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A Cidade e<br />
<strong>as</strong> Serr<strong>as</strong><br />
Eça de Queirós
A Cidade e <strong>as</strong> Serr<strong>as</strong><br />
no conjunto da obra de Eça<br />
Gustave Caillebotte (1848-1894),<br />
Paris em dia de chuva<br />
Oil on canv<strong>as</strong>, 212.2 x 276.2 cm, The Art Institute of<br />
Chicago<br />
de Queirós
Primeira f<strong>as</strong>e:<br />
Romantismo - obr<strong>as</strong> folhetinesc<strong>as</strong><br />
Segunda f<strong>as</strong>e: NATURALISMO<br />
O crime do Padre Amaro (1874)<br />
O Primo B<strong>as</strong>ílio (1878)<br />
Os Mai<strong>as</strong> (1888)<br />
Crítica mordaz<br />
Darwinismo social<br />
Zoomorfismo<br />
Estilo “baixo” com seriedade
Terceira f<strong>as</strong>e<br />
A ilustre C<strong>as</strong>a de Ramires (1900)<br />
A <strong>cidade</strong> e <strong>as</strong> Serr<strong>as</strong> (1901)<br />
Realismo fant<strong>as</strong>ista<br />
Crítica Solução (utópica)<br />
Rafael Bordalo Pinheiro,<br />
Retrato de Eça de Queirós
Monet, Boulevard<br />
des Capucines,<br />
(1873)<br />
Oil on canv<strong>as</strong> (79.4 x 59 cm)<br />
Nelson-Atkins Museum of Art,<br />
Kans<strong>as</strong> City, Missouri<br />
Civilização = Feli<strong>cidade</strong> (?)
Paris no final do<br />
século 19 e início<br />
do 20
Belle Epoque
Belle Epoque
Galerie des Machines,<br />
Exposition Universelle,<br />
Paris, 1889
Schopenhauer (1788-1860)<br />
1790<br />
Comte (1798-1857)<br />
Ciência e<br />
filosofia<br />
1800<br />
Darwin (1809 – 1882)<br />
Lenz (1804-1865)<br />
Faraday (1791-1867)<br />
Ohm (1787-1854)<br />
1810<br />
Marx (1818-1883)<br />
1820<br />
Engels (1820-1895)<br />
Taine (1828-1893)<br />
Mendel (1822-1884)<br />
P<strong>as</strong>teur (1820-1895)<br />
1830<br />
1840<br />
Nietzsche (1844-1900)<br />
Maxwell (1831-1879)<br />
Mendelieiv (1828-1907)<br />
1850<br />
Hertz (1856-1894)<br />
1860<br />
1870<br />
1880<br />
1890<br />
1900
Publicação em 1901 (póstuma)<br />
Crise<br />
Modernidade<br />
Século 20<br />
Contradições<br />
do paradigma civilizatório<br />
(Belle Epoque)<br />
Aumento da<br />
produção<br />
industrial<br />
X<br />
Guerr<strong>as</strong><br />
Aumento da<br />
riqueza<br />
X<br />
Aumento da<br />
pobreza
Rico<br />
Família secular<br />
Vive de renda<br />
Fidalgo aristocrata<br />
Capítulo I<br />
O meu amigo Jacinto n<strong>as</strong>ceu num palácio,<br />
com cento e nove contos de renda em terr<strong>as</strong> de<br />
semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival.<br />
No Alentejo, pela Estremadura, através d<strong>as</strong><br />
du<strong>as</strong> Beir<strong>as</strong>, dens<strong>as</strong> sebes ondulando por entre os<br />
vale, muros altos de boa pedra, ribeir<strong>as</strong>, estrad<strong>as</strong>,<br />
delimitavam os campos desta velha família<br />
agrícola que já entulhava o grão e plantava cepa<br />
em tempos de el-rei d.Dinis. A sua Quinta e c<strong>as</strong>a<br />
senhorial de Tormes, no Baixo douro, cobriam uma<br />
serra. Entre o Tua e o Tinhela, por cinco fart<strong>as</strong><br />
légu<strong>as</strong>, todo o torrão lhe pagava foro... M<strong>as</strong> o<br />
palácio onde Jacinto n<strong>as</strong>cera, e onde sempre<br />
habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, nº.202.
D.Galião e D. Miguel<br />
Seu avô, aquele gordíssimo e riquíssimo Jacinto a quem<br />
chamavam em Lisboa o D.Galião, descendo uma tarde pela travessa<br />
da Trabuqueta, rente dum muro de quintal que uma parreira toldava,<br />
escorregou numa c<strong>as</strong>ca de laranja e desabou no lajedo. Da portinha<br />
da horta saía nesse momento um homem moreno, escanhoado, de<br />
grosso c<strong>as</strong>aco de baetão verde e bot<strong>as</strong> alt<strong>as</strong> de picador, que,<br />
galhofando e com uma força fácil, levantou o enorme Jacinto - até lhe<br />
apanhou a bengala de c<strong>as</strong>tão de ouro que rolara para o lixo. Depois,<br />
demorando nele os olhos pestanudos e pretos:<br />
- Ó Jacinto Galião, que and<strong>as</strong> tu aqui, a est<strong>as</strong> hor<strong>as</strong>, a<br />
rebolar pel<strong>as</strong> pedr<strong>as</strong>?<br />
E Jacinto, aturdido e deslumbrado, reconheceu o sr. Infante<br />
D. Miguel!<br />
amara...<br />
Ver o que foi o<br />
miguelismo.<br />
Desde essa tarde amou aquele bom Infante como nunca
Champs-Elysées
Jacinto<br />
Descendente de uma secular e rica família<br />
portuguesa. Vive em Paris, em um palacete<br />
dos Campos Elíseos, o 202.<br />
Champs-Elysées<br />
Representa a aristocracia portuguesa que vive<br />
mais voltada para a França do que para seu<br />
país.
Zé Fernandes<br />
Português de Guiães.<br />
Narrador testemunha – foco narrativo<br />
em 1ª pessoa.<br />
Tem um olhar crítico-irônico sobre a<br />
civilização e os devaneios de Jacinto.<br />
Champs-Elysées
202<br />
Paris Civilização
Jacinto era saudável, rico e<br />
inteligente, sem paixões fortes,<br />
indiferente às questões da<br />
política...<br />
Por isso nós (Zé Fernandes e<br />
outros amigos) lhe chamávamos<br />
o Príncipe da Grã-Ventura! (...)<br />
Este Príncipe concebera a idéia<br />
de que o “homem só é<br />
superiormente feliz quando é<br />
superiormente civilizado”.<br />
Gustave Caillebotte, The Man<br />
On The Balcony
Um desses moços mesmo, o<br />
nosso inventivo Jorge<br />
Carlande, reduzira a teoria de<br />
Jacinto, para lhe facilitar a<br />
circulação e lhe condensar o<br />
brilho, a uma forma algébrica:<br />
E durante di<strong>as</strong>, do Odeon à<br />
Sorbona, foi louvada pela<br />
mo<strong>cidade</strong> positiva a Equação<br />
Metafísica de Jacinto.<br />
Gustave Caillebotte, A Young<br />
Man At His Window
Positivismo<br />
Suma ciência<br />
X<br />
Suma potência<br />
= suma feli<strong>cidade</strong>
Positivismo<br />
August Comte<br />
Objetividade e cientificismo<br />
• Método científico b<strong>as</strong>eado na<br />
observação e experimentação<br />
• Empirismo<br />
“Toda educação científica que não<br />
se inicia com a matemática é,<br />
naturalmente, imperfeita na sua<br />
b<strong>as</strong>e.”
O ser "superiormente<br />
civilizado".
Suma tecnologia<br />
No palacete de Jacinto havia<br />
tudo o que a civilização<br />
industrial produzira até então:<br />
elevador, telefone,<br />
conferençofone, teatrofone e<br />
um sem número de aparelhos<br />
para os mais diversos fins.<br />
Há um exagero em tudo. São<br />
aparelhos bizarros para fins<br />
discutíveis.
Elevador<br />
Ironia<br />
“logo me surpreendeu um<br />
elevador instalado por<br />
Jacinto - apesar do 202 ter<br />
somente dois andares...<br />
Espaçoso, tapetado, ele<br />
oferecia, para aquela<br />
jornada de sete segundos,<br />
confortos numerosos, um<br />
divã, uma pele de urso, um<br />
roteiro d<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> de Paris,<br />
prateleir<strong>as</strong> gradead<strong>as</strong> com<br />
charutos e livros.”
Suma ciência<br />
Para Jacinto, o campo (a<br />
natureza) era espaço de<br />
manifestação da selvageria.<br />
Possuía uma biblioteca com<br />
mais de 30 mil volumes nos<br />
quais conseguia todo o<br />
conhecimento de que<br />
necessitava.<br />
Novamente, o exagero.
Na <strong>cidade</strong>
Camille Pissarro, O boulervard des Italiens,<br />
manhã de sol (1897)<br />
Óleo sobre tela (72,3 X 92,1) National Gallery of Art, W<strong>as</strong>hington, DC<br />
Por uma conclusão bem natural, a ideia<br />
de Civilização, para Jacinto, não se separava<br />
da imagem de Cidade, de uma enorme<br />
<strong>cidade</strong>, com todos os seus v<strong>as</strong>tos órgãos<br />
funcionando poderosamente. Nem este meu<br />
supercivilizado amigo compreendia que<br />
longe de armazéns servidos por três mil<br />
caixeiros; e de mercados onde se despejam os<br />
vergéis e lezíri<strong>as</strong> de trinta provínci<strong>as</strong>; e de<br />
bancos em que retine o ouro universal; e de<br />
fábric<strong>as</strong> fumegando com ânsia, inventando<br />
com ânsia; e de bibliotec<strong>as</strong> abarrotad<strong>as</strong>, a<br />
estalar, com a papelada dos séculos;
Estilo<br />
naturalista<br />
Camille Pissarro, O boulervard des Italiens,<br />
manhã de sol (1897)<br />
Óleo sobre tela (72,3 X 92,1) National Gallery of Art, W<strong>as</strong>hington, DC<br />
e de fund<strong>as</strong> milh<strong>as</strong> de ru<strong>as</strong>, cortad<strong>as</strong> por<br />
baixo e por cima, de fios de telefones, de<br />
canos de g<strong>as</strong>es, de canos de fezes; e da fila<br />
atroante dos ônibus, "transways", carroç<strong>as</strong>,<br />
velocípedes, calhambeques, parelh<strong>as</strong> de luxo;<br />
e de dois milhões de uma vaga humanidade,<br />
fervilhando, a ofegar, através da polícia, na<br />
busca dura do pão ou sob a ilusão do gozo o<br />
homem do século XIX pudesse saborear,<br />
plenamente, a delícia de viver! [...]
Henri Rousseau, Eclaireur attaqué par un<br />
tigre (Scout Attacked by a Tiger) (1910)<br />
Óleo sobre tela (72,3 X 92,1) National Gallery of Art,<br />
W<strong>as</strong>hington, DC<br />
No<br />
campo
Ao contrário, no campo, entre<br />
a inconsciência e a<br />
imp<strong>as</strong>sibilidade da Natureza,<br />
ele tremia com o terror da sua<br />
fragilidade e da sua solidão...<br />
Depois, em meio da Natureza,<br />
ele <strong>as</strong>sistia à súbita e<br />
humilhante inutilização de<br />
tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> faculdades<br />
superiores.
No campo 2<br />
Estilo<br />
naturalista<br />
Henri Rousseau, Snake<br />
Charmer, (1907)<br />
oil on canv<strong>as</strong>. Musée d'Orsay, Paris<br />
De que servia, entre plant<strong>as</strong> e<br />
bichos ser um Gênio ou ser um<br />
Santo? Toda a intelectualidade,<br />
nos campos, se esteriliza, e só<br />
resta a bestialidade.<br />
Ao cabo de uma semana rural,<br />
de todo o seu ser tão<br />
nobremente composto só<br />
restava um estômago e por<br />
baixo um "falus"! A alma?<br />
Sumida sob a besta.
E necessitava correr, reentrar<br />
na Cidade, mergulhar n<strong>as</strong> ond<strong>as</strong><br />
lustrais da Civilização, para<br />
largar nel<strong>as</strong> a crosta vegetativa, e<br />
ressurgir reumanizado, de novo<br />
espiritual e jacíntico!
Esquema da obra<br />
Primeira parte<br />
Paris<br />
Obra linear<br />
A <strong>cidade</strong> e <strong>as</strong> serr<strong>as</strong><br />
Começo Meio Fim<br />
Cap.1 Cap.8 Cap.16<br />
Segunda parte<br />
Tormes
Cocotte<br />
— Ó Jacinto! Quem é esta Diana que<br />
incessantemente te escreve, te telefona, te<br />
telegrafa, te...?<br />
— Diana... Diana de Lorge. É uma cocotte.<br />
É uma grande cocotte!<br />
— Tua?<br />
— Minha, minha... Não! tenho um bocado.<br />
E como eu lamentava que o meu Príncipe,<br />
senhor tão rico e de tão fino orgulho, por<br />
economia duma gamela própria,<br />
chafurd<strong>as</strong>se com outros numa gamela<br />
pública - Jacinto levantou os ombros, com<br />
um camarão espetado no garfo:
Cocotte<br />
— Tu vens d<strong>as</strong> serr<strong>as</strong>... Uma <strong>cidade</strong><br />
como Paris, Zé Fernandes, precisa ter<br />
cortesãs de grande pompa e grande<br />
fausto. Ora para montar em Paris, nesta<br />
tremenda carestia de Paris, uma cocotte<br />
com os seus vestidos, os seus<br />
diamantes, os seus cavalos, os seus<br />
lacaios, os seus camarotes, <strong>as</strong> su<strong>as</strong><br />
fest<strong>as</strong>, o seu palacete, a sua publi<strong>cidade</strong>,<br />
a sua insolência, é necessário que se<br />
agremiem um<strong>as</strong> pouc<strong>as</strong> de fortun<strong>as</strong>, se<br />
forme um sindicato! Somos uns sete, no<br />
Clube.
Madame<br />
Colombe<br />
Zé Fernandes conhece e se<br />
envolve com a prostituta<br />
Madame Colombe.<br />
M<strong>as</strong> será abandonado por<br />
ela.<br />
A narrativa <strong>as</strong>sume o fortes<br />
cores naturalist<strong>as</strong>.<br />
Ernst Ludwig Kirchner, Rote Cocotte, 1914<br />
P<strong>as</strong>tel and chalk, Staatsgalerie Stuttgart, Germany
Cidade X Campo<br />
+ -<br />
Civilização Selvageria<br />
Conforto<br />
Status<br />
Colun<strong>as</strong><br />
sociais<br />
30 mil livros<br />
Tecnologia<br />
Novidades<br />
Pesso<strong>as</strong><br />
Cultura<br />
Rudimentarismo<br />
Estagnação<br />
Animalização<br />
Instintos<br />
Ignorância
Contradições<br />
A parafernália mecânica<br />
instalada no palacete não<br />
funciona direito.<br />
Os livros se acumulam sem<br />
serem lidos.<br />
Os encontros com a alta<br />
sociedade são enfadonhos.
Eram canos que rompiam, inundando<br />
uma ala do palacete, panes elétric<strong>as</strong> e<br />
até mesmo o emperramento do<br />
elevador de pratos, que comprometeu<br />
um jantar de gala oferecido ao grãoduque<br />
C<strong>as</strong>imiro, amigo de Jacinto.
… M<strong>as</strong> debalde! O gancho, pouco<br />
agudo, sem presa, bamboleando na<br />
extremidade da guita frouxa, não<br />
fisgava. Não era possível! Só<br />
carpinteiros, com alavanc<strong>as</strong>! … E<br />
todos, ansiosamente, bradámos que<br />
se abandon<strong>as</strong>se o peixe!<br />
…<br />
E Jacinto, num som cavo que era<br />
bocejo e rugido:<br />
- Uma maçada! E tudo falha!”
Personagens secundári<strong>as</strong><br />
Tipos sociais:<br />
• servem para criticar<br />
(através de caricatur<strong>as</strong>) a<br />
sociedade parisiense;<br />
• colocad<strong>as</strong> em situações e<br />
atitudes bizarr<strong>as</strong>.<br />
Nesse jantar, Zé Fernandes pôde<br />
observar mais de perto um<br />
resumo da alta sociedade<br />
parisiense: percebe a falsidade e<br />
frivolidade desta sociedade.
A condessa de Trèves, com sua<br />
lisonja fácil, ocupava-se de<br />
alimentar a vaidade de cada um,<br />
toda ela era uma sublime<br />
falsidade...
... o conde de Trèves e seu<br />
comborço, o banqueiro judeu<br />
Efraim, tentavam convencer<br />
Jacinto a tornar-se acionista de<br />
uma mirabolante Companhia d<strong>as</strong><br />
Esmerald<strong>as</strong> da Birmânia,<br />
garantindo a segurança do<br />
empreendimento com um<br />
argumento estapafúrdio (que<br />
denunciava tratar-se de uma<br />
negociata):<br />
— Esmerald<strong>as</strong>! Está claro que há<br />
esmerald<strong>as</strong>!... Há sempre esmerald<strong>as</strong><br />
desde que haja acionist<strong>as</strong>!...
Dornan, celebrado poeta neoplatônico<br />
e místico ouvia uma história picante e,<br />
imp<strong>as</strong>sível, declarava:
— Há melhor, há infinitamente<br />
melhor... Todos aqui conhecem<br />
Madame Noredal. Madame Noredal<br />
tem um<strong>as</strong> imens<strong>as</strong> nádeg<strong>as</strong>...
Madame de Oriol, Madame<br />
Verghane, a princesa De<br />
Carman rivalizavam na<br />
elegância sedutora de trajes<br />
e modos...
Esses todos juntaram-se aos demais convidados na arte da<br />
bajulação, quando chegou o grão-duque C<strong>as</strong>imiro. Este,<br />
irmão de um imperador, do alto de sua majestade,<br />
interessava-se apen<strong>as</strong> em cançonet<strong>as</strong> obscen<strong>as</strong> e nos<br />
prazeres culinários e etílicos.<br />
George Grosz. Eclipse of Sun. (det.) 1926. Oil on canv<strong>as</strong>.<br />
210 x 184 cm. Heckscher Museum, Huntington, NY, USA
O olhar crítico de Zé Fernandes<br />
Zé Fernandes se<br />
contrapunha a tudo isto<br />
com ironia e uma pseudoignorância.
Fest<strong>as</strong><br />
Quanto mais aumentam a insatisfação e<br />
<strong>as</strong> contradições, mais Jacinto intensifica<br />
o uso de máquin<strong>as</strong> e promove fest<strong>as</strong> e<br />
mais fest<strong>as</strong>.
Eu penso que o riso acabou – porque a<br />
humanidade entristeceu – por causa da sua imensa<br />
civilização. (...) Quanto mais uma sociedade é culta –<br />
mais a sua face é triste. Foi a enorme civilização que<br />
nós criamos nestes derradeiros oitenta anos, a<br />
civilização material, a política, a econômica, a social, a<br />
literária, a artística que matou o nosso riso (...). Tanto<br />
complicamos a nossa existência social, que a ação, no<br />
meio dela, pelo esforço prodigioso que reclama, se<br />
tornou uma dor grande: (...). Os homens de ação e de<br />
pensamento, hoje, estão implacavelmente votados à<br />
melancolia.<br />
[QUEIRÓS, Eça de. A decadência do riso. In: Not<strong>as</strong><br />
contemporâne<strong>as</strong>. Lisboa: Edição Livros do Br<strong>as</strong>il, s/d., p. 165,<br />
citado em A POSTURA (ANTI-) DÂNDI E A NOÇÃO DE<br />
DECADÊNCIA NO CONTO CIVILIZAÇÃO, DE EÇA DE QUEIRÓS<br />
Michele Dull Sampaio Beraldo Matter (UFRJ – CNPQ)]
Freud chega ao argumento de que “o que chamamos<br />
de nossa civilização é em grande parte responsável<br />
por nossa desgraça e que seríamos muito mais<br />
felizes se a abandonássemos e retornássemos às<br />
condições primitiv<strong>as</strong>.”<br />
[FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização., 1997, p. 38 citado<br />
em A POSTURA (ANTI-) DÂNDI E A NOÇÃO DE DECADÊNCIA NO<br />
CONTO CIVILIZAÇÃO, DE EÇA DE QUEIRÓS Michele Dull<br />
Sampaio Beraldo Matter (UFRJ – CNPQ)]
Fazem um p<strong>as</strong>seio pela periferia de Paris.<br />
Na colina da B<strong>as</strong>ílica do Sacré-Coeur,<br />
reparam na miséria da <strong>cidade</strong>. Jacinto<br />
afirma que a <strong>cidade</strong> é a maior ilusão.<br />
Desilusão
Gustave Caillebotte,<br />
Vue toits, effet de neige (1878)
Fuvest 2010 - Leia o excerto de A <strong>cidade</strong> e <strong>as</strong> serr<strong>as</strong>, de Eça<br />
de Queirós, e responda ao que se pede.<br />
Era um domingo silencioso, enevoado e macio, convidando<br />
às voluptuosidades da melancolia. E eu (no interesse da minha<br />
alma) sugeri a Jacinto que subíssemos à b<strong>as</strong>ílica do Sacré-<br />
Coeur, em construção nos altos de Montmartre. (...) M<strong>as</strong> a<br />
b<strong>as</strong>ílica em cima não nos interessou, abafada em tapumes e<br />
andaimes, toda branca e seca, de pedra muito nova, ainda sem<br />
alma. E Jacinto, por um impulso bem jacíntico, caminhou<br />
gulosamente para a borda do terraço, a contemplar Paris. Sob o<br />
céu cinzento, na planície cinzenta, a <strong>cidade</strong> jazia, toda cinzenta,<br />
como uma v<strong>as</strong>ta e grossa camada de caliça* e telha. E, na sua<br />
imobilidade e na sua mudez, algum rolo de fumo**, mais tênue e<br />
ralo que o fumear de um escombro mal apagado, era todo o<br />
vestígio visível de sua vida magnífica.<br />
*Caliça: pó ou fragmentos de argam<strong>as</strong>sa ressequida, que<br />
sobram de uma construção ou resultam da demolição de uma<br />
obra de alvenaria.<br />
**Fumo: fumaça.
a) Em muit<strong>as</strong> narrativ<strong>as</strong>, lugares elevados tornam-se locais em<br />
que se dão percepções extraordinári<strong>as</strong> ou revelações. No<br />
contexto da obra, é isso que irá acontecer nos “altos de<br />
Montmartre”, referidos no trecho? Justifique sua resposta.<br />
b) Tendo em vista o contexto histórico da obra, por que é Paris<br />
a <strong>cidade</strong> escolhida para representar a vida urbana? Explique<br />
sucintamente.<br />
c) Sintetizando-se os termos com que, no excerto, Paris é<br />
descrita, que imagem da <strong>cidade</strong> finalmente se obtém?<br />
Explique sucintamente.
“-Sua Excelência sofre de fartura”<br />
Pessimismo<br />
No auge da insatisfação,<br />
entrega-se então à<br />
leitura do Eclesi<strong>as</strong>tes,<br />
segundo o qual "tudo é<br />
vaidade", e à filosofia<br />
pessimista de<br />
Schopenhauer, para<br />
quem a vida é um<br />
pêndulo que oscila entre<br />
o tédio e o sofrimento.
Três di<strong>as</strong> após essa festa,<br />
Jacinto recebeu uma<br />
correspondência de Portugal,<br />
com a informação de que sua<br />
propriedade n<strong>as</strong> serr<strong>as</strong> de<br />
Tormes havia sido muito<br />
c<strong>as</strong>tigada por uma terrível<br />
tempestade, que soterrara a<br />
capelinha do século XVI e o<br />
cemitério contiguo, onde jaziam<br />
vários ancestrais do fidalgo.<br />
Para Tormes
Jacinto é obrigado a viajar para<br />
Tormes. Vai em companhia de<br />
Zé Fernandes. Para garantir seu<br />
conforto, envia para lá uma<br />
série de aparelhos e livros.<br />
A viagem de trem, sob uma<br />
forte chuva, é extremamente<br />
atribulada.<br />
Para Tormes
Chegada a Tormes<br />
Após muitos<br />
incidentes chegam à<br />
pequena estação de<br />
Tormes.
Chegada a Tormes<br />
M<strong>as</strong> ninguém os esperava e <strong>as</strong><br />
bagagens se extraviaram. Foram<br />
para Alba de Tormes, na Espanha.<br />
Jacinto e Zé Fernandes sobem a<br />
serra no lombo de burros e a única<br />
bagagem é a roupa do corpo.
O Solar dos<br />
Jacintos<br />
Ao chegarem encontram<br />
um c<strong>as</strong>arão de pedra<br />
muito antigo e muito<br />
rústico. Servem-lhes<br />
uma sopa c<strong>as</strong>eira para<br />
matarem a fome.
Com a p<strong>as</strong>sar do tempo, Jacinto vai<br />
entrando em contato mais íntimo<br />
com a natureza, com o mundo<br />
simples, o que o leva a ter uma nova<br />
perspectiva sobre a vida.<br />
No campo
A <strong>cidade</strong> e <strong>as</strong> serr<strong>as</strong><br />
Civilização<br />
Natureza<br />
+ -<br />
- +<br />
X<br />
Civilização<br />
Natureza
Para os vales, poderosamente<br />
cavados, desciam bandos de<br />
arvoredos, tão copados e<br />
redondos, um verde tão moço, que<br />
eram como um musgo macio onde<br />
apetecia rolar."<br />
A descrição da natureza é<br />
carregada de lirismo.
“Através dos muros seculares,<br />
que sustêm <strong>as</strong> terr<strong>as</strong> liados pel<strong>as</strong><br />
her<strong>as</strong>, rompiam gross<strong>as</strong> raízes<br />
coleantes a que mais hera se<br />
enroscava. Em todo o torrão, de cada<br />
fenda, brotavam flores silvestres."
“Assim, vagarosamente e<br />
maravilhados, chegamos àquela<br />
avenida de fai<strong>as</strong>, que sempre me<br />
encantara pela sua fidalga gravidade.”
No campo<br />
Era com delíci<strong>as</strong>, com um consolado sentimento de<br />
estabilidade recuperada, que [Jacinto] enterrava os grossos sapatos<br />
n<strong>as</strong> terr<strong>as</strong> moles, como no seu elemento natural e paterno: sem razão,<br />
deixava os trilhos fáceis, para se embrenhar através de arbustos<br />
emaranhados, e receber na face a carícia d<strong>as</strong> folh<strong>as</strong> tenr<strong>as</strong>(...)
- Como a inteligência aqui se liberta, hem? E como tudo é<br />
animado duma vida forte e profunda...!<br />
(...) E depois, menino, que inesgotável, que miraculosa<br />
diversidade de form<strong>as</strong>... E tod<strong>as</strong> bel<strong>as</strong>!
Na <strong>cidade</strong>, pelo contrário, cada c<strong>as</strong>a<br />
repete servilmente a outra c<strong>as</strong>a; tod<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />
faces reproduzem a mesma indiferença ou a<br />
mesma inquietação; <strong>as</strong> idei<strong>as</strong> têm tod<strong>as</strong> o<br />
mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma<br />
forma, como <strong>as</strong> libr<strong>as</strong>; e até o que há mais<br />
pessoal e íntimo, a ilusão, em tod<strong>as</strong> idêntica, e<br />
todos a respiram, e todos se perdem nela<br />
como no mesmo nevoeiro... A mesmice, eis o<br />
horror d<strong>as</strong> <strong>cidade</strong>s!<br />
A mesmice, eis o horror d<strong>as</strong><br />
<strong>cidade</strong>s!
(-)<br />
Falibilidade<br />
Consumismo<br />
Futilidade<br />
Artificialismo<br />
Mesmice<br />
Cidade X Campo<br />
Tecnologia<br />
Novidades<br />
Pesso<strong>as</strong><br />
Cultura<br />
(+)<br />
Simpli<strong>cidade</strong><br />
Inteligência<br />
Diversidade<br />
de form<strong>as</strong><br />
O encontro<br />
consigo<br />
Autenti<strong>cidade</strong>
Unicamp 2008 - O trecho abaixo pertence ao capítulo VIII de A <strong>cidade</strong> e <strong>as</strong> serr<strong>as</strong>,<br />
em que se narra a viagem de Jacinto a Tormes.<br />
Trepávamos então alguma ruazinha de aldeia, dez ou doze c<strong>as</strong>ebres, sumidos entre<br />
figueir<strong>as</strong>, onde se esgarçava, fugindo do lar pela telha-vã o fumo branco e cheiroso<br />
d<strong>as</strong> pinh<strong>as</strong>. Nos cerros remotos, por cima da negrura pensativa dos pinheirais,<br />
branquejavam ermid<strong>as</strong>. O ar fino e puro entrava na alma, e na alma espalhava<br />
alegria e força. Um esparso tilintar de chocalhos de guizos morria pel<strong>as</strong> quebrad<strong>as</strong>...<br />
Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava:<br />
— Que beleza!<br />
E eu atrás, no burro de Sancho, murmurava:<br />
— Que beleza!<br />
Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho.<br />
(Eça de Queiroz, Obra Completa. Beatriz Berrini (org.). Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997, Vol.II, pp. 561,<br />
grifos nossos.)<br />
a) (Adaptada) De que maneira pode-se<br />
estabelecer uma relação intertextual d<strong>as</strong><br />
personagens de A Cidade e <strong>as</strong> serr<strong>as</strong> com<br />
Dom Quixote e Sancho Pança?<br />
b) Explique a relação entre o protagonista e<br />
a paisagem n<strong>as</strong> du<strong>as</strong> fr<strong>as</strong>es sublinhad<strong>as</strong>.
Do mesmo modo que<br />
idealizara a vida urbana,<br />
p<strong>as</strong>sa por um momento de<br />
euforia com a vida no campo.<br />
Euforia
No entanto, uma forte<br />
tempestade o fará entrar em<br />
contato com a fúria da natureza.<br />
Ao se abrigar em uma cabana,<br />
encontra um garoto pobre, filho<br />
de um colono. Perceberá,<br />
portanto, que há fome e doença<br />
em su<strong>as</strong> terr<strong>as</strong>.
-M<strong>as</strong> este pequeno também parece doente! - exclamou<br />
Jacinto. - Coitado, tão amarelo!... Tu também estás doente?<br />
O rapazito emudecera, chupando o dedo, com os tristes<br />
olhos p<strong>as</strong>mados. E o Silvério sorria, com bondade:<br />
-Nada! este é sãozinho... Coitado, é <strong>as</strong>sim amarelado e<br />
enfezadito porque... Que quer V.Exª? Mal comido! muita<br />
miséria.... Quando há o bocadito de pão é para todo o<br />
rancho. Fomezinha, fomezinha!<br />
Jacinto pulou bruscamente da borda do carro.<br />
-Fome? Então ele tem fome? Há aqui gente com fome?<br />
Os seus olhos rebrilhavam, num espanto comovido, em que<br />
pediam, ora a mim, ora ao Silvério, a confirmação desta<br />
miséria insuspeitada. E fui eu que esclareci o meu Príncipe:<br />
-Homem! Está claro que há fome! Tu imaginav<strong>as</strong> talvez que<br />
o Paraíso se tinha perpetuado aqui n<strong>as</strong> serr<strong>as</strong>, sem trabalho<br />
e sem miséria...
Protetor dos pobres<br />
Assumirá, a partir daí,<br />
o papel de um grande<br />
bem feitor, protetor<br />
dos pobres.<br />
Seb<strong>as</strong>tianismo – Jacinto vai ser confundido<br />
com a figura mítica de Dom Seb<strong>as</strong>tião: aquele<br />
que, após o desaparecimento, voltará para<br />
restabelecer a ordem.
O Grilo arredou os óculos para a testa, e<br />
levantando para o ar os cinco dedos em curva<br />
como pétal<strong>as</strong> duma tulipa:<br />
-Sua Exª brotou!<br />
Profundo sempre o digno preto! Sim! Aquele<br />
ressequido galho da Cidade, plantado na serra,<br />
pregara, chupara o humo do torrão herdado, criara<br />
seiva, afundara raízes, engrossara de tronco,<br />
atirara ramos, rebentara em flores, forte, sereno,<br />
ditoso, benéfico, nobre, dando frutos, derramando<br />
sombra. E abrigados pela grande árvore, e pôr ela<br />
nutridos, cem c<strong>as</strong>ais em redor a bendiziam.
Paris<br />
Galho ressequido<br />
Tédio, pessimismo e<br />
infeli<strong>cidade</strong><br />
JACINTO<br />
Árvore protetora<br />
Tormes<br />
Árvore: sombra,<br />
alimento, abrigo.<br />
Proteção aos mais<br />
humildes.<br />
Raízes: fixação,<br />
sustentação<br />
Preso à tradição<br />
Terra: Natureza<br />
Pátria – Portugal
FUVEST 1995 - Os romances de Eça de Queirós<br />
costumam apresentar crític<strong>as</strong> a <strong>as</strong>pectos importantes<br />
da sociedade portuguesa, freqüentemente<br />
acompanhad<strong>as</strong> de propost<strong>as</strong> (explícit<strong>as</strong> ou implícit<strong>as</strong>)<br />
de reforma social. Em A Cidade e <strong>as</strong> Serr<strong>as</strong>'.<br />
a) qual o <strong>as</strong>pecto que se critica n<strong>as</strong> elites<br />
portugues<strong>as</strong>?<br />
b) qual é a relação, segundo preconiza o romance,<br />
que ess<strong>as</strong> elites deveriam estabelecer com <strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses<br />
subaltern<strong>as</strong>?
Seb<strong>as</strong>tianismo<br />
Então, de trás da umbreira da taverna, uma grande voz<br />
bradou, cavamente, solenemente:<br />
-Bendito seja o Pai dos Pobres!<br />
E um estranho velho, de longos cabelos brancos, barb<strong>as</strong><br />
branc<strong>as</strong>, que lhe comiam a face cor de tijolo, <strong>as</strong>somou no vão<br />
da porta, apoiado a um bordão, com uma caixa a tiracolo, e<br />
cravou em Jacinto dois olhinhos de um brilho negro, que<br />
faiscavam. Era o tio João Torrado, o profeta da serra... Logo<br />
lhe estendi a mão, que ele apertou, sem despegar de Jacinto<br />
os olhos, que se dilatavam mais negros. E mandei vir outro<br />
copo, apresentei Jacinto, que corara, embaraçado.<br />
-Pois aqui o tem, o senhor de Tormes, que fez por aí todo esse<br />
bem à pobreza.
O velho atirou para ele bruscamente o braço, que saía,<br />
cabeludo e qu<strong>as</strong>e negro, de uma manga muito curta.<br />
-A mão!<br />
E quando Jacinto lha deu, depois de arrancar vivamente a<br />
luva, João Torrado longamente lha reteve com um sacudir<br />
lento e pensativo, murmurando:<br />
-Mão real, mão de dar, mão que vem de cima, mão já rara!<br />
[...] Eu então debrucei a face para ele, mais em confidência:<br />
-M<strong>as</strong>, ó tio João, ouça cá! Sempre é certo você dizer por aí,<br />
pelos sítios, que el-rei D. Seb<strong>as</strong>tião voltara?
(Fuvest 2009) Leia o trecho de A <strong>cidade</strong> e <strong>as</strong> serr<strong>as</strong>, de<br />
Eça de Queirós, e responda ao que se pede.<br />
a) No trecho, Jacinto é chamado, pelo velho, de “Pai dos Pobres”.<br />
Essa qualificação indica que Jacinto mantinha com os pobres da<br />
serra uma relação democrática e igualitária? Justifique sua resposta.<br />
b) Tendo em vista o contexto da obra, explique sucintamente por que<br />
o narrador, no final do trecho, se refere a “el-rei D. Seb<strong>as</strong>tião”.
a) Não. Apesar da benevolência e d<strong>as</strong> bem feitori<strong>as</strong> de<br />
Jacinto, semanticamente a palavra pai pressupõe um posição<br />
de superioridade. O próprio trecho proposto exemplifica esta<br />
tese, pois ao cumprimentar o Tio João Torrado, Jacinto retira<br />
su<strong>as</strong> luv<strong>as</strong> - símbolo de sua posição aristocrática. Por seu<br />
turno, o velho se ext<strong>as</strong>ia: "Mão real, mão de dar, mão que<br />
vem de cima, mão já rara." Por outro lado, e numa<br />
perspectiva mais ampla, a obra (e conseguintemente seu<br />
autor) não propõem uma ruptura com <strong>as</strong> velh<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong><br />
econômic<strong>as</strong> e sociais seculares, que não são democrátic<strong>as</strong>,<br />
pois não há participação popular n<strong>as</strong> decisões polític<strong>as</strong>, e<br />
nem igualitári<strong>as</strong>, uma vez que <strong>as</strong> relações sociais são<br />
verticalizad<strong>as</strong>. Jacinto mantém a posse de su<strong>as</strong> propriedades<br />
e sobrevive com a renda advinda del<strong>as</strong>. Trata-se, em última<br />
análise, de um paternalismo social, disfarçado de um<br />
"socialismo humanitarista".
) O seb<strong>as</strong>tianismo é um mito que pertence ao imaginário<br />
português e que atravessou também o Atlântico chegando ao<br />
Br<strong>as</strong>il. Trata-se da crença messiânica da volta do Rei Dom<br />
Seb<strong>as</strong>tião, incorporado em um alguém "importante", que tem<br />
a missão de restaurar a "ordem" em meio ao caos, e trazer a<br />
Redenção - a Glória e a Feli<strong>cidade</strong>. De teor fortemente<br />
religioso, pressupõe um profeta - "Era o tio João Torrado, o<br />
profeta da serra..." - que anuncia e reconhece o salvador -<br />
Jacinto, "o senhor de Tormes, que fez por aí todo esse bem a<br />
pobreza."
Movimentos de Jacinto<br />
Primeira parte Segunda parte<br />
1º mov.<br />
2º mov.<br />
1º mov. – euforia pela civilização<br />
2º mov. – desânimo - falh<strong>as</strong> da<br />
tecnologia<br />
3º mov. – Infeli<strong>cidade</strong> e pessimismo<br />
4º mov.<br />
José Fernandes<br />
3º mov. 5º mov.<br />
4º mov. – euforia pela natureza<br />
5º mov. – disforia - fome, miséria e<br />
doença entre a população pobre<br />
6º mov. – Equilíbrio - benfeitori<strong>as</strong><br />
6º mov.
O equilíbrio<br />
Atingirá Jacinto encontra um equilíbrio seu<br />
ao caminho: unir o que c<strong>as</strong>a-se a<br />
sociedade com Joaninha, urbana prima tem<br />
de melhor Zé Fernandes, e útil, e<br />
como, tem com por ela exemplo dois o<br />
telefone, filhos, Jacinto com a e<br />
simpli<strong>cidade</strong> Teresa.<br />
dos<br />
camponeses.
A feli<strong>cidade</strong> final<br />
O “Príncipe da Grã-Ventura” deixará,<br />
definitivamente, o artificialismo da <strong>cidade</strong>.<br />
Na vida simples encontra, finalmente, a paz e a<br />
feli<strong>cidade</strong> perdid<strong>as</strong>.
Fim
(Fuvest) Texto para a próxima questão<br />
Já a tarde caía quando recolhemos muito lentamente. E toda essa adorável paz do céu,<br />
realmente celestial, e dos campos, onde cada folhinha conservava uma quietação<br />
contemplativa, na luz docemente desmaiada, pousando sobre <strong>as</strong> cois<strong>as</strong> com um liso e leve<br />
afago, penetrava tão profundamente Jacinto, que eu o senti, no silêncio em que caíramos<br />
suspirar de puro alívio.<br />
Depois, muito gravemente:<br />
- Tu dizes que na Natureza não há pensamento...<br />
- Outra vez! Olha que maçada! Eu...<br />
- M<strong>as</strong> é por estar nela suprimido o pensamento que lhe está poupado o sofrimento! Nós,<br />
desgraçados, não podemos suprimir o pensamento, m<strong>as</strong> certamente o podemos disciplinar<br />
e impedir que ele se estonteie e se esfalfe como na fornalha d<strong>as</strong> <strong>cidade</strong>s, ideando gozos que<br />
nunca se realizam, <strong>as</strong>pirando a certez<strong>as</strong> que nunca se atingem!... E é o que aconselham est<strong>as</strong><br />
colin<strong>as</strong> e est<strong>as</strong> árvores à nossa alma, que vela e se agita - que viva na paz de um sonho vago<br />
e nada apeteça, nada tema, contra nada se insurja, e deixe o mundo rolar, não esperando<br />
dele senão um rumor de harmonia, que a embale e lhe favoreça o dormir dentro da mão de<br />
Deus. Hem, não te parece, Zé Fernandes?<br />
- Talvez. M<strong>as</strong> é necessário então viver num mosteiro, com o temperamento de S. Bruno, ou<br />
ter cento e quarenta contos de renda e o desplante de certos Jacintos...<br />
Eça de Queirós, A <strong>cidade</strong> e <strong>as</strong> serr<strong>as</strong>.
1. Considerado no contexto de A <strong>cidade</strong> e <strong>as</strong> serr<strong>as</strong>, o diálogo presente no<br />
excerto revela que, nesse romance de Eça de Queirós, o elogio da natureza<br />
e da vida rural<br />
a) indica que o escritor, em sua última f<strong>as</strong>e, abandonara o Realismo em<br />
favor do Naturalismo, privilegiando, de certo modo, a observação da<br />
natureza em detrimento da crítica social.<br />
b) demonstra que a consciência ecológica do escritor já era desenvolvida o<br />
b<strong>as</strong>tante para fazê-lo rejeitar, ao longo de toda a narrativa, <strong>as</strong> intervenções<br />
human<strong>as</strong> no meio natural.<br />
X<br />
c) guarda <strong>as</strong>pectos conservadores, predominantemente voltados para a<br />
estabilidade social, embora o escritor mantenha, em certa medida, a prática<br />
da ironia que o caracteriza.<br />
d) serve de pretexto para que o escritor critique, sob certos <strong>as</strong>pectos, os<br />
efeitos da revolução industrial e da urbanização acelerada que se haviam<br />
processado em Portugal nos primeiros anos do Século XIX.<br />
e) veicula uma sátira radical da religião, embora o escritor simule conservar,<br />
até certo ponto, a veneração pela Igreja Católica que manifestara em seus<br />
primeiros romances.