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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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negociantes portugueses, passariam estes a ter, com a elevação da povoação a vila, prepon<strong>de</strong>rância no senado<br />

da câmara, e por seus votos po<strong>de</strong>riam reduzir a nada, visto que o seu numero era gran<strong>de</strong>, os nobres da cida<strong>de</strong><br />

na taxação dos gêneros, na arrematação dos contractos, enfim na governança que até então tinha sempre<br />

andados nas mãos da nobreza da terra. Um cronista, contemporâneo da guerra dos mascates, escreveu sobre<br />

este ponto as palavras que trasladaremos para melhor compreensão do leitor. São as seguintes:<br />

< A dar-se ao Recife o termo que o governador queria, perdia a nobreza do país; porquanto, igualando-se os<br />

nobres aos mascates, e sendo estes muito mais numerosos, vinham aqueles a ser excluídos nos pelouros dos<br />

lugares da republica; perdiam as rendas publicas na arrematação dos contractos, porquanto, sendo os<br />

arrematantes os mascates, e compondo estes o senado, perante quem se arrematavam, vinham eles a ser juizes<br />

e partes, e a seu salvo podiam arredar da arrematação os nobres que quisessem lançar; perdia finalmente toda<br />

a população produtora, porquanto, competindo aos almotacés taxarem os preços dos viveres, e sendo o<br />

almotacé do Recife mascate, seguia-se, como se seguiu, que os gêneros conduzidos a mercado pelos matutos<br />

se taxassem em preço mui baixo, e os que vendiam os mascates taberneiros se estimassem em subido preço>.<br />

Por on<strong>de</strong> se vê que nem era <strong>de</strong> todo sem fundamento o ódio que nobres e mercadores se votavam<br />

mutuamente, nem a guerra a que esse ódio <strong>de</strong>u lugar podia faltar em rebentar com a veemência e crueza que a<br />

caracterizaram. Enfim, a luta era menos <strong>de</strong> fidalgos e peões do que da agricultura ameaçada <strong>de</strong> ruína, e do<br />

comercio que aparecia como tirano. Não há luta mais fatal e terrível em seus resultados do que a em que se<br />

empenham dois princípios que <strong>de</strong>vem constituir, nas épocas normais, um só elemento <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong><br />

publica, servindo cada qual <strong>de</strong> complemento natural do outro. Estamos por isso muito distantes dos que nesse<br />

memorável movimento querem ver, antes um testemunho <strong>de</strong> ridículos preconceitos, costumes e educação<br />

dominantes no século próximo passado, do que a séria colisão <strong>de</strong> interesses que ainda em nossos dias po<strong>de</strong>m<br />

trazer, achando-se em <strong>de</strong>sacordo como então se acharam, resultados ainda mais tristes e lastimosos.<br />

Enquanto as pretensões dos mercadores não passaram <strong>de</strong> tentativas malogradas, mantiveram-se as coisas em<br />

saudável equilíbrio. As pretensões, porém, <strong>de</strong> que é alma o interesse pecuniário ou a ambição <strong>de</strong> riquezas<br />

dificilmente se resignam a completa renuncia. Quando menos se espera, elas fazem explosão, e só então se<br />

reconhece que o silencio em que por algum tempo estiveram a modo <strong>de</strong> sepultados, não foi o silencio da<br />

morte, mas da concentração espiritual e o do estudo dos meios <strong>de</strong> dar vitoria á dita ambição.<br />

O governador a que alu<strong>de</strong> o cronista na passagem sobremencionada, era Sebastião <strong>de</strong> Castro Caldas. Não foi o<br />

primeiro que chegando a Pernambuco e <strong>de</strong>ixando-se quase dirigir por seus conterrâneos mais exaltados na sua<br />

pretensão capital, representara a el-rei a favor da criação da vila. Antes <strong>de</strong>le já o tinham feito alguns outros,<br />

inclinados sempre a proteger os interesses dos seus patrícios. Nenhum, porém, o fizera com tão fortes razões<br />

como o novo governador, homem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s espíritos, <strong>de</strong> animo ousado e tão dado á pratica <strong>de</strong> ator <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spotismo que o próprio rei lhe estranhará asperrissimamente, em data <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1709 o <br />

É fama que pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver entrado no exercício do seu cargo, um negociante lhe foi dizer (não<br />

se sabe se havia verda<strong>de</strong> ou enredo na historia do oficioso senhor) que alguns pernambucanos tinham jurado<br />

repetir com ele, se metesse a tomar o partido dos do Recife na criação da vila, o mesmo que seus antepassados<br />

tinham praticado com o governador Jeronimo <strong>de</strong> Mendonça Furtado no século anterior.<br />

A isso respon<strong>de</strong>u Caldas: - Se são nobres e têm, segundo dizem, por se o popular da capitania, repitam o<br />

procedimento dos seus maiores. O que eu lhes asseguro é que não hei <strong>de</strong> imitar Mendonça Furtado, e que,<br />

<strong>de</strong>sembainhada a minha espada, não a meterei novamente na bainha antes <strong>de</strong> embebida no coração do<br />

primeiro conjurado.<br />

Não aconteceu, assim porém. Levado do capricho pessoal, ou do interesse, ou do ódio, ou da vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar<br />

mostras <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong> arrostar com a oposição da nobreza <strong>de</strong> Pernambuco em peso, fez reiteradas instancias<br />

ao ministério e ao rei para que se realizasse a elevação do Recife a vila. Esta elevação foi afinal or<strong>de</strong>nada pela<br />

carta regia <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1709; mas, como se verificaram logo no ato da divisão <strong>de</strong> novo termo<br />

gran<strong>de</strong>s vexames e violências, irritaram-se mais os ânimos <strong>de</strong> parte a parte. Caldas respon<strong>de</strong>u á reação dos<br />

pernambucanos notáveis mandando-os pren<strong>de</strong>r. Foram do numero dos presos Leonardo Bezerra Cavalcanti,<br />

seu irmão Manoel Cavalcanti Bezerra, Luiz Barbalho, Afonso <strong>de</strong> Albuquerque e outros. O triste exemplo,<br />

produzindo impressão <strong>de</strong> terror em vários agricultores, obrigou-os a <strong>de</strong>ixar suas proprieda<strong>de</strong>s e ocultar-se<br />

foragidos nos bosques. Enquanto porém alguns se retiravam aterrados, a reação concertava na sombra a sua<br />

<strong>de</strong>sforra. Assim que pelas 4 horas da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1710, por ocasião <strong>de</strong> passar o governador pela<br />

frente <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong>socupada da Rua-das-aguas-ver<strong>de</strong>s, um tiro lhe foi dai <strong>de</strong>sfechado, não tendo sido parte<br />

para que o não fizessem os dois mandatários obscuros o ir Caldas acompanhado e guardado por uma escolta

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