15.04.2013 Views

Erico Verissimo - Olhai os Lirios do Campo.pdf - Website Prof. Assis

Erico Verissimo - Olhai os Lirios do Campo.pdf - Website Prof. Assis

Erico Verissimo - Olhai os Lirios do Campo.pdf - Website Prof. Assis

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Eugênio enfiou as chinelas e, tiritan<strong>do</strong> de frio, foi buscar revistas velhas<br />

para folhear, enquanto esperava o jantar.<br />

- Não botes <strong>os</strong> pés no chão, menino! - gritou D. Alzira para Ernesto. - Tu<br />

vais pegar uma constipação.<br />

Ângelo ergueu <strong>os</strong> olh<strong>os</strong> cansad<strong>os</strong>.<br />

- Era só o que faltava um d<strong>os</strong> menin<strong>os</strong> cair de cama agora.<br />

D. Alzira segurou Ernesto pela cintura, sentou-se na mesa e começou a<br />

calçar-lhe as peúgas. Ângelo levantou a agulha contra a luz e, com um olho<br />

fecha<strong>do</strong>, procurou enfiar nela a linha preta.<br />

Eugênio molhava na língua a ponta <strong>do</strong> indica<strong>do</strong>r e ia folhean<strong>do</strong> as<br />

revistas. Eram velh<strong>os</strong> númer<strong>os</strong> de L'Illustration que ele apanhara no lixo da<br />

casa de um engenheiro belga que morava nas re<strong>do</strong>ndezas. Quantas vezes tinha<br />

passa<strong>do</strong> <strong>os</strong> olh<strong>os</strong> por aquelas figuras? Cem? Mil? Não se cansava de olhar...<br />

Elas tinham um encanto misteri<strong>os</strong>o. Ele g<strong>os</strong>tava particularmente das que lhe<br />

m<strong>os</strong>travam veleir<strong>os</strong> esquisit<strong>os</strong> n<strong>os</strong> ri<strong>os</strong> da In<strong>do</strong>china, anamitas de chapéus<br />

cônic<strong>os</strong>, europeus vestid<strong>os</strong> de branco, com capacetes de cortiça na cabeça. Para<br />

Eugênio , esses homens eram sempre «valentes explora<strong>do</strong>res». Ele sabia que as<br />

pessoas que iam caçar feras na Índia e na África usavam aquele chapéu<br />

engraça<strong>do</strong>. As legendas das gravuras estavam escritas numa língua que ele não<br />

entendia. Seu Florismal dizia que era francês. Devia ser bom falar francês,<br />

alemão, inglês, africano...<br />

Eugênio olhava agora para a figura de um coolie: lá ia ele pela beira <strong>do</strong><br />

rio, levan<strong>do</strong> às c<strong>os</strong>tas uma canga com pesad<strong>os</strong> cest<strong>os</strong>. A sua sombra refletia-se<br />

na água. Era triste. Dava vontade de chorar, ele não sabia bem porquê. O<br />

chinês, o pobre Ângelo da história, o papá - imagens tristonhas que se<br />

misturavam...<br />

Eugênio tornou a olhar para o pai. Ângelo estava encurva<strong>do</strong> sobre o<br />

trabalho. Encurva<strong>do</strong>, como se um malva<strong>do</strong> naquele instante o tivesse<br />

apunhala<strong>do</strong> pelas c<strong>os</strong>tas. O pobre Ângelo...<br />

Vivia fugin<strong>do</strong> d<strong>os</strong> cre<strong>do</strong>res. Quan<strong>do</strong> batiam à porta, estremecia, erguia-<br />

se ligeiro, já tratan<strong>do</strong> de se esconder ou de fugir pel<strong>os</strong> fund<strong>os</strong> da casa. Podia ser<br />

algum cobra<strong>do</strong>r.. .

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!