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Cinema - Fonoteca Municipal de Lisboa

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FOTOGRAFO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7185 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Os indies na Avenida<br />

Beach House, Little Joy, Wild Beasts,<br />

Samuel Úria, Ebony Bones,<br />

Patrick Watson Super Bock em Stock<br />

Sexta-feira<br />

4 Dezembro 2009<br />

www.ipsilon.pt<br />

B Fachada Joana Carneiro Fernando Lemos Guillermo Cabrera Infante Hitler


Flash<br />

Sumário<br />

Super Bock em Stock 6<br />

O estado do mundo indie<br />

na Avenida da Liberda<strong>de</strong><br />

B Fachada 14<br />

Tentámos chegar ao músico<br />

através da música<br />

Joana Carneiro 16<br />

Uma maestrina muito<br />

à frente<br />

Activida<strong>de</strong> Paranormal 18<br />

Venha ter medo connosco<br />

Cabrera Infabre 20<br />

“Fumo Sagrado” é para<br />

fumadores e abstémios<br />

Sousa e Castro 24<br />

Um testemunho pessoal, em,<br />

livro, sobre o antes, durante<br />

e <strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril<br />

Fernando Lemos 26<br />

Fotografi as nunca antes<br />

vistas em público<br />

Inhotim 30<br />

Um país também se<br />

reinventa assim<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara,<br />

Inês Nadais (adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho,<br />

Carla Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografi a<br />

Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

O que <strong>de</strong>ve ser<br />

o África.cont?<br />

Po<strong>de</strong> (e/ou <strong>de</strong>ve) Portugal ser o<br />

centro da arte contemporânea<br />

africana na Europa? E por que razão<br />

haveria <strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong> ser a cida<strong>de</strong><br />

escolhida pelos artistas africanos<br />

para um museu <strong>de</strong>sse tipo? Será<br />

que África <strong>de</strong>ve ter uma instituição,<br />

à parte, exclusivamente para a sua<br />

arte contemporânea? Estas e outras<br />

perguntas têm estado na cabeça dos<br />

dinamizadores do África.cont, o<br />

centro cultural africano lançado em<br />

Dezembro <strong>de</strong> 2008 em <strong>Lisboa</strong> e<br />

projectado para o espaço conhecido<br />

como as Tercenas do Marquês,<br />

entre as Janelas Ver<strong>de</strong>s e a Avenida<br />

24 <strong>de</strong> Julho. A iniciativa está a<br />

avançar mas o projecto do<br />

arquitecto David Adjaye só <strong>de</strong>verá<br />

ser construído em 2012. No início<br />

<strong>de</strong> 2010, começará a <strong>de</strong>molição dos<br />

edifícios antigos da zona e ainda<br />

durante o ano <strong>de</strong>verá ser criada<br />

uma fundação para gerir os<br />

financiamentos,<br />

Para já, questões sobre o conceito e<br />

a forma que <strong>de</strong>ve tomar o próprio<br />

projecto vão animar hoje e amanhã,<br />

na Fundação Calouste Gulbenkian,<br />

o encontro “África.cont – Objectivos<br />

e Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Programação” , que<br />

junta em vários painéis artistas e<br />

intelectuais <strong>de</strong> vários pontos do<br />

continente.<br />

“Estamos a trabalhar com a África<br />

toda” e não apenas com a África<br />

negra ou do Norte, explica o<br />

especialista em arte contemporânea<br />

e responsável pela concepção do<br />

novo centro José António Fernan<strong>de</strong>s es<br />

Dias, especificando que o África.<br />

cont diz respeito à África geográfica ca<br />

mas também à África das diásporas. as.<br />

“E estamos a fazer como os<br />

africanos fazem”, acrescenta, para a<br />

explicar a escolha dos participantes es<br />

do encontro. A i<strong>de</strong>ia é “trabalhar<br />

com África e não sobre África”,<br />

sublinha. “Teremos intelectuais e<br />

agentes da cultura culturais<br />

africanos a pensar connosco” as<br />

respostas às várias perguntas<br />

lançadas.<br />

O nigeriano Awam Amkpa - actor,<br />

argumentista, professor <strong>de</strong> teatro,<br />

cinema e estudos africanos da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova Iorque -<br />

participa na conferência <strong>de</strong><br />

abertura <strong>de</strong>sta manhã, que começa a<br />

por questionar o sentido que faz um m<br />

centro criado exclusivamente para a<br />

as culturas africanas. Entre os<br />

presentes nas várias sessões estarão ão<br />

Barthélémy Toguo, pintor<br />

camaronês, Ab<strong>de</strong>llah Karroum,<br />

investigador <strong>de</strong> arte e curador<br />

marroquino, Alda Costa, do<br />

Movimento <strong>de</strong> Arte Contemporânea ea<br />

<strong>de</strong> Moçambique, o escritor e o<br />

jornalista queniano Binyavanga<br />

Wainaina.<br />

O camaronês Barthélémy<br />

Toguo vai estar em <strong>Lisboa</strong><br />

Brillante<br />

Mendoza<br />

em <strong>Lisboa</strong><br />

Finalmente... mas ainda a<br />

tempo <strong>de</strong> mostrar, como se<br />

fosse em tempo real, a<br />

irresistível ascensão <strong>de</strong><br />

Brillante Mendoza que<br />

<strong>de</strong>corre neste momento<br />

nas salas e nos festivais <strong>de</strong><br />

todo o mundo. Entre 20 e<br />

23 <strong>de</strong> Janeiro, a Culturgest,<br />

em <strong>Lisboa</strong>, promove um<br />

ciclo <strong>de</strong>dicado ao<br />

realizador filipino,<br />

programado pela Zero em<br />

Comportamento. Serão<br />

oito longas-metragens<br />

realizadas nos últimos<br />

cinco anos, incluindo os<br />

três últimos filmes que<br />

aceleraram o<br />

reconhecimento do<br />

cineasta no circuito dos<br />

festivais e, por extensão,<br />

lhe <strong>de</strong>ram visibilida<strong>de</strong> nas<br />

salas <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong> alguns<br />

países: “Serviços” (2008),<br />

editado em Portugal em<br />

DVD -, “Kinatay” (2009),<br />

prémio <strong>de</strong> melhor<br />

realizador em Cannes -, e<br />

“Lola” Lola (2009).<br />

A abertura<br />

cabe, precisamente, a<br />

“Lola”, que irrompeu,<br />

luminoso, no último Festival<br />

<strong>de</strong> Veneza (era um dos<br />

“filmes-surpresa”). Depois<br />

da escuridão sem regresso<br />

<strong>de</strong> “Kinatay”, a iniciação ao<br />

macabro da noite <strong>de</strong> Manila<br />

por um “inocente” – o filme<br />

crispou muita gente, no<br />

Festival <strong>de</strong> Cannes, que<br />

consi<strong>de</strong>rou<br />

insustentavelmente<br />

“gratuita” a violência do<br />

filme –, o melodrama “Lola”,<br />

realizado em apenas três<br />

meses, foi responsável por<br />

um reagrupamento à volta<br />

<strong>de</strong> Mendoza. É, <strong>de</strong> facto, um<br />

filme exaltante, lancinante<br />

percurso <strong>de</strong> duas avós, uma<br />

que vai reconhecer o<br />

cadáver do neto assassinado,<br />

a outra que vai visitar à<br />

prisão o neto que terá sido<br />

responsável pela outra<br />

morte - e como sempre nos<br />

filmes <strong>de</strong> Mendoza há uma<br />

“viagem”, uma experiência<br />

física <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocação por um<br />

espaço, quer sejam os<br />

bairros pobres <strong>de</strong> Manila ou<br />

o interior <strong>de</strong> um cinema<br />

<strong>de</strong>lapidado (“Serviços”).<br />

Estão ainda programados<br />

“Masahista” (2005), o filme<br />

que o fez abandonar a<br />

publicida<strong>de</strong> para se <strong>de</strong>dicar<br />

ao a ao cinema (“Tinha uma vida<br />

boa, ganhava muito<br />

dinheiro, dinheiro, mas queria queria<br />

mudar, assumir riscos.<br />

E <strong>de</strong>scobri uma fome<br />

<strong>de</strong> cinema, uma<br />

energia que nunca<br />

tive na publicida<strong>de</strong>”,<br />

contou em Setembro ao<br />

jornal “Folha <strong>de</strong> São<br />

Paulo” durante a<br />

organização <strong>de</strong> uma<br />

retrospectiva na cida<strong>de</strong><br />

brasileira; neste momento,<br />

<strong>de</strong>corre outra em Paris),<br />

“Manoro”, “Kaleldo”<br />

(ambos <strong>de</strong> 2006), “John<br />

John” e “Tirador” (ambos<br />

<strong>de</strong> 2007).<br />

Eis Brillante: mistura <strong>de</strong><br />

géneros, sobretudo do<br />

drama social e do<br />

melodrama (Brillante, 49<br />

anos, é um continuador do<br />

seu compatriota Lino<br />

Brocka, 1939-1991, pela<br />

vertigem moral a que os<br />

filmes, “sujos” <strong>de</strong> “cinema<br />

popular”, chegam); uma<br />

produtivida<strong>de</strong> que começa<br />

a ser à la Fassbin<strong>de</strong>r, como<br />

se quisesse compensar o<br />

facto <strong>de</strong> ter começado<br />

relativamente tar<strong>de</strong>, em<br />

meados <strong>de</strong>sta década; uma<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir sempre<br />

até ao fim do caminho (a já<br />

polémica explicitação das<br />

coisas no cinema <strong>de</strong><br />

Mendoza), algo que tanto<br />

po<strong>de</strong> aparecer como gesto<br />

<strong>de</strong> ingenuida<strong>de</strong> como <strong>de</strong><br />

“exploitation”, mas que<br />

para Me Mendoza é um<br />

imperat imperativo moral.<br />

O realiz realizador estará em<br />

<strong>Lisboa</strong> ppara<br />

acompanhar<br />

o ciclo e<br />

conduzir uma<br />

“master “masterclass” sobre<br />

produçã produção e realização <strong>de</strong><br />

cinema<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte nas<br />

Filipina Filipinas. Vasco Câmara<br />

Em Janeiro, <strong>Lisboa</strong> entra no circuito Brillante<br />

Mendoza: a Zero em Comportamento mostra<br />

oito longas, incluindo este “Masahista” (2005)<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 3


Flash<br />

Sturges, Peckinpah e<br />

Duras na <strong>Cinema</strong>teca<br />

A gran<strong>de</strong> retrospectiva do mês<br />

<strong>de</strong> Dezembro, na <strong>Cinema</strong>teca,<br />

em <strong>Lisboa</strong>, é <strong>de</strong>dicada a Preston<br />

Sturges, argumentista (nos anos<br />

1930) e realizador (a partir <strong>de</strong><br />

1941, quando assina “As Três<br />

Noites <strong>de</strong> Eva”) da comédia<br />

americana – forma <strong>de</strong> dizer,<br />

porque, afinal, a que género<br />

pertence “Sullivan’s Travels”<br />

(1941)? A sofisticada filmografia<br />

<strong>de</strong>ste realizador inclui 12 títulos<br />

e a retrospectiva será integral da<br />

obra do cineasta e significativa<br />

da filmografia do argumentista.<br />

Prolonga-se a Janeiro <strong>de</strong> 2010,<br />

mês em que se inicia na Barata<br />

Salgueiro uma nova rubrica<br />

sobre filmes “Inéditos”. O<br />

primeiro programa é <strong>de</strong>dicado a<br />

Louis Skorecki, realizador e<br />

Cormac McCarthy<br />

separa-se da<br />

máquina <strong>de</strong> escrever<br />

Estavam juntos há 50 anos - o<br />

escritor norte-americano Cormac<br />

McCarthy e a Olivetti Lettera 32 em<br />

que dactilografou todos os seus<br />

livros publicados e não publicados,<br />

mais os rascunhos e a<br />

correspondência <strong>de</strong> uma vida - mas<br />

vão separar-se agora, cinco milhões<br />

<strong>de</strong> caracteres <strong>de</strong>pois. A máquina <strong>de</strong><br />

escrever que <strong>de</strong>u ao mundo “Este<br />

País não é para Velhos” e “A<br />

4 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

crítico <strong>de</strong> cinema (começou nos<br />

“Cahiers du Cinéma” nos anos<br />

1960, on<strong>de</strong> foi contemporâneo<br />

<strong>de</strong> Serge Daney) que virá à<br />

<strong>Cinema</strong>teca apresentar os seus<br />

filmes, nomeadamente a trilogia<br />

“Cinéphiles” – “Les Cinéphiles”<br />

(1989), “Cinéphiles 2 – Eric a<br />

Disparu” (1989), “Cinéphiles 3<br />

– Les Ruses <strong>de</strong> Frédéric”<br />

Estrada”, e que<br />

Cormac McCarthy<br />

comprou numa loja<br />

<strong>de</strong> penhores do<br />

Tennessee por 50<br />

dólares, em 1963, vai<br />

agora ser leiloada,<br />

com os lucros da<br />

venda a reverterem, por<br />

vonta<strong>de</strong> do autor, para o<br />

Santa Fe Institute, uma comunida<strong>de</strong><br />

transdisciplinar <strong>de</strong> investigadores. É<br />

já hoje, na Christie’s <strong>de</strong> Nova Iorque<br />

- a leiloeira estima que a Olivetti<br />

possa arrecadar entre 15 e 20 mil<br />

dólares (10 a 13 mil euros). Parece,<br />

Brevemente na <strong>Cinema</strong>teca: Sturges em Dezembro,<br />

Peckinpah e Duras em Janeiro<br />

(2007) – e o filme em que<br />

registou a sua atribulada saída<br />

do “Libération”, em 2007, no<br />

final <strong>de</strong> 25 anos <strong>de</strong> trabalho<br />

como crítico, on<strong>de</strong> assinava<br />

uma coluna sobre cinema numa<br />

página do jornal <strong>de</strong>dicada à<br />

televisão: “Skorecki<br />

mas m não é, um preço<br />

<strong>de</strong>masiado d alto para<br />

uma u vulgar máquina<br />

<strong>de</strong> d escrever<br />

d<strong>de</strong>rrotada<br />

pelo<br />

Cormac McCarthy diz hoje te tempo: “Alguma da<br />

a<strong>de</strong>us à Olivetti Lettera 32 ma mais complexa ficção<br />

em que escreveu todos os do<br />

pós-guerra, parte<br />

seus livros, Pullitzer da qual qu é quase do outro<br />

incluído<br />

mundo, foi escrita numa<br />

máquina assim tão simples,<br />

funcional e frágil. Isso dá à Olivetti<br />

do Cormac uma qualida<strong>de</strong><br />

praticamente talismânica. É como<br />

se o Monte Rushmore tivesse sido<br />

esculpido com um canivete suíço”,<br />

Espaço<br />

Público<br />

“Os Sopranos”<br />

é a série da década<br />

À frente ficaram os “Sopranos”,<br />

mas a maior surpresa foi a<br />

ausência da série “The Wire”. A<br />

escolha foi da revista “The<br />

Hollywood Reporter”, que,<br />

neste final dos anos 2000<br />

pródigos em séries televisivas,<br />

elaborou uma lista das suas<br />

preferências. Assim, a série<br />

produzida pela norte-americana<br />

HBO, criada por David Chase e<br />

protagonizada por James<br />

Gandolfini, no papel <strong>de</strong> Tony<br />

Soprano, foi vencedora. A<br />

célebre “West Wing - Nos<br />

bastidores do po<strong>de</strong>r”, que<br />

retrata o dia-a-dia na Sala Oval<br />

<strong>de</strong> uma Casa Branca em que o<br />

actor Martin Sheen é o<br />

Presi<strong>de</strong>nte, foi a segunda<br />

escolha da publicação. Iniciada<br />

em 1999, foi a série que<br />

arrecadou mais Emmys (26) ao<br />

Na lista da “Hollywood Reporter”,<br />

o clã Soprano é a família mais marcante da paisagem<br />

televisiva da década que agora termina<br />

Déménage” (2009).<br />

E enquanto a retrospectiva <strong>de</strong><br />

Sturges termina, Janeiro verá<br />

começar dois ciclos fulgurantes:<br />

Sam Peckinpah e Marguerite<br />

Duras.<br />

disse ao “New York Times”<br />

o livreiro Glenn<br />

Horowitz.<br />

Foi <strong>de</strong> resto<br />

esse ar<br />

apagado que<br />

levou McCarthy<br />

a trocar a Royal<br />

que usou até aos<br />

anos 60 pela Olivetti<br />

Lettera 32: “Queria a<br />

máquina <strong>de</strong><br />

escrever mais<br />

pequena e mais<br />

leve que pu<strong>de</strong>sse<br />

encontrar”.<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

longo da década, tantos como<br />

a mais antiga “Balada <strong>de</strong> Hill<br />

Street”, que filmava o<br />

quotidiano dos polícias <strong>de</strong><br />

uma esquadra <strong>de</strong> Nova Iorque.<br />

Em terceiro lugar ficou “Curb<br />

your Enthusiasm”, outra<br />

“sitcom” norte-americana,<br />

protagonizada por Larry<br />

David, autor e produtor <strong>de</strong><br />

“Seinfeld”. “The Shield”, série<br />

policial passada em Los<br />

Angeles do canal americano<br />

FX, ficou na quarta posição,<br />

seguida <strong>de</strong> “Damages”, com<br />

Glenn Close no papel <strong>de</strong> uma<br />

advogada que luta contra a<br />

corrupção. Noutro registo,<br />

com as aventuras <strong>de</strong> um grupo<br />

<strong>de</strong> publicitários dos anos 1960,<br />

“Mad Men” foi a sexta<br />

preferência, seguida <strong>de</strong> “30<br />

Rock”, da actriz e<br />

argumentista Tina Fey, “24”<br />

com Jack Bauer, e “Lost” <strong>de</strong> J.<br />

J. Abrams e Damon Lin<strong>de</strong>lof. A<br />

fechar a lista, no décimo lugar,<br />

“Mo<strong>de</strong>rn Family”, uma<br />

comédia sobre três famílias<br />

norte-americanas e uma das<br />

revelações da temporada.<br />

Reunião dos Blur<br />

vai dar um filme<br />

Ainda não há sequer sinais <strong>de</strong><br />

uma entrada no Imdb, diz o “The<br />

Guardian”, mas o “trailer” já está<br />

no YouTube e o filme chega às<br />

salas no próximo dia 19 <strong>de</strong><br />

Janeiro: chama-se “No Distance<br />

Left to Run” e é toda a história<br />

dos Blur, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o mo<strong>de</strong>sto<br />

aparecimento da banda, em 1989<br />

(“We were just kids”, diz Damon<br />

Albarn logo no primeiro segundo<br />

do “trailer”), até ao lendário<br />

concerto <strong>de</strong> reunião <strong>de</strong>ste ano<br />

em Glastonbury. Filmado<br />

durante os ensaios e a digressão<br />

do último Verão, o documentário<br />

inclui material <strong>de</strong> arquivo inédito<br />

e “novas entrevistas<br />

reveladoras”. Para que não haja<br />

dúvidas e rumores acerca <strong>de</strong> um<br />

possível regresso “for real” dos<br />

Blur, registamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que<br />

Damon Albarn continua a dizer<br />

que não vai haver<br />

mais concertos,<br />

e muito menos<br />

um novo álbum.<br />

Damon Albarn e Alex James<br />

no Verão passado em Glastonbury: that’s all, folks!


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entrada livre<br />

LANÇAMENTO<br />

3 PISTAS<br />

por Henrique Amaro<br />

com actuação ao vivo <strong>de</strong> Noiserv e Pontos Negros<br />

O radialista Henrique Amaro <strong>de</strong>safiou vinte bandas a gravar em 3 pistas. Resgataram canções <strong>de</strong> outros,<br />

fizeram batota, transgrediram as regras sugeridas e criaram um disco “<strong>de</strong>spidamente” divertido.<br />

09.12. 17H00 FNAC CHIADO<br />

APRESENTAÇÃO<br />

NOVAS CRÓNICAS DA BOCA DO INFERNO<br />

Livro <strong>de</strong> Ricardo Araújo Pereira<br />

Ricardo Araújo Pereira apresenta na Fnac o seu novo livro <strong>de</strong> crónicas. Um livro no qual a mais fina ironia<br />

e o humor requintado se juntam e resolvem não entrar.<br />

05.12. 18H30 FNAC CHIADO<br />

07.12. 18H00 FNAC STA. CATARINA 14.12. 21H30 FNAC ALMADA<br />

APRESENTAÇÃO<br />

UM AMOR EM TEMPO DE GUERRA<br />

Livro <strong>de</strong> Júlio Magalhães<br />

Júlio Magalhães vem ao Fórum Fnac falar com os leitores e dar uma sessão <strong>de</strong> autógrafos do seu mais<br />

recente livro.<br />

11.12. 18H00 FNAC VASCO DA GAMA<br />

AO VIVO<br />

PIANO MAGIC<br />

Ovations<br />

O grupo britânico Piano Magic, um dos cabeças <strong>de</strong> cartaz do Super Bock em Stock, vêm ao Fórum Fnac<br />

apresentar a irreverência un<strong>de</strong>rground com o seu mais recente trabalho.<br />

05.12. 15H00 FNAC CHIADO<br />

AO VIVO<br />

DAVID FONSECA<br />

Between Waves<br />

David Fonseca vem à Fnac mostrar as suas novas canções num formato reduzido e intimista.<br />

08.12. 17H00 FNAC VASCO DA GAMA<br />

08.12. 21H30 FNAC ALFRAGIDE<br />

11.12. 17H00 FNAC GAIASHOPPING<br />

11.12. 21H30 FNAC GUIMARÃESHOPPING<br />

Consulte a agenda cultural Fnac em http://cultura.fnac.pt/Agenda<br />

Apoio:<br />

12.12. 17H00 FNAC VISEU<br />

12.12. 22H00 FNAC COIMBRA<br />

13.12. 17H00 FNAC ALMADA<br />

13.12. 21H30 FNAC COLOMBO<br />

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO


Little Joy<br />

CapaVoxtrot<br />

Os Golpes<br />

Legendary Tiger Man<br />

Beach House<br />

Mazgani<br />

Wild Beasts


Ebony Bones<br />

Avenida para<br />

todas<br />

as liberda<strong>de</strong>s<br />

Serão mais <strong>de</strong> trinta concertos no festival Super<br />

Bock em Stock, mas escolher é essencial. Hoje e<br />

amanhã, em sete espaços da Avenida da Liberda<strong>de</strong>,<br />

em <strong>Lisboa</strong>, a nação “indie” celebra, olhos nos olhos,<br />

a música dos Beach House, Wild Beasts, Little Joy,<br />

Samuel Úria ou Ebony Bones. Vítor Belanciano<br />

O ano passado <strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong>scobriu que<br />

tinha um novo festival <strong>de</strong> música. Super<br />

Bock em Stock <strong>de</strong> seu nome. Normalmente<br />

o sucesso <strong>de</strong> eventos do<br />

género ainda se faz à base da quantificação<br />

e não da enumeração das qualida<strong>de</strong>s.<br />

Neste caso foi diferente. Percebeu-se<br />

que existia uma linha <strong>de</strong>finida<br />

– privilegiar projectos rock e pop<br />

que fazem a actualida<strong>de</strong>, alguns <strong>de</strong>les<br />

ainda não totalmente conhecidos do<br />

gran<strong>de</strong> público, mas com atributos<br />

para o virem a ser. Lykke Li, Santogold,<br />

Walkmen ou El Perro Del Mar<br />

foram alguns dos que passaram pela<br />

primeira edição.<br />

Depois, coisa rara, é um evento<br />

que pe<strong>de</strong> aos espectadores que<br />

sejam activos, que estabeleçam<br />

escolhas, porque <strong>de</strong>correm vários<br />

concertos em simultâneo.<br />

Tal como uma cida<strong>de</strong><br />

se <strong>de</strong>scobre tendo disponibilida<strong>de</strong><br />

para a aventura,<br />

vagueando, também<br />

um festival <strong>de</strong>ve ser<br />

um convite à <strong>de</strong>scoberta<br />

e não um simples<br />

espaço <strong>de</strong> confirmação.<br />

Por último, e mais<br />

uma vez coisa rara<br />

em Portugal, é um<br />

evento com efeitos<br />

transversais. Faznos<br />

olhar para uma<br />

zona nobre da cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> – a Avenida<br />

da Liberda<strong>de</strong> –<br />

com problemas <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e pouco<br />

vivida durante a noite.<br />

Durante duas noites é<br />

sentida, o público é con-<br />

vidado a participar numa dinâmica<br />

rotatória, <strong>de</strong>scobrindo-a.<br />

Na edição <strong>de</strong>ste ano não há o charmoso<br />

teatro Varieda<strong>de</strong>s, que levou o<br />

ano passado muitas pessoas a abrirem<br />

a boca <strong>de</strong> espanto pelo potencial que<br />

escon<strong>de</strong>, mas haverá as duas salas do<br />

cinema S. Jorge, o Teatro Tivoli, o clube<br />

Maxime, o LA Caffe, o restaurante<br />

do terraço do hotel Tivoli e o espaço<br />

do parque <strong>de</strong> estacionamento Marquês<br />

<strong>de</strong> Pombal.<br />

E há a música, claro. Muita música.<br />

Mais <strong>de</strong> trinta concertos durante duas<br />

noites. Alguns são nomes já conhecidos<br />

como Beach House, que apresentam<br />

o novo álbum a editar em<br />

Janeiro, os Little Joy <strong>de</strong> Fabrizio Moretti<br />

dos Strokes, ou a britânica Ebony<br />

Bones, singular mistura <strong>de</strong> tribalismo<br />

urbano garrido na senda <strong>de</strong> M.I.A. e<br />

pós-punk dançante na linha dos LCD<br />

Soundsystem, que tem sido presença<br />

regular em Portugal no último ano.<br />

De Inglaterra, algumas boas bandas.<br />

Os Wild Beasts, que acabaram <strong>de</strong> lançar<br />

o segundo álbum, os injustamente<br />

pouco conhecidos em Portugal Wave<br />

Machines, exemplo <strong>de</strong> criativa mescla<br />

<strong>de</strong> electrónicas e rock, os Piano Magic,<br />

que apresentam o novo registo “Ovations”,<br />

e os The Invisible. Estes estrearam-se<br />

este ano com um excelente<br />

álbum produzido por Herbert, lançado<br />

na editora <strong>de</strong>ste, a Acci<strong>de</strong>ntal, que<br />

também revelou Micachu and the Shapes.<br />

Praticam um rock sonhador, que<br />

tanto po<strong>de</strong> evocar TV On The Radio<br />

como os velhos A.R.Kane.<br />

Do outro lado do Atlântico, chega<br />

o canadiano Patrick Watson, com canções<br />

que são paisagens inteiras (folk,<br />

rock, jazz) <strong>de</strong>sdobrando-se à nossa<br />

frente. Também canadiano, mas a vi-<br />

ver em Berlim, o excêntrico<br />

Mocky é garantia<br />

<strong>de</strong> reinação e virtuosismo.<br />

Do Texas, virá<br />

o rock seguro dos<br />

Voxtrot, enquanto <strong>de</strong><br />

Nova Iorque os Blacklist<br />

prometem rock<br />

& roll sem mediações.<br />

Na senda do radicalismo,<br />

atenções viradas para o<br />

duo francês Kap Bambino,<br />

que vivem cada concerto como<br />

se fosse o último.<br />

Quem quiser confirmar que a música<br />

pop portuguesa passa por um<br />

bom momento não terá mãos a medir.<br />

O cada vez mais internacional Legendary<br />

Tiger Man vai suscitar muitas das<br />

atenções, mas <strong>de</strong> Mazgani a Samuel<br />

Úria, do hip-hop instrumental dos<br />

Orelha Negra ao rock <strong>de</strong> Os Golpes,<br />

do rock com fúria dos Easyway ao intimismo<br />

<strong>de</strong> Noiserv, passando pelo<br />

projecto Pássaro Cego, que reúne o<br />

pianista Manuel Paulo e a cantora<br />

cabo-verdiana Nancy Vieira, existe um<br />

mundo <strong>de</strong> coisas para <strong>de</strong>scobrir.<br />

No papel, o Super Bock em Stock é<br />

um convite à interacção em lugares<br />

públicos, partindo da música. Nos<br />

últimos anos, com a crise da indústria<br />

dos discos, os espectáculos ao vivo<br />

ganharam nova dinâmica. Há cada<br />

vez mais <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> participar nesse<br />

ritual colectivo on<strong>de</strong> se pe<strong>de</strong> que exista<br />

imaginação, nervo e emoção. Se<br />

possível, proximida<strong>de</strong>. Coisas que os<br />

gran<strong>de</strong>s festivais ao ar livre, ou os concertos<br />

<strong>de</strong> estádio, não permitem. Mas<br />

hoje e amanhã, músicos e público po<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>scobrir-se, olhos nos olhos.<br />

www.superbockemstock.com<br />

Samuel Úria<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 7


Beach House<br />

Obsessão<br />

apaixonada<br />

“Teen Dream”, o novo álbum, só será editado em<br />

Janeiro <strong>de</strong> 2010, mas os Beach House apresentamno<br />

amanhã, no Super Bock em Stock. Victoria<br />

Legrand fala ao Ípsilon. Mário Lopes<br />

Beach House Teatro Tivoli.<br />

Amanhã, às 22h15<br />

Victoria Legrand, meta<strong>de</strong> dos<br />

encantadores e encantatórios<br />

Beach House, é uma rapariga<br />

<strong>de</strong>spachada. Fala rápido,<br />

seguríssima, e atravessa sem<br />

pudor a habitual barreira<br />

protectora que se ergue numa<br />

entrevista. Como sabemos, o<br />

entrevistado enfrenta alguém<br />

que não faz a mínima i<strong>de</strong>ia quem<br />

seja, alguém que saberá alguns<br />

pormenores da sua vida (mas<br />

ele não sabe quais). Portanto,<br />

normalmente, a coisa entrevista<br />

faz-se com recato. Alguém que<br />

faz perguntas, alguém que dá<br />

respostas.<br />

Victoria Legrand, a voz dos<br />

Beach House, matéria etérea<br />

e contraditória – dissimula-se<br />

gélida mas ar<strong>de</strong> em lume brando<br />

-, não é como a sua música.<br />

Aten<strong>de</strong> o telefone num quarto <strong>de</strong><br />

hotel <strong>de</strong> Berlim e elabora-nos o<br />

relatório da situação. Os Beach<br />

House acabaram <strong>de</strong> chegar à<br />

Alemanha, vindos dos EUA<br />

(Victoria já viveu em todo o lado,<br />

mas conheceu o guitarrista<br />

Alex Scally em Baltimore), e<br />

está cansada. Estar cansada é<br />

um aborrecimento: quarta vez<br />

que toca em Berlim e nunca teve<br />

oportunida<strong>de</strong> para ver a cida<strong>de</strong>.<br />

Não será <strong>de</strong>sta. Daí a pouco é<br />

tempo <strong>de</strong> “sound-check”, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> concerto e <strong>de</strong>pois disso<br />

<strong>de</strong> dormir e partir para outra<br />

cida<strong>de</strong> e outro concerto.<br />

Portanto, Victoria é uma<br />

mulher <strong>de</strong>spachada. Quando<br />

nos diz, entrevista avançada,<br />

que quem convive com os Beach<br />

House percebe que eles não<br />

são “assim”, já percebemos que<br />

não. “Somos monstros difíceis”,<br />

exagera ela, não “assim”. Assim:<br />

“predominantemente fl oridos<br />

e etéreos”, que foi como viram<br />

a música dos Beach House,<br />

segundo Victoria, os nove<br />

artistas <strong>de</strong> Baltimore a quem a<br />

banda encomendou um fi lme<br />

para cada uma das canções <strong>de</strong><br />

“Teen Dream” (Victoria realizou<br />

o décimo, “Silver soul”, e todos<br />

serão reunidos num DVD que<br />

acompanhará o novo álbum).<br />

Teen Dream<br />

“Teen Dream” é o título do<br />

muito aguardado sucessor <strong>de</strong><br />

“Devotion”, segundo disco da<br />

banda e discreta maravilha em<br />

forma <strong>de</strong> “torch song” narcótica<br />

que, em 2008, transformou<br />

os Beach House em sonho<br />

recorrente dos melómanos <strong>de</strong><br />

bom coração. Quanto ao novo<br />

disco, tem edição marcada<br />

para Janeiro <strong>de</strong> 2010 e será<br />

apresentado amanhã no Teatro<br />

Tivoli.<br />

Nasceu em dois momentos.<br />

Em Fevereiro, Victoria e Alex<br />

isolaram-se em Baltimore,<br />

pressionados, como <strong>de</strong>fi ne<br />

a vocalista, “pela nossa<br />

apaixonada obessão por música<br />

on<strong>de</strong> cada som seja algo em que<br />

acreditamos”. Meses <strong>de</strong>pois,<br />

em Julho, viajaram até Nova<br />

Iorque e completaram-no numa<br />

“Vivendo o que quer sejam os Beach House, damos por nós num<br />

estado obsessivo. E aí o amor adolescente é uma inspiração.<br />

Há tanta coisa ridícula a que os adolescentes se agarram, mas as<br />

também há algo mágico nesse apego” Victoria Legrand<br />

antiga igreja reconvertida em<br />

estúdio – o seu nome, muito<br />

apropriado, é “Dreamland”: “Um<br />

espaço com uma intensida<strong>de</strong><br />

muito característica, aquela<br />

intensida<strong>de</strong> que sentimos<br />

sempre que tocamos em algo<br />

antigo”. Acrescenta: “Tem<br />

uma igreja acoplada, mas o<br />

ambiente não tem nada <strong>de</strong><br />

religioso, nada <strong>de</strong> gótico” – e faz<br />

questão <strong>de</strong> acentuar o “nada <strong>de</strong><br />

gótico”, como que antecipando<br />

a negação, como se esperasse<br />

que ripostássemos algo que não<br />

quereria ouvir. A preocupação<br />

era <strong>de</strong>snecessária.<br />

Gótico, apesar da feitiçaria<br />

pop que são os Beach House,<br />

não é <strong>de</strong>fi nição a<strong>de</strong>quada<br />

à sua música. Menos ainda<br />

em “Teen Dream”, on<strong>de</strong> a<br />

estrutura minimalista <strong>de</strong>sta<br />

música –linhas <strong>de</strong> teclados<br />

evanescentes, uma guitarra<br />

em “sli<strong>de</strong>” dolente, ritmo que<br />

afaga mais que percute – parece<br />

engran<strong>de</strong>cer-se <strong>de</strong> elementos<br />

e exibir uma exuberância<br />

que e não lhes conhecíamos<br />

antes: tes: um onirismo pulsante,<br />

diríamos. ríamos. Victoria ouve-nos e<br />

contextualiza: ntextualiza: “O nosso primeiro<br />

disco sco [“Beach House”, 2006] foi<br />

gravado avado em dois dias, o segundo<br />

[“Devotion”, Devotion”, 2008]<br />

foi composto<br />

composto<br />

em m digressão.<br />

A este<br />

<strong>de</strong>dicámos dicámos<br />

muito uito mais<br />

tempo<br />

que aos<br />

anteriores”.<br />

Neste, queriam<br />

trabalhar uma<br />

“dinâmica mais<br />

imediata”, um<br />

“movimento” diferente.<br />

“E também procurar<br />

sensações mais imediatas,<br />

mais tangíveis.<br />

Os outros discos eram um<br />

fl utuar no passado. Agíamos<br />

como que ausentes. Este,<br />

sentimo-lo vivo”. Nada <strong>de</strong><br />

pânico. Luz baixa e sombras<br />

difusas continuam a fi carlhes<br />

bem. Estes ainda são,<br />

<strong>de</strong>cididamente, os Beach<br />

House: “Não é um gran<strong>de</strong><br />

salto, limitamo-nos a evoluir<br />

naturalmente”. De facto.<br />

A música po<strong>de</strong> ser mais<br />

texturada, mais plástica e mais<br />

ampla, mas esta continua a ser a<br />

banda que <strong>de</strong>scobriu como fazer<br />

<strong>de</strong> melancolia estilizada uma<br />

pose pop. “Teen Dream” mantémnos<br />

na direcção certa. A mesma,<br />

entenda-se. Está tudo nas<br />

palavras <strong>de</strong> Victoria: “À medida<br />

que envelheço, lentamente<br />

mas rápido <strong>de</strong>mais, penso que<br />

gostaria <strong>de</strong> voltar atrás. Não por<br />

nostalgia, mas para ter aquela<br />

intensa e inabalável convicção<br />

nas coisas em que acreditamos.<br />

Vivendo o que quer sejam os<br />

Beach House, damos por nós<br />

num estado obsessivo. E aí,<br />

claro que o amor adolescente é<br />

uma inspiração. Há tanta coisa<br />

ridícula a que os adolescentes<br />

se agarram com fervor, mas<br />

também há sempre algo mágico<br />

nesse apego”. Amanhã. Amanhã<br />

será então tempo <strong>de</strong> confi rmar o<br />

que há <strong>de</strong> novo nestes “velhos”<br />

Beach House.<br />

“Vamos tocar ‘Teen Dream’<br />

em meta<strong>de</strong> do concerto”. É Alex<br />

Scally quem o diz, acabado <strong>de</strong><br />

entrar no quarto berlinense <strong>de</strong><br />

Victoria. Recorda-se bem da<br />

anterior passagem por Portugal,<br />

em Novembro <strong>de</strong> 2008, quando<br />

os Beach House tocaram em<br />

Portalegre, no Porto e em<br />

<strong>Lisboa</strong>. “Lembramo-nos <strong>de</strong>sses<br />

concertos por duas razões.<br />

Primeiro, estávamos a chegar<br />

ao Inverno e sentia-se muito<br />

frio em todo o lado mas, quando<br />

chegámos, o sol brilhava.<br />

Depois, vínhamos <strong>de</strong> Itália e<br />

Espanha, on<strong>de</strong> o público fazia<br />

muito barulho. Em Portugal,<br />

pelo contrário, as pessoas<br />

fi cavam silenciosas, quase<br />

reverentes”. A voz sorri: “Foi tão<br />

intenso que quase temos receio<br />

<strong>de</strong> voltar...”<br />

Amanhã,<br />

Alex. Alex.<br />

Amanhã<br />

será será<br />

tempo <strong>de</strong><br />

saber se o<br />

reverendo<br />

público<br />

português<br />

é ainda<br />

reverente.


Os Beach<br />

House<br />

prometem<br />

tocar “Teen<br />

Dream”<br />

em meta<strong>de</strong><br />

do concerto<br />

Wild Beasts Estes rapazes fizeram-se<br />

Como é que um grupo <strong>de</strong> rapazes da província, altivos, se transformou numa das<br />

bandas mais entusiasmantes da actualida<strong>de</strong>? É tudo uma questão <strong>de</strong> proporção, afi rma<br />

Tom Fleming. Vítor Belanciano<br />

Wild Beasts <strong>Cinema</strong> São<br />

Jorge - Sala 1. Hoje, às 21h30<br />

Confessem, sim, vocês,<br />

“alternativos”, melómanos<br />

“indie”, gente <strong>de</strong> gosto<br />

imaculado: os ingleses Wild<br />

Beasts têm qualquer coisa <strong>de</strong><br />

irritante. Se não se manifestam,<br />

fazemo-lo nós: o álbum <strong>de</strong><br />

estreia, “Limbo, Panto”, editado<br />

o ano passado, não era medíocre,<br />

mas irritante. Possuía aquele<br />

tipo <strong>de</strong> barroquismo que tanto<br />

serve para os Radiohead<br />

fazerem canções seminais,<br />

como abrir-nos a boca <strong>de</strong> bocejo.<br />

Depois havia as entrevistas:<br />

referências à poesia <strong>de</strong> Rimbaud<br />

ou a teorias freudianas sem que<br />

se percebesse bem porquê.<br />

Mas o mais grave era a voz<br />

<strong>de</strong> Hay<strong>de</strong>n Thorpe, espécie <strong>de</strong><br />

Farinelli via Billy Mackenzie<br />

dos Associates, que tanto<br />

fascinava, como enfastiava.<br />

O que é interessante é os<br />

Wild Beasts terem consciência<br />

disso. “Somos da província<br />

[Kendal], viemos <strong>de</strong> um meio<br />

adverso, nesse primeiro disco<br />

<strong>de</strong>fendíamo-nos, queríamos<br />

afi rmar a nossa voz e talvez<br />

tivesse existido algum excesso”,<br />

confessa o baixista e cantor Tom<br />

Fleming. E a seguir, reforça.<br />

“Na nossa zona toda a gente<br />

expressa a zanga e a raiva<br />

assistindo a concertos <strong>de</strong> heavymetal.<br />

Ser verda<strong>de</strong>iramente<br />

provocador é, perante uma<br />

assistência <strong>de</strong> trabalhadores,<br />

ter um cantor <strong>de</strong> voz frágil e<br />

música luxuriante. Hay<strong>de</strong>n<br />

sempre cantou assim, já nem<br />

damos por isso, mas há pessoas<br />

que estranham.”<br />

O segundo álbum, “Two<br />

Dancers”, sem constituir uma<br />

ruptura, é diferente. Contém<br />

o grau sufi ciente <strong>de</strong> diferença<br />

para ultrapassar a linha ténue<br />

que separa a irritação da<br />

aprovação sem reservas. “É<br />

uma questão <strong>de</strong> proporção”,<br />

ri-se Tom. “As canções são mais<br />

focadas. No primeiro álbum<br />

havia muitas i<strong>de</strong>ias, o que é bom,<br />

mas também po<strong>de</strong> resultar em<br />

dispersão. Neste focamo-nos<br />

mais na essência <strong>de</strong> cada uma<br />

das canções.”<br />

O sonho e a realida<strong>de</strong><br />

Algo aconteceu, na verda<strong>de</strong>.<br />

Vocalmente, estão mais<br />

diversos. Andrew está<br />

menos teatral e agora é<br />

contrabalançado pelas<br />

vocalizações graves <strong>de</strong> Tom.<br />

Sonicamente, as canções são<br />

mais fl uidas e organizadas.<br />

“Apren<strong>de</strong>mos imenso no<br />

estúdio com o primeiro álbum.<br />

Pensávamos que éramos<br />

melhor banda, na forma<br />

como tocávamos juntos, do<br />

que éramos realmente”, diz.<br />

“Cuidávamos imenso dos<br />

pormenores <strong>de</strong> estúdio e este<br />

foi feito <strong>de</strong> maneira mais<br />

espontânea. Tocávamos três ou<br />

quatro vezes a mesma canção<br />

em estúdio, todos juntos, e<br />

<strong>de</strong>pois escolhíamos a versão que<br />

nos satisfazia. É um disco que<br />

nos aproxima mais daquilo que<br />

somos.”<br />

Ao lado <strong>de</strong> “xx” dos The xx<br />

ou <strong>de</strong> “Primary Colours” dos<br />

The Horrors – dois grupos com<br />

quem já andaram em digressão<br />

– é o tipo <strong>de</strong> álbum criativo que<br />

comprova que, fi nalmente, há<br />

em Inglaterra bandas capazes<br />

<strong>de</strong> fazerem frente ao domínio<br />

ianque dos últimos anos.<br />

“O clima criativo, em<br />

Inglaterra, mudou muito no<br />

último ano”, reconhece Tom. “Há<br />

um ano a rádio era dominada<br />

por bandas francamente<br />

chatas. No último ano as coisas<br />

modifi carem-se. Talvez tenha a<br />

ver com a recessão. As pessoas<br />

têm pouco dinheiro e não o<br />

gastam em porcaria.”<br />

Por falar nos EUA, algumas<br />

das reacções mais entusiastas<br />

ao novo disco têm surgido dali.<br />

“No próximo ano vamos fazer<br />

uma longa digressão pelos EUA,<br />

estou muito ansioso”. Por agora,<br />

a Europa. Quando falámos com<br />

ele estava em Berlim – “a minha<br />

cida<strong>de</strong> favorita da Europa” – e<br />

hoje é a vez <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. “O disco<br />

tem uma sonorida<strong>de</strong> calorosa<br />

que, <strong>de</strong> alguma forma, se per<strong>de</strong><br />

ao vivo. Mas as pessoas aí<br />

po<strong>de</strong>m esperar ritmo, guitarras,<br />

uma energia saudável”, atira.<br />

Ao longo do último ano, os<br />

rapazes da província correram<br />

mundo. Uma fi cção tornada<br />

verda<strong>de</strong>. Pelo menos em teoria.<br />

“Crescemos imenso, claro,<br />

enquanto músicos e como<br />

pessoas” – e excita-se com a<br />

<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> algumas cida<strong>de</strong>s<br />

que conheceu, para logo <strong>de</strong><br />

seguida refrear o entusiasmo.<br />

“Andar em digressão é bom,<br />

mas também é estranho. É ir aos<br />

sítios com que sempre se sonhou<br />

e não ter tempo para ver nada.<br />

É um sonho tornado realida<strong>de</strong>,<br />

mas nunca há tempo para a<br />

realida<strong>de</strong>.”<br />

As canções do novo disco<br />

acabaram por ser compostas<br />

entre viagens. Po<strong>de</strong>r-se-ia<br />

pensar que as letras<br />

seriam diferentes. ntes.<br />

Mas não. Tal<br />

como já<br />

acontecia<br />

no primeiro<br />

álbum, as canções ções<br />

têm uma carga a<br />

erótica sombria ia<br />

e Rimbaud volta lta a<br />

ser citado. “Hay<strong>de</strong>n ay<strong>de</strong>n gosta<br />

muito <strong>de</strong> escritores tores<br />

contemporâneos eos<br />

como Ian McEwan, wan,<br />

mas é verda<strong>de</strong> e que todos temos<br />

uma fi xação em m Rimbaud.<br />

Na sua poesia existe uma<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>, mistura <strong>de</strong><br />

confusão e <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z profunda,<br />

que nos aproxima <strong>de</strong>le. É<br />

natural, na adolescência, essa<br />

energia em bruto, direccionada,<br />

<strong>de</strong> forma confusa, para todas as<br />

direcções.”<br />

E a seguir, conclui: “A nossa<br />

música é sensual, mas <strong>de</strong> forma<br />

directa. Em parte, talvez seja<br />

por isso, que ninguém lhe é<br />

indiferente e ainda irritamos<br />

tanta gente.”<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 48 e segs.<br />

“A nossa música é sensual, mas <strong>de</strong> forma directa.<br />

Em parte, talvez seja por isso, que ninguém lhe é indiferente<br />

e ainda irritamos tanta gente” Tom Fleming<br />

“Two<br />

Dancers”,<br />

sem constituir<br />

uma ruptura<br />

em relação<br />

ao disco<br />

anterior,<br />

contém o grau<br />

sufi ciente<br />

<strong>de</strong> diferença<br />

para<br />

ultrapassar<br />

a linha que<br />

separa<br />

a irritação<br />

da aprovação<br />

sem reservas


Little Joy o sol<br />

da Califórnia<br />

nasceu na noite<br />

<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

Fabrizio Moretti dos The Strokes e Rodrigo<br />

Amarante dos Los Hermanos encontraram-se<br />

em <strong>Lisboa</strong>, gravaram ao sol da Califórnia e agora<br />

vêm agra<strong>de</strong>cer o projecto Little Joy à cida<strong>de</strong> que<br />

os juntou, na companhia <strong>de</strong> Binki Shapiro. “Não<br />

é bonito?” diz-nos Fabrizio. É sim senhor. Vítor<br />

Belanciano<br />

Little Joy Teatro Tivoli.<br />

Amanhã, às 22h15<br />

“Pois é, o sol da Califórnia<br />

nasceu numa noite <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>”<br />

diz-nos às tantas, entre risos,<br />

Fabrizio Moretti, baterista dos<br />

The Strokes e um terço dos<br />

Little Joy, menção ao facto do<br />

embrião do projecto ter sido a<br />

noite em que conheceu Rodrigo<br />

Amarante dos Los Hermanos.<br />

Foi em <strong>Lisboa</strong>, em 2006, no<br />

Festival <strong>Lisboa</strong> Soundz, on<strong>de</strong><br />

os Strokes e os Los Hermanos<br />

tocaram. No fi nal do concerto dos<br />

primeiros, o brasileiro foi aos<br />

bastidores para lhes transmitir<br />

que gostava do grupo e foi aí<br />

que o encontro se <strong>de</strong>u. “Foi uma<br />

noite incrível”, recorda Fabrizio,<br />

a partir <strong>de</strong> Nova Iorque, on<strong>de</strong><br />

os Little Joy acabaram <strong>de</strong> tocar<br />

na companhia <strong>de</strong> Devendra<br />

Banhart.<br />

“Recordo-me que a minha<br />

bagagem tinha fi cado num<br />

aeroporto qualquer, não tinha<br />

roupa nem nada, tiveram que<br />

me emprestar uma camisola<br />

para tocar e estava chateado<br />

com toda a situação. No fi nal<br />

do concerto, nos bastidores,<br />

pensava retirar-me rapidamente<br />

para o hotel, quando <strong>de</strong>i por<br />

mim a falar com um brasileiro.<br />

Apresentou-se, disse que era<br />

músico e fazia parte dos Los<br />

Hermanos. Olhei para ele: ‘a<br />

sério? Adoro a vossa música, o<br />

meu irmão – que vive no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro como a minha<br />

restante família – está sempre<br />

a falar <strong>de</strong> vocês e envia-me os<br />

discos’. A partir daí começamos<br />

a falar e nunca mais parámos.<br />

Bebemos cerveja e pairámos<br />

horas junto a rio, até <strong>de</strong> manhã.<br />

Acabou por ser uma noite<br />

inesquecível.”<br />

Um momento feliz<br />

Fabrizio tem nacionalida<strong>de</strong><br />

americana, mas nasceu no<br />

Brasil. Foi para Nova Iorque<br />

aos quatro anos. Fala bem<br />

português. “Quer dizer, mais<br />

ou menos.” Só quando fala com<br />

regularida<strong>de</strong> em português com<br />

alguém é que consegue adaptarse<br />

à língua.<br />

Foi isso que aconteceu um<br />

ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter conhecido<br />

Rodrigo. Reencontraram-se<br />

em Los Angeles, on<strong>de</strong> Fabrizio<br />

vive há anos e on<strong>de</strong> o brasileiro<br />

participava nas gravações <strong>de</strong><br />

“Smokey Rolls Down Thun<strong>de</strong>r<br />

Canyon” <strong>de</strong> Devendra Banhart.<br />

Na altura, Fabrizio estava <strong>de</strong><br />

folga dos Strokes, a actriz Drew<br />

Barrymore já fazia parte da<br />

história, e era a cantora Binki<br />

Shapiro a sua nova namorada.<br />

“Saíamos os três juntos,<br />

bebíamos umas cervejas e a<br />

Binki insistia para criarmos<br />

umas canções. Tinha uma<br />

série <strong>de</strong> esboços já feitos e<br />

começamos a trabalhar neles<br />

sem gran<strong>de</strong>s preocupações.<br />

Quando <strong>de</strong>mos por nós<br />

“Saíamos os três juntos, bebíamos cervejas e a Binki insistia para<br />

criarmos canções. Quando <strong>de</strong>mos por nós tínhamos um álbum<br />

e resolvemos editá-lo” Fabrizio Moretti<br />

percebemos que tínhamos um<br />

álbum concluído e resolvemos<br />

editá-lo.”<br />

Dito assim parece quase<br />

insolência. Mas ouvindo o álbum<br />

faz imenso sentido. É como se os<br />

The Strokes tivessem acampado<br />

numa praia do Rio, encontrado<br />

um cantor <strong>de</strong> bossa nova e feito<br />

um disco, <strong>de</strong>scontraidamente,<br />

nessa mesma noite, com o<br />

fantasma <strong>de</strong> Nico pairando sob o<br />

céu estrelado.<br />

É um disco <strong>de</strong>sprendido,<br />

fazendo-nos participar na sua<br />

dinâmica ociosa. “Claro que<br />

o ambiente da Califórnia nos<br />

contaminou”, diz, “é um disco<br />

que capta um momento feliz,<br />

sem dúvida.” Há bossa nova,<br />

rock ensolarado, harmonias<br />

vocais, refrões pop anos 60,<br />

guitarras acústicas e <strong>de</strong>rivações<br />

jamaicanas. É um disco que<br />

celebra as pequenas coisas da<br />

existência, cantado em inglês e<br />

português. A brincar, é capaz <strong>de</strong><br />

ser o melhor projecto on<strong>de</strong> um<br />

dos membros dos Strokes já se<br />

viu envolvido.<br />

Fabrizio ri-se com a sugestão,<br />

dizendo que o álbum recente do<br />

vocalista Julian Casablancas<br />

“é bom e muito ambicioso”,<br />

mas logo <strong>de</strong> seguida retratase.<br />

“Claro que este é um<br />

projecto sério, já estamos<br />

a compor canções para um<br />

segundo álbum, mas os Strokes<br />

continuam a ser a minha<br />

banda – vamos regressar no<br />

próximo ano e temos estado a<br />

trabalhar também em material<br />

novo – e é preciso não esquecer<br />

que Rodrigo e Binki também<br />

têm outros projectos. Mas é<br />

verda<strong>de</strong> que nos damos bem,<br />

divertimo-nos e isso não se <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>sperdiçar.”<br />

No disco, tocaram tudo o<br />

que havia para tocar. Fabrizio<br />

ocupou-se das guitarras, do<br />

piano, do baixo, da bateria,<br />

Binko <strong>de</strong> algumas vozes,<br />

guitarra e percussões e<br />

Rodrigo das vozes, guitarra,<br />

piano, baixo ou órgão. “É por<br />

isso que ao vivo é diferente,<br />

seria impossível tocarmos<br />

todos os instrumentos que as<br />

canções pe<strong>de</strong>m”, explica, “mas<br />

a essência <strong>de</strong> cada uma das<br />

canções mantém-se.”<br />

O concerto <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> e três<br />

datas espanholas assinalarão<br />

o término da digressão dos<br />

Little Joy. Depois seguemse<br />

mais aventuras com The<br />

Strokes, mas os próximos dias<br />

não os quer <strong>de</strong>sperdiçar. Para<br />

Fabrizio, o festival constituirá<br />

uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer<br />

<strong>Lisboa</strong>, e não escon<strong>de</strong> o<br />

entusiasmo. “Dessa primeira<br />

vez acabei por não conhecer a<br />

cida<strong>de</strong>. Rodrigo adora Portugal<br />

e tem aí muitos amigos. Agora<br />

estou ansioso por conhecer<br />

<strong>Lisboa</strong>, afi nal foi aí que tudo<br />

começou, não é bonito?”.<br />

O projecto<br />

Little Joy<br />

nasceu em<br />

<strong>Lisboa</strong>:<br />

Fabrizio<br />

Moretti,<br />

baterista<br />

dos Strokes,<br />

conheceu<br />

Rodrigo<br />

Amarante<br />

dos Los<br />

Hermanos,<br />

em 2006,<br />

no <strong>Lisboa</strong><br />

Soundz; para<br />

além <strong>de</strong>les,<br />

há ela, Binki<br />

Shapiro


O Evangelho segundo<br />

Samuelvis<br />

É um dos discos mais aguardados do ano, a estreia <strong>de</strong> Samuel Úria. Em “Não<br />

Lhe Tocava” faz <strong>de</strong> Elvis, Variações, Tom Waits, Prince e o que mais lhe dá<br />

na cabeça. É um vaqueiro urbano que gosta <strong>de</strong> ser parolo e “cool”. Fomos<br />

<strong>de</strong>scobrir <strong>de</strong> que é feita esta cabeça. João Bonifácio<br />

Samuel Úria Hotel Tivoli -<br />

Terraço. Hoje, às 21h15<br />

Samuel Úria marca o encontro<br />

para domingo às nove da manhã,<br />

não por ser um hiperprofi ssional<br />

com uma multinacional<br />

por trás e um dia completo<br />

<strong>de</strong> entrevistas pela frente,<br />

mas porque é a essa hora que<br />

o seu domingo começa. No<br />

entanto, tem mesmo disco para<br />

promover, “Nem Lhe Tocava”, o<br />

seu primeiro ofi cial <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

uma série <strong>de</strong> CD-R e concertos<br />

que o tornaram o segredo mais<br />

guardado da canção portuguesa.<br />

Por tudo o que se tinha visto<br />

<strong>de</strong>le, esperava-se um disco <strong>de</strong><br />

bala<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong> vaqueiro urbano.<br />

Mas “Nem Lhe Tocava” é tudo<br />

mais isso, com realce em “tudo”:<br />

Úria faz <strong>de</strong> Elvis, Tom Waits,<br />

Prince, Variações, Vitorino,<br />

muda <strong>de</strong> pele mantendo sempre<br />

a cara. Não é mais Samuel Úria:<br />

é Samuelvis. E como Samuelvis<br />

não esqueceu o pecado, o motor<br />

da música pop. Acorda cedo aos<br />

domingos para estudar o pecado<br />

e é por isso que, a ter <strong>de</strong> fazer<br />

uma entrevista para promover o<br />

disco, a faz a estas horas, neste<br />

dia: porque é baptista e o seu<br />

domingo é consagrado à Igreja e<br />

à família.<br />

Já se referiu a palavra<br />

“baptista” em relação aos<br />

membros da editora Flor<br />

Caveira inúmeras vezes,<br />

mas ninguém <strong>de</strong> fora se <strong>de</strong>u<br />

ao trabalho <strong>de</strong> ir verifi car<br />

como é que a fé se refl ecte na<br />

música e personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes<br />

músicos. Por isso, em vez <strong>de</strong> o<br />

acompanharmos numa noite <strong>de</strong><br />

pecado, acompanhámo-lo numa<br />

manhã <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção e numa<br />

tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> família, para <strong>de</strong>scobrir<br />

como estas o levaram a escrever<br />

aquele que é, ao lado do disco<br />

<strong>de</strong> João Coração, o melhor disco<br />

português do ano.<br />

Trabalhos <strong>de</strong> casa<br />

Às 9h30 da manhã <strong>de</strong> domingo,<br />

Úria estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma sala<br />

da Igreja Baptista na Graça, para<br />

uma sessão aproximada daquilo<br />

que “para os miúdos católicos se<br />

chama catequese”.<br />

Estava <strong>de</strong> botas Doc Martens<br />

baixas, “jeans” estreitos com<br />

dobra para cima, “blazer”<br />

cinzento, camisa azul, patilhas,<br />

bigo<strong>de</strong> aparado, cabelo curto<br />

com popa entre a <strong>de</strong> Joe<br />

Strummer e a <strong>de</strong> Elvis e perfume.<br />

Parecia um funcionário<br />

público resignado a rebelar-se<br />

aos fi ns-<strong>de</strong>-semana graças a<br />

um visual “proto-rockabilly”,<br />

distante do tipo <strong>de</strong> botas<br />

americanas, camisola <strong>de</strong><br />

cavas e cabelo comprido que<br />

conhecemos dos concertos.<br />

“Eu gosto <strong>de</strong> usar camisola <strong>de</strong><br />

cavas”, disse-nos mais tar<strong>de</strong>,<br />

“por causa da cultura <strong>de</strong> comer<br />

caracóis e usar palito.” É um<br />

lado “piroso barra ‘cool’”, que<br />

diz também ter: “Sou um gajo<br />

do interior, não posso ser ‘cool’ a<br />

100 por cento.”<br />

Há umas <strong>de</strong>z pessoas na sala<br />

e é nítido que se conhecem bem.<br />

Chamam a si próprios alunos,<br />

mas alguns não fi zeram os<br />

trabalhos <strong>de</strong> casa: <strong>de</strong>veriam<br />

ter lido os pontos 3, 4 e 5, que<br />

andam a relacionar com o Salmo<br />

103. “Este é um texto difícil <strong>de</strong><br />

digerir”, diz a professora liceal<br />

que li<strong>de</strong>ra os trabalhos.<br />

Os baptistas não se limitam a<br />

ler. A dada altura, como forma<br />

empírica <strong>de</strong> pensar as palavras<br />

<strong>de</strong> Calvino, fazem um jogo: têm<br />

<strong>de</strong> imaginar que acabaram <strong>de</strong><br />

conhecer um <strong>de</strong>sconhecido com<br />

quem iniciaram longa conversa.<br />

Nessa conversa contam <strong>de</strong>z<br />

coisas acerca <strong>de</strong> si próprios, <strong>de</strong>z<br />

coisas que sejam verda<strong>de</strong>. Têm<br />

<strong>de</strong> escrever essas <strong>de</strong>z coisas<br />

numa lista.<br />

Os itens <strong>de</strong> Úria, reparamos,<br />

são muito pequenos e precisos,<br />

como a sua escrita. É notório que<br />

pon<strong>de</strong>ra bem cada palavra.<br />

A professora diz com o seu


sorriso matreiro: “Desculpem<br />

se isto é indigesto ao domingo<br />

da manhã.” Passam a fazer<br />

uma espécie <strong>de</strong> estatística<br />

do que os membros do grupo<br />

<strong>de</strong> estudo colocaram na sua<br />

lista: os homens puseram<br />

pormenores políticos; ninguém<br />

pôs económicos; sociais, todos<br />

puseram; quase ninguém pôs<br />

nada religioso.<br />

Discutem os seus itens<br />

aos olhos <strong>de</strong> Calvino. Uma<br />

senhora diz: “O Calvino tem<br />

razão, mas acho que não<br />

precisamos <strong>de</strong> viver com essa<br />

culpa permanente sobre nós.”<br />

Úria intervém para lembrar<br />

que a separação <strong>de</strong> Calvino<br />

entre homens e animais é uma<br />

visão do homem enquanto<br />

receptáculo moral. Ele tem a<br />

Bíblia no telemóvel e um lado <strong>de</strong><br />

exegeta: vai constantemente ao<br />

telemóvel Bíblia à procura da<br />

citação exacta e para retirar as<br />

<strong>de</strong>vidas ilações calvinistas.<br />

Depois entra-se na parte<br />

pesada: a professora lembra<br />

que “as putas, para Cristo,<br />

estavam acima dos fariseus”.<br />

Alerta para os pecados da<br />

omissão, do orgulho. E atira: “Se<br />

estivéssemos mais próximos<br />

do coração, provavelmente<br />

estávamos <strong>de</strong> joelhos.” Não se<br />

passa por isto impune.<br />

No fi m dos trabalhos<br />

alguém diz: “Depois disto<br />

merecemos um café.”<br />

A resposta vem pronta, e<br />

em tom <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira: “Não<br />

sei se merecemos.” Talvez<br />

seja este humor que distingue<br />

baptistas <strong>de</strong> católicos – toda a<br />

“aula” <strong>de</strong>correu num ambiente<br />

informal.<br />

Sobem para o andar <strong>de</strong> cima,<br />

on<strong>de</strong> começa a “sessão <strong>de</strong> culto”.<br />

Está longe <strong>de</strong> ser aquilo a que os<br />

católicos chamam igreja: o chão<br />

é <strong>de</strong> corticite, o tecto é falso com<br />

luz <strong>de</strong> néon, o vidro fosco que<br />

separa a igreja da rua mantém<br />

a primeira na penumbra. O<br />

palanque dos instrumentos,<br />

à esquerda do púlpito, está<br />

revestido a dourado em relevo,<br />

como se <strong>de</strong> ali viesse a luz. Há<br />

painéis <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira a revestir a<br />

igreja, e todo o compartimento<br />

tem um certo ar <strong>de</strong> caserna.<br />

Não há uma única cruz. Não há<br />

vitrais. Colunatas. Nada.<br />

Úria dirige os trabalhos<br />

porque “o pastor tem gripe A”.<br />

Po<strong>de</strong> presumir-se que o hábito<br />

<strong>de</strong> subir ao púlpito lhe tenha<br />

dado à vonta<strong>de</strong> no palco.<br />

Fazem pedidos <strong>de</strong> comida para<br />

cabazes <strong>de</strong> Natal, para dar a<br />

famílias necessitadas. Pe<strong>de</strong>m a<br />

Deus que os ilumine a respon<strong>de</strong>r<br />

às perguntas dos pequenos, que<br />

na escola encontram muitas<br />

dúvidas face ao que apren<strong>de</strong>m<br />

na Bíblia e o que os colegas lhes<br />

dizem.<br />

Cantam o hino “Santo, santo,<br />

santo”. É aqui que vem a música<br />

<strong>de</strong> Úria, <strong>de</strong>ste Portugal<br />

fi ncado na América:<br />

esta versão <strong>de</strong><br />

“Santo, santo,<br />

santo” é<br />

um R&B<br />

com<br />

laivos <strong>de</strong> gospel, entrecortado<br />

pelo choro dos bebés dos<br />

“irmãos”. E é belíssimo. Estão<br />

todos no tom. Batem palmas<br />

para marcar o tempo. Uma mãe<br />

canta com um bebé ao colo: “Ele<br />

é exaltado, o Rei é exaltado para<br />

sempre.” É a irmã <strong>de</strong> Úria.<br />

No fi m ninguém faz o sinal<br />

da cruz. Ninguém se ajoelha. O<br />

“pós-lúdio” é arrepiante, como<br />

uma balada gospel que Tom<br />

Waits escrevesse para Cash e<br />

acabasse por fi car instrumental,<br />

porque entretanto Cash morrera.<br />

Infl uência americana<br />

Estamos no restaurante<br />

do Monumental, on<strong>de</strong> aos<br />

domingos o casal Úria – Raquel é<br />

a mulher – almoça sempre, o que<br />

faz sentido, se pensarmos que<br />

são fanáticos <strong>de</strong> cinema.<br />

Nascido em 1979, Samuel tem<br />

uma memória impressionante<br />

<strong>de</strong> infância. “Sou fi xado no ano<br />

<strong>de</strong> 1986. Fui operado a uma<br />

apendicite, concluí a escola<br />

primária, começou a dar na TV<br />

os ‘Jovens Heróis <strong>de</strong> Shaolin’,<br />

<strong>de</strong>u o México <strong>de</strong> 86.” Sabe que<br />

teve a primeira TV a cores em<br />

1983, uma Grundig vermelha,<br />

que 1983 foi o ano <strong>de</strong> O Tal Canal,<br />

lembra-se que teve o primeiro<br />

ví<strong>de</strong>o em 1984.<br />

Neto do sapateiro Armelindo,<br />

cresceu numa zona rural, mas<br />

admite que tem o hábito <strong>de</strong><br />

“tornar um bocado fábula as<br />

raízes rurais”, porque na prática<br />

“não [foi] privado <strong>de</strong> nada”. Em<br />

miúdo “via mesmo muita TV”,<br />

pelo que quando começou a vir<br />

a <strong>Lisboa</strong> “com 14, 15 anos não<br />

havia <strong>de</strong>sfasamento cultural por<br />

causa da TV”.<br />

Em seguida os Úrias levamnos<br />

para sua casa, servem-nos<br />

um magnífi co sumo <strong>de</strong> limão e<br />

ainda nos oferecem a receita.<br />

Na pequena casa dos Úrias,<br />

Samuel tem um pequeno<br />

escritório só para si, que,<br />

imaginamos, seria do agrado<br />

<strong>de</strong> Tom Waits, o primeiro<br />

músico cuja discografi a<br />

completou: uma panóplia<br />

<strong>de</strong> instrumentos<br />

musicais mistura-se<br />

com roupas atiradas<br />

para um canto, livros,<br />

discos, tralha sem<br />

or<strong>de</strong>m aparente.<br />

Numa estante estão<br />

centenas <strong>de</strong> BD, <strong>de</strong><br />

Frank Miller a Joe<br />

Sacco, passando por<br />

Jack Cole Sam Keith,<br />

Windson McKay.<br />

“Cresci com os<br />

‘comics’ americanos<br />

por uma questão<br />

<strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong>,<br />

porque eram formatos<br />

mais pequenos e<br />

mais baratos”, conta.<br />

“Quando era puto, o meu<br />

sonho era fazer BD. Pelo<br />

menos até aos 16, 17 anos.”<br />

“A BD pôs-me em contacto<br />

com as traduções brasileiras,<br />

que põem menos barreiras à<br />

língua que os portugueses.”<br />

Começamos a perceber como<br />

foi compondo o seu quadro<br />

lírico mental, quando nos diz<br />

que “a canção portuguesa dos<br />

anos 40, 50, 60 era mais pensada<br />

em termos <strong>de</strong> musicalida<strong>de</strong><br />

portuguesa, do som da sílaba,<br />

o que <strong>de</strong>pois se per<strong>de</strong>u com a<br />

adaptação à força da língua ao<br />

pop-rock”.<br />

A infl uência americana<br />

esten<strong>de</strong>-se a tudo. No cinema<br />

diz estar “há muitos anos ‘in<br />

awe’ com John Ford: “Tem uma<br />

linguagem embrutecida, mas<br />

em termos estéticos aquilo é<br />

trabalhadíssimo.” Gosta <strong>de</strong><br />

Roselini, De Sica, Visconti, mas<br />

quando olhamos em volta os<br />

fi lmes que vemos são clássicos<br />

americanos: “Rio Bravo”<br />

(Hawks), “Relíquia Macabra”<br />

(Houston), “Young Mr. Lincoln”<br />

e “A Taberna do Irlandês”<br />

(Ford).<br />

Toca guitarra durante<br />

uns instantes, numa dobro<br />

lindíssima: sai-lhe um blues em<br />

“sli<strong>de</strong>” magnífi co, mas recusa<br />

ser visto como virtuoso. “Tive<br />

uma banda jazz. Quando ouço<br />

as cassetes do que fazíamos,<br />

pergunto-me como é que<br />

conseguia tocar aquilo.” Foi<br />

“Sou fixado no ano <strong>de</strong> 1986. Fui operado a uma apendicite, concluí a escola primária,<br />

começou a dar na TV os ‘Jovens Heróis <strong>de</strong> Shaolin’, <strong>de</strong>u o México <strong>de</strong> 86”<br />

aí que <strong>de</strong>cidiu que não seria o<br />

Steve Vai <strong>de</strong> Gouveia e resolveu<br />

fazer canções.<br />

Quando se sentou a tocar<br />

libertou-se e quando nos<br />

pusemos a ouvir o disco ainda<br />

mais. Tínhamos ouvido em<br />

estúdio, antes das misturas e ele<br />

estava ansioso. Mas agora está<br />

calmo, apesar do peso que “Não<br />

Lhe Tocava” acarreta: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

Úria “é com o disco conseguir<br />

pela primeira vez viver da<br />

música”.<br />

Úria é professor <strong>de</strong> Educação<br />

Visual em Santa Iria da Azóia,<br />

mas dá só 12 horas <strong>de</strong> aulas por<br />

semana, “o que <strong>de</strong>u tempo para<br />

acabar fi nalmente o disco”. Uma<br />

das razões por que levou tanto<br />

tempo a editar: em seis anos teve<br />

seis casas e só há um conseguiu<br />

assentar em <strong>Lisboa</strong>. “Neste<br />

disco apeteceu-me aligeirar um<br />

pouco. Quis borrifar-me para o<br />

estilo.”<br />

Soa a “bouta<strong>de</strong>”, mas<br />

pensamos que é verda<strong>de</strong> quando<br />

escutamos “No cover”. Ele<br />

atira: “É um bocado a ‘Leitaria<br />

Garrett’ do Vitorino com um<br />

solo à Demmis Roussos.” É a<br />

mais inóspita <strong>de</strong>fi nição musical<br />

alguma vez proposta. Mas tornase<br />

tudo mais “nonsense” quando<br />

diz: “Quero ver isto cantado<br />

pelo Clemente.” Depois pelo<br />

meio <strong>de</strong>screve o seu canto como<br />

“Prince com catarro”, diz que<br />

aqui imitou Variações, ali Dean<br />

Martin, e escangalha-se a rir<br />

com a sua imitação <strong>de</strong> Elvis.<br />

A dada altura lembramonos<br />

que <strong>de</strong> manhã ele tinha<br />

lembrado a tarefa <strong>de</strong> Jesus: “Veio<br />

para trazer vida, fazer viver o<br />

que se tinha perdido.”<br />

“Não Lhe Tocava” é isso: fazer<br />

viver a música que tínhamos<br />

esquecido. Quando lhe pedimos<br />

uma <strong>de</strong>fi nição do que faz,<br />

encolhe os ombros e diz: “Quero<br />

fazer músicas que se possam<br />

assobiar.”<br />

Em “Não<br />

Lhe Tocava”<br />

Samuel faz<br />

<strong>de</strong> Elvis,<br />

Variações,<br />

Tom Waits,<br />

Prince e o que<br />

mais lhe dá<br />

na cabeça;<br />

é um vaqueiro<br />

urbano<br />

que gosta<br />

<strong>de</strong> ser parolo<br />

e “cool”


MUSEU DO ORIENTE<br />

EXPOSIÇÕES<br />

Visita orientada:<br />

A Tailândia na exposição Deuses da Ásia<br />

ESPECTÁCULOS<br />

Marionetas tradicionais da Tailândia:<br />

Hobby Hut Puppet Troupe<br />

CONHECIMENTO<br />

Oficinas<br />

Cada cabeça, cada chapéu<br />

Amuletos <strong>de</strong> amor!<br />

Workshops<br />

Cozinha tailan<strong>de</strong>sa<br />

Muay Thai<br />

Carving<br />

Demonstrações<br />

Massagem tailan<strong>de</strong>sa<br />

ENCONTROS<br />

Palestra: O budismo na socieda<strong>de</strong> contemporânea<br />

Contadores <strong>de</strong> histórias tradicionais<br />

GASTRONOMIA<br />

Cozinha tailan<strong>de</strong>sa no restaurante do museu<br />

Consulte a programação em www.museudooriente.pt<br />

mecenas principal: mecenas espectáculos: mecenas do serviço educativo:<br />

Museu do Oriente<br />

Av. Brasília<br />

Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte)<br />

1350-352 <strong>Lisboa</strong><br />

Tel: 213 585 200<br />

info@foriente.pt<br />

www.museudooriente.pt<br />

6 a 20 Dezembro<br />

parcerias:<br />

apoios:


O método<br />

<strong>de</strong> B Fachada<br />

Tentámos chegar ao músico através da música. Demoslhe<br />

canções. Calou-se em “God only knows”, lamentou<br />

a morte <strong>de</strong> Variações e não reparou em Devendra.<br />

Confessou-se herege com Cohen. E não hesitou na<br />

resposta à pergunta: Chico ou Caetano? Mário Lopes<br />

Devendra Banhart canta a felicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> saborear um pedaço <strong>de</strong> fruta<br />

em Santa Maria da Feira, mas o Fachada<br />

nem o ouve. Fala-nos <strong>de</strong> José<br />

Afonso e <strong>de</strong> como o incomoda a “utilida<strong>de</strong><br />

partidária” que põem no “Zeca”:<br />

“Tem uma perspectiva sobre o<br />

mundo, mas nem é excessivamente<br />

moralista”. Compara: “Ouvir o [Georges]<br />

Braessens sem perceber o que<br />

ele está a cantar é um bocado chato,<br />

porque as músicas são parecidas, agora<br />

o Zeca? O Zeca é disco atrás <strong>de</strong> disco”.<br />

Devendra continua a balançar lá<br />

atrás e Fachada há-<strong>de</strong>, por fim, reparar<br />

nele. Irónico. Taxativo. “Nunca<br />

me atraiu a barba e o banho por tomar.<br />

Passaram-me algumas coisas,<br />

mas nunca fui a fundo”. Ri-se: Nunca<br />

tive... capacida<strong>de</strong>”.<br />

Ouvimo-lo dizer aquilo enquanto<br />

rodávamos disco atrás <strong>de</strong> disco, investigando<br />

os seus fascínios, empatias<br />

ou <strong>de</strong>sinteresses (ele é diplomático e<br />

não diz “<strong>de</strong>testo isto”, diz “não sinto<br />

empatia por”). Queríamos chegar ao<br />

músico através <strong>de</strong> música. O músico<br />

ouviu e falou, calou-se quando ouviu<br />

“God only knows”, dos Beach Boys,<br />

entusiasmou-se quando ecoou a voz<br />

<strong>de</strong> Alfredo Marceneiro e nem reparou<br />

no Devendra. Mesmo no fim, confessou-se<br />

herege. Demos-lhe “Last<br />

year’s man”, do “Songs Of Love<br />

And Hate” <strong>de</strong> Leonard Cohen, ele<br />

preferiu que fossemos buscar “I’m<br />

Your Man”: “Este soa-me <strong>de</strong>masiado<br />

sério. O ‘I’m Your Man’ é o Cohen com<br />

a leveza necessária para ser Cohen”.<br />

Fachada fã<br />

B Fachada acaba <strong>de</strong> editar novo álbum,<br />

homónimo, o sucessor <strong>de</strong>sse<br />

“Um Fim-<strong>de</strong>-Semana No Pónei Dourado”<br />

a que chamou disco <strong>de</strong> Verão.<br />

“B Fachada” seria então o seu disco<br />

<strong>de</strong> Inverno. Apesar dos pianos e do<br />

tom outonal <strong>de</strong> algumas melodias,<br />

arriscamos que o Inverno será curto<br />

para ele. É disco para, pelo menos,<br />

um ano inteiro. Não foi <strong>de</strong>le, contudo,<br />

que falámos. Inevitavelmente, a sua<br />

música aflorou aqui e ali, mas o que<br />

queríamos perceber era o que existe<br />

por trás <strong>de</strong>la. Tínhamos uma teoria.<br />

Arriscávamos que, absorvido a tempo<br />

inteiro no seu “metiér”, Bernando<br />

Fachada não ouve música com aquela<br />

tipicamente juvenil capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

maravilhamento. Ouve-a com os sen-<br />

14 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

tidos <strong>de</strong>spertos àquilo que, quer seja<br />

uma métrica, uma figura <strong>de</strong> guitarra,<br />

uma inflexão melódica, possa a retirar<br />

para as suas canções.<br />

Quase no fim, pareceu revelar-se: velar-se:<br />

“Não quero ser um ‘geek’ da música.<br />

Não sou aquele gajo que sabe o nome<br />

<strong>de</strong> todos os elementos das bandas<br />

e que ouviu todas as bandas da editora<br />

tal. Estou completamente nte a<br />

leste disso”. Isso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não<br />

lhe atirem um Caetano para a a<br />

frente. Não o fizemos. Demos- s-<br />

lhe “Caçada”, <strong>de</strong> Chico<br />

Buarque. Ele mor<strong>de</strong>u o<br />

isco, mas apenas para<br />

nos arrastar até Veloso.<br />

Duas frases entre<br />

um e outro: “Tinha e<br />

tenho alguns problemas<br />

com o Chico Buarque,<br />

mas nos últimos<br />

tempos tenho<br />

estado a fazer as pazes.<br />

Sou fã incondicional<br />

do Caetano”. A partir<br />

daqui, não há distanciamento.<br />

Querem conhecer<br />

o Fachada fã? Falem-lhe do autor<br />

<strong>de</strong> “Tropicália”. “Para mim é<br />

quase sagrado. Tem aquelas coisas<br />

mais pirosas, mas fazem parte. Toda<br />

a gente tem coisas que não são para<br />

ouvir isoladamente e o Caetano é<br />

sempre o Caetano. O que quer que<br />

faça, terá sempre o meu aval. Porque<br />

ele é a pessoa, a voz, a imagem, o<br />

charme, as variações <strong>de</strong> humor”. Na<br />

sua galeria <strong>de</strong> heróis, Caetano é caso<br />

único: “Pois, não tenho esta tolerância<br />

com outros músicos”. “E Chico?”,<br />

reconduzimos. Pois bem, Chico tem<br />

um problema.<br />

A música <strong>de</strong> B Fachada faz-se <strong>de</strong><br />

uma lírica surpreen<strong>de</strong>nte. Ali <strong>de</strong>scobrimos<br />

um contador <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong>salinhado,<br />

um habilíssimo encenador<br />

<strong>de</strong> improváveis. Pega em personagens,<br />

lança-as ao mundo e, com inegável<br />

prazer, mostra-nos como as<br />

banalida<strong>de</strong>s da vida po<strong>de</strong>m ser bem<br />

mais ricas e complexas que a ficção.<br />

Não existe um subtexto moral que nos<br />

permita compreendê-las: existe a “incoerência”<br />

que Fachada vê todos os<br />

dias e que reconhece em toda a gente.<br />

É neste ponto que regressamos a Chico<br />

Buarque.<br />

“O meu problema com ele é uma<br />

questão <strong>de</strong> moralismo. Há um exces-<br />

TOM WAITS<br />

“Este é gran<strong>de</strong> com as vozes todas.<br />

Tem que se ouvir tudo. E o<br />

engraçado é que é superaudível<br />

em qualquer volume e em qualquer<br />

circunstância”<br />

BOB DYLAN<br />

so <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong><br />

“Sabia que ia levar com isto<br />

no Chico e<br />

Reconhece-lhe a gran<strong>de</strong>za<br />

estas coisas,<br />

mas não é crente”<br />

o excesso <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong><br />

e o moralismo,<br />

andam sempre<br />

ligadas”. Ainda assim, não lhe é imune:<br />

“Claro que tem uma coisa que o<br />

Zeca também tem. A música começa,<br />

eles cantam e uma pessoa esquece-se.<br />

Eu ouço as letras, mas ouço a qualida<strong>de</strong><br />

sonora das letras e o conteúdo<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter importância. O resto que<br />

está a acontecer é tão gran<strong>de</strong> que o<br />

facto <strong>de</strong> serem estalinistas ou trotskistas<br />

não me faz gran<strong>de</strong> diferença”. A<br />

questão do moralismo é recorrente<br />

em B Fachada.<br />

Gran<strong>de</strong> com as vozes todas<br />

Vejamos, começámos a sessão com<br />

FRANK ZAPPA<br />

“Um gajo tem que estar<br />

com pachorra para o aturar,<br />

não é todos os dias”


ANTÓNIO VARIAÇÕES<br />

“Cientificamente, é possível eu<br />

“Hunchback”, “Hunch <strong>de</strong> Kurt Vile, o um controlo Waitsiano da voz. É o<br />

ser a reencarnação do Variações.<br />

rock’n’roller rock “clássico-mo<strong>de</strong>rno” Cesário Ver<strong>de</strong> do fado” – e este, regis-<br />

Ele morreu no início <strong>de</strong> 1984, eu<br />

que q viajará do Porto, on<strong>de</strong> te-se, é o fado que lhe interessa.<br />

nasci no fim <strong>de</strong> 1984. Foi o tempo<br />

actua no Maus Hábitos, “Quem existe hoje? O Camané, claro,<br />

<strong>de</strong> fazer um estágio no céu para<br />

dia 8, para tocar com ele e a Ana Moura, numa vertente femi-<br />

ficar heterossexual e regressar”<br />

no dia seguinte, dia 9, nina. De resto, passa-se o tempo a<br />

no Frágil, em <strong>Lisboa</strong>. cantar uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> vida. Umas vielas<br />

“Gosto disto. Parece e uma Alfama que já não são a vida<br />

que está disfarçado mesmo”.<br />

à anos 70. São anos Ainda Fachada disserta quando no-<br />

70 à paisana”. Passáva canção se faz ouvir. Esta, ao con-<br />

CAETANO<br />

“Para a mim é quase sagrado.<br />

Tem aquelas uelas coisas mais pirosas,<br />

mas fazem zem parte. Toda a gente<br />

tem coisas oisas que não são para o<br />

mos <strong>de</strong>pois para um<br />

“clássico-clássico”,<br />

Bo Bob Dylan. Ao segundo<br />

d acor<strong>de</strong>, já Fachada<br />

d está a soltar uma<br />

gargalhada. g<br />

“Sabia<br />

trário da <strong>de</strong> Devendra, fá-lo parar.<br />

“Visões-Ficções (Nostradamus)”.<br />

António Variações. É um nome regularmente<br />

associado ao seu. “Isso é<br />

pela barba e pelo cachecol”, diz primeiro.<br />

Depois, põe um ar sério: “Cien-<br />

uvir isoladamente oladamente e o Caetano<br />

qque<br />

ia levar com istificamente, é possível eu ser a reen-<br />

é sempre o Caetano”<br />

to to”. Reconhece-lhe a carnação do Variações. Ele morreu<br />

“g “gran<strong>de</strong>za”, mas não no início <strong>de</strong> 1984, eu nasci no fim <strong>de</strong><br />

é<br />

“crente”. Da Améri- 1984. Foi o tempo <strong>de</strong> fazer um estágio<br />

ca, prefere outras no céu para ficar heterossexual e re-<br />

paragens. gressar”. Não, não era a sério.<br />

“In the nei- Seriamente, fala da “infelicida<strong>de</strong>”<br />

ghbourhood”, do autor <strong>de</strong> “Anjo Da Guarda”: “Mor-<br />

Tom Waits. reu <strong>de</strong>masiado cedo e nunca conse-<br />

“Este é gran<strong>de</strong> guiu gravar um disco perfeito. O que<br />

com as vozes conhecemos é a infância <strong>de</strong> uma gran-<br />

todas”, entu<strong>de</strong> coisa”.<br />

siasma-se.<br />

“Tem que se ou- Ele queria ser neurótico<br />

JORGE PALMA<br />

vir tudo. E o en- Conhecemos melhor B Fachada ao<br />

“O ‘Só’ é um disco que tem <strong>de</strong> se<br />

graçado é que é vê-lo ouvir música? Certamente. Os<br />

ouvir <strong>de</strong> seis em seis meses. Um<br />

superaudível em discos suce<strong>de</strong>m-se e as canções suge-<br />

disco perfeito do Palma”<br />

qualquer volume e em rem-lhe que <strong>de</strong>las fuja ou que com<br />

qualquer circunstância. Po- elas divague. Nada <strong>de</strong> monossílabos,<br />

<strong>de</strong>mos ouvi-lo <strong>de</strong> fato ou nus. Isso nada <strong>de</strong> silêncios. Quanto muito, ske-<br />

tem a ver também com a postura tches rápidos. Revelemo-los.<br />

<strong>de</strong>le. Não se leva muito a sério Thelonius Monk, “Round About<br />

e, normalmente, quem se leva Midnight”: “Gosto dos clássicos. Nes-<br />

muito a sério é obrigado a tas coisas, confio muito na história e<br />

uma postura que corta ou- não sinto gran<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, por<br />

tros veículos.”<br />

exemplo, investigar os saxofonistas<br />

B Fachada até <strong>de</strong>dicou todos à procura <strong>de</strong> um que seja me-<br />

uma canção, “Zappa porlhor que o [John] Coltrane, o Pharaoh<br />

tuguês”, a um músico que San<strong>de</strong>rs ou o Coleman Hawkins”.<br />

levava muito seriamente a Jorge Palma, “Na Terra dos So-<br />

sua iconoclastia e activismo nhos”: “O ‘Só’ é um disco que tem <strong>de</strong><br />

não engajado, mas não confia se ouvir <strong>de</strong> seis em seis meses. Um<br />

em máscaras <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong>. Ro- disco perfeito do Palma. Para muita<br />

DEVENDRA<br />

“Nunca me atraiu<br />

a barba e o banho por tomar.<br />

Passaram-me algumas coisas,<br />

mas nunca fui a fundo”<br />

damos “Plastic people” e ele<br />

encolhe-se. Aprecia Zappa, ouvelhe<br />

os discos, acha que caberia pelo<br />

menos um <strong>de</strong>les numa discoteca universal<br />

<strong>de</strong> 100 álbuns. “Mas não é pop<br />

para consumir, não é digestivo”. “Es-<br />

gente, eu incluído, estas são as únicas<br />

versões conhecidas <strong>de</strong>stas canções”.<br />

Animal Collective, “Grass”:<br />

“Sempre que as pessoas me mostram<br />

uma ou outra canção acho-os engratá<br />

noutra divisão”. Sentença: “Um çados. Depois vou tentar ouvir sozi-<br />

gajo tem que estar com pachorra panho e não resulta. Se calhar é uma<br />

ra o aturar, não é todos os dias”. música mais social”, sorri.<br />

Resumindo, não gosta <strong>de</strong> moralis- Beach Boys, “God only knows”.<br />

mos e, como tal, prefere quem não se Aqui, <strong>de</strong>tém-se. “É tudo tão perfeiti-<br />

leva <strong>de</strong>masiado a sério, quem sabe nho nos discos dos Beach Boys. É in-<br />

“sabotar-se”. Daí preferir o Cohen dos crível, mas nunca há um som fora do<br />

sintetizadores e dos coros femininos sítio”. Segue a canção em silêncio.<br />

ao do <strong>de</strong>purado a voz e guitarra. “Não Volta a si e confessa: “O Brian Wilson<br />

compro a i<strong>de</strong>ia do cantautor poeta e é incrível. Tenho um bocado inveja<br />

não percebo como é que a letra po<strong>de</strong> <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r ser um gajo neurótico<br />

pertencer a uma arte erudita e a mú- que se recusa a sair do estúdio”.<br />

sica a uma popular. No meu caso, Com o lançamento do álbum ho-<br />

nunca existe qualquer pretensão nesmónimo, Fachada encerra o ano com<br />

se aspecto. As letras cumprem o seu dois discos editados. Não foram fruto<br />

papel, que é serem estruturais na can- <strong>de</strong> um fluxo inesperado <strong>de</strong> inspiração.<br />

ção.”<br />

Tudo trabalho, dir-nos-á.<br />

Assim, não nos surpreen<strong>de</strong> a sua Antes <strong>de</strong> se <strong>de</strong>spedir, conta-nos que<br />

reacção logo que se ouve o primeiro já tem programado aquilo que fará<br />

trinado <strong>de</strong> guitarra portuguesa em “A em 2010. “B Fachada” acabou <strong>de</strong> sair<br />

casa da Mariquinhas”, <strong>de</strong> Alfredo e ele já está a preparar novas canções<br />

Marceneiro. Maravilha-o o saber e e novos cenários para as canções por<br />

técnica contidos naquela música. vir. Não sendo neurótico, tem método<br />

Acompanha a canção: “‘Janela com<br />

tabuinhas’. A métrica ali é lixada, mas<br />

muito apurado.<br />

não falha. Marceneiro não falha. Tem Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 48 e segs.<br />

Música<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 15


ENRIC VIVES-RUBIO<br />

Música<br />

Joana muito à fr<br />

Há uma cida<strong>de</strong> na Califórnia on<strong>de</strong> toda<br />

a gente quer apren<strong>de</strong>r a pronunciar<br />

“Car-nei-ro”. A maestrina <strong>de</strong> 33 anos<br />

é a nova estrela <strong>de</strong> Berkeley. Foi recebida<br />

<strong>de</strong> braços abertos, com um entusiasmo<br />

pouco comum. “Tive uma<br />

recepção calorosa”, diz-nos no início<br />

da conversa longa que tivémos na Fundação<br />

Gulbenkian. Começou a dirigir<br />

a Sinfónica <strong>de</strong> Berkeley em Janeiro <strong>de</strong><br />

2009, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter ganhado o concurso<br />

com uma perna às costas. O júri<br />

não teve dúvidas: “Ela é a pessoa<br />

certa no lugar certo. A interacção com<br />

os músicos, o nível a que os levou em<br />

quatro ensaios foi notável”.<br />

Até ver, só elogios: os músicos da<br />

orquestra adoram-na e elogiam-lhe o<br />

rigor tanto quanto a sua calorosa presença;<br />

Esa-Pekka Salonen, que ela tem<br />

como “mentor” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi sua maestrina<br />

assistente na superorquestra<br />

Filarmónica <strong>de</strong> Los Angeles, disse “tu<br />

tens <strong>de</strong> concorrer àquela orquestra,<br />

é i<strong>de</strong>al para ti”; o compositor John<br />

Adams (que vive em Berkeley) gabalhe<br />

a combinação <strong>de</strong> rigor e <strong>de</strong>scontracção<br />

e anuncia ao mundo que “a<br />

coisa maravilhosa em vê-la ensaiar é<br />

que ela faz toda a gente sentir-se à vonta<strong>de</strong>,<br />

e domina completamente a partitura”;<br />

o concertino, que ela já conhecia<br />

<strong>de</strong> Los Angeles, garante que quase<br />

nunca viu nada assim – “empenho e<br />

16 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Joana Carneiro gravou o seu primeiro disco, em que faz dançar a Orquestra G<br />

Sinfónica <strong>de</strong> Berkeley, cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> esperam <strong>de</strong>la o impossível. O truque é que para e<br />

entusiasmo e paixão”. “Uau!”, exclamam<br />

unanimemente músicos e críticos<br />

que assistiram aos primeiros concertos<br />

dirigidos por ela em Berkeley.<br />

“Ela encaixa”, “ela é extraordinária”,<br />

“fantástica”, “jovem, enérgica, inteligente,<br />

e com bom humor”, “a orquestra<br />

segue a sua enorme exigência”...<br />

e por aí fora. Um violoncelista da orquestra<br />

resumiu: “O coração <strong>de</strong>la é<br />

todo música”.<br />

Imaginar sem fronteiras<br />

O anterior maestro Kent Nagano <strong>de</strong>posita<br />

toda a confiança nela para continuar<br />

o trabalho <strong>de</strong> uma das orquestras<br />

mais à frente dos Estados Unidos<br />

da América: “A orquestra já existia<br />

antes <strong>de</strong> eu vir e vai sem dúvida continuar<br />

a florescer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mim”,<br />

disse Nagano. “Ele <strong>de</strong>ixou um legado<br />

que me inspira”, retribui Joana Carneiro.<br />

Que legado é esse? Uma dinâmica<br />

coexistência <strong>de</strong> nova música e<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s clássicos, uma relação<br />

íntima com a comunida<strong>de</strong> artística<br />

local e com toda a socieda<strong>de</strong>. “Uma<br />

tradição <strong>de</strong> inovação”, diz-nos a maestrina.<br />

“Programar música que está<br />

no nosso imaginário <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há séculos<br />

mas também aquilo que é o futuro da<br />

música”, continua.<br />

Joana Carneiro terá agora <strong>de</strong> ser<br />

muito mais do que maestrina: tem a<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dirigir artisticamente<br />

a orquestra. “É uma faceta que<br />

<strong>de</strong>sconhecia: programar, fazer escolhas<br />

para um, dois anos, e porventura<br />

para <strong>de</strong>z anos se ainda lá estivermos”.<br />

Fala com o entusiasmo <strong>de</strong><br />

quem quer mesmo estar lá daqui a<br />

<strong>de</strong>z anos. Mas a sua missão em Berkeley<br />

não é só programar: ela estará “na<br />

escolha dos músicos, nas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />

como a orquestra se relaciona com a<br />

comunida<strong>de</strong>”. Sente o peso da responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ter uma “visão artística,<br />

porque a orquestra é um veículo<br />

musical daquela cida<strong>de</strong>”. Todos<br />

acreditam que ela tem essa visão, e<br />

têm a certeza <strong>de</strong> que não vai <strong>de</strong>siludir.<br />

Já é muito trabalho? Não, ainda<br />

não é tudo. Joana Carneiro também<br />

tem <strong>de</strong> se preocupar com a sobrevivência<br />

da orquestra: “Estamos a falar<br />

<strong>de</strong> uma orquestra americana, é preciso<br />

pensar no ‘fundraising’”. É preciso<br />

dar “confiança” aos mecenas<br />

locais, mantendo altíssimos padrões<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e rigor e um largo público<br />

que se reconheça na orquestra,<br />

e sobretudo convencê-los a financiar<br />

a estrutura, mesmo em tempos <strong>de</strong><br />

crise. Joana garante que não é fácil:<br />

“Quando a crise começou, o financiamento<br />

da orquestra sofreu um<br />

abate <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento. Isso tem implicações<br />

nos programas, e é preciso<br />

distribuir melhor o que há.” Aí entra<br />

a imaginação, que hoje “é ainda mais<br />

necessária do que noutros tempos”,<br />

diz Joana Carneiro, olhos postos na<br />

realida<strong>de</strong>: “Com aquilo que temos,<br />

fazer o melhor que po<strong>de</strong>mos”.<br />

Mas ela não quer só a realida<strong>de</strong>,<br />

quer levar os limites da beleza mais<br />

longe. Por isso diz que não há limites.<br />

“Posso programar o que quiser, apresentar<br />

novos compositores, novos<br />

instrumentos, novos solistas. Posso<br />

imaginar sem fronteiras”.<br />

O segredo está nos gestos<br />

A orquestra <strong>de</strong> Berkeley tem os pés<br />

bem assentes na efervescente comunida<strong>de</strong><br />

local e ganhou com Nagano<br />

reputação internacional, a fazer música<br />

<strong>de</strong> Mozart ao século XXI. Agora<br />

é a vez <strong>de</strong> Joana Carneiro, aliás “Karnigh-row”.<br />

Ela já sentiu “uma química”<br />

com a orquestra: “Tenho aprendido<br />

muito. Já conhecia alguns músicos,<br />

houve uma familiarida<strong>de</strong> e a<br />

música unia-nos. Parece que temos<br />

os mesmos valores.” Que valores são<br />

esses? “Procuramos as mesmas coisas<br />

musicalmente, há um entendimento<br />

na forma como a orquestra ensaia.”<br />

E há interesses semelhantes: a música<br />

contemporânea, o interesse pela<br />

criação <strong>de</strong> agora, como prova o constante<br />

trabalho com compositores e<br />

artistas resi<strong>de</strong>ntes realizado pela orquestra<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Nagano fez <strong>de</strong>la<br />

uma orquestra <strong>de</strong> primeira. O entendimento<br />

com os músicos foi imediato:<br />

“Falamos e as coisas são reproduzidas<br />

em música”, diz ela. Mas o segredo<br />

está nos gestos: “É também a<br />

linguagem não-verbal. A forma física<br />

como a orquestra toca. Ela reage <strong>de</strong><br />

forma física”. Reage aos gestos da<br />

maestrina, leia-se.<br />

Aos nove anos Joana Carneiro disse<br />

aos pais que queria dirigir orquestras<br />

como aqueles senhores fazem<br />

com a batuta na mão. E os pais lá lhe<br />

ofereceram uma batuta. O que a fascinava<br />

era precisamente a ligação do<br />

gesto à música. “Parecia magia”, diz<br />

ela, “a ligação do gesto com o que eu<br />

ouvia”. Agora, à distância, diz Joana:<br />

“Se uma criança <strong>de</strong> nove anos quer<br />

ser maestrina, é porque tem no seu<br />

imaginário aquela figura”. Isso tem a<br />

ver com “duas pessoas fundamentais”<br />

diz ela. “Somos nove irmãos e<br />

todos estudámos música 12 anos. O<br />

que faço hoje tem a ver com essa <strong>de</strong>cisão<br />

fundamental dos meus pais <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar a música tão importante<br />

como as outras disciplinas”. Devia<br />

ser assim para toda a gente? Claro.<br />

“Tenho a certeza absoluta que a música<br />

<strong>de</strong>via ser aprendida por todos na<br />

escola como o Português e a Matemá-


ente<br />

a Gulbenkian. Entretanto, anda a fazer das suas à frente da<br />

a esta maestrina <strong>de</strong> 33 anos não há impossíveis. Pedro Boléo<br />

tica. O papel que a música tem no ser<br />

humano, na imaginação, no raciocínio,<br />

na disciplina, é essencial. Há estudos<br />

que mostram que a música<br />

ajuda as crianças na Matemática, mas<br />

também a ter um comportamento<br />

mais positivo.”<br />

O sonho dos nove anos cumpriu-se<br />

– com “muita sorte”. É claro agora<br />

para Joana Carneiro que “é um privilégio<br />

muito gran<strong>de</strong> ter uma vida profissional<br />

que tem a ver com a criação<br />

e a recriação do belo. Dar ao nosso<br />

mundo afecto e paz é uma obrigação<br />

no sentido mais profundo – a transformação<br />

da alma do ser humano.”<br />

Nada mais, nada menos. E ainda, ao<br />

mesmo tempo, “servir os compositores<br />

e quem nos vem ouvir”.<br />

Tudo graças aos pais? Não convém<br />

esquecer o talento que ela tem e <strong>de</strong>senvolveu<br />

por si mesma. E uma atitu<strong>de</strong><br />

perante a vida, que é não separar<br />

as coisas: “A Joana maestrina não é<br />

diferente do que sou. Não sou diferente<br />

na música.” Mas competem a paixão<br />

da música e o amor familiar? Nada<br />

disso: “Aprendo muito e aplico<br />

muito o que aprendo na música. A<br />

música é um pilar fundamental mas<br />

a família é o centro. Coexistem com<br />

felicida<strong>de</strong>. Não teria a felicida<strong>de</strong> que<br />

sinto se só tivesse uma.” Ou, dito <strong>de</strong><br />

outra forma, “alimentam-se”, como<br />

“Tenho muita<br />

admiração pelos<br />

compositores.<br />

Tentei mas não era a<br />

minha vocação, não<br />

tenho talento. Exige<br />

uma entrega e um<br />

tempo que não tenho,<br />

estou muito ocupada”<br />

Dirigir é<br />

apenas uma<br />

pequena parte<br />

do trabalho <strong>de</strong><br />

Joana<br />

Carneiro à<br />

frente da<br />

Sinfónica <strong>de</strong><br />

Berkeley:<br />

“Aqui posso<br />

apresentar<br />

novos<br />

compositores,<br />

novos<br />

instrumentos,<br />

novos solistas.<br />

Posso<br />

imaginar sem<br />

fronteiras”<br />

ela gosta <strong>de</strong> dizer na sua visão orgânica<br />

da vida. Deve ser isso a felicida<strong>de</strong>.<br />

Como fazer a diferença<br />

Na cida<strong>de</strong> que espera <strong>de</strong>la invovação,<br />

Joana Carneiro vai tentar fazer a diferença,<br />

continuando a apren<strong>de</strong>r e aplicando<br />

o que apren<strong>de</strong>u, sobretudo em<br />

Los Angeles, ao lado do seu mentor<br />

Esa-Pekka Salonen. O que fazia ali a<br />

diferença, diz ela, era “ter um instrumento<br />

extraordinário” (a orquestra <strong>de</strong><br />

Los Angeles), mas também o “empenho<br />

diário dos músicos”, “a sala em<br />

que tocavam”, “a preparação do conteúdo”,<br />

a atitu<strong>de</strong> que uma orquestra<br />

tem <strong>de</strong> ter se quiser “transformar a<br />

cena musical, fazer música contemporânea,<br />

tocar a mais relevante da criação<br />

musical dos últimos 20 anos, estar<br />

à frente da inovação musical”. É isso<br />

que Joana Carneiro quer fazer em<br />

Berkeley. O que faz a diferença é também<br />

“a existência <strong>de</strong> projectivos educativos<br />

que realmente transformam”,<br />

e a criação <strong>de</strong> “um laboratório” musical,<br />

seguindo a lição <strong>de</strong> Salonen. E há<br />

ainda uma questão <strong>de</strong> fundo que faz<br />

toda a diferença para quem põe a música<br />

e a criação actual em primeiro<br />

lugar: “Reflectir sobre o mundo contemporâneo,<br />

ajudar a compreen<strong>de</strong>r o<br />

que é a nossa realida<strong>de</strong>.” Para isso é<br />

preciso criar relação com novos compositores,<br />

os “Beethovens” <strong>de</strong> hoje.<br />

O resto é o trabalho minucioso com<br />

a música, escolher rigorosamente uma<br />

arcada ou uma sequência <strong>de</strong> arcos<br />

num ensaio, <strong>de</strong>cidir “uma respiração”<br />

em diálogo com os músicos. “A preparação<br />

é 90 por cento do trabalho”,<br />

subinha. O estudo antes dos ensaios.<br />

Chegar a “um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> como <strong>de</strong>verá<br />

soar e <strong>de</strong>pois nos ensaios aproximar<br />

fotografia. © 2009 margarida dias | <strong>de</strong>sign.patricia poção<br />

ESTRUTURA FINANCIADA<br />

APOIOS<br />

o <strong>de</strong>sejo do compositor da realida<strong>de</strong>”.<br />

Como se equilibram as vozes, qual <strong>de</strong>ve<br />

sobressair? Como é aquele acor<strong>de</strong>?<br />

Aquela respiração? É assim que se concretiza<br />

o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Joana Carneiro: “Através<br />

da beleza ajudar o próximo a compreen<strong>de</strong>r<br />

melhor o que o ro<strong>de</strong>ia”.<br />

E tem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> compor? “É uma<br />

arte muito difícil. Tenho muita admiração<br />

pelos compositores. Tentei mas<br />

não era a minha vocação, não tenho<br />

talento.” Insistimos, incrédulos. A maestrina<br />

esquiva-se e dá-nos uma resposta<br />

mais prática: “Exige uma entrega<br />

e um tempo que não tenho, estou<br />

muito ocupada.” Para compor não<br />

sabemos. Mas que tem talento, tem.<br />

Um disco que dança<br />

No meio <strong>de</strong> tantas i<strong>de</strong>ias sobre a música,<br />

um disco. A primeira gravação<br />

<strong>de</strong> Joana Carneiro, que po<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r<br />

por se centrar apenas em obras<br />

<strong>de</strong> Tchaikosvky. É quase certo que haverá<br />

outras gravações, po<strong>de</strong>mos arriscar,<br />

mas para já este disco, com<br />

música do compositor russo estreitamente<br />

ligada à dança - os bailados “O<br />

Quebra-Nozes” (Suite , op.71a) e “O<br />

Lago dos Cisnes” (Suite, op 20a) - e a<br />

abertura-fantasia <strong>de</strong> “Romeu e Julieta”.<br />

Tem tudo a ver com ela: “Fiz ballet<br />

durante anos da minha vida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

criança que ligava dança e música”. A<br />

música move e comove Joana Carneiro,<br />

que gosta da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “contar uma<br />

história com gestos <strong>de</strong> dança”.<br />

E também ela dança agora, <strong>de</strong> uma<br />

outra forma, batuta na mão, como se<br />

a música alimentasse a dança. Como<br />

se tivesse outra vez nove anos. Como<br />

se fizesse magia.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos na pág. 48 e segs.<br />

BRASIL<br />

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2009<br />

M/12<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 17


<strong>Cinema</strong><br />

Hoje em dia, os estúdios <strong>de</strong> cinema<br />

queixam-se muito dos espectadores<br />

que per<strong>de</strong>m. Para os filmes que se<br />

<strong>de</strong>scarregam da internet, para os jogos<br />

<strong>de</strong> computador (cada vez mais<br />

parecidos com o cinema), para os televisores<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> écrã e sistemas<br />

<strong>de</strong> “home cinema” que levam as pessoas<br />

a ficar em casa em vez <strong>de</strong> sair.<br />

Como é que se invertem os dados<br />

e se leva gente ao cinema?<br />

A resposta tem sido a mesma que<br />

tem sido sempre que a indústria enfrenta<br />

problemas: a aposta em inovações<br />

tecnológicas que ainda não são<br />

viáveis em casa — a projecção digital,<br />

os écrãs <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> dimensão (o IMAX<br />

hoje quando há 50 anos fora o <strong>Cinema</strong>scope<br />

ou o 70mm), o 3D...<br />

Mas há outra resposta, mais simples<br />

e infinitamente mais económica: propor<br />

aos espectadores uma experiência<br />

comunal que só no cinema se po<strong>de</strong><br />

ter, com um filme que não tem<br />

efeitos <strong>de</strong> encher o olho nem maisvalias<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> écrã. “Activida<strong>de</strong><br />

Paranormal”, um filmezinho <strong>de</strong> terror<br />

tão barato que, mais do que <strong>de</strong> “low<br />

budget” (baixo orçamento), é <strong>de</strong> “no<br />

budget”, já ren<strong>de</strong>u mais dinheiro que<br />

muitos supostos “blockbusters” que<br />

se estamparam nas salas.<br />

E a culpa é toda <strong>de</strong> Martin Scorsese.<br />

Ou quase.<br />

Filho do divórcio<br />

A nossa história começa em 2006,<br />

<strong>de</strong>pois da namorada <strong>de</strong> Oren Peli, um<br />

programador israelita trintão, ouvir<br />

18 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

ruídos esquisitos na casa <strong>de</strong> San Diego<br />

on<strong>de</strong> o casal morava. Peli inspirouse<br />

nessa experiência para escrever<br />

um filmezinho <strong>de</strong> terror barato que<br />

rodou numa semana por <strong>de</strong>z mil dólares<br />

(6,700 euros, ao câmbio actual)<br />

na própria casa, com apenas dois actores<br />

(que receberam, cada um, 500<br />

dólares), uma equipa <strong>de</strong> amigos e<br />

uma câmara digital.<br />

E conclui-se em 2009, com uma<br />

estreia em sala (ao fim <strong>de</strong> dois anos<br />

<strong>de</strong> prateleira forçada) que já ren<strong>de</strong>u<br />

107 milhões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong> receitas (72<br />

milhões <strong>de</strong> euros) só nos EUA — e antes<br />

do filme começar a estrear no resto<br />

do mundo.<br />

Nada disto teria acontecido, provavelmente,<br />

se a Paramount não tivesse<br />

<strong>de</strong>cidido atrasar para 2010, por razões<br />

puramente orçamentais, a estreia<br />

<strong>de</strong> “Shutter Island”, <strong>de</strong> Martin<br />

Scorsese. E isso permitiu a Adam Goodman,<br />

um dos executivos do estúdio,<br />

ir buscar à prateleira o filmezinho<br />

cujos direitos tinha comprado em<br />

2007 quando ainda trabalhava na Dreamworks<br />

<strong>de</strong> Steven Spielberg, com a<br />

bênção do próprio realizador <strong>de</strong> “E.<br />

T.”.<br />

Na altura, o filme tinha sido comprado<br />

não para estrear, mas para permitir<br />

à Dreamworks avançar com uma<br />

“remake” <strong>de</strong> maior orçamento, que<br />

seria igualmente dirigida por Oren<br />

Peli. O acordo assinado, contudo,<br />

obrigava o estúdio a realizar uma<br />

projecção-teste — e a reacção da audiência<br />

convenceu Goodman e Spiel-<br />

berg que talvez não fosse <strong>de</strong>scabido<br />

estrear o filme tal qual. No entanto, o<br />

divórcio pouco amigável entre a Dreamworks<br />

e a casa-mãe Paramount<br />

atiraria “Activida<strong>de</strong> Paranormal” para<br />

a prateleira enquanto a situação<br />

não era resolvida; na divisão dos bens<br />

foi a Paramount que ficou com o filme<br />

e que contratou Goodman.<br />

E o baixíssimo investimento financeiro<br />

no filme levou a uma campanha<br />

<strong>de</strong> “marketing” <strong>de</strong> guerrilha, baseado<br />

numa das mais velhas estratégias promocionais<br />

do mundo: <strong>de</strong>ixar o pró-<br />

prio público <strong>de</strong>scobrir o filme e falar<br />

<strong>de</strong>le aos amigos, em vez <strong>de</strong> investir<br />

fortunas em campanhas <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong><br />

que se esgotam no primeiro fim<strong>de</strong>-semana.<br />

Sessões da meia-noite<br />

Êxitos <strong>de</strong>sses po<strong>de</strong>m ser fenómenos<br />

que ultrapassam e surpreen<strong>de</strong>m os<br />

distribuidores, com filmes que a audiência<br />

<strong>de</strong>scobre sozinha a criar uma<br />

bola <strong>de</strong> neve mais valiosa que qualquer<br />

campanha <strong>de</strong> “marketing”, e<br />

que o estúdio não conseguiria por<br />

Rodado numa<br />

semana por<br />

<strong>de</strong>z mil<br />

dólares (6,700<br />

euros), na<br />

casa do<br />

realizador,<br />

com dois<br />

actores, uma<br />

equipa <strong>de</strong><br />

amigos e uma<br />

câmara digital<br />

Venha ter med<br />

É a história <strong>de</strong> sucesso do ano: um fi lmezinho <strong>de</strong> terror feito por tuta e meia em casa do r<br />

O truque? Não veja este fi lme e<br />

Esta história começa em 2006,<br />

<strong>de</strong>pois da namorada <strong>de</strong> Oren<br />

Peli, um programador israelita,<br />

ouvir ruídos esquisitos na<br />

casa <strong>de</strong> San Diego on<strong>de</strong> o casal<br />

morava


O slogan foi sempre<br />

“Não veja este filme<br />

sozinho”. Não porque<br />

o filme perca impacto<br />

no pequeno écrã,<br />

mas porque há uma<br />

energia diferente<br />

ao ver um filme<br />

em sala, ro<strong>de</strong>ado por<br />

amigos ou (<strong>de</strong>s)<br />

conhecidos,<br />

sobretudo quando<br />

o filme funciona<br />

precisamente<br />

na amplificação do<br />

que o vizinho do lado<br />

está a sentir<br />

mais dinheiro que atirasse ao filme.<br />

Aconteceu entre nós, por exemplo,<br />

com “O Carteiro <strong>de</strong> Pablo Neruda”,<br />

que, estreado confi<strong>de</strong>ncialmente, acabou<br />

um ano em exibição numa das<br />

salas do cinema Mundial, em <strong>Lisboa</strong>;<br />

ou, nos EUA, com o musical atípico<br />

do irlandês John Carney, “No Mesmo<br />

Tom”, que ren<strong>de</strong>u <strong>de</strong>z milhões <strong>de</strong> dólares<br />

para um orçamento <strong>de</strong> 150 mil<br />

dólares e levou para casa o Óscar da<br />

melhor canção original.<br />

Mas, neste caso, tratou-se <strong>de</strong> uma<br />

estratégia <strong>de</strong>liberada para encontrar<br />

outros modos <strong>de</strong> convencer o público<br />

a <strong>de</strong>scobrir um filme. “Activida<strong>de</strong> Paranormal”,<br />

nesse aspecto, é um sucessor<br />

directo do “Projecto Blair Witch”,<br />

primeiro filme a utilizar a internet<br />

para propulsionar a sua campanha<br />

(feito por 35 mil dólares, lucrou 250<br />

milhões em todo o mundo). Alegadamente,<br />

o filme <strong>de</strong> Daniel Myrick e<br />

Eduardo Sánchez era uma montagem<br />

<strong>de</strong> imagens encontradas, rodadas por<br />

estudantes <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong>saparecidos<br />

enquanto filmavam um documentário<br />

sobre uma bruxa local; o site amplificava<br />

essa i<strong>de</strong>ia ao diluir a fronteira<br />

entre a realida<strong>de</strong> e a ficção que a própria<br />

estética <strong>de</strong> “home movie” do filme<br />

tornava credível.<br />

Hoje, evi<strong>de</strong>ntemente, esse tipo <strong>de</strong><br />

abordagem já foi utilizado tão extensamente,<br />

e criaram-se tantos sites<br />

promocionais a filmes que propunham<br />

“realida<strong>de</strong>s alternativas” ancoradas<br />

na história ficcional, que era<br />

preciso outro ângulo. O que a Para-<br />

mount fez foi <strong>de</strong>sviar a atenção do<br />

filme em si para a experiência da sua<br />

visão, ao colocar a campanha, literalmente,<br />

nas mãos do público.<br />

Em vez <strong>de</strong> uma estreia chapa-quatro,<br />

o estúdio começou por marcar o<br />

filme em finais <strong>de</strong> Setembro, apenas<br />

nas sessões da meia-noite <strong>de</strong> fim-<strong>de</strong>semana,<br />

em treze cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

população estudantil, seguindo as<br />

regras da construção do culto lançadas<br />

pelos “midnight movies” da década<br />

<strong>de</strong> 1970. Ao mesmo tempo, lançou<br />

um site com um <strong>de</strong>safio aos espectadores:<br />

exigirem que o filme<br />

estreasse em seguida na sua cida<strong>de</strong>.<br />

Seria a própria audiência a <strong>de</strong>finir a<br />

escalada <strong>de</strong> salas do filme – garantindo,<br />

no processo, um mínimo <strong>de</strong> bilhetes<br />

vendidos para justificar a aposta<br />

dos exibidores, culminando numa<br />

inevitável estreia a nível nacional.<br />

Os resultados foram convincentes:<br />

na segunda semana <strong>de</strong> expansão,<br />

com mais 21 cida<strong>de</strong>s e sempre apenas<br />

em meias-noites <strong>de</strong> fim-<strong>de</strong>-semana,<br />

as sessões esgotaram com antecedência<br />

e eram agora os próprios exibidores<br />

que telefonavam à Paramount<br />

para marcar o filme. E, um mês mais<br />

tar<strong>de</strong>, quando “Activida<strong>de</strong> Paranormal”<br />

chegou ao circuito comercial<br />

regular, o filme literalmente humilhou<br />

o sexto episódio da sanguinolenta<br />

saga “Saw”.<br />

Todos ao Facebook<br />

A razão pela qual “Activida<strong>de</strong> Paranormal”<br />

resultou, contudo, não se<br />

limitou apenas ao fenómeno da recomendação<br />

passada <strong>de</strong> mão em mão.<br />

A chave esteve sempre na invocação<br />

da experiência comunal <strong>de</strong> ver um<br />

filme acompanhado em sala, particularmente<br />

importante no cinema <strong>de</strong><br />

género, durante anos parte do menu<br />

regular dos cinemas <strong>de</strong> bairro e “drive-ins”<br />

(recor<strong>de</strong>mos os truques <strong>de</strong><br />

feira com que o produtor William Castle<br />

estreava os seus filmes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras<br />

electrificadas a esqueletos fluorescentes<br />

suspensos do tecto).<br />

O slogan foi sempre “Não veja este<br />

filme sozinho” - e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início que<br />

Peli e o seu produtor, Jason Blum, sabiam<br />

que o máximo impacto do filme<br />

iria ser obtido numa sala cheia <strong>de</strong> espectadores<br />

normais (não foi, aliás, por<br />

acaso que o contrato implicava obrigatoriamente<br />

uma projecção-teste). Não<br />

porque o filme perca impacto no pequeno<br />

écrã (“Activida<strong>de</strong> Paranormal”<br />

é supostamente, como o “Projecto<br />

Blair Witch”, um “caso verídico” contado<br />

a partir <strong>de</strong> cassetes <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>o rodadas<br />

pelos próprios intervenientes),<br />

mas porque há uma energia diferente<br />

ao ver um filme em sala, ro<strong>de</strong>ado por<br />

amigos ou (<strong>de</strong>s)conhecidos, sobretudo<br />

quando o filme funciona precisamente<br />

na amplificação daquilo que<br />

o vizinho <strong>de</strong> lugar está a sentir.<br />

Nos <strong>de</strong>z anos que me<strong>de</strong>aram entre<br />

“Blair Witch” e “Activida<strong>de</strong> Paranormal”,<br />

contudo, as re<strong>de</strong>s sociais electrónicas<br />

adquiriram uma importância<br />

muito superior, e o boca-a-boca procurado<br />

repercutiu-se online à medida<br />

que as pessoas recomendavam o filme<br />

aos amigos através das suas contas do<br />

Facebook, do Twitter, do Digg, dos<br />

seus blogs e fóruns preferidos. Dando<br />

a impressão genuína que a “bola <strong>de</strong><br />

neve” do filme fora criada pelos espectadores<br />

quando o ponto zero fora<br />

discretamente gerido pelo estúdio,<br />

mesmo que <strong>de</strong>pois tenha ultrapassado<br />

as suas expectativas.<br />

Obviamente, o êxito <strong>de</strong> “Activida<strong>de</strong><br />

Paranormal” não é dissociável do próprio<br />

filme (o melhor “marketing” <strong>de</strong><br />

guerrilha não funcionaria com um<br />

filme que não o sustentasse), e nada<br />

nos garante que um tal êxito seja<br />

transmissível ou sequer repetível,<br />

mesmo que agora não faltem candidatos<br />

à sucessão, con<strong>de</strong>nando potencialmente<br />

o filme <strong>de</strong> Oren Peli a ser<br />

um “one-off” como “Blair Witch” foi<br />

em 1999. Nem falta já a referência a<br />

uma possível sequela (que, como sabemos,<br />

foi um <strong>de</strong>sastre no caso “Blair<br />

Witch”).<br />

No interim, Martin Scorsese já <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>sconfiar que o atraso <strong>de</strong> “Shutter<br />

Island” ren<strong>de</strong>u uma boa maquia ao<br />

estúdio que o atrasou. Oren Peli está<br />

em plena produção do seu novo filme,<br />

“Area 51”, outra vez rodado com<br />

pouco dinheiro (mas mais do que “Activida<strong>de</strong><br />

Paranormal”), e continua a<br />

viver na mesma casa. A namorada é<br />

que já não – separaram-se há dois<br />

anos. Mas continua a ouvir sons na<br />

casa para on<strong>de</strong> se mudou.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> filmes págs. 40 e segs.<br />

do connosco<br />

realizador vira o fi lme mais rentável do ano através <strong>de</strong> um boca-a-boca sabiamente gerido.<br />

em casa. Jorge Mourinha<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 19


Cabrera Infante, o nosso<br />

agente do havano<br />

Uma “o<strong>de</strong>” ao prazer <strong>de</strong> fumar, uma história do tabaco, curiosida<strong>de</strong>s avulsas sobre charutos<br />

cubanos (e não só), uma antologia do tabaco na literatura, e a crónica <strong>de</strong> uma relação<br />

amorosa com o cinema. “Fumo Sagrado” é para fumadores e abstémios. José Riço Direitinho<br />

A falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>streza a enrolar cigarros<br />

obrigava o maior fumador da história do<br />

cinema, Bogart, a prolongar esperas e a<br />

repetir frases na rodagem das cena<br />

Livros<br />

Actores como John Wayne,<br />

Gary Cooper, Randolph<br />

Scott, James Stewart e<br />

o mais perene dos “cowboys”<br />

justiceiros, Clint Eastwood, todos<br />

eles foram capazes <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r<br />

um fósforo à primeira tentativa, com<br />

modos bastante insolentes e o mínimo<br />

<strong>de</strong> esforço, raspando-o em qualquer<br />

coisa: na barba <strong>de</strong> três dias, na careca<br />

dum vilão bêbado, no traseiro bamboleante<br />

duma corista, nas botas que<br />

não lhes saíam dos pés nem para dormir,<br />

ou nos jeans mal protegidos pelos<br />

safões <strong>de</strong> couro. John Wayne acen<strong>de</strong>u<br />

assim um charutito sob o sol abrasador<br />

do meio-dia em “Rio Bravo”, e os<br />

outros fizeram-no em muitos outros<br />

lugares. Mas há uma falha (obviamente<br />

que sem importância) em todas<br />

estas histórias <strong>de</strong> insolência e maus<br />

modos <strong>de</strong> macho: é que este tipo <strong>de</strong><br />

fósforo só foi inventado em 1890, muito<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o Oeste ter sido conquistado,<br />

e ainda <strong>de</strong>morou uns quantos<br />

anos a tornar-se popular.<br />

Quem faz este reparo é o escritor<br />

cubano Guillermo Cabrera Infante<br />

(1929-2005) em “Fumo Sagrado”, livro<br />

recentemente por cá publicado, e que<br />

o autor escreveu directamente em<br />

inglês (“Holy Smoke”) em 1985, quase<br />

vinte anos passados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que partira<br />

<strong>de</strong> Cuba para o exílio em Londres.<br />

Cabrera Infante foi crítico <strong>de</strong> cinema<br />

durante vários anos na revista cubana<br />

“Carteles” e escreveu também guiões.<br />

Para além <strong>de</strong> outras coisas, “Fumo<br />

Sagrado” po<strong>de</strong> ser lido como um relato<br />

erudito da relação do fumo (sobretudo<br />

dos charutos) com o cinema.<br />

Mesmo quando aborda aspectos mais<br />

práticos do tabaco, ou quando conta<br />

uma história, há quase sempre referências<br />

cinematográficas. Como, por<br />

exemplo, quando quis falar sobre a<br />

duração do acto <strong>de</strong> fumar um charuto.<br />

Conta ele que um dia teve que visitar<br />

com Fi<strong>de</strong>l Castro uma herda<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> se criava gado algures em Cuba,<br />

e que à noite se pôs a ver um “western”<br />

na televisão. Castro entrou na<br />

sala, ficou a assistir ao filme, mas logo<br />

perguntou quem é que tinha charutos.<br />

Cabrera Infante tinha quatro havanos<br />

a assomarem-lhe no bolso da<br />

camisa, teve que dizer que tinha e<br />

<strong>de</strong>u-lhe um. À medida que se ia entusiasmando<br />

com aquele <strong>de</strong>sfilar <strong>de</strong><br />

“cowboys” cantores e <strong>de</strong> diligências,<br />

Fi<strong>de</strong>l pediu mais um e logo <strong>de</strong>pois<br />

outro. Diz Cabrera Infante: “Felizmen-<br />

20 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Edward G. Robinson “é o melhor<br />

fumador <strong>de</strong> charutos <strong>de</strong> todos os tempos e<br />

lugares”,<br />

na opinião do escritor<br />

cubano<br />

Cabrera<br />

Infante<br />

foi crítico<br />

<strong>de</strong> cinema<br />

na revista<br />

cubana<br />

“Carteles”. “Fumo<br />

Sagrado” po<strong>de</strong> ser<br />

lido como um relato<br />

erudito da relação do<br />

fumo com o cinema<br />

te, eu sabia que ‘A Caravana Perdida’<br />

(Wagon Master, 1950) era o ‘western’<br />

mais curto <strong>de</strong> John Ford, quase não<br />

durava noventa minutos.” Mas a história<br />

continua: o filme terminou e<br />

Castro levantou-se, <strong>de</strong> uniforme e pistola,<br />

e comentou: “Demasiadas canções<br />

e poucos índios.” Todos concordaram<br />

em coro, pois o primeiro-ministro<br />

era também “o nosso primeiro<br />

crítico <strong>de</strong> cinema”. Mas antes <strong>de</strong> sair,<br />

Castro ainda disse apontando-lhe pa-<br />

ra o bolso: “Estou<br />

a ver que ainda sobrou<br />

um índio.” E<br />

Cabrera Infante entregou-lhe<br />

o seu último<br />

charuto. Tempo <strong>de</strong>pois<br />

viu no chão os restos<br />

dos três charutos “que quase não<br />

tinham sido consumidos”.<br />

Hollywood e ódios<br />

<strong>de</strong> estimação<br />

Faz quase parte do senso comum saber<br />

que Humphrey Bogart foi o maior<br />

fumador da história do cinema, pelo<br />

menos na tela. Depois <strong>de</strong> fumar em<br />

“Relíquia Macabra” (The Maltese Falcon,<br />

1941), on<strong>de</strong> a personagem, o <strong>de</strong>tective<br />

Sam Spa<strong>de</strong>, o obrigava a enrolar<br />

os seus próprios cigarros – e a falta<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>streza o obrigava a prolongar<br />

esperas e a repetir frases, como quando<br />

a secretária lhe anuncia uma visita<br />

e Spa<strong>de</strong> diz, “Manda-a entrar, querida”,<br />

e <strong>de</strong>pois, ainda ocupado com<br />

a difícil arte do enrolamento, “Mandaa<br />

lá entrar” – Bogart torna-se num<br />

“fumador pensativo” em “Casablanca”<br />

(1943): “a mão que movia uma<br />

pedra [<strong>de</strong> xadrez] pega num cigarro<br />

que está num cinzeiro e quer a mão<br />

quer a câmara sobem para revelar<br />

Bogart”. Em “Voltando ao Passado”<br />

(The Big Shot, 1941), Bogart morre<br />

Para Cabrera Infante, é Bette Davis quem melhor<br />

sabia expelir o fumo<br />

com um cigarro a cair-lhe dos lábios<br />

para a mão, e <strong>de</strong>pois para o chão, “numa<br />

jogada triplamente mortal”.<br />

Mas para Cabrera Infante, <strong>de</strong> todos<br />

eles, os <strong>de</strong> Holywood <strong>de</strong> outros tempos,<br />

é Bette Davis quem melhor sabe<br />

expelir o fumo. A maneira como pega<br />

num cigarro já aceso que lhe é oferecido<br />

por Paul Henreid em “A Estranha<br />

Passageira” (“Now Voyager”, 1942)<br />

como se fosse “a chave mestra da vida”,<br />

e <strong>de</strong>pois a maneira como diz<br />

“Porquê pedir a lua?”<br />

Apesar <strong>de</strong> os mor<strong>de</strong>r muito, Edward<br />

G. Robinson “é o melhor fumador <strong>de</strong><br />

charutos <strong>de</strong> todos os tempos e lugares”,<br />

na opinião do escritor cubano.<br />

Sobre as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> representação<br />

do charuto <strong>de</strong> Edward G. Robinson,<br />

disse o realizador John Huston:<br />

“Acho que a melhor coisa <strong>de</strong> “Paixões<br />

em Fúria” (“Key Largo”, 1948), aquela<br />

que é recordada por muita gente,<br />

é a cena introdutória, com Eddie na<br />

banheira, <strong>de</strong> charuto na boca. Parecia<br />

um crustáceo sem a carapaça.” Outro<br />

aficionado <strong>de</strong> charutos era Orson Welles,<br />

que disse uma vez que fazia filmes


para os po<strong>de</strong>r fumar <strong>de</strong> graça. “É por<br />

isso que crio tantos heróis e vilões que<br />

fumam charuto”, prosseguiu Welles.<br />

“Os charutos são a minha fonte <strong>de</strong><br />

inspiração.”<br />

Cabrera Infante estabelece uma<br />

curiosa taxonomia entre o tabaco e<br />

os seres humanos: “Os charutos gran<strong>de</strong>s<br />

assentam bem em homens pequenos,<br />

enquanto os cigarros são para os<br />

homens altos e o cachimbo é associado<br />

a homens medianos: estatura média,<br />

meia-ida<strong>de</strong> e classe média. Os<br />

mendigos e os ricos preferem charutos;<br />

os pistoleiros e as prostitutas preferem<br />

cigarros. O cachimbo é para<br />

autores <strong>de</strong> romances policiais e <strong>de</strong>tectives,<br />

excepto para Sam Spa<strong>de</strong> [<strong>de</strong>tective<br />

criado por Dashiell Hammett],<br />

que fazia os seus cigarros.”<br />

Sherlock Holmes transformou uma<br />

crença supersticiosa numa “ciência”,<br />

a cineromancia, ou ciência das cinzas,<br />

e gabava-se <strong>de</strong> ser um especialista tão<br />

extraordinário neste saber, que tinha<br />

escrito “uma pequena monografia<br />

sobre as cinzas dos charutos”. É com<br />

essa ciência que em “O Mistério do<br />

Vale Boscombe” Holmes <strong>de</strong>duziu,<br />

com um rápido olhar, que o assassino<br />

era “um homem que fumava charutos<br />

“Os charutos gran<strong>de</strong>s<br />

assentam bem em<br />

homens pequenos,<br />

enquanto os cigarros<br />

são para os homens<br />

altos e o cachimbo<br />

é associado a homens<br />

medianos: estatur<br />

a média, meia-ida<strong>de</strong><br />

e classe média”<br />

indianos, com uma boquilha, previamente<br />

cortados com um canivete<br />

rombo”.<br />

Consta que o rebel<strong>de</strong> mexicano<br />

Pancho Villa acordava sempre com<br />

um grosso charuto entre os lábios e<br />

dava or<strong>de</strong>ns aos seus homens para<br />

que fizessem o mesmo. Quem se sentisse<br />

tonto era consi<strong>de</strong>rado com a<br />

mesma <strong>de</strong>ferência que um cavalo coxo<br />

nesses tempos revolucionários, ia<br />

<strong>de</strong>sta para melhor. Mas para John Reed,<br />

no livro “Insurgent México”, “Villa<br />

não fuma nem bebe”. Cabrera Infante<br />

vai aproveitando para zurzir nos<br />

seus ódios <strong>de</strong> estimação literários. Um<br />

é Jean-Paul Sartre, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que visitou<br />

Cuba em 1960, começou a ser<br />

presenteado por Fi<strong>de</strong>l com uma caixa<br />

<strong>de</strong> havanos: “do gran<strong>de</strong> tirano para o<br />

minúsculo filósofo”, diz o escritor<br />

cubano. Mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1968 e do<br />

apoio <strong>de</strong> Castro à invasão russa da<br />

Checoslováquia, Sartre disse que não<br />

queria mais charutos, e Alejo Carpentier<br />

(outro escritor), o emissário <strong>de</strong><br />

Fi<strong>de</strong>l, “não voltou para a embaixada<br />

com as mãos a abanar”.<br />

Bertolt Brecht não se livra do epíteto<br />

“fumador <strong>de</strong> beatas famoso”,<br />

<strong>de</strong>vido ao reduzido comprimento dos<br />

charutos que fumava, “dava sempre<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que apanhava as beatas na<br />

sarjeta” (clara referência à personagem<br />

<strong>de</strong> Charlie Chaplin em “A Quimera<br />

do Ouro”/ “The Gold Rush”, 1925.<br />

O dramaturgo que anos <strong>de</strong>pois viria<br />

a ser distinguido com o Nobel, o inglês<br />

Harold Pinter, também não escapa à<br />

verve <strong>de</strong> Cabrera Infante; um dos maneirismos<br />

<strong>de</strong> Pinter, “como os fatos<br />

castanhos, as camisas cor-<strong>de</strong>-rosa e<br />

as gravatas arroxeadas”, era fumar<br />

cigarros castanhos, “umas cigarrilhas<br />

com um aspecto nojento”, com uma<br />

“mortalha feita <strong>de</strong> tecido e tingida <strong>de</strong><br />

castanho com alcaçuz”. “Fuma cigarros<br />

perfeitamente normais mas quer<br />

que se pense que fuma coisas mais<br />

perigosas.”<br />

Mas “Fumo Sagrado” é também um<br />

livro sobre a história do tabaco, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a sua <strong>de</strong>scoberta em Outubro <strong>de</strong> 1492<br />

– quando Cristóvão Colombo aporta<br />

em Cuba e um seu marinheiro enviado<br />

para explorar a ilha, encontra indígenas<br />

que fumavam uma planta<br />

seca – até agora. Ficamos a saber, por<br />

exemplo, que a palavra “nicotina”, o<br />

principal alcalói<strong>de</strong> do tabaco, <strong>de</strong>riva<br />

do nome do embaixador <strong>de</strong> Catarina<br />

<strong>de</strong> Medici em Portugal, Jean Nicot. E<br />

há muito, mas muito mais sobre charutos:<br />

como são feitos, os tipos, as<br />

diferenças, os comprimentos, as marcas,<br />

como cortar a “tampa”, etc. Este<br />

é um livro para fumadores e para abstémios.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 21


Livros<br />

PAULA GRANELLO<br />

Wagner<br />

Homem<br />

costuma<br />

escon<strong>de</strong>r-se<br />

por trás do<br />

“site” oficial<br />

<strong>de</strong> Chico<br />

Buarque mas<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Outubro<br />

está na ribalta<br />

por causa do<br />

livro<br />

“Histórias <strong>de</strong><br />

Canções –<br />

Chico<br />

Buarque”<br />

Numa tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Novembro, Wagner<br />

Homem entra na sala <strong>de</strong> um hotel <strong>de</strong><br />

São Paulo e diz: “moça, você está se<br />

queixando do calor mas não ligou o<br />

ar condicionado”. Risos para lá, risos<br />

para cá e a conversa começa. Wagner<br />

Homem costuma escon<strong>de</strong>r-se por trás<br />

do “site” oficial <strong>de</strong> Chico Buarque (é<br />

também o curador dos “sites” <strong>de</strong> Maria<br />

Bethânia e Mario Prata) mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

Outubro está na ribalta. Tudo por causa<br />

do livro “Histórias <strong>de</strong> Canções –<br />

Chico Buarque” cuja saída em Portugal<br />

esteve prevista para 2010 (ver<br />

Ípsilon <strong>de</strong> 30-10-09) mas foi antecipada<br />

e está já nas livrarias, edição Dom<br />

Quixote.<br />

O livro, o primeiro <strong>de</strong> uma colecção<br />

<strong>de</strong>dicada às histórias ligadas às canções<br />

<strong>de</strong> compositores, tem-se aguentado<br />

nos tops dos mais vendidos no<br />

Brasil. Formado em administração <strong>de</strong><br />

empresas, Wagner Homem, 58 anos,<br />

trabalhou em jornais, passou pela rádio,<br />

mas nunca teve activida<strong>de</strong> ligada<br />

à produção literária. Por isso está a<br />

estranhar o que lhe tem acontecido.<br />

“Eu tinha só uma certeza: não seria<br />

um fracasso. Mas nem <strong>de</strong> longe po<strong>de</strong>ria<br />

supor que tivesse esse <strong>de</strong>sempenho.<br />

O que é que acontece? Chico<br />

ven<strong>de</strong>, é verda<strong>de</strong>. Mas existem outros<br />

livros com foto e o nome <strong>de</strong>le na capa<br />

que não tiveram a mesma performance.<br />

O gran<strong>de</strong> lance do livro foi mesmo<br />

essa simplicida<strong>de</strong>: contar historinha.<br />

Não tem a pretensão <strong>de</strong> fazer análise<br />

académica, literária, sociológica, psicológica.<br />

Conta histórias pura e simplesmente.”<br />

Mulheres e ratos<br />

Wagner teve a i<strong>de</strong>ia do livro ao ler as<br />

perguntas que frequentemente lhe<br />

enviavam para o “site”. Também foi<br />

percebendo que algumas das “notinhas”<br />

relacionadas com as letras das<br />

canções que colocava online eram<br />

muito visitadas. Quando organizou a<br />

informação e começou a fazer este<br />

livro achou até que daria para se iniciar<br />

uma colecção. Está agora a contactar<br />

outros compositores e o próximo<br />

volume <strong>de</strong>verá ser <strong>de</strong>dicado à<br />

obra <strong>de</strong> Toquinho.<br />

É <strong>de</strong> Toquinho, aliás, o prefácio<br />

<strong>de</strong>ste livro. “Há uma vantagem <strong>de</strong><br />

Toquinho em relação ao Chico: Toquinho<br />

é um falador. Fala que é uma<br />

maravilha! Então o próximo livro da<br />

colecção <strong>de</strong>ve ser sobre Toquinho e<br />

tem outros que a gente está estudando.”<br />

Chico Buarque não participou em<br />

“Histórias <strong>de</strong> Canções” – estava a escrever<br />

o romance “Leite Derramado”<br />

– mas leu as provas. Não fez restrições<br />

22 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

e isso surpreen<strong>de</strong>u Wagner Homem.<br />

“Eu achava que ele ia torcer o nariz<br />

para aquela história da Mônica Salmaso<br />

sobre a canção ‘O<strong>de</strong> aos Ratos’.<br />

Passou sem nenhum problema.” A<br />

história conta-se facilmente: enquanto<br />

estava a escrever a letra, Chico telefonou<br />

a Paulo Vanzolini, compositor<br />

e zoólogo, a perguntar coisas específicas<br />

sobre os ratos. “O nariz,<br />

como é que é? É frio? Quente? Macio?<br />

Duro? E a pelagem?”. Vanzolini, matreiro,<br />

respon<strong>de</strong>: “- Ô Chico! Você<br />

mente tanto sobre mulher...Por que<br />

não inventa qualquer coisa também<br />

sobre os ratos?”. Chico não se atrapalha:<br />

“Pô, Vanzolini... Pelos ratos eu<br />

tenho o maior respeito.”<br />

O moleque e as vacas sagradas<br />

Wagner conheceu Chico quando organizou,<br />

em 1989, as letras das canções<br />

para o livro <strong>de</strong> Humberto Werneck<br />

“Chico Buarque letra e música”.<br />

“Eu fazia a revisão das letras, passava<br />

para a editora e esta passava para Chico.<br />

Aquela história que conto no livro<br />

sobre a letra <strong>de</strong> ‘Meu caro Barão’ foi<br />

na <strong>de</strong>corrência disso”.<br />

Nesta canção, Chico “tira o acento<br />

<strong>de</strong> várias palavras e faz com que rimem<br />

com outras (faxina com maquina,<br />

dizia com ausencia, lotado com<br />

sabado, virgula com ridicula, ouvido<br />

com palido). Além disso comete propositadamente<br />

erros <strong>de</strong> concordância<br />

em frases como ‘o santo dos ladrão’<br />

e ‘Deu uma cocega /Nos calo da<br />

mão’”. Mas, num excesso <strong>de</strong> zelo, alguém<br />

na editora corrigiu os “erros”<br />

ortográficos e gramaticais. “Um cara<br />

na editora meteu acento em tudo”,<br />

ri-se Wagner. Chico acabaria a telefonar<br />

a Wagner a pedir-lhe uma justificação...<br />

Quando Chico foi, com os pais, viver<br />

para Roma (aos nove anos) escreveu<br />

num bilhete que <strong>de</strong>ixou para a<br />

avó: “Vovó Heloísa. Olhe vozinha não<br />

se esqueça <strong>de</strong> mim. Se quando eu<br />

chegar aqui você estiver no céu, lá<br />

mesmo veja eu ser um cantor do rádio”.<br />

Esta <strong>de</strong>terminação parece tê-lo<br />

acompanhado ao longo da vida. “É<br />

engraçado como ele já moleque, ele<br />

já peitava as vacas sagradas [discutia<br />

com...]. Em geral com as vacas sagradas<br />

você baixa a cabeça mas ele já<br />

discutia com Tom [Jobim] e Vinicius<br />

[<strong>de</strong> Moraes] <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o comecinho.<br />

Aquela história do tamanco é uma<br />

maravilha”, continua. E <strong>de</strong>sata a cantar<br />

o verso original. “Vou coleccionar<br />

mais um soneto/ Outro retrato em<br />

branco e preto/ A maltratar meu coração”.<br />

Numa ocasião Tom Jobim,<br />

autor da música, teria dito a Chico<br />

LLUIS GENE/AFP<br />

“É engraçado como<br />

ele já moleque, ele já<br />

peitava as vacas<br />

sagradas [discutia<br />

com...]. Em geral com<br />

as vacas sagradas<br />

você baixa a cabeça<br />

mas ele já discutia<br />

com Tom [ Jobim] e<br />

Vinicius [<strong>de</strong> Moraes]”<br />

que ninguém fala “retrato em branco<br />

e preto”, que a expressão correcta é<br />

“preto e branco”. Ao que Chico teria<br />

respondido: “Então tá. Fica assim:<br />

‘Vou coleccionar mais um tamanco/<br />

outro retrato em preto e branco’.”<br />

“Nessa altura, no final dos anos 60,<br />

Chico ainda era um garoto e Tom já<br />

era Tom Jobim”, explica Wagner.<br />

“Chico sempre tratou todo o mundo<br />

no mesmo nível com todo o respeito,<br />

você vê a carta <strong>de</strong>le para Vinicius [publicada<br />

no livro], ela é toda cheia <strong>de</strong><br />

respeito, chamando Poeta, mas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />

cada vírgula da letra.”<br />

O PÚBLICO viajou a convite da Portugal<br />

Telecom<br />

Wagner Homem conta<br />

“historinha” <strong>de</strong> Chico<br />

“Histórias <strong>de</strong> Canções-Chico Buarque” chegou esta semana às livrarias<br />

portuguesas. No Brasil está nos tops e Wagner Homem, o autor, vai até iniciar<br />

uma colecção – as próximas histórias serão sobre as canções <strong>de</strong> Toquinho.<br />

Isabel Coutinho, em São Paulo


COLLEZIONARE IL<br />

FUTURISMO<br />

MUSEU DA ÁGUA<br />

Museu da Água - Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos<br />

Inauguração dia 16 - convite obrigatório<br />

ABERTURA AO PÚBLICO A PARTIR DE DIA 17 DE DEZEMBRO | Segunda a Sábado | 10h00/18h00<br />

Rua do Alviela, 12 (S.ta Apolónia) <strong>Lisboa</strong><br />

apoios:<br />

4 DEZ TERTÚLIA<br />

SEXTA ÀS 18H30 JARDIM DE INVERNO<br />

CARMEN MIRANDA POR PEDRO MEXIA (MODERADOR),<br />

VÍTOR PAVÃO DOS SANTOS E FILIPE LA FÉRIA.<br />

5 DEZ DANCETERIA<br />

SÁBADO ÀS 23H30 JARDIM DE INVERNO M/12<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

METROPOLITANA<br />

TEMPORADA 2009|2010 – IDADE MAIOR<br />

direcção artística Cesário Costa<br />

três efeméri<strong>de</strong>s<br />

Felix Men<strong>de</strong>lssohn – Meeresstille und glückliche Fahrt,Op. 27<br />

Bohuslav Martinu – Kouzelné Noci, três canções para soprano e orquestra<br />

Joseph Haydn – Sinfonia n.º 103 em Mi bemol maior, O Rufo do Tímpano<br />

SEXTA-FEIRA 4 DE DEZEMBRO, 21H30 MUSEU DO ORIENTE<br />

SÁBADO 5 DE DEZEMBRO, 22H00 CENTRO CULTURAL OLGA CADAVAL, SINTRA<br />

Dora Rodrigues soprano Michael Zilm direcção musical<br />

Orquestra Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

+ informações em www.metropolitana.pt<br />

CO-PRODUÇÃO:<br />

silva!<strong>de</strong>signers


PEDRO CUNHA<br />

A guerra colonial estava perdida. Isso<br />

era evi<strong>de</strong>nte para todos os militares<br />

portugueses que combatiam em África<br />

em 1974, nas vésperas do 25 <strong>de</strong><br />

Abril. Mas parece não o ser para muita<br />

gente, ainda hoje. No seu livro,<br />

“Capitão <strong>de</strong> Abril, Capitão <strong>de</strong> Novembro”,<br />

acabado <strong>de</strong> lançar pela Guerra<br />

e Paz, Rodrigo Sousa e Castro começa<br />

por aí. Ele, que foi um dos capitães<br />

<strong>de</strong> Abril, percebeu que Portugal estava<br />

a per<strong>de</strong>r o combate contra os<br />

movimentos <strong>de</strong> libertação, e por isso<br />

começou a participar nas reuniões<br />

conspirativas contra o Governo. O<br />

mesmo aconteceu com os outros capitães.<br />

O problema dos <strong>de</strong>cretos (que<br />

equiparavam os oficiais milicianos<br />

aos do quadro permanente) foi a causa<br />

imediata do movimento, <strong>de</strong>rrubar<br />

o regime foi a consequência inevitável.<br />

As “condições psicológicas dos capitães”<br />

é um conceito fundamental<br />

para Sousa e Castro. Quem não o enten<strong>de</strong>u<br />

nunca conseguiu ter uma palavra<br />

a dizer no processo revolucionário.<br />

Foi, por exemplo, o caso <strong>de</strong><br />

António <strong>de</strong> Spínola, que teve a veleida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> tentar dominar os capitães.<br />

À primeira tentativa séria, foi obrigado<br />

a fugir para Espanha. As “condições<br />

psicológicas dos capitães” foram<br />

formadas na guerra colonial e consolidadas<br />

na “consciência <strong>de</strong> que tinham<br />

aberto as portas à liberda<strong>de</strong>”.<br />

Nos últimos anos, a guerra sofrera<br />

uma reviravolta dramática. “Tinha-se<br />

chegado a um impasse absolutamente<br />

<strong>de</strong>terminante. A situação em alguns<br />

teatros <strong>de</strong> operações estava a assumir<br />

foros <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> gravida<strong>de</strong>”, explica<br />

Sousa e Castro ao Ípsilon. “Só para<br />

falar do meu caso pessoal: eu tinha<br />

acabado <strong>de</strong> fazer 30 anos e já tinha<br />

Das certezas<br />

<strong>de</strong> Abril<br />

aos mistérios<br />

<strong>de</strong> Novembro<br />

Tal como outros protagonistas do processo<br />

revolucionário, o capitão Sousa e Castro lançou um<br />

livro para contar toda a sua verda<strong>de</strong> sobre os anos <strong>de</strong><br />

brasa. “Capitão <strong>de</strong> Abril, Capitão <strong>de</strong> Novembro” é um<br />

testemunho pessoal sobre momentos <strong>de</strong>cisivos do<br />

antes, durante e <strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril. Paulo Moura<br />

24 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

duas comissões, em Angola e em Moçambique.<br />

E estava afecto a um grupo<br />

<strong>de</strong> oficiais que estava a apetrechar-se,<br />

com conhecimentos técnicos e até <strong>de</strong><br />

língua francesa, para ir a França buscar<br />

sistemas <strong>de</strong> mísseis terra-ar. Mísseis,<br />

portanto, para combater eventuais<br />

agressões aéreas”.<br />

Este era o nível <strong>de</strong> ameaça, tanto<br />

em Angola como em Moçambique e<br />

na Guiné. “Tínhamos uma ameaça<br />

aérea sobre Bissau, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eles<br />

[PAIGC] terem anulado o po<strong>de</strong>r aéreo<br />

português, através da utilização <strong>de</strong><br />

mísseis anti-aéreos. Os guerrilheiros<br />

abateram uma série <strong>de</strong> aviões, e restringiram<br />

imenso o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> manobra<br />

aérea português no teatro <strong>de</strong> operações<br />

da Guiné. Isto é uma coisa que<br />

as pessoas não sabem e nunca ninguém<br />

quis analisar”.<br />

A própria relação <strong>de</strong> forças no terreno<br />

tinha-se invertido. “A guerrilha<br />

tinha melhor armamento do que nós.<br />

Isto é um contra-senso. Segundo a<br />

doutrina militar, o exército clássico<br />

está mais bem equipado, mais bem<br />

armado e organizado do que a guerrilha.<br />

Quando se dá a inversão disto,<br />

passa-se a uma nova fase, em que<br />

passa a haver confrontações <strong>de</strong> tipo<br />

guerra regular. Na Guiné, havia zonas<br />

aon<strong>de</strong> as tropas portuguesas já não<br />

iam. A situação era dramática. Em<br />

Moçambique, agravava-se <strong>de</strong> forma<br />

espantosa. Portanto havia já, entre<br />

os oficiais do quadro permanente,<br />

uma consciência <strong>de</strong> que a guerra se<br />

estava a per<strong>de</strong>r inexoravelmente. E<br />

<strong>de</strong>pois havia um antece<strong>de</strong>nte grave...”<br />

Outro facto pouco reconhecido, ou<br />

pouco recordado: muitos militares da<br />

guerra <strong>de</strong> África já tinham combatido<br />

na Índia. Para Sousa e Castro, isso foi<br />

<strong>de</strong>terminante para o eclodir do movimento<br />

dos capitães. “Tínhamos camaradas<br />

nossos no activo, tenentescoronéis<br />

e coronéis, que tinham estado<br />

na guerra da Índia, tinham sido<br />

feitos prisioneiros, abandonados pelo<br />

Salazar e tratados como cobar<strong>de</strong>s<br />

quando chegaram cá fora. Havia um<br />

conjunto <strong>de</strong> oficiais que nunca perdoou<br />

isto ao Salazar. Tinham um ódio<br />

surdo ao regime, apesar <strong>de</strong> serem,<br />

muitas vezes, <strong>de</strong> direita. É por isso<br />

que aquela frase que o Marcelo disse<br />

ao Spínola foi mortal: ‘É preferível<br />

uma <strong>de</strong>rrota militar na Guiné do que<br />

conversações ou o reconhecimento<br />

do PAIGC’. Quando Spínola transmite<br />

isto ao Movimento dos Capitães, a<br />

obra estava feita”.<br />

Depois da tomada dos territórios<br />

<strong>de</strong> Goa, Damão e Diu pelas forças da<br />

União Indiana, Salazar abandonou os<br />

militares portugueses à sua sorte. Não<br />

os apoiou nem os <strong>de</strong>ixou recuar, para<br />

<strong>de</strong>pois fazer das Forças Armadas o<br />

bo<strong>de</strong> expiatório. Para os capitães,<br />

tornava-se evi<strong>de</strong>nte que Marcelo Caetano<br />

se preparava para fazer o mesmo<br />

em África. Deixar que os militares<br />

per<strong>de</strong>ssem a guerra, para <strong>de</strong>pois os<br />

culpar. Daqui à <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> fazer<br />

cair o regime foi um passo natural. Na<br />

maior parte dos casos, a consciência<br />

política dos protagonistas do golpe só<br />

nasceria mais tar<strong>de</strong>.<br />

“Depois do 25 <strong>de</strong> Abril é que <strong>de</strong>scobrimos<br />

muita coisa”, admite Sousa<br />

e Castro. “Depois <strong>de</strong> o regime ter caído,<br />

tornou-se óbvio que tínhamos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scolonizar, <strong>de</strong>mocratizar o país e<br />

fazê-lo entrar na Europa”. No entanto,<br />

meses <strong>de</strong>pois da revolução, o projecto<br />

já se tinha tornado confuso em<br />

muitas cabeças. Não na <strong>de</strong> Sousa e<br />

Castro.<br />

Livros


“Tínhamos<br />

camaradas que<br />

tinham estado na<br />

guerra da Índia,<br />

tinham sido feitos<br />

prisioneiros,<br />

abandonados pelo<br />

Salazar e tratados<br />

como cobar<strong>de</strong>s.<br />

Nunca perdoaram<br />

isto ao Salazar.<br />

Tinham um ódio<br />

surdo ao regime”<br />

Sousa e Castro<br />

centra a<br />

história do 25<br />

<strong>de</strong> Abril nas<br />

“condições<br />

psicológicas”<br />

dos militares<br />

que fundaram<br />

o Movimento<br />

das Forças<br />

Armadas<br />

Questões em aberto<br />

Os valores que o fizeram ter uma participação<br />

activa no planeamento e na<br />

concretização do golpe <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> Abril<br />

não se alteraram durante o PREC (Período<br />

Revolucionário Em Curso) e o<br />

Verão Quente <strong>de</strong> 1975. Sempre recusou<br />

o caos e a <strong>de</strong>riva esquerdista. Foi<br />

por essa razão que participou também<br />

no 25 <strong>de</strong> Novembro. Os contornos<br />

<strong>de</strong>ste, porém, não são tão claros<br />

como os do 25 <strong>de</strong> Abril. Ainda hoje há<br />

mistérios por resolver na história da<br />

revolução dos mo<strong>de</strong>rados, planeada<br />

por Vasco Lourenço (no plano militar)<br />

e Melo Antunes (no plano político) e<br />

levada à prática por Ramalho Eanes.<br />

Há várias questões em aberto. Em<br />

primeiro lugar, o papel do PCP. Terão<br />

os comunistas provocado a saída dos<br />

pára-quedistas que ocuparam as bases<br />

aéreas do país? Em segundo lugar,<br />

a origem da or<strong>de</strong>m concreta para a<br />

saída dos “páras”. Otelo Saraiva <strong>de</strong><br />

Carvalho? Alguém em nome <strong>de</strong>le?<br />

Depois, a participação da extremadireita<br />

no golpe. Teriam sido levados<br />

à prática outros planos militares mais<br />

radicais, com a consequente reinstalação<br />

<strong>de</strong> uma ditadura <strong>de</strong> direita, caso<br />

o pretexto dos “páras” não tivesse<br />

levado ao contra-golpe do dia 25, com<br />

o beneplácito do Presi<strong>de</strong>nte da República?<br />

Por fim, e principalmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a publicação, há um ano, <strong>de</strong> um<br />

livro <strong>de</strong> Pires Veloso (“Vice-rei do Norte”,<br />

ed. Âncora), que era, em 1975,<br />

comandante da Região Militar do Norte,<br />

permanecem dúvidas sobre o papel<br />

do Norte no 25 <strong>de</strong> Novembro e<br />

também sobre o papel do próprio Ramalho<br />

Eanes. Segundo Veloso, Eanes<br />

não terá tido participação alguma nas<br />

operações, tendo apenas sabido aproveitar-se<br />

posteriormente do êxito daquelas.<br />

Sousa e Castro garante que esta teoria<br />

é um erro, e <strong>de</strong>dica várias páginas<br />

do seu livro a explicá-lo. “Nos últimos<br />

tempos, várias pessoas se têm reivindicado<br />

como protagonistas. O caso<br />

mais flagrante é o <strong>de</strong> Pires Veloso.<br />

Tem a ilusão <strong>de</strong> que é <strong>de</strong>terminante<br />

na conduta militar do 25 <strong>de</strong> Novembro.<br />

Nada mais errado. Não o é a partir<br />

do momento em que a opção é a<br />

<strong>de</strong> ficar em <strong>Lisboa</strong>”, diz-nos. De facto,<br />

nos meses anteriores, tinha-se discutido<br />

entre os mo<strong>de</strong>rados reunidos em<br />

torno do chamado “Documento dos<br />

Nove”, redigido por Melo Antunes, a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fugir para o Norte<br />

para, a partir daí, travar a luta contra<br />

os esquerdistas que constituíam a<br />

maioria das forças militares na capital.<br />

Prevendo essa estratégia, os lí<strong>de</strong>res<br />

do PS, PSD e CDS chegaram a ir<br />

para o Porto. Mas a i<strong>de</strong>ia foi recusada,<br />

principalmente por Vasco Lourenço,<br />

que viu nela o início <strong>de</strong> uma guerra<br />

civil. E a partir <strong>de</strong>sse momento as forças<br />

<strong>de</strong> Pires Veloso per<strong>de</strong>ram toda a<br />

importância. “As tropas que ele mandou<br />

para <strong>Lisboa</strong> tiveram um papel<br />

irrisório. Limitaram-se a vir ren<strong>de</strong>r<br />

alguns homens que estavam em activida<strong>de</strong><br />

há 40 ou 72 horas, mas numa<br />

altura em que a situação já estava totalmente<br />

controlada”.<br />

Dentro do 25 <strong>de</strong> Novembro<br />

O papel <strong>de</strong>terminante coube aos Comandos,<br />

chefiados por Jaime Neves,<br />

que por sua vez obe<strong>de</strong>ceu a Ramalho<br />

Eanes, incumbido por Vasco Lourenço<br />

<strong>de</strong> elaborar o plano do contra-golpe.<br />

“Quando se ‘<strong>de</strong>smonta a feira’ é<br />

o Ramalho Eanes que surge como herói,<br />

porque foi ele que comandou as<br />

operações. Isto apesar <strong>de</strong> estar abaixo,<br />

na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comando, do Vasco<br />

Lourenço, que era o comandante da<br />

Região Militar <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>”.<br />

Para Sousa e Castro, estes factos são<br />

claros, não obstante todas as questões<br />

levantadas por Vasco Lourenço no<br />

livro que editou em Abril <strong>de</strong>ste ano<br />

(“Do Interior da Revolução”, ed. Âncora).<br />

Lourenço sublinha que Eanes<br />

era seu subordinado, e que lhe terá<br />

usurpado o protagonismo para se impor<br />

no plano político. No ano seguinte,<br />

com efeito, ganhava as eleições<br />

presi<strong>de</strong>nciais.<br />

Outro facto in<strong>de</strong>smentível é que foi<br />

Eanes quem travou Jaime Neves quando<br />

este quis “explorar o êxito” da<br />

operação, atacando as unida<strong>de</strong>s tidas<br />

como afectas à esquerda. “Jaime Neves<br />

tentou fazer o que Schwarzkopf<br />

queria, na primeira guerra do Iraque:<br />

continuar até Bagdad. Disse ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, Costa Gomes,<br />

que os comandos não estavam satisfeitos.<br />

Havia nos comandos elementos<br />

<strong>de</strong> direita e até <strong>de</strong> extrema-direita.<br />

Muitos <strong>de</strong>les nunca viram com bons<br />

olhos a entrega das colónias ao inimigo.<br />

Tem a ver com a idiossincrasia das<br />

forças especiais. Claro que, <strong>de</strong>pois do<br />

golpe, as tendências mais à direita<br />

tentaram tomar as suas posições”.<br />

Posições que implicariam, no mínimo,<br />

a ilegalização do Partido Comunista,<br />

sob o pretexto <strong>de</strong> que teria sido<br />

ele a organizar o golpe militar esquerdista.<br />

Segundo as informações recolhidas<br />

por Sousa e Castro, o PCP terá <strong>de</strong> facto<br />

estado na origem da saída dos “páras”,<br />

ainda que o objectivo não tenha<br />

sido “fazer a revolução popular, ao<br />

estilo leninista”. A i<strong>de</strong>ia era repor o<br />

equilíbrio que <strong>de</strong>saparecera no Governo<br />

e no Conselho da Revolução<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a queda <strong>de</strong> Vasco Gonçalves.<br />

“Tinham a ilusão <strong>de</strong> que, exercendo<br />

uma pressão militar, conseguiriam<br />

recuperar algum do po<strong>de</strong>r que tinham<br />

perdido”.<br />

Se era este o objectivo dos comunistas,<br />

a verda<strong>de</strong> é que no último momento<br />

recuaram. Talvez porque percebessem<br />

que iam per<strong>de</strong>r, ou, segundo<br />

Sousa e Castro, para <strong>de</strong>ixarem<br />

queimar os activistas da extrema esquerda,<br />

que não controlavam e que<br />

tinham assumido o controlo <strong>de</strong> todas<br />

as unida<strong>de</strong>s militares afectas à esquerda.<br />

“Resolveram o problema dos elementos<br />

da chamada esquerda revolucionária.<br />

Algumas <strong>de</strong>ssas pessoas,<br />

aliás, são hoje muito bem comportadas<br />

e andam por aí no Governo e nas<br />

empresas públicas”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 25


FOTOGRAFIAS DE ENRIC VIVES-RUBIO<br />

26 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

a 1 Agostinho da Silva a 2 Hilda Hilst a 3 Despedida a 4 Lourival Gomes Machado a 5<br />

Jayme Cortesão<br />

“Eu sou a fotografi a”<br />

O surrealista Fernando Lemos veio<br />

do Brasil com negativos na mala<br />

para tirar <strong>de</strong>les fotografi as inéditas<br />

dos tempos em que abriu caminho<br />

na escuridão criativa dos anos 50.<br />

Fotografi as nunca antes vistas em<br />

público. Sérgio B. Gomes<br />

O mestre gosta <strong>de</strong> acompanhar o processo.<br />

Gosta da revelação e do contacto<br />

com os líquidos do laboratório. O<br />

mestre Fernando Lemos, 83 anos, nome<br />

maior do surrealismo português,<br />

veio do Brasil com os negativos na mala<br />

para tirar <strong>de</strong>les fotografias inéditas<br />

dos tempos em que, ao lado <strong>de</strong> Fernando<br />

<strong>de</strong> Azevedo e Vespeira, abriu<br />

caminho na escuridão criativa dos<br />

anos 50. O minúsculo laboratório em<br />

<strong>Lisboa</strong>, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram retratos nunca<br />

antes vistos publicamente, faz-lhe lembrar<br />

o Japão, <strong>de</strong> tão pequeno e atafulhado<br />

que está. O mestre avisa o impressor:<br />

“Cuidado com o retoque! Não<br />

se esqueça daquilo que lhe disse”. O<br />

mestre disse que gosta do preto como<br />

se fosse preto tinta-da-china e do branco<br />

como se fosse branco papel. Os<br />

meios-tons ficam para o impressor.<br />

Conversámos com Fernando Lemos<br />

no dia em que estava marcada a<br />

viagem para Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão,<br />

on<strong>de</strong> a Fundação Cupertino <strong>de</strong> Miranda<br />

expõe a série realizada nos primeiros<br />

anos da década <strong>de</strong> 50 que o<br />

tornaram incontornável na história<br />

da fotografia portuguesa. E não só.<br />

Ao lado <strong>de</strong>ssas imagens já conhecidas,<br />

há novos retratos <strong>de</strong> amigos feitos<br />

“por amor, amiza<strong>de</strong>, respeito intelectual<br />

e aprendizagem”.<br />

Ainda fotografa?<br />

Muito pouco. Consi<strong>de</strong>ro a fotografia<br />

já em mim. Já me perguntaram também<br />

se eu era fotógrafo. Respondo:<br />

“Não. Eu sou a fotografia”. Em tudo<br />

o que vejo, é como se fosse a fotografia<br />

a ver essas coisas. Tenho a fotografia<br />

na minha cultura visual.<br />

As imagens sobrepostas em<br />

duplas exposições são um<br />

dos traços mais distintivos<br />

do seu trabalho. Qual é papel<br />

do aci<strong>de</strong>ntal nas imagens que<br />

captou?<br />

Tenho-me garantido mais por juízos<br />

<strong>de</strong> gente nova. Ultimamente tenho-<br />

me dado até mais com fotógrafos. Aos<br />

artistas plásticos nem quero vê-los à<br />

frente – todos chatos e intimistas. O<br />

que os mais novos me dizem é que<br />

estas fotografias parecem ter sido feitas<br />

hoje. E isso para mim foi uma revelação<br />

espantosa.<br />

Mas quando está a fazer a dupla<br />

exposição não está à espera que<br />

o aci<strong>de</strong>ntal também faça o seu<br />

trabalho?<br />

Sem dúvida. Como não tinha uma<br />

máquina automática, era preciso passar<br />

o rolo manualmente, aquilo a que<br />

se chamava “mão na roda”. O que<br />

queria preparar na composição era<br />

um pensamento mais pictórico e gráfico.<br />

Quando imaginava certa situação<br />

para um retrato, ocultava parte da<br />

captura da imagem já preparando a<br />

outra, como se estivesse pintando,<br />

fazendo com que a matéria fosse a<strong>de</strong>rindo<br />

uma à outra, transformando<br />

esta pele <strong>de</strong>ste corpo na mesma pele<br />

do outro corpo que é o mesmo repetido.<br />

Há aqui alguma herança cubista,<br />

na medida em que <strong>de</strong> uma posição<br />

vemos vários ângulos do objecto. Os<br />

meus corpos também se foram mostrando<br />

dos vários lados. Os retratos<br />

não são uma coisa estática. Há uma<br />

mudança <strong>de</strong> gesto, <strong>de</strong> olhar. Dentro<br />

disto, é claro que há o flagrante, há o<br />

instante. Saber se a luz está boa ou<br />

não, tudo isso para mim é secundário.<br />

O <strong>de</strong>safiante é esse “flagra”.<br />

É verda<strong>de</strong> que às vezes prefere<br />

o resultado do que aparece no<br />

negativo do que a imagem que é<br />

ampliada a partir <strong>de</strong>le?<br />

Sim, é verda<strong>de</strong>. Prefiro a imagem do<br />

negativo no sentido da surpresa do<br />

registo. A fotografia para mim é um<br />

percurso meio aquático. Na hora <strong>de</strong><br />

tirar uma cópia da banheira, dá i<strong>de</strong>ia<br />

que se está a pescar um peixe, fresquinho.<br />

A fotografia para mim também<br />

é a transparência. A transparência<br />

é uma forma <strong>de</strong> espionagem. Apa-


Exposições<br />

nhamos certas coisas e nem sabemos<br />

que as apanhámos. Como um furto.<br />

Como fotógrafo, tenho directrizes<br />

já bem <strong>de</strong>finidas e que passei várias<br />

vezes para o laboratório e tentei passar<br />

para o António [impressor <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>]:<br />

“Os pretos são pretos porque<br />

são feitos com tinta-da-china, os brancos<br />

são os brancos do papel. Consi<strong>de</strong>re<br />

sempre que estou <strong>de</strong>senhando,<br />

e você inventa nos meios-tons, nos<br />

cinzentos. Isso é um trabalho seu, do<br />

laboratório”.<br />

E incomoda-o o retoque?<br />

Acho que o retoque é como a última<br />

solução, uma coisa a que não se po<strong>de</strong><br />

fugir. É como as nossas rugas. No retoque<br />

que se faz por causa dos danos<br />

do tempo correm-se riscos, <strong>de</strong>mora<br />

muito para ficar bem feito e é sempre<br />

um remendo, uma maquilhagem, um<br />

botox. É melhor <strong>de</strong>ixar como está.<br />

É raro alguém conseguir apontar<br />

a “sua” primeira fotografia. Tem<br />

“A fotografia<br />

aproximou-se <strong>de</strong> mim<br />

por causa do nosso<br />

rosto como<br />

portugueses.<br />

Lembrei-me da<br />

fotografia e pensei<br />

que a cara das<br />

pessoas com quem<br />

tinha amiza<strong>de</strong> já era<br />

algo que valia a pena”<br />

3<br />

1 2<br />

esse momento bem presente na<br />

vista tirada da sua casa, na Rua<br />

do Sol ao Rato, em <strong>Lisboa</strong>. O que<br />

é que recorda <strong>de</strong>sse momento?<br />

No grupo surrealista ninguém estava<br />

interessado em usar a fotografia. Havia<br />

umas colagens, mas não se usava<br />

para reproduzir. A fotografia aproximou-se<br />

<strong>de</strong> mim por causa do rosto,<br />

do nosso rosto como portugueses. Até<br />

aí, achava que não havia nada que nos<br />

<strong>de</strong>sse a cara da nossa gente. Lembreime<br />

da fotografia e pensei que a cara<br />

das pessoas com quem tinha amiza<strong>de</strong><br />

já era algo que valia a pena, um começo<br />

para essa colecta <strong>de</strong> retratos,<br />

por amor, por amiza<strong>de</strong>, por respeito<br />

intelectual, por aprendizagem.<br />

Resolvi comprar uma câmara, a<br />

mais barata que consegui. Felizmente<br />

tinha uma lente fenomenal e a vantagem<br />

<strong>de</strong> não ser automática. Morava<br />

num quinto andar. No dia seguinte,<br />

assim que acor<strong>de</strong>i, peguei nela e fui<br />

à cozinha que tinha uma janelinha<br />

pequena. Não resisti. Era a minha<br />

rua, o meu bairro, o sítio on<strong>de</strong> nasci.<br />

Decidi: é aqui que vai acontecer a minha<br />

primeira fotografia. E sempre a<br />

coloquei assim.<br />

No catálogo da exposição da<br />

Casa Jalco [exposição surrealista<br />

com Fernando <strong>de</strong> Azevedo<br />

e Vespeira, 1952], António<br />

Pedro dizia que “pintava com<br />

a máquina fotográfica e com<br />

os pincéis”. Este é talvez o<br />

resumo perfeito para explicar a<br />

indiferenciação entre o pintor<br />

e o fotógrafo. Revê-se nesta<br />

<strong>de</strong>scrição enquanto criador?<br />

Não há distinção. Sou muito gráfico.<br />

Executei a fotografia como se estivesse<br />

pintando, usando matéria para ela<br />

se fundir, para adquirir as qualida<strong>de</strong>s<br />

da pintura, mais do que as qualida<strong>de</strong>s<br />

da fotografia, como o recorte. O Manuel<br />

Ban<strong>de</strong>ira, que fez um texto<br />

4 5<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 27


28 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

a 6<br />

Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles<br />

para a minha primeira exposição<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro também se refere a<br />

esta questão…<br />

... dizia que se “sente o pintor<br />

nas suas fotografias”...<br />

Porque a fotografia não foi feita para<br />

imitar a pintura, mas para ser a técnica<br />

da fusão.<br />

O <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> chegar ao campo<br />

do surrealismo pela fotografia<br />

é maior do que pelas outras<br />

artes, como pela pintura ou pela<br />

poesia?<br />

Sim, é verda<strong>de</strong>. Os trabalhos que me<br />

impressionaram mais no surrealismo<br />

foram aqueles que usaram a fotografia.<br />

Fala-se sempre da influência <strong>de</strong><br />

Man Ray na sua obra fotográfica.<br />

Que alcance teve o surrealismo<br />

<strong>de</strong> Ray nas imagens que<br />

produziu?<br />

Vim a conhecer o Man Ray <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

fazer aquelas fotografias. Não tínhamos<br />

assim tanta informação sobre o<br />

que se passava lá fora. Quando <strong>de</strong>scobri<br />

o trabalho <strong>de</strong>le achei que era um<br />

gajo porreiro. Mas a influência <strong>de</strong> Man<br />

Ray – que conheci em Paris – nem foi<br />

pela fotografia. Foi mais por essa postura<br />

multifacetada perante os vários<br />

suportes <strong>de</strong> criação. Ele era um artista<br />

total. Deu lições radicais sobre várias<br />

coisas. Consi<strong>de</strong>ro-o importante,<br />

mas diria que me senti mais influenciado<br />

pelo Max Ernst, por exemplo.<br />

Quer dizer que a sua fotografia<br />

foi mais influenciada pela<br />

pintura?<br />

Sim. Na fotografia vi muitas coisas, e<br />

ainda vejo, mas tenho i<strong>de</strong>ia que as<br />

origens são sempre as mesmas. Esse<br />

surrealismo <strong>de</strong> figurinha sifilítica herdada<br />

do Dalí, essa coisa do erotismo,<br />

da masturbação e dos corpos estragados<br />

são meio “<strong>de</strong>modé”. Para mim,<br />

a fotografia do Man Ray é música <strong>de</strong><br />

câmara, quer dizer, é muito laboratório.<br />

Já disse que a sua fotografia era<br />

“sensorial e quase primitiva”.<br />

Quer aprofundar esta <strong>de</strong>scrição?<br />

Tenho insistido muito nesta i<strong>de</strong>ia para<br />

afastar qualquer pretensão <strong>de</strong> que<br />

sirvo <strong>de</strong> exemplo para alguma gran<strong>de</strong><br />

teoria da fotografia. Nem o efeito das<br />

exposições, nem os prémios me convencem<br />

que sou um caso excepcional.<br />

Entrei na fotografia como um<br />

primitivo. Esta <strong>de</strong>scrição é como uma<br />

<strong>de</strong>fesa. É também sinal <strong>de</strong> alguma<br />

cobardia ao não querer assumir um<br />

estatuto. Entrei na fotografia por acaso.<br />

Parece que <strong>de</strong>u certo. Ainda<br />

bem.<br />

É apresentado como o único<br />

fotógrafo surrealista português<br />

dos anos 50. No entanto, no ano<br />

passado, um leilão em <strong>Lisboa</strong><br />

revelou um outro fotógrafo que<br />

encontrou inspiração na mesma<br />

corrente artística no final dos<br />

anos 50, Victor Palla. Já viu essas<br />

imagens?<br />

Sim. Gostei do trabalho <strong>de</strong>le. Admirava-o<br />

muito por causa das capas <strong>de</strong><br />

livros que criava. Era das poucas coisas<br />

que se faziam bem em Portugal.<br />

Eram novas, não provincianas. Estive<br />

uma ou duas vezes com ele, mas não<br />

falámos <strong>de</strong> fotografia. Havia entre nós<br />

uma apreciação meio secreta...<br />

Havia uma admiração mútua?<br />

Sem dúvida. Ele sabia que o admirava<br />

e eu sabia que ele me admirava.<br />

Na prática, o seu exemplo não foi<br />

seguido <strong>de</strong> maneira consequente<br />

nos anos seguintes. O Estado<br />

Novo venceu o surrealismo?<br />

Não sei. Sob certos aspectos talvez tenha<br />

vencido. Mas não se po<strong>de</strong> falar em<br />

vitória. Um Estado que não teve capacida<strong>de</strong><br />

para outra coisa que não fosse<br />

instaurar medo, <strong>de</strong>struição. Ele não<br />

<strong>de</strong>struiu só o surrealismo, <strong>de</strong>struiu o<br />

próprio processo histórico. Fez a feira<br />

popular com aquelas coisas todas feitas<br />

<strong>de</strong> estafa e gesso. Estragaram toda<br />

a festa. Os discursos do Salazar foram<br />

uma anedota, meio hilários, meio <strong>de</strong>mentes.<br />

Só um povo humil<strong>de</strong> como o<br />

nosso podia aceitar aquela situação.<br />

Até a polícia política era a mais atrasada<br />

<strong>de</strong>las todas. Eram todos uns sacanas<br />

sem categoria nenhuma.<br />

O livro “<strong>Lisboa</strong>, Cida<strong>de</strong> Triste e<br />

“Procuro mostrar que<br />

somos vários. Quando<br />

aparecemos em<br />

qualquer situação,<br />

não temos uma cara<br />

fixa, não somos uma<br />

máscara. Quis captar<br />

os retratos <strong>de</strong>sta<br />

forma para se<br />

perceber que temos<br />

na nossa cara um<br />

mundo <strong>de</strong> coisas para<br />

explodir, para<br />

escon<strong>de</strong>r”<br />

Alegre” [álbum com fotografias<br />

<strong>de</strong> Victor Palla/Costa Martins,<br />

poemas <strong>de</strong> vários autores<br />

portugueses editado em 1959 e<br />

consi<strong>de</strong>rado um dos melhores<br />

livros <strong>de</strong> fotografia portugueses]<br />

vai ser reeditado em Dezembro.<br />

Partilha do entusiasmo que gira<br />

à volta <strong>de</strong>sta obra?<br />

Partilho. É uma boa notícia. O livro<br />

tem uma reputação enorme. Dá uma<br />

versão <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> absolutamente a<strong>de</strong>quada.<br />

É uma fotografia que eterniza<br />

certas coisas <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, que é das<br />

poucas cida<strong>de</strong>s no mundo com características<br />

que não são palpáveis<br />

em outros lugares.<br />

E o livro reflecte isso…<br />

Reflecte e dá uma lição humanista.<br />

<strong>Lisboa</strong> é a minha cida<strong>de</strong>. O livro do<br />

Palla/Martins dá-nos uma <strong>Lisboa</strong> que<br />

não po<strong>de</strong> ser igualada por mais ninguém.<br />

A exposição inaugurada na<br />

Fundação Cupertino <strong>de</strong> Miranda<br />

tem fotografias inéditas. Quando<br />

andou a mexer <strong>de</strong> novo nos seus<br />

negativos o que é que procurou?<br />

Muito pouca coisa. Não fui à procura<br />

<strong>de</strong> nada que fosse exclusivo. Há uma<br />

ou outra imagem que já podia ter sido<br />

ampliada. Mas não me preocupei muito<br />

com isso. Não sou pesquisador.<br />

No novo conjunto prevalece um<br />

tipo <strong>de</strong> retrato psicológico, mais<br />

voltado para a sugestão. O que é<br />

que procura transmitir com este<br />

estilo?<br />

Procuro mostrar que somos vários.<br />

Quando aparecemos em qualquer<br />

situação, não temos uma cara fixa,<br />

não somos uma máscara. Quis captar<br />

os retratos <strong>de</strong>sta forma para se perceber<br />

que temos na nossa cara um<br />

mundo <strong>de</strong> coisas para explodir, para<br />

escon<strong>de</strong>r. Não se fica a conhecer uma<br />

pessoa ao olhar para a calça, para o<br />

sapato. Conhecemos, quando olhamos<br />

para o rosto das pessoas.<br />

Continua a tentar “adivinhar a<br />

ida<strong>de</strong> do futuro”?<br />

Ouvi essa expressão numa entrevista<br />

ao Philip Glass. Ele dizia que não sabia<br />

a ida<strong>de</strong> do futuro. Achei interessante.<br />

Sabe-se a ida<strong>de</strong> do passado, do presente,<br />

mas qual é a ida<strong>de</strong> do futuro?<br />

Fiquei a pensar nisso. Depois do livro<br />

do Saramago, “As Intermitências da<br />

Morte”, chego a ter medo que a morte<br />

me esqueça. Tomamos tudo muito a<br />

sério. É a questão também do surrealismo,<br />

o não tomar a sério. Mas é preciso<br />

levar as pessoas a enten<strong>de</strong>rem que<br />

só gente séria é que po<strong>de</strong> brincar.<br />

Versão alargada <strong>de</strong>sta entrevista em http://blogs.publico.pt/artephotographica<br />

6


A Orquestra Jazz <strong>de</strong><br />

Matosinhos associa-se à<br />

voz pujante e versátil <strong>de</strong><br />

Maria João num programa<br />

que inclui standards<br />

do universo jazzístico<br />

norte-americano e da música<br />

popular brasileira, obras<br />

emblemáticas da longa<br />

colaboração da cantora com<br />

o pianista Mário Laginha<br />

e uma canção inédita da<br />

autoria <strong>de</strong> Carlos Azevedo.<br />

PEDRO GUEDES<br />

direcção musical<br />

SÁB 22:00<br />

SALA SUGGIA<br />

€ 15<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />

PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

ESTÚDIO<br />

Nuno Ramalho & Renato Ferrão<br />

Exposição <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Novembro até 22 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2010<br />

Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, das 15h às 20h<br />

Visita guiada com os Artistas e com Bruno Marchand<br />

(autor do texto do catálogo)<br />

11 <strong>de</strong> Dezembro, sexta-feira, às 18h30<br />

fundação carmona e costa<br />

Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>)<br />

Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.º D<br />

1600-196 <strong>Lisboa</strong><br />

(Bairro do Rego / Bairro Santos)<br />

Tel. 217 803 003 / 4<br />

www.fundacaocarmonaecosta.pt<br />

Autocarro: 31<br />

Metro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha /<br />

/ Cida<strong>de</strong> Universitária<br />

17 Dezembro 22h00<br />

10€ M/6<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

Bilhetes à venda:<br />

Teatro Maria Matos 218 438 801<br />

música<br />

Alèmu Aga(Etiópia)<br />

The harp of King David<br />

menores<br />

30 anos<br />

5€


Inhotim<br />

Um país também s<br />

Exposições<br />

Nem São Paulo nem Rio: Belo Horizonte. E no Inhotim não parece haver limites: tudo é impro v<br />

Vanessa Rato em M<br />

DAVID REGENC<br />

A dada altura, entre o estalar dos “flashes”<br />

e o burburinho da multidão,<br />

uma muralha <strong>de</strong> câmaras e microfones<br />

fecha-se sobre o rosto do mais<br />

enigmático e <strong>de</strong>sejado dos protagonistas<br />

do dia: Matthew Barney, o sátiro<br />

por trás do épico “Cremaster” e<br />

um dos mais conhecidos artistas da<br />

última década.<br />

“T-shirt”, jeans e ténis Adidas. Negro<br />

integral. Cabelo bem puxado para<br />

trás, pernas afastadas, pés firmes<br />

no chão e braços cruzados sobre o<br />

peito, tudo segurança e músculo q.b.<br />

Com um sorriso Gioconda e um vago<br />

encolher <strong>de</strong> ombros, ele, esta espécie<br />

<strong>de</strong> “sex symbol” “off mainstream” a<br />

quem alguém se refere maliciosamente<br />

como “ex-senhor Björk”, é parco<br />

em palavras públicas, mas resume<br />

bem a questão. E a questão é: “Não<br />

há muitas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas.”<br />

Estamos no Inhotim, Centro <strong>de</strong> Arte<br />

Contemporânea, ou, mais concre-<br />

30 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

tamente, estamos <strong>de</strong> volta àquele que<br />

se tornou num dos mais <strong>de</strong>liciosamente<br />

tóxicos e mal guardados segredos<br />

do circuito internacional da arte<br />

contemporânea: um ano passado sobre<br />

a última visita, estamos <strong>de</strong> volta<br />

à embriaguez da mais vibrante colecção<br />

<strong>de</strong> arte contemporânea da América<br />

Latina instalada aqui, num museu<br />

criado no meio do nada da mata atlântica<br />

brasileira.<br />

Nem São Paulo nem Rio: Belo Horizonte.<br />

Um voo directo <strong>de</strong> seis horas<br />

a partir <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> e, <strong>de</strong>pois, uma hora<br />

a rodar bem para lá da periferia<br />

suburbana da capital do estado fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong> Minas Gerais, com a auto-estrada<br />

a dar vez a uma estrada irregular<br />

e esta a um caminho <strong>de</strong> terra batida.<br />

Terra vermelha e, à volta, ver<strong>de</strong>, um<br />

ver<strong>de</strong> cada vez mais <strong>de</strong>nso, húmido<br />

e abafado.<br />

Maciços <strong>de</strong> bananeiras, bambu silvestre,<br />

cana-<strong>de</strong>-açúcar, palmeiras,<br />

jacarandás, hibiscos e, por fim, aquele<br />

sólido muro branco, inesperadamente<br />

imaculado.<br />

Sabemos o que está para lá <strong>de</strong>le,<br />

mas, mesmo assim, mesmo à segunda<br />

visita, não <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> pasmar: um<br />

parque ambiental <strong>de</strong> 1200 hectares<br />

e, lá <strong>de</strong>ntro, 45 hectares <strong>de</strong> jardins,<br />

parte dos quais <strong>de</strong>senhados nos anos<br />

1980 pelo paisagista Roberto Burle<br />

Marx, o mesmo do Parque Ibirapuera,<br />

<strong>de</strong> São Paulo, e do Aterro do Flamengo,<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro; no total, 30 quilómetros<br />

<strong>de</strong> espelhos <strong>de</strong> água e lagos<br />

ornamentais, aqui, numa região <strong>de</strong><br />

exploração mineira em que a cida<strong>de</strong><br />

mais próxima, o Brumadinho, se reduz<br />

a 30 mil habitantes.<br />

Não há limites<br />

Ao longo dos anos 1980 e 1990, este<br />

foi o jardim da casa <strong>de</strong> Bernardo Paz,<br />

zona <strong>de</strong> reclusão, afastada <strong>de</strong> tudo e<br />

todos on<strong>de</strong> em 2002 foi oficialmente<br />

PEDRO MOTTA


e reinventa assim<br />

vável, gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong>smedido. Matthew Barney tem razão: “Não há muitas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas”.<br />

Minas Gerais<br />

Exterior e interior da instalação<br />

<strong>de</strong> Matthew Barney<br />

Estamos <strong>de</strong> volta<br />

à embriaguez<br />

da mais vibrante<br />

colecção <strong>de</strong> arte<br />

contemporânea da<br />

América Latina<br />

instalada aqui,<br />

num museu criado<br />

no meio do nada<br />

da mata atlântica<br />

brasileira. Nem<br />

São Paulo<br />

nem Rio: Belo<br />

Horizonte<br />

criado o Instituto Cultural Inhotim,<br />

hoje com uma colecção <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong><br />

500 obras assinadas por alguns dos<br />

mais conhecidos artistas do mundo<br />

e apontado por muitos como o mais<br />

importante acontecimento cultural<br />

do Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fundação do Museu<br />

<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> São Paulo, em<br />

1947. Uma espécie <strong>de</strong> Gulbenkian elevada<br />

à sua máxima potência tropical<br />

e <strong>de</strong>slocada para on<strong>de</strong> menos se espera<br />

encontrá-la.<br />

Dizíamos que, em tempos, este foi<br />

o jardim <strong>de</strong> Bernardo Paz. Na verda<strong>de</strong>,<br />

ainda é. Aos 60 anos, o proprietário<br />

da Itaminas, um dos mais importantes<br />

empresários si<strong>de</strong>rúrgicos<br />

do Brasil, costuma almoçar e receber<br />

os seus convidados na maior mesa da<br />

esplanada do restaurante on<strong>de</strong> nós,<br />

os visitantes, também comemos. A<br />

sua casa fica a poucos metros, ao cimo<br />

<strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> acesso privado.<br />

Des<strong>de</strong> que a sua colecção pessoal<br />

foi transformada em espaço público,<br />

objecto <strong>de</strong> participação financeira do<br />

Estado, Bernardo Paz tem consigo<br />

três comissários – o brasileiro Roberto<br />

Moura, o norte-americano Allan<br />

Schwartzman e o alemão Jochen Volz.<br />

São eles os responsáveis pelas exposições<br />

e aquisições do centro e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que existem, este homem alto e magro,<br />

<strong>de</strong> barba e cabelos longos e brancos<br />

no meio dos quais brilham dois<br />

penetrantes olhos azuis, prefere não<br />

falar à imprensa. Apesar disso, há um<br />

ano, explicava-nos: “Eu fiz a base do<br />

Inhotim, sonhei o resto e passei o meu<br />

sonho. Aqui trata-se <strong>de</strong> resgatar o sensível.<br />

Aqui a vida não tem limites.”<br />

No Inhotim, <strong>de</strong> facto, não parece<br />

haver limites: tudo é improvável,<br />

gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong>smedido. Tudo está à altura<br />

<strong>de</strong>stas palavras: “Interessam-me<br />

artistas com i<strong>de</strong>ias que vão para lá do<br />

que é habitual uma colecção privada<br />

ou institucional po<strong>de</strong>r conter.”<br />

Quando Matthew Barney entra em<br />

cena, quando toda a muralha <strong>de</strong> câmaras<br />

e microfones <strong>de</strong> televisões,<br />

rádios, jornais e revistas se fecha sobre<br />

o seu rosto e ele, artista habituado<br />

a projectos <strong>de</strong> milhões, se chega à<br />

frente para dizer que “não existem<br />

muitas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta”, é à <strong>de</strong>smesura<br />

que se refere.<br />

Em 2004 o Inhotim instalou-o com<br />

Arto Lindsay em Salvador da Baía. A<br />

i<strong>de</strong>ia era que concebessem um projecto<br />

para o Carnaval da cida<strong>de</strong>. Barney<br />

construiu uma narrativa sobre o<br />

conflito entre Ogum – senhor orixá<br />

do ferro, da guerra e da tecnologia<br />

– e Ossanha – o orixá das florestas,<br />

das plantas e das forças da natureza.<br />

Construiu também um enorme carro<br />

alegórico <strong>de</strong>ntro do qual a narrativa<br />

se <strong>de</strong>senrolava enquanto Arto Lindsay<br />

tocava e cantava instalado numa<br />

das pontas <strong>de</strong>sta megaplataforma<br />

móvel, um bizarro alienígena cujo<br />

<strong>de</strong>sfile foi registado em ví<strong>de</strong>o e transformado<br />

em filme. Des<strong>de</strong> então, o<br />

filme faz parte da colecção do Inhotim,<br />

que entretanto ofereceu a Barney<br />

um novo <strong>de</strong>safio: a construção<br />

<strong>de</strong> um pavilhão só seu, uma obra em<br />

nome próprio com o carro-alegóricofeito-escultura<br />

<strong>de</strong>ntro.<br />

Pesos-pesados<br />

Uma floresta <strong>de</strong> eucaliptos e, <strong>de</strong> repente,<br />

uma cratera <strong>de</strong> terra revolvida,<br />

árvores <strong>de</strong>rrubadas e <strong>de</strong> raiz à mostra<br />

e, lá no meio, uma dupla cúpula <strong>de</strong><br />

vidro e ferro, dois enormes domos<br />

geminados e poliédricos que engolem<br />

e multiplicam ao infinito o reflexo <strong>de</strong><br />

tudo o que os ro<strong>de</strong>ia e cospem lá para<br />

fora, também multiplicado à vertigem,<br />

o reflexo <strong>de</strong> tudo o que recebem<br />

no interior.<br />

O projecto <strong>de</strong> uma vida, noutros<br />

contextos. Não aqui. Só no mesmo dia<br />

<strong>de</strong> Barney o Inhotim inaugura três<br />

outros pavilhões <strong>de</strong> exposição permanente.<br />

Mais acima, mata a<strong>de</strong>ntro,<br />

Doug Aitken mandou terraplenar o<br />

topo <strong>de</strong> um morro para a construção<br />

do seu “Sonic Pavilion”, cúpula geodésica<br />

<strong>de</strong>ntro da qual uma sonda escavou<br />

metros coração da terra a<strong>de</strong>ntro<br />

para a instalação <strong>de</strong> microfones<br />

que captam e nos <strong>de</strong>ixam ouvir o som<br />

vivo do planeta. Através do vidro, ao<br />

longe, no cimo <strong>de</strong> uma serra, vê-se a<br />

escultura “Beam Drop”, <strong>de</strong> Chris Bur<strong>de</strong>n,<br />

feita com 71 vigas <strong>de</strong> ferro para<br />

construção que em 2008 foram levantadas<br />

no ar e <strong>de</strong>ixadas cair por um<br />

guindaste para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma enorme<br />

vala <strong>de</strong> cimento fresco. Foram 12<br />

horas a lançar vigas, faúlhas a saltar<br />

por todo o lado, até chegar ao expressionismo<br />

daquele padrão imprevisível,<br />

nova versão <strong>de</strong> um trabalho originalmente<br />

instalado em 1984 no Art<br />

Park, no estado <strong>de</strong> Nova Iorque, <strong>de</strong>struído<br />

em 1987.<br />

Barney, Aitken e Bur<strong>de</strong>n: pesospesados,<br />

portanto. E a lista parece<br />

não acabar. Noutra zona, Doris Salcedo,<br />

a mais prestigiada artista colombiana<br />

da actualida<strong>de</strong>, mulher <strong>de</strong> dar<br />

o rosto apenas por causas maiores,<br />

tem também um pavilhão, uma estrutura<br />

arquitectónica em betão construída<br />

à volta <strong>de</strong> “Neither”, uma sala<br />

alusiva a espaços <strong>de</strong> opressão como<br />

as prisões e que foi originalmente<br />

10 a 15 Dezembro 21h30<br />

12€ M/12<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

Bilhetes à venda:<br />

Teatro Maria Matos 218 438 801<br />

teatro<br />

João Garcia Miguel<br />

Faustin Linyekula<br />

O banqueiro anarquista<br />

(Fernando Pessoa)<br />

apresentação no âmbito<br />

da re<strong>de</strong> 5 sentidos<br />

co-financiada por<br />

menores<br />

30 anos<br />

5€<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 31


PEDRO MOTTA<br />

feita para a White Cube, <strong>de</strong> Londres.<br />

A inauguração foi no ano passado,<br />

pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Salcedo<br />

se tornar na primeira artista latinoamericana<br />

a intervir no Turbine Hall<br />

da Tate, em Londres, e no mesmo dia<br />

da inauguração do pavilhão <strong>de</strong> Adriana<br />

Varejão, com uma enorme tela da<br />

série “Saunas”, uma das ruínas <strong>de</strong><br />

charque que a tornaram numa das<br />

mais conhecidas artistas brasileiras<br />

da nova geração, o seu “Celacanto<br />

Provoca Maremoto”, que esteve há<br />

anos no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, e<br />

uma série <strong>de</strong> pinturas que reconsi<strong>de</strong>ram<br />

o tema da antropofagia.<br />

Valeska Soares, com o pavilhão que<br />

teve na Bienal <strong>de</strong> Veneza, Janet Car-<br />

32 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

A instalação sonora <strong>de</strong> Janet<br />

Cardiff “The Mur<strong>de</strong>r of Crows”<br />

diff e a sua extraordinária instalação<br />

sonora “The Mur<strong>de</strong>r of Crows”, com<br />

98 altifalantes e a sua narrativa <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>lo<br />

lento, Cildo Meireles e o seu<br />

histórico “Desvio para o Vermelho”,<br />

com “Através”, que até ser adquirida<br />

pelo Inhotim tinha sido montada uma<br />

única vez, nos anos 1980, no Palácio<br />

<strong>de</strong> Cristal, em Madrid, e com uma das<br />

suas “Glove Trotter”. São tudo pavilhões<br />

permanentes, uma lista a que<br />

<strong>de</strong>verão em breve juntar-se Dominique<br />

Gonzalez-Foerster, Olafur Eliasson<br />

e Pipilotti Rist, esta última com a<br />

instalação ví<strong>de</strong>o “Homo sapiens sa-<br />

DOUG-AITKEN<br />

piens” que apresentou na Bienal <strong>de</strong><br />

Veneza, em 2005, quando foi representante<br />

oficial da Suíça e que, à época,<br />

realizou já aqui, no Inhotim.<br />

EDUARDO ECKENFELS<br />

Dos anos 1970 à actualida<strong>de</strong> numa<br />

vertigem <strong>de</strong> formatos XL, maiores do<br />

que a vida: o Brasil po<strong>de</strong> até já ter sido<br />

um filho bastardo da Europa, praticamente<br />

ausente <strong>de</strong> tradições artísticas<br />

próprias, mas foi há muito tempo.<br />

Foi antes do Movimento Antropofágico<br />

e o Movimento Antropofágico já<br />

foi há quase 90 anos.<br />

Com o texto que a 1 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1928<br />

lançou esse movimento, o poeta, romancista<br />

e dramaturgo Oswaldo <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> queria uma “revolução Ca-<br />

“Beam Drop”, <strong>de</strong> Chris Bur<strong>de</strong>n<br />

“Sonic Pavilion”, <strong>de</strong> Doug<br />

Aitken: cúpula <strong>de</strong>ntro da qual<br />

uma sonda escavou metros<br />

coração da terra para a<br />

instalação <strong>de</strong> microfones que<br />

captam o som vivo do planeta<br />

No aeroporto <strong>de</strong> Belo<br />

Horizonte também<br />

é fácil reconhecer<br />

os convidados<br />

internacionais do<br />

Inhotim, gente que<br />

vem <strong>de</strong> todo o mundo<br />

e volta a casa<br />

a pensar na<br />

extraordinária<br />

loucura <strong>de</strong> uma ópera<br />

no meio da selva<br />

rahiba”, “maior que a Revolução<br />

Francesa”, e posicionava-se contra<br />

quase tudo o que fora imposto pelos<br />

colonizadores, contra “a Memória<br />

fonte <strong>de</strong> costume” e “as histórias do<br />

homem que começam no Cabo Finisterra”,<br />

pedia uma “experiência pessoal<br />

renovada”, um “mundo não datado.<br />

Não rubricado. Sem Napoleão.<br />

Sem César”. Chegados a 2009, com<br />

os Olímpicos ao virar da esquina e o<br />

Brasil a emergir como uma das maiores<br />

potências do mundo, temos que<br />

reconhecer: fomos nós que nos distraímos,<br />

<strong>de</strong> olhos postos nos estereótipos,<br />

enquanto esta revolução acontecia.<br />

Enquanto esta revolução se<br />

transformava num espaço como o<br />

Inhotim.<br />

Têm acontecido coisas assim por<br />

todo o mundo. Nos anos 1980, nos<br />

EUA, houve Eli Broad que hoje mesmo<br />

está a tratar da construção <strong>de</strong> um<br />

novo e imenso museu em Los Angeles.<br />

Depois, nos anos 1990, a Grã-Bretanha<br />

teve Charles Saatchi, um mogul<br />

da publicida<strong>de</strong> que se fez rampa <strong>de</strong><br />

lançamento para toda uma geração<br />

<strong>de</strong> artistas e a reinvenção da cena artística<br />

do seu país. Entretanto, <strong>de</strong>cididamente,<br />

os anos 2000 viraram-se<br />

para outras latitu<strong>de</strong>s. No México, apareceu<br />

Eugénio López Alonso que, há<br />

quatro anos, a “Forbes” apresentava<br />

como um supercoleccionador, um<br />

novo Médici. Não foi uma <strong>de</strong>scoberta<br />

absoluta: já em 2002 a revista “Art<br />

News” o <strong>de</strong>cretara como o maior mecenas<br />

da arte do seu país, um homem<br />

<strong>de</strong> 40 anos que vai abrir, em 2011, o<br />

seu museu, um espaço <strong>de</strong> 50 mil metros<br />

quadrados em plena Cida<strong>de</strong> do<br />

México, substituto para a galeria do<br />

Grupo Jumex, <strong>de</strong> que é her<strong>de</strong>iro único<br />

e on<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há oito anos expõe<br />

uma colecção <strong>de</strong> arte contemporânea<br />

internacional com cerca <strong>de</strong> duas mil<br />

obras e que se estima ter representado<br />

num investimento <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 61<br />

milhões <strong>de</strong> euros.<br />

López Alonso começou a coleccionar<br />

aos 25 anos. Hoje, na galeria do<br />

Grupo Jumex, quatrocentos metros<br />

quadrados ro<strong>de</strong>ados por espremedores<br />

e pausteurizadores industriais,<br />

expõe Gabriel Orozco, um dos nomes<br />

mexicanos mais estabelecidos da colecção,<br />

Minerva Cuevas (n. 1975) ou<br />

Iñaki Bonillas (n.1981), programaticamente<br />

enquadrados no contexto internacional<br />

ao lado <strong>de</strong> nomes conhecidos<br />

como Douglas Gordon, Jeff Koons,<br />

Paul McCarthy ou Maurizio<br />

Cattelan. Mas López Alonso não se<br />

limita a coleccionar e mostrar.<br />

Segundo a “Forbes”, só entre 2001<br />

e 2005 terá aplicado mais <strong>de</strong> 9 milhões<br />

<strong>de</strong> euros na criação <strong>de</strong> programas<br />

especializados em arte latinoamericana<br />

em escolas e museus norte-americanos,<br />

no empréstimo <strong>de</strong><br />

trabalhos a exposições internacionais<br />

e na edição <strong>de</strong> catálogos. Assumiu-se<br />

também como um dos principais patronos<br />

do Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea<br />

<strong>de</strong> Los Angeles, on<strong>de</strong> tem financiado<br />

a criação <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> artistas<br />

como Damián Ortega e estimando-se<br />

que, por ano, garanta a <strong>de</strong>slocação<br />

ao México <strong>de</strong> 25 críticos e comissários<br />

internacionais que chegam para ver<br />

a sua colecção, um tipo <strong>de</strong> acção instrumental<br />

na emergência <strong>de</strong> qualquer<br />

cida<strong>de</strong> fora dos circuitos mais tradicionais.<br />

No aeroporto <strong>de</strong> Belo Horizonte<br />

também é fácil reconhecer os convidados<br />

internacionais do Inhotim, gente<br />

que vem <strong>de</strong> todo o mundo e volta a<br />

casa a pensar na extraordinária loucura<br />

<strong>de</strong> uma ópera no meio da selva.<br />

No dia da inauguração <strong>de</strong> Matthew<br />

Barney, por exemplo, houve um concerto<br />

<strong>de</strong> Arto Lindsay numa clareira<br />

no meio da mata, as árvores dramaticamente<br />

iluminadas com luz ver<strong>de</strong>,<br />

as sombras ampliadas e uma tempesta<strong>de</strong>,<br />

a correr ao longe, relâmpagos<br />

cada vez mais perto: um país também<br />

se reinventa assim.<br />

A jornalista viajou a convite do Inhotim,<br />

Centro <strong>de</strong> Arte Contemporânea


Exposições<br />

Uma imagem não faz a revolução, mas<br />

prepara-a. E os surrealistas não pensavam<br />

uma revolução política sem<br />

pensarem uma revolução das mentalida<strong>de</strong>s<br />

e dos comportamentos. E usaram<br />

a imagem <strong>de</strong> um modo tão intenso<br />

como usaram a palavra, sempre<br />

para po<strong>de</strong>rem “mudar a vida”. Em<br />

Paris, no Centro Georges Pompidou,<br />

até 11 <strong>de</strong> Janeiro, na exposição “La<br />

Subversion <strong>de</strong>s Images”, centenas <strong>de</strong><br />

fotografias, fotomontagens, colagens<br />

e filmes, unificados por uma cenografia<br />

eficaz, somos conduzidos na busca<br />

surrealista do “mo<strong>de</strong>lo interior”.<br />

“É pela força das imagens que, ao<br />

longo do tempo, se po<strong>de</strong>rão alcançar<br />

as verda<strong>de</strong>iras revoluções”, escreveu<br />

André Breton, fundador e teorizador<br />

do surrealismo, cujos a<strong>de</strong>rentes ambicionaram<br />

“mudar a vida”. As imagens<br />

são literárias mas foram também,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, imagens visuais<br />

– o seu legado mudou o nosso modo<br />

<strong>de</strong> representar e <strong>de</strong> ver o mundo.<br />

Nos 10 espaços em que se divi<strong>de</strong> “La<br />

Subversion <strong>de</strong>s Images”, mais <strong>de</strong> três<br />

centenas <strong>de</strong> obras são apresentadas.<br />

O visitante espreita por frestas espe-<br />

Subversão<br />

pelas<br />

imagens<br />

Os surrealistas usaram a imagem <strong>de</strong> modo tão intenso como usaram a palavra, sempre para p<br />

<strong>de</strong>s Images” apresenta centenas <strong>de</strong> fotografi as, fotomontagens, colagens e fi lmes d<br />

34 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

lhadas entre as salas: as relações espaciais<br />

da planta ovalada surgem-lhe<br />

fragmentadas e, à saída, surpreen<strong>de</strong><br />

a própria imagem <strong>de</strong>formada na ondulação<br />

<strong>de</strong> um enorme espelho. Não<br />

se trata <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> ilusionismo gratuito:<br />

estas soluções <strong>de</strong> montagem acompanham<br />

a <strong>de</strong>monstração minuciosa<br />

<strong>de</strong> como os novos meios <strong>de</strong> produção<br />

<strong>de</strong> imagens (a fotografia e o cinema)<br />

contribuíram para a produção <strong>de</strong> novos<br />

tipos <strong>de</strong> imagens, para uma nova<br />

percepção dos espaços; e como serviram<br />

não apenas o programa dos fundadores<br />

do surrealismo, mas abriram<br />

também um campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />

que lhes sobreviveu invadindo a nossa<br />

visão do quotidiano. A publicida<strong>de</strong><br />

e a moda, o grafismo e a ilustração,<br />

a arte, da pop ao neodadaísmo dos<br />

anos 60 e seguintes, o cinema... estão<br />

hoje impregnados <strong>de</strong> lugares comuns<br />

conquistados pelo surrealismo contra<br />

as convenções do tempo.<br />

A teatralização do real<br />

Os limites cronológicos <strong>de</strong>sta selecção<br />

(que conta com cinco comissários)<br />

estabelecem-se entre os anos <strong>de</strong><br />

1920 e 30 (os <strong>de</strong> maior inventivida<strong>de</strong><br />

e experimentação) e os anos <strong>de</strong> 1940,<br />

quando a fuga da maioria dos criadores<br />

para os EUA proporcionou as<br />

condições <strong>de</strong> expansão e normalização<br />

que referimos. Geograficamente,<br />

Paris surge, nesta investigação, como<br />

centro aglutinador <strong>de</strong> contribuições<br />

e personalida<strong>de</strong>s locais e <strong>de</strong> outras,<br />

chegadas da Alemanha, <strong>de</strong> Espanha<br />

ou do Centro da Europa. Portugal,<br />

que para além <strong>de</strong> um pontual contacto<br />

<strong>de</strong> António Pedro com o movimento,<br />

apenas acerta o seu tempo<br />

no fôlego surrealista do pós-guerra,<br />

está ausente. Percebemos apenas,<br />

nas obra <strong>de</strong> Georges Hugnet, Max<br />

Ernst ou Victor Brauner a génese dos<br />

poemas visuais <strong>de</strong> Mário Cesariny<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1947.<br />

Um dos fascínios permanentes da<br />

exposição é a presença não apenas <strong>de</strong><br />

provas fotográficas originais como <strong>de</strong><br />

maquetas <strong>de</strong> composições posteriormente<br />

integradas em revistas ou catálogos.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contacto<br />

directo com esses “vintage” garante<br />

a riqueza documental e a emoção visual<br />

do visitante que parece po<strong>de</strong>r<br />

f Eli Lotar,<br />

Germaine<br />

Krull (1930)<br />

e Man Ray,<br />

“Érotique<br />

-voilée”, 1933-<br />

1934<br />

tomar contacto, através das possibilida<strong>de</strong>s<br />

infinitas <strong>de</strong> associação da forma<br />

e da metamorfose, do real e do sonho<br />

dos objectos e dos corpos, com a génese<br />

mesma <strong>de</strong> um pensamento e<br />

acção torrenciais.<br />

A provocação aos gostos e moralida<strong>de</strong><br />

burguesa sustentada numa acção<br />

colectiva intensa que sabemos se<br />

tornou, por vezes, autofágica, começa<br />

com o “pôr em comum” a própria<br />

imagem individual que o primado do<br />

colectivo implicava na utopia surrealista.<br />

São os retratos <strong>de</strong> grupo (improvisados,<br />

encenados ou manipulados<br />

por fotomontagem on<strong>de</strong> se fazem figurar<br />

com os seus reclamados antecessores,<br />

<strong>de</strong> Freud a Rimbaud), publicados<br />

nas revistas e livros. Logo neles<br />

se vão <strong>de</strong>scobrindo alguns dos lugares<br />

explorados pelos surrealistas: o absurdo<br />

e o burlesco, que explorarão<br />

noutras dimensões como as do cinema<br />

(Hans Richter, por exemplo), do<br />

acaso e do fortuito, da experimentação<br />

e do risco, que os levará a usar e<br />

a negar todas as convenções temáticas<br />

e técnicas da fotografia do tempo.<br />

A teatralização do real, dominante


logo neste uso da fotografia <strong>de</strong> grupo,<br />

esten<strong>de</strong>-se a todo o conjunto <strong>de</strong> temas<br />

e formas. Vencendo o que parecia<br />

ser o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> reprodução mecânica<br />

do real pela fotografia, os surrealistas<br />

vão esten<strong>de</strong>r a vertiginosa<br />

criativida<strong>de</strong> dos seus jogos linguísticos<br />

às novas técnicas. Walter Benjamin<br />

consi<strong>de</strong>ra mesmo que é apenas<br />

na fotografia que o surrealismo afirma<br />

a sua qualida<strong>de</strong>. Notáveis são a<br />

pequena colecção <strong>de</strong> fotos on<strong>de</strong> Magritte<br />

ensaia, em fotografia, as soluções<br />

do que iria pintar em tela ou os<br />

esboços <strong>de</strong> Artaud e Eli Lotar para<br />

futuras fotomontagens.<br />

O lugar do “voyeur”<br />

O modo como, através da fotografia,<br />

os surrealistas acentuam o lugar do<br />

“voyeur” na produção da imagem<br />

oferece-nos outro lugar <strong>de</strong> intervenção,<br />

o do erotismo centrado na mulher,<br />

da beleza fria <strong>de</strong> Meret Oppenheim<br />

ou Lee Miller (mo<strong>de</strong>los e autoras<br />

em simultâneo), das <strong>de</strong>puradas<br />

fotos <strong>de</strong> Man Ray à sua experiência<br />

na filmografia porno, das fotos porno<br />

<strong>de</strong> Ubac à violência sexualizada <strong>de</strong><br />

g Hans Richter,<br />

“Vormittagsspuk”, 1927-1928<br />

A provocação aos<br />

gostos e moralida<strong>de</strong><br />

burguesa sustentada<br />

numa acção colectiva<br />

intensa que sabemos<br />

se tornou, por vezes,<br />

autofágica, começa<br />

com o “pôr em<br />

comum” a própria<br />

imagem individual<br />

que o primado<br />

do colectivo implicava<br />

na utopia surrealista<br />

f Man Ray,<br />

“Marquise<br />

Casati”, 1922<br />

e André<br />

Breton, fotomontagem,<br />

1937<br />

Hans Bellmer ou, finalmente, às inquietantes<br />

e não menos sexualizadas<br />

analogias entre animal, vegetal e humano<br />

nos filmes e fotos <strong>de</strong> Jean Painlevé.<br />

O trânsito <strong>de</strong> influências entre algumas<br />

expressões marginais ao sistema<br />

<strong>de</strong> gosto artístico vigente e o<br />

surrealismo foi intenso. Não apenas<br />

o interesse se manifestou pelas expressões<br />

arcaicas e extra-europeias,<br />

“naïves” ou <strong>de</strong> alienados, mas também<br />

por produtores <strong>de</strong> universos<br />

capazes <strong>de</strong> revelar realida<strong>de</strong>s escondidas<br />

sob a capa da aparente normalida<strong>de</strong>.<br />

Foi o caso <strong>de</strong> Painlevé, para a<br />

Natureza, ou da fotografia <strong>de</strong> Brassaï,<br />

Jindfich Strysky ou Eugène Atget em<br />

relação a uma cida<strong>de</strong> reveladora <strong>de</strong><br />

“inquietante estranheza”, do fantástico<br />

e do fantasmático, do absurdo e<br />

mesmo do abjecto, na vertente da<br />

revista “Documents” <strong>de</strong> Bataille e nas<br />

fotos <strong>de</strong> Eli Lotar ou Wolls. Era uma<br />

consciência do belo na estranheza e<br />

<strong>de</strong>slocação <strong>de</strong> contexto que a arte ia<br />

acompanhando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o “ready ma<strong>de</strong>”<br />

duchampiano ou das “assemblages”<br />

dadaístas, muito diversa dos<br />

efeitos obtidos na colagem cubista ou<br />

na fotomontagem e “assemblage”<br />

construtivista.<br />

A exposição mostra como os surrealistas<br />

souberam gerir a tensão entre<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mergulharem<br />

no inconsciente e o <strong>de</strong>terminismo<br />

objectivo do olho mecânico das câmaras,<br />

explorando as possibilida<strong>de</strong>s<br />

subjectivas do enquadramento, dos<br />

gran<strong>de</strong>s planos, das manipulações<br />

no momento da tomada <strong>de</strong> vista e/<br />

ou da revelação. Na procura constante<br />

do “mo<strong>de</strong>lo interior” a fotografia<br />

alcança assim (nas mão <strong>de</strong> Man Ray,<br />

por exemplo) o estatuto da “escrita<br />

automática”, técnica surrealista que<br />

Breton apelidara <strong>de</strong> “fotografia do<br />

pensamento”.<br />

Apenas uma pintura nesta exposição.<br />

Mostra-se no início, como provocação<br />

e exemplo <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>slocações<br />

a que assistiremos <strong>de</strong>pois,<br />

é <strong>de</strong> 1925, da autoria <strong>de</strong> Miró: num<br />

plano sem profundida<strong>de</strong> escreve-se,<br />

como legenda <strong>de</strong> uma mancha azul,<br />

“esta é a cor dos meus sonhos” e, no<br />

topo esquerdo, como um título, a palavra<br />

“photo”.<br />

po<strong>de</strong>rem “mudar a vida”. Em Paris, no Centro Pompidou, até 11 <strong>de</strong> Janeiro, “La Subversion<br />

<strong>de</strong>ssa busca surrealista do “mo<strong>de</strong>lo interior”. João Pinharanda, em Paris<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 35


Expos<br />

36 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Trazer à<br />

superfície<br />

os tempos<br />

mortos<br />

A arte <strong>de</strong> João Pedro Vale<br />

continua a explorar a pele<br />

da cultura. Agora, a partir <strong>de</strong><br />

“Moby Dick”, uma obra do<br />

cânone literário.<br />

José Marmeleira<br />

Moby Dick<br />

De João Pedro Vale.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />

Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a<br />

Sáb. das 10h às 20h.<br />

Outros.<br />

mmmnn<br />

Antes <strong>de</strong> “Moby Dick”, houve<br />

“Hero, Captain and Stranger”, o<br />

filme. Não que este dado seja<br />

fundamental para o visitante da<br />

nova exposição <strong>de</strong> João Pedro Vale.<br />

Ou é? Explicamos: são duas<br />

experiências em tempos e espaços<br />

distintos (o filme, em co-autoria<br />

com Nuno Alexandre Ferreira, foi<br />

exibido apenas uma vez). Mas<br />

As peças da “Moby Dick” <strong>de</strong> João Pedro Vale dirigem-se ao<br />

imaginário construído a partir do Gran<strong>de</strong> Romance Americano<br />

existem relações óbvias.<br />

O projecto nasceu <strong>de</strong> uma<br />

residência artística realizada por<br />

João Pedro Vale em Nova Iorque,<br />

com o objectivo <strong>de</strong> investigar as<br />

comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> imigrantes<br />

portugueses formadas por<br />

pescadores baleeiros originários<br />

dos Açores e que residiram<br />

sobretudo na Costa Leste dos EUA.<br />

O encontro com a obra literária,<br />

porém, motivou outro caminho.<br />

Depois das leituras <strong>de</strong> ensaios dos<br />

Queer Studies sobre o livro <strong>de</strong><br />

Herman Melville, João Pedro Vale<br />

afastou-se do imaginário e das<br />

memórias do mar, <strong>de</strong>slocando para<br />

segundo plano a gesta representada<br />

para trazer à superfície outras<br />

significações, numa ficção (plástica<br />

e visual) em torno daquilo que<br />

Jennifer Doyle chamou <strong>de</strong> “Moby-<br />

Dick´s Boring Parts” (ou seja, os<br />

capítulos em que a narrativa é<br />

reduzida a acções aborrecidas, a<br />

passagens didácticas sobre a caça à<br />

baleia ou a <strong>de</strong>scrições da vida a<br />

bordo do baleeiro).<br />

Quem leu o livro reconhece os<br />

seus tempos mortos e é<br />

exactamente aí, nesse<br />

reconhecimento, que o artista<br />

intervém. Os tempos mortos são o<br />

lugar do tédio, mas po<strong>de</strong>m ser<br />

também – enquanto não se avista a<br />

baleia no horizonte – o do sexo e<br />

(porque não?) da arte. Ora, é nesta<br />

sobreposição <strong>de</strong> leituras e sentidos<br />

que o artista cria a sua “Moby<br />

Dick”.<br />

“Hero, Captain and Stranger”<br />

teve a sua estreia e única exibição<br />

em Novembro passado em <strong>Lisboa</strong>,<br />

num cinema porno (o Cine Paraíso).<br />

O lugar não é inocente. O primeiro<br />

filme <strong>de</strong> João Pedro Vale é, ao<br />

mesmo tempo, um filme<br />

pornográfico gay e uma adaptação<br />

curta e livre <strong>de</strong> “Moby Dick”, sem<br />

diálogos, apenas com a voz off do<br />

narrador (uma referência à peça<br />

teatral “Moby Dick Rehearsed”, <strong>de</strong><br />

Orson Welles). Rodado a preto e<br />

branco – com alusões a Anger e a<br />

Genet –, possui, como qualquer<br />

obra pornográfica, uma monotonia<br />

suspensa e acelerada pelas cenas <strong>de</strong><br />

sexo. É um espaço intertextual<br />

entre o escritor e João Pedro Vale,<br />

entre as partes “chatas” do livro e a<br />

pornografia, entre o tédio dos<br />

baleeiros e o tédio do leitor/<br />

espectador.<br />

Na exposição, encontram-se<br />

objectos que, embora remetendo<br />

para o filme (com efeito, figuram<br />

neste), existem autonomamente<br />

enquanto produtos do fazer, do<br />

humor e da invenção do artista. São<br />

disso exemplo a instalaçãoambiente<br />

com o mesmo nome do<br />

filme, que “reconstitui” as<br />

camaratas dos baleeiros, “So Much,<br />

So Little Time”, um conjunto <strong>de</strong><br />

velas em forma <strong>de</strong> pilas sobre o<br />

caixão que salvará a vida <strong>de</strong> Ismael,<br />

ou os <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> baleias cujas<br />

superfícies <strong>de</strong>ixam ver <strong>de</strong>senhos<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

gravados, numa alusão directa à<br />

“scrimshaw”, arte que os<br />

marinheiros usavam para matar o<br />

tempo, e mais subtil ao fazer do<br />

próprio João Pedro Vale, minucioso,<br />

“manual”, e não raras vezes feito<br />

sobre superfícies (noutras obras,<br />

sobre pele, sabão, pastilhas<br />

elásticas).<br />

A sombra do <strong>de</strong>sejo e da<br />

sexualida<strong>de</strong> (homossexual) não<br />

<strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> assombrar, com ironia,<br />

este curioso “museu” (on<strong>de</strong> não<br />

faltam vitrinas com arpões), mas<br />

nele as obras dirigem-se,<br />

essencialmente, ao imaginário<br />

cultural, político e artístico<br />

construído à volta <strong>de</strong> “Moby Dick”<br />

(afinal, o Gran<strong>de</strong> Romance<br />

Americano). Como acontece nas<br />

reproduções <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Frank<br />

Stella e Jackson Pollock, ou nas<br />

pinturas, ilustrações e <strong>de</strong>senhos<br />

relativos à caça ou ao mito da<br />

baleia/do monstro que compõem a<br />

série “Of The Monstruous and Less<br />

Erroneous Pictures of Whales”.<br />

Sobre a montagem da exposição,<br />

subsiste apenas uma dúvida: não<br />

será possível apresentar as peças<br />

(todas) num contexto mais<br />

exclusivo?<br />

Uma<br />

fotografi a<br />

agarrada<br />

ao mundo<br />

Obras <strong>de</strong> 13 fotógrafos<br />

da Kameraphoto numa<br />

exposição que interroga o<br />

lugar das imagens entre o<br />

fotojornalismo e a fotografia<br />

documental.<br />

José Marmeleira<br />

A State of Affairs<br />

De Alexandre Almeida, Guillaume<br />

Pazat, Pedro Letria, Pauliana<br />

Valente Pimental, João Pina,<br />

Augusto Brázio, António Júlio<br />

Duarte, Jordi Burch, Nelson D’ aires,<br />

Martim Ramos, Céu Guarda, Valter<br />

Vinagre, Sandra Rocha.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Plataforma Revólver. Rua da Boavista, 84<br />

- 3º. Tel.: 213433259. Até 31/12. 2ª a Sáb. das 14h às<br />

19h30.<br />

Fotografia.<br />

mmmnn<br />

Surgido em 2003, o Kameraphoto é<br />

um colectivo com ambições tão<br />

claras quanto notáveis: incentivar,<br />

divulgar e representar o trabalho <strong>de</strong><br />

fotógrafos “freelancer”. Des<strong>de</strong> então<br />

já organizou várias exposições<br />

(individuais e colectivas) numa<br />

galeria própria (a Kgallery, situada<br />

no Bairro Alto) e neste momento é<br />

Martim Ramos,<br />

um dos três “enviados especiais”<br />

da Kameraphoto, estagiou no<br />

“Hindustan Times” <strong>de</strong> Nova Deli<br />

composto por 14 autores, alguns<br />

com percursos no circuito galerístico<br />

(António Júlio Duarte, Sandra Rocha,<br />

Pauliana Valente Pimentel), outros<br />

com carreira actual ou passada no<br />

fotojornalismo. Em comum, e sem<br />

prejuízo da autoria, assumem um<br />

envolvimento com os temas<br />

abordados, com uma fotografia<br />

agarrada ao mundo (quase em<br />

<strong>de</strong>trimento do fotográfico). Tal<br />

posição não impe<strong>de</strong>, claro está, a<br />

pesquisa e a reflexão; “A State of<br />

Affairs”, a quarta mostra do<br />

colectivo, espelha bem essa<br />

necessida<strong>de</strong>. Como ver hoje as<br />

imagens do fotojornalismo ou da<br />

fotografia documental? Como ver<br />

para lá daquilo que tornam visível?<br />

Como, enfim, parar para ver?<br />

O projecto conta-se <strong>de</strong> forma<br />

simples: 13 fotógrafos do colectivo<br />

acompanharam o trabalho diário <strong>de</strong><br />

13 redacções <strong>de</strong> jornais <strong>de</strong> 13 países<br />

diferentes. O “estágio” durou uma<br />

semana, durante a qual cada um fez<br />

as suas imagens, e no fim o projecto<br />

concretizou-se num livro e na<br />

exposição.<br />

Na Plataforma Revólver, “A State of<br />

Affairs” surge organizada em séries<br />

que percorrem várias salas numa<br />

sequência temporal (<strong>de</strong> 20 a 26 <strong>de</strong><br />

Julho <strong>de</strong> 2009, a duração do<br />

trabalho), mas sem a separação<br />

autoritária da assinatura. Surgem<br />

antes intercaladas, como imagens em<br />

trânsito, num anonimato apenas<br />

traído pelas legendas, pequenas e<br />

informativas. Como se mais que do<br />

ler, o que importasse fosse ver.<br />

Istambul, Tóquio, Detroit, Gaza ou<br />

Macau<br />

Ora é exactamente longe das<br />

muletas da <strong>de</strong>scrição, que “A State<br />

of Affairs” ganha força. Porque<br />

torna-nos menos certos dos lugares<br />

que as imagens documentam,<br />

daquilo que mostram, da origem<br />

das pessoas que retratam. É<br />

verda<strong>de</strong> que, inevitavelmente,<br />

certos assuntos emergem: o Islão, a<br />

violência urbana, a globalização, a


cultura americana ou a crise<br />

financeira. Acontece que essa<br />

familiarida<strong>de</strong> acaba suspensa,<br />

interrompida. Porque aqueles<br />

iranianos não estão no Irão, porque<br />

aquela mulher, com a filha nos<br />

braços, não está no lugar que<br />

julgaríamos mais provável; porque<br />

aquela rapariga é japonesa e não<br />

americana.<br />

A qualida<strong>de</strong> das fotografias é, por<br />

vezes, <strong>de</strong>sigual. Nem todos optaram<br />

pelo mesmo registo,<br />

nem todos lidaram<br />

da mesma forma<br />

com o tempo ou<br />

tiveram as mesmas<br />

condições <strong>de</strong><br />

trabalho. Mas “A<br />

State of Affairs”<br />

consegue, quase<br />

sempre, lembrarnos<br />

da existência <strong>de</strong><br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

“Assault” na<br />

Sala do Veado do Museu<br />

Nacional <strong>de</strong> História Natural<br />

uma poética por <strong>de</strong>trás da fotografia<br />

mais “tradicional” ou jornalística.<br />

Vejam, por exemplo, as raparigas <strong>de</strong><br />

Gaza (Pedro Letria), o sikh em Nova<br />

Deli (Martim Ramos), o abraço em<br />

São Paulo (Valter Vinagre) ou o<br />

instante <strong>de</strong> um feriado em Tóquio<br />

(Sandra Rocha). Uma poética que<br />

reconhece, apesar das agendas dos<br />

jornais, do afogueamento das vidas e<br />

da censura, que o mundo ainda é<br />

um sítio visitável. Um lugar<br />

estranho.<br />

“Travessia. Evidência. O Monte Rosa”,<br />

<strong>de</strong> Pedro Tropa, na Quadrado Azul<br />

Selos Portugueses do Oriente<br />

De Almada Negreiros, Alberto<br />

Cutileiro, Manuel Lapa, João Abel<br />

Manta, Domingos Rebelo, entre<br />

outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu do Oriente. Av. Brasília - Edifício Pedro<br />

Álvares Cabral - Doca <strong>de</strong> Alcântara Norte. Tel.:<br />

213585200. De 04/12 a 28/03. 6ª das 10h às 22h. 2ª,<br />

4ª, 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 18h.<br />

Desenho, Outros.<br />

Linhas Paralelas<br />

De Alexandra Côrte Real, Eduardo<br />

Nery.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Ermida <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição.<br />

Travessa do Marta Pinto, 12. Tel.: 213637700. Até<br />

20/12. 3ª a 6ª das 11h às 17h. Sáb. e Dom. das 14h às<br />

18h. Inaugura 5/12 às 18h.<br />

Joalharia, Desenho.<br />

Colectiva 2009/2010<br />

De David <strong>de</strong> Almeida, Carlos Barão,<br />

Manuel Baptista, Jean-Marie<br />

Boomputte, João Cutileiro, Günter<br />

Grass, entre outros.<br />

São Lourenço. Centro Cultural São Lourenço. R.<br />

Igreja. Tel.: 289395475. De 05/12 a 31/03. 3ª a Dom.<br />

das 10h às 19h.<br />

Pintura, Escultura, Outros.<br />

Casa Perfeitíssima - 500 Anos da<br />

Fundação do Mosteiro da Madre<br />

<strong>de</strong> Deus<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Nacional do Azulejo. Rua Madre <strong>de</strong><br />

Deus, 4. Tel.: 218100340. Até 11/04. 3ª das 14h às 18h.<br />

4ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 9/12 às 18h30.<br />

Pintura, Escultura, Tapeçaria,<br />

Arquitectura, Objectos, Outros.<br />

Assault<br />

De Mário Pires<br />

Cor<strong>de</strong>iro, João<br />

Lima Duque.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu<br />

Nacional <strong>de</strong> História<br />

Natural - Sala do<br />

Veado. Rua da Escola<br />

Politécnica, 58. Tel.:<br />

213921800. Até 03/01.<br />

3ª a 6ª das 10h às 17h.<br />

Sáb. e Dom. das 11h às<br />

18h. Inaugura 4/12<br />

das 18h às 22h.<br />

Instalação, Performance, Som,<br />

Outros.<br />

Encontrei Pessoas Que Nunca<br />

Conheci/I Found People I Never<br />

Had Met Before<br />

De José Budha.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Rentagallery #24. R. da Esperança, 24. Tel.:<br />

214010437. Até 30/12. 2ª a Dom. das 15h às 21h.<br />

Inaugura 10/12 às 19h30.<br />

Pintura, Ví<strong>de</strong>o, Som, Outros.<br />

Bordalo Pinheiro - Cerâmica<br />

Dedicada<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Rafael Bordalo Pinheiro. Campo<br />

Gran<strong>de</strong>, 382. Tel.: 218170667. De 10/12 a 14/02. 3ª a<br />

Dom. das 10h às 18h.<br />

Cerâmica.<br />

Duplicadores<br />

De José Spaniol.<br />

<strong>Lisboa</strong>. 3 + 1 Arte Contemporânea. Rua António<br />

Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 20/02. 3ª a<br />

Sáb. das 12h30 às 20h. Inaugura 10/12 às 22h00.<br />

Fotografia, Escultura.<br />

Continuam<br />

David Claerbout<br />

<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. Rua Serpa Pinto, 4.<br />

Tel.: 213432148. Até 28/02. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Instalação, Ví<strong>de</strong>o, Fotografia.<br />

É Proibido Proibir!<br />

De Archizoom Associati, Studio 65,<br />

Grupo Sturm, Superstudio, Pierre<br />

Paulin, Verner Panton, Gaetano<br />

Pesce, Cesare Paolini, Roberto Matta,<br />

Marco Zanusso, Bill Gibb, Courrèges,<br />

Emilio Pucci, Mary Quant, Ossie<br />

Clark, Vivienne Westwood, Zandra<br />

Rho<strong>de</strong>s, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. MUDE - Museu do Design e da Moda. Rua<br />

Augusta 24. T. 218886117. Até 31/1. 3ª a 5ª e dom. Das<br />

10h às 20h. 6ª e sáb. Das 10h às 22h.<br />

Design, Objectos, Outros.<br />

BES Revelação 2009<br />

De Susana Pedrosa, Ana Braga, Inês<br />

Moura.<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210. Tel.: 226156500. Até 07/01. 3ª a 6ª das 10h às<br />

17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.<br />

Fotografia, Outros.<br />

Emissores Reunidos - Episódio II:<br />

Senhor Fantasma, Vamos Falar<br />

De Marcelo Cida<strong>de</strong>, Renato Ferrão.<br />

Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R.<br />

Cândido dos Reis, 74. Até 24/01. 3ª e 4ª das 17h às<br />

20h. 5ª e 6ª das 17h às 01h. Sáb. das 15h às 01h. Dom.<br />

das 15h às 20h.<br />

Objectos, Outros.<br />

Brrrrain<br />

De António Olaio.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. Até 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h<br />

às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feriados das 14h às 20h(última admissão às 19h30).<br />

Pintura, Ví<strong>de</strong>o.<br />

Jos De Gruyter e Harald Thys<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. Até 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h<br />

às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feriados das 14h00 às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

Ví<strong>de</strong>o, Escultura, Fotografia.<br />

Batia Suter<br />

Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 - Edifício<br />

da CGD. Tel.: 222098116. De 30/10 a 09/01. 2ª, 4ª, 5ª<br />

e 6ª das 11h às 19h. (última admissão às 18h30) Sáb.,<br />

Dom. e Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

Outros.<br />

She is a Femme Fatale<br />

De Louise Bourgeois, Paula Rego,<br />

Cindy Sherman, Helena Almeida, Nan<br />

Goldin, Hannah Villiger, Francesca<br />

Woodman, Aino Kannisto, Rosângela<br />

Rennó, Margarida Correia, Shirin<br />

Neshat, Pilar Albarracín, Guerrilla<br />

Girls, Vera Mantero, Susanne<br />

Themlitz, entre outras.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Praça do Império<br />

- Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878. Até 31/01.<br />

Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.<br />

Pintura, Escultura, Fotografia,<br />

Desenho, Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />

Sem Saída, Ensaio Sobre o<br />

Optimismo<br />

De Augusto Alves da Silva.<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210. Tel.: 226156500. De 23/10 a 31/01. 3ª a 6ª das 10h<br />

às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.<br />

Fotografia.<br />

Anos 70 - Atravessar Fronteiras<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 03/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Pintura, Escultura, Fotografia,<br />

Instalação, Outros.<br />

Jesper Just<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Ví<strong>de</strong>o, Instalação.<br />

A Interpretação dos Sonhos<br />

De Jorge Mol<strong>de</strong>r.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 27/12. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Fotografia.<br />

Matar o Tempo<br />

De Ana Vidigal.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria 111. Campo Gran<strong>de</strong>, 113 / Rua Doutor<br />

João Soares, 5B. T. 217977418. Até 31/12. 3ª a sáb. Das<br />

10h às 19h.<br />

Pintura, Outros.<br />

Diogo Evangelista<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria 111. Campo Gran<strong>de</strong>, 113 / Rua Doutor<br />

João Soares, 5B. T. 217977418. Até 31/12. 3ª a sáb. Das<br />

10h às 19h.<br />

Pintura.<br />

Travessia. Evidência. O Monte<br />

Rosa<br />

De Pedro Tropa.<br />

Porto. Galeria Quadrado Azul Q1. R. Miguel<br />

Bombarda, 435. Tel.: 226097313. Até 18/12. 3ª a 6ª<br />

das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.<br />

Desenho, Fotografia.<br />

Crying My Brains Out<br />

De António Olaio.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />

Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a Sáb.<br />

das 10h às 20h.<br />

“She is a Femme Fatale”<br />

no Museu Berardo<br />

Pintura.<br />

The Hustler<br />

De João Louro.<br />

Coimbra. Centro <strong>de</strong> Artes Visuais - CAV. Pátio da<br />

Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a<br />

Dom. das 14h às 19h.<br />

Instalação.<br />

Pronounciations<br />

De Katarina Zdjelar.<br />

Coimbra. Centro <strong>de</strong> Artes Visuais - CAV. Pátio da<br />

Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a<br />

Dom. das 14h às 19h.<br />

Ví<strong>de</strong>o.<br />

Ask Me<br />

De Joana Bastos.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9.<br />

Tel.: 918156919. Até 20/12. 6ª, Sáb. e Dom. das 15h<br />

às 19h.<br />

Performance, Outros.<br />

Les Planches Courbes e Outras<br />

Histórias<br />

De Paula Rego.<br />

Igreja. Galeria dos Prazeres - Quinta Pedagógica<br />

dos Prazeres. Sítio da Igreja. Tel.: 291822204. Até<br />

31/01. 3ª a Dom. das 10h às 19h.<br />

Obra Gráfica, Outros.<br />

#4 Um Projecto das Galerias<br />

De Alexandre Farto, André<br />

Cepeda, Augusto Alves da Silva,<br />

Daniel Gustav Cramer, Daniel<br />

Malhão, Gabriela Albergaria, João<br />

Onofre, John Bal<strong>de</strong>ssari, Jorge<br />

Mol<strong>de</strong>r, Julião Sarmento, Nuno<br />

Cera, Pedro Barateiro, Rita<br />

McBri<strong>de</strong>, Rogelio López Cuenca,<br />

Susanne Themlitz, Tobias<br />

Rehberger.<br />

<strong>Lisboa</strong>. BES Arte & Finança. Praça Marquês <strong>de</strong><br />

Pombal, 3-B. Tel.: 218839000. Até 22/01. 2ª a 6ª das<br />

09h às 21h.<br />

Escultura, Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />

Thomas Helbig<br />

Braga. Galeria Mário Sequeira - Parada <strong>de</strong> Tibães.<br />

Quinta da Igreja (Parada <strong>de</strong> Tibães). Tel.:<br />

253602550. Até 31/12. 2ª a 6ª das 10h às 19h. Sáb.<br />

das 15h às 19h.<br />

Pintura, Escultura.<br />

Ínsulas<br />

De João Margalha.<br />

Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />

Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />

222076310. Até 16/02. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.<br />

das 15h às 18h.<br />

Fotografia.<br />

Korda - Conhecido<br />

Desconhecido<br />

De Alberto Korda.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Torreão Nascente<br />

da Cordoaria Nacional. Avenida da Índia - Edifício<br />

da Cordoaria Nacional. Tel.: 213642909.<br />

De 02/12 a 31/01. 3ª a 6ª das 10h às 19h. Sáb. e Dom.<br />

das 14h às 19h.<br />

Fotografia.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 37


Teatro<br />

38 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Teatro<br />

Otelo ou o<br />

ciumento<br />

A mais velha história do<br />

mundo numa encenação<br />

do japonês Kuniaki Ida,<br />

<strong>de</strong> regresso à Aca<strong>de</strong>mia<br />

Contemporânea do<br />

Espectáculo/Teatro do<br />

Bolhão.<br />

Ana Cristina Pereira<br />

Otelo<br />

De William Shakespeare. Pela<br />

Aca<strong>de</strong>mia Contemporânea do<br />

Espectáculo/Teatro do Bolhão.<br />

Encenação <strong>de</strong> Kuniaki Ida. Com<br />

António Capelo, João Paulo Costa,<br />

Rita Lello, António Júlio, Ângela<br />

Marques, João Melo, Rute Miranda,<br />

Fernando Soares, José Moreira,<br />

Jorge Loureiro, Pedro Fiúza, Elóy<br />

Monteiro.<br />

Porto. Teatro do Bolhão. Pç. Coronel Pacheco, 1. Até<br />

20/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

222089007.<br />

Não por acaso, “Otelo, o Mouro <strong>de</strong><br />

Veneza” continua a ser uma das<br />

mais representadas peças <strong>de</strong> William<br />

Shakespeare. Há o racismo, a<br />

guerra, a traição e, sobretudo, o<br />

amor – um amor que se afigura puro<br />

e que se revela <strong>de</strong>mencial, o amor<br />

<strong>de</strong> Otelo por Desdémona, filha <strong>de</strong><br />

Brabâncio, o rico senador <strong>de</strong><br />

Veneza.<br />

Desta vez, Otelo acontece pela<br />

mão da Aca<strong>de</strong>mia Contemporânea<br />

do Espectáculo/Teatro do Bolhão,<br />

numa encenação do japonês<br />

Iago (João Paulo Costa) é o “agente provocador” da tragédia <strong>de</strong> Shakespeare<br />

resi<strong>de</strong>nte em Itália Kuniaki Ida.<br />

António Capelo veste a pele <strong>de</strong> Otelo<br />

e João Paulo Costa a <strong>de</strong> Iago, o<br />

alferes que o envenena. Três<br />

mulheres povoam a peça:<br />

Desdémona (Rita Lello), virgem,<br />

apaixonada, <strong>de</strong>vota ao homem com<br />

quem foge para casar; Emília (Ângela<br />

Marques), dama <strong>de</strong> companhia <strong>de</strong><br />

Desdémona, esposa <strong>de</strong> Iago, menos<br />

servil, afinal; e Bianca (Rute<br />

Miranda), <strong>de</strong>svirginada sem ser<br />

casada, amante <strong>de</strong> Cássio (António<br />

Júlio), por todos apontada como<br />

meretriz.<br />

“Não há aqui preocupação <strong>de</strong> luta<br />

<strong>de</strong> sexos”, diz António Capelo. Nem<br />

tal se po<strong>de</strong>ria esperar <strong>de</strong> uma peça<br />

escrita no início do século XVII. Mas<br />

quem po<strong>de</strong> negar a Otelo a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar reflexão sobre<br />

violência <strong>de</strong> género? Em duas horas<br />

e meia <strong>de</strong> espectáculo, uma amostra<br />

do que era e (nalguns casos)<br />

continua a ser o papel da mulher, o<br />

lugar do amor.<br />

Iago engendra um modo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>nunciar o amor que une o mouro<br />

à filha <strong>de</strong> Brabâncio. Ao <strong>de</strong>scobrir<br />

que fugiram para casar, o<br />

governador só <strong>de</strong>seja matar Otelo.<br />

Salva-o o Doge <strong>de</strong> Veneza, que <strong>de</strong>le<br />

precisa para conduzir um exército<br />

no contra-ataque a uma esquadra<br />

turca que avança para a ilha <strong>de</strong><br />

Chipre. O inimigo <strong>de</strong>clarado é<br />

engolido pela tempesta<strong>de</strong>. O inimigo<br />

disfarçado não. O alferes julga que as<br />

promoções <strong>de</strong>vem obter-se “pelos<br />

velhos meios em que herdava<br />

sempre o segundo o posto do<br />

primeiro”. Mas vira promover a<br />

tenente o soldado Cássio, que<br />

intermediara o amor <strong>de</strong> Otelo com<br />

Desdémona. Zangado, ur<strong>de</strong> novo<br />

plano para se vingar.<br />

Iago trata <strong>de</strong> minar a relação entre<br />

Otelo e Desdémona. Sabe que um<br />

ADRIANO MIRANDA<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

ciumento não tem <strong>de</strong> ter prova <strong>de</strong><br />

traição – basta a suspeita. Sabe que o<br />

ciúme se alimenta da falta <strong>de</strong><br />

confiança que o ciumento <strong>de</strong>posita<br />

em si próprio – Otelo é mais velho,<br />

Cássio é jovem e bem-falante. E<br />

conta com o sentimento <strong>de</strong> posse,<br />

então norma (a mulher passava do<br />

pai para o marido).<br />

A história é muitíssimo conhecida.<br />

Um lenço bordado que Otelo<br />

herdara da mãe e oferecera à mulher<br />

serve o plano. Iago convence Emília<br />

a roubá-lo, diz a Otelo que a mulher<br />

o ofereceu ao amante e coloca-o<br />

<strong>de</strong>ntro do quarto <strong>de</strong> Cássio. Mais<br />

tar<strong>de</strong>, Otelo ouve Iago a conversar<br />

com Cássio sobre Bianca e acredita<br />

que se referem a Desdémona.<br />

Desdémona nem terá direito <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa...<br />

A peça integra a lógica da ACE/<br />

Teatro do Bolhão <strong>de</strong> revisitar os<br />

textos clássicos. “Esse tipo <strong>de</strong><br />

repertório tem a ver com o nosso<br />

lado pedagógico”, explica António<br />

Capelo. Formar públicos parece-lhe<br />

“uma coisa fundamental” para a<br />

vida do teatro.<br />

Não vimos Kuniaki nem falámos<br />

com ele. O encenador regressou a<br />

Itália bem antes da estreia do<br />

espectáculo, que po<strong>de</strong> ser visto até<br />

20 <strong>de</strong> Dezembro, no frio auditório<br />

da aca<strong>de</strong>mia. Pelas palavras <strong>de</strong><br />

Capelo percebe-se por que é que<br />

pela segunda vez a companhia o<br />

convidou para vir ao Porto encenar<br />

um clássico: “Tem uma linha muito<br />

dura, muito simples mas muito<br />

rica.”<br />

Uma mulher<br />

chamada<br />

vulcão<br />

Val<strong>de</strong>te tem uma jóia <strong>de</strong><br />

marido que se transforma<br />

num exterminador<br />

implacável. Já vimos isto<br />

em qualquer lado (tipo as<br />

manchetes dos últimos<br />

dias), mas este espectáculo<br />

não é só sobre violência<br />

doméstica. Cláudia Silva<br />

Vulcão<br />

De Abel Neves. Encenação <strong>de</strong> João<br />

Grosso. Com Custódia Gallego.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio.<br />

Pç. D. Pedro IV. Até 20/12. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom.<br />

às 16h15. Tel.: 213250835. 12€.<br />

O monólogo “Vulcão”, <strong>de</strong> Abel<br />

Neves, encenado por João Grosso,<br />

estreou-se na Sala Estúdio do Dona<br />

Maria II a 26 <strong>de</strong> Novembro - um dia<br />

<strong>de</strong>pois do Dia Internacional para a<br />

Eliminação da Violência contra as<br />

Mulheres, data que serve para<br />

lembrar, anualmente, que uma em<br />

Custódia Gallego em<br />

equilíbrio precário num<br />

colchão branco, sempre<br />

em risco iminente <strong>de</strong> queda<br />

cada três mulheres é espancada,<br />

coagida a fazer sexo ou submetida a<br />

algum outro tipo <strong>de</strong> abuso durante a<br />

vida. Nem o encenador nem a actriz<br />

Custódia Gallego, que interpreta<br />

Val<strong>de</strong>te, associam a peça a esta<br />

causa, mas a coincidência reforça a<br />

pertinência do texto (tragicamente,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia, este é um tema que<br />

tem feito <strong>de</strong>masiadas manchetes em<br />

Portugal).<br />

Val<strong>de</strong>te é uma mulher <strong>de</strong> meiaida<strong>de</strong>.<br />

Tem com o cabelo<br />

<strong>de</strong>sgrenhado, os olhos esbugalhados<br />

e as mãos vermelhas <strong>de</strong> tanto as<br />

esfregar. Fala num fôlego só, como<br />

se o mundo fosse acabar naquele<br />

momento e ela não tivesse tempo <strong>de</strong><br />

contar a sua história. Casou-se com<br />

uma “jóia” <strong>de</strong> marido, tiveram um<br />

filho, cego. Des<strong>de</strong> então, o marido<br />

Samuel transformou-se num<br />

monstro obcecado em exterminar a<br />

“diferença”, num nazi. Começou<br />

pelos cães. Recolhia-os nas ruas e<br />

atirava-os ainda vivos para um poço,<br />

on<strong>de</strong> os <strong>de</strong>ixava, sem comida, até<br />

morrerem. Val<strong>de</strong>te, que “quase<br />

sempre dizia sim”, vive a amargura<br />

dos seus dias alimentando-se da<br />

esperança <strong>de</strong> reencontrar o filho, até<br />

<strong>de</strong>scobrir que o marido o ven<strong>de</strong>u à<br />

uma máfia <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> órgãos.<br />

Mais do que sobre a violência<br />

contra as mulheres, João Grosso diz<br />

que “Vulcão” é uma peça sobre a<br />

violência. Afinal Samuel não só<br />

violenta a mulher, mas também o<br />

filho, os animais e tudo que lhe<br />

parece <strong>de</strong>feituoso e diferente. Esta<br />

peça é “um monólogo, mas ao<br />

mesmo tempo uma narrativa” em<br />

dois tempos, afirma o encenador.<br />

Ora ouvimos Val<strong>de</strong>te, no presente, a<br />

falar do passado, ora a vemos, no<br />

passado presentificado, a ser<br />

amarrada, estrangulada, a tentar<br />

fazer do caos uma família feliz. João<br />

Grosso optou por vincar esta<br />

oscilação <strong>de</strong> forma a evitar um<br />

melodrama. “É uma peça com um<br />

leque <strong>de</strong> emoções muito fortes.


João Garcia Miguel<br />

leva Pessoa ao Maria Matos<br />

MARGARIDA DIAS<br />

Agenda genda<br />

Teatro atro<br />

Estreiam treiam<br />

“Paisagens em Trânsito”<br />

no FINTA’09, em Ton<strong>de</strong>la<br />

O Banqueiro anqueiro Anarquista<br />

De Fernando Pessoa. Encenação <strong>de</strong><br />

João Garcia Miguel. Com Anton<br />

Skrzypiciel, Ana Rosa Abreu, Isa<br />

Araujo, João Pedro Santos, Sara<br />

Ribeiro.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />

Daniela Vieitas, Neusa Ne Fangueiro,<br />

Paulo Duarte, Nuno Bravo Nogueira.<br />

Corroios. Ginásio Clube <strong>de</strong> Corroios. Dia 05/12. Sáb.<br />

às 21h45. Tel.: 210976103/0<br />

210976103/05. Entrada gratuita.<br />

XXVI Festival <strong>de</strong> Teatro Te do Seixal.<br />

Paisagens P i em TTrânsito<br />

De e com Patrick Murys.<br />

Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />

Ricardo Mota. Dia 04/12. 6ª às 21h45. Tel.:<br />

232814400. 5€ a 7,5€.<br />

FINTA’09.<br />

Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 10/12 a<br />

15/12. De 5ª a 3ª às 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.<br />

Antes Que a Noite Venha -<br />

Antígona<br />

Continuam<br />

De Eduarda Dionísio. Pelo Cepia -<br />

Centro <strong>de</strong> Estudos Performativos e<br />

Breve Sumário<br />

da História <strong>de</strong> Deus<br />

De Gil Vicente. Encenação <strong>de</strong> Nuno<br />

Carinhas. Com Alberto Magassela,<br />

Alexandra Gabriel, António Durães,<br />

Artísticos. Encenação <strong>de</strong> Tiago <strong>de</strong><br />

Faria. Com Marta Soares, Joana<br />

Eliseu Cavaco.<br />

Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />

Ricardo Mota. Dia 05/12. Sáb. às 18h30. Tel.:<br />

232814400. 5€ a 7,5€.<br />

Daniel Pinto, Joana Carvalho, João FINTA’09.<br />

Tivemos <strong>de</strong> nos distanciar, para não<br />

vermos Val<strong>de</strong>te como uma coitada”,<br />

Cardoso, João Castro, João Pedro<br />

Vaz, Jorge Mota, Jorge Vasques, José<br />

Eduardo Silva, Lígia Roque, entre<br />

outros.<br />

Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />

20/12. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

Aullidos<br />

De Jesús Peña. Pelo Teatro Corsario.<br />

Encenação <strong>de</strong> Jesús Peña. Com<br />

Teresa Lázaro, Olga Mansilla, Sergio<br />

Reques.<br />

explica. Custódia Gallego acha <strong>de</strong><br />

resto inviável vê-la com pieda<strong>de</strong>,<br />

porque a personagem não sente<br />

223401910. 7€ a 15€.<br />

O Avarento<br />

De Molière. Pelo Ensemble -<br />

Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />

Ricardo Mota. Dia 05/12. Sáb. às 21h45. Tel.:<br />

232814400. 5€ a 7,5€.<br />

FINTA’09<br />

pena <strong>de</strong> si própria.<br />

Para proporcionar este<br />

distanciamento também aos<br />

espectadores, João Grosso situou a<br />

história numa cenografia sem tempo<br />

nem espaço, embora haja elementos<br />

Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Actores. Encenação <strong>de</strong><br />

Rogério <strong>de</strong> Carvalho. Com Jorge<br />

Pinto, Emília Silvestre, Cláudia<br />

Chéu, Miguel Eloy, Pedro Galiza,<br />

Vânia Men<strong>de</strong>s, entre outros.<br />

Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Até<br />

20/12. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

Norma<br />

De Ricardo Alves, Salgueirinho Maia.<br />

Pela Palmilha Dentada. Encenação<br />

<strong>de</strong> Ricardo Alves. Com Ivo Bastos,<br />

Rodrigo Santos.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Casa da Comédia. R. S. Francisco <strong>de</strong><br />

domésticos. Val<strong>de</strong>te move-se sobre<br />

uma estrutura similar a um gigante e<br />

fino colchão <strong>de</strong> plástico branco. O<br />

encenador chama-lhe espaço<br />

flutuante, uma analogia à memória<br />

branca, on<strong>de</strong> tudo está e não está. É<br />

também uma metáfora do equilíbrio<br />

precário da vida <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>te, sempre<br />

a tentar segurar-se perante o perigo<br />

223401905. 5€ a 15€.<br />

Ana<br />

De José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s. Pelos<br />

Artistas Unidos. Encenação <strong>de</strong> Jorge<br />

Silva Melo. Com António Simão,<br />

Pedro Lacerda, Rita Brütt, Sylvie<br />

Rocha.<br />

Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada - Sala<br />

Experimental. Av. Professor Egas Moniz. Até 13/12.<br />

5ª a Sáb. às 21h30. 4ª e Dom. às 16h. Tel.:<br />

Borja, 22. Até 13/12. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h46. Dom.<br />

às 16h31. Tel.: 213959417. 9,99€.<br />

O Café<br />

A partir <strong>de</strong> Rainer Werner<br />

Fassbin<strong>de</strong>r. Pela Barraca. Encenação<br />

<strong>de</strong> João Rosa. Com Artur Assunção,<br />

Delfina Costa, Helena Duarte, João<br />

Pires Silva, Lur<strong>de</strong>s Vinagre, Manuela<br />

Meireles, Manuel Maduro.<br />

<strong>Lisboa</strong>. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2.<br />

iminente <strong>de</strong> queda. Num certo<br />

momento da peça, a personagem<br />

sublinha a coerência do cenário:<br />

“Não sinto o chão”.<br />

Quando olha para a protagonista,<br />

o encenador vê “ uma sombra, [uma<br />

mulher que] vive como fora da vida,<br />

como se não existisse”. A imagem<br />

212739360.<br />

Hannah e Martin<br />

De Kate Fodor. Encenação <strong>de</strong> João<br />

Lourenço. Com Ana Padrão, Cátia<br />

Ribeiro, Cristóvão Campos, Diogo<br />

Mesquita, Francisco Pestana, Irene<br />

Cruz, Luís Alberto, Maria Ana<br />

Benauer, Rui Men<strong>de</strong>s.<br />

Até 19/12. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213965360. 5€ a<br />

7,5€.<br />

A Casa Fronteira<br />

De Slawomir Mrozek. Pela Efémero<br />

- Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Aveiro.<br />

Encenação <strong>de</strong> Vítor Correia.<br />

Aveiro. Estaleiro Teatral. Parque Infante D. Pedro.<br />

Até 05/12. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 234386524. 4€ a<br />

6€.<br />

veio à mente <strong>de</strong> João Grosso por<br />

influência das telas <strong>de</strong> Mark Rothko<br />

(1903-1970), o expressionista<br />

abstracto <strong>de</strong> origem letã. “Foi um<br />

ponto <strong>de</strong> inspiração para a<br />

construção do espectáculo. Esta<br />

zona em que não é uma cor, não é<br />

outra, em que não há uma passagem<br />

<strong>de</strong>finida”, explica.<br />

No fim, esta mulher “sombra”<br />

revela-se um “vulcão”. A violência<br />

exercida sobre ela, em vez <strong>de</strong> ser<br />

rejeitada, é absorvida por Val<strong>de</strong>te.<br />

Samuel, o seu marido, fica<br />

cego, assim como o<br />

filho que antes<br />

exterminou. Num<br />

falso golpe <strong>de</strong><br />

misericórdia, a<br />

mulher leva-o a ver o<br />

poço on<strong>de</strong> ele metia<br />

os cães famintos<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto. Pç. Espanha. Até 31/12. 4ª a<br />

Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213880089.<br />

O Ano do Pensamento Mágico<br />

De Joan Didion. Encenação <strong>de</strong> Diogo<br />

Infante. Com Eunice Muñoz.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett.<br />

Pç. D. Pedro IV. Até 20/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom.<br />

às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€.<br />

Caveman - Mim Caçar, Tu Colher!<br />

De Rob Becker. Encenação <strong>de</strong><br />

António Pires. Com Jorge Mourato.<br />

Seixal. Auditório <strong>Municipal</strong> - Fórum Cultural do<br />

Seixal. Dia 04/12. 6ª às 21h45. Tel.: 210976103/05.<br />

6€.<br />

XXVI Festival <strong>de</strong> Teatro do Seixal.<br />

Saloon Yé-Yé - O<br />

Paraíso à Espera<br />

De Abel Neves.<br />

Encenação <strong>de</strong> Graeme<br />

Pulleyn. Pelo Teatro<br />

Regional da Serra do<br />

Montemuro. Com<br />

Abel Duarte,<br />

Eduardo Correia,<br />

Querida Professora Helena<br />

De Ludmilla Razoumovskaia. Pelo<br />

Teatro da Comuna. Encenação <strong>de</strong><br />

João Mota. Com Hugo Franco, Marco<br />

Paiva, Maria Ana Filipe, Tânia Alves,<br />

Rui Neto.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 13/12.<br />

4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770.<br />

A Dama <strong>de</strong> Copas e o Rei <strong>de</strong> Cuba<br />

De Timochenko Wehbi. Encenação<br />

<strong>de</strong> Juvenal Garcês. Com Alexandra<br />

Sargento, Cristina Basílio, Pedro<br />

Saavedra.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro-Estúdio Mário Viegas/Companhia<br />

Teatral do Chiado. Lg. Pica<strong>de</strong>iro, 40. Até 31/12. 5ª<br />

às 21h; 6ª e Sáb. às 22h. Tel.: 707302627. 20€.<br />

O Quê?! Uma Viagem pelo Século<br />

XX às Costas <strong>de</strong> Samuel Beckett<br />

A partir <strong>de</strong> Samuel Beckett. Com<br />

Afonso Lagarto, João Lagarto, Rita<br />

Brito, Tiago Nogueiro.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong> - Sala Estúdio. Largo da<br />

Trinda<strong>de</strong>, 7 A. Até 06/12. 3ª, 4ª a Sáb. às 21h45.<br />

Dom. às 17h30. Tel.: 213420000. 10€.<br />

para os obrigar<br />

a morrer.<br />

Hannah Arendt e Martin Hei<strong>de</strong>gger no Teatro Aberto<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 39


<strong>Cinema</strong><br />

40 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Estreiam<br />

Assusta-me<br />

que eu gosto<br />

Um curioso exercício que<br />

remete para outros tempos<br />

do cinema <strong>de</strong> terror.<br />

Jorge Mourinha<br />

Activida<strong>de</strong> Paranormal<br />

Paranormal Activity<br />

De Oren Peli,<br />

com Katie Featherston, Micah Sloat.<br />

M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª 4ª<br />

16h10, 18h10, 21h50 6ª 2ª 16h10, 18h10, 21h50,<br />

00h10 Sábado 13h30, 16h10, 18h10, 21h50, 00h10<br />

Domingo 3ª 13h30, 16h10, 18h10, 21h50; Castello<br />

Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h20, 18h10, 21h, 24h;<br />

<strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8: 5ª 6ª 2ª 4ª<br />

13h40, 15h30, 17h30, 19h30, 21h40, 24h Sábado<br />

Domingo 3ª 11h45, 13h40, 15h30, 17h30, 19h30,<br />

21h40, 24h; <strong>Cinema</strong>City Beloura Shopping: Sala 7:<br />

5ª 6ª 2ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h40,<br />

23h40 Sábado Domingo 11h40, 13h30, 15h30, 17h30,<br />

19h30, 21h40, 23h40; Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala 3: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30,<br />

22h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h50, 17h50,<br />

19h50, 21h50, 00h30; UCI <strong>Cinema</strong>s - El Corte Inglés:<br />

Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h05,<br />

18h05, 20h05, 22h10, 00h15 Domingo 11h30, 14h05,<br />

16h05, 18h05, 20h05, 22h10, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h45, 15h55, 18h, 21h55, 00h05; ZON<br />

Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h20, 15h25, 17h25, 19h30, 21h40, 23h45;<br />

Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 7: 5ª 6ª 2ª<br />

4ª 15h40, 18h50, 21h50, 00h30 Sábado Domingo<br />

3ª 12h50, 15h40, 18h50, 21h50, 00h30; ZON<br />

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 17h40, 21h, 23h20<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado<br />

Escolhas<br />

Esco<br />

“Apocalypse Now” acaba<br />

<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o<br />

melhor fi lmes dos últimos<br />

30 anos pela London<br />

Film Critics’ Circle,<br />

associação <strong>de</strong> críticos<br />

britânicos que <strong>de</strong>sta<br />

forma comemorou o seu<br />

30º aniversário. Eis o “top<br />

10”: “Apocalypse Now”<br />

Domingo 2ª 13h50, 15h50, 18h, 20h10, 22h20,<br />

00h35 3ª 4ª 15h50, 18h, 20h10, 22h20, 00h35; ZON<br />

Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 12h40, 14h40, 17h, 19h10, 21h30, 23h40;<br />

ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h20, 17h40, 19h50, 22h,<br />

00h15; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª<br />

Domingo 3ª 4ª 13h, 15h15, 17h40, 19h45, 22h 6ª<br />

Sábado 2ª 13h, 15h15, 17h40, 19h45, 22h, 00h15<br />

Sobre a história – filmezinho caseiro<br />

feito por meia dúzia <strong>de</strong> tostões por<br />

cinco pessoas na própria casa do<br />

realizador torna-se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> anos<br />

na prateleira, no sucesso-surpresa<br />

da rentrée americana – já se disse<br />

tudo noutras páginas. Sobre o filme,<br />

então, percebe-se que o sucesso <strong>de</strong><br />

“Activida<strong>de</strong> Paranormal” - tal como,<br />

há anos, o do “Projecto Blair Witch”<br />

a que tem sido comparado - está na<br />

inteligência <strong>de</strong> saber a<strong>de</strong>quar a<br />

forma à função, o estilo à história, e<br />

<strong>de</strong> ter sempre presente que tudo o<br />

que é preciso para enervar, assustar<br />

ou perturbar uma audiência existe<br />

nas suas próprias cabeças e precisa<br />

apenas <strong>de</strong> ser activado.<br />

Na sua essência, “Activida<strong>de</strong><br />

Paranormal” é uma história clássica<br />

do cinema <strong>de</strong> terror – a casa<br />

assombrada – que Oren Peli conta<br />

através <strong>de</strong> uma inserção progressiva<br />

<strong>de</strong> estranheza no quotidiano <strong>de</strong> um<br />

casal <strong>de</strong> São Diego, à medida que<br />

esse casal <strong>de</strong>ixa ligada uma câmara<br />

<strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o no quarto durante a noite e<br />

começa a perceber o que tem em<br />

mãos. Trata-se, na prática, <strong>de</strong> usar a<br />

titilação do falso “home movie”<br />

(aqui entendido como <strong>de</strong>rivação do<br />

“reality show”) para<br />

simultaneamente alimentar e<br />

<strong>de</strong>fraudar as expectativas da<br />

audiência, jogando <strong>de</strong> modo astuto<br />

com as novas coor<strong>de</strong>nadas do<br />

mundo audiovisual em que vivemos.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

(Francis Coppola, 1980),<br />

“A Lista <strong>de</strong> Schindler”<br />

(Steven Spielberg,<br />

1994), “As Vidas dos<br />

Outros” (Florian Henckel<br />

von Donnersmarck,<br />

2007), “Imperdoável”<br />

(Clint Eastwood, 1992),<br />

“Brokeback Mountain”<br />

(Ang Lee, 2005), “<strong>Cinema</strong><br />

“Activida<strong>de</strong> Paranormal”: um fi lme <strong>de</strong> terror austero que nos recorda<br />

como o medo é uma coisa com a qual vivemos quotidianamente<br />

No entanto, apesar <strong>de</strong>sse “air du<br />

temps” que o filme apanha bem,<br />

quem vier a “Activida<strong>de</strong> Paranormal”<br />

à espera <strong>de</strong> um novo paradigma do<br />

cinema fantástico ou apenas <strong>de</strong> um<br />

gran<strong>de</strong> filme <strong>de</strong> terror não encontrará<br />

nem um nem outro. Não encontra um<br />

novo paradigma porque, na sua<br />

ausência total <strong>de</strong> efeitos visuais, <strong>de</strong><br />

sangue e vísceras, na sua aposta na<br />

construção da tensão apenas por<br />

sugestão e atmosfera, o filme é um<br />

retorno a uma era passada do cinema<br />

<strong>de</strong> terror que apenas parecerá nova a<br />

quem não viu os originais (aqui<br />

estamos, por exemplo, a pensar no<br />

gran<strong>de</strong> “The Haunting” <strong>de</strong> Robert<br />

Wise); quando muito, tratar-se-á da<br />

recuperação <strong>de</strong> um paradigma<br />

anterior.<br />

E não encontra um gran<strong>de</strong> filme<br />

<strong>de</strong> terror porque todo o engenho <strong>de</strong><br />

“Activida<strong>de</strong> Paranormal” está na sua<br />

exacta modéstia, na sua recusa <strong>de</strong><br />

ser um “gran<strong>de</strong>” filme e na sua<br />

insistência em se inserir numa longa<br />

tradição <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong> género sem<br />

outras ambições ou vonta<strong>de</strong>s, no<br />

modo <strong>de</strong>sarmante como se recusa a<br />

respon<strong>de</strong>r às expectativas <strong>de</strong> quem<br />

o vê (até no próprio final).<br />

O que se encontra, então, é outra<br />

coisa: um filme <strong>de</strong> terror austero que<br />

nos recorda como o medo é uma<br />

coisa com a qual vivemos<br />

quotidianamente, que está toda na<br />

nossa cabeça, que se escon<strong>de</strong> até<br />

numa banalíssima casa suburbana.<br />

E, <strong>de</strong>pois da recente vaga <strong>de</strong><br />

sanguinolências sortidas que o<br />

“torture porn” <strong>de</strong> “Saw” e “Hostel”<br />

tornou <strong>de</strong> rigor, um filme como este<br />

é uma lufada <strong>de</strong> ar fresco que até<br />

parece qualquer coisa <strong>de</strong> novo. Não<br />

é, mas é refrescante.<br />

Paradiso” (Giuseppe<br />

Tornatore, 1990), “LA<br />

Confi <strong>de</strong>ntial” (Curtis<br />

Hanson, 1997), “Fargo”<br />

(Joel Coen, 1996), “Distant<br />

Voices, Still Lives”<br />

(Terence Davies, 1989)<br />

e “O Rei da Comédia”<br />

(Martin Scorsese, 1983)<br />

A Nova Vida do Senhor O’Horten<br />

O’ Horten<br />

De Bent Hamer,<br />

com Baard Owe, Espen Skjønberg,<br />

Ghita Nørby. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: <strong>Cinema</strong>City Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 4ª<br />

13h35, 15h30, 17h25, 19h15, 21h45 6ª 2ª 13h35,<br />

15h30, 17h25, 19h15, 21h45, 24h Sábado 11h35, 13h35,<br />

15h30, 17h25, 19h15, 21h45, 24h Domingo 3ª 11h35,<br />

13h35, 15h30, 17h25, 19h15, 21h45<br />

O sr Horten é um pacato maquinista<br />

<strong>de</strong> comboios norueguês em vésperas<br />

da reforma, a “nova vida” é o modo<br />

como a sua existência or<strong>de</strong>nada e<br />

rotineira <strong>de</strong>scarrila após um <strong>de</strong>svio<br />

para comprar tabaco <strong>de</strong> cachimbo.<br />

A quinta longa-metragem do<br />

norueguês Bent Hamer – cujo


As estrelas do público<br />

anterior, “Factotum”, adaptava<br />

Bukowski com Matt Dillon – navega<br />

nas mesmas coor<strong>de</strong>nadas do<br />

finlandês Aki Kaurismäki ou do<br />

sueco Roy An<strong>de</strong>rsson mas <strong>de</strong> modo<br />

mais abordável (na vertente<br />

“explicada às criancinhas”), com a<br />

fachada <strong>de</strong> humor seco e amável<br />

excentricida<strong>de</strong> a mascarar o<br />

<strong>de</strong>sespero surdo <strong>de</strong> vidas que se<br />

<strong>de</strong>scobrem à <strong>de</strong>riva quando menos o<br />

esperam. Não há, em rigor, nada a<br />

apontar a “A Nova Vida do Sr. O’<br />

Horten”, exemplo perfeito <strong>de</strong> um<br />

certo cinema <strong>de</strong> autor europeu<br />

mo<strong>de</strong>sto e honesto, que sabe contar<br />

histórias sem se per<strong>de</strong>r. Mas também<br />

não há nada <strong>de</strong> especial a seu favor,<br />

faltando-lhe um qualquer rasgo que<br />

o distancie do pelotão e nos leve a<br />

retê-lo na memória para lá do tempo<br />

<strong>de</strong> projecção. E, como sabemos, esse<br />

meio-termo cumpridor mas<br />

anónimo é um dos piores lugares<br />

para um filme estar... J. M.<br />

Uma Aventura na Casa<br />

Assombrada<br />

De Carlos Coelho da Silva,<br />

com Mariana Martinho, Margarida<br />

Martinho, Francisco Areosa, César<br />

Brito. M/12<br />

a<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h10, 17h,<br />

18h50, 21h15, 23h50; <strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>:<br />

Sala 10: 5ª 6ª 2ª 4ª 13h50, 15h50, 17h50, 19h50,<br />

21h50, 23h50 Sábado Domingo 3ª 11h40, 13h50,<br />

15h50, 17h50, 19h50, 21h50, 23h50; <strong>Cinema</strong>City<br />

Beloura Shopping: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 4ª 14h15,<br />

16h10, 18h10, 20h05, 22h10, 00h05 Sábado<br />

Domingo 3ª 12h15, 14h15, 16h10, 18h10, 20h05,<br />

22h10, 00h05; <strong>Cinema</strong>City Campo Pequeno Praça<br />

<strong>de</strong> Touros: Sala 8: 5ª 6ª 2ª 4ª 14h20, 16h40,<br />

18h40, 21h20, 23h30 Sábado Domingo 3ª 11h55,<br />

14h20, 16h40, 18h40, 21h20, 23h30; UCI <strong>Cinema</strong>s<br />

- El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />

14h, 16h35, 19h20, 21h40, 24h Domingo 11h30, 14h,<br />

16h35, 19h20, 21h40, 24h; UCI Dolce Vita Tejo: Sala<br />

10: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h15,<br />

19h, 21h25, 00h05; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />

6ª 2ª 4ª 13h40, 16h15, 19h, 21h30, 24h Sábado<br />

Domingo 3ª 11h, 13h40, 16h15, 19h, 21h30, 24h; ZON<br />

Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40, 21h20, 23h50; ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h45, 21h50,<br />

00h15; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h45, 18h15, 21h25, 24h;<br />

ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 15h10, 18h10, 21h10 6ª Sábado 15h10,<br />

18h10, 21h10, 00h10; ZON Lusomundo Odivelas<br />

Parque: 5ª 4ª 15h50, 18h40, 21h15 6ª 2ª 15h50,<br />

18h40, 21h15, 23h50 Sábado 13h10, 15h50, 18h40,<br />

21h15, 23h50 Domingo 3ª 13h10, 15h50, 18h40,<br />

21h15; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h20,<br />

21h45, 00h10; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h20,<br />

21h15, 23h40; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h15,<br />

21h20, 24h; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: 5ª<br />

3ª 4ª 15h10, 17h10, 19h10, 21h10 6ª 2ª 15h10, 17h10,<br />

19h10, 21h10, 23h40 Sábado 13h10, 15h10, 17h10,<br />

19h10, 21h10, 23h40 Domingo 13h10, 15h10, 17h10,<br />

19h10, 21h10; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala<br />

5: 5ª 6ª 2ª 4ª 15h30, 17h30, 19h30, 21h40, 23h40<br />

Sábado Domingo 3ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30,<br />

21h40, 23h40; UCI Freeport: Sala 2: 5ª 4ª 15h45,<br />

18h15, 21h20 6ª 2ª 15h45, 18h15, 21h20, 00h20<br />

Sábado 13h25, 15h45, 18h15, 21h20, 00h20 Domingo<br />

3ª 13h25, 15h45, 18h15, 21h20; ZON Lusomundo<br />

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h05, 15h45, 18h20, 21h15, 23h50; ZON Lusomundo<br />

Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h40, 18h15, 21h40, 24h10<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h05, 16h25, 19h, 21h40, 00h10 3ª 4ª<br />

16h25, 19h, 21h40, 00h10; ZON Lusomundo Dolce<br />

Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h50, 16h20, 19h, 21h30, 23h55; ZON Lusomundo<br />

GaiaShopping: 5ª 6ª 4ª 13h10, 15h40, 18h30,<br />

21h20, 00h10 Sábado Domingo 2ª 3ª 10h55, 13h10,<br />

15h40, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo<br />

MaiaShopping: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h, 17h, 21h50<br />

6ª Sábado 2ª 14h, 17h, 21h50, 00h25; ZON<br />

Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h45, 21h50, 00h20; ZON<br />

Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 4ª<br />

13h, 15h50, 18h40, 21h20, 00h10 Domingo 3ª<br />

10h50, 13h, 15h50, 18h40, 21h20, 00h10; ZON<br />

Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado 2ª 4ª<br />

13h20, 15h50, 18h40, 21h10, 23h50 Domingo 3ª<br />

10h40, 13h20, 15h50, 18h40, 21h10, 23h50; Castello<br />

Lopes - 8ª Avenida: Sala 4: 5ª 4ª 15h40, 17h40,<br />

19h30, 21h20 6ª 2ª 15h40, 17h40, 19h30, 21h20,<br />

23h50 Sábado 12h50, 15h40, 17h40, 19h30, 21h20,<br />

23h50 Domingo 3ª 12h50, 15h40, 17h40, 19h30,<br />

21h20; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h20, 18h55, 21h30,<br />

00h05<br />

Seria bom que se conseguisse<br />

<strong>de</strong>sfazer o equívoco que anda a<br />

perseguir o discurso sobre o cinema<br />

português – não existe<br />

necessariamente uma oposição entre<br />

o cinema dito comercial e o cinema<br />

dito <strong>de</strong> autor, há bom e mau num e<br />

noutro. Isto tudo para explicar que,<br />

se “Uma Aventura na Casa<br />

Assombrada” é um péssimo filme,<br />

isso não tem nada a ver com as suas<br />

ambições populares nem com a sua<br />

intenção <strong>de</strong> fazer um objecto<br />

pensado para um público juvenil. É<br />

um péssimo filme, primeiro, porque<br />

não fornece o mínimo esqueleto<br />

narrativo básico para que as<br />

personagens e as situações sejam<br />

credíveis, factor muito importante<br />

num filme que se quer fantástico e<br />

exige uma “suspensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença”<br />

activa. É um péssimo filme, <strong>de</strong>pois,<br />

porque parece não ter a mínima<br />

noção <strong>de</strong> ritmo, plano ou “raccord”<br />

— <strong>de</strong>s<strong>de</strong> portas <strong>de</strong> carros abertas<br />

num plano e fechadas no seguinte a<br />

conversas entre personagens em que<br />

se usam quatro cortes, passando por<br />

planos <strong>de</strong> helicóptero que não fazem<br />

sentido na história mas enchem o<br />

olho, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erros <strong>de</strong><br />

palmatória que não seriam<br />

<strong>de</strong>sculpados na mais michuruca<br />

produção europeia tornam “Uma<br />

Aventura na Casa Assombrada” num<br />

catálogo <strong>de</strong> disparates que<br />

pensávamos já não ser possível. J. M.<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Continuam<br />

Ne Change Rien<br />

De Pedro Costa,<br />

com Jeanne Balibar. M/12<br />

MMMMM<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Activida<strong>de</strong> Paranormal mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Uma Aventura na Casa Assombrada A nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Capitalismo: uma História <strong>de</strong> Amor mmmnn nnnnn nnnnn mmnnn<br />

Julie e Julia mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />

Lua Nova mnnnn nnnnn A mnnnn<br />

O Milagre em Sant’Anna nnnnn mmnnn mmnnn nnnnn<br />

Moon - O Outro Lado da Lua mmmnn mmnnn nnnnn mmmnn<br />

Ne Change Rien mmmmn mmmmm mmmmm mmmmn<br />

Os Sorrisos do Destino nnnnn nnnnn mmmnn mnnnn<br />

Tetro mmnnn mmnnn mmnnn mnnnn<br />

“A Nova Vida do Senhor<br />

O’Horten: mo<strong>de</strong>sto,<br />

sem nada <strong>de</strong> especial<br />

<strong>Lisboa</strong>: UCI <strong>Cinema</strong>s - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 14h30, 16h45, 21h55, 00h15 Domingo<br />

11h30, 14h30, 16h45, 21h55, 00h15 4ª 14h30, 16h45,<br />

00h15<br />

Como dizia o Príncipe <strong>de</strong> Salinas em<br />

“O Leopardo” <strong>de</strong> Visconti (e <strong>de</strong><br />

Lampedusa), “é preciso que tudo<br />

mu<strong>de</strong> para que nada mu<strong>de</strong>” e o filme<br />

“musical” <strong>de</strong> Pedro Costa opera esse<br />

perigoso jogo <strong>de</strong> espelhos, em que a<br />

figura tutelar <strong>de</strong> Godard vem fazer o<br />

papel invisível <strong>de</strong> “meneur du jeu”<br />

(como em “La Ron<strong>de</strong>” <strong>de</strong> Ophüls),<br />

para transformar uma cantora,<br />

Jeanne Balibar, que ensaia Offenbach,<br />

em diva impossível <strong>de</strong> um<br />

movimento para trás, entre a Marlene<br />

<strong>de</strong> Von Sternberg, a Anna Karina <strong>de</strong><br />

Godard e a Vanda <strong>de</strong> Pedro Costa. No<br />

entanto, esse violento reflexo <strong>de</strong><br />

“Ne Change Rien”: uma obra-prima absoluta<br />

imagens estilhaçadas muda tudo,<br />

não se contenta com cinefilias<br />

transferidas, com vampirizações<br />

frágeis (sempre as sombras <strong>de</strong><br />

Murnau, a lembrar os esplendores<br />

<strong>de</strong> “O Sangue”) <strong>de</strong> universos alheios<br />

ou <strong>de</strong> obsessões próprias: projectase<br />

para a frente, para um território<br />

prospectivo <strong>de</strong> novas trevas, as <strong>de</strong><br />

uma voz que conquista o olhar,<br />

como se os “zombies” <strong>de</strong> Tourneur<br />

já só fizessem sentido nas<br />

sonorida<strong>de</strong>s roucas <strong>de</strong> um cinema<br />

<strong>de</strong> total ruptura (e continuida<strong>de</strong>),<br />

interrogando as formas fílmicas em<br />

constante incómodo. Uma obraprima<br />

absoluta.<br />

Mário Jorge Torres<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 41


<strong>Cinema</strong><br />

Sexta, 04<br />

Ariane<br />

Love in the Afternoon fternoon<br />

De Billy Wil<strong>de</strong>r. Com Audrey<br />

Hepburn, Gary Cooper Cooper,<br />

Maurice Chevalier. 125 min.<br />

04/12, 15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Iguana<br />

De Monte Hellman.<br />

Com Everett McGill, Michael<br />

Bradford, Roger Kendall. 88 min.<br />

04/12, 19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Let’s Get Lost<br />

De Bruce Weber. 120 min.<br />

04/12, 21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Um Romance Berlinense<br />

Eine Berliner Romanze<br />

De Gerhard Klein. Com Annekathrin<br />

Bürger, Ulrich Thein, Uwe-Jens Pape.<br />

81 min.<br />

04/12, 19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Melodia da Capital<br />

Großstadtmelodie<br />

De Wolfgang Liebeneiner.<br />

Com Hil<strong>de</strong> Krahl, Werner Hinz,<br />

Karl John. 107 min.<br />

04/12, 22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Sábado, 05<br />

<strong>Cinema</strong> Falado<br />

De Caetano Veloso. 120 min.<br />

05/12, 19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Os Pássaros<br />

The Birds<br />

De Alfred Hitchcock. Com Jessica<br />

Tandy, Rod Taylor, Tippi Hedren,<br />

Veronica Cartwright. 119 min.<br />

05/12, 15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

As Rivais<br />

Les Biches<br />

De Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com Stéphane<br />

Audran, Jean-Louis Trintignant,<br />

Jacqueline Sassard. 100 min.<br />

05/12, 21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

City Girl<br />

De F.W. Murnau.<br />

Com Charles Farrell, Mary Duncan,<br />

David Torrence. 90 min.<br />

05/12, 19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

5 fi lmes americanos<br />

<strong>de</strong> propaganda anti-comunista<br />

05/12, 22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Quarta, 09<br />

E Tudo o Vento Levou<br />

Gone with the Wind<br />

De Victor Fleming. Com Clark Gable,<br />

Hattie McDaniel, Leslie Howard,<br />

Vivien Leigh. 223 min.<br />

09/12, 15h - Sala Félix Ribeiro<br />

Matou!<br />

M<br />

De Fritz Lang. Com Ellen<br />

42 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Crítica<br />

<strong>Cinema</strong>teca eca Portuguesa Portugues es esa a R. Barata Salgueiro, 39 Lisbo <strong>Lisboa</strong>. Tel. 213596200<br />

Widmann, Gustaf Grü Gründgens,<br />

Peter Lorre. 105 min.<br />

09/12, 19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Noites <strong>de</strong> Paris<br />

Paris Pa P ris Blues Blues<br />

De D MMartin i Ri Ritt.<br />

Com Paul Newman, Sidney Poitier,<br />

Joanne Woodward. 98 min.<br />

09/12, 21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Recado<br />

De José Fonseca e Costa.<br />

Com Luís Rocha, Maria Cabral,<br />

Paco Nieto. 110 min. M12.<br />

09/12, 22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Iguana<br />

De Monte Hellman.<br />

Com Everett McGill, Michael<br />

Bradford, Roger Kendall. 88 min.<br />

09/12, 19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Quinta, 10<br />

Sombras<br />

Shadows<br />

De John Cassavetes. Com Anthony<br />

Ray, Ben Carruthers, Hugh Hurd,<br />

Lelia Goldoni. 85 min.<br />

10/12, 19h - Sala Félix Ribeiro<br />

O Gran<strong>de</strong> Amor da Minha Vida<br />

An Aff air to Remember<br />

De Leo McCarey. Com Cary Grant,<br />

Deborah Kerr, Neva Patterson,<br />

Richard Denning. 115 min. M12.<br />

10/12, 15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Novo Mundo<br />

The New World<br />

De Terrence Malick. Com Collin<br />

Farrel, Christopher Plummer,<br />

Christian Bale. 135 min. M12.<br />

10/12, 21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Control<br />

De Anton Corbijn. Com Sam Riley,<br />

Samantha Morton, Alexandra<br />

Maria Lara. 121 min. M16.<br />

10/12, 19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

É uma questão <strong>de</strong><br />

perspectiva, p<br />

escreve<br />

o “Guardian” sobre o<br />

novo n fi lme <strong>de</strong> James<br />

Cameron, C “Avatar”: há<br />

qquem<br />

não consiga dormir<br />

ppor<br />

causa do nervoso<br />

mmiudinho<br />

da contagem<br />

d<strong>de</strong>crescente<br />

para a estreia<br />

e<br />

há quem garanta que<br />

oos<br />

exuberantes efeitos<br />

O Céu Dividido<br />

Der Geteilte Himmel<br />

De Konrad Wolf.<br />

Com Renate Blume, Eberhard Esche,<br />

Hans Hardt-Hardtloff. 110 min.<br />

10/12, 22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Caetano<br />

vai à <strong>Cinema</strong>teca<br />

apresentar<br />

“<strong>Cinema</strong> Falado”<br />

Capitalismo: Uma História<br />

<strong>de</strong> Amor<br />

Capitalism: A Love Story<br />

De Michael Moore,<br />

com . M/12<br />

MMnnn<br />

especiais 3D do fi lme<br />

provocam mais vómitos<br />

do que qualquer má<br />

estrada <strong>de</strong> montanha.<br />

Um crítico-mistério<br />

publicou no “site” http://<br />

www. gawker.com um<br />

texto que acaba com<br />

o épico: “Avatar”, diz<br />

sob anonimato, é um<br />

fi lme “alienador” que<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª<br />

Domingo 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado<br />

2ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; <strong>Cinema</strong>City Classic<br />

Alvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h40, 16h15,<br />

19h, 21h40 6ª Sábado 2ª 13h40, 16h15, 19h, 21h40,<br />

00h10; Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h15,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 16h40, 19h10, 21h40, 00h15; UCI <strong>Cinema</strong>s - El<br />

Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05,<br />

16h40, 19h15, 21h50, 00h25 Domingo 11h30, 14h05,<br />

16h40, 19h15, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo<br />

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h40, 15h30, 18h20, 21h35, 00h25<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h50, 16h25, 19h10, 21h55, 00h35 3ª<br />

4ª 16h25, 19h10, 21h55, 00h35; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />

Porto: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h, 16h30, 19h, 21h30; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 15h30, 18h10, 21h, 23h50<br />

“Capitalismo: Uma História <strong>de</strong><br />

Amor” continua longe da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

documentário como <strong>de</strong>scoberta.<br />

Isso era algo que ainda havia na<br />

primeira longa-metragem <strong>de</strong> Michael<br />

Moore, “Roger e Eu” (1989), mas<br />

entretanto o realizador instalou-se<br />

no território mais dogmático da<br />

espectacularização. Mas há aqui –<br />

quando Moore se lembra <strong>de</strong>sse seu<br />

documentário em que interrogou o<br />

afundamento da sua cida<strong>de</strong>, Flint,<br />

Michigan, <strong>de</strong>vido ao encerramento<br />

da fábrica da General Motors – um<br />

regresso a um (ao seu) passado que<br />

dá alguma gravida<strong>de</strong> ao novo filme.<br />

Dessa forma há até uma linhagem<br />

proletária que se reivindica: houve<br />

um tempo, e essa é a história do<br />

passado familiar <strong>de</strong> Michael Moore,<br />

em que as lutas dos trabalhadores na<br />

General Motors foram responsáveis<br />

pelo aparecimento <strong>de</strong> uma classe<br />

média em Flint. Hoje já não há classe<br />

média outra vez na América, diz<br />

Moore. Tudo começou com Reagan,<br />

que abriu o caminho às corporações,<br />

e assim se <strong>de</strong>u a machadada no<br />

sonho do New Deal rooseveltiano. É<br />

assim a crónica dos caminhos que<br />

levaram a América até à catástrofe<br />

económica: compactando a<br />

informação que interessa a Moore,<br />

sem espaço para a contradição, para<br />

a dúvida ou para a hesitação. Moore<br />

está consciente que é das poucas<br />

Capitalismo: Uma História<br />

<strong>de</strong> Amor”: pipocas e <strong>de</strong>pois forquilhas,<br />

aconselha Michael Moore<br />

não convém ver sem<br />

antes se ter tomado um<br />

comprimido para o enjoo.<br />

“A cabeça não consegue<br />

adaptar-se aos cortes<br />

<strong>de</strong> perspectiva e dos<br />

pontos <strong>de</strong> focagem – e<br />

por isso ‘Avatar’ induz,<br />

literalmente, o vómito”,<br />

explica.<br />

pessoas <strong>de</strong> esquerda nos EUA com<br />

um público que lê os seus livros e vê<br />

os seus filmes – um público que não<br />

é um nicho, é uma massa. E é para<br />

as massas que faz os filmes. Peças <strong>de</strong><br />

“entertainment”, então, necessário<br />

à catarse. Depois da catarse, talvez a<br />

revolução. Pipocas e <strong>de</strong>pois<br />

forquilhas, como ele, aliás,<br />

aconselha. V. C.<br />

Lua Nova<br />

The Twilight Saga: New Moon<br />

De Chris Weitz,<br />

com Kristen Stewart, Robert<br />

Pattinson, Billy Burke, Taylor<br />

Lautner. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 4ª<br />

15h50, 18h40, 21h40 6ª 2ª 15h50, 18h40, 21h40,<br />

00h20 Sábado 12h50, 15h50, 18h40, 21h40, 00h20<br />

Domingo 3ª 12h50, 15h50, 18h40, 21h40; Castello<br />

Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40, 21h30,<br />

00h10; <strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50,<br />

21h45, 00h25; <strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>:<br />

<strong>Cinema</strong>x: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55,<br />

16h30, 19h, 21h30, 24h; <strong>Cinema</strong>City Beloura<br />

Shopping: <strong>Cinema</strong>x: 5ª 6ª 2ª 4ª 14h, 16h30, 19h,<br />

21h30, 24h Sábado Domingo 3ª 11h30, 14h, 16h30,<br />

19h, 21h30, 24h; <strong>Cinema</strong>City Campo Pequeno Praça<br />

<strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h45, 00h25; <strong>Cinema</strong>City<br />

Campo Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 1: 5ª 6ª 2ª<br />

4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h Sábado Domingo 3ª<br />

11h30, 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia Fonte<br />

Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h10, 16h40, 19h10, 21h45; Me<strong>de</strong>ia Monumental:<br />

Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,<br />

16h30, 19h, 21h30, 24h; UCI <strong>Cinema</strong>s - El Corte<br />

Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35,<br />

19h10, 21h45, 00h25 Domingo 11h30, 14h, 16h35,<br />

19h10, 21h45, 00h25; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 2: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h10,<br />

21h45, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h05, 18h50,<br />

21h40, 00h30; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h10,<br />

24h; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40, 21h30,<br />

00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h35, 15h20, 18h20,<br />

21h15, 00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40,<br />

18h40, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Colombo:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 13h,<br />

15h30, 16h, 18h25, 19h, 21h20, 22h, 00h20; ZON<br />

Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado 15h20, 18h20,<br />

21h20, 00h20; ZON Lusomundo Odivelas Parque:<br />

5ª 4ª 15h40, 18h30, 21h20 6ª 2ª 15h40, 18h30,<br />

21h20, 00h15 Sábado 12h50, 15h40, 18h30, 21h20,<br />

00h15 Domingo 3ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h20;<br />

ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h30, 21h30,<br />

00h25; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h10, 21h10, 00h05;<br />

ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h35, 21h30,<br />

00h25; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30,<br />

21h30, 00h20; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1:<br />

5ª 4ª 15h45, 18h20, 21h30 6ª 2ª 15h45, 18h20,<br />

21h30, 00h10 Sábado 13h, 15h45, 18h20, 21h30,<br />

00h10 Domingo 3ª 13h, 15h45, 18h20, 21h30;<br />

Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 4: 5ª 4ª<br />

15h30, 18h30, 21h30 6ª 2ª 15h30, 18h30, 21h30,<br />

00h10 Sábado 12h50, 15h30, 18h30, 21h30, 00h10<br />

Domingo 3ª 12h50, 15h30, 18h30, 21h30; Castello<br />

Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 4ª<br />

15h50, 18h40, 21h30, 00h10 Sábado Domingo 3ª<br />

13h10, 15h50, 18h40, 21h30, 00h10; UCI Freeport:<br />

Sala 1: 5ª 4ª 15h40, 18h30, 21h30 6ª 2ª 15h40,<br />

18h30, 21h30, 00h15 Sábado 13h15, 15h40, 18h30,<br />

21h30, 00h15 Domingo 3ª 13h15, 15h40, 18h30,<br />

21h30; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h35, 12h45, 15h25,<br />

15h40, 18h15, 18h35, 21h05, 21h30, 23h55, 00h25;<br />

ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h45, 21h30,<br />

00h30<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h10; Arrábida 20: Sala<br />

16: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h15,<br />

00h20; Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h45, 16h20, 19h10, 22h, 00h45 3ª 4ª<br />

16h20, 19h10, 22h, 00h45; <strong>Cinema</strong>x - Penafiel: Sala<br />

2: 5ª Domingo 3ª 4ª 15h, 17h30, 21h35 6ª Sábado<br />

2ª 15h, 17h30, 21h35, 00h10; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />

Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h30, 17h, 19h30, 22h; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30,<br />

15h20, 18h15, 21h10, 00h10; ZON Lusomundo Dolce<br />

Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />

15h50, 18h45, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo<br />

Ferrara Plaza: 5ª Domingo 3ª 4ª 15h20, 18h20,<br />

21h20 6ª Sábado 2ª 15h20, 18h20, 21h20, 00h15;<br />

ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h50, 21h40,<br />

00h35; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª<br />

Domingo 3ª 4ª 14h15, 17h30, 21h10 6ª Sábado 2ª<br />

14h15, 17h30, 21h10, 00h35; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h40, 18h40, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h30, 15h30, 18h30, 21h40, 00h45; ZON<br />

Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 19h30, 22h40; ZON Lusomundo<br />

Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; Castello<br />

Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 4ª 15h50, 18h30,<br />

21h30 6ª 2ª 15h50, 18h30, 21h30, 00h30 Sábado<br />

13h, 15h50, 18h30, 21h30, 00h30 Domingo 3ª 13h,<br />

15h50, 18h30, 21h30; ZON Lusomundo Fórum<br />

Aveiro: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h30, 17h30, 21h 6ª<br />

Sábado 2ª 14h30, 17h30, 21h, 24h; ZON Lusomundo<br />

Glicínias: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h45, 17h50, 21h10<br />

6ª Sábado 2ª 14h45, 17h50, 21h10, 00h15<br />

“Crepúsculo” tinha alguma graça<br />

pela actualização do melodrama<br />

romântico à moda antiga à medida<br />

dos (ou melhor, das) adolescentes<br />

contemporâneo(a)s com um toque<br />

sobrenatural, falando-lhes <strong>de</strong> igual<br />

para igual, sem sobranceria nem<br />

con<strong>de</strong>scendência. Infelizmente,<br />

“Lua Nova”, segunda parte da saga<br />

criada pela escritora Stephenie<br />

Meyer, não consegue esse equilíbrio<br />

— era preciso uma leveza <strong>de</strong> toque<br />

que Chris Weitz (“A Bússola<br />

Dourada”) não consegue, navegando<br />

entre a intensida<strong>de</strong> quase solene do<br />

romance (que nem se esquiva a citar<br />

“Romeu e Julieta”) e um fantástico<br />

<strong>de</strong>masiado fajuto para ser levado a<br />

sério (as cenas na cripta dos Volturi,<br />

com Michael Sheen e Dakota<br />

Fanning a cabotinarem<br />

<strong>de</strong>liciosamente, parecem vindas <strong>de</strong><br />

outro filme). É um filme que “prega<br />

aos convertidos” e o seu sucesso está<br />

garantido à partida – mas é legítimo


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

“O Milagre em Sant´Anna”,<br />

<strong>de</strong> Spike Lee<br />

lamentar que, no frenesi <strong>de</strong> lançar<br />

um novo “franchise”, se tenha<br />

perdido aquilo que tornava<br />

“Crepúsculo” interessante. J. M.<br />

Julie e Julia<br />

Julie & Julia<br />

De Nora Ephron,<br />

com Meryl Streep, Amy Adams,<br />

Stanley Tucci. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª 6ª<br />

2ª 4ª 15h40, 18h20, 21h20 Sábado Domingo 3ª<br />

13h, 15h40, 18h20, 21h20; Castello Lopes - Londres:<br />

Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15,<br />

21h45 6ª Sábado 2ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45,<br />

00h15; <strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 5: 5ª 6ª<br />

2ª 4ª 13h45, 16h05, 18h45, 21h55, 00h15 Sábado<br />

Domingo 3ª 11h30, 13h45, 16h05, 18h45, 21h55,<br />

00h15; <strong>Cinema</strong>City Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª<br />

Domingo 3ª 4ª 13h45, 16h05, 18h50, 21h30 6ª<br />

Sábado 2ª 13h45, 16h05, 18h50, 21h30, 23h50;<br />

Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; UCI<br />

<strong>Cinema</strong>s - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h10 Domingo 11h30,<br />

14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 15h40, 18h20, 21h50, 00h30; ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 18h25, 00h25; ZON<br />

Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h50, 15h40, 18h30, 21h15, 00h05; ZON<br />

Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h40; ZON Lusomundo<br />

Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

16h30, 00h15; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h55, 18h40,<br />

21h20, 24h<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h30 3ª<br />

4ª 16h30, 19h10, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo<br />

Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 16h10, 19h, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

00h40 ; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h40<br />

Nora Ephrom faz sobretudo figura <strong>de</strong><br />

argumentista empenhada em<br />

ressuscitar a comédia romântica<br />

(“Um Amor Inevitável”), embora<br />

tenha também realizado dois<br />

interessantes filmes do género para<br />

Meg Ryan/Tom Hanks: “Sleepless in<br />

Seattle” (1993) e “You’ve Got Mail”<br />

(1998). “Julie e Júlia” fica aquém do<br />

brilho alcançado antes, mas possui<br />

uma notável noção <strong>de</strong> ritmo e<br />

momentos hilariantes, cortados<br />

embora por excessivos planos <strong>de</strong><br />

“dactilografia”. Baseado em histórias<br />

verídicas <strong>de</strong> duas aspirantes a<br />

cozinheiras mediáticas, o filme passa,<br />

<strong>de</strong> novo, pelo cuidado na fusão <strong>de</strong><br />

elementos díspares, <strong>de</strong> forma a<br />

aproximar-se da cintilação perdida<br />

da comédia <strong>de</strong> costumes, capaz <strong>de</strong><br />

captar momentos banais e <strong>de</strong> os<br />

transfigurar. Não se trata <strong>de</strong> nada <strong>de</strong><br />

particularmente <strong>de</strong>slumbrante,<br />

embora cumpra o papel <strong>de</strong> fornecer<br />

às duas actrizes (Amy Adams rivaliza<br />

com uma Meryl Streep um tanto<br />

estereotipada, mas<br />

sempre<br />

profissional)<br />

situações dignas<br />

<strong>de</strong> um honesto<br />

entretenimento.<br />

M.J.T.<br />

O Milagre em Sant´Anna<br />

Miracle at St. Anna<br />

De Spike Lee,<br />

com Derek Luke, Michael Ealy, Laz<br />

Alonso. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h; UCI <strong>Cinema</strong>s - El<br />

Corte Inglés: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h, 17h10, 21h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />

3ª 4ª 13h40, 17h10, 21h 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

13h40, 17h10, 21h, 00h25; ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 17h,<br />

23h30<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h05, 17h30, 21h05, 00h25 3ª 4ª 17h30, 21h05,<br />

00h25<br />

Spike Lee continua na senda da<br />

recuperação da representação da<br />

população afro-americana na<br />

História e no cinema, com a mesma<br />

ambição <strong>de</strong> “Malcolm X” mas com<br />

alguma (<strong>de</strong>masiada) vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>monstrar um programa exposto.<br />

Não que toda a sua obra não revele<br />

este <strong>de</strong>sejo programático; o<br />

problema é que “O Milagre em<br />

Sant’Anna” se confronta com uma<br />

tradição mitológica <strong>de</strong> enorme<br />

envergadura – o filme <strong>de</strong> guerra<br />

clássico. Já nem estamos a exigir-lhe<br />

as gran<strong>de</strong>zas épicas <strong>de</strong> Fuller ou<br />

Walsh, a dimensão poética <strong>de</strong> Ford<br />

ou o pragmatismo <strong>de</strong> Hawks.<br />

Bastaria que evitasse as excessivas<br />

ingenuida<strong>de</strong>s na caracterização das<br />

personagens e que conseguisse<br />

provocar em nós uma reacção. A<br />

violência só faz sentido quando gera<br />

no espectador um outro tipo <strong>de</strong><br />

violência receptiva. Assim, ficamos,<br />

quase sempre pela rama, pelo<br />

esboço sentimental <strong>de</strong> um conflito<br />

interno, nunca muito credível. M.J.T.<br />

Moon - O Outro lado da Lua<br />

Moon<br />

De Duncan Jones,<br />

com Sam Rockwell, Kevin Spacey,<br />

Matt Berry. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h15, 17h15, 19h15, 21h30,<br />

24h<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

21h35, 00h05<br />

Tudo em “Moon – O Outro Lado da<br />

Lua” remete para a ficção científica<br />

da década <strong>de</strong> 1970 – “2001” <strong>de</strong><br />

Kubrick (1968), mas também fitas<br />

menos conhecidas como “O<br />

Cosmonauta Perdido” (Douglas<br />

Trumbull, 1972) ou “Capricórnio<br />

Um” (Peter Hyams, 1977). Em<br />

comum com esses projectos, a<br />

estreia <strong>de</strong> Duncan Jones tem o tom<br />

levemente elegíaco <strong>de</strong> um requiem<br />

por uma aspiração <strong>de</strong>svirtuada pela<br />

realida<strong>de</strong> e pelo pragmatismo<br />

corporativo, trabalhando a forma e a<br />

função clássicas da ficção científica<br />

na sua acepção mais austera e<br />

essencial: um comentário atento ao<br />

nosso mundo disfarçado <strong>de</strong> fantasia<br />

futurista, mas levando ao extremo<br />

absoluto as coor<strong>de</strong>nadas e restrições<br />

“Moon - O Outro lado da Lua”<br />

“low-budget”<br />

do género. O<br />

problema,<br />

<strong>de</strong>pois, é que<br />

esse dispositivo não é sustentado até<br />

ao fim por uma narrativa que<br />

começa a “rodar em seco” a partir<br />

<strong>de</strong> meio – mas isso não invalida que<br />

seja uma das melhores surpresas <strong>de</strong><br />

um 2009 que tem sido um ano <strong>de</strong><br />

primeira água para a ficção<br />

científica. J. M.<br />

Tetro<br />

De Francis Ford Coppola,<br />

com Vincent Gallo, Maribel Verdú,<br />

Al<strong>de</strong>n Ehrenreich. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h,<br />

19h30, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4 -<br />

Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20,<br />

21h50<br />

Nesta oscilação entre o “antigo” e o<br />

“novo” Coppola - dicotomia que o<br />

próprio Francis autoriza ao afirmar<br />

que o sucesso do “Padrinho” levou a<br />

sua carreira para outras paragens,<br />

que não as do “pequeno cinema”<br />

íntimo que ele queria fazer e que<br />

agora supostamente está a fazer – há<br />

algo, contudo, que se mantém: uma<br />

espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sentendimento entre o<br />

visionarismo do realizador, aquilo<br />

que ele “vê”, e a forma como os<br />

filmes são percepcionados no seu<br />

tempo. Ou seja: o fantasma do<br />

falhanço. Mas há uma diferença<br />

assinalável: o Coppola <strong>de</strong><br />

“Apocalypse Now” ou <strong>de</strong> “Do Fundo<br />

do Coração” foi o megalómano<br />

realizador, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za e falhanço<br />

operáticos; o Coppola <strong>de</strong> “Tetro” é<br />

um realizador <strong>de</strong> bolso, qual aluno<br />

aplicado, a braços com o seu<br />

pequeno teatro – <strong>de</strong> forma literal:<br />

“Tetro” podia ser uma adaptação <strong>de</strong><br />

uma peça <strong>de</strong> Tennessee Williams<br />

nos anos 50 (ou seja: não é como se<br />

Coppola tivesse regressado a<br />

qualquer origem; é como se Coppola<br />

tivesse regredido). E eis, então, um<br />

cineasta a espantar os fantasmas do<br />

seu mito mas a não evitar que<br />

an<strong>de</strong>mos à procura do reencontro<br />

com esse mito – até porque “Tetro”,<br />

é a sua pequena tragédia, não <strong>de</strong>ixa<br />

<strong>de</strong> se oferecer como ecrã em branco<br />

on<strong>de</strong> queremos encontrar outros<br />

filmes da glória passada do<br />

realizador. Estamos a ver o filme e a<br />

pensar noutros filmes – isto quando<br />

não fechamos os olhos perante<br />

algumas das coisas mais feias (todo o<br />

final) que Coppola já filmou.<br />

Vasco Câmara<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

DEZ~O9<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

T: 213 257 650<br />

BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 43<br />

silva!<strong>de</strong>signers


Concertos<br />

44 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Pop<br />

Dançar como<br />

heróis<br />

Regresso a Portugal<br />

do projecto <strong>de</strong> Andy<br />

Butler, fi gura <strong>de</strong> proa do<br />

revivalismo disco. Pedro<br />

Rios<br />

Hercules and Love Affair<br />

Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. Hoje, 4, às 23h. Tel.: 220120220. 18€.<br />

Clubbing.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém<br />

A. Amanhã, 5, às 22h30. Tel.: 218820890. 22€.<br />

Março <strong>de</strong> 2008 não foi assim há<br />

tanto tempo, por mais que a<br />

voragem pop nos queira convencer<br />

do contrário. Nesse mês, “Blind”,<br />

“single” dos Hercules and Love<br />

Affair com Antony Hegarty,<br />

conheceu a luz do dia. O “New<br />

Musical Express” não teve pruridos<br />

em chamar-lhe um “clássico” dono<br />

das características da melhor música<br />

<strong>de</strong> dança: “física e emocional,<br />

euforicamente alegre e profunda e<br />

irremediavelmente triste”.<br />

“Blind”, consi<strong>de</strong>rada por muitos<br />

uma das melhores canções <strong>de</strong> 2008,<br />

é o momento mais célebre <strong>de</strong><br />

“Hercules and Love Affair”, álbum<br />

que recuperou a estética disco que<br />

abalou Nova Iorque nos anos 1970,<br />

cruzando-a com o house <strong>de</strong> Chicago<br />

e o tecno <strong>de</strong> Detroit, segundo uma<br />

perspectiva actualizada e em<br />

canções que também vivem fora da<br />

pista. E com uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

própria, que os convidados,<br />

<strong>de</strong>finidos por Andy Butler, o mentor<br />

do projecto, ajudaram a firmar.<br />

“Blind”, canção entre a força e a<br />

fragilida<strong>de</strong>, sintetiza o espírito dos<br />

Hercules and Love Affair, <strong>de</strong><br />

regresso a Portugal. Butler,<br />

apaixonado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong> pela<br />

mitologia grega, ficou encantado por<br />

lendas que revelavam a<br />

vulnerabilida<strong>de</strong> do herói Hércules.<br />

“Foi na mesma altura em que<br />

<strong>de</strong>scobri os clubes nocturnos e<br />

comecei a namorar com DJ. Vivia<br />

num corpo gran<strong>de</strong>, masculino,<br />

jogava futebol americano e outros<br />

<strong>de</strong>sportos e, ao mesmo tempo, era<br />

extremamente sensível e vulnerável<br />

do ponto <strong>de</strong> vista emocional. Atraíame<br />

a história <strong>de</strong> Hércules porque<br />

falava da ligação do feminino ao<br />

hiper-masculino”, explicou à<br />

“webzine” Pitchfork, em Junho <strong>de</strong><br />

2008.<br />

Nos concertos da Casa da Música,<br />

hoje (a noite Clubbing conta também<br />

com Kap Bambino e outros artistas),<br />

e do Lux, amanhã, Butler traz uma<br />

nova formação, que inclui, entre<br />

outros, Kim Ann, uma das vozes do<br />

disco <strong>de</strong> estreia, e promete antecipar<br />

material <strong>de</strong> um próximo álbum,<br />

ainda sem data <strong>de</strong> lançamento.<br />

Os Hercules and Love Aff air <strong>de</strong> regresso a Portugal<br />

(Casa da Música hoje, Lux amanhã) numa altura em que estão<br />

mais virados para as canções do que para a música <strong>de</strong> dança<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Carlos do Carmo leva a ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Ary dos Santos ao Coliseu<br />

O músico e DJ antecipou ao mesmo num momento em que as<br />

“Village Voice”, em Junho, alguns palavras <strong>de</strong> José Carlos Ary dos<br />

dados do que aí vem: “Há algumas Santos voltam a ser ouvidas noutras<br />

peças <strong>de</strong> música que vão estar no vozes, com a edição recente <strong>de</strong> “Rua<br />

meu próximo disco que não são da Sauda<strong>de</strong>” – on<strong>de</strong> as ouvimos<br />

música <strong>de</strong> dança” (no primeiro cantadas por Mafalda Arnauth,<br />

também assim acontecia). “São Viviane, Susana Félix e Luanda<br />

canções, sabes?”, prosseguia. “Estou Cozetti -, dificilmente se po<strong>de</strong>ria<br />

mais interessado em escrever encontrar intérprete mais perfeito<br />

canções”.<br />

para a homenagem.<br />

Foi Ary dos Santos que, entre<br />

muitas outras parcerias, escreveu as<br />

Carlos do Carmo letras do imenso “Um Homem na<br />

reencontra Ary<br />

Cida<strong>de</strong>”, álbum <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Carmo<br />

<strong>de</strong> 1977. E foi um homem que<br />

dos Santos ntos<br />

partilhou com Carlos do<br />

o Ca Carmo, para<br />

além <strong>de</strong> muita<br />

Ary Sempre! e!<br />

vida, força e<br />

Com Carlos do Carmo (voz), Ricardo<br />

Rocha (guitarra arra portuguesa), Carlos<br />

Manuel Proença ença (viola), Fernando<br />

Araújo (baixo), xo), Bernardo Sassetti<br />

(piano).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos os Recreios. R. Portas St. Antão, 96.<br />

Hoje, às 21h30. Tel.: el.: 213240580. 20€.<br />

Homenagem m ao Poeta da Revolução<br />

- 25 anos da sua morte, 35 anos do<br />

25 <strong>de</strong> Abril.<br />

Ary dos Santos: tos: eis o pretexto que,<br />

esta noite, leva eva Carlos do Carmo ao<br />

Coliseu dos Recreios. “Ary sempre!”<br />

é o título da celebração. 35 anos<br />

<strong>de</strong>pois do 25 5 <strong>de</strong> Abril, 25 após a<br />

morte do poeta oeta e autor das letras <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> “canções-património”<br />

da música portuguesa, ortuguesa, o<br />

Partido Comunista munista<br />

Português organizou rganizou a<br />

celebração. Carlos do<br />

o O mexicano Murcof no fi m-<strong>de</strong>-semana<br />

Carmo canta. a. E,<br />

electrónico da Ma<strong>de</strong>ira


sensibilida<strong>de</strong> poética – um verteu-a<br />

para o papel e recitou-a com verve, o<br />

outro <strong>de</strong>u-lhe toda a vida em voz.<br />

Acompanhado por Ricardo Rocha<br />

na guitarra portuguesa, Carlos<br />

Manuel Proença na viola, Fernando<br />

Araújo no baixo e com a<br />

contribuição especial do pianista<br />

Bernardo Sassetti, Carlos do Carmo<br />

interpretará 20 “poemas-canções”<br />

<strong>de</strong> Ary dos Santos. Ele mesmo<br />

surgirá, antes do concerto,<br />

preservado em fita, num filme on<strong>de</strong><br />

recita o poema “As Portas que Abril<br />

abriu”. Mário Lopes<br />

Electrónica<br />

prolongada<br />

Festival Ma<strong>de</strong>ira Dig<br />

Alva Noto + Murcof + Jean-<br />

Michael & Band + Christ. +<br />

Zavoloka e Laetitia Morais +<br />

Gigantiq + Felix Kubin + Hugo<br />

Olim e Jerome Faria + Ja<strong>de</strong><br />

Vale dos Amores. Calheta. Centro das Artes Casa das<br />

Mudas.<br />

Jason Forrest + Clara Hill<br />

Estalagem da Ponta do Sol. Quinta da Rochinha.<br />

De hoje a segunda-feira, a partir das 21h30. Tel.:<br />

291820900. 15€ (um dia) a 50€ (quatro dias).<br />

Por edições anteriores do Ma<strong>de</strong>ira<br />

Dig já passaram artistas como<br />

Vladislav Delay, AGF, Burnt Friedman<br />

com Jaki Liebezeit, Jamie Li<strong>de</strong>ll,<br />

Cluster, Philip Jeck e outros nomes -<br />

uma constelação <strong>de</strong> estrelas da<br />

música electrónica em toda a sua<br />

diversida<strong>de</strong>. Este ano, o festival<br />

ma<strong>de</strong>irense, criado em 2004, tem<br />

como figuras <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque gente<br />

como Alva Noto, Murcof e Felix<br />

Kubin.<br />

Alva Noto é o nome que o alemão<br />

Carsten Nicolai utiliza nos seus<br />

trabalhos sonoros. Tal como com o<br />

seu trabalho visual, Alva Noto<br />

(conhecido pela sua colaboração<br />

com Ryuichi Sakamoto) situa-se na<br />

fronteira entre a arte a ciência,<br />

integrando na sua música o acaso, o<br />

caos e acontecimentos gerados por si<br />

mesmos, sem intervenção do artista.<br />

Enquanto Murcof, o mexicano<br />

Fernando Corona, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um<br />

início <strong>de</strong> carreira ligado ao tecno,<br />

tem-se interessado pela união entre<br />

a música electrónica e os trabalhos<br />

orquestrais <strong>de</strong> gente como Arvo<br />

Pärt. Em “The Versailles Sessions”,<br />

editado em 2008, pegou em<br />

gravações <strong>de</strong> instrumentos barrocos<br />

do século XVII, cruzando-os com<br />

gravações <strong>de</strong> campo, uma voz<br />

“mezzo soprano” e electrónica.<br />

Radicalmente diferente é a<br />

proposta <strong>de</strong> Felix Kubin, alemão<br />

veterano da electrónica. Sorve<br />

influências da pop, da música<br />

electroacústica e <strong>de</strong> domínios em<br />

que a linguagem é fundamental<br />

(palestras, por exemplo). Os<br />

concertos <strong>de</strong> Kubin, surreais e<br />

<strong>de</strong>liciosamente absurdos, são<br />

sempre motivo <strong>de</strong> celebração.<br />

Comentário<br />

Rodrigo<br />

Amado<br />

O renascimento<br />

estéril do Cascais<br />

Jazz<br />

O<br />

festival Cascais Jazz é consi<strong>de</strong>rado,<br />

unanimemente, o maior e mais importante<br />

festival <strong>de</strong> jazz <strong>de</strong> sempre do nosso país. Com<br />

edições entre 1971 e 1988 (nos últimos quatro<br />

anos já um pouco <strong>de</strong>bilitado), e uma<br />

programação visionária a cargo <strong>de</strong> Luís Villas-Boas, o<br />

Cascais Jazz apresentou concertos inesquecíveis com<br />

inúmeros nomes <strong>de</strong> topo do jazz e do blues norteamericano,<br />

como Miles Davis, Dexter Gordon, Phill<br />

Woods, Ornette Coleman, Thelonious Monk, Duke<br />

Ellington, Dizzy Gillespie, Sonny Rollins, Betty Carter,<br />

Buddy Guy, Roland Kirk, Art Blakey ou Charlie Ha<strong>de</strong>n,<br />

entre muitos outros.<br />

Pelo seu contexto histórico – atravessou os anos<br />

“quentes”, antes e <strong>de</strong>pois da revolução – e pelo carácter<br />

revolucionário <strong>de</strong> uma música que poucos conheciam,<br />

a sua importância foi muito para além da música,<br />

tornando-se um evento simbólico para toda uma geração<br />

<strong>de</strong> espectadores. A música era pura e dura e o ambiente<br />

genuinamente <strong>de</strong>mocrático. Recordo-me, com uma<br />

clareza pouco habitual, <strong>de</strong> algumas visitas ao festival,<br />

ainda com menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, em que ia com um amigo<br />

dos meus pais. Levávamos um verda<strong>de</strong>iro farnel – em<br />

alguns dos dias, as sessões prolongavam-se por mais <strong>de</strong><br />

seis horas – e almofadas para atenuar o <strong>de</strong>sconforto das<br />

bancadas <strong>de</strong> cimento. O ambiente era intenso e a energia<br />

que se sentia no ar bem mais<br />

Esta nova edição<br />

<strong>de</strong>monstra um<br />

profundo <strong>de</strong>srespeito<br />

por tudo aquilo que<br />

fazia do Cascais Jazz<br />

um evento especial<br />

próxima <strong>de</strong> um concerto<br />

rock, pela informalida<strong>de</strong> e<br />

pela sensação <strong>de</strong> que algo<br />

<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iramente especial<br />

estaria para acontecer. E<br />

acontecia.<br />

Duarte Mendonça,<br />

programador responsável<br />

pelo Estoril Jazz, co-produtor<br />

do Cascais Jazz a partir <strong>de</strong><br />

1974 e associado <strong>de</strong> Villas-Boas<br />

durante muitos anos, <strong>de</strong>cidiu este ano fazer renascer o<br />

mítico festival, tendo registado a marca com autorização<br />

dos her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Villas-Boas. No entanto, a forma como<br />

é proposta esta nova edição, programada para o mesmo<br />

auditório do Estoril Jazz, <strong>de</strong>monstra um profundo<br />

<strong>de</strong>sconhecimento e <strong>de</strong>srespeito por tudo aquilo que<br />

fazia do Cascais Jazz um evento especial, e quaisquer<br />

semelhanças entre as duas “versões” do mesmo<br />

resumem-se exclusivamente ao nome. A qualida<strong>de</strong>, a<br />

consistência e a criativida<strong>de</strong> da programação <strong>de</strong> Villas-<br />

Boas dão agora lugar a um amontoado <strong>de</strong> propostas que<br />

em nada evocam a gran<strong>de</strong>za do projecto inicial. Numa<br />

programação débil em que se <strong>de</strong>staca a excelência <strong>de</strong><br />

dois músicos nacionais, André Fernan<strong>de</strong>s e Zé Eduardo<br />

(aqui com o seu “unit” e a participação <strong>de</strong> Jack Walrath),<br />

agrupam-se um projecto incaracterístico <strong>de</strong> Lee Konitz,<br />

uma cantora <strong>de</strong> segunda categoria, o quarteto <strong>de</strong> Ingrid<br />

Jensen e um quinteto em torno <strong>de</strong> Phill Woods, agora<br />

com 79 anos, que não irá dar se não uma pálida i<strong>de</strong>ia<br />

do explosivo concerto que protagonizou em 1971, na<br />

primeira edição do original Cascais Jazz.<br />

Vão-se a surpresa, a inovação e a criativida<strong>de</strong>, fi ca<br />

a sensação <strong>de</strong> que nunca saberiam on<strong>de</strong> encontrar os<br />

novos cabeças <strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> um festival que fi zesse justiça<br />

à gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Luís Villas-Boas<br />

O Ma<strong>de</strong>ira Dig, que começa hoje e<br />

termina segunda-feira e se divi<strong>de</strong><br />

entre o Centro das Artes Casa das<br />

Mudas, na Calheta, e a Estalagem da<br />

Ponta do Sol, ambos na ilha da<br />

Ma<strong>de</strong>ira, conta ainda com a música<br />

melodiosa <strong>de</strong> Christ., as<br />

contaminações<br />

do jazz com a<br />

electrónica <strong>de</strong><br />

Clara Hill e<br />

outros concertos<br />

e actuações <strong>de</strong><br />

DJ. P.R.<br />

Os Editors chegaram com vida ao terceiro álbum,<br />

e vêm ao Campo Pequeno mostrá-lo<br />

Editors, um caso<br />

à parte<br />

Editors + The Maccabees<br />

<strong>Lisboa</strong>. Praça <strong>de</strong> Touros do Campo Pequeno. Campo<br />

Pequeno. 5ª, 10, às 21h. Tel.: 217820575. 22€ a 33€.<br />

A maioria das bandas que<br />

surgiram naquele<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 45


46 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Concertos<br />

momento em que a sombra dos<br />

Strokes foi ultrapassada pela dos Joy<br />

Division e, paralelamente, pela<br />

galopante nostalgia 80s, foi<br />

esquecida. Coisas como os Bravery<br />

ou She Wants Revenge,<br />

penosamente coladas a uma i<strong>de</strong>ia<br />

ultrapassada, requentada, <strong>de</strong> rock<br />

negro e sofrido, mostraram ser<br />

incapazes <strong>de</strong> repetir a gracinha ao<br />

segundo álbum, momento em que,<br />

muito justamente, o povo lhes virou<br />

costas e os atirou para o caixote <strong>de</strong><br />

lixo da história.<br />

Os Editors são um caso especial.<br />

Pareciam tão perdidos quanto os<br />

supracitados à chegada ao difícil<br />

segundo álbum, “An End Has a<br />

Start”, mas, em vez <strong>de</strong> esquecidos,<br />

cresceram. Cresceram<br />

enormemente <strong>de</strong> popularida<strong>de</strong> com<br />

uma voz gutural, meta<strong>de</strong> Ian Curtis,<br />

meta<strong>de</strong> vocalista dos Interpol, uma<br />

batida metálica tonitruante e os<br />

refrões para levitar estádios que lhes<br />

preenchem os álbuns.<br />

Sucesso global, a banda <strong>de</strong><br />

Birmingham regressa ao Campo<br />

Pequeno para apresentar o novo<br />

álbum, o terceiro da sua carreira,<br />

editado em Outubro. Intitula-se “In<br />

This Light And On This Evening” e,<br />

consi<strong>de</strong>rou o vocalista Tom Smith,<br />

representa o passo em frente <strong>de</strong> uma<br />

banda que não se queria repetir.<br />

“Papillon”, o primeiro single, não<br />

engana. Os Joy Division ficam lá<br />

atrás, chega a inspiração dos New<br />

Or<strong>de</strong>r. A festa continua. M.L.<br />

Clássica<br />

Uma<br />

cantora <strong>de</strong><br />

excepção<br />

A notável Anna Caterina<br />

Antonacci traz à<br />

Gulbenkian “Ecos da<br />

‘Belle Époque’”.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Anna Caterina Antonacci e<br />

Donald Sulzen<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 2ª, 7, às<br />

19h. Tel.: 217823700. 15€ a 30€.<br />

Ecos da “Belle Époque”. Obras <strong>de</strong><br />

Fauré, Hahn, Bachelet, Tosti,<br />

Cimara, Toscanini, Tiren<strong>de</strong>lli,<br />

Respighi e Zandonai.<br />

As qualida<strong>de</strong>s vocais, a sensibilida<strong>de</strong><br />

interpretativa e os dotes <strong>de</strong> actriz <strong>de</strong><br />

Anna Caterina Antonacci têm gerado<br />

nos últimos anos um raro consenso<br />

da crítica internacional. Des<strong>de</strong> os<br />

numerosos papéis <strong>de</strong> “bel canto”<br />

rossiano que fez nos primeiros<br />

tempos da sua carreira às incursões<br />

mais recentes no repertório francês<br />

do século XIX (com heroínas tão<br />

Espaço<br />

Público<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

exigentes como a “Me<strong>de</strong>a”, <strong>de</strong><br />

Cherubini, ou a Cassandra <strong>de</strong> “Les<br />

Troyens”, <strong>de</strong> Berlioz), passando pela<br />

ópera barroca (<strong>de</strong> Monteverdi a<br />

Han<strong>de</strong>l), a soprano italiana <strong>de</strong>sperta<br />

invariavelmente reacções<br />

apaixonadas. Vencedora dos<br />

Concursos Verdi <strong>de</strong> Parma (1987),<br />

Maria Callas e Pavarotti (1988) e do<br />

Prémio Abbiatti (2005), Antonacci<br />

tem actuado sob a direcção <strong>de</strong><br />

maestros como Claudio Abbado,<br />

Muti, Chailly, Christie, Jacobs ou<br />

Gardiner nalguns dos mais<br />

importantes teatros do mundo. Em<br />

Portugal as suas actuações<br />

resumem-se até agora ao recital que<br />

<strong>de</strong>u em 2005 na Casa da Música e à<br />

participação na ópera “Gli Orazi ed i<br />

Curiazi”, <strong>de</strong> Cimarosa, dirigida por<br />

Alan Curtis no início dos anos 90 no<br />

Porto e em <strong>Lisboa</strong>.<br />

No dia 7, Anna Caterina Antonacci<br />

será a convidada do Ciclo <strong>de</strong> Canto<br />

da temporada Gulbenkian, on<strong>de</strong> irá<br />

apresentar o programa “Ecos da<br />

‘Belle Époque’”, com obras <strong>de</strong><br />

Fauré, Hahn, Bachelet, Tosti,<br />

Cimara, Toscanini, Tiren<strong>de</strong>lli,<br />

Respighi e Zandonai.<br />

Na entrevista que <strong>de</strong>u ao PÚBLICO<br />

em 2005, a cantora tinha<br />

manifestado o seu fascínio pela<br />

“mélodie” francesa e pelo repertório<br />

vocal <strong>de</strong> câmara italiano dos<br />

inícios do século<br />

XX em<br />

<strong>de</strong>trimento<br />

das canções dos<br />

compositores <strong>de</strong> ópera<br />

transalpinos <strong>de</strong> oitocentos. “As<br />

canções <strong>de</strong> Rossini, Donizetti ou<br />

Bellini não me agradam muito. Eles<br />

eram gran<strong>de</strong>s compositores <strong>de</strong><br />

ópera e era esta que concentrava<br />

toda a sua energia. Creio que não<br />

levavam o repertório <strong>de</strong> câmara<br />

muito a sério, era mais uma<br />

brinca<strong>de</strong>ira”, disse nessa ocasião.<br />

“Nas canções francesas encontramos<br />

sempre uma outra inspiração<br />

melódica, harmonias muito<br />

interessantes, um outro cuidado na<br />

escolha dos textos. Mas há também<br />

repertório vocal <strong>de</strong> câmara italiano<br />

muito bom, mais para o início do<br />

século XX: algum Respighi, Pizetti,<br />

Tosti. Gostaria <strong>de</strong> ter tempo para o<br />

estudar <strong>de</strong>talhadamente.” A vonta<strong>de</strong><br />

e a disponibilida<strong>de</strong> concretizaram-se<br />

e materializam-se agora no recital da<br />

Gulbenkian, em que Antonacci<br />

coloca lado a lado os universos<br />

francês e italiano e alguns dos mais<br />

fascinantes caminhos que conduzem<br />

do Romantismo ao Mo<strong>de</strong>rnismo.<br />

Rarida<strong>de</strong>s do “bel<br />

canto” no Museu da<br />

Música<br />

Patrizia Morandini e Marco<br />

Aurelio Brescia<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu da Música. Estação do Metropolitano<br />

Alto dos Moinhos. Rua João <strong>de</strong> Freitas Branco.<br />

Amanhã, 5, às 18h. Tel.: 217710990/8. 2€.<br />

Obras <strong>de</strong> Bellini, Verdi, Marzano e<br />

Carlos Gomes.<br />

O ciclo <strong>de</strong> concertos com direcção<br />

artística do maestro e musicólogo<br />

brasileiro Rodrigo Teodoro que<br />

o Museu da Música<br />

tem vindo a<br />

promover<br />

nos<br />

Uma das mais extraordinárias cantoras do panorama<br />

lírico actual percorre na Gulbenkian os caminhos que<br />

conduzem do Romantismo ao Mo<strong>de</strong>rnismo<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

últimos<br />

meses chega<br />

amanhã ao fim<br />

com um recital pela<br />

soprano italiana Patrizia<br />

Morandini, acompanhada pelo<br />

pianista italo-brasileiro, resi<strong>de</strong>nte<br />

em <strong>Lisboa</strong>, Marco Aurelio Brescia. O<br />

programa inclui árias dos italianos<br />

Bellini, Verdi e Temistocle Marzano<br />

e do brasileiro Carlos Gomes, cujas<br />

óperas fizeram gran<strong>de</strong> sucesso<br />

nalguns dos principais teatros<br />

italianos nos finais do século XIX. A


maior curiosida<strong>de</strong> do programa vai,<br />

no entanto, para as árias da ópera<br />

histórica “I Normanni a Salerno”, <strong>de</strong><br />

Marzano, uma obra monumental<br />

composta para a inauguração do<br />

Teatro Verdi <strong>de</strong> Salerno em 1872.<br />

Caída no esquecimento,<br />

possivelmente pela sua<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução e<br />

encenação, esta obra foi<br />

recentemente recuperada, tendo<br />

subido à cena do Teatro Politeama<br />

<strong>de</strong> Nápoles em Outubro <strong>de</strong> 2007<br />

com Patrizia Morandini como<br />

protagonista.<br />

Natural <strong>de</strong> Florença, a soprano<br />

dramático Patrizia Morandini<br />

estudou no conservatório da sua<br />

cida<strong>de</strong> natal e fez cursos <strong>de</strong><br />

especialização com mestres como<br />

Nella Anfuso (música renascentista),<br />

Liliana Poli (Lied e música<br />

contemporânea) ou o lendário<br />

Alfredo Kraus (ópera). Intepretou<br />

alguns dos mais exigentes papéis do<br />

repertório operático italiano (Tosca,<br />

Turandot, Aida, Leonora, Norma,<br />

entre muitos outros) e tem<br />

<strong>de</strong>senvolvido nos últimos anos uma<br />

ampla activida<strong>de</strong> docente,<br />

leccionando “masterclasses” na<br />

Europa e no Brasil. A sua discografia<br />

inclui inclui as óperas “Cleopatra”, <strong>de</strong><br />

Cimarosa, e “Ernani”, <strong>de</strong> Bellini<br />

(etiqueta Bongiovanni). C.F.<br />

Patrizia Morandini em recital<br />

no Museu da Música<br />

Agenda<br />

Sexta 4<br />

Super Bock em Stock<br />

The Legendary Tiger Man<br />

+ Ebony Bones<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>, 182, às 22h.<br />

Tel.: 213572025.<br />

Voxtrot + Wild Beasts<br />

<strong>Lisboa</strong>. <strong>Cinema</strong> São Jorge - Sala 1. Av. Liberda<strong>de</strong>,<br />

175, às 21h30. Tel.: 213103400.<br />

Easyway + Mikkel Solnado<br />

+ Bass Off<br />

<strong>Lisboa</strong>. <strong>Cinema</strong> São Jorge - Sala 2. Av. Liberda<strong>de</strong>,<br />

175, às 21h. Tel.: 213103400.<br />

Anaquim + Wave Machines<br />

+ Blacklist<br />

<strong>Lisboa</strong>. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 21h. Tel.:<br />

213467090.<br />

Frankie Chavez + Os Quais<br />

<strong>Lisboa</strong>. LA Caffé. Av. Liberda<strong>de</strong>, 129-B, às 21h30.<br />

Tel.: 213256736.<br />

Fe<strong>de</strong>rico Aubele + Samuel Úria<br />

<strong>Lisboa</strong>. Terraço. Av. Liberda<strong>de</strong>, 185<br />

- Hotel Tivoli, às 21h15. Tel.:<br />

213198900.<br />

Orelha Negra + Marcelinho<br />

da Lua<br />

<strong>Lisboa</strong>. Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal - Parque <strong>de</strong><br />

Estacionamento. Pç. Marquês <strong>de</strong> Pombal, à 01h.<br />

40€ (bilhete único para os dois dias).<br />

Ver textos na pág. 6 e segs.<br />

<strong>Lisboa</strong>, Olhão e Coimbra<br />

na agenda <strong>de</strong> Edson Cor<strong>de</strong>iro<br />

Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.<br />

República, às 21h30. Tel.: 239855636. 12€ a 18€.<br />

Madre<strong>de</strong>us & A Banda Cósmica<br />

Figueira da Foz. Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos -<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. R. Aba<strong>de</strong> Pedro, às 21h30. Tel.:<br />

233407200. 20€.<br />

Red House<br />

Viana do Castelo. Teatro <strong>Municipal</strong> Sá <strong>de</strong> Miranda.<br />

R. Major Xavier Costa, às 22h. Tel.: 258809382. 20€<br />

(dia) a 50€ (passe).<br />

X Simply Blues - Festival <strong>de</strong> Blues <strong>de</strong><br />

Viana do Castelo.<br />

Sábado 5<br />

Edson E Cor<strong>de</strong>iro<br />

<strong>Lisboa</strong>. <strong>Lisboa</strong> Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.<br />

R. Ant Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h. Tel.:<br />

Super Bock em Stock<br />

Little Joy + Beach House<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>, 182, às 22h15.<br />

Tel.: 213572025.<br />

Patrick Watson + The Invisible<br />

+ Os Golpes<br />

<strong>Lisboa</strong>. <strong>Cinema</strong> São Jorge - Sala 1. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175,<br />

às 21h30. Tel.: 213103400.<br />

Piano Magic + Oióai<br />

+ João Só e Abandonados<br />

<strong>Lisboa</strong>. <strong>Cinema</strong> São Jorge - Sala 2. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175,<br />

às 21h. Tel.: 213103400.<br />

Juan MacLean + Mazgani<br />

+ Mocky<br />

<strong>Lisboa</strong>. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 21h15. Tel.:<br />

213467090.<br />

Manuel Paulo & Nancy Vieira<br />

(Pássaro Cego) + Luísa Sobral<br />

<strong>Lisboa</strong>. LA Caffé. Av. Liberda<strong>de</strong>, 129-B, às 21h30. Tel.:<br />

213256736.<br />

213257650. 213257 10€ a 20€.<br />

Centenário Cent do Nascimento <strong>de</strong><br />

Carmen Carm Miranda.<br />

Piers Faccini + Noiserv<br />

<strong>Lisboa</strong>. Terraço. Av. Liberda<strong>de</strong>, 185 - Hotel Tivoli, às<br />

22h. Tel.: 213198900.<br />

Nouvelle Nou Vague + Melanie Pain<br />

& Gerald Ge Toto<br />

Kap Bambino + DJ Zé Pedro<br />

+ Pedro Ramos<br />

<strong>Lisboa</strong>. <strong>Lisboa</strong> Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 22h. <strong>Lisboa</strong>. Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal - Parque <strong>de</strong><br />

Tel.: 21 217967624. 25€ a 30€.<br />

Estacionamento. Pç. Marquês <strong>de</strong> Pombal, às 00h45.<br />

Gal Costa C<br />

<strong>Lisboa</strong>. <strong>Lisboa</strong> Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />

40€ (bilhete único para os dois dias).<br />

Ver textos na pág. 6 e segs.<br />

Auditório. Auditó Praça do Império, às 21h. Tel.:<br />

213612400. 2136 21 12 20€ a 49€.<br />

Edson Cor<strong>de</strong>iro<br />

Voz V e Violão.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.<br />

R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h. Tel.:<br />

Charlie Cha + Berry<br />

213257650. 10€ a 20€.<br />

Braga. Brag Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />

Liberda<strong>de</strong>, Libe 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 8€.<br />

French Fre Connection II.<br />

Centenário do Nascimento <strong>de</strong><br />

Carmen Miranda.<br />

Skye Sk<br />

Ílhavo. Ílh Centro Cultural <strong>de</strong> Ílhavo. Avenida 25 <strong>de</strong><br />

Abril A - Auditório, às 21h30. Tel.: 234397260. 15€.<br />

Nouvelle Vague +<br />

Melanie Pain & Gerald<br />

Toto<br />

Porto. Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira. R. Sá da<br />

Lee L Konitz & Minsarah + André<br />

Ban<strong>de</strong>ira, 108, às 22h. Tel.:<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

222003595. 24€.<br />

Estoril. Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril -<br />

Auditório. Av. Amaral, às 21h30. Tel.:<br />

214647575. 30€ (dia) a 80€ (passe).<br />

My Brightest<br />

Diamond<br />

Cascais Jazz.<br />

Espinho. Auditório <strong>de</strong><br />

My Brightest Diamond<br />

Berry no Theatro Circo Espinho. Rua 34, 884, às<br />

21h30. Tel.: 227340469. 15€.<br />

Teresa Salgueiro vai aos gran<strong>de</strong>s<br />

auditórios: CCB e Casa da Música<br />

Cameron Todd e ONP<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque - Sala Suggia, às 18h. Tel.: 220120220.<br />

16€.<br />

Desi<strong>de</strong>rata<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Pequeno<br />

Auditório. Praça do Império, às 21h. Tel.:<br />

213612400. 12,5€ a 15€.<br />

B Fachada<br />

Vila Real. Teatro <strong>de</strong> Vila Real - Pequeno Auditório.<br />

Alameda <strong>de</strong> Grasse, às 22h. Tel.: 259320000. 7€.<br />

Ver texto na pág. 14 e segs.<br />

Skye<br />

Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297.<br />

12€.<br />

MEV - Musica Elettronica Viva<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves - Auditório. Rua Dom<br />

João <strong>de</strong> Castro, 210, às 21h30. Tel.: 226156500. 5€ a<br />

10€.<br />

Musica Elettronica Viva<br />

Madre<strong>de</strong>us & A Banda Cósmica<br />

Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo São José Lopes<br />

dos Santos, às 21h30. Tel.: 249839309. 17,5€.<br />

Zé Eduardo Unit & Jack Walrath<br />

+ Dena DeRose Trio + Ingrid<br />

Jensen Quarteto<br />

Estoril. Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril - Auditório.<br />

Av. Amaral, às 16h. Tel.: 214647575. 30€ (dia) a 80€<br />

(passe).<br />

Cascais Jazz.<br />

Eddie Martin<br />

Viana do Castelo. Teatro <strong>Municipal</strong> Sá <strong>de</strong> Miranda.<br />

R. Major Xavier Costa, às 22h. Tel.: 258809382. 20€<br />

(dia) a 50€ (passe).<br />

X Simply Blues - Festival <strong>de</strong> Blues <strong>de</strong><br />

Viana do Castelo.<br />

Domingo 6<br />

My Brightest<br />

Diamond em Espinho e Coimbra<br />

Harlem Gospel Choir<br />

Estoril. Casino Estoril - Salão Preto e Prata. Pç. José<br />

Teodoro dos Santos, às 21h. Tel.: 214667700. 25€ a<br />

35€.<br />

Concert of Hope - Tributo a Michael<br />

Jackson.<br />

Solo Brasil & Nuno da Câmara<br />

Pereira + Márcio Faraco &<br />

Cristina Branco<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 20€.<br />

Cascais Jazz Legends<br />

Com Phil Woods (saxofone), Lew<br />

Soloff (trompete), Cedar Walton<br />

(piano), Rufus Reid (contrabaixo),<br />

Jimmy Cobb (bateria).<br />

Estoril. Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril - Auditório.<br />

Av. Amaral, às 18h00. Tel.: 214647575. 30€ (dia) a<br />

80€ (passe).<br />

Cascais Jazz.<br />

Segunda 7<br />

The Prodigy + Enter Shikari<br />

<strong>Lisboa</strong>. Pavilhão Atlântico - Sala Atlântico. Parque<br />

das Nações, às 21h. Tel.: 218918409. 30€ a 40€.<br />

Edson Cor<strong>de</strong>iro<br />

Olhão. Auditório <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Olhão. Av. Dr.<br />

Francisco Sá Carneiro, lote B3 r/c. 2ª às 21h30. Tel.:<br />

289710170. 9€ a 12€.<br />

Harlem Gospel Choir<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 30€.<br />

Concert of Hope - Tributo a Michael<br />

Jackson.<br />

Ensemble Contrapunctus<br />

Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 10€.<br />

Obras <strong>de</strong> Haydn.<br />

Teresa Salgueiro e Lusitânia<br />

Ensemble<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Praça do Império, às 21h. Tel.:<br />

213612400. 20€ a 40€.<br />

Neon Indian<br />

Porto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30, às 23h.<br />

Tel.: 222012500.<br />

Terça 8<br />

Teresa Salgueiro e Lusitânia<br />

Ensemble<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 37€ a 39€.<br />

António Zambujo<br />

Viana do Castelo. Teatro <strong>Municipal</strong> Sá <strong>de</strong> Miranda.<br />

R. Major Xavier Costa, às 21h30. Tel.: 258809382.<br />

10€.<br />

Quarta 9<br />

Carminho<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Praça do Império, às 21h. Tel.:<br />

213612400. 5€ a 30€.<br />

Kurt Vile + B Fachada<br />

<strong>Lisboa</strong>. Frágil. R. Atalaia, 126, às 23h. Tel.:<br />

213469578. 7€.<br />

Edson Cor<strong>de</strong>iro<br />

Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.<br />

República. 4ª às 21h30. Tel.: 239855636. 12€ a 18€.<br />

NÃO DEIXE PASSAR<br />

AS ESTRELAS DA TEMPORADA<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 47


Discos<br />

Com este álbum B Fachada<br />

torna-se um autor que, hoje,<br />

agora, temos <strong>de</strong> ouvir e celebrar<br />

48 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Pop<br />

O álbum<br />

essencial <strong>de</strong><br />

B Fachada<br />

Um casulo musical tecido<br />

com cuidado extremo.<br />

Mário Lopes<br />

B Fachada<br />

B Fachada<br />

Mbari<br />

mmmmn<br />

Este é o momento<br />

em que temos <strong>de</strong><br />

ter aquela conversa<br />

aborrecida. Venha<br />

ela: com este<br />

álbum, homónimo,<br />

o seu segundo <strong>de</strong> 2009, B Fachada<br />

torna-se um autor que, hoje, agora,<br />

temos <strong>de</strong> ouvir e celebrar. Fim <strong>de</strong><br />

conversa aborrecida. Avancemos.<br />

A riqueza <strong>de</strong>sta música nasce<br />

daquilo a que Fachada chama a<br />

incoerência da vida: é disso que<br />

vivem as suas letras, <strong>de</strong> um<br />

romantismo poético trespassado<br />

pela pulsante veia tragicómica que,<br />

disco após disco, lhe temos por<br />

essencial. Neste disco on<strong>de</strong> o piano<br />

ganha <strong>de</strong>staque e em que a voz<br />

serena no ponto exacto <strong>de</strong><br />

expressivida<strong>de</strong>, torna-se evi<strong>de</strong>nte<br />

que o segredo <strong>de</strong> Fachada está,<br />

precisamente, na forma como se<br />

assume verda<strong>de</strong>iro e surpreen<strong>de</strong>nte<br />

contador <strong>de</strong> histórias: interessamlhe<br />

mais os milhões <strong>de</strong> “eus” que a<br />

nossa circunstância, interessa-lhe<br />

que as canções corram <strong>de</strong> acordo<br />

com o glorioso absurdo da vida, não<br />

<strong>de</strong> acordo com aquilo que a pop<br />

inventou como tal.<br />

Este é, portanto, um álbum <strong>de</strong><br />

questões essenciais, que não são o<br />

défice, as escutas, a falência da<br />

justiça ou o raio que o parta. Bem<br />

mais humano que isso: o <strong>de</strong>samor<br />

que chega sem angústia, tragédias<br />

fraternas (culpa <strong>de</strong> uma mulher,<br />

naturalmente), a cama pouco<br />

satisfatória e a cama que nos há-<strong>de</strong><br />

salvar: “E agora o que é que eu faço?<br />

Estar à espera ou procurar?”, como<br />

se canta algures.<br />

Depois, ao contrário <strong>de</strong> “Um Fim<strong>de</strong>-Semana<br />

no Pónei Dourado”,<br />

colecção <strong>de</strong> canções heterogénea<br />

(era esse, <strong>de</strong> resto, um dos seus<br />

encantos), “B Fachada” é um casulo<br />

musical tecido com cuidado<br />

extremo. Ouvem-se baladas para<br />

piano <strong>de</strong> textura clássica (“Só te falta<br />

seres mulher”) e ouvimo-lo pegar<br />

numa melodia <strong>de</strong> Vitorino, a <strong>de</strong><br />

“Queda do Império”, para a<br />

transformar numa outra coisa.<br />

“B Fachada” é absurdamente<br />

lúdico em “Estar à espera ou<br />

procurar” (coro lá atrás a bailar, beat<br />

yé-yé e um refrão que Variações<br />

adoraria cantar), é trágico e<br />

melancólico na imensa “O tempo<br />

para cantar” (o harmónio e a<br />

guitarra <strong>de</strong>senhando tons negros, a<br />

voz espantando a sombra <strong>de</strong> morte<br />

quando se multiplica e tudo ilumina<br />

ao sabor do arpeggio do piano).<br />

Resumindo: “B Fachada” é poesia<br />

popular erudita, é música popular<br />

<strong>de</strong> autor. Mais ainda: um gran<strong>de</strong>,<br />

gran<strong>de</strong> disco.<br />

A arte <strong>de</strong><br />

disparar<br />

para todos os<br />

lados<br />

No seu disco <strong>de</strong> estreia,<br />

Samuel Úria é Elvis, um<br />

reverendo negro, Variações,<br />

Vitorino, Nick Cave e Waits.<br />

E é sempre bom. João<br />

Bonifácio<br />

Samuel Úria<br />

Nem Lhe Tocava<br />

FlorCaveira; distri. iPlay<br />

mmmmn<br />

Por tudo o que<br />

Samuel Úria foi<br />

lançando ao longo<br />

<strong>de</strong> anos em edições<br />

obscuras, CD-Rs e<br />

compilações, por<br />

tudo o que se lhe foi vendo em ví<strong>de</strong>os<br />

no YouTube ou ao vivo, o seu disco<br />

oficial <strong>de</strong> estreia tornou-se uma das<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Samuel Úria: não é um disco <strong>de</strong> bala<strong>de</strong>iro, é disco <strong>de</strong> quem<br />

ouviu tudo e não quer ser encalacrado num canto<br />

peças mais aguardadas <strong>de</strong> 2009. Ele<br />

tem consciência disso – não é por<br />

acaso que começa “Nem Lhe Tocava”<br />

com uma longa faixa solitária à<br />

guitarra acústica em que anuncia que<br />

“se isto fosse fácil eu não o fazia”,<br />

enquanto a guitarra faz uma <strong>de</strong>scida<br />

perfeita, e <strong>de</strong>pois remata “se fosse<br />

difícil nem lhe tocava”. A faixa,<br />

homónima ao disco, é um epitáfio<br />

prévio: fala no privilégio <strong>de</strong> “ter um<br />

disco falhado”, ou <strong>de</strong> dar “alguns<br />

meios tons ao lado”, anunciando que<br />

“não há maior risco que ser<br />

antecipado”. E para acabar Úria<br />

<strong>de</strong>fine-se como um “beirão no<br />

Chiado” e prevê vir a “ser meia<br />

estrela em crise”. Admira-se a lata e a<br />

canção, sendo que até aqui isto é a<br />

essência do que conhecíamos a Úria:<br />

guitarrista <strong>de</strong> eleição, <strong>de</strong> voz<br />

colocada mas expressiva e senhor <strong>de</strong><br />

pena laminar. Mas daí para a frente<br />

ele empenha-se em <strong>de</strong>siludir quem<br />

esperava um disco <strong>de</strong> bala<strong>de</strong>iro,<br />

chegando mesmo a dizer “Não sou eu<br />

sou bala<strong>de</strong>iro” em “Fel”, um honkytonk<br />

à Hank Willliams, com solo <strong>de</strong><br />

duas notas, órgão Hammond e coros.<br />

Em “Não arrastes o meu caixão”<br />

transforma-se num Nick Cave do<br />

tango, na extraordinária “Teimoso”<br />

ensaia um falsete à Prince com<br />

catarro, enquanto anuncia “Eu nunca<br />

fui do prog-rock” por entre solos<br />

glam-soul e <strong>de</strong>lírios <strong>de</strong> órgão à<br />

Booker T. “No Cover” volta ao tango,<br />

com acor<strong>de</strong>ão e imitação <strong>de</strong> Vitorino,<br />

enquanto em “Lamentação” vai ao<br />

western, incluindo mesmo uma parte<br />

<strong>de</strong> sedução falada à Elvis. E ainda tem<br />

tempo para o gospel, na lindíssima e<br />

comovente “Império”. Não é um<br />

disco <strong>de</strong> bala<strong>de</strong>iro, é disco <strong>de</strong> quem<br />

ouviu tudo e não quer ser<br />

encalacrado num canto, preferindo<br />

disparar para todos os lados. E o<br />

melhor <strong>de</strong> tudo: acerta sempre.<br />

R <strong>de</strong><br />

reconstrução<br />

Depois <strong>de</strong> meses nas páginas<br />

dos jornais pelas piores<br />

razões, Rihanna reconstróise,<br />

como pessoa e cantora,<br />

num álbum <strong>de</strong> canções<br />

sombrias. Vítor Belanciano<br />

Rihanna<br />

Rated R<br />

Def Jam, distri. Universal<br />

mmmmn<br />

Rihanna: uma das cantoras mais estimulantes<br />

a operar no centro do mercado<br />

Na foto da capa aparece a tapar um<br />

dos olhos preparando-nos para o


que se segue. O<br />

quarto álbum <strong>de</strong><br />

Rihanna surge nove<br />

meses <strong>de</strong>pois do<br />

ex-namorado, o<br />

cantor Chris Brown,<br />

a ter agredido, provocando-lhe<br />

várias escoriações.<br />

O disco não se reporta<br />

especificamente a esses<br />

acontecimentos, mas não os ignora.<br />

Há separações e paixões <strong>de</strong>strutivas<br />

mas sem o sentimentalismo habitual<br />

nas cantoras do mesmo espectro.<br />

Não é surpreen<strong>de</strong>nte.<br />

Basta ouvir o anterior álbum,<br />

“Good Girl Gone Bad” (2007), para<br />

perceber que as canções <strong>de</strong> Rihanna<br />

abordam emoções complexas sem<br />

as reduzir a uma só dimensão ou à<br />

vulgar caricatura sexual. Do ponto<br />

<strong>de</strong> vista sónico esse disco constituía<br />

uma agradável surpresa, com<br />

algumas encenações digitalizadas a<br />

ficarem na história dos sucessos pop<br />

<strong>de</strong>sta década, como “Umbrella”, a<br />

canção on<strong>de</strong> Jay-Z, que a<br />

apadrinhou, também canta.<br />

Mas “Rated R” vai mais longe, em<br />

todos os sentidos. Dificilmente será<br />

disco para consensos. Parece<br />

ocupar, como “808s & HHea<br />

Hearbreak” earb rbreak”<br />

<strong>de</strong> Kanye West, um<br />

m<br />

lugar <strong>de</strong><br />

mudança,<br />

expresso por o<br />

uma<br />

sonorida<strong>de</strong><br />

suja e pel pelo elo<br />

Kurt Vile: um novo cantor<br />

da velha América<br />

O disco fi ca a milhas do espantoso e comovente<br />

“teatro” que é Tom Waits ao vivo<br />

<strong>de</strong>sconforto que percorre a maior or<br />

parte das canções.<br />

Ao contrário <strong>de</strong> Beyoncé, que<br />

actua com uma banda constituída da<br />

por mulheres, Rihanna ro<strong>de</strong>ia-se e <strong>de</strong><br />

homens, entre compositores e<br />

produtores, como Justin Timberlake, lake,<br />

The-Dream, Ne-Yo, Will.I.Am ou os<br />

Chase & Status.<br />

Nada disto interessaria se a música úsica<br />

fosse uma <strong>de</strong>silusão, mas não é, com<br />

Rihanna – ironia? – movendo-se por<br />

entre elementos <strong>de</strong> linguagens<br />

conotadas com públicos masculinos, nos, próxima da morte que o original em<br />

no limite do machismo, como os<br />

disco; “Goin’Out West”, West” em<br />

solos <strong>de</strong> guitarra do rock mais ameaçadora. Dela diríamos que rockabilly <strong>de</strong>mencial; a lindíssima<br />

pesado (“Rockstar 101”), o balanço representa um ponto <strong>de</strong> encontro “Lucky Day”(ao piano);<br />

digital do dancehall jamaicano imaginário entre os Stooges, Nick “Metropolitan Gli<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>sconjunção<br />

(“Ru<strong>de</strong> boy”), as batidas do hip-hop Cave e os My Bloody Valentine. Mas milimétrica aplicada a um esqueleto<br />

mais gorduroso (“Hard“) ou os acrescentamos que Vile tê-la<br />

blues que <strong>de</strong>scamba em funk com<br />

ambientes turvos do dubstep inglês imaginado <strong>de</strong>sta forma é bem mais tétano. Mas apesar <strong>de</strong> tudo, o disco<br />

(“Wait your turn”).<br />

importante que o peso das<br />

fica a milhas daquele espantoso e<br />

É um álbum que a reafirma como referências. M.L.<br />

comovente espectáculo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção<br />

uma das cantoras mais estimulantes<br />

e morte. Deus guar<strong>de</strong> Tom Waits<br />

a operar no centro do mercado. Se<br />

Beyoncé se afirmou, nesta década,<br />

como a nova estrela planetária da<br />

pop, Rihanna surge como o espelho<br />

<strong>de</strong>formado da protectora. Alguém<br />

que, a cada disco, contribui para<br />

Tom Waits<br />

Glitter and Doom – Live<br />

Anti; distri. E<strong>de</strong>l<br />

mmmmn<br />

para muitas digressões mais. J. B.<br />

Wild Beasts<br />

Two Dancers<br />

Domino, distri. E<strong>de</strong>l<br />

transformar a música que vamos<br />

ouvindo nas tabelas dos mais<br />

Apesar da provecta<br />

ida<strong>de</strong>, epifanias só<br />

mmmmn<br />

vendidos.<br />

nos aconteceu uma O ano passado,<br />

vez nesta vida, em quando se<br />

A convulsão<br />

psicadélica<br />

psicadélica<br />

e Kurt Vile<br />

Julho do ano<br />

passado, no<br />

concerto <strong>de</strong> Tom Waits ao vivo em<br />

Milão. Porque <strong>de</strong> repente se tornou<br />

óbvio que aquilo era muito mais que<br />

um concerto: o palco, montado<br />

estrearam<br />

com<br />

Kurt Vile<br />

Childish Prodigy<br />

Matador; distri. Popstock<br />

mmmmn<br />

como “junkyard” surrealista, o jogo<br />

<strong>de</strong> luzes, as caras <strong>de</strong> Waits, tudo isto<br />

converteu a sala numa paisagem <strong>de</strong><br />

Americana ferrugenta, um teatro<br />

grotesco mas profundamente<br />

humano, em que Waits ora se<br />

transformava em monstro ora em<br />

vagabundo recolector da<br />

quinquilharia esquecida do reverso<br />

Wild Beasts: canções com menos rímel<br />

do que no primeiro disco<br />

A culpa das<br />

falhado dos EUA: era o teatro do<br />

piadinhas que ele<br />

pesa<strong>de</strong>lo americano servido por<br />

ouvirá é da família.<br />

uma máquina <strong>de</strong> trambolhões<br />

Kurt Vile chama-se musicais, mas americanos somos<br />

mesmo Kurt Kurt Vile e hoje todos e cair caímos todos. Por<br />

não há odor e<br />

isso as primeiras audições <strong>de</strong> “Glitter<br />

balanço <strong>de</strong> República <strong>de</strong> Weimar na and Doom”, o CD relativo à<br />

sua música. Tem uma banda, War digressão (que contém um segundo<br />

On Drugs, mas isso agora é passado.<br />

disco com as habituais histórias <strong>de</strong><br />

Des<strong>de</strong> que começou a editar a solo,<br />

Waits) foram uma <strong>de</strong>silusão: era<br />

em gravações caseiras on<strong>de</strong> ecos do como quem ouve a banda-sonora do<br />

blues se elevavam em nuvem sónica, seu filme preferido e se sente órfão<br />

percebeu-se que Vile andava perdido<br />

das imagens. Foi preciso <strong>de</strong>ixar o<br />

num grupo <strong>de</strong> nome tenebroso.<br />

concerto <strong>de</strong>saparecer da cabeça<br />

“Childish Prodigy”, a sua estreia para dar valor ao disco: centrado em<br />

pela Matador, que será apresentada<br />

toda a música manca que Waits<br />

em Portugal, na próxima semana, editou após “Swordfishtrombones”,<br />

em concertos no Porto Porto e em <strong>Lisboa</strong> <strong>Lisboa</strong> “Glitter and Doom” é uma<br />

[ver roteiro], revela um novo cantor<br />

impressionante viagem por quase-<br />

da velha América. Há na sua música polkas, valsas com os passos<br />

uma convulsão psicadélica<br />

trocados, funk com hematomas,<br />

constante (tanto “Barretteana”<br />

blues ferrugentos, vau<strong>de</strong>ville<br />

quanto “Valentineana”), um eco<br />

bêbado, R&B gótico, tudo feito com<br />

profundo que atira o blues acústico<br />

recurso a instrumentos cujo nome<br />

<strong>de</strong> “Heart attack” para território os seus próprios inventores<br />

misterioso, animista, e um turbilhão esqueceram. Há faixas<br />

que faz <strong>de</strong> “Hunchback”<br />

extraordinárias, como “Dirt in the<br />

perversida<strong>de</strong> rock’n’roll animada ground”, mais triste que nunca, <strong>de</strong><br />

por voz <strong>de</strong> pregador pregador e riffalhada<br />

uma contenção imensa, mais<br />

“Limbo, Panto”, os<br />

ingleses Wild Beasts<br />

expunham uma<br />

sonorida<strong>de</strong> rock<br />

barroca arrebatada,<br />

sublinhada pelo<br />

falsete do vocalista Hay<strong>de</strong>n Thorpe.<br />

Um ano <strong>de</strong>pois não se po<strong>de</strong> dizer<br />

que tenham mudado radicalmente,<br />

mas há transformações, e para<br />

muito melhor. Vocalmente há<br />

modificações: os meneios vocais <strong>de</strong><br />

Thorpe são menos teatrais e, em<br />

alguns temas, é mesmo o baixista<br />

Tom Fleming quem assume a<br />

li<strong>de</strong>rança vocal. Sonicamente<br />

também estão diferentes. As canções<br />

per<strong>de</strong>ram o rímel do primeiro disco,<br />

apresentando-se mais fluidas,<br />

organizadas e directas. E o resultado<br />

é um dos álbuns mais consistentes<br />

<strong>de</strong>ste final <strong>de</strong> ano no campo poprock.<br />

As guitarras têm algo <strong>de</strong><br />

Talking Heads e Orange Juice, o<br />

balanço rítmico evoca o funk que<br />

também era rock do pós-punk e a<br />

voz <strong>de</strong> Thorpe tem qualquer coisa<br />

<strong>de</strong> Billy Mackenzie dos Associates.<br />

Mas mesmo colando todos estes<br />

pedaços nunca ace<strong>de</strong>remos<br />

inteiramente a canções como<br />

“Hooting & howling”,<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 49


50 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Discos<br />

“All the king’s men”, “This is our<br />

lot” ou “Two dancers II”. Há<br />

qualquer coisa <strong>de</strong> ambíguo, <strong>de</strong> não<br />

resolvido por aqui, talvez uma<br />

combinação improvável <strong>de</strong> alteza e<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>, que transforma a<br />

audição <strong>de</strong> “Two Dancers” numa<br />

fascinante <strong>de</strong>scoberta. V.B.<br />

Robbie Williams<br />

Reality Killed The Ví<strong>de</strong>o Star<br />

EMI<br />

mnnnn<br />

O gran<strong>de</strong> tesouro da<br />

obra da Robbie<br />

Williams é Robbie<br />

Williams: gostandose<br />

das suas canções<br />

ou tendo-se a<br />

mínima sensatez <strong>de</strong> não as suportar,<br />

admira-se o seu jeito raro para<br />

“<strong>de</strong>sfraldar a frau<strong>de</strong>”. Isto é:<br />

Williams está sempre a dizer “Eu sou<br />

uma frau<strong>de</strong>” e ao dizê-lo <strong>de</strong>ixamos<br />

<strong>de</strong> o ver como a frau<strong>de</strong> que<br />

musicalmente é para o apreciarmos<br />

como um “showman” que a sabe<br />

toda. Na prática isto permitiu-lhe<br />

fazer-nos rir sempre com o seu<br />

ridículo (pessoal ou <strong>de</strong> persona), ao<br />

mesmo tempo que esquecíamos o<br />

ridículo da sua música. Agora,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uns tropeções comerciais,<br />

Williams quer voltar a <strong>de</strong>monstrar<br />

que manda no jogo da pop<br />

camaleónica, o que se nota logo à<br />

partida no título, “Reality Killed The<br />

Ví<strong>de</strong>o Star”: é como se, novamente,<br />

admitisse que nunca passou <strong>de</strong><br />

estrela <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o (e não <strong>de</strong> música) e<br />

que entretanto a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubou<br />

essa falsa carapaça do estrelato. É<br />

também uma piada a Trevor Horn, o<br />

ex-Buggles que lhe produz o disco e<br />

tenta todo o tipo <strong>de</strong> truques para<br />

tornar estas canções orelhudas.<br />

Enche “Morning Sun”, uma<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Joana<br />

Carneiro põe<br />

a dançar a<br />

Orquestra<br />

Gulbenkian,<br />

que parece<br />

estar a tocar<br />

música que<br />

lhe assenta<br />

às mil<br />

maravilhas<br />

baladucha ao piano, <strong>de</strong> cordas<br />

grandiosas e na segunda parte da<br />

canção coloca uma viragem<br />

Beatlesca; as cordas voltam a<br />

aparecer em “Bodies”, que começa<br />

como electro-bosta para se tornar<br />

em bosta empolada; e no rock <strong>de</strong><br />

“Do you mind” lá estão elas <strong>de</strong> novo,<br />

as cordas grandiosas, indiscreto<br />

elefante numa loja <strong>de</strong> fancaria para<br />

novos-ricos. Canção a canção os<br />

truques acabam por parecer o que<br />

são: truques, maquilhagem que<br />

disfarça a acne mas não trata a pele.<br />

E Williams soa a um Elton John com<br />

vergonha <strong>de</strong> ser parolo, um Mika a<br />

esforçar-se por ter dignida<strong>de</strong>. Uma<br />

frau<strong>de</strong>, portanto. J. B.<br />

Clássica<br />

No tempo<br />

certo<br />

Não se trata <strong>de</strong> “actualizar”<br />

Tchaikovsky à força - é algo<br />

<strong>de</strong> mais exigente: <strong>de</strong>scobrir<br />

nas qualida<strong>de</strong>s da própria<br />

música as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> a<br />

tornar actual. Pedro Boléo<br />

Joana Carneiro<br />

Orquestra Gulbenkian<br />

Tchaikovsky<br />

Romeu e Julieta Abertura-Fantasia<br />

em si menor<br />

Robbie Williams: os truques acabam por parecer o que são, truques<br />

O Lago dos Cisnes Suite, op. 20a<br />

O Quebra-Nozes Suite, op. 71a<br />

mmmmn<br />

O primeiro disco <strong>de</strong><br />

Joana Carneiro é<br />

uma surpresa. Em<br />

primeiro lugar<br />

porque é um disco<br />

<strong>de</strong>dicado<br />

inteiramente a Tchaikovsky, num<br />

momento em que ela anda a dirigir e<br />

a programar muita música<br />

contemporânea na Sinfónica <strong>de</strong><br />

Berkeley. Mas há neste disco uma<br />

sensibilida<strong>de</strong> contemporânea na<br />

forma <strong>de</strong> abordar estas peças arquifamosas<br />

<strong>de</strong> Tchaikovsky. Joana<br />

conhece bem os bailados <strong>de</strong><br />

Stravinsky, e quando volta a<br />

Tchaikovsky já não esquece o legado<br />

mo<strong>de</strong>rnista. Depois da experiência<br />

na Filarmónica <strong>de</strong> Los Angeles com<br />

o maestro finlandês Esa-Pekka<br />

Salonen, parece ter um à-vonta<strong>de</strong><br />

enorme com qualquer música.<br />

A segunda surpresa é que uma<br />

maestrina <strong>de</strong> 33 anos consegue fazer<br />

<strong>de</strong> repertório bem conhecido uma<br />

interpretação <strong>de</strong> uma maturida<strong>de</strong> e<br />

profundida<strong>de</strong> invulgares. Em<br />

“Romeu e Julieta” (Abertura-<br />

Fantasia), consegue tecer todo o<br />

drama shakespeariano (numa visão<br />

romântica, é claro) com opções<br />

simples. É isso que este disco tem <strong>de</strong><br />

especial. A novida<strong>de</strong> da visão <strong>de</strong><br />

Tchaikovksy não está no aspecto<br />

exterior mais superficial, nem em<br />

gran<strong>de</strong>s alaridos vazios, nem em<br />

acrescentar sentimentalismo ao<br />

compositor russo. Joana Carneiro<br />

procura <strong>de</strong>ntro da música, <strong>de</strong>ntro<br />

das melodias conhecidas, não com<br />

mais espalhafatos, mas faz um<br />

intenso trabalho no interior do som.<br />

Extraordinária noção dos tempos e<br />

das respirações, sempre<br />

espantosamente correctos, elevada<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ligar as vozes e tornálas<br />

claras, articulações precisas e<br />

eloquentes, um trabalho rigoroso<br />

sobre a “espacialida<strong>de</strong>” (<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem<br />

o som, coisa que um disco permite<br />

trabalhar em <strong>de</strong>talhe). Percorre o<br />

disco uma energia contagiante e uma<br />

viva noção da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pôr em<br />

evidência os contrastes da música do<br />

compositor russo (em especial nos<br />

nove números da suite <strong>de</strong> O Lago dos<br />

Cisnes). E a dança, é claro.<br />

Joana Carneiro põe a dançar a<br />

Orquestra Gulbenkian, que parece<br />

estar a tocar música que lhe assenta<br />

às mil maravilhas. Cada instrumento<br />

solista brilha nesta gravação (vejamse<br />

por exemplo os belos solos das<br />

cordas em “Pas D’action” <strong>de</strong> “O Lago<br />

dos Cisnes”), e suspeito que não é só


pela gran<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> dos músicos<br />

da Gulbenkian, mas porque Joana<br />

Carneiro trouxe uma visão fresca e<br />

rigorosamente estudada <strong>de</strong>stas peças<br />

<strong>de</strong> Tchaikovsky e as soube passar à<br />

orquestra.<br />

Um disco <strong>de</strong>stes é também uma<br />

tentativa comercial (em tempo <strong>de</strong><br />

dúvidas e dificulda<strong>de</strong>s para o formato<br />

CD) que não é disparatada. Música<br />

conhecida, é certo, mas com uma<br />

jovem maestrina <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> talento e<br />

i<strong>de</strong>ias fortes, capaz <strong>de</strong> fazer ouvir<br />

coisas novas em obras antigas. Quem<br />

ouvir este disco não <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> se<br />

espantar com o que ainda não sabia<br />

<strong>de</strong> Tchaikovsky, cujo “melos” não<br />

tem <strong>de</strong> ser “meloso”. O brilho <strong>de</strong> uma<br />

música com século e meio tem <strong>de</strong> ser<br />

reavivado por gente como Joana<br />

Carneiro, que lhe tira o pó e <strong>de</strong>scobre<br />

o que está vivo na música doutros<br />

tempos. Não se trata <strong>de</strong> “actualizar”<br />

Tchaikovsky à força - é algo <strong>de</strong> mais<br />

simples e mais exigente: <strong>de</strong>scobrir<br />

nas qualida<strong>de</strong>s da própria música as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> a tornar actual. O<br />

amor e as danças <strong>de</strong> Tchaikovsky têm<br />

ainda essas possibilida<strong>de</strong>s. Como se<br />

vê neste disco, no tempo certo.<br />

Jazz<br />

A jazzar nos<br />

cartoons<br />

O veterano contrabaixista<br />

<strong>de</strong>sconstrói temas clássicos<br />

<strong>de</strong> séries para os mais novos.<br />

Nuno Catarino<br />

Zé Eduardo Unit<br />

Live In Capuchos<br />

Clean Feed / distr. Trem Azul<br />

mmmmn<br />

O contrabaixista Zé Eduardo teve<br />

Espaço<br />

Público<br />

papel inigualável<br />

na pedagogia e<br />

divulgação do jazz<br />

em Portugal.<br />

Fundador da<br />

escola <strong>de</strong> jazz do<br />

Hot Clube, esteve presente em<br />

diversos momentos-chave do jazz<br />

português, como o primeiro disco<br />

<strong>de</strong> jazz editado em Portugal<br />

(“Malpertuis”, <strong>de</strong> Rão Kyao, em<br />

1976) ou passagens pelas primeiras<br />

edições do Cascais Jazz. No entanto,<br />

a esparsa discografia não reflecte a<br />

sua verda<strong>de</strong>ira relevância como<br />

contrabaixista e compositor. Nos<br />

últimos anos, tem tentado<br />

compensar este facto editando os<br />

seus projectos mais recentes,<br />

nomeadamente o trio Unit – com os<br />

álbuns “A Jazzar no <strong>Cinema</strong><br />

Português” (2002) e “A Jazzar no<br />

Zeca” (2004) – e um quarteto coli<strong>de</strong>rado<br />

com o americano Jack<br />

Walrath (“Bad Guys”, 2005). Neste<br />

novo disco gravado ao vivo no<br />

Convento dos Capuchos, em<br />

Almada, o trio <strong>de</strong> Zé Eduardo<br />

transforma temas bem conhecidos<br />

(particularmente os genéricos <strong>de</strong><br />

“cartoons”) em originais versões<br />

jazz. Desengane-se quem espere<br />

encontrar simples “covers” ou<br />

interpretações lineares das<br />

melodias. A virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta música<br />

está no metódico trabalho <strong>de</strong><br />

arranjos, que subverte e transforma<br />

cada composição numa música<br />

nova. Temas como “Abelha Maia”,<br />

“Dartacão” ou “Noddy” (curiosas<br />

escolhas) são alguns dos temas em<br />

causa, mas Zé Eduardo vai adiando<br />

ao ouvinte o prazer <strong>de</strong> reconhecer<br />

as melodias, que apenas surgem a<br />

espaços, fruto <strong>de</strong> complexo<br />

processo <strong>de</strong> reinvenção.<br />

Além <strong>de</strong>stas, o trio adultera<br />

também composições mais “sérias”,<br />

como o revolucionário “Grândola”<br />

ou a emotiva “Balada da Rita”<br />

(Sérgio Godinho). Jesus Santandreu<br />

(saxofone) e Bruno Pedroso (bateria)<br />

“In the Gar<strong>de</strong>ns of the<br />

North”, dos Sleeping<br />

States, é um livro <strong>de</strong> cariz<br />

fi losófi co adaptado para<br />

ro<strong>de</strong>la sonora, capaz<br />

<strong>de</strong> tocar a alma com<br />

a sensibilida<strong>de</strong><br />

literária <strong>de</strong><br />

tempos antigos<br />

e <strong>de</strong> arrastar,<br />

cada um dos<br />

cinco sentidos,<br />

para o lado físico<br />

e natural da<br />

A Zé Eduardo Unit transforma genéricos<br />

<strong>de</strong> “cartoons” em originais versões jazz<br />

são óptimos parceiros para o<br />

contrabaixista, conseguindo um<br />

bom envolvimento, perfeitos a<br />

respon<strong>de</strong>r aos tempos específicos<br />

<strong>de</strong> cada tema. O trio <strong>de</strong> Zé Eduardo<br />

<strong>de</strong>senvolve uma música<br />

música. Algo que não será<br />

<strong>de</strong> estranhar numa<br />

banda que diz ter,<br />

como inspirações,<br />

nomes como W.G.<br />

Sebald e Franz<br />

Kafka. Arriscaria<br />

dizer que se trata<br />

<strong>de</strong> uma viagem<br />

individual<br />

através <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>serto imenso,<br />

na busca <strong>de</strong><br />

uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

eminentemente angulosa, mas<br />

capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressa estabelecer uma<br />

relação <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> com o<br />

ouvinte, e possuindo ainda um raro<br />

– e muito apreciável - sentido <strong>de</strong><br />

humor.<br />

que nos faça habitantes<br />

<strong>de</strong> corpo inteiro <strong>de</strong>ste<br />

planeta. Não uma viagem<br />

turística com indicação<br />

roteiresca <strong>de</strong> locais a<br />

não per<strong>de</strong>r, antes um<br />

mergulho na natureza<br />

em jeito <strong>de</strong> introspecção<br />

e <strong>de</strong>scoberta. 8.5 jardins<br />

(em 10) cobertos <strong>de</strong> fl ores.<br />

Pedro Miguel Silva,<br />

Técnico <strong>de</strong> Comunicação,<br />

35 anos, Blog: http://fuscolusco.blogspot.com<br />

Jazz,<br />

flamenco<br />

& cia.<br />

Perico Sambeat<br />

Flamenco Big Band<br />

Verve / Universal<br />

mmmnn<br />

Quando se<br />

pensa em<br />

combinar música<br />

espanhola com<br />

jazz versão “big<br />

band” é<br />

inevitável a referência ao clássico<br />

“Sketches of Spain” <strong>de</strong> Miles Davis.<br />

Essa fusão, fruto da brilhante<br />

orquestração <strong>de</strong> Gil Evans, é<br />

intemporal. O saxofonista espanhol<br />

Perico Sambeat arriscou neste<br />

novo disco experiência semelhante.<br />

Ao tentar fazer a ponte entre o<br />

flamenco e o jazz, assumiu o leme<br />

<strong>de</strong> um barco <strong>de</strong> difícil nevegação. Os<br />

pontos em comum entre os<br />

géneros são poucos e à partida a<br />

tarefa não seria fácil. Além do<br />

saxofone alto (do qual é um<br />

excelente executante),<br />

Perico Sambeat assume neste<br />

projecto a direcção e orquestrações.<br />

A base sonora é jazzística,<br />

um tecido instrumental aberto<br />

que funciona como base maleável<br />

sobre a qual se juntam vozes e<br />

guitarras. Apesar do esforço<br />

<strong>de</strong> colagem, há uma evi<strong>de</strong>nte<br />

separação entre os estilos, que<br />

efectivamente não se fun<strong>de</strong>m<br />

mas co-existem em<br />

paralelo – e em harmonia.<br />

Ainda que esteja longe<br />

<strong>de</strong> um Gil Evans, esta música é<br />

dinâmica e tem uma efusiva<br />

vivacida<strong>de</strong>. Destaque-se ainda a<br />

participação do pianista<br />

português Bernardo Sassetti entre<br />

os músicos convidados<br />

do projecto. N.C.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 51


REUTERS/CORBIS<br />

Livros<br />

52 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Biografia<br />

Um enigma<br />

chamado<br />

Hitler<br />

O principal mérito da obra<br />

<strong>de</strong> Kershaw resi<strong>de</strong> numa<br />

série <strong>de</strong> interpretações<br />

sugestivas para as gran<strong>de</strong>s<br />

perplexida<strong>de</strong>s suscitadas<br />

por Hitler e o III Reich.<br />

Pedro Aires Oliveira<br />

Hitler. Uma biografia<br />

Ian Kershaw<br />

Dom Quixote<br />

mmmmn<br />

Em meados da<br />

década <strong>de</strong> 90, o<br />

historiador John<br />

Lukacs estimou<br />

em mais <strong>de</strong> 100 as<br />

biografias<br />

<strong>de</strong>dicadas a Hitler<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fim da<br />

II Guerra<br />

Mundial, algo<br />

que acabaria<br />

mesmo por<br />

motivá-lo a<br />

escrever um<br />

ensaio<br />

inteiramente<br />

consagrado a<br />

esse filão<br />

historiográfico<br />

(“O Hitler da<br />

História”,<br />

1997).<br />

Mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />

anos volvidos,<br />

o ensaio <strong>de</strong><br />

Lukacs bem<br />

A monumental biografi a <strong>de</strong> Ian Kershaw procura<br />

esclarecer como foi possível a um <strong>de</strong>magogo <strong>de</strong> cervejaria ascen<strong>de</strong>r<br />

à li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> um dos estados mais sofi sticados da Europa<br />

merecia uma a<strong>de</strong>nda, <strong>de</strong> tal forma<br />

notável tem sido o crescimento dos<br />

estudos biográficos centrados no<br />

ditador alemão ou em aspectos das<br />

suas políticas, assim como as<br />

polémicas suscitadas por algumas<br />

<strong>de</strong>ssas obras, <strong>de</strong>ntro e fora da<br />

aca<strong>de</strong>mia (é o caso dos recentes<br />

processos judiciais que envolveram<br />

o historiador revisionista britânico<br />

David Irving, ou das teses <strong>de</strong> Daniel<br />

J. Goldhagen sobre o Holocausto e a<br />

responsabilida<strong>de</strong> colectiva dos<br />

alemães).<br />

Na última década, todavia, a obra<br />

que maior notorieda<strong>de</strong> alcançou,<br />

tanto junto do público como da<br />

crítica especializada, foi,<br />

indiscutivelmente, a biografia em<br />

dois volumes assinada pelo<br />

historiador britânico Ian Kershaw:<br />

“Hitler, 1889-1936: Hubris” (1998) e<br />

“Hitler, 1936-2000: Nemesis”<br />

(2000). Pelo seu fôlego<br />

interpretativo e impecável erudição,<br />

os dois volumes originais foram<br />

quase universalmente aclamados<br />

como a biografia <strong>de</strong> referência <strong>de</strong><br />

Hitler, estatuto que até então nunca<br />

havia sido reconhecido às obras <strong>de</strong><br />

outros autores conceituados, como<br />

Alan Bullock, John Toland ou<br />

Joachim Fest. É a versão con<strong>de</strong>nsada<br />

<strong>de</strong>sses dois volumes que agora chega<br />

até nós, sob a chancela da Dom<br />

Quixote/Leya.<br />

Num terreno tão esquadrinhado<br />

como a história do Nacional-<br />

Socialismo, dificilmente se<br />

esperariam revelações sensacionais<br />

sobre a figura <strong>de</strong> Hitler. É verda<strong>de</strong><br />

que nos últimos anos alguma<br />

documentação inédita (os<br />

apontamentos <strong>de</strong> Himmler ou os<br />

diários completos <strong>de</strong> Goebbels, por<br />

exemplo) tem ajudado os<br />

historiadores a suprir lacunas, mas<br />

não é por aí que a biografia <strong>de</strong><br />

Kershaw justifica os elogios <strong>de</strong> que<br />

foi alvo. O seu principal mérito<br />

resi<strong>de</strong> na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecer<br />

uma série <strong>de</strong> interpretações<br />

sugestivas para as gran<strong>de</strong>s<br />

perplexida<strong>de</strong>s<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

suscitadas por Hitler e o III Reich.<br />

Como foi possível a um <strong>de</strong>magogo<br />

<strong>de</strong> cervejaria ascen<strong>de</strong>r à li<strong>de</strong>rança<br />

<strong>de</strong> um dos estados mais sofisticados<br />

da Europa? Como é que a socieda<strong>de</strong><br />

alemã se <strong>de</strong>ixou hipnotizar pela sua<br />

i<strong>de</strong>ologia e o seguiu fanaticamente<br />

até ao abismo? Porque foram tão<br />

débeis as tentativas <strong>de</strong> resistência ao<br />

seu projecto quando este ainda não<br />

se encontrava consolidado?<br />

Um dos aspectos mais<br />

conseguidos da abordagem <strong>de</strong><br />

Kershaw pren<strong>de</strong>-se com o seu<br />

cuidado em nunca per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a<br />

relação instável entre as<br />

possibilida<strong>de</strong>s das acções dos<br />

indivíduos, por um lado, e os limites<br />

impostos por forças mais impessoais<br />

(aquilo que no jargão das ciências<br />

sociais é conhecido como o binómio<br />

“agência/estrutura”), por outro.<br />

Como o autor escreveu na<br />

introdução ao primeiro volume da<br />

edição inglesa, a carreira <strong>de</strong> Hitler<br />

parece ilustrar <strong>de</strong> forma exemplar a<br />

famosa sentença <strong>de</strong> Marx, segundo a<br />

qual os homens fazem a sua própria<br />

história, mas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certas<br />

condições.<br />

É essa perspectiva que lhe permite<br />

superar a dicotomia enganadora<br />

sugerida pela querela entre<br />

“intencionalistas” (para quem a<br />

história do nazismo po<strong>de</strong>ria ser<br />

escrita como a execução das<br />

intenções i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong> Hitler) e<br />

“funcionalistas” (que vêem Hitler<br />

como um “ditador fraco”, porque<br />

manietado pelo “funcionamento” <strong>de</strong><br />

um caótico sistema <strong>de</strong> governo). Em<br />

alternativa, Kershaw propõe uma<br />

síntese em que as responsabilida<strong>de</strong>s<br />

pessoais <strong>de</strong> Hitler na governação do<br />

regime e na formulação e<br />

implementação das suas políticas<br />

estão bem <strong>de</strong>limitadas, sem que isso<br />

apague a importância das dinâmicas<br />

geradas pelas estruturas do po<strong>de</strong>r<br />

nacional-socialista.<br />

Segundo Kershaw, é altamente<br />

improvável que sem Hitler a história<br />

da Alemanha levasse a direcção que<br />

levou após 1933: nenhum dos seus<br />

sequazes reunia os atributos que lhe<br />

permitiram assumir a li<strong>de</strong>rança<br />

incontestada do movimento<br />

nacional-socialista, e, num segundo<br />

momento, capturar as alavancas do<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Estado. Kershaw recorre ao<br />

sociólogo Max Weber e ao seu<br />

conceito <strong>de</strong> “autorida<strong>de</strong><br />

carismática” para explicar os laços<br />

<strong>de</strong> natureza quase mística que Hitler<br />

forjou com os alemães. Tendo feito a<br />

sua aparição numa conjuntura<br />

especialmente dramática da história<br />

germânica, Hitler foi capaz <strong>de</strong><br />

articular uma visão que respondia a<br />

anseios e expectativas <strong>de</strong> amplos<br />

segmentos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o<br />

culto <strong>de</strong> figuras “heróicas” estava há<br />

muito enraizado.<br />

As componentes essenciais da<br />

Weltanschauung (cosmovisão)<br />

hitleriana eram a “remoção” dos<br />

ju<strong>de</strong>us da comunida<strong>de</strong> nacional, um<br />

anti-comunismo virulento, a procura<br />

<strong>de</strong> um “espaço-vital” para a nação<br />

alemã, e a explicação do <strong>de</strong>vir<br />

histórico a partir da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

confronto racial. Para reencontrar a<br />

sua coesão, a nação alemã teria <strong>de</strong><br />

expulsar os elementos “impuros” e<br />

“malignos”; a partir <strong>de</strong> então, o<br />

caminho para a re<strong>de</strong>nção estaria<br />

aberto. O facto <strong>de</strong> Hitler ter sempre<br />

mantido um certo grau <strong>de</strong><br />

imprecisão acerca <strong>de</strong>stas noções (e<br />

das suas implicações directas) não é<br />

suficiente para exonerar os alemães<br />

que colaboraram com o regime das<br />

suas responsabilida<strong>de</strong>s morais - o<br />

extermínio em massa dos ju<strong>de</strong>us<br />

po<strong>de</strong>rá apenas ter sido<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado após 1941, mas as<br />

manifestações públicas <strong>de</strong> antisemitismo<br />

adquiriram contornos<br />

selváticos logo após a chegada <strong>de</strong><br />

Hitler ao po<strong>de</strong>r. Como observou um<br />

dia a escritora Christa Wolf,<br />

qualquer alemão que quisesse<br />

inteirar-se sobre a barbarida<strong>de</strong> do<br />

regime nacional-socialista teria<br />

apenas <strong>de</strong> ler os jornais.<br />

Na verda<strong>de</strong>, a biografia <strong>de</strong><br />

Kershaw <strong>de</strong>monstra como seria<br />

ilusório reduzir o nazismo ao<br />

hitlerismo. A dominação <strong>de</strong> Hitler<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>u da propensão dos<br />

alemães para lhe reconhecerem<br />

qualida<strong>de</strong>s heróicas, se<br />

i<strong>de</strong>ntificarem com o seu projecto<br />

re<strong>de</strong>ntor e renunciarem à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

qualquer espécie <strong>de</strong> limitação legal<br />

ou institucional ao po<strong>de</strong>r do Führer.<br />

No seu estilo distante, Hitler presidia<br />

a um regime em que a anarquia<br />

burocrática era a lei. As mesmas<br />

tarefas estavam muitas vezes<br />

adjudicadas a <strong>de</strong>partamentos<br />

distintos, o que favorecia uma<br />

competição <strong>de</strong>senfreada para ver<br />

quem melhor conseguia cumprir a<br />

“visão do Führer”. Daqui resultaram<br />

certas iniciativas que, inspiradas ou<br />

sugeridas por Hitler, pareciam<br />

<strong>de</strong>pois adquirir uma dinâmica<br />

própria, como foi o caso do célebre<br />

programa <strong>de</strong> eutanásia massiva<br />

posto em marcha em 1939.<br />

“Trabalhar em prol do Führer”, um<br />

conceito articulado pelo secretário<br />

do Ministério da Agricultura do<br />

governo da Prússia em 1934, tornase<br />

assim crucial para perceber a<br />

“radicalização cumulativa” <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminados aspectos do III Reich,<br />

nomeadamente aqueles que diziam<br />

respeito às políticas raciais,<br />

incluindo as que <strong>de</strong>sembocaram na<br />

“Solução Final”.<br />

Um objecto <strong>de</strong> estudo como este<br />

coloca sérios <strong>de</strong>safios ao historiador<br />

que, privilegiando a compreensão<br />

sobre o julgamento, não quer<br />

todavia contribuir para relativizar as<br />

acções <strong>de</strong> alguém como Hitler. Com<br />

notável equilíbrio, Kershaw<br />

encontrou um registo que combina<br />

isenção, subtileza e pon<strong>de</strong>ração – e<br />

até mesmo um esforço mínimo <strong>de</strong><br />

empatia – com uma ênfase<br />

persistente nas consequências<br />

criminosas do seu projecto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Embora a opção da editora


PEDRO VILELA<br />

portuguesa pela versão abreviada da<br />

obra <strong>de</strong> Kershaw seja compreensível<br />

– a exiguida<strong>de</strong> do mercado<br />

português dificilmente compensaria<br />

o investimento exigido pela tradução<br />

<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2000 páginas –, ela privanos<br />

infelizmente <strong>de</strong> todo o trabalho<br />

<strong>de</strong> contextualização que a edição<br />

original oferece. Ainda assim, o<br />

leitor tem aqui uma excelente<br />

introdução a uma personagem que,<br />

ao que tudo indica, continuará a<br />

interpelar a nossa consciência por<br />

muito tempo ainda.<br />

Ficção<br />

A cintilação<br />

do azul<br />

Um dos textos curtos mais<br />

emblemáticos da literatura<br />

europeia do século passado,<br />

<strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong><br />

e encantamento<br />

<strong>de</strong>sconcertantes.<br />

José Riço Direitinho<br />

A Ilha<br />

Giani Stuparich<br />

(Trad. Margarida Periquito)<br />

Ahab Edições<br />

mmmmm<br />

Poucas cida<strong>de</strong>s<br />

terão sido tão<br />

marcantes na<br />

literatura<br />

europeia do<br />

século XX como<br />

Trieste, que até à<br />

queda do império<br />

austro-húngaro<br />

foi o único porto<br />

<strong>de</strong> mar dos Habsburgos. Apesar <strong>de</strong><br />

toda a influência imperial – tendo o<br />

alemão como língua oficial –, a<br />

cida<strong>de</strong> manteve sempre laços<br />

culturais e linguísticos com Itália<br />

(eslovenos e croatas tinham também<br />

uma presença significativa<br />

Giani Stuparich é uma<br />

das fi guras <strong>de</strong> referência<br />

da literatura <strong>de</strong> Trieste,<br />

fronteira simbólica<br />

entre o Mediterrâneo<br />

e a “Mitteleuropa”<br />

Ciclo<br />

O cantor e compositor<br />

Caetano Veloso e o<br />

poeta e fi lósofo Antonio<br />

Cicero estarão hoje, às<br />

18h30, na Casa Fernando<br />

Pessoa, em <strong>Lisboa</strong>, a falar<br />

sobre a importância da<br />

na região). Italo Svevo e Umberto<br />

Saba são dois dos nomes maiores do<br />

que ficou conhecido como<br />

“literatura triestina”, que teve ainda<br />

ligações a Joyce, Rilke e Kafka. Ainda<br />

hoje, Trieste marca uma fronteira<br />

literária com a “Mitteleuropa”,<br />

tendo em Claudio Magris – um dos<br />

gran<strong>de</strong>s autores contemporâneos – o<br />

seu maior representante.<br />

No começo do século passado,<br />

lutando contra um certo espírito <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sintegração social e cultural, um<br />

grupo <strong>de</strong> jovens triestinos alimentou<br />

o sonho <strong>de</strong> transformar a cida<strong>de</strong><br />

num ponto <strong>de</strong> ligação entre as<br />

civilização do Mediterrâneo e da<br />

Europa Central, unificando-a<br />

culturalmente. Mas com a chegada<br />

da I Guerra Mundial, alguns <strong>de</strong>sses<br />

intelectuais brilhantes, como Scipio<br />

Slataper, Enrico Mreule e Carlo<br />

Michelstaedter, sucumbiram<br />

durante o conflito. Um dos que<br />

tiveram a difícil tarefa <strong>de</strong> carregar (e<br />

prosseguir) a herança <strong>de</strong>ixada foi<br />

Giani Stuparich (1891-1961), que veio<br />

a tornar-se um ponto <strong>de</strong> referência<br />

ético e cultural. As gran<strong>de</strong>s obras <strong>de</strong><br />

Stuparich inscrevem-se, mais do que<br />

na literatura ficcional, na<br />

memorialística, fundindo inspiração<br />

moral com criativida<strong>de</strong>; nas palavras<br />

<strong>de</strong> Claudio Magris, “Guerra <strong>de</strong>l ’15” é<br />

“um dos mais sublimes testemunhos<br />

europeus <strong>de</strong>ssa [Primeira] Gran<strong>de</strong><br />

Guerra”. Mas Giani Stuparich ficou<br />

sobretudo conhecido pela autoria <strong>de</strong><br />

uma pequena obra-prima, a novela<br />

(ou conto longo) “A Ilha”, publicada<br />

originalmente em 1942 pelo lendário<br />

editor italiano Giulio Einaudi – e<br />

agora editada pela primeira vez em<br />

Portugal numa excelente tradução<br />

<strong>de</strong> Margarida Periquito.<br />

Em “A Ilha”, Stuparich narra-nos<br />

a história <strong>de</strong> um homem muito<br />

doente que pe<strong>de</strong> ao filho para<br />

<strong>de</strong>ixar, por quinze dias, o seu lugar<br />

nas montanhas on<strong>de</strong> vive para que<br />

o acompanhe numa viagem,<br />

provavelmente a última, à ilha<br />

adriática on<strong>de</strong> nasceu. Será uma<br />

<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira peregrinação. A<br />

meditação sobre a morte, que é<br />

uma essência da literatura triestina<br />

<strong>de</strong>sses anos – note-se o recorrente<br />

tema da “doença” e do mal-estar<br />

existencial em Italo Svevo –, é nesta<br />

novela transformada num<br />

sentimento vital, essencial e<br />

positivo, sem aquela tensão maligna<br />

que sublinha e entroniza o seu<br />

lado obscuro. Há ao longo <strong>de</strong><br />

toda a história como que um<br />

movimento em que, se por um<br />

lado a vida vai fugindo, por<br />

outro é como se fosse<br />

caminhando para uma<br />

qualquer plenitu<strong>de</strong><br />

necessária. A ilha, que funciona<br />

ao mesmo tempo como realida<strong>de</strong><br />

e metáfora (que se vai construindo<br />

página a página) – conforme nota<br />

Elvio Guagnini no posfácio –, é um<br />

cenário para a melancolia e para a<br />

esperança das personagens. Mas<br />

um cenário que o autor transforma<br />

“Mensagem” <strong>de</strong> Fernando<br />

Pessoa no movimento<br />

tropicalista. Esta é a<br />

conferência inaugural do<br />

Ciclo Livres Pensadores.<br />

várias vezes, consoante lhe é<br />

necessário, para ilustrar os vários<br />

estados <strong>de</strong> espírito pelos quais os<br />

protagonistas vão passando: “A<br />

sóbria vegetação ao longo das<br />

costas rochosas e os alvos povoados<br />

à flor da água davam um quê <strong>de</strong><br />

frescura e <strong>de</strong> encantamento àquela<br />

terra que emergia do mar.” Ou<br />

então: “A ilha pareceu-lhe<br />

abandonada no meio <strong>de</strong> uma<br />

vastidão intransponível. Teve pela<br />

primeira vez a sensação estranha e<br />

angustiante <strong>de</strong> se encontrar numa<br />

solidão isolada <strong>de</strong> todo o convívio<br />

humano.”<br />

São vários os aspectos que<br />

fascinam o leitor <strong>de</strong>ste texto curto (e<br />

que talvez tenham levado Enrique<br />

Vila-Matas, num texto recente<br />

publicado no jornal “El País”, a<br />

escrever que este “é um livro<br />

perfeito, uma obra-prima”): a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese poética <strong>de</strong><br />

Stuparich para nos dar a conhecer<br />

os estranhos, e por vezes<br />

contraditórios, sentimentos que<br />

atravessam a mente dos dois<br />

protagonistas; a serenida<strong>de</strong> que vai<br />

crescendo <strong>de</strong>baixo daquela luz<br />

<strong>de</strong>sapiedada e agreste que envolve a<br />

ilha em cintilantes tons <strong>de</strong> azul; a<br />

flui<strong>de</strong>z dos gestos e dos olhares dos<br />

dois homens apesar das reflexões,<br />

por vezes cruas, sobre os gran<strong>de</strong>s<br />

temas existenciais; mas sobretudo a<br />

aparente simplicida<strong>de</strong> da escrita,<br />

elementar, límpida e <strong>de</strong>spojada.<br />

Esta é uma história que fica na<br />

memória, um livro para ler e tornar<br />

a ler.<br />

Condição<br />

humana<br />

Muito antes <strong>de</strong> Saramago<br />

e <strong>de</strong> Mailer terem usado<br />

os Evangelhos para criar<br />

ficções didácticas, já<br />

Faulkner pegava na Paixão<br />

<strong>de</strong> Cristo para ilustrar a sua<br />

visão sobre a inevitabilida<strong>de</strong><br />

da Guerra. Helena<br />

Vasconcelos<br />

A Fábula<br />

William Faulkner<br />

(Trad. Maria João Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>)<br />

Casa das Letras<br />

mmmnn<br />

A guerra é um<br />

estado inerente<br />

ao ser humano. É<br />

esta terrível<br />

assumpção que<br />

William Faulkner<br />

apresenta em “A<br />

Fábula”, obra cuja<br />

acção, juntamente<br />

com a <strong>de</strong><br />

Isabel<br />

Coutinho<br />

Ciberescritas<br />

Nunca vi o José Bernar<strong>de</strong>s na vida. Mas é como<br />

se o conhecesse. As nossas conversas<br />

começaram por causa dos livros em formato<br />

electrónico. Ele era leitor do meu blogue,<br />

estava a pensar comprar um leitor <strong>de</strong> livros<br />

electrónicos e foi por isso que trocámos “e-mails”. Em<br />

Outubro, quando a Amazon anunciou que o seu leitor, o<br />

Kindle, iria ser vendido para mais <strong>de</strong> 100 países no<br />

mundo e entre eles Portugal, José Bernar<strong>de</strong>s não hesitou<br />

e comprou um. Pedi-lhe então que quando recebesse o<br />

dito objecto – já que era um dos primeiros portugueses –<br />

me contasse tudo. Ele assim fez. E o seu comentário<br />

começava assim: “Já chegou o meu Kindle 2! É mesmo<br />

fantástico!”. Depois dizia que ia escrever uns<br />

apontamentos telegráficos porque não conseguia largar o<br />

seu novo Kindle. Dizia que a Whispernet (re<strong>de</strong> que<br />

permite que o aparelho se ligue à loja Amazon e<br />

<strong>de</strong>scarregue para lá um livro em 60 segundos)<br />

funcionava na perfeição. Que só tinha visto ecrãs <strong>de</strong> e-ink<br />

em fotos no seu computador mas que estava a achar a<br />

qualida<strong>de</strong> notável. Tal como os livros em papel, quanto<br />

mais luz melhor. Contava também que estava a utilizar o<br />

programa Calibre (que além <strong>de</strong> converter livros para o<br />

formato aceite pelo Kindle lhe permitia gerir os livros no<br />

aparelho) e que tinha experimentado transferir para o<br />

Kindle livros gratuitos em formato mobi disponíveis em<br />

variadíssimos “sites” e que estava a conseguir lê-los<br />

perfeitamente no Kindle.<br />

Logo ali, na caixa <strong>de</strong> comentários do blogue, gerouse<br />

uma longa conversa com pessoas interessadas no<br />

Kindle e outras que entretanto foram adquirindo o<br />

aparelho. Colocaram-se dúvidas, resolveram-se em<br />

conjunto problemas, como se estivéssemos todos à<br />

mesa <strong>de</strong> um café.<br />

E foi por isso, por ver este interesse crescente pelo<br />

aparelho, que o José Bernar<strong>de</strong>s se aventurou a abriu<br />

um blogue <strong>de</strong>dicado a estas matérias. Chamou-lhe Kindle<br />

Portugal (com novida<strong>de</strong>s<br />

Um sortudo que tenha<br />

um Kindle, um PC e um<br />

iPhone po<strong>de</strong> agora ler<br />

os seus livros<br />

saltitando <strong>de</strong> um<br />

aparelho para o outro<br />

Kindle Portugal<br />

http://kindleportugal.blogspot.<br />

com/<br />

Kindle for PC<br />

http://www.<br />

amazon.com/<br />

gp/feature.html/<br />

ref=kcp_pc_<br />

mkt_lnd?docId<br />

=1000426311<br />

Por amor ao Kindle<br />

sobre o Kindle, em particular<br />

sobre a sua utilização em<br />

Portugal e sobre conteúdos<br />

disponíveis em língua portuguesa).<br />

Entretanto, José Bernar<strong>de</strong>s<br />

já <strong>de</strong>scobriu imensas coisas<br />

que o Kindle faz, funções ocultas<br />

em que eu (utilizadora do<br />

Kindle há mais tempo) nunca<br />

tinha reparado. Além <strong>de</strong> uma<br />

calculadora, estão lá disponíveis dois jogos. Depois dá<br />

dicas <strong>de</strong> sítios on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m ir buscar livros que estão<br />

em domínio público (livres <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> autor).<br />

Há umas semanas, a Amazon lançou o seu Kindle<br />

para PC (já prometeram uma versão para Mac). O que<br />

significa que agora não é necessário ter um Kindle<br />

para se comprarem e lerem e-books da Amazon. Basta<br />

ter um computador, <strong>de</strong>scarregar o programa gratuito<br />

e abrir uma conta na Amazon.com.<br />

Isso também já era possível fazer através da aplicação<br />

do Kindle para o iPhone (é gratuito mas só está disponível<br />

na loja do iTunes norte-americana).<br />

Um sortudo que tenha um Kindle, um computador<br />

PC e um iPhone po<strong>de</strong> agora ler os seus livros saltitando<br />

<strong>de</strong> um aparelho para o outro. Agora em casa leio<br />

no PC, no metro daqui a bocadinho leio no iPhone e<br />

no jardim, à hora do almoço, tiro o Kindle do saco e<br />

continuo a leitura.<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 53


CRIAÇÃO: ANDRÉ MESQUITA<br />

ANA BRITO, GUZMAN ROSADO,<br />

TERESA ALVES DA SILVA E RICARDO TEIXEIRA<br />

CENTRO CULTURAL CARTAXO<br />

SEXTA E SÁBADO<br />

11 E 12 DEZEMBRO . 21H30<br />

DANÇA . BILHETES: 8C<br />

(DESC. 50%: ESTUDANTES E M/65) / M/12 . INFO: 243701600<br />

54 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />

Livros<br />

“Soldier’s Pay” (1926), se situa<br />

durante o conflito mundial que<br />

<strong>de</strong>correu entre 1914 e 1918. Muito<br />

antes <strong>de</strong> Saramago e <strong>de</strong> Mailer terem<br />

usado os Evangelhos para as suas<br />

ficções didácticas e morais, já este<br />

escritor americano pegava no<br />

episódio da Paixão <strong>de</strong> Cristo para<br />

ilustrar a sua visão sobre os conflitos<br />

eternos que afligem os seres<br />

humanos. E, aparentemente sem<br />

polémica, este livro longo e<br />

complexo, que o autor começou em<br />

1943 e só terminou 11 anos <strong>de</strong>pois,<br />

aparece agora em Portugal.<br />

A intermitência da escrita ao<br />

longo <strong>de</strong> uma década agitada po<strong>de</strong>rá<br />

explicar esta composição que se<br />

assemelha a uma montagem<br />

cinematográfica, suportada pela<br />

narrativa dispersa, repetitiva e por<br />

vezes confusa, entrecortada por<br />

imagens fulgurantes <strong>de</strong> beleza mas,<br />

também, por monótonas <strong>de</strong>scrições<br />

como as que são <strong>de</strong>dicadas a tudo o<br />

que está relacionado com o Exército:<br />

patentes, pormenores <strong>de</strong> fardas e <strong>de</strong><br />

equipamento, instalações militares,<br />

regras, disciplina, gestos, rotinas,<br />

etc. (uma nota: embora se perceba o<br />

cuidado da tradutora, o excesso <strong>de</strong><br />

notas <strong>de</strong> rodapé dificulta a leitura).<br />

No entanto, a sempre iluminada<br />

escrita <strong>de</strong> Faulkner confere algum<br />

brilho a esta história passada em<br />

1918 quando a carnificina e o horror<br />

já se tinham tornado banais e o<br />

Regimento <strong>de</strong> Infantaria do General<br />

Gragnon recebe or<strong>de</strong>ns para lançar<br />

um ataque injustificável, tanto<br />

estratégica como <strong>de</strong>fensivamente. O<br />

absurdo da situação <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia um<br />

motim e um grupo <strong>de</strong> homens,<br />

li<strong>de</strong>rado por uma figura misteriosa<br />

semelhante a Jesus Cristo, recusa-se<br />

a prosseguir, o que obriga Gragnon a<br />

or<strong>de</strong>nar que os resistentes sejam<br />

fuzilados. Entretanto, e até ao<br />

dramático final, uma série <strong>de</strong><br />

acontecimentos invulgares irá<br />

pontuar a acção: os alemães não<br />

mostram disposição para lutar – há<br />

disparos isolados para alvos não<br />

<strong>de</strong>tectáveis – e uma bizarra quietu<strong>de</strong><br />

esten<strong>de</strong>-se a todas as tropas, ingleses<br />

e americanos incluídos. Um<br />

sentimento <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong> na<br />

<strong>de</strong>sgraça perpassa as fileiras <strong>de</strong> um e<br />

outro lado, enquanto os oficiais<br />

tentam resolver a “crise” provocada<br />

por esse estado <strong>de</strong> não-guerra que<br />

eles não conseguem gerir (<strong>de</strong> notar a<br />

ironia <strong>de</strong> Faulkner na referência aos<br />

portugueses e espanhóis: os<br />

primeiros iriam para a guerra pela<br />

“excitação” <strong>de</strong> saírem do “buraco”<br />

on<strong>de</strong> viviam e os segundos nem lá<br />

chegavam porque eram <strong>de</strong>masiado<br />

pobres e não tinham dinheiro para a<br />

viagem). Faulkner é magistral a<br />

<strong>de</strong>screver as subtis oscilações <strong>de</strong><br />

humor entre os homens, a<br />

inquietação e o medo, as or<strong>de</strong>ns<br />

contraditórias, os boatos, a<br />

hesitação <strong>de</strong> alguns, a <strong>de</strong>scrença, a<br />

indiferença e a incredulida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

outros. No ambiente fantasmagórico<br />

que se instala, um general alemão<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

apanha um avião para conferenciar<br />

com os seus congéneres aliados, há<br />

quem se inquiete por ainda não ter<br />

ganho nenhuma medalha – como<br />

voltar a casa sem con<strong>de</strong>corações? – e<br />

existem rumores <strong>de</strong> que os<br />

instigadores do cessar-fogo<br />

percorrem a “terra <strong>de</strong> ninguém”<br />

para levar mensagens <strong>de</strong> paz aos<br />

alemães. (“Um foi suficiente para<br />

dizer ‘basta’ há dois mil anos. Tudo<br />

o que precisamos <strong>de</strong> fazer é<br />

limitarmo-nos a dizer: ‘Já chega<br />

disto’”. pág. 61). Faulkner mantém a<br />

acção colada aos acontecimentos da<br />

semana da Paixão <strong>de</strong> Cristo: o<br />

agitador recusa a ajuda do próprio<br />

pai/Deus – o Generalíssimo dos<br />

Exércitos –, é traído por um dos<br />

companheiros, executado<br />

juntamente com ladrões e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

ter sido sepultado pela família, a<br />

terra aparece revolvida ao ser<br />

atingida por uma carga <strong>de</strong> artilharia<br />

que revela um caixão estilhaçado e…<br />

vazio.<br />

“A Fábula” teve uma enorme<br />

influência na literatura <strong>de</strong> guerra –<br />

ressalve-se o famoso “Catch 22” <strong>de</strong><br />

Joseph Heller (1961) - mas não é<br />

exactamente uma “fábula”, uma vez<br />

que Faulkner subverte o género,<br />

partindo <strong>de</strong> máximas e reflexões<br />

filosóficas e utilizando as<br />

William Faulkner escreveu “A Fábula”,<br />

uma histórica crística passada nas trincheiras<br />

da I Guerra Mundial, entre 1943 e 1954, na ressaca<br />

do mais <strong>de</strong>vastador confl ito do século XX<br />

personagens como peças <strong>de</strong> um<br />

“jogo” no cenário claustrofóbico das<br />

trincheiras, on<strong>de</strong> se passa gran<strong>de</strong><br />

parte da acção, retirando-lhes<br />

espessura e esbatendo-lhes os<br />

contornos. Entre a lama e a sujida<strong>de</strong>,<br />

arrastados por multidões cegas ou<br />

sob as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res cegos,<br />

muitos dos intervenientes nesta<br />

tragédia não têm nome, sendo<br />

reconhecidos pela sua patente (o<br />

major, o sargento, o cabo) ou pela sua<br />

função (o estafeta, o oficial <strong>de</strong> dia, o<br />

ajudante <strong>de</strong> campo, a sentinela).<br />

Aqui, como em outros dos seus<br />

livros, Faulkner <strong>de</strong>ixou um<br />

testemunho in<strong>de</strong>lével da sua visão da<br />

condição humana, influenciada,<br />

segundo os estudiosos da sua obra,<br />

por Henri Bergson que via na<br />

intuição e não na análise exaustiva a<br />

forma <strong>de</strong> chegar à verda<strong>de</strong> e à<br />

essência do “mundo real”. O conceito<br />

<strong>de</strong> élan vital apelava directamente ao<br />

i<strong>de</strong>alismo do escritor, um homem<br />

permanentemente dividido entre<br />

convicções opostas, entre a<br />

estabilida<strong>de</strong> familiar e o apelo das<br />

aventuras eróticas, entre a<br />

sobrieda<strong>de</strong> e o excesso, entre o Sul e<br />

o Norte, entre a ascensão social<br />

(consequência do progresso) e os<br />

velhos i<strong>de</strong>ais heróicos da honra e do<br />

orgulho.<br />

AFP


Espaço<br />

Público<br />

Apesar dos prémios que recebeu,<br />

este livro não é dos mais bem<br />

conseguidos <strong>de</strong> Faulkner, impondose,<br />

no entanto, como um po<strong>de</strong>roso<br />

manifesto anti-guerra, atravessado<br />

por imagens épicas que nos<br />

remetem para as palavras do autor<br />

no seu discurso <strong>de</strong> aceitação do<br />

Prémio Nobel: “Acredito que o ser<br />

humano não se limita a sobreviver e<br />

para sempre viverá, vencendo. Ele é<br />

imortal não porque, entre todas as<br />

outras criaturas, possui uma voz que<br />

nunca se extinguirá mas sim porque<br />

é dono <strong>de</strong> uma alma, <strong>de</strong> um espírito,<br />

capaz <strong>de</strong> compaixão e <strong>de</strong> sacrifício”.<br />

Perdido na<br />

tradução<br />

Um texto <strong>de</strong>licado <strong>de</strong><br />

Kawabata arruinado por<br />

uma tradução que tergiversa<br />

o sentido e a <strong>de</strong>nsa teia<br />

alusiva do original.<br />

Francisco Luís Parreira<br />

Mil Grous<br />

Yasunari Kawabata<br />

(Trad. Mário Dias Correia)<br />

Dom Quixote<br />

mnnnn<br />

Existe um novo jornal<br />

cultural. Chama-se “As<br />

Artes Entre As Letras”<br />

e sai quinzenalmente,<br />

à semelhança do já<br />

conhecido “Jornal <strong>de</strong><br />

Letras, Artes e I<strong>de</strong>ias”. Em<br />

conjunto com o Ípsilon e a<br />

“Mil Grous”, <strong>de</strong><br />

1952, inicia-se<br />

com uma<br />

cerimónia do chá<br />

(“chanoyu”) nos<br />

arredores <strong>de</strong><br />

Tóquio. A<br />

caminho do<br />

templo, o<br />

protagonista<br />

Kikuji recorda com repulsa a ocasião<br />

na infância em que viu Chikako, a<br />

amante do seu falecido pai, a cortar<br />

com uma tesoura os pêlos do sinal<br />

<strong>de</strong> nascença que lhe cobria meta<strong>de</strong><br />

do peito. Kikuji está reticente: a<br />

cerimónia é organizada pela mesma<br />

Chikako, cujas intenções, ao<br />

convidá-lo, são in<strong>de</strong>cifráveis. A<br />

mórbida imagem do sinal dá então<br />

lugar à sua antitética: a <strong>de</strong> uma<br />

rapariga que também se encaminha<br />

revista “Ler”, constituem<br />

a fonte primária do meu<br />

conhecimento literário.<br />

Mas “As Artes Entre As<br />

Letras” apresenta um<br />

espaço <strong>de</strong>dicado à ciência,<br />

entre outros <strong>de</strong>dicados à<br />

fi losofi a e à fi lologia. Não<br />

para o templo e que é<br />

metonimicamente <strong>de</strong>finida pelo<br />

lenço que transporta, <strong>de</strong>corado com<br />

um padrão <strong>de</strong> mil grous. Na<br />

cerimónia, Chikako <strong>de</strong>sempenha o<br />

papel <strong>de</strong> mediadora amorosa,<br />

apresentando Kikuji à portadora do<br />

lenço. Mas ali também está presente<br />

a senhora Ota, que substituiu em<br />

tempos a ominosa Chikako nas<br />

atenções do pai. Kikuji, naquela<br />

ocasião, ignora ainda que se tornará<br />

amante da senhora Ota e, após o<br />

suicídio <strong>de</strong>la, da sua filha Fumiko. A<br />

rapariga dos mil grous, Yokiko,<br />

atravessará a narrativa como uma<br />

“impressão <strong>de</strong> luz” que logo se<br />

extinguirá. Mais tar<strong>de</strong>, tentando em<br />

vão recordar-lhe o rosto, Kikuji<br />

pon<strong>de</strong>ra o contraste entre a<br />

impermanência das imagens da<br />

beleza e a vívida memória do peito<br />

maculado da senhora Chikako.<br />

A percepção <strong>de</strong> Yokiko ilustra o<br />

tropo japonês do “mono no aware”,<br />

a vigilância emotiva da<br />

impermanência do mundo,<br />

<strong>de</strong>spertada pela unicida<strong>de</strong> e pureza<br />

<strong>de</strong> uma imagem — no caso, a dos mil<br />

grous. Toda a gran<strong>de</strong> arte japonesa<br />

<strong>de</strong>tectou na fugacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas<br />

imagens o domicílio da beleza<br />

autêntica. Mas contra que fundo<br />

eclo<strong>de</strong> essa beleza, para logo<br />

<strong>de</strong>saparecer? E, ao <strong>de</strong>saparecer, o<br />

que é que <strong>de</strong>ixa à vista? Eis o<br />

segredo da imagem (e do título).<br />

Segundo a crença japonesa, o<br />

enfermo que mo<strong>de</strong>le mil grous em<br />

papel tem garantido um pronto<br />

restabelecimento, mesmo que se<br />

encontre no leito <strong>de</strong> morte (e não é<br />

impossível ver ainda origamis <strong>de</strong>sse<br />

tipo à entrada dos templos, como<br />

expressões votivas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>). O que<br />

o título evoca — e assim o tema da<br />

novela — é a questão da doença. A<br />

doença <strong>de</strong> Kikuji é a possessão pelo<br />

passado, em particular o do pai. É<br />

enquanto substituto ou fantasma<br />

que as mulheres o solicitam. A sua<br />

vida assemelha-se a uma<br />

reincarnação <strong>de</strong> amores<br />

insubstanciais. Por isso, também a<br />

presença erótica feminina não chega<br />

a constituir-se em permanência;<br />

Kikuji sente-a como uma “onda”, um<br />

refluir que a cada instante se limita a<br />

presentificar o mesmo: uma força<br />

exterior a que as suas amantes se<br />

submetem, sob o modo patológico<br />

é um jornal ainda assaz<br />

divulgado. Esperemos<br />

que a qualida<strong>de</strong><br />

inquestionável do mesmo<br />

seja láudano sufi ciente.<br />

Luís Coelho, 29 anos,<br />

fi sioterapeuta<br />

da irresolução e da passivida<strong>de</strong>.<br />

As personagens cruzam-se no<br />

interior das estruturas <strong>de</strong> relação<br />

fornecidas pela “chanoyu”. Os<br />

objectos da cerimónia fornecem a<br />

paisagem simbólica da narrativa e<br />

trazem inscrita a mesma possessão.<br />

As taças do chá não se limitam a<br />

acumular as marcas do tempo;<br />

também prolongam as relações dos<br />

mortos que as empunharam. Tal<br />

como o veneno que circula nas<br />

intrigas humanas, também o chá flui<br />

<strong>de</strong> taça para taça, <strong>de</strong> boca para<br />

boca, para produzir os mesmos<br />

efeitos. Deste modo, o motivo da<br />

doença transfere-se para a própria<br />

materialida<strong>de</strong> da cerimónia.<br />

Reagindo à professada falta <strong>de</strong><br />

interesse <strong>de</strong> Kikuji na “chanoyu”,<br />

afirma a senhora Ota: “Mas tu tens o<br />

chá no sangue”, como se diz <strong>de</strong> uma<br />

doença. Porém, na medida em que é<br />

infiltrada por aspectos pessoais e<br />

pela inquietu<strong>de</strong> do mundo, a própria<br />

cerimónia revela-se na <strong>de</strong>cadência<br />

do seu significado. O<br />

obscurecimento das formas<br />

tradicionais, como saldo da <strong>de</strong>rrota<br />

japonesa na II Guerra Mundial, foi o<br />

tema permanente <strong>de</strong> Kawabata nas<br />

suas obras-primas do pós-guerra. Os<br />

seus heróis, separados da tradição,<br />

estão con<strong>de</strong>nados a uma relação<br />

heteronímica consigo mesmos; são<br />

ainda capazes <strong>de</strong> reconhecer a<br />

beleza do mundo, mas não <strong>de</strong> agir<br />

nele ou <strong>de</strong> o amar. Neles, o prazer e<br />

a lassidão estética têm sempre o<br />

custo psíquico da cruelda<strong>de</strong> ou do<br />

<strong>de</strong>sespero. Há nisso o diagnóstico <strong>de</strong><br />

uma cultura que se reconstruiu na<br />

estranheza a si mesma.<br />

Kawabata foi um dos maiores<br />

artistas do século XX. A sua prosa<br />

<strong>de</strong>leita-se na escassez e na<br />

rarefacção; equivale à <strong>de</strong>ambulação<br />

pelos meandros <strong>de</strong> um sonho em<br />

que poucas coisas existem, mas<br />

todas existem <strong>de</strong> um modo perene:<br />

fulgurações, <strong>de</strong>talhes impessoais,<br />

cruéis incertezas. Nela, o que mais<br />

importa não é o que é se diz, mas o<br />

que fica <strong>de</strong> fora. Cada texto seu<br />

como que subenten<strong>de</strong> um haiku a<br />

que fosse forçoso imprimir forma<br />

narrativa para exercer todo o seu<br />

po<strong>de</strong>r revelador. Para quem leia esta<br />

edição, porém, nada disto será<br />

óbvio. Verte-se para português a<br />

tradução americana <strong>de</strong><br />

Município <strong>de</strong> Vila Franca <strong>de</strong> Xira|Cultura<br />

Sei<strong>de</strong>nsticker. Na página 20, lê-se:<br />

“Num canto afastado, uma criada<br />

lavava qualquer coisa.” No japonês,<br />

a criada está a lavar os recipientes<br />

do chá no “mizuya”, o<br />

compartimento <strong>de</strong>stinado a essa<br />

tarefa. Logo abaixo, diz Chikako: “O<br />

cuidado que uma pessoa tem <strong>de</strong> ter.<br />

Fiquei encantada”, correspon<strong>de</strong> no<br />

original a “Nada te escapa, pois não?<br />

Apesar <strong>de</strong> todas as minhas<br />

precauções, ainda me consegues<br />

surpreen<strong>de</strong>r”. Da taça Shino com<br />

papel conspícuo na narrativa, é dito<br />

que tem algo <strong>de</strong> bizarro na sua<br />

“história”. A palavra japonesa, com<br />

ascendência no Zen, é “unmei”<br />

(<strong>de</strong>stino, tessitura), a mesma com<br />

que Kikuji qualifica o sinal <strong>de</strong><br />

Chikako e o po<strong>de</strong>r que ele exerce<br />

sobre a sua vida; é também para que<br />

os “unmei” <strong>de</strong> Chikako não se<br />

atravessem nos <strong>de</strong>le que se afasta <strong>de</strong><br />

Yokiko.<br />

À medida que a <strong>de</strong>nsa teia alusiva<br />

<strong>de</strong> Kawabata se aperta, torna-se<br />

mais calamitosa a tradução. O<br />

diálogo inicial do capítulo IV<br />

tergiversa totalmente com o sentido<br />

da cena. O tradutor português,<br />

porém, é fiel ao texto <strong>de</strong> partida. A<br />

idiotice está na tradução americana.<br />

Sei<strong>de</strong>nsticker foi o divulgador <strong>de</strong><br />

Kawabata no mundo anglófono.<br />

Conhecia a língua japonesa, mas<br />

não <strong>de</strong> um modo<br />

especialmente profundo ou<br />

sensível. Via em Kawabata<br />

uma espécie <strong>de</strong><br />

Hemingway, sem perceber<br />

que o japonês, em talento<br />

e tradição herdada, era<br />

Entrada gratuita limitada à lotação da sala mediante levantamento <strong>de</strong> ingresso na recepção | O programa po<strong>de</strong>rá sofrer pequenas alterações por motivos imprevistos.<br />

infinitamente superior. Não apreciou<br />

nem compreen<strong>de</strong>u este texto, como<br />

se torna claro nas suas memórias. O<br />

seu prestígio anglo-saxónico só po<strong>de</strong><br />

ser compreendido à luz do autismo<br />

linguístico daquele universo,<br />

incapaz <strong>de</strong> cotejar ou reconhecer<br />

traduções muito mais ricas, como as<br />

francesas, alemãs ou italianas. É<br />

claro que há nesse autismo um<br />

<strong>de</strong>liberado propósito imperialcomercial,<br />

a que os editores<br />

portugueses a<strong>de</strong>rem<br />

entusiasticamente. Este entusiamo<br />

(ou saloíce) universal consagra um<br />

modo <strong>de</strong> ler e um sistema <strong>de</strong> gosto<br />

<strong>de</strong> que pelo menos duas<br />

consequências estão à vista: a<br />

transformação da literatura em<br />

acessório <strong>de</strong> aeroporto e o reforço<br />

da Ditadura Internacional da<br />

Simplificação, sob a égi<strong>de</strong> da crítica<br />

e dos editores americanos. Não sei,<br />

portanto, se faz sentido assinalar<br />

que algumas universida<strong>de</strong>s<br />

portugueses dispõem <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong><br />

cultura oriental e que<br />

não teria sido<br />

impossível<br />

encomendar-lhes uma<br />

tradução credível.<br />

A escrita escassa e rarefeita <strong>de</strong> Kawabata investe<br />

mais no que fi ca <strong>de</strong> fora do que naquilo que diz<br />

- como se cada texto seu subenten<strong>de</strong>sse um haiku<br />

Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 55

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