14.04.2013 Views

A Imitação de Cristo - Tomás de Kempis - paroquiasaobraz.com.br

A Imitação de Cristo - Tomás de Kempis - paroquiasaobraz.com.br

A Imitação de Cristo - Tomás de Kempis - paroquiasaobraz.com.br

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A <strong>Imitação</strong> <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> - <strong>Tomás</strong> <strong>de</strong> <strong>Kempis</strong><<strong>br</strong> />

LIVRO PRIMEIRO<<strong>br</strong> />

AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 1<<strong>br</strong> />

Da imitação <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> e <strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong> todas as vaida<strong>de</strong>s do mundo<<strong>br</strong> />

1. Quem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor (Jo 8,12).<<strong>br</strong> />

São estas as palavras <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, pelas quais somos advertidos<<strong>br</strong> />

que imitemos sua vida e seus costumes, se verda<strong>de</strong>iramente<<strong>br</strong> />

queremos ser iluminados e livres <strong>de</strong> toda cegueira <strong>de</strong> coração.<<strong>br</strong> />

Seja, pois, o nosso principal empenho meditar so<strong>br</strong>e a vida <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Jesus <strong>Cristo</strong>.<<strong>br</strong> />

2. A doutrina <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> é mais excelente que a <strong>de</strong> todos os<<strong>br</strong> />

santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná<<strong>br</strong> />

escondido. Suce<strong>de</strong>, porém, que muitos, embora ouçam<<strong>br</strong> />

frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que<<strong>br</strong> />

não possuem o espírito <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>. Quem quiser <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r e<<strong>br</strong> />

saborear plenamente as palavras <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> é-lhe preciso que<<strong>br</strong> />

procure conformar à <strong>de</strong>le toda a sua vida.<<strong>br</strong> />

3. Que te aproveita discutires sabiamente so<strong>br</strong>e a SS. Trinda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

se não és humil<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sagradando, assim, a essa mesma<<strong>br</strong> />

Trinda<strong>de</strong>? Na verda<strong>de</strong>, não são palavras elevadas que fazem o<<strong>br</strong> />

homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a<<strong>br</strong> />

Deus. Prefiro sentir a contrição <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> minha alma, a saber<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>fini-la. Se soubesses <strong>de</strong> cor toda a Bíblia e as sentenças <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todos os filósofos, <strong>de</strong> que te serviria tudo isso sem a carida<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

a graça <strong>de</strong> Deus? Vaida<strong>de</strong> das vaida<strong>de</strong>s, e tudo é vaida<strong>de</strong> (Ecle<<strong>br</strong> />

1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria<<strong>br</strong> />

é esta: pelo <strong>de</strong>sprezo do mundo ten<strong>de</strong>r ao reino dos céus.<<strong>br</strong> />

4. Vaida<strong>de</strong> é, pois, buscar riquezas perecedoras e confiar nelas.<<strong>br</strong> />

Vaida<strong>de</strong> é também ambicionar honras e <strong>de</strong>sejar posição<<strong>br</strong> />

elevada. Vaida<strong>de</strong>, seguir os apetites da carne e <strong>de</strong>sejar aquilo<<strong>br</strong> />

pelo que, <strong>de</strong>pois, serás gravemente castigado. Vaida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sejar<<strong>br</strong> />

longa vida e, entretanto, <strong>de</strong>scuidar-se <strong>de</strong> que seja boa.<<strong>br</strong> />

Vaida<strong>de</strong>, só aten<strong>de</strong>r à vida presente sem provi<strong>de</strong>nciar para a<<strong>br</strong> />

futura. Vaida<strong>de</strong>, amar o que passa tão rapidamente, e não<<strong>br</strong> />

buscar, pressuroso, a felicida<strong>de</strong> que sempre dura.


5. Lem<strong>br</strong>a-te a miúdo do provérbio: Os olhos não se fartam <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ver, nem os ouvidos <strong>de</strong> ouvir (Ecle 1,8). Portanto, procura<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sapegar teu coração do amor às coisas visíveis e afeiçoá-lo<<strong>br</strong> />

às invisíveis: pois aqueles que satisfazem seus apetites<<strong>br</strong> />

sensuais mancham a consciência e per<strong>de</strong>m a graça <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

CAPITULO 2<<strong>br</strong> />

Do humil<strong>de</strong> sentir <strong>de</strong> si mesmo<<strong>br</strong> />

1. Todo homem tem <strong>de</strong>sejo natural <strong>de</strong> saber; mas que aproveitará a<<strong>br</strong> />

ciência, sem o temor <strong>de</strong> Deus? Melhor é, por certo,<<strong>br</strong> />

o humil<strong>de</strong> camponês que serve a Deus, do que o filósofo soberbo<<strong>br</strong> />

que observa o curso dos astros, mas se <strong>de</strong>scuida <strong>de</strong> si mesmo.<<strong>br</strong> />

Aquele que se conhece bem se <strong>de</strong>spreza e não se <strong>com</strong>praz em<<strong>br</strong> />

humanos louvores. Se eu soubesse quanto há no mundo, porém me<<strong>br</strong> />

faltasse a carida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que me serviria isso perante Deus, que me há<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> julgar segundo minhas o<strong>br</strong>as?<<strong>br</strong> />

1. Renuncia ao <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> saber, porque nele há<<strong>br</strong> />

muita distração e ilusão. Os letrados gostam <strong>de</strong> ser vistos e<<strong>br</strong> />

tidos por sábios. Muitas coisas há cujo conhecimento pouco<<strong>br</strong> />

ou nada aproveita à alma. E mui insensato é quem <strong>de</strong> outras<<strong>br</strong> />

coisas se ocupa e não das que tocam à sua salvação. As<<strong>br</strong> />

muitas palavras não satisfazem à alma, mas uma palavra boa<<strong>br</strong> />

refrigera o espírito e uma consciência pura inspira gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

confiança em Deus.<<strong>br</strong> />

2. Quanto mais e melhor souberes, tanto mais rigorosamente<<strong>br</strong> />

serás julgado, se <strong>com</strong> isso não viveres mais santamente. Não<<strong>br</strong> />

te <strong>de</strong>svaneças, pois, <strong>com</strong> qualquer arte ou conhecimento que<<strong>br</strong> />

recebeste. Se te parece que sabes e enten<strong>de</strong>s bem muitas<<strong>br</strong> />

coisas, lem<strong>br</strong>a-te que é muito mais o que ignoras. Não te<<strong>br</strong> />

presumas <strong>de</strong> alta sabedoria (Rom 11,20); antes, confessa a tua<<strong>br</strong> />

ignorância. Como tu queres a alguém te preferir, quando se<<strong>br</strong> />

acham muitos mais doutos do que tu e mais versados na lei?<<strong>br</strong> />

Se queres saber e apren<strong>de</strong>r coisa útil, <strong>de</strong>seja ser <strong>de</strong>sconhecido<<strong>br</strong> />

e tido por nada.<<strong>br</strong> />

3. Não há melhor e mais útil estudo que se conhecer<<strong>br</strong> />

perfeitamente e <strong>de</strong>sprezar-se a si mesmo. Ter-se por nada e<<strong>br</strong> />

pensar sempre bem e favoravelmente dos outros, prova é <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> sabedoria e perfeição. Ainda quando vejas alguém<<strong>br</strong> />

pecar publicamente ou <strong>com</strong>eter faltas graves, nem por isso te<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ves julgar melhor, pois não sabes quanto tempo po<strong>de</strong>rás


perseverar no bem. Nós todos somos fracos, mas a ninguém<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ves consi<strong>de</strong>rar mais fraco que a ti mesmo.<<strong>br</strong> />

CAPITULO 3<<strong>br</strong> />

Dos ensinamentos da verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

1. Bem-aventurado aquele a quem a verda<strong>de</strong> por si mesma<<strong>br</strong> />

ensina, não por figuras e vozes que passam, mas <strong>com</strong>o em si é.<<strong>br</strong> />

Nossa opinião e nossos juízos muitas vezes nos enganam e<<strong>br</strong> />

pouco alcançam. De que serve a sutil especulação so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

questões misteriosas e obscuras, <strong>de</strong> cuja ignorância não<<strong>br</strong> />

seremos julgados? Gran<strong>de</strong> loucura é <strong>de</strong>scurarmos as coisas<<strong>br</strong> />

úteis e necessárias, entregando-nos, <strong>com</strong> avi<strong>de</strong>z, às curiosas e<<strong>br</strong> />

nocivas. Temos olhos para não ver (Sl 113,13).<<strong>br</strong> />

2. Que se nos dá dos gêneros e das espécies dos filósofos? Aquele<<strong>br</strong> />

a quem fala o Verbo eterno se <strong>de</strong>sembaraça <strong>de</strong> muitas<<strong>br</strong> />

questões. Desse Verbo único proce<strong>de</strong>m todas as coisas e todas<<strong>br</strong> />

o proclamam e esse é o princípio que também nos fala (Jo<<strong>br</strong> />

8,25). Sem ele não há entendimento nem reto juízo. Quem<<strong>br</strong> />

acha tudo neste Único, e tudo a ele refere e nele tudo vê,<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rá ter o coração firme e permanecer em paz <strong>com</strong> Deus. Ó<<strong>br</strong> />

Deus <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, fazei-me um convosco na eterna carida<strong>de</strong>!<<strong>br</strong> />

Enfastia-me, muita vez, ler e ouvir tantas coisas; pois em vós<<strong>br</strong> />

acho tudo quanto quero e <strong>de</strong>sejo. Calemse todos os doutores,<<strong>br</strong> />

emu<strong>de</strong>çam todas as criaturas em vossa presença; falai-me vós<<strong>br</strong> />

só.<<strong>br</strong> />

3. Quanto mais recolhido for cada um e mais simples <strong>de</strong> coração,<<strong>br</strong> />

tanto mais sublimes coisas enten<strong>de</strong>rá sem esforço, porque do<<strong>br</strong> />

alto recebe a luz da inteligência. O espírito puro, singelo e<<strong>br</strong> />

constante não se distrai no meio <strong>de</strong> múltiplas ocupações<<strong>br</strong> />

porque faz tudo para honra <strong>de</strong> Deus, sem buscar em coisa<<strong>br</strong> />

alguma o seu próprio interesse. Que mais te impe<strong>de</strong> e perturba<<strong>br</strong> />

do que os afetos imortificados do teu coração? O homem bom e<<strong>br</strong> />

piedoso or<strong>de</strong>na primeiro no seu interior as o<strong>br</strong>as exteriores;<<strong>br</strong> />

nem estas o arrasam aos impulsos <strong>de</strong> alguma inclinação<<strong>br</strong> />

viciosa, senão que as submete ao arbítrio da reta razão. Que<<strong>br</strong> />

mais ru<strong>de</strong> <strong>com</strong>bate haverá do que procurar vencer-se a si<<strong>br</strong> />

mesmo? E este <strong>de</strong>veria ser nosso empenho: vencermo-nos a<<strong>br</strong> />

nós mesmos, tornarmo-nos cada dia mais fortes e<<strong>br</strong> />

progredirmos no bem.<<strong>br</strong> />

4. Toda a perfeição, nesta vida, é mesclada <strong>de</strong> alguma<<strong>br</strong> />

imperfeição, e todas as nossas luzes são misturadas <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

som<strong>br</strong>as. O humil<strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> ti mesmo é caminho


mais certo para Deus que as profundas pesquisas da ciência.<<strong>br</strong> />

Não é reprovável a ciência ou qualquer outro conhecimento<<strong>br</strong> />

das coisas, pois é boa em si e or<strong>de</strong>nada por Deus; sempre,<<strong>br</strong> />

porém, <strong>de</strong>vemos preferir-lhe a boa consciência e a vida<<strong>br</strong> />

virtuosa. Muitos, porém, estudam mais para saber, que para<<strong>br</strong> />

bem viver; por isso erram a miúdo e pouco ou nenhum fruto<<strong>br</strong> />

colhem.<<strong>br</strong> />

5. Ah! Se se empregasse tanta diligência em extirpar vícios e<<strong>br</strong> />

implantar virtu<strong>de</strong>s <strong>com</strong>o em ventilar questões, não haveria<<strong>br</strong> />

tantos males e escândalos no povo, nem tanta relaxação nos<<strong>br</strong> />

claustros. De certo, no dia do juízo não se nos perguntará o<<strong>br</strong> />

que lemos, mas o que fizemos; nem quão bem temos falado,<<strong>br</strong> />

mas quão honestamente temos vivido. Dize-me: on<strong>de</strong> estão<<strong>br</strong> />

agora todos aqueles senhores e mestres que bem conheceste,<<strong>br</strong> />

quando viviam e floresciam nas escolas? Já outros possuem<<strong>br</strong> />

suas prebendas, e nem sei se porventura <strong>de</strong>les se lem<strong>br</strong>am.<<strong>br</strong> />

Em vida pareciam valer alguma coisa, e hoje ninguém <strong>de</strong>les<<strong>br</strong> />

fala.<<strong>br</strong> />

6. Oh! Como passa <strong>de</strong>pressa a glória do mundo! Oxalá a sua vida<<strong>br</strong> />

tenha correspondido à sua ciência; porque, <strong>de</strong>starte, terão lido<<strong>br</strong> />

e estudado <strong>com</strong> fruto. Quantos, neste mundo, <strong>de</strong>scuidados do<<strong>br</strong> />

serviço <strong>de</strong> Deus, se per<strong>de</strong>m por uma ciência vã! E porque<<strong>br</strong> />

antes querem ser gran<strong>de</strong>s que humil<strong>de</strong>s, se esvaecem em seus<<strong>br</strong> />

pensamentos (Rom 1,21). Verda<strong>de</strong>iramente gran<strong>de</strong> é aquele<<strong>br</strong> />

que a seus olhos é pequeno e avalia em nada as maiores<<strong>br</strong> />

honras. Verda<strong>de</strong>iramente pru<strong>de</strong>nte é quem consi<strong>de</strong>ra <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

lodo tudo o que é terreno, para ganhar a <strong>Cristo</strong> (Flp 3,8). E<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iramente sábio aquele que faz a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus e<<strong>br</strong> />

renuncia a própria vonta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 4<<strong>br</strong> />

Da prudência nas ações<<strong>br</strong> />

1. Não se há <strong>de</strong> dar crédito a toda palavra nem a qualquer<<strong>br</strong> />

impressão, mas cautelosa e naturalmente se <strong>de</strong>ve, diante <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus, pon<strong>de</strong>rar as coisas. Mas, ai! Que mais facilmente<<strong>br</strong> />

acreditamos e dizemos dos outros o mal que o bem, tal é a<<strong>br</strong> />

nossa fraqueza. As almas perfeitas, porém, não crêem<<strong>br</strong> />

levianamente em qualquer coisa que se lhes conta, pois<<strong>br</strong> />

conhecem a fraqueza humana inclinada ao mal e fácil <strong>de</strong> pecar<<strong>br</strong> />

por palavras.<<strong>br</strong> />

2. Gran<strong>de</strong> sabedoria é não ser precipitado nas ações, nem<<strong>br</strong> />

aferrado obstinadamente à sua própria opinião; sabedoria é


também não acreditar em tudo que nos dizem, nem <strong>com</strong>unicar<<strong>br</strong> />

logo a outros o que ouvimos ou suspeitamos. Toma conselho<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> um varão sábio e consciencioso, e procura antes ser<<strong>br</strong> />

instruído por outrem, melhor que tu, que seguir teu próprio<<strong>br</strong> />

parecer. A vida virtuosa faz o homem sábio diante <strong>de</strong> Deus e<<strong>br</strong> />

entendido em muitas coisas. Quanto mais humil<strong>de</strong> for cada<<strong>br</strong> />

um em si e mais sujeito a Deus, tanto mais pru<strong>de</strong>nte será e<<strong>br</strong> />

calmo em tudo.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 5<<strong>br</strong> />

Da leitura das Sagradas Escrituras<<strong>br</strong> />

1. Nas Sagradas Escrituras <strong>de</strong>vemos buscar a verda<strong>de</strong>, e não a<<strong>br</strong> />

eloquência. Todo livro sagrado <strong>de</strong>ve ser lido <strong>com</strong> o mesmo<<strong>br</strong> />

espírito que o ditou. Nas Escrituras <strong>de</strong>vemos antes buscar<<strong>br</strong> />

nosso proveito que a sutileza da linguagem. Tão grata nos <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

ser a leitura dos livros simples e piedosos, <strong>com</strong>o a dos<<strong>br</strong> />

sublimes e profundos. Não te mova a autorida<strong>de</strong> do escritor, se<<strong>br</strong> />

é ou não <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s conhecimentos literários; ao contrário, lê<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> puro amor a verda<strong>de</strong>. Não procures saber quem o disse;<<strong>br</strong> />

mas consi<strong>de</strong>ra o que se diz.<<strong>br</strong> />

2. Os homens passam, mas a verda<strong>de</strong> do Senhor permanece<<strong>br</strong> />

eternamente (Sl 116,2). De vários modos nos fala Deus, sem<<strong>br</strong> />

acepção <strong>de</strong> pessoa. A nossa curiosida<strong>de</strong> nos embaraça, muitas<<strong>br</strong> />

vezes, na leitura das Escrituras; porque queremos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r e discutir o que se <strong>de</strong>via passar singelamente. Se<<strong>br</strong> />

queres tirar proveito, lê <strong>com</strong> humilda<strong>de</strong>, simplicida<strong>de</strong> e fé, sem<<strong>br</strong> />

cuidar jamais do renome <strong>de</strong> letrado. Pergunta <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

ouve calado as palavras dos santos; nem te <strong>de</strong>sagra<strong>de</strong>m as<<strong>br</strong> />

sentenças dos velhos, porque eles não falam sem razão.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 6<<strong>br</strong> />

Das afeições <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas<<strong>br</strong> />

1. Todas as vezes que o homem <strong>de</strong>seja alguma coisa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente, torna-se logo inquieto. O soberbo e o<<strong>br</strong> />

avarento nunca sossegam; entretanto, o po<strong>br</strong>e e o humil<strong>de</strong> <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

espírito vivem em muita paz. O homem que não é<<strong>br</strong> />

perfeitamente mortificado facilmente é tentado e vencido, até<<strong>br</strong> />

em coisas pequenas e insignificantes. O homem espiritual,<<strong>br</strong> />

ainda um tanto carnal e propenso à sensualida<strong>de</strong>, só a muito<<strong>br</strong> />

custo po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>sejos terrenos. Daí a


sua freqüente tristeza, quando <strong>de</strong>les se abstém, e fácil<<strong>br</strong> />

irritação, quando alguém o contraria.<<strong>br</strong> />

2. Se, porém, alcança o que <strong>de</strong>sejava, sente logo o remorso da<<strong>br</strong> />

consciência, porque obe<strong>de</strong>ceu à sua paixão, que nada vale<<strong>br</strong> />

para alcançar a paz que almejava. Em resistir, pois, às<<strong>br</strong> />

paixões, se acha a verda<strong>de</strong>ira paz do coração, e não em seguilas.<<strong>br</strong> />

Não há, portanto, paz no coração do homem carnal, nem<<strong>br</strong> />

no do homem entregue às coisas exteriores, mas somente no<<strong>br</strong> />

daquele que é fervoroso e espiritual.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 7<<strong>br</strong> />

Como se <strong>de</strong>ve fugir à vã esperança e presunção<<strong>br</strong> />

1. Insensato é quem põe sua esperança nos homens ou nas<<strong>br</strong> />

criaturas. Nào te envergonhes <strong>de</strong> servir a outrem por Jesus<<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong>, e ser tido <strong>com</strong>o po<strong>br</strong>e neste mundo. Não confies em ti<<strong>br</strong> />

mesmo, mas põe em Deus tua esperança. Faze <strong>de</strong> tua parte o<<strong>br</strong> />

que pu<strong>de</strong>res, e Deus ajudará tua boa vonta<strong>de</strong>. Não confies em<<strong>br</strong> />

tua ciência, nem na sagacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer vivente, mas antes<<strong>br</strong> />

na graça <strong>de</strong> Deus, que ajuda os humil<strong>de</strong>s e abate os<<strong>br</strong> />

presunçosos.<<strong>br</strong> />

2. Se tens riquezas, não te glories <strong>de</strong>las, nem dos amigos, por<<strong>br</strong> />

serem po<strong>de</strong>rosos, senão em Deus, que dá tudo, além <strong>de</strong> tudo,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>seja dar-se a si mesmo. Não te <strong>de</strong>svaneças <strong>com</strong> a airosida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ou formosura <strong>de</strong> teu corpo, que <strong>com</strong> pequena enfermida<strong>de</strong> se<<strong>br</strong> />

que<strong>br</strong>anta e <strong>de</strong>sfigura. Não te orgulhes <strong>de</strong> tua habilida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

teu talento, para que não <strong>de</strong>sagra<strong>de</strong>s a Deus, <strong>de</strong> quem é todo<<strong>br</strong> />

bem natural que tiveres.<<strong>br</strong> />

3. Não te reputes melhor que os outros para não seres<<strong>br</strong> />

consi<strong>de</strong>rado pior por Deus, que conhece tudo que há no<<strong>br</strong> />

homem. Não te ensoberbeças pelas boas o<strong>br</strong>as, porque os<<strong>br</strong> />

juízos dos homens são muito diferentes dos <strong>de</strong> Deus, a quem<<strong>br</strong> />

não raro <strong>de</strong>sagrada o que aos homens apraz. Se em ti houver<<strong>br</strong> />

algum bem, pensa que ainda melhores são os outros, para<<strong>br</strong> />

assim te conservares na humilda<strong>de</strong>. Nenhum mal te fará se te<<strong>br</strong> />

julgares inferior a todos; muito, porém, se a qualquer pessoa<<strong>br</strong> />

te preferires. De contínua paz goza o humil<strong>de</strong>; no coração do<<strong>br</strong> />

soberbo, porém, reinam inveja e iras sem conta.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 8<<strong>br</strong> />

Como se <strong>de</strong>ve evitar a excessiva familiarida<strong>de</strong>


1. Não a<strong>br</strong>as teu coração a qualquer homem (Eclo 8,22); mas<<strong>br</strong> />

trata <strong>de</strong> teus negócios <strong>com</strong> o sábio e temente a Deus. Com<<strong>br</strong> />

moços e estranhos conversa pouco. Não lisonjeies os ricos,<<strong>br</strong> />

nem busques aparecer muito na presença dos potentados.<<strong>br</strong> />

Busca a <strong>com</strong>panhia dos humil<strong>de</strong>s e simples, dos <strong>de</strong>votos e<<strong>br</strong> />

morigerados, e trata <strong>com</strong> eles <strong>de</strong> assuntos edificantes. Não<<strong>br</strong> />

tenhas familiarida<strong>de</strong> <strong>com</strong> mulher alguma; mas, em geral,<<strong>br</strong> />

en<strong>com</strong>enda a Deus todas as que são virtuosas. Procura<<strong>br</strong> />

intimida<strong>de</strong> <strong>com</strong> Deus apenas, e seus anjos, e foge <strong>de</strong> seres<<strong>br</strong> />

conhecidos dos homens.<<strong>br</strong> />

2. Carida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ve ter para <strong>com</strong> todos; mas não convém ter <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

todos a familiarida<strong>de</strong>. Suce<strong>de</strong>, freqüentemente, gozar <strong>de</strong> boa<<strong>br</strong> />

reputação pessoa <strong>de</strong>sconhecida que, na sua presença,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sagrada aos olhos dos que a vêem. Julgamos, às vezes,<<strong>br</strong> />

agradar aos outros <strong>com</strong> a nossa intimida<strong>de</strong>, mas antes os<<strong>br</strong> />

aborrecemos <strong>com</strong> os <strong>de</strong>feitos que em nós vão <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>indo.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 9<<strong>br</strong> />

Da obediência e submissão<<strong>br</strong> />

1. Gran<strong>de</strong> coisa é viver na obediência, sob a direção <strong>de</strong> um<<strong>br</strong> />

superior, e não dispor da própria vonta<strong>de</strong>. Muito mais seguro é<<strong>br</strong> />

obe<strong>de</strong>cer que mandar. Muitos obe<strong>de</strong>cem mais por necessida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que por amor: por isso sofrem e facilmente murmuram. Esses<<strong>br</strong> />

não alcançarão a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> espírito, enquanto não se<<strong>br</strong> />

sujeitarem <strong>de</strong> todo o coração, por amor <strong>de</strong> Deus. Anda por<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> quiseres: não acharás <strong>de</strong>scanso senão na humil<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

sujeição e obediência ao superior. A imaginação dos lugares e<<strong>br</strong> />

mudanças a muitos tem iludido.<<strong>br</strong> />

2. Verda<strong>de</strong> é que cada um gosta <strong>de</strong> seguir seu próprio parecer e<<strong>br</strong> />

mais se inclina àqueles que participam da sua opinião.<<strong>br</strong> />

Entretanto, se Deus está conosco, cumpre-nos, às vezes,<<strong>br</strong> />

renunciar ao nosso parecer por amor da paz. Quem é tão sábio<<strong>br</strong> />

que possa saber tudo <strong>com</strong>pletamente? Não confies, pois,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>masiadamente em teu próprio juízo; mas aten<strong>de</strong> também, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

boa mente, ao dos <strong>de</strong>mais. Se o teu parecer for bom e o<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixares, por amor <strong>de</strong> Deus, para seguires o <strong>de</strong> outrem, muito<<strong>br</strong> />

lucrarás <strong>com</strong> isso.<<strong>br</strong> />

3. Com efeito, muitas vezes ouvi falar que é mais seguro ouvir e<<strong>br</strong> />

tomar conselho que dá-lo. É bem possível que seja acertado o<<strong>br</strong> />

parecer <strong>de</strong> cada um: mas não querer ce<strong>de</strong>r aos outros, quando<<strong>br</strong> />

a razão ou as circunstâncias o pe<strong>de</strong>m, é sinal <strong>de</strong> soberba e<<strong>br</strong> />

obstinação.


CAPÍTULO 10<<strong>br</strong> />

Como se <strong>de</strong>vem evitar as conversas supérfluas<<strong>br</strong> />

1. Evita, quanto pu<strong>de</strong>res, o bulício dos homens, porque muito<<strong>br</strong> />

nos perturbam os negócios mundanos ainda quando tratados<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> reta intenção; pois bem <strong>de</strong>pressa somos manchados e<<strong>br</strong> />

cativos da vaida<strong>de</strong>. Quisera eu ter calado muitas vezes e não<<strong>br</strong> />

ter conversado <strong>com</strong> os homens. Por que razão, porém, nos<<strong>br</strong> />

atraem falas e conversas, se raras vezes voltamos ao silêncio<<strong>br</strong> />

sem dano da consciência? Gostamos tanto <strong>de</strong> falar, porque<<strong>br</strong> />

preten<strong>de</strong>mos, <strong>com</strong> essas conversações, ser consolados uns<<strong>br</strong> />

pelos outros e <strong>de</strong>sejamos aliviar o coração fatigado por<<strong>br</strong> />

preocupações diversas. E ordinariamente sentimos prazer em<<strong>br</strong> />

falar e pensar, ora nas coisas que muito amamos e <strong>de</strong>sejamos,<<strong>br</strong> />

ora nas que nos contrariam.<<strong>br</strong> />

2. Mas ai! Muitas vezes é em vão e sem proveito, pois essa<<strong>br</strong> />

consolação exterior é muito prejudicial à consolação interior e<<strong>br</strong> />

divina. Cumpre, portanto, vigiar e orar, para que não passe o<<strong>br</strong> />

tempo ociosamente. Se for lícito e oportuno falar, seja <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

coisas edificantes. O mau costume e o <strong>de</strong>scuido do nosso<<strong>br</strong> />

progresso espiritual concorrem muito para o <strong>de</strong>senfreamento<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> nossa língua. Ajudam muito, porém, ao aproveitamento<<strong>br</strong> />

espiritual os <strong>de</strong>votos colóquios so<strong>br</strong>e coisas espirituais,<<strong>br</strong> />

mormente quando se associam em Deus pessoas que pensam<<strong>br</strong> />

e sentem do mesmo modo.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 11<<strong>br</strong> />

Da paz e do zelo em aproveitar<<strong>br</strong> />

1. Muita paz podíamos gozar, se não nos quiséssemos ocupar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> os ditos e fatos alheios que não pertencem ao nosso<<strong>br</strong> />

cuidado. Como po<strong>de</strong> ficar em paz por muito tempo aquele que<<strong>br</strong> />

se intromete em negócios alheios, que busca relações<<strong>br</strong> />

exteriores, que raras vezes e mal se recolhe interiormente?<<strong>br</strong> />

Bem-aventurados os simples, porque hão <strong>de</strong> ter muita paz!<<strong>br</strong> />

1. Por que muitos santos foram tão perfeitos e<<strong>br</strong> />

contemplativos? É que eles procuraram mortificar-se<<strong>br</strong> />

inteiramente em<<strong>br</strong> />

2. todos os <strong>de</strong>sejos terrenos, e assim pu<strong>de</strong>ram, no íntimo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

seu coração, unir-se a Deus e aten<strong>de</strong>r livremente a si<<strong>br</strong> />

mesmos. Nós, porém, nos ocupamos <strong>de</strong>masiadamente<<strong>br</strong> />

das próprias paixões e cuidados <strong>com</strong> excesso das coisas


transitórias. Raro é vencermos sequer um vício<<strong>br</strong> />

perfeitamente; não nos inflamamos no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

progredir cada dia; daí a frieza e tibieza em que ficamos.<<strong>br</strong> />

2. Se estivéssemos perfeitamente mortos a nós mesmos e<<strong>br</strong> />

interiormente <strong>de</strong>simpedidos, po<strong>de</strong>ríamos criar gosto pelas<<strong>br</strong> />

coisas divinas e algo experimentar das doçuras da celeste<<strong>br</strong> />

contemplação. O que principalmente e mais nos impe<strong>de</strong> é o<<strong>br</strong> />

não estarmos ainda livres das nossas paixões e<<strong>br</strong> />

concupiscências, nem nos esforçamos por trilhar o caminho<<strong>br</strong> />

perfeito dos santos. Basta pequeno contratempo para<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>salentarmos <strong>com</strong>pletamente e voltarmos a procurar<<strong>br</strong> />

consolações humanas.<<strong>br</strong> />

3. Se nos esforçássemos por ficar firmes no <strong>com</strong>bate, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

soldados valentes, por certo veríamos <strong>de</strong>scer so<strong>br</strong>e nós o<<strong>br</strong> />

socorro <strong>de</strong> Deus. Pois ele está sempre pronto a auxiliar os<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>batentes confiados em sua graça: Aquele que nos<<strong>br</strong> />

proporciona ocasiões <strong>de</strong> peleja para que logremos a vitória. Se<<strong>br</strong> />

fizermos consistir nosso aproveitamento espiritual tãosomente<<strong>br</strong> />

nas observâncias exteriores, nossa <strong>de</strong>voção será <strong>de</strong> curta<<strong>br</strong> />

duração. Metamos, pois, o machado à raiz, para que, livre das<<strong>br</strong> />

paixões, goze paz nossa alma.<<strong>br</strong> />

4. Se cada ano extirpássemos um só vício em <strong>br</strong>eve seríamos<<strong>br</strong> />

perfeitos. Mas agora, pelo contrário, muitas vezes<<strong>br</strong> />

experimentamos que éramos melhores, e nossa vida mais<<strong>br</strong> />

pura, no princípio da nossa conversão que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitos<<strong>br</strong> />

anos <strong>de</strong> profissão. O nosso fervor e aproveitamento <strong>de</strong>veriam<<strong>br</strong> />

crescer, cada dia; mas, agora, consi<strong>de</strong>ra-se gran<strong>de</strong> coisa po<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

alguém conservar parte do primitivo fervor. Se no princípio<<strong>br</strong> />

fizéramos algum esforço, tudo po<strong>de</strong>ríamos, em seguida, fazer<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> facilida<strong>de</strong> e gosto.<<strong>br</strong> />

5. Custoso é <strong>de</strong>ixar nossos costumes; mais custoso, porém,<<strong>br</strong> />

contrariar a própria vonta<strong>de</strong>. Mas, se não vences obstáculos<<strong>br</strong> />

pequenos e leves, <strong>com</strong>o triunfarás dos maiores? Resiste no<<strong>br</strong> />

princípio à tua inclinação e rompe <strong>com</strong> o mau costume, para<<strong>br</strong> />

que te não metas pouco a pouco em maiores dificulda<strong>de</strong>s. Oh!<<strong>br</strong> />

Se bem consi<strong>de</strong>rasses quanta paz gozarias e quanto prazer<<strong>br</strong> />

darias aos outros, se vivesses bem, <strong>de</strong> certo cuidarias mais do<<strong>br</strong> />

teu adiantamento espiritual.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 12<<strong>br</strong> />

Da utilida<strong>de</strong> das adversida<strong>de</strong>s


1. Bom é passarmos algumas vezes por aflições e contrarieda<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

porque freqüentemente fazem o homem refletir, lem<strong>br</strong>ando-lhe<<strong>br</strong> />

que vive no <strong>de</strong>sterro e, portanto, não <strong>de</strong>ve pôr sua esperança<<strong>br</strong> />

em coisas alguma do mundo. Bom é econtrarmos às vezes<<strong>br</strong> />

contradições, e que <strong>de</strong> nós façam conceito mau ou pouco<<strong>br</strong> />

favorável, ainda quando nossas o<strong>br</strong>as e intenções sejam boas.<<strong>br</strong> />

Isto ordinariamente nos conduz à humilda<strong>de</strong> e nos preserva da<<strong>br</strong> />

vanglória. Porque, então, mais <strong>de</strong>pressa recorremos ao<<strong>br</strong> />

testemunho interior <strong>de</strong> Deus, quando <strong>de</strong> fora somos<<strong>br</strong> />

vilipendiados e <strong>de</strong>sacreditados pelos homens.<<strong>br</strong> />

2. Por isso, <strong>de</strong>via o homem firmar-se <strong>de</strong> tal modo em Deus, que<<strong>br</strong> />

lhe não fosse mais necessário mendigar consolações às<<strong>br</strong> />

criaturas. Assim que o homem <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> está atribulado<<strong>br</strong> />

ou tentado, ou molestado por maus pensamentos, sente logo<<strong>br</strong> />

melhor a necessida<strong>de</strong> que tem <strong>de</strong> Deus, sem o qual não po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

fazer bem algum. Então se entristece, geme e chora pelas<<strong>br</strong> />

misérias que pa<strong>de</strong>ce. Então causa-lhe tédio viver mais tempo,<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong>seja que venha a morte livrá-lo do corpo e unilo a <strong>Cristo</strong>.<<strong>br</strong> />

Então <strong>com</strong>preen<strong>de</strong> também que neste mundo não po<strong>de</strong> haver<<strong>br</strong> />

perfeita segurança nem paz <strong>com</strong>pleta.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 13<<strong>br</strong> />

Como se há <strong>de</strong> resistir às tentações<<strong>br</strong> />

1. Enquanto vivemos neste mundo, não po<strong>de</strong>mos estar sem<<strong>br</strong> />

trabalhos e tentações. Por isso lemos no livro <strong>de</strong> Jó (7,1): É um<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>bate a vida do homem so<strong>br</strong>e a terra. Cada qual, pois, <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

estar acautelado contra as tentações, mediante a vigilância e a<<strong>br</strong> />

oração, para não dar azo às ilusões do <strong>de</strong>mônio, que nunca<<strong>br</strong> />

dorme, mas anda por toda parte em busca <strong>de</strong> quem possa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vorar (1 Pdr 5,8) . Ninguém há tão perfeito e santo, que não<<strong>br</strong> />

tenha, às vezes, tentações, e não po<strong>de</strong>mos ser <strong>de</strong>las totalmente<<strong>br</strong> />

isentos.<<strong>br</strong> />

2. São, todavia, utilíssimas ao homem as tentações, posto que<<strong>br</strong> />

sejam molestas e graves, porque nos humilham, purificam e<<strong>br</strong> />

instruem. Todos os santos passaram por muitas tribulações e<<strong>br</strong> />

tentações, e <strong>com</strong> elas aproveitaram; aqueles, porém, que não<<strong>br</strong> />

as pu<strong>de</strong>ram suportar foram reprovados e pereceram. Não há<<strong>br</strong> />

Or<strong>de</strong>m tão santa nem lugar tão retirado, em que não haja<<strong>br</strong> />

tentações e adversida<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

3. Nenhum homem está totalmente livre das tentações, enquanto<<strong>br</strong> />

vive, porque em nós mesmos está a causa don<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>m: a<<strong>br</strong> />

concupiscência em que nascemos. Mal acaba uma tentação ou


tribulação, outra so<strong>br</strong>evém, e sempre teremos que sofrer,<<strong>br</strong> />

porque per<strong>de</strong>mos o dom da primitiva felicida<strong>de</strong>. Muitos<<strong>br</strong> />

procuram fugir às tentações, e outras piores encontram. Não<<strong>br</strong> />

basta a fuga para vencê-las; é pela paciência e verda<strong>de</strong>ira<<strong>br</strong> />

humilda<strong>de</strong> que nos tornamos mais fortes que todos os nossos<<strong>br</strong> />

inimigos.<<strong>br</strong> />

4. Pouco adianta quem somente evita as ocasiões exteriores, sem<<strong>br</strong> />

arrancar as raízes; antes lhe voltarão mais <strong>de</strong>pressa as<<strong>br</strong> />

tentações, e se achará pior. Vencê-las-á melhor <strong>com</strong> o auxílio<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Deus, a pouco e pouco <strong>com</strong> paciência e resignação, que<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> importuna violência e esforço próprio. Toma a miúdo<<strong>br</strong> />

conselho na tentação e não sejas <strong>de</strong>sa<strong>br</strong>ido e áspero para<<strong>br</strong> />

o que é tentado, trata antes <strong>de</strong> o consolar, <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sejas ser<<strong>br</strong> />

consolado.<<strong>br</strong> />

1. O princípio <strong>de</strong> todas a más tentações é a inconstância do<<strong>br</strong> />

espírito e a pouca confiança em Deus; pois, assim <strong>com</strong>o as<<strong>br</strong> />

ondas lançam <strong>de</strong> uma parte a outra o navio sem leme, assim<<strong>br</strong> />

as tentações <strong>com</strong>batem o homem <strong>de</strong>scuidado e inconstante em<<strong>br</strong> />

seus propósitos. O ferro é provado pelo fogo, e o justo pela<<strong>br</strong> />

tentação. Ignoramos muitas vezes o que po<strong>de</strong>mos, mas a<<strong>br</strong> />

tentação manifesta o que somos. Todavia, <strong>de</strong>vemos vigiar,<<strong>br</strong> />

principalmente no princípio da tentação; porque mais fácil nos<<strong>br</strong> />

será vencer o inimigo, quando não o <strong>de</strong>ixarmos entrar na<<strong>br</strong> />

alma, enfrentando-o logo que bater no limiar. Por isso disse<<strong>br</strong> />

alguém: Resiste <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio, que vem tar<strong>de</strong> o remédio,<<strong>br</strong> />

quando cresceu o mal <strong>com</strong> a muita <strong>de</strong>mora (Ovídio). Porque<<strong>br</strong> />

primeiro ocorre à mente um simples pensamento, don<strong>de</strong> nasce<<strong>br</strong> />

a importuna imaginação, <strong>de</strong>pois o <strong>de</strong>leite, o movimento; e<<strong>br</strong> />

assim, pouco a pouco, entra <strong>de</strong> todo na alma o malvado<<strong>br</strong> />

inimigo. E quanto mais alguém for indolente em lhe resistir,<<strong>br</strong> />

tanto mais fraco se tornará cada dia, e mais forte o seu<<strong>br</strong> />

adversário.<<strong>br</strong> />

2. Uns pa<strong>de</strong>cem maiores tentações no <strong>com</strong>eço <strong>de</strong> sua conversão,<<strong>br</strong> />

outros, no fim; outros por quase toda a vida são molestados<<strong>br</strong> />

por elas. Alguns são tentados levemente, segundo a sabedoria<<strong>br</strong> />

da divina Providência, que pon<strong>de</strong>ra as circunstâncias e o<<strong>br</strong> />

merecimento dos homens, e tudo predispõe para a salvação <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

seus eleitos.<<strong>br</strong> />

3. Por isso não <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>sesperar, quando somos tentados;<<strong>br</strong> />

mas até, <strong>com</strong> maior fervor, pedir a Deus que se digne ajudarnos<<strong>br</strong> />

em toda provação, pois que, no dizer <strong>de</strong> S. Paulo, nos dará<<strong>br</strong> />

graça suficiente na tentação para que a possamos vencer (1


Cor 10,13). Humilhemos, portanto, nossas almas, <strong>de</strong>baixo da<<strong>br</strong> />

mão <strong>de</strong> Deus, em qualquer tentação e tribulação porque ele há<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> salvar e engran<strong>de</strong>cer os que são humil<strong>de</strong>s <strong>de</strong> coração.<<strong>br</strong> />

4. Nas tentações e adversida<strong>de</strong>s se vê quanto cada um tem<<strong>br</strong> />

aproveitado; nelas consiste o maior merecimento e se patenteia<<strong>br</strong> />

melhor a virtu<strong>de</strong>. Não é lá gran<strong>de</strong> coisa ser o homem <strong>de</strong>voto e<<strong>br</strong> />

fervoroso quando tudo lhe corre bem; mas, se no tempo da<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong> conserva a paciência, po<strong>de</strong>-se esperar gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

progresso. Alguns há que vencem as gran<strong>de</strong>s tentações e, nas<<strong>br</strong> />

pequenas, caem freqüentemente, para que, humilhados, não<<strong>br</strong> />

presumam <strong>de</strong> si gran<strong>de</strong>s coisas, visto que <strong>com</strong> tão pequenas<<strong>br</strong> />

sucumbem.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 14<<strong>br</strong> />

Como se <strong>de</strong>ve evitar o juízo temerário<<strong>br</strong> />

1. Relanceia so<strong>br</strong>e ti o olhar e guarda-te <strong>de</strong> julgar as ações<<strong>br</strong> />

alheias. Quem julga os <strong>de</strong>mais per<strong>de</strong> o trabalho, quase sempre<<strong>br</strong> />

se engana e facilmente peca; mas, examinando-se e julgandose<<strong>br</strong> />

a si mesmo, trabalha sempre <strong>com</strong> proveito. De ordinário,<<strong>br</strong> />

julgamos as coisas segundo a inclinação do nosso coração,<<strong>br</strong> />

pois o amor-próprio facilmente nos altera a retidão do juízo. Se<<strong>br</strong> />

Deus fora sempre o único objetivo dos nossos <strong>de</strong>sejos, não nos<<strong>br</strong> />

perturbaria tão facilmente qualquer oposição ao nosso parecer.<<strong>br</strong> />

2. Muitas vezes existe, <strong>de</strong>ntro ou fora <strong>de</strong> nós, alguma coisa que<<strong>br</strong> />

nos atrai e em nós influi. Muitos buscam secretamente a si<<strong>br</strong> />

mesmos em suas ações, e não o percebem. Parecem até gozar<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> boa paz, enquanto as coisas correm à medida <strong>de</strong> seus<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejos; mas, se <strong>de</strong> outra sorte suce<strong>de</strong>, logo se inquietam e<<strong>br</strong> />

entristecem. Da discrepância <strong>de</strong> pareceres e opiniões<<strong>br</strong> />

freqüentemente nascem discórdias entre amigos e vizinhos,<<strong>br</strong> />

entre religiosos e pessoas piedosas.<<strong>br</strong> />

3. É custoso per<strong>de</strong>r um costume inveterado, e ninguém renuncia,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> boa mente, a seu modo <strong>de</strong> ver. Se mais confias em tua<<strong>br</strong> />

razão e talento que na graça <strong>de</strong> Jesus <strong>Cristo</strong>, só raras vezes e<<strong>br</strong> />

tar<strong>de</strong> serás iluminado; pois Deus quer que nos sujeitemos<<strong>br</strong> />

perfeitamente a ele e que nos elevemos acima <strong>de</strong> toda razão<<strong>br</strong> />

humana, inflamados do seu amor.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 15<<strong>br</strong> />

Das o<strong>br</strong>as feitas <strong>com</strong> carida<strong>de</strong>


1. Por nenhuma coisa do mundo, nem por amor <strong>de</strong> pessoa<<strong>br</strong> />

alguma, se <strong>de</strong>ve praticar qualquer mal; mas, em prol <strong>de</strong> algum<<strong>br</strong> />

necessitado, po<strong>de</strong>-se, às vezes, omitir uma boa o<strong>br</strong>a, ou trocála<<strong>br</strong> />

por outra melhor. Desta sorte, a boa o<strong>br</strong>a não se per<strong>de</strong>, mas<<strong>br</strong> />

se converte em outra melhor. Sem a carida<strong>de</strong>, nada vale a o<strong>br</strong>a<<strong>br</strong> />

exterior; tudo, porém, que da carida<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>, por<<strong>br</strong> />

insignificante e <strong>de</strong>sprezível que seja, produz abundantes<<strong>br</strong> />

frutos, porque Deus não aten<strong>de</strong> tanto à o<strong>br</strong>a, <strong>com</strong>o à intenção<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que a fazemos.<<strong>br</strong> />

2. Muito faz aquele que muito ama. Muito faz quem bem faz o<<strong>br</strong> />

que faz. Bem faz quem serve mais ao bem <strong>com</strong>um que à sua<<strong>br</strong> />

própria vonta<strong>de</strong>. Muitas vezes parece carida<strong>de</strong> o que é mero<<strong>br</strong> />

amor-próprio, porque raras vezes nos <strong>de</strong>ixa a inclinação<<strong>br</strong> />

natural, a própria vonta<strong>de</strong>, a esperança da re<strong>com</strong>pensa, o<<strong>br</strong> />

nosso interesse.<<strong>br</strong> />

3. Aquele que tem verda<strong>de</strong>ira e perfeita carida<strong>de</strong> em nada se<<strong>br</strong> />

busca a si mesmo, mas <strong>de</strong>seja que tudo se faça para a glória<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Deus. De ninguém tem inveja, porque não <strong>de</strong>seja proveito<<strong>br</strong> />

algum pessoal, nem busca sua felicida<strong>de</strong> em si, mas procura<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e todas as coisas ter alegria e felicida<strong>de</strong> em Deus. Não<<strong>br</strong> />

atribui bem algum à criatura, mas refere tudo a Deus, <strong>com</strong>o à<<strong>br</strong> />

fonte <strong>de</strong> que tudo proce<strong>de</strong>, e em que, <strong>com</strong>o em fim último,<<strong>br</strong> />

acham todos os santos o <strong>de</strong>leitoso repousar. Oh! Quem tivera<<strong>br</strong> />

só uma centelha <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira carida<strong>de</strong> logo <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>ria a<<strong>br</strong> />

vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todas as coisas terrenas!<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 16<<strong>br</strong> />

Do sofrer os <strong>de</strong>feitos dos outros<<strong>br</strong> />

1. Aquilo que o homem não po<strong>de</strong> emendar em si mesmo ou nos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>mais, <strong>de</strong>ve-o tolerar <strong>com</strong> paciência, até que Deus disponha<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> outro modo. Consi<strong>de</strong>ra que talvez seja melhor assim, para<<strong>br</strong> />

provar tua paciência, sem a qual não têm gran<strong>de</strong> valor nossos<<strong>br</strong> />

méritos. Todavia, convém, nesses embaraços, pedir a Deus que<<strong>br</strong> />

te auxilie, para que os possas levar <strong>com</strong> serieda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

2. Se alguém, <strong>com</strong> uma ou duas advertências, não se emendar,<<strong>br</strong> />

não contendas <strong>com</strong> ele; mas en<strong>com</strong>enda tudo a Deus para que<<strong>br</strong> />

seja feita a sua vonta<strong>de</strong>, e seja ele honrado em todos os seus<<strong>br</strong> />

servos, pois sabe tirar bem do mal. Procura sofrer <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

paciência os <strong>de</strong>feitos e quaisquer imperfeições dos outros, pois<<strong>br</strong> />

tens também muitas que os outros têm <strong>de</strong> aturar. Se não te<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>s modificar <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sejas, <strong>com</strong>o preten<strong>de</strong>s ajeitar os<<strong>br</strong> />

outros à medida <strong>de</strong> teus <strong>de</strong>sejos? Muito <strong>de</strong>sejamos que os


outros sejam perfeitos, e nem por isso emendamos as nossas<<strong>br</strong> />

faltas.<<strong>br</strong> />

3. Queremos que os outros sejam corrigidos <strong>com</strong> rigor, e nós não<<strong>br</strong> />

queremos ser repreendidos. Estranhamos a larga liberda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

dos outros, e não queremos sofrer recusa alguma. Queremos<<strong>br</strong> />

que os outros sejam apertados por estatutos e não toleramos<<strong>br</strong> />

nenhum constrangimento que nos coíba. Don<strong>de</strong> claramente se<<strong>br</strong> />

vê quão raras vezes tratamos o próximo <strong>com</strong>o a nós mesmos.<<strong>br</strong> />

Se todos fossem perfeitos, que teríamos então <strong>de</strong> sofrer nós<<strong>br</strong> />

mesmos por amor <strong>de</strong> Deus?<<strong>br</strong> />

4. Ora, Deus assim o dispôs para que aprendamos a carregar<<strong>br</strong> />

uns o fardo dos outros; porque ninguém há sem <strong>de</strong>feito;<<strong>br</strong> />

ninguém sem carga; ninguém <strong>com</strong> força e juízo bastante para<<strong>br</strong> />

si; mas cumpre que uns aos outros nos suportemos,<<strong>br</strong> />

consolemos, auxiliemos, instruamos e aconselhemos. Quanta<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong> cada um possui, melhor se manifesta na ocasião da<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong>; pois as ocasiões não fazem o homem fraco, mas<<strong>br</strong> />

revelam o que ele é.<<strong>br</strong> />

CAPITULO 17<<strong>br</strong> />

Da vida monástica<<strong>br</strong> />

1. Apren<strong>de</strong> a abnegar-te em muitas coisas, se queres ter paz e<<strong>br</strong> />

concórdia <strong>com</strong> os outros. Não é pouco habitar em mosteiros ou<<strong>br</strong> />

congregações religiosas, viver ali sem queixas e perseverar<<strong>br</strong> />

fielmente até à morte. Bem-aventurado é aquele que aí vive<<strong>br</strong> />

bem e termina a vida <strong>com</strong> um fim abençoado! Se queres<<strong>br</strong> />

permanecer firme e fazer progressos, consi<strong>de</strong>ra-te <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sterrado e peregrino so<strong>br</strong>e a terra. Convém fazer-te louco<<strong>br</strong> />

por amor <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, se queres seguir a vida religiosa.<<strong>br</strong> />

2. De pouca monta são o hábito e a tonsura: são a mudança dos<<strong>br</strong> />

costumes e a perfeita mortificação das paixões que fazem o<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iro religioso. Quem outra coisa procura senão a Deus<<strong>br</strong> />

só e a salvação <strong>de</strong> sua alma, só achará tribulações e<<strong>br</strong> />

angústias. Não po<strong>de</strong> ficar por muito tempo em paz quem não<<strong>br</strong> />

procura ser o menor e o mais submisso <strong>de</strong> todos.<<strong>br</strong> />

3. Para servir vieste, não para mandar; lem<strong>br</strong>a-te que foste<<strong>br</strong> />

chamado para trabalhar e sofrer, e não para folgar e<<strong>br</strong> />

conversar. Aqui, pois, se provam os homens, à semelhança do<<strong>br</strong> />

ouro na fornalha. Aqui, ninguém perseverará, se não quiser<<strong>br</strong> />

humilhar-se, <strong>de</strong> todo o coração, por amor <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 18


Dos exemplos dos Santos Padres<<strong>br</strong> />

1. Contempla os salutares exemplos dos Santos Padres, nos<<strong>br</strong> />

quais <strong>br</strong>ilhou a verda<strong>de</strong>ira perfeição religiosa, e verás quão<<strong>br</strong> />

pouco ou quase nada é o que fazemos. Ah! Que é a nossa vida<<strong>br</strong> />

em <strong>com</strong>paração <strong>com</strong> a <strong>de</strong>les? Os santos e amigos <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong><<strong>br</strong> />

serviram ao Senhor em fome e se<strong>de</strong>, em frio e nu<strong>de</strong>z, em<<strong>br</strong> />

trabalho e fadiga, em vigílias e jejuns, em orações e santas<<strong>br</strong> />

meditações, em perseguições e muitos opró<strong>br</strong>ios.<<strong>br</strong> />

2. Oh! Quantas e quão graves tribulações sofreram os apóstolos,<<strong>br</strong> />

os mártires, os confessores, as virgens e todos quantos<<strong>br</strong> />

quiseram seguir as pisadas <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>! Odiaram suas almas<<strong>br</strong> />

neste mundo, para possuí-las eternamente no outro. Oh! Que<<strong>br</strong> />

vidas austeras e mortificadas levaram os Santos Padres no<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>serto! Que contínuas e graves tentações suportaram!<<strong>br</strong> />

Quantas vezes foram atormentados pelo inimigo! Quantas<<strong>br</strong> />

orações fervorosas ofereceram a Deus! Que rigorosas<<strong>br</strong> />

abstinências praticaram! Que zelo e fervor tiveram em seu<<strong>br</strong> />

adiantamento espiritual! Que guerra fizeram para subjugar os<<strong>br</strong> />

vícios! Com que pura e reta intenção buscaram a Deus!<<strong>br</strong> />

Durante o dia trabalhavam e passavam as noites em orações<<strong>br</strong> />

ainda que trabalhando não interrompessem um momento a<<strong>br</strong> />

oração mental.<<strong>br</strong> />

3. Todo o tempo era empregado utilmente; toda hora lhes parecia<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>eve convivida <strong>com</strong> Deus; e pela gran<strong>de</strong> doçura das<<strong>br</strong> />

contemplações se esqueciam até da necessária refeição do<<strong>br</strong> />

corpo. Renunciavam a todas as riquezas, dignida<strong>de</strong>s, honras,<<strong>br</strong> />

amigos e parentes; nada queriam do mundo; apenas tomavam<<strong>br</strong> />

o indispensável para a vida e só <strong>com</strong> pesar satisfaziam as<<strong>br</strong> />

exigências da natureza. Assim eram po<strong>br</strong>es nos bens terrenos,<<strong>br</strong> />

mas muito ricos <strong>de</strong> graças e virtu<strong>de</strong>s. Exteriormente lhes<<strong>br</strong> />

faltava tudo; interiormente, porém, se <strong>de</strong>liciavam <strong>com</strong> graças e<<strong>br</strong> />

consolações divinas.<<strong>br</strong> />

4. Ao mundo eram estranhos, mas íntimos e familiares amigos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus. A si mesmos tinham em conta <strong>de</strong> nada, e o mundo os<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezava; mas eram preciosos e queridos aos olhos <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

Mantinham-se na verda<strong>de</strong>ira humilda<strong>de</strong>, viviam em singela<<strong>br</strong> />

obediência, andavam em carida<strong>de</strong> e paciência; assim cada dia<<strong>br</strong> />

faziam progresso na vida espiritual e mais a Deus agradavam.<<strong>br</strong> />

Esses foram dados por mo<strong>de</strong>los a todos os religiosos, e mais<<strong>br</strong> />

nos <strong>de</strong>vem estimular ao progresso espiritual, do que a<<strong>br</strong> />

multidão dos tíbios ao esmorecimento.<<strong>br</strong> />

5. Oh! Quanto foi o fervor <strong>de</strong> todos os religiosos, nos primeiros<<strong>br</strong> />

tempos <strong>de</strong> seus santos institutos! Quanta pieda<strong>de</strong> na oração!


Que emulação nas virtu<strong>de</strong>s! Que austera disciplina vigorava<<strong>br</strong> />

então! Que respeito e obediência aos preceitos do superior<<strong>br</strong> />

reluzia em todos! Os vestígios que <strong>de</strong>ixaram ainda atestam que<<strong>br</strong> />

foram verda<strong>de</strong>iramente varões santos e perfeitos os que em tão<<strong>br</strong> />

renhidos <strong>com</strong>bates venceram o mundo. Hoje já se consi<strong>de</strong>ra<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> quem não é transgressor da regra e <strong>com</strong> paciência<<strong>br</strong> />

suporta o jugo que se impôs.<<strong>br</strong> />

6. Ó tibieza e <strong>de</strong>sleixo do nosso estado, que tão <strong>de</strong>pressa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>clinamos do fervor primitivo, e já nos causa tédio o viver, por<<strong>br</strong> />

tanta negligência e frouxidão! Oxalá em ti não entorpeça <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todo o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> progredir nas virtu<strong>de</strong>s, já que tantos mo<strong>de</strong>los<<strong>br</strong> />

viste <strong>de</strong> perfeição!<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 19<<strong>br</strong> />

Dos exercícios do bom religioso<<strong>br</strong> />

1. A vida do bom religioso <strong>de</strong>ve ser ornada <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

para que corresponda o interior ao que por fora vêem os<<strong>br</strong> />

homens; e <strong>com</strong> razão, ainda mais perfeito <strong>de</strong>ve ser no interior<<strong>br</strong> />

do que por fora parece, pois lá penetra o olhar perscrutador <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus, a quem <strong>de</strong>vemos suma reverência, em qualquer lugar<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> estivermos, e em cuja presença <strong>de</strong>vemos andar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

pureza Angélica. Cada dia <strong>de</strong>vemos renovar nosso propósito e<<strong>br</strong> />

exercitar-nos a maior fervor, <strong>com</strong>o se esse fosse o primeiro dia<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> nossa conversão, dizendo: Confortai-me, Senhor, meu<<strong>br</strong> />

Deus, no bom propósito e em vosso santo serviço; conce<strong>de</strong>i-me<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçar hoje <strong>de</strong>veras, pois nada é o que até aqui tenho feito.<<strong>br</strong> />

2. A medida da nossa resolução será nosso progresso, e gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

solicitu<strong>de</strong> exige o sério aproveitamento. Se aquele que toma<<strong>br</strong> />

enérgicas resoluções tantas vezes cai, que será daquele que as<<strong>br</strong> />

toma raramente ou menos firmemente propõe? Suce<strong>de</strong>, porém,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vários modos <strong>de</strong>ixarmos o nosso propósito; e raras vezes<<strong>br</strong> />

passa sem dano qualquer leve omissão <strong>de</strong> nossos exercícios. O<<strong>br</strong> />

propósito dos justos mais se firma na graça <strong>de</strong> Deus, que em<<strong>br</strong> />

sua própria sabedoria; nela confiam sempre, em qualquer<<strong>br</strong> />

empreendimento. Porque o homem propõe, mas Deus dispõe, e<<strong>br</strong> />

não está na mão do homem o seu caminho (Jer 10,23).<<strong>br</strong> />

1. Quando, por motivo <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> ou proveito do próximo,<<strong>br</strong> />

se <strong>de</strong>ixa alguma vez o costumado exercício, fácil é<<strong>br</strong> />

reparar<<strong>br</strong> />

2. <strong>de</strong>pois essa falta; omiti-lo, porém, facilmente, por enfado<<strong>br</strong> />

ou negligência, já é bastante culpável, e sentir-se-á o<<strong>br</strong> />

prejuízo. Esforcemo-nos quanto pu<strong>de</strong>rmos, ainda assim


cairemos em muitas faltas; contudo, <strong>de</strong>vemos sempre<<strong>br</strong> />

fazer um propósito <strong>de</strong>terminado, mormente contra os<<strong>br</strong> />

principais obstáculos do nosso progresso espiritual.<<strong>br</strong> />

Devemos examinar e or<strong>de</strong>nar tanto o interior <strong>com</strong>o o<<strong>br</strong> />

exterior, porque ambos importam ao nosso<<strong>br</strong> />

aproveitamento.<<strong>br</strong> />

3. Se não po<strong>de</strong>s continuamente estar recolhido, recolhe-te <strong>de</strong> vez<<strong>br</strong> />

em quando, ao menos uma vez por dia, pela manhã ou à noite.<<strong>br</strong> />

De manhã toma resoluções, e à noite examina tuas ações:<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o te houveste hoje em palavras, o<strong>br</strong>as e pensamentos,<<strong>br</strong> />

porque nisso, talvez não raro, tenhas ofendido a Deus e ao<<strong>br</strong> />

próximo. Arma-te varonilmente contra as malda<strong>de</strong>s do<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>mônio; refreia a gula, e facilmente refrearás todo apetite<<strong>br</strong> />

carnal. Nunca estejas <strong>de</strong> todo <strong>de</strong>socupado, mas lê ou escreve<<strong>br</strong> />

ou reza ou medita ou faze alguma coisa <strong>de</strong> proveito <strong>com</strong>um.<<strong>br</strong> />

Nos exercícios corporais, porém, haja toda discrição, porque<<strong>br</strong> />

não convém igualmente a todos.<<strong>br</strong> />

4. Os exercícios pessoais não se <strong>de</strong>vem fazer publicamente, mais<<strong>br</strong> />

seguro é praticá-los secretamente. Guarda-te <strong>de</strong> ser negligente<<strong>br</strong> />

nos exercícios da regra, e mais diligente nos particulares; mas,<<strong>br</strong> />

satisfeitas inteira e fielmente as coisas <strong>de</strong> o<strong>br</strong>igação e preceito,<<strong>br</strong> />

se tempo so<strong>br</strong>ar, ocupa-te em exercícios, conforme te inspirar<<strong>br</strong> />

a tua <strong>de</strong>voção. Nem todos po<strong>de</strong>m ter o mesmo exercício; um<<strong>br</strong> />

convém mais a este, outro àquele. Até do tempo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a<<strong>br</strong> />

conveniência e o atrativo das práticas; porque umas são mais<<strong>br</strong> />

apropriadas para os dias festivos, outras para os dias <strong>com</strong>uns;<<strong>br</strong> />

dumas precisamos para o tempo da tentação, <strong>de</strong> outras no<<strong>br</strong> />

tempo <strong>de</strong> paz e sossego. Numas coisas gostamos <strong>de</strong> meditar<<strong>br</strong> />

quando estamos tristes, e noutras quando estamos alegres no<<strong>br</strong> />

Senhor.<<strong>br</strong> />

5. À volta das festas principais <strong>de</strong>vemos renovar os nossos bons<<strong>br</strong> />

exercícios e <strong>com</strong> mais fervor implorar a intercessão dos santos.<<strong>br</strong> />

De uma para outra festivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vemos preparar-nos, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

então houvéssemos <strong>de</strong> sair <strong>de</strong>ste mundo e chegar à festivida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

eterna. Por isso, <strong>de</strong>vemos aparelhar-nos diligentemente, nos<<strong>br</strong> />

tempos <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção, <strong>com</strong> vida mais piedosa e observância mais<<strong>br</strong> />

fiel <strong>de</strong> todas as regras, <strong>com</strong>o se houvéssemos <strong>de</strong> receber em<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>eve o galardão do nosso trabalho.<<strong>br</strong> />

6. E, se for adiada essa hora, tenhamos por certo que não<<strong>br</strong> />

estamos ainda bem preparados nem dignos <strong>de</strong> tamanha glória<<strong>br</strong> />

que, a seu tempo, se revelará em nós, e tratemos <strong>de</strong> nos<<strong>br</strong> />

preparar para a morte. Bem-aventurado o servo. Diz o<<strong>br</strong> />

evangelista São Lucas, a quem o Senhor, quando vier, achar


vigiando. Em verda<strong>de</strong> vos digo que o constituirá so<strong>br</strong>e todos os<<strong>br</strong> />

seus bens (12, 37 e 43).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 20<<strong>br</strong> />

Do amor à solidão e ao silêncio<<strong>br</strong> />

1. Procura tempo oportuno para cuidar <strong>de</strong> ti e relem<strong>br</strong>a a miúdo<<strong>br</strong> />

os benefícios <strong>de</strong> Deus. Renuncia às curiosida<strong>de</strong>s e escolhe<<strong>br</strong> />

leituras tais, que mais sirvam para te <strong>com</strong>pungir, que para te<<strong>br</strong> />

distrair. Se te abstiveres <strong>de</strong> conversações supérfluas e passeios<<strong>br</strong> />

ociosos, <strong>com</strong>o também <strong>de</strong> ouvir novida<strong>de</strong>s e boatos, acharás<<strong>br</strong> />

tempo suficiente e a<strong>de</strong>quado para te entregares a santas<<strong>br</strong> />

meditações. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panhia dos homens, preferindo viver <strong>com</strong> Deus, em retiro.<<strong>br</strong> />

2. Disse alguém: "Sempre que estive entre os homens menos<<strong>br</strong> />

homem voltei" (Sêneca, Epist. 7). Isso experimentamos muitas<<strong>br</strong> />

vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar <strong>de</strong> todo, do que<<strong>br</strong> />

não tropeçar em alguma palavra. Mas fácil é ficar oculto em<<strong>br</strong> />

casa, que fora <strong>de</strong>la ter a necessária cautela. Quem, pois,<<strong>br</strong> />

preten<strong>de</strong> chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se<<strong>br</strong> />

afaste da turba, <strong>com</strong> Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra<<strong>br</strong> />

em público, senão quem gosta <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r-se. Ninguém<<strong>br</strong> />

seguramente fala, senão quem gosta <strong>de</strong> calar. Ninguém<<strong>br</strong> />

seguramente manda, senão o que perfeitamente apren<strong>de</strong>u a<<strong>br</strong> />

obe<strong>de</strong>cer.<<strong>br</strong> />

3. Não po<strong>de</strong> haver alegria segura, sem o testemunho <strong>de</strong> boa<<strong>br</strong> />

consciência. Contudo, a segurança dos santos estava sempre<<strong>br</strong> />

misturada <strong>com</strong> o temor <strong>de</strong> Deus; nem eram menos cuidadosos<<strong>br</strong> />

e humil<strong>de</strong>s em si mesmos, porque resplan<strong>de</strong>ciam em gran<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong>s e graças. A segurança dos maus, porém, nasce da<<strong>br</strong> />

soberba e presunção, e acaba por enganar-se a si mesma.<<strong>br</strong> />

Nunca te dês por seguro nesta vida, ainda que pareças bom<<strong>br</strong> />

religioso ou ermitão <strong>de</strong>voto.<<strong>br</strong> />

1. Muitas vezes os melhores no conceito dos homens<<strong>br</strong> />

correram graves perigos, por sua <strong>de</strong>masiada confiança.<<strong>br</strong> />

Por isso, para muitos é melhor não serem <strong>de</strong> todo livres<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tentações, mas que sejam freqüentemente <strong>com</strong>batidos,<<strong>br</strong> />

para que não confiem <strong>de</strong>madiadamente em si, nem se<<strong>br</strong> />

exaltem <strong>com</strong> soberba, nem tampouco busquem <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

ânsia as consolações exteriores. Oh! Quem nunca<<strong>br</strong> />

buscasse alegria transitória, nem <strong>de</strong>ste mundo cuidasse,<<strong>br</strong> />

que consciência pura teria! Oh! Quem arredasse todo vão


cuidado, para só cuidar das coisas salutares e divinas,<<strong>br</strong> />

pondo toda a sua confiança em Deus,<<strong>br</strong> />

2. <strong>de</strong> que gran<strong>de</strong> paz e sossego gozaria!<<strong>br</strong> />

4. Ninguém é digno da consolação celestial, senão quem se<<strong>br</strong> />

excitar, <strong>com</strong> diligência, na santa <strong>com</strong>punção. Se queres<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pungir-te <strong>de</strong> coração, entra em teu quarto, <strong>de</strong>spe<strong>de</strong> todo o<<strong>br</strong> />

bulício do mundo, conforme está escrito: Compungi-vos em<<strong>br</strong> />

vossos cubículos (Sl 4,5). Na cela acharás o que fora <strong>de</strong>la<<strong>br</strong> />

muitas vezes per<strong>de</strong>s. A cela bem guardada causa doçura, e<<strong>br</strong> />

pouco freqüentada gera enfado. Se bem a guardares e<<strong>br</strong> />

habitares no princípio <strong>de</strong> tua conversão, ser-te-á <strong>de</strong>pois<<strong>br</strong> />

querida <strong>com</strong>panheira e suavíssimo consolo.<<strong>br</strong> />

5. No silêncio e sossego faz progressos uma alma <strong>de</strong>vota e<<strong>br</strong> />

apren<strong>de</strong> os segredos das Escrituras. Ali ela acha a fonte <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

lágrimas, <strong>com</strong> que todas as noites se lava e purifica, para<<strong>br</strong> />

tanto mais <strong>de</strong> perto unir-se ao Criador quanto mais retirada<<strong>br</strong> />

viver do tumulto do mundo. Aquele, pois, que se aparta <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

seus amigos e conhecidos verão aproximar-se Deus <strong>com</strong> seus<<strong>br</strong> />

santos anjos. Melhor é estar solitário e tratar <strong>de</strong> sua alma,<<strong>br</strong> />

que, <strong>de</strong>scurando-a, fazer milagres. Merece louvor o religioso<<strong>br</strong> />

que raro sai, que foge <strong>de</strong> ser visto pelos homens e nem procura<<strong>br</strong> />

vê-los.<<strong>br</strong> />

6. Para que queres ver o que não te é lícito possuir? Passa o<<strong>br</strong> />

mundo e a sua concupiscência (1Jo 2,17). A inclinação<<strong>br</strong> />

sensual convida a passeios; passada, porém, àquela hora, que<<strong>br</strong> />

nos fica senão consciência pesada e coração distraído? À saída<<strong>br</strong> />

alegre, muitas vezes suce<strong>de</strong> um regresso triste, e à véspera<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>leitosa uma triste manhã. Assim, todo gosto carnal entra<<strong>br</strong> />

suavemente; no fim, porém, remor<strong>de</strong> e mata. Que po<strong>de</strong>rás ver<<strong>br</strong> />

alhures que aqui não vejas? Eis: aqui tens o céu, a terra e<<strong>br</strong> />

todos os elementos; e <strong>de</strong>les são feitas todas as coisas.<<strong>br</strong> />

7. Que po<strong>de</strong>rás ver, em parte alguma, estável <strong>de</strong>baixo do sol por<<strong>br</strong> />

muito tempo? Pensas talvez te satisfazer <strong>com</strong>pletamente? Pois<<strong>br</strong> />

não o conseguirás. Se visses diante <strong>de</strong> ti todas as coisas, que<<strong>br</strong> />

seria senão vã fantasia? Levanta os olhos a Deus nas alturas e<<strong>br</strong> />

pe<strong>de</strong> perdão <strong>de</strong> teus pecados e negligências. Deixa as vaida<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

para os fúteis; tu, porém, aten<strong>de</strong> ao que Deus te manda. Fecha<<strong>br</strong> />

atrás <strong>de</strong> ti a porta e chama a teu Jesus amado. Fica-te <strong>com</strong> ele<<strong>br</strong> />

em tua cela, porque tanta paz em outra parte não acharás. Se<<strong>br</strong> />

não tivesses saído, e escutado os rumores do mundo, melhor<<strong>br</strong> />

terias conservado a santa paz; enquanto folgares <strong>de</strong> ouvir<<strong>br</strong> />

novida<strong>de</strong>s, terás que sofrer <strong>de</strong>sassossego do coração.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 21


Da <strong>com</strong>punção do coração<<strong>br</strong> />

1. Se queres fazer algum progresso, conserva-te no temor <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus e não busques <strong>de</strong>masiada liberda<strong>de</strong>; refreia, antes, todos<<strong>br</strong> />

os teus sentidos <strong>com</strong> a disciplina e não te entregues à vã<<strong>br</strong> />

alegria. Procura a <strong>com</strong>punção do coração e acharás a <strong>de</strong>voção.<<strong>br</strong> />

A <strong>com</strong>punção <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>e tesouros, que a dissipação bem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pressa costuma <strong>de</strong>sperdiçar. É <strong>de</strong> estranhar que o homem<<strong>br</strong> />

jamais possa, nesta vida, gozar perfeita alegria, se consi<strong>de</strong>ra<<strong>br</strong> />

seu exílio e pon<strong>de</strong>ra os muitos perigos <strong>de</strong> sua alma.<<strong>br</strong> />

2. Pela levianda<strong>de</strong> do coração e pelo <strong>de</strong>scuido dos nossos <strong>de</strong>feitos<<strong>br</strong> />

não percebemos os males <strong>de</strong> nossa alma; e muitas vezes, rimonos<<strong>br</strong> />

frivolamente, quando, <strong>com</strong> razão, <strong>de</strong>víamos chorar. Não há<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira liberda<strong>de</strong> nem perfeita alegria, sem o temor <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus e Boa consciência. Ditoso aquele que po<strong>de</strong> apartar <strong>de</strong> si<<strong>br</strong> />

todo estorvo das distrações e recolher-se <strong>com</strong> santa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>punção. Ditoso aquele que rejeita tudo que lhe possa<<strong>br</strong> />

manchar ou agravar a consciência. Peleja varonilmente: um<<strong>br</strong> />

costume <strong>com</strong> outro se vence.<<strong>br</strong> />

3. Se souberes <strong>de</strong>ixar os homens, eles te <strong>de</strong>ixarão fazer tuas boas<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>as. Não te metas em coisas alheias, nem te impliques nos<<strong>br</strong> />

negócios dos gran<strong>de</strong>s. Olha sempre primeiro para ti e<<strong>br</strong> />

admoesta-te <strong>com</strong> mais particularida<strong>de</strong> que a todos os teus<<strong>br</strong> />

amigos. Não te entristeça a falta dos humanos favores, mas<<strong>br</strong> />

penalize-te o não viveres <strong>com</strong> tanta cautela e prudência <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

convém a um servo <strong>de</strong> Deus e <strong>de</strong>voto religioso. Mais útil e mais<<strong>br</strong> />

seguro é para o homem não ter nesta vida muitas consolações,<<strong>br</strong> />

mormente sensíveis. Todavia, se não temos, ou raramente<<strong>br</strong> />

sentimos o consolo divino, a culpa é nossa, porque não<<strong>br</strong> />

procuramos a <strong>com</strong>punção do coração, nem rejeitamos <strong>de</strong> todo<<strong>br</strong> />

as vãs consolações exteriores.<<strong>br</strong> />

4. Reconhece que és indigno da consolação divina, mas antes<<strong>br</strong> />

merecedor <strong>de</strong> muitas aflições. Quando um homem está<<strong>br</strong> />

perfeitamente <strong>com</strong>pungido, logo se lhe torna enfadonho e<<strong>br</strong> />

amargo o mundo todo. O homem justo sempre acha bastante<<strong>br</strong> />

matéria para afligir-se e chorar. Pois, quer olhe para si, quer<<strong>br</strong> />

para o próximo, sabe que ninguém passa esta vida sem<<strong>br</strong> />

tribulações. E quanto mais atentamente se consi<strong>de</strong>ra, tanto<<strong>br</strong> />

mais profunda é a sua dor. Matéria <strong>de</strong> justa mágoa e profundo<<strong>br</strong> />

pesar são nossos pecados e vícios, aos quais <strong>de</strong> tal sorte<<strong>br</strong> />

estamos presos, que raras vezes po<strong>de</strong>mos contemplar as<<strong>br</strong> />

coisas do céu.<<strong>br</strong> />

1. Se mais amiúdo pensasses na morte que numa vida <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

muitos anos, não há dúvida que tua emenda seria mais


2. fervorosa. Se também meditasses seriamente nas penas<<strong>br</strong> />

futuras do inferno ou do purgatório, creio que sofrerias<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> bom grado trabalhos e dores, sem recear nenhuma<<strong>br</strong> />

austerida<strong>de</strong>. Mas, <strong>com</strong>o estas coisas não nos penetram o<<strong>br</strong> />

coração e amamos ainda os regalos, ficamos frios e muito<<strong>br</strong> />

tíbios.<<strong>br</strong> />

5. É muitas vezes pela fraqueza do espírito que este miserável<<strong>br</strong> />

corpo se queixa tão facilmente. Pe<strong>de</strong>, pois, humil<strong>de</strong>mente ao<<strong>br</strong> />

Senhor que te dê o espírito <strong>de</strong> <strong>com</strong>punção, e dize, <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

profeta: Sustenta-me, Senhor, <strong>com</strong> o pão das lágrimas e a<<strong>br</strong> />

bebida copiosa do pranto (Sl 79,6).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 22<<strong>br</strong> />

Da consi<strong>de</strong>ração da miséria humana<<strong>br</strong> />

1. Miserável serás, on<strong>de</strong> quer que estejas e para on<strong>de</strong> quer que te<<strong>br</strong> />

voltes, se não te voltares para Deus. Por que te afliges, quando<<strong>br</strong> />

não te correm as coisas a teu gosto e vonta<strong>de</strong>? Quem é que<<strong>br</strong> />

tem tudo à medida <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo? Nem eu, nem tu, nem<<strong>br</strong> />

homem algum so<strong>br</strong>e a terra. Ninguém há no mundo sem<<strong>br</strong> />

nenhuma tribulação ou angústia, quer seja rei quer Papa.<<strong>br</strong> />

Quem é que vive mais feliz? Aquele, <strong>de</strong> certo, que sabe sofrer<<strong>br</strong> />

alguma coisa por Deus.<<strong>br</strong> />

2. Dizem muitos mesquinhos e tíbios: Olhai, que boa vida tem<<strong>br</strong> />

este homem: quão rico é, quão gran<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>roso, <strong>de</strong> que alta<<strong>br</strong> />

posição! Olha tu para os bens do céu, e verás que nada são os<<strong>br</strong> />

bens corporais, mas muito incertos e onerosos, pois nunca<<strong>br</strong> />

vive sem temor e cuidado quem os possui. Não consiste a<<strong>br</strong> />

felicida<strong>de</strong> do homem na abundância dos bens temporais;<<strong>br</strong> />

basta-lhe a mediania. O viver na terra é verda<strong>de</strong>ira miséria.<<strong>br</strong> />

Quanto mais espiritual quer ser o homem, mais amarga lhe<<strong>br</strong> />

será a vida presente, porque conhece melhor e mais<<strong>br</strong> />

claramente vê os <strong>de</strong>feitos da humana corrupção. Porque o<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>er, beber, velar, dormir, <strong>de</strong>scansar, trabalhar e estar<<strong>br</strong> />

sujeito a todas as <strong>de</strong>mais gran<strong>de</strong>s misérias e aflições para o<<strong>br</strong> />

homem espiritual que <strong>de</strong>seja estar isento disto e livre <strong>de</strong> todo<<strong>br</strong> />

pecado.<<strong>br</strong> />

3. Sim, muito oprimido se sente o homem interior <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />

necessida<strong>de</strong>s corporais neste mundo. Por isto roga o profeta a<<strong>br</strong> />

Deus, <strong>de</strong>votamente, que o livre <strong>de</strong>las, dizendo: Livrai-me,<<strong>br</strong> />

Senhor, das minhas necessida<strong>de</strong>s (Sl 24,17). Mas, ai daqueles<<strong>br</strong> />

que não conhecem a sua miséria, e, outra vez, ai daqueles que<<strong>br</strong> />

amam esta miserável e corruptível vida! Porque há alguns tão


apegados a ela - posto que mal arranjem o necessário <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

trabalho ou <strong>com</strong> a esmola - que, se pu<strong>de</strong>ssem viver aqui<<strong>br</strong> />

sempre, nada se lhes daria do reino <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

4. Ó insensatos e duros <strong>de</strong> coração, que tão profundamente<<strong>br</strong> />

jazem apegados à terra, que não gostam senão das coisas<<strong>br</strong> />

carnais. Infelizes! Lá virá o tempo em que hão <strong>de</strong> sentir, muito<<strong>br</strong> />

a seu custo, <strong>com</strong>o era vil e nulo aquilo que amaram. Os santos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Deus, e todos os fiéis amigos <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, não tinham em<<strong>br</strong> />

conta o que agradava à carne nem o que neste mundo<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ilhava, mas toda a sua esperança e intenção se fixavam nos<<strong>br</strong> />

bens eternos. Todo o seu <strong>de</strong>sejo se elevava para as coisas<<strong>br</strong> />

invisíveis e perenes, para que o amor do visível não se arrasta<<strong>br</strong> />

a <strong>de</strong>sejar as coisas inferiores. Não percas, irmão meu, a<<strong>br</strong> />

confiança <strong>de</strong> fazer progressos na vida espiritual; ainda tens<<strong>br</strong> />

tempo e ocasião.<<strong>br</strong> />

5. Por que queres adiar tua resolução? Levanta-te, <strong>com</strong>eça já e<<strong>br</strong> />

dize: Agora é tempo <strong>de</strong> agir, agora é tempo <strong>de</strong> pelejar, agora é<<strong>br</strong> />

tempo próprio para me emendar. Quando estás atribulado e<<strong>br</strong> />

aflito, é tempo <strong>de</strong> merecer. Importa que passes por fogo e água,<<strong>br</strong> />

antes que chegues ao refrigério (Sl 65,12). Se não te fizeres<<strong>br</strong> />

violência, não vencerás os vícios. Enquanto estamos neste<<strong>br</strong> />

frágil corpo, não po<strong>de</strong>mos estar sem pecado, nem viver sem<<strong>br</strong> />

enfado e dor. Bem quiséramos <strong>de</strong>scanso <strong>de</strong> toda miséria; mas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o pelo pecado per<strong>de</strong>mos a inocência, per<strong>de</strong>mos também a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira felicida<strong>de</strong>. Por isso <strong>de</strong>vemos ter paciência, e confiar<<strong>br</strong> />

na divina misericórdia, até que passe a iniqüida<strong>de</strong> (Sl 52,6), e<<strong>br</strong> />

a vida absorva esta mortalida<strong>de</strong> (2Cor 5,4).<<strong>br</strong> />

6. Como é gran<strong>de</strong> a fragilida<strong>de</strong> humana, inclinada sempre ao<<strong>br</strong> />

mal! Hoje confessas os teus pecados, e amanhã <strong>com</strong>etes outra<<strong>br</strong> />

vez os mesmos que confessaste. Resolves agora te acautelar, e<<strong>br</strong> />

daqui a uma hora <strong>de</strong> portas <strong>com</strong>o quem nada se propôs. Com<<strong>br</strong> />

muita razão nos <strong>de</strong>vemos humilhar e não nos ter em gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

conta, já que tão frágeis somos e tão inconstantes. Assim,<<strong>br</strong> />

facilmente se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r pela negligência o que tanto nos<<strong>br</strong> />

custou a adquirir <strong>com</strong> a divina graça.<<strong>br</strong> />

7. Que será <strong>de</strong> nós no fim, se já tão cedo somos tíbios? Ai <strong>de</strong> nós,<<strong>br</strong> />

se assim procuramos repouso, <strong>com</strong>o se já estivéssemos em paz<<strong>br</strong> />

e segurança, quando nem sinal aparece em nossa vida <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira santida<strong>de</strong>. Bem necessário nos fora que nos<<strong>br</strong> />

intruíssemos <strong>de</strong> novo, <strong>com</strong>o bons noviços, nos bons costumes;<<strong>br</strong> />

talvez que assim houvesse esperança <strong>de</strong> alguma emenda<<strong>br</strong> />

futura e maior progresso espiritual.


CAPÍTULO 23<<strong>br</strong> />

Da meditação da morte<<strong>br</strong> />

1. Mui <strong>de</strong>pressa chegará teu fim neste mundo; vê, pois, <strong>com</strong>o te<<strong>br</strong> />

preparas: hoje está vivo o homem, e amanhã já não existe.<<strong>br</strong> />

Entretanto, logo que se per<strong>de</strong>u <strong>de</strong> vista, também se per<strong>de</strong>rá da<<strong>br</strong> />

memória. Ó cegueira e dureza do coração humano, que só<<strong>br</strong> />

cuida do presente, sem olhar para o futuro! De tal modo te<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ves haver em todas as tuas o<strong>br</strong>as e pensamentos, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

fosse já a hora da morte. Se tivesses boa consciência não<<strong>br</strong> />

temerias muito a morte. Melhor fora evitar o pecado que fugir<<strong>br</strong> />

da morte. Se não estás preparado hoje, <strong>com</strong>o o estarás<<strong>br</strong> />

amanhã? O dia <strong>de</strong> amanhã é incerto, e quem sabe se te será<<strong>br</strong> />

concedido?<<strong>br</strong> />

2. Que nos aproveita vivermos muito tempo, quando tão pouco<<strong>br</strong> />

nos emendamos? Oh! nem sempre traz emenda a longa vida,<<strong>br</strong> />

senão que aumenta, muitas vezes, a culpa. Oxalá tivéssemos,<<strong>br</strong> />

um dia sequer, vivido bem neste mundo! Muitos contam os<<strong>br</strong> />

anos <strong>de</strong>corridos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua conversão; freqüentemente,<<strong>br</strong> />

porém, é pouco o fruto da emenda. Se for tanto para temer o<<strong>br</strong> />

morrer, talvez seja ainda mais perigoso o viver muito. Bemaventurado<<strong>br</strong> />

aquele que medita sempre so<strong>br</strong>e a hora da morte,<<strong>br</strong> />

e para ela se dispõe cada dia. Se já viste alguém morrer, reflete<<strong>br</strong> />

que também tu passarás pelo mesmo caminho.<<strong>br</strong> />

3. Pela manhã, pensa que não chegarás à noite, e à noite não te<<strong>br</strong> />

prometas o dia seguinte. Por isso anda sempre preparado e<<strong>br</strong> />

vive <strong>de</strong> tal modo que te não encontre a morte <strong>de</strong>sprevenido.<<strong>br</strong> />

Muitos morrem repentina e inesperadamente; pois na hora em<<strong>br</strong> />

que menos se pensa, virá o Filho do Homem (Lc 12,40).<<strong>br</strong> />

Quando vier àquela hora <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira, <strong>com</strong>eçarás a julgar mui<<strong>br</strong> />

diferentemente toda a tua vida passada, e doer-te-á muito<<strong>br</strong> />

teres sido tão negligente e remisso.<<strong>br</strong> />

4. Quão feliz e pru<strong>de</strong>nte é aquele que procura ser em vida <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>seja que o ache a morte. Pois o que dará gran<strong>de</strong> confiança<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> morte abençoada é o perfeito <strong>de</strong>sprezo do mundo, o <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

ar<strong>de</strong>nte do progresso na virtu<strong>de</strong>, o amor à disciplina, o rigor<<strong>br</strong> />

na penitência, a prontidão na obediência, a renúncia <strong>de</strong> si<<strong>br</strong> />

mesmo e a paciência em sofrer, por amor <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, qualquer<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong>. Mui fácil é praticar o bem enquanto estás são;<<strong>br</strong> />

mas, quando enfermo, não sei o que po<strong>de</strong>rás. Poucos<<strong>br</strong> />

melhoram <strong>com</strong> a enfermida<strong>de</strong>; raro também se santificam os<<strong>br</strong> />

que andam em muitas peregrinações.


5. Não confies em parentes e amigos, nem proteles para mais<<strong>br</strong> />

tar<strong>de</strong> o negócio <strong>de</strong> tua salvação, porque mais <strong>de</strong>pressa do que<<strong>br</strong> />

pensas te esquecerão os homens. Melhor é provi<strong>de</strong>nciar agora<<strong>br</strong> />

e fazer algo <strong>de</strong> bem, do que esperar pelo socorro dos outros. Se<<strong>br</strong> />

não cuidas <strong>de</strong> ti no presente, quem cuidará <strong>de</strong> ti no futuro?<<strong>br</strong> />

Mui precioso é o tempo presente: agora são os dias <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

salvação, agora é o tempo favorável (2Cor 6,2). Mas, ai! Que<<strong>br</strong> />

melhor não aproveitas o meio pelo qual po<strong>de</strong>s merecer viver<<strong>br</strong> />

eternamente! Tempo virá <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejares, um dia, uma hora<<strong>br</strong> />

sequer, para a tua emenda, e não sei se a alcançarás.<<strong>br</strong> />

6. Olha, meu caro irmão, <strong>de</strong> quantos perigos te po<strong>de</strong>rias livrar e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> quantos terrores fugir, se sempre andasses temeroso e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sconfiado da morte. Procura agora <strong>de</strong> tal modo viver, que na<<strong>br</strong> />

hora da morte te possas antes alegrar que temer. Apren<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

agora a <strong>de</strong>sprezar tudo, para então po<strong>de</strong>res voar livremente a<<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong>. Castiga agora teu corpo pela penitência, para que<<strong>br</strong> />

possas então ter legítima confiança.<<strong>br</strong> />

7. Ó louco, que pensas viver muito tempo, quando não tens<<strong>br</strong> />

seguro nem um só dia! Quantos têm sido logrados e, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

improviso, arrancados ao corpo! Quantas vezes ouviste contar:<<strong>br</strong> />

morreu este a espada; afogou-se aquele; este outro, caindo do<<strong>br</strong> />

alto, que<strong>br</strong>ou a cabeça; um morreu <strong>com</strong>endo, outro expirou<<strong>br</strong> />

jogando. Estes se terminaram pelo fogo, aqueles pelo ferro,<<strong>br</strong> />

uns pela peste, outros pelas mãos dos ladrões, e <strong>de</strong> todos é o<<strong>br</strong> />

fim a morte, e, <strong>de</strong>pressa, qual som<strong>br</strong>a, acaba a vida do homem<<strong>br</strong> />

(Sl 143,4).<<strong>br</strong> />

8. Quem se lem<strong>br</strong>ará <strong>de</strong> ti <strong>de</strong>pois da morte? E quem rogará por<<strong>br</strong> />

ti? Faze já, irmão caríssimo, quanto pu<strong>de</strong>res; pois não sabes,<<strong>br</strong> />

quando morrerás nem o que te suce<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>pois da morte.<<strong>br</strong> />

Enquanto tens tempo, ajunta riquezas imortais. Só cuida em<<strong>br</strong> />

tua salvação, ocupa-te só nas coisas <strong>de</strong> Deus. Granjeia agora<<strong>br</strong> />

amigos, venerando os santos <strong>de</strong> Deus e imitando suas o<strong>br</strong>as,<<strong>br</strong> />

para que, ao saíres <strong>de</strong>sta vida, te recebam nas eternas<<strong>br</strong> />

moradas (Lc 16,9).<<strong>br</strong> />

9. Consi<strong>de</strong>ra-te <strong>com</strong>o hóspe<strong>de</strong> e peregrino neste mundo, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

nada tivesses <strong>com</strong> os negócios da terra. Conserva livre teu<<strong>br</strong> />

coração, e erguido a Deus, porque não tens aqui morada<<strong>br</strong> />

permanente. Para lá dirige tuas preces e gemidos, cada dia,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> lágrimas, a fim <strong>de</strong> que mereça tua alma, <strong>de</strong>pois da morte,<<strong>br</strong> />

passar venturosamente ao Senhor. Amém.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 24<<strong>br</strong> />

Do juízo e das penas dos pecadores


1. Em todas as coisas olha o fim, e <strong>de</strong> que sorte estarás diante do<<strong>br</strong> />

severo Juiz a quem nada é oculto, que não se <strong>de</strong>ixa aplacar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> dádivas, nem aceita <strong>de</strong>sculpas, mas que julgará segundo<<strong>br</strong> />

a justiça. Ó misérrimo e insensato pecador! Que respon<strong>de</strong>rás a<<strong>br</strong> />

Deus, que conhece todos os teus crimes, se, às vezes, te<<strong>br</strong> />

amedronta até o olhar dum homem irado? Por que não te<<strong>br</strong> />

acautelas para o dia do juízo, quando ninguém po<strong>de</strong>rá ser<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sculpado ou <strong>de</strong>fendido por outrem, mas cada um terá assaz<<strong>br</strong> />

que fazer por si? Agora o teu trabalho é frutuoso, o teu pranto<<strong>br</strong> />

aceito, o teu gemer ouvido, satisfatória a tua contrição.<<strong>br</strong> />

2. Gran<strong>de</strong> e salutar purgatório tem nesta vida o homem paciente:<<strong>br</strong> />

se, injuriado, mas se dói da malda<strong>de</strong> alheia, que da ofensa<<strong>br</strong> />

própria; se, <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>, roga por seus adversários, e <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todo o coração perdoa os agravos; se não tarda em pedir<<strong>br</strong> />

perdão aos outros; se mais facilmente se <strong>com</strong>pa<strong>de</strong>ce do que se<<strong>br</strong> />

irrita; se constantemente faz violência a si mesmo, e se esforça<<strong>br</strong> />

por submeter <strong>de</strong> todo a carne ao espírito. Melhor é expiar já os<<strong>br</strong> />

pecados e extirpar os vícios, que adiar a expiação para mais<<strong>br</strong> />

tar<strong>de</strong>. Com efeito, nós enganamos a nós mesmos pelo amor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado que temos à carne.<<strong>br</strong> />

3. Que outra coisa há <strong>de</strong> <strong>de</strong>vorar aquele fogo senão os teus<<strong>br</strong> />

pecados? Quanto mais te poupas agora e segues a carne, tanto<<strong>br</strong> />

mais cruel será <strong>de</strong>pois o tormento e tanto mais lenha ajuntas<<strong>br</strong> />

para a fogueira. Naquilo em que o homem mais pecou, será<<strong>br</strong> />

mais gravemente castigado. Ali os preguiçosos serão incitados<<strong>br</strong> />

por aguilhões ar<strong>de</strong>ntes, e os gulosos serão atormentados por<<strong>br</strong> />

violenta fome e se<strong>de</strong>. Os impudicos e voluptuosos serão<<strong>br</strong> />

banhados em pez ar<strong>de</strong>nte e fétido enxofre, e os invejosos<<strong>br</strong> />

uivarão <strong>de</strong> dor, à semelhança <strong>de</strong> cães furiosos.<<strong>br</strong> />

4. Não há vício que não tenha o seu tormento especial. Ali, os<<strong>br</strong> />

soberbos serão aca<strong>br</strong>unhados <strong>de</strong> profunda confusão, e os<<strong>br</strong> />

avarentos oprimidos <strong>com</strong> extrema penúria. Ali será mais cruel<<strong>br</strong> />

uma hora <strong>de</strong> suplício do que cem anos aqui da mais rigorosa<<strong>br</strong> />

penitência. Ali não há <strong>de</strong>scanso nem consolação para os<<strong>br</strong> />

con<strong>de</strong>nados, enquanto aqui, às vezes, cessa o trabalho e nos<<strong>br</strong> />

consolam os amigos. Relem<strong>br</strong>a agora e chora teus pecados,<<strong>br</strong> />

para que no dia do juízo estejas seguro entre os escolhidos.<<strong>br</strong> />

Pois erguer-se-ão, naquele dia, os justos <strong>com</strong> gran<strong>de</strong> força<<strong>br</strong> />

contra aqueles que os oprimiram e <strong>de</strong>sprezaram (Sab 5,1).<<strong>br</strong> />

Então se levantará, para julgar, Aquele que agora se curvou<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong>mente ao juízo dos homens. Então terá muita<<strong>br</strong> />

confiança o po<strong>br</strong>e e o humil<strong>de</strong>, mas o soberbo estremecerá <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pavor.


5. Então se verá que foi sábio, neste mundo, quem apren<strong>de</strong>u a<<strong>br</strong> />

ser louco e <strong>de</strong>sprezado, por amor <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>. Então dará prazer<<strong>br</strong> />

toda tribulação, sofrida <strong>com</strong> paciência, e a iniqüida<strong>de</strong> não<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>irá a sua boca (Sl 106,42). Então se alegrarão todos os<<strong>br</strong> />

piedosos e se entristecerão todos os ímpios. Então mais<<strong>br</strong> />

exultará a carne mortificada, que se fora sempre nutrida em<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>lícias. Então <strong>br</strong>ilhará o hábito grosseiro e <strong>de</strong>sbotarão as<<strong>br</strong> />

vestimentas preciosas. Então terá mais apreço o po<strong>br</strong>e tugúrio<<strong>br</strong> />

que o dourado palácio. Mais valerá a paciente constância que<<strong>br</strong> />

todo o po<strong>de</strong>rio do mundo. Mais será engran<strong>de</strong>cida a singela<<strong>br</strong> />

obediência que toda a sagacida<strong>de</strong> do século.<<strong>br</strong> />

6. Mais satisfação dará a pura e boa consciência que a douta<<strong>br</strong> />

filosofia. Mais valerá o <strong>de</strong>sprezo das riquezas que todos os<<strong>br</strong> />

tesouros da terra. Mais te consolará a lem<strong>br</strong>ança duma <strong>de</strong>vota<<strong>br</strong> />

oração que a <strong>de</strong> inúmeros banquetes. Mais folgarás <strong>de</strong> ter<<strong>br</strong> />

guardado silêncio, do que <strong>de</strong> ter falado muito. Mais valor terão<<strong>br</strong> />

as boas o<strong>br</strong>as que as lindas palavras. Mais agradará a vida<<strong>br</strong> />

austera e árdua penitência que todos os gozos terrenos.<<strong>br</strong> />

Apren<strong>de</strong> agora a pa<strong>de</strong>cer um pouco, para poupar-te mais<<strong>br</strong> />

graves sofrimentos no futuro. Experimenta agora o que po<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

sofrer mais tar<strong>de</strong>. Se não po<strong>de</strong>s agora sofrer tão pouca coisa,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o suportarás os eternos suplícios? Se tanto te repugna o<<strong>br</strong> />

menor incômodo, que te fará então o inferno? Certo é que não<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>s fruir dois gozos: <strong>de</strong>leitar-se neste mundo, e <strong>de</strong>pois<<strong>br</strong> />

reinar <strong>com</strong> <strong>Cristo</strong>.<<strong>br</strong> />

7. Se até hoje tivesses vivido sempre em honras e <strong>de</strong>lícias, que te<<strong>br</strong> />

aproveitaria isso se tivesses que morrer neste instante? Logo,<<strong>br</strong> />

tudo é vaida<strong>de</strong>, exceto amar a Deus e só a ele servir. Pois<<strong>br</strong> />

quem ama a Deus, <strong>de</strong> todo o coração, não teme nem a morte,<<strong>br</strong> />

nem o castigo, nem o juízo, nem o inferno, porque o perfeito<<strong>br</strong> />

amor dá seguro acesso a Deus. Mas quem ainda se <strong>de</strong>licia no<<strong>br</strong> />

pecado, não é <strong>de</strong> estranhar que tema a morte e o juízo.<<strong>br</strong> />

Todavia, é bom que, se do mal não te aparta o amor, te refreie<<strong>br</strong> />

ao menos o temor do inferno. Aquele, porém, que <strong>de</strong>spreza o<<strong>br</strong> />

temor <strong>de</strong> Deus, não po<strong>de</strong>rá por muito tempo perseverar no<<strong>br</strong> />

bem, e <strong>de</strong>pressa cairá nos laços do <strong>de</strong>mônio.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 25<<strong>br</strong> />

Da diligente emenda <strong>de</strong> toda a nossa vida<<strong>br</strong> />

1. Sê vigilante e diligente no serviço <strong>de</strong> Deus, e pergunta-te<<strong>br</strong> />

a miúdo: a que vieste, para que <strong>de</strong>ixaste o mundo? Não<<strong>br</strong> />

será para viver por Deus e tornar-te homem espiritual?


Trilha, pois, <strong>com</strong> fervor o caminho da perfeição, porque<<strong>br</strong> />

em <strong>br</strong>eve receberás o prêmio dos teus trabalhos; nem te<<strong>br</strong> />

afligirão, daí por diante, temores nem dores. Agora, terás<<strong>br</strong> />

algum trabalho; mas <strong>de</strong>pois acharás gran<strong>de</strong> repouso e<<strong>br</strong> />

perpétua alegria. Se tu permaneceres fiel e diligente no<<strong>br</strong> />

seu serviço, Deus, sem dúvida, será fiel e generoso no<<strong>br</strong> />

prêmio. Conserva a firme esperança <strong>de</strong> alcançar a palma;<<strong>br</strong> />

não cries, porém<<strong>br</strong> />

2. segurança, para não caíres em tibieza ou presunção.<<strong>br</strong> />

2. Certo homem que vacilava muitas vezes, ansioso, entre o<<strong>br</strong> />

temor e a esperança, estando um dia aca<strong>br</strong>unhado pela<<strong>br</strong> />

tristeza, entrou numa igreja, e diante dum altar, prostrado em<<strong>br</strong> />

oração, dizia consigo mesmo: Oh! se eu soubesse que havia <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

perseverar! E logo ouviu em si a divina respostas: Se tal<<strong>br</strong> />

soubesses, que farias? Faze já o que então fizeras, e estarás<<strong>br</strong> />

bem seguro. Consolado imediatamente, e confortado,<<strong>br</strong> />

abandonou-se à divina vonta<strong>de</strong>, e cessou a ansiosa<<strong>br</strong> />

perplexida<strong>de</strong>. Desistiu da curiosa indagação acerca do seu<<strong>br</strong> />

futuro aplicando-se antes em conhecer qual fosse a vonta<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

o perfeito agrado <strong>de</strong> Deus para <strong>com</strong>eçar e acabar qualquer boa o<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />

1. Espera no Senhor e faze boas o<strong>br</strong>as, diz o profeta, habita na<<strong>br</strong> />

terra e serás apascentado <strong>com</strong> suas riquezas (Sl 36,3). Há uma<<strong>br</strong> />

coisa que esfria em muitos o fervor do progresso e zelo da<<strong>br</strong> />

emenda: o horror da dificulda<strong>de</strong> ou o trabalho da peleja. Certo<<strong>br</strong> />

é que, mais que os outros, aproveitam nas virtu<strong>de</strong>s aqueles<<strong>br</strong> />

que <strong>com</strong> maior empenho se esmeram em vencer a si mesmos<<strong>br</strong> />

naquilo que lhes é mais penoso e contrariam mais suas<<strong>br</strong> />

inclinações. Porque tanto mais aproveita o homem, e mais<<strong>br</strong> />

copiosa graça merece, quanto mais se vence a si mesmo e se<<strong>br</strong> />

mortifica no espírito.<<strong>br</strong> />

2. Não custa igualmente a todos se vencer e mortificar-se.<<strong>br</strong> />

Todavia, o homem diligente e porfioso fará mais progressos,<<strong>br</strong> />

ainda que seja <strong>com</strong>batido por muitas paixões, que outro <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

melhor índole, porém menos fervoroso em adquirir as virtu<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Dois meios, principalmente, ajudam muito a nossa emenda, e<<strong>br</strong> />

vêm a ser: apartar-se valorosamente das coisas às quais<<strong>br</strong> />

viciosamente se inclina a natureza, e porfiar em adquirir a<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> que mais se há mister. Aplica-te também a evitar e<<strong>br</strong> />

vencer o que mais te <strong>de</strong>sagrada nos outros.<<strong>br</strong> />

3. Procura tirar proveito <strong>de</strong> tudo: se vês ou ouves relatar bons<<strong>br</strong> />

exemplos, anima-te logo a imitá-los; mas, se reparares em<<strong>br</strong> />

alguma coisa repreensível, guarda-te <strong>de</strong> fazê-la, e, se em igual


falta caíste, procura emendar-te logo <strong>de</strong>la. Assim <strong>com</strong>o tu<<strong>br</strong> />

observas os outros, também eles te observam a ti. Que alegria<<strong>br</strong> />

e gosto ver irmãos cheios <strong>de</strong> fervor e pieda<strong>de</strong>, bem<<strong>br</strong> />

acostumados e morigerados! Que tristeza, porém, e aflição, vêlos<<strong>br</strong> />

andar <strong>de</strong>snorteados e <strong>de</strong>scuidados dos exercícios <strong>de</strong> sua<<strong>br</strong> />

vocação! Que prejuízo <strong>de</strong>scurar os <strong>de</strong>veres do estado e aplicarse<<strong>br</strong> />

ao que Deus não exige!<<strong>br</strong> />

4. Lem<strong>br</strong>a-te da resolução que tomaste, e põe diante <strong>de</strong> ti a<<strong>br</strong> />

imagem <strong>de</strong> Jesus crucificado. Com razão te envergonharás,<<strong>br</strong> />

consi<strong>de</strong>rando a vida <strong>de</strong> Jesus <strong>Cristo</strong>, pois até agora tão pouco<<strong>br</strong> />

procuraste conformar-te <strong>com</strong> ela, estando há tanto tempo no<<strong>br</strong> />

caminho <strong>de</strong> Deus. O religioso que, <strong>com</strong> solicitu<strong>de</strong> e fervor, se<<strong>br</strong> />

exercita na santíssima vida e paixão do Senhor, achará nela<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> abundância tudo quanto lhe é útil e necessário, e<<strong>br</strong> />

escusará buscar coisa melhor fora <strong>de</strong> Jesus. Oh! se entrasse<<strong>br</strong> />

em nosso coração Jesus crucificado, quão <strong>de</strong>pressa e<<strong>br</strong> />

perfeitamente seríamos instruídos!<<strong>br</strong> />

5. O religioso cheio <strong>de</strong> fervor tudo suporta <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

executa o que lhe mandam. O relaxado e tíbio, porém,<<strong>br</strong> />

encontra tribulação so<strong>br</strong>e tribulação, sofrendo <strong>de</strong> toda parte<<strong>br</strong> />

angústias: é que ele carece da consolação interior e lhe é<<strong>br</strong> />

vedado buscar a exterior. O religioso que transgri<strong>de</strong> a regra<<strong>br</strong> />

anda exposto a gran<strong>de</strong> ruína. Quem busca a vida cômoda e<<strong>br</strong> />

menos austera, sempre estará em angústias, porque uma ou<<strong>br</strong> />

outra coisa sempre lhe <strong>de</strong>sagrada.<<strong>br</strong> />

6. Que fazem tantos outros religiosos que guardam a austera<<strong>br</strong> />

disciplina do claustro? Raro saem, vivem retirados, sua<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ida é parca, seu hábito grosseiro, trabalham muito, falam<<strong>br</strong> />

pouco, vigiam até tar<strong>de</strong>, levantam-se cedo, rezam muito, lêem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> freqüencia e conservam-se em toda a observância. Olha<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o os cartuxos, os cistercienses, e os monges e monjas das<<strong>br</strong> />

diversas or<strong>de</strong>ns se levantam todas as noites para louvar o<<strong>br</strong> />

Senhor. Vergonha, pois, seria, se tu fosses preguiçoso em o<strong>br</strong>a<<strong>br</strong> />

tão santa, quando tamanha multidão <strong>de</strong> religiosos entoa a<<strong>br</strong> />

divina salmodia.<<strong>br</strong> />

7. Oh! se nada mais tivesses que fazer senão louvar a Deus<<strong>br</strong> />

Nosso Senhor <strong>de</strong> coração e boca! Oh! se nunca precisares<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>er, nem beber, nem dormir, mas sempre pu<strong>de</strong>sses aten<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

aos louvores <strong>de</strong> Deus e aos exercícios espirituais! Então serias<<strong>br</strong> />

muito mais ditoso do que agora, sujeito a tantas exigências do<<strong>br</strong> />

corpo! Oxalá não existissem tais necessida<strong>de</strong>s, mas houvesse<<strong>br</strong> />

só aquelas refeições que - ai! - tão raro gozamos!<<strong>br</strong> />

8. Quando o homem chega ao ponto <strong>de</strong> não buscar sua<<strong>br</strong> />

consolação em nenhuma criatura, só então <strong>com</strong>eça a gostar


perfeitamente <strong>de</strong> Deus, e anda contente, aconteça o que<<strong>br</strong> />

acontecer. Então não se alegra pela abundância, nem se<<strong>br</strong> />

entristece pela penúria, mas confia inteira e fielmente em<<strong>br</strong> />

Deus, que lhe é tudo em todas as coisas, para quem nada<<strong>br</strong> />

perece nem morre, mas por quem vivem todas as coisas e a<<strong>br</strong> />

cujo aceno, <strong>com</strong> prontidão, obe<strong>de</strong>cem.<<strong>br</strong> />

9. Lem<strong>br</strong>a-te sempre do fim, e que o tempo perdido não volta.<<strong>br</strong> />

Sem empenho e diligência, jamais alcançarás as virtu<strong>de</strong>s. Se<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçares a ser tíbio, logo te inquietarás. Se, porém,<<strong>br</strong> />

procurares afervorar-te, acharás gran<strong>de</strong> paz e sentirás mais<<strong>br</strong> />

leve o trabalho <strong>com</strong> a graça <strong>de</strong> Deus e o amor da virtu<strong>de</strong>. O<<strong>br</strong> />

homem fervoroso e diligente está preparado para tudo. Mais<<strong>br</strong> />

penoso é resistir aos vícios e às paixões que afadigar-se em<<strong>br</strong> />

trabalhos corporais. Quem não evita os pequenos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>feitos pouco a pouco cai nos gran<strong>de</strong>s. Alegrar-te-ás sempre à<<strong>br</strong> />

noite, se tiveres empregado bem o dia. Vigia so<strong>br</strong>e ti, anima-te e<<strong>br</strong> />

admoesta-te e, vivam os outros <strong>com</strong>o vivem, não te <strong>de</strong>scui<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ti<<strong>br</strong> />

mesmo. Tanto mais aproveitarás, quanto maior for a violência que<<strong>br</strong> />

te fizeres. Amém.<<strong>br</strong> />

LIVRO SEGUNDO<<strong>br</strong> />

EXORTAÇÕES À VIDA INTERIOR<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 1<<strong>br</strong> />

Da vida interior<<strong>br</strong> />

1. O reino <strong>de</strong> <strong>de</strong>us está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> vós, diz o Senhor (Lc 17,21).<<strong>br</strong> />

Converte-te a Deus <strong>de</strong> todo o coração, <strong>de</strong>ixa este mundo<<strong>br</strong> />

miserável, e tua alma achará <strong>de</strong>scanso. Apren<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sprezar<<strong>br</strong> />

as coisas exteriores e entrega-te às interiores, e verás chegar a<<strong>br</strong> />

ti o reino <strong>de</strong> Deus. Pois o reino <strong>de</strong> Deus é a paz e o gozo no<<strong>br</strong> />

Espírito Santo (Rom 14, 17), que não se dá aos ímpios. Virá a<<strong>br</strong> />

ti <strong>Cristo</strong> para consolar-te, se lhe preparares no teu interior<<strong>br</strong> />

digna moradia. Toda a sua glória e formosura está no interior<<strong>br</strong> />

(Sl 44,14), e só aí o Senhor se <strong>com</strong>praz. A miúdo visita ele o<<strong>br</strong> />

homem interior em doce intretenimento, suave consolação,<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> paz e familiarida<strong>de</strong> so<strong>br</strong>emaneira admirável.<<strong>br</strong> />

2. Eia, alma fiel, para este Esposo prepara teu coração, a fim <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que se digne vir e morar em ti. Pois assim ele diz: Se alguém<<strong>br</strong> />

me ama, guardará a minha palavra, e viremos a ele e faremos<<strong>br</strong> />

nele a nossa morada (Jo 14,23). Dá, pois, lugar a Jesus e a


tudo mais fecha a porta. Se possuíres a <strong>Cristo</strong>, estarás rico e<<strong>br</strong> />

satisfeito. Ele mesmo será teu provedor e fiel procurador em<<strong>br</strong> />

tudo, <strong>de</strong> modo que não hajas mister <strong>de</strong> esperar nos homens.<<strong>br</strong> />

Porque os homens são volúveis e faltam <strong>com</strong> facilida<strong>de</strong> à<<strong>br</strong> />

confiança, mas <strong>Cristo</strong> permanece eternamente (Jo 12,34), e<<strong>br</strong> />

firme nos a<strong>com</strong>panha até ao fim.<<strong>br</strong> />

3. Não se há <strong>de</strong> ter gran<strong>de</strong> confiança no homem frágil e mortal,<<strong>br</strong> />

por mais que nos seja caro e útil; nem nos <strong>de</strong>vemos afligir <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

excessos, porque, <strong>de</strong> vez em quando, nos contraria <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

palavras ou o<strong>br</strong>as. Os que hoje estão contigo amanhã talvez<<strong>br</strong> />

sejam contra ti, e reciprocamente, pois os homens mudam<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o o vento. Põe toda a tua confiança em Deus, e seja ele o<<strong>br</strong> />

teu temor e amor; ele respon<strong>de</strong>rá por ti, e fará do melhor modo<<strong>br</strong> />

o que convier. Não tens aqui morada permanente (H<strong>br</strong> 13,14),<<strong>br</strong> />

e on<strong>de</strong> quer que estejas, és estranho e peregrino; nem terás<<strong>br</strong> />

nunca <strong>de</strong>scanso, se não estiveres intimamente unido a Jesus.<<strong>br</strong> />

4. Para que olhas em redor <strong>de</strong> ti, se não é este o lugar <strong>de</strong> teu<<strong>br</strong> />

repouso? No céu <strong>de</strong>ve ser a tua habitação, e <strong>com</strong>o <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

passagem hás <strong>de</strong> olhar todas as coisas da terra. Todas<<strong>br</strong> />

passam, e tu igualmente passas <strong>com</strong> elas; toma cuidado para<<strong>br</strong> />

não te apegares a elas, a fim <strong>de</strong> que não te escravizem e<<strong>br</strong> />

percam. Ao Altíssimo eleva sempre teus pensamentos, e a<<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong> dirige súplica incessante. Se não sabes contemplar<<strong>br</strong> />

coisas altas e celestiais, <strong>de</strong>scansa na paixão <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> e gosta<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> habitar em suas sacratíssimas chagas. Pois, se te acolheres<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>votamente às chagas e preciosos estigmas <strong>de</strong> Jesus, sentirás<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> conforto em tuas mágoas, não farás mais caso do<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezo dos homens e facilmente sofrerás as suas <strong>de</strong>trações.<<strong>br</strong> />

5. <strong>Cristo</strong> também foi, neste mundo, <strong>de</strong>sprezado dos homens, e<<strong>br</strong> />

em suma necessida<strong>de</strong>, entre os opró<strong>br</strong>ios, o <strong>de</strong>sampararam<<strong>br</strong> />

seus conhecidos e amigos. <strong>Cristo</strong> quis pa<strong>de</strong>cer e ser<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezado; e tu ousas queixar-te <strong>de</strong> alguém? <strong>Cristo</strong> teve<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>tratores; e tu queres ter a todos por amigos e<<strong>br</strong> />

benfeitores? Como po<strong>de</strong>rá ser coroada tua paciência, se não<<strong>br</strong> />

encontrares alguma adversida<strong>de</strong>? Se não queres sofrer alguma<<strong>br</strong> />

contrarieda<strong>de</strong>, <strong>com</strong>o serás amigo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>? Sofre <strong>com</strong> <strong>Cristo</strong> e<<strong>br</strong> />

por <strong>Cristo</strong>, se <strong>com</strong> <strong>Cristo</strong> queres reinar.<<strong>br</strong> />

6. Se uma só vez entraras perfeitamente no Coração <strong>de</strong> Jesus e<<strong>br</strong> />

gozaras um pouco <strong>de</strong> seu ar<strong>de</strong>nte amor, não farias caso do teu<<strong>br</strong> />

proveito ou dano, ao contrário, te elegrarias <strong>com</strong> os mesmos<<strong>br</strong> />

opró<strong>br</strong>ios; porque o amor <strong>de</strong> Jesus faz <strong>com</strong> que o homem se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spreze a si mesmo. O amante <strong>de</strong> Jesus e da verda<strong>de</strong>, e o<<strong>br</strong> />

homem <strong>de</strong>veras espiritual e livre <strong>de</strong> afeições <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas,


po<strong>de</strong> facilmente recolher-se em Deus, e, elevando-se em<<strong>br</strong> />

espírito, acima <strong>de</strong> si mesmo, fruir <strong>de</strong>licioso <strong>de</strong>scanso.<<strong>br</strong> />

1. Aquele que avalia as coisas pelo que são, e não pelo juízo<<strong>br</strong> />

e estimação dos outros, este é o verda<strong>de</strong>iro sábio,<<strong>br</strong> />

ensinado mais por Deus que pelos homens. Quem sabe<<strong>br</strong> />

andar recolhido <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, e ter em pequena conta as<<strong>br</strong> />

coisas exteriores, não precisa escolher lugar nem<<strong>br</strong> />

aguardar horas para se dar a exercícios <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong>. O<<strong>br</strong> />

homem interior facilmente se recolhe, pois nunca se<<strong>br</strong> />

entrega <strong>de</strong> todo às coisas exteriores. Não o estorvam<<strong>br</strong> />

trabalhos externos nem ocupações, às vezes necessárias,<<strong>br</strong> />

mas ele se a<strong>com</strong>oda às circunstâncias, conforme<<strong>br</strong> />

suce<strong>de</strong>m. Quem tem o interior bem disposto e or<strong>de</strong>nado<<strong>br</strong> />

não se importa <strong>com</strong> as façanhas e crimes dos homens.<<strong>br</strong> />

Tanto o homem se embaraça e distrai, quanto se mete<<strong>br</strong> />

nas coisas<<strong>br</strong> />

2. exteriores.<<strong>br</strong> />

7. Se foras reto e puro, tudo te correria bem e se voltaria em teu<<strong>br</strong> />

proveito. Mas, porque ainda não estás <strong>de</strong> todo morto a ti<<strong>br</strong> />

mesmo, nem apartado das coisas terrenas, por isso muitas<<strong>br</strong> />

coisas te causam <strong>de</strong>sgostos e perturbações. Nada mancha<<strong>br</strong> />

tanto e embaraça o coração do homem <strong>com</strong>o o amor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado às criaturas. Se renunciares às consolações<<strong>br</strong> />

exteriores, po<strong>de</strong>rás contemplar as coisas do céu e gozar a<<strong>br</strong> />

miúdo da alegria interior.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 2<<strong>br</strong> />

Da humil<strong>de</strong> submissão<<strong>br</strong> />

1.Não te importes muito <strong>de</strong> saber quem seja por ti ou contra ti; mas<<strong>br</strong> />

trata e procura que Deus seja contigo em tudo que fizeres. Tem boa<<strong>br</strong> />

consciência e Deus te <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rá, pois a quem Deus ajuda não há<<strong>br</strong> />

malda<strong>de</strong> que o possa prejudicar. Se souberes calar e sofrer, verás,<<strong>br</strong> />

sem dúvida, o socorro do Senhor. Ele sabe o tempo e o modo <strong>de</strong> te<<strong>br</strong> />

livrar; portanto, entrega-te todo a ele. A Deus pertence aliviar-nos e<<strong>br</strong> />

tirar-nos <strong>de</strong> toda a confusão. Às vezes é muito útil, para melhor<<strong>br</strong> />

conservarmos a humilda<strong>de</strong>, que os outros saibam os nossos <strong>de</strong>feitos<<strong>br</strong> />

e no-los repreendam.<<strong>br</strong> />

2. Quando o homem se humilha por seus <strong>de</strong>feitos, aplaca facilmente<<strong>br</strong> />

os outros e satisfaz os que estão irados contra ele. Ao humil<strong>de</strong> Deus<<strong>br</strong> />

protege e salva, ao humil<strong>de</strong> ama e consola, ao humil<strong>de</strong> ele se<<strong>br</strong> />

inclina, dá-lhe abundantes graças e <strong>de</strong>pois do abatimento o levanta


a gran<strong>de</strong> honra. Ao humil<strong>de</strong> revela seus segredos e <strong>com</strong> doçura a si<<strong>br</strong> />

o atrai e convida. O humil<strong>de</strong>, ao sofrer afrontas, conserva sua paz,<<strong>br</strong> />

porque confia em Deus e não no mundo. Não julgues ter feito<<strong>br</strong> />

progresso algum, enquanto te não reconheças inferior a todos.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 3<<strong>br</strong> />

Do homem bom e pacífico<<strong>br</strong> />

1. Primeiro conserva-te em paz, e <strong>de</strong>pois po<strong>de</strong>rás pacificar os<<strong>br</strong> />

outros. O homem apaixonado, até o bem converte em mal e<<strong>br</strong> />

facilmente acredita no mal; o homem bom e pacífico, pelo<<strong>br</strong> />

contrário, faz <strong>com</strong> que tudo se converta em bem. Quem está<<strong>br</strong> />

em boa paz <strong>de</strong> ninguém <strong>de</strong>sconfia; o <strong>de</strong>scontente e perturbado,<<strong>br</strong> />

porém, é <strong>com</strong>batido <strong>de</strong> várias suspeitas e não sossega, nem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixa os outros sossegarem. Diz muitas vezes o que não <strong>de</strong>via<<strong>br</strong> />

dizer, e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fazer o que mais lhe conviria. Aten<strong>de</strong> às<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igações alheias, e <strong>de</strong>scuida-se das próprias. Tem, pois,<<strong>br</strong> />

principalmente zelo <strong>de</strong> ti, e <strong>de</strong>pois o terás, <strong>com</strong> direito, do teu<<strong>br</strong> />

próximo.<<strong>br</strong> />

2. Bem sabes <strong>de</strong>sculpar e co<strong>br</strong>ir tuas faltas, e não queres aceitar<<strong>br</strong> />

as <strong>de</strong>sculpas dos outros! Mais justo fora que te acusasses a ti<<strong>br</strong> />

e escusasses o teu irmão. Suporta os outros, se queres que te<<strong>br</strong> />

suportem a ti. Nota quão longe estás ainda da verda<strong>de</strong>ira<<strong>br</strong> />

carida<strong>de</strong> e humilda<strong>de</strong>, que não sabe irar-se ou indignar-se<<strong>br</strong> />

senão contra si própria. Não é gran<strong>de</strong> coisa conviver <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

homens bons e mansos, porque isso, naturalmente, agrada a<<strong>br</strong> />

todos; e cada um gosta <strong>de</strong> viver em paz e ama os que são <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

seu parecer. Viver, porém, em paz <strong>com</strong> pessoas ásperas,<<strong>br</strong> />

perversas e mal educadas que nos contrariam, é gran<strong>de</strong> graça<<strong>br</strong> />

e ação louvável e varonil.<<strong>br</strong> />

3. Uns há que têm paz consigo e <strong>com</strong> os mais; outros que não<<strong>br</strong> />

têm paz nem a <strong>de</strong>ixam aos <strong>de</strong>mais; são insuportáveis aos<<strong>br</strong> />

outros, e ainda mais o são a si mesmos. E há outros que têm<<strong>br</strong> />

paz consigo e procuram-na para os <strong>de</strong>mais. Toda a nossa paz,<<strong>br</strong> />

porém, nesta vida miserável, consiste mais na humil<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

resignação, que em não sentir as contrarieda<strong>de</strong>s. Quem<<strong>br</strong> />

melhor sabe sofrer maior paz terá. Esse é vencedor <strong>de</strong> si<<strong>br</strong> />

mesmo e senhor do mundo, amigo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> e her<strong>de</strong>iro do céu.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 4<<strong>br</strong> />

Da mente pura e da intenção simples


1. Com duas asas se levanta o homem acima das coisas terrenas:<<strong>br</strong> />

simplicida<strong>de</strong> e pureza. A simplicida<strong>de</strong> há <strong>de</strong> estar na intenção<<strong>br</strong> />

e a pureza no afeto. A simplicida<strong>de</strong> procura a Deus, a pureza o<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>aça e frui. Em nenhuma boa o<strong>br</strong>a acharás estorvo, se<<strong>br</strong> />

estiveres interiormente livre <strong>de</strong> todo afeto <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado. Se só<<strong>br</strong> />

queres e buscas o agrado <strong>de</strong> Deus e o proveito do próximo,<<strong>br</strong> />

gozarás <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> interior. Se teu coração for reto, toda<<strong>br</strong> />

criatura te será um espelho <strong>de</strong> vida e um livro <strong>de</strong> santas<<strong>br</strong> />

doutrinas. Não há criatura tão pequena e vil, que não<<strong>br</strong> />

represente a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

2. Se fosses interiormente bom e puro, logo verias tudo sem<<strong>br</strong> />

dificulda<strong>de</strong> e <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>rias bem. O coração puro penetra<<strong>br</strong> />

o céu e o inferno. Cada um julga segundo seu interior. Se há alegria<<strong>br</strong> />

neste mundo, é o coração puro que a goza; se há, em alguma parte,<<strong>br</strong> />

tribulação e angústia, é a má consciência que as experimenta. Como<<strong>br</strong> />

o ferro metido no fogo per<strong>de</strong> a ferrugem e se faz todo incan<strong>de</strong>scente,<<strong>br</strong> />

assim o homem que se entrega inteiramente a Deus fica livre da<<strong>br</strong> />

tibieza e transforma-se em novo homem.<<strong>br</strong> />

3. Quando o homem <strong>com</strong>eça a entibiar, logo teme o menor trabalho<<strong>br</strong> />

e anseia as consolações exteriores. Quando, porém, <strong>com</strong>eça <strong>de</strong>veras<<strong>br</strong> />

a vencer-se e andar <strong>com</strong> ânimo no caminho <strong>de</strong> Deus, leves lhe<<strong>br</strong> />

parecem as coisas que antes achava onerosas.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 5<<strong>br</strong> />

Da consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> si mesmo<<strong>br</strong> />

1. Não po<strong>de</strong>mos confiar muito em nós, porque freqüentemente nos<<strong>br</strong> />

faltam a graça e o critério. Pouca luz temos em nós e esta facilmente<<strong>br</strong> />

a per<strong>de</strong>mos por negligência. De ordinário também não avaliamos<<strong>br</strong> />

quanta é nossa cegueira interior. A miúdo proce<strong>de</strong>mos mal e nos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sculpamos, o que é pior. Às vezes nos move a paixão, e pensamos<<strong>br</strong> />

que é zelo. Repreen<strong>de</strong>mos nos outros as faltas leves, e nos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>scuidamos das nossas maiores. Bem <strong>de</strong>pressa sentimos e<<strong>br</strong> />

pon<strong>de</strong>ramos<<strong>br</strong> />

o que dos outros sofremos, mas não se nos dá do que os outros<<strong>br</strong> />

sofrem <strong>de</strong> nós. Quem bem e retamente avaliasse suas o<strong>br</strong>as não<<strong>br</strong> />

seria capaz <strong>de</strong> julgar os outros <strong>com</strong> rigor.<<strong>br</strong> />

1. O homem interior antepõe o cuidado <strong>de</strong> si a todos os outros<<strong>br</strong> />

cuidados, e quem se ocupa <strong>de</strong> si <strong>com</strong> diligência facilmente<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> falar dos outros. Nunca serás homem espiritual e


<strong>de</strong>voto, se não calares dos outros, aten<strong>de</strong>ndo a ti próprio <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

especial cuidado. Se <strong>de</strong> ti só e <strong>de</strong> Deus cuidares, pouco te<<strong>br</strong> />

moverá o que se passa por fora. On<strong>de</strong> estás, quando não estás<<strong>br</strong> />

contigo? E, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo percorrido, que ganhaste se<<strong>br</strong> />

esqueceste a ti mesmo? Se queres ter paz e verda<strong>de</strong>iro sossego,<<strong>br</strong> />

é preciso que tudo mais dispenses, e a ti só tenhas diante dos<<strong>br</strong> />

olhos.<<strong>br</strong> />

2. Portanto, gran<strong>de</strong>s progressos farás, se te conservares livre <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todo cuidado temporal; muito te atrasará o apego a alguma<<strong>br</strong> />

coisa temporal. Nada te seja gran<strong>de</strong>, no<strong>br</strong>e, aceito ou<<strong>br</strong> />

agradável, a não ser Deus mesmo ou o que for <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

Consi<strong>de</strong>ra vã toda consolação que te vier das criaturas. A alma<<strong>br</strong> />

que ama a Deus <strong>de</strong>spreza tudo que é abaixo <strong>de</strong> Deus. Só Deus<<strong>br</strong> />

eterno e imenso, que tudo enche, é o consolo da alma e a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira alegria do coração.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 6<<strong>br</strong> />

Da alegria da boa consciência<<strong>br</strong> />

1. A glória do homem virtuoso é o testemunho da boa<<strong>br</strong> />

consciência. Conserva pura a consciência, e sempre terás<<strong>br</strong> />

alegria. A boa consciência po<strong>de</strong> suportar muita coisa e<<strong>br</strong> />

permanece alegre, até nas adversida<strong>de</strong>s. A má consciência<<strong>br</strong> />

anda sempre medrosa e inquieta. Suave sossego gozarás, se <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

nada te acusar o coração. Não te dês por satisfeito, senão<<strong>br</strong> />

quando tiveres feito algum bem. Os maus nunca têm<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira alegria nem sentem a paz interior; pois não há paz<<strong>br</strong> />

para os ímpios, diz o Senhor (Is 57, 21). E se disserem:<<strong>br</strong> />

Vivemos em paz, não há mal que nos possa acontecer, e quem<<strong>br</strong> />

ousará ofen<strong>de</strong>r-nos? - não lhes dês crédito, porque <strong>de</strong> repente<<strong>br</strong> />

levantar-se-á a ira <strong>de</strong> Deus, e então as suas o<strong>br</strong>as serão<<strong>br</strong> />

aniquiladas e frustados seus intuitos.<<strong>br</strong> />

2. A quem ama não é dificultoso gloriar-se na tribulação; pois<<strong>br</strong> />

gloriar-se assim é gloriar-se na cruz do Senhor (Gál 6,14).<<strong>br</strong> />

Pouco dura a glória que os homens dão e recebem. A glória do<<strong>br</strong> />

mundo anda sempre a<strong>com</strong>panhada <strong>de</strong> tristeza. A glória dos<<strong>br</strong> />

bons está na própria consciência, e não na boca dos homens.<<strong>br</strong> />

A alegria dos justos é <strong>de</strong> Deus e em Deus, a sua alegria<<strong>br</strong> />

proce<strong>de</strong> da verda<strong>de</strong>. Quem <strong>de</strong>seja a glória verda<strong>de</strong>ira e eterna<<strong>br</strong> />

não faz caso da temporal. E quem procura a glória temporal ou<<strong>br</strong> />

não a <strong>de</strong>spreza <strong>de</strong> todo, mostra que pouco ama a celestial.<<strong>br</strong> />

Gran<strong>de</strong> tranqüilida<strong>de</strong> do coração goza aquele que não faz caso<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> elogios nem <strong>de</strong> censuras.


3. É fácil estar contente e sossegado, tendo a consciência pura.<<strong>br</strong> />

Não és mais santo porque te louvam, nem mais ruim porque te<<strong>br</strong> />

censuram. És o que és, nem te po<strong>de</strong>m os louvores fazer maior<<strong>br</strong> />

do que és aos olhos <strong>de</strong> Deus. Se consi<strong>de</strong>rares o que és no teu<<strong>br</strong> />

interior, não farás caso do que te dizem os homens. O homem<<strong>br</strong> />

vê o rosto, Deus o coração (1 Rs 16,7). O homem nota os atos,<<strong>br</strong> />

mas Deus pesa as intenções. Proce<strong>de</strong>r sempre bem e ter-se em<<strong>br</strong> />

pequena conta é indício <strong>de</strong> uma alma humil<strong>de</strong>. Rejeitar toda<<strong>br</strong> />

consolação das criaturas é sinal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> pureza e confiança<<strong>br</strong> />

interior.<<strong>br</strong> />

4. Aquele que não procura o testemunho favorável dos homens<<strong>br</strong> />

mostra que está todo entregue a Deus. Porque, <strong>com</strong>o diz<<strong>br</strong> />

S.Paulo, não é aprovado aquele que a si próprio re<strong>com</strong>enda,<<strong>br</strong> />

mas aquele que é re<strong>com</strong>endado por Deus (2Cor 10,18). Andar<<strong>br</strong> />

recolhido no interior <strong>com</strong> Deus, sem estar preso a alguma<<strong>br</strong> />

afeição humana, é próprio do homem espiritual.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 7<<strong>br</strong> />

Do amor <strong>de</strong> Jesus so<strong>br</strong>e todas a coisas<<strong>br</strong> />

1. Bem-aventurado aquele que <strong>com</strong>preen<strong>de</strong> o que seja amar a<<strong>br</strong> />

Jesus e <strong>de</strong>sprezar-se a si por amor <strong>de</strong> Jesus. Por esse amor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ves <strong>de</strong>ixar qualquer outro, pois Jesus quer ser amado acima<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tudo. O amor da criatura é anganoso e inconstante; o amor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Jesus é fiel e inabalável. Apegado à criatura, cairás <strong>com</strong> ela,<<strong>br</strong> />

que é instável; a<strong>br</strong>açado <strong>com</strong> Jesus, estarás firme para<<strong>br</strong> />

sempre. A Ele ama e guarda <strong>com</strong>o amigo que não te<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>samparará, quando todos te abandonarem, nem consentirá<<strong>br</strong> />

que pereças na hora suprema. De todos te hás <strong>de</strong> separar um<<strong>br</strong> />

dia, quer queiras, que não.<<strong>br</strong> />

2. Conchega-te a Jesus na vida e na morte; entrega-te à sua<<strong>br</strong> />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, que só Ele te po<strong>de</strong> socorrer, quando todos te<<strong>br</strong> />

faltarem. Teu Amado é <strong>de</strong> tal natureza, que não admite rival:<<strong>br</strong> />

Ele só quer possuir teu coração e nele reinar <strong>com</strong>o rei em seu<<strong>br</strong> />

trono. Se souberas <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-te <strong>de</strong> toda criatura, Jesus<<strong>br</strong> />

acharia prazer em morar contigo. Quando confiares nos<<strong>br</strong> />

homens, fora <strong>de</strong> Jesus, verás que estás perdido. Não te fies<<strong>br</strong> />

nem te firmes na cana movediça: porque toda a carne é feno, e<<strong>br</strong> />

toda a sua glória fenece <strong>com</strong>o a flor do campo (Is 40,6).<<strong>br</strong> />

3. Facilmente serás enganado, se só olhares para as aparências<<strong>br</strong> />

dos homens. Se procuras alívio e proveito nos outros, quase<<strong>br</strong> />

sempre terás prejuízo. Procura a Jesus em todas as coisas, e<<strong>br</strong> />

Jesus acharás. Se te buscas a ti mesmo, também te acharás,


mas para a tua ruína. Pois o homem que não busca a Jesus é<<strong>br</strong> />

mais nocivo a si mesmo que todo o mundo e seus inimigos<<strong>br</strong> />

todos.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 8<<strong>br</strong> />

Da familiar amiza<strong>de</strong> <strong>com</strong> Jesus<<strong>br</strong> />

1. Quando Jesus está presente, tudo é suave e nada parece<<strong>br</strong> />

dificultoso; mas, quando Jesus está ausente, tudo se torna<<strong>br</strong> />

penoso. Quando Jesus não fala ao coração, nenhuma<<strong>br</strong> />

consolação tem valor; mas se Jesus fala uma só palavra,<<strong>br</strong> />

sentimos gran<strong>de</strong> alívio. Porventura não se levantou logo Maria<<strong>br</strong> />

Madalena do lugar on<strong>de</strong> chorava, quando Marta lhe disse: O<<strong>br</strong> />

Mestre está aí e te chama? (Jo 11,28). Hora bendita, quando<<strong>br</strong> />

Jesus te chama das lágrimas para o gozo do espírito! Que seco<<strong>br</strong> />

e árido és sem Jesus! Que néscio e vão, se <strong>de</strong>sejas outra coisa,<<strong>br</strong> />

fora <strong>de</strong> Jesus! Não será isto maior dano do que se per<strong>de</strong>sse o<<strong>br</strong> />

mundo inteiro?<<strong>br</strong> />

2. Que te po<strong>de</strong> dar o mundo sem Jesus? Estar sem Jesus é<<strong>br</strong> />

terrível inferno, estar <strong>com</strong> Jesus é doce paraíso. Se Jesus<<strong>br</strong> />

estiver contigo, nenhum inimigo te po<strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r. Quem acha a<<strong>br</strong> />

Jesus acha precioso tesouro, ou, antes, o bem superior a todo<<strong>br</strong> />

bem; quem per<strong>de</strong> a Jesus per<strong>de</strong> muito mais do que se<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>sse a todo o mundo. Paupérrimo é quem vive sem Jesus,<<strong>br</strong> />

e riquíssimo quem está bem <strong>com</strong> Jesus.<<strong>br</strong> />

3. Gran<strong>de</strong> arte é saber conversar <strong>com</strong> Jesus, e gran<strong>de</strong> prudência<<strong>br</strong> />

conservá-lo consigo. Sê humil<strong>de</strong> e pacífico, e contigo estará<<strong>br</strong> />

Jesus; sê <strong>de</strong>voto e sossegado, e Jesus permanecerá contigo.<<strong>br</strong> />

Depressa po<strong>de</strong>s afugentar a Jesus e per<strong>de</strong>r a sua graça, se te<<strong>br</strong> />

inclinares às coisas exteriores; e se o afastas e o per<strong>de</strong>s, aon<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

irás e a quem buscarás por amigo? Sem amigo não po<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

viver, e se não for Jesus teu amigo acima <strong>de</strong> todos, estarás<<strong>br</strong> />

mui triste e <strong>de</strong>sconsolado. Logo, loucamente proce<strong>de</strong>s, se em<<strong>br</strong> />

qualquer outro confias e te alegras. Antes ter o mundo todo<<strong>br</strong> />

por adversário, que ofen<strong>de</strong>r a Jesus. Acima <strong>de</strong> todos os teus<<strong>br</strong> />

amigos seja, pois, Jesus amado dum modo especial.<<strong>br</strong> />

4. Sê livre e puro no teu interior, sem apego a criatura alguma. É<<strong>br</strong> />

mister <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>res-te <strong>de</strong> tudo e ofereceres a Deus um<<strong>br</strong> />

coração puro, se queres sossegar e ver <strong>com</strong>o é suave o Senhor.<<strong>br</strong> />

E, <strong>com</strong> efeito, tal não conseguirás, se não fores prevenido e<<strong>br</strong> />

atraído por sua graça, <strong>de</strong> modo que, <strong>de</strong>ixando e <strong>de</strong>spedindo<<strong>br</strong> />

tudo mais, <strong>com</strong> ele só estejas unido. Pois, quando lhe assiste a<<strong>br</strong> />

graça <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong> tudo é capaz o homem; e quando ela se


etira, logo fica po<strong>br</strong>e e fraco, <strong>com</strong>o que abandonado aos<<strong>br</strong> />

castigos. Ainda assim, não <strong>de</strong>ves <strong>de</strong>sanimar nem <strong>de</strong>sesperar,<<strong>br</strong> />

antes resignar-te na vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, e sofrer tudo que te<<strong>br</strong> />

acontecer, por honra <strong>de</strong> Jesus; pois ao inverno suce<strong>de</strong> o verão,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois da noite volta o dia, e após a tempesta<strong>de</strong> reina a<<strong>br</strong> />

bonança.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 9<<strong>br</strong> />

Da privação <strong>de</strong> toda consolação<<strong>br</strong> />

1. Não é dificultoso <strong>de</strong>sprezar as consolações humanas,<<strong>br</strong> />

quando gozamos das divinas. Gran<strong>de</strong> coisa, porém, e mui<<strong>br</strong> />

meritória, é po<strong>de</strong>r estar sem consolação, tanto divina<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o humana, sofrendo <strong>de</strong> boa mente o <strong>de</strong>samparo do<<strong>br</strong> />

coração,<<strong>br</strong> />

2. sem em nada buscar-se a si mesmo, nem aten<strong>de</strong>r ao seu<<strong>br</strong> />

próprio merecimento. Que maravilha será estares alegre e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voto, quando te assiste a graça! De todos é almejada<<strong>br</strong> />

esta hora. E mui suave andar, levado pela graça <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

E que maravilha não sentir a carga aquele que é<<strong>br</strong> />

sustentado pelo Onipotente e a<strong>com</strong>panhado do guia<<strong>br</strong> />

supremo!<<strong>br</strong> />

2. Gostamos <strong>de</strong> ter qualquer consolação, e é penoso ao homem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spojar-se <strong>de</strong> si mesmo. O glorioso mártir São Lourenço<<strong>br</strong> />

venceu o mundo em união <strong>com</strong> seu pai espiritual, porque<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezou todos os atrativos do século e sofreu <strong>com</strong> paciência,<<strong>br</strong> />

por amor <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, que o separassem do Supremo Pontífice<<strong>br</strong> />

São Xisto a quem ele muito amava! Assim, <strong>com</strong> a amor <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus, ele subjugou o amor da criatura, e ao alívio humano<<strong>br</strong> />

preferiu o beneplácito divino. Daí apren<strong>de</strong> tu a <strong>de</strong>ixar, às<<strong>br</strong> />

vezes, por amor <strong>de</strong> Deus, um parente ou amigo querido. Nem<<strong>br</strong> />

tanto te aflijas se te abandonar algum amigo, sabendo que<<strong>br</strong> />

todos, finalmente, nos havemos <strong>de</strong> separar uns dos outros.<<strong>br</strong> />

3. Só <strong>com</strong> renhido e longo <strong>com</strong>bate interior apren<strong>de</strong> o homem a<<strong>br</strong> />

dominar-se plenamente e pôr em Deus todo o seu afeto.<<strong>br</strong> />

Quando o homem confia em si, facilmente <strong>de</strong>sliza nas<<strong>br</strong> />

consolações humanas. Mas o verda<strong>de</strong>iro amigo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> e<<strong>br</strong> />

fervoroso imitador <strong>de</strong> suas virtu<strong>de</strong>s não se inclina às<<strong>br</strong> />

consolações nem busca tais doçuras sensíveis; antes, procura<<strong>br</strong> />

exercícios austeros e sofre por <strong>Cristo</strong> trabalhos penosos.<<strong>br</strong> />

4. Quando, pois, Deus te mandar consolação espiritual, recebe-a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ações <strong>de</strong> graças, mas lem<strong>br</strong>a-te sempre que é mercê <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus, e não merecimento teu. Com isto, porém, não te


<strong>de</strong>svaneças, nem te entregues a excessiva alegria ou a vã<<strong>br</strong> />

presunção; sê antes mais humil<strong>de</strong> pelo dom recebido, mais<<strong>br</strong> />

pru<strong>de</strong>nte e timorato em tuas ações, pois passará aquela hora e<<strong>br</strong> />

voltará a tentação. Quando te for tirada a consolação, não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sesperes logo, aguarda, pelo contrário, <strong>com</strong> humilda<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

paciência, a visita celestial; pois Deus é bastante po<strong>de</strong>roso<<strong>br</strong> />

para restituir-te maior graça e consolação. Isto não é novo nem<<strong>br</strong> />

estranho aos que são experientes nos caminhos <strong>de</strong> Deus;<<strong>br</strong> />

porque nos gran<strong>de</strong>s santos e antigos profetas houve muitas<<strong>br</strong> />

vezes esta mudança.<<strong>br</strong> />

5. Por isso um <strong>de</strong>les, sentindo a presença da graça, exclamava:<<strong>br</strong> />

Eu disse em minha abundância: não serei abalado jamais (Sl<<strong>br</strong> />

29,7). Sentindo, porém, retirar-se a graça, acrescenta:<<strong>br</strong> />

Desviastes <strong>de</strong> mim, Senhor, o vosso rosto, e fiquei perturbado<<strong>br</strong> />

(v.8). Entretanto não <strong>de</strong>sespera, mas <strong>com</strong> mais instância roga<<strong>br</strong> />

ao Senhor, e diz: A vós, Senhor, clamarei, e ao meu Deus<<strong>br</strong> />

rogarei (v.9). Alcança, afinal, o fruto <strong>de</strong> sua oração e atesta ter<<strong>br</strong> />

sido atendido, dizendo: Ouviu-me o Senhor, e <strong>com</strong>pa<strong>de</strong>ceu-se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mim, o Senhor se fez meu protetor (v.11). Mas em quê?<<strong>br</strong> />

Convertestes, diz ele, meu pranto em gozo, e me cercastes <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

alegria (v.12). Se isto suce<strong>de</strong>u aos gran<strong>de</strong>s santos, não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>sesperar nós outros, fracos e po<strong>br</strong>es, por nos<<strong>br</strong> />

sentirmos umas vezes <strong>com</strong> fervor, outras vezes <strong>com</strong> frieza<<strong>br</strong> />

porque vai e vem o espírito <strong>de</strong> Deus, segundo lhe apraz. Por<<strong>br</strong> />

isso diz o santo Jó: Senhor, visitais o homem na madrugada, e<<strong>br</strong> />

logo o provais (7,18).<<strong>br</strong> />

6. Em que posso, pois, esperar ou em que <strong>de</strong>vo confiar, senão na<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> misericórdia <strong>de</strong> Deus e na esperança da graça<<strong>br</strong> />

celestial? Porque, ou me assistem homens justos, irmãos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>votos e amigos fiéis, ou livros santos e formosos tratados, ou<<strong>br</strong> />

cânticos e hinos suaves, tudo isso <strong>de</strong> pouco me serve e pouco<<strong>br</strong> />

me agrada, quando estou <strong>de</strong>samparado da graça e entregue à<<strong>br</strong> />

minha própria po<strong>br</strong>eza. Não há então melhor remédio que<<strong>br</strong> />

Deus.<<strong>br</strong> />

7. Nunca encontrei homem tão religioso e <strong>de</strong>voto, que não<<strong>br</strong> />

sofresse, às vezes, a subtração da graça e sentisse o<<strong>br</strong> />

arrefecimento do fervor. Nenhum santo foi tão altamente<<strong>br</strong> />

arrebatado e esclarecido que, antes ou <strong>de</strong>pois, não fosse<<strong>br</strong> />

tentado. Porque não é digno da alta contemplação <strong>de</strong> Deus<<strong>br</strong> />

quem por Deus não sofreu alguma tribulação. Costuma vir<<strong>br</strong> />

primeiro a tentação, <strong>com</strong>o sinal precursor da próxima<<strong>br</strong> />

consolação; porque aos provados pela tentação é prometido o<<strong>br</strong> />

celeste consolo. A quem tiver vencido, diz o Senhor, darei a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>er o fruto da árvore da vida (Apc 2,7).


8. Dá Deus a consolação, para fortalecer o homem contra as<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong>s. Segue-se então a tentação, para que não se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>svaneça a felicida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>mônio não dorme, nem a carne já<<strong>br</strong> />

está morta; por isso, não cesses nunca <strong>de</strong> aparelhar-te para a<<strong>br</strong> />

peleja, porque à direita e à esquerda estão teus inimigos que<<strong>br</strong> />

nunca <strong>de</strong>scansam.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 10<<strong>br</strong> />

Do agra<strong>de</strong>cimento pela graça <strong>de</strong> Deus<<strong>br</strong> />

1. Para que buscas repouso se nascestes para o trabalho?<<strong>br</strong> />

Dispõe-te mais à paciência que à consolação, mais para levar a<<strong>br</strong> />

cruz que para ter alegria. Quem <strong>de</strong>ntre os mundanos não<<strong>br</strong> />

aceitaria <strong>de</strong> bom gosto a consolação e a alegria espiritual, se a<<strong>br</strong> />

pu<strong>de</strong>sse ter sempre ao seu dispor? As consolações espirituais<<strong>br</strong> />

exce<strong>de</strong>m todas as <strong>de</strong>lícias do mundo e todos os <strong>de</strong>leites da<<strong>br</strong> />

carne. Pois todas as <strong>de</strong>lícias do mundo ou são vãs ou torpes, e<<strong>br</strong> />

só as do espírito são suaves e honestas, nascidas que são das<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong>s e infundidas por Deus nas almas puras. Mas<<strong>br</strong> />

ninguém po<strong>de</strong> lograr estas divinas consolações à medida <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

seu <strong>de</strong>sejo, porque não cessa por muito tempo a guerra da<<strong>br</strong> />

tentação.<<strong>br</strong> />

2. Gran<strong>de</strong> obstáculo às visitas celestiais é a falsa liberda<strong>de</strong> do<<strong>br</strong> />

espírito e a <strong>de</strong>masiada confiança em si mesmo. Deus faz bem<<strong>br</strong> />

dando-nos a graça da consolação; mas o homem faz mal não<<strong>br</strong> />

retribuindo tudo a Deus, <strong>com</strong> ação <strong>de</strong> graças. E se não se nos<<strong>br</strong> />

infun<strong>de</strong>m os dons da graça, é porque somos ingratos ao Autor,<<strong>br</strong> />

não atribuindo tudo à fonte original. Pois sempre Deus<<strong>br</strong> />

conce<strong>de</strong> a graça a quem dignamente se mostra agra<strong>de</strong>cido e<<strong>br</strong> />

tira ao soberbo o que costuma dar ao humil<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

3. Não quero consolação que me tire a <strong>com</strong>punção, nem <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

contemplação que me seduz ao <strong>de</strong>svanecimento; porque nem<<strong>br</strong> />

tudo que é sublime é santo, nem tudo que é agradável é bom,<<strong>br</strong> />

nem todo <strong>de</strong>sejo é puro, nem tudo que nos <strong>de</strong>leita agrada a<<strong>br</strong> />

Deus. De boa mente aceito a graça, que me faz humil<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

timorato e me dispõe melhor para renunciar a mim mesmo. O<<strong>br</strong> />

homem instruído pela graça e experimentado <strong>com</strong> sua<<strong>br</strong> />

subtração não ousará atribuir-se bem algum, antes<<strong>br</strong> />

reconhecerá sua po<strong>br</strong>eza e nu<strong>de</strong>z. Dá a Deus o que é <strong>de</strong> Deus,<<strong>br</strong> />

e atribui a ti o que é teu; isto é, dá graças a Deus pela graça, e<<strong>br</strong> />

só a ti atribui a culpa e a pena que a culpa merece.<<strong>br</strong> />

4. Põe-te sempre no ínfimo lugar, e dar-te-ão o supremo, porque<<strong>br</strong> />

o mais alto não existe sem o apoio do inferior. Os maiores


santos diante <strong>de</strong> Deus são os que se julgam menores, e quanto<<strong>br</strong> />

mais glorioso, tanto mais humil<strong>de</strong>s são no seu conceito. Como<<strong>br</strong> />

estão cheios <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e glória celestial, não cobiçam a glória<<strong>br</strong> />

vã. Em Deus fundados e firmados, nada os po<strong>de</strong> ensoberbecer.<<strong>br</strong> />

Atribuindo a Deus todo o bem que receberam, não preten<strong>de</strong>m<<strong>br</strong> />

a glória uns dos outros; só querem a glória que proce<strong>de</strong> <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus; seu único fim, seu <strong>de</strong>sejo constante é que ele seja<<strong>br</strong> />

louvado neles e em todos os santos, acima <strong>de</strong> todas as coisas.<<strong>br</strong> />

5. Agra<strong>de</strong>ce, pois, os menores benefícios e maiores merecerás.<<strong>br</strong> />

Consi<strong>de</strong>ra <strong>com</strong>o muito o pouco, e o menor dom por dádiva<<strong>br</strong> />

singular. Se consi<strong>de</strong>rarmos a gran<strong>de</strong>za do benfeitor, não há<<strong>br</strong> />

dom pequeno ou <strong>de</strong> pouco valor; porque não po<strong>de</strong> ser pequena<<strong>br</strong> />

a dádiva que nos vem do soberano Senhor. Ainda quando nos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>r penas e castigos, Lho <strong>de</strong>vemos agra<strong>de</strong>cer, porque sempre é<<strong>br</strong> />

para nossa salvação quanto permite que nos suceda. Se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejares a graça <strong>de</strong> Deus, sê agra<strong>de</strong>cido quando a recebes e<<strong>br</strong> />

paciente quando a per<strong>de</strong>s. Roga que ela volte, anda cauteloso e<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong>, para não vires a perdê-la.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 11<<strong>br</strong> />

Quão poucos são os que amam a cruz <strong>de</strong> Jesus<<strong>br</strong> />

1. Muitos encontram Jesus agora apreciadores <strong>de</strong> seu reino<<strong>br</strong> />

celestial; mas poucos que queiram levar a sua cruz. Tem<<strong>br</strong> />

muitos sequiosos <strong>de</strong> consolação, mas poucos da tribulação;<<strong>br</strong> />

muitos <strong>com</strong>panheiros à sua mesa, mas poucos <strong>de</strong> sua<<strong>br</strong> />

abstinência. Todos querem gozar <strong>com</strong> ele, poucos sofrer por ele<<strong>br</strong> />

alguma coisa. Muitos seguem a Jesus até ao partir do pão,<<strong>br</strong> />

poucos até beber o cálice da paixão. Muitos veneram seus<<strong>br</strong> />

milagres, mas poucos a<strong>br</strong>açam a ignomínia da cruz. Muitos<<strong>br</strong> />

amam a Jesus, enquanto não encontram adversida<strong>de</strong>s. Muitos<<strong>br</strong> />

O louvam e bendizem, enquanto recebem d’Ele algumas<<strong>br</strong> />

consolações; se, porém, Jesus se oculta e por um pouco os<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixa, caem logo em queixumes e <strong>de</strong>sânimo excessivo.<<strong>br</strong> />

2. Aqueles, porém, que amam a Jesus por Jesus mesmo e não<<strong>br</strong> />

por própria satisfação, tanto O louvam nas tribulações e<<strong>br</strong> />

angústias, <strong>com</strong>o na maior consolação. E posto que nunca lhes<<strong>br</strong> />

fosse dada a consolação, sempre O louvariam e Lhe dariam<<strong>br</strong> />

graças.<<strong>br</strong> />

3. Oh! Quanto po<strong>de</strong> o amor puro <strong>de</strong> Jesus, sem mistura <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

interesse ou amor-próprio! Não são porventura mercenários os<<strong>br</strong> />

que andam sempre em busca <strong>de</strong> consolações? Não se amam<<strong>br</strong> />

mais a si do que a <strong>Cristo</strong> os que estão sempre cuidando <strong>de</strong>


seus cômodos e interesses? On<strong>de</strong> se achará quem queira servir<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sinteressadamente a Deus?<<strong>br</strong> />

4. É raro achar um homem tão espiritual que esteja <strong>de</strong>sapegado<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tudo. Pois o verda<strong>de</strong>iro po<strong>br</strong>e <strong>de</strong> espírito e <strong>de</strong>sprendido <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

toda criatura - quem o <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>irá? Tesouro precioso que é<<strong>br</strong> />

necessário buscar nos confins do mundo (Prov 31,10). Se o<<strong>br</strong> />

homem <strong>de</strong>r toda a fortuna, não é nada. E se fizer gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

penitência, ainda é pouco. Compreenda embora todas as<<strong>br</strong> />

ciências, ainda estão muito longe. E se tiver gran<strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção ar<strong>de</strong>nte, muito ainda lhe falta, a saber: uma coisa que<<strong>br</strong> />

lhe é sumamente necessária. Que coisa será esta? Que,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixado tudo, se <strong>de</strong>ixa a si mesmo e saia totalmente <strong>de</strong> si, sem<<strong>br</strong> />

reservar amor-próprio algum, e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> feito tudo que soube<<strong>br</strong> />

fazer, reconheça que nada fez.<<strong>br</strong> />

5. Não tenha em gran<strong>de</strong> conta o pouco que nele possa ser<<strong>br</strong> />

avaliado por gran<strong>de</strong>: antes, confesse sinceramente que é um<<strong>br</strong> />

servo inútil, <strong>com</strong>o nos ensina a Verda<strong>de</strong>. Quando tiver<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

cumprido tudo que vos for mandado, dizei: Somos servos<<strong>br</strong> />

inúteis (Lc 17,10). Então, sim, o homem po<strong>de</strong>rá chamar-se<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iramente po<strong>br</strong>e <strong>de</strong> espírito e dizer <strong>com</strong> o profeta: Sou<<strong>br</strong> />

po<strong>br</strong>e e só neste mundo (Sl 24,16). Entretanto, ninguém é<<strong>br</strong> />

mais po<strong>de</strong>roso, ninguém mais livre que aquele que sabe<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixar-se a si e a todas as coisas e colocar-se no último lugar.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 12<<strong>br</strong> />

Da estrada real da santa cruz<<strong>br</strong> />

1. A muitos parece dura esta palavra: Renuncia a ti mesmo, toma<<strong>br</strong> />

a tua cruz e segue a Jesus <strong>Cristo</strong> (Mt 16,24). Muito mais duro,<<strong>br</strong> />

porém, será <strong>de</strong> ouvir aquela sentença final: Apartai-vos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

mim, malditos, para o fogo eterno (Mt 25,41). Pois os que<<strong>br</strong> />

agora ouvem e seguem, docilmente, a palavra da cruz não<<strong>br</strong> />

recearão então a sentença da eterna con<strong>de</strong>nação. Este sinal da<<strong>br</strong> />

cruz estará no céu, quando o Senhor vier para julgar. Então<<strong>br</strong> />

todos os servos da cruz, que em vida se conformam <strong>com</strong> <strong>Cristo</strong><<strong>br</strong> />

crucificado, <strong>com</strong> gran<strong>de</strong> confiança chegar-se-ão a <strong>Cristo</strong> juiz.<<strong>br</strong> />

2. Por que temes, pois, tomar a cruz, pela qual se caminha ao<<strong>br</strong> />

reino do céu? Na cruz está a salvação, na cruz a vida, na cruz<<strong>br</strong> />

o amparo contra os inimigos, na cruz a abundância da<<strong>br</strong> />

suavida<strong>de</strong> divina, na cruz a fortaleza do coração, na cruz o<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pêndio das virtu<strong>de</strong>s, na cruz a perfeição da santida<strong>de</strong>. Não<<strong>br</strong> />

há salvação da alma nem esperança da vida, senão na cruz.


Toma, pois, a tua cruz, segue a Jesus e entrarás na vida<<strong>br</strong> />

eterna. O Senhor foi adiante, <strong>com</strong> a cruz às costas, e nela<<strong>br</strong> />

morreu por teu amor, para que tu também leves a tua cruz e<<strong>br</strong> />

nela <strong>de</strong>sejes morrer. Porquanto, se <strong>com</strong> ele morreres, também<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ele viverás. E, se fores seu <strong>com</strong>panheiro na pena, também<<strong>br</strong> />

o serás na glória.<<strong>br</strong> />

3. Verda<strong>de</strong>iramente, da cruz tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, e em morrer para si<<strong>br</strong> />

mesmo está tudo; não há outro caminho para a vida e para a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira paz interior, senão o caminho da santa cruz e da<<strong>br</strong> />

contínua mortificação. Vai para on<strong>de</strong> quiseres, procura quanto<<strong>br</strong> />

quiseres, e não acharás caminho mais sublime em cima nem<<strong>br</strong> />

mais seguro embaixo que o caminho da santa cruz. Dispõe e<<strong>br</strong> />

or<strong>de</strong>na tudo conforme teu <strong>de</strong>sejo e parecer, e verás que sempre<<strong>br</strong> />

hás <strong>de</strong> sofrer alguma coisa, bom ou mau grado teu; o que quer<<strong>br</strong> />

dizer que sempre haverás <strong>de</strong> encontrar a cruz. Ou sentirás<<strong>br</strong> />

dores no corpo, ou tribulações no espírito.<<strong>br</strong> />

4. Ora serás <strong>de</strong>samparado <strong>de</strong> Deus, ora perseguido do próximo, e<<strong>br</strong> />

o que é pior não raro serás molesto a ti mesmo. E não haverá<<strong>br</strong> />

remédio e nem conforto que te possa livrar ou aliviar; cumpre<<strong>br</strong> />

que sofras quanto tempo Deus quiser. Pois Deus quer ensinarte<<strong>br</strong> />

a sofrer a tribulação sem alívio, para que <strong>de</strong> todo te<<strong>br</strong> />

submetas a ele e mais humil<strong>de</strong> te faças pela tribulação.<<strong>br</strong> />

Ninguém sente tão vivamente a paixão <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> <strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />

passou por semelhantes sofrimentos. A cruz, pois, está sempre<<strong>br</strong> />

preparada e em qualquer lugar te espera. Não lhe po<strong>de</strong>s fugir,<<strong>br</strong> />

para on<strong>de</strong> quer que te voltes, pois em qualquer lugar a que<<strong>br</strong> />

fores, te levarás contigo e sempre encontrarás a ti mesmo.<<strong>br</strong> />

Volta-te para cima ou para baixo, volta-te para fora ou para<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ntro, em toda parte acharás a cruz; e é necessário que<<strong>br</strong> />

sempre tenhas paciência, se queres alcançar a paz da alma e<<strong>br</strong> />

merecer a coroa eterna.<<strong>br</strong> />

5. Se levares a cruz <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>, ela te há <strong>de</strong> levar e conduzir<<strong>br</strong> />

ao termo <strong>de</strong>sejado, on<strong>de</strong> acaba o sofrimento, posto que não<<strong>br</strong> />

seja neste mundo. Se a levares <strong>de</strong> má vonta<strong>de</strong>, aumenta-lhe o<<strong>br</strong> />

peso e fardo maior te impões; contudo é forçoso que a leves. Se<<strong>br</strong> />

rejeitares uma cruz, sem dúvida acharás outra, talvez mais<<strong>br</strong> />

pesada.<<strong>br</strong> />

6. Pensas tu escapar àquilo <strong>de</strong> que nenhum mortal pô<strong>de</strong> eximirse?<<strong>br</strong> />

Que santo houve no mundo sem tribulação? Nem Jesus<<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong>, Senhor Nosso, esteve uma hora, em toda a sua vida,<<strong>br</strong> />

sem dor e sofrimento. Convinha, disse ele, que <strong>Cristo</strong> sofresse<<strong>br</strong> />

e ressurgisse dos mortos, e assim entrasse na sua glória (Lc<<strong>br</strong> />

24,26). Como, pois, buscas tu outro caminho que não seja o<<strong>br</strong> />

caminho real da santa cruz?


7. Toda a vida <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> foi cruz e martírio; e tu procuras só<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>scanso e gozo? Andas errado, e muito errado, se outra coisa<<strong>br</strong> />

procuras e não sofrimentos e tribulações; pois toda esta vida<<strong>br</strong> />

mortal está cheia <strong>de</strong> misérias e assinalada <strong>de</strong> cruzes. E quanto<<strong>br</strong> />

mais uma pessoa faz progressos na vida espiritual, tanto<<strong>br</strong> />

maiores cruzes encontra, muitas vezes, porque o amor lhe<<strong>br</strong> />

torna o exílio mais doloroso.<<strong>br</strong> />

8. Mas, apesar <strong>de</strong> tantas aflições, o homem não está sem o alívio<<strong>br</strong> />

da consolação, porque sente o gran<strong>de</strong> fruto que lhe advém à<<strong>br</strong> />

alma pelo sofrimento da cruz. Pois, quando <strong>de</strong> bom grado a<<strong>br</strong> />

toma às costas, todo o peso da tribulação se lhe converte em<<strong>br</strong> />

confiança na divina consolação. E quanto mais a carne é<<strong>br</strong> />

cruciada pela aflição, tanto mais se fortalece o espírito pela<<strong>br</strong> />

graça interior. E, às vezes, tanto se fortalece, pelo amor das<<strong>br</strong> />

penas e tribulações que, para conformar-se <strong>com</strong> a cruz <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong>, não quisera estar sem dores e sofrimentos, pois julga<<strong>br</strong> />

ser tanto mais aceito a Deus, quanto mais e maiores males<<strong>br</strong> />

sofre por seu amor. Não é isto virtu<strong>de</strong> humana, mas graça <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong>, que tanto po<strong>de</strong> e realiza na carne frágil, que o espírito<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ardor a<strong>br</strong>aça e ama o que a natureza aborrece e foge.<<strong>br</strong> />

1. Não é conforme à inclinação humana levar a cruz, amar<<strong>br</strong> />

a cruz, cartigar o corpo e impor-lhe sujeição, fugir às<<strong>br</strong> />

honras,<<strong>br</strong> />

2. aceitar as injúrias, <strong>de</strong>sprezar-se a si mesmo e <strong>de</strong>sejar ser<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezado, suportar as aflições e <strong>de</strong>sgraças e não<<strong>br</strong> />

almejar prosperida<strong>de</strong> alguma neste mundo. Se olhares<<strong>br</strong> />

somente a ti, reconheces que <strong>de</strong> nada disso és capaz.<<strong>br</strong> />

Mas, se confiares em Deus, do céu te será concedida a<<strong>br</strong> />

fortaleza, e sujeitar-se-ão ao teu mando o mundo e a<<strong>br</strong> />

carne. Nem o infernal inimigo temerás, se andares<<strong>br</strong> />

escudado na fé e armado <strong>com</strong> a cruz <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>.<<strong>br</strong> />

9. Portanto, <strong>com</strong>o bom e fiel servo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, dispõe-te a levar a<<strong>br</strong> />

cruz do teu Senhor, por teu amor crucificado. Prepara-te a<<strong>br</strong> />

sofrer muitos contratempos e incômodos nesta vida miserável,<<strong>br</strong> />

pois em todaa parte, on<strong>de</strong> quer que estiveres, ou te<<strong>br</strong> />

escon<strong>de</strong>res, os encontrarás. Convém que assim seja e não há<<strong>br</strong> />

outro remédio contra a tribulação da dor e dos males senão<<strong>br</strong> />

sofrê-los <strong>com</strong> paciência. Bebe, generoso, o cálice do Senhor, se<<strong>br</strong> />

queres ser seu amigo e ter parte <strong>com</strong> ele. Entrega a Deus as<<strong>br</strong> />

consolações, para ele dispor <strong>de</strong>las <strong>com</strong>o lhe aprouver. Tu,<<strong>br</strong> />

porém, dispõe-te a suportar as tribulações e consi<strong>de</strong>ra-as<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o as consolações mais preciosas, porquanto não têm<<strong>br</strong> />

proporção as penas do tempo <strong>com</strong> a glória futura (Rom 8,18)


que havemos <strong>de</strong> merecer, ainda que tu só as <strong>de</strong>vesses sofrer<<strong>br</strong> />

todas.<<strong>br</strong> />

10. Quando chegares a tal ponto que a tribulação te seja<<strong>br</strong> />

doce e amável por amor <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, dá-te por feliz, pois achaste<<strong>br</strong> />

o paraíso na terra. Enquanto o pa<strong>de</strong>cer te é molesto e procuras<<strong>br</strong> />

fugir-lhe, andas mal, e em toda parte te persegue o medo da<<strong>br</strong> />

tribulação.<<strong>br</strong> />

1. Se te resolveres ao que <strong>de</strong>ves, isto é, a pa<strong>de</strong>cer e morrer, logo<<strong>br</strong> />

te sentirás melhor e acharás paz. Ainda que fosses arrebatado,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> S.Paulo, ao terceiro céu, nem por isso estarias livre <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

sofrer alguma contrarieda<strong>de</strong>. Eu, diz Jesus, mostrar-lhes-ei<<strong>br</strong> />

quanto terá <strong>de</strong> sofrer por meu nome (At 9,16). Não te resta,<<strong>br</strong> />

pois, senão sofrer se preten<strong>de</strong>s amar e servir a Jesus para<<strong>br</strong> />

sempre.<<strong>br</strong> />

2. Oxalá fosses digno <strong>de</strong> sofrer alguma coisa pelo nome <strong>de</strong> Jesus!<<strong>br</strong> />

Que gran<strong>de</strong> glória resultaria para ti, que alegria para os santos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Deus, e que edificação para o próximo! Pois todos<<strong>br</strong> />

re<strong>com</strong>endam a paciência, ainda que poucos queiram praticála.<<strong>br</strong> />

Com razão <strong>de</strong>vias pa<strong>de</strong>cer, <strong>de</strong> bom grado, este pouco por<<strong>br</strong> />

amor <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, quando muitos sofrem pelo mundo coisas<<strong>br</strong> />

in<strong>com</strong>paravelmente maiores.<<strong>br</strong> />

3. Fica sabendo e tem por certo que tua vida <strong>de</strong>ve ser uma morte<<strong>br</strong> />

contínua, e quanto mais cada um morre a si mesmo, tanto<<strong>br</strong> />

mais <strong>com</strong>eça a viver para Deus. Só é capaz <strong>de</strong> <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r as<<strong>br</strong> />

coisas do céu quem por <strong>Cristo</strong> se resolve a sofrer toda<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong>. Nada neste mundo é mais agradável a Deus nem<<strong>br</strong> />

mais proveitoso a ti, que o sofrer, <strong>de</strong> bom grado, por <strong>Cristo</strong>. E<<strong>br</strong> />

se te <strong>de</strong>ssem a escolha, antes <strong>de</strong>verias <strong>de</strong>sejar sofrer<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong>, por amor <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, do que ser recreado <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

muitas consolações porque assim serias mais conforme a<<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong>, e mais semelhante a todos os santos. Porquanto não<<strong>br</strong> />

consiste nosso merecimento e progresso espiritual em ter<<strong>br</strong> />

muitas doçuras e consolações, mas em sofrer gran<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

angústias e tribulações.<<strong>br</strong> />

4. Se houvera coisa melhor e mais proveitosa para a salvação dos<<strong>br</strong> />

homens do que o pa<strong>de</strong>cer, <strong>Cristo</strong>, <strong>de</strong> certo, o teria ensinado<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> palavras e exemplo. Pois claramente exorta seus<<strong>br</strong> />

discípulos e quantos o <strong>de</strong>sejam seguir a que levem a cruz,<<strong>br</strong> />

dizendo: Quem quiser vir após mim renuncie a si mesmo, tome<<strong>br</strong> />

sua cruz, e siga-me (Lc 9,23). Seja, pois, <strong>de</strong> todas as lições e<<strong>br</strong> />

estudos este o resultado final: Cumpre-nos passar por muitas<<strong>br</strong> />

tribulações, para entrar no reino <strong>de</strong> Deus (At 14,21).


LIVRO TERCEIRO<<strong>br</strong> />

DA CONSOLAÇÃO INTERIOR<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 1<<strong>br</strong> />

Da <strong>com</strong>unicação íntima <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> <strong>com</strong> a alma fiel<<strong>br</strong> />

1. Ouvirei o que em mim disser o Senhor meu Deus (Sl 84,9).<<strong>br</strong> />

Bem-aventurada a alma que ouve em si a voz do Senhor e<<strong>br</strong> />

recebe <strong>de</strong> seus lábios palavras <strong>de</strong> consolação! Benditos os<<strong>br</strong> />

ouvidos que percebem o sopro do divino sussurro e nenhuma<<strong>br</strong> />

atenção prestam às sugestões do mundo! Bem-aventurados,<<strong>br</strong> />

sim, os ouvidos que não aten<strong>de</strong>m às vozes que atroam lá fora,<<strong>br</strong> />

mas à Verda<strong>de</strong> que os ensina lá <strong>de</strong>ntro! Bem-aventurados os<<strong>br</strong> />

olhos que estão fechados para as coisas exteriores e abertos<<strong>br</strong> />

para as interiores! Bem-aventurados aqueles que penetram as<<strong>br</strong> />

coisas interiores e se empenham, <strong>com</strong> exercícios contínuos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pieda<strong>de</strong>, em <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r, cada vez melhor, os celestes<<strong>br</strong> />

arcanos. Bem aventurados os que <strong>com</strong> gosto se entregam a<<strong>br</strong> />

Deus e se <strong>de</strong>sembaraçam <strong>de</strong> todos os empenhos do mundo.<<strong>br</strong> />

Consi<strong>de</strong>ra bem isso, ó minha alma, e fecha as portas dos<<strong>br</strong> />

sentidos, para que possas ouvir o que em ti falar o Senhor teu<<strong>br</strong> />

Deus. Eis o que te diz o teu Amado:<<strong>br</strong> />

2. Eu sou tua salvação, tua paz e tua vida. Fica <strong>com</strong>igo e acharás<<strong>br</strong> />

paz. Deixa todas as coisas transitórias e busca as eternas. Que<<strong>br</strong> />

é todo o temporal, senão engano sedutor? E <strong>de</strong> que te servem<<strong>br</strong> />

todas as criaturas, se o Criador te abandonar? Renuncia, pois,<<strong>br</strong> />

a tudo, entrega-te dócil e fiel a teu Criador, para que possas<<strong>br</strong> />

alcançar a verda<strong>de</strong>ira felicida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 2<<strong>br</strong> />

Que a verda<strong>de</strong> fala <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós, sem estrépito <strong>de</strong> palavras<<strong>br</strong> />

1. Falai, Senhor, que o vosso servo escuta: Vosso servo sou eu,<<strong>br</strong> />

daí-me inteligência para que conheça os vossos ensinamentos.<<strong>br</strong> />

Inclinai meu coração às palavras <strong>de</strong> vossa boca; nele penetre,<<strong>br</strong> />

qual orvalho, vosso discurso (1Rs 3,10; Sl 118.36.125; Dt<<strong>br</strong> />

32,2). Diziam, outrora, os filhos <strong>de</strong> Israel a Moisés: Fala-nos tu<<strong>br</strong> />

e te ouviremos; não nos fale o Senhor, para que não morramos<<strong>br</strong> />

(Êx 20,19). Não assim, Senhor, não assim, vos rogo eu; antes,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o o profeta Samuel, humil<strong>de</strong> e ansioso, vos suplico: Falai,<<strong>br</strong> />

Senhor, que o vosso servo escuta. Não fale Moisés, nem algum


dos profetas, mas falai-me <strong>de</strong> vós, Senhor, Deus, que<<strong>br</strong> />

inspirastes e iluminastes todos os profetas, porque vós po<strong>de</strong>is,<<strong>br</strong> />

sem eles, me ensinar perfeitamente, ao passo que eles, sem<<strong>br</strong> />

vós, <strong>de</strong> nada me serviriam.<<strong>br</strong> />

2. Po<strong>de</strong>m muito bem proferir palavras, mas não conseguem dar o<<strong>br</strong> />

espírito; falam <strong>com</strong> muita elegância, mas, se vós vos calais,<<strong>br</strong> />

não inflamam o coração. Ensinam a letra; vós, porém,<<strong>br</strong> />

explicais o sentido. Propõem os mistérios, mas vós <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>is a<<strong>br</strong> />

significação das figuras. Proclamam os mandamentos, mas vós<<strong>br</strong> />

ajudais a cumpri-los. Mostram o caminho, mas vós dais força<<strong>br</strong> />

para segui-lo. Eles regam a superfície, mas vós dais a<<strong>br</strong> />

fecundida<strong>de</strong>. Eles clamam <strong>com</strong> palavras, mas vós dais a<<strong>br</strong> />

inteligência ao ouvido.<<strong>br</strong> />

3. Não me fale, pois, Moisés, mas vós, Senhor meu Deus,<<strong>br</strong> />

Verda<strong>de</strong> eterna, para que não morra sem ter alcançado fruto<<strong>br</strong> />

algum, se só for admoestado por fora e não a<strong>br</strong>asado<<strong>br</strong> />

interiormente; e não seja minha con<strong>de</strong>nação a palavra ouvida<<strong>br</strong> />

e não praticada, conhecida e não amada, criada e não<<strong>br</strong> />

observada. - Falai, pois, Senhor, que o vosso servo escuta;<<strong>br</strong> />

porque possuís palavras <strong>de</strong> vida eterna (1 Rs 3,10; Jo 6,69).<<strong>br</strong> />

Falai-me para consolação <strong>de</strong> minha alma e emenda <strong>de</strong> minha<<strong>br</strong> />

vida, também para louvor, glória e perpétua honra vossa.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 3<<strong>br</strong> />

Como as palavras <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>vem ser ouvidas <strong>com</strong> humilda<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o muitos não as pon<strong>de</strong>ram<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Ouve, filho, as minhas palavras, palavras suavíssimas<<strong>br</strong> />

que exce<strong>de</strong>m toda a ciência dos filósofos e sábios <strong>de</strong>ste mundo.<<strong>br</strong> />

As minhas palavras são espírito e vida (Jo 6,64), e não se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vem interpretar humanamente. Não <strong>de</strong>vem ser abusadas<<strong>br</strong> />

para vã <strong>com</strong>placência, mas <strong>de</strong>vem ser ouvidas em silêncio e<<strong>br</strong> />

recebidas <strong>com</strong> máxima humilda<strong>de</strong> e gran<strong>de</strong> afeto.<<strong>br</strong> />

2. A alma: E disse eu: Bem-aventurado o homem a quem<<strong>br</strong> />

instruís, Senhor, e lhe ensinais a vossa lei, para suavizar-lhe<<strong>br</strong> />

os dias maus e dar-lhe consolo neste mundo (Sl 93, 12.13).<<strong>br</strong> />

3. Jesus: Eu, diz o Senhor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio ensinei aos profetas<<strong>br</strong> />

e ainda agora não cesso <strong>de</strong> falar a todos; mas muitos são<<strong>br</strong> />

insensíveis e surdos à minha voz. A muitos agrada mais a voz<<strong>br</strong> />

do mundo que a <strong>de</strong> Deus; mais facilmente seguem os apetites<<strong>br</strong> />

da carne que o preceito divino. O mundo promete apenas<<strong>br</strong> />

coisas temporais e mesquinhas e é servido <strong>com</strong> gran<strong>de</strong> ardor;<<strong>br</strong> />

eu prometo bens sublimes e eternos, e só encontro frieza nos


corações dos mortais. Quem há que me sirva e obe<strong>de</strong>ça em<<strong>br</strong> />

tudo <strong>com</strong> tanto empenho <strong>com</strong>o se serve ao mundo e aos seus<<strong>br</strong> />

senhores? Envergonha-te, Sidon, diz o mar (Is 23, 4). E se<<strong>br</strong> />

queres saber por que, ouve o motivo: Por um pequeno salário<<strong>br</strong> />

se empreen<strong>de</strong>m gran<strong>de</strong>s viagens, e pela vida eterna muitos<<strong>br</strong> />

nem dão um passo sequer. Busca-se o lucro vil; por um<<strong>br</strong> />

vintém, às vezes, há torpes <strong>br</strong>igas; por uma ninharia e<<strong>br</strong> />

promessa mesquinha não se teme a fadiga, nem <strong>de</strong> dia, nem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> noite.<<strong>br</strong> />

1. Mas que vergonha! Pelo bem imutável, pelo prêmio<<strong>br</strong> />

inestimável, para honra suprema e pela glória sem fim, o<<strong>br</strong> />

menor esforço nos cansa. Envergonha-te, pois, servo<<strong>br</strong> />

preguiçoso e murmurador, por serem os mundanos mais<<strong>br</strong> />

solícitos para a perdição que tu para a salvação.<<strong>br</strong> />

Procuram eles <strong>com</strong> mais gosto a vaida<strong>de</strong> que tu a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>. Entretanto, não raro, sua esperança os engana;<<strong>br</strong> />

mas minha promessa a ninguém falta, nem <strong>de</strong>spe<strong>de</strong> <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

as mãos vazias ao que em mim confia. Darei o que<<strong>br</strong> />

prometi, cumprirei o que disse, contanto que se<<strong>br</strong> />

persevere fiel no meu amor até ao fim. Eu sou quem<<strong>br</strong> />

2. remunera todos os bons e sujeita a provas duras todos os<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>votos.<<strong>br</strong> />

3. Grava minhas palavras em teu coração e medita-as<<strong>br</strong> />

atentamente, porque te serão muito necessárias na hora<<strong>br</strong> />

da tentação. Coisas que agora não enten<strong>de</strong>s quando lês,<<strong>br</strong> />

enten<strong>de</strong>rás quando eu te visitar. De dois modos costumo<<strong>br</strong> />

visitar meus eleitos: pela tentação e pela consolação. E<<strong>br</strong> />

duas lições lhes dou cada dia: numa repreendo-lhes os<<strong>br</strong> />

vícios e noutra exorto-os ao progresso na virtu<strong>de</strong>. Quem<<strong>br</strong> />

ouve a minha palavra e a <strong>de</strong>spreza, por ela será julgado<<strong>br</strong> />

no último dia.<<strong>br</strong> />

4. Oração para implorar a graça da <strong>de</strong>voção<<strong>br</strong> />

4. A alma: Meu Senhor e meu Deus! Vós sois todo o meu bem. E<<strong>br</strong> />

quem sou eu para me atrever a falar-vos? Eu sou vosso<<strong>br</strong> />

paupérrimo servo, um vil vermezinho, muito mais po<strong>br</strong>e e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezível do que sei e ouso dizer. Lem<strong>br</strong>ai-vos, Senhor, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que sois bom, justo e santo; vós tudo po<strong>de</strong>is, tudo dais, tudo<<strong>br</strong> />

encheis, e só ao pecador <strong>de</strong>ixais vazio. Lem<strong>br</strong>ai-vos <strong>de</strong> vossas<<strong>br</strong> />

misericórdias (Sl 24,6) e enchei meu coração <strong>com</strong> a vossa<<strong>br</strong> />

graça, pois não quereis que sejam infrutuosas vossas o<strong>br</strong>as.<<strong>br</strong> />

5. Como po<strong>de</strong>rei eu, nesta miserável vida, suportar-me a mim<<strong>br</strong> />

mesmo, se não me confortar vossa graça e misericórdia? Não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>svieis <strong>de</strong> mim a vossa face, não <strong>de</strong>moreis a vossa visita, não<<strong>br</strong> />

me tireis o vosso consolo, para que não fique a minha alma


diante <strong>de</strong> vós qual terra sem água (Sl 142, 6). Ensinai-me,<<strong>br</strong> />

Senhor, a fazer vossa vonta<strong>de</strong> (Sl 142, 10), ensinai-me a andar<<strong>br</strong> />

em vossa presença, digna e humil<strong>de</strong>mente; pois vós sois<<strong>br</strong> />

minha sabedoria, que em verda<strong>de</strong> me conheceis antes <strong>de</strong> ser<<strong>br</strong> />

feito o mundo, e antes <strong>de</strong> eu nascer na terra.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 4<<strong>br</strong> />

Que <strong>de</strong>vemos andar perante Deus em verda<strong>de</strong> e humilda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, anda diante <strong>de</strong> mim em verda<strong>de</strong> e procura-me<<strong>br</strong> />

sempre <strong>com</strong> simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coração. Quem anda diante <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

mim na verda<strong>de</strong> será <strong>de</strong>fendido dos ataques inimigos, e a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong> o livrará dos enganos e das murmurações dos maus.<<strong>br</strong> />

Se te libertar a verda<strong>de</strong>, serás verda<strong>de</strong>iramente livre e não<<strong>br</strong> />

farás caso das vãs palavras dos homens.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Verda<strong>de</strong> é, Senhor, o que dizeis; peço-vos que assim se<<strong>br</strong> />

faça <strong>com</strong>igo. A vossa verda<strong>de</strong> me ensine, me <strong>de</strong>fenda e me<<strong>br</strong> />

conserve até meu fim salutar. Ela me livre <strong>de</strong> toda má afeição e<<strong>br</strong> />

amor <strong>de</strong>sregrado e assim po<strong>de</strong>rei andar convosco, <strong>com</strong> gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> coração.<<strong>br</strong> />

3. Jesus: Eu te ensinarei, diz a Verda<strong>de</strong>, o que é justo e agradável<<strong>br</strong> />

a meus olhos. Relem<strong>br</strong>a teus pecados <strong>com</strong> gran<strong>de</strong> dor e pesar<<strong>br</strong> />

e jamais te <strong>de</strong>svaneças por tuas boas o<strong>br</strong>as. Com efeito, és<<strong>br</strong> />

pecador, sujeito a muitas paixões e preso em seus laços. De ti<<strong>br</strong> />

pen<strong>de</strong>s sempre para o nada; <strong>de</strong>pressa cais, logo és vencido,<<strong>br</strong> />

logo perturbado, logo <strong>de</strong>sanimado. Nada tens <strong>de</strong> que possas<<strong>br</strong> />

gloriar-te; muito, porém, para te humilhar; pois és muito mais<<strong>br</strong> />

fraco do que po<strong>de</strong>s imaginar.<<strong>br</strong> />

4. Nada, pois, do que fazes te pareça gran<strong>de</strong>, nada precioso e<<strong>br</strong> />

admirável, nada digno <strong>de</strong> apreço, nada no<strong>br</strong>e, nada<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iramente louvável e <strong>de</strong>sejável, senão o que é eterno.<<strong>br</strong> />

Acima <strong>de</strong> tudo te agra<strong>de</strong> a eterna verda<strong>de</strong>, e te <strong>de</strong>sagra<strong>de</strong> a tua<<strong>br</strong> />

extrema vileza. Nada temas, nada vituperes e fujas tanto <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

os teus vícios <strong>de</strong> pecados, que te <strong>de</strong>vem entristecer mais do<<strong>br</strong> />

que quaisquer prejuízos materiais. Alguns não andam diante<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mim <strong>com</strong> simplicida<strong>de</strong>, mas, curiosos e arrogantes,<<strong>br</strong> />

preten<strong>de</strong>m saber meus segredos e <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r os sublimes<<strong>br</strong> />

mistérios <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong>scurando-se <strong>de</strong> si próprios e <strong>de</strong> sua<<strong>br</strong> />

salvação. Estes, por sua soberba e curiosida<strong>de</strong>, não raro caem<<strong>br</strong> />

em gran<strong>de</strong>s tentações e pecados, porque me afasto <strong>de</strong>les.<<strong>br</strong> />

5. Teme os juízos <strong>de</strong> Deus, treme da ira do Onipotente. Não<<strong>br</strong> />

queiras discutir as o<strong>br</strong>as do Altíssimo; examina antes as tuas<<strong>br</strong> />

iniqüida<strong>de</strong>s, quanto mal <strong>com</strong>etestes e quanto bem <strong>de</strong>ixastes <strong>de</strong>


fazer por negligência. Alguns põem toda a sua <strong>de</strong>voção nos<<strong>br</strong> />

livros, outros nas imagens, outros em sinais e exercícios<<strong>br</strong> />

exteriores. Alguns me trazem na boca, mas mui pouco no<<strong>br</strong> />

coração. Outros há, porém, que, alumiados no entendimento e<<strong>br</strong> />

purificados no afeto, sempre suspiram pelos bens eternos; não<<strong>br</strong> />

gostam <strong>de</strong> ouvir das coisas da terra e <strong>com</strong> repugnância<<strong>br</strong> />

satisfazem as exigências da natureza; estes percebem o que<<strong>br</strong> />

lhe diz o Espírito da Verda<strong>de</strong>. Pois lhes ensina a <strong>de</strong>sprezar as<<strong>br</strong> />

coisas terrenas e amar as celestiais, a esquecer o mundo e<<strong>br</strong> />

almejar o céu dia e noite.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 5<<strong>br</strong> />

Dos admiráveis efeitos do amor divino<<strong>br</strong> />

1. A alma: Bendigo-vos, Pai celestial, Pai <strong>de</strong> meu Senhor Jesus<<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong>, por vos ter<strong>de</strong>s dignado lem<strong>br</strong>ar-vos <strong>de</strong> mim, po<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

criatura. Ó Pai <strong>de</strong> misericórdia e Deus <strong>de</strong> toda consolação!<<strong>br</strong> />

(2Cor 1,3), graças vos dou porque, apesar <strong>de</strong> minha<<strong>br</strong> />

indignida<strong>de</strong>, me recreais às vezes <strong>com</strong> vossa consolação. Se<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

para sempre bendito e glorificado, <strong>com</strong> vosso Filho unigênito e<<strong>br</strong> />

o Espírito Santo consolador, por todos os séculos. Ah! Senhor<<strong>br</strong> />

Deus, santo amigo <strong>de</strong> minha alma, tanto que entrais em meu<<strong>br</strong> />

coração, exulta <strong>de</strong> alegria o meu interior. Vós sois a minha<<strong>br</strong> />

glória e o júbilo <strong>de</strong> meu coração; vós sois a minha esperança e<<strong>br</strong> />

meu refúgio no dia da tribulação.<<strong>br</strong> />

2. Mas, <strong>com</strong>o ainda sou fraco no amor e imperfeito na virtu<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

necessito ser consolado e confortado por vós; por isso visitaime<<strong>br</strong> />

mais vezes e instruí-me <strong>com</strong> santas doutrinas. Livrai-me<<strong>br</strong> />

das más paixões e curai meu coração <strong>de</strong> todos os afetos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nados, para que eu, sanado e purificado interiormente,<<strong>br</strong> />

seja apto para amar, forte para sofrer e constante para<<strong>br</strong> />

perseverar.<<strong>br</strong> />

3. Jesus: Gran<strong>de</strong> coisa é o amor! E um bem verda<strong>de</strong>iramente<<strong>br</strong> />

inestimável que por si só torna suave o que é difícil e suporta<<strong>br</strong> />

sereno toda a adversida<strong>de</strong>. Porque leva a carga sem lhe sentir<<strong>br</strong> />

o peso e torna o amargo doce e saboroso. O amor <strong>de</strong> Jesus é<<strong>br</strong> />

generoso, inspira gran<strong>de</strong>s ações e nos excita sempre à mais<<strong>br</strong> />

alta perfeição. O amor ten<strong>de</strong> sempre para as alturas e não se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixa pren<strong>de</strong>r pelas coisas inferiores. O amor <strong>de</strong>seja ser livre e<<strong>br</strong> />

isento <strong>de</strong> todo apego mundano, para não ser impedido no seu<<strong>br</strong> />

afeto íntimo nem se embaraçar <strong>com</strong> algum incômodo. Nada<<strong>br</strong> />

mais doce do que o amor, nada mais forte, nada mais<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>licioso, nada mais perfeito ou melhor no céu e na terra;


porque o amor proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, e em Deus só po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>scansar, acima <strong>de</strong> todas as criaturas.<<strong>br</strong> />

4. Quem ama, voa, corre, vive alegre, é livre e sem embaraço. Dá<<strong>br</strong> />

tudo por tudo e possui tudo em todas as coisas, porque so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

todas as coisas <strong>de</strong>scansa no Sumo Bem, do qual dimanam e<<strong>br</strong> />

proce<strong>de</strong>m todos os bens. Não olha para as dádivas, mas elevase<<strong>br</strong> />

acima <strong>de</strong> todos os bens até Àquele que os conce<strong>de</strong>. O amor<<strong>br</strong> />

muitas vezes não conhece limites, mas seu ardor exce<strong>de</strong> a toda<<strong>br</strong> />

medida. O amor não sente peso, não faz caso das fadigas e<<strong>br</strong> />

quer empreen<strong>de</strong>r mais do que po<strong>de</strong>; não se escusa <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

impossibilida<strong>de</strong>, pois tudo lhe parece lícito e possível. Por isso<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tudo é capaz e realiza o<strong>br</strong>as, enquanto o que não ama<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sfalece e cai.<<strong>br</strong> />

5. O amor vigia sempre, e até no sono não dorme. Nenhuma<<strong>br</strong> />

fadiga o cansam nenhuma angústia o aflige, nenhum temor<<strong>br</strong> />

o assusta, mas qual viva chama a ar<strong>de</strong>nte labareda irrompe para o<<strong>br</strong> />

alto e passa avante. Só quem ama <strong>com</strong>preen<strong>de</strong> o que é amar. Bem<<strong>br</strong> />

alto soa aos ouvidos <strong>de</strong> Deus o afeto da alma que diz: Meu Deus,<<strong>br</strong> />

meu amor! Vós sois todo meu, e eu todo vosso!<<strong>br</strong> />

1. A alma: Dilatai-me o amor, para que possa, no âmago do<<strong>br</strong> />

coração, saborear quão doce é amar, no amor <strong>de</strong>smancharme<<strong>br</strong> />

e nadar. Prenda-me o amor, e eleve-me acima <strong>de</strong> mim, num<<strong>br</strong> />

transporte <strong>de</strong> fervor excessivo. Cante eu o cântico do amor,<<strong>br</strong> />

siga-vos ao alto, ó meu Amado, <strong>de</strong>sfaleça minha alma no nosso<<strong>br</strong> />

louvor, no júbilo do amor. Amar-vos quero mais que a mim, e<<strong>br</strong> />

a mim só por amor <strong>de</strong> vós, e em vós a todos que <strong>de</strong>veras vos<<strong>br</strong> />

amam, conforme or<strong>de</strong>na a lei do amor que <strong>de</strong> vós dimana.<<strong>br</strong> />

2. O amor é pronto, sincero, piedoso, alegre e amável; forte,<<strong>br</strong> />

sofredor, fiel, pru<strong>de</strong>nte, longânime, viril e nunca busca a si<<strong>br</strong> />

mesmo. Pois, logo que alguém procura a si mesmo, per<strong>de</strong> o<<strong>br</strong> />

amor. O amor é circunspecto, humil<strong>de</strong> e reto; não é frouxo,<<strong>br</strong> />

não é leviano, nem cuida <strong>de</strong> coisas vãs; é só<strong>br</strong>io, casto,<<strong>br</strong> />

constante, quieto, recatado em todos os seus sentidos. O amor<<strong>br</strong> />

é submisso e obediente aos superiores, mas aos próprios olhos<<strong>br</strong> />

é vil e <strong>de</strong>sprezível; <strong>de</strong>voto e agra<strong>de</strong>cido para <strong>com</strong> Deus, confia e<<strong>br</strong> />

espera sempre nele, ainda quando está <strong>de</strong>sconsolado, porque<<strong>br</strong> />

no amor não se vive sem dor.<<strong>br</strong> />

3. Quem não está disposto a sofrer tudo e fazer a vonta<strong>de</strong> do<<strong>br</strong> />

Amado não é digno <strong>de</strong> ser chamado amante. Àquele que ama<<strong>br</strong> />

cumpre a<strong>br</strong>açar por seu Amado, <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>, tudo o que<<strong>br</strong> />

for duro e amargo e <strong>de</strong>le não se apartar por nenhuma<<strong>br</strong> />

contrarieda<strong>de</strong>.


CAPÍTULO 6<<strong>br</strong> />

Da prova do verda<strong>de</strong>iro amor<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, não és ainda forte nem pru<strong>de</strong>nte no amor. - A<<strong>br</strong> />

alma: Por que, Senhor? - Jesus: Porque por qualquer<<strong>br</strong> />

contrarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixas o <strong>com</strong>eçado e <strong>com</strong> ânsia excessiva<<strong>br</strong> />

procuras a consolação. O homem forte no amor permanece<<strong>br</strong> />

firme nas tentações e não dá crédito às astuciosas sugestões<<strong>br</strong> />

do inimigo. Assim <strong>com</strong>o lhe agrado na prosperida<strong>de</strong>, não lhe<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sagrado nas tribulações.<<strong>br</strong> />

1. Quem ama discretamente não consi<strong>de</strong>ra tanto a dádiva<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> quem ama, <strong>com</strong>o o amor <strong>de</strong> quem dá. Aten<strong>de</strong> mais à<<strong>br</strong> />

2. intenção que ao valor do dom, e a todas as dádivas<<strong>br</strong> />

estima menos que o Amado. Quem ama no<strong>br</strong>emente não<<strong>br</strong> />

repousa no dom, mas em mim acima <strong>de</strong> todos os dons.<<strong>br</strong> />

Nem tudo está perdido, se sentires, às vezes, menos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção, a mim ou meus santos, do que <strong>de</strong>sejaras.<<strong>br</strong> />

Aquele sentimento terno e doce que experimentas, às<<strong>br</strong> />

vezes, é efeito da graça presente, um <strong>com</strong>o que antegosto<<strong>br</strong> />

da pátria celestial; nele não te <strong>de</strong>ves firmar muito,<<strong>br</strong> />

porquanto vai e vem. Mas pelejar contra os maus<<strong>br</strong> />

movimentos do coração e <strong>de</strong>sprezar as sugestões do<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>mônio é sinal <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> e gran<strong>de</strong> merecimento.<<strong>br</strong> />

2. Não te perturbem, pois, estranhas imaginações, oriundas <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

matéria qualquer. Guarda firme teu propósito, e tua reta<<strong>br</strong> />

intenção fixa em Deus. Não é ilusão o seres, alguma vez,<<strong>br</strong> />

subitamente arrebatado em êxtase, e logo <strong>de</strong>pois caíres <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

novo nos costumados <strong>de</strong>svarios do coração. Porque mais os<<strong>br</strong> />

pa<strong>de</strong>ces contra a vonta<strong>de</strong> do que és causa <strong>de</strong>les, e enquanto te<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sagradarem e os repelires, serão para ti ocasião <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

merecimento e não <strong>de</strong> perdição.<<strong>br</strong> />

3. Fica sabendo que o antigo inimigo <strong>de</strong> todos os modos se<<strong>br</strong> />

esforça por impedir-te os bons <strong>de</strong>sejos e apartar-te <strong>de</strong> todos os<<strong>br</strong> />

exercícios <strong>de</strong>votos, nomeadamente da veneração dos santos,<<strong>br</strong> />

da <strong>de</strong>vota memória <strong>de</strong> minha paixão, da salutar lem<strong>br</strong>ança dos<<strong>br</strong> />

pecados, da vigilância so<strong>br</strong>e o próprio coração e do firme<<strong>br</strong> />

propósito <strong>de</strong> aproveitar na virtu<strong>de</strong>. Sugere-te muitos maus<<strong>br</strong> />

pensamentos para te causar tédio e horror e arredar-te da<<strong>br</strong> />

oração e leitura espiritual. Desagrada-lhe muito a confissão<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong> e, se pu<strong>de</strong>sse, far-te-ia abandonar a <strong>com</strong>unhão. Não<<strong>br</strong> />

lhes dês crédito, nem faças caso <strong>de</strong>le, posto que muitas vezes<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> arme laços e enganos. Leva à sua conta os pensamentos<<strong>br</strong> />

maus e <strong>de</strong>sonestos que te sugere. Dize-lhe: Retira-te, espírito


imundo, <strong>de</strong>sgraçado, sem-vergonha; muito perverso <strong>de</strong>ves ser<<strong>br</strong> />

para me insinuares tais coisas! Vai-te daqui, malvado sedutor,<<strong>br</strong> />

não terás em mim parte alguma, que Jesus estará <strong>com</strong>igo,<<strong>br</strong> />

qual guerreiro invencível, e tu ficarás confundido. Antes quero<<strong>br</strong> />

morrer e sofrer todos os tormentos, que te fazer a vonta<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

cala-te e emu<strong>de</strong>ce; não te escutarei, por mais que me molestes.<<strong>br</strong> />

O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei.<<strong>br</strong> />

Levante-se embora contra mim um exército, não temerá meu<<strong>br</strong> />

coração. O Senhor é meu socorro e meu Salvador (Sl 26, 1.6;<<strong>br</strong> />

18,17).<<strong>br</strong> />

4. Peleja <strong>com</strong>o bom soldado e, se alguma vez caíres por fraqueza,<<strong>br</strong> />

torna a co<strong>br</strong>ar maiores forças que as anteriores, tendo certeza<<strong>br</strong> />

que receberás mais copiosa graça; acautela-te, porém, muito<<strong>br</strong> />

contra a vã <strong>com</strong>placência e a soberba. Por falta <strong>de</strong>sta vigilância<<strong>br</strong> />

andam muitos enganados e caem, às vezes, em cegueira<<strong>br</strong> />

incurável. A ruína <strong>de</strong>stes soberbos, que loucamente presumem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> si próprios, sirva-te <strong>de</strong> cautela e te conserve na virtu<strong>de</strong> da<<strong>br</strong> />

humilda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 7<<strong>br</strong> />

Como se há <strong>de</strong> ocultar a graça sob a guarda da humilda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, muito útil e seguro te é enco<strong>br</strong>ir a graça da<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção, sem te <strong>de</strong>svanceceres ou te preocupares muito <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

ela; convindo antes <strong>de</strong>sprezar-te a ti mesmo e temer que não<<strong>br</strong> />

sejas digno da graça recebida. Importa não estares muito<<strong>br</strong> />

apegado a tais sentimentos, que bem <strong>de</strong>pressa po<strong>de</strong>m mudarse<<strong>br</strong> />

nos contrários. Com a graça presente, pon<strong>de</strong>ra quão<<strong>br</strong> />

miserável e po<strong>br</strong>e és sem ela. O progresso na vida espiritual<<strong>br</strong> />

não consiste tanto em teres a graça da consolação, mas em<<strong>br</strong> />

suporta-lhe <strong>com</strong> humilda<strong>de</strong>, abnegação e paciência a privação,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> sorte que então não afrouxes no exercício da oração, nem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixes <strong>de</strong> todo as <strong>de</strong>mais boas o<strong>br</strong>as que costumas praticar.<<strong>br</strong> />

Antes faze tudo <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>, <strong>com</strong>o melhor pu<strong>de</strong>res e<<strong>br</strong> />

enten<strong>de</strong>res, nem te <strong>de</strong>scui<strong>de</strong>s totalmente <strong>de</strong> ti por causa das<<strong>br</strong> />

securas e ansieda<strong>de</strong>s espirituais.<<strong>br</strong> />

2. Muitos há que se <strong>de</strong>ixam levar pela impaciência e pelo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>salento, logo que as coisas não correm <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sejam. Pois<<strong>br</strong> />

nem sempre está nas mãos do homem o seu caminho (Jer<<strong>br</strong> />

10,23), mas a Deus pertence consolar e dar a graça quando<<strong>br</strong> />

quiser, e quanto quiser, a quem quiser, tudo <strong>com</strong>o lhe apraz,<<strong>br</strong> />

nem mais nem menos. Per<strong>de</strong>ram-se alguns impru<strong>de</strong>ntes por<<strong>br</strong> />

causa da graça da <strong>de</strong>voção, porque quiseram fazer mais do


que podiam, não pon<strong>de</strong>rando a fraqueza das suas forças e<<strong>br</strong> />

seguindo mais o impulso do coração que os ditames da razão.<<strong>br</strong> />

E porque presumiram <strong>de</strong> si coisas bem <strong>de</strong>pressa per<strong>de</strong>ram a<<strong>br</strong> />

graça. Caíram maiores do que Deus havia <strong>de</strong>terminado, na<<strong>br</strong> />

po<strong>br</strong>eza e no abatimento os que pretendiam pôr seu ninho no<<strong>br</strong> />

céu, para assim, humilhados e empo<strong>br</strong>ecidos, apren<strong>de</strong>rem a<<strong>br</strong> />

não voar <strong>com</strong> suas próprias asas, mas a esperar à som<strong>br</strong>a das<<strong>br</strong> />

minhas. Os novos e principiantes no caminho do Senhor<<strong>br</strong> />

facilmente se po<strong>de</strong>m enganar e per<strong>de</strong>r, se não se aconselharem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> homens experientes.<<strong>br</strong> />

3. Estes, se quiserem antes seguir seu próprio parecer, que<<strong>br</strong> />

confiar no conselho <strong>de</strong> pessoas experimentadas, põem em<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> risco sua salvação, se continuarem aferrados à sua<<strong>br</strong> />

opinião. Os que se têm por sábios raro se <strong>de</strong>ixam dirigir<<strong>br</strong> />

pelosoutros. É melhor saber e enten<strong>de</strong>r pouco, humil<strong>de</strong>mente,<<strong>br</strong> />

que possuir tesouros <strong>de</strong> ciência e presumir <strong>de</strong> si. Melhor te é<<strong>br</strong> />

ter menos do que muito, se <strong>com</strong> o muito te vem o orgulho. Não<<strong>br</strong> />

é bastante pru<strong>de</strong>nte quem se entrega todo à alegria, esquecido<<strong>br</strong> />

da antiga po<strong>br</strong>eza e do casto temor <strong>de</strong> Deus que sempre receia<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>r a graça concedida. Nem tampouco muita virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>nota<<strong>br</strong> />

entregar-se a nímio <strong>de</strong>sânimo em tempo <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong> e por<<strong>br</strong> />

qualquer contratempo, sem pôr em mim a confiança <strong>de</strong>vida.<<strong>br</strong> />

4. Quem se dá por muito seguro no tempo <strong>de</strong> paz, muitas vezes<<strong>br</strong> />

se revela tímido e covar<strong>de</strong> em tempo <strong>de</strong> guerra. Se te souberes<<strong>br</strong> />

conservar sempre humil<strong>de</strong> e pequeno no teu conceito, e<<strong>br</strong> />

governar <strong>com</strong> mo<strong>de</strong>ração teu espírito, não cairás tão <strong>de</strong>pressa<<strong>br</strong> />

na tentação e no pecado. É <strong>de</strong> aconselhar, quando sentes<<strong>br</strong> />

fervor <strong>de</strong> espírito, meditar no que será <strong>de</strong> ti, retirando-se esta<<strong>br</strong> />

graça. E quando isto <strong>de</strong> fato acontecer, pensa que a luz po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

voltar, que ta tirei por algum tempo, para tua cautela e minha<<strong>br</strong> />

glória.<<strong>br</strong> />

5. Tal provação, muitas vezes, te é mais proveitosa do que se<<strong>br</strong> />

tudo te saísse à medida <strong>de</strong> teu <strong>de</strong>sejo. Pois não se <strong>de</strong>vem<<strong>br</strong> />

avaliar os merecimentos do homem pelas muitas visões e<<strong>br</strong> />

consolações, nem pela perícia nas Escrituras, nem pela<<strong>br</strong> />

elevação do cargo. Mas, para conhecer o valor <strong>de</strong> cada um,<<strong>br</strong> />

consi<strong>de</strong>ra: se está fundamentado na verda<strong>de</strong>ira humilda<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

vive cheio <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> Deus; se sempre busca a honra <strong>de</strong> Deus<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> pura e reta intenção; se se <strong>de</strong>spreza a si mesmo, nem faz<<strong>br</strong> />

caso algum <strong>de</strong> si, e se gosta mais <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sprezado e<<strong>br</strong> />

humilhado do que estimado pelos homens.


CAPÍTULO 8<<strong>br</strong> />

Da vil estima <strong>de</strong> si próprio ante os olhos <strong>de</strong> Deus<<strong>br</strong> />

1. A alma: Ao meu Senhor falarei, ainda que seja pó e cinza (Gn<<strong>br</strong> />

18,27). Se eu me tiver em maior conta, eis que vos ergueis<<strong>br</strong> />

contra mim, e ao testemunho verda<strong>de</strong>iro que dão meus<<strong>br</strong> />

pecados, não posso contradizer. Mas se me tiver por vil e me<<strong>br</strong> />

aniquilar, <strong>de</strong>ixando toda a vã estima <strong>de</strong> mim mesmo, e me<<strong>br</strong> />

reduzir a pó, que sou na verda<strong>de</strong>, ser-me-à propícia a vossa<<strong>br</strong> />

graça, e a vossa luz há <strong>de</strong> vir em meu coração, e todo<<strong>br</strong> />

sentimento <strong>de</strong> amor-próprio, por mínimo que seja, per<strong>de</strong>r-se-á<<strong>br</strong> />

no abismo do meu nada e perecerá para sempre. Ali me dais a<<strong>br</strong> />

conhecer o que sou, o que fui, a que ponto cheguei; porque<<strong>br</strong> />

sou nada - e não o sabia. Abandonado a mim mesmo, sou um<<strong>br</strong> />

puro nada e a mesma fraqueza; tanto, porém, que lançais um<<strong>br</strong> />

olhar so<strong>br</strong>e mim, logo me sinto forte e cheio <strong>de</strong> nova alegria. E<<strong>br</strong> />

é gran<strong>de</strong> maravilha que tão sabiamente me levantais e tão<<strong>br</strong> />

benigno me a<strong>br</strong>açais, a mim, que pelo próprio peso pendo<<strong>br</strong> />

sempre para a terra.<<strong>br</strong> />

2. Isto é o<strong>br</strong>a do vosso amor, que me previne gratuitamente,<<strong>br</strong> />

socorrendo-me em mil necessida<strong>de</strong>s, guardando-me <strong>de</strong> males,<<strong>br</strong> />

para bem dizer, infindos. Perdi-me, amando-me<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente; mas, buscando a vós unicamente, e<<strong>br</strong> />

amando <strong>com</strong> puro amor, a mim me achei e a vós também, e<<strong>br</strong> />

este amor me fez ainda mais aprofundar-me em meu nada.<<strong>br</strong> />

Porque vós, ó dulcíssimo Senhor, me tratais além do meu<<strong>br</strong> />

merecimento, e mais do que ouso esperar ou pedir.<<strong>br</strong> />

3. Bendito sejais, meu Deus, pois conquanto eu seja indigno <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todo bem, ainda assim não cessa vossa liberalida<strong>de</strong> e bonda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

infinita <strong>de</strong> fazer bem até aos ingratos e aos que <strong>de</strong> vós andam<<strong>br</strong> />

apartados. Convertei-nos a vós, para que sejamos gratos,<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>votos, pois vós sois nossa salvação, nossa<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong> e fortaleza.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 9<<strong>br</strong> />

Tudo se <strong>de</strong>ve referir a Deus <strong>com</strong>o ao fim último<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, eu <strong>de</strong>vo ser o teu supremo e último fim, se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejas ser verda<strong>de</strong>iramente feliz. Esta intenção purificará teu<<strong>br</strong> />

coração, tantas vezes apegado <strong>de</strong>sregradamente a si mesmo e<<strong>br</strong> />

às criaturas. Porque se em alguma coisa te buscas a ti mesmo,<<strong>br</strong> />

logo <strong>de</strong>sfaleces e afrouxas. Refere, pois, tudo a mim,


principalmente porque eu sou quem te <strong>de</strong>u tudo. Consi<strong>de</strong>ra<<strong>br</strong> />

todos os bens <strong>com</strong>o dimanados do Sumo Bem, e por isso refere<<strong>br</strong> />

tudo a mim <strong>com</strong>o sua origem.<<strong>br</strong> />

2. De mim, <strong>com</strong>o <strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> vida, tiram água viva o pequeno e o<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>, o rico e o po<strong>br</strong>e, e os que me servem voluntária e<<strong>br</strong> />

livremente receberão graça so<strong>br</strong>e graça. Mas quem, fora <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

mim, quiser gloriar-se, ou <strong>de</strong>leitar-se em algum bem<<strong>br</strong> />

particular, jamais po<strong>de</strong>rá firmar-se na verda<strong>de</strong>ira alegria, nem<<strong>br</strong> />

se lhe dilatará o coração, mas sempre andará perturbado e<<strong>br</strong> />

angustiado <strong>de</strong> mil maneiras. Não te atribuas, pois, bem algum,<<strong>br</strong> />

nem a pessoa alguma atribuas virtu<strong>de</strong>, mas refere tudo a<<strong>br</strong> />

Deus, sem o qual nada tem o homem. Eu <strong>de</strong>i tudo, eu quero<<strong>br</strong> />

tudo reaver, e <strong>com</strong> estrito rigor exijo as <strong>de</strong>vidas ações <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

graças.<<strong>br</strong> />

3. É esta a verda<strong>de</strong> que afugenta toda a vanglória. E se entrar em<<strong>br</strong> />

teu coração a graça celestial e a verda<strong>de</strong>ira carida<strong>de</strong>, não<<strong>br</strong> />

sentirás mais inveja alguma, nem aperto <strong>de</strong> coração, nem<<strong>br</strong> />

haverá mais lugar para o amor-próprio. Porque tudo vence a<<strong>br</strong> />

divina carida<strong>de</strong>, e multiplica as forças da alma. Se és<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iramente sábio, só em mim te alegrarás e porás a tua<<strong>br</strong> />

confiança; porque ninguém é bom senão Deus (Mt 19,17), só<<strong>br</strong> />

Ele cumpre seja louvado e bendito em tudo, acima <strong>de</strong> todas as<<strong>br</strong> />

coisas.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 10<<strong>br</strong> />

Como, <strong>de</strong>sprezando o mundo, é doce servir a Deus<<strong>br</strong> />

1. A alma: De novo, Senhor, vos falarei, e não me calarei; direi<<strong>br</strong> />

aos ouvidos <strong>de</strong> meu Deus, meu Senhor e meu Rei, que está<<strong>br</strong> />

nas alturas: Quão gran<strong>de</strong>, Senhor, é a abundância da doçura<<strong>br</strong> />

que reservastes aos que vos temem! (Sl 30,20). Mas que será<<strong>br</strong> />

para os que vos amam e <strong>de</strong> todo o coração vos servem? É<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iramente inefável a doçura da contemplação que<<strong>br</strong> />

conce<strong>de</strong>is aos que vos amam. Nisto particularmente me<<strong>br</strong> />

manifestastes a doçura <strong>de</strong> vosso amor: quando não era, vós<<strong>br</strong> />

me criastes e quando andava longe <strong>de</strong> vós, perdido no erro, me<<strong>br</strong> />

reconduzistes a vos servir e me <strong>de</strong>stes o preceito <strong>de</strong> vos amar.<<strong>br</strong> />

2. Ó fonte perene <strong>de</strong> amor, que direi <strong>de</strong> vós? Como po<strong>de</strong>ria eu<<strong>br</strong> />

esquecer-me que vos dignastes lem<strong>br</strong>ar-vos <strong>de</strong> mim, ainda<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>pravado e perdido? Além <strong>de</strong> toda esperança,<<strong>br</strong> />

usastes <strong>de</strong> misericórdia para <strong>com</strong> vosso servo, e acima <strong>de</strong> todo<<strong>br</strong> />

mérito me prodigalizastes vossa graça e amiza<strong>de</strong>. Com que<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rei agra<strong>de</strong>cer-vos tal mercê? Porque nem a todos é dado


<strong>de</strong>ixar tudo, renunciar ao mundo e a<strong>br</strong>açar a vida religiosa.<<strong>br</strong> />

Será porventura mérito que eu vos sirva, quando toda criatura<<strong>br</strong> />

tem o<strong>br</strong>igação <strong>de</strong> vos servir? Não me <strong>de</strong>ve parecer gran<strong>de</strong> coisa<<strong>br</strong> />

que eu vos sirva; antes <strong>de</strong>vo consi<strong>de</strong>rar gran<strong>de</strong> e digno <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

admiração que vos digneis receber-me, po<strong>br</strong>e e indigno <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

sou, em vosso serviço e associar-me aos vossos servos<<strong>br</strong> />

prediletos.<<strong>br</strong> />

3. Ve<strong>de</strong>, é vosso, Senhor, tudo que possuo e <strong>com</strong> que vos sirvo;<<strong>br</strong> />

entretanto, mais me servis vós a mim, do que eu a vós. Aí<<strong>br</strong> />

estão o céu e a terra, que criastes para uso do homem, e estão<<strong>br</strong> />

atentos a vosso aceno, a fazer cada dia o que lhes mandais.<<strong>br</strong> />

Mais ainda: os próprios anjos <strong>de</strong>stinastes ao serviço do<<strong>br</strong> />

homem. Mas, acima <strong>de</strong> tudo isso, vós mesmos vos dignais<<strong>br</strong> />

servir ao homem, e prometestes ser a sua re<strong>com</strong>pensa.<<strong>br</strong> />

4. Que vos darei eu por esses benefícios sem conta, Oh! se<<strong>br</strong> />

pu<strong>de</strong>ra servir-vos todos os dias da minha vida! Se pu<strong>de</strong>ra,<<strong>br</strong> />

ainda que um só dia, prestar-vos condigno serviço! Na<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>, sois digno <strong>de</strong> todo serviço, <strong>de</strong> toda honra e glória<<strong>br</strong> />

eterna. Vós sois verda<strong>de</strong>iramente meu Senhor, eu vosso po<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

servidor, o<strong>br</strong>igado a servir-vos <strong>com</strong> todas as minhas forças,<<strong>br</strong> />

sem me cansar jamais <strong>de</strong> vos dar louvores. Assim o quero,<<strong>br</strong> />

assim o <strong>de</strong>sejo: dignai-vos, Senhor, suprir o que me falta.<<strong>br</strong> />

5. Gran<strong>de</strong> honra e glória é servir-vos e <strong>de</strong>sprezar tudo por vosso<<strong>br</strong> />

amor. Porque copiosa graça alcançarão os que livremente se<<strong>br</strong> />

sujeitam ao vosso santíssimo serviço. Encontrarão suavíssima<<strong>br</strong> />

consolação do Espírito Santo os que por vós <strong>de</strong>sprezam todos<<strong>br</strong> />

os <strong>de</strong>leites carnais. Conseguirão gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da alma os<<strong>br</strong> />

que por vosso nome entram na vereda estreita e se apartam <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todos os cuidados mundanos.<<strong>br</strong> />

6. Ó doce e amável servidão <strong>de</strong> Deus, que torna o homem<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iramente livre e santo! Ó sagrada servidão do estado<<strong>br</strong> />

religioso, que faz o homem igual aos anjos, agradável a Deus,<<strong>br</strong> />

terrível aos <strong>de</strong>mônios e re<strong>com</strong>endável a todos os fiéis! Ó ditoso<<strong>br</strong> />

e nunca assaz <strong>de</strong>sejado serviço, que nos mereceu o Bem<<strong>br</strong> />

soberano e adquire o gozo que há <strong>de</strong> durar para sempre!<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 11<<strong>br</strong> />

Como <strong>de</strong>vemos examinar e mo<strong>de</strong>rar os <strong>de</strong>sejos do coração<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, muitas coisas <strong>de</strong>ves ainda apren<strong>de</strong>r, que não<<strong>br</strong> />

sabes bem.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Que coisas são estas, Senhor?


3. Jesus: Que conformes <strong>com</strong>pletamente teu <strong>de</strong>sejo a meu<<strong>br</strong> />

beneplácito e não sejas amante <strong>de</strong> ti mesmo, mas zeloso<<strong>br</strong> />

cumpridor <strong>de</strong> minha vonta<strong>de</strong>. Muitas vezes se inflamam teus<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejos, e <strong>com</strong> veemência te impelem; examina, porém, o que<<strong>br</strong> />

mais te move, se minha honra ou teu próprio interesse. Se for<<strong>br</strong> />

eu o motivo, ficarás bem contente, qualquer que seja<<strong>br</strong> />

o sucesso do empreendimento; mas, se lá se ocultar algum interesse<<strong>br</strong> />

próprio, eis que isto logo te embaraça e aflige.<<strong>br</strong> />

1. Guarda-te, pois, <strong>de</strong> confiar <strong>de</strong>masiadamente em preconcebidos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejos que tens sem me consultar, para que não suceda que<<strong>br</strong> />

te arrependas e te <strong>de</strong>sagra<strong>de</strong> o que primeiro te agradou e<<strong>br</strong> />

procuraste <strong>com</strong> zelo, por te haver parecido melhor. Porém nem<<strong>br</strong> />

todo <strong>de</strong>sejo que pareça bom logo <strong>de</strong>vemos seguir, nem<<strong>br</strong> />

tampouco a todo sentimento contrário logo havemos <strong>de</strong> fugir.<<strong>br</strong> />

Convém, às vezes, refrear mesmo os bons empenhos e <strong>de</strong>sejos,<<strong>br</strong> />

para que as preocupações não te distraiam o espírito; para que<<strong>br</strong> />

não dês escândalo por falta <strong>de</strong> discrição; para que, enfim, não<<strong>br</strong> />

te perturbe a resistência dos outros e <strong>de</strong>sfaleças.<<strong>br</strong> />

2. Outras vezes, ao contrário, é preciso usar <strong>de</strong> violência e<<strong>br</strong> />

rebater varonilmente os apetites dos sentidos sem aten<strong>de</strong>r ao<<strong>br</strong> />

que a carne quer ou não quer, mas trabalhando por sujeitá-la ao<<strong>br</strong> />

espírito, ainda que se revolte. Cumpre castigá-la e curvá-la à<<strong>br</strong> />

sujeição, a tal ponto, que esteja disposta para tudo, sabendo<<strong>br</strong> />

contentar-se <strong>com</strong> pouco e <strong>de</strong>leitar-se <strong>com</strong> a simplicida<strong>de</strong>, sem<<strong>br</strong> />

resmungar por qualquer incômodo.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 12<<strong>br</strong> />

Da escola da paciência e luta contra as concupiscências<<strong>br</strong> />

1. A alma: Deus e Senhor meu, pelo que vejo, a paciência me é<<strong>br</strong> />

muito necessária; pois são muitas as contrarieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta<<strong>br</strong> />

vida. Por mais que se procure a paz, não há viver sem <strong>com</strong>bate<<strong>br</strong> />

e sofrimento.<<strong>br</strong> />

2. Jesus: Assim é, filho, e não quero que busques uma paz isenta<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tentações e contrarieda<strong>de</strong>s, mas que julgues ter achado a<<strong>br</strong> />

paz, ainda quando fores molestado <strong>de</strong> muitas atribulações e<<strong>br</strong> />

provado em muitas contrarieda<strong>de</strong>s. Se dizes que não po<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

sofrer tanta coisa, <strong>com</strong>o suportarás, então, o purgatório? De<<strong>br</strong> />

dois males sempre se <strong>de</strong>ve escolher o menor. Para escapar dos<<strong>br</strong> />

suplícios futuros, trata <strong>de</strong> sofrer <strong>com</strong> paciência os males


presentes, por amor <strong>de</strong> Deus. Julgas, acaso, que nada ou<<strong>br</strong> />

pouco sofrem os homens do mundo? Tal não encontrarás, nem<<strong>br</strong> />

entre os mais regalados.<<strong>br</strong> />

3. Dirás, talvez, que eles têm muitos <strong>de</strong>leites e seguem a sua<<strong>br</strong> />

própria vonta<strong>de</strong>, e por isso pouco lhes pesa a tribulação.<<strong>br</strong> />

4. Seja embora assim, e tenham eles quanto <strong>de</strong>sejam, mas<<strong>br</strong> />

quanto tempo achas que há <strong>de</strong> durar isso: Eis qual fumo se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>svanecerão os abastados do século, nem lem<strong>br</strong>ança restará<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> seus prazeres passados. E mesmo, enquanto vivem, não os<<strong>br</strong> />

fruem sem amargura, tédio e temor. Porquanto do próprio<<strong>br</strong> />

objeto <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>leites muitas vezes lhes vem a dor que os<<strong>br</strong> />

castiga. E é justo que assim lhes suceda que encontrem<<strong>br</strong> />

amargura e confusão nos gozos que buscam e perseguem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente.<<strong>br</strong> />

5. E quão <strong>br</strong>eves, quão falsos, quão <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nados e torpes são<<strong>br</strong> />

todos os <strong>de</strong>leites do mundo! Mas os homens, na em<strong>br</strong>iaguez e<<strong>br</strong> />

cegueira do espírito, não o <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>m; antes, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

irracionais, por um diminuto prazer, nesta vida corruptível,<<strong>br</strong> />

dão a morte à sua alma. Tu, pois, filho, não sigas teus<<strong>br</strong> />

apetites, renuncia à própria vonta<strong>de</strong> (Eclo 18,30); <strong>de</strong>leita-te no<<strong>br</strong> />

Senhor, e ele te dará o que teu coração anela (Sl 36,4).<<strong>br</strong> />

6. Pois, se queres verda<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>lícias e receber <strong>de</strong> mim<<strong>br</strong> />

consolação abundante, <strong>de</strong>spreza todas as coisas mundanas e<<strong>br</strong> />

renuncia a todos os prazeres inferiores, e por re<strong>com</strong>pensa<<strong>br</strong> />

terás copiosa consolação. Quanto mais te apartares do prazer<<strong>br</strong> />

que encontras nas criaturas, tanto mais suaves e eficazes<<strong>br</strong> />

consolações em mim acharás. Não o conseguirás, a princípio,<<strong>br</strong> />

sem alguma tristeza e trabalho na peleja, opor-se-á o costume<<strong>br</strong> />

inveterado, mas será vencido por outro melhor. Revoltar-se-á a<<strong>br</strong> />

carne, mas o fervor <strong>de</strong> espírito lhe porá freio. Perseguir-te-á a<<strong>br</strong> />

serpente antiga e te molestará, mas tu a afugentarás <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

oração e, <strong>com</strong> o trabalho proveitoso, lhe trancarás a principal<<strong>br</strong> />

entrada.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 13<<strong>br</strong> />

Da obediência e humil<strong>de</strong> sujeição, a exemplo <strong>de</strong> Jesus <strong>Cristo</strong><<strong>br</strong> />

1. Filho, quem procura subtrair-te à obediência aparta-se<<strong>br</strong> />

também da graça; e quem procura favores particulares per<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

os <strong>com</strong>uns. Aquele que não se sujeita pronta e <strong>de</strong> boa mente a<<strong>br</strong> />

seu superior, mostra que sua carne não lhe obe<strong>de</strong>ce ainda<<strong>br</strong> />

prontamente, mas muitas vezes se revolta e resmunga.<<strong>br</strong> />

Apren<strong>de</strong>, pois, a sujeitar-te prontamente a teu superior, se


queres subjugar a própria carne, porque facilmente se vence o<<strong>br</strong> />

inimigo exterior quando o homem interior não está assolado.<<strong>br</strong> />

Pior inimigo e mais perigoso não tem a alma, que tu mesmo,<<strong>br</strong> />

quando não obe<strong>de</strong>ces ao espírito. Se queres vencer a carne e o<<strong>br</strong> />

sangue, <strong>de</strong>ves <strong>com</strong>penetrar-te do sincero e absoluto <strong>de</strong>sprezo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ti mesmo. Mas porque ainda te amas <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente,<<strong>br</strong> />

por isso te repugna sujeitar-te <strong>de</strong> todo à vonta<strong>de</strong> dos outros.<<strong>br</strong> />

2. Ora, que muito é que tu, que és pó e nada, te sujeites a um<<strong>br</strong> />

homem, por amor <strong>de</strong> Deus, quando eu, o Todo-po<strong>de</strong>roso e<<strong>br</strong> />

Altíssimo, que criei do nada todas as coisas, me sujeitei<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong> ao homem, por amor <strong>de</strong> ti? Fiz-me o mais humil<strong>de</strong> e o<<strong>br</strong> />

último <strong>de</strong> todos para que venças, <strong>com</strong> a minha humilda<strong>de</strong>, a<<strong>br</strong> />

tua soberba. Apren<strong>de</strong>, pó, a obe<strong>de</strong>cer; apren<strong>de</strong>, terra e limo, a<<strong>br</strong> />

humilhar-te e curvar-te aos pés <strong>de</strong> todos. Apren<strong>de</strong> a<<strong>br</strong> />

que<strong>br</strong>antar tua vonta<strong>de</strong> e a submeter-te a todos em tudo.<<strong>br</strong> />

3. Indigna-te contra ti mesmo; não toleres em ti <strong>de</strong>svanecimento<<strong>br</strong> />

algum; mas torna-te tão humil<strong>de</strong> e submisso, que todos te<<strong>br</strong> />

possam pisar e calcar aos pés, qual lama da rua. Em que<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>s, vil pecador, contradizer os que te repreen<strong>de</strong>m, tu, que<<strong>br</strong> />

ofen<strong>de</strong>ste a Deus tantas vezes e tantas vezes mereceste o<<strong>br</strong> />

inferno? Pouparam-te, porém, meus olhos, porque tual alma é<<strong>br</strong> />

preciosa diante <strong>de</strong> mim, para que conheças meu amor e te<<strong>br</strong> />

conserves grato aos meus benefícios; para que te dês<<strong>br</strong> />

continuamente à verda<strong>de</strong>ira sujeição e humilda<strong>de</strong>, sofrendo <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

paciência o <strong>de</strong>sprezo dos outros.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 14<<strong>br</strong> />

Que se <strong>de</strong>vem consi<strong>de</strong>rar os altos juízos <strong>de</strong> Deus, para não nos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>svanecermos na prosperida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

1. Trovejam so<strong>br</strong>e mim, Senhor, vossos juízos, temem e tremem<<strong>br</strong> />

meus ossos abalados e minha alma fica <strong>de</strong> todo espavorida.<<strong>br</strong> />

Estou assom<strong>br</strong>ado ao consi<strong>de</strong>rar que nem os céus são puros à<<strong>br</strong> />

vossa vista. Se nos anjos achastes malda<strong>de</strong> e não lhes<<strong>br</strong> />

perdoastes, que será <strong>de</strong> mim? Caíram as estrelas do céu, e eu,<<strong>br</strong> />

pó, <strong>de</strong> que hei <strong>de</strong> presumir? Aqueles cujas o<strong>br</strong>as pereciam<<strong>br</strong> />

louváveis precipitaram-se no abismo, e vi os que <strong>com</strong>iam o pão<<strong>br</strong> />

dos anjos <strong>de</strong>leitarem-se <strong>com</strong> o alimento dos animais imundos.<<strong>br</strong> />

2. Não há, pois, santida<strong>de</strong>, Senhor, se retirais vossa mão. Não há<<strong>br</strong> />

sabedoria que aproveite, se <strong>de</strong>ixais <strong>de</strong> a governar. Não há<<strong>br</strong> />

fortaleza que valha, se <strong>de</strong>ixais <strong>de</strong> a conservar. Não há<<strong>br</strong> />

castida<strong>de</strong> segura, se <strong>de</strong>ixais <strong>de</strong> a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Não é proveitosa a


própria vigilância, se falta vossa santa guarda. Desamparados,<<strong>br</strong> />

afundamos logo e perecemos, mas visitados por vós nos<<strong>br</strong> />

reerguemos e vivemos. Somos, <strong>com</strong> efeito, inconstantes mas<<strong>br</strong> />

por vós somos confirmados; somos tíbios, mas vós nos<<strong>br</strong> />

afervorais.<<strong>br</strong> />

3. Oh! Quão humil<strong>de</strong> e baixo conceito <strong>de</strong>vo formar <strong>de</strong> mim<<strong>br</strong> />

próprio! Em quão pouca conta <strong>de</strong>vo ter o bem que possa haver<<strong>br</strong> />

em mim! Quão profunda <strong>de</strong>ve ser a minha submissão a vossos<<strong>br</strong> />

insondáveis juízos, Senhor, se outra coisa não sou que nada e<<strong>br</strong> />

puro nada! Ó peso imenso! Ó pélago insondável, on<strong>de</strong> não<<strong>br</strong> />

acho outra coisa em mim senão um puro nada! On<strong>de</strong> se<<strong>br</strong> />

refugiará, pois, a minha soberba? On<strong>de</strong> a presunção <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

alguma virtu<strong>de</strong>? Sumiu-se toda vanglória na profun<strong>de</strong>za dos<<strong>br</strong> />

vossos juízos.<<strong>br</strong> />

4. Que é toda carne em vossa presença? Porventura gloriar-se-á o<<strong>br</strong> />

barro contra quem o formou? Como se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>svanecer <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

vãos louvores aquele cujo coração está <strong>de</strong>veras sujeito a Deus?<<strong>br</strong> />

Nem o mundo todo é capaz <strong>de</strong> ensoberbecer aquele a que a<<strong>br</strong> />

Verda<strong>de</strong> subjugou. Nem os louvores <strong>de</strong> todos os lisonjeiros<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rão mover aquele em que Deus põe toda a sua esperança.<<strong>br</strong> />

Porque todos que falam não são nada, e se esvaecem <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

som das palavras; ao passo que a verda<strong>de</strong> do Senhor<<strong>br</strong> />

permanece para sempre (Sl 116,2).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 15<<strong>br</strong> />

Como se <strong>de</strong>ve haver e falar cada um em seus <strong>de</strong>sejos<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, dize assim em todas as coisas: Senhor, se for do<<strong>br</strong> />

vosso agrado, faça-se isto assim. Senhor, se for para vossa<<strong>br</strong> />

honra, suceda isto em vosso nome. Senhor, se vos parecer que<<strong>br</strong> />

me é proveitosa e útil tal coisa, conce<strong>de</strong>i-ma para que <strong>de</strong>la use<<strong>br</strong> />

para vossa glória; mas, se conheceis que me seria nociva e sem<<strong>br</strong> />

proveito para minha salvação, tirai-me tal <strong>de</strong>sejo; porque nem<<strong>br</strong> />

todo <strong>de</strong>sejo proce<strong>de</strong> do Espírito Santo, ainda que nos pareça<<strong>br</strong> />

bom e justo. É dificultoso discernir se te move espírito bom ou<<strong>br</strong> />

mau, a <strong>de</strong>sejar isto ou aquilo, ou se te move tua própria<<strong>br</strong> />

vonta<strong>de</strong>. Muitos se acharam no fim enganados, que a princípio<<strong>br</strong> />

pareciam animados <strong>de</strong> bom espírito.<<strong>br</strong> />

1. Qualquer coisa, pois, que se te afigura <strong>de</strong>sejável, <strong>de</strong>ves<<strong>br</strong> />

sempre <strong>de</strong>sejá-la e pedir <strong>com</strong> temor <strong>de</strong> Deus e humilda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> coração, particularmente en<strong>com</strong>endar-me tudo <strong>com</strong>


sincera resignação, dizendo: Vós sabeis, Senhor, o que é<<strong>br</strong> />

melhor; faça-se isto ou aquilo, conforme vossa vonta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Dai-me o que quiser<strong>de</strong>s, quanto e quando quiser<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Dispon<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim <strong>com</strong>o enten<strong>de</strong>is, <strong>com</strong>o mais vos<<strong>br</strong> />

agradar e para maior glória vossa. Pon<strong>de</strong>-me on<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

quiser<strong>de</strong>s e dispon<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim livremente em tudo; estou<<strong>br</strong> />

em vossas mãos, virai-me e revirai-me segundo vos<<strong>br</strong> />

parecer. Eis aqui vosso servo, pronto para tudo; pois não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejo viver para mim, mas para vós, oxalá <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

dignida<strong>de</strong> e perfeição.<<strong>br</strong> />

2. Oração para cumprir a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus:<<strong>br</strong> />

2. Conce<strong>de</strong>i-me, benigníssimo Jesus, que a vossa graça esteja<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>igo, <strong>com</strong>igo trabalhe e persevere <strong>com</strong>igo até ao fim. Dai-me<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong>seje e queira sempre o que mais vos for aceito e<<strong>br</strong> />

agradável. Vossa vonta<strong>de</strong> seja a minha, e a minha a<strong>com</strong>panhe<<strong>br</strong> />

sempre a vossa e se conforme em tudo <strong>com</strong> ela. Tenha eu<<strong>br</strong> />

convosco o mesmo querer e não querer, <strong>de</strong> modo que não<<strong>br</strong> />

possa querer ou não querer, senão o que vós quereis ou não<<strong>br</strong> />

quereis.<<strong>br</strong> />

3. Fazei que eu morra a tudo que é do mundo, e que <strong>de</strong>seje ser<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezado e esquecido neste século, por vosso amor.<<strong>br</strong> />

Daí-me que <strong>de</strong>scanse em vós acima <strong>de</strong> todos os bens <strong>de</strong>sejáveis, e<<strong>br</strong> />

repouse em vós o meu coração. Vós sois a verda<strong>de</strong>ira paz do coração<<strong>br</strong> />

e seu único <strong>de</strong>scanso; fora <strong>de</strong> vós tudo é inquietação e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sassossego. Nesta paz verda<strong>de</strong>ira, que sois vós, sumo e eterno<<strong>br</strong> />

bem, quero dormir e <strong>de</strong>scansar. Amém.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 16<<strong>br</strong> />

Que só em Deus se há <strong>de</strong> buscar a verda<strong>de</strong>ira consolação<<strong>br</strong> />

1. Tudo que posso <strong>de</strong>sejar ou procurar para meu consolo não o<<strong>br</strong> />

espero nesta vida, mas na futura, porque ainda que eu tivesse<<strong>br</strong> />

todas as consolações do mundo e pu<strong>de</strong>sse fruir todas as suas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>lícias, certo é que não po<strong>de</strong>riam durar muito tempo.<<strong>br</strong> />

Portanto, consi<strong>de</strong>ra, ó minha alma, que não po<strong>de</strong>rás achar<<strong>br</strong> />

consolo pleno e alegria perfeita senão em Deus, que consola os<<strong>br</strong> />

po<strong>br</strong>es e agasalha os humil<strong>de</strong>s. Espera um pouco, ó minha<<strong>br</strong> />

alma, espera a divina promessa, e no céu terás todos os bens<<strong>br</strong> />

em abundâncias. Se <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente <strong>de</strong>sejares os bens<<strong>br</strong> />

presentes, per<strong>de</strong>rás os eternos e celestes. Usa das coisas


temporais, mas <strong>de</strong>seja as eternas. Não te po<strong>de</strong>s satisfazer bem<<strong>br</strong> />

algum temporal, porque não foste criada para gozá-los.<<strong>br</strong> />

2. Ainda que possuísses todos os bens criados, não po<strong>de</strong>rias ser<<strong>br</strong> />

feliz e estar contente, porque só em Deus, criador <strong>de</strong> tudo,<<strong>br</strong> />

consiste tua bem-aventurança e felicida<strong>de</strong>; não qual a<<strong>br</strong> />

enten<strong>de</strong>m e louvam os amadores do mundo, mas <strong>com</strong>o a<<strong>br</strong> />

esperam os bons servos <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, e às vezes antegozam as<<strong>br</strong> />

pessoas espirituais e limpas <strong>de</strong> coração, cuja conversação está<<strong>br</strong> />

nos céus (Flp 3,20). Curto e vão é todo consolo humano;<<strong>br</strong> />

bendita e verda<strong>de</strong>ira a consolação que a verda<strong>de</strong> nos <strong>com</strong>unica<<strong>br</strong> />

interiormente. O homem <strong>de</strong>voto em toda parte traz consigo seu<<strong>br</strong> />

consolador, Jesus, e lhe diz: Assisti-me, Senhor Jesus, em<<strong>br</strong> />

todo lugar e tempo. Seja, pois, esta a minha consolação: o<<strong>br</strong> />

carecer voluntariamente <strong>de</strong> toda consolação humana. E se me<<strong>br</strong> />

faltar também vosso consolo, seja para mim vossa vonta<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

que justamente me experimenta, a suprema consolação.<<strong>br</strong> />

Porque não dura sempre a vossa ira, nem nos ameaçareis<<strong>br</strong> />

eternamente (Sl 102,9).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 17<<strong>br</strong> />

Que todo o nosso cuidado <strong>de</strong>vemos entregar a Deus<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, <strong>de</strong>ixa-me fazer contigo o que quero; eu sei o que<<strong>br</strong> />

te convém. Tu pensas <strong>com</strong>o homem, e julgas em muitas coisas<<strong>br</strong> />

consoante te persua<strong>de</strong> o afeto humano.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Senhor, verda<strong>de</strong> é o que dizeis. Maior é vossa<<strong>br</strong> />

solicitu<strong>de</strong> por mim, que todo o cuidado que eu <strong>com</strong>igo possa<<strong>br</strong> />

ter. Está em gran<strong>de</strong> perigo <strong>de</strong> cair quem não entrega a vós<<strong>br</strong> />

todos os seus cuidados. Fazei <strong>de</strong> mim, Senhor, tudo o que<<strong>br</strong> />

quiser<strong>de</strong>s, contanto que permaneça em vós, reta e firme, a<<strong>br</strong> />

minha vonta<strong>de</strong>. Pois não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser bom tudo o que<<strong>br</strong> />

fizer<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mim. Se quereis que esteja nas trevas, bendito<<strong>br</strong> />

sejais; e se quereis que esteja na luz, se<strong>de</strong> também bendito. Se<<strong>br</strong> />

quereis que esteja consolado, se<strong>de</strong> bendito, e se quereis que<<strong>br</strong> />

esteja tribulado, se<strong>de</strong> igualmente para sempre bendito.<<strong>br</strong> />

3. Jesus: Filho, assim <strong>de</strong>ves pensar, se <strong>de</strong>sejas andar <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />

Tão pronto <strong>de</strong>ves estar para sofrer <strong>com</strong>o para gozar; para a<<strong>br</strong> />

po<strong>br</strong>eza e indigência, <strong>com</strong>o para a riqueza e abundância.<<strong>br</strong> />

4. A alma: Por ti Senhor, sofrerei <strong>de</strong> bom grado tudo que<<strong>br</strong> />

quiser<strong>de</strong>s que me so<strong>br</strong>evenha. De vossa mão quero aceitar,<<strong>br</strong> />

indiferentemente, o bem e o mal, as doçuras e as amarguras,<<strong>br</strong> />

as alegrias e as tristezas, e quero dar-vos graças por tudo que<<strong>br</strong> />

me suce<strong>de</strong>r. Livrai-me <strong>de</strong> todo pecado, e não temerei nem


morte nem inferno. Contanto que não me rejeiteis<<strong>br</strong> />

eternamente, não me fará mal qualquer tribulação que me<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>evenha.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 18<<strong>br</strong> />

Como, a exemplo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, se hão <strong>de</strong> sofrer <strong>com</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ânimo as misérias temporais<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, <strong>de</strong>sci do céu para tua salvação; tomei tuas<<strong>br</strong> />

misérias, não levado pela necessida<strong>de</strong>, mas pelo amor, para<<strong>br</strong> />

ensinar-te a paciência e a suportar <strong>com</strong> resignação as misérias<<strong>br</strong> />

temporais. Porque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a hora do meu nascimento até à<<strong>br</strong> />

morte na cruz, nunca estive um instante sem sofrer. Pa<strong>de</strong>ci<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> penúria dos bens terrestres: ouvi muitas vezes gran<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

queixas <strong>de</strong> mim; sofri <strong>com</strong> <strong>br</strong>andura injúrias e opró<strong>br</strong>ios;<<strong>br</strong> />

recebi, pelos benefícios, ingratidões, pelos milagres,<<strong>br</strong> />

blasfêmias, pela doutrina, repreensões.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Senhor, já que fostes tão paciente em vossa vida,<<strong>br</strong> />

cumprindo nisso principalmente a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vosso Pai, justo<<strong>br</strong> />

é que eu, mísero pecador, me sofra a mim <strong>com</strong> paciência,<<strong>br</strong> />

conforme quereis, e suporte por minha salvação o fardo <strong>de</strong>sta<<strong>br</strong> />

vida corruptível. Porque, se bem que a vida presente seja<<strong>br</strong> />

pesada, torna-se, contudo, <strong>com</strong> a vossa graça, muito meritória<<strong>br</strong> />

e, <strong>com</strong> vosso exemplo e o <strong>de</strong> vossos santos, mais tolerável e<<strong>br</strong> />

leve para os fracos. É também muito mais consolada do que<<strong>br</strong> />

outrora, na lei antiga, quando a porta do céu estava fechada, e<<strong>br</strong> />

bem poucos tratavam <strong>de</strong> buscar o reino dos céus. Nem os<<strong>br</strong> />

justos sequer e pre<strong>de</strong>stinados podiam entrar no reino celeste<<strong>br</strong> />

antes da vossa paixão e resgate da vossa sagrada morte.<<strong>br</strong> />

3. Oh! Quantas graças vos <strong>de</strong>vo ren<strong>de</strong>r, por vos ter<strong>de</strong>s dignado<<strong>br</strong> />

mostrar a mim e a todos os fiéis o caminho direito e seguro<<strong>br</strong> />

para vosso reino eterno! Porque vossa vida é o nosso caminho<<strong>br</strong> />

e pela santa paciência caminhamos para vós, que sois nossa<<strong>br</strong> />

coroa. Sem vosso exemplo e ensino, quem cuidaria <strong>de</strong> vos<<strong>br</strong> />

seguir? Ah! Quantos ficariam atrás, bem longe, se não vissem<<strong>br</strong> />

vossos luminosos exemplos! E se ainda andamos tíbios, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

tantos prodígios e ensinamentos, que seria se não tivéssemos<<strong>br</strong> />

tantas luzes para vos seguir?<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 19<<strong>br</strong> />

Do sofrimento das injúrias e quem é provado verda<strong>de</strong>iro paciente


1. Jesus: Filho, que é o que estás dizendo? Deixa <strong>de</strong> te queixar,<<strong>br</strong> />

em vista da minha paixão e dos sofrimentos dos santos. Ainda<<strong>br</strong> />

não tens resistido até <strong>de</strong>rramar sangue. Pouco é o que sofres<<strong>br</strong> />

em <strong>com</strong>paração do muito que pa<strong>de</strong>ceram eles em tão fortes<<strong>br</strong> />

tentações, tão graves tribulações, tão várias provações e<<strong>br</strong> />

angústias. Convém, pois que te lem<strong>br</strong>es dos graves trabalhos<<strong>br</strong> />

dos outros, para que mais facilmente sofras os teus, que são<<strong>br</strong> />

mais leves. E se te não parecem tão leves, olha, não venha isso<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tua impaciência. Contudo, sejam graves ou leves, procura<<strong>br</strong> />

levá-los todos <strong>com</strong> paciência.<<strong>br</strong> />

2. Quanto melhor te dispões para pa<strong>de</strong>cer, tanto mais paciente<<strong>br</strong> />

serás em tuas ações e maiores merecimentos ganharás; <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

resignação e a prática torna-se também mais suave o<<strong>br</strong> />

sofrimento. Não digas: não posso sofrer isto daquele homem,<<strong>br</strong> />

nem estou para aturar tais coisas, pois me fez grave injúria e<<strong>br</strong> />

me acusa <strong>de</strong> coisas que jamais imaginei; <strong>de</strong> outros sofreria<<strong>br</strong> />

facilmente, quanto julgasse que <strong>de</strong>via sofrer. Insensato é<<strong>br</strong> />

semelhante pensar, pois não consi<strong>de</strong>ra a virtu<strong>de</strong> da paciência<<strong>br</strong> />

nem olha àquele que há <strong>de</strong> coroá-la, mas só aten<strong>de</strong> às pessoas<<strong>br</strong> />

e às ofensas recebidas.<<strong>br</strong> />

3. Não é verda<strong>de</strong>iro sofredor quem só quer sofrer quanto lhe<<strong>br</strong> />

parece e <strong>de</strong> quem lhe apraz. O verda<strong>de</strong>iro paciente também<<strong>br</strong> />

não repara em quem exercita a paciência; se for seu superior,<<strong>br</strong> />

ou igual, ou inferior, se for homem bom e santo, ou mau e<<strong>br</strong> />

perverso. Mas, sem diferença <strong>de</strong> pessoa, sempre que lhe<<strong>br</strong> />

suce<strong>de</strong> qualquer adversida<strong>de</strong>, aceita-a gratamente da mão <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus e a consi<strong>de</strong>ra um gran<strong>de</strong> lucro para sua alma. Porque<<strong>br</strong> />

aos olhos <strong>de</strong> Deus qualquer coisa, por insignificante que seja,<<strong>br</strong> />

que soframos por amor <strong>de</strong>le terá seu merecimento.<<strong>br</strong> />

4. Aparelha-te, pois, para o <strong>com</strong>bate, se queres a vitória. Sem<<strong>br</strong> />

peleja não po<strong>de</strong>s chegar à coroa da vitória. Se não queres<<strong>br</strong> />

sofrer, renuncia à coroa; mas, se <strong>de</strong>sejas ser coroado, luta<<strong>br</strong> />

varonilmente e sofre <strong>com</strong> paciência. Sem trabalho não se<<strong>br</strong> />

consegue o <strong>de</strong>scanso e sem <strong>com</strong>bate não se alcança a vitória.<<strong>br</strong> />

5. A alma: Tornai-me, Senhor, possível, pela graça, o que me<<strong>br</strong> />

parece impossível pela natureza. Vós bem sabeis quão pouco<<strong>br</strong> />

sei sofrer, e que logo fico <strong>de</strong>sanimado <strong>com</strong> a menor<<strong>br</strong> />

contrarieda<strong>de</strong>. Tornai-me amável e <strong>de</strong>sejável qualquer prova e<<strong>br</strong> />

aflição, por vosso amor, porque o pa<strong>de</strong>cer e penar por vós é<<strong>br</strong> />

muito proveitoso à minha alma.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 20<<strong>br</strong> />

Da confissão da própria fraqueza, e das misérias <strong>de</strong>sta vida


1. A alma: Confesso contra mim mesmo minha malda<strong>de</strong> (Sl 31,5),<<strong>br</strong> />

confesso, Senhor, minha fraqueza. Muitas vezes a menor coisa<<strong>br</strong> />

basta para me abater e entristecer. Proponho agir<<strong>br</strong> />

valorosamente, mas assim que me so<strong>br</strong>evém uma pequena<<strong>br</strong> />

tentação, vejo-me em gran<strong>de</strong>s apuros. Às vezes é <strong>de</strong> uma coisa<<strong>br</strong> />

mesquinha que me vem grave aflição. E quando me julgo<<strong>br</strong> />

algum tanto seguro, vejo-me, não raro, vencido por um sopro,<<strong>br</strong> />

quando menos o penso.<<strong>br</strong> />

2. Olhai, pois, Senhor, para esta minha baixeza e fragilida<strong>de</strong>, que<<strong>br</strong> />

conheceis perfeitamente. Compa<strong>de</strong>cei-vos <strong>de</strong> mim e tirai-me da<<strong>br</strong> />

lama, para que não fique atolado (Sl 68,18) e arruinado para<<strong>br</strong> />

sempre. É isto que a miúdo me atormenta e confun<strong>de</strong> em<<strong>br</strong> />

vossa presença: o ser eu tão inclinado a cair, e tão fraco a<<strong>br</strong> />

resistir às paixões. E embora não me levem ao pleno<<strong>br</strong> />

consentimento, muito me molestam e afligem seus assaltos, e<<strong>br</strong> />

muito me enfastia o viver sempre nesta peleja. Nisto conheço<<strong>br</strong> />

minha fraqueza, que mais <strong>de</strong>pressa me vem do que se vão<<strong>br</strong> />

essas abomináveis fantasias da imaginação.<<strong>br</strong> />

3. Ó po<strong>de</strong>rosíssimo Deus <strong>de</strong> Israel, zelador das almas fiéis, olhai<<strong>br</strong> />

para os trabalhos e dores <strong>de</strong> vosso servo, e assisti-lhe em<<strong>br</strong> />

todos os seus empreendimentos! Confortai-me <strong>com</strong> a força<<strong>br</strong> />

celestial, para que não me vença e domine o homem velho, a<<strong>br</strong> />

mísera carne, ainda não inteiramente sujeita ao espírito,<<strong>br</strong> />

contra a qual será necessário pelejar enquanto estiver nesta<<strong>br</strong> />

miserável vida. Ai! que vida é esta, em que nunca faltam as<<strong>br</strong> />

tribulações e misérias, em que tudo está cheio <strong>de</strong> inimigos e<<strong>br</strong> />

ciladas! Porque mal acaba um tribulação ou tentação, outra já<<strong>br</strong> />

se aproxima, e até antes <strong>de</strong> acabar um <strong>com</strong>bate, muitos outros<<strong>br</strong> />

já so<strong>br</strong>evêm, e inesperados.<<strong>br</strong> />

4. E <strong>com</strong>o se po<strong>de</strong> amar uma vida cheia <strong>de</strong> tantas amarguras,<<strong>br</strong> />

sujeita a tantas calamida<strong>de</strong>s e misérias? Como se po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

chamar vida o que gera tantas mortes e <strong>de</strong>sgraças? E, não<<strong>br</strong> />

obstante, muitos amam e procuram nela <strong>de</strong>leitar-se. Muitos<<strong>br</strong> />

acoimam o mundo <strong>de</strong> enganador e vão, e ainda assim lhes<<strong>br</strong> />

custa <strong>de</strong>ixá-lo, porque se <strong>de</strong>ixam dominar pelos apetites da<<strong>br</strong> />

carne. Muitas coisas nos inclinam a amar o mundo, outras a<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezá-lo. Fazem amar o mundo a concupiscência da carne,<<strong>br</strong> />

a concupiscência dos olhos e a soberba da vida; mas as penas<<strong>br</strong> />

e as misérias que estas coisas se seguem geram o ódio e<<strong>br</strong> />

aborrecimento do mundo.<<strong>br</strong> />

5. Infelizmente, o vil <strong>de</strong>leite vence a alma mundana, que julga<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>lícia o estar em meio dos espinhos (Jó 30,7), porque nunca<<strong>br</strong> />

viu nem provou a doçura <strong>de</strong> Deus, nem a intrínseca suavida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

da virtu<strong>de</strong>. Mas aqueles que perfeitamente <strong>de</strong>sprezam o


mundo e procuram viver para Deus, em santa disciplina,<<strong>br</strong> />

experimentam a doçura divina, e mais claramente conhecem<<strong>br</strong> />

os erros grosseiros do mundo e seus vários enganos.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 21<<strong>br</strong> />

Como se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>scansar em Deus so<strong>br</strong>e todos os bens e dons<<strong>br</strong> />

1. A alma: Ó minha alma, em tudo e acima <strong>de</strong> tudo <strong>de</strong>scansa<<strong>br</strong> />

sempre no Senhor, porque ele é o eterno repouso dos santos.<<strong>br</strong> />

Daí-me, ó dulcíssimo e amantíssimo Jesus, que eu <strong>de</strong>scanse<<strong>br</strong> />

em vós mais que em toda criatura; mais que na saú<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

formosura; mais que na glória e honra, no po<strong>de</strong>r e dignida<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

mais que em toda ciência e sutileza; mais que em todas as<<strong>br</strong> />

riquezas e artes; mais que na alegria e no divertimento; mais<<strong>br</strong> />

que na fama e no louvor; mais que nas doçuras e consolações,<<strong>br</strong> />

esperanças e promessas, <strong>de</strong>sejos e méritos; mais que em todos<<strong>br</strong> />

os dons e dádivas que me po<strong>de</strong>is dar e infundir; mais que em<<strong>br</strong> />

todo gozo e alegria que minha alma possa experimentar e<<strong>br</strong> />

sentir; finalmente, mais que nos anjos e arcanjos e todo o<<strong>br</strong> />

exército celeste; acima <strong>de</strong> todo o visível e invisível, acima,<<strong>br</strong> />

enfim, <strong>de</strong> tudo aquilo que vós, meu Deus, não sois.<<strong>br</strong> />

2. Porquanto vós, meu Deus, sois bom acima <strong>de</strong> todas as coisas.<<strong>br</strong> />

Só vós sois altíssimo, só vós po<strong>de</strong>rosíssimo, só vós<<strong>br</strong> />

suficientíssimo e pleníssimo, só vós suavíssimo e verda<strong>de</strong>iro<<strong>br</strong> />

consolador, só vós formosíssimo e amantíssimo, só vós<<strong>br</strong> />

nobilíssimo e gloriosíssimo so<strong>br</strong>e todas as coisas, em quem se<<strong>br</strong> />

olham, a um tempo e plenamente, todos os bens passados,<<strong>br</strong> />

presentes e futuros. Por isso é mesquinho e insuficiente tudo<<strong>br</strong> />

quanto fora <strong>de</strong> vós mesmo me dais, revelais ou prometeis,<<strong>br</strong> />

enquanto vos não vejo e possuo inteiramente; porque meu<<strong>br</strong> />

coração não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansar verda<strong>de</strong>iramente, nem estar<<strong>br</strong> />

totalmente satisfeito a não ser em vós, acima <strong>de</strong> todos os dons<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong> todas as criaturas.<<strong>br</strong> />

3. Ó meu Jesus, esposo diletíssimo, amante puríssimo, senhor<<strong>br</strong> />

absoluto <strong>de</strong> toda a criação, quem me <strong>de</strong>ra às asas da<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira liberda<strong>de</strong> para voar e repousar em vós! Oh! Quando<<strong>br</strong> />

me será concedido ocupar-me totalmente <strong>de</strong> vós e<<strong>br</strong> />

experimentar vossa doçura, Senhor meu Deus! Quando estarei<<strong>br</strong> />

tão perfeitamente recolhido em vós, que não me sinta a mim<<strong>br</strong> />

mesmo por vosso amor, mas só a vós, acima <strong>de</strong> toda sensação<<strong>br</strong> />

e medida, que nem todos conhecem! Agora, porém, não cesso


<strong>de</strong> gemer, e levo, cheio <strong>de</strong> dor, o peso <strong>de</strong> minha infelicida<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

pois neste vale <strong>de</strong> lágrimas suce<strong>de</strong>m tantos males, que muitas<<strong>br</strong> />

vezes me perturbam, entristecem e anuviam a alma; outras<<strong>br</strong> />

vezes me embaraçam, distraem, atraem e emaranham, para<<strong>br</strong> />

me impossibilitar vosso acesso e me privar das doces carícias,<<strong>br</strong> />

que gozam sempre os espíritos bemaventurados! Deixai-vos<<strong>br</strong> />

enternecer por meus suspiros e tantas amarguras que pa<strong>de</strong>ço<<strong>br</strong> />

nesta terra.<<strong>br</strong> />

4. Ó Jesus, esplendor da eterna glória, consolo da alma<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sterrada, diante <strong>de</strong> vós emu<strong>de</strong>ce minha boca e meu silêncio<<strong>br</strong> />

vos fala: Até quando tardará a vir o meu Senhor? Venha a este<<strong>br</strong> />

seu servo po<strong>br</strong>ezinho, trazer-lhe alegria; estenda-lhe a mão e<<strong>br</strong> />

livre este miserável <strong>de</strong> toda angústia. Vin<strong>de</strong>, vin<strong>de</strong>, porque sem<<strong>br</strong> />

vós não posso ter nem um dia, nem uma hora feliz, pois vós<<strong>br</strong> />

sois minha alegria, e sem vós está vazio meu coração.<<strong>br</strong> />

Miserável sou, <strong>com</strong>o que preso e carregado <strong>de</strong> grilhões,<<strong>br</strong> />

enquanto me não recreeis <strong>com</strong> a luz <strong>de</strong> vossa presença e me<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>is a liberda<strong>de</strong>, mostrando-me benigno semblante.<<strong>br</strong> />

5. Busquem outros o que quiserem em lugar <strong>de</strong> vós, a mim<<strong>br</strong> />

nenhuma coisa me há <strong>de</strong> agradar jamais, senão, vós, meu<<strong>br</strong> />

Deus, minha esperança e salvação eterna. Não calarei, nem<<strong>br</strong> />

cessarei <strong>de</strong> orar, até que volte vossa graça, e vós me faleis no<<strong>br</strong> />

interior.<<strong>br</strong> />

6. Jesus: Aqui me tens, venho a ti, porque me chamaste.<<strong>br</strong> />

Moveram-me tuas lágrimas e os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> tua alma; a<<strong>br</strong> />

humilda<strong>de</strong> e a contrição do teu coração me trouxeram a ti.<<strong>br</strong> />

7. A Alma: Eu disse: Chamei-vos, Senhor, e <strong>de</strong>sejei gozar-vos,<<strong>br</strong> />

disposto a <strong>de</strong>sprezar tudo por vosso amor, que vós primeiro<<strong>br</strong> />

me inspirastes buscar-vos. Se<strong>de</strong>, pois, bendito, Senhor, pela<<strong>br</strong> />

bonda<strong>de</strong> que usais para <strong>com</strong> vosso servo, segundo vossa<<strong>br</strong> />

infinita misericórdia. Que mais po<strong>de</strong> fazer vosso servo em<<strong>br</strong> />

vossa presença, senão humilhar-se profundamente diante <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vós, e lem<strong>br</strong>ar-se sempre <strong>de</strong> sua malda<strong>de</strong> e vileza? Pois nada<<strong>br</strong> />

há semelhante a vós, entre todas as maravilhas do céu e da<<strong>br</strong> />

terra. Vossas o<strong>br</strong>as são perfeitíssimas, vossos juízos<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iros, e vossa providência governa todas as coisas.<<strong>br</strong> />

Louvor e glória, pois, a vós, ó Sabedoria do Pai, minha boca<<strong>br</strong> />

vos louva e minha alma vos engran<strong>de</strong>ce, juntamente <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

todas as criaturas.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 22<<strong>br</strong> />

Da recordação dos inumeráveis benefícios <strong>de</strong> Deus


1. A alma: A<strong>br</strong>i, Senhor, meu coração à vossa lei, e ensinai-me o<<strong>br</strong> />

caminho <strong>de</strong> vossos preceitos. Fazei-me <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r a vossa<<strong>br</strong> />

vonta<strong>de</strong>, e <strong>com</strong> gran<strong>de</strong> reverência e diligente consi<strong>de</strong>ração<<strong>br</strong> />

rememorar os vossos benefícios, gerais ou particulares, para<<strong>br</strong> />

assim ren<strong>de</strong>r-vos por eles as <strong>de</strong>vidas graças. Bem sei e<<strong>br</strong> />

confesso que nem pelo menor benefício vos posso ren<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

condignos louvores e agra<strong>de</strong>cimentos. Eu me reconheço<<strong>br</strong> />

inferior a todos os bens que me <strong>de</strong>stes, e quando consi<strong>de</strong>ro<<strong>br</strong> />

vossa majesta<strong>de</strong>, abate-se meu espírito <strong>com</strong> o peso <strong>de</strong> vossa<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>za.<<strong>br</strong> />

2. Tudo o que temos, na alma e no corpo, todos os bens que<<strong>br</strong> />

possuímos, internos e externos, naturais e so<strong>br</strong>enaturais,<<strong>br</strong> />

todos são benefícios vossos, e outras tantas provas <strong>de</strong> vossa<<strong>br</strong> />

bonda<strong>de</strong>, liberalida<strong>de</strong> e muníficência, que <strong>de</strong> vós todos os bens<<strong>br</strong> />

recebemos. E ainda que este receba mais e outros menos, tudo<<strong>br</strong> />

é vosso, e sem vós ninguém po<strong>de</strong> alcançar a menor coisa. E<<strong>br</strong> />

aquele que recebeu mais não po<strong>de</strong> gloriar-se <strong>de</strong> seu<<strong>br</strong> />

merecimento, nem elevar-se acima dos outros, nem <strong>de</strong>sprezar<<strong>br</strong> />

o menor; porque só é maior e melhor aquele que menos atribui<<strong>br</strong> />

a si, e é mais humil<strong>de</strong> e fervoroso em vos agra<strong>de</strong>cer. E quem se<<strong>br</strong> />

consi<strong>de</strong>ra mais vil e se julga o mais indigno <strong>de</strong> todos é o mais<<strong>br</strong> />

apto para receber maiores dons.<<strong>br</strong> />

3. O que, porém, recebeu menos não <strong>de</strong>ve afligir-se, nem queixarse,<<strong>br</strong> />

nem ter inveja do mais rico; olhará, ao contrário, para vós,<<strong>br</strong> />

e louvará vossa bonda<strong>de</strong>, que tão copiosa e liberalmente<<strong>br</strong> />

prodigalizais vossas dádivas, sem acepção <strong>de</strong> pessoas. De vós<<strong>br</strong> />

nos vêm todas as coisas; por todas, pois, <strong>de</strong>veis ser louvado.<<strong>br</strong> />

Vós sabeis o que é conveniente dar a cada um, e não nos<<strong>br</strong> />

pertence indagar por que este tem menos, aquele mais; só vós<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>is avaliar os merecimentos <strong>de</strong> cada um.<<strong>br</strong> />

4. Por isso, Senhor meu Deus, consi<strong>de</strong>ro <strong>com</strong>o gran<strong>de</strong> benefício o<<strong>br</strong> />

não ter eu muitas coisas que trazem a glória exterior e os<<strong>br</strong> />

humanos louvores. Portanto, ninguém, à vista <strong>de</strong> sua po<strong>br</strong>eza<<strong>br</strong> />

e da vileza <strong>de</strong> sua pessoa, <strong>de</strong>ve conceber, por isso, <strong>de</strong>sgosto,<<strong>br</strong> />

tristeza ou <strong>de</strong>salento, senão gran<strong>de</strong> alegria e consolo, porque<<strong>br</strong> />

vós, Deus meu, escolheste por vossos particulares e íntimos<<strong>br</strong> />

amigos os po<strong>br</strong>es, os humil<strong>de</strong>s e os <strong>de</strong>sprezados <strong>de</strong>ste mundo.<<strong>br</strong> />

Testemunho disto são vossos apóstolos, a quem constituístes<<strong>br</strong> />

príncipes so<strong>br</strong>e a terra. Todavia, viveram neste mundo tão sem<<strong>br</strong> />

queixa, tão humil<strong>de</strong>s e <strong>com</strong> tanta singeleza da alma, tão sem<<strong>br</strong> />

malícia ou dolo, que se alegravam <strong>de</strong> sofrer contumélias por<<strong>br</strong> />

vosso nome, e <strong>com</strong> gran<strong>de</strong> afeto a<strong>br</strong>açavam o que o mundo<<strong>br</strong> />

aborrece.


5. Nada, pois, <strong>de</strong>ve alegrar tanto aquele que vos ama e reconhece<<strong>br</strong> />

vossos benefícios, <strong>com</strong>o ver executar-se a seu respeito vossa<<strong>br</strong> />

vonta<strong>de</strong> e o beneplácito <strong>de</strong> vossas eternas disposições. Tanto<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ve <strong>com</strong> isto estar contente e satisfeito, que queira <strong>de</strong> tão boa<<strong>br</strong> />

vonta<strong>de</strong> ser o menor, <strong>com</strong>o outro <strong>de</strong>sejaria ser o maior; e tão<<strong>br</strong> />

sossegado e contente <strong>de</strong>ve estar no último <strong>com</strong>o no primeiro<<strong>br</strong> />

lugar, tão satisfeito em ser <strong>de</strong>sprezado e abatido, sem nome<<strong>br</strong> />

nem reputação, <strong>com</strong>o se fosse o mais honrado e estimado no<<strong>br</strong> />

mundo. Porque a vossa vonta<strong>de</strong> e o amor <strong>de</strong> vossa honra <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

ser anteposto a tudo, e <strong>de</strong>ve consolar e agradar mais ao vosso<<strong>br</strong> />

servo, que todos os dons presentes ou futuros.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 23<<strong>br</strong> />

Das quatro coisas que produzem gran<strong>de</strong> paz<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, vou agora te ensinar o caminho da paz e da<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira liberda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Fazei, Senhor, o que dizeis, que muito grato me é ouvilo.<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, trata <strong>de</strong> fazer antes a vonta<strong>de</strong> alheia que a<<strong>br</strong> />

tua. Prefere sempre ter menos que mais. Busca sempre o<<strong>br</strong> />

2. último lugar e sujeita-te a todos. Deseja sempre e roga<<strong>br</strong> />

que se cumpra plenamente em ti a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. O<<strong>br</strong> />

homem que assim proce<strong>de</strong> penetra na região da paz e do<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>scanso.<<strong>br</strong> />

3. A alma: Senhor, este vosso discurso é <strong>br</strong>eve, mas encerra<<strong>br</strong> />

muita perfeição. Poucas são as palavras, cheias, porém,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> sabedoria e <strong>de</strong> copioso fruto. Se eu as praticasse<<strong>br</strong> />

fielmente, não me <strong>de</strong>ixaria perturbar <strong>com</strong> tanta<<strong>br</strong> />

facilida<strong>de</strong>. Pois, todas as vezes que me sinto inquieto e<<strong>br</strong> />

aflito, verifico que me <strong>de</strong>sviei <strong>de</strong>sta doutrina. Vós, porém,<<strong>br</strong> />

que tudo po<strong>de</strong>is e <strong>de</strong>sejais sempre o progresso da alma,<<strong>br</strong> />

aumentai em mim a graça, para que possa guardar<<strong>br</strong> />

vossos ensinamentos e levar a efeito minha salvação.<<strong>br</strong> />

4. Oração contra os maus pensamentos:<<strong>br</strong> />

3. Senhor, meu Deus, não vos aparteis <strong>de</strong> mim, meu Deus<<strong>br</strong> />

dignai-vos socorrer-me (Sl 70,13). Pois me inva<strong>de</strong>m vários<<strong>br</strong> />

pensamentos, e gran<strong>de</strong>s temores afligem minha alma. Como<<strong>br</strong> />

escaparei ileso, <strong>com</strong>o po<strong>de</strong>rei vencê-los?<<strong>br</strong> />

4. Diante <strong>de</strong> ti, são palavras vossas, irei eu e humilharei os<<strong>br</strong> />

soberbos da terra (Is 14,1); a<strong>br</strong>ir-te-ei as portas do cárcere e te<<strong>br</strong> />

revelarei mistérios recônditos.


1. Fazei Senhor, conforme dizeis e dissipe vossa presença<<strong>br</strong> />

todos os maus pensamentos. Esta é a minha única<<strong>br</strong> />

esperança e consolação: a vós recorrer em toda<<strong>br</strong> />

tribulação, em vós confiar, invocar-vos <strong>de</strong> todo o coração<<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong> paciência aguardar a vossa consolação. Amém.<<strong>br</strong> />

2. Oração para pedir o esclarecimento do espírito:<<strong>br</strong> />

5. Iluminai-me, ó bom Jesus, <strong>com</strong> a clarida<strong>de</strong> da luz interior e<<strong>br</strong> />

dissipai todas as trevas que reinam em meu coração. Refreai<<strong>br</strong> />

as dissipações nocivas e rebatei as tentações, que me fazem<<strong>br</strong> />

violência. Pelejai valorosamente por mim, e afugentai as más<<strong>br</strong> />

feras, essas traiçoeiras concupiscências, para que se faça a<<strong>br</strong> />

paz por vossa virtu<strong>de</strong>, e ressoe perene louvor no templo santo,<<strong>br</strong> />

que é a consciência pura. Mandai aos ventos e às tempesta<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />

dizei ao mar: aplaca-te, e ao tufão: não sopres; e haverá<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> bonança.<<strong>br</strong> />

6. Enviai vossa luz e vossa verda<strong>de</strong> (Sl 42,3), para que<<strong>br</strong> />

resplan<strong>de</strong>çam so<strong>br</strong>e a terra; porque sou terra vazia e estéril,<<strong>br</strong> />

enquanto não me iluminais. Derramai so<strong>br</strong>e mim vossa graça<<strong>br</strong> />

e banhai o meu coração <strong>com</strong> o orvalho celestial; a<strong>br</strong>i as fontes<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>voção, que reguem a face da terra, para que produza<<strong>br</strong> />

frutos bons e perfeitos. Erguei meu espírito abatido pelo peso<<strong>br</strong> />

dos pecados e dirigi meus <strong>de</strong>sejos paras as coisas do céu, para<<strong>br</strong> />

que, antegozando a doçura da suprema felicida<strong>de</strong>, me aborreça<<strong>br</strong> />

em pensar nas coisas da terra.<<strong>br</strong> />

7. Despren<strong>de</strong>i-me e arrancai-me <strong>de</strong> toda transitória consolação<<strong>br</strong> />

das criaturas, porque nenhuma coisa criada po<strong>de</strong> consolar-me<<strong>br</strong> />

plenamente ou satisfazer meus <strong>de</strong>sejos. Uni-me convosco pelo<<strong>br</strong> />

vínculo indissolúvel do amor, porque só vós bastais a quem<<strong>br</strong> />

vos ama, e sem vós tudo o mais é vaida<strong>de</strong>. Amém.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 24<<strong>br</strong> />

Como se <strong>de</strong>ve evitar a curiosa inquirição da vida alheia<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, não sejais curioso, nem te preocupes <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

cuidados inúteis. Que tens tu <strong>com</strong> isto ou aquilo? Segue-me.<<strong>br</strong> />

Pois que te importa saber se fulano é assim ou assim ou se<<strong>br</strong> />

sicrano proce<strong>de</strong> e fala <strong>de</strong>ste ou daquele modo? Tu não és<<strong>br</strong> />

responsável pelos outros, mas <strong>de</strong> ti mesmo <strong>de</strong>ves dar conta;<<strong>br</strong> />

por que, pois, te intrometes naquilo? Eu conheço a todos e vejo<<strong>br</strong> />

tudo que se faz <strong>de</strong>baixo do sol; sei <strong>com</strong>o cada um proce<strong>de</strong>, o<<strong>br</strong> />

que pensa e quer, e a que fim ten<strong>de</strong> sua intenção. Deixa, pois,<<strong>br</strong> />

tudo ao meu cuidado, conserva-te em santa paz e <strong>de</strong>ixa o


inquieto agitar-se quando quiser. So<strong>br</strong>e ele recairá tudo o que<<strong>br</strong> />

fizer ou disser, porque não me po<strong>de</strong> enganar.<<strong>br</strong> />

2. Não te preocupes da som<strong>br</strong>a dum gran<strong>de</strong> nome, nem da<<strong>br</strong> />

familiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitos, nem <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> particular dos<<strong>br</strong> />

homens. Pois tudo isso gera distrações e gran<strong>de</strong> perplexida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ao coração. Eu não duvidaria falar-te e <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir-te os meus<<strong>br</strong> />

segredos, se atento esperasses minha chegada e me a<strong>br</strong>isses a<<strong>br</strong> />

porta <strong>de</strong> teu coração. Sê cauteloso, vigia na oração, e humilhate<<strong>br</strong> />

em todas as coisas.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 25<<strong>br</strong> />

Em que consiste a firme paz do coração e o verda<strong>de</strong>iro<<strong>br</strong> />

aproveitamento<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, eu disse a meus discípulos: Eu vos <strong>de</strong>ixo a paz;<<strong>br</strong> />

dou-vos a minha paz; não vo-la dou <strong>com</strong>o a dá o mundo (Jo<<strong>br</strong> />

14,27). Todos <strong>de</strong>sejam a paz, mas nem todos buscam as coisas<<strong>br</strong> />

que produzem a verda<strong>de</strong>ira paz. A minha paz está <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong>s e mansos <strong>de</strong> coração. Na muita paciência<<strong>br</strong> />

encontrarás a tua paz. Se me ouvires e seguires a minha voz,<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rás gozar gran<strong>de</strong> paz.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Que hei <strong>de</strong> fazer, pois, Senhor?<<strong>br</strong> />

3. Jesus: Em tudo olha bem o que fazes e dizes, e dirige toda a<<strong>br</strong> />

tua intenção só para meu agrado, sem <strong>de</strong>sejar ou buscar coisa<<strong>br</strong> />

alguma fora <strong>de</strong> mim. Não julgues temerariamente das palavras<<strong>br</strong> />

e o<strong>br</strong>as dos outros, nem te intrometas em coisas que não te<<strong>br</strong> />

dizem respeito; <strong>de</strong>ste modo po<strong>de</strong>rá ser que pouco ou raras<<strong>br</strong> />

vezes te perturbes.<<strong>br</strong> />

4. Nunca sentir, porém, inquietação, nem sofrer moléstia alguma<<strong>br</strong> />

do corpo ou do espírito, não é próprio da vida presente, senão<<strong>br</strong> />

do estado do eterno <strong>de</strong>scanso. Não julgues, pois, ter achado a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira paz, se não sentires nenhuma aflição; nem que<<strong>br</strong> />

tudo está bem, se não tiveres nenhum adversário, ou tudo<<strong>br</strong> />

perfeito, se tudo correr a teu gosto. Nem penses que és gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

coisa ou singularmente amado por Deus, se sentes muita<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção e doçura, porque não são estes os sinais pelos quais<<strong>br</strong> />

se conhece o verda<strong>de</strong>iro amante da virtu<strong>de</strong>, nem consiste nisso<<strong>br</strong> />

o aproveitamento e a perfeição do homem.<<strong>br</strong> />

5. A alma: Em que consiste, pois, Senhor?<<strong>br</strong> />

6. Jesus: Em te ofereceres <strong>de</strong> todo o teu coração à divina<<strong>br</strong> />

vonta<strong>de</strong>, sem buscares o teu próprio interesse em coisa<<strong>br</strong> />

alguma, nem eterna; <strong>de</strong> sorte que <strong>com</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ânimo dês<<strong>br</strong> />

graças a Deus na ventura e na <strong>de</strong>sgraça, pesando tudo na


mesma balança. Se fores tão forte e constante na esperança<<strong>br</strong> />

que, privado <strong>de</strong> toda consolação interior, disponhas teu<<strong>br</strong> />

coração para maiores provações, sem te justificares, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

não <strong>de</strong>veras sofrer tanto, e antes louvares a santida<strong>de</strong> e a<<strong>br</strong> />

justiça em todas as minhas disposições, então andarás no<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iro e reto caminho da paz e po<strong>de</strong>rás ter certíssima<<strong>br</strong> />

esperança <strong>de</strong> contemplar novamente minha face <strong>com</strong> júbilo. E,<<strong>br</strong> />

se chegares ao perfeito <strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong> ti mesmo, fica sabendo que<<strong>br</strong> />

então gozarás da abundância da paz, no grau possível nesta<<strong>br</strong> />

peregrinação terrestre.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 26<<strong>br</strong> />

Excelência da liberda<strong>de</strong> espiritual, à qual se chega antes pela oração<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong> que pela leitura<<strong>br</strong> />

1. A alma: Senhor, é próprio do varão perfeito: nunca per<strong>de</strong>r <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vista as coisas celestiais, e passar pelos mil cuidados, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

que sem cuidado, não por indolência, mas por um privilégio<<strong>br</strong> />

duma alma livre, que não se apega, <strong>com</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado afeto, a<<strong>br</strong> />

criatura alguma.<<strong>br</strong> />

2. Peço-vos, ó meu benigníssimo Deus! Preservai-me dos<<strong>br</strong> />

cuidados <strong>de</strong>sta vida, para que não me embarace<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>masiadamente neles; das muitas necessida<strong>de</strong>s do corpo,<<strong>br</strong> />

para que não me escravize a sensualida<strong>de</strong>; e <strong>de</strong> todas as<<strong>br</strong> />

perturbações da alma, para que não me <strong>de</strong>salente sob o peso<<strong>br</strong> />

das angústias. Não falo das coisas que a vaida<strong>de</strong> humana<<strong>br</strong> />

busca tão empenhadamente, mas das misérias que, pela<<strong>br</strong> />

maldição <strong>com</strong>um <strong>de</strong> todos os mortais, penosamente oprimem a<<strong>br</strong> />

alma <strong>de</strong> vosso servo, e a impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> elevar-se à liberda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

perfeita <strong>de</strong> espírito, sempre que o quiser.<<strong>br</strong> />

3. Ó meu Deus, doçura inefável! Convertei-me em amargura toda<<strong>br</strong> />

consolação carnal, que me aparta do amor das coisas eternas<<strong>br</strong> />

e me fascina pelo encanto <strong>de</strong> um prazer momentâneo. Não me<<strong>br</strong> />

vença, Deus meu, não me vença a carne e o sangue; não me<<strong>br</strong> />

seduza o mundo, <strong>com</strong> sua glória passageira; não me faça cair<<strong>br</strong> />

o <strong>de</strong>mônio, <strong>com</strong> sua astúcia. Daí-me força para resistir,<<strong>br</strong> />

paciência para sofrer, constância para perseverar. Daí-me, em<<strong>br</strong> />

lugar <strong>de</strong> todas as consolações do mundo, a suavíssima unção<<strong>br</strong> />

do vosso espírito e, em lugar do amor terrestre, infundi-me o<<strong>br</strong> />

amor <strong>de</strong> vosso nome!<<strong>br</strong> />

4. O <strong>com</strong>er, o beber, o vestir e outras coisas necessárias ao corpo<<strong>br</strong> />

são um peso para a alma fervorosa. Conce<strong>de</strong>i-me usar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

mo<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> tais lenitivos, sem me pren<strong>de</strong>r a eles <strong>com</strong>


<strong>de</strong>masiado afeto. Não é lícito rejeitar tudo, pois <strong>de</strong>vemos<<strong>br</strong> />

sustentar a natureza; mas buscar as coisas supérfluas e o que<<strong>br</strong> />

mais <strong>de</strong>licia, proíbe-o vossa santa lei, porque <strong>de</strong> outro modo a<<strong>br</strong> />

carne se rebelará contra o espírito. Entre estes dois extremos,<<strong>br</strong> />

Senhor, peço-vos que me dirijas e governes na vossa mão, para<<strong>br</strong> />

que não pratique algum excesso.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 27<<strong>br</strong> />

Como o amor-próprio afasta no máximo grau do sumo bem<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, cumpre que dês tudo por tudo, sem reservar-te a<<strong>br</strong> />

ti mesmo. Fica sabendo que teu amor-próprio te prejudica<<strong>br</strong> />

mais que qualquer coisa do mundo. Cada objeto mais ou<<strong>br</strong> />

menos te pren<strong>de</strong>, segundo o amor e afeto que lhe tens. Se teu<<strong>br</strong> />

amor for puro, simples e bem or<strong>de</strong>nado, <strong>de</strong> nenhuma coisa<<strong>br</strong> />

serás escravo. Não cobices o que não te é lícito possuir, nem<<strong>br</strong> />

possuas coisa alguma que te possa impedir a liberda<strong>de</strong> interior<<strong>br</strong> />

ou <strong>de</strong>la privar-te. É <strong>de</strong> estranhar que te não entregues a mim,<<strong>br</strong> />

do íntimo do teu coração, <strong>com</strong> tudo que possas ter ou <strong>de</strong>sejar.<<strong>br</strong> />

2. Por que te consomes em vã tristeza? Por que te afanas em<<strong>br</strong> />

cuidados supérfluos? Conforma-te <strong>com</strong> a minha vonta<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

nenhum dano sofrerás. Se buscares isto ou aquilo, se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejares estar aqui ou ali, por tua <strong>com</strong>odida<strong>de</strong> ou teu<<strong>br</strong> />

capricho, nunca estarás quieto, nem livre <strong>de</strong> cuidados, porque<<strong>br</strong> />

em todas as coisas há algum <strong>de</strong>feito, e em todo lugar quem te<<strong>br</strong> />

contrarie.<<strong>br</strong> />

1. De nada te serve, pois, adquirir ou acumular bens<<strong>br</strong> />

exteriores, mas muito te aproveita <strong>de</strong>sprezá-los e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sarraigá-los do coração. Isso não se enten<strong>de</strong> somente<<strong>br</strong> />

do dinheiro e das riquezas, senão também da ambição<<strong>br</strong> />

das honras, e do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vãos louvores porque tudo<<strong>br</strong> />

isso passa <strong>com</strong> o mundo. Pouco resguarda o lugar, se<<strong>br</strong> />

falta o espírito <strong>de</strong> fervor; nem durará muito tempo aquela<<strong>br</strong> />

paz procurada fora, se faltar ao teu coração o verda<strong>de</strong>iro<<strong>br</strong> />

fundamento. Isto é, se não se firmar em mim. Mudar tu<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>s, mas não melhorar, porque, chegada a ocasião, e<<strong>br</strong> />

aceitando-a, encontrarás <strong>de</strong> novo aquilo <strong>de</strong> que fugiste e<<strong>br</strong> />

pior ainda.<<strong>br</strong> />

2. Oração para implorar a limpeza do coração e sabedoria<<strong>br</strong> />

celestial:<<strong>br</strong> />

3. Confirmai-me Senhor, pela graça do Espírito Santo. Confortai<<strong>br</strong> />

em mim o homem interior e livrai meu coração <strong>de</strong> todo<<strong>br</strong> />

cuidado inútil e <strong>de</strong> toda ansieda<strong>de</strong>, para que não me <strong>de</strong>ixe


seduzir pelos vários <strong>de</strong>sejos das coisas terrenas, sejam vis ou<<strong>br</strong> />

preciosas, mas para que as consi<strong>de</strong>re todas <strong>com</strong>o transitórias,<<strong>br</strong> />

e me lem<strong>br</strong>e que eu mesmo sou passageiro, <strong>com</strong>o elas: Pois<<strong>br</strong> />

nada há estável <strong>de</strong>baixo do sol, on<strong>de</strong> tudo é vaida<strong>de</strong> e aflição<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> espírito (Ecle 1,14). Como é sábio quem assim pensa!<<strong>br</strong> />

4. Dai-me, Senhor, sabedoria celestial, para que aprenda a<<strong>br</strong> />

buscar-vos, e achar-vos, antes que tudo, a gostar-vos e<<strong>br</strong> />

amarvos acima <strong>de</strong> tudo, e a <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r todas as coisas <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

são, segundo a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> vossa sabedoria. Dai-me prudência,<<strong>br</strong> />

para afastar-me do lisonjeiro, e paciência para suportar a<<strong>br</strong> />

quem me contraria. Porque é gran<strong>de</strong> sabedoria não se <strong>de</strong>ixar<<strong>br</strong> />

mover por todo sopro <strong>de</strong> palavras, nem prestar ouvidos aos<<strong>br</strong> />

traiçoeiros encantos da sereia; pois só <strong>de</strong>ste modo prossegue a<<strong>br</strong> />

alma <strong>com</strong> segurança no caminho <strong>com</strong>eçado.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 28<<strong>br</strong> />

Contra as línguas maldizentes<<strong>br</strong> />

1. Filho, não te aflijas se alguém fizer <strong>de</strong> ti mau conceito ou<<strong>br</strong> />

disser coisas que não gostas <strong>de</strong> ouvir. Pior ainda <strong>de</strong>ves julgar<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ti mesmo, e avaliar-te o mais imperfeito <strong>de</strong> todos. Se<<strong>br</strong> />

praticares a vida interior, pouco te importarás <strong>de</strong> palavras que<<strong>br</strong> />

voam. É gran<strong>de</strong> prudência calar-se nas horas da tribulação,<<strong>br</strong> />

volver-se interiormente a mim, e não se perturbar <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

juízos humanos.<<strong>br</strong> />

2. Não faças <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r tua paz da boca dos homens; porque, quer<<strong>br</strong> />

julguem bem, quer mal <strong>de</strong> ti, não serás por isso homem<<strong>br</strong> />

diferente. On<strong>de</strong> está a verda<strong>de</strong>ira paz e a glória verda<strong>de</strong>ira?<<strong>br</strong> />

Porventura não está em mim? Quem não procura agradar aos<<strong>br</strong> />

homens, nem teme <strong>de</strong>sagradar-lhes, esse gozará gran<strong>de</strong> paz. É<<strong>br</strong> />

do amor <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado e do vão temor que nascem o<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sassossego do coração e a distração dos sentidos.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 29<<strong>br</strong> />

Como, durante a tribulação, <strong>de</strong>vemos invocar a Deus e bendizê-lo<<strong>br</strong> />

1. A alma: Senhor, bendito seja para sempre o vosso nome!<<strong>br</strong> />

Pois quisestes que me so<strong>br</strong>eviesse esta tentação e este<<strong>br</strong> />

trabalho. Não lhes posso fugir, mas tenho necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

recorrer a vós, para que me aju<strong>de</strong>is e tudo convertais em<<strong>br</strong> />

meu proveito. Eis-me, Senhor, na tribulação, <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

coração aflito; e quanto me atormenta o presente


sofrimento. Pois que direi eu agora, Pai amantíssimo?<<strong>br</strong> />

Apertado estou entre angústias: "Salvai-me nesta hora.<<strong>br</strong> />

Veio so<strong>br</strong>e mim este transe, só para que vós fôsseis<<strong>br</strong> />

glorificado (Jo 12,17), quando eu estivesse muito abatido<<strong>br</strong> />

e fosse por vós livrado". "Dignai-vos, Senhor, livrar-me"<<strong>br</strong> />

(Sl 39,14); pois, po<strong>br</strong>e <strong>de</strong> mim, que farei e aon<strong>de</strong> irei, sem<<strong>br</strong> />

nós? Daí-me, Senhor, paciência ainda por<<strong>br</strong> />

2. esta vez. Socorrei-me, Deus meu, e não temerei, por mais<<strong>br</strong> />

que seja atribulado.<<strong>br</strong> />

2. E que direi em tamanha necessida<strong>de</strong>? Senhor, seja feita a<<strong>br</strong> />

vossa vonta<strong>de</strong>. Bem mereço ser atribulado e angustiado.<<strong>br</strong> />

Convém-me sofrer, e oxalá seja <strong>com</strong> paciência, até que passe a<<strong>br</strong> />

tempesta<strong>de</strong> e volte a bonança. Bastante po<strong>de</strong>rosa é,<<strong>br</strong> />

entretanto, vossa mão onipotente para tirar-me esta tentação,<<strong>br</strong> />

e mo<strong>de</strong>rar-lhe a violência, a fim <strong>de</strong> que não sucumba <strong>de</strong> todo;<<strong>br</strong> />

assim <strong>com</strong>o já tantas vezes ten<strong>de</strong>s feito <strong>com</strong>igo, ó meu Deus e<<strong>br</strong> />

minha misericórdia. E quanto mais difícil para mim, tanto<<strong>br</strong> />

mais fácil para vós é esta mudança da <strong>de</strong>stra do Altíssimo (Sl<<strong>br</strong> />

76,11).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 30<<strong>br</strong> />

Como se há <strong>de</strong> pedir o auxílio divino e confiar para recuperar a<<strong>br</strong> />

graça<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, eu sou o Senhor, que te conforta no dia da<<strong>br</strong> />

tribulação (Na 1,7). Vem a mim quando te achares aflito. O<<strong>br</strong> />

que mais te impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber a consolação é que tar<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

recorres à oração. Antes que ores <strong>com</strong> atenção, procuras<<strong>br</strong> />

consolar-te, recreando-te <strong>com</strong> vários divertimentos exteriores.<<strong>br</strong> />

Daqui vem que pouco proveito tiras <strong>de</strong> tudo, até que conheças<<strong>br</strong> />

que sou eu quem salva do perigo os que em mim esperam, e<<strong>br</strong> />

que fora <strong>de</strong> mim não há auxílio valioso, nem conselho útil,<<strong>br</strong> />

nem remédio durável. Uma vez, porém, que reco<strong>br</strong>aste alento<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois da tempesta<strong>de</strong>, procura readquirir forças à luz das<<strong>br</strong> />

minhas misericórdias; pois estou perto, diz o Senhor, para<<strong>br</strong> />

tudo restaurar, não só <strong>com</strong> integrida<strong>de</strong>, mas também <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

abundância e profusão.<<strong>br</strong> />

2. Porventura há para mim alguma coisa dificultosa (Jer 32,37),<<strong>br</strong> />

ou sou semelhante àquelas que dizem e não fazem? On<strong>de</strong> está<<strong>br</strong> />

a tua fé? Tem firmeza e segurança! Mostra-te corajoso e<<strong>br</strong> />

magnânimo, e a seu tempo te virá a consolação. Espera por<<strong>br</strong> />

mim, espera! Virei e te curarei. É tentação o que te atormenta,<<strong>br</strong> />

é temor vão o que te assusta. Que ganhas <strong>com</strong> a solicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>


um futuro contingente, senão que tenhas tristeza so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

tristeza? A cada dia basta seu fardo (Mt 6,34). Coisa vã e inútil<<strong>br</strong> />

é entristecer-se ou regozijar-se <strong>com</strong> as coisas futuras, que<<strong>br</strong> />

talvez nunca venham a realizar-se.<<strong>br</strong> />

3. É próprio do homem <strong>de</strong>ixar-se iludir por tais imaginações, mas<<strong>br</strong> />

é sinal <strong>de</strong> pouco ânimo ce<strong>de</strong>r tão facilmente às sugestões do<<strong>br</strong> />

inimigo. A ele pouco importa se é por meios verda<strong>de</strong>iros ou<<strong>br</strong> />

falsos que te seduz e engana, se é <strong>com</strong> amor dos bens<<strong>br</strong> />

presentes, ou <strong>com</strong> o temor dos males futuros que te <strong>de</strong>ita a<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>r. "Não se perturbe, pois, teu coração, nem se<<strong>br</strong> />

amedronte" (Jo 14,27). Crê em mim, e tem confiança em<<strong>br</strong> />

minha misericórdia. Quando te julgas muito longe <strong>de</strong> mim,<<strong>br</strong> />

mais perto estou, às vezes, <strong>de</strong> ti. Quando pensas que está tudo<<strong>br</strong> />

quase perdido, muitas vezes está próxima a ocasião <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

granjeares maior merecimento. Nem tudo está perdido, por te<<strong>br</strong> />

acontecer alguma contrarieda<strong>de</strong>. Não julgues pela impressão<<strong>br</strong> />

do momento, nem te aflijas <strong>com</strong> qualquer tribulação, venha<<strong>br</strong> />

don<strong>de</strong> vier, <strong>com</strong>o se não houvesse esperança <strong>de</strong> remédio.<<strong>br</strong> />

4. Não te julgues inteiramente <strong>de</strong>samparado, ainda quando, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

tempos a tempos, te mando alguma tribulação ou te privo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

alguma consolação <strong>de</strong>sejada; porque é este o caminho por<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> se vai ao reino dos céus. E isto, sem dúvida, convém<<strong>br</strong> />

mais a ti e a todos os meus servos, ser<strong>de</strong>s exercitados nas<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong>s, do que se tudo vos suce<strong>de</strong>sse à vossa vonta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Eu conheço os pensamentos escondidos, e sei que muito<<strong>br</strong> />

importa à tua salvação seres, às vezes, privado <strong>de</strong> toda<<strong>br</strong> />

consolação espiritual, para que não te exalte o bom progresso<<strong>br</strong> />

e te <strong>de</strong>svaneças do que não és. O que <strong>de</strong>i posso tirar, e dar <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

novo, quando me aprouver.<<strong>br</strong> />

5. É sempre meu o que dou, e quando o tiro; não tomo coisa tua,<<strong>br</strong> />

pois "<strong>de</strong> mim proce<strong>de</strong> qualquer dádiva boa <strong>de</strong> todo dom<<strong>br</strong> />

perfeito" (Tg 1,17). Se eu te enviar qualquer pena ou<<strong>br</strong> />

contrarieda<strong>de</strong>, não te revoltes nem <strong>de</strong>sfaleça teu coração; eu<<strong>br</strong> />

posso num momento aliviar-te e transformar tua mágoa em<<strong>br</strong> />

alegria. Todavia, proce<strong>de</strong>ndo eu assim para contigo, sou justo<<strong>br</strong> />

e digno <strong>de</strong> louvor.<<strong>br</strong> />

6. Se refletires bem e julgares as coisas segundo a verda<strong>de</strong>, não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ves afligir-te tanto <strong>com</strong> a adversida<strong>de</strong>, nem <strong>de</strong>sanimar, mas,<<strong>br</strong> />

ao contrário, alegrar-te e dar-me graças. Até <strong>de</strong>ve ser tua<<strong>br</strong> />

única alegria que eu te aflija <strong>com</strong> dores, sem poupar-te. Assim<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o meu Pai me amou, também eu vos amo a vós (Jo 15,19),<<strong>br</strong> />

disse eu a meus diletos discípulos, e, entretanto, não os enviei<<strong>br</strong> />

às <strong>de</strong>lícias temporais, mas às gran<strong>de</strong>s pelejas, não às honras,<<strong>br</strong> />

mas aos <strong>de</strong>sprezos, não aos passatempos, mas sim a produzir


fruto copioso na paciência. Meu filho, lem<strong>br</strong>a-te bem <strong>de</strong>stas<<strong>br</strong> />

palavras.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 31<<strong>br</strong> />

Do <strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong> toda criatura, para que se possa achar o Criador<<strong>br</strong> />

1. A alma: Senhor, muita graça ainda me é necessária para chegar a<<strong>br</strong> />

tal ponto, que nenhum homem nem criatura alguma me possa<<strong>br</strong> />

estorvar. Pois, enquanto me <strong>de</strong>tém alguma coisa, não posso voar à<<strong>br</strong> />

vós livremente. Aspirava a esta liberda<strong>de</strong> o profeta, quando dizia:<<strong>br</strong> />

Quem me <strong>de</strong>ra asas <strong>com</strong>o a pomba, para po<strong>de</strong>r voar e <strong>de</strong>scansar! (Sl<<strong>br</strong> />

54,7). Que há <strong>de</strong> mais sereno que o olhar singelo, e quem é mais<<strong>br</strong> />

livre que o homem sem <strong>de</strong>sejo terrestre? Por isso importa elevares-te<<strong>br</strong> />

acima <strong>de</strong> todas as criaturas, e renunciares totalmente a ti mesmo, e<<strong>br</strong> />

naquele arroubo da alma perseverares e <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>res que<<strong>br</strong> />

o Autor <strong>de</strong> todas as coisas não tem semelhança <strong>com</strong> as criaturas. E<<strong>br</strong> />

quem não estiver <strong>de</strong>sprendido das criaturas, não po<strong>de</strong>rá livremente<<strong>br</strong> />

aten<strong>de</strong>r às coisas divinas. Por isso se encontram tão poucos<<strong>br</strong> />

contemplativos, porque raros são os que sabem <strong>de</strong>sapegar-se <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todo das coisas perecedoras.<<strong>br</strong> />

1. Para isso é mister graça po<strong>de</strong>rosa, que levante a alma e a<<strong>br</strong> />

arrebate acima <strong>de</strong> si mesma. Enquanto o homem não for<<strong>br</strong> />

elevado em espírito, livre <strong>de</strong> todas as criaturas e todo unido a<<strong>br</strong> />

Deus, pouco vale quanto sabe e quanto possui. Imperfeito<<strong>br</strong> />

permanecerá por muito tempo e preso à terra quem algo<<strong>br</strong> />

estimar que não seja o único, imenso e terno Bem. Porque<<strong>br</strong> />

tudo que não é Deus é nulo, e <strong>de</strong>ve ser tido em conta <strong>de</strong> nada.<<strong>br</strong> />

Há gran<strong>de</strong> diferença entre a sabedoria <strong>de</strong> um homem<<strong>br</strong> />

iluminado e <strong>de</strong>voto e a ciência <strong>de</strong> um letrado e estudioso.<<strong>br</strong> />

Muito mais no<strong>br</strong>e é a doutrina que vem do céu, por inspiração<<strong>br</strong> />

divina, do que aquilo que o engenho humano adquire à custa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> muito esforço.<<strong>br</strong> />

2. Muitos há que <strong>de</strong>sejam a vida contemplativa, mas não tratam<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> exercitar-se nas coisas que ela exige. O gran<strong>de</strong> obstáculo é<<strong>br</strong> />

que se <strong>de</strong>têm nos sinais e coisas sensíveis, cuidando pouco da<<strong>br</strong> />

perfeita mortificação. Não sei o que é, nem que espírito nos<<strong>br</strong> />

move, nem que preten<strong>de</strong>mos nós que passamos por homens<<strong>br</strong> />

espirituais quando empregamos tanto trabalho e cuidado nas<<strong>br</strong> />

coisas vis e transitórias, ao passo que raras vezes nos<<strong>br</strong> />

recolhemos plenamente a consi<strong>de</strong>rar nosso interior.


3. Ai! Que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> curto recolhimento, logo nos dissipamos,<<strong>br</strong> />

sem pon<strong>de</strong>rar nossas ações em rigoroso exame. Não<<strong>br</strong> />

reparamos para on<strong>de</strong> se inclinam nossos afetos, nem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ploramos quão <strong>de</strong>feituoso é tudo em nós. Por ter corrompido<<strong>br</strong> />

toda a carne o seu caminho (Gên 6,12), veio o gran<strong>de</strong> dilúvio.<<strong>br</strong> />

Estando, pois, corrompido o nosso afeto interior, forçosamente<<strong>br</strong> />

se há <strong>de</strong> corromper a ação que <strong>de</strong>le se segue, patenteando bem<<strong>br</strong> />

a fraqueza interior. Só do coração puro proce<strong>de</strong> o fruto da boa<<strong>br</strong> />

vida.<<strong>br</strong> />

4. Muitos indagam quanto fez uma pessoa, mas <strong>de</strong> quanta<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong> foi animada nem tanto se cura. Com diligência<<strong>br</strong> />

investigam se alguém é forte, rico, formoso, hábil, bom<<strong>br</strong> />

escritor, bom cantor, bom artista; mas quão po<strong>br</strong>e seja <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

espírito, quão paciente e manso, quão piedoso e espiritual,<<strong>br</strong> />

disso não se faz caso. A natureza só consi<strong>de</strong>ra o exterior do<<strong>br</strong> />

homem, mas a graça olha o interior. Aquela muitas vezes se<<strong>br</strong> />

engana, esta espera em Deus, para não ser iludida.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 32<<strong>br</strong> />

Da abnegação <strong>de</strong> si mesmo e abdicação <strong>de</strong> toda cobiça<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, não po<strong>de</strong>s gozar perfeita liberda<strong>de</strong>, enquanto não<<strong>br</strong> />

renunciares inteiramente a ti mesmo. Em escravidão vivem<<strong>br</strong> />

todos os ricos e egoístas, os cobiçosos, curiosos, que gostam<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vaguear, buscando sempre as <strong>de</strong>lícias dos sentidos e não as<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Jesus <strong>Cristo</strong>, mas só imaginam o que não po<strong>de</strong> permanecer<<strong>br</strong> />

e só disso cogitam. Pois tudo que não vem <strong>de</strong> Deus perecerá.<<strong>br</strong> />

Conserva em teu coração esta <strong>br</strong>eve e profunda sentença:<<strong>br</strong> />

Deixa tudo, e terás sossego. Pon<strong>de</strong>ra isto, e, quando o<<strong>br</strong> />

praticares, tudo enten<strong>de</strong>rás.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Senhor, isto não é o<strong>br</strong>a <strong>de</strong> um dia, nem <strong>br</strong>inca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

criança, antes nesta <strong>br</strong>eve palavra se <strong>com</strong>pendia toda a<<strong>br</strong> />

perfeição religiosa.<<strong>br</strong> />

3. Jesus: Filho, não <strong>de</strong>ves recear, nem logo <strong>de</strong>sanimar, ouvindo<<strong>br</strong> />

falar do caminho dos perfeitos, mas antes esforça-te por um<<strong>br</strong> />

estado mais perfeito, ou pelo menos almeja-o ar<strong>de</strong>ntemente.<<strong>br</strong> />

Oxalá fosses assim e tivesses chegado a tanto, que não te<<strong>br</strong> />

amasses a ti mesmo, mas estivesses inteiramente resignado à<<strong>br</strong> />

minha vonta<strong>de</strong> e à daquele que te <strong>de</strong>i por diretor. Muito me<<strong>br</strong> />

agradarias, então, e toda a tua vida passaria em paz e alegria.<<strong>br</strong> />

Ainda tens que <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-te <strong>de</strong> muitas coisas, e se não mas<<strong>br</strong> />

entregares inteiramente, não alcançarás o que me pe<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

"Aconselho-te que me <strong>com</strong>pres o ouro acrisolado, para te


tornares rico" (Apc 3,18), isto é, a sabedoria celestial, que pisa<<strong>br</strong> />

aos pés todas as coisas terrenas. Despreza a sabedoria<<strong>br</strong> />

terrena, todo o humano contentamento e própria<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>plascência.<<strong>br</strong> />

4. Eu disse que <strong>de</strong>ves buscar, em lugar das coisas no<strong>br</strong>es e<<strong>br</strong> />

preciosas, aquilo que, aos olhos do mundo, é vil e <strong>de</strong>sprezível.<<strong>br</strong> />

Porque mui vil e <strong>de</strong>sprezível, até quase esquecida, parece a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira e celestial sabedoria, que não se tem em gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

conta, nem trata <strong>de</strong> se engran<strong>de</strong>cer na terra. Muitos a louvam<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a boca, mas afastam-se <strong>de</strong>la na vida; contudo é esta a<<strong>br</strong> />

pérola preciosa, conhecida <strong>de</strong> poucos.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 33<<strong>br</strong> />

Da instabilida<strong>de</strong> do coração e que a intenção final se há <strong>de</strong> dirigir a<<strong>br</strong> />

Deus<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, não te fies nos teus afetos atuais, que <strong>de</strong>pressa<<strong>br</strong> />

em outros se mudarão. Enquanto viveres, estarás sujeito ao<<strong>br</strong> />

variável, ainda que não queiras; ora te acharás alegre, ora<<strong>br</strong> />

triste, ora sossegado ora perturbado, umas vezes fervoroso,<<strong>br</strong> />

outras tíbio, já diligente, já preguiçoso, agora sério, logo<<strong>br</strong> />

leviano. O sábio, porém, e instruído na vida espiritual, está<<strong>br</strong> />

acima <strong>de</strong>sda inconstância, não cuidando dos seus<<strong>br</strong> />

sentimentos, nem <strong>de</strong> que parte sopra o vento da instabilida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

mas concentrando todo o esforço <strong>de</strong> sua alma no <strong>de</strong>vido e<<strong>br</strong> />

almejado fim. Porque assim po<strong>de</strong>rá permanecer sempre o<<strong>br</strong> />

mesmo e inabalável, dirigindo a mim, sem cessar, a mira <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

sua intenção, entre todas as vicissitu<strong>de</strong>s que lhe so<strong>br</strong>evierem.<<strong>br</strong> />

2. Quanto mais pura for tua intenção, porém, tanto mais<<strong>br</strong> />

constante serás durante as diversas tempesta<strong>de</strong>s. Mas em<<strong>br</strong> />

muitos se escurece o olhar da pura intenção, porque <strong>de</strong>pressa<<strong>br</strong> />

o volvem para qualquer objeto <strong>de</strong>leitável que se lhes <strong>de</strong>pare.<<strong>br</strong> />

Poucos há inteiramente livres da pecha do egoísmo. Assim, os<<strong>br</strong> />

ju<strong>de</strong>us foram um dia a Betânia, em casa <strong>de</strong> Maria e Marta,<<strong>br</strong> />

não só por amor <strong>de</strong> Jesus, mas também para verem a Lázaro<<strong>br</strong> />

(Jo 12,9). Cumpre, pois, purificar a intenção, para que seja<<strong>br</strong> />

simples e reta e se dirija a mim acima <strong>de</strong> tudo que há <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

permeio.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 34<<strong>br</strong> />

Como Deus é <strong>de</strong>licioso em tudo e so<strong>br</strong>etudo a quem o ama


1. A alma: Vós sois meu Deus e meu tudo! Que mais quero eu e<<strong>br</strong> />

que dita maior posso <strong>de</strong>sejar? Ó palavra suave e <strong>de</strong>liciosa! Mas<<strong>br</strong> />

só para quem ama a Deus, e não o mundo nem as suas coisas.<<strong>br</strong> />

Meu Deus e meu tudo! Para quem a enten<strong>de</strong> basta esta<<strong>br</strong> />

palavra, e quem ama acha <strong>de</strong>licia em repeti-la a miúdo.<<strong>br</strong> />

Porque, quando estais presente tudo é aprazível, mas, se vos<<strong>br</strong> />

ausentais, tudo enfastia. Vós dais ao coração sossego, gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

paz e jubilosa alegria. Vós fazeis que julguemos bem <strong>de</strong> todos e<<strong>br</strong> />

em tudo vos bendigamos; nem po<strong>de</strong>, sem vós, coisa alguma<<strong>br</strong> />

agradar-nos por muito tempo, mas, para ser agradável e<<strong>br</strong> />

saborosa, é necessário que lhe assista a vossa graça e a<<strong>br</strong> />

tempere o condimento da vossa sabedoria.<<strong>br</strong> />

2. A quem saboreia vossa doçura, que coisa não lhe saberá bem?<<strong>br</strong> />

Mas a quem em vós não se <strong>de</strong>leita, que coisa lhe po<strong>de</strong>rá ser<<strong>br</strong> />

gostosa? Diante da vossa sabedoria <strong>de</strong>saparecem os sábios do<<strong>br</strong> />

mundo e os amadores da carne, porque nos primeiros se acha<<strong>br</strong> />

muita vaida<strong>de</strong>, nos últimos, a morte; os que, porém, vos<<strong>br</strong> />

seguem pelo <strong>de</strong>sprezo do mundo e pela mortificação da carne,<<strong>br</strong> />

esses são verda<strong>de</strong>iramente sábios, porque trocam a vaida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pela verda<strong>de</strong>, e a carne pelo espírito. Esses acham gosto nas<<strong>br</strong> />

coisas <strong>de</strong> Deus, e tudo quanto se acha <strong>de</strong> bom nas criaturas,<<strong>br</strong> />

referem-no à glória do seu Criador. Diferente, porém, e mui<<strong>br</strong> />

diferente, é o gosto que se encontra em Deus e na criatura, na<<strong>br</strong> />

eternida<strong>de</strong> e no tempo, na luz incriada e na luz criada.<<strong>br</strong> />

3. Ó luz eterna, superior a toda luz criada, lançai do alto um raio<<strong>br</strong> />

que penetre todo o íntimo do meu coração. Purificai, alegrai,<<strong>br</strong> />

iluminai e vivificai a minha alma <strong>com</strong> todas as suas potências,<<strong>br</strong> />

para que a vós se una em transportes <strong>de</strong> alegria. Oh! Quando<<strong>br</strong> />

virá aquela ditosa e almejada hora, em que haveis <strong>de</strong> saciarme<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a vossa presença, e ser-me tudo em todas as coisas?<<strong>br</strong> />

Enquanto isso não me for concedido, minha alegria não será<<strong>br</strong> />

perfeita. Mas ai! Que ainda vive em mim<<strong>br</strong> />

o homem velho, não <strong>de</strong> todo crucificado nem inteiramente morto.<<strong>br</strong> />

Ainda se revolta fortemente contra o espírito e move guerras<<strong>br</strong> />

interiores; nem consente em que reine tranqüilida<strong>de</strong> na alma.<<strong>br</strong> />

4. Mas vós, que dominais a impetuosida<strong>de</strong> do mar e aplacais o furor<<strong>br</strong> />

das ondas, levantai-vos e socorrei-me! Dissipai os po<strong>de</strong>res que<<strong>br</strong> />

procuram guerras, esmagai-os <strong>com</strong> o vosso <strong>br</strong>aço (Sl 88,10; 43,26;<<strong>br</strong> />

67,31). Manifestai, Senhor, as vossas maravilhas, e seja glorificada<<strong>br</strong> />

a vossa <strong>de</strong>stra (Eclo 36,7; Jdt 9,11), pois não tenho outro refúgio<<strong>br</strong> />

senão em vós, meu Senhor e meu Deus!


CAPÍTULO 35<<strong>br</strong> />

Como nesta vida não há segurança contra a tentação<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, nunca estarás seguro nesta vida, mas,<<strong>br</strong> />

enquanto viveres, terás necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> armas espirituais.<<strong>br</strong> />

Andas cercado <strong>de</strong> inimigos, que à direita e à esquerda te<<strong>br</strong> />

a<strong>com</strong>etem. Logo, se não te armares por todos os lados<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o escudo da paciência, não estarás por muito tempo<<strong>br</strong> />

sem ferida. Demais, se não firmares em mim teu coração,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> sincera vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sofrer tudo por meu amor, não<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rás suportar tão renhido <strong>com</strong>bate, nem alcançar a<<strong>br</strong> />

palma dos bemaventurados. Cumpre, pois, caminhar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ânimo varonil por entre todos os obstáculos, e<<strong>br</strong> />

rebater <strong>com</strong> a mão po<strong>de</strong>rosa<<strong>br</strong> />

2. todos os empecilhos. Pois ao vencedor será dado o maná<<strong>br</strong> />

(Apc 2,17), e ao covar<strong>de</strong> aguarda muita miséria.<<strong>br</strong> />

2. Se buscas <strong>de</strong>scanso nesta vida, <strong>com</strong>o chegarás ao <strong>de</strong>scanso<<strong>br</strong> />

eterno? Não procures muito <strong>de</strong>scanso, mas muita paciência.<<strong>br</strong> />

Busca a paz verda<strong>de</strong>ira do céu, não so<strong>br</strong>e a terra, não nos<<strong>br</strong> />

homens, nem nas <strong>de</strong>mais criaturas, mas só em Deus. Deves,<<strong>br</strong> />

por amor <strong>de</strong> Deus, aceitar tudo <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>, isto é,<<strong>br</strong> />

trabalhos e sofrimentos, tentações, vexames, ansieda<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

doenças, injúrias, murmurações, repreensões, humilhações,<<strong>br</strong> />

afrontas, correções e <strong>de</strong>sprezos. Tudo isto faz progredir na<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong>, prova o novo soldado <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> e prepara a coroa<<strong>br</strong> />

celestial. Eu darei prêmio eterno por <strong>br</strong>eve trabalho, e glória<<strong>br</strong> />

infinita por humilhação transitória.<<strong>br</strong> />

3. Julgas que sempre há <strong>de</strong> ter consolações espirituais à medida<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> teus <strong>de</strong>sejos? Nem sempre as tiveram os meus santos,<<strong>br</strong> />

passando ao contrário por muitas penas, várias tentações e<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>s angústias. Mas eles suportaram tudo <strong>com</strong> paciência,<<strong>br</strong> />

mais confiados em Deus que em si, porque sabiam "que não<<strong>br</strong> />

têm proporção os sofrimentos <strong>de</strong>sta vida <strong>com</strong> a futura glória"<<strong>br</strong> />

que os re<strong>com</strong>pensa (Rom 8,18). Quereis obter logo o que<<strong>br</strong> />

tantos apenas conseguiram só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> copiosas lágrimas e<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>s trabalhos? Espera no Senhor, age varonilmente, e sê<<strong>br</strong> />

firme (Sl 26,14); não <strong>de</strong>sanimes, não recues, mas expõe<<strong>br</strong> />

generosamente corpo e alma pela glória <strong>de</strong> Deus. Eu te<<strong>br</strong> />

re<strong>com</strong>pensarei plenamente, e estarei contigo em toda<<strong>br</strong> />

tribulação (Sl 90,15) .<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 36


Contra os juízos dos homens<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho põe tua confiança em Deus e não temas os juízos<<strong>br</strong> />

humanos, enquanto tua consciência te <strong>de</strong>r testemunho da tua<<strong>br</strong> />

pieda<strong>de</strong> e inocência. É bom e salutar sofrer <strong>de</strong>ste modo, nem<<strong>br</strong> />

isso será penoso ao coração humil<strong>de</strong>, que confia mais em Deus<<strong>br</strong> />

que em si mesmo. Muitos falam <strong>com</strong> <strong>de</strong>masia, e por isso não<<strong>br</strong> />

se lhes <strong>de</strong>ve dar muito crédito. Mas também não é possível<<strong>br</strong> />

satisfazer a todos. Ainda que Paulo se empenhasse por agradar<<strong>br</strong> />

a todos no Senhor, fazendo-se tudo para todos (1 Cor 9,22),<<strong>br</strong> />

contudo, fez pouco caso <strong>de</strong> ser julgado no tribunal dos homens<<strong>br</strong> />

(1 Cor 4,3).<<strong>br</strong> />

2. Fez todo o possível para a edificação e salvação dos outros,<<strong>br</strong> />

quanto <strong>de</strong>le <strong>de</strong>pendia; contudo não pô<strong>de</strong> evitar ser julgado e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezado por alguns; por isso pôs tudo nas mãos <strong>de</strong> Deus,<<strong>br</strong> />

que tudo conhecia, e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u-se <strong>com</strong> paciência e humilda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

contra as línguas maldizentes dos que inventavam malda<strong>de</strong>s e<<strong>br</strong> />

mentiras e as espalhavam a seu bel-prazer. Todavia, uma vez<<strong>br</strong> />

ou outra, dava resposta, para que seu silêncio não fosse causa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> se escandalizarem os fracos.<<strong>br</strong> />

3. Quem és tu, que temes um homem mortal? (Is 51, 12). Hoje<<strong>br</strong> />

existe e amanhã já não aparece. Teme a Deus, e não temerás<<strong>br</strong> />

as ameaças dos homens. Que mal te po<strong>de</strong> fazer um homem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> palavras e afrontas? Mais se prejudica a si mesmo do que<<strong>br</strong> />

a ti, e, seja quem for, não po<strong>de</strong>rá escapar ao juízo <strong>de</strong> Deus. Põe<<strong>br</strong> />

os olhos em Deus, e não contendas <strong>com</strong> palavras <strong>de</strong> queixa. Se<<strong>br</strong> />

agora pareces sucumbir e pa<strong>de</strong>cer injúria não merecida, não<<strong>br</strong> />

fiques contrariado nem diminuas a tua coroa <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

impaciência, mas antes levanta os olhos ao céu, para mim,<<strong>br</strong> />

que po<strong>de</strong>roso sou, para te livrar <strong>de</strong> toda confusão e injúria e<<strong>br</strong> />

dar a cada um conforme suas o<strong>br</strong>as.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 37<<strong>br</strong> />

Da pura e <strong>com</strong>pleta renúncia <strong>de</strong> si mesmo para obter liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

coração<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, <strong>de</strong>ixa-te a ti, e achar-me-ás a mim. Despe tua<<strong>br</strong> />

vonta<strong>de</strong> e teu amor-próprio, e sempre tirarás lucro. Porque, logo que<<strong>br</strong> />

te entregares a mim sem reservas, se te acrescentará a graça.<<strong>br</strong> />

A alma: Senhor, em que <strong>de</strong>vo renunciar-me, e quantas vezes?


Jesus: Sempre e a toda hora tanto no muito <strong>com</strong>o no pouco. Nada<<strong>br</strong> />

excetuo, mas quero te achar <strong>de</strong>spojado <strong>de</strong> tudo. De outra sorte,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o po<strong>de</strong>rás ser meu e eu teu, se não estiveres, exterior e<<strong>br</strong> />

interiormente, <strong>de</strong>sapegado <strong>de</strong> toda vonta<strong>de</strong> própria? Quanto mais<<strong>br</strong> />

prontamente isso fizeres, tanto melhor te acharás, e quanto mais<<strong>br</strong> />

pleno e sincero for teu sacrifício, tanto mais me agradarás e maior<<strong>br</strong> />

lucro terás.<<strong>br</strong> />

1. Alguns há que se entregam a mim, mas <strong>com</strong> alguma reserva,<<strong>br</strong> />

porque não têm plena confiança em Deus, e por isso tratam <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

prover as próprias necessida<strong>de</strong>s. Outros, a princípio, tudo<<strong>br</strong> />

oferecem, mas <strong>de</strong>pois, <strong>com</strong>batidos pela tentação, volvem-se<<strong>br</strong> />

novamente às próprias <strong>com</strong>odida<strong>de</strong>s, e eis por que quase não<<strong>br</strong> />

progri<strong>de</strong>m nas virtu<strong>de</strong>s. Estes nunca chegarão à verda<strong>de</strong>ira<<strong>br</strong> />

liberda<strong>de</strong> do coração puro, nem à graça <strong>de</strong> minha doce<<strong>br</strong> />

familiarida<strong>de</strong>, enquanto não renunciarem <strong>de</strong> todo a si<<strong>br</strong> />

mesmos, oferecendo-se em cotidiano sacrifício a Deus, sem o<<strong>br</strong> />

que não há nem po<strong>de</strong> haver união <strong>de</strong>liciosa <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />

2. Muitas vezes te disse e agora te torno a dizer: <strong>de</strong>ixa-te,<<strong>br</strong> />

renuncia a ti mesmo, e gozarás gran<strong>de</strong> paz interior. Dá tudo<<strong>br</strong> />

por tudo, não busques, não reclames coisa alguma, persevera,<<strong>br</strong> />

pura e simplesmente, em mim, e me possuirás. Terás livre o<<strong>br</strong> />

coração e as trevas não te po<strong>de</strong>rão oprimir. A isto te aplica,<<strong>br</strong> />

isto pe<strong>de</strong>, isto <strong>de</strong>seja: ser <strong>de</strong>spojado <strong>de</strong> todo amorpróprio, para<<strong>br</strong> />

que possas seguir nu a Jesus <strong>de</strong>snudado, morrer a ti mesmo e<<strong>br</strong> />

viver eternamente. Então se dissiparão todas as vãs<<strong>br</strong> />

imaginações, penosas pertubações e supérfluos cuidados. Logo<<strong>br</strong> />

também <strong>de</strong>saparecerá o temor <strong>de</strong>masiado, e morrerá o amor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 38<<strong>br</strong> />

Do bom procedimento exterior, e do recurso a Deus nos perigos<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, nisto <strong>de</strong>ves empenhar toda a diligência, que em<<strong>br</strong> />

todo lugar, ação ou ocupação exterior estejas interiormente<<strong>br</strong> />

livre e senhor <strong>de</strong> ti mesmo, dominando todas as coisas, e a<<strong>br</strong> />

nenhuma sujeito. Deves ser o senhor e diretor <strong>de</strong> tuas ações e<<strong>br</strong> />

não servo ou escravo; cumpre sejas livre e verda<strong>de</strong>iro israelita,<<strong>br</strong> />

que chega à condição <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> dos filhos <strong>de</strong> Deus. Esses<<strong>br</strong> />

elevam-se acima das coisas presentes e contemplam as<<strong>br</strong> />

eternas; só <strong>de</strong> relance olham para as coisas transitórias, e têm<<strong>br</strong> />

a vista presa nas celestiais. Não se <strong>de</strong>ixam atrair e pren<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

pelas coisas temporais, mas servem-se <strong>de</strong>las conforme o fim


para que foram or<strong>de</strong>nadas por Deus e <strong>de</strong>stinadas pelo<<strong>br</strong> />

supremo Artífice, que nada <strong>de</strong>ixou sem or<strong>de</strong>m nas suas<<strong>br</strong> />

criaturas.<<strong>br</strong> />

2. Se, além disso, em qualquer acontecimento, não te <strong>de</strong>morares<<strong>br</strong> />

na aparência exterior, nem consi<strong>de</strong>rares <strong>com</strong> os olhos carnais<<strong>br</strong> />

o que vês e ouves, mas em qualquer negócio entrares logo <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

Moisés no tabernáculo e consultar o Senhor; ouvirás às vezes,<<strong>br</strong> />

a sua divina resposta, e sairás instruído a respeito <strong>de</strong> muitas<<strong>br</strong> />

coisas presentes e futuras. Sempre recorria Moisés ao<<strong>br</strong> />

tabernáculo para resolver suas dúvidas e dificulda<strong>de</strong>s, valia-se<<strong>br</strong> />

da oração para triunfar dos perigos e das malda<strong>de</strong>s dos<<strong>br</strong> />

homens. Do mesmo modo <strong>de</strong>ves tu te refugiar no mais<<strong>br</strong> />

recôndito do teu coração, para, <strong>com</strong> mais instância, implorar o<<strong>br</strong> />

divino auxílio. Por isso - <strong>com</strong>o está escrito - Josué e os filhos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Israel foram enganados pelos gabaonitas "porque não<<strong>br</strong> />

consultaram primeiro ao Senhor", mas, dando crédito<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>masiado às suas doces palavras, <strong>de</strong>ixaram-se enganar por<<strong>br</strong> />

fingida pieda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 39<<strong>br</strong> />

Que o homem não seja impaciente nos seus negócios<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, confia-me sempre teus negócios, eu disporei<<strong>br</strong> />

tudo bem a seu tempo. Espera minha <strong>de</strong>terminação, e<<strong>br</strong> />

disso tirarás proveito.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Senhor, <strong>de</strong> mui boa vonta<strong>de</strong> vos confio todas as<<strong>br</strong> />

coisas, porque pouco adianta o meu cuidado. Oxalá não<<strong>br</strong> />

me perturbasse <strong>com</strong> os conhecimentos futuros, mas me<<strong>br</strong> />

oferecesse sem <strong>de</strong>mora ao vosso beneplácito!<<strong>br</strong> />

2. Jesus: Filho, muitas vezes procura o homem <strong>com</strong> ânsia uma<<strong>br</strong> />

coisa que <strong>de</strong>seja; logo, porém, que a alcança, muda <strong>de</strong> parecer,<<strong>br</strong> />

porque as afeições não persistem muito ao mesmo objeto, mas<<strong>br</strong> />

facilmente passam <strong>de</strong> um para outro. Pelo que, não é pouco<<strong>br</strong> />

renunciar-se o homem a si mesmo, ainda nas coisas<<strong>br</strong> />

pequenas.<<strong>br</strong> />

3. O verda<strong>de</strong>iro progresso do homem consiste na abnegação <strong>de</strong> si<<strong>br</strong> />

mesmo, e quem assim se abnegou, goza gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

segurança. Contudo, o antigo inimigo, o adversário <strong>de</strong> todo o<<strong>br</strong> />

bem não <strong>de</strong>siste da tentação, armando dia e noite perigosas<<strong>br</strong> />

ciladas, para ver se po<strong>de</strong> precipitar algum incauto no laço do<<strong>br</strong> />

seu engano. Vigiai e orai, diz o Senhor, para que não entreis<<strong>br</strong> />

em tentação (Mt 26, 41).


CAPÍTULO 40<<strong>br</strong> />

Que o homem por si mesmo nada tem <strong>de</strong> bom e <strong>de</strong> nada se po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

gloriar<<strong>br</strong> />

1. A alma: Senhor, que é o homem, para que vos lem<strong>br</strong>eis <strong>de</strong>le,<<strong>br</strong> />

ou o filho do homem, para que o visiteis? (Sl 8,5). Por on<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

mereceu o homem que lhe <strong>de</strong>is a vossa graça? Como me posso<<strong>br</strong> />

queixar, se me <strong>de</strong>samparais, ou que posso justamente opor, se<<strong>br</strong> />

não me conce<strong>de</strong>is o que peço? Decerto, <strong>com</strong> verda<strong>de</strong> posso<<strong>br</strong> />

pensar e dizer: Senhor, nada sou, nada posso, nada <strong>de</strong> bom<<strong>br</strong> />

tenho <strong>de</strong> mim mesmo, mas falta-me tudo, e sempre pendo<<strong>br</strong> />

para o nada. E se vós não me ajudais e ensinais, fico <strong>de</strong> todo<<strong>br</strong> />

tíbio e relaxado.<<strong>br</strong> />

1. Vós, porém, Senhor, sempre sois o mesmo e permaneceis<<strong>br</strong> />

eternamente bom, justo e santo, e boas são vossas o<strong>br</strong>as<<strong>br</strong> />

2. todas, e justas e santas, e dispon<strong>de</strong>s tudo <strong>com</strong> sabedoria.<<strong>br</strong> />

Mas eu, que sou mais inclinado à negligência que ao<<strong>br</strong> />

aproveitamento espiritual, não sei conservar-me no<<strong>br</strong> />

mesmo estado, porque mudo sete vezes por dia. Mas logo<<strong>br</strong> />

me vai melhor, quando vos apraz esten<strong>de</strong>r-me a mão<<strong>br</strong> />

para me socorrer; porque só vós, sem auxílio humano,<<strong>br</strong> />

me po<strong>de</strong>is ajudar e dar-me firmeza, <strong>de</strong> tal modo que<<strong>br</strong> />

jamais se mu<strong>de</strong> meu rosto, mas só a vós se converta meu<<strong>br</strong> />

coração e em vós <strong>de</strong>scanse.<<strong>br</strong> />

2. Por isso, se eu soubesse rejeitar toda humana consolação,<<strong>br</strong> />

fosse por adquirir a <strong>de</strong>voção, fosse pela necessida<strong>de</strong> que me<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>iga a buscar-vos, então po<strong>de</strong>ria <strong>com</strong> razão esperar a vossa<<strong>br</strong> />

graça e alegrar-me <strong>com</strong> o favor <strong>de</strong> uma nova consolação.<<strong>br</strong> />

3. Graças vos sejam dadas, Senhor, porque <strong>de</strong> vós proce<strong>de</strong> todo o<<strong>br</strong> />

bem que me suce<strong>de</strong>. Mas eu sou vaida<strong>de</strong> e nada, diante <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vós, sou homem frágil e inconstante. De que posso, pois,<<strong>br</strong> />

gloriar-me, ou por que <strong>de</strong>sejo ser estimado? Porventura do<<strong>br</strong> />

meu nada? Isso seria o cúmulo da vaida<strong>de</strong>. Verda<strong>de</strong>iramente a<<strong>br</strong> />

vanglória é peste maligna e a pior das vaida<strong>de</strong>s, porque nos<<strong>br</strong> />

aparta da glória verda<strong>de</strong>ira e nos priva da graça celestial.<<strong>br</strong> />

Porquanto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o homem agrada a si, <strong>de</strong>sagrada a vós, e<<strong>br</strong> />

quando aspira aos humanos louvores, per<strong>de</strong> as verda<strong>de</strong>iras<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

4. Glória verda<strong>de</strong>ira, porém, e alegria santa é gloriar-se cada um<<strong>br</strong> />

em vós e não em si, <strong>de</strong>leitar-se em vosso nome e não na sua<<strong>br</strong> />

própria virtu<strong>de</strong>, não achar <strong>de</strong>leite em criatura alguma, senão<<strong>br</strong> />

por amor <strong>de</strong> vós. Seja louvado o vosso nome e não


o meu; sejam glorificadas vossas o<strong>br</strong>as e não as minhas; exaltado<<strong>br</strong> />

seja o vosso santo nome, e a mim nada se atribua dos louvores<<strong>br</strong> />

humanos. Vós sois minha glória e a alegria do meu coração. Em vós<<strong>br</strong> />

me gloriarei e exaltarei todo dia, mas, quanto à minha pessoa, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

nada me ufano, a não ser das minhas fraquezas (2Cor 12,5).<<strong>br</strong> />

6. Busquem os ju<strong>de</strong>us a glória uns dos outros, eu busco aquela que<<strong>br</strong> />

vem só <strong>de</strong> Deus (Jo 5,44). Pois toda glória humana, toda glória<<strong>br</strong> />

temporal e toda gran<strong>de</strong>za mundana, <strong>com</strong>parada <strong>com</strong> a vossa eterna<<strong>br</strong> />

glória, não passa <strong>de</strong> vaida<strong>de</strong> e loucura. Ó verda<strong>de</strong> e misericórdia<<strong>br</strong> />

minha, Deus meu, Trinda<strong>de</strong> bem-aventurada! A vós só seja dado<<strong>br</strong> />

louvor, honra, virtu<strong>de</strong> e glória por todos os séculos.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 41<<strong>br</strong> />

Do <strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong> toda honra temporal<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, não te entristeças por veres os outros<<strong>br</strong> />

honrados e exaltados, ao passo que tu és <strong>de</strong>sprezado e<<strong>br</strong> />

humilhado. Ergue a mim o teu coração até ao céu, e não<<strong>br</strong> />

te entristecerá o <strong>de</strong>sprezo humano na terra.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Senhor, vivemos na cegueira, e facilmente nos<<strong>br</strong> />

engana a vaida<strong>de</strong>. Se bem me examino, nunca recebi<<strong>br</strong> />

injúria <strong>de</strong> criatura alguma; não tenho, pois, motivo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

justa queixa contra vós.<<strong>br</strong> />

2. Mas, porque <strong>com</strong>eti tantos pecados, e tão graves, contra vós, é<<strong>br</strong> />

justo que contra mim se armem todas as criaturas. A mim,<<strong>br</strong> />

pois, <strong>com</strong> muita razão, cabe confusão e <strong>de</strong>sprezo, a vós,<<strong>br</strong> />

porém, louvor, honra e glória. E enquanto não estiver disposto<<strong>br</strong> />

a querer <strong>de</strong> bom grado ser <strong>de</strong>sprezado e abandonado <strong>de</strong> todas<<strong>br</strong> />

as criaturas, e ser tido absolutamente em nada, não haverá<<strong>br</strong> />

em mim paz e tranqüilida<strong>de</strong> interior, nem serei<<strong>br</strong> />

espiritualmente iluminado, nem perfeitamente unido a vós.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 42<<strong>br</strong> />

Como não se <strong>de</strong>ve procurar a paz nos homens<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho se puseres tua paz em alguma pessoa, por<<strong>br</strong> />

conviver contigo e ser <strong>de</strong> teu parecer, achar-te-ás inconstante<<strong>br</strong> />

e embaraçado. Mas, se recorreres à verda<strong>de</strong> sempre viva e<<strong>br</strong> />

permanente, não te entristecerás pela ausência e morte <strong>de</strong> um<<strong>br</strong> />

amigo. Em mim se há <strong>de</strong> fundar o amor do amigo, e por mim<<strong>br</strong> />

se há <strong>de</strong> amar todo aquele que nesta vida te parecer bom e<<strong>br</strong> />

amável. Sem mim não vale nada, nem durará a amiza<strong>de</strong>; nem


é puro e verda<strong>de</strong>iro o amor cujos laços eu não tenha dado. De<<strong>br</strong> />

tal modo <strong>de</strong>ves estar morto para semelhantes afeições dos<<strong>br</strong> />

amigos que, quanto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ti, <strong>de</strong>sejes viver sem relações<<strong>br</strong> />

humanas. Quanto mais se chegar o homem para Deus, tanto<<strong>br</strong> />

mais se afastará <strong>de</strong> todo alívio terreno. E tanto mais alto sobe<<strong>br</strong> />

para Deus, quanto mais baixo <strong>de</strong>sce na sua estimação, e mais<<strong>br</strong> />

vil se reputa.<<strong>br</strong> />

2. Mas quem a si mesmo se atribui algum bem impe<strong>de</strong> que a<<strong>br</strong> />

graça venha à sua alma; porque a graça do Espírito Santo<<strong>br</strong> />

sempre busca o coração humil<strong>de</strong>. Se te souberas perfeitamente<<strong>br</strong> />

aniquilar e <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r <strong>de</strong> todo amor criado, então viria a ti<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a abundância <strong>de</strong> minhas graças. Quando olhas para as<<strong>br</strong> />

criaturas, per<strong>de</strong>s a contemplação do Criador. Apren<strong>de</strong> a<<strong>br</strong> />

vencer-te em tudo por teu Criador, e então po<strong>de</strong>rás chegar ao<<strong>br</strong> />

conhecimento divino. Qualquer coisa, por pequena que seja, se<<strong>br</strong> />

a amas e aprecias <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente, mancha a alma e te<<strong>br</strong> />

separa do sumo bem.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 43<<strong>br</strong> />

Contra a vã ciência do século<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Não te <strong>de</strong>ixes cativar pela elegância e sutileza dos<<strong>br</strong> />

dizeres humanos, porque o reino <strong>de</strong> Deus não consiste em<<strong>br</strong> />

palavras, mas na virtu<strong>de</strong> (1 Cor 2,4). Aten<strong>de</strong> às minhas<<strong>br</strong> />

palavras, que inflamam o coração, iluminam o espírito, levam<<strong>br</strong> />

à <strong>com</strong>punção e produzem muitas consolações. Nunca leias<<strong>br</strong> />

minha palavra <strong>com</strong> o fim <strong>de</strong> pareceres mais douto ou sábio.<<strong>br</strong> />

Aplica-te a mortificar teus vícios, porque isso te traz mais<<strong>br</strong> />

proveito que o conhecimento das mais difíceis questões.<<strong>br</strong> />

2. Por muito que estu<strong>de</strong>s e aprendas, terás que referir tudo<<strong>br</strong> />

sempre ao único princípio. Sou eu que ensino ao homem a<<strong>br</strong> />

ciência, e dou aos pequeninos mais clara <strong>com</strong>preensão, do que<<strong>br</strong> />

os homens são capazes <strong>de</strong> ensinar. Aquele a quem eu ensinar,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pressa será sábio e muito aproveitará espiritualmente. Ai<<strong>br</strong> />

daqueles que indagam dos homens muitas coisas curiosas, e<<strong>br</strong> />

tratam pouco dos meios <strong>de</strong> me servir. Tempo virá em que<<strong>br</strong> />

aparecerá o Mestre dos mestres, <strong>Cristo</strong>, Senhor dos anjos,<<strong>br</strong> />

para tomar lições <strong>de</strong> todos, isto é, para examinar a consciência<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> cada um. E <strong>com</strong> a lâmpada na mão perscrutará então<<strong>br</strong> />

Jerusalém, e revelará o segredo das trevas, fazendo calar as<<strong>br</strong> />

objeções das línguas humanas.<<strong>br</strong> />

3. Eu sou o que levanta num instante o espírito humil<strong>de</strong>, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

maneira que <strong>com</strong>preenda melhor as razões das verda<strong>de</strong>s


eternas, do que se houvera estudado <strong>de</strong>z anos nas escolas. Eu<<strong>br</strong> />

ensino sem ruído <strong>de</strong> palavras, sem confusão <strong>de</strong> opiniões, sem<<strong>br</strong> />

espalhafato, sem contenda <strong>de</strong> argumentos. Eu sou o que<<strong>br</strong> />

ensina a <strong>de</strong>sprezar as coisas terrenas, a aborrecer as coisas<<strong>br</strong> />

presentes, a buscar e apreciar as eternas, a fugir às honras,<<strong>br</strong> />

sofrer as injúrias, pôr em mim toda esperança, a não <strong>de</strong>sejar<<strong>br</strong> />

coisa alguma fora <strong>de</strong> mim e amar só a mim, <strong>com</strong> todo fervor,<<strong>br</strong> />

acima <strong>de</strong> tudo.<<strong>br</strong> />

4. Alguns, amando-me inteiramente, apren<strong>de</strong>ram <strong>com</strong> isso coisas<<strong>br</strong> />

divinas e falavam coisas maravilhosas. Mais aproveitaram em<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixar tudo, do que em estudar questões sutis. A uns, porém,<<strong>br</strong> />

falo coisas <strong>com</strong>uns, a outros, mais particulares; a alguns<<strong>br</strong> />

revelo-me docemente em sinais e figuras, a outros <strong>de</strong>scu<strong>br</strong>o os<<strong>br</strong> />

meus mistérios <strong>com</strong> muita luz. A mesma voz fala em todos os<<strong>br</strong> />

livros, mas não ensina a todos da mesma maneira; pois eu sou<<strong>br</strong> />

o que interiormente ensina a verda<strong>de</strong>, perscruta o coração,<<strong>br</strong> />

penetra os pensamentos. Inspira as ações, distribuindo a cada<<strong>br</strong> />

um segundo me apraz.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 44<<strong>br</strong> />

Que se não <strong>de</strong>vem tomar a peito as coisas exteriores<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, convém fazeres-te ignorante em muitas coisas, e<<strong>br</strong> />

reputares-te <strong>com</strong>o que morto so<strong>br</strong>e a terra, para que todo o<<strong>br</strong> />

mundo te esteja crucificado. Importa também que te faças<<strong>br</strong> />

surdo a muitas coisas, cuidando antes do que serve à tua paz.<<strong>br</strong> />

Mais útil é <strong>de</strong>sviares os olhos do que não te agrada e <strong>de</strong>ixares<<strong>br</strong> />

a cada um seu parecer, do que entrares em discussões. Se<<strong>br</strong> />

estiveres bem <strong>com</strong> Deus e consi<strong>de</strong>rares seus juízos, não te<<strong>br</strong> />

será custoso dares-te por vencido.<<strong>br</strong> />

2. A alma: Ah! Senhor, a que chegamos? Eis que choramos uma<<strong>br</strong> />

perda temporal, trabalhamos e corremos para ganhar<<strong>br</strong> />

mesquinho lucro, mas do dano espiritual nos esquecemos e<<strong>br</strong> />

mal nos lem<strong>br</strong>amos, ou tar<strong>de</strong>. Olha-se muito pelo que pouco<<strong>br</strong> />

ou nada vale, e não se faz caso do que é sumamente<<strong>br</strong> />

necessário, porque o homem inteiramente se entrega às coisas<<strong>br</strong> />

exteriores, e, se prontamente não se recolher, nela <strong>de</strong>scansa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> prazer.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 45


Que se não <strong>de</strong>ve dar crédito a todos, e quão facilmente faltamos nas<<strong>br</strong> />

palavras<<strong>br</strong> />

1. Socorrei-nos, Senhor, na tribulação, porque é vão o auxílio<<strong>br</strong> />

humano (Sl 59,3). Oh! Quantas vezes procurei em vão<<strong>br</strong> />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> cuidava que a havia! Ah! Quantas vezes a<<strong>br</strong> />

encontrei on<strong>de</strong> menos a esperava! Vã é, pois, a esperança que<<strong>br</strong> />

se põe nos homens; em vós, meu Deus, está a salvação dos<<strong>br</strong> />

justos. Bendito sejais, Senhor meu Deus, em tudo que nos<<strong>br</strong> />

suce<strong>de</strong>. Nós somos fracos e inconstantes, facilmente nos<<strong>br</strong> />

enganamos e mudamos.<<strong>br</strong> />

2. Que haverá tão cauteloso e vigilante em todas as coisas, que<<strong>br</strong> />

alguma vez não caia em perturbação ou engano? Mas aquele<<strong>br</strong> />

que em vós, Senhor, confia, e vos procura <strong>de</strong> coração sincero,<<strong>br</strong> />

não cai tão facilmente. E se vier a cair em alguma tribulação,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> qualquer sorte que esteja embaraçado nela, prontamente<<strong>br</strong> />

será por vós libertado ou consolado, porquanto não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>samparais para sempre a quem em vós espera. Raro é o<<strong>br</strong> />

amigo fiel que persevera em todas as tribulações <strong>de</strong> seu amigo.<<strong>br</strong> />

Vós, Senhor, sois o único amigo fi<strong>de</strong>líssimo e não se acha<<strong>br</strong> />

outro igual.<<strong>br</strong> />

1. Oh! bem o soube aquela alma santa (Santa Águeda) que<<strong>br</strong> />

disse: "Meu coração está firmado e fundado em <strong>Cristo</strong>!"<<strong>br</strong> />

Se<<strong>br</strong> />

2. assim fora <strong>com</strong>igo, não me perturbaria tão facilmente o<<strong>br</strong> />

temor humano, nem me abalariam as flechas das más<<strong>br</strong> />

palavras. Quem po<strong>de</strong> prever tudo e precaver-se contra os<<strong>br</strong> />

males futuros? Se os males previstos já ferem tanto,<<strong>br</strong> />

quanto mais os imprevistos causarão feridas dolorosas!<<strong>br</strong> />

Mas por que motivo, sendo eu tão miserável, não me<<strong>br</strong> />

acautelei melhor? Por que tão facilmente <strong>de</strong>i créditos aos<<strong>br</strong> />

outros? Entretanto - somos homens e nada mais que<<strong>br</strong> />

homens fracos, ainda que muitos se julguem e chamem<<strong>br</strong> />

anjos. A quem hei <strong>de</strong> crer, Senhor? a quem senão a vós?<<strong>br</strong> />

Vós sois a verda<strong>de</strong> que não engana nem po<strong>de</strong> ser<<strong>br</strong> />

enganada. Ao passo que está escrito: "Todo homem é<<strong>br</strong> />

mentiroso (Sl 115,2), fraco, inconstante, inclinado a<<strong>br</strong> />

pecar, mormente em palavras, <strong>de</strong> sorte que mal se <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

logo acreditar o que, à primeira vista, parece verda<strong>de</strong>iro".<<strong>br</strong> />

3. Quão pru<strong>de</strong>ntemente nos aconselhastes que nos<<strong>br</strong> />

acautelássemos dos homens, e nos dissestes que "os inimigos<<strong>br</strong> />

do homem são os que <strong>com</strong> ele moram" (Mt 10,36), que não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vemos dar crédito se alguém nos disser: Aqui está <strong>Cristo</strong>! Ou<<strong>br</strong> />

está acolá! À minha custa aprendi esta verda<strong>de</strong>, e queira Deus


que me sirva <strong>de</strong> maior cautela e não para dar provas <strong>de</strong> maior<<strong>br</strong> />

insensatez! Toma cuidado, diz-me alguém, e guarda para ti o<<strong>br</strong> />

que te digo. E enquanto me calo e guardo segredo, não po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

guardar silêncio aquele que me pediu segredo, senão logo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sco<strong>br</strong>e a si e a mim e lá se vai. De homens tais, palradores e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sacautelados, livrai-me, Senhor, para que não caia em suas<<strong>br</strong> />

mãos nem <strong>com</strong>eta semelhantes faltas. Pon<strong>de</strong> em minha boca<<strong>br</strong> />

palavras sérias e sinceras, e apartai <strong>de</strong> mim o embuste da<<strong>br</strong> />

língua. A todo custo <strong>de</strong>vo evitar<<strong>br</strong> />

o que não quero aturar dos outros.<<strong>br</strong> />

5. Oh! Como é bom, para viver em paz, calar dos outros, não crer<<strong>br</strong> />

tudo indiferentemente, nem repeti-lo logo a outrem; a<strong>br</strong>ir-se a<<strong>br</strong> />

poucos e buscar sempre a vós, o perscrutador do coração; não se<<strong>br</strong> />

mover <strong>com</strong> qualquer sopro <strong>de</strong> palavra, mas <strong>de</strong>sejar que todas as<<strong>br</strong> />

coisas exteriores e interiores se façam conforme o beneplácito da<<strong>br</strong> />

vossa vonta<strong>de</strong>. Que meio seguro para conservar a divina graça, fugir<<strong>br</strong> />

do que cai na vista dos homens, e não <strong>de</strong>sejar o que possa granjearnos<<strong>br</strong> />

a admiração dos homens, antes procurar, <strong>com</strong> toda solicitu<strong>de</strong>, o<<strong>br</strong> />

que serve para emenda da vida e fervor da alma! A quantos<<strong>br</strong> />

prejudicou a virtu<strong>de</strong> divulgada e prematuramente elogiada! Quanto<<strong>br</strong> />

proveito, porém, traz conservar a graça do silêncio, durante esta<<strong>br</strong> />

vida tão frágil, que não é mais que contínua tentação e peleja!<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 46<<strong>br</strong> />

Da confiança que havemos <strong>de</strong> ter em Deus quando se nos dizem<<strong>br</strong> />

palavras afrontosas<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho conserva-te firme e espera em mim, pois palavras<<strong>br</strong> />

são palavras; ferem os ares, mas não que<strong>br</strong>am a pedra. Se és<<strong>br</strong> />

culpado, trata logo <strong>de</strong> emendar-te; se a consciência <strong>de</strong> nada <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

acusa, faze o propósito <strong>de</strong> sofrer isso <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>, por amor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Deus. Não é muito sofreres, às vezes, más palavras, já que<<strong>br</strong> />

me não po<strong>de</strong>s ainda suportar mais pesados golpes. E por que<<strong>br</strong> />

razão te ferem tão leves coisas senão porque és ainda carnal e<<strong>br</strong> />

fazes ainda mais caso dos homens do que convém? Temes ser<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezado, e por isso não queres ser repreendido <strong>de</strong> tuas<<strong>br</strong> />

faltas e procuras <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-te <strong>com</strong> <strong>de</strong>sculpas.<<strong>br</strong> />

2. Mas examina-te melhor e verá que vive ainda em ti o mundo e<<strong>br</strong> />

o vão <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> agradar aos homens. Pois, já que foges <strong>de</strong> ser<<strong>br</strong> />

abatido e confundido por causa dos teus <strong>de</strong>feitos, mostras<<strong>br</strong> />

claramente que não és verda<strong>de</strong>iramente humil<strong>de</strong>, nem


inteiramente morto ao mundo, e que o mundo não está <strong>de</strong> todo<<strong>br</strong> />

crucificado para ti (Gál 6,14). Mas ouve a minha palavra e não<<strong>br</strong> />

farás caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil palavras humanas. Mesmo que<<strong>br</strong> />

dissessem contra ti quanto po<strong>de</strong> inventar a mais negra<<strong>br</strong> />

malícia, que mal te faria, se o <strong>de</strong>ixasses passar, não fazendo<<strong>br</strong> />

mais caso daquilo que duma palha? Porventura po<strong>de</strong>ria<<strong>br</strong> />

arrancar-te um só cabelo?<<strong>br</strong> />

3. Mas quem não domina o coração, nem tem a Deus, diante dos<<strong>br</strong> />

olhos, facilmente fica aborrecido <strong>com</strong> uma palavra <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

repreensão. Aquele, porém, que confia em mim, e não se aferra<<strong>br</strong> />

à sua própria opinião, viverá sem temor dos homens. Eu sou o<<strong>br</strong> />

juiz e conheço todos os segredos, sei <strong>com</strong>o se passou tudo,<<strong>br</strong> />

quem fez a injúria e quem a sofre. De mim saiu esta palavra,<<strong>br</strong> />

por minha permissão te suce<strong>de</strong>u isso, "para que fossem<<strong>br</strong> />

revelados os pensamentos <strong>de</strong> muitos corações" (Lc 2,35).<<strong>br</strong> />

Julgarei o culpado e o inocente: primeiro, porém, quis provar<<strong>br</strong> />

ambos por oculto juízo.<<strong>br</strong> />

4. Engana, muitas vezes, o testemunho dos homens; meu juízo é<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iro e não será revogado. As mais das vezes é oculto e<<strong>br</strong> />

poucos lhe conhecem todas as particularida<strong>de</strong>s, mas nunca<<strong>br</strong> />

erra, nem po<strong>de</strong> errar, posto que pareça menos reto aos olhos<<strong>br</strong> />

dos néscios. A mim, pois, <strong>de</strong>ves recorrer em todo juízo e não te<<strong>br</strong> />

ater ao teu próprio parecer. Pois o justo não se perturbará,<<strong>br</strong> />

seja o que for que lhe suceda, por permissão <strong>de</strong> Deus. Não se<<strong>br</strong> />

afligirá <strong>com</strong> as palavras que contra ele disserem injustamente.<<strong>br</strong> />

Mas também não se encherá <strong>de</strong> vã alegria, quando outros o<<strong>br</strong> />

justificarem <strong>com</strong> razões. Ele pon<strong>de</strong>ra que "eu sou o<<strong>br</strong> />

perscrutador dos corações e dos rins" (Sl 7,10), e não julgo<<strong>br</strong> />

segundo o exterior e as aparências humanas. Porque muitas<<strong>br</strong> />

vezes é culpável a meus olhos o que é tido por louvável na<<strong>br</strong> />

opinião dos homens.<<strong>br</strong> />

5. A alma: Senhor, "Deus, juiz justo, forte e paciente" (Sl 7,12),<<strong>br</strong> />

que conheceis a fraqueza e malícia dos homens, se<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

minha fortaleza e toda a minha confiança, porque não me basta a<<strong>br</strong> />

consciência da própria força. Vós sabeis o que eu não sei, por isso<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>via ter recebido qualquer repreensão <strong>com</strong> humilda<strong>de</strong> e mansidão.<<strong>br</strong> />

Perdoai-me, portanto, por todas as vezes que assim o não o fiz, e<<strong>br</strong> />

dai-me <strong>de</strong> novo mais graça para sofrer. Portanto, mais valiosa me é<<strong>br</strong> />

vossa abundante misericórdia para alcançar o perdão dos pecados<<strong>br</strong> />

do que minha pretensa justiça em <strong>de</strong>fesa do que está oculto na<<strong>br</strong> />

consciência. E mesmo que ela <strong>de</strong> nada me acuse, nem por isso sou<<strong>br</strong> />

justificado; porque sem a vossa misericórdia "nenhum vivente<<strong>br</strong> />

haverá justo a vossos olhos" (Sl 142,2).


CAPÍTULO 47<<strong>br</strong> />

Que todas as coisas graves se <strong>de</strong>vem suportar pela vida eterna<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho não te <strong>de</strong>ixes que<strong>br</strong>antar pelos trabalhos<<strong>br</strong> />

empreendidos por meu amor, nem <strong>de</strong>sanimes nas tribulações;<<strong>br</strong> />

mas em tudo que te suce<strong>de</strong>r, te consolem e fortifiquem minhas<<strong>br</strong> />

promessas. Sou assaz po<strong>de</strong>roso para te re<strong>com</strong>pensar além <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todo limite e medida. Não lidarás aqui muito tempo, nem<<strong>br</strong> />

sempre estarás aca<strong>br</strong>unhado <strong>de</strong> dores. Espera um pouco e<<strong>br</strong> />

verás em <strong>br</strong>eve o fim <strong>de</strong> teus males. Hora virá em que cessará<<strong>br</strong> />

todo trabalho e inquietação. É <strong>de</strong> pouco valor e duração o que<<strong>br</strong> />

passa <strong>com</strong> o tempo.<<strong>br</strong> />

2. Faze o que po<strong>de</strong>s fazer, trabalha fielmente em minha vinha, e<<strong>br</strong> />

"eu serei tua re<strong>com</strong>pensa" (Gên 15,1). Escreve, lê, canta, geme,<<strong>br</strong> />

cala, ora e sofre varonilmente toda adversida<strong>de</strong>; a vida eterna é<<strong>br</strong> />

digna <strong>de</strong>ssas e outras maiores pelejas. Virá a paz um dia que o<<strong>br</strong> />

Senhor sabe, e não haverá mais nem dia nem noite, <strong>com</strong>o no<<strong>br</strong> />

presente, mas luz perpétua, clarida<strong>de</strong> infinita, paz firme e<<strong>br</strong> />

seguro repouso. Não dirás então: Quem me livrará <strong>de</strong>ste corpo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> morte? (Rom 7,24), nem exclamarás: Ai <strong>de</strong> mim, que se tem<<strong>br</strong> />

prolongado o meu <strong>de</strong>sterro! (Sl 119,5). Porque a morte será<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>struída e a salvação será eterna; livre <strong>de</strong> toda ansieda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

gozarás <strong>de</strong>liciosa alegria, em meio <strong>de</strong> agradável e <strong>br</strong>ilhante<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panhia.<<strong>br</strong> />

3. Oh! se visses as coroas imarcescíveis dos santos no céu, e a<<strong>br</strong> />

glória em que já exultam aqueles que outrora, aos olhos do<<strong>br</strong> />

mundo, eram <strong>de</strong>sprezados e reputados quase indignos da vida;<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> certeza, logo te humilharias até ao pó e <strong>de</strong>sejarias antes<<strong>br</strong> />

obe<strong>de</strong>cer a todos que a um só a mandar. Nem cobiçarias os<<strong>br</strong> />

dias felizes <strong>de</strong>sta vida, mas antes te alegrarias <strong>de</strong> ser<<strong>br</strong> />

atribulado por amor <strong>de</strong> Deus, e consi<strong>de</strong>rarias gran<strong>de</strong> vantagem<<strong>br</strong> />

o ser tido por nada entre os homens.<<strong>br</strong> />

4. Oh! Se achasses gosto nessas coisas e elas penetrassem<<strong>br</strong> />

profundamente no coração, <strong>com</strong>o po<strong>de</strong>rias ousar proferir uma<<strong>br</strong> />

só queixa? Porventura haverá pena que não se <strong>de</strong>va sofrer pela<<strong>br</strong> />

vida eterna? Certo que não é pouco per<strong>de</strong>r ou ganhar o reino<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Deus. Ergue, pois, os olhos ao céu. Eis-me aqui <strong>com</strong> todos<<strong>br</strong> />

os meus santos; eles, que neste mundo sustentaram gran<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>bates, ora se rejubilam, ora estão consolados e estão<<strong>br</strong> />

seguros, ora gozam o repouso e permanecerão para sempre<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>igo no reino <strong>de</strong> meu Pai.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 48


Do dia da eternida<strong>de</strong> e das angústias <strong>de</strong>sta vida<<strong>br</strong> />

1. Ó mansão beatíssima da celestial cida<strong>de</strong>! Ó dia claríssimo da<<strong>br</strong> />

eternida<strong>de</strong>, que a noite não obscurece, mas a Verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

soberana sempre ilumina; dia sempre festivo, sempre seguro,<<strong>br</strong> />

que nunca muda no contrário! Oh! se já amanhecera aquele<<strong>br</strong> />

dia e acabaram todas as coisas temporais! Para os santos, sim,<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ilha este dia <strong>com</strong> o fulgor <strong>de</strong> sua perpétua clarida<strong>de</strong>; para<<strong>br</strong> />

nós, peregrinos da terra, só <strong>de</strong> longe se mostra e <strong>com</strong>o por<<strong>br</strong> />

espelho.<<strong>br</strong> />

2. Sabem os cidadãos do céu quão ditoso é aquele dia; sentem os<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sterrados filhos <strong>de</strong> Eva quão triste e amargo é este da vida<<strong>br</strong> />

presente. Os dias <strong>de</strong>ste tempo são curtos e maus, cheios <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

dores e angústias. Neles se vê o homem manchado <strong>de</strong> muitos<<strong>br</strong> />

pecados, enredado <strong>de</strong> muitas paixões, angustiado <strong>de</strong> muitos<<strong>br</strong> />

temores, inquietado <strong>com</strong> muitos cuidados, distraído <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

muitas curiosida<strong>de</strong>s, emaranhado em muitas vaida<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

cercado <strong>de</strong> muitos erros, oprimido <strong>de</strong> muitos trabalhos,<<strong>br</strong> />

acossado por tentações, enervado pelas <strong>de</strong>lícias, atormentado<<strong>br</strong> />

pela penúria.<<strong>br</strong> />

3. Oh! Quando virá o fim <strong>de</strong> todos estes males? Quando me verei<<strong>br</strong> />

livre da triste escravidão dos vícios? Quando me lem<strong>br</strong>arei<<strong>br</strong> />

somente <strong>de</strong> vós, Senhor? Quando em vós plenamente me<<strong>br</strong> />

alegrarei? Quando viverei em perfeita liberda<strong>de</strong>, sem nenhum<<strong>br</strong> />

impedimento, sem aflição da alma e do corpo? Quando gozarei<<strong>br</strong> />

a paz sólida, imperturbável e segura, paz interna e externa,<<strong>br</strong> />

paz <strong>de</strong> toda parte estável? Ó bom Jesus, quando estarei diante<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vós para nos ver? Quando contemplarei a glória do vosso<<strong>br</strong> />

reino? Quando me sereis tudo em todas as coisas? Oh!<<strong>br</strong> />

Quando estarei convosco no reino que preparastes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> toda<<strong>br</strong> />

a eternida<strong>de</strong> para os que vos amam? Po<strong>br</strong>e e <strong>de</strong>sterrado estou,<<strong>br</strong> />

em terra <strong>de</strong> inimigos, on<strong>de</strong> há guerras contínuas e misérias<<strong>br</strong> />

extremas!<<strong>br</strong> />

4. Consolai-me no meu <strong>de</strong>sterro, mitigai-me a dor, para vós se<<strong>br</strong> />

dirige todo o meu <strong>de</strong>sejo. Tudo quanto o mundo oferece <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

consolo é para mim tormento. Desejo gozar-vos intimamente,<<strong>br</strong> />

mas não o consigo. Desejo aplicar-me às coisas do céu, mas as<<strong>br</strong> />

coisas temporais e as paixões imortificadas me abatem. Com o<<strong>br</strong> />

espírito <strong>de</strong>sejava elevar-me acima <strong>de</strong> todas as coisas, mas a<<strong>br</strong> />

carne me o<strong>br</strong>iga a sujeitar-me a elas contra a minha vonta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Assim eu, homem <strong>de</strong>sgraçado, pelejo <strong>com</strong>igo e "sou a mim<<strong>br</strong> />

mesmo pesado" (Jó 7,20), pois o espírito aspira às alturas, mas<<strong>br</strong> />

a carne às baixezas.


5. Oh! Quanto pa<strong>de</strong>ço interiormente, quando, ao meditar nas<<strong>br</strong> />

coisas celestiais, logo uma multidão <strong>de</strong> idéias carnais vêm<<strong>br</strong> />

perturbar-me a oração! Deus meu, em vossa ira, não vos<<strong>br</strong> />

aparteis <strong>de</strong> vosso servo! (Sl 26,9). Lançai os vossos raios e<<strong>br</strong> />

dissipai estes pensamentos! (Sl 143,6) . Despedi vossas<<strong>br</strong> />

flechas, e se <strong>de</strong>sfarão todos esses fantasmas do inimigo.<<strong>br</strong> />

Concentrai e recolhei em vós meus sentidos; fazei-me esquecer<<strong>br</strong> />

todas as coisas do mundo; conce<strong>de</strong>i-me a graça <strong>de</strong> logo rebater<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong>sprezar todas as imaginações do pecado. Socorrei-me,<<strong>br</strong> />

Verda<strong>de</strong> eterna, para que nenhuma vaida<strong>de</strong> me possa seduzir.<<strong>br</strong> />

Vin<strong>de</strong>, doçura celestial, e diante <strong>de</strong> vós fuja toda impureza.<<strong>br</strong> />

Perdoai-me também e relevai-me, pela vossa misericórdia,<<strong>br</strong> />

todas as vezes que, na oração, penso em outra coisa, fora <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vós. Confesso sinceramente que costumo ser muito distraído.<<strong>br</strong> />

Pois muitas vezes não estou on<strong>de</strong> tenho o corpo, mas on<strong>de</strong> me<<strong>br</strong> />

levam os pensamentos. Estou on<strong>de</strong> está<<strong>br</strong> />

o meu pensamento, e meu pensamento está, <strong>de</strong> ordinário, on<strong>de</strong> está<<strong>br</strong> />

o que amo. Ocorre-me <strong>com</strong> facilida<strong>de</strong> o que naturalmente me <strong>de</strong>leita<<strong>br</strong> />

ou por costume me agrada.<<strong>br</strong> />

6. Por isso vós, Verda<strong>de</strong> eterna, dissestes claramente: On<strong>de</strong> está teu<<strong>br</strong> />

tesouro, aí se acha também teu coração (Mt 6,21). Se amo o céu,<<strong>br</strong> />

gosto <strong>de</strong> pensar nas coisas celestiais. Se amo o mundo, alegro-me<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> seus <strong>de</strong>leites e entristeço-me <strong>com</strong> suas adversida<strong>de</strong>s. Se amo a<<strong>br</strong> />

carne, <strong>com</strong> gosto me ocupo dos pensamentos carnais. Se amo o<<strong>br</strong> />

espírito, <strong>de</strong>leita-me o pensar nas coisas espirituais. Porque, seja<<strong>br</strong> />

qual for o objeto do meu amor, <strong>de</strong>le falo e ouço falar <strong>com</strong> gosto e<<strong>br</strong> />

trago <strong>com</strong>igo a sua imagem. Mas bem-aventurado o homem que por<<strong>br</strong> />

amor <strong>de</strong> vós, Senhor, a<strong>br</strong>e mão <strong>de</strong> todas as criaturas, faz violência à<<strong>br</strong> />

natureza e crucifica a concupiscência da carne <strong>com</strong> o fervor do<<strong>br</strong> />

espírito, para, <strong>de</strong> consciência serena, oferecer-vos uma oração pura<<strong>br</strong> />

e, <strong>de</strong>sprendido interior e exteriormente <strong>de</strong> tudo que é terreno,<<strong>br</strong> />

merecer entrar no coro dos anjos.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 49<<strong>br</strong> />

Do <strong>de</strong>sejo da vida eterna e quantos bens estão prometidos aos que<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>batem<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, quando sentires que o céu te inspira sauda<strong>de</strong>s da<<strong>br</strong> />

bem-aventurança e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o tabernáculo do corpo<<strong>br</strong> />

para contemplar minha glória sem som<strong>br</strong>a <strong>de</strong> mudanças,<<strong>br</strong> />

alarga o teu coração e recebe esta santa inspiração <strong>com</strong> todo


afeto. Dá muitas graças à Bonda<strong>de</strong> soberana, que usa <strong>de</strong> tanta<<strong>br</strong> />

liberda<strong>de</strong> para contigo, <strong>com</strong> tanta clemência te visita, tanto te<<strong>br</strong> />

anima, tão po<strong>de</strong>rosamente te levanta, para que teu próprio<<strong>br</strong> />

peso não te arraste para as coisas terrenas. Pois isto não te<<strong>br</strong> />

vem por teus pensamentos ou esforços, mas só pela mercê da<<strong>br</strong> />

graça celeste e do beneplácito divino para que te adiantes nas<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong>s, so<strong>br</strong>etudo na humilda<strong>de</strong>, e te prepares para futuras<<strong>br</strong> />

pelejas; para que te entregues a mim <strong>com</strong> todo o afeto do teu<<strong>br</strong> />

coração e me sirvas <strong>com</strong> ar<strong>de</strong>nte amor.<<strong>br</strong> />

2. Filho, muitas vezes ar<strong>de</strong> o fogo, mas não sobe a chama sem<<strong>br</strong> />

fumo. Assim tambem os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> alguns se a<strong>br</strong>asam pelas<<strong>br</strong> />

coisas celestiais, e, contudo, não estão livres da tentação e dos<<strong>br</strong> />

afetos carnais. Por isso não fazem unicamente pela glória <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus o que, aliás, <strong>com</strong> tanto <strong>de</strong>sejo lhe pe<strong>de</strong>m. Tal é também<<strong>br</strong> />

muitas vezes teu <strong>de</strong>sejo, que manifestastes <strong>com</strong> tanta<<strong>br</strong> />

ansieda<strong>de</strong>; pois não é puro nem perfeito o que está<<strong>br</strong> />

contaminado <strong>de</strong> algum interesse próprio.<<strong>br</strong> />

3. Pe<strong>de</strong>-me, não o que te é agradável e cômodo, senão o que a<<strong>br</strong> />

mim me é aceito e honroso; pois, se julgares retamente, <strong>de</strong>ves<<strong>br</strong> />

preferir minha lei a todos os teus <strong>de</strong>sejos e cumpri-la. Conheço<<strong>br</strong> />

teus <strong>de</strong>sejos e ouvi teus freqüentes gemidos. Quiseras já agora<<strong>br</strong> />

estar na gloriosa liberda<strong>de</strong> dos filhos <strong>de</strong> Deus, já te <strong>de</strong>leita o<<strong>br</strong> />

pensamento da morada eterna, na pátria celestial repleta <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

gozo; - mas não é ainda chegada essa hora, outro é o tempo<<strong>br</strong> />

atual, tempo <strong>de</strong> guerra, trabalho e provação. Desejas gozar a<<strong>br</strong> />

plenitu<strong>de</strong> do Sumo Bem, mas por enquanto ainda não o po<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

conseguir. Sou eu esse Bem supremo; espera-me, diz o<<strong>br</strong> />

Senhor, até que venha o reino <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

4. Hás <strong>de</strong> passar ainda por muitas provações na terra e ser<<strong>br</strong> />

exercitado em muitas coisas. Consolações se te darão <strong>de</strong> vez<<strong>br</strong> />

em quando, mas plena satisfação não po<strong>de</strong>s receber. Esforçate,<<strong>br</strong> />

pois, e tem coragem, para fazer e sofrer o que repugna à<<strong>br</strong> />

natureza. Importa que te revistas do homem novo e te<<strong>br</strong> />

transformes em outro homem. Cumpre-te fazer muitas vezes o<<strong>br</strong> />

que não queres e <strong>de</strong>ixar o que queres. O que agrada aos outros<<strong>br</strong> />

terá bom sucesso; o que te agrada não se fará. O que os outros<<strong>br</strong> />

dizem está atendido; o que tu dizes será <strong>de</strong>sprezado. Pedirão<<strong>br</strong> />

os outros e receberão; tu pedirás, e não alcançarás.<<strong>br</strong> />

1. Serão gran<strong>de</strong>s os outros na boca dos homens; mas <strong>de</strong> ti<<strong>br</strong> />

nem se dirá palavra. Os outros serão encarregados <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

diversas <strong>com</strong>issões, e tu não serás julgado capaz <strong>de</strong> coisa<<strong>br</strong> />

alguma. Com isto se contristará, às vezes, a natureza;<<strong>br</strong> />

mas


2. muito ganharás, se o sofreres calado. Nessas e noutras<<strong>br</strong> />

coisas semelhantes costuma ser aprovado o servo fiel do<<strong>br</strong> />

Senhor, para ver <strong>com</strong>o sabe negar-se e mortificar em<<strong>br</strong> />

tudo. Dificilmente haverá coisa em que mais te seja<<strong>br</strong> />

preciso morrer a ti mesmo, do que em ver e sofrer o que é<<strong>br</strong> />

contrário à tua vonta<strong>de</strong>, mormente quando te mandam<<strong>br</strong> />

fazer coisas que te parecem inúteis ou <strong>de</strong>sarrazoadas. E<<strong>br</strong> />

porque não ousas resistir à autorida<strong>de</strong> do superior, sob<<strong>br</strong> />

cujo governo estás, duro te parece andar à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

outrem e <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> todo o teu próprio parecer.<<strong>br</strong> />

5. Mas consi<strong>de</strong>ra, filho, o fruto <strong>de</strong>stes trabalhos, o fim <strong>br</strong>eve e o<<strong>br</strong> />

prêmio excessivamente gran<strong>de</strong>, e não te serão molestos, mas<<strong>br</strong> />

acharás neles consolo para teus sofrimentos. Pois, por um<<strong>br</strong> />

pequeno <strong>de</strong>sejo que agora sacrificas, tua vonta<strong>de</strong> será sempre<<strong>br</strong> />

satisfeita no céu on<strong>de</strong> acharás tudo que quiseres, tudo o que<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sejar. Ali possuirás todo o bem, sem medo <strong>de</strong> o<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>r. Ali tua vonta<strong>de</strong>, sempre unida <strong>com</strong> a minha, nada<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejará fora <strong>de</strong> mim, nada que te seja próprio. Ali ninguém te<<strong>br</strong> />

fará oposição ou <strong>de</strong> ti se queixará, ninguém te causará estorvo<<strong>br</strong> />

ou contrarieda<strong>de</strong>s; antes, tudo quanto <strong>de</strong>sejares já estará<<strong>br</strong> />

presente, para preencher e satisfazer plenamente todos os teus<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejos. Ali te darei a glória pela injúria pa<strong>de</strong>cida, uma túnica<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> honra pela tristeza, e, pela escolha do ínfimo lugar, um<<strong>br</strong> />

trono em meu reino para sempre. Ali <strong>br</strong>ilhará o fruto da<<strong>br</strong> />

obediência, alegrar-se-á a austera penitência e será<<strong>br</strong> />

gloriosamente coroada a sujeição humil<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

6. Sujeita-te, pois, agora, humil<strong>de</strong>mente à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, sem<<strong>br</strong> />

te importar quem foi que tal disse ou mandou. Mas cuida<<strong>br</strong> />

muito em acolher <strong>de</strong> bom grado qualquer pedido ou aceno,<<strong>br</strong> />

seja <strong>de</strong> teu superior, ou embora <strong>de</strong> teu igual ou inferior, e trata<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> o cumprir <strong>com</strong> sincera vonta<strong>de</strong>. Busque um isto, outro<<strong>br</strong> />

aquilo; glorie-se este numa coisa, aquele em outra, e receba<<strong>br</strong> />

mil louvores; tu, porém, não te <strong>de</strong>leites numa nem noutra<<strong>br</strong> />

coisa, mas só no <strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong> ti mesmo e na minha vonta<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

glória. Este <strong>de</strong>ve ser o teu <strong>de</strong>sejo: que tanto na vida <strong>com</strong>o na<<strong>br</strong> />

morte Deus seja sempre por ti glorificado.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 50<<strong>br</strong> />

Como o homem angustiado se <strong>de</strong>ve entregar nas mãos <strong>de</strong> Deus<<strong>br</strong> />

1. Senhor Deus, Pai santo! Bendito sejais agora e sempre; porque<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o quisestes assim se fez, e bom é quanto fazeis. Alegre-se em<<strong>br</strong> />

vós o vosso servo, não em si, nem em algum outro, porque só vós


sois a verda<strong>de</strong>ira alegria, vós a minha esperança e coroa; só vós,<<strong>br</strong> />

Senhor, minha <strong>de</strong>lícia e glória. Que tem vosso servo, senão o que <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vós recebeu, ainda sem<<strong>br</strong> />

o merecer? Vosso é tudo o que <strong>de</strong>stes e fizestes. Po<strong>br</strong>e sou e vivo em<<strong>br</strong> />

trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong> (Sl 87,16), e minha alma se entristece<<strong>br</strong> />

algumas vezes até às lágrimas, e outras se perturba pelos<<strong>br</strong> />

sofrimentos que a ameaçam.<<strong>br</strong> />

1. Desejo a alegria da paz, suplico a paz <strong>de</strong> vossos filhos, a que<<strong>br</strong> />

apascentais na luz da consolação. Se vós me <strong>de</strong>r<strong>de</strong>s a paz, se<<strong>br</strong> />

vós me infundir<strong>de</strong>s santa alegria, será a alma <strong>de</strong> vosso servo<<strong>br</strong> />

cheia <strong>de</strong> júbilo, entoando <strong>de</strong>votamente vossos louvores. Mas se<<strong>br</strong> />

vos afastar<strong>de</strong>s, <strong>com</strong>o muitas vezes fazeis, não po<strong>de</strong>rá ele<<strong>br</strong> />

trilhar o caminho dos vossos mandamentos, mas antes se<<strong>br</strong> />

prostará <strong>de</strong> joelhos, para bater no peito, porque não lhe vai<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o nos dias passados, "quando resplan<strong>de</strong>cia vossa luz so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

sua cabeça" (Gên 31,2), e encontrava refúgio contra as<<strong>br</strong> />

tentações violentas <strong>de</strong>baixo da som<strong>br</strong>a <strong>de</strong> vossas asas.<<strong>br</strong> />

2. Pai justo e sempre digno <strong>de</strong> louvor! Chegada é a hora em que<<strong>br</strong> />

será provado o vosso servo. Pai amoroso! Justo é que nesta<<strong>br</strong> />

hora sofra alguma coisa o vosso servo por vosso amor. Pai<<strong>br</strong> />

sempre adorável, chegou a hora que <strong>de</strong> toda a eternida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

prevíeis havia <strong>de</strong> vir, que por pouco tempo sucumba vosso<<strong>br</strong> />

servo exteriormente, mas vivendo interiormente sempre unido<<strong>br</strong> />

a vós. Por pouco tempo seja <strong>de</strong>sprezado e humilhado, abatido<<strong>br</strong> />

diante dos homens e oprimido <strong>de</strong> sofrimentos e enfermida<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

para que ressuscite convosco na aurora <strong>de</strong> uma nova luz e<<strong>br</strong> />

seja glorificado no céu. Pai santo! foi esta vossa or<strong>de</strong>m e<<strong>br</strong> />

vonta<strong>de</strong>, fez-se o que or<strong>de</strong>nastes.<<strong>br</strong> />

3. Pois é uma graça que conce<strong>de</strong>is ao vosso amigo: o sofrer e<<strong>br</strong> />

penar neste mundo por vosso amor, quantas vezes e <strong>de</strong> quem<<strong>br</strong> />

o permitireis. Sem o vosso <strong>de</strong>sígnio, sem a vossa providência,<<strong>br</strong> />

ou sem causa, nada acontece na terra. É bom para mim,<<strong>br</strong> />

Senhor, que me tenhais humilhado para que aprenda vossos<<strong>br</strong> />

justos juízos (Sl 118,71), e <strong>de</strong>ponha toda a soberba e toda<<strong>br</strong> />

presunção. Proveitoso é para mim "ter o rosto coberto <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

confusão" (Sl 68,8), para que busque a consolação em vós e<<strong>br</strong> />

não nos homens. Também aprendi por este meio a temer<<strong>br</strong> />

vossos insondáveis juízos; pois afligis o justo <strong>com</strong> o ímpio, mas<<strong>br</strong> />

sempre <strong>com</strong> eqüida<strong>de</strong> e justiça.<<strong>br</strong> />

4. Graças vos dou, Senhor, que não poupastes minhas malda<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

antes me castigais <strong>com</strong> duros açoites, enviando-me dores e<<strong>br</strong> />

afligindo-me exterior e interiormente <strong>de</strong> angústias. De tudo


quanto existe <strong>de</strong>baixo do sol, nada há capaz <strong>de</strong> me consolar,<<strong>br</strong> />

senão vós, Senhor meu Deus, médico celestial das almas, que<<strong>br</strong> />

feris e sanais, pon<strong>de</strong>s em gran<strong>de</strong>s tormentos e <strong>de</strong>les livrais (1<<strong>br</strong> />

Rs 2,6; Tob 13,2). Vosso castigo está so<strong>br</strong>e mim, e vossa<<strong>br</strong> />

disciplina me ensinará (Sl 17,36).<<strong>br</strong> />

5. Pai querido, em vossas mãos estou e me inclino <strong>de</strong>baixo da<<strong>br</strong> />

vara <strong>de</strong> vossa correção. Feri-me as costas e o pescoço, para<<strong>br</strong> />

que sujeite minha vonta<strong>de</strong> teimosa à vossa. Fazei-me discípulo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voto e humil<strong>de</strong>, <strong>com</strong>o sabeis fazer, para que obe<strong>de</strong>ça ao<<strong>br</strong> />

vosso menor aceno. Entrego-me, <strong>com</strong> tudo que é meu, à vossa<<strong>br</strong> />

correção; pois é melhor ser castigado neste mundo que no<<strong>br</strong> />

outro. Vós sabeis tudo e todas as coisas e nada se vos escon<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

da consciência humana. Vós sabeis o futuro antes que se<<strong>br</strong> />

realize, e não precisais <strong>de</strong> quem vos ensine ou advirta das<<strong>br</strong> />

coisas que se fazem na terra. Vós sabeis o que serve para meu<<strong>br</strong> />

progresso e quanto vale a tribulação, para limpar a ferrugem<<strong>br</strong> />

dos vícios. Dispon<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim segundo<<strong>br</strong> />

o vosso beneplácito e não olheis para a minha vida pecaminosa, <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ninguém melhor e mais claramente conhecida do que <strong>de</strong> vós.<<strong>br</strong> />

1. Conce<strong>de</strong>i-me, Senhor, que eu saiba o que <strong>de</strong>vo saber, ame o<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong>vo amar; fazei-me louvar o que mais vos agrada, estimar<<strong>br</strong> />

o que vós apreciais, <strong>de</strong>sprezar o que a vossos olhos é abjeto.<<strong>br</strong> />

Não me <strong>de</strong>ixeis julgar pelas aparências exteriores, nem criticar<<strong>br</strong> />

pelo que ouço <strong>de</strong> homens inexperientes, mas dai-me o<<strong>br</strong> />

discernimento certo das coisas visíveis e das espirituais, e<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>etudo, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecer sempre vossa vonta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

2. Enganam-se, freqüentemente, os homens em seus juízos, e<<strong>br</strong> />

não menos se enganam os mundanos, porque só amam as<<strong>br</strong> />

coisas visíveis. Porventura ficará melhor o homem porque<<strong>br</strong> />

outro o louva? O mentiroso engana ao mentiroso, o vaidoso ao<<strong>br</strong> />

vaidoso, o cego ao cego, o doente ao doente, em lhe fazendo<<strong>br</strong> />

elogios; e na verda<strong>de</strong>, antes o confun<strong>de</strong> em lhe tecendo vãos<<strong>br</strong> />

louvores. Porque, quanto cada um é aos olhos <strong>de</strong> Deus, tanto é<<strong>br</strong> />

e nada mais, diz o humil<strong>de</strong> S. Francisco.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 51<<strong>br</strong> />

Que <strong>de</strong>vemos praticar as o<strong>br</strong>as humil<strong>de</strong>s quando somos incapazes<<strong>br</strong> />

para as mais altas<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, não po<strong>de</strong>s conservar-te sempre no <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

fervoroso <strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s, nem perseverar no mais alto


grau <strong>de</strong> contemplação; mas às vezes te é necessário, por causa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tua natureza viciada, <strong>de</strong>scer a coisas humil<strong>de</strong>s e carregar,<<strong>br</strong> />

em que te pese, o fardo <strong>de</strong>sta vida corruptível. Enquanto<<strong>br</strong> />

viveres neste corpo mortal, sentirás tédio e angústias do<<strong>br</strong> />

coração. Convém, pois, que na carne gemas muitas vezes<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>baixo do seu peso, porque não po<strong>de</strong>s ocupar-te dos<<strong>br</strong> />

exercícios espirituais e da contemplação das coisas divinas,<<strong>br</strong> />

sem interrupção.<<strong>br</strong> />

2. Então te convém recorrer a humil<strong>de</strong>s ocupações exteriores e<<strong>br</strong> />

recrear-te nas boas o<strong>br</strong>as; esperar, <strong>com</strong> firme confiança,<<strong>br</strong> />

minha vinda e visita celestial; levar <strong>com</strong> paciência o teu<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sterro e secura <strong>de</strong> espírito, até que <strong>de</strong> novo venha a visitarte<<strong>br</strong> />

e te livre <strong>de</strong> todas as penas. Porque eu te farei esquecer os<<strong>br</strong> />

trabalhos e gozar do sossego interior. A<strong>br</strong>ir-te-ei o jardim<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>licioso das Sagradas Escrituras, para que, <strong>com</strong> o coração<<strong>br</strong> />

dilatado, <strong>com</strong>eces a correr pelo caminho dos meus<<strong>br</strong> />

mandamentos. E então dirás: Não têm proporção as penas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sta vida <strong>com</strong> a futura glória que se nos há <strong>de</strong> revelar (Rom<<strong>br</strong> />

8,18).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 52<<strong>br</strong> />

Que o homem se não repute digno <strong>de</strong> consolação, mas merecedor <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

castigo<<strong>br</strong> />

1. A alma: Senhor, eu não sou digno da vossa consolação, nem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> visita alguma espiritual, e por isso me tratais <strong>com</strong> justiça,<<strong>br</strong> />

quando me <strong>de</strong>ixais po<strong>br</strong>e e <strong>de</strong>sconsolado. Porque, mesmo que<<strong>br</strong> />

pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>rramar um mar <strong>de</strong> lágrimas, ainda assim não seria<<strong>br</strong> />

digno <strong>de</strong> vossa consolação. Outra coisa não mereço, pois,<<strong>br</strong> />

senão ser flagelado e punido por tantas ofensas e tão graves<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>litos que <strong>com</strong>eti. Assim, portanto bem consi<strong>de</strong>rado tudo, não<<strong>br</strong> />

sou digno nem da menor consolação. Vós, porém, Deus<<strong>br</strong> />

clemente e misericordioso, que não quereis que pereçam<<strong>br</strong> />

vossas o<strong>br</strong>as, para manifestar as riquezas <strong>de</strong> vossa bonda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

nos vasos <strong>de</strong> misericórdia, vos dignais <strong>de</strong> consolar vosso servo,<<strong>br</strong> />

sem merecimento algum, <strong>de</strong> todo so<strong>br</strong>e-humano. Porque<<strong>br</strong> />

vossas consolações não são <strong>com</strong>o as consolações humanas.<<strong>br</strong> />

2. Que fiz eu, Senhor, para que me désseis alguma consolação<<strong>br</strong> />

celestial? Não me lem<strong>br</strong>a ter feito bem algum, mas antes fui<<strong>br</strong> />

sempre inclinado a pecados, e tardio na emenda. É esta a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>, não há negá-lo. Se dissesse outra coisa, vós estaríeis


contra mim e não haveria quem me <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>sse. Que outra<<strong>br</strong> />

coisa mereci pelos meus pecados, senão o inferno e<<strong>br</strong> />

o fogo eterno? Confesso <strong>com</strong> sincerida<strong>de</strong> que sou digno <strong>de</strong> todo<<strong>br</strong> />

escárnio e <strong>de</strong>sprezo, e que não mereço ser contado no número <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vossos servos. E ainda que ouça isso muito a contragosto, por amor<<strong>br</strong> />

à verda<strong>de</strong>, acusarei contra mim os meus pecados, para alcançar<<strong>br</strong> />

mais facilmente a vossa misericórdia.<<strong>br</strong> />

1. Que direi eu, coberto <strong>de</strong> culpa e confusão? Não posso<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>ir a boca senão para dizer esta palavra: Pequei,<<strong>br</strong> />

Senhor, pequei; ten<strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim, perdoai-me!<<strong>br</strong> />

Deixai-me um pouco <strong>de</strong> tempo para <strong>de</strong>safogar a minha<<strong>br</strong> />

dor, antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer para a terra tene<strong>br</strong>osa, coberta das<<strong>br</strong> />

som<strong>br</strong>as da morte (Jó 10, 20.21). Que mais exigis do<<strong>br</strong> />

culpado e mísero pecador senão<<strong>br</strong> />

2. que se humilhe e tenha contrição dos seus pecados? Pela<<strong>br</strong> />

contrição sincera e humil<strong>de</strong> do coração nasce a<<strong>br</strong> />

esperança do perdão, reconcilia-se a consciência<<strong>br</strong> />

perturbada, recupera-se a graça perdida, preserva-se o<<strong>br</strong> />

homem da ira futura, em ósculo santo une-se Deus à<<strong>br</strong> />

alma arrependida.<<strong>br</strong> />

2. A humil<strong>de</strong> contrição dos pecados é para vós, Senhor, sacrifício<<strong>br</strong> />

muito aceito, que rescen<strong>de</strong> mais suave em vossa presença do<<strong>br</strong> />

que o perfume do incenso. É este também o precioso bálsamo<<strong>br</strong> />

que quisestes ver <strong>de</strong>rramado em vosso pés sagrados, pois<<strong>br</strong> />

nunca <strong>de</strong>sprezastes o coração contrito e humilhado (Sl 50, 19).<<strong>br</strong> />

Lá se encontra o refúgio contra o furor do inimigo, ali se<<strong>br</strong> />

emendam e lavam as manchas algures contraídas.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 53<<strong>br</strong> />

Que a graça <strong>de</strong> Deus não se <strong>com</strong>unica aos que gostam das coisas<<strong>br</strong> />

terrenas<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, preciosa é a minha graça; não sofre mistura <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

coisas estranhas, nem <strong>de</strong> consolações terrenas. Cumpre, pois,<<strong>br</strong> />

remover todos os impedimentos da graça, se <strong>de</strong>sejas que te seja<<strong>br</strong> />

infundida. Busca lugar retirado, gosta <strong>de</strong> viver só contigo, e não<<strong>br</strong> />

procures conversa <strong>com</strong> os outros, mas a Deus dirige tua oração<<strong>br</strong> />

fervorosa, para que te conserve na <strong>com</strong>punção <strong>de</strong> espírito e pureza<<strong>br</strong> />

da consciência. Avalia em nada o mundo todo; antepõe o serviço <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus a todas as coisas exteriores. Pois não po<strong>de</strong>s há um tempo<<strong>br</strong> />

tratar <strong>com</strong>igo e <strong>de</strong>leitar-te nas coisas transitórias. Cumpre


apartares-te dos conhecidos e amigos, e <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>res teu coração<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> toda consolação temporal. Assim exorta também instantemente<<strong>br</strong> />

o apóstolo São Pedro que os fiéis cristãos vivam neste mundo <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

estrangeiros e peregrinos (1 Pdr 2,11).<<strong>br</strong> />

1. Oh! Quanta confiança terá aquele moribundo que não tem<<strong>br</strong> />

afeição a coisa alguma do mundo. Mas <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r assim o<<strong>br</strong> />

coração <strong>de</strong> tudo, não o <strong>com</strong>preen<strong>de</strong> o espírito ainda enfermo,<<strong>br</strong> />

bem <strong>com</strong>o o homem carnal não conhece a liberda<strong>de</strong> do homem<<strong>br</strong> />

interior. Entretanto, se quiser ser verda<strong>de</strong>iramente espiritual,<<strong>br</strong> />

cumpre-lhe renunciar aos estranhos <strong>com</strong>o aos parentes e <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ninguém mais se guardar do que <strong>de</strong> si mesmo. Se te venceres<<strong>br</strong> />

perfeitamente a ti mesmo, tudo o mais sujeitarás <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

facilida<strong>de</strong>. Pois a perfeita vitória é triunfar <strong>de</strong> si mesmo.<<strong>br</strong> />

Porque aquele que se domina a tal ponto, que os sentidos<<strong>br</strong> />

obe<strong>de</strong>çam à razão e a razão lhe obe<strong>de</strong>ça em todas as coisas,<<strong>br</strong> />

este é realmente vencedor <strong>de</strong> si mesmo e senhor do mundo.<<strong>br</strong> />

2. Se aspiras a galgar estas alturas, cumpre-te <strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />

varonilmente e pôr o machado à raiz, para que arranque e<<strong>br</strong> />

cortes<<strong>br</strong> />

o secreto e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado apego que tens a ti mesmo, e a todo bem<<strong>br</strong> />

particular e sensível. Deste vício do amor excessivo e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado<<strong>br</strong> />

que o homem tem a si mesmo provém quase tudo que radicalmente<<strong>br</strong> />

se há <strong>de</strong> vencer; vencido este e subjugado, logo haverá gran<strong>de</strong> paz e<<strong>br</strong> />

tranqüilida<strong>de</strong> estável. Mas já que poucos tratam <strong>de</strong> morrer a si<<strong>br</strong> />

mesmos e <strong>de</strong>sapegar-se <strong>de</strong> si, por isso ficam presos em si mesmos e<<strong>br</strong> />

não se po<strong>de</strong>m erguer em espírito acima <strong>de</strong> si. A quem, todavia,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>seja livremente seguir-me, cumpre-lhe mortificar todos os seus<<strong>br</strong> />

maus e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nados afetos, e não se pren<strong>de</strong>r, <strong>com</strong> amor<<strong>br</strong> />

apaixonado, a criatura alguma.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 54<<strong>br</strong> />

Dos diversos movimentos da natureza e da graça<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, observa <strong>com</strong> diligência os movimentos da<<strong>br</strong> />

natureza e da graça: pois são muito opostos uns aos outros e<<strong>br</strong> />

tão sutis que só a custo po<strong>de</strong>m ser discernidos, mesmo por um<<strong>br</strong> />

homem espiritual e interiormente iluminado. Todos, sim,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejam o bem e intentam algum bem nas suas palavras e<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>as; por isso se enganam muitos <strong>com</strong> a aparência do bem. A<<strong>br</strong> />

natureza é astuta; a muitos atrai, enreda e engana, e não tem


outra coisa em mira senão a si mesma. Mas a graça anda <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

simplicida<strong>de</strong>, evita a menor aparência do mal, não usa <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

enganos, e tudo faz puramente por Deus, no qual <strong>de</strong>scansa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o em seu último fim.<<strong>br</strong> />

2. A natureza tem horror à mortificação, não quer ser oprimida,<<strong>br</strong> />

nem vencida, nem sujeita, nem submeter-se voluntariamente a<<strong>br</strong> />

outrem. A graça, porém, aplica-se à mortificação própria,<<strong>br</strong> />

resiste à sensualida<strong>de</strong>, quer estar sujeita, <strong>de</strong>seja ser vencida e<<strong>br</strong> />

não quer usar da própria liberda<strong>de</strong>: gosta <strong>de</strong> estar sob a<<strong>br</strong> />

disciplina, não cobiça dominar so<strong>br</strong>e outrem, mas quer viver,<<strong>br</strong> />

ficar e permanecer sempre <strong>de</strong>baixo da mão <strong>de</strong> Deus, sempre<<strong>br</strong> />

pronta, por amor <strong>de</strong> Deus, a se curvar humil<strong>de</strong>mente a toda<<strong>br</strong> />

criatura humana. A natureza trabalha por seu próprio<<strong>br</strong> />

interesse e só atenta no lucro que <strong>de</strong> outrem lhe po<strong>de</strong> advir. A<<strong>br</strong> />

graça, porém, pon<strong>de</strong>ra não o que lhe seja útil ou cômodo, mas<<strong>br</strong> />

o que a muitos seja proveitoso. A natureza gosta <strong>de</strong> receber<<strong>br</strong> />

honras e homenagens; a graça, porém, refere fielmente a Deus<<strong>br</strong> />

toda honra e glória.<<strong>br</strong> />

1. A natureza teme a confusão e <strong>de</strong>sprezo; mas a graça<<strong>br</strong> />

alegra-se <strong>de</strong> sofrer injúrias pelo nome <strong>de</strong> Jesus. A<<strong>br</strong> />

natureza aprecia a ociosida<strong>de</strong> e o bem estar do corpo; a<<strong>br</strong> />

graça, porém, não po<strong>de</strong> estar ociosa e a<strong>br</strong>aça <strong>com</strong> prazer<<strong>br</strong> />

o trabalho. A<<strong>br</strong> />

2. natureza gosta <strong>de</strong> possuir coisas esquisitas e lindas e<<strong>br</strong> />

aborrece as vis e grosseiras; mas a graça se <strong>com</strong>praz nas<<strong>br</strong> />

simples e mo<strong>de</strong>stas, não <strong>de</strong>spreza as ásperas, nem<<strong>br</strong> />

recusa vertir-se <strong>de</strong> hábito velho. A natureza cuida dos<<strong>br</strong> />

bens temporais, alegrase por um lucro pequeno,<<strong>br</strong> />

entristece-se por um prejuízo e irrita-se <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />

palavrinha injuriosa. A graça, porém, cuida das coisas<<strong>br</strong> />

eternas, não se apega às temporais, não se perturba <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a sua perda, nem se ofen<strong>de</strong> <strong>com</strong> palavras ásperas;<<strong>br</strong> />

porquanto pôs o seu tesouro e sua glória no céu on<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

nada perece.<<strong>br</strong> />

3. A natureza é cobiçosa, antes quer receber do que dar; gosta <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ter coisas próprias e particulares. Mas a graça é generosa e<<strong>br</strong> />

liberal, foge <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong>s, contenta-se <strong>com</strong> pouco e<<strong>br</strong> />

consi<strong>de</strong>ra "maior felicida<strong>de</strong> o dar que o receber"( At 20,35). A<<strong>br</strong> />

natureza inclina-se para as criaturas, para a própria carne,<<strong>br</strong> />

para as vaida<strong>de</strong>s e passatempos. Mas a graça nos conduz a<<strong>br</strong> />

Deus e às virtu<strong>de</strong>s, renuncia às criaturas, foge do mundo,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>testa os apetites carnais, restringe as vagueações e peja-se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> aparecer em público. A natureza gosta <strong>de</strong> ter qualquer<<strong>br</strong> />

consolação exterior <strong>com</strong> que <strong>de</strong>leite os sentidos. A graça,


porém, só em Deus procura seu consolo e se <strong>de</strong>licia no sumo<<strong>br</strong> />

bem, mais que em todas as coisas visíveis.<<strong>br</strong> />

4. A natureza tudo faz para seu próprio interesse e proveito, nada<<strong>br</strong> />

sabe fazer <strong>de</strong> graça, mas espera sempre, pelo bem que faz,<<strong>br</strong> />

receber outro tanto ou melhor em elogios ou favores e <strong>de</strong>seja<<strong>br</strong> />

que se faça gran<strong>de</strong> caso <strong>de</strong> seus efeitos e dons. A graça,<<strong>br</strong> />

porém, não busca nenhuma coisa temporal, nem <strong>de</strong>seja outro<<strong>br</strong> />

prêmio, senão Deus só, e do temporal não <strong>de</strong>seja mais do que<<strong>br</strong> />

quanto lhe possa servir para conseguir a vida eterna.<<strong>br</strong> />

5. A natureza preza-se <strong>de</strong> muitos amigos e parentes, ufana-se <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

sua posição elevada e linhagem ilustre, procura agradar aos<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rosos, lisonjeia os ricos, aplau<strong>de</strong> os seus iguais. A graça,<<strong>br</strong> />

porém, ama os próprios inimigos, não se gaba do gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

número <strong>de</strong> seus amigos, não faz caso <strong>de</strong> posição e no<strong>br</strong>eza, se<<strong>br</strong> />

lhes não vê unida maior virtu<strong>de</strong>. Favorece mais ao po<strong>br</strong>e que<<strong>br</strong> />

ao rico, tem mais <strong>com</strong>paixão do inocente do que do po<strong>de</strong>roso,<<strong>br</strong> />

alegra-se <strong>com</strong> o sincero, e não <strong>com</strong> o mentiroso. Estimula<<strong>br</strong> />

sempre os bons e maiores progressos, para que se<<strong>br</strong> />

assemelhem, pelas virtu<strong>de</strong>s, ao Filho <strong>de</strong> Deus. A natureza logo<<strong>br</strong> />

se queixa da penúria e do trabalho. A graça sofre <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

paciência a po<strong>br</strong>eza.<<strong>br</strong> />

6. A natureza atribui tudo a si, em proveito seu peleja a porfia. A<<strong>br</strong> />

graça, porém, atribui tudo a Deus, <strong>de</strong> quem tudo dimana <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> sua origem; nenhum bem atribui a si <strong>com</strong> arrogante<<strong>br</strong> />

presunção, não questiona, nem prefere a sua opinião à dos<<strong>br</strong> />

outros, mas em todo juízo e parecer se sujeita à sabedoria<<strong>br</strong> />

eterna e ao divino exame. A natureza <strong>de</strong>seja saber segredos e<<strong>br</strong> />

ouvir novida<strong>de</strong>s, quer exibir-se em público e experimentar<<strong>br</strong> />

muitas coisas pelos sentidos; <strong>de</strong>seja ser conhecida e fazer<<strong>br</strong> />

aquilo don<strong>de</strong> lhe resultem louvor e admiração. A graça não<<strong>br</strong> />

cuida <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s e curiosida<strong>de</strong>s, porque tudo isso nasce da<<strong>br</strong> />

corrupção antiga, pois nada há <strong>de</strong> novo e estável so<strong>br</strong>e a terra.<<strong>br</strong> />

Ensina, pois, a refrear os sentidos, a evitar a vã <strong>com</strong>placência<<strong>br</strong> />

e ostentação, a ocultar humil<strong>de</strong>mente o que provoque<<strong>br</strong> />

admiração e louvor, busca em todas as coisas e ciências<<strong>br</strong> />

proveito espiritual e a honra e glória <strong>de</strong> Deus. Não quer que a<<strong>br</strong> />

louvem, nem às suas o<strong>br</strong>as, mas que Deus seja bendito em<<strong>br</strong> />

seus dons, que ele prodigaliza a todos por mera bonda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

7. A graça é uma luz so<strong>br</strong>enatural e um dom especial <strong>de</strong> Deus; é<<strong>br</strong> />

propriamente o sinal dos escolhidos e o penhor da salvação<<strong>br</strong> />

eterna, pois eleva o homem das coisas terrenas ao amor das<<strong>br</strong> />

celestiais, e <strong>de</strong> carnal o torna espiritual. Quanto mais, pois, é<<strong>br</strong> />

oprimida e dominada a natureza, tanto maior graça é


infundida, e tanto mais cada dia é renovado o homem interior,<<strong>br</strong> />

conforme a imagem <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 55<<strong>br</strong> />

Da corrupção da natureza e da eficácia da graça divina<<strong>br</strong> />

1. A alma: Senhor, meu Deus, que me criastes à vossa imagem e<<strong>br</strong> />

semelhança, conce<strong>de</strong>i-me a graça que <strong>de</strong>clarastes ser tão<<strong>br</strong> />

importante e necessária para a salvação: que eu vença minha<<strong>br</strong> />

péssima natureza, que me arrasta ao pecado e à perdição.<<strong>br</strong> />

Porque sinto em minha carne a lei do pecado, que é contrária<<strong>br</strong> />

à lei do espírito e me cativa, querendo me levar a obe<strong>de</strong>cer, em<<strong>br</strong> />

muitas coisas, à sensualida<strong>de</strong>; nem po<strong>de</strong>rei resistir às paixões,<<strong>br</strong> />

se não me assistir vossa santíssima graça, e me inflamar o<<strong>br</strong> />

coração.<<strong>br</strong> />

2. É necessária vossa graça, e gran<strong>de</strong> graça, para vencer a<<strong>br</strong> />

natureza, propensa sempre ao mal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância. Porque,<<strong>br</strong> />

viciada pelo primeiro homem, Adão, e corrompida pelo pecado,<<strong>br</strong> />

transmite a todos os homens a pena <strong>de</strong>sta mancha, <strong>de</strong> sorte<<strong>br</strong> />

que a mesma natureza, por vós criada boa e reta, agora <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

ser consi<strong>de</strong>rada <strong>com</strong>o enferma e enfraquecida pela corrupção,<<strong>br</strong> />

visto que seus movimentos, abandonados a si mesmos, a<<strong>br</strong> />

arrastam ao mal e às coisas baixas, Porque a módica força que<<strong>br</strong> />

lhe ficou é <strong>com</strong>o uma centelha oculta <strong>de</strong>baixo da cinza. Esta<<strong>br</strong> />

centelha é a razão natural, que, embora envolta em <strong>de</strong>nsas<<strong>br</strong> />

trevas, discerne ainda o bem do mal, a verda<strong>de</strong> do erro, mas<<strong>br</strong> />

não é capaz <strong>de</strong> fazer tudo que aprova, já que não possui a<<strong>br</strong> />

plena luz da verda<strong>de</strong>, nem a primitiva pureza <strong>de</strong> seus afetos.<<strong>br</strong> />

3. Daí vem, ó meu Deus, que "segundo o homem interior me<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>leito em vossa lei" (Rom 7, 22), sabendo que vosso mandato<<strong>br</strong> />

é bom, justo e santo, que reprova todo mal e ensina que se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ve fugir ao pecado. Segundo a carne, porém, estou<<strong>br</strong> />

escravizado à lei do pecado, pois obe<strong>de</strong>ço mais à sensualida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que à razão. Daí vem que "tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<<strong>br</strong> />

o bem, mas não sei realizá-lo" (Rom 7, 18). Por isso faço muitos<<strong>br</strong> />

bons propósitos, mas faltando-me vossa graça que auxilie minha<<strong>br</strong> />

fraqueza, <strong>com</strong> o menor obstáculo <strong>de</strong>sfaleço e <strong>de</strong>sisto. Assim suce<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que bem conheço o caminho da perfeição e vejo claramente o que<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vo fazer. Entretanto, oprimido <strong>com</strong> o peso da corrupção, não me<<strong>br</strong> />

elevo ao que é mais perfeito.


1. Oh! Como me é necessária, Senhor, vossa graça, para<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçar, continuar e <strong>com</strong>pletar o bem. Porque sem ela nada<<strong>br</strong> />

posso fazer, mas tudo posso em vós, se me confortar vossa<<strong>br</strong> />

graça, Ó graça verda<strong>de</strong>iramente celestial, sem a qual nada<<strong>br</strong> />

valem os próprios merecimentos, nem apreço merecem os dons<<strong>br</strong> />

naturais! Nada valem diante <strong>de</strong> vós, Senhor, as artes e a<<strong>br</strong> />

riqueza, a formosura e a fortaleza, o engenho e a eloqüência -<<strong>br</strong> />

sem a graça. Porque os dons da natureza são <strong>com</strong>uns aos<<strong>br</strong> />

bons e aos maus; mas a graça ou carida<strong>de</strong> é peculiar dos<<strong>br</strong> />

escolhidos, porque os torna dignos da vida eterna. Tão<<strong>br</strong> />

excelente é esta graça, que nem o dom da profecia, nem o<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fazer milagres, nem a mais alta contemplação tem<<strong>br</strong> />

valor algum sem ela. Nem mesmo a fé, nem a esperança, nem<<strong>br</strong> />

as outras virtu<strong>de</strong>s vos agradam, sem a graça e sem a carida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

2. Ó graça beatíssima, que fazes rico <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s o po<strong>br</strong>e <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

espírito e tornas humil<strong>de</strong> <strong>de</strong> coração o rico dos bens <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

fortunas: vem, <strong>de</strong>sce so<strong>br</strong>e mim e enche minha alma <strong>de</strong> tua<<strong>br</strong> />

consolação, para que não <strong>de</strong>sfaleça, <strong>de</strong> cansaço e ari<strong>de</strong>z, meu<<strong>br</strong> />

espírito. Suplico-vos, Senhor, que eu ache graça em vossos<<strong>br</strong> />

olhos, porque me basta a vossa graça, embora me falte tudo<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong>seja a natureza. Ainda que seja tentado e vexado <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

muitas tribulações, nada temerei, enquanto estiver <strong>com</strong>igo a<<strong>br</strong> />

vossa graça. Ela é a minha fortaleza, me dá conselho e<<strong>br</strong> />

amparo. Ela é mais po<strong>de</strong>rosa que todos os inimigos e mais<<strong>br</strong> />

sábia que todos os sábios.<<strong>br</strong> />

3. Ela é a mestra da verda<strong>de</strong> e da disciplina, a luz do coração e o<<strong>br</strong> />

alívio nas tribulações; ela afugenta a tristeza, dissipa o temor,<<strong>br</strong> />

nutre a <strong>de</strong>voção, gera santas lágrimas. Que sou eu sem a<<strong>br</strong> />

graça, senão um lenho seco e um tronco inútil, que se atira ao<<strong>br</strong> />

fogo? Previna-me, pois, Senhor, a vossa graça e me a<strong>com</strong>panhe<<strong>br</strong> />

sempre e me conserve continuamente na prática das boas<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>as, por Jesus <strong>Cristo</strong>, vosso Filho. Amém.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 56<<strong>br</strong> />

Que <strong>de</strong>vemos renunciar a nós mesmos e seguir a <strong>Cristo</strong> pela cruz<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Quanto mais saíres <strong>de</strong> ti mesmo, tanto mais po<strong>de</strong>rás<<strong>br</strong> />

chegar-te a mim. Assim <strong>com</strong>o o não <strong>de</strong>sejar coisa alguma<<strong>br</strong> />

exterior produz paz interior, assim o <strong>de</strong>sprendimento interior<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> si mesmo causa a união <strong>com</strong> Deus. Quero que aprendas a<<strong>br</strong> />

perfeita abnegação <strong>de</strong> ti mesmo, submetendo-te, sem<<strong>br</strong> />

resistência e sem queixa, à minha vonta<strong>de</strong>. Segue-me, eu sou<<strong>br</strong> />

o caminho, a verda<strong>de</strong> e a vida (Jo 14,6). Sem caminho não se


anda, sem verda<strong>de</strong> não se conhece, sem vida não se vive. Eu<<strong>br</strong> />

sou o caminho que <strong>de</strong>ves seguir, a verda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ves crer, a<<strong>br</strong> />

vida que <strong>de</strong>ves esperar. Eu sou o caminho seguro, a verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

infalível, a vida interminável. Eu sou o caminho direito, a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong> suprema, a vida verda<strong>de</strong>ira, a vida ditosa, a vida<<strong>br</strong> />

incriada. Se perseverares no meu caminho, conhecerás a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>, e a verda<strong>de</strong> te livrará (Jo 8,32), e alcançarás a vida<<strong>br</strong> />

eterna.<<strong>br</strong> />

2. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos (Mt 19,17).<<strong>br</strong> />

Se queres conhecer a verda<strong>de</strong>, crê em mim. Se queres ser<<strong>br</strong> />

perfeito, ven<strong>de</strong> tudo (Mt 19,21). Se queres ser meu discípulo,<<strong>br</strong> />

renuncia a ti mesmo. Se queres possuir a vida<<strong>br</strong> />

bemaventurada, <strong>de</strong>spreza a presente. Se queres ser exaltado<<strong>br</strong> />

no céu, humilha-te na terra. Se queres reinar <strong>com</strong>igo, carrega<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>igo a cruz, porque só os servos da cruz acham o caminho<<strong>br</strong> />

da bem-aventurança e da luz verda<strong>de</strong>ira.<<strong>br</strong> />

3. A alma: Senhor, Jesus <strong>Cristo</strong>! Porque vossa vida foi tão<<strong>br</strong> />

oprimida e <strong>de</strong>sprezada no mundo, conce<strong>de</strong>i-me o imitar-vos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o <strong>de</strong>sprezo do mundo. Pois o servo não é maior que seu<<strong>br</strong> />

senhor, nem o discípulo mais do que o mestre (Mt 10,24).<<strong>br</strong> />

Trabalhe vosso servo por conformar-me à vossa vida, porque<<strong>br</strong> />

nela está a minha salvação e a verda<strong>de</strong>ira santida<strong>de</strong>. Tudo<<strong>br</strong> />

quanto fora <strong>de</strong>la leio ou ouço não me po<strong>de</strong> recrear ou <strong>de</strong>leitar<<strong>br</strong> />

plenamente.<<strong>br</strong> />

4. Jesus: Filho, pois que sabes e lês todas estas coisas, bemaventurado<<strong>br</strong> />

serás se as puseres em prática. Quem conhece os<<strong>br</strong> />

meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama;<<strong>br</strong> />

também eu o amarei e me manifestarei a ele (Jo 14,21), e o<<strong>br</strong> />

farei assentar <strong>com</strong>igo no reino <strong>de</strong> meu Pai.<<strong>br</strong> />

1. A alma: Senhor Jesus! Faça-se em mim segundo vossa<<strong>br</strong> />

palavra e promessa, e seja-me dado merecê-lo. Recebi a<<strong>br</strong> />

cruz, da vossa mão a recebi; hei <strong>de</strong> carregá-la, carregar<<strong>br</strong> />

até à morte, <strong>com</strong>o vós ma impusestes. Na verda<strong>de</strong>, a vida<<strong>br</strong> />

do bom<<strong>br</strong> />

2. religioso é uma cruz, mas o conduz ao Paraíso. O <strong>com</strong>eço<<strong>br</strong> />

está feito; não posso voltar atrás sem <strong>de</strong>sistir.<<strong>br</strong> />

5. Eia, irmãos! Marchemos unidos, Jesus está conosco, por<<strong>br</strong> />

Jesus a<strong>br</strong>açamos a cruz, por Jesus queremos nela perseverar.<<strong>br</strong> />

Ele, que é nosso chefe e guia, será também nosso auxílio. Eis o<<strong>br</strong> />

nosso Rei, que marcha à nossa frente, Ele por nós <strong>com</strong>baterá.<<strong>br</strong> />

Varonilmente queremos segui-lo, ninguém se espante;<<strong>br</strong> />

estejamos prontos para morrer, <strong>com</strong> <strong>de</strong>nodo, no <strong>com</strong>bate, e<<strong>br</strong> />

não manchemos nossa glória, <strong>de</strong>sertando da cruz.


CAPÍTULO 57<<strong>br</strong> />

Que o homem não se <strong>de</strong>sanime em <strong>de</strong>masia, quando cai em<<strong>br</strong> />

algumas faltas<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, mais me agradam a paciência e humilda<strong>de</strong> nos<<strong>br</strong> />

reveses que a muita consolação e fervor nas prosperida<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Por que te entristece uma coisinha que contra ti disseram?<<strong>br</strong> />

Ainda que fosse maior, não te <strong>de</strong>vias ter perturbado. Deixa<<strong>br</strong> />

passar isso agora, não é novida<strong>de</strong>; não é a primeira vez, nem<<strong>br</strong> />

será a última, se muito tempo viveres. Mas valoroso és,<<strong>br</strong> />

enquanto te não suce<strong>de</strong> alguma adversida<strong>de</strong>. Sabes até dar<<strong>br</strong> />

bons conselhos e acalentar os outros <strong>com</strong> tuas palavras; mas<<strong>br</strong> />

quando bate, <strong>de</strong> improviso, à tua porta a tribulação, logo te<<strong>br</strong> />

falta conselho e fortaleza. Consi<strong>de</strong>ra tua gran<strong>de</strong> fraqueza, que<<strong>br</strong> />

tantas vezes experimentas nas pequenas coisas; todavia, é<<strong>br</strong> />

para tua salvação que isso e semelhantes coisas acontecem.<<strong>br</strong> />

2. Procura esquecer isso <strong>com</strong>o melhor souberes, e, se te<<strong>br</strong> />

impressionou, não te abale nem te perturbe muito tempo.<<strong>br</strong> />

Sofre ao menos <strong>com</strong> paciência o que não po<strong>de</strong>s sofrer <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

alegria. Ainda que te custe ouvir esta ou aquela palavra e te<<strong>br</strong> />

sintas indignado, mo<strong>de</strong>ra-te, e não <strong>de</strong>ixes escapar da tua boca<<strong>br</strong> />

alguma expressão <strong>de</strong>spropositada, <strong>com</strong> que os pequenos se<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>riam escandalizar. Logo se acalmará a tempesta<strong>de</strong> em teu<<strong>br</strong> />

coração, e a dor se converterá em doçura, <strong>com</strong> a volta da<<strong>br</strong> />

graça. Eu ainda vivo, diz o Senhor, pronto para te ajudar e<<strong>br</strong> />

consolar, mais do que nunca, se em mim confiares e me<<strong>br</strong> />

invocares <strong>com</strong> fervor.<<strong>br</strong> />

3. Sê mais corajoso, e prepara-te para suportar coisas maiores.<<strong>br</strong> />

Nem tudo está perdido por te sentires a miúdo tribulado e<<strong>br</strong> />

gravemente tentado. Homem és e não Deus; carne és e não<<strong>br</strong> />

anjo. Como po<strong>de</strong>rás tu perseverar sempre no mesmo estado <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong>, se tal não pô<strong>de</strong> o anjo no céu, nem o primeiro homem<<strong>br</strong> />

no paraíso? Eu sou que levanto os aflitos e os salvo, elevo à<<strong>br</strong> />

minha divinda<strong>de</strong> os que conhecem as suas fraquezas.<<strong>br</strong> />

4. A alma: Senhor, bendita seja a vossa palavra, mais doce na<<strong>br</strong> />

minha boca que um favo <strong>de</strong> mel ( Sl 18,11; 118, 103). Que<<strong>br</strong> />

seria <strong>de</strong> mim em tantas tribulações e angústias, se vós me não<<strong>br</strong> />

confortásseis <strong>com</strong> vossas santas palavras? Contanto que<<strong>br</strong> />

chegue afinal ao porto <strong>de</strong> salvação, que importa o que e quanto<<strong>br</strong> />

tiver sofrido? Conce<strong>de</strong>i-me bom fim, ditoso trânsito <strong>de</strong>ste<<strong>br</strong> />

mundo. Lem<strong>br</strong>ai-vos <strong>de</strong> mim, meu Deus, e conduzi-me pelo<<strong>br</strong> />

caminho reto ao vosso reino! Amém.


CAPÍTULO 58<<strong>br</strong> />

Que não <strong>de</strong>vemos escrutar as coisas mais altas e os ocultos juízos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Deus<<strong>br</strong> />

1. Jesus: Filho, guarda-te <strong>de</strong> disputar so<strong>br</strong>e assuntos altos e os<<strong>br</strong> />

ocultos juízos <strong>de</strong> Deus; não queiras investigar por que este é<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixado em tal estado, aquele elevado a tanta graça, este tão<<strong>br</strong> />

oprimido, aquele tão exaltado. Isso exce<strong>de</strong> o alcance humano,<<strong>br</strong> />

e não há raciocínio nem discussão que possam escrutar os<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sígnios <strong>de</strong> Deus. Quando, pois, o inimigo te sugere tais<<strong>br</strong> />

pensamentos, ou os curiosos questionarem so<strong>br</strong>e eles,<<strong>br</strong> />

respon<strong>de</strong> <strong>com</strong> o profeta: Justo sois, Senhor, e justo é o vosso<<strong>br</strong> />

juízo (Sl 118,37), ou, também: Os juízos do Senhor são<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iros e justificados em si mesmos (Sl 19, 10). Meus<<strong>br</strong> />

juízos <strong>de</strong>vem se temer, e não discutir, porque são<<strong>br</strong> />

in<strong>com</strong>preensíveis ao entendimento humano.<<strong>br</strong> />

2. Não queiras também inquirir ou disputar so<strong>br</strong>e os méritos dos<<strong>br</strong> />

santos, qual seja o mais santo ou o maior no reino dos céus.<<strong>br</strong> />

Daí nascem muitas controvérsias e contendas inúteis, que<<strong>br</strong> />

nutrem a soberba e a vanglória, don<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>m invejas e<<strong>br</strong> />

discórdias, porque este prefere soberbamente um santo,<<strong>br</strong> />

aquele quer dar a preeminência a outro. Querer saber e<<strong>br</strong> />

investigar tais coisas não traz proveito algum, antes <strong>de</strong>sagrada<<strong>br</strong> />

aos santos, porque "eu não sou Deus <strong>de</strong> discórdia e sim da<<strong>br</strong> />

paz" (1Cor 14,33), e esta paz consiste antes na verda<strong>de</strong>ira<<strong>br</strong> />

humilda<strong>de</strong> que na própria exaltação.<<strong>br</strong> />

3. Alguns, por um zelo <strong>de</strong> predileção, se afeiçoam mais a este ou<<strong>br</strong> />

àquele santo, mas este afeto é antes humano que divino. Sou<<strong>br</strong> />

eu que fiz todos os santos; eu lhes <strong>de</strong>i a graça, eu lhes<<strong>br</strong> />

outorguei a glória. Eu sei os merecimentos <strong>de</strong> cada um, eu os<<strong>br</strong> />

preveni <strong>com</strong> as bênçãos da minha doçura (Sl 20,4). Eu conheci<<strong>br</strong> />

os meus amados antes dos séculos, eu os escolhi do mundo, e<<strong>br</strong> />

não eles a mim. Eu os chamei por minha graça e os atraí por<<strong>br</strong> />

minha misericórdia: eu os fiz passar por várias provações. Eu<<strong>br</strong> />

os inun<strong>de</strong>i <strong>de</strong> maravilhosas consolações, <strong>de</strong>i-lhes a<<strong>br</strong> />

perseverança e coroei a sua paciência.<<strong>br</strong> />

4. Eu conheço o primeiro e o último e a<strong>br</strong>aço a todos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

inestimável amor. Eu <strong>de</strong>vo ser louvado em todos os meus<<strong>br</strong> />

santos, bendito so<strong>br</strong>e todas as coisas e honrado em cada um<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>les, que eu tão gloriosamente exaltei e pre<strong>de</strong>stinei, sem<<strong>br</strong> />

prévio merecimento algum <strong>de</strong> sua parte. Quem <strong>de</strong>sprezar,<<strong>br</strong> />

pois, um dos menores dos meus <strong>de</strong>ixa também <strong>de</strong> honrar o<<strong>br</strong> />

maior, porque fui eu que fiz o pequeno e o gran<strong>de</strong>. E quem


menospreza a todos os mais que estão no reino dos céus.<<strong>br</strong> />

Porquanto todos são um belo veículo da carida<strong>de</strong>; todos têm o<<strong>br</strong> />

mesmo parecer, o mesmo querer, e se amam mutuamente <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

o mesmo amor.<<strong>br</strong> />

5. Além disso, - o que é mais sublime ainda - eles me amam mais<<strong>br</strong> />

a mim que a si e seus merecimentos. Porque, arrebatados<<strong>br</strong> />

acima <strong>de</strong> si mesmos e <strong>de</strong>sprendidos <strong>de</strong> todo amor-próprio, se<<strong>br</strong> />

transformaram inteiramente no meu amor, no qual <strong>de</strong>scansam<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> sumo gozo. Nada há que os possa <strong>de</strong>sviar ou <strong>de</strong>primir,<<strong>br</strong> />

porque, repletos da eterna verda<strong>de</strong>, ar<strong>de</strong>m no fogo<<strong>br</strong> />

inestinguível da carida<strong>de</strong>. Calem-se, pois, os homens carnais e<<strong>br</strong> />

sensuais, e não discutam so<strong>br</strong>e o estado dos santos, porque<<strong>br</strong> />

não sabem amar senão seus próprios gozos. Eles diminuem ou<<strong>br</strong> />

acrescentam conforme a sua inclinação, e não <strong>com</strong>o agrada à<<strong>br</strong> />

eterna Verda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

6. Em muitos é isso ignorância, mormente naqueles que, pouco<<strong>br</strong> />

iluminados, raramente sabem amar um santo <strong>com</strong> amor<<strong>br</strong> />

puramente espiritual. Leva-os ainda muito a natural afeição e<<strong>br</strong> />

a amiza<strong>de</strong> humana, que os inclina a este ou àquela, e, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

portam nas coisas terrenas, assim se lhes afiguram também as<<strong>br</strong> />

celestiais. Há, porém, in<strong>com</strong>parável distância entre o que<<strong>br</strong> />

pensam os imperfeitos e o que alcançam os homens espirituais<<strong>br</strong> />

pela revelação superior.<<strong>br</strong> />

7. Guarda-te, pois, filho, <strong>de</strong> discorrer curiosamente so<strong>br</strong>e coisas<<strong>br</strong> />

que exce<strong>de</strong>m teu entendimento; cuida antes e trata <strong>de</strong> seres<<strong>br</strong> />

ainda o ínfimo no reino <strong>de</strong> Deus. E dado que alguém soubesse<<strong>br</strong> />

quem seja <strong>de</strong>les o mais santo ou o maior no reino dos céus,<<strong>br</strong> />

que lhe aproveitaria esse conhecimento, se <strong>de</strong>le não tomasse<<strong>br</strong> />

motivo <strong>de</strong> humilhar-se diante <strong>de</strong> mim e louvar mais<<strong>br</strong> />

fervorosamente o meu nome? Muito mais agrada a Deus quem<<strong>br</strong> />

cuida na gran<strong>de</strong>za dos seus pecados, na escassez das virtu<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

e na gran<strong>de</strong> distância que o separa da perfeição dos santos, do<<strong>br</strong> />

que aquele que disputa so<strong>br</strong>e a maior ou menor glória <strong>de</strong>les.<<strong>br</strong> />

Melhor é implorar os santos <strong>com</strong> <strong>de</strong>votas orações e lágrimas,<<strong>br</strong> />

suplicar-lhes <strong>com</strong> humilda<strong>de</strong> <strong>de</strong> coração sua gloriosa<<strong>br</strong> />

intercessão, que perscrutar, <strong>com</strong> vã curiosida<strong>de</strong>, seus<<strong>br</strong> />

segredos.<<strong>br</strong> />

8. Os santos estão bem contentes e satisfeitos; oxalá também os<<strong>br</strong> />

homens soubessem estar contentes e refrear suas vãs<<strong>br</strong> />

palavras. Não se gloriam dos próprios merecimentos, pois<<strong>br</strong> />

nenhum bem atribuem a si mesmos, mas tudo referem a mim<<strong>br</strong> />

que lhes <strong>de</strong>i tudo por infinita carida<strong>de</strong>. Tão cheios estão do<<strong>br</strong> />

amor da divinda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> abundantíssima alegria, que nada falta<<strong>br</strong> />

à sua glória, nem po<strong>de</strong> faltar à sua bem-aventurança. Quanto


mais elevados estão os santos na glória, tanto mais humil<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

são em si mesmos e mais perto <strong>de</strong> mim e <strong>de</strong> mim amados. Por<<strong>br</strong> />

isso lês na Escritura que <strong>de</strong>punham suas coroas diante <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus e se prostavam diante do Cor<strong>de</strong>iro e adoravam aquele<<strong>br</strong> />

que vive nos séculos dos séculos (Apc 4,10).<<strong>br</strong> />

9. Muitos perguntam qual seja o maior no reino <strong>de</strong> Deus e não<<strong>br</strong> />

sabem se serão dignos <strong>de</strong> ser contados entre os menores.<<strong>br</strong> />

Gran<strong>de</strong> coisa é ser ainda o menor no céu, on<strong>de</strong> todos são<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>s, porque serão chamados filhos <strong>de</strong> Deus, e, na<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

o são. O menor valerá por mil, e o pecador <strong>de</strong> cem anos morrerá (Is<<strong>br</strong> />

60,22; 65,20). Pois, quando os discípulos perguntaram quem era o<<strong>br</strong> />

maior no reino dos céus, receberam esta resposta: Se vos não<<strong>br</strong> />

converter<strong>de</strong>s e vos tornar<strong>de</strong>s <strong>com</strong>o crianças, não entrareis no reino<<strong>br</strong> />

dos céus (Mt 18,3.4).<<strong>br</strong> />

10. Ai daqueles que recusam humilhar-se espontaneamente <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

pequenos; porque é baixa a porta do reino celeste e não lhes dará<<strong>br</strong> />

entrada. Ai também dos ricos, que têm neste mundo suas<<strong>br</strong> />

consolações, porque, quando os po<strong>br</strong>es entrarem no reino <strong>de</strong> Deus,<<strong>br</strong> />

eles ficarão <strong>de</strong> fora, chorando. Regozijai-vos, humil<strong>de</strong>s, e "exultai,<<strong>br</strong> />

po<strong>br</strong>es, porque vosso é o reino <strong>de</strong> Deus" (Lc 6,20) contanto que<<strong>br</strong> />

an<strong>de</strong>is no caminho da verda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 59<<strong>br</strong> />

Que só em Deus <strong>de</strong>vemos firmar toda esperança e confiança<<strong>br</strong> />

1. A alma: Senhor, que confiança posso eu ter nesta vida ou qual<<strong>br</strong> />

é minha maior consolação <strong>de</strong> tudo quanto existe <strong>de</strong>baixo do<<strong>br</strong> />

sol? Não o sois vós, Senhor, Deus meu, cuja misericórdia é<<strong>br</strong> />

infinita? On<strong>de</strong> me achei bem sem vós, ou quando passei mal,<<strong>br</strong> />

estando vós presente? Antes quero ser po<strong>br</strong>e por vós, que rico<<strong>br</strong> />

sem vós. Prefiro peregrinar convosco na terra, que sem vós<<strong>br</strong> />

possuir o céu. On<strong>de</strong> vós estais, aí está o céu; e lá existe a<<strong>br</strong> />

morte e o inferno, on<strong>de</strong> vós não estais. Vós sois o alvo <strong>de</strong> meus<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejos, por isso por vós <strong>de</strong>vo gemer, clamar e orar. Em<<strong>br</strong> />

ninguém, finalmente, posso plenamente confiar que me dê<<strong>br</strong> />

auxílio oportuno em minhas necessida<strong>de</strong>s, senão em vós só,<<strong>br</strong> />

meu Deus. Vós sois minha esperança, vós minha confiança,<<strong>br</strong> />

vós meu consolador fi<strong>de</strong>líssimo em todas as coisas.


1. Todos buscam os seus interesses; vós, porém, só ten<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

em vista minha salvação e aproveitamento, e tudo<<strong>br</strong> />

converteis<<strong>br</strong> />

2. em bem para mim. Ainda quando me sujeitais a várias<<strong>br</strong> />

tentações e adversida<strong>de</strong>s, tudo isso or<strong>de</strong>nais para meu<<strong>br</strong> />

proveito, pois <strong>de</strong> mil modos costumais provar os vossos<<strong>br</strong> />

amigos. E nessas provações não menos vos <strong>de</strong>vo amar e<<strong>br</strong> />

louvar, <strong>com</strong>o se me enchêsseis <strong>de</strong> celestiais consolações.<<strong>br</strong> />

2. Em vós, portanto, Senhor meu Deus, é que ponho toda a<<strong>br</strong> />

minha esperança e refúgio; a vós entrego todas as minhas<<strong>br</strong> />

tribulações e angústias; porque tudo quanto vejo fora <strong>de</strong> vós<<strong>br</strong> />

acho fraco e inconstante. Nada me aproveitam os muitos<<strong>br</strong> />

amigos, nem me po<strong>de</strong>rão ajudar os homens, nem os pru<strong>de</strong>ntes<<strong>br</strong> />

conselheiros me darão conselho útil, nem os livros dos sábios<<strong>br</strong> />

me po<strong>de</strong>rão consolar, nem qualquer tesouro precioso me<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rá salvar, nem algum retiro <strong>de</strong>licioso me proteger, se vós<<strong>br</strong> />

mesmo não me assistis, ajudais, confortais, consolais, instruís<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>is.<<strong>br</strong> />

3. Pois tudo que parece próprio para alcançar a paz e a felicida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

nada é sem vós, nem po<strong>de</strong> trazer-nos a verda<strong>de</strong>ira felicida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Vós sois, pois, o remate <strong>de</strong> todos os bens, a plenitu<strong>de</strong> da vida,<<strong>br</strong> />

o abismo da ciência; esperar em vós acima <strong>de</strong> tudo é a maior<<strong>br</strong> />

das consolações dos vossos servos. A ti, Senhor, levanto os<<strong>br</strong> />

meus olhos, em vós confio, Deus meu, Pai <strong>de</strong> misericórdia!<<strong>br</strong> />

Abençoai e santificai minha alma <strong>com</strong> a bênção celestial para<<strong>br</strong> />

que seja vossa santa morada, o trono <strong>de</strong> vossa eterna glória, e<<strong>br</strong> />

nada se encontre nesse tempo da vossa divinda<strong>de</strong> que possa<<strong>br</strong> />

ofen<strong>de</strong>r os olhos <strong>de</strong> vossa majesta<strong>de</strong>. Olhai para mim segundo<<strong>br</strong> />

a gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> vossa bonda<strong>de</strong> e a multidão <strong>de</strong> vossas<<strong>br</strong> />

misericórdias e ouvi a oração do vosso po<strong>br</strong>e servo <strong>de</strong>sterrado<<strong>br</strong> />

tão longe, na som<strong>br</strong>ia região da morte. Protegei e conservai a<<strong>br</strong> />

alma do vosso mísero servo entre os muitos perigos <strong>de</strong>sta vida<<strong>br</strong> />

corruptível, e <strong>com</strong> a assistência <strong>de</strong> vossa graça guiai-o pelo<<strong>br</strong> />

caminho da paz à pátria da perpétua clarida<strong>de</strong>. Amém.<<strong>br</strong> />

LIVRO QUARTO<<strong>br</strong> />

DO SACRAMENTO DO ALTAR<<strong>br</strong> />

Devota exortação à sagrada <strong>com</strong>unhão<<strong>br</strong> />

Voz <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>


Vin<strong>de</strong> a mim todos que penais e estais so<strong>br</strong>ecarregados, e eu vos<<strong>br</strong> />

aliviarei, diz o Senhor (Mt 11,78).<<strong>br</strong> />

O pão que eu darei é a minha carne, pela vida do mundo (Jo 6,52).<<strong>br</strong> />

Tomai e <strong>com</strong>ei, este é o meu corpo, que será entregue por vós; fazei<<strong>br</strong> />

isto em memória <strong>de</strong> mim (Lc 22,19).<<strong>br</strong> />

Quem <strong>com</strong>e a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim e eu<<strong>br</strong> />

nele (Jo 6,57).<<strong>br</strong> />

As palavras que eu vos disse são espírito e vida (Jo 6,64).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 1<<strong>br</strong> />

Com quanta reverência cumpre receber a <strong>Cristo</strong><<strong>br</strong> />

Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. São vossas essas palavras, ó Jesus, verda<strong>de</strong> eterna, ainda que<<strong>br</strong> />

não fossem proferidas todas ao mesmo tempo, nem escritas no<<strong>br</strong> />

mesmo lugar. Sendo vossas, pois, essas palavras e<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iras, <strong>de</strong>vo recebê-las todas <strong>com</strong> gratidão e fé. São<<strong>br</strong> />

vossas, porque vós as dissestes; e são também minhas, porque<<strong>br</strong> />

as dissestes para minha salvação. Cheio <strong>de</strong> alegria as recebo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vossa boca, para que mais profundamente se me gravem no<<strong>br</strong> />

coração. Animam-se palavras <strong>de</strong> tanta ternura, atemorizamme<<strong>br</strong> />

os meus pecados, e minha consciência impura me afasta<<strong>br</strong> />

da participação <strong>de</strong> tão altos mistérios. Atraime a doçura <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vossas palavras, mas me oprime a multidão <strong>de</strong> meus pecados.<<strong>br</strong> />

2. Mandais que me chegue a vós <strong>com</strong> gran<strong>de</strong> confiança, se quero<<strong>br</strong> />

ter parte convosco; e que receba o manjar da imortalida<strong>de</strong>, se<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejo alcançar a vida e glória eterna. Vin<strong>de</strong>, dizeis vós, vin<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

a mim todos que penais e estais so<strong>br</strong>ecarregados, e eu vos<<strong>br</strong> />

aliviarei. Ó palavra doce e amorosa aos ouvidos do pecador:<<strong>br</strong> />

vós, Senhor meu Deus, convidais o po<strong>br</strong>e e indigente à<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unhão <strong>de</strong> vosso santíssimo corpo, mas quem sou eu,<<strong>br</strong> />

Senhor, para ousar aproximarme <strong>de</strong> vós? Eis que os céus dos<<strong>br</strong> />

céus não vos po<strong>de</strong> a<strong>br</strong>anger, e dizeis: Vin<strong>de</strong> a mim todos!<<strong>br</strong> />

1. Que quer dizer essa con<strong>de</strong>scendência tão meiga e esse<<strong>br</strong> />

tão amoroso convite? Como me atreverei a chegar-me a<<strong>br</strong> />

vós,<<strong>br</strong> />

2. quando não conheço em mim bem algum em que me<<strong>br</strong> />

possa confiar? Como posso acolher-vos em minha<<strong>br</strong> />

morada, eu, que tantas vezes ofendi a vossa


enigníssima face? Tremem os anjos e os arcanjos,<<strong>br</strong> />

estremecem os santos e os justos, e vós dizeis: Vin<strong>de</strong> a<<strong>br</strong> />

mim todos! Se não fosse vossa essa palavra, quem a teria<<strong>br</strong> />

por verda<strong>de</strong>ira? Se vós o não or<strong>de</strong>násseis, quem ousaria<<strong>br</strong> />

aproximar-se?<<strong>br</strong> />

3. Noé, o varão justo, trabalhou cem anos na construção da arca<<strong>br</strong> />

para salvar-se <strong>com</strong> poucos: <strong>com</strong>o me po<strong>de</strong>rei eu preparar<<strong>br</strong> />

numa hora para receber <strong>com</strong> reverência o Criador do mundo?<<strong>br</strong> />

Moisés, vosso gran<strong>de</strong> servo e particular amigo, fa<strong>br</strong>icou a arca<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira incorruptível, e revestiu-a <strong>de</strong> ouro puríssimo, para<<strong>br</strong> />

guardar nela as tábuas da lei; e eu, criatura vil, me atreverei a<<strong>br</strong> />

receber-vos <strong>com</strong> tanta facilida<strong>de</strong>, a vós, que sois o autor da lei<<strong>br</strong> />

e o dispensador da vida? Salomão, o mais sábio dos reis <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Israel, levou sete anos a edificar o templo magnífico, em louvor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vosso nome, e cele<strong>br</strong>ou por oito dias a festa <strong>de</strong> sua<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>dicação, ofereceu mil hóstias pacíficas, e ao som das<<strong>br</strong> />

trombetas e <strong>com</strong> muito júbilo colocou a arca da aliança no<<strong>br</strong> />

lugar que lhe havia sido preparado. E eu, o mais miserável <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todos os homens, <strong>com</strong>o po<strong>de</strong>rei receber-vos em minha casa,<<strong>br</strong> />

quando mal sei empregar meia hora <strong>com</strong> <strong>de</strong>voção? e oxalá que<<strong>br</strong> />

uma vez sequer a houvesse empregado dignamente!<<strong>br</strong> />

4. Ó meu Deus, quanto se esforçaram esses vossos servos para<<strong>br</strong> />

agradar-vos! Ai, quão pouco é o que eu faço! Quão pouco o<<strong>br</strong> />

tempo que gasto em preparar-me para a <strong>com</strong>unhão! Raras<<strong>br</strong> />

vezes estou <strong>de</strong> todo recolhido, raríssimo livre <strong>de</strong> toda<<strong>br</strong> />

distração. E, todavia, na presença salutar <strong>de</strong> vossa divinda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

não me <strong>de</strong>via ocorrer pensamento algum impróprio, nem eu<<strong>br</strong> />

me <strong>de</strong>via ocupar <strong>de</strong> criatura alguma, pois vou hospedar, não a<<strong>br</strong> />

um anjo, senão ao Senhor dos anjos.<<strong>br</strong> />

5. Demais, há grandíssima diferença entre a arca da aliança <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

suas relíquias e vosso puríssimo corpo <strong>com</strong> suas inefáveis<<strong>br</strong> />

virtu<strong>de</strong>s; entre aqueles sacrifícios da lei, que eram apenas<<strong>br</strong> />

figuras do futuro, e o sacrifício verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> vosso corpo, que<<strong>br</strong> />

é o cumprimento <strong>de</strong> todos os sacrifícios antigos.<<strong>br</strong> />

6. Por que, pois, se me não acen<strong>de</strong> melhor o meu coração na<<strong>br</strong> />

vossa adorável presença? Por que me não preparo <strong>com</strong> maior<<strong>br</strong> />

cuidado para receber vosso santos mistério, quando aqueles<<strong>br</strong> />

santos patriarcas e profetas, reis e príncipes, <strong>com</strong> todo o povo,<<strong>br</strong> />

mostraram tanta <strong>de</strong>voção e fervor no culto divino?<<strong>br</strong> />

7. Com religioso transporte dançou o piedosíssimo rei Davi diante<<strong>br</strong> />

da arca da aliança, em memória dos benefícios concedidos<<strong>br</strong> />

outrora a seus pais; mandou fa<strong>br</strong>icar vários instrumentos<<strong>br</strong> />

musicais, <strong>com</strong>pôs salmos e or<strong>de</strong>nou que se cantassem <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

alegria, e ele mesmo os cantava muitas vezes ao som da harpa;


ensinou ao povo <strong>de</strong> Israel a louvar a Deus <strong>de</strong> todo o coração e<<strong>br</strong> />

angran<strong>de</strong>cê-lo e bendizê-lo todos os dias, a uma voz. Se tanta<<strong>br</strong> />

era, então, a <strong>de</strong>voção e o fervor divino diante da arca do<<strong>br</strong> />

testamento, quanta reverência e <strong>de</strong>voção <strong>de</strong>vo eu ter agora, e<<strong>br</strong> />

todo o povo cristão, na presença do Sacramento e na recepção<<strong>br</strong> />

do preciosíssimo corpo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>!<<strong>br</strong> />

8. Correm muitos a diversos lugares para visitar as relíquias dos<<strong>br</strong> />

santos, e se admiram ouvindo narrar os seus feitos;<<strong>br</strong> />

contemplam os vastos edifícios dos templos e beijam os<<strong>br</strong> />

sagrados ossos, guardados em seda e ouro. E eis que aqui<<strong>br</strong> />

estais presente diante <strong>de</strong> mim, no altar, vós, meu Deus, Santo<<strong>br</strong> />

dos santos. Criador dos homens e Senhor dos anjos. Em tais<<strong>br</strong> />

visitas, muitas vezes é a curiosida<strong>de</strong> e a novida<strong>de</strong> das coisas<<strong>br</strong> />

que move os homens; e diminuto é o fruto <strong>de</strong> emenda que<<strong>br</strong> />

recolhem, principalmente quando fazem essas peregrinações<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> levianda<strong>de</strong>, sem verda<strong>de</strong>ira contrição. Aqui, porém, no<<strong>br</strong> />

Sacramento do Altar, vós estais todo presente, Deus e homem,<<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong> Jesus; aqui o homem recebe copioso fruto <strong>de</strong> eterna<<strong>br</strong> />

salvação, todas as vezes que vos recebe digna e <strong>de</strong>votamente.<<strong>br</strong> />

Aí não nos leva nenhuma levianda<strong>de</strong>, nem curiosida<strong>de</strong> ou<<strong>br</strong> />

atrativo dos sentidos, mas sim a fé firme, a esperança <strong>de</strong>vota e<<strong>br</strong> />

a carida<strong>de</strong> sincera.<<strong>br</strong> />

9. Ó Deus invisível, Criador do mundo, quão maravilhosamente<<strong>br</strong> />

nos favoreceis, quão suaves e ternamente tratais <strong>com</strong> vossos<<strong>br</strong> />

escolhidos, oferecendo-vos a vós mesmo <strong>com</strong>o alimento, neste<<strong>br</strong> />

Sacramento! Isto transcen<strong>de</strong> todo entendimento, isto atrai os<<strong>br</strong> />

corações dos <strong>de</strong>votos e acen<strong>de</strong> o seu amor. Porque esses teus<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>iros fiéis, que empregam toda a sua vida na própria<<strong>br</strong> />

emenda, recebem muitas vezes <strong>de</strong>ste augusto Sacramento<<strong>br</strong> />

copiosa graça <strong>de</strong> <strong>de</strong>volução e amor à virtu<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

10. Ó graça admirável e oculta <strong>de</strong>ste Sacramento, que só dos<<strong>br</strong> />

fiéis <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> é conhecida, mas que os infiéis e escravos do<<strong>br</strong> />

pecado não po<strong>de</strong>m experimentar! Neste Sacramento se dá a<<strong>br</strong> />

graça espiritual, recupera a alma a força perdida, refloresce a<<strong>br</strong> />

formosura <strong>de</strong>turpada pelo pecado. Tamanha é, às vezes, esta<<strong>br</strong> />

graça, que, pela abundância da <strong>de</strong>voção recebida, não só a<<strong>br</strong> />

alma, mas ainda o corpo fraco sente-se munido <strong>de</strong> maiores<<strong>br</strong> />

forças.<<strong>br</strong> />

11. É, porém, muito para chorar e lastimar a nossa tibieza e<<strong>br</strong> />

negligência, o pouco fervor em receber a Jesus <strong>Cristo</strong>, em<<strong>br</strong> />

quem resi<strong>de</strong> toda a esperança e merecimento dos que se hão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> salvar. Porque ele é a nossa santificação e re<strong>de</strong>nção, ele


o consolo dos peregrinos e o gozo eterno dos santos. E assim é<<strong>br</strong> />

muito pra chorar o pouco caso que tantos fazem <strong>de</strong>ste salutar<<strong>br</strong> />

mistério, sendo ele a alegria do céu e a conservação <strong>de</strong> todo o<<strong>br</strong> />

mundo. Ó cegueira e dureza do coração humano, que tão pouco<<strong>br</strong> />

estima esse dom inefável, antes, <strong>com</strong> o uso cotidiano que <strong>de</strong>le faz,<<strong>br</strong> />

chega a cair na indiferença!<<strong>br</strong> />

13. Pois, se esse augusto Sacramento se cele<strong>br</strong>asse num só lugar e<<strong>br</strong> />

fosse consagrado por um só sacerdote no mundo, <strong>com</strong> quanto<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejo imaginas que acudiriam os homens a visitar aquele lugar e<<strong>br</strong> />

aquele sacerdote a fim <strong>de</strong> assistir à cele<strong>br</strong>ação dos divinos<<strong>br</strong> />

mistérios? Agora, porém, há muitos sacerdotes, e em muitos lugares<<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong> é oferecido, para que tanto mais se manifeste a graça e o<<strong>br</strong> />

amor <strong>de</strong> Deus para <strong>com</strong> os homens, quanto mais largamente é<<strong>br</strong> />

difundida pelo mundo a sagrada <strong>com</strong>unhão. Graças vos sejam<<strong>br</strong> />

dadas, bom Jesus Pastor eterno, que vos dignais sustentar-nos a<<strong>br</strong> />

nós, po<strong>br</strong>es e <strong>de</strong>sterrados, <strong>com</strong> vosso precioso corpo e sangue, e até<<strong>br</strong> />

convidar-nos, <strong>com</strong> palavras <strong>de</strong> vossa própria boca, à participação<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sses mistérios, dizendo: Vin<strong>de</strong> a mim todos que penais e estais<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>ecarregados, e eu vos aliviarei.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 2<<strong>br</strong> />

Como neste Sacramento se mostra ao homem a gran<strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

carida<strong>de</strong><strong>de</strong> Deus<<strong>br</strong> />

A Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Confiado, Senhor, na vossa bonda<strong>de</strong> e gran<strong>de</strong> misericórdia, a<<strong>br</strong> />

vós me chego, qual enfermo ao médico, faminto e sequioso à<<strong>br</strong> />

fonte da vida, indigente ao Rei do céu, servo ao Senhor,<<strong>br</strong> />

criatura ao Criador, <strong>de</strong>sconsolado ao meu piedoso Consolador.<<strong>br</strong> />

Mas don<strong>de</strong> me vem a graça <strong>de</strong> vir<strong>de</strong>s a mim? Quem sou eu,<<strong>br</strong> />

para que vós mesmos vos ofereçais a mim? Como ousa o<<strong>br</strong> />

pecador aparecer diante <strong>de</strong> vós? e vós, <strong>com</strong>o vos dignais vir ao<<strong>br</strong> />

pecador? Conheceis vosso servo e sabeis que nenhum bem há<<strong>br</strong> />

nele para que lhe presteis esse benefício. Confesso, pois,<<strong>br</strong> />

minha vileza, reconheço vossa bonda<strong>de</strong>, louvo vossa<<strong>br</strong> />

misericórdia e dou-vos graças por vossa excessiva carida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Por vós mesmos fazeis isso, não por meus merecimentos, mas<<strong>br</strong> />

para que vossa bonda<strong>de</strong> me seja mais manifesta, maior<<strong>br</strong> />

carida<strong>de</strong> me seja infundida e a carida<strong>de</strong> me seja mais<<strong>br</strong> />

perfeitamente re<strong>com</strong>endada. Pois que assim vos apraz e assim


or<strong>de</strong>nastes, a mim também me agrada vossa con<strong>de</strong>scendência,<<strong>br</strong> />

e oxalá não ponham estorvo meus pecados!<<strong>br</strong> />

2. Ó dulcíssimo e benigníssimo Jesus! louvor vos <strong>de</strong>vo pela<<strong>br</strong> />

participação do vosso sacratíssimo corpo, cuja existência<<strong>br</strong> />

ninguém po<strong>de</strong> explicar! Mas que hei <strong>de</strong> pensar nesta<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unhão, chegando-me a meu Senhor, a quem não posso<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vidamente honrar, e todavia <strong>de</strong>sejo receber <strong>com</strong> <strong>de</strong>voção?<<strong>br</strong> />

Que coisa melhor e mais salutar posso pensar, senão<<strong>br</strong> />

humilhar-me totalmente diante <strong>de</strong> vós e exaltar vossa infinita<<strong>br</strong> />

bonda<strong>de</strong> para <strong>com</strong>igo? Eu vos louvo, Deus meu, e vos<<strong>br</strong> />

engran<strong>de</strong>ço para sempre. Desprezo-me e a vós me submeto no<<strong>br</strong> />

abismo <strong>de</strong> minha vileza.<<strong>br</strong> />

3. Vós sois o Santo dos santos, e eu a escória dos pecadores. Vós<<strong>br</strong> />

baixais para mim, que não sou digno <strong>de</strong> levantar os olhos para<<strong>br</strong> />

vós. Vin<strong>de</strong>s a mim, quereis estar <strong>com</strong>igo, convidais-me ao<<strong>br</strong> />

vosso banquete. Quereis dar-me o alimento espiritual e o pão<<strong>br</strong> />

dos anjos, que outro, na verda<strong>de</strong>, não é senão vós mesmos,<<strong>br</strong> />

pão vivo, que <strong>de</strong>scestes do céu e dais a vida ao mundo.<<strong>br</strong> />

4. Eis a fonte do amor, don<strong>de</strong> resplan<strong>de</strong>ce a vossa misericórdia!<<strong>br</strong> />

Que ações <strong>de</strong> graças vos são <strong>de</strong>vidas por este benefício! Oh!<<strong>br</strong> />

quão salutar e proveitoso foi o vosso <strong>de</strong>sígnio, em instituir este<<strong>br</strong> />

Sacramento! Quão suave e <strong>de</strong>licioso banquete, em que a vós<<strong>br</strong> />

mesmos vos <strong>de</strong>stes em alimento! Quão admiráveis, Senhor,<<strong>br</strong> />

são vossas o<strong>br</strong>as, quão inefável vossa verda<strong>de</strong>! Porque<<strong>br</strong> />

dissestes - e tudo se fez, e fez-se aquilo que or<strong>de</strong>nastes.<<strong>br</strong> />

5. Coisa maravilhosa e digna <strong>de</strong> fé e acima <strong>de</strong> toda <strong>com</strong>preensão<<strong>br</strong> />

humana é que vós, Senhor, meu Deus, verda<strong>de</strong>iro Deus e<<strong>br</strong> />

homem, estejais todo inteiro <strong>de</strong>baixo das insignificantes<<strong>br</strong> />

espécies <strong>de</strong> pão e vinho, e, sem ser<strong>de</strong>s consumido, alimentais<<strong>br</strong> />

aquele que vos recebe. Vós, Senhor do universo, que não<<strong>br</strong> />

precisas <strong>de</strong> coisa alguma, quisestes morar em nós por vosso<<strong>br</strong> />

Sacramento; conservai meu coração e meu corpo sem mancha,<<strong>br</strong> />

para que <strong>com</strong> alegre e pura consciência possa muitas vezes<<strong>br</strong> />

cele<strong>br</strong>ar e receber vossos mistérios, para minha eterna<<strong>br</strong> />

salvação, visto que os instituístes e or<strong>de</strong>nastes principalmente<<strong>br</strong> />

para vossa honra e perpétua lem<strong>br</strong>ança.<<strong>br</strong> />

6. Regozija-te, minha alma, e agra<strong>de</strong>ce a Deus tão excelente<<strong>br</strong> />

dádiva e singular consolação, que ele te <strong>de</strong>ixou neste vale <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

lágrimas. Porque todas as vezes que cele<strong>br</strong>ares este mistério e<<strong>br</strong> />

receberes o corpo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, renovas a o<strong>br</strong>a <strong>de</strong> tua re<strong>de</strong>nção e<<strong>br</strong> />

te tornas participante <strong>de</strong> todos os merecimentos <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>. Pois<<strong>br</strong> />

a carida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> nunca se diminui, nem se esgota jamais a<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> sua propiciação. Por isso te <strong>de</strong>ves preparar<<strong>br</strong> />

sempre para este ato pela renovação do espírito, e consi<strong>de</strong>rar


<strong>com</strong> atenção este gran<strong>de</strong> mistério <strong>de</strong> salvação. Tão gran<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

novo e <strong>de</strong>licioso se te <strong>de</strong>ve afigurar, quando cele<strong>br</strong>as ou ouves<<strong>br</strong> />

Missa, <strong>com</strong>o se <strong>Cristo</strong> no mesmo dia <strong>de</strong>scesse pela primeira<<strong>br</strong> />

vez ao seio da Virgem e se fizesse homem, ou <strong>com</strong>o se,<<strong>br</strong> />

pen<strong>de</strong>nte da cruz, pa<strong>de</strong>cesse e morresse pela salvação dos<<strong>br</strong> />

homens.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 3<<strong>br</strong> />

Da utilida<strong>de</strong> da <strong>com</strong>unhão freqüente<<strong>br</strong> />

Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Eis que venho a vós, Senhor, para aproveitar-me <strong>de</strong> vossa<<strong>br</strong> />

munificência, e <strong>de</strong>liciar-me neste sagrado banquete, que vós,<<strong>br</strong> />

Deus meu, preparastes, na vossa ternura, para o po<strong>br</strong>e. Em<<strong>br</strong> />

vós se acha tudo o que posso e <strong>de</strong>vo <strong>de</strong>sejar; vós sois minha<<strong>br</strong> />

esperança, fortaleza honra e glória. Alegrai, pois, hoje, a alma<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vosso servo, porque a vós, Senhor Jesus, levantei a minha<<strong>br</strong> />

alma. Desejo receber-vos agora <strong>com</strong> <strong>de</strong>voção e reverência;<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejo hospedar-vos em casa, para que, <strong>com</strong> Zaqueu, mereça<<strong>br</strong> />

ser abençoado e contado entre os filhos <strong>de</strong> A<strong>br</strong>aão. Minha<<strong>br</strong> />

alma suspira por vosso corpo; meu coração <strong>de</strong>seja ser<<strong>br</strong> />

convosco unido.<<strong>br</strong> />

2. Dai-vos a mim e estou satisfeito; porque sem vós nada me<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong> consolar. Sem vós não posso estar, e sem vossa visita<<strong>br</strong> />

não posso viver. Por isso muitas vezes <strong>de</strong>vo achegar-me a vós e<<strong>br</strong> />

receber-vos para remédio <strong>de</strong> minha salvação, a fim <strong>de</strong> não<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sfalecer no caminho quando estiver privado <strong>de</strong>ste alimento<<strong>br</strong> />

celestial. Assim vós mesmo o dissestes uma vez,<<strong>br</strong> />

misericordiosíssimo Jesus, quando pregáveis e curáveis<<strong>br</strong> />

diversas enfermida<strong>de</strong>s: "Não os quero <strong>de</strong>spedir em jejum, para<<strong>br</strong> />

que não <strong>de</strong>sfaleçam no caminho"(Mt 15, 32). Fazei também do<<strong>br</strong> />

mesmo modo <strong>com</strong>igo, pois ficastes neste Sacramento para<<strong>br</strong> />

consolação dos fiéis. Vós sois a suave refeição da alma, e quem<<strong>br</strong> />

dignamente vos receber se tornará participante e her<strong>de</strong>iro da<<strong>br</strong> />

glória eterna. A mim, que tantas vezes caio e peco, tão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pressa afrouxo e <strong>de</strong>sfaleço, mui necessário me é que, <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

oração, confissão e <strong>com</strong>unhão freqüente, me renove, purifique<<strong>br</strong> />

e afervore, para não abandonar meus santos propósitos,<<strong>br</strong> />

abstendo-me da <strong>com</strong>unhão por mais tempo.


3. Pois "os sentidos do homem estão inclinados para o mal <strong>de</strong>s<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

a sua adolescência (Gên 8,21), e se não o socorre o remédio<<strong>br</strong> />

celestial, logo cai o homem <strong>de</strong> mal em pior. Porque, se agora,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ungando ou cele<strong>br</strong>ando, sou tão negligente e tíbio, que<<strong>br</strong> />

seria se não tomasse este remédio e não buscasse tão<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>roso conforto? E ainda que não esteja, todos os dias,<<strong>br</strong> />

preparado, nem bem disposto para cele<strong>br</strong>ar, contudo me quero<<strong>br</strong> />

esforçar para, nos tempos convenientes, receber os sagrados<<strong>br</strong> />

mistérios e tornar-me participante <strong>de</strong> tanta graça. Porque,<<strong>br</strong> />

enquanto a alma fiel, longe <strong>de</strong> vós, peregrina neste corpo<<strong>br</strong> />

mortal, a única e principal consolação para ela é - que muitas<<strong>br</strong> />

vezes se lem<strong>br</strong>e do seu Deus e receba <strong>de</strong>votamente o seu<<strong>br</strong> />

Amado.<<strong>br</strong> />

4. Ó maravilhosa con<strong>de</strong>scendência <strong>de</strong> vossa bonda<strong>de</strong> para convosco,<<strong>br</strong> />

que vós, Senhor Deus, Criador e vivificador <strong>de</strong> todos os espíritos,<<strong>br</strong> />

vos dignais <strong>de</strong> vir à minha po<strong>br</strong>e alma e saciar-lhe a fome <strong>com</strong> toda<<strong>br</strong> />

a vossa divinda<strong>de</strong> e humanida<strong>de</strong>! Ó ditoso coração, ó alma bemaventurada,<<strong>br</strong> />

que merece receber-vos <strong>com</strong> <strong>de</strong>voção a vós, seu Deus e<<strong>br</strong> />

Senhor, e nesta união encher-se <strong>de</strong> gozo espiritual! Oh! que gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Senhor recebe, que amável hóspe<strong>de</strong> agasalha, que agradável<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panheiro acolhe, que fiel amigo aceita, que formoso e no<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

esposo a<strong>br</strong>aça, mais digno <strong>de</strong> ser amado que tudo o que se ama e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>seja! Dulcíssimo Amado meu, emu<strong>de</strong>çam diante <strong>de</strong> vós o céu e a<<strong>br</strong> />

terra <strong>com</strong> todos os seus ornatos; porque tudo o que têm <strong>de</strong> <strong>br</strong>ilho e<<strong>br</strong> />

beleza é dom <strong>de</strong> vossa liberalida<strong>de</strong> e não chega a igualar a glória <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vosso nome, "cuja sabedoria não tem medida" (Sl 146,5).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 4<<strong>br</strong> />

Dos admiráveis frutos colhidos pelos que <strong>com</strong>ungam <strong>de</strong>votamente<<strong>br</strong> />

1. Senhor, meu Deus! Preveni vosso servo <strong>com</strong> as bênçãos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

vossa doçura, para que mereça digna e <strong>de</strong>votamente chegarme<<strong>br</strong> />

a vosso augusto Sacramento. Despertai meu coração para<<strong>br</strong> />

vós e tirai-me <strong>de</strong>ste profundo entorpecimento. "Visitai-me <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

vossa graça salutar" (Sl 105,4), para que goze em espírito<<strong>br</strong> />

vossa doçura, que <strong>com</strong> abundância está oculta neste<<strong>br</strong> />

Sacramento, <strong>com</strong>o em sua fonte. Iluminai também meus olhos<<strong>br</strong> />

para contemplar tão alto mistério, e fortalecei-me para crer<<strong>br</strong> />

nele <strong>com</strong> fé inabalável. Porque é o<strong>br</strong>a vossa e não <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

humano, sagrada instituição vossa, não invenção dos homens.<<strong>br</strong> />

Ninguém, <strong>com</strong> efeito, se si mesmo é capaz <strong>de</strong> conceber e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r este mistério, que transcen<strong>de</strong> à própria


inteligência dos anjos. Que, pois, po<strong>de</strong>rei eu, pecador indigno,<<strong>br</strong> />

pó e cinza, investigar e <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tão alto e sagrado<<strong>br</strong> />

mistério?<<strong>br</strong> />

2. Senhor, na simplicida<strong>de</strong> do meu coração, <strong>com</strong> firme e sincera<<strong>br</strong> />

fé, e obe<strong>de</strong>cendo a vosso mandado, me aproximo <strong>de</strong> vós <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

esperança e reverência e creio verda<strong>de</strong>iramente que estais<<strong>br</strong> />

presente aqui no Sacramento, Deus e homem. Pois quereis que<<strong>br</strong> />

vos receba e me uno convosco em carida<strong>de</strong>. Por isso imploro<<strong>br</strong> />

vossa clemência e vos suplico a graça particular <strong>de</strong> que todo<<strong>br</strong> />

me <strong>de</strong>sfaleça em vós e me consuma em amor, sem mais cuidar<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> nenhuma outra consolação. Porque este altíssimo e<<strong>br</strong> />

diviníssimo Sacramento é a saú<strong>de</strong> da alma e do corpo, remédio<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> toda enfermida<strong>de</strong> espiritual; cura os vícios, reprime as<<strong>br</strong> />

paixões, vence ou enfraquece as tentações, <strong>com</strong>unica maior<<strong>br</strong> />

graça, corrobora a virtu<strong>de</strong> nascente, confirma a fé, fortalece a<<strong>br</strong> />

esperança, inflama e dilata a carida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

3. Muitos bens con<strong>de</strong><strong>de</strong>stes e conce<strong>de</strong>is ainda a miúdo aos<<strong>br</strong> />

vossos amigos, neste Sacramento, quando <strong>de</strong>votamente<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ungam, ó Deus meu, amparo da minha alma, reparador<<strong>br</strong> />

da humana fraqueza e dispensador <strong>de</strong> toda consolação<<strong>br</strong> />

interior. Porque lhes infundis abundantes consolações contra<<strong>br</strong> />

várias tribulações e os levantais do abismo do próprio<<strong>br</strong> />

abatimento à esperança da vossa proteção e os recreais e<<strong>br</strong> />

iluminais interiormente <strong>com</strong> a nova graça, <strong>de</strong> sorte que os<<strong>br</strong> />

mesmos que antes da <strong>com</strong>unhão se sentiam inquietos e sem<<strong>br</strong> />

afeto, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> recreados <strong>com</strong> o manjar e a bebida celestiais<<strong>br</strong> />

se sentem melhorados e fervorosos. Tudo isso prodigalizais aos<<strong>br</strong> />

vossos escolhidos, para que verda<strong>de</strong>iramente conheçam e<<strong>br</strong> />

evi<strong>de</strong>ntemente experimentem quanta fraqueza têm em si<<strong>br</strong> />

mesmos e quanta bonda<strong>de</strong> e graça alcançam <strong>de</strong> vós. Pois <strong>de</strong> si<<strong>br</strong> />

mesmos são frios, tíbios e insensíveis; por vós, porém, tornamse<<strong>br</strong> />

fervorosos, alegres e <strong>de</strong>votos. Quem, porventura, se chegará<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong> à fonte da suavida<strong>de</strong>, que não receba <strong>de</strong>la alguma<<strong>br</strong> />

doçura? Ou quem, junto <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> fogo, <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> sentir<<strong>br</strong> />

algum calor? E vós sois a fonte sempre cheia e abundante; o<<strong>br</strong> />

fogo que sempre ar<strong>de</strong> sem jamais se apagar.<<strong>br</strong> />

4. Por isso, se me não é dado haurir da plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta fonte,<<strong>br</strong> />

nem beber até me saciar, chegarei, todavia, meus lábios ao<<strong>br</strong> />

orifício do canal celeste, a fim <strong>de</strong> que receba daí ao menos uma<<strong>br</strong> />

gota, para refrigerar minha se<strong>de</strong> e não morrer <strong>de</strong> secura. E se<<strong>br</strong> />

não posso ainda ser todo celestial, nem tão a<strong>br</strong>asado <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />

querubins e serafins, contudo me empenharei por permanecer<<strong>br</strong> />

na <strong>de</strong>voção e dispor meu coração, para que pela recepção<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste vivificante Sacramento receba ao menos uma


tênue faísca do divino incêndio. O que me falta, porém, ó bom<<strong>br</strong> />

Jesus, Salvador santíssimo, supri-o pela vossa bonda<strong>de</strong> e<<strong>br</strong> />

graça, pois vos dignastes chamar-nos todos a vós, dizendo:<<strong>br</strong> />

Vin<strong>de</strong> a mim todos que penais e estais so<strong>br</strong>ecarregados, e eu<<strong>br</strong> />

vos aliviarei.<<strong>br</strong> />

5. Na verda<strong>de</strong>, eu trabalho <strong>com</strong> o suor do meu rosto, sou<<strong>br</strong> />

atormentado <strong>com</strong> angústias do coração, estou carregado <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

pecados, molestado <strong>de</strong> tentações, embaraçado e oprimido <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

muitas paixões e não há ninguém que me aju<strong>de</strong>, livre ou salve,<<strong>br</strong> />

senão vós, Senhor Deus, Salvador meu, a quem me entrego,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> tudo o que me pertence, para que me guar<strong>de</strong>is e leveis à<<strong>br</strong> />

vida eterna. Recebei-me para honra e glória <strong>de</strong> vosso nome,<<strong>br</strong> />

pois me preparastes para a <strong>com</strong>ida e bebida o vosso corpo e<<strong>br</strong> />

sangue. Conce<strong>de</strong>i-me, Senhor Deus, Salvador meu, que <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

frequência <strong>de</strong> vosso mistério se me aumente o fervor da<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 5<<strong>br</strong> />

Da dignida<strong>de</strong> do Sacramento e do estado sacerdotal<<strong>br</strong> />

Voz do Amado<<strong>br</strong> />

1. Ainda que tiveras a pureza dos anjos e a santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São João<<strong>br</strong> />

Batista, não serias digno <strong>de</strong> receber ou administrar este<<strong>br</strong> />

Sacramento. Porque não é <strong>de</strong>vido a merecimento algum humano<<strong>br</strong> />

que o homem po<strong>de</strong> consagrar e administrar o Sacramento <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong><<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong>er o pãos dos anjos. Sublime mistério e gran<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> dos<<strong>br</strong> />

sacerdotes, aos quais é dado<<strong>br</strong> />

o que aos anjos não foi concedido! Porque só os sacerdotes<<strong>br</strong> />

legitimamente or<strong>de</strong>nados na Igreja têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> cele<strong>br</strong>ar a Missa<<strong>br</strong> />

e consagrar o corpo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, porquanto é tão-somente o ministro<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Deus que usa das palavras <strong>de</strong> Deus, por or<strong>de</strong>m e instituição <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus; Deus, porém, é o autor principal e invisível agente, a cujo<<strong>br</strong> />

aceno tudo obe<strong>de</strong>ce.<<strong>br</strong> />

2. Neste augustíssimo Sacramento <strong>de</strong>ves, pois, mais crer em Deus<<strong>br</strong> />

onipotente que em teus próprios sentidos ou em qualquer sinal<<strong>br</strong> />

visível. Por isso <strong>de</strong>ves aproximar-te <strong>de</strong>ste mistério <strong>com</strong> temor e<<strong>br</strong> />

reverência. Olha para ti e consi<strong>de</strong>ra que ministério te foi confiado<<strong>br</strong> />

pela imposição das mãos do bispo. Foste or<strong>de</strong>nado sacerdote e<<strong>br</strong> />

consagrado para o serviço do altar; cuida agora em oferecer a Deus<<strong>br</strong> />

o sacrifício em tempo oportuno, <strong>com</strong> fé e <strong>de</strong>voção, e <strong>de</strong> levar uma


vida irrepreensível. Não se te diminui o encargo, ao contrário, estás<<strong>br</strong> />

agora mais apertadamente ligado aos vínculos <strong>de</strong> disciplina e<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igado a maior perfeição e santida<strong>de</strong>. O sacerdote <strong>de</strong>ve ser ornado<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dar aos outros<<strong>br</strong> />

o exemplo <strong>de</strong> vida santa. Ele não <strong>de</strong>ve trilhar os caminhos vulgares<<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong>uns dos homens, mas a sua convivência seja <strong>com</strong> os anjos do<<strong>br</strong> />

céu ou <strong>com</strong> os varões perfeitos na terra.<<strong>br</strong> />

3. O sacerdote, revestido das vestes sagradas, faz as vezes <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>,<<strong>br</strong> />

para rogar <strong>de</strong>vota e humil<strong>de</strong>mente a Deus por si e por todo o povo.<<strong>br</strong> />

Traz o sinal da cruz do Senhor no peito e nas costas, para que<<strong>br</strong> />

continuamente se recor<strong>de</strong> da paixão <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>. Diante <strong>de</strong> si, na<<strong>br</strong> />

casula, traz a cruz, para que consi<strong>de</strong>re, <strong>com</strong> cuidado, os passos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong>, e se empenhe <strong>de</strong> os seguir <strong>com</strong> fervor. Nas costas também<<strong>br</strong> />

está asssinalado <strong>com</strong> a cruz, para que tolere <strong>com</strong> paciência, por<<strong>br</strong> />

amor <strong>de</strong> Deus, qualquer injúria que outros lhe fizeram. Diante <strong>de</strong> si<<strong>br</strong> />

traz a cruz para chorar os próprios pecados; atrás <strong>de</strong> si, para<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>plorar também os alheios, por <strong>com</strong>paixão, e para que saiba que é<<strong>br</strong> />

constituído medianeiro entre Deus e o pecador. Também não cesse<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> orar e oferecer o santo sacrifício, até que mereça alcançar graça e<<strong>br</strong> />

misericórdia. Quando o sacerdote cele<strong>br</strong>a a Santa Missa, honra a<<strong>br</strong> />

Deus, alegra os anjos, edifica a Igreja, ajuda os vivos, proporciona<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>scanso aos <strong>de</strong>funtos e faz-se participante <strong>de</strong> todos os bens.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 6<<strong>br</strong> />

Pergunta concernente ao exercício antes da <strong>com</strong>unhão<<strong>br</strong> />

Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Senhor, quando consi<strong>de</strong>ro vossa dignida<strong>de</strong> e minha baixeza,<<strong>br</strong> />

tremo <strong>de</strong> medo e me envergonho diante <strong>de</strong> mim mesmo.<<strong>br</strong> />

Porque, se me não chego a vós, fujo da vida, e se me apresento<<strong>br</strong> />

indignamente, incorro em vossa indignação. Que farei, pois,<<strong>br</strong> />

Deus meu, meu auxílio e conselheiro em meu apuros?<<strong>br</strong> />

2. Ensinai-me vós o caminho direto, mostrai-me algum <strong>br</strong>eve<<strong>br</strong> />

exercício. Porque me é útil saber <strong>de</strong> que modo <strong>de</strong>vo, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção e respeito, preparar o meu coração para receber <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

fruto vosso Sacramento ou cele<strong>br</strong>ar tão gran<strong>de</strong> e divino<<strong>br</strong> />

sacrifício.


CAPÍTULO 7<<strong>br</strong> />

Do exame da própria consciência e propósito <strong>de</strong> emenda<<strong>br</strong> />

A Voz do Amado<<strong>br</strong> />

1. Antes <strong>de</strong> tudo cumpre ao sacerdote <strong>de</strong> Deus, para cele<strong>br</strong>ar,<<strong>br</strong> />

administrar e receber este Sacramento, que se aproxime <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

grandíssima humilda<strong>de</strong> <strong>de</strong> coração e profundo respeito, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

viva fé e piedosa intenção <strong>de</strong> honrar a Deus. Examina<<strong>br</strong> />

diligentemente a tua consciência, procura limpá-la e purificála,<<strong>br</strong> />

quanto pu<strong>de</strong>res, <strong>com</strong> sincera contrição e humil<strong>de</strong> confissão,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> sorte que nada tenhas ou saibas que te pese na<<strong>br</strong> />

consciência, que te cause remorsos e te estorve o livre acesso.<<strong>br</strong> />

Detesta todos os teus pecados em geral, e lamenta mais em<<strong>br</strong> />

particular as faltas cotidianas. E, se o tempo o permite,<<strong>br</strong> />

confessa a Deus, no recôndito <strong>de</strong> teu coração, toda a miséria<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tuas paixões.<<strong>br</strong> />

2. Aflige-te e geme por seres ainda tão carnal e mundano, tão<<strong>br</strong> />

pouco mortificado nas paixões, tão cheio <strong>de</strong> movimentos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

concupiscência, tão pouco recatado nos sentidos exteriores,<<strong>br</strong> />

tão amaranhado em muitas vãs ilusões, tão inclinado às coisas<<strong>br</strong> />

exteriores, tão <strong>de</strong>scurado das interiores; tão dado ao riso e à<<strong>br</strong> />

dissipação, tão duro para as lágrimas e a <strong>com</strong>punção; tão<<strong>br</strong> />

pronto para os regalos e cômodos da carne; tão indolente para<<strong>br</strong> />

as austerida<strong>de</strong>s e o fervor; tão curioso por ouvir novida<strong>de</strong>s e<<strong>br</strong> />

ver coisas bonitas; tão remisso em a<strong>br</strong>açar as humil<strong>de</strong>s e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sprezadas; tão cobiçoso <strong>de</strong> possuir muito; tão parco em dar;<<strong>br</strong> />

tão tenaz em guardar; tão indiscreto no falar; tão insofrido no<<strong>br</strong> />

calar; tão indiscreto no falar; tão insofrido no calar; tão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sregrado nos costumes; tão precipitado nas orações; tão<<strong>br</strong> />

sôfrego no <strong>com</strong>er; tão surdo à palavra <strong>de</strong> Deus; tão ligeiro para<<strong>br</strong> />

o <strong>de</strong>scanso; tão vagaroso para o trabalho; tão atento para<<strong>br</strong> />

conversas fúteis; tão sonolento para as sagradas vigílias; tão<<strong>br</strong> />

pressuroso por chegar ao fim; tão vago na atenção; tão<<strong>br</strong> />

negligente na recitação do ofício divino; tão tíbio na cele<strong>br</strong>ação<<strong>br</strong> />

da missa; tão seco na <strong>com</strong>unhão; tão <strong>de</strong>pressa distraído; tão<<strong>br</strong> />

raramente bem recolhido; tão precipitado à ira; tão fácil <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

melindrar os outros; tão propenso a julgar; tão rigoroso em<<strong>br</strong> />

repreen<strong>de</strong>r; tão alegre nas prosperida<strong>de</strong>s, tão abatido nas<<strong>br</strong> />

adversida<strong>de</strong>s; tão fecundo em boas resoluções, tão preguiçoso<<strong>br</strong> />

em executá-las.<<strong>br</strong> />

3. Confessados e chorados estes e outros <strong>de</strong>feitos, <strong>com</strong> pesar e<<strong>br</strong> />

vivo sentimento <strong>de</strong> tua própria fraqueza, toma o firme


propósito <strong>de</strong> emendar tua vida e melhorá-la continuamente.<<strong>br</strong> />

Depois, <strong>com</strong> plena resignação e inteira vonta<strong>de</strong>, oferece-te a ti<<strong>br</strong> />

mesmo <strong>com</strong>o perpétuo holocausto em honra do meu nome,<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e o altar do teu coração, entregando-me confiadamente<<strong>br</strong> />

teu corpo e tua alma, para que assim mereças oferecer<<strong>br</strong> />

dignamente a Deus o sacrifício e receber <strong>com</strong> fruto o<<strong>br</strong> />

Sacramento do meu corpo.<<strong>br</strong> />

4. Pois não há oblação mais digna, nem maior satisfação para<<strong>br</strong> />

expiar os pecados, que oferecer-se a si mesmo a Deus, pura e<<strong>br</strong> />

inteiramente, unido à oblação do corpo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, na Missa e<<strong>br</strong> />

na <strong>com</strong>unhão. Se o homem fizer o que está em seu po<strong>de</strong>r, e se<<strong>br</strong> />

arrepen<strong>de</strong>r verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong> seus pecados, quantas vezes a<<strong>br</strong> />

mim vier pedir graça e perdão, sempre dirá o Senhor: Por<<strong>br</strong> />

minha vida juro, não quero a morte do pecador, mas que se<<strong>br</strong> />

converta e viva; não mais me lem<strong>br</strong>arei dos seus pecados, mas<<strong>br</strong> />

todos lhe serão perdoados (Ez 18,22; 33,11).<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 8<<strong>br</strong> />

Da oblação <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> na cruz e da própria resignação<<strong>br</strong> />

Voz do Amado<<strong>br</strong> />

1. Assim <strong>com</strong>o eu a mim mesmo ofereci espontaneamente ao Pai<<strong>br</strong> />

eterno, <strong>com</strong> os <strong>br</strong>aços estendidos e o corpo nu, <strong>de</strong> modo que<<strong>br</strong> />

nada restasse em mim que não fosse oferecido em sacrifício <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

reconciliação divina: assim também <strong>de</strong>ves tu <strong>de</strong> coração<<strong>br</strong> />

oferecer-te voluntariamente a mim todos os dias na Santa<<strong>br</strong> />

Missa, em oblação pura e santa, <strong>com</strong> todas as tuas potências e<<strong>br</strong> />

afetos. Que outra coisa exijo <strong>de</strong> ti senão que te entregues<<strong>br</strong> />

inteiramente a mim? De tudo que me <strong>de</strong>res fora <strong>de</strong> ti, não faço<<strong>br</strong> />

caso; porque não busco teus dons, mas a ti mesmo.<<strong>br</strong> />

2. Assim <strong>com</strong>o não te bastariam todas as coisas sem mim, assim<<strong>br</strong> />

me não po<strong>de</strong> agradar o que sem ti me ofereces. Oferece-te a<<strong>br</strong> />

mim, dá-te todo a Deus, e será aceita a tua oblação. Olha<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o me ofereci todo ao Pai por ti, e <strong>de</strong>i-te todo<<strong>br</strong> />

o meu corpo e sangue em alimento, para ser todo teu e para que tu<<strong>br</strong> />

te tornasses meu. Se, porém, te apegares a ti mesmo, e não te<<strong>br</strong> />

ofereceres espontaneamente à minha vonta<strong>de</strong>, não será <strong>com</strong>pleta<<strong>br</strong> />

tua oblação, nem perfeita a união entre nós. Portanto, a todas as<<strong>br</strong> />

tuas o<strong>br</strong>as <strong>de</strong>ve prece<strong>de</strong>r o voluntário oferecimento <strong>de</strong> ti mesmo nas<<strong>br</strong> />

mãos <strong>de</strong> Deus, se <strong>de</strong>sejas alcançar a liberda<strong>de</strong> e a graça. O motivo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> haver tão poucos interiormente esclarecidos e livres é que muitos


não sabem abnegar-se <strong>de</strong> todo a si mesmos. É imutável minha<<strong>br</strong> />

sentença: Quem não renunciar a tudo não po<strong>de</strong>rá ser meu discípulo<<strong>br</strong> />

(Lc 14,33). Se <strong>de</strong>sejas, pois, ser meu discípulo oferece-te a mim <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

todos os teus afetos.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 9<<strong>br</strong> />

Que <strong>de</strong>vemos <strong>com</strong> tudo quanto é nosso oferecer-nos a Deus, e orar<<strong>br</strong> />

por todos<<strong>br</strong> />

Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Senhor, vosso é tudo quanto existe no céu e na terra. Desejo<<strong>br</strong> />

oferecer-me a vós em oblação voluntária e ser vosso para<<strong>br</strong> />

sempre. Senhor, na simplicida<strong>de</strong> do meu coração me ofereço<<strong>br</strong> />

hoje a vós por servo perpétuo em obséquio e eterno sacrifício<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> louvor. Recebei-me <strong>com</strong> este santo sacrifício <strong>de</strong> vosso<<strong>br</strong> />

precioso corpo, que vos ofereço hoje na presença dos anjos,<<strong>br</strong> />

que a ele invisivelmente assistem, a fim <strong>de</strong> que sirva para<<strong>br</strong> />

minha salvação e <strong>de</strong> todo o povo.<<strong>br</strong> />

2. Senhor, ofereço-vos so<strong>br</strong>e vosso altar <strong>de</strong> propiciação todos os<<strong>br</strong> />

meus pecados e <strong>de</strong>litos que tenho <strong>com</strong>etido em vossa presença<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong> vossos santos anjos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia em que pela primeira vez<<strong>br</strong> />

pequei até à hora presente, para que os consumais e queimeis<<strong>br</strong> />

no fogo <strong>de</strong> vossa carida<strong>de</strong>, também apagueis todas as<<strong>br</strong> />

manchas <strong>de</strong> meus pecados e purifiqueis minha consciência <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

toda a culpa e me restituais a vossa graça, que perdi pelo<<strong>br</strong> />

pecado, perdoando-me tudo plenamente e admitindo-me na<<strong>br</strong> />

vossa misericórdia ao ósculo da paz.<<strong>br</strong> />

3. Que posso eu fazer em expiação dos meus pecados, senão<<strong>br</strong> />

confessá-los humil<strong>de</strong>mente e chorá-los, implorando<<strong>br</strong> />

incessantemente vossa misericórdia? Rogo-vos, meu Deus,<<strong>br</strong> />

ouvi-me propício, aqui on<strong>de</strong> estou em vossa presença! Detesto<<strong>br</strong> />

sumamente todos os meus pecados, e proponho nunca mais<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>etê-los; arrependo-me <strong>de</strong>les e me hei <strong>de</strong> arrepen<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

enquanto viver; pronto estou a fazer penitência e satisfazer<<strong>br</strong> />

conforme as minhas forças. Perdoai-me, meu Deus, perdoaime<<strong>br</strong> />

os meus pecados pelo vosso santo nome; salvai minha<<strong>br</strong> />

alma que remistes <strong>com</strong> vosso precioso sangue. Eis que me<<strong>br</strong> />

abandono à vossa misericórdia, e me entrego em vossas mãos.<<strong>br</strong> />

Tratai-me segundo a vossa bonda<strong>de</strong>, não segundo a minha<<strong>br</strong> />

iniqüida<strong>de</strong> e malícia.<<strong>br</strong> />

4. Ofereço-vos todas as minhas boas o<strong>br</strong>as, por poucas e<<strong>br</strong> />

imperfeitas que sejam, para que vós as emen<strong>de</strong>is e


santifiqueis, e as façais agradáveis a vós e as aperfeiçoeis cada<<strong>br</strong> />

vez mais, e para que me leveis a mim, servo indolente e inútil,<<strong>br</strong> />

a um fim glorioso e bem-aventurado.<<strong>br</strong> />

5. Ofereço-vos também todos os santos <strong>de</strong>sejos das almas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>votas, as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> meus pais, amigos, irmãos,<<strong>br</strong> />

parentes e <strong>de</strong> todos os que me são caros, ou me fizeram bem a<<strong>br</strong> />

mim e a outros, por vosso amor; também daqueles que me<<strong>br</strong> />

en<strong>com</strong>endaram e pediram orações e Missas por si e para todos<<strong>br</strong> />

os seus, sejam vivos ou <strong>de</strong>funtos, para que todos sintam o<<strong>br</strong> />

auxílio da vossa graça, o socorro da vossa consolação, a<<strong>br</strong> />

proteção nos perigos, o alívio das penas e que, livres <strong>de</strong> todos<<strong>br</strong> />

os males, vos rendam jubilosos, muitas graças.<<strong>br</strong> />

6. Ofereço-vos, finalmente, todas as orações e a hóstia <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

propiciação particularmente por aqueles que <strong>de</strong> qualquer<<strong>br</strong> />

modo me ofen<strong>de</strong>ram, contristaram, censuraram, prejudicaram<<strong>br</strong> />

ou molestaram. Enfim, por todos a quem eu tenha afligido,<<strong>br</strong> />

perturbado, contrariado ou escandalizado, <strong>com</strong> palavras ou<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>as, por ignorância ou <strong>com</strong> advertência, a fim <strong>de</strong> que a todos<<strong>br</strong> />

nos perdoeis os nossos pecados e mútuas ofensas. Apartai,<<strong>br</strong> />

Senhor, dos nossos corações toda suspeita, indignação, e ira e<<strong>br</strong> />

contenda e tudo que possa ofen<strong>de</strong>r a carida<strong>de</strong> e diminuir o<<strong>br</strong> />

amor fraternal. Compa<strong>de</strong>cei-vos, Senhor, <strong>com</strong>pa<strong>de</strong>cei-vos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

todos os que imploram vossa misericórdia; daí graças aos que<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>la necessitam, e fazei-nos tais, que sejamos dignos <strong>de</strong> gozar<<strong>br</strong> />

a vossa graça e alcançar a vida eterna. Amém.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 10<<strong>br</strong> />

Que não se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar por leve motivo a sagrada <strong>com</strong>unhão<<strong>br</strong> />

Voz do Amado<<strong>br</strong> />

1. A miúdo <strong>de</strong>ves recorrer à fonte da graça e divina misericórdia,<<strong>br</strong> />

à fonte <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> toda pureza, para que possas ser<<strong>br</strong> />

curado <strong>de</strong> tuas paixões e vícios, e merecer ficar mais forte e<<strong>br</strong> />

vigilante contra todas as tentações e enganos do <strong>de</strong>mônio.<<strong>br</strong> />

Sabendo o inimigo qual é o fruto e o eficacíssimo remédio que<<strong>br</strong> />

se encerra na santa <strong>com</strong>unhão, procura por todos os modos e<<strong>br</strong> />

em qualquer ocasião impedir e afastar <strong>de</strong>la, quanto po<strong>de</strong>, as<<strong>br</strong> />

almas fiéis e piedosas.<<strong>br</strong> />

2. Pois a muitos suce<strong>de</strong> que, quando tratam <strong>de</strong> preparar-se para<<strong>br</strong> />

a santa <strong>com</strong>unhão, sofrem as piores sugestões <strong>de</strong> Satanás.<<strong>br</strong> />

Esse espírito maligno (<strong>com</strong>o está escrito no livro <strong>de</strong> Jó 1,6)<<strong>br</strong> />

mete-se entre os filhos <strong>de</strong> Deus, para, <strong>com</strong> sua costumada


malícia, perturbá-los ou torná-los <strong>de</strong>masiadamente tímidos e<<strong>br</strong> />

escrupulosos, a fim <strong>de</strong> lhes diminuir a <strong>de</strong>voção ou <strong>com</strong> suas<<strong>br</strong> />

investidas arrancar-lhes a fé, para que <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> todo a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unhão ou só se lhe aproximem <strong>com</strong> tibieza. Mas não se há<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> fazer caso algum das suas manhas e sugestões, por mais<<strong>br</strong> />

torpes e horríveis que sejam; ao contrário, todas essas<<strong>br</strong> />

fantasias se hão <strong>de</strong> rechaçar so<strong>br</strong>e a sua cabeça. Desprezo e<<strong>br</strong> />

irrisão merece esse malvado, e por causa <strong>de</strong> suas investidas ou<<strong>br</strong> />

inquietações não se há <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a <strong>com</strong>unhão.<<strong>br</strong> />

3. Muitas vezes também causa embaraço a <strong>de</strong>masiada<<strong>br</strong> />

preocupação a respeito da <strong>de</strong>voção ou certo receio da<<strong>br</strong> />

necessária confissão. Proce<strong>de</strong> nisto conforme o conselho dos<<strong>br</strong> />

entendidos, e <strong>de</strong>ixa a ânsia e escrúpulos, porque estorvam a<<strong>br</strong> />

graça <strong>de</strong> Deus e impe<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>voção da alma. Não <strong>de</strong>ixes a<<strong>br</strong> />

sagrada <strong>com</strong>unhão por qualquer pequena tribulação ou<<strong>br</strong> />

contrarieda<strong>de</strong>, mas vai logo confessar-te e perdoa<<strong>br</strong> />

generosamente aos outros todas as ofensas. Se tu, porém,<<strong>br</strong> />

ofen<strong>de</strong>ste a alguém, pe<strong>de</strong> humil<strong>de</strong>mente perdão, e Deus te<<strong>br</strong> />

perdoará <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

4. Que aproveita <strong>de</strong>morar por muito tempo a confissão ou adiar a<<strong>br</strong> />

sagrada <strong>com</strong>unhão? Purifica-te quanto antes, expele já o<<strong>br</strong> />

veneno, apressa-te em tomar o remédio e achar-te-ás melhor<<strong>br</strong> />

que se por muito tempo o diferes. Se <strong>de</strong>ixas hoje a <strong>com</strong>unhão,<<strong>br</strong> />

por este ou aquele motivo, talvez que amanhã te so<strong>br</strong>evenha<<strong>br</strong> />

outro maior, e assim te podias afastar por muito tempo da<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unhão e tornar-te cada vez menos apto. O mais cedo que<<strong>br</strong> />

possas, saco<strong>de</strong> <strong>de</strong> ti essa inércia e tibieza, porque nada te<<strong>br</strong> />

aproveita viver muito tempo nessa ânsia e perturbação e<<strong>br</strong> />

privar-te dos divinos mistérios por cotidianos embaraços.<<strong>br</strong> />

Antes prejudica por muito adiar a <strong>com</strong>unhão por largo tempo;<<strong>br</strong> />

porque isto costuma produzir grave frouxidão. Infelizmente,<<strong>br</strong> />

alguns tíbios e relaxados folgam <strong>com</strong> os pretextos <strong>de</strong> adiar a<<strong>br</strong> />

confissão e <strong>de</strong>sejam a <strong>de</strong>mora da <strong>com</strong>unhão, para não serem<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igados a maior vigilância so<strong>br</strong>e si mesmos.<<strong>br</strong> />

5. Ai! Que pouco amor e fraca <strong>de</strong>voção têm aqueles que tão<<strong>br</strong> />

facilmente <strong>de</strong>ixam a sagrada <strong>com</strong>unhão! Quão feliz, porém, e<<strong>br</strong> />

quão agradável a Deus é quem vive tão santamente e guarda a<<strong>br</strong> />

sua consciência em tal pureza, que todos os dias estaria<<strong>br</strong> />

preparado e disposto a <strong>com</strong>ungar, se lhe fosse permitido e o<<strong>br</strong> />

pu<strong>de</strong>sse fazer sem causar reparo! Quando alguém, por<<strong>br</strong> />

humilda<strong>de</strong> ou algum legítimo impedimento, se abstém <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ungar uma vez ou outra, merece louvor por tanta<<strong>br</strong> />

reverência. Insinuando-se-lhe, porém, a tibieza, <strong>de</strong>ve<<strong>br</strong> />

reanimar-se a si mesmo e fazer o que pu<strong>de</strong>r, e Deus auxiliará


o seu <strong>de</strong>sejo, aten<strong>de</strong>ndo à boa vonta<strong>de</strong>, que especialmente<<strong>br</strong> />

aprecia.<<strong>br</strong> />

1. Quando for, porém, legitimamente impedido, conserve ao<<strong>br</strong> />

menos a boa vonta<strong>de</strong> e piedosa intenção <strong>de</strong> <strong>com</strong>ungar, e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ste modo não ficará privado do fruto do Sacramento.<<strong>br</strong> />

Porque todo cristão piedoso po<strong>de</strong> cada dia e a cada hora,<<strong>br</strong> />

sem embaraço e <strong>com</strong> proveito, <strong>com</strong>ungar espiritualmente.<<strong>br</strong> />

Contudo, em certos dias e tempo <strong>de</strong>terminado, <strong>de</strong>ve receber<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> afetuosa reverência o corpo <strong>de</strong> seu Re<strong>de</strong>ntor no<<strong>br</strong> />

Sacramento, e nisto ter em vista mais a honra e glória <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Deus, que sua própria consolação. Porque espiritualmente<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unga e invisivelmente é recreado, todas as vezes que<<strong>br</strong> />

medita <strong>de</strong>votamente no mistério da encarnação <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> e<<strong>br</strong> />

da sua paixão, e se acen<strong>de</strong> em seu amor.<<strong>br</strong> />

2. Quem se prepara somente quando uma festa se aproxima<<strong>br</strong> />

ou o costume o o<strong>br</strong>iga, muitas vezes se achará mal<<strong>br</strong> />

preparado. Bem-aventurado aquele que se oferece a Deus<<strong>br</strong> />

em holocausto, todas as vezes que cele<strong>br</strong>a a Santa Missa ou<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unga! Não sejas, ao cele<strong>br</strong>ar, nem <strong>de</strong>masiadamente<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>morado, nem apressado, mas guarda o uso <strong>com</strong>um e<<strong>br</strong> />

regular daqueles <strong>com</strong> quem vives. Não <strong>de</strong>ves causar<<strong>br</strong> />

incômodo ou enfado aos <strong>de</strong>mais; mas seguir o caminho<<strong>br</strong> />

traçado pela instituição dos maiores e aten<strong>de</strong>r antes ao<<strong>br</strong> />

proveito alheio que à tua própria <strong>de</strong>voção e afeto.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 11<<strong>br</strong> />

Que o corpo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong> e a Sagrada Escritura são sumamente<<strong>br</strong> />

necessários à alma fiel Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Ó dulcíssimo Senhor Jesus, quão gran<strong>de</strong> é a doçura <strong>de</strong> uma<<strong>br</strong> />

alma <strong>de</strong>vota que toma parte no vosso banquete, no qual outro<<strong>br</strong> />

manjar não há que se lhe ofereça, senão vós mesmo, seu único<<strong>br</strong> />

amado, suprema aspiração <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> seu coração!<<strong>br</strong> />

Também a mim seria doce <strong>de</strong>rramar em vossa presença<<strong>br</strong> />

lágrimas do mais terno amor e <strong>com</strong> a piedosa Madalena<<strong>br</strong> />

banhar os vossos pés <strong>com</strong> meu pranto; mas on<strong>de</strong> está essa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção, on<strong>de</strong> essa copiosa efusão <strong>de</strong> santas lágrimas? Por<<strong>br</strong> />

certo, na vossa presença e na dos santos anjos, meu coração<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>via inteiramente ficar a<strong>br</strong>asado e chorar <strong>de</strong> alegria, pois vos<<strong>br</strong> />

tenho verda<strong>de</strong>iramente presente no Sacramento, embora<<strong>br</strong> />

oculto sob estranhas espécies.


2. Contemplar-vos na vossa própria e divina clarida<strong>de</strong> - não<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>riam suportar meus olhos; nem o mundo todo po<strong>de</strong>ria<<strong>br</strong> />

subsistir perante o fulgor <strong>de</strong> vossa majesta<strong>de</strong>. Por isso viestes<<strong>br</strong> />

em socorro à minha fraqueza, em vos ocultando <strong>de</strong>baixo do<<strong>br</strong> />

Sacramento. Possuo realmente e adoro aquele a quem os anjos<<strong>br</strong> />

do céu adoram; mas eu, por enquanto, só pela fé, eles, porém,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> clara visão e sem véu. Eu me <strong>de</strong>vo contentar <strong>com</strong> a luz da<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira fé e nela caminhar, até que amanheça o dia da<<strong>br</strong> />

clarida<strong>de</strong> eterna e <strong>de</strong>sapareçam as som<strong>br</strong>as das figuras. "Mas,<<strong>br</strong> />

quando vier o que é perfeito" (1Cor 13,10), cessará o uso dos<<strong>br</strong> />

sacramentos; porque os bem-aventurados na glória celeste não<<strong>br</strong> />

necessitam do remédio sacramental. Gozam sem fim da<<strong>br</strong> />

presença <strong>de</strong> Deus, contemplando a sua glória face a face, e,<<strong>br</strong> />

transformados <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong> em clarida<strong>de</strong> no abismo da<<strong>br</strong> />

divinda<strong>de</strong>, fruem a visão do Verbo <strong>de</strong> Deus encarnado, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

foi no princípio e permanecerá para sempre.<<strong>br</strong> />

3. Ao lem<strong>br</strong>ar-se <strong>de</strong>ssas maravilhas, qualquer consolação me<<strong>br</strong> />

causa tédio; porque, enquanto não vejo claramente o meu<<strong>br</strong> />

Senhor em sua glória, em nada estimo tudo o que neste<<strong>br</strong> />

mundo vejo e ouço. Vós, meu Deus, me sois testemunha <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que nenhuma coisa me po<strong>de</strong> consolar, nem criatura alguma<<strong>br</strong> />

me sossegar, senão vós, meu Deus, a quem <strong>de</strong>sejo contemplar<<strong>br</strong> />

eternamente. Mas isso não é possível enquanto vivo nesta vida<<strong>br</strong> />

mortal. Por isso me convém ter gran<strong>de</strong> paciência e submeterme<<strong>br</strong> />

a vós em todos os meus <strong>de</strong>sejos. Porque também os vossos<<strong>br</strong> />

santos, Senhor, que exultam agora convosco no reino dos<<strong>br</strong> />

céus, esperavam durante a sua vida terrestre, <strong>com</strong> muita fé e<<strong>br</strong> />

paciência, a vinda da vossa glória. O que eles creram, eu o<<strong>br</strong> />

creio também; o que eles esperaram, eu o espero; aon<strong>de</strong> eles<<strong>br</strong> />

chegaram, espero que hei <strong>de</strong> chegar também, pela vossa graça.<<strong>br</strong> />

Até então, caminharei na fé, confortado <strong>com</strong> os exemplos dos<<strong>br</strong> />

santos. Terei ainda os livros santos para consolo e espelho <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

minha vida e, so<strong>br</strong>etudo terei vosso corpo sagrado <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

singular remédio e excelente refúgio.<<strong>br</strong> />

4. Reconheço que neste mundo duas coisas me são, so<strong>br</strong>etudo<<strong>br</strong> />

necessárias, sem as quais me seria suportável esta miserável<<strong>br</strong> />

vida. Confesso que, enquanto estou <strong>de</strong>tido no cárcere <strong>de</strong>ste<<strong>br</strong> />

corpo, necessito <strong>de</strong> duas coisas: alimento e luz. Por isso me<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>stes, Senhor, a mim, fraco, o vosso sagrado corpo, para<<strong>br</strong> />

sustento da alma e do corpo, e "pusestes a vossa palavra qual<<strong>br</strong> />

ca<strong>de</strong>ia diante <strong>de</strong> meus pés" (Sl 118, 105). Sem estas duas<<strong>br</strong> />

coisas não po<strong>de</strong>ria bem viver; porque a palavra <strong>de</strong> Deus é a luz<<strong>br</strong> />

da minha alma e vosso Sacramento o pão da vida. Po<strong>de</strong>m ser<<strong>br</strong> />

chamadas duas mesas, colocadas <strong>de</strong> um e outro lado do


tesouro da Santa Igreja. Uma é a mesa do santo altar, on<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

está o pão sagrado, isto é, o corpo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>. A outra é a mesa<<strong>br</strong> />

da lei divina, que contém a doutrina santa, nos ensina a<<strong>br</strong> />

verda<strong>de</strong>ira fé e nos conduz <strong>com</strong> segurança atrás do véu do<<strong>br</strong> />

santuário, on<strong>de</strong> está o Santo dos santos. Graças vos dou,<<strong>br</strong> />

Senhor Jesus, luz da luz eterna, pela mesa da sagrada<<strong>br</strong> />

doutrina que nos ministrastes por vossos servos, os profetas,<<strong>br</strong> />

apóstolos e outros santos doutores.<<strong>br</strong> />

5. Graças vos dou, Criador e Re<strong>de</strong>ntor dos homens que, para dar<<strong>br</strong> />

a todo o mundo uma prova do vosso amor, preparastes uma<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> ceia, on<strong>de</strong> oferecestes em <strong>com</strong>ida, não já o cor<strong>de</strong>iro<<strong>br</strong> />

figurativo, senão vosso santíssimo corpo e sangue, enchendo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> alegria todos os fiéis <strong>com</strong> este sagrado banquete, e<<strong>br</strong> />

ine<strong>br</strong>iando-os <strong>com</strong> o cálice da salvação, on<strong>de</strong> se encerram<<strong>br</strong> />

todas as <strong>de</strong>lícias do paraíso e juntamente convosco se<<strong>br</strong> />

banqueteiam os santos e anjos, mas <strong>com</strong> mais suaves <strong>de</strong>lícias.<<strong>br</strong> />

6. Oh! Quão gran<strong>de</strong> e venerável é o ministério dos sacerdotes, aos<<strong>br</strong> />

quais é dado consagrar <strong>com</strong> palavras santas o Senhor <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

majesta<strong>de</strong>, bendizê-lo <strong>com</strong> os lábios, tocá-lo <strong>com</strong> as mãos,<<strong>br</strong> />

recebê-lo em suas bocas e distribuí-lo aos outros! Oh! <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

lhes <strong>de</strong>vem ser limpas as mãos, pura a boca, santo o corpo,<<strong>br</strong> />

imaculado o coração, em que tantas vezes entra o Autor da<<strong>br</strong> />

pureza! Da boca do sacerdote, que tantas vezes recebe o<<strong>br</strong> />

Sacramento <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, palavra não <strong>de</strong>ve sair que não seja<<strong>br</strong> />

santa, honesta e útil.<<strong>br</strong> />

7. Seus olhos, que constumam contemplar o corpo <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vem ser mo<strong>de</strong>stos e castos. Puras e erguidas aos céus sejam<<strong>br</strong> />

também suas mãos, que tantas vezes tocam o Criador do céu e<<strong>br</strong> />

da terra. Especialmente aos sacerdotes se diz, na lei: Se<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

santos, que também eu, o Senhor vosso Deus, sou santo (Lev<<strong>br</strong> />

19,2; 1Pdr 1,16).<<strong>br</strong> />

8. Assista-nos vossa graça, ó Deus onipotente, para que nós, que<<strong>br</strong> />

assumimos o ministério sacerdotal, possamos digna e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>votamente servir-vos, <strong>com</strong> toda pureza e boa consciência. E,<<strong>br</strong> />

se não po<strong>de</strong>mos viver <strong>com</strong> tanta inocência, <strong>com</strong>o <strong>de</strong>vemos,<<strong>br</strong> />

conce<strong>de</strong>i-nos ao menos a graça <strong>de</strong> chorar <strong>de</strong>vidamente os<<strong>br</strong> />

pecados <strong>com</strong>etidos e doravante vos servir <strong>com</strong> mais<<strong>br</strong> />

fervor, no espírito <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>, <strong>com</strong> firme propósito e boa vonta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 12<<strong>br</strong> />

Que a alma se <strong>de</strong>ve preparar <strong>com</strong> gran<strong>de</strong> diligência para a sagrada<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unhão


Voz do Amado<<strong>br</strong> />

1. Sou amigo da pureza e dispensador <strong>de</strong> toda santida<strong>de</strong>. Busco um<<strong>br</strong> />

coração puro, e este é o lugar do meu repouso. Prepara-me um<<strong>br</strong> />

cenáculo gran<strong>de</strong> e bem ornado, e nele cele<strong>br</strong>arei a Páscoa <strong>com</strong> meus<<strong>br</strong> />

discípulos (Lc 22,12; Mt 26,18). Se queres que eu venha a ti e fique<<strong>br</strong> />

contigo, lança fora o velho fermento e limpa a morada do teu<<strong>br</strong> />

coração. Desterra <strong>de</strong>le<<strong>br</strong> />

o mundo todo e o tumulto dos vícios; assenta-te, qual passarinho<<strong>br</strong> />

solitário, no telhado, e relem<strong>br</strong>a teus pecados na amargura <strong>de</strong> tua<<strong>br</strong> />

alma (Sl 101,8). Porque todo amante prepara para o seu amado o<<strong>br</strong> />

melhor e mais belo aposento, porque nisto se conhece o amor <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

quem acolhe o amado.<<strong>br</strong> />

1. Sabe, porém, que não po<strong>de</strong>s chegar a uma digna preparação<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> aquilo que fazes, ainda que empregasses nela um ano<<strong>br</strong> />

inteiro, sem cuidar em mais nada. Mas só por minha bonda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

e graça te é permitido chegar à minha mesa, <strong>com</strong>o se um<<strong>br</strong> />

mendigo fora convidado à mesa <strong>de</strong> um rico e não tivera outra<<strong>br</strong> />

coisa <strong>com</strong> que pagar os benefícios recebidos, senão humil<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

agra<strong>de</strong>cimento. Faze o que po<strong>de</strong>s, e faze-o <strong>com</strong> diligência; não<<strong>br</strong> />

por costume ou por necessida<strong>de</strong>, mas por temor, respeito e<<strong>br</strong> />

amor, recebe o corpo do teu amado Senhor e Deus, que se<<strong>br</strong> />

digna <strong>de</strong> te visitar. Sou eu quem te chamou e mandou que<<strong>br</strong> />

assim se fizesse; eu suprirei o que te falta; vem receber-me.<<strong>br</strong> />

2. Quando te concedo a graça da <strong>de</strong>voção, dá graças a teu Deus,<<strong>br</strong> />

não que sejas digno, mas porque tive pena <strong>de</strong> ti. Se não tens<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção, mas te sentes muito seco, persevera na oração,<<strong>br</strong> />

suspira, bate à porta e não cesses até que mereças receber<<strong>br</strong> />

uma migalha ou uma gota <strong>de</strong> minha graça salutar. Tu<<strong>br</strong> />

necessitas <strong>de</strong> mim, e não eu <strong>de</strong> ti. Não vens tu me santificar,<<strong>br</strong> />

mas sou eu quem te venho santificar e fazer melhor. Tu vens<<strong>br</strong> />

para que, santificado por mim e a mim unido, recebas nova<<strong>br</strong> />

graça e <strong>de</strong> novo te afervores para a emenda. "Não <strong>de</strong>sprezes<<strong>br</strong> />

esta graça" (1Tim 4,14); mas dispõe <strong>com</strong> toda diligência teu<<strong>br</strong> />

coração e recebe nele o teu Amado.<<strong>br</strong> />

3. Importa, porém, que não só te prepares para a <strong>de</strong>voção antes<<strong>br</strong> />

da <strong>com</strong>unhão, mas também que a conserves cuidadosamente<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois da recepção do Sacramento. Não é menor a vigilância<<strong>br</strong> />

que se exige <strong>de</strong>pois da <strong>com</strong>unhão, do que a fervorosa<<strong>br</strong> />

preparação antes <strong>de</strong> recebê-la. Pois essa boa vigilância<<strong>br</strong> />

posterior é novamente a melhor preparação para alcançar<<strong>br</strong> />

maior graça; ao contrário, muito indisposto se torna quem logo


<strong>de</strong>pois se dissipa <strong>com</strong> recreações exteriores. Guarda-te <strong>de</strong> falar<<strong>br</strong> />

muito, retira-te na solidão e goza do teu Deus; pois possuis<<strong>br</strong> />

aquele que o mundo todo te não po<strong>de</strong> roubar. A mim te <strong>de</strong>ves<<strong>br</strong> />

entregar inteiramente, <strong>de</strong> sorte que já não vivas em ti, mas em<<strong>br</strong> />

mim, sem mais cuidado algum.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 13<<strong>br</strong> />

Que a alma <strong>de</strong>vota <strong>de</strong>ve aspirar, <strong>de</strong> todo o coração, à união <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong> no Sacramento<<strong>br</strong> />

Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Quem me <strong>de</strong>ra, Senhor, achar-me só convosco, para vos a<strong>br</strong>ir<<strong>br</strong> />

todo o meu coração e vos gozar <strong>com</strong>o <strong>de</strong>seja a minha alma a<<strong>br</strong> />

ponto que já ninguém em mim reparasse, nem criatura<<strong>br</strong> />

alguma se preocupasse <strong>com</strong>igo ou olhasse para mim, mas que<<strong>br</strong> />

só vós me falásseis e eu a vós, <strong>com</strong>o costuma falar o amante<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> seu amado, e conversar o amigo <strong>com</strong> seu amigo! Isto peço,<<strong>br</strong> />

isto <strong>de</strong>sejo: ser unido todo a vós e <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r o meu coração<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> todas as coisas criadas, e pela sagrada <strong>com</strong>unhão e<<strong>br</strong> />

freqüente cele<strong>br</strong>ação da Santa Missa achar cada vez mais<<strong>br</strong> />

gosto nas coisas celestiais e eternas. Ah! Senhor meu Deus,<<strong>br</strong> />

quando estarei todo unido a vós, absorto em vós, e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente esquecido <strong>de</strong> mim? Vós em mim e eu em vós;<<strong>br</strong> />

conce<strong>de</strong>i que fiquemos assim unidos!<<strong>br</strong> />

2. Vós sois na verda<strong>de</strong> "meu amado, escolhido entre milhares"<<strong>br</strong> />

(Cânt 5,10), no qual <strong>de</strong>seja a minha alma morar todos os dias<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> sua vida. Vós sois verda<strong>de</strong>iramente meu rei pacífico; em vós<<strong>br</strong> />

está a suma paz e o verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>scanso, e fora <strong>de</strong> vós só há<<strong>br</strong> />

trabalho, dor e infinita miséria. "Vós sois verda<strong>de</strong>iramente um<<strong>br</strong> />

Deus escondido" (Is 45,15), e vosso conselho não é <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

ímpios, mas <strong>com</strong> os humil<strong>de</strong>s, e simples é vossa conversação.<<strong>br</strong> />

"Quão suave, Senhor, é vosso espírito". Para mostrar-<strong>de</strong>s a<<strong>br</strong> />

vossa doçura aos vossos filhos, vos dignais saciá-los <strong>com</strong> o pão<<strong>br</strong> />

suavíssimo que <strong>de</strong>sceu do céu. "Na verda<strong>de</strong>, não há outra<<strong>br</strong> />

nação tão gran<strong>de</strong> que tenha seus <strong>de</strong>uses tão perto <strong>de</strong> si, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

vós, nosso Deus, estais perto <strong>de</strong> todos os fiéis" (Dt 4,7), aos<<strong>br</strong> />

quais vos dais em alimento <strong>de</strong>licioso, para consolá-los<<strong>br</strong> />

diariamente e erguer seus corações ao céu.<<strong>br</strong> />

3. Que nação há tão ilustre <strong>com</strong>o o povo cristão, ou que criatura<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>baixo do céu recebe tanto amor <strong>com</strong>o a alma <strong>de</strong>vota a quem<<strong>br</strong> />

Deus se une para nutri-la <strong>com</strong> a sua gloriosa carne? Ó graça<<strong>br</strong> />

inefável, ó admirável con<strong>de</strong>scendência, ó amor imenso,


prodigalizado singularmente ao homem. Mas que darei ao<<strong>br</strong> />

Senhor por esta graça e tão exímia carida<strong>de</strong>? Oferta mais<<strong>br</strong> />

agradável não posso fazer a meu Deus, que lhe entregar meu<<strong>br</strong> />

coração todo inteiro, para que o una intimamente consigo.<<strong>br</strong> />

Então exultarão <strong>de</strong> alegria todas as minhas entranhas, quando<<strong>br</strong> />

minha alma estiver perfeitamente unida <strong>com</strong> Deus. Então me<<strong>br</strong> />

dirá ele: Se tu queres estar <strong>com</strong>igo, eu também quero estar<<strong>br</strong> />

contigo. E eu lhe respon<strong>de</strong>rei: Dignai-vos, Senhor, ficar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>igo, pois eu <strong>de</strong> bom grado quero estar convosco. Este é<<strong>br</strong> />

meu <strong>de</strong>sejo supremo, que meu coração esteja unido convosco.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 14<<strong>br</strong> />

Do ar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sejo que têm alguns <strong>de</strong>votos <strong>de</strong> receber o corpo <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Cristo</strong><<strong>br</strong> />

Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Oh! Como é gran<strong>de</strong>, Senhor, a abundância da vossa doçura,<<strong>br</strong> />

que reservastes para os que vos temem! (Sl 30,20). Quando me<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>o, Senhor, <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>votos que se aproximam do vosso<<strong>br</strong> />

Sacramento <strong>com</strong> o maior fervor e afeto, fico muitas vezes<<strong>br</strong> />

confuso e envergonhado <strong>de</strong> mim mesmo, por chegar tão tíbio e<<strong>br</strong> />

frio ao vosso altar e à mesa da sagrada <strong>com</strong>unhão; por ficar<<strong>br</strong> />

tão seco e sem fervor <strong>de</strong> coração; por não estar <strong>de</strong> todo<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>asado diante <strong>de</strong> vós, meu Deus, nem tão veementemente<<strong>br</strong> />

atraído e <strong>com</strong>ovido, <strong>com</strong>o estavam muitos <strong>de</strong>votos, que, pelo<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sagrada <strong>com</strong>unhão e amor sensível do seu<<strong>br</strong> />

coração, não podiam reprimir as lágrimas, mas <strong>com</strong> a boca da<<strong>br</strong> />

alma e do corpo ao mesmo tempo suspiravam ar<strong>de</strong>ntemente<<strong>br</strong> />

por vós, a fonte viva, não po<strong>de</strong>ndo mitigar nem saciar essa<<strong>br</strong> />

fome doutro modo, senão recebendo vosso corpo <strong>com</strong> toda<<strong>br</strong> />

alegria e ânsia espiritual.<<strong>br</strong> />

2. Oh! Esta fé verda<strong>de</strong>ira e ar<strong>de</strong>nte é prova manifesta <strong>de</strong> vossa<<strong>br</strong> />

sagrada presença! Estes verda<strong>de</strong>iramente reconhecem seu<<strong>br</strong> />

Senhor ao partir do pão, porque seu coração está em<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panhia <strong>de</strong>les. Longe está <strong>de</strong> mim tal <strong>de</strong>voção e ternura, tão<<strong>br</strong> />

vivo amor e fervor. Se<strong>de</strong>-me propício, ó bom, ó doce, ó benigno<<strong>br</strong> />

Jesus, e conce<strong>de</strong>i a este vosso po<strong>br</strong>e mendigo que sinta ao<<strong>br</strong> />

menos alguma vez na sagrada <strong>com</strong>unhão um pouco do afeto<<strong>br</strong> />

cordial do vosso amor, para que se fortaleça minha fé, cresça<<strong>br</strong> />

minha esperança em vossa bonda<strong>de</strong>, a minha carida<strong>de</strong>, uma<<strong>br</strong> />

vez bem acesa e acostumada ao celestial maná, jamais<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sfaleça.


3. Vossa misericórdia é bastante po<strong>de</strong>rosa para me dar a graça<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejada, e visitar-me em vossa clemência, no dia que vos<<strong>br</strong> />

aprouver, <strong>com</strong> o espírito <strong>de</strong> fervor. Pois ainda que não esteja<<strong>br</strong> />

acendido <strong>de</strong> tão ar<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sejos, <strong>com</strong>o vossos privilegiados<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>votos, sinto, todavia, <strong>com</strong> a vossa graça, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> seus<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>asados <strong>de</strong>sejos, e peço e rogo o favor <strong>de</strong> participar do fervor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> todos esses vossos amigos e ser agregado à sua santa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panhia.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 15<<strong>br</strong> />

Que a graça da <strong>de</strong>voção se alcança pela humilda<strong>de</strong> e abnegação <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

si mesmo<<strong>br</strong> />

Voz do Amado<<strong>br</strong> />

1. Com perseverança <strong>de</strong>ves buscar a graça da <strong>de</strong>voção, pedi-la<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> instância, esperá-la <strong>com</strong> paciência e confiança, recebê-la<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> agra<strong>de</strong>cimento, guardá-la <strong>com</strong> humilda<strong>de</strong>, <strong>com</strong> diligência<<strong>br</strong> />

aproveitá-la, <strong>com</strong>etendo a Deus o tempo e o modo da celestial<<strong>br</strong> />

visita, até que se digne visitar-te. Deves principalmente<<strong>br</strong> />

humilhar-te quando pouca ou nenhuma <strong>de</strong>voção sentes em<<strong>br</strong> />

teu interior, sem, todavia, ficar abatido ou entristecer-te<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>masiadamente. Muitas vezes dá Deus num momento o que<<strong>br</strong> />

negou por largo tempo, e às vezes conce<strong>de</strong> no fim da oração o<<strong>br</strong> />

que no princípio diferiu.<<strong>br</strong> />

2. Se a graça fora sempre prontamente outorgada e oferecida à<<strong>br</strong> />

vonta<strong>de</strong>, tanto não podia suportar o homem fraco. Por isso a<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ves esperar <strong>com</strong> firme confiança e humil<strong>de</strong> paciência. Mas<<strong>br</strong> />

atribui a culpa a ti e aos teus pecados, quando te for negada<<strong>br</strong> />

ou ocultamente retirada. Às vezes é bem pouco o que impe<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ou oculta a graça, se é que se po<strong>de</strong> chamar pouco e não muito,<<strong>br</strong> />

o que priva <strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong> bem. E se removeres este pequeno<<strong>br</strong> />

ou gran<strong>de</strong> impedimento, e se te venceres perfeitamente, terás o<<strong>br</strong> />

que pediste.<<strong>br</strong> />

1. Porque logo que <strong>de</strong> todo o teu coração te entregares a<<strong>br</strong> />

Deus e não buscares coisa alguma a teu gosto e <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />

mas inteiramente te puseres em suas mãos, achar-te-ás<<strong>br</strong> />

unido a ele e sossegado, e nada te será tão <strong>de</strong>licioso e<<strong>br</strong> />

agradável <strong>com</strong>o o beneplácito da divina vonta<strong>de</strong>. Todo<<strong>br</strong> />

aquele, pois, que <strong>com</strong> coração singelo dirige a sua<<strong>br</strong> />

intenção a Deus e se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo amor ou aversão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada a qualquer coisa criada, está bem disposto<<strong>br</strong> />

para receber a graça e digno


2. <strong>de</strong> alcançar a <strong>de</strong>voção, porque o Senhor dá a sua bênção<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> encontra o coração vazio. E quanto mais<<strong>br</strong> />

perfeitamente alguém renuncia às coisas terrenas e<<strong>br</strong> />

morre a si pelo <strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong> si mesmo, tanto mais<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pressa lhe advém a graça, mais copiosamente se lhe<<strong>br</strong> />

infun<strong>de</strong> e mais alto lhe ergue o coração livre.<<strong>br</strong> />

3. Então verá, terá alegria abundante e estará maravilhoso; o<<strong>br</strong> />

coração se lhe dilatará, porque a mão do Senhor está <strong>com</strong> ele<<strong>br</strong> />

(Is 60,5), e em suas mãos ele inteiramente se entregou para<<strong>br</strong> />

sempre. Eis <strong>com</strong>o será abençoado o homem que busca a Deus<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> todo o seu coração, e não <strong>de</strong>ixa sua alma se apegar às<<strong>br</strong> />

vaida<strong>de</strong>s (Sl 23,5). Esse é que na recepção da sagrada<<strong>br</strong> />

Eucaristia merece a graça inefável da união <strong>com</strong> Deus, porque<<strong>br</strong> />

não olha para a sua <strong>de</strong>voção e consolação, mas, so<strong>br</strong>etudo<<strong>br</strong> />

busca a honra e glória <strong>de</strong> Deus.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 16<<strong>br</strong> />

Como <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir nossas necessida<strong>de</strong>s a <strong>Cristo</strong> e pedir sua<<strong>br</strong> />

graça<<strong>br</strong> />

Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Ó dulcíssimo e amabilíssimo Senhor, a quem <strong>de</strong>sejo agora<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>votamente receber, vós conheceis minha fraqueza e a<<strong>br</strong> />

necessida<strong>de</strong> que sofro; sabeis em quantos males e vícios estou<<strong>br</strong> />

emaranhado, quantas vezes estou oprimido, tentado,<<strong>br</strong> />

perturbado e manchado! A vós peço consolação e alívio.<<strong>br</strong> />

Convosco falo, meu Deus, que sabeis todas as coisas e a quem<<strong>br</strong> />

são manifestos todos os segredos do meu coração; vós sois o<<strong>br</strong> />

único que me po<strong>de</strong> perfeitamente consolar e socorrer. Sabeis<<strong>br</strong> />

os bens <strong>de</strong> que mais necessito e quão po<strong>br</strong>e sou em virtu<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

2. Eis-me aqui, diante <strong>de</strong> vós, po<strong>br</strong>e e nu, a pedir graça e<<strong>br</strong> />

implorar misericórdia. Fartai este vosso po<strong>br</strong>e mendigo,<<strong>br</strong> />

aquecei minha frieza <strong>com</strong> o fogo <strong>de</strong> vosso amor, iluminai<<strong>br</strong> />

minha cegueira <strong>com</strong> a clarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vossa presença. Fazei que<<strong>br</strong> />

me seja amargo tudo o que é terreno, que leve <strong>com</strong> paciência<<strong>br</strong> />

as penas e contrarieda<strong>de</strong>s, e que <strong>de</strong>spreze e esqueça todas as<<strong>br</strong> />

coisas caducas e criadas. Levantai o meu coração a vós no<<strong>br</strong> />

céu, não me <strong>de</strong>ixeis vaguear na terra. Só vós, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hoje para<<strong>br</strong> />

sempre, me sereis doce e agradável, porque só vós sois minha<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ida e bebida, meu amor e minha alegria, <strong>de</strong>lícia minha e<<strong>br</strong> />

meu único bem.


3. Oh! se me inflamásseis todo <strong>com</strong> a vossa presença e me<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>asásseis e transformásseis em vós, a ponto <strong>de</strong> tornar-me<<strong>br</strong> />

um só espírito convosco pela graça da união interior e a força<<strong>br</strong> />

do ar<strong>de</strong>nte amor! Não me <strong>de</strong>ixeis sair <strong>de</strong> vossa presença seco e<<strong>br</strong> />

faminto, mas usai para <strong>com</strong>igo <strong>de</strong> vossa misericórdia, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

tantas vezes admiravelmente fizestes <strong>com</strong> vossos santos. E que<<strong>br</strong> />

maravilha fora se todo me a<strong>br</strong>asasse em vós e me consumisse,<<strong>br</strong> />

sendo vós o fogo que sempre ar<strong>de</strong> e nunca se apaga, o amor<<strong>br</strong> />

que purifica os corações e ilumina o entendimento?<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 17<<strong>br</strong> />

Do ar<strong>de</strong>nte amor e veemente <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> receber a <strong>Cristo</strong><<strong>br</strong> />

Voz do discípulo<<strong>br</strong> />

1. Com suma <strong>de</strong>voção e a<strong>br</strong>asado amor, <strong>com</strong> todo o afeto e fervor<<strong>br</strong> />

do coração, <strong>de</strong>sejo receber-vos, Senhor, <strong>com</strong>o muitos santos e<<strong>br</strong> />

pessoas <strong>de</strong>votas o <strong>de</strong>sejaram, os quais vos agradaram<<strong>br</strong> />

principalmente pela santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua vida e pela ar<strong>de</strong>ntíssima<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção que os animava. Ó Deus meu, amor eterno, meu<<strong>br</strong> />

único bem, bem-aventurança interminável! Desejo receber-vos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o mais ar<strong>de</strong>nte afeto e a mais digna reverência que jamais<<strong>br</strong> />

sentiu ou pô<strong>de</strong> sentir santo algum!<<strong>br</strong> />

2. E ainda que seja indigno <strong>de</strong> todos esses sentimentos <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>voção, ofereço-vos, todavia, o afeto do meu coração, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

eu só tivera todos aqueles gratíssimos e inflamados <strong>de</strong>sejos.<<strong>br</strong> />

Mas tudo quanto po<strong>de</strong> conceber e <strong>de</strong>sejar um coração piedoso,<<strong>br</strong> />

eu vo-lo dou e ofereço <strong>com</strong> profunda reverência e íntimo fervor.<<strong>br</strong> />

Nada quero reservar para mim, mas a mim, e tudo que é meu<<strong>br</strong> />

quero sacrificar-vos espontaneamente, <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

Senhor, Deus meu, Criador e Re<strong>de</strong>ntor meu! <strong>de</strong>sejo recebervos<<strong>br</strong> />

hoje <strong>com</strong> tal afeto e reverência, <strong>com</strong> tal louvor e honra,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> tal agra<strong>de</strong>cimento, dignida<strong>de</strong> e pureza, <strong>com</strong> tal fé,<<strong>br</strong> />

esperança e amor, <strong>com</strong>o vos <strong>de</strong>sejou e recebeu vossa Mãe<<strong>br</strong> />

Santíssima, a gloriosa Virgem Maria, quando, ao anjo que lhe<<strong>br</strong> />

anunciou o mistério da encarnação, humil<strong>de</strong> e <strong>de</strong>votamente<<strong>br</strong> />

respon<strong>de</strong>u: Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a<<strong>br</strong> />

vossa palavra! (Lc 1,38).<<strong>br</strong> />

1. E <strong>com</strong>o vosso bem-aventurado precursor João Batista, o<<strong>br</strong> />

mais excelente dos santos, quando ainda estava nas<<strong>br</strong> />

entranhas maternas, exultou <strong>de</strong> alegria na vossa<<strong>br</strong> />

presença por impulso do Espírito Santo, e vendo-vos,<<strong>br</strong> />

meu Jesus, <strong>de</strong>pois andar entre os homens <strong>com</strong> profunda


humilda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>voto afeto dizia: O amigo do Esposo que<<strong>br</strong> />

está perto <strong>de</strong>le e o<<strong>br</strong> />

2. ouve regozija-se ouvindo a voz do Esposo (Jo 3,29); assim<<strong>br</strong> />

também eu quisera ser inflamado <strong>de</strong> veementes e santos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejos e entregar-me a vós <strong>de</strong> todo o meu coração. Por<<strong>br</strong> />

isso vos ofereço o júbilo <strong>de</strong> todas as almas <strong>de</strong>votas, seus<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>asados afetos <strong>de</strong> amor, os êxtases <strong>de</strong> seu espírito,<<strong>br</strong> />

suas iluminações so<strong>br</strong>enaturais e visões celestiais, e volas<<strong>br</strong> />

apresento <strong>com</strong> todas as virtu<strong>de</strong>s e louvores que vos<<strong>br</strong> />

tributaram ou hão <strong>de</strong> tributar todas as criaturas do céu e<<strong>br</strong> />

na terra, por mim e por todos os que se re<strong>com</strong>endaram<<strong>br</strong> />

às minhas orações, para que sejais por todos dignamente<<strong>br</strong> />

louvado e para sempre glorificado.<<strong>br</strong> />

3. Aceitai, Senhor, Deus meu, os votos e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> infinitos<<strong>br</strong> />

louvores e imensas ações <strong>de</strong> graças, que vos são justamente<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vidas, segundo a vossa inefável gran<strong>de</strong>za. Isso vos ofereço, e<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejo oferecer cada dia e a cada momento, e convido <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

minhas súplicas e rogos todos os espíritos celestes e todos os<<strong>br</strong> />

vossos fiéis a vos agra<strong>de</strong>cerem <strong>com</strong>igo e louvarem.<<strong>br</strong> />

4. Louvem-vos todos os povos, tribos e línguas; <strong>com</strong> suma alegria<<strong>br</strong> />

e ar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>voção glorifiquem o vosso santo e dulcíssimo<<strong>br</strong> />

nome. E todos aqueles que <strong>com</strong> <strong>de</strong>voção e reverência<<strong>br</strong> />

consagram vosso augusto Sacramento e <strong>com</strong> viva fé o<<strong>br</strong> />

recebem, mereçam achar graça e misericórdia diante <strong>de</strong> vós e<<strong>br</strong> />

peçam a Deus humil<strong>de</strong>mente por mim, pecador. E quando<<strong>br</strong> />

tiverem conseguido e <strong>de</strong>sejada <strong>de</strong>voção e o gozo da união<<strong>br</strong> />

convosco e voltarem da mesa sagrada, consolados e<<strong>br</strong> />

maravilhosamente recreados, dignem-se lem<strong>br</strong>ar-se também<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ste po<strong>br</strong>e.<<strong>br</strong> />

CAPÍTULO 18<<strong>br</strong> />

Que o homem não seja curioso escrutador do Sacramento, mas<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong> imitador <strong>de</strong> <strong>Cristo</strong>, sujeitando sua razão à santa fé<<strong>br</strong> />

Voz do Amado<<strong>br</strong> />

1. Foge do <strong>de</strong>sejo curioso e inútil <strong>de</strong> investigar este<<strong>br</strong> />

profundíssimo mistério, se não te queres afogar num abismo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> dúvidas. Quem quer perscrutar a majesta<strong>de</strong> será oprimido<<strong>br</strong> />

por sua glória (Prov 25,27). Mais po<strong>de</strong> Deus fazer, que o<<strong>br</strong> />

homem <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r. Contudo é permitida uma piedosa e<<strong>br</strong> />

humil<strong>de</strong> investigação da verda<strong>de</strong>, que sempre está inclinada a<<strong>br</strong> />

ser instruída e segue a sã doutrina dos Santos Padres.


2. Bem-aventurada a simplicida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ixa os caminhos<<strong>br</strong> />

dificultosos das discussões, para andar no caminho plano e<<strong>br</strong> />

firme dos mandamentos <strong>de</strong> Deus! Muitos per<strong>de</strong>ram a <strong>de</strong>voção,<<strong>br</strong> />

porque quiseram investigar coisas muito altas. O que se exige<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ti é fé e inocência, não sublime inteligência, nem profundo<<strong>br</strong> />

conhecimento dos mistérios <strong>de</strong> Deus. Se não enten<strong>de</strong>s, nem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>s as coisas que estão abaixo <strong>de</strong> ti, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

alcançarás as que estão acima? Sujeita-te a Deus e submete<<strong>br</strong> />

teu juízo à fé, e se te dará a luz da ciência, conforme te for útil<<strong>br</strong> />

e necessário.<<strong>br</strong> />

3. Alguns são gravemente tentados acerca da fé nesse<<strong>br</strong> />

Sacramento; mas isso não se <strong>de</strong>ve imputar a eles, senão ao<<strong>br</strong> />

inimigo. Não te importes, nem disputes <strong>com</strong> teus próprios<<strong>br</strong> />

pensamentos, nem respondas às dúvidas que o <strong>de</strong>mônio te<<strong>br</strong> />

sugere, mas crê nas palavras <strong>de</strong> Deus, crê nos seus santos e<<strong>br</strong> />

profetas, e fugirá <strong>de</strong> ti o malvado inimigo. Muitas vezes é <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> proveito ao servo <strong>de</strong> Deus passar por tais provações,<<strong>br</strong> />

porque o <strong>de</strong>mônio não tenta aos infiéis e pecadores, que já tem<<strong>br</strong> />

seguros: aos fiéis <strong>de</strong>votos, porém, ele tenta e molesta <strong>de</strong> vários<<strong>br</strong> />

modos.<<strong>br</strong> />

4. Persevera, pois, na fé, firme e simples, e chega-te ao<<strong>br</strong> />

Sacramento <strong>com</strong> profunda reverência. E quanto ao que não<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>s <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r, en<strong>com</strong>enda-o tranqüilamente a Deus<<strong>br</strong> />

onipotente. Deus não te engana; mas se engana quem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>masiadamente confia em si mesmo. Deus anda <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

simples, revela-se aos humil<strong>de</strong>s, dá inteligência aos pequenos,<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>e o sentido às almas puras e escon<strong>de</strong> sua graça aos<<strong>br</strong> />

curiosos e soberbos. A razão humana é fraca e po<strong>de</strong> enganarse,<<strong>br</strong> />

mas a fé verda<strong>de</strong>ira não se po<strong>de</strong> enganar.<<strong>br</strong> />

5. Toda razão e pesquisa natural <strong>de</strong>ve seguir a fé, não precedê-la,<<strong>br</strong> />

nem enfraquecê-la, porque a fé e o amor aqui dominam e<<strong>br</strong> />

operam ocultamente nesse santíssimo e diviníssimo<<strong>br</strong> />

Sacramento. "Deus eterno, imenso e infinitamente po<strong>de</strong>roso<<strong>br</strong> />

faz coisas gran<strong>de</strong>s e in<strong>com</strong>preensíveis no céu e na terra" (Jó<<strong>br</strong> />

5,9), e ninguém po<strong>de</strong> penetrar as maravilhas <strong>de</strong> suas o<strong>br</strong>as. Se<<strong>br</strong> />

fossem tais as o<strong>br</strong>as <strong>de</strong> Deus, que facilmente as<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse a razão humana, não <strong>de</strong>veriam ser chamadas<<strong>br</strong> />

maravilhosas, nem inefáveis.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!