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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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Da parte d’el-rei, que quereis em minha casa ao lusco-fusco e com este aparato <strong>de</strong> força, senhor juiz?<br />

Usais <strong>de</strong> um direito que pertence à justiça - o <strong>de</strong> interrogar - respon<strong>de</strong>u Cosme Bezerra com afetada<br />

serenida<strong>de</strong> que lhe era muito custosa <strong>de</strong> manter. Mandais distribuir armas e dinheiro pelo povo a fim <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>rrubar as autorida<strong>de</strong>s legais, e vos admirais <strong>de</strong> ter a justiça em vossa porta.<br />

- O que se diz é o contrario, retorquiu Coelho, sem diminuir sua arrogância. Diz-se que nós os portugueses, e<br />

os que nos acompanham, nós os fiéis súditos d’el-rei nosso senhor, não temos nem dinheiro nem armas com<br />

que rebater a rebelião da nobreza.<br />

- Pouco importa às justiças saberem se ten<strong>de</strong>s dinheiro. Falei-vos em dinheiro, porque em dinheiro se fala<br />

pelas ruas da vila, Sr. negociante.<br />

- Chamai-me mascate, já que não quereis chamar-me sargento-mór, título que não po<strong>de</strong>is tirar-me.<br />

- Título que a nós <strong>de</strong>veis.<br />

- Devo-o a el-rei, não a vós.<br />

Não vim a praticar convosco. Vim a saber se <strong>de</strong> feito ten<strong>de</strong>s armas <strong>de</strong>fesas que <strong>de</strong>stinais aos populares por<br />

vós comprados para executores ostensivos <strong>de</strong> vossos tenebrosos <strong>de</strong>sígnios.<br />

Se tenho armas! Exclamou Coelho. Se eu armas tivesse, não as <strong>de</strong>ixaria passar senão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> morto, das<br />

minhas para as vossas mãos. De armas precisamos nós para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a verda<strong>de</strong>ira autorida<strong>de</strong>, vilamente<br />

ultrajada por uma nobreza que na rebeldia supõe consistir a sua maior força e o seu primeiro brasão.<br />

Em nome da lei, mascate! Gritou Cosme em tom <strong>de</strong> quem impunha silencio. Sois apontado como perturbador<br />

da or<strong>de</strong>m, protetor <strong>de</strong> rebel<strong>de</strong>s, e um <strong>de</strong>les. À frente <strong>de</strong> todos os motins que há dois meses perturbam o<br />

sossego <strong>de</strong>sta vila, todos vos vêem comprando os venais, <strong>de</strong>sencabeçando os ignorantes, encaminhando para o<br />

mal, que é o vosso alvo, os <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>iros por habito e condição. Os homens bons estão já cansados <strong>de</strong> aturar as<br />

vossas provocações, a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>srespeitada, as famílias fracas <strong>de</strong> receber insultos e violências dos<br />

malfeitores a que esten<strong>de</strong>is a mão cheia <strong>de</strong> ouro. É tempo <strong>de</strong> espezinhar a cascavel que tanta peçonha mortal<br />

tem vazado <strong>de</strong> sua boca imunda; e como o melhor meio <strong>de</strong> aniquilar a cobra é atacá-la em seu próprio covil,<br />

pareceu à autorida<strong>de</strong> competente que a vossa casa seja corrida, e <strong>de</strong> vosso crime se tire a <strong>de</strong>vassa, se chegar à<br />

certeza <strong>de</strong> que sois criminoso.<br />

O direito, que vos arrogais, <strong>de</strong> violar o meu asilo domestico, nem o achais na lei, nem eu o reconheço senão<br />

como filho do vosso violento natural, <strong>de</strong> todos conhecido. O testemunho <strong>de</strong> que não sou criminoso está em<br />

sujeitar-me ao vosso <strong>de</strong>satino. Outro fora eu, que já me teríeis pago a vossa ousada. Correi, correi à minha<br />

casa. Este procedimento condiz com a fidalguia <strong>de</strong> que rezam os vossos encardidos pergaminhos. Quanto a<br />

dizer<strong>de</strong>s que sou rebel<strong>de</strong> e amotinador, cego seja para sempre aquele que ousar afirmar que primeiro se<br />

insurgiram contra a legalida<strong>de</strong> os mascates que os nobres. Cosme voltou as costas ao negociante, como quem<br />

não levava em conta suas acerbas ironias e ru<strong>de</strong>s exprobrações.<br />

A verda<strong>de</strong>, porém, é que elas o feriam, como pontas <strong>de</strong> punhais acerados no coração. Os beleguins cumpriram<br />

o seu <strong>de</strong>ver, e o próprio juiz, não po<strong>de</strong>ndo vencer o <strong>de</strong>speito hostil e apaixonado, encaminhou-se ao interior<br />

da habitação.<br />

A esse tempo Bartolomeu, que ainda não pu<strong>de</strong>ra <strong>de</strong>scer, chegou-se a Coelho e lhe disse à purida<strong>de</strong>:<br />

- Quer sair, patrão? Atiro-me daqui ao soldado, que ali está <strong>de</strong> guarda na porta, e quando ele menos esperar,<br />

estará sufocado entre as minhas mãos. Então vosmecê po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>scer com seus caixeiros, ganhar a rua e<br />

<strong>de</strong>saparecer por trás <strong>de</strong>ssas moitas <strong>de</strong> jerobebas que cobrem os fundos da igreja. Eu lhe guardarei as costas.<br />

Po<strong>de</strong> ir <strong>de</strong>scansado.<br />

Pensas que eu po<strong>de</strong>ria realizar o que estás indicando? Olha. A rua está cheia <strong>de</strong> gente. A casa está cercada. Ali<br />

embaixo vários soldados espreitam quem entra e quem sai. Mas porque me ausentaria eu? Que crimes cometi<br />

para fugir?<br />

- É que as armas, que estão lá embaixo... tornou o barcaceiro a meia voz.<br />

Duvido que as encontres tu mesmo que comigo as viste, quanto mais ele. e se queres ter a prova do que te<br />

digo, vai à escada por on<strong>de</strong> há pouco <strong>de</strong>scemos ao subterrâneo.<br />

Sem dizer palavra, o barcaceiro encaminhou-se ao gabinete, atravessou-o e chegou ao ponto indicado.<br />

Desciam o juiz, beleguins e soldados. Verificou então por seus próprios olhos o que lhe dissera o negociante.<br />

A escada fazia uma volta para a direita e ia dar na loja, não no escon<strong>de</strong>rijo. Bartolomeu ficou um instante<br />

confuso. Lembrava-se que por ali <strong>de</strong>scera para o subterrâneo, por uma volta que a escada fazia à esquerda:<br />

mas, essa tinha <strong>de</strong>saparecido como por encanto, sem <strong>de</strong>ixar o menor vestígio por on<strong>de</strong> se pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>scobrir o<br />

segredo.<br />

Quando Cosme volveu à sala, Coelho foi a seu encontro, e com expressão <strong>de</strong> mal disfarçado ódio, lhe disse:<br />

Não achastes nem uma adaga, nem um arcabuz no meu armazém. Voltastes em branco. Pois bem. eu vos<br />

asseguro, senhor Cosme Cavalcanti, que <strong>de</strong>ntro em pouco tempo a nobreza <strong>de</strong> Goiana há <strong>de</strong> saber para quanto

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