You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
duas culturas e um expatriado. Na sua criação, a par de uma sofisticação de linguagem,<br />
própria de um individuo cosmopolita, aparecem motivos melódicos e formas de cariz<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, como sejam a Mazurka e a Polca. Alfred Cortot (1877-1962) coloca assim a<br />
questão do refi<strong>na</strong>mento da arte de Chopin por via do seu contacto com a vida <strong>na</strong> capital<br />
francesa:<br />
Em que medida as suas relações com o saint-simonien Pierre Leroux, com o teólogo<br />
revolucionário Lamer<strong>na</strong>sis, com Balzac, maelstrom vivo das ideias e dos costumes do seu<br />
tempo, com Victor de Laprade, Edgar Quinet, Legouvé, os irmãos Arago, Louis Blanc, para só<br />
citar alguns daqueles que ele é levado a encontrar quase quotidia<strong>na</strong>mente, pesam <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza<br />
das suas reflexões, <strong>na</strong> transformação insensível das suas aspirações estéticas? Seria tão<br />
imprudente imaginá-lo como pouco clarividente não o entrever. (Cortot 1949/2010: 106-107) 14<br />
Mas apesar de qualquer influência que possa ter tido o meio em que vivia, Chopin<br />
permanecia fiel à sua individualidade. Esta obsti<strong>na</strong>ção, este permanecer único, individual<br />
<strong>na</strong>s suas escolhas, origi<strong>na</strong>l <strong>na</strong> sua linguagem criativa é, porventura, uma das características<br />
mais próprias do artista Romântico. Podemos entender até que ponto Chopin foi a<br />
encar<strong>na</strong>ção do ideal do individualismo pelos seguintes testemunhos daqueles que com ele<br />
privaram: “Nos grandes modelos e chefs-d’ouvre, ele só procurava o que estava em<br />
sintonia com a sua alma.” (Liszt e Cook 1863/2005: 93) 15 Ou, ainda, no comentário de<br />
George Sand, pseudónimo da escritora Amandine Dupin (1804-1876): “Tudo o que ele vê<br />
como excêntrico ofende-o. Ele fecha-se <strong>na</strong> estreiteza das suas convicções. Estranha<br />
anomalia! O seu génio é o mais origi<strong>na</strong>l e individual que existe. Mas ele não aceita que lho<br />
digam.” (Sand 1873: 81) 16 Esta descrição dá-nos uma prova da genuinidade da sua<br />
perso<strong>na</strong>lidade artística origi<strong>na</strong>l, ou seja, diferente dos estereótipos da época.<br />
Por último, a atracção pelo mórbido está patente <strong>na</strong> composição de duas Marchas<br />
Fúnebres e pelo facto de se fazer acompanhar pelo Requiem de Mozart, o qual, a seu<br />
pedido, foi a música tocada no seu funeral. Esta característica, bem romântica, ema<strong>na</strong> da<br />
14<br />
Dans quelle mesure ses relations avec le saint-simonien Pierre Leroux, avec le théologien révolution<strong>na</strong>ire Lamen<strong>na</strong>is, avec Balzac,<br />
maelström vivant des idées et des mœurs de son temps, avec Victor de Laprade, Edgar Quinet, Legouvé, les frères Arago, Louis Blanc,<br />
pour ne citer que quelques-uns de ceux qu’il est appelé à rencontrer presque quotidiennement, pèsent-elles sur la <strong>na</strong>ture de ses<br />
réflexions, sur la transformation insensible de ses aspirations esthétiques ? Il serait aussi imprudente de l’imaginer que peu clairvoyant<br />
de ne pas l’entrevoir.<br />
15<br />
In the great models and chefs-oeuvre, he only sought that which was in correspondence with his own soul. (Liszt and Cook<br />
1863/2005: 93)<br />
16<br />
Tout ce qui lui parait excentrique le scandalise. Il s’enferme dans tout ce qu’il y a de plus étroit dans le convenu. Étrange anomalie !<br />
Son génie est le plus origi<strong>na</strong>l et le plus individuel qui existe. Mais il ne veut pas qu’on le lui dise. (Sand 1873: 81)<br />
28