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conteúdo em pdf - Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo ...

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Mesa Diretora<br />

Presi<strong>de</strong>nte:<br />

Dep. Sidney Beral<strong>do</strong><br />

1º Secretário:<br />

Dep. Emídio <strong>de</strong> Souza<br />

2º Secretário:<br />

Dep. José Caldini Crespo<br />

Secretário-Geral Parlamentar:<br />

Auro Augusto Caliman<br />

Secretário-Geral <strong>de</strong> Administração:<br />

José Antonio Parimoschi<br />

Departamento <strong>de</strong> Comunicação:<br />

Tom Figueire<strong>do</strong><br />

Divisão <strong>de</strong> Imprensa:<br />

Marta Rangel<br />

Serviço Técnico <strong>de</strong> Editoração e<br />

Produção Gráfica:<br />

Maria <strong>do</strong> Carmo Borges Damim<br />

Departamento <strong>de</strong> Documentação<br />

e Informação:<br />

Maria Helena Alves Ferreira<br />

Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico:<br />

Adélia Ribeiro Santos Hinz, Álvaro Weisheimer<br />

Carneiro, Christiani Marques Menusier<br />

Giancristofaro, Dainis Karepovs, Marcos Couto<br />

Gonçalves, Olívia Gurjão, Priscila Pan<strong>do</strong>lfi,<br />

Roseli Bittar Guglielmelli, Solange Regina <strong>de</strong><br />

Castro Bulcão, Suely Campos <strong>de</strong> Azambuja e<br />

Suzete <strong>de</strong> Freitas Barbosa.<br />

Editor:<br />

Dainis Karepovs<br />

Editora Executiva:<br />

Olívia Gurjão<br />

Editor Assistente:<br />

Álvaro Weisheimer Carneiro.<br />

Projeto Gráfico:<br />

Lígia Gonçalves<br />

Diagramação e Capa:<br />

Antonio Carlos Galban Dias<br />

Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong><br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />

Fotografia:<br />

Marco A. Car<strong>de</strong>lino e Roberto Navarro<br />

Acervo histórico é uma publicação s<strong>em</strong>estral<br />

da Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico da Ass<strong>em</strong>bléia<br />

<strong>Legislativa</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

Os artigos assina<strong>do</strong>s reflet<strong>em</strong> unicamente as<br />

opiniões <strong>de</strong> seus autores.<br />

Av. Pedro Álvares Cabral, 201<br />

Ibirapuera – <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> – SP - 04097-900<br />

Telefones: (11) 3886-6308 / 3886-6530 / 3884-<br />

0783 - Tel./Fax: (11) 3886-6309<br />

e-mail: acervo@al.sp.gov.br<br />

Tirag<strong>em</strong>: 2.000 ex<strong>em</strong>plares<br />

Índice<br />

Apresentação................................................... 1<br />

O.Constituinte.Caio.Pra<strong>do</strong>.Jr........................ 2<br />

Peço.a.Palavra:.Sólon.Borges....................... 12<br />

Legislativo.Paulista.na.República.Velha..... 29<br />

Papéis.Avulsos:.Constituição.Santista......... 37<br />

Leis.&.Letras:.Freitas.Valle......................... 51<br />

Josefina Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>......................... 65<br />

História.&.Livros.......................................... 83<br />

Registro.&.Datas........................................... 86<br />

M<strong>em</strong>ória.Visual:.Avaí<br />

Acervo histórico chega ao seu segun<strong>do</strong><br />

número. A repercussão positiva <strong>de</strong> seu lançamento,<br />

expressa <strong>em</strong> inúmeras mensagens <strong>de</strong><br />

congratulações e apoio, também toma corpo<br />

pelo aumento <strong>de</strong> seu número <strong>de</strong> páginas e, sobretu<strong>do</strong>,<br />

pela ampliação <strong>de</strong> seu qualifica<strong>do</strong> corpo <strong>de</strong> colabora<strong>do</strong>res,<br />

que começa a se espalhar pelo território nacional.<br />

Manten<strong>do</strong> sua orientação <strong>de</strong> abrigar as contribuições<br />

suscitadas pelas t<strong>em</strong>áticas oriundas da <strong>do</strong>cumentação<br />

existente na Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico, nossa revista<br />

mantém suas seções “Peço a Palavra!”, <strong>de</strong>dicada ao<br />

Deputa<strong>do</strong> Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis; “Leis & Letras”, enfocan<strong>do</strong><br />

o Deputa<strong>do</strong> e Sena<strong>do</strong>r Estadual Freitas Valle,<br />

personag<strong>em</strong>, aliás, <strong>de</strong> uma recente mini-série veiculada<br />

na TV brasileira; e “M<strong>em</strong>ória Visual”, enfocan<strong>do</strong> a<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Avaí. Acervo histórico também abre suas<br />

páginas ao exame das propostas <strong>de</strong> política tributária<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Caio Pra<strong>do</strong> Júnior; às lutas <strong>de</strong> uma das<br />

pioneiras da <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> voto à mulher, a escritora<br />

Josefina Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, reproduzin<strong>do</strong> sua<br />

peça teatral a respeito <strong>de</strong>ste t<strong>em</strong>a; ao estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<br />

pioneira Constituição Municipal <strong>de</strong> Santos, a qual, <strong>em</strong><br />

1894, entre outras inovações, <strong>de</strong>u o direito <strong>de</strong> voto à<br />

mulher santista, mas que acabou anulada; e também à<br />

análise da prática política <strong>do</strong> Legislativo Paulista durante<br />

a Primeira República.<br />

Esperamos que nossa revista continue a agradar.<br />

DIVISÃO DE ACERVO HISTÓRICO


Acervo histórico<br />

A Política Tributária <strong>de</strong><br />

Caio Pra<strong>do</strong> Júnior na<br />

Constituinte Paulista<br />

Renata Bastos da Silva *<br />

O estu<strong>do</strong> da formação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> tributação<br />

só recent<strong>em</strong>ente t<strong>em</strong> atraí<strong>do</strong> interesse na área<br />

das ciências sociais 1 . E isso, motiva<strong>do</strong> pelas<br />

transformações estruturais ocorridas na década<br />

<strong>de</strong> 1980 no que se refere à política <strong>de</strong> redução<br />

<strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na economia, num quadro<br />

<strong>de</strong> crise fiscal, que acabou por conferir gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque às questões relativas à taxação. Desta<br />

forma, tais perspectivas inauguraram uma conjuntura<br />

internacional <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> envergadura,<br />

on<strong>de</strong> reformas tributárias importantes foram impl<strong>em</strong>entadas<br />

nos países capitalistas avança<strong>do</strong>s<br />

na década <strong>de</strong> 1980 e início da década <strong>de</strong> 1990.<br />

Na Ibero-América, a primeira leva <strong>de</strong> reformas<br />

teve lugar no início da década <strong>de</strong> 1960. Após<br />

um longo interstício, assistiu-se, recent<strong>em</strong>ente,<br />

a uma onda <strong>de</strong> reformas tributárias igualmente<br />

importantes, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se i<strong>de</strong>ntificar nessa segunda<br />

leva <strong>de</strong> reformas um momento importante<br />

<strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição estrutural <strong>do</strong>s sist<strong>em</strong>as tributários<br />

na Ibero-América 2 .<br />

As iniciativas <strong>de</strong> reforma no campo tributário no<br />

perío<strong>do</strong> recente são numerosas e, efetivamente,<br />

sugestivas da importância que esse t<strong>em</strong>a passa a<br />

ter na agenda pública brasileira. No perío<strong>do</strong> que<br />

vai da Constituinte <strong>de</strong> 1986 aos nossos dias assiste-se<br />

a episódios importantes <strong>de</strong> iniciativas <strong>de</strong><br />

reforma tributária. Do governo Collor ao governo<br />

Lula, o conjunto <strong>de</strong> medidas recomendadas para<br />

a área tributária não parou <strong>de</strong> ser sugeri<strong>do</strong>. Assim,<br />

o envolvimento que acabou por se estabelecer<br />

entre um intelectual da envergadura <strong>de</strong> Caio<br />

Pra<strong>do</strong> Júnior e a política tributária na Constituinte<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>em</strong> 1947 constitui uma<br />

novida<strong>de</strong> para os estudiosos que se <strong>de</strong>bruçaram<br />

sobre estes t<strong>em</strong>as, até mesmo para aqueles que<br />

se <strong>de</strong>dicaram à compreensão seja <strong>de</strong> um aspecto<br />

seja <strong>de</strong> outro.<br />

Se as pistas não são várias, não há como se cobrar,<br />

até o momento, um balanço da amplitu<strong>de</strong> e<br />

<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste encontro. E é justamente este o<br />

nosso objetivo: retomar as respectivas partes <strong>em</strong><br />

questão, articulan<strong>do</strong>-as <strong>em</strong> um novo conjunto. A<br />

idéia é examinar as várias faces da entrada <strong>de</strong><br />

Caio Pra<strong>do</strong> Júnior no universo da política tributária.<br />

Levan<strong>do</strong> adiante algumas pistas lançadas e<br />

procuran<strong>do</strong> outras, o nosso intuito é mostrar que<br />

os primeiros passos <strong>de</strong> uma política tributária <strong>de</strong><br />

esquerda no Brasil são da<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> a orientação<br />

<strong>de</strong> um roteiro previamente traça<strong>do</strong> por Caio<br />

Pra<strong>do</strong> Júnior.<br />

Mas, é bom frisar, que a entrada <strong>de</strong> Caio Pra<strong>do</strong><br />

Júnior no campo da política tributária não é apenas<br />

um encontro fortuito. Além <strong>de</strong> representar<br />

uma espécie <strong>de</strong> iniciação da esquerda brasileira<br />

neste campo – encontro inaugural, portanto –, é<br />

através <strong>de</strong>le que Caio Pra<strong>do</strong> Júnior <strong>de</strong>fine o seu<br />

lugar como intérprete da política e da socieda<strong>de</strong><br />

brasileira. Como procurar<strong>em</strong>os mostrar, é no <strong>de</strong>bate<br />

com as outras propostas tributárias que o<br />

sociólogo probl<strong>em</strong>atiza o seu olhar sobre o t<strong>em</strong>a<br />

– logo, a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> – na busca da “revolução<br />

brasileira”, estabelecen<strong>do</strong> aí um patamar <strong>de</strong><br />

observação. Ao dizer isto, entretanto, o nosso<br />

propósito é mostrar que foi no corpo a corpo com<br />

as d<strong>em</strong>ais propostas políticas tributárias e com<br />

os seus maiores expoentes que Caio Pra<strong>do</strong> Júnior<br />

reafirma sua leitura <strong>do</strong> Brasil e <strong>de</strong>fine a sua<br />

posição como analista.<br />

* Doutoranda <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento, Agricultura e Socieda<strong>de</strong> (CPDA) da Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral Rural <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro – UFRRJ, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolve a tese intitulada: O Constituinte Caio Pra<strong>do</strong> Júnior &<br />

A Questão Agrária Brasileira. Mestre <strong>em</strong> História na área <strong>de</strong> História e Cultura Política pela Universida<strong>de</strong> Estadual<br />

Paulista – Campus <strong>de</strong> Franca e bacharel <strong>em</strong> Economia pela Universida<strong>de</strong> Fluminense. É diretora <strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong><br />

Estu<strong>do</strong>s Antonio Gramsci. (rerota@nitnet.com.br)


O encontro entre Caio Pra<strong>do</strong> Júnior e a política<br />

tributária po<strong>de</strong> ser aferida a partir <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />

indícios: a perspectiva crítica a<strong>do</strong>tada na leitura<br />

da História econômica <strong>do</strong> Brasil, sobretu<strong>do</strong> na<br />

história <strong>do</strong>s impostos e <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a tributário brasileiro;<br />

nas campanhas eleitorais on<strong>de</strong> se ofereceu<br />

como candidato <strong>em</strong> 1945 e 1946 pelo PCB; e, last<br />

but not least, na sua atuação como constituinte<br />

paulista <strong>em</strong> 1947.<br />

HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL<br />

Poucos sab<strong>em</strong> que <strong>do</strong> seu exílio na Europa da<br />

década <strong>de</strong> 1930, Caio Pra<strong>do</strong> Júnior vai pedir aos<br />

seus que lhe envi<strong>em</strong> a Histórica econômica <strong>do</strong><br />

Brasil <strong>de</strong> Roberto Simonsen.<br />

Publicada no ano <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo pelo presi<strong>de</strong>nte<br />

da Fe<strong>de</strong>ração das Indústrias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong> (FIESP) essa obra introduz o probl<strong>em</strong>a da<br />

tributação a partir <strong>do</strong> t<strong>em</strong>a <strong>do</strong> déficit da Colônia<br />

frente à Metrópole. Em suas palavras: “Estudan<strong>do</strong><br />

a história econômica <strong>do</strong> Brasil, verificar<strong>em</strong>os<br />

os perío<strong>do</strong>s <strong>em</strong> que a colônia, <strong>em</strong> seus primeiros<br />

passos, foi <strong>de</strong>ficitária à Coroa portuguesa.<br />

Apontar<strong>em</strong>os as fases <strong>em</strong> que <strong>de</strong>terminadas<br />

zonas econômicas <strong>de</strong>ram sal<strong>do</strong> real <strong>em</strong> sua exploração,<br />

enquanto outras se apresentavam <strong>em</strong><br />

situação <strong>de</strong>ficitária.” 3<br />

Ten<strong>do</strong> esse parâmetro como ponto <strong>de</strong> partida<br />

Simonsen não se oporá à instalação da ditadura<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo por Vargas e durante a vigência<br />

<strong>de</strong>sse regime, acabou por ser um ativo colabora<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> governo, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se nos trabalhos<br />

<strong>de</strong> órgãos técnicos governamentais volta<strong>do</strong>s ao<br />

fomento das ativida<strong>de</strong>s econômicas.<br />

Caio Pra<strong>do</strong> Júnior acompanha atentamente a<br />

trajetória <strong>de</strong> Simonsen, inclusive no fatídico 1942,<br />

uma vez que o mesmo é nomea<strong>do</strong> para o conselho<br />

consultivo da Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Mobilização<br />

Econômica, órgão fe<strong>de</strong>ral que <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhou<br />

importante papel na condução da economia brasileira<br />

no contexto da Segunda Guerra Mundial.<br />

Sabe-se também que Caio Pra<strong>do</strong> Júnior mobiliza<br />

um ponto comum ao <strong>de</strong> Simonsen na exposição<br />

e elaboração da sua História econômica <strong>do</strong> Brasil<br />

chegan<strong>do</strong> alguns <strong>de</strong>savisa<strong>do</strong>s a censurá-lo por<br />

supostamente usá-lo quan<strong>do</strong> apresenta a tese <strong>do</strong><br />

“capitalismo colonial” 4 .<br />

A <strong>de</strong>speito das possíveis convergências entre eles<br />

a respeito <strong>de</strong> algum ponto são as diferenças mais<br />

substantivas entre Caio Pra<strong>do</strong> Júnior e Roberto<br />

Simonsen que chamam atenção e elas aparec<strong>em</strong><br />

na avaliação sobre como superar as heranças le-<br />

Acervo Livraria Brasiliense<br />

gadas pela colonização e, mais especificamente,<br />

como enten<strong>de</strong>r a tributação. Enquanto o primeiro<br />

autor dá uma maior importância ao t<strong>em</strong>a, já que<br />

ressalta a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se mudar a orientação<br />

da tributação na economia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a colônia,<br />

o segun<strong>do</strong> ressalta o senti<strong>do</strong> da mo<strong>de</strong>rnização<br />

conserva<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s impostos.<br />

De certa maneira, História econômica <strong>do</strong> Brasil,<br />

1500-1820 está presa ao passa<strong>do</strong> patrimonial,<br />

enquanto que História econômica <strong>do</strong> Brasil está<br />

<strong>de</strong>sejosa <strong>de</strong> construir o país <strong>do</strong> futuro.<br />

Caio Pra<strong>do</strong> Júnior ressalta que a República her<strong>do</strong>u<br />

<strong>do</strong> Império boa parte <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da estrutura<br />

tributária que esteve <strong>em</strong> vigor até a década <strong>de</strong><br />

1930. Sen<strong>do</strong> a economia <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente agrícola<br />

e extr<strong>em</strong>amente aberta, a principal fonte <strong>de</strong> receitas<br />

<strong>do</strong> governo durante o Império era o comércio<br />

exterior, particularmente o imposto <strong>de</strong> importação<br />

que, <strong>em</strong> alguns exercícios, chegou a correspon<strong>de</strong>r<br />

a cerca <strong>de</strong> 2/3 da receita <strong>do</strong> governo. Às vésperas<br />

da proclamação da República este imposto<br />

era responsável por aproximadamente meta<strong>de</strong> da<br />

receita total <strong>do</strong> governo.<br />

Caio Pra<strong>do</strong> Júnior aponta que a Constituição <strong>de</strong><br />

24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1891 a<strong>do</strong>tou, s<strong>em</strong> maiores<br />

modificações, a composição <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a tributário<br />

existente ao final <strong>do</strong> Império. Porém, ten<strong>do</strong><br />

Caio Pra<strong>do</strong> Junior, na cida<strong>de</strong> paulista<br />

<strong>de</strong> Campos <strong>do</strong> Jordão, <strong>em</strong> 1943


Acervo histórico<br />

<strong>em</strong> vista a a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> regime fe<strong>de</strong>rativo, era<br />

necessário equipar os esta<strong>do</strong>s e municípios <strong>de</strong><br />

receitas que lhes permitiss<strong>em</strong> a existência efetiva<br />

e operacional. Foi a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> o regime <strong>de</strong> separação<br />

<strong>de</strong> fontes tributárias, sen<strong>do</strong> discrimina<strong>do</strong>s os<br />

impostos <strong>de</strong> competência exclusiva da União e<br />

<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s. À União couberam privativamente<br />

o imposto <strong>de</strong> importação, os direitos <strong>de</strong> entrada,<br />

saída e estadia <strong>de</strong> navios, taxas <strong>de</strong> selo e taxas<br />

<strong>de</strong> correios e telégrafos fe<strong>de</strong>rais; aos esta<strong>do</strong>s, foi<br />

concedida a competência exclusiva para <strong>de</strong>cretar<br />

impostos sobre a exportação, sobre imóveis rurais<br />

e urbanos, sobre a transmissão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s<br />

e sobre indústrias e profissões, além <strong>de</strong> taxas <strong>de</strong><br />

selo e contribuições concernentes a seus correios<br />

e telégrafos. Quanto aos municípios, ficaram os<br />

esta<strong>do</strong>s encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fixar os impostos municipais<br />

<strong>de</strong> forma a assegurar-lhes as suas presenças<br />

autenticamente. Além disto, tanto a União<br />

como os esta<strong>do</strong>s tinham po<strong>de</strong>r para criar outras<br />

receitas tributárias 5 .<br />

Observa História econômica <strong>do</strong> Brasil que os impostos<br />

discrimina<strong>do</strong>s na Constituição são tributos<br />

sobre o comércio exterior ou impostos tradicionais<br />

sobre a proprieda<strong>de</strong> ou sobre a produção e<br />

as transações internas. Existiam ainda à época<br />

da proclamação da República impostos sobre<br />

vencimentos pagos por cofres imperiais e sobre<br />

benefícios distribuí<strong>do</strong>s por socieda<strong>de</strong>s anônimas.<br />

Rendas <strong>de</strong> diversas outras fontes foram incorporadas<br />

à base tributária durante as primeiras décadas<br />

da República mas, somente a partir <strong>de</strong> 1924, o governo<br />

instituiu um imposto <strong>de</strong> renda geral 6 . Quanto<br />

à tributação <strong>de</strong> fluxos internos <strong>de</strong> produtos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1892 foi estabelecida a cobrança <strong>de</strong> um imposto<br />

sobre o fumo. Ainda antes <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século a tributação<br />

foi estendida a outros produtos, estabelecen<strong>do</strong>-se<br />

o imposto <strong>de</strong> consumo. No exercício <strong>de</strong><br />

1922 foi cria<strong>do</strong> o imposto sobre vendas mercantis,<br />

mais tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> imposto <strong>de</strong> vendas e consignações<br />

e transferi<strong>do</strong> para a órbita estadual.<br />

Caio Pra<strong>do</strong> Júnior nota que durante to<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong><br />

anterior à Constituição <strong>de</strong> 1934, o imposto <strong>de</strong><br />

importação manteve-se como a principal fonte <strong>de</strong><br />

receita da União. Até o início da Primeira Guerra<br />

Mundial, ele foi responsável por cerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong><br />

da receita total da União, enquanto o imposto <strong>de</strong><br />

consumo correspondia a aproximadamente 10%<br />

da mesma. A redução <strong>do</strong>s fluxos <strong>de</strong> comércio<br />

exterior <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao conflito obrigou o governo a<br />

buscar receita através da tributação <strong>de</strong> bases<br />

<strong>do</strong>mésticas. Cresceu então a importância relativa<br />

<strong>do</strong> imposto <strong>de</strong> consumo e <strong>do</strong>s diversos impostos<br />

sobre rendimentos, tanto <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao crescimento<br />

da receita <strong>de</strong>stes impostos – <strong>de</strong>finitivo para o<br />

primeiro e t<strong>em</strong>porário no segun<strong>do</strong> – como à redução<br />

da arrecadação <strong>do</strong> imposto <strong>de</strong> importação.<br />

Terminada a Guerra, a receita <strong>do</strong> imposto <strong>de</strong> importação<br />

tornou a crescer, mas sua importância<br />

relativa continuou menor que no perío<strong>do</strong> anterior<br />

(<strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 35% da receita total da União na<br />

década <strong>de</strong> 1920 e início <strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1930). Na<br />

órbita estadual, o imposto <strong>de</strong> exportação era a<br />

principal fonte <strong>de</strong> receita, geran<strong>do</strong> mais que 40%<br />

<strong>do</strong>s recursos <strong>de</strong>stes governos.<br />

Cabe notar que este imposto era cobra<strong>do</strong> tanto<br />

sobre as exportações para o exterior como nas<br />

operações interestaduais. Outros tributos relativamente<br />

importantes eram o imposto <strong>de</strong> transmissão<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e o imposto sobre indústrias e<br />

profissões. O último era também a principal fonte<br />

<strong>de</strong> receita tributária municipal, secunda<strong>do</strong> pelo<br />

imposto predial.<br />

História econômica <strong>do</strong> Brasil não <strong>de</strong>ixa passar<br />

que a Constituição <strong>de</strong> 1934 e diversas leis <strong>de</strong>sta<br />

época promoveram importantes alterações<br />

na estrutura tributária <strong>do</strong> país, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-o <strong>em</strong><br />

condições <strong>de</strong> ingressar num novo momento da<br />

história <strong>do</strong>s sist<strong>em</strong>as tributários, aquela <strong>em</strong> que<br />

pre<strong>do</strong>minam os impostos internos sobre produtos.<br />

As principais modificações ocorreram nas órbitas<br />

estadual e municipal. Os esta<strong>do</strong>s foram <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> competência privativa para <strong>de</strong>cretar o imposto<br />

<strong>de</strong> vendas e consignações, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong><br />

que se proibia a cobrança <strong>do</strong> imposto <strong>de</strong> exportações<br />

<strong>em</strong> transações interestaduais e limitava-se<br />

a alíquota <strong>de</strong>ste imposto a um máximo <strong>de</strong> 10%.<br />

Quanto aos municípios, a partir da Constituição<br />

<strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1934, passaram a ter competência<br />

privativa para <strong>de</strong>cretar alguns tributos 7 . Outra<br />

inovação da Constituição <strong>de</strong> 1934 foi repartir a<br />

receita <strong>de</strong> impostos entre diferentes esferas <strong>de</strong><br />

governo. Tanto a União como os esta<strong>do</strong>s mantiveram<br />

a competência para criar outros impostos,<br />

além <strong>do</strong>s que lhes eram atribuí<strong>do</strong>s privativamente,<br />

mas tais impostos seriam arrecada<strong>do</strong>s pelos<br />

esta<strong>do</strong>s que entregariam 30% da arrecadação à<br />

União e 20% ao município <strong>de</strong> on<strong>de</strong> originasse a<br />

arrecadação. Também o imposto <strong>de</strong> indústrias e<br />

profissões, cobra<strong>do</strong> pelos esta<strong>do</strong>s, teria sua arrecadação<br />

repartida entre esta<strong>do</strong>s e municípios,<br />

caben<strong>do</strong> a cada um meta<strong>de</strong> da mesma.<br />

Caio Pra<strong>do</strong> Júnior, no exílio, fica saben<strong>do</strong> que a<br />

Constituição <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1937 pouco<br />

modificou o sist<strong>em</strong>a tributário estabeleci<strong>do</strong> pela<br />

Constituição anterior.<br />

Interessante observar como História econômica<br />

<strong>do</strong> Brasil 8 mostra que <strong>em</strong> relação a 1934, 1937


impõ<strong>em</strong> aos esta<strong>do</strong>s a perda da competência<br />

privativa para tributar o consumo <strong>de</strong> combustíveis<br />

<strong>de</strong> motor <strong>de</strong> explosão e aos municípios a competência<br />

para tributar a renda das proprieda<strong>de</strong>s<br />

rurais. Por outro la<strong>do</strong>, o campo residual passou<br />

a pertencer somente aos esta<strong>do</strong>s, s<strong>em</strong> qualquer<br />

repartição da arrecadação. Em 1940, a Lei Constitucional<br />

n.º 3 ve<strong>do</strong>u aos esta<strong>do</strong>s o lançamento<br />

<strong>de</strong> tributos sobre o carvão mineral nacional e<br />

sobre combustíveis e lubrificantes líqui<strong>do</strong>s e a Lei<br />

Constitucional n.º 4 incluiu na competência privativa<br />

da União o imposto único sobre a produção, o<br />

comércio, a distribuição, o consumo, a importação<br />

e a exportação <strong>de</strong> carvão mineral e <strong>do</strong>s combustíveis<br />

e lubrificantes líqui<strong>do</strong>s <strong>de</strong> qualquer orig<strong>em</strong> 9 .<br />

Em face das limitações impostas à cobrança <strong>do</strong><br />

imposto <strong>de</strong> exportação pela Constituição <strong>de</strong> 1934,<br />

o imposto <strong>de</strong> vendas e consignações tornou-se<br />

rapidamente a principal fonte <strong>de</strong> receita estadual<br />

correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, no início da década <strong>de</strong> 1940, a<br />

cerca <strong>de</strong> 45% da receita tributária <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s,<br />

enquanto a participação <strong>do</strong> imposto <strong>de</strong> exportação<br />

caía para pouco mais que 10%, inferior às<br />

<strong>do</strong>s impostos <strong>de</strong> transmissão inter vivos e <strong>de</strong><br />

indústrias e profissões.<br />

Assim, como se vê, Caio Pra<strong>do</strong> Júnior às vésperas<br />

<strong>de</strong> sua campanha eleitoral para a constituinte<br />

<strong>de</strong> 1946, se encontrava muito b<strong>em</strong> informa<strong>do</strong><br />

sobre os caminhos e <strong>de</strong>scaminhos <strong>do</strong> nosso sist<strong>em</strong>a<br />

tributário. Pois, para além <strong>de</strong> um interesse<br />

específico que mereceria um tratamento à parte,<br />

esse t<strong>em</strong>ário, afinal, trata <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> inflexão<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s rumos <strong>do</strong> país e da sua esquerda<br />

<strong>de</strong>ntro e fora da estrutura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

AS ProPoSTAS DE PoLíTICA TrIBuTárIA<br />

Do CAnDIDATo CAIo PrADo JúnIor<br />

O processo <strong>de</strong> formação da agenda da reforma<br />

tributária <strong>do</strong>s anos da red<strong>em</strong>ocratização representa,<br />

<strong>em</strong> gran<strong>de</strong> medida, uma tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução<br />

da agenda que balizou os trabalhos<br />

após a Constituição <strong>de</strong> 1937. Fort<strong>em</strong>ente autoritária,<br />

complexa e expansionista <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista<br />

das instituições fiscais, e <strong>em</strong> nada redistributiva<br />

e inclusiva <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista social, essa agenda<br />

vai gradativamente ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> lugar a uma agenda<br />

balizada pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração competitiva<br />

ao merca<strong>do</strong> internacional, simplificação e harmonização<br />

tributária, recuperação da capacida<strong>de</strong><br />

fiscal e tributária da Fe<strong>de</strong>ração, e enfoque atuarial<br />

<strong>do</strong> financiamento da política social.<br />

O processo <strong>do</strong> autoritarismo fiscal no Brasil também<br />

apresenta um timing específico que teve<br />

fortes repercussões sobre a formação da nova<br />

agenda tributária. O arresto fiscal pela União<br />

caminhou pari passu ao processo <strong>de</strong> estabilização<br />

autoritária política. Devi<strong>do</strong> a essa vinculação<br />

viciosa, os efeitos perversos <strong>de</strong>la sobre o fe<strong>de</strong>ralismo<br />

fiscal pós-Constitução <strong>de</strong> 1937 – <strong>de</strong>ntre os<br />

quais a submissão absoluta das finanças estaduais<br />

e municipais – assumiram gran<strong>de</strong> relevância<br />

na agenda pública da red<strong>em</strong>ocratização.<br />

O arranjo institucional na área tributária <strong>de</strong>corrente<br />

da Constituição <strong>de</strong> 1937 significou, efetivamente,<br />

uma transferência real <strong>de</strong> renda <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s<br />

e municípios para a União. Neste processo, os<br />

municípios foram os mais prejudica<strong>do</strong>s, ocorren<strong>do</strong><br />

uma substancial perda relativa da sua participação<br />

na receita fiscal <strong>do</strong> país.<br />

Desta forma, o t<strong>em</strong>a <strong>do</strong>minante das elites políticas,<br />

<strong>em</strong>presariais e burocráticas <strong>em</strong> relação<br />

às normas constitucionais autoritárias referia-se<br />

ao estrangulamento <strong>do</strong>s recursos para esta<strong>do</strong>s<br />

e municípios com o peso das suas obrigações<br />

constitucionais correspon<strong>de</strong>ntes. Em outras palavras,<br />

os municípios per<strong>de</strong>ram recursos, mas<br />

foram manti<strong>do</strong>s os mesmos encargos.<br />

Embora os municípios permanecess<strong>em</strong> praticamente<br />

com as mesmas atribuições anteriores à<br />

promulgação da Carta <strong>de</strong> 1937, a sua incapacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> manter os níveis históricos <strong>de</strong> investimentos<br />

<strong>em</strong> infra-estrutura e <strong>em</strong> políticas sociais<br />

acarretou uma espécie <strong>de</strong> “intervenção selvag<strong>em</strong>”<br />

<strong>em</strong> suas ativida<strong>de</strong>s pelo governo fe<strong>de</strong>ral.<br />

Em função <strong>de</strong>sse status quo, o acirramento <strong>do</strong><br />

comportamento autoritário <strong>do</strong> Tesouro Nacional<br />

acompanhou uma forte <strong>de</strong>terioração das contas<br />

públicas e diminuição <strong>do</strong>s graus <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> fiscal<br />

<strong>do</strong> próprio governo fe<strong>de</strong>ral. Nesse contexto, os<br />

esta<strong>do</strong>s e municípios passaram a se constituir <strong>em</strong><br />

atores institucionais privilegia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> conflito fiscal<br />

fe<strong>de</strong>rativo e intragovernamental.<br />

Com isso a área fazendária e <strong>de</strong> planejamento<br />

<strong>do</strong> governo fe<strong>de</strong>ral passou a se mobilizar <strong>em</strong><br />

torno da questão da rigi<strong>de</strong>z orçamentária. O<br />

governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu patrocinar iniciativas<br />

que visavam reter ainda mais as parcelas das<br />

transferências constitucionais aos esta<strong>do</strong>s e<br />

municípios e retirar parcelas <strong>do</strong>s recursos que<br />

compunham as fontes <strong>de</strong>ssas transferências.<br />

Essa disputa fe<strong>de</strong>rativa se <strong>de</strong>senrolou gradativamente<br />

e ganhou certa permanência com a<br />

Segunda Guerra Mundial. Pela importância que<br />

essa disputa vinha assumin<strong>do</strong>, pod<strong>em</strong>os afirmar<br />

que ela se constituiu numa dimensão essencial<br />

<strong>do</strong> conflito político, fiscal e distributivo brasileiro,


Acervo Iconographia<br />

Acervo histórico<br />

Caio Pra<strong>do</strong> receben<strong>do</strong> seu diploma <strong>de</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual<br />

das mãos <strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>barga<strong>do</strong>r Mário Guimarães<br />

se tornan<strong>do</strong> uma agenda fortíssima na red<strong>em</strong>ocratização.<br />

No plano fe<strong>de</strong>rativo mais amplo, observou-se<br />

forte expansão <strong>do</strong> gasto e <strong>do</strong> endividamento <strong>do</strong>s<br />

governos estaduais. Dispon<strong>do</strong> <strong>de</strong> instrumentos<br />

para ampliar suas dívidas mobiliárias, os esta<strong>do</strong>s<br />

buscaram permanent<strong>em</strong>ente escapar ao controle<br />

das autorida<strong>de</strong>s monetárias. A questão das<br />

finanças subnacionais gradativamente passou a<br />

ter gran<strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> na agenda pública, como<br />

fonte <strong>de</strong> ingovernabilida<strong>de</strong> fiscal.<br />

Esse é o pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> sobre o qual se formou as<br />

propostas <strong>de</strong> política tributária no perío<strong>do</strong> pós-Esta<strong>do</strong><br />

Novo. Essas propostas estavam ancoradas<br />

na idéia <strong>de</strong> ingovernabilida<strong>de</strong> fiscal, patologias<br />

fiscais associadas aos excessos <strong>do</strong> autoritarismo<br />

tributário (endividamento <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s, guerra fiscal,<br />

entre outros) e colapso fiscal <strong>do</strong>s municípios.<br />

Além disso, a busca <strong>de</strong> uma nova agenda se<br />

baseava também nos requisitos <strong>em</strong>presariais da<br />

redução da carga fiscal global – a redução <strong>do</strong>s<br />

impostos <strong>do</strong> país. Estas idéias passaram a compor<br />

o repertório intelectual <strong>do</strong>minante na nova<br />

agenda e sinalizava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> redução<br />

das contribuições sociais, <strong>de</strong> <strong>de</strong>soneração das<br />

exportações e <strong>de</strong> eliminação <strong>do</strong>s impostos<br />

cumulativos.<br />

É contra esta pauta que Caio Pra<strong>do</strong> Júnior vai se<br />

apresentar como candidato entre 1945 (<strong>de</strong>puta<strong>do</strong><br />

fe<strong>de</strong>ral) e 1947 (<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual). Sua plataforma,<br />

esboçada preliminarmente <strong>em</strong> História<br />

econômica <strong>do</strong> Brasil, com o andamento das con-<br />

junturas eleitorais, vai num<br />

crescen<strong>do</strong> <strong>em</strong> dramaticida<br />

<strong>de</strong> e <strong>conteú<strong>do</strong></strong>. Caio Pra<strong>do</strong><br />

Júnior, ao recuperar as<br />

raízes históricas da análise<br />

da questão tributária bra<br />

sileira, acaba por r<strong>em</strong>eter<br />

à própria constituição das<br />

socieda<strong>de</strong>s capitalistas.<br />

Para tal, Caio Pra<strong>do</strong> Júnior<br />

constrói seus antece<strong>de</strong>ntes<br />

históricos partin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s contratualistas,<br />

chegan<strong>do</strong> até<br />

Keynes, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

s<strong>em</strong>pre que a relação entre<br />

o po<strong>de</strong>r conferi<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> tributar e os efeitos<br />

<strong>de</strong>correntes da execução<br />

<strong>de</strong>ste ato – sobre produção,<br />

consumo e distribuição<br />

<strong>de</strong> renda – constituiu uma área <strong>do</strong> conhecimento<br />

que possui raízes profundas nas ciências social e<br />

econômica10 Para tal, Caio Pra<strong>do</strong> Júnior<br />

constrói seus antece<strong>de</strong>ntes<br />

históricos partin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s con<br />

tratualistas, chegan<strong>do</strong> até<br />

Keynes, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

s<strong>em</strong>pre que a relação entre<br />

o po<strong>de</strong>r conferi<strong>do</strong> ao Esta<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong> tributar e os efeitos<br />

.<br />

Na idéia <strong>do</strong> Contrato Social, formulada e <strong>de</strong>senvolvida<br />

pelos pensa<strong>do</strong>res da formação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Mo<strong>de</strong>rno – Hobbes e Locke –, o pagamento <strong>de</strong><br />

tributos <strong>do</strong>s súditos ao soberano é o el<strong>em</strong>ento<br />

básico para a sua constituição. É através <strong>de</strong>ste<br />

mecanismo - o imposto – que se financia o Esta<strong>do</strong>,<br />

permitin<strong>do</strong> a este se armar para provi<strong>de</strong>nciar a<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s súditos <strong>de</strong> agressões externas, o que<br />

<strong>em</strong> última instância v<strong>em</strong> a ser o motivo racional<br />

el<strong>em</strong>entar (comum aos <strong>do</strong>is autores) pelo qual<br />

os indivíduos abr<strong>em</strong> mão <strong>de</strong> sua individualida<strong>de</strong><br />

natural e constitu<strong>em</strong> uma socieda<strong>de</strong>.<br />

É interessante notar que a visão <strong>de</strong>sses contratualistas<br />

correspon<strong>de</strong>ria, na teoria mo<strong>de</strong>rna da tributação,<br />

ao princípio <strong>do</strong> benefício. Este princípio<br />

postula que um sist<strong>em</strong>a tributário é eqüitativo se o<br />

contribuinte recebe serviços públicos correspon<strong>de</strong>ntes<br />

ao volume <strong>de</strong> impostos que paga 11 .<br />

Em contrapartida, a concepção <strong>do</strong> probl<strong>em</strong>a<br />

elaborada pelo contratualismo <strong>de</strong> Rousseau e,<br />

posteriormente, reconduzida por John Stuart<br />

Mill estaria vinculada ao princípio da capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> pagamento, segun<strong>do</strong> o qual indivíduos com<br />

capacida<strong>de</strong>s iguais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> pagar montantes <strong>de</strong><br />

impostos iguais, enquanto que aqueles com capacida<strong>de</strong>s<br />

diferentes <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser tributa<strong>do</strong>s diferenciadamente<br />

12 . Nas palavras <strong>de</strong> Rousseau:<br />

“(...) quanto à igualda<strong>de</strong>, não se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r<br />

por essa palavra que sejam absolutamente os


Acervo Maria Cecília Naclério Hom<strong>em</strong><br />

mesmos os graus <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> riqueza, mas,<br />

quanto ao po<strong>de</strong>r, que esteja distancia<strong>do</strong> <strong>de</strong> qualquer<br />

violência e nunca se exerça senão <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> posto e das leis e, quanto à riqueza, que<br />

nenhum cidadão seja suficient<strong>em</strong>ente opulento<br />

para po<strong>de</strong>r comprar um outro e não haja nenhum<br />

tão pobre que se veja constrangi<strong>do</strong> a ven<strong>de</strong>r-se; o<br />

que supõe, nos gran<strong>de</strong>s, mo<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> bens e <strong>de</strong><br />

crédito e, nos pequenos, mo<strong>de</strong>ração da avareza<br />

e da cupi<strong>de</strong>z.<br />

Tal igualda<strong>de</strong>, diz<strong>em</strong>, é uma quimera <strong>do</strong> espírito<br />

especulativo, que não po<strong>de</strong> existir na prática.<br />

Mas, se o abuso é inevitável, segue-se que não<br />

precis<strong>em</strong>os pelo menos regulamentá-lo? Precisamente<br />

por s<strong>em</strong>pre ten<strong>de</strong>r a força das coisas a<br />

<strong>de</strong>struir a igualda<strong>de</strong>, a força da legislação <strong>de</strong>ve<br />

s<strong>em</strong>pre ten<strong>de</strong>r a mantê-la.” 13<br />

Na economia política clássica, Caio Pra<strong>do</strong> Júnior<br />

vai buscar nas obras <strong>de</strong> Adam Smith e <strong>de</strong> John<br />

Stuart Mill as maiores contribuições à questão<br />

distributiva implícita na tributação.<br />

Em A Riqueza das Nações, ao se referir aos princípios<br />

gerais <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os quais to<strong>do</strong>s os<br />

impostos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> se ajustar, Adam Smith enunciou<br />

como princípio geral que a equida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve<br />

ser uma meta <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a tributário, tanto pelo<br />

critério <strong>do</strong> benefício – visto naquela sentença<br />

como a proteção recebida pelo Esta<strong>do</strong> –, como<br />

pelo da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento, entendi<strong>do</strong><br />

como a renda com a qual ele contribui para esta<br />

proteção.<br />

Já John Stuart Mill, <strong>em</strong> seus Princípios <strong>de</strong> Economia<br />

Política, sustentou que <strong>de</strong>ve prevalecer<br />

a eqüida<strong>de</strong> <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> impostos pela razão<br />

básica <strong>de</strong> que assim <strong>de</strong>ve ser <strong>em</strong> todas as questões<br />

<strong>de</strong> governo. Em suas palavras: “Assim como<br />

o governo não <strong>de</strong>ve fazer distinção alguma entre<br />

pessoas ou classes no que respeita às reivindicações<br />

que estas possam fazer-lhe”, diz ele, “os<br />

sacrifícios que ele exija <strong>de</strong>v<strong>em</strong>, por assim dizer,<br />

pressionar a to<strong>do</strong>s por igual na medida <strong>do</strong> possível<br />

(...). A igualda<strong>de</strong> na imposição, como uma<br />

máxima na política, significa, por conseguinte,<br />

igualda<strong>de</strong> no sacrifício” 14 .<br />

Cabe registrar, que é neste ponto da sua reflexão,<br />

que Caio Pra<strong>do</strong> Júnior chega a Karl Marx. Com<br />

a sua fina percepção, recolhe <strong>de</strong> O Manifesto<br />

Comunista que, <strong>de</strong>ntre as medidas que necessariamente<br />

teriam que ser tomadas pelas classes<br />

subalternas <strong>em</strong> países avança<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> estas<br />

alcançass<strong>em</strong> a posição <strong>de</strong> classe governante (<strong>de</strong>-<br />

Instalação da Ass<strong>em</strong>bléia Constituinte <strong>de</strong> 1947. Na primeira fileira o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Vicente <strong>de</strong> Paula Lima (UDN), na segunda,<br />

ocupada pela bancada comunista, estão os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s João Sanches Segura e Mautílio Muraro – entre eles, na fileira <strong>de</strong>trás,<br />

o também comunista João Taibo Ca<strong>do</strong>rniga – , ainda na segunda fileira, estão os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Caio Pra<strong>do</strong> Junior, Estocel <strong>de</strong><br />

Moraes e Milton Cayres <strong>de</strong> Brito, to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> PCB


Acervo histórico<br />

pois <strong>de</strong> vencida a “batalha da d<strong>em</strong>ocracia”), para<br />

revolucionar o mun<strong>do</strong> burguês, estariam, além da<br />

abolição da proprieda<strong>de</strong> da terra e <strong>de</strong> to<strong>do</strong> direito<br />

<strong>de</strong> herança, entre outras medidas, um pesa<strong>do</strong><br />

imposto progressivo 15 .<br />

Desnecessário dizer que Caio Pra<strong>do</strong> Júnior t<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> mente tal passag<strong>em</strong> para a sua interpretação<br />

<strong>do</strong> Brasil e <strong>de</strong> como ela vai se <strong>de</strong>parar com os<br />

diagnósticos <strong>de</strong> fins <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong><br />

século XX, <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

abordag<strong>em</strong> teórica marginalista, no âmbito da<br />

chamada economia neoclássica, que se constituíram<br />

as bases da mo<strong>de</strong>rna teoria da tributação<br />

aqui e <strong>em</strong> alhures. Caio Pra<strong>do</strong> Júnior notará que<br />

é nesta escola <strong>do</strong> pensamento econômico que a<br />

análise da questão da tributação e <strong>de</strong> seus reflexos<br />

distributivos passa a r<strong>em</strong>eter à introdução <strong>de</strong><br />

componentes <strong>de</strong> progressivida<strong>de</strong> na incidência<br />

tributária. A equida<strong>de</strong> no tratamento tributário<br />

<strong>do</strong>s contribuintes é tratada sob a ótica da perda<br />

<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> a que os indivíduos são submeti<strong>do</strong>s<br />

ao ser<strong>em</strong> tributa<strong>do</strong>s. É na escola econômica<br />

neoclássica que ganham corpo as teorias <strong>de</strong><br />

tributação progressiva que, a partir da revolução<br />

<strong>em</strong>preendida por Keynes, vêm permean<strong>do</strong> as discussões<br />

sobre incidência tributária até hoje.<br />

Assim, ao fim e ao cabo i<strong>de</strong>ntificamos, grosso<br />

mo<strong>do</strong>, as duas gran<strong>de</strong>s correntes <strong>de</strong> pensamento<br />

na interpretação <strong>do</strong> probl<strong>em</strong>a tributário no perío<strong>do</strong><br />

entre 1945 e 1947. Uma, a <strong>do</strong>minante, <strong>em</strong> que os<br />

aspectos distributivos da incidência tributária <strong>em</strong><br />

uma economia são relega<strong>do</strong>s a segun<strong>do</strong> plano<br />

ou, no máximo, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s apenas <strong>de</strong> maneira<br />

implícita no <strong>de</strong>senho <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a arrecada<strong>do</strong>r.<br />

Nesta visão, assumia-se que, para uma dada<br />

distribuição <strong>de</strong> renda, a tributação <strong>de</strong>ve ter sua<br />

interferência restringida, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> minimizar<br />

as perdas <strong>de</strong> eficiência econômica <strong>de</strong>correntes da<br />

incidência <strong>do</strong> tributo.<br />

A segunda, minoritária e on<strong>de</strong> Caio Pra<strong>do</strong> Júnior<br />

era seu formula<strong>do</strong>r e expoente, explicita que a<br />

tributação <strong>de</strong>ve ter, necessariamente, uma função<br />

redistributiva na economia. A distribuição<br />

<strong>de</strong> renda se coloca, assim, como uma variável<br />

a ser <strong>de</strong>terminada pela configuração <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a<br />

tributário. Neste senti<strong>do</strong>, esta concepção assume<br />

que os princípios <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> justiça fiscal<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong> figurar entre os objetivos principais no <strong>de</strong>senho<br />

ou na reforma <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as tributários.<br />

Todavia, infelizmente é forçoso reconhecer que as<br />

discussões nas campanhas constituintes <strong>de</strong> 1945<br />

e 1947, quanto à questão tributária no país, estiveram<br />

muito distantes <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>bates que<br />

tais perspectivas teóricas e políticas impunham<br />

para o tratamento <strong>do</strong> assunto. Neste senti<strong>do</strong>, é<br />

<strong>de</strong>saponta<strong>do</strong>r para nós analistas constatarmos<br />

que se per<strong>de</strong>u (quiçá hoje não estarmos in<strong>do</strong><br />

pelo mesmo caminho) uma rara oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se aproveitar <strong>do</strong>is movimentos convergentes à<br />

época - a reforma tributária e o clima favorável ao<br />

tratamento das questões sociais oriundas ambas<br />

<strong>do</strong> processo <strong>de</strong> red<strong>em</strong>ocratização - para operar<br />

transformações <strong>de</strong> monta na estrutura distributiva<br />

brasileira.<br />

A PoLíTICA TrIBuTárIA DE CAIo PrADo<br />

JúnIor nA ConSTITuInTE PAuLISTA<br />

Como <strong>de</strong>senlace da campanha <strong>de</strong> 1945, a<br />

Constituição <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1946 trouxe<br />

poucas modificações no que concerne ao elenco<br />

<strong>de</strong> tributos utiliza<strong>do</strong>s no país. Ela mostra, entretanto,<br />

a intenção <strong>de</strong> aumentar a <strong>do</strong>tação <strong>de</strong> recursos<br />

<strong>do</strong>s municípios. Dois novos impostos são<br />

adiciona<strong>do</strong>s à sua área <strong>de</strong> competência: o imposto<br />

sobre atos <strong>de</strong> sua economia ou assuntos<br />

<strong>de</strong> sua competência (imposto <strong>do</strong> selo municipal)<br />

e o imposto <strong>de</strong> indústrias e profissões, o último<br />

pertencente anteriormente aos esta<strong>do</strong>s, mas já<br />

arrecada<strong>do</strong> <strong>em</strong> parte pelos municípios. Estas<br />

unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> governo passam também a participar<br />

(excluí<strong>do</strong>s os municípios <strong>de</strong> capitais) <strong>de</strong> 10%<br />

da arrecadação <strong>do</strong> Imposto <strong>de</strong> Renda (IR) e <strong>de</strong><br />

30% <strong>do</strong> excesso sobre a arrecadação municipal<br />

da arrecadação estadual (exclusive imposto<br />

<strong>de</strong> exportação) no território <strong>do</strong> município, b<strong>em</strong><br />

como <strong>do</strong> imposto único sobre combustíveis e<br />

lubrificantes, energia elétrica e minerais <strong>do</strong> país,<br />

<strong>de</strong> competência da União.<br />

Os esta<strong>do</strong>s, que haviam perdi<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1940 o direito<br />

<strong>de</strong> tributar os combustíveis, passaram também a<br />

ter participação no imposto único, mas ce<strong>de</strong>ram<br />

integralmente o imposto <strong>de</strong> indústrias e profissões<br />

aos municípios e tiveram a alíquota máxima <strong>do</strong> imposto<br />

<strong>de</strong> exportação limitada a 5%. A competência<br />

residual voltou a ser exercida pela União e pelos<br />

esta<strong>do</strong>s, estes recolhen<strong>do</strong> os impostos que viess<strong>em</strong><br />

a ser cria<strong>do</strong>s e entregan<strong>do</strong> 20% <strong>do</strong> produto<br />

da arrecadação à União e 40% aos municípios.<br />

Assim, <strong>em</strong>bora não tenha promovi<strong>do</strong> uma reforma<br />

da estrutura tributária, a Constituição <strong>de</strong> 1946 modificou<br />

profundamente a discriminação <strong>de</strong> rendas<br />

entre as esferas <strong>do</strong> governo, institucionalizan<strong>do</strong><br />

um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> transferências <strong>de</strong> impostos 16 .<br />

A intenção da Constituição <strong>de</strong> 1946 <strong>de</strong> reforçar as<br />

finanças municipais não se transformou <strong>em</strong> realida<strong>de</strong><br />

por diversos motivos. Primeiro, a maioria


Acervo Maria Cecília Naclério Hom<strong>em</strong><br />

<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s jamais transferiu para os municípios<br />

os 30% <strong>do</strong> excesso <strong>de</strong> arrecadação. Segun<strong>do</strong>,<br />

as cotas <strong>de</strong> IR só começaram a ser distribuídas<br />

<strong>em</strong> 1948 e eram calculadas <strong>em</strong> um ano, com<br />

base na arrecadação <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> anterior, para<br />

distribuição no ano seguinte; <strong>em</strong> conseqüência,<br />

os municípios recebiam cotas cujo valor real já<br />

fora corroí<strong>do</strong> pela inflação. Terceiro, estas cotas<br />

(e, mais tar<strong>de</strong>, as <strong>do</strong> imposto <strong>de</strong> consumo) eram<br />

distribuídas igualmente entre os municípios, o<br />

que gerou, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>sm<strong>em</strong>bramentos, um<br />

rápi<strong>do</strong> crescimento <strong>do</strong> número <strong>do</strong>s mesmos.<br />

Com essa situação instalada o constituinte<br />

paulista Caio Pra<strong>do</strong> Júnior entendia que a Constituição<br />

<strong>de</strong> 1946 não <strong>de</strong>senhara uma ord<strong>em</strong> institucional<br />

e fe<strong>de</strong>rativa significativamente distinta<br />

da anterior. Ainda que voltada para a legitimação<br />

da d<strong>em</strong>ocracia, os constituintes <strong>de</strong> 1946 optaram<br />

pela combinação <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a presi<strong>de</strong>ncialista <strong>de</strong><br />

governo com organização fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

nacional que, já naquela época, não era nada<br />

comum entre as d<strong>em</strong>ocracias cont<strong>em</strong>porâneas.<br />

uma significativa varieda<strong>de</strong> no que concernia aos<br />

sist<strong>em</strong>as tributários e partidários <strong>de</strong> cada esta<strong>do</strong><br />

e região. Tínhamos então <strong>em</strong> nosso país não só a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprodução <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>ncialismo<br />

no nível estadual, o que <strong>de</strong> imediato suscitava<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> probl<strong>em</strong>a <strong>do</strong> relacionamento<br />

entre o Executivo e o Legislativo neste nível <strong>de</strong><br />

governo, mas também a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências<br />

quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a<br />

partidário.<br />

Os principais efeitos da combinação <strong>de</strong>sses<br />

aspectos na nossa red<strong>em</strong>ocratização <strong>do</strong> pós-Segunda<br />

Guerra são a configuração <strong>de</strong> um quadro<br />

institucional <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> e um enorme<br />

<strong>de</strong>safio para os políticos.<br />

O constituinte Caio Pra<strong>do</strong> Júnior vai mobilizar justamente<br />

esta complexa trama para tentar introduzir<br />

no sist<strong>em</strong>a tributário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> a<br />

diminuição da concentração <strong>do</strong>s impostos sobre o<br />

consumo e <strong>em</strong> contrapartida dirigir o ajuste para a<br />

proprieda<strong>de</strong> territorial rural<br />

O constituinte Caio Pra<strong>do</strong> Júnior, vice-lí<strong>de</strong>r da<br />

bancada <strong>do</strong> PCB, entendia ainda que no Brasil,<br />

ad<strong>em</strong>ais, essa combinação foi acompanhada <strong>de</strong><br />

17 .<br />

Para isso Caio Pra<strong>do</strong> Júnior responsabilizava<br />

ad<strong>em</strong>ais, essa combinação foi acompanhada <strong>de</strong> essa essa concentração pelos probl<strong>em</strong>as probl<strong>em</strong>as financeiros financeiros<br />

Reunião da Comissão Especial <strong>de</strong> Constituição, <strong>em</strong> 18 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1947. Senta<strong>do</strong>s à mesa estão os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Padre Carvalho,<br />

Sebastião Carneiro, Epaminondas Lobo, Motta Bicu<strong>do</strong>, Pinheiro Júnior – <strong>em</strong> pé, o jornalista Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis – Milton<br />

Cayres <strong>de</strong> Brito, Lincoln Feliciano, Brasilio Macha<strong>do</strong>, Caio Pra<strong>do</strong> Junior , Bravo Cal<strong>de</strong>ira, Loureiro Junior e Osny Silveira


Acervo histórico<br />

da gestão <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, e também pelo risco permanente<br />

<strong>de</strong> enfraquecimento <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a fe<strong>de</strong>rativo,<br />

além <strong>do</strong>s atrasos burocráticos e <strong>de</strong> processo<br />

<strong>de</strong>cisório, corrupção e <strong>de</strong>sperdício. Os outros<br />

objetivos da política tributária <strong>do</strong> constituinte Caio<br />

Pra<strong>do</strong> Júnior eram: a) fortalecer as finanças municipais;<br />

b) d<strong>em</strong>ocratizar as responsabilida<strong>de</strong>s; c)<br />

redistribuir recursos, dan<strong>do</strong> tratamento privilegia<strong>do</strong><br />

às regiões menos <strong>de</strong>senvolvidas; e, d) tornar<br />

o sist<strong>em</strong>a tributário mais transparente e acessível<br />

à cidadania 18 .<br />

Se compararmos a estrutura tributária proposta<br />

pelo constituinte Caio Pra<strong>do</strong> Júnior e a que<br />

acabou sen<strong>do</strong> aprovada, encontramos o seguinte:<br />

a) as mudanças na moldura <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a<br />

tributário ocorridas entre o primeiro e o estágio<br />

final <strong>do</strong> processo constituinte foram pequenas<br />

no que se refere aos impostos estaduais, o que<br />

indica uma heg<strong>em</strong>onia clara <strong>em</strong> relação às perdas<br />

tributárias para o consumo; b) as disputas<br />

entre os conserva<strong>do</strong>res e os d<strong>em</strong>ocratas foram<br />

acirradas, o que explica as inúmeras mudanças<br />

ao longo <strong>do</strong> processo; e, c) a proprieda<strong>de</strong><br />

da terra foi preservada, o que significa que os<br />

conserva<strong>do</strong>res tiveram mais po<strong>de</strong>r na hora da<br />

<strong>de</strong>cisão 19 .<br />

O constituinte Caio Pra<strong>do</strong> Júnior, ao término <strong>do</strong>s<br />

seus trabalhos, concluiu que as questões relacionadas<br />

com a organização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e com<br />

o sist<strong>em</strong>a tributário durante o processo constituinte<br />

foram menos voltadas para formular e<br />

impl<strong>em</strong>entar políticas públicas e mais para aten<strong>de</strong>r<br />

a d<strong>em</strong>andas locais, regionais, corporativas<br />

e individuais. Mas, o próprio Caio Pra<strong>do</strong> Júnior<br />

assinalaria que essas características não eram<br />

uma idiossincrasia brasileira.<br />

Contu<strong>do</strong>, apesar da ass<strong>em</strong>bléia constituinte paulista<br />

<strong>de</strong> 1947 ter si<strong>do</strong>, por natureza, paroquial,<br />

Caio Pra<strong>do</strong> Júnior <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u até as suas últimas<br />

forças os interesses <strong>do</strong>s eleitores. Apesar <strong>de</strong><br />

uma certa <strong>de</strong>sconfiança existente que pairava<br />

no ar, os constituintes heg<strong>em</strong>ônicos assumiram<br />

o risco <strong>de</strong> aumentar o po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r.<br />

Mas era um risco calcula<strong>do</strong>. Havia, na surdina,<br />

a cassação <strong>de</strong> registros partidários e, no limite,<br />

<strong>de</strong> mandatos e <strong>de</strong> eleições. Tu<strong>do</strong> para confirmar<br />

o <strong>conteú<strong>do</strong></strong> localista, regionalista, corporativiza<strong>do</strong><br />

e individualiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> diversos aspectos da<br />

Ass<strong>em</strong>bléia Constituinte Paulista. Daí que a <strong>de</strong>núncia<br />

<strong>de</strong> Caio Pra<strong>do</strong> Júnior era formulada nos<br />

seguintes termos:<br />

1) Os constituintes abraçaram um mo<strong>de</strong>lo antipopular<br />

para a questão tributária, para acabar<strong>em</strong><br />

por repetir muito <strong>do</strong> que era caro ao regime <strong>do</strong>s<br />

interventores esta<strong>do</strong>novistas.<br />

2) Em nome da restauração <strong>do</strong> fe<strong>de</strong>ralismo e<br />

das finanças estaduais, muitas medidas foram<br />

atropeladas e não negociadas, daí os conflitos<br />

e as tensões <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>is institutos<br />

ultrapassar<strong>em</strong> a questão da política-administrativa<br />

para as esferas das questões <strong>de</strong> políticas<br />

partidárias.<br />

3) A opção preferencial pelo conserva<strong>do</strong>rismo<br />

tributário teve duas conseqüências principais: a)<br />

promoveu uma mo<strong>de</strong>rnização da esfera estadual;<br />

e, b) limitou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar questões<br />

can<strong>de</strong>ntes, como a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> mecanismos capazes<br />

<strong>de</strong> promover uma melhor equalização fiscal<br />

entre o esta<strong>do</strong> e os municípios, isso para não falar<br />

da cidadania.<br />

A opção pelo conserva<strong>do</strong>rismo tributário mostrava<br />

também o caráter consociativo <strong>do</strong> fe<strong>de</strong>ralismo<br />

brasileiro e da própria red<strong>em</strong>ocratização.<br />

E, para finalizarmos, cabe reter que a política<br />

tributária <strong>do</strong> constituinte Caio Pra<strong>do</strong> Júnior implicava<br />

benefícios difusos e perdas concentradas<br />

- o padrão exatamente oposto àquele que acabou<br />

por prevalecer. Como explicar que uma política<br />

tributária com esse perfil fosse <strong>de</strong>rrotada, na medida<br />

<strong>em</strong> que enfrentou forte resistência por parte<br />

<strong>de</strong> diversos grupos?<br />

A resposta é que não ocorreu a difusão <strong>de</strong>sse<br />

novo paradigma <strong>de</strong> política <strong>de</strong> tributação e,<br />

por conseguinte, não produziu um consenso<br />

entre grupos <strong>de</strong> interesse na esfera pública <strong>em</strong><br />

torno da “boa política pública”. Claro que essa<br />

explicação contrasta com a própria experiência<br />

da constituinte paulista <strong>de</strong> 1947, pois, <strong>em</strong>bora<br />

se observe, nesse caso, um papel igualmente<br />

importante das elites e da burocracia estadual<br />

- e alguma convergência programática entre<br />

as propostas no âmbito mais geral -, verificouse<br />

gran<strong>de</strong> dissenso com raízes nos el<strong>em</strong>entos<br />

consociativos da estrutura fe<strong>de</strong>rativa brasileira e<br />

da red<strong>em</strong>ocratização. Na realida<strong>de</strong>, Caio Pra<strong>do</strong><br />

Júnior é <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong> por que a questão fe<strong>de</strong>rativa<br />

subsumiu as questões relativas à tributação da<br />

proprieda<strong>de</strong> e da renda. Essa conclusão é que<br />

levou Caio Pra<strong>do</strong> Júnior a sugerir que a questão<br />

fe<strong>de</strong>rativa estava no cerne <strong>do</strong> conflito distributivo<br />

e, por extensão, <strong>do</strong> conflito político no país à<br />

época, quiçá nos dias que corr<strong>em</strong>.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2003 - 12 <strong>de</strong> junho<br />

<strong>de</strong> 2004


noTAS<br />

1 Sobre essa tendência recente ver BEAM, David R., CONLAN, Timothy J. e WRIGHTSON, Margaret<br />

T. Solving the Riddle of Tax Reform: Party Competition and the Politics of I<strong>de</strong>as. Political Science<br />

Quarterly, Vol. 105, N.º 2, Summer, 1990; e, BOYLAN, Delia M. Taxation and Transition: The Politics<br />

of The 1990 Chilean Tax Reform. Latin American Research Review, Vol. 31, N.º 1, 1996.<br />

2 Cf. BIRD, Richard M. Tax Reform in Latin América: A Review of Some Recent Experiences. Latin<br />

America Research Review, Vol. 27, N.º 1, 1992.<br />

3 Cf. SIMONSEN, Roberto C. História econômica <strong>do</strong> Brasil, 1500-1820. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Editora Nacional,<br />

1937, 2 v.<br />

4 Cf. TOPALOV, Christian. Estruturas agrárias brasileiras. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Francisco Alves, 1978.<br />

5 Cf. Constituição <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1891, arts. 7º, 9º, 10, 11, 12 e 68. A reforma constitucional<br />

<strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1926 não alterou as disposições referentes à tributação.<br />

6 Cf. Lei nº 4.783, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1923.<br />

7 Imposto <strong>de</strong> licenças, imposto predial e territorial urbano, imposto sobre diversões públicas e imposto<br />

cedular sobre a renda <strong>de</strong> imóveis rurais, além <strong>de</strong> taxas sobre serviços municipais.<br />

8 Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica <strong>do</strong> Brasil. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Editora Brasiliense, 1945.<br />

9 Lei Constitucional n.º 3, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1940, e Lei Constitucional n.º 4, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong><br />

1940.<br />

10 Caio Pra<strong>do</strong> Júnior sabia que uma resenha ampla e aprofundada da vasta literatura que tratava da<br />

tributação e seus impactos distributivos era tarefa complexa, que certamente fugiria aos objetivos<br />

<strong>de</strong> uma campanha política eleitoral. Entretanto, preten<strong>de</strong>u, por conseguinte, tão-somente fornecer<br />

uma idéia <strong>de</strong> como esta questão era antiga nas teorias sociais e econômicas, indican<strong>do</strong> que as discussões<br />

na literatura a época possuíam sólidas bases.<br />

11 Sobre a questão da tributação nos contratualistas Cf. PENA, M.V.J.V. O Surgimento <strong>do</strong> Imposto <strong>de</strong><br />

Renda: Um Estu<strong>do</strong> sobre a relação entre Esta<strong>do</strong> e Merca<strong>do</strong> no Brasil. DADOS - Revista <strong>de</strong> Ciências<br />

Sociais. Instituto Universitário <strong>de</strong> Pesquisa <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, vol. 35, nº 3, 1992, p. 337-370.<br />

12 Importa reter que o critério <strong>do</strong> benefício negligencia, por assim dizer, o caráter redistributivo que o<br />

sist<strong>em</strong>a tributário po<strong>de</strong> vir a ter. Este caráter, contu<strong>do</strong>, está explícito na abordag<strong>em</strong> da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pagamento.<br />

13 Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social, Capitulo X. 2. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Abril Cultural,<br />

1978, (Os pensa<strong>do</strong>res).<br />

14 Cf. MILL, John Stuart. Princípios <strong>de</strong> Economia Política, Livro V, Capitulo II, § 2. Fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cultura<br />

Econômica, México, 1943.<br />

15 Cf. MARX, Karl & ENGELS, Frie<strong>de</strong>rich, O Manifesto Comunista, Capitulo 2. Paz e Terra, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, 1997.<br />

16 Cf. LAFER, Horacio. Descriminação <strong>de</strong> Rendas. In: Diário da Ass<strong>em</strong>bléia. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 26 <strong>de</strong><br />

março <strong>de</strong> 1946. Horacio Lafer (1900-1965) foi Relator da Comissão <strong>de</strong> Investigação Econômica e<br />

Social.<br />

17 Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. Caio Pra<strong>do</strong> Júnior - Parlamentar Paulista. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong><br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (Parlamentares Paulistas), 2003, p. 80-104.<br />

18 Op. Cit., p. 104-111.<br />

19 Cf. PRADO JÚNIOR., Caio. Ainda a Questão Tributaria. In: Anais da Ass<strong>em</strong>bléia Constituinte. <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>, 68ª Sessão Ordinária <strong>em</strong> 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1947.<br />

11


Acervo histórico<br />

Peço a Palavra<br />

Olívia Gurjão *<br />

Um parlamentar<br />

a serviço da Educação<br />

Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis, educa<strong>do</strong>r, jornalista,<br />

poeta, escritor, foi <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual por 20<br />

anos consecutivos. É presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong><br />

Estu<strong>do</strong>s Educacionais Professor Sud Mennucci 1<br />

(INESTE), <strong>do</strong> Centro <strong>do</strong> Professora<strong>do</strong> Paulista<br />

(CPP), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua criação, <strong>em</strong> 1997.<br />

Sólon esteve à frente <strong>do</strong> CPP durante quatro décadas,<br />

perío<strong>do</strong> <strong>em</strong> que a entida<strong>de</strong> construiu um<br />

edifício-se<strong>de</strong> <strong>de</strong> oito andares, na Avenida Liberda<strong>de</strong>,<br />

formou um patrimônio que consiste <strong>em</strong> clubes,<br />

colônias, campos esportivos e prédios, além<br />

<strong>de</strong> ganhar notorieda<strong>de</strong> nacional e internacional.<br />

Seus mandatos parlamentares selaram o compromisso<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>-educa<strong>do</strong>r com seu l<strong>em</strong>a: “Só<br />

a educação <strong>do</strong> povo po<strong>de</strong> conduzir o Brasil a um<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>stino”.<br />

O perfil a seguir é fruto <strong>de</strong> <strong>do</strong>is <strong>de</strong>poimentos<br />

presta<strong>do</strong>s pelo professor<br />

à equipe <strong>do</strong> Acervo Histórico2 – um <strong>de</strong>les na se<strong>de</strong> <strong>do</strong> INESTE e<br />

outro na Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong>,<br />

com registro <strong>de</strong> imagens feito pela<br />

TV Ass<strong>em</strong>bléia, nos dias 3 e 6 <strong>de</strong><br />

agosto <strong>de</strong> 2004, respectivamente<br />

– e pesquisa realizada nos arquivos<br />

da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong>, no<br />

Instituto Sud Mennucci e nos sites<br />

das entida<strong>de</strong>s citadas. Para realizarmos<br />

este trabalho contamos<br />

com o apoio <strong>de</strong> Renato Casaro,<br />

neto <strong>do</strong> professor Sólon Borges, e<br />

Damaris <strong>de</strong> Oliveira Gan<strong>do</strong>lfi, sua<br />

assistente no INESTE.<br />

Roberto Navarro<br />

NA ROTA DAS FERROVIAS<br />

Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis nasceu <strong>em</strong> Casa Branca,<br />

interior <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, no dia 27 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />

1917, filho <strong>de</strong> Flávia e Júlio Borges <strong>do</strong>s Reis.<br />

Os pais chegaram à cida<strong>de</strong> poucos dias antes<br />

<strong>do</strong> seu nascimento, vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Guaxupé, <strong>em</strong><br />

Minas Gerais. A morte precoce <strong>do</strong> primeiro filho<br />

<strong>do</strong> casal, Bernardino, no dia 20 <strong>de</strong> junho, fez<br />

com que adiantass<strong>em</strong> o retorno à Casa Branca,<br />

cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se conheceram e casaram. N<strong>em</strong> o<br />

receio da viag<strong>em</strong> <strong>de</strong> tr<strong>em</strong>, pelo adianta<strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

da gestação, conseguiu adiar a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> casal.<br />

A estada da família <strong>em</strong> Casa Branca, no entanto,<br />

durou pouco, só o t<strong>em</strong>po necessário para cuidar<br />

<strong>do</strong> réc<strong>em</strong>-nasci<strong>do</strong> e novamente encarar a ferrovia<br />

Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis durante o <strong>de</strong>poimento presta<strong>do</strong> à<br />

equipe <strong>do</strong> Acervo Histórico, <strong>em</strong> 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2004<br />

* Jornalista, graduada <strong>em</strong> Comunicação Social pela Fundação Cásper Líbero; cursa especialização <strong>em</strong> Governo e<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo no ILP/UNESP. É funcionária <strong>do</strong> Acervo Histórico da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>. (oliviagurjao@ig.com.br)


DAH-ALESP<br />

rumo à Barra <strong>do</strong> Piraí, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, no dia<br />

5 <strong>de</strong> julho. O pai era gerente das lojas Singer,<br />

especializada <strong>em</strong> máquinas <strong>de</strong> costura e a mudança<br />

<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s acompanhava a abertura <strong>de</strong><br />

novas lojas. O convívio precoce com o balanço<br />

<strong>do</strong> tr<strong>em</strong> <strong>de</strong>spertou <strong>em</strong> Sólon uma paixão <strong>de</strong>scrita<br />

<strong>em</strong> prosa e verso, como mostra o fragmento <strong>de</strong><br />

seu po<strong>em</strong>a Sobre os Trilhos:<br />

No banco <strong>do</strong> vagão <strong>de</strong> passageiros,<br />

Ao balanço <strong>do</strong> tr<strong>em</strong>, a luz mortiça<br />

Velan<strong>do</strong> pelo sono da criança<br />

No regaço da mãe extenuada...<br />

Descen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> portugueses, Júlio estu<strong>do</strong>u<br />

<strong>em</strong> Coimbra, escrevia po<strong>em</strong>as e <strong>de</strong>ixou <strong>do</strong>is<br />

romances inacaba<strong>do</strong>s. Sua esposa, cuja beleza<br />

conquistara concursos <strong>de</strong> fotografia, <strong>de</strong>scendia<br />

<strong>de</strong> italianos. Tinha habilida<strong>de</strong> para trabalhos<br />

manuais e paixão por nomes clássicos. A família<br />

<strong>de</strong> imigrantes vivia na região <strong>de</strong> Campinas, on<strong>de</strong><br />

cresceu Sólon.<br />

LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA<br />

Em Barra <strong>do</strong> Piraí o casal gerou mais três filhos,<br />

Varo, Ernane e um “que não vingou”. Da cida<strong>de</strong> a<br />

l<strong>em</strong>brança <strong>do</strong>s meninos pobres que comiam na<br />

tampa <strong>do</strong> queijo Palmira e brincavam nas ruas;<br />

1<br />

O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Sólon Borges conversa com professores na antiga se<strong>de</strong> da<br />

Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong>, no Palácio das Indústrias, <strong>em</strong> 1961<br />

<strong>do</strong> Rio Piraí que <strong>de</strong>ságua no Rio Paraíba <strong>do</strong> Sul...<br />

Sólon mergulha no t<strong>em</strong>po e, com um sorriso,<br />

l<strong>em</strong>bra da Ferrovia Central <strong>do</strong> Brasil. Mãos dadas<br />

com o pai, às vésperas <strong>de</strong> completar seus cinco<br />

anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, foi ver os avia<strong>do</strong>res portugueses<br />

Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que <strong>em</strong> 1922<br />

concluíram a célebre travessia <strong>do</strong> Atlântico Sul 3 .<br />

Aos cinco anos Sólon mu<strong>do</strong>u-se para Campinas.<br />

O pai, <strong>do</strong>ente, precisou retornar a <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

A região <strong>de</strong> Campinas tinha mais recursos <strong>de</strong><br />

atendimento à saú<strong>de</strong> e a família da esposa<br />

ajudaria a cuidar das crianças. Diagnosticada a<br />

tuberculose, Júlio Borges <strong>do</strong>s Reis foi para <strong>São</strong><br />

José <strong>do</strong>s Campos, on<strong>de</strong> faleceu aos 32 anos.<br />

O menino Sólon foi interna<strong>do</strong> no Liceu Nossa<br />

Senhora Auxilia<strong>do</strong>ra, colégio salesiano, na turma<br />

<strong>do</strong>s menores.<br />

A sauda<strong>de</strong> da família, a l<strong>em</strong>brança <strong>do</strong> casario antigo,<br />

<strong>de</strong> janelas só na frente, on<strong>de</strong> residiam com a<br />

avó Anunciata, no Largo <strong>do</strong> Merca<strong>do</strong>, fez o menino<br />

saltar o muro <strong>do</strong> pomar e ganhar a rua. Voltou<br />

à cida<strong>de</strong>, mas novamente foi conduzi<strong>do</strong> ao Liceu.<br />

Porém, a estadia durou pouco. Com seu saco <strong>de</strong><br />

roupas sujas, estampa<strong>do</strong> o número 82, foi à rouparia<br />

da unida<strong>de</strong> e encontrou nova chance para a<br />

fuga. Desta feita um carroceiro o levou para casa<br />

e Sólon não foi mais aceito no Liceu.


Acervo histórico<br />

Finalmente conseguira <strong>de</strong>sfrutar os folgue<strong>do</strong>s<br />

com as crianças, as brinca<strong>de</strong>iras na enxurrada...<br />

A l<strong>em</strong>branças das ca<strong>de</strong>iras nas calçadas, da chegada<br />

<strong>do</strong> circo, outra paixão <strong>de</strong> sua infância, das<br />

fogueiras, <strong>do</strong>s balões, das frutas apanhadas no<br />

pé... Em seu po<strong>em</strong>a Sonho, Sólon registra:<br />

Se fosse para sonhar<br />

com o mun<strong>do</strong> das calçadas e quintais<br />

e com os brinque<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que a gente pulava sela,<br />

valeria a pena <strong>do</strong>rmir<br />

a vida inteira...<br />

O seu encontro com a Educação se <strong>de</strong>u no Grupo<br />

Escolar Francisco Glicério, o mais antigo <strong>de</strong><br />

Campinas, on<strong>de</strong> cursou o primário, o ginásio e<br />

a Escola Normal. O curso primário era anexo à<br />

Escola Normal. Ele l<strong>em</strong>bra que estu<strong>do</strong>u 10 anos<br />

nesta escola. No primário foi aluno <strong>de</strong> Dona Jandira,<br />

que reencontrou mais tar<strong>de</strong> <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e,<br />

junto com outros amigos, cui<strong>do</strong>u até a morte.<br />

O menino Sólon tentou mais uma aventura: <strong>em</strong>barcar<br />

para <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>! Não tinha idéia <strong>do</strong> que<br />

faria na cida<strong>de</strong>, mas o fascínio pela estação, a<br />

viag<strong>em</strong> no tr<strong>em</strong>...<br />

Foi resgata<strong>do</strong> pelo tio garçom, que o segurou pelo<br />

braço e or<strong>de</strong>nou:<br />

– Vamos prá casa, Solito!<br />

Rin<strong>do</strong>, conta que até hoje é grato ao tio e, por isso,<br />

t<strong>em</strong> muita consi<strong>de</strong>ração com qu<strong>em</strong> é garçom.<br />

O PRECOCE ADOLESCENTE<br />

Solito não veio para <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, continuou seus<br />

estu<strong>do</strong>s <strong>em</strong> Campinas, mas manteve a precocida<strong>de</strong>.<br />

Ainda estudante, iniciou sua carreira <strong>de</strong><br />

jornalista. Escrevia no Diário <strong>do</strong> Povo a coluna<br />

literária “Minuto <strong>de</strong> Eva” e também substituiu o repórter<br />

policial Durval Car<strong>do</strong>so, o Grilo. Em 1932,<br />

impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> participar da Revolução Constitucionalista,<br />

pela pouca ida<strong>de</strong>, escreve o artigo “Dulce<br />

et <strong>de</strong>corum est pro patria mori”, uma citação <strong>de</strong><br />

Horácio, que expressava seu sentimento: é <strong>do</strong>ce<br />

e agradável morrer pela Pátria.<br />

Em 1933 lançou o tablói<strong>de</strong> O Normalista, que<br />

circulou até 1953. No ano seguinte (1934), com<br />

17 anos, lança a revista <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>s Nirvana,<br />

on<strong>de</strong> exercia a função <strong>de</strong> redator-chefe. Sólon<br />

l<strong>em</strong>bra das matérias sobre Carm<strong>em</strong> Miranda, <strong>do</strong><br />

centenário <strong>de</strong> Carlos Gomes, <strong>em</strong> 1936, quan<strong>do</strong><br />

convi<strong>do</strong>u jornalistas <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> para cobrir o<br />

Acervo Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis<br />

evento. Uma gran<strong>de</strong> festa. Nirvana encerrou suas<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> 1938.<br />

Da vida escolar, guarda <strong>do</strong>ces recordações. No<br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> haviam <strong>de</strong>z Escolas Normais,<br />

todas equipadas com bibliotecas e toda<br />

a infra-estrutura necessária. “Os edifícios eram<br />

solidamente construí<strong>do</strong>s, os professores eram<br />

especializa<strong>do</strong>s. Tínhamos Escolas Normais <strong>em</strong><br />

Pirassununga, Piracicaba, construídas <strong>em</strong> 1893<br />

e 1897, <strong>em</strong> Botucatu, Campinas, Casa Branca,<br />

Guaratinguetá... essa <strong>de</strong> 1902. Em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

além da Caetano <strong>de</strong> Campos, construída por<br />

Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Moraes no século XIX, tinha uma no<br />

Brás, só para mulheres”, l<strong>em</strong>bra o mestre, sau<strong>do</strong>so<br />

da força que outrora teve a educação.<br />

Concluiu o Curso Normal <strong>em</strong> 1935 e sua turma<br />

s<strong>em</strong>pre com<strong>em</strong>ora a formatura num encontro realiza<strong>do</strong><br />

no primeiro sába<strong>do</strong> <strong>do</strong> mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro.<br />

Sorri e diz que não sabe como será, “Eis-nos aqui,<br />

diante da porteira. É o fim da estrada?” 4<br />

Sólon viveu <strong>em</strong> Campinas até 1937. Participava<br />

<strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Sciencias, Letras e Artes <strong>de</strong> Campinas,<br />

sen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>res da Ala Moça da<br />

entida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> 1936. Eleito ora<strong>do</strong>r da Ala, Sólon<br />

Capa da primeira edição da revista Nirvana<br />

(nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1934)


DAH-ALESP<br />

reafirma “o prestígio da gente moça <strong>de</strong>ntro da<br />

socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna... essa vantajosa posição<br />

que a mocida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s nossos dias ocupa no mun<strong>do</strong><br />

atual, explica claramente os avanços da juventu<strong>de</strong><br />

<strong>em</strong> to<strong>do</strong>s os ramos das ativida<strong>de</strong>s humanas.<br />

Campinas, nesta sua fase <strong>de</strong> inegável progresso<br />

que está <strong>em</strong>polgan<strong>do</strong> completamente, goza da<br />

cooperação <strong>de</strong> sua mocida<strong>de</strong> <strong>em</strong>preen<strong>de</strong><strong>do</strong>ra,<br />

cooperação essa que se faz sentir <strong>em</strong> tu<strong>do</strong>” 5 .<br />

Em 1935 foi eleito ora<strong>do</strong>r da Associação Campineira<br />

<strong>de</strong> Imprensa, assumin<strong>do</strong> sua presidência no<br />

ano seguinte. Reconduzi<strong>do</strong> ao cargo <strong>em</strong> 1937,<br />

abriu mão <strong>do</strong> novo mandato. Naquele ano visita<br />

redações <strong>de</strong> jornais <strong>em</strong> Coimbra e recebe, <strong>do</strong><br />

Centro <strong>do</strong>s Correspon<strong>de</strong>ntes Estrangeiros, um<br />

“Porto <strong>de</strong> Honra”. Na ocasião, entrega-lhes mensag<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> saudação e intercâmbio da Associação<br />

Brasileira <strong>de</strong> Imprensa, presidida, na época, por<br />

Herbert Moses.<br />

Inquieto, inova<strong>do</strong>r, réc<strong>em</strong>-forma<strong>do</strong>, repleto <strong>de</strong><br />

sonhos, Sólon <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o ingresso da mulher na<br />

Acad<strong>em</strong>ia Brasileira <strong>de</strong> Letras, <strong>em</strong> artigo publica<strong>do</strong><br />

no Correio Popular, <strong>em</strong> 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1936,<br />

quatro décadas antes <strong>do</strong> ingresso da primeira<br />

integrante f<strong>em</strong>inina da ABL, Rachel <strong>de</strong> Queiroz,<br />

<strong>em</strong> 1977. Também <strong>em</strong> 1936 publica artigo sobre<br />

o polêmico t<strong>em</strong>a “Porque convém o Divórcio”, no<br />

jornal carioca A Pátria.<br />

O INÍCIO DA CARREIRA DE EDUCADOR<br />

Forma<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1935 e interessa<strong>do</strong> pela Educação, Despe<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> Campinas e assume como assis-<br />

Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis preten<strong>de</strong> lecionar literatu tente <strong>de</strong> Educação, Educação, regen<strong>do</strong> a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Meto- Meto<br />

1<br />

ra. Até então lecionara no Grupo Escolar “Professor<br />

João Lourenço Rodrigues” e no Curso Noturno<br />

<strong>de</strong> Taquaral, ambos <strong>em</strong> Campinas, e publicara seu<br />

primeiro livro, Apostasia (1937). Naquele t<strong>em</strong>po o<br />

ingresso na carreira <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> indicação. Não<br />

havia concurso para preenchimento <strong>de</strong> vagas.<br />

Sua mãe se recorda, então, <strong>de</strong> um casal influente,<br />

<strong>do</strong> qual havia cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> um filho com ecz<strong>em</strong>a. “O<br />

ecz<strong>em</strong>a mu<strong>do</strong>u minha vida”, relata Sólon.<br />

A mãe enviou uma carta “que voltou grávida: trouxe<br />

a orientação para que procurasse o professor<br />

Ataliba Nogueira” 6 , conta o educa<strong>do</strong>r. Cumprida<br />

a orientação, <strong>de</strong>scobriu que a tão <strong>de</strong>sejada vaga<br />

para lecionar literatura na Escola Normal Caetano<br />

<strong>de</strong> Campos já estava preenchida. Na <strong>de</strong>spedida,<br />

casualmente, Ataliba Nogueira lamenta o fato<br />

<strong>de</strong>le não se interessar por uma vaga <strong>em</strong> Casa<br />

Branca. Logo <strong>em</strong> Casa Branca!<br />

A reforma da educação realizada por Fernan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Azeve<strong>do</strong>, que exerceu os cargos <strong>de</strong> diretor geral<br />

da Instrução Pública <strong>do</strong> Distrito Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1926 a<br />

1930 e <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>em</strong> 1933 7 , incluiu a disciplina<br />

<strong>de</strong> Educação no curso Normal, <strong>de</strong>stinan<strong>do</strong> a ela<br />

uma vaga para professor titular e três vagas para<br />

professores assistentes. Estava aí a chance <strong>de</strong><br />

assumir a função <strong>de</strong> professor assistente. Aceitou<br />

na hora. Seu sonho <strong>de</strong> educa<strong>do</strong>r estava se realizan<strong>do</strong>.<br />

O salário, maior que o espera<strong>do</strong>, foi suficiente<br />

para ajudar a mãe e o irmão que estudava<br />

<strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

A foto <strong>de</strong> 1962 registra a homenag<strong>em</strong> prestada ao <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> pela criação <strong>de</strong> mais uma unida<strong>de</strong> educacional


Acervo histórico<br />

<strong>do</strong>logia e Prática <strong>do</strong> Ensino, no Instituto Estadual<br />

<strong>de</strong> Educação “Doutor Francisco Thomaz <strong>de</strong> Carvalho”,<br />

<strong>em</strong> Casa Branca.<br />

Uma <strong>de</strong>savença provocada por cinco minutos criou<br />

nova oportunida<strong>de</strong> para Sólon. Um <strong>do</strong>s professores<br />

assistentes dirigia o curso primário, anexo ao Instituto.<br />

A diretora impediu que um <strong>do</strong>s professores entrasse<br />

atrasa<strong>do</strong> <strong>em</strong> aula. “Logo <strong>do</strong>na Inês, mulher<br />

<strong>do</strong> Tristão?”, questionou o superior, l<strong>em</strong>bran<strong>do</strong> da<br />

assiduida<strong>de</strong> e compromisso da professora citada.<br />

Dias <strong>de</strong>pois, a mesma diretora permitiu a entrada,<br />

com os mesmos cinco minutos <strong>de</strong> atraso, <strong>de</strong> outro<br />

professor. Foi a gota d’água. Sólon foi indica<strong>do</strong><br />

para substituí-la. Enfrentou algumas resistências<br />

– afinal, tinha ida<strong>de</strong> para ser filho das professoras<br />

–, mas logo conquistou o corpo <strong>do</strong>cente.<br />

Sólon ficou <strong>em</strong> Casa Branca <strong>de</strong> 1938 até 1940. Na<br />

época, relata, “existia proteção e eu não fui procurar.<br />

Podia ter i<strong>do</strong>, como fui anteriormente, mas não<br />

quis. Então fui lecionar <strong>em</strong> <strong>São</strong> Carlos”. Em Casa<br />

Branca escreveu e publicou os livros Poesias Escolares<br />

(1939) e Imprensa e Educação (1940).<br />

A estada <strong>do</strong> professor Sólon Borges <strong>em</strong> Casa<br />

Branca foi produtiva. Desenvolveu uma pesquisa<br />

envolven<strong>do</strong> 16.986 estudantes <strong>de</strong> 17 municípios<br />

paulistas, sobre as disciplinas <strong>de</strong> preferência <strong>do</strong>s<br />

escolares <strong>do</strong>s cursos primário, secundário fundamental<br />

e <strong>de</strong> formação profissional <strong>do</strong> professor<br />

primário (ver Anexo).<br />

Em <strong>São</strong> Carlos o professor Sólon Borges era assistente<br />

geral da Instituto Estadual <strong>de</strong> Educação<br />

“Álvaro Guião”, on<strong>de</strong> lecionou Português e ocupou<br />

o cargo <strong>de</strong> Vice-Diretor. Já casa<strong>do</strong> com <strong>do</strong>na<br />

Adiléia, com qu<strong>em</strong> contraiu matrimônio <strong>em</strong> 16 <strong>de</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 1939, <strong>de</strong>pendia <strong>do</strong> salário para sustentar<br />

a família e o salário nunca era pago <strong>em</strong> dia.<br />

Em 1941, publica o livro Algumas Consi<strong>de</strong>rações<br />

sobre Programas Escolares e muda-se para Araçatuba.<br />

O salário, então, pagava as <strong>de</strong>spesas da<br />

família – o casal e a filha Raquel, nascida <strong>em</strong> 14<br />

<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1940 – e ainda era possível guardar<br />

uma quantia. No Instituto Estadual <strong>de</strong> Educação<br />

“Manoel Bento da Cruz”, Sólon ocupou o cargo<br />

<strong>de</strong> Vice-Diretor e, também, <strong>de</strong> Diretor Substituto,<br />

ten<strong>do</strong> fica<strong>do</strong> na unida<strong>de</strong> até 1944.<br />

Mu<strong>do</strong>u-se para Jaboticabal <strong>em</strong> 1944, assumin<strong>do</strong><br />

a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> História da Civilização no Instituto<br />

Estadual <strong>de</strong> Educação “Aurélio Arrobas Martins” e<br />

da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Educação – Psicologia e Pedagogia<br />

– na Escola Normal <strong>do</strong> Colégio Santo André, o<br />

último através <strong>de</strong> concurso público.<br />

uM EDuCADor EM LuTA<br />

O ano <strong>de</strong> 1945 foi significativo na carreira <strong>de</strong> Sólon<br />

Borges. Saiu <strong>de</strong> Jaboticabal e veio lecionar<br />

<strong>em</strong> Santos, como titular da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Educação<br />

– Psicologia e Pedagogia – da Escola Normal<br />

Particular <strong>do</strong> Colégio “<strong>São</strong> José” e <strong>do</strong> Instituto<br />

Estadual <strong>de</strong> Educação “Canadá”, ambos através<br />

<strong>de</strong> concurso. Coor<strong>de</strong>nou os primeiros Cursos <strong>de</strong><br />

Férias no Departamento <strong>de</strong> Educação; participou<br />

da comissão instituída no Esta<strong>do</strong> para a localização<br />

e construção <strong>de</strong> Escolas Rurais, sen<strong>do</strong> secretário<br />

da mesma, e assumiu a função <strong>de</strong> inspetor<br />

junto à Escola Normal <strong>do</strong> Liceu “Eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong>”,<br />

que só <strong>de</strong>ixou <strong>em</strong> 1955.<br />

Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis foi um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res, <strong>em</strong><br />

1945, da Associação <strong>do</strong>s Professores <strong>do</strong> Ensino<br />

Secundário e Normal Oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong> (APESNOESP), que <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> à APEO-<br />

ESP, hoje Sindicato <strong>do</strong>s Professores <strong>do</strong> Ensino<br />

Oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>do</strong> qual recebeu<br />

diploma <strong>de</strong> “lealda<strong>de</strong> ao ensino e à classe”.<br />

Em 1945, Sólon também retoma a carreira <strong>de</strong><br />

jornalista, manten<strong>do</strong> uma seção diária no jornal<br />

Correio Paulistano, a “Correio Escolar”. No ano<br />

seguinte publica no Jornal Trabalhista (18/12/<br />

1946) reportag<strong>em</strong> sobre aspectos <strong>do</strong> f<strong>em</strong>inismo<br />

no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, receben<strong>do</strong> menção<br />

honrosa no concurso <strong>de</strong> reportagens jornalísticas<br />

promovi<strong>do</strong> pelo Departamento Estadual <strong>de</strong><br />

Informação e realiza<strong>do</strong> pela Associação Paulista<br />

<strong>de</strong> Imprensa. Em 1946 Sólon assume, através <strong>de</strong><br />

concurso, a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Educação – Psicologia e<br />

Pedagogia – da Escola Normal Municipal <strong>de</strong> Mogi<br />

das Cruzes.<br />

Sólon integra, <strong>em</strong> 1947, a redação da revista estatal<br />

Educação, on<strong>de</strong> permanece até 1948; a comissão<br />

<strong>de</strong>signada para opinar sobre livros didáticos,<br />

na Secretaria da Educação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e é <strong>de</strong>signa<strong>do</strong><br />

para o gabinete <strong>do</strong> Secretário da Educação,<br />

com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r a pesquisas educacionais.<br />

Mas o fato marcante <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 1947 foi a<br />

fundação da União Paulista <strong>de</strong> Educação (UPE),<br />

cruzada <strong>de</strong> educação popular e cidadania.<br />

A UPE iniciou suas ativida<strong>de</strong>s com a distribuição<br />

<strong>de</strong> livros novos e usa<strong>do</strong>s para bibliotecas <strong>de</strong> navios<br />

estrangeiros com escala regular nos portos<br />

brasileiros, <strong>de</strong>pois esten<strong>de</strong>u sua ação para ca<strong>de</strong>ias<br />

públicas e sindicatos <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res. A<br />

partir da década <strong>de</strong> 1980 a UPE esten<strong>de</strong> a distribuição<br />

<strong>de</strong> livros às bibliotecas municipais, escolas<br />

e outras instituições culturais <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o país, até<br />

a pessoas que possam precisar <strong>de</strong>les para lei-


tura, trabalho ou estu<strong>do</strong>s. Nos seus 50 anos <strong>de</strong><br />

existência, a entida<strong>de</strong> havia distribuí<strong>do</strong> 170 mil<br />

volumes. Segun<strong>do</strong> Sólon, “a coleta e <strong>do</strong>ação <strong>de</strong><br />

livros antes que foss<strong>em</strong> <strong>de</strong>struí<strong>do</strong>s ou vendi<strong>do</strong>s<br />

a peso <strong>de</strong> papel velho”, foi a ativida<strong>de</strong> voluntária<br />

que mais marcou sua vida.<br />

Em 1947, Sólon foi cronista parlamentar <strong>do</strong>s<br />

Diários Associa<strong>do</strong>s e secretário da Bancada <strong>de</strong><br />

Imprensa na Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, acompanhan<strong>do</strong>, naquele ano, os trabalhos<br />

da Constituinte Estadual. Em 1948, o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong><br />

estadual Manoel <strong>de</strong> Nóbrega, <strong>em</strong> discurso<br />

publica<strong>do</strong> no Diário Oficial <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> maio, diz:<br />

“Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis, outro jornalista<br />

cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> junto a esta Ass<strong>em</strong>bléia, batalha<strong>do</strong>r<br />

nº 1 contra o analfabetismo <strong>em</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>, pedagogo <strong>em</strong>érito, cujos trabalhos<br />

já transpuseram o território nacional, com<br />

uma sincerida<strong>de</strong> própria <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s, diziame,<br />

há dias, numa das salas <strong>de</strong>sta Casa:<br />

‘O probl<strong>em</strong>a <strong>do</strong> ensino no Brasil po<strong>de</strong>rá ser<br />

resolvi<strong>do</strong> se o Governo Fe<strong>de</strong>ral chamar os<br />

técnicos, os especialistas, para discussão e<br />

troca <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista. Na improvisação,<br />

no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que uma modificação s<strong>em</strong><br />

uma diretriz firm<strong>em</strong>ente traçada ou continuan<strong>do</strong><br />

com aquela frase tão conhecida<br />

<strong>do</strong>s brasileiros – <strong>de</strong>ixar como está para ver<br />

como fica – qualquer reforma no nosso ensino<br />

só po<strong>de</strong>rá trazer mais confusão ainda<br />

ao já tão confuso probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> nossa juventu<strong>de</strong>.’<br />

Essa afirmativa, senhor presi<strong>de</strong>nte,<br />

senhores <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s, é <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong><br />

que há anos <strong>de</strong>dica as maiores horas <strong>de</strong><br />

sua vida à pedagogia. De um paulista que<br />

possui trabalhos publica<strong>do</strong>s <strong>em</strong> revistas e<br />

anuários <strong>de</strong> Repúblicas Americanas. De<br />

um professor capaz <strong>de</strong> fornecer preciosos<br />

el<strong>em</strong>entos ao ensino brasileiro, <strong>de</strong> uma voz<br />

perfeitamente autorizada.”<br />

A pr<strong>em</strong>iada Revista Interamericana <strong>de</strong> Educación<br />

y Cultura Nueva Era, <strong>de</strong> Quito, Equa<strong>do</strong>r, publica<br />

<strong>em</strong> 1948 seu artigo “Co-Educação”, “à qual ainda<br />

havia resistência na época”, explica. “Em to<strong>do</strong> o<br />

mun<strong>do</strong>, as mulheres sofreram ou sofr<strong>em</strong> preconceitos<br />

na luta pela igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s,<br />

inclusive no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho. Hoje as mulheres<br />

são responsáveis por vencer barreiras sociais,<br />

nas carreiras profissionais, nas diversas áreas”,<br />

completa, l<strong>em</strong>bran<strong>do</strong> a importância da educação<br />

conjunta <strong>de</strong> homens e mulheres.<br />

Em 1948, publica os livros Geografia e História<br />

<strong>do</strong> Brasil para recém alfabetiza<strong>do</strong>s (co-autoria) e<br />

1<br />

Novas Poesias Escolares. Assume, na Capital, a<br />

ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Educação – Pedagogia e História da<br />

Educação – <strong>do</strong> Instituto Estadual <strong>de</strong> Educação<br />

“Anhanguera”, e a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Educação – Psicologia<br />

e Pedagogia da Escola Normal <strong>do</strong> Colégio<br />

“Salete”, ambos através <strong>de</strong> concurso. No Colégio<br />

“Salete” permanece até 1954.<br />

Ainda <strong>em</strong> 1948 é nomea<strong>do</strong> Assistente Geral <strong>do</strong><br />

Departamento <strong>de</strong> Educação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, permanecen<strong>do</strong><br />

na função até 1950, ano <strong>em</strong> se formou<br />

<strong>em</strong> direito pela atual Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro. Neste perío<strong>do</strong>, Sólon atualizou<br />

programas <strong>do</strong> ensino primário e implantou, com<br />

histórica luta no Executivo, no Legislativo e no Judiciário,<br />

concursos anuais <strong>de</strong> r<strong>em</strong>oção e ingresso<br />

para professores no ensino médio. Em 1949 Sólon<br />

promove a primeira campanha nacional por<br />

mais verbas para a educação.<br />

novoS DESAfIoS<br />

O ano <strong>de</strong> 1952 abre para Sólon novas frentes <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>fesa da Educação. O jornal Correio Paulistano<br />

publica coluna diária “A propósito da Educação”,<br />

assinada por ele. A coluna se mantém até 1955.<br />

Sólon também passa a colaborar, a partir <strong>de</strong><br />

1952, até 1965, com a Revista Brasileira <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s<br />

Pedagógicos, publicada pelo Ministério da<br />

Educação. Ainda <strong>em</strong> 1952, assume a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Educação – Psicologia e Pedagogia da Escola<br />

Normal <strong>do</strong> Colégio “Manoel da Nóbrega”, na capital,<br />

on<strong>de</strong> fica até o ano seguinte.<br />

Em 1954 assume a chefia <strong>de</strong> serviço <strong>do</strong> Ensino<br />

Secundário e Normal da Secretária da Educação,<br />

cargo que renuncia durante ass<strong>em</strong>bléia da<br />

APESNOESP, entida<strong>de</strong> da qual era secretário,<br />

<strong>em</strong> solidarieda<strong>de</strong> à categoria que discutia pendências<br />

salariais. Neste ano assume a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Educação – Psicologia e Pedagogia da Escola<br />

Normal <strong>do</strong> Colégio “Assumpção”, na Capital. Ainda<br />

<strong>em</strong> 1954, Sólon conclui o curso <strong>de</strong> Pedagogia<br />

na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

No ano seguinte assume a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Educação<br />

– Pedagogia e História da Educação no Instituto<br />

Estadual <strong>de</strong> Educação “Fernão Dias Pais”, na<br />

capital, on<strong>de</strong> permanece até 1956. Porém, o ano<br />

<strong>de</strong> 1955 é marcante na carreira <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r, que<br />

assume a Diretoria Geral <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong><br />

Educação da Secretaria da Educação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

no governo Jânio Quadros 8 .<br />

No cargo, instituiu concursos para <strong>do</strong>centes e<br />

especialistas; criou as primeiras escolas estaduais<br />

para <strong>de</strong>ficientes auditivos, com r<strong>em</strong>uneração


DAH-ALESP<br />

Acervo histórico<br />

a<strong>de</strong>quada aos professores especializa<strong>do</strong>s e envio<br />

<strong>de</strong> professores para especialização no Instituto<br />

Nacional <strong>de</strong> Sur<strong>do</strong>s. Criou os primeiros Museus<br />

Histórico-Pedagógicos no interior; a Escola Normal<br />

Rural <strong>em</strong> Piracicaba (1957) e o Colégio <strong>de</strong><br />

Aplicação da USP (1956). No ano seguinte, último<br />

à frente <strong>do</strong> <strong>de</strong>partamento, recebe o Troféu “Gloire<br />

au Travail” (Glória ao Trabalho), uma estatueta <strong>de</strong><br />

bronze medin<strong>do</strong> 70 cm <strong>de</strong> altura, homenag<strong>em</strong><br />

prestada pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Ciências e<br />

Letras da USP.<br />

O professor Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis havia recusa<strong>do</strong>,<br />

<strong>em</strong> 1956, o convite para aceitar <strong>em</strong> caráter<br />

efetivo o alto cargo que ocupava. O fato foi<br />

publica<strong>do</strong> no jornal O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>, <strong>em</strong><br />

sua edição <strong>do</strong> dia 15 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1956, através<br />

<strong>de</strong> editorial que <strong>de</strong>stacava o raríssimo gesto <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sprendimento. Questiona<strong>do</strong> sobre a atitu<strong>de</strong>,<br />

explica: “Havia me oposto publicamente à nomeação<br />

s<strong>em</strong> concurso, <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> quer que fosse,<br />

<strong>em</strong> caráter efetivo, pois é prejudicial ao serviço<br />

público. O cargo que ocupava era provi<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

comissão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Império. Nunca quis um cargo<br />

a qualquer preço”.<br />

Em entrevista concedida ao jornal Espaço Mulher,<br />

o professor ressalta: “Trabalho <strong>em</strong> silêncio. Não<br />

me afobo, <strong>em</strong>bora possa me afligir. Em posições<br />

nunca pleiteadas, exceto mandatos parlamentares<br />

por eleições diretas e nos concursos <strong>de</strong> títulos<br />

e provas. A vida não é o que buscamos, mas o<br />

que acontece, naturalmente, s<strong>em</strong> que tenhamos<br />

busca<strong>do</strong>.”<br />

Sólon tentou, ainda, promover a Reforma <strong>do</strong> Ensino<br />

Normal, acrescentan<strong>do</strong> um ano <strong>de</strong> aperfeiçoamento<br />

na formação <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r. Conseguiu<br />

a aprovação e promulgação da lei, mas fora <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>partamento, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sligou <strong>em</strong> 1957, não<br />

chegou a aplicá-la.<br />

Em 1957 assume a presidência <strong>do</strong> Centro <strong>do</strong><br />

Professora<strong>do</strong> Paulista, permanecen<strong>do</strong> na direção<br />

da entida<strong>de</strong> por 40 anos. O CPP ganha, neste<br />

perío<strong>do</strong>, maior estrutura estadual e dimensão<br />

nacional e internacional. Em 1957 Sólon também<br />

assume a vice-presidência da Confe<strong>de</strong>ração<br />

Americana <strong>de</strong> Educa<strong>do</strong>res (CAE), no Uruguai, e<br />

as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> Literatura Infantil nos cursos <strong>de</strong><br />

Aperfeiçoamento e <strong>de</strong> Administra<strong>do</strong>res Escolares<br />

a qualquer preço”. Aperfeiçoamento e <strong>de</strong> Administra<strong>do</strong>res Escolares<br />

Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> autógrafos, no lançamento <strong>do</strong> seu livro A Maior Herança, <strong>em</strong> 1965,<br />

da qual participou o ex-governa<strong>do</strong>r Carvalho Pinto, à direita <strong>do</strong> autor


DAH-ALESP<br />

Sólon Borges recebe a medalha da Constituição das mãos <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte da Ass<strong>em</strong>bléia, <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Francisco Franco,<br />

durante a Com<strong>em</strong>oração <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> Julho, <strong>em</strong> 1966. Detalhe para a presença <strong>do</strong> Comandante da Polícia Militar <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, General João Batista Figueire<strong>do</strong>, à direita na foto<br />

<strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Administração Escolar, <strong>do</strong> Instituto<br />

Estadual <strong>de</strong> Educação “Caetano <strong>de</strong> Campos”,<br />

na capital, e <strong>de</strong> Administração Escolar da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Filosofia, Ciências e Letras, <strong>de</strong> Santos,<br />

permanecen<strong>do</strong> nos cargos até 1958. De 1957<br />

até 1965 também foi diretor superinten<strong>de</strong>nte da<br />

Revista <strong>do</strong> Professor.<br />

Em 1958, à frente <strong>do</strong> CPP, promove uma gran<strong>de</strong><br />

mobilização <strong>de</strong> rua, pleitean<strong>do</strong> mais prédios<br />

para as escolas e melhores vencimentos para os<br />

professores, abrin<strong>do</strong> caminho para a criação <strong>do</strong><br />

Fun<strong>do</strong> Estadual <strong>de</strong> Construções Escolares, reivindica<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> <strong>do</strong>cumento encaminha<strong>do</strong> ao Governo<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, subscrito por todas as entida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

magistério. Sólon Borges concorre a uma vaga na<br />

Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

pelo Parti<strong>do</strong> D<strong>em</strong>ocrata Cristão (PDC), fazen<strong>do</strong><br />

“<strong>do</strong>bradinha” com Franco Montoro, candidato a<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> fe<strong>de</strong>ral.<br />

O DESAFIO ELEITORAL<br />

O PDC foi o primeiro parti<strong>do</strong> político <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r.<br />

Funda<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1945, s<strong>em</strong> o apoio da Igreja Católica,<br />

o PDC ganhou gran<strong>de</strong> fôlego após o Congresso<br />

1<br />

D<strong>em</strong>ocrata Cristão, realiza<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1947, <strong>em</strong> Montevidéo,<br />

que teve a participação <strong>de</strong> Eduar<strong>do</strong> Frei,<br />

<strong>do</strong> Chile, <strong>de</strong> Rafael Cal<strong>de</strong>ra, da Venezuela e <strong>do</strong>s<br />

brasileiros Franco Montoro, então professor universitário<br />

e m<strong>em</strong>bro da Juventu<strong>de</strong> Universitária<br />

Católica (JUC), e <strong>de</strong> Alceu Amoroso Lima. Montoro<br />

cria a Vanguarda D<strong>em</strong>ocrática e conquista o<br />

apoio da JUC e da Ação Católica. Políticos como<br />

Plínio <strong>de</strong> Arruda Sampaio e Antonio Queirós Filho<br />

compõ<strong>em</strong> o PDC.<br />

Na década <strong>de</strong> 1950 Queirós Filho assume a presidência<br />

<strong>do</strong> parti<strong>do</strong>, até então exercida pelo Monsenhor<br />

Alfre<strong>do</strong> <strong>de</strong> Arruda Câmara, <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

Em 1953 o crescimento <strong>do</strong> PDC foi comprova<strong>do</strong><br />

com a eleição <strong>de</strong> Jânio Quadros à prefeitura<br />

paulistana, apoia<strong>do</strong> pela coligação PDC, PSB<br />

(Parti<strong>do</strong> Socialista Brasileiro) e PTN (Parti<strong>do</strong> Trabalhista<br />

Nacional). Em 1958, Juarez Távora (DF)<br />

e Nei Braga (PR) filiam-se ao PDC. No parti<strong>do</strong><br />

conviv<strong>em</strong> políticos <strong>de</strong> diferentes pensamentos,<br />

dividi<strong>do</strong>s <strong>em</strong> três correntes, a conserva<strong>do</strong>ra, da<br />

qual participam, entre outros Arruda Câmara e Juarez<br />

Távora, a centro-reformista, mais concilia<strong>do</strong>ra,<br />

da qual participam Franco Montoro, Sólon Borges,<br />

Aloysio Nunes, e a nacionalista-reformista,


Acervo histórico<br />

representada por Plínio Arruda Sampaio, Chopin<br />

Tavares <strong>de</strong> Lima e Roberto Car<strong>do</strong>so Alves.<br />

Nas eleições <strong>de</strong> 1958, o PDC apóia a candidatura<br />

vitoriosa <strong>de</strong> Carvalho Pinto 9 ao Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

lançada pelo PTN-PSB, e <strong>de</strong>sponta como<br />

a segunda agr<strong>em</strong>iação mais importante <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>, elegen<strong>do</strong> 11 <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s estaduais, entre<br />

eles Sólon Borges (eleito com 8.025 votos), Aloysio<br />

Nunes, Roberto Car<strong>do</strong>so Alves, e Fernan<strong>do</strong><br />

Mauro Pires da Rocha.<br />

Sólon assume seu primeiro mandato <strong>em</strong> 1959.<br />

Como parlamentar, se <strong>de</strong>dica prioritariamente à<br />

<strong>de</strong>fesa da educação. A Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong>,<br />

então instalada no Palácio das Indústrias, não<br />

oferece infra-estrutura aos parlamentares, como<br />

gabinete, carro e assessoria. Sólon conta que era<br />

comum trabalhar até às 24 horas e ir à pé para<br />

casa, conversan<strong>do</strong>... As proposituras eram elaboradas<br />

pelo próprio parlamentar. A militância no<br />

CPP alimentava seu mandato.<br />

O parlamentar manteve a curiosida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

menino Solito. A ele não bastava ouvir dizer,<br />

queria ver, conhecer, <strong>de</strong>bater. Assim, no seu<br />

primeiro mandato, Sólon aceita um convite para<br />

conhecer a União das Repúblicas Socialistas<br />

Soviéticas (URSS) e participar <strong>do</strong> Festival da<br />

Juventu<strong>de</strong>, realiza<strong>do</strong> <strong>em</strong> Viena, junto com uma<br />

<strong>de</strong>legação <strong>de</strong> parlamentares <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />

Volta maravilha<strong>do</strong> com a organização <strong>do</strong> evento.<br />

“A nota (sobre a paz) <strong>em</strong>itida pela mesa <strong>do</strong><br />

encontro po<strong>de</strong>ria ser subscrita por qualquer<br />

<strong>do</strong>s parlamentares <strong>de</strong> qualquer <strong>do</strong>s 12 parti<strong>do</strong>s<br />

brasileiros, porque advoga a paz e a amiza<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os povos”, registra Sólon <strong>em</strong> discurso<br />

após seu retorno.<br />

A primeira viag<strong>em</strong> <strong>do</strong> parlamentar Sólon Borges<br />

o impressionara. Sobre a visita à URSS relata:<br />

“Pela minha própria convicção d<strong>em</strong>ocrática e<br />

pela minha própria formação cristã <strong>de</strong> que não<br />

abri mão e n<strong>em</strong> preten<strong>do</strong> abrir, jamais po<strong>de</strong>ria<br />

recomendar a a<strong>do</strong>ção das fórmulas educacionais<br />

que vi e das quais já tinha notícias na União<br />

Soviética para uso num país d<strong>em</strong>ocrata. Mas<br />

estou absolutamente certo <strong>de</strong> que posso recomendar,<br />

posso pedir e posso entusiasmar-me<br />

com a <strong>de</strong>terminação que se impôs o Esta<strong>do</strong> Soviético<br />

<strong>de</strong> levar a sério a obra da educação e <strong>de</strong>,<br />

realmente, na prática, conseguir efetivar aquilo<br />

que tinha <strong>em</strong> mira. Para os objetivos da União<br />

Soviética, que não são os objetivos da educação<br />

d<strong>em</strong>ocrata e da educação cristã, é um êxito integral<br />

o programa educacional que se <strong>de</strong>senvolve<br />

na União Soviética, ten<strong>do</strong> <strong>em</strong> vista os objetivos<br />

que a filosofia da educação naquela nação pôs<br />

<strong>em</strong> evidência.”<br />

O parlamentar apren<strong>de</strong>u rapidamente a conviver e<br />

respeitar a diversida<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>bater idéias e buscar<br />

soluções para as políticas públicas. À viag<strong>em</strong> ao<br />

bloco socialista se suce<strong>de</strong>ram inúmeras outras,<br />

para diversos países, <strong>em</strong> vários continentes. Solito<br />

ganhou o mun<strong>do</strong>. O tr<strong>em</strong> já não po<strong>de</strong>ria transportá-lo<br />

pelos caminhos traça<strong>do</strong>s <strong>em</strong> sua vida.<br />

MESTrE ATé no PArLAMEnTo<br />

Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis permaneceu na Ass<strong>em</strong>bléia<br />

por 20 anos, 5 mandatos consecutivos, <strong>de</strong><br />

1959 a 1979. Visitou, a convite, unida<strong>de</strong>s educacionais<br />

<strong>do</strong>s EUA, da URSS, da República Popular<br />

da China e <strong>de</strong> Israel. Participou também das<br />

Ass<strong>em</strong>bléias Anuais da Confe<strong>de</strong>ração Mundial <strong>de</strong><br />

Organização <strong>do</strong>s Profissionais <strong>do</strong> Ensino (CMO-<br />

PE) na França (1964); na Costa <strong>do</strong> Marfim (1969);<br />

no Quênia (1971); na Inglaterra (1972), nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s (1976), s<strong>em</strong>pre se licencian<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

suas funções no Legislativo paulista. O objetivo<br />

<strong>de</strong> suas viagens era estudar os aspectos <strong>do</strong> probl<strong>em</strong>a<br />

da educação. Chefiou, ainda, a <strong>de</strong>legação<br />

brasileira <strong>em</strong> congressos internacionais <strong>de</strong> ensino<br />

e magistério na Índia (1961), no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(1963) e na Al<strong>em</strong>anha Oci<strong>de</strong>ntal (1975).<br />

Nos seus <strong>do</strong>is primeiros mandatos, Sólon elegeuse<br />

pelo PDC, sen<strong>do</strong> o primeiro mais vota<strong>do</strong> nas<br />

eleições <strong>de</strong> 1962, quan<strong>do</strong> o parti<strong>do</strong> elegeu 13<br />

parlamentares 10 . Em 1962 Sólon se licencia da<br />

Ass<strong>em</strong>bléia para assumir a Secretaria <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s Negócios da Educação, <strong>do</strong> Governo Carvalho<br />

Pinto, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> maio a 5 <strong>de</strong> agosto daquele ano.<br />

Em pronunciamento feito <strong>em</strong> 26 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />

1962, sobre o IX Simpósio <strong>do</strong> Menor <strong>em</strong> Jundiaí,<br />

Sólon diz: “Quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>spend<strong>em</strong> recursos<br />

e trabalho <strong>em</strong> favor <strong>do</strong> menor, é trabalho<br />

e é <strong>de</strong>spesa abençoa<strong>do</strong>s, que o po<strong>de</strong>r público<br />

e os representantes <strong>do</strong> povo <strong>de</strong>v<strong>em</strong> aplaudir.”<br />

De volta à Ass<strong>em</strong>bléia, Sólon reafirma, a cada<br />

pronunciamento e propositura, sua luta por mais<br />

verbas para a educação, mais e melhores escolas.<br />

Insiste que não basta gastar mais, é necessário<br />

aplicar melhor os recursos.<br />

À frente <strong>do</strong> CPP, Sólon li<strong>de</strong>ra, <strong>em</strong> 1963, a primeira<br />

greve <strong>do</strong> magistério público, que é plenamente<br />

vitoriosa. Ele se l<strong>em</strong>bra b<strong>em</strong> da ass<strong>em</strong>bléia da<br />

categoria, realizada <strong>em</strong> um cin<strong>em</strong>a no Brás, na<br />

Capital. “Não era qualquer um que passava na<br />

rua que entrava. Ocupamos os lugares no cin<strong>em</strong>a<br />

<strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>nada. Para votar era necessário a


i<strong>de</strong>ntificação. O ‘Estadão’ (jornal O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S.<br />

<strong>Paulo</strong>) colocou na manchete: Mestres até na Greve”,<br />

relata o professor.<br />

A ass<strong>em</strong>bléia <strong>de</strong>cidiu pela greve. Sólon solicitou<br />

oito dias para intervir <strong>em</strong> favor da categoria. O<br />

professor encerra seu relato mostran<strong>do</strong> a disposição<br />

que tinham para resolver as reivindicações<br />

através <strong>do</strong> diálogo: “Procurei o Hilário Torloni, que<br />

era lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong> governo na Ass<strong>em</strong>bléia; o governa<strong>do</strong>r<br />

Ad<strong>em</strong>ar <strong>de</strong> Barros; a primeira dama... Nada! No<br />

dia 15 <strong>de</strong> outubro fomos à greve.”<br />

Seu mandato, <strong>em</strong>bora abor<strong>de</strong> varia<strong>do</strong>s t<strong>em</strong>as das<br />

políticas públicas, é centra<strong>do</strong> na questão da educação,<br />

<strong>do</strong> magistério e <strong>do</strong> funcionalismo público.<br />

A participação <strong>do</strong> parlamentar na condução da<br />

política educacional é inegável. Sólon é reconheci<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>ntro e fora <strong>do</strong> parlamento, <strong>de</strong>ntro e fora<br />

das fronteiras <strong>do</strong> nosso país. O pronunciamento<br />

realiza<strong>do</strong> <strong>em</strong> 6 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1964 caracteriza o<br />

perfil parlamentar <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r:<br />

“Senhor presi<strong>de</strong>nte e nobres colegas, ao<br />

examinar o Plano <strong>de</strong> Desenvolvimento Integra<strong>do</strong><br />

– PLADI – divulga<strong>do</strong> pelo Governo <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> para ser <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong><br />

nos anos <strong>de</strong> 1964, 1965 e 1966, é óbvio que<br />

teria <strong>de</strong> d<strong>em</strong>orar-me particularmente no capítulo<br />

referente à matéria <strong>de</strong> minha especialida<strong>de</strong>,<br />

que é o probl<strong>em</strong>a da educação.<br />

Logo na introdução fiquei satisfeito porque<br />

vi as minhas próprias palavras repetidas<br />

na sustentação <strong>de</strong> uma tese que s<strong>em</strong>pre<br />

apregoei aqui e lá fora, a da importância da<br />

educação nos planos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

nacional.<br />

As idéias que sustentei como educa<strong>do</strong>r,<br />

na cátedra, como hom<strong>em</strong> público, <strong>em</strong> toda<br />

a oportunida<strong>de</strong> que me foi dada, e como<br />

parlamentar, <strong>de</strong>sta tribuna e nas reuniões<br />

das comissões da Casa, estão aqui. (...)<br />

Realmente diz a introdução:<br />

O investimento no ensino reveste-se <strong>de</strong><br />

duplo significa<strong>do</strong>: por um la<strong>do</strong> <strong>de</strong>stinase<br />

a preparar o hom<strong>em</strong> como agente <strong>do</strong><br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento; por outro,<br />

permite-lhe melhor usufruir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s<br />

proporciona<strong>do</strong>s por esse mesmo <strong>de</strong>senvolvimento.’<br />

É o que s<strong>em</strong>pre sustentei: a educação é necessária<br />

ao <strong>de</strong>senvolvimento na preparação<br />

<strong>do</strong>s técnicos, para ensejar o <strong>de</strong>senvolvimen-<br />

to econômico, científico e social. Ainda que<br />

ela não fosse necessária, insistiria s<strong>em</strong>pre.<br />

Ela seria indispensável ao povo porque se<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento pu<strong>de</strong>sse processar-se à<br />

revelia da educação, prescindin<strong>do</strong> da educação,<br />

seria imprescindível ao povo, porque<br />

precisa da educação para – palavras<br />

minhas aqui transcritas, página 385 <strong>do</strong> Plano<br />

– usufruir os resulta<strong>do</strong>s proporciona<strong>do</strong>s<br />

por esse mesmo <strong>de</strong>senvolvimento. De nada<br />

adiantaria o processo material se a criatura<br />

humana não estivesse preparada no plano<br />

espiritual, no plano humano para usufruir as<br />

benesses <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento material. (...)<br />

Realmente a educação é o probl<strong>em</strong>a básico<br />

da Nação brasileira. (...) De fato o Plano<br />

trata <strong>de</strong> maneira feliz <strong>de</strong> alguns aspectos<br />

fundamentais da educação popular <strong>em</strong><br />

nossa terra, quan<strong>do</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, enfoca<br />

o probl<strong>em</strong>a <strong>do</strong> ensino el<strong>em</strong>entar. To<strong>do</strong>s nós<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os reconhecer que a escola primária<br />

é o alicerce da Nação e como alicerce é a<br />

sustentação <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o processo educacional<br />

ulterior. A escola <strong>de</strong> nível médio, que é<br />

a escola imediatamente superior, só terá<br />

consistência quan<strong>do</strong> a escola primária, alicerce<br />

<strong>de</strong> toda a programação educacional<br />

for sólida, efetiva, autêntica e consistente.<br />

(...) Por isto os governos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> preocuparse<br />

essencialmente com a escola primária.<br />

T<strong>em</strong>os que nos preocupar com a escola primária,<br />

quer no campo da quantida<strong>de</strong>, quer<br />

no campo da qualida<strong>de</strong>.<br />

Ainda agora, se fez um gran<strong>de</strong> alarme ao<br />

re<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s probl<strong>em</strong>as <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s para a<br />

alfabetização, quan<strong>do</strong> se examinou o chama<strong>do</strong><br />

méto<strong>do</strong> <strong>Paulo</strong> Freire – e que já tratei<br />

<strong>de</strong>ste assunto nesta tribuna.<br />

Não é um processo <strong>de</strong> alfabetização <strong>de</strong><br />

maior ou menor alcance didático que irá<br />

resolver o probl<strong>em</strong>a <strong>do</strong> analfabetismo no<br />

Brasil, mas, sim, a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> uma política<br />

<strong>de</strong> educação capaz <strong>de</strong> acudir à clientela<br />

escolar on<strong>de</strong> quer que ela se encontre,<br />

levan<strong>do</strong> a escola praticamente ao <strong>do</strong>micílio<br />

e atrain<strong>do</strong> os educa<strong>do</strong>res para a escola,<br />

permitin<strong>do</strong>-lhes, inclusive, a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> freqüentar, mais <strong>do</strong> que a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> nela matricular.<br />

E se quisermos diminuir o alto índice <strong>de</strong><br />

analfabetismo existente no Brasil, que é <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> cinqüenta por cento, e o existente<br />

<strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong> aproximadamente trinta<br />

por cento (graças à migração interna <strong>de</strong><br />

21


Acervo histórico<br />

el<strong>em</strong>entos vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outros esta<strong>do</strong>s e s<strong>em</strong><br />

alfabetização), ter<strong>em</strong>os <strong>de</strong> dar escolas a<br />

todas as crianças <strong>em</strong> ida<strong>de</strong> escolar. (...)<br />

Promete o Esta<strong>do</strong>, através <strong>do</strong> plano <strong>do</strong><br />

ensino, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> três anos aten<strong>de</strong>r a essa<br />

população estudantil. Se sua promessa for<br />

cumprida, então na parte que diz respeito à<br />

quantida<strong>de</strong>, no que se refere à escola primária,<br />

ter<strong>em</strong>os atingi<strong>do</strong> uma meta apreciável.<br />

(...) um <strong>do</strong>s pontos fracos <strong>do</strong> plano, no<br />

campo da educação, é a falta <strong>de</strong> indicação<br />

<strong>do</strong>s recursos financeiros. (...)<br />

(...) Vimos que o ensino primário foi focaliza<strong>do</strong><br />

no seu aspecto preliminar, que é o<br />

aspecto da construção <strong>de</strong> escolas. Realmente,<br />

precisamos antes <strong>de</strong> mais nada<br />

ter escolas. Em segun<strong>do</strong> lugar ter boas<br />

escolas. (...) Enquanto grupos escolares<br />

funcionar<strong>em</strong> com duas horas ou menos<br />

por dia não ter<strong>em</strong>os escola primária funcionan<strong>do</strong>.<br />

A solução <strong>de</strong>sse probl<strong>em</strong>a é<br />

difícil, porém, possível’.<br />

MuDAnçA DE PArTIDo<br />

O PDC abrigava políticos <strong>de</strong> várias matizes, a<br />

ética cristã dava-lhes a unida<strong>de</strong> necessária para<br />

o convívio partidário. Em vários momentos suas<br />

alas divergiam sobre as condutas a ser<strong>em</strong> a<strong>do</strong>tadas<br />

pelo parti<strong>do</strong>. No plebiscito que <strong>de</strong>cidiu pela<br />

volta <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a presi<strong>de</strong>ncialista, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

<strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1963, o PDC liberou o voto <strong>do</strong>s<br />

seus filia<strong>do</strong>s, evitan<strong>do</strong> um confronto. O golpe<br />

militar <strong>de</strong> 1964 acirrou as contradições existentes<br />

entre os grupos.<br />

A ala reformista, representada<br />

por <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong> Tarso e Plínio<br />

Arruda Sampaio colocava-se<br />

contra o golpe, <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong><br />

governo constitucional, a ala<br />

conserva<strong>do</strong>ra, representada<br />

por Nei Braga e Juarez Távora,<br />

apoiava o levante militar.<br />

Embora Juarez Távora não<br />

tivesse participa<strong>do</strong> das articulações<br />

que prepararam o<br />

golpe, na condição <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong><br />

PDC na Câmara Fe<strong>de</strong>ral, caracterizou<br />

a “iniciativa conjunta<br />

das forças armadas” como<br />

garantia da “sobrevivência<br />

<strong>do</strong>s princípios d<strong>em</strong>ocráticos<br />

e cristãos”.<br />

DAH-ALESP<br />

Em 9 <strong>de</strong> abril, com a edição <strong>do</strong> Ato Institucional<br />

nº 1, que instituiu a cassação <strong>de</strong> mandatos e<br />

a suspensão <strong>de</strong> direitos políticos, entre outras<br />

medidas, Plínio Arruda e <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong> Tarso perd<strong>em</strong><br />

seus mandatos. Sólon não se cala, registra seu<br />

repúdio contra as cassações <strong>de</strong> prefeitos e parlamentares.<br />

Em 1965, na convenção nacional <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> foi<br />

lançada a candidatura <strong>de</strong> Franco Montoro para<br />

a presidência nacional <strong>do</strong> PDC, <strong>em</strong> oposição a<br />

Nei Braga, que tentava se reeleger. Apesar <strong>do</strong><br />

apoio governista ao seu opositor, Montoro vence<br />

a convenção, diminuin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta forma o comprometimento<br />

<strong>do</strong> PDC com o governo militar.<br />

Em 27 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1965, o governo edita o Ato<br />

Institucional nº 2 e extingue os parti<strong>do</strong>s políticos.<br />

Está estabeleci<strong>do</strong> o bipartidarismo no país. A bancada<br />

<strong>do</strong> PDC se divi<strong>de</strong> entre a Aliança Renova<strong>do</strong>ra<br />

Nacional (ARENA), governista, e o Movimento<br />

D<strong>em</strong>ocrático Brasileiro (MDB), <strong>de</strong> oposição.<br />

Franco Montoro ingressa no MDB, Sólon Borges<br />

opta pela Arena, parti<strong>do</strong> pelo qual se candidata e<br />

se elege <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual por 3 mandatos. Em<br />

1969, o Ato Compl<strong>em</strong>entar 47, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> fevereiro,<br />

fecha a Ass<strong>em</strong>bléia e o recesso parlamentar só é<br />

suspenso <strong>em</strong> 1º <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1970. No seu último<br />

mandato na Ass<strong>em</strong>bléia (1975/1979), Sólon foi o<br />

mais vota<strong>do</strong> da legenda, conseguin<strong>do</strong> o expressivo<br />

número <strong>de</strong> 48.304 votos.<br />

Questiona<strong>do</strong> sobre a escolha, afirma que foi coerente,<br />

ficou no PDC até que ele fosse extinto. “O<br />

PDC era uma somatória <strong>de</strong> gente”, divaga. “Eu<br />

s<strong>em</strong>pre fui fiel a meus princípios. Eu não mu<strong>de</strong>i,<br />

continuei <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o que s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>fendi”,<br />

finaliza.<br />

O parlamentar discursa na Tribuna <strong>do</strong> Plenário da Ass<strong>em</strong>bléia, <strong>em</strong> 1972


Acervo Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis - Visão, 28/11/1977<br />

No dia 28 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1965, Sólon apresentou<br />

o Projeto <strong>de</strong> Lei nº 1262/65, que dispunha<br />

sobre a colocação <strong>de</strong> placas nas obras públicas<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Em seu artigo 1º colocava: “Em todas<br />

as obras públicas já inauguradas ou que vier<strong>em</strong><br />

a ser inauguradas, o Esta<strong>do</strong> colocará, <strong>em</strong> lugar<br />

visível, uma placa permanente com os seguintes<br />

dizeres: “Construí<strong>do</strong> no regime d<strong>em</strong>ocrático, com<br />

o dinheiro <strong>do</strong> povo, pelo Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

eleito pelo povo”. Em sua justificativa l<strong>em</strong>bra a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e divulgar o regime<br />

d<strong>em</strong>ocrático: “É preciso l<strong>em</strong>brar constant<strong>em</strong>ente<br />

a to<strong>do</strong>s que, não obstante as imperfeições <strong>do</strong> regime<br />

d<strong>em</strong>ocrático, há muita coisa <strong>de</strong> bom, inclusive,<br />

no plano material, que é muito mais ostensivo,<br />

construí<strong>do</strong> no sist<strong>em</strong>a da d<strong>em</strong>ocracia, <strong>em</strong><br />

que os governos são eleitos pelo povo.” Encerra<br />

sua justificativa argumentan<strong>do</strong>: “Há numerosos<br />

recursos <strong>de</strong> que nos <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os valer para educar<br />

politicamente o povo e promover o regime. Gran<strong>de</strong><br />

ou pequeno, este é um <strong>de</strong>les.”<br />

No seu último mandato Sólon Borges participa<br />

<strong>do</strong> grupo <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “Arena <strong>de</strong> Vanguarda”,<br />

forma<strong>do</strong> pelos <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s estaduais Felício<br />

Castelano, funcionário público com trabalho na<br />

área <strong>de</strong> educação social; Marco Ântonio Castelo<br />

Branco e Arman<strong>do</strong> Pinheiro, advoga<strong>do</strong>s; <strong>Paulo</strong><br />

Kobayashi, professor <strong>de</strong> Geografia, Política<br />

Internacional e Economia Brasileira, e ele. Os<br />

principais objetivos <strong>do</strong> grupo eram normalida<strong>de</strong><br />

institucional, “<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um processo d<strong>em</strong>ocrático<br />

compatível com a realida<strong>de</strong> brasileira”,<br />

eleições diretas <strong>em</strong> to<strong>do</strong>s os níveis, pluripartidarismo<br />

e ativa política social-d<strong>em</strong>ocrática no<br />

governo.<br />

2<br />

A formação <strong>do</strong> grupo coinci<strong>de</strong> com a ascensão<br />

eleitoral da oposição ao regime militar, representada<br />

pelo MDB. Em entrevista concedida ao jornal<br />

O Globo, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1977, o grupo afirma<br />

seu compromisso com a “total volta <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

direito”. Sólon l<strong>em</strong>bra que para tanto está implícita<br />

a revogação <strong>do</strong> AI-5 11 e outros atos <strong>de</strong> exceção<br />

e sua substituição por instrumentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da<br />

soberania nacional, nos mol<strong>de</strong>s e nos padrões <strong>de</strong><br />

d<strong>em</strong>ocracia mais adiantada que a nossa.<br />

Sólon conclui a entrevista conjunta com a seguinte<br />

<strong>de</strong>claração:<br />

“Nós t<strong>em</strong>os <strong>de</strong> partir <strong>do</strong>s maiores acontecimentos<br />

sócio-políticos <strong>de</strong>ste século. O último <strong>de</strong>les foi a<br />

revolução socialista. Nós não vamos repetir a revolução<br />

socialista, mas vamos aproveitar a experiência<br />

<strong>de</strong> outros povos e partir para uma d<strong>em</strong>ocracia<br />

social. O impulso <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> para a liberda<strong>de</strong> é<br />

incoersível. Mas a probl<strong>em</strong>ática social é prioritária.<br />

No Brasil <strong>de</strong> hoje nós estamos preocupa<strong>do</strong>s com<br />

a ord<strong>em</strong> jurídica porque é o que mais carec<strong>em</strong>os.<br />

Mas isso não esgota as nossas necessida<strong>de</strong>s. A<br />

ord<strong>em</strong> política é mais complexa <strong>do</strong> que a ord<strong>em</strong><br />

jurídica. No momento nós precisamos <strong>de</strong> uma ord<strong>em</strong><br />

jurídica, <strong>de</strong> uma normalida<strong>de</strong>, sobre a qual,<br />

<strong>de</strong>pois, vamos construir uma d<strong>em</strong>ocracia social.”<br />

Os cinco parlamentares liga<strong>do</strong>s à “Arena <strong>de</strong> Vanguarda”<br />

eram caracteriza<strong>do</strong>s, <strong>em</strong> charges publicadas<br />

<strong>em</strong> jornais e revistas, como leões, como mosqueteiros,<br />

tinham o apoio da ala jov<strong>em</strong> <strong>do</strong> parti<strong>do</strong><br />

e eram assessora<strong>do</strong>s por jovens universitários.<br />

O grupo quebrava a heg<strong>em</strong>onia <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r<br />

<strong>Paulo</strong> Egydío Martins <strong>de</strong>ntro da bancada estadual<br />

Charge publicada na revista Visão caracteriza os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s da Arena <strong>de</strong> Vanguarda:<br />

Sólon Borges, Felício Castelano, Arman<strong>do</strong> Pinheiro, <strong>Paulo</strong> Kobayashi e Marco Antonio Castelo Branco


Acervo Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis<br />

Acervo histórico<br />

I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissional <strong>de</strong> 1946, <strong>do</strong> Diário <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />

da Arena e <strong>em</strong> vários momentos representaram<br />

a pedra no caminho <strong>do</strong>s governistas. Vivíamos a<br />

última década da ditadura militar.<br />

As ativida<strong>de</strong>s parlamentares e a intensida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>bate político não afastaram Sólon da carreira<br />

literária, no perío<strong>do</strong> publicou os livros A maior<br />

herança (1965); Lira da América (1973) e Crise<br />

Cont<strong>em</strong>porânea da Educação (1978), livro que<br />

recebeu menção honrosa <strong>do</strong> Pen Center.<br />

ATUAÇÃO PARLAMENTAR<br />

Ao longo <strong>de</strong> sua estada na Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong>,<br />

o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual aprovou 329 leis. Delas,<br />

281 são diretamente ligadas à educação, 253 <strong>de</strong>nominan<strong>do</strong><br />

escolas, 28 sobre t<strong>em</strong>as específicos<br />

da área, <strong>do</strong>s quais 10 que criam escolas. As outras<br />

48 leis propostas pelo parlamentar abordam<br />

t<strong>em</strong>as gerais, entre eles o que dispõe sobre o controle<br />

da potabilida<strong>de</strong> da água, através da obrigatorieda<strong>de</strong><br />

da análise física, química e bacteriológica<br />

e 29 leis <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública.<br />

Em suas proposituras <strong>de</strong>staca-se a preocupação<br />

constante com a integração <strong>do</strong>s porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ficiência auditiva no sist<strong>em</strong>a educacional; a<br />

ação conjunta das Secretarias da Agricultura e<br />

Educação no incentivo ao ensino rural; o acesso<br />

<strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res aos recursos <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> Previdência<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (IPESP); a regionalização <strong>do</strong><br />

atendimento hospitalar aos servi<strong>do</strong>res estaduais;<br />

o policiamento nas escolas; a questão <strong>do</strong> transporte<br />

coletivo e o seu constante apoio aos ex-combatentes<br />

brasileiros da Segunda Guerra Mundial.<br />

Em moção apresentada <strong>em</strong> 1970 (nº 54/70), apela<br />

ao Governo Fe<strong>de</strong>ral no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o Ministério<br />

da Saú<strong>de</strong> a<strong>do</strong>te providências providências a fim fim<br />

<strong>de</strong> obrigar o o comerciante <strong>de</strong> medica<br />

mentos a anotar, no verso da receita<br />

<strong>de</strong> psicotrópicos, o <strong>do</strong>cumento <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r. compra<strong>do</strong>r. Antecipouse<br />

aos dispositivos legais que prevê<br />

<strong>em</strong> <strong>em</strong> o uso <strong>de</strong> medicação controlada.<br />

Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis foi m<strong>em</strong>bro<br />

efetivo da Comissão <strong>de</strong> Educação e<br />

Cultura <strong>de</strong> 1959 a 1963, por cinco<br />

anos consecutivos. Neste perío<strong>do</strong><br />

a escolha <strong>do</strong>s m<strong>em</strong>bros das comis<br />

sões era anual. Voltou a compor a<br />

Comissão <strong>de</strong> Educação e Cultura,<br />

como m<strong>em</strong>bro titular, <strong>em</strong> 1967. Em<br />

1968 foi novamente indica<strong>do</strong> como<br />

m<strong>em</strong>bro titular da Comissão, permanecen<strong>do</strong><br />

até 1970, quan<strong>do</strong> as<br />

Comissões tiveram nova nomenclatura e a Cultura<br />

passou a integrar, junto com Esportes e Turismo,<br />

nova comissão. No perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1970 a 1972,<br />

Sólon integra a Comissão <strong>de</strong> Educação como<br />

m<strong>em</strong>bro efetivo. No biênio 77/78 foi reconduzi<strong>do</strong><br />

à comissão como m<strong>em</strong>bro titular, mas renunciou<br />

<strong>em</strong> favor <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Adib Razuk.<br />

No perío<strong>do</strong> <strong>em</strong> que integrou as Comissões <strong>de</strong><br />

Educação e Cultura e, posteriormente, Educação,<br />

o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis foi presi<strong>de</strong>nte<br />

das mesmas nos anos <strong>de</strong> 1960; 1967; 1968 até<br />

1970; 1971 e 1972 12 .<br />

Em 1971, Sólon assumiu o cargo <strong>de</strong> editor-chefe<br />

<strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong>s Professores, se manten<strong>do</strong> na função<br />

até 1997. Des<strong>de</strong> 1978 é m<strong>em</strong>bro da Acad<strong>em</strong>ia<br />

Paulista <strong>de</strong> Jornalismo. No seu 5º mandato<br />

consecutivo na Ass<strong>em</strong>bléia, Sólon <strong>de</strong>cidiu candidatar-se<br />

à Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> 1978,<br />

mas só na eleição <strong>de</strong> 1982 conseguiu a segunda<br />

suplência, assumin<strong>do</strong> a vaga <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Celso<br />

Amaral <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1985, sen<strong>do</strong> efetiva<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> março <strong>de</strong> 1986, com a saída <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong><br />

Men<strong>do</strong>nça Falcão.<br />

Com o fim <strong>do</strong> bipartidarismo e a reformulação partidária,<br />

<strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1979, Sólon filiou-se ao<br />

Parti<strong>do</strong> Trabalhista Brasileiro (PTB), ao qual mantêm<br />

sua filiação. De 1980 a 1983, foi redator-chefe<br />

<strong>do</strong> s<strong>em</strong>anário paulistano O Povo. Em 1983 tornouse<br />

m<strong>em</strong>bro <strong>do</strong> Conselho Estadual <strong>de</strong> Educação,<br />

no Governo Franco Montoro, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o cargo <strong>em</strong><br />

1986.<br />

Em 1984, participou da Ass<strong>em</strong>bléia Anual da<br />

Confe<strong>de</strong>ração Mundial <strong>de</strong> Organização <strong>do</strong>s Profissionais<br />

<strong>do</strong> Ensino (CMOPE), <strong>em</strong> Togo. Em


1986, participou <strong>do</strong> Congresso <strong>de</strong> Pedagogia <strong>em</strong><br />

Havana, Cuba; foi <strong>de</strong>lega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil da União<br />

Interparlamentar no Conferência <strong>de</strong> Bangcoc, na<br />

Tailândia, e tornou-se segun<strong>do</strong> vice-presi<strong>de</strong>nte da<br />

Ord<strong>em</strong> Nacional <strong>do</strong>s Escritores, cargo que exerceu<br />

até 1988.<br />

Elege-se <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> fe<strong>de</strong>ral constituinte, na eleição<br />

realizada <strong>em</strong> 1986 e assume o mandato<br />

no início <strong>do</strong> ano seguinte. Em 1990 se reelege<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> fe<strong>de</strong>ral, licencian<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> cargo <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1992.<br />

Nesse perío<strong>do</strong> publica os livros Oceano Sob a<br />

Pele (1984); ABC da Constituinte (1985); Carrossel<br />

<strong>do</strong> T<strong>em</strong>po (1985); Condição Humana (1985),<br />

que recebeu o prêmio Pen Center <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>;<br />

Poesias infantis (1990); Educação Política<br />

– Educar para a Liberda<strong>de</strong>, Educar para a Responsabilida<strong>de</strong><br />

(1990); S<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> ouro (1992) e<br />

Po<strong>em</strong>as da a<strong>do</strong>lescência (1992).<br />

Durante seus mandatos, foi vice-presi<strong>de</strong>nte da<br />

Comissão <strong>de</strong> Educação, Cultura e Desporto, e<br />

suplente da Comissão <strong>de</strong> Relações Exteriores,<br />

no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1986 a 1990; foi relator da CPI<br />

<strong>de</strong>stinada a investigar a aplicação <strong>do</strong>s recursos<br />

fe<strong>de</strong>rais no ensino, provenientes da Emenda<br />

Calmon, no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1987 a 1989, e integrou a<br />

Procura<strong>do</strong>ria Parlamentar da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

1991 a 1992.<br />

Na Constituinte fez parte da Comissão <strong>de</strong> Redação,<br />

responsável pelo texto final da Constituição<br />

Brasileira, aprovada <strong>em</strong> 1988. Chefiou, <strong>em</strong> 1990,<br />

a <strong>de</strong>legação brasileira no Congresso Internacional<br />

<strong>de</strong> Ensino, no Japão. Em 1991, foi m<strong>em</strong>bro<br />

da Fe<strong>de</strong>ração Nacional <strong>do</strong>s Jornalistas.<br />

Em outubro <strong>de</strong> 1992, Sólon elege-se vice-prefeito<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, na chapa encabeçada por <strong>Paulo</strong><br />

Maluf, assumin<strong>do</strong> a vice-prefeitura e o cargo <strong>de</strong><br />

Secretário Municipal da Educação no dia 1º <strong>de</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 1993. Por duas vezes assumiu a prefeitura<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por impedimento <strong>do</strong> prefeito. A<br />

primeira <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> outubro a 22 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong><br />

1993 e a segunda <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> abril a 7 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />

1995. Foi m<strong>em</strong>bro <strong>do</strong> conselho cura<strong>do</strong>r da Fundação<br />

Padre Anchieta (Rádio e TV Cultura, canal 2 ,<br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>), no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1993 a 1996.<br />

No dia 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1994, morre sua esposa,<br />

Adiléia Borges <strong>do</strong>s Reis. Termina<strong>do</strong> o mandato<br />

na prefeitura, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1996, Sólon <strong>de</strong>ixa<br />

a carreira política. Em 1996, Sólon publicou os<br />

livros O t<strong>em</strong>po: Via e Viag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> poesias, e os<br />

infantis A coruja e Frutos e Frutas.<br />

Acervo Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis<br />

UMA VIDA DEDICADA À EDUCAÇÃO<br />

2<br />

O encerramento da carreira política, não afastou<br />

Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis da luta que norteou sua<br />

vida: a Educação. Em 1998 é eleito presi<strong>de</strong>nte da<br />

Acad<strong>em</strong>ia Paulista <strong>de</strong> Educação, cargo que ocupou<br />

até 2002. Deu continuida<strong>de</strong> ao trabalho inicia<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

1947, assumin<strong>do</strong> a presidência da União Paulista<br />

<strong>de</strong> Educação, e <strong>do</strong> recém cria<strong>do</strong> INESTE, Instituto<br />

<strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Educacionais Sud Mennucci, cujo o<br />

objetivo é proporcionar maior qualificação cultural<br />

e pedagógica aos professores e às escolas.<br />

Diariamente o professor cumpre sua jornada <strong>de</strong><br />

trabalho no INESTE e se orgulha ao falar das<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas. O Instituto incentiva e<br />

apóia estu<strong>do</strong>s e iniciativas que promovam a melhoria<br />

das instituições educacionais. “Mant<strong>em</strong>os<br />

abertas ao público, gratuitamente, biblioteca e<br />

h<strong>em</strong>eroteca com quase 17 mil volumes especializa<strong>do</strong>s<br />

<strong>em</strong> ensino e magistério”, relata. “Além <strong>do</strong>s<br />

títulos registra<strong>do</strong>s, classifica<strong>do</strong>s e cataloga<strong>do</strong>s,<br />

no INESTE os interessa<strong>do</strong>s têm acesso ao setor<br />

<strong>de</strong> biografias, da História <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e <strong>do</strong>s 645<br />

municípios paulistas”, conclui.<br />

Sólon carrega alguns sonhos, como o <strong>de</strong> divulgar<br />

a Constituição a to<strong>do</strong>s os cidadãos brasileiros,<br />

para que tenham acesso ao texto legal, e o <strong>de</strong> ver<br />

prioriza<strong>do</strong>s os recursos para erradicar o analfabe-<br />

Cartaz <strong>de</strong> divulgação <strong>do</strong> III Congresso Normalista Rural,<br />

realiza<strong>do</strong> <strong>em</strong> Casa Branca, <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 1949


Acervo histórico<br />

tismo no País. ”Partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> princípio <strong>de</strong> que só se<br />

po<strong>de</strong> estimar e apreciar aquilo que se conhece,<br />

conhecer é necessário.” 13<br />

O professor Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis é m<strong>em</strong>bro da<br />

Acad<strong>em</strong>ia Paulista <strong>de</strong> Jornalismo, on<strong>de</strong> ocupa a<br />

ca<strong>de</strong>ira nº17, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1978; Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Honra da<br />

Ord<strong>em</strong> Nacional <strong>do</strong>s Escritores; m<strong>em</strong>bro da Acad<strong>em</strong>ia<br />

Paulista <strong>de</strong> Letras, ocupan<strong>do</strong> a ca<strong>de</strong>ira 37;<br />

m<strong>em</strong>bro da Acad<strong>em</strong>ia. <strong>de</strong> Letras da Gran<strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>, ca<strong>de</strong>ira 14; m<strong>em</strong>bro da Acad<strong>em</strong>ia Lusíada<br />

<strong>de</strong> Ciências, Letras e Artes, ca<strong>de</strong>ira 47; m<strong>em</strong>bro<br />

da Acad<strong>em</strong>ia Paulistana <strong>de</strong> História ca<strong>de</strong>ira 29;<br />

m<strong>em</strong>bro da União Brasileira <strong>do</strong>s Escritores; m<strong>em</strong>bro<br />

da União Brasileira <strong>de</strong> Trova<strong>do</strong>res (SP); sócio<br />

<strong>em</strong>érito <strong>do</strong> Instituto Histórico e Geográfico <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>; sócio <strong>do</strong>s Institutos <strong>de</strong> História e Geografia<br />

<strong>de</strong> Sorocaba, Piracicaba, <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, e Arceburgo,<br />

<strong>em</strong> Minas Gerais, e sócio das Acad<strong>em</strong>ias<br />

Campinense e Taguatinguense <strong>de</strong> Letras.<br />

Sua extensa carreira como político <strong>de</strong>ixou um<br />

gran<strong>de</strong> lega<strong>do</strong>. “S<strong>em</strong> liberda<strong>de</strong> para po<strong>de</strong>r escolher<br />

e educação para saber escolher, não há d<strong>em</strong>ocracia.”<br />

Sua carreira como educa<strong>do</strong>r nos ensina<br />

que “Tu<strong>do</strong> o que merece ser feito merece ser b<strong>em</strong><br />

AnEXo<br />

“Educação<br />

Pesquisa Educacional realizada no Interior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

feito” e que “Feliz aquele que vai ao trabalho como<br />

qu<strong>em</strong> vai para o lazer”. Citar suas frases são um incentivo<br />

a l<strong>em</strong>brar que este hom<strong>em</strong>, aos 87 anos <strong>de</strong><br />

vida e uma obra edificada, não se dá por satisfeito,<br />

prepara um livro sobre Educação que <strong>de</strong>ve ser<br />

publica<strong>do</strong> ainda <strong>em</strong> 2004; trabalha com paixão e<br />

resume: “Nunca perguntei a ninguém por que não<br />

se aposenta. Quanto mais os anos nos alcanc<strong>em</strong>,<br />

mais t<strong>em</strong>os necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> motivação.”<br />

“Certa vez na Grécia antiga, chegan<strong>do</strong> a um<br />

espetáculo, <strong>em</strong> Atenas, um velho não encontrou<br />

lugar. Percorren<strong>do</strong> o recinto à procura <strong>de</strong> assento,<br />

atravessou as arquibancadas <strong>em</strong> vão. Até que,<br />

chegan<strong>do</strong> a um ponto on<strong>de</strong> estavam senta<strong>do</strong>s<br />

diversos espertanos, estes se levantaram e ce<strong>de</strong>ram-lhe<br />

o lugar. O gesto chamou a atenção <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s, e os presentes, admira<strong>do</strong>s, aplaudiram.<br />

Ven<strong>do</strong> isto, um <strong>do</strong>s espartanos virou-se para o<br />

público presente e exclamou: – Os atenienses<br />

sab<strong>em</strong> que se <strong>de</strong>ve respeitar a velhice. Mas, nós,<br />

espartanos, respeitamos a velhice.<br />

Este episódio da antigüida<strong>de</strong> clássica ex<strong>em</strong>plifica<br />

b<strong>em</strong> o que é educação. Não é a notícia que se<br />

t<strong>em</strong> <strong>do</strong> valor. É o hábito <strong>de</strong> viver esse valor.” 14<br />

A preferência, por matérias, <strong>do</strong>s alunos <strong>do</strong>s cursos primário, secundário e normal<br />

O professor Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis, que ocupa agora o cargo <strong>de</strong> assistente geral da Escola Normal “Álvaro<br />

Guião” <strong>de</strong> <strong>São</strong> Carlos, enviou-nos o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma investigação realizada no t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que residia na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Casa Branca. Sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse para o ensino trabalhos <strong>de</strong>ssa natureza. Infelizmente<br />

muito raros entre nós, é com prazer que publicamos. (...)<br />

Procuramos conhecer a preferência <strong>do</strong>s escolares pelas matérias <strong>do</strong> respectivo curso. Tentan<strong>do</strong> isso <strong>em</strong><br />

abril e maio <strong>do</strong> corrente ano, levamos a efeito uma investigação entre alunos <strong>de</strong> três cursos: primário,<br />

secundário fundamental e <strong>de</strong> formação profissional <strong>do</strong> professor primário. Dentre as disciplinas <strong>do</strong> respectivo<br />

programa, <strong>de</strong>sejamos conhecer a predileta <strong>do</strong> estudante, principalmente entre as crianças <strong>do</strong>s grupos<br />

escolares e das escolas isoladas.<br />

Logramos consultar, no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 16.986 escolares, <strong>do</strong>s quais 15.581 <strong>de</strong> escolas primárias,<br />

1.088 <strong>de</strong> curso secundário fundamental (ginásio ou curso fundamental <strong>de</strong> Escola Normal) e 317 alunos <strong>do</strong><br />

Curso <strong>de</strong> Formação Profissional <strong>do</strong> Professor Primário, <strong>de</strong> escolas normais oficiais.<br />

A pesquisa abrangeu escolas estaduais e municipais <strong>de</strong> 17 municípios paulistas, com 35 distritos, atingin<strong>do</strong><br />

28 grupos escolares, 161 escolas isoladas, quatro cursos ginasiais e quatro cursos profissionais, num<br />

total <strong>de</strong> 471 classes, incluin<strong>do</strong> zona urbana e rural.<br />

Dos 16.986 estudantes consulta<strong>do</strong>s, 8.958 eram <strong>do</strong> sexo masculino, e 8.028 <strong>do</strong> sexo f<strong>em</strong>inino. No curso<br />

primário, 8.343 meninos e 7.238 meninas; no ginasial 558 rapazes e 530 moças e no profissional 57 rapazes<br />

e 260 moças.


O trabalho esten<strong>de</strong>u-se a escolas <strong>do</strong>s seguintes lugares: Cacon<strong>de</strong>, Cajuru, Casa Branca, Cássia <strong>do</strong>s<br />

Coqueiros, Campinas, Catanduva, Cruz da Esperança, Bento Quirino, Grama, Itaiquara, Mocóca, Pirassununga,<br />

Rio das Pedras, Santa Rosa, Santo Antonio da Alegria, <strong>São</strong> José <strong>do</strong> Rio Par<strong>do</strong>, <strong>São</strong> Simão, Serra<br />

Azul, Tambaú, Tapiratiba, Varg<strong>em</strong> Gran<strong>de</strong> e respectivas zonas rurais. (...)<br />

o Méto<strong>do</strong><br />

As respostas <strong>do</strong>s escolares à nossa pergunta da disciplina preferida, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> curso que freqüentam,<br />

foram apuradas por grau <strong>de</strong> adiantamento, sexo, natureza da escola, sua localização <strong>em</strong> zona urbana ou<br />

rural. Antes <strong>de</strong> mais nada, o que logo constatamos foi que não houve influência da aula <strong>do</strong> momento <strong>em</strong><br />

que se realiza o inquérito, ou <strong>do</strong> professor que o executou.(...)<br />

resulta<strong>do</strong>s no Curso Primário<br />

O inquérito nas escolas primárias revelou uma preferência <strong>de</strong> 19,35% das crianças pela Aritmética, disciplina<br />

apontada por 3.015 alunos, <strong>do</strong>s quais 1.152 nas escolas isoladas e 1.863 nos grupos escolares.<br />

(...) A Leitura t<strong>em</strong> na nossa sindicância, a preferência <strong>de</strong> 17,93% (2.794 crianças, sen<strong>do</strong> 1.341 <strong>de</strong> escolas<br />

isoladas e <strong>de</strong> 1.453 <strong>de</strong> grupos escolares), e a Linguag<strong>em</strong> Escrita, 15,13% (2.358 crianças, sen<strong>do</strong> 1.027 <strong>de</strong><br />

escolas isoladas e 1.331 <strong>de</strong> grupos escolares). (...) Essa preferência <strong>de</strong> 8.167 crianças, ou seja 52,41%<br />

<strong>do</strong> total, pelas três importantes matérias <strong>do</strong> programa paulista, Aritmética, Leitura, Linguag<strong>em</strong> Escrita (...)<br />

Os d<strong>em</strong>ais 47,59% das crianças consultadas repartiram suas preferências pelas 11 matérias restantes <strong>do</strong><br />

programa, acrescentan<strong>do</strong> ainda gosto particular pela Religião, que aparece como predileta <strong>de</strong> 146 escolares.<br />

(...) A História <strong>do</strong> Brasil, outra matéria, pela sua natureza, muito querida <strong>do</strong> espírito infantil, é muito<br />

mais apreciada na cida<strong>de</strong> (805 crianças) <strong>do</strong> que na roça (249 crianças). (...) Por fim mostraram-se muito<br />

diminutas as preferências pela Instrução Moral e Cívica (0,53%) cujo ensino não é ainda entre nós , por<br />

causas várias, o que <strong>de</strong>ve ser, malgra<strong>do</strong> o esforço incontestável das autorida<strong>de</strong>s competentes. (...)<br />

Em 15.581 crianças consultadas, apenas 46 na roça e 38 na cida<strong>de</strong>, <strong>em</strong>bora consultáss<strong>em</strong>os mais crianças<br />

na cida<strong>de</strong> que na roça, l<strong>em</strong>braram-se <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r pela Instrução Moral e Cívica, o que nos faz sentir<br />

<strong>de</strong> maneira eloqüente, com agravante das poucas preferências pelo ensino <strong>de</strong> História, e principalmente<br />

<strong>de</strong> Geografia, a imperiosa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reação forte, visan<strong>do</strong> o incr<strong>em</strong>ento prático <strong>de</strong>sses importantes<br />

estu<strong>do</strong>s na escola primária brasileira. O ensino <strong>de</strong> Lições <strong>de</strong> Coisas (Ciências Físicas e Naturais<br />

nas últimas classes) não t<strong>em</strong>, pelo que mostram os resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>sto e imperfeito inquérito,<br />

<strong>em</strong>polga<strong>do</strong> a escola primária, como fora necessário, notadamente na zona rural, pois foi l<strong>em</strong>brada por<br />

79 crianças das escolas isoladas e 194 <strong>do</strong>s grupos escolares. O senti<strong>do</strong> prático experimental, objetivo e<br />

ativo da nova escola brasileira, ainda t<strong>em</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser mais acentua<strong>do</strong>, principalmente nas regiões<br />

rurais on<strong>de</strong> compete à escola, numa ação social proveitosa, melhorar o trabalha<strong>do</strong>r e procurar fixá-lo ao<br />

meio <strong>em</strong> que <strong>de</strong>ve viver.<br />

Nos estabelecimentos ginasiais, mais <strong>de</strong> 20% <strong>do</strong>s estudantes consulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>clararam que mais apreciam<br />

as aulas <strong>de</strong> Geografia, seguin<strong>do</strong>-se História da Civilização, Português e Mat<strong>em</strong>ática. As preferências pela<br />

Física, pela Química, pela História Natural, tão <strong>de</strong> se <strong>de</strong>sejar num país novo e cheio <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />

como é o Brasil, são, infelizmente, pequenas por este rápi<strong>do</strong> inquérito, não soman<strong>do</strong> as três 10% das<br />

respostas.(...)<br />

No Curso <strong>de</strong> Formação Profissional <strong>do</strong> Professor Primário, nas escolas normais Psicologia e Sociologia<br />

foram, respectivamente, as matérias preferidas, a primeira com a predileção <strong>de</strong> 77 normalistas e a segunda<br />

com a predileção <strong>de</strong> 68. Seguin<strong>do</strong>-se-lhes Biologia, com 50 e História da Educação, com 47. Dos<br />

317 normalistas consulta<strong>do</strong>s, apenas 26 disseram preferir a Prática <strong>do</strong> Ensino, disciplina primordial no<br />

curso <strong>em</strong> apreço, e que só foi apontada por 6 rapazes e 19 moças. Apenas 8% <strong>do</strong>s futuros professores<br />

interroga<strong>do</strong>s, segun<strong>do</strong> esta consulta, se agradam, <strong>em</strong> primeiro lugar, da Prática, ou seja, da matéria cujo<br />

conhecimento constitui, na verda<strong>de</strong>, o objetivo próximo e real <strong>do</strong>s seus estu<strong>do</strong>s, conhecimento esse <strong>de</strong><br />

cujo êxito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> toda a sua carreira futura.”<br />

[Trechos da matéria Publicada no Jornal O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, no dia 23 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1940, que<br />

reproduz texto encaminha<strong>do</strong> pelo professor Sólon Borges <strong>do</strong>s Reis, responsável pela pesquisa realizada<br />

<strong>em</strong> 17 municípios paulistas.]<br />

2


Acervo histórico<br />

noTAS<br />

1 Educa<strong>do</strong>r, <strong>em</strong> 1930, participou da criação <strong>do</strong> Centro <strong>do</strong> Professora<strong>do</strong> Paulista (CPP), o qual presidiu<br />

entre 1933 e 1948. Em 1931, foi nomea<strong>do</strong> Diretor Geral <strong>do</strong> Ensino <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Deu especial<br />

atenção ao ensino rural. Entre 1943 e 1945, foi nomea<strong>do</strong> Chefe <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Educação,<br />

ten<strong>do</strong> instituí<strong>do</strong> cursos <strong>de</strong> especialização <strong>em</strong> práticas agrícolas para professores.<br />

2 Dainis Karepovs, Álvaro Weissheimer Carneiro e Olívia Gurjão.<br />

3 Artur <strong>de</strong> Sacadura Freire Cabral (1881/1924) e Carlos Viegas Gago Coutinho (1869/1959).<br />

4 Citação <strong>do</strong> po<strong>em</strong>a No fim <strong>do</strong> caminho, <strong>de</strong> seu livro O T<strong>em</strong>po Via e Viag<strong>em</strong>.<br />

5 Trecho extraí<strong>do</strong> <strong>de</strong> entrevista concedida ao jornal Folha da Noite, publicada na edição <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1936.<br />

6 José Carlos <strong>de</strong> Ataliba Nogueira, educa<strong>do</strong>r e jurista, iniciou sua carreira como professor. Foi Deputa<strong>do</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral por <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e m<strong>em</strong>bro da Ass<strong>em</strong>bléia Nacional Constituinte <strong>de</strong> 1946; Secretário <strong>de</strong><br />

Educação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> no Governo Adh<strong>em</strong>ar <strong>de</strong> Barros (1964) e Secretário da Justiça.<br />

7 Durante a intervenção fe<strong>de</strong>ral, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência da Revolução Constitucionalista, Fernan<strong>do</strong> Azeve<strong>do</strong><br />

assume a diretoria <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Educação (janeiro a julho <strong>de</strong> 1933) e converte a Diretoria<br />

Geral <strong>do</strong> Ensino <strong>em</strong> Departamento <strong>de</strong> Educação Pública; institui a carreira <strong>do</strong> magistério primário;<br />

reorganiza o aparelho escolar e expan<strong>de</strong> os serviços técnicos. Fernan<strong>do</strong> Azeve<strong>do</strong> e Lourenço Filho<br />

são aponta<strong>do</strong>s por Sólon Borges como os <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s dirigentes da Educação no País. Os <strong>do</strong>is educa<strong>do</strong>res<br />

foram responsáveis pela criação <strong>de</strong> uma Escola Normal Superior. Lourenço Filho transforma<br />

a Escola Normal da Praça da República <strong>em</strong> Instituto Pedagógico, <strong>em</strong> 1931, e Fernan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong><br />

cria o Instituto <strong>de</strong> Educação, <strong>em</strong> 1933, ambos i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s como centro <strong>de</strong> investigação aplicada e<br />

formação <strong>de</strong> profissionais <strong>do</strong> ensino <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> consciência técnica.<br />

8A candidatura Jânio Quadros ao governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> causou uma crise entre o diretório<br />

regional e a direção nacional <strong>do</strong> PDC, ao qual Sólon se filiará posteriormente. O diretório paulista<br />

resolveu retirar a candidatura <strong>de</strong> Jânio Quadros, com o suposto objetivo <strong>de</strong> marcar um estilo<br />

não-eleitoralista <strong>de</strong> participação política. O diretório nacional rechaçou a proposta paulista e propôs<br />

a dissolução <strong>do</strong> diretório regional, a expulsão <strong>de</strong> Franco Montoro e a renúncia <strong>de</strong> Queirós Filho,<br />

ambos da direção <strong>do</strong> PDC no Esta<strong>do</strong>. Só não alcançou seu intento por força <strong>do</strong> Tribunal Eleitoral,<br />

que manteve a candidatura <strong>de</strong> Jânio, mas não concor<strong>do</strong>u com as d<strong>em</strong>ais medidas. Eleito Jânio<br />

Quadros, Queirós Filho <strong>de</strong>ixa sua ca<strong>de</strong>ira na Câmara Fe<strong>de</strong>ral para assumir a Secretaria <strong>de</strong> Justiça<br />

e Negócios Interiores.<br />

9 Carlos Alberto Carvalho Pinto havia assumi<strong>do</strong>, <strong>em</strong> 1953, a Secretaria <strong>de</strong> Finanças <strong>do</strong> Município <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, na gestão Jânio Quadros, indica<strong>do</strong> por Queirós Filho.<br />

10 A política brasileira, no início da década <strong>de</strong> 60 foi bastante conturbada. O presi<strong>de</strong>nte eleito, Jânio<br />

Quadros, que teve apoio <strong>do</strong> PDC, renunciara ao seu mandato e havia controvérsias sobre a posse<br />

<strong>do</strong> vice-presi<strong>de</strong>nte, João Goulart. O Congresso <strong>de</strong>cidiu, então, por proposta apresentada pelo PDC,<br />

alterar a Constituição para que se implantasse no país o regime parlamentarista, <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> pelo<br />

parti<strong>do</strong>. No dia 2 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1961 foi aprovada a <strong>em</strong>enda Constitucional nº4, que instaurou<br />

o novo regime e no dia 7 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro toma posse João Goulart. Franco Montoro, então lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong><br />

PDC na Câmara, faz parte <strong>do</strong> ministério parlamentarista, chefia<strong>do</strong> por Tancre<strong>do</strong> Neves, assumin<strong>do</strong><br />

a pasta <strong>do</strong> Trabalho. Nas eleições <strong>de</strong> 1962, o PDC obteve gran<strong>de</strong> crescimento eleitoral: elege 19<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s fe<strong>de</strong>rais e fortalece sua representação nos esta<strong>do</strong>s. Sólon se elege <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual<br />

com 19.116 votos.<br />

11 O Ato Institucional nº5, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1968, foi o instrumento utiliza<strong>do</strong> pelos militares para<br />

aumentar os po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte, autorizan<strong>do</strong>-o a <strong>de</strong>cretar o recesso <strong>do</strong> Congresso Nacional,<br />

das Ass<strong>em</strong>bléias <strong>Legislativa</strong>s e das Câmaras <strong>de</strong> Verea<strong>do</strong>res; intervir nos esta<strong>do</strong>s e municípios, s<strong>em</strong><br />

as limitações previstas na Constituição; suspen<strong>de</strong>r os direitos políticos <strong>de</strong> quaisquer cidadãos pelo<br />

prazo <strong>de</strong> 10 anos; cassar mandatos eletivos; <strong>de</strong>cretar o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> sítio, entre outras medidas.<br />

12 O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Sólon Borges também foi m<strong>em</strong>bro efetivo da Comissão <strong>de</strong> Serviço Civil nos anos <strong>de</strong><br />

1960 e <strong>de</strong> 1963; da Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça no biênio 1975/76 e foi indica<strong>do</strong> à Comissão<br />

<strong>de</strong> Redação no biênio 1977/78, renuncian<strong>do</strong> <strong>em</strong> favor <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Ricar<strong>do</strong> Izar.<br />

Como m<strong>em</strong>bro substituto, participou da Comissão <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e Higiene e da Comissão <strong>de</strong> Redação<br />

<strong>em</strong> 1959; da Comissão <strong>de</strong> Finanças nos anos <strong>de</strong> 1960 a 1963; da Comissão <strong>de</strong> Serviço Civil<br />

<strong>em</strong> 1970 e da Comissão <strong>de</strong> Cultura, Esportes e Turismo nos biênios 1971/72 e 1973/74. Também<br />

integrou, como m<strong>em</strong>bro substituto, a Comissão <strong>de</strong> Cultura, Ciência e Tecnologia, a Comissão <strong>de</strong><br />

Assuntos Metropolitanos e a Comissão <strong>de</strong> Administração Pública no biênio 1975/76, e foi indica<strong>do</strong> à<br />

Comissão <strong>de</strong> Segurança Pública no biênio 1977/78, ten<strong>do</strong> renuncia<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Ad<strong>em</strong>ar<br />

<strong>de</strong> Barros.<br />

13 Reis, Sólon Borges <strong>do</strong>s. Educação política: educar para a liberda<strong>de</strong>, educar para a responsabilida<strong>de</strong>.<br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Pannartz: União Paulista <strong>de</strong> Educação, 1990, p.14.<br />

14Id<strong>em</strong>, p.8.


Zita <strong>de</strong> Paula Rosa *<br />

Prática Política <strong>do</strong><br />

Legislativo Paulista<br />

A concepção <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> assenta<strong>do</strong> no<br />

equilíbrio <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res Executivo, Legislativo e<br />

Judiciário t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> dúvidas e interrogações,<br />

ten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, geralmente, conferir ao primeiro<br />

um papel mais expressivo <strong>em</strong> relação aos d<strong>em</strong>ais<br />

po<strong>de</strong>res.<br />

As instituições políticas não são n<strong>em</strong> mais n<strong>em</strong><br />

menos po<strong>de</strong>rosas <strong>em</strong> razão <strong>de</strong> usufruír<strong>em</strong> um<br />

prestígio ratifica<strong>do</strong> por uma Carta Constitucional.<br />

Como peças-chave <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> controle e<br />

<strong>do</strong>minação, fortes ou fracas, elas <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham<br />

um papel, inspira<strong>do</strong> nas diretrizes e prescrições<br />

firmadas pelo grupo heg<strong>em</strong>ônico que <strong>de</strong>tém o po<strong>de</strong>r.<br />

E, qual hábil joga<strong>do</strong>r <strong>de</strong> xadrez, esse grupo<br />

heg<strong>em</strong>ônico manipula, ofensiva e <strong>de</strong>fensivamente,<br />

as figuras <strong>em</strong> um tabuleiro, sacrifican<strong>do</strong> algumas,<br />

se necessário, para manter seu <strong>do</strong>mínio na<br />

gestão <strong>do</strong>s negócios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Cada instituição política consi<strong>de</strong>rada, não importan<strong>do</strong><br />

quão significativa ou inexpressiva possa se<br />

afigurar à primeira vista, t<strong>em</strong> sua atuação igualmente<br />

relevante para garantir o funcionamento <strong>do</strong><br />

sist<strong>em</strong>a. Entretanto, a plena dimensão <strong>de</strong> cada uma<br />

só se expressa na efetiva contribuição para ratificar<br />

a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação instaura<strong>do</strong>.<br />

Focalizar<strong>em</strong>os aqui alguns aspectos <strong>do</strong> comportamento<br />

político da oligarquia agroexporta<strong>do</strong>ra<br />

paulista que, nos primeiros <strong>de</strong>cênios <strong>do</strong> regime<br />

republicano, manipulou as instituições políticojurídicas<br />

<strong>em</strong> favor <strong>de</strong> seus próprios interesses<br />

e conveniências. Monitoran<strong>do</strong> as posições e as<br />

ações da Comissão Diretora <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano<br />

Paulista, ela interviu e impôs soluções nos<br />

níveis municipal, estadual e mesmo fe<strong>de</strong>ral, como<br />

forma <strong>de</strong> assegurar estabilida<strong>de</strong> à conjuntura econômica<br />

e, coerent<strong>em</strong>ente, o próprio po<strong>de</strong>r.<br />

2<br />

Reconhecida como grupo economicamente mais<br />

forte no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, a oligarquia cafeicultora<br />

controlou o exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r político,<br />

salvaguardan<strong>do</strong> seus privilégios e impon<strong>do</strong> à<br />

nação seus projetos. Exercen<strong>do</strong> o po<strong>de</strong>r como<br />

representante <strong>do</strong> povo nas instituições políticas,<br />

esse grupo preocupou-se <strong>em</strong> prover a preservação<br />

e a dinamização da monocultura agrícola,<br />

manipulan<strong>do</strong> instrumentos formais disponíveis<br />

como <strong>de</strong>cretos, leis, projetos, pareceres, indicações<br />

e moções.<br />

A ausência <strong>de</strong> classes sociais suficient<strong>em</strong>ente<br />

competitivas ensejou um ambiente propício e<br />

tranqüilo à atuação <strong>de</strong>ssa oligarquia, durante os<br />

primeiros trinta anos <strong>do</strong> regime republicano. A<br />

manutenção <strong>do</strong> seu sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação não<br />

exigiu barganhas ou concessões a segmentos<br />

específicos da população, mas apenas o controle<br />

e reajuste <strong>de</strong> suas dissensões internas.<br />

A diversida<strong>de</strong> e a complexida<strong>de</strong> assumidas pelas<br />

relações <strong>de</strong> produção capitalista geraram o<br />

inchaço da oligarquia, dan<strong>do</strong> abrigo a interesses<br />

cada vez mais heterogêneos. Com isso, a<br />

manutenção <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, por parte <strong>do</strong> grupo heg<strong>em</strong>ônico,<br />

ficou sujeita à habilida<strong>de</strong> no exercício<br />

<strong>de</strong> jogo <strong>de</strong> cintura, que dificultasse a evolução<br />

<strong>de</strong> cisões internas e provocasse rupturas <strong>de</strong><br />

conseqüências irr<strong>em</strong>ediáveis; daí, os contínuos<br />

compromissos e recomposições <strong>de</strong> forças <strong>de</strong><br />

que o Legislativo paulista foi a um só t<strong>em</strong>po<br />

alvo e palco.<br />

No resgate <strong>do</strong> comportamento político da oligarquia<br />

cafeicultora ficou perceptível, na prática parlamentar,<br />

os mecanismos por ela a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para<br />

se conservar no po<strong>de</strong>r e dar foros legais à sua<br />

permanência.<br />

* Zita <strong>de</strong> Paula Rosa é natural <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Graduou-se <strong>em</strong> História pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, on<strong>de</strong> obteve<br />

também os títulos <strong>de</strong> mestre e <strong>do</strong>utor <strong>em</strong> História Social. Leciona atualmente na re<strong>de</strong> pública estadual e é autora <strong>do</strong>s<br />

livros A <strong>do</strong>minação Legitimada (Contexto), on<strong>de</strong> <strong>de</strong>svenda os caminhos trilha<strong>do</strong>s por <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s e sena<strong>do</strong>res paulistas<br />

na República Velha, e O Tico Tico: meio século <strong>de</strong> ação recreativa e pedagógica” (Universida<strong>de</strong> <strong>São</strong> Francisco).<br />

(zprosa@unisys.com.br)


Acervo histórico<br />

Executivo e Judiciário não exist<strong>em</strong> isoladamente,<br />

mas coexist<strong>em</strong> num contexto no qual suas atribuições<br />

se <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> e se re<strong>de</strong>fin<strong>em</strong> como forma<br />

<strong>de</strong> sustentar o próprio sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação. Por<br />

constituir-se <strong>em</strong> peça vital na engrenag<strong>em</strong> montada,<br />

o Po<strong>de</strong>r Legislativo não po<strong>de</strong> ser visto como<br />

uma instituição frágil, inexpressiva, manipulável,<br />

mera chancelaria <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />

Nas primeiras décadas <strong>do</strong> regime republicano o<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo era exerci<strong>do</strong> por um presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> e o Po<strong>de</strong>r Legislativo por um Congresso,<br />

composto por duas Câmaras: a <strong>do</strong>s <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s<br />

e a <strong>do</strong>s sena<strong>do</strong>res.<br />

Uma análise das manifestações <strong>do</strong>s congressistas,<br />

ostensivas e <strong>de</strong> basti<strong>do</strong>res, revelou estratégias<br />

e recursos <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s pela oligarquia<br />

<strong>do</strong>minante para promover a eleição <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s com os seus interesses e para<br />

exercer o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> controle sobre a atuação <strong>de</strong>sses<br />

parlamentares. Os divergentes não eram impedi<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>em</strong>itir opiniões, convicções e <strong>de</strong>nunciar<br />

injunções impostas ao Congresso. Enquanto<br />

não comprometess<strong>em</strong> sensivelmente os interesses<br />

da oligarquia cafeicultora, tais interlocutores<br />

eram tolera<strong>do</strong>s. Seus pronunciamentos eram até<br />

mesmo incorpora<strong>do</strong>s aos discursos governistas,<br />

<strong>em</strong> nome da legitimação <strong>do</strong> próprio sist<strong>em</strong>a,<br />

que estaria assim evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> sua natureza<br />

Acervo Dainis Karepovs - Revista Ilustrada Brasileira nº 35 É importante <strong>de</strong>stacar que os Po<strong>de</strong>res Legislativo,<br />

Sessão solene <strong>de</strong> abertura <strong>do</strong>s trabalhos legislativos no ano <strong>de</strong> 1923.<br />

d<strong>em</strong>ocrática. Todavia, a partir <strong>do</strong> momento <strong>em</strong><br />

que tais manifestações exce<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> os limites <strong>do</strong><br />

suportável seriam prontamente neutralizadas ou<br />

<strong>em</strong>bargadas, <strong>em</strong> nome da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e harmonia<br />

partidárias ou <strong>em</strong> razão <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> “b<strong>em</strong><br />

público”.<br />

A nulida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Congresso e sua sujeição ao coman<strong>do</strong><br />

ou arbítrio <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo, evi<strong>de</strong>nciadas<br />

na aprovação, s<strong>em</strong> questionamentos ou maiores<br />

<strong>de</strong>bates, das proposituras <strong>de</strong> iniciativa governamental,<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser percebidas <strong>em</strong> sua a<strong>de</strong>quada<br />

dimensão. Na <strong>do</strong>cilida<strong>de</strong> e maleabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo residia, na realida<strong>de</strong>, a sua força,<br />

na medida <strong>em</strong> que sua aparente inexpressivida<strong>de</strong><br />

constituía condição essencial para provimento da<br />

coesão, sustentação e legitimação necessárias<br />

ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação oligárquica.<br />

Se fosse acentua<strong>do</strong> o fortalecimento <strong>do</strong> Legislativo,<br />

isto geraria, possivelmente, conflitos, <strong>de</strong>sequilibraria<br />

o sist<strong>em</strong>a e, <strong>em</strong> última instância, poria <strong>em</strong><br />

risco os interesses <strong>do</strong> grupo dirigente, perspectiva<br />

que cumpria evitar a to<strong>do</strong> e qualquer custo.<br />

Assim, a submissão <strong>do</strong> Legislativo, habilmente<br />

induzida, favorecia a implantação <strong>de</strong> uma política<br />

centraliza<strong>do</strong>ra e autoritária, s<strong>em</strong> espaço para oposições<br />

expressivas, revelan<strong>do</strong> as contradições <strong>de</strong><br />

um arcabouço liberal, manti<strong>do</strong> sobre estruturas<br />

tradicionais e anacrônicas.


Acervo Dainis Karepovs - Revista Ilustrada Brasileira nº 71<br />

Abertura solene <strong>do</strong> Congresso no ano <strong>de</strong> 1926. Parlamentares apreciam a mensag<strong>em</strong> <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r<br />

Na distribuição <strong>de</strong> vagas no Congresso, na composição<br />

das Mesas e Comissões e na indicação<br />

<strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças partidárias se evi<strong>de</strong>nciava o esqu<strong>em</strong>a<br />

<strong>de</strong> sustentação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>rio oligárquico. As<br />

bases <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>rio se assentavam, virtualmente,<br />

na colocação <strong>de</strong> pessoas confiáveis <strong>em</strong> posições-chave<br />

para garantir rumos consentâneos na<br />

condução <strong>do</strong> processo político.<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> parâmetros para o provimento <strong>de</strong><br />

uma conveniente representação nas Casas <strong>do</strong><br />

Congresso esteve regularmente presente nos<br />

<strong>de</strong>bates concernentes a questões eleitorais. Raramente<br />

uma legislatura conseguiu eximir-se da<br />

discussão <strong>do</strong> assunto, uma vez que a composição<br />

<strong>de</strong> forças necessárias aos interesses próximos e<br />

mediatos da Comissão Diretora <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano<br />

supunha freqüentes reajustes no processo<br />

eleitoral.<br />

As diretrizes nortea<strong>do</strong>ras da composição <strong>do</strong>s<br />

quadros <strong>do</strong> Legislativo eram geralmente <strong>de</strong>finidas<br />

cuida<strong>do</strong>samente, levan<strong>do</strong> <strong>em</strong> conta as forças<br />

envolvidas, os acor<strong>do</strong>s e os comprometimentos<br />

<strong>do</strong>s diretórios locais com a Comissão Diretora <strong>do</strong><br />

Parti<strong>do</strong> Republicano Paulista.<br />

O postulante ao Congresso tinha, a princípio, que<br />

estar <strong>de</strong>vidamente qualifica<strong>do</strong> como eleitor, ser<br />

brasileiro, maior <strong>de</strong> vinte e um anos, alfabetiza<strong>do</strong><br />

e não sujeito à obediência <strong>de</strong> regras e estatutos<br />

que implicass<strong>em</strong> restrições à liberda<strong>de</strong> individual.<br />

1<br />

Além disso, <strong>de</strong>veria encontrar-se no pleno exercício<br />

<strong>de</strong> seus direitos políticos e estar <strong>do</strong>micilia<strong>do</strong><br />

no esta<strong>do</strong>, há pelo menos três anos. Disposições<br />

compl<strong>em</strong>entares impediam o acesso ao Legislativo<br />

<strong>do</strong>s que exercess<strong>em</strong> funções junto ao Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, b<strong>em</strong> como <strong>do</strong>s ocupantes <strong>de</strong> cargo na<br />

presidência ou direção <strong>de</strong> companhias, <strong>em</strong>presas<br />

ou bancos beneficiários <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

O caminho que conduzia ao Legislativo, <strong>em</strong> geral,<br />

<strong>de</strong>lineava-se <strong>de</strong> forma progressiva para o aspirante<br />

à vida parlamentar; <strong>de</strong> ocupante <strong>de</strong> cargo público<br />

<strong>de</strong> carreira, por ex<strong>em</strong>plo, passava a exercer<br />

funções <strong>de</strong> confiança, daí partin<strong>do</strong>, via indicação,<br />

para concorrer ao Legislativo. Pesavam nessa<br />

trajetória, além da confiabilida<strong>de</strong> inspirada, competências<br />

<strong>em</strong> oratória e sagacida<strong>de</strong> para agir s<strong>em</strong><br />

comprometer os interesses <strong>do</strong> grupo heg<strong>em</strong>ônico.<br />

O acesso ao Legislativo, no entanto, era facilita<strong>do</strong><br />

aos egressos das acad<strong>em</strong>ias e aos vincula<strong>do</strong>s por<br />

laços <strong>de</strong> parentesco aos <strong>de</strong>tentores <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Na composição das chapas, a Comissão Diretora<br />

procedia com extr<strong>em</strong>o cuida<strong>do</strong>, bloquean<strong>do</strong> o<br />

acesso <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> criar obstáculos<br />

a uma atuação parlamentar sintonizada<br />

com os interesses que ela representava. Situações<br />

supervenientes podiam comprometer esse<br />

esforço, geran<strong>do</strong> o aparecimento <strong>de</strong> dissidências<br />

que <strong>de</strong>veriam ser erradicadas, neutralizadas ou<br />

absorvidas, antes que se transformass<strong>em</strong> <strong>em</strong> séria<br />

ameaça ao grupo heg<strong>em</strong>ônico no po<strong>de</strong>r.


Acervo histórico<br />

O acesso ao Po<strong>de</strong>r Legislativo só podia ser compreendi<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> razão <strong>do</strong> processo eleitoral que o<br />

viabilizava. Este, nas primeiras décadas <strong>do</strong> regime<br />

republicano, transcorreu, <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral,<br />

<strong>em</strong> clima tranqüilo. Apesar <strong>de</strong> não haver obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> voto, a ocorrência <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes<br />

durante a realização <strong>do</strong>s pleitos surgia quan<strong>do</strong><br />

os resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sejáveis eram ameaça<strong>do</strong>s por<br />

eventuais surpresas.<br />

A a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> voto distrital foi introduzida nos <strong>de</strong>bates<br />

parlamentares <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1896, segun<strong>do</strong> ano da<br />

Terceira Legislatura. A insistência <strong>de</strong> uns poucos<br />

congressistas <strong>em</strong> propor a divisão <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

distritos visava favorecer a representativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

parlamentares não plenamente sintoniza<strong>do</strong>s com<br />

o i<strong>de</strong>ário e a prática política da Comissão Diretora<br />

<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano.<br />

Uma reforma eleitoral promulgada <strong>em</strong> 1905 ampliou<br />

<strong>de</strong> vinte para vinte e quatro o número <strong>de</strong><br />

sena<strong>do</strong>res e, <strong>de</strong> quarenta para cinqüenta, o <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s, instituin<strong>do</strong> o voto distrital apenas para<br />

as eleições <strong>de</strong>stes últimos.<br />

Além da divisão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<br />

circunscrições eleitorais, elegen<strong>do</strong> cada qual cinco<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s, ficou estabeleci<strong>do</strong> que seriam realiza<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>is escrutínios. No primeiro, se elegeriam<br />

os candidatos que obtivess<strong>em</strong> votação igual ou<br />

superior ao quociente resultante da divisão da totalida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s votos apura<strong>do</strong>s por cinco, número <strong>de</strong><br />

vagas por distrito. Assim, por ex<strong>em</strong>plo, se <strong>em</strong> um<br />

distrito votass<strong>em</strong> cinco mil eleitores, o quociente<br />

a ser alcança<strong>do</strong> seria <strong>de</strong> mil votos. Qualquer<br />

candidato que obtivesse esse total estaria eleito.<br />

Previa-se que apenas um ou <strong>do</strong>is candidatos <strong>em</strong><br />

cada distrito atingiriam o quociente necessário, o<br />

que imporia a realização <strong>de</strong> segun<strong>do</strong> escrutínio<br />

para eleger os d<strong>em</strong>ais representantes, pela ord<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> votos obti<strong>do</strong>s.<br />

Posto <strong>em</strong> prática o voto distrital <strong>em</strong> <strong>do</strong>is escrutínios<br />

para <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual, <strong>em</strong> 1907, houve<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interferências da Comissão Diretora<br />

<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Paulista para garantir<br />

a indicação <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s nomes nas chapas<br />

“oficiais”. A introdução <strong>do</strong> novo sist<strong>em</strong>a ocorria<br />

após a chamada “Conciliação” ou “Congraçamento”<br />

que, <strong>em</strong> 1906, reintegrou à família republicana<br />

antigos dissi<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong>. Incertezas quanto<br />

à efetiva receptivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> candidaturas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong>spertavam na Comissão Diretora t<strong>em</strong>or<br />

quanto a eventuais surpresas.<br />

Embora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os t<strong>em</strong>pos da Propaganda Republicana<br />

se acenasse com a perspectiva <strong>de</strong><br />

ensejar ao povo o pleno gozo <strong>de</strong> prerrogativas<br />

inerentes à cidadania, na realida<strong>de</strong> o que lhe era<br />

ofereci<strong>do</strong> <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> participação política era<br />

avalizar candidaturas impostas.<br />

Apologistas da implantação <strong>do</strong> voto distrital para<br />

a eleição <strong>de</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s estaduais afirmavam que<br />

ele conferiria cunho efetivamente liberal ao processo<br />

eleitoral e propiciaria a almejada representação<br />

das “minorias”. Contu<strong>do</strong>, o rigoroso controle<br />

<strong>do</strong>s eleitores, a rigi<strong>de</strong>z da disciplina partidária e<br />

a manipulação das composições <strong>de</strong> força para<br />

viabilizar a eleição <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong>sejáveis, no<br />

duplo escrutínio, bloquearam, na prática, as chances<br />

r<strong>em</strong>otas <strong>do</strong>s candidatos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />

Apesar da nova roupag<strong>em</strong> <strong>de</strong> que se revestiram,<br />

as reformas eleitorais não ensejaram às minorias<br />

e aos distritos qualquer representativida<strong>de</strong>. A forma<br />

<strong>de</strong> operacionalização da referida reforma, as<br />

a<strong>de</strong>quações nela processadas e os mecanismos<br />

específicos a que sucessivamente <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong><br />

foram <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a não <strong>de</strong>ixar dúvidas quanto às<br />

intenções que haviam nortea<strong>do</strong> sua implantação,<br />

inspiradas e convergentes, <strong>em</strong> última instância,<br />

para a manutenção <strong>do</strong> status quo.<br />

Saudada como marco renova<strong>do</strong>r na política <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por supor um contato estreito<br />

<strong>do</strong>s eleitos com os distritos responsáveis<br />

por sua eleição, as expectativas <strong>de</strong> mudanças na<br />

representativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> minorias se <strong>de</strong>svaneceram.<br />

O rígi<strong>do</strong> esqu<strong>em</strong>a monta<strong>do</strong> pela Comissão Diretora<br />

<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Paulista, objetivan<strong>do</strong><br />

promover as indicações para as chapas “oficiais”<br />

e controlar a distribuição <strong>de</strong> votos nos distritos<br />

eleitorais entre os seus candidatos, bloqueou o<br />

acesso <strong>de</strong> candidaturas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />

Num processo <strong>de</strong> rearticulação <strong>de</strong> forças, tanto no<br />

primeiro como no segun<strong>do</strong> escrutínio, a atuação<br />

da Comissão Diretora foi eficiente, concentran<strong>do</strong><br />

os sufrágios <strong>em</strong> <strong>do</strong>is ou três nomes distingui<strong>do</strong>s<br />

com preferência. E para coibir a crescente expansão<br />

<strong>de</strong> oposições no seio <strong>de</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano<br />

e evitar possíveis surpresas, promoviam-se prévias<br />

nas quais algumas indicações seriam suprimidas<br />

ou <strong>de</strong>slocadas e outras seriam impostas.<br />

A <strong>de</strong>speito da interferência direta da Comissão<br />

Diretora, nas eleições <strong>de</strong> 1910, algumas candidaturas<br />

oposicionistas, preteridas pelas forças<br />

governistas, lograram êxito. Concorren<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

chapas próprias, elas conseguiram um relativo<br />

aumento <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> contu<strong>do</strong><br />

se converter<strong>em</strong> <strong>em</strong> ameaça mais séria. Estes<br />

oposicionistas, entretanto, não conseguiram, <strong>em</strong>


Acervo Dainis Karepovs - Revista Ilustrada Brasileira nº 119<br />

Sena<strong>do</strong>r Cândi<strong>do</strong> Motta lê mensag<strong>em</strong> <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r, na sessão solene <strong>de</strong> abertura <strong>do</strong> Congresso, <strong>em</strong> 1930<br />

momento algum, articular qualquer projeto político,<br />

manten<strong>do</strong> apenas <strong>em</strong>bates mo<strong>de</strong>stos com os<br />

legitima<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s projetos governistas.<br />

Se os mecanismos legais, como, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

leis concernentes ao processo eleitorais, se<br />

mostrass<strong>em</strong> insatisfatórios, havia, como alternativa,<br />

um conjunto <strong>de</strong> práticas a que se podia recorrer<br />

para obter o impedimento <strong>de</strong> ingresso <strong>do</strong>s<br />

in<strong>de</strong>sejáveis: <strong>de</strong>sorganização intencional nos<br />

trabalhos eleitorais, substituição <strong>de</strong> cédulas, impedimento<br />

da presença <strong>de</strong> fiscais <strong>de</strong> candidatos<br />

oposicionistas no acompanhamento <strong>do</strong> processo<br />

<strong>de</strong> votação, distribuição criteriosa <strong>do</strong>s votos nos<br />

núcleos eleitorais entre os candidatos oficiais,<br />

irregularida<strong>de</strong>s na r<strong>em</strong>essa <strong>de</strong> cópias das atas<br />

das mesas eleitorais, dificultan<strong>do</strong> a atuação da<br />

junta apura<strong>do</strong>ra, dupla votação <strong>de</strong> eleitores e<br />

outras artimanhas. Imaginação e criativida<strong>de</strong><br />

eram <strong>do</strong>ns cultiva<strong>do</strong>s com carinho pelo grupo<br />

dirigente, quan<strong>do</strong> se tratava <strong>de</strong> assegurar sua<br />

perpetuação no po<strong>de</strong>r.<br />

A existência <strong>de</strong> um parti<strong>do</strong> único, que usufruía<br />

o prestígio oficial, que se arrogava o direito <strong>de</strong><br />

indicar e eleger a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s representantes,<br />

que recorria ao rodízio, como forma <strong>de</strong> fugir às<br />

críticas, que escamoteava os direitos <strong>do</strong>s eleitores,<br />

impedia o êxito <strong>de</strong> tentativas isoladas <strong>de</strong><br />

moralização <strong>do</strong> processo eleitoral.<br />

Enquanto o Po<strong>de</strong>r Executivo propagava a liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> voto e recomendava a neutralida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

agentes <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, a Comissão Diretora recorria,<br />

com a cooperação <strong>de</strong> chefes distritais, a toda a<br />

sorte <strong>de</strong> mecanismos, impedin<strong>do</strong> o acesso <strong>de</strong><br />

representantes franco-atira<strong>do</strong>res, que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong><br />

falar e agir por conta própria. A Comissão Diretora<br />

não criava obstáculos ao surgimento <strong>de</strong> candidaturas<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, pois era preciso conferir um<br />

cunho d<strong>em</strong>ocrático ao processo eleitoral posto<br />

<strong>em</strong> prática; contu<strong>do</strong>, raramente essas candidaturas<br />

alcançavam sucesso nas urnas, tais as<br />

artimanhas a que se lançavam mão para <strong>de</strong>rrotálas.<br />

Caso saíss<strong>em</strong> vitoriosas, apelava-se, como<br />

último recurso, para a interferência da Comissão<br />

Verifica<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, verda<strong>de</strong>ira expurga<strong>do</strong>ra<br />

<strong>de</strong> candidaturas in<strong>de</strong>sejáveis. A ela cabia apreciar<br />

os diplomas <strong>do</strong>s candidatos eleitos e averiguar o<br />

mérito das contestações havidas e das irregularida<strong>de</strong>s<br />

registradas no processo eleitoral.<br />

O ceticismo popular <strong>em</strong> relação às eleições era<br />

atribuí<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> espírito cívico e <strong>de</strong> educação<br />

política <strong>do</strong> povo. Em certa medida, ele não<br />

passava <strong>de</strong> produto <strong>do</strong> próprio <strong>de</strong>sprestígio das<br />

instituições republicanas, da ausência <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>s<br />

políticos e <strong>do</strong>s casuísmos da legislação eleitoral,<br />

cuja perspectiva, explícita ou velada, resumia-se<br />

<strong>em</strong> assegurar a perpetuação das oligarquias no<br />

po<strong>de</strong>r, frustran<strong>do</strong> continuadamente o direito <strong>de</strong><br />

representação das minorias.<br />

A preocupação com o eleitora<strong>do</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

rebel<strong>de</strong> às diretrizes e orientações da Comissão<br />

Diretora <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Paulista, evi<strong>de</strong>nciou-se<br />

<strong>em</strong> 1907, com a implantação <strong>do</strong> voto<br />

distrital. Concentran<strong>do</strong>-se nos gran<strong>de</strong>s centros<br />

urbanos, especialmente na Capital, com seu<br />

comportamento imprevisível, esse contingente<br />

dificultava para a Comissão a tarefa <strong>de</strong> distribuir,<br />

entre os candidatos por ela referenda<strong>do</strong>s, os diferentes<br />

núcleos eleitorais.<br />

Entretanto, se na Capital existia um eleitora<strong>do</strong><br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e insubordina<strong>do</strong>, aí também se con-


Acervo Dainis Karepovs - Revista ilustrada Brasileira nº 119<br />

Acervo histórico<br />

Congressistas na abertura <strong>do</strong>s trabalhos legislativos no ano <strong>de</strong> 1930<br />

centrava a maioria <strong>do</strong> funcionalismo público, sujeita<br />

a pressões, mediante promessas e ameaças.<br />

Atentos, os mandarins <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r apelavam para<br />

todas as estratégias para evitar que um eleitora<strong>do</strong><br />

rebel<strong>de</strong> provocasse <strong>de</strong>sequilíbrios, que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong><br />

perturbar, ainda que <strong>em</strong> escala reduzida, o esforço<br />

<strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>minação heg<strong>em</strong>ônica.<br />

Na linguag<strong>em</strong> popular, a expressão “eleições a<br />

bico-<strong>de</strong>-pena” i<strong>de</strong>ntificou o simulacro, a falcatrua<br />

e os abusos que comumente ocorriam durante o<br />

processo eleitoral.<br />

A tarefa da mesa receptora era fundamental. Às<br />

vezes ela n<strong>em</strong> chegava a ser constituída, como<br />

forma <strong>de</strong> impedir a votação, nas localida<strong>de</strong>s <strong>em</strong><br />

que os opositores aos candidatos governistas<br />

foss<strong>em</strong> reconhecidamente imbatíveis. A inexistência<br />

<strong>de</strong> livros e urnas, a não abertura <strong>do</strong> local <strong>de</strong><br />

votação, o não atendimento à convocação pelos<br />

mesários indica<strong>do</strong>s, a dificulda<strong>de</strong> para completar<br />

ou compor a mesa, momentos antes <strong>do</strong> início da<br />

eleição foram expedientes <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s para obstruir<br />

o processo eleitoral. Em tais circunstâncias,<br />

não ocorria votação, só restan<strong>do</strong> a alguns eleitores<br />

o recurso <strong>de</strong> se dirigir a um cartório <strong>de</strong> paz,<br />

para lavrar ve<strong>em</strong>ente mas inócuo protesto.<br />

Multas <strong>em</strong> dinheiro e prisão celular, <strong>de</strong> três meses<br />

a <strong>do</strong>is anos, seriam aplicadas àqueles que impediss<strong>em</strong><br />

o eleitor <strong>de</strong> votar, solicitass<strong>em</strong> votos, mediante<br />

promessas ou ameaças, ven<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> seu<br />

voto, tentass<strong>em</strong> votar com o título <strong>de</strong> outro eleitor,<br />

fornecess<strong>em</strong> seu título a outro ou votass<strong>em</strong> mais<br />

<strong>de</strong> uma vez, impediss<strong>em</strong> ou dissolvess<strong>em</strong> a mesa<br />

eleitoral, portass<strong>em</strong> armas ao votar, extravias-<br />

s<strong>em</strong>, ocultass<strong>em</strong>, inutilizass<strong>em</strong>, confiscass<strong>em</strong> ou<br />

substituíss<strong>em</strong> títulos. Entretanto, tais infrações<br />

ficavam impunes, a <strong>de</strong>speito das <strong>de</strong>núncias por<br />

parte <strong>do</strong>s prejudica<strong>do</strong>s.<br />

O fato <strong>de</strong> o voto não ser obrigatório favorecia o<br />

<strong>em</strong>prego <strong>de</strong> múltiplas estratégias, visan<strong>do</strong> conduzir<br />

o processo eleitoral aos resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s<br />

Os relatórios <strong>do</strong>s chefes <strong>de</strong> polícia e <strong>do</strong>s Secretários<br />

<strong>do</strong> Interior e da Justiça, ao se referir<strong>em</strong> às alterações<br />

na ord<strong>em</strong> pública, reconheciam que, nos<br />

perío<strong>do</strong>s que antecediam à sucessão <strong>em</strong> cargos<br />

<strong>do</strong> Executivo e <strong>do</strong> Legislativo, multiplicavam-se<br />

os distúrbios político-eleitorais; sintomaticamente,<br />

entretanto, tendiam a subestimar as proporções<br />

<strong>de</strong>sses eventos.<br />

Eram <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s eleitos os candidatos com maior<br />

votação. Em caso <strong>de</strong> <strong>em</strong>pate, a escolha era <strong>de</strong>terminada<br />

por sorteio, anuncia<strong>do</strong> na imprensa, com<br />

24 horas <strong>de</strong> antecedência, sen<strong>do</strong> seu resulta<strong>do</strong><br />

consigna<strong>do</strong> <strong>em</strong> ata.<br />

Nos distritos eleitorais, o processo <strong>de</strong> apuração<br />

tendia a ser mecânico, tranqüilo e inquestionável.<br />

O mesmo, no entanto, não acontecia nas seções<br />

eleitorais, on<strong>de</strong> as mesas, ao proce<strong>de</strong>r<strong>em</strong><br />

à apuração <strong>do</strong>s sufrágios, podiam forjar os resulta<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s, antes <strong>de</strong> lavrar<strong>em</strong> suas atas.<br />

Era nesta etapa que se processava a inutilização<br />

<strong>de</strong> votos váli<strong>do</strong>s ou o cômputo <strong>de</strong> sufrágios <strong>de</strong><br />

mortos e ausentes, <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com os<br />

interesses majoritários.<br />

Para o grupo dirigente, afigurava-se vital assegurar<br />

a composição e o comportamento da


facção heg<strong>em</strong>ônica no Congresso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

tanto como forma <strong>de</strong> prover a sustentação e a<br />

dinamização ao seu projeto econômico, como<br />

<strong>de</strong> ensejar condições para que o projeto <strong>em</strong><br />

questão, extrapolan<strong>do</strong> os limites territoriais <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, se impusesse à Nação.<br />

Para garantir a heg<strong>em</strong>onia no Congresso, bloquear<br />

as fissuras <strong>de</strong>tectadas no seio <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong><br />

Republicano e harmonizar interesses díspares<br />

e conflitantes <strong>de</strong> facções <strong>do</strong> grupo dirigente, um<br />

<strong>do</strong>s espaços i<strong>de</strong>ais para negociações, acor<strong>do</strong>s e<br />

compromissos era, certamente, o representa<strong>do</strong><br />

pela distribuição das vagas no Legislativo.<br />

Sen<strong>do</strong> o acesso a essas vagas inspira<strong>do</strong> e regula<strong>do</strong><br />

por propostas liberais, afigurar-se-ia incoerente<br />

a criação <strong>de</strong> obstáculos ao surgimento <strong>de</strong> candidaturas<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Assim, a admissão <strong>de</strong><br />

tais candidaturas no processo eleitoral prestou-se<br />

para conferir-lhe foros <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> e matizes<br />

d<strong>em</strong>ocráticos. O acolhimento <strong>de</strong>ssa concorrência,<br />

contu<strong>do</strong>, gerou a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> apelo a<br />

múltiplos mecanismos, institucionaliza<strong>do</strong>s ou não,<br />

para prover o expurgo <strong>de</strong> candidaturas in<strong>de</strong>sejáveis<br />

que, se vitoriosas, pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> pôr <strong>em</strong> risco o<br />

funcionamento harmônico da representativida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> grupo heg<strong>em</strong>ônico no Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

“Maioria” e “minoria” foram expressões comumente<br />

usadas nos pronunciamentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s e<br />

sena<strong>do</strong>res e nos editoriais políticos da imprensa.<br />

Tais referências i<strong>de</strong>ntificavam, respectivamente, o<br />

disciplina<strong>do</strong> contingente <strong>de</strong> parlamentares sintoniza<strong>do</strong>s<br />

com as diretrizes da Comissão Diretora <strong>do</strong><br />

Parti<strong>do</strong> Republicano Paulista e o reduzi<strong>do</strong> grupo<br />

<strong>de</strong> congressistas insubordina<strong>do</strong> a essas mesmas<br />

diretrizes. Menções a “minorias” jamais indicaram<br />

qualquer compromisso com os probl<strong>em</strong>as, interesses<br />

ou reivindicações <strong>de</strong> setores excluí<strong>do</strong>s da<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

As minorias nas primeiras décadas republicanas<br />

não chegaram a constituir-se <strong>em</strong> verda<strong>de</strong>ira oposição<br />

às diretrizes governistas. S<strong>em</strong> coesão, unida<strong>de</strong><br />

e regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação, b<strong>em</strong> como interesse<br />

pela apresentação <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> reorganização<br />

social ou política, elas não passaram <strong>de</strong> um somatório<br />

<strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s contestatórias, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

entre si, ditadas mais por simpatias e antipatias<br />

pessoais, que por convicções i<strong>de</strong>ológicas.<br />

Em razão <strong>do</strong> seu caráter assist<strong>em</strong>ático, difuso, inofensivo<br />

para os interesses <strong>do</strong> grupo heg<strong>em</strong>ônico,<br />

a atuação das minorias ten<strong>de</strong>u a ser, não apenas<br />

tolerada, mas, inclusive estimulada, como forma<br />

<strong>de</strong> legitimar o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação vigente.<br />

Deputa<strong>do</strong>s que se auto-i<strong>de</strong>ntificavam como minorias<br />

não ingressavam na Câmara <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>de</strong> eventuais “furos” no processo eleitoral. A postura<br />

<strong>de</strong> resistência ou antagonismo às diretrizes<br />

da Comissão Diretora, que caracterizou a atuação<br />

<strong>de</strong>ssa minoria foi endógena à vivência parlamentar.<br />

Tanto maioria como minoria ten<strong>de</strong>ram a se<br />

i<strong>de</strong>ntificar, mais propriamente com pessoas, <strong>do</strong><br />

que com <strong>do</strong>utrinas e programas <strong>de</strong> ação.<br />

Tatus, mosquitos, jorgistas, bernardistas, linsistas...<br />

não <strong>de</strong>signavam parti<strong>do</strong>s políticos, classicamente<br />

entendi<strong>do</strong>s como agr<strong>em</strong>iações constituídas<br />

<strong>em</strong> torno <strong>de</strong> princípios e i<strong>de</strong>ais para a <strong>de</strong>fesa<br />

e execução <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> ação específicos,<br />

buscan<strong>do</strong> representativida<strong>de</strong> no Congresso Legislativo;<br />

simplesmente i<strong>de</strong>ntificavam diferentes<br />

facções <strong>em</strong> que se fragmentava o único parti<strong>do</strong><br />

reconheci<strong>do</strong> - o Parti<strong>do</strong> Republicano - lutan<strong>do</strong>,<br />

cada qual, para conservar o po<strong>de</strong>r quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>tinha,<br />

ou para conquistá-lo, quan<strong>do</strong> este ainda não<br />

lhe pertencia.<br />

No sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação oligárquica vigente, o<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo adquiriu características específicas.<br />

Assim, não representou a socieda<strong>de</strong> civil, <strong>em</strong><br />

senti<strong>do</strong> mais amplo. Esta era pouco complexa e<br />

precariamente organizada para permitir uma efetiva<br />

pluralida<strong>de</strong> na representação <strong>de</strong> interesses e<br />

aspirações. Os setores médios da população encontravam-se,<br />

ainda, <strong>em</strong> esta<strong>do</strong> <strong>em</strong>brionário. O<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo constituiu-se, então, sobretu<strong>do</strong>,<br />

<strong>em</strong> expressão <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> grupo dirigente e<br />

<strong>de</strong> suas facções, <strong>em</strong> disputas internas.<br />

À pouca complexida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> civil contrapunha-se<br />

a diversida<strong>de</strong> crescente assumida pela<br />

própria oligarquia, na medida <strong>em</strong> que interesses<br />

econômicos, cada vez mais varia<strong>do</strong>s, nela encontravam<br />

abrigo. Acentuava ainda mais a complexida<strong>de</strong><br />

<strong>em</strong> questão, a intrincada re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações<br />

familiares, <strong>de</strong> laços <strong>de</strong> apadrinhamento e <strong>de</strong> comprometimento<br />

continuamente estabeleci<strong>do</strong>s.<br />

O poeta Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, <strong>em</strong> “Paulicéia Desvairada”<br />

(1922), sob o título “O Rebanho!” ,<br />

associava os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s no Congresso com a<br />

imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um rebanho submisso ao condutor,<br />

pastan<strong>do</strong> rente ao palácio da Presidência <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>. No entanto, essa subserviência, inoperância<br />

e inexpressivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

são possíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> contestadas. Em sua<br />

sujeição e fragilida<strong>de</strong> aparentes é que residiu<br />

sua força; esse arcabouço, débil como se afigurava,<br />

sustentou e legitimou durante décadas<br />

um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação, <strong>do</strong> qual, ainda hoje,<br />

encontramos resquícios.


DAH-ALESP<br />

Acervo histórico


Papéis Avulsos<br />

A Constituição Santista<br />

Dainis Karepovs *<br />

Uma das principais ban<strong>de</strong>iras <strong>do</strong>s republicanos<br />

brasileiros, exposta no seu manifesto inaugural <strong>de</strong><br />

1870, era a da instituição <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> funda<strong>do</strong><br />

no princípio fe<strong>de</strong>rativo. Eles o <strong>de</strong>finiam como uma<br />

idéia d<strong>em</strong>ocrática por excelência e o apresentavam<br />

como a única forma <strong>de</strong> manter a coesão <strong>do</strong><br />

Brasil. No seu manifesto inaugural <strong>de</strong> 1870 os republicanos<br />

faziam, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, um contraponto<br />

com o regime monárquico e seu caráter extr<strong>em</strong>amente<br />

centraliza<strong>do</strong>r:<br />

“A centralização, tal qual existe, representa<br />

o <strong>de</strong>spotismo, dá força ao po<strong>de</strong>r pessoal<br />

que avassala, estraga e corrompe os caracteres,<br />

perverte e anarquiza os espíritos,<br />

comprime a liberda<strong>de</strong>, constrange o cidadão,<br />

subordina o direito <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s ao arbítrio<br />

<strong>de</strong> um só po<strong>de</strong>r, nulifica <strong>de</strong> fato a soberania<br />

nacional, mata o estímulo <strong>do</strong> progresso<br />

local, suga a riqueza peculiar das províncias,<br />

constituin<strong>do</strong>-as satélites obriga<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> astro da Corte - centro absorvente<br />

e compressor que tu<strong>do</strong> corrompe e<br />

tu<strong>do</strong> concentra <strong>em</strong> si – na ord<strong>em</strong> moral<br />

e política, como na ord<strong>em</strong> econômica e<br />

administrativa.”<br />

Desta visão resultava a formulação da autonomia<br />

às províncias, “princípio car<strong>de</strong>al e solene”<br />

inscrito na ban<strong>de</strong>ira <strong>do</strong>s republicanos. E também,<br />

como <strong>de</strong>corrência lógica, <strong>de</strong>fendiam a<br />

autonomia <strong>do</strong>s municípios. Assim o fazia, um<br />

entre vários ex<strong>em</strong>plos, o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> provincial<br />

Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Moraes, <strong>em</strong> pronunciamento feito<br />

no plenário <strong>do</strong> Legislativo Paulista, <strong>em</strong> 20 <strong>de</strong><br />

Março <strong>de</strong> 1882:<br />

“Sou sectário convicto da <strong>de</strong>scentralização<br />

política e da mais larga <strong>de</strong>scentralização<br />

administrativa; por isso quero que se reconheça<br />

a plena autonomia <strong>de</strong> municipalida<strong>de</strong>,<br />

dan<strong>do</strong>-lhe faculda<strong>de</strong> para resolver<br />

<strong>de</strong>finitivamente sobre criação, arrecadação<br />

e aplicação das rendas municipais. Está<br />

isso no programa <strong>de</strong> meu parti<strong>do</strong>.”<br />

No entanto, o programa republicano não se concretizou<br />

conforme a teoria. Com a instauração<br />

<strong>do</strong> regime republicano, os municípios se viram<br />

confronta<strong>do</strong>s com uma prática que lhes tolheu<br />

por muito t<strong>em</strong>po as aspirações <strong>de</strong> autonomia.<br />

Somente mais <strong>de</strong> um século <strong>de</strong>pois, com a Constituição<br />

<strong>de</strong> 1988, o Município receberia o estatuto<br />

<strong>de</strong> ente fe<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>.<br />

Aqui ir<strong>em</strong>os examinar como os primeiros republicanos<br />

construíram, teórica e praticamente, a<br />

figura da autonomia municipal. A partir <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentação<br />

preservada na Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico<br />

da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>, será examina<strong>do</strong> um caso concreto: a da<br />

Constituição Política <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santos <strong>de</strong><br />

15 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894, que chegou a instituir a<br />

eleição direta para prefeito e, ao que consta, pela<br />

primeira vez sob o regime republicano, o voto da<br />

mulher e que acabou anulada pelo Congresso<br />

Legislativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

A quESTão MunICIPAL no 2º IMPérIo<br />

E oS rEPuBLICAnoS<br />

Sob o centraliza<strong>do</strong> regime imperial brasileiro<br />

os municípios tinham <strong>de</strong> ter as suas leis, então<br />

* - Dainis Karepovs é historia<strong>do</strong>r. Mestre e Doutor <strong>em</strong> História Social e História Econômica pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>. Diretor da Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Autor, <strong>em</strong> parceria<br />

com Fulvio Abramo, <strong>de</strong> Na contracorrente da história. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Brasiliense, 1987; A história <strong>do</strong>s bancários - Lutas<br />

e conquistas: 1923-1993. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Bangraf, 1994; Luta subterrânea. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Hucitec/Ed. da UNESP, 2004, além<br />

<strong>de</strong> artigos publica<strong>do</strong>s <strong>em</strong> revistas <strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> exterior. (dainis_ka@yahoo.com.br)


Acervo histórico<br />

chamadas <strong>de</strong> posturas municipais, referendadas<br />

pelas Ass<strong>em</strong>bléias <strong>Legislativa</strong>s Provinciais, as<br />

quais, além disso, também tinham a tarefa <strong>de</strong> discutir<br />

e aprovar os orçamentos municipais.<br />

Os republicanos paulistas, frente a isto, elaboraram,<br />

<strong>em</strong> 1873, as “Bases para a Constituição <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>”, formuladas pela Comissão<br />

Permanente <strong>do</strong> Congresso Republicano. Nele<br />

propunham que, sob o regime republicano, <strong>em</strong><br />

cada município houvesse um Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

Municipal, confia<strong>do</strong> a uma ou mais pessoas, por<br />

eleição ou nomeação, “conforme <strong>de</strong>terminar o<br />

Município por <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> seu Conselho”, e<br />

um Conselho Municipal, com 7 a 21 m<strong>em</strong>bros,<br />

eleitos a cada quatro anos. A ambos ou a qualquer<br />

um <strong>de</strong>les caberia a nomeação, fiscalização,<br />

d<strong>em</strong>issão, b<strong>em</strong> como a regulação das atribuições<br />

e vencimentos <strong>do</strong>s funcionários “indispensáveis à<br />

administração <strong>do</strong> Município”.<br />

Com respeito às Câmaras Municipais eram-lhes<br />

dadas pelo Projeto <strong>de</strong> Constituição as seguintes<br />

atribuições:<br />

“§ - Organizar o respectivo Estatuto Municipal;<br />

§ - Legislar por meio <strong>de</strong> Posturas sobre<br />

estradas, ruas, jardins, logra<strong>do</strong>uro público,<br />

merca<strong>do</strong>s, abastecimento d’água, obras <strong>de</strong><br />

irrigação, incêndios, iluminação, instrução<br />

pública, bibliotecas populares, hospitais, higiene<br />

e saú<strong>de</strong> pública, <strong>em</strong>belezamentos e<br />

regularida<strong>de</strong> das povoações, c<strong>em</strong>itérios, e<br />

sobre to<strong>do</strong>s os serviços e obras <strong>de</strong> peculiar<br />

interesse <strong>do</strong> Município;<br />

§ - Fixar e <strong>de</strong>spesa municipal e <strong>de</strong>cretar<br />

impostos para ela;<br />

§ - Criar e organizar uma guarda municipal<br />

exclusivamente <strong>de</strong>stinada a auxiliar os<br />

po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Município no exercício <strong>de</strong> suas<br />

atribuições e cumprimento <strong>de</strong> suas leis;<br />

§ - Decretar <strong>de</strong>sapropriações por utilida<strong>de</strong><br />

municipal, <strong>de</strong> harmonia com os casos e forma<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s por lei <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.”<br />

Tais posicionamentos seriam manti<strong>do</strong>s, <strong>em</strong><br />

1881, no programa <strong>do</strong>s candidatos <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong><br />

Republicano nas eleições na Província <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>. A eles acrescentava-se, como uma espécie<br />

<strong>de</strong> adaptação ao quadro então existente - <strong>em</strong><br />

que, como vimos acima, a Ass<strong>em</strong>bléia Provincial<br />

tinha <strong>de</strong> sancionar as posturas municipais -, o<br />

seguinte it<strong>em</strong>:<br />

“Fica o po<strong>de</strong>r legislativo provincial com direito<br />

<strong>de</strong> cassar ou anular as <strong>de</strong>liberações<br />

das municipalida<strong>de</strong>s, que for<strong>em</strong> contrárias<br />

ao interesse provincial ou nacional.”<br />

oS MunICíPIoS PAuLISTAS<br />

SoB A rEPúBLICA<br />

Com a proclamação da República, os republicanos<br />

paulistas pu<strong>de</strong>ram pôr <strong>em</strong> prática o seu<br />

programa para os municípios.<br />

Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Moraes, então como primeiro Governa<strong>do</strong>r<br />

paulista sob o novo regime, reiterou a <strong>do</strong>utrina<br />

<strong>do</strong>s republicanos a respeito da autonomia<br />

<strong>do</strong>s municípios:<br />

“Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a tutela administrativa, exercida<br />

durante muitos anos sobre os municípios,<br />

só t<strong>em</strong> produzi<strong>do</strong> o entorpecimento e a penúria<br />

na sua vida econômica e que era urgente, sob<br />

o novo regime, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>em</strong>ancipar<br />

os municípios, confian<strong>do</strong>-lhes a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

prover<strong>em</strong> aos seus próprios negócios, por estar<br />

verifica<strong>do</strong>, teórica e praticamente, que só a<br />

<strong>de</strong>scentralização, pelo estabelecimento da autonomia<br />

municipal, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar as energias<br />

locais, impulsionar a vida pública e expandir as<br />

suas forças latentes ...” 1<br />

Em 15 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1890, por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto,<br />

Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Moraes <strong>de</strong>u aos municípios competência<br />

para criar e suprimir impostos; orçar a receita<br />

e a <strong>de</strong>spesa; contrair <strong>em</strong>préstimos; alterar,<br />

revogar e <strong>de</strong>cretar posturas municipais; suprimir<br />

e criar <strong>em</strong>pregos municipais; <strong>de</strong>cidir sobre a polícia<br />

administrativa e econômica <strong>do</strong> município; e,<br />

igualmente, tu<strong>do</strong> quanto se referir à tranqüilida<strong>de</strong>,<br />

segurança, comodida<strong>de</strong> e saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s munícipes.<br />

Tal <strong>de</strong>creto, todavia, “para garantir os inestimáveis<br />

benefícios da instituição da autonomia municipal<br />

pela repressão <strong>de</strong> quaisquer exorbitâncias”,<br />

dava ao Governa<strong>do</strong>r o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> cassar ou anular<br />

atos contrários “às leis <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ou da Nação ou<br />

prejudiciais ao interesse <strong>do</strong> município, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

ou da Nação”.<br />

Em 1891 reuniu-se o Congresso Constituinte<br />

Estadual <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e, no texto final promulga<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> 14 <strong>de</strong> Julho, <strong>de</strong>dicou-se uma parte da<br />

Constituição ao Regime Municipal, que r<strong>em</strong>etia<br />

à legislação ordinária a organização <strong>do</strong>s municípios,<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> apenas alguns princípios gerais<br />

a ser<strong>em</strong> observa<strong>do</strong>s. Estes estabeleciam que<br />

to<strong>do</strong>s os cargos cria<strong>do</strong>s para autorida<strong>de</strong>s seriam<br />

eletivos, os quais podiam ser suprimi<strong>do</strong>s pelos<br />

municípios ou ter<strong>em</strong> seus mandatos revoga<strong>do</strong>s<br />

pelos eleitores – cidadãos maiores <strong>de</strong> 21 anos –,<br />

os quais também teriam o direito <strong>de</strong> revogar suas


DAH-ALESP<br />

<strong>de</strong>liberações. Reiterava-se na Constituição a “máxima<br />

autonomia governamental e in<strong>de</strong>pendência<br />

econômica” <strong>do</strong>s municípios<br />

Além disso, a Constituição paulista <strong>de</strong> 1891 dava<br />

ao Legislativo estadual prerrogativas para anular<br />

os atos municipais:<br />

“Art. 54 º As <strong>de</strong>liberações e atos <strong>do</strong> governo<br />

municipal só po<strong>de</strong>rão ser anula<strong>do</strong>s pelo<br />

Congresso:<br />

§ 1º) quan<strong>do</strong> contrários a esta e à constituição<br />

fe<strong>de</strong>ral;<br />

§ 2º) quan<strong>do</strong> ofen<strong>de</strong>r<strong>em</strong> direitos <strong>de</strong> outros<br />

municípios e estes representar<strong>em</strong>;<br />

§ 3º) quan<strong>do</strong> for<strong>em</strong> exorbitantes das atribuições<br />

<strong>do</strong> governo municipal.<br />

Art. 55 - O presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, no intervalo<br />

das sessões legislativas, po<strong>de</strong>rá suspen<strong>de</strong>r,<br />

<strong>em</strong> qualquer <strong>do</strong>s casos <strong>do</strong> artigo<br />

antece<strong>de</strong>nte, a execução das <strong>de</strong>liberações<br />

e atos municipais.<br />

§ Único - A respectiva anulação pelo Congresso<br />

só po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>cretada se por ela<br />

votar<strong>em</strong> pelo menos <strong>do</strong>is terços <strong>do</strong>s m<strong>em</strong>bros<br />

presentes.”<br />

A Lei nº 16, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1891, regulamentada<br />

pelo Decreto nº 86, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong><br />

1892, organizou os municípios paulistas, dan<strong>do</strong>lhes<br />

uma autonomia inigualável até então. A lei<br />

<strong>de</strong> organização <strong>do</strong>s municípios estabeleceu que<br />

as Câmaras Municipais teriam <strong>de</strong> seis a <strong>de</strong>zoito<br />

verea<strong>do</strong>res, com mandatos <strong>de</strong> três anos, eleitos<br />

pelo sufrágio direto e por maioria <strong>do</strong>s votos. Além<br />

<strong>de</strong> estabelecer algumas normas <strong>de</strong> funcionamento<br />

das Câmaras, <strong>de</strong>finia que competia a um <strong>do</strong>s<br />

verea<strong>do</strong>res, eleito anualmente por seus pares, a<br />

tarefa da execução das <strong>de</strong>liberações <strong>do</strong>s Legislativos<br />

Municipais. Estes verea<strong>do</strong>res recebiam o<br />

nome <strong>de</strong> inten<strong>de</strong>ntes, ou seja, correspon<strong>de</strong>riam<br />

ao que hoje seriam os prefeitos.<br />

A lei <strong>do</strong>s municípios também lhes dava po<strong>de</strong>res<br />

para estabelecer o processo eleitoral mais<br />

conveniente aos seus interesses, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

respeitada a Constituição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Deixava<br />

claramente estatuí<strong>do</strong> que as Câmaras Municipais,<br />

nos termos da Constituição estadual e das<br />

leis estaduais, exerceriam “livr<strong>em</strong>ente todas as<br />

suas atribuições e <strong>de</strong>liberarão sobre to<strong>do</strong>s os<br />

negócios <strong>do</strong> município por meio <strong>de</strong> leis, posturas<br />

ou provimentos”.<br />

Cabia também às Câmaras Municipais <strong>de</strong>cretar<br />

as <strong>de</strong>spesas, as receitas e os impostos locais. A<br />

Lei nº 16 estabeleceu as fontes <strong>de</strong> receita <strong>do</strong>s<br />

municípios, proibin<strong>do</strong>-os <strong>de</strong> criar impostos que<br />

já constituíss<strong>em</strong> renda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Permitia-se,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o serviço da dívida não exce<strong>de</strong>sse<br />

a 25% da receita municipal, que os municípios<br />

fizess<strong>em</strong> operações <strong>de</strong> crédito e obtivess<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong>préstimos, excetuan<strong>do</strong>-se os obti<strong>do</strong>s junto<br />

a estabelecimentos <strong>de</strong> crédito com se<strong>de</strong> no<br />

exterior, que teriam <strong>de</strong> obter a anuência <strong>do</strong><br />

Legislativo estadual.<br />

A Lei <strong>de</strong> 1891 dava às Câmaras o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> “<strong>de</strong>liberar<br />

a venda, aforamento, locação e troca <strong>de</strong><br />

bens <strong>do</strong> município, s<strong>em</strong> licença ou aprovação<br />

<strong>de</strong> qualquer outro po<strong>de</strong>r”, b<strong>em</strong> como <strong>de</strong>cretar<br />

<strong>de</strong>sapropriações por utilida<strong>de</strong> pública. Também<br />

se dava aos municípios a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação<br />

<strong>de</strong> <strong>em</strong>pregos municipais. Além disso, permitia<br />

às municipalida<strong>de</strong>s organizar suas guardas e<br />

polícias municipais, as quais seriam dirigidas por<br />

“autorida<strong>de</strong> eleita” pelas Câmaras.<br />

Quanto à abrangência <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> legislar,<br />

competia às Câmaras Municipais <strong>de</strong>liberar:


Acervo histórico<br />

“1º - Sobre o alinhamento, limpeza, calçamento,<br />

d<strong>em</strong>olição e numeração das<br />

ruas e praças, construção, conservação<br />

e reparos <strong>de</strong> cais, jardins públicos, muros,<br />

calçadas, pontes, fontes, chafarizes,<br />

poços, lavan<strong>de</strong>rias, viadutos, e <strong>em</strong> geral<br />

sobre to<strong>do</strong>s os logra<strong>do</strong>uros públicos e<br />

construções <strong>em</strong> benefício comum <strong>do</strong>s habitantes<br />

ou para <strong>de</strong>coração e ornamento<br />

das povoações;<br />

2º - Sobre servidões, estradas e caminhos<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> município;<br />

3º - Sobre pesos e medidas;<br />

4º - Sobre mata<strong>do</strong>uros, talhos e açougues,<br />

feiras e merca<strong>do</strong>s, local para venda, fabricação<br />

e <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> fogos <strong>de</strong> artifício, <strong>de</strong><br />

pólvora e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os gêneros inflamáveis<br />

ou que possam prejudicar a saú<strong>de</strong> e o sossego<br />

<strong>do</strong>s habitantes e sobre a qualida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s gêneros <strong>de</strong> consumo sujeitos à <strong>de</strong>terioração;<br />

5º - Sobre o uso <strong>de</strong> armas nas povoações,<br />

proibin<strong>do</strong>-o daquelas que julgar perigosas;<br />

6º - Sobre tu<strong>do</strong> que interessar à higiene <strong>do</strong><br />

município, <strong>de</strong>cretan<strong>do</strong> todas as medidas e<br />

providências, que, não contrarian<strong>do</strong> a lei<br />

geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, for<strong>em</strong> a b<strong>em</strong> da salubrida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> lugar e da saú<strong>de</strong> e o sossego <strong>do</strong>s<br />

habitantes, reclaman<strong>do</strong> auxílio <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nos casos extraordinários<br />

e auxilian<strong>do</strong> as competentes autorida<strong>de</strong>s<br />

sanitárias, on<strong>de</strong> as houver;<br />

7º - Sobre abastecimento <strong>de</strong> águas, serviço<br />

<strong>de</strong> esgotos e iluminação pública, s<strong>em</strong> prejuízo<br />

<strong>do</strong>s direitos firma<strong>do</strong>s nos lugares <strong>em</strong><br />

que estes serviços sejam feitos por contratos<br />

com o Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>;<br />

8º - Sobre o serviço <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong> incêndios<br />

e <strong>de</strong> irrigação das ruas;<br />

9º - Sobre espetáculos, divertimentos públicos<br />

e jogos;<br />

10º - Sobre caça e pesca;<br />

11º - Sobre o serviço telefônico, que comece<br />

e acabe no município;<br />

12º - Sobre veículos e serviço <strong>de</strong> transporte;<br />

13º - Sobre hospitais, serviço <strong>de</strong> socorro<br />

aos indigentes e criação e manutenção <strong>de</strong><br />

estabelecimentos que se <strong>de</strong>stin<strong>em</strong> a obras<br />

pias e <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>;<br />

14º - Sobre c<strong>em</strong>itérios e serviços <strong>de</strong> enterro,<br />

organizan<strong>do</strong> os respectivos regulamentos,<br />

<strong>em</strong> que <strong>de</strong>ixarão livre a to<strong>do</strong>s os<br />

cultos a prática <strong>do</strong>s ritos religiosos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que não ofendam à mortal pública e às<br />

leis;<br />

15º - Sobre tu<strong>do</strong> quanto diga respeito à<br />

polícia e ao b<strong>em</strong> <strong>do</strong> município.”<br />

A Lei nº 16, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1891, dava<br />

aos eleitores <strong>do</strong> município o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> anular,<br />

mediante proposta <strong>de</strong> um terço e aprovação <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>is terços <strong>de</strong>les, as <strong>de</strong>liberações das autorida<strong>de</strong>s<br />

municipais e regulava o seu procedimento.<br />

A este tópico seguia-se a repetição <strong>do</strong>s artigos<br />

54 e 55 da Constituição, quan<strong>do</strong> se tratava da<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer diretamente ao Congresso<br />

Legislativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />

contra as <strong>de</strong>liberações das autorida<strong>de</strong>s municipais.<br />

Concluía a lei <strong>de</strong> organização <strong>do</strong>s municípios<br />

com <strong>do</strong>is artigos que merec<strong>em</strong> <strong>de</strong>staque. O primeiro<br />

<strong>de</strong>les, o artigo 83, <strong>de</strong>finia que, à medida<br />

que foss<strong>em</strong> eleitas as Câmaras Municipais, estas<br />

<strong>de</strong>veriam rever “todas as leis, regulamentos, provimentos<br />

e posturas existentes, revogan<strong>do</strong>, reforman<strong>do</strong><br />

ou modifican<strong>do</strong>-as, conforme exigir<strong>em</strong> os<br />

interesses e condições peculiares <strong>do</strong> município”.<br />

O outro, o artigo 92, permitia às Câmaras Municipais<br />

“organizar o seu governo sob forma diversa<br />

da estabelecida na presente lei, suprimin<strong>do</strong> e<br />

substituin<strong>do</strong> as autorida<strong>de</strong>s criadas e crian<strong>do</strong><br />

outras com atribuições diferentes”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

foss<strong>em</strong> respeitadas as diretrizes da Constituição<br />

estadual. Com relação a este artigo cumpre<br />

precisar que <strong>em</strong> sua regulamentação, através <strong>do</strong><br />

Decreto nº 86, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1892, estabelecia-se<br />

que somente após primeira eleição os<br />

municípios po<strong>de</strong>riam proce<strong>de</strong>r às alterações que<br />

<strong>de</strong>sejass<strong>em</strong>.<br />

O Decreto nº 86 manteve fundamentalmente o<br />

texto e as diretrizes da Lei nº 16, fazen<strong>do</strong> apenas<br />

uma exposição mais racional e precisan<strong>do</strong> alguns<br />

aspectos, quan<strong>do</strong> necessário, com o texto da<br />

Constituição estadual. O <strong>de</strong>creto, além <strong>de</strong> subscrito<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>em</strong> exercício, J. A.<br />

<strong>de</strong> Cerqueira César, tinha a assinatura <strong>do</strong> então<br />

Secretário <strong>do</strong>s Negócios <strong>do</strong> Interior, o jurista e<br />

poeta Vicente <strong>de</strong> Carvalho, personag<strong>em</strong> <strong>do</strong>s fatos<br />

adiante narra<strong>do</strong>s e que, também, havia si<strong>do</strong> um<br />

<strong>do</strong>s constituintes paulistas <strong>de</strong> 1891.<br />

o CASo SAnTISTA<br />

A partir daqui se fará uso <strong>de</strong> <strong>do</strong>is importantes<br />

conjuntos <strong>do</strong>cumentais preserva<strong>do</strong>s na Divisão<br />

<strong>de</strong> Acervo Histórico da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong><br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> para ilustrar as tensas<br />

relações entre teoria e prática no campo da autonomia<br />

<strong>do</strong>s municípios sob o regime republicano<br />

implantada <strong>em</strong> 1889. Trata-se <strong>do</strong> Projeto nº 120,<br />

<strong>de</strong> 1895, da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

e <strong>do</strong> Recurso Municipal s<strong>em</strong> número <strong>de</strong> 1894,<br />

<strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.


Se no arcabouço legal os republicanos, como<br />

se viu acima, colocaram na forma <strong>de</strong> lei o seu<br />

programa <strong>de</strong> autonomia para os Municípios,<br />

sua aplicação prática chocou-se com a teoria.<br />

Como a passag<strong>em</strong> <strong>do</strong> regime monárquico para o<br />

republicano <strong>de</strong>u-se a frio, s<strong>em</strong> quebras bruscas<br />

e violentas das instituições, é lícito imaginar-se<br />

que muitos <strong>do</strong>s parlamentares que elaboraram<br />

a Constituição Fe<strong>de</strong>ral e as constituições estaduais<br />

tivess<strong>em</strong> pertenci<strong>do</strong>, até 15 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1889, às fileiras <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s monarquistas<br />

Conserva<strong>do</strong>r e Liberal, para os quais muitos <strong>do</strong>s<br />

pontos programáticos republicanos eram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />

inadmissíveis. No campo das questões<br />

da fe<strong>de</strong>ração e da autonomia <strong>do</strong>s municípios é<br />

extr<strong>em</strong>amente simbólico o fato <strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> da<br />

criação da Biblioteca <strong>do</strong> Congresso Legislativo<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> – através da Lei nº<br />

150, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1893 –, haver um artigo<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> que a biblioteca <strong>de</strong>veria também<br />

abrigar obras relativas às especialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

cada Comissão, os códigos, constituições e leis<br />

usuais <strong>de</strong> outros países, “especialmente <strong>do</strong>s que<br />

são regi<strong>do</strong>s pelo sist<strong>em</strong>a fe<strong>de</strong>rativo” 2 . Era este<br />

último, como é fácil <strong>de</strong> perceber, um t<strong>em</strong>a ainda<br />

ári<strong>do</strong> aos novos parlamentares da nova ord<strong>em</strong><br />

republicana.<br />

Apesar <strong>de</strong> haver indicações no senti<strong>do</strong> da busca<br />

<strong>de</strong> uma melhor compreensão, por parte <strong>do</strong>s<br />

parlamentares paulistas, da t<strong>em</strong>ática da questão<br />

da autonomia <strong>do</strong>s municípios sob um regime fe<strong>de</strong>rativo,<br />

como a acima citada, suas atitu<strong>de</strong>s nas<br />

questões a ela relativas mostram um posicionamento<br />

mais próximo <strong>do</strong> centralismo existente no<br />

perío<strong>do</strong> monárquico, <strong>do</strong> que o <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> historicamente<br />

pelos republicanos <strong>em</strong> relação aos<br />

municípios. Nesse senti<strong>do</strong>, é ex<strong>em</strong>plar o caso<br />

<strong>de</strong> Santos.<br />

Esta importante porta <strong>de</strong> entrada e <strong>de</strong> saída <strong>de</strong><br />

riquezas e <strong>do</strong> progresso <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, que é o<br />

porto <strong>de</strong> Santos, s<strong>em</strong>pre foi consi<strong>de</strong>rada uma<br />

cida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua população <strong>em</strong><br />

favor das causas mais avançadas era uma <strong>de</strong><br />

suas marcas característica. O professor e escritor<br />

Júlio Ribeiro, <strong>em</strong> seu conheci<strong>do</strong> romance “A<br />

Carne”, pela voz <strong>de</strong> um personag<strong>em</strong>, <strong>de</strong>ixa um<br />

vívi<strong>do</strong> retrato <strong>do</strong> que seria a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santos<br />

<strong>em</strong> 1887 e assim <strong>de</strong>screve o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> espírito<br />

<strong>de</strong> sua população:<br />

“O povo santista é poli<strong>do</strong>, afável, obsequioso,<br />

franco: a riqueza que lhe proporciona o<br />

comércio <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong>, fá-lo generoso, até<br />

pródigo. E t<strong>em</strong> nervo, t<strong>em</strong> brio: é o único<br />

povo que eu julgo capaz <strong>de</strong> uma revolução<br />

nesta pacata província. Não há muito <strong>em</strong><br />

uma questão <strong>de</strong> abastecimento <strong>de</strong> água ele<br />

<strong>de</strong>u mostras <strong>de</strong> si ...”<br />

o ConSTITuIção PoLíTICA Do<br />

MunICíPIo DE SAnToS<br />

41<br />

Após a promulgação da Lei nº 16, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1891, e <strong>de</strong> sua regulamentação pelo<br />

Decreto nº 86, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1892, elegeuse<br />

neste ano a primeira Câmara Municipal <strong>de</strong><br />

Santos. Empossa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> 29 <strong>de</strong> Set<strong>em</strong>bro, os<br />

<strong>do</strong>ze verea<strong>do</strong>res 3 da 1 a Legislatura Republicana<br />

<strong>de</strong>veriam exercer seu mandato até 7 <strong>de</strong> Janeiro<br />

<strong>de</strong> 1896. A nova Câmara no mesmo dia da posse<br />

discutiu e aprovou seu regimento interno e iniciou<br />

seus trabalhos legislativos.<br />

No entanto, ao longo <strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1893 e 1894,<br />

houve sucessivas renúncias aos mandatos por<br />

parte <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res e posses <strong>de</strong> suplentes,<br />

o que levou a que <strong>em</strong> fins <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1894<br />

houvesse apenas onze verea<strong>do</strong>res, <strong>do</strong>s quais<br />

apenas três haviam toma<strong>do</strong> posse <strong>em</strong> 1892.<br />

Em função <strong>de</strong> tal quadro <strong>de</strong> crise o corpo <strong>do</strong>s<br />

verea<strong>do</strong>res adquiriu a convicção <strong>de</strong> que seria<br />

necessário criar uma lei que regulasse o funcionamento<br />

<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res Legislativo e Executivo<br />

municipais. Para tanto, os verea<strong>do</strong>res santistas<br />

solicitam ao ex-secretário <strong>do</strong> Interior, Vicente Augusto<br />

<strong>de</strong> Carvalho, que redigisse o texto <strong>do</strong> projeto<br />

<strong>de</strong> lei. Tal lei, aprovada <strong>em</strong> 15 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1894, com a assinatura <strong>de</strong> nove verea<strong>do</strong>res 4 ,<br />

tomou o nome <strong>de</strong> Constituição Política <strong>do</strong> Município<br />

<strong>de</strong> Santos.<br />

A Constituição Política <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santos<br />

concretizou, por meio <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> inovações,<br />

a radicalização <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> autonomia<br />

<strong>do</strong> município.<br />

Depois <strong>de</strong>, no preâmbulo, <strong>de</strong>clarar o município<br />

<strong>de</strong> Santos “<strong>em</strong> pleno exercício da sua autonomia,<br />

como parte integrante <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>”, a<br />

Constituição afirmava no seu primeiro artigo que<br />

Santos era autônoma na “esfera da sua economia<br />

própria e nos assuntos <strong>de</strong> seu peculiar interesse”.<br />

Logo a seguir <strong>de</strong>finiu seus órgãos <strong>de</strong> soberania,<br />

“por <strong>de</strong>legação <strong>do</strong> eleitora<strong>do</strong>”: a Ass<strong>em</strong>bléia Municipal<br />

[novo nome da Câmara Municipal], o Prefeito<br />

e a Câmara <strong>do</strong>s Recursos.<br />

Com relação ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, <strong>de</strong>finiu a<br />

Constituição Municipal que este se reuniria, <strong>em</strong><br />

sessões <strong>de</strong> quinze dias, quatro vezes ao ano,<br />

nos primeiros dias úteis <strong>de</strong> Janeiro, Abril, Julho<br />

e Outubro. Estabeleceu também que as eleições


DAH-ALESP<br />

Acervo histórico<br />

José Emílio Ribeiro Campos requereu a suspensão da<br />

Constituição <strong>de</strong> Santos <strong>em</strong> 26 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894<br />

aconteceriam no dia 7 <strong>de</strong> Set<strong>em</strong>bro e a posse <strong>em</strong><br />

4 <strong>de</strong> Janeiro. As atribuições e competências da<br />

Ass<strong>em</strong>bléia Municipal eram quase todas extraídas<br />

da Lei nº 16, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1891, e <strong>de</strong><br />

sua regulamentação pelo Decreto nº 86, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong><br />

Julho <strong>de</strong> 1892. Compete aqui <strong>de</strong>stacar apenas um<br />

it<strong>em</strong>, que dava ao Município como fonte <strong>de</strong> receita<br />

o produto <strong>do</strong> aforamento <strong>de</strong> terrenos <strong>de</strong> marinha,<br />

coisa que sabidamente era prerrogativa da União.<br />

Quanto ao Po<strong>de</strong>r Executivo, no caso a figura <strong>do</strong><br />

Prefeito, Santos realmente inovava ao criar tal<br />

figura. A Constituição Política <strong>do</strong> Município <strong>de</strong><br />

Santos estabelecia que o Prefeito e o Subprefeito<br />

seriam eleitos, no dia 7 <strong>de</strong> Set<strong>em</strong>bro, por<br />

sufrágio direto e que tomariam posse, para um<br />

mandato <strong>de</strong> 4 anos, no dia 4 <strong>de</strong> Janeiro, não<br />

se permitin<strong>do</strong> a reeleição. Definiu-se que, para<br />

ser<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s eleitos, teriam <strong>de</strong> obter <strong>do</strong>is<br />

terços <strong>do</strong>s sufrágios. Caso não obtivess<strong>em</strong>, cabia<br />

à Ass<strong>em</strong>bléia escolher “entre os <strong>do</strong>is mais vota<strong>do</strong>s<br />

para cada cargo”. As suas atribuições eram<br />

s<strong>em</strong>elhantes à <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> [nome<br />

da<strong>do</strong> pela Constituição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1891 ao governa<strong>do</strong>r],<br />

reduzidas à escala municipal. Caberia<br />

ao Subprefeito, entre outras atribuições, presidir a<br />

Ass<strong>em</strong>bléia Municipal.<br />

A maior novida<strong>de</strong> era a Câmara <strong>do</strong>s Recursos,<br />

que era composta por três m<strong>em</strong>bros, eleitos<br />

na mesma ocasião <strong>em</strong> que o Prefeito e o Subprefeito.<br />

À Câmara <strong>do</strong>s Recursos cabia <strong>de</strong>cidir<br />

sobre a “responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Prefeito e <strong>do</strong> Subprefeito;<br />

recursos <strong>de</strong> atos <strong>do</strong> Prefeito; inclusão<br />

ou não no alistamento eleitoral; reclamações ou<br />

dúvidas suscitadas a respeito <strong>de</strong> eleição para<br />

qualquer cargo municipal;<br />

erro <strong>de</strong> <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer<br />

contribuinte; exigência<br />

injusta <strong>em</strong> assunto <strong>de</strong> <strong>de</strong> hi<br />

giene ou polícia; polícia; contratos<br />

<strong>de</strong> <strong>em</strong>preitada feitos feitos s<strong>em</strong><br />

concorrência; negação negação <strong>de</strong><br />

alinhamentos; exigência,<br />

sobre pesos e medidas,<br />

mata<strong>do</strong>uros, açougues,<br />

farmácias, feiras, merca<br />

<strong>do</strong>s, lavan<strong>de</strong>rias e constru<br />

ções; exigência <strong>em</strong> matéria<br />

<strong>de</strong> abastecimento <strong>de</strong> água<br />

e e canalização <strong>de</strong> esgotos;<br />

exigência <strong>em</strong> assuntos <strong>de</strong><br />

caça caça e pesca; exigência<br />

<strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> veículos e<br />

transportes urbanos; exigências<br />

sobre enterros;<br />

multas; perda <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego<br />

municipal; inconstitucionalida<strong>de</strong> da lei ou resolução<br />

<strong>em</strong> que se baseou ato <strong>do</strong> Prefeito”.<br />

Além disso, também são dignos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />

na Constituição Política <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santos<br />

a atribuição <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> voto às mulheres e o<br />

estabelecimento da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concurso<br />

público para o exercício <strong>do</strong>s cargos <strong>de</strong> secretário,<br />

tesoureiro, chefe <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong>, chefe <strong>de</strong><br />

seção, oficial, amanuense e lança<strong>do</strong>r, dan<strong>do</strong>-se a<br />

estes, após cinco anos <strong>de</strong> exercício, a estabilida<strong>de</strong><br />

na função.<br />

Ao final, nas Disposições Transitórias, a Constituição<br />

Política <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santos estabeleceu<br />

que os primeiros Prefeito e Subprefeito<br />

seriam eleitos pela Ass<strong>em</strong>bléia Municipal. No dia<br />

seguinte foram escolhi<strong>do</strong>s, respectivamente, os<br />

verea<strong>do</strong>res Manoel Maria Tourinho e José André<br />

<strong>do</strong> Sacramento Macuco, sen<strong>do</strong> também <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s<br />

os m<strong>em</strong>bros da Câmara <strong>do</strong>s Recursos, entre eles<br />

figuran<strong>do</strong> o nome <strong>de</strong> Vicente <strong>de</strong> Carvalho.<br />

Em uma sessão solene e bastante concorrida, a<br />

Constituição Política <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santos foi<br />

promulgada no dia 15 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894, não<br />

comparecen<strong>do</strong> a ela <strong>do</strong>is verea<strong>do</strong>res 5 . Neste mesmo<br />

dia houve uma série <strong>de</strong> eventos festivos e solenes<br />

pelo município para com<strong>em</strong>orar-se a nova lei.<br />

OS RECURSOS CONTRA A<br />

CONSTITUIÇÃO DE SANTOS<br />

No entanto, reações contrárias também foram<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas. A primeira <strong>de</strong>las foi feita por<br />

José Emílio Ribeiro Campos, advoga<strong>do</strong> e diretor


v<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894 enviou uma carta ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Bernardino <strong>de</strong> Campos,<br />

requeren<strong>do</strong> a suspensão da Constituição Política<br />

<strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santos. Em seu <strong>do</strong>cumento,<br />

Campos argüía a suposta inconstitucionalida<strong>de</strong><br />

das figuras <strong>do</strong> Prefeito e <strong>do</strong> Subprefeito e, <strong>em</strong><br />

especial, da Câmara <strong>do</strong>s Recursos, por enxergar<br />

que a esta se atribuíam po<strong>de</strong>res judiciários.<br />

Imediatamente, o Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> solicitou<br />

os <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s esclarecimentos da Ass<strong>em</strong>bléia Municipal<br />

<strong>de</strong> Santos e r<strong>em</strong>eteu a carta <strong>de</strong> Campos ao<br />

Congresso Legislativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

A resposta da Ass<strong>em</strong>bléia Municipal, transcrita<br />

adiante e datada <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1895,<br />

calcou-se essencialmente nos artigos da Lei nº<br />

16, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1891, e <strong>do</strong> Decreto<br />

nº 86, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1892, que “reconhec<strong>em</strong><br />

nos municípios a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar os po<strong>de</strong>res<br />

que a eles são atribuí<strong>do</strong>s, distribuin<strong>do</strong>-os<br />

por órgãos que a elas compete criar e suprimir,<br />

marcan<strong>do</strong>-lhes atribuições”. Quanto à Câmara<br />

<strong>do</strong>s Recursos, a Ass<strong>em</strong>bléia Municipal afirmou<br />

<strong>em</strong> carta que a ela competia “o conhecimento das<br />

exorbitâncias cometidas pelo prefeito e a aplicação<br />

<strong>do</strong> corretivo aos seus atos abusivos”, sen<strong>do</strong>,<br />

portanto, uma levianda<strong>de</strong> atribuir-lhe po<strong>de</strong>res judiciários,<br />

como o fazia o bacharel Campos, como<br />

era sarcasticamente chama<strong>do</strong>.<br />

No entanto, se aparent<strong>em</strong>ente a resposta dada<br />

pela Ass<strong>em</strong>bléia Municipal <strong>de</strong> Santos parecia ter<br />

arrefeci<strong>do</strong> os inimigos da Constituição Municipal,<br />

a reação se fez mais forte através <strong>de</strong> outra petição,<br />

<strong>de</strong>sta vez dirigida à Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s<br />

e subscrita pelo major Francisco Cruz, tenentecoronel<br />

Constantino Xavier, capitão A<strong>do</strong>lpho A.<br />

Miller, Alberto José da Costa e Eduar<strong>do</strong> Weissmann.<br />

Repetin<strong>do</strong> os argumentos <strong>de</strong> Campos,<br />

a petição <strong>do</strong> major Cruz e seus companheiros<br />

DAH-ALESP <strong>do</strong> jornal Diário <strong>de</strong> Santos, que no dia 26 <strong>de</strong> No-<br />

Em 10 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1895, nova petição representava contra a Constituição <strong>de</strong> Santos<br />

4<br />

ampliava o espectro <strong>de</strong> supostas inconstitucionalida<strong>de</strong>s<br />

da Constituição <strong>de</strong> Santos e possuía uma<br />

aparente melhor forma jurídica. Mas certamente<br />

o que lhe <strong>de</strong>u mais força foi o fato <strong>de</strong> a petição<br />

ter si<strong>do</strong> diretamente protocolada junto à Mesa<br />

da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s pelo <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> João<br />

Galeão Carvalhal, na 28 a Sessão Ordinária, <strong>de</strong> 18<br />

<strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1895. Observe-se, aliás, que Galeão<br />

Carvalhal residia <strong>em</strong> Santos, sen<strong>do</strong>, portanto, seu<br />

ato uma d<strong>em</strong>onstração <strong>de</strong> nítida solidarieda<strong>de</strong><br />

com a petição.<br />

O <strong>do</strong>cumento <strong>do</strong> major Cruz e seus colegas representava<br />

contra a Constituição <strong>de</strong> Santos <strong>em</strong><br />

razão <strong>de</strong> ter supostamente infringi<strong>do</strong> a Constituição<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e as leis que organizavam os<br />

municípios e pediam a sua anulação. Os pontos<br />

<strong>do</strong> texto aprova<strong>do</strong> pelos verea<strong>do</strong>res santistas<br />

aponta<strong>do</strong>s como inconstitucionais pelo major<br />

Cruz e outros começavam pelos seus primeiros<br />

artigos que consi<strong>de</strong>ram o Município <strong>de</strong> Santos<br />

como “autônomo”, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>veria apenas terse<br />

<strong>de</strong>clara<strong>do</strong> “soberano”. Depois seguiam as<br />

alegações <strong>de</strong> ter-se, com a Câmara <strong>do</strong>s Recursos,<br />

cria<strong>do</strong> um po<strong>de</strong>r judiciário municipal. O<br />

terceiro ponto foi o fato <strong>de</strong> se dar às mulheres o<br />

direito <strong>de</strong> voto. Em seguida, o major Cruz e seus<br />

amigos apontavam o fato <strong>de</strong> a Constituição <strong>de</strong><br />

Santos estabelecer penas, <strong>de</strong>finir <strong>de</strong>litos e regular<br />

formas processuais. Logo <strong>de</strong>pois, apontavam<br />

como inconstitucional a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> casos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação por utilida<strong>de</strong> pública. Outro<br />

<strong>de</strong>feito aponta<strong>do</strong> foi o da marcação para o dia da<br />

eleição e o da posse <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res. Também<br />

indicavam a criação <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r executivo exerci<strong>do</strong><br />

por um não verea<strong>do</strong>r eleito e com mandato<br />

<strong>de</strong> quatro anos. Mais uma inconstitucionalida<strong>de</strong><br />

teria si<strong>do</strong> incluir entre as fontes <strong>de</strong> renda municipal<br />

o aforamento <strong>de</strong> terrenos <strong>de</strong> marinha. Em<br />

seguida indicavam como <strong>de</strong>feituoso o direito da<br />

Ass<strong>em</strong>bléia Municipal <strong>de</strong> verificar po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>


Acervo histórico<br />

seus m<strong>em</strong>bros com recurso distinto <strong>do</strong> estabeleci<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> lei. Uma outra irregularida<strong>de</strong> seria o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> novos casos <strong>de</strong> perda <strong>de</strong><br />

cargo <strong>de</strong> verea<strong>do</strong>r. Logo após, apontavam como<br />

<strong>de</strong>feituosa a <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>u à Ass<strong>em</strong>bléia Municipal<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberar sobre a incorporação<br />

<strong>de</strong> territórios <strong>de</strong> outros municípios ao <strong>de</strong> Santos,<br />

b<strong>em</strong> como sobre o seu próprio <strong>de</strong>sm<strong>em</strong>bramento.<br />

O penúltimo it<strong>em</strong> aponta<strong>do</strong> era a faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> organizar a força municipal <strong>do</strong> município. Por<br />

fim, no décimo terceiro it<strong>em</strong>, eram questiona<strong>do</strong>s<br />

os valores <strong>do</strong>s salários <strong>do</strong>s subsídios <strong>do</strong> Prefeito,<br />

<strong>do</strong> Subprefeito e <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res.<br />

o PArECEr Do DEPuTADo<br />

ALfrEDo PuJoL<br />

No próprio dia 18 <strong>de</strong> Maio a petição <strong>do</strong> major Cruz<br />

e seus amigos foi enviada à Comissão <strong>de</strong> Constituição<br />

e Justiça para exame e teve <strong>de</strong>signa<strong>do</strong><br />

como relator o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Alfre<strong>do</strong> Pujol. Em um longo<br />

parecer <strong>de</strong> vinte e seis páginas manuscritas, o<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Alfre<strong>do</strong> Pujol <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> sua tarefa e<br />

esmiuçou cada um <strong>do</strong>s pontos levanta<strong>do</strong>s pelos<br />

recorrentes.<br />

Cinco das alegações feitas pelo major Cruz e<br />

seus amigos foram julgadas improce<strong>de</strong>ntes pelo<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol, por estar<strong>em</strong> as <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong> Santos claramente amparadas nas<br />

leis existentes, a saber: a soberania <strong>do</strong> Município,<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriar por utilida<strong>de</strong> pública, a<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> casos para a perda <strong>de</strong> mandato <strong>de</strong><br />

verea<strong>do</strong>r, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> constituir força policial e, por<br />

fim, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> valor <strong>do</strong>s subsídios.<br />

Em parte, o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Alfre<strong>do</strong> Pujol acatou <strong>do</strong>is<br />

argumentos <strong>do</strong>s recorrentes.<br />

O primeiro foi o referente à Câmara <strong>do</strong>s Recursos.<br />

O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol, ao examinar os artigos<br />

da Constituição Municipal <strong>de</strong> Santos referentes<br />

à Câmara <strong>do</strong>s Recursos, constatou que esta era<br />

“uma instituição meramente administrativa”, que<br />

tinha como finalida<strong>de</strong> “facilitar às partes <strong>em</strong> litígio<br />

a pronta reparação <strong>de</strong> direitos prejudica<strong>do</strong>s na<br />

esfera administrativa <strong>do</strong> município”, nada impedin<strong>do</strong><br />

que as partes pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> recorrer a outras<br />

instâncias, como <strong>de</strong>ixava, claro, o próprio texto<br />

da Constituição Municipal. Não tinha, portanto, o<br />

caráter <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r judiciário. No entanto, o relator<br />

apontava duas disposições <strong>do</strong> texto legal que<br />

<strong>de</strong>veriam ser anuladas: a que dava à Câmara o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir a respeito da responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> Prefeito e <strong>do</strong> Subprefeito e a que lhe dava<br />

po<strong>de</strong>res para <strong>de</strong>cidir sobre inclusão ou não no<br />

alistamento municipal. Argumentava o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong><br />

Pujol que eram disposições inócuas, platônicas,<br />

s<strong>em</strong> efeitos práticos:<br />

“Qualquer que seja a <strong>de</strong>cisão da Câmara<br />

<strong>de</strong> Recursos sobre a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

prefeito e <strong>do</strong> subprefeito, ou sobre reclamações<br />

a propósito <strong>de</strong> eleição para qualquer<br />

cargo, é claro que nos termos da legislação<br />

criminal (Lei nº 16, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong><br />

1891, art. 91) tornar-se-á efetiva a responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> quaisquer autorida<strong>de</strong>s municipais,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tenham elas incorri<strong>do</strong> na<br />

sanção penal, b<strong>em</strong> como, na hipótese da<br />

letra E [“<strong>de</strong> reclamações ou dúvidas suscitas<br />

a respeito <strong>de</strong> eleição para qualquer<br />

cargo municipal”, dk], o tribunal <strong>de</strong> justiça<br />

<strong>de</strong>cidirá quaisquer recursos eleitorais <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com a legislação eleitoral (art. 32 §<br />

único, da lei nº 16).”<br />

O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol indagava se o Congresso Legislativo<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong>veria per<strong>de</strong>r<br />

t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> analisar “disposições inúteis que a<br />

fantasia <strong>do</strong>s legisla<strong>do</strong>res municipais lhes sugerir”,<br />

mas <strong>de</strong>ixava clara sua disposição <strong>em</strong> anular<br />

todas as resoluções municipais que exorbitass<strong>em</strong><br />

das atribuições conferidas pela lei, mesmo<br />

as que, como as <strong>de</strong> Santos, “nenhum <strong>em</strong>baraço<br />

possam opor à ação autoritária das leis <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

quer na ord<strong>em</strong> administrativa, quer na esfera<br />

judiciária”.<br />

A segunda argumentação acatada parcialmente<br />

pelo <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol era a que tratava da questão<br />

<strong>do</strong> Prefeito. Quanto ao cargo <strong>em</strong> si e da forma<br />

como os verea<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Santos o fizeram, o<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol entendia que estavam <strong>em</strong> seu<br />

pleno direito:<br />

“A execução das <strong>de</strong>liberações das Câmaras<br />

é, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, uma atribuição<br />

governativa: ora, se as Câmaras pod<strong>em</strong><br />

organizar SEU GOVERNO sob forma diversa<br />

da estabelecida na lei orgânica (respeita<strong>do</strong><br />

princípio fundamental, consagra<strong>do</strong><br />

na Constituição, que impõe a eletivida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> todas as autorida<strong>de</strong>s municipais), nada<br />

po<strong>de</strong> impedir que as funções executivas<br />

sejam confiadas pelas Câmaras – como o<br />

fez a <strong>de</strong> Santos – a um funcionário ELEI-<br />

TO, fora <strong>do</strong> quadro <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res.”<br />

Apontava, no entanto, um aspecto que <strong>de</strong>veria ser<br />

anula<strong>do</strong>: o mandato <strong>de</strong> quatro anos estabeleci<strong>do</strong><br />

ao Prefeito. Com lógica, o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol afirmava<br />

que ele não po<strong>de</strong>ria ser superior a três anos,<br />

conforme estabeleci<strong>do</strong> <strong>em</strong> lei, pois a questão da


DAH-ALESP<br />

duração <strong>do</strong> mandato constituía uma questão geral<br />

ligada às “conveniências <strong>de</strong> harmonia e homogeneida<strong>de</strong><br />

na vida política <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”.<br />

Os outros sete pontos questiona<strong>do</strong>s pelo major<br />

Cruz e outros foram acata<strong>do</strong>s integralmente<br />

pelo relator. As questões relativas aos <strong>de</strong>litos,<br />

penas e formalismo processual, à verificação<br />

<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res e ao território municipal o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong><br />

Pujol as incluiu entre aquelas que chamou <strong>de</strong><br />

inócuas e <strong>de</strong>veriam ser anuladas. As outras<br />

três Pujol classificou como exorbitância da<br />

4<br />

Ass<strong>em</strong>bléia Municipal <strong>de</strong> Santos. Entre estas<br />

estava a questão da concessão <strong>do</strong> direito <strong>de</strong><br />

voto à mulher, a qual o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol afirmava<br />

ser contrária às Constituições Fe<strong>de</strong>ral e Paulista.<br />

O relator citava o artigo 70 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral e o artigo 59 da Constituição <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>. Ambas tinham a mesma redação: Eram<br />

eleitores os brasileiros natos e maiores <strong>de</strong> 21<br />

anos. Tal formulação, <strong>em</strong> seu entendimento,<br />

<strong>de</strong>ixava implícita a privação <strong>do</strong>s direitos <strong>de</strong> voto<br />

à mulher. A rigor, como se vê, o argumento é<br />

insustentável, pois é funda<strong>do</strong> no entendimento<br />

Na petição <strong>de</strong> 1895, os requerentes alegam que o direito ao voto f<strong>em</strong>inino contraria as constituições Fe<strong>de</strong>ral e Estadual.


Acervo histórico<br />

que a expressão “os brasileiros” refere-se ao<br />

gênero masculino, ao passo que <strong>em</strong> vários<br />

<strong>do</strong>s artigos <strong>em</strong> que se refere a “funcionários<br />

públicos” – o que incluía professoras, por<br />

ex<strong>em</strong>plo –, aí eram inseridas as mulheres.<br />

Todavia, esta lei não escrita vigiu durante toda a<br />

República Velha.<br />

O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Alfre<strong>do</strong> Pujol concluiu seu parecer<br />

propon<strong>do</strong> a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> artigos e parágrafos<br />

que, <strong>em</strong> parte, <strong>de</strong>ram provimento ao recurso<br />

<strong>do</strong> major Cruz e outros, e os d<strong>em</strong>ais foss<strong>em</strong><br />

manti<strong>do</strong>s.<br />

O relator da Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça,<br />

ao final <strong>de</strong> seu parecer, <strong>de</strong>ixou claro que o<br />

seu trabalho ali exposto estava restrito ao quadro<br />

legal então existente. Todavia, afirma que<br />

se impunha ao Congresso Legislativo paulista<br />

a revisão das leis <strong>de</strong> organização municipal,<br />

pois consi<strong>de</strong>rava que o disposto no artigo 92<br />

da Lei nº 16, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1891, b<strong>em</strong><br />

como outros artigos que consi<strong>de</strong>rava “radicais”,<br />

haviam produzi<strong>do</strong> “resulta<strong>do</strong>s anarquiza<strong>do</strong>res,<br />

que era lícito esperar da outorga <strong>de</strong> tão ampla<br />

autonomia a municípios gera<strong>do</strong>s e educa<strong>do</strong>s no<br />

<strong>do</strong>mínio centraliza<strong>do</strong>r e absorvente da lei <strong>de</strong> 1º<br />

<strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1828 [a lei sobre as câmaras municipais<br />

<strong>do</strong> Império <strong>do</strong> Brasil, dk] e apenas experimenta<strong>do</strong>s<br />

para a vida autonômica na rápida<br />

transição <strong>de</strong>terminada pelo <strong>de</strong>creto <strong>do</strong> governo<br />

provisório <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1890”. Para o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong><br />

Pujol não bastava <strong>de</strong>cretar as liberda<strong>de</strong>s<br />

publicas n<strong>em</strong> regulamentar o seu exercício, era<br />

“preciso que o sentimento da in<strong>de</strong>pendência<br />

penetre nos costumes <strong>do</strong> povo s<strong>em</strong> os impulsos<br />

da licença e da int<strong>em</strong>perança”. Evocan<strong>do</strong><br />

ex<strong>em</strong>plos relativos aos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, à Suíça<br />

e à Inglaterra o relator da Comissão <strong>de</strong> Constituição<br />

e Justiça da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Congresso Legislativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

caudatário <strong>do</strong> liberalismo heg<strong>em</strong>ônico entre as<br />

classes dirigentes paulistas e brasileiras, <strong>de</strong>ixava<br />

claro <strong>em</strong> seu parecer que o sentimento <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência penetraria gradualmente e sob<br />

a vigilância e a tutela <strong>de</strong> elites esclarecidas: a<br />

d<strong>em</strong>ocracia t<strong>em</strong>perada pelo bom senso, na frase<br />

<strong>de</strong> Bernard D’Harcourt <strong>de</strong> que faz uso para<br />

coroar seu raciocínio.<br />

Todavia, na data <strong>em</strong> que o relator apresentou<br />

seu parecer à Comissão <strong>de</strong> Constituição e<br />

Justiça da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, <strong>em</strong> 14 <strong>de</strong><br />

Junho <strong>de</strong> 1895, seus colegas <strong>de</strong> Comissão, os<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Alexandre Florin<strong>do</strong> Coelho e Eugênio<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Egas, não tiveram os mesmos pruri<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> Pujol e votaram contra seu parecer e<br />

apresentaram substitutivo <strong>em</strong> que simplesmente<br />

anulavam toda a Constituição <strong>de</strong> Santos e que<br />

acabou sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como “o” parecer da<br />

Comissão.<br />

o DEBATE no LEGISLATIvo PAuLISTA<br />

No dia 18 <strong>de</strong> junho os <strong>do</strong>is pareceres e os requerimentos<br />

<strong>do</strong> major Cruz e <strong>de</strong> Campos foram apresenta<strong>do</strong>s<br />

ao plenário e no dia 22, na 55ª Sessão<br />

Ordinária, entraram <strong>em</strong> discussão. O primeiro a<br />

pedir a palavra foi o maior interessa<strong>do</strong> no assunto,<br />

o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Galeão Carvalhal, que examinou o<br />

parecer <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol sobre a “burlesca lei”,<br />

cognome pelo qual o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Carvalhal se referia<br />

à Constituição Municipal.<br />

O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Carvalhal <strong>em</strong> suas primeiras palavras<br />

<strong>de</strong>ixou claro, ao comparar a organização fe<strong>de</strong>rativa<br />

brasileira com a norte-americana e a suíça,<br />

qual o verda<strong>de</strong>iro lugar a ser ocupa<strong>do</strong> pelas municipalida<strong>de</strong>s:<br />

“subordinadas à autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> corpo<br />

legislativo, ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça, como representante<br />

<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r judiciário, e ao po<strong>de</strong>r executivo”.<br />

Como resulta<strong>do</strong> lógico <strong>de</strong>sta perspectiva enfocou<br />

<strong>em</strong> primeiro lugar o ponto para o qual atribuiu<br />

falta <strong>de</strong> competência <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res santistas:<br />

a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> uma constituição política. Para<br />

o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Carvalhal, a expressão constituição<br />

política <strong>de</strong>signava um objeto <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>:<br />

“A lei fundamental, o estatuto político que<br />

<strong>de</strong>termina a forma <strong>de</strong> governo <strong>de</strong> um povo,<br />

que regula os direitos políticos, os <strong>de</strong>veres<br />

e as relações <strong>do</strong>s cidadãos <strong>de</strong> uma nação<br />

livre. Uma constituição política po<strong>de</strong> b<strong>em</strong><br />

ser <strong>de</strong>finida – o conjunto das instituições<br />

e das leis fundamentais <strong>de</strong>stinadas a regular<br />

a ação da administração e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os cidadãos. Uma constituição contém inquestionavelmente<br />

as bases fundamentais<br />

da organização social e da organização política,<br />

que são por sua vez os el<strong>em</strong>entos necessários<br />

para a organização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.”<br />

Fica evi<strong>de</strong>nte, pela leitura da Constituição Municipal<br />

<strong>de</strong> Santos não ser este exatamente o seu caso,<br />

já que seu foco era o da organização <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res,<br />

não se ven<strong>do</strong> <strong>em</strong> seus artigos algo relativo aos<br />

direitos e <strong>de</strong>veres <strong>do</strong>s cidadãos. Além disso, como<br />

observou <strong>em</strong> parte o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol, o argumento<br />

<strong>de</strong> Carvalhal teria senti<strong>do</strong> se a Câmara Municipal<br />

<strong>de</strong> Santos houvesse <strong>de</strong>creta<strong>do</strong> uma constituição<br />

para o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Cumpre <strong>de</strong>ixarmos<br />

assinala<strong>do</strong>s estes comentários, antes <strong>de</strong> prosseguirmos<br />

com a exposição <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Carvalhal.<br />

A seguir reiterou, entre outros, os argumentos <strong>do</strong>


major Cruz e seus amigos <strong>de</strong> que os verea<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong> Santos haviam instituí<strong>do</strong> três po<strong>de</strong>res <strong>em</strong> Santos:<br />

O Legislativo, representa<strong>do</strong> na Ass<strong>em</strong>bléia <strong>de</strong><br />

12 m<strong>em</strong>bros, o Executivo, encarna<strong>do</strong> no prefeito, e<br />

o Judiciário, exerci<strong>do</strong> pela Câmara <strong>do</strong>s Recursos.<br />

Enfatizada por Carvalhal e por vários outros <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s<br />

que o suce<strong>de</strong>ram na tribuna <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s<br />

mesmos pontos <strong>de</strong> vista foi a instituição da figura<br />

<strong>do</strong> prefeito eleito <strong>em</strong> votação específica e pelos<br />

eleitores. Carvalhal expunha claramente como<br />

<strong>de</strong>veria ser conforma<strong>do</strong> o Po<strong>de</strong>r Executivo: <strong>em</strong>bora<br />

<strong>de</strong>lega<strong>do</strong> pelo povo, o Executivo <strong>de</strong>veria ser<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> indireto, pelo voto <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res.<br />

Além <strong>de</strong> revelar uma permanência subjacente<br />

<strong>do</strong> centralismo existente no Esta<strong>do</strong> monárquico<br />

aboli<strong>do</strong> <strong>em</strong> 15 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro, o controle sobre os<br />

municípios seria um <strong>do</strong>s principais pilares <strong>do</strong> que<br />

se veio conhecer um pouco mais tar<strong>de</strong> como a<br />

“política <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res”: uma rígida ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

controle que vinha <strong>do</strong>s municípios e chegava à<br />

presidência da República. Não se po<strong>de</strong>ria correr<br />

o risco <strong>de</strong> a vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong>s eleitores nela interferir<br />

<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> direto, s<strong>em</strong> os filtros <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s políticos<br />

e concretiza<strong>do</strong>s nas chamadas comissões<br />

<strong>de</strong> verificações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, compostas pelos<br />

próprios candidatos eleitos, nas quais se podia<br />

simplesmente anular a voz das urnas através<br />

<strong>do</strong>s mais disparata<strong>do</strong>s argumentos. Desse mo<strong>do</strong>,<br />

conformada a Câmara, implicitamente estava estabeleci<strong>do</strong><br />

o Po<strong>de</strong>r Executivo 6 .<br />

Para o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Carvalhal era inadmissível “admitir<br />

o pensar daqueles que conced<strong>em</strong> aos po<strong>de</strong>res<br />

municipais a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> legislar sobre tu<strong>do</strong> o<br />

que não esteja expressamente proibi<strong>do</strong> tanto pela<br />

constituição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, como pela constituição fe<strong>de</strong>ral”.<br />

O resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> tal “pensar” era a anarquia<br />

e, por isso, concluía afirman<strong>do</strong> que a Constituição<br />

<strong>de</strong>veria ser anulada <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong>.<br />

Ao <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Carvalhal seguiram os outros <strong>do</strong>is<br />

m<strong>em</strong>bros da Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça,<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Alexandre Coelho e Eugênio Egas,<br />

justifican<strong>do</strong> seu voto contrário ao parecer <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol, que reiteraram, com pequenas<br />

variações, o que já havia dito o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Carvalhal.<br />

Este e Eugênio Egas <strong>de</strong>ram ex<strong>em</strong>plos da suposta<br />

anarquia propiciada pela lei <strong>de</strong> organização<br />

<strong>do</strong>s municípios. O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Carvalhal apontara<br />

o caso <strong>de</strong> uma lei <strong>de</strong> Santos, também anulada,<br />

<strong>em</strong> que se estaria regulamentan<strong>do</strong> a prostituição.<br />

Mas o maior rol ficou por conta <strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Egas,<br />

que, sintomaticamente, <strong>de</strong>ixou claro seu mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> organização municipal:<br />

“No regime da lei <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1828 nós<br />

não conhecíamos câmaras municipais que<br />

tivess<strong>em</strong> um orçamento <strong>de</strong> 1.800:000$000<br />

e que <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> com o pagamento<br />

<strong>de</strong> funcionários públicos mais <strong>de</strong> 600:<br />

000$000; nós não conhecíamos câmaras<br />

municipais que garantiss<strong>em</strong> <strong>em</strong>préstimos<br />

hipotecários <strong>de</strong> companhias particulares;<br />

nós não conhecíamos câmaras municipais<br />

que acobertass<strong>em</strong> <strong>de</strong>sfalques ocasiona<strong>do</strong>s<br />

pelos seus procura<strong>do</strong>res; nós não conhecíamos,<br />

enfim, câmaras municipais que<br />

não prestass<strong>em</strong> contas, que não zelass<strong>em</strong><br />

completamente os interesses sagra<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

contribuinte que paga e que fizess<strong>em</strong> <strong>do</strong>ação<br />

gratuita <strong>do</strong> patrimônio municipal.<br />

Hoje, as câmaras municipais, afastan<strong>do</strong>se<br />

<strong>do</strong> terreno que <strong>de</strong>viam trilhar, isto é, o<br />

terreno unicamente administrativo, aquele<br />

que se pren<strong>de</strong> ao b<strong>em</strong>-estar <strong>de</strong> seus munícipes,<br />

enveredam por um caminho cheio <strong>de</strong><br />

perigos, e, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> tratar<strong>em</strong> da felicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seus munícipes, elas se dão ao capricho<br />

<strong>de</strong> publicar até constituições políticas<br />

municipais.”<br />

Além disso, o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Egas manifestou<br />

sua indignação pelo fato <strong>de</strong> a Constituição<br />

Municipal ter garanti<strong>do</strong> “direitos civis, e até<br />

políticos, dan<strong>do</strong> o voto às mulheres”.<br />

4<br />

Além <strong>do</strong>s acima cita<strong>do</strong>s, também enveredaram<br />

pelas mesmas críticas os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s José <strong>de</strong><br />

Almeida Vergueiro, Álvaro Augusto da Costa Carvalho<br />

e Carlos <strong>de</strong> Campos.<br />

O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol tentou <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seu parecer.<br />

Reiterou seus pontos <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> que a figura<br />

<strong>do</strong> prefeito eleito diretamente pela população<br />

não era inconstitucional, n<strong>em</strong> tampouco a Câmara<br />

<strong>do</strong>s Recursos podia ser vista como um<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo. Embora <strong>de</strong>ixasse claro que<br />

se opunha também à “extr<strong>em</strong>a liberalida<strong>de</strong> para<br />

com os municípios” da Lei nº 16, <strong>em</strong> especial<br />

<strong>de</strong> seu artigo 92 – para o qual chegou a lançar<br />

um repto aos seus colegas: “Vamos riscar o art.<br />

92 da lei orgânica e <strong>de</strong>pois anular<strong>em</strong>os toda a<br />

constituição <strong>de</strong> Santos” -, chamou a atenção <strong>de</strong><br />

seus colegas para o risco que corriam. Para o<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol anular toda a Constituição <strong>de</strong><br />

Santos significava a Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s<br />

anular dispositivos da Lei nº 16 reproduzi<strong>do</strong>s na<br />

Constituição santista:<br />

“É justo, é prático, é sensato anular completamente<br />

a lei, anarquizan<strong>do</strong> serviços<br />

começa<strong>do</strong>s e outros <strong>em</strong> andamento no<br />

município, anulan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os esforços con-


Acervo histórico<br />

cretiza<strong>do</strong>s numa lei sábia, levan<strong>do</strong> a mais<br />

completa anarquia à vida <strong>do</strong> município?”<br />

Mas sequer este argumento foi ouvi<strong>do</strong> <strong>em</strong> função<br />

<strong>de</strong> a maioria <strong>do</strong>s <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s estar convicta <strong>de</strong> que<br />

se tratava não apenas <strong>de</strong> discutir se <strong>de</strong>terminadas<br />

questões eram constitucionais ou não, tratava-se<br />

<strong>de</strong> a<strong>do</strong>tar uma posição ex<strong>em</strong>plar. Assim, 27 votos<br />

foram da<strong>do</strong>s à favor da completa anulação da<br />

Constituição <strong>de</strong> Santos, contra três pelo parecer<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Pujol 7 .<br />

A resolução da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s seguiu,<br />

<strong>em</strong> 27 <strong>de</strong> Junho, para o Sena<strong>do</strong> Estadual,<br />

sen<strong>do</strong> enviada à sua Comissão <strong>de</strong> Constituição,<br />

Legislação e Po<strong>de</strong>res, composta pelos<br />

sena<strong>do</strong>res Antônio Pinheiro <strong>de</strong> Ulhôa Cintra,<br />

Fre<strong>de</strong>rico José Car<strong>do</strong>so <strong>de</strong> Araújo Abranches e<br />

Antônio Merca<strong>do</strong>. O parecer nº 53 foi apresenta<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> 8 <strong>de</strong> Julho e discuti<strong>do</strong> <strong>em</strong> plenário <strong>do</strong>is<br />

dias <strong>de</strong>pois. Este parecer centrou seu foco na<br />

questão, absolutamente formal e terminológica,<br />

<strong>de</strong> não ser prerrogativa <strong>de</strong> câmaras municipais<br />

promulgar constituições, e que, portanto, esta<br />

<strong>de</strong>veria ser anulada, ratifican<strong>do</strong>-se a <strong>de</strong>cisão da<br />

Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s. Desse mo<strong>do</strong>, o Sena<strong>do</strong><br />

eximiu-se <strong>de</strong> discutir o <strong>conteú<strong>do</strong></strong> da Constituição<br />

Municipal <strong>de</strong> Santos.<br />

Tal parecer foi assina<strong>do</strong> com restrições pelo<br />

sena<strong>do</strong>r Merca<strong>do</strong>. Em primeiro lugar, o sena<strong>do</strong>r<br />

Merca<strong>do</strong> afirmava que, nos casos <strong>de</strong> pronunciamentos<br />

sobre <strong>de</strong>liberações <strong>de</strong> Câmaras Municipais,<br />

como o Congresso Legislativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

AnEXo<br />

“Secretaria da Ass<strong>em</strong>bléia Municipal <strong>de</strong> Santos, <strong>em</strong> 26 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1895.<br />

Cidadão<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> agia como um tribunal, <strong>de</strong>veriam<br />

as suas resoluções ter a forma <strong>de</strong> sentenças,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> promulgação para se tornar<strong>em</strong><br />

efetivas. A segunda restrição <strong>de</strong>veu-se ao<br />

fato <strong>de</strong> o sena<strong>do</strong>r Marca<strong>do</strong>, não para este caso,<br />

para o qual manifestava sua a<strong>de</strong>são, consi<strong>de</strong>rar<br />

que não se <strong>de</strong>veria ter como norma apenas a<br />

apreciação <strong>de</strong> um ato municipal <strong>em</strong> seu conjunto,<br />

mas po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>stacar as disposições<br />

inconstitucionais.<br />

Tais observações não modificaram o <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> e<br />

assim o Sena<strong>do</strong> Estadual paulista enviou ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e à Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s a<br />

resolução anulan<strong>do</strong> a Constituição Municipal <strong>de</strong><br />

Santos e a publicou no Diário Oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o<br />

que ocorreu no dia 11 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1895.<br />

E assim acabou anulada a “Constituição Política<br />

<strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santos”, voltan<strong>do</strong>-se ao quadro<br />

anterior a 15 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894. O episódio<br />

também <strong>de</strong>ixou clara mensag<strong>em</strong> aos municípios<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> sobre os limites <strong>de</strong> sua autonomia<br />

municipal sob o novo regime republicano: “o terreno<br />

unicamente administrativo, aquele que se<br />

pren<strong>de</strong> ao b<strong>em</strong>-estar <strong>de</strong> seus munícipes”, como<br />

o <strong>de</strong>ixara explícito o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Eugênio Egas. As<br />

i<strong>de</strong>alizações feitas ao t<strong>em</strong>po da propaganda republicana<br />

no 2º Império <strong>de</strong>ram lugar a um arranjo<br />

pragmático que serviu para viabilizar a estrutura<br />

política que sustentou os governos estaduais e<br />

municipais até 1930. A autonomia municipal ficou<br />

apenas para ser exaltada nos dias <strong>de</strong> festa da<br />

República Velha 8 .<br />

A Ass<strong>em</strong>bléia Municipal v<strong>em</strong> informar o recurso interposto pelo bacharel José Emílio Ribeiro Campos pelo<br />

mo<strong>do</strong> seguinte:<br />

Antes <strong>de</strong> analisar e <strong>de</strong> contestar os argumentos que fundamentam o recurso interposto, é <strong>de</strong> suma conveniência<br />

instar-vos que mediante incumbência da então Câmara Municipal, o projeto da Constituição Política<br />

<strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santos foi formula<strong>do</strong> pelo ilustra<strong>do</strong> advoga<strong>do</strong> dr. Vicente Augusto <strong>de</strong> Carvalho, que<br />

seria incapaz <strong>de</strong> comprometer a Câmara Municipal, <strong>de</strong> abusar da confiança <strong>em</strong> si <strong>de</strong>positada, redigin<strong>do</strong><br />

o mesmo projeto contra a Constituição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>, <strong>em</strong> que colaborou ele como Deputa<strong>do</strong> no<br />

Congresso Estadual, concorren<strong>do</strong> com o seu voto e também com a sua assinatura para a promulgação<br />

<strong>de</strong>ssa lei básica e fundamental <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

E como era natural esta comissão consultou a opinião <strong>do</strong> ilustra<strong>do</strong> redator <strong>do</strong> projeto da Constituição Municipal,<br />

a fim <strong>de</strong> ser o recurso interposto respondi<strong>do</strong> e informa<strong>do</strong> criteriosamente.


Em conformida<strong>de</strong> com o parecer da<strong>do</strong> a essa consulta, a parte primeira <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> recurso exprime apenas<br />

ignorância <strong>do</strong> assunto.<br />

Os <strong>do</strong>is argumentos usa<strong>do</strong>s pelo recorrente contra a legitimida<strong>de</strong> da Constituição Municipal são ambos<br />

equivalentes na ausência, a ambos comum e completa <strong>em</strong> ambos [sic], <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong> direito e preceitos<br />

das leis [ilegível] que regulam a matéria.<br />

Preten<strong>de</strong> o recorrente, <strong>em</strong> primeiro lugar, que a Constituição é nula por alterar a organização <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res<br />

estabelecida pela lei nº 16 <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1891, e que só mediante aprovação <strong>do</strong> Congresso <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> po<strong>de</strong>ria o município alterar a organização <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res que vigorou até a promulgação da sua lei fundamental.<br />

Heresia admirável, que contra o princípio da autonomia municipal preten<strong>de</strong> <strong>do</strong>utrinar uma intervenção<br />

[ilegível] <strong>do</strong> Congresso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>em</strong> matéria afeta à <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong>s municípios; heresia admirável, que se<br />

levanta contra disposição expressa e clara <strong>de</strong> leis escritas!<br />

Quer a Constituição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, art. 53 § 1, quer a lei nº 16 citada, artigo 92, reconhec<strong>em</strong> nos municípios a<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar os po<strong>de</strong>res que a eles são atribuí<strong>do</strong>s, distribuin<strong>do</strong>-os por órgãos que a eles compete<br />

criar e suprimir, marcan<strong>do</strong>-lhes atribuições.<br />

Quer a Constituição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, quer a lei nº 16, mandam apenas, na organização <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res municipais<br />

por ato <strong>do</strong>s municípios, respeitar os preceitos da eletivida<strong>de</strong> para to<strong>do</strong>s os cargos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, revogabilida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> mandato e <strong>do</strong>s atos e <strong>de</strong>liberações <strong>de</strong> quaisquer autorida<strong>de</strong>s, capacida<strong>de</strong> eleitoral e condições <strong>de</strong><br />

elegibilida<strong>de</strong>. To<strong>do</strong>s esses preceitos são rigorosamente observa<strong>do</strong>s pela Constituição Municipal. On<strong>de</strong>, pois,<br />

a exorbitância das atribuições <strong>do</strong> município para dar azo à intervenção <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>? O munícipe,<br />

usan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse argumento absur<strong>do</strong>, <strong>de</strong>u um tiro para o ar. Não o <strong>de</strong>u menos quan<strong>do</strong> atribui caráter judiciário à<br />

Câmara <strong>do</strong>s Recursos, para sustentar a sua ilegitimida<strong>de</strong> <strong>em</strong> face da lei <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que nega aos municípios<br />

jurisdição contenciosa. O caráter judiciário da Câmara <strong>do</strong>s Recursos é uma invenção infeliz <strong>do</strong> recorrente.<br />

O município <strong>de</strong>legou na Câmara <strong>do</strong>s Recursos atribuições que lhe são próprias, isto é, confiou-lhe intervenção<br />

e <strong>de</strong>liberação <strong>em</strong> assuntos que são <strong>de</strong> positiva e expressa competência municipal. No regime<br />

comum aos municípios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no geral os atos <strong>do</strong> executivo, representa<strong>do</strong> pelos inten<strong>de</strong>ntes, estão<br />

sujeitos à apreciação das Câmaras Municipais.<br />

As Câmaras Municipais <strong>de</strong>stitu<strong>em</strong> os inten<strong>de</strong>ntes que lhes <strong>de</strong>sagradam, marcam-lhes, ao sabor das maiorias<br />

ocasionais, a tarefa; e para as Câmaras há recurso <strong>do</strong>s atos que eles praticam.<br />

No regime santista houve <strong>de</strong>sm<strong>em</strong>bramento <strong>de</strong>ssa atribuição acumulada pelas Câmaras com a faculda<strong>de</strong><br />

legislativa.<br />

Aqui, o Legislativo legisla unicamente, caben<strong>do</strong> à Câmara <strong>do</strong>s Recursos o conhecimento das exorbitâncias<br />

cometidas pelo prefeito e a aplicação <strong>do</strong> corretivo aos seus atos abusivos.<br />

Atribuir-lhe caráter judiciário é ignorar a significação da palavra.<br />

A Câmara <strong>do</strong>s Recursos não distribui justiça, não <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> <strong>em</strong> questão <strong>de</strong> direito. Permite-se, <strong>em</strong> casos<br />

previstos na lei, a anular atos <strong>do</strong> prefeito e <strong>de</strong>clará-lo <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>do</strong> cargo. As suas atribuições nada têm,<br />

portanto, <strong>de</strong> judiciárias, são, apenas e acentuadamente, administrativas e políticas.<br />

Quanto à falta <strong>de</strong> publicação da Constituição Municipal, também não proce<strong>de</strong> o respectivo argumento <strong>do</strong><br />

recorrente.<br />

É certo que nos termos das “Disposições transitórias” da Constituição Municipal, no dia seguinte ao da<br />

sua promulgação, a Câmara Municipal reuniu-se como Ass<strong>em</strong>bléia Municipal <strong>em</strong> sessão extraordinária,<br />

para tratar, como trata<strong>do</strong>, das medidas mais urgentes, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se então as eleições <strong>do</strong> prefeito, <strong>do</strong><br />

subprefeito e <strong>do</strong>s m<strong>em</strong>bros e suplentes da Câmara <strong>do</strong>s Recursos.<br />

Porém, se a execução da Constituição Municipal a respeito <strong>de</strong>ssas medidas mais urgentes, conforme as<br />

suas “Disposições Transitórias”, após a sua promulgação s<strong>em</strong> antece<strong>de</strong>r sua publicação pela imprensa,<br />

constitui irregularida<strong>de</strong>, não motivo <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, o que se contesta; conclui-se que também estão viciadas<br />

das mesmas irregularida<strong>de</strong>s ou nulida<strong>de</strong>s a Constituição Fe<strong>de</strong>ral e a própria Constituição Política <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>em</strong> cujas “Disposições transitórias” foram também <strong>de</strong>terminadas certas providências<br />

urgentes e que foram executadas logo <strong>de</strong>pois das promulgações <strong>de</strong>ssas Constituições por não po<strong>de</strong>r<strong>em</strong><br />

ser adiadas posteriormente a [ilegível] <strong>de</strong> suas respectivas publicações.<br />

E, além disso, a promulgação solene da Constituição Política <strong>do</strong> município <strong>de</strong> Santos <strong>em</strong> 15 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>do</strong> ano fin<strong>do</strong> foi um ato essencial e notoriamente público, para o qual foram convida<strong>do</strong>s o povo e todas as<br />

autorida<strong>de</strong>s da comarca, não só pela imprensa como por convites especiais feitos por comissão nomeada<br />

pela Câmara Municipal.<br />

E, além disso, logo <strong>de</strong>pois da promulgação man<strong>do</strong>u-se publicar a Constituição Municipal pela imprensa,<br />

o que já antes se havia feito no projeto e imprimiram-se folhetos e foram geralmente distribuí<strong>do</strong>s pelos<br />

habitantes <strong>do</strong> município.<br />

4


Acervo histórico<br />

Em conseqüência, da mesma forma que as outras, tal argumento <strong>do</strong> recorrente não t<strong>em</strong> procedência<br />

alguma.<br />

Ao cidadão Dr. Cesário Motta<br />

M. D. Secretário <strong>do</strong>s Negócios <strong>do</strong> Interior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>.”<br />

noTAS<br />

Saú<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong><br />

O Subprefeito<br />

José André <strong>do</strong> Sacramento Macuco<br />

O 1º Secretário<br />

Antônio Manoel Fernan<strong>de</strong>s<br />

1 - Exposição apresentada ao Dr. Jorge Tibiriçá pelo Dr. Pru<strong>de</strong>nte José <strong>de</strong> Moraes Barros, Primeiro<br />

governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, ao passar-lhe a administração no dia 18 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1890.<br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Vanor<strong>de</strong>n, 1890, p. 13-14.<br />

2 - Além disso, cabia à Biblioteca <strong>do</strong> Congresso reunir todas as leis, <strong>de</strong>cretos, resoluções, relatórios,<br />

anais, mensagens e outros <strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>do</strong>s outros Esta<strong>do</strong>s e<br />

da União; <strong>de</strong> adquirir, ou obter cópia <strong>de</strong> crônicas, roteiros e m<strong>em</strong>órias relativas ao Brasil e principalmente<br />

a <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e também tu<strong>do</strong> quanto pu<strong>de</strong>sse interessar ao estu<strong>do</strong> da Geografia, da História<br />

e da Etnografia <strong>do</strong> Brasil e <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

3 - Afonso Francisco Veridiano, Antônio Augusto Bastos, Brasílio Monteiro da Silva, João da Costa<br />

Silveira, João Éboli, João Nepomuceno Freire Júnior, João Octávio <strong>do</strong>s Santos, José Antônio Vieira<br />

Barbosa, José Caetano Munhoz, José Cesário da Silva Bastos, Manoel Maria Tourinho e Narciso <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> foram os verea<strong>do</strong>res santistas <strong>em</strong>possa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> 29 <strong>de</strong> Set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1892.<br />

4 - Eram eles Manoel Maria Tourinho (Presi<strong>de</strong>nte), José Caetano Munhoz (1º Secretário), Alexandre<br />

José <strong>de</strong> Mello Júnior (servin<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2º Secretário), José André <strong>do</strong> Sacramento Macuco, Alberto<br />

Veiga, Antônio Manoel Fernan<strong>de</strong>s, João Braz <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, Antônio Vieira <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong> e Augusto<br />

Filgueiras.<br />

5 - Trata-se <strong>de</strong> João Antônio <strong>de</strong> Segadas Viana e Ricar<strong>do</strong> Pinto <strong>de</strong> Oliveira<br />

6 - Anos mais tar<strong>de</strong>, como resulta<strong>do</strong> da Reforma da Constituição Paulista ocorrida <strong>em</strong> 1905, a Lei nº<br />

1.103, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1907 – modifican<strong>do</strong> a Lei nº 1.038, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1906, que<br />

dispunha sobre a organização municipal –, admitiu a eleição por sufrágio direto e maioria relativa<br />

<strong>de</strong> votos, apenas para Prefeito (sen<strong>do</strong> o subprefeito escolhi<strong>do</strong> pela Câmara Municipal), nos municípios<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Santos e Campinas. Nos d<strong>em</strong>ais cabia à Câmara escolher ambos. Se a eleição<br />

direta para os três maiores municípios paulistas po<strong>de</strong>ria assinalar uma certa confiança na eficácia<br />

<strong>do</strong>s arranjos político-estruturais da República Velha, o fato <strong>de</strong> os d<strong>em</strong>ais municípios não ter<strong>em</strong> este<br />

instituto mostra a mão férrea da oligarquia paulista e os limites <strong>de</strong> seu “liberalismo”.<br />

7 - Votaram a favor da anulação total da Constituição <strong>de</strong> Santos os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Alexandre Coelho,<br />

Álvaro Carvalho, Nogueira Cobra, Costa Carvalho, Fontes Júnior, Arnolpho Azeve<strong>do</strong>, Arthur Pra<strong>do</strong>,<br />

Carlos <strong>de</strong> Campos, Daniel Macha<strong>do</strong>, Eduar<strong>do</strong> Garcia, Elpídio Gomes, Eugênio Egas, Estevam<br />

Marcolino, Oliveira Braga, Francisco Malta, Pereira da Rocha, Malta Júnior, Galeão Carvalhal, Rodrigues<br />

Guião, Almeida Vergueiro, Rangel Júnior, Paula Novaes, Lucas <strong>de</strong> Barros, Luiz Piza, Oscar<br />

<strong>de</strong> Almeida, Pedro <strong>de</strong> Tole<strong>do</strong> e Raphael <strong>de</strong> Campos, e contra os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Alfre<strong>do</strong> Pujol, Car<strong>do</strong>so<br />

<strong>de</strong> Almeida e Pereira <strong>de</strong> Queiroz.<br />

8 - Ao mesmo t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> processo que se conformou ao longo <strong>de</strong> alguns anos, o Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

estruturou a forma pela qual avocou para si, <strong>de</strong> forma inequívoca, através da Reforma da Constituição<br />

<strong>de</strong> 1905, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> anular as <strong>de</strong>liberações e atos das municipalida<strong>de</strong>s. Este po<strong>de</strong>r coube<br />

específica e exclusivamente ao Sena<strong>do</strong> Estadual, que constituiu, inclusive, uma comissão <strong>de</strong> caráter<br />

permanente, a Comissão <strong>de</strong> Recursos Municipais, a fim <strong>de</strong> apreciar e <strong>de</strong>cidir tais questões.<br />

Suas resoluções revocatórias <strong>de</strong> leis municipais eram consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong>finitivas, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> mais<br />

as municipalida<strong>de</strong>s ou o Po<strong>de</strong>r Judiciário aplicá-las.


M<strong>em</strong>ória Visual<br />

Avaí: Terra da Jacutinga<br />

Pelos i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1905, quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> ainda era<br />

mata selvag<strong>em</strong>, terra <strong>do</strong>s índios Terena e<br />

Guarani, repleto <strong>de</strong> jacutinga – pássaro<br />

muito encontra<strong>do</strong> e caça<strong>do</strong> na região –, alguns<br />

<strong>de</strong>sbrava<strong>do</strong>res já habitavam o local.<br />

Um <strong>de</strong>les, o “João Guari” – apeli<strong>do</strong> <strong>de</strong> João Batista<br />

Dias, que veio <strong>de</strong> <strong>São</strong> Manuel com a família e<br />

alguns companheiros – foi qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>u a sugestão,<br />

no início <strong>de</strong> 1906, ao Major Gasparino <strong>de</strong> Quadros,<br />

um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>nos da Fazenda Jacutinga, da<br />

<strong>do</strong>ação <strong>de</strong> terras para a formação <strong>de</strong> um novo<br />

povoa<strong>do</strong>.<br />

A contribuição seria <strong>de</strong> 10 alqueires para a Câmara<br />

Municipal <strong>de</strong> Bauru e a Igreja, com atribuição<br />

da Prefeitura executar o arruamento e a<br />

venda <strong>do</strong>s lotes.<br />

O lugarejo <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Jacutinga e com t<strong>em</strong>po<br />

<strong>São</strong> Sebastião <strong>de</strong> Jacutinga – <strong>em</strong> honra a seu<br />

padroeiro – começou a crescer com a chegada<br />

da Estrada <strong>de</strong> Ferro Noroeste <strong>do</strong> Brasil e a inauguração<br />

<strong>de</strong> sua estação ferroviária, <strong>em</strong> 27 <strong>de</strong><br />

set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1906.<br />

No ano seguinte o progresso foi significativo:<br />

com a construção <strong>de</strong> novas casas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira,<br />

apareceram os primeiros comércios – o armazém,<br />

o açougue, a farmácia – e construção <strong>do</strong><br />

primeiro c<strong>em</strong>itério.<br />

Em 1910, com as ruas já iluminadas por lampiões,<br />

é inaugura<strong>do</strong> o primeiro<br />

cin<strong>em</strong>a, funcionan<strong>do</strong> <strong>em</strong> um barracão,<br />

com eletricida<strong>de</strong> fornecida<br />

por um motor.<br />

A próspera Vila foi elevada a<br />

Distrito <strong>de</strong> Paz <strong>do</strong> Município <strong>de</strong><br />

Bauru, pela Lei nº 1246, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1910.<br />

Em agosto <strong>de</strong> 1918, Jacutinga<br />

contava com 2.000 habitantes,<br />

245 prédios; com arrecadação,<br />

referente ao perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong><br />

janeiro a 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1918, <strong>de</strong><br />

24.368#925 (vinte e quatro contos<br />

e trezentos e sessenta e oito<br />

mil e novecentos e vinte e cinco<br />

réis) e 133 prédios comerciais.<br />

Pela Lei nº 1672, <strong>do</strong> dia 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1919, foi o Distrito <strong>de</strong><br />

Jacutinga eleva<strong>do</strong> a município, receben<strong>do</strong> o nome<br />

<strong>de</strong> Avaí, para evitar a confusão, muito comum na<br />

época, entre as cida<strong>de</strong>s homônimas <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />

e Minas Gerais e com intenção <strong>de</strong> rel<strong>em</strong>brar a<br />

celebre batalha contra o exército paraguaio, comandada<br />

pelo Marquês <strong>de</strong> Caxias, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1868, às margens <strong>do</strong> arroio <strong>do</strong> Avaí.<br />

O conjunto <strong>de</strong> imagens e <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong>sta<br />

“M<strong>em</strong>ória Visual” é proce<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Projeto <strong>de</strong> Lei<br />

nº3, <strong>de</strong> 1918, <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> e vota<strong>do</strong> como Projeto Substitutivo pela<br />

Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

<strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1919.<br />

Avaí está localizada no centro <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, distante<br />

da Capital <strong>em</strong> 325 km, pertencen<strong>do</strong> à 7ª Região<br />

Administrativa, vizinha das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Bauru,<br />

Presi<strong>de</strong>nte Alves, Reginópolis, Gália e Duartina.<br />

Com um clima variável, nos seus 543 km², topografia<br />

<strong>de</strong> planalto, t<strong>em</strong> na agricultura – café,<br />

abacaxi, laranja e verduras – e na pecuária – bovino<br />

(nelore), eqüino, suíno e caprino – o seu<br />

ponto forte.<br />

Com quase 5 mil habitantes, <strong>em</strong> sua maioria na<br />

área suburbana, o município possui a última reserva<br />

indígena da região – a Al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Araribá,<br />

povoada por índios <strong>de</strong> etnia Terena e Guarani,<br />

que ainda cultivam os seus costumes na agricultura,<br />

no artesanato e na tecelag<strong>em</strong>.


Para 1º sub-<strong>de</strong>lega<strong>do</strong> <strong>de</strong> polícia foi<br />

nomea<strong>do</strong> o capitão Juvencio Silva<br />

O 1º Juiz <strong>de</strong> Paz, com a elevação <strong>de</strong> distrito, <strong>em</strong> 1910.<br />

Foi o Dr. Horácio Messias Nogueira


Acervo histórico


Pela certidão ao la<strong>do</strong>, o Sr Aurélio Barcellos <strong>de</strong> Almeida,<br />

sub-prefeito <strong>de</strong> Jacutinga, <strong>de</strong>clara que exist<strong>em</strong> 220 prédios<br />

na província, sen<strong>do</strong> 150 bons e 70 inferiores.


Freitas Valle e Jacques<br />

D’Avray: o sena<strong>do</strong>r-poeta<br />

Marcia Camargos *<br />

Leis&Letras<br />

O seu feitio era <strong>de</strong> Mecenas. A galanteria<br />

nele não se incrustava numa máscara<br />

social: era um vértice <strong>do</strong> seu espírito plurifaceta<strong>do</strong>.<br />

Tinha qualquer coisa <strong>de</strong> príncipe<br />

da Renascença, <strong>de</strong> uma figura medícia da<br />

estirpe daqueles políticos que sabiam ser,<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po, homens <strong>de</strong> <strong>em</strong>presa e<br />

artistas.<br />

Menotti Del Picchia 1<br />

Reconstituição s<strong>em</strong>pre probl<strong>em</strong>ática e incompleta<br />

<strong>do</strong> que não existe mais, nas palavras <strong>de</strong><br />

Lévi-Strauss, a história traz impressa a assinatura<br />

<strong>de</strong> qu<strong>em</strong> a escreve, constituin<strong>do</strong> antes uma<br />

versão <strong>do</strong> que a verda<strong>de</strong> inquestionável <strong>do</strong>s fatos.<br />

Ninguém duvida que o pesquisa<strong>do</strong>r privilegia<br />

certos episódios e personagens, recortan<strong>do</strong> no<br />

conjunto das m<strong>em</strong>órias individuais e coletivas os<br />

el<strong>em</strong>entos para costurar os processos históricos.<br />

A subjetivida<strong>de</strong> inerente ao ofício explica, <strong>em</strong><br />

parte, porque <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s eventos e sujeitos<br />

sociais acab<strong>em</strong> superdimensiona<strong>do</strong>s <strong>em</strong> relação<br />

a outros <strong>de</strong> igual ou maior importância no seu<br />

t<strong>em</strong>po. Nessa dinâmica insere-se a figura <strong>de</strong><br />

José <strong>de</strong> Freitas Valle, cujo salão artístico e literário<br />

batiza<strong>do</strong> Villa Kyrial, marcou profundamente a<br />

vida intelectual da cida<strong>de</strong> nas décadas iniciais <strong>do</strong><br />

século XX.<br />

Adquirida <strong>em</strong> 1904, sua mansão da Domingos <strong>de</strong><br />

Morais, 10, no bairro <strong>de</strong> Vila Mariana, tornou-se<br />

um ponto <strong>de</strong> encontro da elite social e política da<br />

* Doutora <strong>em</strong> História Social realiza pós-<strong>do</strong>utora<strong>do</strong> no Instituto <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Brasileiros da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />

– IEB/USP. Escreveu, entre outros, Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, SENAC, 1997 (<strong>em</strong> coautoria);<br />

Villa Kyrial: Crônica da Belle Époque paulistana. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, SENAC, 2001 e A S<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> 22: entre vaias<br />

e aplausos. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Boit<strong>em</strong>po, 2002. (camargos@plugnet.com.br)<br />

1<br />

capital <strong>do</strong> café, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> jovens talentos s<strong>em</strong> recursos<br />

<strong>em</strong> busca <strong>do</strong> apoio da oligarquia ilustrada.<br />

Patrocina<strong>do</strong>r da primeira exposição <strong>do</strong> pintor russo<br />

Lasar Segall no Brasil <strong>em</strong> 1913, Valle recebia,<br />

<strong>em</strong> saraus e banquetes m<strong>em</strong>oráveis, personalida<strong>de</strong>s<br />

<strong>em</strong> visita ao país, além <strong>do</strong>s futuros protagonistas<br />

da S<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> 22, como Mário e Oswald <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong>. Mentor <strong>do</strong> Pensionato Artístico <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>, programa que <strong>de</strong> 1912 a 1930 conce<strong>de</strong>u<br />

bolsas <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s na Europa a nomes como Anita<br />

Malfatti, Victor Brecheret, o maestro Francisco<br />

Mignone e o pianista João <strong>de</strong> Souza Lima, entre<br />

muitos outros, Valle controlava o circuito das artes<br />

na cida<strong>de</strong>. E, apesar <strong>de</strong> conduzir um espaço<br />

<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> trocas <strong>de</strong> idéias que <strong>de</strong>saguariam<br />

<strong>em</strong> movimentos <strong>de</strong> vanguarda estética,<br />

como no caso <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rnismo, ele permaneceu<br />

por décadas a fio ausente das páginas <strong>do</strong>s livros<br />

da nossa história cultural recente. Por isso, vale<br />

a pena conhecer mais <strong>de</strong> perto este gaúcho que<br />

<strong>de</strong>ixou Alegrete <strong>em</strong> 1885, aos 15 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,<br />

para ingressar na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>do</strong> Largo<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> Francisco, celeiro <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong><br />

e da República.<br />

frEITAS vALLE, o MAGnífICo<br />

Múltiplo <strong>de</strong> político, mecenas, literato, educa<strong>do</strong>r e<br />

gourmet, m<strong>em</strong>bro da maçonaria e <strong>do</strong> restrito círculo<br />

da elite paulista, posição realçada por meio<br />

<strong>do</strong> casamento com uma representante da oligarquia<br />

regional, Valle foi o que se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong><br />

um legítimo legisla<strong>do</strong>r da República Velha. Como<br />

<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1904 a 1924 e, <strong>de</strong>pois, sena<strong>do</strong>r da


Coleção Marcia Camargos<br />

Acervo histórico<br />

Capa <strong>do</strong> livro Ensino Público no Governo Washington<br />

Luís, publica<strong>do</strong> pela Editora Garraux, <strong>em</strong> 1924<br />

bancada <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Paulista até a<br />

Revolução <strong>de</strong> 30, quan<strong>do</strong> saiu <strong>do</strong> cenário e aban<strong>do</strong>nou<br />

a vida pública, ele <strong>de</strong>senvolveu uma atuação<br />

parlamentar focada na educação e nas artes.<br />

Comparecia com assiduida<strong>de</strong> ao prédio da Praça<br />

João Men<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> funcionava o Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

bicameral, forma<strong>do</strong> pela Câmara e pelo Sena<strong>do</strong>.<br />

Relator da Comissão <strong>de</strong> Recursos Municipais,<br />

articula<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Pensionato Artístico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, assumia compromissos e propunha<br />

medidas que se coadunavam com preocupações<br />

típicas <strong>do</strong> universo político e cultural <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>.<br />

Para divulgar os méto<strong>do</strong>s pioneiros <strong>de</strong> ensino,<br />

populariza<strong>do</strong>s pelo governo <strong>de</strong> Washington Luís,<br />

Freitas Valle publicou <strong>do</strong>is livros con<strong>de</strong>nsan<strong>do</strong> seu<br />

discurso na Câmara, a lei e a regulamentação <strong>do</strong><br />

ensino público, que inspiraria iniciativas s<strong>em</strong>elhantes<br />

Brasil afora 2 . Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Instrução<br />

Pública por muitos anos, Valle apresentou<br />

projetos <strong>de</strong> lei crian<strong>do</strong> escolas operárias e agrícolas<br />

para menores, reformulan<strong>do</strong> os cursos da Escola<br />

Politécnica e da Escola Superior <strong>de</strong> Agricultura<br />

Luiz <strong>de</strong> Queiroz e fundan<strong>do</strong> a Escola Normal <strong>do</strong><br />

Brás. Foi, também, responsável pela r<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lação<br />

da Biblioteca Pública que, até 1911, existia apenas<br />

nominalmente, contan<strong>do</strong> com quatro ou cinco funcionários<br />

mal r<strong>em</strong>unera<strong>do</strong>s. Ainda <strong>em</strong> 1911 propôs<br />

a aquisição da biblioteca <strong>de</strong> Eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong>, autor<br />

<strong>de</strong> A ilusão americana, morto <strong>de</strong>z anos antes.<br />

Também apresentou projeto <strong>de</strong> lei regulamentan<strong>do</strong><br />

a Pinacoteca <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, fundada por ele juntamente<br />

com Carlos <strong>de</strong> Campos, Ramos <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>,<br />

Sampaio Viana e A<strong>do</strong>lfo Pinheiro e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1905, instalada <strong>em</strong> salas <strong>do</strong> Liceu <strong>de</strong><br />

Artes e Ofícios. Apoiada por Sampaio Viana e os<br />

engenheiros Ramos <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> e A<strong>do</strong>lfo Pinto, a<br />

Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s aprovou verba <strong>de</strong>stinada<br />

à recuperação <strong>do</strong> museu, finalmente aberto à visitação<br />

pública <strong>em</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1911 com<br />

a I Exposição Brasileira <strong>de</strong> Belas-Artes. No ano<br />

seguinte, 1912, Freitas Valle propôs a instituição<br />

<strong>de</strong> bibliotecas populares, <strong>de</strong>stinadas às camadas<br />

sociais menos favorecidas, a ser<strong>em</strong> implantadas<br />

nos logra<strong>do</strong>uros mais populosos <strong>do</strong>s respectivos<br />

distritos, se possível junto aos pólos fabris 3 . Valle<br />

sugeriu, ainda, a criação <strong>do</strong> Canto Orfeônico.<br />

O Museu <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, atual Museu Paulista, também<br />

foi alvo <strong>do</strong> seu interesse <strong>de</strong> legisla<strong>do</strong>r, ten<strong>do</strong><br />

recebi<strong>do</strong> aumento <strong>de</strong> pessoal técnico a fim <strong>de</strong><br />

permanecer aberto mais dias na s<strong>em</strong>ana. Aos colegas<br />

da Câmara, Valle <strong>de</strong>u como ex<strong>em</strong>plo o visitante<br />

que, chegan<strong>do</strong> à capital num <strong>do</strong>mingo à noite<br />

e partin<strong>do</strong> três dias <strong>de</strong>pois, estaria impossibilita<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> conhecer seu acervo, impenetrável ao público<br />

como um “tesouro <strong>de</strong> avarento” 4 . Em outra oportunida<strong>de</strong>,<br />

apresentou projeto para amparar professores<br />

e funcionários públicos que se alistass<strong>em</strong><br />

como voluntários nas fileiras <strong>do</strong> Exército Nacional,<br />

quan<strong>do</strong> este preparava os primeiros contingentes<br />

<strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s para lutar com os alia<strong>do</strong>s na Primeira<br />

Guerra Mundial. Sancionada pelas duas casas <strong>do</strong><br />

Legislativo paulista, a iniciativa foi promulgada<br />

pelo presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1917, receben<strong>do</strong> o nome <strong>de</strong> Lei Freitas Valle.<br />

E, quan<strong>do</strong> esquentaram as discussões sobre as<br />

reformas constitucionais, o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>-mecenas<br />

foi partidário da <strong>em</strong>enda que exigia naturalida<strong>de</strong><br />

brasileira para o presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Brasil.<br />

S<strong>em</strong>pre pelo PRP, elegeu-se sena<strong>do</strong>r estadual <strong>em</strong><br />

1924 na vaga aberta com a morte <strong>de</strong> Gustavo <strong>de</strong><br />

Oliveira Go<strong>do</strong>y, com 90.470 votos. Seria reconfirma<strong>do</strong><br />

no cargo <strong>em</strong> 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1925, levan<strong>do</strong><br />

para o Sena<strong>do</strong> o mesmo estilo, volta<strong>do</strong> para os<br />

probl<strong>em</strong>as educacionais <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Ao receber<br />

da Câmara o projeto n o 45, que reformulava<br />

a instrução pública, Valle <strong>de</strong>u parecer reconhecen<strong>do</strong><br />

que o professora<strong>do</strong> paulista era mal pago,<br />

não só <strong>em</strong> face da importância <strong>de</strong> suas funções,<br />

mas diante da carestia crescente. Circunstância, a<br />

seu ver, agravada no caso <strong>do</strong> profissional da zona<br />

rural, cuja baixa r<strong>em</strong>uneração proporcionava um<br />

parco sustento <strong>em</strong> troca <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> serviço que<br />

prestava no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s sertões. Dadas às dificulda<strong>de</strong>s<br />

orçamentárias, que não permitiriam um ime-


diato reajuste salarial, propôs o rodízio <strong>do</strong> corpo<br />

<strong>do</strong>cente, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a tornar obrigatório pelo menos<br />

um ano <strong>de</strong> exercício fora <strong>do</strong> perímetro urbano, antes<br />

<strong>de</strong> qualquer outra colocação no magistério 5 .<br />

Por sua militância no campo educacional ao longo<br />

<strong>de</strong> 27 anos <strong>de</strong> mandatos consecutivos como <strong>de</strong>puta<strong>do</strong><br />

e sena<strong>do</strong>r, Freitas Valle teria si<strong>do</strong> o artífice,<br />

naquele perío<strong>do</strong>, da maior parte da legislação<br />

<strong>de</strong> ensino <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> 6 .<br />

JACQUES D’AVRAY<br />

Para além <strong>do</strong> político <strong>do</strong> PRP, Freitas Valle foi<br />

um poeta que, filia<strong>do</strong> à corrente simbolista, escrevia<br />

<strong>em</strong> francês sob o pseudônimo <strong>de</strong> Jacques<br />

D’Avray. Junção <strong>do</strong> sobrenome materno Jacques<br />

com Avray, subúrbio parisiense, o pseudônimo<br />

homenageava o la<strong>do</strong> francês da família: sua mãe,<br />

Luísa Firmino, <strong>de</strong>scendia <strong>de</strong> Jean Guillaume Jacques,<br />

médico proveniente <strong>de</strong> Saint-Pierre <strong>de</strong> Lille<br />

que <strong>em</strong> 1781 se casara <strong>em</strong> Desterro, atual Florianópolis,<br />

com a brasileira Antônia Joaquina <strong>do</strong> Rosário.<br />

Também reverenciava a “pátria espiritual”, ao<br />

evocar a minúscula e charmosa Ville-d’Avray, nas<br />

proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Paris e que serviu <strong>de</strong> residência a<br />

pintores e literatos, como Musset e Balzac.<br />

Na pele <strong>de</strong>sse s<strong>em</strong>ea<strong>do</strong>r sui generis, Valle <strong>de</strong>senvolveria<br />

os tragipo<strong>em</strong>as, modalida<strong>de</strong> poética<br />

constituída por pequenas peças <strong>em</strong> verso, nas<br />

quais recontava um inci<strong>de</strong>nte que o impressionara.<br />

Combinan<strong>do</strong> dramatização e ritmo poético,<br />

ele urdia métricas que, para João <strong>do</strong> Rio, recordavam<br />

os trova<strong>do</strong>res medievais 7 . Contagia<strong>do</strong> por<br />

Rimbaud, Mallarmé, Verlaine e Leconte <strong>de</strong> Lisle,<br />

D’Avray criava, <strong>em</strong> verso livre, soneto ou ron<strong>de</strong>l,<br />

uma atmosfera penumbrista por on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfilavam<br />

figuras melancólicas como o cego, o louco, o leproso,<br />

o náufrago ou o palhaço.<br />

Guia<strong>do</strong> por esse leitmotiv, publicou seus tragipo<strong>em</strong>as<br />

<strong>em</strong> requintadas plaquetes – com poucas páginas<br />

e aspecto gráfico apura<strong>do</strong>. Dedica<strong>do</strong>s a um<br />

amigo ou parente, dividiam-se <strong>em</strong> duas séries,<br />

editadas entre 1916 e 1917. Um terceiro álbum<br />

com L’arc en ciel, La coupe du roi <strong>de</strong> Thulé, Le<br />

Héros, Héllenia e Un moine qui passait, entre outros,<br />

foi anuncia<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1920, mas não se efetivou.<br />

Impressos sob a forma <strong>de</strong> folhetos e partituras, a<br />

maioria <strong>de</strong>les chegou a um público restrito apenas<br />

a saraus literários. La belle aux fleurs contou<br />

com harmonia para canto e piano <strong>de</strong> Sousa Lima<br />

e Clair <strong>de</strong> lune, um ron<strong>de</strong>l, com arranjo <strong>de</strong> Francisco<br />

Casabona. Já L’Étincelle seria apresenta<strong>do</strong>,<br />

com sucesso, no Teatro Municipal <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

<strong>em</strong> 1919. Capas <strong>de</strong> três Tragipoëmes <strong>de</strong> Jacques D’Avray<br />

Arquivo Freitas Valle


Arquivo Freitas Valle<br />

Acervo histórico<br />

Freitas Valle, la<strong>de</strong>a<strong>do</strong> pelo presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Washington Luís e Júlio Prestes, <strong>em</strong> 1925<br />

Da primeira série <strong>do</strong>s tragipo<strong>em</strong>as, elaborada entre<br />

1892 e 1906, constam sete peças que foram<br />

musicadas por nomes como Carlos Pagliuchi,<br />

Félix <strong>de</strong> Otero e Alberto Nepomuceno – como<br />

Les aveugles-nés, Le clown, Hères e Rataplan.<br />

Apenas Le fou <strong>de</strong> la grève, La glace e Ophis não<br />

mereceram composições melódicas n<strong>em</strong> ganharam<br />

o aplauso <strong>de</strong> uma platéia. A série seguinte,<br />

escrita entre 1902 e 1917, inclui Le miracle <strong>de</strong> la<br />

s<strong>em</strong>ence, <strong>em</strong> cantata para barítono e orquestra<br />

pelo maestro Alberto Nepomuceno e levada ao<br />

palco <strong>do</strong> Municipal <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>em</strong> 1917;<br />

Hosanna, com melodia <strong>de</strong> Francisco Braga;<br />

L’Enseigne, musica<strong>do</strong> por Henrique Oswald e<br />

com recital <strong>em</strong> Buenos Aires <strong>em</strong> 1919, sob regência<br />

<strong>de</strong> Armand Crabbé; Guignol, por Xavier<br />

Leroux; Les naufragés; Les ames en allées e La<br />

bibliotèque d’Alexandrie. A capa <strong>do</strong>s quatro últimos<br />

tragipo<strong>em</strong>as trazia ilustrações <strong>de</strong> Boaventura<br />

Pacífico, que se inspirou <strong>em</strong> Antonio Rocco para<br />

realizar a xilogravura <strong>de</strong> Les naufragés e <strong>de</strong> Les<br />

ames en allées, e <strong>em</strong> gravura <strong>de</strong> Picard le Romain,<br />

<strong>de</strong> 1731, para La bibliotèque d’Alexandrie.<br />

As tiragens, <strong>em</strong> geral, iam <strong>de</strong> cinco a oito <strong>de</strong> cada<br />

um <strong>em</strong> papel Whatman, 25 <strong>em</strong> Polaire ou Kaschmir<br />

e cinqüenta <strong>em</strong> Japon ou Hollan<strong>de</strong>, nunca<br />

ultrapassan<strong>do</strong> um total <strong>de</strong> 81 ex<strong>em</strong>plares.<br />

Com tipologia, cor e vinhetas diferentes umas<br />

das outras, essas plaquetes, acondicionadas <strong>em</strong><br />

caixas <strong>de</strong> papel marmoriza<strong>do</strong> com título grava<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>, contribuíam para firmar o conceito<br />

<strong>de</strong> livro inaugura<strong>do</strong> pelos simbolistas. Consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong><br />

um espaço <strong>de</strong> significação, ele passou a<br />

ser concebi<strong>do</strong> conforme normas <strong>de</strong> requinte e<br />

da busca <strong>de</strong> novos efeitos, contrastan<strong>do</strong> com<br />

as obras parnasianas e realistas pelo tamanho,<br />

formato, número <strong>de</strong> páginas, pelo luxo e pequena<br />

tirag<strong>em</strong>. Confecciona<strong>do</strong>s <strong>em</strong> papéis especiais,<br />

exploravam com sensibilida<strong>de</strong> artística o <strong>de</strong>senho<br />

das letras, o <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> cores, ilustrações <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>do</strong> texto e apropriação das margens <strong>em</strong> branco.<br />

Valoriza<strong>do</strong>s, os recursos gráficos associavam-se<br />

ao t<strong>em</strong>a aborda<strong>do</strong> no po<strong>em</strong>a, estabelecen<strong>do</strong> um<br />

diálogo sinestésico entre forma, <strong>conteú<strong>do</strong></strong> e sonorida<strong>de</strong><br />

das palavras, tornan<strong>do</strong>-se parte integrante<br />

da própria obra.<br />

TRECHO DE LÊS AVEUGLES-NÉS<br />

Dans l’ombre immortelle qui les accompagne<br />

Promenant <strong>de</strong> longs regards, autospectifs,<br />

Les aveugles-nés s’ent vont, d’um pas tardif,<br />

Lourds, foulant les pres fleuris <strong>de</strong> la campagne.<br />

“Na sombra eterna que os acompanha,<br />

Derraman<strong>do</strong> longos olhares, autospectivos,<br />

Os cegos <strong>de</strong> nascença se vão, <strong>em</strong> passo<br />

tardio,<br />

Ler<strong>do</strong>s, pisan<strong>do</strong> os pra<strong>do</strong>s flori<strong>do</strong>s <strong>do</strong> campo” 8 .


Essa receita, que ensinava a buscar o raro, mas<br />

terminava no livro torna<strong>do</strong> rarida<strong>de</strong>, foi seguida<br />

à risca por Freitas Valle, sintomaticamente chama<strong>do</strong>,<br />

por Alphonsus <strong>de</strong> Guimaraens, <strong>de</strong> Prince<br />

royal du symbole et grand poète inconnu. Pois<br />

ao contrário <strong>do</strong>s parnasianos, dispostos a escrever<br />

sob encomenda, Valle recusava-se a comercializar<br />

seus versos. Vendê-los significava aviltar<br />

seu valor intrínseco, conspurcar sua nobreza,<br />

trair sua essência. Mas também implicava expor<br />

sua arte ao julgamento <strong>do</strong>s críticos e da opinião<br />

pública, sujeitan<strong>do</strong>-a a apreciação <strong>do</strong>s eventuais<br />

leitores <strong>de</strong> fora <strong>do</strong> anel <strong>do</strong>s amigos simpáticos,<br />

<strong>de</strong> pareceres afáveis e aplausos garanti<strong>do</strong>s.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, torna-se fácil compreen<strong>de</strong>r por<br />

que Jacques D’Avray optou pelo simbolismo, corrente<br />

que, enquanto atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> espírito, passava<br />

ao largo <strong>do</strong>s probl<strong>em</strong>as nacionais. Inserin<strong>do</strong>-se<br />

cada vez menos na teia da vida social, o poeta<br />

fazia <strong>do</strong> exercício da arte uma missão e, no limite,<br />

um sacerdócio 9 . Guia<strong>do</strong> pelo espiritualismo e culto<br />

<strong>do</strong>s símbolos, ele dava à sua obra uma acepção<br />

nitidamente estética, ilustrativa da observação<br />

<strong>de</strong> Leopol<strong>do</strong> <strong>de</strong> Freitas, para qu<strong>em</strong> um literato<br />

<strong>do</strong> quilate <strong>de</strong> Valle só na arte encontraria consolação<br />

para a miséria existencial 10 . Já o uso da<br />

língua francesa por alguns simbolistas seria, no<br />

enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Brito Broca, menos para estabelecer<br />

uma i<strong>de</strong>ntificação mais perfeita com os mo<strong>de</strong>los<br />

externos <strong>do</strong> que para acentuar a diferença entre<br />

os meios <strong>de</strong> expressão <strong>do</strong> poeta e os da massa<br />

popular e ignorante.<br />

Amigo e admira<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r poeta, José <strong>de</strong><br />

Oiticica, conheci<strong>do</strong> militante anarquista, crítico literário<br />

e também poeta, acrescentou que os Tragipoèmes<br />

constituíam pequenas obras-primas,<br />

prodígios <strong>de</strong> sugestão, suavida<strong>de</strong> e <strong>em</strong>oção. E<br />

que, <strong>em</strong>bora lamentável para o egoísmo nacional,<br />

o fato <strong>de</strong> Valle escrever <strong>em</strong> francês não lhe<br />

retirava a brasilida<strong>de</strong> n<strong>em</strong> diminuía seu patriotismo<br />

11 . Algumas publicações chegaram a justificar<br />

Valle na medida <strong>em</strong> que o francês facilitaria a<br />

leitura <strong>de</strong> Jacques D’Avray num maior número<br />

<strong>de</strong> países, dan<strong>do</strong> à sua obra uma ressonância<br />

difícil <strong>de</strong> obter se escolhesse a sintaxe lusíada, a<br />

“última flor <strong>do</strong> Lácio, inculta e bela”, a um t<strong>em</strong>po<br />

esplen<strong>do</strong>r e sepultura, como apontou Olavo Bilac.<br />

Hipótese reiterada pela revista ABC, <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong><br />

julho <strong>de</strong> 1919: “Freitas Valle, ou melhor, Jacques<br />

D’Avray, que é o pseudônimo <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bra<br />

sua personalida<strong>de</strong>, escreven<strong>do</strong> <strong>em</strong> francês<br />

abre à irradiação das suas rimas horizontes mais<br />

largos <strong>do</strong> que se as burilasse nesse sonoro, mas<br />

misterioso idioma que Herculano chamou <strong>de</strong> o<br />

túmulo <strong>do</strong> pensamento” 12 .<br />

Arquivo Freitas Valle<br />

A par da universalida<strong>de</strong> almejada, o uso <strong>do</strong> então<br />

internacional francês por Jacques D’Avray teria<br />

algumas raízes fincadas nos <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos da<br />

publicação <strong>de</strong> Rebentos. Financia<strong>do</strong> pelo seu pai,<br />

o livro <strong>de</strong> versos da juventu<strong>de</strong> seria utiliza<strong>do</strong> rotineiramente<br />

pelos seus opositores, durante toda a<br />

sua vida, como munição para ataques e críticas<br />

ferozes, levan<strong>do</strong>-o a aban<strong>do</strong>nar o português para<br />

finalida<strong>de</strong>s literárias. Tanto que, com o passar <strong>do</strong>s<br />

anos, na medida <strong>em</strong> que Valle ia per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> importância<br />

social e política e, conseqüent<strong>em</strong>ente,<br />

tornan<strong>do</strong>-se um alvo menos atraente para críticos<br />

<strong>em</strong> geral, ele voltou a redigir po<strong>em</strong>as no linguajar<br />

nativo. Publica<strong>do</strong>s <strong>em</strong> revistas como Para To<strong>do</strong>s<br />

e O Cruzeiro, ao la<strong>do</strong> da letra <strong>do</strong> Hino <strong>do</strong>s cavalheiros<br />

da Villa Kyrial e <strong>de</strong> Renúncia, com melodia<br />

<strong>do</strong>s irmãos Romeu e Artur Pereira e edita<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />

brochura, assim como Qu<strong>em</strong> canta..., musica<strong>do</strong><br />

para barítono por Francisco Mignone <strong>em</strong> 1924,<br />

esses escritos d<strong>em</strong>onstram que Freitas Valle não<br />

abdicou totalmente da língua pátria. E <strong>em</strong>bora tenha<br />

realiza<strong>do</strong> incursões pelo italiano, com La signora<br />

<strong>de</strong>l Fuoco, musica<strong>do</strong> por Francisco Mignone<br />

e Alberto Nepomuceno; La signora <strong>de</strong>lla terra, La<br />

signora <strong>de</strong>i cieli e La signora <strong>de</strong>l mare, <strong>de</strong> 1915,<br />

musica<strong>do</strong>s por Romeu Pereira, e também pelo<br />

espanhol, com Los cantares, musica<strong>do</strong> por Félix<br />

<strong>de</strong> Otero, a porção substancial da sua obra poé<br />

O poeta aprecia sua obra


Acervo histórico<br />

tica é <strong>de</strong>finitivamente <strong>em</strong> francês. Algo que, para<br />

o jornalista Francisco Pati, tratava-se <strong>de</strong> um caso<br />

<strong>de</strong> heterônimos, comparável ao <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Pessoa.<br />

Assim como o poeta luso, Jacques D’Avray<br />

não se escondia atrás <strong>de</strong> um pseudônimo, ele<br />

<strong>de</strong>s<strong>do</strong>brava-se, multiplicava-se 13 .<br />

Pouco conheci<strong>do</strong> fora <strong>do</strong>s círculos literários,<br />

Jacques D’Avray teve po<strong>em</strong>as publica<strong>do</strong>s <strong>em</strong> revistas<br />

e jornais estrangeiros. Em 1917 e 1920 foi<br />

cita<strong>do</strong> no Mercure <strong>de</strong> France, no qual trabalhou<br />

seu amigo José Severiano <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>. Vetor <strong>do</strong><br />

simbolismo mundial, esse quinzenário francês<br />

<strong>de</strong>ra início, <strong>em</strong> 1901, a “Lettres Brésiliennes”,<br />

uma seção a cargo <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong> Pimentel que<br />

procurava traçar um panorama da literatura nacional,<br />

abrangen<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar até<br />

Alphonsus <strong>de</strong> Guimaraens. Quase duas décadas<br />

<strong>de</strong>pois, a Ilustración Sud-Americana, <strong>de</strong> Buenos<br />

Aires, traria Ophis:<br />

En regardant l’horizon rouge où le ciel brûle,<br />

Je vois venir le Mythe Ar<strong>de</strong>nt <strong>de</strong>s affligés,<br />

Promenant par l’espace une crinière en tule<br />

Et pleurant <strong>de</strong>s rayons <strong>de</strong> ses yeux constellés.<br />

Tu es pour touts la gloire, étrange majuscule<br />

Oméga prodigueur <strong>de</strong>s bonheurs <strong>de</strong>sirés;<br />

Pour moi, pour mon espoir, hyémal crépuscule,<br />

Tu brûles cependant mes yeux désespérés<br />

Au fond <strong>de</strong> quelque trou, méconnu <strong>de</strong>s<br />

humains,<br />

Je te croyais perdu, héros <strong>de</strong> ma tendresse:<br />

Je maudissais la Nuit, qui me liait les mains,<br />

Et le soleil qui m’aveuglait dans ma détresse...<br />

Mais le ciel a permis une plus triste fin<br />

À l’amour, victimé par ton âme traîtresse:<br />

Il m’a conduite à toi, pour souffrir ton dédain<br />

Et pour te voir aux bras <strong>de</strong> cette autre<br />

maîtresse.<br />

Aveugle maintenant, aveugle et <strong>de</strong>laissée,<br />

Me voilà sur la terre à la merci du sort<br />

Des gueux, <strong>de</strong>s mendiants, <strong>do</strong>nt la Route<br />

est tracée<br />

Dans les champs où l’Espoir à tout jamais<br />

s’en<strong>do</strong>rt.<br />

Mes forces me poussant, je vais par les allées,<br />

Au gré <strong>de</strong>s vents et dans l’attente <strong>de</strong> la mort:<br />

Et j’invoque à genoux, pour leurs âmes<br />

damnées,<br />

Le châtiment, le désespoir et le r<strong>em</strong>ords. 14<br />

“Miran<strong>do</strong> o horizonte vermelho on<strong>de</strong> queima<br />

o céu,<br />

Vejo chegar o Mito Ar<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s aflitos,<br />

Esvoaçan<strong>do</strong> pelo espaço uma crina <strong>de</strong> tule<br />

E choran<strong>do</strong> raios pelos olhos constela<strong>do</strong>s.<br />

Arquivo Freitas Valle<br />

És para to<strong>do</strong>s a glória, estranha maiúscula,<br />

Omega prodigaliza<strong>do</strong>r das felicida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>sejadas;<br />

Para mim, para minha esperança, hi<strong>em</strong>al crepúsculo,<br />

Queimas, contu<strong>do</strong>, meus olhos<br />

<strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>s...<br />

Ao fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> alguma cavida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sconhecida<br />

para os humanos,<br />

Cria-te perdi<strong>do</strong>, herói <strong>de</strong> minha ternura:<br />

Amaldiçoava a Noite, que me atava as mãos,<br />

E o sol, que me cegava <strong>em</strong> minha aflição...<br />

Mas o céu permitiu um fim mais triste<br />

Ao amor, vitima<strong>do</strong> por tua alma trai<strong>do</strong>ra:<br />

Ele me conduziu a ti, para sofrer o seu <strong>de</strong>sdém<br />

E para ver-te nos braços <strong>de</strong>sta outra amante.<br />

Cega agora, cega e aban<strong>do</strong>nada,<br />

Eis-me sobre a terra à mercê da sorte<br />

Dos indigentes, <strong>do</strong>s mendigos, cujo Caminho<br />

está traça<strong>do</strong><br />

Nas campinas on<strong>de</strong> a Esperança para<br />

s<strong>em</strong>pre a<strong>do</strong>rmece.<br />

Minhas forças impelin<strong>do</strong>-me, vou pelas aléias,<br />

Ao sabor <strong>do</strong>s ventos e no aguar<strong>do</strong> da morte<br />

E eu invoco <strong>de</strong> joelhos, para suas almas con<strong>de</strong>nadas,<br />

O castigo, o <strong>de</strong>sespero e o r<strong>em</strong>orso.” 15<br />

Do outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Atlântico, o Mercure <strong>de</strong> France<br />

celebrava Jacques D’Avray porque ele ajudava a<br />

valorizar a civilização francesa na América Meridional<br />

16 . Aqui, Otávio Augusto acreditava que<br />

sua poesia, repleta <strong>de</strong> imagens subjetivas e <strong>de</strong><br />

humanida<strong>de</strong>, con<strong>de</strong>nsada e simbólica, tinha a<br />

missão <strong>de</strong> levar a Paris uma visão <strong>de</strong> conjunto<br />

necessária à arte francesa, então ameaçada por<br />

um “objetivismo infecun<strong>do</strong>”, por uma “dissolução<br />

precoce” 17 . Outros, porém, julgavam-na um<br />

Freitas Valle, como Jacques D’Avray, <strong>em</strong> 1899


autêntico <strong>de</strong>sperdício. Comentan<strong>do</strong> L’Étincelle,<br />

apresentada no Rio <strong>de</strong> Janeiro logo após o término<br />

da Primeira Guerra, quan<strong>do</strong> uma onda <strong>de</strong><br />

nacionalismo varreu o país, a revista Nossa Terra<br />

lamentava que Jacques D’Avray não <strong>em</strong>pregasse<br />

seu talento para enriquecer a literatura nacional e<br />

cantar as belezas nativas na língua <strong>de</strong> Camões,<br />

Bocage, e Gonçalves Dias. Desculpava-o por to<strong>do</strong>s<br />

os caprichos espalhafatosos a ele atribuí<strong>do</strong>s,<br />

com exceção <strong>de</strong>ssa que importava <strong>em</strong> menosprezo<br />

e concorria para aumentar o “<strong>de</strong>samor”, já tão<br />

acentua<strong>do</strong>, ao que era nosso 18 .<br />

Na mesma linha da publicação carioca, Manuel<br />

Ban<strong>de</strong>ira atestou que o trabalho <strong>de</strong> Valle não era<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhável, mas ao escrever <strong>em</strong> francês ele<br />

perdia a excelência provavelmente alcançada<br />

se tivesse opta<strong>do</strong> pelo português. Para o autor<br />

<strong>de</strong> Pasárgada, ninguém foi cabalmente poeta <strong>em</strong><br />

idioma diverso daquele que mamou junto com<br />

noTAS<br />

o leite materno 19 . Assim mesmo <strong>de</strong>clarava-se<br />

um admira<strong>do</strong>r tão fervoroso quanto o autor <strong>de</strong><br />

Gran<strong>de</strong> Sertão, veredas. Em carta r<strong>em</strong>etida a<br />

Freitas Valle <strong>em</strong> 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1948, ao acusar o<br />

recebimento <strong>de</strong> <strong>do</strong>is envelopes aéreos conten<strong>do</strong><br />

versos <strong>do</strong> “bom e queri<strong>do</strong> amigo”, ninguém menos<br />

<strong>do</strong> que Guimarães Rosa <strong>em</strong> pessoa afirmava seu<br />

entusiasmo pelo poeta que escrevera:<br />

L’herbe sait qu’on la foulera,<br />

et l’herbe grandit...<br />

Je sais que notre amour périra.<br />

Je t’aimerai,<br />

tu m’aimeras...<br />

“A relva sabe que será pisada,<br />

mas ela cresce...<br />

Eu sei que nosso amor perecerá<br />

Eu a amarei,<br />

Tu me amarás...” 20<br />

1 Menotti Del Picchia, “Freitas Valle, o mecenas”, A Gazeta, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 25-2-1958, p. 2.<br />

2 O probl<strong>em</strong>a <strong>do</strong> ensino público e sua solução no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>de</strong> 1921, e O ensino público<br />

no governo <strong>de</strong> Washington Luís, <strong>de</strong> 1924.<br />

3 o a José <strong>de</strong> Freitas Valle, “Projeto n 68”, 86 sessão ordinária, Anais da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 1912, p. 896.<br />

4 o a José <strong>de</strong> Freitas Valle, “Projeto n 62”, 56 sessão ordinária, Anais da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 1911, p. 389.<br />

5 o a José <strong>de</strong> Freitas Valle, “Projeto n 45”, 103 sessão ordinária, Anais da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 1927, pp. 654-655.<br />

6 Rui Blo<strong>em</strong>, “Um legisla<strong>do</strong>r da República Velha”, Folha da Manhã, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 16/2/1958, 1º ca<strong>de</strong>rno,<br />

p. 4.<br />

7 João <strong>do</strong> Rio, “Freitas Valle, o Magnífico”, O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>, Supl<strong>em</strong>ento Literário, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

7/9/68, p. 4.<br />

8 Tradução livre da autora.<br />

9 BOSI, Alfre<strong>do</strong> Bosi História concisa da literatura brasileira. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Cultrix, 1981, p. 302.<br />

10 Leopol<strong>do</strong> <strong>de</strong> Freitas, “Poesias <strong>de</strong> Jacques D’Avray”, Diário Popular, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 26/7/1902, p. 1.<br />

11 o José <strong>de</strong> Oiticica, “L’Étincelle”, A Rua, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1 -7-1919, p. 4.<br />

12 o “A obra <strong>de</strong> um magnífico”, ABC, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 12-7-1919, ano V, n 227, p. 12.<br />

13 Francisco Pati, “Pseudônimos e heterônimos”, Correio Paulistano, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 12-6-1949, p. 4.<br />

14 “La plante”, primeiro canto <strong>do</strong> tragipo<strong>em</strong>a Ophis. Os d<strong>em</strong>ais são “La chanson”, “Le bois” e “La<br />

chêne”; cf. Ilustración Sud-Americana, Buenos Aires, 1o -7-1902, p. 186.<br />

15 Tradução livre da autora.<br />

16 André Fontainas, “Les poèmes”, Mercure <strong>de</strong> France, Paris, fevereiro <strong>de</strong> 1920, Revue <strong>de</strong> la Quinzaine,<br />

ano XXXI, tomo CXXXVII, no 519, p. 761.<br />

17 Carta <strong>de</strong> Otávio Augusto a Freitas Valle. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 28 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1919. (AFV)<br />

18 “Ribaltas e gambiarras”, Nossa Terra, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 3-7-1919, p. 14.<br />

19 o Manuel Ban<strong>de</strong>ira, “Freitas Valle”, Jornal <strong>do</strong> Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 26-2-1958, 1 ca<strong>de</strong>rno, p. 3.<br />

20 Tradução livre da autora.


Biblioteca Guita e José Mindlin<br />

Acervo histórico<br />

DISCURSO DO DEPUTADO FREITAS VALLE<br />

FEITO NA 78ª SESSÃO ORDINÁRIA,<br />

EM 11 DE NOVEMBRO DE 1907.<br />

O Sr. Freitas Valle – Sr. Presi<strong>de</strong>nte, a natural<br />

<strong>em</strong>oção que <strong>de</strong> mim se apo<strong>de</strong>ra s<strong>em</strong>pre que,<br />

no <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>do</strong> mandato, <strong>de</strong>vo dirigir-me a<br />

esta Ass<strong>em</strong>bléia, agrava-se neste momento, e<br />

justificadamente, quan<strong>do</strong> tomo a palavra para<br />

apresentar à consi<strong>de</strong>ração da Casa o projeto<br />

que dispõe sobre a instrução pública <strong>em</strong> nosso<br />

Esta<strong>do</strong>.<br />

Digo apresentar o projeto que dispõe sobre a instrução<br />

pública <strong>em</strong> nosso Esta<strong>do</strong>, porque não sei<br />

se lhe po<strong>de</strong>rá dar o nome <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> reorganização<br />

ou <strong>de</strong> reforma.<br />

A Casa, ouvida a sua leitura, ouvidas as modificações,<br />

e talvez alterações, que ele v<strong>em</strong> trazer às<br />

disposições vigentes, aceitará ou não a <strong>de</strong>nominação<br />

que se lhe pôs e com que corre discuti<strong>do</strong><br />

Charge <strong>de</strong> Voltolino, “Perfil <strong>de</strong> um <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>”, publicada no livro Sonetaços,<br />

<strong>de</strong> Antonio Lavra<strong>do</strong>r, <strong>em</strong> 1923<br />

no espírito público, na imprensa e mesmo entre<br />

nós, por aqueles <strong>do</strong>s nossos companheiros que<br />

já tiveram ensejo <strong>de</strong> conhecer algumas <strong>de</strong> suas<br />

disposições.<br />

Pergunto-me a mim mesmo, e me falha a resposta,<br />

porque o mais humil<strong>de</strong> entre os m<strong>em</strong>bros<br />

da Comissão <strong>de</strong> Instrução Pública (Não apoia<strong>do</strong>s<br />

gerais) ...<br />

O Sr. Azeve<strong>do</strong> Marques – Não apoia<strong>do</strong>, V. Exa. é<br />

muito competente.<br />

O Sr. Freitas Valle - ... é o porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> tão importante<br />

projeto, se não o mais, seguramente um <strong>do</strong>s<br />

mais importantes que se tenham apresenta<strong>do</strong> na<br />

presente sessão legislativa.<br />

O Sr. Azeve<strong>do</strong> Marques – A instrução pública é o<br />

assunto mais importante para o Esta<strong>do</strong>.<br />

O Sr. Freitas Valle – Na bonda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s meus<br />

companheiros <strong>de</strong> Comissão,<br />

<strong>em</strong> que folgo <strong>de</strong> reconhecer<br />

profunda e segura competência<br />

<strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> ensino<br />

público ...<br />

O Sr. João Sampaio – Obriga<strong>do</strong><br />

pela parte que me toca.<br />

O Sr. Freitas Valle - ... julgo<br />

po<strong>de</strong>r encontrar a razão <strong>de</strong> ser<br />

tão honrosa <strong>de</strong>legação ...<br />

E <strong>de</strong>vo, ao apresentá-lo,<br />

<strong>de</strong>clarar que o projeto foi à<br />

Comissão que o fez, não só<br />

com as disposições que ela<br />

aconselhou, como com a segurança<br />

e clareza com que<br />

soube encaminhar aquelas<br />

que partiram originalmente <strong>do</strong><br />

ora<strong>do</strong>r.<br />

O Sr. Mário Tavares – No projeto<br />

prepon<strong>de</strong>ravam as luzes<br />

<strong>de</strong> V. Exa.<br />

O Sr. Freitas Valle – Coube-me<br />

redigir o projeto.<br />

Apresento-o e chamo a mim<br />

a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os senões que porventura<br />

a Casa nele possa encontrar<br />

(Não apoia<strong>do</strong>s), pois se<br />

<strong>de</strong>ve dar como razão <strong>de</strong>sses


Arquivo Freitas Valle<br />

senões mais a pena <strong>do</strong> seu relator que a b<strong>em</strong><br />

orientada inspiração, a notória competência da<br />

Comissão que o ditou.<br />

Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> um projeto complexo, não me pareceu<br />

acerta<strong>do</strong> tomar <strong>de</strong>longadamente a atenção<br />

da Câmara para justificar <strong>de</strong>tidamente, uma por<br />

uma, as modificações que ele v<strong>em</strong> trazer às disposições<br />

vigentes <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> ensino: reservoo<br />

para a discussão.<br />

O Sr. João Sampaio – Convém que cada um estu<strong>de</strong><br />

o assunto.<br />

O Sr. Freitas Valle – Entendi bastante frisar ligeiramente<br />

os pontos capitais da reforma; e, por meu<br />

intermédio, a Comissão <strong>de</strong> Instrução Pública não<br />

só solicita mas reclama até a efetiva, a sincera,<br />

a leal, a constante colaboração <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s<br />

nossos ilustra<strong>do</strong>s companheiros, pois só assim<br />

reputa ela possível que venha a ser trazida benéfica<br />

modificação à legislação <strong>do</strong> ensino público <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, que é, proclamam-no, seguro padrão<br />

<strong>de</strong> glória para aqueles que a organizaram e para<br />

o próprio Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>, que, neste ponto,<br />

atinge à culminância na justa compreensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver<br />

cívico e da responsabilida<strong>de</strong> social na nossa<br />

República. (Muito b<strong>em</strong>.)<br />

O projeto visa simplificar o ensino e torná-lo efetivo<br />

pela fiscalização, pois s<strong>em</strong> a fiscalização, a<br />

mais lata, a mais completa, <strong>em</strong>bora a mais one-<br />

Villa Kyrial, recepção aos protagonistas da S<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> 22, dias após o evento.<br />

rosa, s<strong>em</strong> a fiscalização, o ensino se limita a uma<br />

ilusão legislativa, a uma ilusão governamental, a<br />

uma ilusão <strong>do</strong> próprio povo, pois nós b<strong>em</strong> compreend<strong>em</strong>os<br />

que a boa fiscalização foi s<strong>em</strong>pre<br />

tida <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> ensino como el<strong>em</strong>ento auxiliar,<br />

como el<strong>em</strong>ento quase que imprescindível,<br />

imprescindível mesmo, da boa, da real administração<br />

<strong>do</strong> ensino.<br />

Pelo relatório <strong>do</strong> Sr. Secretário <strong>do</strong> Interior, <strong>em</strong><br />

que se apresentam da<strong>do</strong>s interessantes <strong>em</strong><br />

matéria <strong>de</strong> estatística escolar, é S. Exa. que<br />

<strong>de</strong>nuncia muitos <strong>do</strong>s males a que o projeto v<strong>em</strong><br />

dar r<strong>em</strong>édio.<br />

Entre eles não é o <strong>de</strong> menor monta o caso <strong>do</strong>s<br />

alunos, dispostos a apren<strong>de</strong>r, concorrer<strong>em</strong> à matrícula<br />

<strong>do</strong>s estabelecimentos públicos, e, entristeci<strong>do</strong>s<br />

e <strong>de</strong>siludi<strong>do</strong>s, voltar<strong>em</strong> para os seus lares,<br />

s<strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r<strong>em</strong> b<strong>em</strong> qual foi a razão que<br />

<strong>de</strong>terminou essa triste volta à escuridão <strong>de</strong> que<br />

eles vinham, <strong>em</strong> procura da luz.<br />

A <strong>de</strong>ficiência <strong>do</strong> número <strong>de</strong> escolas e o imperfeito<br />

aproveitamento das existentes: eis a razão<br />

positiva disso que acontece aos pobres pedintes<br />

<strong>de</strong> luz, que, infelizmente, se contam aos milhares<br />

entre nós.<br />

E eles, que ouv<strong>em</strong> dizer que a instrução é um<br />

b<strong>em</strong>, não compreen<strong>de</strong>rão nunca porque é que se<br />

lhes veda a conquista <strong>de</strong>sse b<strong>em</strong> ...


Arquivo Freitas Valle<br />

Acervo histórico<br />

Freitas Valle, o elegante proprietário <strong>de</strong> Villa Kyrial, <strong>em</strong> 1912<br />

O projeto, aumentan<strong>do</strong> o número <strong>de</strong> inspetores<br />

escolares, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> uma nova forma <strong>de</strong><br />

fiscalização, autorizan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento <strong>do</strong>s<br />

cursos públicos, fazen<strong>do</strong>-os funcionar <strong>em</strong> perío<strong>do</strong>s<br />

diurnos diversos, duplica a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> ensino; e, com o acréscimo insignificante <strong>de</strong><br />

um décimo talvez da <strong>de</strong>spesa, aumenta para o<br />

<strong>do</strong>bro o número <strong>do</strong>s alunos que o Esta<strong>do</strong> po<strong>de</strong>,<br />

por meio das suas escolas, encaminhar para a<br />

vida.<br />

O Sr. Azeve<strong>do</strong> Marques – Isso é encanta<strong>do</strong>r.<br />

O Sr. Freitas Valle – As escolas ambulantes,<br />

criação puramente teórica e que a prática no Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> d<strong>em</strong>onstra inúteis, o projeto as<br />

extingue e <strong>de</strong>termina que elas sejam fixadas pelo<br />

Governo nos bairros que estiver<strong>em</strong> efetivamente<br />

contribuin<strong>do</strong> com maior número<br />

<strong>de</strong> alunos freqüentes.<br />

Compreen<strong>de</strong>-se a razão <strong>do</strong><br />

insucesso <strong>de</strong>ssa inovação<br />

entre nós. Se a fiscalização,<br />

po<strong>de</strong>-se dizer, não foi até<br />

hoje praticada <strong>em</strong> relação às<br />

escolas fixas, máxime impraticável<br />

se tornou <strong>em</strong> relação<br />

às escolas ambulantes, pois<br />

que, s<strong>em</strong> uma <strong>de</strong>terminação<br />

prévia <strong>do</strong> local a que o professor<br />

<strong>de</strong>veria servir, seria<br />

completamente impossível<br />

saber se ele realmente cumpriu<br />

os <strong>de</strong>veres <strong>do</strong> seu espinhoso<br />

cargo, mais espinhoso<br />

ainda pela instabilida<strong>de</strong><br />

que a lei lhe impõe.<br />

Onera<strong>do</strong> como se acha o<br />

Esta<strong>do</strong> pela responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ensinar ao povo, e a<br />

to<strong>do</strong> o povo, é natural que a<br />

Câmara aceite uma alteração<br />

que se traz relativamente<br />

às escolas <strong>de</strong> bairros,<br />

que, segun<strong>do</strong> o projeto, a<br />

contar <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />

1908, não terão mais primeiro<br />

provimento. Isto quer<br />

dizer, conseqüent<strong>em</strong>ente,<br />

que continuarão a ser novamente<br />

providas as escolas<br />

já criadas e providas, no<br />

caso <strong>de</strong> posteriormente vir<strong>em</strong><br />

a vagar. Desse mo<strong>do</strong>,<br />

o Esta<strong>do</strong> diminui um pouco<br />

os ônus que lhe pesam tanto nos seus orçamentos<br />

anuais. E como não suprime as escolas que<br />

estão atualmente funcionan<strong>do</strong>, não v<strong>em</strong>, injustificavelmente,<br />

atacar o interesse <strong>do</strong>s alunos que<br />

nelas receb<strong>em</strong> o ensino. Como que para provi<strong>de</strong>nciar<br />

a respeito <strong>de</strong> provimentos futuros das<br />

escolas não providas, o Governo indiretamente<br />

virá <strong>em</strong> seu auxílio por intermédio das municipalida<strong>de</strong>s<br />

<strong>em</strong> cujas circunscrições se achar<strong>em</strong><br />

os bairros não servi<strong>do</strong>s, e lhes facultará valioso<br />

favor com o fornecimento <strong>do</strong> material escolar, livros,<br />

impressos, etc., uma vez que os programas<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sejam por elas a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s e se sujeit<strong>em</strong><br />

às disposições que reg<strong>em</strong> o ensino.<br />

A<strong>do</strong>tadas algumas providências salutares para<br />

o provimento das escolas <strong>em</strong> geral, s<strong>em</strong>pre<br />

respeita<strong>do</strong>s o título, a competência e a anti


Arquivo Freitas Valle<br />

guida<strong>de</strong> no magistério, o projeto, entre outras<br />

disposições importantes, dá regras para a<br />

administração nas escolas compl<strong>em</strong>entares,<br />

estatuin<strong>do</strong> que 60% das vagas a preencher<br />

serão disponíveis para os alunos que tiver<strong>em</strong><br />

completa<strong>do</strong> o curso das escolas-mo<strong>de</strong>lo e <strong>do</strong>s<br />

grupos escolares, e os 40% <strong>de</strong> vagas restantes<br />

por alunos estranhos, que d<strong>em</strong>onstr<strong>em</strong> perante<br />

as comissões da escola as suas aptidões, o seu<br />

preparo, nas matérias reclamadas para a matrícula<br />

<strong>do</strong> curso compl<strong>em</strong>entar.<br />

Desaparec<strong>em</strong> <strong>do</strong>s programas das escolas normais<br />

e compl<strong>em</strong>entares a trigonometria, a astronomia<br />

e a mecânica, que, talvez por <strong>de</strong>scui<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, lá ficaram, suprimidas as ca<strong>de</strong>iras<br />

constituídas por essas matérias. A permanência<br />

<strong>de</strong>stas disciplinas vinha sobrecarregar o trabalho<br />

<strong>do</strong>s alunos, s<strong>em</strong> proveito real para o ensino<br />

técnico reclama<strong>do</strong> para a especialida<strong>de</strong> a que se<br />

<strong>de</strong>stinam.<br />

Em cada escola normal <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> fica criada uma<br />

ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> zootecnia e agricultura. As condições<br />

naturais <strong>do</strong> nosso Esta<strong>do</strong> justificam eloqüent<strong>em</strong>ente<br />

a criação <strong>de</strong>stas ca<strong>de</strong>iras ...<br />

O Sr. Azeve<strong>do</strong> Marques – Apoia<strong>do</strong>.<br />

61<br />

O Sr. Freitas Valle - ... uma vez que aos alunos<br />

sejam dadas apenas noções e na proporção suficiente<br />

para que não venham sobrecarregá-los e,<br />

possivelmente, alterar a média <strong>do</strong> conhecimento<br />

que <strong>de</strong> todas as matérias eles <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter.<br />

Ficam constituin<strong>do</strong> ca<strong>de</strong>iras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes na<br />

Escola Normal da Capital as atuais conjuntas <strong>de</strong><br />

latim e português. Não foi, a meu ver, e assim<br />

pensa a Comissão <strong>de</strong> Instrução Pública, acertada<br />

a providência legislativa pela qual, pouco<br />

t<strong>em</strong>po atrás, foi estabeleci<strong>do</strong> que as ca<strong>de</strong>iras<br />

<strong>de</strong> latim e português, então existentes, se fundiriam,<br />

<strong>de</strong>s<strong>do</strong>bran<strong>do</strong>-se <strong>em</strong> duas das matérias<br />

conjuntas. O ensino não lucrou, antes sofreu – é<br />

fato. O meio <strong>de</strong> restabelecer o esta<strong>do</strong> anterior<br />

aproveitará para que se possa ter, como então,<br />

<strong>em</strong> vez <strong>de</strong> <strong>do</strong>is bons professores <strong>de</strong> português<br />

e latim, um ótimo professor <strong>de</strong> português e um<br />

ótimo professor <strong>de</strong> latim.<br />

Nas escolas compl<strong>em</strong>entares, as matérias foram<br />

agrupadas <strong>em</strong> quatro ca<strong>de</strong>iras, <strong>em</strong> cada uma<br />

das seções, masculina e f<strong>em</strong>inina, no senti<strong>do</strong><br />

Convida<strong>do</strong>s no terraço <strong>de</strong> Villa Kyrial, durante um almoço <strong>de</strong> <strong>do</strong>mingo, <strong>em</strong> 1916


Acervo histórico<br />

<strong>de</strong> facilitar a especialização e o estu<strong>do</strong> para os<br />

professores que <strong>de</strong>vam regê-las. Não há aumento<br />

<strong>de</strong> pessoal, e, entretanto, <strong>de</strong>ve naturalmente<br />

haver aumento <strong>de</strong> preparo, sen<strong>do</strong> certo que o<br />

professor, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> estudar ou recordar o programa<br />

completo da escola, recordará simplesmente<br />

as matérias que se pren<strong>de</strong>r<strong>em</strong> à ca<strong>de</strong>ira<br />

que lhe couber.<br />

O governo provi<strong>de</strong>nciará para auxiliar as municipalida<strong>de</strong>s<br />

que instituír<strong>em</strong> cursos noturnos para<br />

adultos; fá-lo-á permitin<strong>do</strong> que esses cursos<br />

funcion<strong>em</strong> nos próprios edifícios <strong>do</strong>s grupos<br />

escolares <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as Câmaras<br />

Municipais se responsabiliz<strong>em</strong> pela conservação<br />

<strong>do</strong> material escolar e <strong>do</strong>s prédios <strong>em</strong> que eles<br />

funcionar<strong>em</strong>.<br />

Há uma disposição que por si só se justifica:<br />

é a que <strong>de</strong>termina que o Governo po<strong>de</strong>rá, nos<br />

lugares <strong>em</strong> que houver <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> escolas<br />

públicas, subvencionar, t<strong>em</strong>porariamente, escolas<br />

particulares que a<strong>do</strong>t<strong>em</strong> seus programas e se<br />

sujeit<strong>em</strong> à fiscalização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Resulta esta faculda<strong>de</strong> que se dá ao Governo <strong>do</strong><br />

fato que se pô<strong>de</strong> observar quan<strong>do</strong> se tratou <strong>de</strong><br />

reorganizar o ensino no Esta<strong>do</strong>, há bons quinze<br />

anos: as escolas primárias particulares ce<strong>de</strong>ram<br />

o lugar aos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino público,<br />

não só porque estes eram gratuitos, como também<br />

porque os méto<strong>do</strong>s eram mais perfeitos, o<br />

material melhor e o pessoal mais prepara<strong>do</strong>.<br />

O Sr. Bento Bueno – Desapareceram completamente.<br />

o Sr. freitas valle – Agora que, como b<strong>em</strong> diz<br />

o nobre <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>, essas escolas <strong>de</strong> ensino primário<br />

<strong>de</strong>sapareceram quase completamente, é<br />

ensejo oportuno facilitar o seu reaparecimento;<br />

e afigurou-se à Comissão que, com esta disposição,<br />

o Governo po<strong>de</strong>ria trazer para isso um<br />

po<strong>de</strong>roso incentivo.<br />

Para a matrícula <strong>em</strong> qualquer <strong>do</strong>s estabelecimentos<br />

<strong>de</strong> ensino preliminar <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o candidato<br />

<strong>de</strong>ve trazer, sela<strong>do</strong> com uma estampilha estadual<br />

<strong>de</strong> 2$000, um atesta<strong>do</strong> médico que prove ter si<strong>do</strong><br />

vacina<strong>do</strong> ou revacina<strong>do</strong>, ou afeta<strong>do</strong> <strong>de</strong> varíola,<br />

não ter moléstia repugnante ou contagiosa, n<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>feito que lhe impossibilite o aproveitamento.<br />

Este artigo t<strong>em</strong> importância capital, pois que o<br />

produto <strong>de</strong>sse selo fica atribuí<strong>do</strong> ao fun<strong>do</strong> escolar<br />

permanente <strong>de</strong> que vou falar <strong>de</strong>ntro <strong>em</strong> pouco, e<br />

é <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à melhor fiscalização das escolas. O<br />

atesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> não ter o candidato <strong>de</strong>feito que lhe<br />

impossibilite o aproveitamento é, indubitavelmen-<br />

te, uma providência sã, socialmente reclamada<br />

pela <strong>de</strong>fesa, que se impõe a to<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>sses pobres<br />

mártires das escolas, verda<strong>de</strong>iros mártires,<br />

que, s<strong>em</strong> as condições mentais para acompanhar<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> ensino, ficam constituí<strong>do</strong>s<br />

<strong>em</strong> assunto <strong>de</strong> pilheria, <strong>de</strong> mofa, se não <strong>de</strong> castigo,<br />

quan<strong>do</strong> a culpa é <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>ficiência orgânica,<br />

quan<strong>do</strong> a culpa não lhes v<strong>em</strong> se não da triste e<br />

misérrima condição <strong>em</strong> que a natureza os colocou.<br />

(Muito b<strong>em</strong>.)<br />

Outro ponto que seguramente não <strong>de</strong>smerecerá<br />

da atenção preciosa da Câmara é o que estatui<br />

que o Governo regulamentará a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> ensino, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a, quanto possível, torná-la<br />

real. E para isto, <strong>de</strong>sfazen<strong>do</strong> o argumento que<br />

se antolha aos propugna<strong>do</strong>res da obrigatorieda<strong>de</strong>,<br />

nós estabelec<strong>em</strong>os que a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

seja consi<strong>de</strong>rada s<strong>em</strong>pre relativamente<br />

à localida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>r<strong>em</strong>, nas escolas,<br />

vagas disponíveis. Porque esperar, para que se<br />

efetive a obrigatorieda<strong>de</strong>, que haja para o povo<br />

um número <strong>de</strong> escolas suficiente, é perfeito<br />

mito: nunca se po<strong>de</strong>rá dar, ouso afirmá-lo, que<br />

realiz<strong>em</strong>os esse i<strong>de</strong>al, inatingível como to<strong>do</strong>s os<br />

i<strong>de</strong>ais, <strong>de</strong> ouvir ao po<strong>de</strong>r público proclamar que<br />

o ensino chegou a tal perfeição que o número <strong>de</strong><br />

escolas é suficiente <strong>em</strong> to<strong>do</strong> o vasto âmbito da<br />

sua administração.<br />

O Sr. Mário Tavares – Muito b<strong>em</strong>.<br />

o Sr. freitas valle – Ora, sen<strong>do</strong> assim, se o<br />

Esta<strong>do</strong> mantém uma escola, se ele t<strong>em</strong> esse<br />

ônus, po<strong>de</strong>rá ou não ter a vantag<strong>em</strong> social<br />

conseqüente, isto é, aproveitar o seu esforço,<br />

tornan<strong>do</strong> obrigatório o preenchimento das<br />

vagas existentes, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a assim contribuir<br />

mais eficazmente para que o povo cesse <strong>de</strong><br />

ser analfabeto e tornar por este mo<strong>do</strong>, não só<br />

mais profícuo o ensino, como muito mais barato,<br />

consi<strong>de</strong>rada a quota com que cada cidadão<br />

entra para o erário público?<br />

E, terminan<strong>do</strong>, o projeto institui o tesouro comum<br />

das escolas, que entre outros el<strong>em</strong>entos constitutivos,<br />

conta o fun<strong>do</strong> escolar permanente.<br />

O tesouro comum das escolas não visa tirar ao<br />

Esta<strong>do</strong> o direito que ele t<strong>em</strong> sobre os bens <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s<br />

ás funções escolares, mas é como que uma<br />

hipoteca moral que o Esta<strong>do</strong> faz ao ensino, para<br />

garantir-lhe, <strong>em</strong> qualquer <strong>em</strong>ergência <strong>em</strong> que se<br />

encontre o uso, o aproveitamento ininterrompi<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> um patrimônio que, assim, se consi<strong>de</strong>ra inalienável,<br />

quaisquer que sejam as exigências que<br />

reclam<strong>em</strong> a sua disponibilida<strong>de</strong>.


Arquivo Freitas Valle<br />

O fun<strong>do</strong> escolar permanente, que é a sua parte<br />

imediatamente aplicável, pelo Secretário <strong>do</strong> Interior,<br />

constituir-se-á:<br />

a) por <strong>do</strong>tações orçamentárias especiais;<br />

b) por lega<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>ações e auxílios pecuniários<br />

<strong>de</strong> aplicação imediata;<br />

c) pela importância das multas escolares;<br />

d) pelos sal<strong>do</strong>s das verbas orçamentárias <strong>do</strong> ensino<br />

público, anualmente verifica<strong>do</strong>s;<br />

e) pela porcentag<strong>em</strong> <strong>de</strong> 10% sobre a venda <strong>de</strong><br />

terras <strong>de</strong>volutas, arrecadáveis a contar <strong>do</strong> próximo<br />

exercício;<br />

f) pela importância das taxas <strong>de</strong> matrícula e inscrição<br />

<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os estabelecimentos <strong>de</strong> ensino <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>;<br />

g) pelo produto <strong>do</strong> selo a que se refere o art. 26º;<br />

h) pelo rendimento <strong>de</strong> bens ou fun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> tesouro<br />

comum das escolas;<br />

6<br />

este o projeto <strong>de</strong> reforma da instrução pública que<br />

tenho a honra <strong>de</strong> apresentar a esta Casa.<br />

Mas, reformar a instrução pública, se isso é reformá-la,<br />

como medida preliminar, que se peça vênia<br />

ao pontífice máximo da instrução pública <strong>em</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong>, ao Dr. Bernardino <strong>de</strong> Campos.(Muito b<strong>em</strong>.)<br />

O Sr. Mário Tavares – Um <strong>do</strong>s maiores propulsores<br />

que t<strong>em</strong> ti<strong>do</strong> o progresso <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

(Apoia<strong>do</strong>s.)<br />

O Sr. Freitas Valle – Se eu não conhecesse a habitual,<br />

a normal, a constitucional modéstia que <strong>em</strong><br />

V. Exa. mais realça o brilho real <strong>de</strong> um valor diariamente<br />

afirma<strong>do</strong>, diria que V. Exa. veio presidir<br />

a esta sessão na certeza <strong>de</strong> se ver imediatamente<br />

alveja<strong>do</strong> pelas forçosas referências que, <strong>em</strong> se<br />

tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> legislar sobre a instrução pública, não<br />

po<strong>de</strong>ria o ora<strong>do</strong>r calar sobre o venera<strong>do</strong> chefe <strong>do</strong><br />

Parti<strong>do</strong> Republicano <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

E se essa modéstia não tivesse vela<strong>do</strong> a previsão,<br />

estou certo <strong>de</strong> que a ausência <strong>de</strong> V. Exa.,<br />

caso tão raro nesta Ass<strong>em</strong>bléia, hoje se daria.<br />

i) por quaisquer contribuições diretas ou indire-<br />

Permita-me, porém, V. Exa. que, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong><br />

simplesmente o Esta<strong>do</strong> <strong>em</strong> si, a instrução <strong>em</strong> si<br />

tas que, <strong>de</strong> futuro, a lei estabelecer.<br />

mesma, <strong>de</strong>spreocupa<strong>do</strong> <strong>de</strong> referências pessoais,<br />

<strong>de</strong>spreocupa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s elos <strong>de</strong> afeição, <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong><br />

Se, Sr. Presi<strong>de</strong>nte, a estas disposições, acresci- e <strong>de</strong> respeito, eu entenda, entretanto, <strong>de</strong>ver sudas<br />

<strong>de</strong> outras <strong>de</strong> menor relevância, se po<strong>de</strong> dar a blinhar, na presença <strong>de</strong> V. Exa., seu digno primo-<br />

<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> reforma <strong>de</strong> instrução pública, é gênito, que o papel <strong>do</strong> Dr. Bernardino <strong>de</strong> Campos<br />

Comitiva da Secretaria <strong>do</strong> Interior, <strong>em</strong> 1915, visita os municípios <strong>de</strong> Itabira, Itararé e Faxina.<br />

Freitas Valle está <strong>em</strong> primeiro plano, o futuro governa<strong>do</strong>r Altino Arantes é o quarto à sua esquerda


Acervo histórico<br />

na organização <strong>do</strong> progresso intelectual e real <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> impõe-se mesmo àqueles que porventura<br />

menos tenham aplica<strong>do</strong> o seu espírito à elucidação<br />

<strong>do</strong>s fatos que hão <strong>de</strong> constituir a primeira fase<br />

da nossa história republicana.<br />

O Sr. Mário Tavares – Apoia<strong>do</strong>.<br />

o Sr. freitas valle – Bernardino <strong>de</strong> Campos e<br />

Cesário Motta, duas entida<strong>de</strong>s que, nos pólos<br />

que mais se pod<strong>em</strong> contrapor na nossa existência,<br />

pod<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s a brilhar<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />

campos opostos, mas a brilhar<strong>em</strong> igualmente,<br />

s<strong>em</strong>pre que se r<strong>em</strong><strong>em</strong>ore a campanha gloriosa<br />

que trouxe para o nosso Esta<strong>do</strong> o ensejo feliz <strong>de</strong><br />

se fazer o ex<strong>em</strong>plo da nação brasileira! (Muito<br />

b<strong>em</strong>.)<br />

Charles Dickens diz: “Penaliza-me ver iniciar as<br />

crianças nos expedientes da vida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus<br />

mais tenros anos. Porque <strong>de</strong>struir a sua confiança<br />

e a sua simplicida<strong>de</strong>, as duas melhores qualida<strong>de</strong>s<br />

que tenham recebi<strong>do</strong> <strong>do</strong> céu, e obrigá-las a<br />

partilhar as nossas <strong>do</strong>res antes que possam tomar<br />

parte nas nossas alegrias?”<br />

E é esta a triste condição a que o reclamo constante<br />

da luta pela vida obrigará s<strong>em</strong>pre a criança,<br />

que v<strong>em</strong> ao mun<strong>do</strong> para divisar no seu futuro<br />

uma ilusão <strong>do</strong>urada, mas que, prestes <strong>de</strong>siludida,<br />

aos primeiros passos, encontra a miséria, negra<br />

e triste, que a assoberba, que a <strong>do</strong>mina e que<br />

fatalmente a vence, se não vier <strong>em</strong> seu amparo<br />

a escola.<br />

Se a criança entra no mun<strong>do</strong>, como diz Beecher,<br />

pela porta <strong>do</strong>urada <strong>do</strong> amor, é preciso, uma vez<br />

que o amor no-la vai confiar, que a recebamos<br />

carinhosa e protetoramente; é preciso que d<strong>em</strong>os<br />

combate, no seu ânimo incipiente, a to<strong>do</strong>s<br />

os males que a cercam e que a pod<strong>em</strong> vencer<br />

e prostrar; é preciso que a livr<strong>em</strong>os da moléstia,<br />

é preciso que a livr<strong>em</strong>os da <strong>do</strong>r, <strong>do</strong> sofrimento,<br />

da escravidão, da ignorância, que, no dizer <strong>de</strong><br />

Shakespeare, é a maldição <strong>de</strong> Deus.<br />

É contra a maldição <strong>de</strong> Deus que se armam as<br />

escolas; é contra a maldição <strong>de</strong> Deus, que é a<br />

ignorância, que se organizam esse arsenais <strong>do</strong><br />

ensino <strong>em</strong> que é chama<strong>do</strong> o professor a aguerrir<br />

falanges para a luta.<br />

Eu <strong>de</strong>finiria, aproprian<strong>do</strong>-me da <strong>de</strong>finição que<br />

Ruskin dá <strong>do</strong> artista, eu <strong>de</strong>finiria assim o professor:<br />

o professor é uma pessoa que se submeteu<br />

a uma lei à qual é difícil obe<strong>de</strong>cer, para po<strong>de</strong>r dispensar<br />

um benefício que é <strong>de</strong>licioso dispensar.<br />

Com efeito, para que seja professor, é preciso,<br />

substancialmente, o ânimo <strong>de</strong> o ser, a intenção,<br />

o compromisso <strong>de</strong> se votar a esse sacrifício que<br />

parece feito pelo b<strong>em</strong> <strong>do</strong> indivíduo, mas que o é<br />

pela garantia da socieda<strong>de</strong>.<br />

No relatório <strong>do</strong> Sr. Secretário <strong>do</strong> Interior, que<br />

percorri <strong>de</strong>tidamente, tive a curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procurar<br />

nas <strong>de</strong>nominações das múltiplas oficinas<br />

<strong>de</strong> ensino que há s<strong>em</strong>eadas pelo nosso Esta<strong>do</strong>,<br />

<strong>em</strong> quais <strong>de</strong>las se achariam inscritos os nomes <strong>de</strong><br />

Cesário Motta e Bernardino <strong>de</strong> Campos.<br />

Quase <strong>de</strong>siludi<strong>do</strong> ante uma lacuna certo con<strong>de</strong>nável,<br />

senti-me feliz, eu que esperara vê-los<br />

muitas vezes reproduzi<strong>do</strong>s, encontran<strong>do</strong> o nome<br />

<strong>do</strong> Dr. Cesário Motta apenas no grupo escolar <strong>de</strong><br />

Itu, e o <strong>do</strong> Dr. Bernardino <strong>de</strong> Campos no grupo<br />

escolar <strong>de</strong> S. Roque.<br />

Afigurou-se me na homenag<strong>em</strong> <strong>de</strong>sta localida<strong>de</strong><br />

tão pequenina, tão mo<strong>de</strong>sta, um tributo<br />

ex<strong>em</strong>plar com que o humil<strong>de</strong> vinha l<strong>em</strong>brar aos<br />

fortes, que nunca o po<strong>de</strong>riam esquecer, esse<br />

nome glorioso entre os nomes gloriosos <strong>do</strong><br />

nosso Esta<strong>do</strong>.<br />

Ao mesmo t<strong>em</strong>po, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer<br />

o mérito real <strong>de</strong> cada um daqueles a que me<br />

vou referir <strong>em</strong> globo, vi cita<strong>do</strong>s nomes diversos,<br />

etiquetan<strong>do</strong> os mais importantes estabelecimentos<br />

<strong>de</strong> ensino público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, nomes<br />

que significam s<strong>em</strong> dúvida um auxílio, um patrocínio<br />

<strong>de</strong> momento, mas que representam,<br />

principalmente, as influências efêmeras que a<br />

política faz surgir e que a própria política faz<br />

submergir-se.<br />

E compreendi que, apesar <strong>do</strong> <strong>de</strong>lineamento<br />

perfeito das placas <strong>de</strong>nominativas, quan<strong>do</strong> da<br />

penumbra crepuscular surgir a história, o povo,<br />

até então pela árvore impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver a floresta,<br />

verá, por <strong>de</strong>trás das <strong>de</strong>nominações <strong>de</strong> hoje,<br />

ressurgir<strong>em</strong>, ofuscantes, as <strong>de</strong>nominações que,<br />

apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, existirão s<strong>em</strong>pre, porque to<strong>do</strong><br />

estabelecimento <strong>de</strong> ensino <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> é Bernardino<br />

<strong>de</strong> Campos e é Cesário Motta. (Muito<br />

b<strong>em</strong>.)<br />

A criança, já o disse eu, repetin<strong>do</strong> o pensamento<br />

inglês, entra no mun<strong>do</strong> pela porta <strong>do</strong>urada <strong>do</strong><br />

amor. Pois b<strong>em</strong>, façamos com que o hom<strong>em</strong> saia<br />

para a vida pela porta iluminada da escola.<br />

Vozes – Muito b<strong>em</strong>! Muito b<strong>em</strong>!<br />

(O ora<strong>do</strong>r é felicita<strong>do</strong> pelos seus colegas.)


Josefina Álvares<br />

<strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong><br />

TEATRO E PROPAGANDA SUFRAGISTA NO BRASIL DO SÉCULO XIX 1<br />

Valéria Andra<strong>de</strong> Souto Maior *<br />

Surgi<strong>do</strong> no Brasil, <strong>de</strong> forma organizada, durante<br />

a década <strong>de</strong> 1920, o movimento pela conquista<br />

<strong>do</strong>s direitos políticos das mulheres ensaia seus<br />

primeiros passos já na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século<br />

XIX, momento <strong>em</strong> que, por entre as <strong>do</strong>bras<br />

<strong>do</strong> projeto mo<strong>de</strong>rniza<strong>do</strong>r que então começara a<br />

se implantar no país, t<strong>em</strong> início o processo <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> uma nova consciência acerca das<br />

relações sociais entre os sexos. Assim, ainda<br />

que isoladas, pod<strong>em</strong>os i<strong>de</strong>ntificar algumas vozes<br />

f<strong>em</strong>ininas que, anteriores à <strong>de</strong> Bertha Lutz (1894-<br />

1976), figura central da campanha sufragista brasileira,<br />

impõ<strong>em</strong>-se como iniciativas <strong>em</strong>brionárias<br />

da mobilização das mulheres na luta por seus<br />

direitos à cidadania.<br />

Essas outras mulheres – vozes ilhadas, sim,<br />

mas que não se <strong>de</strong>ixaram intimidar por isso – se<br />

pronunciaram por meio <strong>de</strong> seus muitos escritos,<br />

que faziam circular pela imprensa, buscan<strong>do</strong> formar<br />

uma opinião pública a favor <strong>do</strong> seu i<strong>de</strong>ário<br />

<strong>de</strong> <strong>em</strong>ancipação f<strong>em</strong>inina, tal como faziam, na<br />

época, quaisquer grupos com pretensão <strong>de</strong> se<br />

apresentar à socieda<strong>de</strong> com novas idéias.<br />

Um nome a guardar na m<strong>em</strong>ória, neste senti<strong>do</strong>, é<br />

Francisca Senhorinha da Motta Diniz (séc. XIX-?).<br />

Funda<strong>do</strong>ra, editora e redatora <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s vários<br />

jornais <strong>de</strong> orientação f<strong>em</strong>inista surgi<strong>do</strong>s país<br />

afora a partir das três últimas décadas <strong>do</strong> século<br />

XIX – O Sexo F<strong>em</strong>inino –, a professora Francisca<br />

Diniz, já nos i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1875, não per<strong>de</strong>u a chance<br />

<strong>de</strong> informar o público leitor da época sobre uma<br />

proposta relativa ao sufrágio f<strong>em</strong>inino feita no<br />

país décadas antes pelo sena<strong>do</strong>r Manoel Alves<br />

Branco (1797-1855). No final da década <strong>de</strong> 1880,<br />

seu jornal, rebatiza<strong>do</strong> como O Quinze <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>do</strong> Sexo F<strong>em</strong>inino <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mudança <strong>do</strong> regime<br />

político no país, ganha uma coluna exclusiva<br />

para tratar da questão. E <strong>em</strong> abril <strong>de</strong> 1890, pu-<br />

* Doutora <strong>em</strong> Letras, pesquisa<strong>do</strong>ra DCR/CNPq, atuan<strong>do</strong> present<strong>em</strong>ente como professora junto ao Programa <strong>de</strong> Pós-<br />

Graduação <strong>em</strong> Letras/UFPB (val_andra<strong>de</strong>4@yahoo.com.br).<br />

Acervo Valéria Andra<strong>de</strong> Souto Maior<br />

6<br />

blica um artigo intitula<strong>do</strong> “Igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos”,<br />

<strong>em</strong> que afirma: “Desejamos que os senhores <strong>do</strong><br />

sexo forte saibam que se nos pod<strong>em</strong> mandar, <strong>em</strong><br />

suas leis, subir ao cadafalso, mesmo pelas idéias<br />

políticas que tivermos, [...], também nos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> a<br />

justiça <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos, tocante ao direito<br />

<strong>de</strong> votar e o <strong>de</strong> sermos votadas.”<br />

Dev<strong>em</strong>os nos l<strong>em</strong>brar também <strong>de</strong> Ana Eurídice<br />

Eufrosina <strong>de</strong> Barandas (1806-?), uma das nossas<br />

primeiras escritoras a reivindicar publicamente,<br />

<strong>em</strong>bora não pelas páginas <strong>de</strong> um jornal,<br />

o direito das mulheres ter<strong>em</strong> e expressar<strong>em</strong> sua<br />

opinião <strong>em</strong> questões políticas. Num texto intitula<strong>do</strong><br />

Diálogos, escrito <strong>em</strong> 1836, e publica<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

coletânea <strong>em</strong> 1845, Ana Eurídice recrimina duramente<br />

a atitu<strong>de</strong> repressiva <strong>do</strong>s homens frente<br />

à participação das mulheres no <strong>de</strong>bate político<br />

Josefina Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, retratada por L. Amaral


Acervo histórico<br />

que agitava a Porto Alegre da época, <strong>em</strong> torno<br />

da Guerra <strong>do</strong>s Farrapos.<br />

Não nos <strong>de</strong>ve escapar o nome <strong>de</strong> Isabel <strong>de</strong> Sousa<br />

Matos (séc. XIX). Cirurgiã-<strong>de</strong>ntista, no ano <strong>de</strong><br />

1885, requereu seu alistamento eleitoral na sua<br />

cida<strong>de</strong> natal (<strong>São</strong> José <strong>do</strong> Norte/RS) com base<br />

na Lei Saraiva (09/01/1881) – que garantia o direito<br />

<strong>de</strong> voto aos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> títulos científicos.<br />

Com o advento da República e a convocação <strong>de</strong><br />

eleições para a Ass<strong>em</strong>bléia Constituinte, Isabel<br />

<strong>de</strong> Matos, que se transferira para o Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

por aquela época, procura a comissão <strong>de</strong><br />

alistamento eleitoral da Capital Fe<strong>de</strong>ral na tentativa<br />

<strong>de</strong> garantir novamente o pleno exercício <strong>do</strong>s<br />

seus direitos <strong>de</strong> cidadã. O parecer <strong>do</strong> governo,<br />

contrário ao pleito da Dra. Isabel, seria o mote<br />

para exacerbar os ânimos f<strong>em</strong>inistas <strong>em</strong> torno da<br />

inclusão das mulheres no espaço político, como<br />

os da professora Josefina<br />

Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> (1851-<br />

?), cujas iniciativas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que se instalara o novo<br />

regime político, vinham se<br />

<strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong>, como ver<strong>em</strong>os<br />

adiante, como autêntico<br />

ativismo sufragista. Seja<br />

pelo seu percurso intelectual,<br />

literário e profissional<br />

inteiramente <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao<br />

i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> <strong>em</strong>ancipação f<strong>em</strong>inina<br />

no Brasil, seja principalmente<br />

pelo seu papel<br />

relevante e inquestionável<br />

nas discussões pelo direito<br />

ao voto f<strong>em</strong>inino na nossa<br />

Constituição <strong>de</strong> 1891, Josefina<br />

Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong><br />

t<strong>em</strong> seu nome grava<strong>do</strong> na<br />

história <strong>do</strong> nosso sufragismo<br />

<strong>em</strong> seus momentos<br />

inaugurais2 .<br />

Apesar <strong>do</strong> sobrenome famoso<br />

e <strong>de</strong> compartilhar um<br />

lugar <strong>de</strong> vanguarda na história<br />

<strong>do</strong> f<strong>em</strong>inismo brasileiro<br />

com Nísia Floresta (1810-<br />

1885) 3 , quase tu<strong>do</strong> o que<br />

sab<strong>em</strong>os sobre Josefina<br />

<strong>de</strong> Álvares Azeve<strong>do</strong> guarda<br />

relação apenas com sua<br />

trajetória como escritora e<br />

intelectual.<br />

Seu perfil biográfico, <strong>em</strong><br />

termos <strong>de</strong> vida pessoal, ain-<br />

da está quase to<strong>do</strong> por <strong>de</strong>svendar. A data <strong>de</strong> seu<br />

nascimento, 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1851, é o único da<strong>do</strong><br />

mais preciso <strong>de</strong> que dispomos por enquanto.<br />

Outros são <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s ou <strong>de</strong>sencontra<strong>do</strong>s.<br />

Segun<strong>do</strong> o registra<strong>do</strong> por Blake4 (e repeti<strong>do</strong> na<br />

maioria das poucas referências sobre a autora),<br />

ela seria natural <strong>de</strong> Itaboraí (RJ) e irmã – por parte<br />

<strong>de</strong> pai e, ao que parece, ilegítima – <strong>do</strong> gênio<br />

<strong>do</strong> nosso romantismo, Manoel Antonio Álvares<br />

<strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> (1831-1852). No entanto, conforme<br />

<strong>de</strong>clarações da própria autora (que localizamos<br />

há alguns anos no seu jornal, o combativo A Família,<br />

sobre o qual falar<strong>em</strong>os adiante), sua terra<br />

natal era Recife (Pernambuco) e o poeta famoso<br />

era seu primo e não seu irmão. Evi<strong>de</strong>nte que<br />

não <strong>de</strong>scartamos a hipótese <strong>de</strong> que, para não<br />

se expor socialmente na condição <strong>de</strong>gradante <strong>de</strong><br />

filha bastarda, Josefina preferisse não se assumir<br />

como meio-irmã <strong>de</strong> Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>,<br />

inclusão das mulheres no espaço político, como como meio-irmã <strong>de</strong> Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>,<br />

Acervo Valéria Andra<strong>de</strong> Souto Maior<br />

Revista A Família, nº 72, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1890


DAH-ALESP<br />

o caráter test<strong>em</strong>unhal da informação, como também<br />

daquela relativa à naturalida<strong>de</strong> da autora,<br />

nos autoriza a consi<strong>de</strong>rá-las como mais próximas<br />

da veracida<strong>de</strong>. Sobre outros fatos da sua vida privada,<br />

há indícios <strong>de</strong> que Josefina viveu <strong>em</strong> Recife<br />

até os 26 anos e vivenciou, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> ex<strong>em</strong>plar, a<br />

experiência da maternida<strong>de</strong>, mas nada sab<strong>em</strong>os,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, sobre quantos filhos teve, se foi casada,<br />

qu<strong>em</strong> foi sua mãe, on<strong>de</strong> fez seus estu<strong>do</strong>s,<br />

on<strong>de</strong> e como passou a infância e juventu<strong>de</strong>, on<strong>de</strong><br />

e quan<strong>do</strong> veio a falecer 5 .<br />

Em contrapartida, sua obra jornalística e literária,<br />

produzida integralmente <strong>em</strong> função da<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos f<strong>em</strong>ininos, nos oferece uma<br />

espécie <strong>de</strong> retrato <strong>de</strong> corpo inteiro <strong>do</strong> que foi sua<br />

vida. Suas narrativas (contos, artigos, esboços<br />

biográficos), seus versos, suas traduções, seu<br />

texto teatral – praticamente tu<strong>do</strong> o que escreveu<br />

6<br />

e publicou foi com o objetivo<br />

primeiro <strong>de</strong> intervir na ord<strong>em</strong><br />

social e política <strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po,<br />

buscan<strong>do</strong> criar condições mais<br />

justas e igualitárias para mulheres<br />

e homens.<br />

Sain<strong>do</strong> <strong>de</strong> Recife por volta <strong>de</strong><br />

1877, nossa autora segue para<br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. No ano seguinte,<br />

já então radicada na cida<strong>de</strong>,<br />

a “infatigável f<strong>em</strong>inista, [...],<br />

num livro que fez sensação,<br />

anunciou que se levantava uma<br />

voz <strong>de</strong> mulher para a gran<strong>de</strong><br />

reivindicação,” segun<strong>do</strong> nos<br />

informa Barros Vidal 6 . No final<br />

<strong>de</strong> 1888, ainda <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

Josefina funda o jornal A Família.<br />

Seis meses <strong>de</strong>pois, se<br />

transfere para o Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

on<strong>de</strong> suas expectativas <strong>de</strong><br />

melhores oportunida<strong>de</strong>s para<br />

divulgar suas idéias não seriam<br />

frustradas. Sua folha circularia<br />

ali, ininterruptamente até 1897,<br />

ano <strong>de</strong> publicação <strong>de</strong> Galleria<br />

illustre (Mulheres celebres) 7 ,<br />

seu terceiro e último livro <strong>de</strong><br />

que t<strong>em</strong>os notícia. Em 1898, A<br />

Família volta a circular, como se<br />

<strong>de</strong>preen<strong>de</strong> da nota <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento<br />

da redatora da revista<br />

A Mensageira, que recebera o<br />

primeiro número da “nova fase”<br />

<strong>do</strong> jornal 8 . Depois disto, ao que<br />

sab<strong>em</strong>os, não há registros sobre<br />

essa mulher que, <strong>em</strong>bora<br />

se julgasse “pouco hábil <strong>em</strong> esgrimir a pena” 9 , o<br />

fez, com maestria, muita corag<strong>em</strong> e verda<strong>de</strong>ira<br />

<strong>de</strong>voção, <strong>em</strong> sua luta pela cidadania das mulheres<br />

brasileiras.<br />

Nas páginas <strong>do</strong> jornal A Família, a educação foi<br />

a primeira causa <strong>de</strong>fendida pela ativista, que a<br />

consi<strong>de</strong>rava condição sine qua non para a <strong>em</strong>ancipação<br />

f<strong>em</strong>inina. A princípio, sua postura arrojada<br />

se evi<strong>de</strong>ncia por reivindicar para as mulheres<br />

uma “educação sólida e <strong>de</strong>senvolvida”, que as<br />

preparasse “para to<strong>do</strong>s os misteres da vida,<br />

como dignas e leais companheiras <strong>do</strong> hom<strong>em</strong>,<br />

tão capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar altas funções <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong>, como as secundárias obrigações que<br />

lhe compet<strong>em</strong> na família” 10 . Mais tar<strong>de</strong>, ela se<br />

caracteriza por <strong>do</strong>ses maciças <strong>de</strong> audácia e<br />

agressivida<strong>de</strong>. Em 1890, por ex<strong>em</strong>plo, quan<strong>do</strong><br />

Benjamin Constant, então Ministro <strong>do</strong>s Cor-


Acervo histórico<br />

reios e Instrução, assinou um <strong>de</strong>creto vedan<strong>do</strong><br />

o acesso f<strong>em</strong>inino às escolas <strong>de</strong> nível superior,<br />

Josefina o atacou frontalmente, recriminan<strong>do</strong> a<br />

<strong>do</strong>utrina positivista que o inspirava.<br />

Embora menos radicais <strong>em</strong> suas posições, as colabora<strong>do</strong>ras<br />

<strong>do</strong> avança<strong>do</strong> jornal 11 enfatizavam que<br />

somente através <strong>de</strong> uma educação completa se<br />

po<strong>de</strong>ria elevar o status da mulher na socieda<strong>de</strong>,<br />

inclusive fora <strong>do</strong> lar. Algumas <strong>de</strong>las, como Narcisa<br />

Amália (1852-1924), Júlia Lopes <strong>de</strong> Almeida<br />

(1862-1934) e Inês Sabino (1853-?), eram escritoras<br />

<strong>de</strong> renome, enquanto outras, como Anália<br />

Franco (1859-1919), se <strong>de</strong>stacavam por sua excelência<br />

como educa<strong>do</strong>ras. A maior parte <strong>de</strong>las<br />

residia no Rio <strong>de</strong> Janeiro ou <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, mas<br />

muitas enviavam suas colaborações <strong>de</strong> outras<br />

partes <strong>do</strong> país, como Revocata <strong>de</strong> Melo (1860-<br />

1945) e Julieta <strong>de</strong> Melo Monteiro (1863-1928),<br />

<strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, Presciliana Duarte <strong>de</strong><br />

Almeida (1867-1944), <strong>de</strong> Minas Gerais, e Maria<br />

Amélia <strong>de</strong> Queiroz (séc. XIX-?), <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

Outras, como a portuguesa Guiomar Torrezão<br />

(1844-1898) e a francesa Eugénie Potonié Pierre<br />

(séc. XIX-?), mandavam escritos <strong>de</strong> seus países,<br />

tornan<strong>do</strong> mais evi<strong>de</strong>nte a extensa re<strong>de</strong> formada<br />

pelos diversos grupos <strong>de</strong> escritoras que, na época,<br />

mantinham entre si intenso intercâmbio e fortes<br />

relações <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> 12 , através <strong>do</strong> que as<br />

mulheres se viam e se mostravam como seres capazes<br />

<strong>de</strong> se equiparar socialmente aos homens.<br />

Tal como outros jornais edita<strong>do</strong>s por mulheres,<br />

A Família servia como “caixa <strong>de</strong> ressonância <strong>do</strong><br />

movimento f<strong>em</strong>inista brasileiro” 13 , inclusive divulgan<strong>do</strong>,<br />

assiduamente, ex<strong>em</strong>plos estrangeiros e<br />

nacionais <strong>de</strong> mulheres que se distinguiam por<br />

sua atuação profissional, fosse nas letras, fosse<br />

<strong>em</strong> outras áreas, entre elas advocacia, medicina<br />

e artes plásticas.<br />

Quan<strong>do</strong> da transferência d’A Família para o Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, <strong>em</strong> maio <strong>de</strong> 1889, seu grupo <strong>de</strong> colabora<strong>do</strong>ras,<br />

já então b<strong>em</strong> mais numeroso, era<br />

forma<strong>do</strong> <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte por professoras que, a<br />

ex<strong>em</strong>plo da redatora-chefe, utilizavam suas páginas<br />

para protestar publicamente contra a precária<br />

situação da educação f<strong>em</strong>inina, b<strong>em</strong> como contra<br />

a opressão social sobre o sexo f<strong>em</strong>inino. Ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po, essas mulheres se serviam <strong>do</strong> jornal<br />

para dar vazão a suas aptidões literárias, como<br />

tantas outras o faziam através <strong>do</strong>s vários outros<br />

jornais edita<strong>do</strong>s por mulheres que então proliferavam<br />

pelo país 14 .<br />

Des<strong>de</strong> o início das ativida<strong>de</strong>s à frente <strong>do</strong> jornal,<br />

Josefina se viu confrontada com as maiores dificulda<strong>de</strong>s,<br />

sobretu<strong>do</strong> com relação à indiferença<br />

Acervo Iconographia<br />

A f<strong>em</strong>inista <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, Natércia da Silveira,<br />

com<strong>em</strong>ora a concessão <strong>do</strong> voto f<strong>em</strong>inino<br />

no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte, <strong>em</strong> 1928<br />

das próprias mulheres que, <strong>em</strong> geral, aos artigos<br />

pró-<strong>em</strong>ancipação f<strong>em</strong>inina, preferiam leituras mais<br />

amenas, com direito a figurinos <strong>de</strong> moda, receitas<br />

<strong>de</strong> beleza e culinária. Mas não se <strong>de</strong>ixava abater,<br />

s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>terminada a “levar adiante uma propaganda<br />

acérrima <strong>em</strong> prol da educação das minhas<br />

patrícias, uma propaganda eficaz, que as liberte<br />

<strong>do</strong>s estóli<strong>do</strong>s preconceitos da acanhada rotina a<br />

que t<strong>em</strong>os s<strong>em</strong>pre obe<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>” 15 . E o fato <strong>em</strong> si<br />

<strong>de</strong> conseguir manter uma folha redigida exclusivamente<br />

por mulheres aparecia-lhe como prova<br />

cabal da capacida<strong>de</strong> f<strong>em</strong>inina <strong>de</strong> construir sua<br />

autonomia 16 .<br />

Como parte <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>terminação <strong>em</strong> expandir<br />

seus i<strong>de</strong>ais libertários, <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1889, a militante<br />

faz uma viag<strong>em</strong> a algumas cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Norte-Nor<strong>de</strong>ste<br />

<strong>do</strong> Brasil. Em seu roteiro, inclui as<br />

capitais da Bahia, Pernambuco, Ceará e Pará,<br />

nas quais, recepcionada por colegas da imprensa,<br />

visita educandários públicos e particulares,<br />

se<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vários jornais, além <strong>de</strong> órgãos públicos,<br />

entre os quais as Ass<strong>em</strong>bléias Provinciais<br />

<strong>de</strong> Pernambuco e <strong>do</strong> Ceará, visan<strong>do</strong> s<strong>em</strong>pre<br />

conquistar mais assinantes para A Família e,


<strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, mais a<strong>de</strong>sões para a causa que<br />

abraçara 17 .<br />

Marco <strong>de</strong> uma nova fase da mobilização <strong>em</strong> torno<br />

da <strong>em</strong>ancipação f<strong>em</strong>inina, a proclamação da<br />

República foi também a ‘<strong>de</strong>ixa’ para a f<strong>em</strong>inista<br />

entrar <strong>em</strong> cena, ofensivamente, <strong>em</strong> busca <strong>do</strong> direito<br />

<strong>de</strong> voto para as mulheres. A Família, <strong>em</strong>bora<br />

conservasse sua proposta primeira <strong>de</strong> lutar pela<br />

<strong>em</strong>ancipação da mulher via educação, passa a<br />

reivindicar para as mulheres também “o direito <strong>de</strong><br />

intervir nas eleições, <strong>de</strong> eleger e ser eleitas, como<br />

os homens, <strong>em</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições”. Daí <strong>em</strong><br />

diante, Josefina transforma seu jornal <strong>em</strong> veículo<br />

<strong>de</strong> propaganda <strong>do</strong> direito f<strong>em</strong>inino ao voto,<br />

através <strong>do</strong> qual, inclusive, tenta convencer suas<br />

cont<strong>em</strong>porâneas da urgência <strong>de</strong> cada uma tornarse<br />

também, <strong>em</strong> seus lares, uma “propagandista<br />

acérrima” da causa, da qual <strong>de</strong>pendia sua “elevação<br />

na socieda<strong>de</strong>” 18 . Passa então a escrever uma<br />

série <strong>de</strong> artigos sob o título “O direito <strong>de</strong> voto”,<br />

argumentan<strong>do</strong> basicamente que, s<strong>em</strong> o exercício<br />

<strong>de</strong>sse direito pelas mulheres, a igualda<strong>de</strong> prometida<br />

pelo novo regime não<br />

passava <strong>de</strong> uma utopia19 .<br />

A partir daí, não se satisfazen<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> travar sua luta apenas<br />

através da imprensa periódica,<br />

Josefina vai ampliar e<br />

diversificar seus espaços <strong>de</strong><br />

engajamento sufragista. Logo<br />

no início <strong>de</strong> 1890, manda<br />

imprimir, na própria tipografia<br />

<strong>do</strong> seu jornal, um opúsculo<br />

intitula<strong>do</strong> Retalhos20 , <strong>em</strong> que<br />

reproduz vários <strong>do</strong>s seus artigos<br />

já publica<strong>do</strong>s <strong>em</strong> A Família:<br />

os da série “O direito <strong>de</strong><br />

voto”, os relativos à questão<br />

da educação da mulher, reuni<strong>do</strong>s<br />

sob o título “A mulher<br />

mo<strong>de</strong>rna”, b<strong>em</strong> como uma<br />

crítica impie<strong>do</strong>sa à comédia<br />

A Doutora, <strong>em</strong> que ataca<br />

duramente o autor, recriminan<strong>do</strong>-o<br />

por ter pretendi<strong>do</strong><br />

“chegar à conclusão absurda<br />

<strong>de</strong> que a profissão médica é<br />

incompatível com a honra <strong>de</strong><br />

uma moça” 21 . A inclusão <strong>de</strong><br />

alguns outros textos, meio<br />

<strong>de</strong>sliga<strong>do</strong>s da t<strong>em</strong>ática central<br />

da coletânea – como um<br />

artigo sobre probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong><br />

algumas cida<strong>de</strong>s paulistas e<br />

alguns versos humorísticos22 6<br />

– revela suas “primeiras intenções”, que foram,<br />

s<strong>em</strong> dúvida, fortalecer sua propaganda sufragista<br />

e fixá-la <strong>em</strong> páginas menos efêmeras que as <strong>de</strong><br />

um jornal. Bastante elogiada pela imprensa <strong>em</strong><br />

geral, a publicação teve seu “potencial bélico”<br />

<strong>de</strong>staca<strong>do</strong> pelo redator da Gazeta <strong>de</strong> Notícias,<br />

que, apesar <strong>de</strong> minoria na ala masculina, <strong>de</strong>fendia<br />

abertamente os direitos das mulheres 23 .<br />

Pouco <strong>de</strong>pois, <strong>em</strong> abril <strong>do</strong> mesmo ano, a jornalista<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> levar ao palco o acalora<strong>do</strong> <strong>de</strong>bate<br />

então aberto na imprensa sobre essa questão,<br />

transforman<strong>do</strong> o espaço cênico numa espécie <strong>de</strong><br />

tribuna – o que, aliás, já se fizera na cena brasileira<br />

entre 1855 e 1865, quan<strong>do</strong>, sob inspiração <strong>do</strong><br />

teatro realista francês, foram discuti<strong>do</strong>s no palco<br />

vários probl<strong>em</strong>as sociais enfrenta<strong>do</strong>s pela então<br />

<strong>em</strong>ergente burguesia brasileira 24 .<br />

Instigada pelo parecer negativo <strong>do</strong> então ministro<br />

<strong>do</strong> Interior, Cesário Alvim, <strong>em</strong> relação à consulta<br />

que lhe fizera a comissão <strong>de</strong> alistamento eleitoral<br />

referente ao pleito <strong>de</strong> Isabel <strong>de</strong> Matos, mencio-<br />

<strong>de</strong>sse direito pelas mulheres, a igualda<strong>de</strong> pro referente ao pleito <strong>de</strong> Isabel <strong>de</strong> Matos, mencio<br />

Acervo Valéria Andra<strong>de</strong> Souto Maior<br />

Imag<strong>em</strong> <strong>do</strong> Teatro Recreio <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>em</strong> 1909.<br />

O local, um <strong>do</strong>s mais populares da cida<strong>de</strong>, foi palco,<br />

<strong>em</strong> 1890, da comédia O voto f<strong>em</strong>inino


Acervo histórico<br />

na<strong>do</strong> no início <strong>de</strong>ste artigo, Josefina escreve a<br />

comédia O voto f<strong>em</strong>inino, que vai à cena, no final<br />

<strong>do</strong> mês seguinte, no Teatro Recreio Dramático 25 ,<br />

um <strong>do</strong>s mais populares <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro na época.<br />

Levan<strong>do</strong> para o centro da ação dramática uma<br />

querela <strong>do</strong>méstica gerada pela expectativa da<br />

posição <strong>do</strong> governo sobre a procedência ou não<br />

<strong>do</strong> alistamento eleitoral das mulheres, O voto f<strong>em</strong>inino<br />

enfatiza o ridículo da resistência masculina<br />

<strong>em</strong> aceitar a participação f<strong>em</strong>inina nas questões<br />

políticas da Nação, como também a confiança<br />

que as mulheres podiam e <strong>de</strong>viam <strong>de</strong>positar nos<br />

congressistas, cuja reunião <strong>em</strong> Ass<strong>em</strong>bléia para<br />

elaborar a nova constituição <strong>do</strong> país se anunciava<br />

para o s<strong>em</strong>estre seguinte. Nesse senti<strong>do</strong>, a última<br />

cena da comédia expressa inequivocamente a<br />

intenção da autora, já explicitada <strong>em</strong> seus artigos,<br />

<strong>de</strong> seguir “compelin<strong>do</strong> os constituintes a firmar<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> uma vez para s<strong>em</strong>pre o nosso direito obscureci<strong>do</strong>”<br />

26 . Diante da euforia da gran<strong>de</strong> maioria<br />

<strong>do</strong> bloco masculino, com<strong>em</strong>oran<strong>do</strong> a exclusão<br />

das mulheres <strong>do</strong> universo <strong>de</strong> eleitores, uma das<br />

personagens f<strong>em</strong>ininas avisa esperançosa: “Não<br />

se entusiasm<strong>em</strong> tanto. Ainda t<strong>em</strong>os um recurso.<br />

Aguard<strong>em</strong>os a Constituinte!” 27 .<br />

Embora bastante aplaudida – e, aliás, saudada<br />

calorosamente antes da estréia pela imprensa –,<br />

O voto f<strong>em</strong>inino termina por subir ao palco apenas<br />

uma vez. Mas a urgência <strong>de</strong> continuar com o lobby<br />

junto aos constituintes leva a ativista a buscar<br />

alternativas para exibir sua comédia novamente.<br />

Nesse mesmo ano, O voto f<strong>em</strong>inino reaparece<br />

publicamente outras duas vezes: nos rodapés <strong>do</strong><br />

jornal A Família, <strong>de</strong> agosto a nov<strong>em</strong>bro e, segun<strong>do</strong><br />

consta, <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> livro 28 . Além disso, como<br />

parte da coletânea, intitulada A mulher mo<strong>de</strong>rna:<br />

trabalhos <strong>de</strong> propaganda 29 , a segunda organizada<br />

por Josefina e editada no ano seguinte, quan<strong>do</strong><br />

a Constituinte ainda se encontrava reunida. Em<br />

cada uma <strong>de</strong>ssas oportunida<strong>de</strong>s, fica patente<br />

o senso estratégico da autora, s<strong>em</strong>pre volta<strong>do</strong><br />

para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fortalecer a propaganda<br />

sufragista, <strong>em</strong> especial junto aos parlamentares,<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a omissão da Constituição <strong>de</strong><br />

1824 quanto aos direitos eleitorais das mulheres<br />

não se repetisse no novo texto constitucional.<br />

Visan<strong>do</strong>, ainda, sensibilizar a opinião pública<br />

o mais amplamente possível, Josefina escolhe<br />

o caminho sugeri<strong>do</strong> pelo então popularíssimo<br />

teatro musica<strong>do</strong> e escreve um texto com traços<br />

<strong>de</strong> comédia <strong>de</strong> costumes recheada com breves<br />

números musicais. E como pretendia também<br />

intervir na ord<strong>em</strong> social, tornan<strong>do</strong>-a compatível<br />

com os avanços <strong>do</strong> novo t<strong>em</strong>po inaugura<strong>do</strong> pelo<br />

novo regime político, inclui um raisonneur 30 , figura<br />

que, <strong>em</strong>bora típica da então <strong>de</strong>sgastada comédia<br />

realista francesa, casava perfeitamente com a intenção<br />

<strong>de</strong> expor racionalmente os seus argumentos<br />

a favor <strong>do</strong> voto f<strong>em</strong>inino. Em gran<strong>de</strong> parte da<br />

ação dramática, essa função <strong>de</strong> porta-voz da autora<br />

fica a cargo <strong>do</strong> Dr. Florêncio, posto <strong>em</strong> cena<br />

estrategicamente como a encarnação <strong>do</strong> hom<strong>em</strong><br />

público consciente, sensato e progressista, i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong><br />

por Josefina para apresentar no Congresso<br />

propostas <strong>de</strong> extensão da cidadania plena às<br />

mulheres 31 . Ainda assim, é também pela voz das<br />

personagens f<strong>em</strong>ininas – Inês, a protagonista, e<br />

sua filha Esmeralda, ambas mais inteligentes,<br />

mais fortes e mais <strong>de</strong>cididas que seus mari<strong>do</strong>s<br />

– que escutamos o discurso sufragista da autora.<br />

Em relação ao porta-voz masculino, vale anotar<br />

que suas intervenções, <strong>em</strong>bora um tanto sentenciosas,<br />

são feitas através <strong>de</strong> frases curtas, muitas<br />

vezes interrogativas, que se afinam perfeitamente<br />

ao ritmo ágil <strong>do</strong> diálogo da comédia e, como uma<br />

espécie <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong> pergunta-e-resposta, evoca a<br />

dinâmica <strong>de</strong> uma disputa forense. Ressaltamos a<br />

argúcia da autora ao colocar <strong>em</strong> cena um raisonneur<br />

menos probl<strong>em</strong>ático que o <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo francês,<br />

pois <strong>em</strong> sua rápida aparição mal há t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />

começar a ser maçante 32 .<br />

Em termos <strong>de</strong> eficiência com relação aos seus objetivos<br />

imediatos, impossível pensar que O voto<br />

f<strong>em</strong>inino foi uma experiência b<strong>em</strong>-sucedida, já<br />

que as brasileiras só conquistaram seus direitos<br />

políticos quase meio século mais tar<strong>de</strong>, <strong>em</strong> 1932.<br />

Mas isso, obviamente, só confirma o caráter <strong>de</strong><br />

vanguarda <strong>do</strong> ativismo sufragista <strong>de</strong> Josefina.<br />

Como também da sua obra teatral. Quanto a isso,<br />

importa salientar igualmente que a amostra <strong>de</strong>ixada<br />

pela autora no campo da dramaturgia evi<strong>de</strong>ncia<br />

que, se não tivesse si<strong>do</strong> uma experiência tão<br />

isolada, seu nome estaria, certamente, entre as<br />

gran<strong>de</strong>s influências <strong>do</strong> teatro brasileiro.<br />

De outro la<strong>do</strong>, quanto ao uso das técnicas <strong>de</strong><br />

dramaturgia, a comédia é um sucesso. Apesar <strong>do</strong><br />

fôlego curto e certas fraquezas <strong>de</strong> composição,<br />

seus diálogos têm vivacida<strong>de</strong>, suas personagens<br />

são convincentes, seu humor é afia<strong>do</strong> e inteligente.<br />

Vale citar, por ex<strong>em</strong>plo, a perspicácia da autora<br />

na caracterização <strong>do</strong> ex-ministro e ex-conselheiro<br />

<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Anastácio. Delinea<strong>do</strong> como o mais medíocre<br />

<strong>do</strong>s homens – preconceituoso, autoritário,<br />

retrógra<strong>do</strong>, inescrupuloso e intelectualmente estúpi<strong>do</strong><br />

–, Anastácio é mostra<strong>do</strong> também como a<br />

personificação <strong>do</strong> egoísmo masculino. Percebi<strong>do</strong><br />

por Josefina <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> como uma perturbação<br />

<strong>do</strong> espírito <strong>do</strong>s homens, que os tornava “inaptos<br />

para as gran<strong>de</strong>s generosida<strong>de</strong>s”, esse egoísmo<br />

já fora inúmeras vezes aponta<strong>do</strong> por ela, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>


seus primeiros artigos sobre o voto f<strong>em</strong>inino,<br />

como a única razão pela qual as mulheres ainda<br />

estavam impedidas <strong>do</strong> pleno exercício <strong>do</strong>s seus<br />

direitos <strong>de</strong> cidadãs 33 . No palco, ela não po<strong>de</strong>ria<br />

ter si<strong>do</strong> mais feliz ao materializar esse egoísmo,<br />

logo na cena <strong>de</strong> abertura da comédia, através da<br />

figura ridícula e <strong>de</strong>sprezível <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> avarento<br />

que, apesar <strong>de</strong> riquíssimo, se dá ao trabalho mesquinho<br />

<strong>de</strong> conferir uma pequena nota <strong>de</strong> compras<br />

<strong>do</strong> armazém, it<strong>em</strong> por it<strong>em</strong>, preço por preço e, <strong>em</strong><br />

seguida, arma um escândalo, exigin<strong>do</strong> a presença<br />

e as explicações da esposa, porque <strong>de</strong>scobre<br />

uma diferença <strong>de</strong> míseros onze vinténs. Outra<br />

característica risível incluída inteligent<strong>em</strong>ente no<br />

perfil <strong>de</strong> Anastácio, para mostrar que os argumentos<br />

masculinos contrários ao voto das mulheres<br />

não tinham qualquer consistência, é um cacoete<br />

lingüístico. As falas <strong>de</strong> Anastácio são, <strong>em</strong> geral,<br />

iniciadas, encerradas ou entr<strong>em</strong>eadas por uma<br />

expressão completamente esvaziada <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>,<br />

“Ora figas”, que a autora usa para <strong>de</strong>snudar a<br />

incapacida<strong>de</strong> intelectual da personag<strong>em</strong>.<br />

noTAS<br />

1 O presente artigo t<strong>em</strong> como ponto <strong>de</strong> partida nossas pesquisas realizadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1993, com a<br />

proposta <strong>de</strong> reconstituir a trajetória literária e intelectual da escritora, cujos primeiros resulta<strong>do</strong>s<br />

fundamentaram nossa dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong>, intitulada O florete e a máscara: Josefina Álvares<br />

<strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, dramaturga <strong>do</strong> século XIX, <strong>de</strong>fendida na UFSC, <strong>em</strong> 1995, e publicada <strong>em</strong> 2001, pela<br />

Editora Mulheres.<br />

2 Para saber mais sobre estas e outras precursoras da nossa literatura <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina e <strong>do</strong> pensamento<br />

f<strong>em</strong>inista brasileiro, ver especialmente BERNARDES, Maria Thereza Caiuby Crescenti.<br />

Mulheres <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>? <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, T. A. Queiroz, 1989; MUZART, Zahidé Lupinacci (org.). Escritoras<br />

brasileiras <strong>do</strong> século XIX: antologia. 2ª ed. Florianópolis, Mulheres/Edunisc, 2000; SCHUMAHER,<br />

Schuma e VITAL BRAZIL Érico (orgs.) Dicionário Mulheres <strong>do</strong> Brasil: <strong>de</strong> 1500 até a atualida<strong>de</strong>.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar, 2000; SOUTO-MAIOR, Valéria Andra<strong>de</strong>. Entre/linhas e máscaras:<br />

a formação da dramaturgia brasileira <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina no Brasil <strong>do</strong> século XIX. João Pessoa,<br />

UFPB, 2001. (Tese <strong>de</strong> Doutora<strong>do</strong>. Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Letras); HAHNER, June E.<br />

Emancipação <strong>do</strong> sexo f<strong>em</strong>inino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil, 1850-1940. Florianópolis,<br />

Mulheres/Edunisc, 2003.<br />

3 Um estu<strong>do</strong> circunstancia<strong>do</strong> sobre essa funda<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> pensamento f<strong>em</strong>inista no Brasil encontra-se<br />

<strong>em</strong> DUARTE, Constância L. Nísia Floresta: vida e obra. Natal, Ed. UFRN, 1995.<br />

4 BLAKE, Augusto V. Alves Sacramento. Diccionario bibliographico brazileiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Typ.<br />

Nacional, 1883-1902. v. 5, p. 237-8.<br />

5 Para uma abordag<strong>em</strong> pormenorizada <strong>de</strong>sse quebra-cabeça-ainda-por-montar a que se ass<strong>em</strong>elha<br />

a trajetória <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> Josefina Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, ver SOUTO-MAIOR, Valéria Andra<strong>de</strong>. O peso<br />

<strong>de</strong> um nome, uma obra <strong>de</strong> peso. In: _____. O florete e a máscara: Josefina Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>,<br />

dramaturga <strong>do</strong> século XIX. Florianópolis, Mulheres, 2001, p. 39-81.<br />

6 VIDAL, [Olmio <strong>de</strong>] Barros. Precursoras brasileiras. Rio <strong>de</strong> Janeiro, A noite, [1944], p. 162. O autor,<br />

infelizmente, não informa sequer o título <strong>do</strong> livro a que se refere.<br />

1<br />

Importa salientar, ainda, que a utilização <strong>de</strong><br />

alguns <strong>do</strong>s recursos formais e estilísticos que,<br />

mais tar<strong>de</strong>, viriam a compor o perfil <strong>do</strong> teatro<br />

<strong>de</strong> agitprop 34 – tais como tipificação hiperbólica<br />

e maniqueísta das personagens, inclusão <strong>de</strong><br />

números musicais, substituição da organicida<strong>de</strong><br />

dramática pela montag<strong>em</strong> ou sucessão <strong>de</strong> cenas<br />

– faz da pequena comédia <strong>de</strong> Josefina Álvares<br />

<strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> um texto que antecipa, <strong>em</strong> mais <strong>de</strong><br />

meio século, a experiência mais efetiva <strong>de</strong>sse<br />

teatro no Brasil, só <strong>de</strong>senvolvida no início <strong>do</strong>s<br />

anos <strong>de</strong> 1960 pelo movimento teatral <strong>do</strong> CPC<br />

da UNE (Centro Popular <strong>de</strong> Cultura da União<br />

Nacional <strong>do</strong>s Estudantes), sob a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong><br />

autores que, como Oduval<strong>do</strong> Vianna Filho,<br />

já então haviam assimila<strong>do</strong> o arsenal técnico<br />

brechtiano 35 . Utiliza<strong>do</strong> como instrumento <strong>de</strong><br />

‘agitação e propaganda’ na luta pelos direitos<br />

políticos das mulheres, O voto f<strong>em</strong>inino impõese,<br />

portanto, como texto teatral <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático<br />

<strong>do</strong> sufragismo à brasileira <strong>em</strong> sua fase <strong>de</strong><br />

gestação.


Acervo histórico<br />

7 AZEVEDO, Josephina Álvares. Galleria illustre (Mulheres celebres). Rio <strong>de</strong> Janeiro, A Vapor,<br />

1897.<br />

8 Cf. [ALMEIDA, Presciliana Duarte <strong>de</strong>.] A Mensageira, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, p. 240, 15 maio, 1898.<br />

9 AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong> A mulher mo<strong>de</strong>rna: trabalhos <strong>de</strong> propaganda. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Montenegro, 1891, p. 133.<br />

10 [AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>]. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 23 fev. 1889, p. 1.<br />

11 Franquean<strong>do</strong> “suas colunas a todas as senhoras que a queiram honrar com a sua colaboração”, A<br />

Família distinguia-se <strong>do</strong>s jornais edita<strong>do</strong>s por mulheres na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XIX no Brasil,<br />

que eram, <strong>em</strong> geral, abertos à colaboração <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> ambos os sexos, como nos informa BI-<br />

CALHO, Maria Fernanda Baptista. O Bello Sexo: imprensa e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> f<strong>em</strong>inina no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

<strong>em</strong> fins <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> XX. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Museu Nacional (Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

Antropologia Social, UFRJ), 1988, p. 12.<br />

12 A esse respeito, ver BERNARDES, op. cit., p. 118-121 e SOARES, Pedro Maia. F<strong>em</strong>inismo no Rio<br />

Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul: primeiros apontamentos (1835-1945). BRUSCHINI, Maria Cristina e ROSEMBERG,<br />

Fúlvia (orgs.). Vivência: história, sexualida<strong>de</strong> e imagens f<strong>em</strong>ininas. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Brasiliense, 1980, p.<br />

145-6. Há, neste senti<strong>do</strong>, um interessante artigo <strong>de</strong> Eugénie Potonié Pierre, que foi traduzi<strong>do</strong> por<br />

Josefina Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> e publica<strong>do</strong> na revista A Mensageira, <strong>em</strong> 1899, no qual sua autora convida<br />

as mulheres a se unir<strong>em</strong> não apenas para proveito próprio, mas para benefício e renovação <strong>de</strong><br />

toda a socieda<strong>de</strong>; cf. PIERRE, [Eugénie] Potonié. A solidarieda<strong>de</strong> f<strong>em</strong>inina. Trad. Josephina Alvares<br />

<strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>. A Mensageira, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, p. 206-8, 15 <strong>de</strong>z. 1899.<br />

13 A expressão é <strong>de</strong> SOARES, op. cit., p. 146, <strong>em</strong> relação ao jornal Corimbo, edita<strong>do</strong> por Revocata<br />

<strong>de</strong> Melo no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul.<br />

14 Ao contrário <strong>de</strong> A Família, parte <strong>do</strong>s periódicos f<strong>em</strong>ininos surgi<strong>do</strong>s nessa época, como a citada<br />

revista A Mensageira, privilegiava a veiculação <strong>de</strong>ssa produção literária, <strong>de</strong>dican<strong>do</strong>-se secundariamente<br />

às questões relativas à condição da mulher; cf. PAIXÃO, Sylvia. A fala-a-menos: a repressão<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo na poesia f<strong>em</strong>inina. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Numen, 1991, p. 38.<br />

15 AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 30 jan. 1890, p. 1.<br />

16 Id<strong>em</strong>. Ibid., p. 1, 27 fev. 1890.<br />

17 Id<strong>em</strong>. Carnet <strong>de</strong> voyage. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 30 nov. 1889, p. 2; 7 <strong>de</strong>z. 1889, p. 2; 14 <strong>de</strong>z.<br />

1889, p. 2; 21 <strong>de</strong>z. 1889, p. 6. No início <strong>de</strong>sse mesmo ano, quan<strong>do</strong> ainda residia <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

Josefina anunciou uma viag<strong>em</strong> sua ao norte <strong>do</strong> país, para observar o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> educação aplica<strong>do</strong><br />

às meninas, informan<strong>do</strong> que, com objetivo idêntico, visitaria também Lisboa, Paris, Espanha,<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e Argentina; cf. [AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>.] Novida<strong>de</strong>s. A Família, 19 jan.<br />

1889, p. 8.<br />

18 AZEVEDO, Josephina <strong>de</strong>. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 30 nov. 1889, p. 1; 19 abr. 1890, p. 1.<br />

19 [Id<strong>em</strong>]. O direito <strong>de</strong> voto. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 21 <strong>de</strong>z. 1889, p. 1; 30 nov. 1889, p. 1.<br />

20 Até agora não localizamos nenhum ex<strong>em</strong>plar <strong>de</strong>sse opúsculo. A maior parte das informações<br />

sobre essa publicação foi recolhida nas notas <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento publicadas nos vários jornais que<br />

a receberam e transcritas por Josefina <strong>em</strong> sua folha; cf. (AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>). Como<br />

nos tratam. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 20 fev. 1890, p. 7-8; 9 mar. 1890, p. 7-8; 16 mar. 1890, p.<br />

8; 23 mar. 1890, p. 8; 14 jun. 1890, p. 3; AZEVEDO, Josephina <strong>de</strong>. O Apóstolo. A Família, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, 3 maio 1890, p. 6.<br />

21 AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>. A <strong>do</strong>utora. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 9 nov. 1889, p. 4.<br />

22 Parece razoável pensar que a autora terá aproveita<strong>do</strong> a ocasião para reproduzir os versos que<br />

publicara <strong>em</strong> A Família, 7 <strong>de</strong>z. 1889, p. 5, com o título <strong>de</strong> “Cidadã ou cida<strong>do</strong>a”, <strong>em</strong> que, sob o<br />

pseudônimo <strong>de</strong> Zefa, celebra a principal vitória advinda da a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> termo cidadã: “já se não diz<br />

mais – senhora,/ninguém mais já t<strong>em</strong> – senhor.”


23 [AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>]. Como nos tratam. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 14 jun. 1890,<br />

p. 3.<br />

24 Sobre esse perío<strong>do</strong> da história <strong>do</strong> teatro brasileiro, ver FARIA, João Roberto. O teatro realista<br />

no Brasil: 1855-1865. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Perspectiva, 1993. Vale ressaltar que o processo <strong>de</strong> formação<br />

da tradição <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina brasileira no campo da dramaturgia <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia-se neste perío<strong>do</strong>,<br />

ten<strong>do</strong> como figura central a dramaturga Maria Angélica Ribeiro (1829-1880); cf. SOUTO-<br />

MAIOR, Valéria Andra<strong>de</strong>. Gabriela e Cancros sociais: a estratégia palimpséstica no teatro <strong>de</strong><br />

Maria Angélica Ribeiro. In: AQUINO, Ricar<strong>do</strong> Bigi e MALUF, Sheila Diab (orgs.). Dramaturgia e<br />

teatro. Maceió, Edufal, 2004, p. 305-318.<br />

25 [Id<strong>em</strong>]. Teatros. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 17 maio 1890, p. 3-4; 24 maio 1890, p. 3.<br />

26 [AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>]. O direito <strong>de</strong> voto. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 19 abr. 1890, p.<br />

1; [Id<strong>em</strong>]. Ainda o nosso direito. A Família, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 26 abr. 1890, p. 1.<br />

27 AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>. O voto f<strong>em</strong>inino. In: . _____. A mulher mo<strong>de</strong>rna, p. 72.<br />

28 Cf. BLAKE, op. cit., v. 5, p. 238. Até agora, no entanto, nenhum ex<strong>em</strong>plar <strong>de</strong>sse livro foi localiza- localiza<strong>do</strong>.<br />

Curiosamente, A Família nada registra a respeito <strong>de</strong>sta publicação <strong>de</strong> O voto f<strong>em</strong>inino.<br />

29 AZEVEDO, A mulher mo<strong>de</strong>rna.<br />

30 Encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> fazer com que se conheça, através <strong>de</strong> seus comentários, uma visão ‘objetiva’<br />

ou ‘autoral’ da situação, o raisonneur representa a moral ou o raciocínio a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>. Não ocupan<strong>do</strong><br />

nunca o lugar <strong>de</strong> protagonista, essa personag<strong>em</strong> é uma figura marginal e neutra, que dá sua<br />

opinião abalizada, tentan<strong>do</strong> uma síntese ou uma reconciliação <strong>do</strong>s pontos <strong>de</strong> vista segun<strong>do</strong> e,<br />

muitas vezes, é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> porta-voz <strong>do</strong>/a autor/a. Her<strong>de</strong>iro <strong>do</strong> coro trágico grego, o raisonneur<br />

aparece sobretu<strong>do</strong> na época clássica, no teatro <strong>de</strong> tese e nas formas <strong>de</strong> peças didáticas; cf. PA-<br />

VIS, Patrice. Dicionário <strong>de</strong> Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria L. Pereira. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Perspectiva,<br />

1999, p. 323.<br />

31 Ao criar esta personag<strong>em</strong>, a autora inspirou-se, provavelmente, no médico e jornalista José Lopes<br />

da Silva Trovão (1848-1925), <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> pelo Distrito Fe<strong>de</strong>ral no Congresso Constituinte, que<br />

apresentou <strong>em</strong>enda conce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o direito <strong>de</strong> voto às mulheres. Ver HAHNER, June E. A mulher<br />

brasileira e suas lutas sociais e políticas (1850-1937). <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Brasiliense, 1981. p. 87. Em<br />

seus artigos da série O voto f<strong>em</strong>inino, Josefina refere-se a “opiniões respeitáveis” a favor <strong>do</strong> voto<br />

f<strong>em</strong>inino na imprensa, mas não o cita nominalmente, como fizera meses antes, conclaman<strong>do</strong> suas<br />

cont<strong>em</strong>porâneas a trabalhar<strong>em</strong> pela eleição <strong>de</strong> um candidato cuja plataforma incluía o direito eleitoral<br />

das mulheres; cf. AZEVEDO, Josephina <strong>de</strong>. As mulheres e a eleição. A Família, 6 jul. 1889.<br />

p. 1; Id<strong>em</strong>. O direito <strong>de</strong> voto. A Família. 19 abr. 1890. p. 1.<br />

32 Um raisonneur típico da comédia realista <strong>de</strong> inspiração francesa aparece <strong>em</strong> O crédito (1857),<br />

<strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar, na pele <strong>do</strong> protagonista Rodrigo, cujas preleções infindáveis acerca <strong>do</strong> papel<br />

<strong>do</strong> dinheiro na socieda<strong>de</strong> burguesa acabam comprometen<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> FARIA, op. cit., 176, a<br />

qualida<strong>de</strong> formal da peça.<br />

33 AZEVEDO, Josephina Alvares <strong>de</strong>. A Família, 14 <strong>de</strong>z. 1889, 21 <strong>de</strong>z. 1889, 19 abr. 1890. p. 1; 26<br />

abr. 1890. p. 1; 31 maio 1890. p. 1; 11 <strong>de</strong>z. 1890. p.1.<br />

34 O termo agit-prop v<strong>em</strong> <strong>do</strong> russo agitatsiya-propaganda, agitação e propaganda; cf. PAVIS, op.<br />

cit., p. 379. Sobre a gênese e as realizações <strong>do</strong> teatro <strong>de</strong> agitprop, ver GARCIA, Silvana. Teatro da<br />

militância: a intenção <strong>do</strong> popular no engajamento político. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Perspectiva/EDUSP, 1990.<br />

35 Para mais <strong>de</strong>talhes sobre essa experiência dramatúrgica realizada por Josefina Álvares <strong>de</strong><br />

Azeve<strong>do</strong> que antecipa a proposta agitpropista <strong>de</strong>senvolvida no Brasil, ver SOUTO-MAIOR, Valéria<br />

Andra<strong>de</strong>. A intuição f<strong>em</strong>inista <strong>do</strong> agitprop no teatro brasileiro <strong>em</strong> fins <strong>do</strong> século XIX. Estu<strong>do</strong>s f<strong>em</strong>inistas,<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, IFCS/UFRJ, v. 5, n. 2, p. 275-289, 1997. Uma versão revista <strong>de</strong>ste ensaio<br />

encontra-se no sexto capítulo <strong>do</strong> nosso Entre/linhas e máscaras, cita<strong>do</strong> acima.


Acervo Valéria Andra<strong>de</strong> Souto Maior<br />

Acervo histórico<br />

Anúncio da festa artística <strong>em</strong> benefício <strong>do</strong> ator Castro, publica<strong>do</strong> <strong>em</strong> A Família, 24 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1890, p. 4<br />

Personagens:<br />

CONSELHEIRO ANASTÁCIO – Castro<br />

DR. RAFAEL, <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> – Bragança<br />

DR. FLORÊNCIO – Germano<br />

ANTONIO, cria<strong>do</strong> – Pinto<br />

ESMERALDA – Isolina<br />

INÊS – Elisa Castro<br />

JOAQUINA, criada – Luisa Pomi<br />

Ação – Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Época – Atualida<strong>de</strong><br />

O voto f<strong>em</strong>inino *<br />

Sala <strong>em</strong> casa <strong>do</strong> conselheiro Anastácio.<br />

Mobília rica. Decoração <strong>de</strong> luxo.<br />

Comédia <strong>em</strong> um ato<br />

Josefina Álvares <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong><br />

CENA 1a.<br />

Anastácio (só)<br />

(Ao subir o pano, está senta<strong>do</strong> com um pequeno<br />

papel na mão, fazen<strong>do</strong> contas)<br />

ANASTÁCIO – Cebolas, 200 réis; azeite <strong>do</strong>ce,<br />

uma garrafa, 640; fósforos, um pacote, 200 réis;<br />

toucinho, um quilo, 1$500: (paran<strong>do</strong> a leitura).<br />

Como está caro o toucinho! (continuan<strong>do</strong> a ler)<br />

carvão, um saco, 2:000 réis; batatas, 240. Soma 4:<br />

780. Quatro mil setecentos e oitenta, b<strong>em</strong> certos.<br />

Mas <strong>em</strong> que foi então que minha mulher gastou<br />

cinco mil réis?! (chaman<strong>do</strong> para <strong>de</strong>ntro) Senhora!<br />

Oh! Senhora! (pausa) Há <strong>de</strong> estar len<strong>do</strong> os artigos<br />

<strong>de</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s jornais diários. É a sua mania! E enquanto<br />

lê vai tu<strong>do</strong> por água abaixo como numa correnteza;<br />

não há dinheiro que chegue! (chaman<strong>do</strong>)<br />

Senhora D. Inês! Oh! Senhora D. Inês<br />

* Transcrita da versão inserida na coletânea A mulher mo<strong>de</strong>rna: trabalhos <strong>de</strong> propaganda, organizada pela autora da<br />

comédia, publicada <strong>em</strong> 1891. Foi feita a atualização ortográfica conforme as normas <strong>em</strong> vigor na língua portuguesa; a<br />

pontuação foi mantida tal como no original; foi feita a correção <strong>de</strong> erros tipográficos óbvios.


INÊS (<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro) – Já vou, já vou.<br />

ANASTÁCIO – Arre! Que a senhora minha mulher<br />

<strong>em</strong> se meten<strong>do</strong> no gabinete <strong>de</strong> leitura, não se<br />

lhe importa que a casa caia. Isto é d<strong>em</strong>ais. Ora<br />

figas!<br />

CEnA 2a.<br />

Anastácio e Inês<br />

INÊS (entran<strong>do</strong>) – Aqui estou, Senhor Anastácio.<br />

Que barulho! Vão ver que é para aí qualquer ninharia!<br />

ANASTÁCIO – Ah! Para a senhora tu<strong>do</strong> é ninharia!...<br />

INÊS – Decerto.<br />

ANASTÁCIO – Pois não é, não senhora, são onze<br />

vinténs que faltam nesta conta ...<br />

INÊS – Ora, louva<strong>do</strong> seja Deus! Por onze vinténs<br />

um barulho tão gran<strong>de</strong>!<br />

ANASTÁCIO – Pois sim, pois sim; mas é que muitos<br />

onze vinténs arruínam um hom<strong>em</strong> e ...<br />

INÊS – E o senhor queria que eu <strong>de</strong>ixasse os<br />

meus afazeres para estar a tomar conta <strong>de</strong>stas<br />

insignificâncias...<br />

ANASTÁCIO – S<strong>em</strong> dúvida. É este o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

uma boa <strong>do</strong>na <strong>de</strong> casa.<br />

INÊS – Meu <strong>de</strong>ver?! Oh! Senhor Anastácio, pois<br />

o senhor quer que a mulher <strong>de</strong> um ex-conselheiro<br />

esteja a ridicularizar com a criada?<br />

ANASTÁCIO – Ridicularias! Ridicularias! Para<br />

a senhora só são importantes as discussões <strong>de</strong><br />

política, a literatura piegas <strong>de</strong>sses franchinotes<br />

que andam peraltean<strong>do</strong> pela rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r, as<br />

borra<strong>de</strong>las <strong>do</strong>s pintores, os teatros, os parti<strong>do</strong>s, e<br />

até os duelos! Senhora D. Inês, a senhora não se<br />

sai b<strong>em</strong> <strong>de</strong>sta vez. Os duelos!<br />

INÊS – Naturalmente. Então queria o senhor que<br />

assim não fosse?<br />

ANASTÁCIO – Está visto. Ah! Mulheres!... Mulheres!...<br />

INÊS – Já não estamos no t<strong>em</strong>po da mulher<br />

objeto <strong>de</strong> casa, escrava das impertinências masculinas.<br />

ANASTÁCIO – Ora figas, senhora Inês!<br />

INÊS – Estamos no fim <strong>do</strong> século XIX, <strong>em</strong> que<br />

o livre arbítrio faz <strong>de</strong> cada criatura um ser igualmente<br />

forte para as lutas da vida, ouviu?<br />

ANASTÁCIO – Tá, tá, tá, tá. Ora figas! Qual lutas<br />

da vida! Qual livre arbítrio! Qual século XIX! Qual<br />

nada! A mulher foi feita para os arranjos <strong>de</strong> casa<br />

e nada mais!<br />

INÊS– O senhor está me <strong>de</strong>sacatan<strong>do</strong>!<br />

ANASTÁCIO – Ora figas! A senhora é que não<br />

está <strong>em</strong> si; per<strong>de</strong>u a razão.<br />

INÊS – Ah! Não quer que nós tenhamos direitos?!<br />

ANASTÁCIO – Não, <strong>de</strong>certo. O pior é que a senhora<br />

já está transtornan<strong>do</strong> a cabeça <strong>de</strong> minha<br />

filha, que anda-me também com as mesmas<br />

idéias.<br />

INÊS – S<strong>em</strong> dúvida alguma. E há <strong>de</strong> aproveitar<br />

muito, a nossa querida Esmeralda.<br />

ANASTÁCIO – Há <strong>de</strong> ser muito diverti<strong>do</strong>.<br />

INÊS – Que bonito futuro está reserva<strong>do</strong> à nossa<br />

filha!<br />

ANASTÁCIO – Se for uma boa mãe <strong>de</strong> família...<br />

INÊS – Há <strong>de</strong> ser; e também uma das melhores<br />

figuras da nossa política...<br />

ANASTÁCIO – Que diz?<br />

INÊS – Se passar a lei...<br />

ANASTÁCIO – Ó senhora, eu já lhe disse que<br />

não me meta a mulher na política!<br />

INÊS – Que! Não meter a mulher na política! Oh!<br />

Senhor Anastácio, a mulher não é porventura um<br />

ser humano, perfeitamente igual ao hom<strong>em</strong>?<br />

ANASTÁCIO (com calma) – Sei lá! O que sei<br />

é que a política não foi feita para ela. A mulher<br />

metida <strong>em</strong> política, santo Deus!... Não me quero<br />

incomodar senhora D. Inês. Vou à chácara tomar<br />

um pouco <strong>de</strong> fresco. Até já. (sai).<br />

CEnA 3a.<br />

Inês (só)<br />

INÊS – <strong>São</strong> insuportáveis estes monstros <strong>de</strong><br />

egoísmo! E quan<strong>do</strong> se lhes fala <strong>em</strong> concorrermos<br />

com eles na vida pública, é um Deus nos acuda;<br />

faz<strong>em</strong> logo vir o céu abaixo...<br />

CEnA 4a.<br />

Inês e Esmeralda<br />

ESMERALDA (entra len<strong>do</strong> um jornal) – Que quereis<br />

fazer <strong>de</strong> uma mulher como vós inteligente,<br />

como vós ativa, como vós ilustrada, como vós<br />

amante da pátria, e que lhe quer, po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve<br />

prestar to<strong>do</strong>s os serviços?!<br />

INÊS (que t<strong>em</strong> esta<strong>do</strong> a prestar muita atenção)<br />

– Sim, sim, o que quer<strong>em</strong> os homens fazer <strong>de</strong><br />

uma mulher assim?<br />

ESMERALDA – Oh! Minha mãe, que belo artigo<br />

o <strong>do</strong> Dr. Florêncio, publica<strong>do</strong> no Correio <strong>do</strong> Povo<br />

<strong>de</strong> ont<strong>em</strong>.<br />

INÊS – É um gran<strong>de</strong> talento!<br />

ESMERALDA – T<strong>em</strong> feito <strong>do</strong> voto f<strong>em</strong>inino uma<br />

campanha célebre.<br />

INÊS – E há <strong>de</strong> vencer.<br />

ESMERALDA – Se vencerá!<br />

INÊS – Em passan<strong>do</strong> a lei, já se sabe, hás <strong>de</strong> te<br />

apresentar para <strong>de</strong>putada 1 .<br />

ESMERALDA – Eu, minha mãe?<br />

INÊS – S<strong>em</strong> dúvida. Pois não estás habilitada<br />

para isso?<br />

ESMERALDA – Sim, estou habilitada. Mas meu<br />

mari<strong>do</strong>?


Acervo histórico<br />

INÊS – Ora, o teu mari<strong>do</strong>! Que se <strong>em</strong>pregue <strong>em</strong><br />

outra coisa.<br />

ESMERALDA – É bom <strong>de</strong> dizer, a senhora sabe,<br />

que ele t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>... E não há<br />

melhor <strong>em</strong>prego <strong>do</strong> que esse.<br />

INÊS – De ora <strong>em</strong> diante serás tu. Se lhe hás <strong>de</strong><br />

estar todas as noites a ensinar o que ele há <strong>de</strong><br />

dizer, vai tu mesma dizer o que sabes.<br />

ESMERALDA – Pobre Rafael! Ele que <strong>de</strong>seja<br />

tanto subir!...<br />

INÊS – Sobe tu. Faz-te <strong>de</strong>putada, (aparece ao<br />

fun<strong>do</strong> a criada) <strong>de</strong>pois sena<strong>do</strong>ra, <strong>de</strong>pois ministra,<br />

e talvez que ainda possas chegar a ser presi<strong>de</strong>nte<br />

da república...<br />

CEnA 5a.<br />

Inês, Esmeralda e Joaquina<br />

JOAQUINA (entran<strong>do</strong>) – Qu<strong>em</strong>? O senhor Rafael?<br />

INÊS – Não tola; a Esmeralda.<br />

JOAQUINA (admirada) – Uê!<br />

ESMERALDA – Ora, mamãe, isso não se faz<br />

assim.<br />

INÊS – Como não; faz-se sim, senhora. E eu hei<br />

<strong>de</strong> ser tua secretária.<br />

JOAQUINA (contente) – Que belo! Nesse t<strong>em</strong>po<br />

eu ficarei sen<strong>do</strong> sua criada grave.<br />

INÊS – É verda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>rás proteger essa rapariga<br />

arranjan<strong>do</strong>-lhe algum <strong>em</strong>prego razoável.<br />

JOAQUINA – Olhe, minha ama, sabe o que eu<br />

queria ser?<br />

ESMERALDA – Diz lá.<br />

JOAQUINA – Aquele hom<strong>em</strong> que anda num carro<br />

fecha<strong>do</strong> e com <strong>do</strong>is solda<strong>do</strong>s a cavalo...<br />

ESMERALDA – Oh! Mulher! Querias logo ser<br />

ministra?<br />

INÊS – Isso é impossível, Joaquina.<br />

JOAQUINA – Eu sei lá! Queria ser uma coisa que<br />

pu<strong>de</strong>sse mandar os solda<strong>do</strong>s.<br />

ESMERALDA – Mandar solda<strong>do</strong>s, para quê?<br />

JOAQUINA – Para nada, não senhora. (aparte)<br />

Para mandar pren<strong>de</strong>r aquele ingrato <strong>do</strong> seu Antonico<br />

que não se quer casar comigo. (sai)<br />

INÊS (que t<strong>em</strong> esta<strong>do</strong> a conversar com Esmeralda,<br />

durante o aparte <strong>de</strong> Joaquina) – No dia <strong>em</strong><br />

que for <strong>de</strong>creta<strong>do</strong> o nosso direito <strong>de</strong> voto...<br />

CEnA 6a.<br />

As mesmas e Dr. Rafael<br />

RAFAEL (entran<strong>do</strong>) – Esmeralda, minha boa amiga!<br />

Senhora D. Inês...<br />

ESMERALDA – Foi <strong>de</strong>cretada?<br />

RAFAEL – A lei <strong>do</strong> voto f<strong>em</strong>inino...<br />

INÊS – O ministro já <strong>de</strong>cidiu?<br />

RAFAEL – Ainda não. Espera-se a to<strong>do</strong> o<br />

momento.<br />

INÊS – Que d<strong>em</strong>ora!<br />

ESMERALDA – É possível que seja <strong>de</strong>cretada,<br />

não? E o que dizes tu?<br />

INÊS (aparte) – O que diz? Nada, como <strong>de</strong> costume.<br />

RAFAEL – Eu!... Eu!... Aplau<strong>do</strong> com entusiasmo<br />

essa propaganda.<br />

ESMERALDA (sorrin<strong>do</strong>) – Aplau<strong>de</strong>s? Fazes muito<br />

b<strong>em</strong>.<br />

RAFAEL – E <strong>do</strong>u-lhes o meu voto.<br />

ESMERALDA – Enfim, vamos ter o direito <strong>de</strong><br />

voto.<br />

INÊS – E o <strong>de</strong> sermos votadas.<br />

CEnA 7a.<br />

Os mesmos e Anastácio<br />

ANASTÁCIO (entran<strong>do</strong>, furioso) – Que pouca<br />

vergonha!<br />

INÊS – Ora, até que enfim, já se po<strong>de</strong> ser mulher<br />

nesta terra!<br />

ANASTÁCIO – Como diz?<br />

INÊS – Digo-lhe que o direito <strong>de</strong> voto às mulheres<br />

vai ser <strong>de</strong>creta<strong>do</strong> pelo ministro.<br />

ANASTÁCIO – Está <strong>do</strong>ida, minha senhora.<br />

ESMERALDA – Está <strong>em</strong> consulta, meu pai.<br />

RAFAEL – Está, não; subiu para o ministro.<br />

ANASTÁCIO – Figas! Figas, é o que é. Po<strong>de</strong> lá<br />

dar-se s<strong>em</strong>elhante patifaria.<br />

INÊS – Patifaria, não. É a coisa mais justa <strong>de</strong>ste<br />

mun<strong>do</strong>.<br />

ANASTÁCIO – Se tal acontecer po<strong>de</strong>-se dizer<br />

que o Brasil é uma terra <strong>de</strong> malucos.<br />

INÊS – Senhor Anastácio, não me faça falar...<br />

ANASTÁCIO – Senhora D. Inês, l<strong>em</strong>bre-se <strong>de</strong><br />

que eu sou um ex-conselheiro <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> ex-<br />

Império e já fui ministro!<br />

INÊS – L<strong>em</strong>bro-me, sim; e por sinal que não era o<br />

senhor qu<strong>em</strong> escrevia os <strong>de</strong>spachos; mas sim eu<br />

e minha filha, que n<strong>em</strong> sequer tínhamos o direito<br />

<strong>de</strong> assiná-los.<br />

ANASTÁCIO – Figas! Figas! A senhora não sabe<br />

que é mulher?<br />

INÊS – E o senhor não sabe que uma mulher não<br />

é inferior ao hom<strong>em</strong>?<br />

ANASTÁCIO – É, é, e será s<strong>em</strong>pre. Para mim<br />

n<strong>em</strong> há dúvida.<br />

ESMERALDA – Isto é conforme, papá.<br />

RAFAEL – Sim, é conforme.<br />

ANASTÁCIO – Qual conforme! É e é!<br />

INÊS – Não é, não é e não é. Que <strong>de</strong>saforo! A<br />

mulher inferior ao hom<strong>em</strong>! Então foi para ser inferior<br />

a um carroceiro que o senhor man<strong>do</strong>u educar<br />

sua filha?<br />

ANASTÁCIO – Foi para ser uma belíssima mãe<br />

<strong>de</strong> família. Ora figas!<br />

RAFAEL (entusiasman<strong>do</strong>–se) – Apoia<strong>do</strong>.


mari<strong>do</strong>, assim como eu ensinei ao senhor. Ora aí<br />

está para o que foi!<br />

ANASTÁCIO – Pois que fosse; mas não para ser<br />

votante... Ora figas! Figas!<br />

RAFAEL (baixo a Inês) – D. Inês, olhe que isso é<br />

muito pesa<strong>do</strong>!<br />

ESMERALDA – Mas isso não é justo, meu pai.<br />

ANASTÁCIO – Ah! Também pensas como tua<br />

mãe! Aqui está o que são as mulheres <strong>de</strong> hoje! O<br />

que todas vocês quer<strong>em</strong> é ficar livres... para não<br />

prestar<strong>em</strong> mais obediência a ninguém. Mas tal<br />

não há <strong>de</strong> acontecer. Figas!<br />

ESMERALDA – Mas meu pai...<br />

ANASTÁCIO (colérico) – Qual teu pai, qual<br />

nada!<br />

ESMERALDA – Acalme-se!<br />

ANASTÁCIO – Isto não t<strong>em</strong> cabimento.<br />

INÊS – Ah! Quer<strong>em</strong> a eterna humilhação!<br />

ANASTÁCIO (passean<strong>do</strong>, agita<strong>do</strong>) – Figas! Figas!<br />

INÊS – Hav<strong>em</strong>os <strong>de</strong> ser iguais; se a mulher está<br />

habilitada para ser mãe, essa missão sublime e<br />

grandiosa, porque o não há <strong>de</strong> estar para exercer<br />

o direito <strong>de</strong> voto?<br />

Acervo Iconographia INÊS (olhan<strong>do</strong> para Rafael) – Foi para ensinar ao<br />

ANASTÁCIO – Que quer<strong>em</strong> que façam os homens?<br />

Que cedam o lugar às mulheres? Que vão<br />

para a cozinha? Que vão dar ponto nas meias?...<br />

Que vão... amamentar crianças?<br />

ESMERALDA – Ninguém diz isso. Ninguém quer<br />

tirar o lugar aos homens, s<strong>em</strong> por isso continuarmos<br />

nós na humilhante condição <strong>em</strong> que t<strong>em</strong>os<br />

jazi<strong>do</strong> até hoje.<br />

ANASTÁCIO – É o mesmo estribilho. Esta gente<br />

está idiota.<br />

INÊS – O Senhor é que parece que per<strong>de</strong>u a razão.<br />

ANASTÁCIO (dirigin<strong>do</strong>–se a Rafael) – Meu genro,<br />

estamos perdi<strong>do</strong>s, a revolução das saias entrou-nos<br />

porta <strong>de</strong>ntro: é preciso reagir. A mulher<br />

votante! Com direito aos cargos públicos! Que<br />

<strong>de</strong>sgraça! Que calamida<strong>de</strong>!<br />

INÊS – Calamida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> termos homens como<br />

o senhor que procuram aniquilar os nossos direitos<br />

<strong>em</strong> proveito da sua vaida<strong>de</strong>.<br />

ANASTÁCIO (para Rafael) – O que diz a isso?<br />

RAFAEL (atrapalha<strong>do</strong>, olhan<strong>do</strong> para Esmeralda)<br />

– Eu... eu não digo nada.<br />

ANASTÁCIO – Se o senhor t<strong>em</strong> aprova<strong>do</strong> a atitu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>las.<br />

Charge publicada na revista O Malho, <strong>em</strong> 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1917


Acervo histórico<br />

ESMERALDA – Porque é justo meu pai.<br />

ANASTÁCIO – Até a senhora! Está <strong>de</strong>sejosa por<br />

votar e ser votada, ir ao parlamento, sobraçar uma<br />

pasta, andar <strong>de</strong> coupé e or<strong>de</strong>nanças! <strong>São</strong> assim<br />

todas as mulheres. Ah! Mas eu hei <strong>de</strong> ensiná-las!<br />

Agora é comigo. Senhor meu genro, venha daí. É<br />

preciso ser hom<strong>em</strong>, ouviu? Ser hom<strong>em</strong>! (<strong>em</strong>purran<strong>do</strong>-o<br />

na frente) An<strong>de</strong>, mexa-se. Até já, D. Inês.<br />

(sa<strong>em</strong> os <strong>do</strong>is).<br />

CEnA 8a.<br />

Esmeralda e Inês<br />

INÊS (in<strong>do</strong> a porta) – Vão conspirar? Pois vão,<br />

que os hav<strong>em</strong>os <strong>de</strong> ensinar.<br />

ESMERALDA – O quê! Pois pensa que eles serão<br />

capazes...<br />

INÊS – Teu mari<strong>do</strong> não, que é uma mosca morta,<br />

um toleirão; mas teu pai...<br />

ESMERALDA – Meu mari<strong>do</strong> tenho a certeza <strong>de</strong><br />

que não se atreveria ...<br />

INÊS – Ora, ora! Teu pai o convencerá.<br />

ESMERALDA – Mas isto é horrível. Conspirar<strong>em</strong><br />

contra os nossos direitos é matar-nos a esperança<br />

<strong>de</strong>...<br />

INÊS – É horrível! E diante disso não pod<strong>em</strong>os<br />

cruzar os braços!<br />

ESMERALDA – Mas os outros homens?<br />

INÊS – <strong>São</strong> to<strong>do</strong>s iguais.<br />

ESMERALDA – Que fazer, então?<br />

INÊS – Vamos ao encontro da sua conspiração.<br />

ESMERALDA – Neste caso, vamos!<br />

INÊS – É a conspiração das saias. Hei <strong>de</strong> mostrar<br />

a esses homenzinhos para quanto presta uma<br />

mulher. Vamos Esmeralda.<br />

DuETo<br />

ESMERALDA – Eia à luta!<br />

INÊS – Eia à luta! Pois é certa esta vitória.<br />

ESMERALDA – Batalh<strong>em</strong>os s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>or.<br />

INÊS – S<strong>em</strong> t<strong>em</strong>or que é nossa a glória.<br />

ESMERALDA – Seja o hom<strong>em</strong> forte <strong>em</strong>bora...<br />

INÊS – S<strong>em</strong>pre é forte o vence<strong>do</strong>r!<br />

ESMERALDA – Sejamos fortes...<br />

INÊS – Lut<strong>em</strong>os!<br />

ESMERALDA – Vencer<strong>em</strong>os pelo amor!<br />

JUNTAS – Caia o hom<strong>em</strong>! Mulher acima!<br />

Hom<strong>em</strong> abaixo é o que se quer.<br />

Pois que é chega<strong>do</strong> o reina<strong>do</strong><br />

Glorioso da mulher! (termina<strong>do</strong> o<br />

dueto sa<strong>em</strong>)<br />

CEnA 9a.<br />

Joaquina (só)<br />

JOAQUINA (entran<strong>do</strong>) – Que balbúrdia! Parece<br />

um dia <strong>de</strong> juízo o dia <strong>de</strong> hoje nesta casa. Ouvi<br />

falar <strong>em</strong> conspiração! Há <strong>de</strong> ser a política das<br />

patroas! Até que <strong>de</strong>sta vez vou ser aquele hom<strong>em</strong><br />

<strong>do</strong> carro e <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s. A patroazinha vai ser<br />

uma gran<strong>de</strong> coisa! E eu apanho o meu lugarzinho.<br />

Então sim, (aparece Antonio à porta) man<strong>do</strong><br />

pren<strong>de</strong>r o Antonio e se ele quiser que o solte há<br />

<strong>de</strong> casar-se comigo.<br />

CEnA 10a.<br />

Joaquina e Antonio<br />

ANTONIO – Para isso não é preciso pren<strong>de</strong>rme.<br />

JOAQUINA – Ui!<br />

ANTONIO – Não te assustes, meu quitute; sou eu.<br />

JOAQUINA – Que me<strong>do</strong>! (canta)<br />

DuETo<br />

JOAQUINA – Oh! Que me<strong>do</strong> tão dana<strong>do</strong>!<br />

Me fizeste agora entran<strong>do</strong>.<br />

ANTONIO – Pois te assustas, meu b<strong>em</strong>, quan<strong>do</strong><br />

Meu prazer é ter entra<strong>do</strong>?!<br />

JOAQUINA – Tenho nervos, sou medrosa<br />

ANTONIO – Nervos assim, tentação?...<br />

JOAQUINA – Esta surpresa!...<br />

ANTONIO – Vai<strong>do</strong>sa! Se tivesses coração...<br />

JUNTOS – Po<strong>de</strong> o amor vir <strong>de</strong> surpresa,<br />

Que b<strong>em</strong> vale um susto o amor.<br />

Passa o susto e se <strong>de</strong>spreza<br />

Toda a idéia <strong>de</strong> terror.<br />

ANTONIO – Não foi nada; passou.<br />

JOAQUINA – Não faça outra; ainda estou a tr<strong>em</strong>er.<br />

Para outra vez...<br />

ANTONIO – Para outra vez, hei <strong>de</strong> pedir licença...<br />

para entrar.<br />

JOAQUINA – Por força; cá não se entra s<strong>em</strong> mais<br />

aquela...<br />

ANTONIO – Ora, a<strong>de</strong>us! Eu é que, <strong>em</strong> gostan<strong>do</strong><br />

dum <strong>de</strong>rriço como tu, não estou com cerimônias...<br />

vou entran<strong>do</strong>... E não faço caso <strong>de</strong> que me mand<strong>em</strong><br />

pren<strong>de</strong>r, porque como tu sabes, o pássaro<br />

preso na gaiola também canta, <strong>de</strong>pois da prisão<br />

v<strong>em</strong> a soltura...<br />

JOAQUINA – E qu<strong>em</strong> falou <strong>em</strong> prendê-lo? (aparte)<br />

Ouviu tu<strong>do</strong>!<br />

ANTONIO – Você mesmo. E não sei para quê...<br />

se eu já estou preso pelo beicinho...<br />

JOAQUINA – Eu cá me enten<strong>do</strong>. Os homens... É<br />

verda<strong>de</strong>: que vieste aqui fazer?<br />

ANTONIO – Eu? Vim procurar o patrão... e ver-te.<br />

Ora, aí está!<br />

JOAQUINA – Ver-me? Só?... (suspira)


FGV/CPDOC. Col. Almerinda Farias Gama<br />

ANTONIO – Só... e procurar o patrão!<br />

JOAQUINA – Ver-me só!... (suspira) Ai! Ai!<br />

ANTONIO (suspiran<strong>do</strong>) – Só!... se nós já foss<strong>em</strong>os<br />

casa<strong>do</strong>s!...<br />

JOAQUINA – Casa<strong>do</strong>s! Ah! O fingi<strong>do</strong>! Como suspira!<br />

ANTONIO – Casa<strong>do</strong>s, sim. Pois tu não és a minha<br />

noiva?<br />

JOAQUINA – Sou. E pod<strong>em</strong>os ser muito felizes.<br />

Olha, vai passar-se aqui uma cons... uma cons...<br />

Como é mesmo?<br />

ANTONIO – Eu sei lá mulher! Seja o que for.<br />

JOAQUINA – Pois sim! A patroazinha vai ser ministro...<br />

ANTONIO – O quê ?<br />

JOAQUINA – Ministro!<br />

ANTONIO – Estás <strong>do</strong>ida, mulher!<br />

JOAQUINA – Ministro, sim! Ora aí está. E eu vou ter<br />

um bonito <strong>em</strong>prego. Depois me casarei contigo...<br />

ANTONIO (<strong>de</strong>sconfia<strong>do</strong>, aparte, olhan<strong>do</strong>-a muito)<br />

– Que diz ela? Estará <strong>do</strong>ida? Hom’essa!... (continua<br />

a olhá-la)<br />

JOAQUINA – E tu também terás <strong>em</strong>prego...<br />

ANTONIO (resoluto) – Menos essa! Eu é que não<br />

quero esse <strong>em</strong>prego!<br />

JOAQUINA – Então é porque não sabes o que há.<br />

ANTONIO – O que há?<br />

JOAQUINA – As mulheres agora vão ser como os<br />

homens.<br />

ANTONIO – Como os homens? E os homens?<br />

JOAQUINA – Como as mulheres.<br />

ANTONIO – Livra!<br />

JOAQUINA – Sim, senhor! Agora somos nós que<br />

vamos para os <strong>em</strong>pregos.<br />

ANTONIO – Oh! Joaquina! Ou tu estás <strong>do</strong>ida, ou<br />

estás brincan<strong>do</strong>...<br />

JOAQUINA – É sério! Eu já pedi a patroa o meu<br />

<strong>em</strong>prego. É aquele <strong>em</strong> que a gente anda sentada<br />

num carrinho com os solda<strong>do</strong>s a cavalo atrás...<br />

ANTONIO – E eu que fico fazen<strong>do</strong>?<br />

JOAQUINA – Tu não precisas trabalhar, não, ficas<br />

<strong>em</strong> casa.<br />

ANTONIO – Para lavar as tuas saias e esfregar<br />

a tua roupa? Eu nunca tive jeito para esfregações...<br />

JOAQUINA – Como é bom!<br />

ANTONIO – O quê? As esfregações? Nada, eu<br />

não sou hom<strong>em</strong> para estas coisas. Não quero...<br />

JOAQUINA – Ah! Se não quiseres assim...<br />

ANTONIO – Que <strong>de</strong>scaramento!<br />

JOAQUINA – Qual nada! A mulher está na ponta!<br />

ANTONIO – Sim... sim... na ponta da cozinha ou,<br />

quan<strong>do</strong> muito, na <strong>do</strong> quintal!<br />

JOAQUINA – Olha, eu gosto muito <strong>de</strong> ti; mas lá<br />

por isso não é que eu hei <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o meu <strong>em</strong>prego.<br />

Se quiseres casar comigo é assim; se não é<br />

chuchar no <strong>de</strong><strong>do</strong>. (sai)<br />

CENA 11a.<br />

Antonio, Rafael e Anastácio<br />

ANTONIO (só) – E esta! Ser obriga<strong>do</strong> a fazer<br />

<strong>de</strong> mulher para fisgar este diabo! É horroroso!<br />

Após quatro décadas, as brasileiras conquistam, <strong>em</strong> 1932, o direito <strong>de</strong> voto.<br />

Na foto, a representante classista Almerinda Farias Gama vota na Constituinte <strong>de</strong> 1934


Acervo histórico<br />

Porque afinal <strong>de</strong> contas, se isto acontecer, serei<br />

obriga<strong>do</strong> a escamar o peixe, limpar o quarto da<br />

mulher, lavar a roupa e fazer a goma para as<br />

saias! Isto põe um hom<strong>em</strong> na espinha! Porém<br />

no meio disto tu<strong>do</strong>, <strong>do</strong> que eu tenho birra é da<br />

cozinha! Cozinhar, eu?... Que s<strong>em</strong>pre tive quizília<br />

pelas panelas! Qual! Isto não po<strong>de</strong> n<strong>em</strong> <strong>de</strong>ve<br />

acontecer. Prefiro morrer <strong>de</strong> fome a ter <strong>de</strong> mexer<br />

<strong>em</strong> panelas!<br />

ANASTÁCIO (entran<strong>do</strong>, s<strong>em</strong> reparar <strong>em</strong> Antonio)<br />

– Irra! É uma calamida<strong>de</strong>! O mulherio está<br />

alvoroça<strong>do</strong>!<br />

RAFAEL – O caso está toman<strong>do</strong> proporções<br />

assusta<strong>do</strong>ras.<br />

ANASTÁCIO – Não po<strong>de</strong> ser! É uma <strong>de</strong>sgraça<br />

se tal acontecer! É o fim <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>! É... é... (a<br />

Rafael) O que é que é?<br />

RAFAEL – Eu sei lá o que é!<br />

ANASTÁCIO – Pois sei eu... É... é... (com custo)<br />

é uma figa, ora, aí está o que é.<br />

RAFAEL – Estamos b<strong>em</strong> servi<strong>do</strong>s, não há dúvida!<br />

ANASTÁCIO – Está claro! Votam as mulheres,<br />

as mulheres são votadas! Para elas os <strong>em</strong>pregos,<br />

as honras, as posições, e tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>! Que<br />

há <strong>de</strong> fazer o hom<strong>em</strong>? Ficar <strong>em</strong> casa pregan<strong>do</strong><br />

colchetes nas saias?<br />

RAFAEL – Isso nunca!<br />

ANTONIO (aparte) – Os homens estão dana<strong>do</strong>s!<br />

ANASTÁCIO – É preciso conspirar!<br />

RAFAEL – Mas como? De que mo<strong>do</strong>?<br />

ANTONIO (aparte) – Sim, eu também sou interessa<strong>do</strong><br />

na questão!<br />

ANASTÁCIO – De que mo<strong>do</strong>? Ir contra as mulheres!<br />

Impedir que isso se dê.<br />

RAFAEL – Ir contra as mulheres?! Mas vê que<br />

isso é difícil!<br />

ANTONIO (aparte) – Eu cá por mim, já estou<br />

resolvi<strong>do</strong> a lavar as saias da Joaquina.<br />

ANASTÁCIO – Qual difícil! Vou fazer um meeting!<br />

Estamos já aqui <strong>do</strong>is homens (reparan<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> Antonio), com este que apesar <strong>de</strong> ser o<br />

cria<strong>do</strong> <strong>do</strong> Dr. Florêncio, há <strong>de</strong> acompanhar-nos,<br />

três; (agarra-o pelo braço) o compadre Izidro,<br />

quatro...<br />

RAFAEL – O Silva cinco.<br />

ANASTÁCIO – Qual Silva! Qual nada! Aquilo é<br />

um banana! Um pancada! É capaz <strong>de</strong> tomar as<br />

saias da mulher e ir para o la<strong>do</strong> <strong>de</strong>las. Quer<strong>em</strong>os<br />

homens que não se entregu<strong>em</strong> a essas lambisgóias.<br />

(seguran<strong>do</strong> Antonio, que ainda o conserva<br />

seguro) Você é hom<strong>em</strong>?<br />

ANTONIO – Pelo menos pareço.<br />

RAFAEL – Nesse caso, é uma guerra <strong>de</strong> morte?<br />

ANASTÁCIO – De morte? Não, <strong>de</strong> honra!<br />

ANTONIO – Ui! Não me aperte o braço!<br />

ANASTÁCIO – Fora com o voto às mulheres!<br />

CEnA 12a.<br />

Os mesmos e Dr. Florêncio<br />

DOUTOR – Bom dia! Que é isso? Vejo-os exalta<strong>do</strong>s!<br />

ANASTÁCIO – Muito obriga<strong>do</strong>! O senhor é que é<br />

o causa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> toda esta balbúrdia, <strong>de</strong> toda esta<br />

exaltação!<br />

RAFAEL – Sim, o senhor mesmo.<br />

DOUTOR – Mas, senhor conselheiro...<br />

ANASTÁCIO – Figas! Meu amigo! Figas! A cida<strong>de</strong><br />

está <strong>em</strong> <strong>de</strong>sord<strong>em</strong>! O mulherio está alvoroça<strong>do</strong>!<br />

RAFAEL – Até a minha mulher!<br />

DOUTOR – Meu colega, que é isto? Expliquese.<br />

ANASTÁCIO – Não há explicações. Agora é cada<br />

um tratar <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os seus direitos.<br />

RAFAEL – Até a minha Esmeralda!<br />

ANASTÁCIO – E afinal <strong>de</strong> contas, também a senhora<br />

Inês!<br />

DOUTOR – Mas o que tenho eu com isto?<br />

ANASTÁCIO – Minha mulher está <strong>do</strong>ida! Compreen<strong>de</strong>,<br />

<strong>do</strong>ida!<br />

RAFAEL – E eu estou aqui e estou s<strong>em</strong> mulher,<br />

s<strong>em</strong> a minha Esmeralda!<br />

DOUTOR – Mas senhores, digam–me o que tenho<br />

que ver com isso.<br />

RAFAEL – Foi o colega que an<strong>do</strong>u introduzin<strong>do</strong><br />

esta trapalhada por aí.<br />

CEnA 13a.<br />

Os mesmos, Esmeralda e Inês<br />

INÊS – Que gran<strong>de</strong> vitória! Ah! Ainda b<strong>em</strong> que<br />

os encontro reuni<strong>do</strong>s. Tenho boas notícias a<br />

dar-lhes. (ven<strong>do</strong> o <strong>do</strong>utor) Oh! Doutor! Não sabe<br />

quanto prazer sinto com a sua visita.<br />

ANTONIO (aparte) – O que estará a Joaquina a<br />

fazer na cozinha?<br />

ESMERALDA – Aceite os meus cumprimentos<br />

pelo seu brilhante artigo <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>.<br />

DOUTOR – Oh! Minhas senhoras! VV. EExs.<br />

confund<strong>em</strong>-me. (dirigin<strong>do</strong>–se a Antonio) Que<br />

fazes aqui?<br />

ANTONIO – Vim aqui para saber <strong>de</strong> meu amo a<br />

que horas vai jantar.<br />

INÊS – O <strong>do</strong>utor janta conosco.<br />

ANTONIO – Nesse caso...<br />

DOUTOR – Po<strong>de</strong>s retirar-te.<br />

ANTONIO (aparte, sain<strong>do</strong>) – Graças a Deus!<br />

Que estou livre das unhas e das figas <strong>do</strong> velho!<br />

CEnA 14a.<br />

Os mesmos, menos Antonio<br />

INÊS – Pois como ia dizen<strong>do</strong>, tenho boas notícias<br />

a dar.


ANASTÁCIO – É escusa<strong>do</strong>, não quero aqui mais<br />

discussões.<br />

INÊS – Pois quero eu! De ora <strong>em</strong> diante mandam<br />

to<strong>do</strong>s igualmente. E para o futuro, ser<strong>em</strong>os iguais<br />

perante a lei.<br />

ANASTÁCIO – Nunca, senhora Inês; nunca!<br />

RAFAEL – Nunca, repito. O direito <strong>de</strong> voto não há<br />

<strong>de</strong> vir.<br />

ESMERALDA – Olá, senhor meu mari<strong>do</strong>, então o<br />

senhor também?...<br />

RAFAEL – Não... sim... Mas isso é uma invasão<br />

<strong>de</strong> atribuições...<br />

DOUTOR – Perdão, eu creio que se trata <strong>do</strong> voto<br />

f<strong>em</strong>inino. É uma coisa perfeitamente justa!<br />

ANASTÁCIO – Justa! Isso diz o senhor. E sabe<br />

porque o diz? É porque não é casa<strong>do</strong>.<br />

RAFAEL – Descans<strong>em</strong>! O direito <strong>de</strong> voto à mulher<br />

não veio n<strong>em</strong> virá!<br />

ESMERALDA – Lá isso não. A consulta está <strong>em</strong><br />

mãos <strong>do</strong> ministro; hoje ou amanhã será introduzida<br />

na lei.<br />

DOUTOR – S<strong>em</strong> dúvida alguma. É uma das mais<br />

belas conquistas <strong>de</strong>ste fim <strong>de</strong> século; a reparação<br />

<strong>de</strong> uma injustiça secular, <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>pos bárbaros.<br />

INÊS E ESMERALDA – Muito b<strong>em</strong>, <strong>do</strong>utor; muito<br />

b<strong>em</strong>!<br />

RAFAEL – É o ridículo sobre os homens!<br />

DOUTOR – Mas senhores, sejamos to<strong>do</strong>s cordatos.<br />

O direito <strong>de</strong> voto às mulheres é <strong>de</strong> toda a justiça.<br />

ANASTÁCIO – Não é só o direito <strong>de</strong> voto que elas<br />

quer<strong>em</strong>, é o direito <strong>de</strong> votar e ser votadas. É o<br />

reina<strong>do</strong> das saias!<br />

DOUTOR – Não há tal.<br />

Será antes o reina<strong>do</strong> das<br />

competências. De ora <strong>em</strong><br />

diante não ver<strong>em</strong>os mais<br />

na socieda<strong>de</strong> a impostura<br />

<strong>de</strong> ser<strong>em</strong> as mulheres<br />

que façam as coisas e os<br />

homens que recebam as<br />

honras... como por aí se<br />

dá...<br />

ANASTÁCIO (baixo a Rafael)<br />

– Isto agora é com o<br />

senhor.<br />

RAFAEL (o mesmo)<br />

– Comigo, não; é com o<br />

senhor.<br />

DOUTOR – Se a mulher<br />

t<strong>em</strong> aptidão para adquirir<br />

títulos científicos, porque<br />

não há <strong>de</strong> ter para os cargos<br />

públicos?<br />

INÊS – Apoia<strong>do</strong>; e aqui<br />

está a Esmeralda para<br />

prova.<br />

DOUTOR – Se po<strong>de</strong> exer-<br />

Acervo Iconographia<br />

81<br />

cer cargos públicos, porque não há <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar<br />

o mandato?<br />

ANASTÁCIO – Mas nesse caso, ter<strong>em</strong>os também<br />

<strong>de</strong> ser governa<strong>do</strong>s por elas.<br />

RAFAEL – Virão ocupar os nossos lugares.<br />

DOUTOR – Quan<strong>do</strong> provar<strong>em</strong> competência para<br />

eles, porque não?<br />

ANASTÁCIO – Seria horroroso! Isso não! A <strong>de</strong>stituição<br />

<strong>do</strong> hom<strong>em</strong>, o pre<strong>do</strong>mínio nefasto da fragilida<strong>de</strong><br />

f<strong>em</strong>inina! Figas!<br />

ESMERALDA – Seria a mais bela das conquistas<br />

humanas, porque nós não somos senão iguais<br />

aos homens, apenas ten<strong>do</strong> diferenças sexuais e<br />

virtu<strong>de</strong>s para melhor.<br />

ANASTÁCIO – Cala-te! Cala-te! E que farão os<br />

homens?<br />

INÊS – O que pu<strong>de</strong>r<strong>em</strong> e souber<strong>em</strong> fazer.<br />

ESMERALDA – É a compensação das iniqüida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> tantos séculos!<br />

DOUTOR – D<strong>em</strong>ais, n<strong>em</strong> todas as mulheres irão<br />

ocupar cargos importantes, assim como n<strong>em</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os homens hoje os ocupam.<br />

ANASTÁCIO – E o escândalo?<br />

ESMERALDA – A moralida<strong>de</strong> existe por si.<br />

INÊS – Senhor Anastácio, fique certo <strong>de</strong> que o<br />

<strong>do</strong>mínio das calças está para acabar.<br />

ANASTÁCIO – Nunca! Ora figas!<br />

RAFAEL – Senhora minha sogra, cuida<strong>do</strong> com os<br />

homens!<br />

ANASTÁCIO – Pois fiqu<strong>em</strong> certas <strong>de</strong> que não hão<br />

<strong>de</strong> levar o melhor. (sai)<br />

Charge <strong>de</strong> Pereira Netto, publicada na Revista Ilustrada, <strong>em</strong> 23 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1890,<br />

ilustra o Secretário <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Negócios <strong>do</strong> Interior, José Cesário <strong>de</strong> Faria Alvim,<br />

divulgan<strong>do</strong> resolução contrária ao voto f<strong>em</strong>inino


Acervo histórico<br />

CEnA 15a.<br />

Os mesmos, menos Anastácio<br />

DOUTOR – Tenho certeza <strong>de</strong> que a mulher será<br />

<strong>em</strong>ancipada; e com o direito que lhe cabe à elegibilida<strong>de</strong>,<br />

far-se-á representar no parlamento, já<br />

nesta sessão.<br />

RAFAEL – Meu colega, olhe que isto é muito.<br />

ESMERALDA – Rafael, l<strong>em</strong>bra-te que és meu<br />

mari<strong>do</strong>.<br />

INÊS – S<strong>em</strong> dúvida. O senhor Rafael <strong>de</strong>ve ser<br />

razoável.<br />

DOUTOR – Há <strong>de</strong> ser. Ainda hei <strong>de</strong> vê-lo cabalan<strong>do</strong><br />

pela candidatura da senhora D. Esmeralda.<br />

INÊS – O que me dá cuida<strong>do</strong> é o Anastácio. Que<br />

iria aquele hom<strong>em</strong> fazer agora à rua?<br />

RAFAEL (com malícia) – Naturalmente foi ao<br />

ministro.<br />

INÊS E ESMERALDA – Ao ministro?!<br />

DOUTOR – Não há <strong>de</strong> ser nada. Não conseguirá<br />

coisa alguma.<br />

CEnA 16a.<br />

Os mesmos e Anastácio<br />

ANASTACIO (fora) – Meu genro! Meu genro! (entra<br />

esbafori<strong>do</strong>, com um jornal na mão)<br />

INÊS E ESMERALDA – Céus! Que foi!<br />

ANASTÁCIO (mostran<strong>do</strong> o jornal) – Está aqui!<br />

Aqui!<br />

CEnA 17a.<br />

Os mesmos, Joaquina, <strong>de</strong>pois Antonio<br />

INÊS – O <strong>de</strong>creto?!<br />

ANASTÁCIO – Qual <strong>de</strong>creto, qual nada! Não<br />

votam!<br />

TODOS – Ah!<br />

JOAQUINA (aparte) – Lá se foi o meu <strong>em</strong>prego!<br />

ANASTÁCIO – O ministro <strong>de</strong>spachou a consulta<br />

que lhe foi submetida, nestes termos: (lê) O<br />

governo resolven<strong>do</strong> a questão apresentada não<br />

consi<strong>de</strong>ra n<strong>em</strong> oportuna, n<strong>em</strong> conveniente, qualquer<br />

(aparece Antonio) inovação na legislação vigente<br />

no intuito <strong>de</strong> admitir as mulheres sui juris ao<br />

alistamento e ao exercício da função eleitoral!<br />

ANTONIO – A-q-u-i! Menéres!<br />

RAFAEL – Bravo! Muito b<strong>em</strong>!<br />

ANASTÁCIO – Já vêm que não votam, minhas<br />

senhoras.<br />

noTAS<br />

INÊS – Horror!<br />

ANTONIO – Então Joaquina, ainda pensas <strong>em</strong><br />

ser ministra?<br />

JOAQUINA – Só se for <strong>do</strong> teu coração!<br />

ANTONIO – Visto não teres o tal <strong>em</strong>prego, n<strong>em</strong> o<br />

carrinho, n<strong>em</strong> os solda<strong>do</strong>s a cavalo atrás, eu peço<br />

a tua mão.<br />

JOAQUINA – Aqui a tens!<br />

DOUTOR – Ainda não me <strong>do</strong>u por venci<strong>do</strong>.<br />

ANTONIO – O patrão se me <strong>de</strong>sse licença, eu<br />

s<strong>em</strong>pre diria uma coisa...<br />

DOUTOR – Dize lá.<br />

ANTONIO – A mulher não foi feita <strong>de</strong> uma costela<br />

<strong>do</strong> hom<strong>em</strong>?<br />

DOUTOR – Foi.<br />

ANTONIO – A costela é o <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>a <strong>do</strong> <strong>de</strong>scanso.<br />

Portanto, a mulher não foi feita para a calaçaria<br />

das ruas.<br />

ESMERALDA – Para que foi então?<br />

ANTONIO – Para os arranjos da casa... e etc. e<br />

tal.<br />

ANASTÁCIO – Ele t<strong>em</strong> razão. O verda<strong>de</strong>iro lugar<br />

da mulher é no centro da família.<br />

ESMERALDA – Não se entusiasm<strong>em</strong> tanto. Ainda<br />

t<strong>em</strong>os um recurso. Aguard<strong>em</strong>os a Constituinte!<br />

EnSEMBLE<br />

ESMERALDA – A querida vitória há <strong>de</strong>, creio<br />

Dar-nos ganho <strong>de</strong> causa por fim<br />

RAFAEL – Isso não, q’eu não marcho no meio!<br />

INÊS – Ah! Respiga! Pois sim! Oh! Pois sim!<br />

ESMERALDA – Vencer<strong>em</strong>os, ou não? Doutor,<br />

diga!<br />

DOUTOR – Por que não?! A vitória é fatal!<br />

ANASTÁCIO – Ora figas! Ora figa! Ora figa!<br />

Esta gente ‘stá <strong>do</strong>ida, afinal!<br />

AS MULHERES – Pois ver<strong>em</strong>os, senhores, ver<strong>em</strong>os,<br />

Vencerá a razão, vencerá<br />

Justo é pois q’ por isso esper<strong>em</strong>os<br />

Confiantes daqui até lá!<br />

OS HOMENS – Ora qual! Ora qual! Não t<strong>em</strong><strong>em</strong>os!<br />

Ficará tu<strong>do</strong> assim como está!<br />

E seguros <strong>do</strong> caso esper<strong>em</strong>os<br />

Confiantes daqui até lá<br />

1 [Nota da dramaturga] – A palavra como significação <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego que só convém ao hom<strong>em</strong> é invariável;<br />

mas no caso da tese que se discute varia logicamente.


História&Livros<br />

Uma história <strong>de</strong> Cascu<strong>do</strong><br />

Fernan<strong>do</strong> Duarte Caldas *<br />

Os estu<strong>do</strong>s históricos sobre o Legislativo no<br />

Brasil são oásis num território <strong>de</strong>serto e ári<strong>do</strong>.<br />

Daí o fato aprazível e instigante <strong>de</strong> encontrarmos<br />

obras como a <strong>de</strong> Luís da Câmara Cascu<strong>do</strong> sobre<br />

a Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> norte-riogran<strong>de</strong>nse.<br />

Como Affonso <strong>de</strong> Taunay, que somou à sua obra<br />

voltada ao passa<strong>do</strong> paulista uma história <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong><br />

no Império, Cascu<strong>do</strong> d<strong>em</strong>onstra sua veia <strong>de</strong><br />

historia<strong>do</strong>r incansável e produtivo <strong>de</strong>dican<strong>do</strong>-se<br />

ao Legislativo potiguar. Não se trata <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong><br />

histórico sist<strong>em</strong>ático sobre aquele parlamento<br />

estadual, n<strong>em</strong> tampouco <strong>de</strong> uma história política<br />

<strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte. Trata-se, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong> um senso <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> colocar a m<strong>em</strong>ória histórica <strong>em</strong> livro.<br />

O livro Uma História da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong><br />

<strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte levou 18 anos para ser<br />

publica<strong>do</strong>. Em 1953, Luís da Câmara Cascu<strong>do</strong><br />

aceitou o primeiro convite para escrever a história<br />

daquela casa parlamentar. “Pela primeira vez,<br />

que me conste na bibliografia brasileira, alguma<br />

Ass<strong>em</strong>bléia <strong>de</strong>sejava ter sua história escrita e solicitava,<br />

fora <strong>de</strong> suas bancadas, ao menos político<br />

<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os norte-riogran<strong>de</strong>nses vivos. Aceitei.” 1<br />

A incumbência que lhe fora <strong>de</strong>signada não estava<br />

tão distante <strong>de</strong> seus afazeres. Dez anos antes,<br />

Cascu<strong>do</strong> trabalhara na Diretoria Regional <strong>de</strong> Defesa<br />

Civil, e exatamente na sala on<strong>de</strong> funcionava<br />

a repartição estava o arquivo da Ass<strong>em</strong>bléia, consulta<strong>do</strong><br />

diariamente pelo pesquisa<strong>do</strong>r e jornalista,<br />

que <strong>de</strong>le tomou muitos episódios para publicá-los<br />

na seção “A República”, <strong>do</strong> Acta Diurna.<br />

Quan<strong>do</strong> iniciou seu trabalho sobre a Ass<strong>em</strong>bléia<br />

<strong>Legislativa</strong>, o arquivo já havia si<strong>do</strong> transferi<strong>do</strong><br />

8<br />

para o Instituto Histórico local. O historia<strong>do</strong>r notou<br />

a ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> atas, registros<br />

<strong>de</strong> leis, correspondências, especialmente <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />

republicano. As lacunas encontradas foram<br />

supridas, tanto quanto possível, pelos jornais <strong>de</strong><br />

época <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte e da imprensa da<br />

capital <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> vizinho, Recife.<br />

A entrega <strong>do</strong>s originais <strong>de</strong>ssa primeira versão da<br />

história <strong>do</strong> Legislativo <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte foi<br />

feita <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1953. No entanto, o livro<br />

não foi publica<strong>do</strong>. “A Ass<strong>em</strong>bléia mo<strong>de</strong>stamente<br />

evitava a notorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua nobre história”, diria<br />

Cascu<strong>do</strong> anos mais tar<strong>de</strong>.<br />

Em set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1971, o então presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong><br />

Legislativo estadual, <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Moacyr Torres<br />

Duarte, formalizou um novo convite para a atualização<br />

<strong>do</strong> trabalho inicia<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1953. Desta vez,<br />

os esforços <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r seriam concluí<strong>do</strong>s com<br />

a publicação <strong>de</strong> um volume com 500 páginas, nas<br />

quais figuram jornadas <strong>de</strong> cinqüenta legislaturas,<br />

recobrin<strong>do</strong> 136 anos legislativos.<br />

O etnógrafo, apaixona<strong>do</strong> pelo folclore, freqüenta<strong>do</strong>r<br />

<strong>de</strong> terreiros <strong>de</strong> macumba, das praias e portos<br />

<strong>de</strong> janga<strong>de</strong>iros, <strong>do</strong> sertão <strong>do</strong>s vaqueiros e canta<strong>do</strong>res,<br />

coleciona<strong>do</strong>r <strong>de</strong> casos, interessa<strong>do</strong> na tradição,<br />

na fala, na alimentação e nos gestos da gente<br />

simples, passara a ser reconheci<strong>do</strong> como historia<strong>do</strong>r<br />

oficial <strong>do</strong> Legislativo <strong>de</strong> seu esta<strong>do</strong> natal.<br />

Luís da Câmara Cascu<strong>do</strong>, <strong>em</strong> Uma História da<br />

Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte,<br />

percorre os antece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> 1834 e <strong>do</strong> Ato Adicional<br />

à Constituição <strong>do</strong> Império a partir <strong>do</strong> qual<br />

as Ass<strong>em</strong>bléias <strong>Legislativa</strong>s <strong>do</strong> Brasil foram criadas.<br />

A Ass<strong>em</strong>bléia da Província <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

* Fernan<strong>do</strong> Duarte Caldas, mestre <strong>em</strong> História Social pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Letras e Ciências Humanas da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, bacharel <strong>em</strong> Economia pela Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e Agente<br />

Técnico Legislativo na Divisão <strong>de</strong> Imprensa da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. (fdcaldas@al.sp.gov.br)


Acervo histórico<br />

Norte foi instalada <strong>em</strong> 2 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1835 e<br />

ao longo <strong>do</strong>s 170 anos <strong>de</strong> existência os locais <strong>de</strong><br />

funcionamento <strong>de</strong>la já assumiram vários nomes:<br />

Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> Provincial, quan<strong>do</strong> se<br />

instalou na antiga Câmara Municipal, Congresso<br />

Legislativo, Congresso Legislativo Estadual ou<br />

Congresso Estadual. Sua se<strong>de</strong> já recebeu o nome<br />

Palácio Amaro Cavalcanti e hoje está abrigada no<br />

mo<strong>de</strong>rno Palácio José Augusto.<br />

No livro <strong>de</strong> Cascu<strong>do</strong> estão arroladas todas as<br />

composições das Mesas da Ass<strong>em</strong>bléia norte-riogran<strong>de</strong>nse,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Perío<strong>do</strong> Imperial (1835-1889)<br />

até a <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 1971. Encontram-se também a<br />

cronologia e a relação nominal <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s<br />

estaduais que compuseram as 27 legislaturas<br />

<strong>do</strong> Império e as 23 <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> republicano.<br />

Cerca <strong>de</strong> 150 páginas <strong>do</strong> livro são <strong>de</strong>dicadas a<br />

breves perfis biográficos <strong>de</strong> figuras que “honraram”<br />

a Ass<strong>em</strong>bléia, já mortas na época da publicação<br />

<strong>do</strong> livro. As qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> biógrafo <strong>de</strong> Cascu<strong>do</strong><br />

se revelam na constância <strong>em</strong> que os perfis <strong>de</strong><br />

personalida<strong>de</strong>s traça<strong>do</strong>s por ele aparec<strong>em</strong> como<br />

referência <strong>em</strong> inúmeros dicionários biográficos.<br />

Há ainda boas passagens <strong>em</strong> que são <strong>de</strong>scritos<br />

episódios da história <strong>do</strong> cotidiano. Como a substituição<br />

nos pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> compra das antigas penas<br />

<strong>de</strong> pato, <strong>de</strong>stinadas à caligrafia, pelas penas <strong>de</strong><br />

aço. Enquanto estas custavam três mil réis, o<br />

“quarteirão” das <strong>de</strong> pato valiam 240 réis. Perfeita<br />

<strong>de</strong>smoralização!<br />

Porém as intenções <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r potiguar não se<br />

limitavam ao simples registro oficial <strong>de</strong> interesse<br />

histórico. Além da or<strong>de</strong>nação mn<strong>em</strong>ônica, o autor<br />

<strong>de</strong> Uma História da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Rio<br />

Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte expressa veleida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise<br />

sociológica e <strong>de</strong> enveredar por searas da psicologia<br />

social. Nesse aspecto, o livro <strong>de</strong> Cascu<strong>do</strong>, a<br />

<strong>de</strong>speito da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese, não chega a<br />

entusiasmar. Mas oferece algumas interpretações<br />

interessantes sobre a cultura política <strong>em</strong> que se<br />

<strong>de</strong>s<strong>do</strong>brou a história <strong>do</strong> parlamento estadual <strong>em</strong><br />

diferentes momentos.<br />

No perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> Império, <strong>em</strong>bora o governo jamais<br />

conseguisse as <strong>de</strong>lícias <strong>de</strong> uma Ass<strong>em</strong>bléia unânime,<br />

havia nela o cumprimento <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres<br />

<strong>de</strong> cortesia para com o impera<strong>do</strong>r e <strong>de</strong> seu papel<br />

autoriza<strong>do</strong>r sobre assuntos econômicos. T<strong>em</strong>as<br />

prosaicos animavam a vida inicial da instituição.<br />

A simplicida<strong>de</strong> da vida provinciana refletia-se nos<br />

pedi<strong>do</strong>s que passavam por seu crivo, como a elevação<br />

<strong>de</strong> vencimentos <strong>de</strong> professores, autorizações<br />

para contratação <strong>de</strong> serviços e outros. “Inútil,<br />

pois, procurar maravilhas na legislação nascida da<br />

velha Ass<strong>em</strong>bléia. Também é <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> procurar<br />

uma inutilida<strong>de</strong>. Há o útil, o lógico, o indispensável.”<br />

2 Assim, pois, Cascu<strong>do</strong> <strong>de</strong>screve os afazeres<br />

<strong>do</strong>s <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s, o envolvimento <strong>de</strong>stes com o que<br />

diz respeito ao dia-a-dia <strong>de</strong> suas comunida<strong>de</strong>s, os<br />

ciclos <strong>de</strong> plantios, os males <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, a produção,<br />

estradas, açu<strong>de</strong>s, escolas, juiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> paz.<br />

Cascu<strong>do</strong> enfatiza o patriarcalismo rural e a presença<br />

carismática <strong>do</strong> chefe local como el<strong>em</strong>entos<br />

pre<strong>do</strong>minantes <strong>de</strong> uma psicologia unânime e natural<br />

<strong>de</strong> caráter centenário.<br />

Tanto no Império quanto na República os parti<strong>do</strong>s<br />

políticos nunca chegaram a representar o centro <strong>de</strong><br />

gravida<strong>de</strong> da vida política. O parti<strong>do</strong> não tinha realmente<br />

nome, n<strong>em</strong> forma e reunia os adversários <strong>de</strong><br />

um ou outro chefe político cujos núcleos eleitorais<br />

mobilizavam-se <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sorte <strong>do</strong>s arranjos<br />

políticos trava<strong>do</strong>s nas esferas locais, provincial ou<br />

estadual e o governo central. O governo s<strong>em</strong>pre<br />

funcionou como pólo irresistível e or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r das<br />

trama <strong>do</strong> solidarismo e <strong>do</strong> fi<strong>de</strong>lismo partidário.<br />

A imag<strong>em</strong> <strong>do</strong> político atuante no legislativo refletida<br />

por Cascu<strong>do</strong>, na passag<strong>em</strong> <strong>do</strong> Império à<br />

República, revela a dura<strong>do</strong>ura mística da confiança<br />

e <strong>de</strong>dicação aos dirigentes. “Os políticos<br />

influentes, agita<strong>do</strong>s, inteligentes, nunca saíram<br />

das batalhas <strong>de</strong> formigueiro e campanhas <strong>de</strong> saúvas.<br />

Per<strong>de</strong>ram t<strong>em</strong>po e força nas lutas miúdas e<br />

dispersas, perseguin<strong>do</strong> sombras e construin<strong>do</strong><br />

com areia solta... Os homens eram os mesmos e<br />

a terra não mudara. A política sim. Esse congresso<br />

s<strong>em</strong>i-silencioso, obediente, pronto a cumprir as<br />

or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> transformar <strong>em</strong> lei os pensamentos <strong>do</strong><br />

administra<strong>do</strong>r, respaldava, garantia, dava ao governa<strong>do</strong>r<br />

o <strong>de</strong>st<strong>em</strong>or <strong>de</strong> agir e <strong>de</strong> falar, alto e forte,<br />

fazen<strong>do</strong> crescer o Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte.” 3<br />

O sist<strong>em</strong>a político instala<strong>do</strong> pela República, como<br />

o <strong>de</strong>senha Cascu<strong>do</strong>, não oferece brechas a forças<br />

políticas fora da constelação <strong>do</strong> governo. Ser<br />

oposição ao governo era como não existir. Como<br />

percebe Cascu<strong>do</strong>, o parti<strong>do</strong> era o governa<strong>do</strong>r. Ser<br />

<strong>de</strong> oposição ou apenas político <strong>de</strong> cuja fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

se <strong>de</strong>sconfiava significava <strong>de</strong>rrota eleitoral certa.<br />

De 1894 até os anos 1930, nenhum oposicionista<br />

chegou a <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

Norte. “Afastar-se, dissentir <strong>do</strong> governo, era o<br />

exílio eleitoral inapelável”, atesta Câmara ao referir-se<br />

à mecânica eleitoral impingida pelo voto<br />

<strong>de</strong>scoberto. Distante <strong>de</strong> qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

favorecimento <strong>do</strong>s favores fiscais e administrativos<br />

<strong>do</strong> governo, a ação política não se concretiza,<br />

simplesmente não existe.


Desse mo<strong>do</strong>, a história <strong>do</strong> Legislativo estadual foi<br />

longamente atraída pela s<strong>em</strong>i-onipotência <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r<br />

executivo. A atuação <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res sobre<br />

o Congresso Legislativo, regulan<strong>do</strong> apresentações<br />

<strong>de</strong> propostas e reprimin<strong>do</strong> d<strong>em</strong>onstrações<br />

estri<strong>de</strong>ntes e discordantes, levou o Legislativo à<br />

monotonia e fez evaporar a imag<strong>em</strong> <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s.<br />

Somente após 1930, pela primeira vez no regime<br />

republicano, o governo <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte<br />

viria a per<strong>de</strong>r uma eleição estadual para a Ass<strong>em</strong>bléia.<br />

“O governo estava <strong>de</strong> baixo, dan<strong>do</strong> o glorioso<br />

prece<strong>de</strong>nte da vulnerabilida<strong>de</strong> solar”.<br />

Entretanto, o lampejo <strong>de</strong> uma Ass<strong>em</strong>bléia oposicionista<br />

não duraria. Em 1937, o Esta<strong>do</strong> Novo<br />

dissolve a Ass<strong>em</strong>bléia. Os <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> dissolução<br />

<strong>do</strong> parlamento são avalia<strong>do</strong>s por Cascu<strong>do</strong><br />

como um “interstício <strong>de</strong> promoção”, visto que to<strong>do</strong><br />

esse t<strong>em</strong>po serviu como espécie <strong>de</strong> contraprova<br />

e excitação mental, um estágio concentra<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

tenacida<strong>de</strong>s.<br />

O historia<strong>do</strong>r potiguar reputa a 17ª legislatura<br />

(1947-1950), surgida da red<strong>em</strong>ocratização, a<br />

mais sugestiva, pela intensida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>de</strong>bates,<br />

nível intelectual, diversão dialética. Numa espécie<br />

<strong>de</strong> nostalgia <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> que o plenário da<br />

Ass<strong>em</strong>bléia oferecia a seiva <strong>do</strong>s <strong>de</strong>bates públicos,<br />

Cascu<strong>do</strong> rel<strong>em</strong>bra um momento <strong>em</strong> que o<br />

parlamento <strong>de</strong>spertava o interesse das ruas. “O<br />

público, normalmente <strong>de</strong>sinteressa<strong>do</strong>, repletava<br />

as galerias, acompanhan<strong>do</strong> os duelos ou escaramuças<br />

grupais com uma atenção alerta e esportiva<br />

<strong>de</strong> campeonato olímpico. Os comentários<br />

prolongavam na cida<strong>de</strong> os rumos <strong>do</strong>s <strong>em</strong>bates<br />

e a repercussão <strong>de</strong>liciada das respostas felizes,<br />

que pareciam eternas, mas ninguém as recorda<br />

mais. Adiava-se encontro comercial para não se<br />

per<strong>de</strong>r um discurso, com prometi<strong>do</strong>s apartes contun<strong>de</strong>ntes.”<br />

Do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>scrito e exalta<strong>do</strong> pelo historia<strong>do</strong>r ao<br />

t<strong>em</strong>po então vivi<strong>do</strong> por ele já distavam alguns<br />

anos. Os homens até pareciam os mesmos e a<br />

NOTAS<br />

Acervo Dainis Karepovs<br />

8<br />

terra não mudara. A política, sim. O livro sobre<br />

a Ass<strong>em</strong>bléia <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte foi apresenta<strong>do</strong><br />

ao público <strong>em</strong> sessão solene <strong>de</strong> encerramento<br />

<strong>do</strong>s trabalhos legislativos <strong>de</strong> 1971. O<br />

lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong> governo e da Arena, <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Ezequiel<br />

Ferreira, apresentou a obra <strong>do</strong> <strong>em</strong>inente comenda<strong>do</strong>r<br />

Luís da Câmara Cascu<strong>do</strong> após reportar-se<br />

à ord<strong>em</strong> e ao respeito instala<strong>do</strong>s no Brasil com o<br />

advento da Revolução <strong>de</strong> 1964. O ora<strong>do</strong>r constrói<br />

um to<strong>do</strong> coerente, o bom nome e a serieda<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo aparec<strong>em</strong> ajusta<strong>do</strong>s aos princípios<br />

preconiza<strong>do</strong>s pela revolução <strong>de</strong> março. “A<br />

filosofia da revolução fez substituir nos parlamentos<br />

a d<strong>em</strong>agogia pela tecnologia, a loquacida<strong>de</strong><br />

pela eloqüência e a imaginação pelo raciocínio” 4 ,<br />

sentenciou o ora<strong>do</strong>r arenista.<br />

A tradição republicana e d<strong>em</strong>ocrática reclama<br />

uma outra história das ass<strong>em</strong>bléias legislativas.<br />

1 Cascu<strong>do</strong>, Luís da Câmara. Uma História da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte. Natal,<br />

Fundação José Augusto, 1972, pg. 1.<br />

2 Id<strong>em</strong>, ib., pg. 10.<br />

3 Id<strong>em</strong>, ib., pg. 28.<br />

4 Id<strong>em</strong>, ib., pg. XVIII.


Marco Antonio Car<strong>de</strong>lino<br />

Acervo histórico<br />

Registro&Datas<br />

s Novas instalações – Poucos dias após fecharmos<br />

a primeiro número <strong>de</strong> Acervo histórico<br />

mudamos para novas instalações, <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 2003. Deixamos para trás espaços ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s<br />

para a conservação da <strong>do</strong>cumentação e o<br />

atendimento aos consulentes. Hoje a Divisão <strong>de</strong><br />

Acervo Histórico ocupa uma edificação anexa ao<br />

Palácio 9 <strong>de</strong> Julho e cuja entrada situa-se pelo<br />

la<strong>do</strong> <strong>de</strong>fronte o quartel-general <strong>do</strong> II Exército. O<br />

novo espaço <strong>do</strong> Acervo Histórico divi<strong>de</strong>-se <strong>em</strong><br />

três salas. A maior <strong>de</strong>las é a reservada aos livros,<br />

negativos e <strong>do</strong>cumentos, os quais se encontram<br />

preserva<strong>do</strong>s <strong>em</strong> ambiente <strong>de</strong> t<strong>em</strong>peratura estável<br />

e controlada e com controle <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> e salubrida<strong>de</strong>.<br />

A outra sala agrupa a parte funcional. E, por<br />

fim, a terceira é a <strong>de</strong>stinada aos consulentes, que<br />

têm à sua disposição terminais <strong>de</strong> computa<strong>do</strong>r<br />

que dão acesso a toda a <strong>do</strong>cumentação digitalizada<br />

<strong>do</strong> Legislativo Paulista - abrangen<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> 1819 a 1937 -, as bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> negativos<br />

e livros da Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico, b<strong>em</strong> como<br />

terminal conecta<strong>do</strong> com a “Internet” e à base <strong>de</strong><br />

da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Legislativo Paulista.<br />

Apesar da mudança <strong>de</strong> localização nosso en<strong>de</strong>reço<br />

para correspondência e nossos telefones<br />

continuam os mesmos:<br />

Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico<br />

Av. Pedro Álvares Cabral, nº 201<br />

Ibirapuera – <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> – SP<br />

04097-900<br />

Tel: (11) 3886-6308 e (11) 3886-6530<br />

Tel/fax: (11) 3886-6309 e (11) 3884-0783<br />

acervo@al.sp.gov.br<br />

Fachada <strong>do</strong> prédio on<strong>de</strong> está instalada a Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico<br />

Marco Antonio Car<strong>de</strong>lino<br />

Marco Antonio Car<strong>de</strong>lino<br />

Marco Antonio Car<strong>de</strong>lino<br />

Funcionários <strong>do</strong> Acervo elaboram<br />

publicações e exposições<br />

Os <strong>do</strong>cumentos, assim como<br />

os livros, são preserva<strong>do</strong>s<br />

<strong>em</strong> ambiente a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong><br />

Arquivos <strong>de</strong>slizantes abrigam<br />

aproximadamente 28 mil volumes


Roberto Navarro<br />

s Lançamento <strong>do</strong> nº 1 <strong>de</strong> Acervo histórico<br />

– Transcrev<strong>em</strong>os trecho da matéria publicada na<br />

edição <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004 <strong>do</strong> Diário Oficial<br />

– Po<strong>de</strong>r Legislativo:<br />

“A Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico da Ass<strong>em</strong>bléia<br />

<strong>Legislativa</strong> promoveu, nesta segunda-feira, 9 <strong>de</strong><br />

fevereiro, o lançamento <strong>de</strong> sua mais nova publicação.<br />

Trata-se <strong>do</strong> primeiro número da série<br />

intitulada “Acervo Histórico”, revista que <strong>de</strong>ve ser<br />

editada com periodicida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>estral.<br />

Estiveram presentes à cerimônia <strong>de</strong> lançamento o<br />

ex-<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Vicente Botta, o secretário geral parlamentar<br />

da Ass<strong>em</strong>bléia, Auro Augusto Caliman,<br />

funcionários <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Legislativo, representantes<br />

<strong>do</strong> arquivo da Câmara Municipal <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, o<br />

diretor da Biblioteca Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, <strong>do</strong> Instituto<br />

<strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Brasileiros e convida<strong>do</strong>s da acad<strong>em</strong>ia<br />

e da socieda<strong>de</strong> civil.”<br />

Registre-se, também, o lançamento, na mesma<br />

ocasião, <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o institucional da Divisão <strong>de</strong> Acervo<br />

Histórico veicula<strong>do</strong> pela TV <strong>Legislativa</strong>.<br />

s Base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Acervo Histórico na Internet<br />

– Des<strong>de</strong> o final <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2004 a Divisão<br />

<strong>de</strong> Acervo Histórico passou a disponibilizar bases<br />

<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s na Internet. A primeira a ser disponibilizada<br />

foi a referente aos <strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> Legislativo<br />

Paulista referente ao perío<strong>do</strong> imperial. A fim<br />

<strong>de</strong> auxiliar os pesquisa<strong>do</strong>res e d<strong>em</strong>ais interessa<strong>do</strong>s<br />

na consulta da <strong>do</strong>cumentação referente<br />

ao intervalo que vai da criação da Ass<strong>em</strong>bléia<br />

<strong>Legislativa</strong> Provincial <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> até o fim <strong>do</strong><br />

regime monárquico, a Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico<br />

da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

O Secretário Geral Parlamentar, Auro Augusto Caliman, discursa no lançamento da revista,<br />

observa<strong>do</strong> pelos presentes. Senta<strong>do</strong> está o ex-<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Vicente Botta<br />

Marco Antonio Car<strong>de</strong>lino<br />

8<br />

<strong>Paulo</strong> com apoio da Divisão <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

Organizacional <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Informática,<br />

coloca à disposição <strong>do</strong> público a relação <strong>do</strong>s papéis<br />

sob sua guarda referentes a este importante<br />

perío<strong>do</strong> da história paulista e brasileira.<br />

Agrupan<strong>do</strong> informações referentes a cerca <strong>de</strong><br />

250.000 páginas <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos, o banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>ste acervo <strong>do</strong>cumental foi organiza<strong>do</strong> por<br />

assunto, local e data, permitin<strong>do</strong> que os interessa<strong>do</strong>s<br />

possam pesquisar isolada ou conjuntamente<br />

por tais parâmetros.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, ao disponibilizar esta base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s,<br />

a Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico da Ass<strong>em</strong>bléia<br />

<strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong>u aos interessa<strong>do</strong>s<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificar <strong>de</strong> ant<strong>em</strong>ão<br />

a existência e a localização da <strong>do</strong>cumentação<br />

<strong>de</strong>sejada, agilizan<strong>do</strong> a pesquisa e o atendimento.<br />

Para acessar a base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Império basta<br />

digitar o seguinte en<strong>de</strong>reço da Internet: http:<br />

//www.al.sp.gov.br/AH/AHLista.htm.<br />

Consulentes pesquisam os <strong>do</strong>cumentos<br />

digitaliza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Legislativo Paulista


Acervo histórico<br />

Normas <strong>de</strong> redação<br />

<strong>de</strong> Acervo Histórico<br />

Acervo histórico é uma publicação s<strong>em</strong>estral da Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong><br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e t<strong>em</strong> como objetivo a divulgação <strong>de</strong> artigos e fontes <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong><br />

História e disciplinas afins, informes parciais <strong>de</strong> pesquisa <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>do</strong>cumentos inéditos<br />

e resenhas críticas, cujos t<strong>em</strong>as estejam presentes <strong>em</strong> seu acervo - preferencialmente, trabalhos<br />

realiza<strong>do</strong>s com os <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong>sse acervo. Acervo histórico convida autores <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong><br />

ensino e pesquisa nacionais e internacionais e também recebe colaborações espontâneas. Publica<br />

também, <strong>em</strong> reedição e tradução, trabalhos relevantes que se caracteriz<strong>em</strong> como fundamentais à<br />

sua t<strong>em</strong>ática, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, para tanto, haja a autorização expressa <strong>do</strong> editor da publicação original.<br />

Os artigos cujos autores são i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s representam o ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>s próprios autores e não<br />

a posição oficial <strong>de</strong> Acervo histórico , da Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico ou da Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong><br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.<br />

o autor receberá, s<strong>em</strong> ônus, cinco ex<strong>em</strong>plares da publicação na qual consta seu artigo.<br />

A publicação <strong>de</strong> qualquer matéria está subordinada à aprovação prévia da Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico.<br />

os artigos aceitos para publicação serão revisa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> língua portuguesa. no caso <strong>de</strong> colabora<strong>do</strong>res<br />

internacionais o texto será traduzi<strong>do</strong> para o português.<br />

Apresentação <strong>do</strong>s originais<br />

O artigo <strong>de</strong>ve ter aproximadamente 15 páginas.<br />

Deve ser grava<strong>do</strong>, preferencialmente, <strong>em</strong><br />

programa Word for Win<strong>do</strong>ws, fonte Times New Roman,<br />

tamanho 12, entrelinhas 1,5, margens 3cm<br />

(superior e esquerda) e 2,5cm (inferior e direita).<br />

O espaço das notas será no final e <strong>de</strong>verá conter<br />

além das citações as referências bibliográficas, <strong>em</strong><br />

fonte Times New Roman, tamanho 10.<br />

As resenhas segu<strong>em</strong> as mesmas normas gerais<br />

e <strong>de</strong>verão ter, no máximo, 4 páginas.<br />

Abaixo <strong>do</strong> título <strong>de</strong>verão constar o nome completo<br />

<strong>do</strong>s autores e indicações quanto à titu-lação<br />

acadêmica, instituição outorgante e ativi-da<strong>de</strong>s que<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham na instituição a que estão vincula<strong>do</strong>s<br />

e e-mail. Para uso exclusivo <strong>do</strong> Editor, o en<strong>de</strong>reço<br />

para correspondência e telefone.<br />

Ex<strong>em</strong>plos da apresentação das referências no<br />

espaço <strong>de</strong> notas:<br />

1) Monografias:<br />

COELHO, Henrique. O Direito Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>: Breve comentário da Lei Constitucional<br />

<strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1911. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Casa<br />

Vanord<strong>em</strong>, 1920, p. 27-28;<br />

SILVEIRA, Val<strong>do</strong>miro. Os caboclos: contos. 4 a<br />

ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Civilização Brasileira, 1975,<br />

p. XI.<br />

2) Artigos <strong>em</strong> revistas:<br />

THOMSON, Alistair. Histórias (co)move<strong>do</strong>ras:<br />

História Oral e estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> migração. Revista Brasileira<br />

<strong>de</strong> História, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, vol. 22, n o 44, p.<br />

341-364, 2002.<br />

3) Artigos com autoria <strong>em</strong> obra coletiva:<br />

COSTA, Emília Viotti da. Brasil: A era da reforma,<br />

1870-1889. In: BETHELL, Leslie (Org.). História<br />

da América Latina: <strong>de</strong> 1870 a 1930, volume V.<br />

<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Editora da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>;<br />

Imprensa Oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, 2002, p. 705-760.<br />

4) Artigos <strong>de</strong> jornais:<br />

ARAÚJO, Olívio Tavares <strong>de</strong>. Lívio Abramo:<br />

1903-1992. O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<br />

28/04/1992. Ca<strong>de</strong>rno 2, p. 1.<br />

KRIEGER <strong>de</strong>põe sobre a guerra da sucessão.<br />

Correio Braziliense, Brasília, 23/01/1983, p. 4.<br />

O artigo <strong>de</strong>ve ser grava<strong>do</strong> <strong>em</strong> disquete 3½,<br />

acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma cópia impressa. Fotografias<br />

e <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser envia<strong>do</strong>s no formato “tif “ com<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> 300dpi ou no original para possibilitar<br />

boa reprodução. Gráficos, quadros, tabelas, fluxogramas,<br />

etc. <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser envia<strong>do</strong>s separadamente,<br />

<strong>em</strong> outro disquete 3½ com uma cópia impressa.<br />

Textos para reedição <strong>de</strong>verão indicar sua fonte<br />

original.<br />

Os artigos não aproveita<strong>do</strong>s por Acervo<br />

histórico não terão outra utilização e não serão<br />

<strong>de</strong>volvi<strong>do</strong>s.<br />

O material <strong>de</strong>ve ser envia<strong>do</strong> para o seguinte<br />

en<strong>de</strong>reço:<br />

Ass<strong>em</strong>bléia <strong>Legislativa</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Paulo</strong><br />

Divisão <strong>de</strong> Acervo Histórico<br />

AC/ <strong>de</strong> ACERVO HISTÓRICO<br />

Av. Pedro Álvares Cabral, 201<br />

Ibirapuera – <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> - SP - 04097-900<br />

Outras informações: acervo@al.sp.gov.br.

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