Leandro Nascimento Pereira - Universidade Presbiteriana ...
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ESTÉTICA E EDUCAÇÃO EM SCHILLER<br />
<strong>Leandro</strong> <strong>Nascimento</strong> <strong>Pereira</strong> (IC) e Graciela Deri de Codina (Orientadora)<br />
Apoio: PIBIC CNPq<br />
Resumo<br />
<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
Este artigo focaliza-se na radicalização do esclarecimento (Aufklärung), apresentada por Schiller, a<br />
partir de uma visão integral da natureza humana. A arte, entendida como um impulso lúdico que<br />
harmoniza os impulsos sensível e formal, é pensada como um estado estético que converge para a<br />
autonomia dos indivíduos, pois somente pela educação estética é possível uma autentica<br />
emancipação do Sujeito.<br />
Palavras-chave: Educação, estética, esclarecimento<br />
Abstract<br />
This article focuses on the radicalization of Enlightenmen (Aufklärung), by Schiller, from an integral<br />
vision of human nature. The art, understood as a playful impulse to approximate impulses sensitive<br />
and is thought of as a formal aesthetic state converging to the autonomy of individuals, for only by<br />
aesthetic education can be a genuine emancipation of the subject.<br />
Key-words: Education, aesthetics, enlightenmen<br />
1
Introdução<br />
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011<br />
O objetivo deste artigo é discorrer sobre a produção filosófica do poeta Friedrich Christoph<br />
Schiller em suas duas obras fundamentais, Kallias ou Sobre a Beleza e Cartas Sobre a<br />
Educação Estética da Humanidade. Apresentaremos a proposta encontrada nestes textos,<br />
principalmente as cartas destinadas ao Príncipe Augustenburg, em que a arte desempenha<br />
um preciso papel social e revolucionário da formação dos indivíduos de acordo com as<br />
exigências da Aufklärung.<br />
Com o intuito de melhor compreender a perspectiva filosófica apresentada por Schiller, na<br />
primeira parte deste artigo apresentaremos a filosofia crítica de Kant, baseada, assim como<br />
a leitura de Schiller, na terceira obra de sustentação deste autor. A Crítica da Faculdade do<br />
Juízo, escrita por Kant em 1791, apresenta duas perspectivas do juízo reflexivo: o juízo<br />
pautado na analítica do Belo e o juízo teleológico, pautada na historia da natureza. Em<br />
nosso trabalho nos limitaremos a discutir a primeira perspectiva apresentada por Kant e, de<br />
acordo com o sentido da Aufklärung, relacionaremos as obras: Crítica da Razão Pura e<br />
Crítica da Razão Prática, em uma unidade formal proporcionada pelo juízo estético.<br />
De acordo com a filosofia de Schiller, a obra Crítica da Faculdade do Juízo representa um<br />
divisor de águas para a discussão estética, assim como para a compreensão do homem,<br />
porém, unificado apenas em um sentido formal, Schiller contesta Kant ao manter, de certa<br />
maneira, a estética em um sentido menor em relação às demais áreas do homem. Por isso,<br />
na segundo parte deste artigo, apresentaremos a discussão levada a efeito no texto Kallias<br />
ou Sobre a Beleza, em que Schiller “com e contra” Kant reformula a estética, concedendo à<br />
beleza um fundamento objetivo, no qual, aproximando da razão prática, a beleza é<br />
apresentada como liberdade no fenômeno.<br />
Por fim, na última parte, o texto Cartas Sobre a Educação Estética da Humanidade será<br />
nossa referência. Nesta parte, onde concluímos o desenvolvimento filosófico de Schiller,<br />
apresentaremos sua proposta de formação estética do homem. Contudo, focando-nos,<br />
sobretudo, no caminho sugerido por Schiller, centralizaremo-nos no sentido da radicalização<br />
da Aufklärung, que se faz como uma exigência imprescindível para a modernidade.<br />
Pensada como uma unidade efetiva, em que as disposições do homem se harmonizam a<br />
partir de um jogo, o caminho do esclarecimento apresentado por Schiller refere-se como<br />
uma atividade estética em que, muito mais do que uma expressão poética vazia, Poesia e<br />
Filosofia, em um movimento de reciprocidade formam um método que possibilita a leitura<br />
integral da situação humana. Justamente este o caminho que nosso artigo pretende trilhar.<br />
2
Referencial Teórico<br />
Fundamentos kantianos da Filosofia de Schiller<br />
<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
A terceira crítica que investiga os limites da faculdade do juízo é concebida por Kant como<br />
um termo médio entre os distintos domínios do homem. Elucidativo é o titulo à terceira parte<br />
da segunda introdução à Crítica da Faculdade do Juízo, Da crítica da faculdade do juízo,<br />
como meio de ligação de duas partes da Filosofia num todo, a crítica do juízo revela um<br />
esforço de Kant em estruturar um sólido fundamento que não se limite a uma visão<br />
unilateral, mas tal como a idéia de Weltweise (mundo + sábio = Filósofo), compreender os<br />
mundos, ou seja, as regras implícitas a cada faculdade do homem. A Crítica da Faculdade<br />
do Juízo, neste panorama crítico, conclui o projeto da ciência das possibilidades, como<br />
observa Kant no prefácio da obra: “Com isso termino, portanto, minha inteira tarefa crítica.<br />
Passarei sem demora à doutrinal” (KANT, 2000, p. 14).<br />
Embora a faculdade do juízo seja considerada como um termo médio, sua fundamentação<br />
não representa mais um domínio, tal como a crítica da razão teórica e prática, pois não<br />
realiza uma operação por conceitos da natureza ou da liberdade. Na Crítica da Faculdade<br />
do Juízo, Kant apresenta dois modos da faculdade do juízo, embora, a rigor, a terceira<br />
crítica detém-se sobre apenas um.<br />
A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular contido<br />
no universal. No caso de este (a regra, o principio, a lei) ser dado, a<br />
faculdade do juízo, que nele subsume o particular é determinante (…).<br />
Porém, se só o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o<br />
universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva (KANT, 2000,<br />
p. 23)<br />
A faculdade de juízo determinante somente subsume, ela parte da lei universal para o<br />
particular. Seu modo de operação é mediante conceitos, seja segundo as leis<br />
transcendentais dadas pelo entendimento na determinação da natureza sensível ou, por<br />
conceito de liberdade que, segundo a legislação da razão, opera mediante a determinação<br />
da vontade.<br />
A terceira crítica sobre o limiar da passagem de um domínio ao outro, auxilia-nos a<br />
compreender o porquê a ela refere-se em sua maior parte sobre o juízo reflexivo. Somente o<br />
juízo reflexivo que procede do particular ao universal permite às faculdades do espírito a<br />
possibilidade de uma unidade. Isto porque, possuindo sua legislação em si, sem que<br />
necessite de um princípio exterior, ele opera segundo o principio da conformidade a fins<br />
meramente formal, isto é, “uma conformidade a fins sem fim”. O juízo reflexivo opera em um<br />
acordo livre e indeterminado entre as faculdades. Neste sentido Kant concebe uma unidade<br />
formal ao seu projeto.<br />
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011<br />
O juízo reflexivo é uma capacidade do sujeito que ao ser afetado pelo objeto, a imaginação<br />
reflete a forma, de modo que tal operação refere-se ao entendimento, porém, não a um<br />
conceito determinado, mas ao próprio entendimento em um sentido indeterminado. Assim a<br />
imaginação atua de modo produtivo ao exercer sua liberdade de refletir sobre a forma do<br />
objeto. Essa relação decorre de uma atividade recíproca entre a faculdade da imaginação<br />
em sua liberdade e a faculdade do entendimento em sua pura forma. Essa forma de juízo é<br />
correlata ao juízo de gosto, pois em seu sentido subjetivo, o sujeito é reconciliado ao ajuizar<br />
um objeto da natureza por seu sentimento de prazer ou desprazer, pois ao refletir a sua<br />
forma indeterminada, a imaginação, em um jogo com o entendimento, desperta um<br />
sentimento de prazer no sujeito, esta relação, contudo, opera a partir de um acordo<br />
contingente entre as faculdades.<br />
Neste sentido, Kant, ao discorrer sobre a representação do juízo de gosto, atribuindo-lhe um<br />
sentido subjetivo e desinteressado de síntese da relação entre as nossas faculdades, sem<br />
que se relacione sob uma relação de conceitos, mas apenas por um principio de<br />
conformidade a fins formal, vai refutar os princípios da filosofia de Baumgarten, que atribuiu<br />
à faculdade do gosto, que lida com o sentimento, como a beleza, uma espécie de<br />
conhecimento confuso e inferior. Para Kant, tal característica é incoerente, visto que a<br />
beleza não é uma relação mediante conceitos, mas um sentimento e, como tal, surge a<br />
partir de uma relação subjetiva de nossas faculdades. Embora o ajuizamento do belo seja<br />
subjetivo e desinteressado, ele não é relativo de indivíduo para individuo, mas ainda que<br />
seja subjetivo ele é um sentimento de satisfação universal, pois o sentimento provocado<br />
pelo objeto, não reporta a uma característica individual, mas à capacidade de sentir e<br />
pensar do sujeito, por isso, a satisfação do belo é uma satisfação universal sem a mediação<br />
de conceitos.<br />
Hegel em seu curso de estética atribui o mérito a Kant por ter elevado a discussão sobre a<br />
beleza de acordo com princípios racionais. A discussão até então ou repousava-se sobre<br />
princípios empiristas ou princípios racionalistas que a consideravam como uma atividade<br />
inferior. A perspectiva kantiana surge como uma terceira via, proposta como uma tentativa<br />
intermediária entre a posição empirista ou racionalistas. Sobre princípios transcendentais a<br />
discussão estética surge como a tentativa de abarcar, em última instância, o homem.<br />
Desenvolvida na obra Crítica da Faculdade do Juízo, a sensibilidade, por assim dizer, passa<br />
a ser uma importante área da Filosofia geral que necessita ser estudada.<br />
Em igualdade com as demais, a sensibilidade, no espírito da filosofia crítica, se junta<br />
extensivamente com as demais esferas do homem. Porém, o sistema permanece<br />
acorrentado tal como o Cérbero. Posiciona-se arbitrariamente na divisão dos mundos,<br />
rosnando para os que das trevas almejam a luz. Os gomos de suas correntes, compostos<br />
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<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
pela matéria mais dura, compõem gomo a gomo uma forte prisão que impede o ser de três<br />
cabeças – incompreendido – de viver livre. Nem mesmo o poderoso Hércules, que com sua<br />
força bruta o dominou e, como um cão amordaçado por uma focinheira, conduzindo-o sobre<br />
o comando de sua guia para aonde o destino lhe vier, efetivou a sua liberdade. Pobre cão…<br />
Sua terrível aparência o aprisiona! Só uma bela aparência permitirá lhe retirar da sua inerte<br />
tarefa e, livremente, viver.<br />
A filosofia schilleriana sobre o auspicioso terreno kantiano revela-se como uma atividade<br />
heróica de um cavaleiro que sobre mundos estranhos peleja bravamente na compreensão<br />
de sua tarefa. Em seus punhos, a pesada e rígida espada dá lugar a doce e bela lira, que<br />
como Orfeu, apazigua o raivoso cão e lhe toma o direito de livremente transitar sobre os<br />
mundos. Contudo, do cavaleiro que vos falamos, os seus próprios interesses não lhe<br />
importam, cabe antes os interesses de algo que lhe é superior. Por isso, apaziguar o feroz<br />
Cérbero, não é tudo. Cabe antes a tarefa de com sua música atingir o incompreendido cão,<br />
que com suas rígidas correntes e a sua aterrorizante aparência, assustam. Porém, seu<br />
espírito ladra por uma efetiva liberdade. Ora, qual a estratégia deste bravo cavaleiro? Para<br />
respondermos a tal indagação, na próxima parte desse artigo trataremos da concepção de<br />
Schiller de Beleza e quais os pontos que ele se distancia de Kant ao buscar, por meio de<br />
uma reformulação da concepção estética kantiana, uma maior valorização da sensibilidade<br />
ao atribuir à bela arte um fundamento objetivo.<br />
Concepção estética de Schiller<br />
Em uma carta ao seu amigo Christian Gottfried Körner, a quem Schiller confidenciou suas<br />
mais ousadas tentativas na filosofia, nota-se o seu insistente esforço de buscar para a<br />
recente disciplina filosófica, a estética, um digno e legítimo lugar que ao longo da história foi<br />
negligenciado em favor de um ascetismo da racionalidade. Para Schiller, ainda que a<br />
filosofia crítica tenha atribuído à faculdade do gosto um mero sentido subjetivo,<br />
conservando, de certa maneira, um sentido menor, como, por exemplo, em relação ao papel<br />
desempenhado pela lógica no sistema critico, a estética após Kant, assim como as demais<br />
áreas, passam a repousar sobre princípios racionais, de modo que a “esfera” do gosto e por<br />
assim dizer da arte, passa a ser melhor compreendida, iluminada.<br />
Você não advinha o que leio e estudo agora? Nada menos do que Kant.<br />
Sua Crítica da Faculdade do Juízo, que adquiri, me estimula através do seu<br />
conteúdo pleno de luz e rico em espírito, e me trouxe o maior desejo de me<br />
familiarizar aos poucos com a sua filosofia. (…) como já tenho pensado<br />
muito por mim mesmo sobre estética e nisso sou ainda mais versado<br />
empiricamente, progrido com mais facilidade na Critica da Faculdade do<br />
Juízo e começo a conhecer muito sobre as representações kantianas, pois<br />
nessa obra ele se refere a elas e aplica muitas idéias da Crítica da razão<br />
[pura] à Crítica da Faculdade do Juízo. Em suma, pressinto que Kant não é<br />
para mim uma montanha intransponível, e certamente ainda me envolverei<br />
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011<br />
com ele com mais exatidão. Como no próximo inverno lecionarei estética,<br />
isso me dá a oportunidade de dedicar algum tempo à filosofia em geral<br />
(SCHILLER, 2002, p.9-10).<br />
Saudada por Schiller com entusiasmo, a Crítica da Faculdade do Juízo desempenha na<br />
história das idéias uma apologia da sensibilidade, mas uma tímida defesa que para Schiller<br />
necessitaria ser apreendida no espírito da filosofia kantiana e efetivada. Essa ousada tarefa<br />
foi perseguida por Schiller em muitos dos seus poemas anteriores à terceira crítica e<br />
revelam uma sincronia com o espírito do seu tempo, de modo que ao se deparar com a<br />
Critica da Faculdade do Juízo, busca, por meio de princípios racionais, efetivá-la como uma<br />
esfera do homem que, partindo do todo, averigua sua necessidade ante as demais áreas.<br />
Contudo, sua árdua tarefa não se limita apenas sobre o terreno kantiano, pois como Schiller<br />
comenta com Körner, sua investigação procede para a filosofia geral. Ocupado de lecionar<br />
um curso de estética no inverno de 1792-93, Schiller realizou leituras das principais obras<br />
dos filósofos do seu tempo, como por exemplo, Edmund Burke, Karl Phillip Moritz, Moses<br />
Mendelssohn, Johann Sulzer, Gotthold Ephraim Lessing, Johann Joachim Winckelmann,<br />
David Hume, Charles Batteaux, entre outros. Concomitantemente à suas preleções, Schiller<br />
afirma para seu amigo Körner, em uma carta escrita em 21 de dezembro de 1792, o seu<br />
objetivo de expor em forma de um diálogo a sua própria estética,<br />
Creio ter encontrado o conceito objetivo do belo, que se qualifica eo ipso<br />
também para um princípio objetivo do gosto, com o que Kant se desespera.<br />
Ordenarei meus pensamentos sobre isso e os publicarei num diálogo,<br />
Kallias ou sobre a beleza, na próxima Páscoa. Uma tal forma é<br />
extremamente adequada a essa matéria, e o caráter conforme a arte eleva<br />
o meu interesse no seu tratamento. Como a maioria das opiniões dos<br />
estetas sobre o belo serão mencionadas e quero tornar minhas proposições<br />
perceptíveis, tanto quanto possível, em casos singulares, resultará disso um<br />
livro efetivo do tamanho do Visionário (SCHILLER, 2002, p.12).<br />
Infelizmente este seu projeto não foi levado a efeito, pois Schiller o interrompeu para<br />
desenvolver outros temas, tal como o seu texto Sobre a graça e dignidade. Mas, como<br />
observa Ricardo Barbosa, “Imaginado como um diálogo socrático, Kallias não deixou de ser<br />
meditado num diálogo – ainda que epistolar – entre Schiller e Körner” (BARBOSA in:<br />
SCHILLER, 2002, p.13). Schiller desenvolveu um intensivo diálogo com Körner após<br />
comentar sobre um possível fundamento objetivo do belo, deste, originou-se uma publicação<br />
póstuma datada de 1847 a obra “Kallias ou Sobre a Beleza”.<br />
Neste texto, em diálogo com Kant, especificamente com as suas contribuições para a arte, a<br />
partir da concepção de beleza forjada na Critica da Faculdade do Juízo, Schiller discute os<br />
princípios da bela arte. Para ele existem quatro modos distintos de explicar o belo:<br />
Explica-se o belo objetiva ou subjetivamente; e, a rigor, ou de modo<br />
subjetivo sensível (como Burke e outros), ou subjetivo racional (como Kant),<br />
ou objetivo racional (como Baumgarten, Mendelsohn e todo o bando dos<br />
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<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
homens da perfeição) ou, por fim, de modo objetivo sensível (SCHILLER,<br />
2002, p.42).<br />
Para Schiller, cada uma das três primeiras teorias apresentadas conserva uma parte da<br />
verdade em relação à natureza do belo. Sendo assim, a quarta teoria, desenvolvida por ele<br />
adiante, retém seus momentos de verdade.<br />
Segundo Schiller, a teoria elaborada por Burke em A philosophical Enquiry into the Origen of<br />
our Ideas of the Sublime and Beautiful, publicada em alemão em 1773, tem razão ao afirmar<br />
que o belo não é uma relação mediada por conceitos, mas sim por uma imediaticidade do<br />
belo. Porém, o belo para Burke é deduzido de causas físicas, na mera afectibilidade da<br />
sensibilidade, sendo impossível a comunicabilidade universal do belo. Essa teoria, segundo<br />
Schiller, falha ao colocar a teoria sobre princípios sensualistas, quando, na verdade, ela<br />
deve se basear em princípios da razão. Tal concepção é subjetivo sensível por não possuir<br />
um caráter universal, mas, ainda assim, ao compreender o belo como um sentimento livre<br />
de conceitos, essa teoria possui uma parte da verdade. Neste sentido a posição de Burke é<br />
contrária a concepção da escola wolffiana.<br />
Baumgarten e Mendelsohn, representantes do dogmatismo wolffiano, explicam o belo<br />
segundo a concepção objetivo racional. Para eles, o belo é entendido como objeto do<br />
conhecimento, sendo assim, ele é parte da operação lógica. Embora eles atribuam ao belo<br />
um critério objetivo, este critério repousa sobre a perfeição do objeto de modo que o juízo<br />
estético, neste caso, confunde-se com o juízo lógico, pois seu ajuizamento ocorre mediante<br />
um conceito. Porém, como observa Kant, o juízo estético não se dá mediante uma relação<br />
de determinação e, mas por uma relação reflexionante, que na conformidade a fins formal<br />
não se baseia na utilidade ou na perfeição do objeto. Para Kant o belo é explicado segundo<br />
a concepção subjetivo racional, que ao pressupor um juízo é compreendido segundo<br />
princípios da razão.<br />
Kant ao separar juízo estético de juízo lógico e posicionar o belo no primeiro juízo, concede<br />
ao belo um princípio racional, mas, diferentemente dos wolffianos, é meramente subjetivo,<br />
de maneira semelhante à explicação burkiana. A respeito da concepção kantiana do belo,<br />
Schiller diz:<br />
Acho que sua observação pode ter a grande utilidade de separar o lógico do<br />
estético, mas no fundo ela me parece perder inteiramente o conceito de<br />
beleza. Pois a beleza se mostra no seu supremo esplendor justamente<br />
quando supera a natureza lógica do seu objeto, e como pode ela superar<br />
onde não há nenhuma resistência? (SCHILLER, 2002, p.43).<br />
Aqui Schiller revela uma minuciosa intuição da natureza do belo. Para o poeta, o belo não é<br />
meramente subjetivo racional como propõe Kant, mas forjando uma quarta perspectiva<br />
sobre o belo, Schiller propõe uma explicação objetivo sensível. Uma concepção em que o<br />
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011<br />
belo supere a natureza lógica do objeto manifestando-se em analogia à Razão, como se<br />
fosse livre.<br />
Esta quarta concepção apresentada por Schiller é um confronto direto com o sentido<br />
atribuído por Kant à estética. Com Kant, Schiller nega qualquer conformidade a fins objetiva<br />
que explique a beleza segundo conceitos e, também, nega a posição sensualista que<br />
concede à beleza um caráter subjetivo sensível, impermeável a um sentido universal. Mas,<br />
contra Kant, Schiller busca aproximar sua explicação do belo ao domínio da razão prática,<br />
permitindo, deste feito, achar um fundamento objetivo para o belo.<br />
A razão prática, segundo sua forma superior, como é apresentada por Kant, autodetermina-<br />
se. Isto significa dizer que a razão, neste caso, não necessita de algo que lhe seja exterior<br />
para operar, tal como a razão teórica em que o entendimento é o seu legislador, mas<br />
apenas segundo idéias da razão pura (em seu amplo sentido) a vontade é determinada. A<br />
razão prática, diz Schiller, “pode aplicar sua forma tanto ao que existe por ela mesma (ações<br />
livres), como também ao que não existe por ela (efeitos naturais)” (SCHILLER, 2002, p.58).<br />
No primeiro caso, a razão prática age constitutivamente, pois sua forma é aplicada à ação<br />
da vontade, porém, no segundo caso ela opera regulativamente. Mas, em ambos os casos,<br />
eles são autodeterminados, visto que “a autodeterminação pura em geral é a forma da razão<br />
prática” (SCHILLER, 2002, p.58). É justamente por este caráter autodeterminante da razão<br />
prática que a sua aplicação aos efeitos naturais não pode ocorrer de modo constitutivo, mas<br />
apenas regulativo, pois dos efeitos naturais pode-se apenas esperar e não exigir que ele<br />
seja por si mesmo.<br />
Pois bem, se na consideração de um ser racional a razão prática descobre<br />
que ele é determinado por si mesmo, então ela lhe atribui (como a razão<br />
teórica, no mesmo caso, concede similaridade à razão a uma intuição)<br />
similaridade à liberdade [Freiheitsähnlichkeit] ou, numa palavra, liberdade.<br />
Mas porque essa liberdade é apenas emprestada pela razão ao objeto,<br />
como nada pode ser livre a não ser o suprasensivel, e a liberdade mesma<br />
como tal nunca pode cair sobre os sentidos – numa palavra – como se trata<br />
aqui apenas de que um objeto apareça como livre, e não que seja<br />
efetivamente: então essa analogia de um objeto com a forma da razão<br />
pratica não é liberdade de fato, e sim meramente liberdade no fenômeno,<br />
autonomia no fenômeno (SCHILLER, 2002, p.59).<br />
Disto, Schiller desloca o juízo do gosto para a esfera da razão prática, pois, do ajuizamento<br />
dos efeitos não-livres, de acordo com a forma da vontade pura, surge a sua concepção de<br />
beleza. Por isso, a beleza, na concepção schilleriana, é liberdade no fenômeno.<br />
Entretanto, como seu amigo Körner observa, essa explicação permanece subjetiva, visto<br />
que não tratou especificamente da natureza sensível do objeto e de seus atributos que o<br />
definem como belo, mas apenas do pensamento sobre o fenômeno. Este principio da<br />
beleza, afirma Körner, “é meramente subjetivo; ele se baseia na autonomia, a qual é<br />
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<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
acrescentada em pensamento ao fenômeno dado” (SCHILLER, 2002, p.62). Schiller<br />
concorda com a objeção de Körner e, para solucioná-la, desenvolve um argumento no qual<br />
a técnica é apresentada como condição objetiva da beleza.<br />
Deste modo, Schiller põe em jogo o entendimento. Dado que liberdade é apresentada no<br />
fenômeno mediante a técnica o que resulta no belo. A natureza do belo, portanto, pressupõe<br />
a ação do entendimento, todavia, o “entendimento é concernido apenas pela forma do<br />
objeto, buscando a regra que lhe corresponde” (BARBOSA, 2002, p.22). Neste sentido, o<br />
juízo estético ocorre mediante uma superação do juízo lógico, pois o entendimento<br />
apresentado como mera condição formal é superado pela similaridade da liberdade no<br />
ajuizamento estético, porém o objeto, composto por sua forma e seu conteúdo, em relação<br />
harmônica, convida-nos, por sua determinação interior, a identificá-lo como belo. Como<br />
afirma Schiller,<br />
Unicamente a liberdade é o fundamento do belo; a técnica é apenas o<br />
fundamento da nossa representação da liberdade; aquela é pois o<br />
fundamento imediato, essa apenas a condição mediata da beleza. A técnica<br />
contribui para a beleza apenas na medida em que serve para suscitar a<br />
representação da liberdade (SCHILLER, 2002, p.92).<br />
A explicação do belo, sugerido pela relação entre técnica e liberdade, em que a primeira é<br />
condição da última e este, fundamento do belo, harmonizam dois domínios distintos do<br />
homem, a saber, a razão e a sensibilidade. Diferentemente de Kant, a estética apresenta-se<br />
na concepção de Schiller não meramente como uma condição subjetiva em que os juízos<br />
estéticos não exercem nenhuma influência sobre a formação (Bildung) da humanidade, mas,<br />
como imperativo, o próprio objeto desperta no homem, mediante sua forma um sentimento<br />
de aprazimento que contribui para sua formação moral.<br />
Conduzindo o juízo de gosto a uma doutrina estética, Schiller atribui à arte, mediante a<br />
apresentação da liberdade no fenômeno, um papel relevante na formação cultural. Decerto,<br />
apenas com a radicalização na esfera da sensibilidade é possível vislumbrar uma autonomia<br />
que não pauta-se apenas pela liberdade espiritual, mas também material. Na próxima parte<br />
apresentaremos o movimento de radicalização proposto por Schiller, no que razão e<br />
sensibilidade são relacionadas de modo harmônico, segundo a natureza mista do sujeito<br />
que, na modernidade, necessita ser formado a partir de um conceito integral da<br />
humanidade, visto que a fragmentação deste conceito produz indivíduos unidimensionais,<br />
seja segundo a determinação física da natureza ou, segundo a determinação de uma<br />
racionalidade meramente cientifica que sufoca a parte sensível do homem.<br />
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Método<br />
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011<br />
O método utilizado foi o qualitativo. Procuramos focar nosso objetivo em algumas obras que<br />
condiziam para a nossa elucidação e para que pudéssemos compreender o tema mais<br />
qualitativamente. Através de leituras e produção de textos adquirimos mais informação para<br />
analisar e determinar o que seria de maior importância para este artigo. O principal método<br />
de estudo foi o fichamento, que consiste na leitura sistemática do tema, e o registro das<br />
partes mais importantes, produzindo um texto a partir desse processo.<br />
Resultados e discussão<br />
“...é necessário uma revolução total em toda a sua<br />
maneira de sentir, sem o que nem sequer se inicia<br />
o caminho para o ideal”. (SCHILLER, 1963, p.<br />
127)<br />
Neste terceiro e ultimo capitulo apresentaremos, em diálogos com os dois capítulos<br />
anteriores, as principais ideias desenvolvidas por Schiller em sua obra Sobre a educação<br />
estética da humanidade. Nesta, o poeta aventureiro, dá mais um passo para a formulação<br />
de uma teoria autônoma e demonstra quais são os motivos que conduziram a trilhar este<br />
temível terreno da razão especulativa.<br />
Sobre a educação estética da humanidade é produto de uma série de cartas destinadas ao<br />
Príncipe dinamarquês Friedrich Christian von Schleswig-Holstein-Sonderburg-Augustenburg.<br />
Este, por intermédio de um jovem poeta e critico literário, admirador da poesia alemã, ficou<br />
sabendo das dificuldades em que o autor da peça Os bandoleiros encontrava-se. Recém<br />
casado, Schiller tinha dificuldade tanto financeiras quanto de saúde. Karl Leonhard Reinhod,<br />
em uma carta ao jovem admirador dinamarquês de Schiller, Jens Baggesen, relata as<br />
precisas dificuldades do poeta: “Schiller tem como rendimento fixo não mais do que eu, ou<br />
seja, 200 táleres, os quais não sabemos, quando estamos doentes, se devemos enviá-lo<br />
para a farmácia ou para a cozinha” (SCHILLER, 2009, p.10). Ao ficar sabendo da situação<br />
em que Schiller se encontrava, o Príncipe Augustenburg, junto com Baggesen, convenceu o<br />
então ministro de finanças da Dinamarca, o conde Ernst Heinrich von Schimmelmann, a<br />
ofertar uma ajuda anual de 1.000 táleres, por três anos.<br />
Sob o mecenato do Príncipe Augustenburg, Schiller inicia uma série de cartas, que tratam,<br />
como Habermas diz, do “primeiro escrito programático para uma critica estética da<br />
modernidade” (HABERMAS, 2000, p.65). Mas, para além, as cartas constituem uma<br />
profunda compreensão da natureza humana e de sua expressiva fragmentação que se<br />
consolida cada vez mais, na medida em que essa subjuga uma plenitude da humanidade.<br />
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<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
Neste sentido, as cartas que Schiller redigiu no início de 1793 constituem um amplo olhar<br />
sobre cada domínio do homem, sem perder de vista sua acepção absoluta (Ideal).<br />
Tal como um cosmopolita a discussão levada a efeito por Schiller em suas cartas sustenta-<br />
se na filosofia crítica kantiana, mas, sobretudo, baseia-se no espírito desta filosofia. Nele, o<br />
procedimento critico não se reduz a uma concepção isolada do homem; pelo contrário,<br />
composto por seus diferentes domínios, o homem é analiticamente estudado, mas a<br />
decomposição só se sustenta na medida em que ela é forjada a partir de um princípio último<br />
que a dê sentido. Por isso, o juízo de gosto, enquanto objeto de estudo da terceira critica,<br />
apresenta-se como um fértil terreno. Todavia, a explicação apresentada por Kant para<br />
Schiller, não é suficiente.<br />
A circunstância, porém, de que sentimos e não conhecemos a beleza<br />
parece abater toda esperança de encontrar um principio universalmente<br />
válido para ela, pois todo juízo proveniente desta fonte é apenas um juízo<br />
de experiência. Habitualmente, considera-se uma explicação da beleza<br />
como fundamentada apenas porque ela está em concordância com a<br />
sentença do sentimento em casos singulares, ao passo que, se houvesse<br />
efetivamente um conhecimento do belo a partir de princípios, dever-se-ia<br />
ser fiel à sentença do sentimento apenas porque ela está em concordância<br />
com a explicação do belo. (SCHILLER, 2009, p.58).<br />
Como apresentado por Schiller, em suas correspondências com seu amigo Körner, a<br />
explicação do belo na filosofia kantiana não foi levada até as últimas conseqüências, pois a<br />
impossibilidade do conhecimento do belo sugerido por Kant apenas sobre o limiar da<br />
arquitetônica crítica não permite a continuação a cerca da doutrina do belo, assim como foi<br />
conduzido nas demais esferas do homem. Embora Schiller não apresente tal como no seu<br />
texto Kallias ou Sobre a Beleza, uma investigação conceitual sobre um fundamento objetivo<br />
para o belo, nas cartas Sobre educação estética da humanidade, este principio objetivo é<br />
pressuposto, de modo que a investigação apresentada por Schiller neste texto pode ser<br />
vista como uma discussão que continua as correspondências com Körner, mas é conduzida<br />
sobre outro plano.<br />
Para Schiller, portanto, coube a tarefa de conduzir a investigação do juízo de gosto para o<br />
empreendimento doutrinal. A respeito disso Schiller diz em sua primeira carta que abre seu<br />
projeto,<br />
Este é o nó cujo desate infelizmente mesmo Kant considera impossível. (...)<br />
De fato, nunca teria tido ânimo para tal coisa se a própria filosofia de Kant<br />
não me proporcionasse os meios para isto. Esta fecunda filosofia, da qual<br />
com tanta freqüência se diz que apenas sempre demole e nada constrói,<br />
fornece, segundo minha convicção atual, as sólidas pedras fundamentais<br />
para erguer também um sistema da estética, e somente a partir de uma<br />
idéia preconcebida do seu criador posso explicar para mim mesmo que ele<br />
ainda não tenha logrado tal mérito. (SCHILLER, 2009, p.59-60).<br />
Este sistema não deve ser compreendido como algo isolado dos demais, pois como procura<br />
mostrar a dimensão da Arte e do Belo não são apresentadas como domínios distantes da<br />
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011<br />
natureza moral da humanidade. O terreno no qual se assenta as investigações apresentada<br />
por Schiller neste texto é, por assim dizer, a discussão sobre a formação moral da<br />
humanidade, porém sua análise parte da estética, de maneira que o procedimento levado a<br />
efeito por Schiller é esquadrinhar o domínio da estética e saber quais as contribuições<br />
apresentadas pela arte na formação moral do homem. Disto resulta que a filosofia<br />
schilleriana não permeia meramente uma discussão sobre a moralidade, mas antes visa a<br />
uma discussão radical da cultura em que a moral é teleologicamente apresentada.<br />
A investigação estética não se aparta do problema político, ambos os domínios possuem um<br />
vínculo. “A negação do vínculo de seus elementos o é também de sua essência”<br />
(SCHILLER, 1963, p.35). Mas, indo além, o problema político será referido a partir do<br />
problema estético, pois, segundo sua concepção, pela beleza que se vai à liberdade.<br />
A liberdade, representada pelo homem moral é uma idéia que, caso seja levada a efeito<br />
representa a livre harmonia com as leis morais imanente ao sujeito. Ao contrário deste, o<br />
homem físico, sobre a determinação da natureza, agrupa-se por carência, de modo que o<br />
contrato estabelecido por eles, neste estado natural, age de modo coercitivo, pois suas leis<br />
atuam por força. O que preocupa Schiller é como passar do estado natural para o moral,<br />
visto que o homem físico é real e o moral é apenas problemático. Este abismo<br />
“intransponível” somente é reconciliado através de um estado intermediário que dê suporte<br />
do “real” ao “problemático”. Este suporte não está no caráter natural do homem, nem<br />
tampouco no moral, ao segundo é o que se almeja formar, já o primeiro, egoísta e violento,<br />
almeja muito mais a destruição do que a conservação. Ainda que este estado intermediário<br />
não resida em nenhum dos dois outros estados é preciso que ele seja<br />
aparentado com os outros dois, que estabelecesse a ponte do domínio das<br />
simples forças para o das leis, e que, longe de impedir a evolução do<br />
caráter moral, desse à moralidade invisível o penhor dos sentido<br />
(SCHILLER, 1963, p.39).<br />
O estado intermediário, apresentado por Schiller é sugerido como um estado que<br />
harmoniza a determinação física e moral.<br />
À luz deste caráter, que é a harmonia do homem consigo mesmo, Schiller volta sua atenção<br />
para os acontecimentos contemporâneos. Dirá ele,<br />
Em seus atos o homem se retrata, e que figura é esta que as espelha no<br />
drama de nosso dias! Aqui, selvageria, mais além, lassidão: os dois unidos<br />
em um espaço de tempo (SCHILLER, 1963, p.39).<br />
Tendo em vista a situação do povo germânico e da nação francesa, nesta passagem, é<br />
apresentada segundo a concepção de Schiller, dois modos opostos da degeneração da<br />
natureza moral do homem. A Alemanha, esfacelada em seu período, busca apenas a<br />
satisfação animal. Longe da sofisticação cultural, a realidade empírica é um imperativo no<br />
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<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
qual a voz da sobrevivência exclama. Em seu lado oposto, a França, representante das<br />
classes civilizadas, apresenta um quadro mais revoltante. Após as conquistas da revolução<br />
de 1789, perdeu de vista a liberdade, pois passando a um estado de tirania, por princípios<br />
racionais, a situação francesa solidifica uma descrença moral. Ironicamente, foi concedido a<br />
Schiller, em 1792, o título de Citoyen Français, por suas contribuições para a liberdade e<br />
libertação dos povos, porém, este título apenas chegaria a suas mãos em 1798. A propósito<br />
deste evento, Schiller diz em uma carta a seu amigo Körner que essa homenagem vinha “do<br />
reino dos mortos” (BARBOSA, 2004, p. 20), referindo-se tanto as pessoas que foram<br />
mortas, tal como Luís XVI, que em 1793 foi condenado a morte pela política dos “carrascos”,<br />
como afirma Schiller, e, também, ao ideais mortos que subverteram os interesse coletivos<br />
de fraternidade, igualdade e liberdade a posições estritamente egoístas.<br />
O esclarecimento, do qual as camadas mais altas de nossa época não sem<br />
razão se vangloriam, é apenas cultura teórica e mostra, tomado como um<br />
todo, uma influência tão pouco enobrecedora sobre as convicções que<br />
antes ajuda apenas a fazer da corrupção um sistema e torná-la<br />
irremediável. Um epicurismo mais refinado e consequentemente começou a<br />
sufocar toda a energia do caráter, e o grilhão das necessidade, cada vez<br />
mais firmemente estrangulador, a aumentada dependência da humanidade<br />
do elemento físico levou gradualmente a que a máxima da passividade e da<br />
obediência doentia valha como a suprema regra de vida; daí a estreiteza no<br />
pensar, a falta de força no agir, a lamentável mediocridade no produzir que,<br />
para sua vergonha, caracterizam nossa época. (SCHILLER, 2009, p.76-77).<br />
A critica severa à sua época e à cultura teórica, apresentada de modo ascético pelos<br />
iluministas como a única forma de sair de um estado de heteronomia para a autonomia, é<br />
pautada por um concepção abrangente das esferas do homem, este, antes de tudo,<br />
pensado a partir de uma harmonia entre sua natureza sensível e racional. Por isso, o<br />
problema presente tanto na França, como nos povos germânicos, não é meramente um<br />
problema específico, mas, a rigor, é presente em todos os povos que pela razão se<br />
divorciaram da natureza sensível, localizando-se na cultura.<br />
Recorrendo a uma comparação muito freqüente em sua época, entre forma atual da<br />
humanidade e a passada, Schiller, voltando-se em especial para as características<br />
presentes na Grécia antiga, principalmente uma Grécia pautada pelos estudos de<br />
Winckelmann, relacionará a nobre simplicidade e a grandeza tranqüila dos gregos, com a<br />
humanidade de sua época.<br />
A cultura grega espanta Schiller por manter, ainda que pela razão, uma relação harmônica<br />
com a natureza. Nos gregos o mais longe que a razão fosse, sempre levava consigo a<br />
matéria sem que a mutilasse. Diferente dos gregos, na modernidade, aonde apresenta-se<br />
novas formas capitalistas pautadas pela produção industrial, a especialidade exacerbada,<br />
conduziu a humanidade a uma situação fragmentaria, “entre nós a imagem da espécie está<br />
nos indivíduos, aumentada e decomposta – mas não por misturas diversas e sim por<br />
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011<br />
fragmentos, de modo que é preciso indagar, indivíduo, após indivíduo, para reconstruir a<br />
totalidade da espécie” (SCHILLER, 1963, p.47). Se no passado a imagem da espécie era<br />
projetada no circulo dos deuses, formando uma totalidade de caracteres, nos quais os<br />
gregos se reconheciam, na modernidade, a humanidade, dilacerada, isola-se,<br />
desenvolvendo suas potências apenas de maneira residual.<br />
Ainda que Schiller utilize de um método comparativo entre a humanidade atual e antiga, e,<br />
disto infira uma depreciação da sensibilidade, sua leitura não se sustenta em um sentimento<br />
nostálgico do passado, mas, elevando a nível ideal, o passado representa um padrão<br />
estabelecido a fim de exercer a crítica da realidade. Porém, essa separação entre razão e<br />
sensibilidade, era inevitável, pois este antagonismo é pressuposto para que haja nitidez no<br />
conhecimento. Entendida como instrumento, esta fragmentação é o caminho apresentado<br />
pela cultura, mas, apenas o caminho, visto que o homem não se realiza como tal enquanto<br />
não estender a realização a todos os seus domínios.<br />
Contudo, o que preocupa Schiller em seu texto é saber, visto que a fragmentação é real,<br />
quais são os instrumentos qualificados para a constituição de uma nova totalidade. Essa<br />
possibilidade, não advém do Estado.<br />
Schiller diferencia-se de certas concepções teóricas que atribuem ao direito o papel de<br />
instrumento para a constituição do estado moral. A solução apresentada advém da<br />
superação da dilaceração no interior do homem. Logo, a possibilidade de constituição de<br />
uma nova totalidade do sujeito depende da formação de um homem integro. Decerto, essa<br />
formação não depende unicamente da capacidade intelectual do sujeito, a razão não deve<br />
ficar de fora dessa tarefa, mas, apoiando-se em impulsos, isto é, forças vitais do coração,<br />
deve almejar a formação do homem.<br />
Propondo um movimento focado sobre a esfera do sensível, para que posteriormente seja<br />
completada a tarefa pertinente a esfera do entendimento, Schiller assimila a noção de<br />
Aufklärung como um processo no qual o caráter sensível deve preceder ao saber intelectual,<br />
Não é suficiente, pois, dizer que toda ilustração do entendimento só merece<br />
respeito quando reflui sobre o caráter; ela parte também, em certo sentido,<br />
do caráter, pois o caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. A<br />
educação do sentimento, portanto, é a necessidade mais urgente de nosso<br />
tempo, não somente por ser um meio de tornar ativamente favorável à vida<br />
o conhecimento aperfeiçoado, mas por desperta ela mesma o<br />
aperfeiçoamento do saber. (SCHILLER, 1963, p.56).<br />
A criação política não decorre de uma concepção unilateral do homem. A modernidade, por<br />
isso, que traz em seu bojo um conceito humanista da razão, que implica todas as dimensões<br />
do homem, isto é, sua dimensão ética, cientifica e estética, apenas se efetiva como tal, na<br />
medida em que propõe uma radicalização de todas as esferas. A propósito da radicalização<br />
da Aufklärung proposta por Schiller, Barbosa faz a seguinte elucidação:<br />
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<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
Tudo depende de uma mobilização da cultura como uma mobilização<br />
integral das esferas de validade da razão, o que implica uma radicalização<br />
da Aufklärung, a difícil tarefa formadora de conduzir o esclarecimento às<br />
suas raízes: um conceito de razão uno rigorosamente diferenciado. (...) E se<br />
ele estendeu sua critica a Aufklärung, foi para radicalizá-la pela exigência de<br />
uma cultura da razão em todo o seu espectro de validade. A exigência de<br />
uma cultura integral coincidia com a de uma cultura racional, pois racional é<br />
somente aquele que mobiliza integralmente as formas da racionalidade.<br />
Radicalizar a Aufklärung implicava assim superar a ênfase no<br />
intelectualismo como expressão unilateral da cultura teórica, abrindo espaço<br />
para uma mediação imprescindível à emancipação do homem das coerções<br />
do reino da necessidade e à instituição da liberdade: o poder formador e<br />
enobrecedor da arte e do gosto (BARBOSA, 2004, p.28-29).<br />
A aproximação da estética à razão prática permite vislumbrar na arte, enquanto objeto da<br />
beleza, um “instrumento” que possibilite a formação (em seu amplo sentido) da humanidade.<br />
A arte possui uma força vital própria e indestrutível, na qual é desobrigada de tudo o que é<br />
positivo e que foi introduzido pela convenção do homem, segundo Schiller, ela goza de uma<br />
absoluta imunidade ante ao arbítrio humano.<br />
Para Schiller, a arte é cidadã de dois mundos: ela possui sua existência no mundo sensível,<br />
mas possui seu fundamento no supra-sensível. Isso significa dizer que a arte realiza ambas<br />
as disposições encontradas na natureza humana. A natureza mista do homem,<br />
representada por dois impulsos distintos, sensível e formal, em que o primeiro visa à<br />
modificação e realidade da existência física e, o segundo, partindo do ser absoluto, visa<br />
formar toda a modificação sensível concedendo unidade de acordo com a natureza racional,<br />
somente em uma relação de reciprocidade entre os impulsos, o homem pode se realizar.<br />
Isto porque, aonde um impulso subjuga a atuação do outro há um estado de heteronomia:<br />
seja em uma dominação racional, que a racionalidade oprime a experiência sensível, ou,<br />
como na determinação física, que tal como o selvagem, visa apenas às necessidades<br />
imediatas. Decerto, a arte, possuindo tanto uma forma racional quanto uma natureza<br />
material, harmoniza em um terceiro impulso a natureza mista do homem. Este terceiro<br />
impulso, no qual Schiller define como impulso lúdico, conjuga em si características do<br />
impulso formal e sensível, a realização de ambos os impulsos de modo recíproco, são<br />
levadas a efeito por sua atividade lúdica.<br />
Enquanto o impulso sensível nos coage fisicamente e o formal moralmente,<br />
aquele deixa contingente nossa disposição formal como este deixa a<br />
sensível; isto quer dizer que será casual a concordância entre nossa<br />
felicidade e a perfeição, ou a desta com aquela. (...) Na mesma medida em<br />
que toma às sensações e aos afetos a influência dinâmica, fará que se<br />
ajustem às idéias da razão, e na medida em que despe as leis da razão de<br />
sua imposição moral, irá conciliá-las ao interesse dos sentidos (SCHILLER,<br />
1963, p.78-79).<br />
Posto em movimento, o impulso formal e sensível, forças que representam os dois domínios<br />
distintos do homem, são harmonizados, segundo a exigência do espírito da filosofia<br />
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011<br />
transcendental, no domínio da estética. Pois enquanto impulso lúdico a beleza é sugerida a<br />
partir do jogo entre as capacidades imanentes ao sujeito.<br />
No jogo estético o homem encontra a concordância de suas duas naturezas. Pela a<br />
aparência bela do objeto o homem supera a forma lógica em um domínio estético que é<br />
desinteressado, porque não possui nenhuma finalidade, mas, enquanto sentimento regido<br />
por uma finalidade sem fim, o homem é convidado pelo imperativo da beleza a concordar<br />
consigo mesmo. A moralidade, como é apresentada segundo seu conceito puro, depende<br />
unicamente do uso da razão mediante conceitos de liberdade que autodeterminam a<br />
vontade humana. Essa operação pertence unicamente ao domínio do Razão. Mas, ao<br />
aproximar o juízo estético da razão prática e elevar o seu domínio, propondo a arte como<br />
cidadão de dois mundos – sensível e supra-sensível – Schiller possibilita vislumbrar um<br />
estado, que ao aspirar à moralidade não atue segundo a coerção, mas pelo sentimento de<br />
prazer ocasionado pela bela aparência, no qual a coerção da lugar a harmonia. Disso, o<br />
homem realiza suas potencialidades enquanto um ser moral e sensível de modo integral.<br />
No próprio seio do reino terrível das forças e em meio do sagrado reino da<br />
lei, o impulso estético elabora silenciosamente um terceiro reino contente de<br />
jogo e aparência, em que toma aos homens a carga de quaisquer<br />
circunstancias, libertando-os de toda a necessidade moral ou física<br />
(SCHILLER, 1963, p132).<br />
Partindo do individuo para o todo, semelhantemente ao procedimento realizado pelo juízo<br />
reflexivo, Schiller infere que somente a educação levada a efeito por uma concepção<br />
estética, em que o individuo é harmonizado consigo, pode se realizar um estado moral. Mas<br />
aqui não significa dizer que Schiller atribui à arte uma finalidade, pensando-a meramente<br />
como um instrumento. Para ele, este instrumento ou estado estético é compreendido como<br />
um reino que na insociável sociabilidade entre natureza moral e física, cria um terceiro reino<br />
que possui ambas as características presente nestas “ilhas”. Schiller, como aponta em seu<br />
texto, Sobre a utilidade moral dos costumes estéticos, posterior às Cartas sobre educação<br />
estética da humanidade, a moralidade, assim como o gosto, deve possuir seu fim em si<br />
mesmo, mas, ainda que os domínios sejam distintos, isso não significa dizer que o gosto<br />
libertando do julgo do instinto, através da bela aparência, não possibilite que o estado<br />
estético torne o homem mais nobre de modo que o anteceda no proceder ético. Decerto, o<br />
individuo enobrecido pela bela aparência não incorre na intemperança, pois o homem<br />
formado esteticamente representa conceitualmente a temperança.<br />
Essa concepção de Schiller decorre muito mais de um pensamento extensivo, que busca<br />
abarcar o homem como um todo, do que um pensamento intensivo que o decompõe em<br />
partes, aprofundando-o sistematicamente. Contudo, o procedimento extensivo presente na<br />
filosofia schilleriana opera segundo a relação recíproca, de modo que o extensivo não<br />
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<strong>Universidade</strong> <strong>Presbiteriana</strong> Mackenzie<br />
subsume as figuras particulares em nome de um universal, mas através do juízo estético a<br />
filosofia de Schiller caminha segundo o limiar da Aufklärung. Caminho este, que repleto de<br />
formas e figuras, faz com que o aventureiro identifique-se, sobretudo, em seu nobre<br />
caminho.<br />
Conclusão<br />
A estética, segundo a concepção schilleriana, não se reduz a um mero ramo da Filosofia,<br />
mas, concedendo à própria Filosofia um sentido estético, em que a razão e a sensibilidade<br />
são reciprocamente pensadas a partir da mesma raiz – a Humanidade! – essa Filosofia<br />
apresenta-se como um desenvolvimento metodológico que no seu anseio ético, alça seus<br />
mais altos voos com um único sentido: a emancipação espiritual e física da humanidade!<br />
Sua capacidade de voar só é dignificada na medida em que contemple a bela aparência<br />
terrena. Assim, consideramos o compromisso com a liberdade, igualdade e fraternidade, em<br />
que Schiller demonstra em seus textos, os motivos que o levou a questioná-los, isto porque,<br />
para além de qualquer interesse privado, o esclarecimento apresenta-se como uma<br />
condição universal. Contudo, este universal deve ser mediado por um interesse que parta,<br />
essencialmente, do indivíduo, caso contrário, tal como na racionalidade puramente<br />
intelectual, a livre manifestações particulares serão subjugadas. A arte em sua dupla<br />
cidadania, imersa em uma sociedade cindida, guiada por interesses particulares que a si<br />
mesmo se elegeram como a verdade, cumpre um papel fundamentalmente revolucionário.<br />
Pois, sua expressão mais bem acabada atua na formação moral da humanidade,<br />
conduzindo-os da heteronomia à autonomia.<br />
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