15.04.2013 Views

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

que anda por aqui a esta hora, fazendo bem não é. Quer saber o que estava fazendo o cabra?<br />

- Fala baixo, que ele ainda po<strong>de</strong> estar por ai. Mas o que foi?<br />

Uma das suas. Mas o pior foi o que fez o ladrão do moleque, o Germano. Em vez <strong>de</strong> ser pelo senhor,<br />

prometeu ser pelos mascates e botar água <strong>de</strong>ntro das armas, quando o engenho for atacado. Que negro ingrato<br />

e perverso! Tive <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> lhe dar um tiro na cabeça, quando lhe ouvi as traidoras palavras. Mas eu nunca<br />

atirei em ninguém.<br />

- Virgem Maria! exclamou Marcelina. Pois querem atacar o engenho?<br />

- Foi o que disse Pedro <strong>de</strong> Lima. Germano não tarda a passar por aqui. ah! Ali vem ele.<br />

- E que queres fazer? Queres dizer-lhe alguma coisa?<br />

- Quero, sim senhora.<br />

- Vai para <strong>de</strong>ntro, que eu falo ao moleque. Ele a mim há <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r mais do que a ti.<br />

- Ainda bem não tinha Lourenço entrado, quando o negro passava pela frente da casa trazendo o saco <strong>de</strong><br />

batatas nas costas. Se não me engano, é Germano que vai aí, disse Marcelina em voz alta, a fim <strong>de</strong> ser ouvida.<br />

Sou eu mesmo, sinhá Marcelina, respon<strong>de</strong>u o negro. Quer alguma coisa?<br />

- Eu logo vi que tu ainda havias <strong>de</strong> andar por aqui. Porque diz vosmecê isso?<br />

- Se não vais com muita pressa, dá-me cá uma palavra.<br />

O negro parou à porta da casa.<br />

-Senta-te nessa pedra que te quero dizer uma coisa.<br />

- A pedra está muito quente eu oiço mesmo <strong>de</strong> pé o que tiver <strong>de</strong> me dizer. Pois olha; nessa pedra<br />

mesma esteve ele sentado, há pouquinho.<br />

- Ó xentes! Ele quem, sinhá Marcelina?<br />

- Anda cá. Pois tu não sabes quem podia ser? O Pedro <strong>de</strong> Lima.<br />

- Seu Pedro <strong>de</strong> Lima?! perguntou o negro subitamente alterado. Ó xentes! Seu Pedro <strong>de</strong> Lima!<br />

- Então, ele não andou por estas beiradas ainda agorinha? Quererás negar?<br />

- Ele andou, é verda<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>u Germano, entre aterrado e tremulo.<br />

- E que coisas te disse ele?<br />

- Pois vosmecê sabe o que ele me disse?<br />

- Chega-te para perto <strong>de</strong> mim, que eu não te quero botar a per<strong>de</strong>r, Germano.<br />

O negro aproximou-se, com passo tardo, porque em cada pé começou a sentir o peso <strong>de</strong> uma arroba, <strong>de</strong>pois<br />

que ouvira as ultimas palavras da cabocla.<br />

- Queres saber o que foi?<br />

- Diga, sinhá Marcelina.<br />

Ele esteve contigo na palhoça <strong>de</strong> Moçambique, e falando-se aí sobre os motins que tem havido na vila e a<br />

revolta dos mascates do Recife, tu te ofereceste a botar água <strong>de</strong>ntro das armas <strong>de</strong> teu senhor, para elas não<br />

pegarem fogo, quando o bando <strong>de</strong> Tunda-Cumbe atacasse o engenho.<br />

Não se po<strong>de</strong> imaginar a impressão <strong>de</strong> medo, dor, arrependimento e cólera, que estas palavras produziram no<br />

espirito do negro.<br />

Sem o querer, caiu-lhe do ombro o saco, e ele próprio, para sustentar-se <strong>de</strong> pé, teve <strong>de</strong> apoiar-se no ferro <strong>de</strong><br />

cova que trazia em uma das mãos.<br />

- Ora, dize-me, Germano, prosseguiu Marcelina: isto era coisa que tu dissesses àquele malvado? Podias tu<br />

prometer semelhante traição contra teu senhor, que te estima, e que, até já tem, por vezes prometido forrar-te?<br />

És um escravo indigno <strong>de</strong> ter liberda<strong>de</strong>.<br />

O negro não respon<strong>de</strong>u. Triste, cabisbaixo, imóvel, não sabia o que dizer à cabocla.<br />

Esta prosseguiu:<br />

- Pois não seria muito mais bonito que, em vez <strong>de</strong> seres traidor e ingrato a seu sargento-mór, fosses o primeiro<br />

a <strong>de</strong>fendê-lo na hora do ataque? Não terias tu muito mais segura a tua alforria, se, quando Pedro da Lima<br />

partisse contra seu sargento-mór, tu partisses contra Pedro <strong>de</strong> Lima, e com a foice, o facão, o chuço ou o<br />

bacamarte impedisses que ele fizesse mal a teu senhor ou á tua senhora?<br />

Germano não era um negro bronco.<br />

Ouvindo estas palavras, percebeu que nelas se lhe oferecia uma porta para sair da situação cruel e <strong>de</strong>sprezível<br />

a que fora arrastado.<br />

Então soltou-se-lhe a voz, que estava presa.<br />

- Eu quero contar a vosmecê a historia como foi. Seu Pedro <strong>de</strong> Lima foi quem me fez esta proposta, com a<br />

promessa <strong>de</strong> minha liberda<strong>de</strong>. Vosmecê bem po<strong>de</strong> saber que todo cativo <strong>de</strong>seja ficar livre, ainda que seja<br />

muito bem tratado por seu senhor, como sou eu na escravidão. Eu prometi fazer isso que ele disse, mas <strong>de</strong>pois<br />

que ouvi suas palavras, estou arrependido; e posso jurar que não cumprirei a promessa que fiz a seu Pedro.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!