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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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<strong>de</strong>veríeis ter para meu marido antes benevolência e atenções respeitosas.<br />

- Esqueceis, Sra. d. Damiana, que nenhum homem que se prezasse dignamente, beijaria jamais a mão do<br />

algoz que lhe houvesse afogado as mais caras esperanças, que lhe tivesse <strong>de</strong>struído uma felicida<strong>de</strong> irreparável.<br />

- Vós é que esqueceis, Sr. Coelho, o passado que <strong>de</strong>víeis ter bem presente na memória. A meu marido <strong>de</strong>veis,<br />

não a <strong>de</strong>sgraça, mas a posição <strong>de</strong> que soubestes fazer-vos digno. Sua mão generosa e amiga indicou-vos o<br />

caminho para a vossa in<strong>de</strong>pendência. Por muito tempo não tivestes nesta vila outra proteção, outro amparo,<br />

outro pai além <strong>de</strong> João da Cunha. A vossa entrada nas primeiras casas, a estima que para vós tiveram os mais<br />

ricos e os mais nobres <strong>de</strong> Goiana, a quem as <strong>de</strong>vestes principalmente, Sr. Coelho, quando éreis sem relações,<br />

sem nome, e sem haveres? Não vos lembro estas causas por magoar-vos, mas por ver se <strong>de</strong>sperto em vosso<br />

coração o nobre sentimento que sempre conheci em vós antes do fatal <strong>de</strong>sastre que levantou uma muralha<br />

entre vós e meu marido - o sentimento da gratidão.<br />

- Sra. d. Damiana, vossas palavras trazem-me terror e confusão, disse o jovem europeu, a modo <strong>de</strong> atordoado.<br />

Seu espirito nadava em um mar <strong>de</strong> hesitações.<br />

- Que esse sentimento acor<strong>de</strong> enfim, senhor. É talvez tempo ainda <strong>de</strong> produzir sua ação consoladora. Não vos<br />

importeis comigo, importai-vos com o homem que um dia vos tratou como se fosseis seu filho. Correi e<br />

livrai-o do furor dos vossos parciais. Porque tanto ódio? Porque tanta vingança?<br />

Não po<strong>de</strong> continuar este singular dialogo, que prometia chegar a um <strong>de</strong>senlace talvez patético e imprevisto.<br />

Bem perto dos dois interlocutores soaram vozes confusas e retintim <strong>de</strong> armas. O chão estremeceu, batido por<br />

um sem-número <strong>de</strong> pés que precipitada carreira movia em direitura ao rio.<br />

Afigurou-se então aos fugitivos uma visão sinistra, um <strong>de</strong>sfecho medonho.<br />

- É o povo que vem em vossa procura, Sra. d. Damiana. não percamos um só momento. Salvai-vos, senhora,<br />

salvai-vos enquanto é tempo.<br />

Eles tinham chegado ao pé <strong>de</strong> uma das arvores que da margem estendiam sua gran<strong>de</strong> copa sobre o<br />

rio. Perto <strong>de</strong>sta arvore levantava-se um armazém, feito <strong>de</strong> tábuas, on<strong>de</strong> se fazia o embarque dos açúcares, e o<br />

<strong>de</strong>sembarque dos gêneros importados pelas barcaças, quando a maré estava cheia e elas podiam ficar ao nível<br />

da estiva do armazém, do lado que entrava pelo rio sobre solidas estacas. Nesse momento a maré cheia dava<br />

ao rio a sua natural plenitu<strong>de</strong>, e a Borboleta, livrando-se sobre as águas banzeiras que acusavam a<br />

aproximação da preamar, estava em comunicação com o tosco trapiche por meio <strong>de</strong> uma prancha que para ele<br />

partia do embono <strong>de</strong> bombordo. Coelho, sem per<strong>de</strong>r mais um instante, arrastou d. Damiana contra a vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>la para <strong>de</strong>ntro do armazém, e, todo preocupações e temores pela sua salvação, indicou-lhe a Borboleta, que<br />

aparecia no fim da estiva. - Correi, senhora, entrai na barcaça, mandai atirar <strong>de</strong>ntro da água a prancha, e<br />

or<strong>de</strong>nai, em meu nome, que sigam incontinenti rio abaixo. Nada temais, que eles daqui não hão <strong>de</strong> passar.<br />

Contê-los-hei.<br />

Disse, e retroce<strong>de</strong>u acesso em brio, mas pálido como um cadáver. Seu olhas fuzilava. Os músculos,<br />

obe<strong>de</strong>cendo às impressões nervosas, experimentavam súbitos estremecimentos. A terra parecia fugir-lhe sob<br />

os pés, ao mesmo tempo pesados e céleres. - Meus amigos - gritou ele, alguns passos distante do trapiche,<br />

dirigindo-se ao magote que vinha para seu lado, até on<strong>de</strong> quereis levar o vosso <strong>de</strong>sforço? A lição satisfaz. A<br />

nobreza está vencida em Goiana. tratemos agora <strong>de</strong> ir vencê-la no seu reduto principal - em Olinda. Não<br />

percamos tempo.<br />

- Então, do bando que corria com as armas nuas reluzindo ao sol, um grito partiu, e não foi preciso<br />

mais, ouvindo-o, para que o chefe dos mascates compreen<strong>de</strong>sse que se enganara e que seus dias, esses, sim,<br />

estavam contados. Ainda falas, mascate infame?!<br />

Seguiu-se uma cena, só própria <strong>de</strong> canibais, mas que os excessos das paixões humanas estão reproduzindo<br />

todos os dias, ainda nos centros da mais adiantada civilização. Vários soldados da tropa que chegara, e que se<br />

haviam reunido aos fidalgos e a Francisco, ao saberem que eles vinham em <strong>de</strong>manda do negociante, <strong>de</strong><br />

catanas <strong>de</strong>sembainhadas se atiram sobre ele e covar<strong>de</strong>mente o <strong>de</strong>golam.<br />

Ao darem <strong>de</strong> face com este repugnante espetáculo, os fidalgos estacam horrorizados. Só um <strong>de</strong>les, a cabo <strong>de</strong><br />

um momento <strong>de</strong> confusão, que se diria antes remorso, po<strong>de</strong> proferir estas palavras:<br />

- E minha mulher? On<strong>de</strong> está ela? On<strong>de</strong> está a senhora d. Damiana?<br />

Na Borboleta - lembrou Luiz Vidal. Corramos. Mas eis que perto <strong>de</strong>les soa um grito, que não só traz a<br />

tranqüilida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>scomunal prazer ao espirito <strong>de</strong> todos.<br />

- Aqui estou, minha gente. E vós salvo, Sr. João da Cunha! Foi Nossa-Senhora-do-rosario quem vos salvou.<br />

Os fidalgos apertaram em seus braços a senhora-<strong>de</strong>-engenho, a cujo encontro fora Francisco o primeiro que<br />

correra.<br />

- Em poucas horas tudo estará acabado e pacificado - exclamou o sargento-mór. Os mascates serão vencidos,<br />

os populares hão <strong>de</strong> ter uma ru<strong>de</strong> lição.

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