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AUGUSTO DE CAMPOS: UM POETA DO HOMEM URBANO?(!)

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<strong>AUGUSTO</strong> <strong>DE</strong> <strong>CAMPOS</strong>:<br />

<strong>UM</strong> <strong>POETA</strong> <strong>DO</strong> <strong>HOMEM</strong> <strong>URBANO</strong>?(!)<br />

Livio Tragtenberg<br />

Foi numa apresentação de Cidade (1964) do santista Gilberto Mendes<br />

(1922) que travei o primeiro contato com a poesia e a poética de Augusto<br />

de Campos. Liquidificadores, enceradeiras e aspiradores de pó, entre outros<br />

instrumentos de som, formavam uma orquestra eletroacústica sui generis.<br />

Envolvidos por rajadas de inflexões vocais, mais ou menos decifráveis,<br />

estabelecia-se uma atmosfera de sobreposições, numa polifonia que me<br />

fizeram perceber, pela primeira vez, a força da poesia e das sonoridades<br />

concretas como expressões da riqueza e profusão de sentidos do universo<br />

urbano e contemporâneo.<br />

Trinta anos depois, essa lembrança me faz rever a poesia de Augusto de<br />

Campos sob esse viés da crônica do homem urbano e da cidade, e<br />

identificar em sua produção momentos onde esse olhar reaparece,<br />

identificando uma linha de reflexão, e mesmo uma temática, que atravessa<br />

sua produção criativa.<br />

A idéia de abordar a obra poética de Augusto a partir de certa reflexão<br />

existencialista, que coloca as dúvidas e perplexidades do homem<br />

contemporâneo e urbano como centro do eu poético, me pareceu<br />

inesperada. De início, poderia escrever sobre o Augusto crítico de música ou<br />

sobre o exímio poeta-músico, área na qual normalmente trânsito. Mas esse<br />

dado inesperado me entusiasmou, e desculpe o desavisado leitor, me dirigiu<br />

a essa incursão despretensiosa em encontrar chaves ou sistemas, mas que<br />

busca apenas sobrevoar a poesia do não, com o olho arregalado da<br />

perplexidade e identificar mais uma forma de abordagem na rica obra desse<br />

mestre do falar contido.<br />

Inicialmente, salta aos olhos o poema polêmico, o amado e odiado PÓS-<br />

TU<strong>DO</strong>. Nele, como poucas vezes na criação poética, o poeta expõe sua


situação precária e solitária, sem espaço e localidade, sem objeto, sem<br />

discurso. E de forma própria reafirmando o moto do poeta espanhol Antonio<br />

Machado: Caminante, no hay camino; se hace camino al andar (admirado e<br />

tomado como título de composição de Luigi Nono, um marxistaexistencialista).<br />

Tradução não apenas de uma condição individual, mas de toda uma<br />

situação cultural e social, que nos impõe a reinvenção como única forma de<br />

resistir a um movimento que quer nos confinar como agentes passivos na<br />

sociedade, PÓS-TU<strong>DO</strong> é um grito sussurrado, uma senha a ser passada<br />

adiante em busca de uma conspiração pela resistência da criatividade. Um<br />

grito-mudo existencial, do homem acossado pela mediocridade do dia-a-dia,<br />

das relações humanas e sociais.<br />

CIDA<strong>DE</strong> é um poema devorador, canibal, quer tragar de uma só vez a<br />

exuberância vivencial-vocabular da urbe. Um vôo rasante e transversal pela<br />

coluna vertebral do “dialeto” urbano na linguagem.<br />

O eu cosmopolitano envia seu SOS no poema homônimo. Poema do eusolitário-global.<br />

Por tudo isso, quando se questiona a “cerebralidade” e “frieza” da poesia de<br />

Augusto, me parece muito claramente que essas críticas são na verdade<br />

injúrias, fruto de gente mal-intencionada ou burra, que não conhece sua<br />

poesia. Desde Drummond, não existe poeta mais existencialista - ao lado de<br />

Cabral, à sua maneira – na poesia brasileira moderna.<br />

Augusto habita o limite tênue entre a inflexão e o gesto, entre a idéia e sua<br />

expressão, entre o pensamento e a fala; nesse território mínimo sua poética<br />

se articula com os elementos-essências, não há espaço para nada que não<br />

seja imprescindível. Assim é que, nesse território enclausurado, pratica o<br />

seu “ser e não ser” (como disse Sousândrade) do eu-poeta.<br />

Nesse embate existencial, Augusto nos fala do homem contemporâneo, de<br />

seus excessos, seus limites, e também de suas necessidades básicas de<br />

expressão. Um eu de nãos, um eu fraturado no combate das recusas,<br />

expressas de forma única em suas traduções de e. e. cummings.<br />

Ergamos mais uma vez a taça: NO THANKS, Augusto!<br />

Livio Tragtenberg é compositor. Recentemente criou a Orquestra de Músicos das<br />

Ruas de São Paulo.

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