Visão Judaica - outubro de 2002 Chesvan / Kislev 5763
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4<br />
Acendidmento das<br />
velas e benção do<br />
Shabat<br />
Lavagem das mãos<br />
Para as novas gerações,<br />
guardá-lo – único dos Dez Mandamentos<br />
que evoca um símbolo<br />
exclusivamente judaico –<br />
como manda a Lei parece ser<br />
cada vez mais difícil, uma vez<br />
que a sedução exercida<br />
pela vida mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>safia<br />
as restrições.<br />
Os preceitos que regem<br />
o Shabat compõe um<br />
dos mais extensos tratados<br />
do Talmud (o Livro seguinte<br />
a Bíblia). Milhões e<br />
milhões <strong>de</strong> palavras são <strong>de</strong>dicadas<br />
ao assunto, e não apenas nas Escrituras,<br />
tornando-o um dos mais<br />
extensos temas <strong>de</strong>ntro da bibliografia<br />
hebraica. O Primeiro capítulo<br />
do Gênesis e o Quarto Mandamento,<br />
compreen<strong>de</strong>m com precisão<br />
inigualável o que é realmente<br />
relevante à questão.<br />
As páginas <strong>de</strong> abertura do Gênesis<br />
foram, evi<strong>de</strong>ntemente, o<br />
campo <strong>de</strong> batalha <strong>de</strong> teólogos e<br />
cientistas do século XIX. As armas<br />
com que eles se enfrentavam encontram-se,<br />
hoje, imobilizadas e<br />
corroídas pela ferrugem, quebradas<br />
e cobertas pelos matagais. Os<br />
mortos foram sepultados. As cinzas<br />
da batalha dissiparam-se há<br />
muito tempo. Agora, frente aos<br />
nossos olhos, está uma planície<br />
ver<strong>de</strong>jante que acabou adquirindo<br />
para nós um novo aspecto, graças<br />
às lutas nela travadas.<br />
O resultado, todos conhecem:<br />
os cientistas ganharam; os teólogos<br />
saíram clamando que a infame<br />
vitória seria o fim da Bíblia. Isto<br />
não aconteceu, nem tampouco<br />
parece estar no horizonte. O que,<br />
sim, aconteceu, foi que a partir <strong>de</strong><br />
então, o mundo passou a enten<strong>de</strong>r<br />
o Gênesis <strong>de</strong> maneira diferente.<br />
O que diz o Gênesis<br />
O primeiro capitulo do Gênesis<br />
rompeu com um facho <strong>de</strong> luz as<br />
trevas da antiga mitologia. Sob<br />
esta luz vive hoje a humanida<strong>de</strong> e<br />
mal po<strong>de</strong>mos imaginar o efeito<br />
causado por ela, quando brilhou<br />
pela primeira vez. O universo foi<br />
<strong>de</strong>clarado como sendo uma or<strong>de</strong>m<br />
natural criada e <strong>de</strong>senvolvida por<br />
uma só força e acionado como<br />
uma vasta máquina que <strong>de</strong>veria funcionar<br />
sob o impulso <strong>de</strong> sua própria<br />
energia. Não havia <strong>de</strong>uses em forma<br />
<strong>de</strong> gente. Nem havia animais<strong>de</strong>uses<br />
e nem os <strong>de</strong>uses eram animais.<br />
Não havia o <strong>de</strong>us do sol, o<br />
<strong>de</strong>us da lua, o <strong>de</strong>us do amor, o <strong>de</strong>us<br />
do mar ou o <strong>de</strong>us da guerra.<br />
O mundo e a humanida<strong>de</strong> não<br />
eram frutos <strong>de</strong> incestos titânicos e<br />
<strong>de</strong> sodomia, praticados por monstros<br />
celestes. O sol, a lua, os ventos,<br />
os mares, as montanhas, os<br />
<strong>Visão</strong> <strong>Judaica</strong> - <strong>outubro</strong> <strong>de</strong> <strong>2002</strong> <strong>Chesvan</strong> / <strong>Kislev</strong> <strong>5763</strong><br />
O Shabat<br />
O mais rico, complexo e sofisticado símbolo do judaísmo<br />
astros, as pedras, as árvores, as<br />
plantas e as feras faziam parte da<br />
natureza e eram <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong><br />
todo e qualquer po<strong>de</strong>r mágico. Os<br />
fetiches eram um equívoco.<br />
Os <strong>de</strong>uses e sacerdotes que<br />
exigiam que crianças fossem queimadas<br />
em holocausto, que corações<br />
fossem arrancados <strong>de</strong> seres<br />
vivos, que se praticassem horrendas<br />
obscenida<strong>de</strong>s ou que lhes<br />
eram trazidas sucessivas oferendas,<br />
revelaram-se inúteis, tolos,<br />
ofensivos ao universo e con<strong>de</strong>nados<br />
a <strong>de</strong>saparecer. Terminava o<br />
pesa<strong>de</strong>lo da infância da humanida<strong>de</strong>.<br />
O dia estava nascendo.<br />
O relato do Gênesis sobre a<br />
Criação extirpou do pensamento<br />
humano o câncer da idolatria. Levou<br />
algum tempo até ele prevalecer,<br />
mas no final, até as supostas<br />
<strong>de</strong>ida<strong>de</strong>s gregas e romanas enfraqueceram-se<br />
diante do golpe. O<br />
Gênesis é a linha divisória entre a<br />
inteligência contemporânea e a<br />
confusão primitiva no domínio das<br />
coisas primeiras e últimas.<br />
Os antigos teólogos fundamentalistas<br />
afirmavam que, ou Moisés<br />
teria lançado mão da aritmética<br />
para <strong>de</strong>screver tão precisamente<br />
o que vira ou, então, que ele não<br />
mereceria mais crédito do que um<br />
homem primitivo da Ida<strong>de</strong> da Pedra.<br />
Os cientistas alegremente<br />
acolheram essa formulação. Po<strong>de</strong>se<br />
dizer que eles venceram, mas<br />
nenhuma calamida<strong>de</strong> seguiu-se à<br />
discussão. Porque os fundamentalistas<br />
haviam elaborado uma hipótese<br />
falsa. Os homens continuam<br />
ren<strong>de</strong>ndo tributo ao Livro do<br />
Gênesis. Pensadores mo<strong>de</strong>rnos<br />
atualmente dão por certo – como<br />
há muito os rabinos já tinham sugerido<br />
– que o Gênesis é uma visão<br />
mística da origem das coisas,<br />
expressa através das palavras mais<br />
cristalinas e incisivas, acessíveis à<br />
mente infantil e inspiradoras à inteligência<br />
adulta, suficientemente claras<br />
para subsistir em eras primitivas<br />
e profundas o bastante para <strong>de</strong>safiar<br />
culturas <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
O Shabat no Primeiro<br />
Livro da Torá<br />
O principal propósito aqui é vincular<br />
o Shabat à sua fonte: o relato<br />
judaico da Criação.<br />
Entre ju<strong>de</strong>us e gentios, poucos<br />
<strong>de</strong>sconhecem o Shabat. Um dia a<br />
cada sete, todo o trabalho cessa,<br />
a partir <strong>de</strong> 18 minutos antes do<br />
pôr-do-sol <strong>de</strong> sexta-feira até aproximadamente<br />
42 minutos após o<br />
pôr-do-sol <strong>de</strong> sábado. A razão pela<br />
qual o Shabat, assim como todos<br />
os outros dias, é contado a partir<br />
do pôr-do-sol do dia “anterior” está<br />
nos versículos iniciais da Torá,<br />
on<strong>de</strong> a Criação do Mundo é <strong>de</strong>scrita:<br />
“E foram a noite e a manhã o<br />
dia primeiro” (Gen 1,5). A noite<br />
vem antes da manhã, no cômputo<br />
do dia. E os homens louvam o<br />
Criador. Este preceito judaico impregna<br />
a civilização, e regulamenta<br />
a escala <strong>de</strong> trabalho na ampla<br />
maioria dos países. O hábito é arraigado<br />
e certamente não é por<br />
acaso que parece existir uma perfeita<br />
a<strong>de</strong>quação quanto à proporção<br />
<strong>de</strong> seis dias <strong>de</strong> trabalho para<br />
um <strong>de</strong> repouso. Apesar da semana<br />
<strong>de</strong> cinco dias <strong>de</strong> trabalho vigente<br />
em tantos lugares hoje em dia,<br />
sabemos todos que se trata <strong>de</strong> um<br />
luxo, um divi<strong>de</strong>ndo da prosperida<strong>de</strong>,<br />
e não uma necessida<strong>de</strong> natural.<br />
O repouso é apenas uma parte<br />
do preceito – a parte “negativa”, digamos.<br />
O sétimo dia é sagrado: distingue-se<br />
pelas mudanças nas roupas,<br />
nas maneiras, nas refeições,<br />
nas ocupações e, em especial,<br />
numa maneira diferente <strong>de</strong> cultuar<br />
o Criador. São princípios essencialmente<br />
judaicos que encontram<br />
paralelo nos costumes que vigoram<br />
no dia <strong>de</strong>signado ao <strong>de</strong>scanso semanal<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> outras culturas.<br />
No entanto, quando colocadas<br />
em confronto com as leis que regem<br />
o Shabat judaico, os mais rigorosos<br />
preceitos dominicais parecem<br />
muito brandos. Muitos cristãos<br />
ainda argumentam que as<br />
restrições dominicais seriam “judaizantes”<br />
e que não faz sentido<br />
submeter os cristãos a esta disciplina<br />
do Velho Testamento. Os<br />
puritanos <strong>de</strong> outros tempos, dizem<br />
eles, levavam o Velho Testamento<br />
<strong>de</strong>masiadamente a sério.<br />
No Shabat, o ju<strong>de</strong>u <strong>de</strong>voto não<br />
viaja, não cozinha, não usa equipamentos<br />
elétricos ou motores,<br />
não manuseia dinheiro, não fuma<br />
nem escreve. O mundo industrial<br />
morre para ele nesse dia. Quase<br />
todos os confortos mecânicos da<br />
civilização são postos <strong>de</strong> lado. O<br />
rádio silencia, o televisor permanece<br />
<strong>de</strong>sligado. Os cinemas, as<br />
partidas <strong>de</strong>sportivas, os teatros, os<br />
clubes noturnos, as rodovias, o<br />
carteado, os churrascos, enfim,<br />
todos os tipos convencionais <strong>de</strong><br />
lazer não são para ele. O Shabat<br />
ju<strong>de</strong>u é uma cerimônia que exige<br />
muito para ter efeito. O ju<strong>de</strong>u que<br />
se propõe a observar seus preceitos<br />
confina-se virtualmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o pôr-do-sol <strong>de</strong> sexta-feira até o<br />
pôr-do-sol <strong>de</strong> sábado, num mundo<br />
isolado. Que não se tenha dúvidas<br />
quanto a isso.<br />
Mas esse mundo po<strong>de</strong> constituir-se<br />
em algo extremamente<br />
agradável para nós. Se até aqui foram<br />
colocadas restrições que po<strong>de</strong>m<br />
ser vistas como difíceis <strong>de</strong><br />
cumprir, agora colocaremos o que<br />
o nosso Shabat, este dia sagrado,<br />
significa na prática: ele é nada menos<br />
do que o ponto <strong>de</strong> apoio da<br />
existência do ju<strong>de</strong>u observante. É<br />
a fonte que renova as energias,<br />
traz alegrias e recria o prazer.<br />
A gran<strong>de</strong> diferença entre o dia<br />
semanal <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso <strong>de</strong> outros povos<br />
e o Shabat judaico é imperceptível<br />
a olho nu, mas irresistível sob<br />
uma ótica espiritual. Tudo começa<br />
com as bênçãos das velas e o vinho.<br />
Luz e vinho são as chaves do dia.<br />
Os rituais são solenes, mas têm o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ampliar a liberda<strong>de</strong> interior,<br />
instalar a paz, trazer a alegria e promover<br />
a elevação espiritual.<br />
O Quarto Mandamento<br />
As duas tábuas da Lei contém<br />
as sete gran<strong>de</strong>s proibições sobre<br />
as quais se sustenta a civilização:<br />
a idolatria, o perjúrio, o assassinato,<br />
o adultério, o roubo, o falso testemunho<br />
e a ganância. E trazem<br />
três mandamentos positivos: o culto<br />
a um só D-us, a honra dos pais<br />
e o respeito ao Shabat. Somente<br />
isto. É <strong>de</strong> se admirar como as pessoas<br />
que levam mais a sério o Dia<br />
do Perdão e até mesmo as festas,<br />
do que o Shabat, quando, sempre<br />
que entram numa sinagoga, o que<br />
vêem <strong>de</strong> imediato são as Tábuas<br />
da Lei sobre a Arca Sagrada, nas<br />
quais o Quarto Mandamento or<strong>de</strong>na<br />
que se guar<strong>de</strong> o Shabat.<br />
Diz o Êxodo 20:11: “... porque<br />
em seis dias fez o Eterno os céus<br />
e a terra, o mar e tudo o que há<br />
neles, e repousou no sétimo dia;<br />
portanto abençoou o Eterno o dia<br />
<strong>de</strong> Sábado e santificou-o”.<br />
E diz o Deuteronômio (5:12-14):<br />
“Guardarás o dia do Shabat<br />
para santificá-lo, como te or<strong>de</strong>nou<br />
o Eterno, teu D-us. Seis dias trabalharás<br />
e farás toda tua obra, e o<br />
sétimo dia é o sábado do Eterno,<br />
teu D-us; não farás nenhuma obra<br />
– tu, teu filho, tua filha, teu servo,<br />
tua serva, teu boi, teu jumento, teu<br />
animal, teu prosélito que estiver<br />
em tuas cida<strong>de</strong>s -, para que <strong>de</strong>scansem<br />
teu servo e tua serva bem<br />
como tu.”<br />
Pai e filho<br />
e a benção<br />
do vinho