14.04.2013 Views

MILANEZ, Nilton. Prólogo de uma história para a vida - Uesb

MILANEZ, Nilton. Prólogo de uma história para a vida - Uesb

MILANEZ, Nilton. Prólogo de uma história para a vida - Uesb

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

24 <strong>Nilton</strong> Milatlez<br />

a regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pertencer ao Sudoeste, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que se formata<br />

nos poucos segundos em que nossos olhos vêem a tela e lêem o título<br />

que a segue.<br />

Terceiro: ainda, nesse breve percurso, gostaria <strong>de</strong> colocar em<br />

relevo aspectos que tangem a relação do corpo do sujeito na tela, com os<br />

objetos que produz: os vasos. A cabeça do sujeito na tela não apresenta<br />

i<strong>de</strong>ntificações fisiogonômicas, não pelo menos da maneira como<br />

pensamos encontrar, com traços <strong>de</strong> homem, mulher, velho ou criança<br />

etc. A cabeça, em sua forma redonda, se assemelha, por i<strong>de</strong>ntificação,<br />

ao vaso, criando o efeito <strong>de</strong> que a cabeça é também um vaso e que está<br />

na mesma or<strong>de</strong>m que eles, trazendo o seguinte percurso: vasos no chão,<br />

vaso que vai ser colocado no chão, vaso/cabeça que se alinha nessa<br />

or<strong>de</strong>m. Ressalto, também, que a cabeça, o que mostraria a i<strong>de</strong>ntificação<br />

por meio <strong>de</strong> um rosto, tomada como vaso, po<strong>de</strong> ser compreendida como<br />

a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que se constrói. Por último, chamo a<br />

atenção <strong>para</strong> os movimentos das linhas do corpo da personagem que<br />

colocam-na em relação direta com o vaso. Vaso e ceramista, portanto,<br />

são partes dos mesmos elementos.<br />

Quarto: como vimos, o sujeito da tela não é somente aquele que<br />

fabrica os vasos, mas é também o próprio vaso. Sob essa perspectiva, ser e<br />

fazer se encontram no mesmo nivel discursivo. Por isso, gostaria <strong>de</strong> refletir<br />

sobre o ato <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar. Mo<strong>de</strong>lar significa colocar em mol<strong>de</strong>, o que traz, a<br />

priori, <strong>uma</strong> idéia <strong>de</strong> normatização, homogeneização, disciplina coercitiva,<br />

o que apagaria o processo <strong>de</strong> fabricação no binômio fabricação/invenção.<br />

Contrariando a idéia primeira da disciplinarização, a tela reproduz o<br />

discurso <strong>de</strong> <strong>uma</strong> força plástica criadora, <strong>uma</strong> vez que a produção dos<br />

vasos nasce, sobretudo, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> massa disforme, a argila, que respeitará os<br />

<strong>de</strong>sejos e vonta<strong>de</strong>s do criador das formas em cerâmica. Aqui está, a meu<br />

ver, o traço i<strong>de</strong>ntitário que o enunciado <strong>de</strong>ixa transparecer: esse sujeito,<br />

caracterizado pelo ato da fabricação, ou seja, da invenção, é a configuração<br />

<strong>de</strong> um sujeito marcado por <strong>uma</strong> força plástica, que reinventa os sujeitos.<br />

E como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, essa <strong>história</strong> não é apresentada pelas<br />

gran<strong>de</strong>s autorida<strong>de</strong>s ou governantes, não estamos diante da <strong>história</strong> dos<br />

célebres. O lugar que esse sujeito da recriação ocupa está ancorado no<br />

Prólo!!,o <strong>de</strong> lI",a lustána <strong>para</strong> a tuia<br />

sujeito comum, aquele do dia-a-dia, que vive o cotidiano, escrevendo-se<br />

e mo<strong>de</strong>lando-se ao se inscrever na <strong>história</strong>.<br />

4. Uma memória do presente<br />

Ceramista do Sudoeste na 1 é, então, o inicio <strong>de</strong> <strong>uma</strong> pequena<br />

arqueologia do imaginário sobre o sujeito do sudoeste baiano, compondo<br />

um arquivo, inferência que faço a partir <strong>de</strong> "na 1", inicio mais do que <strong>de</strong><br />

<strong>uma</strong> série <strong>de</strong> telas, mas um mosaico das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s do sujeito baiano.<br />

lão há <strong>história</strong> sem memória e, antes <strong>de</strong> mais nada, precisamos enten<strong>de</strong>r<br />

que discursos isso <strong>de</strong>flagra. A <strong>história</strong> que temos presente na tela <strong>de</strong><br />

Romeu Ferreira é <strong>uma</strong> <strong>história</strong> que tem em si con<strong>de</strong>nsada memórias do<br />

passado, mas que marcam o nosso presente histórico, <strong>de</strong>ixando brechas<br />

<strong>para</strong> se compreen<strong>de</strong>r o futuro por vir. ão basta olhar <strong>para</strong> a <strong>história</strong><br />

<strong>para</strong> investigar o seu passado, fechando-se nele. Essencial é caminhar<br />

na <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> histórica, seguindo o fio que ora se enrola ora se<br />

<strong>de</strong>senrola em direções que nem sempre po<strong>de</strong>mos prever. Essencial é ter<br />

em mente a pergunta iluminista retomada por Foucault "Quem somos<br />

nós nesse momento?" (FOUCAULT, 2001, p.783), no encontro <strong>de</strong>sse<br />

"hoje" com <strong>uma</strong> memória do presente, eternalizada na tela apresentada.<br />

Dessa maneira, po<strong>de</strong>mos começar a compreen<strong>de</strong>r as relações entre<br />

<strong>história</strong> , memória e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> no interior dos estudos sobre o discurso.<br />

Para finalizar, ao lado <strong>de</strong> Nietzsche, compreendo que Ceramista do<br />

Sudoeste na 1, <strong>de</strong> Romeu Ferreira, <strong>para</strong> além <strong>de</strong> <strong>uma</strong> tela, é o marco <strong>de</strong><br />

<strong>uma</strong> "<strong>história</strong> que serve à <strong>vida</strong>" (NIETZSCHE, 2003, p. 27).<br />

5. Referências<br />

FOUCAULT, Michel. O que são as luzes? In: o<br />

11, 1976-1988. Paris: Quarto-Gallimard, 2001.<br />

____ o Arqueologia<br />

2000a.<br />

25<br />

Dits et Ecrits<br />

do saber. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!