O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
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- Sempre chego em ocasião <strong>de</strong> trabalho, compadre Victorino, disse Francisco.<br />
- É verda<strong>de</strong>.<br />
- A razão é porque meu compadre Francisco é muito trabalhador, observou Joaquina.<br />
- A<strong>de</strong>us, meninas.<br />
- Sua bênção, padrinho, disse Marianinha.<br />
- Boa tar<strong>de</strong>, seu Francisco, acrescentou Bernardina.<br />
Lourenço <strong>de</strong>u o andar para on<strong>de</strong> estava esta ultima, e baixinho lhe perguntou:<br />
- Lembra-se ainda do pedaço <strong>de</strong> cana? Está zangada comigo?<br />
- Eu não, respon<strong>de</strong>u ela.<br />
- Eu fiz aquilo somente para meter raiva a Saturnino.<br />
- E você para que é mao, Lourenço?<br />
- E você para que faz tantos agrados a ele?<br />
- E você que tem com isso?<br />
- Bernardina! Bernardina!<br />
É melhor que vá se importar com Marianinha, que é sua noiva e mais dia menos dia virá a ser sua mulher.<br />
0 semblante <strong>de</strong> Lourenço fechou-se subitamente. Mais <strong>de</strong>pressa nuvem escura não cobre a face risonha <strong>de</strong><br />
estrela gentil e namorada.<br />
- Está bom, disse ele com visível contrarieda<strong>de</strong>. Eu não quero <strong>de</strong>stas graças comigo.<br />
E pois estavam conversando em vozes tão mo<strong>de</strong>radas que ninguém podia ouvir o que diziam. Francisco, a<br />
quem não pareceu muito agradável este colóquio, dirigiu-se nos seguintes termos ao filho:<br />
- Ó Lourenço, vai ajudar ali a comadre, que mal po<strong>de</strong> com aquele braçado <strong>de</strong> espigas.<br />
Em vez <strong>de</strong> levar a mal, o rapaz aceitou com as duas mãos o recurso, que se lhe oferecia, e foi prestar os seus<br />
serviços á Joaquina, não só tomando sobre se parte da carga que ela trazia, mas quebrando o milho maduro<br />
que encontrou em suas proximida<strong>de</strong>s.<br />
O aspecto do roçado era o mesmo que oferece qualquer <strong>de</strong>stas plantações em ocasiões idênticas.<br />
Em um ponto central via-se um montão <strong>de</strong> espigas secas. Junto <strong>de</strong>las estava Bernardina sentada sobre umas<br />
palhas. Sua obrigação consistia em as ir <strong>de</strong>scascando e pren<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> duas em duas, pelo filete <strong>de</strong><br />
palha, <strong>de</strong> propósito <strong>de</strong>ixado em cada uma para facilitar não só o trabalho da contagem senão também o da<br />
condução. Depois <strong>de</strong> assim atadas, atirava-as para outro ponto, do qual tinham <strong>de</strong> ser levadas para casa.<br />
O milharal, posto que na mór parte ainda <strong>de</strong> pé, estava quase todo seco. As espigas volviam-se para a terra<br />
que alguns pés, dobrados pelos ventos fortes, beijavam com os pendões em sua maior parte <strong>de</strong>spidos das<br />
flores <strong>de</strong> que se compunham.<br />
Quebrando aqui, ali, os frutos, foi-se Francisco metendo pelo roçado a <strong>de</strong>ntro até chegar ao lugar on<strong>de</strong> estava<br />
a filha mais nova <strong>de</strong> Victorino.<br />
- Venho ajudar-te, Marianinha, disse ele.<br />
A menina tinha sobre os ombros alguns atilhos, <strong>de</strong> sorte que parte das espigas lhe caiam por cima dos seios e<br />
parte se <strong>de</strong>rramava pelas costas.<br />
- Para que tem esse trabalho, meu padrinho? Estamos já acabando.<br />
- Como me acho aqui, quero perguntar-te uma coisa. Tu estás mal com Lourenço?<br />
- Porque vosmecê pergunta isso?<br />
Porque ainda há pouco vi todos falarem com ele, menos tu. Que é que houve entre vocês? Eu não gosto <strong>de</strong><br />
malquerenças.<br />
A menina parou involuntariamente. Seu braço direito que nesse momento ela tinha alçado para uma espiga,<br />
<strong>de</strong>scaiu como se força oculta e <strong>de</strong>sconhecida o fizera gravitar para a terra. Os olhos, vencidos pela mesma<br />
influencia, tendo relanceado primeiro para o matuto, cravou-os ela irresistivelmente no chão.<br />
Conhecendo que tocará em uma ferida encoberta, Francisco adiantou-se a diminuir-lhe o vexame.<br />
Eu sei que tu gostavas do Lourenço até bem pouco tempo. Como é que aparece agora esta rixa?<br />
Passado um instante, a rapariguinha respon<strong>de</strong>u, aceso o rosto em suave rubor:<br />
- Mas ele não gostava <strong>de</strong> mim.<br />
- Quem foi que te meteu isso na cabeça?<br />
- Era preciso que alguém me dissesse o que eu estava vendo com os olhos?<br />
- Engano teu.<br />
- Não estou enganada, não senhor. Lourenço não se importa comigo.<br />
E tu não queres mais bem a ele? Anda, fala. Eu bem sei que tu gostas do pequeno. Se és capaz, nega.<br />
Tomada da maior confusão, Marianinha não soube o que respon<strong>de</strong>r.<br />
- Dize o que te pergunto - insistiu o matuto. Eu guardo segredo. Não tenhas vergonha <strong>de</strong> mim.