sociais do grupo, o exercício dos papéis etc. É a partir <strong>de</strong>ssas trocas e,<br />

sobretudo, da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas trocas, que as crianças iniciam a construção <strong>de</strong> suas representações da<br />

realida<strong>de</strong> social. Enesco e Navarro completam essa i<strong>de</strong>ia:<br />

Esto no significa que los niños inventen la realidad a espaldas <strong>de</strong> ella, pero si que<br />

construyen representaciones que no son copias <strong>de</strong> ella, sino inferencias realizadas a partir<br />

<strong>de</strong> aquellas interacciones u observaciones que, utilizando la terminologia piagetiana,<br />

pue<strong>de</strong>n asimilar (ENESCO; NAVARRO, 1994, p. 72).<br />

34 A título <strong>de</strong> complementação: dois conceitos-chave da obra piagetiana são os conceitos <strong>de</strong> assimilação e <strong>de</strong> acomodação. Segundo Piaget,<br />

a assimilação é entendida “como a acepção ampla <strong>de</strong> uma integração <strong>de</strong> elementos novos em estruturas ou esquemas já existentes”, ou<br />

seja, por um lado implicaria a noção da significação e, por outro, expressaria a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que todo conhecimento está ligado a ação e <strong>de</strong><br />

que o conhecimento <strong>de</strong> um objeto ou acontecimento seria o mesmo que assimilá-lo a esquemas <strong>de</strong> ação (PIAGET, 1978, p.11). Já o<br />

processo <strong>de</strong> acomodação é <strong>de</strong>finido por este autor como “toda modificação dos esquemas <strong>de</strong> assimilação, por influência <strong>de</strong> situações<br />

exteriores”, como, por exemplo, quando um esquema não é suficiente para respon<strong>de</strong>r a uma situação, surge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o esquema<br />

modificar-se em função da situação (PIAGET, 1978, p.11). Estes processos internos são mecanismos inseparáveis e complementares que,<br />

ao atingirem um equilíbrio entre si, resultam na adaptação.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 105


Uma prova <strong>de</strong> que o conhecimento social é construído é a <strong>de</strong> que as crianças <strong>de</strong>senvolvem i<strong>de</strong>ias<br />

ou explicações que não foram “transmitidas” ou “ensinadas” diretamente pelos adultos (DELVAL, 2007).<br />

Delval (1990) conta que se surpreen<strong>de</strong>u a primeira vez que uma criança <strong>de</strong> 9 anos lhe disse que as pessoas<br />

eram pobres porque "não tinham dinheiro para comprar trabalho", e continuou a surpreen<strong>de</strong>r-se quando<br />

percebeu que as crianças da mesma ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diferentes países e níveis sociais davam respostas<br />

semelhantes, dando-lhes um caráter universal. Tais respostas não revelavam uma prática comum na<br />

socieda<strong>de</strong>, tampouco algo que era ensinado às crianças. Nesse sentido, Denegri explica que:<br />

[...] a criança constrói uma representação da organização social a partir dos elementos que<br />

são proporcionados pelos adultos, os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, as conversas, as<br />

informações que recebe na escola e suas próprias observações. No entanto, ainda que<br />

esteja imersa no mundo social <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nasce, sua experiência é peculiar e distinta do<br />

adulto. Em primeiro lugar, trata-se <strong>de</strong> uma experiência muito mais reduzida que a do<br />

adulto, e, além disso, fragmentada. Há muitas coisas e lugares aos quais não têm acesso,<br />

não participa da vida política e – ainda que esteja submetida a múltiplas restrições por<br />

parte dos adultos – ignora os <strong>de</strong>veres e direitos e como é exercida a coação e a<br />

participação social. Por outro lado, a insuficiência <strong>de</strong> seus instrumentos intelectuais, ainda<br />

em <strong>de</strong>senvolvimento, a impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> organizar as informações que recebe e articulá-las<br />

em um sistema coerente. Assim, chega a conformar conceitualizações próprias ou teorias<br />

implícitas que são divergentes das adultas e que, curiosamente, mostram gran<strong>de</strong><br />

semelhança entre crianças <strong>de</strong> diferentes países e meios sociais (DENEGRI, 1998, p.45).<br />

Essas conceitualizações próprias que revelam as crenças espontâneas que as crianças vão<br />

elaborando acerca da realida<strong>de</strong> social foram encontradas em diversas pesquisas. Nestes diferentes<br />

trabalhos <strong>de</strong> investigação, é possível encontrar concepções <strong>de</strong> crianças e jovens referentes a várias noções<br />

do conhecimento social, entre eles po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar: as pesquisas <strong>de</strong> Sierra e Enesco (1993) que<br />

realizaram um estudo evolutivo a respeito da compreensão sobre o acesso a distintas profissões; os<br />

estudos <strong>de</strong> Delval e Echeita (1991) e Delval (2002) que buscaram conhecer a compreensão que crianças e<br />

adolescentes tinham em relação ao mecanismo <strong>de</strong> intercâmbio econômico (compra e venda) e ao lucro e o<br />

trabalho <strong>de</strong> Enesco et al (1995) que investigou as mudanças evolutivas na representação do<br />

funcionamento da socieda<strong>de</strong>, assim como na compreensão dos elementos que compõem a organização<br />

social (riqueza e pobreza, estratificação e mobilida<strong>de</strong> social, as explicações sobre <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> em grupos<br />

sociais diferentes etc.). A respeito <strong>de</strong>sse último trabalho citado, vale dizer que Denegri (1998) e Navarro e<br />

Peñaranda (1998) encontraram resultados semelhantes aos <strong>de</strong> Enesco et al (1995) ao trabalharem com<br />

crianças chilenas e mexicanas. Temos também: os estudos <strong>de</strong> Amar, Abello e Denegri (2001) sobre o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conceitos econômicos em crianças e adolescentes colombianos; o trabalho <strong>de</strong> Delval<br />

et al (2006) sobre as concepções <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> crianças mexicanas que trabalham nas ruas; a pesquisa <strong>de</strong><br />

Denegri e Delval (2002a, 2002b) sobre o dinheiro; o estudo <strong>de</strong> Amar et al (2006) a respeito das<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 106


epresentações referentes a pobreza, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social e mobilida<strong>de</strong> socioeconômica <strong>de</strong> estudantes<br />

universitários e <strong>de</strong> pobreza e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social em crianças colombianas (Amar et al, 2001), o trabalho<br />

<strong>de</strong> Delval e Vila (2008) sobre a divinda<strong>de</strong>, as origens da vida e a morte.<br />

No contexto brasileiro, <strong>de</strong>stacamos os trabalhos <strong>de</strong> Tortella (1996, 2001) que observou a evolução<br />

das representações das crianças sobre a amiza<strong>de</strong>; a pesquisa <strong>de</strong> Godoy (1996) que investigou as idéias<br />

infantis sobre a etnia; o trabalho <strong>de</strong> Saravali (1999) a respeito da evolução do conceito <strong>de</strong> direito; o estudo<br />

<strong>de</strong> Borges (2001) sobre o conceito <strong>de</strong> família; os trabalhos <strong>de</strong> Cantelli (2000, 2009) sobre as<br />

representações <strong>de</strong> escola e sobre a educação econômica; a pesquisa <strong>de</strong> Baptistella (2001) sobre a<br />

compreensão <strong>de</strong> um comercial televisivo; o trabalho <strong>de</strong> Braga (2003) sobre as representações acerca do<br />

meio ambiente; o estudo <strong>de</strong> Pires e Assis (2005) sobre a noção <strong>de</strong> lucro; a pesquisa <strong>de</strong> Araújo (2007)<br />

sobre o <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento econômico e o trabalho <strong>de</strong> Guimarães (2007) sobre as<br />

representações <strong>de</strong> escola e <strong>de</strong> professor.<br />

Os resultados <strong>de</strong>ssas pesquisas nos auxiliam a compreen<strong>de</strong>r a construção do conhecimento social,<br />

mostrando, em relação a diferentes conceitos e noções, como as crianças dão sentido à realida<strong>de</strong>. Os<br />

estudos referentes à construção <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> conhecimento mostram o que as crianças fazem com as<br />

informações provenientes do ambiente social, com os conteúdos que lhe são transmitidos, bem como<br />

explicam processos e concepções peculiares que os sujeitos têm e vão construindo sobre a realida<strong>de</strong> ao<br />

longo do seu <strong>de</strong>senvolvimento. Tais resultados são bastante significativos não somente para aqueles que<br />

se <strong>de</strong>dicam ao estudo da epistemologia ou da psicologia, mas também para os que lidam com a<br />

pedagogia.<br />

Objetivos<br />

O objetivo geral da pesquisa apresentada aqui foi comparar as representações <strong>de</strong> escola e <strong>de</strong><br />

professor <strong>de</strong> crianças inseridas num ambiente educacional sócio-moral construtivista com as <strong>de</strong> crianças<br />

inseridas num ambiente educacional tradicional.<br />

O objetivo específico do instrumento metodológico que será apresentado neste artigo foi o <strong>de</strong><br />

analisar como crianças <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s entre 7 e 8 anos viam as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação docente e o papel da<br />

escola quando pensadas em uma situação <strong>de</strong> não aprendizagem e ainda verificar se as respostas seriam<br />

diferenciadas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do ambiente educacional que a criança estaria inserida.<br />

Metodologia<br />

Trabalhamos com 52 sujeitos entre 7 e 8 anos: 30 alunos regularmente matriculados numa<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 107


primeira série consi<strong>de</strong>rada um ambiente tradicional e 22 alunos regularmente matriculados numa primeira<br />

série consi<strong>de</strong>rada um ambiente sócio-moral construtivista.<br />

O ambiente tradicional escolhido apresentou relações coercitivas, autoritarismo da professora,<br />

expiação, rigi<strong>de</strong>z e, muitas vezes, agressão à autoestima dos alunos. Já o ambiente sócio-moral<br />

construtivista apresentou uma postura docente diferenciada, com a presença <strong>de</strong> discussão prévia das<br />

ativida<strong>de</strong>s a serem <strong>de</strong>senvolvidas, rodas <strong>de</strong> conversas, sistema <strong>de</strong> votação para tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões,<br />

momentos <strong>de</strong> construções coletivas <strong>de</strong> textos, trabalho em duplas e resolução <strong>de</strong> conflitos sempre por<br />

meio <strong>de</strong> conversas.<br />

Os instrumentos metodológicos utilizados durante a pesquisa são compostos por uma entrevista<br />

semi-estruturada, uma história envolvendo uma situação problema <strong>de</strong> não aprendizagem em sala <strong>de</strong> aula e<br />

uma proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho. Os dados foram coletados a partir <strong>de</strong> entrevistas semi-estruturadas baseadas no<br />

método clínico-crítico piagetiano (PIAGET, 1979).<br />

A história utilizada no instrumento que será apresentado a seguir foi:<br />

O aluno Marcelo (<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> igual a da criança a ser questionada), não consegue<br />

apren<strong>de</strong>r as lições que a professora ensina. Todos os dias ele não consegue copiar a<br />

matéria da lousa, não entrega as lições <strong>de</strong> casa e não resolve os problemas propostos<br />

pela professora. O que você acha <strong>de</strong>ssa situação? O que você acha que está acontecendo<br />

com essa criança? Quem po<strong>de</strong>ria ajudá-lo? E a escola? E a professora? Por que será<br />

que ele não apren<strong>de</strong>? O que você acha que a professora po<strong>de</strong>ria fazer? E se ele não<br />

apren<strong>de</strong>r o que vai ocorrer?<br />

A análise do material coletado foi feita a partir <strong>de</strong> categorias <strong>de</strong> respostas agrupadas em níveis <strong>de</strong><br />

compreensão da realida<strong>de</strong> social, apresentados e <strong>de</strong>finidos por Delval (2002). Para a quantificação inicial<br />

das respostas foi feita análise <strong>de</strong> frequência e frequência relativa (porcentagem) em cada uma das<br />

categorias, <strong>de</strong> modo a se ter uma visão inicial dos dados e das possíveis diferenças encontradas entre os<br />

dois ambientes <strong>de</strong> ensino. A partir <strong>de</strong>stes primeiros dados, foi aplicado o teste <strong>de</strong> Qui-quadrado (X²)<br />

especificamente em cada uma das categorias <strong>de</strong> respostas com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificar a relação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pendência entre as variáveis: categoria e ambiente.<br />

Desenvolvimento<br />

Após a coleta <strong>de</strong> dados, as respostas das crianças foram transcritas na íntegra e analisadas<br />

quantitativamente e qualitativamente. A análise qualitativa foi dividida em três partes: a problematização,<br />

a resolução e o <strong>de</strong>sfecho da história. Posteriormente, em cada uma das partes, foram ainda realizadas<br />

subdivisões por categorias <strong>de</strong> respostas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 108


A problematização<br />

Para esse aspecto da história, foram analisadas as respostas em função <strong>de</strong> como os sujeitos<br />

problematizam a situação proposta, consi<strong>de</strong>rando-se os seguintes questionamentos: O que você acha<br />

<strong>de</strong>ssa situação? O que você acha que está acontecendo com essa criança? Por que será que ele não<br />

apren<strong>de</strong>? Temos três categorias <strong>de</strong> respostas:<br />

Categoria 1 – Indisciplina<br />

Nesta categoria se enquadram os sujeitos que acreditam que o problema existente com a situação<br />

fictícia da história está na indisciplina. Esses sujeitos apresentaram explicações como “só fica<br />

conversando”, “só fica bagunçando” entre outras. Por exemplo:<br />

Categoria 2 – Desejo pessoal<br />

LUI (7,4 AT 35 ) (...) O que você acha que está acontecendo com essa criança? Ele não tá<br />

prestando atenção na aula, só fica bagunçando, conversando com a pessoa <strong>de</strong> trás.(...)<br />

Por que será que ele não apren<strong>de</strong>? Porque ele não quer apren<strong>de</strong>r, ele quer bagunçar.<br />

As respostas inseridas nesta categoria dizem respeito ao <strong>de</strong>sejo pessoal como principal problema<br />

existente na situação proposta. Como “ele não apren<strong>de</strong> porque não quer” “tem preguiça <strong>de</strong> fazer”. É o<br />

caso <strong>de</strong>:<br />

DAN (8,1 AT) O que você acha <strong>de</strong>ssa situação? Eu acho que esse menino não tá<br />

querendo fazer as coisas. O que você acha que está acontecendo com essa criança? Ela é<br />

muito preguiçosa.(...) Por que será que ele não apren<strong>de</strong>? Porque ele tem preguiça.<br />

Categoria 3 – Problemas biológicos, físicos e cognitivos<br />

Estas explicações caracterizam-se por apontamentos <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> fundo biológico, físico ou<br />

ainda cognitivo presentes no sujeito fictício da história e que estariam causando a situação <strong>de</strong> não<br />

aprendizagem. Estes sujeitos apresentaram respostas como “tá com sono”, “precisa <strong>de</strong> óculos”, “não<br />

sabe”, “não consegue fazer as coisas” entre outras. Exemplos:<br />

GAH (7,5 AT) O que você acha <strong>de</strong>ssa situação? Eu acho que ele tem que escrever. O que<br />

você acha que está acontecendo com essa criança? Ele po<strong>de</strong> tá doente, com dor <strong>de</strong><br />

barriga. (...) Por que será que ele não apren<strong>de</strong>? Porque não consegue fazer nada...<br />

A quantificação das respostas por categorias é apresentada na tabela a seguir consi<strong>de</strong>rando o<br />

ambiente escolar pesquisado.<br />

35 AT: ambiente tradicional. ASMC: ambiente sócio-moral construtivista.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 109


TABELA 01 - Distribuição <strong>de</strong> frequência e frequência relativa da problematização da história segundo<br />

o ambiente escolar pesquisado.<br />

A resolução<br />

A problematização da<br />

história<br />

AMBIENTES<br />

Tradicional Sócio-Moral Construtivista<br />

F % f %<br />

1-Indisciplina 10 33% 14 64%<br />

2-Desejo pessoal 11 37% 6 27%<br />

3-Problemas biológicos,<br />

físicos e cognitivos<br />

5 17% 4 18%<br />

4-Não sabe / outros 4 13,00% 2 9,00%<br />

A partir dos questionamentos Quem po<strong>de</strong>ria ajudá-lo? E a escola? E a professora? O que você<br />

acha que a professora po<strong>de</strong>ria fazer? Buscou-se compreen<strong>de</strong>r como os sujeitos resolveriam o conflito<br />

proposto na história, surgiram três categorias <strong>de</strong> respostas para as concepções das crianças:<br />

Categoria 1 – Ajuda subjetiva<br />

Essas respostas fundamentam-se em aspectos subjetivos para a resolução da história proposta,<br />

como mostram os exemplos a seguir:<br />

ALA (8,2 AT) Quem po<strong>de</strong>ria ajudá-lo? A professora <strong>de</strong>le, os pais e Deus. Mas<br />

como? O pais iriam ajudando ele em casa e Deus ia ajudando a colocar no<br />

cérebro <strong>de</strong>le, pra apren<strong>de</strong>r tudo isso. E a escola? Eu acho... só Deus po<strong>de</strong> fazer<br />

alguma coisa.<br />

Categoria 2 – Por expiação e coação<br />

Categoria 3 – Por cooperação<br />

PAB (7,10 AT) Quem po<strong>de</strong>ria ajudá-lo? A mãe <strong>de</strong>le ou o pai podiam brigar com ele<br />

porque ele não quer apren<strong>de</strong>r e a mãe <strong>de</strong>le tem que trabalhar. E a escola? O prefeito tem<br />

quem tomar uma providência... expulsar ele ou dar suspensão <strong>de</strong> uns quatro ou três dias.<br />

E a professora? Os pais ou a diretora. O que você acha que essa professora po<strong>de</strong>ria<br />

fazer? Deixar ele num canto, lá em frente da pare<strong>de</strong>.<br />

Ao contrário da categoria anterior, as respostas dos sujeitos inseridas aqui apresentam resoluções<br />

baseadas em atitu<strong>de</strong>s cooperativas, como ilustra o exemplo a seguir:<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 110


FAL (8,2 AT) Quem po<strong>de</strong>ria ajudá-lo? A professora po<strong>de</strong>ria contar uma história pra ele<br />

e <strong>de</strong>pois dá uma folha pra ele escrever. E a escola? O diretor que podia ajudar,<br />

chamando a professora <strong>de</strong> reforço e pedindo pra ela contar uma história pro menininho.<br />

E a professora? A professora do reforço dando reforço pra história que ela contou. O que<br />

você acha que essa professora po<strong>de</strong>ria fazer? Ela podia ir falando as letras pra ele, podia<br />

dar um lápis.<br />

A quantificação das respostas por categorias é apresentada na tabela a seguir consi<strong>de</strong>rando<br />

o ambiente escolar pesquisado.<br />

TABELA 02 - Distribuição <strong>de</strong> frequência e frequência relativa da resolução da história segundo o<br />

ambiente escolar pesquisado.<br />

O <strong>de</strong>sfecho<br />

A resolução da história<br />

AMBIENTES<br />

Tradicional Sócio-Moral Construtivista<br />

F % f %<br />

1-Ajuda subjetiva 1 3% 1 5%<br />

2-Por expiação e coação 18 60% 4 18%<br />

3-Por cooperação 11 37% 18 82%<br />

4-Não sabe/ outros 2 7% 1 5,00%<br />

A partir do último questionamento: E se ele não apren<strong>de</strong>r o que vai ocorrer? buscamos<br />

compreen<strong>de</strong>r qual a sugestão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfecho para a história que os sujeitos apresentam. Foram observadas as<br />

seguintes categorias:<br />

Categoria 1 – Morte ou doença<br />

Esta primeira categoria apresenta respostas que suscitam a morte ou doenças para se referir ao<br />

<strong>de</strong>sfecho da história. Exemplo:<br />

escolar<br />

GAH (7,5 AT) E se ele não apren<strong>de</strong>r o que vai acontecer Vai virar adulto e ficar<br />

doente <strong>de</strong> novo.<br />

VIK (7,10 ASMC) E se ele não apren<strong>de</strong> o que vai ocorrer? Vai morrer porque não sabe<br />

fazer as coisas.<br />

Categoria 2 – Aspectos ligados a aprendizagem <strong>de</strong> conteúdos escolares/ atraso ou fim da vida<br />

As respostas <strong>de</strong>sta categoria baseiam-se na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a não aprendizagem resultará em<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 111


problemas e déficits em relação aos conteúdos escolares acarretando em atraso ou mesmo no fim da vida<br />

escolar. Por exemplo:<br />

TIF (7,11 AT) E se ele não apren<strong>de</strong>r o que vai ocorrer? Ele vai ficar burro e aí ele vai<br />

repetir <strong>de</strong> série, todo mundo vai ir pra frente e ele vai ficando pra trás..<br />

Categoria 3 – Aspectos ligados a emprego, vida social e econômica<br />

Os sujeitos <strong>de</strong>sta categoria apresentam <strong>de</strong>sfechos relacionados a dificulda<strong>de</strong>s em arrumar emprego e na<br />

vida social e econômica, como ficar sem dinheiro. Vejamos:<br />

GAB (7,3 AT) E se ele não apren<strong>de</strong>r o que vai ocorrer? Ele vai ficar burro e quando ele<br />

quiser ser bombeiro não vai po<strong>de</strong>r. Mas porque não vai po<strong>de</strong>r? Porque pra ser bombeiro<br />

tem que estudar muito porque tem que apren<strong>de</strong>r muita coisa <strong>de</strong> ser bombeiro.<br />

YME (7,8 ASMC) E se ele não apren<strong>de</strong>r o que vai ocorrer? Cada vez mais vai ficar mais<br />

burro, aí quando crescer não vai po<strong>de</strong>r trabalhar, aí não vai ter comida, vai ter que<br />

pedir esmola e ninguém vai dar pra ele.<br />

A quantificação das respostas por categorias é apresentada na tabela a seguir consi<strong>de</strong>rando o<br />

ambiente escolar pesquisado.<br />

TABELA 03 - Distribuição <strong>de</strong> frequência e frequência relativa do <strong>de</strong>sfecho da história segundo o<br />

ambiente escolar pesquisado.<br />

O <strong>de</strong>sfecho da história<br />

A análise quantitativa realizada para a problematização, a resolução e o <strong>de</strong>sfecho da história<br />

evi<strong>de</strong>nciou o seguinte: O teste Qui-quadrado efetuado na categoria “Por expiação e coação”, do item<br />

resolução, apontou uma associação muito significativa entre os dois ambientes. Os alunos inseridos no<br />

ambiente tradicional foram os que mais indicaram a expiação e a coação como meios <strong>de</strong> resolução para a<br />

história proposta. Dessa forma, X² = 7.461; gl = 1; P = 0.0063.<br />

AMBIENTES<br />

Tradicional Sócio-Moral Construtivista<br />

F % f %<br />

1-Morte ou doença 1 3% 2 9%<br />

2-Aspectos ligados a aprendizagem<br />

<strong>de</strong> conteúdos escolares/ atraso ou<br />

fim da vida escolar<br />

3-Aspectos ligados a emprego,<br />

vida social e econômica<br />

13 43% 15 68%<br />

15 50% 3 14%<br />

4-Não sabe/ outros. 4 13% 2 9%<br />

O teste Qui-quadrado efetuado na categoria “Por cooperação” apontou uma associação muito<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 112


significativa entre os dois ambientes. Os alunos inseridos no ambiente sócio-moral construtivista foram os<br />

que mais indicaram a cooperação como meio <strong>de</strong> resolução para a história proposta. Dessa forma, X² =<br />

8.739; gl = 1; P = 0.0031.<br />

O teste Qui-quadrado efetuado na categoria “Aspectos ligados a emprego, vida social e<br />

econômica”, do item <strong>de</strong>sfecho, apontou uma associação significativa entre os dois ambientes. Os alunos<br />

inseridos no ambiente tradicional foram os que mais indicaram os aspectos ligados ao emprego, vida<br />

social e econômica na explicação para o <strong>de</strong>sfecho da história proposta. Dessa forma, X² = 5.896; gl = 1; P<br />

= 0.0152.<br />

Conclusão<br />

Nossos dados mostraram, em concordância com as pesquisas referentes ao conhecimento social,<br />

que as crianças percorrem caminhos bastante singulares na construção <strong>de</strong> suas representações sobre a<br />

escola e sobre o professor. Justamente temas que lhes são tão familiares e rotineiros. Isso significa que,<br />

mesmo em se tratando <strong>de</strong> um conhecimento que para muitos assume um caráter <strong>de</strong> transmissão cultural<br />

ou pedagógica, os sujeitos não o assimilam <strong>de</strong> forma passiva, mas o reelaboram e o interpretam. Assim,<br />

vão organizando as informações que recebem provenientes, por exemplo, das verbalizações dos docentes<br />

e unindo-as e inserindo-as em seus próprios processos e sistemas, transformando-as em concepções<br />

bastante singulares. Afinal, ninguém ensina para uma criança que se alguém não apren<strong>de</strong>r na escola vai<br />

morrer, ou que só Deus po<strong>de</strong> ajudar uma criança que não consegue apren<strong>de</strong>r, mas, essas foram idéias<br />

apresentadas aqui.<br />

As i<strong>de</strong>ias apresentadas por nossos sujeitos concentraram-se em explicações baseadas nos aspectos<br />

mais visíveis da situação, sem a existência <strong>de</strong> processos ocultos que necessitam ser inferidos. Essa forma<br />

<strong>de</strong> pensar o mundo social caracteriza-se por aquilo que Delval (2002) <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> primeiro nível <strong>de</strong><br />

compreensão da realida<strong>de</strong> social.<br />

Acreditávamos, como hipótese <strong>de</strong> nossa pesquisa, que uma criança inserida em um ambiente<br />

permeado por relações horizontais <strong>de</strong> cooperação entre professor e aluno, bem como entre aluno e aluno,<br />

apresentaria i<strong>de</strong>ias diferenciadas acerca do tema que pesquisávamos, como também uma tendência maior<br />

à reflexão. Como no ambiente tradicional essas relações não são valorizadas da mesma forma e a<br />

passivida<strong>de</strong> do educando gera a reprodução, acreditávamos que as respostas e reflexões seriam diferentes,<br />

indicando uma construção diferente do conhecimento social, conforme o ambiente escolar.<br />

A análise apresentada aqui indicou que em relação à problematização da história não encontramos<br />

diferenças significativas entre as respostas dos sujeitos dos diferentes ambientes, sendo que todas elas<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 113


foram pautadas nos aspectos mais aparentes da situação. Tal fato nos mostra que, mesmo que o ambiente<br />

seja favorável em relação a vários aspectos do <strong>de</strong>senvolvimento infantil, no caso do conhecimento social,<br />

se esse conteúdo não estiver sendo explorado e trabalhado em sala, as crianças não o assimilam, nem o<br />

transformam passivamente.<br />

Todavia, pu<strong>de</strong>mos observar uma diferença muito significativa na maneira como os sujeitos dos<br />

diferentes ambientes pesquisados analisavam a formas <strong>de</strong> resolução do problema colocado pela história.<br />

A maioria dos alunos inseridos no ambiente tradicional teve as suas respostas centradas na categoria dois,<br />

cuja resolução estava pautada em atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> expiação e coação. Já as respostas dos sujeitos inseridos no<br />

ambiente <strong>de</strong> ensino consi<strong>de</strong>rado sócio-moral construtivista centraram-se na categoria três em que a<br />

resolução da situação da história estaria pautada em atitu<strong>de</strong>s cooperativas e no respeito mútuo entre os<br />

envolvidos.<br />

Estas consi<strong>de</strong>rações nos trazem indícios significativos <strong>de</strong> que existe realmente influência do tipo<br />

<strong>de</strong> ambiente nas concepções das crianças, mesmo que apenas na forma <strong>de</strong> conceber atitu<strong>de</strong>s em uma<br />

situação problema. As crianças inseridas em um ambiente diferenciado apresentaram, <strong>de</strong> certa forma,<br />

i<strong>de</strong>ias mais evoluídas do que as outras do ambiente tradicional.<br />

Em relação ao <strong>de</strong>sfecho da história observamos diferença significativa na categoria três “Aspectos<br />

ligados a emprego, vida social e econômica”. A maioria das respostas pertencente a essa categoria era<br />

proveniente <strong>de</strong> crianças do ambiente tradicional. É importante ressaltar que essas respostas das crianças<br />

do ambiente tradicional retratavam o discurso utilizado pela professora em sala <strong>de</strong> aula. Durante as<br />

observações realizadas nas aulas, foi possível presenciar a professora dizer aos alunos que era necessário<br />

apren<strong>de</strong>r caso contrário não conseguiriam trabalhar, obter dinheiro, passariam fome, entre outras<br />

consequências, inclusive “ninguém vai gostar <strong>de</strong> vocês.”<br />

Isso nos remete novamente à importância do trabalho com o conhecimento social em sala <strong>de</strong> aula.<br />

É preciso consi<strong>de</strong>rar e caminhar em prol dos processos que os alunos percorrem e compreen<strong>de</strong>r que a<br />

partir do que lhes é transmitido, os sujeitos fazem reorganizações individuais e isso não po<strong>de</strong> ser perdido<br />

<strong>de</strong> vista na organização das ativida<strong>de</strong>s, no planejamento dos projetos, enfim, nas ações didáticas.<br />

Portanto, o trabalho com o conhecimento social necessita ser levado para a sala <strong>de</strong> aula <strong>de</strong> tal<br />

forma que as crianças possam pensar, compreen<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>bater, formular e reformular suas próprias i<strong>de</strong>ias. A<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa interação, possibilitada pelo docente e estabelecida pela criança, tem influência na forma<br />

como se processam o <strong>de</strong>senvolvimento físico, social, afetivo, moral e intelectual dos alunos. No caso do<br />

tema tratado no presente trabalho, essa influência ocorre na abertura <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s para que os alunos<br />

tenham a compreensão da real função da escola e do professor. Dessa forma, cabe aos docentes<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 114


conhecerem as concepções que as crianças elaboram sobre as noções sociais e, a partir daí, dirigir as<br />

futuras ações e o trabalho pedagógico. As ações em sala <strong>de</strong> aula po<strong>de</strong>m favorecer ou não a consolidação e<br />

o sucesso da construção <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> conhecimento. Assim, especificamente no caso da presente<br />

pesquisa, compreen<strong>de</strong>r o que uma criança pensa sobre a instituição escolar e sobre o professor é<br />

importante para um trabalho que envolva esse conteúdo.<br />

Nosso estudo e os dados obtidos trazem contribuições para as reflexões e <strong>de</strong>mais investigações<br />

sobre a construção do conhecimento social e sobre as implicações <strong>de</strong>ssa construção para o trabalho<br />

docente. A partir <strong>de</strong> nossa pesquisa acreditamos po<strong>de</strong>r contribuir para uma maior compreensão do<br />

assunto.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 115


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 117


Estudos Psicogenéticos sobre a Compreensão do Mundo Social pela Criança<br />

Resumo<br />

CANTELLI, Valéria C. B.<br />

FERMIANO, Maria A. B.<br />

L.P.G./ Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação/ UNICAMP/ Campinas/ Brasil<br />

bcantelli@vivax.com.br<br />

maria.belintane@gmail.com<br />

Recentemente, vem emergindo, entre os pesquisadores e docentes brasileiros, um crescente interesse em<br />

conhecer como a criança compreen<strong>de</strong> o mundo social e o papel que a educação po<strong>de</strong> assumir nessa tarefa.<br />

O conhecimento social implica um laborioso processo <strong>de</strong> construção por parte do sujeito. O presente<br />

trabalho apresenta os resultados <strong>de</strong> pesquisas realizadas pelos integrantes do Laboratório <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong><br />

Genética da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas, sob a orientação da Profa.<br />

Dra. Orly Zucatto Mantovani <strong>de</strong> Assis. Algumas pesquisas direcionaram-se para noções sociais as mais<br />

diversas, como: família, escola, direitos, etnia, amiza<strong>de</strong>, meio ambiente. E outras, tomaram um rumo<br />

mais específico, isto é, analisaram a economia no cotidiano das mais variadas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento:<br />

riqueza e pobreza, influências da propaganda e marketing, necessida<strong>de</strong> e consumo, lucro, entre outros.<br />

Todos esses trabalhos têm por objetivo buscar novos elementos para explicar como ocorre a assimilação<br />

dos fenômenos sociais e como os educadores po<strong>de</strong>m intervir <strong>de</strong> forma a favorecer a construção <strong>de</strong>ssas<br />

i<strong>de</strong>ias pelas crianças <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> modo a contribuir para a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática. Tais estudos se fundamentam na psicologia e na epistemologia genéticas <strong>de</strong> Jean Piaget e<br />

têm como instrumento <strong>de</strong> investigação o método clínico crítico, que vem se mostrando bastante a<strong>de</strong>quado<br />

para os estudos <strong>de</strong> natureza social. Os resultados <strong>de</strong>monstraram a existência <strong>de</strong> uma evolução na<br />

compreensão do mundo social, que po<strong>de</strong> ser interpretada como um processo <strong>de</strong> mudança conceitual,<br />

po<strong>de</strong>ndo ser explicado <strong>de</strong> acordo com a perspectiva construtivista como resultante <strong>de</strong> progressivas<br />

abstrações e coor<strong>de</strong>nações entre ações reais ou possíveis, a partir das experiências vivenciadas pelos<br />

sujeitos. As conclusões apontam para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um trabalho pedagógico sistemático para auxiliar<br />

a construção <strong>de</strong> juízo crítico sobre as questões sociais, a compreen<strong>de</strong>r as representações e a utilizar<br />

estratégias coerentes e inovadoras nas mais diferentes situações.<br />

Palavras-Chave: Conhecimento social. Educação construtivista. Educação econômica.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 118


Abstract<br />

The present inserted inquiry in the area of the Social Knowledge, in the field of the Economic Education,<br />

is characterized as a basic research, following a exploratory and <strong>de</strong>scriptive mo<strong>de</strong>l. It has for objective to<br />

know the procedures used for parents and mothers of different familiar structures (monoparental,<br />

biparental and recomposta) and levels socioeconômicos for the economic education of its children. The<br />

collection of data had as base a structuralized questionnaire, created exclusively for this study. Given the<br />

qualitative-quantitative nature of the inquiry, analyses of content, confirmatory exploratória and for the<br />

comparison between the 0 variable had been carried through (test Qui-Square, Kruskall-Wallis and Mann-<br />

Whitney). The gotten data had indicated that the economic behavior of the families, as well as the<br />

procedures used for the economic education of the children intuitivos and are not planned, envi<strong>de</strong>nciando<br />

the lack of information of the parents on the process of construction of the related social slight knowledge<br />

to the un<strong>de</strong>rstanding of the economic events. The families believe that the economic education must be<br />

part of the formation of the children, even so do not carry through no systematic effort to foment habits<br />

and behaviors adjusted for the consumption. In the general analysis of the <strong>de</strong>scribed process of economic<br />

socialization for this sample, the changeable familiar structure did not represent significance statistics,<br />

being that the socioeconômico level appeared as a differentiation factor for the most part enters the<br />

groups of the investigated aspects. The influence of the way in the process of economic socialization was<br />

observed that the participants tend to transmit the knowledge and values brought of its families of origin,<br />

evi<strong>de</strong>ncing. The analysis of the results to the light of the piagetiana theory and the contributions of the<br />

Education and Economic Psychology legitimizes the necessity of new systematic educative proposals that<br />

result in such a way in true economic alfabetização for the children how much for the parents.<br />

Keywords: Economic education. Alphabetization economic. Economic socialization. Social knowledge.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 119


Introdução<br />

O contexto social atual mostra-se turbulento. Particularmente para as famílias, os tempos são<br />

difíceis, os valores se relativizam, e, em muitos lares, ter parece ser mais relevante do que ser. Por isso é<br />

importante refletir sobre o enfrentamento das pressões impostas pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo. Como fazer<br />

frente aos seus apelos se a socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna está organizada em torno <strong>de</strong>le? Como enfrentar a difícil<br />

tarefa <strong>de</strong> construir uma relação mais equilibrada com o dinheiro?<br />

Diante <strong>de</strong>ssas questões a presente pesquisa, inserida no campo da Educação Econômica, que<br />

constitui uma das áreas do conhecimento social, buscou investigar o que as famílias estão ensinando aos<br />

filhos sobre o mundo econômico e, mais ainda, provocar a reflexão sobre o papel socializador da família,<br />

particularmente no que se refere à educação econômica <strong>de</strong> seus filhos, trazendo subsídio para a<br />

compreensão <strong>de</strong> como se <strong>de</strong>senvolve esse processo entre as famílias brasileiras.<br />

Referencial teórico<br />

O aparecimento <strong>de</strong> novas pesquisas sobre os aspectos sociais do <strong>de</strong>senvolvimento psicológico<br />

fundamentadas na epistemologia genética <strong>de</strong> Jean Piaget tem conduzido a uma renovação nas<br />

investigações sobre a compreensão da socieda<strong>de</strong>, provocando um crescente interesse pelo estudo da<br />

formação das representações ou mo<strong>de</strong>los do mundo utilizados pelos indivíduos para dar sentido à<br />

realida<strong>de</strong> social.<br />

A aquisição do conhecimento social, como <strong>de</strong>monstram os trabalhos <strong>de</strong> Delval (1989, 1992,<br />

1994); Enesco (1995); Enesco, Delval e Linaza (1989); Denegri (1995, 1998, 2003, 2004) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos<br />

recursos simbólicos e das i<strong>de</strong>ias elaboradas pelo sujeito a partir dos seus instrumentos cognitivos. Trata-se<br />

<strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> representações que, partindo <strong>de</strong> informações fragmentadas e não<br />

relacionadas entre si, são, gradativamente, reelaboradas, até serem substituídas por noções mais<br />

avançadas que integram as primeiras.<br />

Essa constatação, aliada à reflexão sobre os efeitos da globalização nas diferentes culturas, que por<br />

sua abrangência impõe um ritmo acelerado e consumista ao comportamento do cidadão, tem <strong>de</strong>spertado o<br />

interesse dos pesquisadores para questões ligadas à compreensão do mundo econômico. Dentre os quais<br />

<strong>de</strong>stacam-se os nomes <strong>de</strong> Berti e Bombi, Delval, Denegri e colaboradores e dos pesquisadores do<br />

Laboratório <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Genética da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UNICAMP, sob a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong><br />

Mantovai <strong>de</strong> Assis.<br />

Os resultados das investigações <strong>de</strong>senvolvidas por esses pesquisadores evi<strong>de</strong>nciam que a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 120


compreensão do sistema econômico, um dos pilares que sustentam o mundo social, apresenta-se como um<br />

dos temas <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong> para o entendimento tanto dos adolescentes quanto dos adultos. A<br />

maioria das pessoas apresentam sérias dificulda<strong>de</strong>s para compreen<strong>de</strong>r questões relacionadas à origem e<br />

circulação do dinheiro, às inter-relações e fatores que <strong>de</strong>terminam os eventos econômicos, ao papel do<br />

Estado na regulação da economia e emissão monetária, ao alcance e uso dos instrumentos econômicos<br />

vinculados à poupança, crédito e endividamento, o que interfere no modo como elas lidam com a<br />

economia cotidiana, impossibilitando-as <strong>de</strong> uma atuação mais consciente e a<strong>de</strong>quada sobre as relações<br />

financeiras.<br />

Os estudos <strong>de</strong> Denegri (2003) e <strong>de</strong> outros pesquisadores associados, realizadas na América Latina,<br />

mostram que a compreensão do mundo econômico requer que o indivíduo construa uma visão sistêmica<br />

do mo<strong>de</strong>lo financeiro-social no qual está inserido, o que implica em manejar série <strong>de</strong> informações<br />

específicas, <strong>de</strong>senvolvendo competências e atitu<strong>de</strong>s que lhe permitam o uso a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> seus recursos<br />

econômicos, a assimilação <strong>de</strong> hábitos e condutas <strong>de</strong> consumo e a administração racional e eficiente do<br />

dinheiro.<br />

Nessa perspectiva, a educação sobre os temas econômicos facilitaria o acesso às ferramentas<br />

disponíveis para o entendimento <strong>de</strong>sse universo, possibilitando as condições para a interpretação dos<br />

eventos que afetam as pessoas direta ou indiretamente e para uma maior coerência nas <strong>de</strong>cisões a serem<br />

tomadas sobre a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> problemas econômicos cotidianos.<br />

Sabe-se que a conquista da maturida<strong>de</strong> econômica é um processo complexo, envolvendo várias<br />

transições diferentes. A ida<strong>de</strong> em que isso ocorre, o período <strong>de</strong> tempo em que se esten<strong>de</strong> e a sequência em<br />

que se dá mostram uma ampla variação entre socieda<strong>de</strong>s, períodos históricos; entre classes e grupos<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> e também entre indivíduos. Contudo, parece evi<strong>de</strong>nte que níveis mais altos <strong>de</strong><br />

alfabetização econômica 36 <strong>de</strong>vem ser alcançados por um maior número <strong>de</strong> cidadãos, possibilitando-lhes<br />

melhores meios para conhecer e enfrentar esse mo<strong>de</strong>lo que os impele ao consumo.<br />

Mas, como o ser humano começa a se relacionar com o mundo econômico? Como ele chega a<br />

construir e criar significados sobre esse universo tão complexo? Quais as experiências cotidianas que<br />

ele realiza no esforço <strong>de</strong> explicar os fenômenos econômicos que o afetam? São respostas para questões<br />

como estas que os novos estudos estão buscando, como forma <strong>de</strong> possibilitar uma melhor compreensão<br />

das relações econômicas, além <strong>de</strong> explicar como ocorre o processo <strong>de</strong> socialização econômica 37 dos<br />

36 Para Yamane (1997) o processo <strong>de</strong> alfabetização econômica se refere à aprendizagem e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conceitos,<br />

habilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>strezas que permitam ao indivíduo compreen<strong>de</strong>r o sistema econômico e que o aju<strong>de</strong>m a tomar <strong>de</strong>cisões que<br />

venham <strong>de</strong> alguma maneira melhorar a sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

37 O termo socialização econômica é tomado neste trabalho, no sentido <strong>de</strong> educação econômica, como o processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem das pautas <strong>de</strong> interação com o mundo econômico, mediante a assimilação <strong>de</strong> conhecimentos, <strong>de</strong>strezas,<br />

estratégias, padrões <strong>de</strong> comportamento e atitu<strong>de</strong>s sobre o uso do dinheiro e seu valor na socieda<strong>de</strong> (DENEGRI;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 121


indivíduos.<br />

A socialização, como linha <strong>de</strong> investigação da área <strong>de</strong> Educação Econômica, encarregada <strong>de</strong><br />

estudar como os indivíduos constroem os conceitos econômicos, em quais estágios do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

ocorrem essas construções e como o fator interação social com o meio circundante afeta esse processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem, encontra na família um espaço privilegiado, na medida em que as primeiras interações que<br />

se constroem entre a criança e mundo ocorrem no círculo familiar, <strong>de</strong>sempenhando papel prepon<strong>de</strong>rante<br />

na forma como a criança concebe o mundo social e, consequentemente, na formação <strong>de</strong> seus valores,<br />

crenças e comportamentos.<br />

Nessa perspectiva, a socialização é um processo que acontece durante toda a infância e se esten<strong>de</strong><br />

pela adolescência e vida adulta por meio das práticas e das experiências vividas, assimiladas <strong>de</strong> acordo<br />

com seu sistema <strong>de</strong> significação e suas estruturas cognitivas. Não se limita <strong>de</strong> modo algum a um simples<br />

treinamento realizado pela família ou outras instituições especializadas, e varia <strong>de</strong> acordo com o universo<br />

<strong>de</strong> socialização, forçosamente diferente segundo a origem social da pessoa, socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> ela vive e<br />

grupo a que pertence.<br />

Nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas, caracterizadas pela globalização econômica e cultural e,<br />

sobretudo, pela presença crescente <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosas mídias, esse processo está fortemente submetido à<br />

influência <strong>de</strong> outras instituições, o que o torna extremamente complexo e dinâmico, pois ele <strong>de</strong>ve integrar<br />

todos os elementos presentes no meio ambiente e, ao mesmo tempo, contar com a participação ativa do<br />

próprio sujeito. De qualquer modo, um dos principais fatores para a socialização da criança é a educação,<br />

portanto, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> conduta <strong>de</strong> pais e educadores exerce forte po<strong>de</strong>r na formação dos hábitos infantis..<br />

Apesar <strong>de</strong> seu impacto na vida futura dos indivíduos, existe escassa literatura sobre como e<br />

quando os meninos e meninas são apresentados ao mundo econômico e, ainda mais restritos, são os<br />

registros <strong>de</strong> estudos sobre como ocorre o processo <strong>de</strong> socialização econômica no âmbito familiar. Pouco<br />

se sabe sobre qual tem sido o papel das famílias nesse processo e são praticamente <strong>de</strong>sconhecidas quais os<br />

procedimentos utilizadas pelas famílias latinas para alfabetizar economicamente seus filhos e se esses<br />

procedimentos diferem conforme a classe social e tipo <strong>de</strong> estrutura familiar. Observa-se também a<br />

ausência <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong>ssa natureza envolvendo brasileiros.<br />

Essas reflexões são importantes porque o comportamento cotidiano, os valores e comentários da<br />

família exercem influência sobre as atitu<strong>de</strong>s dos filhos e é por isso que se acredita ser na família que se<br />

inicia o aprendizado <strong>de</strong> hábitos sadios <strong>de</strong> consumo ou os malefícios do consumismo <strong>de</strong>senfreado.<br />

PALAVECINOS; GEMPP, 2003).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 122


Famílias, as quais comentam com os filhos suas possibilida<strong>de</strong>s econômicas, em que há<br />

planejamento conjunto <strong>de</strong> gastos sem que se oculte a existência <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s monetárias e que estimula<br />

o uso racional dos recursos é aquela que educa para o consumo. Ao contrário, se <strong>de</strong>monstram constante<br />

preocupação com aquilo que os outros têm, se valorizam os ditames da moda ou da propaganda, estarão<br />

levando seus filhos pelo caminho do consumismo, inserindo-os na cultura dos <strong>de</strong>scartáveis, do usar e<br />

jogar fora, que os leva a comprar impulsivamente objetos que logo irão <strong>de</strong>scartar para, em seguida,<br />

comprá-los novamente, numa ca<strong>de</strong>ia sem fim, para não se sintam inferiores aos outros.<br />

Piaget (1945/1998) esclarece que não po<strong>de</strong> ser livre aquele que não consegue controlar a própria<br />

vida, tanto no que se refere aos seus relacionamentos, como no que diz respeito a seus bens. Nesse<br />

sentido, estar numa situação <strong>de</strong> constante endividamento não permite o exercício <strong>de</strong> uma vida plena. Por<br />

isso, educar para o consumo é também preparar o indivíduo para a liberda<strong>de</strong> e autonomia moral,<br />

contribuindo para formar pessoas capazes <strong>de</strong> controlar a própria vida e, consequentemente, pessoas mais<br />

livres.<br />

A pesquisa<br />

Esta pesquisa, dada sua natureza exploratória e <strong>de</strong>scritiva, está inserida na área do Conhecimento<br />

Social e teve como objetivo geral conhecer os procedimentos utilizados pelas famílias para a educação<br />

econômica <strong>de</strong> seus filhos.<br />

Para alcançar esse objetivo foi organizada, intencionalmente, uma amostragem composta por 270<br />

participantes, com pelo menos um filho, em ida<strong>de</strong>s entre três e <strong>de</strong>zesseis anos, em cida<strong>de</strong> da Região<br />

Metropolitana <strong>de</strong> Campinas, Estado <strong>de</strong> São Paulo, pertencentes aos estratos socioeconômicos baixo,<br />

médio e alto, constituindo famílias monoparentais, biparentais e recompostas.<br />

O critério adotado para a composição da amostra buscou aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda por estudos na área da<br />

socialização econômica, consi<strong>de</strong>rando o papel importante da família para o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

pensamento econômico <strong>de</strong> crianças e jovens, bem como para a formação <strong>de</strong> seus hábitos <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong><br />

suas atitu<strong>de</strong>s frente ao endividamento.<br />

Assim, a amostra teve distribuição equitativa nos níveis socioeconômicos baixo, médio e alto e<br />

nas três estruturas familiares: monoparental, biparental e recomposta, combinando-se nível<br />

socioeconômico e estrutura familiar para cada grupo <strong>de</strong> 30 participantes.<br />

A coleta <strong>de</strong> dados foi realizada com base em um questionário estruturado, com questões abertas e<br />

fechadas, criado especificamente para este estudo, permitindo a caracterização socio<strong>de</strong>mográfica dos<br />

participantes, a i<strong>de</strong>ntificação das práticas <strong>de</strong> socialização implícitas no comportamento econômico da<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 123


família e a i<strong>de</strong>ntificação das estratégias <strong>de</strong> educação econômica utilizadas com os filhos.<br />

As informações fornecidas pelos participantes foram tabuladas e posteriormente submetidas às<br />

análises <strong>de</strong> conteúdo, exploratória e confirmatória por meio <strong>de</strong> medidas resumo (média, <strong>de</strong>svio padrão,<br />

mínimo, mediana, máximo, frequência e porcentagem <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> frequência). As variáveis categóricas<br />

foram comparadas usando-se o teste Qui-Quadrado e as variáveis contínuas foram comparadas por<br />

intermédio dos testes Kruskall-Wallis ou Mann-Whitney.<br />

Vale <strong>de</strong>stacar que, nesse estudo, enten<strong>de</strong>-se por procedimentos <strong>de</strong> socialização o conjunto <strong>de</strong><br />

ações utilizadas pelas famílias para educar seus filhos sobre o mundo econômico. Essas ações englobam<br />

tanto as estratégias <strong>de</strong> educação econômica, concebidas como o conjunto organizado e coerente <strong>de</strong> regras,<br />

valores e ações que os pais e mães utilizam para alfabetizar economicamente seus filhos, como as práticas<br />

<strong>de</strong> educação econômica, entendidas como as ações implícitas realizadas pelos pais no processo <strong>de</strong><br />

educação econômica <strong>de</strong> seus filhos a partir <strong>de</strong> sua conduta cotidiana. (DENEGRI; PALAVECINO;<br />

GEMP, 2003).<br />

Resultados<br />

A interpretação dos resultados da pesquisa evi<strong>de</strong>nciou que as famílias preocupam-se quanto à<br />

educação econômica <strong>de</strong> seus filhos. A maioria dos participantes acredita que as crianças <strong>de</strong>vam ser<br />

educadas para essa área, não apenas pela família, mas também pela socieda<strong>de</strong>. No entanto, ao justificarem<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa educação <strong>de</strong>monstram <strong>de</strong>sconhecimento sobre a construção dos conceitos<br />

econômicos e seus benefícios para a formação cidadã das novas gerações.<br />

Dentre as principais estratégias que pais e mães informam utilizar para a educação econômica <strong>de</strong><br />

seus filhos, estão: incentivo às práticas <strong>de</strong> economia e poupança, conversa sobre dinheiro, administração<br />

dos próprios recursos por meio da disponibilização <strong>de</strong> dinheiro e situações <strong>de</strong> consumo.<br />

Com menor frequência foram mencionadas as estratégias <strong>de</strong>: restrição ao dinheiro, orientação<br />

sobre trâmites bancários, introdução às práticas comerciais, envolvimento no planejamento do orçamento<br />

familiar, pagamento por realização <strong>de</strong> tarefas ou bom comportamento e oferecer jogos que envolvem<br />

temas econômicos.<br />

Todos os participantes consi<strong>de</strong>ram importante que os filhos aprendam a economizar e poupar e<br />

que essa aprendizagem <strong>de</strong>va começar na infância, entretanto, relatam que utilizam esse procedimento<br />

esporadicamente. As formas comumente adotadas pelos filhos são: o cofrinho, a economia <strong>de</strong> dinheiro<br />

para comprar algo que <strong>de</strong>sejam, a colaboração na redução do consumo <strong>de</strong> energia, água, entre outros e,<br />

ainda uma pequena porcentagem, adota a ca<strong>de</strong>rneta <strong>de</strong> poupança.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 124


As famílias justificam <strong>de</strong> forma semelhante a necessida<strong>de</strong> do aprendizado <strong>de</strong> economia e<br />

poupança por parte dos filhos, concordando que essa seja uma conduta <strong>de</strong> preparação para o futuro. Esses<br />

argumentos refletem a preocupação dos pais em garantir o acesso dos filhos a bens materiais, mas não<br />

chegam a conce<strong>de</strong>r esse aprendizado como uma ferramenta <strong>de</strong> planejamento econômico e <strong>de</strong> distribuição<br />

<strong>de</strong> recursos a longo prazo.<br />

As conversas sobre o mundo econômico giram em torno do tema dinheiro e acontecem,<br />

esporadicamente, nos diálogos cotidianos, particularmente, diante das situações <strong>de</strong> consumo e dos<br />

pedidos dos filhos para lhes comprarem coisas.<br />

Um número expressivo <strong>de</strong> famílias disponibiliza dinheiro para os filhos sempre que pe<strong>de</strong>m ou<br />

precisam. Chama a atenção o baixo percentual daqueles que utilizam a oferta regular <strong>de</strong> dinheiro na forma<br />

<strong>de</strong> mesada ou semanada para que os filhos tenham o compromisso <strong>de</strong> administrá-lo.<br />

Essas informações revelam o caráter utilitarista da oferta, para aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas do filho<br />

naquele momento, não tendo o aspecto pedagógico que os leve a apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma concreta como tomar<br />

<strong>de</strong>cisões sobre seus gastos e poupança e <strong>de</strong> como planejar para atingir seus objetivos futuros.<br />

(DENEGRI,1998; FURHAM e THOMAS, 1984).<br />

Vale <strong>de</strong>stacar que a maior incidência da prática <strong>de</strong> dar dinheiro a título <strong>de</strong> prêmio aparece nas<br />

famílias biparentais. Por outro lado, a família monoparental <strong>de</strong>staca-se como o grupo que mais utiliza a<br />

oferta <strong>de</strong> dinheiro <strong>de</strong> forma regular.<br />

As experiências envolvendo o consumo são bastante comuns nas famílias e fazem parte da<br />

convivência familiar. A maioria dos pais e mães levam seus filhos quando vão às compras em diferentes<br />

locais <strong>de</strong> comércio.<br />

Nessas ocasiões, é comum os filhos pedirem coisas, sendo atendidos pelos pais que ten<strong>de</strong>m a<br />

comprar sempre que po<strong>de</strong>m ou quando for necessário. Essa conduta indica prática pouco coerente com<br />

uma educação voltada para o consumo racional e equilibrado. Tal comportamento reflete ausência <strong>de</strong><br />

planejamento e controle dos gastos, além <strong>de</strong> dificultar a aprendizagem da escolha, diferenciando o<br />

essencial do supérfluo. As razões que levam os pais a aten<strong>de</strong>r aos pedidos dos filhos apoiam-se em uma<br />

mistura <strong>de</strong> argumentos racionais e emocionais.<br />

Esse conjunto <strong>de</strong> práticas constituem importante experiências <strong>de</strong> socialização econômica,<br />

refletindo a preocupação das famílias em ensinar aos filhos o valor do dinheiro e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

poupança. No entanto, observa-se, pelas respostas dos participantes, que nem sempre os objetivos dos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 125


pais estão claros para eles mesmos. Na prática, as estratégias <strong>de</strong> educação econômica são implementadas<br />

<strong>de</strong> forma espontânea, como respostas às <strong>de</strong>mandas dos filhos ou às situações <strong>de</strong> consumo, sem um<br />

planejamento por parte dos pais e mães.<br />

Essas atuações esporádicas e não sistemáticas caracterizam-se pelo que se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong><br />

comportamento intuitivo, ou seja, pela busca <strong>de</strong> boas alternativas baseadas na própria experiência dos<br />

pais e em hipóteses <strong>de</strong> senso comum, o que permite consi<strong>de</strong>rar que não se apresentam com estratégias <strong>de</strong><br />

alfabetização econômica no sentido concebido por Denegri, Palavecinos e Gempp (2003).<br />

De modo geral as famílias avaliam a experiência <strong>de</strong> educação econômica dos filhos como<br />

satisfatória. No entanto, ao relacionar essa avaliação com a ausência <strong>de</strong> sistematização dos procedimentos<br />

utilizados por elas, percebe-se sua superficialida<strong>de</strong>. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se investir na formação dos que<br />

vão educar as crianças.<br />

Quanto às dificulda<strong>de</strong>s mencionadas pelos participantes em relacionar criança e consumo, as<br />

famílias <strong>de</strong>stacam sua impotência diante da influência da mídia, <strong>de</strong>spreparo frente às solicitações dos<br />

filhos e submissão à pressão social. Essas dificulda<strong>de</strong>s parecem traduzir o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />

globalizada ao qual o indivíduo se vê submetido, tendo que consumir para po<strong>de</strong>r fazer parte <strong>de</strong>la.<br />

Em síntese, os procedimentos utilizados pelas famílias não assumem um caráter <strong>de</strong> alfabetização<br />

econômica, pois não geram o <strong>de</strong>sequilíbrio no sentido piagetiano, impossibilitando a ocorrência da auto<br />

regulação na conduta dos filhos. As ações dos pais oscilam entre tendências do laissez faire, na qual tudo<br />

po<strong>de</strong>, e autoritária, com a imposição <strong>de</strong> comandos e regras, mas em qualquer <strong>de</strong>sses extremos, são<br />

comportamentos que impe<strong>de</strong>m que as crianças/filhos compreendam e interiorizem as consequências <strong>de</strong><br />

seus atos e se auto organizem em direção à condutas mais evoluídas e conscientes.<br />

Esses resultados assemelham-se aos encontrados por Denegri, Palavecinos e Gemmp (2003),<br />

Amar et al. (2006) e Denegri et al.(2003), mostrando que os pais são importantes educadores<br />

econômicos, por serem os principais provedores do dinheiro. Entretanto, nessa área, suas ações têm se<br />

mostrado limitadas e até contraditórias, assumido uma caráter informal e não sistemático .<br />

Ao analisar comparativamente os procedimentos que os participantes utilizam para a educação<br />

econômica dos seus filhos, buscando verificar se há diferenças quanto à estrutura familiar, observou-se<br />

que as famílias não se diferenciam quanto à maioria dos procedimentos <strong>de</strong> educação econômica dos<br />

filhos. Geralmente, os participantes apesar das diferentes configurações familiares <strong>de</strong>monstram<br />

semelhanças, tanto em relação ao seu comportamento econômico, resultando em práticas implícitas <strong>de</strong><br />

educação para os filhos quanto no que se refere às estratégias que afirmam utilizar para educá-los<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 126


economicamente.<br />

Vale esclarecer que em alguns aspectos foi observada a interferência da variável estrutura familiar.<br />

Dentre os aspectos relacionados ao comportamento das famílias <strong>de</strong>staca-se o fato <strong>de</strong> encontrar-se na<br />

família monoparental a maior frequência <strong>de</strong> planejamento sistemático, análise sistemática da situação<br />

financeira antes das compras, bem como menor frequência <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> cheque pré-datado ou cartão.<br />

Quanto aos aspectos relacionados às estratégias utilizadas pelas famílias para a educação<br />

econômica dos filhos, os que se mostraram mais sensíveis à variável estrutura familiar foram: os temas<br />

das conversas entre pais e filhos, sendo assuntos relacionados ao dinheiro predominantes na família<br />

monoparental, já nas famílias biparental e recomposta, além <strong>de</strong> assuntos relacionados ao dinheiro, são<br />

também discutidos temas econômicos variados. Destaca-se, ainda, que as respostas para a categoria<br />

envolvimento dos filhos no orçamento familiar foram apresentadas predominantemente pelo grupo<br />

monoparental.<br />

As famílias apresentam comportamentos diferentes com relação à frequência <strong>de</strong> disponibilização<br />

<strong>de</strong> dinheiro para os filhos. As famílias monoparental e recomposta se <strong>de</strong>stacam por dar dinheiro aos filhos<br />

sempre que pe<strong>de</strong>m e regularmente, já para a família biparental, se sobressai a resposta “não dou<br />

dinheiro”.<br />

Observou-se que tanto o comportamento econômico dos participantes quanto os procedimentos<br />

usados para a educação dos filhos mostram-se menos assistemáticos nos níveis mais altos, po<strong>de</strong>ndo,<br />

portanto, confirmar a hipótese <strong>de</strong> que os procedimentos para educação econômica utilizados pelos<br />

progenitores diferenciam-se conforme o nível socioeconômico na maior parte dos aspectos investigados<br />

por este estudo.<br />

Esse resultado coinci<strong>de</strong> com o encontrado por Denegri (2003), Denegri, Palavecinos e Gempp<br />

(2003) e Denegri et al. (1999), mostrando que os fatores <strong>de</strong> experiências socais, como a escolarização, o<br />

domicílio, o nível socioeconômico das pessoas interferem no seu entendimento dos fenômenos<br />

econômicos e hábitos <strong>de</strong> consumo.<br />

Buscando a relação entre comportamento e estratégia <strong>de</strong> educação econômica, procurou-se<br />

comparar o processo <strong>de</strong> socialização vivenciado pelos pais quando criança e o modo como praticam a<br />

educação econômica <strong>de</strong> seus filhos.<br />

Essa comparação mostrou que os participantes ten<strong>de</strong>m a transmitir os conhecimentos e valores<br />

provenientes <strong>de</strong> suas famílias <strong>de</strong> origem, evi<strong>de</strong>nciando a influência do meio no processo <strong>de</strong> socialização<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 127


econômica.<br />

Observou-se que pais que receberam orientação econômica ao longo do seu <strong>de</strong>senvolvimento têm<br />

maior preocupação em manter conversas sistemáticas sobre assuntos econômicos com seus filhos,<br />

enquanto aqueles que não receberam qualquer orientação não mantêm essas conversas. Também<br />

percebe-se uma associação entre o que os pais e mães apren<strong>de</strong>ram na infância e o que eles transmitem a<br />

seus filhos<br />

Esses dados indicam, em seu conjunto, por um lado, que vários aspectos do comportamento das<br />

famílias estão refletidos nas estratégias que utilizam para a educação <strong>de</strong> seus filhos, por outro, evi<strong>de</strong>ncia a<br />

distância existente entre os valores das famílias, traduzidos em seu discurso e os procedimentos concretos<br />

que utilizam cotidianamente para a alfabetização econômica <strong>de</strong>les.<br />

Corroborando com esses resultados, as pesquisas no âmbito da socialização econômica na família<br />

têm mostrado que os pais são importantes educadores, entretanto, as práticas educativas utilizadas por<br />

eles nessa matéria são limitadas e até contraditórias. (DENEGRI et al. 2002).<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais e implicações educacionais<br />

A questão da Educação Econômica é ao mesmo tempo complexa e <strong>de</strong>safiadora. Com relação ao<br />

cotidiano vivenciado por pais e filhos, as dificulda<strong>de</strong>s se ampliam pela informalida<strong>de</strong> existente no<br />

processo educativo. Não cabem dúvidas <strong>de</strong> que a participação da família no processo <strong>de</strong> socialização da<br />

criança é importante, especialmente para ajudá-la a se inserir no mundo das regras e valores. Ser pai e<br />

mãe é exatamente ser o adulto da relação. Espera-se que tais pessoas sejam referências para os filhos.<br />

Sabe-se que a criança imita o comportamento dos adultos com os quais convive, por isso, espera-se que<br />

eles ofereçam bons mo<strong>de</strong>los. Pais e educadores, que <strong>de</strong>sejam oferecer uma boa educação nessa área,<br />

<strong>de</strong>vem primeiro consi<strong>de</strong>rar seus próprios comportamentos e valores com relação aos temas econômicos.<br />

A sua relação equilibrada e consciente será mo<strong>de</strong>lo para os filhos, a ausência <strong>de</strong>la também.<br />

Assim, os resultados confirmam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma a<strong>de</strong>quada socialização econômica para que<br />

os indivíduos atinjam melhor atuação nesse universo cada vez mais complexo, permitindo-lhes não<br />

apenas a administração mais eficiente <strong>de</strong> seus recursos, mas a verda<strong>de</strong>ira cidadania.<br />

Dentre as implicações resultantes <strong>de</strong>ste estudo, observa-se alguns pontos consi<strong>de</strong>rados<br />

fundamentais para uma proposta <strong>de</strong> reorientação econômica para as famílias.<br />

As <strong>de</strong>scobertas da teoria piagetina sobre o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do ser humano mostram<br />

que a construção do conhecimento sobre o mundo social <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do mesmo processo interno <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 128


autorregulação do sujeito. Portanto, para que ocorra o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias econômicas é preciso<br />

que as crianças encontrem condições para o seu <strong>de</strong>senvolvimento intelectual, além da garantia <strong>de</strong> uma<br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências ligadas aos fenômenos econômicos. Uma educação que conduza ao<br />

autogoverno, o que implica vivência da reciprocida<strong>de</strong>, da escolha, da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />

Os estudos na área da socialização econômica coinci<strong>de</strong>m sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer<br />

mecanismos <strong>de</strong> apoio que permitam enriquecer e complementar o processo <strong>de</strong> educação realizado pelas<br />

famílias. Assim, a escola é chamada a <strong>de</strong>sempenhar um papel mais ativo em relação à criação <strong>de</strong><br />

propostas concretas, dirigidas tanto aos pais e mães quanto a seus filhos, não apenas com o propósito <strong>de</strong><br />

contribuir para a elevação <strong>de</strong> seus níveis <strong>de</strong> alfabetização econômica, mas <strong>de</strong> modo a ajudá-los a assumir<br />

seu papel <strong>de</strong> agentes sociais ao serem capazes <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> forma mais eficaz nas <strong>de</strong>cisões políticas e<br />

econômicas da socieda<strong>de</strong> nas quais estão inseridas. Acredita-se portanto, que a educação econômica <strong>de</strong>ve<br />

acontecer também na escola.<br />

Nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas, caracterizadas pela globalização econômica e cultural e,<br />

sobretudo, pela presença crescente <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosas mídias, como as <strong>de</strong> hoje, as pessoas estão cada vez mais<br />

expostas a uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores que procuram condicionar seu comportamento ao consumo.<br />

Observa-se que a gran<strong>de</strong> maioria das pessoas encontra-se <strong>de</strong>spreparada para enfrentar os apelos do<br />

consumismo, assumindo uma atitu<strong>de</strong> passiva e até indiferente diante dos problemas sociais ligados ao<br />

consumo <strong>de</strong>senfreado como: <strong>de</strong>gradação do ambiente, esgotamento <strong>de</strong> recursos, aumento da pobreza,<br />

hiperendividamento, aumento do consumo <strong>de</strong> drogas, para citar alguns. A fragilida<strong>de</strong> do comportamento<br />

dos indivíduos diante <strong>de</strong>sses problemas tem atingido principalmente as crianças, que crescem num meio<br />

dominado pelo assédio da publicida<strong>de</strong>. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se refletir sobre as consequências nefastas da<br />

comunicação mercadológica voltada às crianças, impedindo seu <strong>de</strong>senvolvimento saudável. Para<br />

Henriques (2008), as crianças não têm mecanismos psicológicos suficientes para enten<strong>de</strong>r a<br />

complexida<strong>de</strong> das relações <strong>de</strong> consumo e os artifícios da publicida<strong>de</strong>, como um adulto, portanto, toda e<br />

qualquer publicida<strong>de</strong> dirigida ao público infantil é intrinsecamente abusiva na medida em que para seu<br />

sucesso se vale da imaturida<strong>de</strong> dos julgamentos infantis.<br />

Ao pensar a intervenção educativa na construção do comportamento econômico há que se<br />

consi<strong>de</strong>rar a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse tema. Também <strong>de</strong>ve se observar que ela não se torne estritamente<br />

racional, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando seu aspecto sociomoral e afetivo, tendo em vista o papel dos valores nas<br />

escolhas que o sujeito realiza. Nesse sentido, não basta a informação correta para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

condutas econômicas éticas e mais equilibradas, é preciso querer agir bem. Esse aspecto remete ao<br />

campo da motivação, dos interesses que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam a ação. O termo valor é central para se<br />

compreen<strong>de</strong>r a fonte <strong>de</strong> valorizações do indivíduo, seja <strong>de</strong> objetos ou pessoas. (PIAGET,1954/1981).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 129


Voltando à questão da construção das noções econômicas e pensando particularmente nas relações <strong>de</strong><br />

consumo, acredita-se que esse possa vir a ser um instigante campo <strong>de</strong> a investigação, portanto, pesquisar<br />

o conceito <strong>de</strong> força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, como apresentado na teoria piagetiana, po<strong>de</strong> ajudar a compreen<strong>de</strong>r os<br />

outros elementos que estão em jogo nos processos <strong>de</strong> educação econômica.<br />

Ao <strong>de</strong>screver como as famílias estão educando os filhos sobre o mundo econômico espera-se<br />

contribuir com elementos que possibilitem um olhar crítico para o fenômeno do consumo, <strong>de</strong> modo a<br />

enriquecer o processo <strong>de</strong> socialização realizado pela família e apoiá-la na construção <strong>de</strong> valores estáveis e<br />

sólidos, resultando em melhoria não apenas para a vida do cidadão, mas principalmente em garantia <strong>de</strong><br />

vida para o planeta.<br />

Referências<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 131


A Atuação <strong>de</strong> Professores nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental como Facilitadores das<br />

Interações Sociais nas Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conhecimento Físico<br />

Resumo<br />

DAL COLETO, Andrea Patapoff<br />

UNICAMP/FE/LPG<br />

MANTOVANI DE ASSIS, Orly Zucatto<br />

UNICAMP/FE/LPG<br />

orly@unicamp.br<br />

patapoffdalcoleto@gmail.com<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi investigar a postura <strong>de</strong> quatro professores das séries iniciais do ensino<br />

fundamental, em ativida<strong>de</strong>s do conhecimento físico, em aulas <strong>de</strong> Ciências. Destacando as ações<br />

pedagógicas facilitadoras das interações sociais nesse processo <strong>de</strong> construção do conhecimento. O quadro<br />

teórico foi fundamentado na <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget e a investigação se <strong>de</strong>lineou como um<br />

estudo qualitativo, <strong>de</strong> caráter <strong>de</strong>scritivo das análises realizadas a partir <strong>de</strong> observações sistemáticas e<br />

entrevistas realizadas com professores <strong>de</strong> acordo com os princípios da abordagem clínica piagetiana. Os<br />

dados coletados indicam a importância das intervenções do professor no trabalho com o conhecimento<br />

físico e apontam ao pressuposto que os professores que utilizam <strong>de</strong> meios empiristas, não conhecem a<br />

forma <strong>de</strong> como se dá a aquisição do conhecimento físico e pouco valorizam o papel das interações sociais<br />

nas situações envolvidas nesse processo. No entanto, é possível evi<strong>de</strong>nciar as diferenças que marcam os<br />

professores que além do conhecimento teórico sobre o tema e assumem uma postura construtivista<br />

buscam a constante promoção <strong>de</strong> investigações, experimentações e encorajam as interações sociais entre<br />

as crianças.<br />

Palavras-chave: Conhecimento. Ciência. Interação social. Professores. Construtivismo (Educação)<br />

Abstract<br />

The objective of this work was to investigate the position of four professors of the initial series of basic<br />

education, in activities of the physical knowledge, lessons of Sciences. Detaching the actions facilitate<br />

pedagogical of the social interactions in this process of construction of the knowledge. The theoretical<br />

picture was based on the Genetic Epistemology of Jean Piaget and the inquiry if it <strong>de</strong>lineated as a<br />

qualitative study, of <strong>de</strong>scriptive character of the analyses carried through from systematic comments and<br />

interviews carried through with professors in accordance with the principles of the piagetian clinical<br />

boarding. The collected data indicate the importance of the interventions of the professor in the work with<br />

the physical knowledge and point to the estimated one that the professors whom they use of half<br />

empiristes, they do not know the form as if of the a acquisition of the physical knowledge and little they<br />

value the paper of the social interactions in the involved situations in this process. However, it is possible<br />

to evi<strong>de</strong>nce the differences that mark the professors who beyond the theoretical knowledge on the subject,<br />

assume a constructiviste position search the constant promotion of inquiries, experimentations and<br />

encourage the social interactions between the children.<br />

Keywords: Knowledge. Science. Social interaction. Teachers. Constructivism (Education)<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 132


Introdução<br />

Em sala <strong>de</strong> aula...<br />

Quando a professora anunciou que iam estudar ciências, uma criança muito atenta<br />

questionou:<br />

- Professora, por que estudamos tão pouquinho ciências?<br />

A professora embaraçada tentava respon<strong>de</strong>r no momento em que outra criança<br />

interrompeu-a, dizendo bem alto:<br />

- Ora, Giovani! Ciência é difícil, precisa pensar!<br />

A transcrição foi extraída das observações realizadas para esta pesquisa e ilustra a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se questionar as consequências do processo <strong>de</strong> ensino e aprendizagem dos conteúdos que fazem parte das<br />

Ciências Naturais e a enorme lacuna <strong>de</strong>ixada na formação dos estudantes.<br />

É perceptível que os estudantes não compreen<strong>de</strong>ndo as explicações científicas abordadas nas<br />

escolas, não as incorporem ao seu saber, resistindo à substituição dos fragmentos resultantes do senso<br />

comum, pelo saber científico e sistematizado.<br />

Os alunos "iniciam", na gran<strong>de</strong> maioria das escolas, seus estudos <strong>de</strong> física no Ensino Médio,<br />

porém, na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo eles buscam explorar o mundo físico que os ro<strong>de</strong>ia, chegando às<br />

concepções prévias.<br />

É importante <strong>de</strong>stacar as afirmações <strong>de</strong> Piaget (1998, p. 154), referindo-se à educação para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento intelectual e social:<br />

(...) não é livre, o indivíduo que está submetido à coerção da tradição ou da opinião<br />

dominante, que se submete <strong>de</strong> antemão a qualquer <strong>de</strong>creto da autorida<strong>de</strong> social e<br />

permanece incapaz <strong>de</strong> pensar por si mesmo. Tampouco é livre o indivíduo cuja anarquia<br />

interior impe<strong>de</strong>-o <strong>de</strong> pensar e que, dominado por sua imaginação ou por sua fantasia<br />

subjetiva, por seus instintos e por sua afetivida<strong>de</strong>, é jogado <strong>de</strong> um lado para outro entre<br />

todas as tendências contraditórias <strong>de</strong> seu eu e <strong>de</strong> seu inconsciente. É livre, em<br />

contrapartida, o indivíduo que sabe julgar, e cujo espírito crítico, o sentido da experiência<br />

e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coerência lógica colocam-se a serviço <strong>de</strong> uma razão autônoma, comum<br />

a todos os indivíduos e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> toda autorida<strong>de</strong> exterior.<br />

Assim, as ativida<strong>de</strong>s e intervenções do professor no ensino <strong>de</strong> Ciências, nas ativida<strong>de</strong>s referentes à<br />

aquisição do conhecimento físico constituem momentos importantes e privilegiados, em que as crianças<br />

po<strong>de</strong>m entrar em contato com fenômenos da natureza buscando explicações para as diferentes<br />

proprieda<strong>de</strong>s e transformações da matéria, como também para as diversas transformações produzidas pelo<br />

homem, para compreen<strong>de</strong>r e representar o mundo em que vivem, numa visão contextualizada.<br />

Sendo assim, visando conhecer a conduta <strong>de</strong> quatro professoras das séries iniciais do ensino<br />

fundamental, esta pesquisa, teve como objetivo principal conhecer o contexto do ensino <strong>de</strong> ciências nas<br />

séries iniciais do Ensino Fundamental e obter informações do modo como tratam o conhecimento físico e<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 133


se as interações sociais são valorizadas por elas.<br />

A pesquisa teve como suporte teórico a <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget e seus precursores<br />

que se aprofundaram no campo do conhecimento físico e das interações sociais.<br />

O conhecimento físico, as interações sociais e o papel do professor<br />

Os trabalhos <strong>de</strong> epistemologia genética <strong>de</strong> Piaget (1990) evi<strong>de</strong>nciam como as crianças elaboram<br />

explicações causais para os fenômenos físicos da natureza que as cerca e a partir <strong>de</strong>ssas explicações<br />

constroem seu conhecimento físico. Consi<strong>de</strong>ra-se que no contexto das séries iniciais do Ensino<br />

Fundamental, o ensino direcionado ao conhecimento do mundo físico não é proposto pelo método<br />

científico, conforme explica Delval (1998, p.161):<br />

Muitos educadores acreditam que o método científico po<strong>de</strong> ser ensinado diretamente<br />

transformando-o num conjunto <strong>de</strong> regras, da mesma forma como são ensinadas muitas<br />

outras coisas na escola, reduzindo-o a uma série <strong>de</strong> instruções verbais que são<br />

transmitidas. Assim, é comum indicar que o método científico consta <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />

passos e <strong>de</strong>screver quais são seus passos.<br />

E isto aparece não somente nos livros para professores, mas também nos textos para as crianças,<br />

que começam <strong>de</strong>screvendo quais são os passos do método científico, como se fossem normas fixas e<br />

rígidas que é preciso respeitar sempre.<br />

Vale lembrar que Piaget interessou-se sobremaneira pelo pensamento científico. Piaget e Garcia<br />

(1987) <strong>de</strong>stacam alguns elementos comuns entre o <strong>de</strong>senvolvimento do conhecimento científico ao longo<br />

da história e o <strong>de</strong>senvolvimento das noções elementares na criança. Tais elementos não se referem à<br />

estrutura dos saberes construídos, mas ao processo <strong>de</strong> aquisição do conhecimento.<br />

O trabalho com a aquisição do conhecimento físico é uma condição necessária para que os<br />

estudantes possam apreciar características centrais do pensamento científico, pois o objetivo <strong>de</strong>ssas<br />

ativida<strong>de</strong>s não é ensinar conceitos, princípios ou explicações científicas (Kamii, 1991), mas “propor<br />

situações nas quais os estudantes reflitam sobre seus próprios conhecimentos, po<strong>de</strong>ndo inclusive<br />

compará-los com explicações diferentes e perceber que não po<strong>de</strong> existir plena compatibilida<strong>de</strong> entre<br />

elas”. (Bizzo, 1998, p.52) Piaget (1949 apud OLIVEIRA, 1998, p. 187), ressalta:<br />

Todo conhecimento físico supõe a existência <strong>de</strong> certas invariantes, que se conservam ao<br />

longo das transformações observáveis. Da reflexão dos primeiros físicos gregos aos<br />

mo<strong>de</strong>rnos “princípios <strong>de</strong> conservação”, encontramos em todas as etapas essa exigência do<br />

pensamento racional, que só concebe a mudança em função da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e vice-versa.<br />

Contudo, é muito surpreen<strong>de</strong>nte constatar que, em toda situação em que a criança se<br />

encontra às voltas com objetos reais possíveis <strong>de</strong> manipular e transformar – e não apenas<br />

com i<strong>de</strong>ias ou com palavras -, é igualmente por essa constituição <strong>de</strong> invariantes racionais<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 134


que ela principia, na medida em que se trata <strong>de</strong> realmente compreen<strong>de</strong>r, ou seja, pela ação<br />

e pela operação.<br />

De acordo com essa citação, para que a criança aprenda, não bastam claras explicações, é<br />

necessário que ela viva intensamente o objeto <strong>de</strong> conhecimento, reconhecendo-o, i<strong>de</strong>ntificando-o ou<br />

perceba acontecimentos novos, aplicando-lhes os esquemas preexistentes.<br />

O caminho da ação e das coor<strong>de</strong>nações auxilia a criança a <strong>de</strong>sempenhar um papel ativo no<br />

processo <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento, sem o qual não haverá sustentação para os avanços rumo ao<br />

entendimento (Furth, 1974).<br />

Devemos ajustar os ensinamentos pretendidos aos diferentes níveis da sua compreensão. Nessa<br />

dimensão é que será garantido o direito da criança construir sua inteligência, pela própria ativida<strong>de</strong> e<br />

empenho, o que não seria possível se os professores não conhecessem o <strong>de</strong>senvolvimento do raciocínio<br />

infantil.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se que a postura do professor <strong>de</strong>va a<strong>de</strong>quar-se para oferecer à criança oportunida<strong>de</strong>s<br />

para explorar fatos e fenômenos por meio <strong>de</strong> experiências significativas, buscando <strong>de</strong>scobrir aquilo que<br />

ela já sabe e relacionando-o com as novas apreensões. É esse, sem dúvida, um importante princípio a ter-<br />

se em conta, uma vez que a aprendizagem <strong>de</strong>ve ser encarada como a busca <strong>de</strong> sentido para as situações do<br />

mundo ao redor.<br />

Conforme Freire (1996), o apren<strong>de</strong>r passa pela evolução <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias do senso comum sobre a<br />

realida<strong>de</strong>, geradas por uma curiosida<strong>de</strong> ingênua, para o conhecimento científico, levando os indivíduos a<br />

atuarem com curiosida<strong>de</strong> epistemológica, <strong>de</strong> maior potencial crítico e transformador.<br />

Piaget <strong>de</strong>ixa claro, em sua obra “Representação do mundo na criança”, <strong>de</strong> 1926, a crítica à<br />

introdução do conhecimento científico na escola sem a a<strong>de</strong>quada preparação, ou seja, sem<br />

contextualização, distanciada da realida<strong>de</strong>, sem ênfase na construção <strong>de</strong> conceitos. Dessa forma, espera<br />

que os alunos <strong>de</strong>positem conceitos abstratos em suas mentes, que são repetidos e <strong>de</strong>corados, como algo<br />

pronto e acabado, sem o <strong>de</strong>vido entendimento que só é possível quando resulta da investigação, que busca<br />

a compreensão e a transformação da realida<strong>de</strong>. O conhecimento científico po<strong>de</strong>rá vir a ser significativo a<br />

partir do momento em que o aluno perceba sua utilida<strong>de</strong> para resolver seus problemas e respon<strong>de</strong>r os<br />

questionamentos que fazem parte <strong>de</strong> sua vida.<br />

Isso significa que uma das explicações apontadas por Piaget sobre a incompreensão do<br />

conhecimento científico transmitido pela escola, diz respeito à ina<strong>de</strong>quação dos métodos escolares. A<br />

ciência aparece como uma verda<strong>de</strong> absoluta, apresentando-se apenas os resultados e não o seu processo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 135


Outro aspecto consi<strong>de</strong>rado é o mecanismo contraditório da escola. Sendo uma instituição<br />

<strong>de</strong>stinada a transmitir o conhecimento, que prega a formação para a cidadania <strong>de</strong> forma autônoma e<br />

<strong>de</strong>mocrática e, no entanto, promove a submissão e a passivida<strong>de</strong>. Isso é evi<strong>de</strong>nte nos trabalhos <strong>de</strong><br />

repetição e reprodução, quando o aluno <strong>de</strong>cora, sendo impedido da <strong>de</strong>scoberta, da investigação e da busca<br />

do conhecimento. A impressão que se tem é a <strong>de</strong> que existem forças sociais que impossibilitam que os<br />

indivíduos sejam capazes <strong>de</strong> pensamento crítico e criativo, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas, <strong>de</strong> compreensão dos<br />

conhecimentos científicos, reduzindo o fazer da escola a simples <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> informações.<br />

Vivemos uma época <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> influência do impacto das Ciências sobre os assuntos <strong>de</strong> interesse<br />

diário. Apren<strong>de</strong>r ciências envolve a introdução das crianças a uma forma diferente <strong>de</strong> pensar sobre o<br />

mundo natural e <strong>de</strong> explicá-lo; é tornar-se socializado.<br />

A escola, por outro lado, ainda apresenta limitações quanto a essa necessida<strong>de</strong>, ignorando o<br />

interesse natural das crianças, que mesmo bem pequenas, <strong>de</strong>monstram claramente o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e<br />

compreen<strong>de</strong>r o mundo físico ao seu redor. Ao ouvirmos suas perguntas, percebemos sua imensa se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecimento. São perguntas <strong>de</strong> diversas naturezas, querem conhecer a diversida<strong>de</strong> do ambiente,<br />

manusear, experimentar objetos simples, até enten<strong>de</strong>r por que a chuva cai aos pingos e não <strong>de</strong> uma vez só.<br />

A visão empirista e inatista <strong>de</strong> ciência, impregnada nas escolas, embora fortemente criticada,<br />

permanece implícita nas crenças populares e é correntemente transmitida pela escola e meios <strong>de</strong><br />

comunicação.<br />

Ensinar ciências implica em conduzir as crianças a uma forma diferente <strong>de</strong> pensar sobre o mundo<br />

natural e <strong>de</strong> explicá-lo; é um processo contínuo <strong>de</strong> transformação do objeto pesquisado e do próprio<br />

pesquisador. Para ensinar ciências é necessário confessarmos nossa ignorância, entrarmos em um<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização e voltar a ser criança, começar a estudar a ciência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua base, sua<br />

gênese. Nesse sentido, Piaget e Garcia (1987, p. 64) ilustram:<br />

(...) (um cientista) começou sendo criança, pois a infância é anterior à ida<strong>de</strong> adulta em<br />

todos os homens, incluindo aquele das cavernas. Quanto a saber o que o cientista retira <strong>de</strong><br />

seus primeiros anos, não é uma coleção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias inatas, uma vez que há ensaios e erros<br />

nos dois casos, mas um po<strong>de</strong>r construtivo, e entre nós alguém veio a dizer que um físico<br />

<strong>de</strong> gênio é um homem que soube conservar a criativida<strong>de</strong> própria a sua infância ao invés<br />

<strong>de</strong> perdê-la na escola.<br />

Embora Piaget não tenha abordado diretamente o problema da escola quanto à prática pedagógica,<br />

seu vasto e rico trabalho traz i<strong>de</strong>ias que tiveram bastante repercussão no campo educacional,<br />

principalmente por focalizarem noções básicas que constituem nos currículos escolares. Piaget (1982b)<br />

chegou a pronunciar-se, algumas vezes, no campo pedagógico, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo, por exemplo, os métodos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 136


ativos propostos pelo movimento da Escola Ativa dos anos 20 e 30 do século XX.<br />

Desse modo, segundo Macedo (1994), a maneira <strong>de</strong> aproximar a teoria piagetiana da educação<br />

escolar estaria em relacionar intervenção com espontaneida<strong>de</strong> e em recorrer à teoria sem <strong>de</strong>svirtuá-la.<br />

Aliás, o <strong>de</strong>svirtuamento parece ser a tônica em nossas escolas, atualmente, com professores <strong>de</strong>finindo o<br />

Construtivismo como um método <strong>de</strong> ensino ou <strong>de</strong> alfabetização ou um conjunto <strong>de</strong> regras e técnicas a<br />

serem aplicadas em sala <strong>de</strong> aula, segundo constatações <strong>de</strong> Chackur (2005 p. 296) em estudos e recentes<br />

pesquisas coor<strong>de</strong>nadas ou orientadas por ela:<br />

Todas essas pesquisas apontaram o risco <strong>de</strong> que o aligeiramento na divulgação <strong>de</strong> dados e<br />

i<strong>de</strong>ias do Construtivismo po<strong>de</strong> fomentar, entre professores, a disseminação <strong>de</strong> fórmulas<br />

verbais <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> fundamentos e/ou <strong>de</strong> raízes na prática educativa (tal como o aluno<br />

constrói sozinho os conhecimentos ou o conteúdo não interessa, o que importa é o<br />

raciocínio), além <strong>de</strong> receitas e prescrições <strong>de</strong>sligadas da teoria e/ou <strong>de</strong> justificativas<br />

práticas que lhes dão sentido, por exemplo, <strong>de</strong>ve-se dar trabalho em grupo em sala <strong>de</strong><br />

aula ou não se <strong>de</strong>ve corrigir o aluno.<br />

Piaget <strong>de</strong>ixa um quadro teórico consistente, a partir do qual o pesquisador e o professor po<strong>de</strong>m<br />

estudar e compreen<strong>de</strong>r questões educacionais e repensar a prática pedagógica, como sugerem os estudos<br />

<strong>de</strong> Mantovani <strong>de</strong> Assis (1976), que constatou em sua pesquisa, que a educação escolar <strong>de</strong>ve propiciar à<br />

criança contatos e trocas sociais que são indispensáveis à socialização e um ambiente educativo que<br />

estimule o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua inteligência, iniciativa, autonomia e criativida<strong>de</strong>; Banks Leite (1994)<br />

fez um exame crítico das propostas pedagógicas fundamentadas na teoria psicogenética; Coll (1987), fez<br />

uma revisão e traz as primeiras publicações e a fundação <strong>de</strong> institutos <strong>de</strong> pesquisa, que invocavam uma<br />

área específica <strong>de</strong> conhecimento psicológico para o tratamento e solução <strong>de</strong> problemas educacionais e<br />

Macedo (1994) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> em suas pesquisas os processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da criança e sua<br />

aprendizagem escolar segundo a proposta construtivista <strong>de</strong> Piaget.<br />

As pesquisas psicogenéticas citadas acima, mostram que a melhor forma das instituições<br />

educacionais contribuírem para a formação <strong>de</strong> indivíduos morais e intelectualmente ativos é tornar cada<br />

sujeito em agente do seu próprio processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e o educador em facilitador <strong>de</strong>ssa<br />

mudança, o qual também <strong>de</strong>ve propiciar condições para a criança interagir com o mundo.<br />

Se Piaget concebe o <strong>de</strong>senvolvimento dos conhecimentos como um processo espontâneo,<br />

valorizando as trocas entre sujeito e objeto, essa concepção educacional supõe intervenção planejada e<br />

sistematizada em situação <strong>de</strong> ensino.<br />

As trocas, nesta última, incluem também a figura do professor, e os objetivos e meios utilizados<br />

são intencionais, selecionados <strong>de</strong>liberadamente para resultarem em aprendizagem (Piaget, 1982a).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 137


O construtivismo piagetiano não oferece fórmulas para ensinar, mas permite a compreensão <strong>de</strong><br />

como as crianças e os adolescentes apren<strong>de</strong>m, fornecendo um referencial para se i<strong>de</strong>ntificar as<br />

possibilida<strong>de</strong>s e limitações do educando. Exige, por isso, do professor uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeito às<br />

condições intelectuais do aluno e uma maneira segura <strong>de</strong> interpretar suas condutas verbais e não verbais<br />

para melhor lidar com elas (Chakur e Cols, 2004).<br />

Diante <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, Delval (1998, p.110), afirma sobre a formação do homem:<br />

O importante é que sejam capazes <strong>de</strong> refletir com rigor sobre os problemas físicos ou<br />

sobre a história, que sejam capazes <strong>de</strong> refletir sobre o universo físico sobre o universo<br />

social. O que precisam apren<strong>de</strong>r é essa atitu<strong>de</strong> diante das coisas e essa atitu<strong>de</strong> somente<br />

será alcançada com a prática, exercitando em sala <strong>de</strong> aula o pensamento rigoroso e<br />

criativo diante <strong>de</strong> problemas novos.<br />

À luz <strong>de</strong>ssas reflexões, vale ressaltar que as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conhecimento Físico constituem uma<br />

ótima oportunida<strong>de</strong> para que os professores proporcionem um ambiente interativo, no qual as trocas entre<br />

pares aparecem naturalmente.<br />

É preciso que o estudante consiga ver algum sentido no conjunto <strong>de</strong> questões propostas pelo<br />

professor e principalmente que compreenda o Conhecimento Físico como uma forma diferente <strong>de</strong> pensar<br />

e falar sobre o mundo, que ele passe a enten<strong>de</strong>r essa outra língua – a língua das ciências. (Carvalho,<br />

2004).<br />

Na discussão apresentada por Kamii e DeVries e (1988), a aquisição do conhecimento por parte<br />

do aluno se dá por meio dos princípios construtivistas <strong>de</strong> aprendizagem. O aluno, enquanto sujeito ativo<br />

no seu processo <strong>de</strong> aprendizagem estabelece relações entre seus conhecimentos prévios e os novos<br />

conhecimentos.<br />

De acordo com essa visão construtivista, as autoras Kamii e DeVries (1988, p. 55), propõem os<br />

seguintes objetivos educacionais:<br />

Objetivos socioemocionais:<br />

a. torne-se cada vez mais autônoma <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong> relações geralmente não<br />

coercitivas, com os adultos;<br />

b. respeite os sentimentos dos outros e comece a cooperar (através da <strong>de</strong>scentralização e<br />

coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> diferentes pontos <strong>de</strong> vista);<br />

c. seja alerta, curiosa e use a iniciativa na perseguição <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>s, tenha confiança<br />

em sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificar as coisas, por si mesma e diga o que pensa com<br />

convicção.<br />

Objetivos cognitivos para que a criança:<br />

a. proponha uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, problemas e questões;<br />

b. coloque objetos e acontecimentos em relação e notem similarida<strong>de</strong>s e diferenças.<br />

A <strong>de</strong>finição da autonomia como primeiro objetivo por Kamii e Devries <strong>de</strong>ve-se à existência do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 138


paralelismo entre autonomia moral e autonomia intelectual discutido por Piaget, cuja implicação<br />

pedagógica é apontada pelas autoras.<br />

Para Piaget (1973, p. 18), o trabalho em equipe <strong>de</strong>ve ser conduzido por meio do <strong>de</strong>nominado<br />

método ativo, que é aquele que confere gran<strong>de</strong> importância ao trabalho <strong>de</strong> pesquisa “(...) exigindo-se que<br />

toda verda<strong>de</strong> a ser adquirida seja reinventada pelo aluno, ou pelo menos, reconstruída e não simplesmente<br />

transmitida”.<br />

Partindo do pressuposto que parte do programa <strong>de</strong> Ciências para as primeiras séries do Ensino<br />

Fundamental, relaciona-se ao conteúdo do Conhecimento Físico e para tanto os alunos precisam ser<br />

instigados a resolver problemas do mundo físico, buscando <strong>de</strong> maneira sistemática, solução e explicações<br />

para os mesmos. Solucionar problemas, por meio da experimentação, envolve manipulação e,<br />

principalmente, reflexão, trocas, relatos, discussões, pon<strong>de</strong>rações e explicações.<br />

A Pesquisa<br />

Com o intuito <strong>de</strong> conhecer as condutas <strong>de</strong> professores das séries iniciais do ensino fundamental, a<br />

pesquisa aqui apresentada, buscou avaliar o contexto do ensino <strong>de</strong> ciências e por meio <strong>de</strong>ste obter<br />

informações <strong>de</strong> como o conhecimento físico é abordado e <strong>de</strong> como a importância das interações sociais é<br />

reconhecida.<br />

A estratégia <strong>de</strong> pesquisa valeu-se <strong>de</strong> entrevistas semi-estruturadas inspiradas na abordagem clínica<br />

<strong>de</strong> Piaget (1926), e por observações sistemáticas em salas <strong>de</strong> aula <strong>de</strong> séries iniciais do ensino<br />

fundamental.<br />

Os dados foram analisados a partir dos princípios teóricos <strong>de</strong> Jean Piaget e seus seguidores.<br />

Constam os conceitos e estudos já realizados sobre o trabalho com o conhecimento físico, com ênfase aos<br />

estudos <strong>de</strong> Constance Kamii e Rheta Devries (1991) e Ana Maria Pessoa Carvalho (1998) e quanto às<br />

interações sociais corroboraram os trabalhos <strong>de</strong> Rheta Devries (1980), Anne Nelly Perret-Clermont<br />

(1987), La Taille, (1992), Zaia (1985) e Maria Lucia Faria Moro (1987).<br />

Para o estudo dos dados coletados na investigação, foram organizadas três categorias <strong>de</strong> análises:<br />

A/B - Intervencionista, Democrático e Caloroso, C/D - Não- Intervencionista, às vezes Autoritário e E/F<br />

- Professor Controlador / Professor Autoritário.<br />

Essas três categorias emergiram da teoria piagetiana, que constituiu o suporte <strong>de</strong>sta pesquisa e a<br />

relação entre as classificações elaboradas por Zaia (1985), que focalizam a categorização das interações<br />

entre pares, com as discussões a respeito das concepções epistemológicas sugeridas por Becker (1994).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 139


As informações coletadas nos permitiram que fosse salientada a importância das intervenções do<br />

professor das séries iniciais do ensino fundamental no trabalho com o conhecimento físico e apontaram<br />

para o resultado <strong>de</strong>ssas intervenções, que às vezes facilitam, em outras dificultam as interações entre<br />

pares. Sendo assim, acredita-se que seja tarefa importante para o professor realizar intervenções que<br />

provoquem conflitos cognitivos.<br />

De modo geral, os resultados apresentados dão suporte ao pressuposto que a postura tradicional <strong>de</strong><br />

professores, que não conheçam a forma como se dá a aquisição do conhecimento físico, pouco valorizam<br />

o papel das interações sociais nas situações envolvidas nesse processo. No entanto, é possível i<strong>de</strong>ntificar-<br />

se as diferenças que marcam os professores que assumiram a postura construtivista.<br />

As práticas educativas observadas no construtivismo fundamentam-se predominantemente na<br />

teoria psicológica do <strong>de</strong>senvolvimento e da aprendizagem <strong>de</strong> Jean Piaget. O aluno constrói seu<br />

conhecimento mediante a ação, isto é, a aprendizagem acontece mediante a satisfação <strong>de</strong> duas condições,<br />

a ação significativa da criança sobre o material (assimilação) e as respostas às perturbações provocadas<br />

pela assimilação (acomodação).<br />

As professoras investigadas que se aproximaram da categoria elaborada pela autora <strong>de</strong>ssa<br />

pesquisa, como A/B: Intervencionista, <strong>de</strong>mocrático e caloroso aponta para um professor que favorece a<br />

reflexão aos alunos reflitam, sobre seu próprio trabalho. Ele assume o papel <strong>de</strong> provocador e facilitador<br />

do pensar e além <strong>de</strong> tudo, encoraja a cooperação entre as crianças.<br />

O papel do professor é fundamental, nesse processo, pois cabe a ele encorajar os alunos para que<br />

formulem suas indagações, utilizando-se <strong>de</strong> perguntas abertas que possibilitem o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua<br />

capacida<strong>de</strong> analítica, bem como <strong>de</strong>ve sempre procurar estabelecer interações entre os alunos, para que<br />

passem a questionar suas próprias soluções, <strong>de</strong>scobrindo suas contradições.<br />

Têm-se indícios, a partir da análise dos dados fornecidos pelas entrevistas e pelas observações<br />

realizadas em salas <strong>de</strong> aula, que outras duas professoras, revelaram o mo<strong>de</strong>lo tradicional <strong>de</strong> ensino, em<br />

que o professor é um mero transmissor e os alunos receptores <strong>de</strong> conteúdos. I<strong>de</strong>ntificá-las em uma única<br />

categoria, C/D ou a E/F, foi difícil <strong>de</strong>vido a forma que elas transitam entre o empirismo e o apriorismo.<br />

Na perspectiva da categoria C/D - Não-Intervencionista, às vezes pouco autoritário, evi<strong>de</strong>ncia-se<br />

uma prática pedagógica na qual o professor age como um guia e orientador <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, um mero<br />

facilitador, que pouco se preocupa em provocar <strong>de</strong>sequilíbrios cognitivos, apenas apresenta os conteúdos<br />

em algumas situações, <strong>de</strong> forma lúdica e em outras, <strong>de</strong> maneira rígida.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 140


As práticas pedagógicas encontradas frente a categoria E/F – Professor Controlador / Professor<br />

Autoritário, assenta-se na postura do professor que estimula os alunos que trabalham <strong>de</strong> acordo com suas<br />

or<strong>de</strong>ns e acredita que o exercício da repetição favorece a aprendizagem, havendo pouca comunicação<br />

entre eles.<br />

Nota-se que, quando a explicação apriorista (Categoria C/D) não convence, o professor lança mão<br />

<strong>de</strong> argumentos empiristas (Categoria E/F).<br />

Dessa forma, é explícita a urgência e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se repensar o ensino <strong>de</strong> Ciências <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

séries iniciais, para favorecer a ocorrência <strong>de</strong> questionamentos que proporcionem situações problemáticas<br />

interessantes e possibilitem a construção <strong>de</strong> conhecimentos a<strong>de</strong>quados, ou seja, <strong>de</strong> buscar conteúdos<br />

<strong>de</strong>ntro do mundo da criança, do mundo físico em que ela vive, que possam ser trabalhados <strong>de</strong> modo a<br />

permitir que novos conhecimentos possam ser adquiridos (Carvalho,1998).<br />

As concepções dos professores da categoria A/B confirmam os estudos <strong>de</strong> Piaget (1936), que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> um ensino que propicie trabalhos em equipe, como oportunida<strong>de</strong> para a troca <strong>de</strong> opiniões e<br />

conceitos entre os alunos e <strong>de</strong>stes com o professor si e entre estes e o professor, pois segundo este<br />

pesquisador a cooperação é um elemento indispensável à elaboração da razão, sendo a vida em grupo o<br />

meio natural para essa ativida<strong>de</strong> intelectual.<br />

Outro aspecto relevante <strong>de</strong>ste estudo é citado por Macedo (1994), sobre a importância do papel<br />

<strong>de</strong>sempenhado pelo professor <strong>de</strong>ntro do contexto construtivista e sua extrema importância. O professor<br />

<strong>de</strong>ve ser um profundo conhecedor da matéria que se propõe ensinar, para que possa formular hipóteses,<br />

sistematizar e fazer perguntas inteligentes aos alunos, possibilitando a problematização. Com isso, o que<br />

efetivamente importa é a pergunta ou situação problema, pois a prática <strong>de</strong> ensino não po<strong>de</strong> limitar-se à<br />

mera transmissão <strong>de</strong> informações. O que <strong>de</strong>ve ocorrer é a transformação do ensino em um ato constante<br />

<strong>de</strong> investigação e experimentação, que possibilite a progressiva construção do conhecimento.<br />

Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

De toda a análise, enten<strong>de</strong>-se que o professor <strong>de</strong>va estar comprometido com a construção do<br />

conhecimento físico, que para isso exige preocupação com a ativida<strong>de</strong> da criança, especificamente no que<br />

diz respeito à cooperação. Esta palavra traz consigo a i<strong>de</strong>ia do fazer junto, <strong>de</strong> construção coletiva, isto é,<br />

cooperar não é fazer pelo outro, nem torná-lo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mas oferecer condições para que o outro possa<br />

chegar a soluções próprias para as situações problema, por meio <strong>de</strong> trocas, <strong>de</strong> sugestões e novos saberes<br />

discutidos no grupo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 141


Não há pretensão <strong>de</strong> generalizar os resultados encontrados, mas, sobretudo, há a esperança <strong>de</strong><br />

contribuir para possíveis reflexões <strong>de</strong> professores preocupados com a realização <strong>de</strong> um trabalho<br />

pedagógico coerente com o <strong>de</strong>senvolvimento global dos alunos e interessados nos pressupostos<br />

construtivistas.<br />

Estudar a relação <strong>de</strong> ações pedagógicas no trabalho realizado nas aulas <strong>de</strong> Ciências que exploram<br />

a aquisição do conhecimento físico, <strong>de</strong>ixou para a pesquisadora muitos motivos <strong>de</strong> reflexão e muitos<br />

saberes e significados, com vista para novos estudos que possam corroborar no processo <strong>de</strong> formação e <strong>de</strong><br />

práticas pedagógicas das séries iniciais do ensino fundamental, visando a construção do conhecimento<br />

físico, coerente com uma educação construtivista em que o método ativo no ensino <strong>de</strong> ciências confere ao<br />

aluno o papel fundamental, permitindo que toda verda<strong>de</strong> adquirida seja reinventada ou pelo menos<br />

reconstruída e não simplesmente transmitida, assim como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u Jean Piaget (1998, p.190 grifo nosso)<br />

"... a beleza, como a verda<strong>de</strong>, só vale quando recriada pelo sujeito que a conquista".<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 144


A Noção <strong>de</strong> Pensamento Infantil: um Estudo Comparativo entre as Respostas Encontradas por<br />

Jean Piaget em Pesquisa Realizada em 1926 e as Respostas <strong>de</strong> Crianças do Século XXI 38<br />

Resumo<br />

CESAR, Janete Schmidt <strong>de</strong> Camargo<br />

MANTOVANI DE ASSIS, Orly Zucatto<br />

Laboratório <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Genética-FE/UNICAMP- CAPES<br />

janetek9@hotmail.com<br />

orly@unicamp.br<br />

A presente pesquisa teve por objetivo investigar, <strong>de</strong> forma qualitativa, as concepções infantis sobre o<br />

pensamento infantil, a fim <strong>de</strong> verificar se as respostas dadas pelas crianças participantes do atual trabalho<br />

correspondiam às encontradas por Piaget em estudo realizado em 1926 e, também, se estas tinham relação<br />

com o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos sujeitos avaliados através das Provas Piagetianas para Diagnóstico<br />

do Comportamento Operatório. Seu referencial teórico se encontra alicerçado na <strong>Epistemologia</strong> Genética<br />

com ênfase no Método Clínico-Crítico, elaborado por Piaget, na data supracitada. Participaram do estudo,<br />

19 crianças entre 7 e 14 anos, selecionadas <strong>de</strong>ntre 173 alunos <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> do interior do Estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo. Para análise dos dados obtidos, foram elaboradas duas tabelas nas quais se estabeleceram<br />

categorias <strong>de</strong> respostas com o objetivo <strong>de</strong> obter uma melhor compreensão dos resultados e, ao mesmo<br />

tempo, propiciar uma análise pormenorizada, em que foi possível empregar a correlação linear. A<br />

justificativa para esta classificação se encontra na percepção <strong>de</strong> que a construção da noção <strong>de</strong><br />

pensamento, assim como as <strong>de</strong>mais noções estudadas pelo autor, não se dá por insight, mas através <strong>de</strong> um<br />

processo gradativo <strong>de</strong> construções. Os resultados obtidos apontam para uma correlação linear positiva<br />

média (0,5595403) entre a noção <strong>de</strong> pensamento infantil e o estágio <strong>de</strong> operatorieda<strong>de</strong> dos sujeitos. No<br />

que concerne à comparação entre as respostas encontradas, em 1926 e as <strong>de</strong> 2008, percebemos que os<br />

estágios estabelecidos por Piaget continuam válidos, porque apesar da evolução tecnológica ter<br />

propiciado um vocabulário rico sobre o funcionamento cerebral, este não é acompanhado pela referida<br />

compreensão, já que as crianças estudadas apenas repetem o que ouvem dos adultos ou da televisão,<br />

confirmando que o aprendizado é um processo construtivo, ou seja, não se dá pela simples transmissão <strong>de</strong><br />

informações.<br />

Palavras-chave: Concepção Infantil. Desenvolvimento Cognitivo. <strong>Epistemologia</strong> Genética.<br />

38 O presente trabalho é parte da Dissertação <strong>de</strong> Mestrado apresentada ao Programa <strong>de</strong> Mestrado em Educação da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Educação da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas – UNICAMP, intitulada As i<strong>de</strong>ias das crianças a respeito <strong>de</strong> suas<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem no sistema escrito, <strong>de</strong>fendida em fevereiro <strong>de</strong> 2009.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 145


Abstract<br />

The present research has as a goal to investigate, in a qualitative way, childish conceptions about his own<br />

thoughts, to verify if the answers given by children in the current study correspond to those found by<br />

Piaget in a study ma<strong>de</strong> in 1926, and also if those are related to the cognitive <strong>de</strong>velopment of the subject<br />

evaluated by Piagetian Operational Behavior Diagnoses Proofs. The theoretical framework of this<br />

research is based on genetic epistemology with emphasis on clinical-Critical Method <strong>de</strong>veloped by Piaget<br />

in the date said above. 19 children with ages between 7 and 13 were selected among 173 that study in a<br />

school from the West of São Paulo State. The data were analyzed by the construction of two tables which<br />

have categories of responses with the goal of obtaining a better un<strong>de</strong>rstanding of the results, and, at the<br />

same time, to <strong>de</strong>velop a <strong>de</strong>tailed analysis in which was possible to apply linear correlation. This<br />

classification can be justified by the perception that the construction of the concept of thought, as well as<br />

other concepts studied by the author, is not by insight but through a gradual process of construction. The<br />

results obtained pointed to a medium positive linear correlation average (in<strong>de</strong>x of dispersion =<br />

0.5595403) between the notion of childish though and the subjects’ operational stages. Regarding the<br />

comparison between the responses found in 1926 and 2008, it’s possible to realize that the stages set out<br />

by Piaget remain valid, because <strong>de</strong>spite technological evolution have provi<strong>de</strong>d a rich vocabulary on the<br />

functioning brain, this is not accompanied by the un<strong>de</strong>rstanding, since children studied only repeated<br />

what they hear from adults or television shows, confirming that learning is a constructive process, which<br />

can’t happen with simple transmission of information.<br />

Keywords: Childish Conception. Cognitive Development. Genetic Epistemology.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 146


Introdução<br />

O crescimento populacional aliado aos avanços tecnológicos do século XXI requer, em conjunto,<br />

uma nova gama <strong>de</strong> aprendizagens que supõe um “novo” ser humano capaz <strong>de</strong> assimilar conteúdos cada<br />

vez maiores e mais complexos. Seres aptos a adaptarem-se ao novo com uma inacreditável velocida<strong>de</strong>: o<br />

“novo” sem esquecer o “velho” que, nas palavras <strong>de</strong> Morin (2000, p. 15), consistiria a “condição<br />

humana ... objeto essencial <strong>de</strong> todo ensino”.<br />

As <strong>de</strong>scobertas realizadas pela “Década do Cérebro” (1990) trouxeram inegáveis contribuições às<br />

áreas interessadas no <strong>de</strong>senvolvimento do ser humano, principalmente com as possibilida<strong>de</strong>s oferecidas<br />

por exames cada vez mais sofisticados, como a PET (tomografia por emissão <strong>de</strong> pósitrons) que permite o<br />

exame do cérebro em funcionamento. Mas será que essas <strong>de</strong>scobertas invalidam os métodos utilizados<br />

por Piaget para a construção <strong>de</strong> sua teoria do <strong>de</strong>senvolvimento humano? Estaria seu método <strong>de</strong> entrevista<br />

(Clínico-Crítico) ultrapassado? Acreditamos que não.<br />

A teoria do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> Piaget se fundamenta nas ações, ou concepções, espontâneas das<br />

crianças que ele se propôs a observar e a investigar para compreen<strong>de</strong>r como o conhecimento se forma e<br />

qual é a sua gênese, a fim <strong>de</strong> mostrar o aspecto evolutivo do <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Os trabalhos realizados por seguidores <strong>de</strong> Piaget, a respeito das concepções infantis, como os <strong>de</strong><br />

Delval (1998) a respeito do conhecimento social e os <strong>de</strong> Denegri (1998) sobre as i<strong>de</strong>ias das crianças a<br />

propósito <strong>de</strong> aspectos relacionados à economia (como consumo, lucro, entre outros), vêm oferecendo<br />

subsídios não só para a atuação docente, mas para todos aqueles profissionais cuja área envolve o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem da criança.<br />

Confiamos que mesmo com as contribuições da neurologia, consi<strong>de</strong>rar o que o indivíduo pensa e<br />

crê na sua interação com o mundo nas diversas fases <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento físico, social e emocional é<br />

o melhor, senão o único caminho para compreen<strong>de</strong>r e se fazer conhecer os mecanismos inerentes à<br />

construção do conhecimento pelo indivíduo.<br />

Portanto, é objetivo primordial <strong>de</strong>sse trabalho verificar os processos subjacentes ao pensamento<br />

infantil, e se estes sofrem influência do meio sócio-cultural e histórico em que vivem. Estaremos<br />

utilizando os mesmos instrumentos propostos por Piaget, pois acreditamos que possibilitar à criança a<br />

reflexão sobre o pensar po<strong>de</strong> facilitar seu processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e, consequentemente, sua<br />

aprendizagem escolar.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 147


Referencial Teórico<br />

O referencial orientador <strong>de</strong>ssa pesquisa se encontra apoiado na <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean<br />

Piaget. Para Piaget, a inteligência se constitui na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação do indivíduo ao seu meio<br />

físico, social e emocional, sendo essa adaptação um processo ativo, dotado <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> organizadora<br />

implícita em processos biológicos e cognitivos <strong>de</strong>nominados assimilação 39 e acomodação 40 . Esses<br />

processos são <strong>de</strong>nominados funcionais, pois se referem ao funcionamento da inteligência, e invariantes,<br />

porque estão presentes em todas as fases do <strong>de</strong>senvolvimento do indivíduo.<br />

As investigações <strong>de</strong> Piaget apontaram um <strong>de</strong>senvolvimento humano que obe<strong>de</strong>ce a uma or<strong>de</strong>m<br />

evolutiva com caráter universal, não regida pela ida<strong>de</strong>, mas por estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento atingidos<br />

por meio da ação do sujeito com o meio em que vive, e que apresenta, como necessárias para que esse<br />

<strong>de</strong>senvolvimento ocorra, condições que estão implicadas em quatro fatores: os consi<strong>de</strong>rados biológicos ou<br />

maturacionais; as interações com o meio físico e social; as experiências físicas e lógico-matemáticas e a<br />

equilibração.<br />

Piaget (1975/1976, p. 11) consi<strong>de</strong>ra o fator equilibração como o “problema central do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento” já que este é impulsionado por necessida<strong>de</strong>s internas <strong>de</strong> equilíbrio. Os dois processos<br />

fundamentais <strong>de</strong> todo equilíbrio cognitivo são a assimilação e a acomodação, que se constituem em dois<br />

pólos inseparáveis, os quais seriam suficientes para explicar os ciclos epistêmicos e seu funcionamento,<br />

na medida em que o <strong>de</strong>senvolvimento provoca a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um equilíbrio entre eles.<br />

Quanto aos estágios, Piaget (1964/1986, p. 13) <strong>de</strong>nominou quatro gran<strong>de</strong>s períodos caracterizados<br />

“... pela aparição <strong>de</strong> estruturas originais, cuja construção o distingue dos estágios anteriores. O essencial<br />

<strong>de</strong>ssas construções sucessivas permanece no <strong>de</strong>correr dos estágios ulteriores, como subestruturas, sobre as<br />

quais se edificam as novas características”.<br />

O primeiro estágio da inteligência sensório–motora ou prática (do nascimento até 1 ½ a 2 anos),<br />

constitui o período da lactância. Tem como principal característica o domínio pelo indivíduo das<br />

ativida<strong>de</strong>s sensoriais e motoras. O segundo se caracteriza como o da inteligência intuitiva ou pré–<br />

operatória (2 a 7/8 anos). Durante todo esse período o pensamento permanece dominado pela<br />

representação dos objetos sob a forma <strong>de</strong> imagens, o que revela uma estrutura própria do pré-conceito,<br />

portanto, intuitiva. Piaget distingue dois tipos <strong>de</strong> intuições: as primárias na qual predomina uma ação<br />

global e as secundárias on<strong>de</strong> já ocorre antecipação dos próximos passos <strong>de</strong> uma ação e reconstituição dos<br />

39 Assimilação, para Piaget, consiste na incorporação da realida<strong>de</strong> aos esquemas <strong>de</strong> ação do indivíduo, a qual implica a<br />

existência <strong>de</strong> estruturas anteriores capazes <strong>de</strong> incorporar o dado a ser aprendido.<br />

40 Por acomodação, Piaget compreen<strong>de</strong> qualquer modificação <strong>de</strong> um esquema ou estrutura <strong>de</strong> assimilação pelos elementos<br />

assimilativos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 148


estados anteriores que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> operações, que para Piaget (1993, p.44-45), são ações<br />

interiorizadas, reversíveis e coor<strong>de</strong>nadas em estruturas totais. Uma ação reversível é aquela que admite a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma inversa.<br />

O terceiro estágio, o das operações intelectuais concretas (7/8 a 10/11 anos), sinaliza o início da<br />

lógica, manifestada pelo término da construção das estruturas lógicas elementares: o individuo é capaz <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar as situações como um todo. No entanto, uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrios conduzirá à<br />

complementação das operações concretas, elevando-as à segunda potência, operações que constituirão<br />

aquelas chamadas formais que caracterizam o último estágio (11/12 a 15/16 anos). Esse novo período é<br />

caracterizado pelo aparecimento das operações proposicionais que possibilitam ao sujeito o pensamento<br />

hipotético <strong>de</strong>dutivo, implícito na resolução <strong>de</strong> problemas complexos e característicos do raciocínio<br />

científico.<br />

Cabe ressaltar que, para a <strong>Epistemologia</strong> Genética, os processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e<br />

aprendizagem são, ao mesmo tempo, distintos e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. A aprendizagem, para Piaget, interfere<br />

no <strong>de</strong>senvolvimento modificando as estruturas existentes, porém sem dar origem a novas, ou seja, a<br />

aprendizagem é condição necessária, porém não suficiente, visto que o <strong>de</strong>senvolvimento pressupõe<br />

construção <strong>de</strong> novas estruturas <strong>de</strong> pensamento, pois, o conhecimento “... resulta em construções<br />

sucessivas com elaborações constantes <strong>de</strong> estruturas novas graças a um processo <strong>de</strong> equilibrações<br />

majorantes 41 , que corrigem e completam as formas prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> equilíbrio” (PIAGET, 1975/1976, p.<br />

7).<br />

Piaget ainda <strong>de</strong>staca que a estrutura cognitiva não se reduz ao pensamento consciente do sujeito,<br />

pois abrange conteúdos inconscientes que vão se tornando gradativamente conscientes na medida em que<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento do indivíduo alcança patamares mais evoluídos. Esse processo <strong>de</strong> conceituação, que<br />

envolve a interiorização e a reconstrução das ações no plano do pensamento, o qual acaba por ser superior<br />

à própria ação, é <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência.<br />

A tomada <strong>de</strong> consciência é <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada quando as regulações 42 automáticas não são mais<br />

suficientes, o que acarreta a busca pelo indivíduo <strong>de</strong> novos meios através <strong>de</strong> uma regulação mais ativa<br />

para as quais ele tem uma “fonte <strong>de</strong> escolhas <strong>de</strong>liberadas, o que supõe a tomada <strong>de</strong> consciência”<br />

(PIAGET, 1974/1978, p. 198). Contudo, Piaget reitera que, embora o saber-fazer com êxito ações<br />

complexas se apresente precocemente, a tomada <strong>de</strong> consciência da própria ação – a conceituação que se<br />

41 Equilibração majorante é o processo por meio do qual Piaget explica a construção do conhecimento pelo sujeito, graças às<br />

suas interações com os objetos, implicando sempre melhoramentos. (Piaget, 1975/1977).<br />

42 Para Piaget (1976, p. 24 a 27), as regulações explicam como funciona o processo da equilibração e das reequilibrações.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que as regulações se constituem em reações a perturbações, mas convém ressaltar que nem toda perturbação<br />

resulta numa regulação, ou seja, numa equilibração.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 149


traduz por uma transformação dos esquemas <strong>de</strong> ação em noções e em operações – só acontece após<br />

alguns anos do sucesso prático, fato que provoca <strong>de</strong>formações na tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong>vido a<br />

recalques 43 que levam o indivíduo a não observar, em suas próprias ações, algumas características visíveis<br />

que assegurariam seu êxito, mas cujo inconsciente cognitivo o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter uma compreensão<br />

conceitualizada (PIAGET, 1974/1978, p.10).<br />

A Noção <strong>de</strong> Pensamento: a criação do Método Clínico-Crítico<br />

Piaget, em seus primeiros estudos sobre o <strong>de</strong>senvolvimento infantil 44 , percebeu que, para<br />

conhecer os processos <strong>de</strong> raciocínio inerentes às ações das crianças era preciso mais do que simplesmente<br />

as observar, o estudo do conhecimento exigia a utilização <strong>de</strong> um método experimental específico, o qual<br />

permitisse a compreensão <strong>de</strong> sua gênese, porque as pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas até o momento não lhe<br />

davam subsídios para resolver o problema epistemológico que pretendia investigar.<br />

Então, a partir <strong>de</strong> indagações que o levaram a buscar a razão dos fracassos das crianças francesas<br />

nos Testes <strong>de</strong> Raciocínio <strong>de</strong> Cyril Burt 45 (1919-1921), Piaget (1926, p.5) <strong>de</strong>senvolve seu próprio método<br />

<strong>de</strong> entrevistas, constituído por conversas abertas com as crianças, a fim <strong>de</strong> acompanhar o curso <strong>de</strong> seus<br />

pensamentos, ou seja, os processos <strong>de</strong> raciocínio contidos em suas respostas, e o faz através da adaptação<br />

do método clínico clássico, usado na medicina psiquiátrica, e da investigação experimental, criando uma<br />

nova sistemática <strong>de</strong> estudo do <strong>de</strong>senvolvimento do conhecimento, que possibilita reunir os recursos dos<br />

testes e da observação; e ainda, evitar seus respectivos inconvenientes.<br />

Os primeiros trabalhos em que esse método foi empregado buscavam <strong>de</strong>scobrir as crenças<br />

espontâneas das crianças acerca dos fenômenos da realida<strong>de</strong>, nas palavras <strong>de</strong> Piaget, “... quais as<br />

representações do mundo que surgem espontaneamente nas crianças ao longo dos diferentes estágios <strong>de</strong><br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento intelectual” (PIAGET, 1926, p.5). No presente trabalho estaremos nos reportando<br />

aos estudos sobre o Realismo Infantil.<br />

O estudo se realizou com base no método clínico crítico. Foi colocada uma série <strong>de</strong> perguntas, a<br />

crianças <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s, a fim <strong>de</strong> contemplar as crenças sobre o “pensar”, sempre acompanhando o<br />

<strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong> seus pensamentos. Com essas questões e muitas outras que foram surgindo, Piaget<br />

i<strong>de</strong>ntificou três estágios:<br />

43 Termo, emprestado por Piaget da Psicanálise, que significa em sua teoria uma tomada <strong>de</strong> consciência incompleta.<br />

44 A Linguagem e o Pensamento da Criança (1923) e O Julgamento e o Raciocínio da Criança (1924).<br />

45 Burt, Cyril Lodowic (1883-1971), psicólogo britânico, i<strong>de</strong>alizador dos testes <strong>de</strong> QI em medidas fixas <strong>de</strong> Inteligência. Um<br />

especialista em <strong>de</strong>senvolvimento mental e infantil <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> em The Young Delinquent (1925) a importância dos fatores<br />

ambientais e sociais sobre a <strong>de</strong>linquência. Após a sua morte, foi acusado <strong>de</strong> ter falsificado resultados experimentais, na<br />

tentativa <strong>de</strong> provar a sua teoria <strong>de</strong> que a inteligência é sobretudo herdada. Fonte:<br />

http://www.cpsimoes.net/artigos/art_testes.html#Burt. Acesso em 24/01/2009.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 150


O primeiro estágio, cuja ida<strong>de</strong> média é <strong>de</strong> 6 anos, é o mais fácil <strong>de</strong> distinguir, pois é caracterizado<br />

principalmente por conter um elemento puramente espontâneo. Durante este estágio, as crianças<br />

acreditam que se pensa “com a boca”. O pensamento é idêntico à voz. Não ocorre nada na cabeça nem no<br />

corpo, e o pensamento é confundido com as próprias coisas no sentido <strong>de</strong> que as palavras fazem parte das<br />

coisas. Não há nada <strong>de</strong> subjetivo no ato <strong>de</strong> pensar.<br />

O que caracteriza o segundo estágio, em oposição ao terceiro, é que o pensamento, ainda que<br />

situado na cabeça, permanece material. Na realida<strong>de</strong>, ou a criança prolonga o primeiro estágio,<br />

i<strong>de</strong>ntificando o pensamento e a voz, ou cai em um verbalismo mais ou menos completo. Nos dois casos, o<br />

pensamento não é diferenciado das coisas em que se pensa, nem as palavras das coisas nomeadas. O que<br />

ocorre é um conflito entre as crenças anteriores da criança e a pressão do ensino adulto, e é apenas esta<br />

crise que marca um progresso, sem que o segundo estágio traga à criança nenhuma solução nova.<br />

O terceiro estágio, cuja ida<strong>de</strong> média é <strong>de</strong> 11-12 anos, é marcado pela <strong>de</strong>smaterialização do<br />

pensamento, <strong>de</strong> forma que, a criança <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong> separar a noção <strong>de</strong> pensamento da noção <strong>de</strong><br />

matéria física, o que significa que o indivíduo toma consciência <strong>de</strong> pensamentos ou <strong>de</strong> palavras distintas<br />

das coisas nas quais se pensa. Piaget propõe três critérios para caracterizar este estágio: 1º) a criança <strong>de</strong>ve<br />

ser capaz <strong>de</strong> localizar o pensamento na cabeça e <strong>de</strong> <strong>de</strong>clará-lo invisível, impalpável etc.; 2º) a criança<br />

precisa distinguir entre a palavra e o nome das próprias coisas; 3º) o sujeito necessita localizar os sonhos<br />

na cabeça e admitir que, se abríssemos a cabeça, os sonhos não seriam vistos.<br />

Procedimentos<br />

O objetivo <strong>de</strong>ssa pesquisa foi investigar, <strong>de</strong> forma qualitativa, as concepções infantis sobre seus<br />

pensamentos, a fim <strong>de</strong> verificar se as respostas dadas pelas crianças, participantes do atual trabalho,<br />

correspondiam às encontradas por Piaget, em estudo realizado em 1926 e, também, se estas tinham<br />

relação com o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos sujeitos avaliados, através das Provas Piagetianas para<br />

Diagnóstico do Comportamento Operatório.<br />

Utilizamos como suporte metodológico o Método Clínico Crítico, elaborado por Jean Piaget, que<br />

permite diagnosticar o estágio <strong>de</strong> evolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados conceitos em que as crianças se encontram.<br />

Participaram do estudo 24 crianças, entre 7 e 14 anos, selecionadas <strong>de</strong>ntre 173 alunos <strong>de</strong> uma<br />

cida<strong>de</strong> do interior do Estado <strong>de</strong> São Paulo. Dos 24 sujeitos, 1 mudou <strong>de</strong> escola no <strong>de</strong>correr do processo <strong>de</strong><br />

investigação e 4 fizeram parte do Estudo Piloto.<br />

Após a realização <strong>de</strong> reunião com pais e/ou responsáveis para assinatura do Termo <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 151


Consentimento Livre e Esclarecido , se <strong>de</strong>u início a coleta <strong>de</strong> dados, que foi realizada na própria escola<br />

em local exclusivamente <strong>de</strong>stinado para este fim. As crianças foram entrevistadas, individualmente,<br />

garantindo o critério <strong>de</strong> sigilo proposto pela pesquisa.<br />

Primeiramente se realizou o Estudo Piloto, a fim <strong>de</strong> verificar a valida<strong>de</strong> do instrumento<br />

“Entrevista semi-estruturada sobre a noção <strong>de</strong> pensamento infantil”, elaborada a partir dos extratos <strong>de</strong><br />

protocolo, encontrados no livro A representação do mundo na criança (PIAGET, 1926), a fim <strong>de</strong> corrigir<br />

possíveis falhas. Os resultados do Estudo Piloto apontaram a a<strong>de</strong>quação da entrevista. Proce<strong>de</strong>u-se, então,<br />

ao início do trabalho, obe<strong>de</strong>cendo à seguinte or<strong>de</strong>m:<br />

No primeiro encontro, a pesquisadora informava à criança sobre a natureza do projeto e do por<br />

que da sua participação, bem como da importância e sigilo garantidos pela pesquisa, e, ainda, que todas as<br />

entrevistas, jogos 46 ou ativida<strong>de</strong>s seriam filmados. Em seguida, se realizava a “Entrevista semi-estruturada<br />

sobre a noção <strong>de</strong> pensamento infantil”. Num segundo encontro, se aplicavam as “Provas Piagetianas para<br />

Diagnóstico do Comportamento Operatório”.<br />

Para o “Diagnóstico do Comportamento Operatório” foram selecionadas as seguintes provas:<br />

Conservação das quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scontínuas ou discretas: Fichas; Conservação das quantida<strong>de</strong>s contínuas:<br />

líquido e massa; Inclusão <strong>de</strong> classes: frutas e flores e Seriação operatória: bastonetes. A aplicação das<br />

provas ocorreu na or<strong>de</strong>m acima mencionada e em datas diferentes da aplicação das entrevistas a fim <strong>de</strong><br />

não cansar a criança.<br />

A análise dos dados coletados foi realizada da seguinte forma: buscamos estabelecer o nível<br />

cognitivo dos sujeitos através dos dados coletados na “Entrevista semi-estruturada sobre a noção do<br />

pensamento infantil” e dos resultados apresentados nas “Provas Piagetianas”; em seguida, a fim <strong>de</strong><br />

verificar possíveis correlações entre o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e as respostas das crianças, os dados<br />

obtidos foram analisados por meio da “Correlação Linear”, <strong>de</strong> Pearson.<br />

Apresentação e Análise dos Resultados<br />

Para a entrevista sobre a noção <strong>de</strong> pensamento, usamos os critérios <strong>de</strong> Piaget (1926) a partir dos<br />

quais se propôs uma série <strong>de</strong> perguntas que contemplavam basicamente o significado do “pensar” para a<br />

criança. A elaboração do roteiro para a entrevista se <strong>de</strong>u a partir dos extratos <strong>de</strong> protocolo apresentados<br />

pelo autor. A análise dos resultados obe<strong>de</strong>ceu aos critérios apontados por Piaget para caracterização dos<br />

estágios, mas, a fim <strong>de</strong> obter uma melhor compreensão dos resultados, classificamos as respostas<br />

passíveis <strong>de</strong> serem encontradas em cada estágio, em categorias para as quais atribuímos uma pontuação, a<br />

46 A palavra jogos foi utilizada para se referir às “Provas Piagetianas” a fim <strong>de</strong> evitar que o termo provas atrapalhasse o<br />

<strong>de</strong>sempenho dos sujeitos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 152


saber:<br />

Tabela1: Classificação da entrevista sobre a Noção <strong>de</strong> pensamento infantil<br />

Categorias Pontuação<br />

Pensamos com a boca 1<br />

O pensamento é idêntico à voz 1<br />

Nada se passa na cabeça ou no corpo quando se pensa 1<br />

O pensamento é localizado na cabeça 2<br />

Pensar é pensar nas coisas 2<br />

O pensamento é diferente da voz 2<br />

Confun<strong>de</strong> as palavras e as coisas, ou seja, as palavras têm força 2<br />

A criança atribui materialida<strong>de</strong> ao pensamento: sangue, veias, etc. 2<br />

A criança invoca palavras aprendidas, como cérebro, alma, etc., mas não as<br />

compreen<strong>de</strong><br />

2<br />

O pensamento po<strong>de</strong> ser visto ou ouvido 2<br />

A criança procura compreen<strong>de</strong>r as palavras como cérebro, inteligência, memória, 4<br />

etc.<br />

A criança distingue entre as palavras e as coisas, ou seja, não acredita que as 4<br />

palavras têm força<br />

O pensamento não po<strong>de</strong> ser visto nem tocado (é imaterial) 4<br />

A criança localiza os sonhos na cabeça e acredita que estes não po<strong>de</strong>m ser vistos nem<br />

tocados<br />

A somatória dos pontos foi realizada <strong>de</strong> maneira cumulativa, <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>finir não apenas o<br />

estágio em que a criança se encontra, mas também o seu nível <strong>de</strong>ntro dos três estágios encontrados por<br />

Piaget (1926). O critério utilizado na atribuição dos pontos foi o seguinte: um sujeito com até 14 pontos<br />

se encontra no segundo estágio, mas se entre suas respostas houver persistência <strong>de</strong> alguma(s) resposta(s)<br />

correspon<strong>de</strong>nte(s) ao primeiro estágio (categorias <strong>de</strong> 1 a 3) esses pontos serão subtraídos; a criança com<br />

pontos entre 15 e 26 está a caminho do terceiro estágio que só estará construído quando o indivíduo<br />

atingir 30 pontos, ou seja, for capaz <strong>de</strong> localizar o pensamento na cabeça e <strong>de</strong> <strong>de</strong>clará-lo invisível,<br />

impalpável, etc.; distinguir entre a palavra e o nome das próprias coisas; localizar os sonhos na cabeça e<br />

<strong>de</strong> dizer que, se abríssemos a cabeça, os sonhos não seriam vistos.<br />

A justificativa para esta classificação se encontra na percepção <strong>de</strong> que a construção da noção <strong>de</strong><br />

pensamento, assim como a das <strong>de</strong>mais noções estudadas pelo autor, não se dá por insight, mas através <strong>de</strong><br />

um processo gradativo <strong>de</strong> construções.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 153<br />

4


Tabela 2 - Respostas das crianças na Entrevista sobre a Noção do pensamento infantil<br />

Categorias<br />

1º Estágio<br />

Pensamos com<br />

a boca<br />

2º Estágio<br />

Intervenção do adulto<br />

3º Estágio<br />

Desmaterialização do<br />

pensamento<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14<br />

Respostas<br />

Crianças ida<strong>de</strong><br />

Nat 7;3 X X X X X X<br />

Gle 7;4 X X X X X X X X<br />

Juli 7;8 X X X X X X X<br />

Adri 7;9 X X X X X X X X<br />

Nata 8;0 X X X X X X X X<br />

Luca 8;0 X X X X X X X<br />

Ema 8;3 X X X X X X X<br />

Ind 8;3 X X X X X X X<br />

Tac 8;7 X X X X X X<br />

Chri 8;9 X X X X X X X X X<br />

Jul 8;11 X X X X X X X X<br />

Dou 9;0 X X X X X X X X<br />

Lui 9;4 X X X X X X X<br />

Let 9;6 X X X X X X X<br />

Kes 9;7 X X X X X X X<br />

Gio 10;1 X X X X X X X<br />

Luc 10;1 X X X X X X X X<br />

Thi 10;7 X X X X X<br />

Jes 13;8 X X X X X X<br />

Total Categorias 6 3 4 19 18 12 14 9 17 6 3 5 5 8<br />

Percentagem (%) 31 16 21 100 95 63 74 47 89 31 16 26 26 42<br />

Observando a tabela 2, po<strong>de</strong>mos perceber que todas as crianças localizam o pensamento na cabeça<br />

(categoria 4), e que 90% <strong>de</strong>las invocam palavras aprendidas como cérebro, alma, etc. (categoria 9), mas<br />

que apenas três <strong>de</strong>las (16 %) procuram compreen<strong>de</strong>r o que palavras como cérebro, alma, mente, etc.,<br />

significam (categoria 11). Este fato talvez possa ser explicado pelo alto índice <strong>de</strong> crianças (<strong>de</strong>z = 53 %)<br />

que ainda apresentam respostas concernentes ao estágio 1, que se caracteriza, segundo Piaget, (1926)<br />

pelas concepções espontâneas apresentadas pelos sujeitos.<br />

Esses dados nos levam acreditar que os avanços tecnológicos, ocorridos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras<br />

entrevistas realizadas por Piaget (1926), exerceram uma influência bastante significativa sobre as crenças<br />

das crianças, o que po<strong>de</strong> ser comprovado pelo vocabulário rico no que concerne ao funcionamento<br />

cerebral, mas que , numa primeira análise, não contribui para a sua verda<strong>de</strong>ira compreensão, como<br />

po<strong>de</strong>mos observar em alguns trechos das entrevistas abaixo, nos quais as crianças respon<strong>de</strong>m à seguinte<br />

pergunta: - O que você acha que tem <strong>de</strong>ntro da sua cabeça?<br />

Jul (7;8 anos) O cérebro...os osso...o olho...J- Mais alguma coisa? Jul: Garganta...J<br />

- Como que você sabe essas coisas? Jul: Porque quando é sábado minha mãe liga<br />

a televisão e fica assistindo as coisa [sic] que mostra o quê que a gente tem <strong>de</strong>ntro<br />

do corpo.<br />

Luca (8;0 anos) – na cabeça? O cérebro, a boca, o nariz, os olhos, a orelha, o<br />

cabelo, a cabeça. J – e <strong>de</strong>ntro da cabeça? Luca – o célebro! J – quem que te falou<br />

que <strong>de</strong>ntro da cabeça existe o cérebro? Luca – eu vi na televisão.<br />

Com o intuito <strong>de</strong> verificar se as respostas dadas pelas crianças apresentavam algum índice <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 154


correlação com os estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, estabelecemos uma pontuação para as suas<br />

respostas. O resultado po<strong>de</strong> ser visto na Tabela 3.<br />

Tabela 3 – Resultados da aplicação das provas para o diagnóstico do comportamento operatório por<br />

ida<strong>de</strong> das crianças.<br />

Crianças<br />

Nº Nome Sexo Ida<strong>de</strong><br />

(1)<br />

(anos)<br />

1 Nat F 7;3<br />

2<br />

3<br />

Gle F 7;4<br />

Juli F 7;8<br />

4<br />

Adri M 7;9<br />

5 Nata F 7;0<br />

6 Luca M 8;0<br />

7 Ema M 8;3<br />

8<br />

Ind F 8;3<br />

9<br />

Tac F 8;7<br />

10<br />

Chri M 8;9<br />

11<br />

Jul F 8;11<br />

12 Dou M 9;0<br />

13<br />

14<br />

Lui M 9;4<br />

Let F 9;6<br />

15 Kes M 9;7<br />

16 Gio F 10;1<br />

17<br />

18<br />

Luc M 10;1<br />

Thi M 10;7<br />

19 Jes F 13;8<br />

CQD (2)<br />

Fichas<br />

CQC (3)<br />

Líquido<br />

Provas<br />

CQC (3)<br />

Massa<br />

IC (4)<br />

Frutas<br />

IC (4)<br />

Flores<br />

1 1 1 0 0 0<br />

2 2 2 0 0 1<br />

0 1 1 0 0 0<br />

1<br />

0<br />

0<br />

1 1 1 0 0 0<br />

1 2 2 0 0 2<br />

2 2 2 2 2 1<br />

0<br />

1<br />

2<br />

1<br />

0<br />

0<br />

2<br />

0<br />

0<br />

0<br />

2<br />

1<br />

2 2 2 2 2 2<br />

2<br />

2<br />

1<br />

0 0 0 0 0 1<br />

2 2 2 0 2 2<br />

2<br />

2<br />

2<br />

2 2 2 2 2 2<br />

2 2 2 2 2 2<br />

1<br />

2<br />

2<br />

2<br />

1<br />

0<br />

2<br />

0<br />

0<br />

0<br />

0<br />

0<br />

2<br />

0<br />

0<br />

Ser.<br />

Estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

Cognitivo<br />

(5)<br />

Pré-<br />

Bastões Oper. (6)<br />

Tran (7)<br />

Op.<br />

Concr. (8)<br />

(1) Nome; Sexo: F=Feminino, M=Masculino<br />

(2) (3) (4) Conservação das Quantida<strong>de</strong>s Discretas; Conservação das Quantida<strong>de</strong>s Contínuas; Inclusão <strong>de</strong><br />

Classes, (5) Seriação.<br />

(6) (7) (8) Pré-Operatório; Transição; Operatório Concreto.<br />

Critérios para quantificação das provas:<br />

- 0 (zero) pontos: quando a criança não classifica; não conserva; não efetua a seriação<br />

- 1 (um) ponto: quando a criança se encontra na fase <strong>de</strong> Transição<br />

- 2 (dois) pontos: quando a criança conserva, classifica e efetua a seriação.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 155<br />

0<br />

0<br />

0<br />

0<br />

0<br />

0<br />

0<br />

2<br />

0<br />

2<br />

1<br />

2<br />

3<br />

7<br />

2<br />

3<br />

3<br />

7<br />

11<br />

1<br />

1<br />

2<br />

7<br />

1<br />

10<br />

7<br />

7<br />

12<br />

12<br />

12<br />

12


Gráfico 1 - Aplicação das Provas para o diagnóstico do comportamento operatório por ida<strong>de</strong> das<br />

crianças.<br />

O gráfico acima nos possibilita observar que das 19 crianças avaliadas pelas Provas Piagetianas,<br />

apenas 4 (21%) das crianças se encontram no estágio operatório concreto, sete (37%) estão num estágio<br />

<strong>de</strong> transição mais avançado e oito (42%) estão muito longe <strong>de</strong> concluir este estágio.<br />

Gráfico 2 - Correlação 47 entre a Noção <strong>de</strong> Pensamento Infantil e o Estágio <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

Cognitivo<br />

Índice <strong>de</strong> dispersão: 0,5595403<br />

Os dados apresentados acima apontam para uma correlação linear positiva média entre a noção <strong>de</strong><br />

pensamento infantil e o estágio <strong>de</strong> operatorieda<strong>de</strong> dos sujeitos. Em outras palavras, o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

cognitivo exerce influência na noção <strong>de</strong> pensamento, sendo o seu inverso também verda<strong>de</strong>iro. Convém<br />

reiterar que esses dados se referem aos sujeitos da pesquisa e, portanto, não <strong>de</strong>vem ser generalizados para<br />

outras situações.<br />

47 Foi utilizado o “coeficiente <strong>de</strong> correlação linear”, <strong>de</strong> Pearson (in: LAPPONI, 2005), que consiste numa medida que avalia o<br />

quanto a “nuvem <strong>de</strong> pontos” no diagrama <strong>de</strong> dispersão aproxima-se <strong>de</strong> uma reta.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 156


Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

A replicação da pesquisa sobre a Noção <strong>de</strong> Pensamento Infantil que foi realizada por Piaget<br />

(1926) mostrou que apesar dos avanços tecnológicos e das mudanças sociais, seus estágios continuam<br />

válidos, confirmando que o aprendizado é um processo construtivo, ou seja, não se dá pela simples<br />

transmissão <strong>de</strong> informações.<br />

Foi possível constatar também que as i<strong>de</strong>ias das crianças são muito influenciadas pelo pensamento<br />

adulto, e pelos meios <strong>de</strong> comunicação, mas que proporcionar-lhes espaço para pensar foi eficaz para<br />

provocar níveis elementares <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência que nos parecem mais elaborados na medida em<br />

que elas se <strong>de</strong>senvolvem.<br />

Todos esses elementos reforçam a importância <strong>de</strong> dar voz e vez às crianças, proposta <strong>de</strong>ste<br />

trabalho, a fim <strong>de</strong> se fazer conhecer, pelos educadores e <strong>de</strong>mais profissionais envolvidos no ensino, seus<br />

processos <strong>de</strong> pensamento os quais acreditamos, se constituem na matéria-prima da educação. Afinal, qual<br />

seria a função social da escola e o papel do educador se não existissem alunos?<br />

Referências<br />

DELVAL, Juan. Crescer e pensar: a construção do conhecimento na escola. Tradução Beatriz Affonso<br />

Neves. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.<br />

DENEGRI. Marianela. A construção do conhecimento social na infância e a representação da pobreza e<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social: <strong>de</strong>safios para a ação educativa. In: Encontro Nacional <strong>de</strong> professores do PROEPRE:<br />

A criança e a escola. 15., Águas <strong>de</strong> Lindóia, São Paulo. Anais, 1998. p. 43-54.<br />

LAPPONI, Juan Carlos. Estatística usando o Excel. 5ª Reimpressão. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Elsevier, 2005. (Cap.<br />

6.)<br />

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução Catarina Eleonora F. da<br />

Silva e Jeanne Sawaya. 3. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:UNESCO, 2001.<br />

PIAGET, Jean. A representação do mundo na criança: com o concurso <strong>de</strong> onze colaboradores. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Record, 1926.<br />

______. Seis estudos <strong>de</strong> psicologia. Tradução Maria Alice Magalhães D’Amorin e Paulo Sérgio Lima<br />

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______. Problemas <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Genética. Tradução Celia E. A. Di Piero. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense,<br />

1973.<br />

______. Equilibração das Estruturas Cognitivas: Problema Central do Desenvolvimento. Tradução<br />

Prof. Dra. Marion Merlone dos S. Penna. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar Editores, 1975/1976.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 157


PIAGET , Jean. BLAMCHET . A. et al. A Tomada <strong>de</strong> Consciência. Tradução Edson Braga <strong>de</strong> Souza. São<br />

Paulo: Melhoramentos, 1974/1978.<br />

PIAGET, Jean. INHELDER, Bärbel. A <strong>Psicologia</strong> da Criança. Tradução Octavio Men<strong>de</strong>s Cajado. 12. ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Bertrand Brasil. 1993.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 158


Procedimentos utilizados pelas famílias na educação econômica <strong>de</strong> seus filhos<br />

Resumo<br />

CANTELLI, Valéria C. B.<br />

MANTOVANI DE ASSIS, Orly Z.<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas – UNICAMP/FE<br />

vbcantelli@yahoo.com.br<br />

A presente investigação inserida na área do Conhecimento Social, no campo da Educação Econômica,<br />

caracteriza-se como uma pesquisa básica, seguindo um mo<strong>de</strong>lo exploratório e <strong>de</strong>scritivo. Teve por<br />

objetivo conhecer os procedimentos utilizados por pais e mães <strong>de</strong> diferentes estruturas familiares<br />

(monoparental, biparental e recomposta) e níveis socioeconômicos para a educação econômica <strong>de</strong> seus<br />

filhos. A coleta <strong>de</strong> dados ocorreu com base em um questionário estruturado, criado exclusivamente para<br />

este estudo. Dada a natureza qualitativa-quantitativa da investigação, foram realizadas análises <strong>de</strong><br />

conteúdo, exploratória e confirmatória para a comparação entre as variáveis (teste Qui-Quadrado,<br />

Kruskall-Wallis e Mann-Whitney). Os dados obtidos indicaram que o comportamento econômico das<br />

famílias, bem como os procedimentos utilizados para a educação econômica dos filhos são,<br />

predominantemente, intuitivos e não planejados, evi<strong>de</strong>nciando a falta <strong>de</strong> informação dos pais sobre o<br />

processo <strong>de</strong> construção das noções sociais relacionadas à compreensão dos eventos econômicos. As<br />

famílias acreditam que a educação econômica <strong>de</strong>va fazer parte da formação das crianças, embora não<br />

realizem nenhum esforço sistemático para fomentar hábitos e condutas a<strong>de</strong>quadas para o consumo. Na<br />

análise geral do processo <strong>de</strong> socialização econômica, <strong>de</strong>scrito por essa amostra, a variável estrutura<br />

familiar não representou significância estatística, sendo que o nível socioeconômico apareceu como um<br />

fator <strong>de</strong> diferenciação entre os grupos na maior parte dos aspectos investigados. Observou-se que os<br />

participantes ten<strong>de</strong>m a transmitir os conhecimentos e valores trazidos <strong>de</strong> suas famílias <strong>de</strong> origem,<br />

evi<strong>de</strong>nciando a influência do meio no processo <strong>de</strong> socialização econômica. A análise dos resultados à luz<br />

da teoria piagetiana e das contribuições da Educação e da <strong>Psicologia</strong> Econômica legitimam a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> novas propostas educativas sistemáticas que resultem em verda<strong>de</strong>ira alfabetização econômica tanto<br />

para os filhos quanto para os pais.<br />

Palavras-chave: Educação econômica. Alfabetização econômica. Socialização econômica.<br />

Conhecimento Social.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 159


Abstract<br />

The present inserted inquiry in the area of the Social Knowledge, in the field of the Economic Education,<br />

is characterized as a basic research, following a exploratory and <strong>de</strong>scriptive mo<strong>de</strong>l. It has for objective to<br />

know the procedures used for parents and mothers of different familiar structures (monoparental,<br />

biparental and recomposta) and levels socioeconômicos for the economic education of its children. The<br />

collection of data had as base a structuralized questionnaire, created exclusively for this study. Given the<br />

qualitative-quantitative nature of the inquiry, analyses of content, confirmatory exploratória and for the<br />

comparison between the 0 variable had been carried through (test Qui-Square, Kruskall-Wallis and Mann-<br />

Whitney). The gotten data had indicated that the economic behavior of the families, as well as the<br />

procedures used for the economic education of the children intuitivos and are not planned, envi<strong>de</strong>nciando<br />

the lack of information of the parents on the process of construction of the related social slight knowledge<br />

to the un<strong>de</strong>rstanding of the economic events. The families believe that the economic education must be<br />

part of the formation of the children, even so do not carry through no systematic effort to foment habits<br />

and behaviors adjusted for the consumption. In the general analysis of the <strong>de</strong>scribed process of economic<br />

socialization for this sample, the changeable familiar structure did not represent significance statistics,<br />

being that the socioeconômico level appeared as a differentiation factor for the most part enters the<br />

groups of the investigated aspects. The influence of the way in the process of economic socialization was<br />

observed that the participants tend to transmit the knowledge and values brought of its families of origin,<br />

evi<strong>de</strong>ncing. The analysis of the results to the light of the piagetiana theory and the contributions of the<br />

Education and Economic Psychology legitimizes the necessity of new systematic educative proposals that<br />

result in such a way in true economic alfabetização for the children how much for the parents.<br />

Keywords: Economic education. Alphabetization economic. Economic socialization. Social knowledge.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 160


Introdução<br />

O contexto social atual mostra-se turbulento. Particularmente para as famílias, os tempos são<br />

difíceis, os valores se relativizam, e, em muitos lares, ter parece ser mais relevante do que ser. Por isso é<br />

importante refletir sobre o enfrentamento das pressões impostas pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo. Como fazer<br />

frente aos seus apelos se a socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna está organizada em torno <strong>de</strong>le? Como enfrentar a difícil<br />

tarefa <strong>de</strong> construir uma relação mais equilibrada com o dinheiro?<br />

Diante <strong>de</strong>ssas questões a presente pesquisa, inserida no campo da Educação Econômica, que<br />

constitui uma das áreas do conhecimento social, buscou investigar o que as famílias estão ensinando aos<br />

filhos sobre o mundo econômico e, mais ainda, provocar a reflexão sobre o papel socializador da família,<br />

particularmente no que se refere à educação econômica <strong>de</strong> seus filhos, trazendo subsídio para a<br />

compreensão <strong>de</strong> como se <strong>de</strong>senvolve esse processo entre as famílias brasileiras.<br />

Referencial teórico<br />

O aparecimento <strong>de</strong> novas pesquisas sobre os aspectos sociais do <strong>de</strong>senvolvimento psicológico<br />

fundamentadas na epistemologia genética <strong>de</strong> Jean Piaget tem conduzido a uma renovação nas<br />

investigações sobre a compreensão da socieda<strong>de</strong>, provocando um crescente interesse pelo estudo da<br />

formação das representações ou mo<strong>de</strong>los do mundo utilizados pelos indivíduos para dar sentido à<br />

realida<strong>de</strong> social.<br />

A aquisição do conhecimento social, como <strong>de</strong>monstram os trabalhos <strong>de</strong> Delval (1989, 1992,<br />

1994); Enesco (1995); Enesco, Delval e Linaza (1989); Denegri (1995, 1998, 2003, 2004) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos<br />

recursos simbólicos e das i<strong>de</strong>ias elaboradas pelo sujeito a partir dos seus instrumentos cognitivos. Trata-se<br />

<strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> representações que, partindo <strong>de</strong> informações fragmentadas e não<br />

relacionadas entre si, são, gradativamente, reelaboradas, até serem substituídas por noções mais<br />

avançadas que integram as primeiras.<br />

Essa constatação, aliada à reflexão sobre os efeitos da globalização nas diferentes culturas, que por<br />

sua abrangência impõe um ritmo acelerado e consumista ao comportamento do cidadão, tem <strong>de</strong>spertado o<br />

interesse dos pesquisadores para questões ligadas à compreensão do mundo econômico. Dentre os quais<br />

<strong>de</strong>stacam-se os nomes <strong>de</strong> Berti e Bombi, Delval, Denegri e colaboradores e dos pesquisadores do<br />

Laboratório <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Genética da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UNICAMP, sob a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong><br />

Mantovani <strong>de</strong> Assis.<br />

Os resultados das investigações <strong>de</strong>senvolvidas por esses pesquisadores evi<strong>de</strong>nciam que a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 161


compreensão do sistema econômico, um dos pilares que sustentam o mundo social, apresenta-se como um<br />

dos temas <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong> para o entendimento tanto dos adolescentes quanto dos adultos. A<br />

maioria das pessoas apresentam sérias dificulda<strong>de</strong>s para compreen<strong>de</strong>r questões relacionadas à origem e<br />

circulação do dinheiro, às inter-relações e fatores que <strong>de</strong>terminam os eventos econômicos, ao papel do<br />

Estado na regulação da economia e emissão monetária, ao alcance e uso dos instrumentos econômicos<br />

vinculados à poupança, crédito e endividamento, o que interfere no modo como elas lidam com a<br />

economia cotidiana, impossibilitando-as <strong>de</strong> uma atuação mais consciente e a<strong>de</strong>quada sobre as relações<br />

financeiras.<br />

Os estudos <strong>de</strong> Denegri (2003) e <strong>de</strong> outros pesquisadores associados, realizadas na América Latina,<br />

mostram que a compreensão do mundo econômico requer que o indivíduo construa uma visão sistêmica<br />

do mo<strong>de</strong>lo financeiro-social no qual está inserido, o que implica em manejar série <strong>de</strong> informações<br />

específicas, <strong>de</strong>senvolvendo competências e atitu<strong>de</strong>s que lhe permitam o uso a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> seus recursos<br />

econômicos, a assimilação <strong>de</strong> hábitos e condutas <strong>de</strong> consumo e a administração racional e eficiente do<br />

dinheiro.<br />

Nessa perspectiva, a educação sobre os temas econômicos facilitaria o acesso às ferramentas<br />

disponíveis para o entendimento <strong>de</strong>sse universo, possibilitando as condições para a interpretação dos<br />

eventos que afetam as pessoas direta ou indiretamente e para uma maior coerência nas <strong>de</strong>cisões a serem<br />

tomadas sobre a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> problemas econômicos cotidianos.<br />

Sabe-se que a conquista da maturida<strong>de</strong> econômica é um processo complexo, envolvendo várias<br />

transições diferentes. A ida<strong>de</strong> em que isso ocorre, o período <strong>de</strong> tempo em que se esten<strong>de</strong> e a sequência em<br />

que se dá mostram uma ampla variação entre socieda<strong>de</strong>s, períodos históricos; entre classes e grupos<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> e também entre indivíduos. Contudo, parece evi<strong>de</strong>nte que níveis mais altos <strong>de</strong><br />

alfabetização econômica 48 <strong>de</strong>vem ser alcançados por um maior número <strong>de</strong> cidadãos, possibilitando-lhes<br />

melhores meios para conhecer e enfrentar esse mo<strong>de</strong>lo que os impele ao consumo.<br />

Mas, como o ser humano começa a se relacionar com o mundo econômico? Como ele chega a<br />

construir e criar significados sobre esse universo tão complexo? Quais as experiências cotidianas que<br />

ele realiza no esforço <strong>de</strong> explicar os fenômenos econômicos que o afetam? São respostas para questões<br />

como estas que os novos estudos estão buscando, como forma <strong>de</strong> possibilitar uma melhor compreensão<br />

das relações econômicas, além <strong>de</strong> explicar como ocorre o processo <strong>de</strong> socialização econômica 49 dos<br />

48 Para Yamane (1997) o processo <strong>de</strong> alfabetização econômica se refere à aprendizagem e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conceitos,<br />

habilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>strezas que permitam ao indivíduo compreen<strong>de</strong>r o sistema econômico e que o aju<strong>de</strong>m a tomar <strong>de</strong>cisões que<br />

venham <strong>de</strong> alguma maneira melhorar a sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

49 O termo socialização econômica é tomado neste trabalho, no sentido <strong>de</strong> educação econômica, como o processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem das pautas <strong>de</strong> interação com o mundo econômico, mediante a assimilação <strong>de</strong> conhecimentos, <strong>de</strong>strezas,<br />

estratégias, padrões <strong>de</strong> comportamento e atitu<strong>de</strong>s sobre o uso do dinheiro e seu valor na socieda<strong>de</strong> (DENEGRI;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 162


indivíduos.<br />

A socialização, como linha <strong>de</strong> investigação da área <strong>de</strong> Educação Econômica, encarregada <strong>de</strong><br />

estudar como os indivíduos constroem os conceitos econômicos, em quais estágios do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

ocorrem essas construções e como o fator interação social com o meio circundante afeta esse processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem, encontra na família um espaço privilegiado, na medida em que as primeiras interações que<br />

se constroem entre a criança e mundo ocorrem no círculo familiar, <strong>de</strong>sempenhando papel prepon<strong>de</strong>rante<br />

na forma como a criança concebe o mundo social e, consequentemente, na formação <strong>de</strong> seus valores,<br />

crenças e comportamentos.<br />

Nessa perspectiva, a socialização é um processo que acontece durante toda a infância e se esten<strong>de</strong><br />

pela adolescência e vida adulta por meio das práticas e das experiências vividas, assimiladas <strong>de</strong> acordo<br />

com seu sistema <strong>de</strong> significação e suas estruturas cognitivas. Não se limita <strong>de</strong> modo algum a um simples<br />

treinamento realizado pela família ou outras instituições especializadas, e varia <strong>de</strong> acordo com o universo<br />

<strong>de</strong> socialização, forçosamente diferente segundo a origem social da pessoa, socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> ela vive e<br />

grupo a que pertence.<br />

Nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas, caracterizadas pela globalização econômica e cultural e,<br />

sobretudo, pela presença crescente <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosas mídias, esse processo está fortemente submetido à<br />

influência <strong>de</strong> outras instituições, o que o torna extremamente complexo e dinâmico, pois ele <strong>de</strong>ve integrar<br />

todos os elementos presentes no meio ambiente e, ao mesmo tempo, contar com a participação ativa do<br />

próprio sujeito. De qualquer modo, um dos principais fatores para a socialização da criança é a educação,<br />

portanto, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> conduta <strong>de</strong> pais e educadores exerce forte po<strong>de</strong>r na formação dos hábitos infantis..<br />

Apesar <strong>de</strong> seu impacto na vida futura dos indivíduos, existe escassa literatura sobre como e<br />

quando os meninos e meninas são apresentados ao mundo econômico e, ainda mais restritos, são os<br />

registros <strong>de</strong> estudos sobre como ocorre o processo <strong>de</strong> socialização econômica no âmbito familiar. Pouco<br />

se sabe sobre qual tem sido o papel das famílias nesse processo e são praticamente <strong>de</strong>sconhecidas quais os<br />

procedimentos utilizadas pelas famílias latinas para alfabetizar economicamente seus filhos e se esses<br />

procedimentos diferem conforme a classe social e tipo <strong>de</strong> estrutura familiar. Observa-se também a<br />

ausência <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong>ssa natureza envolvendo brasileiros.<br />

Essas reflexões são importantes porque o comportamento cotidiano, os valores e comentários da<br />

família exercem influência sobre as atitu<strong>de</strong>s dos filhos e é por isso que se acredita ser na família que se<br />

inicia o aprendizado <strong>de</strong> hábitos sadios <strong>de</strong> consumo ou os malefícios do consumismo <strong>de</strong>senfreado.<br />

PALAVECINOS; GEMPP, 2003).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 163


Famílias, as quais comentam com os filhos suas possibilida<strong>de</strong>s econômicas, em que há<br />

planejamento conjunto <strong>de</strong> gastos sem que se oculte a existência <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s monetárias e que estimula<br />

o uso racional dos recursos é aquela que educa para o consumo. Ao contrário, se <strong>de</strong>monstram constante<br />

preocupação com aquilo que os outros têm, se valorizam os ditames da moda ou da propaganda, estarão<br />

levando seus filhos pelo caminho do consumismo, inserindo-os na cultura dos <strong>de</strong>scartáveis, do usar e<br />

jogar fora, que os leva a comprar impulsivamente objetos que logo irão <strong>de</strong>scartar para, em seguida,<br />

comprá-los novamente, numa ca<strong>de</strong>ia sem fim, para não se sintam inferiores aos outros.<br />

Piaget (1945/1998) esclarece que não po<strong>de</strong> ser livre aquele que não consegue controlar a própria<br />

vida, tanto no que se refere aos seus relacionamentos, como no que diz respeito a seus bens. Nesse<br />

sentido, estar numa situação <strong>de</strong> constante endividamento não permite o exercício <strong>de</strong> uma vida plena. Por<br />

isso, educar para o consumo é também preparar o indivíduo para a liberda<strong>de</strong> e autonomia moral,<br />

contribuindo para formar pessoas capazes <strong>de</strong> controlar a própria vida e, consequentemente, pessoas mais<br />

livres.<br />

A pesquisa<br />

Esta pesquisa, dada sua natureza exploratória e <strong>de</strong>scritiva, está inserida na área do Conhecimento<br />

Social e teve como objetivo geral conhecer os procedimentos utilizados pelas famílias para a educação<br />

econômica <strong>de</strong> seus filhos.<br />

Para alcançar esse objetivo foi organizada, intencionalmente, uma amostragem composta por 270<br />

participantes, com pelo menos um filho, em ida<strong>de</strong>s entre três e <strong>de</strong>zesseis anos, em cida<strong>de</strong> da Região<br />

Metropolitana <strong>de</strong> Campinas, Estado <strong>de</strong> São Paulo, pertencentes aos estratos socioeconômicos baixo,<br />

médio e alto, constituindo famílias monoparentais, biparentais e recompostas.<br />

O critério adotado para a composição da amostra buscou aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda por estudos na área da<br />

socialização econômica, consi<strong>de</strong>rando o papel importante da família para o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

pensamento econômico <strong>de</strong> crianças e jovens, bem como para a formação <strong>de</strong> seus hábitos <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong><br />

suas atitu<strong>de</strong>s frente ao endividamento.<br />

Assim, a amostra teve distribuição equitativa nos níveis socioeconômicos baixo, médio e alto e<br />

nas três estruturas familiares: monoparental, biparental e recomposta, combinando-se nível<br />

socioeconômico e estrutura familiar para cada grupo <strong>de</strong> 30 participantes.<br />

A coleta <strong>de</strong> dados foi realizada com base em um questionário estruturado, com questões abertas e<br />

fechadas, criado especificamente para este estudo, permitindo a caracterização socio<strong>de</strong>mográfica dos<br />

participantes, a i<strong>de</strong>ntificação das práticas <strong>de</strong> socialização implícitas no comportamento econômico da<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 164


família e a i<strong>de</strong>ntificação das estratégias <strong>de</strong> educação econômica utilizadas com os filhos.<br />

As informações fornecidas pelos participantes foram tabuladas e posteriormente submetidas às<br />

análises <strong>de</strong> conteúdo, exploratória e confirmatória por meio <strong>de</strong> medidas resumo (média, <strong>de</strong>svio padrão,<br />

mínimo, mediana, máximo, frequência e porcentagem <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> frequência). As variáveis categóricas<br />

foram comparadas usando-se o teste Qui-Quadrado e as variáveis contínuas foram comparadas por<br />

intermédio dos testes Kruskall-Wallis ou Mann-Whitney.<br />

Vale <strong>de</strong>stacar que, nesse estudo, enten<strong>de</strong>-se por procedimentos <strong>de</strong> socialização o conjunto <strong>de</strong><br />

ações utilizadas pelas famílias para educar seus filhos sobre o mundo econômico. Essas ações englobam<br />

tanto as estratégias <strong>de</strong> educação econômica, concebidas como o conjunto organizado e coerente <strong>de</strong> regras,<br />

valores e ações que os pais e mães utilizam para alfabetizar economicamente seus filhos, como as práticas<br />

<strong>de</strong> educação econômica, entendidas como as ações implícitas realizadas pelos pais no processo <strong>de</strong><br />

educação econômica <strong>de</strong> seus filhos a partir <strong>de</strong> sua conduta cotidiana. (DENEGRI; PALAVECINO;<br />

GEMP, 2003).<br />

Resultados<br />

A interpretação dos resultados da pesquisa evi<strong>de</strong>nciou que as famílias preocupam-se quanto à<br />

educação econômica <strong>de</strong> seus filhos. A maioria dos participantes acredita que as crianças <strong>de</strong>vam ser<br />

educadas para essa área, não apenas pela família, mas também pela socieda<strong>de</strong>. No entanto, ao justificarem<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa educação <strong>de</strong>monstram <strong>de</strong>sconhecimento sobre a construção dos conceitos<br />

econômicos e seus benefícios para a formação cidadã das novas gerações.<br />

Dentre as principais estratégias que pais e mães informam utilizar para a educação econômica <strong>de</strong><br />

seus filhos, estão: incentivo às práticas <strong>de</strong> economia e poupança, conversa sobre dinheiro, administração<br />

dos próprios recursos por meio da disponibilização <strong>de</strong> dinheiro e situações <strong>de</strong> consumo.<br />

Com menor frequência foram mencionadas as estratégias <strong>de</strong>: restrição ao dinheiro, orientação<br />

sobre trâmites bancários, introdução às práticas comerciais, envolvimento no planejamento do orçamento<br />

familiar, pagamento por realização <strong>de</strong> tarefas ou bom comportamento e oferecer jogos que envolvem<br />

temas econômicos.<br />

Todos os participantes consi<strong>de</strong>ram importante que os filhos aprendam a economizar e poupar e<br />

que essa aprendizagem <strong>de</strong>va começar na infância, entretanto, relatam que utilizam esse procedimento<br />

esporadicamente. As formas comumente adotadas pelos filhos são: o cofrinho, a economia <strong>de</strong> dinheiro<br />

para comprar algo que <strong>de</strong>sejam, a colaboração na redução do consumo <strong>de</strong> energia, água, entre outros e,<br />

ainda uma pequena porcentagem, adota a ca<strong>de</strong>rneta <strong>de</strong> poupança.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 165


As famílias justificam <strong>de</strong> forma semelhante a necessida<strong>de</strong> do aprendizado <strong>de</strong> economia e<br />

poupança por parte dos filhos, concordando que essa seja uma conduta <strong>de</strong> preparação para o futuro. Esses<br />

argumentos refletem a preocupação dos pais em garantir o acesso dos filhos a bens materiais, mas não<br />

chegam a conce<strong>de</strong>r esse aprendizado como uma ferramenta <strong>de</strong> planejamento econômico e <strong>de</strong> distribuição<br />

<strong>de</strong> recursos a longo prazo.<br />

As conversas sobre o mundo econômico giram em torno do tema dinheiro e acontecem,<br />

esporadicamente, nos diálogos cotidianos, particularmente, diante das situações <strong>de</strong> consumo e dos<br />

pedidos dos filhos para lhes comprarem coisas.<br />

Um número expressivo <strong>de</strong> famílias disponibiliza dinheiro para os filhos sempre que pe<strong>de</strong>m ou<br />

precisam. Chama a atenção o baixo percentual daqueles que utilizam a oferta regular <strong>de</strong> dinheiro na forma<br />

<strong>de</strong> mesada ou semanada para que os filhos tenham o compromisso <strong>de</strong> administrá-lo.<br />

Essas informações revelam o caráter utilitarista da oferta, para aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas do filho<br />

naquele momento, não tendo o aspecto pedagógico que os leve a apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma concreta como tomar<br />

<strong>de</strong>cisões sobre seus gastos e poupança e <strong>de</strong> como planejar para atingir seus objetivos futuros.<br />

(DENEGRI,1998; FURHAM e THOMAS, 1984).<br />

Vale <strong>de</strong>stacar que a maior incidência da prática <strong>de</strong> dar dinheiro a título <strong>de</strong> prêmio aparece nas<br />

famílias biparentais. Por outro lado, a família monoparental <strong>de</strong>staca-se como o grupo que mais utiliza a<br />

oferta <strong>de</strong> dinheiro <strong>de</strong> forma regular.<br />

As experiências envolvendo o consumo são bastante comuns nas famílias e fazem parte da<br />

convivência familiar. A maioria dos pais e mães levam seus filhos quando vão às compras em diferentes<br />

locais <strong>de</strong> comércio.<br />

Nessas ocasiões, é comum os filhos pedirem coisas, sendo atendidos pelos pais que ten<strong>de</strong>m a<br />

comprar sempre que po<strong>de</strong>m ou quando for necessário. Essa conduta indica prática pouco coerente com<br />

uma educação voltada para o consumo racional e equilibrado. Tal comportamento reflete ausência <strong>de</strong><br />

planejamento e controle dos gastos, além <strong>de</strong> dificultar a aprendizagem da escolha, diferenciando o<br />

essencial do supérfluo. As razões que levam os pais a aten<strong>de</strong>r aos pedidos dos filhos apoiam-se em uma<br />

mistura <strong>de</strong> argumentos racionais e emocionais.<br />

Esse conjunto <strong>de</strong> práticas constituem importante experiências <strong>de</strong> socialização econômica,<br />

refletindo a preocupação das famílias em ensinar aos filhos o valor do dinheiro e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

poupança. No entanto, observa-se, pelas respostas dos participantes, que nem sempre os objetivos dos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 166


pais estão claros para eles mesmos. Na prática, as estratégias <strong>de</strong> educação econômica são implementadas<br />

<strong>de</strong> forma espontânea, como respostas às <strong>de</strong>mandas dos filhos ou às situações <strong>de</strong> consumo, sem um<br />

planejamento por parte dos pais e mães.<br />

Essas atuações esporádicas e não sistemáticas caracterizam-se pelo que se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong><br />

comportamento intuitivo, ou seja, pela busca <strong>de</strong> boas alternativas baseadas na própria experiência dos<br />

pais e em hipóteses <strong>de</strong> senso comum, o que permite consi<strong>de</strong>rar que não se apresentam com estratégias <strong>de</strong><br />

alfabetização econômica no sentido concebido por Denegri, Palavecinos e Gempp (2003).<br />

De modo geral as famílias avaliam a experiência <strong>de</strong> educação econômica dos filhos como<br />

satisfatória. No entanto, ao relacionar essa avaliação com a ausência <strong>de</strong> sistematização dos procedimentos<br />

utilizados por elas, percebe-se sua superficialida<strong>de</strong>. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se investir na formação dos que<br />

vão educar as crianças.<br />

Quanto às dificulda<strong>de</strong>s mencionadas pelos participantes em relacionar criança e consumo, as<br />

famílias <strong>de</strong>stacam sua impotência diante da influência da mídia, <strong>de</strong>spreparo frente às solicitações dos<br />

filhos e submissão à pressão social. Essas dificulda<strong>de</strong>s parecem traduzir o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />

globalizada ao qual o indivíduo se vê submetido, tendo que consumir para po<strong>de</strong>r fazer parte <strong>de</strong>la.<br />

Em síntese, os procedimentos utilizados pelas famílias não assumem um caráter <strong>de</strong> alfabetização<br />

econômica, pois não geram o <strong>de</strong>sequilíbrio no sentido piagetiano, impossibilitando a ocorrência da auto<br />

regulação na conduta dos filhos. As ações dos pais oscilam entre tendências do laissez faire, na qual tudo<br />

po<strong>de</strong>, e autoritária, com a imposição <strong>de</strong> comandos e regras, mas em qualquer <strong>de</strong>sses extremos, são<br />

comportamentos que impe<strong>de</strong>m que as crianças/filhos compreendam e interiorizem as consequências <strong>de</strong><br />

seus atos e se auto organizem em direção à condutas mais evoluídas e conscientes.<br />

Esses resultados assemelham-se aos encontrados por Denegri, Palavecinos e Gemmp (2003),<br />

Amar et al. (2006) e Denegri et al.(2003), mostrando que os pais são importantes educadores<br />

econômicos, por serem os principais provedores do dinheiro. Entretanto, nessa área, suas ações têm se<br />

mostrado limitadas e até contraditórias, assumido um caráter informal e não sistemático .<br />

Ao analisar comparativamente os procedimentos que os participantes utilizam para a educação<br />

econômica dos seus filhos, buscando verificar se há diferenças quanto à estrutura familiar, observou-se<br />

que as famílias não se diferenciam quanto à maioria dos procedimentos <strong>de</strong> educação econômica dos<br />

filhos. Geralmente, os participantes apesar das diferentes configurações familiares <strong>de</strong>monstram<br />

semelhanças, tanto em relação ao seu comportamento econômico, resultando em práticas implícitas <strong>de</strong><br />

educação para os filhos quanto no que se refere às estratégias que afirmam utilizar para educá-los<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 167


economicamente.<br />

Vale esclarecer que em alguns aspectos foi observada a interferência da variável estrutura familiar.<br />

Dentre os aspectos relacionados ao comportamento das famílias <strong>de</strong>staca-se o fato <strong>de</strong> encontrar-se na<br />

família monoparental a maior frequência <strong>de</strong> planejamento sistemático, análise sistemática da situação<br />

financeira antes das compras, bem como menor frequência <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> cheque pré-datado ou cartão.<br />

Quanto aos aspectos relacionados às estratégias utilizadas pelas famílias para a educação<br />

econômica dos filhos, os que se mostraram mais sensíveis à variável estrutura familiar foram: os temas<br />

das conversas entre pais e filhos, sendo assuntos relacionados ao dinheiro predominantes na família<br />

monoparental, já nas famílias biparental e recomposta, além <strong>de</strong> assuntos relacionados ao dinheiro, são<br />

também discutidos temas econômicos variados. Destaca-se, ainda, que as respostas para a categoria<br />

envolvimento dos filhos no orçamento familiar foram apresentadas predominantemente pelo grupo<br />

monoparental.<br />

As famílias apresentam comportamentos diferentes com relação à frequência <strong>de</strong> disponibilização<br />

<strong>de</strong> dinheiro para os filhos. As famílias monoparental e recomposta se <strong>de</strong>stacam por dar dinheiro aos filhos<br />

sempre que pe<strong>de</strong>m e regularmente, já para a família biparental, se sobressai a resposta “não dou<br />

dinheiro”.<br />

Observou-se que tanto o comportamento econômico dos participantes quanto os procedimentos<br />

usados para a educação dos filhos mostram-se menos assistemáticos nos níveis mais altos, po<strong>de</strong>ndo,<br />

portanto, confirmar a hipótese <strong>de</strong> que os procedimentos para educação econômica utilizados pelos<br />

progenitores diferenciam-se conforme o nível socioeconômico na maior parte dos aspectos investigados<br />

por este estudo.<br />

Esse resultado coinci<strong>de</strong> com o encontrado por Denegri (2003), Denegri, Palavecinos e Gempp<br />

(2003) e Denegri et al. (1999), mostrando que os fatores <strong>de</strong> experiências socais, como a escolarização, o<br />

domicílio, o nível socioeconômico das pessoas interferem no seu entendimento dos fenômenos<br />

econômicos e hábitos <strong>de</strong> consumo.<br />

Buscando a relação entre comportamento e estratégia <strong>de</strong> educação econômica, procurou-se<br />

comparar o processo <strong>de</strong> socialização vivenciado pelos pais quando criança e o modo como praticam a<br />

educação econômica <strong>de</strong> seus filhos.<br />

Essa comparação mostrou que os participantes ten<strong>de</strong>m a transmitir os conhecimentos e valores<br />

provenientes <strong>de</strong> suas famílias <strong>de</strong> origem, evi<strong>de</strong>nciando a influência do meio no processo <strong>de</strong> socialização<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 168


econômica.<br />

Observou-se que pais que receberam orientação econômica ao longo do seu <strong>de</strong>senvolvimento têm<br />

maior preocupação em manter conversas sistemáticas sobre assuntos econômicos com seus filhos,<br />

enquanto aqueles que não receberam qualquer orientação não mantêm essas conversas. Também<br />

percebe-se uma associação entre o que os pais e mães apren<strong>de</strong>ram na infância e o que eles transmitem a<br />

seus filhos<br />

Esses dados indicam, em seu conjunto, por um lado, que vários aspectos do comportamento das<br />

famílias estão refletidos nas estratégias que utilizam para a educação <strong>de</strong> seus filhos, por outro, evi<strong>de</strong>ncia a<br />

distância existente entre os valores das famílias, traduzidos em seu discurso e os procedimentos concretos<br />

que utilizam cotidianamente para a alfabetização econômica <strong>de</strong>les.<br />

Corroborando com esses resultados, as pesquisas no âmbito da socialização econômica na família<br />

têm mostrado que os pais são importantes educadores, entretanto, as práticas educativas utilizadas por<br />

eles nessa matéria são limitadas e até contraditórias. (DENEGRI et al. 2002).<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais e implicações educacionais<br />

A questão da Educação Econômica é ao mesmo tempo complexa e <strong>de</strong>safiadora. Com relação ao<br />

cotidiano vivenciado por pais e filhos, as dificulda<strong>de</strong>s se ampliam pela informalida<strong>de</strong> existente no<br />

processo educativo. Não cabem dúvidas <strong>de</strong> que a participação da família no processo <strong>de</strong> socialização da<br />

criança é importante, especialmente para ajudá-la a se inserir no mundo das regras e valores. Ser pai e<br />

mãe é exatamente ser o adulto da relação. Espera-se que tais pessoas sejam referências para os filhos.<br />

Sabe-se que a criança imita o comportamento dos adultos com os quais convive, por isso, espera-se que<br />

eles ofereçam bons mo<strong>de</strong>los. Pais e educadores, que <strong>de</strong>sejam oferecer uma boa educação nessa área,<br />

<strong>de</strong>vem primeiro consi<strong>de</strong>rar seus próprios comportamentos e valores com relação aos temas econômicos.<br />

A sua relação equilibrada e consciente será mo<strong>de</strong>lo para os filhos, a ausência <strong>de</strong>la também.<br />

Assim, os resultados confirmam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma a<strong>de</strong>quada socialização econômica para que<br />

os indivíduos atinjam melhor atuação nesse universo cada vez mais complexo, permitindo-lhes não<br />

apenas a administração mais eficiente <strong>de</strong> seus recursos, mas a verda<strong>de</strong>ira cidadania.<br />

Dentre as implicações resultantes <strong>de</strong>ste estudo, observa-se alguns pontos consi<strong>de</strong>rados<br />

fundamentais para uma proposta <strong>de</strong> reorientação econômica para as famílias.<br />

As <strong>de</strong>scobertas da teoria piagetiana sobre o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do ser humano mostram<br />

que a construção do conhecimento sobre o mundo social <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do mesmo processo interno <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 169


autorregulação do sujeito. Portanto, para que ocorra o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias econômicas é preciso<br />

que as crianças encontrem condições para o seu <strong>de</strong>senvolvimento intelectual, além da garantia <strong>de</strong> uma<br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências ligadas aos fenômenos econômicos. Uma educação que conduza ao<br />

autogoverno, o que implica vivência da reciprocida<strong>de</strong>, da escolha, da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />

Os estudos na área da socialização econômica coinci<strong>de</strong>m sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer<br />

mecanismos <strong>de</strong> apoio que permitam enriquecer e complementar o processo <strong>de</strong> educação realizado pelas<br />

famílias. Assim, a escola é chamada a <strong>de</strong>sempenhar um papel mais ativo em relação à criação <strong>de</strong><br />

propostas concretas, dirigidas tanto aos pais e mães quanto a seus filhos, não apenas com o propósito <strong>de</strong><br />

contribuir para a elevação <strong>de</strong> seus níveis <strong>de</strong> alfabetização econômica, mas <strong>de</strong> modo a ajudá-los a assumir<br />

seu papel <strong>de</strong> agentes sociais ao serem capazes <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> forma mais eficaz nas <strong>de</strong>cisões políticas e<br />

econômicas da socieda<strong>de</strong> nas quais estão inseridas. Acredita-se portanto, que a educação econômica <strong>de</strong>ve<br />

acontecer também na escola.<br />

Nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas, caracterizadas pela globalização econômica e cultural e,<br />

sobretudo, pela presença crescente <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosas mídias, como as <strong>de</strong> hoje, as pessoas estão cada vez mais<br />

expostas a uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores que procuram condicionar seu comportamento ao consumo.<br />

Observa-se que a gran<strong>de</strong> maioria das pessoas encontra-se <strong>de</strong>spreparada para enfrentar os apelos do<br />

consumismo, assumindo uma atitu<strong>de</strong> passiva e até indiferente diante dos problemas sociais ligados ao<br />

consumo <strong>de</strong>senfreado como: <strong>de</strong>gradação do ambiente, esgotamento <strong>de</strong> recursos, aumento da pobreza,<br />

hiperendividamento, aumento do consumo <strong>de</strong> drogas, para citar alguns. A fragilida<strong>de</strong> do comportamento<br />

dos indivíduos diante <strong>de</strong>sses problemas tem atingido principalmente as crianças, que crescem num meio<br />

dominado pelo assédio da publicida<strong>de</strong>. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se refletir sobre as consequências nefastas da<br />

comunicação mercadológica voltada às crianças, impedindo seu <strong>de</strong>senvolvimento saudável. Para<br />

Henriques (2008), as crianças não têm mecanismos psicológicos suficientes para enten<strong>de</strong>r a complexida<strong>de</strong><br />

das relações <strong>de</strong> consumo e os artifícios da publicida<strong>de</strong>, como um adulto, portanto, toda e qualquer<br />

publicida<strong>de</strong> dirigida ao público infantil é intrinsecamente abusiva na medida em que para seu sucesso se<br />

vale da imaturida<strong>de</strong> dos julgamentos infantis.<br />

Ao pensar a intervenção educativa na construção do comportamento econômico há que se<br />

consi<strong>de</strong>rar a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse tema. Também <strong>de</strong>ve se observar que ela não se torne estritamente<br />

racional, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando seu aspecto sociomoral e afetivo, tendo em vista o papel dos valores nas<br />

escolhas que o sujeito realiza. Nesse sentido, não basta a informação correta para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

condutas econômicas éticas e mais equilibradas, é preciso querer agir bem. Esse aspecto remete ao<br />

campo da motivação, dos interesses que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam a ação. O termo valor é central para se<br />

compreen<strong>de</strong>r a fonte <strong>de</strong> valorizações do indivíduo, seja <strong>de</strong> objetos ou pessoas. (PIAGET,1954/1981).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 170


Voltando à questão da construção das noções econômicas e pensando particularmente nas relações <strong>de</strong><br />

consumo, acredita-se que esse possa vir a ser um instigante campo <strong>de</strong> a investigação, portanto, pesquisar<br />

o conceito <strong>de</strong> força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, como apresentado na teoria piagetiana, po<strong>de</strong> ajudar a compreen<strong>de</strong>r os<br />

outros elementos que estão em jogo nos processos <strong>de</strong> educação econômica.<br />

Ao <strong>de</strong>screver como as famílias estão educando os filhos sobre o mundo econômico espera-se<br />

contribuir com elementos que possibilitem um olhar crítico para o fenômeno do consumo, <strong>de</strong> modo a<br />

enriquecer o processo <strong>de</strong> socialização realizado pela família e apoiá-la na construção <strong>de</strong> valores estáveis e<br />

sólidos, resultando em melhoria não apenas para a vida do cidadão, mas principalmente em garantia <strong>de</strong><br />

vida para o planeta.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 172


Dos Conflitos Sociais aos Educacionais<br />

Resumo<br />

ORIANI, Valeria Pall<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista – UNESP<br />

valeriaoriani@hotmail.com<br />

Para a teoria construtivista <strong>de</strong> Piaget, os conflitos promovem o <strong>de</strong>senvolvimento tanto moral quanto<br />

intelectual da criança. Em vista disso, o objetivo <strong>de</strong>ste artigo é o <strong>de</strong> refletir sobre os conflitos<br />

interpessoais e como os (as) professores (as) <strong>de</strong> Educação Infantil lidam com eles. Para refletir a respeito<br />

da temática, tomou-se como base a teoria <strong>de</strong> Piaget para <strong>de</strong>senvolver pesquisa <strong>de</strong> iniciação científica,<br />

durante o ano <strong>de</strong> 2008, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marília/SP. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa pesquisa ocorreu por meio <strong>de</strong><br />

pesquisa bibliográfica e <strong>de</strong> campo. A pesquisa <strong>de</strong> campo foi realizada em duas escolas, uma Municipal e<br />

outra Particular, por meio da observação do cotidiano escolar e da aplicação <strong>de</strong> questionário às<br />

professoras, coor<strong>de</strong>nadoras pedagógicas e diretoras. Observou-se que as professoras pesquisadas não<br />

proporcionam espaços para a resolução dos conflitos em sala <strong>de</strong> aula. Esses conflitos são, geralmente,<br />

resolvidos por meio <strong>de</strong> castigos, humilhações e até mesmo com agressões físicas, o que <strong>de</strong>monstra que é a<br />

sanção expiatória que se prepon<strong>de</strong>ra no ambiente escolar.<br />

Palavras-chave: Conflitos interpessoais. Direitos Humanos. Educação Infantil.<br />

Abstract<br />

For the constructivist theory of Piaget, conflicts promote both the moral as intellectual <strong>de</strong>velopment of<br />

children. Therefore, the objective of this paper is to reflect on the interpersonal conflicts and how (the)<br />

teachers of Child Education <strong>de</strong>aling with them. To reflect on the theme, based on the theory of Piaget's to<br />

scientific initiation research in the year 2008 in the city of Marília/SP. The <strong>de</strong>velopment of this research<br />

was through literature search and field. The fieldwork was conducted in two schools, a municipal and<br />

other particles through the observation of everyday school life and the application of questionnaires to<br />

teachers, education coordinators and directors. Noticed that the teachers surveyed do not provi<strong>de</strong> space<br />

for the resolution of conflicts in the classroom. These conflicts are usually resolved through punishment,<br />

humiliation and even with physical attacks, which shows that the penalty expiatory that prepon<strong>de</strong>rate in<br />

the school environment.<br />

Keywords: Interpersonal conflicts. Human rights. Child Education.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 173


Introdução<br />

A arte <strong>de</strong> conviver <strong>de</strong>manda esforços. A socieda<strong>de</strong> é formada por indivíduos com concepções e<br />

valores próprios e, portanto divergências, o que faz com que as relações sejam permeadas por conflitos.<br />

Para Hobbes, segundo Bobbio (1991, p.34), os conflitos são gerados pelas paixões, já que são elas<br />

as responsáveis pelos que "[...] buscam precedência e superiorida<strong>de</strong> sobre seus companheiros".<br />

No entanto, se permitirmos que nossas paixões falem mais alto, não haverá condições <strong>de</strong><br />

convivência com o outro. Tais condições po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scritas por "[...] reciprocida<strong>de</strong>, solidarieda<strong>de</strong>,<br />

respeito ao próximo e acima <strong>de</strong> tudo, generosida<strong>de</strong> [...]", já que "É um péssimo cidadão aquele que não<br />

consegue ser generoso ao ponto <strong>de</strong> limitar, minimamente que seja, seus próprios interesses diante <strong>de</strong><br />

interesses coletivos". (FERREIRA, 1993, p.220).<br />

Se a reflexão parece complexa em relação ao social o que se dirá em relação ao ambiente escolar,<br />

principalmente, na Educação Infantil, em que as crianças ainda apresentam muitas dificulda<strong>de</strong>s no que diz<br />

respeito ao contato com o outro e com as regras que essa convivência exige. Por outro lado, os<br />

professores também não sabem como lidar com os conflitos em sala <strong>de</strong> aula, visto que as relações se<br />

pautam na sua autorida<strong>de</strong>.<br />

Para melhor análise <strong>de</strong>ssa temática utilizarei a pesquisa <strong>de</strong> iniciação científica que, intitulada<br />

Direitos humanos na Educação Infantil: primeiros passos para a cidadania (ORIANI, 2008), que realizei<br />

em duas escolas <strong>de</strong> Educação Infantil, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marília/SP. Essa pesquisa teve como intuito analisar<br />

as práticas pedagógicas por meio dos conflitos interpessoais a respeito dos direitos humanos e da<br />

cidadania.<br />

Frente ao exposto, o objetivo do presente artigo é o <strong>de</strong> refletir sobre os conflitos interpessoais e<br />

sobre como os (as) professores (as) <strong>de</strong> Educação Infantil lidam com eles, com base na perspectiva<br />

construtivista <strong>de</strong> Piaget.<br />

Este artigo foi estruturado em três partes. Na primeira, apresento alguns conceitos da teoria <strong>de</strong><br />

Piaget que subsidiaram a análise dos conflitos observados na pesquisa.<br />

Na segunda, relaciono educação, direitos humanos e cidadania, tendo em vista que, é por meio<br />

<strong>de</strong>ssa relação que se <strong>de</strong>senvolve a autonomia e a cooperação, aspectos essências para uma socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática. Para tal, utilizo documentos que fundamentam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma educação baseada em<br />

direitos e <strong>de</strong>veres. Na terceira parte, analiso os conflitos interpessoais que ocorrem entre as crianças das<br />

duas instituições pesquisadas. Contemplo, nessa parte também, sobre quais perspectivas os conflitos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 174


interpessoais são compreendidos pelos contextos.<br />

Por fim, realizamos as consi<strong>de</strong>rações finais relacionando a perspectiva construtivista piagetiana e<br />

os conflitos observados nos contextos.<br />

Principais conceitos <strong>de</strong> Piaget<br />

Os estudos <strong>de</strong> Jean Piaget sobre o julgamento moral das regras pelas crianças trouxeram<br />

importantes contribuições para a área educacional, pois propiciou o conhecimento da relevância das<br />

relações escolares se pautarem na solidarieda<strong>de</strong>, no respeito, no diálogo, na cooperação para a formação<br />

<strong>de</strong> sujeitos autônomos.<br />

Para Piaget (1994, p. 23) “Toda moral consiste num sistema <strong>de</strong> regras, e a essência <strong>de</strong> toda<br />

moralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras.”.<br />

Para analisar e compreen<strong>de</strong>r a moral das crianças, Piaget (1994) averiguou a evolução da prática e<br />

da consciência que elas têm acerca das regras em situações <strong>de</strong> jogos.<br />

Os resultados obtidos no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>sses estudos evi<strong>de</strong>nciaram a existência <strong>de</strong> duas morais<br />

distintas na criança, “[...] uma moral da coação ou da heteronomia e uma moral da cooperação ou da<br />

autonomia” (PIAGET, 1994, p. 156). A primeira, <strong>de</strong> acordo com Piaget, é caracterizada pela “[...] coação<br />

moral do adulto, coação que resulta na heteronomia e, consequentemente, no realismo moral” (1994, p.<br />

154). A segunda é pautada na “[...] cooperação, que resulta na autonomia” (PIAGET, 1994, p. 154).<br />

O realismo moral é “[...] a tendência da criança em consi<strong>de</strong>rar os <strong>de</strong>veres e os valores a eles<br />

relacionados como subsistentes em si, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da consciência e se impondo obrigatoriamente,<br />

quaisquer que sejam as circunstâncias [...]” (PIAGET, 1994, p. 93).<br />

Segundo Piaget (1994, p. 131), “[...] o realismo moral nasce do encontro da coação com o<br />

egocentrismo.”. O egocentrismo é a “[...] indiferenciação entre o eu e o meio social” (PIAGET, 1994, p.<br />

81) da criança.<br />

As características do realismo moral que se <strong>de</strong>stacam nos julgamentos realizados pelas crianças<br />

são: o <strong>de</strong>ver é essencialmente heterônomo, pois todo ato bom é aquele que ocorre em obediência à<br />

autorida<strong>de</strong> e todo ato mau é aquele que não segue as regras; a regra <strong>de</strong>ve ser observada ao ‘pé da letra’ e<br />

não no seu sentido; os atos são julgados conforme a concepção objetiva da responsabilida<strong>de</strong>, isto é, o<br />

julgamento se baseia no resultado e não na intenção do ato, a qual <strong>de</strong>fine a responsabilida<strong>de</strong> subjetiva<br />

(PIAGET, 1994).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 175


“A noção objetiva da responsabilida<strong>de</strong> aparece, sem dúvida alguma, como um produto da coação<br />

moral exercida pelo adulto” (PIAGET, 1994, p. 109). Dessa coação também resulta o respeito unilateral<br />

da criança pela autorida<strong>de</strong>. O respeito unilateral “[...] é a origem da obrigação moral e do sentimento do<br />

<strong>de</strong>ver: toda or<strong>de</strong>m, partindo <strong>de</strong> uma pessoa respeitada, é o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> uma regra obrigatória”<br />

(PIAGET, 1994, p. 154).<br />

Para Piaget (1994, p. 134), “[…] é a passagem do respeito unilateral ao respeito mútuo que vai<br />

liberar a criança <strong>de</strong> seu realismo moral”. Isso ocorrerá por meio da evolução mental da criança, com a<br />

ida<strong>de</strong> e por meio das relações sociais, especialmente, entre iguais.<br />

Se os pequenos apresentam um realismo moral quase sistemático, conduzindo, em certos<br />

casos, a uma predominância da responsabilida<strong>de</strong> objetiva sobre a responsabilida<strong>de</strong><br />

subjetiva, é por causa das relações sui generis da coação adulta com o egocentrismo<br />

infantil: o respeito unilateral da criança pelo adulto obriga o primeiro a aceitar as or<strong>de</strong>ns<br />

do segundo, mesmo quando estas não são suscetíveis <strong>de</strong> uma colocação em prática<br />

imediata, don<strong>de</strong> a exteriorida<strong>de</strong> atribuída à regra e o caráter literal do julgamento moral<br />

que daí <strong>de</strong>corre. Se, inversamente, a criança se <strong>de</strong>senvolve no sentido da interiorização<br />

das or<strong>de</strong>ns e da responsabilida<strong>de</strong> subjetiva, é porque a cooperação e o respeito mútuo lhe<br />

dão uma compreensão sempre mais elevada da realida<strong>de</strong> psicológica e moral. A<br />

veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa assim, pouco a pouco, <strong>de</strong> ser um <strong>de</strong>ver imposto pela heteronomia para<br />

tornar-se um bem encarado como tal pela consciência pessoal autônoma. (PIAGET, 1994,<br />

p. 138-139, grifo do autor).<br />

Segundo Menin (2007), são o respeito e egocentrismo, num extremo, e cooperação com<br />

reciprocida<strong>de</strong>, noutro, que explicam a evolução dos juízos morais e das concepções <strong>de</strong> justiça entre as<br />

crianças.<br />

As duas noções <strong>de</strong> justiça mais investigadas por Piaget foram a retributiva e a distributiva. A<br />

primeira “[...] se <strong>de</strong>fine pela proporcionalida<strong>de</strong> entre o ato e a sanção.” (PIAGET, 1994, p. 157) e se liga<br />

mais diretamente à coação adulta. A segunda noção se pauta na igualda<strong>de</strong> e na solidarieda<strong>de</strong> infantil.<br />

reciprocida<strong>de</strong>.<br />

Na justiça retributiva, Piaget salientou dois tipos <strong>de</strong> sanção: a sanção expiatória e a sanção <strong>de</strong><br />

A sanção expiatória se relaciona à coação e às regras <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> do adulto. Possui o caráter <strong>de</strong><br />

ser ‘arbitrária’ por não haver nenhuma relação, entre o conteúdo da sanção com o ato sancionado. Em<br />

vista disso,<br />

Pouco importa que, para punir uma mentira, se inflija ao culpado um castigo corporal, ou<br />

que privemos <strong>de</strong> seus brinquedos ou que o con<strong>de</strong>nemos a uma tarefa escolar: a única<br />

coisa necessária é que haja proporcionalida<strong>de</strong> entre o sofrimento imposto e a gravida<strong>de</strong><br />

da falta. (PIAGET, 1994, p. 161).<br />

A sanção <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> se interliga à cooperação e às regras <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>. Possui a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 176


eposição ou <strong>de</strong> reparação, bem como a intenção <strong>de</strong> renovar o elo <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> rompido pelo ato<br />

culpável. Nessa sanção, “[...] há relação <strong>de</strong> conteúdo e <strong>de</strong> natureza entre a falta e a punição, sem falar da<br />

proporcionalida<strong>de</strong> entre gravida<strong>de</strong> daquela e rigor <strong>de</strong>sta.” (PIAGET, 1994, p. 162).<br />

Piaget evi<strong>de</strong>nciou, por meio <strong>de</strong> entrevistas, “[...] uma tendência maior entre crianças <strong>de</strong> sete anos<br />

ou menos em preferir sanções expiatórias [...]” (MENIN, 2007, p. 53).<br />

É o que nos mostra [...] a escolha das punições: enquanto os pequenos preferem as mais<br />

severas, <strong>de</strong> maneira a ressaltar a necessida<strong>de</strong> do castigo em si mesmo, os maiores optam<br />

mais pelas medidas <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>, que indicam simplesmente ao culpado a ruptura do<br />

elo <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e a obrigação <strong>de</strong> uma reposição em or<strong>de</strong>m. (PIAGET, 1994, p. 176).<br />

Trabalhar com crianças pequenas exige do professor atenção redobrada no momento da resolução<br />

dos conflitos para que não haja a escolha da sanção expiatória entre elas e a predominância <strong>de</strong> sua<br />

autorida<strong>de</strong>, a qual é vista como justa pelos pequenos. Por isso, é importante que o professor as estimule a<br />

falar e resolver os conflitos por si próprias.<br />

Para Piaget, o conflito po<strong>de</strong> promover o <strong>de</strong>senvolvimento tanto moral quanto intelectual da<br />

criança. “O conflito interpessoal po<strong>de</strong> oferecer o contexto no qual as crianças tornam-se conscientes <strong>de</strong><br />

que outros têm sentimentos, i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong>sejos.” (DEVRIES, 1998, p. 90). O que ajuda a superar o<br />

egocentrismo infantil.<br />

Para a teoria piagetiana,<br />

O próprio autor, em escritos sobre procedimentos em educação moral (Piaget 1930 e<br />

1968), aponta dois caminhos fundamentais para a construção da autonomia moral: não<br />

impor à criança aquilo que ela po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir por si e criar situações para que as crianças<br />

<strong>de</strong>scubram a necessida<strong>de</strong> e as razões das regras. (MENIN, 2007, p. 57).<br />

[...] primeiro é preciso fazer para <strong>de</strong>pois compreen<strong>de</strong>r. Assim, na moral, como no campo<br />

intelectual, uma consciência só se torna autônoma, livre da influência cega <strong>de</strong> uma<br />

autorida<strong>de</strong> maior e capaz <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>scobertas na realida<strong>de</strong>, se pu<strong>de</strong>r experimentar, na e<br />

com a prática das ações, esta realida<strong>de</strong>. (MENIN, 2007, p. 49).<br />

Desse modo, “[...] as relações entre coetâneos que constituem o meio mais propício ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da noção <strong>de</strong> justiça distributiva e ao das formas evoluídas da justiça retributiva.”<br />

(PIAGET, 1994, p. 222).<br />

Numa palavra, po<strong>de</strong>mos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, supor que as crianças que colocam a justiça retributiva<br />

acima da justiça distributiva são aquelas que seguem o ponto <strong>de</strong> vista da coação adulta,<br />

enquanto as que preferem a igualda<strong>de</strong> à sanção são aquelas às quais as relações entre<br />

crianças (ou mais raramente as relações <strong>de</strong> respeito mútuo entre adultos e crianças)<br />

levaram à melhor compreensão das situações psicológicas e a julgar segundo um novo<br />

tipo <strong>de</strong> normas morais. (PIAGET, 1994, p. 204).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 177


As relações, no ambiente escolar, pautadas na cooperação e no respeito mútuo, po<strong>de</strong>m propiciar a<br />

superação da coação e da autorida<strong>de</strong> do adulto, bem como o <strong>de</strong>senvolvimento autônomo das crianças.<br />

Educação, direitos humanos e cidadania<br />

Tendo em vista que a função da educação é a <strong>de</strong> “[...] garantir a toda a criança o pleno<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores<br />

morais, que correspon<strong>de</strong>m ao exercício <strong>de</strong>ssas funções, até a adaptação à vida social atual” (PIAGET,<br />

1973, p. 40), po<strong>de</strong>mos compreendê-la como um subsídio para uma socieda<strong>de</strong> mais <strong>de</strong>mocrática formada<br />

por cidadãos ativos na vida social, política e econômica do país, que busquem conhecer e lutar por seus<br />

direitos.<br />

A educação se configura, assim, como um direito e um meio pelos quais se conquistam outros<br />

direitos. Para a efetivação <strong>de</strong>sse direito, a Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases (LDB nº. 9.394/96) (BRASIL, 1996)<br />

sanciona que os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios são responsáveis pela Educação Básica. A<br />

Educação Infantil, os Ensinos Fundamental e Médio compõem a Educação Básica <strong>de</strong>limitado, no artigo<br />

22, que afirma:<br />

Art.22. A educação básica tem por finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolver o educando, assegurar-lhe a<br />

formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para<br />

progredir no trabalho e em estudos posteriores.<br />

Nesse sentido, a educação, além <strong>de</strong> um direito garantido por lei, também tem como <strong>de</strong>ver preparar<br />

o educando para ser um cidadão, ou seja, necessita ensinar-lhe quais são seus direitos e <strong>de</strong>veres para que<br />

os direitos dos outros e os seus não sejam <strong>de</strong>srespeitados, características essenciais para a vida em<br />

socieda<strong>de</strong>. Direitos esses que <strong>de</strong>vem ser vivenciados em todos os níveis educacionais, sem qualquer<br />

justificativa contrária para ausência <strong>de</strong> seu cumprimento.<br />

O Plano Nacional <strong>de</strong> Educação em Direitos Humanos (PNEDH), lançado em 2003 (BRASIL,<br />

2003), <strong>de</strong>monstra a preocupação do Estado brasileiro em relação à educação em direitos humanos e<br />

cidadania, ao compreen<strong>de</strong>r que essa é fundamental para a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> justa, equitativa e<br />

<strong>de</strong>mocrática, e, por isso consi<strong>de</strong>ra que:<br />

O que significa dizer que:<br />

A educação em direitos humanos <strong>de</strong>ve ser um dos eixos fundamentais da educação básica<br />

e permear o currículo, a formação inicial e continuada dos profissionais da educação, o<br />

projeto político pedagógico da escola, os materiais didático-pedagógicos, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

gestão e avaliação.<br />

É preciso não esquecer que a educação é chamada a formar as crianças e os jovens para a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 178


cidadania, a <strong>de</strong>mocracia e o respeito a todos os direitos. Para tanto será importante<br />

<strong>de</strong>senvolver práticas educacionais participativas e dialógicas em que se trabalhe práticateoria-prática<br />

e em que o cotidiano escolar esteja impregnado <strong>de</strong> direitos humanos.<br />

(CANDAU, 2000, p.129)<br />

Uma educação que contemple os direitos humanos e a cidadania iniciada a partir da Educação<br />

Infantil <strong>de</strong>ve ter como metas principais:<br />

A cooperação e a autonomia, as crianças são encaradas como pequenos cidadãos, e o<br />

trabalho escolar é entendido como o que garantir o acesso aos conhecimentos produzidos<br />

historicamente pela humanida<strong>de</strong> e formar, simultaneamente, indivíduos críticos, criativos<br />

e autônomos, capazes <strong>de</strong> agir no seu meio para transformá-lo. (KRAMER, 1992, p.12).<br />

Para Piaget, essa cooperação e autonomia são construídas por meio <strong>de</strong> um ambiente que<br />

possibilite a compreensão da importância das regras morais e não simplesmente as introduza como uma<br />

pressão externa ao indivíduo, o que refletiria na heteronomia.(VINHA, 2003)<br />

A escola como um dos primeiros espaços <strong>de</strong> convivência entre as crianças e, portanto entre a<br />

infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diferenças (culturais, étnicas, religiosas, sociais etc.), é o ambiente em que <strong>de</strong>ve ser<br />

possibilitada a compreensão das regras <strong>de</strong> convivência. Regras, que no sentido atribuído por Piaget forem<br />

compreendidas como fundamentais, em um processo que resulte em autonomia e cooperação refletirão<br />

em indivíduos aptos a (con) viver em uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática.<br />

Uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática se dá a partir <strong>de</strong> uma cidadania ativa em que todos tenham os mesmos<br />

direitos, <strong>de</strong>veres e possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conquistar mais direitos. Para tal é necessário que haja o "[...] efetivo<br />

exercício da liberda<strong>de</strong>, a possibilida<strong>de</strong> concreta, não apenas teórica ou legal, <strong>de</strong> participação na vida<br />

social com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> influência e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão" (DALLARI, 2004, p.41).<br />

Como indica Benevi<strong>de</strong>s (1998, p.158, grifos da autora) para a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática é necessária uma educação que atue:<br />

[...] <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escola primária, no sentido <strong>de</strong> enraizar hábitos <strong>de</strong> tolerância diante do<br />

diferente ou divergente, assim como o aprendizado da cooperação ativa e da<br />

subordinação do interesse pessoal ou <strong>de</strong> grupo ao interesse geral, ao bem comum.<br />

No entanto, apesar dos discursos apregoarem uma educação i<strong>de</strong>al aos interesses da socieda<strong>de</strong>, as<br />

práticas muitas vezes não condizem com o esperado e questões tão fundamentais não são trabalhadas.<br />

Nesse sentido, como afirma Sesti (2004, p.333):<br />

Em se tratando <strong>de</strong> educação, <strong>de</strong> modo geral antes <strong>de</strong> discursos e informações, são as<br />

ações o que importa consi<strong>de</strong>rar. Com mais razão, portanto, o sentido <strong>de</strong> uma educação<br />

comprometida com os i<strong>de</strong>ais e valores da cidadania, da <strong>de</strong>mocracia e dos direitos<br />

humanos se expressa menos nas informações e nos discursos transmitidos do que nos<br />

princípios <strong>de</strong> condutas que regem, no cotidiano escolar, as ações educativas <strong>de</strong> uma<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 179


instituição.<br />

Tal fato se comprova na pesquisa mencionada anteriormente. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa pesquisa<br />

qualitativa ocorreu por meio <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica e <strong>de</strong> campo. Nessa última foi realizada a<br />

observação do cotidiano e das rotinas escolares e, ao final, a aplicação <strong>de</strong> questionário às professoras,<br />

coor<strong>de</strong>nadoras pedagógicas e diretoras.<br />

A opção por instituição pública e particular se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> ambas se orientarem pelos<br />

mesmos documentos e leis em que necessitam cumprir as mesmas exigências.<br />

No entanto, vale ressaltar que ambas as instituições selecionadas estão localizadas na região<br />

central da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marília, e essa escolha se <strong>de</strong>u para que não houvesse disparida<strong>de</strong> no aspecto sócio-<br />

econômico em relação aos alunos das escolas.<br />

O enfoque da pesquisa se <strong>de</strong>u na resolução <strong>de</strong> conflitos interpessoais que são os que "[...] ocorrem<br />

entre as crianças e entre estas e a professora". (VINHA, 2003). Situação que representa um momento<br />

importante <strong>de</strong> convivência com o outro, pois "[...] sugere um equilíbrio entre a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persuasão<br />

do outro e a satisfação <strong>de</strong> si mesmo". Oportunida<strong>de</strong> específica para que o (a) professor (a) trate <strong>de</strong><br />

questões que dizem respeito às temáticas direitos humanos e cidadania, <strong>de</strong>ntre elas o respeito ao próximo<br />

e a cooperação.<br />

A partir das observações e aplicação dos questionários, verifiquei que em nenhum dos dois<br />

contextos escolares, público ou particular, as temáticas foram mencionadas, nem mesmo nas situações <strong>de</strong><br />

conflitos. No entanto, foi possível tecer algumas consi<strong>de</strong>rações importantes a respeito dos conflitos<br />

interpessoais que ocorreram nos contextos.<br />

Os contextos e os conflitos<br />

Para as duas instituições os conflitos interpessoais são consi<strong>de</strong>rados indisciplina e, portanto os<br />

infratores recebem frequentemente punição. Os conflitos comumente observados foram <strong>de</strong> <strong>de</strong>savença<br />

entre as próprias crianças quase sempre durante as brinca<strong>de</strong>iras que resultavam em agressões físicas.<br />

Contudo, segundo Vinha (2003, p.232), os conflitos interpessoais são conceituados por Piaget<br />

como fundamentais para o <strong>de</strong>senvolvimento, visto que "Quando ocorre um conflito na interação com o<br />

outro, a criança é motivada por esse <strong>de</strong>sequilíbrio a refletir sobre maneiras distintas <strong>de</strong> restabelecer a<br />

reciprocida<strong>de</strong>".<br />

Na Instituição pública pesquisada ainda se perpetua o caráter romântico vigente principalmente<br />

por pensadores como Froebel, que <strong>de</strong>fendiam a atuação da professora como a <strong>de</strong> uma segunda mãe para<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 180


as crianças, no caso <strong>de</strong>ssa escola a tia. Nesse sentido, segundo Carvalho (1999, p. 70), a escola é "uma<br />

extensão do lar" e a criança faz parte <strong>de</strong>ssa família. Assim sendo, esses espaços tem que ser :<br />

[...] espaços sem conflitos, em que se realizam plenamente a afeição mútua, a empatia e a<br />

felicida<strong>de</strong>. As punições, especialmente as punições físicas, <strong>de</strong>vem ser substituídas pela<br />

compreensão, a motivação e a persuasão moral. À escola não cabe apenas transmitir<br />

conteúdos institucionais, mas também zelar pelo <strong>de</strong>senvolvimento moral da criança, tal<br />

como se supõe que as mães façam nos lares. E a disciplina escolar - uma disciplina<br />

constante e orgânica - aparece como instrumento básico <strong>de</strong>sse aprendizado moral.<br />

Na Instituição particular pesquisada, por vigorar as características mercadológicas em que a<br />

educação é consi<strong>de</strong>rada o produto negociável e as crianças, representadas por seus pais, são as<br />

consumidoras, os conflitos são compreendidos como negativo, já que não correspon<strong>de</strong>m ao esperado.<br />

Como afirma Tratemberg (1980, p.78), o que ocorre é uma cultura particularizada em que “[...] não só o<br />

conteúdo do que é ensinado, mas a forma, sua própria estruturação interna, em nível <strong>de</strong> programas <strong>de</strong><br />

ensino, avaliação <strong>de</strong> ensino, relação professor e aluno, <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cursos, escalonamento <strong>de</strong> horários.”,<br />

ou seja, todas as <strong>de</strong>cisões dizem respeito aos pais, que são os representantes diretos dos consumidores.<br />

Portanto, a existência <strong>de</strong> conflitos nesse contexto, segundo as observações realizadas, bem como<br />

as respostas dos questionários, representa aos consumidores que a or<strong>de</strong>m não está sendo mantida, fato que<br />

faz com que sejam evitados e não utilizados a favor do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Piaget.<br />

As concepções dos sujeitos sobre direitos humanos nesse contexto pesquisado refletem essa<br />

dimensão mercadológica, tanto nas atitu<strong>de</strong>s a partir das observações, como nas respostas dos<br />

questionários em que as preocupações se limitam ao âmbito da proteção e conforto dos alunos, ao invés<br />

<strong>de</strong> privilegiar um ambiente <strong>de</strong> cooperação, que favoreça a autonomia das crianças.<br />

As turmas observadas e seus conflitos<br />

Um dos critérios utilizados para a pesquisa foi o da escolha da turma, na qual a construção das<br />

regras já tivesse sido trabalhada pelas professoras com as crianças para proporcionar uma análise mais<br />

pontual <strong>de</strong> como são tratados os conflitos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>terminado contexto e no momento em que<br />

estivessem ocorrendo qual seria a reação dos sujeitos envolvidos. Esse critério foi utilizado <strong>de</strong>vido ao<br />

tempo restrito para a realização das observações.<br />

Assim sendo as turmas selecionadas foram as que estivessem no último período da Educação<br />

Infantil, <strong>de</strong> cada instituição. Na escola <strong>de</strong> Educação Infantil Municipal, a última turma correspon<strong>de</strong> ao<br />

Pré III e é composta por vinte e duas crianças com <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s aproximadas entre cinco a seis anos.<br />

Já na escola particular a última turma é mista com crianças <strong>de</strong> Pré I e II, pois nessa instituição,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 181


<strong>de</strong>pois do Pré II as crianças vão para a primeira série <strong>de</strong> Ensino Fundamental. A turma é composta por<br />

cinco alunos do Pré I e <strong>de</strong>z do Pré II e as ida<strong>de</strong>s eram <strong>de</strong> quatro a cinco anos.<br />

A ocorrência do conflito seria o momento a<strong>de</strong>quado para ser tratada a temática direitos humanos,<br />

já que esse se configura como ponto crucial para que valores como o respeito ao próximo fossem<br />

apresentados para as crianças, já que <strong>de</strong>terminadas regras já teriam sido contempladas.<br />

Na escola pública <strong>de</strong> Educação Infantil, os conflitos são constantes entre algumas crianças<br />

específicas, que disputavam para si a atenção da professora e dos <strong>de</strong>mais colegas. As atitu<strong>de</strong>s da<br />

professora variavam entre indiferença ou castigos, o que acabava apenas reforçando as agressões entre as<br />

crianças.<br />

Os castigos variavam entre não permitir que a criança brinque no parque, ou que fique sem o<br />

futebol, ativida<strong>de</strong> esperada com ansieda<strong>de</strong> pelos meninos que ocorria na quinta-feira. Em relação às<br />

meninas a ativida<strong>de</strong> esperada era o balé, porém em nenhuma ocasião presenciei a professora proibir<br />

alguma menina <strong>de</strong> ir ao balé, mas os conflitos entre elas ocorriam com menor frequência em relação aos<br />

meninos.<br />

Essa proporcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conflitos entre meninos e meninas se perpetua <strong>de</strong>vido a i<strong>de</strong>ologia<br />

predominante principalmente entre as professoras <strong>de</strong> que o comportamento feminino se difere do<br />

masculino. Fato que causa e reproduz a partir <strong>de</strong>sse nível <strong>de</strong> ensino a diferenciação e consequentemente a<br />

perspectiva <strong>de</strong> comportamentos entre as crianças, pautando-se no gênero a que pertence. (CARVALHO,<br />

1999).<br />

Em uma ocasião, um dos meninos que costumava bater nos colegas, levou um soco <strong>de</strong> uma garota,<br />

ele não contou à professora que tinha apanhado, pois sabia que precisaria confessar ter sido ele o primeiro<br />

a agredir a colega.<br />

A atuação da professora nesse caso foi <strong>de</strong> omissão em relação ao conflito, pois além <strong>de</strong> não<br />

proporcionar nenhum diálogo em relação ao ocorrido ainda afirmou que a atitu<strong>de</strong> da garota estava correta,<br />

já que quem bate muito um dia apanha.<br />

Notei que a turma conhece as regras <strong>de</strong> convivência e que estas por sua vez foram impostas pela<br />

professora e aquele que não as segue é frequentemente <strong>de</strong>latado pelos amigos. Quando surge alguma<br />

<strong>de</strong>núncia da turma por parte <strong>de</strong>ste colega em raras ocasiões procura se explicar, pois já está ciente <strong>de</strong> seu<br />

erro.<br />

Na escola particular <strong>de</strong> Educação Infantil, os conflitos representam um problema maior, <strong>de</strong>vido ao<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 182


fato <strong>de</strong> que duas crianças são portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência mental. Uma <strong>de</strong>las é portadora da síndrome <strong>de</strong><br />

Asperger e a outra da síndrome <strong>de</strong> Down.<br />

Essas duas crianças pertencem à turma <strong>de</strong> Pré I, a criança com Down não proporciona qualquer<br />

problema às ativida<strong>de</strong>s da turma. No entanto, a criança com Asperger apresenta muitas vezes um<br />

comportamento agressivo, principalmente em relação à professora e a estagiária que acompanha a turma.<br />

Já em relação às outras crianças, seu comportamento se modifica, pois procura ficar perto <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas crianças abraçando e beijando, o que representa um problema, já que as crianças não o<br />

querem por perto a todo instante.<br />

A atitu<strong>de</strong> da professora, no que diz respeito ao tratamento dispensado à turma é <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito.<br />

Um exemplo é o tom irônico que usa ao falar com as crianças, quando questionada por elas sobre as<br />

rotinas ou exercícios propostos.<br />

Outro exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito, que po<strong>de</strong> até mesmo ser consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> violência, ocorreu em uma<br />

situação em que um dos meninos do Pré I foi agredido com o estojo quando passava por outro que estava<br />

sentado. Ao presenciar este fato a professora afirmou que o agredido precisa revidar e como a criança<br />

<strong>de</strong>monstrou não <strong>de</strong>sejar agir <strong>de</strong>ssa forma a professora pegou a mão do agredido e bateu com o estojo na<br />

cabeça do agressor. Situação essa que se repetiu em outras ocasiões.<br />

Ao invés <strong>de</strong> utilizar os momentos <strong>de</strong> conflito como estes para falar sobre o respeito ao próximo e<br />

sobre a tolerância, ela ensinou a criança a nutrir o sentimento <strong>de</strong> vingança, o que proporcionou<br />

humilhação e raiva.<br />

Outra característica observada em relação ao tratamento da professora em relação à turma é a<br />

questão da preferência por <strong>de</strong>terminadas crianças. A preferência pelas meninas <strong>de</strong>monstra, com clareza, a<br />

perspectiva <strong>de</strong> gênero, alguns meninos são inclusive sempre culpabilizados por tudo o que acontece.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Nas duas escolas pesquisadas, o constante uso dos castigos ou das recompensas reforça a<br />

heteronomia e o egocentrismo das crianças, pois influenciadas pelo autoritarismo e imposição das regras<br />

pelos professores (as) não formam, nesse momento, a cooperação e solidarieda<strong>de</strong> entre elas. As<br />

consequências <strong>de</strong>ssas atitu<strong>de</strong>s autoritárias do adulto negam “[...] à criança a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />

a autodisciplina e a responsabilida<strong>de</strong>” (VINHA, 2003, p. 234).<br />

Desse modo, o ambiente, que po<strong>de</strong>ria propiciar a formação <strong>de</strong> crianças autônomas e solidárias,<br />

não contribui para isso, ao contrário, favorece a formação <strong>de</strong> crianças heterônomas e subservientes às<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 183


egras impostas pela socieda<strong>de</strong>.<br />

A postura das professoras que <strong>de</strong>veria ser a <strong>de</strong> proporcionar aos alunos o diálogo sobre os<br />

conflitos, para que as próprias crianças refletissem sobre seu comportamento e sobre a importância <strong>de</strong><br />

seguir as regras <strong>de</strong> convivência para que um ambiente <strong>de</strong> cooperação se efetive. Contudo, não foi isso que<br />

observei, já que as professoras pesquisadas não proporcionam espaços para a resolução dos conflitos em<br />

sala <strong>de</strong> aula. Esses conflitos são resolvidos, geralmente, por meio <strong>de</strong> castigos, humilhações e até mesmo<br />

<strong>de</strong> agressões físicas, as quais ocorreram na escola particular.<br />

A justiça que prepon<strong>de</strong>ra nos contextos analisados é a retributiva, especificamente, a sanção<br />

expiatória, o que não contribui para a formação do respeito mútuo e, consequentemente, da autonomia nas<br />

crianças.<br />

Porém, quando a professora <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> intervir no conflito entre os pequenos, ela permite que um<br />

"[...] clima <strong>de</strong> insegurança, raiva e ansieda<strong>de</strong>" se perpetue. Ao invés <strong>de</strong> promover "[...] sentimento <strong>de</strong><br />

amiza<strong>de</strong>, simpatia e auxílio mútuo entre as crianças, visto que a motivação para cooperar em resolução <strong>de</strong><br />

conflito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do fato <strong>de</strong> as crianças importarem-se com o relacionamento que está ameaçado"<br />

(VINHA, 2003, p.238).<br />

Tendo em vista que a escola é um dos importantes espaços <strong>de</strong> socialização, é necessário que esse<br />

ambiente proporcione às crianças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mais tenra ida<strong>de</strong>, a prática da cooperação, do respeito mútuo e<br />

da autonomia, já que é a partir <strong>de</strong>ssa fase da vida que a criança apren<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma autônoma, a valorizar<br />

os seus direitos e <strong>de</strong>veres perante a socieda<strong>de</strong>, compreen<strong>de</strong>ndo que, mesmo existindo as diferenças entre<br />

valores e opiniões, é necessário haver o respeito.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 186


O Que as Crianças e Adolescentes Pensam sobre a Violência, suas Causas e Soluções.<br />

Resumo<br />

MONTEIRO, Tamires Alves<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista –UNESP/Marília/ FAPESP<br />

SARAVALI, Eliane Giachetto<br />

Universida<strong>de</strong> estadual Pailista – UNESP/Marília<br />

tamimonteiro2@hotmail.com<br />

O presente trabalho consiste num estudo evolutivo transversal que teve como objetivo investigar as<br />

representações sobre a violência urbana elaboradas por crianças e adolescentes entre 6 a 15 anos.<br />

Participaram <strong>de</strong>ssa pesquisa 40 sujeitos, sendo 10 <strong>de</strong> seis anos, 10 <strong>de</strong> nove anos, 10 <strong>de</strong> doze anos e 10 <strong>de</strong><br />

quinze anos matriculados em duas escolas públicas, uma <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> do interior <strong>de</strong> São Paulo e outra <strong>de</strong><br />

uma cida<strong>de</strong> da gran<strong>de</strong> São Paulo, escolhidas aleatoriamente. Os resultados, até o momento, indicam que<br />

as crianças e adolescentes criam representações sobre questões sociais, em especial, a violência. Essas<br />

representações ten<strong>de</strong>m a mudar e a evoluir conforme o avanço da ida<strong>de</strong>.<br />

Palavra-Chave: Teoria piagetiana. Conhecimento social. Violência.<br />

Abstract<br />

This present work consists on a transversal evolutive study that had as aim explore the representations<br />

above the urban violence <strong>de</strong>veloped by children and adolescents among 6 to 15 years. Participated of this<br />

research 40 fellows, being 10 of six years, 10 of nine years, 10 of twelve years and 10 of fifteen years<br />

matriculated into two publics schools, one from a city of the interior of São Paulo and another from a city<br />

of the big São Paulo, chosen from interchangeably. The outcome, until this moment, indicates that the<br />

children and the adolescents create representations above social questions, in special, the violence. And<br />

that those representations tend to change and the evolutes as according to the age advance.<br />

Keywords: Piagetian theory. Social knowledge. Violence.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 187


Introdução<br />

A violência está por toda parte, em todos os setores da socieda<strong>de</strong>. Ela não tem nem sujeitos<br />

reconhecíveis, nem causas facilmente notáveis e simples <strong>de</strong> serem apontadas, perpassa as diferentes<br />

relações sociais e aparece <strong>de</strong> forma explícita nos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, principalmente na<br />

mídia televisiva. Dentro <strong>de</strong>ssa esfera notamos que o tema da violência tornou-se um dos assuntos mais<br />

preocupantes e discutidos nos últimos tempos, seja pela mídia, pelos pesquisadores ou mesmo no<br />

cotidiano <strong>de</strong> nossas casas.<br />

No entanto, apesar <strong>de</strong>ssa explosão <strong>de</strong> informações que recebemos ou relatamos sobre os atos<br />

sofridos e/ou assistidos, vemos que as crianças e adolescentes não tem uma participação ativa nesse<br />

cenário, pois não temos a prática social <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarmos suas opiniões, <strong>de</strong> ouvirmos o que esses têm a<br />

dizer. A esse respeito, Costa questiona:<br />

O que as crianças falam sobre violência? O que pensam sobre o assunto? Quais são seus<br />

sentimentos e opiniões sobre os atos violentos sofridos e/ou assistidos? [...] As crianças<br />

não são ouvidas, não temos a prática social e cultural que consi<strong>de</strong>re suas opiniões, o que<br />

acontece em suas vidas e o que pensam do que lhes ro<strong>de</strong>ia, da mesma forma no mundo<br />

acadêmico, poucas são as pesquisas realizadas consi<strong>de</strong>rando-as sujeitos capazes <strong>de</strong> serem<br />

ouvidos. (COSTA, 2000, p. 1).<br />

Essas questões também se colocam no ambiente escolar. Ouvimos nossos alunos? Sabemos o que<br />

pensam sobre o mundo? Consi<strong>de</strong>ramos suas concepções quando vamos abordar um assunto?<br />

Diante <strong>de</strong>ssa situação, observamos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pesquisar o que as crianças e adolescentes<br />

pensam sobre a violência. Abordando esta temática, o presente trabalho que aqui apresentaremos tem<br />

como finalida<strong>de</strong> mostrar alguns dados <strong>de</strong>sse estudo. Apresentaremos apenas uma parte <strong>de</strong>ssa pesquisa,<br />

que tem como objetivo analisar como as crianças e adolescentes vêem a violência, bem como as causas e<br />

soluções que propõem para esse problema.<br />

Referencial teórico<br />

A presente pesquisa fundamenta-se na teoria construtivista e interacionista <strong>de</strong> Jean Piaget (1896 –<br />

1980) a respeito da aquisição do conhecimento, partindo do pressuposto que o sujeito constrói o<br />

conhecimento e sua inteligência a partir <strong>de</strong> relações que estabelece com o meio que o cerca.<br />

Jean Piaget <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo interessou-se pelas ciências e através <strong>de</strong> sua gran<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> em<br />

tentar enten<strong>de</strong>r as questões epistemológicas envolveu-se em intermináveis estudos nas mais diversas áreas<br />

do conhecimento. Seus estudos sempre nortearam-se em cima das seguintes questões: como se origina o<br />

conhecimento? Como um sujeito passa <strong>de</strong> um patamar <strong>de</strong> conhecimento elementar para um patamar mais<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 188


avançado? Ao explicar a gênese do conhecimento negou explicações empiristas e inatistas.<br />

Tendo isso em vista, Piaget traz uma nova contribuição para explicar a gênese do conhecimento.<br />

Para isto não adota nem o empirismo e nem o inatismo, mas faz uma síntese <strong>de</strong> ambas teorias que ele<br />

apresenta como interacionista. Nesse sentido, o conhecimento não estaria nem no sujeito e nem no objeto,<br />

mas na interação <strong>de</strong>sses, ou seja, o conhecimento se daria através da ação do sujeito sobre o objeto <strong>de</strong><br />

conhecimento, esta ação entendida não só como física, mas também como uma ação mental. Segundo<br />

Piaget (1979) “a inteligência não começa, pois, nem pelo conhecimento do eu nem pelo das coisas como<br />

tais, mas pelo conhecimento <strong>de</strong> sua interação, e é ao orientar-se simultaneamente para os dois pólos <strong>de</strong>ssa<br />

interação que ela organiza o mundo, organizando a si mesma”. (p. 361).<br />

Sendo assim, a aquisição do conhecimento não ocorre <strong>de</strong> forma passiva e mecânica, pelo<br />

contrário, há uma participação ativa do sujeito na construção do conhecimento e sua inteligência, e na<br />

medida que ele interage como o meio físico e/ou social tanto po<strong>de</strong> modificar-se, como modificar o meio<br />

que o cerca.<br />

Os estudos <strong>de</strong> Piaget, como também <strong>de</strong> seus seguidores, <strong>de</strong>monstraram que nem todos os<br />

conhecimentos são da mesma natureza. Sendo assim, <strong>de</strong> acordo com o referencial teórico piagetiano há<br />

três tipos <strong>de</strong> conhecimento: o conhecimento físico, adquirido por meio da ação direta sobre os objetos,<br />

isto é, pelo processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta; o conhecimento lógico-matemático, adquirido a partir da abstração<br />

reflexiva que se origina na coor<strong>de</strong>nação das ações que o sujeito exerce sobre os objetos e o conhecimento<br />

social, cuja fonte são as pessoas, as interações e as transmissões sociais e culturais.<br />

O campo <strong>de</strong> estudo sobre a construção do conhecimento social não foi tão <strong>de</strong>senvolvido por Piaget<br />

quanto as suas pesquisas sobre o conhecimento físico e o conhecimento lógico-matemático. Todavia,<br />

pesquisadores e seguidores <strong>de</strong> sua teoria <strong>de</strong>ram continuida<strong>de</strong> e amplitu<strong>de</strong> aos estudos sobre o<br />

conhecimento social. Dentre eles po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar os trabalhos <strong>de</strong> Delval (2008, 2007, 2006, 1993,<br />

1989, 1988), Enesco (1997,1996, 1995), Denegri (2005, 2003, 1998) <strong>de</strong>ntre outros que tornaram-se<br />

referências mundiais paras as pesquisas sobre o conhecimento social.<br />

Em relação ao conhecimento social, esse tem como fonte as pessoas, as interações e transmissões<br />

sociais e culturais. Assim como os dois últimos conhecimentos citados, o conhecimento social também é<br />

construído a partir da ação do sujeito sobre o objeto <strong>de</strong> conhecimento, no entanto, este objeto seria o<br />

mundo que cerca a criança, com suas normas, valores etc. Em relação ao conhecimento social, Denegri<br />

afirma:<br />

É evi<strong>de</strong>nte que este tipo <strong>de</strong> conhecimento não é somente social no que se refere ao seu<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 189


objeto, mas também é social no que se refere à sua gênese e <strong>de</strong>senvolvimento. Todo<br />

conhecimento social origina-se e é sustentado na inserção em um meio social,<br />

<strong>de</strong>senvolve-se em contato com um “outro” e incorpora em seus conteúdos o discurso<br />

social do grupo <strong>de</strong> referência. Isso não significa negar o trabalho <strong>de</strong> construção pessoal<br />

que cada indivíduo realiza a partir <strong>de</strong> seus próprios instrumentos intelectuais e afetivos,<br />

mas também, vale <strong>de</strong>stacar, a constante interação entre os processos pessoais e os<br />

processos sociais. (DENEGRI, 1998, p. 44).<br />

Nesse sentido, Delval afirma que todo conhecimento é social em sua origem, pois a construção do<br />

“conhecimento só é possível vivendo em socieda<strong>de</strong> e compartilhando o conhecimento com os outros”<br />

(DELVAL, 2007, p. 17).<br />

Pesquisadores como Delval e seus colaboradores trouxeram gran<strong>de</strong>s avanços nos estudos a<br />

respeito do conhecimento social, mostrando que o sujeito não constrói suas representações <strong>de</strong> mundo <strong>de</strong><br />

forma passiva através das transmissões sociais e pressões do meio, mas que é necessário um trabalho<br />

individual e ativo <strong>de</strong> reconstrução <strong>de</strong>ssas informações que ele recebe do meio, além disso, a criança<br />

constrói suas crenças muitas antes <strong>de</strong> receber informações que os adultos lhe dão. Em relação a isso,<br />

Delval afirma:<br />

Pero el hecho <strong>de</strong> que el conocimiento sea social, <strong>de</strong> que otros lo posean e intenten<br />

transmitírnoslo, <strong>de</strong> que sea compartido, no quiere <strong>de</strong>cir que se adquiera por copia o<br />

transmisión verbal <strong>de</strong> lo que los otros saben. El sujeto que adquiere un conocimiento no<br />

se limita a adquirir lo que otro sabe, sino que lo tiene que reconstruir. De otro modo no se<br />

podría explicar que las concepciones <strong>de</strong> la sociedad <strong>de</strong> sujetos <strong>de</strong> distintas eda<strong>de</strong>s difieran<br />

mucho entre ellas y difieran <strong>de</strong> las <strong>de</strong> los adultos, y en cambio se parezcan entre sujetos<br />

<strong>de</strong> parecida edad que viven en diferentes países o culturas. (DELVAL, 2007, p. 17)<br />

Sendo assim, esses pesquisadores afirmam que as crianças não assimilam passivamente as<br />

informações provenientes do meio que as cerca, mas realizam um trabalho árduo e gradual na construção<br />

<strong>de</strong> seu conhecimento e do seu conhecimento social. A esse respeito, Delval afirma que:<br />

Durante su período <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarrollo el niño va formando una representación <strong>de</strong> los distintos<br />

aspectos <strong>de</strong> la sociedad en la que vive y, aunque esa representación esta socialmente<br />

<strong>de</strong>terminada, no es el producto <strong>de</strong> la influencia <strong>de</strong> los adultos sino el resultado <strong>de</strong> una<br />

actividad constructiva a partir <strong>de</strong> elementos fragmentarios que recibe y selecciona <strong>de</strong> tal<br />

manera que el niño realiza una tarea personal que no se parece en nada a una asimilación<br />

pasiva. (DELVAL, 1989, p. 245).<br />

Assis (2003) explica que o conhecimento social consiste num conjunto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias que permite aos<br />

sujeitos o conhecimento <strong>de</strong> si mesmo, das outras pessoas e do mundo que os cerca.<br />

De acordo com Enesco et al (1995) os temas estudados <strong>de</strong>ntro do conhecimento social são:<br />

1 – O conhecimento do eu e dos outros (conhecimento psicológico ou pessoal)- Refere-se ao<br />

conhecimento que se tem das outras pessoas e <strong>de</strong> nós mesmos (sujeitos com sentimentos, emoções,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 190


intenções, etc).<br />

2 – As relações interpessoais - Refere-se as formas <strong>de</strong> relação que ocorrem entre as pessoas.<br />

3 – Os papéis sociais - Trata-se daquilo que se espera socialmente <strong>de</strong> um indivíduo em<br />

<strong>de</strong>terminadas situações.<br />

4 – As normas que regulam a conduta das pessoas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um grupo social - Estão diretamente<br />

relacionadas com os papéis e po<strong>de</strong>m regular condutas referentes ao respeito pelo outro ou aspectos<br />

concretos do funcionamento <strong>de</strong> um grupo, como por exemplo, a pontualida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>-se, portanto,<br />

distinguir tais normas entre as <strong>de</strong> natureza moral e as normas convencionais.<br />

5 – O funcionamento e a organização da socieda<strong>de</strong> (econômico, social, etc.) - Engloba os quatros<br />

anteriores, uma vez que compreen<strong>de</strong>r como funciona e como está organizada nossa socieda<strong>de</strong> implica<br />

conhecer como estão relacionados os aspectos pessoais, morais, os papéis, as normas em nossa vida etc.<br />

Objetivos<br />

O objetivo geral <strong>de</strong>sse trabalho é investigar quais são as i<strong>de</strong>ias a respeito da violência encontradas<br />

em crianças e adolescentes entre 06 e 15 anos.<br />

Objetivos Específicos:<br />

I<strong>de</strong>ntificar como ocorre a construção do conhecimento social a respeito da violência em diferentes<br />

momentos do <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Verificar se as i<strong>de</strong>ias sobre a violência se modificam conforme a ida<strong>de</strong> dos sujeitos.<br />

Analisar as características específicas das i<strong>de</strong>ias dos sujeitos sobre a violência ao longo do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Contribuir para a compreensão dos processos percorridos pelas crianças e adolescentes para a<br />

construção do conhecimento social.<br />

Metodologia<br />

Para a coleta <strong>de</strong> dados da presente pesquisa, foram utilizadas entrevistas baseadas no método<br />

clínico-crítico piagetiano que tem por característica os <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong> uma questão em outras não<br />

programadas. As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas e tiveram como<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 191


oteiro questões ligadas à violência. Também foram utilizadas uma proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho e a apresentação<br />

<strong>de</strong> um curta-metragem em formato <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho animado envolvendo o tema da violência.<br />

Participaram <strong>de</strong>ssa pesquisa 50 40 sujeitos entre 06 e 15 anos matriculadas em duas escolas<br />

públicas, sendo uma <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> do interior <strong>de</strong> São Paulo e outra <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> da gran<strong>de</strong> São Paulo,<br />

escolhidas aleatoriamente.<br />

A primeira parte do trabalho, após a seleção dos sujeitos, consistiu na aplicação <strong>de</strong> entrevistas semi-<br />

estruturadas aos participantes mediante questões que tiveram como temática a violência. O objetivo foi<br />

<strong>de</strong> analisar as i<strong>de</strong>ias que os participantes têm sobre o assunto.<br />

Em um segundo momento, foi pedido aos participantes que elaborassem um <strong>de</strong>senho numa folha<br />

dividida ao meio: numa meta<strong>de</strong> os sujeitos <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>senhar uma pessoa que sofre violência e na<br />

outra meta<strong>de</strong> uma pessoa que não a sofre. Este instrumento teve como objetivo analisar como as<br />

crianças e os adolescentes representam, por meio <strong>de</strong> expressões gráficas, situações <strong>de</strong> violência e não-<br />

violência.<br />

A terceira parte do trabalho consistiu na apresentação do curta “Jones e Lisa” da coletânea<br />

“Direitos do Coração”. Este curta apresenta a história <strong>de</strong> duas crianças que vivem em um morro carioca e<br />

que passam por diversos tipos <strong>de</strong> violência, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a pobreza até o trabalho infantil. O objetivo <strong>de</strong>sse<br />

instrumento foi analisar como os sujeitos interpretam esse filme e se conseguiam percebem os vários tipos<br />

<strong>de</strong> violência que nele se apresenta.<br />

Até o momento os dados foram coletados e iniciamos a análise dos resultados. Tal análise<br />

preten<strong>de</strong> avaliar e i<strong>de</strong>ntificar as interpretações das respostas dadas pelas crianças e adolescentes,<br />

buscando compreen<strong>de</strong>r os níveis <strong>de</strong> compreensão da realida<strong>de</strong> social dos sujeitos participantes.<br />

Desenvolvimento<br />

A seguir apresentaremos alguns dos dados obtidos nesse estudo, referentes somente ao primeiro<br />

instrumento da pesquisa: a entrevista.<br />

Entrevista – HUG (6;8)<br />

Em que cida<strong>de</strong> você mora? Marília. E o que você acha <strong>de</strong> Marília? Que ela é muito boa. E por<br />

que você acha isso? Porque ela é boa para morar. Por que é bom para morar? Porque essa cida<strong>de</strong> é<br />

muito calma. E tem alguma coisa aqui que você não gosta? Faz sinal <strong>de</strong> negativo com a cabeça. E o que<br />

50 Projeto <strong>de</strong> iniciação científica aprovado pelo Comitê <strong>de</strong> Ética em Pesquisa da FFC/UNESP – Marília/SP processo nº.<br />

0163/2009.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 192


você acha <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>? Não sei. Você conhece São Paulo? Faz sinal <strong>de</strong> positivo com a cabeça.<br />

Você já foi lá? Não, mas minha mãe já me falou <strong>de</strong> lá. E o que você acha <strong>de</strong> lá? Que é uma cida<strong>de</strong><br />

também boa. Por que você acha isso? Também lá é muito calmo. Por que você acha que lá é calmo?<br />

Não sei. E você já ouviu falar <strong>de</strong> violência? Faz sinal <strong>de</strong> positivo com a cabeça. On<strong>de</strong> você ouviu falar?<br />

Na televisão. E o que você ouviu na TV? Que o crime não po<strong>de</strong> mais ser feito. Por que o crime não<br />

po<strong>de</strong> ser mais feito? Porque é muita violência. E o que é violência? É brigar com a polícia. E o que<br />

mais? Eu não sei mais. Quando eu falo para você a palavra violência, qual é a primeira coisa que você<br />

pensa? Para parar <strong>de</strong> fazer crime. Por que você pensa isso? Porque aí a cida<strong>de</strong> nunca mais vai ser<br />

calma. Por quê? Porque vai ter muita violência. E você já viu alguma violência? Já, na casa da minha<br />

vó. O que você viu lá? Um ladrão tentando roubar o carro do meu vó. E o que você acha da<br />

violência? Que não po<strong>de</strong> mais ser feita. Por que você acha isso? Não sei. E por que será que a violência<br />

existe? Também não sei. E será que tem um jeito <strong>de</strong> acabar com a violência? Acho que dá. E como?<br />

Tendo mais polícia, um pouco <strong>de</strong> ladrão, porque tem muito ladrão e pouca polícia. E como a gente<br />

faz para acabar com a violência? Por mais polícia.<br />

Entrevista – DAN (9;8)<br />

DAN, em que cida<strong>de</strong> você mora? Marília. E o que você acha <strong>de</strong> Marília? Legal. Por que? Porque<br />

tem bastante amigo e é perto das coisas que a gente quer. Que coisas? Perto das lojas. E tem alguma<br />

coisa aqui que você não gosta. Faz sinal negativo com a cabeça. E o que você acha <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>? É cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tem as coisas que a gente quer, e a cida<strong>de</strong> pequena quase não tem, ai tem<br />

que ir para outras cida<strong>de</strong>s. Assim como São Paulo, você conhece São Paulo? Sim, eu morei lá. E o que<br />

você acha? Legal também, mas não podia sair para rua. Por que? Porque eu morava em um bairro<br />

que tinha bastante ladrão, só que não na favela. E o que os ladrões faziam? Roubava, fumava<br />

maconha, essas coisas, nem podia sair para rua, ainda bem que meus amigos era tudo vizinho. E<br />

você já ouviu falar <strong>de</strong> violência? Já, estou fazendo até o PROERD 51 . E on<strong>de</strong> você ouviu falar <strong>de</strong><br />

violência com exceção do PROERD? Quase nada. Quase não ouvi. E o que você ouviu falar? É que<br />

não po<strong>de</strong> ir com essas coisas <strong>de</strong> violência, senão a gente vai acabar caindo também. Como assim?<br />

Não sei muito bem explicar. O que você ouviu no PROERD? Da violência... A gente estava estudando<br />

mais o cigarro. E o cigarro é uma violência? É po<strong>de</strong> fazer como uma violência, mais ou menos,<br />

porque po<strong>de</strong> ficar doidão. E se ficar doidão o que acontece? Ah! Que você po<strong>de</strong> acabar indo preso ou<br />

morrer. E o que é violência? É ficar batendo no outro, batendo até na prisão. E quando eu falo para<br />

você a palavra violência, qual é a primeira coisa que vem na sua cabeça? Eu penso em morte, morte <strong>de</strong><br />

bater, matar com arma. Isso. E o que você acha da violência? Muito ruim. Por que? Ruim por causa<br />

51 O Programa Educacional <strong>de</strong> Resistências as Drogas (PROERD) é um projeto <strong>de</strong> caráter preventivo realizado pela polícia<br />

militar com alunos <strong>de</strong> 5ª e 7ª série <strong>de</strong> escolas públicas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 193


que tem... Ainda bem que não tem muitas pessoas violentas. Por que? Por causa que... A gente tem<br />

que ensinar criança e adulto para não ser violento. Ah! Não sei explicar. Você falou que acha ruim,<br />

por que? Por causa que faz mal a ele e para os outros. Por que faz mal para ele, em que sentido você<br />

fala? Para ele porque se ele matar alguém vai prejudicar ele e a outra pessoa. Porque tira a vida <strong>de</strong><br />

um e ele não ganha nada com isso. Você já viu alguma violência? Só na televisão. O que você viu? Vi<br />

muitas pessoas correndo <strong>de</strong> ladrões, explosões que os bandidos fazem. E por que será que a violência<br />

existe? Vixi eu não sei não. Será que tem um jeito <strong>de</strong> acabar com a violência? É muito difícil porque<br />

tem muitas gente, meta<strong>de</strong> e meta<strong>de</strong>. Como assim? É meta<strong>de</strong>, porque tem bastante gente violenta, só<br />

que a maioria não gosta <strong>de</strong> violência, eu não sei como explicar. O que você imagina que po<strong>de</strong> ser feito<br />

para acabar com a violência? Não sei muito bem não. Ah! Incentivar eles aí não fazer mais violência,<br />

não prejudicar.<br />

Entrevista – BEA (11;9)<br />

Em que cida<strong>de</strong> você mora? Poá. E o que você acha daqui? Uma cida<strong>de</strong> boa. Por que você acha<br />

isso? Ali on<strong>de</strong> eu moro é bom, mas aqui para cima tem mais violência. Por quê? Por causa dos ‘nóias’. O<br />

que é isso? Ah! Tem gente que trabalha e usa droga, maconha, esses negócios. Mas tem gente que não<br />

trabalha e usa essas coisas também. Mas quem é o nóia? Quem fuma, mas não cigarro. Mas cigarro<br />

também é uma droga. Fumar que eu falo é maconha, esses negócios. O ‘nóia’ é quem fuma essas coisas.<br />

E tem alguma coisa aqui que você não gosta? As pessoas violentas. E o que são essas pessoas bastante<br />

violentas? As que zoam. Aqui eu sou bastante zoada. Por quê? Por causa das minhas pintinhas. Eles falam<br />

que eu sou ferrugem. E o que você acha <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> maior, como o centro <strong>de</strong> São Paulo? Eu não gosto.<br />

Prefiro aqui. Por quê? Porque aqui é meu cantinho, estou aqui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando eu era criança. E você já<br />

ouviu falar <strong>de</strong> violência? Já, aqui na escola. O que você ouviu falar? Que nem hoje um menino estava me<br />

zoando e eu <strong>de</strong>i um soco nele. E isso é violência? É eu agredi ele. Você falou para mim que têm dois tipos<br />

<strong>de</strong> violência, quais são? A violência normal, a <strong>de</strong> matar e roubar. E a violência que a gente faz por<br />

besteira, ‘tipo’ roubar porque quer uma roupa. E o que é violência? Violência é quando alguém agri<strong>de</strong><br />

uma pessoa sem ela ter feito nada. Como é agredir? Bater, espancar, socar. E você já viu alguma<br />

violência? Já. E o que foi que você viu? Eu não quero falar não. Por que você não quer falar? Não quero<br />

falar sobre isso. Mas você po<strong>de</strong> falar on<strong>de</strong> foi que você viu? Posso, na rua. E por que você não quer falar?<br />

Porque foi com uma pessoa que eu gosto muito. E quando eu falo a palavra violência, qual é a primeira<br />

coisa que você pensa? Que tem que parar com isso. E o que você acha <strong>de</strong>la? Eu queria criar alguma coisa<br />

para parar com a violência, mas eu sei que também faço parte <strong>de</strong>la. Como assim? Que nem hoje eu bati<br />

no menino, isso é violência. Mas o que você acha <strong>de</strong>la? Que é uma besteira. Por quê? Sei lá. E por que<br />

será que a violência existe? Não sei. E será que tem um jeito <strong>de</strong> acabar com ela? A gente tem que<br />

comunicar as pessoas, falar para elas pararem. E como a gente faz isso? A gente po<strong>de</strong> falar para as<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 194


pessoas que vai ter uma festa e vai um cantor famoso. Aí todo mundo vai, mas o cantor não. Aí a gente<br />

fala que tem que parar com a violência. Só fazer isso e a violência acaba? Não, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das pessoas,<br />

porque tem pessoas que não respeitam. E o que tem isso? Se elas não respeitam a violência não acaba,<br />

todo mundo tem que respeitar.<br />

Entrevista – ACM (15;1)<br />

Em que cida<strong>de</strong> você mora? Nova Poá, Poá. E que você acha daqui? Eu acho uma cida<strong>de</strong> bem<br />

tranqüila. Eu gosto <strong>de</strong> morar aqui. Quando eu vou para outros lugares eu acho muita correria, o<br />

povo tem muita pressa e não presta atenção no que fazem. Eu gosto <strong>de</strong> morar aqui. Que outros<br />

lugares seriam esses? Ah quando você vai para São Paulo, para São Miguel, na casa do meu tio, na<br />

Mooca. É muita correria, os carros não param. E tem alguma coisa aqui que você não gosta? Não, eu<br />

acho assim é legal a cida<strong>de</strong> mesmo, nunca teve nada aqui que eu não goste. Mesmo porque eu nunca<br />

precisei <strong>de</strong> muita coisa. E o que você acha <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> maior, assim como o centro <strong>de</strong> São Paulo? Ah<br />

é que eu já acostumei com aqui. Então se eu fosse para lá eu ia <strong>de</strong>morar para me acostumar, mas é<br />

legal você tem bastantes referências. Que nem quando a gente quer comprar alguma coisa em<br />

gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>, a gente tem que ir na vinte e cinco. No caso se a gente morasse lá já ia ficar bem<br />

mais perto e bem mais prático, mas é tudo questão <strong>de</strong> costume, porque se eu fosse para lá eu ia<br />

achar muito agitado, mas se a pessoa <strong>de</strong> lá vir para cá ela irá achar muito calmo. E por que você<br />

acha lá muito agitado? Ah porque lá é muita poluição sonora, muita buzina, carros andando, uma<br />

dor <strong>de</strong> cabeça. Você já ouviu falar <strong>de</strong> violência? Já. On<strong>de</strong>? Ah a gente vê direito no jornal, na<br />

internet... E você lembra o que viu recentemente? Ontem eu vi um caso <strong>de</strong> pedofilia, um professor que<br />

foi baleado na escola, mas a maioria é assassinato. E o que é violência? Violência é tudo que... Aí<br />

essa pergunta é difícil. É assim eu não encaro violência como aquele negócio assim eu vou chegar<br />

em você e vou bater, é tudo que diz respeito a uma pessoa. Me explica melhor isso? Assim por<br />

exemplo, se eu fizer uma coisa para você e você não gostar eu não preciso te bater para ser<br />

consi<strong>de</strong>rado uma violência. Só o fato <strong>de</strong> eu fazer e você não gostar já é um <strong>de</strong>srespeito que está<br />

sendo encaminhado para a violência. Porque se eu for falar uma coisa para você e você não gostar,<br />

naturalmente você vai falar uma coisa para mim que eu também não vou gostar. E aí já começa<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo a violência, não necessariamente que esse <strong>de</strong>bate seja uma violência, mas é o início.<br />

Existe mais um tipo <strong>de</strong> violência ou tem só uma? Eu acho que existem vários tipos. Você po<strong>de</strong> me citar<br />

algumas? Eu acho que assim violência <strong>de</strong> você conversar e xingar seria uma. Violência <strong>de</strong> você bater<br />

seria outra. E violência totalmente diferente seria outra <strong>de</strong> você chegar e matar outra pessoa e<br />

cometer um crime. E você já viu alguma violência? Ah nunca vi não. Eu só essas brigas que tem na<br />

porta da escola. Violência mesmo eu nunca vi não. Mas essas brigas são ou não violência? Não é<br />

violência, são só uns “puxãozinhos” <strong>de</strong> cabelo e <strong>de</strong>pois separa, nada <strong>de</strong>mais. E quando eu falo para<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 195


você a palavra violência, qual é a primeira coisa que você pensa? Briga. E por que você pensa nisso?<br />

Porque a gente costuma consi<strong>de</strong>rar muito a agressão como violência, eu acho que é por isso. E o que<br />

você acha da violência? Eu acho que em alguns casos é <strong>de</strong>snecessária, porque dá para se conversar e<br />

se resolver. E quando ela seria necessária? Em nenhuma situação seria necessária, mas tem alguns<br />

casos que os fins justificam os meios, mas na verda<strong>de</strong> não justificam, porque nada justifica você<br />

matar uma pessoa, só que se torna compreensiva, você fala não no lugar <strong>de</strong>le eu faria a mesma<br />

coisa, mas não justifica. E em quais situações seriam compreensivas? Na situação <strong>de</strong> uma pessoa<br />

matar uma filha sua ou filho e você ter ódio daquela pessoa e você querer se vingar. Eu acho que aí<br />

sim justificaria a raiva <strong>de</strong>la, mas não a forma que ela matou a outra pessoa que matou a filha <strong>de</strong>la,<br />

porque na verda<strong>de</strong> ela está gerando uma outra violência. E por que será que a violência existe? Por<br />

que a gente pensa diferente, a gente tem sentimentos diferentes, coisas diferentes. E também vai<br />

muito da pessoa, porque às vezes eu falo alguma coisa e você não enten<strong>de</strong>... Eu acho que são pessoas<br />

<strong>de</strong>spreparadas para lhe dar umas com as outras. E será que um jeito <strong>de</strong> acabar com ela? Eu acho que<br />

não, porque mais que você acabe sempre vai ter uma pessoa, pois nem todo mundo pensa igual.<br />

Sempre vai ter uma pessoa que vai ser do contra. Por isso que eu acho que nunca vai acabar.<br />

Conclusão<br />

O objetivo central do nosso estudo era <strong>de</strong> analisar o que as crianças e adolescentes pensavam<br />

sobre a violência, para isto apresentamos alguns dados <strong>de</strong>ssa pesquisa que nos dá condições <strong>de</strong> fazermos<br />

alguns apontamentos iniciais.<br />

De acordo com os estudos referentes à construção do conhecimento social a criança não é um ser<br />

passivo que apenas absorve as coisas ao seu redor, pelo contrário, elas são os sujeitos construtores <strong>de</strong> seu<br />

conhecimento. Nesse sentido, notamos que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento até sua vida adulta a criança está em<br />

constante contato e interação com o mundo que a cerca. Com isto recebe um amontoado <strong>de</strong> informações<br />

que ela recebe e seleciona <strong>de</strong> acordo com seu nível cognitivo criando assim suas próprias representações<br />

<strong>de</strong> mundo. Em relação a tal i<strong>de</strong>ia, Denegri afirma:<br />

[...] a criança constrói uma representação da organização social a partir dos elementos que<br />

são proporcionados pelos adultos, os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, as conversas, as<br />

informações que recebe na escola e nas próprias observações. No entanto, ainda que<br />

esteja imersa no mundo social <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nasce, sua experiência é peculiar e distinta da do<br />

adulto. Em primeiro lugar, trata-se <strong>de</strong> uma experiência muito mais reduzida que à do<br />

adulto e, além disso, fragmentada. Há muitas coisas e lugares aos quais não têm acesso,<br />

não participa da vida política e – ainda que esteja submetida a múltiplas restrições por<br />

parte dos adultos – ignora os <strong>de</strong>veres e direitos e como é exercida a coação e a<br />

participação social. Por outro lado, a insuficiência <strong>de</strong> seus instrumentos intelectuais ainda<br />

em <strong>de</strong>senvolvimento, impe<strong>de</strong>-na <strong>de</strong> organizar as informações que recebe e articulá-las em<br />

um sistema coerente. Assim, chega a conformar conceitualizações próprias ou teorias<br />

implícitas que são divergentes das adultas e que curiosamente, mostram gran<strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 196


semelhança entre as <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> diferentes países e meios socais. (DENEGRI, 1998, p.<br />

45).<br />

Tendo esta i<strong>de</strong>ia em vista, po<strong>de</strong>mos notar que tanto as crianças como os adolescentes criam<br />

representações sobre o mundo a sua volta, em especial sobre a violência. Além disso, com os dados<br />

apresentados po<strong>de</strong>mos também perceber que esta noção com o <strong>de</strong>correr do avanço das ida<strong>de</strong>s ten<strong>de</strong> a<br />

mudar e evoluir, ou seja, como po<strong>de</strong> ser visto nos exemplos citados, as crianças menores vêem a violência<br />

sob aspectos mais perceptíveis e concretos. Para elas violência é brigar, bater, roubar, etc. Nesse sentido,<br />

a solução para violência se daria com o aumento do policiamento e pela vonta<strong>de</strong> dos interessados em não<br />

se ter violência. Com o avanço da ida<strong>de</strong> essas representações vão se tornando mais amplas e abstratas, a<br />

violência já é vista como algo não só físico, mas também psicológico. Suas causas são cada vez mais<br />

difíceis <strong>de</strong> serem apontadas, em geral são por causa do homem que não respeita seu próximo. Diante<br />

disso a solução estaria no respeito, ou seja, cada um respeitando seu próximo, no entanto, isto não<br />

garantiria o fim <strong>de</strong>la, somente sua diminuição, pois a extinção da violência é vista pelos adolescentes<br />

como algo difícil <strong>de</strong> acontecer.<br />

Sendo assim, acreditamos que conhecer o que as crianças e adolescentes pensam sobre a violência<br />

é bastante relevante pois suas i<strong>de</strong>ias, a forma como interpretam situações envolvendo essa temática nos<br />

ajuda a conhecer como estão interpretando o mundo a sua volta. Ao conhecermos suas i<strong>de</strong>ias sobre esse<br />

assunto e como elas evoluem estaremos em melhores condições <strong>de</strong> auxiliá-los na compreensão <strong>de</strong>ssas<br />

questões e, inclusive, <strong>de</strong> abordar o tema em sala <strong>de</strong> aula, em ativida<strong>de</strong>s específicas, projetos etc. A esse<br />

respeito Saravali (1999) afirma que ao ouvirmos o que pensam as crianças, po<strong>de</strong>mos obter informações<br />

preciosas sobre seus sentimentos, percepções, concepções que muito po<strong>de</strong>m auxiliar no processo <strong>de</strong><br />

interação entre educador e aluno.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 198


A Construção do Conhecimento Social na Adolescência<br />

Resumo<br />

BRITO, Luiz Carlos Cerquinho <strong>de</strong><br />

UFAM – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Amazonas<br />

cerquinho@terra.com.br<br />

Este estudo investiga a formação e a construção do conhecimento <strong>de</strong> adolescentes a partir <strong>de</strong> seus<br />

processos <strong>de</strong> socialização e <strong>de</strong>senvolvimento intelectual e psicológico. Busca mostrar que a formação e o<br />

conhecimento dos adolescentes se efetivam segundo condições históricas, sociais e epistemológicas<br />

<strong>de</strong>terminadas, as quais engendram formas renovadas <strong>de</strong> ações e interações dos sujeitos entre si, com o<br />

conhecimento, com a socieda<strong>de</strong>. A pesquisa toma como horizonte teórico os pressupostos teóricos da<br />

<strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genética em estreita articulação com a compreensão das Ciências Sociais<br />

acerca do tema da adolescência e da juventu<strong>de</strong>, focando os conceitos <strong>de</strong> conhecimento, cotidiano, sujeito<br />

epistemológico e sociológico, relação indivíduo socieda<strong>de</strong>, relações escola, sujeito, conhecimento e<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

Palavras-Chave: Socialização. Desenvolvimento. Conhecimento. Formação.<br />

Abstract<br />

This study investigates children and adolescents' formation and construction of knowledge starting from<br />

their psychological and intelectual <strong>de</strong>velopment as well as their socialization processes. It attempts to<br />

<strong>de</strong>monstrate that adolescents formation and knowledge are effected according to specific historical social<br />

and epistemological conditions which engen<strong>de</strong>r renewed forms of the subjects' actions and interactions<br />

with knowledge and society. Having socialization and <strong>de</strong>veloplment as key categories, the theoretical<br />

horizons of Epistemological Genetics, Psichology and Social Sciencies are articulated starting from the<br />

concepts of knowledge, sociological and epistemological knowledge, the relation between individual and<br />

society and the relations between subject, school, knowledge and society.<br />

Keywords: Socialization. Development. Social knowledge. Formation.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 199


Introdução<br />

Nas últimas décadas verificam-se mudanças significativas nas interações, nas manifestações e no<br />

conhecimento dos adolescentes e jovens, pondo em evidência novas “re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> socialização”, paralelas,<br />

articuladas ou em oposição às regras e aos padrões sociais do universo adulto.<br />

Tanto para a família, como para os profissionais da educação escolar, psicólogos e sociólogos,<br />

esta realida<strong>de</strong> impõe <strong>de</strong>safios, especialmente <strong>de</strong> saber como ocorre a socialização e a construção do<br />

conhecimento dos sujeitos adolescentes. Compreen<strong>de</strong>r este processo exige a superação das “tradicionais”<br />

dualida<strong>de</strong>s entre a socialização e o <strong>de</strong>senvolvimento humano, os quais têm sido compreendidos <strong>de</strong> modo<br />

dicotômico, separando as dimensões epistemológicas, psicológicas e sociais na formação dos sujeitos.<br />

Neste artigo, tratamos a formação dos adolescentes como processo imbricado a socialização que<br />

se efetiva na vida social e aos processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. Em conjunto tais dimensões<br />

produzem estilos cognitivos, perceptivos e manifestações próprias <strong>de</strong>sses sujeitos na vida social.<br />

Nossa proposta se dirigiu para compreen<strong>de</strong>r e explicitar os mecanismos <strong>de</strong> construção do<br />

conhecimento social, tomando como referência a dialética operada nos mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do sujeito em face <strong>de</strong> suas interações sociais e com a cultura, das suas noções sociais, enten<strong>de</strong>ndo que a<br />

partir <strong>de</strong>ssa compreensão po<strong>de</strong>remos refletir sobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>stes sujeitos através<br />

da educação. Para tanto foram estruturados dois itens, o primeiro tratando da visão abrangente da<br />

formação do sujeito e, o segundo, tratando dos mecanismos sociais, epistemológicos e psicológicos<br />

relativos ao <strong>de</strong>senvolvimento e a socialização dos adolescentes.<br />

No sentido <strong>de</strong> tratar a imbricação entre o <strong>de</strong>senvolvimento e a socialização do adolescente, trata-se<br />

<strong>de</strong> explicitar os sentidos específicos do conflito em relação à construção do conhecimento social.<br />

Referencial teórico<br />

Buscamos construir uma perspectiva <strong>de</strong> interpretação do processo <strong>de</strong> formação do adolescente a<br />

partir <strong>de</strong> seus mecanismos cognitivos e <strong>de</strong> suas interações na vida social, com seus pares etários, com a<br />

família, o contexto social imediato do bairro, com os conteúdos da cultura midiática. O estabelecimento<br />

das dimensões cognitivas e sociais <strong>de</strong> formação do sujeito não é nada simples, uma vez que exige<br />

tratamento cuidadoso <strong>de</strong> estruturas diferenciadas, as quais se colocam em nível endógeno e exógeno do<br />

sujeito; <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência e modos <strong>de</strong> pensar, das múltiplas intersubjetivas e com os<br />

objetos sociais, com a cultura, com os valores e o conhecimento. Todo o <strong>de</strong>senvolvimento e a<br />

socialização, vale dizer, ocorrem num “lugar” e num “momento” sociocultural e histórico em que os<br />

sujeitos vivem sua cotidianida<strong>de</strong>.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 200


Ao invés <strong>de</strong> buscar justificar o cruzamento dos campos da epistemologia e psicologia genética<br />

com o campo das ciências sociais, tornou-se premente trabalhar as formulações teóricas pari passu aos<br />

processos mesmos, das conexões entre o sujeito adolescente e seu meio físico e social, em nível da vida<br />

cotidiana e em nível dos processos <strong>de</strong> integração da adolescência ao plano da socieda<strong>de</strong>.<br />

Sob a perspectiva das ciências sociais, fundamentamos o estudo nas teorias psicossociais<br />

<strong>de</strong> Norbert Elias e Alberto Mellucci, caminhando no sentido <strong>de</strong> mostrar que as relações entre sujeito,<br />

socieda<strong>de</strong> e conhecimento estão assentadas sobre interações e processos sociais específicos e<br />

convergentes com o <strong>de</strong>senvolvimento psicossocial.<br />

Com a âncora piagetiana, tornou-se possível explicitar o processo constitutivo do<br />

pensamento enquanto estruturação endógena articulada com os significados do meio físico e social. Na<br />

perspectiva piagetiana, as correlações sujeito-objeto, sujeito-meio e sujeito-sujeito se efetivam segundo<br />

condições <strong>de</strong>terminadas pelas estruturas intelectuais, afetivas e morais, pelas quais os indivíduos agem,<br />

interagem e se <strong>de</strong>senvolvem, na estreita relação com os significados partilhados em seu meio social.<br />

Nossa hipótese é <strong>de</strong> que existe em Piaget não existe apenas uma abertura para a compreensão do social na<br />

formação do sujeito, mas, sim, que ele oferece elementos para a conexão efetiva com as ciências humanas<br />

e sociais.<br />

Na trilha <strong>de</strong> Piaget, a reflexão sobre o sujeito adolescente surge como resultado das condições<br />

pretéritas do <strong>de</strong>senvolvimento da infância, buscando mostrar a sucessiva diferenciação do sujeito na sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representar a realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> estabelecer relações ten<strong>de</strong>ntes à reciprocida<strong>de</strong> e à formação das<br />

estruturas formais e abstratas do pensamento reflexivo.<br />

Objetivos<br />

Compreen<strong>de</strong>r o processo <strong>de</strong> construção do conhecimento social a partir dos mecanismos da<br />

socialização e <strong>de</strong>senvolvimento;<br />

Articular os conceitos da epistemologia e psicologia genética com os conceitos das teorias psico-<br />

sociais na interpretação do processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> crianças e adolescentes.<br />

Metodologia<br />

O estudo é resultado <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> doutorado realizado na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul, através <strong>de</strong> investigação teoria e empírica com crianças e adolescentes na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Manaus/AM.<br />

A pesquisa teórica se constituiu pela articulação das dimensões do <strong>de</strong>senvolvimento psicológico e da<br />

formação psico-social, através da conexão dos campos da epistemologia e psicologia piagetiana com as<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 201


eferencias <strong>de</strong> teorias psico-sociais <strong>de</strong> Mellucci e Elias. A investigação empírica foi realizada através <strong>de</strong><br />

grupo focal com crianças, adolescentes, tendo realizado entrevistas e ativida<strong>de</strong>s orientadas <strong>de</strong><br />

dramatização e produção textual. O estudo apresentado se constitui no cotejamento da articulação dos<br />

campos teóricos <strong>de</strong> investigação.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento e a socialização como bases da construção do conhecimento social<br />

Para Piaget, o <strong>de</strong>senvolvimento do indivíduo humano, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento da natalida<strong>de</strong>, está<br />

ancorado num intercâmbio profundo entre as condições herdadas e as condições encontradas no meio<br />

físico e social no qual a criança e o adolescente se inserem. Conforme o cientista genebrino, é em termos<br />

<strong>de</strong> “ação” e “interação” que os indivíduos vão se distinguindo sucessivamente nos âmbitos do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da inteligência, da linguagem e da sociabilida<strong>de</strong>. Assim, na medida em que se<br />

<strong>de</strong>senvolvem, como ser biológico, simbólico, racional e social, os homens já estão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a natalida<strong>de</strong>,<br />

imersos na vida “mundana”, na partilha singularizada com outros homens, postos num mundo prenhe <strong>de</strong><br />

significados.<br />

Ao tomar a ação e a interação como os pressupostos do <strong>de</strong>senvolvimento e formação do<br />

indivíduo, Piaget faz ver que o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, a afetivida<strong>de</strong> e a socialização se constituem<br />

como processos inteiramente imbricados; efetivados pela formação <strong>de</strong> estruturas que se <strong>de</strong>sdobram dos<br />

mecanismos específicos do próprio sujeito, centrados num duplo movimento, da ação e da tomada <strong>de</strong><br />

consciência das ações realizadas. Ao explicar esse processo, centrando no <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

inteligência, Becker salienta que:<br />

Quer Piaget explique o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo pela assimilação (1936), pela<br />

equilibração (1967) ou pela abstração reflexionante (1977) a ação está, sempre, no cerne<br />

<strong>de</strong> sua explicação. Isso significa que, em termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, nada<br />

acontece ao sujeito pela <strong>de</strong>terminação exclusiva da hereditarieda<strong>de</strong> ou pela <strong>de</strong>terminação<br />

exclusiva do meio – físico ou social. Para começar, hereditarieda<strong>de</strong> e meio interferem<br />

nesse processo <strong>de</strong> forma radicalmente complementar. O meio age apenas <strong>de</strong>ntro do<br />

quadro <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s do funcionamento herdado pelo sujeito. E a hereditarieda<strong>de</strong> age<br />

apenas <strong>de</strong>ntro das possibilida<strong>de</strong>s dispostas pelo meio – físico ou social (BECKER, 2001,<br />

p. 115).<br />

Enquanto motor do <strong>de</strong>senvolvimento e da socialização do indivíduo humano, a ação é<br />

repleta <strong>de</strong> significações, referindo-se imediatamente ao impulso vital pelo qual o indivíduo estabelece<br />

trocas com o ambiente natural, social, histórico e linguístico.<br />

Ao agir, o sujeito estará sempre condicionado ao momento em que se encontra como ser particular<br />

e circunscrito no mundo da cultura e das relações humanas. É um “momento” sob duplo sentido, do<br />

sujeito e da realida<strong>de</strong>, que se imbricam e convergem no processo das interações. Na medida em que o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 202


sujeito interage com as configurações da realida<strong>de</strong>, seus processos cognitivos, seus padrões <strong>de</strong><br />

afetivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> representação e interpretação são postos em movimento, numa dinâmica em que tanto o<br />

sujeito como a realida<strong>de</strong> saem renovados, e novos conhecimentos são postos no circulo <strong>de</strong> suas<br />

interações. Nesse sentido, ao invés <strong>de</strong> ambos serem estruturas compactas, tanto o conhecimento social<br />

como o sujeito são sínteses engendradoras <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e socialização.<br />

É em termos <strong>de</strong> uma sucessiva “adaptação criadora” que Piaget sinaliza o <strong>de</strong>senvolvimento e a<br />

socialização dos indivíduos, num processo que se efetiva pela sucessiva construção e reconstrução <strong>de</strong><br />

esquemas endógenos que visam estabelecer o equilíbrio entre o indivíduo e o seu meio físico e social.<br />

Nesse caso, é uma adaptação que nada tem <strong>de</strong> mecânico e linear, não po<strong>de</strong>ndo ser entendida como<br />

a<strong>de</strong>quação, nem do indivíduo à realida<strong>de</strong> e nem <strong>de</strong>sta ao indivíduo. Como indica Delval:<br />

La adaptación no es un proceso pasivo, sino activo, lo cual quiere <strong>de</strong>cir que el organismo,<br />

al adaptarse, se está modificando, pero, a su vez, modificando el medio. El organismo no<br />

sufre la adaptación, sino que es un actor <strong>de</strong> ella. La adaptación nunca es sólo una<br />

modificación <strong>de</strong>l organismo o una sumisión <strong>de</strong> éste al medio, ya sea natural o social, sino<br />

que hay, a su vez, una modificación <strong>de</strong> ese medio en mayor o menor grado. En este<br />

aspecto se distingue el uso popular que se hace <strong>de</strong>l término adaptación y el uso en la<br />

biología (DELVAL, 1997, p. 121).<br />

No quadro teórico <strong>de</strong> Piaget, esse processo <strong>de</strong> adaptação se coloca num movimento<br />

continuo do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo 52 do indivíduo, na medida em que este busca enfrentar as tensões<br />

provocadas por necessida<strong>de</strong>s endógenas ou por tensões geradas na interação com o meio físico e social. É<br />

precisamente por esse enfrentamento que a ação se <strong>de</strong>fine como pressuposto da construção dos<br />

mecanismos cognitivos, psicológicos e afetivos do sujeito e do conhecimento. Para resolver essas tensões<br />

causadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio, o indivíduo atua com os meios os quais estruturou em situações prévias;<br />

porém, na medida em que a situação se diferencia, ele é conduzido na busca <strong>de</strong> soluções novas, tendo que<br />

reconstruir progressivamente seus esquemas <strong>de</strong> ação, formando novos esquemas que vão dando lugar a<br />

novas adaptações, ou seja, vai buscando estabelecer o equilíbrio ao mesmo tempo em que constitui seu<br />

próprio <strong>de</strong>senvolvimento intelectual (Cf. DELVAL, 1997, p. 123).<br />

Com a entrada da criança no mundo da linguagem simbólica, com a formação do símbolo,<br />

o pensamento pré-operatório se qualifica e potencializa a passagem da ação à representação, à tomada <strong>de</strong><br />

consciência e, sucessivamente, à operação, numa dinâmica em que o sujeito vai estruturando sua<br />

52 Segundo a teoria piagetiana, o <strong>de</strong>senvolvimento se <strong>de</strong>fine como equilibração progressiva das estruturas endógenas do<br />

sujeito, como passagem <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> menor equilíbrio para um estagio <strong>de</strong> maior equilíbrio. Em nível cognitivo, esse<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo po<strong>de</strong> ser caracterizado em quatro níveis ou estágios: sensório-motor, pré-operatório ou<br />

simbólico, operatório concreto e operatório formal. Todavia, estes níveis/estágios não resultam <strong>de</strong> uma teleologia ou <strong>de</strong><br />

uma exclusiva <strong>de</strong>marcação cronológica da ação e ida<strong>de</strong> do sujeito. Eles estão postos como possíveis, <strong>de</strong>finidos por um<br />

atributo dominante, or<strong>de</strong>m e sequência das aquisições, po<strong>de</strong>ndo variar em ida<strong>de</strong>; caracterizados por uma estrutura <strong>de</strong><br />

conjunto, <strong>de</strong>finidora dos comportamentos novos <strong>de</strong> cada nível e, fundamentalmente, pela integração das estruturas<br />

inferiores em estruturas superiores. (Cf. LIMA FILHO; REBOUÇAS, 1988, p. 23).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 203


inteligência, formando seu quadro afetivo e moral, adquirindo a linguagem e interagindo com as marcas<br />

<strong>de</strong>sta. A socialização 53 propriamente dita se inicia neste período, após formação do pensamento<br />

simbólico, quando a criança inicia um processo <strong>de</strong> trocas com os objetos, com as pessoas, pautado em<br />

representações. Essas representações surgem articuladas pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar uma dupla tarefa,<br />

antes impossível no período sensório-motor: distinguir significante <strong>de</strong> significado e evocar situações<br />

objetos e situações ausentes.<br />

Piaget salienta que neste processo o pensamento propriamente dito se prolonga sob a dupla<br />

influência da linguagem e da socialização. Sob o aspecto do pensamento se evi<strong>de</strong>nciam os momentos<br />

iniciais da reversibilida<strong>de</strong> 54 , acompanhada pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstituição do passado através das<br />

narrativas, substituindo as ações pretéritas pela palavra. Neste caso, a linguagem é entendida como<br />

“veículo <strong>de</strong> conceitos e noções que pertence a todos e reforça o pensamento individual com um vasto<br />

sistema <strong>de</strong> pensamento coletivo. Neste, a criança mergulha logo que maneja a palavra” (PIAGET, 1997,<br />

p. 28).<br />

O essencial <strong>de</strong> todo este processo, engendrado pelo <strong>de</strong>senvolvimento intelectual, pela<br />

aquisição da linguagem e pela socialização, é que a criança vai organizando o mundo e diferenciando<br />

sucessivamente seus modos <strong>de</strong> ação, interação, construindo a si mesmo e, em parte, a própria realida<strong>de</strong> na<br />

qual está inserida. Como sinaliza Delval:<br />

(...) el niño va aprendiendo a constituir categorías con los objetos, a clasificarnos <strong>de</strong><br />

acuerdo con sus semejanzas y a or<strong>de</strong>narlos en función <strong>de</strong> sus diferencias. Al actuar <strong>de</strong><br />

esta manera está <strong>de</strong>scubriendo los principios <strong>de</strong> los que llamamos ‘lógica’ y utilizando<br />

sus principales operaciones, las referentes a las clases y las relaciones. Lo esencial <strong>de</strong>l<br />

<strong>de</strong>sarrollo intelectual es la organización <strong>de</strong>l mundo, construyendo una imagen suya, y al<br />

mismo tiempo la construcción paralela <strong>de</strong> los procedimientos para organizarlo, que<br />

constituyen lo que enten<strong>de</strong>mos por la inteligencia. El mundo va cobrando un sentido cada<br />

vez mas preciso y paralelamente aumenta las posibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> actuar sobre él (DELVAL,<br />

1997, p. 311).<br />

53 O conceito <strong>de</strong> socialização é bastante diversificado e complexo, e envolve diferentes abordagens, biológicas, sociológicas,<br />

culturais e antropológicas. Na sociologia, Durkheim é o primeiro a utilizar o termo, se referindo ao processo <strong>de</strong><br />

transmissões culturais, <strong>de</strong> normas e valores <strong>de</strong> uma geração adulta para as gerações mais novas, aproximando o conceito <strong>de</strong><br />

socialização do significado <strong>de</strong> educação. No entendimento aqui adotado, tomamos socialização com dois sentidos.<br />

Primeiro, como processo pelo qual o indivíduo interage socialmente, internaliza e constrói as noções sociais, relativas ao<br />

convívio, interações, padrões morais e modos <strong>de</strong> interpretação da realida<strong>de</strong>. Segundo, como processo <strong>de</strong> formação do<br />

indivíduo humano, como aprendizagem social efetivada no curso da infância e da adolescência, quando se cruza com a<br />

noção <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, como forma característica das interações adultas. Para a formulação <strong>de</strong>ste entendimento tomamos<br />

as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Piaget (1997), Martins (2000), Zaluar (1985), e Berger e Luckmann (1985).<br />

54 Na epistemologia genética piagetiana, a noção <strong>de</strong> reversibilida<strong>de</strong> está relacionada à capacida<strong>de</strong> cognitiva <strong>de</strong> encontrar ou<br />

fazer referências a estados, situações e esquemas prévios, <strong>de</strong> voltar ao passado sem per<strong>de</strong>r as amarras com o presente,<br />

colocando-se como mecanismo lógico recursivo, implicando a noção <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong>. Estruturalmente, apresenta-se sob<br />

duas formas básicas: a) inversão (negação) – anulação <strong>de</strong> uma operação: o produto da operação direta; e o seu inverso é<br />

uma operação nula idêntica; e b) reciprocida<strong>de</strong> (compensação) – é a anulação <strong>de</strong> uma diferença: o produto <strong>de</strong> duas<br />

operações recíprocas é uma equivalência e não uma operação nula (Cf. LIMA FILHO E REBOUÇAS, 1988, p. 23).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 204


Isso significa afirmar que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as fases iniciais da infância, a socialização estará imbricada ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da inteligência, e, ainda, aos processos da formação moral e da afetivida<strong>de</strong>. As<br />

transformações das ações provenientes do início da socialização não tem importância apenas para a<br />

inteligência e para o pensamento, mas repercutem também profundamente na vida afetiva (PIAGET,<br />

1997, p. 36).<br />

É especialmente nas trocas afetivas com os outros, com os sentimentos e os significados<br />

nos quais essas trocas estão imersas, que a criança vai se inserindo no mundo da cultura e das relações<br />

humanas, mo<strong>de</strong>lando suas estruturas psíquicas, seus modos <strong>de</strong> interpretação e ações sociais. Com sua<br />

perspectiva sociológica interacionalista, Norbert Elias salienta que é justamente através <strong>de</strong>stas relações<br />

que a criança a<strong>de</strong>ntra no mundo adulto.<br />

Ao nascer, cada indivíduo po<strong>de</strong>r ser muito diferente, conforme sua constituição natural.<br />

Mas é apenas na socieda<strong>de</strong> que a criança pequena, com suas funções mentais maleáveis e<br />

relativamente indiferenciadas, se transforma num ser mais complexo. Somente na relação<br />

com outros seres humanos é que a criatura impulsiva e <strong>de</strong>samparada que vem ao mundo<br />

se transforma na pessoa psicologicamente <strong>de</strong>senvolvida que tem o caráter <strong>de</strong> um<br />

indivíduo e merece o nome <strong>de</strong> ser humano adulto. Isolada <strong>de</strong>ssas relações, ela evolui, na<br />

melhor das hipóteses, para a condição <strong>de</strong> um animal humano semi-selvagem. Po<strong>de</strong><br />

crescer fisicamente, mas, em sua composição psicológica, permanece semelhante a uma<br />

criança pequena. Somente ao crescer num grupo é que o pequeno ser humano apren<strong>de</strong> a<br />

fala articulada. Somente na companhia <strong>de</strong> outras pessoas mais velhas é que, pouco a<br />

pouco, <strong>de</strong>senvolve um tipo específico <strong>de</strong> sagacida<strong>de</strong> e controle dos instintos. E a língua<br />

que apren<strong>de</strong>, o padrão <strong>de</strong> controle instintivo e a composição adulta que nele se<br />

<strong>de</strong>senvolve, tudo isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da estrutura do grupo em que ele cresce e, por fim, <strong>de</strong> sua<br />

posição nesse grupo e do processo formador que ela acarreta (ELIAS, 1994, p. 27).<br />

Quando se <strong>de</strong>param com as diversas marcas produzidas pela cultura, sejam marcas escritas,<br />

imagens ou audiovisuais, os adolescentes já produziram, e estão produzindo suas próprias marcas, através<br />

das ativida<strong>de</strong>s nas quais estruturam seus próprios esquemas <strong>de</strong> assimilação e interpretação dos objetos<br />

simbólicos e culturais.<br />

Para alcançar a compreensão analítica entre as marcas escritas e a língua oral, é<br />

necessária essa ativida<strong>de</strong> estruturante do sujeito que Piaget <strong>de</strong>screveu em outros domínios<br />

do conhecimento [especialmente nos domínios do conhecimento físico e lógicomatemático].<br />

É essencial também receber informação específica, só que essa informação<br />

será assimilada pelo sujeito em <strong>de</strong>senvolvimento em seus esquemas conceituais. E é<br />

necessária uma prolongada interação com o objeto a ser construído, um objeto que não<br />

existe no vazio. As superfícies que a cultura construiu para serem portadores <strong>de</strong> marcas<br />

escritas têm nome e função: chamam-se jornais, livros, calendários, documentos <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação, dicionários, anúncios, embalagens <strong>de</strong> alimentos ou remédios, placas com<br />

nomes <strong>de</strong> ruas, indicações para veículos e pe<strong>de</strong>stres, propaganda comercial... A lista é<br />

muito longa (FERREIRO, 2001, p. 11).<br />

Isso significa dizer que os próprios traços da personalida<strong>de</strong> e a formação das noções sociais do<br />

adolescente não aparecem num vazio <strong>de</strong> relações; eles são, em verda<strong>de</strong>, o produto <strong>de</strong> uma socialização<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 205


passada e, <strong>de</strong> igual modo, da forma das relações sociais através das quais estes traços são mobilizados e<br />

atualizados pelo próprio sujeito, através dos quais a criança apren<strong>de</strong> a dizer “nós” e a agir com relativa<br />

diferenciação e coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista seus e dos outros; através dos quais o adolescente se<br />

manifesta e produz cultura na socieda<strong>de</strong> contemporânea.<br />

As relações sociais etárias adquirem, assim, uma importância ímpar no processo <strong>de</strong> socialização,<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e humanização do próprio sujeito, o qual vai construindo suas marcas próprias,<br />

formando sua individualida<strong>de</strong>, a partir da história <strong>de</strong>ssas relações e da inter<strong>de</strong>pendências que estabelece<br />

com os mais velhos. Quando se tornar adolescente e adulto, a história <strong>de</strong>ssas relações estará presente nele<br />

e serão representadas por ele, como sinaliza Elias, “quer ele esteja <strong>de</strong> fato em relação com outras pessoas<br />

ou sozinho, quer trabalhe ativamente numa gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong> ou seja um náufrago numa ilha a mil milhas da<br />

socieda<strong>de</strong>. Também Robison Crusoé traz a marca <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> específica, <strong>de</strong> uma nação e uma<br />

classe específicas” (ELIAS, 1994, p. 31).<br />

Desse modo, o próprio processo <strong>de</strong> individuação, <strong>de</strong> formação do eu, vai sendo construído<br />

através das/nas interações, abrangendo tanto os recursos da criança como os recursos externos, postos<br />

pelos meios físico, cultural e social, os quais são engendrados na teia <strong>de</strong> significações que se configuram<br />

em suas relações interindividuais. Assim, tanto a humanização da criança e do adolescente como o seu<br />

tornar-se adulto são <strong>de</strong>finidos socialmente pela sua imersão permanente em um mundo simbólico e em<br />

um processo sociocultural contínuo <strong>de</strong> dar e criar sentidos, <strong>de</strong> construir suas marcas próprias, seja na<br />

configuração <strong>de</strong> sua psique, do seu quadro afetivo, dos modos <strong>de</strong> estabelecer relações, seja na formação<br />

<strong>de</strong> estilos cognitivos próprios.<br />

Neste sentido, no que diz respeito às condutas e ao conhecimento e esquemas nelas implícitos,<br />

<strong>de</strong>staca-se a profunda imbricação dos processos cognitivos e afetivos com o âmbito da cultura e das<br />

relações sociais. Como evi<strong>de</strong>ncia ainda Damásio,<br />

(...) muito embora a cultura e a civilização surjam do comportamento <strong>de</strong> indivíduos<br />

biológicos, esse comportamento teve origem em comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> indivíduos que<br />

interagiam em meios ambientes específicos. A cultura e a civilização não po<strong>de</strong>riam ter<br />

surgido a partir <strong>de</strong> indivíduos isolados e, portanto, não po<strong>de</strong>m ser reduzidas a<br />

mecanismos biológicos e ainda menos a um subconjunto <strong>de</strong> especificações genéticas. A<br />

compreensão <strong>de</strong>sses fenômenos requer não só a biologia e a neurobiologia, mas também<br />

as ciências sociais (1996, p.153).<br />

Na análise piagetiana, os processos <strong>de</strong> transmissão cultural, <strong>de</strong> normas, regras e valores, estão<br />

assentados justamente na imbricação entre estas distintas dimensões, fazendo ver que as noções sociais e<br />

o conhecimento disponível ao sujeito não po<strong>de</strong>m ser redutíveis nem a lógica nem a sentidos<br />

exclusivamente externos ao indivíduo; assim também não po<strong>de</strong>m ser reduzidas a uma única dimensão do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 206


<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Para explicitar essa posição, o cientista genebrino sinaliza as insuficiências das explicações<br />

sociológicas – especialmente configuradas na sociologia clássica – quando estas visam explicar a<br />

consciência e o comportamento social às expensas dos elementos constituintes da ação e do pensamento.<br />

Para Piaget, tal como para as formulações sociológicas <strong>de</strong> Melucci e Elias, o comportamento, a<br />

consciência social (e as noções sociais) resultante da relação indivíduo e socieda<strong>de</strong>, tem como condição<br />

as “interações elementares”, ou seja, indivíduos condicionados interagindo em situações <strong>de</strong>terminadas.<br />

É neste sentido que po<strong>de</strong>mos argumentar que, na perspectiva psicológica e epistemológica<br />

genética piagetiana, a formação do indivíduo humano é vista como resultado <strong>de</strong> “n” dimensões, as quais<br />

consistem em <strong>de</strong>senvolvimentos específicos e articulados, não sendo possível <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r as ações e as<br />

i<strong>de</strong>ias dos sujeitos apenas <strong>de</strong> mecanismos parciais, sejam eles internos ou externos ao indivíduo. Assim,<br />

“as ações dos indivíduos uns sobre os outros em que consistem as relações sociais, ten<strong>de</strong>m, igualmente,<br />

no campo das trocas do pensamento, para uma forma <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> que implica a mobilida<strong>de</strong><br />

reversível própria ao agrupamento: a cooperação só é um sistema <strong>de</strong> operações efetuadas em comum, ou<br />

<strong>de</strong> cooperação” (1973, p. 194).<br />

Neste caso, é nítida a aproximação da compreensão piagetiana da compreensão da relação<br />

indivíduo e socieda<strong>de</strong> tal qual formulada por Elias, quando este afirma que a clara compreensão da<br />

relação indivíduo e socieda<strong>de</strong> só po<strong>de</strong> se realizar pela inclusão do próprio crescimento e individuação dos<br />

indivíduos no interior da socieda<strong>de</strong>, quer dizer, quando as próprias formas <strong>de</strong> pensamento, ação e<br />

interação dos sujeitos em trânsito para a vida adulta são postas em relevo, fazendo ver o singular trabalho<br />

<strong>de</strong> assimilação e reconstrução dos conteúdos e valores sócio-culturais, evi<strong>de</strong>nciando também que essa<br />

assimilação e reconstrução implicam construção própria, ou seja, que as imagens, i<strong>de</strong>ias e representações<br />

que evoluem na criança nunca constituem uma simples cópia do que lhe é feito pelos outros, mas lhe são<br />

inteiramente próprias (Cf. ELIAS, 1994, p. 30).<br />

Assim também, do mesmo modo que a socialização e o <strong>de</strong>senvolvimento estão imersos no<br />

processo sociocultural da vida cotidiana do sujeito, os próprios conceitos, noções e conhecimentos que<br />

daí resulta, estão imbricados às condições históricas <strong>de</strong> seu aparecimento. Significa dizer que, assim como<br />

se modificam historicamente as concepções, as i<strong>de</strong>ias e o conhecimento social, também as i<strong>de</strong>ias e noções<br />

das crianças (e dos adolescentes) se modificam na estreita <strong>de</strong>pendência das concepções históricas que<br />

mediatizam o trabalho <strong>de</strong> organização simbólica e intelectual do mundo.<br />

Neste caso, tanto Piaget (1973, p. 27) quanto Elias (1994, p. 28) sinalizam para o fato <strong>de</strong> que uma<br />

criança <strong>de</strong> séculos passados terá uma compreensão diferenciada em conteúdos dos modos como uma<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 207


criança do tempo presente compreen<strong>de</strong> os mesmos fatos da realida<strong>de</strong> física e/ou social. Isso não significa<br />

que as ações do sujeito, em suas bases epistemológicas, tenham se alterado, ou mesmo que os conteúdos<br />

da vida social <strong>de</strong>terminem estruturalmente a formação do pensamento. Significa sim, que a construção do<br />

conhecimento social pelos sujeitos (e aqui não apenas a criança e o adolescente, mas também o adulto)<br />

encontra suas malhas <strong>de</strong> significação em contextos sociais datados, fazendo com que os objetos sociais<br />

sejam convertidos em objetos propriamente históricos.<br />

O sentido do conflito em face do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e das interações sociais<br />

Com base nos estudos <strong>de</strong> Piaget e nas âncoras das ciências sociais aqui adotadas, <strong>de</strong>vemos dizer<br />

que o entendimento dos conflitos sociocognitivos da adolescência se distingue das i<strong>de</strong>ias segundo as<br />

quais esses conflitos são motivados pelas dificulda<strong>de</strong>s na recepção dos valores, normas e regras do mundo<br />

adulto, resultando, portanto, em comportamentos perigosos para os próprios sujeitos e para a socieda<strong>de</strong><br />

em geral.<br />

Abramo (1994) salienta que, ao longo do século XX, em consequência <strong>de</strong> diversas manifestações<br />

conflituosas <strong>de</strong> adolescentes e jovens, tornou-se comum à sociologia – especialmente em sua perspectiva<br />

funcionalista - fundamentar suas análises sobre os conflitos entre adolescentes e jovens a partir <strong>de</strong> suas<br />

ações <strong>de</strong> contraposição à recepção das transmissões culturais, enfatizando três chaves <strong>de</strong> problematização,<br />

da <strong>de</strong>linquência, da rebeldia e da revolta, ao mesmo tempo em que se foi buscando caracterizar uma<br />

juventu<strong>de</strong> ‘normal’.<br />

Não obstante, na medida dos interesses sociológicos, essas chaves estão mais próximas da<br />

classificação e da <strong>de</strong>scrição do que da compreensão dos processos que subjazem à natureza dos conflitos<br />

que se estabelecem entre os indivíduos e socieda<strong>de</strong> nesta fase etária. Na verda<strong>de</strong>, os conflitos dos<br />

adolescentes são produzidos tanto em nível social como em nível das estruturas cognitivas, afetivas e <strong>de</strong><br />

socialização do sujeito, não tendo, portanto, nada <strong>de</strong> natural.<br />

Na adolescência, mais do que em qualquer outra fase do <strong>de</strong>senvolvimento humano, a relação entre<br />

indivíduo e socieda<strong>de</strong> se <strong>de</strong>fine como um processo móvel e complexo, na estreita <strong>de</strong>pendência das<br />

capacida<strong>de</strong>s recém <strong>de</strong>senvolvidas do pensamento, da busca <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e da formação<br />

<strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> afetivida<strong>de</strong>.<br />

Imbricado ao <strong>de</strong>senvolvimento social e psicológico do indivíduo adolescente, articula-se o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da inteligência, configurado nas capacida<strong>de</strong>s recém <strong>de</strong>senvolvidas do pensamento<br />

hipotético e <strong>de</strong>dutivo, pela tendência geral dos adolescentes para construir teorias, utilizar e refletir sobre<br />

as i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong> seu ambiente social, conforme ensina Piaget e Inhel<strong>de</strong>r. Para nossos autores, esse<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 208


processo se refere ao <strong>de</strong>senvolvimento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formular reflexões mais elaboradas acerca <strong>de</strong><br />

conteúdos das transmissões socioculturais, e do maior po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> esquemas lógicos e<br />

operatórios para a compreensão da realida<strong>de</strong>. Desse modo, indicam que os fatos psicológicos e<br />

epistemológicos da adolescência permitem compreen<strong>de</strong>r que:<br />

a socieda<strong>de</strong> não atua por simples pressão exterior sobre os indivíduos em formação, e que<br />

estes não são, com relação ao ambiente social e nem com relação ao ambiente físico,<br />

simples tábulas rasas nas quais as coerções imprimiriam conhecimentos já inteiramente<br />

estruturados. Para que o meio social atue realmente sobre os cérebros individuais, é<br />

preciso que estes estejam em condições <strong>de</strong> assimilar as contribuições <strong>de</strong>sse meio, e<br />

voltamos à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma maturação suficiente dos instrumentos cerebrais<br />

individuais (PIAGET; INHELDER, 1976, p. 251).<br />

A partir da perspectiva construtivista, da profunda interação entre sujeito- objeto, sujeito-sujeito,<br />

sujeito-realida<strong>de</strong>, Piaget e Inhel<strong>de</strong>r <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>m a imbricação entre os processos cerebrais e cognitivos do<br />

sujeito e os processos da socieda<strong>de</strong>, salientando que nem o pensamento nem os conhecimentos sociais são<br />

estruturas inatas ou a priori, como formas previamente inscritas no sujeito ou nas representações coletivas<br />

e inteiramente elaboradas fora e acima dos indivíduos, “mas formas <strong>de</strong> equilíbrio que se impõem pouco a<br />

pouco ao sistema <strong>de</strong> intercâmbios entre os indivíduos e o meio físico, e aos intercâmbios [sociais] entre os<br />

indivíduos” (Ibi<strong>de</strong>m, p. 252), consi<strong>de</strong>rando estes dois sistemas – pensamento e representações sociais -<br />

como perspectivas diferentes para distintas análises.<br />

A consequência do entendimento construtivista, e que explicita os mecanismos <strong>de</strong> interação entre<br />

os adolescentes e a socieda<strong>de</strong>, é que o processo <strong>de</strong> integração do sujeito ao mundo adulto implica uma<br />

ativida<strong>de</strong> genuinamente criadora por parte do indivíduo, não sendo, neste caso, mero fato episódico, mas<br />

atingindo as interações sociais e etárias no conjunto da socieda<strong>de</strong>.<br />

De modo diferente da criança, que se sente subordinada ao adulto e com o qual não consegue<br />

estabelecer relação <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> e autonomia, “o adolescente é o indivíduo que começa a consi<strong>de</strong>rar-<br />

se igual ao adulto e julgá-los num plano <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> total reciprocida<strong>de</strong>”. Assim, mesmo ainda<br />

estando num processo <strong>de</strong> formação socialmente <strong>de</strong>limitado, o indivíduo adolescente começa a pensar no<br />

futuro utilizando-se da reflexão sobre o presente, ou seja, das possibilida<strong>de</strong>s da vida adulta atual, com<br />

vistas a sua ulterior vida adulta. Neste sentido, como enfatiza Piaget e Inhel<strong>de</strong>r, o indivíduo adolescente<br />

procura introduzir-se e introduzir seus esforços atuais com vistas a sua inserção futura no mundo adulto, e<br />

se propõe também, por ele mesmo e com i<strong>de</strong>ais próprios, reformar a socieda<strong>de</strong> em seus domínios parciais<br />

ou totais. Aqui se <strong>de</strong>staca o sentido do conflito no processo <strong>de</strong> integração do indivíduo à socieda<strong>de</strong>.<br />

a integração <strong>de</strong> um indivíduo na socieda<strong>de</strong> adulta não po<strong>de</strong>ria, realmente, realizar-se sem<br />

conflito, e enquanto a criança procura a solução <strong>de</strong> seus conflitos nas suas compensações<br />

atuais (lúdicas ou reais), o adolescente acrescenta a essas compensações limitadas a<br />

compreensão mais geral que é uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> reformas, ou até um plano para executá-las<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 209


(PIAGET; INHELDER, 1976, p. 252).<br />

É um conflito que nada tem <strong>de</strong> natural, mas está imerso nos parâmetros socioculturais e históricos<br />

(e até ontológicos) <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, apresentando-se nos diversos aspectos do <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

indivíduo em sua transição para a vida adulta: afetivo, psicológico, intelectual e sociocultural. Como<br />

enfatizam os estudos psicológicos, antropológicos e históricos aqui adotados, em formações sociais mais<br />

estáveis como as socieda<strong>de</strong>s primitivas, indígenas e mesmo feudais, a passagem da infância para a vida<br />

adulta se realizava sem gran<strong>de</strong>s sobressaltos, uma vez que nestas socieda<strong>de</strong>s, tanto os “papéis sociais”<br />

como os processos <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> da vida adulta são mais <strong>de</strong>finidos e estáveis. Do mesmo modo, nestas<br />

socieda<strong>de</strong>s, os próprios processos <strong>de</strong> educação dos indivíduos não são <strong>de</strong>finidos pela segregação etária,<br />

uma vez que seus processos <strong>de</strong> socialização – jogos, festas, convívio, etc. - já incorporam os elementos<br />

constituintes da vida social adulta, como o trabalho e a diferenciação sexual.<br />

Não obstante, há dois motivos possíveis <strong>de</strong> explicação do “sentido do conflito” para os<br />

adolescentes mo<strong>de</strong>rnos e contemporâneos que fogem aos horizontes da maioria das análises psicológicas<br />

e sociais, e que po<strong>de</strong>m ser mais bem explicitados com o auxílio do entendimento piagetiano. O primeiro<br />

se refere às duas características fundamentais da vida social e da mentalida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rno-contemporânea,<br />

quais sejam, os princípios da contradição e da sucessiva mudança na constituição <strong>de</strong> nosso processo<br />

societário, os quais se encontravam ausentes como princípios explícitos nas formações sociais pretéritas.<br />

O segundo se refere à contrapartida do sujeito criado e formado neste contexto, ten<strong>de</strong>nte ao <strong>de</strong>sequilíbrio<br />

social e cognitivo quando <strong>de</strong> sua “tomada <strong>de</strong> consciência” da realida<strong>de</strong> social contraditória e em<br />

permanente mudança, na qual vive e <strong>de</strong>ve se adaptar como indivíduo adulto. É a partir da interação entre<br />

os processos sociais e os processos endógenos individuais, que po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> “conflito <strong>de</strong> sentidos”,<br />

fazendo ver que, a integração do indivíduo adolescente à socieda<strong>de</strong> dos adultos, implica a sua integração<br />

nestes conflitos socialmente produzidos.<br />

Na medida das condições <strong>de</strong> reflexivida<strong>de</strong>, característica do pensamento adolescente, na medida<br />

da tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> contraditória e sem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser “logicamente”<br />

compreendida, o próprio processo <strong>de</strong> integração do indivíduo a esta socieda<strong>de</strong> se complexifica. Aqui, o<br />

pensamento lógico formal não consegue dar conta <strong>de</strong> encaixar tais contradições numa totalida<strong>de</strong>, do<br />

mesmo modo que os “<strong>de</strong>sejos”, as “inclinações” e as “perspectivas” individuais não conseguem<br />

vislumbrar sua inserção e enquadramento nestas contradições.<br />

Neste caso, as contradições sociais, tanto em nível da socieda<strong>de</strong> abrangente como das vivências<br />

cotidianas convergem e se imiscuem nos processos <strong>de</strong> formação social, emocional e cognitiva dos<br />

indivíduos. Nesse sentido, como sinaliza Elias (1994; p. 33-4), a pressão exercida nos indivíduos pelas<br />

estruturas sociais lhes impõe tensões, cisões e crises, efetivadas objetivamente nos processos <strong>de</strong> sua vida<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 210


cotidiana, produzindo um emaranhado <strong>de</strong> inclinações irrealizáveis e não resolvidas, as quais se acumulam<br />

no indivíduo e raramente se revelam aos olhos <strong>de</strong> outrem, ou sequer à consciência do próprio indivíduo.<br />

De modo geral, para nossos adolescentes, a realida<strong>de</strong> do mundo adulto aparece como contraditória<br />

e sem sentido, sendo uma das primeiras manifestações <strong>de</strong>ssa interpretação os conflitos com os pais, que<br />

são tomados como ambíguos, contraditórios e até mentirosos. Assim, a consciência <strong>de</strong> que terá que se<br />

adaptar e viver num mundo <strong>de</strong> contradições faz com que o adolescente se sinta incompreendido, situado<br />

num mundo à parte e, conscientemente, busque construir novos significados e modos <strong>de</strong> ação que se<br />

contraponham à realida<strong>de</strong> que questiona. Neste caso, apesar <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sligar-se dos próprios<br />

sentidos da realida<strong>de</strong>, suas construções lhes serão próprias, até formular, ou não, chaves <strong>de</strong> inserção no<br />

mundo dos adultos.<br />

Na perspectiva <strong>de</strong> Piaget, a superação <strong>de</strong> tais conflitos supõe a conquista <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong><br />

equilíbrio do sujeito epistêmico em relação aos processos <strong>de</strong> suas interações com o meio físico e social.<br />

No caso do adolescente, essa superação supõe a conquista da reversibilida<strong>de</strong>, do raciocínio combinatório<br />

e também da reciprocida<strong>de</strong> nas trocas simbólicas e intersubjetivas. Isso não significa dizer que em nível<br />

social os conflitos <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> existir, mas, sim, que tanto a interpretação <strong>de</strong>les quanto às ações dos<br />

sujeitos em superá-los sinalizam novas formas <strong>de</strong> convívio e integração dos indivíduos ao plano da<br />

socieda<strong>de</strong>, com seus ritmos, suas ambiguida<strong>de</strong>s e contradições.<br />

Deste modo, num entendimento sociológico e epistemológico, para o indivíduo em formação,<br />

principalmente adolescente, a realida<strong>de</strong> surgirá sempre como construção, tendo que realizar, por ele<br />

mesmo, uma série <strong>de</strong> ajustes mais ou menos complexos segundo as características da socieda<strong>de</strong> e do meio<br />

específico em que vive, segundo as condições <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento, socialização e integração<br />

ao mundo adulto (Cf. DELVAL, 1997).<br />

Conclusão<br />

Na medida em que se complexificam os processos e os modos das interações sociais, a formação<br />

da criança e do adolescente toma uma dimensão nunca vista antes na história da humanida<strong>de</strong>. Já não é<br />

mais possível apreen<strong>de</strong>r as estruturas da socieda<strong>de</strong>, do conhecimento e da cultura à revelia dos processos<br />

pelos quais o indivíduo humano se constitui, se insere, interage e faz face às mudanças que se processam<br />

na vida social e no cotidiano. Em verda<strong>de</strong>, como buscamos mostrar, tanto o processo <strong>de</strong> constituição do<br />

sujeito como os do conhecimento supõem <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e instabilida<strong>de</strong>, sejam relativas às múltiplas<br />

realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação, sejam relativas às próprias performances cognitivas, afetivas e sociais do sujeito<br />

individual.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 211


A ação e o conhecimento das crianças e dos adolescentes são resultados dos progressos do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do pensamento, da afetivida<strong>de</strong> e das formas <strong>de</strong> relações sociais. São também resultado<br />

das próprias mudanças que se efetivam na vida cotidiana e na socieda<strong>de</strong> como um todo, alterando os<br />

costumes, os relacionamentos intersubjetivos e a visibilida<strong>de</strong> social dos sujeitos.<br />

Nesse sentido, seguindo a orientação dos estudos piagetianos e das abordagens<br />

sociológicas, históricas e antropológicas adotadas, fizemos ver que existe “covariância e paralelismo entre<br />

a socieda<strong>de</strong> e o indivíduo”, entre o pensamento e a socialização, e que, mesmo tendo “chaves”<br />

especializadas e específicas <strong>de</strong> compreensão, os processos endógenos do “sujeito em formação” e os<br />

condicionantes da vida sociocultural concorrem para a construção do conhecimento, quer seja em plano<br />

individual, quer seja em plano das práticas sociais.<br />

A relação significativa do sujeito com o conhecimento e com o saber nada tem <strong>de</strong> mecânico e<br />

linear, não sendo nem o sujeito nem o conhecimento entida<strong>de</strong>s estáveis e atemporais. O conhecimento,<br />

assim como os códigos morais e os valores, só terão significados para o sujeito quando este consegue<br />

converte-los em fatores <strong>de</strong> sua própria humanização e das trocas com o mundo e com os outros. É uma<br />

conversão, diga-se, que ultrapassa a mera interiorização <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los e regras a priori, e se <strong>de</strong>fine como<br />

construção progressiva, engendrada pelos processos endógenos e exógenos que a<strong>de</strong>ntram na interação do<br />

sujeito com os objetos físicos, naturais, socioculturais, com os outros e consigo mesmo. Para o sujeito em<br />

formação, conhecer é a<strong>de</strong>ntrar num mundo <strong>de</strong> significados e, com eles, organizar esquemas <strong>de</strong><br />

compreensão, interpretação e ação; mas é também busca <strong>de</strong> autoconhecimento <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s e<br />

limites.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 213


Desenvolvimento do Pensamento Econômico nas Crianças: Para Iniciar o Debate<br />

Resumo<br />

ARAÚJO, Regina Magna Bonifácio<br />

Centro Universitário Metodista – Porto Alegre – RS<br />

regina.araujo@metodistadosul.edu.br<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi investigar o pensamento econômico <strong>de</strong> crianças brasileiras, entre 9 e 11<br />

anos, antes e após o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um Programa <strong>de</strong> Educação Econômica. Sua relevância está em<br />

introduzir o estudo da formação do pensamento econômico em crianças, no contexto da pesquisa<br />

educacional no Brasil, trabalhando o tema a partir <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das i<strong>de</strong>ias<br />

econômicas, vinculado à perspectiva cognitivista. A pesquisa foi <strong>de</strong>senvolvida em três etapas. A primeira<br />

consistiu na tradução, adaptação e preparação do instrumento <strong>de</strong> medida, Escala TAE-N, <strong>de</strong>senvolvida e<br />

validada no Chile e replicada através <strong>de</strong>ste trabalho no Brasil, em uma amostra <strong>de</strong> 132 alunos e alunas da<br />

3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Bernardo do Campo, São Paulo. Ainda nesta fase,<br />

foi realizada, numa amostra <strong>de</strong> 30 crianças, uma entrevista clínica sobre o tema, com o propósito <strong>de</strong><br />

caracterizar os sujeitos envolvidos. Os resultados mostraram, tendo como parâmetro os Níveis <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento do Pensamento Econômico proposto por Denegri, que as crianças apresentavam um<br />

pensamento econômico primitivo, orientado para uma compreensão específica dos fenômenos<br />

econômicos e com uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer relações e explicar a realida<strong>de</strong> econômica a partir <strong>de</strong><br />

suas vivências e das informações que recebem do meio familiar, escolar e da mídia. Na segunda etapa, foi<br />

<strong>de</strong>senvolvido um Programa <strong>de</strong> Educação Econômica, intitulado “Educando para o Consumo Consciente”,<br />

utilizando a metodologia <strong>de</strong> trabalho com projetos, numa perspectiva interdisciplinar e transversal. Na<br />

terceira e última etapa <strong>de</strong>sta pesquisa, a Escala TAE-N foi novamente aplicada nos alunos. Verificou-se<br />

que todas as turmas apresentaram um aumento na média das pontuações, o que sinaliza um<br />

<strong>de</strong>senvolvimento na compreensão dos fenômenos econômicos. Os resultados indicaram o crescimento<br />

igual nas diferentes ida<strong>de</strong>s e um melhor <strong>de</strong>sempenho dos meninos em relação às meninas no espaço entre<br />

os tempos <strong>de</strong> aplicação da Escala. Todas as turmas apresentaram crescimento na segunda aplicação do<br />

TAE-N, em percentuais diferentes. As análises permitiram tanto uma compreensão mais específica <strong>de</strong><br />

como as crianças brasileiras compreen<strong>de</strong>m o mundo econômico, quanto uma visão mais abrangente da<br />

importância <strong>de</strong> se trabalhar esse tema no âmbito das escolas <strong>de</strong> Educação Básica.<br />

Palavra-chave: Educação econômica. Pensamento econômico. Consumismo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 214


Abstract<br />

The objective of this paper was to investigate the economic thought of Brazilian children, between nine<br />

and eleven years old, before and after the <strong>de</strong>velopment of an Economic Education Program. Its mainly<br />

relevance was to introduce the economic thought formation study in children in the context of educational<br />

research in Brazil, working on the theme in a <strong>de</strong>velopment mo<strong>de</strong>l of economic i<strong>de</strong>as connected to the<br />

cognitivist perspective and with influence of the social and educative enviroments. This research was<br />

<strong>de</strong>veloped in three stages. The first consisted on the translation, adaptation and preparation of the measure<br />

tool, TAE-N scale, <strong>de</strong>veloped and checked in Chile and pealed through this research in Brazil, with a<br />

sample of 132 children, stu<strong>de</strong>nts of 3 rd and 4 th gra<strong>de</strong>s of the Elementary School, in São Bernardo do<br />

Campo, São Paulo. Still at this stage, a clinical interview in a sample of 30 children was ma<strong>de</strong> with the<br />

purpose of characterizing them. The results of this first stage showed, by the parameters of the<br />

Development Levels of the Economic Thought, prepositioned by Denegri, that the children have<br />

presented a primitive economic thought, directed to a specific comprehention of the economic phenomena<br />

and with the capacity of creating relations and explain the economic reality from their own daily<br />

experiences and from the information they received from their familiar, schoolar and media enviroments.<br />

The second stage was <strong>de</strong>veloped with the classes of an Economic Education Program entitled “Educando<br />

para o Consumo Consciente”, using the methodology of projects work, in a transversal and<br />

interdisciplinar perspective. Finally, at the third and last stage of this research, the TAE-N scale has been<br />

applied again on the stu<strong>de</strong>nts. It was verified that al the classes presented an increase in their medium<br />

scores, what signalyzes a <strong>de</strong>velopment in the economic phenomena comprehention. The results indicated<br />

an equal growth in the different ages analyzed and a better performance of the boys than the one of the<br />

girls, during the application of the Scale. In concern to the classes, all of them presented knowledge<br />

growth in the second application of TAE-N, although in different percentuals. The analysis enabled a<br />

more specific comprehention of how the Brazilian children un<strong>de</strong>rstand the economic world as well as<br />

more open view on the importance of working on this theme in the Elementary School enviroment.<br />

Keywords: Economic Education, Economic Thought, Consumerism.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 215


Introdução<br />

A situação social e cultural na qual se inscreve o <strong>de</strong>senvolvimento do nosso país é infinitamente<br />

complexa. O capitalismo industrial <strong>de</strong> produção foi substituído pelo capitalismo financeiro, que privilegia<br />

o mercado consumidor. A lógica do consumo, em um mundo globalizado, se instalou através das novas<br />

tecnologias <strong>de</strong> comunicação e informação e alcançou todos os setores sociais, atingindo especialmente<br />

crianças e adolescentes. Observamos uma importante transformação: o ser humano, antes um sujeito<br />

produtivo, se transformou num indivíduo consumidor, produto da expansão capitalista neoliberal,<br />

participante <strong>de</strong> uma Socieda<strong>de</strong> / Estado que esten<strong>de</strong> as leis <strong>de</strong> mercado a toda ativida<strong>de</strong> humana, leis que<br />

não contemplam o indivíduo, mas o acompanha com fortes processos <strong>de</strong> exclusão.<br />

Para enten<strong>de</strong>r o mundo contemporâneo, ou como quer alguns teóricos o mundo pós-mo<strong>de</strong>rno,<br />

precisamos explicar o mundo governado pelo capital financeiro e pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo. Socieda<strong>de</strong><br />

em que a economia se transformou numa questão cultural e que tem as diferentes formas <strong>de</strong> comunicação,<br />

em especial a propaganda, como mediadoras entre a cultura e a economia. Neste universo, a mídia<br />

encontrou no público infantil seu maior consumidor, as crianças hoje estão expostas <strong>de</strong> forma intensa a<br />

comerciais que criam <strong>de</strong>sejos, fantasias e incentivam o consumo. Como afirma Jameson (2001), “a<br />

cultura do consumo é <strong>de</strong> fato parte integrante do tecido social e dificilmente po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>strinçado <strong>de</strong>la”<br />

(p.27). Estas relações estabelecidas entre o cultural e o econômico são indicadoras da chamada “pós-<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”, hoje tão discutida quanto a globalização, e que marca o nosso presente histórico.<br />

Vivemos um tempo <strong>de</strong> profundas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, retratadas hoje em várias imagens e<br />

números. Segundo as Nações Unidas, no seu Relatório sobre o Desenvolvimento Humano:<br />

O 1% mais rico do mundo aufere tanta renda quanto os 57% mais pobres. A proporção,<br />

no que se refere aos rendimentos, entre os 20% mais pobres no mundo aumentou <strong>de</strong> 30<br />

para 1 em 1986, para 60 por 1 em 1990 e para 74 para 1 em 1999, e estima-se que atinja<br />

os 100 para 1 em 2015. Em 1999-2000, 2,8 bilhões <strong>de</strong> pessoas viviam com menos <strong>de</strong> dois<br />

dólares por dia, 840 milhões estavam subnutridos, 2,4 bilhões não tinham acesso a<br />

nenhuma forma aprimorada <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> saneamento, e uma em cada seis crianças em<br />

ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> frequentar a escola primária não estava na escola. Estima-se que cerca <strong>de</strong> 50%<br />

da força <strong>de</strong> trabalho não agrícola esteja <strong>de</strong>sempregada ou subempregada. 55<br />

No Brasil a situação não é diferente. Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro <strong>de</strong><br />

Geografia e Estatística – IBGE – sobre Orçamentos Familiares (Maio, 2004), os resultados mostraram<br />

que, em 30 anos, importantes mudanças ocorreram nos hábitos <strong>de</strong> consumo dos brasileiros. Alguns dados<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa nos levam a pensar sobre a importância <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> alfabetização econômica para<br />

as escolas <strong>de</strong> Educação Básica.<br />

55 Citado por Minqi Li, “After Neoliberalism: Empire, social Democracy, or Socialism?”, Monthly Review, January 2004,<br />

p.21;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 216


Mesmo compreen<strong>de</strong>ndo que estes dados não po<strong>de</strong>m ser analisados fora <strong>de</strong> um contexto social e<br />

político, que <strong>de</strong>fine as distorções sociais encontradas em nosso país, eles po<strong>de</strong>m nos alertar para a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> termos indivíduos mais críticos e conscientes da sua realida<strong>de</strong> e capazes <strong>de</strong> agirem no<br />

sentido <strong>de</strong> buscar melhores condições <strong>de</strong> vida.<br />

Na abertura do Fórum Mundial <strong>de</strong> Educação, realizado em Porto Alegre, em julho <strong>de</strong> 2004, István<br />

Mészáros apresentou suas idéias sobre o papel da escola na construção <strong>de</strong> um outro mundo, cuja<br />

referência seja o ser humano e que realize as transformações políticas, sociais, econômicas e culturais<br />

necessárias, com vistas a uma or<strong>de</strong>m social qualitativamente diferente. Sua proposta <strong>de</strong> educar para além<br />

do capital, significa pensar uma socieda<strong>de</strong> que alcance este sentido, libertando o ser humano das amarras<br />

do <strong>de</strong>terminismo neoliberal, num processo contínuo e emancipador. Para ele, “apenas a mais ampla das<br />

concepções <strong>de</strong> educação nos po<strong>de</strong> ajudar a perseguir o objetivo <strong>de</strong> uma mudança verda<strong>de</strong>iramente radical,<br />

proporcionando instrumentos <strong>de</strong> pressão que rompam a lógica mistificadora do capital” (MÉSZÁROS,<br />

2005, p.48).<br />

É para a formação <strong>de</strong>sses novos atores econômicos que este trabalho se volta, na compreensão <strong>de</strong><br />

que a melhoria <strong>de</strong> vida das pessoas acontece através da inclusão social, da consciência política e<br />

financeira e <strong>de</strong> uma ação reflexiva que leve a uma maior participação social. No entanto, é necessário que<br />

as ações formativas iniciem-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo através da construção <strong>de</strong> espaços diferenciados que fortaleçam<br />

a cooperação e a construção <strong>de</strong> relações econômicas mais conscientes, lembrando que as crianças são<br />

sujeitos sociais e históricos, portanto, marcadas pela complexida<strong>de</strong> e pelas contradições da socieda<strong>de</strong> em<br />

que estão inseridas. Ações que levem à solução <strong>de</strong> questões que inquietam os que atuam na área: como a<br />

criança percebe os fenômenos financeiros? A partir <strong>de</strong> que ida<strong>de</strong> ela é capaz <strong>de</strong> compreendê-los? Que<br />

fatores estão relacionados a esta compreensão? Qual o papel da família e da escola nesta aquisição?<br />

Como trabalhar com as crianças <strong>de</strong> maneira que sejam consi<strong>de</strong>rados em seus contextos <strong>de</strong> origem, seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e o acesso aos conhecimentos, direito social <strong>de</strong> todos, em direção a uma possível<br />

alfabetização econômica? Enfim, como ajudar as crianças a serem cidadãos m0,00cmais conscientes do<br />

seu papel no mercado e do seu po<strong>de</strong>r na constituição <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais solidária e justa?<br />

Referencial Teórico<br />

De acordo com Denegri (2003b), o estudo da compreensão que a criança e o adolescente têm<br />

acerca da realida<strong>de</strong> econômica e dos conceitos sobre o uso, a origem e a circulação do dinheiro são<br />

importantes porque auxiliam na compreensão dos processos mais gerais por meio dos quais os sujeitos<br />

constroem um mo<strong>de</strong>lo coerente e organizado do mundo social em que vivem. Também é importante<br />

<strong>de</strong>stacar que compreen<strong>de</strong>r como as crianças e os adolescentes concebem a realida<strong>de</strong> econômica ajuda na<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 217


construção <strong>de</strong> estratégias educativas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> socialização ou<br />

alfabetização econômica, aspecto altamente relevante nos dias <strong>de</strong> hoje.<br />

Um dos problemas propostos por Jean Piaget em suas investigações e, também, consi<strong>de</strong>rado por<br />

ele como um dos temas mais difíceis na psicologia infantil é traduzido pela questão: “quais as<br />

representações do mundo que surgem espontaneamente nas crianças ao longo dos diferentes estágios <strong>de</strong><br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento intelectual?” (PIAGET, 1977, p.5). Na busca <strong>de</strong> respostas que pu<strong>de</strong>ssem contemplar<br />

essa e outras questões afins sobre a forma como a criança apreen<strong>de</strong> as informações do seu entorno, Piaget<br />

e seus colaboradores <strong>de</strong>senvolveram alguns estudos que revelaram que muito antes <strong>de</strong> se explicar às<br />

crianças sobre os fenômenos sociais, elas já possuem várias informações sobre eles e que essas<br />

construções vão ocorrendo a partir da interação entre o sujeito e o meio social, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu nascimento.<br />

De acordo com Piaget, as trocas que a criança mantém com o meio social são <strong>de</strong> natureza diversa e<br />

modificam a estrutura mental do indivíduo conforme o estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento em que se encontra.<br />

Sabemos que as crianças são seres ativos que constroem seus próprios conhecimentos e<br />

organizam-nos a partir das suas experiências e estruturas cognitivas. Des<strong>de</strong> o seu nascimento, elas estão<br />

em interação permanente com o outro e com o meio em que estão inseridas e, a partir <strong>de</strong>ssas interações,<br />

elas constroem mo<strong>de</strong>los explicativos do mundo. Entretanto, sua experiência com a realida<strong>de</strong> é distinta da<br />

dos adultos. Através das informações recebidas dos adultos, dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e das<br />

próprias observações, as crianças vão construindo as suas explicações para os diversos eventos sociais,<br />

políticos e econômicos. Esta é uma forma <strong>de</strong>las <strong>de</strong>senvolverem processos <strong>de</strong> socialização, que vão pouco<br />

a pouco inserindo-as no mundo.<br />

Nos últimos anos, vários pesquisadores têm se interessado em estudar como evoluem as i<strong>de</strong>ias e<br />

explicações da criança acerca do mundo social e financeiro. Alguns <strong>de</strong>sses estudos tiveram como ponto<br />

<strong>de</strong> partida os trabalhos <strong>de</strong> Jean Piaget. Como as crianças representam as realida<strong>de</strong>s que as cercam, o que<br />

elas pensam sobre esta mesma realida<strong>de</strong> e como elas resolvem os problemas que enfrentam têm sido<br />

objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> diversos autores como Furth (1980), Leahy (1983), Jahoda (1983), Berti y Bombi<br />

(1988), Delval (1989), Denegri (1993), entre outros.<br />

Neste quadro, um tema tem <strong>de</strong>spertado atenção <strong>de</strong> muitos pesquisadores: o conhecimento que as<br />

crianças e adolescentes têm sobre conceitos econômicos. As expressões “socialização econômica” e<br />

“educação para o consumo”, embora não sejam amplamente divulgadas e discutidas no Brasil, são hoje<br />

necessárias frente ao quadro econômico-financeiro e social que se apresenta em nosso país e no contexto<br />

mundial.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 218


Conhecer, então, o que as crianças brasileiras pensam sobre os fenômenos econômicos,<br />

compreen<strong>de</strong>r como este pensamento evolui e como elas assimilam as informações e influências do meio,<br />

bem como discutir o papel da escola nos domínios da socialização e alfabetização econômica são os<br />

<strong>de</strong>safios que para si se coloca a autora na busca <strong>de</strong> inaugurar a discussão <strong>de</strong>ste tema nos meios<br />

acadêmicos e <strong>de</strong>spertar a atenção <strong>de</strong> educadores, psicólogos, economistas e pais para o fenômeno da<br />

formação do pensamento econômico em crianças e adolescentes.<br />

A Compreensão do mundo econômico<br />

O ser humano, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu nascimento, vai construindo, pouco a pouco, a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal e<br />

social através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> aprendizagem dos significados sociais. Ele procura construir mo<strong>de</strong>los<br />

para explicar o mundo à sua volta e, através disto, compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> em que vive. Na composição<br />

<strong>de</strong>sses mo<strong>de</strong>los, o sujeito se utiliza <strong>de</strong> representações que faz a partir das relações que ele estabelece com<br />

as pessoas e com a socieda<strong>de</strong>, as interações e expectativas que ocorrem, e seus sistemas <strong>de</strong> crenças e<br />

valores.<br />

Esta aprendizagem <strong>de</strong> acordo com Denegri(1997) não somente implica a apreensão <strong>de</strong> símbolos,<br />

signos, usos e costumes da cultura, mas além disso, possui uma dimensão cognitiva-afetiva que se<br />

expressa em uma espécie <strong>de</strong> matriz cognitiva através da qual o indivíduo vai interpretando o seu<br />

ambiente. Afirma, ainda, que, embora a criança esteja inserida num meio social e em constante relação<br />

com ele <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu nascimento, suas experiências e construções são diferentes das <strong>de</strong> um adulto. Essas<br />

diferenças se <strong>de</strong>vem tanto ao fato <strong>de</strong> que as suas relações com o meio são mais reduzidas e fragmentadas<br />

por não ter acesso e nem participar <strong>de</strong> todas as situações da vida social e política, quanto ao fato <strong>de</strong> que a<br />

criança ainda não possui todos os instrumentos intelectuais <strong>de</strong>senvolvidos, não po<strong>de</strong>ndo assim organizar e<br />

articular as informações que recebe do meio.<br />

Delval (1989) e Denegri (1997) afirmam que no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da compreensão do<br />

mundo social existem dois âmbitos centrais que organizam todo o esquema global <strong>de</strong> representação<br />

social: a compreensão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política e a compreensão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica. Em torno <strong>de</strong>sses eixos<br />

centrais, circulam outros, mais periféricos e que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m uns dos outros na compreensão da<br />

organização social.<br />

As investigações sobre socialização econômica <strong>de</strong>senvolvidas por Denegri, Furth, Jahoda, Delval<br />

e outros, têm focado seus esforços na compreensão que crianças e adolescentes têm dos conceitos<br />

econômicos. As pesquisas procuram mostrar que crianças e adolescentes não são sujeitos passivos diante<br />

das informações sobre economia. Pelo contrário, elas constroem ativamente conceitos e explicações sobre<br />

o mundo econômico à sua volta. Durante todo o tempo elas estão interagindo com as informações que<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 219


ecebem, sejam dos adultos com os quais convivem, sejam dos meios <strong>de</strong> comunicação. O fato é que essas<br />

informações formam as bases das condutas econômicas <strong>de</strong>ssas crianças e adolescentes.<br />

A compreensão do mundo econômico e do uso do dinheiro como um instrumento <strong>de</strong> acesso aos<br />

bens e serviços é básica nas relações que são estabelecidas hoje na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna (FURTH, 1980). A<br />

vida social do homem acontece imersa num sistema <strong>de</strong> instituições que são estruturadas basicamente em<br />

termos econômicos, sendo o uso do dinheiro e as relações que se estabelecem a partir <strong>de</strong>le, <strong>de</strong>terminantes<br />

nas <strong>de</strong>finições das relações pessoais e institucionais.<br />

Desta forma, o estudo da compreensão que as crianças e adolescentes constroem sobre a realida<strong>de</strong><br />

econômica e os conceitos que <strong>de</strong>senvolvem a partir <strong>de</strong>sses temas têm um significado gran<strong>de</strong> nos dias <strong>de</strong><br />

hoje, pois po<strong>de</strong>m servir para compreen<strong>de</strong>r os processos mais gerais por meio dos quais os indivíduos<br />

<strong>de</strong>senvolvem um mo<strong>de</strong>lo coerente e organizado do mundo social em que vivem e <strong>de</strong> suas relações.<br />

A partir dos resultados <strong>de</strong>stes trabalhos, Denegri construiu o Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Psicogêneses do<br />

Pensamento Econômico, inspirado no enfoque cognitivo-evolutivo piagetiano, em que i<strong>de</strong>ntifica as<br />

tendências evolutivas do pensamento <strong>de</strong> crianças e adolescentes sobre os eventos econômicos. Ela<br />

i<strong>de</strong>ntificou, também, a existência <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> mudanças conceituais que caracterizavam uma<br />

construção progressiva. Nesse processo, diante dos fenômenos econômicos, apareciam novas explicações<br />

para uma mesma situação e <strong>de</strong>sapareciam aquelas que não se relacionavam mais com esta nova maneira<br />

<strong>de</strong> pensar. Nas investigações feitas com crianças <strong>de</strong> diferentes lugares, inclusive <strong>de</strong> diferentes países, foi<br />

observada a repetição <strong>de</strong>stes padrões. A autora e sua equipe terminaram por levar os sujeitos à aquisição<br />

<strong>de</strong> um pensamento mais sistêmico em relação aos conhecimentos do mundo econômico e que incorporam<br />

as várias relações que estão presentes numa situação econômica. Denegri concluiu, portanto, que existem<br />

três níveis diferenciados <strong>de</strong> concepções econômicas globais nos sujeitos e estabeleceu sua organização em<br />

sistemas conceituais.<br />

O primeiro nível está subdividido e foi nomeado por Denegri <strong>de</strong> sub-nível 1A: “Pensamento Extra<br />

Econômico” e sub-nível 1B: “Pensamento Econômico Primitivo. De uma maneira geral, este nível<br />

apresenta como aspectos principais o predomínio <strong>de</strong> características extra econômicas: a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar vários aspectos da realida<strong>de</strong> social, a dificulda<strong>de</strong> para estabelecer relações e para compreen<strong>de</strong>r<br />

processos e relações no mundo social e econômico, e a concepção <strong>de</strong> que o dinheiro é um instrumento<br />

ritual para o intercâmbio, livremente disponível para todos.<br />

Neste nível é possível verificar nas crianças o total <strong>de</strong>sconhecimento da existência <strong>de</strong> restrições<br />

tanto na vida social quanto na vida econômica; para elas o <strong>de</strong>sejo é o único requisito para se alcançar<br />

qualquer objetivo. A realida<strong>de</strong> social e econômica é representada <strong>de</strong> maneira fragmentada e sem conexão;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 220


não há uma compreensão muito clara das mudanças, pois o mundo social se apresenta numa perspectiva<br />

estática ou com mudanças súbitas.<br />

Para Denegri, Amar, Llanos e Martinez (2002), as crianças neste nível têm dificulda<strong>de</strong>s para<br />

separar o mundo das relações pessoais do âmbito social e institucional, que é próprio do mundo<br />

econômico. Há também uma tendência em aplicar as mesmas regras <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> nas explicações dos<br />

problemas econômicos e não há uma compreensão muito clara da noção <strong>de</strong> lucro, excluindo a i<strong>de</strong>ia<br />

econômica <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> benefícios. Enfim, as crianças no nível do Pensamento Extra-econômico têm um<br />

conceito pessoal <strong>de</strong> Estado, representado como uma figura concreta, que atua como pai e protetor <strong>de</strong> toda<br />

a socieda<strong>de</strong>.<br />

O esforço que a criança faz para superar as contradições que surgem no dia-a-dia e, também,<br />

refletir sobre a realida<strong>de</strong> social marca o 2° nível, <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> “Pensamento Econômico Subordinado”.<br />

Neste nível, a criança faz sua primeira conceitualização econômica da socieda<strong>de</strong> com a compreensão do<br />

conceito <strong>de</strong> lucro como i<strong>de</strong>ia central do fazer econômico, reelaborando conceitos numa estrutura mais<br />

integrada. Ocorre também a primeira separação entre as relações pessoais e as relações institucionais<br />

econômicas.<br />

Outros aspectos que marcam este nível é a compreensão da existência <strong>de</strong> restrições na realida<strong>de</strong><br />

social, a incorporação <strong>de</strong> preceitos morais numa conceitualização global da socieda<strong>de</strong> como um espaço<br />

regido por leis necessárias para o seu funcionamento e o entendimento do Estado como um espaço<br />

institucional encarregado da organização, regulação, distribuição <strong>de</strong> recursos e controle <strong>de</strong> todo o<br />

funcionamento social e econômico.<br />

Algumas dificulda<strong>de</strong>s também marcam este nível. Dentre elas a pouca clareza que as crianças têm<br />

dos mecanismos <strong>de</strong> financiamento do Estado e as dificulda<strong>de</strong>s para compreen<strong>de</strong>r as interrelações entre os<br />

processos econômicos complexos e para realizar inferências sobre processo que não são visíveis para elas.<br />

Denegri <strong>de</strong>nominou o 3º nível <strong>de</strong> “Pensamento Econômico Inferencial”. Neste nível há uma<br />

mudança na forma global dos adolescentes conceituarem os processos sociais, pois eles já <strong>de</strong>senvolveram<br />

uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hipotetizar sobre o mundo econômico e, a partir daí, conseguem estabelecer relações<br />

entre os processos, sistemas e ciclos numa visão mais sistêmica. Os sujeitos, neste nível, são capazes <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r as diferentes <strong>de</strong>terminações dos processos econômicos e sociais e possuem uma reflexão<br />

mais avançada acerca da realida<strong>de</strong> social e das variáveis que operam nas mudanças sociais e econômicas.<br />

Há uma valorização i<strong>de</strong>ológica das mudanças, dos ciclos e das políticas econômicas, e um maior<br />

entendimento do papel do Estado e <strong>de</strong> suas formas <strong>de</strong> funcionamento. Os níveis apresentados por Denegri<br />

precisam ser compreendidos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma perspectiva heurística e <strong>de</strong>vem ser usados como uma<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 221


ferramenta para a análise e compreensão do <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento econômico e para a<br />

organização das informações que possam auxiliar a escola na educação econômica <strong>de</strong> seus alunos.<br />

A pesquisa e seus resultados<br />

A pesquisa <strong>de</strong>senvolvida neste projeto foi realizada com crianças entre 9 e 11 anos, alunos e<br />

alunas das turmas <strong>de</strong> 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental <strong>de</strong> um colégio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, da re<strong>de</strong><br />

particular <strong>de</strong> ensino, <strong>de</strong> um município da gran<strong>de</strong> São Paulo e 05 professoras <strong>de</strong>sta mesma escola. Ao todo<br />

foram 137 sujeitos que participaram da pesquisa e da aplicação do teste TAE-N e <strong>de</strong>stes, 30 compuseram<br />

uma sub mostra, selecionada para as entrevistas clínicas. Os sujeitos estavam distribuídos em 06 turmas,<br />

sendo 03 classes <strong>de</strong> 3ª série e 03 classes <strong>de</strong> 4ª série do Ensino Fundamental, sendo 03 no turno matutino e<br />

03 no turno vespertino (com 69 crianças do sexo feminino e 63 do sexo masculino).<br />

Dentro da abordagem quantitativa, optou-se por trabalhar com as Escalas <strong>de</strong> Avaliação do Nível<br />

<strong>de</strong> Alfabetização Econômica, TAE-N, proposta e <strong>de</strong>senvolvida por Denegri e colaboradores. Da mesma<br />

autora, a Escala TAE-A, para adultos, foi utilizada na caracterização das professoras que participaram no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do Programa. As duas escalas, a <strong>de</strong> adultos e a das crianças, avaliam o nível <strong>de</strong><br />

compreensão dos conceitos e <strong>de</strong> práticas econômicas necessárias para um bom <strong>de</strong>sempenho econômico.<br />

De acordo com a i<strong>de</strong>alizadora das Escalas, “se trata <strong>de</strong> uma avaliação <strong>de</strong> rendimento máximo,<br />

operacionalizada através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> perguntas or<strong>de</strong>nadas segundo uma dificulda<strong>de</strong> progressiva. Cada<br />

pergunta propõe quatro alternativas <strong>de</strong> respostas, <strong>de</strong>ntre as quais uma é a correta e as restantes apresentam<br />

diferentes graus <strong>de</strong> incorreção”(DENEGRI, 2003).<br />

A pesquisa apontou um <strong>de</strong>sempenho inferior dos meninos em relação às meninas na primeira<br />

aplicação da Escala (Tempo Pré) mas, i<strong>de</strong>ntificou um crescimento maior nos meninos entre as duas<br />

aplicações, o que sugere uma maior assimilação dos conceitos econômicos trabalhados no Programa <strong>de</strong><br />

Intervenção, por parte dos meninos.<br />

Nesta investigação, tanto as crianças do grupo <strong>de</strong> 8-9 anos, quanto as <strong>de</strong> 10-11 anos mostraram<br />

uma boa assimilação dos conceitos econômicos trabalhados no Programa <strong>de</strong> Intervenção. O crescimento<br />

apresentou valores próximos nos dois grupos, sendo que o grupo <strong>de</strong> crianças com ida<strong>de</strong>s menores<br />

apresentou um <strong>de</strong>senvolvimento um pouco melhor do que as crianças mais velhas. No primeiro grupo (8-<br />

9 anos) as crianças saíram <strong>de</strong> uma média <strong>de</strong> 23,13 no tempo Pré para uma média <strong>de</strong> 26,65 no tempo Pós,<br />

representando um crescimento <strong>de</strong> 15,2%. No segundo grupo (10-11 anos) o crescimento foi <strong>de</strong> 13,3%,<br />

pois <strong>de</strong> uma média <strong>de</strong> 24,75 as crianças foram para uma média <strong>de</strong> 28,05.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 222


Este fato nos leva a consi<strong>de</strong>rar dois aspectos: o primeiro aponta para uma a<strong>de</strong>quação da Escala,<br />

confirmando os resultados apresentados pelo teste <strong>de</strong> coeficiente ά <strong>de</strong> Cronbach e por investigações com<br />

a mesma Escala já realizadas no Chile e na Bolívia; o segundo aspecto refere-se ao Programa <strong>de</strong><br />

Intervenção, consi<strong>de</strong>rado a<strong>de</strong>quado para os dois blocos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, pois mostrou um crescimento igual nas<br />

duas faixas etárias, o que po<strong>de</strong> também ser confirmado na avaliação do <strong>de</strong>sempenho das turmas, feito<br />

pelas professoras. Assim, po<strong>de</strong>mos afirmar em relação ao Programa <strong>de</strong> Intervenção que sua estrutura<br />

participativa e interdisciplinar facilitou a assimilação e a interação <strong>de</strong> todas as crianças que <strong>de</strong>le<br />

participaram, e que foi confirmado nas falas das professoras <strong>de</strong>scritas nos relatórios apresentados no<br />

capítulo anterior.<br />

Um dos objetivos da pesquisa propõe uma compreensão do <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> cada turma,<br />

analisando-o e comparando-o antes e após a aplicação do Programa. É importante observar que ao<br />

analisarmos o <strong>de</strong>sempenho das turmas como um todo, verificamos que todas apresentaram melhores<br />

resultados na resolução das questões da Escala no tempo Pós, o que constitui um aspecto <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque ao<br />

consi<strong>de</strong>rarmos a importância <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> Educação Econômica para a Educação Básica.<br />

Entretanto, existem diferenças no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> cada turma que precisam ser discutidas tomando como<br />

referência o próprio projeto e o <strong>de</strong>senvolvimento dos alunos em relação a ele. Na primeira aplicação da<br />

Escala as turmas apresentaram uma média <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho que variou entre 21,61 e 26, 87<br />

respectivamente para as turma D e F. Na segunda aplicação esses números mudaram para 24,56 o<br />

resultado menor, para a turma D e 29,08, o resultado maior para a turma A, o que mostrou crescimento no<br />

que se refere à assimilação dos conceitos econômicos, entre os alunos, com o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

Programa <strong>de</strong> Intervenção.<br />

Se tomarmos cada turma para uma análise mais <strong>de</strong>talhada perceberemos que a turma que iniciou<br />

com a melhor média não foi a que obteve o maior crescimento e a turma que iniciou com a menor média,<br />

manteve-se no tempo Pós, ainda com a menor média, embora apresentasse crescimento. Com a<br />

diversida<strong>de</strong> dos projetos e a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores que influíram em cada um, e esta era a proposta do<br />

Programa <strong>de</strong> Intervenção, ou seja, vivenciar na perspectiva do trabalho com projetos, nas dimensões<br />

interdisciplinares e transversal, os conteúdos econômicos; não é possível precisar com exatidão o que<br />

<strong>de</strong>terminou o crescimento mais acentuado <strong>de</strong> uma turma em relação a outra. Entretanto, algumas<br />

consi<strong>de</strong>rações precisam ser <strong>de</strong>stacadas:<br />

É preciso reconhecer que o conhecimento é intransferível e que, por ser construído a partir das<br />

ações do sujeito sobre o mundo em que ele vive, ele (o conhecimento) torna-se constitutivo do próprio<br />

sujeito.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 223


Essa construção pressupõe uma participação intensa e reflexiva dos sujeitos nas ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>senvolvidas em sala <strong>de</strong> aula, espaço em que ele po<strong>de</strong> dialogar com seus pares, questionar o cotidiano e<br />

os conhecimentos científicos.<br />

Ativida<strong>de</strong>s sugeridas e propostas pelos alunos <strong>de</strong>monstram seu protagonismo, condição necessária<br />

dos processos <strong>de</strong> construção do conhecimento.<br />

Projetos, como estratégias para a construção dos conhecimentos, pressupõe <strong>de</strong>cisões, escolhas e<br />

vivências que incorporam a abertura para o novo, para o possível, além <strong>de</strong> articular os diferentes tipos <strong>de</strong><br />

conhecimentos.<br />

Ações simples como a implantação <strong>de</strong> Programas <strong>de</strong> Educação Econômica nas escolas <strong>de</strong><br />

Educação Básica, buscando alcançar a todos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> classe social, na discussão do mundo<br />

econômico no qual somos inseridos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong> nascemos, mas para o qual não somos preparados, precisam<br />

se traduzir em ações nacionais.<br />

Por que <strong>de</strong>vemos nos preocupar com a Educação Econômica nas escolas?<br />

Das respostas possíveis a esta pergunta, a primeira coloca-se a partir dos resultados da pesquisa <strong>de</strong><br />

que trata este texto. Os efeitos <strong>de</strong> um Programa <strong>de</strong> Educação Econômica sobre o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

pensamento econômico em crianças são reais e corroboram com o processo <strong>de</strong> alfabetização nesta que é<br />

uma área tão importante quanto <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada nos meios educacionais.<br />

É preciso lembrar, também, que uma das funções do processo <strong>de</strong> socialização da escola é a<br />

formação cidadã <strong>de</strong> cada aluno e aluna para a sua intervenção na vida pública. Assim, a escola <strong>de</strong>ve<br />

promover nas crianças e jovens o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conhecimentos, atitu<strong>de</strong>s e comportamentos que<br />

permitam sua incorporação eficaz na socieda<strong>de</strong>, com liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong> participação na vida<br />

pública. É preciso consi<strong>de</strong>rar a educação econômica, tanto quanto a política, como pilares <strong>de</strong> uma<br />

formação cidadã.<br />

A educação econômica <strong>de</strong>ve iniciar ainda na Educação Infantil e a construção <strong>de</strong> um programa<br />

que eduque o consumidor <strong>de</strong>ve se dar no sentido <strong>de</strong> fazer conhecer, compreen<strong>de</strong>r e adquirir habilida<strong>de</strong>s<br />

que o aju<strong>de</strong> a avaliar as alternativas <strong>de</strong> forma eficiente; facilitar a compreensão e utilização <strong>de</strong><br />

informações sobre temas inerentes ao consumo e direitos do consumidor; orientar e prevenir acerca dos<br />

perigos que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>rivar do consumo <strong>de</strong> produtos e da utilização <strong>de</strong> serviços e motivá-lo para que<br />

<strong>de</strong>sempenhe um papel mais ativo que regule, oriente e transforme o mercado, através <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 224


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 225


4. Conhecimento Escolar<br />

O conceito <strong>de</strong> medida como estruturação prévia a aquisição do conhecimento escolar sobre<br />

geometria.<br />

Resumo<br />

CAMPAÑA, Thelma Cardinal Duarte<br />

CUML- Centro Universitário Moura Lacerda<br />

Agência <strong>de</strong> fomento: SEESP<br />

SCRIPTORI, Carmen Campoy<br />

CUML- Centro Universitário Moura Lacerda<br />

LPG/FE/UNICAMP<br />

thelmacdcampana@yahoo.com.br<br />

carmen.scriptori@gmail.com<br />

O presente trabalho é parte <strong>de</strong> uma dissertação <strong>de</strong> mestrado que foi embasada em uma pesquisa sobre<br />

conhecimentos da geometria escolar. A fundamentação teórica está alicerçada nos estudos e pesquisas<br />

realizados por Piaget, acrescida dos estudos <strong>de</strong> Delval, Becker, Chiarottino, Fainguelernt, Scriptori, e<br />

Souza. Este texto enfatiza a necessida<strong>de</strong> da noção <strong>de</strong> medida como conhecimento prévio à aquisição <strong>de</strong><br />

noções <strong>de</strong> geometria em ambiente escolar. O estudo foi realizado com 9 sujeitos <strong>de</strong> 06 a 15 anos <strong>de</strong> uma<br />

escola pública do interior do estado <strong>de</strong> São Paulo e <strong>de</strong>u origem a posteriores intervenções pedagógicas<br />

com 20 sujeitos <strong>de</strong> 8ª série. A coleta <strong>de</strong> dados foi realizada por meio da aplicação da prova da torre<br />

adaptada <strong>de</strong> Piaget. Os resultados evi<strong>de</strong>nciam que a compreensão das noções escolares sobre geometria,<br />

previstas no currículo escolar para 7ª e 8ª séries, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da construção prévia das estruturas mentais<br />

que permitem o conhecimento operatório <strong>de</strong> medida.<br />

Palavras chave: Noção <strong>de</strong> medida. Conhecimento escolar. Pesquisa psicogenética.<br />

Abstract<br />

The present work results from a master´s <strong>de</strong>gree original thesis which iwas based in a research based on<br />

school geometric knowledge. The teory is based on Piaget studies as well as the ones of Delval, Becker,<br />

Chiarottino, Fainguelernt, Scriptori and Souza. This piece emphasizes the necessity of measure notion as<br />

a previous knowledge to geometric perception in school environment. The research was carried out in 9<br />

subjects with ages between 6 and 15 years old from a public school in the country area of São Paulo State<br />

and resulted in posterior pedagogic interventions in 20 8th gra<strong>de</strong>rs. The data was source through a<br />

questionary about Piaget´s adapted tower. Results show that the comprehension of geometric school<br />

notions, expected in 7th and 8th gra<strong>de</strong>s, is conditioned to a previous construction of mental structures that<br />

allows measure un<strong>de</strong>rstanding.<br />

Keywords: Measure notion. School knowledge. Psycho-genetics reaserach.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 226


Introdução<br />

Tendo a geometria como tema <strong>de</strong> pesquisa para a dissertação <strong>de</strong> mestrado que pretendíamos, foi<br />

necessário realizar um estudo histórico da geometria primitiva. A história revela que, para todos os povos,<br />

a geometria primitiva é <strong>de</strong>corrente da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mensuração, assim, po<strong>de</strong>-se dizer que o conceito <strong>de</strong><br />

medida está ligado ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> toda a geometria. Decorre daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se investigar a<br />

conduta dos sujeitos no processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>sse conhecimento.<br />

Referencial teórico<br />

Sabe-se que pesquisas realizadas por Piaget evi<strong>de</strong>nciaram que a compreensão da Matemática<br />

elementar <strong>de</strong>corre da construção <strong>de</strong> estruturas inicialmente qualitativas (inclusão <strong>de</strong> classes e seriação).<br />

Dessa forma, quanto mais a escola propiciar a construção prévia das operações lógicas antes <strong>de</strong> tratar <strong>de</strong><br />

conteúdos formais, mais favorecido será o ensino da Matemática em todos os níveis.<br />

Para o presente estudo faz-se necessário esclarecer como Piaget conceitua conhecimento, como<br />

po<strong>de</strong> ser classificado e como é construído. Segundo Chiarottino (1988), para Piaget o termo “conhecer”<br />

tem sentido claro: organizar, estruturar e explicar, porém a partir do vivido, do experienciado. E, segundo<br />

Becker (2001), o conhecimento se dá por um processo <strong>de</strong> interação radical entre sujeito e objeto, entre<br />

indivíduo e socieda<strong>de</strong>, organismo e meio.<br />

Dentre os conhecimentos que os indivíduos constroem existem os conhecimentos científicos,<br />

aqueles que são produzidos na escola e os conhecimentos espontâneos, aqueles que são produzidos fora<br />

da escola. Delval (2001) discursa longamente sobre esse assunto.<br />

O conhecimento científico, em contrapartida, é visto como totalmente distanciado da vida<br />

<strong>de</strong> cada dia e não consegue vincular-se aos problemas cotidianos. Busca generalida<strong>de</strong> e a<br />

valida<strong>de</strong> universal, motivo pelo qual tenta ser o mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte possível do contexto.<br />

No entanto, em suas vidas cotidianas, as pessoas atuam em contextos <strong>de</strong>terminados e para<br />

resolver problemas <strong>de</strong>terminados. (DELVAL, 2001, p.95)<br />

Os estudos <strong>de</strong> Piaget nos mostram que o conhecimento tem diferentes aspectos: o físico, adquirido<br />

a partir da experiência direta com os objetos; o lógico-matemático, estruturado a partir da abstração<br />

reflexionante e o social, proveniente da interação com as pessoas. Por exemplo: uma criança reconhece<br />

uma bola por sua superfície arredondada e que po<strong>de</strong> fazê-la rolar. Esse conhecimento é físico. O fato<br />

<strong>de</strong>sse objeto ser reconhecido pelo conjunto <strong>de</strong> letras B-O-L-A, grafados nessa sequência, e cujo<br />

significado está vinculado ao nome “bola” se refere ao conhecimento social, uma vez que é transmitido<br />

culturalmente. As relações que o sujeito faz quando inclui esse objeto na classe dos brinquedos, por<br />

exemplo, e não na classe <strong>de</strong> instrumentos musicais, é da or<strong>de</strong>m do aspecto lógico-matemático.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 227


Enquanto o conhecimento físico se estrutura por abstração empírica, o lógico-matemático<br />

se estrutura por abstração reflexiva. Mas da mesma maneira que o conhecimento físico e<br />

o social não ocorrem fora <strong>de</strong> um quadro lógico-matemático, o conhecimento lógicomatemático<br />

também não se estrutura fora <strong>de</strong> um contexto físico e social.(SCRIPTORI,<br />

2005, p. 130).<br />

De acordo com Piaget, todo conhecimento supõe a formação <strong>de</strong> conceitos, que implica nesses três<br />

aspectos. Como o conhecimento é construído pela ação da pessoa sobre o meio físico e social em que<br />

vive, este não ocorre sem uma estruturação mental do vivido. Coisas e fatos adquirem significação para o<br />

ser humano quando inseridos em uma estrutura. Segundo Chiarottino (1988), isto é o que Piaget<br />

<strong>de</strong>nomina assimilação.<br />

Os conhecimentos matemáticos produzidos na escola são muito valorizados, tanto pela socieda<strong>de</strong><br />

como pelos estudantes, uma vez que servem para classificar populações <strong>de</strong> escolares (por exemplo: Prova<br />

Brasil). No entanto, percebe-se que para muitos ele é consi<strong>de</strong>rado inatingível, apesar <strong>de</strong> acessível. O que<br />

se observa é a falta <strong>de</strong> compreensão <strong>de</strong> conceitos dificultando essa aquisição. Assim, frequentemente, os<br />

alunos <strong>de</strong>monstram a apreensão <strong>de</strong> conteúdos <strong>de</strong> maneira memorística. Po<strong>de</strong>-se supor que os professores<br />

reproduzem o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> aprendizado ao qual foram submetidos e o que se costuma verificar é o<br />

aprendizado por repetição, treino, e não pela compreensão.<br />

Piaget (1998a, p. 55) alerta:<br />

Ora, a Matemática nada mais é que uma lógica, que prolonga da forma mais natural a<br />

lógica habitual e constitui a lógica <strong>de</strong> todas as formas um pouco evoluídas do pensamento<br />

científico. Um revés na Matemática significaria assim uma <strong>de</strong>ficiência nos próprios<br />

mecanismos do <strong>de</strong>senvolvimento do raciocínio. É, pois da maior necessida<strong>de</strong> que se<br />

procure verificar se a responsabilida<strong>de</strong> não recai, no caso, sobre os métodos.<br />

De acordo com Chiarottino (1988), a experiência lógico-matemática está relacionada às ações que<br />

exercemos diretamente sobre objetos. No curso do <strong>de</strong>senvolvimento humano, se, inicialmente, o sujeito<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da ação direta sobre os objetos, em outro momento, o sujeito dispensa essa manipulação física<br />

quando os interioriza em operações simbolicamente manipuláveis, por meio <strong>de</strong> imagens mentais<br />

(representações), resultantes <strong>de</strong> abstração <strong>de</strong> dados proporcionada pela ativida<strong>de</strong> do sujeito.<br />

Ao tomarmos o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Becker (2001, p. 47), temos que: “O processo do conhecimento<br />

está restrito ao que o sujeito po<strong>de</strong> retirar, isto é, assimilar, dos observáveis ou dos não-observáveis, num<br />

<strong>de</strong>terminado momento”. Piaget chama <strong>de</strong> “observáveis” tudo aquilo que o sujeito constata ou crê<br />

constatar nos objetos e nas ações. (SOUZA, 2004, p. 41).<br />

A teoria psicogenética mostra que os esquemas, inicialmente motores e posteriormente<br />

mentais, não permanecem estáticos; modificam-se ao longo da vida. À medida que o sujeito se<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 228


<strong>de</strong>senvolve, ele vai elaborando esquemas cada vez mais abstratos, ou seja, organizados e formalizados.<br />

Durante o <strong>de</strong>senvolvimento humano, a teoria <strong>de</strong> Piaget i<strong>de</strong>ntifica estádios evolutivos,<br />

<strong>de</strong>screvendo-o em três gran<strong>de</strong>s períodos integrados: o período sensório-motor (0 até 18 meses); período<br />

do pensamento concreto (18 meses a 11 anos) e período do pensamento formal (11 a 15 anos). O período<br />

do pensamento concreto inclui dois subestádios: o estádio pré-operatório (18 meses a 7anos) e o estádio<br />

das operações concretas (7 a 11 anos). Cada estádio tem características próprias que são integradas ao<br />

estádio imediatamente posterior.<br />

No período pré-operatório, as representações e as relações estabelecidas se apoiam diretamente<br />

sobre resultados empíricos observáveis, por meio da abstração empírica e pseudo-empírica. Na medida<br />

em que a ativida<strong>de</strong> do sujeito sobre os objetos propicia a abstração reflexiva das noções matemáticas <strong>de</strong><br />

natureza geométrica, permite que, pela experimentação, o sujeito possa chegar à generalização.<br />

Assim, o estudo das medidas, na escola, <strong>de</strong>veria ser iniciado no período pré-operatório com<br />

propostas <strong>de</strong> ações do sujeito sobre objetos para que possa vir a ser refinado no período seguinte,<br />

passando do nível empírico ao reflexivo.<br />

De acordo com os estudos piagetianos, inicialmente, na ação sobre o objeto a criança utiliza o que<br />

Piaget <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> inteligência prática. Essa inteligência se refere à manipulação dos objetos<br />

organizados apenas pelos esquemas <strong>de</strong> ações motoras. Um bebê, por exemplo, que preten<strong>de</strong> alcançar um<br />

objeto distante que se encontra sobre uma almofada fará alguns movimentos para atingir diretamente o<br />

objeto. Não é capaz <strong>de</strong> pensar em puxar a almofada para aproximar o objeto e alcançá-lo mais facilmente.<br />

Piaget (1973), na obra A geometria espontânea das crianças, <strong>de</strong>clara que, para iniciar o estudo das<br />

medidas, é preciso, primeiramente, examiná-las <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> contextos das ativida<strong>de</strong>s mais espontâneas<br />

possíveis, tanto para assistir a formação global das medidas nas ações, quanto para discernir o papel<br />

natural das operações fundamentais que essa medida supõe. A análise feita por Piaget consi<strong>de</strong>rou os<br />

<strong>de</strong>slocamentos próprios das crianças em função do campo espacial mais ou menos coor<strong>de</strong>nado, pois a<br />

maneira como eles me<strong>de</strong>m (ou preparam as medidas) exige mais cedo ou mais tar<strong>de</strong> certa precisão<br />

métrica.<br />

A tomada <strong>de</strong> consciência das proprieda<strong>de</strong>s geométricas é <strong>de</strong> natureza complexa. Num primeiro<br />

momento, apoia-se sobre as proprieda<strong>de</strong>s que o objeto possui, antes mesmo <strong>de</strong> o sujeito <strong>de</strong>scobri-las, tais<br />

como: formas, dimensões, posições, <strong>de</strong>slocamentos etc, assim como massas, forças ou velocida<strong>de</strong>s etc. O<br />

conhecimento físico difere do conhecimento geométrico, pois as características geométricas dos objetos<br />

são transparentes à razão, as quais po<strong>de</strong>m ser reconstruídas <strong>de</strong>dutivamente, enquanto que os caracteres<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 229


dinâmicos do conhecimento físico não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>dutíveis diretamente do real; são reconhecidos apenas<br />

por suas aproximações com o real. É nesse ponto que a abstração espacial difere, ao mesmo tempo, das<br />

abstrações físicas e lógico-aritméticas. Daí se <strong>de</strong>duz a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma didática operatória 56 que<br />

favoreça a construção do conhecimento e permita o reinventar por si mesmo.<br />

Uma coisa, porém, é inventar na ação e assim aplicar praticamente certas operações; outra<br />

é tomar consciência das mesmas para <strong>de</strong>las extrair um conhecimento reflexivo e,<br />

sobretudo teórico, <strong>de</strong> tal forma que nem os alunos nem os professores cheguem a<br />

suspeitar <strong>de</strong> que o conteúdo do ensino ministrado se pu<strong>de</strong>sse apoiar em qualquer tipo <strong>de</strong><br />

estruturas naturais. (PIAGET, 1998, p. 16).<br />

A invenção na ação po<strong>de</strong> acarretar a aplicação <strong>de</strong> certas operações sem abstração (inteligência<br />

prática ou intuitiva) e, consequentemente, gerar a suspeita sobre a aquisição <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

conhecimento. Na tomada <strong>de</strong> consciência, porém, o sujeito extrai das operações realizadas um<br />

conhecimento reflexivo, <strong>de</strong> modo que o utiliza com compreensão.<br />

No estádio das operações concretas, a estruturação cognitiva permite que a criança tenha o suporte<br />

necessário para conhecimentos mais abstratos. Piaget afirma que o empírico é necessário, mas não<br />

suficiente para <strong>de</strong>senvolver a inteligência cognoscitiva.<br />

Piaget observou que as primeiras <strong>de</strong>scobertas geométricas da criança são topológicas e que<br />

ocorrem espontaneamente nas relações espaciais. Somente após ter o domínio <strong>de</strong>ssas relações topológicas<br />

é que a criança <strong>de</strong>senvolve as noções da geometria euclidiana e projetiva. A geometria topológica se vale<br />

das relações <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento, vizinhança, direção, sem a interferência <strong>de</strong> medidas; a geometria projetiva<br />

é aquela que estuda as transformações das figuras através <strong>de</strong> suas várias projeções, ou seja, os objetos no<br />

espaço e, a geometria euclidiana estuda os objetos no plano, valendo-se das relações métricas.<br />

De acordo com Fainguelernt (1999), a geometria, talvez seja a parte da Matemática mais intuitiva,<br />

concreta e ligada com a realida<strong>de</strong>. No entanto, no ambiente escolar, a matemática que se pratica se apoia<br />

em um processo exaustivo <strong>de</strong> formalização precoce.<br />

“Apropriar-se <strong>de</strong> um conceito é fazer a passagem <strong>de</strong> uma representação para outra, trabalhando<br />

com <strong>de</strong>senvoltura nas diferentes representações”. (FAINGUELERNT, 1999, p.216). Po<strong>de</strong>-se observar o<br />

processo <strong>de</strong> apropriação do conceito <strong>de</strong> medida, por exemplo, com a prova da torre, i<strong>de</strong>alizada por Piaget.<br />

Nela, a criança inicialmente compara o tamanho <strong>de</strong> duas torres visualmente, afastando-se ou<br />

aproximando-se da mesma. Num estágio posterior, ela trata <strong>de</strong> fazer a comparação aproximando as torres<br />

ou utilizando um instrumento <strong>de</strong> medida apenas para verificar se elas estão no mesmo nível. E, apenas<br />

56 Enten<strong>de</strong>-se por didática operatória aquela que enfatiza as operações <strong>de</strong> pensamento. De acordo com Aebli (1958) a tarefa<br />

do professor consiste em criar situações psicológicas para que as crianças possam construir as operações que <strong>de</strong>vem<br />

adquirir.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 230


quando utiliza o instrumento <strong>de</strong> medida corretamente, isto é, marcando o tamanho da torre nesse<br />

instrumento, transferindo essa medida para a outra torre e explicando o que realizou, é que po<strong>de</strong>mos<br />

afirmar que se apropriou do conceito.<br />

Sabemos que nenhum conceito se estrutura no vazio, mas se apoia em conhecimentos anteriores,<br />

promovidos pela ação do sujeito. Um conceito espontâneo po<strong>de</strong> ser modificado pela experimentação do<br />

sujeito, à medida que essa ação altera suas estruturas mentais, o que ocorre pelos processos <strong>de</strong><br />

assimilação e <strong>de</strong> acomodação, inserindo esse conceito num sistema mais amplo <strong>de</strong> relações. Essas ações<br />

provocam uma perturbação no sujeito, causando um <strong>de</strong>sequilíbrio cognitivo. Ao reagir ao <strong>de</strong>sequilíbrio,<br />

diz-se que ele está regulando suas ações físicas ou mentais, que, por sua vez, tornam-se operações.<br />

Ao processo que permite construir uma nova estrutura, em virtu<strong>de</strong> da reorganização <strong>de</strong> estruturas<br />

anteriores, Piaget (1995, p.193) <strong>de</strong>nomina abstração reflexionante, que po<strong>de</strong> funcionar <strong>de</strong> forma<br />

inconsciente ou sob intenções <strong>de</strong>liberadas. A tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> resultados <strong>de</strong> uma abstração<br />

reflexionante é chamada <strong>de</strong> abstração refletida 57 .<br />

Objetivos<br />

Segundo Scriptori (2005, p.163),<br />

A partir das contribuições da psicologia, tanto construtivista como socioconstrutivista,<br />

temos que os sujeitos apren<strong>de</strong>m e fazem avanços cognitivos ao se <strong>de</strong>frontarem com<br />

situações-problema, postas pelos objetos, pessoas e situações, geradoras <strong>de</strong> conflitos que,<br />

uma vez superados, produzem novos conhecimentos, e que por sua vez e a seu tempo<br />

gerarão novas situações-problema que também <strong>de</strong>verão ser superadas, e assim<br />

sucessivamente.<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste estudo foi compreen<strong>de</strong>r a microgênese psicológica do conceito <strong>de</strong> medida. Para<br />

tal estudo foi utilizada a prova da torre, adaptada das pesquisas piagetianas.<br />

Metodologia<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma pesquisa qualitativa do tipo analítica <strong>de</strong>scritiva. Consta <strong>de</strong> uma prova individual,<br />

gravada em áudio e ví<strong>de</strong>o e aplicada em 9 sujeitos <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s entre 6 e 15 anos <strong>de</strong> uma escola<br />

pública do interior paulista.<br />

Os sujeitos <strong>de</strong>sse estudo piloto estão i<strong>de</strong>ntificados por três letras e as respectivas ida<strong>de</strong>s entre<br />

parênteses (anos; meses), como utilizado por Piaget em suas pesquisas.<br />

57 O termo “abstração reflexiva”, utilizado por Piaget foi traduzido por Becker como abstração reflexionante e abstração refletida.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 231


Desenvolvimento<br />

Com o presente estudo foi possível observar e analisar a conduta dos sujeitos em diferentes<br />

estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento numa ativida<strong>de</strong> referente à noção <strong>de</strong> medida, o que possibilitou fornecer<br />

subsídios para compreen<strong>de</strong>r o pensamento dos sujeitos.<br />

Em um estudo <strong>de</strong>sse tipo, o que se observa é a ativida<strong>de</strong> operacional efetiva do sujeito (operação<br />

externa e motora) e, à medida que se faz o questionamento, infere-se a mobilização do seu pensamento.<br />

A prova da torre adaptada consiste em três etapas. Na primeira etapa, o sujeito <strong>de</strong>ve<br />

construir uma torre do mesmo tamanho e no mesmo plano que a torre construída pela pesquisadora; para<br />

tanto <strong>de</strong>verá comparar o tamanho das torres e medi-las, utilizando as varetas <strong>de</strong> vários tamanhos que<br />

foram colocados à sua disposição. Na segunda etapa, a pesquisadora constrói a torre em um plano mais<br />

alto, em cima <strong>de</strong> uma caixa colocada sobre o plano inicial (a mesa), e pe<strong>de</strong> ao sujeito que construa outra<br />

torre igual ao mo<strong>de</strong>lo, porém sem utilizar o suporte da caixa. Para certificar-se <strong>de</strong> que as torres sejam<br />

iguais o sujeito terá <strong>de</strong> comparar o tamanho <strong>de</strong> ambas, utilizando as varetas disponíveis. Na terceira etapa,<br />

o sujeito <strong>de</strong>verá fazer o mesmo procedimento da segunda etapa, utilizando, entretanto, blocos menores<br />

que os da torre mo<strong>de</strong>lo construída pela pesquisadora.<br />

As constatações observadas estão <strong>de</strong>scritas a seguir:<br />

Para os sujeitos com 6 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, observou-se que, apesar <strong>de</strong> concordarem que os<br />

instrumentos <strong>de</strong> medida (varetas) possam ajudar a conferir (comprovar) o tamanho da torre, não<br />

integraram esse dado às suas ações. É o caso <strong>de</strong> Éri (6;11), que coloca a vareta no sentido horizontal sobre<br />

as torres, paralelamente à mesa, e diz que não está igual porque sobra um pedaço da vareta para além dos<br />

lados das torres. Na construção da torre sobre o suporte, percebe e i<strong>de</strong>ntifica a presença do mesmo, mas o<br />

consi<strong>de</strong>ra pertencente à torre.<br />

Nat (6;11) coloca a vareta no sentido vertical, paralelamente à altura da torre, mas não marca, nem<br />

transfere essa medida para a outra torre que construiu, ou seja, não <strong>de</strong>scentrou o suficiente para formar<br />

uma sequência <strong>de</strong> comparações sistemáticas que possibilitam comprovar suas alturas. Na segunda etapa<br />

da construção, Nat não faz comentários sobre o suporte colocado e utiliza o mesmo procedimento para<br />

construir a sua torre, ignorando esse dado. Na terceira etapa, porque utiliza o mesmo número <strong>de</strong> peças, diz<br />

que não dá pra fazer uma torre do mesmo tamanho que a apresentada porque como as peças são menores<br />

o tamanho não po<strong>de</strong> ser o mesmo, e que a vareta não ajuda a conferir, conforme o diálogo a seguir:<br />

Pesq - Não dá para ficar do mesmo tamanho que a minha?<br />

Nat (6;11)- Não, porque essa aí é gran<strong>de</strong> (mostra o bloco cúbico) e este aqui é pequeno<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 232


(mostra a peça menor usada por ela).<br />

Pesq - E a vareta não ajuda a resolver?<br />

Nat (6;11)- Não.<br />

Raf (8;3), ao comparar o tamanho das torres, apoia a vareta sobre elas paralelamente à mesa,<br />

porém não faz referência à medida da vareta, mas, sim, à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> blocos utilizados. Na construção<br />

da torre sobre o suporte, percebe a presença do suporte, mas o consi<strong>de</strong>ra como parte integrante da torre.<br />

Raf (8;3) - Só que aí eu vou precisar um pouco mais <strong>de</strong> peça por causa disso aqui.<br />

(Aponta para o suporte)<br />

Na construção da torre com peças menores que as do mo<strong>de</strong>lo, Raf (8;3) constroi, compara com a<br />

vareta apoiada nas torres paralelamente à mesa, mas não encontra uma explicação plausível para dar:<br />

Pesq - Está do mesmo tamanho que a minha?<br />

Raf (8;3) olhando atentamente respon<strong>de</strong>: - Não.<br />

Pesq - Não dá pra ficar do mesmo tamanho que a minha?<br />

Raf (8;3) – Não, porque essa aí é gran<strong>de</strong> (mostra o bloco cúbico) e este aqui é pequeno<br />

(mostra a peça pequena usada por ela).<br />

Pesq - E a vareta não resolve?<br />

Raf (8;3) - Não.<br />

Wil (8;4), em todas as construções, utiliza a vareta como medida colocando-a verticalmente ao<br />

lado da sua torre, transferindo essa medida para a torre mo<strong>de</strong>lo. Não faz nenhuma observação sobre o<br />

suporte. É como se não tivesse percebido o suporte.<br />

Bea (9;8) faz as construções, manuseia várias varetas até achar uma a<strong>de</strong>quada para a sua<br />

necessida<strong>de</strong>, marca com o <strong>de</strong>do e transfere essa medida para a torre mo<strong>de</strong>lo, mas tem dificulda<strong>de</strong> em<br />

explicar.<br />

Bea (9;8) - Ah, eu medi com a varetinha aí só.<br />

Pesq - E <strong>de</strong>pois você não fez mais nada? Você mediu a sua torre com a varetinha e <strong>de</strong>pois<br />

o que você fez?<br />

Bea (9;8) - Eu coloquei na sua para ver se dava.<br />

Pesq - E <strong>de</strong>u?<br />

Bea (9;8) afirma balançando a cabeça.<br />

Pat (13;5), na primeira construção, satisfaz-se comparando a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> blocos das torres. Na<br />

construção da torre com peças menores, manipula várias varetas; no final, escolhe a maior e explica o que<br />

fez. Quanto ao suporte, consi<strong>de</strong>ra-o parte da torre.<br />

Pesq -Como você prova que está igual?<br />

Pat(13;5)- Eu medi a sua e <strong>de</strong>pois a minha. Deu igual.(mostra a vareta maior no<br />

sentido vertical e a vareta menor marcando a altura no sentido horizontal).<br />

Mur (12;10) utiliza o instrumento <strong>de</strong> medida para comparar as torres construídas, percebe<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 233


o suporte, porém não o distingue ao construir sua torre, conforme o diálogo a seguir:<br />

Pesq - Tem a mesma medida?<br />

Mur (12;10) - É para contar isso aqui? (batendo a varinha no suporte).<br />

Pesq - A torre tem tudo isso?<br />

Mur (12;10)- Tem.<br />

Raf (14;3), na primeira construção, apenas contabiliza a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> blocos da torre<br />

mo<strong>de</strong>lo. Na segunda construção, tenta relacionar a medida dos blocos menores com o suporte e utiliza o<br />

instrumento <strong>de</strong> medida para comparar as torres.<br />

Rha (14;4), na primeira construção, faz uso do mesmo tipo <strong>de</strong> estratégia <strong>de</strong> sujeitos <strong>de</strong> 6 anos, ou<br />

seja , verifica o nível visual das torres. Na segunda construção, nega a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medir a torre com<br />

as varetas, mesmo com o gesto indutivo da pesquisadora, conforme diálogo a seguir:<br />

Conclusão<br />

Pesq - Como você provaria que tem ou não o mesmo tamanho?<br />

Rha (14;4)- Porque os quadrados são diferentes.<br />

Pesq - É? Tem essas varetinhas que estão aí. Daria para você aproveitar para conferir?<br />

Rha (14;4)- (olha por cima das duas torres).- Não.<br />

Pesq - Nenhuma <strong>de</strong>las?<br />

Rha (14;4)- Não.<br />

Pesq – (insistindo e mexendo nas varetas): Não dá para conferir?<br />

Rha (14;4)- Não.<br />

De acordo com Piaget (1973) o conceito <strong>de</strong> medida é construído à medida que o sujeito se<br />

<strong>de</strong>scentra do espaço egocêntrico e, gradualmente, agrupa <strong>de</strong>slocamentos realizados por ele, até organizar<br />

uma sequência <strong>de</strong> comparações sistemáticas que <strong>de</strong>correm <strong>de</strong> suas operações lógicas.<br />

Este estudo mostrou que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma faixa etária, em que os sujeitos frequentam a<br />

mesma série escolar, é possível encontrar indivíduos em estágios diferentes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Consequentemente, e escola precisa levar isto em consi<strong>de</strong>ração se <strong>de</strong>seja propiciar a aprendizagem, com<br />

compreensão, <strong>de</strong> conhecimentos científicos.<br />

É claro que a compreensão dos conceitos dos diferentes sujeitos estudados não po<strong>de</strong> ser<br />

generalizada para outros universos escolares. Contudo, permite corroborar o pressuposto piagetiano <strong>de</strong><br />

que, para a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certos conceitos, estruturas prece<strong>de</strong>ntes necessitam ser construídas.<br />

Dentre os sujeitos pesquisados por este estudo, nenhum consi<strong>de</strong>rou a <strong>de</strong>fasagem das bases entre o<br />

mo<strong>de</strong>lo e a cópia, assim como não fizeram a iteração <strong>de</strong> medidas. Essas constatações indicam a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se propor ativida<strong>de</strong>s referentes à medida para <strong>de</strong>senvolver as estruturas prece<strong>de</strong>ntes<br />

necessárias à aquisição <strong>de</strong> conceitos da geometria escolar.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 234


Referências<br />

AEBLI, Hans Una didáctica fundada en la psicologia <strong>de</strong> Jean Piaget. Buenos Aires: Editora Kapelusz,<br />

1958.<br />

BECKER, Fernando Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: ArtMed, 2001.<br />

CHIAROTTINO, Zélia Ramozzi. <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget. In RAPPAPORT,<br />

Clara Regina. Temas básicos <strong>de</strong> psicologia. São Paulo: EPU, 1988.<br />

DELVAL, Juan Apren<strong>de</strong>r na vida e apren<strong>de</strong>r na escola. Porto Alegre: ArtMed Editora, 2001.<br />

FAINGUELERNT, Estela Kaufman Educação matemática: representação e construção em geometria.<br />

Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.<br />

PIAGET, Jean, INHELDER B. et SZEMINSKA A. La geométrie spontanée <strong>de</strong> l’enfant. Paris: Presses<br />

Universitaires <strong>de</strong> France, 1973.<br />

PIAGET, Jean. Para on<strong>de</strong> vai a educação? 14ª edição, Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio, 1998.<br />

SCRIPTORI, Carmen C. A Matemática na educação infantil: uma visão psicogenética In GIMARÃES, C.<br />

M. (org). Perspectivas para Educação Infantil. Araraquara, SP: Junqueira&Marin Editores. 2005, p. 105-<br />

124.<br />

SOUZA, Maria Thereza Costa Coelho. A concepção <strong>de</strong> construção na epistemologia genética <strong>de</strong> Piaget.<br />

In: ______ (org). Os sentidos <strong>de</strong> construção: o si mesmo e o mundo. Casa do Psicólogo, 2004.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 235


Estudo Comparativo entre Projeto Político Pedagógico e os Procedimentos em Sala <strong>de</strong> Aula <strong>de</strong> uma<br />

Escola Particular Construtivista <strong>de</strong> Araguari<br />

Resumo<br />

LIMA, Júnia Mara <strong>de</strong> Miranda<br />

Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos – UNIPAC<br />

juniamara18@yahoo.com.br<br />

O interesse por pesquisas surgiu no segundo semestre do ano <strong>de</strong> dois mil e oito, quando o professor da<br />

disciplina <strong>de</strong> História da Educação, Otaviano Pereira, solicitou a escolha <strong>de</strong> um autor para a confecção <strong>de</strong><br />

um artigo. No início surgiram muitas dúvidas, mas após fazer a leitura sobre alguns autores, houve a<br />

certeza <strong>de</strong> que o artigo seria sobre Emília Ferreiro, pois sua contribuição para a Educação é imensa e sua<br />

linha <strong>de</strong> pesquisa é fascinante. Hoje, aluna do quarto período <strong>de</strong> Pedagogia da Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />

Antônio Carlos - UNIPAC – Campus Araguari - orientada pela professora Lara Arenghi Faria, me propus<br />

a fazer esta pesquisa. O presente estudo surgiu da inquietação em saber se o proposto no Projeto Político<br />

Pedagógico – PPP, é realmente implementado em sala <strong>de</strong> aula. A admiração e fascínio por Emília Ferreiro,<br />

fizeram com que começasse tal estudo em uma escola que afirma ser construtivista. A escola<br />

selecionada foi a Escola Machado <strong>de</strong> Assis, que fica situada na Avenida Minas Gerais, número 1600,<br />

Araguari – Minas Gerais. Semanalmente será analisado o documento PPP e observadas as ativida<strong>de</strong>s em<br />

uma sala <strong>de</strong> aula. A sala selecionada foi a do terceiro ano das séries inicias do Ensino Fundamental com<br />

duração <strong>de</strong> nove anos obrigatórios.<br />

Palavras-Chave: Educação. Construção. Conhecimento<br />

Abstract<br />

The interest in research came in the second half of the year two thousand and eight, when the professor of<br />

the discipline of History of Education, Otaviano Pereira, asked to choose an author for the preparation of<br />

an article. In the beginning there were many doubts, but after doing some reading on the author, there was<br />

the certainty that the article would be about Emilia Ferreiro, because its contribution to education is<br />

immense and its line of research is fascinating. Today, stu<strong>de</strong>nt of the fourth period of Pedagogy,<br />

Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Antonio Carlos - UNIPAC - Campus Araguari - directed by Professor Lara<br />

Arenghi Faria, I proposed to do this research. This study arose from the concern is whether the proposed<br />

Pedagogic Political Project - PPP, is really implemented in the classroom. The fascination and admiration<br />

by Emilia Ferreiro, have led to begin this study in a school that claims to be constructive. The school was<br />

selected the Escola Machado <strong>de</strong> Assis, which is located on Avenida Minas Gerais, number 1600,<br />

Araguari - Minas Gerais. Weekly PPP the document will be examined and observed the activities in a<br />

classroom. The room was selected for the third year the series starts from elementary school over a period<br />

of nine years compulsory. This study has as main objective to establish the relationship between theory<br />

and implementation of PPP.<br />

Keywords: Education. Construction. Know- how.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 236


Introdução<br />

O interesse por pesquisas surgiu no segundo semestre do ano <strong>de</strong> dois mil e oito, quando o<br />

professor da disciplina <strong>de</strong> História da Educação, Otaviano Pereira, solicitou a escolha <strong>de</strong> um autor para a<br />

confecção <strong>de</strong> um artigo. No início, surgiram muitas dúvidas, mas após fazer a leitura sobre alguns<br />

autores, houve a certeza <strong>de</strong> que o artigo seria sobre Emília Ferreiro, pois sua contribuição para a<br />

Educação é imensa e sua linha <strong>de</strong> pesquisa é fascinante.<br />

Hoje, aluna do quarto período <strong>de</strong> Pedagogia da Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos -<br />

UNIPAC – Campus Araguari - orientada pela professora Lara Arenghi Faria, me propus a fazer esta<br />

pesquisa. O presente estudo surgiu da inquietação em saber se o proposto no Projeto Político Pedagógico<br />

– PPP, é realmente implementado em sala <strong>de</strong> aula. A admiração e fascínio por Emília Ferreiro, fizeram<br />

com que começasse tal estudo em uma escola que afirma ser construtivista.<br />

A escola selecionada foi a Escola Machado <strong>de</strong> Assis, que fica situada na Avenida Minas Gerais,<br />

número 1600, Araguari – Minas Gerais. Semanalmente será analisado o documento PPP e observadas as<br />

ativida<strong>de</strong>s em uma sala <strong>de</strong> aula. A sala selecionada foi a do terceiro ano das séries inicias do Ensino<br />

Fundamental com duração <strong>de</strong> nove anos obrigatórios. Este estudo tem como objetivo principal estabelecer<br />

relação entre teoria e implementação do PPP.<br />

Referencial Teórico<br />

O pesquisador e estudioso suíço, Jean Piaget, nasceu em agosto <strong>de</strong> 1896, pertencente a uma<br />

família <strong>de</strong> classe alta, iniciou seus estudos científicos ainda muito jovem, formou-se em Biologia, porém<br />

sua maior preocupação era enten<strong>de</strong>r como o sujeito adquire seu conhecimento.<br />

Piaget vai mostrar como o homem, logo que nasce, apesar <strong>de</strong> trazer uma fascinante<br />

bagagem hereditária que remonta a milhões <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> evolução, não consegue emitir a<br />

mais simples operação <strong>de</strong> pensamento ou o mais elementar ato simbólico. Vai mostrar<br />

ainda que o meio social, por mais que sintetize milhares <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> civilização, não<br />

consegue ensinar a esse recém-nascido o mais elementar conhecimento objetivo. Isto é, o<br />

sujeito humano é um projeto a ser construído; o objeto é, também, um projeto a ser<br />

construído. Sujeito e objeto não têm existência prévia, a priori: eles se constituem<br />

mutuamente, na interação. (BECKER, 2001, p. 70)<br />

De acordo com Becker (2001), Piaget busca explicar o processo <strong>de</strong> construção do conhecimento<br />

propondo uma relação <strong>de</strong> interação entre sujeito e objeto, sendo assim, para o autor não é possível<br />

explicar a origem do conhecimento <strong>de</strong>tendo-se apenas no sujeito ou no objeto.<br />

conhecimento.<br />

Somente a partir da interação com o meio físico, social e cultural torna-se possível a construção do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 237


Emília Ferreiro é uma importante estudiosa, argentina seguidora das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Piaget, a autora traz<br />

relevantes contribuições para o entendimento do processo <strong>de</strong> aquisição da leitura e escrita construída pela<br />

criança, posto isto, Ferreiro afirma:<br />

O que a autora nos oferece são i<strong>de</strong>ias a partir das quais torna-se possível o que já era<br />

necessário: repensar a prática escolar da alfabetização. São reflexões – às vezes<br />

apaixonadas – sobre os resultados <strong>de</strong> suas pesquisas científicas (...)<br />

Tradicionalmente a investigação sobre as questões da alfabetização tem girado em torno<br />

<strong>de</strong> uma pergunta: “como se <strong>de</strong>ve ensinar a ler e escrever?” A crença implícita era a <strong>de</strong> que<br />

o processo <strong>de</strong> alfabetização começava e acabava entre as quatro pare<strong>de</strong>s da sala <strong>de</strong> aula e<br />

que a aplicação correta do método a<strong>de</strong>quado garantia ao professor o controle do processo<br />

<strong>de</strong> alfabetização dos alunos. (FERREIRO, E. 1985, p. 5)<br />

Construtivismo não é um método e não é também técnica <strong>de</strong> ensino. Segundo Becker:<br />

Construtivismo significa isto: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que nada, a rigor, está pronto, acabado, e <strong>de</strong> que,<br />

especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo<br />

terminado – é sempre um leque <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m ou não ser realizadas. É<br />

constituído pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo<br />

humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força <strong>de</strong> sua ação, e não por<br />

qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, <strong>de</strong> tal modo que po<strong>de</strong>mos<br />

afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos,<br />

pensamento. (BECKER, 2001, p. 72)<br />

Segundo Becker, o construtivismo é, portanto, a elaboração do conhecimento; é uma teoria que<br />

permite a nós enquanto sujeitos, a interpretação do mundo.<br />

Na educação, o construtivismo se dá a partir da realida<strong>de</strong> vivenciada tanto por alunos quanto por<br />

professores, on<strong>de</strong> o aluno constrói seu conhecimento através da vivência <strong>de</strong> seu dia-a-dia.<br />

Para a realização do presente estudo, o trabalho da autora Veiga oferece gran<strong>de</strong>s contribuições<br />

para um melhor entendimento <strong>de</strong> como se dá a construção e a implementação do Projeto Político<br />

Pedagógico nas escolas.<br />

Ao construirmos os projetos <strong>de</strong> nossas escolas, planejamos o que temos intenção <strong>de</strong> fazer,<br />

<strong>de</strong> realizar. Lançamo-nos para diante, com base no que temos, buscando o possível. É<br />

antever um futuro diferente do presente. O Projeto Político Pedagógico vai além <strong>de</strong> um<br />

simples agrupamento <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s diversas.<br />

O projeto não é algo que é construído e em seguida arquivado ou encaminhado às<br />

autorida<strong>de</strong>s educacionais como prova do cumprimento <strong>de</strong> tarefas burocráticas. Ele é<br />

construído e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo<br />

educativo da escola. O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com<br />

um sentido explícito, com um compromisso <strong>de</strong>finido coletivamente. (VEIGA, 1995, p.<br />

12 e 13)<br />

Segundo Veiga (1995), o PPP, <strong>de</strong>ve ser construído por todos os envolvidos com a escola (pais,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 238


alunos, funcionários e direção da escola), <strong>de</strong>ve-se executar o que está proposto no projeto <strong>de</strong> forma<br />

coerente; <strong>de</strong>finir o tipo <strong>de</strong> escola que projetam e o tipo <strong>de</strong> cidadão que planejam educar. A formação<br />

continuada dos profissionais da escola tem que fazer parte integrante do Projeto Político Pedagógico.<br />

Para Gadotti e Romão (2001), “O projeto pedagógico da escola é, por isso mesmo, sempre um<br />

processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalida<strong>de</strong> que permanece como horizonte da escola” e<br />

apoia-se:<br />

a) no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma consciência crítica; b) no envolvimento das pessoas:<br />

comunida<strong>de</strong> interna e externa à escola; c) na participação e na cooperação das várias<br />

esferas <strong>de</strong> governo; d) na autonomia, responsabilida<strong>de</strong> e criativida<strong>de</strong> como processo e<br />

como produto do projeto. (GADOTTI; ROMÃO, 2001, p. 36)<br />

De acordo com os autores acima citados, o PPP ampara-se no comprometimento dos pais, e <strong>de</strong><br />

todos os integrantes do processo educativo, na conscientização crítica dos alunos, no incentivo dos<br />

governantes.<br />

Se o Estado, a socieda<strong>de</strong> civil e a socieda<strong>de</strong> econômica enten<strong>de</strong>rem melhor qual é o papel<br />

da educação na formação para a cidadania e para o <strong>de</strong>senvolvimento nacional,<br />

encontrarão com mais facilida<strong>de</strong> os recursos para a construção <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> para todos.<br />

O Brasil passou por um primeiro momento em que a educação estava entregue<br />

unicamente nas mãos da iniciativa confessional e privada, que ofereceu uma escola<br />

perfeitamente a<strong>de</strong>quada às necessida<strong>de</strong>s dos poucos que tinham oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

freqüentá-la. Em seguida, houve uma forte intervenção do Estado que, pressionado pela<br />

população, expandiu as oportunida<strong>de</strong>s educacionais, mas não consi<strong>de</strong>rou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

preparar as escolas para as consequências resultantes <strong>de</strong>sse processo. Estamos vivendo<br />

hoje um momento <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> síntese entre qualida<strong>de</strong> e quantida<strong>de</strong>. É a vez da socieda<strong>de</strong>.<br />

( GADOTTI; ROMÃO, 2001, p. 44).<br />

De acordo com os autores citados acima, a união entre o Estado, a socieda<strong>de</strong> civil e a socieda<strong>de</strong><br />

econômica possibilita uma chance maior na busca da qualida<strong>de</strong> educacional. Ambos com os mesmos<br />

objetivos e aparando as diferenças tornarão possíveis gran<strong>de</strong>s conquistas e maiores oportunida<strong>de</strong>s<br />

educacionais.<br />

Objetivos<br />

• Compreen<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> PPP;<br />

• Propor uma reflexão ao educador para repensar o seu papel enquanto mediador <strong>de</strong> uma<br />

aprendizagem que priorize a bagagem <strong>de</strong> conhecimento trazida por seus alunos;<br />

• Proce<strong>de</strong>r a um estudo comparativo entre Projeto Político Pedagógico e procedimentos<br />

pedagógicos na sala <strong>de</strong> aula;<br />

• Reunir bibliografia que contribua para a pesquisa;<br />

• Ler e analisar a bibliografia levantada e outras que possam surgir durante o andamento da<br />

pesquisa;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 239


• Compreen<strong>de</strong>r o que os autores colocam sobre o tema;<br />

• Verificar os pontos e conceitos <strong>de</strong> maior importância;<br />

• Estabelecer relação entre teoria e implementação do Projeto Político Pedagógico.<br />

Metodologia<br />

Coleta <strong>de</strong> dados<br />

• análise documental do Projeto Político Pedagógico do ano <strong>de</strong> 2007 e 2008;<br />

• análise do Regimento Escolar;<br />

• análise dos procedimentos em sala <strong>de</strong> aula;<br />

• coleta e análise do material <strong>de</strong> dois alunos pertencentes a sala selecionada, para análise.<br />

Desenvolvimento<br />

Dando início ao trabalho <strong>de</strong> pesquisa, aqui proposto, foi analisado o PPP do ano <strong>de</strong> 2007,<br />

documento este, que norteia a prática pedagógica da instituição.<br />

Cabe ressaltar que a leitura do PPP 2007 se <strong>de</strong>u pelo fato <strong>de</strong> a escola não disponibilizar no<br />

momento a atual Proposta Política Pedagógica referente ao ano <strong>de</strong> 2008, justificando que o documento<br />

encontrava-se na Superintendência Regional <strong>de</strong> Ensino.<br />

Após aproximadamente trinta dias <strong>de</strong> estudo e levantamento <strong>de</strong> dados, a escola forneceu o PPP <strong>de</strong><br />

2008 solicitado no início do trabalho.<br />

De posse <strong>de</strong> todos os documentos exigidos, <strong>de</strong>ntre eles o Regimento Escolar da instituição, foi<br />

<strong>de</strong>cidido que os estudos aconteceriam às terças e quintas-feiras no período da manhã, quando seriam<br />

analisados e registrados em forma <strong>de</strong> anotações as principais informações para a elaboração da pesquisa.<br />

Paralelamente à análise documental, porém no período da tar<strong>de</strong>, dos mesmos dias acima citados,<br />

também foram realizadas observações em sala <strong>de</strong> aula, lembrando que a sala selecionada foi o terceiro<br />

ano das séries do Ensino Fundamental.<br />

As observações propiciaram o levantamento <strong>de</strong> algumas informações que antece<strong>de</strong>m a pesquisa,<br />

ou seja, durante o período <strong>de</strong>stinado a coleta <strong>de</strong> dados em sala <strong>de</strong> aula, foram realizadas anotações que<br />

subsidiaram o trabalho. Tendo como referência os dados obtidos foi possível perceber uma “relação”<br />

existente entre a prática pedagógica da professora e a Proposta Pedagógica da Escola.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 240


Conclusões<br />

Até o presente momento, não é possível afirmar que a prática educativa implementada na sala <strong>de</strong><br />

aula do terceiro ano das séries iniciais do Ensino Fundamental, contempla a proposta pedagógica da<br />

instituição.<br />

Portanto, a pesquisa aqui proposta parte da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprofundar os estudos e análises,<br />

buscando i<strong>de</strong>ntificar nas entrelinhas da ação educativa subsidiada pela Proposta Pedagógica da Escola a<br />

verda<strong>de</strong>ira complementação existente entre ambas.<br />

Referências<br />

FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985.<br />

______; TEBEROSKY, A. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.<br />

______. Cultura Escrita e Educação. Porto Alegre: ArtMed, 2001.<br />

BECKER, F. Educação e Construção do Conhecimento. Porto Alegre: ArtMed, 2001.<br />

VEIGA, I. P. A. Projeto Político-Pedagógico da Escola: Uma Construção Possível. Campinas: Papirus,<br />

1995.<br />

PIAGET, P. Trad. Álvaro Cabral. A construção do real na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1970.<br />

______. Trad. Rui B. Dias. Educar para o futuro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974.<br />

______. Aprendizagem e conhecimento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1979.<br />

LIBÂNEO, J.C. Democratização da escola pública. São Paulo: Loyola, 1986.<br />

______. Didática. São Paulo: Cortez, 1990.<br />

MENEGOLLA, M.I. e SANTANA, J.M. Por que planejar? Como planejar? Petrópolis: Vozes, 1992.<br />

FREIRE, P. Alfabetização e conscientização. Porto Alegre: Editora Emma, 1963.<br />

______. Pedagogia do Oprimido. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1970.<br />

______. Trad. Lilian Lopes Martin. Educação e Mudança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1979.<br />

______. A importância do ato <strong>de</strong> ler.. São Paulo: Cortez / Autores Associados, 1982.<br />

ALVES, R. O preparo do educador. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1985.<br />

______. Estórias <strong>de</strong> quem gosta <strong>de</strong> ensinar. São Paulo: Cortez, 1996.<br />

VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1987.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 241


5. Aprendizagem<br />

Geometria: A I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> Padrões como Metodologia <strong>de</strong> Ensino<br />

Resumo<br />

FRANCO, Val<strong>de</strong>ni Soliani<br />

SOUZA, Simone <strong>de</strong><br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />

vsfranco@uem.br<br />

simoneejordao@hotmail.com<br />

Neste artigo problematizamos o ensino <strong>de</strong> geometria e apontamos a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> padrões como<br />

metodologia para a sua aprendizagem. Com este propósito trazemos a teoria <strong>de</strong> Piaget para traçar alguns<br />

problemas sobre a noção <strong>de</strong> geometria por crianças em ida<strong>de</strong> escolar, que aponta que a intuição<br />

geométrica da criança é mais topológica do que euclidiana ou projetiva e isso se prolonga<br />

aproximadamente até os sete anos. O pressuposto piagetiano <strong>de</strong> que conhecer é agir sobre os objetos<br />

também se aplica aos conceitos topológicos, projetivos ou euclidianos. Nesse sentido, é necessária a ação<br />

da criança sobre o objeto para que esta perceba proprieda<strong>de</strong>s que são conservadas ou não. Na tentativa do<br />

professor assumir sua condição <strong>de</strong> promovedor <strong>de</strong> situações experimentais para facilitar a construção <strong>de</strong><br />

noções geométricas é que passamos a refletir sobre a ressignificação do ensino <strong>de</strong> geometria sob a ótica<br />

<strong>de</strong> padrões. Neste sentido, apontamos na sequência uma proposta <strong>de</strong> implementação.<br />

Palavras-chave: Concepção epistemológica. Educação infantil. Padrões geométricos.<br />

Abstract<br />

In this article we problematize the teaching of geometry and point out the i<strong>de</strong>ntification of patterns as a<br />

methodology for learning. With this purpose we bring the theory of Piaget in or<strong>de</strong>r to set out some<br />

problems regarding the notion of geometry in school-aged children, theory which indicates that the<br />

geometric intuition of the child is more topological than Eucli<strong>de</strong>an or projective and that this extends<br />

itself approximately to up to seven years old. The Piagetian assumption that knowing is acting upon<br />

objects also applies to the topological, projective or Euclidian concepts. Accordingly, the action of the<br />

child upon the object is necessary, so that the child notices the properties that are preserved or not.<br />

Through the teacher’s attempt to take on his/her condition as promoter of experimental situations in or<strong>de</strong>r<br />

to facilitate the construction of geometric notions, we come to reflect on the resignification of the<br />

teaching of geometry un<strong>de</strong>r the light of patterns. In this sense, we point out a proposal for<br />

implementation.<br />

Keywords: Epistemological conception. Child education. Patterns geometry.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 242


Introdução<br />

Definimos padrões como proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> objetos que apresentam uma regularida<strong>de</strong> e repetição.<br />

Nosso objetivo é enfatizar que o ensino <strong>de</strong> geometria para crianças da Educação Infantil e séries iniciais<br />

do Ensino Fundamental, <strong>de</strong>ve ser iniciado pela topologia ou geometria das distorções, conforme discussão<br />

<strong>de</strong> Piaget na obra: A construção do Espaço pela criança.<br />

Focalizar o ensino <strong>de</strong> geometria nas instituições educacionais e refletir sobre a construção <strong>de</strong><br />

noções geométricas pelas crianças abre espaço para inúmeros questionamentos: como se dá a construção<br />

<strong>de</strong> noções geométricas pela criança? Conhecimentos matemático-geométricos são <strong>de</strong>senvolvidos somente<br />

via escolarização? O referencial da i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> padrões po<strong>de</strong> contribuir, e <strong>de</strong> que forma, para (re)<br />

significar a abordagem dos conhecimentos geométricos pelos professores?<br />

Para Piaget o processo <strong>de</strong> se tornar humano é se tornar matemático uma vez que nossa razão<br />

constrói-se pela lógica da ação. Essa lógica permite-nos <strong>de</strong>senvolver o raciocínio lógico-matemático.<br />

Segundo Becker (1998, p. 22): “Para Piaget, ser humano implica ser matemático; tornar-se humano é<br />

tornar-se matemático, ou melhor, lógico-matemático no sentido qualitativo e quantitativo, portanto,<br />

matemático no sentido amplo”.<br />

Para compreen<strong>de</strong>rmos como este processo ocorre, Jean Piaget pensou as fases <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

cognitivo em períodos pelas quais as crianças passam durante a construção <strong>de</strong> conhecimentos. Um bebê<br />

ao preferir um alimento a outro, um ambiente a outro, uma música a outra, está seriando e classificando<br />

mediante suas estruturas lógico-matemáticas. Classificar e seriar exigem estabelecer relações entre<br />

objetos, o que é a chave do processo <strong>de</strong> conhecer. A construção das noções <strong>de</strong> objeto permanente e <strong>de</strong><br />

espaço possibilita à criança <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-se, gradualmente, do plano perceptivo e atuar no campo das<br />

representações graças à função simbólica, particularmente, da fala.<br />

A organização da fala por uma criança entre dois e três anos é, na verda<strong>de</strong>, uma síntese <strong>de</strong> suas<br />

construções ou coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> ações do período sensório-motor. Quando começa a se expressar com<br />

significado (por gestos ou por meio da fala) há um enca<strong>de</strong>amento lógico na busca <strong>de</strong> sentido, o que<br />

caracteriza a utilização <strong>de</strong> algumas formas <strong>de</strong> representação como brinquedo, imitação, <strong>de</strong>senho, jogo.<br />

Assim, falar é a expressão <strong>de</strong> um exercício lógico-matemático essencial no qual cada criança<br />

constrói para si, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> escolarização, um sistema <strong>de</strong> encaixes numa certa or<strong>de</strong>m e classe<br />

provenientes da coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> suas ações.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que no movimento <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> conhecimentos pela criança há padrões internos<br />

que lhe permitem (re) organizar significados em uma troca constante com o meio social. Desta maneira, o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 243


aciocínio inicial da criança que está atrelado ao real, próprio do nível operatório concreto, dos 07 aos<br />

11/12 anos, cria estruturas internas que dão o suporte necessário para que, na adolescência, esta construa a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> preposições e criação <strong>de</strong> significações i<strong>de</strong>ais, próprias do raciocínio<br />

hipotético-<strong>de</strong>dutivo.<br />

A principal característica do período operatório formal, a partir <strong>de</strong> 11/12 anos, é a reversibilida<strong>de</strong>.<br />

De acordo com Piaget, trata-se <strong>de</strong> uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> executar uma mesma ação nos dois sentidos <strong>de</strong><br />

percurso tendo, agora, a consciência cognitiva <strong>de</strong> que se trata da mesma ação.<br />

Na linguagem matemática, a reversibilida<strong>de</strong> nada mais é do que uma função bijetora. Ou seja, é a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que alterado um elemento <strong>de</strong> um conjunto por meio <strong>de</strong> uma ação (aplicação da função) este<br />

retorna ao mesmo conjunto mediante a ação inversa (aplicação da função inversa). Se pensarmos em<br />

termos <strong>de</strong> uma estrutura algébrica, teremos então a existência <strong>de</strong> elemento inverso.<br />

Utilizando-se <strong>de</strong>ssa conquista lógico-matemática, a mente humana <strong>de</strong>senvolveu um sistema para<br />

formular, reconhecer e classificar, por meio <strong>de</strong> padrões (como tamanho, forma etc. dos objetos com os<br />

quais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> crianças tivemos contato).<br />

É importante lembrar, que os padrões po<strong>de</strong>m ser explorados tanto na geometria euclidiana, como<br />

nas geometrias não-euclidianas, começando pela topologia. A partir daí, a criança é capaz <strong>de</strong> construir<br />

conhecimentos da “geometria da visão” (geometria projetiva) e geometria euclidiana.<br />

Referencial Teórico<br />

Até o início do século XIX, não teríamos gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s em <strong>de</strong>finir o termo geometria, pois<br />

a raiz da palavra auxilia o entendimento do próprio termo e a única geometria possível, na época, era a<br />

euclidiana por <strong>de</strong>finição.<br />

Com o advento das geometrias não-euclidianas, essa <strong>de</strong>finição não mais caracteriza esta área da<br />

Matemática. Como po<strong>de</strong>ríamos, então, <strong>de</strong>finir geometria? Recorrendo ao dicionário, encontramos:<br />

“geometria é a ciência que estuda as proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> elementos que são invariantes sob<br />

<strong>de</strong>terminados grupos <strong>de</strong> transformações”. Ser invariante sob uma transformação significa que após a<br />

aplicação <strong>de</strong> uma ação em um conjunto, o novo conjunto mantém intacto algum <strong>de</strong>terminado padrão.<br />

Po<strong>de</strong>mos exemplificar esta afirmação, utilizando a Topologia, a Geometria Projetiva e a<br />

Geometria Euclidiana.<br />

Na Topologia, ao consi<strong>de</strong>rarmos um anel <strong>de</strong> borracha, temos que ele possui um buraco. Ao<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 244


esticarmos este anel, o buraco não <strong>de</strong>saparece. Neste caso, a transformação foi a <strong>de</strong> esticar o anel (que é<br />

uma das transformações topológicas), e o padrão que se manteve foi o buraco.<br />

Para a Geometria Projetiva, imaginemos três objetos dispostos em linha reta, não importa a<br />

posição em que olhamos estes objetos, eles estarão sempre alinhados, a transformação aqui seria a<br />

mudança <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> vista (projetivida<strong>de</strong>) e o padrão mantido foi o alinhamento dos objetos.<br />

No caso da Geometria Euclidiana, ao girarmos um objeto qualquer, sua forma não se altera, neste<br />

caso a transformação utilizada foi a rotação (que é uma das transformações euclidianas) e o padrão<br />

mantido foi a forma do objeto.<br />

Para ensinar geometria, neste sentido mais amplo, é necessário saber quais são as proprieda<strong>de</strong>s (da<br />

geometria em estudo) que <strong>de</strong>vem ser preservadas após uma <strong>de</strong>terminada ação sobre um objeto. Além<br />

disso, <strong>de</strong>vemos saber reconhecer como as crianças exploram as formas e suas proprieda<strong>de</strong>s em suas vidas.<br />

De acordo com Piaget e Inhel<strong>de</strong>r (1993), a intuição geométrica da criança é mais topológica do<br />

que euclidiana e isso se prolonga aproximadamente até os sete anos. Em geral, por <strong>de</strong>sconhecimento<br />

daqueles que atuam nessa faixa etária os conceitos topológicos que são trabalhados não são percebidos<br />

pelos educadores como tais, provavelmente por <strong>de</strong>fasagem em suas formações.<br />

Souza (2007) aponta que na escola há predominância do ensino empírico <strong>de</strong> figuras da geometria<br />

euclidiana, a saber, triângulo, círculo, quadrado, retângulo etc. O problema é que o ensino das figuras da<br />

geometria euclidiana é, muitas vezes, traduzido em erros conceituais. Este ensino é realizado por uma<br />

conduta metodológica equivocada em que os professores conduzem as crianças a associarem as noções<br />

geométricas aos elementos postos na natureza ou em construções feitas pelo próprio homem, como se<br />

bastasse a elas i<strong>de</strong>ntificá-los, no ambiente exterior, através da percepção sensorial, visão e tato<br />

especialmente. Por que esta metodologia traduz-se em erros conceituais? Porque a criança apenas realiza<br />

a tarefa <strong>de</strong> associar elementos reais à teoria <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s, sem elaborar os processos <strong>de</strong> ressignificação dos<br />

objetos e seus padrões.<br />

Se levarmos em conta a discussão <strong>de</strong> Piaget feita na obra A Construção do Espaço, o ensino<br />

infantil po<strong>de</strong>ria ser iniciado pela exploração <strong>de</strong> padrões da “Topologia”, ou seja, da “Geometria das<br />

Deformações” como também é conhecida. Essa maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominar a topologia nos indica o que<br />

<strong>de</strong>vemos observar após uma <strong>de</strong>formação no objeto. O sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>formação topológico é o <strong>de</strong> esticar ou<br />

<strong>de</strong> encolher o objeto como se este fosse <strong>de</strong> borracha.<br />

Conceitos topológicos tais como, vizinhança (perto ou longe); interior, exterior ou fronteira<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 245


(<strong>de</strong>ntro, fora ou divisa); conexo ou <strong>de</strong>sconexo (ligados ou separados); aberto ou fechado etc. po<strong>de</strong>m ser<br />

trabalhados como noções geométricas que após <strong>de</strong>formações, seus padrões (vizinhança, interior,<br />

conexida<strong>de</strong> etc.) permanecem inalterados. Isto po<strong>de</strong> ser feito, utilizando massa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar, bexigas,<br />

elásticos etc.<br />

O pressuposto piagetiano <strong>de</strong> que conhecer é agir sobre os objetos também se aplica aos conceitos<br />

topológicos, projetivos ou euclidianos. Nesse sentido, é necessária a ação da criança sobre o objeto para<br />

que esta perceba proprieda<strong>de</strong>s que são conservadas ou não.<br />

Um exemplo <strong>de</strong>sta ação da criança para a aprendizagem da geometria projetiva, é oferecer a ela a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observar um objeto, <strong>de</strong> variados ângulos, mantendo a posição da criança e mudando a<br />

posição do objeto e, mudando a posição da criança, mas <strong>de</strong>ixando o objeto imóvel. A partir do momento<br />

em que as crianças reconhecem que as formas dos objetos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do ponto <strong>de</strong> vista do observador,<br />

inicia-se a estrutura projetiva.<br />

De acordo com o <strong>de</strong>poimento do professor <strong>de</strong> química Henrique Toma 58 , “na ciência, a repetição<br />

significa um padrão. Nós inferimos muitas conclusões justamente pelo comportamento repetitivo dos<br />

eventos. Toda a sequência <strong>de</strong> padrões na realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita matematicamente”<br />

A geometria euclidiana requer que as crianças construam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o espaço é constituído <strong>de</strong><br />

objetos móveis e que a própria criança também é um <strong>de</strong>stes objetos. Assim, a movimentação <strong>de</strong> um objeto<br />

sob esta perspectiva pressupõe que as formas, ângulos e distâncias se conservem.<br />

Objetivos<br />

Refletir teoricamente sobre a construção <strong>de</strong> noções geométricas pelas crianças pautados pelos<br />

referenciais <strong>de</strong> Jean Piaget;<br />

Metodologia<br />

Propor uma implementação <strong>de</strong> ensino sob a ótica dos padrões.<br />

A metodologia adotada foi a pesquisa exploratória, que se apoia em análises documentais e<br />

bibliográficas, buscando sistematizar o assunto <strong>de</strong>senvolvido por outros autores <strong>de</strong> forma a atingir os<br />

objetivos propostos.<br />

58 A ORDEM e o Caos. São Paulo, n.2. Coleção Arte e Matemática. Cultura Marcas, Fundação Padre Anchieta, s.d (DVD).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 246


Desenvolvimento<br />

Apresentamos aqui uma proposta <strong>de</strong> metodologia <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> geometria, pela i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />

padrões, ligando-a à teoria <strong>de</strong> <strong>de</strong> Jean Piaget quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> espaço. Definiremos também<br />

a noção <strong>de</strong> padrão.<br />

Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir padrões <strong>de</strong> um objeto como as suas regularida<strong>de</strong>s, as igualda<strong>de</strong>s encontradas em<br />

objetos naturais ou criadas pelos homens, que estabelecem uma or<strong>de</strong>m, organizam fenômenos e i<strong>de</strong>ias.<br />

Segundo a narração <strong>de</strong> Luiz Barco, no ví<strong>de</strong>o a ”Or<strong>de</strong>m e o Caos”,<br />

O psicólogo busca padrões <strong>de</strong> comportamento. O sociólogo, o antropólogo, olha a<br />

socieda<strong>de</strong> e vê padrões <strong>de</strong> cultura. E o matemático? Principalmente quando faz<br />

geometria, ele estabelece padrões. E a pintura, a escultura, a poesia? Nada mais são do<br />

que padrões sendo <strong>de</strong>senvolvidos ou observados para nos apresentar a natureza aos olhos<br />

do matemático e do artista. Todos analisando padrões.<br />

Nesse sentido, padrão, para nós, é o “padrão que liga”, que impõe uma or<strong>de</strong>m em um caos e<br />

estabelece relações entre vários objetos. Ou seja, são padrões comuns entre eles.<br />

Para o ensino <strong>de</strong> geometria é importante compreen<strong>de</strong>r que durante a construção das estruturas<br />

elementares <strong>de</strong> pensamento, as crianças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento, agem sobre as coisas que as ro<strong>de</strong>iam e<br />

classificam-nas, estabelecem relações. Estas relações <strong>de</strong> início apoiam-se em características físicas dos<br />

objetos – objetos duros, lisos, vermelhos etc – para gradualmente evoluírem para critérios abstratos<br />

(FÁVERO, 2005).<br />

Importante <strong>de</strong>stacar que propor ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> padrões po<strong>de</strong> parecer distante das<br />

práticas escolares e sugerir a exploração <strong>de</strong> conceitos abstratos além das possibilida<strong>de</strong>s infantis, o que é<br />

um erro. O reconhecimento <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>s pelas crianças po<strong>de</strong> apoiar-se na observação <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte,<br />

em artesanatos, na construção <strong>de</strong> mosaicos, nas formas dos elementos da natureza – folhas, flores, casas<br />

<strong>de</strong> abelhas, teias <strong>de</strong> aranha, <strong>de</strong>ntre outros – além <strong>de</strong> abrir espaço para as próprias construções das crianças<br />

que ao utilizarem mo<strong>de</strong>los em papel, blocos <strong>de</strong> montar, peças <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong>senhos, criam cenários e<br />

objetos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m que permite ao observador i<strong>de</strong>ntificar o que foi representado nestas<br />

construções espontâneas. E essas construções trazem em si padrões.<br />

O propósito é a professora compreen<strong>de</strong>r que as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> observação das formas dos objetos e<br />

suas comparações po<strong>de</strong>m abrir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s geométricas que,<br />

relacionadas, colaboram para a organização <strong>de</strong> elementos em categorias/padrões, exercitando um tipo <strong>de</strong><br />

pensamento matemático não encontrado no material. Ou seja, as ações infantis individuais e internas<br />

organizam os conhecimentos geométricos segundo padrões <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que <strong>de</strong>vem ser<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 247


consi<strong>de</strong>rados pelas professoras.<br />

Ressignificar o ensino <strong>de</strong> geometria traz embutido questionamentos sobre os referenciais teóricos<br />

e práticos, utilizados pelos professores no <strong>de</strong>correr dos trabalhos matemáticos em sala <strong>de</strong> aula.<br />

Primeiramente, não se po<strong>de</strong> dissociar ensino <strong>de</strong> aprendizagem. Na verda<strong>de</strong>, não existe ensino, sem<br />

aprendizagem, embora a recíproca não seja verda<strong>de</strong>ira.<br />

Para a teoria construtivista, a fonte da aprendizagem está na ação do sujeito, ou seja, “o indivíduo<br />

apren<strong>de</strong> por força das ações que ele mesmo pratica: ações que buscam êxito e ações que, a partir do êxito<br />

obtido, buscam a verda<strong>de</strong> ao apropriar-se das ações que obtiveram êxito” (BECKER, 2003, p.14).<br />

Enten<strong>de</strong>r que as crianças apren<strong>de</strong>m em função <strong>de</strong> suas próprias ações sobre o objeto do<br />

conhecimento supera a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>scobertas infantis são frutos <strong>de</strong> injeções <strong>de</strong> conhecimento<br />

aplicados pelo professor, como querem os empiristas. E combate o pressuposto <strong>de</strong> que o conhecimento é<br />

como uma semente interna que <strong>de</strong>sabrocha durante a maturação infantil, herança inata em que ao docente<br />

cabe fornecer estímulos ao seu florescimento.<br />

O processo <strong>de</strong> construção do conhecimento construtivista é uma via <strong>de</strong> mão dupla em que não se<br />

<strong>de</strong>spreza a influência genética e as contribuições do meio físico e social, mas vai além e os reconhece<br />

como coadjuvantes. A criança que apren<strong>de</strong> ao agir sobre os objetos transforma-os e também se<br />

transforma.<br />

Na relação professor e aluno isto é i<strong>de</strong>ntificado quando as crianças e os docentes apren<strong>de</strong>m juntos<br />

em patamares diferenciados, porém ambos são modificados durante a relação que estabelecem. Desta<br />

forma não há processo estático <strong>de</strong> ensino e aprendizagem. Há o dinâmico, o inventivo, o novo.<br />

Outro ponto a consi<strong>de</strong>rar é que apesar <strong>de</strong> a importância da geometria ser reconhecida pelos guias<br />

curriculares oficiais e por discursos, sabe-se que os professores não abordam a geometria com a mesma<br />

relevância que os conhecimentos numéricos (GÁLVEZ, 1996; PAVANELLO, 2004; FONSECA et al.,<br />

2005; PANIZZA, 2006). A situação agrava-se ao consi<strong>de</strong>rarmos que, segundo Ochi et al. (1992, p.9), “há<br />

professores que julgam que alguma geometria é necessária, mas parece que ninguém <strong>de</strong>terminou<br />

exatamente quais os conceitos e aptidões <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>senvolvidos”. Acrescenta-se à problemática <strong>de</strong> o<br />

quê ensinar, o fato <strong>de</strong> que “um professor que enquanto aluno não apren<strong>de</strong>u geometria, certamente<br />

<strong>de</strong>senvolverá uma atitu<strong>de</strong> negativa em relação a ela e se sentirá inseguro para abordá-la em sala <strong>de</strong> aula”<br />

(PAVANELLO, 2004, p.129).<br />

Diante <strong>de</strong> um panorama gerador <strong>de</strong> incertezas quanto aos conteúdos a serem trabalhados, aos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 248


conhecimentos necessários ao professor que organiza o ensino, as noções que a exploração geométrica<br />

<strong>de</strong>veria proporcionar aos alunos e alunas, perguntamos: O professor recorre a quê ao abordar os<br />

conhecimentos geométricos?<br />

Como uma das possíveis respostas a este questionamento, Souza (2007) alu<strong>de</strong> à utilização <strong>de</strong><br />

referências pessoais dos professores na seleção dos conhecimentos que acreditam ser da área geométrica,<br />

à <strong>de</strong>pendência prática do livro didático e <strong>de</strong> listas <strong>de</strong> exercícios e ativida<strong>de</strong>s recicladas em curso <strong>de</strong><br />

capacitação docente. Estes fundamentos com respaldo <strong>de</strong> condutas empiristas, a nosso enten<strong>de</strong>r,<br />

sacrificam ou até <strong>de</strong>stroem a geometria enquanto conhecimento privilegiado que abre espaço para<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do raciocínio lógico-matemático necessário a todas as áreas.<br />

Neste contexto propomos que inicialmente os educadores consi<strong>de</strong>rem a evolução espontânea das<br />

noções geométricas nas crianças, o que implica admitir que “o espaço infantil, cuja natureza essencial é<br />

ativa e operatória, começa por intuições topológicas elementares, bem antes <strong>de</strong> tornar-se simultaneamente<br />

projetivo e euclidiano” (PIAGET e INHELDER, 1993, p.12). O que requer adiar a exploração das figuras<br />

elementares da geometria euclidiana para dar lugar a exploração dos objetos enquanto formas<br />

tridimensionais.<br />

Cabe acrescentar que as crianças até os sete anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> evoluem do plano sensório-motor, com<br />

predomínio <strong>de</strong> ações práticas na intenção <strong>de</strong> satisfazer uma necessida<strong>de</strong> imediata, para o operatório<br />

concreto em que o papel da representação através da linguagem torna-se um marco importante para<br />

compreensão do processo <strong>de</strong> estruturação cognitiva que vai-se <strong>de</strong>senvolvendo no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste período.<br />

Significa compreen<strong>de</strong>r que as crianças possuem um pensamento intuitivo possível <strong>de</strong> representações<br />

<strong>de</strong>formadas, contrárias as conceitualizações universais e <strong>de</strong>finições.<br />

Assim, consi<strong>de</strong>rar os padrões geométricos como fundamentos auxiliares a reorganização das<br />

práticas educativas, introduz docentes e discentes num universo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s exploratórias <strong>de</strong> formas<br />

geométricas que, inicialmente, propõe variadas experiências com os objetos em que as crianças agem<br />

através <strong>de</strong> classificações, comparações, seriações, sequenciações e estabelecem relações que po<strong>de</strong>m ser<br />

verbalizadas, para futuramente serem conceitualizadas.<br />

Um exemplo do processo <strong>de</strong> ressignificação do ensino <strong>de</strong> noções geométricas através da<br />

i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> padrões po<strong>de</strong> ser observado no discurso <strong>de</strong> uma professora participante das pesquisas <strong>de</strong><br />

Souza (2007, p 54), ao relatar a construção <strong>de</strong> uma maquete <strong>de</strong> circo utilizando-se <strong>de</strong> três tamanhos<br />

diferentes <strong>de</strong> paralelepípedos.<br />

Então como nós po<strong>de</strong>mos montar essa arquibancada? Qual a melhor forma? Então a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 249


exploração <strong>de</strong>sse material. Tem criança que colocou em pé... É irrelevante, não está<br />

errado. A forma como ele vê a arquibancada é diferente da minha. Aí eles chegam em um<br />

consenso porque eles já foram no circo, enten<strong>de</strong>u? Já viram, mas, enfim, a exploração<br />

permite que ele coloque uma assim, outra aqui, outra cá, é exploração livre.<br />

Este relato une o processo <strong>de</strong> construção infantil do conhecimento geométrico e a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />

padrões, visto que, mesmo as crianças já tendo visto uma arquibancada <strong>de</strong> circo, para representá-la é<br />

necessário a reconstrução do conceito <strong>de</strong> arquibancada, tendo como suporte inicial a ação sobre o<br />

material. E este material possui <strong>de</strong>terminadas características – tamanho, forma, espessura – que<br />

permitirão a organização, segundo a forma padrão da arquibancada. Em outras palavras, a partir do<br />

suporte concreto do material as crianças i<strong>de</strong>ntificam as peculiarida<strong>de</strong>s das peças e as organizam, segundo<br />

um padrão <strong>de</strong> relações, que permite dizer se tratar <strong>de</strong> uma arquibancada <strong>de</strong> circo. É nesta<br />

ação/reconstrução que a aprendizagem se ressignifica, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser algo que o professor imprime na<br />

criança para tornar-se algo que o professor auxiliou a criança a construir, individualmente e internamente.<br />

Cabe ressaltar a observação <strong>de</strong> Pavanello (2004, p.136), segundo a qual “as regularida<strong>de</strong>s e<br />

padrões só são reconhecidos quando comparados com o irregular, com o que foge aos padrões, o que em<br />

geral não é feito na escola”. Desta forma, cabe aos professores selecionar objetos variados para que as<br />

comparações incidam sobre as igualda<strong>de</strong>s e as diferenças entre eles, o que tornará verda<strong>de</strong>iramente<br />

significativa a i<strong>de</strong>ntificação das regularida<strong>de</strong>s.<br />

É relevante exemplificar que uma outra professora, também participante das pesquisas <strong>de</strong> Souza<br />

(2007), ao relatar sua experiência explorando o material Geoplano com as crianças, propõe – não <strong>de</strong><br />

forma consciente – que observem os padrões necessários para que obtenham a representação <strong>de</strong> um barco.<br />

“(...) todas as crianças tinham a mesma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elásticos, então o aluno X fazia um <strong>de</strong>senho no<br />

Geoplano e todos os outros amigos teriam que fazer o mesmo <strong>de</strong>senho. E eles iam buscar se estava<br />

idêntico ou se estava parecido”.<br />

Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta natureza, que proporcionam a participação dos alunos na i<strong>de</strong>ntificação das<br />

regularida<strong>de</strong>s e observação do “parecido” ou irregular <strong>de</strong> acordo com o que foi proposto, são<br />

fundamentais ao conhecimento, não só geométrico, mas também <strong>de</strong> outras áreas.<br />

Sua importância po<strong>de</strong> ser verificada no reconhecimento dos padrões do <strong>de</strong>senvolvimento infantil,<br />

<strong>de</strong>lineados pela epistemologia construtivista. De acordo com Fávero (2005, p.108) ao referir-se às<br />

estruturas elementares construídas pelas crianças, pesquisadas por Piaget, ressalta:<br />

Des<strong>de</strong> que nascemos, ao agirmos sobre as coisas ao nosso redor, classificamos essas<br />

coisas, relacionando-as, combinando-as segundo um critério qualquer, seja no início,<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um critério dado pelas suas características físicas (coisas quadradas, duras,<br />

lisas, vermelhas, etc), como <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um critério abstrato (atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 250


Conclusões<br />

comportamento ético, etc.).<br />

Estimular a observação <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>s pelas crianças, reveste suas posteriores representações –<br />

linguagem, <strong>de</strong>senho, maquetes, <strong>de</strong>ntre outras – <strong>de</strong> uma qualida<strong>de</strong> singular, própria da geometria e que,<br />

por sua vez, prepara para um tipo <strong>de</strong> pensamento, o científico, que será explorado nos <strong>de</strong>mais níveis <strong>de</strong><br />

ensino.<br />

De acordo com o <strong>de</strong>poimento do professor <strong>de</strong> química Henrique Toma 59 , “na ciência, a repetição<br />

significa um padrão. Nós inferimos muitas conclusões justamente pelo comportamento repetitivo dos<br />

eventos. Toda a sequência <strong>de</strong> padrões na realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita matematicamente”.<br />

Assim proporcionar a observação <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a educação infantil contribuirá para o<br />

aperfeiçoamento do olhar para os objetos, o que, <strong>de</strong>senvolverá um mecanismo <strong>de</strong> pensamento que,<br />

inicialmente, é intuitivo, mas que, gradualmente, aproxima-se do matemático.<br />

Cristaliza-se por tudo isso, a relevância dos padrões para o conhecimento geométrico infantil<br />

como necessida<strong>de</strong> dos professores i<strong>de</strong>ntificarem as regularida<strong>de</strong>s que permeiam as ativida<strong>de</strong>s propostas,<br />

orientando conscientemente as crianças ao reconhecimento dos mesmos, logicamente <strong>de</strong>ntro das<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> cada faixa etária.<br />

Referências<br />

A ORDEM e o CAOS. Coleção Arte e Matemática. n.2. São Paulo: Cultura Marcas, Fundação Padre<br />

Anchieta, s.d (DVD).<br />

BATESON, Gregory. Mente e Natureza: a unida<strong>de</strong> necessária. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Francisco Alves, 1986.<br />

BECKER, Fernando. <strong>Epistemologia</strong> genética e conhecimento matemático. In: BECKER, Fernando;<br />

FRANCO, Sérgio (org). Revisitando Piaget. Porto Alegre: Mediação, 1998.<br />

BECKER, Fernando. A origem do conhecimento e aprendizagem escolar. Porto Alegre: ArtMed, 2003.<br />

FÁVERO, Maria Helena. <strong>Psicologia</strong> e conhecimento: subsídios da psicologia do <strong>de</strong>senvolvimento para a<br />

análise <strong>de</strong> ensinar e apren<strong>de</strong>r. Brasília, DF: Editora Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 2005.<br />

FONSECA, Maria da Conceição F. R. et al. O ensino da geometria na escola fundamental: três questões<br />

para a formação do professor dos ciclos iniciais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.<br />

GÁLVEZ, Grécia. A geometria, a psicogênese das noções espaciais e o ensino da geometria na escola<br />

primária. Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.<br />

p.236-255.<br />

59 A ORDEM e o Caos. Coleção Arte e Matemática. n. 2. São Paulo: Cultura Marcas, Fundação Padre Anchieta, s.d (DVD).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 251


OCHI, Fusako Hori et al. O uso <strong>de</strong> quadriculados no ensino da geometria. São Paulo: IME-USP, 1992.<br />

PANIZZA, Mabel (Org.). Ensinar matemática na educação infantil e nas séries iniciais: análise e<br />

propostas. Porto Alegre: ArtMed, 2006.<br />

PAVANELLO, Regina Maria. Geometria nas séries iniciais do ensino fundamental: contribuições da<br />

pesquisa para o trabalho escolar. In: PAVANELLO, Regina Maria (Org.). Matemática nas séries iniciais<br />

do ensino fundamental: a pesquisa e a sala <strong>de</strong> aula. São Paulo: Biblioteca do Educador Matemático, 2004.<br />

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PIAGET, Jean; INHELDER, Barbel. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artes<br />

Médicas, 1993.<br />

SOUZA, Simone <strong>de</strong>. Geometria na educação infantil: da manipulação empirista ao concreto piagetiano.<br />

Maringá, 2007. 146f. Dissertação (Mestrado em Ensino <strong>de</strong> Ciências e Matemática) – Universida<strong>de</strong><br />

Estadual <strong>de</strong> Maringá, 2007.<br />

STEWART, Ian. Os números da natureza: a realida<strong>de</strong> irreal da imaginação matemática. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Rocco, 1996.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 252


Conflito Cognitivo: Herói ou Vilão?<br />

Resumo<br />

SILVA, Sérgio Antônio da<br />

Instituto <strong>de</strong> Física – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo – São Paulo<br />

Com auxílio do Programa Bolsa Mestrado da Secretária da Educação do E. S. P.<br />

sasantoniosilva@gmail.com<br />

O ensino <strong>de</strong> ciências ligado às propostas sócio-construtivistas possui como uma <strong>de</strong> suas premissas básicas<br />

o “envolvimento ativo do aluno” no processo <strong>de</strong> aprendizagem. Ainda que não muito bem compreendido<br />

o significado <strong>de</strong>ste conceito, o envolvimento po<strong>de</strong>ria ser conseguido através <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> o sujeito<br />

vivenciasse o conflito cognitivo proposto por Piaget ou a Insatisfação com suas idéias diante <strong>de</strong> uma<br />

experiência crucial, proposto por Posner, em seu Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Mudança Conceitual. Entretanto, diversas<br />

pesquisas nas últimas décadas têm captado um “ruído <strong>de</strong> fundo” relativo a déficits motivacionais<br />

provocados por estas estratégias. Portanto, buscando enten<strong>de</strong>r estes resultados anômalos e contribuir para<br />

o <strong>de</strong>bate em torno da construção do conceito acima, este trabalho apresenta a Teoria <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong> Realização,<br />

oriunda do gran<strong>de</strong> manancial teórico ligado à psicologia da educação, cujo objetivo é enten<strong>de</strong>r o<br />

comportamento, as metas e as crenças que os alunos apresentam no momento em que abordam as tarefas<br />

escolares.<br />

Palavras-chave: Ensino <strong>de</strong> Ciências, Mudança Conceitual, Conflito Cognitivo, Motivação.<br />

Abstract<br />

The teaching of science related to socio-constructivists has proposed as one of its basic premises the<br />

“active involvement of stu<strong>de</strong>nts” in the learning process. Although not very well un<strong>de</strong>rstood the<br />

significance of this concept, the involvement could be achieved through activities where the subject<br />

perceptions the cognitive conflict proposed by Piaget or dissatisfaction with their i<strong>de</strong>as front a crucial<br />

experiment, proposed by Posner, in his Mo<strong>de</strong>l of Change Conceptual. However, several search in recent<br />

<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s has captured a "background noise" relation the motivational <strong>de</strong>ficits produced by these strategies.<br />

Therefore, seeking un<strong>de</strong>rstanding these anomalous results and contribute to the <strong>de</strong>bate surrounding the<br />

construction of the concept above, this work presents Achievement Goal Theory, from of great theoretical<br />

source connected to the psychology of education, whose objective is to un<strong>de</strong>rstand the behavior, the goals<br />

and beliefs that stu<strong>de</strong>nts have when they approach the school tasks.<br />

Keywords: Science Education. Conceptual Change. Cognitive Conflict. Motivation.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 253


A motivação intrínseca: o gran<strong>de</strong> sonho das propostas sócio-construtivistas<br />

Antes <strong>de</strong> apresentarmos a Teoria <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong> Realização e seus principais constructos, optaremos<br />

por percorrer as teorias sócio-construtivistas envolvidas no ensino <strong>de</strong> ciências, procurando a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

motivação nos escritos <strong>de</strong> dois <strong>de</strong> seus maiores expoentes - Piaget e Vygotski - e no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mudança<br />

conceitual proposto por Posner e Strike, por acreditarmos que a motivação intrínseca é um dos gran<strong>de</strong>s<br />

sonhos e um dos objetivos envolvidos nessas teorias.<br />

O mo<strong>de</strong>lo construtivista proposto para o <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência - evolução dos estágios,<br />

até a lógica do adulto - baseia-se na relação que o organismo mantém com o ambiente e a constante<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se adaptar. Este mecanismo adaptativo apresenta dois processos distintos e<br />

complementares: a assimilação e a acomodação. A assimilação estaria envolvida na incorporação <strong>de</strong><br />

novas informações à estrutura mental e a acomodação seria o mecanismo necessário para promover<br />

mudanças nas estruturas cognitivas.<br />

Para Piaget, segundo Palangana (2001), o sujeito está adaptado, ou seja, em equilíbrio, quando os<br />

dois processos estão em harmonia, ocorrendo simultaneamente tanto a assimilação quanto a acomodação.<br />

Por outro lado, o <strong>de</strong>sequilíbrio seria provocado quando o sujeito, passando por uma experiência em que<br />

sua lógica não pu<strong>de</strong>sse dar conta da realida<strong>de</strong>, ele se veria obrigado a reformular suas estruturas<br />

cognitivas para a apreensão do novo. Este mecanismo, responsável por produzir uma mudança em direção<br />

a um estado superior e mais complexo <strong>de</strong> equilíbrio, foi <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> “equilibração majorante”.<br />

Portanto, a mola propulsora do <strong>de</strong>senvolvimento, ou melhor, da equilibração majorante -<br />

modificação das estruturas cognitivas sempre para melhor, em extensão e complexida<strong>de</strong> - está<br />

intrinsecamente ligada ao <strong>de</strong>sequilíbrio:<br />

[...] numa perspectiva <strong>de</strong> equilibração, <strong>de</strong>ve procurar-se nos <strong>de</strong>sequilíbrios uma das fontes<br />

<strong>de</strong> progresso no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conhecimentos, pois só os <strong>de</strong>sequilíbrios obrigam<br />

um sujeito a ultrapassar o seu estado atual e procurar seja o que for em direções novas<br />

[...] (grifo nosso) (PIAGET, 1977, p. 23).<br />

Em razão do grifado acima, é o <strong>de</strong>sequilíbrio que produz a motivação intrínseca necessária para o<br />

sujeito buscar o conhecimento capaz <strong>de</strong> promover o retorno à sua condição <strong>de</strong> equilíbrio anterior. É a<br />

urgência em restabelecer sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar a experiência, <strong>de</strong> interpretá-la, que alimenta os<br />

esforços em direção a uma equilibração <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong> e alcance. Isto posto, apenas o sujeito po<strong>de</strong><br />

atuar com a intenção <strong>de</strong> restabelecer sua compreensão.<br />

Por conseguinte, nesse mo<strong>de</strong>lo, o sujeito epistêmico piagetiano se <strong>de</strong>senvolve na atuação direta<br />

com o objeto ou com o meio em que está inserido. Em vista <strong>de</strong>sta atuação, se porventura o sujeito se<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 254


<strong>de</strong>sequilibra e este <strong>de</strong>sequilíbrio é capaz <strong>de</strong> promover modificações nas estruturas cognitivas para dar<br />

conta do novo; logo, os <strong>de</strong>sequilíbrios são fundamentais para o conhecimento, sobretudo o científico:<br />

“[...] estes <strong>de</strong>sequilíbrios o que constitui o motor da investigação, porque, sem eles, o conhecimento<br />

manter-se-ia estático [...]” (PIAGET, 1977, p. 24).<br />

As diferentes fases da vida e a <strong>de</strong>manda social<br />

Em Vygotsky o pensamento também se <strong>de</strong>senvolve e este <strong>de</strong>senvolvimento está intrinsecamente<br />

ligado às interações sociais. Em sua concepção, o homem não tem acesso direto aos objetos, mas um<br />

acesso mediado pela cultura, mais especificamente, pela linguagem: um dos atributos básicos do sistema<br />

simbólico.<br />

Nessa perspectiva, no contato com a cultura, o indivíduo <strong>de</strong>senvolve os sistemas simbólicos <strong>de</strong><br />

representação da realida<strong>de</strong> e é esse processo que possibilita ao indivíduo internalizar formas socialmente<br />

aceitas <strong>de</strong> comportamento. Por conseguinte, o que antes era externo, graças às relações interpessoais,<br />

transforma-se em ativida<strong>de</strong>s internas, ou seja, intrapsicológicas. Portanto, o <strong>de</strong>senvolvimento das funções<br />

psicológicas superiores representadas pela operação com sistemas simbólicos, é construído <strong>de</strong> fora para<br />

<strong>de</strong>ntro do indivíduo.<br />

Para Vygotsky existem dois níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento: nível real ou efetivo e o nível potencial. O<br />

primeiro refere-se ao que a criança sabe, ou seja, os problemas que esta po<strong>de</strong> resolver sozinha. O<br />

segundo diz respeito ao <strong>de</strong>senvolvimento potencial que a criança po<strong>de</strong> vir a adquirir. Este nível po<strong>de</strong> ser<br />

representado pelos problemas que a criança não consegue resolver. Entre estes dois níveis, existe um<br />

espaço chamado <strong>de</strong> zona <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento proximal.<br />

Em suma, é neste lugar, on<strong>de</strong> é possível a atuação do outro, mas não um outro qualquer, um outro<br />

mais capaz po<strong>de</strong>ndo ser representado por uma criança mais experiente ou pelo adulto. Por conseguinte, o<br />

outro tem a tarefa fundamental <strong>de</strong> transformar o <strong>de</strong>senvolvimento potencial em real, através da<br />

internalização <strong>de</strong> uma forma mais elaborada <strong>de</strong> cognição. Conclui-se, então, que é na interação social que<br />

o indivíduo se modifica, ou seja, <strong>de</strong>senvolve suas capacida<strong>de</strong>s cognitivas.<br />

No pensamento <strong>de</strong> Vygotsky, o motivo também está ligado às necessida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>vem ser<br />

satisfeitas pelo indivíduo, ou seja, cada fase da vida reserva-nos necessida<strong>de</strong>s específicas, entendidas<br />

como tudo aquilo que nos motiva para a ação. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> víveres impulsiona o adulto ao trabalho.<br />

A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar da vida adulta exige do adolescente o estudo. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r uma<br />

necessida<strong>de</strong> imediata que não po<strong>de</strong> ser satisfeita, como, por exemplo, dirigir um carro, encontra no<br />

brinquedo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> satisfação <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo pela criança.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 255


Assim, o sujeito epistemológico vygotskyano também atua, mas sua atuação não está diretamente<br />

ligada ao objeto ou ao meio em que está inserido. O acesso ao objeto é um caminho mediado pelo sistema<br />

simbólico (linguagem), pois surge através do discurso <strong>de</strong> outros sujeitos sobre o objeto: logo, este<br />

discurso é datado historicamente. Portanto, é a interação social o mecanismo responsável pela<br />

internalização <strong>de</strong> formas cognitivas mais <strong>de</strong>senvolvidas por parte do indivíduo.<br />

O Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Mudança Conceitual (M.M.C.): a insatisfação como motivador intrínseco<br />

No ano <strong>de</strong> 1982, Posner e colaboradores propuseram o Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Mudança Conceitual (M. M.<br />

C). O mo<strong>de</strong>lo foi construído levando-se em consi<strong>de</strong>ração as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>senvolvidas por Kuhn, Lakatos e<br />

Toulmin, filósofos da ciência, preocupados em enten<strong>de</strong>r as mudanças na evolução do pensamento<br />

científico. Os i<strong>de</strong>alizadores do mo<strong>de</strong>lo propuseram uma analogia entre as mudanças produzidas pela<br />

comunida<strong>de</strong> cientifica em seu pensamento e as mudanças que os alunos <strong>de</strong>veriam realizar no tocante às<br />

suas concepções espontâneas, quando em processo <strong>de</strong> aprendizagem nas aulas <strong>de</strong> ciência.<br />

Portanto, para que ocorra a acomodação é necessário aten<strong>de</strong>r a quatro conceitos básicos:<br />

1. Insatisfação: o aluno <strong>de</strong>ve experimentar um sentimento <strong>de</strong> insatisfação em relação aos seus<br />

conhecimentos espontâneos: portanto, <strong>de</strong>ve vivenciar anomalias provocadas por suas crenças.<br />

2. Inteligibilida<strong>de</strong>: o novo conceito <strong>de</strong>ve fazer sentido para que o aluno possa a<strong>de</strong>rir à nova<br />

concepção.<br />

3. Plausibilida<strong>de</strong>: o novo conceito <strong>de</strong>ve ser aceitável, ou seja, ligando-se a outras idéias do indivíduo.<br />

4. Fertilida<strong>de</strong>: a nova concepção <strong>de</strong>ve conduzir a novas <strong>de</strong>scobertas, mostrando seu potencial <strong>de</strong> ser<br />

estendida a novas áreas; então, a concepção ganhará em estabilida<strong>de</strong>.<br />

Além <strong>de</strong>sses quatro, adotou-se mais um, <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> ecologia conceitual, por Toulmin. Este<br />

conceito se refere a conhecimentos, a compromissos epistemológicos e a crenças metafísicas que o<br />

indivíduo possui. Naturalmente, a ecologia conceitual se constitui uma extensa e profunda re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

significados e estes po<strong>de</strong>m influenciar fortemente a inteligibilida<strong>de</strong> e a plausibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um novo<br />

conceito. Todavia, acreditava-se que, satisfazendo as quatro condições lógicas, o conjunto <strong>de</strong><br />

conhecimentos que o aluno possuía <strong>de</strong>veria mudar radicalmente, ocorrendo a acomodação <strong>de</strong> uma nova<br />

concepção ao universo conceitual do aluno.<br />

Crise motivacional e afetiva provocadas pelas propostas sócio-construtivistas<br />

O M. M. C., graças à sua racionalida<strong>de</strong>, gozou <strong>de</strong> um período <strong>de</strong> ampla aceitação, sendo alvo <strong>de</strong><br />

intensa pesquisa. Não obstante, não tardou em per<strong>de</strong>r seu caráter heurístico, recebendo diversas e pesadas<br />

críticas, principalmente no tocante à simplificação com que se referia ao intrincado processo <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 256


aprendizagem escolar envolvido nas aulas <strong>de</strong> ciências (AGUIAR, 2006).<br />

Até mesmo seus i<strong>de</strong>alizadores - Strike e Posner, em 1992 - propuseram diversas modificações e<br />

apontaram como falhas as poucas consi<strong>de</strong>rações sobre a ecologia conceitual do aluno. Principalmente, no<br />

tocante aos motivos e às metas que os aprendizes têm em mente querer alcançar e as questões afetivas<br />

presentes no cotidiano escolar (VILLANI e CABRAL, obra citada).<br />

Em vez <strong>de</strong> se envolverem, muitos alunos apresentam comportamentos, reclamações ou<br />

preocupações que escapam ao escopo estritamente cognitivo:<br />

Muitas vezes, o aluno ignora o fracasso (refere-se ao fato <strong>de</strong> que realiza a experiência e não<br />

percebe que o resultado está em <strong>de</strong>sacordo com suas crenças);<br />

1997);<br />

Fica perplexo e guarda a dúvida;<br />

“Arranja explicações ad-hoc” (CHINN e BREWER, apud VILLANI e CABRAL, 1997, p. 4);<br />

“Quer agradar o professor” (THORLEY e STOFELL apud VILLANI e CABRAL, 1997, p. 4,<br />

“Busca obter notas boas” (PINTRICH et al, 1993);<br />

“I<strong>de</strong>ntificar-se com uma figura famosa” (PINTRICH et al, Obra citada);<br />

“Preten<strong>de</strong> ser reconhecido pelos colegas” (PINTRICH et al, Obra citada);<br />

“-Lá vem esse professor com as experiências <strong>de</strong>le..., caramba!!!... Eu achava que sabia alguma<br />

coisa, agora não sei mais <strong>de</strong> nada” (relacionada à minha prática em sala <strong>de</strong> aula).<br />

aula).<br />

“-Ah!! Professor, tem que pensar!!”(BAIRD et al apud VILLANI, p.7, 2001)<br />

“-Se o senhor já sabe, porque não dá logo a resposta!!!” (relacionada à minha prática em sala <strong>de</strong><br />

Gunstone (1992, p.133) afirma que não só as concepções espontâneas impactam o processo <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r os novos conceitos. Sobretudo, as concepções sobre ensino-aprendizagem que os alunos<br />

carregam também po<strong>de</strong>m se constituir verda<strong>de</strong>iras barreiras ao processo, po<strong>de</strong>ndo vir a inviabilizá-lo,<br />

conforme trecho abaixo.<br />

[...] De Jong, um professor <strong>de</strong> física <strong>de</strong> uma escola secundária vitoriana, explorando o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 257


impacto da reconstrução <strong>de</strong> seu método <strong>de</strong> ensino em torno <strong>de</strong> princípios construtivistas,<br />

encontrou um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> estudantes que acreditam que, para apren<strong>de</strong>r física,<br />

é necessário possuir dois atributos: ser muito inteligente e possuir boa memória. Estes<br />

atributos foram vistos como coisas que você tem ou não tem; nada po<strong>de</strong>ria ser feito para<br />

adquiri-los (DE JONG e GUNSTONE, 1988). 60<br />

Com tantas críticas, o conceito <strong>de</strong> insatisfação, ou seja, a sensação <strong>de</strong> fracasso que o aluno <strong>de</strong>ve<br />

vivenciar como sendo algo que justifique sua motivação para a procura do novo, apontado como<br />

fundamental pelos seus autores, per<strong>de</strong>u o caráter <strong>de</strong> condição prévia em relação às outras três (ROWEL<br />

apud VILLANI e CABRAL, obra citada). Não obstante, vários pesquisadores saíram em <strong>de</strong>fesa do<br />

conflito cognitivo (GIL PEREZ, 1999).<br />

[…] Não se trata, como se po<strong>de</strong> ver <strong>de</strong> eliminar os conflitos cognitivos, mas evitar que<br />

adquiram o caráter <strong>de</strong> uma confrontação entre as i<strong>de</strong>ias próprias (incorretas) e os<br />

conhecimentos científicos (externos). A este respeito Solomon (1991) argumenta que «ao<br />

explicitar um conjunto <strong>de</strong> opiniões particulares, o professor não po<strong>de</strong> simplesmente<br />

rechaçá-las por não se ajustarem à teoria vigente. Desta maneira não é possível um<br />

diálogo aberto». 61<br />

Em vista do escrito acima, imaginemos um aluno que acredite não possuir inteligência suficiente<br />

para apren<strong>de</strong>r física. Seria natural supor que este aluno, ao vivenciar a insatisfação ou o conflito cognitivo<br />

proposto pelo mo<strong>de</strong>lo, reafirme sua condição <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> e isto venha a impactar em sua motivação<br />

Devido a forte reação que os alunos apresentam no momento em que vivenciam a insatisfação ou<br />

o conflito cognitivo alguns dos cânones básicos do mo<strong>de</strong>lo começaram a ser questionados. Mortimer<br />

(1996), criticou a conclusão simplista <strong>de</strong> certas pesquisas ao apontarem o conflito como o principal<br />

responsável pelo baixo rendimento dos educandos:<br />

[…] Outro tipo <strong>de</strong> problema nesses tipos <strong>de</strong> estratégia <strong>de</strong> ensino é a dificulda<strong>de</strong> que os<br />

alunos enfrentam em reconhecer e vivenciar conflitos. Isso po<strong>de</strong>ria explicar a<br />

improdutivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas discussões em grupo na sala <strong>de</strong> aula, [...]<br />

[…] A aplicação <strong>de</strong>ssas estratégias em sala <strong>de</strong> aula tem resultado numa relação <strong>de</strong> custobenefício<br />

altamente <strong>de</strong>sfavorável. Gasta-se muito tempo com poucos conceitos, e muitas<br />

vezes esse processo não resulta na construção <strong>de</strong> conceitos científicos, mas na<br />

reafirmação do pensamento <strong>de</strong> senso-comum.<br />

Estas constatações parecem <strong>de</strong>por contrariamente à existência do sujeito epistemológico<br />

piagetiano e, por conseguinte, do conceito <strong>de</strong> equilibração majorante como mecanismo <strong>de</strong><br />

60 Tradução do autor: Texto original: De Jong, a Victorian secondary school physics teacher, in a exploration of the impact<br />

reconstructing his teaching around constructivist principles, found a number of his stu<strong>de</strong>nts believing that successful<br />

learning of physics required two attributes: High intelligence and a good memory. These attributes were seen as things you<br />

either had or did not have; nothing could be done to acquire them (DE JONG e GUNSTONE, 1988).<br />

61 Tradução do autor: Texto original: “No se trata, como pue<strong>de</strong> verse <strong>de</strong> eliminar los conflictos cognoscitivos, sino <strong>de</strong> evitar<br />

que adquieram el caráter <strong>de</strong> una confrontación entre las i<strong>de</strong>as proprias (incorrectas) y los conocimientos científicos<br />

(externos). A este respecto Solomon (1991) argumenta que «tras impulsar la expresión <strong>de</strong> un conjunto <strong>de</strong> opiniones<br />

particulares, el profesor no pue<strong>de</strong> simplemente rechazar las que no se ajustan a la teoria vigente. De ese modo <strong>de</strong>jaría <strong>de</strong> ser<br />

posible um diálogo abierto».”<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 258


<strong>de</strong>senvolvimentos das estruturas cognitivas do indivíduo. Afinal, se é tão pouco natural que alguns alunos<br />

possam suportar o <strong>de</strong>sequilíbrio cognitivo: como chegaram ao <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo atual? Eles não<br />

viveram estes conflitos em seu cotidiano?<br />

Cabe aqui uma ressalva: não esperamos que todo <strong>de</strong>sequilíbrio provoque mudança nas estruturas<br />

cognitivas, pois mesmo Piaget nos adverte sobre as equilibrações compensatórias que muitas vezes não<br />

levam os alunos a uma equilibração majorante. Nem, tampouco, acreditamos que toda discussão leve o<br />

aluno a re-significar seus conceitos espontâneos. Todavia, o que nos chama atenção é que estes<br />

mecanismos <strong>de</strong>veriam ocorrer naturalmente na vida do indivíduo; logo, não <strong>de</strong>veriam provocar tamanha<br />

estranheza por parte dos alunos. Portanto, parece que <strong>de</strong>vemos procurar enten<strong>de</strong>r o que acontece <strong>de</strong>ntro<br />

da sala <strong>de</strong> aula no tocante à interação social que tem tornado estes importantes instrumentos <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong><br />

ciências ineficazes para alguns alunos.<br />

Enfim, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das especificida<strong>de</strong>s teóricas dos constructos apresentados até aqui, todos nos<br />

levam à motivação intrínseca pressupondo um envolvimento ativo do aprendiz. Todavia, há um sem<br />

número <strong>de</strong> pesquisas que apontam as metodologias sócio-construtivistas responsáveis por produzir junto<br />

aos alunos déficits motivacionais ou reações afetivas in<strong>de</strong>sejadas.<br />

Apresentaremos a seguir a psicologia educacional ligada às metas <strong>de</strong> realização dos estudantes.<br />

Em nosso entendimento, este referencial teórico permiti-nos enten<strong>de</strong>r a reação motivacional captada por<br />

diversas pesquisas da área.<br />

As Metas <strong>de</strong> Realização e o Sujeito Apren<strong>de</strong>nte<br />

A psicologia da educação trabalha com uma teoria mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>nominada: Teoria <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong><br />

Realização. Esta teoria consi<strong>de</strong>ra como premissa básica a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os mais po<strong>de</strong>rosos motivadores<br />

humanos estão ligados às metas ou os propósitos que os sujeitos tenham em mente realizar.<br />

Ligados estritamente à sala <strong>de</strong> aula, estes po<strong>de</strong>m ser: <strong>de</strong>senvolver competência, parecer inteligente<br />

ou evitar o fracasso. Naturalmente, um aluno que apresente sua meta orientada a evitar o fracasso po<strong>de</strong> ter<br />

seu comportamento <strong>de</strong> realização, no momento em que aborda uma tarefa, afetado <strong>de</strong> forma negativa.<br />

Portanto, segundo Boruchovitch e Bzuneck (obra citada, p. 59), “[...] o referencial teórico é<br />

consi<strong>de</strong>rado sócio-cognitivista, por acolher tanto elementos originários do cognitivismo como por<br />

consi<strong>de</strong>rar relevantes as influências <strong>de</strong> natureza sócio-ambiental em seu <strong>de</strong>senvolvimento, manutenção ou<br />

mudança”.<br />

Existem praticamente duas metas qualitativamente diferentes que orientam o comportamento das<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 259


pessoas quando preten<strong>de</strong>m realizar ativida<strong>de</strong>s escolares são: a meta apren<strong>de</strong>r e a meta performance.<br />

No tocante à primeira, a pessoa age querendo obter conhecimentos para aumentar seu grau <strong>de</strong><br />

competência. Já na segunda, o foco é o julgamento do outro. Depen<strong>de</strong>ndo da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste julgamento,<br />

esta meta se subdivi<strong>de</strong> em duas: meta performance-aproximação, on<strong>de</strong> a preocupação é parecer<br />

inteligente para professores e colegas e meta performance-evitação, no qual o comportamento é orientado<br />

a não parecer incapaz para os <strong>de</strong>mais membros da classe.<br />

A meta apren<strong>de</strong>r está relacionada a modos típicos <strong>de</strong> pensar e as reações afetivas do<br />

comportamento <strong>de</strong> um aluno motivado intrinsecamente, entretanto não se trata do mesmo constructo.<br />

Afinal, o aluno assim motivado age pela escolha auto<strong>de</strong>terminada da ação, pois preten<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a<br />

necessida<strong>de</strong>s internas, po<strong>de</strong>ndo ser estas subjetivas ou não. Enquanto que na meta apren<strong>de</strong>r o aluno po<strong>de</strong><br />

se empenhar em realizar uma lista <strong>de</strong> exercícios <strong>de</strong> Cálculo - IV, não porque ache interessante, mas por<br />

saber o quanto é importante para sua formação.<br />

Segundo Boruchovitch e Bzuneck (AMES; ANDERMAN e MAEHR apud, obra citada, p. 61), os<br />

alunos assim orientados almejam os seguintes objetivos: a busca pelo sucesso na realização <strong>de</strong> tarefas<br />

escolares têm como objetivo principal obterem maior conhecimento e habilida<strong>de</strong>s. Agem procurando<br />

dominar sempre mais conteúdos, com inovação e criativida<strong>de</strong>. Consequentemente, o grau <strong>de</strong> exigência<br />

presente nas tarefas escolares é entendido como capaz <strong>de</strong> fazê-los crescerem intelectualmente.<br />

Estes alunos têm a convicção ou crença <strong>de</strong> que o êxito conseguido em suas tarefas está<br />

intrinsecamente ligado ao seu esforço e empenho. Estes atributos são internos e ligados ao investimento<br />

pessoal e estritamente sob seu controle: logo, o sucesso após esforço e empenho produz um sentimento <strong>de</strong><br />

orgulho e realização reforçando uma auto-imagem positiva. Não raro, muitos alunos se utilizar <strong>de</strong><br />

estratégias cognitivas e metacognitivas <strong>de</strong> aprendizagem que conduzam a esse resultado. Os mesmos não<br />

se incomodam com erros ou fracassos, pois estes são encarados como inerentes ao processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem. Sua ocorrência é até benéfica, pois propicia a adoção <strong>de</strong> novas estratégias com as quais se<br />

possibilite dar conta dos <strong>de</strong>safios.<br />

Na meta performance-aproximação o comportamento do aluno está orientado a parecer inteligente<br />

para professores e colegas; portanto, age preocupado em tirar boas notas. Logo, sente-se bem quando<br />

realiza ativida<strong>de</strong>s em que possa enaltecer sua inteligência. Busca agradar o professor, procurando<br />

respon<strong>de</strong>r aquilo que acredita que outro gostaria <strong>de</strong> ouvir, muitas vezes, seleciona do discurso do<br />

professor as palavras que este utiliza, sem o compromisso <strong>de</strong> entendê-las, apenas para chamar atenção<br />

para si mesmo. Quando lhe é perguntado algo, procura respon<strong>de</strong>r mais rápido que os outros, mesmo que<br />

não tenha refletido sobre a pergunta. Por fim, sente-se inteligente e confiante.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 260


Uma característica presente em seu comportamento é o baixo esforço, pois crê que apren<strong>de</strong>r é<br />

fácil, não necessitando <strong>de</strong> muito empenho. Esta ausência <strong>de</strong> esforço, muitas vezes, atrapalha seu<br />

aprendizado quando o conteúdo exige um maior aprofundamento. Como se acha muito inteligente para<br />

apren<strong>de</strong>r, acredita que basta prestar atenção à fala do professor. Não obstante, o aluno assim orientado<br />

apresenta maior persistência e esforço em relação aos alunos orientados a meta performance-evitação, a<br />

qual apresentaremos a seguir.<br />

Com a meta performance-evitação, o aluno também esta preocupado com o julgamento do outro.<br />

Entretanto, em aspectos estritamente negativos, caracterizando-se pelo medo <strong>de</strong> parecer incapaz ao<br />

professor e aos colegas. Antes <strong>de</strong> começar, teme o fracasso, pois se acha incapaz <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r,<br />

<strong>de</strong>monstrando baixa resistência e pouco esforço. Apresenta, ainda, tendência à ansieda<strong>de</strong> o que prejudica<br />

tanto a motivação quanto o <strong>de</strong>sempenho por notas.<br />

Quando questionado, mesmo sabendo a resposta, prefere calar-se com medo <strong>de</strong> errar. Em<br />

ativida<strong>de</strong>s em grupo, muitas vezes, prefere não emitir opinião, esperando que os outros respondam por<br />

ele. Apresenta verda<strong>de</strong>ira ojeriza por provas, questionários e qualquer outro tipo <strong>de</strong> situação em que<br />

acredite que possam vir a saber sobre sua suposta incapacida<strong>de</strong>. Em algumas situações, apresenta-se<br />

alienado do processo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, caso não entenda um conceito, também não pergunta. Em relação à<br />

responsabilida<strong>de</strong> por seu insucesso, o professor po<strong>de</strong> até ter alguma parcela <strong>de</strong> culpa, mas no final sente-<br />

se como único responsável, o que acaba por fortalecer uma auto-imagem bastante <strong>de</strong>preciativa.<br />

Devemos <strong>de</strong>ixar bem claro que as metas <strong>de</strong> realização não po<strong>de</strong>m ser encaradas como leis que<br />

<strong>de</strong>terminam o comportamento dos alunos <strong>de</strong> forma mecânica. As mesmas <strong>de</strong>vem ser encaradas como<br />

pressuposições ou crenças que os alunos carregam sobre sua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar uma tarefa escolar.<br />

Portanto, sempre que iniciam uma tarefa escolar estes alunos ten<strong>de</strong>m a adotar estratégias <strong>de</strong> realização<br />

como as <strong>de</strong>scritas aqui.<br />

Por conseguinte, po<strong>de</strong>mos admitir que um aluno inicialmente orientado à meta performance-<br />

evitação ao realizar uma tarefa em que vá gradativamente obtendo sucesso. Po<strong>de</strong>-se conjecturar que o<br />

mesmo apresentará acréscimos em sua motivação, po<strong>de</strong>ndo até se sentir valorizado por ter concluído a<br />

tarefa. Entretanto, o mesmo aluno, caso vivencie estratégias que produzam sensações <strong>de</strong> fracasso, po<strong>de</strong>rá<br />

apresentar déficits motivacionais.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 261


O Conflito Cognitivo Herói ou Vilão?<br />

Apesar <strong>de</strong> nossa pesquisa não ter produzido junto aos alunos a sensação <strong>de</strong> insatisfação ou o<br />

conflito cognitivo em relação aos conceitos espontâneos dos sujeitos. Ainda assim, acreditamos que<br />

po<strong>de</strong>mos conjecturar sobre este tema amparados nos referenciais teóricos aqui abordados. Pois, no<br />

momento em que o indivíduo vivencia tais sensações este reage orientado <strong>de</strong> acordo com sua meta <strong>de</strong><br />

realização.<br />

Isto posto, po<strong>de</strong>mos esperar que o sujeito orientado à meta apren<strong>de</strong>r sinta-se motivado e <strong>de</strong>sejoso<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que contemplem esta metodologia, pois estas são vivenciadas como um <strong>de</strong>safio a ser<br />

superado. Portanto, é natural que o sujeito se sinta orgulhoso e realizado ao final da tarefa.<br />

Por outro lado, em se tratando <strong>de</strong> um sujeito orientado à meta performance-aproximação po<strong>de</strong>mos<br />

admitir que este se motive em um primeiro momento. Todavia, caso a tarefa aumente gradativamente sua<br />

dificulda<strong>de</strong> exigindo-lhe maior empenho e esforço, talvez se sinta incomodado realizando-a<br />

superficialmente, ou abandonando-a. Ao final, po<strong>de</strong> muito bem avaliá-la como uma estratégia tediosa.<br />

Infelizmente, um sujeito orientado à meta performance-evitação temendo parecer incapaz para<br />

professores e colegas. Po<strong>de</strong>mos, pon<strong>de</strong>rar que inicie a ativida<strong>de</strong> buscando a todo custo escon<strong>de</strong>r sua<br />

suposta incapacida<strong>de</strong>, o que acabaria por produzir os déficits motivacionais <strong>de</strong>scritos no referencial<br />

teórico e captados nas diferentes pesquisas da área. Imaginemos, ainda, os sentimentos <strong>de</strong> angustia que<br />

estes sujeitos estarão expostos ao se <strong>de</strong>pararem com o conflito cognitivo tão bem orquestrado por um<br />

professor competente. Pois, com efeito, po<strong>de</strong>mos avaliar o sucesso da ativida<strong>de</strong> levando-se em<br />

consi<strong>de</strong>ração o quão bem ela possibilita aos sujeitos tomarem consciência <strong>de</strong> suas estruturas <strong>de</strong><br />

pensamento.<br />

Sendo assim, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar que o conflito cognitivo não é o responsável direto em produzir<br />

tais déficits. A bem da verda<strong>de</strong>, o sujeito passou anos trabalhando em um ambiente com uma<br />

epistemologia própria <strong>de</strong> ensino. Com o tempo, esta epistemologia produziu no sujeito uma orientação <strong>de</strong><br />

realização que é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir a forma <strong>de</strong> como se apren<strong>de</strong> e <strong>de</strong>terminar seu possível relacionamento<br />

com o conhecimento. Portanto, o conflito cognitivo não é herói nem vilão, ele apenas possibilita ao<br />

sujeito entrar em contato <strong>de</strong> forma mais sensível com os objetivos que este preten<strong>de</strong> realizar e a auto-<br />

imagem que este comportamento <strong>de</strong> realização carrega.<br />

Parece-nos que o conflito cognitivo além <strong>de</strong> levar o sujeito a tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> suas ações<br />

e da essência do objeto. Destarte, também funciona como um catalisador que acelera o contado do sujeito<br />

com seu perfil motivacional <strong>de</strong> realização. Como todos sabemos, um catalisador não faz parte dos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 262


eagentes, nem tão pouco compõe os produtos finais da reação saindo intacto. Isto também se verifica,<br />

pois em qualquer outra ativida<strong>de</strong> em que o sujeito possa vivenciar o fracasso <strong>de</strong> suas concepções<br />

novamente o conflito estará presente, notadamente um conflito mais abstrato, caso o sujeito tenha<br />

acomodado um novo saber sobre o objeto. Portanto, a realida<strong>de</strong> se encarregará <strong>de</strong> oferecer vez ou outra<br />

um senão, cabendo ou não ao sujeito recorrer a sua auto-imagem, bem como a sua sensação <strong>de</strong> auto-<br />

eficácia para solucionar o presente <strong>de</strong>safio representando talvez a tão sonhada equilibração majorante.<br />

Para nós este mecanismo complexo entre o interno e o externo representa o moto contínuo piagetiano<br />

capaz <strong>de</strong> fornecer um manancial energético infinito para o sujeito voltar a sua condição <strong>de</strong> equilíbrio,<br />

conforme citação.<br />

[...] Essa busca, que constitui o princípio da acomodação e assimilação, como a primeira<br />

manifestação <strong>de</strong> um dualismo entre o <strong>de</strong>sejo e satisfação, portanto entre o valor (psique) e<br />

o real, entre a totalida<strong>de</strong> que se completa e a totalida<strong>de</strong> incompleta, dualismo que<br />

reaparecerá em todos os planos da ativida<strong>de</strong> futura e cuja redução será tentada ao longo<br />

<strong>de</strong> toda a evolução mental, embora esteja <strong>de</strong>stinado a acentuar-se incessantemente.<br />

(PIAGET, 1970, p. 48).<br />

Portanto, o conflito ou a sensação <strong>de</strong> fracasso apenas <strong>de</strong>svela, faz emergir, lança luz sobre aquilo<br />

que já está consumado no íntimo do sujeito, inclusive sendo conscientemente admitido por ele.<br />

Acreditamos, ser a metodologia tradicional <strong>de</strong> ensino a responsável por este processo, pois esta é a<br />

principal estratégia <strong>de</strong> ensino praticada em nossas escolas. Sendo assim, esta conseguiu, após anos <strong>de</strong><br />

prática escolar, construir no íntimo <strong>de</strong> cada sujeito um objetivo <strong>de</strong> realização que aparece em sala <strong>de</strong> aula,<br />

em se tratando <strong>de</strong> alguns sujeitos, como déficit motivacional. Infelizmente, este déficit acaba por ser<br />

creditado in<strong>de</strong>vidamente à conta das metodologias sócio-construtivistas baseadas nesta importante<br />

estratégia <strong>de</strong> ensino.<br />

Antes <strong>de</strong> encerrarmos, é interessante notar que a Teoria <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong> Realização permiti-nos<br />

salvaguardar parte dos resultados das pesquisas ligadas à metodologia sócio-construtivistas que utilizam o<br />

conflito cognitivo como estratégia, principalmente aquelas relativas ao ensino <strong>de</strong> ciência. Destarte, é<br />

verda<strong>de</strong> no tocante ao comportamento <strong>de</strong> alguns alunos que o conflito os intriga e estes se evolvem<br />

ativamente na solução dos problemas conforme <strong>de</strong>scrito pela meta apren<strong>de</strong>r. Não obstante, outros sujeitos<br />

orientados à meta performance-aproximação estão muito mais preocupados em parecer inteligentes para<br />

professores e colegas. Portanto, conseguir uma boa nota talvez seja mais importante do que investigar as<br />

inconsistências <strong>de</strong> seu pensamento. Por fim, as pesquisas que prematuramente acusaram o conflito<br />

cognitivo como o responsável em produzir déficits motivacionais conforme bem apontou Mortimer (obra<br />

citada,1996), muito provavelmente, não tenham levado em consi<strong>de</strong>ração que os sujeitos entram em sala<br />

<strong>de</strong> aula com um objetivo <strong>de</strong> realização. Notadamente, é natural supor que alguém orientado à meta<br />

performance-evitação apresente déficits motivacionais quando vivencia uma situação <strong>de</strong> fracasso.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 263


Contudo, estes déficits estão ligados à história pregressa do sujeito e não propriamente ao conflito<br />

cognitivo.<br />

[...] Quanto às emoções, as crianças não nascem com sentimentos <strong>de</strong> orgulho ou <strong>de</strong><br />

vergonha, visto que estas não são emoções inatas. Em vez disso, o orgulho surge a partir<br />

<strong>de</strong> uma história do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> episódios <strong>de</strong> sucesso culminado na proficiência; e<br />

a vergonha surge a partir <strong>de</strong> uma história no <strong>de</strong>senvolvimento com episódios <strong>de</strong> fracasso<br />

culminado no ridículo (STIPEK, 1983 apud REEVE, obra citada, p. 108)<br />

O autor <strong>de</strong>ste trabalho está atualmente realizando uma pesquisa procurando respon<strong>de</strong>r as seguintes<br />

perguntas: O aluno orientado à meta apren<strong>de</strong>r possui o espírito necessário para suportar o conflito<br />

cognitivo? Os alunos orientados à meta performance-evitação, após vivenciarem a sensação <strong>de</strong> fracasso,<br />

apresentam déficits motivacionais? Os resultados <strong>de</strong>sta pesquisa serão publicados em breve.<br />

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crítica e novas direções para a pesquisa. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, MG,<br />

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DUIT, R; COLDBERG, F.; NIEDDERER, H (ed.) Research in Physics Learning: Theoretical Issues and<br />

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PIAGET, J. O Desenvolvimento do pensamento: equilibração das estruturas cognitivas. Lisboa,<br />

Publicação Dom Quixote, 1977.<br />

PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar Editores, 1970.<br />

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REEVE, J. Motivação e emoção / Johnmarshall Reeve; - Rio <strong>de</strong> Janeiro: LTC, 2006.<br />

VILLANI, A.; Cabral, T.C.B. Mudança conceitual, subjetivida<strong>de</strong> e psicanálise. In: Investigações em<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 264


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VILLANI, A. Filosofia da ciência e ensino <strong>de</strong> ciências: uma analogia?. Ciência e Educação, UNESP -<br />

Bauru (SP), v. 7, n. 2, 2001. p. 98-110.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 265


Análise <strong>de</strong> Aspectos Cognitivos da Conduta por meio <strong>de</strong> um Jogo<br />

Resumo<br />

DELL’ AGLI, Betânia Alves Veiga – FE/Unicamp<br />

BRENELLI, Rosely Palermo – FE/Unicamp<br />

betaniaveiga@dglnet.com.br<br />

roselypb@unicamp.br<br />

O presente trabalho teve por objetivo investigar, em um contexto psicogenético, os aspectos cognitivos da<br />

conduta por meio <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> regras. Participaram <strong>de</strong>ssa pesquisa 40 alunos <strong>de</strong> ambos os sexos, com<br />

ida<strong>de</strong> entre 4 e 17 anos que cursavam a Educação Infantil (Jardim e 1º ano) e Ensino Fundamental (4º e 9º<br />

anos) <strong>de</strong> duas escolas públicas. Foram aplicadas as provas <strong>de</strong> classificação espontânea, inclusão hierárquica<br />

<strong>de</strong> classes e combinação <strong>de</strong> fichas <strong>de</strong> várias cores e, quatro partidas com o jogo “Descubra o<br />

Animal”. Os resultados obtidos evi<strong>de</strong>nciaram que o jogo utilizado foi eficaz para auxiliar na análise das<br />

condutas cognitivas relativas à noção <strong>de</strong> classificação.<br />

Palavras-chave: Jogo. Diagnóstico. Psicopedagogia.<br />

Abstract<br />

This work has the aim of investigating, in a psychogenetic context, the knowledge aspects of the behavior<br />

through a game of rule. Forty stu<strong>de</strong>nts of both gen<strong>de</strong>rs with ages between 4 and 17 years old attending<br />

primary (kin<strong>de</strong>rgarten and 1 st gra<strong>de</strong>) and elementary (4 rd to 9 th gra<strong>de</strong>) public schools have participated on<br />

this research. Spontaneous classification tests were applied, along with hierarchical inclusion of classes,<br />

matching cards of various colors and four matches with the game “Find out the Animal”. The results<br />

point out that the game utilized was effective to help on analysis of the knowledge relative of the notion<br />

of classification.<br />

Keywords: Game. Diagnosis. Psycho pedagogy.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 266


Introdução<br />

O uso <strong>de</strong> jogos não é novo e ao longo da história passou por inúmeras modificações, graças aos<br />

estudos que levaram a esclarecimentos sobre a ativida<strong>de</strong> lúdica infantil. Sua dimensão aos poucos foi<br />

sendo re<strong>de</strong>finida e aumentada.<br />

Brenelli e Dell’ Agli (2008) ao analisar a abrangência dos jogos ressaltam que eles foram<br />

investigados sob diferentes perspectivas: cultural, social, afetivo, moral, cognitivo, psicomotor, <strong>de</strong>ntre<br />

outras e serviu para a compreensão sobre a cultura dos povos, sobre o <strong>de</strong>senvolvimento, sobre a<br />

aprendizagem e sobre as diferentes etapas do ciclo vital que <strong>de</strong>finem as relações humanas. A partir disso,<br />

verifica-se a abrangência e importância dos jogos na vida do homem, tanto no seu aspecto individual,<br />

particular como no social.<br />

O presente trabalho se fundamenta na teoria <strong>de</strong> Piaget, sendo necessário dimensionar, mesmo que<br />

em linhas gerais, suas investigações com jogos.<br />

Piaget, em seus estudos com crianças, utilizou-se <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> regras com o intuito <strong>de</strong> analisar<br />

vários aspectos <strong>de</strong> sua teoria. O <strong>de</strong>senvolvimento moral (1994) foi analisado por meio dos jogos Bola <strong>de</strong><br />

Gu<strong>de</strong>, Amarelinha e Pique. Utilizou o jogo Torre <strong>de</strong> Hanói para investigar os processos <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

consciência (1978), caracterizados pela relação entre o fazer e o compreen<strong>de</strong>r; o Master Mind (Senha) na<br />

construção dos possíveis e do necessário (1986) e, utilizando-se <strong>de</strong> vários jogos do tipo Cara a Cara,<br />

Xadrez Simplificado, Reversi, Batalha Naval, investigou a formação do pensamento dialético (1996).<br />

A teoria <strong>de</strong> Piaget por sua riqueza e importância para a compreensão da criança tem influenciado<br />

há décadas profissionais ligados à infância e ao ensino. Os estudos sobre jogos não ficou alheio à<br />

educação.<br />

Neste contexto, o valor dos jogos <strong>de</strong> regras é indiscutível, principalmente <strong>de</strong>vido à contribuição <strong>de</strong><br />

vários autores e pesquisas <strong>de</strong> cunho científico. O seu caráter lúdico e ao mesmo tempo promotor <strong>de</strong> novas<br />

estruturas <strong>de</strong> conhecimento e <strong>de</strong> variadas formas <strong>de</strong> interações sociais e afetivas tem sido consi<strong>de</strong>rado<br />

como um instrumento capaz <strong>de</strong> contribuir <strong>de</strong> maneira positiva para minimizar os problemas educacionais.<br />

Na abordagem construtivista piagetiana, os jogos <strong>de</strong> regras vêm sendo investigados no que se<br />

refere à construção <strong>de</strong> novas estruturas <strong>de</strong> conhecimento (MAGALHÃES, 1999; PIANTAVINI, 1999;<br />

BOGASTSCHOV, 2001; OLIVEIRA 2005), às construções <strong>de</strong> noção aritméticas (BRENELLI, 1996;<br />

BARRICATTI, 2003; SILVA, 2003; SILVA, 2008), ao diagnóstico <strong>de</strong> crianças com e sem dificulda<strong>de</strong><br />

escolar (DELL’ AGLI, 2002) e aos aspectos afetivos (QUEIROZ, 2000; RIBEIRO, 2001; DELL’ AGLI,<br />

2008).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 267


No diagnóstico e no tratamento dos problemas emocionais e das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, o<br />

jogo se insere como um recurso indispensável, porque permite conhecer a realida<strong>de</strong> da criança. No<br />

entanto, na psicoterapia, o jogo simbólico ocupa um espaço já bastante <strong>de</strong>finido na chamada “hora <strong>de</strong><br />

jogo diagnóstica” e, da mesma forma, <strong>de</strong>veria ser inserido como um recurso na “hora <strong>de</strong> diagnóstica<br />

psicopedagógica” pela análise das condutas (BRENELLI, 2001).<br />

Alguns autores, mesmo não tendo sistematizado o jogo como recurso no diagnóstico, consi<strong>de</strong>ra-o<br />

importante nesta função. Segundo Macedo (1992), o jogo po<strong>de</strong> ser um bom instrumento <strong>de</strong> diagnóstico,<br />

visto que por meio <strong>de</strong>le tem-se acesso ao pensamento infantil, além <strong>de</strong> permitir <strong>de</strong>finir quais as estratégias<br />

<strong>de</strong> intervenção a serem realizadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um processo psicopedagógico.<br />

Macedo (citado por Petty e Passos, 1996) consi<strong>de</strong>ra o jogo não apenas um mero passatempo, mas<br />

como um momento sério na vida da criança porque ao jogar ela expressa como é o seu pensamento e<br />

utiliza os recursos disponíveis para tentar resolver o <strong>de</strong>safio. A observação <strong>de</strong> como a criança joga (ações)<br />

permite <strong>de</strong>scobrir as soluções advindas <strong>de</strong> seu pensamento por meio dos caminhos percorridos,<br />

i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> erros e tentativas para sua superação, levantamento <strong>de</strong> hipóteses, estratégias <strong>de</strong> ataque e<br />

<strong>de</strong>fesa. É possível também observar no jogo a postura que a criança utiliza, a maneira pela qual se<br />

relaciona com os parceiros, as reações que adota e como lida com os materiais.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que o jogo analisado <strong>de</strong>ssa forma possibilita construir um retrato das estruturas que<br />

a criança dispõe, sendo estas cognitivas e afetivas, compondo um perfil individual <strong>de</strong> sua dinâmica<br />

interna.<br />

No mesmo sentido, Brenelli (1996) consi<strong>de</strong>ra o jogo como uma ativida<strong>de</strong> importante na educação<br />

<strong>de</strong> crianças, pois permite o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> vários aspectos como afetivo, motor, cognitivo, social e<br />

moral, bem como a aprendizagem <strong>de</strong> conceitos. Além disso, consi<strong>de</strong>ra que os jogos permitem, mesmo<br />

que <strong>de</strong> forma indireta, uma aproximação ao mundo mental da criança, pela análise dos meios e pelos<br />

procedimentos utilizados ou construídos durante o mesmo.<br />

Nesta abordagem, a avaliação e diagnóstico não são processos estanques, mas sim, um constante<br />

observar. As hipóteses levantadas são passíveis <strong>de</strong> serem checadas e atualizadas durante as intervenções<br />

propostas às crianças (MACEDO, PETTY e PASSOS, 2000).<br />

O jogo, em nossa concepção, po<strong>de</strong> ser um recurso complementar na avaliação das condutas das<br />

crianças. No presente estudo, foi utilizado o jogo i<strong>de</strong>ntificado como “Descubra o Animal”. Tal jogo foi<br />

estudado por Piaget (1996) no contexto da dialética e se assemelha em sua estrutura ao “Cara a Cara”<br />

(jogo comercializado). De uma maneira geral, a dialética, <strong>de</strong>fendida por Piaget, não se resume à clássica<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 268


tría<strong>de</strong> hegeliana <strong>de</strong> teses, antíteses e sínteses, mas relaciona-se à criação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendências que se<br />

constitui num processo construtivo, po<strong>de</strong>ndo ser observado nas coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong> ações<br />

estabelecidas pela criança no jogar.<br />

regras.<br />

Método<br />

Participantes<br />

O objetivo <strong>de</strong> nosso estudo foi analisar aspectos cognitivos da conduta por meio <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong><br />

A amostra foi constituída por 40 alunos <strong>de</strong> ambos os sexos, com ida<strong>de</strong> entre 4 e 17 anos que<br />

cursavam a Educação Infantil (Jardim e 1º ano) e Ensino Fundamental (4º e 9º anos), alunos <strong>de</strong> duas<br />

escolas públicas.<br />

Instrumentos<br />

Utilizaram-se as provas <strong>de</strong> classificação espontânea (figuras geométricas), quantificação da<br />

inclusão <strong>de</strong> classes (flores) e combinação <strong>de</strong> fichas <strong>de</strong> várias cores. Além das provas, utilizou-se o jogo <strong>de</strong><br />

regra “Descubra o Animal” que consiste <strong>de</strong> dois conjuntos idênticos contendo, cada um, vinte figuras <strong>de</strong><br />

animais, encaixáveis em classes e subclasses. Cada conjunto foi constituído por cinco mamíferos, sete<br />

aves, das quais um pinguim e uma galinha, sete artrópo<strong>de</strong>s, dos quais cinco insetos e um réptil.<br />

Procedimento<br />

Após a <strong>de</strong>vida autorização para a realização da pesquisa, as provas operatórias foram aplicadas<br />

individualmente aos participantes a fim <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar o nível evolutivo dos participantes. O uso das<br />

provas escolhidas se justifica porque o jogo “Descubra o Animal” envolve o raciocínio <strong>de</strong> classificação.<br />

Os procedimentos <strong>de</strong> aplicação foram aqueles organizados por Inhel<strong>de</strong>r, Bovet e Sinclair (1977) e por<br />

Mantovani <strong>de</strong> Assis (s.d).<br />

Propôs-se logo em seguida da aplicação das provas o jogo “Descubra o Animal”. A aplicação do<br />

jogo consistiu <strong>de</strong> duas etapas: conhecimento das regras do jogo e campeonato.<br />

A primeira etapa teve como objetivo verificar inicialmente o conhecimento que os participantes<br />

apresentavam a respeito dos animais e em seguida as regras eram apresentadas. A experimentadora ao<br />

apresentar as vinte figuras <strong>de</strong> animais, perguntava: Você conhece todos esses animais? Fale-me sobre o<br />

que você sabe <strong>de</strong>les.. Caso o participante não soubesse o nome <strong>de</strong> algum animal ou se fizesse qualquer<br />

pergunta, era esclarecida pela experimentadora. A regra era apresentada colocando-se o objetivo do jogo:<br />

<strong>de</strong>scobrir o animal oculto. Para tanto, cada jogador fica <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> animais (que são<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 269


idênticos). O jogador <strong>de</strong>scobridor (que irá <strong>de</strong>scobrir o animal) <strong>de</strong>ve distribuir as figuras sobre mesa a sua<br />

maneira, enquanto que o outro jogador escon<strong>de</strong> (retira) um animal <strong>de</strong> seu conjunto. É permitido ao<br />

jogador <strong>de</strong>scobridor propor no máximo até seis perguntas às quais só se respon<strong>de</strong> por ‘sim’ ou ‘não’ e<br />

pensar bem para fazer boas perguntas. Na última pergunta o jogador <strong>de</strong>scobridor <strong>de</strong>ve indicar o nome do<br />

animal que está escondido. É permitido arrumar e manipular as figuras durante o jogo.<br />

A segunda etapa, que consistiu num campeonato, teve como objetivo analisar as jogadas dos<br />

participantes. Quatro partidas foram propostas e esse número foi estabelecido tendo em vista a<br />

preocupação <strong>de</strong> dar aos participantes a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer o jogo sem, contudo, “apren<strong>de</strong>r” as<br />

especificida<strong>de</strong>s do mesmo, já que o objetivo principal da presente pesquisa é a análise das condutas num<br />

processo <strong>de</strong> avaliação.<br />

Em todas as partidas jogava-se participante x experimentadora e experimentadora x participante.<br />

Este último procedimento foi <strong>de</strong>nominado “troca <strong>de</strong> papéis” e teve como objetivo verificar se os<br />

participantes aproveitavam da lição recebida após verificar as jogadas da experimentadora que, ao jogar,<br />

arrumava as figuras na mesa segundo sistemas lógicos <strong>de</strong> agrupamento, realizando os <strong>de</strong>scartes das<br />

figuras que <strong>de</strong>veriam ser excluídas do jogo. Em seguida, o participante jogava novamente a fim <strong>de</strong><br />

verificar se os procedimentos eram modificados após a troca <strong>de</strong> papéis.<br />

Durante as jogadas dos participantes, a experimentadora propunha algumas questões a fim <strong>de</strong><br />

analisar os procedimentos empregados por eles, como por exemplo: Como você pensou para arrumar as<br />

figuras do jogo?, Por que você perguntou se era a galinha?; Como você pensou para <strong>de</strong>scobrir o leão?.<br />

Em alguns momentos os participantes eram advertidos com a seguinte frase: Pense bem para fazer boas<br />

perguntas., ou ainda Será que você po<strong>de</strong>ria fazer outro tipo <strong>de</strong> pergunta?.<br />

Para a análise, foram criadas categorias <strong>de</strong> condutas a partir dos dados coletados, que serão<br />

<strong>de</strong>scritas na seção a seguir.<br />

Resultados e Discussão<br />

De acordo com os procedimentos apresentados pelos participantes, pô<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar três condutas:<br />

pré-operatórias, transição e operatória (concreta e formal), todas com relação ao arranjo das figuras,<br />

qualida<strong>de</strong> das perguntas, qualida<strong>de</strong> das respostas, <strong>de</strong>scartes, justificativa da escolha final do animal oculto<br />

e troca <strong>de</strong> papéis. A análise pautou-se nas principais condutas dos participantes.<br />

Nas condutas pré-operatórias observou-se predominantemente arranjo aleatório, sem qualquer<br />

critério <strong>de</strong> semelhanças e diferenças. As justificativas quando apresentadas eram do tipo “Eu pensei que<br />

eu estava brincando disso”, “Eu fiz na minha casa”, “Eu pensei no baralho”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 270


A qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perguntas <strong>de</strong>sse grupo foram as que se referiam a “objetos conceituais”, ou seja, se<br />

referiam aos animais como representantes <strong>de</strong> uma espécie como: É o pinguim?, É a abelha?, É o leão?.<br />

Quanto à qualida<strong>de</strong> das respostas <strong>de</strong>ram respostas incorretas, aparecendo todas as que foram<br />

categorizadas: <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ram os atributos que pertencem ao animal oculto (Exemplo: -“Ele tem quatro<br />

patas?” – “Não.” A experimentadora <strong>de</strong>scarta todos os animais que têm quatro patas e a criança diz: –<br />

“Você tirou o gato? Não é para tirar!”); explicitam o nome do animal oculto (Exemplo: -“É uma ave?” –<br />

“Não. Eu escolhi este daqui.” – aponta para a borboleta); indicam um dos atributos que pertencem ao<br />

animal oculto (Exemplo: - “Ele tem quatro patas?” - “Cinco pernas. Ele não voa.” e indicam a exclusão<br />

dos animais que não estão ocultos (Exemplo: - “Ele é um inseto?” – “É.” – a experimentadora <strong>de</strong>scarta os<br />

que não são insetos. –“Ele tem várias perninhas?” – “Tem. Esse não é” – apontando para a joaninha).<br />

A forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarte predominante das crianças com condutas pré-operatórias foi o <strong>de</strong>scarte<br />

implícito apenas das figuras que representavam objetos conceituais, melhor dizendo, uma vez<br />

mencionado o nome <strong>de</strong> um animal, a criança não voltava a se referir a ele o que possibilita inferir que ela<br />

<strong>de</strong>scartou a figura, pelo menos no que se refere aos objetos conceituais, ou seja, ao próprio animal e não a<br />

classe <strong>de</strong> pertença.<br />

Quanto às justificativas apresentadas pelos participantes sobre a escolha do animal houve<br />

predomínio <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> argumentos lógicos para esclarecer “o porquê” da escolha. As justificativas<br />

são locais, centradas em uma ou outra característica observável do animal, ou então “mágicas”, <strong>de</strong>notando<br />

as fabulações ou conveniências. Este dado é compatível com o que diz Piaget (citado por FLAVELL,<br />

1975): a criança mais afirma sem propriamente justificar.<br />

Finalizando as condutas pré-operatórias, observou-se que as crianças não modificaram a maneira<br />

inicial <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r no jogo, ou seja, a troca <strong>de</strong> papéis não foi suficiente para gerar <strong>de</strong>sequilíbrios na<br />

estrutura dos participantes.<br />

No nível <strong>de</strong> transição, observou-se condutas intermediárias no jogo. Aparecem ainda os arranjos<br />

aleatórios, mas a prevalência recaiu sobre os arranjos com princípios <strong>de</strong> critérios classificatórios, que<br />

consistia em organizar os animais utilizando critérios intuitivos; os atributos comuns <strong>de</strong> uma classe foram<br />

consi<strong>de</strong>rados, mas <strong>de</strong> maneira justaposta; apresentaram dicotomias, sem esgotar todas as possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> organizar outras classes. Exemplos <strong>de</strong> condutas <strong>de</strong>ste nível: - “Sabe por que eu pus a aranha aqui?” -<br />

“Por quê?” – “Porque aranha come mosca.”; “O que voa e o que não voa.”<br />

No que se refere à qualida<strong>de</strong> das perguntas uma sutil diferença foi notada entre as condutas. As<br />

crianças que apresentavam condutas intermediárias, após a troca <strong>de</strong> papéis modificaram o tipo <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 271


pergunta para “conceitos genéricos”, mas as jogadas posteriores não validavam este tipo <strong>de</strong> pergunta por<br />

que não conseguiam incluir os animais pertencentes à classe explicitada. Dito <strong>de</strong> outra forma, o fato <strong>de</strong><br />

perguntar se o animal escondido voa, não quer dizer que o participante estava se referindo a uma classe,<br />

mas sim a apenas um animal que voa, portanto objeto conceitual.<br />

Prevaleceram nos participantes <strong>de</strong> condutas intermediárias (transição) respostas corretas, mas com<br />

um número significativo <strong>de</strong> respostas incorretas. Estas foram apenas <strong>de</strong> dois tipos: respostas em que são<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rados os atributos que pertencem ao animal oculto (Exemplo: ... – “É um animal que dá leite?<br />

– “Não” – a experimentadora <strong>de</strong>scarta a vaca – “Ele late?” – “Esse dali.” – “Qual?” – “Esse daqui.” –<br />

“A vaca?” – “É.” – “Mas, você falou que ele não dá leite!” – “Pra você não adivinhar.”) e respostas em<br />

que é indicado um dos atributos do animal oculto (Exemplo: ... – “Ele é um animal doméstico?” – “Não,<br />

vive no celeiro.”). As respostas incorretas são compatíveis com o nível <strong>de</strong>sses participantes, porque<br />

apesar <strong>de</strong> apresentarem evoluções relativas às classificações, permanecem a meio caminho entre as<br />

coleções figurais e as futuras classificações hierárquicas.<br />

Quanto aos <strong>de</strong>scartes, prevaleceu também o mesmo tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarte do nível anterior. No entanto,<br />

teve criança que realizou <strong>de</strong>scarte explícito após a troca <strong>de</strong> papéis, mas esses <strong>de</strong>scartes foram apenas dos<br />

objetos conceituais e não <strong>de</strong> uma classe. O mesmo po<strong>de</strong> ser dito sobre as justificativas da escolha final do<br />

animal oculto que foram a ausência <strong>de</strong> argumentos lógicos.<br />

Condutas diferentes foram observadas no nível operatório. O arranjo predominante foi critérios<br />

classificatórios explícitos, que consiste em dispor os animais em classes lógicas. No entanto, apareceram<br />

arranjos com princípio <strong>de</strong> critérios classificatórios e arranjos aleatórios, sendo que este último com menor<br />

frequência. No nível do raciocínio combinatório se observou tanto arranjo com princípio <strong>de</strong> critérios<br />

classificatórios como arranjo com critérios classificatórios explícitos sem prevalência <strong>de</strong> um sobre o<br />

outro. Não se observou arranjo aleatório.<br />

Perguntas do tipo conceitos genéricos prevaleceram no nível operatório concreto e formal com<br />

diferenças na elaboração das mesmas. Os participantes <strong>de</strong> nível formal <strong>de</strong>monstraram conhecer bem mais<br />

os atributos dos animais, possibilitando perguntas mais elaboradas.<br />

Nos participantes <strong>de</strong> nível operatório concreto prevalecem as respostas corretas. As respostas<br />

incorretas <strong>de</strong>tectadas nesses participantes giraram em torno dos animais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada classe que<br />

fugia em algum aspecto à regra mais geral (ex. pinguim é uma ave, mas não voa), ou quando havia dúvida<br />

se <strong>de</strong>terminado animal pertencia à classe <strong>de</strong>nominada. As respostas incorretas em nenhum momento se<br />

assemelharam àquelas evi<strong>de</strong>nciadas nos níveis anteriores (pré-operatório e transição), <strong>de</strong>monstrando uma<br />

evolução significativa dos participantes <strong>de</strong>sse nível. No nível formal houve apenas respostas corretas o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 272


que sugere que os participantes conhecem com mais clareza uma gama maior dos atributos dos animais<br />

em questão, conseguindo interpretar e coor<strong>de</strong>nar corretamente as perguntas propostas pela<br />

experimentadora.<br />

O <strong>de</strong>scarte diferenciou os grupos. No nível operatório concreto apareceu tanto o <strong>de</strong>scarte explícito<br />

como o implícito sem predomínio <strong>de</strong> um sobre o outro, ocorrendo, nesse aspecto, procedimentos mistos.<br />

Os <strong>de</strong>scartes, embora efetuados por todos os participantes, foram parcialmente corretos, ou melhor, as<br />

crianças ou “esqueciam-se” <strong>de</strong> retirar algum animal ou retiravam animais que não pertenciam à classe em<br />

questão.<br />

Nos participantes do nível formal prevaleceu o <strong>de</strong>scarte explícito e esses foram na sua maioria<br />

corretos, o que sugere que esses adolescentes conseguem lidar melhor com as exclusões.<br />

Nos participantes <strong>de</strong> nível operatório concreto e operatório formal prevaleceu a presença <strong>de</strong><br />

argumentos lógicos para esclarecer “o porquê” da escolha. Inclusive, nos adolescentes do nível formal na<br />

noção <strong>de</strong> classificação, ia-se percebendo seu raciocínio durante o <strong>de</strong>senrolar da própria partida, já que<br />

fizeram uso com maior frequência dos <strong>de</strong>scartes explícitos, restando na(s) última(s) pergunta(s) apenas o<br />

animal oculto.<br />

Ao analisar os dados, po<strong>de</strong>-se dizer que houve diferenças significativas nas condutas dos<br />

participantes. No que se refere ao arranjo <strong>de</strong> figuras uma análise mais minuciosa <strong>de</strong>monstrou diferença no<br />

proce<strong>de</strong>r dos participantes. Os <strong>de</strong> nível operatório concreto e operatório formal classificavam<br />

mentalmente os animais. O arranjo no plano concreto, neste caso, funcionaria mais como um facilitador e<br />

organizador das jogadas. Condutas diferentes <strong>de</strong>monstraram os participantes pré-operatórios e transição,<br />

que mesmo realizando arranjos com princípio <strong>de</strong> critérios classificatórios, sequer usaram esta estratégia<br />

para auxiliá-los nas elaborações das perguntas o que revela a falta <strong>de</strong> inclusão das crianças <strong>de</strong>ste nível.<br />

A qualida<strong>de</strong> das perguntas diferenciou as condutas dos três níveis, uma vez que permite verificar a<br />

presença ou ausência da inclusão hierárquica, presente somente a partir do nível operatório concreto.<br />

Percebemos, contudo que há diferenças sutis entre condutas pré-operatórias e transição e entre operatório<br />

concreto e operatório formal, o que nos leva a ficar atento numa análise mais minuciosa.<br />

A qualida<strong>de</strong> das respostas também mostrou ser um dos <strong>de</strong>terminantes da diferença das condutas.<br />

Tal como na categoria qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perguntas, na presente, igualmente é necessário prestar atenção às<br />

sutis diferenças que foram evi<strong>de</strong>nciadas. O mesmo po<strong>de</strong> ser dito sobre o <strong>de</strong>scarte. É bem verda<strong>de</strong> que o<br />

tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarte (implícito e explícito) não é <strong>de</strong>terminante, mas é importante observar durante as jogadas<br />

se o participante exclui do jogo um número significativo <strong>de</strong> figuras após a informação recebida, ou seja,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 273


se ele consegue incluir numa <strong>de</strong>terminada classe vários animais. Nas condutas pré-operatórias e <strong>de</strong><br />

transição apesar dos <strong>de</strong>scartes, estes não sugeriam se referir a uma classe, mas sim aos objetos<br />

conceituais, o que não ocorreu nas condutas posteriores. Quanto ao nível operatório concreto e formal,<br />

po<strong>de</strong>mos observar diferença <strong>de</strong> grau, ou seja, no operatório concreto ainda existem lacunas e no formal<br />

elas foram superadas. Esses dados coinci<strong>de</strong>m com os encontrados por Piaget (1996).<br />

A justificativa da escolha do animal oculto também se mostrou um <strong>de</strong>terminante para se verificar a<br />

diferença nas condutas dos participantes, já que os participantes <strong>de</strong> nível operatório concreto e formal<br />

conseguem estruturar seu pensamento em classes, lidar com exclusões e, portanto justificar suas condutas,<br />

ao passo que as crianças com condutas pré-operatórias e transição fixam-se apenas nos dados perceptíveis<br />

do objeto que as impossibilitam justificar suas escolham com argumentos lógicos. A troca <strong>de</strong> papéis foi<br />

fundamental para os participantes com condutas operatórias porque modificaram sua maneira <strong>de</strong> jogar<br />

após terem observado a experimentadora.<br />

Contudo, po<strong>de</strong>mos concluir que apenas o arranjo das figuras não é uma categoria que prediz qual a<br />

conduta que está sendo utilizada pelo sujeito. Os resultados mostraram que existem diferenças nos níveis<br />

<strong>de</strong> conduta, encontrando-os subordinados à estruturação do raciocínio classificatório.<br />

Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

O estudo permitiu verificar o valor do jogo <strong>de</strong> regras para analisar as condutas <strong>de</strong> crianças e<br />

adolescentes nos diferentes níveis evolutivos. Além disso, po<strong>de</strong> ser um importante recurso na avaliação,<br />

bem como para nortear um trabalho <strong>de</strong> intervenção psicopedagógica.<br />

Nos dias atuais, em que se <strong>de</strong>para quase que cotidianamente com dados alarmantes sobre a<br />

ineficácia do sistema educacional brasileiro, cujas soluções estão longe <strong>de</strong> serem encontradas, os jogos,<br />

po<strong>de</strong>riam também ter papel mais efetivo no contexto escolar no sentido <strong>de</strong> proporcionar uma educação<br />

mais significativa às crianças e aos adolescentes. As queixas <strong>de</strong> <strong>de</strong>satenção, <strong>de</strong> <strong>de</strong>smotivação, <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sinteresse tão comum entre os educadores nos levam a reflexão sobre o tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que têm sido<br />

propostas aos alunos. Não queremos dizer com isto, que a escola <strong>de</strong>ve abandonar os conteúdos porque são<br />

fundamentais, mas permanecer apenas com eles po<strong>de</strong> negligenciar aspectos cruciais do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

infantil que certamente contribuiria <strong>de</strong> maneira positiva com a aprendizagem escolar.<br />

Em síntese, os estudos têm <strong>de</strong>monstrado o valor dos jogos e é <strong>de</strong>sejável que a escola o adotasse<br />

como um recurso suplementar. Um argumento a mais po<strong>de</strong>ria reforçar a sua importância: os jogos são<br />

ativida<strong>de</strong>s espontâneas da infância e como tal não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rados.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 274


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 276


Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem e Sala <strong>de</strong> Apoio: Significações <strong>de</strong> Alunos e Professores<br />

Resumo<br />

OLIVEIRA, Francismara Neves <strong>de</strong><br />

BIANCHINI, Luciane Guimarães Batistella<br />

CARNOT, Priscila <strong>de</strong> La Torre<br />

OLIVEIRA, Fernanda Aparecida <strong>de</strong><br />

PIAI, Angelica Lima<br />

SILVA, Camila da<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina – PROPPG/ UEL<br />

Projeto <strong>de</strong> pesquisa: Laboratório <strong>de</strong> Jogos - espaço <strong>de</strong> interações lúdicas<br />

projetolaboratorio<strong>de</strong>jogos@gmail.com.br<br />

O presente estudo objetivou analisar as significações <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> 25 alunos e 4<br />

professores que participam diretamente das salas <strong>de</strong> apoio à aprendizagem em duas escolas estaduais em<br />

Londrina-PR, comparando-as à concepção inferida nos documentos que regulamentam a sala <strong>de</strong> apoio.<br />

Como modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisa, elegemos: o estudo <strong>de</strong> casos múltiplos que permitiu a replicação das<br />

condições <strong>de</strong> pesquisa nas duas unida<strong>de</strong>s que seguem o mesmo projeto <strong>de</strong> implantação das salas <strong>de</strong> apoio.<br />

Como questão norteadora, elegemos: quais as significações <strong>de</strong> alunos e professores sobre as dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> aprendizagem e a sala <strong>de</strong> apoio? Além da observação das ativida<strong>de</strong>s nas salas <strong>de</strong> apoio, utilizamos<br />

roteiros <strong>de</strong> entrevista para professores e alunos e analisamos os documentos que normatizam o trabalho.<br />

O período <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados foi <strong>de</strong> 2 meses, com 8 horas semanais, 4 horas em cada escola. Nossos<br />

resultados indicaram que as significações <strong>de</strong> alunos e professores sobre dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem são<br />

correspon<strong>de</strong>ntes à concepção encontrada nos documentos que oficializam as salas <strong>de</strong> apoio nas escolas da<br />

re<strong>de</strong> estadual. Persistem estereótipos que culpabilizam o aluno pelo não apren<strong>de</strong>r. As dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem são vistas como um problema do aluno e por <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua família. Esse também é o<br />

modo como os alunos percebem a si mesmos no processo <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Palavras-Chave: Salas <strong>de</strong> apoio à aprendizagem. Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem; Concepções <strong>de</strong><br />

professores e alunos.<br />

Abstract<br />

This study aimed to examine the meanings of learning disabilities of 25 stu<strong>de</strong>nts and 5 teachers who<br />

participate directly in the support learning classrooms in two state schools in Londrina-PR, comparing<br />

them with the conception that is inferred in the documents which regulating the support classroom. As<br />

modality of research we choose the study of multiple cases which allowing the reapplication of the<br />

conditions of researches in the two units that follow the same project of support classrooms<br />

implementation. As guiding question we elect: which is the signification of stu<strong>de</strong>nts and teachers about<br />

the difficulties of learning and support classroom? Despite the observation of the activities in the support<br />

classroom, we use interview gui<strong>de</strong>s for teachers and stu<strong>de</strong>nts and we analyze the documents that<br />

standardize the job. The period of data collection was 2 months, with 8 hours per week, 4 hours in each<br />

school. Our results indicated that the significations of stu<strong>de</strong>nts and teachers about learning difficulties<br />

correspond the conception found in the documents that make official the support classrooms in the<br />

schools in ours state. Endure the stereotypes which blame the stu<strong>de</strong>nt for no to learn and un<strong>de</strong>rtake the<br />

<strong>de</strong>livery of work in support classrooms. The stu<strong>de</strong>nt’s difficulties of learning are viewed as a stu<strong>de</strong>nt<br />

problem and that they happen because of his family. This is also the way how stu<strong>de</strong>nts perceive<br />

themselves in the learning process.<br />

Keywords: Support learning classrooms. Learning disabilities. Conceptions of teachers and stu<strong>de</strong>nts.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 277


Introdução<br />

Ao pensarmos nas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem é preciso reconhecer em primeira instância que<br />

na complexida<strong>de</strong> da escola, os processos envolvidos são marcados por trajetórias diferenciadas, avaliadas<br />

como satisfatórias ou insatisfatórias. Nessa complexida<strong>de</strong> interatuam diferentes expectativas em relação<br />

ao domínio dos conteúdos escolares e apreensão do conhecimento. Como lócus <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos tão complexos,<br />

é natural que a escola produza em seu bojo, relações <strong>de</strong> ina<strong>de</strong>quação, <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, rotulação e<br />

fragmentação. Relações estas que coexistem com aquelas valorizadas como assertivas, pedagogicamente<br />

corretas, científicas, enfim, a<strong>de</strong>quadas às exigências da <strong>de</strong>manda escolar.<br />

Representando a própria dificulda<strong>de</strong> do homem em lidar com a complexida<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>paramos no<br />

cenário escolar com a dicotomização do apren<strong>de</strong>r. Por um lado um contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas e expectativas<br />

em torno daquele que “apren<strong>de</strong>” e por outro, um cenário <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> e angústia proporcionado pela<br />

ausência <strong>de</strong> compreensão sobre aquele que ocupa o lugar do não saber ou daquele que apresenta<br />

dificulda<strong>de</strong>s para apren<strong>de</strong>r, como se os dois lados da moeda não falassem do mesmo processo. O<br />

resultado da falta <strong>de</strong> compreensão sobre as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem tem gerado, na maioria dos<br />

casos, estigmas e estereótipos que atingem a família, o aluno, os professores e a escola, enfatizando e<br />

generalizando as condições incapacitantes ao apren<strong>de</strong>r.<br />

Pautados na perspectiva teórica piagetiana, consi<strong>de</strong>ramos que apren<strong>de</strong>r, não apren<strong>de</strong>r ou ter<br />

dificulda<strong>de</strong>s para apren<strong>de</strong>r, constituem um mesmo processo. Assim, a aprendizagem (processo) engendra<br />

múltiplas possibilida<strong>de</strong>s e seu sucesso ou insucesso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> construção ou (re)<br />

construção que não estão localizadas isoladamente no sujeito, ou no meio, ou nos objetos <strong>de</strong> apropriação,<br />

ou na “ensinagem”, como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m algumas teorias. Esta construção e reconstrução são muito mais<br />

marcadas pelo “e” que pelo “ou”, o que <strong>de</strong>nota a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste fenômeno. As dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem evi<strong>de</strong>nciam, não apenas um processo insatisfatório, mas também as teias que o teceram.<br />

A partir <strong>de</strong>sta compreensão teórica enten<strong>de</strong>mos ser possível <strong>de</strong>clinar princípios norteadores que<br />

po<strong>de</strong>m resgatar a dimensão pedagógica no trabalho com as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, em especial na<br />

atuação <strong>de</strong> professores em salas <strong>de</strong> apoio à aprendizagem, objeto da presente análise.<br />

No presente estudo, nossa discussão não recaiu sobre <strong>de</strong>finições, nomenclaturas, classificações ou<br />

avaliações das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. Consi<strong>de</strong>ramos a significação das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem para os alunos e professores envolvidos diretamente com as salas <strong>de</strong> apoio, espaço oficial<br />

<strong>de</strong> trabalho com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem nas escolas estaduais no município <strong>de</strong> Londrina, on<strong>de</strong> o<br />

estudo se <strong>de</strong>senvolveu. Interessou-nos analisar “o olhar” do professor que recebe na sala <strong>de</strong> apoio esses<br />

alunos e “o olhar” dos alunos que frequentam a sala <strong>de</strong> apoio porque são consi<strong>de</strong>rados alunos com<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 278


dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Referencial Teórico<br />

Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem – um olhar a partir da perspectiva teórica piagetiana.<br />

Diferentes teorias reconhecem a existência <strong>de</strong> elementos contextualmente articulados na<br />

aprendizagem do aluno e oferecem uma compreensão que supera a configuração <strong>de</strong> uma listagem <strong>de</strong><br />

sintomas aparentes e impedidores das interações <strong>de</strong>stes alunos com o conhecimento, como sinônimos <strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Na perspectiva teórica <strong>de</strong> Jean Piaget, as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem não são explicadas pelo<br />

prisma do que falta à criança, seus limites e impossibilida<strong>de</strong>s, mas por suas ações e significações, sua<br />

riqueza <strong>de</strong> construções e suas superações. Partindo <strong>de</strong>sse pressuposto, as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem,<br />

não po<strong>de</strong>m ser analisadas como pertencentes ao aluno e a sua família somente, mas sugerem um amplo<br />

contexto a produzi-las. Macedo (2002, p. 44).<br />

A compreensão <strong>de</strong> fatores interatuantes nos processos <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong>ve nortear o professor<br />

no que concerne a sua atuação frente às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem dos alunos. As concepções do<br />

professor, as representações <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua formação, o tipo <strong>de</strong> vínculos afetivos que estabelece com o<br />

ensinar, com o seu próprio modo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, não estariam diretamente relacionados ao enfrentamento da<br />

questão com seus alunos?<br />

Partindo do princípio da complexida<strong>de</strong> o conceito <strong>de</strong> Piaget (1980) é esclarecedor quanto ao que<br />

vem a ser uma relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência presente na constituição <strong>de</strong> um fenômeno amplo, múltiplo e<br />

complexo como a aprendizagem e as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes. Nessa abordagem, sistemas<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes constituem a dialética construtiva. Tal compreensão nos auxilia no entendimento da<br />

condição inegável à complexida<strong>de</strong> e dinamismo próprios à mudança do indivíduo que se <strong>de</strong>senvolve, na<br />

condição <strong>de</strong> sujeito-autor do seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento - teia no seio da qual o apren<strong>de</strong>r é tecido.<br />

Assim, o conhecimento é concebido como um processo e não como um estado (resultado ou produto) e a<br />

escola, como um importante espaço (não apenas físico) para a construção <strong>de</strong>sse conhecimento (Oliveira,<br />

2005). Essa complexida<strong>de</strong> é inerente à aprendizagem e po<strong>de</strong> auxiliar na compreensão das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem.<br />

Macedo (2008, p. 2) argumenta que:<br />

[...] dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong>vem ser vistas como problema <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m complexa<br />

não importa se envolvam o sistema como um todo (isto é, as estruturas e relações que o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 279


constituem), uma classe ou grupo <strong>de</strong> alunos ou um caso individual (singular).<br />

O autor, em oposição ao que comumente é entendido pelo termo dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem (os<br />

aspectos negativos e a ênfase ao que falta), faz alusão ao fato <strong>de</strong> que as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, na<br />

perspectiva <strong>de</strong> Piaget, são entendidas como algo positivo, pois nessa concepção teórica, o problema, o<br />

<strong>de</strong>safio, a dificulda<strong>de</strong> são consi<strong>de</strong>rados extremamente importantes à construção do conhecimento.<br />

Prossegue o autor (MACEDO, 2008, p.3):<br />

Quem não aceita enfrentar dificulda<strong>de</strong>s para realizar tarefas ou compreen<strong>de</strong>r problemas<br />

difíceis, porque novos, porque o conhecimento disponível sobre eles é insuficiente, não se<br />

<strong>de</strong>senvolve além dos limites atuais, fica refém <strong>de</strong> algo que não combina com a missão da<br />

escola (apren<strong>de</strong>r).<br />

Apropriarmo-nos <strong>de</strong>ssa compreensão po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um novo olhar para o não apren<strong>de</strong>r. As<br />

possibilida<strong>de</strong>s e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r po<strong>de</strong>m ser incentivados, dificultados ou interrompidos, nas (inter e<br />

intra) interações do sujeito no meio em que vive. Nessa ótica, o não apren<strong>de</strong>r passa a atribuir significação<br />

à complexida<strong>de</strong> do processo na medida em que se apresenta como uma resposta insuficiente do aluno a<br />

uma exigência que não é apenas <strong>de</strong>le, mas também externa a ele. As dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem<br />

evi<strong>de</strong>nciam, não apenas um processo insatisfatório do aluno, mas <strong>de</strong> um contexto.<br />

A perspectiva piagetiana para o <strong>de</strong>senvolvimento do indivíduo supõe um sujeito ativo que constrói<br />

não apenas o saber, mas os mecanismos e processos com os quais po<strong>de</strong> conhecer, em uma relação<br />

autônoma, espontânea e <strong>de</strong> autoria própria. Essa teoria aponta processos interacionais construtivos, na<br />

exata medida em que <strong>de</strong>sloca o olhar das condições i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> aluno, <strong>de</strong> professor, <strong>de</strong> programas<br />

instrucionais, para o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> adaptação, <strong>de</strong> equilibração. O conceito <strong>de</strong> adaptação em<br />

Piaget vai para além da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ajustamento ao meio, ou <strong>de</strong> superação <strong>de</strong> condições adversas do<br />

ambiente. Implica em relações inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, possíveis pelo processo <strong>de</strong> equilibração e <strong>de</strong> autoria do<br />

sujeito que apren<strong>de</strong> e que se <strong>de</strong>senvolve.<br />

Partindo da compreensão <strong>de</strong> Piaget (1974, p. 40), segundo a qual “a aprendizagem é um processo<br />

adaptativo que se <strong>de</strong>senvolve no tempo, em função <strong>de</strong> respostas dadas pelo sujeito a um conjunto <strong>de</strong><br />

estímulos anteriores e atuais”, é possível reconhecer uma peculiarida<strong>de</strong> na compreensão das dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> aprendizagem: são passíveis a um processo <strong>de</strong> construção, uma vez que o processo <strong>de</strong> aprendizagem é<br />

adaptativo, ou seja não está pronto e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da equilibração. Ao conceber adaptação, o autor distingue<br />

adaptação-estado, da adaptação-processo. Para Piaget (1936, p.13) a adaptação-estado refere-se ao<br />

equilíbrio entre assimilações e acomodações, entretanto, a principal forma <strong>de</strong> adaptação, a adaptação-<br />

processo, é aquela que permite <strong>de</strong>screver progressos do conhecimento, justamente porque vai além da<br />

“plasticida<strong>de</strong>” adaptativa do sujeito às <strong>de</strong>mandas e pressões do meio. Extingue-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>formar o real (assimilação) em função do próprio ponto <strong>de</strong> vista. Não há mais necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 280


acomodação se moldar aos dados exteriores, passando a se constituir uma experiência inteligente <strong>de</strong> fato.<br />

(Montangero e Maurice-Naville, 1998).<br />

Por essa razão enten<strong>de</strong>mos que a tese da equilibração, da ativida<strong>de</strong> construtiva do sujeito, das<br />

regulações ativas que o processo <strong>de</strong> sucessivas tomadas <strong>de</strong> consciência engendra, aten<strong>de</strong>ndo necessida<strong>de</strong>s<br />

internas <strong>de</strong> equilíbrio, po<strong>de</strong> apontar indicadores na compreensão das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Estariam elas relacionadas à adaptação como estruturante das ativida<strong>de</strong>s internas do sujeito em relação <strong>de</strong><br />

inter<strong>de</strong>pendência com o meio no qual está inserido. (Piaget 1975; 1977; 1978). Retomemos a reflexão <strong>de</strong><br />

Macedo (2008, p. 3): “Apren<strong>de</strong>r, neste sentido, é enfrentar e resolver problemas; dominar procedimentos,<br />

isto é, ações orientadas para um objetivo ou propósito.”<br />

As manifestações <strong>de</strong> aprendizagens e <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s durante esse processo são consi<strong>de</strong>radas<br />

como conquistas do sujeito, como elementos estruturantes das relações entre os observáveis, como<br />

regulações do sujeito durante o processo <strong>de</strong> construção do conhecimento. Não po<strong>de</strong>m ser (as dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> aprendizagem) <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas, <strong>de</strong>svalorizadas, transformadas em rótulo imposto ao sujeito,<br />

justamente porque não são externas a ele quanto às suas significações. Ao invés <strong>de</strong> pertencerem ao sujeito<br />

como uma marca que o <strong>de</strong>squalifica, que “explica” <strong>de</strong> forma reducionista o não apren<strong>de</strong>r, as dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> aprendizagem pertencem ao processo <strong>de</strong> construção do sujeito, no sentido proativo que um processo<br />

construtivo representa. Posto isto, passamos a analisar o espaço oficializado para o trabalho com as<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem nas escolas: as salas <strong>de</strong> apoio.<br />

Salas <strong>de</strong> Apoio à Aprendizagem – espaço em reflexão<br />

A Secretaria do Estado do Paraná (SEED) implantou no ano <strong>de</strong> 2004 o programa <strong>de</strong>nominado<br />

“Sala <strong>de</strong> Apoio à Aprendizagem”. De acordo com a resolução 371/2008, art. 1º, a Secretaria da Educação<br />

do Estado do Paraná está investindo na implantação da Sala <strong>de</strong> Apoio à Aprendizagem para aten<strong>de</strong>r aos<br />

alunos do 6º ano (5ª série) do Ensino Fundamental que frequentam as escolas estaduais e apresentam<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem com o objetivo <strong>de</strong> diminuir os índices <strong>de</strong> reprovação e evasão nesta série.<br />

Os documentos que instruíram e regulamentaram a criação das Salas <strong>de</strong> Apoio à Aprendizagem<br />

foram a LDBEN nº9394/96, com o princípio <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong>, referente à função do sistema <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong><br />

criar condições favoráveis para que o direito do aluno à aprendizagem seja garantido, o parecer CNE nº<br />

04/98, a <strong>de</strong>liberação nº 007/99-CEE e a Resolução Secretarial nº 371/2008. Segundo a instrução nº<br />

022/2008 existem alguns critérios para a abertura e organização das Salas <strong>de</strong> Apoio: <strong>de</strong>stinam-se às<br />

disciplinas <strong>de</strong> Língua Portuguesa e Matemática, são oferecidas na proporção <strong>de</strong> uma sala <strong>de</strong> apoio para<br />

cada três turmas <strong>de</strong> 5ª série, quatro horas semanais por disciplina, uma hora ativida<strong>de</strong> para o professor e<br />

sua oferta <strong>de</strong>verá ser para no máximo 15 alunos, no turno contrário ao qual os alunos estão matriculados.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 281


O programa tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r quinze mil alunos em todo o estado com<br />

aproximadamente oitocentas turmas funcionando no sistema <strong>de</strong> contra turno. O objetivo principal das<br />

salas <strong>de</strong> apoio é o enfrentamento das dificulda<strong>de</strong>s apresentadas pelos alunos, com relação à aprendizagem<br />

<strong>de</strong> Língua Portuguesa (oralida<strong>de</strong>, leitura, escrita) e Matemática (formas espaciais e quantida<strong>de</strong>s nas suas<br />

operações básicas e elementares).<br />

A instrução nº 022/2008- SUED/SEED aborda a função <strong>de</strong> cada profissional responsável pelo<br />

funcionamento das Salas <strong>de</strong> Apoio. Ressaltamos a atribuição dos professores regentes aos quais compete<br />

o trabalho <strong>de</strong> diagnosticar as dificulda<strong>de</strong>s dos alunos e encaminhar, enquanto aos professores da sala <strong>de</strong><br />

apoio compete elaborar e <strong>de</strong>senvolver o plano <strong>de</strong> trabalho, além <strong>de</strong> registrar os documentos relativos aos<br />

alunos, participar <strong>de</strong> conselho <strong>de</strong> classe e ajudar a <strong>de</strong>cidir sobre a permanência ou não do aluno na sala <strong>de</strong><br />

apoio.Posto isto que analisa a normatização das salas <strong>de</strong> apoio, passamos a apresentar a organização<br />

metodológica e os dados empíricos <strong>de</strong> nosso estudo.<br />

Objetivo<br />

Refletir sobre as significações das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> professores e alunos<br />

envolvidos com as salas <strong>de</strong> apoio à aprendizagem do 6º ano do Ensino Fundamental <strong>de</strong> duas escolas<br />

estaduais em Londrina-PR.<br />

Metodologia<br />

O presente estudo se orientou pelos parâmetros da pesquisa qualitativa, na modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo<br />

<strong>de</strong> casos múltiplos. (Yin 2005, Martins 2006).<br />

Contextualização do Estudo<br />

Ressaltamos a existência <strong>de</strong> um contexto favorável ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong> casos<br />

múltiplos, tal como o <strong>de</strong>screve Yin (2005). Para o autor, o estudo <strong>de</strong> casos múltiplos oferece a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> replicação dos dados e <strong>de</strong> articulação entre os diferentes casos, o que configura um<br />

constructo <strong>de</strong> validação <strong>de</strong> resultado mais fi<strong>de</strong>digno. Para aten<strong>de</strong>r ao critério da Lógica da Replicação,<br />

selecionamos 2 unida<strong>de</strong>s (escolas) da re<strong>de</strong> estadual <strong>de</strong> ensino que adotam um projeto único <strong>de</strong> sala <strong>de</strong><br />

apoio, como contextos individuais para a realização dos estudos. Em cada unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino, professores<br />

da sala <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong> Português e <strong>de</strong> Matemática e alunos que frequentam esse espaço, participaram da<br />

pesquisa. O tempo <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados foi <strong>de</strong> 2 meses nas duas escolas, durante 8 horas semanais em cada<br />

uma das unida<strong>de</strong>s.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 282


Problema<br />

Quais as significações das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem para professores e alunos que participam<br />

da sala <strong>de</strong> apoio à aprendizagem?<br />

Participantes<br />

25 alunos que frequentam o 6º ano do Ensino Fundamental <strong>de</strong> duas escolas da re<strong>de</strong> estadual <strong>de</strong><br />

Londrina-PR (14 alunos da escola 1 e 11 alunos da escola 2) e 4 professores das salas <strong>de</strong> apoio (2 <strong>de</strong><br />

cada escola), sendo 2 <strong>de</strong> Língua Portuguesa e 2 <strong>de</strong> Matemática.<br />

Procedimento <strong>de</strong> Coleta <strong>de</strong> Dados<br />

Aplicado <strong>de</strong> modo semelhante em cada unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino: observação das aulas nas salas <strong>de</strong><br />

apoio, entrevistas com os professores e alunos e análise <strong>de</strong> documentos normativos das salas <strong>de</strong> apoio à<br />

aprendizagem.<br />

Instrumentos <strong>de</strong> Coleta e <strong>de</strong> Registro dos Dados<br />

Diário <strong>de</strong> campo, vi<strong>de</strong>ogravações, fotos, roteiro <strong>de</strong> observação, roteiro <strong>de</strong> entrevista aos<br />

professores e aos alunos e documentos da legislação.<br />

Desenvolvimento<br />

Organizamos os resultados <strong>de</strong> nosso estudo em três eixos <strong>de</strong> análise: concepção <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem inferida dos documentos normativos; procedimentos adotados pelas escolas para o<br />

encaminhamento e <strong>de</strong>senvolvimento do trabalho na sala <strong>de</strong> apoio e significação atribuída por professores<br />

e alunos para as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem e para a sala <strong>de</strong> apoio.<br />

<strong>de</strong> apoio.<br />

Eixo 1- Concepção <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem inferida dos documentos normativos da sala<br />

A legislação que normatiza o trabalho na sala <strong>de</strong> apoio apresenta alguns aspectos que sugerem<br />

reflexão: o modo como os professores são selecionados para atuarem na sala <strong>de</strong> apoio, a ausência <strong>de</strong><br />

preocupação com teorias sustentadoras do trabalho com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, ênfase aos<br />

aspectos administrativos em <strong>de</strong>trimento do âmbito pedagógico, a estrutura física das escolas como<br />

<strong>de</strong>finidora da condição ou não <strong>de</strong> oferta das salas <strong>de</strong> apoio, as atribuições do professor da sala <strong>de</strong> apoio e<br />

a avaliação dos alunos pelos professores das salas regulares e da sala <strong>de</strong> apoio, tanto para o<br />

encaminhamento como para a saída do programa.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que pela legislação, os elementos <strong>de</strong>finidores do trabalho na sala <strong>de</strong> apoio estão<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 283


pautados em uma concepção <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem particularizadora do não apren<strong>de</strong>r. Esse<br />

modo <strong>de</strong> olhar para o não apren<strong>de</strong>r reforça a idéia <strong>de</strong> que as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem são do aluno e<br />

<strong>de</strong> sua família. A partir da instituição <strong>de</strong> salas <strong>de</strong> apoio e sua implantação como um projeto único em toda<br />

a re<strong>de</strong> estadual, o estado se exime da responsabilida<strong>de</strong> para com o não apren<strong>de</strong>r oficializado nas<br />

estatísticas <strong>de</strong> reprovação e <strong>de</strong> evasão no sexto ano do Ensino Fundamental. Passa a ser um “cobrador” <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>s das escolas e dos professores quanto ao programa por ele implantado e requerer<br />

minimização <strong>de</strong>ssa estatística <strong>de</strong>sfavorável politicamente. Os números da repetência e evasão são<br />

substituídos pelo número <strong>de</strong> “atendimentos” realizados aos alunos ditos com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem. Nos documentos oficiais não há, por exemplo, preocupação em <strong>de</strong>limitar um prazo<br />

mínimo <strong>de</strong> permanência do aluno na sala <strong>de</strong> apoio. Na realida<strong>de</strong>, o que observamos é uma rotativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

alunos que não chegam a participar do programa, nem mesmo durante um bimestre inteiro. Este<br />

procedimento, em nosso enten<strong>de</strong>r apenas reforça estereótipos, solidifica a segregação e serve para<br />

comprovar que o problema é do aluno.<br />

Ao enfatizar, nas atribuições da equipe envolvida, muito mais os aspectos administrativos que<br />

pedagógicos do programa, a legislação exime e ao mesmo tempo culpabiliza o professor, pelo não<br />

apren<strong>de</strong>r. Afinal, o Estado oportuniza a condição <strong>de</strong> superação por meio das salas <strong>de</strong> apoio. Não há<br />

preocupação com a formação continuada, concursos específicos para selecionar quem atuará na sala <strong>de</strong><br />

apoio, nem mesmo encontros frequentes que busquem promover reflexão dos envolvidos. Assim, torna-se<br />

oportuno atribuir por vezes ao professor e a metodologia empregada e em outros momentos ao aluno e<br />

sua família (que não se interessam), o insucesso pelo apren<strong>de</strong>r.<br />

Eixo 2 – Procedimentos <strong>de</strong> encaminhamento e <strong>de</strong>senvolvimento do trabalho na sala <strong>de</strong> apoio.<br />

As duas unida<strong>de</strong>s escolares investigadas revelaram semelhanças quanto ao modo como são<br />

encaminhados os alunos para a sala <strong>de</strong> apoio. Nas primeiras semanas do ano letivo as salas <strong>de</strong> apoio à<br />

aprendizagem foram constituídas, partindo dos encaminhamentos dos professores das salas regulares <strong>de</strong><br />

5ª série (6º ano). O número máximo <strong>de</strong> vagas <strong>de</strong>terminado na legislação (15 alunos), dividido pelo número<br />

<strong>de</strong> salas <strong>de</strong> 5ª série na escola, <strong>de</strong>u a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alunos <strong>de</strong> cada turma a serem encaminhados pelos<br />

professores das salas regulares à sala <strong>de</strong> apoio.<br />

É interessante observar que nem mesmo o critério <strong>de</strong> notas baixas que geralmente é adotado do<br />

segundo bimestre em diante, pô<strong>de</strong> ser o <strong>de</strong>finidor da escolha do grupo que passou a frequentar a sala <strong>de</strong><br />

apoio no primeiro bimestre, pois na terceira semana <strong>de</strong> aula do ano letivo, os alunos foram encaminhados,<br />

portanto, antes das avaliações do bimestre. Os critérios dos professores, evi<strong>de</strong>nciado para o<br />

encaminhamento dos alunos são subjetivos: empatia ou não com o aluno, felling do professor, a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 284


observação do comportamento do aluno nos primeiros dias <strong>de</strong> aula (indisciplina), aquilo que “conhecem”<br />

sobre sua família e ocorrências <strong>de</strong> anos anteriores.<br />

O aluno passa a frequentar a sala <strong>de</strong> apoio como uma “punição” à sua ina<strong>de</strong>quação frente ao<br />

mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> aluno que a escola e os professores apresentam. É indicado porque não aten<strong>de</strong> às<br />

exigências <strong>de</strong> “aluno normal” necessárias às situações <strong>de</strong> aprendizagem. É encaminhado porque é um<br />

aluno-problema, porque reúne em si as impossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r. Assim que o aluno cumpre sua<br />

“punição” na sala <strong>de</strong> apoio, po<strong>de</strong> retornar à “normalida<strong>de</strong>” da sala regular. Alguns alunos frequentaram<br />

apenas por duas semanas a sala <strong>de</strong> apoio e “foram autorizados” a sair do programa. Perguntamos-nos: que<br />

po<strong>de</strong>r é este, dado à sala <strong>de</strong> apoio para a recuperação das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, ao ponto <strong>de</strong><br />

serem suficientes duas semanas <strong>de</strong> trabalho? Em uma das unida<strong>de</strong>s escolares, um aluno foi incluído na<br />

penúltima semana do 1º semestre letivo, porque vinha apresentando indisciplina em sala.<br />

O tipo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvido nas salas <strong>de</strong> apoio observadas confirma a concepção <strong>de</strong> que cabe<br />

ao aluno aproveitar a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rever aquilo que não conseguiu apren<strong>de</strong>r. Partindo do que assegura<br />

a legislação <strong>de</strong> que a sala <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong>ve trabalhar com conteúdos iniciais (<strong>de</strong> 1ª à 4ª séries) das duas<br />

disciplinas (Português e Matemática), em não poucas situações observamos uma repetição do conteúdo e<br />

da metodologia empregados na sala regular. Com exceção <strong>de</strong> uma sala <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong> matemática, na qual se<br />

evi<strong>de</strong>nciou preocupação por parte do professor com a construção do conhecimento e metodologia<br />

diferenciada, as <strong>de</strong>mais repetiram diariamente a leitura <strong>de</strong> textos em que cada aluno lia um trecho em voz<br />

alta (geralmente <strong>de</strong> forma sofrível, o que impedia a compreensão <strong>de</strong> todos), cópia das questões<br />

interpretativas e problemas matemáticos ditados aos alunos para que os respon<strong>de</strong>ssem em seus ca<strong>de</strong>rnos.<br />

Os procedimentos acima <strong>de</strong>scritos indicam que a significação dada à sala <strong>de</strong> apoio atribui ao aluno<br />

a responsabilida<strong>de</strong> pelo não apren<strong>de</strong>r. Ao ter a chance <strong>de</strong> rever aquilo que não apren<strong>de</strong>u e “<strong>de</strong>sperdiçá-<br />

la”, o estereótipo <strong>de</strong> mau aluno é reafirmado e <strong>de</strong>sse modo a sala <strong>de</strong> apoio à aprendizagem ratifica a<br />

segregação. Além disso, a ênfase está no conteúdo e não no processo <strong>de</strong> aprendizagem do aluno.<br />

Significação Atribuída por Professores e Alunos para as Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem e para a<br />

Sala <strong>de</strong> Apoio.<br />

Na entrevista que fizemos aos professores (numerados aqui <strong>de</strong> 1 - 4) buscamos investigar suas<br />

concepções sobre dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem por meios <strong>de</strong> questões que enfatizaram: <strong>de</strong>finições <strong>de</strong><br />

aprendizagem e <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem; principais características dos alunos com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem; as dificulda<strong>de</strong>s mais frequentes apresentadas; causas que atribuem ao não apren<strong>de</strong>r e os<br />

principais problemas que enfrentam no trabalho com as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. As respostas<br />

apresentadas por 3 dos 4 professores entrevistados indicaram que o apren<strong>de</strong>r é tomado como acerto da<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 285


escola, enquanto o não apren<strong>de</strong>r é <strong>de</strong>finido como incapacida<strong>de</strong> do aluno.<br />

Part.1. Apren<strong>de</strong>r é uma reação <strong>de</strong> interesse, reação <strong>de</strong> tudo que <strong>de</strong>sperta interesse <strong>de</strong><br />

qualquer cidadão e até <strong>de</strong> uma criança. Ele apren<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esteja interessado. (grifo<br />

nosso).<br />

Part.1. Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem eu vejo assim... po<strong>de</strong>m ser problemas extraclasse<br />

que afetam muito a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem: o estilo <strong>de</strong> vida que ele tem, os<br />

problemas familiares, dificulda<strong>de</strong>s financeiras, enfim, diversas situações que afetam no<br />

aprendizado. O aprendizado em si é uma absorção <strong>de</strong> conhecimentos daquilo que é<br />

importante para ele. O aprendizado vai muito em cima daquilo que ele vive.<br />

Nas falas acima, se percebe a concepção <strong>de</strong> que as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem são produzidas<br />

fora da escola, estão localizadas no sujeito e em sua família e a escola é vitimizada e <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada<br />

como co-produtora <strong>de</strong>ste fenômeno. A ênfase na expressão “até uma criança” sugere menor valor e<br />

atribui ao interesse da criança a condição <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r. Sobre as características do aluno com dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> aprendizagem afirmou:<br />

Part.1. É sempre aquele aluno que tem dificulda<strong>de</strong>s extra-sala: problema familiar, falta<br />

<strong>de</strong> acompanhamento dos pais, <strong>de</strong>sinteresse dos pais <strong>de</strong>les <strong>de</strong> acompanhar a vida escolar<br />

dos filhos. Então acho que isso dificulta bastante.<br />

E quanto às causas das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, afirmou:<br />

Part.1. A causa principal é isso, eu sempre relaciono muito a família com o aluno. Então<br />

se ele tem uma família que o acompanha, que está sempre atenta, participa da vida <strong>de</strong>le<br />

escolar, ajuda ele a eliminar essas dificulda<strong>de</strong>s.<br />

Percebemos que na significação dada por este professor às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem sequer a<br />

escola é consi<strong>de</strong>rada elemento participante. É como se a escola apenas recebesse o problema (originado e<br />

<strong>de</strong>senvolvido em dimensões externas) e não fosse, em nada responsável a não ser em extingui-lo.<br />

O participante 2 assim <strong>de</strong>fine aprendizagem: “Apren<strong>de</strong>r não é <strong>de</strong>corar e, sim, enten<strong>de</strong>r o que está<br />

fazendo, não seria a quantida<strong>de</strong> e sim a qualida<strong>de</strong>.”<br />

Para dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, a <strong>de</strong>finição dada foi:<br />

Part.2. São alunos que têm dificulda<strong>de</strong>s pra se concentrar, são muito agitados e o<br />

principal é a interpretação, pois muitos vão bem nas regras da gramática conseguem<br />

<strong>de</strong>corar e, quando chega na interpretação não conseguem abstrair.(grifo nosso).<br />

Essa contradição quanto à memorização nas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> aprendizagem e <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem (“apren<strong>de</strong>r não é <strong>de</strong>corar”, mas... “para ir bem na escola o aluno <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong><br />

memorizar os conteúdos”) apareceu nas observações <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> aula e nos <strong>de</strong>mais questionamentos<br />

realizados ao professor, confirmando que o aluno “está sem as <strong>de</strong>vidas condições para apren<strong>de</strong>r” e, por<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 286


isso, é um problema.<br />

Como causas das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem o participante aponta:<br />

Part.2. É o aluno conseguir se concentrar, ele querer, porque atualmente o que compete<br />

com a escola são coisas que não conseguimos alcançar, por exemplo, o ví<strong>de</strong>o, a internet,<br />

televisão é tudo, então a competição está muito <strong>de</strong>sleal. Eles têm acesso a muitas coisas<br />

que dão mais prazer que a escola que ele tem que parar para se concentrar e, é tudo muito<br />

rápido, a internet dá respostas rápidas e prontas ele não precisa raciocinar muito não.<br />

Agora na escola ele tem que parar, se concentrar e pensar e aí a preguiça mental impera.<br />

Embora haja um reconhecimento <strong>de</strong> variados elementos no processo <strong>de</strong> aprendizagem, ainda<br />

predomina o conceito estereotipado <strong>de</strong> que o não apren<strong>de</strong>r é responsabilida<strong>de</strong> do aluno.<br />

amadurecer.”<br />

modificar”.<br />

O participante 3 assim <strong>de</strong>finiu aprendizagem: “fixar conteúdos, modificar o comportamento,<br />

Sobre as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, a <strong>de</strong>finição foi: “Dificulda<strong>de</strong> em apren<strong>de</strong>r, em assimilar e<br />

Quando solicitamos as características dos alunos com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, ouvimos do<br />

participante: “Ou ele é muito tímido ou impulsivo ou agressivo ou disperso”.<br />

Trata-se <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> atributos reunidos nessas <strong>de</strong>finições, tidos como negativos que são<br />

localizados no aluno e parecem assumir um caráter permanente... “ele é” e isto o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir, <strong>de</strong><br />

pensar, <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r.<br />

O participante 4 foi o único no grupo <strong>de</strong> professores participantes a apresentar uma <strong>de</strong>finição não<br />

polarizada entre escola e aluno/família:<br />

Part.4. a aprendizagem é um processo. De nada adianta eu acelerar os conteúdos se o<br />

raciocínio não acompanha. Não dá pra ignorar na aprendizagem, outras dimensões<br />

relativas à história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>les. Veja aqui, (mostra os alunos) são diferentes histórias,<br />

marcas que interferem. O processo <strong>de</strong> cada um vai ser diferente. A gente pergunta mais o<br />

que eles não sabem e pouco o que a gente po<strong>de</strong> fazer por eles como escola. Se não<br />

apren<strong>de</strong>m, não é só porque têm uma vida difícil. A escola também não atinge a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong>les... é tudo junto, escola, aluno, família.<br />

Quanto à concepção sobre a sala <strong>de</strong> apoio, os professores participantes foram unânimes em<br />

ressaltar seu valor positivo, mas <strong>de</strong>stacamos a fala <strong>de</strong> um <strong>de</strong> nossos sujeitos, por ser ela contun<strong>de</strong>nte:<br />

Digo aos alunos e aos seus familiares que o estado está pagando professor particular para eles e<br />

que se não valorizarem, nada mais po<strong>de</strong>rá ser feito. Depen<strong>de</strong> <strong>de</strong>les (dos alunos e família) superarem ou<br />

não as dificulda<strong>de</strong>s que têm. Essa oportunida<strong>de</strong> que o governo está dando é algo muito importante porque<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 287


as famílias <strong>de</strong>les nunca conseguiriam pagar por esse serviço.<br />

Essa concepção <strong>de</strong> que o aluno está em falta e traz consigo o problema, é percebida nos<br />

documentos normativos, no modo como são articulados os elementos que instituem as salas <strong>de</strong> apoio e<br />

po<strong>de</strong>m ser percebidos também na concepção dos professores sobre as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. O<br />

ponto <strong>de</strong> partida é o <strong>de</strong> que o projeto é um sucesso inquestionável e, portanto, é responsabilida<strong>de</strong> do aluno<br />

passar por esse programa e apresentar resultados absolutamente diferentes que possam ser interpretados<br />

como “normais” e que indiquem que houve superação das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. E como veem<br />

tais questões os alunos?<br />

Investigamos se gostam da sala <strong>de</strong> apoio; as semelhanças e diferenças entre a sala regular e a sala<br />

<strong>de</strong> apoio; por que acham que foram escolhidos para a sala <strong>de</strong> apoio; que tipo <strong>de</strong> aluno ele pensa que é; o<br />

que a professora, a família e os amigos acham <strong>de</strong>le participar da sala <strong>de</strong> apoio. Foi interessante<br />

percebermos que o discurso que os culpabiliza, já foi por eles incorporado. Dos 25 alunos entrevistados, a<br />

maioria indica em suas respostas que se consi<strong>de</strong>ram indisciplinados (mau comportamento) e por essa<br />

razão “merecem” estar na sala <strong>de</strong> apoio. Embora afirmem que a sala <strong>de</strong> apoio é um lugar privilegiado para<br />

apren<strong>de</strong>r, quando perguntamos o que é igual e o que é diferente entre os dois espaços, evi<strong>de</strong>nciam muitas<br />

semelhanças e poucas diferenças entre a sala <strong>de</strong> apoio e a sala regular, o que confirma as repetições nos<br />

dois espaços. Algumas respostas são eloquentes:<br />

...“o que ensinam é igual”; “as carteiras, o ensino, usam o livro, a bagunça”; “copiar do<br />

quadro, o jeito do ensino”; “as bagunças, as matérias”; “as ativida<strong>de</strong>s, a leitura”.<br />

Quando perguntamos por que foram escolhidos para a sala <strong>de</strong> apoio, enfatizaram o quanto são<br />

“maus alunos”, o quanto são “burros”, “fracos”, incompetentes para apren<strong>de</strong>r. Eis algumas respostas:<br />

“Eu sou muito fraco e aqui eles ajudam a recuperar”; “moro com minhas tias, avós e mãe,<br />

acho que eles não incentivam”; “na hora (refere-se ao momento em que foi comunicada<br />

que iria para a sala <strong>de</strong> apoio) eu não senti nada, eu sabia que precisava vir e, mesmo que<br />

eu fosse bem, seria escolhida pra cá. A professora pegava no meu pé e eu era ruim<br />

mesmo.”<br />

Estas falas são reveladoras <strong>de</strong> quanto o processo <strong>de</strong> culpabilização já atingiu esses alunos fazendo<br />

com que incorporem o discurso <strong>de</strong> que têm um problema em si, ou em suas famílias.<br />

Investigando o que pensam seus amigos, a professora e sua família sobre o fato <strong>de</strong> terem<br />

dificulda<strong>de</strong>s para apren<strong>de</strong>r, o conceito não difere do que analisamos até agora:<br />

“minha professora acha que sou bagunceira, namora<strong>de</strong>ira”; “meus amigos tiram sarro, me<br />

chamam <strong>de</strong> burra”; “meus amigos acham que sou trouxa”; “minha mãe acha que eu tenho<br />

que vir mesmo pra ficar mais inteligente”; “minha família acha que eu sou ruim”; “eles<br />

[família] não gostam. Acham ruim eu estar no reforço já no começo do ano”; “ela<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 288


[professora] não acha nada porque só grita e não conversa com os alunos”.<br />

Finalizando a breve apresentação <strong>de</strong> nossos dados, gostaríamos <strong>de</strong> salientar a força dos<br />

estereótipos e lembrar como permeiam todos os espaços, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as políticas <strong>de</strong> implantação até o modo<br />

como crianças e familiares se veem participantes <strong>de</strong>ste processo, o que em nosso enten<strong>de</strong>r inviabiliza os<br />

objetivos para os quais um espaço <strong>de</strong> apoio à aprendizagem é instituído.<br />

Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

No presente artigo, analisamos a relação existente entre os documentos normativos, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do trabalho e as concepções <strong>de</strong> alunos e professores, sobre as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem, nas salas <strong>de</strong> apoio. Pu<strong>de</strong>mos discorrer sobre a sutil, mas eficiente inviabilização <strong>de</strong> um<br />

processo <strong>de</strong> restabelecimento das condições <strong>de</strong> aprendizagem, a partir do momento em que a rotulação e a<br />

segregação encontram lugar, em <strong>de</strong>trimento da valorização <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> construção. Nossos dados<br />

neste estudo apontaram para <strong>de</strong>sencontros entre os caminhos trilhados pelo aluno na construção do<br />

conhecimento e o que significa a aprendizagem nas propostas governamentais, para a escola e para o<br />

professor. Indicaram um percurso <strong>de</strong> trabalho a ser adotado nas salas <strong>de</strong> apoio à aprendizagem que<br />

favoreçam a ação auto-estruturante do sujeito.<br />

Partindo do pressuposto teórico piagetiano adotado nesta pesquisa, a escola e em especial no que<br />

concerne ao trabalho com as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, não po<strong>de</strong> prescindir <strong>de</strong> um ambiente<br />

problematizador que coloque o sujeito da aprendizagem em ativida<strong>de</strong> construtiva. Situações<br />

problematizadoras provocadoras <strong>de</strong> reflexão, análise dos próprios meios empregados e tomada <strong>de</strong><br />

consciência das próprias ações <strong>de</strong>ve constituir a tônica <strong>de</strong> um projeto que visa oportunizar um ambiente<br />

específico <strong>de</strong> trabalho com as dificulda<strong>de</strong>s escolares.<br />

Referências<br />

MACEDO, L. <strong>de</strong>. Ensaios Construtivistas. 5ª ed., São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.<br />

______. Ensaios pedagógicos: como construir uma escola para todos. Porto Alegre: ArtMed, 2005.<br />

______. Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem e Gestão Escolar. São Paulo: Instituto <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo e Secretaria <strong>de</strong> Educação do Estado <strong>de</strong> São Paulo, 2008. (p. 1-12)<br />

MARTINS, G.A. Estudo <strong>de</strong> Caso: Uma estratégia <strong>de</strong> pesquisa. São Paulo: Ed. Atlas, 2006.<br />

MONTANGERO, J., MAURICE-NAVILLE, D. Piaget ou a inteligência em evolução: Sinopse<br />

cronológica e vocabulário. Porto Alegre: ArtMed, 1998.<br />

OLIVEIRA, F. N. <strong>de</strong> . Um estudo das inter<strong>de</strong>pendências cognitivas e sociais em escolares <strong>de</strong> diferentes<br />

ida<strong>de</strong>s por meio do jogo Xadrez Simplificado. Tese <strong>de</strong> doutorado, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação. Unicamp,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 289


Campinas SP, 2005.<br />

PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do <strong>de</strong>senvolvimento. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Zahar Editores, 1975.<br />

______. A tomada <strong>de</strong> consciência. São Paulo, Melhoramentos / EDUSP, 1977.<br />

______. Fazer e compreen<strong>de</strong>r. São Paulo, Melhoramentos /EDUSP, 1978.<br />

______. As formas elementares da dialética. Trad. Fernanda Men<strong>de</strong>s Luiz. Coor<strong>de</strong>nação Lino <strong>de</strong><br />

Macedo. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1980.<br />

YIN, R. K. Estudo <strong>de</strong> Caso: Planejamento e Métodos. Trad. Daniel Grassi. 3 ed. Porto Alegre:<br />

Bookman, 2005.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 290


A Concepção <strong>de</strong> Aprendizagem na Formação <strong>de</strong> Professores num Contexto <strong>de</strong> EAD<br />

Resumo<br />

PEIXOTO, Analissa Scherer<br />

UFRGS – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação<br />

analissapsi@gmail.com<br />

Esse artigo se propõe a uma análise teórica sobre a aprendizagem, tendo por base o referencial piagetiano.<br />

Esta temática é apresentada contextualizada na Educação a Distância, em específico no curso <strong>de</strong><br />

Graduação em Pedagogia da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (modalida<strong>de</strong> a distância),<br />

consi<strong>de</strong>rando sua implicação nas práticas pedagógicas do curso, bem como no próprio currículo, voltado<br />

para a formação <strong>de</strong> professores.<br />

Palavras-Chave: Aprendizagem. Formação <strong>de</strong> professores. Educação a distância<br />

Abstract<br />

This article aims at a theoretical analysis on learning, based on the Piagetian reference. This subject is<br />

presented in context, Distance Education, in particular in the course of graduate education at Fe<strong>de</strong>ral<br />

University of Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (distance mo<strong>de</strong>), consi<strong>de</strong>ring their involvement in teaching the course<br />

and in the curriculum, focused on teacher training.<br />

Keywords: Learning. Teacher training. Distance education<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 291


Introdução<br />

Refletir sobre a concepção <strong>de</strong> aprendizagem na Educação e, em especial, na Formação <strong>de</strong><br />

professores é extremamente necessário, principalmente com as <strong>de</strong>mandas oriundas do contexto atual.<br />

Estamos inseridos num período que estudiosos como Manuel Castells (apud HARGREAVES, 2004, p.32)<br />

<strong>de</strong>nominam socieda<strong>de</strong> informacional ou 'era da informação', que impõe uma nova or<strong>de</strong>m social e<br />

econômica. Esse cenário caracteriza-se pelo gran<strong>de</strong> valor dado ao domínio da informação e do<br />

conhecimento.<br />

Esse paradigma reflete inegavelmente na escola e na própria Educação, na medida em que<br />

<strong>de</strong>manda uma outra formação, distinta da praticada na Educação Tradicional. Para Gimeno Sacristán<br />

(2007, p.42) a socieda<strong>de</strong> da informação coloca educadores, administradores e pais num mundo on<strong>de</strong><br />

aparecem outras formas <strong>de</strong> se encontrar com o conhecimento:<br />

Criam-se novos ambientes em que se po<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e se apren<strong>de</strong> ou em que se utilizam<br />

com mais profusão os códigos visuais. Tudo isso proporciona novas possibilida<strong>de</strong>s e<br />

meios <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r que nos <strong>de</strong>safiam <strong>de</strong> fora para po<strong>de</strong>r transformar a experiência<br />

educativa <strong>de</strong> acordo com os fins básicos que orientam a educação mo<strong>de</strong>rna:<br />

universalização, igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, solidarieda<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> um serviço<br />

público <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, formação <strong>de</strong> indivíduos racionais e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, gosto pelo saber,<br />

práticas não-autoritárias...<br />

De certa forma essa <strong>de</strong>manda oriunda da socieda<strong>de</strong> também reflete-se na formação <strong>de</strong> professores<br />

na medida em que os cursos precisam formar profissionais preparados para lidar com essas <strong>de</strong>mandas<br />

contemporâneas e também dos alunos que estão inseridos nesse contexto. Por isso, à formação não cabem<br />

mo<strong>de</strong>los baseados no paradigma racional-técnico (LAROCCA, 2000), especialmente por este não dar<br />

conta da complexida<strong>de</strong> presente nas questões educacionais. No paradigma crítico-reflexivo, embora a<br />

questão técnica seja consi<strong>de</strong>rada necessária, ela jamais <strong>de</strong>ve ser compreendida como a totalida<strong>de</strong> das<br />

questões educativas. De acordo com a autora supracitada:<br />

A complexida<strong>de</strong> da dinâmica educativa e a própria realida<strong>de</strong> social em que esta se insere<br />

colocam resistências muito concretas ao enquadramento em esquemas fixos <strong>de</strong> causa e<br />

efeito, à previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certos fenômenos, às taxionomias existentes e às<br />

generalizações que se arrogam universalmente válidas.<br />

O paradigma crítico-reflexivo se alicerça na concepção <strong>de</strong> que a atuação do professor é complexa<br />

e envolve uma interação simultânea <strong>de</strong> múltiplos fatores. Nessa perspectiva, a complexida<strong>de</strong> das situações<br />

interpõe-se entre o pensar e o agir do professor. É importante que a formação seja permeada por práticas<br />

flexíveis, que possibilitem a vivência por parte das pessoas conscientes da velocida<strong>de</strong> das mudanças e<br />

preparadas para elas.<br />

Nesse contexto, a Educação a Distância, mediada por recursos tecnológicos e calcada num<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 292


mo<strong>de</strong>lo pedagógico coerente po<strong>de</strong>rá se configurar numa opção para aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas atuais. A EaD<br />

po<strong>de</strong> ajudar a superar o conteudismo, principalmente ao <strong>de</strong>senvolver propostas que privilegiem a<br />

autonomia, a criativida<strong>de</strong> e a consciência crítica. A EaD <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas características, que enfatize<br />

ativida<strong>de</strong>s individuais e grupais, favorecendo a constituição <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s virtuais <strong>de</strong> aprendizagem,<br />

promovendo a escrita colaborativa, exige também um novo tipo <strong>de</strong> aluno, <strong>de</strong>safiado a construir e<br />

reconstruir sua aprendizagem.<br />

Aprendizagem<br />

A aprendizagem é fundamental para a vida, pois é através da aprendizagem que o ser humano<br />

adquire habilida<strong>de</strong>s que lhe possibilitam viver, conviver, evoluir.(Zanella, 2001) A aprendizagem é um<br />

processo vital, pois em qualquer etapa ou momento da vida a pessoa está apren<strong>de</strong>ndo. Para ela, a<br />

aprendizagem opera mudanças no comportamento, no <strong>de</strong>sempenho, na ética e nos enfoques da pessoa.<br />

A posição da referida autora, no entanto, carece <strong>de</strong> complementação se for analisada a partir da<br />

epistemologia genética. Piaget explica que mesmo todo o resultado adquirido em função da experiência<br />

não constitui uma aprendizagem: “[...] é necessário, pois, reservar o termo <strong>de</strong> aprendizagem a uma<br />

aquisição em função da experiência, mas se <strong>de</strong>senvolvendo no tempo, quer dizer mediata e não imediata<br />

como a percepção ou a compreensão instantânea” (PIAGET, 1974, p.53).<br />

Para Ramos (2001) apren<strong>de</strong>r é se <strong>de</strong>parar com o <strong>de</strong>sconhecido, com o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> crescer e<br />

amadurecer frente à realida<strong>de</strong>. É um processo em que paixão e cognição estão inter-relacionadas. O<br />

<strong>de</strong>sejo transfere sentido para o apren<strong>de</strong>r, provocando com isso um investimento pessoal e a geração <strong>de</strong><br />

conhecimentos.<br />

Piaget, em suas obras também reconhece a importância do afeto, embora não tenha sido esse o seu<br />

foco <strong>de</strong> interesse e estudo. Ele afirma que entre o afeto e as estruturas cognitivas configura-se uma<br />

relação <strong>de</strong> correspondência, nunca <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>: o afeto explica a aceleração ou o retardamento da<br />

formação das estruturas, mas não é a causa da formação das estruturas.<br />

Não há atos <strong>de</strong> inteligência, inclusive <strong>de</strong> inteligência prática, sem que haja interesse do<br />

ponto <strong>de</strong> partida e regulação afetiva durante todo o curso <strong>de</strong> uma ação; sem alegria no<br />

sucesso ou tristeza no insucesso. Igualmente, no nível da percepção temos motivações<br />

afetivas. O que nós percebemos é uma função da regulação da atenção, que é<br />

maravilhosamente motivada por necessida<strong>de</strong>s e interesses. (PIAGET, 1962)<br />

Como o referido autor <strong>de</strong>senvolveu sua teoria centrando-se nos aspectos cognitivos, embora haja o<br />

reconhecimento do afeto como <strong>de</strong>scrito anteriormente, sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> aprendizagem é focada nos<br />

esquemas mentais. Apren<strong>de</strong>r significa assimilar o objeto a esquemas mentais. Logo, o sujeito apren<strong>de</strong><br />

quando a estrutura cognitiva é reajustada pela incorporação <strong>de</strong> um elemento novo, alterando o ato <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 293


conhecer no sentido do sujeito e adquirir uma nova resposta (mais adaptativa) às exigências do meio<br />

como resultado da interação <strong>de</strong>sse sujeito com o meio.<br />

Nesse sentido, as exigências do meio geram uma necessida<strong>de</strong> no indivíduo e essa necessida<strong>de</strong><br />

ten<strong>de</strong> a gerar um <strong>de</strong>sequilíbrio. Para Zanella (2001, p.28) esse <strong>de</strong>sequilíbrio faz surgir motivos (que se<br />

enten<strong>de</strong> como o que impulsiona/tensiona) o indivíduo para ir 'em busca <strong>de</strong> algo', ou seja, ele mobiliza o<br />

sujeito na busca <strong>de</strong> algo que faça o organismo restabelecer o equilíbrio.<br />

Para Piaget, a necessida<strong>de</strong> é sempre a manifestação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sequilíbrio. “Ela existe quando<br />

qualquer coisa, fora <strong>de</strong> nós ou em nós (no nosso organismo físico ou mental) se modificou, tratando-se<br />

então <strong>de</strong> um reajustamento da conduta, em função <strong>de</strong>ssa mudança”. Como forma <strong>de</strong> buscar o<br />

restabelecimento do equilíbrio, o indivíduo parte para a ação. As ações, nesse sentido, são <strong>de</strong>sequilibradas<br />

pelas transformações que aparecem no mundo, exterior ou interior, e “cada nova conduta vai funcionar<br />

não só para restabelecer o equilíbrio, como também para ten<strong>de</strong>r a um equilíbrio mais estável que o do<br />

estágio anterior a essa perturbação.” A ação “se finda <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja satisfação das necessida<strong>de</strong>s, isto é,<br />

logo que o equilíbrio – entre o fato novo, que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou a necessida<strong>de</strong> e a nossa organização mental,<br />

tal como se apresentava anteriormente – é restabelecido”. (PIAGET, 1982, p.14)<br />

Esse processo da busca constante pelo equilíbrio aparece na teoria piagetiana <strong>de</strong> forma mais<br />

<strong>de</strong>talhada como o cerne do <strong>de</strong>senvolvimento. Rappaport (1981, p.62) explica que, para Piaget, “o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento é um processo que busca atingir formas <strong>de</strong> equilíbrio cada vez melhores”.<br />

No entanto, o que diferencia Piaget dos <strong>de</strong>mais autores que abordam a questão do equilíbrio é que<br />

ele não enfoca o equilíbrio <strong>de</strong> maneira estática. Para ele esse conceito é dinâmico, é um processo:<br />

processo <strong>de</strong> equilibração. De acordo com Dolle (1983, p.56) a noção <strong>de</strong> equilíbrio na teoria piagetiana<br />

implica a <strong>de</strong> reversibilida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual. Quanto mais estável o equilíbrio, mais<br />

móvel será a reversibilida<strong>de</strong>. Porém, cabe <strong>de</strong>stacar que o equilíbrio proposto por Piaget é essencialmente<br />

móvel e aberto. “Uma estrutura em equilíbrio é uma estrutura capaz <strong>de</strong> compensações (...) mas é também<br />

uma estrutura aberta, vale dizer, capaz <strong>de</strong> adaptar-se às condições variáveis do meio”.<br />

Quanto ao processo <strong>de</strong> equilibração, ela se constitui inclusive como ponto <strong>de</strong> distinção entre os<br />

tipos <strong>de</strong> aprendizagem na teoria piagetiana. Ele propõe a distinção da aprendizagem num sentido amplo<br />

(lato sensu) e a aprendizagem num sentido restrito (stricto sensu). Para o autor, a distinção entre essas<br />

formas <strong>de</strong> aprendizagem é importante e necessária para evitar ambiguida<strong>de</strong>s e contradições.<br />

* Aprendizagem no sentido restrito: aprendizagem <strong>de</strong>finida a partir <strong>de</strong> um resultado<br />

(conhecimento ou atuação). É adquirida em função da experiência (po<strong>de</strong>ndo ser do tipo físico, do tipo<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 294


lógico-matemático ou dos dois) (PIAGET, 1974, p.52).<br />

* Aprendizagem no sentido amplo: é a união das aprendizagens stricto sensu com os processos <strong>de</strong><br />

equilibração (coerência pré-operatória). De acordo com Inhel<strong>de</strong>r, Bovet e Sinclair (1977) a aprendizagem<br />

stricto sensu está sempre subordinada a aprendizagem lato sensu. Esta segunda correspon<strong>de</strong>ria as leis do<br />

próprio <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

A aprendizagem, no sentido amplo, seria obtida pela síntese das aprendizagens no sentido estrito<br />

com o processo <strong>de</strong> equilibração <strong>de</strong>ssas aprendizagens com as aprendizagens no sentido amplo construídas<br />

anteriormente. Esse processo <strong>de</strong> equilibração também po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> abstração reflexionante e, <strong>de</strong><br />

acordo com Becker e Marques (2002, p.95) “se realiza na medida em que o sujeito apropria-se dos<br />

mecanismos íntimos das próprias ações ou das coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> suas ações”.<br />

A aprendizagem, para Piaget (1972), é um processo distinto do <strong>de</strong>senvolvimento. Enquanto o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do conhecimento é espontâneo, a aprendizagem é provocada por situações (por um<br />

experimentador psicológico ou por um professor em relação a algum ponto didático) ou por uma situação<br />

externa.<br />

Outro ponto que Piaget consi<strong>de</strong>ra fundamental é a relação envolvida em todo <strong>de</strong>senvolvimento e<br />

toda aprendizagem. Para ele a relação essencial é a <strong>de</strong> assimilação, <strong>de</strong>finida em linhas gerais como “a<br />

integração <strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> em uma estrutura”. Para Piaget, o fundamental na<br />

aprendizagem é a assimilação. E isso precisa ser consi<strong>de</strong>rado especialmente do ponto <strong>de</strong> vista das<br />

aplicações pedagógicas e didáticas.<br />

Piaget (1972) compreen<strong>de</strong>, pois, a criança e o sujeito da aprendizagem como ativos, tendo maior<br />

ênfase é justamente a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> auto-regulação presente na assimilação, a partir ativida<strong>de</strong> do próprio<br />

sujeito. A auto-regulação é a equilibração, sendo o que capacita o sujeito a eliminar contradições,<br />

incompatibilida<strong>de</strong>s e conflitos.<br />

Os conflitos, portanto, são necessários para o <strong>de</strong>senvolvimento. De acordo com Piaget (1972)<br />

“todo <strong>de</strong>senvolvimento é composto <strong>de</strong> conflitos e incompatibilida<strong>de</strong>s momentâneas que <strong>de</strong>vem ser<br />

ultrapassadas para alcançar um nível mais alto <strong>de</strong> equilíbrio”. Para o referido autor, sem essa ativida<strong>de</strong><br />

não existe didática ou pedagogia que transforme significativamente o sujeito.<br />

Nesse sentido, um mo<strong>de</strong>lo pedagógico calcado numa concepção epistemológica construtivista, que<br />

acredita que todas as aprendizagens que o aluno constrói e construiu ao longo <strong>de</strong> sua vida servem como<br />

um patamar para a construção <strong>de</strong> novos conhecimentos. A aprendizagem é compreendida como<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 295


construção, ação e tomada <strong>de</strong> consciência da coor<strong>de</strong>nação das ações.<br />

Esse mo<strong>de</strong>lo também é <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> construtivista por conceber que o sujeito constrói seu<br />

conhecimento em duas dimensões complementares: “como conteúdo e como forma (ou estrutura); como<br />

conteúdo ou como condição prévia <strong>de</strong> assimilação <strong>de</strong> qualquer conteúdo” (BECKER, 2001, p. 26). Esse<br />

processo constitutivo não tem começo nem fim absolutos.<br />

O processo <strong>de</strong> aprendizagem, por ser dialético, exige dupla atenção do professor. Freire (apud<br />

BECKER, 2001) diz que o professor, além <strong>de</strong> ensinar, passa a apren<strong>de</strong>r e o aluno, além <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r,<br />

também ensina. Nessa perspectiva, só se apren<strong>de</strong> (re) criando para si e, sobretudo, criando conhecimentos<br />

novos: criar novas respostas para antigas perguntas e novas perguntas para antigas respostas.<br />

Sintetizando essa proposta pedagógica e a sua <strong>de</strong>fesa como proposta válida para repensar a<br />

educação e o seu sentido:<br />

Uma proposta pedagógica relacional visa a sugar o mundo do educando para <strong>de</strong>ntro do<br />

mundo conceitual do educador. Esse mundo conceitual do educador sofre perturbações,<br />

mais ou menos profundas, com a assimilação do conteúdo novo. A alternativa é<br />

respon<strong>de</strong>r ou sucumbir. A resposta abre um mundo novo <strong>de</strong> criações. A não-resposta<br />

con<strong>de</strong>na o professor às velhas fórmulas que <strong>de</strong>screvemos anteriormente e,<br />

consequentemente, à perda do significado <strong>de</strong> sua existência. A condição para que o<br />

professor responda está, como vimos, numa crítica radical não só do seu mo<strong>de</strong>lo<br />

pedagógico, mas <strong>de</strong> sua concepção epistemológica. (BECKER, 2001, p.32)<br />

Essa questão dos mo<strong>de</strong>los pedagógicos e dos mo<strong>de</strong>los epistemológicos configura-se como um<br />

movimento vital para a educação. É preciso que o professor tome consciência <strong>de</strong> quais concepções<br />

permeiam suas ações gerando com isso reflexões sobre qual aluno imagina ter e qual cidadão <strong>de</strong>seja que<br />

seu aluno se torne. Como vimos, cada proposta pedagógica e epistemológica privilegia um tipo <strong>de</strong> ação e<br />

<strong>de</strong> relação que se estabelece entre o aluno e o conhecimento.<br />

Em relação à Educação a Distância, Becker (2002, p. 93) compreen<strong>de</strong> e reforça que os mesmo<br />

cuidados que sem tem em relação ao ensino presencial <strong>de</strong>ve ser aplicado na EaD. “O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio é<br />

utilizar a tecnologia como aliada e não como substituta da riqueza do processo <strong>de</strong> construção do<br />

conhecimento que se dá na ação do sujeito, mesmo quando mediada por máquinas”.<br />

Para ele:<br />

Moran (1997) também aborda essa relação da tecnologia com a educação, ao falar da internet.<br />

Ensinar na e com a Internet atinge resultados significativos quando se está integrado em<br />

um contexto estrutural <strong>de</strong> mudança do processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem, no qual<br />

professores e alunos vivenciam formas <strong>de</strong> comunicação abertas, <strong>de</strong> participação<br />

interpessoal e grupal efetivas. Caso contrário, a Internet será uma tecnologia a mais, que<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 296


eforçará as formas tradicionais <strong>de</strong> ensino. A Internet não modifica, sozinha, o processo<br />

<strong>de</strong> ensinar e apren<strong>de</strong>r, mas a atitu<strong>de</strong> básica pessoal e institucional diante da vida, do<br />

mundo, <strong>de</strong> si mesmo e do outro.<br />

A tecnologia, se analisada isoladamente, não opera mudanças. O que irá realmente significar a<br />

ação, e no caso da educação, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem serão os paradigmas e concepções<br />

epistemológicas que sustentarão a ação do indivíduo, mediada pela tecnologia.<br />

Sobre isso, Moraes (2002) afirma que, embora as novas tecnologias possam se constituir como<br />

ferramentas importantes para processos construtivos <strong>de</strong> aprendizagem calcadas na cooperação, na<br />

reflexão na autonomia, o que se tem visto na gran<strong>de</strong> maioria dos cursos <strong>de</strong>senvolvidos no Brasil e no<br />

Exterior é a priorida<strong>de</strong> às concepções tradicionais e empiristas da educação.<br />

Como motivo para tal fato, a autora pontua a questão como <strong>de</strong>corrente da ausência <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />

a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> formação do professor para o uso competente <strong>de</strong>ssas novas tecnologias nos ambientes<br />

escolares. Ela coloca que faltam metodologias mais a<strong>de</strong>quadas e que estejam epistemologicamente mais<br />

atualizadas, inspiradas em paradigmas voltados para pressupostos construtivos e criativos. Com ou sem<br />

tecnologia, a educação a distância carece <strong>de</strong> metodologias que compreendam <strong>de</strong>senvolvimento e<br />

aprendizagem como processos integrados e abrangendo as várias dimensões humanas (MORAES, 2002).<br />

Embora ainda com o predomínio <strong>de</strong> cursos calcados em mo<strong>de</strong>los teóricos tradicionais, a<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, se <strong>de</strong>staca no cenário nacional, pela proposta diferenciada do<br />

seu Curso <strong>de</strong> Graduação em Pedagogia, na modalida<strong>de</strong> a Distância. Esse curso tem como um dos seus<br />

fundamentos teóricos a concepção piagetiana <strong>de</strong> construção do conhecimento. Com sua proposta teórica e<br />

suas práticas fundamentadas na perspectiva construtivista, interativa e problematizadora, esse curso se<br />

coloca como um mo<strong>de</strong>lo inovador em relação aos <strong>de</strong>mais que são praticados no nosso país.<br />

O Curso <strong>de</strong> Graduação em Pedagogia (Modalida<strong>de</strong> a Distância) da UFRGS<br />

O Curso <strong>de</strong> Graduação em Pedagogia, na modalida<strong>de</strong> a distância (PEAD) da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, é um curso que teve seu início em 2006 e encontra-se atualmente no seu 6°<br />

semestre. É direcionado exclusivamente para profissionais que já atuam nas séries iniciais do ensino<br />

fundamental, educação infantil e gestão escolar e que não possuem habilitação específica, em nível<br />

superior, para a função que exercem. Foram ofertadas 400 vagas, distribuídas em cinco polos: Alvorada,<br />

Gravataí, Sapiranga, São Leopoldo e Três Cachoeiras. Além da administração geral e coor<strong>de</strong>nação<br />

pedagógica, o curso conta com uma equipe <strong>de</strong> apoio docente permanente, constituída por professores<br />

coor<strong>de</strong>nadores e tutores, estes divididos em tutores <strong>de</strong> polo (que prestam atendimento diretamente no<br />

polo) e tutores <strong>de</strong> se<strong>de</strong> (que realizam o atendimento a distância).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 297


Dentre os diferenciais <strong>de</strong>sse curso, <strong>de</strong>staca-se, sua proposta pedagógica e metodológica, que<br />

trabalha com arquiteturas pedagógicas abertas, on<strong>de</strong> a aprendizagem é pensada como um trabalho<br />

artesanal, construído na vivência <strong>de</strong> experiências e na <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> ação, interação e meta-reflexão do<br />

sujeito sobre os fatos, os objetos e o meio ambiente socioecológico (KERKHOVE, 2003, apud<br />

NEVADO, 2008).<br />

O Projeto Político Pedagógico do Curso PEAD (Bordas, Nevado e Carvalho, 2005) se organiza<br />

em função <strong>de</strong> três pressupostos básicos:<br />

- Autonomia relativa da organização curricular, consi<strong>de</strong>rando as características e experiências<br />

específicas dos sujeitos aprendizes;<br />

- Articulação dos componentes curriculares entre si, nas distintas etapas e ao longo do curso;<br />

- Relação entre Práticas Pedagógicas e Pesquisa como elemento articulador dos <strong>de</strong>mais<br />

componentes curriculares, constituída como estratégia básica do processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores.<br />

Na organização curricular do curso, a estrutura adotada é interdisciplinar, on<strong>de</strong> cada semestre é<br />

organizado em torno <strong>de</strong> um Eixo Articulador, das quais cada área congrega suas contribuições. As<br />

temáticas propostas procuram o estabelecimento <strong>de</strong> entrelaçamento entre as diferentes áreas, buscando<br />

pontos <strong>de</strong> convergência e que visam um entendimento global, rompendo com os limites disciplinares das<br />

áreas <strong>de</strong> conhecimento.<br />

O curso, <strong>de</strong> acordo com Nevado (2008) parte do pressuposto que o conhecimento nasce do<br />

movimento da dúvida, da incerteza, da necessida<strong>de</strong> da busca <strong>de</strong> novas alternativas, do <strong>de</strong>bate, da troca.<br />

Nesse sentido, o posicionamento principalmente do professor e do tutor são fundamentais para<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar esse movimento <strong>de</strong> busca e <strong>de</strong> troca. E essa concepção construtivista do conhecimento faz-se<br />

presente não apenas no modo como professores e tutores interagem com os alunos nos ambientes virtuais,<br />

mas também no processo <strong>de</strong> escolha dos materiais e elaboração das aulas e ativida<strong>de</strong>s. Encontramos em<br />

Piaget (2000, p.16) uma referência a este lugar que o professor <strong>de</strong>ve ocupar ao entabular relação entre o<br />

objeto <strong>de</strong> aprendizagem e o sujeito apren<strong>de</strong>nte:<br />

O que se <strong>de</strong>seja é que o professor <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser apenas um conferencista e que estimule a<br />

pesquisa e o esforço, ao invés <strong>de</strong> se contentar com a transmissão <strong>de</strong> soluções já prontas.<br />

Acrescenta ainda é preciso que o mestre-animador não se limite ao conhecimento da sua<br />

ciência, mas esteja muito bem informado a respeito das peculiarida<strong>de</strong>s do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento psicológico da inteligência da criança ou do adolescente: a colaboração<br />

do experimentador psicogenético é, por conseguinte indispensável para a prática eficaz<br />

dos métodos ativos. Deve-se estar preparado para uma colaboração, muito mais estreita<br />

que a <strong>de</strong> até então, entre a pesquisa psicológica fundamental e a experimentação<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 298


pedagógica metódica.<br />

O curso em si possui esse caráter <strong>de</strong> estar em constante movimento <strong>de</strong> análise e reflexão. São<br />

feitas análises constantes do andamento e funcionamento do(s) grupo(s) buscando i<strong>de</strong>ntificar e aprimorar<br />

cada vez mais o curso.<br />

Outro ponto importante a ser <strong>de</strong>stacado no processo <strong>de</strong> construção do conhecimento, no qual a<br />

perspectiva <strong>de</strong> Piaget contribui indubitavelmente, refere-se ao seu posicionamento em relação ao erro no<br />

processo <strong>de</strong> aprendizagem. Diferentemente das concepções tradicionais, Piaget (2000, p.18) apresenta<br />

uma concepção positiva do erro, como parte necessária do processo <strong>de</strong> aprendizagem. “Para chegar –<br />

através da combinação entre raciocínio <strong>de</strong>dutivo e os dados da experiência – à compreensão <strong>de</strong> certos<br />

fenômenos elementares, a criança necessita passar por certo número <strong>de</strong> fases caracterizadas por i<strong>de</strong>ias que<br />

adiante irá consi<strong>de</strong>rar erradas, mas que parecem ser necessárias para o encaminhamento às soluções finais<br />

corretas”.<br />

Portanto, quando tutores e professores provocam questionamentos que mobilizam os alunos a<br />

refletir sobre suas aprendizagens, busca-se contemplar essa combinação do raciocínio <strong>de</strong>dutivo com os<br />

dados da experiência.<br />

Um dos objetivos do PEAD é a “formação profissional orientada para o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

autonomia intelectual e a postura crítico – reflexiva, num contexto <strong>de</strong> participação <strong>de</strong>mocrática.”<br />

(BORDAS, NEVADO e CARVALHO, 2005). Tal postura também se assenta nos pressupostos<br />

epistemológicos <strong>de</strong> Piaget (2000, p. 17) expressos no princípio fundamental dos métodos ativos:<br />

“compreen<strong>de</strong>r é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais<br />

necessida<strong>de</strong>s se o que se preten<strong>de</strong>, para o futuro, é moldar indivíduos capazes <strong>de</strong> produzir ou <strong>de</strong> criar, e<br />

não apenas <strong>de</strong> repetir.” No curso, sentimos claramente esse propósito, pois as proposições são<br />

direcionadas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> autonomia, autoria, além da busca constante por reflexões da<br />

prática docente dos alunos.<br />

No curso <strong>de</strong> Pedagogia à Distância, temos uma estrutura que propõe a aprendizagem no<br />

intercurso <strong>de</strong> problematizações e interações entre professores, alunos, tutores e coor<strong>de</strong>nadores. Na<br />

perspectiva adotada, todos os sujeitos envolvidos no processo ocupam um papel fundamental para a<br />

aprendizagem efetivar. E essas interações são fundamentais para <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar reflexões, principalmente a<br />

cerca da realida<strong>de</strong> e da sua prática pedagógica (consi<strong>de</strong>rando a característica do curso <strong>de</strong> propiciar<br />

formação para professores já em exercício docente). Analisando a partir da leitura dos fatores do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, as interações objetivam promover '<strong>de</strong>sequilíbrios' para que, nesse processo, o aluno<br />

reflita, tome consciência dos pontos <strong>de</strong> incoerência, repense criticamente, formulando novas hipóteses,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 299


novos conhecimentos.<br />

A partir <strong>de</strong>ssa análise é possível complementar com o posicionamento <strong>de</strong> Delval (2007, p. 127)<br />

em relação ao processo <strong>de</strong> aprendizagem. Ele <strong>de</strong>staca que, muitas vezes os sujeitos não tomam<br />

consciência imediatamente das contradições em seu pensamento, sendo, pois, uma das tarefas do<br />

professor (e no caso do curso do PEAD, também função dos tutores) é situar o aluno diante <strong>de</strong>ssas<br />

contradições e ajudá-lo a resolvê-las. E esse processo <strong>de</strong> reequilibração interna tem a ver com o que<br />

Piaget <strong>de</strong>nominou equilibração.<br />

A aprendizagem, nessa perspectiva “baseia-se nas reorganizações internas dos conhecimentos que<br />

os sujeitos têm que realizar. Em sua busca <strong>de</strong> explicação, tomam consciência <strong>de</strong> que existem incoerências<br />

ou contradições e tratam <strong>de</strong> resolvê-las mediante modificações <strong>de</strong>sses conhecimentos” (DELVAL, 2007,<br />

p. 126).<br />

O curso, tal como foi proposto e como está sendo <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu início em 2006,<br />

correspon<strong>de</strong> no contexto atual ao que Piaget (2000, p. 25-26) pontuou como ações importantes para<br />

promover mudanças na Educação. Para o referido autor, um dos aspectos importantes é a questão da<br />

preparação dos professores. Na referida obra, ele consi<strong>de</strong>ra esse ponto primordial para todas as reformas<br />

pedagógicas em perspectiva. Essa questão é analisada por ele sob dois aspectos: sob o ângulo social, o<br />

problema da valorização ou da revalorização do corpo docente primário e secundário, “a cujos serviços<br />

não é atribuído o <strong>de</strong>vido valor pela opinião pública” e a questão da formação intelectual e moral do corpo<br />

docente, “pois quanto melhores são os métodos preconizados para o ensino mais penoso se torna o ofício<br />

do professor, que pressupõe não só o nível <strong>de</strong> uma elite do ponto <strong>de</strong> vista dos conhecimentos do aluno e<br />

das matérias, como também uma verda<strong>de</strong>ira vocação para o exercício da profissão”.<br />

Esse último ponto <strong>de</strong>stacado po<strong>de</strong> ser cotejado na própria Educação a Distância. No senso comum<br />

é corrente a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>, nesta modalida<strong>de</strong>, o processo ser mais 'fácil' que no ensino presencial; ou seja, um<br />

ensino menos qualificado. No entanto, na vivência como tutora acompanhando o curso do PEAD, com a<br />

proposta pedagógica sob o qual se alicerça, sinto realmente o quão árdua é a tarefa dos professores e<br />

tutores. Durante a realização <strong>de</strong> cada ativida<strong>de</strong> é fundamental analisar o posicionamento do aluno,<br />

buscando captar suas concepções em relação ao tema estudado para, buscar pontos passíveis <strong>de</strong> reflexão e<br />

que possam vir a gerar uma <strong>de</strong>sacomodação. Ou seja, nessa perspectiva é impossível uma proposta <strong>de</strong><br />

educação massiva e indiferenciada. Cada aluno precisa ser compreendido na sua singularida<strong>de</strong>.<br />

Por ser um curso cujo propósito é a formação <strong>de</strong> professores, especialmente voltado para as séries<br />

iniciais, educação infantil e gestão escolar, a temática da aprendizagem não se interpõe apenas como base<br />

para o currículo e as práticas pedagógicas do curso. Ela aparece também como conteúdo a ser estudado e<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 300


aprofundado teoricamente com as alunas. Ao longo do curso houve duas interdisciplinas cujo foco era a<br />

discussão sobre as teorias <strong>de</strong> aprendizagem, sendo a primeira <strong>de</strong> caráter introdutório e a segunda<br />

interdisciplina (“Desenvolvimento e Aprendizagem sob o Enfoque da <strong>Psicologia</strong> II”, que está sendo<br />

<strong>de</strong>senvolvida ao longo <strong>de</strong>sse semestre) possui seu foco mais específico e direcionado para o estudo do<br />

processo <strong>de</strong> aprendizagem humana a partir do referencial teórico piagetiano; além <strong>de</strong> buscar a implicação<br />

da teoria <strong>de</strong> Piaget nas pesquisas e práticas educacionais.<br />

Em consonância com a proposta do curso e afinada com os pressupostos piagetianos, essa<br />

interdisciplina tem suas ativida<strong>de</strong>s direcionadas para a articulação da teoria com as práticas docentes das<br />

suas alunas, consi<strong>de</strong>rando o próprio espaço da sala <strong>de</strong> aula como espaço para o movimento <strong>de</strong> ação –<br />

reflexão – ação. Ou seja, a proposição das ativida<strong>de</strong>s já é elaborada <strong>de</strong> modo a propiciar a articulação da<br />

teoria com a prática. Posteriormente nas intervenções dos professores e tutores são feitas indagações <strong>de</strong><br />

modo a questionar pontos inconsistentes, <strong>de</strong> modo a ampliar a reflexão, provocando <strong>de</strong>sequilíbrios. As<br />

ativida<strong>de</strong>s também são articuladas <strong>de</strong> modo a ter um enca<strong>de</strong>amento que possa favorecer e apoiar as<br />

reconstruções.<br />

Como exemplo, eis uma situação em que a aluna, ao discutir a questão do juízo moral na teoria <strong>de</strong><br />

Piaget, relacionada com suas ações na resolução dos conflitos na sala <strong>de</strong> aula, a aluna evi<strong>de</strong>nciou uma<br />

compreensão equivocada da leitura feita, recebendo da tutora o seguinte comentário:<br />

mensagem:<br />

Oi Iara * ! No teu relato percebo que não i<strong>de</strong>ntificaste uma situação específica, optando por<br />

<strong>de</strong>screver situações genéricas. No entanto, na compreensão das situações observadas na<br />

escola não entendi tua afirmação "Acredito <strong>de</strong>ssa forma na concepção <strong>de</strong> Piaget que o<br />

ambiente imprime na pessoa o modo <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> se comportar, isto é, uma concepção<br />

empirista e consi<strong>de</strong>rando a experiência como algo que se impõe por si mesmo, não<br />

havendo necessida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> do sujeito". Te sugiro que releia principalmente o<br />

material da professora Tania ** . Será que o Piaget é empirista? E mais: para ele a ativida<strong>de</strong><br />

do sujeito é <strong>de</strong>snecessária? Por isso, é necessário rever tua análise, consi<strong>de</strong>rando<br />

especialmente a relação com os pressupostos teóricos. Po<strong>de</strong> contar conosco para te ajudar<br />

diante das dúvidas e dificulda<strong>de</strong>s, ok? Abraços, Ane*.<br />

A aluna, após a realização da ativida<strong>de</strong> subsequente, retomou essa ativida<strong>de</strong> e postou a seguinte<br />

Oi Ane*, Depois, <strong>de</strong> realizar o trabalho sobre o construtivismo e refletir percebi que<br />

"Acredito <strong>de</strong>ssa forma na concepção <strong>de</strong> Piaget que esta afirmação que coloquei realmente<br />

está equivocada: "o ambiente imprime na pessoa o modo <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> se comportar, isto é,<br />

uma concepção empirista e consi<strong>de</strong>rando a experiência como algo que se impõe por si<br />

mesmo, não havendo necessida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> do sujeito". Pois, ao contrário, Piaget, na<br />

sua teoria construtivista nos mostra a importância da ação e interação no processo <strong>de</strong><br />

construção do conhecimento. Pois o conhecimento não se dá pelo meio, nem é passada,<br />

mas é construída, sendo que neste processo a ativida<strong>de</strong> do sujeito é fundamental.<br />

* Nomes fictícios<br />

** Texto da professora Tania Marques “<strong>Epistemologia</strong> Genética e Construção do Conhecimento”<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 301


Além <strong>de</strong>ssas questões conceituais mais específicas, a i<strong>de</strong>ia da interdisciplina no seu intercurso é o<br />

<strong>de</strong> propiciar análises e reflexões mais profundas em relação às práticas docentes <strong>de</strong>ssas alunas,<br />

especialmente a partir dos pressupostos piagetianos, on<strong>de</strong> elas possam tomar consciência das suas ações e<br />

dos pressupostos que as permeiam, refletindo assim sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um fazer coerente com seus<br />

discursos.<br />

Esse processo perpassa inicialmente a compreensão dos pressupostos teóricos, conjunturalmente<br />

atrelada às práticas docentes. O propósito para uma análise mais profunda e <strong>de</strong> que forma essas alunas<br />

foram construindo suas concepções <strong>de</strong> aprendizagem, é o que pretendo <strong>de</strong>senvolver em estudo posterior,<br />

cujo foco será direcionado para:<br />

* I<strong>de</strong>ntificar as ativida<strong>de</strong>s propostas que promoveram <strong>de</strong>sequilíbrios (provocaram mais<br />

perturbação) nas (os) alunas(os);<br />

* I<strong>de</strong>ntificar o processo <strong>de</strong> reconstrução no <strong>de</strong>correr das ativida<strong>de</strong>s, focando nas interações<br />

ocorridas (que intervenções apoiaram a reconstrução das concepções), analisando o tipo <strong>de</strong> reconstrução<br />

feita;<br />

* I<strong>de</strong>ntificar as relações que as alunas estabelecem entre o estudo proposto pela interdisciplina e<br />

seu fazer pedagógico.<br />

Conclusões Preliminares<br />

Embora ainda cedo para tecer qualquer conclusão, tendo em vista que, até o momento, o estudo<br />

realizado foi <strong>de</strong> caráter eminentemente teórico, já é possível, a partir dos indicadores propostos,<br />

i<strong>de</strong>ntificar que os movimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio e <strong>de</strong> apoio à reconstrução ocorreram (conforme<br />

evi<strong>de</strong>nciado no excerto). Embora como resultado <strong>de</strong> pesquisa isso não possua relevância, tendo em vista a<br />

riqueza e complexida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong>ssa aluna ou mesmo se consi<strong>de</strong>rarmos o<br />

contingente <strong>de</strong> alunos do curso, no entanto, já se constitui como o indício <strong>de</strong> que a concepção <strong>de</strong><br />

aprendizagem proposta pela teoria piagetiana está vivenciada nesse curso.<br />

Para além <strong>de</strong>sses dois aspectos, acrescento ainda o relato <strong>de</strong> outra aluna que evi<strong>de</strong>ncia o<br />

terceiro item que constará na análise que se preten<strong>de</strong> realizar: o estabelecimento da relação teoria e<br />

prática e da interdisciplina como um aporte para repensar essa relação. Observe o que escreveu a aluna<br />

R. numa ativida<strong>de</strong> em que lhe foi solicitada uma reflexão <strong>de</strong> como ela estaria pensando sua sala <strong>de</strong> aula a<br />

partir dos estudos realizados:<br />

Em muitos momentos fico insatisfeita com minha atuação, mas também penso que isto<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 302


po<strong>de</strong> ser bom porque cada vez que me sinto assim, inovo, busco novas estratégias para<br />

tornar a aula mais atraente. E com tudo que li e refleti, aprendi que um professor<br />

consciente precisa oferecer aos seus alunos, ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráter construtivo, ativida<strong>de</strong>s<br />

em que a criança tenha participação efetiva, <strong>de</strong>safios que a levem a pensar, ou seja, a<br />

construir suas estruturas mentais. (a aluna R)<br />

Nesse breve relato, em que a aluna faz uma análise das suas aprendizagens, ela consi<strong>de</strong>ra a sua<br />

insatisfação como um motivador para a sua própria aprendizagem (o que po<strong>de</strong> ser um indício <strong>de</strong> que<br />

houve uma perturbação) e da consciência necessária ao professor para propor ativida<strong>de</strong>s que estimulem a<br />

participação e o pensamento dos seus alunos.<br />

Outra aluna, relata a tomada <strong>de</strong> consciência que teve a partir <strong>de</strong> uma leitura proposta:<br />

Após as ativida<strong>de</strong>s realizadas neste eixo, penso que muitas das nossas ações em sala <strong>de</strong><br />

aula precisam ser refletidas e repensadas. Sempre me consi<strong>de</strong>rei uma profissional não<br />

tradicional, mas lendo e aprofundando-me sobre assunto acredito que tenho muito da<br />

pedagogia diretiva que como diz o texto <strong>de</strong> Becker *** : “ O professor fala e o aluno escuta.<br />

O professor dita e o aluno copia. O professor <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o que fazer e o aluno executa. O<br />

professor ensina e o aluno apren<strong>de</strong>”. Na verda<strong>de</strong> essa é uma postura que vem da própria<br />

escola on<strong>de</strong> são cobradas quantida<strong>de</strong>s em vez <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, índice <strong>de</strong> aprovação em vez<br />

<strong>de</strong> aprendizagens significativas para os alunos. (Aluna E.)<br />

Nesse relato, a aluna evi<strong>de</strong>ncia o quanto o estudo proposto pela interdisciplina subsidiou sua<br />

análise sobre sua prática e a ajudou a ressignificá-la.<br />

Embora os relatos sejam breves e não englobem a totalida<strong>de</strong> do material produzido pelas duas<br />

alunas citadas e tampouco sirvam como amostra significativa do contingente <strong>de</strong> alunos envolvidos no<br />

curso, o propósito com esses excertos é evi<strong>de</strong>nciar que as reflexões propostas foram realizadas e que o<br />

entrelaçamento dos estudos teóricos com as práticas docentes também ocorreu.<br />

Com isso, embora ainda com exemplos iniciais, é possível perceber que a interdisciplina está<br />

cumprindo seu papel <strong>de</strong> subsidiar <strong>de</strong> algum modo a reflexão sobre as práticas docentes <strong>de</strong>ssas<br />

professoras-alunas. Além disso, as concepções <strong>de</strong> aprendizagem estão sendo pensadas a partir dos estudos<br />

sobre aprendizagem no referencial construtivista piagetiano. E, <strong>de</strong> certa forma, por essas concepções<br />

estarem sendo não apenas estudadas teoricamente, mas propostas também na prática <strong>de</strong>ssas alunas-<br />

professoras que estão cursando a interdisciplina e o próprio curso <strong>de</strong> modo geral, a compreensão da teoria<br />

toma proporções <strong>de</strong> maior significação. E se for consi<strong>de</strong>rada sua importância na formação <strong>de</strong> professores,<br />

e na Educação a Distância, estamos avançando em direção a uma formação <strong>de</strong> professores mais<br />

conscientes do seu fazer docente e dos processos cognitivos dos seus alunos, po<strong>de</strong>ndo assim, ser pensada<br />

uma Educação que efetivamente cumpra seu papel.<br />

*** Aluna refere-se ao seguinte material: BECKER, Fernando. Mo<strong>de</strong>los pedagógicos e mo<strong>de</strong>los epistemológicos. In:_____.<br />

Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 303


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educação. Porto Alegre: ArtMed, 2007.<br />

HARGREAVES, Andy. O ensino na socieda<strong>de</strong> do conhecimento: Educação na era da insegurança. Porto<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 304


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significado do apren<strong>de</strong>r. 4.ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 305


Intervenções Psicopedagógicas em Instituições Escolares<br />

Resumo<br />

SEGATELLI, Nathália Batistuti<br />

Faculda<strong>de</strong> da Alta Paulista – FADAP/FAP<br />

POLLI, Anieli Simões<br />

Faculda<strong>de</strong> da Alta Paulista – FADAP/FAP<br />

MARQUEZINI, Cristiane Pereira<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista – UNESP<br />

nathaliabsegatelli@hotmail.com<br />

ani_polli@yahoo.com.br<br />

cpmarquezini@terra.com.br<br />

A psicopedagogia é uma área <strong>de</strong> estudos e conhecimentos sobre a aprendizagem e os problemas a ela<br />

inerentes. Tal área enfoca o apren<strong>de</strong>r sob uma perspectiva multifatorial, que compreen<strong>de</strong> os aspectos<br />

cognitivos, sociais, afetivos e biológicos. Partindo <strong>de</strong>ssa perspectiva, realizamos intervenções<br />

psicopedagógicas em escolas <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> do interior do estado <strong>de</strong> São Paulo (Brasil). Objetivamos<br />

com estas atuações contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento dos infantes em todos os aspectos e construir junto<br />

a eles outra relação com o conhecimento. O trabalho justifica-se pela alta <strong>de</strong>manda escolar <strong>de</strong><br />

atendimento a crianças julgadas indisciplinadas e incapazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r. Ele foi realizado em pequenos<br />

grupos <strong>de</strong> alunos do ensino fundamental e <strong>de</strong>senvolvido por duas estagiárias do curso <strong>de</strong> graduação em<br />

<strong>Psicologia</strong>. A citada forma <strong>de</strong> trabalho tem como objetivo promover a socialização e o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> condutas <strong>de</strong> cooperação entre as crianças atendidas. Primeiramente, realizamos um diagnóstico<br />

psicopedagógico com crianças a nós encaminhadas para avaliarmos a problemática. Posteriormente,<br />

iniciamos a intervenção, tendo como instrumentos jogos regrados e oficinas lúdicas, pois, enten<strong>de</strong>mos<br />

que tais procedimentos contribuem para o <strong>de</strong>senvolvimento integral das crianças. Alguns resultados, <strong>de</strong><br />

nossa intervenção são: uma significativa mudança em algumas condutas sócio-morais e afetivoemocionais<br />

dos alunos atendidos, no que tange ao respeito às regras (que passam a ser internalizadas) e ao<br />

respeito mútuo. Acreditamos que, tais intervenções são importantes por contribuir com o processo <strong>de</strong><br />

escolarização formal e com o <strong>de</strong>senvolvimento global <strong>de</strong> crianças estigmatizadas nas escolas.<br />

Palavras-chave: Intervenção psicopedagógica. Jogos <strong>de</strong> regras. Desenvolvimento, aprendizagem.<br />

Abstract<br />

Psychology it’s an area of studies and knowledge about the learning aspects and the problem that is<br />

within. This area focuses on learning in a multifactorial perspective, which inclu<strong>de</strong>s the social, the<br />

affective, and the biological aspects. Coming from this perspective, we ma<strong>de</strong> psychological interventions<br />

in the schools in an interior city of São Paulo state (Brazil). We aimed with this performance to contribute<br />

for the <strong>de</strong>velopment of the infants in every aspect and to construct with them another relationship with<br />

knowledge. The work is justified by the high school <strong>de</strong>mands of care with children judged undisciplined<br />

and incapable of learning. This work was ma<strong>de</strong> by little group of stu<strong>de</strong>nts in high school and <strong>de</strong>veloped<br />

by two interns of the graduation course of Psychology. The aim of the work is to promote socialization<br />

and the <strong>de</strong>velopment of conduct with the cooperation of the cared children. First of all we did a<br />

psychological diagnosis with the children given to us to judge the problem. Subsequently, we started the<br />

intervention having as an instrument, ruled games and workshop, we un<strong>de</strong>rstand that this procedure<br />

contributes for the full <strong>de</strong>velopment of the children. Some results of our intervention is some significant<br />

changes in some conduct social moral and the emotional affection of the cared stu<strong>de</strong>nts, ( this terms of the<br />

rules becomes internalized). And about the mutual respect, we believe that these interventions are really<br />

important to contribute to the process of the formal education and the global <strong>de</strong>velopment of stigmatized<br />

children in the schools.<br />

Keywords: Intervention psychology. Ruled games. Development. Learning.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 306


Introdução<br />

O trabalho <strong>de</strong> Intervenções Psicopedagógicas em instituições escolares foi <strong>de</strong>senvolvido em uma<br />

cida<strong>de</strong> do interior do estado <strong>de</strong> São Paulo (Brasil), com crianças <strong>de</strong> terceiras e quartas séries, do ensino<br />

fundamental, <strong>de</strong> escolas públicas e municipais, nos anos letivos <strong>de</strong> 2006, 2007 e 2008.<br />

Tal trabalho foi executado por grupos <strong>de</strong> estagiárias do sétimo e do oitavo semestre <strong>de</strong> um curso<br />

<strong>de</strong> graduação em psicologia e supervisionado por profissional especialista na temática.<br />

As intervenções foram efetuadas por uma dupla <strong>de</strong> estagiárias, aten<strong>de</strong>ndo crianças, subdivididas<br />

em grupos <strong>de</strong> quatro estudantes.<br />

Nossas intervenções tiveram como objetivo central o <strong>de</strong>senvolvimento integral da criança. Desta<br />

maneira, agimos para que o <strong>de</strong>senvolvimento social e também o <strong>de</strong> condutas cooperativas fossem<br />

trabalhados conjuntamente com o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e afetivo emocional dos pequenos.<br />

A justificativa para realização da citada intervenção, está assentada na alta <strong>de</strong>manda escolar por<br />

atendimento a crianças julgadas fracassantes no seu processo <strong>de</strong> escolarização formal.<br />

Ainda justificamos o nosso trabalho <strong>de</strong> intervenção no fato do tratamento dado pela instituição<br />

escolar a essa problemática ser muitas vezes estigmatizante e patologizante.<br />

Expliquemos: as escolas ávidas em auxiliar as crianças com dificulda<strong>de</strong>s em seu processo <strong>de</strong><br />

escolarização acabam por produzir (sem tal intenção), ainda mais fracassados já que recorrem à<br />

medicalização e/ou a separação das “crianças-problema” em salas especiais, em busca <strong>de</strong> classes<br />

homogêneas.<br />

Gostaríamos <strong>de</strong> informar que respaldados na literatura psicológica (MACEDO, 2005) e<br />

psicopedagógica (BOSSA, 2007; PAIN, 1986 e FERNANDEZ, 1990) sobre a temática, compreen<strong>de</strong>mos<br />

as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolarização das crianças, tendo origens multifatoriais (internas e externas ao infante).<br />

Não <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> acreditar, no entanto, que em raras exceções o “não apren<strong>de</strong>r” possa ser<br />

originado por alguma patologia.<br />

Dessa maneira, enten<strong>de</strong>mos que para equacionar o problema são necessárias intervenções que<br />

contemplem todas as questões contribuintes para o fracasso.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 307


Referencial Teórico<br />

Como já supra citamos, nosso trabalho <strong>de</strong> intervenção psicopedagógica é amparado em teorias<br />

psicológicas como a do mestre genebrino Jean Piaget (1896-1980), sobre a lógica <strong>de</strong> funcionamento<br />

mental daquele que se <strong>de</strong>senvolve, teorias psicopedagógicas como as <strong>de</strong> Macedo (2005), sobre a<br />

utilização <strong>de</strong> jogos regrados na aprendizagem e nas dificulda<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>la emanam, e, por fim, em estudos<br />

<strong>de</strong> psicopedagogos argentinos como Ferreiro (1990), Pain (1986) e Fernan<strong>de</strong>s (1990), que inserem a<br />

dimensão do <strong>de</strong>sejo em todas as aprendizagens a serem realizadas na instituição escolar.<br />

Objetivos<br />

O objetivo da intervenção psicopedagógica é oferecer um espaço <strong>de</strong> atenção, escuta e<br />

intervenção às crianças que frequentam a escola <strong>de</strong> ensino fundamental e que são diagnosticadas, por<br />

profissionais da educação ou da saú<strong>de</strong>, como “portadoras <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> aprendizagem”. Por intermédio<br />

das ativida<strong>de</strong>s lúdicas e dos jogos regrados, visamos auxiliar aos pequenos.<br />

conhecimento.<br />

Objetivamos também oferecer-lhes novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construir e <strong>de</strong> se apropriar do<br />

Contribuindo, <strong>de</strong>ssa forma, para que os infantes elaborem outra relação com os processos <strong>de</strong><br />

escolarização formal, sendo esta mais prazerosa e significativa.<br />

Metodologia<br />

(1896-1980).<br />

Utilizamo-nos, como aporte teórico para nossas intervenções, a psicologia genética <strong>de</strong> Jean Piaget<br />

Tal fato se <strong>de</strong>ve a que nosso entendimento dos processos <strong>de</strong> aprendizagem seja partidário da<br />

concepção <strong>de</strong> que a criança constrói o seu conhecimento, em ativa interação com o meio ambiente físico e<br />

social.<br />

Essa maneira <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>rmos a aprendizagem nos faz compreen<strong>de</strong>r as dificulda<strong>de</strong>s escolares da<br />

criança também como questões inerentes ao seu <strong>de</strong>senvolvimento. Entendimento este que distingue o<br />

“não apren<strong>de</strong>r” <strong>de</strong> patologia.<br />

Assim, recorremos aos jogos regrados e as oficinas lúdicas, como instrumentos <strong>de</strong> intervenção.<br />

Agimos <strong>de</strong>ssa maneira, amparados em Macedo (2005), porque pensamos que tais procedimentos<br />

contribuem para o <strong>de</strong>senvolvimento integral das crianças auxiliando-as, consequentemente, em suas<br />

dificulda<strong>de</strong>s escolares.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 308


Acreditamos, ainda, que as condutas <strong>de</strong>senvolvidas pelas crianças nas situações <strong>de</strong> intervenção<br />

serão internalizadas por elas e repassadas para a sala <strong>de</strong> aula e para a sua vida.<br />

Desenvolvimento<br />

(...) nossa experiência no LaPp, tem mostrado que as atitu<strong>de</strong>s e as competências<br />

<strong>de</strong>senvolvidas ao jogar vão se tornando “proprieda<strong>de</strong>” das crianças, caracterizando um<br />

conjunto <strong>de</strong> ações a<strong>de</strong>quadas à ativida<strong>de</strong> proposta. Como consequência, po<strong>de</strong>m ser<br />

transferidas para outros meios, e é isso que tem acontecido com nossos alunos. Eles<br />

passam a ter outro posicionamento diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios, sejam <strong>de</strong> natureza lúdica (situação<br />

<strong>de</strong> jogo), sejam <strong>de</strong> natureza escolar (aprendizagem <strong>de</strong> conteúdos). (MACEDO, PETTY e<br />

PASSOS, 2005, p. 25).<br />

Inicialmente realizamos um diagnóstico psicopedagógico, cujas etapas consistiram em:<br />

observação das crianças em sala <strong>de</strong> aula e fora <strong>de</strong>la, contrato, <strong>de</strong>senho livre, ditado lúdico, prova <strong>de</strong><br />

realismo nominal, provas piagetianas, teste projetivo (Fábula <strong>de</strong> Duss) e, por último, confecção e partida<br />

<strong>de</strong> jogo <strong>de</strong> regras (pega-varetas).<br />

As observações foram realizadas com intuito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar se a queixa apresentada pela escola era<br />

verídica ou não. Utilizamos esse procedimento, pois em nossos trabalhos, notamos que muitas vezes a<br />

instituição escolar encaminha crianças que não necessitam <strong>de</strong> atendimento. Por exemplo, notamos a<br />

presença <strong>de</strong> encaminhamentos cujo motivo da queixa era o fato <strong>de</strong> a criança ser oriunda <strong>de</strong> família<br />

julgada pela escola como “<strong>de</strong>sestruturada”. Dessa forma, eram encaminhadas para um tratamento<br />

preventivo, com o intuito <strong>de</strong> que no futuro não viessem a apresentar problemas comportamentais.<br />

A observação também foi utilizada porque se mostra um excelente momento para já<br />

estabelecermos o vínculo com as crianças. Sabemos que tal processo é essencial para que se estabeleça a<br />

confiança e a credibilida<strong>de</strong> das crianças no processo psicodiagnóstico.<br />

Nos primeiros contatos realizados com as crianças (já fora <strong>de</strong> suas salas <strong>de</strong> aula e divididas em<br />

grupos <strong>de</strong> quatro) pedimos que elas elaborassem regras julgadas por elas pertinentes e que regulariam os<br />

nossos encontros.<br />

Agimos, <strong>de</strong>ssa maneira, pois, como nos ressalta Piaget (1977) em sua obra O juízo moral da<br />

criança, para construirmos relações <strong>de</strong>mocráticas, é necessário o estabelecimento do respeito mútuo.<br />

Caso as regras fossem burladas, as crianças receberiam sanções por reciprocida<strong>de</strong> (em que a<br />

qualida<strong>de</strong> do castigo é semelhante ao <strong>de</strong>lito). Tais sanções também foram propostas pelos pequenos, com<br />

o auxílio das estagiárias.<br />

O <strong>de</strong>senho livre foi proposto como primeira ativida<strong>de</strong>, por possuir caráter menos ansiógeno<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 309


permitindo-nos um contato com a criança e sua realida<strong>de</strong>. Assim proce<strong>de</strong>mos, pois como nos revelam<br />

estudos psicanalíticos, ocorre projeção no ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar, assim como no <strong>de</strong> contar histórias. O <strong>de</strong>senho<br />

livre também auxiliou-nos na avaliação e no entendimento do teste projetivo, pois este tem se mostrado<br />

(em nossas experiências <strong>de</strong> intervenção) como excelente complemento.<br />

Quanto à aplicação do ditado lúdico e da prova <strong>de</strong> realismo nominal, eles objetivaram um<br />

entendimento da fase <strong>de</strong> construção da escrita em que a criança se encontra e como a mesma a representa.<br />

A prova piagetiana <strong>de</strong> conservação foi aplicada para <strong>de</strong>finirmos se as crianças possuem ou não<br />

noção <strong>de</strong> conservação, invariância e reversibilida<strong>de</strong>.<br />

Já o teste projetivo teve por objetivo averiguarmos se a problemática da criança <strong>de</strong>corria <strong>de</strong> uma<br />

sintomatologia, ou seja, se havia algum problema <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m afetivo- emocional que estivesse<br />

impossibilitando o aprendizado do infante.<br />

Caso i<strong>de</strong>ntificássemos que o não apren<strong>de</strong>r estivesse ligado a um sintoma o encaminhávamos para<br />

atendimento psicoterápico.<br />

Contudo, observamos em nossas práticas, quando estes casos se fizeram presentes, que na maioria<br />

das vezes a criança necessitava, além da psicoterapia, também <strong>de</strong> atendimento psicopedagógico, pois o<br />

problema <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m afetivo-emocional já havia afetado os processos <strong>de</strong> aprendizagem, originando, assim,<br />

um consi<strong>de</strong>rável atraso nas ativida<strong>de</strong>s escolares.<br />

A confecção dos jogos <strong>de</strong> regras era realizada pelas próprias crianças. Em um primeiro momento,<br />

em que foi realizado o psicodiagnóstico, o jogo <strong>de</strong> regra teve fins avaliativos, ou seja, foi utilizado para<br />

verificar como as crianças lidavam com as regras, com a vitória ou com a <strong>de</strong>rrota, com as frustrações e<br />

quais eram os recursos cognitivos <strong>de</strong> que os pequenos utilizavam-se para a realização das jogadas.<br />

Em um segundo momento, que o jogo <strong>de</strong> regras, conjuntamente com as oficinas lúdicas tornam-se<br />

instrumentos <strong>de</strong> intervenção já que po<strong>de</strong>m auxiliar no <strong>de</strong>senvolvimento e nas aprendizagens das crianças<br />

por nós atendidas.<br />

Após o diagnóstico psicopedagógico, quando foi necessário, iniciamos as intervenções<br />

propriamente ditas.<br />

Passaremos agora a <strong>de</strong>screver e analisar algumas ativida<strong>de</strong>s (jogos <strong>de</strong> regras) utilizadas em nossos<br />

atendimentos com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auxiliar as crianças em seu <strong>de</strong>senvolvimento, além <strong>de</strong>, com eles, fazê-<br />

los experienciar uma nova relação com a construção <strong>de</strong> conhecimento (aprendizagem). Processos estes<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 310


que po<strong>de</strong>m ser construídos prazerosamente em uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jogo, em <strong>de</strong>trimento daqueles que são<br />

“<strong>de</strong>positados” nas crianças pela instituição escolar.<br />

Dissertaremos aqui sobre o uso do jogo <strong>de</strong> pega-varetas, pois utilizamo-nos <strong>de</strong>le no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />

todo o processo <strong>de</strong> intervenção.<br />

Observamos que, além da facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> confecção (baixo custo), eles eram jogos pelos quais as<br />

crianças atendidas por nós apresentavam gran<strong>de</strong> interesse, uma vez que percebiam a sua evolução no<br />

jogar durante os nossos encontros.<br />

Também, escolhemos expor tais jogos, já que existe sobre eles importante estudo feito por<br />

Macedo (2005), cujo trabalho no Laboratório <strong>de</strong> Psicopedagogia do Instituto <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da USP,<br />

permitiu a construção <strong>de</strong> um ensaio sobre o uso <strong>de</strong> tais jogos, cujas possibilida<strong>de</strong>s e finalida<strong>de</strong>s são por<br />

nós reconstruídas em nossas intervenções.<br />

O supracitado jogo possui inúmeras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervenção já que, além <strong>de</strong> possuir regras<br />

que regulam as partidas, também estimula o raciocínio, a coor<strong>de</strong>nação motora, a atenção, a concentração,<br />

a criativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outras competências julgadas essenciais para o bom <strong>de</strong>sempenho no jogo, e como já<br />

dissemos anteriormente, <strong>de</strong> igual valor para o “bom” aluno em processo <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Assim, num primeiro momento, a sua utilização é bem vinda já que estimula as crianças a<br />

internalizarem as suas regras, pois, se quiserem jogar com seus pares esta é condição sine qua non.<br />

Observamos que as crianças, que <strong>de</strong> início apresentam enorme dificulda<strong>de</strong> em se enquadrar nas<br />

<strong>de</strong>limitações do jogo, passam posteriormente a realizar tal ação <strong>de</strong> forma espontânea, valorizando e<br />

vigiando o cumprimento <strong>de</strong> cada uma das regras necessárias para o bom andamento da partida. Exemplo<br />

disso são as crianças que observam minuciosamente a jogada <strong>de</strong> seu parceiro e, ao menor sinal <strong>de</strong><br />

movimento das varetas dispostas ao chão, gritam para que o colega pare imediatamente a jogada. A<br />

própria criança que executa a jogada também para rapidamente após ter percebido que não obteve êxito<br />

ao tentar resgatar sua vareta. Faz isso sem tentar negociar ou argumentar não ter mexido a pequena<br />

varinha.<br />

Acreditamos que tal fato é importante para a internalização <strong>de</strong> regras pelo grupo e pela criança que<br />

joga. Pensamos que a falta <strong>de</strong>las seja mais um fator para a ocorrência da tão discutida “indisciplina na<br />

escola”, fenômeno este que também impe<strong>de</strong> as aprendizagens.<br />

Depois <strong>de</strong> se adaptarem a jogar com regras, as crianças <strong>de</strong>vem operacionalizar as suas jogadas em<br />

função <strong>de</strong>las. Pois, na medida em que têm que respeitá-las não po<strong>de</strong>m realizar qualquer ação para ganhar<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 311


a partida. Devem, <strong>de</strong>ssa forma, a<strong>de</strong>quar a sua jogada aos limites que o jogo regrado impõe e, ainda, a<br />

jogada <strong>de</strong> seus companheiros. Tal fato os obriga a se <strong>de</strong>scentrar e a cooperar. Essas duas condutas<br />

também auxiliam os pequenos em sala <strong>de</strong> aula, já que por meio <strong>de</strong>las ações coletivas são priorizadas em<br />

<strong>de</strong>trimento das individuais.<br />

Pois bem, se os pequenos querem vencer a partida, outra questão que <strong>de</strong>vem superar são os seus<br />

adversários. Dessa maneira, precisam construir estratégias melhores <strong>de</strong> que as <strong>de</strong> seus companheiros para<br />

obterem a vitória. Isso os obriga constantemente a construir novas formas <strong>de</strong> jogar. Como exemplo, temos<br />

uma criança que, após analisar milimetricamente a disposição das varetas, experimentou posições <strong>de</strong> seu<br />

corpo (<strong>de</strong>itada, sentada, em pé ou agachada) que lhe permitiram pegar uma vareta sem tocar nas outras.<br />

Além disso, são interessantes as variadas formas que as crianças encontram <strong>de</strong> resgatar as varetinhas.<br />

Acreditamos que essas ações são excelentes recursos para possibilitar que a criança reflita, utilize<br />

a criativida<strong>de</strong> e coor<strong>de</strong>ne ações (mentais e motoras). O que, como sabemos, é imprescindível para o seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Outros jogos que contenham regras, tais como: o da memória, o dominó, o jogo da vida, a trilha<br />

do saber, <strong>de</strong>ntre outros por nós trabalhados, também apresentam iguais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> auxiliar a<br />

criança em seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Também utilizamo-nos <strong>de</strong> outras ativida<strong>de</strong>s como: oficinas, passeios, festas, <strong>de</strong>ntre outras, que<br />

possam colocar a crianças frente a situações que rompam com o seu equilíbrio, levando-as a agir.<br />

Conclusão<br />

Os resultados obtidos foram julgados por nós significativos. Po<strong>de</strong>mos salientar mudanças quanto a<br />

algumas condutas <strong>de</strong> caráter sócio-moral e afetivo dos alunos atendidos.<br />

Essa afirmativa é feita com base na observação <strong>de</strong> que as crianças passam a respeitar<br />

consi<strong>de</strong>ravelmente todas as regras, além <strong>de</strong> respeitarem também os seus pares e solidarizarem-se com os<br />

mesmos.<br />

Acreditamos no acima exposto, pois, foi notório que no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> nossos encontros as crianças<br />

passaram a cobrar as regras <strong>de</strong> si próprias e também dos estagiários, quando elas eram <strong>de</strong>scumpridas. Foi<br />

fato também que, com o passar do tempo, as crianças auxiliavam os seus pares na confecção das<br />

ativida<strong>de</strong>s e nas próprias jogadas a serem realizadas. Questões estas que, no início do atendimento, não<br />

eram percebidas por nós, já que os pequenos burlavam regras e não se mostravam solidários com as<br />

outras crianças quando estas estavam por realizar uma jogada <strong>de</strong>sastrosa.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 312


Quanto a condutas que <strong>de</strong>monstram evoluções <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m cognitiva, pu<strong>de</strong>mos notar que houve<br />

mudanças em algumas crianças. Já que essas passaram a realizar as operações matemáticas sem tantas<br />

dificulda<strong>de</strong>s, como era verificado no início <strong>de</strong> nossos encontros.<br />

Esse fato po<strong>de</strong> também ser observado na reaplicação da prova <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> ao<br />

final do atendimento. Pois, se outrora esta prova nos havia informado a não conservação, indicou-nos<br />

numa aplicação posterior a construção <strong>de</strong>ssa noção.<br />

Além disso, vimos também que os pequenos durante as partidas <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong>spendiam <strong>de</strong> recursos<br />

mais eficazes e evoluídos para realizarem melhores jogadas e assim obterem êxito no jogo.<br />

Por último, gostaríamos <strong>de</strong> salientar que em algumas escolas (justamente as que mais nos<br />

auxiliavam em nosso trabalho) recebíamos frequentemente avaliações positivas dos professores, sobre os<br />

alunos que estavam em atendimento.<br />

Com base nestas constatações, acreditamos que tais intervenções são importantes por contribuírem<br />

com o processo <strong>de</strong> escolarização formal e com o <strong>de</strong>senvolvimento global dos escolares.<br />

Referências<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 313


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 314


Significações do Erro em Alunos do 6º Ano do Ensino Fundamental Frequentadores da Sala <strong>de</strong><br />

apoio à Aprendizagem<br />

Resumo<br />

BIANCHINI, Luciane Guimarães Batistella<br />

OLIVEIRA, Francismara Neves <strong>de</strong><br />

BARIZON, Ana Luiza Andra<strong>de</strong><br />

FECCHIO, Mariana<br />

SILVA, Josiele Cardoso da<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina – PROPPG/ UEL<br />

Projeto <strong>de</strong> pesquisa: Laboratório <strong>de</strong> Jogos - espaço <strong>de</strong> interações lúdicas<br />

projetolaboratorio<strong>de</strong>jogos@gmail.com.br<br />

O presente estudo objetivou analisar as significações do erro em 17 alunos que frequentam salas <strong>de</strong> apoio<br />

à aprendizagem em Londrina-PR. Como modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisa elegemos o estudo <strong>de</strong> caso, na<br />

abordagem qualitativa. Como problema <strong>de</strong> pesquisa nos baseamos na seguinte questão: qual a<br />

significação do erro <strong>de</strong> alunos do 6º ano do Ensino Fundamental que frequentam a sala <strong>de</strong> apoio à<br />

aprendizagem? Além da observação das ativida<strong>de</strong>s nas salas <strong>de</strong> apoio, utilizamos um roteiro <strong>de</strong> entrevista<br />

e um instrumento que é constituído por uma escala <strong>de</strong> diferencial semântico na qual são apontados<br />

indicadores afetivos nas condutas dos alunos em situação específica <strong>de</strong> aprendizagem. O período <strong>de</strong><br />

coleta <strong>de</strong> dados foi <strong>de</strong> 2 meses. Nossos resultados indicaram que as significações dos alunos sobre o erro<br />

apresentam-se carregadas <strong>de</strong> conteúdo social e julgamento moral sobre o erro e que em sua totalida<strong>de</strong>, os<br />

participantes do estudo significam o erro como algo negativo e que os impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r. O erro não é<br />

consi<strong>de</strong>rado parte do processo <strong>de</strong> aprendizagem e está associado a sentimentos <strong>de</strong>sagradáveis <strong>de</strong> culpa e<br />

<strong>de</strong> menos valia além <strong>de</strong> estereótipos que culpabilizam o aluno pelo não apren<strong>de</strong>r. O estudo enfatizou<br />

como implicação pedagógica, a importância <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar o erro como revelador <strong>de</strong> construções internas<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m intelectual e afetiva, em relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência, nas condutas do sujeito ativo na<br />

aprendizagem.<br />

Palavras-Chave: Erro. Teoria piagetiana. Dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem. Concepções.<br />

Abstract<br />

This study aimed to analyze the meanings of the error in 17 stu<strong>de</strong>nts who frequent the support learning<br />

classrooms in Londrina - PR. As modality of research we choose the study of case, in the qualitative<br />

approach. As problem of research we base in the following question: which is the error meaning for 6º<br />

year’s stu<strong>de</strong>nts of secondary school who frequent the support learning classrooms? Beyond the activities<br />

observations in the support rooms, we use an interview gui<strong>de</strong> and an instrument that is constituted by a<br />

scale of semantic differential in which are pointed affective indicators in the stu<strong>de</strong>nt’s conduct in specific<br />

situation of learning. The period of data collection was 2 months. Our results had indicated that the<br />

stu<strong>de</strong>nt’s meanings about error present loa<strong>de</strong>d of social content and moral judgment on the error and in<br />

their totality the participants think the error as something negative that hin<strong>de</strong>rs their learning. The error is<br />

not consi<strong>de</strong>red party of learning process and it is associated with the awkward feelings of guilt and little<br />

values beyond the stereotypes that make the stu<strong>de</strong>nts guilty for not learning. The study emphasized as<br />

pedagogical implication, the importance to consi<strong>de</strong>r the error as revealing of internal constructions of<br />

intellectual and affective or<strong>de</strong>r, in relation of inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nce, the conducts of the active person in the<br />

learning.<br />

Keywords: Error. Piaget’s theory. Difficulty of learning. Conceptions.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 315


Introdução<br />

A teoria piagetiana sobre a construção do conhecimento possibilita olhar o contexto em que o erro<br />

é produzido em sala <strong>de</strong> aula e não apenas o erro em si, ou o aluno que o apresenta. O sujeito em constante<br />

<strong>de</strong>senvolvimento ensaia para a vida, criando, experimentando e <strong>de</strong>scobrindo sobre si e o mundo, num<br />

processo comum e natural, no qual erro e acerto são constituintes <strong>de</strong> seu aprendizado. Esta concepção<br />

permite-nos interpretar o erro como algo inerente ao processo <strong>de</strong> conhecer e a partir disto analisarmos o<br />

que o erro po<strong>de</strong> nos revelar sobre a construção do conhecimento.<br />

Além do dinamismo expresso nas ações daquele que se coloca a conhecer, diante do erro, os<br />

aspectos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m afetiva também são postos em evidência. Afinal, quem gosta <strong>de</strong> errar na socieda<strong>de</strong> do<br />

acerto, do sucesso, da busca constante pela perfeição da forma, da padronização e do i<strong>de</strong>al? O ser humano<br />

busca hoje apresentar-se como aquele que sabe, aquele que prevê, aquele que controla. Neste contexto<br />

receitas e métodos são enfatizados a todo o momento. Mas, no campo do conhecer somos convidados a<br />

lidar com as lacunas, com o imprevisível, com as irregularida<strong>de</strong>s e o intangível, pois é exatamente ali<br />

on<strong>de</strong> algo lhe falta, on<strong>de</strong> algo se impõe como obstáculo ou conflito que nasce a riqueza do sujeito<br />

expresso em sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perguntar: por quê? Como?<br />

Medo, ansieda<strong>de</strong>, interesse, culpa e outros tantos sentimentos articular-se-ão à inteligência<br />

colocando em risco o próprio sujeito que inicialmente situado como aquele que não sabe, po<strong>de</strong>rá errar ou<br />

acertar e com isto prosseguir ou <strong>de</strong>sistir. Depen<strong>de</strong>ndo da sua resposta e <strong>de</strong> como refletirá junto àqueles<br />

que interagem com o sujeito, novos sentimentos serão evocados como sucesso ou fracasso, <strong>de</strong>sempenho<br />

ou incompetência, enfim sentimentos e significados que marcarão sua relação com o saber e com a<br />

escola.<br />

Assim, é do campo do não saber, que partimos para escutar alunos e compreen<strong>de</strong>r, sobre como os<br />

erros são percebidos pelos sujeitos incluídos em propostas educacionais, que objetivam intervir em seus<br />

processos <strong>de</strong> aprendizagem. Os alunos que nos propusemos escutar no presente estudo, estão nas salas <strong>de</strong><br />

apoio e em comum apresentam a expressão constante do erro em suas produções. Conhecer, do ponto <strong>de</strong><br />

vista piagetiano, diz respeito aos caminhos <strong>de</strong> criação e <strong>de</strong>scoberta trilhados pelo sujeito cognoscente.<br />

Neste percurso o erro tem a conotação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> e revelação <strong>de</strong> um sujeito que se colocou a respon<strong>de</strong>r<br />

formulações <strong>de</strong> seu pensamento.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 316


Referencial Teórico<br />

Uma visão piagetiana sobre o erro e a afetivida<strong>de</strong> na construção do conhecimento<br />

O Erro<br />

O erro na perspectiva teórica <strong>de</strong> Piaget revela um processo dinâmico que dirige o ato <strong>de</strong> conhecer.<br />

Taille (1997, p.26) ao se referir à construção do conhecimento na perspectiva piagetiana aponta que a<br />

realida<strong>de</strong> é filtrada pela consciência do sujeito, “retendo e interpretando aquilo que é capaz <strong>de</strong> incorporar<br />

a si. Em uma palavra, conhecer é conferir sentido, e esse sentido não está todo pronto e evi<strong>de</strong>nte nos<br />

objetos <strong>de</strong> conhecimento: ele é fruto <strong>de</strong> um trabalho ativo <strong>de</strong> assimilação” realizado pelo sujeito. No curso<br />

<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento o sujeito fará diferentes interpretações sobre o mundo e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta<br />

compreensão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do nível <strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong> sua inteligência. Neste caso, muitas interpretações das<br />

crianças apresentar-se-ão como erradas sob o ponto <strong>de</strong> vista do adulto, mas Piaget (1936, p.13) as<br />

compreen<strong>de</strong> enquanto parte integrante do processo investigativo rumo ao conhecer, uma vez que atesta<br />

uma verda<strong>de</strong> do sujeito e por isso consi<strong>de</strong>rou o erro como construtivo 62 .<br />

Macedo (1997, p.29), analisa o papel construtivo dos erros <strong>de</strong>stacando que ignorar o erro <strong>de</strong>ntro<br />

do processo <strong>de</strong> construção do conhecimento “é supor que se po<strong>de</strong> acertar sempre ‘na primeira vez’, é<br />

eliminá-lo como parte, às vezes inevitável, da construção <strong>de</strong> um conhecimento, seja <strong>de</strong> crianças, seja <strong>de</strong><br />

adultos”.<br />

O importante no ato <strong>de</strong> conhecer é que ao assimilar a realida<strong>de</strong>, o sujeito a está recriando,<br />

conferindo sentido e ao mesmo tempo colocando-se em ativida<strong>de</strong>. Piaget (1967/1973) consi<strong>de</strong>ra<br />

fundamental a ativida<strong>de</strong> do sujeito sobre o objeto enquanto um processo auto-estruturante da ativida<strong>de</strong><br />

humana. É através <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> que o sujeito constrói a si (ampliando e flexibilizando seus esquemas),<br />

o outro e o objeto <strong>de</strong> conhecimento. Neste contexto, o erro é consi<strong>de</strong>rado como um comportamento<br />

inteligente, possível, e necessário para o <strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem, na medida em que revela a<br />

ação <strong>de</strong> conhecer. As ações infantis apresentam-se primeiro <strong>de</strong> uma maneira menos elaborada ou errada,<br />

inconscientes à criança e gradativamente po<strong>de</strong>rão ser ajustadas por regulações do próprio sujeito até<br />

atingir um grau satisfatório cada vez mais consciente. (MACEDO, 1994, p. 72)<br />

O processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência para Piaget (1977) é consi<strong>de</strong>rado como um sistema<br />

dinâmico em permanente ativida<strong>de</strong> que caminha rumo às operações formais, possibilitando ao sujeito<br />

passar <strong>de</strong> um nível inconsciente à consciência. Na prática, po<strong>de</strong>mos observar um sujeito primeiro<br />

realizando ações resultantes <strong>de</strong> tentativas ocasionais, para num outro momento atuar num plano <strong>de</strong><br />

62 Os erros construtivos para Piaget são erros sistemáticos que <strong>de</strong> forma geral são repetidos por várias crianças. São esses erros que<br />

permitem à criança o acesso a resposta certa.(Ferreiro e Teberosky, 1999)<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 317


evisão, planejamento e ajustes na própria ação. Ou seja, estamos diante <strong>de</strong> dois planos <strong>de</strong> atuação do<br />

sujeito: o do fazer e do compreen<strong>de</strong>r, tal como discutiu Piaget (1977 e 1978).<br />

Macedo (1994) pontua que a questão do erro, por exemplo, “no plano do fazer está comprometido<br />

com o resultado em função <strong>de</strong> um objetivo, bem como com a construção <strong>de</strong> meios e estratégias a<strong>de</strong>quados<br />

à solução do problema que se está enfrentando”, e isto só é possível <strong>de</strong> ser elaborado pelo sujeito que está<br />

em ativida<strong>de</strong>.<br />

Este tipo <strong>de</strong> experiência é muito importante para o aluno no processo <strong>de</strong> aprendizagem, uma vez<br />

que “disso <strong>de</strong>corre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> estratégias, <strong>de</strong> alteração dos procedimentos, tendo em<br />

vista os arranjos específicos que as diferentes situações colocam.” (MACEDO, 1994, p. 74).<br />

No plano do fazer, quando um objetivo estabelecido é frustrado e a criança tem a clareza que<br />

errou, o erro torna-se um problema, levando a criança a buscar novas soluções para alterá-lo e a construir<br />

novas possibilida<strong>de</strong>s. A <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> que para conhecer, o sujeito precisa “fazer” então nos leva a<br />

concluir que não é o meio quem mo<strong>de</strong>la o sujeito, “mas é ele próprio que se constrói por sua ativida<strong>de</strong>, no<br />

meio que é seu” evoluindo em condições cada vez melhores <strong>de</strong> compreensão sobre a realida<strong>de</strong>. (DOLLE;<br />

BELLANO, 1999, p. 19).<br />

Piaget divi<strong>de</strong> em três níveis as respostas apresentadas pelas crianças (PAULI et al, 1981), na<br />

construção do conhecimento e da própria consciência sobre o erro. No nível I não há erro para a criança,<br />

pois suas i<strong>de</strong>ias constroem-se por justaposição e sincretismo, <strong>de</strong>formando a realida<strong>de</strong> percebida por ela. O<br />

nível II é o momento da dúvida ou flutuação, ou seja, a criança oscila nas respostas dadas, <strong>de</strong>vido à<br />

evolução na inteligência que permite ao sujeito fazer antecipações e conservar as <strong>de</strong>formações do objeto<br />

anteriormente impossíveis. No nível III o adolescente compreen<strong>de</strong> as situações tais como são. Dentre as<br />

conquistas do <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência temos a evolução na lógica permitindo ao sujeito fazer<br />

relações mais complexas como a <strong>de</strong> pensar sobre a sua própria ação. Isto não quer dizer que ao atingir o<br />

nível III os erros acabaram, mas sim que agora o sujeito po<strong>de</strong> refletir sobre eles e percebê-los <strong>de</strong> forma<br />

consciente. Po<strong>de</strong>ríamos dizer então que esta evolução nos permite perceber diferenças na forma do sujeito<br />

conceber e lidar com o erro no curso <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

A crítica <strong>de</strong> Piaget sobre a educação formal, é que esta se limita a preocupar-se com os resultados<br />

e não com o modo como o sujeito chegou a eles, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar riquíssimas construções<br />

realizadas pelo aluno, mesmo aquelas apresentadas numa situação <strong>de</strong> erro. Assim, se o erro é consi<strong>de</strong>rado<br />

como constituinte do processo <strong>de</strong> construção do conhecimento, como os educadores <strong>de</strong>vem intervir diante<br />

<strong>de</strong>sta situação?<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 318


Para Macedo (1994, p.70) o mais importante não é consi<strong>de</strong>rar o resultado final e sim que o sujeito<br />

reflita sobre as suas ações, levante hipóteses mesmo que estas estejam “erradas”. O <strong>de</strong>safio do professor<br />

está em transformar o erro em uma situação <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Para isto o professor precisa estabelecer o que é consciente à criança e o que não é. Em observação<br />

a este cotidiano, Fogaça (2005) escreve sobre sua experiência enquanto professor <strong>de</strong> Educação Física e<br />

aponta a importância dos conhecimentos piagetianos pelo educador, <strong>de</strong>stacando a tomada <strong>de</strong> consciência<br />

enquanto um processo gradativo na elaboração do conhecimento e um caminho <strong>de</strong> intervenção do<br />

professor, necessário para a aproximação consciente do aluno sobre as próprias ações equivocadas. Como<br />

estratégia <strong>de</strong> ação, o professor diante <strong>de</strong> uma ação equivocada do aluno po<strong>de</strong>rá apresentar<br />

questionamentos que os levem a rever sua ação no plano verbal. Para explicar as diferenças nas<br />

interpretações dos sujeitos, Piaget utiliza-se <strong>de</strong> dois conceitos: observável e coor<strong>de</strong>nação: “os observáveis<br />

são fatos percebidos, e as coor<strong>de</strong>nações são justamente as interpretações que o sujeito faz sobre aquilo<br />

que observa e, consequentemente, <strong>de</strong>termina a qualida<strong>de</strong> das próprias observações (PIAGET apud<br />

TAILLE, 1997, p.29). Assim, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> estar certa ou errada, as interpretações do sujeito,<br />

revelam os níveis <strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong> sua inteligência.<br />

Como já <strong>de</strong>stacamos no início, para Piaget o sujeito é auto-estruturante e ao meio cabe o papel <strong>de</strong><br />

problematizar as situações, provocando no aluno a construção <strong>de</strong> estratégias e procedimentos <strong>de</strong><br />

superação <strong>de</strong> seus erros, na medida em que realiza ajustamentos em suas ações. No entanto, o labor <strong>de</strong>sta<br />

ativida<strong>de</strong> pertence ao aluno e não ao professor. A questão é que <strong>de</strong> um jeito ou <strong>de</strong> outro o erro estará<br />

sempre presente em todo o processo que move o aluno a conhecer e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da forma como o adulto<br />

concebe o erro, po<strong>de</strong>rá resultar em práticas que aju<strong>de</strong>m o aluno a superá-lo, apren<strong>de</strong>r a partir do erro ou<br />

não.<br />

A Afetivida<strong>de</strong><br />

Outro ponto a consi<strong>de</strong>rar na construção do conhecimento é que além da condição estrutural da<br />

inteligência há uma condição essencial para o sujeito agir sobre o objeto: ele precisa interessar-se pelo<br />

mesmo, “sem vonta<strong>de</strong> e sem iniciativa para <strong>de</strong>svendar e <strong>de</strong>scobrir, não há conhecimento” (PIAGET apud<br />

CUNHA, 2000, p. 75).<br />

Nesse sentido, são os afetos que preparam as ações do sujeito, participando ativamente da<br />

percepção que ele tem das situações vividas e do planejamento <strong>de</strong> suas reações ao meio. Dolle (1993,<br />

p.120), consi<strong>de</strong>ra que a afetivida<strong>de</strong> está implicada com o campo das significações e nestas as relações<br />

interindividuais tem um papel importante:<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 319


A afetivida<strong>de</strong>, nas relações interindividuais, se alimenta unicamente do sentido e que é<br />

este quem a estrutura, <strong>de</strong>sequilibra, equilibra e reequilibra. O gesto, até mesmo discreto, o<br />

brilho no olhar, etc., são tão expressivos quanto às palavras. Dito <strong>de</strong> outro modo, a<br />

afetivida<strong>de</strong> em ato fala àquele que a recebe porque ela tem um sentido e informa sobre o<br />

estado daquele que o leva a falar, sobre suas intenções, seus julgamentos, sua disposição<br />

<strong>de</strong> espírito com relação ao <strong>de</strong>stinatário, etc.<br />

No ambiente escolar o aluno experimenta vários tipos <strong>de</strong> afetos: sentimentos como o prazer da<br />

<strong>de</strong>scoberta e da criação diante do objeto do conhecimento, a tristeza ao constatar que errou na resolução<br />

das ativida<strong>de</strong>s e foi apontado pelo professor ou pelos próprios colegas como alguém incompetente, culpa<br />

quando não estuda o suficiente ou erra, etc. Além dos sentimentos, a afetivida<strong>de</strong> contempla elementos<br />

energéticos (interesse, esforços, afetos das relações interindividuais, simpatias mútuas e sentimentos<br />

morais) que também estarão presentes na sala <strong>de</strong> aula. Dito <strong>de</strong> outro modo, constantemente embates e<br />

contradições do cotidiano escolar, colocam o aluno a rever suas ações e estas situações estão permeadas<br />

<strong>de</strong> afetos bons ou maus, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> como interagem os sujeitos neste contexto.<br />

Assim, cabe questionar qual será a <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sentimentos, se <strong>de</strong>smotivadores ou não,<br />

evocados por situações <strong>de</strong> erro do aluno na sala <strong>de</strong> aula. O ajustamento realizado pelo sujeito à medida<br />

que toma consciência <strong>de</strong> um engano, po<strong>de</strong>rá percorrer caminhos totalmente racionais, com julgamentos<br />

a<strong>de</strong>quados, mesmo numa situação <strong>de</strong>smotivadora? Ou ainda, no que a afetivida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> influenciar as<br />

interpretações da razão?<br />

Piaget (1962;1986) ao tratar da aprendizagem humana consi<strong>de</strong>rou importante olharmos para os<br />

afetos, pois não se po<strong>de</strong> separar a ativida<strong>de</strong> intelectual do funcionamento total do organismo e em sua<br />

teoria aponta que o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual possui dois componentes, o cognitivo e o afetivo, que se<br />

articulam e se <strong>de</strong>senvolvem paralelamente. A afetivida<strong>de</strong> é a “mola propulsora” da aprendizagem, pois<br />

sem afeto não haveria interesse, nem necessida<strong>de</strong>, nem motivação e, consequentemente, perguntas ou<br />

problemas nunca seriam colocados e não haveria inteligência. O afeto é a energização da ativida<strong>de</strong><br />

intelectual, uma condição necessária para aquele que se coloca a conhecer.<br />

Para analisar a relação entre afetivida<strong>de</strong> e inteligência, Piaget (1994) discute as concepções sobre<br />

o juízo moral, em sua teoria. Normalmente vemos a moral tornando-se o cenário propício para o<br />

confronto existente entre a razão e a afetivida<strong>de</strong>. Vários exemplos na literatura <strong>de</strong>stacam personagens<br />

lidando com situações conflituosas, nas quais há ou um predomínio pela razão ou pela<br />

emoção/afetivida<strong>de</strong>. Piaget, por sua vez vai além da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> confronto nesta relação e aponta<br />

consi<strong>de</strong>rações relevantes sobre como interagem estes dois aspectos no ser humano (cognição e<br />

afetivida<strong>de</strong>). Para o autor, os afetos movem a ação do sujeito e a razão tem o papel <strong>de</strong> “i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong>sejos,<br />

sentimentos variados e obter êxito nas ações. Neste caso, não há conflito entre as duas partes. Porém,<br />

pensar a razão contra a afetivida<strong>de</strong> é problemático porque então <strong>de</strong>ver-se-ia, <strong>de</strong> alguma forma, dotar a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 320


azão <strong>de</strong> algum po<strong>de</strong>r semelhante ao da afetivida<strong>de</strong>”, o que significaria consi<strong>de</strong>rar características móvel<br />

<strong>de</strong> energia também na razão.(TAILLE, 1992, p.73)<br />

A afetivida<strong>de</strong> para Piaget (1962) inicia-se através <strong>de</strong> afetos perceptivos, que no primeiro momento<br />

está indiferenciada ao sujeito. Gradativamente os afetos passarão a se relacionar com as pessoas, objetos.<br />

A estrutura básica organizadora <strong>de</strong> nossa vida afetiva é formada por sentimentos como amor, raiva, medo,<br />

necessida<strong>de</strong>s(básicas),etc., resultantes <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> fracasso ou sucesso, agradável ou <strong>de</strong>sagradável.<br />

Macedo (2008, p.48) aponta que o medo, assim como a raiva ajudam o sujeito a “fugir, afastar do que<br />

consi<strong>de</strong>ra ameaçador ou doloroso. Em sua dimensão positiva ele po<strong>de</strong> indicar cuidado e respeito”, mas<br />

por outro lado po<strong>de</strong>rá diminuir ou até eliminar relações que proporcionaram este sentimento. O amor<br />

po<strong>de</strong> produzir sentimentos bons como alegria, confiança, interesse, mas em excesso po<strong>de</strong> gerar<br />

<strong>de</strong>pendência.<br />

No período pré-operatório, há a inclusão da criança ao mudo socializado e estes sentimentos<br />

po<strong>de</strong>rão ser vivenciados <strong>de</strong> forma intencional e intuitiva. No período operatório-concreto (ida<strong>de</strong> dos<br />

sujeitos pesquisados em nosso estudo) os afetos anteriores po<strong>de</strong>rão ser transformados em normativos, que<br />

se trata da construção <strong>de</strong> esquemas afetivos ligados às regras. Uma questão importante é a constituição da<br />

vonta<strong>de</strong>, valorizando para criança o que é superior e fraco, no lugar do inferior e forte. As regras, em seu<br />

aspecto moral, se apresentam <strong>de</strong> forma heterônoma e a criança enten<strong>de</strong>-as como parte da tradição e por<br />

isso inquestionáveis e sagradas (TAILLE,1992). Somente no período operatório formal é que o sujeito<br />

po<strong>de</strong>rá regular melhor seus afetos,<strong>de</strong>finido assim vonta<strong>de</strong>s e expressando i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> forma autônoma.<br />

As representações sobre o que significa errar no contexto escolar estão relacionadas ao nível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento do sujeito como também às concepções sobre “errar” em nossa socieda<strong>de</strong>. Estas, por sua<br />

vez, são dotadas <strong>de</strong> valores, crenças, regras e costumes relacionados a um padrão estabelecido <strong>de</strong><br />

normalida<strong>de</strong>. Por isso, o sujeito enquanto um ser social caminhará na tentativa <strong>de</strong> cumprir o que está<br />

estabelecido como padrão, quem não cumpre é excluído, é anormal (MACEDO, 1996). Para Lalan<strong>de</strong><br />

(1993) ao erro é atribuído o sentido <strong>de</strong> algo falso em oposição aquilo que é verda<strong>de</strong>iro. No entanto, hoje<br />

sabemos o quanto a verda<strong>de</strong> é arbitrária e relativa, e em se tratando <strong>de</strong> crianças pequenas verda<strong>de</strong> “é<br />

aquilo que as pessoas que ela conhece e <strong>de</strong> quem gosta fazem ou dizem. “Verda<strong>de</strong>” é aquilo que ela<br />

consegue fazer ou pensar, é o que obe<strong>de</strong>ce a sua intenção” (MACEDO, 1996, p.194).<br />

Assim, foi pensando nas situações relativas ao erro em sala <strong>de</strong> aula, que partimos para a<br />

observação <strong>de</strong>ste espaço e elegemos como lócus da pesquisa a sala <strong>de</strong> apoio, um projeto <strong>de</strong> trabalho<br />

interventivo atual nas escolas estaduais no município <strong>de</strong> Londrina-PR com alunos do 6º ano do Ensino<br />

Fundamental. Esta proposta <strong>de</strong> trabalho é realizada <strong>de</strong>ntro da própria escola on<strong>de</strong> é oferecido ao aluno,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 321


consi<strong>de</strong>rado pelos professores com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, um horário alternativo, para que tenha<br />

uma intervenção específica em suas dificulda<strong>de</strong>s, nas disciplinas <strong>de</strong> Língua Portuguesa e <strong>de</strong> Matemática.<br />

(LDBEN nº9394/96; Parecer CNE nº 04/98, Deliberação nº 007/99-CEE, Resolução Secretarial nº<br />

371/2008 e Instrução nº 022/2008- SUED/SEED). O que há em comum entre os alunos encaminhados é a<br />

manifestação repetitiva do erro.<br />

Objetivo<br />

Objetivamos analisar a significação do erro <strong>de</strong> alunos do 6º ano do Ensino Fundamental,<br />

frequentadores da sala <strong>de</strong> apoio à aprendizagem.<br />

Metodologia<br />

O presente estudo se orientou pelos parâmetros da pesquisa qualitativa, na modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo<br />

<strong>de</strong> caso. (Yin 2005, Martins 2006). Interessou-nos observar um espaço oficial <strong>de</strong> trabalho com as<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. Procuramos no município <strong>de</strong> Londrina-PR salas <strong>de</strong> apoio à aprendizagem<br />

que seguem o programa oficial da Secretaria da Educação e obtivemos uma amostra <strong>de</strong> 17 alunos do 6º<br />

ano do Ensino Fundamental, frequentadores <strong>de</strong>sse espaço. Elegemos essa amostra por consi<strong>de</strong>rarmos que<br />

estes alunos são encaminhados ao contra turno porque são classificados como portadores <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> aprendizagem e muitos <strong>de</strong>les apresentam histórias recorrentes <strong>de</strong> fracasso escolar. Consi<strong>de</strong>ramos<br />

interessante investigar neles a noção <strong>de</strong> erro. O tempo <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados foi <strong>de</strong> 2 meses incluindo<br />

observações das aulas <strong>de</strong> contra turno, entrevista e aplicação <strong>de</strong> um instrumento construído pela segunda<br />

autora <strong>de</strong>ste artigo, para sua pesquisa <strong>de</strong> pós-doutorado. O referido instrumento é uma escala <strong>de</strong><br />

diferencial semântico contendo indicadores afetivos a serem observados nas condutas dos alunos diante<br />

<strong>de</strong> uma situação específica (OLIVEIRA e MACEDO, 2009). As observações realizadas foram registradas<br />

em diário <strong>de</strong> campo e as entrevistas com os alunos foram gravadas.<br />

Desenvolvimento<br />

Na apresentação <strong>de</strong> nossos dados quanto às significações dos alunos sobre os próprios erros,<br />

utilizamos duas tabelas que sintetizam os dados. A primeira indica as significações dos alunos e os<br />

sentimentos <strong>de</strong>spertados quando estão diante <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> erro, pautadas nas respostas <strong>de</strong>les à<br />

entrevista. A segunda tabela apresenta uma síntese das condutas predominantes e também os sentimentos<br />

envolvidos diante <strong>de</strong> uma situação específica <strong>de</strong> aprendizagem escolar, por meio dos indicadores afetivos<br />

da escala utilizada.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 322


Tabela 1: Indicadores afetivos na resposta dos alunos entrevistados<br />

Aluno O que é erro? Quando uma pessoa erra?<br />

1 Fazer alguma coisa que...<strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cer<br />

2<br />

Muitas coisas...quando uma pessoa faz<br />

coisa errada e põe a culpa nos outros.<br />

3 É quando não faz as coisas certas.<br />

4 Fazer alguma coisa ruim.<br />

5 Não prestar atenção<br />

Quando ela pega alguma coisa<br />

do amigo<br />

O que faz uma Como você se sente quando<br />

pessoa errar? percebe que errou?<br />

Desobediência Me sinto mal, peço <strong>de</strong>sculpas<br />

pelo erro.<br />

Vai prejudicar ela mesma Várias coisas Fico bem triste<br />

Não sei, quando ela não<br />

apren<strong>de</strong><br />

Quando magoa uma pessoa ou<br />

faz algo <strong>de</strong> mau<br />

Quando a pessoa fica prestando<br />

atenção. Opa!Não!É quando<br />

ela não presta atenção, igual eu<br />

agora.<br />

6 Ser <strong>de</strong>sobediente Não cumpriu as regras.<br />

7 Ser idiota. Deu bobeira e pisou na bola.<br />

8 É quando não faz nada certo. Quando não vai bem em nada.<br />

9 É quando escolhe o mal. É quando pisa na bola.<br />

10 Quando é mal amigo. Quando entrega um amigo.<br />

11 Quando <strong>de</strong>srespeita as regras. Quando não estuda pra prova.<br />

12 Descumprir o combinado. Fazer o ruim pra alguém.<br />

O lápis Mal<br />

Xingar, bater Mal<br />

Tudo é errar. Se a<br />

pessoa errar,<br />

parece que a<br />

pessoa não quer<br />

estudar.<br />

Ela ser ruim e<br />

maldosa.<br />

È tirar nota ruim<br />

na escola.<br />

É ficar <strong>de</strong><br />

recuperação<br />

Quando ela é<br />

ruim.<br />

Quando é chata<br />

pra caramba.<br />

È tirar notas<br />

ruins.<br />

Não ser bom<br />

amigo<br />

Triste<br />

Fico com raiva <strong>de</strong> mim.<br />

Péssimo. Daí tem que ficar <strong>de</strong><br />

recuperação.<br />

Mal.<br />

Malzão.<br />

Triste.<br />

Mal.<br />

Chateado.<br />

13 Não acertar. Esquecer um compromisso. Magoar alguém. Triste.<br />

14 Desobe<strong>de</strong>cer.<br />

Não fazer o que os pais ou<br />

professores pe<strong>de</strong>m.<br />

Ser ruim. Triste.<br />

15 Não ser organizado Dar <strong>de</strong>sculpas esfarrapadas.<br />

Não ser bom<br />

amigo.<br />

Super chateado<br />

16 Não estudar direito. Não entregar tarefas.<br />

Não ajudar os<br />

outros.<br />

Triste.<br />

17 Ser mal educado Desrespeitar os mais velhos. Ser maldoso. Mal.<br />

As respostas dos alunos revelaram sentimentos e significações que vão sendo incluídas ao<br />

contexto do erro na sala <strong>de</strong> apoio. Pu<strong>de</strong>mos verificar que, ao significarem o erro, prevalecem nas<br />

respostas dos alunos a inclusão dos aspectos morais, relacionando o erro cognitivo ao erro no campo <strong>de</strong><br />

significações morais, como: “<strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cer, culpa, não fazer as coisas certas, fazer algo ruim”.<br />

Os aspectos afetivos aparecem com maior intensida<strong>de</strong>, enfatizando a compreensão que os alunos<br />

têm sobre a sua ação (errar) indissociada da consequência <strong>de</strong> julgamento moral que a acompanha. Ou<br />

seja, a criança não relaciona sua ação a possíveis enganos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> sua relação com o objeto, mas<br />

sim, àquilo que po<strong>de</strong> provocar em termos afetivos como é o caso do erro relacionado a “<strong>de</strong>sobediência”,<br />

ou “algo ruim”. Para estes alunos errar é “magoar” o outro ou acontece quando alguém “pega algo do<br />

amigo”. A indissociação própria do sujeito heterônomo, como apontou Piaget (1994), não possibilita que<br />

compreendam além do aparente e neste caso das significações que o social lhe impõe como verda<strong>de</strong> e<br />

sagrado.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 323


A alusão do erro às questões relativas ao processo <strong>de</strong> aprendizagem revelam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

reflexão por parte da escola quanto ao tema: “erra quando não presta atenção”, ou ainda “Tudo é errar. Se a<br />

pessoa errar, parece que a pessoa não quer estudar.” A moral enquanto aspecto relacionado ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento dos julgamentos do aluno sobre o erro, interfere nas significações construídas neste<br />

contexto, pois não é construída <strong>de</strong> forma isolada, mas compartilhada com os <strong>de</strong>mais atores da escola.<br />

Quanto aos sentimentos predominantes nas respostas a uma situação em que o aluno errou<br />

encontramos “a tristeza, o mal estar e a culpa”. A indissociação novamente aparece no julgamento dos<br />

alunos. Neste momento <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento, há uma evolução da consciência do sujeito sobre o erro,<br />

mas articulada ao <strong>de</strong>senvolvimento do juízo moral sobre as suas ações que vão sendo construídas nas<br />

relações interindividuais. O aspecto afetivo relacionado ao erro tem no outro com o qual nos<br />

relacionamos, um espaço compartilhado <strong>de</strong> significados. Por isso, Dolle (1993), consi<strong>de</strong>ra a afetivida<strong>de</strong><br />

implicada com o campo das significações interindividuais. O sentido se constrói neste encontro entre o<br />

sujeito e o mundo social. Assim, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> como se estabelecem estas relações, no qual o erro se faz<br />

presente, o sujeito po<strong>de</strong>rá chegar a julgamentos autônomos ou permanecer aceitando verda<strong>de</strong>s sem<br />

questioná-las.<br />

É inegável a influência dos discursos sociais sobre o erro, junto aos sentimentos <strong>de</strong>spertados nos<br />

alunos. Pois, antes <strong>de</strong> mais nada são discursos morais, carregados <strong>de</strong> afetos, que vem da própria socieda<strong>de</strong><br />

formando o universo moral humano e <strong>de</strong>signando aos sujeitos lugares distintos.<br />

Diante disto po<strong>de</strong>mos refletir sobre a necessida<strong>de</strong> da escola possibilitar aos alunos situações <strong>de</strong><br />

reflexão sobre suas ações, ajudando-as a enten<strong>de</strong>rem suas ações consi<strong>de</strong>radas “erradas” sob outro ponto<br />

<strong>de</strong> vista, compreen<strong>de</strong>ndo como Piaget, aspectos positivos expressos nesta ativida<strong>de</strong>.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 324


A<br />

B<br />

C<br />

D<br />

E<br />

F<br />

F<br />

G<br />

H|<br />

I<br />

J<br />

K<br />

L<br />

M<br />

N<br />

O<br />

P<br />

No enfrentamento da tarefa<br />

Coragem. Atitu<strong>de</strong>. Interesse<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar a tarefa.<br />

Impulsivida<strong>de</strong>.<br />

Medo, receio, <strong>de</strong>sinteresse<br />

Demora em iniciar. Passivo<br />

Impulsivida<strong>de</strong>.<br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interesse.<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar a tarefa.<br />

Impulsivida<strong>de</strong>.<br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interesse<br />

Rapi<strong>de</strong>z<br />

Impulsivida<strong>de</strong><br />

Medo, receio. Demora em<br />

iniciar a tarefa. Passivida<strong>de</strong>.<br />

Desinteresse, impulsivida<strong>de</strong>.<br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interesse<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar.<br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interessse<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar.<br />

Planejamento<br />

Coragem, Atitu<strong>de</strong>, Interesse<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar<br />

Planejamento<br />

Medo, receio. Inicia <strong>de</strong>vagar,<br />

<strong>de</strong>sinteresse. Impulsivida<strong>de</strong><br />

Medo, receio.Demora em<br />

iniciar. Passivida<strong>de</strong>.<br />

Desinteresse, Impulsivida<strong>de</strong><br />

Medo, receio. Demora em<br />

iniciar, passivo.Desinteresse<br />

Impulsivida<strong>de</strong>.<br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interesse<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar<br />

Planejamento <strong>de</strong> ações<br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interesse.<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar.<br />

Planejamento <strong>de</strong> ações<br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interesse<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar<br />

Planejamento<br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interesse<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar<br />

Planejamento<br />

Medo, receio, passivida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>sinteresse. Impulsivida<strong>de</strong><br />

Coragem, atitu<strong>de</strong>, interesse<br />

Rapi<strong>de</strong>z em iniciar<br />

Planejamento<br />

Na realização da tarefa<br />

Autonomia. Desinteresse.<br />

Fuga ou dispersão.<br />

Insegurança.<br />

Dependência. Desinteresse.<br />

Insegurança.<br />

Fuga ou dispersão.<br />

Autonomia, Desinteresse<br />

Segurança. Fuga ou dispersão<br />

Autonomia, Interesse<br />

Segurança<br />

Envolvimento<br />

Dependência, Desinteresse<br />

Insegurança. Estratégia<br />

(copia). Fuga ou dispersão<br />

Autonomia, interesse<br />

Insegurança. Envolvimento<br />

Autonomia, Interesse<br />

Segurança . Envolvimento<br />

Autonomia, Interesse<br />

Segurança<br />

Envolvimento<br />

Autonomia, Interesse<br />

Segurança<br />

Envolvimento<br />

Dependência. Desinteresse<br />

Insegurança . Fuga ou<br />

dispersão<br />

Dependência, <strong>de</strong>sinteresse<br />

Insegurança. Fuga ou<br />

dispersão<br />

Autonomia. Interesse.<br />

Segurança. Envolvimento.<br />

Dependência ,Interesse<br />

Insegurança. Envolvimento<br />

Dependência. Interesse<br />

Insegurança. Envolvimento<br />

Dependência, Interesse<br />

Insegurança. Envolvimento.<br />

Dependência,Desinteresse ,<br />

Insegurança ,estratégia<br />

(cópia) Fuga/dispersão<br />

Dependência Interesse<br />

Insegurança Envolvimento<br />

Diante <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> conflito<br />

Desistência. Descomprometimento.<br />

Auto-controle.Conduta Evitativa.<br />

Estratégia (cópia).<br />

Desistência, Descomprometimento<br />

Raiva, <strong>de</strong>sconforto. Conduta evitativa.<br />

Repetição <strong>de</strong> estratégias.<br />

Persistência. Compromisso.Autocontrole.Enfreta<br />

<strong>de</strong>safios.Diferentes<br />

estratégias.<br />

Desistência, Decomprometimento<br />

Raiva, <strong>de</strong>sconforto<br />

Conduta evitativa, Estratégia(cópia)<br />

Persistência, Descomprometimento<br />

Raiva, <strong>de</strong>sconforto Estratégia: foge da<br />

tarefa. Cria <strong>de</strong>sculpa e sai.<br />

Desistência. Descomprometimento<br />

Auto controle. Conduta evitativa,<br />

Estratégia(cópia).<br />

Persistência, Compromisso<br />

Auto controle. Enfrenta <strong>de</strong>safios,<br />

Diferentes estratégias<br />

Persistência, Compromisso<br />

Auto controle<br />

Enfrenta <strong>de</strong>safios, Repete estratégias<br />

Persistência, Compromisso<br />

Auto controle. Demora frente ao<br />

<strong>de</strong>safio. Repete estratégias<br />

Desistência, Descomprometimento<br />

Auto controle. Conduta evitativa.<br />

Estratégia (cópia).<br />

Descompromisso. Raiva, <strong>de</strong>sconforto<br />

Conduta evitativa, Estratégia (cópia)<br />

Persistência , Compromisso<br />

Auto controle. Enfrenta <strong>de</strong>safio,<br />

Repete estratégias.<br />

Persistência, Compromisso.<br />

<strong>de</strong>scontrole. Não enfrenta <strong>de</strong>safio,<br />

Diferentes estratégias<br />

Persistência , Compromisso<br />

Auto controle, Enfrenta <strong>de</strong>safios,<br />

Diferentes estratégias<br />

Desistência, Descompromisso<br />

Raiva, <strong>de</strong>sconforto. Conduta evitativa,<br />

Diferentes estratégias.<br />

Desistencia , Descomprometimento<br />

Raiva, <strong>de</strong>sconforto, evitação<br />

Diferentes estratégias<br />

Desistência, Falta <strong>de</strong> Compromisso<br />

Auto controle, Conduta evitativa,<br />

Estratégia (cópia)<br />

Na finalização da tarefa<br />

Insatisfação “Errei muito”<br />

Senso <strong>de</strong> incompetência.<br />

Depen<strong>de</strong>nte. Erros recorrentes.<br />

Insatisfação diante do resultado<br />

Incompetência (Errei tudo!).<br />

Depen<strong>de</strong>nte. Erros recorrentes.<br />

Satisfação/ resultado<br />

Se sente competente (“Acertei<br />

tudo!”), confiante. Corrige<br />

procedimentos<br />

Insatisfação com o resultado. Se<br />

sentem incompetentes. Depen<strong>de</strong>nte e<br />

recorrência nos erros.<br />

Insatisfação.Se sente incompetente<br />

Depen<strong>de</strong>nte. Repete os erros.<br />

Satisfação diante do resultado<br />

Sente-se competente,confiança<br />

Corrige procedimentos.<br />

Satisfação com o resultado<br />

Sente-se competente,confiante<br />

Corrige procedimentos<br />

Satisfação/ resultado<br />

Sente-se competente,confiante,<br />

Corrige procedimentos<br />

Satisfação/ resultado<br />

Sente-se competente, confiante<br />

Corrige procedimentos<br />

Não terminou a ativida<strong>de</strong>. Revelou<br />

muita insegurança.<br />

Insatisfação. Vê-se Incompetente,<br />

Depen<strong>de</strong>nte. Repete os erros.<br />

Satisfação/resultado<br />

Sente-se competente, confiante<br />

Corrige procedimentos<br />

Satisfação/ resultado<br />

Se sentir competente<br />

Corrige procedimentos<br />

Satisfação/resultado<br />

Sente-se competente, confiante<br />

Corrige procedimentos<br />

Insatisfação com o resultado<br />

Sente-se incompetente, Depen<strong>de</strong>nte<br />

Mesmos erros.<br />

Não terminou a ativida<strong>de</strong>. Fabulação.<br />

Satisfação/ resultado<br />

Sente-se competente,confiança<br />

Repetir os mesmo erros<br />

Tabela 2: Indicadores afetivos na observação dos alunos em ativida<strong>de</strong>s propostas pelo professor da<br />

sala <strong>de</strong> apoio.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 325


Os dados que apresentamos nos permitiram tecer consi<strong>de</strong>rações sobre o enfrentamento, o conflito<br />

próprio à realização e a finalização da tarefa proposta pelo professor. Gostaríamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar um dado<br />

significativo. Ao dirigirmos nosso olhar para o que indicam os dados sobre o momento final das<br />

ativida<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>mos perceber que os alunos que chegaram até ao final, seja com ajuda do colega, ou do<br />

professor, seja copiando em alguns momentos, diversificando estratégias ou repetindo-as, apresentaram<br />

uma relação significativa entre sucesso na ativida<strong>de</strong> e a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentamento dos conflitos, pois todos<br />

eles conseguiram acertar na medida em que tomavam consciência do erro e passavam a realizar ajustes<br />

nos procedimentos <strong>de</strong> sua ação.<br />

A coragem foi o sentimento que mais evi<strong>de</strong>nciaram diante do <strong>de</strong>safio proposto e os sujeitos que<br />

assim se posicionaram esforçando-se e colocando-se em ativida<strong>de</strong>, foram aqueles que até o final da tarefa<br />

se permitiram rever a própria ação. Po<strong>de</strong>mos inferir que a ação foi ressignificada no plano do<br />

compreen<strong>de</strong>r, pois questionavam suas ações frente ao resultado apresentado pelo professor e se<br />

colocavam na busca <strong>de</strong> outras possibilida<strong>de</strong>s. Com isto vimos um sujeito ativo, que embora contasse com<br />

a presença mediadora do professor, foi sempre ele quem por si mesmo tinha a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar<br />

novas construções. (DOLLE; BELLANO, 1999).<br />

Já os alunos que apresentaram medo no início da tarefa foram incluindo, em todo o tempo <strong>de</strong> sua<br />

execução da tarefa, atitu<strong>de</strong>s como <strong>de</strong>pendência, <strong>de</strong>sinteresse, insegurança, raiva, conduta evitativa (várias<br />

<strong>de</strong>sculpas para sair da sala) até chegar ao resultado <strong>de</strong> fracasso na ativida<strong>de</strong> ou até <strong>de</strong>sistência da mesma<br />

como aconteceu com dois alunos. O sujeito em si parecia sair aos poucos <strong>de</strong> cena, para aceitar <strong>de</strong> modo<br />

passivo o resultado apresentado pelo professor. A “morte do sujeito do conhecimento” apresentou como<br />

último fôlego <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, a criação mobilizada para o campo afetivo, quando os alunos passam a criar<br />

estratégias para lidar com o medo e não para resolver a tarefa, numa ação <strong>de</strong> fuga àquilo que temiam<br />

(MACEDO, 2008).<br />

Com isto po<strong>de</strong>mos refletir sobre o papel da coragem na construção do conhecimento. A coragem<br />

parece funcionar como um elemento sustentador do sujeito cognoscente, uma vez que estaremos sempre<br />

lindando com riscos neste caminho <strong>de</strong> muitas trajetórias que implica <strong>de</strong>scobrir o objeto e a si mesmo.<br />

Erros e acertos farão parte <strong>de</strong>ste percurso e apresentar uma situação consi<strong>de</strong>rada errada para o adulto, ou<br />

grupo social é antes <strong>de</strong> mais nada revelar-se enquanto um sujeito que constrói <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma lógica<br />

própria, caminhos para conhecer.<br />

Além <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir sobre o objeto, o sujeito quando posto em ativida<strong>de</strong>, está constantemente<br />

<strong>de</strong>scobrindo sobre si, “o que sei” o que não sei, sou competente, não sou competente”, relacionando<br />

assim cognição a aspectos afetivos do próprio eu, como muito bem <strong>de</strong>stacou Piaget (1994). Para o autor a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 326


construção do conhecimento se dá <strong>de</strong> forma relacional com o conhecimento sobre o objeto, sobre si e<br />

sobre o outro.<br />

Neste caso fracassar diante do olhar do outro significa conhecer o que pensam <strong>de</strong> mim e isto exige<br />

coragem e enfrentamento. Por isso, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar todo este campo <strong>de</strong> significações<br />

que vão sendo construídos à medida que o sujeito se arrisca a conhecer, pois estamos tratando <strong>de</strong> campos<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que se articulam e influenciam um ao outro.<br />

Conclusões<br />

No presente estudo, pu<strong>de</strong>mos refletir sobre a inter<strong>de</strong>pendência intelectual e emocional nas<br />

condutas dos indivíduos diante do erro, compreen<strong>de</strong>ndo serem elas partes constitutivas do próprio sujeito.<br />

Pu<strong>de</strong>mos analisar que na evolução do <strong>de</strong>senvolvimento o sujeito caminhará cada vez mais para<br />

elaborações complexas que o aproximem do objeto <strong>de</strong> conhecimento – evolução do pensamento - como<br />

também se apropria das próprias emoções <strong>de</strong> forma menos egocêntrica, adotando mais reciprocamente<br />

outras perspectivas e não apenas a própria, como pensaria um sujeito que evoluiu ao nível <strong>de</strong> autonomia<br />

dos aspectos cognitivos e morais.<br />

Nessa inter-relação o erro <strong>de</strong>sempenha importante papel revelador das construções internas <strong>de</strong> um<br />

sujeito que se lançou à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer, <strong>de</strong> construir. Nessa linha <strong>de</strong> abordagem, o erro é positivo e<br />

<strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado indicador das necessárias reorganizações próprias ao processo <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Nossos dados sobre a sala <strong>de</strong> apoio à aprendizagem indicam que ao contrário <strong>de</strong>sta compreensão, o erro é<br />

consi<strong>de</strong>rado incompetência do aluno em suas produções. Não é percebido como parte do processo, mas<br />

como oposto ao apren<strong>de</strong>r. É associado às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem que, também equivocadamente<br />

são compreendidas como problemas do aluno e são classificadas como negativas e impeditivas do<br />

apren<strong>de</strong>r.<br />

Resgatar as concepções e significações do erro no contexto escolar por meio da reflexão, pareceu-<br />

nos urgente, afim <strong>de</strong> oportunizarmos em processos interventores, o resgate das condições <strong>de</strong> construção<br />

<strong>de</strong> diferentes possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação da realida<strong>de</strong> sem que elas tenham que aten<strong>de</strong>r ao julgamento<br />

externo em <strong>de</strong>trimento do erro <strong>de</strong> quem atua diante do objeto <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Os professores po<strong>de</strong>m escolher como atuar diante do erro <strong>de</strong> seus alunos. Po<strong>de</strong>m consi<strong>de</strong>rar o erro<br />

como indicador da estrutura cognitiva do aluno e a partir disto planejar uma intervenção ativa, a fim <strong>de</strong><br />

que o erro se torne observável e indique os caminhos para a mediação da construção do sujeito<br />

cognoscente. De outro modo o professor po<strong>de</strong>rá tomar o erro como indicador do fracasso do aluno<br />

fechando assim os olhos para aquilo que está em processo <strong>de</strong> construção, rotular, segregar e culpabilizar o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 327


aluno pelo não apren<strong>de</strong>r.<br />

Referências<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 329


6. Linguagem e Pensamento<br />

A Abordagem Bilíngue e o Desenvolvimento Cognitivo dos Surdos: Uma Análise Psicogenética<br />

Resumo<br />

NOGUEIRA, Clélia Maria Ignatius<br />

UEM – Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />

ZANQUETTA, Maria Emília Melo Tamanini<br />

Colégio Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Maringá – ANPACIN<br />

zanquettamaria@gmail.com<br />

voclelia@gmail.com<br />

Com base na teoria piagetiana, este trabalho objetivou investigar o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos<br />

adolescentes surdos educados numa abordagem bilíngue e comparar os resultados com os <strong>de</strong> uma outra<br />

pesquisa realizada em 1996 com surdos educados numa abordagem oralista, cujos resultados apontaram<br />

uma <strong>de</strong>fasagem cognitiva <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 2 anos em relação aos ouvintes <strong>de</strong> mesma faixa etária (12 a 14<br />

anos). Para a consecução da pesquisa, foram realizadas seis provas, que i<strong>de</strong>ntificaram o pensamento<br />

operatório concreto (a prova <strong>de</strong> inclusão <strong>de</strong> classe, as provas <strong>de</strong> conservação: <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong>scontínua, <strong>de</strong><br />

líquido, <strong>de</strong> peso, <strong>de</strong> volume, <strong>de</strong> área), e duas provas para o pensamento formal (flutuação <strong>de</strong> corpos e<br />

quantificação <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s), junto a um grupo <strong>de</strong> 11 adolescentes surdos, com ida<strong>de</strong> entre 12 e 14<br />

anos e que há pelo menos sete anos eram educados numa abordagem bilíngue. Os resultados mostraram<br />

que os surdos da pesquisa atual possuem um vocabulário melhor em relação aos sujeitos da pesquisa<br />

anterior e também um conhecimento escolar (grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>) superior, porém esses avanços não se<br />

traduziram num <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo maior. Isso nos levou a investigar como se processam as<br />

trocas simbólicas <strong>de</strong>stes adolescentes, com a intenção <strong>de</strong> fornecer indicativos para uma atuação<br />

pedagógica mais eficaz.<br />

Palavras-chave: <strong>Psicologia</strong> Genética. Sur<strong>de</strong>z. Bilinguismo.<br />

Abstract<br />

Based on Piaget's theory, this work aimed to investigate the cognitive <strong>de</strong>velopment of <strong>de</strong>af teenagers<br />

educated in a bilingual approach and to compare the results with 1996 research where they were educated<br />

in an oral approach, which showed a cognitive <strong>de</strong>valuation about two years compared to sound stu<strong>de</strong>nts<br />

with the same age (12 to 14 years). For this research were ma<strong>de</strong> six tests that i<strong>de</strong>ntify the concrete<br />

concerning (the inclusion class test, the conservation tests: discontinue objects, liquid, weigh, volume,<br />

area) and two tests for formal concerning ( bodies flotation and probabilities quantification) with a group<br />

of 11 <strong>de</strong>af teenagers, aged among 12 and 14 years old and that for up seven years were educated in a<br />

bilingual approach. The results showed that <strong>de</strong>af of the present research have a better vocabulary than<br />

ones of last research and also a higher aca<strong>de</strong>mic un<strong>de</strong>rstanding (school <strong>de</strong>gree), in spite of no translation<br />

in a bigger cognitive advance. This fact, take us to investigate how is the process of symbolic changes of<br />

this stu<strong>de</strong>nts, with the intention to provi<strong>de</strong> indicatives for a pedagogical performance more efficient.<br />

Keywords: Genetic Psychology. Deafness. Bilingualism.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 330


Introdução<br />

A pesquisa aqui relatada e <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> pesquisa 3 é consequência <strong>de</strong> outras duas (pesquisa 1 e<br />

pesquisa 2) que foram compartilhadas em i<strong>de</strong>ias e preocupações por três professoras-pesquisadoras. A<br />

primeira pesquisa (pesquisa 1) foi realizada no final da década <strong>de</strong> 80, pela i<strong>de</strong>alizadora do trabalho,<br />

professora universitária, matemática <strong>de</strong> formação e mãe <strong>de</strong> duas filhas surdas, em conjunto com uma<br />

professora universitária, psicóloga. Da segunda pesquisa (pesquisa 2), realizada em meados dos anos 90,<br />

além das duas pesquisadoras já mencionadas, participou também uma professora da Educação Básica,<br />

matemática <strong>de</strong> formação e especialista em educação <strong>de</strong> surdos. Finalmente, a terceira pesquisa (pesquisa<br />

3), foi realizada entre 2004 a 2006 pelas duas professoras <strong>de</strong> Matemática.<br />

Talvez em função da formação em Matemática, nossa preocupação maior em relação à educação<br />

<strong>de</strong> surdos nunca foi, como seria esperado, com a comunicação em si, mas com o pensamento, afinal: Se<br />

quando pensamos, conversamos interiormente, como pensa o surdo? Essa indagação se revestia <strong>de</strong> maior<br />

importância quando uma <strong>de</strong> nós iniciou suas pesquisas na área, durante a década <strong>de</strong> 1980 e isso porque,<br />

naquele período, a educação <strong>de</strong> surdos no Paraná, era radicalmente oralista e o que comumente ocorria<br />

era nos <strong>de</strong>pararmos com surdos adultos que não possuíam nenhum tipo <strong>de</strong> linguagem formal. Isso<br />

acontecia porque não era permitida a utilização <strong>de</strong> linguagem gestual e por ser a língua oral <strong>de</strong> difícil e<br />

complexa aquisição. Dito <strong>de</strong> outra forma, a indagação se resumia em: Existe pensamento sem linguagem?<br />

Assim, nossas investigações sempre focaram o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do surdo.<br />

As pesquisas que são aqui relatadas aconteceram em contextos educacionais diferentes, em função<br />

da abordagem adotada. As pesquisas 1 e 2 foram realizadas com crianças educadas segundo a abordagem<br />

oralista e na pesquisa 3, a educação seguia o mo<strong>de</strong>lo bilíngue.<br />

A abordagem bilíngue parte do fato <strong>de</strong> que os surdos, mesmo sem ouvir, po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senvolver uma<br />

língua que lhes possibilite uma comunicação eficiente. Apoiada na visão e utilizando as mãos, essa<br />

língua, a Língua <strong>de</strong> Sinais, é, para os a<strong>de</strong>ptos do Bilinguismo, a primeira língua dos surdos, pois estes a<br />

apren<strong>de</strong>m com naturalida<strong>de</strong> e rapi<strong>de</strong>z. Assim, <strong>de</strong> acordo com essa abordagem, o surdo <strong>de</strong>ve adquirir<br />

primeiramente, como língua materna, a língua <strong>de</strong> sinais e a língua oficial do país, prepon<strong>de</strong>rantemente na<br />

sua forma escrita, <strong>de</strong>ve ser ensinada como segunda língua. O Bilinguismo percebe a sur<strong>de</strong>z como<br />

diferença linguística, e não como <strong>de</strong>ficiência a ser normalizada através da reabilitação como no caso do<br />

oralismo.<br />

Como os contextos educacionais eram diferentes, a pesquisa 3, teve como objetivo principal,<br />

investigar o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos adolescentes surdos educados segundo a abordagem bilíngue,<br />

cotejando-os com os resultados encontrados na pesquisa 2, realizada com surdos educados segundo a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 331


abordagem oralista. A pesquisa 3 tencionou também i<strong>de</strong>ntificar as trocas simbólicas que existem entre os<br />

adolescentes e o meio, em geral, e com seus pais e familiares, em particular.<br />

A fundamentação teórica das três pesquisas realizadas foi a <strong>Psicologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget.<br />

A educação <strong>de</strong> surdos<br />

No Brasil, mais especificamente no Paraná, nas décadas <strong>de</strong> 1950 e 1960, os surdos eram vistos<br />

como “doentes” e, praticamente, inexistiam pesquisas científicas <strong>de</strong>senvolvidas na área educacional. A<br />

forma <strong>de</strong> atendimento estava voltada à filantropia e ao assistencialismo; os surdos não eram vistos como<br />

cidadãos produtivos ou úteis à socieda<strong>de</strong> e não havia a preocupação com a formação acadêmica ou<br />

profissional <strong>de</strong>les (STROBEL, 2000).<br />

Nas décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980, a sur<strong>de</strong>z é vista como “<strong>de</strong>ficiência”. O surdo neste contexto<br />

histórico é conhecido como <strong>de</strong>ficiente auditivo. A educação <strong>de</strong> surdos se caracterizou, nesse período, pelo<br />

predomínio <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los clínicos, nos quais, em <strong>de</strong>trimento dos objetivos educacionais, imperavam os<br />

objetivos <strong>de</strong> reabilitação – o aluno como paciente e o professor como terapeuta. Com a predominância<br />

dos métodos oralistas, os surdos eram vistos como <strong>de</strong>ficientes e proibidos <strong>de</strong> utilizar sinais para se<br />

comunicar. Na escola, eram poupados dos conteúdos escolares mais complexos e, quando matriculados<br />

no ensino regular, eram empurrados <strong>de</strong> uma série para outra. Da década <strong>de</strong> 1990 até hoje, a sur<strong>de</strong>z é vista<br />

muito mais como “diferença” do que como “<strong>de</strong>ficiência”. E como auto<strong>de</strong>nominação dada pelos próprios<br />

surdos a expressão utilizada neste contexto é surdo (STROBEL, 2000).<br />

O estágio em que nos encontramos hoje é consequência <strong>de</strong> muita luta dos surdos, seus familiares,<br />

professores e profissionais da área, que resultaram em conquistas fundamentais, tais como: o<br />

reconhecimento da diferença linguística do surdo; a oficialização da Libras, a potencialização do<br />

pedagógico em <strong>de</strong>trimento do clínico na educação; a possibilida<strong>de</strong> da educação bilíngue numa dimensão<br />

política; o apoio ao fortalecimento e qualificação da comunida<strong>de</strong> surda; a formação e capacitação do<br />

professor e instrutor surdo; a formação <strong>de</strong> intérpretes <strong>de</strong> Libras e Língua Portuguesa e, particularmente,<br />

um crescente número <strong>de</strong> pesquisas na área da sur<strong>de</strong>z .<br />

O referencial teórico<br />

A fundamentação teórica das pesquisas realizadas foi a <strong>Psicologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget, pois:<br />

[...] o argumento <strong>de</strong>cisivo contra a posição <strong>de</strong> que as estruturas lógico-matemáticas<br />

originam-se unicamente das formas linguísticas é o <strong>de</strong> que, no <strong>de</strong>correr do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento intelectual <strong>de</strong> cada indivíduo, as estruturas lógico-matemáticas estão<br />

sendo construídas antes do aparecimento da linguagem. A linguagem aparece por volta da<br />

meta<strong>de</strong> do segundo ano, mas antes disso, por volta do primeiro ano ou começo do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 332


segundo, há uma inteligência prática com sua própria lógica <strong>de</strong> ação (PIAGET e<br />

INHELDER, apud NOGUEIRA, 1999, p. 83).<br />

Além disso, para a teoria piagetiana o pensamento é produto da ação interiorizada e a sua origem<br />

não é diretamente atribuível à aquisição da linguagem, embora ela seja fundamental para o seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento qualitativo posterior.<br />

A partir <strong>de</strong> um rigoroso conjunto <strong>de</strong> experiências, Piaget infere que o pensamento é o produto<br />

da ação interiorizada. Segundo ele, a gênese da inteligência na criança não é diretamente<br />

atribuível à aquisição da linguagem, embora ela forneça ao pensamento os quadros categoriais<br />

que lhe permitem organizar melhor a experiência, coor<strong>de</strong>nar as ações interiorizadas em<br />

sistemas <strong>de</strong> conjuntos e disto abstrair princípios da ação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do eu (FERENCZI,<br />

1974, apud FERNANDES, 1990, p. 41).<br />

Assim, por esta teoria <strong>de</strong>monstrar que a linguagem é necessária, porém não suficiente para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, enten<strong>de</strong>mos ser o referencial teórico mais a<strong>de</strong>quado para uma pesquisa em<br />

que os sujeitos investigados são surdos.<br />

Apesar do número “limitado” <strong>de</strong> pesquisas, o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e da linguagem dos<br />

surdos tem sido objeto <strong>de</strong> estudos há algum tempo.<br />

[...] embora se observe um certo atraso, mais ou menos sistemático, da lógica do surdo,<br />

não se po<strong>de</strong> falar da carência propriamente dita, pois se encontram os mesmos estágios <strong>de</strong><br />

evolução com um atraso <strong>de</strong> 1 a 2 anos (PIAGET, 1985, p. 77).<br />

No Brasil, a partir da década <strong>de</strong> 1980, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar alguns trabalhos <strong>de</strong>senvolvidos com<br />

surdos e a teoria piagetiana, como as pesquisas <strong>de</strong> Zamorano (1981 e 1988); Poker (1995) e Machado<br />

(2000), que foram parte fundamental <strong>de</strong> nossos estudos e fundamentação teórica, além das pesquisas que<br />

originaram a presente, que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> pesquisa 1 e pesquisa 2.<br />

A pesquisa 1 e a pesquisa 2<br />

O objetivo geral da pesquisa 1 foi analisar se a sur<strong>de</strong>z constituía um fator que comprometesse<br />

significativamente o <strong>de</strong>senvolvimento lógico-operatório infantil. Para isso, foi investigado, mediante a<br />

aplicação das provas piagetianas <strong>de</strong> correspondência, termo a termo, seriação e classificação, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das estruturas lógicas elementares em 12 crianças com ida<strong>de</strong> entre quatro e seis anos. Os<br />

resultados encontrados apontaram para a inexistência <strong>de</strong> <strong>de</strong>fasagens significativas das crianças surdas em<br />

relação às crianças ouvintes, consi<strong>de</strong>rando-se os estádios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>scritos pela <strong>Psicologia</strong><br />

Genética.<br />

Na pesquisa 2 (realizada sete anos após a pesquisa 1) o objetivo principal foi investigar como se<br />

processam as estruturas lógico-matemáticas em surdos, com ida<strong>de</strong>s entre 12 e 14 anos, e as pesquisadoras<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 333


esperavam encontrar resultados semelhantes aos anteriores. Foram examinadas cinco crianças surdas, que<br />

frequentavam a 4ª série, sendo que, <strong>de</strong>stas, três haviam sido examinadas na pesquisa 1 e nove crianças<br />

ouvintes, também estudantes da 4ª série. A avaliação cognitiva foi realizada em dois níveis: com provas<br />

que envolvem estruturas operatórias concretas (provas <strong>de</strong> conservação: do líquido, do volume, <strong>de</strong> peso, da<br />

superfície (área) e inclusão <strong>de</strong> classes) e que envolvem o raciocínio operatório-formal (flutuação <strong>de</strong><br />

corpos e quantificação <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>).<br />

Os resultados encontrados na pesquisa 2 apontaram a compatibilida<strong>de</strong> entre os <strong>de</strong>senvolvimentos<br />

<strong>de</strong> surdos e ouvintes, entretanto, estes últimos tinham ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 10 a 12 anos, indicando atraso dos dois<br />

anos no <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo das crianças surdas. Ao analisar o atraso <strong>de</strong> dois anos no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos surdos em relação ao dos ouvintes, que não foi <strong>de</strong>tectado na pesquisa 1, as<br />

pesquisadoras indagaram se a abordagem oralista não teria sido <strong>de</strong>terminante nos resultados encontrados<br />

e se ressentiam da falta <strong>de</strong> condições para respon<strong>de</strong>r a essa indagação, por não existirem, naquele<br />

momento, surdos educados em abordagem diferente da oralista.<br />

A pesquisa 3<br />

Passados quase <strong>de</strong>z anos da realização da pesquisa 2, a educação <strong>de</strong> surdos no Brasil e mais<br />

especificamente Paraná, vivia nova realida<strong>de</strong> em 2004, tanto no que se refere à concepção que se tem do<br />

indivíduo quanto ao seu contexto escolar, em consequência do reconhecimento da libras como primeira<br />

língua dos surdos. Desta forma, existiam, na época em que a presente pesquisa foi realizada, sujeitos que,<br />

há pelo menos sete anos, eram educados numa abordagem bilíngue, o que possibilitou verificar a questão<br />

levantada na pesquisa 2. Dito <strong>de</strong> outra forma, o objetivo principal da pesquisa 3 foi investigar o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do adolescente surdo-bilíngue (educado segundo a abordagem bilíngue),<br />

consi<strong>de</strong>rando como referência os dados obtidos pela pesquisa 2, com adolescentes surdos-oralistas<br />

(educados segundo o oralismo).<br />

Procedimentos metodológicos<br />

A avaliação cognitiva foi realizada em dois níveis: as condições dos adolescentes no que se refere<br />

às provas que envolvem estruturas operatórias concretas (provas <strong>de</strong> conservação: <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s<br />

contínuas (líquido e massa); <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontínua, <strong>de</strong> volume, <strong>de</strong> peso, <strong>de</strong> superfície (área) e <strong>de</strong><br />

inclusão <strong>de</strong> classes; e as condições dos adolescentes no que se refere às provas que envolvem o raciocínio<br />

operatório-formal (flutuação <strong>de</strong> corpos e probabilida<strong>de</strong>).<br />

Orientamo-nos pelo método clínico piagetiano, método <strong>de</strong> observação, que consiste em propor<br />

uma ativida<strong>de</strong> ao sujeito e discutir com ele suas soluções, sem que o sujeito interprete a ação do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 334


observador como aprovação ou <strong>de</strong>saprovação das suas soluções. A essência do método clínico está em<br />

separar, nas respostas dos adolescentes, o que há <strong>de</strong> realmente refletido e o que é resultado <strong>de</strong> fabulações<br />

ou <strong>de</strong> fadiga. É basicamente um método <strong>de</strong> interrogação que coleta material para análise e interpretação à<br />

luz <strong>de</strong> uma teoria <strong>de</strong>finida, no caso, a psicologia genética.<br />

Os protocolos utilizados foram elaborados após estudos teóricos e foram realizadas diversas<br />

correções <strong>de</strong> percurso em consequência da aplicação “piloto” com adolescentes ouvintes e adultos surdos.<br />

Esclarecemos que, pela própria natureza do método clínico, os protocolos não foram rígidos; houve<br />

alterações sempre que o sujeito indicou caminhos não previstos inicialmente. Há, contudo, o<br />

direcionamento contínuo do <strong>de</strong>senvolvimento das entrevistas, <strong>de</strong> maneira a ser possível investigar o que<br />

se preten<strong>de</strong>.<br />

Para a transcrição das fitas, consi<strong>de</strong>ramos todas as manifestações da linguagem dos adolescentes<br />

surdos – (Língua Portuguesa, Língua <strong>de</strong> Sinais, explicações e <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> ações não linguísticas). O<br />

Sistema <strong>de</strong> Transcrição adotado para a Libras, na pesquisa, está baseado no <strong>de</strong>senvolvido por Felipe<br />

(apud Fernan<strong>de</strong>s, 1998): convenções utilizadas para po<strong>de</strong>r representar, linearmente, uma língua espacial-<br />

visual, que é tridimensional.<br />

Foram também entrevistados o pai, a mãe ou o responsável dos adolescentes surdos.<br />

Entrevistamos 7 (sete) dos 11 pais, sendo que foram cinco mães e dois pais, para i<strong>de</strong>ntificar as trocas<br />

simbólicas que existem entre os adolescentes e o meio, em geral, e com os seus pais e familiares, em<br />

particular. As entrevistas foram gravadas e transcritas e foi feita a categorização das respostas. Os dados<br />

coletados foram utilizados, particularmente, para po<strong>de</strong>r interpretar as informações reveladas pela<br />

aplicação das provas e seu cotejamento com os resultados da pesquisa 2.<br />

As provas realizadas foram: as <strong>de</strong> conservação física, como a <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> contínua (líquido e<br />

massa), a <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontínua, a do peso e do volume; a conservação espacial: <strong>de</strong> área; as da<br />

operações lógicas: a <strong>de</strong> inclusão <strong>de</strong> classes; <strong>de</strong> flutuação <strong>de</strong> corpos e a <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>. Algumas <strong>de</strong>stas<br />

provas não foram realizadas na pesquisa 2, como a <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scontínuas, pois as pesquisadoras<br />

consi<strong>de</strong>raram que não se fazia necessário pelo <strong>de</strong>senvolvimento apresentado pelos sujeitos, e a <strong>de</strong> massa,<br />

porque é uma prova <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> contínua como a do líquido. Optamos por realizá-las, a título <strong>de</strong><br />

contra-prova. A prova <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, realizada na pesquisa 3, segundo os dados apresentados na<br />

pesquisa 2, estava prevista e houve tentativas <strong>de</strong> aplicação, porém não foi possível, pela falta <strong>de</strong><br />

comunicação entre pesquisadora e sujeitos.<br />

O meio <strong>de</strong> comunicação utilizado para a aplicação das provas foi a libras, porém acrescentado <strong>de</strong><br />

mímica usual, <strong>de</strong> português sinalizado, <strong>de</strong> escrita, sempre que se sentiu que a comunicação não tinha sido<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 335


suficiente para a compreensão pelo sujeito das indagações feitas. Os encontros foram filmados, para<br />

possibilitar a transcrição e o esclarecimento <strong>de</strong> qualquer dúvida durante a análise.<br />

No que se refere aos sujeitos, na pesquisa 2, participaram 5 (cinco) adolescentes surdos, com ida<strong>de</strong><br />

entre 12 a 16 anos, que cursavam a 4º ano do ensino fundamental, e 9 (nove) ouvintes também cursando o<br />

4º ano, com ida<strong>de</strong> entre 10 e 12 anos. Na pesquisa 3, foram 11 adolescentes surdos, com ida<strong>de</strong> entre 12 e<br />

14 anos, que cursam do 5º ao 8º ano do ensino fundamental. Os ouvintes foram consi<strong>de</strong>rados na pesquisa<br />

2 porque o que se buscava era compreen<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos adolescentes surdos, tendo<br />

como parâmetro o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> crianças ouvintes com a mesma escolarida<strong>de</strong>.<br />

Na pesquisa 3 não foram consi<strong>de</strong>rados sujeitos ouvintes, pois o parâmetro adotado para<br />

comparação foi o “<strong>de</strong>sempenho” <strong>de</strong> sujeitos surdos educados segundo a abordagem oralista.<br />

No que se refere à sur<strong>de</strong>z propriamente dita, os sujeitos das duas pesquisas possuem sur<strong>de</strong>z<br />

neurossensorial, bilateral, entre severa a profunda.<br />

critérios:<br />

Os adolescentes surdos participantes da pesquisa 3 foram selecionados <strong>de</strong> acordo com os seguintes<br />

1. Ter ida<strong>de</strong> entre 12 e 14 anos (mesma ida<strong>de</strong> dos sujeitos da pesquisa anterior), pois, <strong>de</strong> acordo com<br />

a teoria <strong>de</strong> Piaget, espera-se que estes adolescentes estejam no estágio das operações formais.<br />

2. Ter proficiência em Libras.<br />

3. Ter sido educado numa proposta <strong>de</strong> abordagem bilíngüe por pelo menos sete anos.<br />

4. Não apresentar comprometimento mental.<br />

Como, em função da melhoria dos serviços educacionais oferecidos, os sujeitos surdos <strong>de</strong> mesma<br />

ida<strong>de</strong> dos que participaram da pesquisa 2 encontravam-se mais adiantados em seu percurso escolar,<br />

ficamos com duas opções: manter o mesmo nível <strong>de</strong> escolarização e consi<strong>de</strong>rar sujeitos mais novos ou<br />

respeitar o critério da ida<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>trimento do quesito escolarida<strong>de</strong>. Optamos pela última possibilida<strong>de</strong>,<br />

uma vez que, embora o meio e as informações recebidas influenciam o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo,<br />

procuramos respeitar os estágios <strong>de</strong>scritos pela <strong>Psicologia</strong> Genética.<br />

Outro fator <strong>de</strong>terminante para a opção pelos adolescentes com ida<strong>de</strong> entre 12 e 14 anos foi o<br />

tempo <strong>de</strong> educação segundo a abordagem bilíngue, <strong>de</strong> no mínimo sete anos. A fixação <strong>de</strong>ste período po<strong>de</strong><br />

ser usada para eventuais contestações dos resultados <strong>de</strong>sta pesquisa, no sentido <strong>de</strong> que sete anos po<strong>de</strong>m<br />

não ser suficientes para consi<strong>de</strong>rar que um sujeito seja “educado segundo a abordagem bilíngue”.<br />

Todavia, como o foco aqui é o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do sujeito surdo, a premissa adotada levou em<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 336


consi<strong>de</strong>ração o seguinte:<br />

• Que os resultados da pesquisa 1 não indicaram <strong>de</strong>fasagens significativas entre crianças ouvintes e<br />

surdas com ida<strong>de</strong> entre 4 e 6 anos;<br />

• Que os resultados da pesquisa 2, realizada sete anos <strong>de</strong>pois da pesquisa 1, com adolescentes<br />

surdos educados na abordagem oralista, dos quais três haviam participado da pesquisa 1,<br />

apresentaram dois anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fasagem no <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo quando comparados com<br />

crianças ouvintes.<br />

• A indagação das pesquisadoras, ao final da pesquisa 2, se estes resultados seriam diferentes caso a<br />

educação das crianças, no período <strong>de</strong> 7 anos transcorridos entre as duas pesquisas, tivesse seguido<br />

uma abordagem bilíngue.<br />

Cotejando os resultados<br />

Na prova <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> líquido, oito surdos da pesquisa 3 (isto é, 72,2%) conservam em<br />

oposição aos 3 (60%) sujeitos da pesquisa 2 que conservam. Na prova <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> volume, o<br />

percentual dos níveis <strong>de</strong> respostas dos surdos-oralistas e dos surdos-bilíngues é praticamente o mesmo,<br />

com 60% <strong>de</strong> sujeitos oralistas e 63% <strong>de</strong> bilíngues conservadores. Nas provas <strong>de</strong> área e peso, existe uma<br />

diferença significativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, com apenas dois (36,3%) sujeitos oralistas conservadores<br />

enquanto que os conservadores bilíngues são seis (63,6%).<br />

Todavia, os resultados encontrados na pesquisa 2 contrariam a psicogenética, pois há uma<br />

gradação nas conservações, iniciando pelas gran<strong>de</strong>zas contínuas (líquido e substância) <strong>de</strong>pois peso e área<br />

e, finalmente volume, evi<strong>de</strong>nciando que os mesmos foram comprometidos pela dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comunicação entre sujeitos e pesquisadoras. Esta dificulda<strong>de</strong> é <strong>de</strong>stacada pelas mesmas, explicando que<br />

os sujeitos oralistas apresentavam tanto a leitura labial quanto o repertório bastante limitados,<br />

comprometendo a análise <strong>de</strong> algumas respostas, principalmente porque nessas provas, ao contrário das<br />

que se referem ao líquido e ao volume, as indagações das pesquisadoras acerca das quantida<strong>de</strong>s a serem<br />

avaliadas estarem associadas a recipientes outros que não o próprio objeto a ser avaliado.<br />

Os surdos da pesquisa 3 apresentaram uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessão da construção das noções <strong>de</strong><br />

conservação do peso e do volume que confirmam as pesquisas <strong>de</strong> Piaget e Inhel<strong>de</strong>r, o que não aconteceu<br />

com os da pesquisa 2.<br />

Se insistimos sobre a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessão da construção das noções <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong><br />

substância, do peso e do volume físico, não é pelo vão prazer <strong>de</strong> constatar que nossos<br />

resultados são também encontrados alhures, mas sim porque essa or<strong>de</strong>m sucessão<br />

apresenta uma significação ao mesmo tempo lógica e psicológica [...] (Piaget e Inhel<strong>de</strong>r,<br />

1975, p.19).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 337


No que se refere ao vocabulário dos adolescentes, os participantes da pesquisa 3 empregam mais<br />

termos e termos mais apropriados.<br />

A prova realizada para investigar as operações lógicas elementares, foi a <strong>de</strong> inclusão <strong>de</strong> classes,<br />

observamos que os surdos participantes <strong>de</strong> ambas as pesquisas (2 e 3) apresentam <strong>de</strong>sempenho<br />

compatível com a faixa etária. Isso indica que os sujeitos compreen<strong>de</strong>m as relações entre um conjunto <strong>de</strong><br />

objetos e seus subconjuntos e entre os vários subconjuntos, referindo-se ao estágio III.<br />

Na investigação do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos sujeitos no que se refere às operações formais,<br />

a prova aplicada foi a <strong>de</strong> flutuação <strong>de</strong> corpos, com os seguintes resultados percentuais: nenhum dos<br />

sujeitos surdos examinados pelas duas pesquisas se encontrava no estágio III (utilização <strong>de</strong> raciocínio<br />

operatório formal); na pesquisa 2, dois sujeitos encontravam-se no estágio I e dois no estágio II (50% dos<br />

sujeitos 63 em cada estágio). Dos sujeitos da pesquisa 3, 36,3% estavam no estágio I e 63,6% no estágio II.<br />

De maneira geral, tanto os sujeitos da pesquisa 2 quanto os da pesquisa 3 encontram-se no estágio<br />

operatório concreto.<br />

Quanto à consi<strong>de</strong>ração da dificulda<strong>de</strong> da efetivação do exame da flutuação <strong>de</strong> corpos quando da<br />

realização da pesquisa 2, na pesquisa 3 a conversa fluiu normalmente.<br />

O cotejamento dos resultados das pesquisas 2 e 3 no que se refere às provas piagetianas aplicadas<br />

não nos permitem afirmar que a educação <strong>de</strong> surdos segundo a abordagem bilíngue tenha proporcionado<br />

um avanço significativo no <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos surdos examinados.<br />

Os relatos das entrevistas com os pais nos apontam que o adolescente surdo teve ganhos<br />

emocionalmente e no <strong>de</strong>sempenho escolar a partir do reconhecimento e da adoção da Libras. Quanto à<br />

questão da Libras, mas que, conforme os resultados das provas piagetianas, não se refletiu no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

De maneira ampla, po<strong>de</strong>mos afirmar que o diálogo entre as pesquisadoras e os adolescentes<br />

participantes da pesquisa 3, realizada através da Libras, realmente foi possível e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> foi bem<br />

melhor que entre pesquisadoras e sujeitos da pesquisa 2, em que a leitura labial, gestos e mímica foram os<br />

canais <strong>de</strong> comunicação. Além disso, comparando os <strong>de</strong>sempenhos dos surdos-bilíngues e dos surdos-<br />

oralistas, constatamos que em razão <strong>de</strong> os primeiros possuírem vocabulário melhor tanto qualitativa<br />

quanto quantitativamente, eles compreen<strong>de</strong>ram melhor cada situação proposta fornecendo, também,<br />

63 Foram consi<strong>de</strong>rados os dados referentes a quatro sujeitos surdos oralistas pois os referentes a um <strong>de</strong>les não pu<strong>de</strong>rem ser<br />

analisados <strong>de</strong>vido à precarieda<strong>de</strong> da comunicação.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 338


espostas mais completas aos questionamentos realizados. nas provas e os questionamentos durante<br />

entrevistas, promovendo que os surdos-oralistas da pesquisa 2, além <strong>de</strong> relação aos surdos educados<br />

numa abordagem bilíngue.<br />

Outro aspecto em que os surdos-bilíngues <strong>de</strong>monstraram avanço, foi em relação ao conhecimento<br />

escolar, aqui entendido como conteúdos acadêmicos. Como a vivência educacional dos surdos-oralistas<br />

era basicamente voltada para a reabilitação, com a escolarida<strong>de</strong> relegada a um segundo plano e os<br />

professores assumindo o papel <strong>de</strong> terapeutas, esses surdos, embora tivessem a mesma faixa etária (entre<br />

12 e 14 anos) que os examinados na pesquisa 3, estavam cursando a 4ª série enquanto que os surdos-<br />

bilíngues, estão cursando entre 5ª a 8ª série, pois vivenciam um momento em que a escolarida<strong>de</strong> é<br />

evi<strong>de</strong>nciada.<br />

É natural, portanto, a indagação: Se os surdos da pesquisa atual possuem um melhor vocabulário<br />

e conhecimento escolar com a Libras, por que isto não se traduziu em avanço cognitivo, ao contrário, em<br />

relação a algumas provas, como o percentual <strong>de</strong> não conservação aumentou?<br />

A resposta a esta questão <strong>de</strong>mandaria outras pesquisas, entretanto, a teoria piagetiana, os<br />

resultados dos estudos <strong>de</strong> Poker (1995) e as entrevistas realizadas com os pais nos permitiram elaborar<br />

algumas conjecturas.<br />

Se não po<strong>de</strong>mos afirmar que a Libras, por si só, proporcionou ganhos qualitativos no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do indivíduo surdo, isso nos remete ao pressuposto piagetiano <strong>de</strong> que o<br />

pensamento é produto da ação interiorizada e que sua origem não é diretamente atribuível à aquisição da<br />

linguagem, embora ela seja fundamental para o seu <strong>de</strong>senvolvimento qualitativo superior. Ficou evi<strong>de</strong>nte<br />

em nosso estudo que, embora os surdos tenham a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma efetiva comunicação em libras, as<br />

pessoas fluentes em libras que os cercam, ainda constituem um grupo restrito, que não favorece as trocas<br />

simbólicas necessárias ao <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo.<br />

Conhecendo <strong>de</strong> perto a realida<strong>de</strong> histórica em que se encontra a educação dos surdos sujeitos da<br />

nossa investigação po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar que, embora a escola em questão tenha investido muito e os<br />

professores que trabalham com a educação <strong>de</strong> surdos reconheçam a importância da Libras e procurem<br />

utilizá-la <strong>de</strong>ntro e fora da sala <strong>de</strong> aula, mostrando a intenção <strong>de</strong> cumprimento dos preceitos do<br />

Bilinguismo, isto não se concretizou inteiramente na prática. Uma causa possível talvez seja o pouco<br />

tempo <strong>de</strong> implantação da proposta, <strong>de</strong> tal modo que esta ainda não se revestiu numa “segunda pele” dos<br />

docentes. Por outro lado, os professores se encontram em diferentes níveis <strong>de</strong> aquisição da Libras, quer<br />

seja pelo tempo <strong>de</strong> trabalho na escola, pela aptidão <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> uma segunda língua, ou mesmo<br />

pelo interesse nessa língua.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 339


Uma outra hipótese é <strong>de</strong> que na abordagem oralista, tinha-se uma “cartilha” (passos) a seguir, as<br />

ativida<strong>de</strong>s eram claras, voltadas à reabilitação. Agora com abordagem bilíngue, temos os surdos usuários<br />

da Libras; assim existem algumas diferenciações na prática pedagógica, como a ênfase na utilização <strong>de</strong><br />

recursos visuais, mas o “mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> educação” a seguir é o do ensino comum, no qual, como sabemos,<br />

não existe uma preocupação com o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo.<br />

As interações dos surdos com seus professores foram objeto <strong>de</strong> investigações <strong>de</strong> outros<br />

pesquisadores, e a bibliografia da área indica que, <strong>de</strong> maneira geral, os professores que trabalham com<br />

crianças surdas têm o hábito <strong>de</strong> controlar os diálogos com as mesmas, dificultando as suas expressões<br />

espontâneas e iniciativas próprias.<br />

Em vista do exposto, po<strong>de</strong>mos ver que as trocas simbólicas ocorridas na escola estão aquém do<br />

necessário ao <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, o que é confirmado por Poker (1995).<br />

Entretanto, parece que da forma com vem sendo praticado, o método combinado não está<br />

promovendo situações que favoreçam o <strong>de</strong>senvolvimento pleno dos sujeitos a ele<br />

submetidos, proporcionando a eles reais condições <strong>de</strong> troca simbólica. É claro que esta<br />

troca acontece, <strong>de</strong> uma maneira ou outra e, neste caso específico, é facilitada pelo uso dos<br />

gestos, mas isso não acontece por conta <strong>de</strong> uma intenção explícita do professor (POKER,<br />

1995, p. 239).<br />

Poker (1995) e Nogueira e Machado (2007), também chamam a atenção para o fato <strong>de</strong> que a<br />

aquisição <strong>de</strong> uma língua, no caso a Libras, não é suficiente para o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos surdos e<br />

atribuem à escola maior responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Para tanto, faz-se necessário oferecer aos surdos condições a<strong>de</strong>quadas para que possam se<br />

<strong>de</strong>senvolver cognitivamente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do tipo <strong>de</strong> linguagem empregada neste<br />

processo. É preciso enten<strong>de</strong>r, principalmente, que não é somente pela superação do déficit<br />

linguístico que eliminar-se-ia o déficit cognitivo (POKER, 1995, p. 240).<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo da criança surda não é objeto <strong>de</strong> ações intencionais, como<br />

se apenas uma comunicação mais eficiente, a aquisição <strong>de</strong> uma linguagem fosse<br />

suficiente para elevar o pensamento, sem nenhuma preocupação com os processos<br />

envolvidos neste movimento (NOGUEIRA e MACHADO, 2007, p. 587).<br />

Para investigarmos como acontecem as trocas simbólicas fora do ambiente escolar, entrevistamos<br />

os pais e a partir das suas respostas concluímos que as interações extra-escola são restritas, mesmo os<br />

surdos sendo consi<strong>de</strong>rados bilíngues e com todo o avanço tecnológico (celular, internet).<br />

Com as trocas simbólicas nos ambientes escolar e familiar restritas, resta aos indivíduos surdos<br />

uma comunicação mais efetiva com seus pares, colegas da escola, e com os adultos surdos, estes últimos<br />

frutos <strong>de</strong> uma educação oralista radical, com vocabulário em Libras bastante inferior aos dos jovens<br />

surdos. A interação entre seus pares não favorece a evolução do pensamento, em consequência da<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 340


<strong>de</strong>limitação simbólica existente.<br />

Essa situação não é, evi<strong>de</strong>ntemente, natural e imutável. Ao contrário. Foi por acreditarmos numa<br />

educação que favoreça o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo dos surdos (e ouvintes) que enveredamos pelos<br />

caminhos <strong>de</strong>sta pesquisa. E, dos estudos realizados e dos resultados encontrados, po<strong>de</strong>m emergir<br />

indicativos <strong>de</strong> muitas ações que contribuam efetivamente para a evolução do pensamento do indivíduo<br />

surdo.<br />

Não <strong>de</strong>scartando o compromisso dos pais, temos que consi<strong>de</strong>rar que mais <strong>de</strong> 90% dos surdos são<br />

filhos <strong>de</strong> pais ouvintes (Goldfeld, 1997); assim, amplia-se, consi<strong>de</strong>ravelmente a responsabilida<strong>de</strong> do<br />

ambiente escolar.<br />

Cabe à escola pensar numa educação <strong>de</strong> surdos, numa perspectiva mais ampla e que leve em<br />

consi<strong>de</strong>ração que o conhecimento é construído pelo aluno a partir <strong>de</strong> suas ações e interações no e com o<br />

meio ambiente, sempre mediado pelo professor; que seja dada a importância ao processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e o grau evolutivo <strong>de</strong> cada criança e adolescente sob seus cuidados; que a<br />

origem da lógica se encontra na ação e não na linguagem; que a função semiótica é composta por<br />

diferentes formas <strong>de</strong> representação como a imitação diferida, o <strong>de</strong>senho, a linguagem, o jogo simbólico e<br />

as imagens mentais − e todas elas <strong>de</strong>vem ser privilegiadas;que o raciocínio do surdo não se fundamenta<br />

apenas no visual, apesar <strong>de</strong>ste sentido ser extremamente <strong>de</strong>senvolvido;que a Libras <strong>de</strong>sempenha papel<br />

fundamental para que o surdo ultrapasse o período das operações concretas rumo ao lógico-formal,<br />

dando-se isso pelas trocas simbólicas possibilitadas; que a família não <strong>de</strong>ve ter sua responsabilida<strong>de</strong> e sua<br />

participação diminuída pelo fato <strong>de</strong> a Libras ter proporcionado uma comunicação mais efetiva entre a<br />

escola e os alunos.<br />

Por fim, a escola <strong>de</strong> surdos, mais do que uma escola <strong>de</strong> ensino comum que adota uma língua<br />

diferente, continua necessitando <strong>de</strong> cuidados especiais para que seus educandos, apesar da diferença<br />

linguística, conquistem o pleno <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> seu pensamento. Como alertam Nogueira e Machado<br />

(2007), a escola não po<strong>de</strong> se limitar a traduzir para a Libras, metodologias, estratégias e procedimentos da<br />

escola comum, mas <strong>de</strong>ve continuar a organizar ativida<strong>de</strong>s que proporcionem o salto qualitativo no<br />

pensamento dos surdos.”O que não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar é que o surdo não ficará livre das<br />

restrições impostas pela sur<strong>de</strong>z apenas com a aceitação da sua peculiarida<strong>de</strong> linguística e cultural”.<br />

(NOGUEIRA e MACHADO, 2007, p.589).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 341


Referências<br />

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em Linguística)–Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Paraná, Curitiba, 1998.<br />

GOLDFELD. M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sóciointeracionista. São<br />

Paulo: Plexus, 1997.<br />

MACHADO, E. L. Psicogênese da leitura e da escrita na criança surda. Tese (Doutorado em <strong>Psicologia</strong><br />

da Educação)–Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica, São Paulo, 2000.<br />

NOGUEIRA, C.M.I.; MACHADO, E.L. Sur<strong>de</strong>z, língua <strong>de</strong> sinais e cognição: análise das mútuas<br />

implicações. Revista Brasileira <strong>de</strong> Estudos Pedagógicos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v.91, n.220, 2007. p. 574-591.<br />

PIAGET, J. A psicologia da criança. São Paulo: DIFEL, 1985.<br />

PIAGET, J. e INHELDER, B. O <strong>de</strong>senvolvimento das quantida<strong>de</strong>s físicas na criança: conservação e<br />

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POKER, R. B. A questão dos métodos <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> surdos e o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. Dissertação<br />

(Mestrado em Educação). Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista Júlio <strong>de</strong> Mesquita Filho, 1995.<br />

STROBEL, k. A formação dos educadores surdos do Paraná. Disponível em:<br />

http://www.feneis.com.br/Educacao/artigos_pesquisas/formacao_educadores_surdos.htm. Acesso em: 10<br />

<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005.<br />

ZAMORANO, M. A. F.. Um estudo sobre o papel da linguagem oral, através <strong>de</strong> provas piagetinas, no<br />

pensamento da criança surda. Dissertação (Mestrado em <strong>Psicologia</strong>). Instituto <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 1981.<br />

ZAMORANO, M. A. F.. Linguagem, sistemas <strong>de</strong> significação e pensamento forma em adolescentes<br />

surdos. (Doutorado em <strong>Psicologia</strong>). Instituto <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 1988.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 342


Educação Inclusiva e o Desenvolvimento Cognitivo do Aluno com Sur<strong>de</strong>z: Uma Análise na<br />

Perspectiva Teórica <strong>de</strong> Jean Piaget<br />

Resumo<br />

POKER, Rosimar Bortolini<br />

Departamento <strong>de</strong> Ed. Especial, UNESP / Marília<br />

MELO, Simone Gomes <strong>de</strong><br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista - UNESP / Marília<br />

poker@marilia.unesp.br<br />

simone_ped@yahoo.com.br<br />

Conforme aponta a proposta da Educação Inclusiva a escola <strong>de</strong>ve a<strong>de</strong>quar-se às necessida<strong>de</strong>s<br />

educacionais especiais dos alunos e, no caso do aluno com sur<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>ve oferecer recursos e estratégias<br />

que utilizam essencialmente o meio visual. Isso se justifica porque a sur<strong>de</strong>z compromete o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento linguístico do sujeito. Já a cognição da pessoa com sur<strong>de</strong>z está preservada, tendo ela<br />

plenas condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver seu pensamento como os ouvintes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam oferecidos<br />

instrumentos simbólicos diferentes da língua oral como a Língua Brasileira <strong>de</strong> Sinais, língua natural dos<br />

surdos. Seguindo os princípios da educação inclusiva e com base na teoria piagetiana, o estudo<br />

centralizou-se na análise da ação pedagógica do professor por consi<strong>de</strong>rar sua importância enquanto<br />

elemento privilegiado, favorecedor do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. Teve como base o Estudo <strong>de</strong> Caso <strong>de</strong><br />

um aluno surdo, <strong>de</strong> 8 anos, com perda auditiva profunda, bilateral, congênita, inserida em sala <strong>de</strong> aula comum<br />

no segundo ano do ensino fundamental, <strong>de</strong> uma escola da re<strong>de</strong> estadual <strong>de</strong> São Paulo. O método <strong>de</strong><br />

coleta <strong>de</strong> dados utilizado foi a observação aleatória na sala <strong>de</strong> aula (20 horas), distribuídas em quatro<br />

meses. Os registros foram feitos <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scritiva apontando-se as situações <strong>de</strong> interação entre a<br />

professora e o aluno com sur<strong>de</strong>z. Os resultados preliminares apontaram que o ambiente em sala <strong>de</strong> aula<br />

não tem possibilitado trocas simbólicas, entre o aluno e a professora. Em geral a professora usou a<br />

linguagem oral com o aluno, não adaptou o material, virava-se <strong>de</strong> costas ao explicar, enfim, suas ações<br />

não permitiram que o aluno acessasse os conteúdos trabalhados e nem compreen<strong>de</strong>sse as ativida<strong>de</strong>s<br />

propostas. Parece não haver na sala <strong>de</strong> aula, <strong>de</strong> fato, a preocupação por parte do professor, em utilizar<br />

estratégias ou instrumentos <strong>de</strong> ensino diferenciados que garantam a participação e, consequentemente, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do aluno surdo.<br />

Palavras–chave: Linguagem e pensamento. Aluno com sur<strong>de</strong>z. Troca simbólica.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 343


Abstract<br />

As the proposal of Inclusive Education points, the school should adapt to the special educational needs of<br />

stu<strong>de</strong>nts and, in the case of <strong>de</strong>af stu<strong>de</strong>nts, it should provi<strong>de</strong> resources and strategies which use essentially<br />

the visual means. This is justified because the <strong>de</strong>afness affects the language <strong>de</strong>velopment of the subject.<br />

In other hand, the cognition of the <strong>de</strong>af person is kept, having him/her full conditions to <strong>de</strong>velop his/her<br />

thinking as the listeners, if they are offered different symbolic instruments of oral language as the<br />

LIBRAS (Brazilian Sign Language), natural language of <strong>de</strong>af people. According to the principles of<br />

inclusive education and basing on Piaget’s theory, the study focused on the analysis of teacher's<br />

pedagogical action, consi<strong>de</strong>ring its importance as a prime element, supporter of the cognitive<br />

<strong>de</strong>velopment. The study was based on the Case Study of an 8 years old <strong>de</strong>af stu<strong>de</strong>nt - with <strong>de</strong>ep hearing<br />

loss, bilateral, congenital - inserted in an ordinary classroom in the second year of an Elementary School<br />

of São Paulo State network. The method of data collection used was the random observation in the<br />

classroom (20 hours), distributed along four months. The records were ma<strong>de</strong> in a <strong>de</strong>scriptive way pointing<br />

out the situations of interaction between teacher and <strong>de</strong>af stu<strong>de</strong>nt. Preliminary results showed the<br />

environment in the classroom hasn’t enabled possible symbolic exchanges between the stu<strong>de</strong>nt and<br />

teacher. In general the teacher used the oral language in regard to the stu<strong>de</strong>nt, she did not adapted the<br />

material, turn herself back during the explanations, therefore, her actions neither allowed the stu<strong>de</strong>nt to<br />

access the content presented nor allowed to un<strong>de</strong>rstand the proposed activities. It does not seem to exist in<br />

the classroom, in<strong>de</strong>ed, the concern by the teacher regarding to the use of teaching differentiated strategies<br />

or tools to ensure the participation of the stu<strong>de</strong>nt in the proposed activities.<br />

Keywords: Language and thinking. Deaf stu<strong>de</strong>nt. Symbolic exchange.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 344


Introdução<br />

Preten<strong>de</strong>ndo explicar como se forma o conhecimento humano, Piaget refere-se em sua teoria ao<br />

que acontece com o sujeito epistêmico, tratando do sujeito i<strong>de</strong>al que constrói o seu conhecimento<br />

interagindo <strong>de</strong> forma contínua e progressiva com o meio. Segundo Piaget:<br />

Os conhecimentos não partem, com efeito, nem do sujeito (conhecimento somático ou<br />

introspecção) nem do objeto (porque a própria percepção contém uma parte consi<strong>de</strong>rável<br />

<strong>de</strong> organização), mas <strong>de</strong> interações entre sujeito e objeto, e <strong>de</strong> interações inicialmente<br />

espontâneas do organismo, tanto quanto pelos estímulos externos (PIAGET, 1973, p.39).<br />

Para se enten<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento na perspectiva piagetiana, é necessário partir<br />

do conceito <strong>de</strong> inteligência <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse referencial. Inteligência aqui é o processo <strong>de</strong> adaptação do<br />

organismo ao meio, através da assimilação e acomodação. Pela assimilação, o sujeito incorpora o meio<br />

aos seus esquemas já constituídos, e pela acomodação, o sujeito, sofrendo perturbações do meio, se<br />

modifica, acomodando-se á nova situação. Obe<strong>de</strong>cendo às leis <strong>de</strong> funcionamento da organização<br />

biológica, o sujeito, por meio da inteligência, vai incorporando e reconstruindo estruturas, ou seja, passa<br />

<strong>de</strong> um conhecimento menor para um conhecimento maior, em um sistema dinâmico, vivo e contínuo.<br />

A teoria piagetiana aponta que a lógica do conhecimento, apesar <strong>de</strong> vincular-se ao funcionamento<br />

genético da espécie humana, é construída pelo sujeito, uma vez que as noções e conceitos são alcançados<br />

através <strong>de</strong> um progressivo processo <strong>de</strong> interação entre ele, o sujeito, e o meio. O <strong>de</strong>senvolvimento das<br />

estruturas cognitivas constitui-se assim em um <strong>de</strong>senvolvimento endógeno, que vai evoluindo no<br />

momento em que novos elementos externos são assimilados ao sujeito e engendram novas combinações,<br />

que irão dar elementos para combinações posteriores cada vez mais complexas.<br />

No período sensório-motor as ações se coor<strong>de</strong>nam logicamente, formando esquemas. A partir da<br />

generalização <strong>de</strong> tais ações, os esquemas se <strong>de</strong>senvolvem o que indica o início do comportamento<br />

inteligente. Formam-se então esquemas <strong>de</strong> ações, ou melhor, esquemas <strong>de</strong> assimilações que resultam na<br />

verda<strong>de</strong> em conceitos práticos.<br />

A passagem da lógica da ação presente no período sensório –motor para a lógica conceitual, resi<strong>de</strong><br />

na transformação da assimilação que se amplia, possibilitando ao sujeito a assimilação entre objetos, e<br />

com isso a extensão dos conceitos. Neste estágio, a criança adquire conforme Piaget, a função simbólica,<br />

isto é, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguir o significante do significado.<br />

Para tal processo ocorrer, porém, é fundamental que exista condição para o sujeito evocar,<br />

representar por meio <strong>de</strong> um instrumento simbólico aquilo que não está presente. Neste sentido, a<br />

linguagem é importante pois constitui-se em instrumento simbólico privilegiado para representar as ações,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 345


acontecimentos e situações vividas pelo sujeito. Com ela o sujeito po<strong>de</strong> reorganizar suas ações<br />

mentalmente, po<strong>de</strong> referir-se ao passado e ao futuro, po<strong>de</strong> antecipar, prever, em síntese, po<strong>de</strong> pensar. De<br />

acordo com Piaget:<br />

De fato, a permuta constante <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias com os outros é precisamente o que permite<br />

<strong>de</strong>scentrar-nos, assegurando-nos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar interiormente as relações<br />

provindas <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista distintos (PIAGET, 1956, p.211).<br />

O exercício da ativida<strong>de</strong> representativa possibilitado pelo uso <strong>de</strong> diferentes instrumentos<br />

simbólicos e, <strong>de</strong>ntre eles, pelo uso da linguagem, provoca, no plano mental, a transformação dos objetos<br />

do pensamento viabilizando-se as coor<strong>de</strong>nações do estágio operatórias. As imagens mentais fun<strong>de</strong>m-se<br />

numa totalida<strong>de</strong>.<br />

A inteligência conceitual propicia assim a tomada <strong>de</strong> consciência, pois possibilita a ultrapassagem<br />

das ações exteriores para ações mentais móveis e reversíveis, permite a construção <strong>de</strong> conceitos<br />

necessários às classificações e seriações, insere o pensamento individual em uma realida<strong>de</strong> social objetiva<br />

e comum, assegurando a reciprocida<strong>de</strong> dos pontos <strong>de</strong> vista. Conquista-se aí níveis mais elaborados <strong>de</strong><br />

organização interna.<br />

Desse modo, percebe-se o quanto é importante que, nos processos <strong>de</strong> ensino formal, como o que é<br />

proposto pela escola, o aluno possa efetivamente comunicar-se, interagir com o professor e com os<br />

colegas, expressar suas ações ao nível representativo, conhecer o ponto <strong>de</strong> vista do outro e manifestar seu<br />

ponto <strong>de</strong> vista, reconstituir experiências vividas e fatos observados. São tais ativida<strong>de</strong>s que lhe permite<br />

superar o nível da inteligência prática, levando-o a <strong>de</strong>senvolver a inteligência operatória.<br />

No caso específico do sujeito com sur<strong>de</strong>z, verifica-se que a falta <strong>de</strong> domínio do instrumento<br />

simbólico majoritariamente utilizado pela socieda<strong>de</strong>, ou seja, a linguagem oral, limita sensivelmente sua<br />

interação com o meio. Como não consegue compreen<strong>de</strong>r a fala do outro e não consegue expressar-se com<br />

uma língua que o outro compreen<strong>de</strong>, fica impedido <strong>de</strong> estabelecer trocas simbólicas, não exercitando<br />

<strong>de</strong>vidamente sua capacida<strong>de</strong> representativa.<br />

A sur<strong>de</strong>z po<strong>de</strong>, se não forem oferecidas ao sujeito condições <strong>de</strong> troca simbólica, comprometer o<br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. Por isso mesmo, é imprescindível que o professor que atua com o aluno<br />

com sur<strong>de</strong>z assegure a participação efetiva da criança nas ativida<strong>de</strong>s propostas na sala <strong>de</strong> aula. Para tanto,<br />

o professor <strong>de</strong>veria utilizar uma pedagogia visual, ou seja, usar recursos visuais, figuras, <strong>de</strong>senhos,<br />

gráficos, legendas, mapas, etc, além <strong>de</strong> falar olhando para o aluno, usar expressão corporal, usar gestos<br />

e/ou Língua <strong>de</strong> Sinais, ou mesmo ter um intérprete <strong>de</strong> Língua <strong>de</strong> Sinais na sala <strong>de</strong> aula.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 346


A garantia da participação efetiva do aluno com sur<strong>de</strong>z na sala <strong>de</strong> aula comum, se vincula<br />

diretamente ao uso a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong>ssas estratégias e recursos pedagógicos. Na falta <strong>de</strong> tais elementos, o<br />

processo <strong>de</strong> ensino e o processo <strong>de</strong> aprendizagem ficam prejudicados, inviabilizando a implementação da<br />

política <strong>de</strong> educação inclusiva para o surdo.<br />

Isso porque a educação inclusiva pressupõe que os sistemas educacionais organizem-se para<br />

aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s educacionais especiais <strong>de</strong> todos os alunos. Significa oferecer aos alunos com<br />

<strong>de</strong>ficiência condições a<strong>de</strong>quadas para a sua aprendizagem, consi<strong>de</strong>rando-se as suas especificida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong><br />

forma a garantir uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, ou seja, uma educação capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver plenamente as<br />

suas competências.<br />

No caso do aluno com sur<strong>de</strong>z, sua necessida<strong>de</strong> educacional especial para ter acesso ao currículo<br />

relaciona-se com o uso <strong>de</strong> instrumentos simbólicos diferenciados, que se apóiem em elementos visuais.<br />

Sem isso, o aluno com sur<strong>de</strong>z não tem como participar das aulas, não tem como interagir com o meio,<br />

enfim, não tem como se <strong>de</strong>senvolver. Por isso mesmo é que os alunos com sur<strong>de</strong>z inseridos nas classes<br />

comuns <strong>de</strong> ensino, não estão conseguindo acompanhar o currículo previsto para a série em que se<br />

encontram. Em geral, terminam o ensino fundamental sem terem domínio da escrita bem como não<br />

conseguem compreen<strong>de</strong>r e interpretar textos mais complexos.<br />

Segundo Poker (2001) a partir da teoria piagetiana, é possível explicar esse fracasso dos surdos na<br />

escola. Aponta que o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do surdo é compatível com o do ouvinte mas, se o aluno<br />

surdo não tem acesso aos recursos a<strong>de</strong>quados que permitem a interação, fica em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem.<br />

A sur<strong>de</strong>z prejudica a comunicação, a interação do sujeito com o meio, especificamente no âmbito da<br />

ativida<strong>de</strong> representativa. Sem uma língua em comum com o grupo-classe o surdo não consegue<br />

comunicar-se com os colegas e nem com o professor e, o professor também não consegue se fazer<br />

enten<strong>de</strong>r pelo aluno surdo. Como resultado, o surdo não sendo solicitado pelo meio apresentará<br />

comprometimento em seu processo <strong>de</strong> escolarização e, consequentemente, em seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

cognitivo.<br />

Remetendo-se a análise <strong>de</strong>ntro da perspectiva da educação inclusiva, on<strong>de</strong> todos têm direito <strong>de</strong><br />

frequentar e apren<strong>de</strong>r nas salas <strong>de</strong> aula <strong>de</strong> ensino comum, questiona-se como um aluno com sur<strong>de</strong>z,<br />

po<strong>de</strong>ria ter acesso ao conhecimento. Isto num ambiente escolar ouvinte, falante, em que a língua<br />

majoritariamente utilizada é a língua oral.<br />

Diante <strong>de</strong>sse quadro, surgem as seguintes dúvidas: A prática pedagógica utilizada pelos<br />

professores é, <strong>de</strong> fato, inclusiva? Propicia condições <strong>de</strong> aprendizagem para os alunos com sur<strong>de</strong>z? O<br />

professor consi<strong>de</strong>ra as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse alunado para ter acesso ao conhecimento?<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 347


De acordo com os princípios da educação inclusiva apontados pelos Ministério da Educação, a<br />

escola <strong>de</strong>ve garantir o direito à igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem para todos os alunos,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suas diferenças. Carvalho (2004), quando discute esse tema, afirma:<br />

O direito à igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos enfaticamente, não significa um<br />

modo igual <strong>de</strong> educar a todos e, sim, dar a cada um o que necessita em função <strong>de</strong> seus<br />

interesses e características individuais. A palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m é equida<strong>de</strong>, o que significa<br />

educar <strong>de</strong> acordo com as diferenças individuais, sem que qualquer manifestação <strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong>s se traduza em impedimento à aprendizagem (CARVALHO, 2004, p.35).<br />

O atual movimento da educação inclusiva resulta <strong>de</strong> um processo histórico que se iniciou com a<br />

Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada em 1948. A Declaração já apontava que “todos<br />

os seres humanos nascem livres e iguais em dignida<strong>de</strong> e direitos”. A partir daí, muitos outros<br />

documentos internacionais foram promulgados no sentido <strong>de</strong> se garantir a educação como meio <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos para todos, indistintamente: a Declaração <strong>de</strong> Joitiem (1990); a<br />

Declaração <strong>de</strong> Salamanca (1994), a Declaração da Guatemala (1999), entre outros.<br />

Acatando este movimento internacional, no Brasil, foram formuladas leis que garantem à todos os<br />

cidadãos o direito <strong>de</strong> acesso ao conhecimento, o direito à educação. Por conta disso, foram propostos<br />

diferentes meios para efetivação <strong>de</strong>ste direito também para os alunos com necessida<strong>de</strong>s educacionais<br />

especiais, especificamente para os alunos com <strong>de</strong>ficiência, que até então não tinham o direito <strong>de</strong><br />

frequentar as salas <strong>de</strong> aula comum.<br />

O Ministério da Educação elaborou então materiais que apontam para a a<strong>de</strong>quação dos sistemas<br />

educacionais, das escolas e das salas <strong>de</strong> aula para aten<strong>de</strong>r as especificida<strong>de</strong>s do alunado com <strong>de</strong>ficiência.<br />

Neste sentido, vem orientando os gestores para tornar o espaço físico da escola acessível a todos e, os<br />

professores, para o uso <strong>de</strong> metodologias, instrumentos e recursos adaptados ás especificida<strong>de</strong>s do<br />

alunado. Para o aluno com sur<strong>de</strong>z, sugere-se <strong>de</strong>ntre outras coisas, que o professor fale olhando para o<br />

aluno, que se apoie em materiais e recursos visuais, que a sala <strong>de</strong> aula tenha a presença do Intérprete <strong>de</strong><br />

Libras e que o ensino da Libras seja proposto na escola, para os ouvintes, por meio <strong>de</strong> um instrutor surdo.<br />

Diante <strong>de</strong>sse movimento <strong>de</strong> escola inclusiva e consi<strong>de</strong>rando a especificida<strong>de</strong> do aluno com sur<strong>de</strong>z<br />

sob a perspectiva piagetiana, o estudo preten<strong>de</strong>u avaliar como o professor da classe comum interage com<br />

o seu aluno surdo, i<strong>de</strong>ntificando se a ação pedagógica utilizada oferece condições que garantam a sua<br />

participação nas ativida<strong>de</strong>s propostas. É muito importante compreen<strong>de</strong>r como o professor interage com o<br />

aluno com sur<strong>de</strong>z pois, conforme já foi discutido, são as trocas simbólicas que propiciam o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do sujeito.<br />

Para a realização da pesquisa foi feito um estudo <strong>de</strong> caso etnográfico com base em observações<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 348


das ações <strong>de</strong> uma professora na sala <strong>de</strong> aula comum e sua relação com um aluno com sur<strong>de</strong>z.<br />

Acredita-se na importância do estudo <strong>de</strong> caso, pois segundo André (1986) um caso não está<br />

isolado, ele está em meio a um contexto, on<strong>de</strong> os problemas, as ações, comportamentos relacionam-se e<br />

se tornam parte do sujeito.<br />

O estudo <strong>de</strong> caso apesar <strong>de</strong> avaliar uma situação específica, tem um papel generalizador. Para<br />

André (1986), o pesquisador tendo um conhecimento básico da área pesquisada, tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

generalizá-lo e compreendê-lo relacionando os dados coletados com outros casos similares.<br />

Em relação à metodologia <strong>de</strong> pesquisa utilizada, conforme mencionado, baseou-se no estudo da<br />

situação <strong>de</strong> uma aluna com sur<strong>de</strong>z inserida em classe comum <strong>de</strong> ensino e da sua professora. A aluna<br />

estava matriculada na primeira série do ensino fundamental da re<strong>de</strong> regular do ensino estadual <strong>de</strong> São<br />

Paulo, tinha 8 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, nível sócio-econômico baixo, com sur<strong>de</strong>z profunda bilateral, congênita, ou<br />

seja, perda auditiva <strong>de</strong> 80 dB na zona da fala em ambos os ouvidos.<br />

Optou-se pela pesquisadora atuar na sala <strong>de</strong> aula como “participante” por que segundo Junker<br />

(1971), é importante que a presença <strong>de</strong> um estranho não influencie a investigação, mostrando a situação<br />

real tal como é.<br />

A observação constituiu-se em um instrumento eficaz <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados pois tornou possível o<br />

contato direto do pesquisador com o contexto da sala <strong>de</strong> aula, i<strong>de</strong>ntificando os procedimentos<br />

pedagógicos utilizados pela professora, uso <strong>de</strong> recursos didáticos, estratégias <strong>de</strong> ensino e as situações <strong>de</strong><br />

troca simbólica entre a aluna com sur<strong>de</strong>z e a professora. Além <strong>de</strong>sses aspectos também foram observadas<br />

as tentativas <strong>de</strong> comunicação entre professora e aluna.<br />

Houve muito cuidado com relação à coleta, pois como diz André (1986) dos dados em nossa volta,<br />

selecionamos aqueles que condizem com nossa bagagem cultural, o que po<strong>de</strong>ria ser prejudicial, pois a<br />

atenção po<strong>de</strong>ria ser voltada para a história pessoal da pesquisadora, suas expectativas, se atendo a<br />

<strong>de</strong>terminados aspectos e <strong>de</strong>sviando-se <strong>de</strong> outros.<br />

Os dados coletados foram controlados e sistematizados a partir do cumprimento <strong>de</strong> um<br />

planejamento <strong>de</strong> trabalho. As observações realizadas na sala <strong>de</strong> aula regular ocorreram uma vez por<br />

semana, durante o segundo semestre <strong>de</strong> 2008. Tais observações foram feitas durante as aulas <strong>de</strong> Língua<br />

Portuguesa em dias aleatórios, para não ocorrer uma programação prévia por parte da professora.<br />

Baseado no roteiro proposto por André (1986) os conteúdos das observações trataram sobre os<br />

seguintes aspectos:<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 349


Descrição dos sujeitos.<br />

Reconstrução <strong>de</strong> diálogos (gestos, <strong>de</strong>poimentos entre os sujeitos e a pesquisadora).<br />

Descrições <strong>de</strong> locais.<br />

Descrição <strong>de</strong> eventos especiais.<br />

Descrição das ativida<strong>de</strong>s (ativida<strong>de</strong>s e o comportamento do sujeito em relação a elas)<br />

Os comportamentos da observadora (ações e conversas com o sujeito)<br />

pon<strong>de</strong>radas por:<br />

Ainda segundo André (1986), na pesquisa foi enfatizada às reflexões das observações,<br />

Reflexão analítica (temas que emergem associações, relações entre as partes, novas idéias).<br />

Reflexão metodológica (procedimentos metodológicos utilizados, problemas).<br />

Dilemas éticos e conflitos.<br />

Mudanças na perspectivas do observador.<br />

Esclarecimentos necessários (o que ficou obscuro e precisa <strong>de</strong> esclarecimentos)<br />

Assim retomando, primeiramente as observações foram coletadas, organizadamente em cada dia,<br />

<strong>de</strong>pois os dados organizados por categorias por seus conteúdos e reflexões. A cada dia <strong>de</strong> observação foi<br />

registrado também a hora, local e o período <strong>de</strong> duração.<br />

No estudo <strong>de</strong> caso, preten<strong>de</strong>u-se observar as situações <strong>de</strong> interação propostas pela professora com<br />

a aluna surda, obtendo-se dados a respeito da participação do aluno com sur<strong>de</strong>z e, se as estratégias e<br />

recursos pedagógicos utilizados pelo professor possibilitam o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do aluno.<br />

A análise preliminar dos resultados aponta que a interação entre a professora e o aluna surda era<br />

muito precária <strong>de</strong>vido à inexistência <strong>de</strong> uma língua comum entre elas. Nem o professor sabia utilizar a<br />

língua <strong>de</strong> sinais com a aluna surda e nem a aluna conseguia oralizar para se comunicar com o professor.<br />

Em síntese, constatou-se que só foi possível uma comunicação muito rudimentar. Nos muitos momentos<br />

observados, não havia preocupação, por parte da professora, <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação na forma <strong>de</strong><br />

explicar as ativida<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong>senvolver os conteúdos. Nas observações realizadas, a professora não usou<br />

metodologia diferenciada, nem material ou recurso visual para apoiar a explanação dos conteúdos. Não<br />

tinha intérprete <strong>de</strong> Libras na sala <strong>de</strong> aula e nem instrutor surdo na escola. Além disso, a professora por<br />

muitas vezes se virava <strong>de</strong> costas ao explicar como <strong>de</strong>veria ser feita a ativida<strong>de</strong>. Em função <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 350


da professora, a aluna com sur<strong>de</strong>z na maior parte do tempo não fazia o que havia sido solicitado aos<br />

alunos da sala. Como não compreendia a ativida<strong>de</strong> proposta pela professora, passava seu tempo na sala<br />

olhando para os lados, para a janela ou virava-se para trás, para ver o que sua amiga estava fazendo. Em<br />

síntese, constatou-se que a aluna não teve acesso às solicitações propostas para a classe.<br />

Nas observações também foi constatado que nas poucas ocasiões em que a professora tentava se<br />

comunicar com a aluna com sur<strong>de</strong>z fez uso <strong>de</strong> alguns gestos espontâneos, sem muito sucesso, porque a<br />

aluna só compreendia parcialmente o que estava sendo comunicado. Em alguns momentos a professora<br />

recorria a amiga da aluna surda, que atuava na sala como “intérprete”, para se comunicar com ela. Tal<br />

amiga conhecia apenas alguns sinais da Libras que permitiam uma forma <strong>de</strong> comunicação muito limitada.<br />

Na sala, essa criança era a única pessoa que tinha paciência e tentava interagir com a aluna surda.<br />

A extrema dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação e <strong>de</strong> troca simbólica entre a aluna surda e a professora<br />

proporcionou um distanciamento entre ambas. A aluna acostumou-se a não <strong>de</strong>sempenhar as ativida<strong>de</strong>s<br />

que os <strong>de</strong>mais colegas <strong>de</strong> sala faziam. Foram raros os momentos, duas observações apenas, em que a<br />

professora tentou explicar individualmente a ativida<strong>de</strong> para a aluna. A professora encaminhou-se para a<br />

carteira da aluna levando a folha com a ativida<strong>de</strong> proposta e explicou oralmente para a aluna como tal<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria ser realizada. Em seguida, a professora se afastou e não acompanhou mais as atitu<strong>de</strong>s da<br />

aluna. Logo que a professora saiu <strong>de</strong> perto da aluna, ela pegou a folha, colocou o nome e realizou as<br />

ativida<strong>de</strong>s sem sucesso pois não enten<strong>de</strong>u como realiza-las.<br />

Por meio dos dados preliminares até então analisados constatou-se que o professor da sala <strong>de</strong> aula<br />

comum não está preparado para atuar com o aluno com sur<strong>de</strong>z. Não sabe como se comunicar com o<br />

aluno, não utiliza recursos visuais para favorecer a compreensão do aluno, não conhece a Língua<br />

Brasileira <strong>de</strong> Sinais, enfim não propõe condições que garantam a efetiva participação do aluno surdo nas<br />

ativida<strong>de</strong>s. Além disso, não há intérprete <strong>de</strong> Libras na sala <strong>de</strong> aula e nem instrutor surdo.<br />

Consequentemente, o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do sujeito com sur<strong>de</strong>z fica prejudicado.<br />

Conclui-se assim que os princípios da Educação Inclusiva não estão sendo contemplados na<br />

prática. A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s para o aluno apren<strong>de</strong>r, para ter acesso aos conteúdos curriculares,<br />

para comunicar-se e interagir no meio em que está inserido não está sendo respeitada em <strong>de</strong>terminados<br />

casos. Em relação ao aluno com sur<strong>de</strong>z é fundamental que a escola e os professores consi<strong>de</strong>rem a<br />

importância do conhecimento e uso <strong>de</strong> um instrumento simbólico comum, capaz <strong>de</strong> garantir o exercício<br />

da ativida<strong>de</strong> representativa, <strong>de</strong> se garantir a interação entre professor e aluno, seja ele oral ou gestual.<br />

Os alunos com sur<strong>de</strong>z precisam ser reconhecidos pela escola e pelos professores como seres<br />

pensantes, capazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r. Para tanto, os conteúdos curriculares <strong>de</strong>vem ser tratados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 351


universo <strong>de</strong> troca; <strong>de</strong> aprendizagem significativa tendo como base instrumentos simbólicos acessíveis ao<br />

aluno surdo, como a Língua Brasileira <strong>de</strong> Sinais.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 352


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 353


Aprendizagem <strong>de</strong> Língua Inglesa: A Construção do Léxico pelo Aluno <strong>de</strong> Ensino Médio<br />

Resumo<br />

OLIVEIRA, Helena Kruse <strong>de</strong> Castro<br />

Mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Educação<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

helena.oliveira@ufrgs.br<br />

Este artigo sintetiza projeto <strong>de</strong> dissertação <strong>de</strong> mestrado que tem como tema o problema <strong>de</strong> como se<br />

organizam os patamares <strong>de</strong> construção do conhecimento na aprendizagem <strong>de</strong> segunda língua (L2) em<br />

ambiente escolar. A teoria escolhida para apoiar esses estudos é a epistemologia genética.<br />

Para quem apren<strong>de</strong> uma segunda língua, a construção <strong>de</strong> novos esquemas cognitivos, assim como as<br />

transformações que se produzem em estruturas linguísticas herdadas da língua materna, colocam<br />

dificulda<strong>de</strong>s centradas, em primeiro lugar, na constituição do léxico. O <strong>de</strong>safio pedagógico está no<br />

problema da passagem <strong>de</strong> um léxico ainda "atomizado", para um segundo momento em que se produzem<br />

inter-relações entre elementos lexicais formadores da frase e para um terceiro momento, nos patamares<br />

mais avançados da aprendizagem, para a composição <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s mais amplas no discurso<br />

comunicativo (cf. PIAGET; GARCIA, 1982).<br />

Em relação ao problema da construção da segunda língua como objeto <strong>de</strong> conhecimento, é possível situar<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo implicado na formação do léxico <strong>de</strong> modo similar aos <strong>de</strong>sdobramentos<br />

propostos por Piaget e seus colaboradores: é possível falar, então, da passagem do intra-lexical ao interlexical<br />

e daí ao trans-lexical. A partir <strong>de</strong>sses pressupostos, po<strong>de</strong>-se esboçar a seguinte relação operativa:<br />

intra-lexical → vocábulo; inter-lexical → frase; trans-lexical → discurso. Por sua vez, o discurso rebatese<br />

novamente sobre o vocabulário, enriquecendo-o, transformando-o e reorganizando-o, por<br />

reflexionamento, em um novo patamar <strong>de</strong> abstração (refletida).<br />

Palavras-chave: <strong>Epistemologia</strong> genética. Aprendizagem. Segunda língua.<br />

Abstract<br />

This paper summarizes a Master’s thesis proposal that focuses on the construction of knowledge in levels<br />

and how they are organized in the learning of a second language in a classroom context. The theory<br />

chosen for supporting this study is the genetic epistemology.<br />

For those who learn a second language, the construction of new cognitive schemas, and transformations<br />

that occur in linguistic structures inherited from the mother tongue, bring difficulties that, at first, focus<br />

on the constitution of the lexicon. The pedagogical challenge lies on the problem of the passage of a<br />

lexicon still "fragmented", to a second moment when inter-relationships between sentence-forming<br />

lexical elements occur, and to a third moment, in more advanced levels of learning, for the composition of<br />

these broa<strong>de</strong>r units in communicative discourse (see PIAGET; GARCIA, 1982).<br />

Regarding the problem of the construction of the second language as object of knowledge, it is possible to<br />

place the cognitive <strong>de</strong>velopment implied in the formation of the lexicon in a similar way as proposed by<br />

Piaget and his collaborators: Therefore, it is possible to talk about the passage from intra-lexical to interlexical<br />

and hence to trans-lexical. From these assumptions, we can draw the following operative<br />

relationship: intra-lexical → vocabulary, inter-lexical → sentence; trans-lexical → discourse. In turn,<br />

discourse goes back to vocabulary, enriching it, converting it and reorganizing it, by thinking in a new<br />

level of (reflected) abstraction.<br />

Keywords: Genetic epistemology. Learning. Second language.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 354


Introdução<br />

Este artigo <strong>de</strong>screve pesquisa realizada como fundamento <strong>de</strong> dissertação <strong>de</strong> mestrado (PPGEdu-<br />

UFRGS) em andamento, realizada sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Becker. Tem como tema o<br />

problema <strong>de</strong> como se organizam os patamares <strong>de</strong> construção do conhecimento na aprendizagem <strong>de</strong><br />

segunda língua (L2) em ambiente escolar. Partindo da experiência pedagógica cotidiana, busca a<br />

compreensão da aprendizagem na perspectiva do aluno. Configura-se igualmente como estudo <strong>de</strong> caso,<br />

capaz <strong>de</strong> oferecer bases empíricas para a investigação das implicações epistemológicas do problema<br />

estudado, explorando o processo <strong>de</strong> construção da segunda língua como objeto <strong>de</strong> conhecimento.<br />

A partir do enfoque construtivista proposto, o estudo se volta para a epistemologia genética <strong>de</strong><br />

Jean Piaget e seus colaboradores. Apesar <strong>de</strong>ssa teoria ser muito pouco explorada na área <strong>de</strong> aprendizagem<br />

<strong>de</strong> L2, a concepção piagetiana <strong>de</strong> construção do conhecimento abre possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compreensão do<br />

processo <strong>de</strong> aprendizagem do léxico, pela transposição <strong>de</strong> conceitos a partir <strong>de</strong> estudos realizados para<br />

outras áreas. O propósito não é simplesmente aplicar a teoria piagetiana ao estudo <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> L2, e<br />

sim, como nota Emilia Ferreiro (1996), utilizar esta teoria “como marco <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para gerar hipóteses<br />

e permitir a construção <strong>de</strong> novos observáveis” (FERREIRO, 1996, p. 183).<br />

Referencial teórico<br />

Na perspectiva do construtivismo, o aprendizado da segunda língua estrutura-se sobre esquemas<br />

linguísticos previamente construídos pelo sujeito. Além disso, apren<strong>de</strong>r, na escola, uma segunda língua, é<br />

sempre uma possibilida<strong>de</strong>, nunca uma necessida<strong>de</strong>, e pressupõe a construção <strong>de</strong> interações sociais em sala<br />

<strong>de</strong> aula entre falantes <strong>de</strong> um idioma materno diverso daquele que, circunstancialmente, está sendo<br />

estudado.<br />

Para o professor, surge a questão <strong>de</strong> como se organiza este conhecimento a partir <strong>de</strong> patamares<br />

linguísticos já previamente constituídos, implicando não a gênese (no sentido psicogenético) da<br />

linguagem, mas a construção <strong>de</strong> um novo objeto <strong>de</strong> conhecimento sobre esses patamares. Trata-se <strong>de</strong> um<br />

problema <strong>de</strong> reorganização e transformação <strong>de</strong> estruturas em patamares <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong>: a<br />

linguagem <strong>de</strong>sdobra-se agora em uma "primeira língua", a língua materna, e em uma "segunda língua",<br />

que com ela interage, mas que precisa ser compreendida como uma construção que se apoia e "encaixa"<br />

na primeira.<br />

Para quem apren<strong>de</strong> uma segunda língua, a construção <strong>de</strong> novos esquemas cognitivos, assim como<br />

as transformações que se produzem em estruturas linguísticas herdadas da língua materna, colocam<br />

dificulda<strong>de</strong>s centradas, em primeiro lugar, na constituição do léxico. O sujeito <strong>de</strong>fronta-se com vocábulos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 355


<strong>de</strong>sconhecidos, que <strong>de</strong>signam coisas conhecidas com as quais ele os vai relacionando, no plano da ação.<br />

No plano da construção lexical, inicia-se um procedimento <strong>de</strong> comparação <strong>de</strong>ste novo léxico com o que<br />

ele já conhece. Em um primeiro momento, palavras e coisas são, portanto, diretamente ligadas, <strong>de</strong>finindo<br />

significados atribuídos apenas ao objeto i<strong>de</strong>ntificado, sem transpor esses significados a outros objetos. A<br />

"tradução" para a língua materna permanece literal, reduzindo as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso dos elementos<br />

lexicais em um discurso que os relacione: eles são tomados como elementos isolados, ainda não<br />

integrados a unida<strong>de</strong>s mais amplas (sentenças, conjuntos <strong>de</strong> sentenças, enunciados, etc.) (cf. PIAGET,<br />

1987).<br />

O <strong>de</strong>safio pedagógico está centrado no problema da passagem <strong>de</strong> um léxico ainda "atomizado",<br />

para um segundo momento em que se produzem inter-relações entre elementos lexicais formadores da<br />

frase e para um terceiro momento, nos patamares mais avançados da aprendizagem, para a composição<br />

<strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s mais amplas no discurso comunicativo (cf. PIAGET; GARCIA, 1982).<br />

Apesar <strong>de</strong> Piaget ter presente o tema da linguagem em toda a sua trajetória <strong>de</strong> pesquisa, muitas<br />

vezes há uma concepção <strong>de</strong> que, ao longo <strong>de</strong> sua obra, o autor não tenha abordado centralmente questões<br />

linguísticas. Outra concepção corrente é <strong>de</strong> que sua teoria possua lacunas em relação à abordagem <strong>de</strong><br />

questões linguísticas, necessitando apoio <strong>de</strong> outras áreas, como a linguística, por exemplo (BANKS-<br />

LEITE, 1997). Talvez essas interpretações reducionistas da epistemologia genética e <strong>de</strong> sua abordagem<br />

sobre pensamento e linguagem sejam a causa da carência <strong>de</strong> estudos que tratem especificamente do<br />

problema do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo no âmbito do ensino da segunda língua. Montoya (2006)<br />

questiona essas concepções e argumenta que, para o atual <strong>de</strong>bate sobre pensamento e linguagem na obra<br />

<strong>de</strong> Piaget, é necessário situar o trabalho do autor e analisar sua evolução e reconstrução em sua prolífica<br />

trajetória. Montoya faz um histórico do percurso piagetiano <strong>de</strong> investigação e aponta os aspectos mais<br />

importantes sobre pensamento e linguagem em cada período da teoria <strong>de</strong> Jean Piaget. As primeiras<br />

pesquisas sobre pensamento e linguagem, no início da década <strong>de</strong> 1920, estavam centradas no processo <strong>de</strong><br />

socialização da linguagem e, consequentemente, do pensamento. Nesse período, sua pesquisa levava a<br />

crer que a passagem do pensamento e linguagem egocêntricos para o pensamento e linguagem lógicos se<br />

dá através das trocas ou interações sociais. Mas, em sua teoria,<br />

escapa-lhe a explicação psicológica endógena da evolução do pensamento, pois recorre à<br />

interação social como elemento explicativo. [...] Nesse período, então, é clara a tese <strong>de</strong><br />

Piaget sobre a importância <strong>de</strong>cisiva e explicativa da linguagem na formação do<br />

pensamento lógico, ao passo que processos e mecanismos internos e mais profundos [...],<br />

que explicariam a construção <strong>de</strong> esquemas conceptuais, ainda não estavam formulados.<br />

Nesse sentido, po<strong>de</strong>-se dizer que a tese <strong>de</strong> Piaget, nesse período, representa um<br />

reducionismo social (MONTOYA, op. cit, p. 121).<br />

Durante as décadas <strong>de</strong> 1930 e 1940, Piaget se volta para o estudo da gênese da inteligência<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 356


humana, através das coor<strong>de</strong>nações das ações, linguagem e representação. O conhecimento tem suas<br />

próprias raízes na ação, e este não po<strong>de</strong> ser construído sem representação. Em sua obra A Construção do<br />

Real na Criança, Piaget afirma que<br />

[...] para reconhecer uma coisa é preciso ter conservado a imagem <strong>de</strong>ssa coisa (uma<br />

imagem suscetível <strong>de</strong> evocação e não somente o esquema motor que se readapte a cada<br />

novo contato) e se a recognição resulta <strong>de</strong> uma associação entre essa imagem e as<br />

sensações atuais, então, naturalmente, a imagem conservada po<strong>de</strong>rá agir no espírito, na<br />

ausência da coisa, e sugerir <strong>de</strong>ssa maneira a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sua conservação. O reconhecimento<br />

prolongar-se-ia, assim, em crença na permanência do próprio objeto (PIAGET, 1975,<br />

p.13).<br />

A aquisição da segunda língua, especialmente do léxico, se constrói <strong>de</strong>ssa mesma forma. Ela<br />

implica a interiorização e a permanência <strong>de</strong> novos significados. Isto está estreitamente ligado ao<br />

pensamento representativo. Quando um aluno entra em contato com uma nova língua, encontra-se numa<br />

situação completamente nova para ele. Apesar <strong>de</strong> já ter passado pelo processo <strong>de</strong> aquisição da sua língua<br />

materna, é necessário que ele construa novos esquemas para a aprendizagem dos símbolos nessa nova<br />

língua.<br />

Vê-se pelo conjunto da obra <strong>de</strong> Jean Piaget que os mesmos mecanismos e processos cognitivos<br />

que se aplicam à construção <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong> conhecimento, concreto ou formal, <strong>de</strong>screvem a<br />

epistemogênese 64 <strong>de</strong>sse objeto, assim como os esquemas psicogenéticos <strong>de</strong> cada sujeito em particular<br />

po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scritos no plano <strong>de</strong> um sujeito epistêmico genérico. São essas categorias (PIAGET, 1987;<br />

PIAGET; GARCIA, 1982; PIAGET, 1995) que permitem abordar o problema da segunda língua como<br />

objeto <strong>de</strong> conhecimento, enunciando <strong>de</strong> maneira particular princípios epistemológicos gerais.<br />

A epistemologia genética enuncia essa concepção dinâmica da construção do conhecimento, tendo<br />

como ponto <strong>de</strong> referência a teoria da abstração reflexionante (PIAGET et al., 1985). Na abstração<br />

reflexionante o problema dos estádios do <strong>de</strong>senvolvimento psicogenético é generalizado para a<br />

construção do conhecimento em todas as suas manifestações, da constituição dos esquemas cognitivos no<br />

plano da coor<strong>de</strong>nação das ações à formalização das teorias científicas (PIAGET, 1987, p. 398). Assim, a<br />

transposição do conhecimento entre os estádios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento po<strong>de</strong> ser entendida como a<br />

reconstrução em novos patamares <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> daquilo que foi tirado <strong>de</strong> um patamar <strong>de</strong> menor<br />

complexida<strong>de</strong> (ou <strong>de</strong> menor grau <strong>de</strong> organização do conhecimento). Essa <strong>de</strong>finição epistemológica geral,<br />

aplicada como um todo à "espiral <strong>de</strong> abstrações", permite compreen<strong>de</strong>r tanto o problema da passagem<br />

entre os gran<strong>de</strong>s momentos do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo do sujeito psicológico, como, nas chamadas<br />

microgêneses, com a organização progressiva do conhecimento em objetos cada vez mais formalizados.<br />

64<br />

DUCRET, J.-J. En collaboration avec G. Cellérier. L'équilibration: concept central <strong>de</strong> la conception piagétienne <strong>de</strong><br />

l'épistémogenèse. Fondation Jean Piaget, Genève, 2007.<br />

http://www.fondationjeanpiaget.ch/fjp/site/textes/in<strong>de</strong>x_litt_sec2_alpha.php, 08/03/2009.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 357


Piaget enfatiza, em seus estudos psicogenéticos, o <strong>de</strong>senrolar do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo em<br />

estádios, caracterizado como a passagem do pré-operatório ao operatório-concreto, e daí ao operatório-<br />

formal. Essa formulação teórica <strong>de</strong>u origem ao extenso conjunto <strong>de</strong> experimentações documentado na<br />

longa série dos Étu<strong>de</strong>s d'Épistémologie et <strong>de</strong> Psychologie Génétiques 65 .<br />

Nos seus estudos sobre a abstração reflexionante, Piaget enca<strong>de</strong>ia os estádios do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

cognitivo em um movimento recursivo, porém com superações constantes. A este movimento<br />

correspon<strong>de</strong> uma equilibração majorante (PIAGET, 1976, p. 59-60): a abstração reflexionante é o<br />

mecanismo que explica a reorganização em um patamar <strong>de</strong> maior equilíbrio o conhecimento antes<br />

organizado em patamar <strong>de</strong> menor organização que, pela instauração <strong>de</strong> conflitos cognitivos surgidos na<br />

interação sujeito-objeto, é levado a <strong>de</strong>sorganizar-se e reorganizar-se, sendo, por reflexionamento,<br />

simultaneamente subsumido e transformado no patamar <strong>de</strong> maior organização. Assim como Piaget<br />

distingue, no <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, os estádios pré-operatório, operatório-concreto e operatório-<br />

formal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong> vista da equilibração também são reconhecidos três patamares, ou "formas":<br />

A mais simples e, por consequência, a mais precoce, é a da assimilação e da acomodação. [...]<br />

Uma segunda forma <strong>de</strong> equilíbrio impõe-se entre os sub-sistemas [...] A sua equilibração supõe, neste<br />

caso, uma distinção entre as suas partes comuns e as suas proprieda<strong>de</strong>s diferentes e, por consequência,<br />

uma regulamentação compensatória entre as afirmações e as negações parciais[...]. A terceira forma <strong>de</strong><br />

equilibração apoia-se na prece<strong>de</strong>nte, mas distingue-se <strong>de</strong>la pela construção <strong>de</strong> um novo sistema total: é<br />

aquela que necessita do próprio processo <strong>de</strong> diferenciação <strong>de</strong> novos sub-sistemas, a qual exige então uma<br />

diligência compensatória <strong>de</strong> integração numa nova totalida<strong>de</strong>. [...] (PIAGET, 1987) 66 .<br />

Esta configuração triádica do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, vai dar lugar a variações em seu<br />

enunciado que, sem alterar o conteúdo da proposição, se aplicam a novos pontos <strong>de</strong> vista e a novas<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> adoção da epistemologia genética em diferentes ramos do saber. No que diz respeito,<br />

especificamente, à construção <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> conhecimento, surge no final da obra piagetiana a i<strong>de</strong>ia<br />

generalizadora <strong>de</strong> "momentos" <strong>de</strong>signados pelos prefixos intra-, inter- e trans-, em correspondência com<br />

as "três formas da equilibração" <strong>de</strong>scritas acima. Referindo-se à construção do objeto, Piaget e García,<br />

chamam a atenção <strong>de</strong> que essa tría<strong>de</strong> ocorre "em todos os domínios e em todos os níveis": o intra-objetal<br />

("análise dos objetos"), o inter-objetal ("estudo das relações e transformações") e o trans-objetal<br />

("construção das estruturas") (cf. PIAGET; GARCIA, 1982, p. 33).<br />

Na abordagem <strong>de</strong> novas situações <strong>de</strong> construção do conhecimento, as "passagens <strong>de</strong> nível"<br />

65<br />

Fonte: Fondation Jean Piaget http://www.fondationjeanpiaget.ch/fjp/site/biographie/in<strong>de</strong>x.php - acesso em 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />

2009.<br />

66<br />

In: PIATELLI-PALMARINI, M. (Org.). Teorias da Linguagem Teorias da Aprendizagem. Lisboa: Edições 70, 1987.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 358


indicadas pela sequência acima po<strong>de</strong>m provocar <strong>de</strong>créscimos momentâneos no <strong>de</strong>sempenho imediato do<br />

sujeito (<strong>de</strong>calagens cognitivas). Essas aparentes "regressões" se dão porque, como salientam Piaget e<br />

García (op. cit., p. 128), "cada vez que o sujeito aborda um domínio novo, se encontra primeiramente<br />

diante da obrigação <strong>de</strong> assimilar os dados a seus próprios esquemas" (<strong>de</strong> ação ou conceituais).<br />

Consi<strong>de</strong>rando a equivalência, sublinhada por Piaget, dos estádios pré-operatório, operatório-concreto e<br />

operatório-formal da psicogênese, aos momentos intra-, inter-, e trans- da epistemogênese dos objetos do<br />

conhecimento, isso significa que, diante <strong>de</strong> cada nova construção, o sujeito se <strong>de</strong>para com a contingência<br />

<strong>de</strong> relacionar-se com o novo objeto, funcionalmente, em um plano epistemológico pré-operatório, mesmo<br />

que as estruturas cognitivas do sujeito psicológico atinjam uma organização formal. Esta organização<br />

formal, porém, existe no sujeito epistêmico como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atualização, nunca como dado<br />

absoluto 67 .<br />

A tría<strong>de</strong> intra-inter-trans aplica-se "a qualquer dado" (PIAGET; GARCIA, 1982, p. 128). Piaget,<br />

assim, vai fazer referência, em vários lugares, aos domínios do intra-operatório, inter-operatório e trans-<br />

operatório, ou do intra-objetal, inter-objetal e trans-objetal, ou intra-figural, intra-figural, inter-figural e<br />

trans-figural, ou ainda do intra-mórfico, inter-mórfico e trans-mórfico, e assim por diante. Voltando ao<br />

problema da construção da segunda língua como objeto <strong>de</strong> conhecimento, é possível situar o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo implicado na formação do léxico <strong>de</strong> modo similar aos <strong>de</strong>sdobramentos<br />

propostos por Piaget e seus colaboradores: é possível falar, então, da passagem do intra-lexical ao inter-<br />

lexical e daí ao trans-lexical.<br />

Nesta perspectiva, ao intra-lexical correspon<strong>de</strong> a constituição inicial do léxico, entendido como<br />

simples elenco <strong>de</strong> palavras isoladas, guardando, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong> vista dos significados, uma relação<br />

biunívoca com objetos concretos situados na realida<strong>de</strong> imediata do sujeito. No momento inter-lexical,<br />

esse elenco atomizado vai admitir a superposição dos muitos significados que se inter-relacionam no<br />

mesmo vocábulo. Surgindo inicialmente como fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio cognitivo diante dos significados<br />

67 "Que estos datos consistan en objetos, en figuras, en relaciones, etc., implica en su análisis una equilibración <strong>de</strong> forma<br />

elemental, entre su asimilación y los esquemas <strong>de</strong>l sujeto, y la acomodación <strong>de</strong> estos a las propieda<strong>de</strong>s objetivamente<br />

dadas. De aquí surge el carácter intra- <strong>de</strong> estos comienzos <strong>de</strong> conocimiento. Pero los nuevos esquemas así construidos no<br />

podrían permanecer aislados: tar<strong>de</strong> o temprano el proceso asimilador conducirá a ciertas asimilaciones recíprocas, y las<br />

exigéncias <strong>de</strong> equilibración impondrán a los esquemas o subsistemas así vinculados formas más o menos estables <strong>de</strong><br />

coordinaciones y <strong>de</strong> transformaciones. De aquí surge el carácter inter- <strong>de</strong> esta segunda etapa. Pero una tercera forma <strong>de</strong><br />

equilibrio tendrá lugar necesariamente, a su vez, puesto que la multiplicación <strong>de</strong> subsistemas amenazará la unidad <strong>de</strong>l todo,<br />

mientras que las diferenciaciones obligadas serán contrarrestadas por las ten<strong>de</strong>ncias integradoras. El equilibrio que se<br />

impone entonces entre las diferenciaciones y la integración no podría lograrse sin alcanzar sistemas <strong>de</strong> interacciones tales<br />

que las diferenciaciones puedan ser engendradas, en lugar <strong>de</strong> estar sometidas a ellas, única manera <strong>de</strong> armonizarlas sin<br />

perturbaciones internas y sin que entren en conflictos entre sí. De aqui surgen las estructuras <strong>de</strong> conjunto, <strong>de</strong> carácter<br />

formador, que caracterizan el nivel trans-. Va <strong>de</strong> suyo, sin embargo, que tales triadas (mucho más flexibles en su principio<br />

que las tesis, antítesis y síntesis <strong>de</strong> la dialéctica clásica, aunque se basen también en el papel <strong>de</strong> los <strong>de</strong>sequilibrios y <strong>de</strong><br />

reequilibraciones con rebasamientos) no son sino fases recortadas <strong>de</strong> un proceso continuo: las estructuras a las que se ha<br />

llegado en el nivel trans- dan lugar a su vez a análisis intra- que conducen a nuevos inter-, luego a la producción <strong>de</strong><br />

superestructuras trans-, y así sucesivamente." (Ibi<strong>de</strong>m, p. 128.)<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 359


nominais antes adquiridos, e, em um segundo momento, como fonte <strong>de</strong> maior organização do<br />

conhecimento da segunda língua, a polissemia da palavra exige, para ser compreendida, sua inserção em<br />

uma unida<strong>de</strong> mais extensa e complexa: a frase. Da mesma forma, o conjunto <strong>de</strong> sentenças possíveis<br />

(construíveis a partir e sobre o vocabulário) encontra uma sistematização e uma transformação <strong>de</strong> seus<br />

enunciados no discurso comunicativo (formalizável na expressão literária), configurando o momento<br />

trans-lexical.<br />

De modo sintético, é possível esboçar a seguinte relação operativa: intra-lexical → vocábulo;<br />

inter-lexical → frase; trans-lexical → discurso. Por sua vez, o discurso rebate-se novamente sobre o<br />

vocabulário, enriquecendo-o, transformando-o e reorganizando-o, por reflexionamento, em um novo<br />

patamar <strong>de</strong> abstração (refletida).<br />

Objetivos<br />

O objetivo da pesquisa é compreen<strong>de</strong>r como se dá a passagem do momento intra-lexical ao inter-<br />

lexical, consi<strong>de</strong>rando ser esta a questão central do ensino escolar da segunda língua, nos níveis<br />

fundamental e médio 68 . Tendo isso em mente, foi concebida uma situação clínica em que o entrevistador<br />

propõe ao aluno problemas <strong>de</strong> compreensão lexical por meio <strong>de</strong> sequências controladas <strong>de</strong> ação, visando:<br />

• <strong>de</strong>linear possíveis relações entre as contribuições da epistemologia genética, <strong>de</strong> Jean Piaget, e a<br />

aprendizagem <strong>de</strong> língua estrangeira, em especial a língua inglesa;<br />

• investigar como os sujeitos constroem o léxico em língua inglesa como objeto <strong>de</strong> conhecimento e<br />

como esse conhecimento se organiza em níveis <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong>;<br />

• distinguir diferentes patamares <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo na construção <strong>de</strong> significados em<br />

Metodologia<br />

L2, em diferentes contextos <strong>de</strong> enunciação.<br />

Para a pesquisa <strong>de</strong> campo que preten<strong>de</strong> investigar como o aluno <strong>de</strong> Ensino Médio falante nativo <strong>de</strong><br />

língua portuguesa constrói o léxico em língua inglesa, em concordância com a fundamentação teórica, foi<br />

adotado o método clínico piagetiano. Apesar <strong>de</strong> inicialmente ser um método aplicado em crianças, vê-se,<br />

pela sua <strong>de</strong>finição, que este po<strong>de</strong> ser facilmente adaptado para a pesquisa com jovens e adultos, pois,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da faixa etária do sujeito, a essência do método clínico piagetiano “consiste em uma<br />

68 Este recorte não implica excluir <strong>de</strong>sse âmbito <strong>de</strong> aprendizado o <strong>de</strong>senvolvimento do discurso em seus aspectos translexicais,<br />

mas coloca-o em um plano <strong>de</strong> realização menos exigente do que o primeiro, ditado pelas próprios limites<br />

pedagógicos que o circunscrevem. Além disso, e ainda mais importante, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> caso, amparado<br />

em pesquisa empírica cujo contexto metodológico, coerentemente com a fundamentação teórica a<strong>de</strong>quada, situa-se <strong>de</strong>ntro<br />

das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aplicação do método clínico piagetiano: a eficácia do instrumento exige, portanto, uma <strong>de</strong>limitação<br />

que viabilize o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa. Cf. Vinh-Bang, La métho<strong>de</strong> clinique et la recherche en psychologie <strong>de</strong><br />

l'enfant. In: Psychologie et épistémologie génétiques, Paris: Dunod, 1966. p. 67-81.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 360


intervenção sistemática do pesquisador em função do que sujeito vai fazendo ou dizendo” (DELVAL,<br />

2002, p. 12). Delval também sugere que é possível fazer ajustes no método, pois mesmo Piaget o foi<br />

adaptando para utilizá-lo em novos temas ou problemas que estudava.<br />

É importante <strong>de</strong>stacar que nesta pesquisa não serão reproduzidos experimentos feitos<br />

anteriormente por Piaget, e sim será explorado um campo pouco estudado na área da <strong>Epistemologia</strong><br />

Genética. Delval (2002) aponta que o método clínico piagetiano é propício e vantajoso <strong>de</strong> ser utilizado em<br />

situações pouco conhecidas, como primeira aproximação <strong>de</strong> um campo novo. Nesses casos, é<br />

aconselhável que as hipóteses e objetivos sejam necessariamente muito pouco específicos: “teremos que<br />

realizar uma entrevista muito aberta para que as explicações do sujeito possam emergir sem restrições”<br />

(p. 84).<br />

Desenvolvimento<br />

Nesse estudo, escolhi como sujeitos <strong>de</strong> pesquisa alunos do 1º ano do ensino médio da re<strong>de</strong> pública<br />

<strong>de</strong> ensino, estadual ou municipal. O estudo terá a participação <strong>de</strong> 25 a 30 sujeitos, <strong>de</strong> aproximadamente<br />

quatro escolas diferentes. Na fase preliminar, em estudo-piloto já completado, foram entrevistados seis<br />

alunos.<br />

Para investigar essa compreensão por parte dos sujeitos, são usados pares <strong>de</strong> homônimos<br />

homógrafos que, em seu significado literal, são substantivos e que, quando se transformam em verbos,<br />

mudam completamente <strong>de</strong> sentido. Cada par <strong>de</strong> homônimos homógrafos aparece num conjunto <strong>de</strong> três<br />

sentenças: uma em seu sentido literal e outras com sentido diferente do inicialmente atribuído. Juntamente<br />

com as sentenças, há figuras e palavras para contextualizar as sentenças, incluindo os homônimos<br />

homógrafos. Os conjuntos <strong>de</strong> sentenças e figuras constam nos anexos <strong>de</strong>ste projeto <strong>de</strong> dissertação. A<br />

entrevista se dá em duas etapas, numa mesma data.<br />

1ª Etapa: apresentação do material ao sujeito. Primeiramente, apresento ao sujeito o conjunto <strong>de</strong><br />

figuras e palavras impressas. Em seguida, solicito a ele que relacione figuras e palavras <strong>de</strong> acordo com o<br />

significado atribuído aos vocábulos. São feitas perguntas como “conheces os significados das palavras?”<br />

e “com que figuras elas se relacionam?”. Logo após isso, recompõe-se a gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> significados resultante,<br />

explicando ao aluno eventuais lacunas, caso o aluno <strong>de</strong>sconheça o significado imediato <strong>de</strong> algum<br />

vocábulo apresentado.<br />

2ª Etapa: inserção dos vocábulos no contexto da sentença. Em um primeiro momento, é<br />

apresentada a sentença em que os vocábulos anteriormente apresentados estão em seu sentido literal<br />

figura-palavra. São feitas as seguintes perguntas: O que tu enten<strong>de</strong>s que esta frase significa? / Quais<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 361


figuras po<strong>de</strong>s relacionar com esta frase? / Po<strong>de</strong>s me explicar essas relações que tu encontraste?<br />

Em um segundo momento, são apresentadas as sentenças em que os vocábulos possuem<br />

significado diferente da sentença anterior. As mesmas perguntas são feitas ao sujeito. Essa etapa tem o<br />

propósito <strong>de</strong> verificar: a) a compreensão do sujeito em situação <strong>de</strong> relação literal figura-palavra; b) a<br />

compreensão do aluno em situação <strong>de</strong> relação contextualizada entre figura-palavra; c) a atribuição, pelo<br />

sujeito, <strong>de</strong> novos significados para palavras conhecidas transpostas para frases em que o vocábulo<br />

trabalhado anteriormente possui um sentido diverso do anterior.<br />

Cabe, neste momento, ressaltar que, por ser utilizado neste estudo o método clínico piagetiano, as<br />

perguntas acima mencionadas são apenas uma referência para o entrevistador; a entrevista clínica segue o<br />

curso do pensamento do sujeito que está sendo entrevistado, sendo adicionadas perguntas para esclarecer<br />

o que o sujeito está pensando, quando necessário.<br />

Foi realizada aplicação preliminar do instrumento acima <strong>de</strong>scrito, com seis sujeitos, alunos <strong>de</strong> 1º<br />

ano do ensino médio <strong>de</strong> uma escola pública estadual da Gran<strong>de</strong> Porto Alegre. Para cada sujeito foi<br />

utilizado um dos conjuntos <strong>de</strong> sentenças. Fazendo uma análise inicial nas respostas <strong>de</strong>sses sujeitos, nota-<br />

se em cada entrevista diferentes níveis que po<strong>de</strong>m estar relacionados a patamares <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

cognitivo, como vemos nos trechos abaixo:<br />

Suj. 1 (18 anos)<br />

H: OK. Muito bem. E esse aqui... Park the car. Quais são as palavras... figuras que tu relacionarias? S1:<br />

Park the car? (gesto <strong>de</strong> negação) H: O que tu enten<strong>de</strong>s por essa frase? S1: Parque o carro? H: O que que<br />

tu achas... tu achas que faz sentido? S1: Não. Parque o carro... H: Então? S1: Não. Pra mim não faz muito<br />

sentido. H: E tu achas que po<strong>de</strong>ria haver outro sentido, ou é... S1: Sim. H: E... e qual seria? S1: Car in<br />

the park. H: Car in the park. Uhum... Mas se essa frase continuar assim? S1: Hum... Park the car...<br />

(pausa) Park the car... Parque o carro... Não consigo, assim... H: Por que tu não consegues? S1: Porque<br />

“Parque o carro”... não tem sentido pra mim... H: Mas, qual a parte que não tem sentido? S1: Parque... o<br />

carro... carro... no parque... se fosse o carro no parque... aí tudo bem. H: Mas se for pensar: parque o<br />

carro... como é o sentido <strong>de</strong>ssa frase? S1: Quer dizer que... tem um carro no parque?<br />

Vê-se aqui que, ao apresentar a sentença em que o vocábulo possui um sentido diferente do literal<br />

apresentado anteriormente, há um estranhamento por parte do sujeito, mas este ainda não se dá conta <strong>de</strong><br />

que o mesmo vocábulo po<strong>de</strong> ter outro significado no contexto <strong>de</strong>ssa sentença. As respostas <strong>de</strong>monstram<br />

estar ainda num patamar intra-lexical, pois ainda há ausência <strong>de</strong> reconstrução dos significados em<br />

contextos não literais. A passagem do intra-lexical para o patamar inter-lexical exigiria do aluno uma<br />

compreensão <strong>de</strong> uma nova forma <strong>de</strong> organização do léxico que permite atribuir a um mesmo vocábulo<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 362


diferentes significados <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das inter-relações que se estabelecem entre as palavras no contexto da<br />

frase. Os significados seriam atribuídos, então, à frase como um todo, e não, <strong>de</strong> modo fixo a cada palavra<br />

isoladamente. Contudo, o "estranhamento" que se nota po<strong>de</strong> ser visto como fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrios<br />

iniciais que po<strong>de</strong>rão conduzir a uma reorganização posterior.<br />

O mesmo conjunto <strong>de</strong> sentenças foi apresentado ao Suj. 6, também com 18 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>:<br />

H: E o que tu enten<strong>de</strong>s por essas frases? S6: (sussurra) park the car... Essa eu não entendi, sora.<br />

H: Hum... por quê? S6: Park the car... H: Por que tu não enten<strong>de</strong>ste? S6: Parque, o carro? [...] Não tem<br />

sentido... não tem sentido, parece... H: Não tem sentido? S6: Carro no parque... H: [...] Por que tu achas que<br />

não tem sentido? S6: Porque parque... o car... o carro... ou a carro... o carro. Não tem sentido. H: E qual<br />

seria um sentido interessante para esse park the car? S6: O carro no parque, né?<br />

H: A, o carro no parque. Sim, e esse park po<strong>de</strong>ria ter outro sentido? S6: Sim, <strong>de</strong> estacionamento, alguma<br />

coisa assim...<br />

Nota-se aqui o mesmo estranhamento do sujeito anterior, porém este último, mesmo que <strong>de</strong> forma<br />

muito inicial, consegue fazer relações que vão além do sentido literal do vocábulo, ligando park ao<br />

sentido <strong>de</strong> estacionamento. Este sujeito, ainda que em suas respostas esteja ligado ao patamar intra-<br />

lexical, já está caminhando para um patamar inter-lexical, pois aceita a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuir diferentes<br />

significados a um mesmo vocábulo. Neste exemplo, o estranhamento dá lugar a um conflito cognitivo,<br />

motivado pela perturbação do aluno, que se dá conta <strong>de</strong> que o significado convencional anteriormente<br />

atribuído não é mais capaz <strong>de</strong> explicar o significado da nova sentença.<br />

Diferentemente <strong>de</strong>stes sujeitos, o Suj 3 (15 anos), ao comentar sobre a sentença “Ducks fly”, já<br />

reconhece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um vocábulo assumir sentidos diferentes, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> seu emprego na<br />

sentença, sendo um exemplo <strong>de</strong> patamar inter-lexical:<br />

H: OK. E no próximo ali, Ducks fly. S3: Patos voam. H: Mas fly não é<br />

mosca? S3: É... H: E agora? S3: É mais ou menos assim, um duplo<br />

sentido da palavra... H: Uhum. S3: Fly também é voo. H: Ah tá.<br />

Assim como os sujeitos acima mencionados, os <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>monstraram diferentes tipos <strong>de</strong><br />

respostas às sentenças apresentadas, às vezes mostrando mais estranhamento ou mais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

reconstrução da relação figura-palavra em uma sentença ou em outra.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 363


Conclusões preliminares<br />

O interessante nessa amostra do estudo preliminar é que cada sujeito apresentou um nível<br />

diferente <strong>de</strong> compreensão das sentenças, o que exige que, no <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa, seja<br />

entrevistado um número maior <strong>de</strong> sujeitos. Neste estudo preliminar, também se percebe a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

indagar mais aos sujeitos o que os levou a respon<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma certa forma, e como eles chegaram a uma<br />

<strong>de</strong>terminada atribuição <strong>de</strong> significados aos vocábulos. Interessaria saber se o sujeito já vivenciou<br />

situações em que se <strong>de</strong>parou com um problema semelhante ao apresentado na entrevista clínica. Em<br />

relação ao instrumento proposto, em análise posterior, será importante utilizar o mesmo conjunto <strong>de</strong><br />

frases (ou pelo menos reduzir a dois conjuntos, unindo mais <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> sentenças), para po<strong>de</strong>r<br />

reconhecer e <strong>de</strong>limitar melhor as categorias <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>ste estudo.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 365


7. Moralida<strong>de</strong><br />

A Ética e a Antropologia como Fundamentos para a Construção da Moral<br />

Resumo<br />

OLIVEIRA, Fernando Henrique C. <strong>de</strong>.<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas – UNICAMP<br />

ferhco@hotmail.com<br />

Analisaremos o conceito antropológico em Geertz, objetivando os símbolos religiosos para sintetizar o<br />

ethos <strong>de</strong> um povo, o tom, o caráter e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua vida, seu estilo e disposições morais e estéticas.<br />

Faremos uma análise sociológica, utilizando o instrumental weberiano (Max Weber) para ferramentas <strong>de</strong><br />

análises <strong>de</strong>sse ethos cristão, procurando inferir, nas questões políticas, econômicas e sociais, seus<br />

<strong>de</strong>sdobramentos éticos e morais em plena mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Finalmente, faremos uma abordagem mais<br />

filosófica e propositalmente pedagógica, tomando como ponto <strong>de</strong> reflexão o <strong>de</strong>stino do homem e do<br />

mundo e a razão <strong>de</strong> nossa existência, com seus significados, origem e perspectiva escatológica.<br />

Palavras-chave: Ética. Moral e educação.<br />

Abstract<br />

Review the concept of Geertz in anthropology, focusing the religious symbols to the ethos of a people, the<br />

tone, the character and quality of your life, your style and aesthetic and moral rules. We will do a<br />

sociological analysis using Weberian instrumental (Max Weber) for tools of analysis that ethos Christian,<br />

looking inferred in the political, economic and social, their ethical and moral ramifications in full<br />

mo<strong>de</strong>rnity. Finally, we will make a more philosophical and religious purposely taking as point of<br />

discussion the fate of man and the world and the reason for our existence, with their meanings, origin and<br />

eschatological perspective.<br />

Keywords: Ethics, Morality and education.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 366


Introdução<br />

A Ética é a arte que torna bom aquilo que é feito (operatum) e quem o faz (operantem). É a arte do<br />

Bom. Ciência do Bom. A Ética é uma arte, hábito (ethos), esforço repetido até alcançar a excelência no<br />

agir. O artista torna-se virtuoso após muito exercício (MARCHIONNI, 1999, p. 56).<br />

Há uma gran<strong>de</strong> disparida<strong>de</strong> no que concerne ao conceito dos termos ética e moral, no campo<br />

acadêmico e social, no mundo contemporâneo. Enten<strong>de</strong>mos que <strong>de</strong>finir conceitos acerca <strong>de</strong> nosso objeto<br />

<strong>de</strong> pesquisa na presente disciplina é fundamental nessa breve Introdução. Para garantirmos o espírito<br />

crítico nesse campo <strong>de</strong> pesquisa, enten<strong>de</strong>mos a anteriorida<strong>de</strong> da ética em relação à moral, conforme o<br />

pensamento <strong>de</strong> Almeida (2002, p. 11-19):<br />

Alguns motivos por que a distinção é realmente fundamental: Antes da moral, a ética -<br />

Em primeiro lugar, po<strong>de</strong>-se afirmar a anteriorida<strong>de</strong> da ética em relação à moral, como<br />

propõe o Filósofo Paul Ricoeur. Com isso, a ética fica ligada à esfera do <strong>de</strong>sejo (<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

ser e o esforço para existir), reservando à moral o espaço da lei, das normas. O grego tem<br />

duas maneiras <strong>de</strong> grafar a palavra ethos. O ethos refere-se ao comportamento que resulta<br />

<strong>de</strong> uma repetição constante dos mesmos atos. O ethos <strong>de</strong>signa, por sua vez, a morada, a<br />

casa do homem; há um sentido <strong>de</strong> lugar, <strong>de</strong> estada permanente e habitual, <strong>de</strong> um abrigo<br />

protetor. A referência física da palavra indica justamente que, a partir do ethos, o espaço<br />

do mundo torna-se habitável para o homem. O que são os hábitos? São aqueles traços<br />

repetitivos <strong>de</strong> nossas ações ou <strong>de</strong> nosso modo <strong>de</strong> estar num certo lugar? Deste modo,<br />

tiremos a conclusão: moral são os hábitos ou costumes que alcançaram unanimida<strong>de</strong>,<br />

aceitação coletiva, que i<strong>de</strong>ntificam <strong>de</strong>terminados grupos e suas ações. Dentre os hábitos<br />

produzidos, instituídos há aqueles que serão objeto <strong>de</strong> um consenso, <strong>de</strong> uma aceitação<br />

geral – por meio <strong>de</strong> convencimento, da força, da violência, da tradição. Os hábitos que<br />

venceram passaram a dominar.<br />

Os princípios da ética nos remetem à Filosofia, que tem o seu marco histórico por volta do século<br />

6º a.C. na Grécia. A ética apareceu quando os filósofos começaram a pensar sobre as atitu<strong>de</strong>s dos seres<br />

humanos frente a <strong>de</strong>terminadas situações. No campo filosófico, a ética busca compreen<strong>de</strong>r o que é<br />

consi<strong>de</strong>rado a<strong>de</strong>quado e moralmente correto. Etimologicamente, a palavra ética vem do grego ethos, e<br />

tem seu correlato no latim moralis ou mores, que representa a conduta ou o que é relativo aos costumes.<br />

Na obra <strong>de</strong> Aristóteles, Ética a Nicômaco, é apresentada a questão ética como significado <strong>de</strong><br />

virtu<strong>de</strong>. Esta palavra vem <strong>de</strong> vir/vírus = varão, homem, masculinida<strong>de</strong>, potência, no latim. De forma<br />

generalizada, criou-se a idéia <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> como acúmulo <strong>de</strong> forças que o sujeito moral <strong>de</strong>ve somar para<br />

sempre querer o melhor. Assim, uma moral bem realizada não é coisa para fracos e inconstantes<br />

(PEREIRA, 1991).<br />

A ética remete-nos a um universo <strong>de</strong> bilateralida<strong>de</strong> entre duas forças presentes na história e na<br />

antropologia social: o bem e o mal, o absoluto e o relativo, a liberda<strong>de</strong> e o autoritarismo etc. Ética,<br />

portanto, seria a análise teórica em torno da moral e da moralida<strong>de</strong>. O verbo no condicional indica<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 367


incerteza. Por sinal até aqui o autor não <strong>de</strong>finiu objetivamente Ética. Por ser uma disciplina antiga e que<br />

se esten<strong>de</strong> a outros campos do saber e das vivências humanas, po<strong>de</strong>mos distinguir áreas específicas no<br />

campo ético construídas histórica e antropologicamente como mostram os exemplos a seguir:<br />

• ética cristã;<br />

• ética marxista;<br />

• ética kantiana;<br />

• ética protestante;<br />

• ética profissional (para todas as áreas <strong>de</strong> trabalho);<br />

• ética da ativida<strong>de</strong> pedagógica, intelectual, política etc.;<br />

• ética pessoal – <strong>de</strong>monstrando a forma <strong>de</strong>selegante como alguém proce<strong>de</strong>u etc. se a indicação do<br />

autor sobre a etimologia grega <strong>de</strong> ethos estiver correta, no caso <strong>de</strong> ética pessoal é muito pouco<br />

indicar que se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>selegância. Po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong>, falso etc.<br />

O uso do termo ethos implica, portanto, na discussão da moralida<strong>de</strong> inerente à <strong>de</strong>terminada<br />

ativida<strong>de</strong> humana em seu lastro mais fundo, mais abrangente. Qual? É preciso ser explicito!<br />

Uma palavra bastante utilizada na socieda<strong>de</strong> contemporânea é o substantivo cidadania. A<br />

cidadania tem sua origem no termo grego polis (cida<strong>de</strong>). Assim, a cidadania <strong>de</strong>nota a condição<br />

habitacional dos cidadãos, os seus costumes, a maneira <strong>de</strong> se posicionar na cida<strong>de</strong>. A polis é o lugar em<br />

que os hábitos entram em conflito. Portanto, discutir sobre cidadania é falar do lugar dos hábitos, lugar<br />

esse, on<strong>de</strong> os hábitos vencedores se impõem como os únicos possíveis e tentam massacrar e eliminar a<br />

insurgência <strong>de</strong> outros hábitos. É também falar do espaço on<strong>de</strong> novos hábitos querem se impor, porque<br />

novas <strong>de</strong>cisões éticas são tomadas a todo momento (ALMEIDA, 2002).<br />

Nessa linha <strong>de</strong> pensamento, falar em cidadania em uma socieda<strong>de</strong> pluralista e fragmentada em<br />

suas instituições e vivenciando uma crise <strong>de</strong> valores éticos e morais, é pensarmos em cidadania como uma<br />

ação <strong>de</strong> tolerância; e esquecemo-nos <strong>de</strong> que no bojo da cidadania estão presentes situações <strong>de</strong> conflitos<br />

<strong>de</strong>sses hábitos aqui tratados e assimilados como dominantes. Assim, por si só a cidadania não promove<br />

transformação, mas irá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das <strong>de</strong>cisões éticas e políticas da polis (ALMEIDA, 2002).<br />

Originariamente a palavra moral vem do latim mos/mores, que significa costume. E, em geral,<br />

essas três palavras – costume, norma e lei, se entrecruzam. A moral <strong>de</strong>ve ser entendida sob a necessária<br />

interação dialética:<br />

1) seu caráter social, como algo adquirido, como herança preservada pela comunida<strong>de</strong>;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 368


2) sua convicção pessoal <strong>de</strong> que o que vale para todos po<strong>de</strong> ou não valer para mim e vice-versa.<br />

Exemplo: O fato <strong>de</strong> comer peixe na semana santa teria efeito moral (e religioso) algum para um<br />

ateu? Esta pessoa até po<strong>de</strong> cumpri-lo por uma força cultural ou por respeito (PEREIRA, 1991). E para um<br />

cristão, este ato produz efeito moral?<br />

Dessa forma, há uma certa contradição embutida na interação entre o caráter social e o pessoal. As<br />

normas estão aí; se estão aí é para serem cumpridas porque se espera que tenham surgido do consenso.<br />

Todavia, só adquirem sentido se passam pelo crivo da crítica, pessoal e social e, por conseguinte, da<br />

aceitação pessoal e social (PEREIRA, 1991).<br />

O prisioneiro da caverna <strong>de</strong> Platão, uma vez liberto da escuridão, atingindo com muito esforço,<br />

chega a fixar o sol, a contemplar o bom, que o impulsiona a ações boas, a voltar à caverna para libertar os<br />

outros. Pensamos em ética como um conjunto <strong>de</strong> regras para o campo coletivo, e esquecemos do valor<br />

pessoal e da ação ética na singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada indivíduo para <strong>de</strong>sdobramentos maiores na comunida<strong>de</strong>.<br />

Para Marchionni (1999, p. 33), nos últimos anos, a Ética virou uma Fênix árabe, ave lendária<br />

renascida <strong>de</strong> suas cinzas: <strong>de</strong>la todos falam, todos a <strong>de</strong>sejam, mas ninguém sabe on<strong>de</strong> está e como é. O<br />

pluralismo cultural, o crescimento científico com suas inferências sistemáticas e o estri<strong>de</strong>nte<br />

materialismo, regados pelo individualismo e consumismo <strong>de</strong>senfreados na socieda<strong>de</strong> contemporânea,<br />

possibilitaram a ausência <strong>de</strong> referenciais éticos, que historicamente foram referendados pelas religiões e a<br />

metafísica filosófica.<br />

Nessa ausência, trava-se uma busca <strong>de</strong>senfreada por referenciais, referenciais esses, em sua<br />

maioria, <strong>de</strong>stituídos <strong>de</strong> base histórica e contextual, mas apenas como tentativas <strong>de</strong> acerto num naufrágio<br />

fadado à morte da própria ética.<br />

<strong>de</strong> três bases:<br />

Para o mesmo autor citado anteriormente, os medievais tinham como metodologia indagar acerca<br />

1) an sit = se existe.<br />

2) <strong>de</strong>pois, quis it = o que é;<br />

3) por fim, quomodo sit = como é.<br />

Mediante essas perguntas, as ciências nascem e surgem como forma <strong>de</strong> elaborar seu objeto <strong>de</strong><br />

pesquisa. Isso ocorre também no campo <strong>de</strong> pesquisa acerca da ética – existe?; o que é? ; como é? .<br />

Até meados do século 20, a humanida<strong>de</strong> era dirigida por gran<strong>de</strong>s sistemas religiosos e filosóficos,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 369


no Oriente e no Oci<strong>de</strong>nte. Os próprios pensadores céticos, segundo Marchionni (1999), eram<br />

influenciados no fundo pela ética milenária das religiões. Dessa tradição religiosa, valores eram<br />

transmitidos aos filhos pelos pais, sacerdotes, professores, autorida<strong>de</strong>s civis etc.<br />

Na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, com o advento do rádio, televisão, internet e toda sorte <strong>de</strong> aparato<br />

midiático, sujeitos se levantam como portadores <strong>de</strong> discursos éticos e morais, conquistando atenção e<br />

carisma <strong>de</strong> seus ouvintes e expectadores que assimilam seus conceitos e posturas assumidas diante das<br />

narrativas expostas e/ou transmitidas.<br />

Posturas éticas as mais diversas nos são apresentadas, somadas às narrativas éticas <strong>de</strong> correntes<br />

acadêmicas e religiosas, gerando uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> discursos que nos inserem em dúvidas, crises e<br />

questionamentos. Vejamos alguns exemplos, conforme nos apresenta Marchionni, em Ética na virada do<br />

milênio.<br />

1) Na visão <strong>de</strong> mundo <strong>de</strong> um indivíduo religioso, o elemento basilar é Deus; portanto toda a<br />

conduta gira em torno <strong>de</strong> um Deus santo, sagrado, que requererá <strong>de</strong>le um viver à altura <strong>de</strong>sse padrão<br />

apresentado por seu grupo religioso.<br />

2) Na visão <strong>de</strong> um estoico grego ou um i<strong>de</strong>alista alemão do século 19, o elemento basilar é o<br />

logos, ou seja, uma inteligência ou i<strong>de</strong>ia, que se <strong>de</strong>sdobra na razão humana, influenciada por essa relação<br />

com o logos.<br />

3) Na perspectiva marxista, o trabalho constitui esse elemento principal na dimensão humana, <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> são analisados e apontadas soluções para os problemas da socieda<strong>de</strong> contemporânea.<br />

4) Na perspectiva da psicanálise, a sexualida<strong>de</strong> é vista como agente impulsivo e <strong>de</strong> auto-esforço<br />

para a<strong>de</strong>quação ao ambiente.<br />

5) Os positivistas enten<strong>de</strong>m da importância <strong>de</strong> uma análise empírica dos fatos para conclusões<br />

futuras com sua or<strong>de</strong>m natural e permanente.<br />

Nessa linha <strong>de</strong> pensamento, o autor da presente obra enten<strong>de</strong> o quanto essa classificação po<strong>de</strong>ria<br />

prolongar-se, mas, com essas premissas, po<strong>de</strong>-se estabelecer que mediante uma análise ética sob os<br />

ângulos da psicanálise, do marxismo, da religião, do positivismo etc., é possível enquadrar mo<strong>de</strong>los e<br />

princípios como normais e naturais (legítimos), a partir do qual todo o resto é julgado.<br />

Nesse universo pluralista <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e caminhos propostos, ficamos perplexos e nos colocamos na<br />

busca <strong>de</strong> um norte a ser trilhado mediante análises sensatas pela nossa razão e/ou pelos nossos sentidos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 370


Então vejamos:<br />

A ação humana é também sujeita à historicida<strong>de</strong>, numa história que é individual e coletiva,<br />

progressiva, movimento mutável, imprevistamente revolucionária, espantosamente obediente ao ditador<br />

ou ao lí<strong>de</strong>r carismático, instigantemente utópica ou monotonamente conservadora, on<strong>de</strong> o bom <strong>de</strong> hoje<br />

po<strong>de</strong> parecer não ser o bom <strong>de</strong> amanhã. E ainda: até cem anos atrás o homem adaptava-se à natureza<br />

todo-po<strong>de</strong>rosa. Hoje o homem domina a natureza, transforma-a, criando fatos físicos totalmente novos,<br />

como os embriões, com os quais <strong>de</strong>ve construir uma convivência mediante ações éticas, uma bioética.<br />

On<strong>de</strong> buscar inspiração? É aí que resi<strong>de</strong> todo o problema: o homem é livre (MARCHIONNI, 1999, p. 39).<br />

É nessa liberda<strong>de</strong> que permite sermos cônscios <strong>de</strong> nosso po<strong>de</strong>r volitivo, que precisamos nos<br />

ocupar dos fundamentos da ética tratados a priori em três questões:<br />

1) O que é bom?<br />

2) É o homem quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o bem e o mal?<br />

3) Ou existem fora do homem instâncias que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m o bem e o mal?<br />

Historicamente, segundo Marchionni (1999), são apontados três fundamentos para o campo da<br />

ética na busca <strong>de</strong> respostas para as perguntas acima:<br />

1) Fundamento cósmico da ética.<br />

2) Fundamento religioso da ética.<br />

3) Fundamento antropológico da ética.<br />

Fundamento cósmico da ética<br />

O bom é a natureza: viva segundo a natureza<br />

Os praticantes <strong>de</strong> cultos com elementos da natureza, <strong>de</strong> ontem e <strong>de</strong> hoje, afirmam que o homem se<br />

torna bom se suas ações são boas, quando se estuda a or<strong>de</strong>m cósmica e nela se insere sem <strong>de</strong>stoar. A<br />

agricultura ensina que o homem <strong>de</strong>ve harmonizar-se com o curso das estações, das chuvas, da semeadura<br />

e da colheita. Homem e natureza <strong>de</strong>vem viver em sintonia recíproca. Nesta perspectiva cosmológica, a<br />

natureza é a mestra da ética. Ela indica ao homem o que é bom e mau. Segundo a tradição oriental, a<br />

harmonia dinâmica do yin e do yan perva<strong>de</strong> o universo físico e humano mantendo-o em seu perfeito<br />

estado <strong>de</strong> equilíbrio. Para os cristãos, Deus contemplou a obra <strong>de</strong> suas mãos e viu que tudo que criara era<br />

muito bom.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 371


Alguns negam a existência <strong>de</strong> um fundamento cosmológico naturalístico da ética, separando ser e<br />

valor.<br />

Nessa corrente, a natureza processa-se mecanicamente como uma sucessão causal <strong>de</strong> engrenagens<br />

mecânicas. Portanto, ela po<strong>de</strong> permitir encantamento ou <strong>de</strong>sencantamento; nesse pensamento, Max<br />

Weber apresenta o <strong>de</strong>sencantamento do mundo.<br />

Fundamento religioso da ética<br />

Nesse universo, a pessoa procura entrar em contato com a divinda<strong>de</strong> (Deus), on<strong>de</strong> o ser religioso<br />

se assemelha a ele, revestindo-se dos atributos e das virtu<strong>de</strong>s da divinda<strong>de</strong>. Assim, no Monte Sinai,<br />

quando Moisés entra em contato com Iahweh, a divinda<strong>de</strong> sagrada dos ju<strong>de</strong>us, sente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

colocar um véu sobre seu rosto, para guardar seu rosto resplan<strong>de</strong>cente e sua fronte marcada pela glória do<br />

Deus <strong>de</strong> Israel (Ex 19,1ss). Ao mesmo tempo, na visão religiosa <strong>de</strong> mundo, Deus é a verda<strong>de</strong>, e por ser a<br />

Verda<strong>de</strong>, os sujeitos religiosos que o seguem assimilarão as virtu<strong>de</strong>s divinas.<br />

Este parentesco entre verda<strong>de</strong> e ética sempre encheu as páginas dos pensadores. Já Aristóteles<br />

afirmava que o Verda<strong>de</strong>iro, o Belo e o Bom se interpenetram reciprocamente. Para Platão, o ponto<br />

máximo do homem liberto da caverna é o Conhecimento do Bom, representado metaforicamente pelo sol,<br />

cujo esplendor ilumina todo o resto: Verda<strong>de</strong> e Bonda<strong>de</strong>, Bom e Conhecimento, se confun<strong>de</strong>m. Há uma<br />

frase evangélica que estabelece uma relação imediata entre Verda<strong>de</strong> e Liberda<strong>de</strong>: “A Verda<strong>de</strong> vos<br />

libertará”, pois a verda<strong>de</strong> liberta das i<strong>de</strong>ias falsas que produzem ações erradas (MARCHIONNI, 1999, p.<br />

45).<br />

Em contrapartida, o fundamento religioso da ética para alguns é o po<strong>de</strong>r e o interesse. Para<br />

Nietzsche, a ética do aperfeiçoamento e da hominização, isto é, a ética das Religiões, <strong>de</strong> Sócrates e <strong>de</strong><br />

Platão, é um engano; é uma <strong>de</strong>cadência, é uma doença, pois nega os instintos e a vida. O Bom da religião<br />

é um retrocesso, um perigo, uma sedução, um veneno.<br />

Fundamento antropológico da ética<br />

A única divinda<strong>de</strong> para o homem é o próprio homem. Segundo essa linha <strong>de</strong> pensamento, os<br />

humanistas, os iluministas e os sociólogos tentam buscar instrumental metodológico para explicitar que o<br />

homem é dotado <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> não sujeita às leis físicas da natureza e portador <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong>.<br />

Liberda<strong>de</strong> essa que para Kant, Lutero e Marx será fundamental para cada processo histórico <strong>de</strong>sse sujeito<br />

em interação do humano com o social. Portanto, nessa relação, ações e posturas éticas são tomadas<br />

mediante relações estabelecidas entre as partes envolvidas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 372


Ética e Religião<br />

A religião trouxe gran<strong>de</strong> avanço para o progresso moral da humanida<strong>de</strong>. Ela foi a gran<strong>de</strong> ponte<br />

para os filósofos indagarem sobre seus atos e levantarem não apenas questões filosóficas, mas também<br />

questões teológicas. Nos dias <strong>de</strong> hoje, mais do que nunca, o fanatismo tem sido analisado como uma<br />

forma <strong>de</strong> a religião criar seus abusos no campo ético e moral, apagando muitas vezes da história assuntos<br />

que levaram séculos para serem dirimidos e esclarecidos, tais como, liberda<strong>de</strong>, amor e fraternida<strong>de</strong><br />

universais. A Revolução Francesa foi um exemplo disso.<br />

Com efeito, sabemos que na Ida<strong>de</strong> Média a religião esteve arraigada a fanatismos e intolerâncias.<br />

Entretanto, na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a religião busca expressar-se como uma busca transcen<strong>de</strong>ntal subjetiva que é<br />

comum a todos os homens.<br />

Com o advento da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, cogitou-se o <strong>de</strong>saparecimento da religião, sendo confinada a<br />

grupos pequenos e aos poucos per<strong>de</strong>ria seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ação e domínio como ocorrera no período do<br />

medievo. Contudo, ela permanece com vigor exibindo uma vitalida<strong>de</strong> que se julgava extinta (cf. ALVES,<br />

1986, p. 9).<br />

O tema das origens e causas das religiões foi analisado por diferentes estudiosos e pensadores:<br />

Strauss, Feuerbach, Marx, Nietzsche, Freud, Weber e Durkhein. Esses pensadores consolidaram questões<br />

importantes para estudos no campo religioso no que diz respeito às abordagens distintas sobre culturas<br />

distintas, em particular <strong>de</strong> Max Weber. Para essa análise citamos um pensamento <strong>de</strong> uma pesquisadora da<br />

Unicamp, direcionando <strong>de</strong> fato o conteúdo <strong>de</strong> um tema tão importante como esse, para o âmbito cultural e<br />

a antropologia como campo científico.<br />

Para estudar a história dos fenômenos religiosos, portanto, é preciso ficar atento aos usos e<br />

sentidos dos termos que, em <strong>de</strong>terminada situação, geram crenças, ações, instituições, condutas, mitos,<br />

ritos, etc. Além disso, o pensar religioso também po<strong>de</strong> ser colocado no domínio da História Cultural que<br />

tem, na <strong>de</strong>finição básica do historiador Roger Chartier, o objetivo central <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar a maneira através<br />

da qual, em diferentes tempos e lugares, uma <strong>de</strong>terminada realida<strong>de</strong> social é construída, pensada e lida...<br />

Dessa forma, uma abordagem teórica preliminar para o estudo das religiões, do pensamento religioso, das<br />

formas <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong> em geral, é aquela que leva em conta a historicida<strong>de</strong> dos fenômenos religiosos<br />

construídos em variados aspectos e matizados na sua complexida<strong>de</strong> histórico-cultural.<br />

A <strong>de</strong>finição mais aceita pelos estudiosos, para efeitos <strong>de</strong> organização e análise, tem sido a<br />

seguinte: religião é um sistema comum <strong>de</strong> crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

universos históricos e culturais específicos... Assim sendo, o problema fundamental a ser colocado no<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 373


estudo dos fenômenos religiosos <strong>de</strong>ve ser o seguinte: Como <strong>de</strong>terminada cultura constrói, historicamente,<br />

seus sistemas religiosos, já que para estudar os fenômenos religiosos <strong>de</strong>ve-se estar atento aos usos e<br />

sentidos dos termos que, em <strong>de</strong>terminada situação histórica, geram crenças, ações, instituições, livros,<br />

condutas, ritos, teologias, etc.(SILVA, 2004, p. 3-5).<br />

Não existe uma tradição religiosa dominante, nem tão pouco um status religioso <strong>de</strong> favoritismo <strong>de</strong><br />

religiões em uma análise antropológica. Nenhuma tradição religiosa é “total”, nem existe um status <strong>de</strong><br />

favoritismo <strong>de</strong> religiões. É fundamental conhecer nossas trajetórias pessoais e coletivas no campo cultural<br />

religioso para não a<strong>de</strong>ntrarmos em questões <strong>de</strong> preconceito, opções por gênero, privações e verda<strong>de</strong>iras<br />

castrações <strong>de</strong> ações e posturas éticas, assimiladas como positivas por uns e negativas para outros. É<br />

necessário conhecer também nosso chão histórico, o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> emergimos e estamos com os outros.<br />

A religião é também uma expressão cultural, mas essa expressão não é universal e totalizante. Ela<br />

é fragmentada e pluralista por abarcar processos históricos e condições políticas, econômicas e sociais<br />

distintas para cada momento. Além disso, para cada grupo religioso, oficial e emergente, mediante essas<br />

conjunturas citadas anteriormente, surgem novos padrões comportamentais éticos que são exigidos para<br />

essa fase e para outros não. Alguns permanecem fadados ao fracasso e a institucionalização <strong>de</strong> suas<br />

pare<strong>de</strong>s com seus dogmas estabelecidos em um código <strong>de</strong> ética e moral, e outros se consolidam com suas<br />

tendências extremistas e radicais sem abertura para o diálogo.<br />

Nessa análise, a visão <strong>de</strong> mundo e os ângulos submetidos historicamente para cada cultura será um<br />

mosaico <strong>de</strong> posturas e padrões comportamentais distintos que precisam aqui ser analisados com critério e<br />

rigor científico para o cientista da religião.<br />

Conclusão<br />

Vivemos hoje uma grave crise <strong>de</strong> valores. Até certo ponto, fica difícil, para a gran<strong>de</strong> maioria da<br />

humanida<strong>de</strong>, saber o que é correto e o que não é. Eric Hobsbawn, em Era dos Extremos, constatou que<br />

houve mais mudanças na humanida<strong>de</strong> nos últimos cinquenta anos do que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Ida<strong>de</strong> da Pedra (BOFF,<br />

2003, p. 27).<br />

A ética é parte da filosofia, consi<strong>de</strong>ra concepções <strong>de</strong> fundo acerca a vida, do universo, o ser<br />

humano e <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos,<br />

então que tem caráter e boa índole. A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que<br />

se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente estabelecidos (BOFF, 2003, p. 37).<br />

Uma pessoa é moral quando age em conformida<strong>de</strong> com os costumes e valores consagrados. Estes<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 374


po<strong>de</strong>m, eventualmente, ser questionados pela ética. Uma pessoa po<strong>de</strong> ser moral (segue os costumes até<br />

por conveniência), mas não necessariamente ética (obe<strong>de</strong>ce a convicções e princípios). (BOFF, 2003 p.<br />

37)<br />

Questões como império globalizado, paz política, políticas unilaterais, terrorismo e o<br />

fundamentalismo religioso levantam questões primárias acerca da ética social que nos remete a uma<br />

indagação sobre certos discursos políticos que se utilizam <strong>de</strong> elementos religiosos ou do manto do<br />

sagrado para legitimarem suas falas nas mentes <strong>de</strong> homens e mulheres cauterizadas a fim <strong>de</strong> se<br />

autoafirmarem mediante suas ações intencionais.<br />

Referências<br />

ALBERONI, Francesco; VECA, Salvatore. O altruísmo e a moral. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rocco, 1992.<br />

ALMEIIDA, Danilo Di Manno (Org.). Corpo em Ética: perspectivas <strong>de</strong> uma educação cidadã. São<br />

Bernardo do Campo: UMESP, 2002.<br />

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passos, v.31)<br />

BOAS, Franz. Antropologia Cultural. (Org.). Tradução <strong>de</strong> Celso Castro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar,<br />

2004.<br />

BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis: Vozes, 2003.<br />

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DE LIBERAL, Márcia Mello Costa (Org.). Ética e cidadania. São Paulo: Mackenzie, 2002. (v. 1.)<br />

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.<br />

GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a Antropologia. Tradução <strong>de</strong> Vera Ribeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge<br />

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GOERGEN, Pedro. Pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, Ética e Educação: polêmicas do nosso tempo. Campinas: Autores<br />

Associados, 2001.<br />

NOVAES, Adauto.(Org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura,<br />

2002.<br />

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Edição <strong>de</strong> Antonio Flávio Pierucci. São<br />

Paulo: Companhia das Letras, 2004.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 375


O Julgamento Sociomoral <strong>de</strong> Universitários Usuários <strong>de</strong> Maconha<br />

Resumo<br />

ALMEIDA, Eliane Sartorello <strong>de</strong><br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista – UNESP, CNPq.<br />

elianesartorello@yahoo.com.br<br />

O uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas ilícitas ou lícitas, entre os jovens, é um assunto que vem sendo muito<br />

discutido pela socieda<strong>de</strong>. Uma droga bastante comum em nossa socieda<strong>de</strong> é a maconha (cannabis sativa)<br />

e o consumo <strong>de</strong>sta substância, assim como o <strong>de</strong> outras drogas, po<strong>de</strong> ter consequências legais, sociais e<br />

físicas. O entendimento <strong>de</strong>sta conduta passa pelo conhecimento <strong>de</strong> dois pontos. O primeiro ponto diz<br />

respeito à autonomia moral; <strong>de</strong>screvemos o conceito <strong>de</strong> autonomia para a Filosofia e para a <strong>Psicologia</strong>. O<br />

segundo ponto se concentra na maconha; sua história; a conduta do usuário; e dados epi<strong>de</strong>miológicos do<br />

mundo, do Brasil, <strong>de</strong> São Paulo e do Ensino Superior; e, por fim, a investigação do uso em um campus<br />

universitário. Dentro da <strong>Psicologia</strong>, estudamos o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia baseados no trabalho <strong>de</strong><br />

Piaget e planejamos uma avaliação da mesma, baseados na moral judgment interview – MJI,<br />

<strong>de</strong>senvolvida por Kohlberg. A pesquisa foi realizada em duas etapas. Primeiro foi feito um levantamento<br />

do uso <strong>de</strong> diversas drogas entre 155 formandos; em seguida, selecionamos usuários e não-usuários e<br />

aplicamos a MJI para avaliar seu julgamento sóciomoral. Essa segunda etapa também contava com<br />

questões sobre uso abusivo <strong>de</strong> maconha que só foram respondidas por usuários. Os dados <strong>de</strong>monstraram<br />

que 23,3 % dos participantes fazem ou já fizeram uso <strong>de</strong> maconha. A entrevista <strong>de</strong>monstrou que a maioria<br />

dos alunos se encontra no Nível Convencional, mais especificamente no estágio 4 e que, dos usuários <strong>de</strong><br />

maconha, a maior parte não faz uso abusivo. O objetivo <strong>de</strong>ste artigo é apresentar e discutir os resultados<br />

<strong>de</strong>ssa pesquisa à luz das teorias <strong>de</strong> Piaget e Kohlberg.<br />

Palavras-chave: Autonomia. Maconha. Desenvolvimento moral.<br />

Abstract<br />

The use of licit or illicit psychoactive substances, among young people, is a subject which has been<br />

discussed by society. A very common drug in our society is marijuana (cannabis sativa), and the<br />

consumption of this substance, as well as the use of other legal or illegal drugs, may have legal, social and<br />

physical consequences. To un<strong>de</strong>rstand this behavior it is necessary to consi<strong>de</strong>r two points. The first point<br />

is about the moral autonomy; we <strong>de</strong>scribe the concept of autonomy to Philosophy and Psychology. The<br />

second point is centered in marijuana; its history; the user behavior; and epi<strong>de</strong>miological data from the<br />

world, from Brazil, from São Paulo and from College; and at last the research about the use in a college<br />

campus. In Psychology, we studied the <strong>de</strong>velopment of autonomy using the work of Jean Piaget and we<br />

planned an evaluation on the same subject based on the Moral judgment interview – MJI, <strong>de</strong>veloped by<br />

Kohlberg. The research was organized in two stages. In the first stage we did a survey of several drugs<br />

with 155 un<strong>de</strong>r graduation stu<strong>de</strong>nts; then, we selected users and non-users and applied the MJI to evaluate<br />

their socio-moral judgment. This second stage also had questions about the abusive use of marijuana,<br />

which were answered only by users. Data showed that 23, 3% of the participants do or at least once did<br />

use marijuana. The interview showed that stu<strong>de</strong>nts are at the Conventional level, most of them in the<br />

stage four, in which most of the marijuana users don’t make abusive use. The aim of this article is to<br />

present and discuss the results of this research based on the theories by Piaget and Kohlberg.<br />

Keywords: Sutonomy. Marijuana. Moral <strong>de</strong>velopment.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 376


Introdução<br />

O uso <strong>de</strong> drogas é uma questão que preocupa educadores, pais e socieda<strong>de</strong>. O envolvimento <strong>de</strong><br />

jovens com substâncias psicoativas – SPA po<strong>de</strong> prejudicá-los física e socialmente, incluindo o<br />

rendimento acadêmico.<br />

A maconha, cannabis sativa, é a droga ilícita mais usada no Brasil (CARLINI et al., 2005). A lei,<br />

nº 11.343, <strong>de</strong> 2006, acaba <strong>de</strong> <strong>de</strong>scriminalizar o uso da droga. Os estudos sobre esta droga são, na maioria,<br />

<strong>de</strong> cunho quantitativo, mostrando apenas a porcentagem <strong>de</strong> pessoas usando a droga, e não como elas<br />

vêem esta conduta. Este fato fez com que começássemos a nos interessar em saber como as pessoas que<br />

não usam drogas vêem os usuários, se existe preconceito e discriminação em relação a isso,<br />

principalmente na universida<strong>de</strong>, ambiente <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> e em que também levantam questões<br />

relacionadas à autonomia moral.<br />

É importante saber a influência da autonomia sobre a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> usar, ou não, as drogas, o modo<br />

como os estudantes lidam com os fatores <strong>de</strong> risco e as concepções que eles têm <strong>de</strong>ssa conduta.<br />

Fundamentação Teórica<br />

Elaboramos nossa pesquisa da seguinte forma: o primeiro ponto diz respeito à autonomia moral.<br />

Para se chegar a um conceito completo <strong>de</strong> autonomia, começamos pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Ética e Moral para a<br />

Filosofia, usamos o conceito <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> moral <strong>de</strong> Vazquez (1994); e ressaltamos a importância<br />

da teoria <strong>de</strong> Kant (1997), que serve também <strong>de</strong> ponte da conceituação para formação da autonomia, ou<br />

seja, partimos da Filosofia para a <strong>Psicologia</strong>. Dentro da <strong>Psicologia</strong>, estudamos o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

autonomia no trabalho <strong>de</strong> Piaget (1994) e a influência do sociólogo Durkheim (2001); abordamos a teoria<br />

<strong>de</strong> Turiel (1984) e, então, planejamos uma avaliação, baseados nos estudos <strong>de</strong> Kohlberg (1992).<br />

O segundo ponto estudado é a maconha. Concentramos-nos na história da legislação sobre drogas<br />

no Brasil até a atualida<strong>de</strong>: a <strong>de</strong>scriminalização do consumo. Traçamos um perfil do usuário, baseados nos<br />

estudos mais recentes. Os dados epi<strong>de</strong>miológicos partem do Brasil e chegam até a universida<strong>de</strong>,<br />

culminando na análise do uso entre os formandos da Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista - UNESP, São José<br />

do Rio Preto e na análise <strong>de</strong> seu julgamento moral.<br />

Objetivos<br />

O objetivo <strong>de</strong>sse trabalho era respon<strong>de</strong>r, basicamente, uma questão: Qual o nível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral <strong>de</strong> um universitário usuário <strong>de</strong> maconha? Para isso, entrevistamos alunos que já<br />

usaram ou usam a droga, utilizando a MJI (Moral Judgement Interview) e investigando também a análise<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 377


que eles fazem <strong>de</strong> sua própria conduta. O presente artigo tem, portanto, a função <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver<br />

sinteticamente nossa pesquisa e <strong>de</strong> discutir nossos resultados à luz das Teorias <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

Moral, salientando a importância <strong>de</strong>stas para a prevenção e tratamento da conduta <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> SPA nos<br />

meios educacionais.<br />

Metodologia<br />

Para cumprir nossos objetivos, a pesquisa foi dividida em duas partes. Primeiramente foi realizado<br />

um levantamento inicial com 155, <strong>de</strong> um universo <strong>de</strong> 393 formandos, do ano <strong>de</strong> 2007, dos cursos <strong>de</strong><br />

graduação oferecidos em um dos campi da Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista - UNESP que concordaram em<br />

respon<strong>de</strong>r ao questionário. Os dados revelaram que 119 alunos nunca experimentaram maconha e 36, sim.<br />

A entrevista sobre julgamento moral foi aplicada nos participantes dos dois grupos. Os pertencentes ao<br />

grupo A respon<strong>de</strong>ram, também, uma entrevista específica sobre uso abusivo <strong>de</strong> maconha.<br />

O campus universitário que estudamos possui nove cursos <strong>de</strong> graduação distribuídos pelas três<br />

gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> conhecimento; Humanida<strong>de</strong>s, Biológicas e Exatas; são cerca <strong>de</strong> dois mil alunos. Os<br />

participantes do levantamento inicial são formandos <strong>de</strong> quatro cursos <strong>de</strong> graduação: Ciência da<br />

Computação, Matemática, Letras (noturno e diurno) e Biologia. Cuidamos para que fossem abrangidas as<br />

três gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> conhecimento. Dos 155 participantes, 11 alunos eram especiais; alguns também<br />

formandos <strong>de</strong> outros cursos, e estavam presentes na aula quando aplicamos o instrumento.<br />

Instrumentos<br />

A primeira etapa consistiu numa avaliação composta <strong>de</strong> cinco partes:<br />

a) Variáveis sócio-<strong>de</strong>mográficas: nome, telefone, en<strong>de</strong>reço, curso, período, turma, ida<strong>de</strong> e sexo;<br />

b) Avaliação do nível sócio-econômico via critério Brasil (ALMEIDA e WICKERHAUSER, 1991);<br />

c) Religião;<br />

d) I<strong>de</strong>ntificação dos consumidores <strong>de</strong> álcool com o instrumento <strong>de</strong> teste <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />

Desor<strong>de</strong>ns Devido ao Uso <strong>de</strong> Álcool – AUDIT (BABOR et al, 1992);<br />

e) Avaliação do uso das sete drogas psicoativas mais utilizadas entre adultos jovens (álcool, tabaco,<br />

maconha, cocaína, crack, solventes e anabolizantes) e uma questão aberta para apresentar outra<br />

droga <strong>de</strong> que estivesse fazendo uso, ou já fizera. Foi <strong>de</strong>senvolvido baseado no questionário<br />

elaborado por Smart el al. (1982), sob auspícios da Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> - OMS, e que<br />

vem sendo utilizado com frequência em nosso país (por exemplo, ANDRADE et al., 1997;<br />

GALDURÓZ et al., 1997; KERR-CORRÊA et al., 2001).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 378


As variáveis socio<strong>de</strong>mográficas foram necessárias para a i<strong>de</strong>ntificação do aluno, que po<strong>de</strong>ria ser<br />

chamado futuramente para respon<strong>de</strong>r a entrevista, e também para uma avaliação da relação do nível<br />

socioeconômico e uso <strong>de</strong> SPA. Para essa avaliação, usamos o critério <strong>de</strong> ALMEIDA e ABA/ABIPEME<br />

(WICKERHAUSER, 1991).<br />

O AUDIT, usado para avaliar o consumo <strong>de</strong> álcool dos alunos, é um instrumento <strong>de</strong>senvolvido por<br />

um grupo <strong>de</strong> pesquisadores vinculados a OMS (BABOR et al., 1992), na década <strong>de</strong> 80; composto <strong>de</strong> 10<br />

questões, sua pontuação varia <strong>de</strong> 0 a 40; foi adaptado para o Brasil por Mén<strong>de</strong>z (1999), e vem sendo<br />

utilizado por diversos estudiosos como Martins (2006), Cruz (2006) e Lepre (2005).<br />

Para verificar o nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral dos universitários, que foram selecionados a par-<br />

tir do levantamento inicial, utilizamos a entrevista semi-estruturada <strong>de</strong> Kohlberg (MJI), na forma adapta-<br />

da por Lepre (2005). Cada parte da entrevista era estruturada com um dilema, seguido <strong>de</strong> questões disser-<br />

tativas. Esta entrevista pe<strong>de</strong> que o participante reflita sobre possíveis soluções para três dilemas morais e<br />

é composta <strong>de</strong> três versões paralelas: A, B e C. Em cada uma <strong>de</strong>ssas versões, aparecem valores morais em<br />

conflito. Assim como Lepre (2005), optamos pela forma A, por ser mais conhecida e por serem dilemas<br />

mais a<strong>de</strong>quados aos objetivos <strong>de</strong> nosso estudo. Na forma A, os valores em conflito são: vida/lei; morali-<br />

da<strong>de</strong>/consciência/castigo e contrato/autorida<strong>de</strong>. O segundo dilema, (moralida<strong>de</strong>/consciência/castigo) foi<br />

reelaborado, criando uma história que aborda uso <strong>de</strong> drogas, foi também adaptado <strong>de</strong> Lepre (2005) e<br />

acrescentamos uma quarta parte, sobre uso abusivo <strong>de</strong> maconha a ser respondida somente por alunos do<br />

grupo A.<br />

Os dados do levantamento inicial foram digitados em uma planilha eletrônica e, então, exportados<br />

para um programa <strong>de</strong> análises estatísticas (SPSS, 2003) no qual foram feitas todas as análises sobre<br />

condição socioeconômica, religião, ida<strong>de</strong>, consumo <strong>de</strong> álcool e <strong>de</strong> drogas. Este programa também foi<br />

usado para separar os dados dos alunos que respon<strong>de</strong>ram a entrevista.<br />

As respostas das entrevistas foram digitadas como texto e arquivadas, sem a i<strong>de</strong>ntificação dos<br />

alunos, que apenas foram divididos em usuários e não-usuários. Os três primeiros dilemas<br />

(contrato/autorida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>/consciência/castigo e vida/lei) foram analisados, segundo as teorias <strong>de</strong><br />

Piaget (1994) e Kohlberg (1992). Primeiramente, elaboramos quadros com as respostas resumidas dos 21<br />

entrevistados para cada uma das quatro partes da entrevista. Em seguida, criamos categorias para essas<br />

respostas e fizemos uma análise quantitativa, os resultados foram distribuídos em tabelas. Por fim,<br />

utilizamos os critérios piagetianos e neokantianos propostos por Kohlberg (1992) para avaliar normas,<br />

elementos e estágios.<br />

Este trabalho foi submetido ao Comitê <strong>de</strong> Ética e Pesquisa - CEP do Instituto <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 379


Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), campus da UNESP <strong>de</strong> São José do Rio Preto - SP que<br />

emitiu parecer favorável em 25 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2007. Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo<br />

<strong>de</strong> Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE e foram informados <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>sistir da pesquisa,<br />

caso se sentissem <strong>de</strong>sconfortáveis ou prejudicados. O mesmo comitê <strong>de</strong> ética aprovou o relatório com<br />

resultados da pesquisa em 13 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2008.<br />

Autonomia moral e uso <strong>de</strong> maconha<br />

Para Vazquez (2004), responsabilida<strong>de</strong> moral significa conhecimento das regras morais e<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prever as consequências que resultarão <strong>de</strong> seus atos, o indivíduo <strong>de</strong>ve praticar o ato livre <strong>de</strong><br />

qualquer coação, seja ela interna ou externa. Logo, se há conhecimento suficiente do contexto e <strong>de</strong> suas<br />

prescrições morais, se não há coação, o sujeito é plenamente autônomo para <strong>de</strong>cidir sobre seus atos.<br />

Piaget e seus seguidores, como Kohlberg (1992) e Turiel (1984), investigaram a formação da<br />

autonomia moral. Inspirado em concepções como a <strong>de</strong> Durkheim e <strong>de</strong> Kant, Piaget, em O juízo moral na<br />

criança (1994) investigou regras <strong>de</strong> jogos infantis, noção <strong>de</strong> justiça e responsabilida<strong>de</strong> em crianças e<br />

dividiu o <strong>de</strong>senvolvimento moral do ser humano em três fases: anomia (ausência <strong>de</strong> regras), heteronomia<br />

(respeito unilateral pelas regras morais) e autonomia (autogoverno).<br />

Baseado no trabalho <strong>de</strong> Piaget, Kohlberg (1992) investigou os níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral<br />

em adolescentes e adultos jovens, subdividindo os três níveis citados por Piaget (anomia, heteronomia e<br />

autonomia), em seis estágios.<br />

O primeiro nível é chamado Pré-Convencional, está relacionado a acontecimentos externos e<br />

resulta nos dois primeiros estágios: <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> heterônoma e <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> individualista. O estágio<br />

2, da moralida<strong>de</strong> individualista e instrumental, se caracteriza por uma perspectiva individualista concreta,<br />

há uma consciência <strong>de</strong> que cada pessoa tem seus próprios interesses e que esses po<strong>de</strong>m entrar em conflito,<br />

sendo assim, o moralmente correto é relativo.<br />

O segundo nível, Convencional, é caracterizado pela manutenção da or<strong>de</strong>m e das expectativas dos<br />

outros. No estágio três, moralida<strong>de</strong> normativa interpessoal, o indivíduo preocupa-se com a opinião dos<br />

outros e se comporta bem para manter uma boa imagem, para ser o “bom menino”. No estágio 4,<br />

moralida<strong>de</strong> do sistema social, há uma preocupação com a or<strong>de</strong>m social e submissão a uma autorida<strong>de</strong>.<br />

No nível 3, chamado Pós-Convencional, o sujeito, já i<strong>de</strong>ntificado com as regras da socieda<strong>de</strong>,<br />

começa pensar em valores que garantam os direitos e o bem-estar social. No estágio 5, moralida<strong>de</strong> dos<br />

direitos humanos, os valores morais se apoiam nas condutas e direitos compartilhados pelo grupo. O<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 380


estágio 6 é chamado o <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> princípios éticos universais, o sujeito consi<strong>de</strong>ra os direitos e<br />

<strong>de</strong>veres <strong>de</strong> cada um e aplica o imperativo categórico <strong>de</strong> Kant (2006) em suas ações morais (Kohlberg,<br />

1992).<br />

Quanto aos aspectos referentes à maconha, po<strong>de</strong>mos dizer que é uma droga que causa efeitos tanto<br />

físicos quanto psíquicos e estes são percebidos como agradáveis pela maioria dos usuários. Como efeitos<br />

físicos a literatura científica mostra que as pessoas po<strong>de</strong>m sentir taquicardia, tontura, retardo psicomotor,<br />

letargia, <strong>de</strong>pressão, dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> memória <strong>de</strong> curto prazo, alterações no raciocínio e concentração, mas<br />

não há um consenso sobre danos causados ao sistema nervoso a longo prazo (Marques e Ribeiro, 2006).<br />

O papel da escola na formação <strong>de</strong> um julgamento sociomoral e na conscientização sobre os<br />

prejuízos causados pelo uso <strong>de</strong> drogas é muito importante, tanto que o volume VIII, dos Parâmetros<br />

Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1996) prevê o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> Programas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e do<br />

estudo <strong>de</strong> Ética.<br />

Magalhães, Barros e Silva (1991) pesquisaram o padrão <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> maconha entre os universitários<br />

da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo e traçaram um perfil <strong>de</strong>sses jovens. O usuário padrão seria: homem, solteiro, <strong>de</strong><br />

nível socioeconômico alto e que consumiu pela primeira vez durante a adolescência. A pesquisa também<br />

pô<strong>de</strong> constatar que há um grupo padrão para os usuários, ou seja, os jovens que fumam, o fazem<br />

socialmente, geralmente em programas culturais, enquanto que os não usuários preferem ficar em casa,<br />

estudando e/ou vendo televisão. Esses mesmos pesquisadores, em uma pesquisa sobre a frequência do uso<br />

<strong>de</strong> maconha entre os universitários, concluíram que a maioria também usava álcool e tabaco e, cerca <strong>de</strong><br />

90% dos usuários, já experimentaram outra droga ilícita na vida. Pensando nesses dados, optamos por<br />

investigar universitários, que pelos dados encontrados se tornam um grupo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> e<br />

que estivessem se formando, ou seja, foram expostos por mais tempo aos fatores <strong>de</strong> risco que fazem parte<br />

do ambiente estudantil.<br />

Como dissemos no início do trabalho, nossa primeira questão era: qual o nível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral dos universitários que usam maconha? Analisando os dados das entrevistas,<br />

constatamos que: no primeiro dilema, as respostas mostram que 75% dos usuários se encontram no<br />

estágio 3, no segundo e no terceiro dilemas eles se encontram no estágio 4 (50% e 75% respectivamente).<br />

Baseados nesses dados, po<strong>de</strong>mos concluir, primeiro, que os entrevistados usuários <strong>de</strong> maconha se<br />

encontram em estágios avançados <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral; segundo, não há diferenças significativas<br />

no nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dos grupos A e B, lembrando que os grupos são <strong>de</strong> tamanho diferentes e<br />

terceiro, os usuários entrevistados não fazem uso abusivo <strong>de</strong> maconha.<br />

Os universitários do grupo A costumam fazer uso da maconha entre seus pares, porém,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 381


essa conduta <strong>de</strong> uso não é relevante para o grupo. Notamos também, pelas respostas, que a droga só os<br />

prejudica quando é misturada a outras drogas e, mesmo assim, não houve prejuízos acadêmicos, inclusive<br />

porque se trata <strong>de</strong> formandos.<br />

Em seu artigo “Redução <strong>de</strong> danos para o uso <strong>de</strong> cannabis”, Mac Era (apud SILVEIRA e<br />

MOREIRA, 2006) comenta que, o uso <strong>de</strong> maconha, geralmente, se inicia em grupos e que estes servem<br />

<strong>de</strong> reguladores, ou seja, em contato com usuários mais experientes, os novatos se informam sobre como<br />

usá-la <strong>de</strong> modo a não se prejudicar fisicamente ou atrapalhar suas ativida<strong>de</strong>s diárias.<br />

O contato com seus pares nas ‘rodas <strong>de</strong> fumo’ ajudaria os indivíduos a <strong>de</strong>senvolverem<br />

suas estratégias <strong>de</strong> consumo controlado. Pela troca <strong>de</strong> experiências os usuários<br />

apren<strong>de</strong>riam a distinguir as ativida<strong>de</strong>s em que a maconha servia como facilitadora,<br />

inspiradora ou complemento agradável, daquelas em que agia como perturbadora ou<br />

empecilho (SILVA E MOREIRA,2006, p. 366).<br />

Esses grupos se tornam importantes, também como meio <strong>de</strong> integração social, e mesmo que com o<br />

tempo a tendência seja a <strong>de</strong> se afastar, ou mesmo a <strong>de</strong> o grupo já não ser mais tão presente em sua vida<br />

social, os usuários continuam achando importante compartilhar experiências e o barato.<br />

Nesse momento a ‘roda <strong>de</strong> fumo’ <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser importante como ritual <strong>de</strong> controle, para<br />

ser substituída por sanções internalizadas, passando a ser comum o uso solitário (SILVA<br />

e MOREIRA,2006, p. 366).<br />

É importante que os educadores e pais fiquem muito atentos, quando forem tratar o uso <strong>de</strong> drogas,<br />

para alguns aspectos: primeiro, as drogas não po<strong>de</strong>m ser estudadas <strong>de</strong> modo geral, cada uma tem um<br />

perfil farmacológico e, portanto, diferentes modos <strong>de</strong> agir no organismo e afetar a saú<strong>de</strong>; segundo, mesmo<br />

que se atente a cada droga separadamente é muito importante que se distinga uso abusivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência<br />

e, por fim, nunca tratar a conduta com misticismo, preconceitos e autoritarismo, o diálogo e as<br />

informações, assim como troca aberta <strong>de</strong> experiências são fundamentais ao tratar o assunto. Como nosso<br />

trabalho se propõe a estudar mais especificamente a maconha, vamos fazer algumas consi<strong>de</strong>rações a<br />

respeito <strong>de</strong>la.<br />

A maconha, segundo a Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> - OMS é menos prejudicial que<br />

duas drogas lícitas: o tabaco e o álcool, portanto não há argumento nesse sentido para sua proibição ou<br />

restrição. Não há qualquer pesquisa que evi<strong>de</strong>ncie <strong>de</strong>pendência física <strong>de</strong> maconha e, mesmo a psicológica<br />

ainda não foi unanimemente aceita por ser subjetiva e variar <strong>de</strong>mais entre os usuários (MARQUES e<br />

RIBEIRO, 2006).<br />

Quando se trata <strong>de</strong> educação, retomamos a importância da educação moral, quando se trata<br />

<strong>de</strong> uso <strong>de</strong> drogas para dois fins: a prevenção e a intervenção. Antes <strong>de</strong> tudo, é preciso que se elaborem<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 382


ambos os programas fundamentados em princípios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia, porém, que se<br />

saiba diferenciar a aplicação <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les.<br />

Um programa <strong>de</strong> prevenção ao uso <strong>de</strong> maconha, por exemplo, po<strong>de</strong> ser elaborado retomando os<br />

conceitos <strong>de</strong> Vazquez (2004) sobre responsabilida<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> e os <strong>de</strong> Piaget (1994) sobre educação<br />

internacional e tendo como principal objetivo a redução ou exclusão dos fatores <strong>de</strong> risco. Já comentamos<br />

que os fatores <strong>de</strong> risco po<strong>de</strong>m ser biológicos, psicológicos ou sociais; pois bem, os dois primeiros estão<br />

muito ligados a hereditarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>vem ser tratados diferenciadamente, porém, os fatores sociais são<br />

mais amplos e, por isso, estão diretamente ligados à educação. São eles:<br />

1. Falta <strong>de</strong> estrutura familiar concreta: violência doméstica, abandono, carências materiais;<br />

2. Exclusão social e violência;<br />

3. Baixa escolarida<strong>de</strong>;<br />

4. Opções <strong>de</strong> lazer precárias ou falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversão;<br />

5. Pressão do grupo para o consumo;<br />

6. Ambiente permissivo ou estimulador para o consumo (MARQUES e RIBEIRO, 2006).<br />

Juntamente com os fatores sociais existem os fatores <strong>de</strong> proteção. No caso <strong>de</strong> fatores sociais, são<br />

consi<strong>de</strong>rados os que se opõem aos <strong>de</strong> risco, por exemplo: boa estrutura familiar, alta escolarida<strong>de</strong>,<br />

ambiente social saudável etc.<br />

Os fatores 1, 2 e 3 dizem respeito ao ambiente em que a criança cresce, extra-escolar, que muitas<br />

vezes não favorece o <strong>de</strong>senvolvimento moral <strong>de</strong>la, então, seria função da escola mostrar à criança que<br />

existem outros ambientes, fornecer a segurança e recursos (materiais e psicológicos) que a aju<strong>de</strong>m a não<br />

ser afetada por esse meio e, em situações mais graves, retirá-la <strong>de</strong> tal situação. Os fatores 4, 5 e 6 po<strong>de</strong>m<br />

ser reduzidos, ou totalmente excluídos, com o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia. A criança ou adolescente<br />

vai apren<strong>de</strong>ndo, com o auxílio da educação moral, a lidar com a pressão do grupo e com os ambientes<br />

estimuladores e a procurar opções <strong>de</strong> lazer que não envolvam uso <strong>de</strong> SPA ou qualquer outra coisa que<br />

possa trazer riscos a sua saú<strong>de</strong> física e mental. Em nossas entrevistas, nos chamaram a atenção as<br />

respostas <strong>de</strong> um participante do grupo B, classificado no estágio 5 do Nível Pós-Convencional (alto,<br />

portanto) que disse nunca ter tido vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar qualquer tipo <strong>de</strong> droga por não precisar <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

estímulo para se divertir.<br />

Por que você acha que Paulo consumiu álcool e maconha? (dilema 3, questão 4)<br />

Talvez porque viu os amigos fazendo isso e quis experimentar (B5).<br />

Se você fosse Paulo, o que faria?Por quê? (dilema 3, questão 5)<br />

Iria curtir a festa sem usar maconha, porque eu não acho que eu preciso alterar meu<br />

estado por meio da maconha para me divertir e também porque prometi que não faria<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 383


(B5).<br />

Retomando a teoria <strong>de</strong> Piaget (1994), po<strong>de</strong>mos construir um programa <strong>de</strong> prevenção baseado no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da autonomia. Para Piaget (1994), a moral não é homogênea porque nasce na socieda<strong>de</strong><br />

e esta também não é. O social é um conjunto <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> coação e cooperação. A socieda<strong>de</strong>, tal qual a<br />

criança passa por uma evolução, do respeito unilateral ao respeito mútuo, para chegar à autonomia.<br />

Nem as normas lógicas, nem as morais são inatas, é preciso construí-las. Esta construção só é<br />

possível com a interação entre os indivíduos. O indivíduo é dotado <strong>de</strong> estruturas que lhe permitem uma<br />

autonomia, mas por si só permanece egocêntrico. Só a cooperação leva à autonomia. Na escola, é<br />

necessário que a experimentação individual e a reflexão sejam estimuladas para o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

respeito mútuo e da autonomia e com esta, um autocontrole, um self-government, que leve à exclusão dos<br />

fatores <strong>de</strong> risco para a <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> drogas. Assim, retomamos também o conceito <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Vazquez (2004), pelo qual o indivíduo, para que tenha plena responsabilida<strong>de</strong> sobre suas ações, <strong>de</strong>ve<br />

ser livre <strong>de</strong> qualquer coação e po<strong>de</strong>r prever as consequências <strong>de</strong> seus atos; então, a escola, informando<br />

sobre drogas e seus possíveis prejuízos e, educando para a autonomia, formará um sujeito consciente.<br />

Já um programa <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong>ve visar principalmente à redução <strong>de</strong> danos. Em primeiro lugar,<br />

voltemos à Teoria <strong>de</strong> Domínios Sociais <strong>de</strong> Turiel (1984) e pensemos na conduta <strong>de</strong> uso fora do domínio<br />

moral, ou seja, não é porque a autonomia ajuda a prevenir abuso <strong>de</strong> substâncias que <strong>de</strong>vemos relacionar<br />

essa conduta à moralida<strong>de</strong>, ela se encontra no domínio pessoal. Portanto, um usuário não <strong>de</strong>ve ser visto<br />

como ser imoral. Em segundo lugar, ao se tratar com usuários é importante que se investigue se esse uso é<br />

mo<strong>de</strong>rado, nocivo ou pesado (<strong>de</strong>pendência). Para que se possa fazer essa avaliação, a OMS dispõe <strong>de</strong><br />

manuais <strong>de</strong> orientação, como o Guia prático sobre uso, abuso e <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas<br />

para educadores e profissionais da saú<strong>de</strong> (MARQUES e RIBEIRO, 2006). Por fim, para que se possa<br />

promover o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia é importante, antes verificar em que nível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento está o usuário, po<strong>de</strong>ndo ser aplicada a teoria <strong>de</strong> Kohlberg (1992), como fizemos no<br />

presente trabalho.<br />

Tomados esses cuidados, o programa <strong>de</strong>ve se concentrar na extinção dos fatores <strong>de</strong> risco, já<br />

citados, e que po<strong>de</strong>m ser tratados tanto com o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia, quanto com orientação<br />

psiquiátrica e medicação (no caso <strong>de</strong> fatores biológicos ou psicológicos); e, também, o fortalecimento dos<br />

fatores <strong>de</strong> proteção.<br />

Pesquisas recentes nos ajudaram a traçar um perfil do usuário <strong>de</strong> maconha, notamos algumas<br />

características <strong>de</strong>ste perfil que são comuns a nossa pesquisa e que estão ligadas a autonomia. Pesquisa<br />

realizada na UNESP (KERR-CORRÊA et al., 2001) mostrou que: morar em república, relatar que fez uso<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 384


antes <strong>de</strong> entrar na faculda<strong>de</strong> e ter amigos que não <strong>de</strong>saprovam o uso são alguns dos fatores <strong>de</strong> risco para o<br />

uso <strong>de</strong> maconha. Os estudantes, entrevistados por Coutinho et al. (2004), apontam fuga dos problemas<br />

como principal motivo <strong>de</strong> uso. Bom relacionamento com a família era predominante entre não usuários<br />

(PAVANI et al., 2007); os estudantes buscam prazer na droga, ou seja, mantém uma expectativa positiva<br />

em relação ao uso (FONSECA et al. 2007) o que po<strong>de</strong> ser mudado com mais informações e com o<br />

incentivo para obter prazer <strong>de</strong> formas mais saudáveis e autônomas. Todas essas características estão<br />

ligadas aos fatores <strong>de</strong> risco que tentamos reduzir ou excluir com o <strong>de</strong>senvolvimento moral.<br />

A redução <strong>de</strong> danos tem como objetivo reduzir progressivamente o uso da droga, seria uma<br />

consequência a mais da formação <strong>de</strong> autonomia e <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência que é objetivo do programa. O<br />

usuário <strong>de</strong>ve adquirir progressivamente controle sobre sua conduta, <strong>de</strong> modo que o prazer que encontre<br />

no uso, seja substituído por outras formas mais saudáveis <strong>de</strong> diversão.<br />

Conclusão<br />

Após concluir essa pesquisa <strong>de</strong> Mestrado, pensamos em reunir os dados <strong>de</strong>sse trabalho, sobre o<br />

julgamento moral <strong>de</strong> universitários usuários <strong>de</strong> maconha e dados <strong>de</strong> um trabalho anterior, um<br />

levantamento sobre aplicação do volume VIII dos PCN em escolas públicas <strong>de</strong> ensino médio<br />

(ALMEIDA, 2005) para, por fim, elaborar, num trabalho futuro, um programa <strong>de</strong> orientação para direção<br />

e professores sobre prevenção e intervenção sobre uso <strong>de</strong> maconha. Para isso, eles seguiriam as<br />

orientações do volume VIII, que trata <strong>de</strong> Ética e Programas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e cuidariam da educação moral ao<br />

mesmo tempo em que promoveriam estratégias especificas para lidar com a conduta <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> maconha.<br />

Os dados da pesquisa <strong>de</strong> Mestrado orientarão a aplicação <strong>de</strong> entrevistas e classificação dos estágios <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento dos alunos, servindo assim <strong>de</strong> base para o início dos projetos. Os instrumentos usados<br />

em nosso levantamento inicial po<strong>de</strong>rão ser usados para investigar conduta <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> SPA e, por fim, as<br />

teorias cognitivas fundamentarão as estratégias <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da moralida<strong>de</strong>.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 387


Concepção <strong>de</strong> Educação Moral <strong>de</strong> Estudantes <strong>de</strong> Pedagogia<br />

Resumo<br />

NICACIO SILVA. Sônia Bessa<br />

Centro Universitário Adventista <strong>de</strong> São Paulo<br />

Lpg/Fe/Unicamp<br />

COSTA. Erenita Maria Silva Costa<br />

Curso Pedagogia – UNASP-SP<br />

FERREIRA. Joselha Brandão<br />

LIMA, Luciana<br />

COSTA, Rebeca Bessa<br />

soniabessa@gmail.com<br />

Pesquisa <strong>de</strong> natureza qualitativa e quantitativa, investiga as concepções <strong>de</strong> educação moral e os<br />

procedimentos para a educação moral <strong>de</strong> estudantes concluintes do curso <strong>de</strong> pedagogia. Tem como<br />

referencial a <strong>Epistemologia</strong> genética <strong>de</strong> Jean Piaget e os trabalhos <strong>de</strong> seus colaboradores que <strong>de</strong>ram<br />

continuida<strong>de</strong> ao estudo do Conhecimento Social. Objetivou i<strong>de</strong>ntificar as representações <strong>de</strong> educação<br />

moral dos estudantes do último ano do curso <strong>de</strong> pedagogia e verificar quais são as representações <strong>de</strong><br />

procedimentos <strong>de</strong> educação moral. Para tanto foi constituída uma amostra <strong>de</strong> 71 estudantes do ultimo ano<br />

do curso <strong>de</strong> pedagogia. Com ida<strong>de</strong> entre 23 e 47 anos, sendo 5 do sexo masculino e 66 do sexo feminino.<br />

O instrumento proposto é uma pergunta tema que <strong>de</strong>verá ser respondida pela técnica <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s semânticas<br />

naturais, também chamada <strong>de</strong> “Técnica <strong>de</strong> Evocações Livres <strong>de</strong> Palavras” e permite reconhecer as<br />

representações sociais dos estudantes sobre o assunto em questão. A partir da análise dos dados verificouse<br />

que os futuros professores confun<strong>de</strong>m Procedimentos <strong>de</strong> Educação Moral e Educação Moral,<br />

utilizando o mesmo conceito para <strong>de</strong>finir as duas coisas. Os procedimentos <strong>de</strong> educação moral estão<br />

relacionadas a uma visão da Educação Tradicional, com ênfase nos conceitos empíricos <strong>de</strong> conhecimento<br />

exterior que <strong>de</strong>ve ser assimilado pelo sujeito, compreen<strong>de</strong>ndo uma aprendizagem que se dá do exterior<br />

para o interior. A concepção <strong>de</strong> educação moral e o que fazer para <strong>de</strong>senvolvê-la se restringe ao<br />

sentimento <strong>de</strong> Respeito, com ênfase na ação do professor quanto aos procedimentos e na atitu<strong>de</strong> do<br />

professor quanto a Educação Moral.<br />

Palavras-chave: Educação moral. Concepções. Professores.<br />

Abstract<br />

Search for qualitative and quantitative nature, investigates the moral conceptions of education and<br />

procedures for the moral education of stu<strong>de</strong>nts concluding. Course pedagogy. Its reference to genetic<br />

epistemology of Jean Piaget and the work of its employees who have continued the study of Social<br />

Knowledge. The objective was to i<strong>de</strong>ntify the representations of moral education for stu<strong>de</strong>nts of final year<br />

stu<strong>de</strong>nts of pedagogy and see what are the procedures for representations of moral education. The sample<br />

consisted of 71 stu<strong>de</strong>nts from last year of the course of education, ages ranging between 23 and 47 years,<br />

5 males and 66 females. The instrument consisted of a question that issue was answered by the technique<br />

of natural semantic networks, also called the "Free University of evocations of words" that allows to<br />

recognize the stu<strong>de</strong>nts' social representations on the matter. From the data analysis found that the teachers<br />

confuse procedures Moral Education and Moral Education, using the same concept to <strong>de</strong>fine the two. The<br />

procedures for moral education are related to a view of traditional education, with emphasis on the<br />

concepts of empirical knowledge that should be treated as outsi<strong>de</strong> the subject, including a learning that<br />

occurs outsi<strong>de</strong> to the insi<strong>de</strong>. The conception of moral education and what to do to <strong>de</strong>velop it is restricted<br />

to the sense of fulfillment, with emphasis on the action of the teacher as to the procedures and the attitu<strong>de</strong><br />

of the teacher in moral education.<br />

Keywords: Moral education. Design. Teachers.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 388


Introdução<br />

No início do século XX a psicologia estava lançando as bases, quando o epistemólogo suíço Jean<br />

Piaget voltava seu olhar para o estudo do conhecimento, que separou a filosofia no sentido <strong>de</strong> levá-lo,<br />

para o campo experimental da psicologia. A obra <strong>de</strong> Piaget o livro O Julgamento Moral na Criança<br />

escrito em 1932, influenciou quase todos os pesquisadores <strong>de</strong> psicologia moral neste século a começar<br />

por Lawrence Kohlberg que embora tomasse outros rumos como por exemplo a questão da justiça como<br />

eixo do <strong>de</strong>senvolvimento moral, é consi<strong>de</strong>rado por alguns como expressão sofisticada e necessária da<br />

obra <strong>de</strong> Piaget. Mas se for feito uma análise mais profunda da obra <strong>de</strong> Piaget po<strong>de</strong>-se dizer que ele<br />

pressentiu a complexida<strong>de</strong> do tema e tenha optado por outros mais relevantes naquele momento. Ou ainda<br />

como diz De La Taille (2002, p.18) “que o fenômeno moral é multifacetado e complexo”, no entanto isso<br />

não significa que a sua obra não tenha sido muito importante para a maioria dos pesquisadores. Cabe<br />

<strong>de</strong>stacar que os conceitos <strong>de</strong> moral e ética que predominaram até recentemente estão enraizados na visão<br />

judaico cristã <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres, mesmo para o próprio Piaget que terminou por transmitir isto aos<br />

<strong>de</strong>mais investigadores.<br />

Piaget estabeleceu a presença <strong>de</strong> duas morais na criança: a heteronomia e a autonomia. Embora<br />

esta última oponha-se à primeira do ponto <strong>de</strong> vista dos fundamentos, ela representa uma superação<br />

daquela: a autonomia po<strong>de</strong> substituir a heteronomia, mas, nesse caso, ela nasce da heteronomia que é o<br />

primeiro estágio do <strong>de</strong>senvolvimento moral. Estes conceitos <strong>de</strong> autonomia e heteronomia <strong>de</strong>rivaram <strong>de</strong><br />

Kant, Piaget acrescentou mostrando que estas duas morais são construídas durante o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

criança e que a evolução <strong>de</strong> uma sobre a outra <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> vários fatores, principalmente aqueles ligados<br />

as relações sociais em que a criança está inserida, conforme os relatos presente no livro O Julgamento<br />

Moral da Criança a respeito <strong>de</strong> diversos aspectos do <strong>de</strong>senvolvimento moral, em especial os relacionados<br />

ao juízo ou julgamento moral.<br />

Menin (2003), explicando Kant, diz que a vonta<strong>de</strong> dá dignida<strong>de</strong> ao ser humano: ele obe<strong>de</strong>ce<br />

somente aquilo que lhe faz um profundo sentido interno, isto é o auto-governo, ou autonomia. Na<br />

autonomia a obediência a uma regra se dá pela compreensão e concordância com sua valida<strong>de</strong> universal.<br />

Obe<strong>de</strong>cemos porque concordamos que os motivos para a ação po<strong>de</strong>riam tornar-se “leis universais” e seria<br />

um bem para todos, enquanto que na heteronomia a obediência a uma regra se dá pelo medo da punição<br />

ou pelo interesse nas vantagens a serem obtidas pessoalmente.<br />

Para Piaget a moral é oriunda do respeito que adquirimos às regras, mas esta começa no respeito<br />

que temos às pessoas que nos impõem tais regras. O respeito po<strong>de</strong> ser unilateral ou mútuo. Nesta<br />

perspectiva toda moral consiste num sistema <strong>de</strong> regras, e o mais importante não é possuir este ou aquele<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 389


valor moral, mas sim o motivo pelo qual aceitamos ou seguimos esses valores. A moralida<strong>de</strong>, portanto<br />

implica em refletir no por que seguir certas regras ou leis e não outras, mais do que simplesmente<br />

obe<strong>de</strong>cê-las. O mais importante não é se a criança obe<strong>de</strong>ce às or<strong>de</strong>ns do adulto ou cumpre as regras da<br />

classe, mas por que as cumpre.<br />

A Educação Moral<br />

De forma intencionada ou não a educação moral ocorre no ambiente escolar. Segundo Puig (1998,<br />

p.90) a moral diz respeito às relações interpessoais, a <strong>de</strong>veres e direitos, visa à harmonia social, e a<br />

educação tem por objetivo promover a autonomia moral. “A moralida<strong>de</strong> consiste em uma forma <strong>de</strong><br />

regular os comportamentos dos sujeitos para tornar possível uma convivência social ótima e uma vida<br />

pessoal <strong>de</strong>sejável”.<br />

Já em 1930, Piaget dizia que é nas relações interindividuais que as normas se <strong>de</strong>senvolvem: são as<br />

relações que se constituem entre a criança e o adulto ou entre ela e seus semelhantes que a levarão a<br />

tomar consciência do <strong>de</strong>ver e a colocar acima <strong>de</strong> seu eu essa realida<strong>de</strong> normativa em que consiste a moral.<br />

Quanto aos procedimentos da educação moral ele diz que esta não <strong>de</strong>verá ser uma matéria especial<br />

<strong>de</strong> ensino, mas um aspecto particular da totalida<strong>de</strong> do sistema, uma vez que a educação forma um todo e a<br />

ativida<strong>de</strong> que a criança executa com relação a cada uma das disciplinas escolares supõe um esforço <strong>de</strong><br />

caráter e um conjunto <strong>de</strong> condutas morais. Dessa forma a classe constitui uma associação <strong>de</strong> trabalho, e a<br />

vida moral está intimamente ligada a toda a ativida<strong>de</strong> escolar.<br />

Piaget (2005) estabeleceu um elo <strong>de</strong> ligação entre a educação intelectual e moral quando disse que<br />

a educação constitui um todo indissociável e que não se po<strong>de</strong> formar personalida<strong>de</strong>s autônomas no<br />

domínio moral se por outro lado o individuo é submetido a um constrangimento intelectual <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m<br />

que tenha <strong>de</strong> se limitar a apren<strong>de</strong>r por imposição sem <strong>de</strong>scobrir por si mesmo a verda<strong>de</strong>: se é passivo<br />

intelectualmente, não conseguirá ser livre moralmente.<br />

A educação moral, na perspectiva <strong>de</strong> Piaget, supõe que a criança possa fazer experiência morais e<br />

que a escola constitui um meio próprio para tais experiências, supõe um ambiente <strong>de</strong> colaboração e<br />

cooperação, uma vez que o <strong>de</strong>senvolvimento moral ocorre em função do respeito mútuo, além do respeito<br />

unilateral, a cooperação no trabalho escolar está apta a <strong>de</strong>finir-se como o procedimento mais fecundo <strong>de</strong><br />

educação moral. São os procedimentos ativos que vão proporcionar ocasião para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

moral. Piaget (2003, p. 22) diz que:<br />

Para apren<strong>de</strong>r a física ou a gramática, não há método melhor que <strong>de</strong>scobrir por si por<br />

meio <strong>de</strong> experiência ou análise <strong>de</strong> textos, as leis da matéria ou as regras da linguagem; do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 390


mesmo modo, para adquirir o sentido da disciplina, da solidarieda<strong>de</strong> e da responsabilida<strong>de</strong>,<br />

a escola ativa se esforça em colocar a criança numa situação tal que ela experimente<br />

diretamente as realida<strong>de</strong>s espirituais e discuta por si mesma, pouco a pouco, as leis constitutivas....<br />

O estudante <strong>de</strong>scobre as obrigações morais por uma experimentação verda<strong>de</strong>ira,<br />

envolvendo toda a sua personalida<strong>de</strong>.<br />

A cooperação constitui a condição indispensável à perfeição da razão e o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

consciência moral, pois sem o confronto com o outro, sem a cooperação intelectual e moral, ficamos<br />

circunscritos ao nosso egocentrismo “em certas condições, o outro é necessário: à tomada <strong>de</strong> consciência<br />

<strong>de</strong> si, à socialização e ao <strong>de</strong>senvolvimento da razão e da autonomia moral”. (PIAGET, 2003, p.57)<br />

Portanto as operações pelas quais chegamos ao que a consciência racional <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da socieda<strong>de</strong> porque a tese fundamental da psicologia genética <strong>de</strong> Piaget é que a<br />

criança tanto se constrói na interação com os objetos físicos, como na interação com as pessoas, é o meio<br />

físico e o social. Se o ambiente não favorece as interações sociais, o indivíduo não chegará a construir a<br />

suas estruturas <strong>de</strong> modo coerente, e po<strong>de</strong>rá privar o sujeito <strong>de</strong> libertar-se do seu ponto <strong>de</strong> vista<br />

egocêntrico, porque o indivíduo se corrige na medida em que procura reconsi<strong>de</strong>rar o seu ponto <strong>de</strong> vista,<br />

para não se contradizer frente aos outros. Piaget (1977, p. 164) diz que: “Assim como a objetivida<strong>de</strong>, a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprovação, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservar seu sentido das palavras e das i<strong>de</strong>ias, etc. são<br />

outras tantas obrigações sociais como condições do pensamento operatório”.<br />

Sem o confronto com o outro, sem a cooperação intelectual e moral, ficamos circunscritos ao<br />

nosso egocentrismo. Sem a ação <strong>de</strong> quem apren<strong>de</strong>, não ocorre processo <strong>de</strong> aprendizagem quanto ao<br />

crescimento dos esquemas mentais, no entanto sem a cooperação social, o individuo fica prisioneiro do<br />

seu egocentrismo <strong>de</strong>formador. Porque é a cooperação que permite o <strong>de</strong>scentramento. O outro é necessário<br />

à tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> si, à socialização e ao <strong>de</strong>senvolvimento da razão e da autonomia moral. A<br />

lógica não é inata no ser humano, mas se constrói em função das relações <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>, aparecendo<br />

como a forma <strong>de</strong> equilíbrio final das ações.<br />

Xypas (1997), citando Piaget, esclarece que quem nos leva a ser razoáveis, quem nos obriga a não<br />

nos contradizermos, a não <strong>de</strong>formar a verda<strong>de</strong> ao sabor da nossa fantasia, quem nos incita a argumentar<br />

racionalmente, a basear as nossas afirmações em fatos verificáveis, senão a objeção do outro, a<br />

observação critica, a censura <strong>de</strong> um pai, o comentário ou as perguntas do professor? Piaget insiste na<br />

interação social no <strong>de</strong>senvolvimento da consciência moral e da inteligência, da importância do outro na<br />

construção da pessoa.<br />

Consi<strong>de</strong>rando os procedimentos da educação moral e a perspectiva piagetiana para o seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento a presente pesquisa intenta i<strong>de</strong>ntificar as representações <strong>de</strong> educação moral <strong>de</strong> futuros<br />

professores da educação básica, bem como as representações dos procedimentos da educação moral<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 391


<strong>de</strong>stes. As representações são formas <strong>de</strong> conhecimento, uma espécie <strong>de</strong> organização psicológica, cópias<br />

da realida<strong>de</strong>, que circulam através da fala, gesto... fazem parte da vida <strong>de</strong> todos os indivíduos e envolve<br />

toda a socieda<strong>de</strong>, estando presente em qualquer tipo <strong>de</strong> situação social. As representações que o<br />

indivíduo fizer com base em seus valores e i<strong>de</strong>ias guiarão seu modo <strong>de</strong> agir, <strong>de</strong>cidir e respon<strong>de</strong>r aos<br />

acontecimentos. (Brenelli, 2006, p.91) As representações conduzem cada indivíduo à organização <strong>de</strong> uma<br />

realida<strong>de</strong> que tem como base um imaginário coletivo, diverso em cada tempo e espaço, mas que se<br />

transforma em um imaginário individual, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser também uma expressão do coletivo (Denegri<br />

1998 p.128).<br />

Neste sentido conhecer as representações dos estudantes <strong>de</strong> pedagogia sobre moralida<strong>de</strong><br />

e procedimentos da Educação Moral, po<strong>de</strong>rá mostrar-se útil aos futuros professores da Educação Básica.<br />

Portanto este trabalho tem como objetivo i<strong>de</strong>ntificar as representações <strong>de</strong> educação moral dos estudantes<br />

do quinto semestre do curso <strong>de</strong> pedagogia e i<strong>de</strong>ntificar as representações <strong>de</strong> procedimentos <strong>de</strong> educação<br />

moral comparando com o referencial piagetiano.<br />

Metodologia<br />

A presente pesquisa <strong>de</strong> natureza qualitativa e quantitativa investiga as concepções <strong>de</strong> educação<br />

moral e os procedimentos para a educação moral <strong>de</strong> estudantes concluintes do curso <strong>de</strong> pedagogia. Tem<br />

como referencial orientador a <strong>Epistemologia</strong> genética <strong>de</strong> Jean Piaget e os trabalhos <strong>de</strong> seus colaboradores<br />

que <strong>de</strong>ram continuida<strong>de</strong> ao estudo do Conhecimento Social. A pesquisa caracteriza-se como um estudo<br />

sobre a construção do conhecimento social tomando como recorte o <strong>de</strong>senvolvimento moral.<br />

Amostra<br />

A amostra constitui-se <strong>de</strong> 71 estudantes <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> pedagogia <strong>de</strong> Instituição <strong>de</strong> Ensino Superior<br />

da Região Sul da gran<strong>de</strong> São Paulo. Todos os estudantes são concluintes do curso <strong>de</strong> pedagogia com<br />

ida<strong>de</strong> entre 23 e 47 anos sendo 5 homens e 66 mulheres.<br />

Instrumento<br />

O instrumento proposto é uma pergunta tema respondida pela técnica <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s semânticas<br />

naturais. A re<strong>de</strong> semântica é o conjunto <strong>de</strong> conceitos eleitos pela memória através <strong>de</strong> um processo<br />

reconstrutivo que permite aos estudantes organizar um conhecimento, um plano <strong>de</strong> ação e avaliar<br />

subjetivamente os eventos hierarquicamente e permite reconhecer as representações sociais dos<br />

estudantes sobre o assunto em questão.<br />

O instrumento é composto <strong>de</strong> duas partes, e foi solicitado aos estudantes que <strong>de</strong>finissem mediante<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 392


a utilização <strong>de</strong> 10 palavras individuais: a) O que é educação moral; b) Como Ensinar a Educação Moral<br />

para crianças <strong>de</strong> 1ª a 4ª séries. Uma vez <strong>de</strong>finidas as palavras, em segundo momento, <strong>de</strong>verão<br />

hierarquizá-las assinalando com o número 1 (hum) a palavra mais próxima e mais relacionada à questão<br />

colocada. Valor J é <strong>de</strong>finido pelo tamanho da re<strong>de</strong>: resulta do total <strong>de</strong> palavras <strong>de</strong>finidoras que foram<br />

mencionadas pelos sujeitos. Valor M (peso semântico) é o resultado que se obtém como resultado da<br />

multiplicação da frequência <strong>de</strong> aparecimento das palavras que representam <strong>de</strong>finições dadas pelos<br />

sujeitos. O valor M é o indicador do peso semântico das palavras <strong>de</strong>finidoras. Conjunto SAM (núcleo) é<br />

o grupo <strong>de</strong> 15 palavras <strong>de</strong>finidoras que obtiveram os maiores valores totais (M) . Este é um indicador <strong>de</strong><br />

quais são as palavras <strong>de</strong>finidoras que estão <strong>de</strong> acordo com o núcleo central da re<strong>de</strong> M, ou seja, qual o<br />

significado do conceito para o grupo estudado. O Valor FMG (distância semântica): obtém-se para<br />

todas as palavras <strong>de</strong>finidoras que compõem o conjunto SAM, a distância semântica entre o conjunto <strong>de</strong><br />

significado varia <strong>de</strong> 20 a 25%. Este instrumento foi <strong>de</strong>senvolvido por Figueroa (1980), Bravo (1991) e<br />

Val<strong>de</strong>z (1998).<br />

Resultados<br />

Conceito <strong>de</strong> procedimentos da Educação Moral<br />

Para a interpretação dos dados foi utilizado critérios <strong>de</strong> organização propostos por FIGUEROA<br />

(1980), Bravo (1991), VALDEZ (1998) com o propósito <strong>de</strong> aproximar o estudo do significado<br />

diretamente com os indivíduos e a premissa proposta por ABRIC (2001) <strong>de</strong> que os termos que<br />

aten<strong>de</strong>ssem, ao mesmo tempo, aos critérios <strong>de</strong> evocação com maior frequência e nos primeiros lugares,<br />

supostamente teriam uma maior importância no esquema cognitivo do sujeito, ou seja, se configurariam<br />

como hipóteses <strong>de</strong> núcleo central da representação Social,<br />

O grupo <strong>de</strong> sujeitos entrevistados apresentaram informações que nos permite verificar uma re<strong>de</strong><br />

semântica heterogênea, dada a distribuição dos conceitos e com abundantes conceitos, o que po<strong>de</strong> ser<br />

verificado pelo Valor J (183) que representa o total <strong>de</strong> palavras <strong>de</strong>finidoras para o estímulo.<br />

A representação central para os Procedimentos da Educação Moral está <strong>de</strong>finida como respeito<br />

(100%), e “amor” aparece muito próximo (95%) como um atributo essencial para <strong>de</strong>finir os<br />

procedimentos da educação moral. Não aparecem atributos secundários que apoiem o núcleo central e os<br />

conceitos <strong>de</strong> “paciência ao ensinar” e “conversar” são tidos como significados dispersos. Os conceitos <strong>de</strong><br />

dar exemplo; fazer dinâmicas; histórias; músicas; falar <strong>de</strong> Jesus; <strong>de</strong>dicação; carinho; criativida<strong>de</strong>;<br />

responsabilida<strong>de</strong>; leitura e livros didáticos são representações individuais e apresentam baixo peso<br />

semântico em <strong>de</strong>corrência da heterogeneida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong>.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 393


Tabela 1 - conjunto SAM: Como ensinar Educação Moral para crianças <strong>de</strong> primeira a quarta<br />

série? e O que é Educação Moral?- Relação <strong>de</strong> 15 palavras <strong>de</strong>finidoras com maior índice <strong>de</strong> frequência<br />

<strong>de</strong> aparecimento.<br />

Pergunta estímulo: Como Ensinar Educação Moral para<br />

Crianças <strong>de</strong> Primeira a quarta série”?<br />

N = 15 Valor J = 183<br />

Palavras<br />

<strong>de</strong>finidoras<br />

Pergunta estímulo:<br />

O que é Educação Moral?<br />

N = 15 Valor J = 186<br />

Frequência FMG -% Palavras <strong>de</strong>finidoras Frequência FMG %<br />

Respeito 206 100 Respeito 497 100<br />

Amor 196 95 Amor 301 61<br />

Paciência ao<br />

ensinar 136 66 Ética 197 40<br />

conversar 125 61 Valores 174 35<br />

Dar exemplo 103 50 Educação 169 34<br />

Dinâmicas 95 46 Caráter 159 32<br />

Historias 94 46 Solidarieda<strong>de</strong> 104 21<br />

Musicas 93 45 Compromisso 99 20<br />

Falando <strong>de</strong> Jesus 82 40 Cidadania 82 16<br />

Dedicação 80 39 Princípios 81 16<br />

Carinho 77 37 Inclusão 79 16<br />

Criativida<strong>de</strong> 75 36 Consciência 77 15<br />

responsabilida<strong>de</strong> 73 35 Responsabilida<strong>de</strong> 68 14<br />

Leitura 71 34 Disciplina 65 13<br />

Livros didáticos 51 25 Honestida<strong>de</strong> 61 12<br />

A partir do conjunto SAM, foram construídos os núcleos centrais, periféricos, significados<br />

dispersos e opiniões pessoais <strong>de</strong> acordo com a percentagem atribuída.<br />

Tabela 2 - Núcleo central e periférico referente às representações <strong>de</strong> procedimentos da Educação<br />

Moral e o conceito <strong>de</strong> Educação Moral.<br />

Núcleo<br />

Central<br />

Núcleo<br />

periférico<br />

Significados<br />

dispersos<br />

Opiniões<br />

pessoais<br />

Representação<br />

Representação<br />

Procedimentos da Educação Moral<br />

O Que é Educação Moral<br />

Respeito<br />

Respeito<br />

Amor<br />

Paciência ao Ensinar<br />

Amor<br />

conversar<br />

Exemplo<br />

Dinâmicas<br />

Histórias<br />

Músicas<br />

Falando <strong>de</strong> Jesus Ética<br />

Valores<br />

Educação<br />

Caráter<br />

Solidarieda<strong>de</strong><br />

Compromisso<br />

Cidadania<br />

Dedicação<br />

Princípios<br />

Carinho<br />

Inclusão<br />

Criativida<strong>de</strong><br />

Consciência<br />

Responsabilida<strong>de</strong><br />

Responsabilida<strong>de</strong><br />

Leitura<br />

Leitura<br />

Livros didáticos<br />

Livros didáticos<br />

Tabela distributiva em que aparece o núcleo central e o periférico das representações, o<br />

significado <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les e as palavras representadas. (NC) Caracteriza a representação e lhe confere<br />

I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e estabilida<strong>de</strong>. Percentagem <strong>de</strong> 80 a 100%; núcleo periférico (N.P) Dá suporte e apoio ao<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 394


núcleo central, porém não representa o pensamento da amostra, atuam como coadjuvantes Percentagem<br />

<strong>de</strong> 60 a 79%; significados dispersos (S.D) Palavras soltas sem atributos essenciais, ou Secundários que<br />

não representam o núcleo central, mas que regulam e apoiam os elementos do núcleo central<br />

percentagem <strong>de</strong> 40 a 59% e opiniões pessoais (O.P) Congrega evocações que representam Opiniões<br />

pessoais e se apresentam <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> uma análise mais racional e caráter cientifico, com significados<br />

dispersos e isolados. Percentagem <strong>de</strong> 0 a 39%.<br />

Educação Moral<br />

Como na frase estímulo que <strong>de</strong>screve os procedimentos da Educação Moral, a re<strong>de</strong> semântica<br />

para o conceito <strong>de</strong> Educação Moral está igualmente dispersa e heterogênea, dada a distribuição dos<br />

conceitos, o que po<strong>de</strong> ser verificado pelo Valor J (186) com apenas 3 palavras a mais que para a primeira<br />

frase estímulo referente para os procedimentos.<br />

A representação central é a mesma encontrada na situação anterior, “Respeito” contudo a<br />

frequência <strong>de</strong> aparecimento é muito superior como po<strong>de</strong> ser verificado na tabela 3 o atributo essencial da<br />

representação é o conceito “respeito” (100%) que se sobressai aos <strong>de</strong>mais, não aparecendo nenhuma<br />

representação secundária que apoie o núcleo central. Como atributo <strong>de</strong> menor significância aparece o<br />

conceito <strong>de</strong> “amor”. As representações individuais aparecem com um número alto <strong>de</strong> palavras e baixo<br />

valor semântico, são elas ética, valores, educação, caráter, solidarieda<strong>de</strong>, compromisso, cidadania,<br />

princípios, inclusão, consciência, responsabilida<strong>de</strong>, leitura, livros didáticos. Como po<strong>de</strong> ser observado nas<br />

tabelas 1 e 3 a representação central está concentrada num único conceito para Educação Moral e<br />

Procedimentos da Educação Moral.<br />

Os dois conceitos apresentam uma distância semântica muito diferente em relação aos atributos<br />

essenciais, embora o conceito “amor” apareça seguido da representação central, nos dois estímulos, o<br />

valor semântico é bem diferente, 95% para procedimentos da Educação Moral e 61% para Educação<br />

Moral. Nas opiniões pessoais dos procedimentos da educação moral a distancia semântica é muito<br />

próxima uma da outra entre 50 e 25% como po<strong>de</strong> ser observado na tabela 1 e está concentrada em<br />

atributos ligados <strong>de</strong> fato a procedimentos que o professor <strong>de</strong>ve fazer, como realizar dinâmicas, contar<br />

histórias, falar <strong>de</strong> Jesus, ser responsável, criativo, organizar leituras, usar livros didáticos, embora<br />

apareça algumas opiniões em menor proporção ligadas a atitu<strong>de</strong>s como <strong>de</strong>dicação e carinho.<br />

Para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Educação Moral a distancia semântica entre as opiniões pessoais também são<br />

muito próximas entre 40 e 12% (tabela 3) e diferente dos procedimentos que tem como foco o fazer, esta<br />

concentra-se em atitu<strong>de</strong>s como, ser solidário, ter ética, ser um educador, ter compromisso, princípios, ser<br />

responsável, disciplinado, honesto, inclusivo, cidadão e ter valores.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 395


Os dados nos permitem dizer que a representação <strong>de</strong> Educação moral é exclusivamente “respeito”<br />

e os <strong>de</strong>mais conceitos que aparecem são apenas representações individuais.<br />

Discussão<br />

A re<strong>de</strong> semântica para os procedimentos da Educação moral está mais coerente quanto ao valor<br />

semântico do que a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação Moral. O núcleo central na primeira é respeito, o atributo essencial<br />

é amor e os conceitos <strong>de</strong> “ser paciente” e “conversar com o aluno” aparecem como núcleo secundário<br />

apoiando a representação <strong>de</strong> respeito e amor. Já no conceito <strong>de</strong> educação moral o conceito <strong>de</strong> respeito<br />

aparece como representação central, não tem conceitos essenciais e o conceito “amor” aparece como<br />

núcleo secundário, mas com uma distância semântica <strong>de</strong> 39% excluindo-o <strong>de</strong> atributo essencial e<br />

figurando como atributo <strong>de</strong> menor importância. Se <strong>de</strong>stacam as opiniões pessoais que representam quase<br />

todas as palavras <strong>de</strong>finidoras (13 em 15) a distribuição da frequência <strong>de</strong> aparecimento é <strong>de</strong>sproporcional<br />

em relação as duas frases estímulos. Quando o conceito “respeito” nos procedimentos da educação moral<br />

aparece 206 vezes, no conceito <strong>de</strong> educação moral aparece 497 vezes.<br />

Piaget (2005) <strong>de</strong>screve o respeito como um sentimento; ele diz que existem três espécies <strong>de</strong><br />

sentimentos ou <strong>de</strong> tendências afetivas capazes <strong>de</strong> interessar a vida moral e se apresentam inicialmente na<br />

constituição mental da criança. Em primeiro a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amor, que se manifesta em diversas e em<br />

muitas formas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o berço até a adolescência. Um sentimento <strong>de</strong> medo, em relação aos maiores e mais<br />

fortes que ele, tendência que <strong>de</strong>sempenha um papel importante nas condutas <strong>de</strong> obediência e<br />

conformismo utilizadas em graus diversos, por vários sistemas <strong>de</strong> educação moral e um terceiro<br />

sentimento que é um sentimento misto , composto simultaneamente <strong>de</strong> afeição e <strong>de</strong> temor cuja<br />

importância excepcional na formação da consciência moral é reconhecida por todos os moralistas.<br />

Segundo ele, para alguns o respeito constitui um estado afetivo <strong>de</strong>rivado e único no seu gênero e teria por<br />

objeto os outros indivíduos, como o amor ou o medo, mas se pren<strong>de</strong>ria diretamente aos valores e às leis<br />

morais.<br />

O respeito, ao mesmo tempo em que permanece suscetível <strong>de</strong> assumir secundariamente formas<br />

superiores, é antes <strong>de</strong> mais nada, um sentimento <strong>de</strong> indivíduo para indivíduo, e começa com a mistura <strong>de</strong><br />

afeição e <strong>de</strong> medo que a criança experimenta em relação aos pais e em relação aos adultos em geral. Não<br />

é possível saber se o conceito <strong>de</strong> respeito para os estudantes pesquisado tem o mesmo sentido proposto<br />

por Piaget. A representação social tanto <strong>de</strong> Procedimentos da Educação Moral quanto a Educação Moral<br />

em si são confundidas como sendo a mesma coisa pelo grupo, é possível pela distribuição dos conceitos<br />

diante das solicitações inferir que o conceito <strong>de</strong> “respeito” nos procedimentos da educação moral seja<br />

diferente do “respeito” que aparece na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Educação Moral.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 396


Nos procedimentos o conceito está relacionado a alguma coisa que os alunos <strong>de</strong>vem ter, ou que<br />

<strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>senvolvido neles, enquanto que na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Educação moral este seja visto como alguma<br />

coisa que o professor <strong>de</strong>ve ser possuidor, uma atitu<strong>de</strong> diante dos alunos. É possível que a concepção <strong>de</strong><br />

respeito proposta por Piaget (2005, p. 65) não seja a mesma <strong>de</strong>scrita pelos sujeitos que compõem a<br />

amostra, em especial na forma como se constrói o respeito, para que este se efetive tem que ser<br />

consi<strong>de</strong>rado também os processos <strong>de</strong> interação social, entre pares e não pares; porque a criança traz<br />

consigo todos os elementos necessários a elaboração <strong>de</strong> uma consciência moral e que esta não lhe é<br />

conferida já pronta, mas se elabora em estreita conexão com o meio social, estas serão formadoras “e não<br />

haverão <strong>de</strong> se restringir, como geralmente se acredita, a exercer influências mais ou menos profundas”<br />

Quanto à concepção <strong>de</strong> procedimentos da Educação Moral é perceptível, seja pelo núcleo central<br />

da representação, ou pelas opiniões pessoais, que o conceito <strong>de</strong> aprendizagem da amostra estudada é<br />

oriundo da visão tradicional, aquela concepção <strong>de</strong> sujeito passivo e <strong>de</strong> acumulação do conhecimento que<br />

remonta as pedagogias mais tradicionais, ou ainda aos conceitos empíricos <strong>de</strong> conhecimento exterior que<br />

<strong>de</strong>ve ser assimilado pelo sujeito, compreen<strong>de</strong>ndo uma aprendizagem que se dá do exterior para o interior.<br />

Se o conhecimento vem <strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro, como po<strong>de</strong> ser uma das interpretações das representações dos<br />

estudantes, é necessário que o professor seja atuante, proporcionando situações <strong>de</strong> intervenção que po<strong>de</strong>m<br />

se basear na exposição verbal ou <strong>de</strong>monstração.<br />

Nesta perspectiva a representação dos procedimentos morais estão distantes daqueles propostos<br />

pelos métodos ativos enfatizados por Piaget (2005) em que a escola e os educadores <strong>de</strong>vem preocupar-se<br />

com a formação <strong>de</strong> indivíduos capazes <strong>de</strong> refletir, discutir e solucionar os conflitos sociais e morais, por<br />

meio do diálogo, da busca <strong>de</strong> alternativas viáveis, da exposição <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, da coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong><br />

vista divergentes e da elaboração e reelaboração dos princípios e normas que regem a vida social.<br />

A disciplina imposta <strong>de</strong> fora ou sufoca toda personalida<strong>de</strong> moral, ou então pelo contrário, a<br />

prejudica mais do que favorece a formação; produz uma espécie <strong>de</strong> compromisso entre a camada exterior<br />

dos <strong>de</strong>veres ou das condutas conformista e um “eu” centralizado em si mesmo, porque nenhuma ativida<strong>de</strong><br />

livre e construtiva lhe facultou fazer uma experiência <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> com outros. Da mesma forma que<br />

o aluno po<strong>de</strong> recitar a sua lição sem que a compreenda, e substituir a ativida<strong>de</strong> racional pelo verbalismo,<br />

assim também a criança obediente é por vezes um espírito submetido a um conformismo exterior, mas<br />

que não se apercebe do alcance real das regras às quais obe<strong>de</strong>ce. (PIAGET, 2005, p.68)<br />

A cooperação proposta por Piaget não consegue se efetivar num ambiente em que o professor<br />

conduza todas as situações e <strong>de</strong>termine todos os procedimentos. Quando o educador cria situações e<br />

oportunida<strong>de</strong>s para que os estudantes efetuem tarefas em conjunto, ou trabalhos escolares em que estejam<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 397


implícitas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa, comparação, classificação, estará organizando um ambiente propício a<br />

interação, cooperação e a autonomia moral e intelectual.<br />

Conclusão<br />

Os sujeitos confun<strong>de</strong>m Procedimentos <strong>de</strong> Educação Moral e Educação Moral, utilizando o mesmo<br />

conceito para <strong>de</strong>finir as duas coisas.<br />

Os procedimentos <strong>de</strong> Educação Moral estão relacionados a uma visão da Educação Tradicional,<br />

com ênfase nos conceitos empíricos <strong>de</strong> conhecimento exterior que <strong>de</strong>ve ser assimilado pelo sujeito,<br />

compreen<strong>de</strong>ndo uma aprendizagem que se dá do exterior para o interior.<br />

A concepção <strong>de</strong> educação moral e o que fazer para <strong>de</strong>senvolvê-la se restringe ao sentimento <strong>de</strong><br />

Respeito, com ênfase na ação do professor quanto aos procedimentos e na atitu<strong>de</strong> do professor quanto a<br />

Educação Moral.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 399


Concepções <strong>de</strong> Ações Educativas <strong>de</strong> Pais <strong>de</strong> Adolescentes: Construção e Validação <strong>de</strong> Instrumento<br />

<strong>de</strong> Pesquisa<br />

Resumo<br />

CAETANO, Luciana Maria<br />

SOUZA, Maria Thereza C. C.<strong>de</strong><br />

Instituto <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da USP/ FAPESP<br />

luma.caetano@uol.com.br<br />

Para a teoria do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> Jean Piaget, o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> autonomia moral é o<br />

caminho <strong>de</strong> evolução possível para todo adolescente, que, <strong>de</strong>ve construir um plano <strong>de</strong> vida, o que<br />

significa organização autônoma das regras, afirmação da vonta<strong>de</strong> como regularização das tendências,<br />

inserção do jovem no mundo adulto. Para teoria piagetiana que tem uma abordagem <strong>de</strong>ontológica, o tema<br />

da moral diz respeito aos <strong>de</strong>veres, e, portanto, respon<strong>de</strong> as perguntas: como se <strong>de</strong>ve agir e o que se <strong>de</strong>ve<br />

fazer. Quais os conceitos dos pais e mães <strong>de</strong> adolescentes brasileiros a respeito do seu <strong>de</strong>ver como<br />

educadores <strong>de</strong> adolescentes? O objetivo da pesquisa é realizar um mapeamento dos estilos <strong>de</strong> ações<br />

educativas dos pais, especialmente, no que diz respeito a quatro construtos: obediência, respeito, justiça e<br />

autonomia. Analisar os conceitos e intervenções dos pais em relação a educação dos adolescentes,<br />

procurando apontar quais são as facilida<strong>de</strong>s, dificulda<strong>de</strong>s, tendências, encontros e <strong>de</strong>sencontros dos<br />

mesmos nas relações com seus filhos, conduz a um mapeamento das atitu<strong>de</strong>s educativas, buscando<br />

apontar os aspectos nos quais os genitores acertam ou erram na proposta <strong>de</strong> educar para a autonomia<br />

moral. A pesquisa que se apresenta é parte <strong>de</strong> uma investigação <strong>de</strong> doutorado em andamento, e <strong>de</strong>sta<br />

forma, os resultados são parciais.<br />

Palavras-chave: Relação pais e filhos. Moralida<strong>de</strong><br />

Abstract<br />

According to Piaget’s moral <strong>de</strong>velopment theory the autonomy construction is the possible evolution way<br />

for the adolescent through free rules organization, purpose affirmation as ten<strong>de</strong>ncies regularization and<br />

the entrance into the adult’s word. The concept of autonomy is <strong>de</strong>fined in the contextual relationship, in<br />

other worlds, through the cooperative interaction. The aim of this process is the construction of one’s self<br />

adapted to social. For this theory – which has a <strong>de</strong>ontological approach – the theme of moral regards to<br />

duties and so answers to the question: how must one act? This research is part of an investigation of<br />

doctorate in course and so its results are still partial having as its main questions: What are the concepts of<br />

Brazilian parents’ about their obligations as teenagers’ educators? What do parents think about their<br />

participation on the construction of their adolescent children’s moral autonomy? What kind of<br />

interventions sustains the relationship between parents and teenagers? The aim of this research is<br />

mapping out the educative work of parents, concerning specially to four constructs: obedience, respect,<br />

justice and autonomy. The analysis of parents’ concepts tries to point out to the difficulties and the<br />

facilities in their proposal to educate their teenagers for moral autonomy.<br />

Keywords: Parent-adolescent relationships. Morality.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 400


Introdução<br />

Esse trabalho apresenta uma proposta <strong>de</strong> pesquisa em andamento, cujo objetivo é construir e<br />

validar um novo instrumento <strong>de</strong> avaliação psicológica, que mensure os conceitos <strong>de</strong>terminantes da<br />

intervenção dos genitores no processo <strong>de</strong> construção da personalida<strong>de</strong> moral dos filhos, apoiado e<br />

convergente com o referencial teórico fundamental <strong>de</strong>sse trabalho que é a teoria do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

moral <strong>de</strong> Jean Piaget (1930, 1932, 1948, 1954, 1964, 1966).<br />

A evolução da moralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, segundo o autor, das relações que se estabelecem com o<br />

outro: quando os adultos mantêm com as crianças relações <strong>de</strong> coação, as crianças são vencidas<br />

interiormente pelo po<strong>de</strong>r exacerbado do adulto e não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ssa forma construir seus próprios pontos<br />

<strong>de</strong> vista, distinguir o que é certo ou errado na própria atitu<strong>de</strong> e na <strong>de</strong> seus genitores, o que lhes<br />

impossibilitará a superação da moral heterônoma. Por outro lado, quando o sujeito constrói o respeito<br />

mútuo e os princípios <strong>de</strong> justiça como <strong>de</strong>ver, e as regras são fundamentadas em tais princípios e<br />

cumpridas por opção racional <strong>de</strong> tais sujeitos, um outro nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral é atingido, a<br />

autonomia.<br />

Sabe-se que o contexto das relações dos adolescentes com os pais tem sido foco <strong>de</strong> interesse<br />

crescente <strong>de</strong>ntre os diversos sub-temas dos estudos do <strong>de</strong>senvolvimento do adolescente (Steinberg ;<br />

Morris, 2001) e, portanto, abordado por diversas teorias, sendo que, <strong>de</strong>sse modo, o consenso não é a<br />

tônica nesse tema.<br />

Conforme os autores citados anteriormente e outros revisores do tema (como Maccoby e Martin<br />

(1983), Montemayor (1983), Grotevant e Cooper (1986), Petersen (1988), Lopes (1994), Turiel (1998),<br />

Laursen, Coy e Collins, (1998), entre outros), o gran<strong>de</strong> tema norteador das pesquisas da relação pais e<br />

filhos, diz respeito ao processo da vinculação e separação.<br />

As revisões teóricas afirmam que a teoria psicanalítica li<strong>de</strong>rou os trabalhos sobre o tema nas<br />

décadas <strong>de</strong> 50 e 60. A teoria psicanalítica é a responsável por caracterizar a fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

chamada <strong>de</strong> adolescência como um período <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong> e tormenta. Portanto, conceitos como, rebelião<br />

dos adolescentes e conflito <strong>de</strong> gerações, são agregados como características complementares da fase.<br />

Tanto para Anna Freud (1936), Erick Ericson (1968), Peter Bloss (1979), cujas teorias são até hoje<br />

estudadas <strong>de</strong>vido a sua relevância para a temática, a questão da crise e do conflito com os pais, permanece<br />

como ponto comum entre as teorias. Além <strong>de</strong> se tratar do caminho para a constituição da vida adulta.<br />

Ainda em se tratando das diferentes formas <strong>de</strong> compreensão da relação pais e filhos, segundo<br />

Grotevant e Cooper (1986), algumas pesquisas buscaram a tendência oposta: a inexistência <strong>de</strong> conflitos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 401


entre pais e filhos. Porém tais pesquisas não tiveram relevância <strong>de</strong>vido às insuficiências metodológicas<br />

das mesmas. Outros esforços, mais significativos, são ilustrados pelas pesquisas que investigam o papel<br />

da família como um contexto social que influencia o <strong>de</strong>senvolvimento do adolescente. Grotevant e<br />

Cooper (1986), Petersen (1988), Silverberg e Steinberg (1987), Steinberg e Morris (2001).<br />

Os estudos da socialização do adolescente no contexto familiar, especialmente nas décadas <strong>de</strong> 80 e<br />

90, pesquisas essas originadas na abordagem comportamental. O maior objetivo <strong>de</strong>ssas pesquisas é<br />

compreen<strong>de</strong>r quais são as formas mais a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> educar para garantir: a saú<strong>de</strong> mental dos<br />

adolescentes e dos pais, e o progresso no <strong>de</strong>senvolvimento dos primeiros (Bandura,1967).<br />

As pesquisas <strong>de</strong> estilos e práticas parentais tiveram em Baumrind (1966) a pesquisadora mais<br />

reconhecida da temática. Os mo<strong>de</strong>los propostos por ela, tratam <strong>de</strong> comportamentos singulares <strong>de</strong><br />

comportamentos emitidos pelos pais no processo <strong>de</strong> educação e socialização dos filhos, Tais mo<strong>de</strong>los<br />

impulsionaram o surgimento <strong>de</strong> um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> pesquisas interessadas no estudo e<br />

classificação das condutas paternas, e suas consequências para o <strong>de</strong>senvolvimento do adolescente.<br />

Todavia, enten<strong>de</strong>-se que, as abordagens psicanalítica e comportamental <strong>de</strong>finem o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral através das interações com o meio social: pela introjeção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los, ou através<br />

do apriorismo das escolhas dos estilos e das práticas parentais. Mas, o elemento essencial da teoria <strong>de</strong><br />

Piaget é <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado pelas abordagens referidas: a ação do sujeito.<br />

Ao se falar <strong>de</strong> construção da autonomia moral, faz-se imediatamente a opção pela teoria piagetiana<br />

do juízo moral. Para o autor, construção é a concepção básica do seu mo<strong>de</strong>lo epistemológico e implica em<br />

auto-organização. Com relação ao <strong>de</strong>senvolvimento moral, a teoria piagetiana tem uma abordagem<br />

<strong>de</strong>ontológica, isto é, o tema da moral diz respeito aos <strong>de</strong>veres, e, portanto, respon<strong>de</strong> as perguntas: como se<br />

<strong>de</strong>ve agir e o que se <strong>de</strong>ve fazer.<br />

Dessa forma, a presente pesquisa busca ser fiel a uma abordagem teórica que compreen<strong>de</strong> o<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento como fruto <strong>de</strong> uma construção ativa do sujeito. Assim, enten<strong>de</strong> a<br />

necessida<strong>de</strong> da investigação do contexto familiar como espaço para a cooperação, reciprocida<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da autonomia do adolescente.<br />

As pesquisas mais recentes, como as pesquisas <strong>de</strong> Youniss (1980 e 1983) e Youniss e Smollar<br />

(1985), classificadas por uma abordagem cognitivista, compreen<strong>de</strong>m as relações, inclusive as relações<br />

parentais, como um meio para alcançar a autonomia. As relações têm um objetivo próprio: auxiliam o<br />

adolescente a se auto-conhecer, ampliar o <strong>de</strong>senvolvimento do seu raciocínio e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 402


Tais autores chamam a atenção para o fato <strong>de</strong> que, o crescimento do self não precisa ser<br />

incompatível com as relações. Essa pesquisa não acredita no conflito como premissa, mas aponta para o<br />

resultado <strong>de</strong> que os adolescentes mantêm <strong>de</strong>finida uma conexão com os pais. Reconhecem o papel <strong>de</strong>les<br />

em sua vida. Os respeitam como pais na medida em que sentem que os adultos se preocupam com o seu<br />

bem-estar.<br />

Smetana (1989) ao investigar o raciocínio da família e do adolescente sobre o conflito, observa<br />

que: pais e filhos têm concepções diferentes sobre as situações <strong>de</strong> conflito; os pais avaliam os conflitos<br />

segundo domínios convencionais e os filhos <strong>de</strong> acordo com domínios pessoais; nos primeiros anos da<br />

adolescência, os jovens brigam mais com os pais, assim como os sofrimentos são maiores para ambos.<br />

Quanto <strong>de</strong>senvolvimento moral po<strong>de</strong>-se citar o estudo longitudinal <strong>de</strong> Walker e Taylor (1991), que<br />

utilizando a Entrevista <strong>de</strong> Julgamento Moral <strong>de</strong> Kohlberg (1987), e a discussão <strong>de</strong> dilemas hipotéticos em<br />

família, chegam à conclusão que os adolescentes necessitam <strong>de</strong> uma intervenção <strong>de</strong> seus familiares que<br />

ao mesmo tempo lhes dêem apoio e seja <strong>de</strong>safiadora para que possam construir a autonomia. Po<strong>de</strong>-se<br />

afirmar que, o progresso do nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral dos adolescentes, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, entre outros<br />

fatores, <strong>de</strong> uma interação com os pais que se fundamente no diálogo e na troca <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista, para<br />

que a cooperação conduza a autonomia.<br />

Esse é o conceito <strong>de</strong> autonomia <strong>de</strong> Piaget (1932), que é <strong>de</strong>finida no contexto relacional, ou seja, a<br />

partir da vivência da cooperação, ao invés da individualida<strong>de</strong>. O objetivo maio <strong>de</strong>sse processo é a<br />

construção <strong>de</strong> um eu adaptado ao coletivo. Infelizmente, o número <strong>de</strong> pesquisas que investigam a relação<br />

pais e filhos na abordagem cognitivista é consi<strong>de</strong>rável pequeno.<br />

A pergunta que sustenta essa pesquisa é: O que pensam os pais a respeito da sua participação na<br />

construção da autonomia moral dos seus filhos adolescentes? Que tipo <strong>de</strong> intervenções sustentam as<br />

relações entre pais e adolescentes? O objetivo da pesquisa é realizar um mapeamento dos estilos <strong>de</strong><br />

educação dos pais, especialmente, no que diz respeito a quatro construtos: obediência, respeito, justiça e<br />

autonomia.<br />

O respeito mútuo é próprio da relação entre iguais, portanto implica na reciprocida<strong>de</strong>, e a relação<br />

entre pais e filhos não é recíproca, pois é uma relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> pela presença da autorida<strong>de</strong>. O<br />

respeito unilateral tem a sua importância para a construção, enquanto gênese da moralida<strong>de</strong> na criança.<br />

Logo, se os pais abdicam <strong>de</strong> seu papel enquanto fonte e mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regras, as crianças permanecem na<br />

anomia. Por outro lado, se os pais insistem na heteronomia, negando-se a dialogarem com seus filhos, e<br />

inclusive fazendo-se valer <strong>de</strong> ofensas, sob o pretexto <strong>de</strong> educá-los, estarão reforçando através do respeito<br />

unilateral, a permanência do sujeito na heteronomia, através <strong>de</strong> relações interindividuais fundamentadas<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 403


na coação.<br />

Parece que muitos pais ainda acreditam que a melhor forma <strong>de</strong> se fazerem obe<strong>de</strong>cer pelos seus<br />

filhos ainda é a imposição da sua autorida<strong>de</strong>, através dos gritos, das ameaças, dos castigos físicos, pois<br />

admitem que, <strong>de</strong>ssa forma, as crianças enten<strong>de</strong>m quem manda, sentem medo e cumprem os seus <strong>de</strong>veres.<br />

Essa forma <strong>de</strong> relação interindividual fundamentada na coação tem um formato <strong>de</strong> educação na qual o<br />

adulto impõe ao jovem o que <strong>de</strong>ve ser feito, mediante consequências positivas e negativas para a<br />

<strong>de</strong>sobediência ou para a obediência, sendo a tendência <strong>de</strong> que o filho obe<strong>de</strong>ça por medo ou por afeto e<br />

que se mol<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse modo aos pais, imitando-os.<br />

O sentimento <strong>de</strong> justiça em Piaget (1932/1994) é a lei <strong>de</strong> equilíbrio das relações. As noções <strong>de</strong><br />

justo e injusto são elaboradas pela criança e se <strong>de</strong>senvolvem normalmente à revelia da interferência do<br />

adulto, como fruto das relações <strong>de</strong> cooperação. A justiça que os pais ensinam aos seus filhos é muito mais<br />

aquela que os seus atos revelam na convivência e nas relações diárias, que a justiça pregada ou<br />

verbalizada nas lições <strong>de</strong> moral. Quanto às punições se constituem na questão mais difícil para a relação<br />

pais e filhos. Somente as sanções por reciprocida<strong>de</strong>, que fazem compreen<strong>de</strong>r ao culpado o significado <strong>de</strong><br />

sua falta são a<strong>de</strong>quadas, porque para esse tipo <strong>de</strong> sanção há relação <strong>de</strong> conteúdo e <strong>de</strong> natureza entre falta e<br />

punição. Na fase da adolescência, o jovem está buscando a construção da sua personalida<strong>de</strong>, enquanto a<br />

construção <strong>de</strong> um eu que se percebe diferente dos outros.<br />

Especialmente em relação aos pais, o jovem busca intensamente essa separação, na medida em<br />

que, durante a infância o “eu” dos pais representou para ele um ego i<strong>de</strong>al. Cabe aos pais serem então<br />

cooperadores com essa construção afinal, o objetivo máximo <strong>de</strong>ssa construção é exatamente a inserção do<br />

jovem no mundo adulto, ou seja, quando os pais <strong>de</strong>finitivamente cumprem o seu papel <strong>de</strong> educadores para<br />

com o mundo, entregando-lhes um recém-chegado saudável e com boas intenções para com esse mundo.<br />

Portanto, o caminho para a construção da autonomia moral dos adolescentes pressupõe a liberda<strong>de</strong><br />

e a ausência da autorida<strong>de</strong>, e cabe mesmo aos pais buscarem uma nova forma <strong>de</strong> interação com os jovens.<br />

O resultado dos conflitos entre pais e filhos na adolescência <strong>de</strong>ve resultar na reconstrução <strong>de</strong> relações<br />

fundamentadas na reciprocida<strong>de</strong> e na mutualida<strong>de</strong>.<br />

A pergunta que sustenta essa pesquisa é: O que pensam os pais a respeito da sua participação na<br />

construção da autonomia moral dos seus filhos adolescentes? Que tipo <strong>de</strong> intervenções sustentam as<br />

relações entre pais e adolescentes? O objetivo da pesquisa é realizar um mapeamento dos estilos <strong>de</strong><br />

educação dos pais, especialmente, no que diz respeito a quatro construtos: obediência, respeito, justiça e<br />

autonomia.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 404


A proposta <strong>de</strong>ssa pesquisa, por fundamentar-se na teoria piagetiana, faz a opção pela construção<br />

<strong>de</strong> um novo instrumento, que possa investigar essa dimensão da cooperação na relação pais e filhos,<br />

assim, como instrumento, essa investigação se utiliza <strong>de</strong> uma escala com assertivas para cada construto:<br />

respeito, obediência, justiça e autonomia. Tal escala foi elaborada pela própria autora e teve suas<br />

assertivas validadas teoricamente por juízes, especialistas na área do <strong>de</strong>senvolvimento moral e avaliação<br />

psicológica. A pesquisa busca uma abrangência nacional, trazendo dados das regiões norte, nor<strong>de</strong>ste,<br />

centro-oeste, su<strong>de</strong>ste e sul do Brasil. Os resultados apresentados são ainda parciais.<br />

Analisar os conceitos e intervenções dos pais em relação as suas atitu<strong>de</strong>s educativas, para os<br />

quatro construtos: respeito, obediência, justiça e autonomia; tem como objetivo apontar quais são as<br />

facilida<strong>de</strong>s, dificulda<strong>de</strong>s, tendências, encontros e <strong>de</strong>sencontros dos pais nas relações com seus filhos<br />

adolescentes. O mapeamento das atitu<strong>de</strong>s educativas busca encontrar os aspectos nos quais os genitores<br />

acertam ou erram na proposta <strong>de</strong> educar para a autonomia moral.<br />

A justificativa da proposta <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um novo instrumento é:<br />

1- A escassez <strong>de</strong> instrumentos voltados para a temática da moralida<strong>de</strong>, especialmente, pelo fato <strong>de</strong><br />

se preten<strong>de</strong>r a originalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um instrumento coerente com a teoria piagetiana do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

moral;<br />

2- A constituição <strong>de</strong> um instrumento que possibilite abordar uma amostragem consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong><br />

participantes e realizar também um tratamento estatístico que garanta à pesquisa a análise quantitativa e a<br />

generalização <strong>de</strong> seus resultados.<br />

O processo <strong>de</strong> construção e validação seguiu os seguintes passos:<br />

1- Construção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> escala com assertivas fundamentadas na teoria do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong> moral. A principal dimensão do mo<strong>de</strong>lo são as relações interpessoais<br />

entre pais e filhos, e quatro são os construtos que <strong>de</strong>finem as formas <strong>de</strong> participação dos pais na formação<br />

da personalida<strong>de</strong> moral <strong>de</strong> seus filhos: respeito, obediência, autonomia e justiça, sendo que para cada um<br />

<strong>de</strong>sses constructos são elaboradas assertivas que se referem a:<br />

a- Uma escala com assertivas para cada constructo (respeito, obediência, autonomia e justiça), na<br />

qual são trabalhados aspectos que apontam para o conceito dos pais a respeito <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses itens,<br />

bem como a investigação <strong>de</strong> como interagem com os seus filhos adolescentes enquanto pares <strong>de</strong> uma<br />

relação <strong>de</strong> cooperação com os mesmos.<br />

b- Os participantes avaliarão as respectivas assertivas atribuindo notas <strong>de</strong> 1 a 7 pontos (que<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 405


epresentam respectivamente as opções discordo totalmente a concordo plenamente).<br />

2- O mo<strong>de</strong>lo acima referido foi submetido a um processo <strong>de</strong> validação teórica, ou seja, a escala foi<br />

avaliada por juízes (doutores em moralida<strong>de</strong> e psicometria) cujo trabalho foi: apontar sugestões e<br />

questionamentos a respeito do formato das escalas; realizar a checagem do conteúdo dos constructos, <strong>de</strong><br />

modo que se alcance uma concordância <strong>de</strong> no mínimo 75%.<br />

3- Essa nova ou segunda versão do mo<strong>de</strong>lo foi aplicada em 10 participantes (pais e mães <strong>de</strong><br />

adolescentes) cujo resultado foi à validação semântica do mo<strong>de</strong>lo.<br />

4- A pesquisadora proce<strong>de</strong>u à construção <strong>de</strong> um crivo, que apresenta as respostas corretas para os<br />

instrumentos, a partir da teoria que fundamenta a pesquisa.<br />

5- Essa versão do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> avaliação psicológica foi aplicada em um número <strong>de</strong> 24 participantes<br />

(12 pais e 12 mães), com o objetivo <strong>de</strong> realizar um pequeno estudo piloto.<br />

6- A versão <strong>de</strong>finitiva do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> avaliação psicológica <strong>de</strong>verá ser aplicada em um número<br />

aproximado <strong>de</strong> 800 sujeitos, cujas características são: pais e mães <strong>de</strong> adolescentes (<strong>de</strong> 12 a 20 anos).<br />

7- Finalmente os dados colhidos a partir da pesquisa empírica, serão submetidos a um estudo <strong>de</strong><br />

valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> precisão: validação estatística, sendo a Análise Fatorial Confirmatória (Siegel e Castellan,<br />

2006), o instrumento escolhido para tal validação.<br />

A presente proposta <strong>de</strong> pesquisa preten<strong>de</strong> a partir da construção e validação <strong>de</strong> tal instrumento <strong>de</strong><br />

avaliação psicológica respon<strong>de</strong>r às seguintes questões: O que pensam os pais a respeito da sua<br />

participação na construção da autonomia moral dos seus filhos adolescentes? Que tipo <strong>de</strong> intervenções<br />

sustentam as relações entre pais e adolescentes?<br />

A pesquisa preten<strong>de</strong> assim colaborar na compreensão e validação <strong>de</strong>sta complexa relação entre<br />

pais e adolescentes e a construção do <strong>de</strong>senvolvimento moral, sendo a hipótese que a sustenta:<br />

Os pais <strong>de</strong> adolescentes não apresentam conceitos bem <strong>de</strong>finidos sobre o seu papel na construção<br />

da autonomia moral, sendo que suas intervenções são coerentes com essa inexistência <strong>de</strong> objetivos<br />

<strong>de</strong>finidos ao educar.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 406


Resultados Parciais da Pesquisa<br />

Até esse presente momento os resultados parciais da pesquisa são os seguintes:<br />

1- Validação teórica dos juízes:<br />

Tal avaliação reestruturou o mo<strong>de</strong>lo a partir das interferências, correções e sugestões dos mesmos.<br />

Entre as várias sugestões apontadas pelos juízes, po<strong>de</strong>mos citar as mais significativas:<br />

a- reescrever todas as assertivas da primeira escala que se remetiam a avaliações <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, pois<br />

o objetivo não era esse, mas sim investigar o juízo moral dos pais;<br />

b- eliminar o fator reciprocida<strong>de</strong>, uma vez que, a relação pais e filhos foi consi<strong>de</strong>rada pelos juízes<br />

como assimétrica;<br />

c- alterar a proposta da pesquisa para uma investigação da autonomia moral e não da<br />

personalida<strong>de</strong> moral, já que no instrumento não havia um constructo que contemplasse o tema da<br />

personalida<strong>de</strong>;<br />

d- alterar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sete respostas para cada item, para apenas 4 possibilida<strong>de</strong>s (discordo<br />

muito, discordo, concordo, concordo muito), para que não houvesse um ponto neutro;<br />

e- com relação a evidência <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conteúdo, ou seja, a avaliação por parte dos juízes da<br />

pertinência dos itens para cada constructo, o que se pô<strong>de</strong> observar foi que, conforme a fundamentação<br />

teórica <strong>de</strong>ssa pesquisa, os itens que compõem as escalas não são exclu<strong>de</strong>ntes. Pelo contrário, são<br />

complementares.<br />

O respeito mútuo é o sentimento moral que alicerça as relações <strong>de</strong> cooperação que conduzem a<br />

autonomia, sendo essa, a condição do sujeito que obe<strong>de</strong>ce a princípios <strong>de</strong> justiça comumente acordados<br />

pela troca <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista.<br />

2- Validação semântica:<br />

Depois <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a escala os participantes foram interrogados sobre o que enten<strong>de</strong>ram <strong>de</strong> cada<br />

questão. Pouquíssimas alterações foram sugeridas, sendo essas coerentes com outras sugestões já<br />

sugeridas pelos juízes, e, portanto, já acatadas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 407


3- Estudo piloto<br />

a- Quanto à primeira escala (Pais e Adolescentes: Escala <strong>de</strong> Juízo – PAEJ):<br />

Os resultados do piloto revelam os conceitos dos pais sobre respeito, obediência, justiça e<br />

autonomia. Observa-se que, a questão do politicamente correto é praticamente inexistente nas respostas<br />

dadas aos itens pelos pais, diferentemente daquilo que acontecerá na segunda escala.<br />

Os pais revelam, por exemplo, a sua opção pelas sansões expiatórias, bem como afirmam a<br />

obediência fundamentada no respeito unilateral e na estratégia da retirada do amor, ao concordarem que<br />

os filhos que amam os pais <strong>de</strong>vem lhes obe<strong>de</strong>cer, e, <strong>de</strong> que os filhos <strong>de</strong>vem saber que quando são<br />

<strong>de</strong>sobedientes entristecem seus pais.<br />

A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> educar para autonomia também se evi<strong>de</strong>ncia ao concordar que os pais <strong>de</strong>vem dar<br />

soluções aos problemas dos filhos, ou na dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> permitir aos filhos que busquem soluções para os<br />

seus conflitos.<br />

A noção <strong>de</strong> justiça por igualda<strong>de</strong> também se sustenta nas respostas dos pais, que, acreditam que os<br />

pais <strong>de</strong>vem sempre tratar da mesma forma aos seus filhos.<br />

Outra i<strong>de</strong>ia difícil aos pais diz respeito a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> admitirem que os pais <strong>de</strong>vam justificar as<br />

suas or<strong>de</strong>ns aos filhos.<br />

Essas consi<strong>de</strong>rações levam a crer que esse instrumento atingiu o seu objetivo <strong>de</strong> investigar os<br />

conceitos dos pais sobre o seu papel na construção da autonomia moral dos filhos.<br />

Quanto à segunda escala (Pais e Adolescentes: Escala <strong>de</strong> Intervenção – PAEI):<br />

Ao analisar as respostas dos participantes, com relação às situações concretas, a impressão que se<br />

tem é <strong>de</strong> que os pais respon<strong>de</strong>ram <strong>de</strong> modo politicamente correto.<br />

Na primeira situação se evi<strong>de</strong>ncia essa postura dos pais, principalmente quando, a maioria <strong>de</strong>les<br />

escolha a alternativa que propõe o diálogo entre pais e filhos, há ainda aqueles que 8 pais que apontam<br />

para uma intervenção mais relacionada um respeito mais unilateral, pautado numa atitu<strong>de</strong> do pai que<br />

“eduque” o filho.<br />

A segunda situação mantém essa característica <strong>de</strong> optar pelo politicamente correto, mas revela a<br />

i<strong>de</strong>ia da atitu<strong>de</strong> paterna <strong>de</strong> levar o filho <strong>de</strong>sobediente a obe<strong>de</strong>cer, através da punição. Outra i<strong>de</strong>ia que<br />

aparece é a <strong>de</strong> que dois filhos <strong>de</strong>vem sempre ser tratados com igualda<strong>de</strong>, ainda que <strong>de</strong>pois afirmem<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 408


concordar com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> dialogar com o filho <strong>de</strong>sobediente.<br />

A mesma sensação é observada na terceira situação. Embora as respostas sobre as preferências se<br />

mostrem bastante divididas, a opção que tem o maior número <strong>de</strong> a<strong>de</strong>sões, aponta para um pai paciente<br />

que oferece ajuda e ouve o filho.<br />

Acredita-se que, a quarta situação seja o exemplo mais a<strong>de</strong>quado para <strong>de</strong>monstrar que, nas<br />

situações anteriores, os participantes fazem a opção pelo politicamente correto. A opção pela coação e<br />

pela sanção expiatória, ilustrando a justiça retributiva, se explicita nas respostas dos pais, ainda que<br />

continuem concordando com as respostas mais a<strong>de</strong>quadas.<br />

Observa-se que a escala <strong>de</strong> intervenções não oferece condição real para a mensuração das<br />

intervenções concretas dos pais. Suspeita-se que eles não tenham respondido conforme costumam agir<br />

junto aos filhos, mas, por terem opções mais a<strong>de</strong>quadas, optaram por elas, apresentando mais uma vez os<br />

seus julgamentos, o seu i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pais, e não a sua ação sobre a realida<strong>de</strong>, conforme o objetivo a que se<br />

propunha o instrumento.<br />

Pensando-se que, caso os dados apresentados representassem o montante total da pesquisa, a<br />

hipótese <strong>de</strong>ssa investigação estaria parcialmente correta: realmente os pais <strong>de</strong> adolescentes não têm<br />

conceitos bem <strong>de</strong>finidos sobre o seu papel na construção da autonomia moral, todavia, as suas<br />

intervenções, ao menos aquelas escolhidas <strong>de</strong>ntre as possibilida<strong>de</strong>s oferecidas pelo instrumento, são as<br />

mais coerentes com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> educação para a autonomia.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 411


O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e o Problema da Cooperação nos<br />

Assentamentos <strong>de</strong> Reforma agrária: Uma Análise Baseada na Teoria Sociológica <strong>de</strong> J. Piaget<br />

Resumo<br />

POKER, José Geraldo A. B.<br />

Depto. <strong>de</strong> Sociologia e Antropologia UNESP/Marília<br />

jgpoker@marilia.unesp.br<br />

Embora tenha se tornado bastante conhecido no Brasil pela organização das chamadas invasões <strong>de</strong> terra,<br />

com as quais luta pela conquista <strong>de</strong> assentamentos rurais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem<br />

Terra (MST) não se reduz apenas a isso. O Movimento preten<strong>de</strong> atuar para a transformação da socieda<strong>de</strong>,<br />

mediante a experimentação <strong>de</strong> relações sociais alternativas, por meio do estabelecimento da cooperação<br />

na produção nos assentamentos rurais, com o quê se busca proporcionar as condições para a construção<br />

do homem novo e da mulher nova, no dizer do Movimento. Des<strong>de</strong> sua criação, em 1983, o MST vem<br />

<strong>de</strong>senvolvendo estratégias com o intuito <strong>de</strong> superar a resistência dos assentados, que em geral veem na<br />

cooperação uma ameaça à consecução <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> vida tradicionalmente <strong>de</strong>marcado, fundamentado<br />

na autonomia proporcionada pela gestão familiar/individual da terra. Na perspectiva atualmente utilizada<br />

pela direção do MST, o estabelecimento da cooperação nos assentamentos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da realização <strong>de</strong><br />

modificações culturais nos assentados, levando-os a substituir suas referências conceituais pela<br />

incorporação <strong>de</strong> um outro sistema <strong>de</strong> valores, no qual a cooperação possa ser aceita. Por causa disso, as<br />

ações educacionais empregadas pela direção do MST se <strong>de</strong>sdobram numa tentativa <strong>de</strong> re-socialização,<br />

que dificilmente se consuma com êxito. Baseada na teoria sociológica elaborada por Jean Piaget, a<br />

pesquisa ora relatada preten<strong>de</strong>u oferecer um paradigma alternativo para a interpretação da questão da<br />

cooperação nos assentamentos. Segundo o paradigma proposto por Jean Piaget, a prática da cooperação<br />

não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quaisquer mudanças subjetivas, a serem feitas a priori nos participantes. A possibilida<strong>de</strong><br />

da cooperação está diretamente vinculada ao estabelecimento objetivo <strong>de</strong> relações e interações sociais que<br />

lhe sejam compatíveis, <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> relacionamento <strong>de</strong>mocrático, na qual os sujeitos envolvidos<br />

precisam ser reconhecidos como seres livres, autônomos e iguais.<br />

Palavras-chave: MST. Cooperação. Autonomia. Democracia.<br />

Abstract<br />

Although it has been quite known in Brazil for the organization of the land invasions, where it tries to<br />

conquest rural workers’ settlements, the Landless Rural Workers Movement (MST) isn’t just that. The<br />

Movement seeks to work towards the transformation of society by the experimentation of alternative<br />

social relations, through the establishment of cooperation in production in the rural settlements, willing to<br />

provi<strong>de</strong> the conditions to the construction of the new man and the new woman, according to Movement’s<br />

talk. Since its creation in 1983, the MST has been <strong>de</strong>veloping strategies in or<strong>de</strong>r to overcome the<br />

resistance of the settlers, who, in general, see the cooperation as a threat to achieve a project of life<br />

traditionally <strong>de</strong>fined, based on autonomy provi<strong>de</strong>d by the family/individual management of the land. In<br />

the MST’s methodological view, currently applied, the establishment of cooperation in the settlement<br />

<strong>de</strong>pends on the fulfillment of cultural changes in the settlers, making them to replace their conceptual<br />

references for the internalization of another system of values, in which cooperation can be accepted.<br />

Because of it, the educational actions implemented by the direction of the MST are shown as an<br />

attempting to re-socialization, which hardly ends up successfully. Based on the sociological theory<br />

<strong>de</strong>veloped by Jean Piaget, this research sought to offer an alternative paradigm to explain the issue of<br />

cooperation in the settlements. According to the paradigm proposed by Jean Piaget, the practice of<br />

cooperation does not <strong>de</strong>pend on any type of subjective changes to be done a priori on the participants’<br />

minds. The possibility of cooperation is directly linked to the objective establishment of compatible social<br />

relations and social interactions, where the participants need to be recognized as free, autonomous and<br />

equal people.<br />

Keywords: Landless Rural Workers Movement (MST). Cooperation. Autonomy. Democracy.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 412


Introdução<br />

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é um movimento social <strong>de</strong> luta pela<br />

terra que se tornou conhecido no Brasil principalmente por causa das estratégias <strong>de</strong> ação que adota para<br />

forçar o Estado a promover assentamentos rurais. Tais estratégias consistem em práticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sobediência<br />

civil, nas quais os integrantes do Movimento <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ram o direito à proprieda<strong>de</strong> e ocupam espaços<br />

privados ou públicos como forma <strong>de</strong> chamar a atenção da opinião pública para a questão da concentração<br />

fundiária e dos problemas sociais <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes na socieda<strong>de</strong> brasileira. Esta tem sido a configuração<br />

visível do MST <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1983, ano oficial <strong>de</strong> sua fundação como movimento social.<br />

Nestes anos que se passaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua criação, contando com uma competente assessoria <strong>de</strong><br />

intelectuais da Universida<strong>de</strong>, o MST amadureceu e se burocratizou, institucionalizando-se. Composto por<br />

uma estrutura cuja hierarquia compreen<strong>de</strong> as posições <strong>de</strong> direção, militância, base e massa, o MST<br />

apresenta-se como um movimento <strong>de</strong> massas, articulado <strong>de</strong>ntro do movimento sindical, no qual as<br />

pretensões não se limitam à conquista da terra, tendo extensão política mais ampla.<br />

Devido a isso, a atuação do MST não se restringe apenas na promoção <strong>de</strong> ocupações, ou invasões,<br />

como ficaram conhecidas as ações do Movimento na linguagem da polícia, da imprensa e do po<strong>de</strong>r<br />

judiciário, apesar das ocupações consistirem num componente fundamental da luta pela terra. Ao longo<br />

<strong>de</strong> sua existência, o MST tem se <strong>de</strong>dicado também a <strong>de</strong>senvolver estratégias <strong>de</strong> viabilização econômica<br />

dos assentamentos conquistados, enten<strong>de</strong>ndo que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanência <strong>de</strong> pequenos produtores<br />

na ativida<strong>de</strong> agrícola também é parte intrínseca da questão agrária e da luta pela terra no Brasil.<br />

No entendimento da direção do MST, a viabilização econômica é imprescindível para fazer dos<br />

assentamentos o lugar no qual po<strong>de</strong>rá ocorrer o nascimento <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> socialista, formada por um<br />

homem novo e uma mulher nova. Para a direção, é este i<strong>de</strong>al político que <strong>de</strong>ve orientar e animar as ações<br />

do Movimento. Por causa <strong>de</strong>ssa característica, o MST po<strong>de</strong> ser diferenciado <strong>de</strong> outros movimentos <strong>de</strong> luta<br />

pela terra: ele é ao mesmo tempo um movimento <strong>de</strong> e para trabalhadores rurais sem terra. Depen<strong>de</strong>ndo<br />

da forma <strong>de</strong> ação, o MST se constitui <strong>de</strong> fato num movimento social; outras vezes adquire mais as feições<br />

<strong>de</strong> um partido político ou <strong>de</strong> uma organização não governamental.<br />

Como herança dos movimentos <strong>de</strong> luta pela terra anteriores a ele, o MST tem insistido na<br />

implementação <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> cooperação entre os agricultores que conquistam a terra, enten<strong>de</strong>ndo que<br />

esta seja a única forma efetivamente eficiente <strong>de</strong> viabilizar economicamente os assentamentos.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente que a escolha pela cooperação se <strong>de</strong>ve à presença <strong>de</strong> valores e i<strong>de</strong>ais políticos no interior<br />

do MST, cuja origem se <strong>de</strong>ve a forma histórica que a luta pela terra se constituiu no Brasil, em que os<br />

atores integraram instituições as mais diversas. Incluem-se aí a ala progressista da Igreja Católica,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 413


epresentada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), alguns sindicatos e partidos políticos <strong>de</strong> orientação<br />

socialista, vinculados a algum tipo <strong>de</strong> teoria marxista, com <strong>de</strong>staque para o Partido dos Trabalhadores, o<br />

Partido Comunista Brasileiro e o Partido Comunista do Brasil. No rol <strong>de</strong> admiradores da cooperação, mas<br />

por razões próprias, po<strong>de</strong>m ser inseridos os técnicos do Estado; eles também apostam no cooperativismo<br />

como estratégia viável <strong>de</strong> aumento da produção e produtivida<strong>de</strong> nos assentamentos <strong>de</strong> Reforma Agrária.<br />

Por conta da herança histórica recebida, não há que se estranhar quando se afirma ser o MST um<br />

movimento social cuja direção compartilha dos i<strong>de</strong>ais leninistas, o que implica a crença sobre a<br />

impotência política da massa e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la ser dirigida por alguém dotado do <strong>de</strong>vido grau <strong>de</strong><br />

consciência para conduzi-la ao caminho do socialismo.<br />

E tanto quanto a insistência na implementação <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> cooperação para viabilização <strong>de</strong><br />

pequenos produtores rurais, também é histórica a rejeição sistemática dos beneficiados pela conquista da<br />

terra às modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cooperação que lhes são apresentadas, seja pelos técnicos do Estado, por agentes<br />

da Igreja Católica, integrantes <strong>de</strong> sindicatos, <strong>de</strong> partidos ou militantes <strong>de</strong> movimentos sociais. Há várias<br />

pesquisas que indicam ser as modalida<strong>de</strong>s cooperação apenas aceitas nas situações <strong>de</strong> mobilização e<br />

resistência para a conquista da terra. Passado este momento, quando a terra é conquistada, aqueles que se<br />

tornam assentados pelo Estado em geral optam pela gestão individual-privada dos lotes que recebem.<br />

Des<strong>de</strong> o início, a direção do MST e os intelectuais acadêmicos que lhe prestam assessoria, têm<br />

investido na produção <strong>de</strong> conhecimentos <strong>de</strong>stinados a resolver aquilo que se torna um gran<strong>de</strong> problema<br />

para o Movimento, <strong>de</strong> proporção equivalente à conquista da Reforma Agrária: é preciso encontrar formas<br />

<strong>de</strong> viabilizar a cooperação nos assentamentos, mas para isso é necessário vencer a resistência dos<br />

assentados às propostas <strong>de</strong> gestão da terra e do trabalho que envolvem algum tipo <strong>de</strong> cooperação. A<br />

<strong>de</strong>dicação em produzir conhecimentos sobre este fenômeno proporcionou a formulação <strong>de</strong> duas teorias<br />

que se suce<strong>de</strong>ram na tentativa <strong>de</strong> explicar a rejeição à cooperação. Pela or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> concepção, foram elas a<br />

teoria i<strong>de</strong>ológica e a teoria culturalista.<br />

Grosso modo, a teoria que explora a via i<strong>de</strong>ológica explica que a recusa da cooperação se <strong>de</strong>ve ao<br />

fato <strong>de</strong> que quando conquistam a terra, os assentados introjetam a i<strong>de</strong>ologia da classe dominante e se<br />

convertem ao capitalismo. Com base nesta interpretação, a direção do MST insistiu durante anos em<br />

ações educacionais <strong>de</strong>stinadas a conscientizar os assentados acerca da real condição <strong>de</strong> classe a que eles<br />

pertencem, <strong>de</strong> forma a tentar faze-los compreen<strong>de</strong>r o teor revolucionário contido nas práticas<br />

cooperativistas <strong>de</strong> gestão da terra e do trabalho nos assentamentos.<br />

Não obtendo sucesso nas práticas <strong>de</strong> conscientização dos assentados, a interpretação i<strong>de</strong>ológica<br />

foi substituída pela culturalista, que consiste em atribuir a recusa da cooperação à existência <strong>de</strong> uma<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 414


cultura camponesa que configura a mentalida<strong>de</strong> dos assentados, que os faz perseguir i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> vida nos<br />

quais a gestão individual-familiar da terra e do trabalho se constitui na única modalida<strong>de</strong> aceitável <strong>de</strong> boa<br />

vida nos assentamentos. Essa interpretação tem levado o MST a promover ações educacionais voltadas a<br />

promover mudanças <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>, nas quais tenta-se substitui a cultura camponesa dos assentados por<br />

outra mais a<strong>de</strong>quada à aceitação da cooperação, que proporciona o nascimento do homem novo e da<br />

mulher nova e leva ao socialismo.<br />

No entanto, há que se observar que a compreensão da possibilida<strong>de</strong> da cooperação nos<br />

assentamentos, como <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> mudanças culturais, embora seja eficaz para explicar as razões pelas<br />

quais a maioria dos assentados têm dificulda<strong>de</strong> em adotar esta modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho, não possui a<br />

mesma utilida<strong>de</strong> quando se trata <strong>de</strong> construir métodos <strong>de</strong> ação educacional. Isto porque, se é o caso <strong>de</strong> a<br />

cooperação somente po<strong>de</strong>r ser aceita pelos assentados por meio da substituição <strong>de</strong> uma cultura original<br />

por outra entendida como mais a<strong>de</strong>quada, isto significa que as ações educacionais <strong>de</strong>vem ser eficazes a<br />

ponto <strong>de</strong> proporcionar situações efetivas <strong>de</strong> re-socialização a quem a elas for submetido. Do ponto <strong>de</strong><br />

vista da Sociologia, situações limite como esta, <strong>de</strong> re-socialização, somente são possíveis em casos<br />

extremos <strong>de</strong> re-elaboração do sistema <strong>de</strong> representação mental do sujeito, apenas verificáveis em<br />

momentos raros que envolvem algum tipo <strong>de</strong> conversão religiosa <strong>de</strong>vida ao êxtase <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma<br />

submissão carismática. É quase <strong>de</strong>snecessário dizer que dificilmente se consegue este resultado <strong>de</strong> uma<br />

ação educacional, sobretudo aquelas propostas pela direção do MST, que enfatizam a cooperação como<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho racional, em oposição à composição tradicional (irracional) do i<strong>de</strong>ário<br />

camponês.<br />

É o caso, então, <strong>de</strong> se cogitar <strong>de</strong> uma outra explicação para a possibilida<strong>de</strong> da cooperação nos<br />

assentamentos, que não se sustente tanto nos condicionantes subjetivos/individuais da aceitação, sejam<br />

eles compreendidos como inculcação i<strong>de</strong>ológica (a aquisição <strong>de</strong> uma nova consciência), ou como<br />

<strong>de</strong>correntes da re-socialização das pessoas envolvidas, para a criação <strong>de</strong> novas referências culturais sobre<br />

o trabalho e a vida.<br />

Este parece ser o momento oportuno para se recorrer à Sociologia na forma proposta por Jean<br />

Piaget. Embora este autor tenha se tornado mais conhecido na <strong>Psicologia</strong>, por causa <strong>de</strong> suas pesquisas a<br />

respeito da origem e do <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência humana, cujo resultado é hoje conhecido como<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética, Piaget também se interessou pelo estudo do <strong>de</strong>senvolvimento social dos<br />

indivíduos, por enten<strong>de</strong>r que ambos os processos sejam inseparáveis, correlatos e mutuamente<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Piaget obteve assim uma teoria explicativa extremamente original da inteligência e da<br />

sociabilida<strong>de</strong> humanas, na qual o <strong>de</strong>senvolvimento ontogenético influencia o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

filogenético, e vice-e-versa, teoria esta que po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada nas obras <strong>de</strong> diversos intelectuais da<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 415


atualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre eles <strong>de</strong>stacando-se Jurgen Habermas.<br />

Ao longo <strong>de</strong> sua vida, Piaget produziu uma vasta bibliografia, composta por aproximadamente<br />

600 títulos, compreen<strong>de</strong>ndo livros, artigos para revistas e textos mimeografados, nos quais registrou suas<br />

participações em eventos científicos. Por causa <strong>de</strong> sua perspectiva acerca da relação entre os fenômenos<br />

biológicos, mentais e sociais, a teoria sociológica formulada por Piaget encontra-se espalhada nessas<br />

obras todas, a maior parte <strong>de</strong>las referindo-se à questões da epistemologia genética. À Sociologia,<br />

propriamente, Piaget <strong>de</strong>dicou dois livros e um texto. Tratam-se <strong>de</strong> Lés procédés <strong>de</strong> L’Education Morale<br />

(Os procedimentos <strong>de</strong> educação moral), texto apresentado no V Congresso <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> Educação<br />

Moral, realizado em Paris em 1930; O julgamento moral na criança, publicado originalmente em 1932,<br />

ambos na sua juventu<strong>de</strong> teórica; e Estudos Sociológicos, <strong>de</strong> 1965, elaborado na fase <strong>de</strong> plena maturida<strong>de</strong><br />

intelectual. Foi nesta última obra, uma reunião <strong>de</strong> vários artigos, que Piaget sistematizou sua teoria<br />

sociológica, enquadrando-a na área da sociologia do conhecimento, posta em prática nas análises e<br />

pesquisas anteriores, incluindo nelas as produções acima citadas.<br />

Resumidamente tratando, na Sociologia proposta por Piaget a cooperação consiste numa<br />

modalida<strong>de</strong> complexa <strong>de</strong> interação e relação social, na qual os sujeitos envolvidos atuam conforme a<br />

expectativa <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>correm <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados tipos <strong>de</strong> trocas intelectuais. Para que uma<br />

troca intelectual <strong>de</strong> natureza cooperativa possa acontecer, é preciso que sejam preenchidas algumas<br />

condições básicas: a existência <strong>de</strong> uma escala comum <strong>de</strong> valores, sobre os quais os participantes possam<br />

concordar em suas proposições; a obrigatorieda<strong>de</strong> recíproca dos participantes <strong>de</strong> conservarem as<br />

proposições anteriores; e a reciprocida<strong>de</strong> na atualização constante dos valores e na disposição “<strong>de</strong> retornar<br />

às valida<strong>de</strong>s reconhecidas anteriormente” (PIAGET, 1977, p. 109), além do que não po<strong>de</strong> haver também a<br />

interferência <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> coação na interação, sendo portanto indispensável se estabeleça a<br />

igualda<strong>de</strong> entre os sujeitos em troca.<br />

Sem a ocorrência <strong>de</strong>stes fatores, não há possibilida<strong>de</strong> da realização <strong>de</strong> uma troca <strong>de</strong> natureza<br />

cooperativa, porque ela requer uma coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista, visando a consecução <strong>de</strong> estratégias<br />

para atingir um objetivo comum. Segundo Piaget, cooperar é co-operar, ou seja, “operar em comum, isto<br />

é, ajustar por meio <strong>de</strong> novas operações (qualitativas ou métricas) <strong>de</strong> correspondência, reciprocida<strong>de</strong> ou<br />

complementarida<strong>de</strong>, as operações executadas por cada um dos parceiros” (PIAGET, 1977, p. 105).<br />

Nesse sentido, como lógica <strong>de</strong> ação, a cooperação <strong>de</strong>ve ser compreendida como um tipo específico<br />

<strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>, que é construída individualmente, mediante o envolvimento <strong>de</strong> cada sujeito nas relações e<br />

interações com os objetos e com outros sujeitos. Em sua teoria sociológica, Piaget sustentou o paralelismo<br />

entre o <strong>de</strong>senvolvimento moral e o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual, afirmando que “a lógica é uma moral do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 416


pensamento, como a moral, uma lógica da ação” (PIAGET, 1977, p. 295).<br />

Existiria assim uma espécie <strong>de</strong> inteligência moral, <strong>de</strong>senvolvida nos mesmos mol<strong>de</strong>s que os<br />

outros aspectos componentes da inteligência em geral. Mais ainda, com base no raciocínio <strong>de</strong> Piaget, seria<br />

possível afirmar também a mutua <strong>de</strong>pendência, e a relação inseparável existente entre o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

moral e o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo: repetindo o que se disse em momentos atrás, quanto mais o sujeito<br />

aperfeiçoa suas condições <strong>de</strong> troca nas relações e interações em que se envolve, mais <strong>de</strong>senvolve sua<br />

inteligência moral, o que acarreta em mais <strong>de</strong>senvolvimento da sociabilida<strong>de</strong> e, por conseguinte, se<br />

<strong>de</strong>sdobra no <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong> da qual participa.<br />

Este processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, segundo Piaget, não acontece <strong>de</strong> maneira linear e compulsória<br />

nas pessoas. Como todo aprendizado, o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral, que começa no<br />

egocentrismo, e po<strong>de</strong> ser concluído com a moralida<strong>de</strong> autônoma, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da qualida<strong>de</strong> das relações e<br />

interações, mantidas pelo sujeito com o mundo social circundante: relações <strong>de</strong> coação ou relações <strong>de</strong><br />

cooperação.<br />

Numa interpretação bastante livre <strong>de</strong> sua teoria, po<strong>de</strong>r-se-ia afirmar que, para Piaget, embora<br />

todos os membros da espécie humana possuam em geral a mesma potencialida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

sujeito torna-se contingente ao cotidiano em que se encontra, que po<strong>de</strong> ou não favorecer trocas<br />

qualitativas com os objetos e pessoas, a ponto <strong>de</strong> levá-lo, dificultá-lo, ou impedi-lo do pleno<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas potencialida<strong>de</strong>s morais e cognitivas.<br />

Enfim, o sujeito po<strong>de</strong>rá se <strong>de</strong>senvolver no limite sua moralida<strong>de</strong>, conforme as restrições e<br />

exigências que sua vida coletiva lhe proporciona, em todos os níveis da sociabilida<strong>de</strong>. Se envolvidas<br />

permanentemente em relações autoritárias, as pessoas ten<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>senvolver uma moralida<strong>de</strong> heterônoma,<br />

que leva a atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conformismo, nas quais a obediência é conseguida mediante punições ou coações.<br />

Ao contrário, se envolvidas em relações <strong>de</strong> cooperação que permitem trocas intersubjetivas igualitárias e<br />

autônomas, as pessoas ten<strong>de</strong>m a construir uma concepção autônoma da moral.<br />

Piaget vinculou o estágio da moralida<strong>de</strong> a um tipo <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong> conduta pessoal, do que<br />

resultam consequências na vida política <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>. A autonomia moral, segundo sugere a teoria<br />

<strong>de</strong> Piaget, é essencial numa <strong>de</strong>mocracia, sistema cujo princípio sustenta-se no arbítrio individual, e na<br />

capacida<strong>de</strong> cooperativa das pessoas. Pessoas moralmente heterônomas dificilmente conseguem agir <strong>de</strong><br />

maneira cooperativa. A cooperação, mais do que um tipo <strong>de</strong> organização do trabalho, exige do sujeito a<br />

construção <strong>de</strong> uma lógica sofisticada <strong>de</strong> ação social, em que a reciprocida<strong>de</strong> sustenta a regulamentação<br />

das relações e interações. As pessoas respeitam as regras por serem elas mesmas que as fizeram, tendo a<br />

consciência que qualquer <strong>de</strong>scumprimento individual colocaria em risco um projeto coletivo. Possuindo o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 417


pleno domínio acerca das razões por que fazem aquilo que fazem, po<strong>de</strong>m os envolvidos numa ação<br />

cooperar, agir reciprocamente: a ação <strong>de</strong> um realiza-se em função da ação dos outros, tudo isso previsto<br />

num projeto previamente estabelecido entre todos. Vale ressaltar que, para Piaget, mais do que uma<br />

lógica <strong>de</strong> ação social, a cooperação, <strong>de</strong>corrente da autonomia moral, torna-se também um elemento<br />

estruturador da personalida<strong>de</strong> individual (PIAGET, 1977, p. 83).<br />

Na perspectiva <strong>de</strong> uma educação baseada na teoria piagetiana os espaços e os tempos pedagógicos<br />

<strong>de</strong>vem coincidir: como qualquer conhecimento é construído pelo sujeito em meio às relações que<br />

estabelece com o mundo, o sistema organizado <strong>de</strong> relações interpessoais, pelo qual as informações são<br />

oferecidas e recebidas, condiciona a instrumentalida<strong>de</strong> que elas adquirem para os sujeitos envolvidos.<br />

Não ao acaso, estas consi<strong>de</strong>rações fazem lembrar muito as concepções pedagógicas <strong>de</strong> Paulo Freire. Da<br />

mesma forma, partindo da teoria piagetiana, torna-se possível compreen<strong>de</strong>r as razões da ineficácia das<br />

chamadas práticas i<strong>de</strong>alistas <strong>de</strong> conscientização, tão empregadas na suposta educação crítica existente na<br />

escola tradicional, e repetidas, inclusive nas ações educacionais do MST.<br />

Viver plenamente em socieda<strong>de</strong>, no sentido piagetiano, significa adquirir, junto com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da inteligência, também a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar das interações <strong>de</strong> maneira<br />

cooperativa. Ao alcançar esta condição, o sujeito em socialização <strong>de</strong>monstra já ter <strong>de</strong>senvolvido ao<br />

máximo sua moralida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> ele consi<strong>de</strong>rar-se um membro efetivo <strong>de</strong> qualquer socieda<strong>de</strong>, não porque<br />

internalizou teórica e abstratamente suas regras, mas porque <strong>de</strong>scobriu que po<strong>de</strong> agir sobre elas e, junto<br />

com outros, elaborar novos regramentos. Ao chegar nesse estágio, o sujeito em socialização torna-se um<br />

sujeito político, apto a envolver-se em relações cooperativas <strong>de</strong> quaisquer natureza, típicas <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>mocracia.<br />

Em síntese, na concepção <strong>de</strong> Piaget, o processo <strong>de</strong> socialização, do qual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a reprodução <strong>de</strong><br />

qualquer coletivida<strong>de</strong> humana, não po<strong>de</strong> ser associado <strong>de</strong> maneira alguma à absorção passiva das regras<br />

sociais pelo o indivíduo. O processo <strong>de</strong> socialização, compreendido por Piaget, implica na reconstrução<br />

individual da complicada lógica da coletivida<strong>de</strong> humana pelo sujeito que nela se inicia. O fato <strong>de</strong> vincular<br />

a socialização, ou o <strong>de</strong>senvolvimento moral, ao processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento intelectual pessoal, ambos<br />

apontando para um equilíbrio, a ser adquirido com a racionalização das trocas interindividuais e do<br />

pensamento, faz transparecer um certo otimismo na teoria <strong>de</strong> Piaget, quanto às possibilida<strong>de</strong>s do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento pessoal influenciar na organização social.<br />

Vários aspectos da teoria formulada por Piaget po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificadas na teoria da ação<br />

comunicativa, proposta por J. Habermas. Segundo a apreciação <strong>de</strong> Kesselring (1997), Habermas tomou<br />

conhecimento da teoria <strong>de</strong> Piaget através da obra <strong>de</strong> L. Kohlberg, sobre o <strong>de</strong>senvolvimento moral, que foi<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 418


amparada no paradigma piagetiano. Fundamentando-se em gran<strong>de</strong> parte nas constatações <strong>de</strong> Kohlberg<br />

(1992), e, <strong>de</strong>pois, na teoria <strong>de</strong> Piaget, Habermas construiu o que chamou <strong>de</strong> ética do Discurso, cujo<br />

conteúdo, segundo Kesselring, expressa o objetivo do autor em estabelecer uma teoria da evolução social,<br />

tratando <strong>de</strong> dois temas paralelos, que se convergem e se subdivi<strong>de</strong>m: “a evolução da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna,<br />

por um lado, e o <strong>de</strong>senvolvimento do sujeito individual, por outro. Cada um <strong>de</strong>sses dois tipos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento subdivi<strong>de</strong>-se mais uma vez em, a saber, a evolução <strong>de</strong> formas ou estruturas (estruturas<br />

<strong>de</strong> comportamento e <strong>de</strong> competências intelectuais do indivíduo), por uma parte, e, por outra, a evolução<br />

<strong>de</strong> conteúdos (da ontologia e da visão <strong>de</strong> mundo)”(KESSELRING, 1997, p. 243).<br />

Habermas também po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um otimista, quanto às possibilida<strong>de</strong>s sociais anunciadas<br />

pelo <strong>de</strong>senvolvimento individual. Isso se revela nas duas categorias <strong>de</strong> ação comunicativa, por ele<br />

formuladas: a ação orientada para o sucesso e a ação orientada para o entendimento mútuo 69 . No primeiro<br />

tipo <strong>de</strong> ação comunicativa, na ação orientada para o sucesso, os agentes em interação visam apenas o<br />

êxito próprio, empregando meios os mais variados possíveis, sem se preocupar com princípios éticos. Já a<br />

ação orientada para o entendimento mútuo, envolve um ajuizamento ético mais sofisticado, no qual os<br />

agentes preocupam-se com o estabelecimento <strong>de</strong> princípios que possibilitem acordos, que permitam aos<br />

participantes coor<strong>de</strong>nar reciprocamente suas ações, ou agir <strong>de</strong> maneira cooperativa.<br />

A passagem do primeiro tipo <strong>de</strong> ação para o segundo, indica o <strong>de</strong>senvolvimento, no indivíduo, <strong>de</strong><br />

uma lógica <strong>de</strong> ação, <strong>de</strong> uma razão, que se verifica quando o sujeito adquire a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>scentrar<br />

nas relações, po<strong>de</strong>ndo assim observar o contexto <strong>de</strong> seus atos na perspectiva dos diferentes participantes,<br />

envolvidos na situação em que sua ação acontece. Tal como Piaget, Habermas explica este processo como<br />

<strong>de</strong>corrente dos <strong>de</strong>senvolvimentos intelectual e moral do indivíduo, proporcionados pela qualida<strong>de</strong> das<br />

relações e interações por ele estabelecidas no grupo social <strong>de</strong> que faz parte. Então, quanto mais sujeitos<br />

conseguirem agir comunicativamente orientados para o entendimento mútuo, logicamente, tanto mais<br />

po<strong>de</strong>rão aperfeiçoar a própria capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer acordos, <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar ações, e <strong>de</strong> cooperar uns com os<br />

outros. É <strong>de</strong>snecessário mencionar quais vantagens esse <strong>de</strong>senvolvimento traria para as pessoas, e quais<br />

seriam as consequências <strong>de</strong>ssa racionalida<strong>de</strong> aplicada na organização da vida cotidiana, segundo o<br />

raciocínio <strong>de</strong> Habermas.<br />

Enfim, retornando ao princípio, e tomando como base a exposição da teoria sociológica elaborada<br />

por Piaget, parece claro que o estabelecimento da cooperação é algo que não precisa ser respaldado,<br />

obrigatoriamente, por elementos i<strong>de</strong>ológicos, e tampouco por referências culturais. A cooperação po<strong>de</strong> ser<br />

compreendida e explicada como uma das formas <strong>de</strong> relação e interação social existentes, cuja ocorrência<br />

está condicionada à possibilida<strong>de</strong> da livre troca entre sujeitos autônomos e iguais. Torna-se <strong>de</strong>snecessário,<br />

69 A teoria da ação comunicativa é alvo <strong>de</strong> várias, extensas e complexas obras <strong>de</strong> Habermas, mas encontra-se resumida pelo<br />

próprio autor em HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 419


portanto, que os parceiros numa cooperação sejam submetidos a uma preparação subjetiva anterior à<br />

relação, que legitime, <strong>de</strong> alguma maneira, a prática cooperativa. As mudanças intra-individuais<br />

duradouras que ocorrem (a adoção <strong>de</strong> novos valores, por exemplo), provém das trocas cooperativas<br />

interindividuais, e não acontecem efetivamente fora <strong>de</strong>las.<br />

Como foi visto, sujeitos autônomos e iguais constituem-se em formas <strong>de</strong> consciência moral e<br />

cognitivamente <strong>de</strong>senvolvidas, resultantes do envolvimento nas trocas <strong>de</strong> natureza cooperativa. Quaisquer<br />

pessoas estão em condições <strong>de</strong> estabelecer a cooperação entre si, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aprendam, cooperando, a<br />

superar as amarras egocêntricas e sociocêntricas, que sustentam a heteronomia, e proporcionam as<br />

condições <strong>de</strong> manutenção das relações baseadas na coação e no respeito unilateral.<br />

Como se apren<strong>de</strong> a cooperar cooperando, e se, para tanto é necessário que as pessoas se<br />

relacionem <strong>de</strong> maneira autônoma e igual, o ponto <strong>de</strong> partida das ativida<strong>de</strong>s cooperativas parece estar<br />

condicionado à eliminação <strong>de</strong> quaisquer assimetrias, que eventualmente possam existir entre os sujeitos<br />

envolvidos na relação. Parafraseando M. Foucault, seria então plausível afirmar que a possibilida<strong>de</strong> da<br />

cooperação está condicionada às mudanças que porventura sejam feitas para alterar os “mecanismos <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos <strong>de</strong> Estado, a um nível muito mais elementar,<br />

quotidiano” (FOUCALULT, 1993, p. 150).<br />

A pretexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a possibilida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento da cooperação pela via sugerida na<br />

teoria <strong>de</strong> Piaget, há que se mencionar a experiência <strong>de</strong> Maria Conceição D’Incao e Gérard Roy, obtida<br />

durante o contato com integrantes <strong>de</strong> um assentamento, <strong>de</strong>talhadamente relatada na obra Nós, cidadãos –<br />

apren<strong>de</strong>ndo e ensinando a <strong>de</strong>mocracia (Rio <strong>de</strong> Janeiro : Paz e Terra, 1995). Com o objetivo <strong>de</strong> investigar<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> relações <strong>de</strong>mocráticas nos assentamentos, hipoteticamente consi<strong>de</strong>radas como<br />

imprescindíveis para a viabilização econômica dos assentados, os dois pesquisadores partiram para o<br />

campo, literalmente, conhecendo a realida<strong>de</strong> política <strong>de</strong> um assentamento não mencionado. Logo nos<br />

primeiros contatos com as li<strong>de</strong>ranças do lugar, os autores pu<strong>de</strong>ram perceber a heterogeneida<strong>de</strong> nas<br />

correntes <strong>de</strong> pensamento, nas opções <strong>de</strong> vida e nos posicionamentos políticos, que eram responsabilizados<br />

pela maioria dos conflitos lá existentes, dos quais <strong>de</strong>corriam as dificulda<strong>de</strong>s que os assentados tinham<br />

para organizar a produção, e compartilhar equipamentos.<br />

Nas entrevistas feitas, os pesquisadores conseguiram encontrar os personagens que representavam<br />

os posicionamentos: agentes do estado, militantes do MST, assentados isolados, li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> grupos<br />

coletivos simpáticas ao Movimento, e li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> assentados individuais mobilizados. Isso<br />

proporcionou um mapeamento das forças políticas locais, e do tipo <strong>de</strong> confronto estabelecido entre elas,<br />

que estaria inviabilizando tentativas importantes <strong>de</strong> cooperação, como o usufruto comum <strong>de</strong> máquinas e<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 420


equipamentos.<br />

O estreitamento do contato com os assentados, o livre trânsito entre eles, e o conhecimento <strong>de</strong> suas<br />

queixas, fez com que a pesquisa viesse a se tornar também uma intervenção. Sob o pretexto <strong>de</strong> estudo, os<br />

pesquisadores proporcionaram situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate entre os assentados, ocasião em que todos podiam<br />

participar, com igualda<strong>de</strong> e autonomia. Com os <strong>de</strong>bates, emergiram os conflitos, que uma vez<br />

explicitados, tornaram possível a busca <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> entendimento, os quais propiciaram a elaboração<br />

preliminar <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> cooperação nas máquinas, <strong>de</strong> maneira que isso afetasse o menos possível os<br />

planos e opções <strong>de</strong> cada família assentada na administração do próprio lote.<br />

É nesse sentido que se afirma a utilida<strong>de</strong> da teoria <strong>de</strong> Piaget para o Movimento, sobretudo para seu<br />

setor dirigente. Nela há uma <strong>de</strong>monstração lógica, bastante sólida, acerca da simultaneida<strong>de</strong> entre o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento individual e o coletivo, e <strong>de</strong> que a cooperação compreen<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento moral<br />

dos sujeitos, que para isso precisam envolver-se em relações e interações, nas quais sejam autônomos e<br />

iguais. Nestes termos, o <strong>de</strong>senvolvimento da cooperação, como preten<strong>de</strong> a direção e os militantes do<br />

MST, somente será possível com o <strong>de</strong>senvolvimento individual, que por sua vez <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da preservação<br />

da autonomia na cooperação. Ou ainda, quanto mais aumenta a autonomia dos sujeitos, maiores são as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cooperação.<br />

E, se a teoria <strong>de</strong> Piaget estiver mesmo certa, o oposto também é verda<strong>de</strong>iro: quanto maior for a<br />

coação, maior a heteronomia, e menores as probabilida<strong>de</strong>s da cooperação, a não ser que seja ela instituída<br />

pela pressão da direção, como aconteceu na implantação <strong>de</strong> algumas cooperativas <strong>de</strong> produção, logo no<br />

começo da experiência com o projeto cooperativo do MST. Mas foram experiências <strong>de</strong>sastrosas, que<br />

redundaram em fracassos econômicos e esvaziamentos sucessivos, até serem reformuladas, com base<br />

exclusiva nas necessida<strong>de</strong>s dos participantes que restaram, a <strong>de</strong>speito das orientações da direção do<br />

Movimento.<br />

Isto posto, po<strong>de</strong>-se arriscar a apontar que o problema real, que afeta e interfere no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da cooperação no campo, não está localizado na subjetivida<strong>de</strong> dos assentados e<br />

acampados, na sua consciência i<strong>de</strong>ológica ou cultura camponesa. O problema está presente <strong>de</strong>ntro da<br />

direção do Movimento, na i<strong>de</strong>ologia dirigista que cultiva, acomodada no i<strong>de</strong>al socialista que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>. Da<br />

direção, tal concepção se expan<strong>de</strong> para o restante da estrutura, comprometendo as relações e interações<br />

que venham a acontecer por intermédio do MST.<br />

Confiando ainda no acerto da teoria <strong>de</strong> Piaget, arrisca-se também a dizer que, consi<strong>de</strong>rada a<br />

experiência <strong>de</strong> mobilização do Movimento, po<strong>de</strong>-se vislumbrar maiores probabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sucesso na<br />

implantação <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> cooperação nos assentamentos e acampamentos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os militantes atuem<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 421


como o professor pretendido por Piaget, ou os educadores, <strong>de</strong>senhados por Paulo Freire. Devem ser eles<br />

os mediadores responsáveis pela construção <strong>de</strong> espaços sociais inovadores, a<strong>de</strong>quados para o exercício da<br />

autonomia e igualda<strong>de</strong>, nos acampamentos e assentamentos, esforçando-se ainda para que, nestes<br />

espaços, a crítica constante conduza à superação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias que justifiquem coações, inviabilizando a<br />

prática da cooperação.<br />

Esta, por sua vez, a cooperação, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da forma que venha a assumir nos assentamentos e<br />

acampamentos, <strong>de</strong>ve pertencer ao domínio <strong>de</strong> cada um dos participantes, e <strong>de</strong> todos ao mesmo tempo,<br />

sendo expressão da autonomia e propiciando o <strong>de</strong>senvolvimento da subjetivida<strong>de</strong> em todos os seus<br />

aspectos. Daí sim po<strong>de</strong>-se cogitar do aparecimento do homem novo e da mulher nova, como preten<strong>de</strong> o<br />

Movimento.<br />

Numa visão mais abrangente, o <strong>de</strong>senvolvimento da cooperação, resultante da igualda<strong>de</strong> e<br />

autonomia nos assentamentos e acampamentos, constitui-se na gran<strong>de</strong> contribuição do MST, que não se<br />

limitaria à busca <strong>de</strong> estratégias para viabilização econômica dos assentamentos, nem serviria somente a<br />

proporcionar as condições <strong>de</strong> sobrevivência para o Movimento, implicando, sobretudo, na construção <strong>de</strong><br />

espaços <strong>de</strong> vivências alternativas, que conduziriam ao <strong>de</strong>senvolvimento da educação voltada à cidadania e<br />

<strong>de</strong>mocracia no Brasil, contribuição essa que rivaliza em importância com a própria luta pela reforma<br />

agrária, levada adiante pelo Movimento.<br />

Mas, caso a direção do Movimento permaneça cultivando os elementos <strong>de</strong> coação e heteronomia,<br />

que aprisionam quaisquer paradigmas adotados no dirigismo e coletivismo, po<strong>de</strong>ndo ser eles observados<br />

no campo discursivo das publicações oficiais do MST, na fala dos militantes e inclusive na mística,<br />

daquelas planejadas, poucas mudanças ocorrerão. O dirigismo e o coletivismo alimentam as contradições<br />

observadas no campo da prática, aumentando as probabilida<strong>de</strong>s da mesma história se repetir, a <strong>de</strong>speito<br />

do esforço empreendido em contrário, como há muito tempo se vê na relação entre os agentes mediadores<br />

e os sujeitos <strong>de</strong> movimentos: como último ato <strong>de</strong> sua emancipação, os sujeitos emancipados ten<strong>de</strong>m a<br />

completar o processo, emancipando-se também dos emancipadores.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 422


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– USP, 1994.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 423


Ética docente: estudo sobre o juízo moral do professor 70<br />

Resumo<br />

ANDRADE, Jakeline Alencar 71<br />

UFRGS/UFSCar<br />

Apoio: CAPES<br />

jakeline@ufscar.br<br />

O presente estudo sobre ética docente consiste na análise <strong>de</strong>scritiva e interpretativa da apropriação do<br />

cotidiano escolar através <strong>de</strong> reflexão e tomada <strong>de</strong> consciência dos professores sobre o <strong>de</strong>ver ser da<br />

profissão e <strong>de</strong> como esse processo se constitui um instrumento <strong>de</strong> expansão <strong>de</strong> si próprio. Destacamos<br />

nos estudos da <strong>Epistemologia</strong> Genética piagetiana a importância da qualida<strong>de</strong> das relações interpessoais<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento geral do sujeito e, em particular, das tendências heterônomas e autônomas que<br />

regem a os juízos e as ações humanas e nos direcionam, através <strong>de</strong> sucessivas apropriações do cotidiano,<br />

à ética. A pesquisa empírica consiste em entrevistas junto aos professores on<strong>de</strong> apresentamos situações<br />

que instigam a pensar sobre os princípios que regem a educação, os métodos empregados, os valores e<br />

virtu<strong>de</strong>s cultivados na profissão e a construção <strong>de</strong> valores <strong>de</strong>ntro e fora da escola. A análise das falas dos<br />

professores nos fornece um retrato da ética que se revela em três faces do discurso docente: a<br />

<strong>de</strong>sinformação ou <strong>de</strong>sinteresse pelo cotidiano escolar, igualando o professor ao senso comum pela falta <strong>de</strong><br />

reflexão sobre sua prática; o domínio da informação e atualização docente, porém também <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong><br />

uma ação reflexiva para apropriação <strong>de</strong>sse conhecimento; e a elaboração <strong>de</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> ação<br />

docente que alia informação, apropriação e transformação do discurso pedagógico numa proposta <strong>de</strong> ação<br />

coerente com o juízo emitido. Ao <strong>de</strong>screvermos a ética docente e afirmarmos um plano ético na educação,<br />

reconhecemos no processo <strong>de</strong> apropriação do cotidiano das práticas escolares e <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência<br />

condição necessária para o entendimento do sentido do “<strong>de</strong>ver ser” da educação e compreen<strong>de</strong>mos a<br />

profissão docente enquanto compromisso com a convivência solidária e com o direito humano à<br />

expansão.<br />

Palavras-chave: Prática pedagógica. Cotidiano escolar. <strong>Epistemologia</strong> genética. Piaget, Jean.<br />

70 Apresentação sucinta da tese <strong>de</strong>fendida no PPGEdu da UFRGS em junho <strong>de</strong> 2008.<br />

71 Jakeline Alencar Andra<strong>de</strong> é Pedagoga pela UFC, Mestre e Doutora em Educação pela UFRGS. Trabalha atualmente como<br />

Técnica em Assuntos Educacionais na coor<strong>de</strong>nação acadêmica do Campus Sorocaba da UFSCar.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 424


Abstract<br />

This study of ethics applied to teaching consists in a <strong>de</strong>scriptive and interpretative analysis of the<br />

common practice in schools through the teachers’ reflective practice and awareness. These two aspects<br />

are seen as tools to expand their knowledge of themselves. We give emphasis to the genetic epistemology<br />

of Jean Piaget and the importance of quality in interpersonal relationships for the general <strong>de</strong>velopment of<br />

the person. We <strong>de</strong>al, in particular, with the heteronomy and autonomy aspects of such relationships,<br />

which gui<strong>de</strong> our reasoning and actions, through successive attempts to apply ethic values in our daily<br />

lives. The practical element of this research consists of interviews with teachers where they discuss<br />

situations that instigate the reflection about the principles involved in education, applied methods, values<br />

and virtues highly regar<strong>de</strong>d in the teaching profession and the propagation of such values insi<strong>de</strong> and<br />

outsi<strong>de</strong> the school environment. The analysis of these interviews will provi<strong>de</strong> us with a clear picture of<br />

the ethics present in the pedagogical discourse in three phases: a) lack of information or interest in the<br />

daily practice in schools which reveals that teachers are regar<strong>de</strong>d as bearers of common sense due to their<br />

inability to reflect upon their practice; b) the domain of information in education and the training of<br />

teachers that are void of reflective practice, thus do not allow them to acquire and expand knowledge in<br />

their specific areas; c) and the ability to <strong>de</strong>velop a practice that brings together information,<br />

empowerment and transformation of the pedagogical discourse and a proposal of action coherent with<br />

ethic values. When we <strong>de</strong>scribe teaching practice and advocate an ethical plan in education, we recognise<br />

that the process to un<strong>de</strong>rstand the daily practice in education and the awareness that this might raise is<br />

fundamental to un<strong>de</strong>rstand what education is about and we see the teaching work as an commitment with<br />

solicitous coexistence and the human rights to self-expansion.<br />

Keywords: Pedagogical practice. Daily school. Genetic epistemology. Piaget, Jean.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 425


Introdução<br />

Dentre as profissões da atualida<strong>de</strong> não há, talvez, nenhuma com maior emergência <strong>de</strong> uma ética<br />

que a do profissional da educação. Não um código <strong>de</strong> ética, não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> padronizar nem muito<br />

menos <strong>de</strong> regularizar a educação. Esta tarefa é inerente aos códigos e leis da educação e, mesmo assim,<br />

consistem em parâmetros que, muitas vezes, indicam um caminho a seguir, mas este é um caminho que se<br />

faz no próprio caminhar.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma reflexão docente sobre a ação docente. Uma prática <strong>de</strong> reflexão sobre as atitu<strong>de</strong>s e<br />

os valores que permeiam a educação. O que pensam os professores? Como agem os professores? O que<br />

julgam ser o bem da educação? Como interagem professores e alunos? Como enfrentam os dilemas<br />

cotidianos do ensinar?<br />

Não é novida<strong>de</strong> a crise educacional e o mal estar da profissão docente. A literatura educacional já<br />

aponta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o escolanovismo, uma mudança <strong>de</strong> paradigma que engloba tanto o <strong>de</strong>scontentamento dos<br />

profissionais quanto à necessida<strong>de</strong> constante <strong>de</strong> repensar a profissão. Autores como Aquino, La Taille e<br />

Macedo já trataram das relações entre professores e alunos, da crise <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, da coerção e do<br />

autoritarismo como instrumento <strong>de</strong> trabalho, da indisciplina.<br />

Um <strong>de</strong>bate corrente e presente na maioria das pesquisas educacionais: a violência nas escolas, o<br />

papel do professor, relações interpessoais, autorida<strong>de</strong> versus autoritarismo, tradicional versus<br />

construtivismo, forma e conteúdo. E todo esse <strong>de</strong>bate sugere tanto uma mudança nas relações<br />

educacionais como uma tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong>ssa mudança. Há uma concepção <strong>de</strong> educação sempre<br />

presente em qualquer discurso educacional, no entanto, procuramos mais que um discurso. Buscamos<br />

uma reflexão do próprio professor sobre sua prática e sobre seus valores enquanto profissional.<br />

Faz-se necessária a busca <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ética docente através das vozes reflexivas dos<br />

próprios professores. Porque essa profissão exige um refazer constante e diário, exige também a<br />

apropriação <strong>de</strong> suas práticas não apenas como instrumento pedagógico, mas como a elaboração <strong>de</strong> uma<br />

consciência moral do seu papel enquanto profissional da educação que emana <strong>de</strong> uma concepção moral,<br />

conscientemente ou não, ao relacionar-se com o outro, neste caso, o aluno.<br />

É fato que o professor sempre expressa, explícita e implicitamente, sua concepção <strong>de</strong> educação.<br />

Assim, se, para ele, ensinar é transmissão <strong>de</strong> conhecimento, sua ação em sala <strong>de</strong> aula será diretiva e<br />

expositiva, centrada no repasse dos conteúdos curriculares. Mas se ensinar é propiciar condições para que<br />

o indivíduo se <strong>de</strong>senvolva exponencialmente, a ação centra-se na busca <strong>de</strong> soluções para problemas e no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa capacida<strong>de</strong> pelos alunos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 426


Do mesmo modo, as relações travadas no cotidiano escolar expressam uma teoria moral<br />

subjacente à prática docente. Quando o professor toma <strong>de</strong>cisões, aproxima-se ou afasta-se dos alunos,<br />

discute e argumenta no seu ambiente <strong>de</strong> trabalho; quando se guia por conceitos ou normas, reflete antes<br />

<strong>de</strong> agir ou refaz seu pensamento diante <strong>de</strong> argumentos; quando busca informações que sustentem suas<br />

argumentações; existe uma ética – consciente ou não – que sustenta essa prática e se faz presente nas<br />

suas ações. Nosso trabalho é buscá-la, i<strong>de</strong>ntificá-la nas ações e nos mínimos comuns encontrados entre as<br />

diversas práticas e profissionais do ensino.<br />

Essa busca <strong>de</strong> uma ética docente parte do princípio <strong>de</strong> que o professor é um sujeito moral e, como<br />

tal, busca para si uma ampliação <strong>de</strong> vida que supere o simples agir <strong>de</strong> acordo com regras e valores<br />

promulgados pelo ambiente escolar. Enten<strong>de</strong>mos como um pensamento ético aquele que se <strong>de</strong>bruça sobre<br />

o cotidiano, que questiona e busca a superação <strong>de</strong> sua ação, elaborando formas <strong>de</strong> expandi-la.<br />

Referencial Teórico<br />

As respostas buscadas pela filosofia, sociologia e psicologia para a moralida<strong>de</strong> humana sugerem<br />

ou a razão ou a socieda<strong>de</strong>/meio, ou ainda a interação <strong>de</strong>sses dois fatores, como a principal responsável<br />

pela tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Há movimentos <strong>de</strong> ida e volta ora para a racionalida<strong>de</strong> humana ora para a<br />

socieda<strong>de</strong>: é a busca da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação na razão interior do indivíduo ou no seio dos próprios<br />

costumes. Sem preten<strong>de</strong>r encontrar uma resposta <strong>de</strong>finitiva, apostamos na interação <strong>de</strong>sses fatores e na<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong> para continuar a busca <strong>de</strong> respostas sobre a moralida<strong>de</strong>.<br />

É na <strong>Epistemologia</strong> Genética que buscamos fundamentar nossa posição. Ela ensaia uma resposta<br />

para a moralida<strong>de</strong> humana <strong>de</strong>screvendo, em linhas gerais, o pensamento infantil sobre algumas questões<br />

morais, como a mentira, o roubo e a justiça. Descreve a oscilação entre duas morais na criança, uma<br />

heterônoma, orientada pelo exterior, e uma autônoma, que se orienta pela reflexão pessoal; tal <strong>de</strong>scrição<br />

busca explicar ainda a influência do social e do próprio <strong>de</strong>senvolvimento na construção <strong>de</strong> uma<br />

consciência autônoma.<br />

Aceitando a <strong>de</strong>scrição da <strong>Epistemologia</strong> Genética, calcada nos estudos <strong>de</strong> Jean Piaget (1896-<br />

1980), resta a pergunta <strong>de</strong> como as interações na escola po<strong>de</strong>m auxiliar no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma<br />

consciência autônoma. A resposta é buscada no mesmo referencial e vislumbra-se uma escola que prime<br />

pelo <strong>de</strong>senvolvimento intelectual e fomente este <strong>de</strong>senvolvimento através da construção <strong>de</strong> conhecimento,<br />

das relações entre iguais, do respeito mútuo e da cooperação.<br />

Para Piaget (1965, p. 193), as trocas <strong>de</strong> pensamento ou as relações interindividuais ao atingirem o<br />

equilíbrio <strong>de</strong>vem ser tratadas como estruturas operatórias. Ou seja, “a forma <strong>de</strong> equilíbrio atingida pela<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 427


troca nada mais é do que um sistema <strong>de</strong> correspondências simples ou <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>s, isto é, um<br />

‘agrupamento’, englobando os que são elaborados pelos parceiros mesmos”.<br />

Ao <strong>de</strong>screver o <strong>de</strong>senvolvimento da moral no sujeito epistêmico e os processos estruturantes das<br />

relações interindividuais, Piaget aponta uma possível solução para questões muito caras à filosofia moral.<br />

Ao nos perguntarmos como <strong>de</strong>vemos viver, vislumbramos agora um mundo <strong>de</strong> regras e tradições ao qual<br />

somos submetidos, mas, e nisso consiste a beleza <strong>de</strong>sta teoria, ao interagirmos com o outro e com o<br />

mundo, nos modificamos e o modificamos, construindo relações e valores que nos permitem chegar a<br />

outro questionamento: Que vida eu quero viver?<br />

Nesse estudo, procuramos <strong>de</strong>screver a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma teoria que, ao buscar a gênese do<br />

conhecimento humano, lança mais perguntas e sugere uma resposta que vai além dos dogmas, do senso<br />

comum e mesmo da dicotomia que sempre dividiu a psicologia, a biologia e a filosofia. À pergunta que<br />

não quer calar jamais, Piaget respon<strong>de</strong>u com a proposta da interação como meio mais provável <strong>de</strong><br />

solucionar gran<strong>de</strong>s dilemas da ciência cognitiva. Nem o meio nem o indivíduo, mas uma interação radical<br />

entre ambos possibilita o que enten<strong>de</strong>mos por conhecimento humano.<br />

E foi a partir <strong>de</strong>sse conhecer humano que procuramos pensar a ética. Apesar <strong>de</strong> não diferenciar os<br />

termos moral e ética, utilizando-se apenas do termo moral como genérico para a moralida<strong>de</strong>, Piaget<br />

<strong>de</strong>monstra uma realida<strong>de</strong> moral através da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um sujeito heterônomo, que age segundo normas<br />

morais <strong>de</strong>vido à coação, medo <strong>de</strong> castigos físicos ou psicológicos, ou por consi<strong>de</strong>rá-las sagradas, preso à<br />

realida<strong>de</strong> social a qual pertence e, por outro lado, uma realida<strong>de</strong> ética que consiste num sujeito autônomo<br />

que através do entendimento da realida<strong>de</strong> das normas morais, chega a consenti-las no seu íntimo porque<br />

as enten<strong>de</strong> enquanto essenciais para a convivência e manutenção da socieda<strong>de</strong> justa. São duas realida<strong>de</strong>s<br />

psicológicas do sujeito moral que convivem e são, ora predominantes ora superáveis e compartilham<br />

ações e reflexões morais <strong>de</strong> cada sujeito, <strong>de</strong> cada ser.<br />

La Taille traduz na expressão “expansão <strong>de</strong> si próprio”, atribuída a Piaget, o conceito e o que<br />

constitui “o plano ético”: realida<strong>de</strong> energética (sentimentos e pulsões), sentido para viver (existencial),<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal (ser), tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> si. Isso quer dizer que para chegar a se preocupar com<br />

a indagação “que vida quero viver” (aceitando a existência <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> psicológica que também<br />

constitui o plano ético) o sujeito é “motivado” pelos sentimentos que impulsionam sua ação sem dominá-<br />

la totalmente, pois, do contrário, seríamos “escravos dos sentimentos”, mas a energética apenas dá a<br />

tônica da ação (agimos por raiva, medo, paixão, ódio, compaixão, etc.) não explica por que agimos. A<br />

tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> si próprio, o enxergar-se como um ser no mundo, é que proporciona o voltar-se<br />

para a existência e para o significado <strong>de</strong> estar no mundo e com o mundo, diferenciando-se dos <strong>de</strong>mais e,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 428


ao mesmo tempo, buscando uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria a partir da convivência com o outro. É esta realida<strong>de</strong><br />

que possibilita, <strong>de</strong> acordo com La Taille (2005, p.51), falarmos <strong>de</strong> um plano ético enquanto expansão <strong>de</strong><br />

si. O autor acredita que se quisermos, no plano psicológico, compreen<strong>de</strong>r os comportamentos morais dos<br />

indivíduos, é necessário conhecer a perspectiva ética que adotam, pois<br />

Somente sente-se obrigado a seguir <strong>de</strong>terminados <strong>de</strong>veres quem os concebe como<br />

expressão <strong>de</strong> valor do próprio eu, como tradução <strong>de</strong> sua auto-afirmação. Em suma,<br />

i<strong>de</strong>ntificamos na “expansão <strong>de</strong> si próprio” e no valor <strong>de</strong>corrente atribuído ao eu a fonte<br />

energética das ações significativas em geral, e das ações morais em particular.<br />

Antes <strong>de</strong> cair em qualquer unilateralismo, enten<strong>de</strong>mos que as <strong>de</strong>finições nos auxiliam a pensar<br />

nosso objeto <strong>de</strong> estudo. Quando nos referimos à ética kantiana ou ao estudo do juízo moral realizado por<br />

Piaget, não preten<strong>de</strong>mos classificar tais teorias, mas sim já termos elementos para saber <strong>de</strong> on<strong>de</strong> partimos.<br />

Veremos que se, por um lado, Kant parte da razão como a priori da moralida<strong>de</strong> humana evi<strong>de</strong>nciada no<br />

sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver livremente consentido, Piaget <strong>de</strong>screve uma moral em construção que ten<strong>de</strong> à<br />

autonomia, justamente pela racionalização <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>ver. Ambos partem do princípio <strong>de</strong> que a moral, assim<br />

como o <strong>de</strong>senvolvimento da consciência, segue movimentos ascen<strong>de</strong>ntes comuns à espécie humana. Se<br />

para Kant a moralida<strong>de</strong> humana só se realiza ao distanciar-se dos <strong>de</strong>sejos e vicissitu<strong>de</strong>s em favor da<br />

razão, compreen<strong>de</strong>ndo o <strong>de</strong>ver como um bem em si mesmo, Piaget <strong>de</strong>screve a interação entre o sujeito e o<br />

<strong>de</strong>ver, on<strong>de</strong> a apropriação e a valorização do <strong>de</strong>ver são construídas diante da qualida<strong>de</strong> das relações<br />

travadas com o meio e com o outro.<br />

É aqui que <strong>de</strong>finimos nosso caminho. Foi difícil chegar até aqui por um percurso acadêmico que<br />

ora se esten<strong>de</strong> pela filosofia, ora sociologia, ora psicologia. O i<strong>de</strong>al era conseguirmos enxergar a<br />

moralida<strong>de</strong> humana pelas três vias, pois assim o é o sujeito: indissociável. Mas o entendimento que nos<br />

foi possível atingir se fez meio condutor <strong>de</strong> nossas pesquisas até a busca <strong>de</strong> uma ética docente.<br />

Objetivos<br />

Ao nos propormos uma ética docente, buscamo-la na emissão <strong>de</strong> juízos sobre o cotidiano do<br />

professor porque acreditamos que uma reflexão sobre a prática consiste num po<strong>de</strong>roso instrumento <strong>de</strong><br />

mudança <strong>de</strong> comportamento e assunção <strong>de</strong> valores importantes ao contexto educacional, direcionando o<br />

pensamento docente para um entendimento ético <strong>de</strong> seu trabalho. Mesmo que muitos professores não<br />

façam essa reflexão espontaneamente, ao se <strong>de</strong>bruçar sobre os objetivos <strong>de</strong> seu trabalho e <strong>de</strong> situações e<br />

conflitos do seu cotidiano o professor é convidado a eleger priorida<strong>de</strong>s e a tomar posição. O juízo<br />

elaborado pelos professores será traduzido em discurso docente, on<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar tendências<br />

que caracterizam a ética docente.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 429


Metodologia<br />

Elegemos temas e criamos situações que, além <strong>de</strong> polemizar, preten<strong>de</strong>m dar conta <strong>de</strong> uma reflexão<br />

docente. Os professores já pensaram sobre princípios morais na escola? É objetivo da escola educar<br />

moralmente? Como realizá-lo? Os métodos são eficazes para o que a escola se propõe? Existem valores<br />

próprios à função docente? Quem é responsável pela formação moral das crianças? São<br />

questionamentos simples que aparecem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> situações do cotidiano dos professores justamente para<br />

provocá-los: Você já se questionou sobre seu papel? Seu trabalho e sua influência na vida dos<br />

educandos?<br />

A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma ética docente é, portanto, baseada nos próprios juízos dos professores e a<br />

análise <strong>de</strong>sses juízos nos fornecerá elementos para afirmarmos, ou não, a existência <strong>de</strong> um plano ético na<br />

docência. Apresentamos agora os aspectos metodológicos da pesquisa e, em seguida, nos <strong>de</strong>bruçamos<br />

sobre a análise do juízo moral dos professores.<br />

Segundo os passos <strong>de</strong> uma ética aplicada 72 , buscamos eleger parâmetros norteadores para a<br />

construção <strong>de</strong> uma ética docente baseada no aspecto reflexivo da profissão, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacamos (1) os<br />

princípios morais, (2) os mecanismos, (3) os valores mínimos, (4) os valores próprios à educação e (5) a<br />

construção <strong>de</strong> valores universais; e elaboramos, para cada um <strong>de</strong>les, situações-problema 73 (acompanhadas<br />

<strong>de</strong> perguntas) apresentadas aos professores entrevistados e solicitamos que estes emitam juízos <strong>de</strong> valor.<br />

Ao elegermos tais parâmetros afirmamos a importância <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>bruçarmos sobre uma ética aplicada à<br />

educação e, mais do que isso, buscamos no professor o sujeito e o interlocutor <strong>de</strong>ssa ética.<br />

Foram apresentadas cinco situações do cotidiano escolar aos professores, acompanhadas <strong>de</strong><br />

questionamentos e tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões; seus <strong>de</strong>sdobramentos constituem nosso instrumento <strong>de</strong> pesquisa<br />

para a <strong>de</strong>scrição da ética docente.<br />

Assim, nos concentramos nas entrevistas <strong>de</strong> nove professores da Re<strong>de</strong> Oficial <strong>de</strong> Ensino do<br />

Município <strong>de</strong> São Paulo (dois professores <strong>de</strong> escolas públicas e sete <strong>de</strong> escolas particulares). Dentre eles,<br />

cinco professoras e quatro professores. Cada professor recebeu um código alfa-numérico <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />

que preserva sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sem prejuízo <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntificação ao longo da análise das entrevistas. No<br />

ensino fundamental, temos uma professora polivalente das séries iniciais com formação média em<br />

Magistério e superior em Pedagogia (S1); uma professora <strong>de</strong> inglês do EJA com formação média em<br />

Magistério, Licenciatura em Letras e uma Pós-Graduação (N2); uma professora <strong>de</strong> Português e Espanhol<br />

também com Licenciatura em Letras (C8); uma professora <strong>de</strong> Geografia e História com Licenciatura em<br />

72 Cortina e Martínez (2005, p.159)<br />

73 Ver as situações e perguntas na íntegra em Anexos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 430


Geografia e Bacharelado em Análise Ambiental (E6); uma professora <strong>de</strong> Biologia e Ciências com<br />

Licenciatura e Bacharelado em Ciências (J5). Um professor <strong>de</strong> Inglês, Português e Espanhol que leciona<br />

na educação infantil, ensino fundamental e ensino médio com formação em Magistério e Licenciatura em<br />

Letras (M9); um professor <strong>de</strong> Geografia e História licenciado em Geografia e em História (J4). Já no<br />

ensino médio, temos um professor <strong>de</strong> Filosofia e Meios <strong>de</strong> Comunicação licenciado em Filosofia e<br />

concluindo Mestrado em Filosofia (A3); um professor <strong>de</strong> matemática cursando licenciatura em<br />

Matemática (A7); além <strong>de</strong>les, as professoras <strong>de</strong> Biologia e Ciências e a <strong>de</strong> Português e Espanhol também<br />

lecionam em ensino médio.<br />

As entrevistas tiveram duração média <strong>de</strong> 60 minutos, foram gravadas em mídia digital e transcritas<br />

literalmente uma a uma. A seguir apresentamos a análise <strong>de</strong>ssas entrevistas, em que perseguimos no juízo<br />

e na fala docente uma reflexão que auxilie na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma ética docente. Não se trata <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar<br />

níveis do juízo moral docente, não falaremos <strong>de</strong> estágios ou mesmo <strong>de</strong> uma graduação, o que nos<br />

propomos agora é a <strong>de</strong>scrição e apresentação dos juízos emitidos pelos professores organizados em<br />

blocos <strong>de</strong> acordo com cada situação apresentada. Perseguiremos nas respostas dos professores uma linha<br />

<strong>de</strong> pensamento que caracterize uma reflexão inerente à prática docente e ao contexto educacional <strong>de</strong>ntro<br />

da proposta <strong>de</strong> educação como formação para a vida e que consi<strong>de</strong>re os professores como sujeitos morais,<br />

procurando i<strong>de</strong>ntificar e <strong>de</strong>screver juízos e reflexões <strong>de</strong> acordo, principalmente, com o questionamento da<br />

moralida<strong>de</strong> vigente (autonomia) ou no simples cumprimento do <strong>de</strong>ver (heteronomia).<br />

Desenvolvimento: retratos <strong>de</strong> uma ética docente<br />

O que encontramos no juízo dos professores consiste em diferentes apropriações <strong>de</strong> um mesmo<br />

problema ou situação. Assim, a nivelação ou hierarquização <strong>de</strong> juízos, principalmente porque tratamos <strong>de</strong><br />

indivíduos adultos, profissionais que passaram por formação <strong>de</strong> nível superior para exercer suas<br />

ativida<strong>de</strong>s docentes, não se configura em nosso principal instrumento <strong>de</strong> análise. Procuramos agrupar os<br />

juízos <strong>de</strong> acordo com a proximida<strong>de</strong> entre as falas, fazendo uma síntese em forma <strong>de</strong> sentenças para cada<br />

agrupamento <strong>de</strong> respostas, como se observou no capítulo anterior e que figuram no quadro acima. A<br />

apresentação dos juízos obe<strong>de</strong>ce, portanto, a qualida<strong>de</strong> do discurso e o aprofundamento <strong>de</strong> cada professor<br />

nas situações apresentadas, sugerindo ou não uma reflexão. Vejamos um retrato geral <strong>de</strong>sses juízos no<br />

quadro a seguir:<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 431


Quadro <strong>de</strong> agrupamento dos juízos dos professores<br />

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3<br />

1. Os princípios morais Religião e moral se A religião e o criacionismo Distinção entre valores morais<br />

confun<strong>de</strong>m no ensino <strong>de</strong> como outra forma <strong>de</strong> e religião<br />

valores<br />

conhecimento<br />

O propósito da escola O conteúdo como meio e fim Formar para viver Formar para conviver<br />

O que a escola <strong>de</strong>ve ensinar Foco em problemas Propiciar ferramentas Formação <strong>de</strong> conhecimentos<br />

disciplinares<br />

aliada à formação humana<br />

2. Os meios empregados Educação <strong>de</strong> valores apenas<br />

nas disciplinas <strong>de</strong><br />

Como ensinar valores e<br />

conteúdos ao mesmo tempo?<br />

Valida<strong>de</strong> dos métodos para a<br />

aprendizagem dos alunos<br />

humanida<strong>de</strong>s<br />

Não se ensina matemática e<br />

valores ao mesmo tempo<br />

Educação em valores se<br />

confun<strong>de</strong> com combate à<br />

indisciplina<br />

Prova para avaliação da<br />

É possível trabalhar valores e<br />

conteúdos em ciências<br />

exatas, mas não se sabe como<br />

A<strong>de</strong>quar o conteúdo (<strong>de</strong><br />

matemática) aos valores<br />

Formação <strong>de</strong> conceitos alia<br />

conteúdos e realida<strong>de</strong> dos<br />

alunos<br />

A construção <strong>de</strong> valores é feita<br />

no dia-a-dia das relações em<br />

sala <strong>de</strong> aula<br />

Todas as disciplinas po<strong>de</strong>m<br />

abordar os valores na escola<br />

A aprendizagem <strong>de</strong> valores é<br />

in<strong>de</strong>terminada<br />

Avaliação da aprendizagem<br />

Acompanhamentos ao longo<br />

<strong>de</strong> conteúdos<br />

aprendizagem<br />

do período<br />

Avaliação da aprendizagem Não há como avaliar Observar mudanças no<br />

<strong>de</strong> valores<br />

cotidiano das relações entre os<br />

escolares<br />

3. Valores e virtu<strong>de</strong>s da Não é atribuição do professor O professor intervém e É responsabilida<strong>de</strong> do<br />

docência (ética <strong>de</strong> mínimos) tomar <strong>de</strong>cisão<br />

comunica o fato à professor mediar os conflitos<br />

- Tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão sobre<br />

intercorrência na escola<br />

coor<strong>de</strong>nação da escola entre os alunos<br />

Tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão sobre Não <strong>de</strong>ve intervir em Acionar “as autorida<strong>de</strong>s” O professor <strong>de</strong>ve intervir<br />

intercorrências ou fatores<br />

extra-escolares<br />

situações fora da sala <strong>de</strong> aula competentes<br />

Contra argumento Justificando o outro:<br />

Não se justifica: universalismo<br />

relativismo (?)<br />

(?)<br />

4. Exigências e valores O professor é autorida<strong>de</strong><br />

O professor se constrói<br />

próprios à educação - A<br />

autorida<strong>de</strong> docente<br />

instituída<br />

autorida<strong>de</strong><br />

Lealda<strong>de</strong> entre colegas – Os Delatar os colegas constitui<br />

alunos <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>latar os uma ação moral para a escola<br />

colegas?<br />

(Unanimida<strong>de</strong>)<br />

Os <strong>de</strong>latores <strong>de</strong>vem ser<br />

A <strong>de</strong>lação dos colegas não<br />

poupados da punição<br />

constitui um valor<br />

coletiva?<br />

(Unanimida<strong>de</strong>)<br />

As regras na escola Acatar opinião do aluno po<strong>de</strong> Conversar é uma coisa, As regras po<strong>de</strong>m ser mudadas<br />

implicar em perda da mudar as regras é outra através <strong>de</strong> argumentação e <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> limites<br />

consenso mútuo<br />

As regras na sala <strong>de</strong> aula É importante discutir, mas O professor é obrigado a As regras po<strong>de</strong>m ser mudadas<br />

valem as regras do professor mudar as regras<br />

por consenso<br />

5. Construção <strong>de</strong> valores - É um problema <strong>de</strong> classe O discurso dos limites: os Falta <strong>de</strong> diálogo<br />

Por que os pais per<strong>de</strong>m o social<br />

pais não estão preparados<br />

controle sobre os filhos?<br />

para serem pais e mães<br />

Qual a responsabilida<strong>de</strong> da A escola não <strong>de</strong>veria ser A escola não está preparada A responsabilida<strong>de</strong> da escola<br />

escola na construção <strong>de</strong> cobrada<br />

para assumir uma construção aumenta<br />

valores?<br />

<strong>de</strong> valores<br />

Esse agrupamento dos juízos emitidos nas falas nos permitiu i<strong>de</strong>ntificar pelo menos três grupos <strong>de</strong><br />

respostas que se aproximam justamente pelo envolvimento dos professores na análise das situações<br />

apresentadas. O primeiro grupo constitui as análises mais superficiais que <strong>de</strong>monstram pouco<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 432


envolvimento do professor com o problema, possível falta <strong>de</strong> informação sobre o tema, <strong>de</strong>sinteresse,<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressar opinião e <strong>de</strong>poimentos arraigados no senso comum (como, por exemplo, a<br />

indistinção entre moral e religião). O segundo grupo <strong>de</strong> respostas se caracteriza pela emissão <strong>de</strong> juízos<br />

mais elaborados que <strong>de</strong>monstram familiarida<strong>de</strong> com as situações e temas apresentados, mas não<br />

apresentam justificativas ou soluções próprias e <strong>de</strong>svinculadas <strong>de</strong> quaisquer “modismos” (como afirmar a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma educação em valores e não saber se posicionar sobre sua concretização na escola).<br />

Por fim, no terceiro grupo há um aprofundamento nas situações e problemas apresentados através <strong>de</strong><br />

juízos mais complexos que se <strong>de</strong>stacam pela tomada <strong>de</strong> posição, pelo questionamento do senso comum e<br />

das regras vigentes e pela constatação do papel do professor e da escola na formação moral dos alunos.<br />

Notemos que há, portanto, um movimento progressivo entre as diversas falas <strong>de</strong> diferentes<br />

professores. Mas, insistimos, tal movimento configura-se a partir da reflexão <strong>de</strong> cada docente sobre as<br />

situações apresentadas e se observamos diferenças qualitativas (e significativas) entre as sentenças e falas<br />

é porque estamos diante <strong>de</strong> sujeitos que nos revelam diferentes níveis <strong>de</strong> apropriações dos temas e<br />

situações a que foram expostos. O que nos leva à urgência <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> ética docente que<br />

transcenda qualquer código ou norma e se sustente na tomada <strong>de</strong> consciência e reflexão docente.<br />

Uma última reflexão sobre o agrupamento das falas. Ainda que se trate <strong>de</strong> uma análise dos juízos e<br />

opiniões emitidos e não dos sujeitos, o acompanhamento das respostas individuais nos permite também<br />

visualizar a a<strong>de</strong>são dos professores a cada agrupamento. Dessa forma, foi possível perceber que os<br />

professores emitiam mais respostas características <strong>de</strong> um agrupamento em particular. Mas foi justamente<br />

o trânsito entre um agrupamento e outro o que nos permitiu i<strong>de</strong>ntificar a reflexão e a tomada <strong>de</strong><br />

consciência e <strong>de</strong>screvê-las. A título <strong>de</strong> exemplo, po<strong>de</strong>mos acompanhar as respostas dos professores S1 e<br />

M9. A professora S1 tem suas falas concentradas no agrupamento 1 (nove incidências), mas também<br />

aparece no agrupamento 2 (cinco incidências) e 3 (quatro incidências). Já o professor M9 tem seu<br />

discurso predominantemente no agrupamento 3 (<strong>de</strong>z incidências), mas também no agrupamento 2 e 1,<br />

com cinco e três incidências respectivamente.<br />

Consi<strong>de</strong>rações sobre <strong>de</strong>senvolvimento moral e reflexão ética<br />

Chegamos, portanto, a três retratos <strong>de</strong> uma ética docente e nossa familiarida<strong>de</strong> com a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética e com estudos sobre o <strong>de</strong>senvolvimento moral nos conduz naturalmente à busca<br />

<strong>de</strong> uma evolução dos juízos emitidos pelos professores. Não negaremos tal referencial, pois ele realmente<br />

conduziu nossa análise e se evi<strong>de</strong>ncia na caracterização dos retratos dos grupos 1, 2 e 3.<br />

Ao perseguimos o juízo docente buscamos <strong>de</strong>terminar o domínio dos professores sobre o<br />

assunto/situação, conduzimos questões <strong>de</strong>safiadoras com vistas ao <strong>de</strong>sequilíbrio e partimos das soluções<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 433


encontradas pelos professores para questioná-los, contrapor opiniões e estabelecer coerências entre seu<br />

discurso e suas soluções para o cotidiano escolar. Perseguimos, portanto, a evolução do juízo moral<br />

docente. Mas ao nos <strong>de</strong>pararmos com diferentes níveis <strong>de</strong> apropriação das situações apresentadas nos<br />

encontramos diante <strong>de</strong> duas vertentes: a primeira se <strong>de</strong>bruça sobre uma evolução dos juízos morais<br />

docentes e a segunda se insere diretamente na perspectiva ética encarada aqui como a apropriação e<br />

tomada <strong>de</strong> consciência da profissão e do que é ser docente e ser ético.<br />

Quanto à primeira, nos parece mesmo irrelevante tomarmos a perspectiva <strong>de</strong> uma graduação nos<br />

discursos dos professores. Os estudos piagetianos sobre a moralida<strong>de</strong>, assim como a abordagem <strong>de</strong><br />

Kohlberg, sugerem uma evolução dos juízos morais nas crianças até a ida<strong>de</strong> adulta. Mas também é<br />

verda<strong>de</strong> que o <strong>de</strong>senvolvimento em geral <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, além dos atributos biológicos, da qualida<strong>de</strong> das<br />

interações sociais e do ambiente; que juntos <strong>de</strong>terminam as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento. E no<br />

que tange à moralida<strong>de</strong> há, no mínimo, um paralelismo com o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo que alia, por<br />

exemplo, pensamento pré-operatório a não coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> ações e pensamento e, consequentemente,<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar-se na perspectiva do “outro”. O que remete mesmo a uma evolução no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral do sujeito.<br />

Por outro lado, esse mesmo referencial nos mostra que os mecanismos que regem o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento são alimentados pelas interações sociais e ambientais nas quais estamos inseridos e,<br />

portanto, somos levados à interação com <strong>de</strong>terminados objetos (sentimentos, ações, conceitos, etc.) que se<br />

inserem em nossos mecanismos e se transformam e nos transformam, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m também <strong>de</strong> um<br />

motor (emocional) que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia a ação. Isso equivale a pensar o <strong>de</strong>senvolvimento não apenas do<br />

ponto <strong>de</strong> vista estrutural, mas a partir <strong>de</strong> uma perspectiva individual, <strong>de</strong> cada sujeito em particular. Ao<br />

<strong>de</strong>screver o juízo moral da criança Piaget ensaia estágios do <strong>de</strong>senvolvimento moral (anomia,<br />

heteronomia e autonomia), mas estes apenas constituem o juízo predominante ou a tendência das<br />

respostas emitidas na primeira infância, na segunda e no início da adolescência. Pois a principal<br />

constatação <strong>de</strong> Piaget centra-se no fato <strong>de</strong> que existem duas realida<strong>de</strong>s morais: a heteronomia e a<br />

autonomia. Realida<strong>de</strong>s estas que coexistem no mesmo sujeito e na mesma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordo com o<br />

nível <strong>de</strong> interação interpessoal com os outros, com os valores morais e, consequentemente, a construção<br />

individual e tomada <strong>de</strong> consciência das questões morais.<br />

Quando falamos em realida<strong>de</strong>s morais convivendo num único sujeito, insistimos na apropriação<br />

da realida<strong>de</strong> no contexto individual. Assim, julgamos e agimos <strong>de</strong> acordo com uma moral heterônoma<br />

quando nos submetemos às leis vigentes no nosso país, por exemplo. Mas somos capazes <strong>de</strong> nos<br />

indignarmos e questionarmos essas mesmas leis quando sua aplicação resulta em situações que<br />

consi<strong>de</strong>ramos injustas. O modo como agimos e julgamos as situações que se nos apresentam em nosso<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 434


cotidiano, e que envolvem valores ou se apresentam como verda<strong>de</strong>iros dilemas morais, está condicionado<br />

a fatores emocionais, sociais e, principalmente, à significação da situação para cada sujeito. Por isso,<br />

diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas situações somos heterônomos e, diante <strong>de</strong> outras situações, somos autônomos. E<br />

isto não constitui um fato, mas um estado das coisas. Po<strong>de</strong>mos refletir sobre a mesma situação ou dilema<br />

<strong>de</strong> modo que nosso julgamento se modifica na medida em que nos <strong>de</strong>bruçamos sobre eles, ou melhor,<br />

quando nos apropriamos <strong>de</strong>stes.<br />

Resumindo, se por um lado existe um <strong>de</strong>senvolvimento ascen<strong>de</strong>nte em direção à autonomia moral,<br />

não há um estado estacionário e sim a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexões cada vez mais elaboradas sobre a<br />

moralida<strong>de</strong> que nos conduzem à ética.<br />

E é nessa perspectiva que consi<strong>de</strong>ramos o juízo docente sobre seu cotidiano para ensaiarmos uma<br />

ética docente. Porque o nosso entendimento <strong>de</strong> ética se assemelha à realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma moral autônoma<br />

que toma para si a reflexão sobre o seu cotidiano, procurando relacionar seu posicionamento e suas ações<br />

com os valores morais e com a perspectiva do outro. Assim, quando assumimos uma moral autônoma<br />

caminhamos em direção a um reflexionamento e tomada <strong>de</strong> consciência que nos expan<strong>de</strong> em direção à<br />

ética. E quando nós professores expandimos esta reflexão ao nosso ambiente <strong>de</strong> trabalho, temos a ética<br />

aplicada à educação e, consequentemente, uma ética docente.<br />

Conclusões: por uma ética docente<br />

Essa constitui a proposta <strong>de</strong>ste estudo. Descrever o conhecimento dos objetivos da educação, os<br />

meios empregados para tal, os valores e as virtu<strong>de</strong>s próprios à situação educacional, as exigências e,<br />

principalmente a apropriação do cotidiano, a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e a reflexão dos professores sobre seu<br />

trabalho. Inserir-se no cotidiano através <strong>de</strong> situações nas quais os professores são chamados a se<br />

posicionar e emitir juízos sobre seu trabalho e, se já não o fazem espontaneamente, a se questionar e<br />

refletir sobre sua ação na formação moral <strong>de</strong> outros sujeitos. Porque para se afirmar uma ética docente é<br />

preciso afirmar que existe uma preocupação com os fins educacionais, com os rumos do trabalho docente,<br />

com o resultado <strong>de</strong>sse trabalho e com a qualida<strong>de</strong> das relações com o outro; se o professor não se coloca<br />

tais questões, se não reflete sobre seu cotidiano, é um professor moral, não ético.<br />

E o que encontramos nas falas dos professores entrevistados constitui um retrato <strong>de</strong>sta ética, ou<br />

seja, do reflexionamento moral dos professores. Ao analisarmos as falas não buscávamos um discurso<br />

único dos professores, nem respostas corretas, mas uma referência do pensamento docente. Deparamo-<br />

nos com expressões <strong>de</strong> discursos que nos permitiram i<strong>de</strong>ntificar e qualificar as falas agrupando-as <strong>de</strong><br />

acordo com a coerência das respostas na sequência das perguntas e o aprofundamento nas situações<br />

apresentadas. Assim nos foi possível chegar aos três grupos <strong>de</strong>scritos anteriormente, pois cada vez que<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 435


líamos as falas, algumas sentenças “saltavam aos olhos” e resumiam o pensamento docente.<br />

O retrato da ética docente assume, portanto, estas três faces do discurso docente que se revelam<br />

através da <strong>de</strong>sinformação ou <strong>de</strong>sinteresse pelo cotidiano escolar, igualando o professor ao senso comum<br />

pela falta <strong>de</strong> reflexão sobre sua prática; pelo domínio da informação e atualização docente, porém<br />

também <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> uma ação reflexiva para apropriação <strong>de</strong>sse conhecimento; até a elaboração <strong>de</strong> uma<br />

perspectiva <strong>de</strong> ação docente que alia informação, apropriação e transformação do discurso pedagógico<br />

numa proposta <strong>de</strong> ação coerente com o juízo emitido. E a ética docente que perseguimos ao longo <strong>de</strong>sse<br />

trabalho assume a perspectiva da apropriação do cotidiano escolar – e isso não se resume ao domínio<br />

teórico <strong>de</strong> tendências educacionais, da legislação, das normas e dos regimentos escolares, da formação<br />

acadêmica ou em serviço, do estrito cumprimento das ativida<strong>de</strong>s diárias – seguido <strong>de</strong> uma ação <strong>de</strong><br />

reflexão que o transforma e se reflete no seu discurso, quiçá na prática docente. E quando tal processo <strong>de</strong><br />

tomada <strong>de</strong> consciência se faz presente no cotidiano das práticas escolares, estamos diante da ética<br />

docente.<br />

Referências<br />

ANDRADE, Jakeline Alencar. Ambiente sociomoral e <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia. Dissertação <strong>de</strong><br />

mestrado. Porto Alegre: PPGEdu/UFRGS, 2003.<br />

ANDRADE, Jakeline Alencar. Ética docente: estudo sobre o juízo moral do professor [manuscrito].Tese<br />

<strong>de</strong> doutorado. Porto Alegre: PPGEdu/UFRGS, 2008.<br />

BECKER, F. [1993] A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 9 a ed. Petrópolis: Vozes, 2001.<br />

CORTINA, A<strong>de</strong>la e MARTÍNEZ, Emilio. Ética. São Paulo: Edições Loyola, 2005.<br />

LA TAILLE, Yves <strong>de</strong>. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: ArtMed, 2006.<br />

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. Leopoldo<br />

Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004.<br />

MACEDO, Lino (org.). Cinco estudos <strong>de</strong> educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.<br />

PIAGET, J. [1932] O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.<br />

_____. [1948] Para on<strong>de</strong> vai a educação? 8 a ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria José Olímpio, 1984.<br />

_____. [1965] Estudos sociológicos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1973.<br />

_____. [1969] Sabedoria e ilusões da filosofia. In: Os pensadores. São Paulo: Abril, 1978.<br />

_____.[1974] Tomada <strong>de</strong> consciência. São Paulo: Melhoramentos, EDUSP, 1977.<br />

_____. [1977] Abstração reflexionante. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 436


Conflitos Interpessoais: Visão <strong>de</strong> Alunos, Professores e Responsáveis em duas Escolas Particulares<br />

Resumo<br />

VIDIGAL, Sônia Maria Pereira<br />

UNIFRAN / Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo – USP/FE<br />

BUSCH, Monika Melly<br />

UNIFRAN<br />

VINHA, Telma Pileggi<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Capinas – UNICAMP/FE<br />

TOGNETTA, Luciene Regina Paulino<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas – UNICAMP/FE<br />

soniavidi@uol.com.br<br />

Este estudo teve por objetivo enten<strong>de</strong>r a visão <strong>de</strong> pais, alunos e professores <strong>de</strong> duas escolas particulares<br />

da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo quanto à frequência e ao tipo <strong>de</strong> conflitos que ocorrem, tanto entre pares, quanto<br />

na relação professor-aluno. Notaram-se diferenças nas relações vivenciadas em cada uma das instituições:<br />

uma <strong>de</strong>las é marcada por indícios <strong>de</strong> ambiente coercitivo e a outra, por apresentar tendência à cooperação.<br />

Participaram da pesquisa, alunos, professores e responsáveis (pais) <strong>de</strong> uma classe do 6º ano, e uma do 9º<br />

ano, <strong>de</strong> cada uma das duas escolas, totalizando 110 entrevistados. O instrumento utilizado foi um<br />

questionário com perguntas abertas e fechadas, separado em duas partes, com as mesmas perguntas. A<br />

primeira investigava a relação entre pares e a segunda, a relação professor-aluno. As respostas passaram<br />

por uma categorização livre, com análise <strong>de</strong> conteúdo, nas quais foram observadas as características mais<br />

comuns encontradas. Notaram-se diferenças na comparação dos dados das duas escolas tanto em relação à<br />

frequência quanto aos tipos <strong>de</strong> conflitos que ocorrem. Nas respostas da escola com tendência à<br />

cooperação, apareceram menos conflitos, tanto no geral, quanto na categoria conflitos envolvendo regras<br />

morais. Os resultados sugerem, como encontrado na literatura, que o ambiente influi na forma como os<br />

alunos e professores concebem os conflitos. A teoria construtivista piagetiana na perspectiva da<br />

psicologia moral constituiu-se o referencial teórico da pesquisa.<br />

Palavras-chave: Autonomia. Conflitos interpessoais. Ambiente sociomoral.<br />

Abstract<br />

This research aims at un<strong>de</strong>rstanding the parents’, stu<strong>de</strong>nts’ and teachers’ views, in two private schools in<br />

Sao Paulo, on the rate and nature of conflicts taking place among them all, both within the peers and<br />

between teacher and stu<strong>de</strong>nt. Differences were observed in interactions experienced in each institution:<br />

one marked by signs of a compelling environment and the other by tending to cooperation. A total of a<br />

hundred and ten teachers, stu<strong>de</strong>nts and the responsible parties (i. e. parents) from the 6th and 9th gra<strong>de</strong>s in<br />

each school were interviewed in the survey. The instrument used was a survey including open and closed<br />

questions, separate into two parts, with the very same questions. The first one looked into the interaction<br />

between peers, and the second one between teacher and stu<strong>de</strong>nt. Following an analysis of the content, the<br />

answers un<strong>de</strong>rwent a free classification, in which the commonest characteristics were <strong>de</strong>tected.<br />

Differences were observed when comparing the data from the two schools, concerning both the rate and<br />

the nature of conflicts taking place. The answers from the school tending to cooperation revealed fewer<br />

conflicts, both regarding a general background and the category conflicts involving moral rules. As the<br />

body of literature reads, the results suggest that the environment biases the way teachers and stu<strong>de</strong>nts<br />

consi<strong>de</strong>r conflicts. From the perspective of moral Psychology, the Piagetian constructivist approach<br />

turned into the theoretical reference for the present research.<br />

Keywords: Autonomy. Interpersonal conflicts. Sociomoral environment.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 437


Introdução<br />

Em um estudo realizado em bairros marcados por alto grau <strong>de</strong> violência social, situados na<br />

periferia da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre, Paim Costa (2000) apresenta dados <strong>de</strong> perplexida<strong>de</strong> do grupo <strong>de</strong><br />

professores, que <strong>de</strong>monstraram dificulda<strong>de</strong> em agir efetivamente, diante das rivalida<strong>de</strong>s entre jovens que<br />

afetam o projeto educativo com suas brigas e conflitos.<br />

Não somente diante <strong>de</strong> casos extremos, como esses, os professores ficam <strong>de</strong>sconcertados com os<br />

conflitos <strong>de</strong>ntro da instituição escolar e procuram agir <strong>de</strong> forma rápida, buscando solucioná-los o quanto<br />

antes. Por ser geralmente tratado na escola como um fato antinatural, o conflito costuma causar<br />

insegurança em muitos educadores que, diante da dificulda<strong>de</strong> em lidar com ele, comumente utilizam três<br />

formas <strong>de</strong> intervenção: evitá-lo, contê-lo ou ignorá-lo. Esses mecanismos <strong>de</strong> resolução po<strong>de</strong>m coibir o<br />

problema momentaneamente, mas não propiciam aos envolvidos a tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> seus atos,<br />

nem os fazem sentirem-se co-responsáveis por elas.<br />

O conflito interpessoal, na teoria construtivista, é um fenômeno que possibilita ao indivíduo a<br />

percepção <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista diferente do seu. Propicia, assim, que sejam coor<strong>de</strong>nadas diferentes<br />

perspectivas, fator necessário para o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia. Dessa forma, o conflito <strong>de</strong>ve ser<br />

consi<strong>de</strong>rado uma oportunida<strong>de</strong> para que a pessoa possa superar visões egocêntricas e auto-regular suas<br />

emoções e seus sentimentos.<br />

Uma instituição educacional que vise o <strong>de</strong>senvolvimento moral dos alunos — <strong>de</strong> acordo com a<br />

concepção construtivista — necessita planejar um trabalho com resolução <strong>de</strong> conflitos em que o objetivo<br />

almejado não seja a rápida solução do problema. É por meio das vivências das consequências <strong>de</strong> seus<br />

atos, assim como pela coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> diversos pontos <strong>de</strong> vista em busca <strong>de</strong> soluções mais justas e<br />

respeitosas, que haverá uma contribuição efetiva para os educandos caminharem rumo à autonomia.<br />

Segundo Piaget, os conflitos vivenciados pelo sujeito levam-no a buscar uma nova or<strong>de</strong>m interna, que não<br />

só é alimentada pela or<strong>de</strong>m externa, como também a alimenta, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando todo um esforço <strong>de</strong><br />

organização. O autor enfatizou a importância dos conflitos interpessoais como facilitadores dos conflitos<br />

internos pelos quais o indivíduo começa a levar em conta outros pontos <strong>de</strong> vista (PIAGET, 1932/1994;<br />

VINHA, 2000).<br />

Em pesquisas realizadas em escolas públicas e particulares, Fante (2005) aponta que 47% dos<br />

professores ocupam <strong>de</strong> 21% a 40% do seu dia escolar para resolver conflitos e situações <strong>de</strong> indisciplina.<br />

Outros autores, como Pacheco e Araújo (2006), também apresentam dados <strong>de</strong> ser a indisciplina fator<br />

bastante presente nas escolas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 438


Uma vez que os professores <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>m tanto tempo <strong>de</strong> seu dia com esses problemas, por que não<br />

tratá-los <strong>de</strong> uma forma que propicie a construção <strong>de</strong> sujeitos mais autônomos? Muitas vezes os docentes<br />

admitem querer formar um sujeito ético, mas suas ações caminham em sentido contrário: impe<strong>de</strong>m que<br />

seus alunos aprendam com a situação ocorrida; não refletem a respeito do dano causado.<br />

Os estudos <strong>de</strong> Piaget fundamentam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a influência do tipo <strong>de</strong> relações<br />

que as crianças estabelecem entre si e com os adultos nos ambientes em que convivem. As relações<br />

<strong>de</strong>mocráticas baseadas no respeito mútuo são condições mais favoráveis para elas se libertarem do<br />

egocentrismo, superando a heteronomia. O autor afirma ainda que as trocas sociais e intelectuais com<br />

base na reciprocida<strong>de</strong>, assim como as relações <strong>de</strong> respeito mútuo, são elementos que influem<br />

<strong>de</strong>cisivamente para a <strong>de</strong>scentração cognitiva da criança, permitindo o aparecimento da cooperação,<br />

necessária para a autonomia.<br />

Uma vez que o ambiente escolar tem muito valor na formação do sujeito, dada a influência que<br />

exerce no <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia, a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações nele estabelecidas é <strong>de</strong> suma<br />

importância. Diversos estudos <strong>de</strong>monstraram essa relevância. Menin (1985) conclui que, em geral, as<br />

relações vividas na escola costumam fortalecer a heteronomia moral por meio da coação exercida pelos<br />

professores e funcionários; Tognetta (2003, 2007) <strong>de</strong>monstra que ambientes cooperativos po<strong>de</strong>m<br />

favorecer a integração <strong>de</strong> valores morais como a solidarieda<strong>de</strong>; Araújo (1993) <strong>de</strong>monstra o fortalecimento<br />

<strong>de</strong> julgamentos morais que ten<strong>de</strong>m à autonomia, quando o sujeito vivencia ambientes sociomorais 74<br />

cooperativos; Bagat (1986) comprova que educadores pouco dogmáticos auxiliam mais efetivamente o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do senso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstrando que um ambiente <strong>de</strong>mocrático po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolver, nas crianças, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar mais autonomamente.<br />

Em um ambiente sociomoral cooperativo, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um conflito não é tomada pelo educador, o<br />

qual po<strong>de</strong> intervir e mediar, mas não tirar dos envolvidos a solução que lhes pertence. O educador, nesse<br />

ambiente, terá o relevante papel <strong>de</strong> ajudar os envolvidos a ouvirem o outro e perceberem uma perspectiva<br />

diferente da sua e buscar uma alternativa respeitosa e digna para todas as partes. Assim, a aprendizagem<br />

numa situação <strong>de</strong> conflito é <strong>de</strong>corrente do diálogo, da coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> outros pontos <strong>de</strong> vista, bem como<br />

do comprometimento das partes na análise dos fatos e <strong>de</strong> suas consequências. A solução propriamente<br />

dita nem sempre é imediata e nem feita por terceiros, pois a <strong>de</strong>cisão cabe aos indivíduos implicados no<br />

fato. Isto porque um dos princípios da educação construtivista é haver na classe uma atmosfera<br />

sociomoral, na qual o respeito pelos outros seja continuamente cultivado e praticado. Tanto entre pares,<br />

quanto na relação professor-aluno, os indivíduos <strong>de</strong>vem respeitar-se reciprocamente como pessoas iguais.<br />

74 Ambiente sociomoral, para DeVries e Zan (1998, p. 17), é assim <strong>de</strong>finido “toda re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações interpessoais que forma a<br />

experiência escolar da criança. Essa experiência inclui o relacionamento da criança com o professor, com as outras<br />

crianças, com os estudos e com as regras”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 439


Um ambiente coercitivo po<strong>de</strong> camuflar situações que necessitariam <strong>de</strong> intervenções mais construtivas no<br />

intuito <strong>de</strong> promover melhores formas <strong>de</strong> resolução.<br />

Lukjanenko (1995, p. 45) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que, em um ambiente on<strong>de</strong> predominam relações <strong>de</strong> coação ou<br />

<strong>de</strong> autoritarismo, a escala <strong>de</strong> valores se <strong>de</strong>ve, não à própria consciência, mas à pressão exterior, pela<br />

autorida<strong>de</strong> dos usos e tradições. Na ausência da reversibilida<strong>de</strong>, o sistema <strong>de</strong> representações coletivas<br />

impostas por coação não constitui um estado <strong>de</strong> equilíbrio verda<strong>de</strong>iro. Para a autora, o ambiente<br />

cooperativo <strong>de</strong>veria favorecer a interação entre indivíduos, pois as relações sociais não ocorrem por<br />

imposição, repetição ou crença, mas a partir <strong>de</strong> discussões, trocas <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> vista e controle mútuo dos<br />

argumentos. Reforça ainda que um ambiente cooperativo não é o laissez-faire concebido pelo liberalismo<br />

clássico, mas implica um sistema <strong>de</strong> normas não coinci<strong>de</strong>nte com a simples regulação externa. A<br />

ativida<strong>de</strong> disciplinada, ou a autodisciplina, difere da ativida<strong>de</strong> imposta e forçada.<br />

Outras pesquisas comprovam que alunos que vivenciaram ambiente escolar construtivista<br />

apresentaram maneiras mais respeitosas para a resolução <strong>de</strong> seus conflitos e estabeleceram relações mais<br />

cooperativas do que outros que frequentaram ambientes educativos mais autorirários (DE VRIES; ZAN,<br />

1995; VINHA, 2000; TOGNETTA; VINHA, 2007).<br />

Objetivos e metodologia<br />

Esta pesquisa procurou verificar a concepção <strong>de</strong> responsáveis (pais), alunos e professores em<br />

relação à frequência <strong>de</strong> conflitos entre alunos do Ensino Fundamental II, com seus pares e com a<br />

autorida<strong>de</strong>. Foram analisadas duas instituições particulares da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo que aten<strong>de</strong>m um<br />

público equivalente, com nível socioeconômico alto. As instituições diferem no que diz respeito às<br />

relações vivenciadas por seus integrantes.<br />

Dado que há diferenças entre os ambientes, procuramos verificar se, conforme literatura<br />

especializada, as concepções sobre a ocorrência dos conflitos diferem na visão dos alunos, professores e<br />

responsáveis <strong>de</strong> ambas as escolas.<br />

Em uma das instituições foram encontrados traços <strong>de</strong> um ambiente coercitivo, enquanto na outra<br />

foram percebidas ações que indicam um ambiente com tendência à cooperação. Chamaremos aqui <strong>de</strong><br />

Escola X a primeira e <strong>de</strong> Escola V àquela que é menos coercitiva.<br />

Para a classificação da Escola X como um ambiente coercitivo, observaram-se gritos dos<br />

educadores para com os alunos; críticas humilhantes ligadas à personalida<strong>de</strong>; necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os alunos<br />

pedirem autorização para realizar ações corriqueiras; mensagens que <strong>de</strong>monstravam a falta <strong>de</strong> confiança<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 440


na palavra do outro; atribuições <strong>de</strong> tarefas mecânicas 75 para obtenção do controle da classe ou do bom<br />

comportamento dos alunos. Notou-se também que a <strong>de</strong>lação era estimulada entre os alunos e que esses<br />

não emitiam a sua opinião por medo <strong>de</strong> represálias.<br />

Na outra instituição, a Escola V, perceberam-se ações que <strong>de</strong>monstravam um ambiente com<br />

tendência à cooperação, com iniciativas da direção e professores para caminharem nessa direção. Por<br />

exemplo: a participação em cursos e grupos <strong>de</strong> estudos focados em como a escola po<strong>de</strong> contribuir para a<br />

construção da autonomia e <strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong> ética. Os alunos <strong>de</strong>monstraram sentir-se<br />

mais respeitados e expuseram a sua opinião sem receio. A assembleia 76 <strong>de</strong> classe pareceu acontecer<br />

regularmente e não somente quando há interesses por parte dos educadores.<br />

Procurou-se verificar se houve divergência nas respostas <strong>de</strong> acordo com a influência do ambiente.<br />

Esse estudo foi realizado com alunos <strong>de</strong> 10 a 15 anos — uma vez que, com essa ida<strong>de</strong>, o jovem já<br />

possui condições cognitivas <strong>de</strong> colocar-se em outra perspectiva, consi<strong>de</strong>rando uma posição diferente da<br />

sua — seus respectivos responsáveis e professores, em quatro classes do Ensino Fundamental II, sendo<br />

uma classe <strong>de</strong> sexto ano e uma <strong>de</strong> nono ano em cada uma das duas escolas pesquisadas, ambas da re<strong>de</strong><br />

particular da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

A opção por participar, após a explanação dos objetivos da pesquisa, foi firmada por meio do<br />

termo <strong>de</strong> compromisso livre e esclarecido, assinado na própria instituição, antes da entrega do<br />

instrumento. Dispuseram-se a participar, 110 sujeitos — alunos, professores e responsáveis — das classes<br />

envolvidas.<br />

O instrumento utilizado — um questionário com perguntas abertas e fechadas — foi aprovado<br />

pelo comitê <strong>de</strong> ética da UNIFRAN — Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Franca. O questionário era separado em duas<br />

partes, a primeira investigava a relação entre pares e na segunda a relação professor-aluno. Em cada uma<br />

<strong>de</strong>ssas partes perguntava-se com que frequência os conflitos ocorrem, quais são os tipos <strong>de</strong> conflitos que<br />

surgem, as formas <strong>de</strong> resolução utilizadas, assim como o juízo a respeito <strong>de</strong>ssa resolução.<br />

Nesse artigo, analisaremos a frequência em que os conflitos ocorrem nessas escolas, os tipos <strong>de</strong><br />

conflitos que aparecem e a diferença <strong>de</strong>ssa incidência em ambas as escolas pesquisadas.<br />

Em cada uma das partes do questionário, as perguntas fechadas foram:<br />

75 Chamamos <strong>de</strong> tarefas mecânicas aquelas que não tem significado e não <strong>de</strong>manda que o aluno estabeleça relações para<br />

realizá-la como, por exemplo, cópia <strong>de</strong> uma reportagem aleatória.<br />

76 Assembleias <strong>de</strong> classe são momentos institucionais em que crianças e adolescentes, juntamente a seus docentes, se reúnem<br />

para tratar <strong>de</strong> temas que tenham sido previamente estabelecidos pelos participantes. São discutidos os problemas <strong>de</strong> relacionamento,<br />

as regras da escola, e tantos outros conflitos que po<strong>de</strong>m ser alvo <strong>de</strong> discussões e legislações (ARAÚJO, 2004;<br />

PUIG, 2002; TOGNETTA; VINHA, 2007)<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 441


– Há conflitos ou problemas entre os alunos <strong>de</strong> sua classe? 77 — com as opções frequentemente, às<br />

vezes, raramente e nunca.<br />

– Geralmente, esses conflitos são resolvidos? — com as opções sim, às vezes, não.<br />

As perguntas abertas foram:<br />

– Quais tipos <strong>de</strong> conflitos ou problemas ocorrem com mais frequência?<br />

– Mencione algumas das formas utilizadas para que sejam resolvidos.<br />

– O que você acha <strong>de</strong>ssas formas <strong>de</strong> resolução? Por quê?<br />

Os questionários foram respondidos em um mesmo dia, nas próprias instituições escolares, tanto<br />

pelos alunos, quanto pelos responsáveis e pelos professores, na presença <strong>de</strong> uma das pesquisadoras <strong>de</strong>ste<br />

estudo.<br />

As respostas dadas à frequência em que ocorrem os conflitos foram unidas em dois gran<strong>de</strong>s<br />

grupos. O primeiro reúne as respostas frequentemente e às vezes, agrupando as respostas que indicam a<br />

ocorrência em gran<strong>de</strong> escala. O segundo agrupa raramente e nunca, mostrando as respostas que veem o<br />

conflito como pouco frequente.<br />

As respostas quanto ao tipo <strong>de</strong> conflito encontrado passaram por uma categorização livre, com<br />

uma análise <strong>de</strong> conteúdo revelando as características mais comuns nos grupos <strong>de</strong> respostas encontradas.<br />

Inicialmente separamos os tipos <strong>de</strong> conflitos em duas gran<strong>de</strong>s categorias: conflitos envolvendo regras<br />

morais e conflitos envolvendo regras convencionais. Em outro estudo, <strong>de</strong>talharemos melhor as<br />

subdivisões <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas categorias.<br />

Na categoria conflitos envolvendo regras morais foram agrupadas respostas a respeito <strong>de</strong> situações<br />

<strong>de</strong> agressão física; agressão verbal; violação <strong>de</strong> patrimônio público ou pessoal; <strong>de</strong>srespeito; injustiça;<br />

intimidação; preconceito; intolerância; omissão <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. Pu<strong>de</strong>mos encontrar respostas como<br />

“[...] falam alto ou ridicularizam algum colega.”; “[...] “empurra-empurra” e chutes, principalmente entre<br />

meninos.”; “[...] discriminações diversas (lugar <strong>de</strong> nascimento, cor, etc...)”<br />

Na categoria conflitos envolvendo regras convencionais, provenientes <strong>de</strong> regras criadas por um<br />

grupo ou uma cultura, foram agrupadas respostas <strong>de</strong> situações sobre falta <strong>de</strong> tarefas; atrasos; conversa<br />

durante a aula; brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> mau gosto; exibicionismo; metodologia utilizada pelo docente e falta <strong>de</strong><br />

77 Na segunda parte do questionário — que investigava a relação com a autorida<strong>de</strong> —, substituiu-se “entre alunos da sua<br />

classe”, por “entre os professores e alunos <strong>de</strong> sua classe”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 442


li<strong>de</strong>rança por parte do docente. Exemplos <strong>de</strong> respostas encontradas nessa categoria foram: “[...] disputas<br />

para estar em evidência, [...]”; “Indisciplina do aluno, como: conversa excessiva.”; “[...] tirar sarro.”<br />

Discussão<br />

Nas respostas <strong>de</strong> todos os grupos entrevistados, para a ocorrência <strong>de</strong> conflitos entre pares, a<br />

existência <strong>de</strong> conflitos foi consi<strong>de</strong>rada frequente. Apesar <strong>de</strong> os professores também consi<strong>de</strong>rarem<br />

frequente (67,6%), eles os percebem em menor escala que os alunos (78,4%) e responsáveis (80%).<br />

Provavelmente os responsáveis percebam os conflitos tais como seus filhos os relatem. Imagina-se que<br />

esse seja o motivo <strong>de</strong> suas respostas serem tão próximas.<br />

Separando as respostas por escola, po<strong>de</strong>mos observar a Figura 1. Ainda que todos os grupos<br />

percebam a gran<strong>de</strong> incidência em que os conflitos ocorrem, aparecem diferenças entre os sujeitos das<br />

duas escolas. Para os entrevistados da Escola X, os conflitos são mais frequentes do que para os sujeitos<br />

da Escola V.<br />

Figura 1: Porcentagem <strong>de</strong> respostas que <strong>de</strong>monstram a frequência dos conflitos entre pares.<br />

Nas respostas dadas para a ocorrência <strong>de</strong> conflitos com a autorida<strong>de</strong>, as respostas dos professores<br />

<strong>de</strong>stacam-se das outras, <strong>de</strong>monstrando que estes não percebem a existência dos conflitos professor/aluno<br />

da mesma forma que os educandos e seus respectivos responsáveis. Enquanto apenas 26,5% dos<br />

professores julgam ser frequente esse tipo <strong>de</strong> conflito, 61,8% dos alunos e 66,7% dos responsáveis os<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 443


consi<strong>de</strong>ram frequentes.<br />

Da mesma forma como na relação entre pares, também em relação à autorida<strong>de</strong>, os sujeitos da<br />

Escola X consi<strong>de</strong>ram haver maior presença <strong>de</strong> conflitos do que os entrevistados da Escola V. Imagina-se,<br />

pelas respostas obtidas, que o conflito seja tratado mais naturalmente pelos integrantes da Escola V, não<br />

sendo um <strong>de</strong>sconforto tão gran<strong>de</strong> a ocorrência <strong>de</strong> pequenas divergências <strong>de</strong> opinião.<br />

Figura 2: Porcentagem <strong>de</strong> respostas que <strong>de</strong>monstram a frequência dos conflitos com a autorida<strong>de</strong>.<br />

Consi<strong>de</strong>rar positivo que os alunos da Escola V constatem uma menor frequência <strong>de</strong> conflitos<br />

existentes na escola, não significa que seja esperada a ausência <strong>de</strong> conflitos, uma vez que — <strong>de</strong> acordo<br />

com a teoria construtivista — é consi<strong>de</strong>rado um fenômeno natural, próprio <strong>de</strong> qualquer grupo social e<br />

uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem. É <strong>de</strong>sejável, no entanto, que os conflitos não disturbem a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

forma a prejudicar o processo educativo. Assim, é presumível que existam conflitos nas instituições<br />

educativas, <strong>de</strong>ntro do limite da convivência justa e respeitosa.<br />

A seguir, analisamos os tipos <strong>de</strong> conflitos que apareceram nas respostas dadas. Nessas categorias,<br />

houve menos concordância nas respostas dos diferentes grupos.<br />

Observa-se que, para os conflitos entre pares, apenas os responsáveis da Escola V assinalam maior<br />

índice <strong>de</strong> serem os conflitos interpessoais gerados por regras convencionais. Todos os outros grupos —<br />

responsáveis da Escola X; alunos e professores <strong>de</strong> ambas as escolas — i<strong>de</strong>ntificam as regras morais como<br />

as principais causadoras <strong>de</strong> conflitos. Os alunos <strong>de</strong> ambas as escolas, no entanto, percebem mais conflitos<br />

<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> regras morais do que os professores, que ten<strong>de</strong>m a equiparar a incidência dos dois tipos <strong>de</strong><br />

conflitos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 444


Comparando a Escola X com a Escola V, po<strong>de</strong>mos perceber na segunda que em todos os grupos<br />

há menos conflitos gerados por regras morais do que na Escola X. Uma hipótese possível é — por meio<br />

da influência <strong>de</strong> um ambiente menos coercitivo — os alunos consi<strong>de</strong>rarem mais o outro e, assim,<br />

apresentarem menos atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>srespeitosas.<br />

Figura 3: Porcentagem <strong>de</strong> respostas que <strong>de</strong>monstram o tipo <strong>de</strong> conflitos entre pares.<br />

Nas respostas dadas para os conflitos com a autorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com Figura 4, surge uma<br />

divergência bastante inquietadora.<br />

Conflitos envolvendo regras:<br />

Na Escola X, gran<strong>de</strong> parte dos alunos (72,1%) vê serem as regras morais o maior fato gerador <strong>de</strong><br />

conflitos, enquanto os professores (50%) equiparam suas respostas entre as duas categorias e apenas<br />

42,9% dos responsáveis i<strong>de</strong>ntificam ser essa a causa (as regras morais). Provavelmente, esses professores<br />

que estabelecem relação <strong>de</strong> coerção com seus alunos no dia-a-dia não tenham consciência da proporção<br />

<strong>de</strong> suas ações. Assim, a resposta <strong>de</strong> um aluno que indique <strong>de</strong>srespeito por parte da autorida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> ser<br />

vista pelo professor como maneira “usual” <strong>de</strong> fazê-lo acatar as regras.<br />

Na Escola V, a situação é invertida, apenas 40,9% dos alunos veem os conflitos sendo gerados por<br />

regras morais, mas 66,7% dos professores e 60% dos responsáveis apresentaram a mesma resposta. Uma<br />

hipótese é que os professores que estão estudando a construção da autonomia moral estejam mais atentos<br />

a situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito <strong>de</strong>monstradas pelos alunos. É possível também que os alunos estejam<br />

questionando regras convencionais, por não enten<strong>de</strong>rem os princípios que as embasam. Uma vez que<br />

esses alunos têm vivenciado em sua prática a discussão a respeito <strong>de</strong> regras em assembleias <strong>de</strong> classe, é<br />

possível que busquem querer conhecer os motivos pelos quais essas regras vigorem.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 445


Conclusões<br />

Figura 4: Porcentagem <strong>de</strong> respostas que <strong>de</strong>monstram o tipo <strong>de</strong> conflitos com a autorida<strong>de</strong>.<br />

Esta pesquisa fornece fortes indícios <strong>de</strong> que um ambiente sociomoral cooperativo favorece a<br />

percepção do outro e propicia que os sujeitos busquem melhores formas <strong>de</strong> lidar com os conflitos,<br />

confirmando dados encontrados na literatura no que diz respeito à relação do ambiente escolar vivenciado<br />

e o <strong>de</strong>senvolvimento moral dos alunos.<br />

Na escola X, pô<strong>de</strong>-se verificar que os tipos <strong>de</strong> conflitos vivenciados são os comumente<br />

encontrados em outros estudos relativos à ambientes coercitivos. Percebe-se uma alta incidência <strong>de</strong><br />

conflitos e um gran<strong>de</strong> índice <strong>de</strong> conflitos envolvendo regras morais. Apenas na relação com a autorida<strong>de</strong>,<br />

na visão dos próprios adultos, as regras morais não superaram as convencionais como causadora <strong>de</strong><br />

conflitos.<br />

Conflitos envolvendo regras:<br />

Na Escola V — que não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um ambiente cooperativo, mas <strong>de</strong>monstrou<br />

tendência à cooperação — a visão entre alunos, responsáveis e professores <strong>de</strong>monstrou a oscilação<br />

própria daqueles que buscam uma nova conduta e estão construindo esse processo. Observa-se que na<br />

relação entre pares as conquistas já começam a ser notadas. Os dados confirmam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais<br />

tempo para ajustes nas relações com a autorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma a conquistar o respeito mútuo.<br />

Os dados da pesquisa revelam também a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investir em formação <strong>de</strong> professores, que<br />

em geral <strong>de</strong>sconhecem formas <strong>de</strong> intervir nos conflitos e situações <strong>de</strong> violência. É <strong>de</strong>sejável que os<br />

educadores propiciem momentos <strong>de</strong> aprendizagem a fim <strong>de</strong> que seus alunos busquem formas mais justas<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 446


e respeitosas <strong>de</strong> se relacionar, consi<strong>de</strong>rando o outro em sua tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões.<br />

Ainda que este estudo tenha sido conduzido com uma amostra restrita <strong>de</strong> alunos e professores em<br />

apenas duas escolas, os resultados confirmam alguns dados encontrados em outros estudos (VINHA,<br />

2000; TOGNETTA, 2003; TOGNETTA; VINHA, 2007) ressaltando não somente a importância do<br />

ambiente, como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o educador conhecer o <strong>de</strong>senvolvimento dos alunos para po<strong>de</strong>r intervir<br />

<strong>de</strong> maneira mais construtiva.<br />

Referências<br />

ARAÚJO, U. F. Assembleia escolar - Um caminho para a resolução <strong>de</strong> conflitos. São Paulo: Mo<strong>de</strong>rna,<br />

2004.<br />

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Dissertação <strong>de</strong> mestrado – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, UNICAMP, Campinas, 1993.<br />

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2, p. 49-56, 1986.<br />

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13, nov. 1995.<br />

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MENIN, M. S. <strong>de</strong> S. Autonomia e heteronomia às regras escolares: observações e entrevistas na escola.<br />

Dissertação <strong>de</strong> mestrado – IP, USP, São Paulo, 1985.<br />

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(INEP) / Ministério da Educação e do Desporto. Brasília, MEC/SEF, 2006. Disponível em:<br />

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PIAGET, J. Para on<strong>de</strong> vai a educação?. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria José Olympio, 1973. (ed. orig. 1948).<br />

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com a palavra, o aluno. Porto Alegre: ArtMed, 2002.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 447


TOGNETTA, L. R. As virtu<strong>de</strong>s morais no cenário da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. In: TOGNETTA, L. R. Virtu<strong>de</strong>s e<br />

Educação - O Desafio da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Campinas: Mercado <strong>de</strong> Letras, 2007.<br />

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Letras, 2003.<br />

TOGNETTA, L. R.; VINHA, T. P. Quando a escola é <strong>de</strong>mocrática: um olhar sobre a prática das regras e<br />

assembleia na escola. Campinas: Mercado das letras, 2007.<br />

VINHA, T. P. O Educador e a Moralida<strong>de</strong> Infantil. Campinas: Mercado <strong>de</strong> Letras, 2000.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 448


O Desenvolvimento Sóciomoral no Contexto Escolar em Crianças do Ciclo I - Ensino Fundamental<br />

Resumo<br />

COLOMBO, Terezinha F. da Silva<br />

UNESP – Campus <strong>de</strong> Marília SP<br />

tfcolombo @terra.com.br<br />

O presente estudo tem como objetivo <strong>de</strong>screver situações vivenciadas no contexto escolar, tendo como<br />

foco principal, a análise do pensamento e do <strong>de</strong>senvolvimento moral <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> crianças, frente aos<br />

dilemas reais emergidos <strong>de</strong>sta convivência. A fim <strong>de</strong> possibilitar esta análise, foi proposto ao grupo (por<br />

meio <strong>de</strong> assembleias), discussões e reflexões acerca das hipóteses sugeridas pelo grupo para cada dilema.<br />

A obra, O Juízo Moral na Criança, <strong>de</strong> Jean Piaget, foi o alicerce no qual nos pautamos teoricamente na<br />

condução do trabalho. As crianças do grupo analisado têm entre sete e oito anos e pertencem a uma classe<br />

<strong>de</strong> 1ª série <strong>de</strong> uma E.M.E.F. situada na periferia da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marília – SP. Como instrumento <strong>de</strong> coleta<br />

<strong>de</strong> dados (dilemas) e análise do grupo, utilizamos a Entrevista Clínica Piagetiana, <strong>de</strong>scrita por Juan<br />

Delval. Os dilemas reais experienciados, são em primeiro plano, estímulos para os sujeitos, pois suscitam<br />

um conflito entre diferentes tipos <strong>de</strong> normas, expondo a forma <strong>de</strong> pensamento frente a eles. Os dilemas<br />

selecionados para este estudo abarcam temas referentes à Cooperação, Agressão física e verbal e<br />

Constituição e cumprimento <strong>de</strong> regras. As respostas dadas pelos sujeitos durante as assembleias foram<br />

agrupadas em categorias e a análise permitiu conhecer, através <strong>de</strong> suas explicações, o seu pensamento e<br />

as proprieda<strong>de</strong>s que atribui à realida<strong>de</strong>. A participação das crianças na busca <strong>de</strong> resolução dos conflitos<br />

promoveu estímulos para o avanço em direção à autonomia moral do grupo.<br />

Palavras-chave: Desenvolvimento moral. Autonomia. Ética.<br />

Abstract<br />

The present paper is aimed at <strong>de</strong>scribing situations experienced in the school context, giving special<br />

attention to the thought and moral <strong>de</strong>velopment analysis of a group of children faced with real dilemmas<br />

that arise from this sociability. In or<strong>de</strong>r to make such analysis possible, discussions and reflections on the<br />

hypotheses, suggested by the group for each dilemma, were proposed to the group by means of meetings.<br />

Jean Piaget’s work, “The children moral judgement” was the theoretical base for the research conduction.<br />

The children in the analyzed group are seven/eight years old and they go into the first gra<strong>de</strong> of an<br />

“E.M.E.F.” (municipal school of fundamental teaching) on the outskirts of Marília – SP. The work<br />

“Piagetian Clinical interview” <strong>de</strong>scribed by Juan Delval, was used as an instrument for data collection<br />

(dilemmas) and group analysis. The real existing dilemmas are, first of all motivations for the subjects<br />

because they give rise to a conflict among the different types of rules. The dilemmas selected for the<br />

present study approach topics related to cooperation, physical and verbal aggression, constitution and<br />

obeying of rules. The answers given by the subjects during the meetings were grouped into categories<br />

and, by means of the analysis, it was possible to know about their thoughts and the characteristics they<br />

attribute to the reality. The participation of the children, trying to solve conflicts, increased the motivation<br />

to the group moral autonomy.<br />

Keywords: Moral <strong>de</strong>velopment. Autonomy. Ethics.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 449


Introdução<br />

O propósito <strong>de</strong>ste trabalho é <strong>de</strong>screver situações vivenciadas no contexto escolar, por crianças <strong>de</strong><br />

sete e oito anos, tendo como foco principal a análise do pensamento e do <strong>de</strong>senvolvimento moral <strong>de</strong>ste<br />

grupo. As situações analisadas envolvem dilemas reais emergidos da convivência entre professor/aluno e<br />

aluno/aluno, ambos pertencentes a uma escola situada na periferia da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marília S/P. A fim <strong>de</strong><br />

possibilitar a análise foi proposto ao grupo, por meio <strong>de</strong> assembleias <strong>de</strong> classe (ARGÜIS, 2002),<br />

discussões e reflexões acerca das hipóteses sugeridas pelo grupo como medida <strong>de</strong> resolução para cada<br />

dilema. O exercício do pensar em diversos âmbitos e possibilida<strong>de</strong>s promove avanços morais (PIAGET,<br />

1994), <strong>de</strong>terminados pela mediação do pesquisador em propor resoluções que provoquem conflitos<br />

cognitivos. À medida que os conflitos <strong>de</strong>correntes das proposições oferecidas são resolvidos (PUIG,<br />

2000), o pensamento moral evolui em direção à autonomia e cooperação no ambiente escolar.<br />

A preocupação da socieda<strong>de</strong> contemporânea e em especial dos educadores, perpetua-se no<br />

<strong>de</strong>lineamento das relações sociais advindas <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> violência, intolerância, falta <strong>de</strong> limites,<br />

compreensão e respeito mútuo. Esses aspectos foram discutidos pela Comissão <strong>Internacional</strong> da<br />

UNESCO (DELORS, 1998), sobre a Educação para século XXI, on<strong>de</strong> foram <strong>de</strong>stacados quatro pontos<br />

fundamentais: a busca pelo conhecimento, como aprendê-lo, aplicá-lo e as relações humanas. Piaget<br />

(1932, 1994) em seu livro O Juízo Moral na criança apresenta um estudo reflexivo sobre a moralida<strong>de</strong><br />

humana e através da conclusão <strong>de</strong> suas pesquisas empíricas, abre um campo <strong>de</strong> compreensão das relações<br />

morais como o papel social do adulto e o da criança. Conceitos como respeito mútuo e unilateral,<br />

cooperação, autonomia e heteronomia são <strong>de</strong>scritos como causalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais estabelecidas<br />

nos diversos ambientes, <strong>de</strong>ntre eles o da escola.<br />

A (in)disciplina na escola é um assunto pesquisado por vários autores: Aquino (2000),<br />

Vasconcellos (2000), Silva (2006), La Taille (2006), por ter se tornado objeto <strong>de</strong> preocupação <strong>de</strong><br />

professores e <strong>de</strong> <strong>de</strong>mais membros ligados à instituição escolar (diretores, coor<strong>de</strong>nadores pedagógicos,<br />

supervisores <strong>de</strong> ensino, entre outros). As crianças e adolescentes mostram-se pouco acostumados a<br />

vivenciar e a respeitar os limites que visam assegurar a sobrevivência <strong>de</strong> si e a do grupo no qual estão<br />

inseridos (SILVA in: LA TAILLE, 2006). A indisciplina é, em parte, produzida pelas relações<br />

interpessoais e essa po<strong>de</strong>rá ser superada se se promover um trabalho amplo relacionado aos aspectos<br />

sociais. Um dos pontos relevantes no qual se procura respon<strong>de</strong>r neste trabalho é: <strong>de</strong> que forma promover<br />

a interação do aluno com o outro; com o conhecimento e com a realida<strong>de</strong>, compreen<strong>de</strong>ndo seu nível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral e ao mesmo tempo propiciando-lhe situações para que este avance a estágios<br />

morais mais avançados? Trabalhando a formação moral dos alunos investindo na qualida<strong>de</strong> das relações<br />

sociais, organizando o convívio escolar <strong>de</strong> forma que seja a expressão da justiça e da dignida<strong>de</strong> (LA<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 450


TAILLE, 2006).<br />

Três aspectos importantes <strong>de</strong>vem ser ressaltados neste contexto: o primeiro, ligado à<br />

transversalida<strong>de</strong> do tema moralida<strong>de</strong>, citado nos PCNs (BRASIL, 1997) <strong>de</strong>vendo ser abordado <strong>de</strong> forma<br />

intrínseca em todo o processo <strong>de</strong> escolarização; o segundo refere-se à importância <strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver as<br />

ativida<strong>de</strong>s escolares em grupo, balizando-se nos conceitos <strong>de</strong> que, à medida que o trabalho suscita a<br />

iniciativa da criança, este se torna coletivo e a cooperação é exercida como importante componente na<br />

formação moral. Finalizando, o terceiro aspecto relaciona-se especificamente ao exercício <strong>de</strong> formação<br />

moral do self-government (PIAGET, 1988) on<strong>de</strong> as crianças terão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r pela<br />

experiência o que é obediência à regra, a a<strong>de</strong>são ao grupo social e a responsabilida<strong>de</strong> individual.<br />

O restante do artigo está organizado da seguinte maneira: a seção 2 aborda o referencial teórico e<br />

os estudos sobre moralida<strong>de</strong> e contribuições atuais no contexto brasileiro; a seção 3, o trabalho com as<br />

crianças e o método clínico <strong>de</strong> Piaget; na seção 4, as crianças frente aos dilemas <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula e, por fim,<br />

a conclusão.<br />

Os estudos sobre moralida<strong>de</strong> e contribuições atuais no contexto brasileiro<br />

Os sujeitos estudados nesta pesquisa têm entre 7 e 8 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e os objetivos do presente<br />

estudo perpassam pela resolução <strong>de</strong> dilemas reais surgidos no contexto escolar. Os dilemas são pautas das<br />

assembléias (ARGÜÍS, 2002) on<strong>de</strong> todos os alunos opinam, tendo em vista a escolha da melhor resolução<br />

para cada conflito. A escolha tomada como certa ou como a melhor, não significa que todos tenham tido a<br />

mesma opinião. Através do método clínico <strong>de</strong> Piaget (DELVAL, 2002), po<strong>de</strong>-se interpretar o caminho do<br />

pensamento moral percorrido por cada criança, sendo esses agrupados em categorias. Piaget (1994)<br />

apresenta dois processos distintos em relação à gênese do juízo moral infantil. De um lado está a coação<br />

moral adulta, que colabora com a efetivação do egocentrismo, resultando uma noção puramente realista<br />

da regra e por outro lado, a cooperação, que leva à <strong>de</strong>scentração e à uma compreensão interiorizada da<br />

regra. Sobre a relação <strong>de</strong> cooperação, Piaget (1994) estudou o <strong>de</strong>senvolvimento da noção <strong>de</strong> justiça,<br />

sendo esta, advinda da cooperação e reciprocida<strong>de</strong>. A noção <strong>de</strong> justiça na criança se <strong>de</strong>senvolve mediante<br />

a prática do respeito mútuo e da solidarieda<strong>de</strong>. Ligadas a essa noção estão dois tipos <strong>de</strong> sanções: a<br />

expiatória e a por reciprocida<strong>de</strong>, (PIAGET, 1994). A primeira são ações que <strong>de</strong>vem punir o indivíduo <strong>de</strong><br />

forma a reconduzi-lo ao caminho da obediência, sendo o castigo em proporção com a falta cometida e a<br />

segunda sanção, ligada à cooperação e às regras <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>. Contrariamente às sanções expiatórias, as<br />

sanções por reciprocida<strong>de</strong> estabelecem uma relação <strong>de</strong> conteúdo e <strong>de</strong> natureza entre a falta e a punição. A<br />

criança na faixa etária pesquisada, segundo Piaget(1967), apresenta bom <strong>de</strong>sempenho na concentração<br />

individual, quando se trabalha sozinha e na colaboração com o grupo. No que se refere às relações<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 451


interpessoais, a criança é capaz <strong>de</strong> cooperar porque já consegue dissociar o seu ponto <strong>de</strong> vista dos <strong>de</strong>mais;<br />

na linguagem também ocorre <strong>de</strong>sta forma, pois passa a compreen<strong>de</strong>r melhor as opiniões contrárias às<br />

suas. A criança empenha-se, ao mesmo tempo, em justificar a maneira <strong>de</strong> pensar, pois as explicações<br />

mútuas entre crianças se <strong>de</strong>senvolvem no plano do pensamento e não somente no da ação material.<br />

Estudos realizados por Freitag (1984), Menin (1985), Araújo (1993), Mesti (1995), corroboram a<br />

importância do ambiente sociomoral cooperativo na escola como sendo agente favorecedor do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral autônomo na criança. Esses autores <strong>de</strong>senvolveram em seus trabalhos um estudo<br />

profundo da obra <strong>de</strong> Piaget, interessados em compreen<strong>de</strong>r os dois grupos <strong>de</strong> fenômenos relativos à<br />

consciência e prática das regras, <strong>de</strong>scritos no jogo <strong>de</strong> bolinhas <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>. Esses estudos permitiram a<br />

explicação do processo <strong>de</strong> construção da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer e julgar; ao exercício da cooperação,<br />

como também à passagem do respeito unilateral e místico para o respeito mútuo e reciprocida<strong>de</strong>. Nesta<br />

linha <strong>de</strong> pesquisa, os autores pu<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>screver o processo complexo sobre a passagem do sujeito<br />

heterônomo (que tem a consciência do <strong>de</strong>ver) para o sujeito autônomo (que <strong>de</strong>senvolveu a consciência<br />

moral), e as evidências sobre a interferência recíproca no <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e sócio-moral do<br />

indivíduo. E ainda, comprovar que as relações interpessoais, pautadas no respeito unilateral e coercitivo,<br />

impe<strong>de</strong>m ou retardam o avanço em direção a autonomia moral e aquelas pautadas no respeito mútuo,<br />

favorecem o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia moral.<br />

As contribuições <strong>de</strong>ssas pesquisas vêm alicerçar o presente estudo, na medida em que estas<br />

investigam os ambientes escolares e apontam um caminho na direção da educação, disposta a promover e<br />

a valorizar as relações entre as pessoas. Também, é claro, apresenta-nos realida<strong>de</strong>s opostas e vivenciadas<br />

no contexto escolar brasileiro on<strong>de</strong> o enfoque maior da relação professor/aluno é o da passivida<strong>de</strong> e<br />

submissão <strong>de</strong>ste segundo, prevalecendo uma espécie <strong>de</strong> hierarquia e po<strong>de</strong>r, conquistados por meio da<br />

coação. O trabalho <strong>de</strong> educação moral na instituição escolar, <strong>de</strong>turpado e perdido com o tempo, ganha<br />

novos direcionamentos (PUIG, 1988;2000; AQUINO, 2000; ARGÜÍS 2002), permeados pela<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver no ser humano a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se relacionar e promover no outro um<br />

crescimento moral. Preocupados com a abordagem <strong>de</strong>sses temas, pesquisadores promoveram estudos<br />

sobre a influência da escola no <strong>de</strong>senvolvimento da consciência moral <strong>de</strong> seus alunos. Freitag (1984)<br />

utilizou os referenciais teóricos <strong>de</strong> Piaget e Kohlberg e realizou pesquisas com crianças e adolescentes <strong>de</strong><br />

diferentes níveis sócio-econômicos em três escolas públicas e em favelas <strong>de</strong> São <strong>de</strong> Paulo. No campo da<br />

moral foi estudado o conhecimento prático e a consciência das regras dos jogos, a intenção e a<br />

consequência dos atos, e o julgamento <strong>de</strong> adolescentes em situação <strong>de</strong> conflito. A autora encontrou uma<br />

forte relação entre a origem sócio-econômica e o <strong>de</strong>senvolvimento moral obtido nas provas, favorecendo<br />

as crianças <strong>de</strong> nível social mais alto. Argüís (2002) discute uma proposta <strong>de</strong>mocrática no âmbito<br />

educacional, em seu livro: Tutoria: Com a palavra, o aluno. A proposta <strong>de</strong>ste autor vem corroborar os<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 452


<strong>de</strong>mais autores citados e a pontuar ações concretas que possibilitam uma vivência escolar <strong>de</strong>mocrática.<br />

Dentre os temas abordados, o que trata das Assembleias <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula ou como fazer coisas com<br />

palavras vem manter-se como procedimento <strong>de</strong> diálogo, essencial numa escola <strong>de</strong>mocrática e um<br />

elemento insubstituível da educação em valores.<br />

O trabalho com crianças e o método clínico <strong>de</strong> Piaget<br />

As crianças, sujeitos <strong>de</strong>sta pesquisa, pertencem a uma classe social <strong>de</strong> baixa renda econômica, que<br />

frequentam uma escola Municipal <strong>de</strong> Ensino Fundamental, situada na periferia da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marília, SP,<br />

que aten<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> quatorze bairros diferentes da zona Sul. Esta escola pertence a uma das regiões mais<br />

pobres e violentas da cida<strong>de</strong>, sendo que cerca <strong>de</strong> 60% das famílias possuem renda per capita mensal<br />

inferior a R$ 90,00, (dados fornecidos pela escola). É um lugar on<strong>de</strong> as crianças convivem<br />

constantemente com a agressivida<strong>de</strong> e são privadas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s básicas. Muitos<br />

pais são <strong>de</strong>sempregados e/ou realizam trabalhos informais (são catadores <strong>de</strong> papel, latinhas, guardadores<br />

<strong>de</strong> carro, etc.) e, obtendo uma renda muito baixa para sua subsistência, acabam por morar em favelas.<br />

Desta forma, a carência material e por que não dizer afetiva, converge para um único foco: as relações<br />

interpessoais no contexto escolar. Essas características a priori, serão <strong>de</strong>vidamente estudadas e<br />

aprofundadas, levando-se em conta as relações professor-aluno e aluno-aluno. As especificida<strong>de</strong>s dos<br />

sujeitos morais serão analisadas e o próprio contexto, cenário, para vivências, conflitos reais, reflexões e<br />

possíveis avanços em seus estágios morais. A pesquisa teve início no ano letivo <strong>de</strong> 2002, encerrando-se<br />

em <strong>de</strong>zembro do mesmo ano. O grupo estudado perfazia um total <strong>de</strong> 37 crianças, sendo 19 meninos e 18<br />

meninas. A coleta <strong>de</strong> materiais foi realizada através <strong>de</strong> registros diários feitos com a ajuda do gravador,<br />

do ca<strong>de</strong>rno-diário e <strong>de</strong> um(a) secretário(a), geralmente um aluno com facilida<strong>de</strong> na escrita. Este se<br />

manifestava ou era convidado para a função, on<strong>de</strong> anotava os assuntos principais e as <strong>de</strong>cisões tomadas<br />

durante as assembleias, (ARGÜÍS 2002). A partir das investigações e dos relatórios diários, observou-se<br />

um rico material oriundo da convivência do grupo-classe, disposto na forma <strong>de</strong> dilemas (PUIG, 1988). No<br />

processo <strong>de</strong> condução da pesquisa utilizou-se o método clínico piagetiano (DELVAL, 2002) necessário<br />

para compreen<strong>de</strong>r as ações do sujeito, a promover intervenções e a interpretar seus significados. Uma<br />

característica básica do método clínico é a intervenção sistemática do experimentador como reação às<br />

ações ou respostas do sujeito, e é sempre guiada pela tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o significado <strong>de</strong> suas ações ou<br />

explicações (DELVAL, 2002).<br />

Procedimentos do método clínico<br />

Os procedimentos adotados que nortearão a pesquisa perpassam pelo planejamento <strong>de</strong> ações que<br />

os sujeitos (pesquisados) terão que <strong>de</strong>sempenhar. Assim, essas ações ocorrerão <strong>de</strong> acordo com a proposta<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 453


que se tem e que será apresentada ao sujeito. Por exemplo, se o assunto for sobre seu conhecimento do<br />

mundo social, o procedimento a<strong>de</strong>quado será o uso <strong>de</strong> um método verbal, <strong>de</strong>sta forma a coleta <strong>de</strong> dados<br />

será feita sobre as perguntas realizadas e as respostas dadas pelo sujeito. Outros recursos po<strong>de</strong>m ser<br />

utilizados como histórias que po<strong>de</strong>rão ser contadas, <strong>de</strong>senhos, objetos para serem manipulados e mesmo<br />

outros estímulos que sejam a<strong>de</strong>quados. Mas é importante lembrar que o elemento fundamental do método<br />

é a pergunta. De posse <strong>de</strong>sses dados, o registro da entrevista é feito e, após, a transcrição, parte-se para a<br />

análise dos dados.<br />

O trabalho específico proposto nesta pesquisa <strong>de</strong>senvolveu-se a partir da observação da dinâmica<br />

e participação dos alunos num ambiente <strong>de</strong>mocrático e cooperativo, porém, as situações e os impasses<br />

emergidos <strong>de</strong>ste contexto erma merecedores <strong>de</strong> reflexão. Os impasses foram apresentados na forma <strong>de</strong><br />

dilemas, como já foi <strong>de</strong>scrito anteriormente, tendo em vista que a apresentação e experimentação dos<br />

dilemas reais são em primeiro plano, estímulos para os sujeitos, pois estes geralmente suscitam um<br />

conflito entre tipos diferentes <strong>de</strong> normas, possibilitando um interrogatório acerca do mesmo. Essa<br />

estratégia abarca respostas variadas que apontam formas <strong>de</strong> pensamentos, expostas no momento da busca<br />

<strong>de</strong> resoluções <strong>de</strong>sses conflitos. Os dilemas que serão <strong>de</strong>scritos neste trabalho possuem os seguintes temas:<br />

1. Po<strong>de</strong> ou não emprestar materiais dos colegas?<br />

2. Organização e funcionamento da regra;<br />

3. Conflito <strong>de</strong>vido ao não cumprimento <strong>de</strong> uma regra do jogo <strong>de</strong> figurinhas;<br />

4. Meu amigo xingou minha mãe, e agora?<br />

5. P. não cumpre as regras da sala. O que fazer?<br />

6. M. quer ir ao banheiro, ela po<strong>de</strong> sair sem pedir permissão à professora?<br />

7. J. A. não cumpriu a regra, pois esta passou-lhe <strong>de</strong>sapercebida - Ele <strong>de</strong>ve ser punido?<br />

Os dilemas abordados serão categorizados segundo critérios utilizados por Piaget (1994) e<br />

sistematizados por Delval (2002), ou seja, mediante as respostas apresentadas, levar-se-ão em conta as<br />

respostas diferenciadas. Por fim, o trabalho <strong>de</strong> análise dos dados obtidos pelo método clínico, <strong>de</strong>ve-se<br />

iniciar pela análise qualitativa, dando sentido às informações e <strong>de</strong>scobrindo tendências e explicações<br />

gerais <strong>de</strong> todo o material coletado.<br />

As crianças frente aos dilemas <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> nortear a análise colocamos, em primeiro lugar, um quadro resumo dos<br />

dilemas, os temas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>stes, como também, os subtemas extraídos das discussões. Destacamos,<br />

neste momento, que os dados da pesquisa se encontram aqui expostos, sob a forma <strong>de</strong> dilemas e as letras<br />

abreviadas referem-se aos nomes das crianças.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 454


Quadro – 1 Resumo dos temas e subtemas resultantes das entrevistas<br />

DILEMAS TEMA SUBTEMAS<br />

Dilema 1: po<strong>de</strong>-se ou não<br />

emprestar materiais dos colegas?<br />

Cooperação<br />

Conceito<br />

(Crenças)<br />

Empréstimo<br />

Devolução<br />

Acordo<br />

Dilema 2: organização e<br />

funcionamento da regra Combinados<br />

Dilema 3: conflito <strong>de</strong>vido ao não<br />

cumprimento <strong>de</strong> uma regra do jogo<br />

<strong>de</strong> figurinhas<br />

Dilema 4: meu amigo xingou<br />

minha mãe, e agora?<br />

Dilema 5: P. não cumpre as regras<br />

da sala, o que fazer?<br />

Dilema 6: M. quer ir ao banheiro.<br />

Ela po<strong>de</strong> sair sem pedir permissão<br />

à professora?<br />

Dilema 7: J.A. não cumpriu a<br />

regra, pois esta passou-lhe<br />

<strong>de</strong>sapercebida. Ele <strong>de</strong>ve ser<br />

punido?<br />

Agressão física<br />

e verbal<br />

Constituição e cumprimento <strong>de</strong> regras<br />

Regras do jogo<br />

Noções <strong>de</strong> certo ou errado<br />

Sanções (castigos)<br />

Justiça retributiva<br />

Justiça distributiva<br />

Quebra do elo <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong><br />

Sanção expiatória<br />

Sanção por reciprocida<strong>de</strong><br />

Crenças <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas<br />

Moral Heterônoma<br />

A Professora é quem <strong>de</strong>termina<br />

Tem que obe<strong>de</strong>cer<br />

Nova regra<br />

Deve punir<br />

Merece uma chance<br />

Em conformida<strong>de</strong> com os objetivos propostos neste artigo, não será exposto os pensamentos<br />

verbalizados pelo grupo estudado, mas as análises corroboram o estudo teórico aqui apresentado, como a<br />

importância <strong>de</strong> se experienciar conflitos reais, que indistintamente atuaram sobre os integrantes do grupo.<br />

A forma utilizada permitiu que se <strong>de</strong>svelasse a noção da realida<strong>de</strong> do grupo, que, frente a frente ao<br />

conflito moral, buscou soluções <strong>de</strong> modo a superá-lo e a caminhar em direção à autonomia moral. A<br />

prática das assembleias, para se discutir as mais diversas situações <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas no contexto escolar,<br />

<strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong> acordo com Puig (2000), habilida<strong>de</strong>s psicomorais no educando, conteúdos esses implícitos<br />

nessa atuação, que convergem para o relato <strong>de</strong> seu pensamento, à reflexão moral e posteriormente à<br />

mudanças <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s. Frente a esta abordagem, partimos do princípio, que a criança possui sua própria<br />

natureza, e que, do nosso ponto <strong>de</strong> vista, essa natureza, é o próprio pensamento moral sobre o mundo que<br />

a cerca, mesmo sendo este menos a<strong>de</strong>quado que o pensamento moral adulto.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 455


Analisaremos o pensamento moral expresso no momento das assembleias <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula.<br />

Iniciemos pelo agrupamento intitulado dilemas da cooperação, o qual abarca dois subtemas, sendo o<br />

primeiro, Po<strong>de</strong>-se ou não emprestar materiais dos colegas? e o segundo, Organização e funcionamento<br />

da regra combinada. A primeira situação, <strong>de</strong>corrente da dinâmica natural <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, fomenta<br />

<strong>de</strong>senvolver a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relação entre as pessoas, isto é, estabelecer em quais princípios se pautará a<br />

convivência. A segunda situação, a forma mais justa e organizada, <strong>de</strong> como essa po<strong>de</strong> se tornar útil no<br />

sentido <strong>de</strong> potencializar um espaço organizado <strong>de</strong> trabalho, facilitador do ensino e da aprendizagem. Este<br />

aspecto inicial reflete num primeiro dilema moral: a heteronomia, característica da faixa etária das<br />

crianças, reforçada pela crença familiar (a <strong>de</strong> não emprestar nada a ninguém), choca-se, neste contexto<br />

social, com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inversão <strong>de</strong>sta individualida<strong>de</strong>. O pensamento moral do grupo é mesclado<br />

por i<strong>de</strong>ias que refletem, em diferentes graus, as concepções espontâneas acerca do dilema exposto. Aí está<br />

a importância <strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong> para o exercício da prática da cooperação. Num segundo aspecto, a<br />

prática da cooperação para o grupo <strong>de</strong>svela o pensamento <strong>de</strong>ste, a respeito do que seja um ambiente<br />

organizado ou não. O educador disposto a <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> uma concepção tradicional <strong>de</strong> disciplina dará<br />

atenção às <strong>de</strong>clarações do grupo em suas diversas concepções <strong>de</strong> organização do ambiente escolar, para<br />

<strong>de</strong>pois exercer, segundo Puig (2000), a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar-se no lugar dos outros companheiros,<br />

comparar opiniões e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r também seu próprio ponto <strong>de</strong> vista.<br />

No tema relacionado à agressão física e verbal, agregam-se os dilemas: Conflito <strong>de</strong>vido ao não<br />

cumprimento <strong>de</strong> uma regra do jogo <strong>de</strong> figurinhas e, Meu amigo xingou minha mãe, e agora? No exemplo<br />

referente ao primeiro conflito, constatamos a existência <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crianças, com regras, que<br />

visam unificar o jogo, sendo estas pertencentes ao jogo social, pois, quem no momento <strong>de</strong> “bater” as<br />

figurinhas, conseguir virá-las, as ganha. Consi<strong>de</strong>remos que o respeito à regra do jogo <strong>de</strong> figurinhas advém<br />

inicialmente <strong>de</strong> uma tradição transmitida pelos mais velhos, exposta <strong>de</strong> maneira clara nas falas <strong>de</strong> várias<br />

crianças, “O jogo é assim!”, isso quer dizer, que não se po<strong>de</strong> fazer diferente. A problemática percebida<br />

neste fato expõe também, pensamentos que divergem em relação à obrigatorieda<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal da<br />

regra. Isto fica claro na oscilação apresentada por alguns integrantes do grupo, Você tem um monte <strong>de</strong><br />

figurinhas, <strong>de</strong>ixa essas para ele, e mesmo porque, a forma como se <strong>de</strong>u, a princípio, o <strong>de</strong>sfecho do<br />

conflito colocou em dúvida a própria obrigatorieda<strong>de</strong> do cumprimento da regra do jogo. O <strong>de</strong>sfecho<br />

acima citado refere-se à agressão física como forma <strong>de</strong> perpetuar o que fora um legado dos mais velhos.<br />

Na visão do grupo, a atitu<strong>de</strong> agressiva <strong>de</strong> M. permitiu um olhar reflexivo para o dilema, pois o<br />

pensamento da noção <strong>de</strong> certo e errado veio à tona. Desta forma, o sentimento <strong>de</strong> equida<strong>de</strong> que permeia a<br />

noção <strong>de</strong> justiça nas crianças maiores, surgiu na resolução <strong>de</strong>ste conflito como uma das soluções<br />

possíveis para o impasse. Referindo-nos agora ao segundo dilema, em que houve também a agressão<br />

física, em <strong>de</strong>corrência a uma ofensa verbal, a noção <strong>de</strong> justiça retributiva (PIAGET, 1994) compôs o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 456


primeiro pensamento mencionado: se uma criança ofen<strong>de</strong>u alguém, que a outra consi<strong>de</strong>ra profundamente<br />

importante e sagrada para ela, merece um castigo tão ruim quanto foi o grau da ofensa. Segundo Piaget<br />

(1994), em relação ao <strong>de</strong>senvolvimento da justiça na criança, há uma fase que se esten<strong>de</strong> até mais ou<br />

menos sete-oito anos, durante o qual, a justiça fica sob autorida<strong>de</strong> do adulto. Nas opiniões do grupo, isso<br />

fica claro para alguns, mas por outros há a aprovação do castigo aplicado pela própria criança como<br />

merecimento do seu ato. Neste caso, ao ser questionado sobre a sanção a ser aplicada, o grupo oscilou<br />

entre a sanção expiatória e a por reciprocida<strong>de</strong>, mas a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se castigar ficou clara,<br />

principalmente com o objetivo <strong>de</strong> que não haja reincidências na falta. O impulso <strong>de</strong> se fazer justiça com<br />

as próprias mãos, <strong>de</strong>ntre outros fatores, <strong>de</strong>riva da não compreensão do exercício do diálogo. O que se<br />

buscou neste impasse, foi mediar uma discussão em que o ato cometido por ambos, mereceu reprovação<br />

do grupo, chegando-se, após várias reflexões, à quebra do elo <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>.<br />

O tema, Constituição e cumprimento <strong>de</strong> regras, abrange os dilemas: P. não cumpre as regras da<br />

sala, o que fazer? –M. quer ir ao banheiro. Ela po<strong>de</strong> sair sem pedir permissão à professora? – J.A. não<br />

cumpriu a regra, pois esta passou-lhe <strong>de</strong>sapercebida. Ele <strong>de</strong>ve ser punido? Se observarmos, com cautela,<br />

as concepções que estão implícitas neste tema, estaremos levantando gran<strong>de</strong> reflexão acerca do que se<br />

propõe, enquanto contrato e prática pedagógica, que indicaria um equilíbrio entre a situação simétrica e<br />

assimétrica que ocorre na escola (PUIG et al, 2000).<br />

Pensaremos primeiramente na seguinte concepção: A constituição <strong>de</strong> regras pelo grupo supõe-se<br />

estabelecer, a priori, um ambiente participativo, constituído por valores procedimentais, como o diálogo e<br />

a auto-regulação. A concretização <strong>de</strong>sses valores refere-se à prática <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong> do aluno nas<br />

<strong>de</strong>cisões do grupo-classe e posteriormente na escola como um todo. Desta mesma concepção, <strong>de</strong>rivam-se<br />

algumas implicações como o favorecimento <strong>de</strong> um momento em que a palavra é exercida como meio <strong>de</strong><br />

ação cooperativa e <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência; um espaço que se <strong>de</strong>fine pela participação e interação entre<br />

os membros do grupo; a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudantes e educador, elencarem temas <strong>de</strong> trabalho que visam<br />

<strong>de</strong>senvolver habilida<strong>de</strong>s e potencialida<strong>de</strong>s dos alunos; e sem a pretensão <strong>de</strong> fechar as possibilida<strong>de</strong>s,<br />

finalizo ressaltando o comprometimento coletivo, o sentimento <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> diante dos<br />

companheiros do grupo, melhorando a compreensão mútua.<br />

Retomemos agora a análise dos dilemas, <strong>de</strong>scritos no parágrafo anterior. O que se refere ao não<br />

cumprimento das regras da sala é algo bastante natural quando se relaciona com a consciência e<br />

internalização <strong>de</strong> um combinado. A não aceitação <strong>de</strong>ste, por P., é um reflexo da fase <strong>de</strong> heteronomia em<br />

que se encontra. Clarificando, a ação realizada por P. expõe uma espécie <strong>de</strong> transgressão à regra social,<br />

feita em acordo mútuo pelo grupo. Esta conduta nos leva a duas reflexões: a primeira é a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> P.<br />

em relacionar-se com as propostas do grupo, pois suas atitu<strong>de</strong>s egocêntricas chocam-se com as<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 457


apresentadas. A segunda reflexão é a hipótese <strong>de</strong> reverter sua característica egocêntrica, através do<br />

envolvimento em práticas cooperativas, que o farão libertar-se <strong>de</strong>sta.<br />

Desta forma, o contrato mútuo estabelecido no grupo e exposto na assembleia, cobrou-lhe atitu<strong>de</strong>s<br />

e sua resposta foi negar afazeres sugeridos expiatoriamente por membros do grupo (fazer mais lições,<br />

copiar <strong>de</strong>vagar, etc), mas <strong>de</strong> acato à sanção por reciprocida<strong>de</strong> (ajudar uma aluna com dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

aprendizagem). Desta experiência, obteve-se um exercício <strong>de</strong> auto-regulação e <strong>de</strong>scentração, sendo<br />

favorável à proposta <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> um ambiente cooperativo.<br />

O dilema sugerido pela professora, oferecendo a possibilida<strong>de</strong> ao aluno <strong>de</strong> controlar<br />

autonomamente suas saídas <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula (ir ao banheiro, beber água, etc), evi<strong>de</strong>nciou pensamentos<br />

morais importantes, como: a admiração do grupo, frente à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autogovernar-se; o sentimento<br />

<strong>de</strong> respeito ou <strong>de</strong>srespeito na posição <strong>de</strong> “igualda<strong>de</strong>” <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão com a professora e o medo <strong>de</strong> superação<br />

da responsabilida<strong>de</strong> heterônoma (PUIG et al., 2000). Para esta análise, serão expostos separadamente os<br />

pensamentos verbalizados nas assembleias, contudo, esses estão intimamente ligados e po<strong>de</strong>m ser<br />

engendrados por dois sentimentos maiores: medo e respeito.<br />

No tocante a esses sentimentos, a pesquisa realizada por Scarin (2003) aborda-os com crianças da<br />

Educação Infantil. A autora pauta-se na afirmação <strong>de</strong> Bovet (apud PIAGET, 1994, p. 32) sobre a<br />

procedência do respeito, que, segundo ele, “constitui-se a partir do amor e do temor <strong>de</strong>spertados pelo<br />

indivíduo respeitado no indivíduo respeitador”. Desta forma, em sua pesquisa empírica, constata que, <strong>de</strong><br />

maneira geral, a criança enten<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer às or<strong>de</strong>ns da professora sempre, perpetuando essa<br />

obediência que vem dos mais velhos. O amor e o medo surgem nas relações interpessoais e estes são<br />

permeados do sentimento <strong>de</strong> raiva, que segundo Scarin (2003, p. 75), “é a base que sustenta e regula as<br />

relações <strong>de</strong> Amor e Medo”. Esses sentimentos não vivenciados <strong>de</strong> forma satisfatória, do ponto <strong>de</strong> vista<br />

afetivo, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam outro sentimento, que é a culpa, causando nessas relações, um empobrecimento na<br />

construção da autonomia moral.<br />

Deste prisma, visualiza-se a a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> antigos conflitos, já superados, com o surgimento <strong>de</strong><br />

outros, propiciando avanços nos estágios morais, como vimos na resolução e concretização do dilema<br />

moral apresentado. Finalizando, o conflito emergido no último dilema, “J.A. não cumpriu a regra, pois<br />

esta lhe passou <strong>de</strong>spercebida. Ele <strong>de</strong>ve ser punido?” é <strong>de</strong>corrente do anterior, ou seja, o não cumprimento<br />

<strong>de</strong> um pormenor combinado pelo grupo para a execução da nova regra, expôs que o exercício <strong>de</strong> auto-<br />

regulação implica adquirir a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autoconhecimento e <strong>de</strong> fortalecimento para se dirigir<br />

voluntariamente, capacida<strong>de</strong> esta que será adquirida por meio da inserção do indivíduo em situações em<br />

que o <strong>de</strong>sequilíbrio moral o faça estabelecer relações com o conhecimento anterior que possui e assim<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 458


construir, aos poucos, sua personalida<strong>de</strong> moral.<br />

Conclusão<br />

Os principais resultados apontaram como favorável o exercício reflexivo, propiciado pelos<br />

dilemas reais <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, como meio <strong>de</strong> avançar moralmente. E este permitiu boa interação no grupo,<br />

tendo o respeito mútuo como direcionamento das ações. Outro ponto a ressaltar ao término da pesquisa<br />

refere-se à ação educativa exercida, que vai além da transmissão <strong>de</strong> conteúdos curriculares, ou seja, que<br />

promove também a formação moral <strong>de</strong> seus alunos. A contribuição <strong>de</strong>ixada por este trabalho servirá <strong>de</strong><br />

apoio aos educadores, que buscam estreitar a compreensão na prática das relações que emergem do<br />

contexto escolar e ainda, fazer <strong>de</strong>las, uma aliada na construção <strong>de</strong> sujeitos morais autônomos.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 460


Educação Moral para o Meio Ambiente: O Diacrônico e o Sincrônico<br />

Resumo<br />

VESTENA, Carla Luciane Blum<br />

Pós-graduanda da Unesp e docente da Unicentro<br />

clbvestena@gmail.com<br />

O presente trabalho teve por objetivo analisar a educação moral a partir do conjunto <strong>de</strong> sistemas:<br />

diacrônico (genético) e o sincrônico (relativo ao equilíbrio das trocas propriamente ditas) a partir do<br />

referencial teórico <strong>de</strong> Jean Piaget. Consi<strong>de</strong>ramos, portanto, primeiramente que o estudo do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da razão mostra uma estreita correlação entre a constituição das operações lógicas e<br />

algumas formas <strong>de</strong> colaboração. E que os agrupamentos operatórios expressam tanto os ajustamentos<br />

recíprocos e interindividuais <strong>de</strong> operações, quanto às operações interiores do pensamento da cada<br />

indivíduo. Concluímos que as estruturas das interações coletivas <strong>de</strong>terminam as operações intelectuais.<br />

As ativida<strong>de</strong>s do sujeito exercidas sobre os objetos e uns sobre os outros reduzem a um sistema <strong>de</strong><br />

conjunto, no qual o aspecto social e o aspecto lógico são inseparáveis na forma como no conteúdo. A<br />

cooperação e as operações agrupadas são, pois, uma única e só realida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>senvolvimento da moralida<strong>de</strong><br />

ocorre por meio <strong>de</strong> sucessivas interações do sujeito com o meio. Por isso, que não é possível ensinar<br />

a moralida<strong>de</strong> para a criança, pois ela só a <strong>de</strong>senvolverá se lhe <strong>de</strong>rmos condições para que vivencie,<br />

compreenda e construa as regras morais, assim como o resto <strong>de</strong> sua conduta e do seu conhecimento sobre<br />

o mundo. De tal modo, a moral não se reduz a seguir as normas que são impostas ao ser humano, mas sim<br />

a <strong>de</strong>cidir por si mesmo.<br />

Palavras-chaves: Cooperação. Respeito. Autonomia. Jean Piaget.<br />

Abstract<br />

The present work had as objective to examine the moral education from the set of systems: diachronic<br />

(genetic) and synchronic (concerning on the balance of tra<strong>de</strong> itself) from the theoretical framework of<br />

Jean Piaget. Therefore, we consi<strong>de</strong>r first that the study of the <strong>de</strong>velopment of the right shows a close<br />

correlation between the formation of logical operations and some forms of collaboration. And that the<br />

operative groups express both interindividual and reciprocal adjustments of operations, about the inner<br />

operations of thought of each individual. We conclu<strong>de</strong> that the structures of collective interactions<br />

<strong>de</strong>termine the intellectual operations. The activities of the subject exercised on the objects and about each<br />

other reduce in a system of set, in which the social aspect and the logical aspect are inseparable in the<br />

form and content. The cooperation and combined operations are one and the only reality. The<br />

<strong>de</strong>velopment of morality occurs through successive interactions with the subject and the place. Therefore,<br />

it is not possible to teach morality to children because they will <strong>de</strong>velop only if we give conditions to<br />

them to un<strong>de</strong>rstand and construct moral rules, as well as the rest of his conduct and his knowledge about<br />

the world. So, the moral is not reduced to follow the rules that are imposed to the humans, but to <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

for themselves.<br />

Keywords: Cooperation. Respect. Autonomy. Jean Piaget.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 461


Introdução<br />

O presente trabalho teve por objetivo analisar a educação moral partir do conjunto <strong>de</strong> sistemas:<br />

diacrônico (genético) e o sincrônico (relativo ao equilíbrio das trocas propriamente ditas) a partir do<br />

referencial teórico <strong>de</strong> Jean Piaget. Inicialmente, abordaremos o <strong>de</strong>senvolvimento da razão apresenta uma<br />

estreita correlação com a constituição das operações lógicas e a colaboração sob o ponto <strong>de</strong> vista moral (o<br />

diacrônico: genético). Posteriormente discorreremos sobre os agrupamentos operatórios, analisando se<br />

estes expressam os ajustamentos recíprocos e interindividuais <strong>de</strong> operações do pensamento <strong>de</strong> cada<br />

indivíduo, como também se as estruturas das interações coletivas <strong>de</strong>terminam as operações intelectuais<br />

(Sincrônico: relativo ao equilíbrio das trocas propriamente ditas).<br />

O diacrônico: genético<br />

Na perspectiva social, Piaget (1973, p. 95) nos adverte da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguirmos dois<br />

aspectos sobre o conhecimento lógicos: o diacrônico (genético), e o sincrônico (relativo ao equilíbrio das<br />

trocas propriamente ditas), com o intuito <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r se as operações lógicas, efetuadas por um<br />

indivíduo (que conseguiu possuí-la), ou mais constituem ações individuais ou ações <strong>de</strong> natureza social, ou<br />

ainda as duas ao mesmo tempo. Existe relação entre a constituição das operações lógicas e algumas<br />

formas <strong>de</strong> colaboração moral?<br />

No sentido diacrônico, o estudo do <strong>de</strong>senvolvimento da razão mostra uma estreita correlação entre<br />

a constituição das operações lógicas e algumas formas <strong>de</strong> colaboração - aspecto moral. É o <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong>sta<br />

correlação que é necessário atingir, quando se almeja apreen<strong>de</strong>r as verda<strong>de</strong>iras relações entre a razão e a<br />

lógica moral: a cooperação para com o meio ambiente, sem se contentar com o método global e<br />

essencialmente estatístico da <strong>de</strong>scrição, que recobre a noção <strong>de</strong> consciência coletiva.<br />

Dois caminhos são apresentados por Piaget no estudo <strong>de</strong>ssa correlação “o da socialização do<br />

indivíduo e o das relações históricas e etnográficas entre as estruturas operatórias do pensamento e as<br />

diversas formas <strong>de</strong> cooperação técnica e <strong>de</strong> interações intelectuais.” Estes dois domínios <strong>de</strong>vem ser<br />

cuidadosamente analisados, pois sustentam entre eles a mesma relação que a embriologia e a anatomia na<br />

Biologia, com a única diferença, <strong>de</strong> que os fatores <strong>de</strong> transmissão em jogo, aqui são <strong>de</strong> natureza exterior<br />

ou social e não internas ou hereditárias (PIAGET, 1973, p. 95).<br />

A formação da lógica na criança, inicialmente apresenta dois fatos essenciais: as operações lógicas<br />

proce<strong>de</strong>m da ação, e a passagem da ação irreversível às operações reversíveis se acompanha<br />

necessariamente <strong>de</strong> uma socialização das ações, proce<strong>de</strong>ndo ela mesma do egocentrismo à cooperação.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 462


A respeito da lógica, ela consiste numa organização <strong>de</strong> operações, que são <strong>de</strong>finitivamente ações<br />

interindividualizadas e tornadas reversíveis, pois:<br />

[...] a lógica do ponto <strong>de</strong> vista do indivíduo, ela aparece, com efeito, essencialmente como<br />

um sistema <strong>de</strong> operações, isto é, <strong>de</strong> ações tornadas reversíveis e compostas entre elas,<br />

segundo “agrupamentos diversos”. E estes agrupamentos operatórios constituem, eles<br />

mesmos a forma <strong>de</strong> equilíbrio final atingida pela coor<strong>de</strong>nação das ações, uma vez<br />

interiorizadas. O ponto <strong>de</strong> partida psicológico <strong>de</strong> tais operações (adição ou subtração<br />

lógica, seriação segundo diferenças or<strong>de</strong>nadas, correspondência, implicação, etc) <strong>de</strong>ve,<br />

pois, ser buscado além do momento em que a criança se torna apta à lógica propriamente<br />

dita (PIAGET, 1973, p. 96).<br />

Para compreen<strong>de</strong>r a construção da lógica, é necessário seguir os processos cuja equilibração final<br />

constitui esta lógica, mas todas as fases anteriores ao equilíbrio terminal permanecem <strong>de</strong> caráter pré-<br />

lógico: a continuida<strong>de</strong> funcional do <strong>de</strong>senvolvimento, mais a heterogeneida<strong>de</strong> das estruturas sucessivas<br />

<strong>de</strong>limitando as etapas <strong>de</strong>sta equilibração, “tais são, pois, os dois aspectos essenciais da evolução<br />

individual da lógica.” A lógica é “a forma <strong>de</strong> equilíbrio móvel cuja reversibilida<strong>de</strong> atesta precisamente<br />

este caráter <strong>de</strong> equilíbrio, caracterizando o fim do <strong>de</strong>senvolvimento e não um mecanismo inato fornecido<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo” (PIAGET, 1973, p. 96).<br />

O pensamento individual não é capaz <strong>de</strong> operações concretas (compreen<strong>de</strong>r que um todo se<br />

conserva in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da disposição das partes), senão entre os sete anos em média, pois a partir<br />

dos 11-12 anos, a criança já alcança as operações formais (raciocinar sobre proposições dadas a título <strong>de</strong><br />

simples hipóteses).<br />

Quanto a estas estruturas, ressaltam-se, as quatro principais, a fim <strong>de</strong> mostrar a seguir sua<br />

correlação com a socialização do indivíduo;<br />

(1) a sensório-motora – antes do aparecimento da linguagem, que conduz a construção <strong>de</strong><br />

esquemas práticos. A assimilação por esquemas envolve certas proprieda<strong>de</strong>s dos objetos, mas<br />

exclusivamente no momento em que eles são percebidos e <strong>de</strong> modo indissociado em relação às ações do<br />

sujeito aos quais correspon<strong>de</strong>m – salvo em certas situações causais em que as ações previstas são as dos<br />

próprios objetos por uma espécie <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> ações análogas às do sujeito. Os objetos são espécies <strong>de</strong><br />

seres vivos, dotados <strong>de</strong> certos po<strong>de</strong>res parecidos com os da própria ação, tais como empurrar, puxar, atrair<br />

tanto a distância como por contato, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da direção das forças, e dos pontos <strong>de</strong> impacto sobre os<br />

objetos passivos (PIAGET, 1983, p. 13-14).<br />

(2) Pré-operatório - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o aparecimento da linguagem e da função simbólica – as ações efetivas<br />

do período prece<strong>de</strong>nte se duplicam <strong>de</strong> ações executadas mentalmente, isto é, <strong>de</strong> ações imaginadas,<br />

dirigindo-se à representação das coisas, e não mais aos objetos materiais propriamente ditos. A forma<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 463


superior <strong>de</strong>sta representação ilustrada é o pensamento intuitivo, que atinge entre 4-5 e 7-8 anos, a<br />

evocação das configurações <strong>de</strong> conjunto relativamente precisa (seriações, correspondências, etc.), mas<br />

somente a título <strong>de</strong> figuras e sem reversibilida<strong>de</strong> operatória. Resumidamente, os pré-conceitos e pré-<br />

relações estabelecidas entre os 2-4 anos permanecem a meio caminho do esquema <strong>de</strong> ação e do conceito,<br />

à falta <strong>de</strong> dominar com bastante distância a situação imediata e presente, como <strong>de</strong>veria ser o caso da<br />

representação em oposição à ação. A partir dos 5-6 anos, o período é marcado por um início <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scentração que permite o <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> certas ligações objetivas, chamadas <strong>de</strong> funções constituintes<br />

por Piaget (1983, p.15).<br />

(3) Operatório concreto - aos 7-8 anos, pelo contrário, as ações executadas mentalmente, que são<br />

os julgamentos intuitivos, alcançam um equilíbrio estável, correspon<strong>de</strong>ndo ao começo das operações<br />

lógicas propriamente dita, porém sob a forma <strong>de</strong> operações concretas. As ações interorizadas ou<br />

conceptualizadas adquirem o lugar <strong>de</strong> operações, com transformações reversíveis que modificam certas<br />

variáveis e conservam as outras a título <strong>de</strong> invariantes. Esta novida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>vida uma vez mais ao progresso<br />

das coor<strong>de</strong>nações, “<strong>de</strong>vido as operações se constituir em sistemas <strong>de</strong> conjunto ou estruturas suscetíveis <strong>de</strong><br />

se fecharem e por este fato assegurando a necessida<strong>de</strong> das composições que elas comportam, graças ao<br />

jogo das transformações diretas e inversas” (PIAGET, 1983, p. 18-24).<br />

A partir <strong>de</strong>ssa ida<strong>de</strong> se veem constituir certas operações relativas às perspectivas e às mudanças <strong>de</strong><br />

ponto <strong>de</strong> vista, em relação ao objeto. Porém na maioria das vezes, aos 9-10 anos que se po<strong>de</strong>rá falar <strong>de</strong><br />

uma coor<strong>de</strong>nação dos pontos <strong>de</strong> vista em relação a um conjunto <strong>de</strong> objetos, por exemplo, três montanhas,<br />

ou edifícios que serão observados em diferentes situações. De modo geral, trata-se em todos os casos da<br />

construção <strong>de</strong> ligações interfigurais, além das conexões intrafigurais típico do primeiro subestágio,<br />

caracterizado pela elaboração <strong>de</strong> um espaço por oposição às simples figuras (PIAGET, 1983, p. 18-24).<br />

(4) Operatório formal - aos 11-12 anos, a lógica das proposições, ligando as operações concretas<br />

por meio <strong>de</strong> novas operações <strong>de</strong> implicação ou <strong>de</strong> exclusão entre proposições, constitui a lógica formal<br />

(PIAGET, 1973, p. 97-98). Nessa fase, o conhecimento ultrapassa o próprio real para inserir-se no<br />

possível e para relacionar diretamente o possível ao necessário sem a mediação indispensável do<br />

concreto. A primeira característica das operações formais é a <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r recair sobre hipóteses e não mais<br />

apenas sobre os objetos. Isto implica em uma segunda característica, as hipóteses são proposições, e não<br />

são objetos, e seu conteúdo consiste em operações intraproporcionais <strong>de</strong> classes, relações, etc., enquanto a<br />

operação <strong>de</strong>dutiva não é mais do mesmo tipo, mas é interproporcional e consiste em uma operação<br />

efetuada sobre operações, isto é, uma operação elevada à segunda potência, ou seja, a partir das<br />

abstrações refletidoras que se interiorizam as operações lógico-matemáticas do sujeito.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 464


Sendo assim a extemporaneida<strong>de</strong> caracteriza os conjuntos <strong>de</strong> transformações possíveis e não mais<br />

apenas reais do mundo físico. Esse dinamismo espaço-temporal, englobando o sujeito, como uma parte<br />

íntima entre as <strong>de</strong>mais, começa a tornar-se acessível a uma observação objetiva das suas leis, sobretudo,<br />

das explicações causais, que forçam o espírito, a uma constante <strong>de</strong>scentração na sua conquista dos objetos<br />

(PIAGET, 1983, p. 30).<br />

Além disso, a criança adquire a “capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criticar os sistemas sociais e propor novos códigos<br />

<strong>de</strong> conduta: discute valores morais <strong>de</strong> seus pais e constrói os seus próprios adquirindo, portanto,<br />

autonomia” (RAPPAPORT, 1981, p. 74).<br />

Conforme Piaget (1973, p. 98) “as quatro etapas principais do <strong>de</strong>senvolvimento das operações<br />

correspon<strong>de</strong>m, os estágios correlativos do <strong>de</strong>senvolvimento social.” Portanto, cada um dos níveis <strong>de</strong><br />

interação intelectual correspon<strong>de</strong> a uma estrutura operatória <strong>de</strong>terminada pela inteligência, e é esta<br />

correspondência que constitui o análogo do que se observa durante o <strong>de</strong>senvolvimento individual.<br />

O progresso do conhecimento individual não consiste, pois somente numa integração direta e<br />

simples dos esquemas iniciais nos esquema ulteriores, mas numa inversão fundamental <strong>de</strong> sentido que<br />

subtrai as relações na priorida<strong>de</strong> do ponto <strong>de</strong> vista próprio para uni-las em sistemas que subordinam este<br />

ponto <strong>de</strong> vista à reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os pontos <strong>de</strong> vista possíveis e à relativida<strong>de</strong> inerente aos<br />

agrupamentos operatórios. “Ação prática, pensamento egocêntrico, e pensamento operatório são, pois os<br />

três momentos essenciais <strong>de</strong> tal construção” (PIAGET, 1973, p. 78).<br />

Por um lado, na evolução mental do indivíduo, como na sucessão histórica das mentalida<strong>de</strong>s<br />

existem escalas sucessivas <strong>de</strong> estruturação lógica, isto é <strong>de</strong> inteligência prática, intuitiva ou operatória.<br />

Por outro lado, cada uma das escalas, é caracterizada por certo modo <strong>de</strong> cooperação ou <strong>de</strong> interação<br />

social, cuja sucessão representa o progresso da socialização técnica ou intelectual (Figura 1).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 465


Figura 1 - Escalas <strong>de</strong> estruturação lógica<br />

As estruturas das interações coletivas <strong>de</strong>terminam as operações intelectuais, visto que a noção <strong>de</strong><br />

agrupamentos operatórios permite simplificar a questão <strong>de</strong> que: “a forma precisa das trocas entre os<br />

indivíduos, para perceber que estas interações são elas mesmas construídas por ações” e que “a<br />

cooperação consiste ela mesma num sistema <strong>de</strong> operações” (PIAGET, 1973, p.103).<br />

Portanto, as ativida<strong>de</strong>s dos sujeitos quando agem uns sobre os outros se reduzem na realida<strong>de</strong> a<br />

um só sistema <strong>de</strong> conjunto, no qual, o aspecto social e o aspecto lógico são inseparáveis na forma como<br />

no conteúdo.<br />

Evolu<br />

ção<br />

menta<br />

l do<br />

indiví<br />

duo<br />

Sincrônico: relativo ao equilíbrio das trocas propriamente ditas<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista sincrônico, a lógica consiste em operações que proce<strong>de</strong>m da ação, e estas<br />

operações, constituem por sua própria natureza sistemas <strong>de</strong> conjunto ou totalida<strong>de</strong>s, cujos elementos<br />

necessariamente são solidários uns aos outros.<br />

ESCALAS DE ESTRUTURAÇÃO LÓGICA<br />

Inteligência<br />

intuitiva ou<br />

operatória<br />

Inteligência Prática<br />

Modo <strong>de</strong> cooperação ou <strong>de</strong><br />

interação social<br />

Progresso da socialização<br />

técnica ou intelectual<br />

Modo <strong>de</strong> cooperação ou <strong>de</strong><br />

interação social<br />

Progresso da socialização<br />

técnica ou intelectual<br />

Suces<br />

são<br />

históri<br />

ca das<br />

menta<br />

lida<strong>de</strong><br />

s<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 466


Assim, esses agrupamentos operatórios expressarão tanto os ajustamentos recíprocos e<br />

interindividuais <strong>de</strong> operações, quanto às operações interiores do pensamento da cada indivíduo. Se as<br />

realida<strong>de</strong>s lógicas não ultrapassam o campo do pensamento, em oposição à ação, e se o correto dos<br />

conceitos, julgamentos e raciocínios forem reduzidos a elementos isoláveis, “segundo um mo<strong>de</strong>lo<br />

atomístico, então é claro que a lógica e troca social não tem nada <strong>de</strong> comum, a não ser que uma po<strong>de</strong><br />

condicionar a outra” (PIAGET, 1973, p. 103).<br />

No <strong>de</strong>senvolvimento do progresso da socialização técnica ou intelectual, as formas <strong>de</strong> equilíbrio<br />

são constituídas simultaneamente por uma cooperação das ações e por agrupamentos <strong>de</strong> operações. Piaget<br />

(1973, p. 104) aborda o exemplo <strong>de</strong> dois indivíduos que se propõem a construir cada um, sobre duas<br />

bordas <strong>de</strong> um riacho, uma escada <strong>de</strong> pedras em forma <strong>de</strong> trampolim, e ligar estas duas escadas <strong>de</strong> uma<br />

prancha horizontal formando uma ponte. Em que consiste a colaboração? Para Piaget consiste no<br />

ajustamento <strong>de</strong> ações, expondo que:<br />

Ajustar umas às outras ações algumas ações, das quais umas são semelhantes e se<br />

correspon<strong>de</strong>m por suas características comuns (fazer escadas da mesma forma e da<br />

mesma largura), das quais as segundas são recíprocas ou simétricas (orientar as vertentes<br />

verticais das escadas face ao rio, isto é, uma em face da outra, e as vertentes inclinadas,<br />

do lado oposto) e das quais as terceiras são complementares (um dos bordos do rio sendo<br />

mais alto que o outro, a escada correspon<strong>de</strong>nte será menos alta, enquanto a outra<br />

comportará um <strong>de</strong>grau a mais para alcançar a mesma altura) (PIAGET, 1973, p. 104).<br />

No caso, para haver ajuste <strong>de</strong> ações é necessário primeiramente, uma série <strong>de</strong> operações<br />

qualitativas, <strong>de</strong>pois operações concreta <strong>de</strong> métodos, e por fim <strong>de</strong>terminar a horizontalida<strong>de</strong> das<br />

extremida<strong>de</strong>s da prancha (Figura 2). Logo, “cada uma das ações dos colaboradores, sendo regulada por<br />

leis <strong>de</strong> composição reversível, constitui uma operação, o ajustamento <strong>de</strong>stas ações <strong>de</strong> um colaborador a<br />

outro consiste igualmente em operações” (PIAGET, 1973, p. 104).<br />

1.<br />

Operações<br />

qualitativas<br />

2.<br />

Operações<br />

Concretas <strong>de</strong><br />

medida<br />

3.<br />

Determinar a<br />

horizontalida<strong>de</strong><br />

da extremida<strong>de</strong><br />

AJUSTE DE AÇÕES<br />

Correspondência<br />

das ações a<br />

elementos comuns<br />

Para obter a largura igual<br />

cada um medirá sua<br />

escada e <strong>de</strong>pois ajustarão<br />

suas medidas<br />

Cada um dos colaboradores<br />

po<strong>de</strong> escolher seu sistema <strong>de</strong><br />

referência, porém será<br />

necessário coor<strong>de</strong>nar num só<br />

esses dois sistemas <strong>de</strong><br />

coor<strong>de</strong>nadas<br />

Reciprocida<strong>de</strong><br />

das ações<br />

simétricas<br />

Adição e subtração<br />

das complementares<br />

Utilizaram uma medida comum para<br />

igualar as medidas respectivas, e esse<br />

ajustamento consistirá novamente<br />

numa operação<br />

Para coor<strong>de</strong>nar os dois<br />

esquemas volta a fazer<br />

correspon<strong>de</strong>r por uma<br />

operação respectiva<br />

Figura 2 - Ajuste <strong>de</strong> ações elaborado a partir <strong>de</strong> Piaget (1973)<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 467


Em suma, cooperar na ação é operar em comum, isto é, ajustar por meio <strong>de</strong> novas operações<br />

(qualitativas ou métricas) <strong>de</strong> correspondência, reciprocida<strong>de</strong> ou complementarida<strong>de</strong>, as operações<br />

executadas por cada um dos parceiros. A partir disso, questiona-se: on<strong>de</strong> está a parte do social e do<br />

individual?<br />

Conforme Piaget (1973, p. 105) a cooperação como tal se resolve em operações idênticas as que se<br />

observam em estados <strong>de</strong> equilíbrio da ação individual. Mas estas operações das quais se livram os<br />

indivíduos para atingir o nível <strong>de</strong> equilíbrio dos agrupamentos operatórios concretos, as operações não<br />

são mais <strong>de</strong> natureza individual, por razões recíprocas.<br />

O indivíduo começa por ações irreversíveis, não compostas logicamente entre elas, e egocêntricas,<br />

isto é, centradas sobre elas mesmas e sobre seu resultado. A passagem da ação à operação supõe, pois, no<br />

indivíduo, uma <strong>de</strong>scentração fundamental, condição do agrupamento operatório, e que consiste em ajustar<br />

as ações umas às outras, até po<strong>de</strong>r compô-las em sistemas gerais aplicáveis a todas as transformações:<br />

ora, são precisamente estes sistemas que permitem unir operações <strong>de</strong> um indivíduo às dos outros.<br />

A cooperação constitui o sistema das operações interindividuais, isto é dos agrupamentos<br />

operatórios que permitem ajustar umas às outras operações dos indivíduos. Enquanto, que as operações<br />

individuais constituem o sistema das ações <strong>de</strong>scentradas e suscetíveis <strong>de</strong> se coor<strong>de</strong>nar umas às outras em<br />

agrupamentos que englobam as operações do outro, assim como as operações próprias.<br />

A cooperação e as operações agrupadas são, pois, uma única e só realida<strong>de</strong> vista sob dois aspectos<br />

diferentes, conforme Piaget (1973, p. 106), “não há, pois lugar para perguntar se e a constituição dos<br />

agrupamentos <strong>de</strong> operações concretas que permite a formação da cooperação, ou vice-versa: o<br />

agrupamento.” Visto que “o agrupamento é a forma comum <strong>de</strong> equilíbrio das ações individuais e das<br />

interações interindividuais, porque não existem dois modos <strong>de</strong> equilibrar as ações e porque a ação sobre o<br />

outro é inseparável da ação sobre os objetos” (PIAGET, 1973, p. 106).<br />

As provas e as hipóteses avançadas em antropologia, segundo Moscovici (1975, p. 178), o<br />

funcionalismo orgânico:<br />

[...] manifesta antes uma carência neurológica, fisiológica, psíquica. Isto acontece<br />

porque, os aparelhos sensoriais, instintivos, intelectuais, à semelhança dos <strong>de</strong> qualquer<br />

outra espécie relativamente evoluída, estão predispostos e estruturados<br />

“epigeneticamente” com vista a uma inter<strong>de</strong>pendência, a uma maturação das capacida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> comunicar, <strong>de</strong> agir no âmbito <strong>de</strong> um agrupamento especifico. Os antropólogos<br />

acabaram por compreen<strong>de</strong>r que a evolução do comportamento do homem, em particular o<br />

seu comportamento social, <strong>de</strong>sempenhou um papel que não se po<strong>de</strong> dissociar da sua<br />

evolução biológica.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 468


O que é transparente no terreno das operações concretas - que se reduz a uma alternância ou uma<br />

sincronização <strong>de</strong> ações, concorrendo a um fim comum; o é ainda mais no das operações formais, isto é,<br />

das trocas <strong>de</strong> pensamento in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> qualquer ação imediata – que supõe um sistema mais abstrato<br />

<strong>de</strong> avaliações recíprocas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>finições e <strong>de</strong> normas. “Os agrupamentos <strong>de</strong> operações formais constituem<br />

a lógica das proposições” (PIAGET, 1973, p. 106). Ora, a proposição não é o ato <strong>de</strong> comunicação, como<br />

insistiu do ponto <strong>de</strong> vista formal, o Círculo <strong>de</strong> Viena, que reduz a lógica a uma sintaxe e uma semântica,<br />

logo, às coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> uma linguagem. Ao contrário, a lógica das proposições é, pois, <strong>de</strong>vida à sua<br />

própria natureza, um sistema <strong>de</strong> trocas, mesmo que as proposições trocadas sejam as do diálogo interior<br />

ou <strong>de</strong> vários sujeitos distintos.<br />

As condições <strong>de</strong> equilíbrio acarretam a constituição <strong>de</strong> uma lógica, somente em certos tipos <strong>de</strong><br />

troca, que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir do termo <strong>de</strong> cooperação, em oposição com as trocas <strong>de</strong>sviadas por um fator,<br />

seja <strong>de</strong> egocentrismo ou <strong>de</strong> coação. Assim sendo, o equilíbrio não po<strong>de</strong>ria ser atingido quando, por<br />

egocentrismo intelectual, os parceiros não conseguissem coor<strong>de</strong>nar seus pontos <strong>de</strong> vista (Figura 3). Isto é<br />

também relacionado à cooperação para como o meio ambiente e a natureza.<br />

1. Escala comum <strong>de</strong><br />

valores<br />

Linguagem<br />

Sistema <strong>de</strong> noções<br />

Proposições fundamentais<br />

CONDIÇÕES DE EQUILÍBRIO DA TROCA NA COOPERAÇÃO<br />

3. Reciprocida<strong>de</strong><br />

Atualização em todo tempo dos valores<br />

virtuais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m t e v<br />

Figura 3 - As condições <strong>de</strong> equilíbrio da troca na cooperação<br />

Isso ocorreria <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> três condições: “a escala comum <strong>de</strong> valores” (primeira condição) e<br />

“a reciprocida<strong>de</strong>” (terceira condição) on<strong>de</strong> há impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atingir “a conservação” (segunda<br />

condição), por falta <strong>de</strong> obrigação sentida por uma parte e pela outra. Deste modo, “as palavras são<br />

tomadas em sentidos diferentes pelos interlocutores, e nenhum recurso é possível às proposições<br />

reconhecidas como válidas anteriormente, pois o indivíduo não se sente obrigado a levar em consi<strong>de</strong>ração<br />

o que admitiu ou disse” (PIAGET, 1973b, p. 110).<br />

2. Conservação<br />

Acordo sobre os valores reais, seja r = s<br />

A obrigação <strong>de</strong> conservar as proposições<br />

reconhecidas anteriormente<br />

De acordo com Piaget (1973, p. 108-9) a primeira é que x e x’ estejam <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> uma escala<br />

comum <strong>de</strong> valores intelectuais, expressos por um símbolo comum unívocos. A escala comum <strong>de</strong>verá<br />

comportar três características complementares: a) uma linguagem comparável ao que é o sistema <strong>de</strong> sinais<br />

monetários; b) um sistema <strong>de</strong> noções <strong>de</strong>finidas (seja que as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> x e x’ convirjam inteiramente,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 469


seja que em parte, mas que x e x’ possuam uma mesma chave permitindo traduzir noções <strong>de</strong> um dos<br />

parceiros no sistema do outro); e c) certo número <strong>de</strong> proposições fundamentais colocando estas noções<br />

em relação, admitidas por convenção e às quais x e x’ possam referir-se em caso <strong>de</strong> discussão.<br />

A segunda condição comporta a igualda<strong>de</strong> geral dos valores em jogo nas sucessões r (x) → s(x’)<br />

→ t (x’) ou r (x’) → s(x) → t(x) → v (x’), dito <strong>de</strong> outra forma: a) acordo sobre os valores reais, seja r = s,<br />

e b) a obrigação <strong>de</strong> conservar as proposições reconhecidas anteriormente (valores virtuais t e v,<br />

suscetíveis <strong>de</strong> ser realizadas na sucessão <strong>de</strong> trocas). Com efeito, “se não há acordo, seja r (x) = s (x’) ou r<br />

(x’) = s (x), não po<strong>de</strong>ria haver equilíbrio, e a discussão continuaria.” Por outro lado “se o acordo sempre<br />

for posto em questão, ainda não po<strong>de</strong>ria haver equilíbrio.” Ora, sem a intervenção <strong>de</strong> regras, isto é, <strong>de</strong><br />

uma conservação obrigada, as valida<strong>de</strong>s anteriores reconhecidas se <strong>de</strong>sagregariam quando <strong>de</strong> uma nova<br />

troca, ou pelo contrário, as negações anteriores seriam esquecidas e teríamos, por exemplo: s (x’) > t (x’)<br />

ou s (x) > t (x), pelo contrário, as negações anteriores seriam esquecidas e teríamos s (x’) < t (x’), etc.<br />

Deste modo, a discussão só é possível mediante as conservações s (x’) = t (x’) = v (x) e s (x) = t (x) = v<br />

(x’), o que mostra <strong>de</strong> antemão o caráter normativo <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> pensamento regulada por oposição às<br />

regulações <strong>de</strong> uma troca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais baseada em simples interesses momentâneos.<br />

A terceira condição é a atualização possível em todo o tempo dos valores virtuais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m t e v<br />

dito <strong>de</strong> outra forma, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retornar sem cessar às valida<strong>de</strong>s reconhecidas anteriormente. Esta<br />

reversibilida<strong>de</strong> toma a forma: [r(x) = s (x’) = t(x’) = v(x)] → [v(x) = t(x’) = r(x’) = s(x)] e acarreta a<br />

reciprocida<strong>de</strong> r(x) = r(x’) e s(x) = s(x’), etc.<br />

Quanto ao que se refere às relações intelectuais, on<strong>de</strong> intervém sob uma forma ou outra, um<br />

elemento <strong>de</strong> coação ou <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, as duas primeiras condições (a escala comum <strong>de</strong> valores e a<br />

conservação) parecem, em compensação preenchidas. Entretanto, a escala comum <strong>de</strong> valores se <strong>de</strong>ve<br />

então a uma espécie <strong>de</strong> “cours force” <strong>de</strong>vido à autorida<strong>de</strong> dos usos e das tradições, enquanto por falta <strong>de</strong><br />

reciprocida<strong>de</strong>, a obrigação <strong>de</strong> conservar as proposições anteriores só funciona num sentido único, por<br />

exemplo: x obrigará x’ e não ao contrário:<br />

Acontece que por mais cristalizado e sólido em aparência que seja um sistema <strong>de</strong><br />

representações coletivas impostas por coação, <strong>de</strong> gerações a gerações, ele não constitui<br />

um estado <strong>de</strong> equilíbrio verda<strong>de</strong>iro ou reversível na ausência da terceira condição, mas<br />

um estado falso equilíbrio, a intervenção da discussão livre bastará, pois para <strong>de</strong>slocá-los<br />

(PIAGET, 1973, p. 110).<br />

Portanto, o estado <strong>de</strong> equilíbrio, tal como é <strong>de</strong>finido pelas três condições prece<strong>de</strong>ntes, está assim<br />

subordinado a uma situação social <strong>de</strong> cooperação autônoma, fundamentada sobre a igualda<strong>de</strong> e a<br />

reciprocida<strong>de</strong> dos parceiros, e se liberando simultaneamente da anomia própria ao egocentrismo e da<br />

heteronomia própria à coação.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 470


Além disso, a noção <strong>de</strong> cooperação opõe assim a dupla ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scentração, em relação<br />

ao egocentrismo intelectual e moral e <strong>de</strong> uma libertação em relação às coações sociais que este<br />

egocentrismo provoca ou mantém. Nesse sentido, Piaget (1973, p. 111) <strong>de</strong>staca que “como na relativida<strong>de</strong><br />

no plano teórico, a cooperação no plano das trocas concretas supõe, pois, uma conquista contínua sobre os<br />

fatores <strong>de</strong> automatização e <strong>de</strong> equilíbrio”, é por isso que “quem diz autonomia, em oposição à anomia e à<br />

heteronomia, diz, com efeito, ativida<strong>de</strong> disciplinada ou autodisciplina”.<br />

O plano <strong>de</strong> trocas nas socieda<strong>de</strong>s primitivas, segundo Moscovici (1975, p. 60-61) dava-se por<br />

meio <strong>de</strong> uma inversão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s:<br />

[...] as tradições predominantes no interior do agrupamento animal quanto à apropriação,<br />

à alimentação, à <strong>de</strong>limitação dos <strong>de</strong>slocamentos e ao gênero <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s reservadas a<br />

cada um, condiciona parcialmente a quantida<strong>de</strong> e disparida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trocas com o mundo<br />

material. O processo histórico pren<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>ste modo ao processo evolutivo. Os primatas<br />

contemporâneos permitem-nos entrever o que <strong>de</strong>viam ter sido os seus mo<strong>de</strong>stos começos.<br />

Nada mais do que isso.<br />

Este condicionante parcial e <strong>de</strong> disparida<strong>de</strong> das trocas com o mundo material não permitia que<br />

ocorresse a cooperação, que implica em um sistema <strong>de</strong> normas, diferindo da suposta livre troca cuja<br />

liberda<strong>de</strong> se torna ilusória pela ausência <strong>de</strong> tais normas. Conforme Piaget (1973, p. 111), é porque “a<br />

verda<strong>de</strong>ira cooperação é tão frágil e tão rara no estado social dividido entre os interesses e as<br />

submissões”, assim como “a razão permanece tão frágil e tão rara em relação às ilusões subjetivas e aos<br />

pesos das tradições”.<br />

Contudo, o “controle e regulação <strong>de</strong>finem a socieda<strong>de</strong> que se apóia sobre eles como uma negação<br />

<strong>de</strong> tudo o que é inclinação psíquica espontânea, diferença dos sujeitos que age dado natural em nós e fora<br />

<strong>de</strong> nós” (MOSCOVICI, 1975, p. 173).<br />

Como o homem age sobre o meio ambiente? O homem apesar <strong>de</strong> ser racional e ter consciência <strong>de</strong><br />

suas ações acaba por intervir em muitos casos no meio ambiente negativamente, pois se encontram preso<br />

aos seus próprios interesses e submissões no campo social, as ilusões subjetivas e as tradições no campo<br />

da razão.<br />

Nesse propósito, apenas com o agrupamento, que consiste em um sistema <strong>de</strong> substituições<br />

possíveis, tanto no âmbito <strong>de</strong> um mesmo pensamento individual, ou <strong>de</strong> um indivíduo pelo outro, é que se<br />

constituem a lógica geral - que é individual e ao mesmo tempo coletiva e caracteriza a forma <strong>de</strong> equilíbrio<br />

comum, tanto às ações cooperativas quanto às individualizadas. E é, portanto o equilíbrio comum que<br />

axiomatiza a lógica formal entre a razão e cooperação.<br />

De fato à medida que as ações do homem sobre o meio ambiente não se tornam compostas e<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 471


eversíveis, elas <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> adquirir, e elevassem à posição <strong>de</strong> operações – po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> se substituir umas<br />

pelas outras (Figura 4).<br />

CONDIÇÕES NECESSÁRIAS AO EQUILÍBRIO LÓGICO COMUM:<br />

AS AÇÕES INDIVIDUAIS E SOCIAIS<br />

Figura 4 - Condições necessárias ao equilíbrio lógico comum<br />

Como é possível <strong>de</strong>senvolver tal relação, sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> equilíbrio comum tanto às ações<br />

cooperativas quanto às individualizadas das crianças em relação às questões <strong>de</strong> meio ambiente?<br />

Consi<strong>de</strong>rando que o <strong>de</strong>senvolvimento lógico das crianças sob as questões ambientais, por exemplo: saber<br />

que o <strong>de</strong>stino ina<strong>de</strong>quado do lixo po<strong>de</strong> causar doenças (lógica individual), não basta. É preciso que as<br />

crianças operem e efetue agrupamentos, substituindo possíveis âmbitos <strong>de</strong> um mesmo pensamento<br />

individual, e assim <strong>de</strong>senvolva o equilíbrio comum, entre a razão (conhecimento) e a cooperação (aspecto<br />

moral).<br />

FUNÇÕES<br />

INDIVIDUAIS<br />

OPERAÇÕES<br />

(po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> substituir umas pelas outras)<br />

AÇÕES DOS INDIVÍDUOS<br />

(Compostas e reversíveis)<br />

FUNÇÕES<br />

COLETIVAS<br />

Operações da<br />

inteligência<br />

Pensamento<br />

individual<br />

De fato, admite-se que foi atribuindo à natureza, a separação, que Moscovici (1975, p. 176),<br />

esforça-se por esclarecer, segundo este o <strong>de</strong>smentido daquilo em que se tinha acreditado firmemente é<br />

evi<strong>de</strong>nte em relação a dois pontos particulares:<br />

LÓGICA GERAL<br />

(Coletiva e individual)<br />

AGRUPAMENTOS<br />

Cooperação<br />

social<br />

De um indivíduo<br />

pelo outro<br />

(sistema <strong>de</strong> substituições possíveis <strong>de</strong><br />

âmbito <strong>de</strong> um mesmo pensamento<br />

individual ou <strong>de</strong> um indivíduo pelo outro)<br />

RAZÃO<br />

LÓGICA FORMAL<br />

1) A noção <strong>de</strong> indivíduo irredutível a uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise (aparenta-se com o átomo indivisível<br />

nas teorias mecanicistas). Tal propósito implica em afirmar que a espécie correspon<strong>de</strong>nte a tal população<br />

é <strong>de</strong>finida tendo em conta a gama completa: um indivíduo ou uma classe <strong>de</strong> indivíduos tomados<br />

separadamente, dão <strong>de</strong>la uma imagem particular e provavelmente arrevesada. Desse modo, o coletivo está<br />

no individual e o individual no coletivo, mesmo ponto <strong>de</strong> vista do biológico, do inato; e<br />

COOPERAÇÃO<br />

EQUILÍBRIO COMUM<br />

(Axiomatiza a lógica formal)<br />

2) A or<strong>de</strong>m social nasce do seu antagonismo social. O mundo social não é sempre <strong>de</strong>scrito como<br />

estando submetido aos acasos dos mecanismos fisiológicos, dos automatismos não apreendidos, da<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 472


violência surda das necessida<strong>de</strong>s, não tendo por outro lado instituições estáveis e firmemente<br />

disciplinadas.<br />

No caso do ser humano, “esquecer ou per<strong>de</strong>r as suas regras sociais, não cairia numa situação <strong>de</strong><br />

anomia ou <strong>de</strong> não socieda<strong>de</strong>”, pois “encontraria a sua volta outros animais, um capital <strong>de</strong> normas, o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> diferentes or<strong>de</strong>ns sociais” (MOSCOVICI, 1975, p. 179).<br />

Nesse sentido não existem socieda<strong>de</strong> enquanto seres, como não existem indivíduos <strong>de</strong>ntro e <strong>de</strong><br />

fora – sem conflito possível entre a psicologia e a sociologia, e cujas combinações sempre inacabadas não<br />

po<strong>de</strong>riam ser i<strong>de</strong>ntificadas com substâncias permanentes.<br />

Piaget (1977, p. 301) ao <strong>de</strong>senvolver sua obra “O Julgamento Moral na criança” constatou que o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das crianças mostra duas tendências basicamente opostas <strong>de</strong> moral: “a teoria do <strong>de</strong>ver,<br />

ou da obrigação moral”, e a do “bem ou da autonomia da consciência”, e que a segunda suce<strong>de</strong>ria a<br />

primeira em condições normais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Segundo este autor, quando a criança <strong>de</strong>sconhece as regras ela é capaz <strong>de</strong>, por exemplo, por a mão<br />

na roseira sem ter a noção se po<strong>de</strong> ou não. Mas, <strong>de</strong>pois que ela é repreendida, por sua mãe, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> por a<br />

mão na roseira por medo ou para agradar; agindo, nesse momento, <strong>de</strong> forma heterônoma, cumprindo a<br />

regra, mas não a compreen<strong>de</strong>ndo. Enquanto que a autonomia acontece quando a criança <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> por a<br />

mão na roseira, porque compreen<strong>de</strong>u as razões da regra, ou por até infringir a regra sem que o seu<br />

objetivo fundamental seja prejudicado, por exemplo, a criança coloca a mão na roseira quando percebe<br />

que nas folhas não há espinhos.<br />

Além disso, por meio <strong>de</strong>sta pesquisa ele comprovou que todas as regras seguidas pelas crianças<br />

em todos os assuntos são <strong>de</strong>rivadas das relações sociais. Por isso, “é impossível abranger num único<br />

conceito as diversas ações que a vida social exerce sobre o <strong>de</strong>senvolvimento individual,” ao contrário, “é<br />

pru<strong>de</strong>nte analisar a i<strong>de</strong>ntificação ilegítima da coação e da cooperação”, afirma Piaget (1977, p. 311). De<br />

fato, é pela vida social que se elaboram as regras propriamente ditas.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Por fim, do ponto <strong>de</strong> vista moral, o <strong>de</strong>senvolvimento da moralida<strong>de</strong> ocorre por meio <strong>de</strong> sucessivas<br />

interações do sujeito com o meio. Por isso, que não é possível ensinar a moralida<strong>de</strong> para a criança, pois<br />

ela só a <strong>de</strong>senvolverá se lhe <strong>de</strong>rmos condições para que vivencie, compreenda e construa as regras<br />

morais, assim como o resto <strong>de</strong> sua conduta e do seu conhecimento sobre o mundo. De tal modo, a moral<br />

não se reduz a seguir as normas que são impostas ao ser humano, mas sim a <strong>de</strong>cidir por si mesmo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 473


Nota-se que o social que Piaget observa nos primeiros meses <strong>de</strong> existência da criança é apenas<br />

social biológico, portanto, interior ao indivíduo e ainda individual para um estado <strong>de</strong> cooperação<br />

progressiva. Para Piaget a cooperação po<strong>de</strong> fazer a criança sair do seu estado inicial <strong>de</strong> egocentrismo<br />

inconsciente, pois a liberta do egocentrismo e da coerção, ao mesmo tempo. Para que a ação consciente<br />

no meio ambiente ocorra é necessário se ter respeito e responsabilida<strong>de</strong>, isto só é possível com uma<br />

educação que <strong>de</strong>senvolva a autonomia do sujeito, construída num ambiente <strong>de</strong>mocrático e não <strong>de</strong><br />

autoritarismo e <strong>de</strong>terminismo.<br />

Referências<br />

MOSCOVICI, S. Socieda<strong>de</strong> contra natureza. Tradução <strong>de</strong> Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes,<br />

1975.<br />

PIAGET, J. Estudos Sociológicos. Tradução <strong>de</strong> Reginaldo Di Piero. São Paulo: Forense, 1973.<br />

PIAGET, J. A epistemologia genética. In: PIAGET: vida e obra. Tradução <strong>de</strong> Nathanael C. Caixeiro et. al.<br />

2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 3-30.<br />

PIAGET, J. O Julgamento Moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.<br />

RAPPAPORT, C. R. Mo<strong>de</strong>lo Piagetiano. In: RAPPAPORT; FIORI; DAVIS. Teorias do<br />

Desenvolvimento: conceitos fundamentais. EPU: 1981. p. 51-75. Vol. 1.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 474


Inteligência, Moralida<strong>de</strong> e Educação<br />

Resumo<br />

ARRUDA, Antonio Carlos Jesus Zanni <strong>de</strong><br />

CARBONE, Marcelo<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista - UNESP<br />

arrudafilosofia@hotmail.com<br />

carbone@faac.unesp.br<br />

O presente artigo discute a relação entre Inteligência, Moralida<strong>de</strong> e Educação tendo como referencial a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Piaget. Ao discutirmos a questão da moralida<strong>de</strong> em Piaget, não há como<br />

<strong>de</strong>svincular esta temática sem levarmos em conta o <strong>de</strong>senvolvimento psicogenético do sujeito (a sua<br />

inteligência). É preciso enten<strong>de</strong>r que, na busca <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r melhor o mundo que o cerca, o sujeito<br />

atravessa longas fases <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psicogenético e, particularmente, seu pensamento percorre<br />

fases, que, <strong>de</strong> início, estão ligadas diretamente às suas ações sensório-motoras até atingir o status do<br />

pensamento hipotético-<strong>de</strong>dutivo. Nesse processo, as ações morais que o indivíduo exerce sobre o meio,<br />

ten<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> início, a reforçar o mundo do adulto, conferindo a este o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão sobre os seus atos,<br />

já que não consegue estabelecer com o meio uma relação <strong>de</strong> autonomia, o que reforça, segundo Piaget, o<br />

chamado pensamento heterônomo. À medida que o sujeito consegue estabelecer e construir melhores<br />

relações com o meio, conferindo i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria a si mesmo e aos objetos, consegue <strong>de</strong>scentrar suas<br />

ações, torna-se mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mais soberano, constituindo assim, <strong>de</strong> fato, a sua autonomia, ou<br />

pensamento autônomo. Estas questões nos fazem refletir e compreen<strong>de</strong>r melhor quem é o sujeito (sua<br />

inteligência), sua moralida<strong>de</strong> e ainda contribuir para a Educação, no sentido <strong>de</strong> questionarmos se<br />

educadores permitem, <strong>de</strong> fato, que seus alunos construam sua autonomia.<br />

Palavras-chave: Inteligência. Moral. Educação. <strong>Epistemologia</strong> Genética.<br />

Abstract<br />

This study discusses the relation among Intelligence, Morality and Education having as reference the<br />

Piaget’s Genetic Epistemology. When discussed the question of morality in Piaget, there is no way to<br />

unlink this thematic without consi<strong>de</strong>ring the <strong>de</strong>velopment of the psychogenetic of the subject (its<br />

intelligence). There is a need to know that, in search of better un<strong>de</strong>rstanding the world that surrounds it,<br />

the subject goes through long steps of psychogenetic <strong>de</strong>velopment and, particularly, the thought goes<br />

through those steps which are linked directly to its motor sensory actions until it reaches the status of the<br />

hypothetical <strong>de</strong>ductive thought. In this process, the moral actions that the individual has on the center, at<br />

first, strengthen the adult world, giving it the power of <strong>de</strong>cision about its acts, since it is not able to<br />

establish with the center a relationship of autonomy, which means the heteronymous thought, according<br />

Piaget. As soon as the subject is able to establish and to build better relationships with the center, giving<br />

itself and to the objects own i<strong>de</strong>ntity, it is able to <strong>de</strong>centralize its actions, becoming more in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt,<br />

more powerful, building then, its autonomy, or autonomous thought. These issues help with a better<br />

un<strong>de</strong>rstanding of who is the subject (its intelligence), its morality and contribute to the Education, to<br />

verify if the teachers allow their stu<strong>de</strong>nts to build their own autonomy.<br />

Keywords: Intelligence. Moral. Education. Genetic Epistemology.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 475


Introdução<br />

Este artigo procura discutir a relação entre Inteligência, Moral e Educação, segundo a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Piaget, on<strong>de</strong> constatamos que não é possível falar sobre moralida<strong>de</strong>, ou seja,<br />

abordar como o sujeito interage com o meio e ao mesmo tempo constrói valores, sem levarmos em conta<br />

o seu <strong>de</strong>senvolvimento psicogenético, propriamente, como a sua inteligência percorre um longo período<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, até o culminar com o estabelecimento do pensamento hipotético-<strong>de</strong>dutivo, o que<br />

garante a conquista do pensamento autônomo, ou o exercício pleno da moralida<strong>de</strong>.<br />

A Educação e particularmente a Escola <strong>de</strong>vem resgatar essas contribuições, pois um sujeito só<br />

conquista plenamente a sua autonomia se, em primeiro lugar, se tem um entendimento correto sobre esta<br />

temática, da qual a <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Piaget tem muito a contribuir, ao verificar que o ser<br />

humano possui uma história <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, história esta, que <strong>de</strong> início, é mais centrada em si<br />

mesmo, passando posteriormente a estabelecer relações com o mundo, <strong>de</strong>scentrando suas ações e<br />

pensamentos, conferindo a si mesmo e aos objetos i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria.<br />

A inteligência se constitui como algo criador <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s, sendo que o sujeito <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> seus<br />

esquemas mentais consegue coor<strong>de</strong>nar meios e fins <strong>de</strong> maneira intencional e aquilo que quer efetivamente<br />

compreen<strong>de</strong>r consegue, elaborando e construindo pensamentos que buscam compreen<strong>de</strong>r melhor as<br />

coisas.<br />

Para conseguir tal efeito a inteligência percorre um longo caminho, inicialmente estreitamente<br />

ligado às percepções que o sujeito estabelece com o mundo, através do nível sensório-motor, passando<br />

por um período pré-operatório on<strong>de</strong> tudo é assimilado em conformida<strong>de</strong> com a ação própria do sujeito,<br />

através <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> esquemas, porém tal realização ainda não comporta o entendimento e a<br />

diferenciação total entre o mundo dos objetos e do sujeito.<br />

Posteriormente, através das chamadas operações concretas, o sujeito consegue compreen<strong>de</strong>r e<br />

elaborar entendimento sobre os objetos, mas ainda há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar à frente dos mesmos, ou seja,<br />

estabelecendo interação empírica com os mesmos.<br />

Com o advento das representações por conta do pensamento hipotético-<strong>de</strong>dutivo, por volta dos 12<br />

anos, o sujeito consegue estabelecer relação com o mundo dos objetos, não estando em relação direta com<br />

os mesmos, elaborando hipóteses e fazendo previsões sobre os mesmos.<br />

Enten<strong>de</strong>r como a inteligência percorre um longo caminho <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento constitui um marco<br />

na constatação <strong>de</strong> como o sujeito constrói conhecimento, já que tal estudo também leva em conta <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 476


maneira direta a busca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do sujeito, construindo a compreensão do mundo em que vive,<br />

diferenciando-se <strong>de</strong>ste e alcançando autonomia frente à realida<strong>de</strong> que o cerca.<br />

[...] Piaget fala <strong>de</strong> interiorização quando os esquemas <strong>de</strong> agir, ou seja, as regras do<br />

domínio simbólico dos objetos são transpostos para o interior e transformados em<br />

esquemas da compreensão e do pensamento. [...]<br />

[...] Esse mecanismo da interiorização liga-se ao ulterior princípio que permite conquistar<br />

in<strong>de</strong>pendência com relação a objetos externos, a pessoas <strong>de</strong> referência ou aos próprios<br />

impulsos, repetindo ativamente o que antes se havia experimentado ou sofrido<br />

passivamente (HABERMAS, 1990, p. 54).<br />

Dessa maneira, compreen<strong>de</strong>mos que o sujeito conquista uma tomada <strong>de</strong> consciência à medida que<br />

consegue enten<strong>de</strong>r que o mundo possui um dinamismo e que para compreendê-lo é necessário interagir<br />

com o mesmo se diferenciando <strong>de</strong>ste.<br />

Porém, como o sujeito conquista a autonomia na relação com os outros? Como age?<br />

De início, as reações morais que o indivíduo tem em relação ao meio estão diretamente ligadas a<br />

quem emitiu instruções ou or<strong>de</strong>ns a serem seguidas e quando da ausência da pessoa que or<strong>de</strong>nou estas<br />

or<strong>de</strong>ns a valida<strong>de</strong> das regras per<strong>de</strong> efeito.<br />

Em outras palavras, a criança por estar diretamente ligada nesta fase (antes dos 7-8 anos) às suas<br />

experiências diretas com os objetos e pessoas, vincula suas ações morais diretamente à autorida<strong>de</strong> que lhe<br />

emitiu certas or<strong>de</strong>ns a serem cumpridas. Esse tipo <strong>de</strong> conduta é caracterizado por Piaget (1994) como<br />

heteronomia, on<strong>de</strong> as leis e regras <strong>de</strong> obediência são emitidas por uma autorida<strong>de</strong> reconhecida<br />

diretamente pelas crianças na figura dos pais e posteriormente em outras figuras que reproduzem mo<strong>de</strong>los<br />

semelhantes a estes, no caso, os adultos, simbolizados diretamente por pessoas com quem as crianças<br />

convivem: tios, avós, professores, entre outras.<br />

Este tipo <strong>de</strong> comportamento da criança reforça o que Piaget (1994) <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> realismo moral,<br />

em que por meio <strong>de</strong> uma coação o sujeito aceita uma autorida<strong>de</strong> e, por consequência, uma submissão ao<br />

que esta autorida<strong>de</strong> “lhe impõe como verda<strong>de</strong>”, já que neste período a criança ainda não possui condições<br />

<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r toda a realida<strong>de</strong> que a cerca, compondo <strong>de</strong>ssa maneira um quadro <strong>de</strong> aceitação ao que lhe<br />

foi dito como verda<strong>de</strong>.<br />

No realismo moral, os valores e as or<strong>de</strong>ns recebidas são entendidos pela criança como algo<br />

subsistente por si mesmos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do sujeito ter ou não consciência do valor <strong>de</strong>stes. A criança no<br />

realismo moral fixa suas condutas e atitu<strong>de</strong>s em obediência cega às leis impostas pelos adultos, já que são<br />

estes quem revelam o que <strong>de</strong>ve ser seguido. E o bem ou portar-se bem é estar <strong>de</strong> acordo com as or<strong>de</strong>ns<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 477


emitidas e o mal é não estar <strong>de</strong> acordo com as or<strong>de</strong>ns.<br />

Esta heteronomia revela uma concepção objetiva da realida<strong>de</strong>, já que quanto mais a criança se<br />

ajusta às or<strong>de</strong>ns, mais se mantém <strong>de</strong> acordo com o estabelecimento com verda<strong>de</strong>s pré-estabelecidas. As<br />

obrigações que os adultos impõem às crianças ganham um status <strong>de</strong> rituais, não importando a veracida<strong>de</strong><br />

ou o valor das mesmas e sim a obediência a certas normas que parecem ser inquestionáveis e, portanto,<br />

objetivas.<br />

Mas por que a criança fixa suas atitu<strong>de</strong>s e se conforma com as or<strong>de</strong>ns emitidas pelos adultos?<br />

Ela age assim por ter dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as relações e interações que mantém com o<br />

adulto, já que inicialmente as experiências que possui são por meio <strong>de</strong> experiências individuais, ligadas<br />

diretamente às ações sensório-motoras, inclusive em refletir sobre aspectos ligados à verda<strong>de</strong>. A criança<br />

ten<strong>de</strong> a pensar por si própria, não levando em conta o dinamismo da vida. Dessa maneira, o que interessa<br />

para a criança é a satisfação do resultado <strong>de</strong> seus atos.<br />

A criança quando não se satisfaz e não compreen<strong>de</strong> o não porquê <strong>de</strong> sua realização, se preciso for,<br />

utilizará até <strong>de</strong> mentira em suas explicações, fato este julgado pelo mundo dos adultos como transgressão<br />

às regras convencionais. Logo, será punida através uma sanção moral ou material (por exemplo, não<br />

ganhar nenhum brinquedo ou recompensa, pois não agiu direito).<br />

Como não agiu <strong>de</strong> maneira correta, a criança em seus pensamentos ten<strong>de</strong> a reforçar o mundo do<br />

adulto por intermédio <strong>de</strong> uma moral heterônoma, já que é o adulto que sabe guiar ou dirigir melhor seus<br />

atos e, ainda, porque não será vítima <strong>de</strong> alguma sanção.<br />

Aliás, há que se ressaltar a noção <strong>de</strong> justiça que as crianças possuem antes dos 7-8 anos.<br />

A criança antes <strong>de</strong>ssa ida<strong>de</strong> acredita piamente que se um adulto a puniu com alguma sanção, ela é<br />

merecedora <strong>de</strong> fato, já que transgrediu alguma regra <strong>de</strong> obediência e sendo o adulto a autorida<strong>de</strong> máxima<br />

para aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pena, cabe à criança aceitar essa condição. É o que Piaget (1994) <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong><br />

sanção-expiação.<br />

Posteriormente aos 7-8 anos, a criança enten<strong>de</strong> que a sanção-expiação não é o tipo <strong>de</strong> castigo<br />

recomendado e sim que se <strong>de</strong>ve chamar a atenção sobre a falta cometida, sobre o seu erro, corrigindo-a<br />

para que não repita mais tal ou tais gestos.<br />

Esse tipo <strong>de</strong> correção <strong>de</strong>ve se esten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mais crianças quando necessário. Tal tipo <strong>de</strong> sanção é<br />

<strong>de</strong>nominado por Piaget (1994) <strong>de</strong> sanção por reciprocida<strong>de</strong>, caracterizando <strong>de</strong>ssa maneira a passagem do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 478


pensamento heterônomo, que, em questões ligadas à noção <strong>de</strong> justiça, reforça a i<strong>de</strong>ia da aplicabilida<strong>de</strong> da<br />

expiação para o pensamento autônomo, o qual apresenta o entendimento <strong>de</strong> maneira mais ampla no<br />

sentido <strong>de</strong> representar, no caso <strong>de</strong> culpa, elementos mais aprofundados, como compreensão da culpa,<br />

adoção <strong>de</strong> medidas apropriadas <strong>de</strong> punição e aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medidas iguais para todos, reforçando a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma justiça distributiva e igualitária, já que o indivíduo também faz parte <strong>de</strong> um ou vários grupos<br />

a qual interage.<br />

Com o passar do tempo, a criança reconhece o peso <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da presença do<br />

sujeito, já que para ela essas instruções quase que possuem vida própria, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> contexto e<br />

relações. Um exemplo <strong>de</strong>ssa situação é quando a criança ao a<strong>de</strong>ntrar um ambiente com gran<strong>de</strong> presença<br />

<strong>de</strong> adultos ten<strong>de</strong> a permanecer e a se portar <strong>de</strong> maneira introspectiva, porque está implícito um <strong>de</strong>ver: se<br />

a<strong>de</strong>quar e reproduzir ao que algum adulto lhe emitiu <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m anterior.<br />

Após os 7-8 anos, tendo a criança já conquistado o entendimento e progressos operatórios<br />

notáveis, apresenta um salto qualitativo muito gran<strong>de</strong> em suas relações sociais; essas relações <strong>de</strong> agora<br />

em diante irão se basear no respeito mútuo e na solidarieda<strong>de</strong>, já que a mesma não possui tão somente<br />

aquela visão egocêntrica, parecendo que o mundo gira tão somente em função <strong>de</strong>la.<br />

Dessa maneira, suas ações perfazem um caminho <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e estabelecer relações com os<br />

objetos e as pessoas, não mais <strong>de</strong> maneira a achar que o único tipo <strong>de</strong> relação possível é aquela em caráter<br />

unilateral, através <strong>de</strong> uma coação por parte <strong>de</strong> um adulto. Neste sentido, a partir <strong>de</strong> agora, as regras<br />

sociais não são mais vistas como algo intocável; po<strong>de</strong>m ser modificadas se <strong>de</strong> concordância com os<br />

<strong>de</strong>mais participantes, gerando cooperação e igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos.<br />

Portanto, as regras sociais não são mais obe<strong>de</strong>cidas às cegas, porém, o que se evi<strong>de</strong>ncia é que o<br />

respeito mútuo engendra um sentimento <strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> para todos. Conforme Piaget (1994),<br />

essas características inauguram a autonomia do sujeito, cuja expressão máxima se dará na adolescência,<br />

uma vez que o indivíduo consegue raciocinar sobre asserções morais, construindo hipóteses e juízos,<br />

raciocinando <strong>de</strong> maneira lógica sobre proposições <strong>de</strong> valores que se relaciona no dia-a-dia,<br />

proporcionando a este a experiência com o novo, gerando equilíbrio ao modo como se relaciona com a<br />

realida<strong>de</strong>.<br />

O sujeito só conquista a autonomia se também o ambiente lhe for favorável. Assim, tanto pais<br />

como professores <strong>de</strong>vem se colocar no lugar das crianças, procurando compreen<strong>de</strong>r porque agem <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>terminada maneira e como pensam sobre situações que lhes afligem ou que lhes colocam em apuros.<br />

Neste sentido, vai <strong>de</strong>saparecendo a moral da coerção passando a se criar o espírito <strong>de</strong> cooperação; a<br />

criança aos poucos vai conquistando a sua in<strong>de</strong>pendência física e espiritual, porque é levada a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 479


compreen<strong>de</strong>r as relações do mundo que a cerca.<br />

Na construção do pensamento autônomo a criança consegue se organizar em grupos, <strong>de</strong>senvolver<br />

responsabilida<strong>de</strong> coletiva, pensa em si e nos outros, busca o reconhecimento do grupo, solidariza-se com<br />

o culpado e consegue se colocar no lugar do outro.<br />

Tal fato é <strong>de</strong> fundamental importância porque apresenta não só um avançar da caminhada do<br />

indivíduo, como também <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>, pois cada criança que aos poucos vai se libertando das<br />

ações coercitivas dos adultos, questiona muitas tradições e hábitos que nem sempre valorizam o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, a responsabilida<strong>de</strong> coletiva e o senso <strong>de</strong> justiça.<br />

Aliás, quando da conquista da autonomia a criança compreen<strong>de</strong> que muitas vezes nem todo ato<br />

mal é punido e nem todo ato bom é elogiado como digno <strong>de</strong> louvor, já que todo ato praticado acarreta um<br />

julgamento <strong>de</strong> alguém que po<strong>de</strong> simplesmente punir ou premiar segundo aquilo que tenha <strong>de</strong> valor, porém<br />

a justiça quando aplicada <strong>de</strong>ve ser em caráter igualitário, ou seja, por reciprocida<strong>de</strong>; a lei <strong>de</strong>ve tentar agir<br />

para todos <strong>de</strong> maneira igual, sem coações, nem privilégios, porque possui o caráter <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a si<br />

mesmo e os outros.<br />

Para as crianças acima <strong>de</strong> 7-8 anos, a justiça não po<strong>de</strong> possuir o caráter <strong>de</strong> vingança, mas sim <strong>de</strong>ve<br />

retribuir exatamente aquilo que se recebeu. Para tanto, uma sanção <strong>de</strong>ve ter relação com o conteúdo<br />

sancionado. Ex.: “Quando numa briga em uma escola, entre dois meninos, sendo um gran<strong>de</strong> e outro<br />

pequeno. É claro que o menino pequeno teria <strong>de</strong>svantagem. O menino pequeno não po<strong>de</strong>ria revidar os<br />

golpes e resolveu escon<strong>de</strong>r o lanche do menino gran<strong>de</strong> como forma <strong>de</strong> vingança”. Para as crianças<br />

pequenas, o menino pequeno agiu mal porque não se vinga o mal com o mal, <strong>de</strong>vendo-se recorrer a uma<br />

autorida<strong>de</strong> adulta. Para os maiores, não se po<strong>de</strong> estabelecer relação entre a briga e o castigo realizado<br />

através do pão. O correto seria tentar revidar com golpes, já que se <strong>de</strong>ve retribuir exatamente o fato<br />

ocorrido.<br />

Dessa maneira, observa-se que a conquista da autonomia do sujeito e <strong>de</strong> sua vida moral<br />

correspon<strong>de</strong>m a três períodos:<br />

1) Até 7-8 anos – tipo <strong>de</strong> pensamento caracterizado à submissão <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> adulta;<br />

2) Entre 8 e 11 anos aproximadamente – <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um igualitarismo que aos poucos vai se<br />

generalizando e progredindo à medida que vai se libertando da coação adulta e ocorrendo algum<br />

infortúnio à pessoa que praticou algum mal a justiça é imanente.<br />

3) Por volta dos 12 anos – pensamento igualitário e preocupações com a equida<strong>de</strong>, em que os<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 480


direitos <strong>de</strong> cada um são vistos <strong>de</strong> acordo com cada situação e a particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada indivíduo.<br />

A partir do momento em que o sujeito começa a discutir i<strong>de</strong>ias, estabelece-se um campo propício<br />

para a construção <strong>de</strong> novos pensamentos, novas realida<strong>de</strong>s e também o espírito <strong>de</strong> respeito mútuo,<br />

colaboração e cooperação entre crianças e entre crianças e adultos.<br />

Dessa maneira, a construção da autonomia está relacionada diretamente ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

intelectual da criança, visto que para compreen<strong>de</strong>r o que acontece ao seu redor é necessário que a criança<br />

tenha condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralizar seu pensamento, estabelecendo relações e conexões, construindo<br />

conhecimento e favorecendo a busca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

Para tanto, tal fato é fruto <strong>de</strong> um pensamento que atravessou longas fases <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento até<br />

atingir o status <strong>de</strong> hipotético-<strong>de</strong>dutivo, o que leva o sujeito a <strong>de</strong>scentralizar seus pontos vista, a<br />

compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong>, fazendo previsões e elaborando hipóteses.<br />

E, para conquistar o respeito mútuo, a autonomia se reveste da reciprocida<strong>de</strong>, já que não implica<br />

mais respeitar alguém ou pessoas através <strong>de</strong> uma sanção ou coação, mas através das coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong><br />

pontos <strong>de</strong> vista, sabendo colocar-se no papel do outro, argumentando os seus pontos <strong>de</strong> vista e também<br />

submetendo suas i<strong>de</strong>ias a consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> outros e ainda pensando como seria seu papel se tivesse como<br />

lema as i<strong>de</strong>ias contrárias às suas.<br />

Nessas novas experiências o sujeito é lançado ao novo, ao diferente, ao inusitado, ao contraditório<br />

e somente através <strong>de</strong>ssas oportunida<strong>de</strong>s é que o indivíduo po<strong>de</strong>rá construir a sua autonomia que consolida<br />

o seu <strong>de</strong>senvolver, já que implica o verda<strong>de</strong>iro reconhecimento do seu “eu” e também a autonomia social,<br />

questões que outros sujeitos também buscam o reconhecimento e o progresso. Nas palavras <strong>de</strong> Piaget<br />

(1994, p. 293): “Portanto, a consciência do eu individual é, ao mesmo tempo, um produto e uma condição<br />

<strong>de</strong> cooperação”.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista escolar, muito se fala que a escola <strong>de</strong>ve promover uma aprendizagem em que o<br />

aluno seja sujeito e construtor do conhecimento, conquistando <strong>de</strong>sse modo o apren<strong>de</strong>r e sua autonomia<br />

intelectual.<br />

A escola <strong>de</strong>ve estimular a cooperação entre indivíduos, abolindo <strong>de</strong>ssa maneira atitu<strong>de</strong>s em caráter<br />

individualista que reforçam a tese do professor-sacerdote, dono do saber absoluto e que faz certas<br />

revelações às crianças sobre as verda<strong>de</strong>s das coisas e do mundo.<br />

Porém, enten<strong>de</strong>-se que para o indivíduo conquistar a sua autonomia enquanto sujeito e aluno, as<br />

discussões necessitam retomar o caráter epistemológico, ou seja, é necessário a<strong>de</strong>ntrar e aprofundar<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 481


discussões conceituais e não tão somente discussões metodológicas.<br />

Para tanto, não basta <strong>de</strong>bater quais as melhores formas e métodos para os alunos apren<strong>de</strong>rem e<br />

compreen<strong>de</strong>rem o que se está ensinando ou ainda se efetivamente no seu dia-a-dia os alunos trocam suas<br />

concepções <strong>de</strong> senso comum por outras <strong>de</strong> caráter científico; necessita-se antes <strong>de</strong> tudo compreen<strong>de</strong>r<br />

como o indivíduo constrói conhecimento, daí o propósito em evi<strong>de</strong>nciar a importância do entendimento<br />

sobre a noção <strong>de</strong> inteligência em Piaget e a partir <strong>de</strong>ssa concepção propor e levar à radicalida<strong>de</strong> em como<br />

proporcionar aos alunos a conquista do pensamento autônomo.<br />

Para tanto, a Educação <strong>de</strong>ve retomar a discussão <strong>de</strong>sta problemática, pois um ensino que não<br />

reflete sobre estas questões incorre em riscos <strong>de</strong> privilegiar técnicas e métodos <strong>de</strong> ensino em <strong>de</strong>trimento<br />

<strong>de</strong> uma compreensão referencial sobre quem é verda<strong>de</strong>iramente o sujeito e como este conquista a sua<br />

autonomia como pessoa e como aluno.<br />

Para tanto, faz-se necessário conhecer quem é este sujeito que, através <strong>de</strong> sua inteligência,<br />

coor<strong>de</strong>na meios e fins <strong>de</strong> maneira intencional, no sentido <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> que o cerca.<br />

E ainda possibilitar o entendimento <strong>de</strong> como é o processo que o mesmo percorre, do pensamento<br />

primeiramente baseado na coerção adulta, ou seja, do realismo moral, caracterizado pelo pensamento<br />

heterônomo à conquista do pensamento marcado pela autonomia, utilizando como referencial teórico o<br />

estudo do pensamento psicogenético piagetiano.<br />

Compreen<strong>de</strong>r a conquista do pensamento autônomo significa revelar e construir i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, que<br />

se dão tanto na perspectiva do indivíduo quanto no coletivo, uma vez que pressupõe o contato com o<br />

diferente, colocando-se no papel do outro, revisando conceitos e procedimentos, proporcionando ao aluno<br />

que seja ativo no papel <strong>de</strong> construir conhecimento autônomo e responsável na construção da sua trajetória<br />

<strong>de</strong> vida.<br />

Assumindo estes posicionamentos, o resgate da autonomia do sujeito, como também da Educação<br />

implicará em se discutir algumas questões como: Que tipo <strong>de</strong> ensino somos? Como construímos a nossa<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>? Somos verda<strong>de</strong>iramente abertos a conhecimentos <strong>de</strong> outras áreas, implicando contribuições<br />

e até mudanças <strong>de</strong> posturas? Acreditamos verda<strong>de</strong>iramente numa socieda<strong>de</strong> e num tipo <strong>de</strong> ensino on<strong>de</strong><br />

estimulamos a construção da autonomia?<br />

Em suma, à medida que o indivíduo através do pensamento inteligente <strong>de</strong>scentraliza suas ações,<br />

compreen<strong>de</strong> melhor a relação entre sujeito e objeto, portanto interage melhor com o meio.<br />

Nesta perspectiva <strong>de</strong> construir relações mais elaboradas e complexas com o meio, o indivíduo vai<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 482


conquistando a sua autonomia, pois só compreen<strong>de</strong> melhor as coisas quem consegue se situar melhor e<br />

situar as coisas <strong>de</strong> uma maneira melhor.<br />

Justamente por não compreen<strong>de</strong>r melhor o mundo em que vive, o sujeito, <strong>de</strong> início, ten<strong>de</strong> a reagir<br />

moralmente em caráter passivo, em conformida<strong>de</strong> com or<strong>de</strong>ns ou instruções que recebeu <strong>de</strong> pessoas com<br />

maior grau <strong>de</strong> entendimento ou coerção, o que configura a chamada heteronomia, conceito já abordado<br />

neste capítulo.<br />

A autonomia do sujeito implica em estabelecer relações e reações morais não só <strong>de</strong> entendimento,<br />

mas <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> em saber se colocar no papel do outro, elaborar hipóteses, fazer conjeturas. E isso<br />

só é possível através da conquista <strong>de</strong> um pensamento autônomo, <strong>de</strong> caráter inteligente, que se organiza e<br />

cria novida<strong>de</strong>s.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 485


História <strong>de</strong> Vida e Virtu<strong>de</strong>s Morais: A Construção da Noção <strong>de</strong> Justiça Enquanto Conceito<br />

Fundamental para Convivência Democrática.<br />

Resumo<br />

NICOLAU, Alexandra Joana Zorzin<br />

OLIVEIRA, Áurea Maria <strong>de</strong><br />

UNESP-IB - Depto.Educação – CRC<br />

alexandra.jznicolau@sp.senac.br<br />

amols@uol.com.br<br />

O estudo está sendo <strong>de</strong>senvolvido com 10 lí<strong>de</strong>res comunitários, adultos, que estão inseridos no Projeto<br />

Re<strong>de</strong> Social, coor<strong>de</strong>nado pelo Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem Comercial, localizado no município <strong>de</strong><br />

Limeira-SP, os quais trazem diversas experiências e histórias <strong>de</strong> vida da comunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua atuação<br />

junto à mesma. No momento atual da pesquisa, ocorre a análise dos dados, para tanto, foi necessário a<br />

utilização História Oral, uma vez que, esse tipo <strong>de</strong> abordagem oferece possibilida<strong>de</strong>s na investigação dos<br />

fenômenos na perspectiva <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o indivíduo e sua própria realida<strong>de</strong>, valorizando suas<br />

experiências <strong>de</strong> vida e a transformação social. Este estudo está sendo orientado pela História Oral <strong>de</strong><br />

Vida, que vem permitindo aos lí<strong>de</strong>res comunitários, relatar experiências <strong>de</strong> luta e da vida em comunida<strong>de</strong>.<br />

Valorizando os trabalhos em comunida<strong>de</strong> e a transformação do local on<strong>de</strong> vivem. A análise dos dados<br />

vem ocorrendo no sentido <strong>de</strong> efetuar uma caracterização dos sujeitos; <strong>de</strong> buscar categorias que permitam<br />

i<strong>de</strong>ntificar na fala dos mesmos os princípios éticos e morais que regem a sua ação; verificando os<br />

princípios morais i<strong>de</strong>ntificados no discurso sobre a sua ação permanecem ao refletir sobre a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> “outros” que não os “seus”. Essas categorias serão analisadas a luz do referencial teórico <strong>de</strong> Piaget e<br />

Kohlberg sobre o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>. Todas essas informações estão sendo finalizadas<br />

para conclusão <strong>de</strong> uma dissertação <strong>de</strong> mestrado.<br />

Palavras-chave: Comunida<strong>de</strong>. Lí<strong>de</strong>r comunitário. Socieda<strong>de</strong>. Moralida<strong>de</strong>. Desenvolvimento.<br />

Abstract<br />

The study is being <strong>de</strong>veloped with 10 community lea<strong>de</strong>rs, adults, who are inserted in the Social Network<br />

Project coordinated by the National Service of Commercial Learning, located in Limeira-SP, which<br />

brings different experiences and stories of community life and its performance itself. At the present<br />

moment of the research, data analysis occurs, and therefore it was necessary to use oral history, as this<br />

kind of approach offers possibilities in the investigation of phenomena in or<strong>de</strong>r to un<strong>de</strong>rstand the human<br />

being and his own reality, valuing his life experience and social changes. This study is being gui<strong>de</strong>d by<br />

the Oral History of Life, which allows community lea<strong>de</strong>rs to report experiences of struggle and life in<br />

community. Valuing the work in the community and the changes from where they live. Data analysis has<br />

been occuring to effect a characterization of the subjects finding categories which allow to i<strong>de</strong>ntify on<br />

their speech the ethical and moral principles governing their action, noting the moral principles i<strong>de</strong>ntified<br />

in the speech about its action remain to reflect on the inequality of \"others\" than \"his.\" These categories<br />

will be analyzed un<strong>de</strong>r the theoretical framework of Piaget and Kohlberg on the process of building<br />

morality. All of this information is being finalized to complete a Masters dissertation.<br />

Keywords: Community. Community lea<strong>de</strong>r, Society. Morality. Development.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 486


Introdução<br />

Em contato com um projeto <strong>de</strong>ntro do Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem Comercial (Senac), no<br />

município <strong>de</strong> Limeira, chamado Formatos Brasil, que apresentava como o principal objetivo a formação<br />

<strong>de</strong> atores sociais para o <strong>de</strong>senvolvimento comunitário. E, on<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia central era que o participante<br />

construísse sua formação, interagindo em Re<strong>de</strong>s Sociais com seus pares, a<strong>de</strong>quando os conhecimentos<br />

adquiridos à sua organização e comunida<strong>de</strong>, percebe-se a teoria aliada a prática, em Re<strong>de</strong> Social, on<strong>de</strong> o<br />

conceito da Re<strong>de</strong> é o <strong>de</strong> fortalecer os atores sociais na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> suas causas, na implantação <strong>de</strong> projetos e<br />

na promoção <strong>de</strong> suas comunida<strong>de</strong>s, com o objetivo <strong>de</strong> construir novos compromissos alicerçados no<br />

interesse da coletivida<strong>de</strong>. Iniciaram-se então, os trabalhos com os lí<strong>de</strong>res comunitários e, constatou-se a<br />

presença do educador popular, enquanto elemento que confirma a mediação como ato <strong>de</strong> coragem e, isto<br />

porque ao trabalhar com questões sérias e <strong>de</strong>safiadoras, as quais são políticas, culturais e sociais, esse<br />

profissional <strong>de</strong>ve ser um sujeito ético, competente e compromissado com a realida<strong>de</strong> social. Realida<strong>de</strong><br />

esta que não é estática e, nesse contexto, o educador <strong>de</strong>ve conscientizar-se <strong>de</strong> que o ato educativo não é<br />

neutro, o que significa, segundo Freire (1996, p.85), “refletir o tempo todo sobre uma realida<strong>de</strong> mutável,<br />

que compreen<strong>de</strong> a história como possibilida<strong>de</strong> e não <strong>de</strong>terminação”.<br />

A postura do educador popular enquanto mediador vem confirmar a pedagogia da palavra, do<br />

diálogo, das relações humanas, culturais, políticas e da dinâmica <strong>de</strong> transformação que é muito presente.<br />

Assim, quando a fala é sobre educação popular e comunida<strong>de</strong>s, é necessário estar atento com os caminhos<br />

e <strong>de</strong>scaminhos que a própria dinâmica <strong>de</strong>sse trabalho possibilita e a própria condução do trabalho por<br />

parte do educador popular, a qual po<strong>de</strong> ser ativa, séria e ética ou apenas mais um trabalho que uma<br />

instituição educacional está oferecendo. Na relação “educador popular – comunida<strong>de</strong>”, o educando é o<br />

lí<strong>de</strong>r comunitário que traz consigo a pluralida<strong>de</strong> cultural, as ricas experiências vividas no cotidiano das<br />

comunida<strong>de</strong>s, assim como as histórias <strong>de</strong> lutas e transformações. Lutas que envolvem: a escolha <strong>de</strong><br />

representantes nas associações <strong>de</strong> bairro, nos conselhos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> segurança da cida<strong>de</strong>; a<br />

participação nos projetos culturais, <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> renda; a reivindicação <strong>de</strong> melhorias na praça pública, a<br />

escola que <strong>de</strong>veria ser construída em <strong>de</strong>terminada região, o asfalto que não foi feito ou a criação <strong>de</strong> uma<br />

biblioteca no bairro. A ação do lí<strong>de</strong>r comunitário contempla também, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> incentivo à<br />

pesquisa e a divulgação <strong>de</strong> serviços públicos, serviços estes que, muitas vezes, a população não tem<br />

acesso. E, o que chama a atenção é que esses lí<strong>de</strong>res comunitários, em sua maioria são pessoas comuns,<br />

não partidárias, <strong>de</strong> baixa renda e que diante <strong>de</strong> tantas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, tornam-se ativas e motivadas<br />

a agir pelo interesse <strong>de</strong> todos. O que intriga é que a falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> condições a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong><br />

vida, moradia, saú<strong>de</strong> e educação, não os fazem <strong>de</strong>sistir, pelo contrário os leva a luta diária por melhores<br />

condições. Em outras palavras, os lí<strong>de</strong>res comunitários são os atores sociais que possibilitam a<br />

organização do coletivo em prol do bem comum e, o que inquieta na ação <strong>de</strong>ssas pessoas é o fato <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 487


<strong>de</strong>senvolverem todo um trabalho visando o bem estar da comunida<strong>de</strong>, submetendo, muitas vezes, o seu<br />

interesse particular em prol do interesse do coletivo e, mais, sem receber nenhum tipo <strong>de</strong> remuneração.<br />

Essa inquietação <strong>de</strong>spertou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r não a ação em si, mas, o que move a ação<br />

<strong>de</strong>ssas pessoas.<br />

Objetivos<br />

Em uma socieda<strong>de</strong> na qual o que prevalece é o interesse particular, o lucro é o objetivo principal e<br />

o valor é para as coisas e não para as pessoas e, isto porque “o apelo para a vida individualista é visto<br />

como o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> bem estar em nossa socieda<strong>de</strong>” (MILITÃO,2003, p.6), o trabalho coletivo é algo que<br />

foge dos padrões comportamentais. Entretanto, <strong>de</strong>paramo-nos com um grupo que tem algo em comum: a<br />

participação efetiva nos problemas da comunida<strong>de</strong>, partindo do princípio, ao que parece, <strong>de</strong> que a<br />

participação <strong>de</strong> todos é condição essencial para a melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e, <strong>de</strong> acordo com o autor<br />

“a vida em comunida<strong>de</strong> (...) não suprime a pessoa em favor do grupo, mas respeita a contínua tensão entre<br />

o eu e o nós e, com isso, instaura, necessariamente o diálogo e o respeito como forma <strong>de</strong> convivência”.<br />

(op.cit.,p.65). Na presente pesquisa, o trabalho está sendo realizado com um grupo <strong>de</strong> adultos que<br />

trabalham em prol da coletivida<strong>de</strong>, os lí<strong>de</strong>res comunitários. E a questão que se coloca é: quais os<br />

princípios éticos subjacentes à ação do lí<strong>de</strong>r comunitário?<br />

As justificativas teóricas<br />

Na obra O juízo moral da criança, Piaget realizou um estudo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral, on<strong>de</strong><br />

apresenta a construção da regra social. Nesse sentido, Piaget discute a questão da socieda<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ve ser<br />

<strong>de</strong>mocrática, cooperativa, ou seja, on<strong>de</strong> as regras <strong>de</strong>vem ser construídas efetivamente pela cooperação e<br />

não pela coação, e pelo respeito às pessoas, o respeito é um princípio ético e nesse sentido Piaget (1994, p.<br />

284) avança dizendo:<br />

É por isso que, ao lado do respeito primitivo do inferior pelo superior, ou respeito<br />

“unilateral”, acreditamos po<strong>de</strong>r distinguir um respeito “mútuo”, para o qual ten<strong>de</strong> o<br />

indivíduo quando entra em relação com seus iguais, ou quando seus superiores ten<strong>de</strong>m a<br />

tornar-se seus iguais.<br />

De acordo com o autor a construção do respeito à pessoa conduz ao equilíbrio e ao acordo<br />

mútuo, cuja característica é a existência <strong>de</strong> regras livremente consentidas que per<strong>de</strong>m seu caráter <strong>de</strong><br />

obrigação externa. Em outras palavras, ocorre a construção do conceito <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>, o qual é<br />

racional e constituirá as verda<strong>de</strong>iras normas morais. Assim, a razão torna-se livre na medida em que<br />

permanece racional, e <strong>de</strong>ssa forma constrói-se a autonomia, a qual, por sua vez, é pautada na construção<br />

do conceito <strong>de</strong> cooperação e respeito mútuo. A cooperação é <strong>de</strong>finida, pelo autor, como um processo <strong>de</strong><br />

intercâmbio intelectual e moral, um processo <strong>de</strong> troca que ocorre no social, entre pares, e em que essa<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 488


troca conduz à tomada <strong>de</strong> consciência e, somente pela tomada <strong>de</strong> consciência (o que é diferente <strong>de</strong><br />

projetar luz sobre um saber já elaborado) é que será possível a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> justa e<br />

igualitária.<br />

A construção da noção <strong>de</strong> justiça enquanto conceito fundamental para uma convivência<br />

<strong>de</strong>mocrática: um elo fundamental para a construção das virtu<strong>de</strong>s.<br />

Para Piaget, a justiça é uma regra racional necessária para manter o equilíbrio entre as relações<br />

sociais. Piaget em seus estudos apresenta no campo da justiça, as duas morais; a moral da autorida<strong>de</strong><br />

(<strong>de</strong>ver e consciência) e a moral do respeito mútuo que é do bem e da autonomia e, que conduz no campo<br />

da justiça ao <strong>de</strong>senvolvimento da igualda<strong>de</strong>, justiça distributiva e reciprocida<strong>de</strong>. Para o pesquisador as<br />

relações vividas pelos indivíduos são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para sua formação moral e, especificamente,<br />

são as relações <strong>de</strong> cooperação que influenciam o <strong>de</strong>senvolvimento da noção <strong>de</strong> justiça. O sentimento <strong>de</strong><br />

justiça, para o autor, é em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>senvolvido por meio do respeito mútuo e da solidarieda<strong>de</strong> entre<br />

as crianças. A influência e o exemplo dos adultos no <strong>de</strong>senvolvimento do sentimento <strong>de</strong> justiça não são<br />

negados por Piaget, mas o autor afirma que o <strong>de</strong>senvolvimento do mesmo ocorre in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte disso. A<br />

criança pequena acredita que quando <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce, automaticamente é punida por alguém superior ou por<br />

outras coisas, como Deus, anjos, <strong>de</strong>mônios, etc., como “castigo” pelo seu ato. Essa “justiça imanente”,<br />

como chama Piaget, vai aos poucos sendo vista como insuficiente, na medida em que as crianças vão se<br />

tornando mais velhas e se <strong>de</strong>senvolvendo intelectualmente, o que as possibilita compreen<strong>de</strong>r que as<br />

consequências dos atos não estão condicionados a fatores “divinos”. O autor cita outro dois tipos <strong>de</strong><br />

justiça: a justiça retributiva e distributiva.<br />

A justiça retributiva diz respeito à retribuição, sendo <strong>de</strong>finida pela proporção entre o ato em si e a<br />

sanção, on<strong>de</strong> a infração ou o ato <strong>de</strong> violação às regras conduz a ruptura do elo social, acarretando uma<br />

sanção. Essa sanção po<strong>de</strong> ser expiatória ou por reciprocida<strong>de</strong>. A sanção expiatória caracteriza-se pelo seu<br />

caráter arbitrário, não havendo nenhuma relação entre o conteúdo da sanção e o ato a ser sancionado, ou<br />

seja, são os castigos, as punições que tem por objetivo fazer com que o sujeito não volte a repetir aquele<br />

ato (po<strong>de</strong>mos citar como exemplos <strong>de</strong> sanção expiatória retirar ou proibir justamente aquilo que a criança<br />

mais sente prazer <strong>de</strong>vido ao ato por ela praticado – como ficar sem parque, não participar <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong><br />

preferida, etc – ou privá-la <strong>de</strong> algo que não apresenta ligação direta com o ato cometido como não ter<br />

festa <strong>de</strong> aniversário porque tirou nota baixa, conversar com a diretora porque <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ceu a professora e<br />

assim por diante). A sanção por reciprocida<strong>de</strong>, por sua vez, caracteriza-se por possuir o mínimo <strong>de</strong><br />

coerção, havendo uma relação natural ou lógica entre aquilo que a criança fez e a atitu<strong>de</strong> que o adulto<br />

toma, pois esse tipo <strong>de</strong> sanção está diretamente relacionado com o ato que se <strong>de</strong>seja sancionar, como<br />

pedir para a criança que riscou uma pare<strong>de</strong> limpar o que fez, fazer com que a criança que rasgou um livro<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 489


aju<strong>de</strong> a consertá-lo ou mesmo que o conserte sozinho (<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da faixa etária). Esse tipo <strong>de</strong> sanção se<br />

mostra mais a<strong>de</strong>quado e mais positivo na construção da autonomia, pois esta vai ao encontro da<br />

cooperação e da igualda<strong>de</strong>, ao contrário da sanção expiatória que reforça a heteronomia. A justiça<br />

distributiva, ao contrário da justiça retributiva, implica a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> distribuição. Aqui,<br />

po<strong>de</strong>mos afirmar que a justiça distributiva é uma evolução da justiça retributiva, uma vez que, na justiça<br />

distributiva prevalece à igualda<strong>de</strong>. Segundo Piaget, a justiça distributiva constitui a forma mais profunda<br />

da própria justiça. E, nesse caso, a justiça distributiva “po<strong>de</strong> ser reduzida às noções <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e<br />

reciprocida<strong>de</strong>”. (PIAGET, 1994, p. 238)<br />

A justiça distributiva evolui para construção do conceito <strong>de</strong> direito (igualda<strong>de</strong>) que evolui para o<br />

conceito <strong>de</strong> equida<strong>de</strong>, que por sua vez, é a generosida<strong>de</strong>. A igualda<strong>de</strong> concebida enquanto direito, on<strong>de</strong> o<br />

outro é o indivíduo portador dos mesmos direitos, mas não consi<strong>de</strong>ra a situação particular <strong>de</strong> cada um,<br />

não diferencia o individual. Já a equida<strong>de</strong> é a evolução do conceito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> (sujeito portador <strong>de</strong><br />

direitos), construindo-se, aqui a percepção <strong>de</strong> direito <strong>de</strong>ve analisar a situação particular <strong>de</strong> cada um, nesse<br />

sentido é a construção do coletivo a partir das diferenças individuais, o que conduz a construção da<br />

generosida<strong>de</strong>. Piaget dividiu a construção da noção <strong>de</strong> justiça em três períodos, que vão se <strong>de</strong>senvolvendo<br />

ao longo da infância: a) justiça enquanto obediência, que ocorre em crianças até seis a oito anos<br />

aproximadamente, on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ver está ligado à justiça e a <strong>de</strong>sobediência ou o não cumprimento das regras,<br />

à injustiça; b) a justiça enquanto igualda<strong>de</strong>, cuja consciência se constrói por volta dos sete aos oito anos,<br />

mas que po<strong>de</strong> se mostrar mais tardia quanto à sua prática pelas crianças. Nessa fase o igualitarismo se<br />

torna um critério <strong>de</strong> justiça, exigindo-se um tratamento igual a todos, sem consi<strong>de</strong>rar as circunstâncias<br />

pessoais dos indivíduos; c) a justiça enquanto equida<strong>de</strong> ocorre por volta dos onze, doze anos, on<strong>de</strong> o<br />

igualitarismo é superado pela igualda<strong>de</strong> sensível a situações particulares, passando a ser consi<strong>de</strong>rado a<br />

partir <strong>de</strong> agora as circunstâncias pessoais também. Na realida<strong>de</strong> o que é possível perceber é que a justiça<br />

distributiva nos leva há relações <strong>de</strong>mocráticas, <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e equida<strong>de</strong>. Dessa forma, quando os<br />

indivíduos olham para outros como iguais é possível, a verda<strong>de</strong>ira transformação e, somente na relação<br />

com o outro isso é possível. Assim, a autonomia se constrói na discussão e na crítica. Existem assim dois<br />

tipos psicológicos <strong>de</strong> equilíbrio social: um baseado na coação da ida<strong>de</strong> e que exclui igualda<strong>de</strong>,<br />

solidarieda<strong>de</strong> “orgânica” e inclui o egocentrismo individual e outro tipo on<strong>de</strong> a base está na cooperação e,<br />

consequentemente na igualda<strong>de</strong> e na solidarieda<strong>de</strong>. É fato, que os dois tipos apresentados são encontrados<br />

no adulto e na criança.<br />

Teoria <strong>de</strong> Kolberg<br />

Os trabalhos <strong>de</strong> Kolberg po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como uma continuida<strong>de</strong> dos estudos realizados<br />

por Piaget, sobre <strong>de</strong>senvolvimento moral. O ponto central da teoria é a transformação social, enfatizando<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 490


a questão da <strong>de</strong>mocracia. Aprofundando os estudos sobre dilemas morais, visitou em Israel, o Kibutz<br />

Sassa, uma escola <strong>de</strong> segundo grau para crianças pobres e po<strong>de</strong> testemunhar o forte senso <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong><br />

e socialização dos jovens, <strong>de</strong>ssa forma, <strong>de</strong>senvolveu um método <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong>mocráticas, observando<br />

que a ligação social, o cuidado com os outros são fundamentais para a educação moral. Segundo Kolberg,<br />

na teoria da comunida<strong>de</strong> justa todos os membros <strong>de</strong>vem ter o sentido <strong>de</strong> pertencimento. Nesse sentido<br />

apresenta a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia e <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> para todos os membros e que, na comunida<strong>de</strong> justa o que<br />

todos têm em comum é a construção da comunida<strong>de</strong>. Para esclarecer o que se enten<strong>de</strong> por comunida<strong>de</strong> é<br />

importante o contraste com outro tipo <strong>de</strong> arranjo social, chamado associação pragmática. Assim, segundo<br />

Biaggio (2006, p.51):<br />

Na associação pragmática, os indivíduos buscam seus objetivos privados, consi<strong>de</strong>rando o<br />

bem-estar do grupo apenas à medida que o grupo lhe possibilita atingir aqueles objetivos.<br />

Po<strong>de</strong>mos contrastar essa organização atomista e instrumental com a comunida<strong>de</strong>. Numa<br />

comunida<strong>de</strong>,os indivíduos inter-relacionam-se altruisticamente.<br />

Dessa maneira, o valor comunitário está ligado ao valor que a comunida<strong>de</strong> dá ao seu grupo,<br />

valorizando a solidarieda<strong>de</strong>, o comprometimento das pessoas com a vida <strong>de</strong> todos, ou seja, objetivos<br />

comuns, além da consciência <strong>de</strong> grupo, uma vez que, os grupos só começam quando existem objetivos<br />

comuns. Nas reuniões da comunida<strong>de</strong> justa, existem os fóruns para tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>mocráticas é o<br />

maior ritual para construção da comunida<strong>de</strong>, as normas, valores e i<strong>de</strong>ais servem para fortalecer o senso <strong>de</strong><br />

comunida<strong>de</strong>.<br />

As virtu<strong>de</strong>s<br />

O tema virtu<strong>de</strong>s é universal e humano e, percebe-se a importância do tema para o homem. As<br />

virtu<strong>de</strong>s possibilitam uma leitura <strong>de</strong> valor ao homem, seja <strong>de</strong>le próprio ou dos outros, assim as virtu<strong>de</strong>s<br />

apontam para qualida<strong>de</strong>s nos homens que são apreciadas por todos. No caso do trabalho em questão o<br />

estudo será realizado sobre as virtu<strong>de</strong>s morais (justiça, generosida<strong>de</strong>, solidarieda<strong>de</strong>, fraternida<strong>de</strong>,<br />

amiza<strong>de</strong>). Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a era platônica, já existia uma preocupação com a educação do caráter da pessoa<br />

e a excelência das práticas ocupa um lugar central na ética e dizem respeito ao que uma pessoa boa <strong>de</strong>ve<br />

ser e fazer em situações reais <strong>de</strong> vida. Dentre essas questões existem duas principais “como <strong>de</strong>vo agir?” e<br />

a questão do caráter “Que espécie <strong>de</strong> pessoa <strong>de</strong>vo ser?” Para Aristóteles (1996), o ensino da coragem,<br />

bem como <strong>de</strong> outras virtu<strong>de</strong>s morais, exige a prática continuada <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> coragem, <strong>de</strong> tal forma que essa<br />

virtu<strong>de</strong> seja incorporada nos nossos hábitos. Dessa forma, o fim <strong>de</strong> todos os nossos atos <strong>de</strong>ve ser a<br />

procura do bem, a felicida<strong>de</strong> que i<strong>de</strong>ntifica-se com o próprio bem e todas as suas instituições não são<br />

senão meios para tal fim. Segundo Alasdir MacIntyre (2001), a noção que existe uma relação, quase que<br />

simbólica, entre as tradições culturais e éticas da comunida<strong>de</strong> e o indivíduo, <strong>de</strong>monstra que as virtu<strong>de</strong>s só<br />

po<strong>de</strong>m prosperar em comunida<strong>de</strong>s que favoreçam a promoção das virtu<strong>de</strong>s, uma vez que, existem muitas<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 491


comunida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> não existe incentivo.<br />

Mas, afinal o que é a virtu<strong>de</strong>? Aristóteles <strong>de</strong>finiu o conceito <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> como disposição para fazer<br />

o bem. Assim, a virtu<strong>de</strong> (em grego, aretê) é a própria condição humana voluntária que visa a excelência,<br />

a superação, a perfeição. Na teoria aristotélica a pessoa virtuosa é aquela que sabe o que faz, que escolhe<br />

fazer o que correto e, é capaz <strong>de</strong> repetidamente executar a retidão com vonta<strong>de</strong> inabalável. O hábito é<br />

uma segunda natureza. Envolvendo sentimento e ação. E sobre as virtu<strong>de</strong>s é importante apresentar o que<br />

vem a ser justiça, solidarieda<strong>de</strong>, generosida<strong>de</strong>, segundo Comte Sponville (1995, p. 94-95), o qual será<br />

utilizado como um dos referenciais no trabalho acima <strong>de</strong>scrito. De acordo com o autor<br />

(SPONVILLE,1995, p. 94-95), ao tentar respon<strong>de</strong>r a questão: O que é ser justo?, explicita que a pessoa<br />

justa é aquela<br />

[...] que põe sua força a serviço do direito, e dos direitos, e que <strong>de</strong>cretando nele a<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo homem com todo outro, apesar da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato ou <strong>de</strong> talentos,<br />

que são inúmeros, instaura uma or<strong>de</strong>m que não existe, mas sem a qual nenhuma or<strong>de</strong>m<br />

jamais po<strong>de</strong>ria nos satisfazer.<br />

Ao <strong>de</strong>finir o conceito <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong>, o autor (SPONVILLE,1995, p. 98) o explicita como a<br />

virtu<strong>de</strong> do dom e continua sua argumentação afirmando que a generosida<strong>de</strong><br />

[...] parece <strong>de</strong>ver mais ao coração ou ao temperamento: a justiça, ao espírito ou à razão.<br />

Os direitos humanos, por exemplo, po<strong>de</strong>m constituir objeto <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>claração. A<br />

generosida<strong>de</strong> não: trata-se <strong>de</strong> agir, e não em função <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado texto , <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminada lei , mas além <strong>de</strong> qualquer lei, em todo caso humana, e unicamente com as<br />

exigências do amor, da moral ou da solidarieda<strong>de</strong> [...].<br />

No que se refere a esse conceito, o autor o <strong>de</strong>fine como um estado <strong>de</strong> fato antes <strong>de</strong> ser um <strong>de</strong>ver<br />

“[...] consiste em levar em conta os interesses do outro porque você compartilha esses interesses. Você<br />

faz um benefício a ele, e isso lhe traz, ao mesmo tempo, um benefício”. (SPONVILLE , 2005, p. 98 e<br />

121).<br />

Revisitar as virtu<strong>de</strong>s em uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> apenas o ter é valorizado se apresenta como<br />

condição necessária e essencial nos dias atuais, nesse sentido, investigar a comunida<strong>de</strong> buscando<br />

concepções <strong>de</strong> justiça, solidarieda<strong>de</strong>, fraternida<strong>de</strong>, generosida<strong>de</strong> e amiza<strong>de</strong> que possam estar presentes nas<br />

ações dos lí<strong>de</strong>res comunitários representa um passo importante para novas reflexões a respeito da vida em<br />

comunida<strong>de</strong> e porque não dizer em socieda<strong>de</strong>.<br />

Caminho metodológico<br />

O estudo está sendo <strong>de</strong>senvolvido com 10 lí<strong>de</strong>res comunitários, adultos, que estão inseridos no<br />

Projeto Re<strong>de</strong> Social Limeira, coor<strong>de</strong>nado pelo Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem Comercial, localizado<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 492


no município <strong>de</strong> Limeira-SP; os quais trazem diversas experiências e histórias <strong>de</strong> vida da comunida<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong> sua atuação junto à mesma. Nesse sentido, optou-se pela História Oral, uma vez que, esse tipo <strong>de</strong><br />

abordagem oferece possibilida<strong>de</strong>s na investigação dos fenômenos na perspectiva <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o<br />

indivíduo e sua própria realida<strong>de</strong>, valorizando suas experiências <strong>de</strong> vida e a transformação social. Este<br />

estudo está sendo orientado pela História Oral <strong>de</strong> Vida , que vem permitindo aos lí<strong>de</strong>res comunitários,<br />

relatar experiências <strong>de</strong> luta e da vida em comunida<strong>de</strong>. Valorizando os trabalhos em comunida<strong>de</strong> e a<br />

transformação do local on<strong>de</strong> vivem. A seleção dos lí<strong>de</strong>res foi feita a partir da escolha <strong>de</strong> um colaborador<br />

da Re<strong>de</strong> Social Limeira e, nesse sentido, os outros lí<strong>de</strong>res foram sendo indicados pelos que já tem<br />

conhecimento da comunida<strong>de</strong>. A base da Historia Oral é o <strong>de</strong>poimento gravado, assim, estão sendo<br />

marcadas entrevistas, com data, local e horário. A elaboração das perguntas apresentadas possui um fio<br />

condutor, permitindo aos entrevistados contar suas histórias <strong>de</strong> vida e luta na comunida<strong>de</strong>. As entrevistas<br />

foram transcritas <strong>de</strong> maneira fiel e, após as transcrições, foram novamente apresentadas aos entrevistados;<br />

para conferência, sendo consi<strong>de</strong>rado o eixo norteador a questão que se coloca : quais os princípios éticos<br />

subjacentes à ação do lí<strong>de</strong>r comunitário? Em respeito aos entrevistados, seus nomes serão preservados.<br />

A análise e resultados que estão sendo encontrados<br />

A análise dos dados vem ocorrendo no sentido <strong>de</strong> efetuar uma caracterização dos sujeitos; <strong>de</strong><br />

buscar categorias que permitam i<strong>de</strong>ntificar na fala dos mesmos os princípios éticos e morais que regem a<br />

sua ação; verificando os princípios morais i<strong>de</strong>ntificados no discurso sobre a sua ação permanecem ao<br />

refletir sobre a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> “outros” que não os “seus”. Essas categorias serão analisadas à luz do<br />

referencial teórico <strong>de</strong> Piaget e Kohlberg sobre o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>.<br />

Textualização <strong>de</strong> um <strong>de</strong>poimento<br />

A colaboradora ASF43 informou que nasceu em Limeira, casou-se muito cedo, separou-se do<br />

primeiro marido e após alguns anos conheceu uma outra pessoa e, casou-se novamente, nesse casamento<br />

morava <strong>de</strong> favor na casa <strong>de</strong> um cunhado, contou que o seu sonho era ter sua casa própria. Em 1992<br />

trabalhava como enfermeira e uma das colegas <strong>de</strong> trabalho comenta com ela sobre um loteamento, na<br />

verda<strong>de</strong>, um assentamento on<strong>de</strong> estava esperando um lote e a convidou para conhecer, ela que nunca<br />

havia participado <strong>de</strong> uma ocupação ficou interessada, quinze dias <strong>de</strong>pois ela foi chamada e ganhou um<br />

lote naquele local. Segundo a fala <strong>de</strong> ASF43 sofreu muito, não existia nenhum tipo <strong>de</strong> infra-estrutura<br />

naquele espaço (água, luz, asfalto), era um assentamento com vários acampamentos, barracos feitos <strong>de</strong><br />

lona e ma<strong>de</strong>irite, também não existiam ruas. E, todas as pessoas que estavam ali, tinham o sonho da casa<br />

própria, eram pessoas que não podiam mais pagar aluguel, que não tinham nenhum tipo <strong>de</strong> moradia.<br />

Relatou que nessa época no bairro houve uma gran<strong>de</strong> crise, on<strong>de</strong> todas as pessoas se uniram em prol <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 493


uma criança, que havia falecido, queimada em um barraco que pegou fogo, todos no bairro usavam a vela<br />

como luz e a mãe <strong>de</strong>ssa criança saiu para buscar água e a vela caiu e em prazo <strong>de</strong> minutos queimou todo o<br />

barraco; ninguém teve tempo <strong>de</strong> socorrê-la. Após esse fato, ASF43 e mais alguns moradores se<br />

organizaram em passeata e foram ao encontro do po<strong>de</strong>r público, segundo ela levava em suas mãos uma<br />

caixa <strong>de</strong> papelão simbolizando um caixão e a morte daquela criança que havia sido queimada, o prefeito<br />

da época ficou impressionado e perguntou o que era aquilo e ASF43 respon<strong>de</strong>u sobre a criança morta,<br />

com aquela atitu<strong>de</strong> e a partir <strong>de</strong>ssa fatalida<strong>de</strong> o prefeito autorizou a energia elétrica e a água no bairro. O<br />

fato <strong>de</strong> ter enfrentado o po<strong>de</strong>r púbico <strong>de</strong>monstra que ASF43 o fez em um ato <strong>de</strong> coragem (coragem aqui<br />

se enten<strong>de</strong> como principio moral, coragem para fazer o bem, já que se colocou a serviço do outro, sem<br />

pensar nas possíveis consequências ao enfrentar o po<strong>de</strong>r público). Em continuida<strong>de</strong> a sua fala relatou que<br />

tudo era muito difícil, muita pobreza, que apesar <strong>de</strong> ter tido uma vida muito difícil, nunca tinha visto tanta<br />

pobreza.<br />

O meu trabalho iniciou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do bairro, meu trabalho já tem 12 anos, e eu<br />

comecei a me envolver com aquelas pessoas, não conhecia tanta pobreza, claro que eu<br />

tive uma vida difícil, uma vida que eu tinha que trabalhar, mas não sabia que existiam<br />

pessoas mais pobres do que eu, e quando eu comecei a ver aquilo, tudo que eu tinha eu<br />

doava. Toda minha comida ia embora, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma semana, quinze dias, fui muito<br />

criticada pelas pessoas por fazer isso, mas Deus não <strong>de</strong>ixava faltar. E eu conheci uma<br />

mulher que está até hoje <strong>de</strong>ntro do bairro, que é a doutora Helena e, ela entrou <strong>de</strong>ntro do<br />

bairro servindo sopa em uma perua Kombi e, ela precisa <strong>de</strong> voluntários nas ruas, para<br />

levar sopa, então, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse dia eu nunca mais parei <strong>de</strong> trabalhar. (ASF43)<br />

Diante <strong>de</strong>ssa fala é possível inferir que ASF43, não tinha necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> sua casa, já que<br />

estava na mesma situação para ajudar os outros moradores,mas, ela se colocou no lugar do “outro”<br />

quando disse que havia sido pobre, mas, não tão pobre. Nesse sentido infere-se que o colocar-se no lugar<br />

do outro é um ato generoso <strong>de</strong>ssa pessoa e (é um principio moral, porque foi além do interesse próprio,<br />

ASF43,) que também estava na mesma situação, mas saiu <strong>de</strong> sua casa para servir o outro. Mesmo com<br />

tantas dificulda<strong>de</strong>s não <strong>de</strong>sistiu, a <strong>de</strong>poente <strong>de</strong>clarou que foi muito criticada <strong>de</strong>ntro da própria<br />

comunida<strong>de</strong> porque começou a trabalhar com a doação <strong>de</strong> sopa e pão, muitas pessoas acreditavam que<br />

ASF43 estava ali trabalhando com interesses políticos, mas, na verda<strong>de</strong> não era isso e até hoje ela<br />

continua o trabalho, em mais um ato <strong>de</strong> coragem, enfrentou as criticas, a oposição e continuou o trabalho,<br />

nada a fez <strong>de</strong>sistir. Lembrou <strong>de</strong> um fato marcante e percebe-se que novamente ASF43 sai <strong>de</strong> sua<br />

perspectiva quando diz:<br />

Teve um fato marcante <strong>de</strong>sse trabalho, tinha uma senhora, ela chama Dona Josefa, ela é<br />

viva ainda, bem velhinha, é uma guerreira e ela chegou na perua com três vasilhas <strong>de</strong><br />

sopa, eram três vasilhas <strong>de</strong> pote <strong>de</strong> sorvetes e nós entregávamos uma vasilha <strong>de</strong> sopa. E<br />

ela pediu para encher as três aquele dia e aí, a Helena disse: “Não dá para encher, porque<br />

vai faltar para as outras pessoas”, porque nós fazíamos apenas um tambor <strong>de</strong> sopa. Dona<br />

Josefa falou: “Então está bom!”, mas a sopa que ela pegava para comer a semana<br />

inteirinha, ela não tinha comida, guardava aquela sopa, não tinha nem gela<strong>de</strong>ira, ela ia<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 494


fervendo a sopa e nós perguntávamos a ela: “Como a senhora guarda a sopa?” Porque<br />

nós não fazíamos muito mesmo para não estragar. Dona Josefa respondia: “Eu vou<br />

fervendo”, ela fervia e <strong>de</strong>ixava na panelinha no chão para a sopa não estragar para ela<br />

po<strong>de</strong>r comer todos os dias da semana, para sobreviver à fome que doía. (ASF43)<br />

Percebe-se que a colaboradora relata esse fato, sentindo a dor <strong>de</strong> fome daquela senhora e isso,<br />

ficou em sua lembrança. É possível inferir pela verbalização <strong>de</strong> ASF43 que participou da do sentimento<br />

do outro e, esse sentimento também é chamado <strong>de</strong> compaixão, que representa um princípio moral. A<br />

<strong>de</strong>poente po<strong>de</strong>ria ter visto aquela cena <strong>de</strong> fome e apagado <strong>de</strong> sua memória, mas, não o fez, po<strong>de</strong>ria ter<br />

<strong>de</strong>sistido do trabalho se recolhido, mas, não o fez. Não era <strong>de</strong> sua responsabilida<strong>de</strong> a fome daquela<br />

senhora, mas ao se colocar na perspectiva dou outro po<strong>de</strong> sentir sua dor. Quando fala da comunida<strong>de</strong>, do<br />

bairro hoje, a <strong>de</strong>poente fala sobre as várias conquistas, cursos profissionalizantes, parceiros e benefícios<br />

conquistados para aquela comunida<strong>de</strong>, principalmente quando <strong>de</strong>monstra sua principal preocupação, com<br />

jovens e adolescentes<br />

Nossos jovens e adolescentes eu tinha uma preocupação muito gran<strong>de</strong> com eles e tenho<br />

ainda, porque, na verda<strong>de</strong> nosso bairro ele é conhecido por tráfico e prostituição, então,<br />

hoje nós conseguimos administrar e trazer as crianças para re<strong>de</strong> social e trabalhar com<br />

elas, tirando, muitos adolescentes das ruas, não são todos, mas os que permanecem<br />

conosco, já são uma conquista. Hoje tem a Frente Jovem, né, nós trabalhamos também<br />

com várias parcerias, trabalhamos em re<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do bairro, a associação <strong>de</strong> moradores,<br />

que é um grupo que trabalha bastante. (ASF43)<br />

Nota-se nessa fala a preocupação em tirar os jovens das ruas, do tráfico, da marginalida<strong>de</strong>, na<br />

realida<strong>de</strong> essa preocupação <strong>de</strong>veria ser do po<strong>de</strong>r público, mas ASF43 pelas verbalizações apresentadas<br />

parece não esperar pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>les, mesmo sabendo que os jovens daquela comunida<strong>de</strong> não são <strong>de</strong> sua<br />

responsabilida<strong>de</strong>, busca parceiros, programas e cursos em beneficio <strong>de</strong> todos e com consciência <strong>de</strong> que<br />

cada um que ela pu<strong>de</strong>r tirar das ruas será uma vitória. Nesse movimento enfrenta os traficantes e <strong>de</strong>mais<br />

criminosos, pois, cada adolescente que retira das ruas, é um adolescente a menos a serviço do crime, da<br />

exploração infantil , do tráfico, da prostituição, mas, isso também pela fala <strong>de</strong> ASF43 não é impedimento<br />

para seu trabalho. Também fala sobre as crianças da comunida<strong>de</strong><br />

[...] nós conseguimos <strong>de</strong>ntro do nosso bairro uma Pré- Escola, para tirar as criancinhas da<br />

rua, porque nós realizamos e conquistamos esse trabalho, por ver muitas mães<br />

necessitando trabalhar e não tinham como trabalhar, aí nós conseguimos recursos <strong>de</strong><br />

empresários para comprar uma casa e colocar essas crianças, hoje é uma escola, muito<br />

bem formada, as crianças no início estudavam meio período, hoje elas estudam período<br />

integral, hoje nos contamos com 80 crianças <strong>de</strong>ntro do PEPE e é uma escola maravilhosa,<br />

as mães que não po<strong>de</strong>m olhar as crianças, porque trabalham, as crianças estudam cedo e<br />

no período da tar<strong>de</strong> e também fizemos uma parceria com a escola municipal, para po<strong>de</strong>r<br />

trabalhar junto com o PEPE, para ficar auxiliando aquelas crianças que estudam só meio<br />

período e, ficam na escola nós ajudamos , para que elas não fiquem nas ruas. (ASF43)<br />

É possível inferir que estamos diante <strong>de</strong> quatro princípios morais, justiça, coragem, generosida<strong>de</strong> e<br />

compaixão. Justiça, porque antes <strong>de</strong> ser virtuoso e generoso é preciso ser justo, coragem para enfrentar o<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 495


tráfico violento, coragem para buscar os adolescentes para os cursos, coragem para mudar a comunida<strong>de</strong><br />

em que vive e compaixão pelas crianças e adolescentes que se drogam e se prostituem. Ao falar <strong>de</strong> seu<br />

trabalho, acredita ser divino “ Eu acredito que seja um Dom <strong>de</strong> Deus, um dom, <strong>de</strong> amor, eu sou uma<br />

pessoa que amo muito. Tenho um amor muito gran<strong>de</strong>, uma facilida<strong>de</strong> para amar” É possível inferir pela<br />

palavras <strong>de</strong> ASF43 que acredita em um ser supremo, mas, também em seu <strong>de</strong>poimento o que aparece é a<br />

religiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma generalizada, mas não cita religião, talvez até pelo trabalho que realiza. O que é<br />

possível inferir é sobre o amor que coloca <strong>de</strong> forma gratuita para as pessoas, segundo ela tem facilida<strong>de</strong><br />

para amar, é um principio moral, amar ao próximo significa amar sem coerção, <strong>de</strong> forma espontânea.<br />

Quando relatou sobre as pessoas que são beneficiadas, citou o número <strong>de</strong> 7000 pessoas para a<br />

comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> mora, mas, também existem outras localida<strong>de</strong>s na cida<strong>de</strong> que quando solicitada, ASF43<br />

procura ajudar <strong>de</strong> várias formas, parece não medir esforços e a coragem é uma constante em sua vida, e<br />

repetiu várias que “gosta muito <strong>de</strong> fazer esse trabalho, gosta <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> tudo”. A <strong>de</strong>poente ainda falou <strong>de</strong><br />

muitos sonhos para sua comunida<strong>de</strong> em 2008, sobre ampliação <strong>de</strong> projetos para adolescentes e a criação<br />

<strong>de</strong> uma biblioteca comunitária para o bairro, sua preocupação com a comunida<strong>de</strong>, com o coletivo<br />

permanecem em todo seu discurso.<br />

Sonhos para comunida<strong>de</strong> temos muitos, que a discriminação do nosso bairro acabe, que<br />

um dia nossos filhos, que todos aqueles jovens e adolescentes, aquelas pessoas mais<br />

velhas, que procuram emprego, não sejam <strong>de</strong>scriminados, o nosso maior sonho é po<strong>de</strong>r<br />

um dia chegar no posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e ser tratado por igual. Não ter discriminação, trazer<br />

vários projetos para o bairro e mostrar que todos nós temos capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar.<br />

Espaço nós temos, o bairro inclui 7500 famílias, 4.000 crianças, 1.500 jovens e<br />

adolescentes, então, é um público alto, não é fácil <strong>de</strong> ser trabalhado, mas dá para<br />

trabalhar, o nosso maior sonho é esse, é quebrar a discriminação do bairro. (ASF43)<br />

ASF43 realizou uma fala sobre Justiça, direito a igualda<strong>de</strong>, respeito mútuo, dignida<strong>de</strong> que na<br />

realida<strong>de</strong> permeou todas as suas falas, mas, ao longo do texto foram aparecendo outros princípios morais<br />

como amor <strong>de</strong> forma gratuita, compaixão, generosida<strong>de</strong>, coragem, é o po<strong>de</strong>mos inferir com as<br />

verbalizações <strong>de</strong>ssa li<strong>de</strong>rança.<br />

Reflexão<br />

Este estudo está permitindo conhecer atores sociais que acreditam que a vida, a comunida<strong>de</strong> e o<br />

mundo po<strong>de</strong>m ser diferentes e que o melhor lugar do mundo para se viver po<strong>de</strong> ser o lugar on<strong>de</strong> você<br />

está, agindo <strong>de</strong> maneira ética e virtuosa.<br />

Referências<br />

ARISTÓTELES. Ética <strong>de</strong> Nicómaco. São Paulo: Summus, 1996.<br />

BIAGGIO, Ângela. Lawrence Kolberg: ética e educação moral. São Paulo: Mo<strong>de</strong>rna, 2006.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 496


GLOBO, Dicionário brasileiro. São Paulo: Globo, 1993.<br />

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 5. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1982.<br />

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 12. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1996.<br />

______e NOGUEIRA. Que fazer? Teoria e prática na Educação Popular. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005.<br />

MACNTYRE, Alasdir. Depois da virtu<strong>de</strong>: um estudo em teoria moral. Bauru: EDUSC, 2001.<br />

MEIHY, J.C.S.B. Manual <strong>de</strong> História Oral. 5 ed., .São Paulo:Loyola, 2005.<br />

PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.<br />

SILVA, Jair Militão. Educação comunitária: estudos e propostas. São Paulo: Senac, 1996.<br />

SPONVILLE, Comte A. Pequeno tratado das gran<strong>de</strong>s virtu<strong>de</strong>s. São Paulo: Martins Fontes, 1995.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 497


Uma Análise Piagetiana dos Relacionamentos Amorosos na Adolescência<br />

Resumo<br />

PEDRO-SILVA, Nelson<br />

TONON, Fábio<br />

UNESP – Campus <strong>de</strong> Assis<br />

nelsonp1@terra.com.br<br />

Apresentamos análise <strong>de</strong> pesquisa cujo propósito foi o <strong>de</strong> investigar o relacionamento amoroso na<br />

adolescência. Tendo como parâmetro a abordagem piagetiana da cognição e a da moralida<strong>de</strong>, os jovens<br />

estão agindo segundo “lógica” egocêntrica, própria do período pré-operatório e da tendência heterônoma,<br />

apesar <strong>de</strong> não serem pré-lógicos. Ao contrário, eles apresentam competência cognitiva e moral reversível.<br />

O que lhes falta é a performance correspon<strong>de</strong>nte, provavelmente ocasionada pela cultura vigente, pois ela<br />

pouco incita e valoriza o exercício do diálogo. Assim, os sujeitos acabam apresentando condutas egoístas<br />

e estabelecendo relacionamentos fugazes, como o <strong>de</strong> ficar. Isto ocorre porque, ao agirem irracionalmente,<br />

não se colocam no lugar do parceiro para compreendê-lo, a ponto <strong>de</strong> se mostrarem incapazes <strong>de</strong> amar, já<br />

que tal sentimento pressupõe compreensão. Para reverter tais processos, julgamos necessário que os<br />

adolescentes sejam co-operativos. Este movimento, todavia, leva ao sofrimento, pois ele obriga ao<br />

abandono da perspectiva individualista, hedonista e <strong>de</strong>smobilizadora.<br />

Palavras-chave: Piaget. <strong>Psicologia</strong> moral. Relacionamentos afetivos na adolescência. Ficar.<br />

Abstract<br />

We present a research analysis whose purpose has been to investigate love relationships in adolescence.<br />

Having as a parameter the Piagetian approach of cognition and morality, young people have been acting<br />

according to egocentric “logic”, characteristic of pre-operating period and of heteronomous bias, even<br />

though they are not pre-logic. On the contrary, they present cognitive competence and reversible morals.<br />

They lack the correspon<strong>de</strong>nt performance, probably due to the present culture, since it hardly instigates or<br />

values the exercise of dialogue. Thus, the subjects end up presenting selfish behavior and establish<br />

ephemeral relationships, such as the so called “make out with”. This occurs because - while acting<br />

irrationally - they do not have a sympathetic i<strong>de</strong>ntification with their mate and therefore cannot<br />

un<strong>de</strong>rstand him/her and are even unable to love, for this feeling supposes un<strong>de</strong>rstanding. To reverse the<br />

processes, we find it necessary for the adolescents to be co-operative. However, this movement leads to<br />

suffering, since it compels to leave the individualistic, hedonist and <strong>de</strong>mobilizing perspective.<br />

Keywords: Piaget. Moral psychology. Affective relationships in adolescence. “Make out with”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 498


Introdução<br />

Parcela significa dos jovens <strong>de</strong> hoje apresenta postura individualista, hedonista, consumista e<br />

<strong>de</strong>smobilizadora. Esta nova maneira <strong>de</strong> agir e <strong>de</strong> pensar talvez tenha sido <strong>de</strong>terminada, <strong>de</strong> um lado, por<br />

aspectos relacionados à conjuntura política e econômica e, <strong>de</strong> outro, pelo culto excessivo a certos valores<br />

ligados a gloria (beleza, força física, status social e financeiro). Próprio <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s pós-mo<strong>de</strong>rnas, tal<br />

comportamento baseia-se num certo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>senfreado <strong>de</strong> consumo, na aparente liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha, na<br />

construção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s próprias, na ânsia em buscar o novo a qualquer preço, na indiferença política e no<br />

estabelecimento <strong>de</strong> relacionamentos amorosos efêmeros. Segundo Motta (1987), esta nova postura é<br />

própria das socieda<strong>de</strong>s industrializadas e internacionalizadas pela indústria cultural contemporânea. Ela<br />

fundamenta-se no consumismo, no individualismo, na <strong>de</strong>fesa das próprias i<strong>de</strong>ias, na i<strong>de</strong>ntificação com<br />

todo tipo <strong>de</strong> modismos e no <strong>de</strong>scaso com tudo e com todos; evi<strong>de</strong>nciando-se, assim, que ela é, por<br />

natureza, não-coletiva.<br />

Tendo como parâmetro este cenário, procuramos fazer uma análise piagetiana da lógica implícita<br />

sobre uma nova maneira <strong>de</strong> se relacionar afetivamente entre os jovens, o ficar. A nossa tese é a <strong>de</strong> que os<br />

jovens estão agindo motivados pela lógica da heteronomia (PIAGET, 1932/1994), apesar <strong>de</strong> serem, do<br />

ponto <strong>de</strong> vista cognitivo, operatórios; portanto, dotados das condições intelectuais para atuarem<br />

autonomamente.<br />

Antes, porém, <strong>de</strong> explicitarmos a maneira <strong>de</strong> agir própria da heteronomia, faremos algumas<br />

consi<strong>de</strong>rações sobre o ficar. Cabe atentar para o fato <strong>de</strong> que este tipo <strong>de</strong> envolvimento é recente como<br />

objeto <strong>de</strong> preocupação científica. Assim, mais do que apresentar análises feitas sob diferentes<br />

perspectivas teóricas, buscaremos, no presente texto, expor algumas reflexões feitas sobre este tipo <strong>de</strong><br />

relacionamento amoroso e evi<strong>de</strong>nciar a sua pertinência como objeto a ser tratado cientificamente.<br />

Consi<strong>de</strong>rações sobre o ficar<br />

Definição. Estudiosos da adolescência ten<strong>de</strong>m a empregar o termo ficar com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>signar um tipo <strong>de</strong> relacionamento afetivo entre pessoas que tenham vínculo parental mínimo e que se<br />

caracteriza por uma série <strong>de</strong> condutas carinhosas que po<strong>de</strong> ter o seu limite na prática da relação sexual<br />

e/ou no início do namoro. A diferença entre este tipo <strong>de</strong> relação e a sexual clássica está no caráter<br />

efêmero da primeira (relacionar-se, sem compromisso, com o outro). É isto o que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

pesquisa <strong>de</strong>senvolvida por nós com 25 universitários, matriculados na 2 ª e 3 ª série <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong><br />

<strong>Psicologia</strong> <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> pública, em sua quase totalida<strong>de</strong> do sexo feminino e com ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong><br />

21 anos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 499


Segundo estudiosos das condutas humanas, o ficar é somente um novo termo criado para <strong>de</strong>signar<br />

um conjunto <strong>de</strong> práticas “quase sexuais”, outrora <strong>de</strong>finidas como “galinhar”. Assim, não se trataria <strong>de</strong><br />

algo novo. Apesar disso, enten<strong>de</strong>mos que é outro o sentido dado para elas atualmente, pois, se antes tais<br />

práticas eram moralmente con<strong>de</strong>náveis, hoje elas são melhores aceitas e até entendidas com certa<br />

naturalida<strong>de</strong>.<br />

Afora isso, é igualmente nova a transformação <strong>de</strong>sta modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relacionamento em fenômeno<br />

<strong>de</strong> massa. Temos então o seguinte cenário no campo amoroso: para se estar na moda nos dias <strong>de</strong> hoje,<br />

<strong>de</strong>ve-se ou, melhor, tem-se que ficar. Caso contrário, o adolescente correrá o risco <strong>de</strong> ser avaliado por<br />

seus pares como alguém anormal. Dessa maneira, se supostamente antes o equivalente <strong>de</strong> ficar era<br />

<strong>de</strong>sempenhado por poucas pessoas – pelo menos, aparentemente – e visto como indicador da presença <strong>de</strong><br />

mau caráter e <strong>de</strong> hábitos não convencionais, hoje, é concebido como fenômeno perfeitamente normal e<br />

até natural, ao menos no plano do discurso.<br />

Outro aspecto – uma novida<strong>de</strong> nesta conduta – refere-se aos gêneros envolvidos. Antes, tal prática<br />

era <strong>de</strong>sempenhada em sua maioria pelos homens, pelo menos publicamente. As mulheres que podiam ter<br />

este tipo <strong>de</strong> conduta eram taxadas com adjetivos que as inseriam no lugar da imoralida<strong>de</strong> e, portanto,<br />

como objetos a serem excluídos do espaço social saudável. Os adjetivos empregados eram os seguintes:<br />

para as <strong>de</strong>sfavorecidas cultural e economicamente, “<strong>de</strong>vassas” e “moças perdidas”, para as <strong>de</strong>mais,<br />

“mo<strong>de</strong>rninhas”, “corajosas”, e “in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes”.<br />

Dessa forma, quando as primeiras conseguiam, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo <strong>de</strong> inserção neste espaço<br />

da anormalida<strong>de</strong>, estabelecer relacionamento amoroso estável, ela quase sempre era julgada sem outra<br />

opção. Outras vezes, era possível fugir <strong>de</strong>sse lugar <strong>de</strong> “anormalida<strong>de</strong>” quando a “anormal” mudava-se<br />

geograficamente. Desconhecida no novo espaço <strong>de</strong> moradia, ela conseguia ocultar ou reinventar o seu<br />

passado. No caso das meninas <strong>de</strong> situação social e econômica favorecida, o percurso era diferente. Tais<br />

condutas não se constituíam em obstáculos para outros tipos <strong>de</strong> relacionamentos. Ao contrário, elas se<br />

tornavam, mais ainda, objetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo exatamente porque ousavam, com tais condutas, <strong>de</strong>safiar o seu<br />

tempo. Nestes casos, o problema, portanto, não estava em ocupar o espaço da anormalida<strong>de</strong>, mas o <strong>de</strong> não<br />

querer sair <strong>de</strong>le.<br />

Isto aconteceu, <strong>de</strong>ntre outros fatores, em virtu<strong>de</strong> das mudanças ocorridas em relação à<br />

sexualida<strong>de</strong>, por sua vez <strong>de</strong>correntes, em gran<strong>de</strong> medida, da invenção <strong>de</strong> métodos contraceptivos mais<br />

eficientes e do movimento <strong>de</strong> contracultura norte-americano, que pretendia reinventar novas formas <strong>de</strong><br />

viver a partir da substituição <strong>de</strong> todos os valores vigentes na época por apenas dois: paz & amor.<br />

Decorrência: vários jovens daquele período passaram a lutar contra os valores instituídos, e entre eles<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 500


estavam os que interditavam a prática <strong>de</strong> relações sexuais para as mulheres antes do casamento; fenômeno<br />

que acabou contribuindo para tornar moda o ficar.<br />

Acreditamos que tal tipo <strong>de</strong> relacionamento está amparado também na popularização <strong>de</strong> um tipo<br />

<strong>de</strong> interpretação eivada <strong>de</strong> equívocos <strong>de</strong> certos referenciais neonietzchianos. Conforme Rouanet (1987),<br />

tal posicionamento concebe a razão como o principal instrumento <strong>de</strong> repressão e faz a apologia do<br />

respeito às diferenças, a ponto <strong>de</strong> se cair num relativismo cultural extremado, em que tudo passa a ser<br />

válido, em nome do pretenso respeito a tais diferenças. Com isto, as preocupações se resumem em<br />

evi<strong>de</strong>nciar e supostamente respeitar as diferenças e não a busca da convivência.<br />

Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> salientar que o ficar, atualmente, é indiscutivelmente um fenômeno <strong>de</strong><br />

massa. Segundo ainda o referido estudo, e só para que se tenha uma i<strong>de</strong>ia da sua extensão, todos os<br />

interessados disseram já ter ficado e mais <strong>de</strong> 90,0% <strong>de</strong>les praticaram tal conduta por mais <strong>de</strong> 10 vezes.<br />

Tais resultados nos levam a refletir sobre as razões que influenciam as pessoas, especialmente os jovens,<br />

a ficarem.<br />

Motivos. Segundo os dados coletados, mais <strong>de</strong> 60,0% dos sujeitos questionados acreditam que as<br />

pessoas ficam com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar prazer, sem com isso ter que estabelecer relacionamento sério<br />

e/ou duradouro. Quer dizer, o ficar é visto como um relacionamento semelhante ao namorar, porém sem<br />

o elemento, que ele traz implícito, <strong>de</strong> compromisso e <strong>de</strong> obrigação moral <strong>de</strong> ser cumprido.<br />

Outros jovens afirmam que o ficar serviria como momento <strong>de</strong> “ensaio” para se verificar a<br />

viabilida<strong>de</strong> da construção <strong>de</strong> uma relação “mais duradoura e séria”, como o namoro. Esse raciocínio<br />

subsidia, pelo menos, duas interpretações: o namoro passou a ocupar o lugar do noivado e do casamento,<br />

já que hoje cada vez mais as pessoas não veem tais relacionamentos como “para sempre” e/ou com a<br />

crença da eterna felicida<strong>de</strong>.<br />

Contribui também para esse quadro o fato <strong>de</strong> que, com a liberda<strong>de</strong> sexual, e a consequente<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter relações sexuais antes do casamento, não é mais prerrogativa o vínculo conjugal<br />

formal, para que o casal possa levar uma vida matrimonial. Isto <strong>de</strong>ve ter contribuído, então, para a<br />

transferência <strong>de</strong> função nos tipos <strong>de</strong> relacionamentos: a fase do amasso (<strong>de</strong>finida hoje como ficar) passou<br />

a ocupar a do namorar e este último relacionamento, a do casar.<br />

É válido consi<strong>de</strong>rar igualmente que os jovens estão julgando que o namoro, nos antigos mol<strong>de</strong>s, já<br />

envolveria um grau <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável. Isto <strong>de</strong>mandaria, em contrapartida, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

criar algo anterior, avaliado como “menos sério” – o que neste caso equivaleria ao ficar. Frases do tipo:<br />

“preciso ficar para saber se o cara beija legal”, “se ele tem mau hálito”, “se transa bem”, “se a barriga <strong>de</strong>le<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 501


é do tipo ‘tanquinho’”, entre outras, estão incluídas nesta segunda razão para o ficar.<br />

De qualquer forma, acreditamos que as razões apresentadas não são exclu<strong>de</strong>ntes. Pelo contrário,<br />

elas se complementam: o sujeito po<strong>de</strong> ficar com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar prazer, sem necessariamente<br />

estabelecer relacionamento mais sério. E isto po<strong>de</strong> levá-lo (ou não) a estabelecer outro tipo <strong>de</strong><br />

envolvimento emocional.<br />

O leitor <strong>de</strong>ve ter notado que, nos exemplos apresentados, somente nos referimos a aspectos<br />

ligados à imagem corporal. Assinalamos que eles não são invenções e/ou meros inci<strong>de</strong>ntes na fala dos<br />

jovens, a ponto <strong>de</strong> não merecerem análise. Na presente pesquisa, vários sujeitos disseram que as pessoas<br />

foram motivadas pela imagem: “é um menino bonito, então preciso ficar com ele”. Observamos que<br />

critérios, outrora <strong>de</strong>cisivos (como “ter boa cabeça”), não é mais consi<strong>de</strong>rado, pelo menos não como<br />

condição necessária para o ficar. Os jovens buscam, assim, no relacionamento ficar a satisfação <strong>de</strong><br />

valores ligados à glória como “corpo perfeito” e status social e financeiro.<br />

Cabe salientar que estamos nos referindo ao relacionamento do ficar. Obtivemos informalmente,<br />

dados que parecem indicar que, quando se trata do namorar, além <strong>de</strong>stes valores ligados à glória, outros<br />

<strong>de</strong> cunho moral são igualmente buscados – se bem que a procura se resume aos relacionados à esfera<br />

privada, como o valor fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>.<br />

É curioso notar também que, quando o sujeito <strong>de</strong>manda uma relação mais séria, o ritual <strong>de</strong><br />

abordagem é diferente. Agora, a quase naturalida<strong>de</strong> com que a aproximação é feita, a sua frequência e os<br />

consequentes gestos <strong>de</strong> carinho e mesmo sexuais que acontecem no ficar é precedido por certo jogo<br />

amoroso, objetivando ter certeza <strong>de</strong> que o provável relacionamento mais sério <strong>de</strong> fato acontecerá. De<br />

qualquer maneira, mesmo quando se trata da busca por este tipo <strong>de</strong> relação, parece-nos que ela não se dá<br />

com a intenção <strong>de</strong> se interagir com alguém, mas apenas <strong>de</strong> ficar ao lado <strong>de</strong> alguém por mais tempo, como<br />

explicitaremos mais adiante.<br />

Outras razões foram apontadas para o ficar. Dentre elas, <strong>de</strong>stacamos o fato <strong>de</strong> essa ser a única<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relação que, cada vez mais, se apresenta para os jovens. Como a moda hoje é ficar,<br />

então, os que <strong>de</strong>mandam outro tipo <strong>de</strong> relacionamento são obrigados a se submeter a este, pois é o único<br />

possível. Caso ele não se renda, suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ter esse tipo <strong>de</strong> interação são reduzidas.<br />

Há outros jovens que ficam como forma <strong>de</strong> fugir ao sofrimento provocado por uma <strong>de</strong>silusão<br />

amorosa. Assim, o ficar, aqui, teria a função <strong>de</strong> mecanismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Vê-se, então, que o sujeito acaba<br />

ficando como forma <strong>de</strong> fugir da elaboração do luto provocado pela perda. Com isto, aquela parte <strong>de</strong>le que<br />

está sofrendo <strong>de</strong> amor não é reconstruída. A esse propósito, os freudianos afirmam que a ausência <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 502


conflito é a própria morte e, portanto, a necessida<strong>de</strong> da elaboração do luto se constitui num imperativo à<br />

busca do crescimento. Caso contrário estar-se-á con<strong>de</strong>nado à melancolia, que nada mais é do que a morte.<br />

Logo, sem conflito não é possível o crescimento. De modo semelhante pensa Piaget, quando disserta<br />

sobre o equilíbrio/<strong>de</strong>sequilíbrio.<br />

Aspectos positivos. Quando indagados sobre tal assunto, as respostas giraram em torno <strong>de</strong> dois<br />

eixos: o fato <strong>de</strong> o ficar não <strong>de</strong>mandar obrigações e compromissos, como o <strong>de</strong> ser fiel, que é, pelo menos,<br />

implicitamente exigido no namoro; e a busca por experiências emocionais e/ou sexuais variadas,<br />

supostamente para fazer um escolha mais consciente e certa.<br />

É digno <strong>de</strong> nota o fato <strong>de</strong> alguns dos sujeitos do estudo terem apontado como algo positivo, o fato<br />

<strong>de</strong> não saber o que acontecerá no momento do ficar e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. Este caráter <strong>de</strong> imprevisibilida<strong>de</strong> faz<br />

com que as pessoas “se envolvam mais” e vivam com “mais intensida<strong>de</strong>” tais momentos amorosos, o que<br />

dá a enten<strong>de</strong>r que, em relacionamentos como o do namoro, tal aspecto não ocorre frequentemente.<br />

Quanto ao segundo eixo – o ficar porque é legal conquistar – evi<strong>de</strong>ncia que, além da lógica do<br />

capitalismo mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> transformar tudo em mercadoria a ser obtida <strong>de</strong> qualquer maneira, ainda está<br />

presente na nossa socieda<strong>de</strong> certa mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colonizador. Segundo Calligaris (s.d.), prevalece no<br />

Brasil a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que se <strong>de</strong>ve unicamente retirar tudo o que é julgado importante, sem oferecer nada em<br />

troca.<br />

No campo amoroso, essa mentalida<strong>de</strong> caracteriza-se pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> conquista qualitativa e<br />

quantitativa. Outrora <strong>de</strong>sempenhada predominantemente pelos homens, ao menos na aparência, tudo leva<br />

a crer que hoje ela continua a ocorrer no campo das relações amorosas. Contudo, com duas diferenças:<br />

não se sabe se ela está diminuindo ou aumentando, e agora é patente também entre as mulheres. Eis o que<br />

uma entrevistada afirmou: “o legal é a sensação <strong>de</strong> conquista que se tem ao ficar com alguém”.<br />

Aspectos negativos. Os resultados apontam que os sujeitos consi<strong>de</strong>ram como mais negativo no<br />

ficar exatamente o que também apontaram como o mais positivo: a busca do prazer sem a instituição <strong>de</strong><br />

uma relação com limites, ou seja, o caráter superficial do ficar (falta <strong>de</strong> compromisso e <strong>de</strong> envolvimento<br />

mais profundo) e a sua não transformação em relacionamento duradouro (como o namoro).<br />

Depreen<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stes dados que os jovens estão um tanto confusos. É evi<strong>de</strong>nte que isto não chega a<br />

ser uma novida<strong>de</strong>. É próprio <strong>de</strong> seres civilizados, que vivem em socieda<strong>de</strong> idiossincráticas, serem<br />

colocados frequentemente diante <strong>de</strong> situações que <strong>de</strong>mandam escolhas. Se, por um lado, com isto se tem<br />

garantida a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opção, por outro se vive permanentemente em conflito, situação particularmente<br />

aguda na adolescência, não só porque certas escolhas feitas neste período praticamente <strong>de</strong>terminarão a<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 503


vida ulterior, mas porque a adolescência na nossa cultura atual não é apenas uma fase <strong>de</strong> passagem<br />

orgânica do corpo infantil para o adulto, mas <strong>de</strong> transição psíquica entre a infância e adultícia; logo,<br />

momento <strong>de</strong> prazer e <strong>de</strong>sprazer e <strong>de</strong> confusão sobre o modo como se <strong>de</strong>ve pensar e agir.<br />

Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> assinalar que atualmente vivemos uma intensa crise econômica, <strong>de</strong> crença<br />

nas instituições e <strong>de</strong> valores morais e éticos. As perguntas que mais se colocam atualmente são a <strong>de</strong><br />

“como <strong>de</strong>vo agir” e a que indaga sobre as consequências benéficas e maléficas que tal escolha trará. Mais<br />

do que nunca, essa in<strong>de</strong>cisão está posta no campo das relações amorosas. O ditado popular “não sei se<br />

caso ou se compro uma bicicleta” parece traduzir o atual estado <strong>de</strong> coisas.<br />

Em resumo, os conflitos próprios da adolescência nas socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

escolha e a crise <strong>de</strong> valores morais estão levando os jovens a um estado <strong>de</strong> in<strong>de</strong>cisão. Assim, se por um<br />

lado querem manter a liberda<strong>de</strong>, e para isto só po<strong>de</strong>m ficar (pois relações “mais sérias” a tirariam), por<br />

outro, querem se envolver. Eles vivem entre o mito do jovem solitário e o do jovem gregário.<br />

O problema é que, mesmo quando querem se envolver, a i<strong>de</strong>ia que subjaz é a do ficar ao lado <strong>de</strong> e<br />

não com alguém. É exatamente por isto que refletiremos sobre o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e moral na<br />

perspectiva piagetiana. Preten<strong>de</strong>mos, com isso, ter subsídios para que possamos analisar esta<br />

“impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar”.<br />

Desenvolvimento cognitivo e o moral: consi<strong>de</strong>rações<br />

Desenvolvimento cognitivo. Entre os dois e os sete anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, aproximadamente, se dá a<br />

construção <strong>de</strong> esquemas representativos, aumentando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a criança executar ações já que,<br />

ao lado da inteligência prática, ela agora tem à sua disposição a representativa. Com isso, ela terá a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar um número maior <strong>de</strong> ações, pois, antes <strong>de</strong> executá-las, po<strong>de</strong> imaginar as<br />

prováveis consequências. Apesar disso, esta nova inteligência é pré-lógica, pois – embora ela tenha<br />

construído no plano da ação as categorias <strong>de</strong> espaço, tempo, causalida<strong>de</strong> e permanência do objeto –<br />

precisa reconstruir e articular tais categorias mentalmente. Como este processo é lento, certas<br />

características <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ste momento são vistas apenas como condutas interessantes. Basicamente,<br />

elas apresentam tais características <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong> ação porque são guiadas por um raciocínio<br />

transdutivo e egocêntrico. Por causa disso, são incapazes <strong>de</strong> fazer uso da argumentação indutiva e da<br />

<strong>de</strong>dutiva, não apresentam necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> justificar logicamente suas i<strong>de</strong>ias, atribuem uma única causa a<br />

todos os acontecimentos, dão forma humana e alma aos objetos e aos fenômenos da natureza, analisam as<br />

coisas à luz da percepção imediata, confun<strong>de</strong>m fantasia com realida<strong>de</strong>, são incapazes <strong>de</strong> estabelecer<br />

diálogo e não apresentam necessida<strong>de</strong> e nem condições intelectuais <strong>de</strong> justificar logicamente as i<strong>de</strong>ias.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 504


Quando começam a construir a lógica operatória, ocorre o <strong>de</strong>clínio do egocentrismo. Isto a<br />

possibilitará <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> perceber a realida<strong>de</strong> somente a partir do seu ponto <strong>de</strong> vista, notar as contradições<br />

do pensamento, buscar comprovação empírica, conseguir separar o pensamento fantasioso do real,<br />

<strong>de</strong>monstrar necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> justificar suas i<strong>de</strong>ias, transformar o monólogo em diálogo. Em síntese, elas<br />

procurarão enten<strong>de</strong>r o pensamento alheio e buscarão fazer o outro compreen<strong>de</strong>r suas argumentações.<br />

Em estreita solidarieda<strong>de</strong> com o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo ocorre o moral, cuja função tem a ver<br />

fundamentalmente com a garantia da convivência.<br />

Desenvolvimento moral. Partindo da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> que a moral compreen<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> regras<br />

e <strong>de</strong> valores que têm por função regular as relações interpessoais numa dada socieda<strong>de</strong>, Piaget<br />

(1932/1994) procurou saber como as crianças relacionavam-se com as regras morais. Os dados foram<br />

obtidos inquirindo e dialogando com um número expressivo <strong>de</strong> crianças suíças sobre a prática os jogos<br />

infantis, as normas <strong>de</strong> origem adulta e o princípio <strong>de</strong> justiça.<br />

Especificamente quanto aos jogos, mediante observação e entrevista clínica, Piaget chegou à<br />

conclusão <strong>de</strong> que, assim como a inteligência, o juízo moral apresenta tendências indicadoras <strong>de</strong> mudanças<br />

qualitativas na forma <strong>de</strong> pensar e praticar as regras.<br />

A primeira tendência – anomia – caracteriza-se pela ausência da moral. As crianças, neste<br />

momento, não submetem seus comportamentos e a forma <strong>de</strong> pensar às regras coletivas, mas visam,<br />

essencialmente, à satisfação motora e simbólica. O que elas apresentam é acentuado interesse pela<br />

repetição <strong>de</strong> ações, aspecto essencial para o <strong>de</strong>senvolvimento posterior, pois as regras pressupõem<br />

justamente regularida<strong>de</strong>.<br />

Na heteronomia, a segunda tendência, os indivíduos mostram-se pela primeira vez interessados<br />

em participar <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s coletivas e permeadas por regras. Diferente da tendência posterior, a<br />

participação da criança aqui se processa <strong>de</strong> modo egocêntrico. Como escreve La Taille (1992), a<br />

participação se dá mais ao lado, do que contra ou com as outras crianças. Isso acontece porque o<br />

pensamento egocêntrico não permite à criança estabelecer relações <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>. A criança fica, em<br />

razão disso, com gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s para se colocar no lugar do outro, vivendo por assim dizer no seu<br />

próprio mundo. O conhecimento e o respeito às regras só ocorrem no discurso, e sua incorporação é<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> amor e ódio em relação aos pais, bem como da atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeito quase<br />

sagrado que apresentam no tocante a elas, a ponto <strong>de</strong> não conceber a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> tais<br />

regras. Nota-se, porém que, quando as crianças estão jogando, introduzem novas regras com o objetivo <strong>de</strong><br />

ganhar ou consi<strong>de</strong>ram todos os envolvidos vitoriosos. Isso ocorre porque elas ainda não compreen<strong>de</strong>m<br />

que as regras servem como meio para regular as diversas ações grupais.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 505


Na autonomia, a criança passa a agir e a conceber o jogo regrado <strong>de</strong> maneira oposta. Agora, ela<br />

não só respeita como cumpre as regras e tem consciência da contradição, caso elas não sejam cumpridas<br />

tal como foram estabelecidas. Além disso, a criança não mais concebe as regras como imutáveis e<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da vonta<strong>de</strong> para se concretizarem. Ao contrário, as regras passam a ser vistas como<br />

produto <strong>de</strong> acordos mútuos e os seus criadores – no caso, os jogadores – como legisladores.<br />

Tais resultados levaram Piaget a indagar se o <strong>de</strong>senvolvimento do juízo moral seguiria o mesmo<br />

percurso, isto é, se as crianças se relacionariam com as regras morais <strong>de</strong> maneira heterônoma e, <strong>de</strong>pois,<br />

autônoma. Piaget estudou, então, a maneira pela quais elas compreen<strong>de</strong>m e chegam a respeitar os<br />

diversos <strong>de</strong>veres morais dispostos pelos adultos. Com esse propósito, ele investigou os juízos morais,<br />

mediante o emprego <strong>de</strong> historietas dilemáticas sobre <strong>de</strong>sastres materiais, roubo e mentira. O resultado<br />

obtido foi semelhante ao encontrado nos jogos: a existência da heteronomia antes da autonomia.<br />

A criança mostra-se, na heteronomia, imersa num tipo <strong>de</strong> realismo moral, o qual só consi<strong>de</strong>ra uma<br />

ação boa se ela estiver <strong>de</strong> acordo com as prescrições adultas. Além disso, ela é entendida ao pé da letra, e<br />

não em função da intenção do praticante, levando à construção <strong>de</strong> uma concepção objetiva <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>.<br />

A partir dos <strong>de</strong>z anos, a criança começa a apresentar características morais opostas às anteriores,<br />

<strong>de</strong>nominadas por Piaget <strong>de</strong> autonomia. Agora, os indivíduos constroem i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> que fazer o bem nem<br />

sempre correspon<strong>de</strong> a agir <strong>de</strong> acordo com as prescrições dos adultos. Acrescente-se a isso o fato <strong>de</strong> as<br />

crianças se esforçarem para compreen<strong>de</strong>r o espírito das regras e <strong>de</strong> avaliarem os dilemas segundo a<br />

responsabilida<strong>de</strong> subjetiva.<br />

Quanto à justiça, novamente observa-se que Piaget encontrou duas morais opostas: a da<br />

heteronomia e a da autonomia. A primeira é a moral do <strong>de</strong>ver e da obediência. Ser justo, para essa moral,<br />

é agir segundo os ditames da autorida<strong>de</strong> adulta ou das leis estabelecidas e fazer uso da sanção expiatória<br />

como forma <strong>de</strong> punir o infrator, sobretudo por meio da dor. Por ser guiada pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> ou<br />

equida<strong>de</strong>, a moral da autonomia, todavia, separa a justiça dos preceitos instituídos pela socieda<strong>de</strong> e<br />

utiliza-se basicamente <strong>de</strong> punições <strong>de</strong>correntes da justiça distributiva, visando recompor o vínculo social<br />

rompido. “A moral da autorida<strong>de</strong>, conduz à confusão do que é justo com o conteúdo da lei estabelecida e<br />

à aceitação da sanção expiatória. A moral do respeito mútuo [...] ao <strong>de</strong>senvolvimento da igualda<strong>de</strong>”<br />

(PIAGET, 1932/1994, p. 243).<br />

Essa maneira <strong>de</strong> se comportar é produto da relação que o indivíduo estabelece com o meio social.<br />

Defensor da concepção interacionista, Piaget não acredita na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

comportamentos morais apenas a partir do indivíduo ou do meio social. Como assinala La Taille (1992, p.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 506


58), “para ele, assim como não existe O indivíduo, pensado como unida<strong>de</strong> isolada, também não há A<br />

Socieda<strong>de</strong>, pensada como um todo”. Como outros comportamentos, os morais são, igualmente, produtos<br />

<strong>de</strong> relações interindividuais, que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> dois tipos: coação ou cooperação.<br />

O primeiro tem como marca a imposição. São relações observadas geralmente entre adultos e<br />

crianças, na qual os primeiros acabam, por sua superiorida<strong>de</strong> física e muitas vezes intelectual, aliados aos<br />

sentimentos <strong>de</strong> amor nutridos pelas segundas, impondo-lhes sua maneira <strong>de</strong> ver e suas atitu<strong>de</strong>s. É uma<br />

relação constituída, reforçadora do egocentrismo, pois não há reciprocida<strong>de</strong>. Disso <strong>de</strong>corre o respeito<br />

unilateral às leis e autorida<strong>de</strong>s, levando à constituição <strong>de</strong> uma moral heterônoma. A cooperação, ao<br />

contrário, é uma relação simétrica, tendo como marca a reciprocida<strong>de</strong>. É constituinte e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

acordos. Nela é necessário que os sujeitos se <strong>de</strong>scentrem, colocando-se no lugar do outro. A cooperação<br />

leva ao respeito mútuo e à construção da autonomia.<br />

Infere-se, assim, que, na heteronomia, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>termina o bem, isto é, algo só é consi<strong>de</strong>rado bom<br />

se estiver em conformida<strong>de</strong> com as regras instituídas. Já na autonomia, o bem <strong>de</strong>termina o <strong>de</strong>ver, pois<br />

primeiro se estabelece o que é bom para, em seguida, transformá-lo numa obrigação. Como afirma La<br />

Taille (1992, p. 60), “enquanto a coação fornece um mo<strong>de</strong>lo a ser seguido, a cooperação fornece um<br />

método”.<br />

Depreen<strong>de</strong>mos, assim, que as condições estruturais para o estabelecimento <strong>de</strong> relações reversíveis<br />

são oferecidas. Por essa razão, Piaget nutria certa fé <strong>de</strong> que o sujeito <strong>de</strong>senvolvido intelectualmente<br />

ten<strong>de</strong>ria a agir coerentemente com o patamar <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento alcançado. No entanto, estudos como o<br />

<strong>de</strong> Araújo (1996) e a própria realida<strong>de</strong> tem nos apontado o oposto. Parece que a competência cognitiva<br />

não garante a performance correspon<strong>de</strong>nte. É esta, segundo La Taille (1992, p. 71, grifos do autor), a<br />

limitação da teoria piagetiana e, sobremaneira, da kohlbergiana, que as faz permanecerem no campo da<br />

fé. “Não vemos como se possa afirmar que <strong>de</strong> algo necessário para o pensamento <strong>de</strong>corra<br />

necessariamente a ação correspon<strong>de</strong>nte”. Fica evi<strong>de</strong>nte, então, que há um fosso entre a competência<br />

cognitiva e a performance moral. Acreditamos, contudo que, com o <strong>de</strong>senvolvimento, esse<br />

distanciamento vai diminuindo e, assim, aumenta-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maior coerência entre o raciocínio<br />

e a ação coerente. Apesar disso, este fosso é na adolescência particularmente profundo.<br />

Com essas breves reflexões, apresentaremos os argumentos para a <strong>de</strong>fesa da tese <strong>de</strong> que os jovens<br />

ficam porque estão agindo segundo a moral da heteronomia.<br />

O ficar, a competência e a performance<br />

Pensamos que os adolescentes ficam porque são guiados por uma lógica <strong>de</strong> ação heterônoma. Isto<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 507


não significa que eles não tenham construído estruturas operatórias; portanto, condições intelectuais para<br />

agir autonomamente. Dessa maneira, quando eles agem ao lado e não com os outros, isto é, quando eles<br />

não se entregam amorosamente, não é por limitação cognitiva. O que lhes falta é a performance moral<br />

correspon<strong>de</strong>nte.<br />

É provável que esta maneira <strong>de</strong> se comportar amorosamente seja <strong>de</strong>terminada por fatores<br />

conjunturais e estruturais. A cultura vigente, juntamente com os efeitos colaterais do capitalismo pós-<br />

industrial – solidão, busca da felicida<strong>de</strong> a qualquer custo, sensação <strong>de</strong> vazio permanente, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapego e<br />

<strong>de</strong>senraizamento espiritual e <strong>de</strong> filiação – na medida em que não incitam e tampouco valorizam o<br />

estabelecimento e o exercício do diálogo, acabam contribuindo para uma sobre-alienação no campo<br />

amoroso. Falamos <strong>de</strong>ssa alienação a mais porque a utopia do relacionamento amoroso já é puro<br />

falseamento do real, pois sugere a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concretização da felicida<strong>de</strong> para sempre; aspecto<br />

somente possível se os enamorados literalmente morressem. Expliquemos. Se a vida é estar em<br />

permanente busca <strong>de</strong> superação dos conflitos gerados por forças antagônicas (tese freudiana) ou em<br />

procura <strong>de</strong> equilíbrio (piagetiana), e se o homem está em permanente transformação, então o sonho <strong>de</strong><br />

concretização do slogan das fábulas “e viveram felizes para sempre” é pura quimera. Assim, voltamos a<br />

salientar que se trata <strong>de</strong> uma alienação exce<strong>de</strong>nte. Diante disso, observamos alguns dos nossos jovens<br />

repetindo em uníssono a velha melodia: “já que não é possível a felicida<strong>de</strong> para sempre, é melhor não nos<br />

envolvermos. Só assim não se sofrerá”. O problema é que, ao agir assim, estão <strong>de</strong>struindo a própria<br />

existência. Bruckner (2002, p. 14-5), a esse respeito, consi<strong>de</strong>ra que esse quadro é efeito dos tempos atuais<br />

do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>.<br />

Descobrindo-se únicos responsáveis por seus reveses ou por seus sucessos, constatam que<br />

a felicida<strong>de</strong> tão esperada lhes foge à medida que correm atrás <strong>de</strong>la. Eles sonham como<br />

todo mundo com a síntese admirável, que reúna sucesso profissional, amoroso, moral,<br />

familiar e acima <strong>de</strong> todos eles, tal como uma recompensa, a satisfação perfeita. Como se a<br />

liberação <strong>de</strong> si, prometida pela Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vesse ser coroada pela felicida<strong>de</strong> [...] Mas<br />

a síntese se <strong>de</strong>sfaz [...] E eles terminam por viver a promessa <strong>de</strong> encantamento não como<br />

uma boa nova, mas como um débito com uma divinda<strong>de</strong> sem rosto que nunca conseguem<br />

saldar. As mil maravilhas anunciadas só chegam a conta-gotas e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente,<br />

tornando a busca mais penosa, mais pesada a opressão. Mortificam-se por não<br />

correspon<strong>de</strong>r ao padrão estabelecido, por infringir a regra. [...] Cerca <strong>de</strong> três séculos mais<br />

tar<strong>de</strong>, o i<strong>de</strong>al [<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>] transformou-se em penitência. A partir <strong>de</strong> agora temos todos<br />

os direitos, salvo o <strong>de</strong> não ser bem-aventurados.<br />

Isso não significa que os nossos jovens estão se recusando a se relacionarem; esta é tão somente a<br />

forma que encontraram. Assim, numa sala <strong>de</strong> bate-papo eletrônica, quando são forçados a se colocarem<br />

no lugar do outro e este ato produzir contrarieda<strong>de</strong>, angústia, irritabilida<strong>de</strong>, simplesmente eles mudam <strong>de</strong><br />

sala, <strong>de</strong> conversa ou <strong>de</strong>sligam o computador. Po<strong>de</strong> parecer que eles agem propositadamente. Entretanto,<br />

não acreditamos em tamanho maquiavelismo. Ao contrário, guiados por uma lógica da ação heterônoma,<br />

o nosso adolescente fala algo e acaba fazendo o oposto, sem se dar conta da contradição, pois tal como as<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 508


crianças, eles querem fazer parte do coletivo; no caso aqui em estudo, significa fazer parte dos grupelhos<br />

e estabelecer o jogo amoroso. Porém, eles acabam brincando sozinhos, pois apenas ficam ao lado <strong>de</strong><br />

alguém e jamais com alguém.<br />

Isto ocorre porque o versar sobre algo com alguém, ou o dialogar, cria a obrigação <strong>de</strong> os<br />

envolvidos terem que necessariamente <strong>de</strong>slocarem-se e colocarem-se mentalmente um no lugar do outro.<br />

Caso contrário, não será estabelecido o colóquio, mas dois monólogos dirigidos para uma plateia<br />

“<strong>de</strong>lirantemente” refletidora da própria imagem.<br />

Tem-se, <strong>de</strong>ssa maneira, a produção <strong>de</strong> relacionamentos fugazes, como o ficar, porque os jovens<br />

agem orientados por certa irracionalida<strong>de</strong> – apesar <strong>de</strong> terem a capacida<strong>de</strong> racional. Sem fazer uso da<br />

consciência, eles objetivam continuar, <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>sconexa, subordinando o outro ao seu eu e negando-<br />

se a submeter-se a ele. Em consequência, são incapazes <strong>de</strong> estabelecer o diálogo; confun<strong>de</strong>m fantasia com<br />

realida<strong>de</strong>, a ponto <strong>de</strong> acabarem apenas enxergando um simulacro do outro e mostram-se incapazes <strong>de</strong><br />

amar, pois o amor, como disse Piaget (1964/1973, p. 38), implica em fazer uso também da racionalida<strong>de</strong>:<br />

“nunca há ação puramente intelectual [...] assim como também não há atos que sejam puramente afetivos<br />

(o amor supõe a compreensão)”.<br />

Dessa forma, para amar é necessário que esta lógica egocêntrica contida no ficar seja colocada em<br />

segundo plano. Não estamos, com isso, dizendo que ela <strong>de</strong>va ser eliminada, mesmo porque ela é<br />

fundamental para a sobrevivência do homem e da socieda<strong>de</strong>. Afinal, como po<strong>de</strong>ríamos viver sem<br />

intimida<strong>de</strong>, sem sonhar ou chegar ao ponto em que chegamos, em vários aspectos positivos, sem a<br />

fantasia, possibilitada apenas por sermos egocêntricos e, em consequência, buscarmos o que no momento<br />

parece impossível aos nossos olhos e aos dos outros? O adágio <strong>de</strong> que cabeça vazia é oficina do diabo<br />

precisa ser entendido como algo igualmente positivo. É graças a estes momentos <strong>de</strong> ócio e <strong>de</strong><br />

recolhimento existencial que se cria.<br />

Apesar <strong>de</strong>stes aspectos positivos presentes no “estar em si”, para amar são condições vitais que os<br />

adolescentes se coloquem no lugar dos outros. Em outras palavras, que sejam co-operativos. É por isto<br />

que talvez os jovens prefiram ou só consigam conceber a relação amorosa como um estar ao lado do<br />

outro e não com o outro, pois tais movimentos levam inevitavelmente ao sofrimento, uma vez que ele<br />

obriga ao abandono do individualismo, do hedonismo e da <strong>de</strong>smobilização. Po<strong>de</strong>ríamos resumir, assim,<br />

uma das causas que influenciam este tipo <strong>de</strong> relação na atualida<strong>de</strong>: ficar para não amar e, logo, não<br />

sofrer!<br />

Outras consequências são produzidas por esta lógica da ação heterônoma. Referimo-nos à<br />

produção da cultura da imagem, a do zap e a binária. Expliquemos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 509


A cultura da imagem é <strong>de</strong>corrente da lógica moral heterônoma porque a aparência é o que<br />

importa. Em outros termos, consi<strong>de</strong>ram mais culpadas e, portanto, merecedora <strong>de</strong> maior castigo as<br />

crianças que quebraram 10 xícaras sem querer, do que uma que o fez propositalmente. A intenção, apesar<br />

<strong>de</strong> conhecida por ele, não é levada em conta nos seus julgamentos. Pois bem, os nossos jovens parecem se<br />

guiar pelo mesmo tipo <strong>de</strong> lógica, pois o que importa é a aparência (o resultado). Dessa forma, é condição<br />

sine qua non que o preten<strong>de</strong>nte goze <strong>de</strong> prestígio no grupo <strong>de</strong> amigos, seja bonito, tenha um cão pit bull e<br />

esteja na moda, sendo <strong>de</strong>snecessário os aspectos mais condizentes ao espírito.<br />

A outra cultura que vem prestando serviços à construção <strong>de</strong>ssa mentalida<strong>de</strong> heterônoma é a que<br />

<strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> zap. Tal termo é empregado para <strong>de</strong>signar o comportamento que frequentemente os<br />

jovens apresentam <strong>de</strong> fazer uso constante do controle remoto para mudar <strong>de</strong> canal. Semelhante conduta é<br />

apresentada pela criança heterônoma. Quando ela se cansa <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada brinca<strong>de</strong>ira, mesmo po<strong>de</strong>ndo<br />

prejudicar os <strong>de</strong>mais membros do jogo, sai a realizar outra ativida<strong>de</strong> julgada por ela mais ou a única<br />

interessante. Pois bem, os adolescentes, sobretudo <strong>de</strong> classe média, ao chegarem a casa <strong>de</strong>pois da escola,<br />

ligam o aparelho <strong>de</strong> som, o televisor e o computador – seja para jogar, frequentar sites ou salas <strong>de</strong> bate-<br />

papo –, discam o telefone e folheiam revistas <strong>de</strong> esportes radicais. O curioso é que eles fazem uso <strong>de</strong><br />

todos estes meios ao mesmo tempo. É inevitável a pergunta: Como é possível? Respon<strong>de</strong>mos com um<br />

exemplo: quando a “conversa” da sala <strong>de</strong> bate-papo torna-se <strong>de</strong>sinteressante, o sujeito começa a prestar<br />

atenção na programação televisiva. Se ela fica <strong>de</strong>sestimulante, ele muda <strong>de</strong> canal ou começa a escutar a<br />

música tocada no aparelho <strong>de</strong> som. Ao se cansar, liga para a amiga ou para a pessoa com quem está<br />

preten<strong>de</strong>ndo ficar. Se o papo começa a ficar igualmente monótono ou se no seu <strong>de</strong>senrolar são tecidas<br />

críticas às suas condutas, ele continua ao telefone, só que passa a ler as matérias das revistas <strong>de</strong> esportes<br />

para, logo em seguida, voltar à televisão, ao rádio ou ao computador.<br />

Indagamos: quem, ao observar crianças <strong>de</strong> quatro anos, não verifica condutas semelhantes no<br />

manejo <strong>de</strong> seus brinquedos e nas relações com os seus colegas? É como se eles não se concentrassem e<br />

não escutassem praticamente nada, <strong>de</strong>sistindo <strong>de</strong> superar obstáculos (<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> poucas tentativas). Esse<br />

recurso é utilizado também em sala <strong>de</strong> aula. Por exemplo, o docente está expondo <strong>de</strong>terminado conteúdo<br />

e o aprendiz, ao se sentir forçado a pensar sobre o assunto, volta-se para o colega sentado ao lado a fim <strong>de</strong><br />

chamá-lo para uma prosa julgada, por ele, mais interessante. Isto o leva a zapear o mestre e, em<br />

consequência, a mudar para o canal do mundo do colega.<br />

De qualquer maneira, algo é certo: essa conduta não é apresentada apenas por pré-adolescentes<br />

que, pela própria condição, estão envoltos em seu egocentrismo. Presenciamos o mesmo comportamento<br />

em universitários. Não estamos com isso afirmando que tal conduta <strong>de</strong> certo <strong>de</strong>sprezo pelo professor e<br />

pela aula são fenômenos recentes. Antigamente também se conversava com o colega, quando o professor<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 510


estava ministrando aula. A gran<strong>de</strong> diferença é que não se fugia do pensar (e, em <strong>de</strong>corrência, da dor) tão<br />

frequentemente como é feito hoje. Quando entrava em contato com o colega, eram passados bilhetinhos<br />

ou se conversava brevemente e olhando para o professor, numa tentativa <strong>de</strong> disfarçar e, com isto,<br />

<strong>de</strong>monstrar respeito. Hoje, nem o disfarce parece existir. Pura e simplesmente, o universitário vira o<br />

pescoço para trás e entabula a conversa, com duração <strong>de</strong> vários minutos, como se não existisse ninguém<br />

na sala <strong>de</strong> aula. É como se a pessoa que tem a função <strong>de</strong> ensinar e os <strong>de</strong>mais colegas tivessem sido<br />

realmente zapeados, seja por terem sido consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong>sinteressantes ou porque há algo mais agradável<br />

no outro canal. A tese é a <strong>de</strong> que esta <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração pelo outro não é fruto <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong> perversão e<br />

tampouco <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> refletida. Ela é, por essência, heterônoma. Isto significa que o<br />

estudante sabe que o docente está ali. O que ele “não sabe” é que está agindo <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>srespeitoso.<br />

Falta-lhe exatamente o sentido <strong>de</strong>ssa informação e <strong>de</strong>sse valor (a dignida<strong>de</strong> humana).<br />

Tem-se ainda a cultura <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> binária, ou seja, um tipo <strong>de</strong> pensar que só admite duas<br />

alternativas. Por exemplo, se é bonito ou feio, alto ou baixo, bom ou mal, elegante ou <strong>de</strong>selegante, certo<br />

ou errado. A cultura, ao forçar as pessoas a realizarem constantemente este tipo <strong>de</strong> operação maniqueísta,<br />

as tem levado a dividir o mundo e a compreensão que se faz <strong>de</strong>le. Ela significa “não uma <strong>de</strong>cisão<br />

profunda, existencial, mas uma resposta rápida, impulsiva, boa para o consumo” (SANTOS, 1980/1991,<br />

p. 17).<br />

Por exemplo, este raciocínio está presente nos <strong>de</strong>bates travados na socieda<strong>de</strong> brasileira, como o da<br />

legalização do aborto. As discussões são feitas da seguinte forma: se a população é contra ou a favor <strong>de</strong>sta<br />

prática. As circunstâncias que po<strong>de</strong>riam relativizar são <strong>de</strong>ixadas <strong>de</strong> lado e, com isso, o próprio exercício<br />

da reflexão.<br />

Não estamos com isso nos colocando <strong>de</strong>sfavoráveis a este tipo <strong>de</strong> maniqueísmo no processo <strong>de</strong><br />

formação da personalida<strong>de</strong> moral. Assim como Piaget (1932/1994), enten<strong>de</strong>mos que a autonomia só é<br />

possível caso o sujeito seja antes submetido a relações interindividuais <strong>de</strong> coação. Afinal, para se legislar<br />

sobre as regras e se relativizar premissas é necessário que antes elas sejam internalizadas. Logo, esse<br />

processo só é possível se antes forem afirmados os extremos. Por exemplo, como dizer para a criança que<br />

tal pessoa é boa, que outra é boa, mas nem tanto, que outra é má, que outra é um pouco má, que outra,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das circunstâncias, é má? Ela precisa, inicialmente, diferenciar o que é ser uma pessoa boa e<br />

o que é ser uma pessoa má.<br />

Esse processo, importante na infância e que <strong>de</strong>veria ser apenas e tão somente um momento<br />

necessário para a estruturação do aparelho psíquico, torna-se assim sem sentido quando é eternizado. E é<br />

exatamente o que a mídia têm feito ao nos empurrar pelos gargalos das opções para um ou para outro<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 511


paradigma. É nesse contexto que observamos jovens que só enxergam pessoas bonitas ou feias, diferentes<br />

ou iguais, “que só servem para casar ou para ficar”...<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Em vista <strong>de</strong>stes apontamentos, a nossa sugestão é a <strong>de</strong> que o ficar tem que ser substituído pelo<br />

amar. Acreditamos que esta proposta é fundamental para a sobrevivência da própria civilização e, antes<br />

<strong>de</strong> tudo, é uma postura política <strong>de</strong> oposição à lógica capitalista que procura nos transformar em meros<br />

produtos <strong>de</strong> consumo e que só solicita a nossa capacida<strong>de</strong> racional (entenda-se, <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>) para<br />

aten<strong>de</strong>r aos interesses <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> mais-valia e <strong>de</strong> alienação, como a transformação do ficar em algo<br />

que está na moda e o amar em algo que está fora <strong>de</strong> moda.<br />

Referências<br />

ARAÚJO, U. F. O ambiente escolar e o <strong>de</strong>senvolvimento do juízo moral infantil. In: MACEDO, L. <strong>de</strong><br />

(Org.). Cinco estudos <strong>de</strong> educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996, p. 105-135.<br />

BRUCKNER, P. A euforia perpétua. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Difel., 2002.<br />

CALLIGARIS, C. Hello Brasil! São Paulo: Escuta, s.d.<br />

LA TAILLE, Y <strong>de</strong> (Org.) Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo:<br />

Summus, 1992.<br />

MOTTA, G. Jovem te quero jovem. Humanida<strong>de</strong>s, UnB, v.14, 1987. p. 5-10.<br />

PIAGET, J. (1932). O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.<br />

PIAGET, J. (1964). Seis estudos <strong>de</strong> psicologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1973.<br />

ROUANET, S. P. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.<br />

SANTOS, J. F. dos (1980). O que é pós-mo<strong>de</strong>rno. São Paulo: Brasiliense, 1991.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 512


8. Afetivida<strong>de</strong><br />

Afetivida<strong>de</strong> e Representações <strong>de</strong> Si <strong>de</strong> Professores do Ensino Fundamental<br />

Resumo<br />

SOUZA COSTA, Fernando Augusto Bentes <strong>de</strong><br />

Universida<strong>de</strong> do Estado do Pará/CAPES<br />

p.s.i@uol.com.br<br />

fabscosta1955@gmail.com<br />

Discutir os vínculos dos professores com o Magistério e explicar como esses vínculos se mantêm e se<br />

conservam é também uma das tarefas para a <strong>Psicologia</strong> Genética incorporar em seu campo <strong>de</strong><br />

investigação, consi<strong>de</strong>rando-se a urgência <strong>de</strong> se refletir sobre a dimensão afetiva presente na subjetivida<strong>de</strong><br />

dos professores. Acreditamos que essa dimensão é condição necessária mas não suficiente para o<br />

exercício da docência. Além disso, no cenário sócio-educacional brasileiro contemporâneo consi<strong>de</strong>ramos<br />

relevante saber o que pensam os professores a respeito <strong>de</strong> si, que vínculos afetivos estabelecem com a sua<br />

profissão, suas aspirações, motivações e princípios. Essas inquietações conduziram-nos a investigar que<br />

representações fazem <strong>de</strong> si professores do Ensino Fundamental e que vínculos afetivos compareciam<br />

nessas representações. Representações <strong>de</strong> Si são imagens construídas pelos sujeitos como um conjunto <strong>de</strong><br />

valores. Para isso, pesquisamos 60 professores do Ensino Fundamental <strong>de</strong> 5ª à 8ª série <strong>de</strong> diferentes<br />

cida<strong>de</strong>s brasileiras situados na faixa etária entre 21 e 60 anos. Os professores redigiram um texto<br />

respon<strong>de</strong>ndo à seguinte questão: Quem sou eu como professor (a)? Os resultados evi<strong>de</strong>nciaram que 60%<br />

dos participantes apontaram vínculos afetivos amorosos em seus textos e 21,7% se representaram através<br />

<strong>de</strong> atributos <strong>de</strong> natureza moral. Os docentes relataram atitu<strong>de</strong>s positivas frente à Educação, ao ensinar, ao<br />

aluno e seu aprendizado e se mostraram curiosos e interessados no conhecimento; seus textos revelaram<br />

também as seguintes questões: a formação humana dos alunos e alunas, seu <strong>de</strong>senvolvimento e<br />

aprendizagem apareceram como uma meta educativa; o amor, a paixão, a alegria se <strong>de</strong>stacaram como fundamentais<br />

para o Magistério. Percebem-se também como professores honestos, justos, abertos ao diálogo<br />

e preocupados em formar cidadãos conscientes e responsáveis e passam aos alunos: confiança, segurança<br />

e compromisso. Concluímos, portanto que os participantes apresentaram vínculos afetivos amorosos<br />

quando se representam como professores manifestando satisfação e realização pessoal e profissional.<br />

Palavras-chaves: Afetivida<strong>de</strong>. Representações <strong>de</strong> Si. Professores. Ensino Fundamental.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 513


Abstract<br />

Discuss the relationship of teachers with Magistery and explain how these links are maintained and are<br />

kept is also one of the tasks for the Psychology Genetics incorporate in its field of research, consi<strong>de</strong>ring<br />

the need to reflect on the affective dimension in the subjectivity of teachers. We believe that this<br />

dimension is necessary but not enough for the exercise of teaching. Moreover, in the socio-educational<br />

scenario in Brazilian nowadays is consi<strong>de</strong>red important to know what teachers think about themselves,<br />

which emotional ties they establish to their profession, their aspirations, motivations and principles. These<br />

concerns led us to investigate which of them are representations of elementary school teachers and<br />

affective ties that attend these performances. Representations about themselves are images constructed by<br />

the subjects as a set of values. For this, 60 elementary school teachers in the 5th to 8th gra<strong>de</strong> in different<br />

Brazilian cities located in the age group between 21 and 60 years have been studied. The teachers wrote a<br />

text answering the following question: Who am I as a teacher (a)? The results showed that 60% of<br />

participants indicated romantic emotional ties in their texts and 21.7% are represented by attributes of<br />

moral character. The teachers reported positive attitu<strong>de</strong>s related to education, to the teaching, to the<br />

stu<strong>de</strong>nt and their learning and were curious and interested in knowledge; their texts also revealed the<br />

following issues: the human formation of the stu<strong>de</strong>nts, their <strong>de</strong>velopment and learning emerged as an<br />

education goal; love, passion and the joy were the highlights as basics to the Magistery. Perceive<br />

themselves as honest teachers, fair, open to dialogue and anxious to make conscious and responsible<br />

citizens and teach the stu<strong>de</strong>nts: trust, security and commitment. We conclu<strong>de</strong>, therefore, that the<br />

participants had emotional love ties when being teachers expressing satisfaction and personal and<br />

professional fulfillment.<br />

Keywords: Affectivity. Representations of oneself. Teachers. Elementary School.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 514


Introdução<br />

Numa época como a que estamos, cheia <strong>de</strong> episódios <strong>de</strong> violência, <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> <strong>de</strong>samor, penso ser<br />

bastante relevante trazer para o <strong>de</strong>bate acadêmico o tema da Afetivida<strong>de</strong>, focalizando a discussão na<br />

figura do professor, sobretudo quando temos observado nos meios <strong>de</strong> comunicação tantos atos violentos<br />

cometidos no espaço escolar contra os professores e contra os alunos também. Acredito também que o<br />

professor e seu processo <strong>de</strong> formação precisam ser repensados à luz dos estudos sobre a importância da<br />

Afetivida<strong>de</strong> e da Moralida<strong>de</strong> Humana que têm contribuído cada vez mais para ampliar e trazer novos<br />

elementos para a problemática que nos propomos a abordar no presente trabalho.<br />

Como profissional da área da psicologia, sempre estive, e continuo atuando, em cursos <strong>de</strong><br />

Capacitação Docente; e enquanto ligado a cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, sempre me inquietei com<br />

várias questões que afetam a formação e atuação <strong>de</strong>sses profissionais: suas escolhas, seus conflitos e<br />

alegrias, seus tropeços, sua glória e seus fracassos: Que vínculos afetivos os professores estabelecem com<br />

a sua profissão? Quais são suas motivações? Seus <strong>de</strong>sejos e seus princípios? Que Representações fazem<br />

<strong>de</strong> si? O amor (enquanto virtu<strong>de</strong> e sentimento) é percebido como um valor importante nessas<br />

representações? Que elementos po<strong>de</strong>m ser evi<strong>de</strong>nciados nessas representações?<br />

nossa pesquisa<br />

Essas foram algumas <strong>de</strong> nossas questões norteadoras e foi isso que preten<strong>de</strong>mos investigar em<br />

Por outro lado, acreditamos ser importante investigar outras facetas da figura do professor, como,<br />

por exemplo, sua dimensionalida<strong>de</strong> psicológica, mais subjetiva. Aspectos metodológicos, didáticos são<br />

igualmente importantes, mas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pesquisar outros aspectos, como por<br />

exemplo, a dimensão afetiva presente nas representações <strong>de</strong> si <strong>de</strong> professores.<br />

Além <strong>de</strong> todas as questões abordadas, consi<strong>de</strong>ramos que nosso trabalho po<strong>de</strong>rá ampliar a<br />

discussão sobre essa área temática investigando como os professores se veem, se percebem e o que<br />

sentem pelo Magistério acrescentando mais elementos a esse campo investigativo.<br />

Como um dos marcos teóricos principais <strong>de</strong> nosso trabalho, situamos as i<strong>de</strong>ias, noções e conceitos<br />

postulados pelo criador da <strong>Epistemologia</strong> e da <strong>Psicologia</strong> Genéticas, Jean Piaget. Ainda que nosso estudo<br />

não possa ser consi<strong>de</strong>rado como um estudo <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Moral da forma como essa linha <strong>de</strong> investigação<br />

tem realizado seus estudos, cremos ser apropriado discutirmos as interações entre afeto, razão e moral já<br />

que consi<strong>de</strong>ramos como Comte-Sponville (2001) o Amor como uma virtu<strong>de</strong> moral, portanto o Amor<br />

sendo virtu<strong>de</strong> pertence também ao campo dos afetos e da cognição.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 515


Segundo Piaget (1964/1978), afetivida<strong>de</strong> e cognição são dois elementos indissociáveis,<br />

irredutíveis e complementares, um implicando-se no outro. Para o autor, não há condutas puramente<br />

intelectuais ou afetivas. Inteligência e afetivida<strong>de</strong> estão constantemente interligadas; <strong>de</strong>vendo, entretanto,<br />

serem consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> natureza diferente.<br />

Dentro do mo<strong>de</strong>lo piagetiano, a dimensão afetiva recebe a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Interesse sendo esse<br />

consi<strong>de</strong>rado o regulador energético que mobiliza e impulsiona as condutas humanas em direção a objetos,<br />

situações e pessoas: “Em todos os níveis, a ação supõe sempre um interesse que a <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia”<br />

(PIAGET, 1954/1994. p. 12). Sabe-se também que o interesse é o prolongamento <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong><br />

necessida<strong>de</strong> seja ela fisiológica afetiva ou intelectual. É inegável segundo essa visão que resultados<br />

positivos po<strong>de</strong>m ser alcançados entre os escolares quando as ativida<strong>de</strong>s propostas e os conteúdos<br />

trabalhados no espaço escolar apelam e respon<strong>de</strong>m aos seus interesses e necessida<strong>de</strong>s. É importante o<br />

conceito piagetiano <strong>de</strong> Interesse para pensarmos na vinculação afetiva dos professores com a sua<br />

profissão <strong>de</strong> ensinar, principalmente se admitirmos o interesse como um elemento que impulsiona os<br />

sujeitos na direção dos objetos. Além disso, para as finalida<strong>de</strong>s do presente estudo, o interesse apresenta<br />

outro aspecto ligado a sistemas <strong>de</strong> valores que variam e se diferenciam no <strong>de</strong>curso do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

humano “<strong>de</strong>terminando finalida<strong>de</strong>s sempre mais complexas para a ação” (PIAGET, 1954/1994. p. 39).<br />

Valor é outro conceito essencial para a presente discussão. O valor está ligado a uma espécie <strong>de</strong><br />

expansão da ativida<strong>de</strong>, do eu, na conquista do universo. Expansão esta que põe em jogo a assimilação, a<br />

compreensão da realida<strong>de</strong> física e social. Po<strong>de</strong>ndo ser consi<strong>de</strong>rado como um intercâmbio afetivo com o<br />

exterior, objeto ou pessoa, o valor intervém já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ação primária <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o sujeito se põe em<br />

relação com o mundo exterior. É ele que <strong>de</strong>terminará as energias que o sujeito <strong>de</strong>verá empregar em suas<br />

ações; diz-se também que o valor continuará a <strong>de</strong>sempenhar um importante papel no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dos sentimentos. O valor po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido igualmente como uma dimensão geral da afetivida<strong>de</strong> e não<br />

como um sentimento particular e privilegiado. O problema está em se investigar quando e por que<br />

intervém a valoração.<br />

Dessa forma, é legítimo se afirmar que o valor está intrinsecamente ligado às ações mesmas do<br />

sujeito, na medida em que um objeto ou uma pessoa tem valor quando enriquecem a ação própria. Por<br />

outro lado, ao sistema <strong>de</strong> valores construído pelos sujeitos se seguirão valores interindividuais que<br />

pressupõem a reciprocida<strong>de</strong>. Entenda-se aqui reciprocida<strong>de</strong> como “um enriquecimento mútuo dos<br />

interlocutores pelo intercâmbio <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s” (PIAGET, 1954/1994, p.246). Por sua vez, essa reciprocida<strong>de</strong><br />

engendrará um <strong>de</strong>scentramento afetivo que conduzirá aos sentimentos normativos e à vida moral.<br />

Os valores atribuídos às pessoas serão o ponto <strong>de</strong> partida dos sentimentos morais, cujas formas<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 516


elementares são a simpatia e a antipatia. Por outro lado, os dois sistemas que mediam a relação dos<br />

sujeitos com o mundo exterior (valorações e regulações internas) encontram seu ponto <strong>de</strong> união no<br />

mecanismo <strong>de</strong> interesse. Como já explicitado, o interesse é <strong>de</strong>finido como um regulador energético e<br />

traduz a relação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> experimentada pelo sujeito com o objeto suscetível <strong>de</strong> satisfazê-la.<br />

Enquanto que a necessida<strong>de</strong> provoca um <strong>de</strong>sequilíbrio, sua satisfação traz a reequilibração. Em outras<br />

palavras, po<strong>de</strong>-se dizer que o interesse é um elemento que impulsiona/dirige a ação do Sujeito em relação<br />

a Objetos e Pessoas com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> satisfazer uma dada Necessida<strong>de</strong>.<br />

O conteúdo do interesse, seu aspecto qualitativo, constitui o Valor cuja característica fundamental<br />

é regular a distribuição dos Fins e dos Meios.<br />

Como nosso trabalho objetivou discutir representações <strong>de</strong> si <strong>de</strong> professores do Ensino<br />

Fundamental bem como o lugar ocupado pela Afetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas representações, faz-se necessário<br />

introduzir uma discussão mais específica acerca do conceito <strong>de</strong> representações <strong>de</strong> si.<br />

De acordo com Perron (1991, p. 12), o conceito <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> si serve para<br />

<strong>de</strong>screver/caracterizar “processos psicológicos por meio dos quais todo um conjunto <strong>de</strong> fenômenos –<br />

sensações, representações, i<strong>de</strong>ias, <strong>de</strong>sejos, crenças, estados corporais, etc. – se organizam enquanto<br />

totalida<strong>de</strong> constitutiva do Sujeito”. Esse autor consi<strong>de</strong>ra que cada pessoa faz <strong>de</strong> si mesma uma<br />

representação, quando ela evoca aspectos que, segundo ela própria, a <strong>de</strong>finem como pessoa.<br />

Assim, representações <strong>de</strong> si são, com efeito, representações que o sujeito faz <strong>de</strong> si mesmo:<br />

imagens <strong>de</strong> si, construídas como um conjunto <strong>de</strong> valores, sendo que todas as características usadas pelo<br />

sujeito para se <strong>de</strong>finir são percebidas, em diferentes graus, como <strong>de</strong>sejáveis ou não. Mais ainda, po<strong>de</strong>-se<br />

dizer que, no mais íntimo <strong>de</strong>ssa consciência <strong>de</strong> si – do sentimento <strong>de</strong> ser esse “si mesmo”, diferente <strong>de</strong><br />

todas as outras pessoas – encontra-se a sensação <strong>de</strong> ser valor enquanto pessoa. Isso significa que esse<br />

“sentimento <strong>de</strong> coerência e <strong>de</strong> permanência que <strong>de</strong>fine aos olhos da pessoa sua própria existência ten<strong>de</strong> a<br />

coincidir com o sentimento <strong>de</strong> ser valor enquanto pessoa: Sou valor porque sou; Sou porque sou valor”<br />

(PERRON, 1991, p 24). Parafraseando Descartes, acrescentaríamos: Sou pessoa, logo sou valor.<br />

Outra referência importante para nosso estudo foi o livro <strong>de</strong> André Comte-Sponville, intitulado<br />

Pequeno tratado das gran<strong>de</strong>s virtu<strong>de</strong>s (2000). Para este autor, uma virtu<strong>de</strong> é uma força que impulsiona ou<br />

que faz agir. Se a virtu<strong>de</strong> da lâmpada é iluminar os ambientes, a virtu<strong>de</strong> dos sujeitos humanos é querer e<br />

agir <strong>de</strong> forma humana. Por outro lado, as virtu<strong>de</strong>s conferem excelência àqueles que as possuem, ou seja,<br />

“a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um homem é o que o faz humano, ou antes, é o po<strong>de</strong>r específico que tem o homem <strong>de</strong><br />

afirmar sua excelência própria, isto é, sua humanida<strong>de</strong>” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 08).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 517


A partir <strong>de</strong>sses pressupostos, po<strong>de</strong>m-se caracterizar também as virtu<strong>de</strong>s enquanto disposições <strong>de</strong><br />

coração, caráter ou natureza. No entanto, não po<strong>de</strong>mos dizer que nascemos virtuosos, mas nos tornamos<br />

assim pela influência <strong>de</strong> outros homens; as virtu<strong>de</strong>s são, portanto, históricas e adquiridas.<br />

As virtu<strong>de</strong>s que nos interessam particularmente são as assim <strong>de</strong>nominadas virtu<strong>de</strong>s morais, ou<br />

seja, aquelas que conferem um po<strong>de</strong>r especialmente particular aos seres humanos: po<strong>de</strong>r que faz um<br />

homem parecer “mais humano ou mais excelente” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 09).<br />

E <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s apresentadas por Comte-Sponville, interessa-nos discutir o AMOR: o amor<br />

enquanto espontaneida<strong>de</strong> alegre, pois esse é um dos focos <strong>de</strong> nosso trabalho: o Amor (os vínculos<br />

afetivos) presente (ou ausente) nas representações <strong>de</strong> si<strong>de</strong> professores do Ensino Fundamental.<br />

Queremos esclarecer que em nosso trabalho, a ênfase maior recaiu na expressão amorosa que<br />

Comte-Sponville <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> Philia (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 263) que, nas palavras do filósofo,<br />

po<strong>de</strong>ria ser traduzido da seguinte maneira “Desejar o que fazemos o que temos chama-se querer, chama-<br />

se agir, chama gozar ou regozijar-se. Há ação, há prazer, há alegria cada vez que <strong>de</strong>sejamos o que<br />

fazemos o que temos o que somos ou que existe”.<br />

Não só falta, antes: força, energia, potência. Dentro <strong>de</strong>sse enfoque, Comte-Sponville, inspirado<br />

pelo pensamento spinozista, postula que: “amar é po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sfrutar alguma coisa ou se regozijar <strong>de</strong>la”<br />

(COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 269).<br />

Nessa perspectiva, o amor é alegria; a alegria é primeira. Assim, amor e alegria se mesclam<br />

profundamente: “só há amor alegre, só há alegria no amor” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 273).<br />

Aprofundando mais essas i<strong>de</strong>ias, ele afirma que o prazer amoroso no sentido mais pleno e grandioso da<br />

palavra, só acontece “... quando a alma se regozija e isso é o que ocorre especialmente nas relações<br />

interpessoais” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 270). Como nosso trabalho investiga representações <strong>de</strong> si<br />

<strong>de</strong> professores e o lugar da afetivida<strong>de</strong> nessas representações, acreditamos que o Amor Philia possa<br />

traduzir <strong>de</strong> forma mais a<strong>de</strong>quada e pertinente as relações entre professores e alunos.<br />

Embora se saiba que há inúmeros problemas na Educação Brasileira como um todo, em todos os<br />

níveis <strong>de</strong> Ensino, é sabido também que a Educação Escolar continua sendo valorizada pelos estudantes<br />

como algo importante em suas vidas. Para isso, basta darmos uma olhada em recentes resultados obtidos<br />

em uma pesquisa realizada por Harkot-<strong>de</strong>-La-Taille e La Taille (2006) e comentada posteriormente por<br />

La Taille (2006) com 5 mil alunos do Ensino Médio, da Gran<strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong> escolas públicas e privadas.<br />

Observou-se entre os resultados obtidos que 71% dos alunos, em média com 17 anos, avaliaram que os<br />

professores são muito importantes para o progresso da socieda<strong>de</strong> sendo que 27% dos pesquisados<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 518


consi<strong>de</strong>raram os professores importantes.<br />

Além disso, pesquisa realizada durante 2 anos, com 52.000 sujeitos, 1.440 escolas nos 27 estados<br />

da fe<strong>de</strong>ração, em parceria entre o Laboratório <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> do Trabalho da UnB e a Confe<strong>de</strong>ração<br />

Nacional dos Trabalhadores em Educação apontou que 86% dos investigados consi<strong>de</strong>ram-se satisfeitos<br />

com o seu trabalho mesmo com as dificulda<strong>de</strong>s que enfrentam (CODO, 2006, p. 100-101).<br />

Dessa maneira, cheguei à formulação do seguinte problema: Que representações professores do<br />

Ensino Fundamental fazem <strong>de</strong> si? O Amor está presente nessas representações? Os objetivos da<br />

pesquisa eram: investigar sobre o Amor como um elemento importante nas Representações <strong>de</strong> Si <strong>de</strong><br />

professores do EF (Ensino Fundamental – 5ª a 8ª série); evi<strong>de</strong>nciar que a vínculos afetivos eles<br />

estabelecem com o exercício do Magistério; i<strong>de</strong>ntificar os atributos <strong>de</strong>stacados pelos professores em suas<br />

representações <strong>de</strong> si.<br />

Participaram <strong>de</strong>sse estudo 60 professores do Ensino Fundamental, <strong>de</strong> Escolas Privadas <strong>de</strong><br />

diferentes cida<strong>de</strong>s brasileiras: São Paulo, São Bernardo do Campo, Campinas, Americana e Belém do<br />

Pará. Desse total, 83,32% estavam situados na faixa etária que vai dos 31 aos 60 anos; dos 60<br />

participantes, 61,66% possuíam cursos <strong>de</strong> pós-graduação e 68,3% são do sexo feminino; havendo<br />

representantes <strong>de</strong> diferentes áreas <strong>de</strong> conhecimento: História, Geografia, Ensino Religioso, Matemática,<br />

Física, Biologia, Línguas, Educação Física, etc.<br />

Quase sempre, realizávamos a coleta, logo na primeira visita às escolas. Pedíamos aos professores<br />

que lessem atentamente as instruções da folha que orientavam a elaboração <strong>de</strong> uma redação (Memorial)<br />

respon<strong>de</strong>ndo à pergunta “Quem sou eu como professor (a)? Geralmente, as coor<strong>de</strong>nações cediam alguma<br />

sala on<strong>de</strong> os professores, que aceitavam participar, pu<strong>de</strong>ssem elaborar o referido memorial que ocorria em<br />

torno <strong>de</strong> 30 a 40 minutos, sempre com a presença do pesquisador.<br />

Conforme foi explicado, os professores elaboraram um texto Memorial respon<strong>de</strong>ndo à seguinte<br />

pergunta Quem sou eu como professor (a)?. Em seguida, os textos foram analisados levando-se em<br />

consi<strong>de</strong>ração: aspectos gerais – não diretamente ligados aos objetivos do estudo, como por exemplo:<br />

como os professores se representam, através <strong>de</strong> que elementos <strong>de</strong> que imagens? aspectos específicos –<br />

diretamente ligados às questões do presente estudo e que indicassem o vínculo do professor com o<br />

Magistério: prazer, amor, paixão, compromisso, <strong>de</strong>dicação e responsabilida<strong>de</strong>. Outros aspectos foram<br />

igualmente consi<strong>de</strong>rados, tais como: importância atribuída à escola, à educação, ao Conhecimento<br />

(incluindo a Disciplina ministrada pelo professor); referências explícitas ao <strong>de</strong>senvolvimento e à<br />

aprendizagem do aluno.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 519


As representações <strong>de</strong> si constatadas nos Memoriais foram analisadas e categorizadas tomando-se<br />

como base os vários elementos e atributos utilizados pelos participantes para se representarem enquanto<br />

professores. A pergunta <strong>de</strong>flagradora Quem sou eu como professor (a)? foi formulada com o propósito <strong>de</strong><br />

fomentar nos professores uma auto-reflexão a respeito <strong>de</strong> “si mesmo” enquanto profissionais num campo<br />

específico, o da Educação. Vejamos a seguir as diferentes Categorias que pu<strong>de</strong>mos construir a partir dos<br />

elementos encontrados nos textos.<br />

A Categoria A (VÍNCULOS AFETIVOS POSITIVOS DOS PROFESSORES COM O<br />

MAGISTÉRIO) contempla as referências feitas pelos participantes: aos vínculos afetivos que estabelecem<br />

com o Ensinar, com os Alunos, incluindo aqui o Amor, o regozijar-se com as conquistas e <strong>de</strong>scobertas<br />

dos alunos; à importância atribuída à disciplina (área <strong>de</strong> conhecimento) que lecionam; ao lugar que a<br />

profissão <strong>de</strong> professor ocupa nas suas vidas; à realização e satisfação advinda pelo exercício do<br />

Magistério.<br />

Seguem abaixo trechos <strong>de</strong> alguns Memoriais pertencentes a essa Categoria:<br />

. Sou apaixonado pelo meu trabalho. Amo o que realizo, meu trabalho, minha profissão;<br />

. Sou apaixonada pelas pessoas (...) Tenho vínculos <strong>de</strong>finidos com o Magistério; gosto do<br />

que faço, do ambiente <strong>de</strong> trabalho, das respostas que vêm dos alunos e dos pais. O que<br />

importa é que o trabalho seja feito com amor;<br />

. Sou feliz e não me imagino em outro lugar/profissão.<br />

. Estou completamente satisfeita com a profissão: adoro o que faço, tenho <strong>de</strong>terminação e<br />

persistência, quando penso que sou uma educadora e responsável pelo aprendizado dos<br />

alunos;<br />

. Todas as minhas principais conquistas na vida, sejam materiais ou não, vieram da<br />

profissão <strong>de</strong> professor (...) Sou professor por opção e sinto-me completo nela (profissão)<br />

apesar das dificulda<strong>de</strong>s todas que esta escolha me impõe;<br />

. Acredito que a educação transforma, proporciona uma visão <strong>de</strong> mundo muito mais<br />

ampla. Gosto <strong>de</strong> vê-los “<strong>de</strong>scobrindo”, olhinhos brilhando ao conseguirem alguma<br />

superação. Não consigo <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> me empolgar com as conquistas das crianças;<br />

. Na sala <strong>de</strong> aula, sou alegre. Gosto <strong>de</strong> construir conceitos com os alunos antes <strong>de</strong> aplicálos<br />

e vibrar com suas <strong>de</strong>scobertas [dos alunos].<br />

A Categoria M (DIMENSÃO MORAL DO EDUCADOR) compreen<strong>de</strong> os textos em que os<br />

professores se representam por meio <strong>de</strong> conteúdos morais tais como: honestida<strong>de</strong>, justiça, transparência,<br />

cidadania, responsabilida<strong>de</strong>. Chamamos a atenção para o fato <strong>de</strong> que ao se representarem usando tais<br />

conteúdos, os docentes fazem referência às relações interpessoais estabelecidas no cotidiano da sala <strong>de</strong><br />

aula. Ou seja, nessas representações é possível constatar que os professores fazem uma reflexão sobre a<br />

dimensão moral como um componente importante na sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, sempre levando em consi<strong>de</strong>ração a<br />

presença dos alunos. Vejamos a seguir alguns dos Memoriais inseridos nessa categoria:<br />

- Vejo meu papel como uma pessoa honesta, justa e facilitador da aprendizagem,<br />

engajado em construir pessoas melhores. Tenho como objetivos formar pessoas<br />

pensantes, participativas e educadas;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 520


- Procuro estabelecer com a classe uma parceria baseada nos princípios da<br />

transparência, honestida<strong>de</strong> e diálogo (...) Ser professora é ter um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vida em que<br />

prevaleçam questões <strong>de</strong> cidadania e ética (...) É fazer com que as pessoas que comigo<br />

convivem tenham senso <strong>de</strong> justiça e sejam cidadãos realmente participantes na<br />

socieda<strong>de</strong>;<br />

- Sou alguém que constrói relações <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula baseadas em três pontos que consi<strong>de</strong>ro<br />

essenciais: confiança, afetivida<strong>de</strong> e transparência.<br />

A categoria PA (PROFESSOR APRENDENTE) compreen<strong>de</strong> os professores que se representam<br />

como aprendizes, consi<strong>de</strong>rando esse auto-atributo como importante para o exercício do Magistério.<br />

Cremos que tal fato é um indicador positivo quando os próprios educadores, mestres ou professores se<br />

colocam no lugar <strong>de</strong> aprendiz uma vez que uma das funções <strong>de</strong> um educador é <strong>de</strong>spertar e fomentar nos<br />

discentes o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r novos conhecimentos, fazer novas <strong>de</strong>scobertas (Savater, 2000; Contreras,<br />

2002). Po<strong>de</strong>mos constatar essa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> querer apren<strong>de</strong>r nos trechos dos Memoriais <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses<br />

educadores:<br />

- Ser professora é uma vocação e um eterno apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r, apren<strong>de</strong>r a ser,<br />

apren<strong>de</strong>r a fazer, apren<strong>de</strong>r a estar;<br />

- Sou o professor que tenta apren<strong>de</strong>r no dia-a-dia: nos estudos particulares, no trato com<br />

os alunos e colegas <strong>de</strong> trabalho;<br />

- Estou sempre me auto-avaliando ou analisando. Preciso apren<strong>de</strong>r muito e o dia a dia é<br />

o melhor professor. Aprendo com os acontecimentos em sala <strong>de</strong> aula; revejo posições a<br />

partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que tomo e consi<strong>de</strong>ro erradas. De uma forma simples tento passar as<br />

informações para os alunos, tento fazer com que eles saibam relacioná-las com o seu<br />

cotidiano (...) sou uma eterna aluna, sempre pronta para apren<strong>de</strong>r e rever posições.<br />

Entre os textos produzidos pelos docentes, foram construídas mais duas Categorias: VB<br />

(VÍNCULOS AMBIVALENTES COM O MAGISTÉRIO), on<strong>de</strong> se inserem os professores que<br />

apresentaram um vínculo ambivalente com a sua profissão, ou seja, um vínculo que oscila ente pólos, às<br />

vezes, até antagônicos; e a Categoria OUTROS que compreen<strong>de</strong> os Memoriais que não apresentaram<br />

elementos que permitissem ser classificados nos outros tipos já apresentados.<br />

Dos resultados obtidos, o maior percentual observado concentrou-se na categoria A, 36<br />

professores (60%) e os 13 professores representantes do segundo maior percentual (21,7%), Categoria M,<br />

utilizaram atributos <strong>de</strong> natureza moral refletindo uma visão bastante positiva <strong>de</strong> si como pessoas e<br />

profissionais. Além <strong>de</strong>sses, tivemos também professores que se consi<strong>de</strong>ram responsáveis pelo<br />

aprendizado <strong>de</strong> seus alunos, participam <strong>de</strong> forma especial da formação <strong>de</strong> seus educandos e se sentem<br />

confiantes nas possibilida<strong>de</strong>s positivas dos seres humanos. Por sua vez, ter encontrado docentes que se<br />

<strong>de</strong>claram abertos ao diálogo, ao construir e ao partilhar nos remete às idéias piagetianas sobre o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do juízo moral humano, sobre a importância <strong>de</strong> se lutar por uma educação que valorize<br />

relações <strong>de</strong> cooperação, o respeito mútuo e a construção da autonomia em suas múltiplas dimensões<br />

(PIAGET,1930/1996; PIAGET, 1932/1977).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 521


Assim, professores curiosos, interessados no conhecimento, preocupados em fomentar e<br />

<strong>de</strong>senvolver o interesse pelo saber, pelo construir e pelo seu próprio crescimento e pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dos alunos corroboram a posição <strong>de</strong> vários teóricos que valorizam os mestres que fomentam as paixões <strong>de</strong><br />

seus aprendizes por novos saberes, novos conhecimentos. A crença positiva <strong>de</strong>positada por alguns <strong>de</strong><br />

nossos sujeitos no potencial positivo da educação encarada como algo que se constrói na experiência<br />

cotidiana, do dia a dia faz-nos aproximarmos mais uma vez das reflexões piagetianas segundo as quais o<br />

conhecimento se <strong>de</strong>senvolve, entre outras coisas, por meio <strong>de</strong> experiências vividas, elaboradas e re-<br />

construídas.<br />

O professor que se coloca também no lugar do eterno aprendiz incentiva seus alunos a se<br />

posicionarem <strong>de</strong> forma semelhante diante do conhecimento. O mestre é aquele que aponta para seus<br />

aprendizes o caráter instável e provisório <strong>de</strong> todo e qualquer saber; portanto, questões <strong>de</strong>ixadas em aberto<br />

po<strong>de</strong>m se transformar em disparadores essenciais para <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar o “<strong>de</strong>sejo incessante <strong>de</strong> conhecer o<br />

mundo e a si mesmo” (DOZOL, 2003, p. 23).<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa perspectiva, cabe ao mestre <strong>de</strong>spertar a fome <strong>de</strong> mais aprendizados, <strong>de</strong> mais<br />

conhecimentos. Segundo Savater (2000, p. 211, grifos do autor), a educação encontra seu mais legítimo<br />

sentido conservando e transmitindo “o amor intelectual ao humano”.<br />

Portanto, cremos ser bastante relevante termos encontrado docentes que se encaixam nesse perfil.<br />

E relembremos com Contreras (2002) que uma das dimensões fundamentais na docência é a dimensão<br />

moral. Ou seja, as preocupações e as intervenções pedagógicas dos professores <strong>de</strong>vem estar voltadas para<br />

a formação <strong>de</strong> pessoas críticas e o <strong>de</strong>senvolvimento dos discentes em todos os aspectos: cognitivo,<br />

afetivo, social, cultural e moral.<br />

Se observarmos novamente os dados encontrados, constataremos que os professores inseridos na<br />

Categoria A, os que se encontram na Categoria PA e aqueles situados na Categoria M perfazem 90% do<br />

universo <strong>de</strong> 60 docentes que participaram da pesquisa. Esse dado, por si só, se revela como bastante<br />

expressivo, pois correspon<strong>de</strong> a 54 docentes que se representam <strong>de</strong> forma bastante positiva: seja<br />

afetivamente vinculado ao Ensinar; seja como professores que se percebem e se representam como<br />

agentes co-responsáveis pela formação sócio-moral <strong>de</strong> crianças e adolescentes; seja, por fim, como<br />

mestres e educadores sempre prontos a apren<strong>de</strong>r engajados num movimento contínuo <strong>de</strong> renovação e<br />

evolução pessoal e profissional.<br />

No geral, po<strong>de</strong>-se dizer, com certa cautela, que esses professores se i<strong>de</strong>ntificam, se caracterizam<br />

<strong>de</strong> maneira bastante positiva e a visão que têm <strong>de</strong> si enquanto educadores está fortemente atravessada por<br />

auto<strong>de</strong>finições morais, confirmando as teses <strong>de</strong> La Taille (2002, p. 65-72) segundo as quais “o homem<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 522


usca ver-se como valor positivo” sendo que “a busca <strong>de</strong> representações positivas é uma das motivações<br />

básicas das condutas humanas”.<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa ótica, o Amor apontado nos textos dos educadores participantes da pesquisa, é<br />

concebido como valor <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque que po<strong>de</strong> ser relacionado ao humanismo prático implicando a<br />

afirmação e a <strong>de</strong>fesa da humanida<strong>de</strong> como valor. Como se po<strong>de</strong> observar com relação a esse aspecto, as<br />

i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Sponville mesclam-se às postulações kantianas para quem a humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria ser sempre<br />

tratada como fim e nunca como meio.<br />

É como se, através do Amor, os professores nutrissem essa espécie <strong>de</strong> aspiração básica humana <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sejar estar vinculados a um valor, portanto um afeto, <strong>de</strong> importância fundamental. Assim, os dados que<br />

ora apresentamos nos levam a <strong>de</strong>duzir que, ao enunciar o Amor como o sentimento importante em suas<br />

representações <strong>de</strong> si, os sujeitos pesquisados estão se colocando <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse horizonte em que o Amor<br />

lhes aparece como um valor importante e, po<strong>de</strong>ríamos até arriscar, central.<br />

Por outro lado, se tomarmos como ponto <strong>de</strong> apoio a discussão piagetiana acerca das relações entre<br />

Afetivida<strong>de</strong> e Inteligência, po<strong>de</strong>mos evi<strong>de</strong>nciar uma aproximação entre os conceitos <strong>de</strong> Amor e o <strong>de</strong><br />

Interesse. O Amor tomado como Virtu<strong>de</strong> em Sponville (2000, p. 8) é po<strong>de</strong>r que faz agir: “a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

homem é o que o faz humano, ou antes, é o po<strong>de</strong>r específico que tem o homem <strong>de</strong> afirmar sua excelência<br />

própria, isto é, sua humanida<strong>de</strong>”. E para Piaget (1954/1994), o Interesse é o elemento dinamogenizador e<br />

energético das ações humanas capaz <strong>de</strong> mobilizar o Sujeito em direção ao Objeto para satisfazer a<br />

necessida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificada. Ora, se o Interesse é esse elemento energético que direciona e motiva a ação <strong>de</strong><br />

busca dos sujeitos, po<strong>de</strong>mos dizer que o Amor tal como pensado por Sponville po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />

como similar ao Interesse piagetiano, justamente por ser consi<strong>de</strong>rado como potência que faz o homem<br />

agir, estando, portanto ligado também às ações humanas.<br />

Po<strong>de</strong>mos então concluir que os professores participantes da pesquisa aqui relatada estão<br />

afetivamente (Amor, Interesse) ligados à Docência e ao Ensinar. Os vínculos afetivos dos professores<br />

com o ofício <strong>de</strong> Ensinar, com o Magistério também apontam para a presença <strong>de</strong> sentimentos como Amor,<br />

Paixão, Felicida<strong>de</strong> e Alegria. Claro que nem tudo são só flores no universo do ensinar e do apren<strong>de</strong>r. Há<br />

<strong>de</strong>sânimo, frustrações, sentimentos <strong>de</strong> impotência, mas como afirma Taylor, La Taille as representações<br />

que temos <strong>de</strong> nossa pessoa não são monolíticas. Ainda que tenhamos <strong>de</strong>terminadas partes <strong>de</strong>sse “si<br />

mesmo” que se conservam, se mantêm constantes, somos também constituídos pelo movimento, pelas<br />

contradições. Seres multifacetados e às vezes, <strong>de</strong>ntro da mesma pessoa, po<strong>de</strong>m abrigar representações <strong>de</strong><br />

si até antagônicas. Por isso La Taille (2006) chama-nos a atenção para o uso do conceito no plural:<br />

representações e não representação.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 523


E para finalizar, gostaria <strong>de</strong> citar as palavras <strong>de</strong> Araújo (2005) que consi<strong>de</strong>ro bastante pertinentes à<br />

temática que buscamos discutir nesse trabalho:<br />

Referências<br />

A vida me conce<strong>de</strong>u verda<strong>de</strong>iros mestres, privilégio que tenho sempre presente. Homens<br />

e mulheres generosos que não só me doaram o que sabiam, como me ensinaram a paixão<br />

pelo saber. Devo a esses mestres (...) quase tudo do pouco que sei.<br />

ARAÚJO, A. O amor começa. In: BORJA, M. I.; VASSALLO, M. (org). Valores para viver. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Guarda-Chuva, 2005. p. 31-34.<br />

CODO, W.; GAZZOTTI, A. A. Trabalho e afetivida<strong>de</strong>. In: CODO, W. (coor<strong>de</strong>nador). Educação:<br />

carinho e trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes/Brasília: Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores em<br />

Educação: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Laboratório <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> do Trabalho, 2006. p. 48-59.<br />

COMTE-SPONVILLE, A. Pequeno Tratado das Gran<strong>de</strong>s Virtu<strong>de</strong>s. Tradução <strong>de</strong> Eduardo Brandão. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 2000.<br />

CONTRERAS, J. A autonomia <strong>de</strong> Professores. Tradução <strong>de</strong> Sandra Trabucco Valenzuela. São Paulo:<br />

Cortez, 2002.<br />

DOZOL, M. Da figura do mestre. Campinas/SP: Autores Associados; São Paulo: Editora da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 2003.<br />

LA TAILLE, Y. <strong>de</strong> Vergonha, a ferida moral. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.<br />

______; HARKOT-DE-LA TAILLE, E. Valores dos jovens <strong>de</strong> São Paulo. In: LA TAILLE, Y. Moral e<br />

ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: ArtMed, 2006. p. 151-189.<br />

______, Y. Escola e professores sob o olhar do aluno. In: Formação docente: O <strong>de</strong>safio da qualificação<br />

cotidiana. Revista Pátio. Porto Alegre: ArtMed, Ano X, n. 40, 2007. p. 48-50<br />

PERRON, R. Lês réprésentations <strong>de</strong> soi: Développement, dynamiques, conflits. Paris: Presses<br />

Universitaires <strong>de</strong> France, 1991, p. 11-20; 23-46.<br />

PIAGET, J. Os procedimentos da educação moral. Tradução <strong>de</strong> Maria Suzano Stefano <strong>de</strong> Menin. In:<br />

PARRAT-DAYAN, S.; TRYPHON, A. (Introdução e organização) Sobre a Pedagogia: Jean Piaget. São<br />

Paulo: Casa do Psicólogo, 1930/1998. p. 25-58 (Coleção psicologia e educação).<br />

______. O julgamento moral na criança. Tradução <strong>de</strong> Elzon Lenardon. São Paulo: Editora Mestre Jou,<br />

1932/1977.<br />

______. Seis estudos <strong>de</strong> psicologia. Tradução da Profª Maria Alice Magalhães d’Amorim e Paulo Sérgio<br />

Lima Silva. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense-Universitária, 1964/1978. p. 151<br />

______. Las relaciones entre la inteligencia y la afectividad em el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong>l niño. In: DELAHANTY,<br />

G.; PERRÉS, J. (compiladores) Piaget y el psiconálisis. México: Ed. Universidad Autónoma<br />

Metropolitana, 1954/1994. p. 181-289.<br />

SAVATER, F. O valor <strong>de</strong> educar. Tradução <strong>de</strong> Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2000.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 524


9. Jogos e Brinca<strong>de</strong>iras<br />

O Processo <strong>de</strong> Tomada <strong>de</strong> Consciência das Regras <strong>de</strong> Acentuação Gráfica nas Aplicações do Jogo<br />

Acentolândia<br />

Resumo<br />

CEZAR, Kelly Priscilla Lóddo<br />

CALSA, Geiva Carolina<br />

ROMUALDO, Edson Carlos<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />

kellyloddo@hotmail.com<br />

Resultados <strong>de</strong> pesquisas e dados oficiais revelam um baixo <strong>de</strong>sempenho na aprendizagem <strong>de</strong> diversos<br />

conteúdos escolares e advertem sobre a relevância <strong>de</strong> metodologias alternativas para suprirem as<br />

necessida<strong>de</strong>s didáticas do sistema <strong>de</strong> ensino, como o uso <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> regras. O presente artigo tem por<br />

objetivo apresentar a criação e aplicação <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> regras sobre o conteúdo <strong>de</strong> acentuação gráfica em<br />

língua materna - Acentolândia, bem como o processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência das regras <strong>de</strong> acentuação<br />

gráfica promovida por este. Sua criação foi embasada na perspectiva teórica estruturalista do acento e em<br />

três obras <strong>de</strong> Jean Piaget (O juízo moral na criança; A construção do símbolo e Tomada <strong>de</strong> consciência)<br />

contou com três versões até chegar o mo<strong>de</strong>lo atual. A criação do jogo teve como sustentação teóricometodológica<br />

a <strong>Epistemologia</strong> Genética e o método clínico <strong>de</strong> Jean Piaget. As aplicações do jogo<br />

envolveram alunos <strong>de</strong> 4ª e 5ª séries do ensino fundamental, matriculados em instituições públicas <strong>de</strong><br />

Maringá/PR. A coleta <strong>de</strong> dados ocorreu em quatro etapas: diagnóstico do <strong>de</strong>sempenho em escrita;<br />

aplicação <strong>de</strong> um pré-teste e <strong>de</strong> entrevista clínica sobre o conteúdo focalizado na intervenção pedagógica;<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da intervenção pedagógica; e nova aplicação do teste e da entrevista clínica. Os resultados<br />

apresentados neste artigo contemplarão o processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência das regras, a partir das<br />

entrevistas individuais, <strong>de</strong> caráter clínico, realizadas antes e <strong>de</strong>pois do processo <strong>de</strong> intervenção<br />

pedagógica. Os dados confirmaram a hipótese <strong>de</strong> que os alunos obtêm melhorias nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

acentuação gráfica quando a intervenção pedagógica ocorre com o uso do jogo Acentolândia, tanto em<br />

termos quantitativos – melhoria do <strong>de</strong>sempenho em acentuação <strong>de</strong> vocábulos isolados -, quanto em<br />

termos qualitativos – explicação e justificativas das regras ortográficas.<br />

Palavras-chave: Educação. Ensino-Aprendizagem. Jogo <strong>de</strong> regras. Acentuação gráfica.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 525


Abstract<br />

Research findings and official data reveal a low learning performance of several school subjects and warn<br />

us about the importance of alternative methodologies in or<strong>de</strong>r to meet the didactic needs of the education<br />

system, such as the use of rule games. This article aims at presenting the <strong>de</strong>sign and applications of a rule<br />

game about the accent mark subject-matter in mother tongue – accentland, as well as, the awareness<br />

taken process on the accent mark rules provi<strong>de</strong>d by this game. Its <strong>de</strong>sign was based on the structuralist<br />

theoretical perspective of the accent mark and on the three jean piaget’s works O juízo moral da criança,<br />

A construção do símbolo and Tomada <strong>de</strong> consciência. It had three different versions before we could<br />

achieve the present mo<strong>de</strong>l game. Moreover, it was supported by the theoretical-methodological<br />

framework of genetics epistemology and jean piaget’s clinical method. The game was applied to 4 th and<br />

5 th -gra<strong>de</strong>d stu<strong>de</strong>nts of primary education enrolled in state schools in Maringá, Paraná. The data collection<br />

was performed in four different steps: diagnosis of the writing performance; application of a pre test and a<br />

clinical interview concerning the subject that was focused in the pedagogical intervention; pedagogical<br />

intervention accomplishment; and new application of a test and clinical interview. The results presented<br />

in this article comprehend the awareness taken process on some rules consi<strong>de</strong>ring the individual clinical<br />

interviews applied before and after the pedagogical intervention process. These evi<strong>de</strong>nced the hypothesis<br />

that stu<strong>de</strong>nts improve on the accent mark activities when the pedagogical intervention is performed with<br />

the use of the Accentland game. It happens both quantitatively – improvement of the performance of<br />

accent mark in single words – and qualitatively – explanation and justifications of the orthographic rules.<br />

[I<strong>de</strong>m]<br />

Keywords: mother tongue; learning construction; accent mark; rule game<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 526


Introdução<br />

Uma das disciplinas mais temidas pelos alunos e, por outro lado, das mais valorizadas pelos pais e<br />

pelos professores é a Língua Portuguesa. Aparentemente, esse comportamento <strong>de</strong>ve-se ao fato <strong>de</strong> não<br />

compreen<strong>de</strong>rem a função das varieda<strong>de</strong>s e modalida<strong>de</strong>s linguísticas, como a oral e a escrita, tanto seu<br />

registro coloquial quanto culto e padrão. Além <strong>de</strong>sses problemas enfrentados junto aos alunos, a<br />

aprendizagem <strong>de</strong> Língua Portuguesa continua sendo uma das preocupações do sistema educacional, pois<br />

os alunos continuam apresentando <strong>de</strong>fasagem cada vez maior entre a série em que se encontram e os<br />

conhecimentos que dominam.<br />

Segundo Travaglia (1996), esse <strong>de</strong>sempenho po<strong>de</strong> ser explicado, entre outros aspectos, pelas<br />

concepções <strong>de</strong> linguagem, <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> gramática, adotadas por muitos professores que continuam<br />

fundamentadas em um método tradicional <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> Língua Portuguesa. O professor não ce<strong>de</strong> espaço à<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexão do aluno em <strong>de</strong>corrência da ênfase dada ao método tradicional <strong>de</strong> compreensão e<br />

estudo gramatical <strong>de</strong> textos.<br />

Para alguns autores (CAGLIARI, 2002; MORAIS, 2002), a falta <strong>de</strong> compreensão e o<br />

distanciamento que ocorre entre a linguagem oral e a linguagem escrita contribuem para o baixo<br />

rendimento escolar. Dentre os conteúdos ortográficos da Língua Portuguesa, a presente pesquisadora<br />

selecionou a acentuação gráfica por envolver diretamente os aspectos da oralida<strong>de</strong> e da escrita. Motivada<br />

por resultados <strong>de</strong> suas pesquisas anteriores (CEZAR, 2005; 2006, 2007) criou o jogo <strong>de</strong> regras<br />

Acentolândia, levando em conta um olhar psicopedagógico sobre a aprendizagem das regras <strong>de</strong><br />

acentuação gráfica e as implicações <strong>de</strong> ensino encontradas em seus estudos anteriores.<br />

A criação do jogo teve como sustentação teórico-metodológica a <strong>Epistemologia</strong> Genética e o<br />

método clínico <strong>de</strong> Jean Piaget. A expectativa foi <strong>de</strong> que esse jogo pu<strong>de</strong>sse não só ser utilizado como um<br />

recurso didático em pequenos e gran<strong>de</strong>s grupos <strong>de</strong> alunos, nas aulas <strong>de</strong> Língua Portuguesa, sob a<br />

supervisão e a orientação dos professores, como também servisse <strong>de</strong> instrumento psicopedagógico. A<br />

opção pelo uso <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong>veu-se ao acesso a estudos que apresentam resultados positivos sobre<br />

a utilização <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> na aprendizagem <strong>de</strong> língua portuguesa e matemática (PÓVOA,1997;<br />

BERTONI, 2002; BRENELLI,1996; MACEDO, PETTY; PASSOS, 2000).<br />

De acordo com Macedo, Petty e Passos (2000) e Brenelli (1996), levando em consi<strong>de</strong>ração que<br />

são vários os processos cognitivos que ocorrem no contexto do jogo <strong>de</strong> regras, uma intervenção <strong>de</strong> caráter<br />

psicopedagógico com sua utilização é capaz <strong>de</strong> favorecer a melhoria da aprendizagem dos indivíduos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 527


Em vista <strong>de</strong>ssas consi<strong>de</strong>rações, este artigo objetiva apresentar a aplicação do jogo Acentolândia 78<br />

como recurso pedagógico para tomada <strong>de</strong> consciência da prática e das regras <strong>de</strong> acentuação gráfica com<br />

alunos <strong>de</strong> 4.ª e 5.ª séries do ensino fundamental. Cabe salientar que as regras <strong>de</strong> acentuação gráfica,<br />

<strong>de</strong>senvolvidas no jogo, são anteriores ao Novo Acordo Ortográfico, no entanto sua adaptação exige<br />

apenas pequenas modificações que não alteram a estrutura do Acentolândia.<br />

O processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência<br />

Partindo das consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Macedo (1994) e <strong>de</strong> Brenelli (1996) sobre o uso <strong>de</strong> jogos e sua<br />

repercussão cognitiva e social para os indivíduos, po<strong>de</strong>-se dizer que o processo ensino-aprendizagem<br />

escolar está diretamente vinculado ao conceito piagetiano <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência. Nesta investigação,<br />

partiu-se do pressuposto <strong>de</strong> que a ativida<strong>de</strong> cognitiva favorecida pelos jogos <strong>de</strong> regras po<strong>de</strong> levar os<br />

alunos a uma aprendizagem conceitual, no caso, das regras <strong>de</strong> acentuação gráfica.<br />

Na obra Tomada <strong>de</strong> consciência, Piaget (1977) <strong>de</strong>screve ativida<strong>de</strong>s nas quais buscou observar<br />

como esse processo se organiza nos indivíduos. O processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência po<strong>de</strong> ser entendido<br />

como um movimento gradual <strong>de</strong> re-construção <strong>de</strong> conhecimentos. Os indivíduos ampliam seus<br />

conhecimentos passando <strong>de</strong> um estágio a outro <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência – nível da ação não consciente<br />

em direção a uma consciência completa <strong>de</strong>ssa ação. Em outras palavras, a passagem <strong>de</strong> um nível inferior<br />

para um nível superior <strong>de</strong> conhecimento.<br />

A partir <strong>de</strong> seus experimentos, concluiu que a tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da observação das<br />

variáveis dos objetos e <strong>de</strong> si mesmo pelo próprio sujeito. Piaget (1977) assinala que, nesse processo, estão<br />

presentes dois momentos característicos: 1) os sujeitos realizam a ação e <strong>de</strong>pois tomam consciência sobre<br />

ela; 2) há tendência <strong>de</strong> os sujeitos repetirem a ação <strong>de</strong> acordo com a conceituação verbalizada, mesmo<br />

que, em alguns momentos, seja contraditória à sua ação (nível I e alguns momentos do nível II).<br />

A quebra do automatismo da ação po<strong>de</strong> ser gerada no momento em que a <strong>de</strong>scrição acompanha a<br />

ação, pois os sujeitos passam, então, da regulação automática para a regulação ativa, gerando a tomada <strong>de</strong><br />

consciência <strong>de</strong> sua ação e reversibilida<strong>de</strong> operatória. Isso significa que os sujeitos tornam-se capazes <strong>de</strong><br />

retroagir, antecipar a ação, sem terem <strong>de</strong> realizá-la no plano da ação propriamente dita para explicá-la e<br />

justificá-la, pois ocorre no plano da consciência.<br />

O mecanismo da tomada <strong>de</strong> consciência segue uma lei geral que parte da periferia (P) da ação<br />

(resultados e variáveis do objeto) e orienta-se para as suas regiões centrais (C) (variáveis do sujeito). A<br />

tomada <strong>de</strong> consciência parte dos resultados exteriores da ação para que, em seguida, seja possível analisar<br />

78 Os dados analisados pertencem ao banco <strong>de</strong> dados do Grupo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia (GEPESP/UEM –<br />

CNPq) coor<strong>de</strong>nado pela professora Dra. Geiva Carolina Calsa.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 528


os meios utilizados em busca <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nações mais amplas (reciprocida<strong>de</strong> e transitivida<strong>de</strong>) dos<br />

mecanismos inconscientes da ação. Essa lei permite ao sujeito compreen<strong>de</strong>r os meios empregados nas<br />

ações, assim como as escolhas e as modificações ocorridas na própria ação e no objeto. Esse movimento<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como “um processo <strong>de</strong> conceituação que se reconstrói e, <strong>de</strong>pois, ultrapassa, no plano da<br />

semiotização e da representação, o que era adquirido no plano dos esquemas <strong>de</strong> ação” (PIAGET, 1977, p.<br />

204). A ação é enriquecida pela conceituação, pelo reforço da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> antecipação e <strong>de</strong> criação <strong>de</strong><br />

um plano <strong>de</strong> utilização da ação imediata.<br />

Por sua importância na aprendizagem <strong>de</strong> conceitos e procedimentos, o processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

consciência foi um dos elementos essenciais que orientaram a estrutura do jogo Acentolândia. Com o<br />

jogo, objetivou-se a tomada <strong>de</strong> consciência das regras <strong>de</strong> acentuação gráfica, no que tange aos conceitos e<br />

aos procedimentos envolvidos nessa tarefa. No jogo, para avançar e terminar a partida, os alunos<br />

submetidos ao processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica tiveram que explicar e justificar a regra <strong>de</strong> acentuação<br />

da palavra sorteada.<br />

Metodologia<br />

Na primeira aplicação do jogo Acentolândia foi investigado o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> três alunos, um que<br />

frequentava a 4.ª série e dois que frequentavam a 5.ª série do ensino fundamental, regularmente<br />

matriculados na re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> ensino, do município <strong>de</strong> Maringá/PR. Foram realizadas três sessões <strong>de</strong><br />

intervenção, com uma hora e meia <strong>de</strong> duração cada uma, no mês <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2006.<br />

Na segunda aplicação do jogo, a amostra da pesquisa foi constituída <strong>de</strong> 10 alunos <strong>de</strong> 4. a e 5. a séries<br />

do ensino fundamental (cinco <strong>de</strong> cada série) <strong>de</strong> uma escola pública do município <strong>de</strong> Maringá/PR. Foram<br />

selecionados os alunos que apresentaram <strong>de</strong>sempenho insatisfatório no teste <strong>de</strong> Avaliação <strong>de</strong> Dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Aprendizagem em Escrita – ADAPE (SISTO, 2002): D.A. média – 20 a 49 erros. Esses alunos foram<br />

submetidos a quatro sessões <strong>de</strong> intervenção, com aproximadamente uma hora e meia <strong>de</strong> duração. A<br />

aplicação foi realizada entre os meses <strong>de</strong> abril e maio <strong>de</strong> 2007.<br />

Na terceira aplicação do Acentolândia a pesquisa foi <strong>de</strong>senvolvida com 28 alunos <strong>de</strong> 4.ª série, <strong>de</strong><br />

uma escola pública, do município <strong>de</strong> Maringá-PR, no período <strong>de</strong> abril a julho <strong>de</strong> 2008. Optou-se por atuar<br />

apenas com a 4.ª série, em razão dos resultados <strong>de</strong> pesquisas anteriores do GEPESP (CEZAR; MORAIS,<br />

2006), segundo os quais o <strong>de</strong>sempenho da 5.ª série, no conteúdo <strong>de</strong> acentuação gráfica, é equivalente ao<br />

<strong>de</strong> 4.ª série. Com esses alunos, foi aplicado o teste <strong>de</strong> Avaliação <strong>de</strong> Dificulda<strong>de</strong>s na Aprendizagem da<br />

Escrita – ADAPE (SISTO, 2002).<br />

Com base nos resultados do ADAPE, organizaram-se seis grupos (quintetos) heterogêneos quanto<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 529


ao <strong>de</strong>sempenho no teste: um aluno com Dificulda<strong>de</strong> Leve (11 a 19 erros), um Sem Dificulda<strong>de</strong> (0 a 10<br />

erros) e três alunos com Dificulda<strong>de</strong> Média (20 a 49 erros), escolhidos por or<strong>de</strong>m alfabética e por sexo, <strong>de</strong><br />

modo que todos os grupos hospedassem, preferencialmente, o mesmo número <strong>de</strong> meninos e <strong>de</strong> meninas.<br />

A intervenção pedagógica teve carga horária total <strong>de</strong> 16 horas, dividida em doze encontros <strong>de</strong> uma hora e<br />

meia <strong>de</strong> duração.<br />

Os resultados da aplicação do jogo foram analisados <strong>de</strong> uma perspectiva psicológica à luz da<br />

teoria <strong>de</strong> Jean Piaget (1977) no que concerne à Tomada <strong>de</strong> consciência. Organizaram-se três níveis <strong>de</strong><br />

conceituação verbalizada pelos alunos sobre acentuação gráfica e tonicida<strong>de</strong>: o nível I apresenta como<br />

característica a indiferenciação da fala e escrita para a justificativa das regras <strong>de</strong> acentuação gráfica. Esse<br />

nível é subdividido em IA e IB. Os subníveis apresentam as mesmas características <strong>de</strong>scritas acima,<br />

porém com pequenas diferenças. O primeiro se caracteriza pela falta <strong>de</strong> domínio da separação silábica,<br />

não i<strong>de</strong>ntificação da sílaba tônica, incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificar as palavras em oxítona, paroxítona e<br />

proparoxítona. O segundo diferencia-se em razão da ocorrência <strong>de</strong> alguns êxitos quanto à i<strong>de</strong>ntificação da<br />

sílaba tônica e à classificação das palavras.<br />

O nível II também é subdividido em IIA e IIB. A característica geral <strong>de</strong>ste nível é o movimento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>svinculação entre a fala e a escrita. Ocorre uma solução <strong>de</strong> compromisso entre ação – que é a <strong>de</strong> levar<br />

em conta a escrita – e a tomada <strong>de</strong> consciência conceituada, apresentando um início <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização<br />

da fala do sujeito e a consi<strong>de</strong>ração das características objetivas do objeto – regras gramaticais. No<br />

subnível IIA, o indivíduo domina a separação silábica; i<strong>de</strong>ntifica a sílaba tônica; confun<strong>de</strong> os termos<br />

(palavras e sílabas), gerando uma confusão na classificação das palavras; exemplifica alguns conteúdos<br />

com êxito, mas não domina as regras <strong>de</strong> acentuação gráfica. O subnível IIB se diferencia do IIA pelo fato<br />

<strong>de</strong> o sujeito tornar-se capaz <strong>de</strong> exemplificar e <strong>de</strong> justificar o conteúdo com mais êxito.<br />

O terceiro e último, nível III, caracteriza-se pela integração das particularida<strong>de</strong>s da fala e da<br />

escrita. Esse nível, diferentemente dos outros, não apresenta subníveis. Nas respostas dos alunos é<br />

possível observar que <strong>de</strong>svinculam a oralida<strong>de</strong> da escrita e, antes mesmo das perguntas da pesquisadora,<br />

realizam a antecipação das suas conceituações ante o problema exposto pela interventora. Dominam a<br />

separação silábica; i<strong>de</strong>ntificam a sílaba tônica; classificam sem obstáculos; exemplificam com êxito;<br />

dominam as regras; explicam e justificam a<strong>de</strong>quadamente conforme a regra ortográfica e antecipam<br />

situações <strong>de</strong> uso dos dois tipos <strong>de</strong> linguagem: oral e escrita.<br />

Apresentação e discussão dos resultados<br />

Tomando como referência a confusão conceitual entre oralida<strong>de</strong> (acento tônico) e escrita (acento<br />

gráfico) encontrada pela pesquisadora em trabalhos anteriores (CEZAR, 2004; 2005), preten<strong>de</strong>u-se<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 530


verificar se a aplicação do jogo <strong>de</strong> regras Acentolândia foi capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar a redução <strong>de</strong>sta<br />

indiferenciação entre aspectos da fala e da escrita. Como <strong>de</strong>monstram os excertos retirados das três<br />

aplicações, a indiferenciação foi gradualmente se reduzindo na medida em que os níveis <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

consciência foram avançando.<br />

Nas respostas do nível IA, os sujeitos estabeleceram confusão conceitual entre sílaba tônica e<br />

acentuação gráfica. As explicações e as justificativas sobre os conceitos que envolvem a acentuação<br />

gráfica são verbalizadas somente como sendo um aspecto da fala, por exemplo:<br />

A1 (2 – 4.ª série) 79 E – O que é sílaba tônica para você? Eu não sei... eu acho que é uma<br />

palavra separada. E – Por que você estuda sílaba tônica na escola? Eu acho que é ... não<br />

sei. E – Você acredita que a sílaba tônica é importante fora da escola? Por quê? Eu acho<br />

que é, mas não sei te dizer por quê. E - O que é acentuação gráfica? Acho que é ... para<br />

colocar nas palavras para ficar forte. E - Por que você estuda acentuação gráfica na<br />

escola? Para apren<strong>de</strong>r a acentuar.<br />

A solução exposta pelos alunos manifesta a ausência inicial <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência dos<br />

conhecimentos que envolvem o conteúdo <strong>de</strong> acentuação gráfica. Suas verbalizações <strong>de</strong>monstram<br />

confusão conceitual entre fala e escrita. Na maioria das vezes, conceituam a sílaba tônica como sendo a<br />

sílaba forte da palavra e, ao conceituar acentuação gráfica, apresentam as seguintes respostas: “não sei”<br />

ou “é a sílaba mais forte”. Esse conceito é reafirmado quando os alunos justificam o acento gráfico da<br />

palavra unicamente como sendo uma questão <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>: “eu coloquei acento porque o Né é mais<br />

forte”. No entanto, contradizem-se ao justificarem a não acentuação do vocábulo “castelo”: “Não tem<br />

acento porque o te já é forte”. Nos dados coletados, observa-se que esse tipo <strong>de</strong> respostas manteve-se<br />

durante toda a entrevista.<br />

O nível IA é marcado pela indiferença nas contradições das respostas que os sujeitos<br />

apresentavam. Apesar <strong>de</strong>, em alguns momentos da entrevista, como a contra-argumentação, os sujeitos se<br />

manterem indissolúveis em seus conceitos e procedimentos, em alguns sujeitos, acreditava-se que po<strong>de</strong>ria<br />

ter ocorrido modificação conceitual, porém, quando justificavam outra palavra, recaíam nos conceitos<br />

relatados anteriormente. As conceituações verbalizadas parecem manifestar um obstáculo epistemológico<br />

que se constituiu com base na memorização <strong>de</strong>sses conceitos, reproduzidos no âmbito escolar. As<br />

<strong>de</strong>finições <strong>de</strong> sílaba tônica e acentuação gráfica, bem como a justificativa do porquê acentuaram ou não<br />

os vocábulos selecionados, assemelham-se às respostas encontradas em pesquisa realizada<br />

anteriormente 80 , em que foram investigados os conceitos <strong>de</strong> tonicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> acentuação gráfica <strong>de</strong><br />

professores e <strong>de</strong> livros didáticos do ensino fundamental. Constatou-se que, em gran<strong>de</strong> parte dos<br />

professores investigados, há indiferenciação conceitual entre acentuação gráfica e sílaba tônica, bem<br />

79 A5 (2 4.ª série) correspon<strong>de</strong> respectivamente: aluno, número do aluno (sequência da aplicação do jogo – série em que se<br />

encontra o aluno).<br />

80 Projeto <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006 a julho <strong>de</strong> 2007 pela presente pesquisadora.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 531


como os <strong>de</strong>mais conceitos que o envolvem. Verificou-se, ainda, que os livros didáticos, ao abordarem as<br />

regras <strong>de</strong> acentuação, apresentaram, em alguns casos, equívocos ortográficos. A manutenção <strong>de</strong>sses<br />

conceitos, por parte dos professores e dos materiais didáticos, acarreta uma <strong>de</strong>ficiência da instituição<br />

escolar ao lidar com essas duas formas <strong>de</strong> linguagem, restringindo, <strong>de</strong>ssa forma, o conhecimento dos<br />

aprendizes sobre os conteúdos ortográficos.<br />

No nível IB, há uma pequena diferença em relação ao nível anterior, pois os sujeitos i<strong>de</strong>ntificam a<br />

sílaba tônica das palavras com alguns êxitos e, com isso, acabam também conseguindo, às vezes,<br />

classificá-las quanto à sua posição, mas ainda mantêm suas respostas ortográficas centradas nos aspectos<br />

orais. Em nenhum momento, justificam a acentuação como uma questão ortográfica. Em muitos casos,<br />

chegam a verbalizar que as palavras que não possuem acento gráfico, não apresentam sílaba tônica. Por<br />

exemplo:<br />

A5 (2 – 4ª série) E – Eu gostaria <strong>de</strong> saber por que você acentuou graficamente esta<br />

palavra (apontando o vocábulo BONÉ). Eu acho que tem acento, porque é uma palavra<br />

bem forte. E - Por que você acentuou graficamente (apontando o vocábulo SÚDITOS) ?<br />

Para não ficar sudiitos. E - E esta palavra, (apontando o vocábulo CASTELO) por que<br />

você não acentuou graficamente? Porque não tem sílaba forte. E - Como é que você sabe<br />

que algumas palavras têm acento e outras não têm acento? Eu não sei. E - E esta palavra,<br />

(apontando o vocábulo CAMPÔNÊS) por que você acentuou graficamente? Eu tinha<br />

acentuado primeiro no NÊS, mas <strong>de</strong>pois eu pensei que a mais forte é o pó, assim CAM -<br />

PÔO- NES.<br />

A justaposição <strong>de</strong> argumentos apresentadas por alunos nesse nível faz que, mesmo observando<br />

algumas <strong>de</strong> suas contradições, retornem ao ponto inicial, sem perceber que a sílaba tônica ocorre em todas<br />

as palavras e que suas respostas não se encaixam a<strong>de</strong>quadamente em sua <strong>de</strong>scrição: “madrasta tem um<br />

tom especial e não coloca acento”. As condutas encontradas nesse nível sugerem não haver conflito<br />

cognitivo: “eu acentuei porque achei a palavra nês mais forte” e “eu acentuei história porque lembro que<br />

tem” e as condutas dos entrevistadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciarem falhas do argumento dos alunos parecem não ter<br />

surtido efeito.<br />

A28 (3 – 4.ª série) E - Como é que você faz para colocar ou não os acentos nas palavras?<br />

Eu vou vendo se tem ou não. Eu penso e <strong>de</strong>pois coloco. Contra-argumentação: E - É que<br />

um menino me disse que primeiro ele lia as palavras. Se ele soubesse, colocava ou não o<br />

acento. Depois, se ele não soubesse, ia pela sílaba tônica e, por último, ele chutava. E -<br />

Você acha que o menino está certo ou está errado <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>sta forma? Eu acho que ele<br />

está certo. E - Você faz a mesma coisa que ele ou não? Sim, eu sempre faço. E - Como é<br />

que você faz então? Primeiro eu leio, <strong>de</strong>pois eu lembro se tem acento ou não. E – Eu<br />

gostaria <strong>de</strong> saber por que você acentuou graficamente esta palavra (apontando o vocábulo<br />

BONÉ). Porque o NÉ é mais forte.<br />

Foram classificadas com nível IIA as condutas que evi<strong>de</strong>nciaram movimentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>svinculação<br />

entre a fala e a escrita, mais especificamente quando as condutas dos entrevistados começaram a<br />

evi<strong>de</strong>nciar solução <strong>de</strong> compromisso entre a ação e a conceituação. Em outras palavras, início <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 532


<strong>de</strong>scentralização da fala do sujeito e consi<strong>de</strong>ração das características objetivas do objeto. Nos<br />

experimentos <strong>de</strong> Piaget (1977), o estágio <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência tem como característica geral a<br />

passagem do automatismo da ação para regulações mais ativas.<br />

As verbalizações mostram que os alunos i<strong>de</strong>ntificaram e classificaram novos dados do objeto, no<br />

entanto, acabaram por tentar a<strong>de</strong>quá-los ao seu conceito memorizado anteriormente. As principais<br />

modificações se <strong>de</strong>ram na variável classificação das palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Nas<br />

aplicações realizadas, observou-se que nenhum dos sujeitos investigados antes do processo <strong>de</strong> intervenção<br />

atingiu esse nível <strong>de</strong> conscientização. Os dados mostraram que os alunos confundiram principalmente as<br />

nomenclaturas “última”, “penúltima” e “antepenúltima” com “primeira”, “segunda” e “terceira” sílaba.<br />

Além do uso, foi a constante troca da nomenclatura “palavra” por “sílaba” (S3 (1): “é a terceira palavra<br />

mais forte da palavra”.<br />

Outra proprieda<strong>de</strong>, até então <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada ou não observada nos outros níveis, foi a ocorrência<br />

do início <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nações locais não apresentadas nos níveis anteriores. Contudo, os alunos<br />

não dominam ainda as regras nem exemplificam com êxito.<br />

A14 (3 – 4.ª série) E - O que é uma palavra oxítona para você? É a quando a palavra é<br />

oxítona e se terminar em A coloca o acentinho, enten<strong>de</strong>? E - O que é uma palavra<br />

paroxítona para você? Paroxítonas terminadas em U, I, Ã e algumas letrinhas que não sei<br />

agora você coloca o acentinho, outras não coloca daí o chapeuzinho ou o grampinho. O<br />

que é uma palavra proparoxítona para você? Essa eu não lembro das letrinhas que<br />

termina.<br />

O nível IIB se caracteriza por apresentar ocorrências mais visíveis <strong>de</strong> conflito cognitivo e<br />

diferenciação gradual <strong>de</strong> diferenças entre a ação e a conceituação. Nesse nível, os alunos aumentam<br />

progressivamente suas tentativas <strong>de</strong> conceituação mais elaboradas sobre as variáveis em <strong>de</strong>staque.<br />

A17 (3 – 4.ª série) E – O que é sílaba tônica para você? É a sílaba mais forte da palavra.<br />

E – O que é acentuação gráfica? É o circunflexo ou o agudo. E - O que é uma palavra<br />

oxítona para você? Quando a sílaba forte é a última. E - E paroxítona? Quando é a<br />

segunda mais forte. E - E proparoxítona? É a antepenúltima. E – Eu gostaria <strong>de</strong> saber,<br />

(apontando o vocábulo BONÉ) por que você acentuou graficamente esta palavra? Porque<br />

essa oxítona acentua. E - Por que você acentuou graficamente, apontando o vocábulo<br />

SÚDITOS? Porque ele tem uma sílaba forte na proparoxítona, daí todas são acentuadas.<br />

O que diferencia esse nível do anterior é a ocorrência <strong>de</strong> mais êxitos ao explicarem e justificarem<br />

suas condutas. No nível IIB, às vezes, os sujeitos mantêm a indiferenciação dos termos da variável<br />

classificação <strong>de</strong> palavras, no entanto com menos frequência. Outro fator é a relação com as regras <strong>de</strong><br />

acentuação gráfica. Os dados sugerem que, nesse nível, os sujeitos apresentam maior intimida<strong>de</strong> com a<br />

existência das regras <strong>de</strong> acentuação gráfica, em muitos casos, exemplificam claramente, mas ainda não<br />

dominam plenamente suas regras.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 533


Os dados obtidos no segundo estágio mostraram que os alunos se beneficiaram da tarefa proposta,<br />

bem como do processo <strong>de</strong> intervenção com o jogo <strong>de</strong> regras, o que permite afirmar que os alunos, nesse<br />

estágio, realizaram uma boa leitura dos dados <strong>de</strong> observação. Cabe salientar que esses níveis foram<br />

encontrados nos alunos, somente após o processo <strong>de</strong> intervenção com o jogo Acentolândia, já que, no pré-<br />

teste, todos os alunos investigados centraram-se no primeiro estágio <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência das regras<br />

<strong>de</strong> acentuação gráfica.<br />

No estágio III, encontram-se os aprendizes que coor<strong>de</strong>naram a fala e a escrita como duas<br />

modalida<strong>de</strong>s complementares e que disseram que a acentuação ou não <strong>de</strong> uma palavra <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das regras<br />

<strong>de</strong> acentuação gráfica. Nesse estágio, os alunos mostraram-se capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a<strong>de</strong>quadamente seus<br />

procedimentos, bem como <strong>de</strong> justificar e explicar suas ações.<br />

A3 (1 – 4.ª série) E – O que é sílaba tônica para você? Uma palavra <strong>de</strong> sílaba forte. E –<br />

Por que você estuda sílaba tônica na escola? Para ler melhor. E – Você acredita que a<br />

sílaba tônica é importante fora da escola? Por quê? Eu acho que é... para a gente falar<br />

melhor se não a outra pessoa não vai enten<strong>de</strong>r. E – O que é acentuação gráfica? É o<br />

acento das palavras, mas nem todas têm acento. E - Por que você estuda acentuação<br />

gráfica na escola? Para acentuar direito. E – Você acha que este conteúdo é importante<br />

fora da escola? Eu acho que é, porque não eu acho que a gente não precisa. Assim, acho<br />

que tudo é importante, porque ... para acentuar direito. E - O que é uma palavra oxítona<br />

para você? É a última mais forte ... a sílaba mais forte. E - E paroxítona? Penúltima. E -<br />

E proparoxítona? antepenúltima. E – Eu gostaria <strong>de</strong> saber por que você acentuou<br />

graficamente esta palavra (apontando o vocábulo BONÉ). Porque o Né é mais forte e fica<br />

na última sílaba. E - Como é que você sabe que algumas palavras têm acento e outras não<br />

têm acento? Porque a regra diz que umas precisam e outras não. E - E esta palavra,<br />

(apontando o vocábulo HISTÓRIA) por que você acentuou graficamente? Porque as<br />

paroxítonas terminadas em ditongo têm acento.<br />

Os dados mostraram que a conceituação mais a<strong>de</strong>quada referente às regras <strong>de</strong> acentuação gráfica<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da tomada <strong>de</strong> consciência das características mais profundas, suas variáveis, e não somente do<br />

domínio das regras e da nomenclatura. Dessa forma, acentuar as palavras e conceituar as regras que as<br />

envolvem não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> só do reconhecimento e da explicitação das duas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> linguagem (oral<br />

e escrita), mas também da coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> diferentes tipos <strong>de</strong> variáveis – separação silábica, i<strong>de</strong>ntificação<br />

da tônica, classificação das palavras em oxítona, paroxítona e proparoxítona, domínio das regras.<br />

Conforme os níveis <strong>de</strong> conscientização, adaptados pela pesquisadora da obra <strong>de</strong> Piaget (1977), verificou-<br />

se que os alunos submetidos ao processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica com uso do jogo Acentolândia<br />

melhoraram progressivamente seu nível <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência sobre o conceito e as regras <strong>de</strong><br />

acentuação gráfica.<br />

Como evi<strong>de</strong>nciaram os dados, no pré-teste, todos os alunos se encontravam entre os níveis IA e<br />

IB, a saber, nos níveis em que há conflito cognitivo em relação à situação-problema. No entanto, após a<br />

intervenção pedagógica, os aprendizes <strong>de</strong>monstraram passagem do nível menos elementar para um nível<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 534


superior, concentrando-se entre o nível IIA e o nível IIB, para níveis mais complexos, com efeito,<br />

coor<strong>de</strong>nando um número maior <strong>de</strong> variáveis do conteúdo em foco. Os indivíduos do nível III<br />

apresentaram maior domínio do objeto e melhor conceituação <strong>de</strong> todas as variáveis envolvidas no<br />

processo <strong>de</strong> acentuação gráfica.<br />

No pré-teste, anterior às três aplicações do jogo <strong>de</strong> regras, entre os alunos <strong>de</strong> 4.ª e 5.ª séries, houve<br />

predomínio do primeiro estágio <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência – níveis IA e IB – do conceito e das regras <strong>de</strong><br />

acentuação gráfica. No nível IA, na primeira aplicação, encontravam-se 33% (1) dos alunos; na segunda<br />

aplicação, 70% (7) e, na 3ª, 75% (21). No nível IB, na primeira aplicação, encontram-se 67% (2) dos<br />

alunos, na segunda aplicação, 30% (7) e, na terceira aplicação, 25% (7). De acordo com as falas, antes das<br />

três aplicações do Acentolândia, os alunos apresentavam dificulda<strong>de</strong>s em diferenciar as duas modalida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> acento (tônico e gráfico), como pô<strong>de</strong> ser observado nos exemplos do tópico anterior.<br />

80%<br />

60%<br />

40%<br />

20%<br />

0%<br />

33%<br />

Níveis <strong>de</strong> Tomada <strong>de</strong> Consciência - Pré-teste<br />

70% 75%<br />

67%<br />

30% 25%<br />

0%0%0% 0%0%0% 0%0%0%<br />

IA IB IIA IIB III<br />

1a. Aplicação 2a. Aplicação 3a. Aplicação<br />

Gráfico 1: Tomada <strong>de</strong> consciência dos alunos nas três aplicações do jogo Acentolândia – pré-teste<br />

Após o processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica com o uso do jogo <strong>de</strong> regras Acentolândia, constatou-<br />

se que a maioria dos alunos, nas três aplicações, modificou seu nível <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência quanto aos<br />

conceitos e às regras envolvidas na acentuação gráfica, como mostra o gráfico abaixo (Gráfico10). No<br />

pós-teste da primeira aplicação, 33% (1) dos alunos situaram-se no nível IIB e 67% (3), no nível III,<br />

ultrapassando os níveis obtidos antes da intervenção pedagógica (Gráfico 9). Na segunda aplicação, a<br />

localização dos alunos distribuiu-se entre os cinco níveis <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência: nível IA – 30% (3),<br />

nível IB - 20% (2), nível IIA – 20% (2), nível IIB – 10% (1), estágio III – 7% (2). Vale ressaltar que, no<br />

pré-teste esses alunos haviam se agrupado no primeiro estágio <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência, IA e IB. De<br />

forma similar, a segunda aplicação (IIA – 20%; IIB – 19%; III – 2%) e a terceira (IIA – 39%; IIB – 29%;<br />

III – 7%) também evi<strong>de</strong>nciaram uma gran<strong>de</strong> movimentação dos níveis <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência para<br />

maior no pós-teste (Gráfico 10).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 535


70%<br />

60%<br />

50%<br />

40%<br />

30%<br />

20%<br />

10%<br />

0%<br />

0%<br />

30%<br />

Níveis <strong>de</strong> Tomada <strong>de</strong> Consciência - Pós-teste<br />

18%<br />

0%<br />

20%<br />

7%<br />

0%<br />

20%<br />

39%<br />

33%<br />

10%<br />

29%<br />

67%<br />

IA IB IIA IIB III<br />

1a. Aplicação 2a. Aplicação 3a. Aplicação<br />

Gráfico 2: Tomada <strong>de</strong> consciência dos alunos nas três aplicações do jogo Acentolândia – pós-teste<br />

O movimento dos alunos ao longo das aplicações do jogo <strong>de</strong> regras Acentolândia mostra que a<br />

coor<strong>de</strong>nação das variáveis - oralida<strong>de</strong> e escrita - foi conceituada, permitindo que eles passassem do<br />

primeiro estágio <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência (vinculação direta entre oralida<strong>de</strong> e escrita) para o segundo<br />

(<strong>de</strong>svinculação entre oralida<strong>de</strong> e escrita) e, em alguns casos, ao terceiro (vinculação da escrita às regras <strong>de</strong><br />

acentuação).<br />

Conclusões<br />

O jogo <strong>de</strong> regras Acentolândia, criado e aperfeiçoado pela pesquisadora, trata-se <strong>de</strong> um recurso<br />

didático a ser utilizado por profissionais da área da educação e, como qualquer outro instrumento<br />

didático, seus resultados <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da compreensão do processo linguístico e cognitivo subjacente ao<br />

jogo por parte do educador. Os dados obtidos nas aplicações do jogo permitiram a organização <strong>de</strong> uma<br />

quarta versão do Acentolândia que priorizou aspectos <strong>de</strong> seu funcionamento com o objetivo <strong>de</strong> torná-lo<br />

um “bom jogo”, conforme a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Devries (1991): interessante, <strong>de</strong>safiador, favorecedor da auto-<br />

avaliação do sujeito e da participação ativa dos jogadores.<br />

Entre as inúmeras variáveis que interferem na qualida<strong>de</strong> do ensino escolar, os recursos didáticos<br />

po<strong>de</strong>m fazer a diferença <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que apoiados em um referencial teórico-metodológico do qual o professor<br />

<strong>de</strong>ve necessariamente compartilhar. É o professor o principal responsável pelo uso apropriado ou não<br />

<strong>de</strong>sses materiais na instituição. Em relação ao jogo presentemente criado e aplicado, outros estudos<br />

precisam ser realizados para confirmar o seu potencial didático e generalizar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu uso<br />

no ensino <strong>de</strong> língua portuguesa. Além disso, apesar da mudança ortográfica ora vigente, o jogo<br />

Acentolândia mantém sua valida<strong>de</strong>, uma vez que facilita a compreensão das modificações propostas, em<br />

especial, dos ditongos, foco maior do Novo Acordo Ortográfico.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 536<br />

2% 7%


Referências<br />

BERTONI, C. Jogo e mediação social: um estudo sobre o <strong>de</strong>senvolvimento e aprendizagem em alunos do<br />

ensino fundamental, 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2006.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 537


Brincar e Desenvolvimento: Um Estudo sobre as Concepções <strong>de</strong> Professores <strong>de</strong> Educação Infantil<br />

Resumo<br />

MARQUEZINI, Cristiane Pereira<br />

UNESP/ Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista<br />

CAPES<br />

cpmarquezini@terra.com.br<br />

Vários estudiosos do <strong>de</strong>senvolvimento infantil, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das diferenças epistemológicas,<br />

salientam a importância do brincar como fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento afetivo, cognitivo, social e físico.<br />

Pesquisas têm apontado, contudo, que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>sta importância, o brincar está sendo substituído por<br />

um processo <strong>de</strong> precoce pedagogização formal na educação infantil. Assim, o brincar tem sido reduzido<br />

cada vez mais a mero procedimento didático. Um outro resultado <strong>de</strong> tais pesquisas é o <strong>de</strong> que o brincar é<br />

concebido pelos educadores como recurso para a recreação das crianças. Estes aspectos nos levaram a<br />

indagar acerca do valor que tal ativida<strong>de</strong> tem enquanto fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento no contexto educacional<br />

infantil. Nesse sentido, o presente estudo teve como finalida<strong>de</strong> principal analisar as relações que os<br />

professores que ministram aulas na educação infantil fazem entre o brincar e o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

psicológico. Para isso, realizamos entrevistas com <strong>de</strong>z sujeitos representativos da população <strong>de</strong><br />

educadores <strong>de</strong> instituições municipais <strong>de</strong> educação infantil da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assis (SP). As entrevistas foram<br />

<strong>de</strong>scritas e analisadas segundo a teoria psicológica construtivista piagetiana. Chegamos às seguintes<br />

conclusões, <strong>de</strong>ntre outras: as docentes consi<strong>de</strong>ram o brincar como um fator importante para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento psicológico. Entretanto, não <strong>de</strong>monstram clareza sobre o conhecimento do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

infantil e <strong>de</strong>sconhecem qualquer teoria que evi<strong>de</strong>ncie a importância do brincar no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento psicológico infantil. Estas questões nos levaram a concluir que, pelo menos nos aspectos<br />

que investigamos, os educadores possuem uma formação precária, mostrando-nos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

melhor formação para a ocorrência <strong>de</strong> uma prática educativa <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Palavras chave: Brincar. <strong>Psicologia</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento. Construtivismo (psicologia). Jean Piaget.<br />

Abstract<br />

Many child <strong>de</strong>velopment’s studious, apart from epistemological differences, draw attention to the<br />

importance of playing as an affective, cognitive, social and physic <strong>de</strong>velopment factor. The researches<br />

have shown, however, that, even knowing the importance of playing, it has been substituted by a formal<br />

and young pedagogization process when talking about child education. This way, the act of playing has<br />

been more and more reduced to a simple didactic process. Another result of these researches is that the<br />

teachers see the act of playing as a mere recreational resource to the children. Because of these aspects,<br />

we ask about the value of these activities as <strong>de</strong>velopment factors insi<strong>de</strong> the child educational context. This<br />

way, this study’s main objective is to analyze the relationship teachers who work in child education make<br />

between playing and psychological <strong>de</strong>velopment. So, we have interviewed 10 representative subjects<br />

from the teachers who work at municipal schools from the city of Assis (SP). The interviews were<br />

<strong>de</strong>scribed and analyzed following the Piaget’s constructivist psychological theory. We could conclu<strong>de</strong>,<br />

among many things: teachers consi<strong>de</strong>r the act of playing as an important factor to the psychological<br />

<strong>de</strong>velopment. Though, they don’t seem to un<strong>de</strong>rstand clearly child <strong>de</strong>velopment and don’t know any<br />

theory, which shows the importance of playing to the psychological child <strong>de</strong>velopment. These matters<br />

have led us to conclu<strong>de</strong> that, al least the points we have investigated, the teachers are bad prepared. This<br />

fact shows us the necessity to a better formation, so there will be a high-quality educational practice.<br />

Keywords: Play. Development psychology. Constructivism (psychology). Jean Piaget.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 538


Introdução<br />

Como os professores concebem as relações entre o brincar das crianças e o seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

psicológico? Começamos a fazer tal indagação a partir <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> intervenção psicopedagógica<br />

<strong>de</strong>senvolvido em uma instituição particular <strong>de</strong> educação infantil da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assis (SP), no ano letivo <strong>de</strong><br />

2001. Tal trabalho, <strong>de</strong>nominado O brincar no <strong>de</strong>senvolvimento infantil e na educação pré-escolar<br />

(MARQUEZINI e SANTOS, 2001), objetivava compreen<strong>de</strong>r as concepções que as educadoras possuíam<br />

sobre o brincar. Além disso, era nossa intenção buscar informações que subsidiassem a montagem <strong>de</strong> um<br />

curso <strong>de</strong> capacitação profissional sobre o papel do brincar no <strong>de</strong>senvolvimento psicológico das crianças.<br />

Durante o <strong>de</strong>senvolvimento do referido trabalho, notamos que a instituição enfatizava a realização <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s escolares formais – como, por exemplo, apren<strong>de</strong>r a ler e a escrever –, em <strong>de</strong>trimento das<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira e <strong>de</strong> socialização. O brincar, quando praticado, era concebido pelos<br />

responsáveis pela parte pedagógica da escola como recurso apenas para o entretenimento; conclusão<br />

semelhante é em parte encontrada por Carvalho (1999), Wajskop (1999) e Kishimoto (1994 e 1995) em<br />

seus estudos. As brinca<strong>de</strong>iras, <strong>de</strong>ssa forma, eram permitidas unicamente nos intervalos <strong>de</strong>stinados à<br />

recreação. Quando <strong>de</strong>senvolvidas em contextos julgados pelas educadoras como ina<strong>de</strong>quados, eram<br />

<strong>de</strong>sestimuladas e, muitas vezes, expressamente proibidas. Por exemplo, não era permitido brincar na hora<br />

do lanche, na sala <strong>de</strong> aula, nas filas e na hora da higiene.<br />

Tais fatos nos levaram a suspeitar <strong>de</strong> que está em curso na educação infantil um processo <strong>de</strong><br />

pedagogização precoce. Chamamo-lo assim porque, como o próprio nome <strong>de</strong>ste nível <strong>de</strong> educação sugere<br />

– pré-escolar –, ele <strong>de</strong>veria se caracterizar como um momento preparatório para o processo <strong>de</strong><br />

escolarização formal. Assim, a nosso ver, esta Instituição <strong>de</strong>veria se <strong>de</strong>stinar basicamente ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento global da criança, especialmente o da sua sociabilida<strong>de</strong>. Tais observações não<br />

significam que con<strong>de</strong>namos a priori qualquer possibilida<strong>de</strong> da sua concretização na pré-escola. Contudo,<br />

enten<strong>de</strong>mos que isto só po<strong>de</strong> ser feito se tal processo partir da <strong>de</strong>manda da criança.<br />

Ainda sobre o processo <strong>de</strong> pedagogização na educação infantil, o estudo <strong>de</strong> Wajskop (1999) nos<br />

oferece dados que corroboram este problema. Ela verificou em sua pesquisa que a utilização da<br />

brinca<strong>de</strong>ira entre escolares, quando existia, consistia mais propriamente em um processo chamado por ela<br />

<strong>de</strong> “didatização do lúdico”. Assim, as brinca<strong>de</strong>iras se configuravam como estratégias pedagógicas,<br />

visando à transmissão <strong>de</strong> conteúdos escolares. Neste uso do brincar, os brinquedos pedagógicos eram os<br />

prediletos, por serem sugestivos e anteciparem o fim. O brincar era, então, atrelado à educação apenas<br />

como um instrumento facilitador do processo <strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong> aprendizagem. Buscava-se, assim, aproveitar<br />

o interesse que as crianças apresentavam pelo brinquedo para transmitir-lhes os conteúdos pedagógicos<br />

tradicionais. O estudo <strong>de</strong> Wajskop (1996) nos informa que, apesar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarem a brinca<strong>de</strong>ira<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 539


importante para o <strong>de</strong>senvolvimento infantil, as educadoras cerceavam tal ativida<strong>de</strong> sempre que ela<br />

aparecia em contextos tidos por elas como impróprios. Isto ocorria em nome da manutenção da<br />

organização escolar, evi<strong>de</strong>nciando que suas representações <strong>de</strong> escola a concebiam como um lugar sério e<br />

apropriado para a aquisição <strong>de</strong> aprendizagens formais. Quanto ao brincar, ao contrário, é invariavelmente<br />

associado à “<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m” e à “bagunça”. O discurso dos professores parece-nos, assim, <strong>de</strong>sconectar-se da<br />

sua prática.<br />

De um lado, os objetivos apareciam como discursos i<strong>de</strong>alizados <strong>de</strong> uma prática ligada à<br />

livre expressão e à educação integral da criança, <strong>de</strong> outro lado, porém, a lista <strong>de</strong> materiais,<br />

brinquedos, cartilhas utilizados no cotidiano revelavam uma realida<strong>de</strong> educativa<br />

comprometida com o ensino e treinos <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s para a leitura e a escrita.<br />

(WAJSKOP, 1996, p. 166).<br />

Em <strong>de</strong>corrência do acima exposto, resolvemos empreen<strong>de</strong>r uma pesquisa com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r como os professores que ministram aulas na educação infantil, da citada cida<strong>de</strong>, concebem<br />

as relações entre o brincar e o <strong>de</strong>senvolvimento psicológico infantil.<br />

Desta forma, <strong>de</strong>ntre outros motivos, justificamos a feitura <strong>de</strong> nossa pesquisa nos seguintes:<br />

a) os trabalhos psicopedagógicos <strong>de</strong>senvolvidos por nós numa instituição <strong>de</strong> educação infantil<br />

indicaram que o brincar é pouco valorizado como instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento ou, no limite, é visto<br />

apenas como mecanismo <strong>de</strong> recreação e <strong>de</strong> didática para o aprendizado dos conteúdos formais,<br />

corroborando os estudos produzidos a esse respeito;<br />

b) os docentes não teriam consciência ou apresentariam uma concepção diferente da valorizada<br />

pelos RCNEI (BRASIL, 1998) acerca do brincar e do <strong>de</strong>senvolvimento psicológico infantil<br />

(cognitivo/intelectual, social/moral e afetivo) e da maneira como ele po<strong>de</strong> ser construído;<br />

c) a existência <strong>de</strong> pouca literatura científica produzida no Brasil (dissertações e teses) sobre as<br />

relações existentes entre o brincar e o <strong>de</strong>senvolvimento psicológico;<br />

d) e, por último, a nossa crença <strong>de</strong> que a nossa pesquisa venha a contribuir para discussões que<br />

visem à construção <strong>de</strong> uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Objetivos<br />

Tendo como parâmetros às consi<strong>de</strong>rações anteriores, o presente estudo teve como objetivo<br />

principal analisar as concepções dos professores que atuam nas instituições <strong>de</strong> educação infantil sobre as<br />

relações entre o brincar e o <strong>de</strong>senvolvimento psicológico <strong>de</strong> seus alunos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 540


Buscamos também investigar a importância dada por tais docentes ao brincar, verificando<br />

igualmente a natureza do valor atribuído aos jogos praticados por seus alunos.<br />

Por último, procuramos i<strong>de</strong>ntificar o espaço e o tempo que tais professores <strong>de</strong>stinam ao brincar<br />

livre nas escolas, além <strong>de</strong> analisar as principais brinca<strong>de</strong>iras que realizam e as finalida<strong>de</strong>s com que as<br />

<strong>de</strong>senvolvem.<br />

Metodologia<br />

Para a realização <strong>de</strong> nossa pesquisa utilizamo-nos <strong>de</strong> entrevistas com <strong>de</strong>z sujeitos representativos<br />

da população <strong>de</strong> educadores <strong>de</strong> instituições municipais <strong>de</strong> educação infantil da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assis (SP).<br />

As entrevistas foram <strong>de</strong>scritas e analisadas segundo a teoria psicológica construtivista piagetiana.<br />

Desenvolvimento<br />

Utilizamo-nos como sujeitos da presente investigação professores que ministram aulas nos<br />

diferentes sub-níveis da Educação Infantil (berçário, maternal, jardim I, II e III e pré-escola). Além disso,<br />

tais profissionais exercem suas funções em instituições municipais da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assis – SP e se<br />

dispuseram a participar do estudo.<br />

Para respon<strong>de</strong>r às questões <strong>de</strong> nossa pesquisa, a princípio, resolvemos fazer uso <strong>de</strong> um<br />

questionário composto <strong>de</strong> questões abertas e fechadas, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> selecionar os professores e<br />

i<strong>de</strong>ntificar as concepções que possuem acerca da relação entre brincar e <strong>de</strong>senvolvimento psicológico. A<br />

justificativa que nos levou a empregar tal instrumento baseou-se na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter informações,<br />

com um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> participantes, num período <strong>de</strong> tempo menor do que se empregássemos<br />

entrevistas, que implicam um procedimento relativamente <strong>de</strong>morado.<br />

Contudo, ao fazer uso do questionário, <strong>de</strong>paramo-nos com alguns problemas:<br />

- apesar <strong>de</strong> termos tomado o cuidado <strong>de</strong> limitar o questionário a um número pequeno <strong>de</strong> questões,<br />

inferimos que, mesmo assim, ele foi consi<strong>de</strong>rado extenso pelos participantes, que reclamavam do número<br />

<strong>de</strong> questões. Para isso, veja-se o que uma professora nos disse, ao se <strong>de</strong>parar com o questionário: “Nossa!<br />

Quantas questões! Quando tem que <strong>de</strong>volver? [em tom <strong>de</strong> espanto com o tamanho do instrumento]”;<br />

- inferimos também que algumas questões não foram respondidas pelo simples motivo <strong>de</strong> que os<br />

participantes – mesmo sendo professores em ativida<strong>de</strong> – não compreen<strong>de</strong>ram algumas das indagações<br />

feitas. Como exemplo, temos que uma das professoras entrevistadas não respon<strong>de</strong>u a uma das questões do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 541


questionário (por que o brincar é importante?) e <strong>de</strong>u uma resposta relativamente informativa quando<br />

questionada na entrevista;<br />

- acreditamos também que algumas vezes o mesmo questionário foi respondido por duas pessoas<br />

ao mesmo tempo. Baseamo-nos no fato <strong>de</strong> que a letra empregada, o estilo <strong>de</strong> escrita e mesmo o <strong>de</strong><br />

algumas respostas eram totalmente diferentes na sequência do questionário;<br />

- algumas respostas dadas à segunda parte do instrumento, que dizia respeito às relações entre<br />

brincar e <strong>de</strong>senvolvimento, eram visivelmente padronizadas. Pareceu-nos que elas foram ditadas, ou<br />

mesmo copiadas, <strong>de</strong> algum curso frequentado recentemente por elas ou pelas Coor<strong>de</strong>nadoras Pedagógicas<br />

(justamente as pessoas que ficaram responsáveis pela aplicação e pelo recolhimento dos questionários).<br />

Por exemplo, ao serem indagadas sobre “Qual a importância do brincar para o <strong>de</strong>senvolvimento?”, várias<br />

participantes respon<strong>de</strong>ram a mesma coisa: “Brincar é importante para o <strong>de</strong>senvolvimento da criativida<strong>de</strong> e<br />

da autonomia”, frase que acreditamos ter sido copiada por elas dos RCNEI (BRASIL, 1998), v. 2, p. 22;<br />

- outro problema foi o <strong>de</strong> que os sujeitos fizeram leituras iguais <strong>de</strong> questões diferentes. Como<br />

exemplo, as questões dois e três do roteiro (questão dois: “Você consi<strong>de</strong>ra que brincar é uma ativida<strong>de</strong><br />

importante para o <strong>de</strong>senvolvimento? Por quê?” Questão três: “Como, ao realizar uma brinca<strong>de</strong>ira, uma<br />

criança po<strong>de</strong> estar se <strong>de</strong>senvolvendo?”), para as quase todas as professoras <strong>de</strong>ram a mesma resposta. Isso<br />

quando não respon<strong>de</strong>ram na questão <strong>de</strong> número três que já haviam dado a resposta na questão anterior.<br />

Um exemplo <strong>de</strong>ssa confusão feita com questões entendidas por nós como distintas po<strong>de</strong> ser claramente<br />

observado na fala <strong>de</strong> uma professora que, em resposta à questão <strong>de</strong> número dois, nos disse que a<br />

brinca<strong>de</strong>ira é importante porque a criança <strong>de</strong>senvolve noções e, ao ser questionada sobre como, ao<br />

brincar, uma criança po<strong>de</strong> estar se <strong>de</strong>senvolvendo (terceira questão), a professora nos informou que ela<br />

<strong>de</strong>senvolve as noções <strong>de</strong> lateralida<strong>de</strong>, direção, distância, localização etc. Ou seja, esta professora <strong>de</strong>u a<br />

mesma reposta nas duas questões, apenas complementando a segunda.<br />

- ocorreu também <strong>de</strong> as professoras nos fornecerem respostas confusas e/ou incompreensíveis.<br />

Isso ocorreu quando questionamos se os professores <strong>de</strong>vem ou não intervir na brinca<strong>de</strong>ira livre das<br />

crianças? Por exemplo, uma professora nos <strong>de</strong>u a seguinte resposta sem esclarecer se <strong>de</strong>via ou não<br />

intervir: “As brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>vem ocorrer espontaneamente em situações orientadas...” Aqui ficamos<br />

confusos: esta educadora acredita que <strong>de</strong>ve intervir ou não? Além <strong>de</strong> não nos respon<strong>de</strong>r, sustenta que as<br />

brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>vem ser espontâneas e orientadas ao mesmo tempo.<br />

- também observamos que, em algumas escolas, os questionários, por não terem sido respondidos<br />

anteriormente, eram respondidos no momento em que fomos buscá-los, <strong>de</strong> maneira apressada e com o<br />

auxílio do coor<strong>de</strong>nador. Exemplos disso foram observados em algumas escolas, quando voltávamos (pela<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 542


terceira vez) para buscar o nosso instrumento. A coor<strong>de</strong>nadora, visivelmente constrangida com o fato <strong>de</strong> o<br />

professor ainda não o ter respondido, ia buscá-lo na sua sala e pedia que ele respon<strong>de</strong>sse bem<br />

rapidamente, pois estávamos aguardando. Observamos também coor<strong>de</strong>nadoras ditando algumas repostas<br />

já que a professora estava <strong>de</strong>morando a fazê-lo;<br />

- finalmente, guardadas as <strong>de</strong>vidas proporções, pareceu-nos que um contingente consi<strong>de</strong>rável dos<br />

questionados se comportaram <strong>de</strong> maneira semelhante à das crianças, quando são submetidas às provas<br />

psicológicas <strong>de</strong>rivadas do método clínico piagetiano, por algum aplicador <strong>de</strong>sastrado ou não<br />

suficientemente preparado para a sua aplicação, qual seja: eles buscaram respon<strong>de</strong>r o que supostamente<br />

acreditavam que o pesquisador queria saber e não efetivamente o que pensavam sobre as relações entre<br />

brincar e <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Em razão <strong>de</strong> tais problemas, <strong>de</strong>scartamos a segunda parte do referido instrumento (as questões<br />

referentes ao tema pesquisado), e consi<strong>de</strong>ramos válida somente a primeira, relacionada à i<strong>de</strong>ntificação dos<br />

sujeitos (ida<strong>de</strong>, estado civil e formação escolar, entre outros), a fim <strong>de</strong> selecionarmos os educadores com<br />

características representativas do conjunto <strong>de</strong> professores que ministram aulas na Educação Infantil, após<br />

tal feito, realizarmos entrevistas com alguns <strong>de</strong>les.<br />

Na aplicação das entrevistas, enten<strong>de</strong>mos que ela apresenta uma série <strong>de</strong> aspectos positivos,<br />

principalmente em função do tipo <strong>de</strong> estudo que realizamos. Essa técnica possibilita fazer praticamente<br />

um número “infinito” <strong>de</strong> indagações. Além disso, ao assumirmos uma postura semelhante à empregada<br />

por Piaget (s. d.) – <strong>de</strong>ixar o entrevistador falar o mais livremente possível –, acabamos por fazer questões<br />

não previstas, além <strong>de</strong> termos compreendido o sentido do pensamento das professoras inquiridas.<br />

Em <strong>de</strong>corrência, concordamos com a objeção feita por Piaget e salientada por Carraher (1994)<br />

acerca da conduta do pesquisador no momento da coleta das informações:<br />

elas:<br />

Não cabe ao examinador escolher qual dos possíveis significados foi o significado<br />

pretendido pelo sujeito. O examinador precisa apresentar novas questões, a fim <strong>de</strong><br />

permitir que o próprio sujeito elimine a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dupla interpretação daquilo que<br />

disse. Devemos lembrar-nos que o sujeito não se expressa com precisão científica e nem<br />

usa todas as palavras exatamente como nós as usamos. Sempre que julgarmos uma<br />

resposta vaga ou obscura, precisamos encontrar meios para esclarecer seu significado.<br />

(CARRAHER, 1994, p. 35).<br />

Após realizarmos as entrevistas, classificamos as falas das educadoras em algumas categorias, são<br />

a) Concepções <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psicológico;<br />

b) Concepções e status do brincar sobre o <strong>de</strong>senvolvimento psicológico;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 543


Conclusões<br />

c) Finalida<strong>de</strong>s do brincar;<br />

d) Comportamento das professoras diante das brinca<strong>de</strong>iras espontâneas;<br />

e) Importância dada ao brincar ela escola (tempo e espaço);<br />

f) E, por último, conhecimentos sobre teóricos e teorias sobre o brincar.<br />

Os <strong>de</strong>poimentos das educadoras por nós entrevistadas possibilitaram que conhecêssemos as suas<br />

concepções acerca da relação entre a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> brincar e o <strong>de</strong>senvolvimento psicológico <strong>de</strong> seus<br />

alunos. Assim, a análise <strong>de</strong> tais falas nos possibilitou construir as conclusões que passamos a apresentar:<br />

- As professoras consi<strong>de</strong>ram o meio físico e social como fator prepon<strong>de</strong>rante para a ocorrência do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento físico e psicológico das crianças.<br />

- Concebem o brincar como um dos elementos <strong>de</strong>sse meio.<br />

- Concebem o sujeito como um ser passivo – portanto, que tem pouca influência na <strong>de</strong>terminação<br />

do seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

- Apesar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarem o <strong>de</strong>senvolvimento como <strong>de</strong>corrente da interação entre o indivíduo e o<br />

meio, não explicitam a natureza <strong>de</strong>ssa interação. Além disso, a prática reflete uma concepção<br />

ambientalista, subsidiada pelo discurso da carência cultural.<br />

- Não diferenciam o <strong>de</strong>senvolvimento afetivo do cognitivo e do social, além <strong>de</strong> frequentemente os<br />

citarem sem qualquer precisão teórica. Em <strong>de</strong>corrência disso, inferimos que elas não sabem exatamente o<br />

que é cada um <strong>de</strong>les. Por exemplo, o que é e como ocorre o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e no que ele se<br />

diferencia do afetivo e do social/moral.<br />

- Elas não compreen<strong>de</strong>m que o <strong>de</strong>senvolvimento dos vários aspectos psicológicos ocorre <strong>de</strong> forma<br />

concomitante e interligada.<br />

- Supomos que as professoras apresentam uma visão superficial, fragmentada e incompleta dos<br />

fatores responsáveis pelo <strong>de</strong>senvolvimento psicológico infantil.<br />

- Apesar <strong>de</strong> as professoras consi<strong>de</strong>rarem o brincar importante para o <strong>de</strong>senvolvimento, pontuam<br />

apenas uma ou outra brinca<strong>de</strong>ira. Elas <strong>de</strong>monstram, com isso, que têm uma visão restrita e parcial sobre o<br />

papel do brincar. Por exemplo, avaliam que a brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> faz-<strong>de</strong>-conta só é importante para que a<br />

criança exteriorize as suas vivências. Neste sentido, é preocupante o fato <strong>de</strong> não termos encontrado<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 544


menção alguma que se reportasse ao brincar como constituinte do <strong>de</strong>senvolvimento integral da criança.<br />

- Assim como em relação ao <strong>de</strong>senvolvimento psicológico, elas também <strong>de</strong>sconhecem os<br />

processos pelos quais o brincar interfere no <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

- Elas só interferem nas brinca<strong>de</strong>iras infantis quando as crianças brigam. Julgamos, tal postura<br />

como extremamente positiva. Ao não interferirem nas brinca<strong>de</strong>iras das crianças ou só fazerem isso<br />

quando elas estão brigando, possibilitam que as crianças se <strong>de</strong>senvolvam moralmente, pois tal<br />

<strong>de</strong>senvolvimento torna-se possível, principalmente, quando se estabelece relação entre iguais. Caso<br />

contrário, a criança ten<strong>de</strong> sempre a seguir as or<strong>de</strong>ns emitidas pelos adultos e pouco elas refletem sobre a<br />

pertinência <strong>de</strong> se respeitar tais imperativos. Nesse sentido, elas acabam atuando – muitas vezes sem saber<br />

– como auxiliares no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social, especialmente da sociabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus alunos,<br />

e mesmo do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e afetivo. Afinal, acabam contribuindo para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da reciprocida<strong>de</strong> – fundamental para o <strong>de</strong>senvolvimento moral – e a reversibilida<strong>de</strong> (aspecto central do<br />

pensamento operatório).<br />

- Avaliam que o tempo <strong>de</strong>dicado à realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira livre é suficiente.<br />

Talvez isso ocorra pelo fato <strong>de</strong> as docentes não vislumbrarem a brinca<strong>de</strong>ira livre também como meio<br />

propiciador <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

- Por último, não dominam nenhuma teoria que se preste a discutir o brincar e sua importância<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento. Supomos que talvez estas professoras não tenham tido acesso em sua formação a<br />

tais teorias, ou, se as tiveram, não as reconstruíram a ponto <strong>de</strong> compreendê-las e “aplicá-las” na sua<br />

prática profissional.<br />

Estas questões nos levaram a concluir que, pelo menos nos aspectos que investigamos, os<br />

educadores possuem uma formação precária, mostrando-nos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma melhor formação para<br />

a ocorrência <strong>de</strong> uma prática educativa <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Referências<br />

AZENHA, M. da G. Construtivismo: <strong>de</strong> Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo: Editora Ática, 2002.<br />

BRASIL. Secretaria <strong>de</strong> Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil.<br />

Brasília: MEC/SEF, 1998.<br />

CARRAHER, T. N. O método clínico. ___. O método clínico: usando os exames <strong>de</strong> Piaget. São Paulo:<br />

Cortez, 1994. p.13-40.<br />

CARVALHO, L. M. M. Importância da brinca<strong>de</strong>ira no <strong>de</strong>senvolvimento infantil segundo professores <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 545


pré-escolas. 1999. 150f. Dissertação (Mestrado em <strong>Psicologia</strong> da Educação) – Pontifícia Universida<strong>de</strong><br />

Católica – São Paulo, 1999.<br />

KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1994.<br />

______. O jogo e a educação infantil. Pro-Posições. v.6. n.2 (17). 1995. p. 46-63.<br />

MARQUEZINI, C. P. & SANTOS, L. Educação pré-escolar e <strong>de</strong>senvolvimento infantil. Assis: 2001.<br />

24p. (mimeo.)<br />

PIAGET. J. Os problemas e os métodos. In: ___. A representação do mundo na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Record, s/d. p 5-32.<br />

______. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.<br />

______. A formação do símbolo na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1975.<br />

WAJSKOP, G. Tia, me <strong>de</strong>ixa brincar! O espaço do jogo na educação pré-escolar. 1990. 196f.<br />

Dissertação. (Mestrado em Educação) – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo,<br />

1990.<br />

______. O brincar na educação infantil. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Pesquisa (92): 62-68, fevereiro 1995.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 546


Jogo das quatro cores: algumas reflexões a respeito <strong>de</strong> sua aplicação nas aulas <strong>de</strong> matemática<br />

Resumo<br />

D’ANTONIO, Sandra Regina 81<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />

OLIVEIRA, André Luis <strong>de</strong> 82<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual do Oeste do Paraná<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />

LIBANORE, Ana Cristina Leandro da Silva 83<br />

Colégio Coração <strong>de</strong> Jesus/ Nova Esperança – PR.<br />

OENNING, Solange Fávero 84<br />

Colégio Estadual Tânia Varela – E.F. e Médio<br />

alolivei@hotmail.com<br />

sandradantonio@hotmail.com<br />

O jogo se apresenta no processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem da matemática como recurso gerador <strong>de</strong> situações<br />

<strong>de</strong>safiadoras para o aluno. Apresentamos neste trabalho reflexões e apontamentos acerca da elaboração,<br />

aplicação e importância do jogo no processo educacional, mais especificamente no ensino <strong>de</strong> Matemática.<br />

O jogo apresentado <strong>de</strong>nomina-se “Jogo das quatro cores” e foi utilizado com 27 alunos <strong>de</strong> 5ª séries<br />

do Ensino Fundamental com o objetivo <strong>de</strong> indicar que a Matemática vincula-se aos diversos campos da<br />

ciência sendo, portanto, extremamente necessária e importante para a solução <strong>de</strong> problemas das diversas<br />

áreas <strong>de</strong> conhecimento. Esses problemas <strong>de</strong>vem ser resolvidos utilizando-se operações com frações. Percebemos<br />

que todos os alunos se envolveram na ativida<strong>de</strong>, sem que houvesse problemas <strong>de</strong> participação,<br />

porém, alguns alunos não conseguiram resolver a questão que envolvia porcentagem, pois não sabiam que<br />

a porcentagem é também um tipo <strong>de</strong> fração. A gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>les interagiu <strong>de</strong> maneira que um ajudava<br />

o outro na resolução da questão <strong>de</strong>monstrando um espírito <strong>de</strong> cooperação, respeito e solidarieda<strong>de</strong> com os<br />

colegas. Além disso, os alunos das séries em que foram aplicadas essa ativida<strong>de</strong> estavam numa fase <strong>de</strong>nominada<br />

por Piaget (1978), <strong>de</strong> operatório-concreta. Fase que ocorre por volta dos sete aos treze anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>, em que o pensamento operatório é <strong>de</strong>nominado concreto porque a criança só consegue pensar corretamente<br />

se os exemplos ou materiais que ela utiliza para apoiar seu pensamento existem e po<strong>de</strong>m ser<br />

observados. Isso exige <strong>de</strong> nós professores a valorização <strong>de</strong>ssas necessida<strong>de</strong>s e, portanto uma mudança em<br />

nossa prática pedagógica, com vistas à utilização <strong>de</strong> recursos e estratégias que privilegiem o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

intelectual e o raciocínio lógico-matemático nesta fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Palavras-chave: Jogos e brinca<strong>de</strong>iras. Resolução <strong>de</strong> problemas. Frações e porcentagem. Educação<br />

matemática.<br />

81 Doutoranda no Programa <strong>de</strong> Pós Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM/UEM<br />

82 Doutorando no Programa <strong>de</strong> Pós Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM/UEM<br />

83 Mestre em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM/UEM.<br />

84 Mestre em Educação para a Ciência e Matemática – PCM/UEM<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 547


Abstract<br />

The game presents itself in the process of mathematics teaching-learning as a resource to generate <strong>de</strong>fying<br />

situations to the stu<strong>de</strong>nt. We are showing in this paper, reflections and appointing over the <strong>de</strong>velopment,<br />

application and importance of the game at the educational process, more specifically on the mathematics<br />

classes. The game is called “the four color game” and it was used with 27 stu<strong>de</strong>nts in the 5 th gra<strong>de</strong> of<br />

Elementary School with the aim to indicate that mathematics binds itself to the many fields of science<br />

being, therefore, extremely necessary and important in or<strong>de</strong>r to solve problems of vary fields of<br />

knowledge. These problems must be solved using operation with fractions. We realized that every stu<strong>de</strong>nt<br />

got involved in the activity, without problems of participation, however, some stu<strong>de</strong>nts just could not<br />

solve the activity which involved percentage, because they did not know that percentage is also a sort of<br />

fraction. The great majority of them interacted in a way which one helped another in the resolution of the<br />

question showing a spirit of cooperation, respect and solidarity with their co-stu<strong>de</strong>nts. Besi<strong>de</strong>s, the<br />

stu<strong>de</strong>nts of the classes which were applied this activity were on a stage called by Piaget (1978), of<br />

concrete-operative. Stage which occurs by age of 7 to 13 years old, in which the operative thought is<br />

called concrete because the child only thinks correctly if the examples or materials which he or she uses<br />

to help his or her thought are there and can be observed. Such effort, <strong>de</strong>mands of us teachers the<br />

appreciation of that necessities and, and consequently a change of our pedagogical practice, as intent to<br />

use the resources and strategies which privilege the intellectual <strong>de</strong>velopment and the logical-mathematical<br />

reasoning in this level of <strong>de</strong>velopment.<br />

Keywords: Playing and games Resolution of problems. Percentage and fractions. Mathematical<br />

education.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 548


Introdução<br />

Dentre os muitos objetivos do ensino <strong>de</strong> Matemática, um certamente é consensual: ensinar a<br />

resolver problemas. As discussões em torno da resolução <strong>de</strong> problemas (BURIASCO, 1998; MEDEIROS,<br />

1999; FIORENTINI e MIORIM, 2004; ONUCHIC, 2004), são basicamente <strong>de</strong> dois níveis. Um <strong>de</strong>les se<br />

refere à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ensinar o conteúdo por meio da resolução <strong>de</strong> problemas, ou seja, pela<br />

estratégia <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> problemas po<strong>de</strong>mos mostrar ao aluno como o conhecimento é construído. O<br />

outro diz respeito à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver habilida<strong>de</strong>s para solucionar problemas semelhantes ou<br />

<strong>de</strong> gerar estruturas para a solução <strong>de</strong> problemas futuros.<br />

Quando consi<strong>de</strong>ramos o jogo como um instrumento <strong>de</strong> ensino, é também possível classificá-lo em<br />

dois gran<strong>de</strong>s blocos: o jogo <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador <strong>de</strong> aprendizagem e o jogo <strong>de</strong> aplicação. Quem vai diferenciar<br />

estes dois tipos <strong>de</strong> jogo não é o brinquedo, não é o jogo, e sim a forma como ele será utilizado em sala <strong>de</strong><br />

aula. Para ser mais preciso: é a postura do professor, a dinâmica criada e o objetivo estabelecido para<br />

<strong>de</strong>terminado jogo que vão colocá-los numa ou noutra classificação.<br />

Assim, é possível combinar jogo e a resolução <strong>de</strong> problemas no ensino formal; porém, fazer isto é<br />

muito mais que uma simples atitu<strong>de</strong>, é uma postura que <strong>de</strong>ve ser assumida na condução do ensino. E<br />

assumi-la com vistas ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conceitos científicos exige um projeto <strong>de</strong> ensino. Fazer isto é<br />

dar um sentido humano ao jogo, à resolução <strong>de</strong> problemas e, por conseguinte, à Educação Matemática.<br />

Não obstante, raros são os cursos <strong>de</strong> licenciatura que têm se preocupado com esta formação lúdica,<br />

limitando-se à formação teórica e pedagógica. Assim, reconhecemos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar professores<br />

capazes <strong>de</strong> introduzir em sua prática a ludicida<strong>de</strong>, dando lugar à realização <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sejos na escola, em<br />

especial quando contribui com o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral <strong>de</strong> seus alunos.<br />

Neste sentido, apresentamos neste trabalho reflexões e apontamentos acerca da elaboração,<br />

aplicação e importância do jogo no processo educacional, mais especificamente no ensino <strong>de</strong> Matemática.<br />

O jogo apresentado <strong>de</strong>nomina-se “Jogo das quatro cores”, po<strong>de</strong> ser utilizado com alunos <strong>de</strong> 5ª e 6ª séries<br />

do Ensino Fundamental e tem por principal objetivo mostrar que a Matemática vincula-se aos diversos<br />

campos da ciência sendo, portanto extremamente necessária e importante para a solução <strong>de</strong> problemas das<br />

diversas áreas <strong>de</strong> conhecimento.<br />

A importância do jogo no processo educacional<br />

Toda criança, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos <strong>de</strong> vida brinca, joga e <strong>de</strong>sempenha ativida<strong>de</strong>s lúdicas,<br />

assim, seu mundo se transforma em uma realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jogo. O brincar e o jogar para criança representam<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 549


sua forma <strong>de</strong> interagir com o mundo a sua volta sendo, como afirma Grando (1997), por meio do jogo que<br />

a criança esquece <strong>de</strong> todos que a cercam e se entrega ao fascínio do brincar.<br />

O jogo visa o <strong>de</strong>senvolvimento físico, mental e moral da criança e paralelamente contribui para o<br />

aperfeiçoamento das funções mentais, como a atenção, a imaginação, a memória, o raciocínio e a<br />

aquisição <strong>de</strong> hábitos ou virtu<strong>de</strong>s morais, como a lealda<strong>de</strong>, o espírito <strong>de</strong> cooperação e o senso social.<br />

Contudo, o jogo não é somente um processo <strong>de</strong> aperfeiçoamento físico, intelectual e moral. É<br />

também um valioso elemento para observação e conhecimento da criança. Na visão da psicologia o jogo<br />

permite a apreensão dos conteúdos, pois coloca o sujeito diante da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolver, na prática,<br />

as suas necessida<strong>de</strong>s psicológicas. O indivíduo experimenta, assim, por meio do jogo situações <strong>de</strong> faz-<strong>de</strong>-<br />

conta vivenciadas ou criadas, para solucionar as impossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tornar realida<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo<br />

(KISHIMOTO, 1997, p. 80).<br />

Segundo Piaget (1978), o jogo constitui-se em um modo <strong>de</strong> a criança comunicar e expressar suas<br />

fantasias, <strong>de</strong>sejos, conflitos, bem como maneiras <strong>de</strong> captar e transformar a realida<strong>de</strong>. É por meio das<br />

brinca<strong>de</strong>iras e dos jogos que a criança tem oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer seu domínio, dirigir suas ações e <strong>de</strong><br />

utilizar sua capacida<strong>de</strong> para modificar o ambiente à sua volta.<br />

Jogando, a criança aplica seus esquemas mentais à realida<strong>de</strong> que a cerca, apreen<strong>de</strong>ndo-a e<br />

assimilando-a. Brincando e jogando, a criança reproduz as suas vivências, transformando o real <strong>de</strong> acordo<br />

com seus <strong>de</strong>sejos e interesses. Por meio do jogo a criança expressa, assimila e constrói a sua realida<strong>de</strong>.<br />

Desta maneira, situações <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas como parte integrante das ativida<strong>de</strong>s<br />

pedagógicas, tendo em vista que são elementos estimuladores para o <strong>de</strong>senvolvimento da criança.<br />

Na escola, os jogos po<strong>de</strong>m ser utilizados, pelo professor, <strong>de</strong> forma espontânea ou dirigida, ou seja,<br />

para propiciar o <strong>de</strong>senvolvimento e/ou a aprendizagem. Ativida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas maçantes pelas crianças<br />

como a leitura, o cálculo e a escrita po<strong>de</strong>m tornar-se apaixonantes quando iniciadas por meio <strong>de</strong> jogos. De<br />

acordo com Macedo (1995):<br />

[...] o conhecimento tratado como um jogo po<strong>de</strong> fazer sentido para a criança. Não se trata<br />

<strong>de</strong> ministrar os conteúdos escolares em forma <strong>de</strong> jogo. Trata-se <strong>de</strong> analisar as relações<br />

pedagógicas como um jogo. A escola propõe exercícios, mas lhes tira o sentido, o valor<br />

lúdico. Ensina convenções, mas não ensina as crianças a “ganharem” <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas<br />

convenções (MACEDO, 1995, p.9-10).<br />

O jogo supõe relação social, supõe interação. Por isso, a participação em jogos contribui para a<br />

formação <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s sociais: respeito mútuo, solidarieda<strong>de</strong>, cooperação, obediência às regras, senso <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>, iniciativa pessoal e grupal. É jogando que a criança apren<strong>de</strong> o valor do grupo como<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 550


força integradora e o sentido da competição saudável e da colaboração consciente e espontânea.<br />

Segundo Kamii e Devries (1991, p. 38), as crianças se “[...] <strong>de</strong>senvolvem não apenas social, moral<br />

e cognitivamente, mas também política e emocionalmente através dos jogos”. Muitas vezes, as crianças<br />

criam as próprias regras para jogar. Esta é uma ativida<strong>de</strong> política que implica várias <strong>de</strong>cisões,<br />

consequentemente coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista, contribuindo para o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia.<br />

No entanto, se a finalida<strong>de</strong> da educação é o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia intelectual, moral,<br />

política e emocional da criança <strong>de</strong>vemos ter em mente que a conquista <strong>de</strong>sta autonomia requer o controle<br />

mútuo dos <strong>de</strong>sejos e da forma <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões. Segundo Kishimoto (1994), essa forma é obtida por<br />

meio da cooperação e coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> diferentes pontos <strong>de</strong> vistas, os quais po<strong>de</strong>m ser conseguidos com a<br />

ajuda dos jogos. Para Piaget (apud, KAMII e DEVRIES, 1991):<br />

“Cooperação”, quer dizer “co-operar”, “operar junto”, ou “negociar”, para chegar a um<br />

acordo que pareça a<strong>de</strong>quado a todos os envolvidos. [...] A cooperação “às vezes” implica<br />

conflitos e brigas. Se existe um relacionamento <strong>de</strong> respeito mútuo entre as partes<br />

envolvidas, as crianças barulhentas po<strong>de</strong>rão, no momento, voluntariamente construir uma<br />

regra para ficarem razoavelmente quietas. Quando a criança chega a uma conclusão por<br />

<strong>de</strong>scentração e por ver os pontos <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> outras pessoas, constrói uma regra para si<br />

mesma. (KAMII e DEVRIES, 1991, p.21).<br />

Assim, o jogo po<strong>de</strong> ser um importante recurso a ser utilizado pelo professor na sala <strong>de</strong> aula. No<br />

entanto, Kamii e Devries (1991) apontam alguns cuidados com relação à escolha do jogo, uma vez que o<br />

valor do conteúdo do jogo <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado em relação à maneira como a criança raciocina e obtém<br />

informações ao jogar. O jogo não <strong>de</strong>ve ser visto, apenas, como divertimento ou brinca<strong>de</strong>ira, já que<br />

favorece o <strong>de</strong>senvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral e, para ser útil no processo<br />

educacional, um jogo <strong>de</strong>ve:<br />

• Propor alguma coisa interessante e <strong>de</strong>safiadora para as crianças resolverem;<br />

• Permitir que as crianças possam se auto-avaliar quanto a seu <strong>de</strong>senvolvimento;<br />

• Possibilitar a todos os jogadores a participação ativa do começo ao fim do jogo.<br />

Isso po<strong>de</strong>rá ser inferido pelo professor por meio da leitura do comportamento da criança. Contudo,<br />

esse processo <strong>de</strong>ve ser feito com cuidado, levando em conta a participação da criança, ocasião em que o<br />

professor po<strong>de</strong> fazer uma triagem mais simples, <strong>de</strong>scartando aqueles jogos que por si mesmos não têm um<br />

conteúdo significativo e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> pensamento.<br />

Assim, o professor tem um papel fundamental nesse processo, pois além <strong>de</strong> analisar quais jogos<br />

são ou não pertinentes, <strong>de</strong>ve também propor situações agradáveis que promovam o uso do jogo em sala<br />

<strong>de</strong> aula. Para tanto, acreditamos que para instaurar esse caráter lúdico nas ativida<strong>de</strong>s escolares, se torna<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 551


oportuno uma formação especial neste sentido, pois conforme Santos e Cruz:<br />

A formação lúdica se assenta em pressupostos que valorizam a criativida<strong>de</strong>, o cultivo da<br />

sensibilida<strong>de</strong>, a busca da afetivida<strong>de</strong>, a nutrição da alma, proporcionando aos futuros<br />

educadores vivências lúdicas, experiências corporais que se utilizam da ação, do<br />

pensamento e da linguagem, tendo no jogo sua fonte dinamizadora (1997, p.13).<br />

Assim, quanto mais o adulto vivenciar sua ludicida<strong>de</strong>, maiores serão as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalhar<br />

com a criança <strong>de</strong> forma prazerosa, especialmente porque a formação lúdica possibilita ao adulto, reviver e<br />

resgatar com prazer a alegria do brincar, a fim <strong>de</strong> que possa transpor esta experiência para o campo<br />

educacional, ou seja, o jogo.<br />

Para Penteado (2000), o lúdico tem a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> liberar a espontaneida<strong>de</strong> dos jogadores,<br />

porém, no caso da relação professor/aluno, o problema que se enfrenta na capacitação <strong>de</strong> docentes, é a<br />

liberação da espontaneida<strong>de</strong> e, portanto, da capacida<strong>de</strong> criadora para que se atinja um “encontro<br />

vigoroso” do educando com o conhecimento, mediado por ações significativas do professor.<br />

Neste contexto “O professor precisaria enten<strong>de</strong>r o ensino como brinquedo – brincar com suas<br />

i<strong>de</strong>ias e convidar outras para a brinca<strong>de</strong>ira; o pensar, antes <strong>de</strong> mais nada, como brincar – brincar com as<br />

i<strong>de</strong>ias” (MARCELLINO, 1989, p. 111). Deste modo, o jogo além <strong>de</strong> envolver o aluno em ativida<strong>de</strong>s<br />

significativas se torna também uma alternativa para que o docente possa estabelecer um bom<br />

relacionamento com seus alunos, tornando assim sua prática mais prazerosa e significativa.<br />

O jogo e a construção do conhecimento matemático<br />

Sendo a Matemática uma ciência recheada <strong>de</strong> lógica, <strong>de</strong>monstrações e hipóteses <strong>de</strong>vem<br />

disponibilizar momentos em sala <strong>de</strong> aula nos quais os alunos possam compreen<strong>de</strong>r que fazer matemática é<br />

muito mais do que utilizar bem algoritmos e acertar cálculos. Compreen<strong>de</strong>r Matemática é apreen<strong>de</strong>r a<br />

verbalizar pensamentos e raciocínios, ouvir opiniões e i<strong>de</strong>ias com vistas a argumentar, criticar, negociar,<br />

estabelecer conjecturas, parâmetros <strong>de</strong> concordância. Enfim, é <strong>de</strong>senvolver estratégias que auxiliem na<br />

resolução <strong>de</strong> problemas com as quais os alunos possam refletir sobre o real significado da Matemática em<br />

seu dia-a-dia.<br />

Contudo, para que isso aconteça o professor <strong>de</strong>ve privilegiar em sua prática diária estratégias que<br />

possibilitem o trabalho em grupo, as discussões, a formulação <strong>de</strong> argumentos e contra-argumentos por<br />

parte dos alunos, visto que as discussões em grupo mediadas pelo professor, possuem segundo Almiro<br />

(1997), o potencial <strong>de</strong> gerar interações riquíssimas.<br />

De acordo com Kamii e Devries (1991) o trabalho com jogos <strong>de</strong> regra em grupo <strong>de</strong>staca-se como<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 552


ocasião, por excelência, para a <strong>de</strong>flagração <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio cognitivo e <strong>de</strong>scentração do indivíduo.<br />

Ao trabalhar com seus pares, o aluno verifica a existência <strong>de</strong> hipóteses diferentes das suas. Isto conduz ao<br />

conflito e à argumentação. A criança vê-se obrigada a avaliar e justificar suas opiniões e acaba assim<br />

organizando as próprias i<strong>de</strong>ias, esclarecendo seu próprio pensamento, bem como ampliando a própria<br />

compreensão.<br />

Assim, o jogo se apresenta no processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem da matemática como recurso<br />

gerador <strong>de</strong> situações <strong>de</strong>safiadoras para o aluno e, que auxiliam no processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem, visto<br />

que possibilita a compreensão das estruturas matemáticas existentes, colocando o aluno diante <strong>de</strong><br />

situações problema com as quais ele terá <strong>de</strong> pensar e a partir das regras do jogo estabelecer hipóteses e<br />

conjecturas com vistas à resolução do mesmo.<br />

Contudo, a simples introdução <strong>de</strong> jogos no ensino da matemática não garante a aprendizagem da<br />

disciplina. Para que isso ocorra <strong>de</strong>ve ser propiciado ao aluno um aprendizado significativo, no qual<br />

participe das discussões em grupo interagindo, raciocinando, reelaborando hipóteses, superando assim,<br />

sua visão ingênua, fragmentada e parcial da realida<strong>de</strong>. Para Fiorentini e Miorim :<br />

[...] o material mais a<strong>de</strong>quado, nem sempre, será o visualmente mais bonito e nem<br />

o já construído. Muitas vezes durante a construção <strong>de</strong> um material o aluno tem a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r matemática <strong>de</strong> forma mais efetiva. Em outros<br />

momentos, o mais importante não será o material, mas sim a discussão e<br />

resolução <strong>de</strong> uma situação problema ligada ao contexto do aluno, ou ainda à<br />

discussão e utilização <strong>de</strong> um raciocínio mais abstrato (2004).<br />

Neste processo o professor <strong>de</strong>sempenha então um papel primordial o <strong>de</strong> criar uma atmosfera <strong>de</strong><br />

respeito mútuo, estabelecendo as condições necessárias para a boa execução do jogo. Seu papel será então<br />

o <strong>de</strong> dinamizador, mediador entre a linguagem (presente nas situações problemas e nas discussões em<br />

grupo), os alunos e a Matemática (D’ ANTONIO, 2006).<br />

Neste trabalho propomos a aplicação <strong>de</strong> um jogo envolvendo situações-problema que permeiam as<br />

diversas ciências e, cujo conteúdo específico envolve as operações com os números fracionários. Nosso<br />

intuito além <strong>de</strong> apresentar problemas que envolvam conceitos <strong>de</strong> Ciências, Geografia e também <strong>de</strong><br />

Matemática, mostrando a relação entre a matemática e as <strong>de</strong>mais disciplinas foi o <strong>de</strong> investigar <strong>de</strong> que<br />

forma os alunos a partir das regras propostas pelo jogo, do material disponível e das discussões em grupo<br />

iriam resolver as situações-problema a eles apresentadas.<br />

Procedimentos Metodológicos<br />

O jogo foi construído e levado inicialmente em turmas <strong>de</strong> 5ª série do Ensino Fundamental em uma<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 553


escola pública estadual <strong>de</strong> Maringá-PR.<br />

Para jogar o bingo, os alunos precisam conhecer o conteúdo <strong>de</strong> frações, pois precisam realizar<br />

cálculos e marcar os resultados correspon<strong>de</strong>ntes em suas cartelas. Para que se aproveite a aula <strong>de</strong><br />

matemática <strong>de</strong> uma forma mais atrativa e interessante, as questões apresentadas aos alunos traziam<br />

informações sobre ecologia, reciclagem <strong>de</strong> lixo, <strong>de</strong>ntre outros.<br />

Analisamos os resultados obtidos e realizamos algumas reflexões sobre a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida.<br />

Objetivos do jogo<br />

• Desenvolver a interdisciplinarida<strong>de</strong> entre conteúdos durante o jogo, explorando os temas<br />

transversais;<br />

• Incentivar a solidarieda<strong>de</strong>, o respeito pelos colegas e pelas regras do jogo, o espírito participativo,<br />

<strong>de</strong> forma atrativa e interessante;<br />

• Estimular o lúdico na aprendizagem, analisando o jogo sobre vários pontos <strong>de</strong> vista, inclusive o do<br />

outro jogador.<br />

Faixa etária e nível <strong>de</strong> ensino<br />

O jogo que será apresentado neste trabalho foi criado para ser trabalhado com alunos <strong>de</strong> 5ª<br />

série do Ensino Fundamental, pois explora o conteúdo <strong>de</strong> frações, que correspon<strong>de</strong> esta série. Po<strong>de</strong><br />

também ser utilizado em classes <strong>de</strong> 6ª série, em forma <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> conteúdos.<br />

Conceitos e ações educativas<br />

O jogo é composto por problemas que envolvem conteúdos <strong>de</strong> várias áreas. Esses<br />

problemas <strong>de</strong>vem ser resolvidos utilizando-se operações com frações. Com o intuito <strong>de</strong> que não fossem<br />

realizados simplesmente cálculos sem ligação com a realida<strong>de</strong>, utilizamos nos problemas propostos<br />

conhecimentos <strong>de</strong> outras áreas, tais como ciências, geografia, física e matemática, para que os alunos<br />

pu<strong>de</strong>ssem receber informações <strong>de</strong> situações do mundo atual.<br />

Com a ativida<strong>de</strong>, os alunos po<strong>de</strong>m aprofundar seus conhecimentos acerca <strong>de</strong>sse assunto, pois<br />

trabalhando com materiais práticos como os pratinhos, peças e tabuleiros, estão manuseando o material e<br />

isso facilita a compreensão do que representa a fração, - pois <strong>de</strong> acordo com Piaget, alunos <strong>de</strong>ssa faixa<br />

etária ainda estão na fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>nominada operatório-concreta - não ficando somente nos<br />

cálculos e representações escritas, sem saber ao certo o que estão fazendo, como ocorre com a maioria <strong>de</strong><br />

nossos alunos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 554


humano.<br />

Conceitos: fração, ecologia, espaço geográfico, sistema solar, o lixo, composição <strong>de</strong> água no corpo<br />

Descrição do jogo e material utilizado<br />

material:<br />

O jogo <strong>de</strong>ve ser realizado em grupos com 4 integrantes. Cada grupo receberá o seguinte<br />

• 1 tabuleiro quadriculado e colorido com 16 casas, sendo estas <strong>de</strong> 4 cores diferentes (azul,<br />

rosa, ver<strong>de</strong> e laranja).<br />

• 1 dado com as faces da cor da cartela e 2 faces brancas.<br />

• 10 pratinhos <strong>de</strong> plásticos <strong>de</strong> festas).<br />

• Feijão.<br />

Questões do jogo<br />

• 4 cartelas <strong>de</strong> bingo contendo 6 números.<br />

• 16 fichas contendo questões <strong>de</strong> Geografia, Ciências ou Matemática.<br />

As questões abaixo relacionadas foram disponibilizadas em fichas:<br />

A massa corporal <strong>de</strong> uma criança é<br />

36 Kg. Sabendo que 2/3 <strong>de</strong>ssa massa<br />

é composta por água, <strong>de</strong>termine a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> água do corpo <strong>de</strong>ssa<br />

criança?<br />

Sabendo que o território brasileiro é<br />

composto por 27 estados. 1/3 <strong>de</strong>ssa<br />

quantida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> a quantos<br />

Estados?<br />

Um chuveiro ligado durante 4<br />

minutos gasta em média 60 litros <strong>de</strong><br />

água. Quantos litros serão gastos <strong>de</strong><br />

água se o chuveiro permanecer ligado<br />

durante ¾ <strong>de</strong>sse tempo?<br />

Quantos meses o papel <strong>de</strong>mora para<br />

se <strong>de</strong>compor sabendo que esse tempo<br />

correspon<strong>de</strong> a ¼ <strong>de</strong> um ano.<br />

Uma tonelada <strong>de</strong> papel reciclado<br />

economiza em torno <strong>de</strong> 20 árvores.<br />

Quantas árvores po<strong>de</strong>rão ser<br />

poupadas se for reciclado ¾ <strong>de</strong><br />

toneladas <strong>de</strong> papel?<br />

Quantos meses o resto <strong>de</strong> frutas<br />

<strong>de</strong>mora para <strong>de</strong>compor, sabendo que<br />

esse tempo correspon<strong>de</strong> a 4/6 <strong>de</strong> 1<br />

ano?<br />

Uma pessoa andou 4/6 da distância<br />

entre duas cida<strong>de</strong>s que é <strong>de</strong> 60 Km.<br />

Quantos quilômetros a pessoa andou?<br />

Quantos anos o chiclete <strong>de</strong>mora para<br />

se <strong>de</strong>compor sabendo que esse tempo<br />

correspon<strong>de</strong> a 1/3 <strong>de</strong> 15 anos.<br />

Um ano terrestre tem 12 meses.<br />

Descubra quantos meses possui<br />

aproximadamente o ano do planeta<br />

Mercúrio sabendo que correspon<strong>de</strong> a<br />

¼ do ano terrestre?<br />

Ricardo tem uma coleção com 30<br />

figurinhas. Quantas figurinhas<br />

correspon<strong>de</strong>m a 3/5 <strong>de</strong>sta coleção?<br />

Um funcionário recebeu um ticket<br />

alimentação <strong>de</strong> 54 reais Em uma<br />

semana, ele gastou 2/3 <strong>de</strong>sse valor.<br />

Quantos reais sobraram <strong>de</strong>sse ticket?<br />

Dos 40 alunos <strong>de</strong> uma classe, 10%<br />

tem mais <strong>de</strong> onze anos. Quantos são<br />

esses alunos?<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 555


Materiais confeccionados<br />

O jogo<br />

Tabuleiro do jogo Dado para o jogo Cartela <strong>de</strong> bingo<br />

Cada equipe <strong>de</strong>ve distribuir uma ficha <strong>de</strong> questão em cada quadradinho do tabuleiro, com as<br />

questões viradas para baixo.<br />

Os alunos <strong>de</strong>verão selecionar quem iniciará o jogo.<br />

O primeiro aluno joga o dado e <strong>de</strong>verá escolher uma questão que estiver na casa que correspon<strong>de</strong> à<br />

cor da face que caiu o dado.<br />

Em seguida, lê a questão e resolve o cálculo fracionário utilizando-se dos pratinhos e do feijão.<br />

Esse cálculo envolve fração e as questões são relacionadas aos conteúdos <strong>de</strong> Ciências , Geografia e<br />

Matemática.<br />

Se o aluno tiver em sua cartela o número correspon<strong>de</strong>nte à resposta da sua questão, <strong>de</strong>verá marcá-<br />

la com um feijão. Caso não tenha, passa a vez sem marcar.<br />

Em seguida, outro aluno joga o dado e realiza o mesmo procedimento.<br />

Se cair a face branca do dado, o aluno po<strong>de</strong>rá escolher qualquer questão do tabuleiro.<br />

Ganha o jogo quem preencher primeiro a cartela <strong>de</strong> bingo.<br />

Resultados e Discussão<br />

Realizamos o teste do jogo com 27 alunos <strong>de</strong> uma 5ª série <strong>de</strong> uma Escola Pública do município <strong>de</strong><br />

Maringá-PR. Inicialmente explicamos o objetivo <strong>de</strong> estarmos realizando este trabalho e em seguida<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 556<br />

0<br />

5<br />

1<br />

4<br />

0<br />

6<br />

4<br />

6 8


explicamos como se <strong>de</strong>senvolveria o jogo. Os alunos se reuniram em grupos com quatro integrantes e<br />

distribuímos o material a ser utilizado.<br />

No início, os alunos sentiram um pouco <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s para realizarem os cálculos. Alguns<br />

realizavam mentalmente e outros faziam as operações no ca<strong>de</strong>rno. De modo geral, os alunos tentaram em<br />

primeiro lugar encontrar um algoritmo que facilitasse a resolução dos problemas, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> utilizar os<br />

materiais disponíveis. Por isso Stewart 85 postula que:<br />

A matemática não é só cálculo. Quase todo mundo acaba por apren<strong>de</strong>r a calcular, porém<br />

segundo os informes relativos ao nosso ensino <strong>de</strong> matemática, não se fomentam em<br />

nossas crianças outras capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> níveis superiores. A matemática não é só símbolos<br />

e contas. Estas são apenas ferramentas do ofício – semifusas, e colcheias e exercícios para<br />

cinco <strong>de</strong>dos. A matemática é pensar – sobre números e probabilida<strong>de</strong>s, acerca <strong>de</strong> relação<br />

lógica, ou sobre gráficos e variações –, porém, acima <strong>de</strong> tudo, pensar (STEWART, 1996<br />

p.14; apud BELLINI e RUIZ, 2001, p. 9).<br />

Denote que as situações problemas presentes no jogo eram simples, porém, os alunos<br />

apresentaram dificulda<strong>de</strong>s para argumentar a respeito e estabelecer conjecturas a partir das discussões<br />

que propiciassem o encontro da solução <strong>de</strong>sses problemas. Contudo, aos poucos, foram enten<strong>de</strong>ndo o<br />

processo e resolvendo os problemas com o auxílio do material disponível.<br />

Neste contexto, conforme Macedo (1994), além das contribuições para o ensino da matemática, o<br />

conhecimento lógico-matemático, cunhado por Piaget, permitiu situar a criança como ser ativo da<br />

aprendizagem, ou seja, a lógica não é inata, mas construída pela criança através <strong>de</strong> sua interação com o<br />

meio e suas experiências, construindo <strong>de</strong>ssa forma seu raciocínio.<br />

Outra dificulda<strong>de</strong> percebida foi a <strong>de</strong> não saberem a função do numerador na fração, ou seja, eles<br />

sabiam como <strong>de</strong>veria ser repartido o todo, mas não sabiam o que fazer com o numerador. Além disso,<br />

alguns alunos não conseguiram resolver a questão que envolvia porcentagem, pois não sabiam que a<br />

porcentagem é também um tipo <strong>de</strong> fração, dificultando a resolução dos problemas e o fluxo do jogo.<br />

Não obstante, a gran<strong>de</strong> maioria dos alunos interagiu com os colegas, ocasião em que um ajudava o<br />

outro na resolução dos problemas <strong>de</strong>monstrando cooperação, respeito e solidarieda<strong>de</strong>. Neste sentido,<br />

Piaget (1950), afirma que a cooperação gradual entre as crianças alcança um pleno <strong>de</strong>senvolvimento no<br />

período entre 10 e 11 anos, mas acredita que a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 11 a 13 anos é o melhor período para a prática da<br />

autonomia. Daí a aplicação <strong>de</strong>ste jogo com crianças entre 10 a 12 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, que estão na 5ª série do<br />

ensino fundamental. Neste ponto é natural que a escola utilize este progresso da cooperação para obter<br />

vantagens educativas que a imposição não po<strong>de</strong>ria oferecer.<br />

As consi<strong>de</strong>rações realizadas neste trabalho acerca da autonomia, encontram respaldo, sobretudo,<br />

nas palavras <strong>de</strong> Kamii e Devries:<br />

85 STEWART, Ian. Os problemas da matemática. Lisboa: Gradiva, 1996.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 557


A autonomia não é somente social, mas também intelectual. Assim como as regras morais<br />

e sociais <strong>de</strong>vem ser reconstruídas por cada criança para que se tornem suas, o<br />

conhecimento também <strong>de</strong>ve ser construído por cada indivíduo (1991, p.23).<br />

Esta afirmação evi<strong>de</strong>ncia o reconhecimento <strong>de</strong> uma abordagem construtivista por parte das<br />

autoras, que vem ao encontro das propostas <strong>de</strong>ste trabalho, que vislumbra instigar os alunos à construção<br />

do conhecimento por meio <strong>de</strong> um jogo envolvendo conteúdos matemáticos, bem como informações<br />

acerca <strong>de</strong> outras ciências que po<strong>de</strong>rão facilitar a compreensão dos cálculos envolvidos na ativida<strong>de</strong>.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Em nossa prática diária temos alunos que não apren<strong>de</strong>m os conteúdos trabalhados e/ou apresentam<br />

muitas dificulda<strong>de</strong>s com relação aos conceitos estudados. Na maioria dos casos, isso ocorre porque a<br />

tendência dos alunos é seguir mo<strong>de</strong>los prontos, sem analisar e interpretar as questões envolvidas. Eles só<br />

“<strong>de</strong>coram” para a avaliação, porém não sabem realmente <strong>de</strong>screver o que estão fazendo. Não conseguem<br />

estabelecer relação entre um conteúdo e outro, tão pouco entre as áreas <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Isso se <strong>de</strong>ve ao problema que o ensino <strong>de</strong> Matemática trás <strong>de</strong>ste o início da formação docente até o<br />

trabalho <strong>de</strong>senvolvido a posteriori em sala <strong>de</strong> aula pelo professor. A visão <strong>de</strong> uma matemática formal,<br />

<strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> significado e sentido, sob a qual o aluno só é bem sucedido se consegue aplicar o algoritmo<br />

ensinado pelo professor. Longe <strong>de</strong> se buscar estratégias que privilegiem o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

argumentativo, as discussões a respeito das diferentes formas <strong>de</strong> se solucionar um problema perpetuam a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que saber matemática é resolver intermináveis listas <strong>de</strong> exercícios seguindo o exemplo fornecido<br />

pelo professor e aplicá-los em seguida na avaliação.<br />

Por meio da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida percebemos que a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> dos alunos com relação<br />

às questões propostas foi a <strong>de</strong> relacionar os conceitos estudados a respeito dos números fracionários e das<br />

operações com frações com a representação da porcentagem, que também é um número fracionário,<br />

porém escrito <strong>de</strong> forma diferente. Outro aspecto que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar é o <strong>de</strong> que a tendência dos alunos<br />

era <strong>de</strong> tentar estabelecer um algoritmo para solucionar os problemas propostos. Eles tinham uma gran<strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong> em utilizar os materiais disponíveis, pois até então só haviam estudado os conteúdos <strong>de</strong><br />

frações por meio <strong>de</strong> cálculos e algoritmos simples e não por meio da resolução <strong>de</strong> problemas.<br />

A falta <strong>de</strong> conhecimento real sobre o assunto faz, portanto com que muitos discentes passem a<br />

consi<strong>de</strong>ram a Matemática como uma disciplina em que se faz “contas” e aplicam-se algoritmos estudados<br />

em problemas simples exemplificados pelo professor. Além disso, a matemática a eles apresentada não se<br />

relaciona com as situações <strong>de</strong> seu dia-a-dia, sendo assim, eles não sabem para que servem o que<br />

“apren<strong>de</strong>m” na escola.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 558


Em muitos casos os próprios professores não exploram essa relação; seguem a proposta curricular,<br />

o planejamento e o livro didático que traz os conteúdos relacionados numa <strong>de</strong>terminada or<strong>de</strong>m como se o<br />

conhecimento também tivesse sido construído <strong>de</strong>ssa maneira, sem relação entre si e sem relação com as<br />

<strong>de</strong>mais ciências.<br />

Realizar ativida<strong>de</strong>s diferenciadas durante as aulas não é tarefa simples, mas é essencial para um<br />

melhor aproveitamento da aula, pois as crianças apren<strong>de</strong>m mais brincando do que lendo ou “<strong>de</strong>corando”,<br />

pois o ato <strong>de</strong> brincar é inerente ao ser humano, especialmente nessa faixa etária. Os alunos das séries em<br />

que foram aplicadas essa ativida<strong>de</strong> estavam numa fase <strong>de</strong>nominada por Piaget (1978), <strong>de</strong> operatório-<br />

concreta. Fase que ocorre por volta dos sete aos treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, em que o pensamento operatório é<br />

<strong>de</strong>nominado concreto porque a criança só consegue pensar corretamente se os exemplos ou materiais que<br />

ela utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e po<strong>de</strong>m ser observados.<br />

Isso exige <strong>de</strong> nós professores a valorização <strong>de</strong>ssas necessida<strong>de</strong>s e, portanto uma mudança em<br />

nossa prática pedagógica, com vistas à utilização <strong>de</strong> recursos e estratégias que privilegiem o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento intelectual e o raciocínio lógico-matemático nesta fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Contudo, não <strong>de</strong>vemos trabalhar o jogo simplesmente por seu aspecto lúdico sem ter clareza nos<br />

objetivos que <strong>de</strong>vem ser alcançados, pois visto <strong>de</strong>ssa forma o jogo po<strong>de</strong> tornar-se um mero divertimento<br />

para o aluno sem, contudo estimular a aprendizagem. Assim, o que irá diferenciar o trabalho com essa<br />

estratégia será a forma como ele irá ser utilizado em sala <strong>de</strong> aula, o que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da postura do professor,<br />

dos objetivos que preten<strong>de</strong> alcançar e da dinâmica criada para a aplicação <strong>de</strong> um jogo.<br />

Dado o exposto, o papel do educador diante do grupo, antes, durante e <strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do jogo, é o <strong>de</strong> propor estratégias que possibilitem a troca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, o estabelecimento <strong>de</strong> hipóteses e<br />

conjecturas, dando responsabilida<strong>de</strong> para que os alunos possam encontrar soluções diferentes motivando<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento da iniciativa, da agilida<strong>de</strong>, da confiança e da autonomia das crianças. Neste contexto,<br />

o papel do professor é o <strong>de</strong> orientador, mediador <strong>de</strong> conflitos e <strong>de</strong>safiador, promovendo assim o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento dos alunos com vistas a uma prática diferenciada na qual a matemática se torne<br />

significativa e mais próxima dos alunos.<br />

Referências<br />

ALMIRO, J. P. O discurso na aula <strong>de</strong> matemática e o <strong>de</strong>senvolvimento profissional do professor.<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em Educação. Portugal: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa, 1997. p. 3-37.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 559


25-26.<br />

D´ ANTONIO, S. R. Linguagem e matemática: uma relação conflituosa no processo <strong>de</strong> ensino?<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em Educação para a Ciência e o Ensino <strong>de</strong> Matemática, 2006. p.33.<br />

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n. 3, 1997. p. 13.<br />

KAMII, C.; DEVRIES, R. Jogos em grupo na educação infantil: implicações da teoria <strong>de</strong> Piaget. São<br />

Paulo: Trajetória Cultural, 1991a.<br />

KAMII, C.; DEVRIES, R. Jogos em grupo na educação infantil: implicações da teoria <strong>de</strong> Piaget. São<br />

Paulo: Trajetória Cultural, 1991.<br />

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KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1994.<br />

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MARCELLINO, N. C. Pedagogia da animação. 8ª ed. Campina, SP: Papirus. 1989.<br />

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Matemática em Revista, ano 8, n. 9, 1999.<br />

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KISHIMOTO, Tizuko M. (org.). Jogo, Brinquedo, Brinca<strong>de</strong>ira e a Educação. 4º ed. São Paulo: Cortez,<br />

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(org). O lúdico na formação do educador. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.<br />

PIAGET, J.; HELLER, J. Autonomia em la escuela. Tradução Adriano Rodrigues Ruiz. Buenos Aires:<br />

Lousada, 1950.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 560


10. Desenvolvimento Infantil e/ou do Adolescente<br />

A Atualida<strong>de</strong> da Teoria <strong>de</strong> Jean Piaget no Trabalho junto a Crianças com Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Aprendizagem<br />

Resumo<br />

SARAVALI, Eliane Giachetto<br />

MONTEIRO, Tamires Alves<br />

TASSINARI, Elaine Cristina Cabral<br />

SOUZA, Maewa Martina G. S.<br />

UMBERTO, Letícia<br />

DAL BOM, Danuza<br />

GUIMARÃES, Taislene<br />

FFC/UNESP-Marília<br />

eliane.saravali@marilia.unesp.br<br />

O trabalho apresenta o projeto <strong>de</strong> extensão universitária: “Intervenção Pedagógica e Psicopedagógica:<br />

contribuições para o <strong>de</strong>senvolvimento infantil” que tem por objetivo o atendimento <strong>de</strong> crianças com<br />

queixa <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. Todo o processo <strong>de</strong> diagnóstico e intervenção junto a essas<br />

crianças é fundamentado na teoria piagetiana e busca oferecer situações solicitadoras e promotoras do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento. Os resultados, até o momento, indicam que é possível auxiliar essas crianças rotuladas,<br />

muitas vezes, como incapazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e que as ações <strong>de</strong>sempenhadas (ativida<strong>de</strong>s e jogos) contribuem<br />

para o avanço no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sses sujeitos, mudando suas condições <strong>de</strong> aprendizagem, bem como<br />

a relação com alguns conteúdos específicos.<br />

Palavras-Chave: Teoria piagetiana. Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Abstract<br />

This work presents the project of aca<strong>de</strong>mic extent: “Intervenção Pedagógica e Psicopedagógica:<br />

contribuições para o <strong>de</strong>senvolvimento infantil” that have as aim the children attending with complaint of<br />

learning disabilities. Whole process of diagnosis and intervention with those children is based in piagetian<br />

theory and seeks offer requester situations and promoters of the <strong>de</strong>velopment. The results, as far as this<br />

moment, indicate that it is possible aid those labeled children, many times, as incapable of learning and<br />

that the actions performance (activities and games) contribute for its advance in the <strong>de</strong>velopment of this<br />

fellows, changing your conditions of learning, as well as the relation with a few specific contents.<br />

Keywords: Piagetian theory; learning disabilities.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 561


Introdução<br />

O presente trabalho apresenta dados e reflexões oriundos <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> extensão universitária<br />

<strong>de</strong>senvolvido no Centro <strong>de</strong> Estudos da Educação e da Saú<strong>de</strong> (CEES) da FFC/UNESP, campus <strong>de</strong> Marília-<br />

SP.<br />

O projeto, intitulado “Intervenção Pedagógica e Psicopedagógica: contribuições para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento infantil”, aten<strong>de</strong> crianças com queixa <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. Preten<strong>de</strong>mos ao<br />

longo do texto apresentar o trabalho realizado, mostrando como a teoria piagetiana é fundamental na<br />

execução das ativida<strong>de</strong>s propostas, sobretudo aquelas relacionadas à avaliação e intervenção junto às<br />

crianças participantes.<br />

Referencial teórico<br />

Atualmente, observa-se um quadro caótico em nossas escolas em relação à aprendizagem discente.<br />

Inúmeros alunos são constantemente encaminhados por suas escolas e por seus docentes para serviços <strong>de</strong><br />

atendimentos especializados, entre eles: psicopedagogos, fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas etc.<br />

Tais encaminhamentos sugerem, em gran<strong>de</strong> parte, impossibilida<strong>de</strong>s orgânicas inerentes às crianças e<br />

impeditivas da aprendizagem e termos como distúrbios <strong>de</strong> aprendizagem, dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem,<br />

déficits cognitivos, transtornos cerebrais, entre tantos outros, são comumente usados.<br />

Os estudos <strong>de</strong> Guimarães e Saravali (2006, 2007) mostram que, ao refletirem sobre a<br />

aprendizagem e sobre alunos que não apren<strong>de</strong>m, pedagogos e psicopedagogos indicam, em sua maioria,<br />

como causa <strong>de</strong> problemas para apren<strong>de</strong>r, somente fatores orgânicos tais como: dislexias, hiperativida<strong>de</strong>,<br />

disgrafias, entre outros. Ou ainda, acreditam que problemas inerentes à família do aluno geram situações<br />

<strong>de</strong> inadaptação escolar. Esses profissionais alegam sentirem-se incapazes diante do quadro <strong>de</strong> um aluno<br />

que não apren<strong>de</strong>, sugerindo sempre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um acompanhamento especializado. Os dados <strong>de</strong>ssas<br />

pesquisas mostram ainda que os docentes têm gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em consi<strong>de</strong>rar e coor<strong>de</strong>nar diferentes<br />

fatores envolvidos no processo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, inclusive aqueles relacionados ao próprio ensino.<br />

O termo dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem não é recente e há uma evolução histórica que caracteriza<br />

múltiplas influências que os estudos e pesquisas nessa área sofrem. Conforme apresentado em Saravali<br />

(2005), essas diferentes perspectivas ora apontam para tendências médicas e orgânicas, ora para<br />

tendências psicológicas e pedagógicas sem, no entanto, haver consenso sobre o que caracteriza uma<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa varieda<strong>de</strong> terminológica, há autores que buscam uma separação entre o que seria<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 562


<strong>de</strong>nominado problema, dificulda<strong>de</strong> ou distúrbio <strong>de</strong> aprendizagem. É o caso, por exemplo, dos trabalhos<br />

<strong>de</strong> Passeri (2003) e Osti (2004). Neles, as autoras apontam que o termo distúrbio <strong>de</strong> aprendizagem refere-<br />

se mais a comprometimentos neurológicos e que o termo “dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem” trataria mais <strong>de</strong><br />

problemas na área acadêmica, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> fatores internos ou externos ao indivíduo. Segundo Passeri<br />

(2003, p. 29), "este segundo termo é mais genérico, portanto, e envolve os termos ‘dificulda<strong>de</strong> escolar’ e<br />

‘problemas <strong>de</strong> aprendizagem’".<br />

No entanto, essa perspectiva não se confirma em várias outras obras nas quais, muitas vezes, estes<br />

termos são tratados como sinônimos; é o caso, por exemplo, do trabalho <strong>de</strong> Smith e Strick (2001). Uma<br />

das poucas certezas que po<strong>de</strong>mos ter em relação a estas <strong>de</strong>finições é que as crianças com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem não apresentam baixa inteligência, mas, sim, problemas específicos para apren<strong>de</strong>r. Essa<br />

caracterização foi apresentada à comunida<strong>de</strong> científica por Samuel Kirk consi<strong>de</strong>rado, atualmente, o pai<br />

dos estudos nesse campo. Todavia, cumpre <strong>de</strong>stacar que ao <strong>de</strong>finir o termo, o autor apontava que tais<br />

problemas eram provocados, especialmente, por <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns internas ou fatores intrínsecos aos indivíduos.<br />

Na atualida<strong>de</strong>, esse panorama não sofreu gran<strong>de</strong>s transformações, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar uma<br />

<strong>de</strong>finição bastante aceita, datada <strong>de</strong> 1988, pelo National Joint Committee on Learning Disabilities, qual<br />

seja, dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem (DA) engloba um grupo heterogêneo <strong>de</strong> transtornos, manifestando-se<br />

por meio <strong>de</strong> atrasos ou dificulda<strong>de</strong>s em leitura, escrita, soletração e cálculo, em pessoas com inteligência<br />

potencialmente normal ou superior e sem <strong>de</strong>ficiências visuais, auditivas, motoras ou <strong>de</strong>svantagens<br />

culturais. Geralmente, não ocorre em todas essas áreas <strong>de</strong> uma só vez e po<strong>de</strong> estar relacionada a<br />

problemas <strong>de</strong> comunicação, atenção, memória, raciocínio, coor<strong>de</strong>nação, adaptação social e problemas<br />

emocionais (SISTO, 2001). O indivíduo com DA não possui rebaixamento <strong>de</strong> QI, indicando aquilo que<br />

muitos autores chamam <strong>de</strong> “conduta discrepante acentuada” entre o potencial para a aprendizagem e o<br />

<strong>de</strong>sempenho acadêmico.<br />

Dessa forma, po<strong>de</strong>mos dizer, <strong>de</strong> modo simplificado, que são sujeitos que não apren<strong>de</strong>m por<br />

questões próprias, ou seja, intrínsecas, mas, ao mesmo tempo, são sujeitos com gran<strong>de</strong> potencial para<br />

aprendizagem.<br />

Embora muitos autores consi<strong>de</strong>rem essa <strong>de</strong>finição como a mais completa, não acreditamos que o<br />

uso abundante do termo em escolas e por docentes, pelo menos não <strong>de</strong> forma consciente, esteja<br />

enquadrado nos aspectos previstos pelo Comitê <strong>Internacional</strong> em questão, fato esse que, se assim o fosse,<br />

significaria o caos em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r dos nossos estudantes, dada a enorme<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> queixas em relação às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem discentes.<br />

Nesse sentido, enten<strong>de</strong>mos que ao se assumir que nossos alunos com queixas <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 563


aprendizagem, que estão às margens <strong>de</strong> nosso sistema <strong>de</strong> ensino ou <strong>de</strong> nossas salas <strong>de</strong> aula, estejam<br />

enquadrados nessa <strong>de</strong>finição, estamos assumindo também que há uma espécie <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mia escolar e um<br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns sofridas pelos estudantes. Essa postura <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra, ao menos em princípio,<br />

a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> múltiplos fatores envolvidos no processo <strong>de</strong> aprendizagem, inclusive as questões<br />

pedagógicas.<br />

É nesse sentido que gostaríamos <strong>de</strong> discutir aqui sobre o que seria uma perspectiva construtivista<br />

das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Assumindo a proposta teórica interacionista-construtivista <strong>de</strong> Jean Piaget (1896-1980), os a<strong>de</strong>ptos<br />

<strong>de</strong>sta perspectiva i<strong>de</strong>ntificam os problemas <strong>de</strong> aprendizagem como resultantes <strong>de</strong> falhas no processo <strong>de</strong><br />

relação do sujeito com o meio, pressuposto básico do construtivismo (SARAVALI; GUIMARÃES, 2007;<br />

BRENELLI, 1996; ZAIA, 1996, 2007).<br />

Piaget teve como objetivo, em toda a sua extensa obra, enten<strong>de</strong>r como se origina e evolui o<br />

conhecimento. Suas inúmeras pesquisas e publicações retratam o ponto <strong>de</strong> vista filosófico do postulado<br />

da construção, ou seja, adquirimos o conhecimento ou avançamos no processo <strong>de</strong> conhecer por meio <strong>de</strong><br />

uma construção lenta e gradual. Tal construção ocorre <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento e é fruto da interação<br />

indissociável entre o sujeito e o meio (físico e social) que o ro<strong>de</strong>iam.<br />

Desta forma, o indivíduo age sobre o meio e o transforma, assim como, o compreen<strong>de</strong> e o faz<br />

existir somente por meio <strong>de</strong>sta ação. O papel do sujeito, que na concepção construtivista é ator principal<br />

do processo, pois necessita agir para conhecer, está diretamente ligado às trocas que po<strong>de</strong> realizar com o<br />

meio. Portanto, quanto mais ricas e oportunas forem essas trocas, melhores condições <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento existirão.<br />

Piaget não realizou pesquisas na área das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, no entanto, é possível<br />

observar que sua teoria é extremamente atual para os estudos neste campo.<br />

Muitos seguidores da obra piagetiana vêm <strong>de</strong>dicando-se a esse tema sob o enfoque construtivista.<br />

A pergunta central que norteia o trabalho <strong>de</strong>sses pesquisadores é “o que ocorre com as crianças que não<br />

atuam sobre o meio, por serem impedidas, ou atuam pouco?” (DOLLE; BELLANO, 1996, p. 9).<br />

Ramozzi-Chiarottino (1994) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a utilização do referencial piagetiano para os estudos nesta<br />

área e comenta que, ao longo da história, muitos autores abordaram diversas concepções, sem, contudo,<br />

chegarem a uma hipótese <strong>de</strong>finida que explicasse o conjunto <strong>de</strong> sintomas das crianças que têm dificulda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> aprendizagem. Segundo esta autora, Piaget nos explicou como o ser humano apren<strong>de</strong> e conhece,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 564


caracterizando o conhecimento como uma construção individual e não uma simples cópia da realida<strong>de</strong>.<br />

Dessa forma, as crianças que são incapazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> conhecer, apresentam uma <strong>de</strong>ficiência em um<br />

dos elementos, ou em um dos momentos, que formam o processo cognitivo, o qual encontra sua<br />

explicação na construção endógena das estruturas mentais em relação com a organização do real, a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representação e a linguagem. Para Ramozzi-Chiarottino (1994, p. 74) as crianças que não<br />

apren<strong>de</strong>m sem que se saiba o porquê, não construíram, ou construíram insuficientemente, o real:<br />

Muitas soluções são apresentadas para os vários problemas da aprendizagem. Há, porém,<br />

um problema em particular que nos interessa mais <strong>de</strong> perto, o da criança que não apren<strong>de</strong><br />

e “não se sabe por quê”. Não há lesão cerebral, não há <strong>de</strong>snutrição, não há <strong>de</strong>ficiência<br />

auditiva, não há indícios claros <strong>de</strong> psicose, não há lesão no aparelho foniátrico: a ciência<br />

contemporânea não dispõe <strong>de</strong> meios para a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> causas – a etiologia continua<br />

“obscura”.<br />

E a autora completa a i<strong>de</strong>ia mais adiante:<br />

Depois <strong>de</strong> vários anos <strong>de</strong> observação do comportamento da criança em situação natural,<br />

chegamos à conclusão <strong>de</strong> que os distúrbios <strong>de</strong> aprendizagem são <strong>de</strong>terminados por<br />

<strong>de</strong>ficiências no aspecto endógeno do processo da cognição e <strong>de</strong> que a natureza <strong>de</strong> tais<br />

<strong>de</strong>ficiências <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do meio no qual a criança vive e <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação<br />

neste meio, ou seja, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das trocas do organismo com o meio, num período crítico <strong>de</strong><br />

zero a sete anos (I<strong>de</strong>m, p. 83).<br />

Assim, para esta autora há uma causa orgânica para as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem parcialmente<br />

<strong>de</strong>terminada pelo ambiente e possível <strong>de</strong> remediação. Em seus estudos e pesquisas, Ramozzi-Chiarottino<br />

(1994) apresenta 4 grupos diferentes, i<strong>de</strong>ntificando características e problemas específicos no processo <strong>de</strong><br />

interação com o meio. São eles:<br />

GRUPO A: Correspon<strong>de</strong> a crianças que não organizaram suas experiências no meio em que<br />

vivem, <strong>de</strong>sconhecendo as regularida<strong>de</strong>s da Natureza. Isto ocorre pois foram impedidas <strong>de</strong> agir sobre o<br />

meio, por viverem em condições miseráveis ou por excesso <strong>de</strong> cuidados em classes sociais mais altas,<br />

impedindo a ação e a transformação do mundo. Não possuem noção <strong>de</strong> tempo, <strong>de</strong> espaço e <strong>de</strong><br />

causalida<strong>de</strong>, não conhecem os limites <strong>de</strong> suas ações. Possuem retardo na aquisição da linguagem, a<br />

representação do mundo é caótica, têm falhas na compreensão e produção da língua materna.<br />

GRUPO B: São crianças capazes <strong>de</strong> falar, operar e representar, mas possuem uma organização<br />

ina<strong>de</strong>quada do real. Trata-se <strong>de</strong> crianças que construíram a representação do mundo sem apoio nas<br />

próprias ações, confundindo realida<strong>de</strong> e fantasia. Ramozzi-Chiarottino (1994) chega mesmo a afirmar que<br />

muitas das crianças que se encontram neste grupo, são <strong>de</strong> classe média e vivem em apartamentos, sem<br />

pátio, jardim ou playground cuja ativida<strong>de</strong> absolutamente predominante é ver televisão. Portanto, as<br />

ações <strong>de</strong>las sobre a natureza são prejudicadas e confun<strong>de</strong>m noções espaço-temporais com a fantasia.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 565


GRUPO C: Crianças que organizaram a<strong>de</strong>quadamente o real, mas não estruturaram suas<br />

representações em relação ao espaço, tempo e causalida<strong>de</strong>. “A criança <strong>de</strong>ste grupo tem problemas <strong>de</strong><br />

memória, parece não reter informações. Seu discurso está como que preso ao imediato e presente.”<br />

(RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1994, p. 85)<br />

GRUPO D: Este grupo foi também sistematicamente estudado por Mantovani <strong>de</strong> Assis (1976),<br />

Zaia (1996) e Brenelli (1996). Caracteriza-se por crianças que não construíram as estruturas mentais em<br />

nível a<strong>de</strong>quado à solicitação que a socieda<strong>de</strong> impõe às pessoas <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong> cronológica.<br />

Muitas <strong>de</strong>stas crianças permanecem pré-operatórias ou iniciam a transição para o período<br />

operatório concreto apesar da ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> frequentarem classes mais adiantadas do ensino<br />

fundamental. Assim, em função da falta das operações, po<strong>de</strong>m vir a apresentar problemas<br />

para apren<strong>de</strong>r, cujos indicadores seriam as insuficiências em suas produções escolares<br />

(ZAIA, 1996, p. 34).<br />

Ramozzi-Chiarottino (1994) também apresenta formas <strong>de</strong> intervenção ou, como ela chama, <strong>de</strong><br />

reeducação nos diferentes grupos. Assim, propõe que às crianças do grupo A seja dada a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

construir seus esquemas motores e agir sobre o meio a fim <strong>de</strong> conhecer os limites <strong>de</strong> suas ações e<br />

organizar o real. No grupo B, as crianças precisam observar a natureza e vivenciar a experimentação. No<br />

grupo C, a criança precisa ser solicitada a evocar as representações do mundo em que vive – trazendo o<br />

passado para o presente. As crianças do grupo D, por sua vez, necessitam construir as estruturas do<br />

pensamento operatório.<br />

Muitos pesquisadores <strong>de</strong>senvolveram trabalhos partindo <strong>de</strong>sses princípios <strong>de</strong> reeducação<br />

propostos por Ramozzi-Chiarottino (1994), entre eles po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar os estudos <strong>de</strong> Zaia (1996, 2007),<br />

Brenelli (1996), Saravali et al (2008). Nessas pesquisas observamos que as crianças com queixa <strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, quando submetidas a um trabalho <strong>de</strong> intervenção a<strong>de</strong>quado, que promove<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento e solicita a construção <strong>de</strong> estruturas indispensáveis para o acompanhamento dos<br />

conteúdos escolares, conseguem se <strong>de</strong>senvolver e ter modificado significativamente o seu quadro <strong>de</strong> não<br />

aprendizagem, apresentando gran<strong>de</strong> melhora em seu <strong>de</strong>sempenho escolar. Esse meio profícuo e<br />

solicitador é caracterizado pela elaboração <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, pela utilização <strong>de</strong> jogos e pela criação <strong>de</strong><br />

situações <strong>de</strong> trocas e cooperação que provocam a ação e a construção do conhecimento por parte dos<br />

sujeitos. Tal processo foi <strong>de</strong>nominado por Mantovani <strong>de</strong> Assis (1976) <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> Solicitação do<br />

Meio.<br />

Foi consi<strong>de</strong>rando os resultados <strong>de</strong>sses estudos e partindo do referencial teórico piagetiano que, em<br />

2006, foi criado o projeto <strong>de</strong> extensão “Intervenção Pedagógica e Psicopedagógica: contribuições para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento infantil”. O projeto é <strong>de</strong>senvolvido no CEES, unida<strong>de</strong> auxiliar da FFC/UNESP, campus<br />

<strong>de</strong> Marília-SP, e conta com a participação <strong>de</strong> alunos voluntários e bolsistas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 566


Objetivos<br />

O objetivo geral <strong>de</strong>sse projeto é, em atendimento à comunida<strong>de</strong>, oferecer um ambiente <strong>de</strong>safiante<br />

e provocador para o <strong>de</strong>senvolvimento do aluno da educação infantil e do ensino fundamental, procurando,<br />

num atendimento em pequenos grupos ou individualizado, suprir possíveis lacunas no seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento. Outros objetivos do projeto po<strong>de</strong>m ser assim <strong>de</strong>finidos:<br />

1) Oferecer um ambiente solicitador e profícuo ao <strong>de</strong>senvolvimento da criança com queixa <strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem;<br />

2) Desenca<strong>de</strong>ar a construção do real (noções <strong>de</strong> espaço, tempo e causalida<strong>de</strong>) pelas crianças;<br />

3) Favorecer a construção <strong>de</strong> estruturas operatórias concretas e formais em crianças com<br />

dificulda<strong>de</strong>s para apren<strong>de</strong>r;<br />

4) Favorecer a construção da representação e do sistema escrito;<br />

5) Melhorar a relação e a participação da criança nas ativida<strong>de</strong>s escolares;<br />

6) Permitir ao estudante da graduação, participante do projeto, o conhecimento <strong>de</strong> procedimentos<br />

<strong>de</strong> avaliação e intervenção pedagógicas e psicopedagógicas, pouco presentes em sua formação;<br />

7) Permitir ao estudante, participante do projeto, o aprofundamento teórico e a<br />

pesquisa/confecção/elaboração/aplicação <strong>de</strong> materiais e jogos a serem utilizados nos processos <strong>de</strong><br />

avaliação e intervenção;<br />

Metodologia<br />

8) Iniciar o aluno, estudante <strong>de</strong> graduação, na prática do método clínico-crítico piagetiano.<br />

Participam do projeto crianças encaminhadas por suas escolas e/ou docentes com queixas <strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. Os atendimentos são planejados e organizados em duas etapas: a avaliação<br />

e a intervenção.<br />

Nosso processo <strong>de</strong> avaliação ou <strong>de</strong> diagnóstico psicopedagógico caminha no sentido proposto por<br />

Weiss (2001) e tem por objetivo “i<strong>de</strong>ntificar os <strong>de</strong>svios e os obstáculos básicos do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

aprendizagem do sujeito que o impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> crescer na aprendizagem <strong>de</strong>ntro do esperado pelo meio<br />

social” (WEISS, 2001, p. 32). Para tanto, é preciso obter informações junto à família e à escola, além do<br />

sujeito.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 567


Normalmente e com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> variações conforme a queixa apresentada, os instrumentos<br />

<strong>de</strong> diagnóstico utilizados são: 1) Entrevista <strong>de</strong> Anamnese (realizada com a família); 2) Entrevista<br />

Operativa Centrada na Aprendizagem (VISCA, 1987); 3) Técnicas Projetivas Psicopedagógicas (VISCA,<br />

1984) 4) Provas para Diagnóstico do Pensamento Operatório (BRENELLI, 1996); 5) Análise da Mochila<br />

Escolar, 6) Visita às escolas e entrevista com o professor, 7) Avaliação do Sistema Escrito, 8) Avaliação<br />

das estruturas espaço-temporais-causais.; 8) Sessões Ludodiagnósticas; 9) Jogos <strong>de</strong> Regras; 10)<br />

Entrevistas Devolutivas.<br />

tem início.<br />

Após o diagnóstico, constatando-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção, o atendimento psicopedagógico<br />

As sessões <strong>de</strong> intervenção baseiam-se no processo <strong>de</strong> Solicitação do Meio, já citado anteriormente,<br />

requerendo ações, reflexões sobre ações, antecipações, representações, criando <strong>de</strong>sequilíbrios etc., enfim,<br />

oferecendo as condições para que o conhecimento seja construído.<br />

[...] o processo <strong>de</strong> Solicitação do Meio consiste basicamente, em criar perturbações que<br />

engendram situações <strong>de</strong> conflito cognitivo, as quais provocam a passagem <strong>de</strong> um estado<br />

<strong>de</strong> equilíbrio para outro, através <strong>de</strong> sucessivas regulações e compensações, que<br />

<strong>de</strong>terminam a construção <strong>de</strong> novas estruturas. (MANTOVANI DE ASSIS, 1976, p. 50)<br />

Os alunos da graduação, participantes do projeto, atuam na seleção, elaboração, organização,<br />

confecção e aplicação das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas. São realizados encontros quinzenais com a<br />

coor<strong>de</strong>nadora do projeto para discussão dos casos e estudo <strong>de</strong> temas importantes para o trabalho. Dentre<br />

as ativida<strong>de</strong>s realizadas estão: levantamento dos casos que aguardam atendimento, início do processo <strong>de</strong><br />

avaliação incluindo: sessões <strong>de</strong> atendimentos individuais com as crianças, entrevistas com as famílias e<br />

visitas às escolas, levantamento e confecção <strong>de</strong> material necessário para as sessões individuais.<br />

Desenvolvimento<br />

Todo o trabalho <strong>de</strong>senvolvido junto às crianças, da avaliação ao atendimento, é realizado <strong>de</strong><br />

acordo com as características do método clínico-crítico piagetiano (PIAGET, data original/ 1979). O<br />

objetivo do atendimento não é repetir as ações já executadas pelas escolas, nem tampouco buscar uma<br />

reprodução <strong>de</strong> conteúdos, isto é, trabalhar no plano das crenças sugeridas. Dessa forma, nossa busca é<br />

pelas crenças espontâneas e/ou <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas <strong>de</strong> nossos sujeitos, procurando, por meio <strong>de</strong> conflitos<br />

cognitivos, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar <strong>de</strong>sequilíbrios e novas construções (PIAGET, 1976).<br />

Até o momento foram atendidas pelo projeto 15 crianças, com ida<strong>de</strong> entre 03 e 10 anos (1 <strong>de</strong> 3, 1<br />

<strong>de</strong> 7, 5 <strong>de</strong> 8, 5 <strong>de</strong> 9 e 3 <strong>de</strong> 10). Três passaram pelo atendimento e já tiveram alta, uma passou pelo<br />

diagnóstico e não foi constatada necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento, as <strong>de</strong>mais 11 encontram-se em atendimento<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 568


até o momento.<br />

De uma maneira geral, os encaminhamentos provenientes das escolas referem-se a dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem em leitura e escrita e/ou matemática. Alguns <strong>de</strong>sses relatórios apresentam termos como:<br />

dislexia, atraso no <strong>de</strong>senvolvimento global, dificulda<strong>de</strong>s em conteúdos diversos, entre outros.<br />

O que po<strong>de</strong>mos observar é que as queixas escolares retratam aquilo que Macedo (2005) tão bem<br />

coloca “... temos o hábito [...] <strong>de</strong> pensar o conhecimento apenas na perspectiva dos adultos, <strong>de</strong> sua<br />

linguagem, <strong>de</strong> suas formas <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong> seu raciocínio e <strong>de</strong> seus conhecimentos adquiridos e<br />

acumulados...” (MACEDO, 2005, p. 91). Dessa forma, em muitas avaliações, o que percebemos é que as<br />

crianças encontram-se em plena construção <strong>de</strong> suas estruturas, o que não é compreendido por seus<br />

professores.<br />

Infelizmente, reduziram Piaget a uma leitura muito simplificada e superficial <strong>de</strong> estágios.<br />

Estágios que, muitas vezes, não enten<strong>de</strong>mos direito. [...] é diferente interpretarmos uma<br />

criança do estágio I na perspectiva do estágio III. Se consi<strong>de</strong>rarmos o estágio I com olhos<br />

<strong>de</strong> estágio III (o estágio em que, por hipótese, nos encontramos) po<strong>de</strong>remos pensar que a<br />

criança tem dificulda<strong>de</strong>s, que só comete erros, que só vê as coisas <strong>de</strong> um modo<br />

“egocêntrico” ou parcial. [...] Piaget, ao contrário, enfatiza que as características do<br />

estágio I anunciam o que será do estágio III. Ou seja, <strong>de</strong>screve um percurso criançaadulto,<br />

analisa as vicissitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa caminhada, se a injustiça, a doença, o medo, a falta<br />

<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e tantas outras coisas não perturbarem ou impedirem seu caminho.<br />

(MACEDO, 2005, p. 100)<br />

Nesse sentido, a pergunta que nos parece interessante <strong>de</strong> fazer é: mas e se isso ocorrer? Isto é, se<br />

questões relacionadas à falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, e aqui <strong>de</strong>vemos enten<strong>de</strong>r como oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação,<br />

impedirem o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ocorrer? Ora é exatamente isso que estamos observando no trabalho<br />

junto a esses alunos com problemas no aprendizado.<br />

Após a realização do diagnóstico, na maioria dos casos atendidos, observa-se que as crianças<br />

possuem atrasos no seu <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, ou seja, não possuem construídas estruturas<br />

cognitivas previstas para a ida<strong>de</strong> 86 avançada em que se encontram, dificultando assim a compreensão <strong>de</strong><br />

alguns conteúdos escolares, principalmente a matemática.<br />

Concordamos com Macedo (2005), quando ele nos diz sobre não olharmos as respostas das<br />

crianças pela ótica do adulto, é por isso que muitas vezes tais crianças são encaradas como sujeitos<br />

incapazes: incapazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, com transtornos disso ou daquilo.<br />

Todavia, ao percebermos que o <strong>de</strong>senvolvimento não se processou da melhor forma, po<strong>de</strong>mos<br />

86 Sabemos que Piaget não <strong>de</strong>finiu o <strong>de</strong>senvolvimento por ida<strong>de</strong>s e que elas sempre foram indicadores aproximados em sua obra. Todavia, o<br />

atraso do qual falamos dificulta todo um processo <strong>de</strong> construção do conhecimento por parte da criança, assim, por exemplo: encontramos<br />

crianças com 10 anos que ainda possuem um pensamento tipicamente pré-operatório.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 569


intervir no sentido <strong>de</strong> ajudar a criança a percorrer os caminhos ainda não trilhados.<br />

Já em relação à construção do sistema escrito, notamos que os processos vivenciados pelas<br />

crianças estão longe das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>fendidas por Ferreiro (1995). Assim, esse conteúdo acaba sendo<br />

trabalhado pela escola como uma simples <strong>de</strong>codificação <strong>de</strong> sinais e não se explora a função social e<br />

prazerosa da escrita. Além disso, nota-se que os educadores <strong>de</strong>sconhecem a evolução que os sujeitos<br />

percorrem para compreen<strong>de</strong>r a escrita e acabam consi<strong>de</strong>rando como alguém com dificulda<strong>de</strong>, ou, por<br />

exemplo, alguém com dislexia, um sujeito que ainda está elaborando e modificando suas i<strong>de</strong>ias sobre esse<br />

conteúdo, isto é, em pleno processo <strong>de</strong> equilibração.<br />

Soma-se a isso o fato <strong>de</strong>ssas crianças, pelo próprio rótulo que a escola ou professor lhe impõem,<br />

chegarem para o início dos atendimentos com a autoestima bastante comprometida, com aversão pelos<br />

conteúdos escolares e um quadro geral <strong>de</strong> <strong>de</strong>smotivação.<br />

Dessa forma, os atendimentos são organizados no intuito <strong>de</strong> solicitar a construção das estruturas<br />

cognitivas (conservação, classificação, seriação, espaço-tempo-causalida<strong>de</strong>) e <strong>de</strong> auxiliar na<br />

ressignificação da relação com a escrita, bem como auxiliar a criança na crença da própria capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

resolver problemas. As intervenções também se baseiam naquilo que Ramozzi-Chiarottino (1994)<br />

apresenta: construção <strong>de</strong> esquemas motores, ações sobre o meio, experimentação, elaboração <strong>de</strong><br />

diferentes formas <strong>de</strong> representações etc.<br />

No trabalho <strong>de</strong>senvolvido junto aos atendimentos, também utilizamos ativida<strong>de</strong>s e jogos <strong>de</strong> regras<br />

no sentido proposto por Macedo, Petty e Passos (2000) e Brenelli (2002). Observamos que o jogo acaba<br />

sendo um instrumento po<strong>de</strong>roso para o trabalho na construção <strong>de</strong> estruturas, no resgate da autoestima e na<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concentração e atenção.<br />

O que observamos até o momento, não somente em relação às 3 crianças que tiveram alta, mas em<br />

função também dos outros atendimentos que vem sendo realizados, é que <strong>de</strong> uma maneira geral há uma<br />

melhora no quadro. As crianças se sentem mais motivadas, <strong>de</strong>monstram interesse nas ativida<strong>de</strong>s e jogos<br />

apresentados, realizando as tarefas e resolvendo os problemas propostos, apresentam evolução em relação<br />

às formas do seu pensamento e na maneira <strong>de</strong> resolver problemas. O retorno da família e da escola é<br />

significativo nesse sentido, pois, indica uma melhora da criança e uma nova relação estabelecida com a<br />

escola e com os conteúdos escolares.<br />

Conclusões<br />

Quando Piaget (1973) escreveu sobre a educação ele nos disse que o verda<strong>de</strong>iro direito à educação<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 570


não é somente o direito <strong>de</strong> estar numa escola. Esse direito vai além da presença física e se refere também<br />

a ter garantidas as condições para um pleno <strong>de</strong>senvolvimento. Isso significa po<strong>de</strong>r usufruir daquilo que a<br />

escola tem para oferecer e, sobretudo, po<strong>de</strong>r apren<strong>de</strong>r. Esse pensamento é ainda muito atual e, talvez,<br />

incompreendido por nossas escolas, por nossos docentes, pelas políticas públicas. O quadro atual, com<br />

inúmeras crianças encaminhadas, rotuladas e às margens do sistema <strong>de</strong> ensino, sugere uma situação<br />

paradoxal: nossos alunos passam anos na escola sem conseguir efetivar a maior razão <strong>de</strong> estar ali:<br />

apren<strong>de</strong>r.<br />

O que os resultados do projeto apresentado aqui evi<strong>de</strong>nciam, corroborando os achados <strong>de</strong> outros<br />

pesquisadores, é que é possível ajudar essas crianças, que elas não são incapazes e não estão fadadas a<br />

não conseguir apren<strong>de</strong>r.<br />

Mas por que isso é observado numa situação <strong>de</strong> pesquisa ou em avaliações individuais e em<br />

pequenos grupos <strong>de</strong> atendimentos clínicos? Por que esse tipo <strong>de</strong> situação não faz parte do cotidiano<br />

escolar? O que está por trás <strong>de</strong> tantos encaminhamentos?<br />

Temos percebido que o rótulo da incapacida<strong>de</strong> ou da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem gera um certo<br />

conforto em alguns professores, no entanto, são eles mesmos que necessitam estar mais capacitados e<br />

preparados para lidarem com essas questões. Mas, infelizmente, não estão.<br />

Em realida<strong>de</strong> o que <strong>de</strong>veríamos buscar, antes <strong>de</strong> um rótulo ou <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>nominação taxativa, é<br />

olhar para essa criança como alguém em <strong>de</strong>senvolvimento e avaliar as reais chances <strong>de</strong> interação e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento que essa criança teve. Deveríamos consi<strong>de</strong>rar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação com os<br />

objetos <strong>de</strong> conhecimento que o sujeito teve ou tem. De que forma a ação sobre os objetos, a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> organização, <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong> relações, <strong>de</strong> assimilações, acomodações e equilibrações lhe foi<br />

promovida, solicitada ou <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada? Quantos <strong>de</strong>sequilíbrios o sistema cognitivo <strong>de</strong>ssa criança que não<br />

apren<strong>de</strong> teve a chance <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r? Ou somente lhe foi solicitado repetir, sem compreen<strong>de</strong>r? Se as<br />

repostas a essas questões forem poucos ou nenhum, temos um longo trabalho pela frente.<br />

Essas reflexões e a consequente capacitação necessitam, a nosso ver, serem constantes na<br />

formação do educador, afinal é ele quem <strong>de</strong>ve saber lidar com as questões envolvendo a aprendizagem e<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento. Portanto, muito antes do encaminhamento, é necessário dominar as ferramentas da<br />

intervenção.<br />

Acreditamos e preten<strong>de</strong>mos mostrar aqui que conhecer a teoria <strong>de</strong> Jean Piaget é um bom começo<br />

para essa mudança!<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 571


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 573


A Educação Física e a Construção da Ação Motora<br />

Resumo<br />

FOGAÇA JÚNIOR, Orlando Men<strong>de</strong>s<br />

Unopar (Londrina) e Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina<br />

SALADINI, Ana Cláudia<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Londrina<br />

orlandojr21@hotmail.com<br />

ana.saladini@uel.br<br />

A Educação Física no contexto escolar é área <strong>de</strong> conhecimento, para tanto <strong>de</strong>ve possibilitar aos<br />

educandos a compreensão <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>. Diante disto, surge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma fundamentação<br />

teórica que possibilite ao professor compreen<strong>de</strong>r os processos <strong>de</strong> construção do conhecimento realizado<br />

pelo sujeito. O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho é analisar a relação solidária e necessária entre o pensamento<br />

lógico-matemático e o pensamento físico na construção da ação pela criança e as implicações para a ação<br />

do professor na educação física. O pensamento lógico-matemático, na sua relação com o mundo físico é<br />

uma assimilação do real a esquemas operatórios, que vão dando lugar a construções <strong>de</strong>dutivas. Entretanto,<br />

essas construções <strong>de</strong>dutivas, que se formaram dos esquemas operatórios, têm sua gênese na experiência<br />

(ação). O pensamento físico está comprometido com as relações do mundo exterior ao sujeito e, portanto,<br />

com a experiência exterior, mas isto não significa que seja isolado da razão, da lógica e do próprio<br />

pensamento. A origem <strong>de</strong> ambos se encontra na ação e não na percepção. Não em uma ação qualquer,<br />

mas, sim, na contínua sistematização <strong>de</strong>sta ao longo da vida; este é o começo do contato do sujeito com o<br />

mundo. Quando o sujeito enten<strong>de</strong> as proprieda<strong>de</strong>s dos objetos, ele está inserindo-as em relações lógicomatemáticas<br />

que dão ao sujeito os princípios físicos: permanência do objeto, espaço, tempo, e<br />

causalida<strong>de</strong>. O sujeito necessita abstrair as proprieda<strong>de</strong>s dos objetos para compreen<strong>de</strong>r o mundo físico.<br />

Esta abstração resulta em uma relação lógico-matemática presente na coor<strong>de</strong>nação das ações. É a<br />

coor<strong>de</strong>nação entre estes pensamentos que possibilita ao sujeito atribuir qualida<strong>de</strong>s físicas aos objetos e,<br />

também, uma compreensão <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> causa ou causalida<strong>de</strong> sobre o mundo físico. Com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do pensamento físico, partindo da ação sensório-motora, o sujeito constrói uma<br />

realida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do “eu”.<br />

Palavras-chave: Ação Motora. Pensamento lógico-matemático. Pensamento físico.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 574


Abstract<br />

The Physical Education in the pertaining to school context is knowledge area, because of this it must have<br />

to make possible to the stu<strong>de</strong>nts the un<strong>de</strong>rstanding of its reality. Ahead of this, appears the necessity of a<br />

theoretical recital that makes possible the professor to un<strong>de</strong>rstand the knowledge construction processes<br />

realized by the citizen. The objective of this work is to analyze the solidary and necessary relation<br />

between the logical-mathematician thought and the physical thought in the construction of the action for<br />

the child and the implications for the action of the professor in the physical education. The logical-<br />

mathematician thought, in its relation with the physical world is an assimilation of the real the operators<br />

projects, that go giving place to the <strong>de</strong>ductive constructions. However, these <strong>de</strong>ductive constructions that<br />

had formed of the operators projects have its genesis in the experience (action). The physical thought is<br />

compromised with the relations of the exterior world of the citizen and, therefore with the exterior<br />

experience, but this does not mean that it is isolated of the reason, the logic and the proper thought. The<br />

origin of both meets in the action and not in the perception. Not in any action, but in continues<br />

systematization of this throughout the life, this is the start of the citizen contact with the world. When the<br />

citizen un<strong>de</strong>rstands the properties of objects, it is inserting them in logical-mathematical relations, that<br />

give to the citizen the physical principles: permanence of the object, space, time, and causality. The<br />

citizen needs to abstract the properties of objects to un<strong>de</strong>rstand the physical world. This abstraction<br />

results in a relation logical-mathematics presents in the coordination of the actions. It is the coordination<br />

between these thoughts that makes possible to the citizen to also attribute physical qualities to the objects<br />

and also un<strong>de</strong>rstand the relation of cause or causality on the physical world. With the <strong>de</strong>velopment of the<br />

physical thought, starting from the sensory-motor action, the citizen constructs an in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt reality of<br />

“ME”.<br />

Keywords: Motor Actions, Logical-mathematician thought, Physical thought.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 575


Introdução<br />

Quando nos <strong>de</strong>dicamos a compreen<strong>de</strong>r a educação escolarizada e os processos <strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong><br />

aprendizagem é necessário refletirmos sobre algumas questões: como se dá o conhecimento humano?<br />

Como as pessoas passam <strong>de</strong> um nível <strong>de</strong> conhecimento elementar para outro superior? Como os sujeitos<br />

apren<strong>de</strong>m? Como a escola pensa isso? Essas são algumas das indagações que necessitam ser respondidas<br />

no cotidiano escolar, repensadas na ação docente. Esses aspectos estão também diretamente ligados à área<br />

da Educação Física no âmbito escolar.<br />

Ainda hoje, a Educação Física, no contexto escolar, na maioria das vezes, tem sido vista em meio<br />

a uma série <strong>de</strong> equívocos: um <strong>de</strong>stes equívocos é compreen<strong>de</strong>r a Educação Física como área <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

e que a sua função <strong>de</strong>ntro do sistema escolarizado é <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver o corpo (visão dualista <strong>de</strong> homem,<br />

corpo e mente separados) e as habilida<strong>de</strong>s físicas. Ao se pautar neste equívoco conceitual sobre esta<br />

disciplina, os professores estruturam os seus planos <strong>de</strong> aula preocupando-se somente com “joguinhos”<br />

para a recreação, socialização e cooperação; porém, quando observamos a aula, o que existe realmente é<br />

apenas a ativida<strong>de</strong> pela ativida<strong>de</strong> (o termo “ativida<strong>de</strong> pela ativida<strong>de</strong>” é utilizado, quando em aulas <strong>de</strong><br />

Educação Física o professor em sua ação docente somente realiza a ativida<strong>de</strong> ou o jogo recreativo, sem<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> um conteúdo específico).<br />

Outro equívoco que ocorre com esta disciplina é o entendimento que ela é auxiliar <strong>de</strong> outras<br />

disciplinas. Por exemplo: quando o professor <strong>de</strong> Educação Física seleciona para suas aulas ativida<strong>de</strong>s que<br />

po<strong>de</strong>m auxiliar as crianças com cálculos matemáticos. Ao se pautar neste pensamento, o docente acredita,<br />

ainda que inconscientemente, que esta área não possui um conhecimento próprio e, não possuindo um<br />

conteúdo específico, passa a ser auxiliar das outras disciplinas. O conhecimento sistematizado que é<br />

abordado no sistema educacional é organizado em disciplinas por acreditar que com isto os<br />

conhecimentos específicos irão ser mais aprofundados por estas e que o sujeito irá fazer as relações entre<br />

estes conhecimentos. Deste modo, a Educação Física, na escola, é vista como uma área <strong>de</strong> conhecimento<br />

que reúne um conjunto <strong>de</strong> saberes específicos e, como tal, <strong>de</strong>ve possibilitar aos estudantes a apropriação<br />

<strong>de</strong>ste conhecimento. Portanto, é um erro pensar esta disciplina como auxiliar <strong>de</strong> outras disciplinas. Para<br />

que a Educação Física supere essa compreensão superficial <strong>de</strong> seu papel na escola e na socieda<strong>de</strong>, é<br />

necessário conhecer como acontece a construção da ação do sujeito, consi<strong>de</strong>rando para isso o pensamento<br />

lógico-matemático e o pensamento físico. Portanto, nosso objetivo neste texto é analisar a relação<br />

solidária e necessária entre o pensamento lógico-matemático e o pensamento físico na construção da ação<br />

pela criança e as implicações para a ação do professor na Educação Física. Pensamos que, se a Educação<br />

Física compreen<strong>de</strong>r o processo <strong>de</strong> construção da ação do ser humano, po<strong>de</strong>rá ter sua prática pedagógica<br />

transformada, contribuindo efetivamente para a formação <strong>de</strong> sujeitos autônomos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 576


Desenvolvimento<br />

Ao nascermos não temos conhecimento a respeito da cultura em que fomos inseridos, não temos<br />

construído ainda instrumentos mentais e cerebrais necessários para assimilar esses conteúdos e somos<br />

<strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> uma lógica do pensamento e <strong>de</strong> uma linguagem para representar os conteúdos <strong>de</strong>sta<br />

cultura. Mas, nascemos com a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir esses instrumentos para assimilar aqueles<br />

conteúdos.<br />

A construção <strong>de</strong>sses instrumentos fica garantida ao sujeito à medida que ele age, ou seja, é nessa<br />

ação que tais instrumentos serão construídos, possibilitando ao sujeito organizar-se no mundo ao mesmo<br />

tempo em que o organiza, adaptando-se a ele. Trata-se, inicialmente, <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> estruturas<br />

orgânicas – os reflexos - que, ao funcionarem, permitem ao sujeito relacionar-se com este mundo e <strong>de</strong>le<br />

apropriar-se. Esse processo não acontece casualmente; há uma lógica presente que organiza essa ação,<br />

garantindo a construção do pensamento da criança.<br />

Para Piaget (1987), tal ação, em seu princípio, é pautada somente em atos (inteligência prática) e,<br />

posteriormente, interioriza-se no plano do pensamento (inteligência refletida). Neste processo <strong>de</strong><br />

evolução, <strong>de</strong>stacamos como imprescindíveis o pensamento lógico-matemático e o pensamento físico, que<br />

em uma relação <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> garantem a construção <strong>de</strong>sta ação.<br />

O pensamento lógico-matemático e o pensamento físico se <strong>de</strong>senvolvem concomitantemente,<br />

como relata Piaget (1975, p. 10): “Resumindo, o sistema das operações matemáticas se relaciona com<br />

toda a realida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> um modo direto e não através <strong>de</strong> domínios intermediários (domaines-tampons)<br />

que não pertenceriam nem a um nem a outro dos campos <strong>de</strong>terminados”.<br />

Des<strong>de</strong> o primeiro contato que a criança tem com o mundo físico, ela po<strong>de</strong> estar na presença <strong>de</strong><br />

uma dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>limitar os campos da física e da matemática. Normalmente, o sujeito reduz esses<br />

dois campos a um só, e <strong>de</strong>pois faz um esforço para distingui-los, sem conseguir, contudo, alcançar um<br />

limite estático entre esses dois. O fato é que quando se trata das questões ligadas à física, há a<br />

concordância da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma experimentação; já em se tratando da matemática, não se observa<br />

esta necessida<strong>de</strong>, pois a <strong>de</strong>dução, em um problema matemático, supera muito rapidamente uma<br />

experimentação. O autor coloca a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não se estabelecer um limite fixo quando se preten<strong>de</strong><br />

caracterizar a diferença entre a experiência física e a construção do conhecimento matemático do sujeito,<br />

ou seja, este limite <strong>de</strong>ve ser móvel.<br />

O pensamento lógico-matemático, na sua relação com o mundo físico, como veremos nas reações<br />

a seguir, é uma assimilação do real a esquemas operatórios, que vão dando lugar a construções <strong>de</strong>dutivas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 577


Entretanto, essas construções <strong>de</strong>dutivas, que se formaram dos esquemas operatórios, têm sua gênese na<br />

experiência.<br />

O pensamento físico, que é essencialmente ligado ao real, encontra-se oscilando com um limite<br />

móvel, pois as operações realizáveis pelo individuo estão submetidas a modificações cada vez mais<br />

profundas fazendo com que o sujeito tenha condições <strong>de</strong> realizar um processo <strong>de</strong> readaptação incessante a<br />

um objeto que muda sua natureza, na visão do sujeito, pois à medida que o indivíduo vai conhecendo<br />

melhor o objeto, suas antigas aparências se dissipam em função dos novos esquemas <strong>de</strong> ações e<br />

operações.<br />

Esse pensamento está comprometido com as relações do mundo exterior ao sujeito e, portanto,<br />

com a experiência exterior, mas isto não significa que seja isolado da razão, da lógica e do próprio<br />

pensamento. Diante do apresentado até este ponto, cabe uma questão geral: qual a origem do<br />

conhecimento seja ele matemático ou físico?<br />

A origem <strong>de</strong> ambos se encontra na ação e não na percepção. Não em uma ação qualquer, mas, sim,<br />

em uma ação que se sistematiza continuamente ao longo da vida, em uma ação inserida em relações, as<br />

quais Piaget (1975) chama <strong>de</strong> esquemas <strong>de</strong> ação; este é o começo do contato do sujeito com o mundo.<br />

Mas, qual é a característica <strong>de</strong>ssa ação específica no caso do conhecimento físico? A ação no<br />

mundo físico tem a ver, por exemplo, com a resistência dos objetos e como o sujeito está levando em<br />

conta essa resistência, sendo assim uma ação mais particular, específica, não uma ação geral.<br />

Exemplificando: a ação do sujeito no momento <strong>de</strong> pesar (sentir o peso <strong>de</strong> um objeto qualquer), não é a<br />

mesma em relação à ação <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento. Nessa última, o sujeito leva em conta a aceleração e a<br />

velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>slocamento, enquanto que na primeira se fixa somente no peso do objeto, na ação <strong>de</strong><br />

sobrepesar.<br />

Na ação no mundo físico, o sujeito leva em conta, sobretudo, as relações espaciais e temporais,<br />

características do meio exterior. Elas não são, portanto, características <strong>de</strong>le, mas, sim, exteriores a ele.<br />

No conhecimento matemático, se o sujeito or<strong>de</strong>na objetos, ele os está <strong>de</strong>slocando. Entretanto, sua<br />

atenção está fixada na ação <strong>de</strong> estabelecer correspondências entre eles, e não está centrada no maior ou<br />

menor esforço que faz sobre esses objetos que está <strong>de</strong>slocando; não está atento às qualida<strong>de</strong>s ou<br />

proprieda<strong>de</strong>s dos objetos, mas está simplesmente atento ao <strong>de</strong>slocamento que po<strong>de</strong> realizar, ou seja, na<br />

correspondência entre os objetos. No conhecimento matemático, a ação tem a função <strong>de</strong> estabelecer<br />

relações e, <strong>de</strong>stas relações, extrair as leis <strong>de</strong> seu funcionamento.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 578


Todavia, em circunstâncias iguais, mas sob a perspectiva do conhecimento físico, o sujeito levará<br />

em consi<strong>de</strong>ração as características dos objetos, atentando, por exemplo, para a maior ou menor aceleração<br />

realizada, ou ao menor ou maior esforço feito para <strong>de</strong>slocá-lo. Nesse caso, sua atenção está centrada nas<br />

características dos objetos, em suas proprieda<strong>de</strong>s físicas, e isso é resultado da proprieda<strong>de</strong> do objeto e não<br />

da ação do sujeito no mundo.<br />

Na primeira situação do exemplo acima (or<strong>de</strong>nação dos objetos no conhecimento matemático), o<br />

sujeito estará fazendo uma correspondência biunívoca, sem levar em consi<strong>de</strong>ração as proprieda<strong>de</strong>s dos<br />

objetos; estará fazendo relações lógico-matemáticas, enquanto que na segunda situação (conhecimento<br />

físico), relações físicas. Trata-se aqui <strong>de</strong> dois tipos <strong>de</strong> experiências, caracterizadas por Piaget: a<br />

“experiência física” e a “experiência lógico-matemática”. Segundo Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 38):<br />

A experiência física correspon<strong>de</strong> à concepção clássica <strong>de</strong> experiência: consiste em agir<br />

sobre os objetos propriamente ditos. Por exemplo: levantando corpos sólidos, a criança<br />

perceberá, por experiência física, a diversida<strong>de</strong> dos pesos, sua relação com o volume,<br />

<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>, etc. A experiência lógico-matemática, ao contrário, consiste na ação sobre os<br />

objetos fazendo-se, porém, abstração dos conhecimentos adquiridos através <strong>de</strong>la. Nesse<br />

caso, a ação começa por conferir aos objetos atributos que não possuíam por si mesmos, e<br />

a experiência diz respeito à ligação entre tais atributos. Nesse sentido, o conhecimento é<br />

abstraído da ação como tal e não das proprieda<strong>de</strong>s físicas do objeto. No caso das relações<br />

entre a soma e a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> pedrinhas enumeradas por uma criança, é evi<strong>de</strong>nte que a or<strong>de</strong>m<br />

é introduzida nas pedrinhas pela ação (colocadas em fila ou em círculo) do mesmo modo<br />

que a soma (<strong>de</strong>vida a um ato <strong>de</strong> ligação ou <strong>de</strong> reunião); o que o sujeito <strong>de</strong>scobre, então,<br />

não é uma proprieda<strong>de</strong> física das pedrinhas, mas uma relação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência entre as<br />

duas ações ― a <strong>de</strong> reunião e a <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação. Certamente houve, além <strong>de</strong> uma experiência<br />

física, o conhecimento <strong>de</strong> que cada uma das pedrinhas se conservou durante a operação,<br />

pois elas são or<strong>de</strong>náveis, contáveis, etc. Mas a experiência não diz respeito ao aspecto<br />

físico, pois se trata, no caso, <strong>de</strong> saber se a soma <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Nesse ponto a<br />

experiência é autenticamente lógico-matemática e diz respeito às próprias ações do<br />

sujeito, e não ao objeto como tal.<br />

Quanto ao que o sujeito abstrai do que realiza, das ativida<strong>de</strong>s e relações que faz, há uma lei<br />

presente nessa ação; por exemplo, quando o sujeito faz uma correspondência entre objetos, ele aponta<br />

uma igualda<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da forma <strong>de</strong>les, exigindo a presença <strong>de</strong>ssa lei na sua ação; já no<br />

conhecimento físico o sujeito age sobre os objetos. Mas, qual a origem da lei que lhe apresenta o objeto<br />

tal como ele é? Dos próprios objetos, <strong>de</strong> suas proprieda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> suas características.<br />

Tal resposta nos leva diretamente a outra questão: para o sujeito tomar para si as proprieda<strong>de</strong>s dos<br />

objetos é necessário estabelecer relações lógico-matemáticas ou não?<br />

Sim, uma vez que esse é o principio do or<strong>de</strong>namento a partir do qual se produz o pensamento<br />

físico. Quando o sujeito enten<strong>de</strong> as proprieda<strong>de</strong>s dos objetos, ele está inserindo-as em relações lógico-<br />

matemáticas, que dão ao sujeito os princípios físicos: permanência do objeto, espaço, tempo, e<br />

causalida<strong>de</strong>. O sujeito necessita abstrair as proprieda<strong>de</strong>s dos objetos para compreen<strong>de</strong>r o mundo físico.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 579


Esta abstração resulta em uma relação lógico-matemática presente na coor<strong>de</strong>nação das ações.<br />

O pensamento físico é um conhecimento em que parte da origem está nos objetos e parte no<br />

sujeito, ou mais precisamente, na interação do sujeito com o objeto. Os objetos possuem proprieda<strong>de</strong>s<br />

específicas que po<strong>de</strong>m ser percebidas por meio da ação sobre eles, isto é, na realida<strong>de</strong> externa, como, por<br />

exemplo, peso, espessura, textura, tamanho, <strong>de</strong>ntre outras. A fonte do pensamento físico é o próprio<br />

objeto, e este objeto é construído por meio da ativida<strong>de</strong> do sujeito sobre ele; por exemplo, uma criança<br />

apren<strong>de</strong> as proprieda<strong>de</strong>s do vidro ao manipulá-lo. Este conhecimento é realizado a partir <strong>de</strong> semelhanças<br />

e diferenças que o sujeito já conhece do objeto, mas para que ele consiga realizar estas ações, que<br />

estabelecem as semelhanças e diferenças, torna-se necessário uma coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>stas ações. Sobre isso<br />

Piaget (1975, p. 104), argumentou que:<br />

[...] <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se inicia a ativida<strong>de</strong> sensoriomotriz, as ações particulares, que dão lugar<br />

aos primeiros conhecimentos físicos, implicam uma coor<strong>de</strong>nação mútua, e esta<br />

coor<strong>de</strong>nação constitui a primeira forma do que falam ser as vinculações lógicomatemáticas,<br />

espaciais em particular. Inversamente, não po<strong>de</strong>ria existir, no plano da ação,<br />

nenhuma coor<strong>de</strong>nação geral sem ações particulares que coor<strong>de</strong>nar. Existe, pois, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

começo, união do físico com o lógico-matemático, não em forma <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes em um princípio, que entram em contato, se não em forma <strong>de</strong> dois<br />

aspectos uma vez indissociáveis e irredutíveis, da mesma totalida<strong>de</strong> ativa.<br />

Deste modo, verifica-se uma solidarieda<strong>de</strong> entre o pensamento lógico-matemático e o pensamento<br />

físico, pois as ações que o sujeito realiza para i<strong>de</strong>ntificar cada uma das qualida<strong>de</strong>s físicas <strong>de</strong> um objeto<br />

somente são possíveis por haver um mínimo <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação lógico-matemática. O pensamento físico<br />

permite ao sujeito atribuir ao objeto <strong>de</strong>terminadas percepções constantes. Tanto o pensamento físico<br />

quanto o pensamento lógico-matemático têm sua origem na ação do sujeito, sendo, no entanto, em seu<br />

início, inseparáveis <strong>de</strong> seu resultado exterior.<br />

Com o <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento físico, partindo da ação sensório-motora, o sujeito<br />

constrói uma realida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do “eu” 87 . Existem proprieda<strong>de</strong>s no mundo exterior, só que para<br />

compreen<strong>de</strong>r tais proprieda<strong>de</strong>s é necessário inseri-las em relações espaciais, temporais e causais; é isto<br />

que dá sentido ao mundo exterior. Diante disso, qual seria a gênese <strong>de</strong>sse fato?<br />

O autor explica que po<strong>de</strong>mos encontrar a resposta a essa questão em conhecimentos variados: dos<br />

mais elementares aos mais complexos. Tomemos como exemplo um bebê <strong>de</strong> 12 meses que mexe um<br />

cordão suspenso em seu berço para mover um objeto preso no teto, em Piaget (1975, p. 224). A criança<br />

não estabelece uma relação necessária entre o cordão e o objeto, mas estabelece uma associação. Então<br />

87 O termo “eu” é utilizado para indicar uma contraposição do indivíduo a um universo <strong>de</strong> objetos que resistem a seus <strong>de</strong>sejos<br />

e ações: os comportamentos do início da vida do sujeito mostram que tudo se passa como se os acontecimentos resultassem<br />

<strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> própria; em se <strong>de</strong>senvolvendo, o sujeito passa a executar comportamentos que mostram a constituição <strong>de</strong><br />

um universo que é visto por ele como exterior e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seu “eu”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 580


cada vez que a criança quer movimentar o objeto ela realiza esta ação. Ou seja, para fazer uma<br />

associação, o sujeito não precisa <strong>de</strong> uma relação necessária.<br />

Piaget (1975), diz que, para Hume, a origem do conhecimento do mundo físico em suas instâncias<br />

mais primitivas está na associação que o sujeito faz entre os objetos, o que antes ele não fazia. Tal<br />

afirmação parece respon<strong>de</strong>r àquela questão, mas essa é uma associação do ponto <strong>de</strong> vista do observador e<br />

não do sujeito.<br />

Ainda quanto ao mesmo exemplo, o autor, em sua análise, procura verificar quem agiu sobre o<br />

que: foi o cordão que agiu sobre o objeto? Na verda<strong>de</strong>, esse cordão não age sozinho: a criança age sobre o<br />

cordão e o cordão age sobre o objeto. Tal ação é tão imediata que a criança não faz diferença entre o<br />

cordão e o objeto; a criança, neste nível, está quase que agindo sobre o objeto, sendo o cordão um<br />

prolongamento <strong>de</strong> sua ação. Entretanto, para a criança não há diferença entre o cordão e o objeto, ou seja,<br />

é como se ela estivesse agindo diretamente sobre ele.<br />

Assim, para a criança, não há separação entre um evento exterior e outro evento exterior. Essa<br />

separação somente será possível mais à frente. Tomamos aqui o exemplo <strong>de</strong> uma ação ainda<br />

indiferenciada do objeto, <strong>de</strong> uma ação ainda em bloco e egocêntrica; <strong>de</strong>ste modo, não há possibilida<strong>de</strong> da<br />

criança separar uma coisa exterior <strong>de</strong> outra coisa exterior.<br />

Logo, segundo Piaget (1975), a tese <strong>de</strong> Hume é parcial: não é o evento, na visão do observador,<br />

que está pautado em uma associação que origina o mundo físico, mas, sim, a ação do sujeito, e tal ação<br />

ainda é indiferenciada, subjetiva, porque o sujeito ainda está focado sobre o objeto exterior a ser<br />

movimentado e não sobre o cordão e <strong>de</strong>pois no objeto. Então, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le se objetivar vai<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> novas relações e, sobretudo, <strong>de</strong> composições que lhe permitam isolar um objeto,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua ação.<br />

De acordo com o que foi apresentado até este ponto, a coor<strong>de</strong>nação entre o pensamento físico e o<br />

lógico-matemático é que possibilita ao sujeito atribuir qualida<strong>de</strong>s físicas aos objetos e também, uma<br />

compreensão <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> causa ou causalida<strong>de</strong> sobre o mundo físico.<br />

A compreensão <strong>de</strong>ste processo se faz necessária para a ação do professor <strong>de</strong> Educação Física, pois<br />

a solidarieda<strong>de</strong> existente entre estas duas dimensões do pensamento humano possibilita ao sujeito<br />

compreen<strong>de</strong>r o mundo físico, e concomitantemente compreen<strong>de</strong>r o seu corpo 88 , como um objeto físico<br />

sujeito às mesmas leis dos <strong>de</strong>mais objetos.<br />

88 “Corpo”, aqui, no sentido <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um corpo que pensa e faz. Não em um pensamento dualista <strong>de</strong> corpo e mente<br />

separados.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 581


Fundamentados na <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Piaget, enten<strong>de</strong>mos que o conhecimento do mundo<br />

e <strong>de</strong> si mesmo é um processo contínuo, com raízes no organismo biológico (reflexos) que, enquanto<br />

funciona, (re)constrói em novos níveis as estruturas cognitivas que possibilitam ao sujeito apropriar-se do<br />

mundo. Portanto, embora todo ser vivo traga consigo uma bagagem genética, não é somente por ela que<br />

explicamos a aprendizagem como enten<strong>de</strong> o pensamento apriorista. Esta organização genética é o ponto<br />

<strong>de</strong> partida para que isto ocorra, mas é imperativo que o sujeito possa agir sobre o mundo, vivenciar<br />

diferentes experiências para que possa estabelecer relações entre os elementos da realida<strong>de</strong> e assimilar,<br />

acomodar e adaptar-se ao mundo. Não se trata, a organização intelectual, <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> respostas que<br />

seriam <strong>de</strong>terminadas mecanicamente por estímulos externos e nem <strong>de</strong> algumas condutas que conectariam<br />

estes novos estímulos às reações anteriores. Estamos diante <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> real que está construída<br />

sobre uma estrutura própria e assimila a esta um número crescente <strong>de</strong> objetos.<br />

Sendo assim, a organização biológica inicial modifica-se à medida que o sujeito atua sobre a<br />

realida<strong>de</strong>, elabora hipóteses sobre sua ação, confirmando-as ou não, isto é, o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

conhecimento humano se dá por reorganizações sucessivas e provisórias. A passagem do plano biológico<br />

ao cognitivo é intermediada pela ação que possibilita esta relação entre o sujeito e o mundo. É no corpo<br />

que se constitui todo este processo <strong>de</strong> evolução do sujeito. Para Piaget (1987, p. 380), este corpo<br />

apresenta:<br />

[...] uma estrutura organizada, isto é, constitui um sistema <strong>de</strong> relações inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes;<br />

que ele trabalha para conservar a sua estrutura <strong>de</strong>finida e, para fazê-lo, incorpora-lhe os<br />

alimentos químicos e energéticos necessários, retirados do meio ambiente; que por<br />

consequência, reage sempre às ações do meio em função <strong>de</strong>ssa estrutura particular e<br />

ten<strong>de</strong>, afinal <strong>de</strong> contas, a impor ao universo inteiro uma forma <strong>de</strong> equilíbrio <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong>ssa organização.<br />

É, então, nesta relação entre o sujeito que age sobre a realida<strong>de</strong> e apropria-se do mundo, tal como<br />

vimos no conhecimento lógico-matemático e conhecimento físico, que construímos o conhecimento.<br />

Piaget (apud BATTRO, 1978, p. 60) <strong>de</strong>fine que o conhecimento “[...] é, primeiro, uma ação sobre o<br />

objeto e neste sentido implica, em suas raízes mesmas uma dimensão motriz permanente, representada<br />

ainda nos níveis mais elevados [...]”.<br />

Portanto, o conhecimento não é cópia figurativa do real. Trata-se <strong>de</strong> uma elaboração subjetiva que<br />

<strong>de</strong>semboca na aquisição <strong>de</strong> representações organizadas do real e na construção <strong>de</strong> instrumentos formais<br />

do conhecimento.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 582


Conclusão<br />

Ao fazermos a análise dos resultados <strong>de</strong>sta pesquisa, vemos um ganho teórico significativo a<br />

respeito da compreensão do processo <strong>de</strong> construção da ação que a criança realiza. Além disso, confirmou-<br />

se, subjacente aos resultados, a urgente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reflexão mais profunda e sistemática sobre o<br />

aprofundamento teórico para a ação pedagógica do professor. Isso porque conteúdos apresentados<br />

aleatoriamente aos alunos, sem fundamentação teórica, mesmo com a mediação dos professores, são<br />

insuficientes para que uma aprendizagem significativa da realida<strong>de</strong> pelo sujeito ocorra.<br />

Se objetivamos para a Educação Física a superação das práticas pedagógicas tradicionais, essa<br />

reflexão implica na revisão e compreensão dos pressupostos ontológicos, no entendimento <strong>de</strong> mundo e<br />

nas formas <strong>de</strong> se relacionar com ele e na relação que as metas e objetivos <strong>de</strong>finidos têm com a educação<br />

escolarizada. A pedagogia tradicional estabelece que a educação se relaciona com o mundo num processo<br />

<strong>de</strong> reprodução, ou seja, esta forma <strong>de</strong> relação é <strong>de</strong> imitá-lo, copiá-lo ou repeti-lo. De outro modo, numa<br />

relação ativa, que gera transformações na relação sujeito e mundo, promovendo, assim, a compreensão <strong>de</strong><br />

sua realida<strong>de</strong>, e objetivando, ainda que relativamente, uma autonomia e emancipação, outro nível <strong>de</strong><br />

concepção epistemológica se faz necessária, ou seja, que tanto o sujeito atue sobre o mundo como este<br />

sobre o sujeito — tanto o sujeito constrói o mundo como é por ele construído. Por isso, mundo e sujeito<br />

são dimensões <strong>de</strong> um processo complexo e dinâmico <strong>de</strong> relações.<br />

Portanto, ao realizar a sua ação docente, o professor <strong>de</strong> Educação Física <strong>de</strong>ve garantir às crianças<br />

que atuem <strong>de</strong> acordo com seu nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e suas possibilida<strong>de</strong>s. É necessário criar situações<br />

<strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong> aprendizagem que colaborem para que as crianças progridam em seu conhecimento, num<br />

processo majorante, na medida em que as reconstruções se suce<strong>de</strong>m no plano da ação e do pensamento e<br />

<strong>de</strong> como ambos são representados pelos dados abstraídos das reflexões sobre as coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> suas<br />

ações.<br />

Referências<br />

PIAGET, J. Introcucción a la epistemologia genética: 2. El pensamento físico. Buenos Aires: Paidos,<br />

1975.<br />

PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Guanabara, 1987.<br />

RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Em busca do sentido da obra <strong>de</strong> Jean Piaget. São Paulo: Ática, 1984.<br />

BATTRO, A. M. Dicionário terminológico <strong>de</strong> Jean Piaget. São Paulo: Pioneira, 1978.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 583


A Importância do Processo <strong>de</strong> Tomada <strong>de</strong> Consciência para Prevenção <strong>de</strong> Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Aprendizagem na Educação Infantil<br />

Resumo<br />

PEREIRA, Lilian Alves<br />

(PG/UEM)<br />

CALSA, Geiva Carolina<br />

(DTP/UEM)<br />

Grupo <strong>de</strong> Estudo e Pesquisa em Psicopedagogia<br />

(GEPESP/CNPq)<br />

lilianalvespereira@hotmail.com<br />

gccalsa@uem.br<br />

As experiências e brinca<strong>de</strong>iras corporais assumem um papel fundamental no <strong>de</strong>senvolvimento infantil. A<br />

psicomotricida<strong>de</strong> contribui especialmente para o processo <strong>de</strong> alfabetização à medida que proporciona ao<br />

aluno condições necessárias para que se perceba como realida<strong>de</strong> corporal. Vários estudos <strong>de</strong>stacam que o<br />

corpo é o ponto <strong>de</strong> referência para os seres humanos conhecerem e interagirem com o mundo. A partir<br />

<strong>de</strong>ssas consi<strong>de</strong>rações, este trabalho teve por objetivo apresentar os resultados do processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

consciência das ações psicomotoras para prevenção <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem na educação<br />

infantil. Fizeram parte da pesquisa 60 crianças com faixa etária entre 4 e 5 anos <strong>de</strong> um Centro <strong>de</strong><br />

Educação Infantil do município <strong>de</strong> Maringá/PR. Os dados referiram-se a mudanças na construção das<br />

noções topológicas e psicomotoras, bem como a tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong>stes conceitos por parte das<br />

crianças investigadas. Para tanto, foram analisadas as entrevistas individuais nas quais as crianças<br />

realizavam as ativida<strong>de</strong>s, explicavam-nas e justificavam-nas. Os resultados evi<strong>de</strong>nciaram que, no<br />

processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência, as crianças foram capazes <strong>de</strong> alterar suas estruturas cognitivas em<br />

relação aos conceitos psicomotores que são consi<strong>de</strong>rados fundamentais para o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

autoconhecimento, da autonomia e da intencionalida<strong>de</strong> das ações para as séries iniciais. Os resultados<br />

mostram com evidência, que a prática pedagógica se baseada nesses princípios teóricos e metodológicos –<br />

movimentos do corpo – po<strong>de</strong> promover a reestruturação <strong>de</strong> seus conhecimentos prévios sobre esses<br />

temas.<br />

Palavras-chave: Educação infantil. Psicomotricida<strong>de</strong>. Ensino-aprendizagem.<br />

Abstract<br />

Body experiences and plays play a fundamental role in the child’s <strong>de</strong>velopment. Psychomotricity helps<br />

especially in the literacy process as it provi<strong>de</strong>s stu<strong>de</strong>nts with the conditions that they need to see<br />

themselves as a body reality. Several studies highlight that the body is the reference point for these human<br />

beings to know and interact with the world. Assuming these, this research study aimed at presenting the<br />

results obtained in the awareness taken process of the psychomotor actions for preventing learning<br />

problems in children’s education. It consisted of sixty 4-to-5 year old children enrolled in a children<br />

education school in the city of Maringá, Paraná. Its data consi<strong>de</strong>red the changes in the construction of the<br />

topological and psychomotor notions, as well as the awareness taken of these concepts by the children.<br />

This way, the individual interviews, in which the investigated children were engaged in doing some<br />

activities, and explained and justified them, were analyzed. The results evi<strong>de</strong>nced that in the awareness<br />

taken process the children were able to change their cognitive structures concerning the psychomotor<br />

concepts which are consi<strong>de</strong>red to be fundamental in the <strong>de</strong>velopment of self-knowledge, autonomy and<br />

the actions intends in early school gra<strong>de</strong>s. Finally, the results evi<strong>de</strong>ntly show that if the pedagogical<br />

practice is based on these methodological and theoretical principles – the body movements – it can<br />

provi<strong>de</strong> a (re)restructure of its previous knowledge of these issues.<br />

Keywords: Children’s education. Psychomotricity. Teaching-learning.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 584


Introdução<br />

Observando o cenário atual da Educação Infantil, percebemos certa incoerência em relação à<br />

literatura (FONSECA, 2008; PEREIRA, 2005; TOMAZINHO, 2002) e aos textos legais (BRASIL, 1998)<br />

no que diz respeito à seleção dos conteúdos que serão trabalhados, <strong>de</strong> fato, durante o ano letivo. Na<br />

maioria das vezes, prioriza-se a alfabetização com ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> memorização e repetição. As<br />

necessida<strong>de</strong>s lúdicas, quando atendidas, são realizadas sem maiores justificativas senão a do brincar pelo<br />

brincar.<br />

De acordo com Fonseca (2008), na escola, com as ativida<strong>de</strong>s corporais frequentemente, ocorre o<br />

inverso do que <strong>de</strong>veria acontecer. Os espaços são cada vez mais limitados para ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste tipo,<br />

enquanto aumentam os recursos para as salas <strong>de</strong> aula e ativida<strong>de</strong>s intelectuais. A preocupação excessiva<br />

com essa concepção <strong>de</strong> alfabetização vem limitando o corpo das crianças, e levando os educadores a<br />

esquecer que a base para a aprendizagem infantil situa-se no próprio corpo. Para o autor, antes <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r os conteúdos ministrados pela escola, o corpo <strong>de</strong>ve estar com todos os elementos psicomotores<br />

estruturados - esquema corporal, lateralida<strong>de</strong>, organização espacial, organização temporal, coor<strong>de</strong>nação e<br />

equilíbrio – porque, sem essa organização, a criança não está apta a sentar-se em uma ca<strong>de</strong>ira e segurar<br />

um lápis para expressar no papel o que formulou em pensamento.<br />

Esta visão equivocada da Educação Infantil <strong>de</strong>monstra como a concepção mnemônica e<br />

mecanizada do processo <strong>de</strong> alfabetização vem sendo aplicada na escola, tendo, assim, negligenciados seus<br />

objetivos, características e fazer prático. Apesar <strong>de</strong> estar presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais<br />

(PCNs) para a Educação Básica, o brincar tem uma prática distorcida, <strong>de</strong>svinculada do contexto da<br />

escola, <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> reflexão e pesquisa. Desta forma, pouco se percebe <strong>de</strong> um trabalho planejado e<br />

apoiado em pesquisas que explicitem os melhores instrumentos para um ensino competente.<br />

Apesar <strong>de</strong> o Referencial Curricular Nacional (BRASIL, 1998) para a Educação Infantil abordar o<br />

brincar juntamente com os jogos, as brinca<strong>de</strong>iras e as práticas esportivas como um <strong>de</strong> seus conteúdos,<br />

mostrando a sua relevância para a cultura corporal <strong>de</strong> cada grupo social, constituindo-se em ativida<strong>de</strong>s<br />

privilegiadas, nas quais o movimento é aprendido e significado, sua efetivação, na prática, não tem<br />

ocorrido.<br />

Ainda parece faltar nas escolas a percepção <strong>de</strong> que a psicomotricida<strong>de</strong> é uma ativida<strong>de</strong> essencial<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento infantil. Diante <strong>de</strong>sse contexto, muitos pesquisadores têm buscado ativida<strong>de</strong>s,<br />

que possam ser usadas na escola e que tenham resultados satisfatórios, tanto para a formação motora<br />

como para a alfabetização da criança. Fonseca (2008) consi<strong>de</strong>ra o corpo como o primeiro dicionário<br />

infantil, repleto <strong>de</strong> experiências psicomotoras, às quais a criança po<strong>de</strong> recorrer ao longo <strong>de</strong> seu processo<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 585


<strong>de</strong> alfabetização formal.<br />

Levando em consi<strong>de</strong>ração tais aspectos, o presente artigo preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar parte dos resultados<br />

<strong>de</strong> uma pesquisa realizada na pós-graduação (mestrado), da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá – UEM,<br />

cujo objetivo foi o <strong>de</strong> verificar a influência <strong>de</strong> intervenção pedagógica <strong>de</strong> caráter construtivista, com<br />

ênfase na área psicomotora e tomada <strong>de</strong> consciência da ação, sobre a ampliação <strong>de</strong> conceitos topológicos<br />

<strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> 4 a 5 anos da Educação Infantil.<br />

Corpo, Psicomotricida<strong>de</strong> e Espaço<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento corporal é possível, graças a ações, experiências, linguagens, movimentos,<br />

percepções, expressões e brinca<strong>de</strong>iras corporais dos indivíduos. As experiências e brinca<strong>de</strong>iras corporais<br />

assumem um papel fundamental no <strong>de</strong>senvolvimento infantil, por enfatizarem a valorização do corpo na<br />

constituição do sujeito e da aprendizagem. Assim a “[...] pré-escola necessita priorizar não só ativida<strong>de</strong>s<br />

intelectuais e pedagógicas, mas também ativida<strong>de</strong>s que propiciem seu <strong>de</strong>senvolvimento pleno”<br />

(TOMAZINHO, 2002, p. 50). Para a autora, o corpo está presente na maioria das aprendizagens: o olhar,<br />

o tom <strong>de</strong> voz e os gestos fornecem sentido afetivo e importância ao que é ensinado. Sem o corpo, o<br />

interesse da criança ao que é transmitido per<strong>de</strong> valor e é facilmente esquecido.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento da psicomotricida<strong>de</strong> no indivíduo confun<strong>de</strong>-se com a história <strong>de</strong> seu próprio<br />

corpo. Inicia-se quando o corpo passa a servir <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> comunicação e interação do homem com<br />

os outros indivíduos e com o meio físico. Por meio <strong>de</strong> gestos, movimentos e emoções o ser humano se<br />

expressa e se comunica. No início <strong>de</strong> sua vida, comunica-se por meio do corpo e, gradativamente, chega à<br />

linguagem verbal. A linguagem corporal é <strong>de</strong> extrema importância para o indivíduo não somente por estar<br />

ligada às suas emoções, como por ser um veículo <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> seu estado interior bio-psicológico<br />

(FONSECA, 1998).<br />

Fávero (2004) ressalta que esse estudo permite compreen<strong>de</strong>r a forma como a criança toma<br />

consciência do seu próprio corpo e das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se expressar por seu intermédio, localizando-se<br />

no tempo e no espaço. Alguns elementos constituem a psicomotricida<strong>de</strong>, entre eles: tonicida<strong>de</strong>,<br />

coor<strong>de</strong>nação e equilíbrio, lateralida<strong>de</strong>, esquema corporal e orientação espaço-temporal.<br />

No presente trabalho, foram abordadas tão somente as habilida<strong>de</strong>s psicomotoras <strong>de</strong> esquema<br />

corporal e orientação espaço-temporal, avaliadas e analisadas sob a concepção <strong>de</strong> Le Boulch (1987a),<br />

<strong>de</strong>scritas a seguir.<br />

Fonseca (2004) afirma que a plenitu<strong>de</strong> adaptativa intencional <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das interações psicomotoras<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 586


entre corpo-cérebro-corpo, subenten<strong>de</strong>ndo-se, assim, que a cognição corporal se expressa em todas as<br />

manifestações do intelecto humano.<br />

Segundo Fávero (2004), a estruturação do esquema corporal é lenta e se inicia com a não-<br />

diferenciação do sujeito <strong>de</strong> si mesmo em relação aos objetos e indivíduos que o ro<strong>de</strong>iam. A partir, porém,<br />

da ação e do movimento, começa a estabelecer diferenças, formar sua imagem corporal e,<br />

simultaneamente, construir noções <strong>de</strong> espaço, distância, profundida<strong>de</strong> e lateralida<strong>de</strong>, entre outras. O<br />

movimento é <strong>de</strong> fundamental importância na tomada <strong>de</strong> consciência da criança acerca do seu corpo,<br />

abrindo caminho para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s pessoais, motoras e mentais.<br />

Em conclusão, os conceitos <strong>de</strong> esquema corporal o <strong>de</strong>finem como uma organização psicomotora<br />

que compreen<strong>de</strong> todos os mecanismos e processos dos níveis motor, tônico, perceptivo, sensorial e<br />

expressivo do indivíduo nos quais e pelos quais a afetivida<strong>de</strong> humana está sempre presente.<br />

A capacida<strong>de</strong> do indivíduo se situar, orientar-se e localizar-se em um espaço <strong>de</strong>terminado é<br />

<strong>de</strong>finida como orientação espaço-temporal. O espaço e o tempo são indissociáveis, uma vez que qualquer<br />

ativida<strong>de</strong> motora os envolve necessariamente. Na mesma direção, Fávero (2004, p. 28) complementa que<br />

a orientação espaço-temporal estabelece “[...] relações entre espaço e o tempo, utilizando-se <strong>de</strong> conceitos<br />

<strong>de</strong> direção (acima, abaixo, frente, atrás, direita, esquerda) e distância (longe, perto)”.<br />

Quanto à estruturação temporal, Oliveira (2008) a <strong>de</strong>fine como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber e <strong>de</strong><br />

ajustar a ação aos diferentes componentes do tempo. Isso significa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> localizar os<br />

acontecimentos passados, presentes, e <strong>de</strong> projetar-se no futuro. É com a representação mental dos<br />

movimentos no tempo que a criança atinge uma maior orientação temporal e adquire a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

trabalhar com esse conceito em um nível simbólico.<br />

Este nível se caracteriza por ir além do simples prazer <strong>de</strong> realizar ação, como no estágio sensório-<br />

motor, passando a fazer uso <strong>de</strong> símbolos. É nesse momento, que ocorre a representação do objeto, com<br />

efeito, a diferenciação das partes do signo: significante e significado.<br />

Para Piaget e Inhel<strong>de</strong>r (1948-1993), a elaboração do espaço se <strong>de</strong>ve essencialmente à coor<strong>de</strong>nação<br />

dos movimentos e é no período sensório-motor que o espaço e o tempo servirão <strong>de</strong> apoio para a<br />

organização das relações espaciais dos indivíduos com as pessoas e os objetos. Neste sentido, para<br />

enten<strong>de</strong>r o movimento humano precisa-se compreen<strong>de</strong>r, além da estruturação espacial, a estruturação<br />

temporal, cujo valor educativo é <strong>de</strong> extrema importância, pois o indivíduo toma consciência do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas ações <strong>de</strong> acordo com o tempo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 587


Piaget e Inhel<strong>de</strong>r (1948-1993) classificaram as noções espaciais em três etapas: a primeira, do<br />

espaço topológico (0-3 anos), que se limita ao campo visual e às possibilida<strong>de</strong>s motoras da criança; a<br />

segunda, do espaço euclidiano (3-7 anos), quando se consolida o esquema corporal; e, a terceira, do<br />

espaço projetivo (7-12 anos), na qual o espaço passa a ser compreendido como um esquema geral <strong>de</strong><br />

pensamento, ou seja, o esquema corporal está interiorizado e situado no espaço e tempo.<br />

Segundo Oliveira (2008), a noção espacial constitui-se como uma construção mental que<br />

possibilita ao indivíduo organizar-se diante do mundo, organizando as coisas entre si, compreen<strong>de</strong>ndo as<br />

relações e as posições <strong>de</strong> si mesmo e dos objetos. É pela interiorização <strong>de</strong> seu próprio corpo que apreen<strong>de</strong><br />

o espaço que o cerca, e é a representação <strong>de</strong>ste que lhe permite prever e antecipar suas ações no meio que<br />

o cerca. Diferentes experiências po<strong>de</strong>m ser proporcionadas aos indivíduos para o aperfeiçoamento das<br />

noções espaciais.<br />

De outro lado, Oliveira (2008) <strong>de</strong>fine a noção temporal como sendo a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber e <strong>de</strong><br />

ajustar a ação aos diferentes componentes do tempo. Isso significa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> localizar os<br />

acontecimentos passados, presentes, e <strong>de</strong> projetar-se no futuro, elaborando planos. É com a representação<br />

mental dos movimentos no tempo que a criança atinge uma maior orientação temporal, adquirindo a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar no nível simbólico.<br />

Para Fávero (2004), a aquisição da concepção <strong>de</strong> tempo obe<strong>de</strong>ce à mesma evolução da noção do<br />

espaço. Primeiramente, o indivíduo compreen<strong>de</strong> o tempo <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> seu gesto, <strong>de</strong>pois pela relação<br />

do corpo com o objeto e, por último, pelas relações entre objetos. Nesse sentido, ativida<strong>de</strong>s rítmicas<br />

possuem um valor educativo importante para a organização temporal. Essa é também a conclusão <strong>de</strong><br />

Oliveira (2008, p. 82) para quem “o ritmo é um elemento importante da estruturação temporal, pois<br />

combina sucessão, duração, intervalo e rapi<strong>de</strong>z”.<br />

Esses diferentes estudos concluem que as orientações relativas ao tempo e ao espaço são fatores<br />

inseparáveis e <strong>de</strong> extrema importância para a aprendizagem, e como estão presentes no cotidiano dos<br />

indivíduos <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>senvolvidos plenamente a fim <strong>de</strong> favorecer aprendizagens escolares ou não.<br />

A tomada <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong>senvolvimento motor da criança<br />

Para a construção do conhecimento do corpo – esquema corporal e coor<strong>de</strong>nação espaço-temporal<br />

– das crianças <strong>de</strong> Educação Infantil, selecionadas para esta pesquisa, realizamos um conjunto <strong>de</strong> sessões<br />

<strong>de</strong> intervenção pedagógica com utilização do conceito <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência, vinculado à Teoria da<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética. É sobre este conceito piagetiano, adaptado como instrumento pedagógico do<br />

processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica, que trata este artigo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 588


A explicitação do conceito <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência foi organizada por Jean Piaget em duas<br />

obras, consi<strong>de</strong>radas clássicas, sobre o tema “A tomada <strong>de</strong> consciência” (1977) e “Fazer e compreen<strong>de</strong>r”<br />

(1978). Na primeira, Piaget apresenta experimentos, nos quais os sujeitos obtém êxito prático, embora<br />

não sejam capazes <strong>de</strong> explicar como alcançaram este resultado – <strong>de</strong> conceituá-lo. O autor mostra que essa<br />

condição é conquistada, aos poucos, em diferentes níveis <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência. Para o ele, a tomada<br />

<strong>de</strong> consciência é o processo <strong>de</strong> aproximação do sujeito do centro <strong>de</strong> sua ação, levando em conta as<br />

variáveis <strong>de</strong> si próprio e do objeto.<br />

Na segunda obra, Piaget mostra como se dá o processo inverso, ou seja, situações em que a<br />

tomada <strong>de</strong> consciência da ação atinge o nível <strong>de</strong> conceituação que ultrapassa e influencia a própria ação.<br />

Nesse sentido, comanda-as, planejando-as antes <strong>de</strong> sua realização. Ele evi<strong>de</strong>ncia que, a conceituação se<br />

amplia por meio da ação, que permite sucessivas tomadas <strong>de</strong> consciência e acrescenta à ação o que o<br />

conceito traz <strong>de</strong> novo em relação aos esquemas <strong>de</strong> ação anteriores.<br />

Em razão dos objetivos <strong>de</strong>sta pesquisa, abordamos apenas a primeira obra, uma vez que as<br />

situações empíricas analisadas envolvem a ocorrência da ação das crianças antes <strong>de</strong> sua conceituação.<br />

Buscamos mostrar a importância da intencionalida<strong>de</strong> conceituada dos procedimentos utilizados pelos<br />

indivíduos na resolução <strong>de</strong> tarefas psicomotoras para o domínio do corpo e seus movimentos. Para tanto,<br />

apresentamos estudos <strong>de</strong> Piaget (1977) sobre o processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência da ação do sujeito – o<br />

que significa, do que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> e como se instaura na relação do sujeito com os objetos <strong>de</strong> conhecimento.<br />

O conceito resultante da tomada <strong>de</strong> consciência é uma ação interiorizada representada por imagem mental<br />

e pela linguagem.<br />

Em uma direção complementar à <strong>de</strong> Piaget (1977), Fonseca (2008) <strong>de</strong>staca que o estado <strong>de</strong><br />

consciência do sujeito sobre o mundo é sempre provisório, parcial e sucessivo. Parte <strong>de</strong> níveis mais<br />

elementares da ação prática, ocorridos no estágio sensório-motor, para níveis mais complexos <strong>de</strong><br />

conceitualização. Inicialmente, o universo do indivíduo não é constituído por relações espaciais, causais e<br />

temporais. O que existe é um mundo que se organiza por meio <strong>de</strong> estruturas hereditárias (audição, visão,<br />

preensão, fonação e paladar) que garantem o processo <strong>de</strong> adaptação do indivíduo ao mundo que o cerca.<br />

Esse processo permite a diferenciação progressiva, entre sujeito e objeto, visto o mundo dos objetos ter<br />

um funcionamento que possui leis próprias, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos interesses, vonta<strong>de</strong>s e necessida<strong>de</strong>s do<br />

indivíduo.<br />

Des<strong>de</strong> o período sensório-motor, é possível certo nível <strong>de</strong> conceituação do meio por parte do<br />

sujeito. No funcionamento dos reflexos, o conhecimento novo conserva o ciclo <strong>de</strong> organização do anterior<br />

e coor<strong>de</strong>na, <strong>de</strong> uma nova maneira, os dados do meio externo. Dessa maneira, o conhecimento novo passa<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 589


a integrar a estrutura anterior modificando-a e constituindo uma nova totalida<strong>de</strong>. A significação <strong>de</strong> um<br />

objeto <strong>de</strong> conhecimento é garantida por essa integração, porém, para que seja conceituado, é preciso que<br />

se dissocie da ação e se situe em um universo <strong>de</strong> relações in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da ativida<strong>de</strong> imediata. Essa<br />

conquista é progressiva e passa a ocorrer a partir do <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência <strong>de</strong>nominada por<br />

Piaget (1964-1967) como pré-operatória – entre dois e seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> mais ou menos.<br />

Somente neste momento os objetos do mundo físico se transformam em coisas a serem<br />

<strong>de</strong>slocadas, movimentadas e utilizadas com finalida<strong>de</strong>s cada vez mais complexas. O indivíduo adquire a<br />

noção <strong>de</strong> objeto mediante as ações que realiza sobre este. Em outras palavras, é por meio <strong>de</strong> trocas tanto<br />

sensoriais como motoras entre o indivíduo e os objetos do mundo físico que se constitui seu sistema<br />

cognitivo. Para Fonseca (2008, p. 83), a amplitu<strong>de</strong> e a riqueza <strong>de</strong>ssa construção <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m dos “esquemas<br />

<strong>de</strong> ação que a criança tiver adquirido e assimilado à sua estrutura mental”.<br />

Fonseca (2008), do ponto <strong>de</strong> vista do <strong>de</strong>senvolvimento, interpreta a noção <strong>de</strong> representação que<br />

Piaget (1987) <strong>de</strong>screve como correspon<strong>de</strong>nte a um processo <strong>de</strong> conceitualização. Esse processo implica a<br />

reconstrução – no sistema cognitivo – da ação do sujeito em um patamar superior – um conceito – e<br />

resulta da internalização <strong>de</strong> novos elementos pelo sujeito do objeto físico e da ação realizada a estruturas<br />

mentais já existentes.<br />

Para o autor, é no período <strong>de</strong>nominado operatório por Piaget (1964-1967) que a criança ultrapassa<br />

as <strong>de</strong>scoor<strong>de</strong>nações iniciais da ação e a organiza cada vez mais logicamente. Os primeiros movimentos da<br />

criança são baseados em seus esquemas sensório-motores, quase inconscientes, e é com o alcance do<br />

estágio operatório que uma imagem antecipadora e retroativa da ação se “liga” a esses esquemas<br />

tornando-os conscientes. Até então, a criança não compreen<strong>de</strong>, ou seja, não explica e justifica o que faz,<br />

somente mais tar<strong>de</strong>, graças aos esquemas operatórios, chega à ação consciencializada. Assim, Fonseca<br />

(2008, p. 82) afirma que a “tomada <strong>de</strong> consciência da ação consiste, em última instância, em transportar<br />

para o plano do consciente certos elementos do inconsciente”.<br />

Os esquemas <strong>de</strong> ação se transformam na medida em que ocorre a assimilação <strong>de</strong> objetos do mundo<br />

físico. São esses os esquemas que concretizam a ação, e só gradualmente, com as sucessivas tomadas <strong>de</strong><br />

consciência, a ação irá se <strong>de</strong>senvolver em direção à conceituação. Segundo Piaget (1977), chegar a um<br />

conceito da ação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenções externas – mediação –, que o indivíduo transforma em saber –<br />

em conceito – o que já existia como um saber fazer. Essa mediação é capaz <strong>de</strong> favorecer escolhas<br />

intencionais por parte do sujeito em suas ações. Nas palavras <strong>de</strong> Piaget (1977, p. 13), isso é importante<br />

porque “a tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulações ativas que comportam escolhas mais ou menos<br />

intencionais e não <strong>de</strong> regulações sensório-motrizes mais ou menos automáticas”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 590


A partir <strong>de</strong> sua própria <strong>de</strong>finição, a psicomotricida<strong>de</strong> parece envolver o conceito piagetiano <strong>de</strong><br />

tomada <strong>de</strong> consciência. A psicomotricida<strong>de</strong> se refere a movimentos acompanhados do pensar sobre o que<br />

se faz, ou seja, sobre as variáveis do sujeito, do objeto e <strong>de</strong> sua ação. Além disso, exige a intervenção<br />

externa que po<strong>de</strong> ocorrer via ativida<strong>de</strong>s, verbalização do orientador ou circunstâncias do meio, e que<br />

proporciona a passagem <strong>de</strong> regulações automatizadas para regulações ativas por parte do sujeito.<br />

Supomos que tais aspectos justificam seu uso conjunto no processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica realizada<br />

na presente pesquisa.<br />

Piaget (1977) <strong>de</strong>fine regulações automatizadas como as responsáveis pelas ações sensório-<br />

motrizes, não são suficientes para a tomada <strong>de</strong> consciência, já que compreen<strong>de</strong>m certa inconsciência: o<br />

indivíduo realiza a ação sem ter consciência da mesma. São as regulações ativas que favorecem a tomada<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões do indivíduo sobre suas ações e, assim, supõem um nível maior <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência.<br />

Esse processo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> estratégias cognitivas que promovam a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicar e justificar as<br />

ações e o pensamento do sujeito.<br />

Objetivos<br />

Neste artigo será relatada parte <strong>de</strong> uma dissertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong>senvolvida na Universida<strong>de</strong><br />

Estadual <strong>de</strong> Maringá que verificou a influência do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> intervenção pedagógica, <strong>de</strong> caráter<br />

construtivista, com ênfase na área psicomotora e tomada <strong>de</strong> consciência da ação, sobre a ampliação <strong>de</strong><br />

conceitos topológicos <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> 4 a 5 anos da educação infantil. Para tanto, foi realizada uma bateria<br />

<strong>de</strong> testes sobre noções topológicas elementares, adaptados <strong>de</strong> Piaget (1948-1993). Os testes aplicados<br />

foram: da intuição das formas, que averigua o papel da imagem no espaço; do espaço gráfico (<strong>de</strong>senho da<br />

figura humana), que teve a função <strong>de</strong> investigar as características do <strong>de</strong>senho, incluído nesta pesquisa<br />

para i<strong>de</strong>ntificar as relações topológicas primitivas (vizinhança, separação, or<strong>de</strong>m, envolvimento e<br />

continuida<strong>de</strong>); e do <strong>de</strong>senho das formas geométricas, cujos dados coletados também foram analisados sob<br />

o aspecto topológico. Os testes sobre habilida<strong>de</strong>s psicomotoras, baseados em Oliveira (2008), abordaram,<br />

em especial, os relativos ao esquema corporal e à coor<strong>de</strong>nação espaço-temporal. Após a bateria <strong>de</strong> testes,<br />

foi realizada, com as crianças selecionadas (10), a comparação das noções topológicas dominadas pelos<br />

sujeitos, antes e <strong>de</strong>pois do processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica.<br />

Desenvolvimento da Pesquisa<br />

O presente estudo teve como hipótese conceitual que alunos com <strong>de</strong>sempenho insatisfatório em<br />

noções topológicas, submetidos à intervenção pedagógica <strong>de</strong> caráter construtivista, envolvendo tomada <strong>de</strong><br />

consciência e <strong>de</strong>senvolvimento psicomotor, mais especificamente, esquema corporal e coor<strong>de</strong>nação<br />

espaço-temporal, obtêm ampliação <strong>de</strong> seu domínio nessas áreas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 591


Participaram da pesquisa 60 alunos da Educação Infantil com faixa etária entre 4 e 5 anos <strong>de</strong> um<br />

Centro <strong>de</strong> Educação Infantil do município <strong>de</strong> Maringá, <strong>de</strong>vidamente matriculados. Com a aplicação do<br />

pré-teste, do total <strong>de</strong> alunos, foram i<strong>de</strong>ntificados 19 (31,66%) com atraso nas noções topológicas e nas<br />

habilida<strong>de</strong>s psicomotoras, <strong>de</strong> acordo com o esperado para sua ida<strong>de</strong> cronológica. Desses sujeitos,<br />

selecionamos <strong>de</strong>z que participaram do processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica, organizados em dois<br />

quintetos. A <strong>de</strong>finição do número <strong>de</strong> crianças para participar do processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica<br />

aten<strong>de</strong>u às normas do Projeto Político Pedagógico da escola, segundo o qual essa quantida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ser<br />

atendida pela pesquisadora, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> professora-auxiliar.<br />

As entrevistas clínicas foram realizadas antes e <strong>de</strong>pois do processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica (15<br />

sessões) e envolveu o processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência em relação à ação e ao pensamento do sujeito<br />

sobre seu corpo. Sua aplicação foi adaptada do método clínico, sistematizado por Jean Piaget (1987),<br />

consi<strong>de</strong>rado satisfatório para a obtenção <strong>de</strong> dados qualitativos sobre o pensamento e a ação dos sujeitos.<br />

Apresentação e Discussão dos Resultados<br />

Entre o pré e o pós-teste do grupo experimental (GE), três alunos (30%) apresentavam<br />

características relativas ao estágio I (nível mais periférico da compreensão da ação) e passaram à<br />

inexistência neste nível (Gráfico 1).<br />

Cinco crianças (50%) foram classificadas no nível IA e, no pós-teste, ocorreu inexistência <strong>de</strong>sses<br />

alunos classificados neste nível, <strong>de</strong>monstrando que passaram para um nível superior <strong>de</strong> consciência<br />

(Gráfico 1). Ainda referente ao pré-teste do estágio IA, mostramos as falas <strong>de</strong> ISA (5;00) que, ao ser<br />

questionada sobre a parte do corpo que utilizou para fazer o movimento <strong>de</strong> passar por cima da corda,<br />

respon<strong>de</strong>u:<br />

ISA (5;00): É :: o pé.<br />

P: O que mais?<br />

ISA (5;00): Aqui em cima (mostrou a barriga e os braços).<br />

P: Qual parte do corpo você mexeu primeiro?<br />

ISA (5;00): A mão <strong>de</strong>pois a perna e o joelho.<br />

O que chama atenção neste nível é o fato <strong>de</strong> a criança não conseguir estabelecer relação entre a<br />

parte do corpo movimentada e o movimento realizado, <strong>de</strong>screvendo os movimentos <strong>de</strong> forma<br />

ampla/global, ou seja, <strong>de</strong>screve os movimentos maiores contidos nas ações menores.<br />

Gráfico 1.<br />

No estágio IB, a incidência aumentou <strong>de</strong> dois alunos (20%) para cinco (50%), visualizado no<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 592


P: Você po<strong>de</strong> me dizer como ficou seu corpo quando você estava passando por<br />

cima da corda?<br />

ALA (5,01): Assim ó : eu coloquei meu pé aqui (colocou o pé do outro lado da<br />

corda e levantou o outro pé e passou por cima da corda).<br />

Essa fala exemplifica as características do nível IB, no qual a criança começa a <strong>de</strong>screver os<br />

movimentos realizados e as partes do corpo utilizadas, mas, às vezes, a ação substitui o conceito, porque<br />

não se sente capaz <strong>de</strong> verbalizar.<br />

O estágio II e IIA caracterizaram-se por um movimento intenso <strong>de</strong> migração. Inicialmente,<br />

nenhum aluno foi classificado nestes estágios e, posteriormente, quatro alunos (40%) e um (10%),<br />

respectivamente, situaram-se nestes níveis (Gráfico 1)<br />

Gráfico 1: Distribuição dos percentuais encontrados no pré e pós-teste do GE no processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

consciência<br />

Os dados obtidos fazem supor a construção <strong>de</strong> conhecimentos que possibilitaram a estes alunos a<br />

“passagem” <strong>de</strong> um conhecimento periférico para outro mais elaborado, ou seja, um conhecimento mais<br />

complexo <strong>de</strong> sua ação. Tomando emprestadas as palavras <strong>de</strong> Piaget (1977), po<strong>de</strong>mos afirmar que as falas<br />

das crianças do GE fazem supor uma passagem <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência da periferia para o centro da<br />

ação. Além disso, os dados indicam possibilida<strong>de</strong>s satisfatórias <strong>de</strong> melhoria da consciência do corpo e da<br />

orientação espacial e temporal <strong>de</strong> si, do outro e dos objetos após o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong><br />

intervenção pedagógica com as características adotadas nesta pesquisa.<br />

Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

100%<br />

80%<br />

60%<br />

40%<br />

20%<br />

0%<br />

30%<br />

0%<br />

50%<br />

0%<br />

20%<br />

50%<br />

Os dados coletados e analisados neste trabalho confirmam a hipótese do estudo <strong>de</strong> que os alunos<br />

com <strong>de</strong>sempenho insatisfatório em noções topológicas, ao serem submetidos à intervenção pedagógica <strong>de</strong><br />

caráter construtivista, envolvendo a tomada <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong>senvolvimento psicomotor, mais<br />

especificamente, esquema corporal e coor<strong>de</strong>nação espaço-temporal, po<strong>de</strong>m obter ampliação <strong>de</strong> seu<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 593<br />

0%<br />

40%<br />

0% 10% 0%0%<br />

I IA IB II IIA IIB<br />

Pré-teste Pós-teste


domínio nessas áreas. As manifestações corporais e verbais das crianças, ao longo da intervenção<br />

pedagógica, fazem supor que sua influência positiva é resultante <strong>de</strong> suas características: ativida<strong>de</strong>s<br />

psicomotoras e tomada <strong>de</strong> consciência.<br />

Durante o processo <strong>de</strong> intervenção pedagógica, buscou-se <strong>de</strong>senvolver a tomada <strong>de</strong> consciência<br />

dos sujeitos sobre seu pensamento e ações com o corpo (antes, durante e <strong>de</strong>pois da intervenção<br />

pedagógica) mediante a adaptação do método clínico piagetiano (1987) e dos pressupostos teórico-<br />

metodológicos presentes na obra A Tomada <strong>de</strong> Consciência (1977).<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista psicomotor, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas durante o processo <strong>de</strong> intervenção<br />

pedagógica foram adaptadas <strong>de</strong> Le Boulch (1987a) e tiveram como objetivo explorar o esquema corporal<br />

e noções referentes à posição, direção, distância, limites, lateralida<strong>de</strong> e localização do indivíduo no<br />

espaço em relação a outros objetos e sujeitos.<br />

O Grupo Controle (GC) manteve seus níveis classificatórios em todos os testes (noções<br />

topológicas e habilida<strong>de</strong>s psicomotoras). Em contraposição, os dados positivos obtidos pelas crianças do<br />

GE em todos os testes ao final <strong>de</strong>sse processo fazem supor que a intervenção pedagógica <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou a<br />

melhoria do <strong>de</strong>sempenho das crianças do Grupo Experimental quanto à construção <strong>de</strong> noções topológicas<br />

e psicomotoras. Fica evi<strong>de</strong>nte que as sessões <strong>de</strong> intervenção pedagógica favoreceram a “passagem” <strong>de</strong> um<br />

conhecimento periférico para outro mais elaborado, ou seja, além <strong>de</strong> intencional, conceituado. A ação<br />

conceituada, conquistada pelas crianças, é resultante do processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência individual e<br />

coletiva, estimulada pela intervenção pedagógica.<br />

Além <strong>de</strong>sses aspectos, a diferença <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho final entre as crianças submetidas ao processo<br />

<strong>de</strong> intervenção pedagógica (GE) e as que não o foram (GC) mostra, novamente, a influência positiva<br />

<strong>de</strong>ste processo. A construção da noção <strong>de</strong> espaço, que se dá por meio da exploração do espaço geométrico<br />

e suas relações topológicas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso a experiências diversificadas, <strong>de</strong><br />

movimento e <strong>de</strong> ações, que permitam ao indivíduo interpretar e compreen<strong>de</strong>r os objetos do mundo físico,<br />

classificando-os e organizando-os <strong>de</strong> acordo com suas proprieda<strong>de</strong>s.<br />

Referências<br />

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria <strong>de</strong> Educação Fundamental. Referencial<br />

curricular nacional para a educação infantil. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998.<br />

FÁVERO, Maria Tereza Martins. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem da escrita. Dissertação<br />

(Mestrado em educação) – Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá, Maringá, PR, 2004.<br />

FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: ArtMed, 2008.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 594


______. Psicomotricida<strong>de</strong>: Perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre: ArtMed, 2004.<br />

______. Psicomotricida<strong>de</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />

LE BOULCH, Jean. Educação psicomotora: psicocinética na ida<strong>de</strong> escolar. Porto Alegre: Artes Médicas,<br />

1987a.<br />

OLIVEIRA, Gislene Campos <strong>de</strong>. Avaliação psicomotora à luz da psicologia e psicopedagogia.<br />

Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.<br />

PEREIRA, Karina. Perfil psicomotor: caracterização <strong>de</strong> escolares da primeira série do ensino<br />

fundamental <strong>de</strong> colégio particular. Dissertação (Mestrado em educação). Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São<br />

Carlos, São Carlos, SP, 2005.<br />

PIAGET, Jean. A representação do mundo na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 1987.<br />

______. Fazer e compreen<strong>de</strong>r. São Paulo: Melhoramento, 1978.<br />

______. A tomada <strong>de</strong> consciência. São Paulo: Melhoramentos, 1977.<br />

______. Seis estudos <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro : Forense, 1967 (1964).<br />

PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artes<br />

Médicas, 1993 (1948).<br />

TOMAZINHO, Regina Célia Zanotti. As ativida<strong>de</strong>s e brinca<strong>de</strong>iras corporais na pré-escola: um olhar<br />

reflexivo. Dissertação (Mestrado em educação) – Universida<strong>de</strong> Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, SP,<br />

2002.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 595


11. Interação Social e Desenvolvimento Psicológico<br />

Narrativas Escritas: Pensamento e Produções <strong>de</strong> Pré-Adolescentes na Escola<br />

Resumo<br />

PINHEIRO, Flávia Isaia<br />

UFRGS; Porto Alegre, RS.<br />

fpisaia@terra.com.br<br />

Este estudo busca compreen<strong>de</strong>r como as operações mentais se elaboram nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção<br />

textual escolarizada, através da seguinte questão <strong>de</strong> pesquisa: Como os sujeitos pré-adolescentes<br />

constroem a coerência na escrita <strong>de</strong> textos narrativos? Trata-se <strong>de</strong> uma investigação interdisciplinar,<br />

realizada com sujeitos pré-adolescentes, que frequentavam, em 2008, o 5º ano <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> em escola<br />

pública da Re<strong>de</strong> Municipal <strong>de</strong> Ensino, em Porto Alegre. A pesquisa tem por objetivo <strong>de</strong>screver as<br />

modificações que acontecem no curso do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, durante o processo <strong>de</strong> construção<br />

da coerência em textos narrativos. A fundamentação teórica, no campo da <strong>Psicologia</strong>, é a <strong>Epistemologia</strong><br />

Genética, especialmente as obras <strong>de</strong> Jean Piaget, referentes ao terceiro período (fim dos anos 30 ao fim<br />

dos anos 50). No campo dos estudos linguísticos, a concepção <strong>de</strong> linguagem adotada privilegia a<br />

interação através <strong>de</strong> estudos sobre o texto (GERALDI, 1984, 1997) e sobre a coerência e coesão textuais<br />

(KOCH, 1989; KOCH & TRAVAGLIA, 1990).Trata-se <strong>de</strong> uma metodologia qualitativa e participativa<br />

que propõe o estudo <strong>de</strong> caso como estratégia <strong>de</strong> pesquisa (YIN, 2001) e utiliza as contribuições do<br />

método clínico em conversações direcionadas para a produção textual. A unida<strong>de</strong> central <strong>de</strong> análise é a<br />

operativida<strong>de</strong> do pensamento dos pré-adolescentes. Dos 19 encontros realizados com as alunas, no<br />

período <strong>de</strong> junho a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008, 6 foram utilizados para uma primeira alternativa <strong>de</strong> análise. A<br />

análise inicial dos dados <strong>de</strong> duas meninas que trabalharam juntas mostrou-se produtiva para os objetivos<br />

da pesquisa. Além disso, a análise conduz aos seguintes pressupostos: para que ocorram avanços<br />

cognitivos no sujeito, a leitura e a interpretação exercem um papel fundamental na melhoria da<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentração e, consequentemente, na diferenciação entre o que o autor pensa, o que ele<br />

escreve e como utiliza os recursos da escrita para se fazer compreen<strong>de</strong>r.<br />

Palavras-chave: Narrativa escrita. Coerência. Operativida<strong>de</strong>.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 596


Abstract<br />

This study aims at un<strong>de</strong>rstanding how mental operations are elaborated on school activities of text<br />

production through the research question: How do the pre-adolescent subjects build coherence in the<br />

writing of narrative texts? This is an interdisciplinary research carried out with pre-adolescent subjects<br />

who atten<strong>de</strong>d, in 2008, the 5th gra<strong>de</strong> of elementary education, in public schools in the Municipal<br />

Teaching Network of Porto Alegre. The goal of this research is to <strong>de</strong>scribe the modifications in the course<br />

of their cognitive <strong>de</strong>velopment during the process of coherence building in narrative texts. The theoretical<br />

grounding, in the field of Psychology, is the Genetic Epistemology, especially the works of Jean Piaget’s<br />

third period (from end of the 1930´s to the end of 1950´s). In the field of linguistic studies, the adopted<br />

conception of language privileges the inter-action through studies on text (GERALDI, 1984, 1997) and on<br />

textual coherence and cohesion (KOCH, 1989; KOCH; TRAVAGLIA, 1990). The methodology is<br />

qualitative and participative, proposing the case study as a research strategy (YIN, 2001). It utilizes the<br />

contributions of the clinical method in conversations directed to text production. The central unit for<br />

analysis is pre-adolescents’ operativity of thought. Out of the 19 meetings with the stu<strong>de</strong>nts held from<br />

June to December 2008, 6 were utilized for a first analysis alternative. The initial analysis of the data<br />

concerning two girls who worked together proved to be productive for the goals of this research.<br />

Furthermore, the analysis led us to the following assumptions: for the cognitive advance to occur in the<br />

subject, reading and text interpretation play a fundamental role in the improvement of the ability to<br />

<strong>de</strong>centre and, consequently, in the differentiation between what the author thinks, what he writes and how<br />

he uses the writing resources to make himself un<strong>de</strong>rstood.<br />

Keywords: Written Narrative. Coherence. Operativity.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 597


Introdução<br />

A minha prática pedagógica com alunos pré-adolescentes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 2005, oportunizou<br />

algumas reflexões sobre como a estruturação do real se expressa e se <strong>de</strong>senvolve em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

produção textual, instigando-me a ampliar a investigação <strong>de</strong> Mestrado.<br />

Se quisermos que os alunos escrevam cada vez mais e melhor, torna-se necessário compreen<strong>de</strong>r e<br />

explicar como o sujeito constrói este conhecimento específico para, posteriormente, ajudarmos na sua<br />

construção.<br />

Pretendo discutir e refletir teoricamente neste artigo as i<strong>de</strong>ias sobre textualida<strong>de</strong> e coerência<br />

textual, a fim <strong>de</strong> relacioná-las com o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. O referencial teórico escolhido é a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget e seus seguidores, em suas articulações com os Estudos <strong>de</strong><br />

Linguística Textual sobre Coerência.<br />

Apresentarei os resultados que obtive a partir <strong>de</strong> uma análise inicial dos dados já coletados. Esta<br />

análise conduz aos seguintes pressupostos <strong>de</strong> pesquisa: para que ocorram avanços cognitivos no sujeito, a<br />

leitura e a interpretação exercem um papel fundamental na melhoria da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentração e,<br />

consequentemente, na diferenciação entre o que o autor pensa, o que ele escreve e como utiliza os<br />

recursos da escrita para se fazer compreen<strong>de</strong>r.<br />

Referencial teórico<br />

Esta investigação é uma investigação interdisciplinar, porque ao tomar a produção textual como<br />

objeto <strong>de</strong> conhecimento, reúne estudos <strong>de</strong> áreas como a <strong>Psicologia</strong>, a Linguística e a Educação.<br />

Piaget (1970, p.11) já dizia que “a investigação interdisciplinar po<strong>de</strong> surgir <strong>de</strong> duas espécies <strong>de</strong><br />

preocupações, umas relativas às estruturas ou aos mecanismos comuns, outras aos métodos comuns,<br />

po<strong>de</strong>ndo ambas, também, intervir simultaneamente”. Consi<strong>de</strong>ro este ponto fundamental, uma vez que a<br />

minha pesquisa busca compreen<strong>de</strong>r como as operações mentais se elaboram nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção<br />

textual e mediante que leis <strong>de</strong> equilíbrio sua evolução é regida. Cabe lembrar que para Piaget esse<br />

equilíbrio não costuma ser integralmente alcançado, ele exige novas construções.<br />

Interessa-me saber como essa equilibração <strong>de</strong> fato se realiza para alcançar a coerência na escrita<br />

<strong>de</strong> textos: Como os sujeitos pré-adolescentes constroem a coerência em seus textos narrativos?<br />

Nesse sentido, é importante ter em vista as duas espécies <strong>de</strong> estruturas com as quais estaremos<br />

lidando durante a pesquisa: as estruturas acabadas, que constituem a forma <strong>de</strong> equilíbrio final ou<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 598


momentaneamente estável <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento anterior, mental (estruturas da inteligência), e as<br />

estruturas em vias <strong>de</strong> constituição ou <strong>de</strong> reconstituição, que comporta uma parte importante <strong>de</strong> troca com<br />

o exterior enquanto alimentação necessária ao funcionamento (PIAGET, 1970).<br />

Tenho como objetivo, portanto, <strong>de</strong>screver as modificações que acontecem no curso do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo durante o processo <strong>de</strong> construção da coerência em textos narrativos.<br />

Deste modo, foi necessário buscar nos estudos linguísticos uma concepção <strong>de</strong> linguagem que<br />

privilegiasse a interação. Ou seja: que apontasse para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valorização do aluno (<strong>de</strong> sua<br />

linguagem, <strong>de</strong> suas experiências <strong>de</strong> vida) como forma <strong>de</strong> estimulá-lo a escrever cada vez mais e melhor.<br />

Para este propósito foram utilizados os estudos sobre o texto (GERALDI, 1984, 1997) e sobre a coerência<br />

e coesão textuais (KOCH, 1989; KOCH; TRAVAGLIA, 1990).<br />

No que se refere aos estudos sobre o texto, Geraldi (1997) afirma que o específico da aula <strong>de</strong><br />

Português é o trabalho com textos. Segundo o autor, para produzir um texto é preciso que: se tenha o que<br />

dizer, se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer e é preciso que o locutor se constitua como tal,<br />

enquanto sujeito que diz o que diz, para quem diz. Assim, o texto é o produto <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> discursiva<br />

on<strong>de</strong> alguém diz algo a alguém.<br />

O autor estabelece algumas características necessárias para chegar ao seguinte conceito <strong>de</strong> texto:<br />

um texto é uma sequência verbal escrita coerente formando um todo acabado, <strong>de</strong>finitivo e publicado.<br />

No que se refere aos estudos sobre a coerência e coesão textuais, Koch (1989) afirma que a<br />

coerência <strong>de</strong>ve ser entendida como um princípio <strong>de</strong> interpretabilida<strong>de</strong>. Segundo a autora, é a coerência<br />

que faz com que o texto faça sentido para os usuários. Este sentido, evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong>ver ser do todo,<br />

pois a coerência é global.<br />

A coesão é apenas um dos fatores da coerência que contribui para a constituição do texto, já que o<br />

uso <strong>de</strong> elementos coesivos dá ao texto maior legibilida<strong>de</strong>, explicitando os tipos <strong>de</strong> relações estabelecidas<br />

entre os elementos linguísticos que o compõem.<br />

Koch e Travaglia (1990) explicam que o mau uso dos elementos linguísticos <strong>de</strong> coesão po<strong>de</strong><br />

provocar incoerências locais, quando o texto parece <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> sequencialida<strong>de</strong>, o que dificulta a<br />

compreensão e a construção da coerência pelo leitor ou ouvinte. A incoerência sempre causa um<br />

estranhamento da sequência pelo receptor.<br />

Mesmo para os que admitem a existência <strong>de</strong> textos incoerentes ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas incoerências<br />

locais esta não se dá apenas na sequência linguística, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos usuários e da situação. Po<strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 599


acontecer que, mesmo que o texto esteja bem estruturado, com todas as pistas necessárias ao cálculo do<br />

seu sentido, um receptor, individualmente não seja capaz <strong>de</strong> lhe <strong>de</strong>terminar o sentido, por limitações<br />

próprias (não domínio do léxico e/ou estruturas, <strong>de</strong>sconhecimento do assunto etc.). Neste caso, não dirá,<br />

sobretudo consi<strong>de</strong>rando o produtor, que o texto é incoerente, provavelmente seu comentário será: “Não<br />

consegui enten<strong>de</strong>r este texto”.<br />

O que está em jogo é a manipulação <strong>de</strong> elementos linguísticos por operações argumentativas<br />

(ligadas à intencionalida<strong>de</strong>) e processos cognitivos realizados entre os usuários do texto, <strong>de</strong> modo que “a<br />

coerência não é nem característica do texto, nem dos usuários do mesmo, mas está no processo que<br />

coloca texto e usuários em relação numa situação” (KOCH; TRAVAGLIA, 1990, p. 51).<br />

Para os autores, a construção da coerência <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores das mais<br />

diversas or<strong>de</strong>ns: linguísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais.<br />

A <strong>Epistemologia</strong> Genética, especialmente as obras <strong>de</strong> Jean Piaget referentes ao terceiro período,<br />

que vai do fim dos anos 30 ao fim dos anos 50, <strong>de</strong>staca a formalização <strong>de</strong> estruturas mentais, que dão<br />

conta do po<strong>de</strong>r organizador e explicativo do raciocínio, cada vez que ele atinge certo grau <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

O modo <strong>de</strong> organização das ativida<strong>de</strong>s cognitivas do sujeito é <strong>de</strong>scrito por Piaget em termos <strong>de</strong><br />

operações mentais. As operações mentais são os elementos das estruturas que dão conta do caráter lógico<br />

do pensamento. Elas se agrupam em dois tipos <strong>de</strong> sistemas ou estruturas, que são os agrupamentos <strong>de</strong><br />

operações, subjacentes a uma lógica elementar ou pensamento operatório concreto; e o grupo INRC<br />

(i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, inversão, reciprocida<strong>de</strong>, correlativida<strong>de</strong>), relacionado a uma estrutura mais complexa do<br />

pensamento formal do adolescente e do adulto.<br />

Nas obras A noção <strong>de</strong> tempo na criança (1946), A origem da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> acaso na criança (1951) e<br />

Da lógica da criança lógica do adolescente (1955), Piaget estuda a evolução do pensamento da criança<br />

pequena, qualificado <strong>de</strong> pré-operatório, na direção da construção <strong>de</strong> estruturas <strong>de</strong> agrupamento. Com<br />

relação ao método, os raciocínios da criança passam a ser estudados por ele por meio <strong>de</strong> tarefas que se<br />

apoiam sobre um material simples, manipulado tanto pelo experimentador quanto pela criança.<br />

Nesta pesquisa, interessam-me especialmente os conceitos relacionados com a construção do<br />

tempo, a construção do espaço, a construção da causalida<strong>de</strong>, o conceito <strong>de</strong> operativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> operações,<br />

<strong>de</strong> reversibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> conservação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentração. A reversibilida<strong>de</strong> das operações é essencial porque<br />

ela marca os raciocínios agrupados nos dois tipos <strong>de</strong> estruturas que mencionei anteriormente.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 600


É interessante <strong>de</strong>stacar que é no <strong>de</strong>curso do terceiro período da obra <strong>de</strong> Piaget que a noção <strong>de</strong><br />

egocentrismo per<strong>de</strong> sua importância, já que Piaget utiliza com frequência o termo <strong>de</strong>scentração para se<br />

referir a novos estabelecimentos <strong>de</strong> relação efetuados pelo sujeito. O caminho que o sujeito percorre na<br />

direção <strong>de</strong> formas mais a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> conhecimento inclui então o “remanejo <strong>de</strong> perspectivas”, a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um aspecto <strong>de</strong>limitado do real para levar em consi<strong>de</strong>ração outros aspectos<br />

e coor<strong>de</strong>ná-los entre si.<br />

A tese <strong>de</strong> doutorado <strong>de</strong> Dalla Zen (2006) traz contribuições importantes para esta pesquisa ao<br />

tomar como foco as narrativas escolares infantis, especialmente no que se refere aos textos em sua<br />

montagem (organização discursiva). Segundo a autora, os textos po<strong>de</strong>m ser enquadrados em duas<br />

categorias estruturais por ela <strong>de</strong>nominadas narrativa-relato e narrativa-conto.<br />

Ao apresentar exemplos <strong>de</strong> narrativa-relato, a autora explica que relatos <strong>de</strong>sse tipo são comumente<br />

reconhecidos como narrativas, porque as ações e acontecimentos estão inscritos em uma temporalida<strong>de</strong>.<br />

Entretanto, nem sempre essa sucessão <strong>de</strong> fatos, essas <strong>de</strong>scrições narrativizadas apresentam um nó<br />

narrativo, o que correspon<strong>de</strong>ria a uma maior complexida<strong>de</strong> estrutural.<br />

Já na montagem da narrativa-conto estão presentes outros elementos, às vezes até agrupados em<br />

um mesmo texto: o já mencionado nó narrativo; uma certa tensão provocada por uma perturbação, por<br />

um acontecimento problemático, um certo tom <strong>de</strong> suspense e, finalmente, a resolução <strong>de</strong> impasses e<br />

obstáculos.<br />

Dalla Zen (2006) afirma que a narrativa-conto correspon<strong>de</strong> a uma maior complexida<strong>de</strong> estrutural,<br />

sendo representativa <strong>de</strong> uma organização mais <strong>de</strong>senvolvida.<br />

Cabe, então, a pergunta: o que estaria por trás <strong>de</strong>ssa estrutura <strong>de</strong> construção textual bem mais<br />

complexa da narrativa-conto?<br />

Com base nas obras <strong>de</strong> Piaget relativas ao terceiro período, suponho que a estrutura <strong>de</strong> construção<br />

textual bem mais complexa da narrativa-conto envolve um maior nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das estruturas<br />

mentais do sujeito escrevente.<br />

A este respeito, convém <strong>de</strong>stacar dois aspectos que consi<strong>de</strong>ro fundamentais:<br />

O primeiro aspecto é que, ao concordar com uma concepção <strong>de</strong> linguagem entendida como uma<br />

forma <strong>de</strong> interação, que privilegia a relação interlocutiva que se dá nas ativida<strong>de</strong>s interativas <strong>de</strong> produção<br />

e leitura <strong>de</strong> textos (GERALDI, 1997), estou valorizando o exercício da cooperação na escrita <strong>de</strong><br />

narrativas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 601


De acordo com Piaget (1958), à medida que as intuições se articulam acabando por se agruparem<br />

operatoriamente, a criança torna-se cada vez mais apta para a cooperação. Na or<strong>de</strong>m da inteligência, a<br />

cooperação significa a discussão dirigida objetivamente, a colaboração no trabalho, a troca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, o<br />

controle mútuo.<br />

Sem a permuta do pensamento e sem a cooperação com os outros, jamais o indivíduo alcançaria<br />

agrupar suas operações num todo coerente. Por outro lado, os intercâmbios do próprio pensamento<br />

obe<strong>de</strong>cem a uma lei <strong>de</strong> equilíbrio (agrupamento operatório), uma vez que a cooperação ainda significa<br />

coor<strong>de</strong>nar operações. Isto significa que a ativida<strong>de</strong> operatória interna e a cooperação exterior constituem<br />

dois aspectos complementares <strong>de</strong> um único e mesmo conjunto, já que o equilíbrio <strong>de</strong> um <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do<br />

equilíbrio do outro.<br />

O segundo aspecto que consi<strong>de</strong>ro fundamental é levar em consi<strong>de</strong>ração, na elaboração das tarefas<br />

propostas aos sujeitos da pesquisa, as estruturas <strong>de</strong> pensamento dos mesmos no que se refere às etapas <strong>de</strong><br />

equilibração. A este respeito po<strong>de</strong>mos pensar que a or<strong>de</strong>m da tarefa que favorece a elaboração <strong>de</strong> novas<br />

estruturas mentais <strong>de</strong>va colocar os sujeitos diante <strong>de</strong> uma situação que os <strong>de</strong>safie a discutir e imaginar <strong>de</strong><br />

que forma ela foi <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada e como po<strong>de</strong>rão resolvê-la durante ou após a produção escrita. São<br />

consi<strong>de</strong>rados, portanto, os aspectos operativos do pensamento dos sujeitos, ao lidarem com situações que<br />

envolvam a busca <strong>de</strong> uma solução. Interessam-me a explicação e os meios <strong>de</strong> que dispõem para gerar<br />

explicações em face a um problema concreto.<br />

Metodologia<br />

A escola em que realizei a coleta <strong>de</strong> dados é on<strong>de</strong> atuo como professora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. É uma Escola<br />

Municipal <strong>de</strong> Ensino Fundamental, localizada na zona leste da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre, em bairro pobre.<br />

Foi escolhida uma metodologia qualitativa e participativa, uma vez que fui professora dos sujeitos<br />

investigados no ano <strong>de</strong> 2008. Em junho daquele ano <strong>de</strong>cidi que realizaria a pesquisa na turma em que<br />

atuava como professora conselheira. Solicitei autorização da direção da escola para realizá-la com meus<br />

próprios alunos. Expliquei para a turma sobre o meu estudo <strong>de</strong> Doutorado e fiz um convite aberto, para<br />

quem quisesse me ajudar neste estudo, enfatizando que era importante gostar <strong>de</strong> histórias.<br />

Dos 29 alunos da turma, 16 se interessaram e eu obtive um retorno <strong>de</strong> 11 consentimentos com<br />

autorização das famílias por escrito. Deste total, 7 alunas (curiosamente todas meninas) assumiram<br />

efetivamente o compromisso <strong>de</strong> participar do grupo <strong>de</strong> pesquisa. Elas tinham ida<strong>de</strong>s entre 10 e 12 anos e<br />

estavam no 3º ano do II Ciclo (Ciclo da Pré-adolescência), que correspon<strong>de</strong> ao quinto ano <strong>de</strong><br />

escolarida<strong>de</strong>.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 602


Os encontros com as alunas aconteceram às quartas-feiras pela manhã, com duração <strong>de</strong> até 1 hora<br />

e 30 minutos, <strong>de</strong>ntro do próprio horário escolar, conforme combinação com os responsáveis e a direção<br />

da escola. Tratou-se, portanto, <strong>de</strong> uma observação sistemática, iniciada em junho e encerrada em<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008. Nesta observação sistemática, utilizei as contribuições do método clínico em<br />

conversações direcionadas para a produção textual.<br />

Trata-se <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong> casos múltiplos (YIN, 2001) por envolver a coleta <strong>de</strong> informações<br />

(observação das condutas) <strong>de</strong> cada sujeito pertencente ao grupo constituído e, principalmente, por<br />

consi<strong>de</strong>rar casos múltiplos como se consi<strong>de</strong>ra experimentos múltiplos, ou seja, seguir a lógica da<br />

replicação e não da amostragem. O objetivo <strong>de</strong>stes estudos <strong>de</strong> caso é expandir e generalizar a<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Jean Piaget (generalização analítica).<br />

Com base no problema <strong>de</strong> pesquisa e nas premissas apresentadas ao final <strong>de</strong>ste texto, tenho como<br />

unida<strong>de</strong> central <strong>de</strong> análise a operativida<strong>de</strong> do pensamento dos pré-adolescentes.<br />

É importante lembrar que a utilização do termo operativida<strong>de</strong>, por Piaget, sublinha a natureza<br />

ativa da inteligência e o papel estruturante do sujeito no conhecimento. Desta forma, estou utilizando<br />

“operativo para o conjunto das ações exteriores ou interiorizadas que prece<strong>de</strong>m a operação, assim como<br />

para aquelas que atingem o nível operatório” (PIAGET apud MONTANGERO, 1998, p. 208-209).<br />

A conversação com o grupo <strong>de</strong> alunas foi direcionada para a produção textual, <strong>de</strong> forma que eu<br />

pu<strong>de</strong>sse me aproximar cada vez mais do pensamento das alunas em relação à construção <strong>de</strong> sua coerência<br />

nas narrativas escritas. As tarefas propostas foram individuais, em duplas e em grupo e tiveram como<br />

finalida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar os avanços cognitivos <strong>de</strong> cada sujeito no período <strong>de</strong> junho a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008.<br />

Tendo em vista que a tomada <strong>de</strong> consciência consiste, essencialmente, numa conceituação, cujo<br />

grau <strong>de</strong> consciência varia ao longo do processo (PIAGET, 1974), interessa-me analisar as respostas dos<br />

sujeitos em relação às crenças e aos processos lógicos, ou seja, em relação à operativida<strong>de</strong> do<br />

pensamento. Nesse sentido, as respostas <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas e as respostas espontâneas são fundamentais para<br />

a análise dos dados. O que caracteriza a primeira é que o sujeito elabora uma explicação que revela a<br />

organização do seu pensamento, mesmo que ele não tenha pensado no problema anteriormente. O que<br />

caracteriza a segunda é que ela nos indica as coisas que preocupam o sujeito e sobre as quais ele pensa. A<br />

diferença entre as duas respostas é que quando ocorrem respostas espontâneas o sujeito fala <strong>de</strong>las sem<br />

nenhuma intervenção da parte do experimentador.<br />

À semelhança <strong>de</strong> Delval (2002), também utilizei dois tipos <strong>de</strong> perguntas: as perguntas básicas, que<br />

faziam parte do roteiro <strong>de</strong> planejamento da tarefa a ser proposta, e as perguntas complementares,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 603


utilizadas especialmente para obter respostas <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas e para enten<strong>de</strong>r o que o sujeito dizia. As<br />

perguntas básicas eram iguais para todos os sujeitos, enquanto que as perguntas complementares diferiam<br />

entre eles, tanto em função das diferentes narrativas escritas como em função do meu próprio esforço no<br />

sentido <strong>de</strong> aproximar-me da lógica das alunas.<br />

Desenvolvimento<br />

Com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificar o que emergiu dos dados coletados, selecionei o registro dos 6<br />

primeiros encontros, realizados nos meses <strong>de</strong> junho, julho e agosto, para fazer uma leitura mais atenta das<br />

condutas das alunas em relação aos aspectos cognitivos durante o processo <strong>de</strong> construção da coerência<br />

nos textos narrativos. As tarefas propostas nestes encontros foram as seguintes: 1ª) recontar oralmente e<br />

por escrito a história A operação do tio Onofre, <strong>de</strong> Tatiana Belink, lida pela professora; 2ª) ler a própria<br />

história recontada por escrito no encontro anterior e, a seguir, em duplas ou trios montar a história A<br />

operação do tio Onofre numa cartolina. Cada trio recebeu 13 tiras <strong>de</strong> papéis contendo todas as partes da<br />

história do livro; 3ª) imaginar e escrever individualmente uma história utilizando as informações <strong>de</strong> um<br />

quadro sobre a perda da casa <strong>de</strong> dona Renata; 4ª) em duplas tinham que melhorar a história produzida no<br />

encontro anterior pela colega, i<strong>de</strong>ntificando e resolvendo problemas em pontos do texto que pu<strong>de</strong>ssem<br />

impedir a compreensão pelo leitor. Para a realização <strong>de</strong>sta última tarefa foram necessários três encontros,<br />

cada encontro com uma dupla <strong>de</strong> alunas.<br />

Tendo em vista que as condutas das alunas estão relacionadas com suas próprias produções<br />

escritas e com as produções escritas <strong>de</strong> suas colegas e, ainda, que os termos <strong>de</strong> busca utilizados por mim<br />

envolvem duas áreas, a cognição e a linguística, foi necessário organizá-los <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> duas categorias<br />

iniciais: Processos mentais e Coerência e coesão textuais.<br />

Apresentarei a seguir uma síntese dos dados principais <strong>de</strong> dois casos: Sheila (12 anos) e Stela (11a<br />

8m), que trabalharam juntas na tarefa <strong>de</strong> montar a história A operação do tio Onofre e na tarefa que<br />

propus <strong>de</strong> melhorar a história produzida pela colega em pontos do texto que pu<strong>de</strong>ssem impedir a<br />

compreensão pelo leitor.<br />

2002).<br />

Os nomes das alunas foram alterados com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeitar o seu anonimato (DELVAL,<br />

Sheila (12 anos):<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que a não-conservação das partes da história e da sequência temporal, a falta <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>marcação nas vozes do narrador e dos personagens e, ainda, a dificulda<strong>de</strong> na busca <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 604


algumas frases da própria história revelam o caráter irreversível e pré-operatório das relações percebidas<br />

ou estabelecidas pela Sheila em relação às histórias.<br />

O fato <strong>de</strong> não conseguir conservar a totalida<strong>de</strong> da história significa que ainda não construiu os<br />

conceitos ligados ao tempo, ao espaço e à causalida<strong>de</strong>, fundamentais para o estabelecimento <strong>de</strong> relações<br />

entre os fatos e partes da história, assim como para o uso <strong>de</strong> elementos linguísticos <strong>de</strong> coesão e para o uso<br />

das inferências na compreensão dos textos. Significa também que sua escrita <strong>de</strong> histórias permanece<br />

centrada em si mesma, porque ao escrever ignorando o uso da pontuação, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra tanto o outro para<br />

quem diz (seus leitores), como o outro sobre quem diz (suas personagens). Em função <strong>de</strong>stes aspectos,<br />

sua intenção comunicativa inicial não se concretiza, dificultando, portanto, o sentido do texto para o leitor<br />

(mesmo que a leitora seja ela própria!).<br />

Assim, a incoor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> todas estas perspectivas pren<strong>de</strong>-se à irreversibilida<strong>de</strong> própria à intuição<br />

ou à percepção imediata. Daí <strong>de</strong>corre a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sheila <strong>de</strong> unir operatoriamente os fatos e partes da<br />

história <strong>de</strong> forma integrada.<br />

Stela (11a, 8m):<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que o fato <strong>de</strong> Stela não explicitar os personagens e o “como” dos acontecimentos<br />

na história significa que também não construiu os conceitos ligados ao tempo, ao espaço e à causalida<strong>de</strong>,<br />

importantes para a conservação da totalida<strong>de</strong> da história, inclusive para que tivesse conseguido recontar<br />

sozinha a história da colega. Em função <strong>de</strong>sta não-conservação das partes da história, ela não conseguiu,<br />

inicialmente, fazer inferência a partir <strong>de</strong> frases e trechos que estavam no texto <strong>de</strong> Sheila, nem tampouco<br />

substituir palavras ina<strong>de</strong>quadas nas frases escritas pela colega para que fizessem sentido <strong>de</strong>ntro da<br />

totalida<strong>de</strong> da mesma história. Quando substituía, tais alterações permaneciam ligadas ao “eu” e ao “nós”,<br />

apresentando a mesma tendência anterior <strong>de</strong> incluir-se na narração como personagem, ficando presa na<br />

própria perspectiva ao invés <strong>de</strong> levar em consi<strong>de</strong>ração outros aspectos para serem coor<strong>de</strong>nados.<br />

Apesar <strong>de</strong> manifestar este pensamento pré-operatório em tais situações, apresentou um esforço<br />

significativo tanto na melhoria da própria história para o leitor – ao analisar sua pontuação praticamente<br />

inexistente e passar a utilizá-la durante a leitura do texto, ao acrescentar o nome da personagem e o “e”<br />

como elemento linguístico <strong>de</strong> coesão para explicitar o “como”, ao arrumar uma palavra no feminino para<br />

manter coerência com o parágrafo anterior – como ao buscar compreen<strong>de</strong>r o texto da colega. Neste caso,<br />

ao colocar-se na perspectiva da autora para compreen<strong>de</strong>r a história, a Stela conseguiu melhorar sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentração ao estabelecer novas relações em função <strong>de</strong> regulações mais ativas. Desta<br />

forma, ela manifesta avanços quando consegue: localizar respostas às minhas perguntas no texto da<br />

colega; resolver a incoerência local existente em enunciado obscuro do texto; distinguir as falas dos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 605


personagens na parte do diálogo sem pontuação ao i<strong>de</strong>ntificar o local do ponto <strong>de</strong> interrogação nas frases;<br />

sugerir e planejar (antecipar) sua modificação por escrito <strong>de</strong>sta parte do diálogo após tê-lo compreendido;<br />

coor<strong>de</strong>nar as modificações que fez na história com o que já havia sido escrito pela colega.<br />

O esforço <strong>de</strong> Stela para compreen<strong>de</strong>r a história da colega envolve uma construção que constitui o<br />

início da coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> outros pontos <strong>de</strong> vista que passam a <strong>de</strong>sligá-la do “eu”. Este <strong>de</strong>sligamento<br />

assinala o início das operações propriamente ditas, <strong>de</strong>vidas à reversibilida<strong>de</strong> progressiva do seu<br />

pensamento.<br />

Sheila e Stela<br />

A minha primeira impressão ao <strong>de</strong>senvolver o trabalho com esta dupla <strong>de</strong> alunas foi equivocada.<br />

De tanto escutar a Stela dizer que não entendia a história <strong>de</strong> Sheila, passei a atribuir-lhe uma dificulda<strong>de</strong><br />

maior que a da própria Sheila.<br />

O fato é que ambas encontram-se praticamente na mesma etapa <strong>de</strong> construção da coerência nas<br />

narrativas, embora se diferenciem por um aspecto que consi<strong>de</strong>ro extremamente significativo: enquanto a<br />

Sheila se mostra <strong>de</strong>sinteressada em querer superar pontos conflitantes para o leitor em sua própria<br />

história, a Stela busca resolvê-los, apresentando progressos na ação através <strong>de</strong> regulações ativas.<br />

É por isso que a Stela “rouba” a cena e passa a <strong>de</strong>stacar-se mais que a Sheila durante as tarefas<br />

propostas, transmitindo a falsa impressão <strong>de</strong> ter mais dificulda<strong>de</strong> que a colega, além <strong>de</strong> ter me levado à<br />

exaustão quando consumiu a maior parte do tempo <strong>de</strong> nossa conversação com a questão da pontuação que<br />

eu consi<strong>de</strong>rava irrelevante para o problema <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Fiz questão <strong>de</strong> selecionar esta dupla, para apresentação nesta primeira análise, tanto pela questão<br />

da pontuação que passei a consi<strong>de</strong>rar como um fator importante para a coerência, como pela etapa em que<br />

se encontram em relação à organização do pensamento, se comparada com as outras alunas integrantes do<br />

grupo <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Conclusões<br />

Esta primeira análise dos dados <strong>de</strong> Sheila e Stela mostrou-se produtiva para os objetivos da<br />

pesquisa e aponta para as seguintes premissas que orientam as minhas ações enquanto professora-<br />

pesquisadora:<br />

• As ligações temporais, causais e lógicas estiveram relacionadas com as características do texto<br />

que diziam respeito à coerência e ao todo, sob o ponto <strong>de</strong> vista da organização no pensamento. A<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 606


esse respeito vimos que a Sheila e a Stela apresentaram dificulda<strong>de</strong>s para conservar o todo por não<br />

conseguirem relacionar os fatos e partes da história <strong>de</strong> forma integrada.<br />

• A necessida<strong>de</strong> que surgiu <strong>de</strong> explicarem para o leitor as situações que ocorriam no <strong>de</strong>correr da<br />

história, <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>screver e relacionar os objetos, personagens e o ambiente no qual eles<br />

estavam inseridos, esteve relacionada com o processo que conduz do egocentrismo à <strong>de</strong>scentração.<br />

Po<strong>de</strong>mos mencionar aqui tanto os acréscimos que elas fizeram nos enunciados incompletos como<br />

o acréscimo da pontuação nos textos analisados.<br />

• A interpretação posterior que as alunas fizeram das suas próprias produções e do texto da colega<br />

auxiliou tanto na i<strong>de</strong>ntificação como na solução <strong>de</strong> problemas na produção <strong>de</strong> cada uma, além <strong>de</strong><br />

ter fornecido dados sobre as formas pelas quais elas operavam sobre problemas que afetavam a<br />

coerência em enunciados <strong>de</strong> seus textos. A esse respeito, evi<strong>de</strong>nciamos o quanto a interpretação <strong>de</strong><br />

Stela em relação ao texto <strong>de</strong> Sheila foi importante para a melhoria da história para o leitor.<br />

• O uso <strong>de</strong> elementos coesivos dá ao texto maior legibilida<strong>de</strong>, explicitando os tipos <strong>de</strong> relações<br />

estabelecidas entre os elementos linguísticos que o compõem, os quais ganham sustentação<br />

quando analisados na perspectiva piagetiana, através dos conceitos <strong>de</strong> tempo, espaço e<br />

causalida<strong>de</strong>. A esse respeito, po<strong>de</strong>mos mencionar que tanto a falta como o mau uso dos elementos<br />

linguísticos <strong>de</strong> coesão em <strong>de</strong>terminadas partes da história indicam a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sheila e <strong>de</strong><br />

Stela para estabelecerem relações causais entre os fatos da mesma história.<br />

• As ativida<strong>de</strong>s, que envolvem a cooperação, tornam-se necessárias na busca da superação <strong>de</strong><br />

possíveis problemas <strong>de</strong> coerência evi<strong>de</strong>nciados na produção textual. Embora a Sheila não tenha<br />

tido o mesmo grau <strong>de</strong> participação na superação dos problemas <strong>de</strong> coerência, evi<strong>de</strong>nciados em sua<br />

história, <strong>de</strong>ixando a Stela resolvê-los com o auxílio da professora-pesquisadora, po<strong>de</strong>mos pensar<br />

nos benefícios trazidos por um trabalho quando a troca entre pares se dá efetivamente.<br />

• Se a construção da coerência <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores das mais diversas or<strong>de</strong>ns<br />

(linguísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais), então po<strong>de</strong>mos estabelecer pontos<br />

<strong>de</strong> encontro com a <strong>Epistemologia</strong> Genética também no que se refere à construção das categorias<br />

<strong>de</strong> análise. A esse respeito, pretendo aprimorar os meus termos <strong>de</strong> busca e as minhas categorias<br />

iniciais <strong>de</strong> análise, <strong>de</strong> forma a integrá-los sob o ponto <strong>de</strong> vista linguístico e cognitivo.<br />

• A narrativa-relato está impregnada pelo conhecimento <strong>de</strong> mundo do sujeito (plano do real) e a<br />

narrativa-conto relaciona-se com a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distanciar-se <strong>de</strong>sse real para operar com<br />

hipóteses no plano do possível. Vimos o quanto foi difícil para a Stela <strong>de</strong>sligar-se do “eu” e do<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 607


“nós” numa proposta <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> narrativa que não era a narrativa-relato. Po<strong>de</strong>mos interpretar<br />

o seu esforço na superação <strong>de</strong>ste problema como fazendo parte <strong>de</strong> um caminho evolutivo a ser<br />

percorrido por ela <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as noções até os conceitos.<br />

• A coerência está relacionada com todos os possíveis não contraditórios, ou seja, com o conjunto<br />

das transformações reversíveis. A esse respeito, observamos a irreversibilida<strong>de</strong> no pensamento <strong>de</strong><br />

Sheila, ao <strong>de</strong>parar-se com incoerências locais da própria história, e um início <strong>de</strong> reversibilida<strong>de</strong> no<br />

pensamento <strong>de</strong> Stela, ao conseguir resolver o enunciado obscuro na história <strong>de</strong> Sheila.<br />

• Para finalizar, po<strong>de</strong>mos atribuir alguns pressupostos para os avanços da Stela e das <strong>de</strong>mais alunas.<br />

Referências<br />

Ao que tudo indica, para que ocorram avanços cognitivos no sujeito, a leitura e a interpretação<br />

exercem um papel fundamental na melhoria da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentração e, consequentemente,<br />

na diferenciação entre: o que o autor pensa, o que ele escreve, e como utiliza os recursos da escrita<br />

para se fazer compreen<strong>de</strong>r.<br />

DALLA ZEN, M. I. H. Foi num dia ensolarado que tudo aconteceu: práticas culturais em narrativas<br />

escolares. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Tese (doutorado) – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Programa <strong>de</strong> Pós Graduação em Educação, Porto Alegre, RS, 2006.<br />

DELVAL, J. Introdução à prática do método clínico: <strong>de</strong>scobrindo o pensamento das crianças. Porto<br />

Alegre: ArtMed, 2002.<br />

GARCIA, R. Criar para compreen<strong>de</strong>r: a concepção piagetiana do conhecimento. In: TEBEROSKY, A.;<br />

TOLCHINSKY, L. (Org.). Substratum: temas fundamentais em <strong>Psicologia</strong> e Educação. Tradução Beatriz<br />

Affonso Neves. Porto Alegre: ArtMed, v. 1, n. 1, p. 47-55, 1997. (Cem anos com Piaget),<br />

GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala <strong>de</strong> aula. Cascavel: Assoeste, 1984.<br />

______. Portos <strong>de</strong> passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.<br />

KOCH, I. G. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1989.<br />

KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.<br />

MONTANGERO, J.; MAURICE-NAVILLE, D. Piaget ou a inteligência em evolução. Porto Alegre:<br />

ArtMed, 1998.<br />

PIAGET, J. (1926). A representação do mundo na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 1984.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 608


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 609


12. Formação <strong>de</strong> Professores<br />

Formação <strong>de</strong> Professores e Educação Moral<br />

Resumo<br />

SALES, Eliana da Mota Bordin <strong>de</strong><br />

CPTL-UFMS<br />

bordinsales@uol.com.br<br />

Este texto apresenta os resultados <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>de</strong> natureza empírica, que teve como objetivo estudar<br />

a educação moral no espaço escolar e, para tanto, investigou-se temas morais que constituem o pensar<br />

moral <strong>de</strong> futuros professores, por meio <strong>de</strong> questionários. Da análise <strong>de</strong> conteúdo, das opiniões,<br />

representações sociais e percepções obtidas, inferiu-se que a concepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral como<br />

processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem daquilo que é certo/correto; a moral como sinônimo <strong>de</strong> respeito; a<br />

dignida<strong>de</strong> e a felicida<strong>de</strong> como aspiração <strong>de</strong> vida; e aceitação <strong>de</strong> si como “quem quero ser” predominam<br />

como traços morais <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

Palavras-chave: Educação Moral. Formação <strong>de</strong> Professores. Análise <strong>de</strong> Conteúdo. Pedagogia.<br />

Abstract<br />

This work presents the results from an empiric research, whose objective was to study the moral<br />

education within the school space. For such, it was investigated moral themes which represent the moral<br />

thinking of future teachers; the instrument used were questionnaires. Over the analysis of these<br />

documents, through the opinions, social representations and their perceptions expressed from the<br />

questions, it was conclu<strong>de</strong>d that the moral <strong>de</strong>velops as a process of teaching-learning of what is right or<br />

wrong, moral as synonymous of respect, dignity and happiness as aspiration in life and self-acceptance in<br />

a way of “who I want to be” predominate as moral traces in these individuals.<br />

Keywords: Moral education. Teacher training. Content analysis. Pedagogy.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 610


Introdução<br />

Pesquisas sobre formação <strong>de</strong> professores são frequentes, mas associadas à temática da moralida<strong>de</strong>,<br />

pensa-se que sejam escassas, porém não menos importantes. La Taille (2000) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, por exemplo, que<br />

pesquisas sobre as virtu<strong>de</strong>s morais são realizadas por interesse universal do tema: ou por aquilo que se<br />

<strong>de</strong>fine por moral ou ética, ou pelo seu <strong>de</strong>staque na construção da moral <strong>de</strong> cada ser humano.<br />

Embora o número <strong>de</strong> investigadores da psicologia moral seja significativo e conta com teóricos<br />

como Piaget (1977; 1999), Puig (1998, 2000), La Taille (1992; 2002, 2006), Araújo (1996; 1999), para<br />

introduzir o leitor no tema em questão, a investigação do pensar <strong>de</strong> jovens, futuros professores, sobre<br />

temas morais que lhes são significativos, optou-se por apresentar um resumo sobre a psicologia moral e<br />

sobre as dimensões intelectuais e afetivas da moralida<strong>de</strong> (LA TAILLE, 2006); traçar algumas<br />

consi<strong>de</strong>rações sobre o histórico da educação moral; e apresentar os resultados da pesquisa realizada.<br />

Enten<strong>de</strong>ndo que pesquisa sobre educação moral requer um trabalho psicológico mais próximo da<br />

formação <strong>de</strong> professores e da escola para se abordar elementos psíquicos, sociais e culturais importantes<br />

na construção da personalida<strong>de</strong> moral, esta investigação foi realizada por meio do levantamento <strong>de</strong><br />

opiniões, representações sociais e percepções que constituem aquilo que é <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> traços morais.<br />

Este texto, então, preten<strong>de</strong> abordar a área da psicologia moral, ou seja, a ciência que estuda os processos<br />

mentais que legitimam ou não, regras, princípios e valores morais <strong>de</strong> uma pessoa e a sua relação com a<br />

formação <strong>de</strong> professores.<br />

A análise dos dados coletados por meio <strong>de</strong> questionário possibilitou o levantamento <strong>de</strong> algumas<br />

consi<strong>de</strong>rações sobre o tema em questão. Das respostas obtidas, por meio da análise <strong>de</strong> conteúdo<br />

(BRADIN, 1995; FRANCO, 2003), inferiu-se que predominam como traços morais <strong>de</strong>sses sujeitos: (a) a<br />

concepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral como processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem daquilo que é<br />

certo/correto; (b) a moral como sinônimo <strong>de</strong> respeito; (c) a dignida<strong>de</strong> e a felicida<strong>de</strong> como aspiração <strong>de</strong><br />

vida; e (d) aceitação <strong>de</strong> si como “quem quero ser”.<br />

Referencial teórico<br />

A psicologia moral é consi<strong>de</strong>rada uma ciência que estuda por quais processos mentais o ser<br />

humano legitima ou não regras, princípios e valores morais. Para tanto, esta ciência investiga conceitos <strong>de</strong><br />

moral e ética, dimensão intelectual e/ou afetiva da moralida<strong>de</strong> (saber fazer e querer fazer), senso moral,<br />

personalida<strong>de</strong> ética.<br />

Existem diversas distinções possíveis entre moral e ética. Apresenta-se aqui uma distinção<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 611


essencial para se compreen<strong>de</strong>r psicologicamente as condutas morais e as dimensões intelectuais e afetivas<br />

da moralida<strong>de</strong>. De acordo com esta distinção, o conceito <strong>de</strong> moral refere-se à dimensão dos <strong>de</strong>veres e o<br />

conceito <strong>de</strong> ética à dimensão da “vida boa”, daquela vida que costumamos chamar <strong>de</strong> “vida com sentido”<br />

(LA TAILLE, 2006).<br />

A dimensão intelectual da moralida<strong>de</strong>, ou melhor, da ação moral, diz respeito ao saber fazer e é<br />

estudada a partir do pressuposto da indissociabilida<strong>de</strong> da razão e da moral e do fato <strong>de</strong> a moral ser um<br />

objeto <strong>de</strong> conhecimento social, sendo que este objeto po<strong>de</strong> ser dividido em três conjuntos: regras,<br />

princípios e valores. O saber fazer implica em equacionamento moral e sensibilida<strong>de</strong> moral, duas<br />

competências intelectuais necessárias ao juízo e à ação moral. O estudo do <strong>de</strong>senvolvimento do juízo<br />

moral nos remete às abordagens <strong>de</strong> Piaget e <strong>de</strong> Kohlberg.<br />

A dimensão afetiva da ação moral, aquela que nos remete ao querer fazer, diz respeito a um <strong>de</strong>ver<br />

moral que correspon<strong>de</strong> a um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> volição. O <strong>de</strong>senvolvimento afetivo da moralida<strong>de</strong> foi<br />

dividido em duas fases: a primeira correspon<strong>de</strong> ao “<strong>de</strong>spertar do senso moral” e a segunda fase é chamada<br />

<strong>de</strong> “personalida<strong>de</strong> ética”. Para a compreensão da primeira fase, os estudiosos da psicologia moral<br />

costumam <strong>de</strong>stacar os sentimentos <strong>de</strong> medo, amor, simpatia, confiança, indignação e culpa e, para a<br />

segunda, temos, por exemplo, a posição <strong>de</strong> La Taille (2002) que enfatiza a importância do sentimento <strong>de</strong><br />

vergonha como articulador entre moral e ética.<br />

As duas dimensões <strong>de</strong>scritas acima são irredutíveis uma à outra, mas são passíveis <strong>de</strong> serem<br />

relacionadas. La Taille (2006, p. 143) assume sua posição sobre esta questão, que por sinal é a mesma <strong>de</strong><br />

Piaget, afirmando que: “a afetivida<strong>de</strong> diz respeito à energética da ação (motivação) e [...] a inteligência<br />

correspon<strong>de</strong> às estruturas do pensamento que permitem guiar as ações”.<br />

Quanto ao histórico da educação moral, <strong>de</strong>staca-se que Piaget (1999, p. 2) aborda pontos <strong>de</strong> vista<br />

dos processos da educação moral (fins perseguidos; técnicas empregadas; domínio moral consi<strong>de</strong>rado) a<br />

partir do pressuposto <strong>de</strong> que sem “uma psicologia precisa das relações das crianças entre si e <strong>de</strong>las com os<br />

adultos, toda discussão sobre os procedimentos <strong>de</strong> educação moral resulta estéril”. E, Puig (1998, p. 21)<br />

aborda as principais tendências em educação moral (paradigmas morais), propõe o conceito <strong>de</strong><br />

personalida<strong>de</strong> moral como “aquilo que cada indivíduo <strong>de</strong>ve construir para chegar a ser realmente um<br />

sujeito moral” e enten<strong>de</strong> que os elementos psíquicos, sociais e culturais são importantes na construção da<br />

personalida<strong>de</strong> moral. Define educação moral como um processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> si mesmo (reflexão e<br />

ação), “a partir das circunstâncias que cada sujeito vai encontrando dia a dia” (IDEM, p. 20). Esse autor<br />

também reflete sobre a participação do aluno na vida da escola e sugere i<strong>de</strong>ias e recursos pedagógicos<br />

para objetivar essa participação. Defen<strong>de</strong> que a moral po<strong>de</strong> ser abordada <strong>de</strong> acordo com três vias<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 612


diferentes: via pessoal, via curricular e via institucional, e que escola, família e hospitais <strong>de</strong>vem<br />

possibilitar o cumprimento <strong>de</strong> sua função específica e o respeito à igualda<strong>de</strong> entre todos os membros da<br />

instituição. Para este teórico, a escola <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong>fine-se pela participação do aluno e do professor “no<br />

trabalho, na convivência e nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> integração”, sendo que:<br />

Objetivos<br />

[...] a participação um envolvimento baseado no exercício da palavra e no compromisso<br />

da ação [...] baseada simultaneamente no diálogo e na realização dos acordos e dos<br />

projetos coletivos. A participação escolar autêntica une o esforço para enten<strong>de</strong>r com o<br />

esforço para intervir (PUIG, 2000, p. 33).<br />

O objetivo <strong>de</strong>ssa pesquisa foi o <strong>de</strong> investigar se o pensar <strong>de</strong> jovens, futuros professores, sobre<br />

temas morais que lhes são significativos possibilitam a compreensão psicológica <strong>de</strong> condutas morais e das<br />

dimensões intelectuais e afetivas da moralida<strong>de</strong>.<br />

Metodologia<br />

Sessenta e seis alunos das duas salas <strong>de</strong> primeira série (períodos vespertino e noturno) do curso <strong>de</strong><br />

Pedagogia (licenciatura) da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Mato Grosso do Sul (UFMS), do Campus <strong>de</strong> Três<br />

Lagoas, sendo sessenta e uma moças e cinco rapazes.<br />

Após convite e explicação sobre a pesquisa, os acadêmicos receberam uma cópia do questionário e<br />

tiveram o tempo <strong>de</strong> 50 minutos para respondê-lo. O tempo médio gasto para respon<strong>de</strong>r os questionários<br />

foi <strong>de</strong> 30 minutos.<br />

Estudou-se o problema por meio <strong>de</strong> investigação direta, analisando opiniões, representações<br />

sociais e percepções dos sujeitos a partir das respostas dadas a um questionário. Esse instrumento está<br />

dividido em duas partes. A primeira solicita o preenchimento dos dados gerais do sujeito e a segunda<br />

apresenta sete questões abertas e formuladas a partir <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica sobre temas morais.<br />

Quanto às questões, po<strong>de</strong>-se dizer que a primeira, apresentando duas palavras e o sinal <strong>de</strong> igual<br />

(Desenvolvimento moral =), sugere que o sujeito complete as linhas pontilhadas com uma <strong>de</strong>finição, uma<br />

frase ou palavras soltas que expressem a sua concepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral. A questão número<br />

dois (Que palavras você associa livremente com “educação moral”?) aborda a área da educação (área <strong>de</strong><br />

estudo dos sujeitos <strong>de</strong>ssa pesquisa) e a área da moralida<strong>de</strong>. Espera-se com esta pergunta obter respostas<br />

que indiquem um universo <strong>de</strong> palavras associadas à concepção <strong>de</strong> “educação” e <strong>de</strong> “moral”. A terceira<br />

questão (Dê exemplos <strong>de</strong> conflitos morais) sugere o relato <strong>de</strong> história em que há claramente um conflito<br />

moral e, assim, objetiva-se verificar a i<strong>de</strong>ia do sujeito sobre dilemas morais. A questão número quatro<br />

(Seus pais certamente se preocuparam com o seu <strong>de</strong>senvolvimento moral. Ensinaram-lhe a...) sugere que<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 613


a pessoa complete as linhas pontilhadas expressando, a partir da experiência familiar, o que enten<strong>de</strong> por<br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral. A quinta questão (Seus professores também se preocuparam com o seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral. Ensinaram-lhe a...) repete o apelo da questão anterior, mas que agora sugere que<br />

a pessoa complete as linhas pontilhadas expressando, a partir <strong>de</strong> sua experiência escolar, o que enten<strong>de</strong><br />

por <strong>de</strong>senvolvimento moral. A sexta questão (“Que vida eu quero viver?”), <strong>de</strong> forma impositiva, inquire,<br />

não simplesmente o como o sujeito almeja viver, mas o como escolhe viver e/ou o sentido da vida. A<br />

sétima e última questão (“Quem eu quero ser?”), também <strong>de</strong> forma impositiva, questiona sobre um “eu”<br />

ainda a ser construído como opção, como escolha consciente, colocando em pauta o tema da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

pessoal. Não se trata <strong>de</strong> um questionamento do eu i<strong>de</strong>al, mas da projeção <strong>de</strong> uma imagem <strong>de</strong> eu.<br />

Quanto aos dados coletados, primeiramente, fez-se a caracterização dos sujeitos, distribuindo-os<br />

conforme faixa etária e sexo, escolarida<strong>de</strong> e profissão dos pais, em relação ao sexo dos mesmos e<br />

refletindo sobre esses dados pessoais. A análise das respostas centrou-se na i<strong>de</strong>ntificação, categorização e<br />

correlação dos temas i<strong>de</strong>ntificados.<br />

Desenvolvimento<br />

Caracterização dos dados gerais: A distribuição dos sujeitos conforme faixa etária e sexo é assim<br />

caracterizada: três (3) rapazes na faixa etária <strong>de</strong> 18 a 20 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, um (1) na faixa <strong>de</strong> 36 a 38 anos e<br />

um (1) entre 45 a 47 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Vinte e quatro (24) moças na faixa etária <strong>de</strong> 18 a 20 anos, catorze (14)<br />

têm <strong>de</strong> 21 a 23 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, sete (7) estão na faixa <strong>de</strong> 24 a 26 anos, seis (6) <strong>de</strong> 27 a 29, quatro têm entre<br />

30 a 32 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, dois (2) entre 33 a 35, uma (1) entre 36 a 38 anos, duas (2) têm entre 39 a 41 anos<br />

e uma (1) entre 51 a 53 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. A explicação do menor número <strong>de</strong> rapazes participando <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa está na própria especificida<strong>de</strong> do curso <strong>de</strong> Pedagogia: mais procurado pelo sexo feminino. Nesta<br />

amostra predominam sujeitos entre 18 a 20 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (27).<br />

Quanto à distribuição dos sujeitos, segundo escolarida<strong>de</strong> dos pais, em relação ao sexo, observa-se<br />

que quarenta e oito (48) pais (mãe e pai) tem o 2° grau completo, sendo que <strong>de</strong>stes vinte e sete (27) são<br />

do sexo feminino (mães) e vinte e um (21) do sexo masculino (pais). Contudo, o número <strong>de</strong> mães e pais<br />

com o 1° grau incompleto também é significativo (21 mães e 18 pais). Dos <strong>de</strong>zesseis (16) pais, que tem o<br />

ensino superior, sete (7) são do sexo feminino e nove (9) do sexo masculino.<br />

Na distribuição da profissão dos pais em relação ao sexo dos mesmos nota-se que quarenta e um<br />

(41) pais (mãe e pai) trabalham como funcionários no comércio ou em pequenas empresas. Nove (9) são<br />

professores e vinte e oito (28) mães são donas <strong>de</strong> casa.<br />

Feita esta primeira caracterização, apresenta-se a seguir os dados obtidos a partir das respostas às<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 614


questões.<br />

Caracterização das respostas: Neste item apresenta-se, primeiramente, a frequência <strong>de</strong> temas<br />

i<strong>de</strong>ntificados nas respostas dadas a cada uma das questões. Aborda-se a frequência dos temas presentes<br />

nas respostas dadas a cada questão (análise vertical) e trata-se <strong>de</strong> cada tema nas sete questões (análise<br />

horizontal).<br />

Nota-se, assim, que a questão 1 suscitou quarenta e cinco (45) respostas que enquadram o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral como um processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem daquilo que é certo/correto, como na<br />

resposta: “<strong>de</strong>senvolvimento moral = é ensinar a criança o que é certo e o que é errado”. Apenas três (3)<br />

indicações foram feitas, por exemplo, em relação ao <strong>de</strong>senvolvimento moral como consciência/modo <strong>de</strong><br />

pensar, como no exemplo: “<strong>de</strong>senvolvimento moral = respeito, consciência <strong>de</strong> seus atos perante a<br />

socieda<strong>de</strong>, ética”. O tema caráter / personalida<strong>de</strong> / índole / conduta / postura computou um número<br />

significativo <strong>de</strong> respostas do tipo: “<strong>de</strong>senvolvimento moral = significa para mim o caráter que cada ser<br />

humano obtém” (13 referências).<br />

Nas questões 2, 3, 4 e 5 encontra-se, <strong>de</strong> modo geral, um número significativo das palavras<br />

respeito ou falta <strong>de</strong> respeito associadas ao conflito moral, à educação moral ou à educação promovida nos<br />

ambientes familiar e escolar, ou seja, trinta e três (33) referências na questão 2, doze (12) na questão 3,<br />

quarenta e três (43) na questão 4 e vinte e cinco (25) na questão 5. Como exemplos <strong>de</strong>ssas respostas,<br />

<strong>de</strong>staca-se: (a) os pais ensinaram-lhe a “ter uma boa educação, respeitar as pessoas, a ter uma perspectiva<br />

na vida, pensar no futuro, não ter preconceito, não ser audacioso e ter carinho e compreensão ao<br />

próximo”; “respeitar os mais velhos, a ser uma pessoa responsável e educada e me ensinaram também que<br />

o mundo é cheio <strong>de</strong> pessoas ‘sem coração’ e que <strong>de</strong>vemos conhecer bem as pessoas, antes <strong>de</strong> nos<br />

envolver”; “ser uma pessoa correta, ter educação, respeitar o próximo, ser leal, ser fiel e não <strong>de</strong>sejar aos<br />

outros o que eu não quero pra mim, coisa que eu não faço”; (b) os professores, por sua vez, ensinaram-<br />

lhes a “ter horários, respeitar regras <strong>de</strong> diferentes estabelecimentos, respeitar colegas, não respon<strong>de</strong>r, a<br />

aceitar diferenças étnicas, religiosa e <strong>de</strong> raça”; “ter responsabilida<strong>de</strong>s, ter <strong>de</strong>veres e horários a cumprir,<br />

pedir licença, respeitar o espaço do próximo”. Observa-se que o <strong>de</strong>senvolvimento moral como um<br />

processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem daquilo que é certo/correto continua com um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong><br />

referências nas respostas às questões 2, 3, 4 e 5 – catorze (14), nove (9), <strong>de</strong>zesseis (16) e sete (7)<br />

respectivamente.<br />

A questão 6 apresenta, como tema mais frequente, a dignida<strong>de</strong>, ou seja, <strong>de</strong>zoito (18) referências,<br />

sugerindo que viver uma vida digna é, no mínimo, uma aspiração <strong>de</strong> um bom número <strong>de</strong> sujeitos, muito<br />

embora a idéia <strong>de</strong> feliz/felicida<strong>de</strong>/alegria começa a aparecer com certa representativida<strong>de</strong> (15) e respeito<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 615


ou falta <strong>de</strong> respeito continuam a aparecer como palavras significativas (10 indicações), expressando que<br />

vida se quer viver. Assim, como exemplo <strong>de</strong> resposta para a pergunta “que vida eu quero viver”, tem-se:<br />

“uma vida com ética e moral, que possa ter dignida<strong>de</strong> e enfrentar meus problemas para seguir em frente e<br />

passar isso (o que eu sei) aos meus filhos”.<br />

A questão 7, ao questionar sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um, apresenta nas suas respostas as<br />

expressões “ser feliz”, “ser alegre”, “ter felicida<strong>de</strong>” com <strong>de</strong>zesseis (16) menções, que somada com<br />

aceitação <strong>de</strong> si, totaliza vinte e seis (26) referências. As palavras respeito ou falta <strong>de</strong> respeito aparecem<br />

com sete (7) indicações.<br />

Na análise <strong>de</strong> cada tema, nas sete questões (análise horizontal), constata-se que predominou o<br />

respeito/falta <strong>de</strong> respeito com 136 referências. Em seguida vem o <strong>de</strong>senvolvimento moral como um<br />

processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem, que somado com o aquilo que é certo/correto, totalizam 107<br />

referências. Dignida<strong>de</strong> obteve 35 referências;<br />

Direito, <strong>de</strong>veres, normas, leis, regras sociais; Caráter, personalida<strong>de</strong>, Índole, conduta, postura; e<br />

Feliz, felicida<strong>de</strong>, alegria aparecem com 31 referências cada um, seguidos do tema Honestida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong> com 30 referências. Autenticida<strong>de</strong> teve apenas uma referência na questão 4: os pais<br />

ensinaram-lhe a “respeitar os mais velhos, não roubar, não ter inveja, ser eu mesma em qualquer<br />

circunstância, assumir erros”.<br />

A moral expressa em cada resposta foi classificada nas seguintes categorias: moral self (moral<br />

relativa ao próprio sujeito); moral pró social (relativa aos outros); moral negativa, ou seja, não roubar,<br />

não matar, ser obediente, distinguir o certo do errado etc.; e não classificada para aquelas respostas <strong>de</strong><br />

sentido vago.<br />

A concepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral como processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem daquilo que é<br />

certo/correto predomina na cabeça <strong>de</strong>sses jovens universitários. Contudo, observa-se que ao <strong>de</strong>finir<br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral, os sujeitos expressaram, em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> frequência, uma moral self (43 respostas);<br />

uma moral pró social (22 respostas), catorze (14) respostas classificadas como moral negativa; e três (3)<br />

respostas não categorizadas.<br />

Quanto à questão que trata sobre a educação moral, as palavras citadas foram classificadas como<br />

expressão <strong>de</strong> moral pró social (23) e como moral self (22). Doze respostas foram classificadas como<br />

moral negativa e treze (13) ficaram sem classificação.<br />

Além <strong>de</strong> ter sido constatado a dificulda<strong>de</strong> dos sujeitos em expressar exemplos claros <strong>de</strong> dilemas<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 616


morais, também não se conseguiu analisar as respostas à questão 3 <strong>de</strong> acordo com as categorias do tipo <strong>de</strong><br />

moral. Assim, na questão 4 po<strong>de</strong>m-se classificar quarenta e sete (47) respostas do tipo moral pró social,<br />

quarenta e cinco (45) moral negativa, vinte e três (23) moral self e duas (2) sem classificação.<br />

Na questão 5, obteve-se trinta e quatro (34) respostas do tipo moral pró social, vinte e duas (22)<br />

moral self, <strong>de</strong>zesseis (16) moral negativa e quinze (15) sem classificação.<br />

Em “Que vida quero viver” (questão 6), computou-se trinta e três (33) respostas <strong>de</strong> moral self,<br />

vinte e seis (26) do tipo moral pró social, <strong>de</strong>zenove (19) sem classificação e uma (1) como moral<br />

negativa. Aqui, predominam as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> como aspiração <strong>de</strong> vida, embora não<br />

tenha ficado claro o significado do que seja uma “vida digna”.<br />

Na questão 7, “Quem eu quero ser”, há menção <strong>de</strong> trinta e seis (36) respostas do tipo moral self,<br />

trinta e uma (31) moral pró social, treze (13) sem classificação e nenhuma (0) moral negativa. Po<strong>de</strong>-se<br />

afirmar que a aceitação <strong>de</strong> si é um sentimento presente nesses jovens e o ser feliz é um <strong>de</strong>sejo<br />

regularmente expresso e fortemente associado ao sucesso profissional.<br />

De modo geral, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> moral pró social tem presença significativa no pensar moral dos nossos<br />

acadêmicos (183 referências), seguida da moral self (179). A moral negativa ficou em terceiro lugar com<br />

88 menções e as respostas sem classificação somaram 70 pontos.<br />

Na análise das respostas, observam-se algumas representações sociais expressas pelos acadêmicos.<br />

Assim, três (3) referem-se a problemas políticos e sociais, como “mensalão é um conflito moral, porque<br />

<strong>de</strong>srespeita o cidadão e a ética moral que envolve a política”; “a guerra e as brigas são coisas horríveis,<br />

mas para conquistar seu i<strong>de</strong>al se vê obrigada a brigar”; “a criminalida<strong>de</strong> está acabando com a nossa<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver”.<br />

Seis (6) expressam a crença no po<strong>de</strong>r transformador dos estudos e do esforço individual: “sem<br />

estudos, torna-se impossível conseguir algo que você mereça realmente (para chegar a ser alguém na<br />

vida)”; “a faculda<strong>de</strong> melhora nossa visão <strong>de</strong> mundo”; “adquirir conhecimento nos ´capacitam` para uma<br />

futuro melhor, o professor é a base <strong>de</strong> nosso sucesso futuro”; “temos que ter uma profissão para vivermos<br />

dignamente”; “o que os outros têm é pelo fato <strong>de</strong> terem lutado muito”; e “competir é saudável e ganhar é<br />

consequência <strong>de</strong> muito esforço”.<br />

Três (3) são representações sociais sustentadas na crença religiosa ou num otimismo romântico:<br />

“crê na vida, que ela sempre vai melhorar, que os problemas vão passar e a bonança vai chegar”; “sem<br />

Deus e Jesus Cristo não fazemos nada e não somos nada”; e “ser feliz é acordar atrasado, mas saber que<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 617


se tem pra on<strong>de</strong> ir”.<br />

Uma (1) parece ser uma racionalização para justificar erros cometidos ou passíveis <strong>de</strong> se cometer:<br />

“sempre procurar ser a certinha, enjoa”.<br />

Catorze (14) respostas classificadas como representações sociais expressam concepções sobre<br />

<strong>de</strong>senvolvimento moral em que a moral negativa e os <strong>de</strong>veres estão presentes. Exemplos: “a mentira, o<br />

preconceito, a inveja, são coisas que você faz e <strong>de</strong>pois fica com a consciência pesada”; “uma pessoa vive<br />

uma vida toda errada, não trabalha e se trabalha não para em emprego por muito tempo, sempre se<br />

envolve em brigas, bebe, fuma, não tem respeito pelas pessoas. Como esta pessoa po<strong>de</strong> chamar a atenção,<br />

<strong>de</strong> um filho, irmão, amigo, se ele não tem moral”; “matar é feio, roubar também, mentir i<strong>de</strong>m”.<br />

Conclusões<br />

A concepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento moral como processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem daquilo que é<br />

certo/correto; a moral como sinônimo <strong>de</strong> respeito; a dignida<strong>de</strong> e a felicida<strong>de</strong> como aspiração <strong>de</strong> vida; e<br />

aceitação <strong>de</strong> si como “quem quero ser” predominam como traços morais <strong>de</strong>sses sujeitos, futuros<br />

professores. Essa conclusão em conformida<strong>de</strong> com uma investigação em psicologia moral revela que os<br />

jovens investigados transitam entre concepções <strong>de</strong> moral e ética, pois se referem tanto aos <strong>de</strong>veres morais<br />

(regras, princípios e valores) quanto à “vida boa”, expressando as dimensões intelectual (saber fazer) e<br />

afetiva (querer fazer) da moralida<strong>de</strong>.<br />

Espera-se com esta pesquisa contribuir para se repensar o modo <strong>de</strong> funcionamento da instituição<br />

escolar em favor <strong>de</strong> uma educação moral, pois a conscientização <strong>de</strong> se buscar estabelecer acordo mútuo<br />

entre seus elementos e a prática cada vez mais constante da cooperação nas relações escolares, é<br />

importante como elemento <strong>de</strong> construção da personalida<strong>de</strong> dos alunos, como também o é a motivação<br />

para procurar valores, inclusive valores morais.<br />

A educação moral propicia mudanças em nós, em nosso cotidiano, das estratégias que utilizamos,<br />

dos objetos e do modo como organizamos o espaço e o tempo na nossa escola. Ser autônomo é ser parte e<br />

todo, ao mesmo tempo, é ser responsável, como parte e como todo, numa relação. Acredita-se que a<br />

compreensão e o exercício da educação moral, principalmente na família e na escola, po<strong>de</strong>m ajudar no<br />

processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das crianças e dos adolescentes.<br />

Referências<br />

ARAÚJO, U. F. O. ambiente escolar e o <strong>de</strong>senvolvimento do juízo moral infantil. In MACEDO, L.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 618


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Paulo: Ática, 1998.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 619


Geometria na Educação Infantil: Da Manipulação Empirista ao Concreto Piagetiano<br />

Resumo<br />

SOUZA, Simone <strong>de</strong><br />

FRANCO, Val<strong>de</strong>ni Soliani<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />

simoneejordao@hotmail.com<br />

vsfranco@uem.br<br />

Refletir sobre os conhecimentos <strong>de</strong> geometria do professor <strong>de</strong> educação infantil e as concepções<br />

epistemológicas que fundamentam suas condutas pedagógicas foi o objetivo <strong>de</strong> nossa pesquisa. A análise<br />

dos discursos indicou boa vonta<strong>de</strong> das professoras para o trabalho geométrico, entretanto o<br />

<strong>de</strong>sconhecimento da geometria enquanto teoria e a enraizada concepção epistemológica empirista,<br />

reportaram à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que este conhecimento está nos objetos, bastando sua manipulação para que haja<br />

aprendizagem. Assim, caberia às crianças, por meio <strong>de</strong> estímulos e da organização dos materiais<br />

manipuláveis pelos docentes, a <strong>de</strong>scoberta das formas geométricas presentes no mundo que as ro<strong>de</strong>ia.<br />

Buscamos na epistemologia genética <strong>de</strong> Jean Piaget as bases sólidas para contribuições à reflexão e<br />

atuação <strong>de</strong> professores.<br />

Palavras-chave: Concepção epistemológica. Conduta metodológica. Geometria. Educação infantil.<br />

Abstract<br />

The aim of this study is to reflect on children’s teachers geometry knowledge and the epistemological<br />

conception that characterize their educational conducts. The discourses analysis shows us the good<br />

teachers’ willing with the geometry study, however the non-acquaintance theory and the rooted<br />

epistemological empiricist conception indicate that the knowledge is in the objects and these objects<br />

manipulation is enough to achieve the learning. It was possible to confirm the empiricist conception<br />

supremacy through the educational conduct where the children discover the geometrical form in the world<br />

by the stimulus and material organized by the teachers. According to the teacher’s work, we used Jean<br />

Piaget genetic epistemology as basis for teachers’ performance reflection.<br />

Keywords: Geometry, Epistemological conception, Methodological conduct, Child education.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 620


Introdução<br />

Este artigo é parte <strong>de</strong> nossa pesquisa <strong>de</strong> mestrado em que investigamos a conduta metodológica <strong>de</strong><br />

seis professoras <strong>de</strong> educação infantil analisando qual a concepção epistemológica que <strong>de</strong>u suporte ao<br />

ensino da geometria proporcionado por elas.<br />

Longe <strong>de</strong> encontrarmos respostas <strong>de</strong>finitivas, nossa pesquisa fornece novas perguntas<br />

impulsionadas pelos discursos coletados em entrevista semi-estruturada e relato escrito, o que permitiu a<br />

realização <strong>de</strong> um ensaio interpretativo com a intenção <strong>de</strong> auxiliar à tomada <strong>de</strong> consciência pelas docentes<br />

da concepção epistemológica, que sustenta suas práticas metodológicas.<br />

O relato das professoras acerca do “como” e o “porquê” do trabalho com geometria, indica que o<br />

ensino da matemática continua reduzido às noções numéricas, o que torna a geometria um apêndice da<br />

prática escolar. Este apêndice agrava-se quando as professoras apontam a supremacia da alfabetização do<br />

ler e escrever sobre a alfabetização matemática. Unindo-se a esses aspectos ainda há a <strong>de</strong>fasagem da<br />

formação acadêmica relatada por elas que, ao nosso enten<strong>de</strong>r, não envolve uma proposta <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong><br />

matemática <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, no qual a teoria alia-se a prática num todo coerente, auxiliando na promoção <strong>de</strong><br />

um trabalho significativo para o <strong>de</strong>senvolvimento do conhecimento geométrico infantil.<br />

Neste contexto, quando o trabalho geométrico é realizado, vêm à tona as lacunas teóricas e<br />

práticas, que por sua vez nos conduziram ao problema <strong>de</strong> nossa pesquisa: o que revela o discurso do(a)<br />

professor(a) <strong>de</strong> educação infantil referente a sua concepção epistemológica e a sua conduta metodológica<br />

diante da geometria?<br />

I<strong>de</strong>ntificamos que a conduta epistemológica das professoras entrevistadas fundamenta-se no<br />

empirismo, no qual as noções geométricas encontram suas fontes nos materiais manipuláveis.<br />

Diante da postura empirista, apresentamos a teoria construtivista como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superação<br />

do ensino estático e refém da manipulação <strong>de</strong> materiais, enten<strong>de</strong>ndo que as crianças são ativas e<br />

construtoras <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento, sendo o professor aquele que instiga e orienta as<br />

<strong>de</strong>scobertas infantis.<br />

Referencial Teórico<br />

Enten<strong>de</strong>mos que o aprofundamento <strong>de</strong> estudos sob a perspectiva epistemológica permite<br />

i<strong>de</strong>ntificar os fundamentos teóricos que sustentam as práticas educativas.<br />

É comum i<strong>de</strong>ntificarmos no discurso docente falas progressistas contrárias às práticas arcaicas.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 621


Qual a razão disto? Segundo Becker (2001, p. 31) o mo<strong>de</strong>lo pedagógico conservador não é passível <strong>de</strong><br />

críticas epistemológicas durante a formação inicial e continuada dos professores, o que impe<strong>de</strong> as<br />

mudanças. Suas pesquisas <strong>de</strong>nunciaram que “a crítica está ausente e o quanto seu primitivismo conserva o<br />

professor prisioneiro <strong>de</strong> epistemologias do senso comum, tornando-o incapaz <strong>de</strong> tomar consciência das<br />

amarras que aprisionam o seu fazer e o seu pensar”.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que a epistemologia genética <strong>de</strong> Jean Piaget é uma fonte teórica que possibilita a<br />

análise crítica das concepções que sustentam o fazer(-se) docente.<br />

Na busca <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o conhecimento científico, Piaget consi<strong>de</strong>ra importante encontrar<br />

respostas às questões relativas “ao papel e às ativida<strong>de</strong>s do sujeito do conhecimento, ou seja, à<br />

compreensão dos processos do conhecimento científico, em função <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento ou <strong>de</strong> sua<br />

própria formação” (FÁVERO, 2005, p. 96). Em outras palavras, para analisar como o conhecimento<br />

progri<strong>de</strong> nada melhor que estudar este processo na criança.<br />

Desta forma, “a focalização nos fatos normativos que revelam as estruturas lógicas da inteligência,<br />

o forte papel da ação no centro <strong>de</strong> um construtivismo que reúne o sujeito e o objeto” (BIDEAUD, 2002,<br />

p. 20) na perspectiva piagetiana, nos dão os elementos necessários para compreen<strong>de</strong>rmos o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do sujeito.<br />

Entretanto há duas correntes <strong>de</strong> pensamento que tentam explicar este <strong>de</strong>senvolvimento por outras<br />

vias que não o da relação dialética entre sujeito e objeto, abordada pelo construtivismo.<br />

A primeira <strong>de</strong>las é o Inatismo, que enten<strong>de</strong> o conhecimento como pré-formado. Essa doutrina<br />

acredita que o sujeito nasce com estruturas prontas e que são atualizadas durante o <strong>de</strong>senvolvimento. Esta<br />

forma <strong>de</strong> explicação prioriza a hereditarieda<strong>de</strong>, concebendo a aprendizagem como um fator maturacional.<br />

Desta forma, há um <strong>de</strong>terminismo biológico do qual não se po<strong>de</strong> escapar (FELIPE, 1998), cabendo à<br />

psicologia e à educação “medir o quociente intelectual e predizer até on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos ir, até on<strong>de</strong> seremos<br />

capazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r” (MACEDO, 2002, p. 120).<br />

Neste contexto, a aprendizagem subordina-se ao <strong>de</strong>senvolvimento, cabendo ao professor<br />

selecionar materiais a<strong>de</strong>quados às necessida<strong>de</strong>s e possibilida<strong>de</strong>s das crianças – mensuradas através <strong>de</strong><br />

testes <strong>de</strong> Q.I. e outras provas psicológicas e pedagógicas.<br />

O fato <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar as condições biológicas para o <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência humana<br />

não é um engano; porém não é suficiente para <strong>de</strong>terminar a natureza da mesma. Ou seja, a bagagem<br />

hereditária e sua maturação não agem isoladamente. As conquistas cognitivas sofrem o efeito das<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 622


experiências, ou seja, da ação nos objetos.<br />

A segunda corrente que tenta explicar o <strong>de</strong>senvolvimento do sujeito, o Empirismo, focaliza as<br />

experiências numa perspectiva unitária cujo foco está no ambiente. Na medida em que o sujeito entra em<br />

contato com este ambiente, acumula experiências e torna-se humano (GOULART, 2003). Aqui, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento é subordinado a aprendizagem, visto que, a criança ao ser consi<strong>de</strong>rada “tábua rasa”<br />

somente progri<strong>de</strong> pela ação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminantes externos.<br />

A nosso enten<strong>de</strong>r, na educação, o <strong>de</strong>terminismo externo é representado pelo professor que escolhe<br />

os recursos, os conteúdos e a metodologia utilizada em sala <strong>de</strong> aula, isto é, <strong>de</strong>fine os meios a seguir para<br />

atingir suas metas. Às crianças cabe um papel <strong>de</strong> submissão e passivida<strong>de</strong> capazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r somente o<br />

que os professores ensinam.<br />

Constatado o aprisionamento docente às condutas inatista e empirista em pesquisas no campo<br />

educacional – <strong>de</strong>ntre elas a nossa – como colaborar para que velhas amarras abram espaço para a teoria<br />

construtivista e, com ela, para a emergência <strong>de</strong> novas possibilida<strong>de</strong>s práticas?<br />

Segundo Piaget (apud BECKER, 2003, p. 14), o <strong>de</strong>safio está no professor assumir a função <strong>de</strong><br />

“inventar situações experimentais para facilitar a invenção <strong>de</strong> seu aluno”. Desta forma, as condutas<br />

docentes <strong>de</strong>vem ser refletidas em uma nova concepção <strong>de</strong> aprendizagem, a construtivista, que permite ao<br />

professor “apren<strong>de</strong>r” com o seu aluno (BECKER, 2001).<br />

A função do professor que apren<strong>de</strong> com os alunos adquire legitimida<strong>de</strong> e une o ensinar e o<br />

apren<strong>de</strong>r num processo dinâmico <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> ações significativas.<br />

Becker (2003, p.14) salienta que está na ação do sujeito a fonte <strong>de</strong> aprendizagem, ou seja, “o<br />

indivíduo apren<strong>de</strong> por força das ações que ele mesmo pratica: ações que buscam êxito e ações que, a<br />

partir do êxito obtido, buscam a verda<strong>de</strong> ao apropriar-se das ações que obtiveram êxito”.<br />

Este movimento da ação executada, refletida e recriada pelo sujeito é o ponto chave da teoria<br />

construtivista, o que torna fundamental o acesso consciente dos docentes às implicações <strong>de</strong>sta concepção<br />

para a aprendizagem infantil. Chamamos <strong>de</strong> acesso consciente ao contato mais profundo com a teoria<br />

construtivista, contrariamente a uma visão superficial da mesma por tornar-se uma moda entre os<br />

docentes.<br />

Por meio <strong>de</strong>sse contato torna-se evi<strong>de</strong>nte que a teoria construtivista <strong>de</strong> Jean Piaget não foi<br />

elaborada com intenções pedagógicas e que este primeiro equívoco <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou uma série <strong>de</strong> mal-<br />

entendidos sintetizados por Matui (1995, p. 33), ao se referir aos esclarecimentos <strong>de</strong> Emília Ferreiro.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 623


Dentre estes mal-entendidos elencamos:<br />

a) A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> construção foi relacionada a dois polos distintos que são os conceitos <strong>de</strong> aprendizagem<br />

e o <strong>de</strong> maturação. Esta aprendizagem está fortemente ligada ao empirismo e a situações<br />

metodológicas <strong>de</strong> estímulo-resposta. Para a “maturação”, práticas espontaneístas tomaram o lugar<br />

daquelas rigorosamente diretivas.<br />

b) O construtivismo não tem o mesmo significado <strong>de</strong> método ativo. O fato <strong>de</strong> propor muitas<br />

ativida<strong>de</strong>s para as crianças e a busca <strong>de</strong> receitas por parte do professor é permanecer numa visão<br />

superficial do construtivismo.<br />

c) O objetivo da teoria construtivista não é atingir a criativida<strong>de</strong>. Abrir espaço para as idéias<br />

espontâneas, curiosas e extraordinárias das crianças, não significa por si só uma postura<br />

construtivista.<br />

d) O processo <strong>de</strong> construção ocorre somente <strong>de</strong> início. Alguns professores permitem que algumas<br />

coisas sejam construídas como introdução ao associacionismo que virá <strong>de</strong>pois, como se o ato <strong>de</strong><br />

construir fosse apenas uma estimulação para o conhecimento.<br />

Há um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> docentes – e não somente as seis entrevistadas para nosso estudo – que<br />

não têm claro a teoria que está por trás <strong>de</strong> sua prática, que esta perpetua um único mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> educação.<br />

Desta forma, na tentativa <strong>de</strong> amenizar esta miopia epistemológica retomaremos alguns postulados<br />

construtivistas .<br />

O núcleo da epistemologia construtivista situa-se na ação do sujeito sobre o objeto, sendo ambos<br />

transformados durante a relação que estabelecem. Para compreen<strong>de</strong>rmos a profundida<strong>de</strong> da ação na<br />

terminologia piagetiana, recorremos aos esclarecimentos <strong>de</strong> Kamii e Devries (1985), que atribuem ao<br />

termo ação dois significados.<br />

Com referência às ações manipulativas sobre os objetos, “ação significa fazer alguma coisa ao (ou<br />

com o) objeto; tal como empurrá-lo, puxá-lo ou colocá-lo na água. O segundo significado <strong>de</strong> ação é mais<br />

difícil <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r porque a criança po<strong>de</strong> agir sobre o objeto sem mesmo tocá-lo” (KAMII; DEVRIES,<br />

1985, p. 35).<br />

O segundo significado enten<strong>de</strong> a ação como uma ativida<strong>de</strong> mental que se origina na manipulação<br />

física e, gradualmente, internaliza-se. As autoras citadas exemplificam esta diferenciação entre ação<br />

manipulativa – ligada à percepção através dos sentidos – e ação internalizada, como lemos:<br />

Quando a criança olha para seis cubos azuis e dois amarelos e pensa neles como ‘azuis e<br />

amarelos’, ela está se concentrando em suas proprieda<strong>de</strong>s específicas por um lado e, por<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 624


outro lado, está também ativando uma re<strong>de</strong> total <strong>de</strong> relações. Ou seja, para pensar nos<br />

cubos como cubos, ela <strong>de</strong>ve distinguir suas semelhanças e diferenças em relação a todos<br />

os outros objetos (KAMII; DEVRIES, 1985, p. 35).<br />

Desta maneira o “pensar nos cubos como cubos” reporta a ação internalizada na qual a criança<br />

mentalmente estabelece relações que lhe permitem reconhecer um cubo para além <strong>de</strong> suas proprieda<strong>de</strong>s<br />

visíveis.<br />

Assim a ação supõe a relação entre sujeito e objeto, na qual o sujeito “dinâmico, versátil, plástico”<br />

estabelece contato com o objeto, que por sua vez, envolve aspectos do meio físico e social. (BECKER,<br />

2003, p. 27).<br />

O que po<strong>de</strong>mos perceber é que o objeto da epistemologia construtivista é muito mais abrangente<br />

do que o senso comum estabelece, ou seja, objeto não é somente o percebido pelos sentidos, mas também,<br />

tudo o que é criado pelo sujeito, seja na relação com o manipulável, seja nas relações estabelecidas entre<br />

abstrações.<br />

Objetivos<br />

Relacionar a fundamentação teórica baseada em Jean Piaget e autores colaboradores, com a<br />

prática escolar atual do ensino <strong>de</strong> geometria na educação infantil.<br />

I<strong>de</strong>ntificar como os professores concebem o ensino da geometria na educação infantil e o trabalho<br />

que proporcionam a seus alunos e alunas.<br />

Metodologia<br />

Adotamos em nosso trabalho a pesquisa qualitativa, por compreen<strong>de</strong>rmos que esta concepção <strong>de</strong><br />

investigação “engloba a i<strong>de</strong>ia do subjetivo, passível <strong>de</strong> expor sensações e opiniões” (BICUDO, 2004, p.<br />

104), o que geralmente não é focalizado no nível quantitativo.<br />

Utilizamos a entrevista semi-estruturada para i<strong>de</strong>ntificar a concepção geométrica e a conduta<br />

metodológica <strong>de</strong> seis docentes atuantes em educação infantil, em turmas <strong>de</strong> crianças entre 5 e 6 anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>. O registro das informações foi facilitado pelo uso <strong>de</strong> gravador <strong>de</strong> voz e pela posterior transcrição<br />

seguido da análise do que foi dito.<br />

Foram feitas leituras e releituras do material coletado, a partir das quais passamos a “i<strong>de</strong>ntificar e<br />

selecionar episódios, <strong>de</strong>poimentos ou partes <strong>de</strong> texto que têm relação explícita ou implícita com a questão<br />

investigativa” (FIORENTINI, 2006, p. 143).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 625


Assim a leitura e a interpretação das informações coletadas entre as professoras enquadrou-se na<br />

opção <strong>de</strong> utilizar como ferramenta alguns elementos <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong> Discurso, o que implica, aceitar o<br />

<strong>de</strong>safio <strong>de</strong> “realizar leituras críticas e reflexivas que não reduzam o discurso a análises <strong>de</strong> aspectos<br />

puramente linguísticos nem o dissolvam num trabalho histórico sobre a i<strong>de</strong>ologia” (BRANDÃO, 2004, p.<br />

103).<br />

Para nos referirmos às professoras, atribuímos para as que atuam na re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> ensino os<br />

numerais 1, 2 e 3; e, para aquelas que atuam em escolas particulares as letras A, B e C. Desta forma<br />

citaremos: <strong>de</strong> acordo com a professora C... Assim relata a professora 2...<br />

Desenvolvimento<br />

Enten<strong>de</strong>mos que a manipulação, assume dois aspectos diferenciados <strong>de</strong>monstrados durante as<br />

entrevistas realizadas com as professoras participantes <strong>de</strong> nossa pesquisa.<br />

O primeiro aspecto envolve o manipulável enquanto percepções sensoriais dos objetos, sendo<br />

estes os tributários do conhecimento. O segundo refere-se à manipulação discursiva e didática em que há<br />

o falseamento <strong>de</strong> condutas arcaicas através <strong>de</strong> uma roupagem verbal que po<strong>de</strong> ou não iludir o leitor.<br />

O fato <strong>de</strong> tentar escamotear no discurso condutas epistemológicas contrárias à construtivista,<br />

supõe o que acreditamos ser a busca da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> assumir uma linguagem progressista na<br />

aparência. Um exemplo disto está no uso dos termos criar e criativida<strong>de</strong>, como gestores <strong>de</strong> uma prática<br />

inovadora, mas que, tratados nos mol<strong>de</strong>s empiristas, promovem o espontaneismo.<br />

De acordo com o relato da professora 1, o trabalho geométrico é importante para a educação<br />

infantil, porém ele não é feito com profundida<strong>de</strong>.<br />

[...] a gente faz a i<strong>de</strong>ntificação das figuras, mas não só, por exemplo, claro que a gente<br />

fala como que é o quadrado. O que é um quadrado? Quem sabe? Tem quatro partes<br />

iguais? E o retângulo? Tem duas partes iguais e duas diferentes e tal [...]. Apren<strong>de</strong>r a<br />

reconhecer as figuras geométricas, porque as figuras geométricas estão no nosso mundo,<br />

nosso cantinho, em tudo o que a gente vai fazer.<br />

E ainda comparando este trabalho com outros conteúdos matemáticos, diz: “eles se interessam<br />

bastante quando são figuras geométricas, chama bastante a atenção <strong>de</strong>les. Quando é trabalhar com figuras,<br />

porque eles manuseiam, é uma coisa concreta, material concreto”.<br />

É evi<strong>de</strong>nte a supervalorização do material manipulável, atribuindo a ele também o fator da<br />

motivação infantil, o que é diferente <strong>de</strong> reconhecer a necessida<strong>de</strong> do suporte concreto à aprendizagem –<br />

não somente da geometria – para o estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento em que crianças <strong>de</strong> 5 a 6 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> se<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 626


encontram.<br />

Segundo Piaget (2006, p. 78):<br />

a experiência que inci<strong>de</strong> sobre os objetos po<strong>de</strong> manifestar duas formas, sendo uma a<br />

lógico-matemática, que extrai os conhecimentos não apenas dos próprios objetos, mas<br />

também das ações como tais que modificam esses objetos. Esquece-se, por fim, <strong>de</strong> que a<br />

experiência física, por sua vez, on<strong>de</strong> o conhecimento é abstraído dos objetos, consiste em<br />

agir sobre estes para transformá-los, para dissociar e fazer variar os fatores etc, e não para<br />

<strong>de</strong>les extrair, simplesmente, uma cópia figurativa.<br />

Parece-nos claro que o relato da professora 1, “claro que a gente fala como é o quadrado, e,<br />

apren<strong>de</strong>r a reconhecer as figuras geométricas”, confirma a conduta epistemológica empirista, na qual o<br />

foco está no treinamento visual e verbal das crianças. Visual, no sentido <strong>de</strong> que através da união do<br />

observado e do tateio das formas – e não das figuras – as crianças são treinadas a i<strong>de</strong>ntificar as figuras<br />

elementares. Para o aspecto verbal, tanto professora quanto alunos, utilizam a linguagem para reforçar o<br />

conhecimento extraído do material, conferindo a ele as nomenclaturas científicas.<br />

Como assevera Piaget (2006, p. 48):<br />

Des<strong>de</strong> que se trata da fala ou do ensino verbal, parte-se do postulado implícito <strong>de</strong> que tal<br />

transmissão educativa fornece à criança os instrumentos próprios da assimilação, ao<br />

mesmo tempo em que os conhecimentos a assimilar, esquecendo que esses instrumentos<br />

só po<strong>de</strong>m ser adquiridos pela ativida<strong>de</strong> interna e que toda assimilação é uma<br />

reestruturação ou uma reinvenção.<br />

A professora 2, referindo-se ao que é explorado enquanto geometria e a importância <strong>de</strong>sta para a<br />

educação infantil, relata: “Geometria, a gente observa o mundo, o espaço on<strong>de</strong> a gente está e a gente vê<br />

tudo nele, é, são formas geométricas. Então dá para você explorar até o chão que você está pisando. Tudo<br />

enfim, dá para trabalhar a geometria, não é?”<br />

Desta maneira, o conhecimento geométrico está no mundo visível, a ser <strong>de</strong>scoberto, e que a<br />

docente explora, conduzindo as crianças à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s que estão postas externamente.<br />

Em outras palavras, o mundo está pronto geometricamente e às crianças basta apreendê-lo.<br />

No entanto, o importante é reconhecer as relações que estabelecemos com o mundo e que<br />

permitem a construção do conhecimento geométrico. E ainda, observar quais relações as crianças estão<br />

estabelecendo e <strong>de</strong>monstrando – pela linguagem, pelo <strong>de</strong>senho, pelas construções – para, a partir<br />

daquelas, promover o intercâmbio das primeiras noções geométricas com o conhecimento geométrico<br />

cientificamente organizado.<br />

A concepção <strong>de</strong> que o conhecimento está no mundo exterior e que para adquiri-lo é necessário<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 627


copiar seus mo<strong>de</strong>los, é claramente <strong>de</strong>monstrado pela professora 3: “Para ensinar a geometria com as<br />

crianças <strong>de</strong> educação infantil, partimos sempre <strong>de</strong> exemplos e mo<strong>de</strong>los extraídos do seu ambiente, ou<br />

seja, da realida<strong>de</strong> (concreto), isso também acontece com outros conteúdos como: português e<br />

matemática.”<br />

Em outro momento, a docente acrescenta que, através <strong>de</strong> joguinhos <strong>de</strong> formas, as crianças<br />

trabalham e “é dali que a gente vai tirando as idéias e vai vendo qual o interesse maior <strong>de</strong>les e elaborando<br />

os outros conteúdos”.<br />

Observa-se que a “elaboração” do conteúdo está nas mãos do professor, e este acredita que<br />

permitir uma suposta origem <strong>de</strong>stes conteúdos ligada às ativida<strong>de</strong>s espontâneas infantis provoca a<br />

estimulação necessária para afirmar que “eles nessa fase gostam bastante <strong>de</strong> tudo”. E, em função disto,<br />

para a geometria, não há dificulda<strong>de</strong>s, visto que, “eles mesmos vão formando, é muito fácil, é tranquilo.<br />

Não tem dificulda<strong>de</strong> nenhuma”.<br />

Permanecer apoiada no espontaneísmo infantil garante à docente uma certa tranquilida<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>scompromisso com a aprendizagem. O que para Becker (2003, p. 6) “somente um empirista, convicto<br />

ou ingênuo, po<strong>de</strong> acreditar que os métodos didáticos possam ser simples, lineares e totalmente ‘pilotados’<br />

pelo professor”.<br />

A professora C justifica as dificulda<strong>de</strong>s que impe<strong>de</strong>m o trabalho com a geometria, pela via<br />

pessoal – do gostar.<br />

Eu acho que tem dificulda<strong>de</strong> no sentido do professor ter uma formação mais voltada ao conhecer,<br />

apren<strong>de</strong>r a gostar. Então <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito da gente. Porque a gente po<strong>de</strong> ter um material maravilhoso, se a<br />

gente não conseguir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> como usar esse material fica o material pelo material. Em outros<br />

momentos você po<strong>de</strong> estar trabalhando numa escola que não te ofereça isso, que você não tem o material,<br />

mas que você vai lá, pega uma sucata, um rolinho <strong>de</strong> papel, você vai trabalhar com o cilindro; po<strong>de</strong> ter<br />

um sentido muito maior. Então eu não vejo que a condição material impeça, mas a formação mesmo.<br />

O discurso <strong>de</strong>ssa professora também sugere um avanço ao refletir sobre o material disponível, ou<br />

não, para o trabalho com a geometria. Contudo, ainda subsiste a concepção <strong>de</strong> que o material manipulável<br />

é o principal, visto que, o professor precisa saber como utilizá-lo para não dar margem ao espontâneo e<br />

para o docente não per<strong>de</strong>r as ré<strong>de</strong>as do ensino. Desta maneira se espera que a formação dê as receitas e<br />

instrumentalize a docente. Assim a condição material não será empecilho, mas contributo.<br />

A professora A, apesar <strong>de</strong> trazer em sua fala oscilações entre as concepções inatista e empirista –<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 628


“essa motivação existe porque nasce com a criança, e, vai muito <strong>de</strong> como o professor joga para a criança<br />

aquela ativida<strong>de</strong>” – seu discurso representa avanços. Como exemplo, temos o relato:<br />

Des<strong>de</strong> o primeiro dia <strong>de</strong> aula as crianças são instigadas a observarem o ambiente em que<br />

estão inseridas com os objetos (materiais escolares) fazendo suas correspondências, o que<br />

é parecido, o que é igual, o que é diferente. Cada criança manipula o seu material tendo<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber suas características (tamanho, forma, cor, peso) e assim po<strong>de</strong>r<br />

comparar com o do amigo, com objetos da sala e até com a estrutura física do prédio (por<br />

exemplo: esta caixa tem que forma? Com o que mais se parece? Tem mais alguma coisa<br />

igual? No que ela é diferente daquela outra? Por quê?).<br />

Enten<strong>de</strong>mos que este discurso possui certa fecundida<strong>de</strong> para a mudança <strong>de</strong> postura, <strong>de</strong> empirista<br />

para construtivista. Consi<strong>de</strong>rar o professor aquele que instiga, que abre oportunida<strong>de</strong> para comparações e<br />

correspondências é um passo para o reconhecimento do papel ativo das crianças.<br />

A partir da abertura <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>monstrada pela professora A no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua<br />

entrevista, acreditamos que o <strong>de</strong>safio consiste em fortalecer o suporte teórico construtivista, para que<br />

aconteça a ruptura <strong>de</strong>finitiva com a concepção empirista e inatista.<br />

Diante do que ficou exposto, faz-se necessário buscar em Piaget o que ele enten<strong>de</strong> por concreto,<br />

sendo que para a concepção empirista, o concreto é o objeto-cópia extraído do ambiente através dos<br />

sentidos.<br />

Para o autor:<br />

é preciso, pois, não confundir o concreto com a experiência física, que tira seus<br />

conhecimentos dos objetos e não das ações próprias ao sujeito, nem com as apresentações<br />

intuitivas no sentido <strong>de</strong> figurativas, porque estas operações são extraídas das ações e não<br />

das configurações perceptivas ou imagéticas (PIAGET, 2006, p. 54).<br />

Piaget (2006) alerta para a diferença existente entre a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> concretu<strong>de</strong> e <strong>de</strong> experiência. Esta<br />

última é necessária, mas não suficiente para o <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência; e apresenta-se sob duas<br />

formas: a experiência física e a lógico-matemática. Em suas palavras:<br />

A experiência física consiste em agir sobre os objetos e <strong>de</strong>scobrir as proprieda<strong>de</strong>s por<br />

abstração, partindo dos próprios objetos. Por exemplo: pesar os objetos e verificar que os<br />

mais pesados nem sempre são os maiores. A experiência lógico-matemática<br />

(indispensável nos níveis em que a <strong>de</strong>dução operatória não é ainda possível) consiste, por<br />

sua vez, em agir sobre os objetos, mas, no caso, em <strong>de</strong>scobrir as proprieda<strong>de</strong>s por<br />

abstração a partir, não dos objetos como tais, mas das próprias ações que se exercem<br />

sobre esses objetos (PIAGET, 2006, p. 46).<br />

Po<strong>de</strong>ríamos então afirmar que o concreto, numa perspectiva piagetiana, vai além da experiência<br />

física, encontrando seu alicerce nas ações do sujeito. Ações que se movimentam do manipulável às<br />

abstrações e vice-versa, sem que seja <strong>de</strong>terminado um início e um fim linear.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 629


O processo <strong>de</strong> abstração, por sua vez, é qualificado pela epistemologia construtivista como<br />

abstração empírica e reflexionante.<br />

A abstração empírica consiste em tirar as “informações dos objetos como tais ou das ações do<br />

sujeito em suas características materiais, portanto, <strong>de</strong> modo geral, dos observáveis” (MONTANGERO,<br />

1998, p. 87). Esta maneira <strong>de</strong> abstrair, no qual o conhecimento é extraído da realida<strong>de</strong>, possui importância<br />

secundária, visto que, para a abstração empírica efetivar-se é necessário a abstração reflexionante.<br />

A abstração reflexionante inci<strong>de</strong> nas coor<strong>de</strong>nações das ações do sujeito, que age sobre os objetos,<br />

o que comporta dois aspectos:<br />

<strong>de</strong> um lado, um ‘reflexionamento’, isto é, a projeção (como por um refletor) sobre um<br />

patamar superior daquilo que é tirado do patamar inferior (por exemplo, da ação à<br />

representação) e, <strong>de</strong> outro lado, uma ‘reflexão’ enquanto ato mental <strong>de</strong> reconstrução e<br />

reorganização sobre o patamar superior daquilo que é assim transferido ao inferior<br />

(MONTANGERO, 1998, p. 89).<br />

Para ilustrar este processo, Piaget (apud MONTANGERO, 1998) recorre ao caso <strong>de</strong> uma criança<br />

efetuar o trajeto <strong>de</strong> casa à escola. Pouco a pouco, a criança pequena guia-se e reconhece o trajeto por<br />

referências práticas. Pela abstração reflexionante este “saber prático” é organizado e projetado ao plano<br />

da representação. Ou seja, por esta via ela é capaz <strong>de</strong> através da linguagem ou <strong>de</strong> outros mecanismos <strong>de</strong><br />

representação, <strong>de</strong>screver o caminho que a conduz <strong>de</strong> casa à escola. Desta forma, “a representação é mais<br />

rica que o conhecimento do qual é abstraída, porque se trata <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> conjunto simultânea”<br />

(MONTANGERO, 1998, p. 91).<br />

Neste contexto, as duas formas <strong>de</strong> abstração, empírica e reflexionante, são complementares. A<br />

primeira retira dos objetos suas qualida<strong>de</strong>s observáveis, enquanto a segunda, apoia-se nas coor<strong>de</strong>nações<br />

das ações.<br />

Como exemplo po<strong>de</strong>mos citar uma criança que ao manipular dois objetos i<strong>de</strong>ntifica-os como leve<br />

e pesado. A classificação leve/pesado não está contida em cada objeto mas sim, na relação estabelecida<br />

entre eles. Assim não é possível construir a categoria “peso” via abstração empírica pois os objetos em si<br />

são apenas suporte às ativida<strong>de</strong>s mentais da criança.<br />

A abstração pseudo-empírica <strong>de</strong>rruba o empirismo e colabora em nossa pesquisa, para<br />

compreen<strong>de</strong>rmos como a criança abstrai.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que o modo como as crianças abstraem é <strong>de</strong>sconhecido pelas professoras,<br />

confundindo-se o ato <strong>de</strong> abstrair com os conhecimentos abstratos – aqueles produzidos por ações mentais<br />

sobre conceitos, totalmente <strong>de</strong>svinculados do suporte concreto, as <strong>de</strong>duções, por exemplo. Desta forma,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 630


“ensina-se a Matemática como se se tratasse exclusivamente <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s acessíveis por meio <strong>de</strong> uma<br />

linguagem abstrata e mesmo daquela linguagem especial que é a dos símbolos operatórios” (PIAGET,<br />

2005, p. 59).<br />

Neste contexto, Piaget (2005, p. 59) explica o movimento do concreto e abstrato, entendido como<br />

complementares, ao esclarecer em que consiste o ensino da matemática sob a concepção construtivista.<br />

A matemática, porém consiste em primeiro lugar, e acima <strong>de</strong> tudo, em ações exercidas sobre as<br />

coisas, e as próprias operações são também sempre ações, mas bem coor<strong>de</strong>nadas entre si e simplesmente<br />

imaginadas, ao invés <strong>de</strong> serem executadas materialmente. Sem dúvida é indispensável que se chegue à<br />

abstração, e isso é mesmo absolutamente natural em todos os terrenos no <strong>de</strong>correr do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

mental da adolescência; mas a abstração se reduzirá a uma espécie <strong>de</strong> embuste e <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio do espírito se<br />

não constituir o coroamento <strong>de</strong> uma série ininterrupta <strong>de</strong> ações concretas anteriores. A verda<strong>de</strong>ira causa<br />

dos fracassos da educação formal <strong>de</strong>corre, pois essencialmente do fato <strong>de</strong> se principiar pela linguagem<br />

(acompanhada <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos, <strong>de</strong> ações fictícias ou narradas, etc.) ao invés <strong>de</strong> o fazer pela ação real e<br />

material.<br />

Desta maneira, Piaget (2005, p. 59) esclarece que o concreto é fundamental para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do conhecimento infantil e que as abstrações <strong>de</strong>correntes das manipulações dos objetos,<br />

ocorrem ligadas às ações sobre eles, em nível elementar, constituindo-se como suporte aos níveis<br />

superiores do conhecimento.<br />

A adoção dos fundamentos construtivistas implica atribuir à matemática e às <strong>de</strong>mais ciências um<br />

dinamismo no qual as condutas docentes recorrem à observação das ações infantis e <strong>de</strong>las partem para<br />

estimular as experiências sobre os objetos. Possibilitando as relações entre eles e promovendo a<br />

construção <strong>de</strong> conhecimentos <strong>de</strong> maneira autônoma. O que não significa cair no espontaneísmo, mas sim,<br />

assegurar o livre exercício da inteligência pessoal, sem tornar-se individualista.<br />

Conclusões<br />

Os discursos das professoras confirmaram nossas hipóteses <strong>de</strong> que o ensino da geometria é<br />

reduzido ao estudo das figuras planas elementares. Há também <strong>de</strong>sconhecimento da geometria enquanto<br />

teoria e falta <strong>de</strong> conhecimento quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento infantil e a concepção construtivista.<br />

Em linhas gerais, para a concepção construtivista, as ações das crianças sobre os objetos permitem<br />

que relações sejam construídas por elas num patamar superior ao da mera manipulação <strong>de</strong> materiais. O<br />

concreto <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser apenas o que é percebido, como o reduzem os empiristas, para ser o construído<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 631


internamente através do pensamento. Assim o papel do professor será o <strong>de</strong> orientador, <strong>de</strong> instigador das<br />

<strong>de</strong>scobertas infantis e, sobretudo <strong>de</strong> organizador <strong>de</strong> ações significativas, consi<strong>de</strong>rando-se os estágios <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo das crianças.<br />

A geometria per<strong>de</strong>rá sua posição <strong>de</strong>sprivilegiada diante <strong>de</strong> outros conteúdos e contribuirá para o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> relações entre os objetos, entre os sujeitos e entre eles e o espaço em que vivemos.<br />

Esta relação será diferenciada ao permitir que as crianças construam, também através das ações sobre os<br />

materiais manipulativos tidos como apoio, as noções espaciais que serão suportes às abstrações.<br />

Deste movimento dinâmico esperamos chegar a reconhecer, na escola, o espaço para o novo, para<br />

o criativo, para a curiosida<strong>de</strong>, para o lúdico.<br />

Referências<br />

BECKER, F. A origem do conhecimento e aprendizagem escolar. Porto Alegre: ArtMed, 2003.<br />

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MONTANGERO, J. Piaget ou a inteligência em evolução. Porto Alegre: ArtMed, 1998.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 632


PIAGET, Jean. Para on<strong>de</strong> vai a educação? 17.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio, 2005.<br />

PIAGET, Jean. <strong>Psicologia</strong> e pedagogia. 9.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 2006.<br />

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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 633


Piaget e as I<strong>de</strong>ias Mo<strong>de</strong>rnas sobre Educação: Um Estudo dos Escritos Educacionais <strong>de</strong> Jean Piaget<br />

Publicados entre os Anos <strong>de</strong> 1920 a 1940.<br />

Resumo<br />

NAVES, Marisa Lomônaco <strong>de</strong> Paula<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Uberlândia – FACED/UFU.<br />

mlpnaves@ufu.br<br />

As relações entre a obra <strong>de</strong> Jean Piaget e a educação são tratadas, neste texto, a partir <strong>de</strong> um estudo<br />

realizado sobre os escritos educacionais <strong>de</strong>ste autor, publicados entre 1920 e 1940 quando se consolidava,<br />

na Europa, o Movimento Renovador da Educação. O texto sintetiza os argumentos e as reflexões teóricas<br />

<strong>de</strong> Piaget sobre os procedimentos e métodos <strong>de</strong> ensino, sobre o papel socializador da escola e sobre a<br />

fundação <strong>de</strong> uma Pedagogia científica. A análise confirma o intenso envolvimento do autor na discussão<br />

acalorada da mais importante reforma <strong>de</strong> ensino do século XX.<br />

Palavras-chave: Piaget. Teoria psicogenética. Educação. Escola ativa.<br />

Abstract<br />

The relationship between the work of Jean Piaget and education is treated in this text from study about the<br />

educational writings published between the twenties and forties and related to the Progressive Education<br />

Movement in Europe. Synthetizes Piaget`s arguments and theoretical reflections about the procedures and<br />

methods of teaching, the socializing role of the school and the foundation of a scientific pedagogy. It thus<br />

confirms Piaget’s intense involvement with the heated discussion about the most important educational<br />

reform of the twentieth century.<br />

Keywords: Piaget. Psychogenetic theory. Education. Active school.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 634


Introdução<br />

As relações entre a obra <strong>de</strong> Jean Piaget e a Educação constituem um tema bastante polemizado<br />

que já atraiu, para os meios acadêmicos, o <strong>de</strong>bate, inclusive entre os estudiosos da própria concepção<br />

piagetiana. De fato, são muitos os autores que, sob diferentes perspectivas, alimentaram e enriqueceram a<br />

discussão com valiosas críticas e contribuições, tanto no âmbito da reflexão teórica, quanto no da prática<br />

psicopedagógica. Há, contudo, entre os piagetianos, a i<strong>de</strong>ia, praticamente unânime, <strong>de</strong> que Jean Piaget só<br />

se interessava <strong>de</strong> modo bastante secundário pela Pedagogia ou que os temas educacionais ocuparam um<br />

lugar menor em seu empreendimento científico.<br />

O envolvimento com temas educacionais po<strong>de</strong> mesmo parecer <strong>de</strong>scabido, para um autor que se<br />

propôs a trabalhar na elaboração <strong>de</strong> uma <strong>Epistemologia</strong> Científica; um empreendimento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vulto<br />

que, por certo, exigiria o tratamento <strong>de</strong> questões mais pertinentes. Contudo, a presença <strong>de</strong> Piaget na<br />

discussão pedagógica é um fato e a bibliografia disponível sobre o percurso intelectual e profissional<br />

<strong>de</strong>sse autor, bem como a literatura relativa às questões pedagógicas do século XX, confirmam-no <strong>de</strong><br />

maneira incontestável. Para esse fato, existem, obviamente, razões circunstanciais. Há todo um contexto<br />

histórico, social e cultural que permitiram e facilitaram os laços <strong>de</strong> Piaget com a Educação. Laços<br />

oficialmente confirmados por sua permanência por um extenso período na direção do BIE (Bureau<br />

International <strong>de</strong> L’Education), uma instituição voltada especialmente para os temas pedagógicos. Porém o<br />

autor, preocupado, acima <strong>de</strong> tudo, com questões centrais da epistemologia, po<strong>de</strong>ria ter também muitas<br />

razões para não se envolver tão intensa e longamente com a educação, e, quem sabe, até evitar que, a<br />

contragosto, viesse a ser conhecido mais como pedagogo ou psicólogo do que o epistemólogo, como<br />

<strong>de</strong>sejava ser chamado.<br />

Por que, então, Piaget se envolveria com os assuntos educacionais? Que tipo <strong>de</strong> preocupações teria<br />

com as reflexões nesse campo? O que elas significaram para o <strong>de</strong>senvolvimento da Pedagogia? Perguntas<br />

como estas moveram este estudo. Em função <strong>de</strong>las consultamos arquivos, separamos documentos e<br />

refizemos leituras. Nossa análise teve como preocupação central, não uma leitura presidida pela busca <strong>de</strong><br />

noções ou conceitos teóricos que viessem confirmar ou questionar uma prática pedagógica específica.<br />

Mas, sobretudo, procuramos encontrar ali, informações que nos possibilitassem compreen<strong>de</strong>r, com um<br />

pouco mais <strong>de</strong> clareza, os vínculos estabelecidos e/ou <strong>de</strong>sejados por ele com esse campo.<br />

Conhecer os motivos que levaram Jean Piaget a se preocupar com assuntos educacionais po<strong>de</strong> ser<br />

inútil, se acreditarmos que seu envolvimento com a educação se explica unicamente por razões aci<strong>de</strong>ntais.<br />

No entanto, se tivermos em conta que Piaget acreditava na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> influenciar a Pedagogia,<br />

então, essa tarefa reveste-se <strong>de</strong> alguma importância, especialmente se, na revelação dos motivos,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 635


pu<strong>de</strong>rmos verificar em que medida e <strong>de</strong> que maneira pensava contribuir nesse domínio.<br />

A questão das relações entre Piaget e a Educação é, pois, tratada neste trabalho sob o ponto <strong>de</strong><br />

vista do autor: os argumentos e articulações <strong>de</strong>le próprio entre sua teoria e questões <strong>de</strong> domínio escolar.<br />

Apresentaremos a síntese <strong>de</strong> um estudo que <strong>de</strong>senvolvemos sobre os escritos, especificamente<br />

educacionais, <strong>de</strong> Jean Piaget, publicados entre os anos 20 e 40. Para analisá-los consi<strong>de</strong>ramos o contexto<br />

histórico-pedagógico da época em que foram publicados e a evolução teórica da obra científica <strong>de</strong> Piaget.<br />

As primeiras pesquisas psicogenéticas e o encontro <strong>de</strong> Piaget com a educação.<br />

Piaget iniciou a década <strong>de</strong> 1920 <strong>de</strong>terminado a dirigir seus estudos para o campo da<br />

<strong>Epistemologia</strong>, mas certo <strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria iniciá-los com investigações empíricas no âmbito da <strong>Psicologia</strong><br />

Genética. No Instituto Jean-Jacques Rousseau, <strong>de</strong>senvolveu, entre 1921 e 1925, suas primeiras pesquisas,<br />

<strong>de</strong>dicadas ao estudo da linguagem, da lógica, da moralida<strong>de</strong>, das representações <strong>de</strong> mundo e das<br />

explicações das crianças sobre os fenômenos da natureza, bem como ao estudo das relações <strong>de</strong>sses<br />

aspectos do <strong>de</strong>senvolvimento infantil com a inteligência objetiva. Suas preocupações centravam-se mais<br />

na análise dos mecanismos psicológicos gerais do pensamento e na elaboração <strong>de</strong> uma metodologia capaz<br />

<strong>de</strong> ‘captar os fatos’, à luz da concepção psicogenética, tal qual sonhava, do que, propriamente, na<br />

explicação <strong>de</strong> um processo que culminaria com a objetivida<strong>de</strong> do pensamento.<br />

Os estudos, mais tar<strong>de</strong> publicados 89 , confirmavam o pensamento da criança como sui generis,<br />

muito diferente do pensamento adulto, não somente pelos interesses que os dirigem, mas também pelo<br />

tipo <strong>de</strong> raciocínio que alcançam e por suas estruturas lógicas. Traziam, em suas conclusões, a importância<br />

da ativida<strong>de</strong> na formação da inteligência; a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o pensamento objetivo resulta da <strong>de</strong>scentração e<br />

da coor<strong>de</strong>nação progressiva <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista e apresentavam um novo método, misto <strong>de</strong> conversação<br />

clínica e observação minuciosa, utilizado na condução das pesquisas. Todavia, sem se constituírem ainda<br />

aquilo que veio a ser conhecido como a Teoria Psicogenética Piagetiana, tornaram-se particularmente<br />

interessantes ao Movimento Renovador da Educação, entusiasmando Edouard Claparè<strong>de</strong>, que passou a<br />

divulgar e a recomendar o trabalho daquele jovem pesquisador.<br />

Foi também nessa ocasião que Piaget <strong>de</strong>lineou os rumos <strong>de</strong> suas pesquisas futuras. Em sua<br />

Autobiographie (PIAGET, 1976) relatou que, por mais um período <strong>de</strong> dois ou três anos, <strong>de</strong>sejava ainda<br />

<strong>de</strong>dicar-se ao estudo da gênese da inteligência, para em seguida, investir na elaboração <strong>de</strong> uma<br />

epistemologia genética.<br />

89 A Linguagem e o Pensamento da Criança (1923), O Raciocínio da Criança (1924), A Representação do Mundo na Criança<br />

(1926), La Causalité Psysique chez l´Enfant (1927) e O Juízo Moral na Criança (1932).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 636


Até o final dos anos <strong>de</strong> 1940, e ainda no Instituto Jean-Jacques Rousseau, Piaget <strong>de</strong>senvolveu<br />

gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> suas pesquisas psicogenéticas. Essas pesquisas 90 , que lhe tomaram mais tempo do previra,<br />

possibilitaram-lhe, no entanto, uma compreensão mais objetiva do pensamento e do raciocínio infantis,<br />

pois se referem à análise dos mecanismos formadores da inteligência e à gênese <strong>de</strong> noções científicas,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras estruturações encontradas na criança pequena até as elaborações observadas no início<br />

da adolescência. Trabalhando com a hipótese <strong>de</strong> que a inteligência adulta se <strong>de</strong>senvolve a partir da<br />

coor<strong>de</strong>nação das ações do recém nascido, Piaget <strong>de</strong>scobriu quatro gran<strong>de</strong>s estruturas do pensamento que<br />

são construídas, or<strong>de</strong>nada e sucessivamente, <strong>de</strong> forma integrada e que se dirigem, em cada nível, para um<br />

equilíbrio melhor e mais estável. Em 1947, publicou <strong>Psicologia</strong> da Inteligência, um livro que, reunindo<br />

<strong>de</strong> maneira sintética as conclusões <strong>de</strong> suas pesquisas, anuncia uma teoria epistemológica – objetivo<br />

central <strong>de</strong> seu programa <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Se, por um lado, seus planos iniciais, previam equivocadamente um trabalho, no campo da<br />

<strong>Psicologia</strong>, <strong>de</strong> curto ou médio prazo, por outro, ele acreditava que, para estudar empiricamente o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do pensamento, não po<strong>de</strong>ria se envolver com “preocupações não psicológicas”. Mesmo<br />

assim, seduzido pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuir com seus estudos para a renovação do ensino, Piaget<br />

assumiu o posto <strong>de</strong> diretor do BIE, órgão <strong>de</strong> abrangência mundial, criado, junto ao Instituto Jean-Jacques<br />

Rousseau, para promover o vínculo entre educadores interessados nos progressos da educação.<br />

Em 1929 aceitei, impru<strong>de</strong>ntemente, o cargo <strong>de</strong> diretor do Bureau International <strong>de</strong> l<br />

´Education, ce<strong>de</strong>ndo à insistência <strong>de</strong> meu amigo Pedro Rossello. [...] Essa instituição [...]<br />

interessava-me por duas razões: em primeiro lugar, graças à sua organização<br />

intergovernamental, po<strong>de</strong>ria contribuir para a melhoria dos métodos pedagógicos e para a<br />

adoção oficial <strong>de</strong> técnicas mais adaptadas ao espírito da criança. Em segundo lugar, havia<br />

um elemento <strong>de</strong> prazer, eu diria, naquela aventura. (PIAGET, 1976, p. 17) 91 .<br />

Contribuir para a melhoria dos métodos pedagógicos e para a adoção <strong>de</strong> técnicas mais adaptadas<br />

ao espírito da criança! Estão aí, apresentadas pelo próprio Piaget, as razões que o levaram a aceitar um<br />

cargo no qual permaneceu por 38 anos. Mas porque ele se lançaria nessa “aventura”? Como po<strong>de</strong>ria<br />

inserir-se na discussão pedagógica? De que forma pensava contribuir?<br />

A entrada no exercício da direção do BIE marca, portanto, o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>ste estudo.<br />

Todavia, para compreen<strong>de</strong>r a natureza das relações que Piaget estabeleceu com o campo educacional,<br />

abriremos um espaço e traremos à lembrança o panorama geral das i<strong>de</strong>ias que moviam a reflexão<br />

pedagógica naquela época.<br />

90 O Nascimento da Inteligência na Criança (1936), A Construção do Real na Criança (1937), A Formação do Símbolo na<br />

Criança (1945), A Gênese do Número na Criança e O Desenvolvimento das Quantida<strong>de</strong>s Físicas na Criança (ambos em<br />

1941), A Noção <strong>de</strong> Tempo na Criança (1946), A Representação do Espaço na Criança e a Geometria Espontânea na<br />

Criança (ambos em 1948).<br />

91 Tradução nossa.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 637


O contexto pedagógico<br />

No domínio educacional, o início do século XX foi marcado por um importante fato pedagógico: o<br />

Movimento Renovador, caracterizado na Europa por Escola Nova ou Ativa, mas que se concretizou em<br />

outros lugares como nos Estados Unidos, on<strong>de</strong> foi chamado <strong>de</strong> Educação Progressiva, e nos países<br />

socialistas, on<strong>de</strong> foi i<strong>de</strong>ntificado como Igualitarismo Socialista. (COLL, 1988).<br />

As i<strong>de</strong>ias renovadoras, elaboradas <strong>de</strong> acordo com os parâmetros da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, revelavam a<br />

arquitetura <strong>de</strong> uma nova mentalida<strong>de</strong> educacional, resultante das transformações econômicas, sociais,<br />

políticas e i<strong>de</strong>ológicas, percebidas no período da industrialização mundial e acompanhavam as exigências<br />

<strong>de</strong> expansão tecnológica. Traziam em seus princípios fundamentais, a preconização do direito <strong>de</strong> todos à<br />

educação - a ser garantido com a inclusão das classes menos favorecidas no sistema escolar – direito que<br />

expressava, <strong>de</strong> um lado, a crença numa socieda<strong>de</strong> igualitária, mais justa e humanizada e, <strong>de</strong> outro, a<br />

crença na educação como meio eficaz <strong>de</strong> acelerar o surgimento <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong>. A mo<strong>de</strong>rna concepção <strong>de</strong><br />

ensino apontava, ainda, outra perspectiva para a função educativa ao priorizar, na ação pedagógica, o<br />

educando, com seus interesses, aptidões e tendências, <strong>de</strong> modo a prepará-lo melhor para a vida numa<br />

socieda<strong>de</strong> em constante transformação.<br />

O Movimento Renovador questionava o ensino tradicional. Do ponto <strong>de</strong> vista social, criticava o<br />

seu caráter seletivo, que não atendia às exigências sociais, políticas e econômicas <strong>de</strong> uma educação<br />

popular generalizada, e, do ponto <strong>de</strong> vista pedagógico, criticava o mo<strong>de</strong>lo “magiocêntrico” e autoritário<br />

que, ignorando os avanços científicos, ainda se mantinha preso aos padrões formais dos métodos <strong>de</strong><br />

ensino e ao artificialismo dos programas e conteúdos, muito distantes dos progressos da vida mo<strong>de</strong>rna.<br />

Nestes termos, proclamava-se a substituição <strong>de</strong> suas bases pelos princípios <strong>de</strong> uma nova Pedagogia. Esta,<br />

que se imaginava científica, <strong>de</strong>veria estar fundada nos conhecimentos colocados à disposição pelas<br />

Ciências Humanas e, <strong>de</strong>ntre elas, principalmente a <strong>Psicologia</strong>.<br />

A <strong>Psicologia</strong> Infantil, nas obras <strong>de</strong> Binet, Claparè<strong>de</strong>, Baldwin, Wallon e outros, confirmava<br />

cientificamente que a criança, não sendo um adulto em miniatura, tem sua própria maneira <strong>de</strong> ser, <strong>de</strong><br />

pensar e <strong>de</strong> agir; que a infância possui um significado próprio cujo valor seria preciso conhecer, respeitar<br />

e explorar. Os estudiosos da infância contestavam, portanto, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criança como sujeito passivo,<br />

aprisionado pelos padrões do pensamento adulto, apresentando-a como ativa e livre, cujo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento não sendo simplesmente <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong> fora, obe<strong>de</strong>ce aos seus interesses e<br />

necessida<strong>de</strong>s mais efetivas.<br />

Educadores como Montessori, Freinet, Decroly e Ferrière e, mesmo Dewey e Claparè<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>senvolviam essas i<strong>de</strong>ias no terreno pedagógico. Contrários a um ensinamento abstrato e intelectualista<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 638


que consi<strong>de</strong>rava o aluno simplesmente receptivo diante do professor, propunham um ensino novo, que<br />

situava a criança e não mais o adulto no centro do processo pedagógico. Um ensino que, pela importância<br />

mesma atribuída àquilo que <strong>de</strong>spertasse a curiosida<strong>de</strong> e sensibilida<strong>de</strong> da criança, que justificasse e<br />

alimentasse sua própria ativida<strong>de</strong>, foi chamado ensino ativo. Os temas da espontaneida<strong>de</strong> infantil, do<br />

como ensinar aten<strong>de</strong>ndo as diferentes etapas do <strong>de</strong>senvolvimento, conviviam com a questão <strong>de</strong> novas<br />

formas <strong>de</strong> organização e gestão escolares. Os métodos ativos surgiam como sendo métodos a<strong>de</strong>quados e a<br />

escola, caminhando na direção <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> transformação, passava a ser entendida como local<br />

apropriado <strong>de</strong> formação social, intelectual e moral. Em síntese, era essa a efervescência que animava a<br />

discussão pedagógica na época em que Piaget assumiu o cargo <strong>de</strong> diretor do BIE.<br />

Entrando, pois, no cenário escolar, no momento em que se propunha a exaltação da criança e <strong>de</strong><br />

sua ativida<strong>de</strong> como centro do processo educativo e quando se asseverava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong><br />

uma Pedagogia fundada em bases científicas, Piaget, conforme analisam Hameline e outros (1996),<br />

admitiu as i<strong>de</strong>ias mo<strong>de</strong>rnas da educação. Seus primeiros estudos no campo da <strong>Psicologia</strong>, já vimos,<br />

apontavam o papel <strong>de</strong>cisivo da ativida<strong>de</strong> da criança na constituição do pensamento lógico, e isso,<br />

certamente, implicava, no terreno pedagógico, uma educação que consi<strong>de</strong>rasse e fizesse <strong>de</strong>senvolver essa<br />

ativida<strong>de</strong> no processo <strong>de</strong> formação dos indivíduos. Piaget estava, portanto, certo da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

abertura para novas perspectivas didáticas e seguro <strong>de</strong> que as contribuições da <strong>Psicologia</strong> seriam <strong>de</strong>cisivas<br />

nesse empreendimento. Compartilhava, assim, das i<strong>de</strong>ias renovadoras no campo educacional.<br />

Durante o período em que esteve à frente do BIE – <strong>de</strong> 1929 a 1968 – Piaget, embora não fosse<br />

pedagogo, envolveu-se intensamente com as questões pedagógicas e esforçou-se por levar adiante essa<br />

discussão. Até o final dos anos <strong>de</strong> 1940 já havia publicado uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> textos nos quais se refere<br />

aos temas pedagógicos. Reunimos um total <strong>de</strong> 48 documentos entre os quais há artigos, relatórios,<br />

conferências e capítulos <strong>de</strong> livros que atestam o envolvimento <strong>de</strong> nosso autor com a discussão acalorada<br />

no auge da mais importante reforma <strong>de</strong> ensino do século XX.<br />

O teor dos documentos aponta, basicamente, para três principais pontos <strong>de</strong> discussão no<br />

tratamento dado por Piaget ao tema educacional: a fundamentação psicológica dos métodos <strong>de</strong> ensino; a<br />

ênfase no <strong>de</strong>senvolvimento da Pedagogia científica e a i<strong>de</strong>ia da educação como meio <strong>de</strong> reconstrução<br />

social. No que segue, evi<strong>de</strong>nciaremos <strong>de</strong> que maneira e em que medida o autor tratou tais questões.<br />

A Contribuição <strong>de</strong> Piaget para o Movimento Renovador da Educação<br />

Em muitos textos, Piaget <strong>de</strong>dicou-se à análise dos métodos e técnicas <strong>de</strong> ensino. Neles, elaborou<br />

suas críticas à escola tradicional e apresentou seus argumentos sempre favoráveis aos métodos chamados<br />

ativos. Entretanto, a sua <strong>de</strong>fesa não era, em princípio, a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>sses métodos como novas técnicas em si<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 639


mesmas - ainda que os julgasse mais apropriados quando comparados com os mo<strong>de</strong>los tradicionais - mas<br />

empenhava-se por situar a questão num terreno suficientemente objetivo, mostrando como as recentes<br />

<strong>de</strong>scobertas da <strong>Psicologia</strong> Infantil confirmavam os propósitos dos novos métodos educacionais e por que<br />

eles se convertiam em novas formas <strong>de</strong> trabalho pedagógico. Para Piaget era fundamental que os<br />

professores soubessem qual é a estrutura <strong>de</strong> pensamento da criança a educar; que conhecessem as leis<br />

funcionais que explicam o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual e os fatores que o influenciam, para que, cientes,<br />

pu<strong>de</strong>ssem exercer seu trabalho <strong>de</strong> acordo com tais parâmetros.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que a pedagogia tradicional atribuía à criança uma estrutura mental<br />

idêntica à do adulto, mas um funcionamento diferente [...]. Ora, o contrário é que é<br />

verda<strong>de</strong>iro. As estruturas intelectuais e morais da criança não são as nossas; aliás, os<br />

novos métodos da educação se esforçam para apresentar às crianças <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s<br />

as matérias <strong>de</strong> ensino sob formas assimiláveis à sua estrutura e aos diferentes estágios <strong>de</strong><br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento. Mas, quanto à relação funcional, a criança é idêntica ao adulto.<br />

Como este, ela é um ser ativo cuja ação, regida pela lei do interesse ou da necessida<strong>de</strong>, só<br />

po<strong>de</strong> dar seu pleno rendimento se se fizer um apelo aos móveis autônomos <strong>de</strong>ssa<br />

ativida<strong>de</strong>. (PIAGET, 1969/1988, p. 157-158).<br />

Destacava ainda, <strong>de</strong>ntre os métodos ativos, aqueles que, do ponto <strong>de</strong> vista psicopedagógico,<br />

apresentavam-se com mais vantagens e, então, acentuava os métodos coletivos. A consi<strong>de</strong>ração do<br />

trabalho conjunto, realizado por equipes e a importância da cooperação e da livre discussão na formação<br />

intelectual e moral dos alunos foram pontos amplamente discutidos por Piaget em seus textos escritos<br />

para os educadores.<br />

Uma das gran<strong>de</strong>s contribuições <strong>de</strong>sses artigos para o Movimento Renovador está, pois, na<br />

justificativa do valor psicológico dos métodos ativos. (HAMELINE, 1996). Munido dos resultados<br />

empíricos proporcionados por suas pesquisas em <strong>Psicologia</strong> Infantil, Piaget tornava estreita a união dos<br />

princípios didáticos da educação nova com a explicação científica. Mas, seria a justificação psicológica,<br />

na análise <strong>de</strong> Piaget, suficiente para sustentar e garantir uma reforma do ensino?<br />

Se, <strong>de</strong> um lado, Piaget apresentava a <strong>Psicologia</strong> Infantil, especialmente a sua <strong>Psicologia</strong> Genética,<br />

como fundamentação científica dos novos métodos <strong>de</strong> ensino, por outro lado, insistia também na<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisas no universo da escola. Insistência que expressou sua concordância e o claro<br />

incentivo para a fundação <strong>de</strong> uma Pedagogia científica, aberta a pesquisas interdisciplinares e em cuja<br />

vocação estaria a busca cuidadosa <strong>de</strong> explicações para os problemas escolares. Piaget estava, portanto,<br />

convencido <strong>de</strong> que para fazer avançar a Pedagogia, seria preciso ir para além do conhecimento teórico-<br />

psicológico que ele próprio se encarregava <strong>de</strong> apresentar em seus textos educacionais.<br />

Se a pedagogia quer ser uma aplicação <strong>de</strong>duzida, sem mais, <strong>de</strong> nossos conhecimentos em<br />

psicologia da criança, isto seria inútil. [...] A pedagogia está longe <strong>de</strong> ser uma simples<br />

aplicação do saber psicológico [...]. Uma coisa é, por exemplo, provar que a cooperação<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 640


no jogo ou na vida social espontânea das crianças acarreta alguns efeitos morais, e outra<br />

coisa é estabelecer que esta cooperação possa ser generalizada a título <strong>de</strong> processo<br />

educativo. Sobre esse último ponto, só a pedagogia experimental é competente [...]. Mas<br />

o gênero <strong>de</strong> experiências que tal pesquisa comporta só po<strong>de</strong> ser instituído por educadores,<br />

ou por uma reunião <strong>de</strong> práticos e psicólogos escolares. Assim, não está ao nosso alcance<br />

<strong>de</strong>duzir-lhes os resultados. (PIAGET, 1932/1994, p. 300-302).<br />

Mas há ainda outra questão, ligada ao contexto geral do Movimento Renovador, cujo tema<br />

perpassa os textos educacionais <strong>de</strong> Piaget dos anos entre 1920 e 1940: a i<strong>de</strong>ia da educação como fator<br />

importante na reconstrução social, como instrumento <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> aproximação entre os povos, tal como<br />

habitava nas reflexões sobre o ensino <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do século XX e, especialmente, durante o período<br />

entre as duas gran<strong>de</strong>s guerras mundiais.<br />

No afluxo <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ia e pela perspectiva <strong>de</strong> Piaget, nada parecia mais apropriado para encaminhar<br />

uma discussão sobre o valor dos métodos coletivos ou sobre a pedagogia da educação internacional,<br />

baseada no princípio <strong>de</strong> cooperação e ajuda mútua, do que a noção <strong>de</strong> egocentrismo e do processo <strong>de</strong> sua<br />

superação. Por um lado, utilizando uma linguagem muito simples, Piaget sintetizava os fatos<br />

psicológicos, situava as i<strong>de</strong>ias teóricas contidas em seus primeiros livros e fazia alusões sobre implicações<br />

pedagógicas. Por outro lado, sem proce<strong>de</strong>r em nenhum momento a uma análise propriamente sociológica,<br />

mas tendo sempre como pressupostos os princípios <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, ele procurava mostrar<br />

que o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> justiça e paz mundiais, abraçado pela educação, somente po<strong>de</strong>ria encontrar sua realização<br />

se na escola penetrasse, simultaneamente, o espírito <strong>de</strong> cooperação e trocas sociais e o conhecimento<br />

objetivo sobre os processos <strong>de</strong> socialização, que a psicologia da criança e a sociologia, <strong>de</strong> maneira geral,<br />

apresentavam.<br />

Na concepção <strong>de</strong> Piaget, a cooperação, única a permitir a superação do egocentrismo,<br />

característico do pensamento infantil, conduz a inteligência à coerência e à objetivida<strong>de</strong>. Mas essas<br />

qualida<strong>de</strong>s do pensamento socializado, somente po<strong>de</strong>riam se constituir com base nas relações<br />

interindividuais. E então? Não seria a escola um lugar privilegiado para o exercício da cooperação e das<br />

trocas interindividuais? Se consi<strong>de</strong>rarmos a resposta <strong>de</strong> Piaget à pergunta como uma afirmação, então<br />

compreen<strong>de</strong>remos melhor a natureza <strong>de</strong> suas preocupações com a escola e com o modo como trabalha. A<br />

esse propósito selecionamos um trecho, no qual Piaget põe em evidência o valor da escola na constituição<br />

da razão humana:<br />

Sem que seja possível, atualmente, fixar, com certeza, o limite entre o que provém da<br />

maturação estrutural do espírito e o que emana da experiência da criança ou das<br />

influências <strong>de</strong> seu meio físico e social, po<strong>de</strong>-se [...] admitir que os dois fatores intervêm<br />

continuamente e que o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve-se à sua interação contínua. Do ponto <strong>de</strong><br />

vista da escola, isto significa, <strong>de</strong> um lado, que é preciso reconhecer a existência <strong>de</strong> uma<br />

evolução mental. [...] Isso significa também, por outro lado, que o meio po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sempenhar um papel <strong>de</strong>cisivo no <strong>de</strong>senvolvimento do espírito; que métodos sãos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 641


po<strong>de</strong>m, portanto, aumentar o rendimento dos alunos e mesmo acelerar seu crescimento<br />

espiritual sem prejudicar sua soli<strong>de</strong>z. (PIAGET, 1969/1988, p. 176).<br />

Assim, verificamos que Piaget procurou mostrar aos educadores a importância do papel<br />

pedagógico (social, portanto) que têm a <strong>de</strong>sempenhar na formação do pensamento humano e que o<br />

conhecimento objetivo, mesmo sendo o resultado <strong>de</strong> um processo interno, não é, contudo, solitário.<br />

Ao final <strong>de</strong>ste estudo, pu<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r como Piaget tratou <strong>de</strong> questões próprias do<br />

movimento pedagógico que lhe era contemporâneo. Diríamos, para efeito <strong>de</strong> síntese, que as reflexões que<br />

predominaram nos textos educacionais <strong>de</strong> Jean Piaget, neste período <strong>de</strong> aproximadamente 30 anos, foram<br />

sempre estas: <strong>de</strong> um lado, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as técnicas ou os métodos educativos estarem em estreita<br />

união com as leis <strong>de</strong> uma <strong>Psicologia</strong> sistemática que fornecessem uma interpretação científica do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento infantil e da ativida<strong>de</strong> psíquica e, <strong>de</strong> outro lado, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificação empírica<br />

das implicações pedagógicas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa parceria.<br />

Pensamento, aliás, não muito original, visto que a <strong>Psicologia</strong> na base dos métodos novos e a<br />

fundação <strong>de</strong> uma Pedagogia científica não foram invenções <strong>de</strong> Piaget. O <strong>de</strong>bate sobre a escola e a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua renovação já estava presente nas reflexões dos educadores muito antes <strong>de</strong> Piaget <strong>de</strong>le<br />

se ocupar. Mas, certamente que ele, um cientista, no auge do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas pesquisas<br />

psicogenéticas, que também dirigia uma Instituição totalmente imersa nessa temática, se encontrava<br />

autorizado, senão responsabilizado, por encaminhá-lo.<br />

E o fez, situando, porém, suas contribuições no domínio específico <strong>de</strong> sua competência.<br />

Entusiasmado com suas pesquisas em <strong>Psicologia</strong> Genética e seguro <strong>de</strong> que os resultados alcançados até<br />

então apontavam para uma explicação do processo <strong>de</strong> aquisição do conhecimento humano, Piaget<br />

colocou-os à disposição da Pedagogia. Ativida<strong>de</strong> estruturante, egocentrismo infantil, socialização<br />

progressiva, autonomia moral e autonomia intelectual foram os termos <strong>de</strong> sua discussão. O primeiro<br />

<strong>de</strong>stacou o significado <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> espontânea, emanada da própria necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação e que, por<br />

isso mesmo, se constitui como motor <strong>de</strong> um processo contínuo que é o <strong>de</strong>senvolvimento da razão<br />

humana. O segundo caracterizou a especificida<strong>de</strong> do pensamento infantil que os educadores não po<strong>de</strong>riam<br />

olvidar, se quisessem, <strong>de</strong> fato, <strong>de</strong>sempenhar uma ação pedagógica consciente e eficaz. E os <strong>de</strong>mais<br />

termos, indicaram o segredo e o remate <strong>de</strong>ssa ação.<br />

Dirigindo-se, pois, àqueles que mais diretamente se encarregavam da tarefa pedagógica, Piaget<br />

encaminhou o <strong>de</strong>bate, privilegiando aí a discussão sobre os métodos e as técnicas <strong>de</strong> ensino. É que, além<br />

<strong>de</strong> pensar que os professores <strong>de</strong>veriam compreen<strong>de</strong>r muito bem a natureza própria do pensamento da<br />

criança e as leis <strong>de</strong> constituição psicológica do sujeito que conhece, ele estava certo da importância dos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 642


métodos <strong>de</strong> ensino, não como técnicas em si mesmas, como já adiantamos, mas como instrumentos sem<br />

os quais o professor não po<strong>de</strong>ria trabalhar. Por isso, acreditamos, ele escrevia para professores, <strong>de</strong>dicando<br />

muitos artigos à análise dos métodos e procedimentos pedagógicos. E mesmo que se alongasse (com<br />

razão!) em explicações fundamentadas em pesquisas psicogenéticas ou numa teoria <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

infantil, Piaget, naqueles textos, não tratava, a rigor, <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> ou <strong>de</strong> crianças-sujeito, mas colocava-se<br />

na perspectiva da Pedagogia, referia-se a crianças-aprendizes e, se quisermos, a métodos <strong>de</strong> trabalho do<br />

professor. Todavia, dirigia-se também aos teóricos, aos “homens <strong>de</strong> gabinete”, àqueles que indiretamente<br />

chegavam à sala, seja com a responsabilida<strong>de</strong> da formação dos professores, seja <strong>de</strong>finindo as diretrizes<br />

políticas e pedagógicas da ação educativa. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> textos <strong>de</strong>dicados à análise crítica dos métodos<br />

pedagógicos - sejam eles da escola tradicional ou da escola ativa - e redigidos para <strong>de</strong>monstrar a<br />

fundamentação científica <strong>de</strong>stes últimos ou, ainda, para confirmar o papel da educação na formação<br />

social, moral e intelectual dos indivíduos, testemunha essa afirmação.<br />

Se for possível, em poucas palavras, resumir os pontos fundamentais da discussão <strong>de</strong> Piaget que<br />

encontramos nos textos escritos durante os anos 20, 30 e 40, diríamos que em nome da <strong>Psicologia</strong>, ou<br />

melhor, dos fatos psicológicos, especialmente aqueles extraídos <strong>de</strong> suas pesquisas psicogenéticas, ele<br />

procurava esclarecer o valor psicológico dos métodos ativos e, em nome dos fatos pedagógicos,<br />

imprescindíveis, a seu ver, na constituição da Pedagogia Científica, insistia na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisas<br />

educacionais que elucidassem o seu valor educativo, tarefa que, entretanto, reservava especialmente aos<br />

pedagogos.<br />

Tendo, portanto, extraído <strong>de</strong> seus estudos a confirmação da importância das ações da criança no<br />

processo <strong>de</strong> constituição da inteligência e do conhecimento científico, pareceu-nos muito natural o fato <strong>de</strong><br />

que Piaget se dispusesse a endossar, no âmbito pedagógico, situações didáticas como aquelas propostas<br />

pela Escola ativa e que procurasse, no limite <strong>de</strong> suas contribuições, fundamentá-las cientificamente. E fez<br />

isso com sucesso (OELKERS, 1996). Des<strong>de</strong> que assumiu o posto <strong>de</strong> diretor do BIE, promoveu não<br />

apenas o intercâmbio entre diferentes manifestações do Movimento Renovador, colaborando, assim, para<br />

sua expansão mundial, mas também - e o que é mais importante – proporcionou, para a Educação, uma<br />

teoria científica da criança.<br />

Referências<br />

COLL, C. Comocimiento Psicológico y Práctica educativa: introducción a las relaciones entre psicología<br />

y educación. Barcelona: Barcanova, 1988.<br />

HAMELINE, D. et al. L’Enfant Actif sous Observation. In: HAMELINE, D.; VONÈCHE, J. (Org.). Jean<br />

Piaget: agir et construire aux origenes <strong>de</strong> la connaissance chez l’enfant et le savant. Genève: FPSE <strong>de</strong><br />

l’Université <strong>de</strong> Genève/Musée d’Ethnographie <strong>de</strong> Genève, 1996. p. 112 - 151.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 643


NAVES, M.L.P. Piaget e a Educação: um estudo dos escritos educacionais <strong>de</strong> Jean Piaget. São Paulo,<br />

1999. Tese <strong>de</strong> Doutorado. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo.<br />

OELKERS, J. A. Educação Nova. In: BARRELET, J.M.; PERRET-CLERMONT, A. N. (Org.). Jean<br />

Piaget: aprendiz e mestre. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 219-234.<br />

PIAGET, J. Autobiographie. Cahiers Vilfredo Pareto/Revue Européenne <strong>de</strong>s Sciences Sociales. (Les<br />

Sciences Sociales avec et après J. Piaget). Genève, v.14, n. 38/39, p. 1 - 43, 1976.<br />

______. <strong>Psicologia</strong> e Pedagogia. (1969). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1988.<br />

______. O Juízo Moral na Criança. (1932). São Paulo: Summus, 1994.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 644


A <strong>Psicologia</strong> da Educação na Concepção <strong>de</strong> Licenciandos <strong>de</strong> um Curso <strong>de</strong> Pedagogia<br />

Resumo<br />

LEPRE, Rita Melissa<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências – Bauru (SP)<br />

melissa@fc.unesp.br<br />

A pesquisa que ora apresentamos teve como objetivo verificar as concepções sobre a <strong>Psicologia</strong> da<br />

Educação <strong>de</strong> alunos ingressantes <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> Licenciatura em Pedagogia, <strong>de</strong> uma Universida<strong>de</strong><br />

pública. Para tanto, 46 licenciandos respon<strong>de</strong>ram a um questionário constituído por <strong>de</strong>z afirmações com<br />

uma escala para as respostas que variava <strong>de</strong> concordo inteiramente a discordo inteiramente. Ao analisar as<br />

respostas dos licenciandos, <strong>de</strong> forma geral, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>mos que há certa confusão <strong>de</strong> paradigmas, com<br />

concepções que misturam diferentes formas <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r um <strong>de</strong>terminado tema, <strong>de</strong>finindo um<br />

pensamento sincrético <strong>de</strong>sses alunos ingressantes sobre os temas propostos, sobretudo, o que se refere aos<br />

processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e aprendizagem. Julgamos ser tarefa da disciplina <strong>Psicologia</strong> da Educação<br />

auxiliar esses licenciandos na construção <strong>de</strong> conceitos sólidos sobre esses e outros temas pertinentes ao<br />

trabalho docente.<br />

Palavras-chave: Formação <strong>de</strong> Professores. <strong>Psicologia</strong> da Educação.<br />

Abstract<br />

This research had the goal to verify the conceptions above the Educational Psychology of stu<strong>de</strong>nts of a<br />

course of Licenciatura in Pedagogy, in a Public University. For in such a way, 46 stu<strong>de</strong>nts had answered<br />

to a questionnaire consisting of ten affirmations with a scale for the answers that varied of agrees entirely<br />

disagrees it entirely. When analyzing the answers of these stu<strong>de</strong>nts, general form, we infer that it has<br />

certain confusion of paradigms, with conceptions that mix different forms of if un<strong>de</strong>rstanding one<br />

<strong>de</strong>finitive subject, <strong>de</strong>fining a syncretism thought of these stu<strong>de</strong>nts on the consi<strong>de</strong>red subjects, over all,<br />

what concerns the <strong>de</strong>velopment processes and learning. We judge to be task of disciplines Psychology of<br />

the Education auxiliary these stu<strong>de</strong>nts in the pertinent construction of solid concepts on these and other<br />

subjects to the teaching work.<br />

Keywords: Professor’s formation. Education Psychology.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 645


Introdução<br />

A <strong>Psicologia</strong> da Educação é uma disciplina presente na maioria dos currículos dos cursos <strong>de</strong><br />

Licenciatura. Algumas vezes aparece com títulos diversos como <strong>Psicologia</strong> Educacional, <strong>Psicologia</strong> do<br />

Desenvolvimento e da Aprendizagem e até mesmo Psicopedagogia. Apesar das nuances epistemológicas<br />

e metodológicas e das especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada uma das áreas mencionadas, os currículos as apresentam,<br />

muitas vezes, como sinônimos. Neste trabalho adotamos a concepção <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da Educação, como<br />

uma disciplina-ponte entre a psicologia e a educação.<br />

Coll (2004), ao resgatar a história da <strong>Psicologia</strong> da Educação, afirma que até meados do século<br />

XX havia uma fé inquebrantável na ciência psicológica e nas pesquisas <strong>de</strong> laboratório que buscavam<br />

estabelecer leis gerais para a aprendizagem e o <strong>de</strong>senvolvimento. Sobretudo, sob a influência dos estudos<br />

<strong>de</strong> E.L. Thorndike, a psicologia era vista como uma disciplina mestra que oferecia as bases científicas à<br />

Educação, <strong>de</strong>finindo parâmetros classificatórios. “Essa visão da psicologia da educação como engenharia<br />

psicológica aplicada à educação é prepon<strong>de</strong>rante durante a primeira meta<strong>de</strong> do século XX.” (COLL,<br />

2004, p. 19).<br />

A partir da década <strong>de</strong> 60 inicia-se uma “rachadura” da fé inquebrantável na ciência psicológica e<br />

tal protagonismo começa a atenuar-se. Para Coll (2004), entre as razões que levaram a tal transformação<br />

estão as seguintes:<br />

interna;<br />

- a expansão incontrolada <strong>de</strong>ssa área do conhecimento levando a perda <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> coerência<br />

- a ausência <strong>de</strong> um conhecimento objetivo e unificado, fato comprovado pelas distintas teorias<br />

sobre o <strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem humana;<br />

- o reconhecimento da complexida<strong>de</strong> da educação e da dificulda<strong>de</strong> da aplicação direta dos<br />

conhecimentos advindos da psicologia á essa área e<br />

(COLL, 2004)<br />

- o surgimento e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> outras ciências sociais e suas contribuições à educação.<br />

Como assinalam Casanova e Berliner (1997), a psicologia da educação, que entra no<br />

século XX ocupando uma posição predominante no panorama da pesquisa educacional,<br />

chega ao seu final compartilhando esse espaço com outras ciências sociais e da educação<br />

que, muitas vezes, são tanto ou mais valorizadas que ela para abordar os problemas<br />

educacionais e melhorar a educação. (COLL, 2004, p. 20)<br />

Tal conjectura obrigou a <strong>Psicologia</strong> da Educação a rever seus pressupostos básicos e a repensar<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 646


seus alcances e limitações. De uma psicologia da educação entendida como um âmbito <strong>de</strong> aplicação da<br />

psicologia à educação passou-se a configurar uma nova conceituação <strong>de</strong>ssa como uma disciplina-ponte<br />

entre a psicologia e a educação, com abordagem e tratamento multidisciplinares. Neste sentido,<br />

a principal tarefa da psicologia da educação consiste em elaborar, tomando como ponto<br />

<strong>de</strong> partida as contribuições da psicologia científica, instrumentos teóricos, conceituais e<br />

metodológicos úteis e relevantes, para explicar e compreen<strong>de</strong>r o comportamento humano<br />

nos ambientes educacionais e po<strong>de</strong>r intervir neles. (COLL, 2004, p. 24).<br />

Dentre as contribuições <strong>de</strong>ssa disciplina para a formação <strong>de</strong> professores está o estudo <strong>de</strong> diferentes<br />

teorias que abordam o tema do <strong>de</strong>senvolvimento e da aprendizagem humana, entre elas, aquelas<br />

consi<strong>de</strong>radas interacionistas, como a <strong>Epistemologia</strong> Genética, <strong>de</strong> Jean Piaget.<br />

Há diferentes formas <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem humana, a partir <strong>de</strong><br />

referenciais que po<strong>de</strong>m ser racionalistas (inatistas), empiristas (ambientalistas) ou interacionistas<br />

(construtivistas). Segundo Becker (2001), há também diferentes formas <strong>de</strong> se representar a relação<br />

ensino-aprendizagem a partir <strong>de</strong>ssas concepções, traduzidas em distintos mo<strong>de</strong>los pedagógicos<br />

sustentados por certos mo<strong>de</strong>los epistemológicos. Vejamos.<br />

Referencial Teórico<br />

Como ocorre o <strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem humana? Essa pergunta po<strong>de</strong> ser respondida <strong>de</strong><br />

maneira diversa, <strong>de</strong> acordo com a concepção adotada por aquele que a respon<strong>de</strong>.<br />

Segundo a concepção racionalista, ou inatista, o <strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem estão<br />

submetidos à or<strong>de</strong>m genética dos indivíduos, ou seja, todo o conhecimento humano está disponível, em<br />

sua forma inicial, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento. Há ênfase nos fatores endógenos ou hereditários, expressos nos<br />

aspectos que os indivíduos já trazem ao nascer. Dessa forma, tanto o <strong>de</strong>senvolvimento como a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem, estão pré-programados na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> biológica do indivíduo.<br />

apriorista.<br />

Para Becker (2001, p.20) , a o mo<strong>de</strong>lo epistemológico que embasa tal concepção é o mo<strong>de</strong>lo<br />

“Apriorismo” vem <strong>de</strong> a priori, isto é, aquilo que é posto antes como condição do que vem<br />

<strong>de</strong>pois. – O que é posto antes? – A bagagem hereditária. Essa epistemologia acredita que<br />

o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética. (...)<br />

Tudo está previsto.<br />

Dessa forma, a interferência do meio físico e social <strong>de</strong>ve ser mínima, para que as capacida<strong>de</strong>s inatas<br />

se <strong>de</strong>senvolvam naturalmente. Becker (2001) afirma que este é o pressuposto epistemológico da<br />

pedagogia não-diretiva, representada na psicologia pelas teorias da Gestalt e o humanismo <strong>de</strong> Carl<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 647


Rogers.<br />

O professor não-diretivo é aquele que interfere o mínimo possível na aprendizagem e no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do aluno. É este último quem dirige o processo pedagógico e são suas condições prévias<br />

que <strong>de</strong>terminam a atuação do professor.<br />

O professor não-diretivo acredita que o aluno apren<strong>de</strong> por si mesmo. Ele po<strong>de</strong>, no<br />

máximo, auxilia a aprendizagem do aluno, <strong>de</strong>spertando o conhecimento que já existe<br />

nele. – Ensinar? – Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno. (BECKER, 2001, p. 20).<br />

Contrariamente, segundo a concepção empirista ou ambientalista, os indivíduos não trazem nada<br />

consigo em virtu<strong>de</strong> do nascimento, são como uma folha em branco que necessitará <strong>de</strong> traços impressos<br />

pelo meio durante toda a vida. Tal concepção confere gran<strong>de</strong> importância ao ambiente no que se refere ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e à aprendizagem humana. Na <strong>Psicologia</strong>, teorias como as <strong>de</strong> Thordinke e Watson<br />

(Behaviorismo metodológico) são a<strong>de</strong>ptas <strong>de</strong>ssa concepção.<br />

Segundo Becker (2001, p. 17), o mo<strong>de</strong>lo epistemológico empirista sustenta a pedagogia diretiva.<br />

É assim o sujeito na visão epistemológica <strong>de</strong>sse professor: uma folha <strong>de</strong> papel em branco.<br />

Então, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem o seu conhecimento (conteúdo) e a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer<br />

(estrutura)? Vem do meio físico e social.<br />

O professor diretivo é aquele que <strong>de</strong>fine exatamente o que o aluno <strong>de</strong>ve apren<strong>de</strong>r e que acredita no<br />

mito da transmissão do conhecimento. O aluno é concebido como um ser passivo que vai se <strong>de</strong>senvolver<br />

e apren<strong>de</strong>r por meio das pressões externas e <strong>de</strong> um trabalho rigidamente dirigido pelo professor. Nesse<br />

sentido, o único polo autorizado a ensinar é o do professor, é ele quem fala, quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, quem po<strong>de</strong>,<br />

quem manda, ou seja, é autorida<strong>de</strong> máxima e impenetrável.<br />

Para a concepção interacionista ou construtivista, o <strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem são vistos<br />

como resultados da interação entre o indivíduo e o meio físico e social no qual está inserido. Para essa<br />

concepção os indivíduos não estão prontos ao nascer (inatismo) e nem nascem como uma folha em<br />

branco (ambientalismo). Defen<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o conhecimento é algo construído durante toda a vida,<br />

por meio da interação entre fatores internos e externos.<br />

O ser humano é concebido como um ser ativo que ao interagir com o mundo, o reconstrói,<br />

<strong>de</strong>senvolvendo novas estruturas cognitivas. Algumas possibilida<strong>de</strong>s, a criança já apresenta em função do<br />

seu nascimento como, por exemplo, os reflexos e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentar-se e usar os sentidos, e<br />

outras serão construídas através da interação da criança com o meio.<br />

Becker (2001) afirma que este é o pressuposto epistemológico da pedagogia relacional,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 648


epresentada na psicologia, sobretudo, pela <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong> Genética, <strong>de</strong> Jean Piaget.<br />

O professor construtivista não acredita no ensino, em seu sentido convencional ou<br />

tradicional, pois não acredita que um conhecimento (conteúdo) e uma condição prévia <strong>de</strong><br />

conhecimento (estrutura) possam transitar, por força do ensino, da cabeça do professor<br />

para a cabeça do aluno. (BECKER, 2001, p. 24)<br />

Dessa forma, o professor construtivista é um mediador na construção da aprendizagem por parte<br />

do aluno. Não é ele, o professor, quem transmite o conhecimento, mas é ele quem possibilita situações<br />

potencialmente <strong>de</strong>sequilibradoras para que os alunos, por meio <strong>de</strong> seus mecanismos internos <strong>de</strong><br />

assimilação e acomodação, possam construir novos conhecimentos.<br />

Na Educação e na <strong>Psicologia</strong>, o termo Construtivismo está diretamente relacionado à<br />

<strong>Epistemologia</strong> Genética, <strong>de</strong> Jean Piaget.<br />

A posição filosófica <strong>de</strong> que o conhecimento humano é uma construção do próprio<br />

homem, tanto coletiva como individual, é bastante antiga. Mas neste século, Piaget é, sem<br />

dúvida, o pioneiro do enfoque construtivista à cognição humana. Suas propostas<br />

configuram uma teoria construtivista do <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo humano.<br />

(MOREIRA, 1999, p. 95).<br />

Como afirmamos anteriormente, a <strong>Psicologia</strong> da Educação, enquanto disciplina dos cursos <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> professores, po<strong>de</strong> contribuir para o conhecimento <strong>de</strong> diferentes teorias que abordam o tema<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento e da aprendizagem humana em suas diversas concepções. No entanto, ao ingressar<br />

em um curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, como a Licenciatura em Pedagogia, os alunos já trazem consigo<br />

algumas concepções sobre <strong>Psicologia</strong>, Desenvolvimento e Aprendizagem que po<strong>de</strong>m interferir na sua<br />

relação inicial com essa disciplina. Julgamos importante conhecer tais concepções para que o trabalho <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> professores parta da realida<strong>de</strong> dos alunos ingressantes, na busca do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma<br />

disciplina que se converta em espaço <strong>de</strong> reflexão e construção coletiva do conhecimento.<br />

Objetivos<br />

A pesquisa que ora apresentamos teve como objetivo verificar as concepções sobre a <strong>Psicologia</strong> da<br />

Educação <strong>de</strong> alunos ingressantes <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> Licenciatura <strong>de</strong> Pedagogia, <strong>de</strong> uma Universida<strong>de</strong><br />

pública.<br />

Metodologia<br />

Participaram da pesquisa 46 alunos ingressantes <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> Licenciatura em Pedagogia <strong>de</strong><br />

uma Universida<strong>de</strong> pública. Os alunos respon<strong>de</strong>ram a um questionário que trazia <strong>de</strong>z afirmações<br />

relacionadas à <strong>Psicologia</strong> da Educação e uma escala para as respostas, com as seguintes possibilida<strong>de</strong>s:<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 649


(a) concordo inteiramente, (b) concordo mais ou menos, (c) nem concordo, nem discordo, (d) discordo<br />

mais ou menos e (e) discordo inteiramente.<br />

A aplicação foi realizada no primeiro dia <strong>de</strong> aula da disciplina <strong>Psicologia</strong> da Educação e os alunos<br />

tiveram 30 minutos para respon<strong>de</strong>r às questões propostas.<br />

Resultados e análise dos dados<br />

A primeira questão afirmava “A <strong>Psicologia</strong> é uma área <strong>de</strong> conhecimento imprescindível à<br />

Educação”. Dentre as respostas, 42 participantes (91,5%) escolheram a opção (a) concordo inteiramente,<br />

03 participantes (6,5%) optaram pela resposta (b) concordo mais ou menos e 01 participante (3%)<br />

respon<strong>de</strong>u (d) discordo mais ou menos. As respostas obtidas revelam que, para esses alunos ingressantes,<br />

a <strong>Psicologia</strong> é imprescindível à Educação. Tal concepção po<strong>de</strong> estar aliada a uma posição inicial ocupada<br />

pela <strong>Psicologia</strong> na Educação, como disciplina mestra, como vimos inicialmente em Coll (2004).<br />

A segunda questão afirmava “A <strong>Psicologia</strong> da Educação tem como objetos centrais <strong>de</strong> estudo o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem humana”. Dentre as respostas, 28 participantes respon<strong>de</strong>ram (a)<br />

concordo inteiramente, 17 participantes optaram pela resposta (b) concordo mais ou menos e 01<br />

participante respon<strong>de</strong>u (c) nem concordo, nem discordo. Tais respostas revelam que esse grupo <strong>de</strong><br />

licenciandos, ingressantes, acredita que a ênfase da disciplina <strong>Psicologia</strong> da Educação está nos processos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e aprendizagem, o que, <strong>de</strong> alguma forma, é reforçado pelos textos e pesquisas na<br />

área.<br />

A terceira questão afirmava “O professor que tem conhecimentos sobre a <strong>Psicologia</strong> consegue<br />

analisar os comportamentos <strong>de</strong> seus alunos”. Tal questão foi formulada com o intuito <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r se, para<br />

esses licenciandos, a <strong>Psicologia</strong> é entendida a partir <strong>de</strong> uma posição normativa, que <strong>de</strong>fine o que é certo<br />

ou errado e normal ou patológico, oferecendo dados para que o professor “analise” seus alunos, papel<br />

esse que não <strong>de</strong>ve ser assumido por esse profissional. Dentre os respon<strong>de</strong>ntes, 24 respon<strong>de</strong>ram (b)<br />

concordo mais ou menos, 21 optaram por (a) concordo plenamente e apenas 01 respon<strong>de</strong>u (d) discordo<br />

mais ou menos.<br />

A quarta questão afirmava “A <strong>Psicologia</strong> da Educação é uma disciplina-ponte entre a <strong>Psicologia</strong> e<br />

a Educação”. Dentre as respostas, 33 participantes optaram pela (a) concordo inteiramente, 08 pela (b)<br />

concordo mais ou menos, 02 pela (c) nem concordo, nem discordo, 01 pela (d) discordo mais ou menos e<br />

02 pela (e) discordo inteiramente. O resultado nos revela que a maioria dos participantes concorda com a<br />

posição explicitada por Coll (2004) <strong>de</strong> que a <strong>Psicologia</strong> da Educação é uma disciplina ponte entre a<br />

<strong>Psicologia</strong> e a Educação, “com um objeto <strong>de</strong> estudo próprio e, sobretudo, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar um<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 650


conhecimento novo acerca <strong>de</strong>sse objeto <strong>de</strong> estudo” (COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004, p. 26).<br />

A quinta questão afirmava “A <strong>Psicologia</strong> da Educação não é uma disciplina em sentido estrito,<br />

visto que não tem um objeto <strong>de</strong> estudo próprio, mas simplesmente um campo <strong>de</strong> aplicação da <strong>Psicologia</strong>”.<br />

Para respon<strong>de</strong>r a essa questão, 16 participantes optaram pela (b) concordo mais ou menos, 11 optaram<br />

pela (a) concordo inteiramente, 08 pela (c) nem concordo, nem discordo, 08 pela (d) discordo mais ou<br />

menos e 03 pela (e) discordo inteiramente. Nesta questão pu<strong>de</strong>mos notar que, apesar da maioria ter dito<br />

que concorda que a <strong>Psicologia</strong> seja entendida como disciplina-ponte entre e a <strong>Psicologia</strong> e a Educação,<br />

nessa questão, também a maioria afirma que ela não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada uma disciplina por não ter um<br />

objeto próprio <strong>de</strong> estudo. Po<strong>de</strong>mos notar que há uma certa “confusão” na <strong>de</strong>finição da <strong>Psicologia</strong> da<br />

Educação e sua possível aplicação.<br />

A sexta questão afirmava “A <strong>Psicologia</strong> auxilia o professor a <strong>de</strong>terminar o que é normal e<br />

patológico no comportamento <strong>de</strong> um aluno, oferecendo parâmetros <strong>de</strong> avaliação psicológica”. Dentre as<br />

respostas, 28 participantes optaram pela (a) concordo inteiramente, 11 pela (b) concordo mais ou menos,<br />

03 pela (c) nem concordo, nem discordo e 04 pela (d) discordo mais ou menos. A maioria dos<br />

respon<strong>de</strong>ntes concorda com a afirmação, o que revela uma concepção <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> como uma área do<br />

conhecimento que po<strong>de</strong> oferecer à Educação parâmetros <strong>de</strong> avaliação psicológica, <strong>de</strong>finindo o que é<br />

normal e patológico. Tal visão, já havia sido constatada nas respostas da terceira questão. A adoção <strong>de</strong>ssa<br />

concepção por parte do professor po<strong>de</strong> gerar situações ina<strong>de</strong>quadas na sala <strong>de</strong> aula, como, por exemplo,<br />

dividir os alunos entre aqueles que po<strong>de</strong>m e aqueles que não po<strong>de</strong>m apren<strong>de</strong>r, aqueles que terão sucesso e<br />

aqueles que fracassarão ou aqueles que possuem alguma patologia que não os <strong>de</strong>ixa apren<strong>de</strong>r, como<br />

dislexia, déficit <strong>de</strong> atenção e outros termos médicos.<br />

A sétima questão afirmava “O <strong>de</strong>senvolvimento humano está subordinado às novas aprendizagens<br />

e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, sobretudo, das experiências vividas pelos sujeitos”. Para essa questão, 25 optaram pela<br />

resposta (a) concordo inteiramente, 15 pela (b) concordo mais ou menos, 01 pela (c) nem concordo, nem<br />

discordo, 04 pela (d) discordo mais ou menos e 01 pela (e) discordo inteiramente. Essa afirmação traz<br />

embutida uma concepção ambientalista (empirista) <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e aprendizagem que foi aprovada<br />

pela maioria dos licenciandos participantes.<br />

A oitava questão afirmava “A aprendizagem humana está subordinada ao <strong>de</strong>senvolvimento, sendo<br />

o resultado <strong>de</strong> maturações neurológicas.” Dentre os respon<strong>de</strong>ntes, 23 optaram pela (b) concordo mais ou<br />

menos, 13 pela (a) concordo inteiramente, 03 pela (c) nem concordo, nem discordo, 04 pela (d) discordo<br />

mais ou menos e 03 pela (e) discordo inteiramente. Ao contrário da sétima questão, essa afirmação traz<br />

embutida uma concepção inatista (racionalista) <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e aprendizagem, que,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 651


paradoxalmente, também foi aprovada pela maioria dos licenciandos do curso <strong>de</strong> Pedagogia.<br />

Acreditamos que tal fato se <strong>de</strong>va ao não conhecimento das teorias que têm como objetos <strong>de</strong><br />

investigação o <strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem humana, assim como as diferentes formas <strong>de</strong> se<br />

conceber e refletir sobre tais temas. A disciplina <strong>Psicologia</strong> da Educação, terá, entre outros objetivos, a<br />

tarefa <strong>de</strong> trabalhar com esse grupo <strong>de</strong> licenciandos essas questões.<br />

A nona questão afirmava “Os seres humanos se <strong>de</strong>senvolvem e apren<strong>de</strong>m na interação com o meio<br />

e com seus semelhantes”. Para essa questão, 39 licenciandos optaram pela resposta (a) concordo<br />

inteiramente e 07 pela (b) concordo mais ou menos. Notamos que todos os respon<strong>de</strong>ntes, em maior ou<br />

menor grau, concordam com a afirmação. Po<strong>de</strong>mos sugerir que, tal forma <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem humana vêm sendo veiculada pelos discursos educacionais há muito<br />

tempo, o que se revela na resposta dos participantes, ainda que algumas práticas pedagógicas não<br />

expressem esse entendimento. Nóvoa (1999), no artigo “Os professores na virada do milênio: do excesso<br />

<strong>de</strong> discurso á pobreza das práticas”, abordou esse tema ao analisar a realida<strong>de</strong> discursiva que marca<br />

gran<strong>de</strong> parte dos textos sobre Educação. O autor faz uma análise da situação docente, levantando as<br />

seguintes questões:<br />

[…] do excesso da retórica política e dos mass-media à pobreza das políticas educativas;<br />

do excesso das linguagens dos especialistas internacionais à pobreza dos programas <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> professores; do excesso do discurso científico-educacional à pobreza das<br />

práticas pedagógicas e do excesso das “vozes” dos professores à pobreza das práticas<br />

associativas docentes. (NÓVOA, 1999, p. 1).<br />

A décima questão afirmava “Para apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong>terminados conteúdos é preciso ter dom, como por<br />

exemplo, para apren<strong>de</strong>r a tocar um instrumento musical”. Dentre as respostas, 16 optaram pela (b)<br />

concordo mais ou menos, 14 pela (e) discordo inteiramente, 10 pela (d) discordo mais ou menos, 04 pela<br />

(a) concordo inteiramente e 02 pela (c) nem concordo, nem discordo. Pelas respostas po<strong>de</strong>mos inferir que<br />

no que se refere a essa questão, a opinião dos licenciandos fica dividida entre concordar e não concordar<br />

com tal afirmação. O objetivo <strong>de</strong>ssa pergunta foi o <strong>de</strong> verificar concepções amparadas no paradigma<br />

inatista (racionalista) que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que as pessoas nascem prontas, o que inclui, obviamente, os dons e<br />

propensões.<br />

Ao analisar as respostas dos licenciandos, <strong>de</strong> forma geral, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>mos que há certa confusão <strong>de</strong><br />

paradigmas, com concepções que misturam diferentes formas <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r um <strong>de</strong>terminado tema,<br />

<strong>de</strong>finindo um pensamento sincrético <strong>de</strong>sses alunos ingressantes sobre os temas propostos. Será tarefa da<br />

disciplina <strong>Psicologia</strong> da Educação, como já afirmamos, auxiliar esses licenciandos na construção <strong>de</strong><br />

conceitos sólidos sobre esses e outros temas pertinentes ao trabalho docente.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 652


Conclusão<br />

A <strong>Psicologia</strong> da Educação ocupa um importante lugar na formação inicial <strong>de</strong> professores. O<br />

estudo que ora apresentamos revela que os alunos ingressantes do curso <strong>de</strong> Pedagogia em questão<br />

apresentam concepções diversas sobre alguns importantes temas referentes ao trabalho docente.<br />

Julgamos <strong>de</strong> extrema importância que a <strong>Psicologia</strong> da Educação, enquanto área <strong>de</strong> fundamentos da<br />

Educação, possa esclarecer a esses alunos, entre outras coisas, as diferentes formas <strong>de</strong> se <strong>de</strong>screver e<br />

analisar o <strong>de</strong>senvolvimento e a aprendizagem humana. Tal feito é necessário, a nosso ver, para que esses<br />

futuros professores construam sua docência, amparados por teorias e pesquisas que, por sua vez, revelam<br />

o caráter científico da profissão docente.<br />

Defen<strong>de</strong>mos que a concepção interacionista, expressa pela Pedagogia Relacional (BECKER,<br />

2001), é a forma mais a<strong>de</strong>quada para se tratar as questões educacionais que envolvem, minimamente, três<br />

gran<strong>de</strong>s polos: alunos, professores e conteúdos <strong>de</strong> aprendizagem. Outrossim, estamos esclarecidos que tal<br />

fato se expressa por uma posição teórica, adotada por nós, enquanto pesquisadores.<br />

A <strong>Psicologia</strong> da Educação, enquanto disciplina, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um excelente espaço para<br />

essas e outras discussões!<br />

Referências<br />

BECKER, F. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: ArtMed, 2001.<br />

COLL, C. Concepções e tendências atuais em <strong>Psicologia</strong> da Educação. In. COLL, C., MARCHESI, A.;<br />

PALÁCIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação escolar. 2.ed. Porto<br />

Alegre: ArtMed, 2004.<br />

MOREIRA, M. A. Teorias <strong>de</strong> aprendizagem. São Paulo: E.P.U., 1999.<br />

NÓVOA, A. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educ.<br />

Pesqui. Vol. 25, n.º 1. São Paulo Jan./Jun. 1999.<br />

PIAGET, J. Seis estudos <strong>de</strong> psicologia. 24.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 2003.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 653


A Influência do Projeto “A Formação do Professor e a Educação Ambiental”, no Conhecimento,<br />

Valores, Atitu<strong>de</strong>s e Crenças dos Alunos do Ensino Fundamental<br />

Resumo<br />

BRAGA, Adriana R.<br />

Mantovani <strong>de</strong> Assis, Orly Z.<br />

Laboratório <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> Genética - Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação<br />

UNICAMP/ Campinas/ Brasil<br />

bragadri@uol.com.br<br />

lpgunicamp@sigmanet.com.br<br />

Esta pesquisa teve como objetivo avaliar e verificar se uma intervenção em forma <strong>de</strong> curso e orientação<br />

pedagógica, fundamentada na teoria construtivista piagetiana sobre meio ambiente, ministrada aos<br />

professores, provoca ou não uma mudança nas atitu<strong>de</strong>s, conhecimento, crenças e valores dos seus alunos.<br />

A pesquisa foi realizada com alunos do Ensino Fundamental do município <strong>de</strong> Itapira, cujos professores<br />

participaram do projeto “A Formação do Professor e a Educação Ambiental” e por alunos <strong>de</strong> um grupo<br />

controle, pertencente ao mesmo município, ao mesmo sistema <strong>de</strong> ensino e da mesma faixa etária dos<br />

alunos do grupo experimental, todos foram selecionados <strong>de</strong> forma aleatória. Trata-se <strong>de</strong> uma pesquisação<br />

com análise qualitativa e quantitativa a partir da investigação <strong>de</strong> sujeitos com diferentes ida<strong>de</strong>s a partir <strong>de</strong><br />

situações-problema, representadas por meio <strong>de</strong> histórias, utilizando-se o <strong>de</strong>senho como procedimento e<br />

realizando-se intervenções, por meio <strong>de</strong> questionamentos, seguindo o Método Clínico ou Crítico <strong>de</strong> Jean<br />

Piaget. Essas histórias continham, além <strong>de</strong> um conflito envolvendo a problemática ambiental outro <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m moral, social e <strong>de</strong> relacionamento com o intuito <strong>de</strong> não os induzir apenas a questão ambiental. As<br />

entrevistas, nesta pesquisa, iniciaram-se com o questionamento do que as crianças gostaram ou não na<br />

história. A partir <strong>de</strong>ssas observações, foram-lhes formuladas perguntas, a partir das i<strong>de</strong>ias manifestadas<br />

pelos sujeitos, levando-se sempre em conta a i<strong>de</strong>ia prévia <strong>de</strong>les em relação às histórias e às situações<br />

apresentadas, acompanhando suas interpretações e procurando, sempre que possível, solicitar-lhes justificativas,<br />

explicações e até, em alguns momentos, questionamentos sobre suas respostas, a fim <strong>de</strong> se<br />

conhecer melhor a convicção <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias. Coletados os dados e registrados nos protocolos, constatouse<br />

que as respostas dos sujeitos permitiam a análise dos resultados, dividindo-as em categorias, cuja<br />

quantida<strong>de</strong> diferenciou-se em cada história. A organização das categorias seguiu uma or<strong>de</strong>m crescente <strong>de</strong><br />

elaboração das respostas, levando-se em consi<strong>de</strong>ração os conhecimentos, valores, atitu<strong>de</strong>s e crenças<br />

<strong>de</strong>sses alunos em relação aos problemas ambientais apresentados.<br />

Palavras-Chave: Formação <strong>de</strong> professores. Educação. Meio ambiente.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 654


Abstract<br />

This study aimed to evaluate and verify whether an intervention in the form of course and tutoring, based<br />

on the constructivist theory of Piaget on environmental issues, when applied to teachers, can produce<br />

changes in attitu<strong>de</strong>s, knowledgement, beliefs and values of theirs stu<strong>de</strong>nts. The research was conducted<br />

with elementary school stu<strong>de</strong>nts from the municipality of Itapira, whose teachers participated in the<br />

project "The Teacher's Training and Environmental Education" for stu<strong>de</strong>nts and a control group<br />

belonging to the same city at the same education and the same range age of stu<strong>de</strong>nts in the experimental<br />

group, all were selected at random. It was applied the methodology based on action research with<br />

qualitative and quantitative analysis from the investigation of subjects with different ages from problemsituations,<br />

represented by means of stories, using the <strong>de</strong>sign procedure and how and where interventions<br />

by means of questioning , following the Clinical Method of Jean Piaget. These stories contain, in addition<br />

to an environmental conflict, several others problems of moral, social and relationship, in or<strong>de</strong>r to avoid<br />

induction to the environmental issues. The interviews began asking how did the children liked the story<br />

or not. From these observations, the questions were raised from the i<strong>de</strong>as expressed by the subjects,<br />

taking in mind theirs i<strong>de</strong>as on previous stories and with the presented situations, following its<br />

interpretations and seeking, where possible the justifications, explanations and even, sometimes,<br />

questions about their responses in or<strong>de</strong>r to better un<strong>de</strong>rstand how strong the i<strong>de</strong>as were. The data<br />

collected and recor<strong>de</strong>d in the protocols, allowed that the answers of the subjects were analysed in<br />

different categories, at each story. The organization of the categories followed an increasing or<strong>de</strong>r of<br />

elaboration of the answers, taking into account the knowledgement, values, attitu<strong>de</strong>s and beliefs of these<br />

stu<strong>de</strong>nts related to the environmental issues presented.<br />

Keywords: Teacher training. Education. Environment.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 655


Introdução<br />

Atualmente, a socieda<strong>de</strong> sofre uma profunda crise a qual não po<strong>de</strong>mos caracterizar como<br />

ambiental mas, sim, civilizatória, pois é a forma estabelecida pelo homem <strong>de</strong> exploração dos recursos<br />

naturais, associada à exploração cruel, resultando no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação ambiental em que vivemos.<br />

Mais do que uma simples visão romântica sobre o meio ambiente, é necessária uma mudança<br />

drástica nos padrões <strong>de</strong> consumo, principalmente, nas tendências predominantes, já que o planeta não<br />

suportará o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento adotado pelo homem. O conceito que o ser humano tem sobre<br />

progresso conota na realida<strong>de</strong>, apenas um aumento na taxa <strong>de</strong> exploração, cuja consequência é a<br />

<strong>de</strong>struição <strong>de</strong>senfreada e insubstituível do planeta.<br />

A socieda<strong>de</strong> enxerga a natureza não só como uma mera fornecedora <strong>de</strong> recursos abundantes e<br />

inesgotáveis, mas também como um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> esgoto e lixo cuja capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção é<br />

infinita.<br />

O ser humano precisa compreen<strong>de</strong>r que, por viver em grupo, qualquer ação ou atitu<strong>de</strong> que venha a<br />

agredir o ambiente em que vive, irá repercutir na coletivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser um problema individual,<br />

tornando-se social. No entanto, é preciso reconhecer que essa relação é sistêmica, já que a socieda<strong>de</strong> é<br />

uma das principais responsáveis na formação dos valores do indivíduo. Piaget (1965, p.17) coloca que<br />

“O conhecimento é essencialmente coletivo e a vida social constitui um dos fatores essenciais da<br />

formação e do crescimento dos conhecimentos pré-científicos e científicos” .<br />

A Educação Ambiental nasce pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se renovar o mundo, pois vivemos num<br />

momento <strong>de</strong> insatisfação com o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e ambiental em que estamos inseridos,<br />

já que a gran<strong>de</strong> maioria está distante <strong>de</strong> vivenciar a experiência <strong>de</strong> ser respeitada como ser humano, que<br />

merece e <strong>de</strong>ve ter qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

As questões ambientais, precisam <strong>de</strong>spertar, na socieda<strong>de</strong>, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se abolir o<br />

pensamento fragmentado e começar a enxergar o meio ambiente, assim como as soluções para as<br />

<strong>de</strong>ficiências <strong>de</strong>le, com uma visão unificada e integrada, tendo como propostas filosóficas o resgate e a<br />

busca por valores éticos, <strong>de</strong>mocráticos e humanistas. O individualismo, o sucesso a qualquer preço, a<br />

valorização das questões materiais acima da própria existência humana caminham em sentidos opostos<br />

das necessida<strong>de</strong>s ambientais.<br />

Por <strong>de</strong>sconhecermos e não estarmos preparados para aproveitar situações reais do entorno, nós<br />

educadores, trabalhamos a educação ambiental ainda presos nos conteúdos dos livros didáticos.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 656


Ensinando <strong>de</strong> maneira empírica e distante da realida<strong>de</strong>, conteúdos que, na prática, po<strong>de</strong>m ser substituídos<br />

e vivenciados na própria região; valorizando a cultura e a história, a partir do levantamento dos problemas<br />

ambientais do município, bairro, escola ou da própria classe.<br />

As propostas <strong>de</strong> Educação Ambiental, na gran<strong>de</strong> maioria das escolas, abordam a temática apenas<br />

formalmente, utilizando-se <strong>de</strong> estratégia na qual os problemas ambientais são tratados como disciplina ou<br />

matéria <strong>de</strong>ntro das ciências, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scontextualizada, omitindo-se as principais <strong>de</strong>terminantes. Para<br />

solucionarmos a problemática ambiental, precisaremos <strong>de</strong> cidadãos conscientes do seu papel no meio em<br />

que estão inseridos e, acima <strong>de</strong> tudo, mudanças em suas próprias posturas e valores.<br />

O professor tem por objetivo formar cidadãos conscientes e autônomos; entretanto, na prática, em<br />

sala <strong>de</strong> aula, não consegue trabalhar <strong>de</strong> maneira coerente com esse objetivo, pois entre outros fatores,<br />

<strong>de</strong>sconhece formas <strong>de</strong> como os alcançar. O <strong>de</strong>spreparo na formação do educador para trabalhar essas<br />

questões fica evi<strong>de</strong>nte quando, em inúmeras situações, trazidas pelos alunos sobre problemáticas <strong>de</strong> seu<br />

meio, as quais po<strong>de</strong>riam ser aproveitadas <strong>de</strong> maneira a<strong>de</strong>quada por ele, são ignoradas, <strong>de</strong>ixando com isso<br />

<strong>de</strong> se trabalharem questões conceituais importantes que po<strong>de</strong>riam auxiliar na conscientização dos<br />

educandos.<br />

Como po<strong>de</strong>remos, então, formar cidadãos livres, autônomos e conscientes do seu papel <strong>de</strong> garantir<br />

a sobrevivência das atuais e futuras gerações numa socieda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sconhece e não consi<strong>de</strong>ra as leis da<br />

natureza, as quais são universais e categóricas, e que as utiliza quase sempre como um meio, e não um<br />

fim em si mesma?<br />

Precisamos compreen<strong>de</strong>r que a ética que utilizamos para as questões ambientais é a mesma que<br />

utilizamos nas relações com os seres humanos, pois os valores são os mesmos, o que muda são as<br />

atitu<strong>de</strong>s, as quais estão, porém, embasadas numa mesma ética.<br />

Josep Maria Puig (1988), em seu livro Ética e Valores: métodos para um ensino transversal,<br />

reforça que a educação moral não tem, simplesmente, a função <strong>de</strong> impor regras e valores, mas sim,<br />

oportunizar aos alunos uma análise crítica da realida<strong>de</strong> cotidiana e, a partir disso, criar condutas<br />

exclusivamente pessoais, embasadas na justiça e na melhor forma <strong>de</strong> convivência.<br />

É importante percebermos que as questões ambientais estão inseridas em vários temas como:<br />

preconceito,violência, má distribuição <strong>de</strong> renda, <strong>de</strong>srespeito no relacionamento humano, <strong>de</strong>sperdícios,<br />

mau uso dos recursos naturais, <strong>de</strong>svalorização da vida e tantos outros, que são reflexos do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong> em que estamos inseridos. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se trabalhar com os alunos ativida<strong>de</strong>s que lhes<br />

propiciem reflexões e vivências.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 657


Referencial teórico<br />

A proposta construtivista piagetiana tem como principais i<strong>de</strong>ias o dinamismo e a mobilida<strong>de</strong> das<br />

organizações cognitivas, produto das interações entre o sujeito e o meio, visando assim à construção do<br />

conhecimento. Para Piaget (1974), o conhecimento está relacionado aos instrumentos que o sujeito possui<br />

para compreen<strong>de</strong>r o meio com o qual interage, conhecimento este que constrói, a partir <strong>de</strong> estágios que se<br />

<strong>de</strong>senvolvem, obe<strong>de</strong>cendo a uma escala qualitativa através <strong>de</strong> suas interações e ações sobre o objeto.<br />

Barry J. Wadsworth (1997, p.15), afirma que “os atos intelectuais são entendidos como atos <strong>de</strong><br />

organização e <strong>de</strong> adaptação ao meio”.<br />

A teoria <strong>de</strong> Piaget procura explicar o funcionamento das estruturas mentais, as quais estão<br />

inseridas no conjunto <strong>de</strong> todas as outras estruturas biológicas do ser vivo, isto é, o funcionamento das<br />

primeiras é comum a todos os seres humanos como os <strong>de</strong>mais sistemas do corpo. São estruturas pré-<br />

formadas no organismo e passam a se diferenciar e especializar em relação às regulações fisiológicas, ao<br />

interagirem com o meio.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento intelectual está diretamente ligado às experiências sociais do sujeito, pois esse<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das interações sociais. Segundo Barry Wadsworth (1997), a interação do<br />

social, na teoria piagetiana, é uma das quatro variáveis primárias do <strong>de</strong>senvolvimento, servindo como um<br />

“guarda-portão” do <strong>de</strong>senvolvimento intelectual.<br />

Além <strong>de</strong> explicar o funcionamento das estruturas mentais, a teoria <strong>de</strong> Piaget também esclarece o<br />

caminho que o indivíduo percorre para construir essas estruturas, salientando que a velocida<strong>de</strong> com que<br />

cada indivíduo passa <strong>de</strong> um estágio para outro será <strong>de</strong>terminada pela sua interação com o meio físico e<br />

social.<br />

Segundo Mantovani <strong>de</strong> Assis (2000), essas estruturas organizadas do pensamento não são estáticas<br />

e seguem um processo <strong>de</strong> reorganização hierárquica, segundo a qual evoluem, normalmente, em função<br />

da ida<strong>de</strong> e do nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo. Embora sigam sempre a mesma or<strong>de</strong>m, o período que<br />

um sujeito leva para sair <strong>de</strong> um estágio cognitivo e atingir o próximo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá muito das suas interações<br />

com o meio. Não <strong>de</strong>vemos esquecer que a estrutura cognitiva seguinte será sempre superior à dos níveis<br />

anteriores, servindo como base para a próxima.<br />

O conhecimento não é um simples registro do mundo exterior e nem uma cópia da realida<strong>de</strong>, mas<br />

sim, uma organização das estruturas que o sujeito possui para conhecer o meio no qual está inserido. O<br />

sujeito não conhece o mundo tal qual ele é, mas como as suas estruturas possibilitam que o conheça;<br />

assim, o conhecimento, na sua gênese, não vem dos objetos e nem do sujeito, mas das interações entre<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 658


ambos.<br />

Os conceitos sobre meio ambiente são construídos e precisam ser ensinados da mesma forma<br />

como se trabalham matemática, português e outros. Devemos nos convencer <strong>de</strong> que a conscientização<br />

ecológica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento lógico-matemático, extremamente necessário para<br />

a compreensão das relações <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência entre os seres vivos e não vivos do Planeta e do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento social e afetivo, pois somente valores morais como: cooperação, reciprocida<strong>de</strong>, respeito<br />

mútuo, autonomia e solidarieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rão auxiliar na construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais justa e <strong>de</strong> um<br />

meio ambiente saudável a todos os seres que pertencem e que ainda pertencerão à Terra.<br />

Desenvolvimento da Pesquisa<br />

O Projeto “A Formação do professor e a Educação Ambiental”<br />

Visando a capacitação <strong>de</strong> professores do 1º e 2º ciclos do ensino fundamental, este projeto foi<br />

realizado no município <strong>de</strong> Itapira, cida<strong>de</strong> com aproximadamente 70 mil habitantes, e localizada no<br />

interior do estado <strong>de</strong> São Paulo - Brasil. Contando com financiamento da Fundação ABRINQ 92 , o Projeto<br />

“A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL”, teve duração <strong>de</strong> 30 meses,<br />

divididos em encontros semanais <strong>de</strong> 4 horas <strong>de</strong>dicados a trabalhar transversalmente a educação ambiental<br />

em suas escolas 93 .<br />

O trabalho procurou transformar o fazer pedagógico, aperfeiçoando o professor para que, a partir<br />

<strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> formação continuada, pu<strong>de</strong>sse substituir o conhecimento baseado no senso comum pelo<br />

formalizado, explicitado e científico. Com esse aperfeiçoamento e investimento na formação do professor<br />

e, conseqüentemente, com as transformações <strong>de</strong> sua concepção pedagógica e <strong>de</strong> sua atuação em sala <strong>de</strong><br />

aula, passando a trabalhar com a educação ambiental <strong>de</strong> maneira transversal e coerente com o processo <strong>de</strong><br />

construção do conhecimento, espera-se que tais mudanças sejam incorporadas e permaneçam presentes no<br />

<strong>de</strong>correr dos anos letivos.<br />

A seleção dos educadores inscritos ocorreu junto ao Departamento <strong>de</strong> Ensino Fundamental e<br />

Departamento <strong>de</strong> Educação Infantil, os quais <strong>de</strong>finiram a participação <strong>de</strong> 30 professores como sujeitos do<br />

processo <strong>de</strong> mudança pedagógica e 14 diretores e coor<strong>de</strong>nadores, como multiplicadores do Projeto. O<br />

curso contou então com a participação <strong>de</strong> 44 especialistas em educação.<br />

O projeto objetivou portanto, subsidiar os participantes a trabalharem a questão ambiental,<br />

92 Entida<strong>de</strong> não governamental ligada as indústrias produtoras <strong>de</strong> brinquedos que financia projetos educacionais.<br />

93 Todo o projeto <strong>de</strong>senvolvido para os professores po<strong>de</strong>rá ser visto na dissertação: A formação do professor e a educação<br />

ambiental. Alfredo Morel – 2003.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 659


aseados na proposta construtivista piagetiana numa perspectiva <strong>de</strong> valores e atitu<strong>de</strong>s, e a torná-los<br />

capazes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar os principais temas a serem expostos aos alunos, <strong>de</strong> forma transversal e integrada,<br />

propondo estratégias para o seu <strong>de</strong>senvolvimento, operando, simultaneamente, com os conceitos,<br />

procedimentos, atitu<strong>de</strong>s, valores éticos e habilida<strong>de</strong>s e ainda buscando e utilizando diferentes fontes <strong>de</strong><br />

informações e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos.<br />

O curso foi dividido em seis módulos, <strong>de</strong>senvolvidos com a constante preocupação em gerar<br />

ambiente que estimulasse os professores a participarem <strong>de</strong> maneira ativa. As aulas foram planejadas com<br />

a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar situações, propor questões e contra-argumentações, promovendo trocas <strong>de</strong><br />

experiências e reflexões por meio <strong>de</strong> artigos, textos, livros, notícias, filmes, visitas, oficinas etc., o que<br />

contribuiu para a elaboração e execução <strong>de</strong> projetos realizados pelos professores.<br />

Nos encontros, houve sempre a preocupação <strong>de</strong> estimular as trocas <strong>de</strong> experiências e a busca <strong>de</strong><br />

novas estratégias pedagógicas, para que os educadores viessem a utilizá-las em suas classes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que,<br />

harmônicas com os objetivos propostos em formar pessoas autônomas e contributivas ao ambiente <strong>de</strong><br />

estudo embasado na confiança e no respeito mútuo, em coerência com aquilo que se preten<strong>de</strong> ensinar.<br />

Os resultados obtidos <strong>de</strong>ste projeto foram positivos, pois durante as observações nas escolas,<br />

verificamos que muitos educadores conseguiram compartilhar da relação <strong>de</strong> ensino e aprendizagem com<br />

os professores que não tiveram oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> frequentar o curso e notamos, também, um crescimento<br />

individual, pedagógico, profissional, social e afetivo entre os educadores, o que se refletiu em maior<br />

integração no grupo. Observamos, nos professores, mudança nas atitu<strong>de</strong>s para com os alunos e na forma<br />

<strong>de</strong> trabalhar os conteúdos, tornando-se mais críticos e confiantes, embora ainda naturalmente presos aos<br />

conteúdos curriculares e ao medo <strong>de</strong> não conseguirem cumpri-los.<br />

Objetivo da Pesquisa<br />

Essa pesquisa teve como objetivo avaliar se uma intervenção sobre meio ambiente sob a forma <strong>de</strong><br />

curso e orientação pedagógica, aos professores, fundamentada na teoria construtivista piagetiana, po<strong>de</strong>ria,<br />

ou não, operar uma mudança nas atitu<strong>de</strong>s, conhecimento, crenças e valores dos seus alunos.<br />

Metodologia da Pesquisa<br />

O curso foi avaliado e reavaliado, com os educadores, durante e após a sua aplicação, como<br />

também foram utilizados para o mesmo fim alguns instrumentos <strong>de</strong> avaliação citados anteriormente. O<br />

complemento <strong>de</strong>ssa avaliação, e por que não dizer, a revalidação do Projeto, só po<strong>de</strong>ria acontecer se os<br />

seus resultados pu<strong>de</strong>ssem modificar os conhecimentos, as crenças, as atitu<strong>de</strong>s e os valores dos alunos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 660


<strong>de</strong>sses professores, sujeitos e agentes das mudanças buscadas.<br />

Desta forma, após um ano do término do curso, <strong>de</strong>u-se início à pesquisa com os alunos. Esse<br />

espaço <strong>de</strong> tempo foi importante, pois proporcionou aos professores a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assimilação e<br />

prática com os seus alunos, tendo em vista que a pesquisa buscava avaliar se uma intervenção sobre meio<br />

ambiente, sob a forma <strong>de</strong> curso e orientação pedagógica, aos professores, fundamentada na teoria<br />

construtivista piagetiana, po<strong>de</strong>ria, ou não, operar uma mudança nas atitu<strong>de</strong>s, conhecimento, crenças e<br />

valores dos seus alunos.<br />

Além dos alunos do ensino fundamental do município <strong>de</strong> Itapira, cujos professores participaram<br />

do Projeto “A Formação <strong>de</strong> Professores e a Educação Ambiental”, a população pesquisada foi<br />

complementada por um Grupo Controle, formado por alunos do Ensino fundamental, <strong>de</strong>sse mesmo<br />

Município, porém com professores que não participaram do Projeto.<br />

A escolha dos alunos foi realizada, <strong>de</strong> maneira aleatória, da seguinte forma: foram sorteados 30%<br />

dos professores do ensino fundamental, participantes do projeto “A Formação <strong>de</strong> Professores e a<br />

Educação Ambiental” e, <strong>de</strong>ntre esses, foram analisados 20% dos seus alunos, também sorteados, por<br />

classe. Após a aplicação das situações-problema, foi feita a escolha dos professores e seus respectivos<br />

alunos, pertencentes ao Grupo Controle, escolha também feita aleatoriamente, porém obe<strong>de</strong>cendo à<br />

mesma faixa etária do grupo anterior. O Grupo Experimental ficou, então, constituído por 36 alunos<br />

divididos em pequenos grupos nas faixas etárias <strong>de</strong> 7 a 12 anos. O mesmo aconteceu com o Grupo<br />

Controle, totalizando então 72 crianças pesquisadas.<br />

Como conteúdo básico das entrevistas com as crianças, foram utilizadas histórias com situações-<br />

problema <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ambiental, colocadas com alguma outra situação diferente <strong>de</strong>ssa problemática. A fim<br />

<strong>de</strong> investigar que representações as crianças, <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s, tinham sobre algumas situações<br />

envolvendo a problemática ambiental, foi realizado um estudo piloto, com <strong>de</strong>z crianças <strong>de</strong> diferentes<br />

ida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> foi possível estruturar alguns questionamentos, através das respostas, que se mostraram<br />

comuns nas crianças entrevistadas, o que possibilitou, estruturar um questionário <strong>de</strong> apoio.<br />

As entrevistas clínicas foram realizadas, individualmente, e apoiadas, então, por esse questionário,<br />

experimentado previamente. Essas histórias, explicitadas por cenas em quadrinhos, foram trabalhadas da<br />

seguinte forma:<br />

• os <strong>de</strong>senhos foram apresentados às crianças através <strong>de</strong> pranchas, para que elas narrassem o que<br />

estava acontecendo. Quando aparecia algum texto, o pesquisador fazia a leitura, somente para as<br />

crianças ainda não alfabetizadas;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 661


• cada criança foi exposta a 10 histórias explicitadas em <strong>de</strong>senhos com uma sequência <strong>de</strong> cenas<br />

apresentadas uma <strong>de</strong> cada vez. Dessas 10 histórias, 4 eram construídas na forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho pela<br />

criança, a partir <strong>de</strong> uma situação apresentada pelo pesquisador. Ao termino dos <strong>de</strong>senhos, eram<br />

realizadas as entrevistas clínicas, apoiadas pelo questionário estruturado.<br />

As histórias criadas para embasar as entrevistas foram inspiradas na pesquisa dos autores Bathro e<br />

Costa, em 1997, em que trabalharam com 60 crianças <strong>de</strong> 6 a 12 anos, numa situação em que eram<br />

expostas a respeitar ou não os canteiros existentes em uma praça, no local do experimento.<br />

Quando estudamos a problemática ambiental, po<strong>de</strong>mos verificar que mais importante do que a<br />

ação “ambientalmente correta” são os valores que estão por trás <strong>de</strong>la, pois, quando por qualquer motivo,<br />

os interesses que levam a uma <strong>de</strong>terminada ação vierem a <strong>de</strong>saparecer, junto com eles <strong>de</strong>saparecerá a<br />

própria ação.<br />

As entrevistas, nesta pesquisa, iniciaram-se com o questionamento do que as crianças gostaram ou<br />

não na história. A partir <strong>de</strong>ssas observações, foram-lhes formuladas perguntas, a partir das i<strong>de</strong>ias<br />

manifestadas pelos sujeitos, com o objetivo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os meandros <strong>de</strong> seu raciocínio. O<br />

pesquisador, no entanto, já havia construído, previamente, uma seleção <strong>de</strong> questões, <strong>de</strong>ntro das possíveis<br />

observações dos sujeitos, que serviram como base para as entrevistas clínicas, realizadas,<br />

individualmente, pela própria pesquisadora; filmadas, gravadas em fitas cassetes e transcritas <strong>de</strong> forma<br />

literal. Cada entrevista durou, em média, <strong>de</strong> 90 a 120 minutos, pois as crianças tiveram que <strong>de</strong>senhar em<br />

quatro (4) das <strong>de</strong>z (10) histórias apresentadas.<br />

Utilizando o Método Clínico, levou-se sempre em conta a i<strong>de</strong>ia prévia dos sujeitos em relação às<br />

histórias e às situações apresentadas, acompanhando suas interpretações e procurando, sempre que<br />

possível, solicitar justificativas, explicações e até, em alguns momentos, questionamentos sobre suas<br />

respostas, a fim <strong>de</strong> conhecer melhor a convicção <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias.<br />

Coletados os dados e registrados nos protocolos, constatou-se que as respostas dos sujeitos<br />

permitiam a análise dos resultados, dividindo-as em categorias, cuja quantida<strong>de</strong> diferenciou-se em cada<br />

história. As respostas que tinham a mesma i<strong>de</strong>ia foram colocadas nas suas respectivas categorias. Com<br />

isso, o resultado <strong>de</strong> seu conjunto irá permitir uma melhor compreensão e análise do conhecimento,<br />

valores, atitu<strong>de</strong>s e crenças dos sujeitos. Tal opção justifica-se por ser uma forma <strong>de</strong> análise já adotada em<br />

outras investigações evolutivas sobre a construção do conhecimento.<br />

No primeiro momento, as respostas foram classificadas em categorias e, posteriormente, os dados<br />

foram submetidos a uma análise estatística. Finalmente, proce<strong>de</strong>u-se a uma análise qualitativa das<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 662


espostas para a i<strong>de</strong>ntificação das i<strong>de</strong>ias implícitas nas explicações dos sujeitos. A organização das<br />

categorias seguiu uma or<strong>de</strong>m crescente <strong>de</strong> elaboração das respostas, levando-se em consi<strong>de</strong>ração os<br />

conhecimentos, valores, atitu<strong>de</strong>s e crenças.<br />

Conclusões<br />

Os resultados apresentados nesta pesquisa, nos permitem concluir que as diferenças, apresentadas<br />

nas respostas dos alunos do grupo experimental, estão diretamente ligadas ao trabalho <strong>de</strong>senvolvido com<br />

os professores, durante a aplicação do curso <strong>de</strong> Formação em Educação Ambiental, pois procuramos<br />

trabalhar com os docentes os conteúdos pedagógicos e ambientais da mesma forma que <strong>de</strong>veriam ser<br />

trabalhados com seus alunos. Durante todo o curso, preocupamo-nos em fazer com que o educador<br />

vivenciasse a sua aprendizagem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um ambiente participativo e <strong>de</strong> respeito mútuo.<br />

Tais resultados nos mostraram que, ao trabalharmos a problemática ambiental <strong>de</strong>ntro da proposta<br />

construtivista, num ambiente <strong>de</strong> respeito mútuo, cooperação, solidarieda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> os alunos possam<br />

participar, refletir, tomar <strong>de</strong>cisões, além <strong>de</strong> propiciarmos a conscientização ambiental, estaremos<br />

auxiliando o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo, social, moral e afetivo <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

Piaget <strong>de</strong>nominou tal capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento e da inteligência que,<br />

embora muito diferente dos <strong>de</strong>mais seres, é um processo biológico que acontece a partir da adaptação ou<br />

equilibração com o meio. Ainda que seja um processo mais elaborado para os humanos, é uma<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os seres vivos, pois a adaptação e a busca pelo equilíbrio fazem parte da natureza <strong>de</strong><br />

todos.<br />

Portanto, a necessida<strong>de</strong> que temos <strong>de</strong> conhecer, <strong>de</strong> adaptar-nos e <strong>de</strong> interagir com o meio ambiente<br />

é tão natural quanto a <strong>de</strong> vivermos num meio ambiente equilibrado, pois, sempre que os seres humanos<br />

estiverem numa situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio, seja ela cognitiva ou ambiental, buscarão, naturalmente, formas<br />

<strong>de</strong> equilíbrio, pois disso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

Apesar <strong>de</strong> óbvio, o homem, nos dias atuais, não consegue perceber essa necessida<strong>de</strong> e inicia um<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação e <strong>de</strong>sequilíbrio que <strong>de</strong>struirá a vida do Planeta, no qual está inserido como parte,<br />

já que toda e qualquer forma <strong>de</strong> vida, por mais simples que possa parecer, necessita, basicamente, das<br />

mesmas coisas. Será que o Homem consegue se enxergar como parte nesse conjunto? Caminhamos, <strong>de</strong><br />

fato, para uma possível <strong>de</strong>struição da vida? Quais seriam as razões fundamentais <strong>de</strong>ssa irracionalida<strong>de</strong>?<br />

O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico, em que vivemos, não consegue enxergar o Homem<br />

como um ser natural, com necessida<strong>de</strong>s naturais, mas, sim, como alguém que po<strong>de</strong> dar e gerar lucro, que<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 663


<strong>de</strong>ve consumir, exageradamente, com o único objetivo <strong>de</strong> alavancar os números. Estamos tão cegos que<br />

nem mais conseguimos associar aquilo que consumimos à matéria-prima que lhe dá origem. Nossa<br />

incapacida<strong>de</strong> é tanta que estamos <strong>de</strong>struindo a base <strong>de</strong> nossa sustentabilida<strong>de</strong> e das gerações futuras,<br />

<strong>de</strong>sperdiçando e transformando em lixo aquilo que é fundamental para a continuida<strong>de</strong> da vida.<br />

O curso <strong>de</strong> educação ambiental que ministramos aos professores em Itapira, assim como os<br />

resultados obtidos na pesquisa do trabalho que esses educadores realizaram com seus alunos, são uma<br />

amostra <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>remos reverter esse quadro através da educação, retornando o Homem à natureza.<br />

Pu<strong>de</strong>mos perceber a transformação <strong>de</strong>sses educadores, durante o curso, pois, muitos <strong>de</strong>les nos relatavam<br />

como seus valores e suas atitu<strong>de</strong>s diárias haviam mudado a partir da oportunida<strong>de</strong> que tiveram para<br />

refletir e pensar nas questões ambientais, sociais, culturais e éticas, que foram trabalhadas durante todo<br />

esse tempo.<br />

Essas transformações, em pouquíssimo tempo, refletiram no conhecimento, valores e atitu<strong>de</strong>s dos<br />

seus alunos e talvez tenham até se multiplicado nos seus familiares e colegas. As questões trabalhadas,<br />

nesse curso, assim como a maneira <strong>de</strong> trabalhá-las, sempre terão resultados positivos, pois vão ao<br />

encontro da necessida<strong>de</strong> natural dos indivíduos <strong>de</strong> equilíbrio, respeito-mútuo, solidarieda<strong>de</strong> e cooperação.<br />

O planeta, assim como toda a vida que existe nele, é um gran<strong>de</strong> exemplo <strong>de</strong> cooperação, integração e<br />

respeito e até o mais voraz dos predadores não <strong>de</strong>strói a base da vida <strong>de</strong> suas presas, pois, instintivamente,<br />

sabe que, por mais forte que seja, necessita <strong>de</strong>la para sobreviver.<br />

Para que as crianças sejam educadas e conscientizadas sobre a importância das suas ações e<br />

valores na conquista <strong>de</strong> um meio ambiente equilibrado e <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais justa, é necessário que<br />

<strong>de</strong>ixemos nossos alunos vivenciarem situações <strong>de</strong> cooperação e respeito mútuo com os adultos, assim<br />

como lhes possibilitar condições <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rem num ambiente on<strong>de</strong> possam participar ativamente na<br />

construção <strong>de</strong> seus conhecimentos. Daí a importância da educação ser a <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adora das relações,<br />

interações e reflexões sobre o meio ambiente, para que possamos com isso, garantir a continuida<strong>de</strong> da<br />

vida.<br />

Joseph Cornell (1997, p.11), escritor e educador, que <strong>de</strong>dicou boa parte da sua vida trabalhando<br />

com as crianças o respeito pelo meio ambiente, a partir <strong>de</strong> jogos e brinca<strong>de</strong>iras, realizadas em contato<br />

com a natureza, é categórico ao afirmar que, quando conduzimos as pessoas à oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compartilharem a natureza numa vivência direta e sensível, a própria natureza se encarregará <strong>de</strong><br />

transformar, espontaneamente, a vida das pessoas <strong>de</strong> uma maneira extraordinária!<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 664


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 665


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I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 666


A Construção da Função dos Tutores no Âmbito do Curso <strong>de</strong> Graduação em Pedagogia –<br />

Licenciatura na Modalida<strong>de</strong> a Distância da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

Resumo<br />

ZIEDE, Mariangela Lenz<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

NEVADO,Rosane Aragón <strong>de</strong><br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

mariangelazie<strong>de</strong>@gmail.com<br />

Esta pesquisa, cujo objetivo principal é a análise da construção da função do tutor no âmbito do Curso <strong>de</strong><br />

Pedagogia – Licenciatura - na modalida<strong>de</strong> à distância, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

(PEAD), é um estudo <strong>de</strong> caso e segue um mo<strong>de</strong>lo qualitativo <strong>de</strong> investigação. A análise dos dados foi<br />

feita com base na <strong>Epistemologia</strong> Genética <strong>de</strong> Piaget, buscando-se o modo pelo qual a tomada <strong>de</strong><br />

consciência se processa. Para a análise dos dados, operou-se com os níveis <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência em<br />

três categorias: apropriação tecnológica, estratégias <strong>de</strong> intervenção nos espaços <strong>de</strong> tutoria e compreensão<br />

das mudanças proposta pelo Curso. A análise foi realizada a partir do levantamento dos registros dos<br />

tutores nos ambientes do curso. Com este estudo, foi possível concluir que a partir das interações com as<br />

professoras-alunas e com os estudos no curso <strong>de</strong> especialização, os tutores foram constituindo a tomada<br />

<strong>de</strong> consciência da própria função da tutoria, o que implicou em transformações nas suas maneiras <strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>r a proposta do curso, as professoras-alunas e as tecnologias, qualificando, por conseguinte, o<br />

trabalho pedagógico.<br />

Palavras-chave: Professor-tutor. Tutoria à distância. Educação a distância. <strong>Epistemologia</strong> genética.<br />

Tomada <strong>de</strong> consciência.<br />

Abstract<br />

This research, whose main objective is to examine the construction of the function of tutor within the<br />

Graduate Course of Pedagogy in the distance mo<strong>de</strong> of the Fe<strong>de</strong>ral University of Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />

(PEAD, in Portuguese) is a case study and follow the mo<strong>de</strong>l of qualitative research. The data analysis was<br />

based on the genetic epistemology of Piaget, seeking for the way how Become Awareness<br />

(Consciousness) takes place. For the analysis of the data, it was operated with the levels of Consciousness<br />

in three categories: technology ownership, strategies of intervention in areas of tutorial and un<strong>de</strong>rstanding<br />

of the changes proposed by the course. The analysis was conducted from a survey of the registers of the<br />

tutors in environments of the course. With this study it was possible to conclu<strong>de</strong> that from interactions<br />

with the teachers-stu<strong>de</strong>nts 94 and with studies in the specialization course, tutors were forming the<br />

awareness of the very same function of tutorial, which resulted in changes in their ways to un<strong>de</strong>rstand the<br />

proposal of the course, the teachers-stu<strong>de</strong>nts and the technologies, qualifying, therefore the pedagogical<br />

work.<br />

Keywords: 1. Teacher-tutor. 2. Mentoring in the distance. 3. Distance learning. 4. Genetic epistemology –<br />

Awareness.<br />

94 In portuguese, this expression is used in the female form because within the 400 stu<strong>de</strong>nts in the course, 390 are women<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 667


Introdução<br />

Há hoje, nas diferentes ofertas <strong>de</strong> cursos superiores à distância, um <strong>de</strong>smembramento da função<br />

docente em duas gran<strong>de</strong>s categorias: os professores e os tutores. Em diferentes cursos o papel <strong>de</strong> cada<br />

uma <strong>de</strong>ssas categorias possui diferentes significados, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do mo<strong>de</strong>lo pedagógico adotado. Assim,<br />

em cada curso, professores e tutores necessitam não só compreen<strong>de</strong>r esses papéis, mas se tornar seus<br />

agentes, participando intensamente <strong>de</strong> discussões <strong>de</strong> formação continuada. Aten<strong>de</strong>ndo ao Edital<br />

SEED/MEC nº 01/2004, do MEC, a Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul oferece, a partir <strong>de</strong> 2006,<br />

o Curso <strong>de</strong> Licenciatura em Pedagogia, na modalida<strong>de</strong> à distância, para formação <strong>de</strong> professoras em<br />

serviço. O curso foi <strong>de</strong>senvolvido com uma abordagem interacionista (PIAGET, 1971), baseada no uso <strong>de</strong><br />

arquiteturas pedagógicas 95 abertas e articuladas, apoiadas na utilização intensiva <strong>de</strong> recursos na web. A<br />

preparação <strong>de</strong> professores e tutores para este curso tem se dado <strong>de</strong> forma continuada, começando em 2005<br />

e se esten<strong>de</strong>ndo por todos os semestres letivos.<br />

Caracterizando objeto <strong>de</strong> estudo<br />

A concepção <strong>de</strong> tutoria vem constituindo sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a partir das práticas, das reflexões sobre<br />

esta prática e das formações continuadas. E <strong>de</strong>stas reflexões surgiam vários questionamentos tais como:<br />

• Até on<strong>de</strong> posso avançar nas interações? On<strong>de</strong> termina minha função e começa a do professor?<br />

• E as interações realizadas, será que estão aquém, ou além, do que as professoras-alunas esperam?<br />

• A partir dos retornos dos comentários feitos, às professoras-alunas, há uma mudança na maneira<br />

<strong>de</strong> interagir dos tutores?<br />

• Quais as tomadas <strong>de</strong> consciência que este tutor está tendo a respeito da função e da dimensão da<br />

Problema<br />

sua intervenção-interação?<br />

A partir <strong>de</strong>stes questionamentos procurei respon<strong>de</strong>r ao meu problema <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Como ocorreu a construção da concepção <strong>de</strong> tutoria, pelos tutores do Curso <strong>de</strong> Graduação em<br />

Pedagogia – Licenciatura - na modalida<strong>de</strong> à distância, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul?<br />

95 O caráter <strong>de</strong>stas arquiteturas pedagógicas é pensar a aprendizagem como um trabalho artesanal, construído na vivência <strong>de</strong><br />

experiências e na <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> ação, interação e metarreflexão do sujeito sobre os fatos, os objetos e o meio ambiente sócioecológico.<br />

Seus pressupostos curriculares compreen<strong>de</strong>m pedagogias abertas capazes <strong>de</strong> acolher didáticas flexíveis,<br />

maleáveis, adaptáveis a diferentes enfoques temáticos. (CARVALHO; NEVADO e MENEZES, 2005)<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 668


Objetivo Geral<br />

Analisar o processo <strong>de</strong> construção da concepção <strong>de</strong> tutoria, na perspectiva da Tomada <strong>de</strong><br />

Consciência da sua Função no Curso <strong>de</strong> Graduação em Pedagogia-Licenciatura na Modalida<strong>de</strong> a<br />

Distância.<br />

Objetivos Específicos<br />

• I<strong>de</strong>ntificar o processo <strong>de</strong> apropriação tecnológica dos tutores a partir <strong>de</strong> níveis <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

consciência.<br />

• I<strong>de</strong>ntificar as estratégias <strong>de</strong> intervenção que os tutores estão realizando a partir <strong>de</strong> níveis <strong>de</strong><br />

tomada <strong>de</strong> consciência.<br />

• Contribuir para a qualificação da discussão da função dos tutores nos cursos <strong>de</strong> Educação a<br />

Distância.<br />

Tomada <strong>de</strong> Consciência<br />

A consciência do sujeito não se manifesta primeiramente pelo conhecimento do objeto, mas é<br />

permeada pelo que Piaget chama <strong>de</strong> estado indiferenciado. Depois, a coor<strong>de</strong>nação das ações segue uma<br />

direção para se constituir abstração refletidora dos mecanismos anteriores. A compreensão dos conceitos<br />

e a reflexão sobre a prática superam os conflitos e as contradições – é o momento em que ocorre a<br />

constatação consciente <strong>de</strong> um sucesso ou <strong>de</strong> um fracasso.<br />

Entre as ações não-conscientes e a consciência final que o sujeito toma <strong>de</strong> sua ação, Piaget (1977)<br />

admite graus <strong>de</strong> consciência intermediários. Po<strong>de</strong>mos ter certa consciência <strong>de</strong> uma ação no instante em<br />

que ela se produz, mas essa consciência permanece apenas momentaneamente se não houver integração<br />

em estados seguintes (NEVADO, 1992, p. 69).<br />

O sujeito só conhece se age sobre o objeto, e o objeto só se torna passível <strong>de</strong> ser conhecido<br />

mediante o progresso das ações exercidas sobre ele. Segundo Becker (1993), o mecanismo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

consciência aparece em todos os aspectos como um processo <strong>de</strong> conceituação. As leis proce<strong>de</strong>m do<br />

sujeito, que faz e compreen<strong>de</strong>, sendo que a ação já constitui um saber, mas não necessariamente um<br />

compreen<strong>de</strong>r. No nível mais básico <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência, o compreen<strong>de</strong>r está atrasado em relação à<br />

ação, sendo que, nos níveis superiores, é a conceituação (compreensão) que orienta as ações.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 669


Metodologia interativa e problematizadora<br />

[...] o mo<strong>de</strong>lo metodológico do PEAD é centrado em ativida<strong>de</strong>s teórico-práticas<br />

sistemáticas, a serem <strong>de</strong>senvolvidas pelas professoras-alunas a partir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lineamento<br />

inicial <strong>de</strong>finido pelos próprios objetivos da formação. Com isso, espera-se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar<br />

nos aprendizes um processo <strong>de</strong> reflexão e tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> seu próprio processo<br />

<strong>de</strong> aprendizagem, bem como a construção <strong>de</strong> conhecimentos referentes aos temas <strong>de</strong><br />

estudo elegidos. Nessa metodologia, os docentes e os tutores atuam como possibilitadores<br />

da aprendizagem e provocadores <strong>de</strong> transformações, usando, para tal, duas estratégias<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e complementares. (Nevado, Carvalho e Bordas, 2006)<br />

Estratégias <strong>de</strong> problematização e provocação: o docente e os tutores agem <strong>de</strong> maneira a chamar as<br />

professoras-alunas à reflexão e à crítica sobre as práticas tradicionais, buscando incentivar as<br />

“explorações” <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, <strong>de</strong> recursos tecnológicos e <strong>de</strong> ações práticas <strong>de</strong>senvolvidas, promovendo<br />

reflexões sobre essas ações e pensamentos. Realizam intervenções que contrapõem i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> diferentes<br />

autores com as das próprias professoras-alunas para que aconteça uma análise comparativa entre elas. Em<br />

outras Intervenções, são solicitadas justificativas para se aferir o grau <strong>de</strong> coerência das respostas e das<br />

i<strong>de</strong>ias apresentadas.<br />

Estratégias <strong>de</strong> apoio à reconstrução: a estratégia <strong>de</strong> problematização é complementada por uma<br />

função <strong>de</strong> apoio às reconstruções. Se o docente intervém no sentido <strong>de</strong> problematizar, ele também age no<br />

sentido <strong>de</strong> incentivar e apoiar a aprendizagem, oferecendo informações e sugestões <strong>de</strong> leituras e<br />

bibliografias. Essas intervenções visam apoiar as construções das professoras-alunas, disponibilizando um<br />

acervo <strong>de</strong> informações e materiais diversificados. Consi<strong>de</strong>re-se que os docentes assumem uma postura<br />

não-diretiva, sendo as i<strong>de</strong>ias apresentadas não como verda<strong>de</strong>s, mas explicitando-se tratar <strong>de</strong> postura<br />

interpretativa do docente frente aos conceitos e i<strong>de</strong>ias.<br />

Formação dos Tutores<br />

As formações se iniciaram em 2006 e, a partir <strong>de</strong> 2007, houve a criação do Curso <strong>de</strong><br />

Especialização em Tutoria (ESPEAD), os trabalhos foram, então, sistematizados e possibilitaram a<br />

realização <strong>de</strong> uma formação continuada, <strong>de</strong> caráter teórico-prático que contempla: Oficinas tecnológicas;<br />

Formação específica nas interdisciplinas; Seminários teórico-metodológicos<br />

A Pesquisa<br />

Os sujeitos do estudo <strong>de</strong> caso da presente pesquisa são 53 tutores, 15 que atuam nos cinco polos<br />

<strong>de</strong> educação a distância, vinculados e localizados nos municípios <strong>de</strong> Alvorada, Gravataí, Sapiranga, São<br />

Leopoldo e Três Cachoeiras, e 38 tutores da se<strong>de</strong>, da FACED/UFRGS, que apoiam as ativida<strong>de</strong>s dos<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 670


professores e das professoras-alunas à distância. Os dados (registrados nos avas) foram analisados <strong>de</strong><br />

forma qualitativa, segundo categorias organizadas a partir do referencial teórico e da leitura dos registros<br />

<strong>de</strong> intervenções nas produções das professoras-alunas. A análise <strong>de</strong>senvolvida preten<strong>de</strong> explicitar,<br />

consi<strong>de</strong>rando os dois momentos já <strong>de</strong>scritos na coleta <strong>de</strong> dados, o processo <strong>de</strong> construção da função dos<br />

tutores na perspectiva da tomada <strong>de</strong> consciência, consi<strong>de</strong>rando três categorias constitutivas <strong>de</strong>ssa função<br />

<strong>de</strong>ntro do contexto do PEAD:<br />

• Categoria 1: Apropriação tecnológica - nesta categoria, analiso o processo <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong><br />

conhecimentos dos tutores, relativo ao funcionamento e formas <strong>de</strong> utilização das ferramentas e<br />

ambientes virtuais propostos no PEAD.<br />

• Categoria 2: Estratégias <strong>de</strong> intervenção nos espaços <strong>de</strong> tutoria - nesta categoria, analiso a<br />

compreensão do método interativo e problematizador, mediante a sua aplicação nas interações<br />

realizadas pelos tutores nos ambientes virtuais.<br />

• Categoria 3: Concepções (mudanças) propostas pelo curso - nesta categoria, analiso a<br />

compreensão dos tutores, relativa a mudanças propostas pelo curso para a formação <strong>de</strong> professores<br />

em serviço e suas implicações nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tutoria.<br />

Apropriação Tecnológica<br />

• Nível l: Consciência apenas inicial das características <strong>de</strong> funcionamento das TICs e das condições<br />

ou ações necessárias para alcançar um objetivo. Esse nível inicial <strong>de</strong> contato dos tutores com as<br />

tecnologias é caracterizado por tomadas <strong>de</strong> consciência ainda muito periféricas, centradas apenas<br />

em características imediatamente observáveis das ferramentas e ambientes virtuais, em <strong>de</strong>trimento<br />

das suas ações sobre as ferramentas. Os tutores partiam em busca <strong>de</strong> um objetivo (por exemplo,<br />

colocar imagens nos blogs, usar os Pbwikis, editar imagens), mas não apresentavam consciência<br />

das condições ou ações necessárias que os levavam a atingir aquele objetivo. Ainda que<br />

chegassem a alcançar um objetivo, por tentativas, apenas tomavam consciência <strong>de</strong>sse resultado (o<br />

background, as ferramentas <strong>de</strong> texto), sem chegar à consciência dos mecanismos que direcionam<br />

essa ação, ou seja, os comandos que ele usou para chegar ao objetivo. Nessa fase, muitos<br />

anotavam os procedimentos no ca<strong>de</strong>rno com medo <strong>de</strong> esquecer e não conseguir fazer novamente.<br />

Os tutores estavam se apropriando da tecnologia, mas ainda se sentiam inseguros com as “novas<br />

ferramentas digitais”. Utilizavam, então, o ca<strong>de</strong>rno para anotar os procedimentos dos programas,<br />

“um passo a passo” para recorrer, quando precisassem utilizar novamente tais programas. O bloco<br />

<strong>de</strong> anotações do computador era um recurso raramente utilizado, pois eles ainda sentiam mais<br />

segurança em usar os materiais que estavam acostumados a usar na sua vida <strong>de</strong> estudantes: o<br />

“papel e a caneta”.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 671


• Nível II: Avanços na consciência das ações empregadas para alcançar uma finalida<strong>de</strong> e das<br />

variações nos resultados das ações aplicados às TICs.<br />

T4 Blog 04/03/2007 Percebi que ao criar um blog, tenho que ter o cuidado <strong>de</strong> torná-lo<br />

claro, se viso atingir um certo público, tenho que tomar alguns cuidados <strong>de</strong> formatação,<br />

<strong>de</strong>finição, e linguagem, para obter êxito nessa ativida<strong>de</strong>.<br />

Com as primeiras <strong>de</strong>scobertas ou consciência das ações sobre as TICs, a atenção dos tutores passa<br />

a concentrar-se nos meios empregados, ou seja, em como “po<strong>de</strong> ser feito” (como acessar<br />

diferentes ambientes, por exemplo).<br />

• Nível III: Consciência das ações empregadas, com a compreensão dos funcionamentos e<br />

aplicações básicas das TICs.<br />

T9 Webfólio 05/11/2007 Novas estratégias em avaliação precisaram ser criadas, como o<br />

conceito estipulado em <strong>de</strong>corrência do prazo <strong>de</strong> postagem, pois as professoras-alunas<br />

precisam ter responsabilida<strong>de</strong> com as ativida<strong>de</strong>s propostas e os prazos propostos para as<br />

mesmas. Passamos a utilizar a planilha Google, como forma <strong>de</strong> obtermos maior<br />

integração entre tutores <strong>de</strong> se<strong>de</strong> e polo na sinalização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s realizadas pelos<br />

alunos e acredito que nos beneficiou bastante.<br />

Nessa fase, há uma tomada <strong>de</strong> consciência das coor<strong>de</strong>nações internas das ações necessárias à<br />

tomada <strong>de</strong> consciência das proprieda<strong>de</strong>s menos imediatas do objeto. Quando o sujeito vai<br />

tomando consciência das suas ações, ele constrói novas formas <strong>de</strong> interpretar e <strong>de</strong> resolver<br />

problemas. Ou seja, os tutores não se limitavam à tomada <strong>de</strong> consciência da ação material, mas<br />

chegavam à consciência dos problemas a serem resolvidos.<br />

Concepções (Mudanças) propostas pelo curso<br />

• Nível l: Consciência apenas inicial das mudanças propostas pelo curso e das condições ou ações<br />

<strong>de</strong> tutoria empregadas para a aplicação <strong>de</strong>ssa proposta.<br />

T35 Webfólio 08/11/2006 Olá, ao revisar o seu webfólio observei que não se ateve ao que<br />

foi pedido. Você apenas mencionou que a pessoa é professora, mas faltou caracterizá-la<br />

como professora. Precisa, além disso, tentar estabelecer alguma relação com a teoria. Por<br />

isso, terá um novo prazo para refazer a ativida<strong>de</strong> e postar até o dia 24 (5ª-feira). Qualquer<br />

dúvida, é só me escrever. Abraços.<br />

Este nível caracteriza o início do curso, quando os tutores tiveram os primeiros contatos com o<br />

plano pedagógico do curso, conhecendo a sua proposta e buscando entendê-la a partir dos<br />

referenciais já construídos em outras situações <strong>de</strong> formação.<br />

• Nível II: Avanços na consciência das mudanças nas ações <strong>de</strong> tutoria envolvidas nas propostas do<br />

curso e das ações empregadas na sua aplicação.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 672


T15 Pbwiki 06/11/2006 Estive pensando em criar um fórum para a disciplina Seminário<br />

Integrador, para que haja um <strong>de</strong>bate constante entre os tutores dos outros polos. Na<br />

reunião <strong>de</strong> ontem, percebi que apesar <strong>de</strong> trabalharem <strong>de</strong> forma um pouco diferente, todos<br />

os tutores <strong>de</strong>senvolveram também similarida<strong>de</strong>s, portanto, acho que essa troca po<strong>de</strong>rá<br />

trazer bons resultados.[..]<br />

Os sujeitos, nesse momento, passam a ver novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação. Na fala do tutor, po<strong>de</strong>mos<br />

perceber que ele estava preocupado em criar condições para novas trocas com o grupo. Nesse<br />

momento, as iniciativas <strong>de</strong> compartilhamento são alargadas, apontando para um início <strong>de</strong><br />

formação da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

• Nível III: Consciência das mudanças nas ações <strong>de</strong> tutoria proposta pelo curso.<br />

Conclusões<br />

T38 SGQ 18/12/2007 Acredito que estamos construindo uma comunida<strong>de</strong> virtual <strong>de</strong><br />

aprendizagem. Vejo que estamos mais unidos a cada dia, justamente por estarmos<br />

fazendo parte <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do curso, vejo que as trocas, os aprendizados,<br />

as sugestões entre tutores estejam muito mais apuradas a cada dia.<br />

Aprendizagem 16/012/2007: Olá pessoal! Teoria e prática [...] O papel da formação,<br />

nesse caso, é auxiliar que os sujeitos (no caso, os professores que estão cursando o<br />

PEAD) <strong>de</strong>em sentidos às suas práticas, compreen<strong>de</strong>ndo tanto a historicida<strong>de</strong> do que estão<br />

produzindo (ou pondo em circulação) em termos <strong>de</strong> atos pedagógicos quanto que possam<br />

po<strong>de</strong>r realizar escolhas éticas.[...]<br />

As condutas cognitivas apresentadas pelos sujeitos da pesquisa permitiram i<strong>de</strong>ntificar níveis do<br />

processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência na apropriação tecnológica, nas interações nos espaços <strong>de</strong><br />

tutoria e na compreensão das mudanças propostas pelo curso.<br />

Consi<strong>de</strong>rando que a maioria dos tutores entrou sem experiência, a análise dos dados nos permite<br />

i<strong>de</strong>ntificar que, o processo <strong>de</strong> construção da função <strong>de</strong> tutoria ocorreu, a partir das tomadas <strong>de</strong> consciência<br />

dos tutores, nas três categorias apontadas neste estudo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 673


Figura 1:Espiral<br />

Cabe recorrer à analogia <strong>de</strong> Piaget, ao se conceber que a estrutura da análise dos dados ocorreu em<br />

espiral, uma vez que, segundo o estudioso suíço, os estágios evoluem <strong>de</strong> tal modo que cada um engloba e<br />

amplia o anterior.<br />

O conhecimento é, pois, um processo, «uma espécie <strong>de</strong> espiral» em que um sujeito<br />

constrói e reconstrói, graças às sucessivas ações e equilibrações internas e externas,<br />

estruturas compreensivas organizadas e organizadoras do indivíduo e do mundo.<br />

(PIAGET, l972, p. 114)<br />

E foi <strong>de</strong>sse modo que observei o processo, consi<strong>de</strong>rando o tempo <strong>de</strong> Curso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período <strong>de</strong><br />

preparação dos tutores, até o final do IV eixo. Esse acompanhamento evi<strong>de</strong>nciou a existência <strong>de</strong> um<br />

processo evolutivo <strong>de</strong> consciência, ainda que se observe que os tutores apresentaram graus diferenciados<br />

<strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência nas três categorias analisadas.<br />

Na Categoria 1 – apropriação tecnológica - , ao iniciar o curso, a gran<strong>de</strong> maioria dos<br />

registros mostra que os tutores encontravam-se nos níveis I e um grupo menor no II, <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />

consciência. Nesse início, os tutores realizavam as ativida<strong>de</strong>s a partir <strong>de</strong> tateios ou observação das<br />

características mais facilmente observáveis das TICs, bem como dos resultados mais imediatos e<br />

inesperados das suas ações. Usavam as TICs buscando e manifestando satisfação por conseguir ver o<br />

produto final, sem pensar em como haviam obtido tal resultado. Os que estavam no nível II já<br />

manifestavam certo domínio sobre os meios, o que os levava a conseguir realizar as ativida<strong>de</strong>s, mas não<br />

avançavam nas suas explorações. Por isso, no momento um, os tutores não apresentaram registros<br />

compatíveis com as características do nível III <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência.<br />

Já no final do período, a análise dos dados não evi<strong>de</strong>ncia registros <strong>de</strong> nível I. Parte dos tutores<br />

apresenta condutas <strong>de</strong> nível II <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência, pois em algumas situações tentam realizar as<br />

ativida<strong>de</strong>s, mas <strong>de</strong>sistem no primeiro obstáculo, ainda solicitando um passo a passo, em vez <strong>de</strong> explorar<br />

as possibilida<strong>de</strong>s dos ambientes. No entanto, evi<strong>de</strong>nciei também várias situações <strong>de</strong> transição para o nível<br />

seguinte e um grupo <strong>de</strong> tutores que já apresenta condutas <strong>de</strong> nível III, explorando todas as possibilida<strong>de</strong>s<br />

do ambiente e sugerindo outras ferramentas que po<strong>de</strong>m ser agregadas. Realizam tutoriais para auxiliar os<br />

colegas e as professoras-alunas. Demonstram, ainda, consciência das coor<strong>de</strong>nações internas das suas<br />

ações <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong> novas ferramentas.<br />

Na Categoria 2 – estratégias <strong>de</strong> intervenção nos espaços <strong>de</strong> tutoria - , no momento inicial, pela<br />

análise dos dados, pu<strong>de</strong> perceber que a maioria dos tutores situava-se nos níveis I e um pequeno grupo no<br />

nível II <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência. Os tutores possuíam consciência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecer feedback<br />

às professoras-alunas, mas não tinham a consciência das ações necessárias para alcançar esse objetivo, já<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 674


que a proposta <strong>de</strong> intervenção do PEAD implica na realização <strong>de</strong> intervenções <strong>de</strong> problematização e <strong>de</strong><br />

apoio a reconstrução. O grupo situado no nível II apresentava condutas que revelavam consciência parcial<br />

do método, mas ainda não conseguiam diferenciar as estratégias que possibilitavam alcançar a<br />

intervenção problematizadora. As formações continuadas buscaram problematizar e a aplicação do<br />

método levou os tutores à reflexão sobre suas práticas, resultando em leituras e discussões em fóruns com<br />

a toda a equipe.<br />

Nas interações realizadas, no final do período estudado, constatei modificações consi<strong>de</strong>ráveis,<br />

tanto que, nesse momento, já não encontrei extratos do nível I <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência.<br />

Parte dos tutores está em transição do nível II para o nível III, pois um grupo ainda relata<br />

dificulda<strong>de</strong>s em <strong>de</strong>safiar as professoras-alunas, mas já apresentam indicadores <strong>de</strong> uma transição ao nível<br />

seguinte, tomando consciência das lacunas no seu conhecimento e buscando formas <strong>de</strong> compensar essas<br />

lacunas. Encontrei a maioria do grupo no nível III: tanto os tutores da se<strong>de</strong> quanto os dos polos <strong>de</strong>safiam<br />

as professoras-alunas a realizarem as ativida<strong>de</strong>s superpondo teoria e prática. Estão usando a metodologia<br />

problematizadora durante as intervenções, levantando questões, provocando, na tentativa <strong>de</strong> gerar o<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio das certezas, favorecendo o processo <strong>de</strong> reconstrução.<br />

Na Categoria 3 – compreensão das mudanças propostas pelo curso -, nos momentos iniciais, os<br />

tutores situavam-se, na sua maior parte, no nível I, no entanto, alguns tutores já apresentavam registros <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s que indicavam tomadas <strong>de</strong> consciência em nível II. Como o curso era novo e previa uma<br />

interação diferenciada com o intuito <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem, a maioria dos<br />

tutores ainda não tinha consciência das ações envolvidas nessa forma <strong>de</strong> trabalho. As trocas com os<br />

colegas ainda era tímida, pois todos estavam apren<strong>de</strong>ndo e tomando consciência da proposta. Ao final do<br />

período, a maior parte dos tutores apresenta produções e interações que caracterizam a transição dos<br />

níveis II e III <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência. Em alguns extratos, os tutores relatam que, quando entraram no<br />

curso, pensaram que era “mais um” curso a distância. No <strong>de</strong>correr do trabalho, tomaram consciência<br />

<strong>de</strong>ssas características do curso baseado no mo<strong>de</strong>lo construtivista, pouco adotado na maioria das<br />

instituições. Também são i<strong>de</strong>ntificadas em reflexões e intervenções, características do nível III <strong>de</strong> tomada<br />

<strong>de</strong> consciência, o que evi<strong>de</strong>ncia um processo evolutivo no sentido da compreensão da proposta interativa<br />

e construtivista do PEAD. O grupo <strong>de</strong> tutores que se encontra no nível III relata a importância do vínculo<br />

e da troca com seus colegas e docentes. Os tutores caminham na direção do fortalecimento da<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem, no curso e fora <strong>de</strong>le, pois muitos tutores trabalham em escolas e<br />

universida<strong>de</strong>s e estão levando o trabalho inovador do PEAD para <strong>de</strong>senvolver com seus alunos. Estes<br />

também participam ativamente das reuniões das equipes das interdisciplinas, colaborando com sugestões<br />

e ativida<strong>de</strong>s que venham ao encontro do curso. Os tutores que se encontram nessa fase têm consciência<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 675


das coor<strong>de</strong>nações internas das ações necessárias das proprieda<strong>de</strong>s menos imediatas do objeto. Essas ações<br />

produzem novida<strong>de</strong>s e possibilitam que o tutor estabeleça relações até então inexistentes para ele.<br />

Como afirma Piaget (1977), a tomada <strong>de</strong> consciência não ocorre <strong>de</strong> maneira repentina, mas a partir<br />

<strong>de</strong> construções e reconstruções, po<strong>de</strong>ndo esse processo ser "adiado" em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>de</strong>formações das<br />

quais o sujeito lança mão para se adaptar à realida<strong>de</strong>, quando se <strong>de</strong>fronta com as situações ou objetos que<br />

não são incorporados por sua estrutura cognitiva.<br />

O conceito <strong>de</strong> “tomada <strong>de</strong> consciência” (PIAGET, 1974a), no estudo realizado, perpassa um<br />

conjunto <strong>de</strong> análises, adquirindo gran<strong>de</strong> importância, pois oferece os meios para se compreen<strong>de</strong>r a<br />

maneira como os tutores envolvidos no estudo conseguem evoluir na construção <strong>de</strong> outras perspectivas <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> professores e na maneira <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a metodologia do curso, auxiliando o “repensar” das<br />

ações pedagógicas da função do tutor nas interações com as professoras-alunas do PEAD.<br />

É função do tutor: orientar as professoras-alunas na busca <strong>de</strong> novas informações, <strong>de</strong>spertar para o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> elos entre a teoria e a prática na realização das ativida<strong>de</strong>s. Isso significa: <strong>de</strong>safiar as<br />

professoras-alunas a partir do método clínico nas ativida<strong>de</strong>s propostas, operando o trabalho nos ambientes<br />

virtuais referidos em trabalhos anteriores, <strong>de</strong> forma que as propostas passem a ter um real significado. A<br />

importância <strong>de</strong> construir conhecimentos significativos por meio <strong>de</strong> trabalhos em grupo, ativida<strong>de</strong>s<br />

colaborativas no Pbwiki e outras estratégias <strong>de</strong> interação e autonomia, po<strong>de</strong> conduzir as alunas-<br />

professoras a uma aprendizagem mais significativa e contextualizada. Daí a gran<strong>de</strong> importância do tutor<br />

na função <strong>de</strong> problematizador, interagindo <strong>de</strong> forma a fazer com que as professoras-alunas repensem a<br />

maneira como trabalham com seus alunos.<br />

O tutor no PEAD tem vivido um constante processo <strong>de</strong> ressignificação das suas funções<br />

<strong>de</strong>ntro do Curso, a partir <strong>de</strong> uma formação diferenciada, tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação e compromisso com a sua<br />

própria formação e com o atendimento as <strong>de</strong>manda do curso, além <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> para trabalhar <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> uma proposta que se reconstrói nas interações <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem. Os tutores, a partir<br />

da tomada <strong>de</strong> consciência da sua função, passaram a realizar com maior entendimento as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

tutoria que compreen<strong>de</strong> a :<br />

• Função Pedagógica, na qual o tutor orienta as professoras-alunas em sua trajetória na realização<br />

das ativida<strong>de</strong>s propostas e na construção do conhecimento, usando a metodologia<br />

problematizadora.<br />

• Função Social, na qual o tutor procura fortalecer as relações entre as professoras-alunas<br />

envolvidas no curso usando as ferramentas <strong>de</strong> comunicação e os ambientes virtuais.<br />

• Função Organizativa, na qual o tutor auxilia as professoras-alunas a compreen<strong>de</strong>r e estabelecer<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 676


uma agenda <strong>de</strong> tempos e realizações em conjunto com as combinações estabelecidas pelos<br />

docentes <strong>de</strong> cada interdisciplina.<br />

O conceito <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência (PIAGET, 1974a), no estudo realizado, perpassa um<br />

conjunto <strong>de</strong> análises, adquirindo gran<strong>de</strong> importância, pois oferece os meios para se compreen<strong>de</strong>r a<br />

maneira como os tutores envolvidos no estudo conseguem evoluir na construção <strong>de</strong> outras perspectivas <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> professores e na maneira <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a metodologia do curso, auxiliando o “repensar” das<br />

ações pedagógicas da função do tutor nas interações com as professoras-alunas do PEAD. O PEAD tem<br />

uma duração <strong>de</strong> nove semestres, <strong>de</strong>ntre os quais vamos po<strong>de</strong>r seguir acompanhando o processo <strong>de</strong><br />

construção da tutoria. É a partir da tomada <strong>de</strong> consciência (PIAGET, 1974), na passagem <strong>de</strong> uma<br />

assimilação por meio <strong>de</strong> conceitos, que o sujeito po<strong>de</strong> avançar na construção <strong>de</strong> conhecimento. Toda nova<br />

aprendizagem é uma invenção, ou reinvenção, que está sempre em movimento, e nunca com a idéia <strong>de</strong><br />

algo pronto e acabado.<br />

Referências<br />

BECKER, Fernando. Ensino e construção do conhecimento: o processo <strong>de</strong> abstração reflexionante.<br />

Educação e Realida<strong>de</strong>, Porto Alegre, RS, v. 18, n. 1, p. 43-52, 1993.<br />

CARVALHO, M.J.S.; NEVADO, R.A.D.; BORDAS, M.C. Licenciatura em pedagogia a distância: anos<br />

iniciais do ensino fundamental – Guia do aluno. Porto Alegre: PEAD/UFRGS, 2006a.<br />

NEVADO, Rosane Aragon. Ambientes virtuais <strong>de</strong> aprendizagem: do “ensino na re<strong>de</strong>” a “aprendizagem<br />

em re<strong>de</strong>”. Disponível em acesso em: 18.<br />

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______. Processos interativos e a construção <strong>de</strong> conhecimento por estudantes <strong>de</strong> licenciatura em contexto<br />

telemático. 1996. Disponível em: .<br />

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______. Problemas <strong>de</strong> psicologia genética. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1973b.<br />

______.Aprendizagem e conhecimento. In: PIAGET, J. & GRECIO, P. Aprendizagem e conhecimento.<br />

São Paulo: Freitas Bastos, 1974.<br />

______. A construção do real na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1975a.<br />

______. O nascimento da inteligência na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1975b.<br />

______. Ensaio <strong>de</strong> lógica operatória. São Paulo: Edusp, 1976c.<br />

______. <strong>Psicologia</strong> da inteligência. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1977.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 677


______. A epistemologia Genética. In: Os pensadores. Tradução <strong>de</strong> Nathanael C. Caixeiro. 2ª edição São<br />

Paulo: Abril Cultural, 1983.<br />

______. A formação do símbolo na criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1978.<br />

______. Biologia e conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1996.<br />

______. A tomada <strong>de</strong> consciência. São Paulo Melhoramentos,1977.<br />

______. Fazer e compreen<strong>de</strong>r. São Paulo: Melhoramentos,1978.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 678


Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem: O Conceito dos Formandos em Pedagogia<br />

Resumo<br />

FARIA, Lara Arenghi<br />

Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos – UNIPAC<br />

larenghi@hotmail.com<br />

É nas séries iniciais do Ensino Fundamental que as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem (DAP) aparecem<br />

<strong>de</strong>vido ao início do trabalho com escrita, leitura e aritmética <strong>de</strong> forma sistemática, partindo <strong>de</strong> conceitos<br />

abstratos. Embora os números oficiais sejam relativamente pequenos, professores asseguram que, um<br />

número muito maior <strong>de</strong> crianças apresentam DAP Isso acontece, porque os docentes possuem um<br />

conceito acerca do assunto baseado menos na teoria e mais em informações do senso comum ou ligando<br />

as DAPs a problemas no processo ensino/aprendizagem, ou ainda, da própria estrutura educacional<br />

adotada, e tantos outros fatores que contribuem sabidamente para o insucesso escolar. O presente trabalho<br />

tem a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a concepção que formandos do curso <strong>de</strong> Pedagogia tem acerca das DAPs e,<br />

posteriormente, contribuir para sanar dúvidas que possam existir por meio da elaboração <strong>de</strong> uma cartilha<br />

explicativa e com isso, promover a instrução antes do exercício da profissão.<br />

Palavras–chave: Formação Docente. Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem.<br />

Abstract<br />

It is in Basic Courses initial series that learning difficulties arise due to the beginning of writing, reading<br />

and arithmetic activities in a systemic way, based on abstract concepts. Although the official statistics are<br />

relatively small, teachers ensure that there is a greater number of children with these kind of difficulties.<br />

This happens because teachers have a concept on this subject, based less in theories than in their<br />

observations and in common sense. They tie learning difficulties to problems teaching and learning<br />

process or even to the education structure, beyond other factors that contribute to scholar failure. The aim<br />

of this paper is to <strong>de</strong>monstrate graduate stu<strong>de</strong>nts in Pedagogy Courses conceptions on learning difficulties<br />

as well to contribute to solve questions by means of a explication fol<strong>de</strong>r and, in this way, to promote<br />

instruction before professional work.<br />

Keywords: Teachers formation. Learning difficulties.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 679


Introdução<br />

A chegada <strong>de</strong> uma criança na escola é sempre cercada <strong>de</strong> expectativas, tanto por parte da família<br />

quanto por parte da equipe escolar. A família, cumprindo seu <strong>de</strong>ver moral e legal, conduz um dos seus<br />

para as “primeiras letras” a fim <strong>de</strong> iniciar sua formação que provavelmente só terá fim no início <strong>de</strong> sua<br />

ativida<strong>de</strong> profissional. Des<strong>de</strong> a gestação espera-se uma certa normalida<strong>de</strong> da criança que nasce e posterior<br />

sucesso nos níveis <strong>de</strong> ensino e relacionamento, cumprindo o compromisso cultural e histórico<br />

<strong>de</strong>senvolvido pela socieda<strong>de</strong> que está inserido.<br />

A equipe escolar recebe e orienta o aluno, <strong>de</strong> forma sistemática para que consiga incorporar os<br />

saberes e <strong>de</strong>senvolver as competências e habilida<strong>de</strong>s necessárias para sua atuação profissional e seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento social por meio das relações, do aluno com os saberes, do aluno com os colegas e do<br />

aluno com ele mesmo. Tais relações são <strong>de</strong> suma importância para estudo <strong>de</strong> questões educacionais,<br />

entretanto não iremos nos aprofundar nelas pois, o cerne do trabalho é justamente uma característica<br />

individual que contradiz a normalida<strong>de</strong> esperada.<br />

Tais expectativas são, ou não, cumpridas no <strong>de</strong>correr da vida escolar. A não concretização das<br />

expectativas po<strong>de</strong>m ter variadas explicações como, por exemplo, questões culturais, emocionais, <strong>de</strong><br />

gestão do trabalho escolar, <strong>de</strong> formação docente e muitas outras razões que inquietam os Educadores e<br />

pesquisadores da Educação. Tais discussões são relevantes para compreen<strong>de</strong>r e superar possíveis<br />

<strong>de</strong>sajustes nos sistemas educacionais, no entanto, vamos aqui discorrer sobre algo ligado ao aluno e<br />

partindo <strong>de</strong> uma abordagem que contradiz as perspectivas investigativas da área <strong>de</strong> Educação que é<br />

justamente focar no sistema educacional e não mais em elementos separadamente.<br />

Com o início do ensino no Ensino Fundamental - EF as Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem (DAP)<br />

aparecem <strong>de</strong>vido ao início do trabalho com escrita, leitura e aritmética <strong>de</strong> forma sistemática, partindo <strong>de</strong><br />

conceitos abstratos. As DAP afetam <strong>de</strong> forma permanente, ou temporária os alunos que, apresentem ou<br />

não comprometimentos no Sistema Nervoso Central – SNC e geralmente a i<strong>de</strong>ntificação acontece no<br />

âmbito escolar.<br />

Embora o número <strong>de</strong> acometidos seja relativamente pequeno, professores asseguram que, um<br />

número muito maior <strong>de</strong> crianças apresentam DAP. Isso porque os docentes possuem um conceito acerca<br />

do assunto baseado menos na teoria e mais em informações do senso comum ou ligando as DAP a<br />

problemas no processo <strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong> aprendizagem, ou ainda, da própria estrutura educacional adotada,<br />

e tantos outros fatores que contribuem sabidamente para o insucesso escolar.<br />

O presente trabalho tem a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a concepção que formandos do curso <strong>de</strong><br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 680


Pedagogia tem acerca das DAP e posteriormente contribuir para sanar dúvidas que possam existir por<br />

meio da elaboração <strong>de</strong> uma cartilha explicativa e com isso, promover a instrução antes do exercício da<br />

profissão. Para tanto irá investigar qual conceito e representações os futuros licenciados relacionam com<br />

DAP.<br />

Referencial Teórico<br />

Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem e docência<br />

É nas séries iniciais do Ensino Fundamental (EF) que as Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem (DAP)<br />

são i<strong>de</strong>ntificadas <strong>de</strong>vido ao início do trabalho com escrita, leitura e aritmética <strong>de</strong> forma sistemática,<br />

partindo <strong>de</strong> conceitos abstratos. Antes não havia sido exigido da criança a elaboração concreta <strong>de</strong><br />

elementos partindo <strong>de</strong> conceitos abstratos, que provavelmente não lhes eram conhecidos. A criança que<br />

até então apresenta um <strong>de</strong>senvolvimento aceitável, tanto em aspecto psicomotor, social e cognitivo,<br />

começa a <strong>de</strong>monstrar atraso em uma ou várias disciplinas escolares, <strong>de</strong>monstrando, no <strong>de</strong>correr das séries<br />

iniciais, <strong>de</strong>fasagem com relação aos colegas.<br />

De acordo com o National Joint Committee of Larning Disabilities - NJCLD órgão que reúne<br />

maior consenso, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> DAP compreen<strong>de</strong> o seguinte conteúdo.<br />

Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem (DA) é um termo geral que se refere a um grupo<br />

heterogêneo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns manifestadas por dificulda<strong>de</strong>s significativas na aquisição e<br />

utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do raciocínio<br />

matemático. Tais <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns, consi<strong>de</strong>radas intrínsecas ao individuo, presumindo-se que<br />

sejam <strong>de</strong>vidas a uma disfunção do sistema nervoso central, po<strong>de</strong>m ocorrer durante toda a<br />

vida. Problemas na autoregulação do comportamento na percepção social e na interação<br />

social po<strong>de</strong>m existir com a DA. Apesar das DA ocorrerem com outras <strong>de</strong>ficiências ou<br />

com influências extrínsecas elas não são o resultado <strong>de</strong>ssas condições. (NJCLD,1988,<br />

p.41-42)<br />

A classificação do NJCLD coloca que as DAP tem uma ligação com disfunção no sistema<br />

nervoso central (SNC), apesar <strong>de</strong> os estudos não garantirem que possa ser encontrado, por meio <strong>de</strong><br />

exames clínicos, alterações no SNC que seja responsáveis por acarretar DAP.<br />

É mais provável que se diagnostique o que não é DAP, do que o que é. Segundo a bibliografia<br />

especializada apenas 2% aproximadamente <strong>de</strong> todas as crianças em ida<strong>de</strong> escolar apresentam DAP<br />

(FONSECA,1995).<br />

Embora o número seja relativamente pequeno, professores asseguram que, um número muito<br />

maior <strong>de</strong> crianças apresenta DAP. Isso acontece provavelmente porque os docentes possuem um conceito<br />

incorreto acerca do assunto. Conceito esse, baseado menos na teoria e mais em informações do senso<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 681


comum ou ligando as DAP a problemas no processo <strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong> aprendizagem, ou ainda, questões da<br />

estrutura educacional adotada, e tantos outros fatores que contribuem, sabidamente, para o insucesso<br />

escolar.<br />

(...) po<strong>de</strong>-se constatar, assim, a concretização no cotidiano da sala <strong>de</strong> aula do processo <strong>de</strong><br />

biologização das questões sociais (no caso, as educacionais), processo este <strong>de</strong> cunho<br />

i<strong>de</strong>ológico inegável.<br />

A biologização – e consequentemente patologização – da aprendizagem escamoteia os<br />

<strong>de</strong>terminantes políticos e pedagógicos do fracasso escolar, isentando <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

o sistema vigente e a instituição escolar nele inserida. E os distúrbios <strong>de</strong> aprendizagem<br />

são uma das formas <strong>de</strong> expressão mais em moda, na atualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ssa biologização da<br />

educação e, mais especificamente do fracasso escolar (MOYSÈS e COLLARES, 1992,<br />

p.31-32). 96<br />

A atitu<strong>de</strong> dos professores a esse respeito contribui para a estigmatização <strong>de</strong>ssas crianças, que<br />

a<strong>de</strong>ntram a séries posteriores com julgo <strong>de</strong> déficit em aprendizagem.<br />

O termo estigmatizar é utilizado no sentido <strong>de</strong> censura e con<strong>de</strong>nação. Ao afirmar que um aluno<br />

apresenta DAP, este professor não só esta censurando habilida<strong>de</strong>s, mas con<strong>de</strong>nando-o a ser taxado <strong>de</strong><br />

incapaz. “A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> escolar da criança fica comprometida com sentimentos <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> e auto-<br />

estima baixa, que repercute no seu <strong>de</strong>sempenho educacional” (MORAES, 1995, s/p).<br />

A Lei nº 8.069/90 (Estatuto da criança e do Adolescente - ECA), em seu art. 17 cita:<br />

O direito ao respeito consiste na inviolabilida<strong>de</strong> da integrida<strong>de</strong> física, psíquica e moral da<br />

criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, da<br />

autonomia, dos valores, i<strong>de</strong>ias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.<br />

E completa em seu art. 18: “ É <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> todos velar pela dignida<strong>de</strong> da criança e do adolescente,<br />

pondo-os a salvo <strong>de</strong> qualquer tratamento <strong>de</strong>sumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”<br />

É a<strong>de</strong>quado então, que o professor das séries iniciais tenha clareza <strong>de</strong> todo esse mecanismo e o<br />

evite, promovendo o <strong>de</strong>senvolvimento saudável <strong>de</strong> seus alunos.<br />

O que não é Dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aprendizagem<br />

Existem muitas razões pelas quais um aluno não aprenda <strong>de</strong>terminado conteúdo ou vários. Uma<br />

<strong>de</strong>ssas razões uma é Dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aprendizagem, que acomete cerca <strong>de</strong> 2% <strong>de</strong> todo alunado e mais<br />

frequente em meninos (FONSECA, 1995), assim, não há como justificar que a maior parte <strong>de</strong> uma sala <strong>de</strong><br />

96 Moysés e Collares utilizam o termo Distúrbios <strong>de</strong> Aprendizagem, que difere <strong>de</strong> DAP pela etnia representar uma patologia,<br />

algo indissociável ao indivíduo. É um enfoque médico do mesmo problema. Como este trabalho visa as questões<br />

pedagógicas, o termo utilizado será DAP, que difere <strong>de</strong> Distúrbios <strong>de</strong> Aprendizagem no tratamento, que, no caso <strong>de</strong> DAP,<br />

não faz uso <strong>de</strong> medicamentos e presa pela abordagem pedagógica.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 682


aula é formada por alunos com DAP (ARENGHI, 2007). Mas o que acontece então? Por que<br />

<strong>de</strong>terminados alunos não estão apren<strong>de</strong>ndo?<br />

Retomando ainda a questão das expectativas. Por parte da família a espera, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a gestação <strong>de</strong><br />

uma criança que se <strong>de</strong>senvolva com certa normalida<strong>de</strong> e seja capaz <strong>de</strong> cumprir seu papel social e por<br />

parte da escola, um aluno que obtenha sucesso em seus estudos, na apropriação do conhecimento, no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas habilida<strong>de</strong>s e competências, enfim, preza pela emancipação humana. Entretanto,<br />

em algum momento da vida escolar, um abismo começa a se formar entre o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> alguns<br />

indivíduos e do restante, que por hora já é <strong>de</strong> se questionar se o restante representa a maioria.<br />

Nesse sentido temos a obrigação <strong>de</strong> tratar do assunto inclusão e inclusão educacional.<br />

O tema inclusão é <strong>de</strong> ampla discussão. É um paradigma a partir do qual se reconhece a<br />

diversida<strong>de</strong> dos indivíduos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> e cria-se estratégias e serviços para que<br />

todos possam gozar <strong>de</strong> seus direitos e <strong>de</strong>veres. Na educação o movimento <strong>de</strong> inclusão<br />

começa a ganhar apoio sistematizado a partir da Conferência Mundial sobre Educação<br />

para Todos em 1990. Em 1994, na Espanha, vários países, inclusive o Brasil, se<br />

comprometeram a criar estratégias para aten<strong>de</strong>r as particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos os alunos,<br />

<strong>de</strong>sta forma, além <strong>de</strong> oferecer a educação, espera-se que seja com qualida<strong>de</strong>, para isso é<br />

previsto a criação <strong>de</strong> serviços (ARENGHI, 2007)<br />

A proposta <strong>de</strong> Educação Inclusiva pressupõe que o trabalho pedagógico da sala seja diversificado<br />

e dinâmico a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r aos diversos perfis <strong>de</strong> aprendizagens dos alunos.<br />

A proposta <strong>de</strong> Educação Inclusiva é bastante complexa, pois a escola precisará prepararse<br />

para lidar com Todos os alunos o que significa consi<strong>de</strong>rar as inúmeras especificida<strong>de</strong>s<br />

existentes para a aprendizagem ocorrer, inclusive as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ficiências sensoriais, físicas e cognitivas. [...] no paradigma inclusivo ocorre uma<br />

re<strong>de</strong>finição conceitual a respeito do aluno que apresenta necessida<strong>de</strong>s educacionais<br />

especiais. Nele, consi<strong>de</strong>ra-se que um aluno possui necessida<strong>de</strong> educacional especial<br />

quando apresenta dificulda<strong>de</strong>s significativas para apren<strong>de</strong>r os conteúdos previstos no<br />

currículo da série em que ele se encontra, que <strong>de</strong>ve correspon<strong>de</strong>r à sua faixa etária.<br />

(OLIVEIRA e POKER, 2002).<br />

Alguns aspectos <strong>de</strong>vem ser investigados para que não haja equívocos por parte da escola. Em<br />

seguida, elencamos alguns <strong>de</strong>les <strong>de</strong> forma sucinta e acompanhados <strong>de</strong> breve explicação. A or<strong>de</strong>m em que<br />

aparecem nada tem <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> ou importância, serve apenas para classificar.<br />

Dificulda<strong>de</strong>s Escolares<br />

Assunto amplamente discutido e pesquisado. Inclui questões relacionadas ao fracasso escolar<br />

relacionado a docência, escola, comunida<strong>de</strong>, sistema educacional e governamental. No que diz respeito a<br />

docência temos vários entraves educacionais, como por exemplo, vários tipos <strong>de</strong> formação (Magistério,<br />

Normal Superior e Licenciatura). É uma questão que está em aberto e suscita dúvidas com relação ao<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 683


conteúdo <strong>de</strong> cada formação, o aproveitamento dos alunos e a posterior prática pedagógica.<br />

Quando se tem em pauta a condição profissional do educador, po<strong>de</strong>-se afirmar que só<br />

será assegurada qualida<strong>de</strong> à sua atuação se, ao longo dos processos iniciais e continuados<br />

<strong>de</strong> sua formação, lhe for assegurado, pelas mediações pedagógicas, um complexo<br />

articulado <strong>de</strong> elementos formativos,produzidos pelo cultivo <strong>de</strong> sua subjetivida<strong>de</strong>, que<br />

traduza competência epistêmica, técnica e científica, criativida<strong>de</strong> estética, sensibilida<strong>de</strong><br />

ética e criticida<strong>de</strong> política. Será com uma prática guiada por referências <strong>de</strong>ssa natureza<br />

que o profissional da educação po<strong>de</strong>rá exercer sua função educativa no meio social, a<br />

partir <strong>de</strong> sua inserção num projeto educacional (SEVERINO, 2003).<br />

Essa questão nos leva as diferentes gra<strong>de</strong>s curriculares dos cursos <strong>de</strong> graduação em Pedagogia e<br />

se espera profissionais que tiveram contato com diferentes conteúdos, sem esquecer dos que se formam<br />

em uma abordagem generalista ou especialista. Ainda na questão da docência po<strong>de</strong>mos citar problemas<br />

como, dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a bens culturais (LELIS, 2008), formação continuada, baixos salários, turnos<br />

<strong>de</strong> trabalho dobrado.<br />

A estrutura da escola também po<strong>de</strong> colaborar com o fracasso escolar por meio <strong>de</strong> sua organização<br />

física e <strong>de</strong> pessoal, gestão ina<strong>de</strong>quada, relações intra e interpessoais. O aluno po<strong>de</strong> apresentar questões<br />

emocionais, psicológicas que são representadas muitas vezes na forma <strong>de</strong> comportamento indisciplinar o<br />

gera <strong>de</strong>sarmonia na sala <strong>de</strong> aula. A comunida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ou não estar em constante contato com a escola e<br />

esse contato po<strong>de</strong> ser benéfico ou não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da região em que está localizada, como exemplo,<br />

temos escolas em bairros dominados pelo tráfico <strong>de</strong> drogas on<strong>de</strong> a escola já per<strong>de</strong>u suas características<br />

para assumir o papel <strong>de</strong>terminado pelos “chefes” do tráfico. Muitas vezes a escola é refém e outras ela faz<br />

<strong>de</strong> seus alunos reféns! De qualquer forma, quando nos referimos a questões escolares, nos referimos a<br />

problemas multisetoriais que <strong>de</strong>mandam providências multisetoriais. De preferência partindo <strong>de</strong> ações<br />

governamentais como previsão orçamentária, legislação específica até assegurar que os sistemas<br />

educacionais cumpram efetivamente com o papel a eles atribuídos. É garantido pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

o direito a educação <strong>de</strong> todas as crianças e a lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da educação, Lei nº 9.394 prevê o<br />

acesso e permanência dos alunos, preferencialmente na Re<strong>de</strong> Pública, para aquisição dos conhecimentos<br />

sistematizados que irão colaborar para sua formação integral.<br />

Dislexia<br />

Dislexia é um termo utilizado para <strong>de</strong>screver um problema <strong>de</strong> fundo neurológico que compromete<br />

a linguagem, seja ela linguagem matemática, escrita ou leitura. Po<strong>de</strong> ser diagnosticada em qualquer<br />

período da vida, mas por motivos óbvios é mais frequentemente i<strong>de</strong>ntificada no período escolar. Cerca <strong>de</strong><br />

20% <strong>de</strong> toda população apresenta algum tipo <strong>de</strong> dislexia e como é comum aos indivíduos que tem<br />

procurar estratégias para a aprendizagem, muitos passam toda a vida sem nunca saber que tinham.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 684


O importante é <strong>de</strong>ixar claro que educadores não têm competência para fazer tal diagnóstico. Esse<br />

só po<strong>de</strong> ser feito por um médico neurologista <strong>de</strong> preferência tendo seu trabalho acompanhado por um<br />

profissional <strong>de</strong> psicologia, outro <strong>de</strong> pedagogia, e fonoaudiologia.<br />

Transtornos<br />

São patologias que acometem o indivíduo em seus sistemas neurológico ou psíquico. No caso dos<br />

transtornos neurológicos, esses afetam o Sistema Nervoso Central (SNC) e <strong>de</strong>ntre os distúrbios, po<strong>de</strong>m<br />

apresentar Transtorno do sono, Doenças do SNC, Doenças Neuro<strong>de</strong>generativas, Malformações<br />

Congênitas e Síndromes Degenerativas, como é a Esclerose Múltipla. Entre os distúrbios psicológicos<br />

estão a ansieda<strong>de</strong>, doenças mentais, <strong>de</strong>pressão, distúrbios <strong>de</strong> conduta, esquizofrenia e outros.<br />

Em ambos os casos é necessário o acompanhamento médico. O indivíduo que apresenta algum<br />

tipo <strong>de</strong> transtorno ten<strong>de</strong> a adaptar sua vida. Isso inclui também a vida escolar. Conversar com a família<br />

po<strong>de</strong> trazer várias i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> como lidar e o que esperar do aluno com transtorno.<br />

Deficiências<br />

Deficiências se caracterizam por um quadro permanente ou provisório <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> que torna o<br />

indivíduo em situação que o <strong>de</strong>sabone em suas necessida<strong>de</strong>s. Existem <strong>de</strong>ficiências que são aparentes e<br />

outras que exige m pouco mais <strong>de</strong> cuidado para i<strong>de</strong>ntificar. A <strong>de</strong>ficiência física compromete um órgão<br />

motor sem necessariamente afetar o sistema cognitivo; a <strong>de</strong>ficiência auditiva é a perda parcial ou total<br />

(que acontece em menor número) da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir; a <strong>de</strong>ficiência visual, assim como a auditiva,<br />

po<strong>de</strong> ser parcial ou total (acontece em menor número) e a <strong>de</strong>ficiência mental que acomete,<br />

necessariamente, a capacida<strong>de</strong> intelectual. Em toda a população temos aproximadamente 10 % <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ficientes, sejam ela DA, DV, DF ou DM, <strong>de</strong> manifestação congênita ou adquirida, permanente ou<br />

temporária.<br />

Em qualquer um dos casos citados acima, havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptações <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Porte ou<br />

<strong>de</strong> Pequeno Porte (ARENGHI, 2007), o que cabe a escola, e contemplo aqui toda a equipe educacional, é<br />

i<strong>de</strong>ntificar o aluno que apresenta uma Necessida<strong>de</strong> Educacional Especial – NEE. Nesse caso, a escola<br />

po<strong>de</strong> contar com serviço <strong>de</strong> suporte se for necessário.<br />

Para ajustar e aten<strong>de</strong>r os alunos que apresentem Necessida<strong>de</strong>s Educacionais Especiais<br />

(NEE), seja <strong>de</strong> caráter temporário ou permanente, são previstas, no paradigma <strong>de</strong><br />

educação Inclusiva algumas a<strong>de</strong>quações. Aos alunos que apresentem dificulda<strong>de</strong>s para<br />

acesso a educação são necessárias a<strong>de</strong>quações <strong>de</strong> estrutura arquitetônica ou <strong>de</strong> meio <strong>de</strong><br />

transporte, algumas modificações no ambiente ou mobiliário. Aos alunos que apresentem<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acessar o currículo <strong>de</strong>ve-se oferecer A<strong>de</strong>quação Curricular (AC), o<br />

documento individual que dá ao professor a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejamento e<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 685


acompanhamento mais <strong>de</strong>talhado <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong> aprendizagem do aluno. Por AC<br />

po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r que é o conjunto <strong>de</strong> ajustes e modificações que se efetuam na educação<br />

básica para melhor resposta dos alunos com NEE em conjunto e respeitando a<br />

diversida<strong>de</strong> (ARENGHI, 2007).<br />

A i<strong>de</strong>ntificação do aluno com NEE <strong>de</strong>ve partir do professor, que provavelmente será o primeiro a<br />

perceber que há uma discrepância muito acentuada entre o aluno e os <strong>de</strong>mais. O próximo passo é então,<br />

pedir auxílio da coor<strong>de</strong>nação pedagógica e se precisar, encaminhar para avaliação psicológica, médica ou<br />

fonoaudiológica. Esses profissionais darão também dicas <strong>de</strong> como lidar com o aluno, no que diz respeito<br />

ao conteúdo <strong>de</strong> sua responsabilida<strong>de</strong>, é claro.<br />

Após i<strong>de</strong>ntificado, o aluno tem o direito a a<strong>de</strong>quações que supram sua necessida<strong>de</strong>, daí existe<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> adaptações no maio físico, <strong>de</strong> materiais até a adaptação, ou flexibilização, do currículo. Algumas<br />

modificações po<strong>de</strong>m ser promovidas no âmbito escolar e outras irão necessitar <strong>de</strong> parcerias e ações<br />

governamentais.<br />

Contamos também com vasta bibliografia, inclusive publicações do Ministério da Educação que<br />

elucidam conceitos e formas <strong>de</strong> trabalhar as NEE.<br />

O que é Dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aprendizagem<br />

Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem é um quadro com características <strong>de</strong>finidas e apresentadas pelo<br />

aluno. A pesquisa sobre DAP vai contra as tendências mais atuais, <strong>de</strong> analisar o sistema educacional, mas<br />

aqui vamos nos apegar a uma parte apenas, o aluno. O quadro <strong>de</strong> DAP acomete em maior número<br />

meninos e são i<strong>de</strong>ntificados, geralmente , ao entrar no Ensino Fundamental, momento que,<br />

obrigatoriamente, o aluno <strong>de</strong>verá se alfabetizar.<br />

Apesar <strong>de</strong> requerer maior <strong>de</strong>dicação por parte dos professores, DAP po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> forma<br />

temporária ou permanente e em alguma área do conhecimento, ou em várias. Há muitas teorias que<br />

conceituam DAP, entre elas a <strong>de</strong> Coll (1995):<br />

Há um nível intermediário <strong>de</strong> Dap (...) que são as caracterizadas como específicas porque<br />

afetam <strong>de</strong> modo específico <strong>de</strong>terminadas aprendizagens escolares (como , por exemplo, a<br />

da leitura, a da escrita ou da matemática), e como leves, já que, além <strong>de</strong> não implicar<br />

<strong>de</strong>teriorização intelectual, os aspectos psicológicos são poucos (por exemplo,<br />

<strong>de</strong>senvolvimento fonológico, ou a atenção sustentada, ou a memória <strong>de</strong> trabalho), e suas<br />

consequências po<strong>de</strong>m ser solucionadas mediante intervenção psicopedagógica oportuna e<br />

eficaz. Às vezes também costumam ser qualificadas como evolutivas, não apenas porque<br />

a perspectiva da qual são consi<strong>de</strong>radas seja <strong>de</strong> natureza cognitivo-evolutiva, mas também<br />

porque se estima que sua origem se <strong>de</strong>va a atrasos no <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

O importante é diferenciar o que não é DAP e o que po<strong>de</strong> ser resolvido no âmbito escolar e quais<br />

elementos precisarão <strong>de</strong> ajuda para serem solucionados.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 686


Objetivos<br />

• I<strong>de</strong>ntificar o conceito que os alunos do curso <strong>de</strong> graduação em Pedagogia, nos últimos períodos da<br />

graduação possuem a respeito <strong>de</strong> Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem e a partir <strong>de</strong>le elaborar uma<br />

cartilha para explicar possíveis contradições com relação ao assunto.<br />

• Proce<strong>de</strong>r uma investigação a respeito da relevância científica e social do tema;<br />

• Reunir bibliografia que contribua para a solução do problema da pesquisa;<br />

• Leitura, fichamento e análise da bibliografia levantada e outras que possam surgir durante o<br />

andamento da pesquisa;<br />

• Compreen<strong>de</strong>r o que os autores colocam sobre o tema;<br />

• Verificar os pontos e conceitos <strong>de</strong> maior importância;<br />

• Oportunizar o contato da pesquisa com alunos da graduação por meio da participação em<br />

reuniões <strong>de</strong> cunho teórico e organizativo;<br />

• I<strong>de</strong>ntificar o que os alunos dos últimos períodos do curso <strong>de</strong> Licenciatura em Pedagogia enten<strong>de</strong>m<br />

por Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aprendizagem; e,<br />

• Elaborar uma cartilha explicativa dos aspectos <strong>de</strong>ficientes levantados a partir da coleta <strong>de</strong> dados.<br />

Metodologia E Desenvolvimento<br />

Fonte <strong>de</strong> dados<br />

• Livros, teses, monografias, artigos e textos legais referentes ao tema da pesquisa<br />

• Questionário com questões fechadas<br />

Materiais<br />

• Periódicos e materiais <strong>de</strong> escritório em geral.<br />

Procedimentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados<br />

• Levantamento bibliográfico <strong>de</strong> livros, teses, monografias, artigos e textos legais seguido <strong>de</strong><br />

leitura, fichamento e análise qualitativa, com a intenção <strong>de</strong> reunir conceitos sobre o tema;<br />

• Submeter projeto e questionário ao comitê <strong>de</strong> Ética;<br />

• Elaboração e aplicação <strong>de</strong> questionário; alunos do curso <strong>de</strong> graduação em Pedagogia foram<br />

convidados para participarem da elaboração e aplicação do questionário aos alunos dos 4º e 5º<br />

períodos do curso <strong>de</strong> Pedagogia da Universida<strong>de</strong> “Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos” – UNIPAC –<br />

Campus Araguari – MG sob supervisão da autora;<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 687


• Será utilizada uma amostra por sorteio que irá contemplar os últimos 2 períodos do curso <strong>de</strong><br />

graduação com licenciatura em Pedagogia ( 4º e 5º períodos), objetivando obter um parâmetro da<br />

referida Instituição. Os sujeitos serão convidados a respon<strong>de</strong>r três blocos <strong>de</strong> três perguntas cada<br />

um.<br />

• Na construção do conceito dos alunos, vários elementos serão contribuintes, seja instituição<br />

formadora, historia <strong>de</strong> vida, posição sócio-econômica e acesso à cultura.<br />

Procedimento <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> dados<br />

• Será feita a leitura e fichamento da bibliografia especializada seguida <strong>de</strong> análise do que é<br />

colocado em relação ao problema <strong>de</strong> pesquisa;<br />

• Encontros com discussões teóricas sobre o tema e a pesquisa;<br />

• Análise qualitativa dos questionários;<br />

• A partir da análise dos questionários, elencar as dúvidas e incorreções mais frequentes para que<br />

possam ser trabalhadas em momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>volutiva; e,<br />

• Elaboração <strong>de</strong> uma cartilha explicativa contendo discussões a respeito da relevância do tema e<br />

Conclusões<br />

explicações <strong>de</strong>talhadas no formato <strong>de</strong> perguntas e respostas. Tal <strong>de</strong>volutiva ocorrerá em momento<br />

previamente agendado com todos os alunos dos últimos períodos do curso <strong>de</strong> Pedagogia a fim <strong>de</strong><br />

disseminar a informação <strong>de</strong> maneira homogênea aos formandos e futuros docentes.<br />

O trabalho não possui dados conclusivos. Está na etapa <strong>de</strong> aplicação do questionário junto aos<br />

alunos dos últimos períodos do curso <strong>de</strong> graduação em Pedagogia.<br />

Já foram realizadas reuniões teóricas a respeito do tema e do projeto para envolvimento das<br />

questões junto aos alunos que irão acompanhar a pesquisa e que não serão os mesmos que respon<strong>de</strong>rão ao<br />

questionário. O corpo teórico da pesquisa também está em finalização.<br />

Após coleta <strong>de</strong> dados e posterior análise qualitativa, preten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>senvolver uma cartilha<br />

explicativa na estrutura <strong>de</strong> perguntas e respostas. Será entregue a todos os alunos dos últimos períodos do<br />

curso para que tenham suas possíveis dúvidas sanadas antes da efetiva função.<br />

Com essa ação espera-se que o professor se sinta mais preparado para enfrentar questões que irão<br />

permear sua prática e esteja apto para tomar <strong>de</strong>cisões em prol do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sue aluno.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 688


Referências<br />

ARENGHI, L. A<strong>de</strong>quações Curriculares: A análise do documento na experiência da re<strong>de</strong> municipal <strong>de</strong><br />

ensino <strong>de</strong> Paraguaçu Paulista. 2007. 35f. Monografia (Especialização em Educação Inclusiva) –<br />

Departamento <strong>de</strong> Educação Especial, UNESP, São Paulo.<br />

BRASIL. Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do Ensino <strong>de</strong> 1º e 2º graus : legislação e normas<br />

básicas para sua implantação. IMESP - impressa oficial do Estado, 1983.<br />

______ . Ministério da Ação Social. Coor<strong>de</strong>nadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora <strong>de</strong><br />

Deficiência. Declaração <strong>de</strong> Salamanca e linhas <strong>de</strong> ação sobre necessida<strong>de</strong>s educacionais especiais.<br />

Brasília: MAS/CORDE, 1994.<br />

COLL,C.,PALACIOS,J.,MARCHESI,A. (org.) Desenvolvimento psicológico e educação: necessida<strong>de</strong>s<br />

educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.<br />

FARIA, L. A. Quando a escrita não acontece. In: III ENCONTRO UNIVERSIDADE – Escola: práticas<br />

pedagógicas na educação infantil, 5, 2009, Minas Gerais. Mesa Redonda: UNIPAC, 2009.<br />

FONSECA,V. Introdução as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.<br />

LELIS, I. A construção da profissão docente no Brasil: uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> histórias. In: O ofício <strong>de</strong> professor:<br />

histórias, perspectivas e <strong>de</strong>safios internacionais. Petrópolis: Vozes, 2008.<br />

MOYSÉS,M.A.A. A institucionalização invisível: crianças que não apren<strong>de</strong>m na escola. Campinas:<br />

Mercado <strong>de</strong> Letras, 2001.<br />

MOYSÉS,M.A.A., COLLARES,C.A.L. A história não contada dos distúrbios <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Ca<strong>de</strong>rnos CEDES. São Paulo, n.28, 1992. p. 31-47.<br />

MORAES,M.A.A. As crianças com dificulda<strong>de</strong>s escolares na concepção da família, do professor e dos<br />

especialistas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Marília, 1995.<br />

OLIVEIRA, A.A.S. e POKER, R.B. Educação inclusiva e municipalização: a experiência em educação<br />

especial <strong>de</strong> Paraguaçu Paulista. Revista brasileira <strong>de</strong> educação especial. Marília, v.8, n.2, jul-<strong>de</strong>z. 2002,<br />

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ONU. UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos – Satisfação das Necessida<strong>de</strong>s<br />

Básicas <strong>de</strong> Aprendizagem. Jomtien: Tailândia, 1990.<br />

SEVERINO, A.J. Preparação técnica e formação ético-política dos professores. In: Formação <strong>de</strong><br />

educadores: <strong>de</strong>safios e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2003.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 689


Relatos <strong>de</strong> Grupos <strong>de</strong> Pesquisa<br />

REPEG – Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Estudos em <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong> Genéticas: Trajetória e Pesquisas <strong>de</strong> um<br />

Grupo Acadêmico<br />

Resumo<br />

QUEIROZ, Sávio Silveira <strong>de</strong>97 SILVA, Alberto Pereira da98 ALVES, Ariadne Dettman99 SANTOS, Bianca Silva100 GARIOLI, Daniele <strong>de</strong> Souza101 OGIONI, Fernanda Schiavon102 RONCHI, Juliana Peterle103 BONOMO, Lívia Maria Marques104 Universida<strong>de</strong> Estadual do Espírito Santo – UFES<br />

JARDIM, Bárbara Lavinsky105 UNIVIX<br />

MOURA NETO, Charles106 Confe<strong>de</strong>ração Brasileira <strong>de</strong> Xadrez<br />

CANAL, Cláudia Patrocinio Pedroza107 UNES e FAVI<br />

STURSA, Daiana108 UNIVIX e UNICIDADE<br />

peterleronchi@yahoo.com.br<br />

savioqueiroz@terra.com.br<br />

Este trabalho relata a trajetória <strong>de</strong> um grupo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>nominado REPEG – Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Estudos em<br />

<strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong> Genéticas -, o qual funciona na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo, e se<br />

caracteriza como lugar <strong>de</strong> formação permanente em teoria piagetiana, cuidando <strong>de</strong> suas vinculações com<br />

a prática clínica e pedagógica e ainda incentivando seus componentes a estudarem textos clássicos ou<br />

acadêmicos que possam subsidiar as discussões inerentes à leitura da obra piagetiana. A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

graus e tipos <strong>de</strong> formação acadêmica contribui para que a transversalida<strong>de</strong> e a interdisciplinarida<strong>de</strong><br />

estejam presentes nos trabalhos do grupo, <strong>de</strong>vidamente apresentados no texto completo, pelo qual<br />

tentamos mostrar claramente a trajetória por ele percorrida, com resultados <strong>de</strong> reflexões teóricas e<br />

produções acadêmicas conseguidas ao longo dos dois últimos anos. Assim, artigos científicos, teses,<br />

dissertações e atuações profissionais recebem a influência <strong>de</strong>sse novo espaço <strong>de</strong> discussão e produção.<br />

Palavras-chave: Piaget. <strong>Epistemologia</strong> Genética. <strong>Psicologia</strong> Genética.<br />

97<br />

Doutor - Coor<strong>de</strong>nador atual da REPEG – docente do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação e do Curso <strong>de</strong> Graduação em <strong>Psicologia</strong><br />

da UFES<br />

98<br />

Conclu<strong>de</strong>nte do curso <strong>de</strong> Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

99<br />

Mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

100<br />

Aluna do curso <strong>de</strong> Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

101<br />

Mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

102<br />

Mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

103<br />

Conclu<strong>de</strong>nte do curso <strong>de</strong> Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

104<br />

Fisioterapeuta - mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

105 Aluna <strong>de</strong> graduação da UNIVIX<br />

106 Vice-Presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração Brasileira <strong>de</strong> Xadrez<br />

107 Doutora em <strong>Psicologia</strong> – docente da Faculda<strong>de</strong> UNES e da Faculda<strong>de</strong> FAVI<br />

108 Mestra em <strong>Psicologia</strong> – docente da UNIVIX Faculda<strong>de</strong> Brasileira e da UNICIDADE (Pós-graduação)<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 690


Abstract<br />

This work relates the trajectory of a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt group <strong>de</strong>nominated REPEG - Net of Studies in<br />

Psychology and Genetic Epistemology, which it works in Fe<strong>de</strong>ral University of Espírito Santo, and it is<br />

characterized as place of permanent formation in Piaget theory, and its relations with the clinical and<br />

pedagogic practice, motivating its components to study classic or aca<strong>de</strong>mic texts that can subsidize the<br />

inherent discussions to the reading of the Piaget theory. The diversity of <strong>de</strong>grees and types of aca<strong>de</strong>mic<br />

formation contribute so that the transversally and the interdisciplinary are present in the works of the<br />

group, properly presented in the complete text, for which we tried to show the trajectory clearly for him<br />

traveled, with results of theoretical reflections and aca<strong>de</strong>mic productions gotten along the last two years.<br />

Thus, scientific papers, theses, dissertations and professional performances receive the influence of that<br />

new discussion and production space.<br />

Keywords: Piaget. Genetic Epistemology. Genetic Psychology.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 691


Introdução: O que é a REPEG?<br />

A REPEG – Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Estudos em <strong>Psicologia</strong> e <strong>Epistemologia</strong> Genéticas - iniciou seus trabalhos no<br />

ano <strong>de</strong> 2007, a partir <strong>de</strong> reivindicação <strong>de</strong> duas alunas <strong>de</strong> graduação em <strong>Psicologia</strong>: Juliana Peterle Ronchi<br />

e Thalita Novaes Amorim. Gostariam <strong>de</strong> aprofundar-se nos estudos sobre a Teoria <strong>de</strong> Jean Piaget,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer vinculação com programas oficiais ou bolsas <strong>de</strong> iniciação científica. O<br />

professor a quem dirigiu-se a solicitação já estava disposto a formar um grupo <strong>de</strong> formação permanente<br />

em estudos sobre psicologia e epistemologia genéticas, contando imediatamente com a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> um<br />

pequeno grupo, formado por estudantes <strong>de</strong> graduação e pós-graduação muito interessados nesse estudo.<br />

Vale enfatizar que a implantação <strong>de</strong> nossos trabalhos ocorreu exatamente após o VI Congresso<br />

Brasileiro <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> do Desenvolvimento, evento em que a maioria dos nossos integrantes apresentou<br />

pelo menos um trabalho resultante <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> iniciação científica, resultados <strong>de</strong> teses e dissertações,<br />

trabalhos <strong>de</strong> disciplinas <strong>de</strong> graduação ou <strong>de</strong> pós-graduação.<br />

Atualmente, a REPEG realiza trabalhos integrados, ainda que <strong>de</strong> maneira informal, com o grupo<br />

<strong>de</strong> estudos coor<strong>de</strong>nado pelo Doutor Lino <strong>de</strong> Macedo (USP-SP) e com o LaPp – Laboratório <strong>de</strong><br />

Psicopedagogia do IPUSP-SP. Além disso, estudamos a viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração com grupo <strong>de</strong> estudo<br />

coor<strong>de</strong>nado pela Doutora Rosita Haddad Zubel - University of Fribourg – Switzerland, o qual estuda o<br />

mesmo tema, e o Mo<strong>de</strong>Lab – Laboratório <strong>de</strong> Tecnologia Cognitiva Aplicada a Mo<strong>de</strong>lagem Interativa,<br />

vinculado ao curso <strong>de</strong> Física da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Espírito Santo.<br />

A REPEG é um grupo livre que aceita a participação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que efetiva e produtiva, <strong>de</strong> alunos e<br />

professores <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> e áreas afins, vinculados a cursos <strong>de</strong> graduação ou <strong>de</strong> pós-graduação, <strong>de</strong><br />

qualquer período <strong>de</strong> curso. Com isso, buscamos cumprir uma das missões das instituições fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong><br />

ensino superior, quer seja, difundir o estudo e a pesquisa <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Atualmente são integrantes da REPEG:<br />

• Alberto Pereira Silva – conclu<strong>de</strong>nte do curso <strong>de</strong> Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

• Ariadne Dettman Alves – mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

• Bárbara Lavinsky Jardim – aluna <strong>de</strong> graduação da UNIVIX<br />

• Bianca Silva Santos – aluna do curso <strong>de</strong> Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

• Charles Moura Neto – Vice-Presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração Brasileira <strong>de</strong> Xadrez<br />

• Cláudia Patrocinio Pedroza Canal – Doutora em <strong>Psicologia</strong> – docente da Faculda<strong>de</strong> UNES e<br />

Faculda<strong>de</strong> FAVI<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 692


• Daiana Stursa - Mestra em <strong>Psicologia</strong> – docente da UNIVIX Faculda<strong>de</strong> Brasileira e da<br />

UNICIDADE (Pós-graduação)<br />

• Daniele <strong>de</strong> Souza Garioli - mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

• Fernanda Schiavon Ogioni - mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

• Juliana Peterle Ronchi - conclu<strong>de</strong>nte do curso <strong>de</strong> Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

• Lívia Maria Marques Bonomo – Fisioterapeuta - mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em<br />

<strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

• Sávio Silveira <strong>de</strong> Queiroz – Doutor - Coor<strong>de</strong>nador atual da REPEG – docente do Programa <strong>de</strong><br />

Pós-Graduação e do Curso <strong>de</strong> Graduação em <strong>Psicologia</strong> da UFES<br />

Metodologia <strong>de</strong> trabalho<br />

A proposta do grupo é a <strong>de</strong> estudar <strong>de</strong>talhadamente, a partir <strong>de</strong> temas <strong>de</strong>finidos para cada<br />

semestre, a teoria <strong>de</strong> Jean Piaget, sendo estudados também, sempre que necessários, outros autores que<br />

possam contribuir para o entendimento das questões emergentes <strong>de</strong> nossas discussões em grupo.<br />

Nossos procedimentos são baseados em fichamentos sobre textos estudados antes <strong>de</strong> nossas<br />

reuniões, preparados a partir <strong>de</strong> atribuições previamente combinadas no grupo, on<strong>de</strong> os pontos <strong>de</strong>stacados<br />

são exaustivamente discutidos, mediante cronograma estabelecido no início <strong>de</strong> cada semestre.<br />

Os resultados obtidos são levados aos diversos congressos ou transformados em artigos <strong>de</strong><br />

divulgação científica e capítulos <strong>de</strong> livros. Evi<strong>de</strong>ntemente, as discussões têm contribuído para o<br />

aperfeiçoamento dos professores envolvidos, o que se reflete imediatamente em transmissão <strong>de</strong><br />

conhecimentos mais elaborados cientificamente aos alunos <strong>de</strong> graduação e pós-graduação.<br />

Neste semestre (2009/1), particularmente, iniciamos o estudo prático-teórico das provas<br />

operatórias, começando pela prova <strong>de</strong> Conservação do Objeto Permanente. A prova é discutida em seus<br />

<strong>de</strong>talhes mínimos <strong>de</strong> aplicação e, a cada passo vincula-se discussão teórica com base nos textos<br />

estudados.<br />

Até o presente semestre, inclusive, estudamos as seguintes obras, cujos resultados ou impressões<br />

sobre os estudos a elas referentes serão posteriormente <strong>de</strong>scritos:<br />

Semestre 2007/1:<br />

• KANT, I (1781). Crítica da Razão Pura.<br />

• KANT, I (1788). Crítica da Razão Prática.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 693


• KANT, I (1793). Crítica da Faculda<strong>de</strong> do Juízo.<br />

Semestre 2007/2:<br />

• PIAGET, J. (1967). Biologia e Conhecimento.<br />

• Semestre 2008/1:<br />

• PIAGET, J e GRÉCO, P (1959). Aprendizagem e Conhecimento.<br />

• PIAGET, J. (1980). As Formas Elementares da Dialética.<br />

Semestre 2008/2:<br />

• CASTORINA, J. A. e BAQUERO, R. Dialética e <strong>Psicologia</strong> do Desenvolvimento – O<br />

Pensamento <strong>de</strong> Piaget e Vygotsky.<br />

Semestre 2009/1:<br />

• WADSWORTH, B. J. Inteligência e Afetivida<strong>de</strong> da criança na teoria <strong>de</strong> Piaget.<br />

• CARRAHER, T. N. O Método Clínico: Usando os Exames <strong>de</strong> Piaget.<br />

• DELVAL, J. Introdução à Prática do Método Clínico.<br />

• PIAGET, J. (2006). A construção do real na criança.<br />

Inicialmente o nosso grupo aproveitou-se <strong>de</strong> fichamentos produzidos a partir da leitura das três<br />

críticas <strong>de</strong> Kant, notadamente consi<strong>de</strong>rando as noções das categorias tempo, espaço, objeto, causalida<strong>de</strong>,<br />

possível, impossível, contingente e necessário, relativas ao seu estabelecimento como categorias a priori<br />

ou empíricas.<br />

Sempre consultamos os resultados <strong>de</strong>sses fichamentos como tentativa <strong>de</strong> avaliarmos a gran<strong>de</strong>za da<br />

distância entre as conceituações kantianas e o <strong>de</strong>senvolvimento da teoria piagetiana. Nossa idéia inicial é<br />

a <strong>de</strong> que a maior parte <strong>de</strong> nossas produções acadêmicas consi<strong>de</strong>re relativizações entre os postulados dos<br />

dois autores.<br />

Foi assim que dois dos nossos integrantes conseguiram publicar o artigo “Constituição das regras<br />

e o <strong>de</strong>senvolvimento moral na teoria <strong>de</strong> Piaget: uma reflexão kantiana”, <strong>de</strong>vidamente referenciado ao final<br />

<strong>de</strong>ste trabalho (QUEIROZ; RONCHI; TOKUMARU, 2009).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 694


Desenvolvimento dos Trabalhos<br />

O método clínico piagetiano<br />

As pesquisas <strong>de</strong> Piaget sobre o <strong>de</strong>senvolvimento partiram da necessida<strong>de</strong> epistemológica <strong>de</strong> se<br />

perguntar ao sujeito a respeito do processo <strong>de</strong> construção do seu próprio conhecimento. A exigência <strong>de</strong><br />

utilização <strong>de</strong> métodos genéticos ou métodos histórico-críticos, para esse fim, culminaram com a<br />

adaptação do Método Clínico por Piaget.<br />

Segundo Delval (2002, p.67) trata-se <strong>de</strong> “um procedimento para investigar como as crianças<br />

pensam, percebem, agem e sentem que procura <strong>de</strong>scobrir [...] o que está por trás da aparência <strong>de</strong> sua<br />

conduta, [...]”. A característica principal do Método Clínico, que o diferencia dos <strong>de</strong>mais métodos, é a<br />

constante e sistemática intervenção do experimentador frente ao comportamento da criança. Esse sujeito é<br />

apresentado a uma condição problemática que requer explicação e resolução, e observa-se o que acontece.<br />

Durante a conduta <strong>de</strong>monstrada pelo sujeito, o experimentador coloca em prática uma série <strong>de</strong><br />

intervenções <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas pela sua atuação, objetivando a compreensão <strong>de</strong> suas ações. Essas<br />

intervenções po<strong>de</strong>m ocorrer por meio <strong>de</strong> uma conversa livre com a criança, buscando acompanhar o<br />

enca<strong>de</strong>amento das i<strong>de</strong>ias e explicações sobre o problema; pelo esclarecimento <strong>de</strong> uma situação a partir da<br />

modificação da realida<strong>de</strong>, fazendo, nesse caso, uso <strong>de</strong> materiais ou instrumentos para instruir-lhes na<br />

tarefa; ou ainda com inserção <strong>de</strong> mudanças na situação problema, se o sujeito ainda não tem a linguagem<br />

bem <strong>de</strong>senvolvida (DELVAL, 2002). Sendo assim, a flexibilida<strong>de</strong> e sensibilida<strong>de</strong> do experimentador<br />

diante das ações do sujeito são peças chaves para uma observação minuciosa.<br />

O método leva em conta as possíveis realizações do sujeito epistêmico, mas é aplicado,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, naquele que produz conhecimento, ou seja, o sujeito psicológico, o qual efetivamente<br />

possui estrutura <strong>de</strong> pensamento e arquiteta representações da realida<strong>de</strong> que o cerca. Para utilizar o<br />

Método Clínico, o experimentador <strong>de</strong>ve abdicar <strong>de</strong> sua própria forma <strong>de</strong> raciocinar para aproximar-se da<br />

forma <strong>de</strong> pensar do sujeito, procurando compreen<strong>de</strong>r o sentido e significado <strong>de</strong> alguns termos na sua<br />

estrutura mental, o que permite, então, pesquisar sobre uma situação <strong>de</strong>sconhecida ou minimamente<br />

conhecida, provocando o fenômeno diante do indivíduo para que o mesmo possa explicá-lo (DELVAL,<br />

2002). “A ênfase no Método Clínico-piagetiano recai sobre o processo que leva o sujeito a dar esta ou<br />

aquela resposta” (CARRAHER, 1989, p. 19).<br />

A escolha do Método Clínico como método <strong>de</strong> pesquisa recai sobre o fato <strong>de</strong> permitir que nós,<br />

como pesquisadores, possamos explorar o máximo do processo <strong>de</strong> formação do pensamento e<br />

estruturação do conhecimento do indivíduo. Frente a um <strong>de</strong>sequilíbrio, a criança tenta acomodar ou<br />

assimilar o novo fato em direção ao equilíbrio po<strong>de</strong>ndo nos dar uma resposta que caracterize tal processo.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 695


Dessa forma, po<strong>de</strong>mos introduzir inúmeras contradições para analisar minuciosamente toda a operação <strong>de</strong><br />

raciocínio que abarca a resposta dada pela criança.<br />

Como o método busca respostas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado sujeito é possível utilizá-lo em pesquisas com<br />

indivíduos <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s e condições físicas ou psicossociais, o que colabora não só como método<br />

<strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong> diagnóstico, mas como método <strong>de</strong> possível intervenção sobre condutas apresentadas.<br />

A utilização do Método Clínico em pesquisa merece a <strong>de</strong>vida atenção e o cuidado do<br />

experimentador ao aplicá-lo. A partir <strong>de</strong> uma hipótese <strong>de</strong> pesquisa estabelecida, é possível não só explorar<br />

tal hipótese, mas, frente às respostas, elaborar novas hipóteses e, com a introdução <strong>de</strong> contradições, testá-<br />

las. Assim, a capacida<strong>de</strong> do pesquisador em perceber essas novas suposições e em estabelecer novos<br />

<strong>de</strong>safios ao sujeito são condições fundamentais para uma boa aplicação do Método.<br />

O sujeito psicológico apresenta progressos na sua representação sobre a realida<strong>de</strong> e compreen<strong>de</strong>r<br />

como se dá todo esse processo <strong>de</strong> aquisição do conhecimento do real está para além <strong>de</strong> perguntas fixas e<br />

padronizadas. É o que preten<strong>de</strong> esse método, ao preservar todas as vantagens <strong>de</strong> uma especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comunicação com cada criança, ajudando-a a formular suas próprias atitu<strong>de</strong>s mentais.<br />

Desse modo, o estudo sobre o Método Clínico <strong>de</strong> Piaget (DELVAL, 2002) abre novas<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e, em associação ao estudo <strong>de</strong> outras obras <strong>de</strong> Piaget, permite-nos explorar e<br />

interligar a investigação entre as diferentes áreas do conhecimento e pensar no método como forma <strong>de</strong><br />

analisar a maior parte dos aspectos relacionados ao <strong>de</strong>senvolvimento humano.<br />

O estudo <strong>de</strong> A construção do real na criança<br />

Neste semestre (2009/1), para o estudo prático-teórico da prova <strong>de</strong> Conservação do Objeto<br />

Permanente, iniciamos uma discussão teórica com base na obra “A construção do real na criança”, uma<br />

vez que, nela, Piaget aborda separadamente cada elemento necessário para a construção da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

situar-se no universo, isto é, a construção do real, o que proporciona um estudo <strong>de</strong>talhado diante <strong>de</strong> cada<br />

um <strong>de</strong>sses elementos.<br />

Dessa forma, até meados <strong>de</strong> junho, o grupo dirigiu esforços para o estudo sobre o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da noção <strong>de</strong> objeto, tratado no primeiro capítulo da obra citada e sobre o qual<br />

apresentaremos uma breve discussão do que já foi realizado.<br />

Piaget aponta que durante os primeiros meses da existência, período em que a assimilação<br />

permanece centrada na ativida<strong>de</strong> orgânica do indivíduo, o universo não lhe apresenta objetos<br />

permanentes, nem espaço objetivo, tempo religando entre si os acontecimentos como tais, nem<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 696


causalida<strong>de</strong> exterior às próprias ações. Entretanto, sabe-se que, quando a inteligência sensório-motora<br />

elabora suficientemente o conhecimento para que a linguagem e a inteligência reflexiva se tornem<br />

possíveis, o universo passa a constituir-se como estrutura tanto substancial quanto espacial, tanto causal<br />

quanto temporal.<br />

A partir <strong>de</strong>ssa consi<strong>de</strong>ração, torna-se necessário saber se a criança, em seus primeiros meses <strong>de</strong><br />

vida, concebe e percebe os objetos <strong>de</strong> forma substanciais, permanentes e <strong>de</strong> dimensões constantes, para<br />

então enten<strong>de</strong>r como a inteligência constrói o mundo exterior.<br />

Vale ressaltar que o real tratado nesta obra não po<strong>de</strong> ser concebido como in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

qualquer coisa, como se já fosse constituído a priori. Ao contrário, o real é construído, e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />

assimilação para que isso ocorra. Dessa forma, mostra-se importante apresentar o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

processo <strong>de</strong> assimilação.<br />

Inicialmente, a assimilação consiste na utilização do meio externo pela criança para alimentar seus<br />

esquemas hereditários, os quais necessitam acomodar-se às coisas. Na medida em que os esquemas se<br />

multiplicam e se diferenciam, <strong>de</strong>vido às assimilações recíprocas e à acomodação progressiva às<br />

necessida<strong>de</strong>s do real, haverá então uma dissociação <strong>de</strong>sses dois processos que assegurará, por<br />

conseguinte, uma <strong>de</strong>limitação gradual do meio exterior e da criança. A assimilação passa a ser uma re<strong>de</strong><br />

estreita <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nações entre os esquemas que <strong>de</strong>finem a ativida<strong>de</strong> e, consequentemente, entre as coisas<br />

às quais se aplicam estes esquemas.<br />

Piaget, através <strong>de</strong> sua observação e experimentação, concebeu que a noção <strong>de</strong> objeto não é nem<br />

inata ou a priori, tampouco totalmente advinda da experiência, mas sim construída pouco a pouco pela<br />

inter<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>ssas condições. Assim, a assimilação se configura como função essencial na<br />

construção do real.<br />

Seguem-se, resumidamente, as seis etapas para o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual em geral, como<br />

apresentadas em “A construção do real na criança”.<br />

Os dois primeiros estágios – nenhuma conduta especial relativa aos objetos <strong>de</strong>saparecidos – são os<br />

estágios dos reflexos e dos primeiros hábitos, nos quais o universo infantil é formado por quadros<br />

suscetíveis <strong>de</strong> recognições, entretanto, sem permanência substancial ou organização espacial. As<br />

coor<strong>de</strong>nações intersensoriais contribuem para solidificar o universo, organizando as ações, mas não são<br />

suficientes para tornar esse universo exterior a essas ações.<br />

No terceiro estágio – início <strong>de</strong> permanência prolongando os movimentos <strong>de</strong> acomodação – as<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 697


condutas são as que se observam entre o início da preensão das coisas vistas e da procura ativa dos<br />

objetos <strong>de</strong>saparecidos, <strong>de</strong>ssa maneira, são anteriores à noção <strong>de</strong> objeto adotada pelos adultos: corpo<br />

substancial, individualizado e que se <strong>de</strong>sloca no espaço <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Entretanto, parece ser<br />

para a criança um aspecto particular do conjunto na qual ela está englobada. Assim, as reações circulares<br />

secundárias se configuram <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa própria “noção <strong>de</strong> objeto da criança”, que por não ter os<br />

caracteres <strong>de</strong> forma, substancial, espaço-temporal e causal, há somente um início <strong>de</strong> permanência que se<br />

confere às coisas em prolongamento dos movimentos <strong>de</strong> acomodação, mas sem procura sistemática para<br />

reencontrar os objetos ausentes.<br />

O progresso do terceiro estágio é relativo ao seu grau, e não exatamente pelo seu avanço<br />

qualitativo, já que o objeto ainda permanece em conexão com a ação própria, apesar <strong>de</strong>, diferentemente<br />

do que ocorre durante dois primeiros estágios, nos quais não se distingue o resultado das ativida<strong>de</strong>s<br />

reflexas das reações circulares primárias, em que há as ações exercidas pelo indivíduo sobre seu próprio<br />

organismo para a produção <strong>de</strong> um resultado.<br />

O quarto estágio é o que permite busca ativa do objeto <strong>de</strong>saparecido, mas sem levar em conta a<br />

sucessão dos <strong>de</strong>slocamentos visíveis – a criança inicia uma busca ativa do objeto <strong>de</strong>saparecido e parece<br />

enten<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>slocamento dos corpos, na medida em que a sua percepção evolui para a busca dos mesmos.<br />

Além disso, passa a procurar objetos além <strong>de</strong> seu campo perceptivo e prolonga seu olhar <strong>de</strong> acordo com o<br />

movimento dos mesmos. Essa nova busca por objetos escondidos <strong>de</strong>ve-se ao fato <strong>de</strong> a criança estudar os<br />

<strong>de</strong>slocamentos dos corpos e, com isso, obter maior coor<strong>de</strong>nação sobre a sua visão e sobre o seu tato.<br />

Entretanto, vale trazer neste contexto uma discussão gerada durante o estudo: levando em<br />

consi<strong>de</strong>ração a conclusão <strong>de</strong> Piaget <strong>de</strong> que, para a criança nesse estágio, o objeto configura-se como uma<br />

realida<strong>de</strong> à sua disposição em um certo contexto, po<strong>de</strong>-se dizer também que a primeira noção construída<br />

pela criança não é do objeto, mas do espaço. Isto porque o que proporciona a mudança do objeto <strong>de</strong><br />

visível para <strong>de</strong>saparecido é o <strong>de</strong>slocamento. Porém, por este objeto ainda não ter característica <strong>de</strong><br />

permanência, a criança se fixa na posição espacial ocupada por ele. Resumindo, o objeto po<strong>de</strong> ainda não<br />

ter forma nem substância, mas já é admissível seu lugar num espaço. Quando, enfim, for possível à<br />

criança admitir tanto coor<strong>de</strong>nadas espaciais quanto temporais ao objeto, ela então consi<strong>de</strong>rará também<br />

seus <strong>de</strong>slocamentos.<br />

Essas conclusões mantêm-se efetivas <strong>de</strong>ntro do contexto trazido na obra aqui discutida: a<br />

peculiarida<strong>de</strong> da quarta fase está na construção prática das noções <strong>de</strong> objeto, espaço, causalida<strong>de</strong> e tempo<br />

que estão sendo registradas pela criança e são construídas pela ação, configurando assim uma inteligência<br />

essencialmente prática. Nesse período <strong>de</strong> vida, ela observa o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> um objeto ao ser escondido<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 698


em um dado espaço, porém ao transferir esse objeto <strong>de</strong> posição (mesmo ela prosseguindo com o<br />

acompanhamento <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>slocamento), quando o objeto <strong>de</strong>saparece <strong>de</strong> seu alcance óptico, ela volta sua<br />

atenção ao primeiro local on<strong>de</strong> o objeto foi encontrado, negligenciando todo o processo <strong>de</strong> busca do novo<br />

local. Isso ocorre porque ela estabeleceu aquele ambiente primário como local privilegiado on<strong>de</strong> a ação<br />

<strong>de</strong> encontrar um objeto teve êxito. Ou seja, a criança admitiu aquele campo espacial como permanente,<br />

possível, portanto para o objeto que po<strong>de</strong>rá ocupar aquele lugar.<br />

No quinto estágio a criança consi<strong>de</strong>ra os <strong>de</strong>slocamentos sucessivos do objeto que se constitui<br />

como substância individual permanente e é inserido em grupos <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos. Entretanto, a criança<br />

ainda não consegue consi<strong>de</strong>rar as mudanças <strong>de</strong> posição que se operem fora do campo da percepção direta.<br />

Assim, po<strong>de</strong>-se dizer que há esquema prático apenas, e não ainda consciência das relações nem<br />

representação do que se fez fora <strong>de</strong> sua percepção.<br />

O sexto estágio é o da representação dos <strong>de</strong>slocamentos invisíveis – há representação tanto dos<br />

objetos ausentes quanto <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>slocamentos. Somente nesse estágio a criança consegue constituir em<br />

objetos (representar mentalmente) coisas cujos <strong>de</strong>slocamentos não sejam <strong>de</strong> todo visíveis. Mas essa<br />

<strong>de</strong>scoberta não se generaliza <strong>de</strong> imediato para todos os objetos e para todas as coisas. Assim, o objeto se<br />

libera <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>finitiva da percepção e da ação própria para obe<strong>de</strong>cer a leis <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos<br />

inteiramente autônomas.<br />

Eis o resultado da construção dos objetos no plano sensório-motor: o objeto adquire, para a<br />

consciência do indivíduo, um novo e último grau <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, que é ser concebido como permanecendo<br />

idêntico a si mesmo quaisquer que sejam seus <strong>de</strong>slocamentos invisíveis ou a complexida<strong>de</strong> das barreiras<br />

que o encobrem, e isto <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> ele entrar no sistema das representações e das relações abstratas<br />

ou indiretas. Além disso, outra consequência essencial do <strong>de</strong>senvolvimento da representação é que agora<br />

o próprio corpo em si mesmo é concebido como um objeto. Tais resultados alcançados permanecem<br />

aguardando que a reflexão e o raciocínio conceitual continuem essa elaboração em novos planos da<br />

inteligência criadora.<br />

O estudo articulado <strong>de</strong> Biologia e Conhecimento / Aprendizagem e Conhecimento<br />

Também lemos a obra Biologia e Conhecimento, datada <strong>de</strong> 1967. A escolha <strong>de</strong>sse livro se <strong>de</strong>veu<br />

ao interesse em conhecer as relações estabelecidas por Piaget entre as estruturas biológicas e as estruturas<br />

do conhecimento. Nessa obra, Piaget <strong>de</strong>fine que<br />

...conhecer não consiste, com efeito, em copiar o real, mas em agir sobre ele e<br />

transformá-lo (na aparência ou na realida<strong>de</strong>), <strong>de</strong> maneira a compreendê-lo em função dos<br />

sistemas <strong>de</strong> transformação aos quais estão ligadas estas ações (PIAGET, 1967/ 2003,<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 699


p.15).<br />

Ainda nessa mesma obra compreen<strong>de</strong>mos as diversas características <strong>de</strong> isomorfismos que Piaget<br />

atribuiu à comparação entre as estruturas biológicas e as estruturas do conhecimento.<br />

Entretanto, após o estudo da obra citada, permanecemos com uma dúvida: os termos apren<strong>de</strong>r e<br />

conhecer po<strong>de</strong>riam ser usados <strong>de</strong> forma equivalente, <strong>de</strong> acordo com o referencial da <strong>Epistemologia</strong><br />

Genética? Se não, quais seriam as peculiarida<strong>de</strong>s do apren<strong>de</strong>r que o diferenciariam do conhecer?<br />

Para esclarecer essas discussões, estudamos o livro Aprendizagem e Conhecimento (PIAGET e<br />

GRÉCO, 1959/1974). Nele, os autores <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a formação das estruturas lógicas inclui a<br />

maturação, a experiência e a equilibração. A experiência é diferenciada em duas formas: 1) a física -<br />

ligada à ação sobre os objetos, <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>scobrir as proprieda<strong>de</strong>s abstratas dos próprios objetos; e 2) a<br />

lógico-matemática - que diz respeito a agir sobre os objetos para <strong>de</strong>scobrir proprieda<strong>de</strong>s abstratas da ação.<br />

Durante o processo <strong>de</strong> equilibração, a aprendizagem <strong>de</strong>rivada da experiência física e a aprendizagem<br />

<strong>de</strong>rivada da experiência lógico-matemática po<strong>de</strong>m apresentar diferenças, sendo a primeira ligada à<br />

aprendizagem do conteúdo e a segunda à forma, visto que se relaciona à coor<strong>de</strong>nação das ações. Essas<br />

formas <strong>de</strong> aprendizagem conduziriam, portanto, a diferentes modos <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Após a leitura <strong>de</strong>sse livro, articulando com a leitura <strong>de</strong> Biologia e Conhecimento e com os estudos<br />

da obra <strong>de</strong> Kant, três membros do REPEG produziram um artigo intitulado “Ensaio sobre os termos<br />

Aprendizagem e Conhecimento segundo consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Piaget e Kant”, submetido a uma revista<br />

científica nacional da área <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> para publicação.<br />

A dialética piagetiana<br />

Durante o estudo <strong>de</strong> Biologia e Conhecimento e Aprendizagem e Conhecimento, a dialética<br />

evi<strong>de</strong>nciava-se como importante elemento na construção do conhecimento. Dessa forma, <strong>de</strong>cidimos<br />

nossas incursões sobre essas duas obras <strong>de</strong> Piaget.<br />

Em As Formas Elementares da Dialética, nos ocupamos dos seguintes trechos: da apresentação do<br />

livro, feita por Lino <strong>de</strong> Macedo, em que se introduz o tema e seus equivalentes na teoria <strong>de</strong> Piaget; em<br />

seguida estudamos a introdução da obra, em que Piaget prenuncia a intenção <strong>de</strong> “[...] <strong>de</strong>smistificar [...] a<br />

dialética em sua significação” (PIAGET, 1980/ 1996, p. 11); nas conclusões gerais em que Piaget<br />

apresenta as características comuns nas situações dialéticas; e, no pósfacio, escrito por Rolando García,<br />

em que esse autor salienta que “[...] parece-nos possível situar Piaget na continuação <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong><br />

pensamento epistemológico que atravessa Hegel e Marx [...]” (PIAGET, 1980/1996, p. 212-213).<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 700


Após a leitura <strong>de</strong> As Formas Elementares da Dialética e as discussões proporcionadas pelo grupo,<br />

buscamos nova fonte para elucidar outras questões sobre a dialética na teoria piagetiana. O livro <strong>de</strong><br />

Castorina e Baquero (2008) Dialética e <strong>Psicologia</strong> do Desenvolvimento nos pareceu, num primeiro<br />

momento, interessante e promissor em esclarecer a problemática da dialética nas obras <strong>de</strong> Piaget e<br />

Vygotsky. Esse livro nos trouxe reflexões que, diferentemente do texto <strong>de</strong> Rolando García, apontam que<br />

há na dialética da teoria <strong>de</strong> Piaget “[...] claramente um parentesco com as modalida<strong>de</strong>s da dialética da<br />

tradição filosófica, já que este autor fala reiteradas vezes <strong>de</strong> ‘unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contrários’, ‘superação dialética’,<br />

‘síntese dialética’, ‘contradições reais’”.<br />

Castorina e Baquero (2008) <strong>de</strong>monstraram que Piaget discutiu sobre processos dialéticos na<br />

produção científica ao estudar a teoria biológica. Piaget <strong>de</strong>monstrou em Biologia e Conhecimento que a<br />

dialética se faz presente no estudo e nas pesquisas dos processos biológicos. Segundo ele, a teoria<br />

biológica parte <strong>de</strong> conceitos em construção que por “auto-regulação” dirigem-se para a objetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecimento. “[...] Nesse sentido, a objetivida<strong>de</strong> do conceito <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> é produto da elaboração<br />

histórica e, portanto, um ponto <strong>de</strong> chegada relativo. [...] Sua natureza está no trabalhoso <strong>de</strong>sdobramento<br />

<strong>de</strong> interações teórico-experimentais que vão reestruturando e relativizando os conceitos. A dinâmica <strong>de</strong>sse<br />

processo é dialética.” (CASTORINA e BAQUERo, 2008, p.35).<br />

Em seguida, argumentam que Piaget <strong>de</strong>monstra que há relação dialética também nas metodologias<br />

adotadas nas teorias psicológicas. Exemplifica tal postulado pela diferença metodológica entre a<br />

<strong>Psicologia</strong> da Gestalt e a <strong>Psicologia</strong> Genética. Na primeira acredita-se que as mudanças internas ou<br />

externas ao organismo produzem <strong>de</strong>senvolvimento, mas sem articulá-lo a uma estrutura. No entanto, a<br />

<strong>Psicologia</strong> Genética supera a <strong>Psicologia</strong> da Gestalt ao consi<strong>de</strong>rar estruturas <strong>de</strong> conhecimento na origem<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento humano, participando tanto como elemento fundante como produto do mecanismo <strong>de</strong><br />

equilibração do organismo com o meio. Castorina e Baquero (2008) concluem que Piaget <strong>de</strong>monstrou em<br />

Lógica e conhecimento científico (1967) que há processo dialético ao longo da história e da produção<br />

científica das ciências biológicas, sociais e psicológicas, chegando mesmo a utilizar os termos hegelianos:<br />

tese, antítese e síntese para se referir a tal fenômeno. Para eles, Piaget conclui que ocorre oposição <strong>de</strong> um<br />

postulado teórico por outro, mas com a superação <strong>de</strong> uma terceira teoria a qual comporta elementos das<br />

duas primeiras.<br />

Para Castorina e Baquero (2008) a dialética em Piaget também se apresenta como um método, o<br />

que ajuda a enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> maneira mais clara, a dialética nos processos <strong>de</strong> aprendizagem e da construção<br />

do conhecimento, uma vez que Piaget admite uma posição dialética diante da interação existente entre<br />

sujeito e objeto. Assim, o conhecimento individual é entendido como construção dialética entre sujeito e<br />

objeto.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 701


Singularizar a dialética piagetiana pareceu-nos mais a<strong>de</strong>quado, embora saibamos que as<br />

construções filosóficas surgem <strong>de</strong> estudos e leituras aprofundadas em diversos autores. Diante do que nos<br />

apresenta Piaget (1980/1996), e da posição <strong>de</strong> Castorina e Baquero (2008) nos foi possível conseguir<br />

melhor compreensão da dialética consi<strong>de</strong>rando-a como aspecto inferencial <strong>de</strong> toda equilibração.<br />

Referências<br />

CARRAHER, T. N. O Método Clínico: Usando os Exames <strong>de</strong> Piaget. Petrópolis: Vozes, 1983.<br />

CASTORINA, J.A. & BAQUERO, R. Dialética e <strong>Psicologia</strong> do Desenvolvimento: O Pensamento <strong>de</strong><br />

Piaget e Vygotsky. Porto Alegre: ArtMed, 2008.<br />

DELVAL, J. Introdução à Prática do Método Clínico: <strong>de</strong>scobrindo o pensamento das crianças. Porto<br />

Alegre: ArtMed, 2002.<br />

KANT, I (1781). Crítica da Razão Pura. SP: Martin Claret, 2001.<br />

KANT, I (1788). Crítica da Razão Prática. SP: Martin Claret, 2003.<br />

KANT, I (1793). Crítica da Faculda<strong>de</strong> do Juízo. RJ: Forense Universitária, 1995.<br />

PIAGET, J. e GRÉCO, P. (1959). Aprendizagem e Conhecimento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Freitas <strong>de</strong> Bastos,<br />

1974.<br />

PIAGET, J. (1967). Biologia e Conhecimento. Trad. Francisco M. Guimarães. Petrópolis, RJ: Vozes,<br />

2003.<br />

PIAGET, J. (1980). As Formas Elementares da Dialética. São Paulo: Casa do psicólogo, 1996.<br />

PIAGET, J. (2006). A construção do real na criança. Trad. Ramon Américo Vasques. 3 ed. São Paulo,<br />

SP: Ática. (Original publicado em 1937 com o título – La construction du réel chez l’enfant).<br />

QUEIROZ, S.S., RONCHI, J.P.E TOKUMARU, R.S. Constituição das regras e o <strong>de</strong>senvolvimento moral<br />

na teoria <strong>de</strong> Piaget: uma reflexão kantiana. <strong>Psicologia</strong>, Reflexão e Crítica, Vol. 22, Nº 1, 2009.<br />

WADSWORTH, B. J. Inteligência e Afetivida<strong>de</strong> da criança na teoria <strong>de</strong> Piaget. Trad. Esméria Rovai.<br />

São Paulo: Pioneira, 1993.<br />

I <strong>Colóquio</strong> <strong>Internacional</strong> <strong>de</strong> <strong>Epistemologia</strong> e <strong>Psicologia</strong> Genéticas 702

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