15.04.2013 Views

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

- Pois façam o que lhes parece melhor, tornou o sacerdote.<br />

- O melhor é irmos para a casa gran<strong>de</strong> enquanto é cedo, disse a cabocla.<br />

- Verda<strong>de</strong> seja - acrescentou o rapaz - que eu <strong>de</strong>vo estar junto <strong>de</strong> Germano, para ver esse negro o que faz.<br />

Vosmecê bem sabe porque é que eu digo isto, minha mãe.<br />

- Está acertado. Vamos já.<br />

- A<strong>de</strong>us, Marcelina. Deus te abençoe, Lourenço, disse o padre Antonio, limpando a furto duas lagrimas que<br />

lhe apontaram nos olhos, e encaminhando-se para a estrada.<br />

- Daí voltou-se para dizer: - Escuta <strong>de</strong> lá, Lourenço. A chave da casa, na ocasião <strong>de</strong> sair, mando por <strong>de</strong>baixo<br />

da porta. Quando voltares do engenho, achá-la-has da banda <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro. Senhor sim.<br />

Uma hora <strong>de</strong>pois Lourenço e Marcelina tomavam para o Bujari. Não se meteu muito que o padre Antonio<br />

com seu escravo José <strong>de</strong>ixou como eles a estrada, seguindo porém diferente direção. Era madrugada velha<br />

quando entrou pelo Cajueiro o Tunda-Cumbe com sua gente. Pedro <strong>de</strong> Lima bateu com o coice do bacamarte<br />

sobre a porta da casa <strong>de</strong> Francisco, e como daí ninguém lhe respon<strong>de</strong>u, foi ele o primeiro que pôs fogo nela.<br />

Outros bandidos o imitaram, tomados da volúpia feroz que caracteriza os celerados. A casa do padre foi<br />

poupada por ser <strong>de</strong> quem era. Mal sabiam eles que poucas horas antes tinham voltado daí, inteiramente<br />

frustrados em sua expectativa e sem po<strong>de</strong>rem explicar o fato que profundamente os contrariaria, dois parciais<br />

dos mascates mandados por Antonio Coelho com todo o necessário para acompanharem o padre à Paraíba.<br />

Ao clarão do incêndio, penetraram os malvados na mata, caminho do engenho, supondo que iam surpreen<strong>de</strong>r<br />

o sargento-mór. Este porém, advertido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitos dias atrás por diferentes circunstâncias, suspeitas e até<br />

boatos, tinha-se passado àquela tar<strong>de</strong> para o sobrado que costumava ocupar, quando festas publicas ou<br />

negócios particulares exigiam a sua estada temporária na vila. Marcelina e Lourenço, não tendo encontrado a<br />

família na casa gran<strong>de</strong>, foram reunir-se com ela em Goiana.<br />

O sobrado estava situado no quarteirão fronteiro à igreja do Carmo. Ficava olhando para o cruzeiro <strong>de</strong> pedra<br />

que aí se vê e do qual se diz que em seus alicerces se acha enterrado gran<strong>de</strong> tesouro <strong>de</strong>stinado pelo instituidor<br />

à reedificação do convento, se suce<strong>de</strong>r que venha a cair em ruínas.<br />

Esta tradição existia já em 1711 porque, por ocasião <strong>de</strong> um dos oitos motins <strong>de</strong> que, durante a guerra dos<br />

mascates, foi teatro Goiana, um bando da gente do Tunda-Cumbe atirou-se ao cruzeiro, e a uso dos vândalos,<br />

que tudo <strong>de</strong>struíam, mutilou parte da larga e solida peanha, sobre a qual ainda hoje se mostra assente a cruz, e<br />

fez profundas escavações, afim <strong>de</strong> ver se davam com o cabedal oculto. Não se sabe se a sua expectativa foi<br />

satisfeita ou iludida. Neste ponto a tradição anda adiante.<br />

Com o sargento-mór tinha ido para Goiana gran<strong>de</strong> parte da escravatura; o restante ficara no engenho para o<br />

guardar e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, sob as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> alguns moradores, entre os quais se apontava o Victorino, cuja intrepi<strong>de</strong>z<br />

era por todos conhecida. A mudança fora súbita.<br />

Quando a coluna invasora chegou ao engenho, já era aí esperada; e por isso foi recebida com todas as honras.<br />

A <strong>de</strong>fesa tinha sido bem organizada por Victorino e seus companheiros. A casa gran<strong>de</strong> semelhava uma<br />

cida<strong>de</strong>la fortificada. Mas, infelizmente, o animo que sobejava nos moradores, faltava nos escravos. Enquanto<br />

aqueles faziam prodígios <strong>de</strong> valor, estes <strong>de</strong>fendiam as entradas frouxamente. Dentro em pouco tempo<br />

conheceram os assaltantes, superiores aos assaltados não só em numero, mas no manejo das armas, que a<br />

praça não tardaria em cair <strong>de</strong>baixo do seu po<strong>de</strong>r. Cônscio <strong>de</strong>sta verda<strong>de</strong>, o Tunda-Cumbe chamou <strong>de</strong> parte o<br />

Padre Lima e o Gonçalo Ferreira, <strong>de</strong>u-lhes or<strong>de</strong>ns à purida<strong>de</strong>, e, pondo as pernas ao cavalo, <strong>de</strong>sapareceu por<br />

entre uns canaviais que do lado direito vinham morrer no cercado. Victorino, que <strong>de</strong> uma das janelas tinha<br />

<strong>de</strong>baixo das vistas o movimento inimigo, viu aos primeiros clarões do amanhecer, tomar o caminho <strong>de</strong> sua<br />

casa o chefe da quadrilha.<br />

Não foi preciso mais para compreen<strong>de</strong>r a intenção do bandido.<br />

A honra <strong>de</strong> suas filhas, único tesouro, único dote <strong>de</strong>las e principal orgulho da família, afigurou-se-lhe, não<br />

sem razão, ameaçada <strong>de</strong> iminente <strong>de</strong>sastre. O almocreve esqueceu o sobrado pela palhoça. Naquele estava<br />

uma fortuna <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor, consistente em jóias, moveis e outros muitos objetos preciosos; nesta havia a<br />

pureza <strong>de</strong> duas graciosas donzelas, que representavam a seus olhos anos <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> sacrifícios, e <strong>de</strong> bem<br />

querer. Em seu coração, em sua alma, tinham muito mais peso os risos gentis, as graças meigas, o amor<br />

mo<strong>de</strong>sto, <strong>de</strong> Marianinha e Bernardina, do que toda a prata, todo o ouro, todos os brilhantes <strong>de</strong> João da Cunha<br />

e <strong>de</strong> d. Damiana. Victorino <strong>de</strong>sceu a modo <strong>de</strong> impelido por sopro <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>, montou em seu cavalo, que,<br />

por cautela, retivera amarrado no vão do sobrado, e por uma aberta que fez na cavalariça po<strong>de</strong> ganhar os<br />

canaviais sem ser visto pelos assaltantes.<br />

Antes <strong>de</strong> chegar à casa, encontrou-se com Joaquina que já vinha, como louca, em procura <strong>de</strong>le.<br />

- - Corre, corre, Victorino, que talvez ainda pegues o malvado, o Tunda-Cumbe, que nos vai roubando a nossa<br />

filha, gritou a pobre mulher, os cabelos <strong>de</strong>sgrenhados, as faces cobertas <strong>de</strong> lagrimas, e no semblante os traços

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!