A CVM em Juízo: Limites e Possibilidades
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A <strong>CVM</strong> <strong>em</strong> <strong>Juízo</strong>: <strong>Limites</strong> e <strong>Possibilidades</strong><br />
Paulo Cezar Aragão 1<br />
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer mais uma vez o honroso convite que<br />
me foi formulado pela Comissão de Valores Mobiliários para participar deste<br />
s<strong>em</strong>inário, no qual com<strong>em</strong>oramos os 30 anos da edição da Lei que criou a <strong>CVM</strong>.<br />
Olhando para trás, vejo que minha vida profissional, neste período, s<strong>em</strong>pre<br />
esteve muito próxima da <strong>CVM</strong>, especialmente, como é óbvio, no período <strong>em</strong> que<br />
tive a satisfação e a honra de pertencer aos quadros da autarquia, primeiramente<br />
como, na denominação da época, Gerente de Contencioso e, posteriormente,<br />
como Superintendente Jurídico.<br />
Não deixa, por sinal, de ser interessante, ao menos para mim, a coincidência de<br />
que, quase 30 anos passados desde a época <strong>em</strong> que era responsável direto pela<br />
atuação da <strong>CVM</strong> <strong>em</strong> <strong>Juízo</strong>, hoje eu venha aqui lançar os olhos sobre esse longo<br />
período e partilhar o resultado de uma despretensiosa análise.<br />
Este exame há necessariamente de começar por uma constatação até certo ponto<br />
curiosa: o relacionamento da <strong>CVM</strong> com o Poder Judiciário não mudou muito<br />
nesse período, por diversos fatores, alguns positivos, outros n<strong>em</strong> tanto, e que<br />
cabe considerar, a partir de uma verificação simples: a <strong>CVM</strong> e o Poder Judiciário<br />
nunca estiveram muito próximo s.<br />
1 Advogado <strong>em</strong> São Paulo e no Rio de Janeiro. Ex-Superintendente Jurídico da Comissão de Valores<br />
Mobiliários; Vice-Presidente da Câmara de Arbitrag<strong>em</strong> do Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo.<br />
Diretor da Associação Brasileira de Companhias Abertas – Abrasca.
Em outras palavras, a tutela administrativa, de um lado, e a proteção judicial dos<br />
investidores e do bom funcionamento do mercado de valores mobiliários nunca<br />
foram tão eficaz e adequadamente interligados como se poderia imaginar.<br />
É fácil provar isto, mas antes convém recordar alguns dados bastante<br />
significativos: desde 1985, quando se iniciam as estatísticas oficiais disponíveis<br />
do Departamento Nacional de Registro do Comércio, foram registradas cerca de<br />
10 milhões de <strong>em</strong>presas e extintas cerca de 1,5 milhões de <strong>em</strong>presas comerciais.<br />
Comparando as 8,5 milhões de <strong>em</strong>presas r<strong>em</strong>anescentes (a despeito da óbvia<br />
simplificação na amostra, que os economistas perdoarão) com o número de<br />
sociedades anônimas constituídas no mesmo período, líquido daquelas extintas,<br />
chegar<strong>em</strong>os à conclusão de que as sociedades anônimas representam o<br />
insignificante percentual de 0,14% do total. Se, adicionalmente, acrescermos a<br />
esses dados os números relativos às sociedades civis, aparent<strong>em</strong>ente não<br />
disponíveis ao público, verificar<strong>em</strong>os rapidament e que o universo das sociedades<br />
anônimas é extr<strong>em</strong>amente reduzido, <strong>em</strong> bases relativas.<br />
Confront<strong>em</strong>os então apenas essas 12.000 sociedades anônimas que resultam da<br />
subtração das sociedades extintas nos últimos 20 anos daquelas criadas no<br />
período, com as cerca de 400 companhias abertas listadas <strong>em</strong> bolsa hoje<br />
existentes <strong>em</strong> nosso País, e vamos ver que o universo de companhias abertas<br />
representa aproximadamente 3,5% de 0,14% ou, para qu<strong>em</strong> gosta de números<br />
quase infinitesimais, 0,004%. Se incluíss<strong>em</strong>os aí as sociedades anônimas<br />
fechadas mais antigas, veríamos que a participação das companhias abertas <strong>em</strong><br />
relação ao total de sociedades comerciais brasileiras seria ainda menor.<br />
Analis<strong>em</strong>os, por um instante, numa outra perspectiva, a distribuição geográfica<br />
desses dados entre as unidades da Federação: das sociedades comerciais criadas<br />
no primeiro s<strong>em</strong>estre de 2006, para utilizarmos um dado atualizado, cerca de<br />
70% advém de apenas sete Estados, com a óbvia predominância de São Paulo,<br />
2<br />
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com cerca de ¼ do total de <strong>em</strong>presas co nstituídas, e um desanimador sétimo<br />
lugar para o meu estado de orig<strong>em</strong>.<br />
O ponto que pretendo fazer já está, certamente, claro para todos: a possibilidade<br />
estatística de que algum integrante do Poder Judiciário se defronte, durante toda a<br />
sua carreira, com uma questão relativa à disciplina legal das sociedades anônimas<br />
ou do mercado de valores mobiliários é extr<strong>em</strong>amente reduzido e, se quisermos<br />
limitar a análise somente às companhias abertas, chegará a um número<br />
infinitesimal. Como é evidente, considero apenas aquelas disputas judiciais onde<br />
a matéria <strong>em</strong> questão diz respeito ao direito societário propriamente dito, e não<br />
àquelas que, genericamente, têm como parte autora ou ré uma sociedade<br />
anônima.<br />
Nas unidades da federação, então, onde o número de sociedades anônimas é<br />
menor, esta probabilidade de que um juiz de direito tenha de decidir matéria<br />
relativa a sociedades anônimas torna-se, na prática, inexistente, pela enorme<br />
preponderância de outros tipos de organização <strong>em</strong>presarial: nos sete Estados da<br />
Federação na Região Norte, por ex<strong>em</strong>plo, foram criadas <strong>em</strong> média, apenas 6<br />
sociedades anônimas por ano <strong>em</strong> cada Estado, nos últimos 11 anos. Em um deles,<br />
as companhias têm a insignificante presença de uma única sociedade criada por<br />
ano, nos últimos 20 anos.<br />
Tudo isto leva à conclusão de que tanto a <strong>CVM</strong> como as sociedades anônimas<br />
como um todo, abertas ou fechadas, têm um limite evidente no seu<br />
relacionamento com o Poder Judiciário: são quase completas desconhecidas.<br />
Eram totalmente desconhecidas há 30 anos, quando tínhamos dificuldade <strong>em</strong><br />
explicar onde trabalhávamos (dizia o meu querido amigo e chefe Roberto<br />
Teixeira da Costa, primeiro presidente da autarquia, que nós éramos a “CV-o<br />
quê?”). Hoje, a <strong>CVM</strong> e as companhias abertas são provavelmente um pouco<br />
melhor conhecid as, mas a escassez de material com que se defrontam os<br />
3<br />
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pesquisadores de jurisprudência sobre sociedades anônimas, a começar pelo<br />
ben<strong>em</strong>érito e franciscano trabalho desenvolvido por Nelson Eizirik, com que<br />
tenho o prazer de dividir esta mesa, é a maior d<strong>em</strong>onstração de que a situação<br />
não mudou muito .<br />
A prova, aliás, não v<strong>em</strong> de hoje: nos trinta e tantos anos de vigência do Decreto-<br />
Lei no. 2.627 há apenas um único caso de discussão judicial relativa à<br />
responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas, o que evidencia<br />
duas coisas mutuamente excludentes: ou s<strong>em</strong>pre fomos um país com padrões<br />
escandinavos de governança corporativa, ou quase ninguém vai ao Poder<br />
Judiciário para discutir questões relativas a companhias ou ao mercado de valores<br />
mobiliários.<br />
E, se quase ninguém vai ao Poder Judiciário com essa finalidade, não se pode<br />
esperar, realisticamente, que o mesmo esteja preparado para discutir as<br />
intrincadas sutilezas da Lei no. 6.404/76, ainda que se deva louvar, s<strong>em</strong> dúvida,<br />
as iniciativas que buscam a especialização do Poder Judiciário e a criação de<br />
varas de competência <strong>em</strong>presarial.<br />
Ressalto, contudo, com a experiência de qu<strong>em</strong> freqüentou diariamente os balcões<br />
dos cartórios e os cancelos dos tribunais durante mais de 10 anos, e aprendeu a<br />
admirar o esforço de magistrados e serventuários, que mesmo a especialização –<br />
limitada na prática às comarcas de uma ou outra capital e a um ou outro tribunal<br />
de segunda instância -- não consegue superar um obstáculo evidente: o juiz é que<br />
deveria ser especializado; não a vara <strong>em</strong>presarial. Se a passag<strong>em</strong> pela vara<br />
especializada dura um par de anos no caminho para a promoção para a segunda<br />
instância, a não ser que o magistrado tenha tido s<strong>em</strong>pre um interesse pessoal pela<br />
matéria comercial – e conheço vários que o t<strong>em</strong>, diga-se de passag<strong>em</strong>,<br />
des<strong>em</strong>penhando funções nessa área com grande cultura e sabedoria, provindo<br />
alguns inclusive dos quadros da própria <strong>CVM</strong> --, a especialização não produz<br />
frutos práticos.<br />
4<br />
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Assim, num país onde tudo muda, especialmente aquilo que está funcionando<br />
b<strong>em</strong>, como diria um ex-diretor da <strong>CVM</strong>, num sist<strong>em</strong>a judiciário que já alterou o<br />
Código de Processo Civil, quase cont<strong>em</strong>porâneo da Lei no. 6.404/76, mais de 50<br />
vezes (o que serve de lição para qu<strong>em</strong>, como eu próprio, resmunga contra as<br />
freqüentes mudanças do texto da lei societária, fazendo-me l<strong>em</strong>brar que tudo<br />
s<strong>em</strong>pre pode piorar), não se pode realisticamente esperar que um juiz de uma<br />
comarca do interior, por mais esforçado que seja, esteja perfeitamente atualizado<br />
quanto às últimas orientações técnicas acerca da aplicação do método da<br />
equivalência patrimonial e da amortização de ágios e deságios, ou ainda das sutis<br />
distinções teóricas entre a disciplina da incorporação de ações e aquela da<br />
incorporação de sociedades.<br />
Esta, enfim, é a realidade, que não adjetivo para evitar o lugar comum, mas<br />
contra a qual não cabe reclamar: se, ao contrário do que sucede <strong>em</strong> outros países,<br />
como é notório, no Brasil não consta que algum investidor supostamente<br />
prejudicado tenha ainda invocado <strong>em</strong> juízo o texto do prospecto de lançamento<br />
dos valores mobiliários, chegamos à óbvia constatação da existência de um<br />
círculo vicioso: o Poder Judiciário não adquire experiência <strong>em</strong> conflitos<br />
societários porque eles não lhe são apresentados, e os investidores pouco vão a<br />
juízo reclamar a tal respeito porque t<strong>em</strong><strong>em</strong> o desfecho da questão, à falta de<br />
precedentes jurisprudenciais e da efetiva especialização.<br />
Neste contexto, agiganta-se o papel da <strong>CVM</strong>, especialmente <strong>em</strong> função de<br />
algumas características muito peculiares da Lei no. 6.385, que a instituiu:<br />
reconhecendo o grande desconhecimento prevalecente há 30 anos acerca do<br />
mercado de valores mobiliários, foi atribuída à <strong>CVM</strong> uma “atividade consultiva<br />
ou de orientação” 2 que não é inerente aos órgãos reguladores.<br />
2 Lei no. 6.385/76, art. 13.<br />
5<br />
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Recent<strong>em</strong>ente, a reforma da lei societária tornou esta função ainda mais clara,<br />
permitindo que a <strong>CVM</strong> analise propostas de deliberação societária e comunique à<br />
companhia, antecipadamente, as “razões pelas quais entende que a deliberação<br />
proposta à ass<strong>em</strong>bléia viola dispositivos legais ou regulamentares” 3 .<br />
Esta atividade consultiva t<strong>em</strong> sido exercida com grande competência pela<br />
autarquia, mas gera um curioso paradoxo: a reclamação do investidor junto à<br />
<strong>CVM</strong> (ao contrário do que sucede com o socorro do Poder Judiciário) não exige<br />
defesa técnica, não envolve tampouco encargos de sucumbência, é extr<strong>em</strong>amente<br />
rápida, altamente especializada e – por isto mesmo -- t<strong>em</strong> inconteste autoridade.<br />
Isto tudo leva a um entendimento generalizado no mercado de que é melhor e<br />
mais eficiente postular perante a <strong>CVM</strong> do que junto ao Poder Judiciário: a<br />
decisão da <strong>CVM</strong>, expressando o que às vezes é identificado como a<br />
“manifestação de entendimento” da autarquia, poderá ser conhecida <strong>em</strong> poucas<br />
s<strong>em</strong>anas, no máximo, e não <strong>em</strong> anos, com todas as outras vantagens acima<br />
referidas.<br />
Um evidente desencanto com o Poder Judiciário levou à adoção de um modelo<br />
muito particular, e sobre cuja conveniência, pensando a longo prazo, tenho<br />
angustiantes dúvidas: na agência que serviu como óbvio modelo para a <strong>CVM</strong>,<br />
qual seja a Securities and Exchange Commission, é conhecido o instituto da no-<br />
action letter , <strong>em</strong> que consultada sobre uma hipótese de fato, descrita de forma<br />
usualmente muito detalhada, a SEC declara apenas, antecipadamente, que não irá<br />
tomar qualquer ação sancionadora sobre a mesma, dando assim uma segurança às<br />
partes envolvidas sobre o entendimento da agência acerca da legalidade do ato.<br />
No entanto, é importante destacar que esse que foi o nosso modelo básico de<br />
órgão regulador, a Securities and Exchange Commission, não conhece e não<br />
pratica função puramente consultiva, que lá se faz privativa, como modestamente<br />
3 Lei no. 6.404/76, art. 124, § 5º, com a redação da Lei no. 10.303/01.<br />
6<br />
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creio que deveria fundamentalmente ser, do Poder Judiciário , já então não<br />
somente da forma consultiva, mas com todos os atributos da atividade<br />
jurisdicional.<br />
Assim, qua lquer reclamação apresentada por um participante do mercado resulta<br />
(ou não) <strong>em</strong> uma ação fiscalizadora (o enforc<strong>em</strong>ent), mas não <strong>em</strong> uma atividade<br />
consultiva, ou <strong>em</strong> qualquer tipo de resposta ao reclamante ou consulente.<br />
Aqui, ao contrário, esse desencanto com o Poder Judiciário levou a <strong>CVM</strong> a uma<br />
função que, à falta de outra qualificação, tenderia a denominar de quase-arbitral<br />
ou para-jurisdicional, <strong>em</strong> que uma das partes <strong>em</strong> conflito acorre à autarquia,<br />
reclamando contra tal ou qual decisão da ass<strong>em</strong>bléia, do conselho de<br />
administração ou de um integrante do sist<strong>em</strong>a de distribuição , aguardando<br />
ansiosa a dita “manifestação de entendimento”, na quase certeza de que a mesma<br />
será seguida, s<strong>em</strong> discussão judicial.<br />
Este ponto, por sinal, é curioso: a impugnação judic ial de decisões<br />
administrativas é algo considerado como absolutamente usual no tocante a certos<br />
órgãos da administração. Ninguém imaginaria, por ex<strong>em</strong>plo, analisar com o seu<br />
advogado se é ou não adequado recorrer de uma decisão da Secretaria da Receita<br />
Federal, o que a leva aos tribunais diariamente.<br />
A <strong>CVM</strong>, ao contrário, t<strong>em</strong> uma presença relativamente modesta nos tribunais<br />
federais. Uma pesquisa na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acusa<br />
apenas 55 processos <strong>em</strong> que a <strong>CVM</strong> é parte, muitos dos quais relativos à<br />
cobrança de taxa de fiscalização e não a questionamento de decisões ou das ditas<br />
“manifestações de entendimento” da autarquia, ou mesmo de decisões proferidas<br />
<strong>em</strong> processos administrativos sancionadores.<br />
Em primeira instância, ou mesmo no Tribunal Regional Federal da 2ª. Região,<br />
com jurisdição sobre a autarquia, o número de processos certamente aumenta,<br />
7<br />
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mas s<strong>em</strong> que uma pesquisa rápida indique muitos processos da natureza<br />
específica acima referida, que poderiam provar um animus generalizado de<br />
contestar judicialmente as decisões da autarquia sobre direito societário.<br />
Isto, a meu ver, se é bom a curto prazo e na perspectiva saudavelmente egoísta do<br />
investidor inconformado, termina sendo muito desfavorável do ponto de vista<br />
institucional, afastando cada vez mais a <strong>CVM</strong> (ou melhor, as questões<br />
enfrentadas pela <strong>CVM</strong>) do Poder Judiciário, o que não é tão relevante, mas<br />
distanciando o mesmo investidor daquele do ramo do governo que , constitucional<br />
e logicamente, deve solucionar este tipo de questão.<br />
Um ex<strong>em</strong>plo relevante e concreto dessa questão é dado pelo fato de que, até o<br />
presente, não existe ainda manifestação jurisprudencial acerca dos efeitos do art.<br />
25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 sobre a<br />
legalidade de vários atos regulamentares editados pela <strong>CVM</strong> antes daquela data.<br />
Procurando solucionar a velhíssima questão acerca da legalidade das delegações<br />
legislativas, o legislador constituinte determinou a revogação de todos os atos<br />
pelos quais a competência para determinar ação normativa houvesse sido<br />
exercida de forma delegada pelos órgãos da administração, e não fosse objeto de<br />
convalidação pelo Poder Legislativo no prazo de 180 dias.<br />
Ora, e como se sabe, a Lei n. 7770 convalidou os atos normativos do Conselho<br />
Monetário Nacional, do Banco Central do Brasil, do Conselho Nacional de<br />
Seguros Privados, do Conselho de Comércio Exterior, mas não o fez <strong>em</strong> relação<br />
à <strong>CVM</strong>, deixando assim s<strong>em</strong> suporte legal as normas baixadas com base nas<br />
delegações contidas na Lei no. 6.385/76, notadamente aquelas que atribuíram à<br />
<strong>CVM</strong> a competência para definir a configuração de condições artificiais de<br />
d<strong>em</strong>anda, oferta ou preço de valores mobiliários, ou de manipulação de preço,<br />
operações fraudulentas e práticas não eqüitativas na distribuição ou<br />
intermediação de valores 4 .<br />
4 Lei no. 6.385/76, art. 18, inciso II, alínea “b”.<br />
8<br />
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Esta questão já foi enfrentada repetidas vezes pelo Superior Tribunal de Justiça<br />
<strong>em</strong> relação a outros órgãos da administração federal, mas não no tocante à <strong>CVM</strong>,<br />
ainda que a jurisprudência consolidada do STJ permita antever (ou t<strong>em</strong>er,<br />
conforme a perspectiva) um resultado adverso para a autarquia, se e quando isto<br />
for questionado.<br />
De fato, a despeito de algum controvertido esforço teórico para justificar a<br />
validade das normas baixadas pela <strong>CVM</strong> com base nessa extinta competência<br />
delegada, contestada por ninguém menos que do que o saudoso mestre Caio<br />
Tácito, a jurisprudência não a acolheu <strong>em</strong> casos similares, colocando<br />
indiretamente <strong>em</strong> questão o exercício da autoridade sancionadora da <strong>CVM</strong> com<br />
base <strong>em</strong> tal competência delegada.<br />
Este ex<strong>em</strong>plo singelo sobre a ausência de discussão judicial sobre a legalidade de<br />
normas centrais ao exercício da autoridade fiscalizadora é uma significativa<br />
evidência do distanciamento a que fiz alusão. Dito isto, não se pode deixar de<br />
refletir, contudo, sobre essa peculiar situação <strong>em</strong> que o Poder Judiciário deixa de<br />
ser o desaguadouro natural das pretensões insatisfeitas, e a função é assumida por<br />
um órgão da administração, mesmo que, felizmente para todos, a <strong>CVM</strong> s<strong>em</strong>pre<br />
se tenha desincumbido de sua função consultiva de maneira primorosa, <strong>em</strong>bora,<br />
<strong>em</strong> algumas ocasiões, eu tenha sido modestamente levado a discordar da<br />
orientação seguida pela autarquia.<br />
Não saberia dizer se esta experiência peculiar se repete <strong>em</strong> outras agências<br />
reguladoras similares, mas como dito acima, isto não se verifica no modelo<br />
norte-americano, onde a SEC concentra sua atividade no estabelecimento de<br />
normas regulamentares, com grande latitude, e na fiscalização de seu eventual<br />
descumprimento, além obviamente da edição das já referidas no-action letters e<br />
no registro de intermediários, companhias abertas e <strong>em</strong>issões públicas de valores<br />
mobiliários.<br />
9<br />
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Não se tome, contudo, a nuv<strong>em</strong> por Juno: nos Estados Unidos a no-action letter é<br />
a manifestação do entendimento da agência sobre o descabimento de sua ação<br />
fiscalizadora e punitiva. Jamais um juízo sobre qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> razão <strong>em</strong> qualquer<br />
controvérsia sobre matéria de competência do órgão.<br />
Lá, na experiência americana, surgindo controvérsia entre partes privadas acerca<br />
de matéria de competência da SEC 5 , surge tamb ém, muito rapidamente, o famoso<br />
“see you in court”. Aqui, <strong>em</strong> nosso país, adotamos o método do “vou reclamar à<br />
<strong>CVM</strong>”, o que leva a opinião pública ao entendimento equivocado de que as<br />
questões se encerram com a decisão do Colegiado, e não com a manifestação<br />
definitiva do Poder Judiciário.<br />
É de se considerar a possibilidade, contudo, de que este cenário venha a alterar-se<br />
no futuro, o que nos leva à discussão de alguns t<strong>em</strong>as específicos.<br />
O primeiro deles diz respeito às formas alternativas de solução de controvérsias.<br />
Em função do desenvolvimento relevante que o Novo Mercado da BOVESPA<br />
v<strong>em</strong> tomando, e também do número crescente de companhias que têm aderido ao<br />
Nível 2 das Práticas Diferenciadas de Governança Corporativa da mesma<br />
BOVESPA, considero ser previsível que, no futuro, mais e mais questões<br />
societárias venham a ser decididas por arbitrag<strong>em</strong>, o que também me parece<br />
particularmente saudável para uma maior nitidez acerca do papel institucional da<br />
<strong>CVM</strong>,<br />
Ainda há resistência a respeito, quer pelo t<strong>em</strong>or do desconhecido, quer pelo fato<br />
de que, muitas vezes, pelo menos uma das partes <strong>em</strong> conflito não t<strong>em</strong> real<br />
interesse <strong>em</strong> ver a controvérsia solucionada de forma mais acelerada. Não existe,<br />
tampouco, uma visão clara sobre os limites, <strong>em</strong> relação aos d<strong>em</strong>ais interessados<br />
não participantes diretos da arbitrag<strong>em</strong>, da eficácia e autoridade (similar à da<br />
5 É preciso, aqui, tomar-se o proverbial grão de sal, já que a SEC, uma agência federal, não t<strong>em</strong><br />
competência sobre matéria de direito societário estrito, constitucionalmente reservada aos estados.<br />
10<br />
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coisa julgada), quando se acham muitos interessados <strong>em</strong> situação similar. Num<br />
ex<strong>em</strong>plo óbvio, a eficácia, <strong>em</strong> relação aos d<strong>em</strong>ais acionistas, de uma decisão<br />
(arbitral ou judicial, por sinal) que considera correto ou não o pagamento de<br />
dividendos, ou que anula ou não uma ass<strong>em</strong>bléia geral, no processo promovido<br />
por um único acionista, é matéria bastante complexa e s<strong>em</strong> solução clara <strong>em</strong><br />
nosso direito processual.<br />
Outra questão relevante, também decorrente da tendência acima indicada na<br />
atuação reguladora da <strong>CVM</strong>, diz respeito a uma questão s<strong>em</strong>pre levantada no<br />
tocante ao papel dos órgãos reguladores, qual seja, a possibilidade de que a<br />
autarquia possa ter legitimidade ad causam para atuar <strong>em</strong> juízo como substituta<br />
processual dos investidores (ou, <strong>em</strong> geral, dos participantes do mercado)<br />
prejudicados por ato ilegal ou prática não eqüitativa.<br />
Confesso que, durante todos esses anos <strong>em</strong> que acompanho a atuação da <strong>CVM</strong>,<br />
não tenho mantido uma posição uniforme a respeito, impressionando-me, <strong>em</strong><br />
momentos diversos, os argumentos favoráveis e contrários a essa atuação direta<br />
da <strong>CVM</strong>. Não posso deixar de dizer, contudo, que, entre todas as soluções<br />
possíveis, aquela adotada pela Lei no. 7.913, de 1989, é certamente a pior, já que<br />
atribui legitimação extraordinária ao Ministério Público, obviamente valendo-se<br />
do s<strong>em</strong>pre competente assessoramento técnico da <strong>CVM</strong>. Em verdade, isto leva à<br />
pergunta inevitável, qual seja, se não seria melhor dar à própria <strong>CVM</strong><br />
legitimação para pleitear diretamente <strong>em</strong> juízo <strong>em</strong> nome dos prejudicados, ao<br />
invés de deixá-la na posição de mero coadjuvante de outro órgão público, não tão<br />
especializado.<br />
Todas estas questões se tornam ainda mais delicadas, na medida <strong>em</strong> que a já<br />
referida falta de familiaridade do Poder Judiciário com as intrincadas questões de<br />
direito societário e de regulação do mercado de valores mobiliários, tend<strong>em</strong> a<br />
fazer com que venha a existir <strong>em</strong> qualquer caso, sendo realista, um enorme peso<br />
na manifestação do entendimento da <strong>CVM</strong>. Se esta, <strong>em</strong> função do curso do<br />
11<br />
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processo administrativo interno no âmbito da autarquia, não for precedida de um<br />
adequado contraditório, não haverá uma oportunidade realmente eficaz, e não<br />
apenas meramente formal, de a parte interessada influir legitimamente na<br />
formação da convicção dos agentes que irão decidir a controvérsia, antes da<br />
formação dessa mesma convicção.<br />
Imagine-se, por ex<strong>em</strong>plo, uma questão complexa relativa a negócios com<br />
derivativos no mercado de futuros: não é realista esperar que o Poder Judiciário<br />
tenha familiaridade com esse tipo de questão e possa efetivamente tomar <strong>em</strong><br />
conta os fatores relevantes na determinação da regularidade de uma operação de<br />
hedge, sendo previsível imaginar-se que o entendimento manifestado pelas áreas<br />
técnicas da <strong>CVM</strong> terá um peso imenso na convicção do julgador. Por isto, e<br />
s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> termos práticos, o locus da discussão efetiva ter-se-á mais uma vez<br />
deslocado do Poder Judiciário para a <strong>CVM</strong>. Tal fato acaba exigindo, de um lado,<br />
toda uma adaptação do procedimento interno <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> à efetividade da<br />
defesa, e, de outro, coloca novamente <strong>em</strong> questão a conveniência dessa<br />
verdadeira “judicialização” ou “processualização”, como queiram, da atividade<br />
consultiva da autarquia, ou da própria existência de tal peculiar função.<br />
Tal situação, naturalmente, traz também à baila a questão dos ilícitos penais<br />
agora incluídos na Lei no. 6.385/76: <strong>em</strong>bora alguns sist<strong>em</strong>as jurídicos<br />
estrangeiros já atribuam ao órgão regulador legitimidade ad causam para ações<br />
civis de reparação, a iniciativa da ação penal continua, <strong>em</strong> regra, reservada ao<br />
Ministério Público.<br />
Considerando a complexidade envolvida <strong>em</strong> definir , por ex<strong>em</strong>plo, o que seja<br />
“manipulação” ou mesmo o “uso indevido de informação privilegiada”, fica claro<br />
que a verdadeira arena onde se irá decidir acerca da caracterização ou não de<br />
ilícito penal não será o Poder Judiciário, mas sim a própria <strong>CVM</strong> (ou, <strong>em</strong> grau de<br />
recurso o Conselho de Recursos do Sist<strong>em</strong>a Financeiro Nacional - CRSFN).<br />
Tenho, como advogado, devo reconhecer, um certo ceticismo, e digo isto como<br />
12<br />
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elogio à <strong>CVM</strong>, a correspondente preocupação, quanto à possibilidade de discutir<br />
eficazmente estas questões perante a justiça criminal, tal o seu grau de<br />
complexidade, se sobre elas houver manifestação adversa da <strong>CVM</strong>.<br />
Hoje, como d<strong>em</strong>onstração da delicadeza dessa situação, as normas internas já<br />
admit<strong>em</strong> recurso ao Colegiado da <strong>CVM</strong> contra “manifestações de entendimento”,<br />
as partes já ped<strong>em</strong> “vista” de processos de consulta das partes opostas no<br />
interesse <strong>em</strong> discussão , e assim por diante.<br />
Tudo isto gera, a meu ver, uma distorção progressiva, pela qual a função<br />
consultiva da <strong>CVM</strong> se torna, na visão do público, mais importante do que as<br />
atividades reguladoras e disciplinares, e ao invés de o Poder Judiciário<br />
assenhorear-se destas disputas, como previsto na Constituição, ocorre o oposto,<br />
com a <strong>CVM</strong> apropriando-se dos ritos e formas do Judiciário, s<strong>em</strong> a autoridade<br />
constitucional deste.<br />
Tal fato se vê, com clareza, na mídia especializada, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos recentes, onde a<br />
questão fundamental é o que o Colegiado da <strong>CVM</strong> vai decidir e não – o que<br />
sequer é mencionado – o que o Poder Judiciário vai finalmente decidir sobre o<br />
que a <strong>CVM</strong> houver entendido.<br />
Parece-me, enfim, preocupante essa perda da consciência geral de que a <strong>CVM</strong><br />
não decide, cabendo antes a última palavra ao Poder Judiciário, notadamente<br />
quando, com perdão pela redundância, quanto mais, melhor e mais rápido a<br />
<strong>CVM</strong> decidir, s<strong>em</strong> cunho definitivo, menos o Poder Judiciário tornar-se-á afeito<br />
às disputas societárias, menos a jurisprudênc ia se irá consolidando e menos,<br />
enfim, o mesmo Poder Judiciário estará cumprindo adequadamente o seu papel.<br />
Outra questão a ser considerada diz respeito à atuação da <strong>CVM</strong> como amicus<br />
curiae, estabelecida de forma pioneira pela Lei no. 6.616, de 1978, e que a meu<br />
ver, e com a devida vênia, está ainda a exigir uma reflexão aprofundada.<br />
13<br />
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Parece-me, <strong>em</strong> primeiro lugar, inadequada a epígrafe adotada nas manifestações<br />
da autarquia, segundo a qual a mesma não representaria o entendimento da<br />
<strong>CVM</strong>, já que a própria lei estabelece que os pareceres e esclarecimentos serão<br />
oferecidos ou prestados, conforme o caso, pelo Colegiado, e não por seu corpo<br />
técnico, mesmo que elaborados por este último.<br />
Assim, ainda que as manifestações <strong>em</strong> amici curiae advenham de seu competente<br />
corpo técnico, não cabe tecnicamente o aviso hoje <strong>em</strong> uso, até mesmo porque,<br />
segundo o art. 11 da Lei no. 9.784/99, “a competência é irrenunciável e se exerce<br />
pelos órgãos administrativos a que for atribuída como própria, salvo os casos de<br />
delegação e avo cação legalmente admitidos”.<br />
Creio, francamente, que os m<strong>em</strong>oriais <strong>em</strong> que a autarquia age como amicus<br />
curiae representam, a longo prazo, uma das mais eficazes formas pelas quais a<br />
atividade didática da <strong>CVM</strong> se irá desenvolvendo no curso do t<strong>em</strong>po. Por isto<br />
mesmo, a apresentação didática dos conceitos como a orientação do órgão<br />
máximo da <strong>CVM</strong> t<strong>em</strong>, a meu ver, uma importância fundamental.<br />
É t<strong>em</strong>po de concluir, e não posso deixar de fazê-lo resumindo, talvez de uma<br />
maneira um tanto informal, que o carinho e a admiração pela autarquia me<br />
permit<strong>em</strong> fazer, quiçá indevidamente, dizendo que a <strong>CVM</strong> não pode ser vista<br />
como uma sucursal do Poder Judiciário ou alternativa ao socorro ao mesmo<br />
Poder Judiciário.<br />
Isto parece claro internamente, ainda que não o seja, infelizmente, para aqueles<br />
sobre os quais a <strong>CVM</strong> t<strong>em</strong> jurisdição: recente e incensurável voto do Presidente<br />
da autarquia, levou-o à conclusão – acertadíssima, no meu modesto entender, –<br />
de que “a <strong>CVM</strong> não pode e não deve impedir a realização de uma operação<br />
societária não sujeita a registro”.<br />
14<br />
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Cita o Presidente da autarquia, naquele voto 6 , outra manifestação anterior sua no<br />
mesmo sentido, e que resume brilhant<strong>em</strong>ente os pontos que busquei examinar, de<br />
forma mais tosca: “[n]a verdade, como se viu da análise dos poderes atribuídos à<br />
<strong>CVM</strong>, não t<strong>em</strong> ela o poder de anular os atos societários. Seja <strong>em</strong> caso de<br />
nulidade, seja <strong>em</strong> caso de anulabilidade, seja na hipótese de prejuízo aos<br />
acionistas minoritários, o poder da <strong>CVM</strong>, no particular, restringe -se à sanção,<br />
pela aplicação das penalidades (atualmente bastante significativas) àqueles que<br />
der<strong>em</strong> causa aos ilícitos. O art. 9º, § 1º da Lei no. 6.385/76 não pode servir,<br />
portanto, como meio de impedir-se a pratica de um ato societário, pois isto<br />
equivaleria a atribuir à <strong>CVM</strong> um poder de declaração de nulidade ou de anulação<br />
– ad<strong>em</strong>ais prévio e adotado s<strong>em</strong> observância do devido processo legal – que ela<br />
não t<strong>em</strong>... O art. 9º, § 1º da Lei no. 6.4385/76 não possibilita, entretanto, que a<br />
<strong>CVM</strong> profira juízo de valor, ou de mérito, sobre determina das operações ou atos<br />
societários e determine que sejam sobrestados, pois nessa hipótese, não se trata<br />
de inobservância de requisito legal, mas de decisão sobre a validade de atos<br />
societários, que à <strong>CVM</strong> não incumbe, Interpretar-se com tal amplitude aquela<br />
disposição significaria burlar a regra constitucional... pois caberia à <strong>CVM</strong> dizer<br />
quais atos poderiam ou não ser praticados, com absoluta discricionariedade”.<br />
Aí, inevitavelmente, fica a pergunta, algo provocativa, a propósito da correção da<br />
opção do legislador quanto à generalização dessa atividade consultiva: se a <strong>CVM</strong><br />
não t<strong>em</strong> o poder de fazer valer a sua manifestação consultiva, exceto na área<br />
fiscalizadora, será realmente adequado que a exerça?<br />
6 Voto do Presidente <strong>em</strong> grau de recurso no Processo Administrativo <strong>CVM</strong> RJ 2006/3160 – Registro no<br />
Colegiado 5136/2006<br />
15<br />
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Será que o incontestável benefício didático de uma opinião – já que não passa de<br />
uma opinião de “eficácia persuasória” 7 , na dicção do próprio Colegiado da <strong>CVM</strong>,<br />
e não de um verdadeiro ato da autoridade administrativa – sobre tal ou qual<br />
deliberação societária, justifica a generalização nos agentes do mercado e na<br />
sociedade como um todo, cada vez mais freqüente, de uma visão<br />
equivocadíssima de que o foro de discussão efetiva e eficaz é a <strong>CVM</strong> e não o<br />
Poder Judiciário?<br />
Minha resposta, por razões constitucionais e filosóficas evidentes, é negativa. A<br />
<strong>CVM</strong> exerce, com brilho, o papel que lhe foi atribuído pelo Poder Legislativo,<br />
mas a opção que se tomou, de dar à autarquia uma função didática, poderia ser<br />
válida trinta anos passados, quando todos, autarquia e participantes do mercado,<br />
aprendíamos juntos o novo sist<strong>em</strong>a.<br />
Hoje, todavia, não o é mais, e por esta razão parece-me, modestamente, que a<br />
progressão nesse sentido contida na reforma de 2001 representou um substancial<br />
equívoco: orgulha a todos nós, ligados à autarquia, de um modo ou de outro, que<br />
de uma forma mal disfarçada o legislador tenha tomado a opção preferencial por<br />
aumentar a autoridade opinativa da <strong>CVM</strong>, transformando-a <strong>em</strong> foro quase-<br />
decisório informal, mas as conseqüências negativas daí derivadas não são menos<br />
importantes. Tr<strong>em</strong>eria só por imaginar que algo similar ocorresse com outro<br />
órgão da administração com um nível de especialização e experiência menor do<br />
que aqueles da <strong>CVM</strong>.<br />
A função educativa da administração é, s<strong>em</strong> dúvida relevante e adequada, mas<br />
quando des<strong>em</strong>penhada <strong>em</strong> base teórica e geral: o exercício dessa atividade <strong>em</strong><br />
relação a casos concretos controvertidos dá à mesma uma natureza decisória, ou<br />
7 Voto do Presidente Marcelo Trindade <strong>em</strong> grau de recurso nos Processos Administrativos <strong>CVM</strong> N o<br />
RJ/2004/4558, RJ/2004/4559, RJ/2004/456 9 e RJ/2004/4583.<br />
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melhor, transmite ao público uma equivocada percepção da existência dessa<br />
natureza decisória e final, que me parece menos conveniente.<br />
É difícil procurar estabelecer limites para a autoridade, ou melhor, para a<br />
atuação, da <strong>CVM</strong>, quando o legislador toma um caminho aparent<strong>em</strong>ente<br />
equivocado. Não ousaria sequer dizer, como antigamente, que lex dixit magis<br />
quam voluit, que a lei foi além do que pretendia. Não creio poder fazer esta<br />
ressalva, mas certamente a maneira de aperfeiçoarmos o sist<strong>em</strong>a só pode ser,<br />
como <strong>em</strong> qualquer outra área do ordenamento jurídico, confiarmos no Poder<br />
Judiciário e no seu progressivo aperfeiçoamento e melhor conhecimento das<br />
questões relativas ao mercado de valores mobiliários, trabalhando neste sentido,<br />
como o t<strong>em</strong> feito incessant<strong>em</strong>ente a autarquia.<br />
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Rio de Janeiro, 5 set<strong>em</strong>bro de 2006<br />
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