You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mesmo se eu ficasse e<strong>na</strong>morado de alguém, como eu teria prazer em ficar, não casaria, porque<br />
não teríamos <strong>na</strong>da para comer nem onde viver. (...) É suficientemente mau destruir-me sozinho,<br />
mas dois juntos, essa é a maior desgraça. Eu posso definhar num hospital, mas não deixarei<br />
para trás uma mulher a passar fome. (Chopin e Voynich 1988: 397) 18<br />
As razões para que Chopin tenha sido comparado a um anjo, logo a um ente<br />
assexuado, podem estar relacio<strong>na</strong>das tanto com o seu aspecto físico, a que a doença dava<br />
um aspecto frágil, como à <strong>na</strong>tureza etérea das suas composições e forma de interpretar.<br />
Referindo-se à aparência de Chopin, Liszt, com o estilo de escrita da época, compara<br />
novamente Chopin a um anjo, no seguinte comentário:<br />
Era mais como as criações ideais com as quais a poesia da Idade Média ador<strong>na</strong>va os templos<br />
Cristãos: um belo anjo, com uma forma pura e delicada como um jovem deus do Olimpo, com<br />
uma face como uma majestosa mulher cheia de mágoa, e como a coroar tudo isto, uma<br />
expressão ao mesmo tempo ter<strong>na</strong> e severa, casta e apaixo<strong>na</strong>da. (Liszt e Cook 1863/2010: 84) 19<br />
Mas, de facto, as suas criações, tais como as de Scriabin, são, por vezes, tão etéreas,<br />
tão pouco desta terra e têm um arrebatamento que ultrapassa o material. A <strong>na</strong>tureza etérea<br />
das suas composições é também descrita por Liszt nos seguintes termos:<br />
Estes poemas fugidios são tão idealizados, apresentados de forma tão frágil e atenuada, que<br />
dificilmente parecem pertencer à <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>, mas antes a um mundo de fadas,<br />
desvelando as indiscretas confidências de Peris, Titanias, e Arieis, de Rainhas Mab, dos génios<br />
do ar, da água, e do fogo, - como nós, sujeitos a desapontamentos amargos, a invencíveis<br />
desgostos. (Liszt e Cook 1863/2005: 41) 20<br />
Chopin encarava a arte pela arte l’art pour l’art, que foi um conceito comum entre os<br />
artistas do século XIX. Esta preocupação de seguir um princípio estético, nem sempre<br />
produtivo em termos materiais, contrariava a tendência de estandardizar e sistematizar<br />
todas as áreas huma<strong>na</strong>s de actividade, que Max Weber (1864-1920) descreveu como um<br />
18 Even if I could fall in love with someone, as I should be glad to do, still I would not marry, for we should have nothing to eat and<br />
nowhere to live. (...) It’s bad enough to go to pieces alone, but two together, that is the greatest misfortune. I may peg out in a hospital,<br />
but I won’t leave a starving wife behind me. (Chopin and Voynich1988: 397)<br />
19 It was more like the ideal creations with which the poetry of the middle ages adorned the Christian temples: a beautiful angel, with a<br />
form pure and slight as a young god of Olympus, with the face like that of a majestic woman filled with divine sorrow, and as the crown<br />
of all, an expression at the same time tender and severe, chaste and impassioned. (Liszt and Cook 1863/2010: 84)<br />
20 These fugitive poems are so idealized, rendered so fragile and attenuated, that they scarcely seem to belong to human <strong>na</strong>ture, but<br />
rather to a fairy world, unveiling the indiscreet confidences of Peris, of Titanias, of Ariels, of Queen Mabs, of the Genii of the air, of<br />
water, and of fire, - like ourselves, subject to bitter disappointments, to invincible disgusts. (Liszt and Cook 1863/2005: 41)<br />
30