Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Perplexida<strong>de</strong> epistemológica e sedução da irracionalida<strong>de</strong><br />
pectos da realida<strong>de</strong>. Assentimos com R. Otto, para quem: “buscar o irracional<br />
é hoje quase um esporte... Não se esforça por esta palavra coisas as mais diversas,<br />
ou se utiliza <strong>de</strong>les num sentido geral e vago que se po<strong>de</strong>rá enten<strong>de</strong>r por aí<br />
as realida<strong>de</strong>s mais heterogêneas: a pura realida<strong>de</strong> por oposição à lei, o empírico<br />
por oposição ao racional, o contingente por oposição ao necessário, o fato<br />
brutal por oposição ao que se encontra por <strong>de</strong>dução, o que é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m psicológica<br />
por oposição ao que é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m transcen<strong>de</strong>nte, o que se conhece a posteriori<br />
por oposição ao que se conhece a priori, o po<strong>de</strong>r, a vonta<strong>de</strong> e o bom prazer<br />
por oposição à razão, à inteligência e à <strong>de</strong>terminação fundada sobre uma avaliação;<br />
a impulsão, o instinto e as forças obscuras do subconsciente por oposição<br />
ao exame, à reflexão e aos planos racionais; as profundida<strong>de</strong>s místicas da<br />
alma e os movimentos místicos na humanida<strong>de</strong> e no homem, a inspiração, a intuição,<br />
a visão profética e enfim as forças ocultas; <strong>de</strong> uma maneira geral a agitação<br />
inquieta, a fermentação universal <strong>de</strong> nossa época, a busca do novo na poesia<br />
e nas artes plásticas, tudo isto, e outra coisa ainda po<strong>de</strong> ser o irracional e<br />
constituir o que se chama o irracionalismo mo<strong>de</strong>rno, exaltado por uns e con<strong>de</strong>nado<br />
pelos outros. Quem emprega este termo está compelido a dizer o que<br />
enten<strong>de</strong> por ele”.<br />
Este largo espaço <strong>de</strong> sedução à irracionalida<strong>de</strong> outra coisa não quer significar<br />
a não ser o reconhecimento <strong>de</strong> que há outras potências do eu que não se<br />
cingem à razão raciocinante. As artes, as religiões, a psicanálise, os caminhos<br />
sinuosos e obscuros da criativida<strong>de</strong> humana preenchem este suposto vazio da<br />
razão e ampliam a percepção do ser em obediência a outros critérios <strong>de</strong> verificação<br />
do real.<br />
Abraçar com ardor as formas distintas <strong>de</strong> que se reveste a irracionalida<strong>de</strong>,<br />
sem atentar para o espaço racional a ser preservado, é expor-se à fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
diretrizes para o viver e o conviver, e é ameaçar a consistência existencial sem a<br />
qual a vida se estiola, fenece e murcha. O irracional e o racional convivem<br />
numa circularida<strong>de</strong> criativa, garantia <strong>de</strong> que a complexida<strong>de</strong> humana se alimenta<br />
da tensão dialética entre ambas, condição <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> da riqueza<br />
cultural da humanida<strong>de</strong>.<br />
77