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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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- E até os fra<strong>de</strong>s também hão <strong>de</strong> ter a sua, para não serem tão audazes e metidos nas coisas do mundo -<br />

acrescentou Luiz Vidal. E Antonio Coelho? interrogou d. Damiana, que ainda ignorava o trágico fim do<br />

negociante. Deste estamos livres. Hei-lo ali morto, <strong>de</strong>golado - respon<strong>de</strong>u o sargento-mór, apontando para o<br />

cadáver que a poucos passos se mostrava ro<strong>de</strong>ado pela mó <strong>de</strong> soldados, agora ocupados em apanhar o ouro,<br />

que, na ocasião <strong>de</strong> cair, se lhe entornara das algibeiras.<br />

- Morto! Morto! Fostes cruéis, senhores! Exclamou como alucinada a senhora-<strong>de</strong>-engenho. Quem praticou<br />

tamanho latrocínio? Oh meu Deus! Que horror!<br />

- Não foi nenhum <strong>de</strong> nós - respon<strong>de</strong>ram Francisco e Filipe ao mesmo tempo.<br />

Não foi nenhum <strong>de</strong> nós, repetiu o sargento-mór, fitando na mulher seu olhar inflamado e a modo <strong>de</strong> pasmo.<br />

Mas eu o mataria, se fosse eu o primeiro a encontra-lo. Era um espirito danado.<br />

- Engana-vos. Era uma alma generosa, um bom coração; era um mártir - respon<strong>de</strong>u d. Damiana em lagrimas.<br />

Ele ia a salvar-vos, Sr. João da Cunha, supondo em perigo a vossa vida. Oh! meu Deus, por que razão as<br />

gran<strong>de</strong>s criaturas não se hão <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r melhor e formar uma companhia só na terra? Mas fujamos daqui.<br />

Não posso ter os olhos nesta <strong>de</strong>sgraça que me esmaga.<br />

E a senhora-<strong>de</strong>-engenho foi a primeira que <strong>de</strong>u o exemplo da retirada.<br />

Era tempo <strong>de</strong> se ausentarem todos <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong>serto, porque Luiz Soares, batido fortemente pelo ajudante<strong>de</strong>-tenente<br />

Gil Ribeiro, pelo ajudante Felipe Ban<strong>de</strong>ira e pelo capitão Antonio Rabelo, <strong>de</strong>mandava esse lado<br />

para escapulir-se com sua gente. Conseguiu-o, com mais quinhentos, entre Paraibanos e portugueses.<br />

Enfim, segundo anunciara o sargento-mór, algumas horas <strong>de</strong>pois Goiana estava pacificada.<br />

Mas era contristador o aspecto que apresentava, como facilmente se imagina. O saque tinha <strong>de</strong>ixado nas casas<br />

vestígios profundos <strong>de</strong> sua passagem fecunda em ruínas e <strong>de</strong>sastres. O sangue manchava a terra, berço <strong>de</strong><br />

tantos heróis ilustres e afamados. No Pátio-do-Carmo, <strong>de</strong> mistura com vários cadáveres pertencentes aos<br />

invasores, viam-se alguns das forças legais, e muitos da escravatura <strong>de</strong> João da Cunha.<br />

Jeronimo Paes, os filhos, Belchior, e outros proeminentes vultos do partido vencido tinham sido presos, e daí<br />

a três dias seguiam para Olinda, no meio da tropa vitoriosa <strong>de</strong> Gil Ribeiro. Paes mal podia consigo. Recebera<br />

durante a luta nove tiros, e inumeráveis cutiladas na cabeça.<br />

Conta-se que, por ocasião <strong>de</strong> lhe darem na prisão a noticia da morte <strong>de</strong> Coelho, dissera ele o seguinte, formais<br />

palavras:<br />

- Se <strong>de</strong>sta não morrer, hei <strong>de</strong> vingar-me ainda <strong>de</strong> João da Cunha. O que ele <strong>de</strong>via a Antonio Coelho há <strong>de</strong><br />

pagar a mim, quando tivermos <strong>de</strong> ajustar as nossas contas. Estão muito anchos com o sucesso, esses infames<br />

mazombos. Já pensam que os mascates se acabaram <strong>de</strong> uma vez. Estão enganados. Hei <strong>de</strong> ver ainda João da<br />

Cunha e Cosme Bezerra correrem as ruas <strong>de</strong> Goiana, amarrados com cordas pelas minhas mãos, como se<br />

fossem negros fugidos.<br />

Estas palavras foram proféticas. Mas não antecipemos acontecimentos que tem lugar próprio na continuação<br />

<strong>de</strong>sta historia.<br />

Diz-se que Zefinha faleceu a cabo <strong>de</strong> algumas semanas, <strong>de</strong>pois do lastimoso fim <strong>de</strong> Antonio Coelho, e da<br />

prisão do pai e dos irmãos. Atribuem seu falecimento à profunda impressão que produziram nela tão estranhos<br />

e cruéis golpes.<br />

Porque não havia <strong>de</strong> ser assim?<br />

Era uma excelente alma a rapariga.<br />

XXIX<br />

Lourenço tinha tirado para o engenho à <strong>de</strong>sfilada, e antes <strong>de</strong> chegar ai nuvens <strong>de</strong> fumo já lhe tinham indicado<br />

o que ele suspeitava, pelo que fora vendo ao sair da vila. Em seu trajeto do Cajueiro para esta, os bandoleiros<br />

<strong>de</strong> Pedro <strong>de</strong> Lima tinham posto fogo nos canaviais, e casas fechadas ou <strong>de</strong>samparadas, que ardiam agora<br />

como se a terra por ali, na combustão primitiva, lhes houvesse comunicado o incêndio.<br />

- Não há que duvidar - disse o rapaz. Andaram por aqui os ladrões. Estiveram no engenho, e quem sabe o que<br />

por lá fizeram?<br />

Como tinham cortado quase por <strong>de</strong>ntro do mato os bandoleiros, po<strong>de</strong> o rapaz chegar ao Cajueiro sem com<br />

eles se encontrar; e cedo testemunhou com seus próprios olhos, dando <strong>de</strong> face com a casa <strong>de</strong> Vitorino, o<br />

estrago, o <strong>de</strong>sbarato, as ruínas, que ai <strong>de</strong>ixara a horda sem freio.<br />

Das portas algumas tinham sido arrancadas, outras postas por terra. Só as janelas estavam nos seus lugares.<br />

Lourenço não po<strong>de</strong> fugir <strong>de</strong> entrar, não obstante sua pressa em chegar à casa gran<strong>de</strong>. O estado interior da<br />

habitação do almocreve não era mais animador do que o seu estado exterior. Tamboretes, caixas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira,

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