Resenha do filme “A Hora do Show” (Bamboozled, 2000, Spike Lee ...

Resenha do filme “A Hora do Show” (Bamboozled, 2000, Spike Lee)
Autor: Daniel Casagrande Borges RA: 298395
Spike Lee é um cineasta estado-unidense conhecido por abordar temáticas
raciais em seus filmes, sempre como intuito de discutir e conscientizar os
espectadores sobre os problemas sociais existentes em nossa sociedade.
Partindo dessa temática, o filme “A hora do show” possui uma série de críticas
sociais importantes que vão mostrando ao espectador os limites morais dos
personagens e também os limites morais da própria sociedade.
Temos como protagonista Pierre Delacroix (interpretado por Damon Wayans),
como um produtor de TV negro, que busca atingir o sucesso profissional em
sua emissora.
Pierre é um intelectual formado em Harvard, encarregado de trazer a temática
negra em seus programas, contudo, apesar de buscar produzir programas de
qualidade e com profundidade relevante aos espectadores, nunca conseguiu
emplacar um sucesso nas telas.
Logo no início do filme já vemos fortes problemas raciais na forma como o
chefe de Pierre o trata quando este se atrasa para uma reunião. O chefe o
chama para sua sala e temos um diálogo sobre a “hora dos negros”, dizendo
que as pessoas negras estão sempre atrasadas por não terem noção de
tempo. Este diálogo é apresentado com total naturalidade, através de uma
pequena “brincadeira”, contudo é evidente o caráter racista da conversa e sua
relação com o atraso de Pierre. Ainda nessa cena o chefe diz a Delacroix que
seus shows não estão dando o resultado esperado, dizendo que seus
programas retratavam ‘pessoas brancas em pele negra’. O uso da palavra
“crioulo” (nigger) também é apresentado no dialogo do chefe como se fosse
algo normal, inclusive o chefe se diz no direito de usar essa palavra por ser
casado com uma mulher negra, ignorando completamente o peso racista da
palavra.
Aqui cabe uma análise a ser feita, nos E.U.A ocorrem alguns fenômenos em
relação à linguística e a cor da pele. É relativamente comum pessoas negras
usarem uma variação da palavra nigger (nigga) para se referirem a outras
pessoas negras ou amigos próximos (mesmo que eles não sejam negros).
Contudo essa palavra é completamente inaceitável quando utilizada fora desse
contexto, por exemplo, quando um branco, ou latino, ou oriental a utiliza para
se referir aos negros. Houve um processo de “apropriação” da palavra, que em
minha opinião é muito prejudicial, pois, apesar de ser usada pelos negros
acaba por reforçar a diferença e segregar as pessoas pela cor.

Outro fenômeno que é notório é o surgimento de outra palavra pejorativa, o
wigger (wigga), utilizado para satirizar as pessoas não negras que “desejam ser
negras”, que dizem entender sobre os dramas raciais mesmo que não sejam
discriminadas por sua cor, e que assumem os mesmos comportamentos de
pessoas negras, ouvindo as mesmas músicas, tendo os mesmos ídolos e
ideais. O wigger é representado no filme em alguns momentos em diferentes
perspectivas,primeiramente através do chefe de Pierre e depois através amigo
branco da gangue mau-mau que seção descritos futuramente no texto.
Voltando à análise do filme, temos Pierre, contrariado pelo chefe e
incompreendido pela audiência, enfrentando um dilema pessoal: continuar
trabalhando na empresa ou não.
É nesse momento em que Sloan Hopkins (personagem de Jada Pinkett Smith)
ganha relevância na trama. Sloan é assistente de Pierre (Spike Lee também
aborda em seu filme o caráter machista da sociedade, em que mesmo tendo
uma formação invejável Sloan é inferiorizada por vários personagens inclusive
Pierre), e juntos decidem fazer um último show para a TV, um show para
escandalizar toda a população, com estereótipos tão racistas que ofenderiam
tanto o público americano que culminaria na demissão de Pierre, que não se
importava em perder o emprego, mas sim em passar a mensagem aos
produtores e público.
Para tanto, resolvem criar um show de Black Face, se passando em uma
plantação de melancias com atores negros. Somos então apresentados a
Mantan e Womack, dois artistas de rua que fazem apresentações diariamente
para conseguirem dinheiro para comer. Eles sempre foram ignorados por
Delacroix, mas então ele vê neles dois os protagonistas de seu show.
Para a surpresa de todos, quando Pierre e Sloan apresentam sua ideia aos
produtores, ninguém se ofende, pelo contrário acham o show genial e resolvem
produzi-lo. O mesmo fenômeno ocorre com a plateia do show, todos acham o
show engraçadíssimo e o programa é um sucesso de público.
Obviamente a comunidade negra da população acha o programa ofensivo,
muitos religiosos fazem passeatas na frente da emissora de TV protestando, e
o irmão de Sloan eu sua gangue dos mau-mau também começam a prestar
atenção no show que começa cada vez mais a irritá-los.
Nesse ponto do filme Delacroix sofre outro dilema, após ter seu sonho de ter
um show de sucesso realizado ele não sabe o que fazer, está dividido entre
continuar com o show ou ir embora como era o plano inicial. Após uma
conversa com a mãe no telefone, Pierre descobre como ela está envergonhada
dele por causa do show e então ele vai em busca do pai ( comediante de stand
up) em busca de orientação. Chegando ao show de seu pai ele o vê com
problemas de alcoolismo, vivendo num pequeno quarto sem nenhum conforto e

sem qualquer visibilidade de seu trabalho. Esse é o ponto crucial do filme, pois,
é nesse momento em que Pierre vê que mesmo o pai sendo fiel aos seus
ideais, não conseguiu nenhum sucesso em sua vida. É então que Delacroix
decide se vender à indústria de televisão e apoiar publicamente seu show de
Black Face, dando entrevistas dizendo que seu show não é racista e que a
escravidão era coisa do passado.
A fama começa a contagiar Mantan, que teve uma ascensão social meteórica e
por essa razão acaba perdendo todo seu caráter humilde e passa a humilhar
os outros dançarinos do show. Womack vê o quanto o show está sendo
prejudicial para ele e o amigo, e decide abandonar o show antes de perder
todo seu caráter. Essa é outra crítica feita por Spike Lee à sociedade, a de que
muitas vezes estamos sendo usados sem perceber, e as ilusões da fama e do
dinheiro acabam por nos transformar em outras pessoas, inclusive ao ponto de
esquecermos nossas identidades e valores em troca de conforto e
reconhecimento.
O show prossegue somente com Mantan, que aos poucos também vai
percebendo que está sendo usado e decide sair do programa. Contudo, a
gangue dos mau-mau havia planejado executar Mantan publicamente como
forma de protesto contra o show. Nesse momento do filme, Spike Lee mais
uma vez acerta em cheio em suas críticas sociais, pois quando Mantan é
sequestrado e é divulgada uma nota dizendo que ele será executado
publicamente via internet, as emissoras de TV conseguem uma liminar na
justiça para terem exclusividade na transmissão da execução, mostrando mais
uma vez o quão insignificante o ser humano (personificado em Mantan) é para
a mídia, que está apenas interessada em índices de audiência.
A gangue mau-mau executa Mantan como prometido e então partimos para a
cena final, que sem dúvida é uma das mais chocantes do filme. A polícia
descobre onde Mantan seria executado e cerca o local, após executarem
Mantan a gangue tenta fugir do edifício, mas são todos mortos pela polícia (
com exceção do membro branco, que é apenas preso, destacando mais uma
vez a crítica de Spike Lee ao tratamento diferenciado dado a brancos e negros
pela polícia).
Sloan ao perder seu namorado (Mantan) e seu irmão perde a cabeça e vai ao
encontro de Pierre armada a fim de mata-lo. Ela encontra-o em seu escritório
completamente desolado e culpado. Sloan desafia Pierre a dizer algo em sua
defesa, mas ele já não tem mais palavras e aceita sua morte sem ao menos
resistir. No final, todos os envolvidos no show, seja direta ou indiretamente
foram enganados e traídos por suas próprias crenças, o que concorda com o
título original do filme Bamboozled.