Cinema - Fonoteca Municipal de Lisboa
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FOTOGRAFO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7185 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
Os indies na Avenida<br />
Beach House, Little Joy, Wild Beasts,<br />
Samuel Úria, Ebony Bones,<br />
Patrick Watson Super Bock em Stock<br />
Sexta-feira<br />
4 Dezembro 2009<br />
www.ipsilon.pt<br />
B Fachada Joana Carneiro Fernando Lemos Guillermo Cabrera Infante Hitler
Flash<br />
Sumário<br />
Super Bock em Stock 6<br />
O estado do mundo indie<br />
na Avenida da Liberda<strong>de</strong><br />
B Fachada 14<br />
Tentámos chegar ao músico<br />
através da música<br />
Joana Carneiro 16<br />
Uma maestrina muito<br />
à frente<br />
Activida<strong>de</strong> Paranormal 18<br />
Venha ter medo connosco<br />
Cabrera Infabre 20<br />
“Fumo Sagrado” é para<br />
fumadores e abstémios<br />
Sousa e Castro 24<br />
Um testemunho pessoal, em,<br />
livro, sobre o antes, durante<br />
e <strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril<br />
Fernando Lemos 26<br />
Fotografi as nunca antes<br />
vistas em público<br />
Inhotim 30<br />
Um país também se<br />
reinventa assim<br />
Ficha Técnica<br />
Directora Bárbara Reis<br />
Editor Vasco Câmara,<br />
Inês Nadais (adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho,<br />
Carla Noronha, Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografi a<br />
Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
O que <strong>de</strong>ve ser<br />
o África.cont?<br />
Po<strong>de</strong> (e/ou <strong>de</strong>ve) Portugal ser o<br />
centro da arte contemporânea<br />
africana na Europa? E por que razão<br />
haveria <strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong> ser a cida<strong>de</strong><br />
escolhida pelos artistas africanos<br />
para um museu <strong>de</strong>sse tipo? Será<br />
que África <strong>de</strong>ve ter uma instituição,<br />
à parte, exclusivamente para a sua<br />
arte contemporânea? Estas e outras<br />
perguntas têm estado na cabeça dos<br />
dinamizadores do África.cont, o<br />
centro cultural africano lançado em<br />
Dezembro <strong>de</strong> 2008 em <strong>Lisboa</strong> e<br />
projectado para o espaço conhecido<br />
como as Tercenas do Marquês,<br />
entre as Janelas Ver<strong>de</strong>s e a Avenida<br />
24 <strong>de</strong> Julho. A iniciativa está a<br />
avançar mas o projecto do<br />
arquitecto David Adjaye só <strong>de</strong>verá<br />
ser construído em 2012. No início<br />
<strong>de</strong> 2010, começará a <strong>de</strong>molição dos<br />
edifícios antigos da zona e ainda<br />
durante o ano <strong>de</strong>verá ser criada<br />
uma fundação para gerir os<br />
financiamentos,<br />
Para já, questões sobre o conceito e<br />
a forma que <strong>de</strong>ve tomar o próprio<br />
projecto vão animar hoje e amanhã,<br />
na Fundação Calouste Gulbenkian,<br />
o encontro “África.cont – Objectivos<br />
e Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Programação” , que<br />
junta em vários painéis artistas e<br />
intelectuais <strong>de</strong> vários pontos do<br />
continente.<br />
“Estamos a trabalhar com a África<br />
toda” e não apenas com a África<br />
negra ou do Norte, explica o<br />
especialista em arte contemporânea<br />
e responsável pela concepção do<br />
novo centro José António Fernan<strong>de</strong>s es<br />
Dias, especificando que o África.<br />
cont diz respeito à África geográfica ca<br />
mas também à África das diásporas. as.<br />
“E estamos a fazer como os<br />
africanos fazem”, acrescenta, para a<br />
explicar a escolha dos participantes es<br />
do encontro. A i<strong>de</strong>ia é “trabalhar<br />
com África e não sobre África”,<br />
sublinha. “Teremos intelectuais e<br />
agentes da cultura culturais<br />
africanos a pensar connosco” as<br />
respostas às várias perguntas<br />
lançadas.<br />
O nigeriano Awam Amkpa - actor,<br />
argumentista, professor <strong>de</strong> teatro,<br />
cinema e estudos africanos da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova Iorque -<br />
participa na conferência <strong>de</strong><br />
abertura <strong>de</strong>sta manhã, que começa a<br />
por questionar o sentido que faz um m<br />
centro criado exclusivamente para a<br />
as culturas africanas. Entre os<br />
presentes nas várias sessões estarão ão<br />
Barthélémy Toguo, pintor<br />
camaronês, Ab<strong>de</strong>llah Karroum,<br />
investigador <strong>de</strong> arte e curador<br />
marroquino, Alda Costa, do<br />
Movimento <strong>de</strong> Arte Contemporânea ea<br />
<strong>de</strong> Moçambique, o escritor e o<br />
jornalista queniano Binyavanga<br />
Wainaina.<br />
O camaronês Barthélémy<br />
Toguo vai estar em <strong>Lisboa</strong><br />
Brillante<br />
Mendoza<br />
em <strong>Lisboa</strong><br />
Finalmente... mas ainda a<br />
tempo <strong>de</strong> mostrar, como se<br />
fosse em tempo real, a<br />
irresistível ascensão <strong>de</strong><br />
Brillante Mendoza que<br />
<strong>de</strong>corre neste momento<br />
nas salas e nos festivais <strong>de</strong><br />
todo o mundo. Entre 20 e<br />
23 <strong>de</strong> Janeiro, a Culturgest,<br />
em <strong>Lisboa</strong>, promove um<br />
ciclo <strong>de</strong>dicado ao<br />
realizador filipino,<br />
programado pela Zero em<br />
Comportamento. Serão<br />
oito longas-metragens<br />
realizadas nos últimos<br />
cinco anos, incluindo os<br />
três últimos filmes que<br />
aceleraram o<br />
reconhecimento do<br />
cineasta no circuito dos<br />
festivais e, por extensão,<br />
lhe <strong>de</strong>ram visibilida<strong>de</strong> nas<br />
salas <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong> alguns<br />
países: “Serviços” (2008),<br />
editado em Portugal em<br />
DVD -, “Kinatay” (2009),<br />
prémio <strong>de</strong> melhor<br />
realizador em Cannes -, e<br />
“Lola” Lola (2009).<br />
A abertura<br />
cabe, precisamente, a<br />
“Lola”, que irrompeu,<br />
luminoso, no último Festival<br />
<strong>de</strong> Veneza (era um dos<br />
“filmes-surpresa”). Depois<br />
da escuridão sem regresso<br />
<strong>de</strong> “Kinatay”, a iniciação ao<br />
macabro da noite <strong>de</strong> Manila<br />
por um “inocente” – o filme<br />
crispou muita gente, no<br />
Festival <strong>de</strong> Cannes, que<br />
consi<strong>de</strong>rou<br />
insustentavelmente<br />
“gratuita” a violência do<br />
filme –, o melodrama “Lola”,<br />
realizado em apenas três<br />
meses, foi responsável por<br />
um reagrupamento à volta<br />
<strong>de</strong> Mendoza. É, <strong>de</strong> facto, um<br />
filme exaltante, lancinante<br />
percurso <strong>de</strong> duas avós, uma<br />
que vai reconhecer o<br />
cadáver do neto assassinado,<br />
a outra que vai visitar à<br />
prisão o neto que terá sido<br />
responsável pela outra<br />
morte - e como sempre nos<br />
filmes <strong>de</strong> Mendoza há uma<br />
“viagem”, uma experiência<br />
física <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocação por um<br />
espaço, quer sejam os<br />
bairros pobres <strong>de</strong> Manila ou<br />
o interior <strong>de</strong> um cinema<br />
<strong>de</strong>lapidado (“Serviços”).<br />
Estão ainda programados<br />
“Masahista” (2005), o filme<br />
que o fez abandonar a<br />
publicida<strong>de</strong> para se <strong>de</strong>dicar<br />
ao a ao cinema (“Tinha uma vida<br />
boa, ganhava muito<br />
dinheiro, dinheiro, mas queria queria<br />
mudar, assumir riscos.<br />
E <strong>de</strong>scobri uma fome<br />
<strong>de</strong> cinema, uma<br />
energia que nunca<br />
tive na publicida<strong>de</strong>”,<br />
contou em Setembro ao<br />
jornal “Folha <strong>de</strong> São<br />
Paulo” durante a<br />
organização <strong>de</strong> uma<br />
retrospectiva na cida<strong>de</strong><br />
brasileira; neste momento,<br />
<strong>de</strong>corre outra em Paris),<br />
“Manoro”, “Kaleldo”<br />
(ambos <strong>de</strong> 2006), “John<br />
John” e “Tirador” (ambos<br />
<strong>de</strong> 2007).<br />
Eis Brillante: mistura <strong>de</strong><br />
géneros, sobretudo do<br />
drama social e do<br />
melodrama (Brillante, 49<br />
anos, é um continuador do<br />
seu compatriota Lino<br />
Brocka, 1939-1991, pela<br />
vertigem moral a que os<br />
filmes, “sujos” <strong>de</strong> “cinema<br />
popular”, chegam); uma<br />
produtivida<strong>de</strong> que começa<br />
a ser à la Fassbin<strong>de</strong>r, como<br />
se quisesse compensar o<br />
facto <strong>de</strong> ter começado<br />
relativamente tar<strong>de</strong>, em<br />
meados <strong>de</strong>sta década; uma<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir sempre<br />
até ao fim do caminho (a já<br />
polémica explicitação das<br />
coisas no cinema <strong>de</strong><br />
Mendoza), algo que tanto<br />
po<strong>de</strong> aparecer como gesto<br />
<strong>de</strong> ingenuida<strong>de</strong> como <strong>de</strong><br />
“exploitation”, mas que<br />
para Me Mendoza é um<br />
imperat imperativo moral.<br />
O realiz realizador estará em<br />
<strong>Lisboa</strong> ppara<br />
acompanhar<br />
o ciclo e<br />
conduzir uma<br />
“master “masterclass” sobre<br />
produçã produção e realização <strong>de</strong><br />
cinema<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte nas<br />
Filipina Filipinas. Vasco Câmara<br />
Em Janeiro, <strong>Lisboa</strong> entra no circuito Brillante<br />
Mendoza: a Zero em Comportamento mostra<br />
oito longas, incluindo este “Masahista” (2005)<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 3
Flash<br />
Sturges, Peckinpah e<br />
Duras na <strong>Cinema</strong>teca<br />
A gran<strong>de</strong> retrospectiva do mês<br />
<strong>de</strong> Dezembro, na <strong>Cinema</strong>teca,<br />
em <strong>Lisboa</strong>, é <strong>de</strong>dicada a Preston<br />
Sturges, argumentista (nos anos<br />
1930) e realizador (a partir <strong>de</strong><br />
1941, quando assina “As Três<br />
Noites <strong>de</strong> Eva”) da comédia<br />
americana – forma <strong>de</strong> dizer,<br />
porque, afinal, a que género<br />
pertence “Sullivan’s Travels”<br />
(1941)? A sofisticada filmografia<br />
<strong>de</strong>ste realizador inclui 12 títulos<br />
e a retrospectiva será integral da<br />
obra do cineasta e significativa<br />
da filmografia do argumentista.<br />
Prolonga-se a Janeiro <strong>de</strong> 2010,<br />
mês em que se inicia na Barata<br />
Salgueiro uma nova rubrica<br />
sobre filmes “Inéditos”. O<br />
primeiro programa é <strong>de</strong>dicado a<br />
Louis Skorecki, realizador e<br />
Cormac McCarthy<br />
separa-se da<br />
máquina <strong>de</strong> escrever<br />
Estavam juntos há 50 anos - o<br />
escritor norte-americano Cormac<br />
McCarthy e a Olivetti Lettera 32 em<br />
que dactilografou todos os seus<br />
livros publicados e não publicados,<br />
mais os rascunhos e a<br />
correspondência <strong>de</strong> uma vida - mas<br />
vão separar-se agora, cinco milhões<br />
<strong>de</strong> caracteres <strong>de</strong>pois. A máquina <strong>de</strong><br />
escrever que <strong>de</strong>u ao mundo “Este<br />
País não é para Velhos” e “A<br />
4 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
crítico <strong>de</strong> cinema (começou nos<br />
“Cahiers du Cinéma” nos anos<br />
1960, on<strong>de</strong> foi contemporâneo<br />
<strong>de</strong> Serge Daney) que virá à<br />
<strong>Cinema</strong>teca apresentar os seus<br />
filmes, nomeadamente a trilogia<br />
“Cinéphiles” – “Les Cinéphiles”<br />
(1989), “Cinéphiles 2 – Eric a<br />
Disparu” (1989), “Cinéphiles 3<br />
– Les Ruses <strong>de</strong> Frédéric”<br />
Estrada”, e que<br />
Cormac McCarthy<br />
comprou numa loja<br />
<strong>de</strong> penhores do<br />
Tennessee por 50<br />
dólares, em 1963, vai<br />
agora ser leiloada,<br />
com os lucros da<br />
venda a reverterem, por<br />
vonta<strong>de</strong> do autor, para o<br />
Santa Fe Institute, uma comunida<strong>de</strong><br />
transdisciplinar <strong>de</strong> investigadores. É<br />
já hoje, na Christie’s <strong>de</strong> Nova Iorque<br />
- a leiloeira estima que a Olivetti<br />
possa arrecadar entre 15 e 20 mil<br />
dólares (10 a 13 mil euros). Parece,<br />
Brevemente na <strong>Cinema</strong>teca: Sturges em Dezembro,<br />
Peckinpah e Duras em Janeiro<br />
(2007) – e o filme em que<br />
registou a sua atribulada saída<br />
do “Libération”, em 2007, no<br />
final <strong>de</strong> 25 anos <strong>de</strong> trabalho<br />
como crítico, on<strong>de</strong> assinava<br />
uma coluna sobre cinema numa<br />
página do jornal <strong>de</strong>dicada à<br />
televisão: “Skorecki<br />
mas m não é, um preço<br />
<strong>de</strong>masiado d alto para<br />
uma u vulgar máquina<br />
<strong>de</strong> d escrever<br />
d<strong>de</strong>rrotada<br />
pelo<br />
Cormac McCarthy diz hoje te tempo: “Alguma da<br />
a<strong>de</strong>us à Olivetti Lettera 32 ma mais complexa ficção<br />
em que escreveu todos os do<br />
pós-guerra, parte<br />
seus livros, Pullitzer da qual qu é quase do outro<br />
incluído<br />
mundo, foi escrita numa<br />
máquina assim tão simples,<br />
funcional e frágil. Isso dá à Olivetti<br />
do Cormac uma qualida<strong>de</strong><br />
praticamente talismânica. É como<br />
se o Monte Rushmore tivesse sido<br />
esculpido com um canivete suíço”,<br />
Espaço<br />
Público<br />
“Os Sopranos”<br />
é a série da década<br />
À frente ficaram os “Sopranos”,<br />
mas a maior surpresa foi a<br />
ausência da série “The Wire”. A<br />
escolha foi da revista “The<br />
Hollywood Reporter”, que,<br />
neste final dos anos 2000<br />
pródigos em séries televisivas,<br />
elaborou uma lista das suas<br />
preferências. Assim, a série<br />
produzida pela norte-americana<br />
HBO, criada por David Chase e<br />
protagonizada por James<br />
Gandolfini, no papel <strong>de</strong> Tony<br />
Soprano, foi vencedora. A<br />
célebre “West Wing - Nos<br />
bastidores do po<strong>de</strong>r”, que<br />
retrata o dia-a-dia na Sala Oval<br />
<strong>de</strong> uma Casa Branca em que o<br />
actor Martin Sheen é o<br />
Presi<strong>de</strong>nte, foi a segunda<br />
escolha da publicação. Iniciada<br />
em 1999, foi a série que<br />
arrecadou mais Emmys (26) ao<br />
Na lista da “Hollywood Reporter”,<br />
o clã Soprano é a família mais marcante da paisagem<br />
televisiva da década que agora termina<br />
Déménage” (2009).<br />
E enquanto a retrospectiva <strong>de</strong><br />
Sturges termina, Janeiro verá<br />
começar dois ciclos fulgurantes:<br />
Sam Peckinpah e Marguerite<br />
Duras.<br />
disse ao “New York Times”<br />
o livreiro Glenn<br />
Horowitz.<br />
Foi <strong>de</strong> resto<br />
esse ar<br />
apagado que<br />
levou McCarthy<br />
a trocar a Royal<br />
que usou até aos<br />
anos 60 pela Olivetti<br />
Lettera 32: “Queria a<br />
máquina <strong>de</strong><br />
escrever mais<br />
pequena e mais<br />
leve que pu<strong>de</strong>sse<br />
encontrar”.<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
longo da década, tantos como<br />
a mais antiga “Balada <strong>de</strong> Hill<br />
Street”, que filmava o<br />
quotidiano dos polícias <strong>de</strong><br />
uma esquadra <strong>de</strong> Nova Iorque.<br />
Em terceiro lugar ficou “Curb<br />
your Enthusiasm”, outra<br />
“sitcom” norte-americana,<br />
protagonizada por Larry<br />
David, autor e produtor <strong>de</strong><br />
“Seinfeld”. “The Shield”, série<br />
policial passada em Los<br />
Angeles do canal americano<br />
FX, ficou na quarta posição,<br />
seguida <strong>de</strong> “Damages”, com<br />
Glenn Close no papel <strong>de</strong> uma<br />
advogada que luta contra a<br />
corrupção. Noutro registo,<br />
com as aventuras <strong>de</strong> um grupo<br />
<strong>de</strong> publicitários dos anos 1960,<br />
“Mad Men” foi a sexta<br />
preferência, seguida <strong>de</strong> “30<br />
Rock”, da actriz e<br />
argumentista Tina Fey, “24”<br />
com Jack Bauer, e “Lost” <strong>de</strong> J.<br />
J. Abrams e Damon Lin<strong>de</strong>lof. A<br />
fechar a lista, no décimo lugar,<br />
“Mo<strong>de</strong>rn Family”, uma<br />
comédia sobre três famílias<br />
norte-americanas e uma das<br />
revelações da temporada.<br />
Reunião dos Blur<br />
vai dar um filme<br />
Ainda não há sequer sinais <strong>de</strong><br />
uma entrada no Imdb, diz o “The<br />
Guardian”, mas o “trailer” já está<br />
no YouTube e o filme chega às<br />
salas no próximo dia 19 <strong>de</strong><br />
Janeiro: chama-se “No Distance<br />
Left to Run” e é toda a história<br />
dos Blur, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o mo<strong>de</strong>sto<br />
aparecimento da banda, em 1989<br />
(“We were just kids”, diz Damon<br />
Albarn logo no primeiro segundo<br />
do “trailer”), até ao lendário<br />
concerto <strong>de</strong> reunião <strong>de</strong>ste ano<br />
em Glastonbury. Filmado<br />
durante os ensaios e a digressão<br />
do último Verão, o documentário<br />
inclui material <strong>de</strong> arquivo inédito<br />
e “novas entrevistas<br />
reveladoras”. Para que não haja<br />
dúvidas e rumores acerca <strong>de</strong> um<br />
possível regresso “for real” dos<br />
Blur, registamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que<br />
Damon Albarn continua a dizer<br />
que não vai haver<br />
mais concertos,<br />
e muito menos<br />
um novo álbum.<br />
Damon Albarn e Alex James<br />
no Verão passado em Glastonbury: that’s all, folks!
AGENDA CULTURAL FNAC<br />
entrada livre<br />
LANÇAMENTO<br />
3 PISTAS<br />
por Henrique Amaro<br />
com actuação ao vivo <strong>de</strong> Noiserv e Pontos Negros<br />
O radialista Henrique Amaro <strong>de</strong>safiou vinte bandas a gravar em 3 pistas. Resgataram canções <strong>de</strong> outros,<br />
fizeram batota, transgrediram as regras sugeridas e criaram um disco “<strong>de</strong>spidamente” divertido.<br />
09.12. 17H00 FNAC CHIADO<br />
APRESENTAÇÃO<br />
NOVAS CRÓNICAS DA BOCA DO INFERNO<br />
Livro <strong>de</strong> Ricardo Araújo Pereira<br />
Ricardo Araújo Pereira apresenta na Fnac o seu novo livro <strong>de</strong> crónicas. Um livro no qual a mais fina ironia<br />
e o humor requintado se juntam e resolvem não entrar.<br />
05.12. 18H30 FNAC CHIADO<br />
07.12. 18H00 FNAC STA. CATARINA 14.12. 21H30 FNAC ALMADA<br />
APRESENTAÇÃO<br />
UM AMOR EM TEMPO DE GUERRA<br />
Livro <strong>de</strong> Júlio Magalhães<br />
Júlio Magalhães vem ao Fórum Fnac falar com os leitores e dar uma sessão <strong>de</strong> autógrafos do seu mais<br />
recente livro.<br />
11.12. 18H00 FNAC VASCO DA GAMA<br />
AO VIVO<br />
PIANO MAGIC<br />
Ovations<br />
O grupo britânico Piano Magic, um dos cabeças <strong>de</strong> cartaz do Super Bock em Stock, vêm ao Fórum Fnac<br />
apresentar a irreverência un<strong>de</strong>rground com o seu mais recente trabalho.<br />
05.12. 15H00 FNAC CHIADO<br />
AO VIVO<br />
DAVID FONSECA<br />
Between Waves<br />
David Fonseca vem à Fnac mostrar as suas novas canções num formato reduzido e intimista.<br />
08.12. 17H00 FNAC VASCO DA GAMA<br />
08.12. 21H30 FNAC ALFRAGIDE<br />
11.12. 17H00 FNAC GAIASHOPPING<br />
11.12. 21H30 FNAC GUIMARÃESHOPPING<br />
Consulte a agenda cultural Fnac em http://cultura.fnac.pt/Agenda<br />
Apoio:<br />
12.12. 17H00 FNAC VISEU<br />
12.12. 22H00 FNAC COIMBRA<br />
13.12. 17H00 FNAC ALMADA<br />
13.12. 21H30 FNAC COLOMBO<br />
APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO
Little Joy<br />
CapaVoxtrot<br />
Os Golpes<br />
Legendary Tiger Man<br />
Beach House<br />
Mazgani<br />
Wild Beasts
Ebony Bones<br />
Avenida para<br />
todas<br />
as liberda<strong>de</strong>s<br />
Serão mais <strong>de</strong> trinta concertos no festival Super<br />
Bock em Stock, mas escolher é essencial. Hoje e<br />
amanhã, em sete espaços da Avenida da Liberda<strong>de</strong>,<br />
em <strong>Lisboa</strong>, a nação “indie” celebra, olhos nos olhos,<br />
a música dos Beach House, Wild Beasts, Little Joy,<br />
Samuel Úria ou Ebony Bones. Vítor Belanciano<br />
O ano passado <strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong>scobriu que<br />
tinha um novo festival <strong>de</strong> música. Super<br />
Bock em Stock <strong>de</strong> seu nome. Normalmente<br />
o sucesso <strong>de</strong> eventos do<br />
género ainda se faz à base da quantificação<br />
e não da enumeração das qualida<strong>de</strong>s.<br />
Neste caso foi diferente. Percebeu-se<br />
que existia uma linha <strong>de</strong>finida<br />
– privilegiar projectos rock e pop<br />
que fazem a actualida<strong>de</strong>, alguns <strong>de</strong>les<br />
ainda não totalmente conhecidos do<br />
gran<strong>de</strong> público, mas com atributos<br />
para o virem a ser. Lykke Li, Santogold,<br />
Walkmen ou El Perro Del Mar<br />
foram alguns dos que passaram pela<br />
primeira edição.<br />
Depois, coisa rara, é um evento<br />
que pe<strong>de</strong> aos espectadores que<br />
sejam activos, que estabeleçam<br />
escolhas, porque <strong>de</strong>correm vários<br />
concertos em simultâneo.<br />
Tal como uma cida<strong>de</strong><br />
se <strong>de</strong>scobre tendo disponibilida<strong>de</strong><br />
para a aventura,<br />
vagueando, também<br />
um festival <strong>de</strong>ve ser<br />
um convite à <strong>de</strong>scoberta<br />
e não um simples<br />
espaço <strong>de</strong> confirmação.<br />
Por último, e mais<br />
uma vez coisa rara<br />
em Portugal, é um<br />
evento com efeitos<br />
transversais. Faznos<br />
olhar para uma<br />
zona nobre da cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> – a Avenida<br />
da Liberda<strong>de</strong> –<br />
com problemas <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e pouco<br />
vivida durante a noite.<br />
Durante duas noites é<br />
sentida, o público é con-<br />
vidado a participar numa dinâmica<br />
rotatória, <strong>de</strong>scobrindo-a.<br />
Na edição <strong>de</strong>ste ano não há o charmoso<br />
teatro Varieda<strong>de</strong>s, que levou o<br />
ano passado muitas pessoas a abrirem<br />
a boca <strong>de</strong> espanto pelo potencial que<br />
escon<strong>de</strong>, mas haverá as duas salas do<br />
cinema S. Jorge, o Teatro Tivoli, o clube<br />
Maxime, o LA Caffe, o restaurante<br />
do terraço do hotel Tivoli e o espaço<br />
do parque <strong>de</strong> estacionamento Marquês<br />
<strong>de</strong> Pombal.<br />
E há a música, claro. Muita música.<br />
Mais <strong>de</strong> trinta concertos durante duas<br />
noites. Alguns são nomes já conhecidos<br />
como Beach House, que apresentam<br />
o novo álbum a editar em<br />
Janeiro, os Little Joy <strong>de</strong> Fabrizio Moretti<br />
dos Strokes, ou a britânica Ebony<br />
Bones, singular mistura <strong>de</strong> tribalismo<br />
urbano garrido na senda <strong>de</strong> M.I.A. e<br />
pós-punk dançante na linha dos LCD<br />
Soundsystem, que tem sido presença<br />
regular em Portugal no último ano.<br />
De Inglaterra, algumas boas bandas.<br />
Os Wild Beasts, que acabaram <strong>de</strong> lançar<br />
o segundo álbum, os injustamente<br />
pouco conhecidos em Portugal Wave<br />
Machines, exemplo <strong>de</strong> criativa mescla<br />
<strong>de</strong> electrónicas e rock, os Piano Magic,<br />
que apresentam o novo registo “Ovations”,<br />
e os The Invisible. Estes estrearam-se<br />
este ano com um excelente<br />
álbum produzido por Herbert, lançado<br />
na editora <strong>de</strong>ste, a Acci<strong>de</strong>ntal, que<br />
também revelou Micachu and the Shapes.<br />
Praticam um rock sonhador, que<br />
tanto po<strong>de</strong> evocar TV On The Radio<br />
como os velhos A.R.Kane.<br />
Do outro lado do Atlântico, chega<br />
o canadiano Patrick Watson, com canções<br />
que são paisagens inteiras (folk,<br />
rock, jazz) <strong>de</strong>sdobrando-se à nossa<br />
frente. Também canadiano, mas a vi-<br />
ver em Berlim, o excêntrico<br />
Mocky é garantia<br />
<strong>de</strong> reinação e virtuosismo.<br />
Do Texas, virá<br />
o rock seguro dos<br />
Voxtrot, enquanto <strong>de</strong><br />
Nova Iorque os Blacklist<br />
prometem rock<br />
& roll sem mediações.<br />
Na senda do radicalismo,<br />
atenções viradas para o<br />
duo francês Kap Bambino,<br />
que vivem cada concerto como<br />
se fosse o último.<br />
Quem quiser confirmar que a música<br />
pop portuguesa passa por um<br />
bom momento não terá mãos a medir.<br />
O cada vez mais internacional Legendary<br />
Tiger Man vai suscitar muitas das<br />
atenções, mas <strong>de</strong> Mazgani a Samuel<br />
Úria, do hip-hop instrumental dos<br />
Orelha Negra ao rock <strong>de</strong> Os Golpes,<br />
do rock com fúria dos Easyway ao intimismo<br />
<strong>de</strong> Noiserv, passando pelo<br />
projecto Pássaro Cego, que reúne o<br />
pianista Manuel Paulo e a cantora<br />
cabo-verdiana Nancy Vieira, existe um<br />
mundo <strong>de</strong> coisas para <strong>de</strong>scobrir.<br />
No papel, o Super Bock em Stock é<br />
um convite à interacção em lugares<br />
públicos, partindo da música. Nos<br />
últimos anos, com a crise da indústria<br />
dos discos, os espectáculos ao vivo<br />
ganharam nova dinâmica. Há cada<br />
vez mais <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> participar nesse<br />
ritual colectivo on<strong>de</strong> se pe<strong>de</strong> que exista<br />
imaginação, nervo e emoção. Se<br />
possível, proximida<strong>de</strong>. Coisas que os<br />
gran<strong>de</strong>s festivais ao ar livre, ou os concertos<br />
<strong>de</strong> estádio, não permitem. Mas<br />
hoje e amanhã, músicos e público po<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong>scobrir-se, olhos nos olhos.<br />
www.superbockemstock.com<br />
Samuel Úria<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 7
Beach House<br />
Obsessão<br />
apaixonada<br />
“Teen Dream”, o novo álbum, só será editado em<br />
Janeiro <strong>de</strong> 2010, mas os Beach House apresentamno<br />
amanhã, no Super Bock em Stock. Victoria<br />
Legrand fala ao Ípsilon. Mário Lopes<br />
Beach House Teatro Tivoli.<br />
Amanhã, às 22h15<br />
Victoria Legrand, meta<strong>de</strong> dos<br />
encantadores e encantatórios<br />
Beach House, é uma rapariga<br />
<strong>de</strong>spachada. Fala rápido,<br />
seguríssima, e atravessa sem<br />
pudor a habitual barreira<br />
protectora que se ergue numa<br />
entrevista. Como sabemos, o<br />
entrevistado enfrenta alguém<br />
que não faz a mínima i<strong>de</strong>ia quem<br />
seja, alguém que saberá alguns<br />
pormenores da sua vida (mas<br />
ele não sabe quais). Portanto,<br />
normalmente, a coisa entrevista<br />
faz-se com recato. Alguém que<br />
faz perguntas, alguém que dá<br />
respostas.<br />
Victoria Legrand, a voz dos<br />
Beach House, matéria etérea<br />
e contraditória – dissimula-se<br />
gélida mas ar<strong>de</strong> em lume brando<br />
-, não é como a sua música.<br />
Aten<strong>de</strong> o telefone num quarto <strong>de</strong><br />
hotel <strong>de</strong> Berlim e elabora-nos o<br />
relatório da situação. Os Beach<br />
House acabaram <strong>de</strong> chegar à<br />
Alemanha, vindos dos EUA<br />
(Victoria já viveu em todo o lado,<br />
mas conheceu o guitarrista<br />
Alex Scally em Baltimore), e<br />
está cansada. Estar cansada é<br />
um aborrecimento: quarta vez<br />
que toca em Berlim e nunca teve<br />
oportunida<strong>de</strong> para ver a cida<strong>de</strong>.<br />
Não será <strong>de</strong>sta. Daí a pouco é<br />
tempo <strong>de</strong> “sound-check”, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> concerto e <strong>de</strong>pois disso<br />
<strong>de</strong> dormir e partir para outra<br />
cida<strong>de</strong> e outro concerto.<br />
Portanto, Victoria é uma<br />
mulher <strong>de</strong>spachada. Quando<br />
nos diz, entrevista avançada,<br />
que quem convive com os Beach<br />
House percebe que eles não<br />
são “assim”, já percebemos que<br />
não. “Somos monstros difíceis”,<br />
exagera ela, não “assim”. Assim:<br />
“predominantemente fl oridos<br />
e etéreos”, que foi como viram<br />
a música dos Beach House,<br />
segundo Victoria, os nove<br />
artistas <strong>de</strong> Baltimore a quem a<br />
banda encomendou um fi lme<br />
para cada uma das canções <strong>de</strong><br />
“Teen Dream” (Victoria realizou<br />
o décimo, “Silver soul”, e todos<br />
serão reunidos num DVD que<br />
acompanhará o novo álbum).<br />
Teen Dream<br />
“Teen Dream” é o título do<br />
muito aguardado sucessor <strong>de</strong><br />
“Devotion”, segundo disco da<br />
banda e discreta maravilha em<br />
forma <strong>de</strong> “torch song” narcótica<br />
que, em 2008, transformou<br />
os Beach House em sonho<br />
recorrente dos melómanos <strong>de</strong><br />
bom coração. Quanto ao novo<br />
disco, tem edição marcada<br />
para Janeiro <strong>de</strong> 2010 e será<br />
apresentado amanhã no Teatro<br />
Tivoli.<br />
Nasceu em dois momentos.<br />
Em Fevereiro, Victoria e Alex<br />
isolaram-se em Baltimore,<br />
pressionados, como <strong>de</strong>fi ne<br />
a vocalista, “pela nossa<br />
apaixonada obessão por música<br />
on<strong>de</strong> cada som seja algo em que<br />
acreditamos”. Meses <strong>de</strong>pois,<br />
em Julho, viajaram até Nova<br />
Iorque e completaram-no numa<br />
“Vivendo o que quer sejam os Beach House, damos por nós num<br />
estado obsessivo. E aí o amor adolescente é uma inspiração.<br />
Há tanta coisa ridícula a que os adolescentes se agarram, mas as<br />
também há algo mágico nesse apego” Victoria Legrand<br />
antiga igreja reconvertida em<br />
estúdio – o seu nome, muito<br />
apropriado, é “Dreamland”: “Um<br />
espaço com uma intensida<strong>de</strong><br />
muito característica, aquela<br />
intensida<strong>de</strong> que sentimos<br />
sempre que tocamos em algo<br />
antigo”. Acrescenta: “Tem<br />
uma igreja acoplada, mas o<br />
ambiente não tem nada <strong>de</strong><br />
religioso, nada <strong>de</strong> gótico” – e faz<br />
questão <strong>de</strong> acentuar o “nada <strong>de</strong><br />
gótico”, como que antecipando<br />
a negação, como se esperasse<br />
que ripostássemos algo que não<br />
quereria ouvir. A preocupação<br />
era <strong>de</strong>snecessária.<br />
Gótico, apesar da feitiçaria<br />
pop que são os Beach House,<br />
não é <strong>de</strong>fi nição a<strong>de</strong>quada<br />
à sua música. Menos ainda<br />
em “Teen Dream”, on<strong>de</strong> a<br />
estrutura minimalista <strong>de</strong>sta<br />
música –linhas <strong>de</strong> teclados<br />
evanescentes, uma guitarra<br />
em “sli<strong>de</strong>” dolente, ritmo que<br />
afaga mais que percute – parece<br />
engran<strong>de</strong>cer-se <strong>de</strong> elementos<br />
e exibir uma exuberância<br />
que e não lhes conhecíamos<br />
antes: tes: um onirismo pulsante,<br />
diríamos. ríamos. Victoria ouve-nos e<br />
contextualiza: ntextualiza: “O nosso primeiro<br />
disco sco [“Beach House”, 2006] foi<br />
gravado avado em dois dias, o segundo<br />
[“Devotion”, Devotion”, 2008]<br />
foi composto<br />
composto<br />
em m digressão.<br />
A este<br />
<strong>de</strong>dicámos dicámos<br />
muito uito mais<br />
tempo<br />
que aos<br />
anteriores”.<br />
Neste, queriam<br />
trabalhar uma<br />
“dinâmica mais<br />
imediata”, um<br />
“movimento” diferente.<br />
“E também procurar<br />
sensações mais imediatas,<br />
mais tangíveis.<br />
Os outros discos eram um<br />
fl utuar no passado. Agíamos<br />
como que ausentes. Este,<br />
sentimo-lo vivo”. Nada <strong>de</strong><br />
pânico. Luz baixa e sombras<br />
difusas continuam a fi carlhes<br />
bem. Estes ainda são,<br />
<strong>de</strong>cididamente, os Beach<br />
House: “Não é um gran<strong>de</strong><br />
salto, limitamo-nos a evoluir<br />
naturalmente”. De facto.<br />
A música po<strong>de</strong> ser mais<br />
texturada, mais plástica e mais<br />
ampla, mas esta continua a ser a<br />
banda que <strong>de</strong>scobriu como fazer<br />
<strong>de</strong> melancolia estilizada uma<br />
pose pop. “Teen Dream” mantémnos<br />
na direcção certa. A mesma,<br />
entenda-se. Está tudo nas<br />
palavras <strong>de</strong> Victoria: “À medida<br />
que envelheço, lentamente<br />
mas rápido <strong>de</strong>mais, penso que<br />
gostaria <strong>de</strong> voltar atrás. Não por<br />
nostalgia, mas para ter aquela<br />
intensa e inabalável convicção<br />
nas coisas em que acreditamos.<br />
Vivendo o que quer sejam os<br />
Beach House, damos por nós<br />
num estado obsessivo. E aí,<br />
claro que o amor adolescente é<br />
uma inspiração. Há tanta coisa<br />
ridícula a que os adolescentes<br />
se agarram com fervor, mas<br />
também há sempre algo mágico<br />
nesse apego”. Amanhã. Amanhã<br />
será então tempo <strong>de</strong> confi rmar o<br />
que há <strong>de</strong> novo nestes “velhos”<br />
Beach House.<br />
“Vamos tocar ‘Teen Dream’<br />
em meta<strong>de</strong> do concerto”. É Alex<br />
Scally quem o diz, acabado <strong>de</strong><br />
entrar no quarto berlinense <strong>de</strong><br />
Victoria. Recorda-se bem da<br />
anterior passagem por Portugal,<br />
em Novembro <strong>de</strong> 2008, quando<br />
os Beach House tocaram em<br />
Portalegre, no Porto e em<br />
<strong>Lisboa</strong>. “Lembramo-nos <strong>de</strong>sses<br />
concertos por duas razões.<br />
Primeiro, estávamos a chegar<br />
ao Inverno e sentia-se muito<br />
frio em todo o lado mas, quando<br />
chegámos, o sol brilhava.<br />
Depois, vínhamos <strong>de</strong> Itália e<br />
Espanha, on<strong>de</strong> o público fazia<br />
muito barulho. Em Portugal,<br />
pelo contrário, as pessoas<br />
fi cavam silenciosas, quase<br />
reverentes”. A voz sorri: “Foi tão<br />
intenso que quase temos receio<br />
<strong>de</strong> voltar...”<br />
Amanhã,<br />
Alex. Alex.<br />
Amanhã<br />
será será<br />
tempo <strong>de</strong><br />
saber se o<br />
reverendo<br />
público<br />
português<br />
é ainda<br />
reverente.
Os Beach<br />
House<br />
prometem<br />
tocar “Teen<br />
Dream”<br />
em meta<strong>de</strong><br />
do concerto<br />
Wild Beasts Estes rapazes fizeram-se<br />
Como é que um grupo <strong>de</strong> rapazes da província, altivos, se transformou numa das<br />
bandas mais entusiasmantes da actualida<strong>de</strong>? É tudo uma questão <strong>de</strong> proporção, afi rma<br />
Tom Fleming. Vítor Belanciano<br />
Wild Beasts <strong>Cinema</strong> São<br />
Jorge - Sala 1. Hoje, às 21h30<br />
Confessem, sim, vocês,<br />
“alternativos”, melómanos<br />
“indie”, gente <strong>de</strong> gosto<br />
imaculado: os ingleses Wild<br />
Beasts têm qualquer coisa <strong>de</strong><br />
irritante. Se não se manifestam,<br />
fazemo-lo nós: o álbum <strong>de</strong><br />
estreia, “Limbo, Panto”, editado<br />
o ano passado, não era medíocre,<br />
mas irritante. Possuía aquele<br />
tipo <strong>de</strong> barroquismo que tanto<br />
serve para os Radiohead<br />
fazerem canções seminais,<br />
como abrir-nos a boca <strong>de</strong> bocejo.<br />
Depois havia as entrevistas:<br />
referências à poesia <strong>de</strong> Rimbaud<br />
ou a teorias freudianas sem que<br />
se percebesse bem porquê.<br />
Mas o mais grave era a voz<br />
<strong>de</strong> Hay<strong>de</strong>n Thorpe, espécie <strong>de</strong><br />
Farinelli via Billy Mackenzie<br />
dos Associates, que tanto<br />
fascinava, como enfastiava.<br />
O que é interessante é os<br />
Wild Beasts terem consciência<br />
disso. “Somos da província<br />
[Kendal], viemos <strong>de</strong> um meio<br />
adverso, nesse primeiro disco<br />
<strong>de</strong>fendíamo-nos, queríamos<br />
afi rmar a nossa voz e talvez<br />
tivesse existido algum excesso”,<br />
confessa o baixista e cantor Tom<br />
Fleming. E a seguir, reforça.<br />
“Na nossa zona toda a gente<br />
expressa a zanga e a raiva<br />
assistindo a concertos <strong>de</strong> heavymetal.<br />
Ser verda<strong>de</strong>iramente<br />
provocador é, perante uma<br />
assistência <strong>de</strong> trabalhadores,<br />
ter um cantor <strong>de</strong> voz frágil e<br />
música luxuriante. Hay<strong>de</strong>n<br />
sempre cantou assim, já nem<br />
damos por isso, mas há pessoas<br />
que estranham.”<br />
O segundo álbum, “Two<br />
Dancers”, sem constituir uma<br />
ruptura, é diferente. Contém<br />
o grau sufi ciente <strong>de</strong> diferença<br />
para ultrapassar a linha ténue<br />
que separa a irritação da<br />
aprovação sem reservas. “É<br />
uma questão <strong>de</strong> proporção”,<br />
ri-se Tom. “As canções são mais<br />
focadas. No primeiro álbum<br />
havia muitas i<strong>de</strong>ias, o que é bom,<br />
mas também po<strong>de</strong> resultar em<br />
dispersão. Neste focamo-nos<br />
mais na essência <strong>de</strong> cada uma<br />
das canções.”<br />
O sonho e a realida<strong>de</strong><br />
Algo aconteceu, na verda<strong>de</strong>.<br />
Vocalmente, estão mais<br />
diversos. Andrew está<br />
menos teatral e agora é<br />
contrabalançado pelas<br />
vocalizações graves <strong>de</strong> Tom.<br />
Sonicamente, as canções são<br />
mais fl uidas e organizadas.<br />
“Apren<strong>de</strong>mos imenso no<br />
estúdio com o primeiro álbum.<br />
Pensávamos que éramos<br />
melhor banda, na forma<br />
como tocávamos juntos, do<br />
que éramos realmente”, diz.<br />
“Cuidávamos imenso dos<br />
pormenores <strong>de</strong> estúdio e este<br />
foi feito <strong>de</strong> maneira mais<br />
espontânea. Tocávamos três ou<br />
quatro vezes a mesma canção<br />
em estúdio, todos juntos, e<br />
<strong>de</strong>pois escolhíamos a versão que<br />
nos satisfazia. É um disco que<br />
nos aproxima mais daquilo que<br />
somos.”<br />
Ao lado <strong>de</strong> “xx” dos The xx<br />
ou <strong>de</strong> “Primary Colours” dos<br />
The Horrors – dois grupos com<br />
quem já andaram em digressão<br />
– é o tipo <strong>de</strong> álbum criativo que<br />
comprova que, fi nalmente, há<br />
em Inglaterra bandas capazes<br />
<strong>de</strong> fazerem frente ao domínio<br />
ianque dos últimos anos.<br />
“O clima criativo, em<br />
Inglaterra, mudou muito no<br />
último ano”, reconhece Tom. “Há<br />
um ano a rádio era dominada<br />
por bandas francamente<br />
chatas. No último ano as coisas<br />
modifi carem-se. Talvez tenha a<br />
ver com a recessão. As pessoas<br />
têm pouco dinheiro e não o<br />
gastam em porcaria.”<br />
Por falar nos EUA, algumas<br />
das reacções mais entusiastas<br />
ao novo disco têm surgido dali.<br />
“No próximo ano vamos fazer<br />
uma longa digressão pelos EUA,<br />
estou muito ansioso”. Por agora,<br />
a Europa. Quando falámos com<br />
ele estava em Berlim – “a minha<br />
cida<strong>de</strong> favorita da Europa” – e<br />
hoje é a vez <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. “O disco<br />
tem uma sonorida<strong>de</strong> calorosa<br />
que, <strong>de</strong> alguma forma, se per<strong>de</strong><br />
ao vivo. Mas as pessoas aí<br />
po<strong>de</strong>m esperar ritmo, guitarras,<br />
uma energia saudável”, atira.<br />
Ao longo do último ano, os<br />
rapazes da província correram<br />
mundo. Uma fi cção tornada<br />
verda<strong>de</strong>. Pelo menos em teoria.<br />
“Crescemos imenso, claro,<br />
enquanto músicos e como<br />
pessoas” – e excita-se com a<br />
<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> algumas cida<strong>de</strong>s<br />
que conheceu, para logo <strong>de</strong><br />
seguida refrear o entusiasmo.<br />
“Andar em digressão é bom,<br />
mas também é estranho. É ir aos<br />
sítios com que sempre se sonhou<br />
e não ter tempo para ver nada.<br />
É um sonho tornado realida<strong>de</strong>,<br />
mas nunca há tempo para a<br />
realida<strong>de</strong>.”<br />
As canções do novo disco<br />
acabaram por ser compostas<br />
entre viagens. Po<strong>de</strong>r-se-ia<br />
pensar que as letras<br />
seriam diferentes. ntes.<br />
Mas não. Tal<br />
como já<br />
acontecia<br />
no primeiro<br />
álbum, as canções ções<br />
têm uma carga a<br />
erótica sombria ia<br />
e Rimbaud volta lta a<br />
ser citado. “Hay<strong>de</strong>n ay<strong>de</strong>n gosta<br />
muito <strong>de</strong> escritores tores<br />
contemporâneos eos<br />
como Ian McEwan, wan,<br />
mas é verda<strong>de</strong> e que todos temos<br />
uma fi xação em m Rimbaud.<br />
Na sua poesia existe uma<br />
vulnerabilida<strong>de</strong>, mistura <strong>de</strong><br />
confusão e <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z profunda,<br />
que nos aproxima <strong>de</strong>le. É<br />
natural, na adolescência, essa<br />
energia em bruto, direccionada,<br />
<strong>de</strong> forma confusa, para todas as<br />
direcções.”<br />
E a seguir, conclui: “A nossa<br />
música é sensual, mas <strong>de</strong> forma<br />
directa. Em parte, talvez seja<br />
por isso, que ninguém lhe é<br />
indiferente e ainda irritamos<br />
tanta gente.”<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 48 e segs.<br />
“A nossa música é sensual, mas <strong>de</strong> forma directa.<br />
Em parte, talvez seja por isso, que ninguém lhe é indiferente<br />
e ainda irritamos tanta gente” Tom Fleming<br />
“Two<br />
Dancers”,<br />
sem constituir<br />
uma ruptura<br />
em relação<br />
ao disco<br />
anterior,<br />
contém o grau<br />
sufi ciente<br />
<strong>de</strong> diferença<br />
para<br />
ultrapassar<br />
a linha que<br />
separa<br />
a irritação<br />
da aprovação<br />
sem reservas
Little Joy o sol<br />
da Califórnia<br />
nasceu na noite<br />
<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
Fabrizio Moretti dos The Strokes e Rodrigo<br />
Amarante dos Los Hermanos encontraram-se<br />
em <strong>Lisboa</strong>, gravaram ao sol da Califórnia e agora<br />
vêm agra<strong>de</strong>cer o projecto Little Joy à cida<strong>de</strong> que<br />
os juntou, na companhia <strong>de</strong> Binki Shapiro. “Não<br />
é bonito?” diz-nos Fabrizio. É sim senhor. Vítor<br />
Belanciano<br />
Little Joy Teatro Tivoli.<br />
Amanhã, às 22h15<br />
“Pois é, o sol da Califórnia<br />
nasceu numa noite <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>”<br />
diz-nos às tantas, entre risos,<br />
Fabrizio Moretti, baterista dos<br />
The Strokes e um terço dos<br />
Little Joy, menção ao facto do<br />
embrião do projecto ter sido a<br />
noite em que conheceu Rodrigo<br />
Amarante dos Los Hermanos.<br />
Foi em <strong>Lisboa</strong>, em 2006, no<br />
Festival <strong>Lisboa</strong> Soundz, on<strong>de</strong><br />
os Strokes e os Los Hermanos<br />
tocaram. No fi nal do concerto dos<br />
primeiros, o brasileiro foi aos<br />
bastidores para lhes transmitir<br />
que gostava do grupo e foi aí<br />
que o encontro se <strong>de</strong>u. “Foi uma<br />
noite incrível”, recorda Fabrizio,<br />
a partir <strong>de</strong> Nova Iorque, on<strong>de</strong><br />
os Little Joy acabaram <strong>de</strong> tocar<br />
na companhia <strong>de</strong> Devendra<br />
Banhart.<br />
“Recordo-me que a minha<br />
bagagem tinha fi cado num<br />
aeroporto qualquer, não tinha<br />
roupa nem nada, tiveram que<br />
me emprestar uma camisola<br />
para tocar e estava chateado<br />
com toda a situação. No fi nal<br />
do concerto, nos bastidores,<br />
pensava retirar-me rapidamente<br />
para o hotel, quando <strong>de</strong>i por<br />
mim a falar com um brasileiro.<br />
Apresentou-se, disse que era<br />
músico e fazia parte dos Los<br />
Hermanos. Olhei para ele: ‘a<br />
sério? Adoro a vossa música, o<br />
meu irmão – que vive no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro como a minha<br />
restante família – está sempre<br />
a falar <strong>de</strong> vocês e envia-me os<br />
discos’. A partir daí começamos<br />
a falar e nunca mais parámos.<br />
Bebemos cerveja e pairámos<br />
horas junto a rio, até <strong>de</strong> manhã.<br />
Acabou por ser uma noite<br />
inesquecível.”<br />
Um momento feliz<br />
Fabrizio tem nacionalida<strong>de</strong><br />
americana, mas nasceu no<br />
Brasil. Foi para Nova Iorque<br />
aos quatro anos. Fala bem<br />
português. “Quer dizer, mais<br />
ou menos.” Só quando fala com<br />
regularida<strong>de</strong> em português com<br />
alguém é que consegue adaptarse<br />
à língua.<br />
Foi isso que aconteceu um<br />
ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter conhecido<br />
Rodrigo. Reencontraram-se<br />
em Los Angeles, on<strong>de</strong> Fabrizio<br />
vive há anos e on<strong>de</strong> o brasileiro<br />
participava nas gravações <strong>de</strong><br />
“Smokey Rolls Down Thun<strong>de</strong>r<br />
Canyon” <strong>de</strong> Devendra Banhart.<br />
Na altura, Fabrizio estava <strong>de</strong><br />
folga dos Strokes, a actriz Drew<br />
Barrymore já fazia parte da<br />
história, e era a cantora Binki<br />
Shapiro a sua nova namorada.<br />
“Saíamos os três juntos,<br />
bebíamos umas cervejas e a<br />
Binki insistia para criarmos<br />
umas canções. Tinha uma<br />
série <strong>de</strong> esboços já feitos e<br />
começamos a trabalhar neles<br />
sem gran<strong>de</strong>s preocupações.<br />
Quando <strong>de</strong>mos por nós<br />
“Saíamos os três juntos, bebíamos cervejas e a Binki insistia para<br />
criarmos canções. Quando <strong>de</strong>mos por nós tínhamos um álbum<br />
e resolvemos editá-lo” Fabrizio Moretti<br />
percebemos que tínhamos um<br />
álbum concluído e resolvemos<br />
editá-lo.”<br />
Dito assim parece quase<br />
insolência. Mas ouvindo o álbum<br />
faz imenso sentido. É como se os<br />
The Strokes tivessem acampado<br />
numa praia do Rio, encontrado<br />
um cantor <strong>de</strong> bossa nova e feito<br />
um disco, <strong>de</strong>scontraidamente,<br />
nessa mesma noite, com o<br />
fantasma <strong>de</strong> Nico pairando sob o<br />
céu estrelado.<br />
É um disco <strong>de</strong>sprendido,<br />
fazendo-nos participar na sua<br />
dinâmica ociosa. “Claro que<br />
o ambiente da Califórnia nos<br />
contaminou”, diz, “é um disco<br />
que capta um momento feliz,<br />
sem dúvida.” Há bossa nova,<br />
rock ensolarado, harmonias<br />
vocais, refrões pop anos 60,<br />
guitarras acústicas e <strong>de</strong>rivações<br />
jamaicanas. É um disco que<br />
celebra as pequenas coisas da<br />
existência, cantado em inglês e<br />
português. A brincar, é capaz <strong>de</strong><br />
ser o melhor projecto on<strong>de</strong> um<br />
dos membros dos Strokes já se<br />
viu envolvido.<br />
Fabrizio ri-se com a sugestão,<br />
dizendo que o álbum recente do<br />
vocalista Julian Casablancas<br />
“é bom e muito ambicioso”,<br />
mas logo <strong>de</strong> seguida retratase.<br />
“Claro que este é um<br />
projecto sério, já estamos<br />
a compor canções para um<br />
segundo álbum, mas os Strokes<br />
continuam a ser a minha<br />
banda – vamos regressar no<br />
próximo ano e temos estado a<br />
trabalhar também em material<br />
novo – e é preciso não esquecer<br />
que Rodrigo e Binki também<br />
têm outros projectos. Mas é<br />
verda<strong>de</strong> que nos damos bem,<br />
divertimo-nos e isso não se <strong>de</strong>ve<br />
<strong>de</strong>sperdiçar.”<br />
No disco, tocaram tudo o<br />
que havia para tocar. Fabrizio<br />
ocupou-se das guitarras, do<br />
piano, do baixo, da bateria,<br />
Binko <strong>de</strong> algumas vozes,<br />
guitarra e percussões e<br />
Rodrigo das vozes, guitarra,<br />
piano, baixo ou órgão. “É por<br />
isso que ao vivo é diferente,<br />
seria impossível tocarmos<br />
todos os instrumentos que as<br />
canções pe<strong>de</strong>m”, explica, “mas<br />
a essência <strong>de</strong> cada uma das<br />
canções mantém-se.”<br />
O concerto <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> e três<br />
datas espanholas assinalarão<br />
o término da digressão dos<br />
Little Joy. Depois seguemse<br />
mais aventuras com The<br />
Strokes, mas os próximos dias<br />
não os quer <strong>de</strong>sperdiçar. Para<br />
Fabrizio, o festival constituirá<br />
uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer<br />
<strong>Lisboa</strong>, e não escon<strong>de</strong> o<br />
entusiasmo. “Dessa primeira<br />
vez acabei por não conhecer a<br />
cida<strong>de</strong>. Rodrigo adora Portugal<br />
e tem aí muitos amigos. Agora<br />
estou ansioso por conhecer<br />
<strong>Lisboa</strong>, afi nal foi aí que tudo<br />
começou, não é bonito?”.<br />
O projecto<br />
Little Joy<br />
nasceu em<br />
<strong>Lisboa</strong>:<br />
Fabrizio<br />
Moretti,<br />
baterista<br />
dos Strokes,<br />
conheceu<br />
Rodrigo<br />
Amarante<br />
dos Los<br />
Hermanos,<br />
em 2006,<br />
no <strong>Lisboa</strong><br />
Soundz; para<br />
além <strong>de</strong>les,<br />
há ela, Binki<br />
Shapiro
O Evangelho segundo<br />
Samuelvis<br />
É um dos discos mais aguardados do ano, a estreia <strong>de</strong> Samuel Úria. Em “Não<br />
Lhe Tocava” faz <strong>de</strong> Elvis, Variações, Tom Waits, Prince e o que mais lhe dá<br />
na cabeça. É um vaqueiro urbano que gosta <strong>de</strong> ser parolo e “cool”. Fomos<br />
<strong>de</strong>scobrir <strong>de</strong> que é feita esta cabeça. João Bonifácio<br />
Samuel Úria Hotel Tivoli -<br />
Terraço. Hoje, às 21h15<br />
Samuel Úria marca o encontro<br />
para domingo às nove da manhã,<br />
não por ser um hiperprofi ssional<br />
com uma multinacional<br />
por trás e um dia completo<br />
<strong>de</strong> entrevistas pela frente,<br />
mas porque é a essa hora que<br />
o seu domingo começa. No<br />
entanto, tem mesmo disco para<br />
promover, “Nem Lhe Tocava”, o<br />
seu primeiro ofi cial <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
uma série <strong>de</strong> CD-R e concertos<br />
que o tornaram o segredo mais<br />
guardado da canção portuguesa.<br />
Por tudo o que se tinha visto<br />
<strong>de</strong>le, esperava-se um disco <strong>de</strong><br />
bala<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong> vaqueiro urbano.<br />
Mas “Nem Lhe Tocava” é tudo<br />
mais isso, com realce em “tudo”:<br />
Úria faz <strong>de</strong> Elvis, Tom Waits,<br />
Prince, Variações, Vitorino,<br />
muda <strong>de</strong> pele mantendo sempre<br />
a cara. Não é mais Samuel Úria:<br />
é Samuelvis. E como Samuelvis<br />
não esqueceu o pecado, o motor<br />
da música pop. Acorda cedo aos<br />
domingos para estudar o pecado<br />
e é por isso que, a ter <strong>de</strong> fazer<br />
uma entrevista para promover o<br />
disco, a faz a estas horas, neste<br />
dia: porque é baptista e o seu<br />
domingo é consagrado à Igreja e<br />
à família.<br />
Já se referiu a palavra<br />
“baptista” em relação aos<br />
membros da editora Flor<br />
Caveira inúmeras vezes,<br />
mas ninguém <strong>de</strong> fora se <strong>de</strong>u<br />
ao trabalho <strong>de</strong> ir verifi car<br />
como é que a fé se refl ecte na<br />
música e personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes<br />
músicos. Por isso, em vez <strong>de</strong> o<br />
acompanharmos numa noite <strong>de</strong><br />
pecado, acompanhámo-lo numa<br />
manhã <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção e numa<br />
tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> família, para <strong>de</strong>scobrir<br />
como estas o levaram a escrever<br />
aquele que é, ao lado do disco<br />
<strong>de</strong> João Coração, o melhor disco<br />
português do ano.<br />
Trabalhos <strong>de</strong> casa<br />
Às 9h30 da manhã <strong>de</strong> domingo,<br />
Úria estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma sala<br />
da Igreja Baptista na Graça, para<br />
uma sessão aproximada daquilo<br />
que “para os miúdos católicos se<br />
chama catequese”.<br />
Estava <strong>de</strong> botas Doc Martens<br />
baixas, “jeans” estreitos com<br />
dobra para cima, “blazer”<br />
cinzento, camisa azul, patilhas,<br />
bigo<strong>de</strong> aparado, cabelo curto<br />
com popa entre a <strong>de</strong> Joe<br />
Strummer e a <strong>de</strong> Elvis e perfume.<br />
Parecia um funcionário<br />
público resignado a rebelar-se<br />
aos fi ns-<strong>de</strong>-semana graças a<br />
um visual “proto-rockabilly”,<br />
distante do tipo <strong>de</strong> botas<br />
americanas, camisola <strong>de</strong><br />
cavas e cabelo comprido que<br />
conhecemos dos concertos.<br />
“Eu gosto <strong>de</strong> usar camisola <strong>de</strong><br />
cavas”, disse-nos mais tar<strong>de</strong>,<br />
“por causa da cultura <strong>de</strong> comer<br />
caracóis e usar palito.” É um<br />
lado “piroso barra ‘cool’”, que<br />
diz também ter: “Sou um gajo<br />
do interior, não posso ser ‘cool’ a<br />
100 por cento.”<br />
Há umas <strong>de</strong>z pessoas na sala<br />
e é nítido que se conhecem bem.<br />
Chamam a si próprios alunos,<br />
mas alguns não fi zeram os<br />
trabalhos <strong>de</strong> casa: <strong>de</strong>veriam<br />
ter lido os pontos 3, 4 e 5, que<br />
andam a relacionar com o Salmo<br />
103. “Este é um texto difícil <strong>de</strong><br />
digerir”, diz a professora liceal<br />
que li<strong>de</strong>ra os trabalhos.<br />
Os baptistas não se limitam a<br />
ler. A dada altura, como forma<br />
empírica <strong>de</strong> pensar as palavras<br />
<strong>de</strong> Calvino, fazem um jogo: têm<br />
<strong>de</strong> imaginar que acabaram <strong>de</strong><br />
conhecer um <strong>de</strong>sconhecido com<br />
quem iniciaram longa conversa.<br />
Nessa conversa contam <strong>de</strong>z<br />
coisas acerca <strong>de</strong> si próprios, <strong>de</strong>z<br />
coisas que sejam verda<strong>de</strong>. Têm<br />
<strong>de</strong> escrever essas <strong>de</strong>z coisas<br />
numa lista.<br />
Os itens <strong>de</strong> Úria, reparamos,<br />
são muito pequenos e precisos,<br />
como a sua escrita. É notório que<br />
pon<strong>de</strong>ra bem cada palavra.<br />
A professora diz com o seu
sorriso matreiro: “Desculpem<br />
se isto é indigesto ao domingo<br />
da manhã.” Passam a fazer<br />
uma espécie <strong>de</strong> estatística<br />
do que os membros do grupo<br />
<strong>de</strong> estudo colocaram na sua<br />
lista: os homens puseram<br />
pormenores políticos; ninguém<br />
pôs económicos; sociais, todos<br />
puseram; quase ninguém pôs<br />
nada religioso.<br />
Discutem os seus itens<br />
aos olhos <strong>de</strong> Calvino. Uma<br />
senhora diz: “O Calvino tem<br />
razão, mas acho que não<br />
precisamos <strong>de</strong> viver com essa<br />
culpa permanente sobre nós.”<br />
Úria intervém para lembrar<br />
que a separação <strong>de</strong> Calvino<br />
entre homens e animais é uma<br />
visão do homem enquanto<br />
receptáculo moral. Ele tem a<br />
Bíblia no telemóvel e um lado <strong>de</strong><br />
exegeta: vai constantemente ao<br />
telemóvel Bíblia à procura da<br />
citação exacta e para retirar as<br />
<strong>de</strong>vidas ilações calvinistas.<br />
Depois entra-se na parte<br />
pesada: a professora lembra<br />
que “as putas, para Cristo,<br />
estavam acima dos fariseus”.<br />
Alerta para os pecados da<br />
omissão, do orgulho. E atira: “Se<br />
estivéssemos mais próximos<br />
do coração, provavelmente<br />
estávamos <strong>de</strong> joelhos.” Não se<br />
passa por isto impune.<br />
No fi m dos trabalhos<br />
alguém diz: “Depois disto<br />
merecemos um café.”<br />
A resposta vem pronta, e<br />
em tom <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira: “Não<br />
sei se merecemos.” Talvez<br />
seja este humor que distingue<br />
baptistas <strong>de</strong> católicos – toda a<br />
“aula” <strong>de</strong>correu num ambiente<br />
informal.<br />
Sobem para o andar <strong>de</strong> cima,<br />
on<strong>de</strong> começa a “sessão <strong>de</strong> culto”.<br />
Está longe <strong>de</strong> ser aquilo a que os<br />
católicos chamam igreja: o chão<br />
é <strong>de</strong> corticite, o tecto é falso com<br />
luz <strong>de</strong> néon, o vidro fosco que<br />
separa a igreja da rua mantém<br />
a primeira na penumbra. O<br />
palanque dos instrumentos,<br />
à esquerda do púlpito, está<br />
revestido a dourado em relevo,<br />
como se <strong>de</strong> ali viesse a luz. Há<br />
painéis <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira a revestir a<br />
igreja, e todo o compartimento<br />
tem um certo ar <strong>de</strong> caserna.<br />
Não há uma única cruz. Não há<br />
vitrais. Colunatas. Nada.<br />
Úria dirige os trabalhos<br />
porque “o pastor tem gripe A”.<br />
Po<strong>de</strong> presumir-se que o hábito<br />
<strong>de</strong> subir ao púlpito lhe tenha<br />
dado à vonta<strong>de</strong> no palco.<br />
Fazem pedidos <strong>de</strong> comida para<br />
cabazes <strong>de</strong> Natal, para dar a<br />
famílias necessitadas. Pe<strong>de</strong>m a<br />
Deus que os ilumine a respon<strong>de</strong>r<br />
às perguntas dos pequenos, que<br />
na escola encontram muitas<br />
dúvidas face ao que apren<strong>de</strong>m<br />
na Bíblia e o que os colegas lhes<br />
dizem.<br />
Cantam o hino “Santo, santo,<br />
santo”. É aqui que vem a música<br />
<strong>de</strong> Úria, <strong>de</strong>ste Portugal<br />
fi ncado na América:<br />
esta versão <strong>de</strong><br />
“Santo, santo,<br />
santo” é<br />
um R&B<br />
com<br />
laivos <strong>de</strong> gospel, entrecortado<br />
pelo choro dos bebés dos<br />
“irmãos”. E é belíssimo. Estão<br />
todos no tom. Batem palmas<br />
para marcar o tempo. Uma mãe<br />
canta com um bebé ao colo: “Ele<br />
é exaltado, o Rei é exaltado para<br />
sempre.” É a irmã <strong>de</strong> Úria.<br />
No fi m ninguém faz o sinal<br />
da cruz. Ninguém se ajoelha. O<br />
“pós-lúdio” é arrepiante, como<br />
uma balada gospel que Tom<br />
Waits escrevesse para Cash e<br />
acabasse por fi car instrumental,<br />
porque entretanto Cash morrera.<br />
Infl uência americana<br />
Estamos no restaurante<br />
do Monumental, on<strong>de</strong> aos<br />
domingos o casal Úria – Raquel é<br />
a mulher – almoça sempre, o que<br />
faz sentido, se pensarmos que<br />
são fanáticos <strong>de</strong> cinema.<br />
Nascido em 1979, Samuel tem<br />
uma memória impressionante<br />
<strong>de</strong> infância. “Sou fi xado no ano<br />
<strong>de</strong> 1986. Fui operado a uma<br />
apendicite, concluí a escola<br />
primária, começou a dar na TV<br />
os ‘Jovens Heróis <strong>de</strong> Shaolin’,<br />
<strong>de</strong>u o México <strong>de</strong> 86.” Sabe que<br />
teve a primeira TV a cores em<br />
1983, uma Grundig vermelha,<br />
que 1983 foi o ano <strong>de</strong> O Tal Canal,<br />
lembra-se que teve o primeiro<br />
ví<strong>de</strong>o em 1984.<br />
Neto do sapateiro Armelindo,<br />
cresceu numa zona rural, mas<br />
admite que tem o hábito <strong>de</strong><br />
“tornar um bocado fábula as<br />
raízes rurais”, porque na prática<br />
“não [foi] privado <strong>de</strong> nada”. Em<br />
miúdo “via mesmo muita TV”,<br />
pelo que quando começou a vir<br />
a <strong>Lisboa</strong> “com 14, 15 anos não<br />
havia <strong>de</strong>sfasamento cultural por<br />
causa da TV”.<br />
Em seguida os Úrias levamnos<br />
para sua casa, servem-nos<br />
um magnífi co sumo <strong>de</strong> limão e<br />
ainda nos oferecem a receita.<br />
Na pequena casa dos Úrias,<br />
Samuel tem um pequeno<br />
escritório só para si, que,<br />
imaginamos, seria do agrado<br />
<strong>de</strong> Tom Waits, o primeiro<br />
músico cuja discografi a<br />
completou: uma panóplia<br />
<strong>de</strong> instrumentos<br />
musicais mistura-se<br />
com roupas atiradas<br />
para um canto, livros,<br />
discos, tralha sem<br />
or<strong>de</strong>m aparente.<br />
Numa estante estão<br />
centenas <strong>de</strong> BD, <strong>de</strong><br />
Frank Miller a Joe<br />
Sacco, passando por<br />
Jack Cole Sam Keith,<br />
Windson McKay.<br />
“Cresci com os<br />
‘comics’ americanos<br />
por uma questão<br />
<strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong>,<br />
porque eram formatos<br />
mais pequenos e<br />
mais baratos”, conta.<br />
“Quando era puto, o meu<br />
sonho era fazer BD. Pelo<br />
menos até aos 16, 17 anos.”<br />
“A BD pôs-me em contacto<br />
com as traduções brasileiras,<br />
que põem menos barreiras à<br />
língua que os portugueses.”<br />
Começamos a perceber como<br />
foi compondo o seu quadro<br />
lírico mental, quando nos diz<br />
que “a canção portuguesa dos<br />
anos 40, 50, 60 era mais pensada<br />
em termos <strong>de</strong> musicalida<strong>de</strong><br />
portuguesa, do som da sílaba,<br />
o que <strong>de</strong>pois se per<strong>de</strong>u com a<br />
adaptação à força da língua ao<br />
pop-rock”.<br />
A infl uência americana<br />
esten<strong>de</strong>-se a tudo. No cinema<br />
diz estar “há muitos anos ‘in<br />
awe’ com John Ford: “Tem uma<br />
linguagem embrutecida, mas<br />
em termos estéticos aquilo é<br />
trabalhadíssimo.” Gosta <strong>de</strong><br />
Roselini, De Sica, Visconti, mas<br />
quando olhamos em volta os<br />
fi lmes que vemos são clássicos<br />
americanos: “Rio Bravo”<br />
(Hawks), “Relíquia Macabra”<br />
(Houston), “Young Mr. Lincoln”<br />
e “A Taberna do Irlandês”<br />
(Ford).<br />
Toca guitarra durante<br />
uns instantes, numa dobro<br />
lindíssima: sai-lhe um blues em<br />
“sli<strong>de</strong>” magnífi co, mas recusa<br />
ser visto como virtuoso. “Tive<br />
uma banda jazz. Quando ouço<br />
as cassetes do que fazíamos,<br />
pergunto-me como é que<br />
conseguia tocar aquilo.” Foi<br />
“Sou fixado no ano <strong>de</strong> 1986. Fui operado a uma apendicite, concluí a escola primária,<br />
começou a dar na TV os ‘Jovens Heróis <strong>de</strong> Shaolin’, <strong>de</strong>u o México <strong>de</strong> 86”<br />
aí que <strong>de</strong>cidiu que não seria o<br />
Steve Vai <strong>de</strong> Gouveia e resolveu<br />
fazer canções.<br />
Quando se sentou a tocar<br />
libertou-se e quando nos<br />
pusemos a ouvir o disco ainda<br />
mais. Tínhamos ouvido em<br />
estúdio, antes das misturas e ele<br />
estava ansioso. Mas agora está<br />
calmo, apesar do peso que “Não<br />
Lhe Tocava” acarreta: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
Úria “é com o disco conseguir<br />
pela primeira vez viver da<br />
música”.<br />
Úria é professor <strong>de</strong> Educação<br />
Visual em Santa Iria da Azóia,<br />
mas dá só 12 horas <strong>de</strong> aulas por<br />
semana, “o que <strong>de</strong>u tempo para<br />
acabar fi nalmente o disco”. Uma<br />
das razões por que levou tanto<br />
tempo a editar: em seis anos teve<br />
seis casas e só há um conseguiu<br />
assentar em <strong>Lisboa</strong>. “Neste<br />
disco apeteceu-me aligeirar um<br />
pouco. Quis borrifar-me para o<br />
estilo.”<br />
Soa a “bouta<strong>de</strong>”, mas<br />
pensamos que é verda<strong>de</strong> quando<br />
escutamos “No cover”. Ele<br />
atira: “É um bocado a ‘Leitaria<br />
Garrett’ do Vitorino com um<br />
solo à Demmis Roussos.” É a<br />
mais inóspita <strong>de</strong>fi nição musical<br />
alguma vez proposta. Mas tornase<br />
tudo mais “nonsense” quando<br />
diz: “Quero ver isto cantado<br />
pelo Clemente.” Depois pelo<br />
meio <strong>de</strong>screve o seu canto como<br />
“Prince com catarro”, diz que<br />
aqui imitou Variações, ali Dean<br />
Martin, e escangalha-se a rir<br />
com a sua imitação <strong>de</strong> Elvis.<br />
A dada altura lembramonos<br />
que <strong>de</strong> manhã ele tinha<br />
lembrado a tarefa <strong>de</strong> Jesus: “Veio<br />
para trazer vida, fazer viver o<br />
que se tinha perdido.”<br />
“Não Lhe Tocava” é isso: fazer<br />
viver a música que tínhamos<br />
esquecido. Quando lhe pedimos<br />
uma <strong>de</strong>fi nição do que faz,<br />
encolhe os ombros e diz: “Quero<br />
fazer músicas que se possam<br />
assobiar.”<br />
Em “Não<br />
Lhe Tocava”<br />
Samuel faz<br />
<strong>de</strong> Elvis,<br />
Variações,<br />
Tom Waits,<br />
Prince e o que<br />
mais lhe dá<br />
na cabeça;<br />
é um vaqueiro<br />
urbano<br />
que gosta<br />
<strong>de</strong> ser parolo<br />
e “cool”
MUSEU DO ORIENTE<br />
EXPOSIÇÕES<br />
Visita orientada:<br />
A Tailândia na exposição Deuses da Ásia<br />
ESPECTÁCULOS<br />
Marionetas tradicionais da Tailândia:<br />
Hobby Hut Puppet Troupe<br />
CONHECIMENTO<br />
Oficinas<br />
Cada cabeça, cada chapéu<br />
Amuletos <strong>de</strong> amor!<br />
Workshops<br />
Cozinha tailan<strong>de</strong>sa<br />
Muay Thai<br />
Carving<br />
Demonstrações<br />
Massagem tailan<strong>de</strong>sa<br />
ENCONTROS<br />
Palestra: O budismo na socieda<strong>de</strong> contemporânea<br />
Contadores <strong>de</strong> histórias tradicionais<br />
GASTRONOMIA<br />
Cozinha tailan<strong>de</strong>sa no restaurante do museu<br />
Consulte a programação em www.museudooriente.pt<br />
mecenas principal: mecenas espectáculos: mecenas do serviço educativo:<br />
Museu do Oriente<br />
Av. Brasília<br />
Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte)<br />
1350-352 <strong>Lisboa</strong><br />
Tel: 213 585 200<br />
info@foriente.pt<br />
www.museudooriente.pt<br />
6 a 20 Dezembro<br />
parcerias:<br />
apoios:
O método<br />
<strong>de</strong> B Fachada<br />
Tentámos chegar ao músico através da música. Demoslhe<br />
canções. Calou-se em “God only knows”, lamentou<br />
a morte <strong>de</strong> Variações e não reparou em Devendra.<br />
Confessou-se herege com Cohen. E não hesitou na<br />
resposta à pergunta: Chico ou Caetano? Mário Lopes<br />
Devendra Banhart canta a felicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> saborear um pedaço <strong>de</strong> fruta<br />
em Santa Maria da Feira, mas o Fachada<br />
nem o ouve. Fala-nos <strong>de</strong> José<br />
Afonso e <strong>de</strong> como o incomoda a “utilida<strong>de</strong><br />
partidária” que põem no “Zeca”:<br />
“Tem uma perspectiva sobre o<br />
mundo, mas nem é excessivamente<br />
moralista”. Compara: “Ouvir o [Georges]<br />
Braessens sem perceber o que<br />
ele está a cantar é um bocado chato,<br />
porque as músicas são parecidas, agora<br />
o Zeca? O Zeca é disco atrás <strong>de</strong> disco”.<br />
Devendra continua a balançar lá<br />
atrás e Fachada há-<strong>de</strong>, por fim, reparar<br />
nele. Irónico. Taxativo. “Nunca<br />
me atraiu a barba e o banho por tomar.<br />
Passaram-me algumas coisas,<br />
mas nunca fui a fundo”. Ri-se: Nunca<br />
tive... capacida<strong>de</strong>”.<br />
Ouvimo-lo dizer aquilo enquanto<br />
rodávamos disco atrás <strong>de</strong> disco, investigando<br />
os seus fascínios, empatias<br />
ou <strong>de</strong>sinteresses (ele é diplomático e<br />
não diz “<strong>de</strong>testo isto”, diz “não sinto<br />
empatia por”). Queríamos chegar ao<br />
músico através <strong>de</strong> música. O músico<br />
ouviu e falou, calou-se quando ouviu<br />
“God only knows”, dos Beach Boys,<br />
entusiasmou-se quando ecoou a voz<br />
<strong>de</strong> Alfredo Marceneiro e nem reparou<br />
no Devendra. Mesmo no fim, confessou-se<br />
herege. Demos-lhe “Last<br />
year’s man”, do “Songs Of Love<br />
And Hate” <strong>de</strong> Leonard Cohen, ele<br />
preferiu que fossemos buscar “I’m<br />
Your Man”: “Este soa-me <strong>de</strong>masiado<br />
sério. O ‘I’m Your Man’ é o Cohen com<br />
a leveza necessária para ser Cohen”.<br />
Fachada fã<br />
B Fachada acaba <strong>de</strong> editar novo álbum,<br />
homónimo, o sucessor <strong>de</strong>sse<br />
“Um Fim-<strong>de</strong>-Semana No Pónei Dourado”<br />
a que chamou disco <strong>de</strong> Verão.<br />
“B Fachada” seria então o seu disco<br />
<strong>de</strong> Inverno. Apesar dos pianos e do<br />
tom outonal <strong>de</strong> algumas melodias,<br />
arriscamos que o Inverno será curto<br />
para ele. É disco para, pelo menos,<br />
um ano inteiro. Não foi <strong>de</strong>le, contudo,<br />
que falámos. Inevitavelmente, a sua<br />
música aflorou aqui e ali, mas o que<br />
queríamos perceber era o que existe<br />
por trás <strong>de</strong>la. Tínhamos uma teoria.<br />
Arriscávamos que, absorvido a tempo<br />
inteiro no seu “metiér”, Bernando<br />
Fachada não ouve música com aquela<br />
tipicamente juvenil capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
maravilhamento. Ouve-a com os sen-<br />
14 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
tidos <strong>de</strong>spertos àquilo que, quer seja<br />
uma métrica, uma figura <strong>de</strong> guitarra,<br />
uma inflexão melódica, possa a retirar<br />
para as suas canções.<br />
Quase no fim, pareceu revelar-se: velar-se:<br />
“Não quero ser um ‘geek’ da música.<br />
Não sou aquele gajo que sabe o nome<br />
<strong>de</strong> todos os elementos das bandas<br />
e que ouviu todas as bandas da editora<br />
tal. Estou completamente nte a<br />
leste disso”. Isso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não<br />
lhe atirem um Caetano para a a<br />
frente. Não o fizemos. Demos- s-<br />
lhe “Caçada”, <strong>de</strong> Chico<br />
Buarque. Ele mor<strong>de</strong>u o<br />
isco, mas apenas para<br />
nos arrastar até Veloso.<br />
Duas frases entre<br />
um e outro: “Tinha e<br />
tenho alguns problemas<br />
com o Chico Buarque,<br />
mas nos últimos<br />
tempos tenho<br />
estado a fazer as pazes.<br />
Sou fã incondicional<br />
do Caetano”. A partir<br />
daqui, não há distanciamento.<br />
Querem conhecer<br />
o Fachada fã? Falem-lhe do autor<br />
<strong>de</strong> “Tropicália”. “Para mim é<br />
quase sagrado. Tem aquelas coisas<br />
mais pirosas, mas fazem parte. Toda<br />
a gente tem coisas que não são para<br />
ouvir isoladamente e o Caetano é<br />
sempre o Caetano. O que quer que<br />
faça, terá sempre o meu aval. Porque<br />
ele é a pessoa, a voz, a imagem, o<br />
charme, as variações <strong>de</strong> humor”. Na<br />
sua galeria <strong>de</strong> heróis, Caetano é caso<br />
único: “Pois, não tenho esta tolerância<br />
com outros músicos”. “E Chico?”,<br />
reconduzimos. Pois bem, Chico tem<br />
um problema.<br />
A música <strong>de</strong> B Fachada faz-se <strong>de</strong><br />
uma lírica surpreen<strong>de</strong>nte. Ali <strong>de</strong>scobrimos<br />
um contador <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong>salinhado,<br />
um habilíssimo encenador<br />
<strong>de</strong> improváveis. Pega em personagens,<br />
lança-as ao mundo e, com inegável<br />
prazer, mostra-nos como as<br />
banalida<strong>de</strong>s da vida po<strong>de</strong>m ser bem<br />
mais ricas e complexas que a ficção.<br />
Não existe um subtexto moral que nos<br />
permita compreendê-las: existe a “incoerência”<br />
que Fachada vê todos os<br />
dias e que reconhece em toda a gente.<br />
É neste ponto que regressamos a Chico<br />
Buarque.<br />
“O meu problema com ele é uma<br />
questão <strong>de</strong> moralismo. Há um exces-<br />
TOM WAITS<br />
“Este é gran<strong>de</strong> com as vozes todas.<br />
Tem que se ouvir tudo. E o<br />
engraçado é que é superaudível<br />
em qualquer volume e em qualquer<br />
circunstância”<br />
BOB DYLAN<br />
so <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong><br />
“Sabia que ia levar com isto<br />
no Chico e<br />
Reconhece-lhe a gran<strong>de</strong>za<br />
estas coisas,<br />
mas não é crente”<br />
o excesso <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong><br />
e o moralismo,<br />
andam sempre<br />
ligadas”. Ainda assim, não lhe é imune:<br />
“Claro que tem uma coisa que o<br />
Zeca também tem. A música começa,<br />
eles cantam e uma pessoa esquece-se.<br />
Eu ouço as letras, mas ouço a qualida<strong>de</strong><br />
sonora das letras e o conteúdo<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter importância. O resto que<br />
está a acontecer é tão gran<strong>de</strong> que o<br />
facto <strong>de</strong> serem estalinistas ou trotskistas<br />
não me faz gran<strong>de</strong> diferença”. A<br />
questão do moralismo é recorrente<br />
em B Fachada.<br />
Gran<strong>de</strong> com as vozes todas<br />
Vejamos, começámos a sessão com<br />
FRANK ZAPPA<br />
“Um gajo tem que estar<br />
com pachorra para o aturar,<br />
não é todos os dias”
ANTÓNIO VARIAÇÕES<br />
“Cientificamente, é possível eu<br />
“Hunchback”, “Hunch <strong>de</strong> Kurt Vile, o um controlo Waitsiano da voz. É o<br />
ser a reencarnação do Variações.<br />
rock’n’roller rock “clássico-mo<strong>de</strong>rno” Cesário Ver<strong>de</strong> do fado” – e este, regis-<br />
Ele morreu no início <strong>de</strong> 1984, eu<br />
que q viajará do Porto, on<strong>de</strong> te-se, é o fado que lhe interessa.<br />
nasci no fim <strong>de</strong> 1984. Foi o tempo<br />
actua no Maus Hábitos, “Quem existe hoje? O Camané, claro,<br />
<strong>de</strong> fazer um estágio no céu para<br />
dia 8, para tocar com ele e a Ana Moura, numa vertente femi-<br />
ficar heterossexual e regressar”<br />
no dia seguinte, dia 9, nina. De resto, passa-se o tempo a<br />
no Frágil, em <strong>Lisboa</strong>. cantar uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> vida. Umas vielas<br />
“Gosto disto. Parece e uma Alfama que já não são a vida<br />
que está disfarçado mesmo”.<br />
à anos 70. São anos Ainda Fachada disserta quando no-<br />
70 à paisana”. Passáva canção se faz ouvir. Esta, ao con-<br />
CAETANO<br />
“Para a mim é quase sagrado.<br />
Tem aquelas uelas coisas mais pirosas,<br />
mas fazem zem parte. Toda a gente<br />
tem coisas oisas que não são para o<br />
mos <strong>de</strong>pois para um<br />
“clássico-clássico”,<br />
Bo Bob Dylan. Ao segundo<br />
d acor<strong>de</strong>, já Fachada<br />
d está a soltar uma<br />
gargalhada. g<br />
“Sabia<br />
trário da <strong>de</strong> Devendra, fá-lo parar.<br />
“Visões-Ficções (Nostradamus)”.<br />
António Variações. É um nome regularmente<br />
associado ao seu. “Isso é<br />
pela barba e pelo cachecol”, diz primeiro.<br />
Depois, põe um ar sério: “Cien-<br />
uvir isoladamente oladamente e o Caetano<br />
qque<br />
ia levar com istificamente, é possível eu ser a reen-<br />
é sempre o Caetano”<br />
to to”. Reconhece-lhe a carnação do Variações. Ele morreu<br />
“g “gran<strong>de</strong>za”, mas não no início <strong>de</strong> 1984, eu nasci no fim <strong>de</strong><br />
é<br />
“crente”. Da Améri- 1984. Foi o tempo <strong>de</strong> fazer um estágio<br />
ca, prefere outras no céu para ficar heterossexual e re-<br />
paragens. gressar”. Não, não era a sério.<br />
“In the nei- Seriamente, fala da “infelicida<strong>de</strong>”<br />
ghbourhood”, do autor <strong>de</strong> “Anjo Da Guarda”: “Mor-<br />
Tom Waits. reu <strong>de</strong>masiado cedo e nunca conse-<br />
“Este é gran<strong>de</strong> guiu gravar um disco perfeito. O que<br />
com as vozes conhecemos é a infância <strong>de</strong> uma gran-<br />
todas”, entu<strong>de</strong> coisa”.<br />
siasma-se.<br />
“Tem que se ou- Ele queria ser neurótico<br />
JORGE PALMA<br />
vir tudo. E o en- Conhecemos melhor B Fachada ao<br />
“O ‘Só’ é um disco que tem <strong>de</strong> se<br />
graçado é que é vê-lo ouvir música? Certamente. Os<br />
ouvir <strong>de</strong> seis em seis meses. Um<br />
superaudível em discos suce<strong>de</strong>m-se e as canções suge-<br />
disco perfeito do Palma”<br />
qualquer volume e em rem-lhe que <strong>de</strong>las fuja ou que com<br />
qualquer circunstância. Po- elas divague. Nada <strong>de</strong> monossílabos,<br />
<strong>de</strong>mos ouvi-lo <strong>de</strong> fato ou nus. Isso nada <strong>de</strong> silêncios. Quanto muito, ske-<br />
tem a ver também com a postura tches rápidos. Revelemo-los.<br />
<strong>de</strong>le. Não se leva muito a sério Thelonius Monk, “Round About<br />
e, normalmente, quem se leva Midnight”: “Gosto dos clássicos. Nes-<br />
muito a sério é obrigado a tas coisas, confio muito na história e<br />
uma postura que corta ou- não sinto gran<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, por<br />
tros veículos.”<br />
exemplo, investigar os saxofonistas<br />
B Fachada até <strong>de</strong>dicou todos à procura <strong>de</strong> um que seja me-<br />
uma canção, “Zappa porlhor que o [John] Coltrane, o Pharaoh<br />
tuguês”, a um músico que San<strong>de</strong>rs ou o Coleman Hawkins”.<br />
levava muito seriamente a Jorge Palma, “Na Terra dos So-<br />
sua iconoclastia e activismo nhos”: “O ‘Só’ é um disco que tem <strong>de</strong><br />
não engajado, mas não confia se ouvir <strong>de</strong> seis em seis meses. Um<br />
em máscaras <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong>. Ro- disco perfeito do Palma. Para muita<br />
DEVENDRA<br />
“Nunca me atraiu<br />
a barba e o banho por tomar.<br />
Passaram-me algumas coisas,<br />
mas nunca fui a fundo”<br />
damos “Plastic people” e ele<br />
encolhe-se. Aprecia Zappa, ouvelhe<br />
os discos, acha que caberia pelo<br />
menos um <strong>de</strong>les numa discoteca universal<br />
<strong>de</strong> 100 álbuns. “Mas não é pop<br />
para consumir, não é digestivo”. “Es-<br />
gente, eu incluído, estas são as únicas<br />
versões conhecidas <strong>de</strong>stas canções”.<br />
Animal Collective, “Grass”:<br />
“Sempre que as pessoas me mostram<br />
uma ou outra canção acho-os engratá<br />
noutra divisão”. Sentença: “Um çados. Depois vou tentar ouvir sozi-<br />
gajo tem que estar com pachorra panho e não resulta. Se calhar é uma<br />
ra o aturar, não é todos os dias”. música mais social”, sorri.<br />
Resumindo, não gosta <strong>de</strong> moralis- Beach Boys, “God only knows”.<br />
mos e, como tal, prefere quem não se Aqui, <strong>de</strong>tém-se. “É tudo tão perfeiti-<br />
leva <strong>de</strong>masiado a sério, quem sabe nho nos discos dos Beach Boys. É in-<br />
“sabotar-se”. Daí preferir o Cohen dos crível, mas nunca há um som fora do<br />
sintetizadores e dos coros femininos sítio”. Segue a canção em silêncio.<br />
ao do <strong>de</strong>purado a voz e guitarra. “Não Volta a si e confessa: “O Brian Wilson<br />
compro a i<strong>de</strong>ia do cantautor poeta e é incrível. Tenho um bocado inveja<br />
não percebo como é que a letra po<strong>de</strong> <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r ser um gajo neurótico<br />
pertencer a uma arte erudita e a mú- que se recusa a sair do estúdio”.<br />
sica a uma popular. No meu caso, Com o lançamento do álbum ho-<br />
nunca existe qualquer pretensão nesmónimo, Fachada encerra o ano com<br />
se aspecto. As letras cumprem o seu dois discos editados. Não foram fruto<br />
papel, que é serem estruturais na can- <strong>de</strong> um fluxo inesperado <strong>de</strong> inspiração.<br />
ção.”<br />
Tudo trabalho, dir-nos-á.<br />
Assim, não nos surpreen<strong>de</strong> a sua Antes <strong>de</strong> se <strong>de</strong>spedir, conta-nos que<br />
reacção logo que se ouve o primeiro já tem programado aquilo que fará<br />
trinado <strong>de</strong> guitarra portuguesa em “A em 2010. “B Fachada” acabou <strong>de</strong> sair<br />
casa da Mariquinhas”, <strong>de</strong> Alfredo e ele já está a preparar novas canções<br />
Marceneiro. Maravilha-o o saber e e novos cenários para as canções por<br />
técnica contidos naquela música. vir. Não sendo neurótico, tem método<br />
Acompanha a canção: “‘Janela com<br />
tabuinhas’. A métrica ali é lixada, mas<br />
muito apurado.<br />
não falha. Marceneiro não falha. Tem Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 48 e segs.<br />
Música<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 15
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
Música<br />
Joana muito à fr<br />
Há uma cida<strong>de</strong> na Califórnia on<strong>de</strong> toda<br />
a gente quer apren<strong>de</strong>r a pronunciar<br />
“Car-nei-ro”. A maestrina <strong>de</strong> 33 anos<br />
é a nova estrela <strong>de</strong> Berkeley. Foi recebida<br />
<strong>de</strong> braços abertos, com um entusiasmo<br />
pouco comum. “Tive uma<br />
recepção calorosa”, diz-nos no início<br />
da conversa longa que tivémos na Fundação<br />
Gulbenkian. Começou a dirigir<br />
a Sinfónica <strong>de</strong> Berkeley em Janeiro <strong>de</strong><br />
2009, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter ganhado o concurso<br />
com uma perna às costas. O júri<br />
não teve dúvidas: “Ela é a pessoa<br />
certa no lugar certo. A interacção com<br />
os músicos, o nível a que os levou em<br />
quatro ensaios foi notável”.<br />
Até ver, só elogios: os músicos da<br />
orquestra adoram-na e elogiam-lhe o<br />
rigor tanto quanto a sua calorosa presença;<br />
Esa-Pekka Salonen, que ela tem<br />
como “mentor” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi sua maestrina<br />
assistente na superorquestra<br />
Filarmónica <strong>de</strong> Los Angeles, disse “tu<br />
tens <strong>de</strong> concorrer àquela orquestra,<br />
é i<strong>de</strong>al para ti”; o compositor John<br />
Adams (que vive em Berkeley) gabalhe<br />
a combinação <strong>de</strong> rigor e <strong>de</strong>scontracção<br />
e anuncia ao mundo que “a<br />
coisa maravilhosa em vê-la ensaiar é<br />
que ela faz toda a gente sentir-se à vonta<strong>de</strong>,<br />
e domina completamente a partitura”;<br />
o concertino, que ela já conhecia<br />
<strong>de</strong> Los Angeles, garante que quase<br />
nunca viu nada assim – “empenho e<br />
16 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Joana Carneiro gravou o seu primeiro disco, em que faz dançar a Orquestra G<br />
Sinfónica <strong>de</strong> Berkeley, cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> esperam <strong>de</strong>la o impossível. O truque é que para e<br />
entusiasmo e paixão”. “Uau!”, exclamam<br />
unanimemente músicos e críticos<br />
que assistiram aos primeiros concertos<br />
dirigidos por ela em Berkeley.<br />
“Ela encaixa”, “ela é extraordinária”,<br />
“fantástica”, “jovem, enérgica, inteligente,<br />
e com bom humor”, “a orquestra<br />
segue a sua enorme exigência”...<br />
e por aí fora. Um violoncelista da orquestra<br />
resumiu: “O coração <strong>de</strong>la é<br />
todo música”.<br />
Imaginar sem fronteiras<br />
O anterior maestro Kent Nagano <strong>de</strong>posita<br />
toda a confiança nela para continuar<br />
o trabalho <strong>de</strong> uma das orquestras<br />
mais à frente dos Estados Unidos<br />
da América: “A orquestra já existia<br />
antes <strong>de</strong> eu vir e vai sem dúvida continuar<br />
a florescer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mim”,<br />
disse Nagano. “Ele <strong>de</strong>ixou um legado<br />
que me inspira”, retribui Joana Carneiro.<br />
Que legado é esse? Uma dinâmica<br />
coexistência <strong>de</strong> nova música e<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s clássicos, uma relação<br />
íntima com a comunida<strong>de</strong> artística<br />
local e com toda a socieda<strong>de</strong>. “Uma<br />
tradição <strong>de</strong> inovação”, diz-nos a maestrina.<br />
“Programar música que está<br />
no nosso imaginário <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há séculos<br />
mas também aquilo que é o futuro da<br />
música”, continua.<br />
Joana Carneiro terá agora <strong>de</strong> ser<br />
muito mais do que maestrina: tem a<br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dirigir artisticamente<br />
a orquestra. “É uma faceta que<br />
<strong>de</strong>sconhecia: programar, fazer escolhas<br />
para um, dois anos, e porventura<br />
para <strong>de</strong>z anos se ainda lá estivermos”.<br />
Fala com o entusiasmo <strong>de</strong><br />
quem quer mesmo estar lá daqui a<br />
<strong>de</strong>z anos. Mas a sua missão em Berkeley<br />
não é só programar: ela estará “na<br />
escolha dos músicos, nas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />
como a orquestra se relaciona com a<br />
comunida<strong>de</strong>”. Sente o peso da responsabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ter uma “visão artística,<br />
porque a orquestra é um veículo<br />
musical daquela cida<strong>de</strong>”. Todos<br />
acreditam que ela tem essa visão, e<br />
têm a certeza <strong>de</strong> que não vai <strong>de</strong>siludir.<br />
Já é muito trabalho? Não, ainda<br />
não é tudo. Joana Carneiro também<br />
tem <strong>de</strong> se preocupar com a sobrevivência<br />
da orquestra: “Estamos a falar<br />
<strong>de</strong> uma orquestra americana, é preciso<br />
pensar no ‘fundraising’”. É preciso<br />
dar “confiança” aos mecenas<br />
locais, mantendo altíssimos padrões<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e rigor e um largo público<br />
que se reconheça na orquestra,<br />
e sobretudo convencê-los a financiar<br />
a estrutura, mesmo em tempos <strong>de</strong><br />
crise. Joana garante que não é fácil:<br />
“Quando a crise começou, o financiamento<br />
da orquestra sofreu um<br />
abate <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento. Isso tem implicações<br />
nos programas, e é preciso<br />
distribuir melhor o que há.” Aí entra<br />
a imaginação, que hoje “é ainda mais<br />
necessária do que noutros tempos”,<br />
diz Joana Carneiro, olhos postos na<br />
realida<strong>de</strong>: “Com aquilo que temos,<br />
fazer o melhor que po<strong>de</strong>mos”.<br />
Mas ela não quer só a realida<strong>de</strong>,<br />
quer levar os limites da beleza mais<br />
longe. Por isso diz que não há limites.<br />
“Posso programar o que quiser, apresentar<br />
novos compositores, novos<br />
instrumentos, novos solistas. Posso<br />
imaginar sem fronteiras”.<br />
O segredo está nos gestos<br />
A orquestra <strong>de</strong> Berkeley tem os pés<br />
bem assentes na efervescente comunida<strong>de</strong><br />
local e ganhou com Nagano<br />
reputação internacional, a fazer música<br />
<strong>de</strong> Mozart ao século XXI. Agora<br />
é a vez <strong>de</strong> Joana Carneiro, aliás “Karnigh-row”.<br />
Ela já sentiu “uma química”<br />
com a orquestra: “Tenho aprendido<br />
muito. Já conhecia alguns músicos,<br />
houve uma familiarida<strong>de</strong> e a<br />
música unia-nos. Parece que temos<br />
os mesmos valores.” Que valores são<br />
esses? “Procuramos as mesmas coisas<br />
musicalmente, há um entendimento<br />
na forma como a orquestra ensaia.”<br />
E há interesses semelhantes: a música<br />
contemporânea, o interesse pela<br />
criação <strong>de</strong> agora, como prova o constante<br />
trabalho com compositores e<br />
artistas resi<strong>de</strong>ntes realizado pela orquestra<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Nagano fez <strong>de</strong>la<br />
uma orquestra <strong>de</strong> primeira. O entendimento<br />
com os músicos foi imediato:<br />
“Falamos e as coisas são reproduzidas<br />
em música”, diz ela. Mas o segredo<br />
está nos gestos: “É também a<br />
linguagem não-verbal. A forma física<br />
como a orquestra toca. Ela reage <strong>de</strong><br />
forma física”. Reage aos gestos da<br />
maestrina, leia-se.<br />
Aos nove anos Joana Carneiro disse<br />
aos pais que queria dirigir orquestras<br />
como aqueles senhores fazem<br />
com a batuta na mão. E os pais lá lhe<br />
ofereceram uma batuta. O que a fascinava<br />
era precisamente a ligação do<br />
gesto à música. “Parecia magia”, diz<br />
ela, “a ligação do gesto com o que eu<br />
ouvia”. Agora, à distância, diz Joana:<br />
“Se uma criança <strong>de</strong> nove anos quer<br />
ser maestrina, é porque tem no seu<br />
imaginário aquela figura”. Isso tem a<br />
ver com “duas pessoas fundamentais”<br />
diz ela. “Somos nove irmãos e<br />
todos estudámos música 12 anos. O<br />
que faço hoje tem a ver com essa <strong>de</strong>cisão<br />
fundamental dos meus pais <strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>rar a música tão importante<br />
como as outras disciplinas”. Devia<br />
ser assim para toda a gente? Claro.<br />
“Tenho a certeza absoluta que a música<br />
<strong>de</strong>via ser aprendida por todos na<br />
escola como o Português e a Matemá-
ente<br />
a Gulbenkian. Entretanto, anda a fazer das suas à frente da<br />
a esta maestrina <strong>de</strong> 33 anos não há impossíveis. Pedro Boléo<br />
tica. O papel que a música tem no ser<br />
humano, na imaginação, no raciocínio,<br />
na disciplina, é essencial. Há estudos<br />
que mostram que a música<br />
ajuda as crianças na Matemática, mas<br />
também a ter um comportamento<br />
mais positivo.”<br />
O sonho dos nove anos cumpriu-se<br />
– com “muita sorte”. É claro agora<br />
para Joana Carneiro que “é um privilégio<br />
muito gran<strong>de</strong> ter uma vida profissional<br />
que tem a ver com a criação<br />
e a recriação do belo. Dar ao nosso<br />
mundo afecto e paz é uma obrigação<br />
no sentido mais profundo – a transformação<br />
da alma do ser humano.”<br />
Nada mais, nada menos. E ainda, ao<br />
mesmo tempo, “servir os compositores<br />
e quem nos vem ouvir”.<br />
Tudo graças aos pais? Não convém<br />
esquecer o talento que ela tem e <strong>de</strong>senvolveu<br />
por si mesma. E uma atitu<strong>de</strong><br />
perante a vida, que é não separar<br />
as coisas: “A Joana maestrina não é<br />
diferente do que sou. Não sou diferente<br />
na música.” Mas competem a paixão<br />
da música e o amor familiar? Nada<br />
disso: “Aprendo muito e aplico<br />
muito o que aprendo na música. A<br />
música é um pilar fundamental mas<br />
a família é o centro. Coexistem com<br />
felicida<strong>de</strong>. Não teria a felicida<strong>de</strong> que<br />
sinto se só tivesse uma.” Ou, dito <strong>de</strong><br />
outra forma, “alimentam-se”, como<br />
“Tenho muita<br />
admiração pelos<br />
compositores.<br />
Tentei mas não era a<br />
minha vocação, não<br />
tenho talento. Exige<br />
uma entrega e um<br />
tempo que não tenho,<br />
estou muito ocupada”<br />
Dirigir é<br />
apenas uma<br />
pequena parte<br />
do trabalho <strong>de</strong><br />
Joana<br />
Carneiro à<br />
frente da<br />
Sinfónica <strong>de</strong><br />
Berkeley:<br />
“Aqui posso<br />
apresentar<br />
novos<br />
compositores,<br />
novos<br />
instrumentos,<br />
novos solistas.<br />
Posso<br />
imaginar sem<br />
fronteiras”<br />
ela gosta <strong>de</strong> dizer na sua visão orgânica<br />
da vida. Deve ser isso a felicida<strong>de</strong>.<br />
Como fazer a diferença<br />
Na cida<strong>de</strong> que espera <strong>de</strong>la invovação,<br />
Joana Carneiro vai tentar fazer a diferença,<br />
continuando a apren<strong>de</strong>r e aplicando<br />
o que apren<strong>de</strong>u, sobretudo em<br />
Los Angeles, ao lado do seu mentor<br />
Esa-Pekka Salonen. O que fazia ali a<br />
diferença, diz ela, era “ter um instrumento<br />
extraordinário” (a orquestra <strong>de</strong><br />
Los Angeles), mas também o “empenho<br />
diário dos músicos”, “a sala em<br />
que tocavam”, “a preparação do conteúdo”,<br />
a atitu<strong>de</strong> que uma orquestra<br />
tem <strong>de</strong> ter se quiser “transformar a<br />
cena musical, fazer música contemporânea,<br />
tocar a mais relevante da criação<br />
musical dos últimos 20 anos, estar<br />
à frente da inovação musical”. É isso<br />
que Joana Carneiro quer fazer em<br />
Berkeley. O que faz a diferença é também<br />
“a existência <strong>de</strong> projectivos educativos<br />
que realmente transformam”,<br />
e a criação <strong>de</strong> “um laboratório” musical,<br />
seguindo a lição <strong>de</strong> Salonen. E há<br />
ainda uma questão <strong>de</strong> fundo que faz<br />
toda a diferença para quem põe a música<br />
e a criação actual em primeiro<br />
lugar: “Reflectir sobre o mundo contemporâneo,<br />
ajudar a compreen<strong>de</strong>r o<br />
que é a nossa realida<strong>de</strong>.” Para isso é<br />
preciso criar relação com novos compositores,<br />
os “Beethovens” <strong>de</strong> hoje.<br />
O resto é o trabalho minucioso com<br />
a música, escolher rigorosamente uma<br />
arcada ou uma sequência <strong>de</strong> arcos<br />
num ensaio, <strong>de</strong>cidir “uma respiração”<br />
em diálogo com os músicos. “A preparação<br />
é 90 por cento do trabalho”,<br />
subinha. O estudo antes dos ensaios.<br />
Chegar a “um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> como <strong>de</strong>verá<br />
soar e <strong>de</strong>pois nos ensaios aproximar<br />
fotografia. © 2009 margarida dias | <strong>de</strong>sign.patricia poção<br />
ESTRUTURA FINANCIADA<br />
APOIOS<br />
o <strong>de</strong>sejo do compositor da realida<strong>de</strong>”.<br />
Como se equilibram as vozes, qual <strong>de</strong>ve<br />
sobressair? Como é aquele acor<strong>de</strong>?<br />
Aquela respiração? É assim que se concretiza<br />
o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Joana Carneiro: “Através<br />
da beleza ajudar o próximo a compreen<strong>de</strong>r<br />
melhor o que o ro<strong>de</strong>ia”.<br />
E tem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> compor? “É uma<br />
arte muito difícil. Tenho muita admiração<br />
pelos compositores. Tentei mas<br />
não era a minha vocação, não tenho<br />
talento.” Insistimos, incrédulos. A maestrina<br />
esquiva-se e dá-nos uma resposta<br />
mais prática: “Exige uma entrega<br />
e um tempo que não tenho, estou<br />
muito ocupada.” Para compor não<br />
sabemos. Mas que tem talento, tem.<br />
Um disco que dança<br />
No meio <strong>de</strong> tantas i<strong>de</strong>ias sobre a música,<br />
um disco. A primeira gravação<br />
<strong>de</strong> Joana Carneiro, que po<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r<br />
por se centrar apenas em obras<br />
<strong>de</strong> Tchaikosvky. É quase certo que haverá<br />
outras gravações, po<strong>de</strong>mos arriscar,<br />
mas para já este disco, com<br />
música do compositor russo estreitamente<br />
ligada à dança - os bailados “O<br />
Quebra-Nozes” (Suite , op.71a) e “O<br />
Lago dos Cisnes” (Suite, op 20a) - e a<br />
abertura-fantasia <strong>de</strong> “Romeu e Julieta”.<br />
Tem tudo a ver com ela: “Fiz ballet<br />
durante anos da minha vida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
criança que ligava dança e música”. A<br />
música move e comove Joana Carneiro,<br />
que gosta da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “contar uma<br />
história com gestos <strong>de</strong> dança”.<br />
E também ela dança agora, <strong>de</strong> uma<br />
outra forma, batuta na mão, como se<br />
a música alimentasse a dança. Como<br />
se tivesse outra vez nove anos. Como<br />
se fizesse magia.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos na pág. 48 e segs.<br />
BRASIL<br />
CONTOS EM VIAGEM<br />
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30 OUT a DEZ 19<br />
4ª a 6ª às 22h | Sáb. às 17h e 22h<br />
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www.teatromeridional.net<br />
2009<br />
M/12<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 17
<strong>Cinema</strong><br />
Hoje em dia, os estúdios <strong>de</strong> cinema<br />
queixam-se muito dos espectadores<br />
que per<strong>de</strong>m. Para os filmes que se<br />
<strong>de</strong>scarregam da internet, para os jogos<br />
<strong>de</strong> computador (cada vez mais<br />
parecidos com o cinema), para os televisores<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> écrã e sistemas<br />
<strong>de</strong> “home cinema” que levam as pessoas<br />
a ficar em casa em vez <strong>de</strong> sair.<br />
Como é que se invertem os dados<br />
e se leva gente ao cinema?<br />
A resposta tem sido a mesma que<br />
tem sido sempre que a indústria enfrenta<br />
problemas: a aposta em inovações<br />
tecnológicas que ainda não são<br />
viáveis em casa — a projecção digital,<br />
os écrãs <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> dimensão (o IMAX<br />
hoje quando há 50 anos fora o <strong>Cinema</strong>scope<br />
ou o 70mm), o 3D...<br />
Mas há outra resposta, mais simples<br />
e infinitamente mais económica: propor<br />
aos espectadores uma experiência<br />
comunal que só no cinema se po<strong>de</strong><br />
ter, com um filme que não tem<br />
efeitos <strong>de</strong> encher o olho nem maisvalias<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> écrã. “Activida<strong>de</strong><br />
Paranormal”, um filmezinho <strong>de</strong> terror<br />
tão barato que, mais do que <strong>de</strong> “low<br />
budget” (baixo orçamento), é <strong>de</strong> “no<br />
budget”, já ren<strong>de</strong>u mais dinheiro que<br />
muitos supostos “blockbusters” que<br />
se estamparam nas salas.<br />
E a culpa é toda <strong>de</strong> Martin Scorsese.<br />
Ou quase.<br />
Filho do divórcio<br />
A nossa história começa em 2006,<br />
<strong>de</strong>pois da namorada <strong>de</strong> Oren Peli, um<br />
programador israelita trintão, ouvir<br />
18 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
ruídos esquisitos na casa <strong>de</strong> San Diego<br />
on<strong>de</strong> o casal morava. Peli inspirouse<br />
nessa experiência para escrever<br />
um filmezinho <strong>de</strong> terror barato que<br />
rodou numa semana por <strong>de</strong>z mil dólares<br />
(6,700 euros, ao câmbio actual)<br />
na própria casa, com apenas dois actores<br />
(que receberam, cada um, 500<br />
dólares), uma equipa <strong>de</strong> amigos e<br />
uma câmara digital.<br />
E conclui-se em 2009, com uma<br />
estreia em sala (ao fim <strong>de</strong> dois anos<br />
<strong>de</strong> prateleira forçada) que já ren<strong>de</strong>u<br />
107 milhões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong> receitas (72<br />
milhões <strong>de</strong> euros) só nos EUA — e antes<br />
do filme começar a estrear no resto<br />
do mundo.<br />
Nada disto teria acontecido, provavelmente,<br />
se a Paramount não tivesse<br />
<strong>de</strong>cidido atrasar para 2010, por razões<br />
puramente orçamentais, a estreia<br />
<strong>de</strong> “Shutter Island”, <strong>de</strong> Martin<br />
Scorsese. E isso permitiu a Adam Goodman,<br />
um dos executivos do estúdio,<br />
ir buscar à prateleira o filmezinho<br />
cujos direitos tinha comprado em<br />
2007 quando ainda trabalhava na Dreamworks<br />
<strong>de</strong> Steven Spielberg, com a<br />
bênção do próprio realizador <strong>de</strong> “E.<br />
T.”.<br />
Na altura, o filme tinha sido comprado<br />
não para estrear, mas para permitir<br />
à Dreamworks avançar com uma<br />
“remake” <strong>de</strong> maior orçamento, que<br />
seria igualmente dirigida por Oren<br />
Peli. O acordo assinado, contudo,<br />
obrigava o estúdio a realizar uma<br />
projecção-teste — e a reacção da audiência<br />
convenceu Goodman e Spiel-<br />
berg que talvez não fosse <strong>de</strong>scabido<br />
estrear o filme tal qual. No entanto, o<br />
divórcio pouco amigável entre a Dreamworks<br />
e a casa-mãe Paramount<br />
atiraria “Activida<strong>de</strong> Paranormal” para<br />
a prateleira enquanto a situação<br />
não era resolvida; na divisão dos bens<br />
foi a Paramount que ficou com o filme<br />
e que contratou Goodman.<br />
E o baixíssimo investimento financeiro<br />
no filme levou a uma campanha<br />
<strong>de</strong> “marketing” <strong>de</strong> guerrilha, baseado<br />
numa das mais velhas estratégias promocionais<br />
do mundo: <strong>de</strong>ixar o pró-<br />
prio público <strong>de</strong>scobrir o filme e falar<br />
<strong>de</strong>le aos amigos, em vez <strong>de</strong> investir<br />
fortunas em campanhas <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong><br />
que se esgotam no primeiro fim<strong>de</strong>-semana.<br />
Sessões da meia-noite<br />
Êxitos <strong>de</strong>sses po<strong>de</strong>m ser fenómenos<br />
que ultrapassam e surpreen<strong>de</strong>m os<br />
distribuidores, com filmes que a audiência<br />
<strong>de</strong>scobre sozinha a criar uma<br />
bola <strong>de</strong> neve mais valiosa que qualquer<br />
campanha <strong>de</strong> “marketing”, e<br />
que o estúdio não conseguiria por<br />
Rodado numa<br />
semana por<br />
<strong>de</strong>z mil<br />
dólares (6,700<br />
euros), na<br />
casa do<br />
realizador,<br />
com dois<br />
actores, uma<br />
equipa <strong>de</strong><br />
amigos e uma<br />
câmara digital<br />
Venha ter med<br />
É a história <strong>de</strong> sucesso do ano: um fi lmezinho <strong>de</strong> terror feito por tuta e meia em casa do r<br />
O truque? Não veja este fi lme e<br />
Esta história começa em 2006,<br />
<strong>de</strong>pois da namorada <strong>de</strong> Oren<br />
Peli, um programador israelita,<br />
ouvir ruídos esquisitos na<br />
casa <strong>de</strong> San Diego on<strong>de</strong> o casal<br />
morava
O slogan foi sempre<br />
“Não veja este filme<br />
sozinho”. Não porque<br />
o filme perca impacto<br />
no pequeno écrã,<br />
mas porque há uma<br />
energia diferente<br />
ao ver um filme<br />
em sala, ro<strong>de</strong>ado por<br />
amigos ou (<strong>de</strong>s)<br />
conhecidos,<br />
sobretudo quando<br />
o filme funciona<br />
precisamente<br />
na amplificação do<br />
que o vizinho do lado<br />
está a sentir<br />
mais dinheiro que atirasse ao filme.<br />
Aconteceu entre nós, por exemplo,<br />
com “O Carteiro <strong>de</strong> Pablo Neruda”,<br />
que, estreado confi<strong>de</strong>ncialmente, acabou<br />
um ano em exibição numa das<br />
salas do cinema Mundial, em <strong>Lisboa</strong>;<br />
ou, nos EUA, com o musical atípico<br />
do irlandês John Carney, “No Mesmo<br />
Tom”, que ren<strong>de</strong>u <strong>de</strong>z milhões <strong>de</strong> dólares<br />
para um orçamento <strong>de</strong> 150 mil<br />
dólares e levou para casa o Óscar da<br />
melhor canção original.<br />
Mas, neste caso, tratou-se <strong>de</strong> uma<br />
estratégia <strong>de</strong>liberada para encontrar<br />
outros modos <strong>de</strong> convencer o público<br />
a <strong>de</strong>scobrir um filme. “Activida<strong>de</strong> Paranormal”,<br />
nesse aspecto, é um sucessor<br />
directo do “Projecto Blair Witch”,<br />
primeiro filme a utilizar a internet<br />
para propulsionar a sua campanha<br />
(feito por 35 mil dólares, lucrou 250<br />
milhões em todo o mundo). Alegadamente,<br />
o filme <strong>de</strong> Daniel Myrick e<br />
Eduardo Sánchez era uma montagem<br />
<strong>de</strong> imagens encontradas, rodadas por<br />
estudantes <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong>saparecidos<br />
enquanto filmavam um documentário<br />
sobre uma bruxa local; o site amplificava<br />
essa i<strong>de</strong>ia ao diluir a fronteira<br />
entre a realida<strong>de</strong> e a ficção que a própria<br />
estética <strong>de</strong> “home movie” do filme<br />
tornava credível.<br />
Hoje, evi<strong>de</strong>ntemente, esse tipo <strong>de</strong><br />
abordagem já foi utilizado tão extensamente,<br />
e criaram-se tantos sites<br />
promocionais a filmes que propunham<br />
“realida<strong>de</strong>s alternativas” ancoradas<br />
na história ficcional, que era<br />
preciso outro ângulo. O que a Para-<br />
mount fez foi <strong>de</strong>sviar a atenção do<br />
filme em si para a experiência da sua<br />
visão, ao colocar a campanha, literalmente,<br />
nas mãos do público.<br />
Em vez <strong>de</strong> uma estreia chapa-quatro,<br />
o estúdio começou por marcar o<br />
filme em finais <strong>de</strong> Setembro, apenas<br />
nas sessões da meia-noite <strong>de</strong> fim-<strong>de</strong>semana,<br />
em treze cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
população estudantil, seguindo as<br />
regras da construção do culto lançadas<br />
pelos “midnight movies” da década<br />
<strong>de</strong> 1970. Ao mesmo tempo, lançou<br />
um site com um <strong>de</strong>safio aos espectadores:<br />
exigirem que o filme<br />
estreasse em seguida na sua cida<strong>de</strong>.<br />
Seria a própria audiência a <strong>de</strong>finir a<br />
escalada <strong>de</strong> salas do filme – garantindo,<br />
no processo, um mínimo <strong>de</strong> bilhetes<br />
vendidos para justificar a aposta<br />
dos exibidores, culminando numa<br />
inevitável estreia a nível nacional.<br />
Os resultados foram convincentes:<br />
na segunda semana <strong>de</strong> expansão,<br />
com mais 21 cida<strong>de</strong>s e sempre apenas<br />
em meias-noites <strong>de</strong> fim-<strong>de</strong>-semana,<br />
as sessões esgotaram com antecedência<br />
e eram agora os próprios exibidores<br />
que telefonavam à Paramount<br />
para marcar o filme. E, um mês mais<br />
tar<strong>de</strong>, quando “Activida<strong>de</strong> Paranormal”<br />
chegou ao circuito comercial<br />
regular, o filme literalmente humilhou<br />
o sexto episódio da sanguinolenta<br />
saga “Saw”.<br />
Todos ao Facebook<br />
A razão pela qual “Activida<strong>de</strong> Paranormal”<br />
resultou, contudo, não se<br />
limitou apenas ao fenómeno da recomendação<br />
passada <strong>de</strong> mão em mão.<br />
A chave esteve sempre na invocação<br />
da experiência comunal <strong>de</strong> ver um<br />
filme acompanhado em sala, particularmente<br />
importante no cinema <strong>de</strong><br />
género, durante anos parte do menu<br />
regular dos cinemas <strong>de</strong> bairro e “drive-ins”<br />
(recor<strong>de</strong>mos os truques <strong>de</strong><br />
feira com que o produtor William Castle<br />
estreava os seus filmes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras<br />
electrificadas a esqueletos fluorescentes<br />
suspensos do tecto).<br />
O slogan foi sempre “Não veja este<br />
filme sozinho” - e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início que<br />
Peli e o seu produtor, Jason Blum, sabiam<br />
que o máximo impacto do filme<br />
iria ser obtido numa sala cheia <strong>de</strong> espectadores<br />
normais (não foi, aliás, por<br />
acaso que o contrato implicava obrigatoriamente<br />
uma projecção-teste). Não<br />
porque o filme perca impacto no pequeno<br />
écrã (“Activida<strong>de</strong> Paranormal”<br />
é supostamente, como o “Projecto<br />
Blair Witch”, um “caso verídico” contado<br />
a partir <strong>de</strong> cassetes <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>o rodadas<br />
pelos próprios intervenientes),<br />
mas porque há uma energia diferente<br />
ao ver um filme em sala, ro<strong>de</strong>ado por<br />
amigos ou (<strong>de</strong>s)conhecidos, sobretudo<br />
quando o filme funciona precisamente<br />
na amplificação daquilo que<br />
o vizinho <strong>de</strong> lugar está a sentir.<br />
Nos <strong>de</strong>z anos que me<strong>de</strong>aram entre<br />
“Blair Witch” e “Activida<strong>de</strong> Paranormal”,<br />
contudo, as re<strong>de</strong>s sociais electrónicas<br />
adquiriram uma importância<br />
muito superior, e o boca-a-boca procurado<br />
repercutiu-se online à medida<br />
que as pessoas recomendavam o filme<br />
aos amigos através das suas contas do<br />
Facebook, do Twitter, do Digg, dos<br />
seus blogs e fóruns preferidos. Dando<br />
a impressão genuína que a “bola <strong>de</strong><br />
neve” do filme fora criada pelos espectadores<br />
quando o ponto zero fora<br />
discretamente gerido pelo estúdio,<br />
mesmo que <strong>de</strong>pois tenha ultrapassado<br />
as suas expectativas.<br />
Obviamente, o êxito <strong>de</strong> “Activida<strong>de</strong><br />
Paranormal” não é dissociável do próprio<br />
filme (o melhor “marketing” <strong>de</strong><br />
guerrilha não funcionaria com um<br />
filme que não o sustentasse), e nada<br />
nos garante que um tal êxito seja<br />
transmissível ou sequer repetível,<br />
mesmo que agora não faltem candidatos<br />
à sucessão, con<strong>de</strong>nando potencialmente<br />
o filme <strong>de</strong> Oren Peli a ser<br />
um “one-off” como “Blair Witch” foi<br />
em 1999. Nem falta já a referência a<br />
uma possível sequela (que, como sabemos,<br />
foi um <strong>de</strong>sastre no caso “Blair<br />
Witch”).<br />
No interim, Martin Scorsese já <strong>de</strong>ve<br />
<strong>de</strong>sconfiar que o atraso <strong>de</strong> “Shutter<br />
Island” ren<strong>de</strong>u uma boa maquia ao<br />
estúdio que o atrasou. Oren Peli está<br />
em plena produção do seu novo filme,<br />
“Area 51”, outra vez rodado com<br />
pouco dinheiro (mas mais do que “Activida<strong>de</strong><br />
Paranormal”), e continua a<br />
viver na mesma casa. A namorada é<br />
que já não – separaram-se há dois<br />
anos. Mas continua a ouvir sons na<br />
casa para on<strong>de</strong> se mudou.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> filmes págs. 40 e segs.<br />
do connosco<br />
realizador vira o fi lme mais rentável do ano através <strong>de</strong> um boca-a-boca sabiamente gerido.<br />
em casa. Jorge Mourinha<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 19
Cabrera Infante, o nosso<br />
agente do havano<br />
Uma “o<strong>de</strong>” ao prazer <strong>de</strong> fumar, uma história do tabaco, curiosida<strong>de</strong>s avulsas sobre charutos<br />
cubanos (e não só), uma antologia do tabaco na literatura, e a crónica <strong>de</strong> uma relação<br />
amorosa com o cinema. “Fumo Sagrado” é para fumadores e abstémios. José Riço Direitinho<br />
A falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>streza a enrolar cigarros<br />
obrigava o maior fumador da história do<br />
cinema, Bogart, a prolongar esperas e a<br />
repetir frases na rodagem das cena<br />
Livros<br />
Actores como John Wayne,<br />
Gary Cooper, Randolph<br />
Scott, James Stewart e<br />
o mais perene dos “cowboys”<br />
justiceiros, Clint Eastwood, todos<br />
eles foram capazes <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r<br />
um fósforo à primeira tentativa, com<br />
modos bastante insolentes e o mínimo<br />
<strong>de</strong> esforço, raspando-o em qualquer<br />
coisa: na barba <strong>de</strong> três dias, na careca<br />
dum vilão bêbado, no traseiro bamboleante<br />
duma corista, nas botas que<br />
não lhes saíam dos pés nem para dormir,<br />
ou nos jeans mal protegidos pelos<br />
safões <strong>de</strong> couro. John Wayne acen<strong>de</strong>u<br />
assim um charutito sob o sol abrasador<br />
do meio-dia em “Rio Bravo”, e os<br />
outros fizeram-no em muitos outros<br />
lugares. Mas há uma falha (obviamente<br />
que sem importância) em todas<br />
estas histórias <strong>de</strong> insolência e maus<br />
modos <strong>de</strong> macho: é que este tipo <strong>de</strong><br />
fósforo só foi inventado em 1890, muito<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o Oeste ter sido conquistado,<br />
e ainda <strong>de</strong>morou uns quantos<br />
anos a tornar-se popular.<br />
Quem faz este reparo é o escritor<br />
cubano Guillermo Cabrera Infante<br />
(1929-2005) em “Fumo Sagrado”, livro<br />
recentemente por cá publicado, e que<br />
o autor escreveu directamente em<br />
inglês (“Holy Smoke”) em 1985, quase<br />
vinte anos passados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que partira<br />
<strong>de</strong> Cuba para o exílio em Londres.<br />
Cabrera Infante foi crítico <strong>de</strong> cinema<br />
durante vários anos na revista cubana<br />
“Carteles” e escreveu também guiões.<br />
Para além <strong>de</strong> outras coisas, “Fumo<br />
Sagrado” po<strong>de</strong> ser lido como um relato<br />
erudito da relação do fumo (sobretudo<br />
dos charutos) com o cinema.<br />
Mesmo quando aborda aspectos mais<br />
práticos do tabaco, ou quando conta<br />
uma história, há quase sempre referências<br />
cinematográficas. Como, por<br />
exemplo, quando quis falar sobre a<br />
duração do acto <strong>de</strong> fumar um charuto.<br />
Conta ele que um dia teve que visitar<br />
com Fi<strong>de</strong>l Castro uma herda<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> se criava gado algures em Cuba,<br />
e que à noite se pôs a ver um “western”<br />
na televisão. Castro entrou na<br />
sala, ficou a assistir ao filme, mas logo<br />
perguntou quem é que tinha charutos.<br />
Cabrera Infante tinha quatro havanos<br />
a assomarem-lhe no bolso da<br />
camisa, teve que dizer que tinha e<br />
<strong>de</strong>u-lhe um. À medida que se ia entusiasmando<br />
com aquele <strong>de</strong>sfilar <strong>de</strong><br />
“cowboys” cantores e <strong>de</strong> diligências,<br />
Fi<strong>de</strong>l pediu mais um e logo <strong>de</strong>pois<br />
outro. Diz Cabrera Infante: “Felizmen-<br />
20 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Edward G. Robinson “é o melhor<br />
fumador <strong>de</strong> charutos <strong>de</strong> todos os tempos e<br />
lugares”,<br />
na opinião do escritor<br />
cubano<br />
Cabrera<br />
Infante<br />
foi crítico<br />
<strong>de</strong> cinema<br />
na revista<br />
cubana<br />
“Carteles”. “Fumo<br />
Sagrado” po<strong>de</strong> ser<br />
lido como um relato<br />
erudito da relação do<br />
fumo com o cinema<br />
te, eu sabia que ‘A Caravana Perdida’<br />
(Wagon Master, 1950) era o ‘western’<br />
mais curto <strong>de</strong> John Ford, quase não<br />
durava noventa minutos.” Mas a história<br />
continua: o filme terminou e<br />
Castro levantou-se, <strong>de</strong> uniforme e pistola,<br />
e comentou: “Demasiadas canções<br />
e poucos índios.” Todos concordaram<br />
em coro, pois o primeiro-ministro<br />
era também “o nosso primeiro<br />
crítico <strong>de</strong> cinema”. Mas antes <strong>de</strong> sair,<br />
Castro ainda disse apontando-lhe pa-<br />
ra o bolso: “Estou<br />
a ver que ainda sobrou<br />
um índio.” E<br />
Cabrera Infante entregou-lhe<br />
o seu último<br />
charuto. Tempo <strong>de</strong>pois<br />
viu no chão os restos<br />
dos três charutos “que quase não<br />
tinham sido consumidos”.<br />
Hollywood e ódios<br />
<strong>de</strong> estimação<br />
Faz quase parte do senso comum saber<br />
que Humphrey Bogart foi o maior<br />
fumador da história do cinema, pelo<br />
menos na tela. Depois <strong>de</strong> fumar em<br />
“Relíquia Macabra” (The Maltese Falcon,<br />
1941), on<strong>de</strong> a personagem, o <strong>de</strong>tective<br />
Sam Spa<strong>de</strong>, o obrigava a enrolar<br />
os seus próprios cigarros – e a falta<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>streza o obrigava a prolongar<br />
esperas e a repetir frases, como quando<br />
a secretária lhe anuncia uma visita<br />
e Spa<strong>de</strong> diz, “Manda-a entrar, querida”,<br />
e <strong>de</strong>pois, ainda ocupado com<br />
a difícil arte do enrolamento, “Mandaa<br />
lá entrar” – Bogart torna-se num<br />
“fumador pensativo” em “Casablanca”<br />
(1943): “a mão que movia uma<br />
pedra [<strong>de</strong> xadrez] pega num cigarro<br />
que está num cinzeiro e quer a mão<br />
quer a câmara sobem para revelar<br />
Bogart”. Em “Voltando ao Passado”<br />
(The Big Shot, 1941), Bogart morre<br />
Para Cabrera Infante, é Bette Davis quem melhor<br />
sabia expelir o fumo<br />
com um cigarro a cair-lhe dos lábios<br />
para a mão, e <strong>de</strong>pois para o chão, “numa<br />
jogada triplamente mortal”.<br />
Mas para Cabrera Infante, <strong>de</strong> todos<br />
eles, os <strong>de</strong> Holywood <strong>de</strong> outros tempos,<br />
é Bette Davis quem melhor sabe<br />
expelir o fumo. A maneira como pega<br />
num cigarro já aceso que lhe é oferecido<br />
por Paul Henreid em “A Estranha<br />
Passageira” (“Now Voyager”, 1942)<br />
como se fosse “a chave mestra da vida”,<br />
e <strong>de</strong>pois a maneira como diz<br />
“Porquê pedir a lua?”<br />
Apesar <strong>de</strong> os mor<strong>de</strong>r muito, Edward<br />
G. Robinson “é o melhor fumador <strong>de</strong><br />
charutos <strong>de</strong> todos os tempos e lugares”,<br />
na opinião do escritor cubano.<br />
Sobre as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> representação<br />
do charuto <strong>de</strong> Edward G. Robinson,<br />
disse o realizador John Huston:<br />
“Acho que a melhor coisa <strong>de</strong> “Paixões<br />
em Fúria” (“Key Largo”, 1948), aquela<br />
que é recordada por muita gente,<br />
é a cena introdutória, com Eddie na<br />
banheira, <strong>de</strong> charuto na boca. Parecia<br />
um crustáceo sem a carapaça.” Outro<br />
aficionado <strong>de</strong> charutos era Orson Welles,<br />
que disse uma vez que fazia filmes
para os po<strong>de</strong>r fumar <strong>de</strong> graça. “É por<br />
isso que crio tantos heróis e vilões que<br />
fumam charuto”, prosseguiu Welles.<br />
“Os charutos são a minha fonte <strong>de</strong><br />
inspiração.”<br />
Cabrera Infante estabelece uma<br />
curiosa taxonomia entre o tabaco e<br />
os seres humanos: “Os charutos gran<strong>de</strong>s<br />
assentam bem em homens pequenos,<br />
enquanto os cigarros são para os<br />
homens altos e o cachimbo é associado<br />
a homens medianos: estatura média,<br />
meia-ida<strong>de</strong> e classe média. Os<br />
mendigos e os ricos preferem charutos;<br />
os pistoleiros e as prostitutas preferem<br />
cigarros. O cachimbo é para<br />
autores <strong>de</strong> romances policiais e <strong>de</strong>tectives,<br />
excepto para Sam Spa<strong>de</strong> [<strong>de</strong>tective<br />
criado por Dashiell Hammett],<br />
que fazia os seus cigarros.”<br />
Sherlock Holmes transformou uma<br />
crença supersticiosa numa “ciência”,<br />
a cineromancia, ou ciência das cinzas,<br />
e gabava-se <strong>de</strong> ser um especialista tão<br />
extraordinário neste saber, que tinha<br />
escrito “uma pequena monografia<br />
sobre as cinzas dos charutos”. É com<br />
essa ciência que em “O Mistério do<br />
Vale Boscombe” Holmes <strong>de</strong>duziu,<br />
com um rápido olhar, que o assassino<br />
era “um homem que fumava charutos<br />
“Os charutos gran<strong>de</strong>s<br />
assentam bem em<br />
homens pequenos,<br />
enquanto os cigarros<br />
são para os homens<br />
altos e o cachimbo<br />
é associado a homens<br />
medianos: estatur<br />
a média, meia-ida<strong>de</strong><br />
e classe média”<br />
indianos, com uma boquilha, previamente<br />
cortados com um canivete<br />
rombo”.<br />
Consta que o rebel<strong>de</strong> mexicano<br />
Pancho Villa acordava sempre com<br />
um grosso charuto entre os lábios e<br />
dava or<strong>de</strong>ns aos seus homens para<br />
que fizessem o mesmo. Quem se sentisse<br />
tonto era consi<strong>de</strong>rado com a<br />
mesma <strong>de</strong>ferência que um cavalo coxo<br />
nesses tempos revolucionários, ia<br />
<strong>de</strong>sta para melhor. Mas para John Reed,<br />
no livro “Insurgent México”, “Villa<br />
não fuma nem bebe”. Cabrera Infante<br />
vai aproveitando para zurzir nos<br />
seus ódios <strong>de</strong> estimação literários. Um<br />
é Jean-Paul Sartre, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que visitou<br />
Cuba em 1960, começou a ser<br />
presenteado por Fi<strong>de</strong>l com uma caixa<br />
<strong>de</strong> havanos: “do gran<strong>de</strong> tirano para o<br />
minúsculo filósofo”, diz o escritor<br />
cubano. Mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1968 e do<br />
apoio <strong>de</strong> Castro à invasão russa da<br />
Checoslováquia, Sartre disse que não<br />
queria mais charutos, e Alejo Carpentier<br />
(outro escritor), o emissário <strong>de</strong><br />
Fi<strong>de</strong>l, “não voltou para a embaixada<br />
com as mãos a abanar”.<br />
Bertolt Brecht não se livra do epíteto<br />
“fumador <strong>de</strong> beatas famoso”,<br />
<strong>de</strong>vido ao reduzido comprimento dos<br />
charutos que fumava, “dava sempre<br />
a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que apanhava as beatas na<br />
sarjeta” (clara referência à personagem<br />
<strong>de</strong> Charlie Chaplin em “A Quimera<br />
do Ouro”/ “The Gold Rush”, 1925.<br />
O dramaturgo que anos <strong>de</strong>pois viria<br />
a ser distinguido com o Nobel, o inglês<br />
Harold Pinter, também não escapa à<br />
verve <strong>de</strong> Cabrera Infante; um dos maneirismos<br />
<strong>de</strong> Pinter, “como os fatos<br />
castanhos, as camisas cor-<strong>de</strong>-rosa e<br />
as gravatas arroxeadas”, era fumar<br />
cigarros castanhos, “umas cigarrilhas<br />
com um aspecto nojento”, com uma<br />
“mortalha feita <strong>de</strong> tecido e tingida <strong>de</strong><br />
castanho com alcaçuz”. “Fuma cigarros<br />
perfeitamente normais mas quer<br />
que se pense que fuma coisas mais<br />
perigosas.”<br />
Mas “Fumo Sagrado” é também um<br />
livro sobre a história do tabaco, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a sua <strong>de</strong>scoberta em Outubro <strong>de</strong> 1492<br />
– quando Cristóvão Colombo aporta<br />
em Cuba e um seu marinheiro enviado<br />
para explorar a ilha, encontra indígenas<br />
que fumavam uma planta<br />
seca – até agora. Ficamos a saber, por<br />
exemplo, que a palavra “nicotina”, o<br />
principal alcalói<strong>de</strong> do tabaco, <strong>de</strong>riva<br />
do nome do embaixador <strong>de</strong> Catarina<br />
<strong>de</strong> Medici em Portugal, Jean Nicot. E<br />
há muito, mas muito mais sobre charutos:<br />
como são feitos, os tipos, as<br />
diferenças, os comprimentos, as marcas,<br />
como cortar a “tampa”, etc. Este<br />
é um livro para fumadores e para abstémios.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 21
Livros<br />
PAULA GRANELLO<br />
Wagner<br />
Homem<br />
costuma<br />
escon<strong>de</strong>r-se<br />
por trás do<br />
“site” oficial<br />
<strong>de</strong> Chico<br />
Buarque mas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Outubro<br />
está na ribalta<br />
por causa do<br />
livro<br />
“Histórias <strong>de</strong><br />
Canções –<br />
Chico<br />
Buarque”<br />
Numa tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Novembro, Wagner<br />
Homem entra na sala <strong>de</strong> um hotel <strong>de</strong><br />
São Paulo e diz: “moça, você está se<br />
queixando do calor mas não ligou o<br />
ar condicionado”. Risos para lá, risos<br />
para cá e a conversa começa. Wagner<br />
Homem costuma escon<strong>de</strong>r-se por trás<br />
do “site” oficial <strong>de</strong> Chico Buarque (é<br />
também o curador dos “sites” <strong>de</strong> Maria<br />
Bethânia e Mario Prata) mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
Outubro está na ribalta. Tudo por causa<br />
do livro “Histórias <strong>de</strong> Canções –<br />
Chico Buarque” cuja saída em Portugal<br />
esteve prevista para 2010 (ver<br />
Ípsilon <strong>de</strong> 30-10-09) mas foi antecipada<br />
e está já nas livrarias, edição Dom<br />
Quixote.<br />
O livro, o primeiro <strong>de</strong> uma colecção<br />
<strong>de</strong>dicada às histórias ligadas às canções<br />
<strong>de</strong> compositores, tem-se aguentado<br />
nos tops dos mais vendidos no<br />
Brasil. Formado em administração <strong>de</strong><br />
empresas, Wagner Homem, 58 anos,<br />
trabalhou em jornais, passou pela rádio,<br />
mas nunca teve activida<strong>de</strong> ligada<br />
à produção literária. Por isso está a<br />
estranhar o que lhe tem acontecido.<br />
“Eu tinha só uma certeza: não seria<br />
um fracasso. Mas nem <strong>de</strong> longe po<strong>de</strong>ria<br />
supor que tivesse esse <strong>de</strong>sempenho.<br />
O que é que acontece? Chico<br />
ven<strong>de</strong>, é verda<strong>de</strong>. Mas existem outros<br />
livros com foto e o nome <strong>de</strong>le na capa<br />
que não tiveram a mesma performance.<br />
O gran<strong>de</strong> lance do livro foi mesmo<br />
essa simplicida<strong>de</strong>: contar historinha.<br />
Não tem a pretensão <strong>de</strong> fazer análise<br />
académica, literária, sociológica, psicológica.<br />
Conta histórias pura e simplesmente.”<br />
Mulheres e ratos<br />
Wagner teve a i<strong>de</strong>ia do livro ao ler as<br />
perguntas que frequentemente lhe<br />
enviavam para o “site”. Também foi<br />
percebendo que algumas das “notinhas”<br />
relacionadas com as letras das<br />
canções que colocava online eram<br />
muito visitadas. Quando organizou a<br />
informação e começou a fazer este<br />
livro achou até que daria para se iniciar<br />
uma colecção. Está agora a contactar<br />
outros compositores e o próximo<br />
volume <strong>de</strong>verá ser <strong>de</strong>dicado à<br />
obra <strong>de</strong> Toquinho.<br />
É <strong>de</strong> Toquinho, aliás, o prefácio<br />
<strong>de</strong>ste livro. “Há uma vantagem <strong>de</strong><br />
Toquinho em relação ao Chico: Toquinho<br />
é um falador. Fala que é uma<br />
maravilha! Então o próximo livro da<br />
colecção <strong>de</strong>ve ser sobre Toquinho e<br />
tem outros que a gente está estudando.”<br />
Chico Buarque não participou em<br />
“Histórias <strong>de</strong> Canções” – estava a escrever<br />
o romance “Leite Derramado”<br />
– mas leu as provas. Não fez restrições<br />
22 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
e isso surpreen<strong>de</strong>u Wagner Homem.<br />
“Eu achava que ele ia torcer o nariz<br />
para aquela história da Mônica Salmaso<br />
sobre a canção ‘O<strong>de</strong> aos Ratos’.<br />
Passou sem nenhum problema.” A<br />
história conta-se facilmente: enquanto<br />
estava a escrever a letra, Chico telefonou<br />
a Paulo Vanzolini, compositor<br />
e zoólogo, a perguntar coisas específicas<br />
sobre os ratos. “O nariz,<br />
como é que é? É frio? Quente? Macio?<br />
Duro? E a pelagem?”. Vanzolini, matreiro,<br />
respon<strong>de</strong>: “- Ô Chico! Você<br />
mente tanto sobre mulher...Por que<br />
não inventa qualquer coisa também<br />
sobre os ratos?”. Chico não se atrapalha:<br />
“Pô, Vanzolini... Pelos ratos eu<br />
tenho o maior respeito.”<br />
O moleque e as vacas sagradas<br />
Wagner conheceu Chico quando organizou,<br />
em 1989, as letras das canções<br />
para o livro <strong>de</strong> Humberto Werneck<br />
“Chico Buarque letra e música”.<br />
“Eu fazia a revisão das letras, passava<br />
para a editora e esta passava para Chico.<br />
Aquela história que conto no livro<br />
sobre a letra <strong>de</strong> ‘Meu caro Barão’ foi<br />
na <strong>de</strong>corrência disso”.<br />
Nesta canção, Chico “tira o acento<br />
<strong>de</strong> várias palavras e faz com que rimem<br />
com outras (faxina com maquina,<br />
dizia com ausencia, lotado com<br />
sabado, virgula com ridicula, ouvido<br />
com palido). Além disso comete propositadamente<br />
erros <strong>de</strong> concordância<br />
em frases como ‘o santo dos ladrão’<br />
e ‘Deu uma cocega /Nos calo da<br />
mão’”. Mas, num excesso <strong>de</strong> zelo, alguém<br />
na editora corrigiu os “erros”<br />
ortográficos e gramaticais. “Um cara<br />
na editora meteu acento em tudo”,<br />
ri-se Wagner. Chico acabaria a telefonar<br />
a Wagner a pedir-lhe uma justificação...<br />
Quando Chico foi, com os pais, viver<br />
para Roma (aos nove anos) escreveu<br />
num bilhete que <strong>de</strong>ixou para a<br />
avó: “Vovó Heloísa. Olhe vozinha não<br />
se esqueça <strong>de</strong> mim. Se quando eu<br />
chegar aqui você estiver no céu, lá<br />
mesmo veja eu ser um cantor do rádio”.<br />
Esta <strong>de</strong>terminação parece tê-lo<br />
acompanhado ao longo da vida. “É<br />
engraçado como ele já moleque, ele<br />
já peitava as vacas sagradas [discutia<br />
com...]. Em geral com as vacas sagradas<br />
você baixa a cabeça mas ele já<br />
discutia com Tom [Jobim] e Vinicius<br />
[<strong>de</strong> Moraes] <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o comecinho.<br />
Aquela história do tamanco é uma<br />
maravilha”, continua. E <strong>de</strong>sata a cantar<br />
o verso original. “Vou coleccionar<br />
mais um soneto/ Outro retrato em<br />
branco e preto/ A maltratar meu coração”.<br />
Numa ocasião Tom Jobim,<br />
autor da música, teria dito a Chico<br />
LLUIS GENE/AFP<br />
“É engraçado como<br />
ele já moleque, ele já<br />
peitava as vacas<br />
sagradas [discutia<br />
com...]. Em geral com<br />
as vacas sagradas<br />
você baixa a cabeça<br />
mas ele já discutia<br />
com Tom [ Jobim] e<br />
Vinicius [<strong>de</strong> Moraes]”<br />
que ninguém fala “retrato em branco<br />
e preto”, que a expressão correcta é<br />
“preto e branco”. Ao que Chico teria<br />
respondido: “Então tá. Fica assim:<br />
‘Vou coleccionar mais um tamanco/<br />
outro retrato em preto e branco’.”<br />
“Nessa altura, no final dos anos 60,<br />
Chico ainda era um garoto e Tom já<br />
era Tom Jobim”, explica Wagner.<br />
“Chico sempre tratou todo o mundo<br />
no mesmo nível com todo o respeito,<br />
você vê a carta <strong>de</strong>le para Vinicius [publicada<br />
no livro], ela é toda cheia <strong>de</strong><br />
respeito, chamando Poeta, mas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />
cada vírgula da letra.”<br />
O PÚBLICO viajou a convite da Portugal<br />
Telecom<br />
Wagner Homem conta<br />
“historinha” <strong>de</strong> Chico<br />
“Histórias <strong>de</strong> Canções-Chico Buarque” chegou esta semana às livrarias<br />
portuguesas. No Brasil está nos tops e Wagner Homem, o autor, vai até iniciar<br />
uma colecção – as próximas histórias serão sobre as canções <strong>de</strong> Toquinho.<br />
Isabel Coutinho, em São Paulo
COLLEZIONARE IL<br />
FUTURISMO<br />
MUSEU DA ÁGUA<br />
Museu da Água - Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos<br />
Inauguração dia 16 - convite obrigatório<br />
ABERTURA AO PÚBLICO A PARTIR DE DIA 17 DE DEZEMBRO | Segunda a Sábado | 10h00/18h00<br />
Rua do Alviela, 12 (S.ta Apolónia) <strong>Lisboa</strong><br />
apoios:<br />
4 DEZ TERTÚLIA<br />
SEXTA ÀS 18H30 JARDIM DE INVERNO<br />
CARMEN MIRANDA POR PEDRO MEXIA (MODERADOR),<br />
VÍTOR PAVÃO DOS SANTOS E FILIPE LA FÉRIA.<br />
5 DEZ DANCETERIA<br />
SÁBADO ÀS 23H30 JARDIM DE INVERNO M/12<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
METROPOLITANA<br />
TEMPORADA 2009|2010 – IDADE MAIOR<br />
direcção artística Cesário Costa<br />
três efeméri<strong>de</strong>s<br />
Felix Men<strong>de</strong>lssohn – Meeresstille und glückliche Fahrt,Op. 27<br />
Bohuslav Martinu – Kouzelné Noci, três canções para soprano e orquestra<br />
Joseph Haydn – Sinfonia n.º 103 em Mi bemol maior, O Rufo do Tímpano<br />
SEXTA-FEIRA 4 DE DEZEMBRO, 21H30 MUSEU DO ORIENTE<br />
SÁBADO 5 DE DEZEMBRO, 22H00 CENTRO CULTURAL OLGA CADAVAL, SINTRA<br />
Dora Rodrigues soprano Michael Zilm direcção musical<br />
Orquestra Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
+ informações em www.metropolitana.pt<br />
CO-PRODUÇÃO:<br />
silva!<strong>de</strong>signers
PEDRO CUNHA<br />
A guerra colonial estava perdida. Isso<br />
era evi<strong>de</strong>nte para todos os militares<br />
portugueses que combatiam em África<br />
em 1974, nas vésperas do 25 <strong>de</strong><br />
Abril. Mas parece não o ser para muita<br />
gente, ainda hoje. No seu livro,<br />
“Capitão <strong>de</strong> Abril, Capitão <strong>de</strong> Novembro”,<br />
acabado <strong>de</strong> lançar pela Guerra<br />
e Paz, Rodrigo Sousa e Castro começa<br />
por aí. Ele, que foi um dos capitães<br />
<strong>de</strong> Abril, percebeu que Portugal estava<br />
a per<strong>de</strong>r o combate contra os<br />
movimentos <strong>de</strong> libertação, e por isso<br />
começou a participar nas reuniões<br />
conspirativas contra o Governo. O<br />
mesmo aconteceu com os outros capitães.<br />
O problema dos <strong>de</strong>cretos (que<br />
equiparavam os oficiais milicianos<br />
aos do quadro permanente) foi a causa<br />
imediata do movimento, <strong>de</strong>rrubar<br />
o regime foi a consequência inevitável.<br />
As “condições psicológicas dos capitães”<br />
é um conceito fundamental<br />
para Sousa e Castro. Quem não o enten<strong>de</strong>u<br />
nunca conseguiu ter uma palavra<br />
a dizer no processo revolucionário.<br />
Foi, por exemplo, o caso <strong>de</strong><br />
António <strong>de</strong> Spínola, que teve a veleida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> tentar dominar os capitães.<br />
À primeira tentativa séria, foi obrigado<br />
a fugir para Espanha. As “condições<br />
psicológicas dos capitães” foram<br />
formadas na guerra colonial e consolidadas<br />
na “consciência <strong>de</strong> que tinham<br />
aberto as portas à liberda<strong>de</strong>”.<br />
Nos últimos anos, a guerra sofrera<br />
uma reviravolta dramática. “Tinha-se<br />
chegado a um impasse absolutamente<br />
<strong>de</strong>terminante. A situação em alguns<br />
teatros <strong>de</strong> operações estava a assumir<br />
foros <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> gravida<strong>de</strong>”, explica<br />
Sousa e Castro ao Ípsilon. “Só para<br />
falar do meu caso pessoal: eu tinha<br />
acabado <strong>de</strong> fazer 30 anos e já tinha<br />
Das certezas<br />
<strong>de</strong> Abril<br />
aos mistérios<br />
<strong>de</strong> Novembro<br />
Tal como outros protagonistas do processo<br />
revolucionário, o capitão Sousa e Castro lançou um<br />
livro para contar toda a sua verda<strong>de</strong> sobre os anos <strong>de</strong><br />
brasa. “Capitão <strong>de</strong> Abril, Capitão <strong>de</strong> Novembro” é um<br />
testemunho pessoal sobre momentos <strong>de</strong>cisivos do<br />
antes, durante e <strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril. Paulo Moura<br />
24 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
duas comissões, em Angola e em Moçambique.<br />
E estava afecto a um grupo<br />
<strong>de</strong> oficiais que estava a apetrechar-se,<br />
com conhecimentos técnicos e até <strong>de</strong><br />
língua francesa, para ir a França buscar<br />
sistemas <strong>de</strong> mísseis terra-ar. Mísseis,<br />
portanto, para combater eventuais<br />
agressões aéreas”.<br />
Este era o nível <strong>de</strong> ameaça, tanto<br />
em Angola como em Moçambique e<br />
na Guiné. “Tínhamos uma ameaça<br />
aérea sobre Bissau, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eles<br />
[PAIGC] terem anulado o po<strong>de</strong>r aéreo<br />
português, através da utilização <strong>de</strong><br />
mísseis anti-aéreos. Os guerrilheiros<br />
abateram uma série <strong>de</strong> aviões, e restringiram<br />
imenso o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> manobra<br />
aérea português no teatro <strong>de</strong> operações<br />
da Guiné. Isto é uma coisa que<br />
as pessoas não sabem e nunca ninguém<br />
quis analisar”.<br />
A própria relação <strong>de</strong> forças no terreno<br />
tinha-se invertido. “A guerrilha<br />
tinha melhor armamento do que nós.<br />
Isto é um contra-senso. Segundo a<br />
doutrina militar, o exército clássico<br />
está mais bem equipado, mais bem<br />
armado e organizado do que a guerrilha.<br />
Quando se dá a inversão disto,<br />
passa-se a uma nova fase, em que<br />
passa a haver confrontações <strong>de</strong> tipo<br />
guerra regular. Na Guiné, havia zonas<br />
aon<strong>de</strong> as tropas portuguesas já não<br />
iam. A situação era dramática. Em<br />
Moçambique, agravava-se <strong>de</strong> forma<br />
espantosa. Portanto havia já, entre<br />
os oficiais do quadro permanente,<br />
uma consciência <strong>de</strong> que a guerra se<br />
estava a per<strong>de</strong>r inexoravelmente. E<br />
<strong>de</strong>pois havia um antece<strong>de</strong>nte grave...”<br />
Outro facto pouco reconhecido, ou<br />
pouco recordado: muitos militares da<br />
guerra <strong>de</strong> África já tinham combatido<br />
na Índia. Para Sousa e Castro, isso foi<br />
<strong>de</strong>terminante para o eclodir do movimento<br />
dos capitães. “Tínhamos camaradas<br />
nossos no activo, tenentescoronéis<br />
e coronéis, que tinham estado<br />
na guerra da Índia, tinham sido<br />
feitos prisioneiros, abandonados pelo<br />
Salazar e tratados como cobar<strong>de</strong>s<br />
quando chegaram cá fora. Havia um<br />
conjunto <strong>de</strong> oficiais que nunca perdoou<br />
isto ao Salazar. Tinham um ódio<br />
surdo ao regime, apesar <strong>de</strong> serem,<br />
muitas vezes, <strong>de</strong> direita. É por isso<br />
que aquela frase que o Marcelo disse<br />
ao Spínola foi mortal: ‘É preferível<br />
uma <strong>de</strong>rrota militar na Guiné do que<br />
conversações ou o reconhecimento<br />
do PAIGC’. Quando Spínola transmite<br />
isto ao Movimento dos Capitães, a<br />
obra estava feita”.<br />
Depois da tomada dos territórios<br />
<strong>de</strong> Goa, Damão e Diu pelas forças da<br />
União Indiana, Salazar abandonou os<br />
militares portugueses à sua sorte. Não<br />
os apoiou nem os <strong>de</strong>ixou recuar, para<br />
<strong>de</strong>pois fazer das Forças Armadas o<br />
bo<strong>de</strong> expiatório. Para os capitães,<br />
tornava-se evi<strong>de</strong>nte que Marcelo Caetano<br />
se preparava para fazer o mesmo<br />
em África. Deixar que os militares<br />
per<strong>de</strong>ssem a guerra, para <strong>de</strong>pois os<br />
culpar. Daqui à <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> fazer<br />
cair o regime foi um passo natural. Na<br />
maior parte dos casos, a consciência<br />
política dos protagonistas do golpe só<br />
nasceria mais tar<strong>de</strong>.<br />
“Depois do 25 <strong>de</strong> Abril é que <strong>de</strong>scobrimos<br />
muita coisa”, admite Sousa<br />
e Castro. “Depois <strong>de</strong> o regime ter caído,<br />
tornou-se óbvio que tínhamos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scolonizar, <strong>de</strong>mocratizar o país e<br />
fazê-lo entrar na Europa”. No entanto,<br />
meses <strong>de</strong>pois da revolução, o projecto<br />
já se tinha tornado confuso em<br />
muitas cabeças. Não na <strong>de</strong> Sousa e<br />
Castro.<br />
Livros
“Tínhamos<br />
camaradas que<br />
tinham estado na<br />
guerra da Índia,<br />
tinham sido feitos<br />
prisioneiros,<br />
abandonados pelo<br />
Salazar e tratados<br />
como cobar<strong>de</strong>s.<br />
Nunca perdoaram<br />
isto ao Salazar.<br />
Tinham um ódio<br />
surdo ao regime”<br />
Sousa e Castro<br />
centra a<br />
história do 25<br />
<strong>de</strong> Abril nas<br />
“condições<br />
psicológicas”<br />
dos militares<br />
que fundaram<br />
o Movimento<br />
das Forças<br />
Armadas<br />
Questões em aberto<br />
Os valores que o fizeram ter uma participação<br />
activa no planeamento e na<br />
concretização do golpe <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> Abril<br />
não se alteraram durante o PREC (Período<br />
Revolucionário Em Curso) e o<br />
Verão Quente <strong>de</strong> 1975. Sempre recusou<br />
o caos e a <strong>de</strong>riva esquerdista. Foi<br />
por essa razão que participou também<br />
no 25 <strong>de</strong> Novembro. Os contornos<br />
<strong>de</strong>ste, porém, não são tão claros<br />
como os do 25 <strong>de</strong> Abril. Ainda hoje há<br />
mistérios por resolver na história da<br />
revolução dos mo<strong>de</strong>rados, planeada<br />
por Vasco Lourenço (no plano militar)<br />
e Melo Antunes (no plano político) e<br />
levada à prática por Ramalho Eanes.<br />
Há várias questões em aberto. Em<br />
primeiro lugar, o papel do PCP. Terão<br />
os comunistas provocado a saída dos<br />
pára-quedistas que ocuparam as bases<br />
aéreas do país? Em segundo lugar,<br />
a origem da or<strong>de</strong>m concreta para a<br />
saída dos “páras”. Otelo Saraiva <strong>de</strong><br />
Carvalho? Alguém em nome <strong>de</strong>le?<br />
Depois, a participação da extremadireita<br />
no golpe. Teriam sido levados<br />
à prática outros planos militares mais<br />
radicais, com a consequente reinstalação<br />
<strong>de</strong> uma ditadura <strong>de</strong> direita, caso<br />
o pretexto dos “páras” não tivesse<br />
levado ao contra-golpe do dia 25, com<br />
o beneplácito do Presi<strong>de</strong>nte da República?<br />
Por fim, e principalmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a publicação, há um ano, <strong>de</strong> um<br />
livro <strong>de</strong> Pires Veloso (“Vice-rei do Norte”,<br />
ed. Âncora), que era, em 1975,<br />
comandante da Região Militar do Norte,<br />
permanecem dúvidas sobre o papel<br />
do Norte no 25 <strong>de</strong> Novembro e<br />
também sobre o papel do próprio Ramalho<br />
Eanes. Segundo Veloso, Eanes<br />
não terá tido participação alguma nas<br />
operações, tendo apenas sabido aproveitar-se<br />
posteriormente do êxito daquelas.<br />
Sousa e Castro garante que esta teoria<br />
é um erro, e <strong>de</strong>dica várias páginas<br />
do seu livro a explicá-lo. “Nos últimos<br />
tempos, várias pessoas se têm reivindicado<br />
como protagonistas. O caso<br />
mais flagrante é o <strong>de</strong> Pires Veloso.<br />
Tem a ilusão <strong>de</strong> que é <strong>de</strong>terminante<br />
na conduta militar do 25 <strong>de</strong> Novembro.<br />
Nada mais errado. Não o é a partir<br />
do momento em que a opção é a<br />
<strong>de</strong> ficar em <strong>Lisboa</strong>”, diz-nos. De facto,<br />
nos meses anteriores, tinha-se discutido<br />
entre os mo<strong>de</strong>rados reunidos em<br />
torno do chamado “Documento dos<br />
Nove”, redigido por Melo Antunes, a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fugir para o Norte<br />
para, a partir daí, travar a luta contra<br />
os esquerdistas que constituíam a<br />
maioria das forças militares na capital.<br />
Prevendo essa estratégia, os lí<strong>de</strong>res<br />
do PS, PSD e CDS chegaram a ir<br />
para o Porto. Mas a i<strong>de</strong>ia foi recusada,<br />
principalmente por Vasco Lourenço,<br />
que viu nela o início <strong>de</strong> uma guerra<br />
civil. E a partir <strong>de</strong>sse momento as forças<br />
<strong>de</strong> Pires Veloso per<strong>de</strong>ram toda a<br />
importância. “As tropas que ele mandou<br />
para <strong>Lisboa</strong> tiveram um papel<br />
irrisório. Limitaram-se a vir ren<strong>de</strong>r<br />
alguns homens que estavam em activida<strong>de</strong><br />
há 40 ou 72 horas, mas numa<br />
altura em que a situação já estava totalmente<br />
controlada”.<br />
Dentro do 25 <strong>de</strong> Novembro<br />
O papel <strong>de</strong>terminante coube aos Comandos,<br />
chefiados por Jaime Neves,<br />
que por sua vez obe<strong>de</strong>ceu a Ramalho<br />
Eanes, incumbido por Vasco Lourenço<br />
<strong>de</strong> elaborar o plano do contra-golpe.<br />
“Quando se ‘<strong>de</strong>smonta a feira’ é<br />
o Ramalho Eanes que surge como herói,<br />
porque foi ele que comandou as<br />
operações. Isto apesar <strong>de</strong> estar abaixo,<br />
na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comando, do Vasco<br />
Lourenço, que era o comandante da<br />
Região Militar <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>”.<br />
Para Sousa e Castro, estes factos são<br />
claros, não obstante todas as questões<br />
levantadas por Vasco Lourenço no<br />
livro que editou em Abril <strong>de</strong>ste ano<br />
(“Do Interior da Revolução”, ed. Âncora).<br />
Lourenço sublinha que Eanes<br />
era seu subordinado, e que lhe terá<br />
usurpado o protagonismo para se impor<br />
no plano político. No ano seguinte,<br />
com efeito, ganhava as eleições<br />
presi<strong>de</strong>nciais.<br />
Outro facto in<strong>de</strong>smentível é que foi<br />
Eanes quem travou Jaime Neves quando<br />
este quis “explorar o êxito” da<br />
operação, atacando as unida<strong>de</strong>s tidas<br />
como afectas à esquerda. “Jaime Neves<br />
tentou fazer o que Schwarzkopf<br />
queria, na primeira guerra do Iraque:<br />
continuar até Bagdad. Disse ao Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República, Costa Gomes,<br />
que os comandos não estavam satisfeitos.<br />
Havia nos comandos elementos<br />
<strong>de</strong> direita e até <strong>de</strong> extrema-direita.<br />
Muitos <strong>de</strong>les nunca viram com bons<br />
olhos a entrega das colónias ao inimigo.<br />
Tem a ver com a idiossincrasia das<br />
forças especiais. Claro que, <strong>de</strong>pois do<br />
golpe, as tendências mais à direita<br />
tentaram tomar as suas posições”.<br />
Posições que implicariam, no mínimo,<br />
a ilegalização do Partido Comunista,<br />
sob o pretexto <strong>de</strong> que teria sido<br />
ele a organizar o golpe militar esquerdista.<br />
Segundo as informações recolhidas<br />
por Sousa e Castro, o PCP terá <strong>de</strong> facto<br />
estado na origem da saída dos “páras”,<br />
ainda que o objectivo não tenha<br />
sido “fazer a revolução popular, ao<br />
estilo leninista”. A i<strong>de</strong>ia era repor o<br />
equilíbrio que <strong>de</strong>saparecera no Governo<br />
e no Conselho da Revolução<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a queda <strong>de</strong> Vasco Gonçalves.<br />
“Tinham a ilusão <strong>de</strong> que, exercendo<br />
uma pressão militar, conseguiriam<br />
recuperar algum do po<strong>de</strong>r que tinham<br />
perdido”.<br />
Se era este o objectivo dos comunistas,<br />
a verda<strong>de</strong> é que no último momento<br />
recuaram. Talvez porque percebessem<br />
que iam per<strong>de</strong>r, ou, segundo<br />
Sousa e Castro, para <strong>de</strong>ixarem<br />
queimar os activistas da extrema esquerda,<br />
que não controlavam e que<br />
tinham assumido o controlo <strong>de</strong> todas<br />
as unida<strong>de</strong>s militares afectas à esquerda.<br />
“Resolveram o problema dos elementos<br />
da chamada esquerda revolucionária.<br />
Algumas <strong>de</strong>ssas pessoas,<br />
aliás, são hoje muito bem comportadas<br />
e andam por aí no Governo e nas<br />
empresas públicas”.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 25
FOTOGRAFIAS DE ENRIC VIVES-RUBIO<br />
26 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
a 1 Agostinho da Silva a 2 Hilda Hilst a 3 Despedida a 4 Lourival Gomes Machado a 5<br />
Jayme Cortesão<br />
“Eu sou a fotografi a”<br />
O surrealista Fernando Lemos veio<br />
do Brasil com negativos na mala<br />
para tirar <strong>de</strong>les fotografi as inéditas<br />
dos tempos em que abriu caminho<br />
na escuridão criativa dos anos 50.<br />
Fotografi as nunca antes vistas em<br />
público. Sérgio B. Gomes<br />
O mestre gosta <strong>de</strong> acompanhar o processo.<br />
Gosta da revelação e do contacto<br />
com os líquidos do laboratório. O<br />
mestre Fernando Lemos, 83 anos, nome<br />
maior do surrealismo português,<br />
veio do Brasil com os negativos na mala<br />
para tirar <strong>de</strong>les fotografias inéditas<br />
dos tempos em que, ao lado <strong>de</strong> Fernando<br />
<strong>de</strong> Azevedo e Vespeira, abriu<br />
caminho na escuridão criativa dos<br />
anos 50. O minúsculo laboratório em<br />
<strong>Lisboa</strong>, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram retratos nunca<br />
antes vistos publicamente, faz-lhe lembrar<br />
o Japão, <strong>de</strong> tão pequeno e atafulhado<br />
que está. O mestre avisa o impressor:<br />
“Cuidado com o retoque! Não<br />
se esqueça daquilo que lhe disse”. O<br />
mestre disse que gosta do preto como<br />
se fosse preto tinta-da-china e do branco<br />
como se fosse branco papel. Os<br />
meios-tons ficam para o impressor.<br />
Conversámos com Fernando Lemos<br />
no dia em que estava marcada a<br />
viagem para Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão,<br />
on<strong>de</strong> a Fundação Cupertino <strong>de</strong> Miranda<br />
expõe a série realizada nos primeiros<br />
anos da década <strong>de</strong> 50 que o<br />
tornaram incontornável na história<br />
da fotografia portuguesa. E não só.<br />
Ao lado <strong>de</strong>ssas imagens já conhecidas,<br />
há novos retratos <strong>de</strong> amigos feitos<br />
“por amor, amiza<strong>de</strong>, respeito intelectual<br />
e aprendizagem”.<br />
Ainda fotografa?<br />
Muito pouco. Consi<strong>de</strong>ro a fotografia<br />
já em mim. Já me perguntaram também<br />
se eu era fotógrafo. Respondo:<br />
“Não. Eu sou a fotografia”. Em tudo<br />
o que vejo, é como se fosse a fotografia<br />
a ver essas coisas. Tenho a fotografia<br />
na minha cultura visual.<br />
As imagens sobrepostas em<br />
duplas exposições são um<br />
dos traços mais distintivos<br />
do seu trabalho. Qual é papel<br />
do aci<strong>de</strong>ntal nas imagens que<br />
captou?<br />
Tenho-me garantido mais por juízos<br />
<strong>de</strong> gente nova. Ultimamente tenho-<br />
me dado até mais com fotógrafos. Aos<br />
artistas plásticos nem quero vê-los à<br />
frente – todos chatos e intimistas. O<br />
que os mais novos me dizem é que<br />
estas fotografias parecem ter sido feitas<br />
hoje. E isso para mim foi uma revelação<br />
espantosa.<br />
Mas quando está a fazer a dupla<br />
exposição não está à espera que<br />
o aci<strong>de</strong>ntal também faça o seu<br />
trabalho?<br />
Sem dúvida. Como não tinha uma<br />
máquina automática, era preciso passar<br />
o rolo manualmente, aquilo a que<br />
se chamava “mão na roda”. O que<br />
queria preparar na composição era<br />
um pensamento mais pictórico e gráfico.<br />
Quando imaginava certa situação<br />
para um retrato, ocultava parte da<br />
captura da imagem já preparando a<br />
outra, como se estivesse pintando,<br />
fazendo com que a matéria fosse a<strong>de</strong>rindo<br />
uma à outra, transformando<br />
esta pele <strong>de</strong>ste corpo na mesma pele<br />
do outro corpo que é o mesmo repetido.<br />
Há aqui alguma herança cubista,<br />
na medida em que <strong>de</strong> uma posição<br />
vemos vários ângulos do objecto. Os<br />
meus corpos também se foram mostrando<br />
dos vários lados. Os retratos<br />
não são uma coisa estática. Há uma<br />
mudança <strong>de</strong> gesto, <strong>de</strong> olhar. Dentro<br />
disto, é claro que há o flagrante, há o<br />
instante. Saber se a luz está boa ou<br />
não, tudo isso para mim é secundário.<br />
O <strong>de</strong>safiante é esse “flagra”.<br />
É verda<strong>de</strong> que às vezes prefere<br />
o resultado do que aparece no<br />
negativo do que a imagem que é<br />
ampliada a partir <strong>de</strong>le?<br />
Sim, é verda<strong>de</strong>. Prefiro a imagem do<br />
negativo no sentido da surpresa do<br />
registo. A fotografia para mim é um<br />
percurso meio aquático. Na hora <strong>de</strong><br />
tirar uma cópia da banheira, dá i<strong>de</strong>ia<br />
que se está a pescar um peixe, fresquinho.<br />
A fotografia para mim também<br />
é a transparência. A transparência<br />
é uma forma <strong>de</strong> espionagem. Apa-
Exposições<br />
nhamos certas coisas e nem sabemos<br />
que as apanhámos. Como um furto.<br />
Como fotógrafo, tenho directrizes<br />
já bem <strong>de</strong>finidas e que passei várias<br />
vezes para o laboratório e tentei passar<br />
para o António [impressor <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>]:<br />
“Os pretos são pretos porque<br />
são feitos com tinta-da-china, os brancos<br />
são os brancos do papel. Consi<strong>de</strong>re<br />
sempre que estou <strong>de</strong>senhando,<br />
e você inventa nos meios-tons, nos<br />
cinzentos. Isso é um trabalho seu, do<br />
laboratório”.<br />
E incomoda-o o retoque?<br />
Acho que o retoque é como a última<br />
solução, uma coisa a que não se po<strong>de</strong><br />
fugir. É como as nossas rugas. No retoque<br />
que se faz por causa dos danos<br />
do tempo correm-se riscos, <strong>de</strong>mora<br />
muito para ficar bem feito e é sempre<br />
um remendo, uma maquilhagem, um<br />
botox. É melhor <strong>de</strong>ixar como está.<br />
É raro alguém conseguir apontar<br />
a “sua” primeira fotografia. Tem<br />
“A fotografia<br />
aproximou-se <strong>de</strong> mim<br />
por causa do nosso<br />
rosto como<br />
portugueses.<br />
Lembrei-me da<br />
fotografia e pensei<br />
que a cara das<br />
pessoas com quem<br />
tinha amiza<strong>de</strong> já era<br />
algo que valia a pena”<br />
3<br />
1 2<br />
esse momento bem presente na<br />
vista tirada da sua casa, na Rua<br />
do Sol ao Rato, em <strong>Lisboa</strong>. O que<br />
é que recorda <strong>de</strong>sse momento?<br />
No grupo surrealista ninguém estava<br />
interessado em usar a fotografia. Havia<br />
umas colagens, mas não se usava<br />
para reproduzir. A fotografia aproximou-se<br />
<strong>de</strong> mim por causa do rosto,<br />
do nosso rosto como portugueses. Até<br />
aí, achava que não havia nada que nos<br />
<strong>de</strong>sse a cara da nossa gente. Lembreime<br />
da fotografia e pensei que a cara<br />
das pessoas com quem tinha amiza<strong>de</strong><br />
já era algo que valia a pena, um começo<br />
para essa colecta <strong>de</strong> retratos,<br />
por amor, por amiza<strong>de</strong>, por respeito<br />
intelectual, por aprendizagem.<br />
Resolvi comprar uma câmara, a<br />
mais barata que consegui. Felizmente<br />
tinha uma lente fenomenal e a vantagem<br />
<strong>de</strong> não ser automática. Morava<br />
num quinto andar. No dia seguinte,<br />
assim que acor<strong>de</strong>i, peguei nela e fui<br />
à cozinha que tinha uma janelinha<br />
pequena. Não resisti. Era a minha<br />
rua, o meu bairro, o sítio on<strong>de</strong> nasci.<br />
Decidi: é aqui que vai acontecer a minha<br />
primeira fotografia. E sempre a<br />
coloquei assim.<br />
No catálogo da exposição da<br />
Casa Jalco [exposição surrealista<br />
com Fernando <strong>de</strong> Azevedo<br />
e Vespeira, 1952], António<br />
Pedro dizia que “pintava com<br />
a máquina fotográfica e com<br />
os pincéis”. Este é talvez o<br />
resumo perfeito para explicar a<br />
indiferenciação entre o pintor<br />
e o fotógrafo. Revê-se nesta<br />
<strong>de</strong>scrição enquanto criador?<br />
Não há distinção. Sou muito gráfico.<br />
Executei a fotografia como se estivesse<br />
pintando, usando matéria para ela<br />
se fundir, para adquirir as qualida<strong>de</strong>s<br />
da pintura, mais do que as qualida<strong>de</strong>s<br />
da fotografia, como o recorte. O Manuel<br />
Ban<strong>de</strong>ira, que fez um texto<br />
4 5<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 27
28 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
a 6<br />
Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles<br />
para a minha primeira exposição<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro também se refere a<br />
esta questão…<br />
... dizia que se “sente o pintor<br />
nas suas fotografias”...<br />
Porque a fotografia não foi feita para<br />
imitar a pintura, mas para ser a técnica<br />
da fusão.<br />
O <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> chegar ao campo<br />
do surrealismo pela fotografia<br />
é maior do que pelas outras<br />
artes, como pela pintura ou pela<br />
poesia?<br />
Sim, é verda<strong>de</strong>. Os trabalhos que me<br />
impressionaram mais no surrealismo<br />
foram aqueles que usaram a fotografia.<br />
Fala-se sempre da influência <strong>de</strong><br />
Man Ray na sua obra fotográfica.<br />
Que alcance teve o surrealismo<br />
<strong>de</strong> Ray nas imagens que<br />
produziu?<br />
Vim a conhecer o Man Ray <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
fazer aquelas fotografias. Não tínhamos<br />
assim tanta informação sobre o<br />
que se passava lá fora. Quando <strong>de</strong>scobri<br />
o trabalho <strong>de</strong>le achei que era um<br />
gajo porreiro. Mas a influência <strong>de</strong> Man<br />
Ray – que conheci em Paris – nem foi<br />
pela fotografia. Foi mais por essa postura<br />
multifacetada perante os vários<br />
suportes <strong>de</strong> criação. Ele era um artista<br />
total. Deu lições radicais sobre várias<br />
coisas. Consi<strong>de</strong>ro-o importante,<br />
mas diria que me senti mais influenciado<br />
pelo Max Ernst, por exemplo.<br />
Quer dizer que a sua fotografia<br />
foi mais influenciada pela<br />
pintura?<br />
Sim. Na fotografia vi muitas coisas, e<br />
ainda vejo, mas tenho i<strong>de</strong>ia que as<br />
origens são sempre as mesmas. Esse<br />
surrealismo <strong>de</strong> figurinha sifilítica herdada<br />
do Dalí, essa coisa do erotismo,<br />
da masturbação e dos corpos estragados<br />
são meio “<strong>de</strong>modé”. Para mim,<br />
a fotografia do Man Ray é música <strong>de</strong><br />
câmara, quer dizer, é muito laboratório.<br />
Já disse que a sua fotografia era<br />
“sensorial e quase primitiva”.<br />
Quer aprofundar esta <strong>de</strong>scrição?<br />
Tenho insistido muito nesta i<strong>de</strong>ia para<br />
afastar qualquer pretensão <strong>de</strong> que<br />
sirvo <strong>de</strong> exemplo para alguma gran<strong>de</strong><br />
teoria da fotografia. Nem o efeito das<br />
exposições, nem os prémios me convencem<br />
que sou um caso excepcional.<br />
Entrei na fotografia como um<br />
primitivo. Esta <strong>de</strong>scrição é como uma<br />
<strong>de</strong>fesa. É também sinal <strong>de</strong> alguma<br />
cobardia ao não querer assumir um<br />
estatuto. Entrei na fotografia por acaso.<br />
Parece que <strong>de</strong>u certo. Ainda<br />
bem.<br />
É apresentado como o único<br />
fotógrafo surrealista português<br />
dos anos 50. No entanto, no ano<br />
passado, um leilão em <strong>Lisboa</strong><br />
revelou um outro fotógrafo que<br />
encontrou inspiração na mesma<br />
corrente artística no final dos<br />
anos 50, Victor Palla. Já viu essas<br />
imagens?<br />
Sim. Gostei do trabalho <strong>de</strong>le. Admirava-o<br />
muito por causa das capas <strong>de</strong><br />
livros que criava. Era das poucas coisas<br />
que se faziam bem em Portugal.<br />
Eram novas, não provincianas. Estive<br />
uma ou duas vezes com ele, mas não<br />
falámos <strong>de</strong> fotografia. Havia entre nós<br />
uma apreciação meio secreta...<br />
Havia uma admiração mútua?<br />
Sem dúvida. Ele sabia que o admirava<br />
e eu sabia que ele me admirava.<br />
Na prática, o seu exemplo não foi<br />
seguido <strong>de</strong> maneira consequente<br />
nos anos seguintes. O Estado<br />
Novo venceu o surrealismo?<br />
Não sei. Sob certos aspectos talvez tenha<br />
vencido. Mas não se po<strong>de</strong> falar em<br />
vitória. Um Estado que não teve capacida<strong>de</strong><br />
para outra coisa que não fosse<br />
instaurar medo, <strong>de</strong>struição. Ele não<br />
<strong>de</strong>struiu só o surrealismo, <strong>de</strong>struiu o<br />
próprio processo histórico. Fez a feira<br />
popular com aquelas coisas todas feitas<br />
<strong>de</strong> estafa e gesso. Estragaram toda<br />
a festa. Os discursos do Salazar foram<br />
uma anedota, meio hilários, meio <strong>de</strong>mentes.<br />
Só um povo humil<strong>de</strong> como o<br />
nosso podia aceitar aquela situação.<br />
Até a polícia política era a mais atrasada<br />
<strong>de</strong>las todas. Eram todos uns sacanas<br />
sem categoria nenhuma.<br />
O livro “<strong>Lisboa</strong>, Cida<strong>de</strong> Triste e<br />
“Procuro mostrar que<br />
somos vários. Quando<br />
aparecemos em<br />
qualquer situação,<br />
não temos uma cara<br />
fixa, não somos uma<br />
máscara. Quis captar<br />
os retratos <strong>de</strong>sta<br />
forma para se<br />
perceber que temos<br />
na nossa cara um<br />
mundo <strong>de</strong> coisas para<br />
explodir, para<br />
escon<strong>de</strong>r”<br />
Alegre” [álbum com fotografias<br />
<strong>de</strong> Victor Palla/Costa Martins,<br />
poemas <strong>de</strong> vários autores<br />
portugueses editado em 1959 e<br />
consi<strong>de</strong>rado um dos melhores<br />
livros <strong>de</strong> fotografia portugueses]<br />
vai ser reeditado em Dezembro.<br />
Partilha do entusiasmo que gira<br />
à volta <strong>de</strong>sta obra?<br />
Partilho. É uma boa notícia. O livro<br />
tem uma reputação enorme. Dá uma<br />
versão <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> absolutamente a<strong>de</strong>quada.<br />
É uma fotografia que eterniza<br />
certas coisas <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, que é das<br />
poucas cida<strong>de</strong>s no mundo com características<br />
que não são palpáveis<br />
em outros lugares.<br />
E o livro reflecte isso…<br />
Reflecte e dá uma lição humanista.<br />
<strong>Lisboa</strong> é a minha cida<strong>de</strong>. O livro do<br />
Palla/Martins dá-nos uma <strong>Lisboa</strong> que<br />
não po<strong>de</strong> ser igualada por mais ninguém.<br />
A exposição inaugurada na<br />
Fundação Cupertino <strong>de</strong> Miranda<br />
tem fotografias inéditas. Quando<br />
andou a mexer <strong>de</strong> novo nos seus<br />
negativos o que é que procurou?<br />
Muito pouca coisa. Não fui à procura<br />
<strong>de</strong> nada que fosse exclusivo. Há uma<br />
ou outra imagem que já podia ter sido<br />
ampliada. Mas não me preocupei muito<br />
com isso. Não sou pesquisador.<br />
No novo conjunto prevalece um<br />
tipo <strong>de</strong> retrato psicológico, mais<br />
voltado para a sugestão. O que é<br />
que procura transmitir com este<br />
estilo?<br />
Procuro mostrar que somos vários.<br />
Quando aparecemos em qualquer<br />
situação, não temos uma cara fixa,<br />
não somos uma máscara. Quis captar<br />
os retratos <strong>de</strong>sta forma para se perceber<br />
que temos na nossa cara um<br />
mundo <strong>de</strong> coisas para explodir, para<br />
escon<strong>de</strong>r. Não se fica a conhecer uma<br />
pessoa ao olhar para a calça, para o<br />
sapato. Conhecemos, quando olhamos<br />
para o rosto das pessoas.<br />
Continua a tentar “adivinhar a<br />
ida<strong>de</strong> do futuro”?<br />
Ouvi essa expressão numa entrevista<br />
ao Philip Glass. Ele dizia que não sabia<br />
a ida<strong>de</strong> do futuro. Achei interessante.<br />
Sabe-se a ida<strong>de</strong> do passado, do presente,<br />
mas qual é a ida<strong>de</strong> do futuro?<br />
Fiquei a pensar nisso. Depois do livro<br />
do Saramago, “As Intermitências da<br />
Morte”, chego a ter medo que a morte<br />
me esqueça. Tomamos tudo muito a<br />
sério. É a questão também do surrealismo,<br />
o não tomar a sério. Mas é preciso<br />
levar as pessoas a enten<strong>de</strong>rem que<br />
só gente séria é que po<strong>de</strong> brincar.<br />
Versão alargada <strong>de</strong>sta entrevista em http://blogs.publico.pt/artephotographica<br />
6
A Orquestra Jazz <strong>de</strong><br />
Matosinhos associa-se à<br />
voz pujante e versátil <strong>de</strong><br />
Maria João num programa<br />
que inclui standards<br />
do universo jazzístico<br />
norte-americano e da música<br />
popular brasileira, obras<br />
emblemáticas da longa<br />
colaboração da cantora com<br />
o pianista Mário Laginha<br />
e uma canção inédita da<br />
autoria <strong>de</strong> Carlos Azevedo.<br />
PEDRO GUEDES<br />
direcção musical<br />
SÁB 22:00<br />
SALA SUGGIA<br />
€ 15<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />
PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />
ESTÚDIO<br />
Nuno Ramalho & Renato Ferrão<br />
Exposição <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Novembro até 22 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2010<br />
Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, das 15h às 20h<br />
Visita guiada com os Artistas e com Bruno Marchand<br />
(autor do texto do catálogo)<br />
11 <strong>de</strong> Dezembro, sexta-feira, às 18h30<br />
fundação carmona e costa<br />
Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>)<br />
Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.º D<br />
1600-196 <strong>Lisboa</strong><br />
(Bairro do Rego / Bairro Santos)<br />
Tel. 217 803 003 / 4<br />
www.fundacaocarmonaecosta.pt<br />
Autocarro: 31<br />
Metro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha /<br />
/ Cida<strong>de</strong> Universitária<br />
17 Dezembro 22h00<br />
10€ M/6<br />
www.teatromariamatos.pt<br />
Bilhetes à venda:<br />
Teatro Maria Matos 218 438 801<br />
música<br />
Alèmu Aga(Etiópia)<br />
The harp of King David<br />
menores<br />
30 anos<br />
5€
Inhotim<br />
Um país também s<br />
Exposições<br />
Nem São Paulo nem Rio: Belo Horizonte. E no Inhotim não parece haver limites: tudo é impro v<br />
Vanessa Rato em M<br />
DAVID REGENC<br />
A dada altura, entre o estalar dos “flashes”<br />
e o burburinho da multidão,<br />
uma muralha <strong>de</strong> câmaras e microfones<br />
fecha-se sobre o rosto do mais<br />
enigmático e <strong>de</strong>sejado dos protagonistas<br />
do dia: Matthew Barney, o sátiro<br />
por trás do épico “Cremaster” e<br />
um dos mais conhecidos artistas da<br />
última década.<br />
“T-shirt”, jeans e ténis Adidas. Negro<br />
integral. Cabelo bem puxado para<br />
trás, pernas afastadas, pés firmes<br />
no chão e braços cruzados sobre o<br />
peito, tudo segurança e músculo q.b.<br />
Com um sorriso Gioconda e um vago<br />
encolher <strong>de</strong> ombros, ele, esta espécie<br />
<strong>de</strong> “sex symbol” “off mainstream” a<br />
quem alguém se refere maliciosamente<br />
como “ex-senhor Björk”, é parco<br />
em palavras públicas, mas resume<br />
bem a questão. E a questão é: “Não<br />
há muitas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas.”<br />
Estamos no Inhotim, Centro <strong>de</strong> Arte<br />
Contemporânea, ou, mais concre-<br />
30 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
tamente, estamos <strong>de</strong> volta àquele que<br />
se tornou num dos mais <strong>de</strong>liciosamente<br />
tóxicos e mal guardados segredos<br />
do circuito internacional da arte<br />
contemporânea: um ano passado sobre<br />
a última visita, estamos <strong>de</strong> volta<br />
à embriaguez da mais vibrante colecção<br />
<strong>de</strong> arte contemporânea da América<br />
Latina instalada aqui, num museu<br />
criado no meio do nada da mata atlântica<br />
brasileira.<br />
Nem São Paulo nem Rio: Belo Horizonte.<br />
Um voo directo <strong>de</strong> seis horas<br />
a partir <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> e, <strong>de</strong>pois, uma hora<br />
a rodar bem para lá da periferia<br />
suburbana da capital do estado fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Minas Gerais, com a auto-estrada<br />
a dar vez a uma estrada irregular<br />
e esta a um caminho <strong>de</strong> terra batida.<br />
Terra vermelha e, à volta, ver<strong>de</strong>, um<br />
ver<strong>de</strong> cada vez mais <strong>de</strong>nso, húmido<br />
e abafado.<br />
Maciços <strong>de</strong> bananeiras, bambu silvestre,<br />
cana-<strong>de</strong>-açúcar, palmeiras,<br />
jacarandás, hibiscos e, por fim, aquele<br />
sólido muro branco, inesperadamente<br />
imaculado.<br />
Sabemos o que está para lá <strong>de</strong>le,<br />
mas, mesmo assim, mesmo à segunda<br />
visita, não <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> pasmar: um<br />
parque ambiental <strong>de</strong> 1200 hectares<br />
e, lá <strong>de</strong>ntro, 45 hectares <strong>de</strong> jardins,<br />
parte dos quais <strong>de</strong>senhados nos anos<br />
1980 pelo paisagista Roberto Burle<br />
Marx, o mesmo do Parque Ibirapuera,<br />
<strong>de</strong> São Paulo, e do Aterro do Flamengo,<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro; no total, 30 quilómetros<br />
<strong>de</strong> espelhos <strong>de</strong> água e lagos<br />
ornamentais, aqui, numa região <strong>de</strong><br />
exploração mineira em que a cida<strong>de</strong><br />
mais próxima, o Brumadinho, se reduz<br />
a 30 mil habitantes.<br />
Não há limites<br />
Ao longo dos anos 1980 e 1990, este<br />
foi o jardim da casa <strong>de</strong> Bernardo Paz,<br />
zona <strong>de</strong> reclusão, afastada <strong>de</strong> tudo e<br />
todos on<strong>de</strong> em 2002 foi oficialmente<br />
PEDRO MOTTA
e reinventa assim<br />
vável, gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong>smedido. Matthew Barney tem razão: “Não há muitas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas”.<br />
Minas Gerais<br />
Exterior e interior da instalação<br />
<strong>de</strong> Matthew Barney<br />
Estamos <strong>de</strong> volta<br />
à embriaguez<br />
da mais vibrante<br />
colecção <strong>de</strong> arte<br />
contemporânea da<br />
América Latina<br />
instalada aqui,<br />
num museu criado<br />
no meio do nada<br />
da mata atlântica<br />
brasileira. Nem<br />
São Paulo<br />
nem Rio: Belo<br />
Horizonte<br />
criado o Instituto Cultural Inhotim,<br />
hoje com uma colecção <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong><br />
500 obras assinadas por alguns dos<br />
mais conhecidos artistas do mundo<br />
e apontado por muitos como o mais<br />
importante acontecimento cultural<br />
do Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fundação do Museu<br />
<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> São Paulo, em<br />
1947. Uma espécie <strong>de</strong> Gulbenkian elevada<br />
à sua máxima potência tropical<br />
e <strong>de</strong>slocada para on<strong>de</strong> menos se espera<br />
encontrá-la.<br />
Dizíamos que, em tempos, este foi<br />
o jardim <strong>de</strong> Bernardo Paz. Na verda<strong>de</strong>,<br />
ainda é. Aos 60 anos, o proprietário<br />
da Itaminas, um dos mais importantes<br />
empresários si<strong>de</strong>rúrgicos<br />
do Brasil, costuma almoçar e receber<br />
os seus convidados na maior mesa da<br />
esplanada do restaurante on<strong>de</strong> nós,<br />
os visitantes, também comemos. A<br />
sua casa fica a poucos metros, ao cimo<br />
<strong>de</strong> uma la<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> acesso privado.<br />
Des<strong>de</strong> que a sua colecção pessoal<br />
foi transformada em espaço público,<br />
objecto <strong>de</strong> participação financeira do<br />
Estado, Bernardo Paz tem consigo<br />
três comissários – o brasileiro Roberto<br />
Moura, o norte-americano Allan<br />
Schwartzman e o alemão Jochen Volz.<br />
São eles os responsáveis pelas exposições<br />
e aquisições do centro e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que existem, este homem alto e magro,<br />
<strong>de</strong> barba e cabelos longos e brancos<br />
no meio dos quais brilham dois<br />
penetrantes olhos azuis, prefere não<br />
falar à imprensa. Apesar disso, há um<br />
ano, explicava-nos: “Eu fiz a base do<br />
Inhotim, sonhei o resto e passei o meu<br />
sonho. Aqui trata-se <strong>de</strong> resgatar o sensível.<br />
Aqui a vida não tem limites.”<br />
No Inhotim, <strong>de</strong> facto, não parece<br />
haver limites: tudo é improvável,<br />
gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong>smedido. Tudo está à altura<br />
<strong>de</strong>stas palavras: “Interessam-me<br />
artistas com i<strong>de</strong>ias que vão para lá do<br />
que é habitual uma colecção privada<br />
ou institucional po<strong>de</strong>r conter.”<br />
Quando Matthew Barney entra em<br />
cena, quando toda a muralha <strong>de</strong> câmaras<br />
e microfones <strong>de</strong> televisões,<br />
rádios, jornais e revistas se fecha sobre<br />
o seu rosto e ele, artista habituado<br />
a projectos <strong>de</strong> milhões, se chega à<br />
frente para dizer que “não existem<br />
muitas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta”, é à <strong>de</strong>smesura<br />
que se refere.<br />
Em 2004 o Inhotim instalou-o com<br />
Arto Lindsay em Salvador da Baía. A<br />
i<strong>de</strong>ia era que concebessem um projecto<br />
para o Carnaval da cida<strong>de</strong>. Barney<br />
construiu uma narrativa sobre o<br />
conflito entre Ogum – senhor orixá<br />
do ferro, da guerra e da tecnologia<br />
– e Ossanha – o orixá das florestas,<br />
das plantas e das forças da natureza.<br />
Construiu também um enorme carro<br />
alegórico <strong>de</strong>ntro do qual a narrativa<br />
se <strong>de</strong>senrolava enquanto Arto Lindsay<br />
tocava e cantava instalado numa<br />
das pontas <strong>de</strong>sta megaplataforma<br />
móvel, um bizarro alienígena cujo<br />
<strong>de</strong>sfile foi registado em ví<strong>de</strong>o e transformado<br />
em filme. Des<strong>de</strong> então, o<br />
filme faz parte da colecção do Inhotim,<br />
que entretanto ofereceu a Barney<br />
um novo <strong>de</strong>safio: a construção<br />
<strong>de</strong> um pavilhão só seu, uma obra em<br />
nome próprio com o carro-alegóricofeito-escultura<br />
<strong>de</strong>ntro.<br />
Pesos-pesados<br />
Uma floresta <strong>de</strong> eucaliptos e, <strong>de</strong> repente,<br />
uma cratera <strong>de</strong> terra revolvida,<br />
árvores <strong>de</strong>rrubadas e <strong>de</strong> raiz à mostra<br />
e, lá no meio, uma dupla cúpula <strong>de</strong><br />
vidro e ferro, dois enormes domos<br />
geminados e poliédricos que engolem<br />
e multiplicam ao infinito o reflexo <strong>de</strong><br />
tudo o que os ro<strong>de</strong>ia e cospem lá para<br />
fora, também multiplicado à vertigem,<br />
o reflexo <strong>de</strong> tudo o que recebem<br />
no interior.<br />
O projecto <strong>de</strong> uma vida, noutros<br />
contextos. Não aqui. Só no mesmo dia<br />
<strong>de</strong> Barney o Inhotim inaugura três<br />
outros pavilhões <strong>de</strong> exposição permanente.<br />
Mais acima, mata a<strong>de</strong>ntro,<br />
Doug Aitken mandou terraplenar o<br />
topo <strong>de</strong> um morro para a construção<br />
do seu “Sonic Pavilion”, cúpula geodésica<br />
<strong>de</strong>ntro da qual uma sonda escavou<br />
metros coração da terra a<strong>de</strong>ntro<br />
para a instalação <strong>de</strong> microfones<br />
que captam e nos <strong>de</strong>ixam ouvir o som<br />
vivo do planeta. Através do vidro, ao<br />
longe, no cimo <strong>de</strong> uma serra, vê-se a<br />
escultura “Beam Drop”, <strong>de</strong> Chris Bur<strong>de</strong>n,<br />
feita com 71 vigas <strong>de</strong> ferro para<br />
construção que em 2008 foram levantadas<br />
no ar e <strong>de</strong>ixadas cair por um<br />
guindaste para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma enorme<br />
vala <strong>de</strong> cimento fresco. Foram 12<br />
horas a lançar vigas, faúlhas a saltar<br />
por todo o lado, até chegar ao expressionismo<br />
daquele padrão imprevisível,<br />
nova versão <strong>de</strong> um trabalho originalmente<br />
instalado em 1984 no Art<br />
Park, no estado <strong>de</strong> Nova Iorque, <strong>de</strong>struído<br />
em 1987.<br />
Barney, Aitken e Bur<strong>de</strong>n: pesospesados,<br />
portanto. E a lista parece<br />
não acabar. Noutra zona, Doris Salcedo,<br />
a mais prestigiada artista colombiana<br />
da actualida<strong>de</strong>, mulher <strong>de</strong> dar<br />
o rosto apenas por causas maiores,<br />
tem também um pavilhão, uma estrutura<br />
arquitectónica em betão construída<br />
à volta <strong>de</strong> “Neither”, uma sala<br />
alusiva a espaços <strong>de</strong> opressão como<br />
as prisões e que foi originalmente<br />
10 a 15 Dezembro 21h30<br />
12€ M/12<br />
www.teatromariamatos.pt<br />
Bilhetes à venda:<br />
Teatro Maria Matos 218 438 801<br />
teatro<br />
João Garcia Miguel<br />
Faustin Linyekula<br />
O banqueiro anarquista<br />
(Fernando Pessoa)<br />
apresentação no âmbito<br />
da re<strong>de</strong> 5 sentidos<br />
co-financiada por<br />
menores<br />
30 anos<br />
5€<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 31
PEDRO MOTTA<br />
feita para a White Cube, <strong>de</strong> Londres.<br />
A inauguração foi no ano passado,<br />
pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Salcedo<br />
se tornar na primeira artista latinoamericana<br />
a intervir no Turbine Hall<br />
da Tate, em Londres, e no mesmo dia<br />
da inauguração do pavilhão <strong>de</strong> Adriana<br />
Varejão, com uma enorme tela da<br />
série “Saunas”, uma das ruínas <strong>de</strong><br />
charque que a tornaram numa das<br />
mais conhecidas artistas brasileiras<br />
da nova geração, o seu “Celacanto<br />
Provoca Maremoto”, que esteve há<br />
anos no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, e<br />
uma série <strong>de</strong> pinturas que reconsi<strong>de</strong>ram<br />
o tema da antropofagia.<br />
Valeska Soares, com o pavilhão que<br />
teve na Bienal <strong>de</strong> Veneza, Janet Car-<br />
32 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
A instalação sonora <strong>de</strong> Janet<br />
Cardiff “The Mur<strong>de</strong>r of Crows”<br />
diff e a sua extraordinária instalação<br />
sonora “The Mur<strong>de</strong>r of Crows”, com<br />
98 altifalantes e a sua narrativa <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>lo<br />
lento, Cildo Meireles e o seu<br />
histórico “Desvio para o Vermelho”,<br />
com “Através”, que até ser adquirida<br />
pelo Inhotim tinha sido montada uma<br />
única vez, nos anos 1980, no Palácio<br />
<strong>de</strong> Cristal, em Madrid, e com uma das<br />
suas “Glove Trotter”. São tudo pavilhões<br />
permanentes, uma lista a que<br />
<strong>de</strong>verão em breve juntar-se Dominique<br />
Gonzalez-Foerster, Olafur Eliasson<br />
e Pipilotti Rist, esta última com a<br />
instalação ví<strong>de</strong>o “Homo sapiens sa-<br />
DOUG-AITKEN<br />
piens” que apresentou na Bienal <strong>de</strong><br />
Veneza, em 2005, quando foi representante<br />
oficial da Suíça e que, à época,<br />
realizou já aqui, no Inhotim.<br />
EDUARDO ECKENFELS<br />
Dos anos 1970 à actualida<strong>de</strong> numa<br />
vertigem <strong>de</strong> formatos XL, maiores do<br />
que a vida: o Brasil po<strong>de</strong> até já ter sido<br />
um filho bastardo da Europa, praticamente<br />
ausente <strong>de</strong> tradições artísticas<br />
próprias, mas foi há muito tempo.<br />
Foi antes do Movimento Antropofágico<br />
e o Movimento Antropofágico já<br />
foi há quase 90 anos.<br />
Com o texto que a 1 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1928<br />
lançou esse movimento, o poeta, romancista<br />
e dramaturgo Oswaldo <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> queria uma “revolução Ca-<br />
“Beam Drop”, <strong>de</strong> Chris Bur<strong>de</strong>n<br />
“Sonic Pavilion”, <strong>de</strong> Doug<br />
Aitken: cúpula <strong>de</strong>ntro da qual<br />
uma sonda escavou metros<br />
coração da terra para a<br />
instalação <strong>de</strong> microfones que<br />
captam o som vivo do planeta<br />
No aeroporto <strong>de</strong> Belo<br />
Horizonte também<br />
é fácil reconhecer<br />
os convidados<br />
internacionais do<br />
Inhotim, gente que<br />
vem <strong>de</strong> todo o mundo<br />
e volta a casa<br />
a pensar na<br />
extraordinária<br />
loucura <strong>de</strong> uma ópera<br />
no meio da selva<br />
rahiba”, “maior que a Revolução<br />
Francesa”, e posicionava-se contra<br />
quase tudo o que fora imposto pelos<br />
colonizadores, contra “a Memória<br />
fonte <strong>de</strong> costume” e “as histórias do<br />
homem que começam no Cabo Finisterra”,<br />
pedia uma “experiência pessoal<br />
renovada”, um “mundo não datado.<br />
Não rubricado. Sem Napoleão.<br />
Sem César”. Chegados a 2009, com<br />
os Olímpicos ao virar da esquina e o<br />
Brasil a emergir como uma das maiores<br />
potências do mundo, temos que<br />
reconhecer: fomos nós que nos distraímos,<br />
<strong>de</strong> olhos postos nos estereótipos,<br />
enquanto esta revolução acontecia.<br />
Enquanto esta revolução se<br />
transformava num espaço como o<br />
Inhotim.<br />
Têm acontecido coisas assim por<br />
todo o mundo. Nos anos 1980, nos<br />
EUA, houve Eli Broad que hoje mesmo<br />
está a tratar da construção <strong>de</strong> um<br />
novo e imenso museu em Los Angeles.<br />
Depois, nos anos 1990, a Grã-Bretanha<br />
teve Charles Saatchi, um mogul<br />
da publicida<strong>de</strong> que se fez rampa <strong>de</strong><br />
lançamento para toda uma geração<br />
<strong>de</strong> artistas e a reinvenção da cena artística<br />
do seu país. Entretanto, <strong>de</strong>cididamente,<br />
os anos 2000 viraram-se<br />
para outras latitu<strong>de</strong>s. No México, apareceu<br />
Eugénio López Alonso que, há<br />
quatro anos, a “Forbes” apresentava<br />
como um supercoleccionador, um<br />
novo Médici. Não foi uma <strong>de</strong>scoberta<br />
absoluta: já em 2002 a revista “Art<br />
News” o <strong>de</strong>cretara como o maior mecenas<br />
da arte do seu país, um homem<br />
<strong>de</strong> 40 anos que vai abrir, em 2011, o<br />
seu museu, um espaço <strong>de</strong> 50 mil metros<br />
quadrados em plena Cida<strong>de</strong> do<br />
México, substituto para a galeria do<br />
Grupo Jumex, <strong>de</strong> que é her<strong>de</strong>iro único<br />
e on<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há oito anos expõe<br />
uma colecção <strong>de</strong> arte contemporânea<br />
internacional com cerca <strong>de</strong> duas mil<br />
obras e que se estima ter representado<br />
num investimento <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 61<br />
milhões <strong>de</strong> euros.<br />
López Alonso começou a coleccionar<br />
aos 25 anos. Hoje, na galeria do<br />
Grupo Jumex, quatrocentos metros<br />
quadrados ro<strong>de</strong>ados por espremedores<br />
e pausteurizadores industriais,<br />
expõe Gabriel Orozco, um dos nomes<br />
mexicanos mais estabelecidos da colecção,<br />
Minerva Cuevas (n. 1975) ou<br />
Iñaki Bonillas (n.1981), programaticamente<br />
enquadrados no contexto internacional<br />
ao lado <strong>de</strong> nomes conhecidos<br />
como Douglas Gordon, Jeff Koons,<br />
Paul McCarthy ou Maurizio<br />
Cattelan. Mas López Alonso não se<br />
limita a coleccionar e mostrar.<br />
Segundo a “Forbes”, só entre 2001<br />
e 2005 terá aplicado mais <strong>de</strong> 9 milhões<br />
<strong>de</strong> euros na criação <strong>de</strong> programas<br />
especializados em arte latinoamericana<br />
em escolas e museus norte-americanos,<br />
no empréstimo <strong>de</strong><br />
trabalhos a exposições internacionais<br />
e na edição <strong>de</strong> catálogos. Assumiu-se<br />
também como um dos principais patronos<br />
do Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea<br />
<strong>de</strong> Los Angeles, on<strong>de</strong> tem financiado<br />
a criação <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> artistas<br />
como Damián Ortega e estimando-se<br />
que, por ano, garanta a <strong>de</strong>slocação<br />
ao México <strong>de</strong> 25 críticos e comissários<br />
internacionais que chegam para ver<br />
a sua colecção, um tipo <strong>de</strong> acção instrumental<br />
na emergência <strong>de</strong> qualquer<br />
cida<strong>de</strong> fora dos circuitos mais tradicionais.<br />
No aeroporto <strong>de</strong> Belo Horizonte<br />
também é fácil reconhecer os convidados<br />
internacionais do Inhotim, gente<br />
que vem <strong>de</strong> todo o mundo e volta a<br />
casa a pensar na extraordinária loucura<br />
<strong>de</strong> uma ópera no meio da selva.<br />
No dia da inauguração <strong>de</strong> Matthew<br />
Barney, por exemplo, houve um concerto<br />
<strong>de</strong> Arto Lindsay numa clareira<br />
no meio da mata, as árvores dramaticamente<br />
iluminadas com luz ver<strong>de</strong>,<br />
as sombras ampliadas e uma tempesta<strong>de</strong>,<br />
a correr ao longe, relâmpagos<br />
cada vez mais perto: um país também<br />
se reinventa assim.<br />
A jornalista viajou a convite do Inhotim,<br />
Centro <strong>de</strong> Arte Contemporânea
Exposições<br />
Uma imagem não faz a revolução, mas<br />
prepara-a. E os surrealistas não pensavam<br />
uma revolução política sem<br />
pensarem uma revolução das mentalida<strong>de</strong>s<br />
e dos comportamentos. E usaram<br />
a imagem <strong>de</strong> um modo tão intenso<br />
como usaram a palavra, sempre<br />
para po<strong>de</strong>rem “mudar a vida”. Em<br />
Paris, no Centro Georges Pompidou,<br />
até 11 <strong>de</strong> Janeiro, na exposição “La<br />
Subversion <strong>de</strong>s Images”, centenas <strong>de</strong><br />
fotografias, fotomontagens, colagens<br />
e filmes, unificados por uma cenografia<br />
eficaz, somos conduzidos na busca<br />
surrealista do “mo<strong>de</strong>lo interior”.<br />
“É pela força das imagens que, ao<br />
longo do tempo, se po<strong>de</strong>rão alcançar<br />
as verda<strong>de</strong>iras revoluções”, escreveu<br />
André Breton, fundador e teorizador<br />
do surrealismo, cujos a<strong>de</strong>rentes ambicionaram<br />
“mudar a vida”. As imagens<br />
são literárias mas foram também,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, imagens visuais<br />
– o seu legado mudou o nosso modo<br />
<strong>de</strong> representar e <strong>de</strong> ver o mundo.<br />
Nos 10 espaços em que se divi<strong>de</strong> “La<br />
Subversion <strong>de</strong>s Images”, mais <strong>de</strong> três<br />
centenas <strong>de</strong> obras são apresentadas.<br />
O visitante espreita por frestas espe-<br />
Subversão<br />
pelas<br />
imagens<br />
Os surrealistas usaram a imagem <strong>de</strong> modo tão intenso como usaram a palavra, sempre para p<br />
<strong>de</strong>s Images” apresenta centenas <strong>de</strong> fotografi as, fotomontagens, colagens e fi lmes d<br />
34 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
lhadas entre as salas: as relações espaciais<br />
da planta ovalada surgem-lhe<br />
fragmentadas e, à saída, surpreen<strong>de</strong><br />
a própria imagem <strong>de</strong>formada na ondulação<br />
<strong>de</strong> um enorme espelho. Não<br />
se trata <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> ilusionismo gratuito:<br />
estas soluções <strong>de</strong> montagem acompanham<br />
a <strong>de</strong>monstração minuciosa<br />
<strong>de</strong> como os novos meios <strong>de</strong> produção<br />
<strong>de</strong> imagens (a fotografia e o cinema)<br />
contribuíram para a produção <strong>de</strong> novos<br />
tipos <strong>de</strong> imagens, para uma nova<br />
percepção dos espaços; e como serviram<br />
não apenas o programa dos fundadores<br />
do surrealismo, mas abriram<br />
também um campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />
que lhes sobreviveu invadindo a nossa<br />
visão do quotidiano. A publicida<strong>de</strong><br />
e a moda, o grafismo e a ilustração,<br />
a arte, da pop ao neodadaísmo dos<br />
anos 60 e seguintes, o cinema... estão<br />
hoje impregnados <strong>de</strong> lugares comuns<br />
conquistados pelo surrealismo contra<br />
as convenções do tempo.<br />
A teatralização do real<br />
Os limites cronológicos <strong>de</strong>sta selecção<br />
(que conta com cinco comissários)<br />
estabelecem-se entre os anos <strong>de</strong><br />
1920 e 30 (os <strong>de</strong> maior inventivida<strong>de</strong><br />
e experimentação) e os anos <strong>de</strong> 1940,<br />
quando a fuga da maioria dos criadores<br />
para os EUA proporcionou as<br />
condições <strong>de</strong> expansão e normalização<br />
que referimos. Geograficamente,<br />
Paris surge, nesta investigação, como<br />
centro aglutinador <strong>de</strong> contribuições<br />
e personalida<strong>de</strong>s locais e <strong>de</strong> outras,<br />
chegadas da Alemanha, <strong>de</strong> Espanha<br />
ou do Centro da Europa. Portugal,<br />
que para além <strong>de</strong> um pontual contacto<br />
<strong>de</strong> António Pedro com o movimento,<br />
apenas acerta o seu tempo<br />
no fôlego surrealista do pós-guerra,<br />
está ausente. Percebemos apenas,<br />
nas obra <strong>de</strong> Georges Hugnet, Max<br />
Ernst ou Victor Brauner a génese dos<br />
poemas visuais <strong>de</strong> Mário Cesariny<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1947.<br />
Um dos fascínios permanentes da<br />
exposição é a presença não apenas <strong>de</strong><br />
provas fotográficas originais como <strong>de</strong><br />
maquetas <strong>de</strong> composições posteriormente<br />
integradas em revistas ou catálogos.<br />
A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contacto<br />
directo com esses “vintage” garante<br />
a riqueza documental e a emoção visual<br />
do visitante que parece po<strong>de</strong>r<br />
f Eli Lotar,<br />
Germaine<br />
Krull (1930)<br />
e Man Ray,<br />
“Érotique<br />
-voilée”, 1933-<br />
1934<br />
tomar contacto, através das possibilida<strong>de</strong>s<br />
infinitas <strong>de</strong> associação da forma<br />
e da metamorfose, do real e do sonho<br />
dos objectos e dos corpos, com a génese<br />
mesma <strong>de</strong> um pensamento e<br />
acção torrenciais.<br />
A provocação aos gostos e moralida<strong>de</strong><br />
burguesa sustentada numa acção<br />
colectiva intensa que sabemos se<br />
tornou, por vezes, autofágica, começa<br />
com o “pôr em comum” a própria<br />
imagem individual que o primado do<br />
colectivo implicava na utopia surrealista.<br />
São os retratos <strong>de</strong> grupo (improvisados,<br />
encenados ou manipulados<br />
por fotomontagem on<strong>de</strong> se fazem figurar<br />
com os seus reclamados antecessores,<br />
<strong>de</strong> Freud a Rimbaud), publicados<br />
nas revistas e livros. Logo neles<br />
se vão <strong>de</strong>scobrindo alguns dos lugares<br />
explorados pelos surrealistas: o absurdo<br />
e o burlesco, que explorarão<br />
noutras dimensões como as do cinema<br />
(Hans Richter, por exemplo), do<br />
acaso e do fortuito, da experimentação<br />
e do risco, que os levará a usar e<br />
a negar todas as convenções temáticas<br />
e técnicas da fotografia do tempo.<br />
A teatralização do real, dominante
logo neste uso da fotografia <strong>de</strong> grupo,<br />
esten<strong>de</strong>-se a todo o conjunto <strong>de</strong> temas<br />
e formas. Vencendo o que parecia<br />
ser o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> reprodução mecânica<br />
do real pela fotografia, os surrealistas<br />
vão esten<strong>de</strong>r a vertiginosa<br />
criativida<strong>de</strong> dos seus jogos linguísticos<br />
às novas técnicas. Walter Benjamin<br />
consi<strong>de</strong>ra mesmo que é apenas<br />
na fotografia que o surrealismo afirma<br />
a sua qualida<strong>de</strong>. Notáveis são a<br />
pequena colecção <strong>de</strong> fotos on<strong>de</strong> Magritte<br />
ensaia, em fotografia, as soluções<br />
do que iria pintar em tela ou os<br />
esboços <strong>de</strong> Artaud e Eli Lotar para<br />
futuras fotomontagens.<br />
O lugar do “voyeur”<br />
O modo como, através da fotografia,<br />
os surrealistas acentuam o lugar do<br />
“voyeur” na produção da imagem<br />
oferece-nos outro lugar <strong>de</strong> intervenção,<br />
o do erotismo centrado na mulher,<br />
da beleza fria <strong>de</strong> Meret Oppenheim<br />
ou Lee Miller (mo<strong>de</strong>los e autoras<br />
em simultâneo), das <strong>de</strong>puradas<br />
fotos <strong>de</strong> Man Ray à sua experiência<br />
na filmografia porno, das fotos porno<br />
<strong>de</strong> Ubac à violência sexualizada <strong>de</strong><br />
g Hans Richter,<br />
“Vormittagsspuk”, 1927-1928<br />
A provocação aos<br />
gostos e moralida<strong>de</strong><br />
burguesa sustentada<br />
numa acção colectiva<br />
intensa que sabemos<br />
se tornou, por vezes,<br />
autofágica, começa<br />
com o “pôr em<br />
comum” a própria<br />
imagem individual<br />
que o primado<br />
do colectivo implicava<br />
na utopia surrealista<br />
f Man Ray,<br />
“Marquise<br />
Casati”, 1922<br />
e André<br />
Breton, fotomontagem,<br />
1937<br />
Hans Bellmer ou, finalmente, às inquietantes<br />
e não menos sexualizadas<br />
analogias entre animal, vegetal e humano<br />
nos filmes e fotos <strong>de</strong> Jean Painlevé.<br />
O trânsito <strong>de</strong> influências entre algumas<br />
expressões marginais ao sistema<br />
<strong>de</strong> gosto artístico vigente e o<br />
surrealismo foi intenso. Não apenas<br />
o interesse se manifestou pelas expressões<br />
arcaicas e extra-europeias,<br />
“naïves” ou <strong>de</strong> alienados, mas também<br />
por produtores <strong>de</strong> universos<br />
capazes <strong>de</strong> revelar realida<strong>de</strong>s escondidas<br />
sob a capa da aparente normalida<strong>de</strong>.<br />
Foi o caso <strong>de</strong> Painlevé, para a<br />
Natureza, ou da fotografia <strong>de</strong> Brassaï,<br />
Jindfich Strysky ou Eugène Atget em<br />
relação a uma cida<strong>de</strong> reveladora <strong>de</strong><br />
“inquietante estranheza”, do fantástico<br />
e do fantasmático, do absurdo e<br />
mesmo do abjecto, na vertente da<br />
revista “Documents” <strong>de</strong> Bataille e nas<br />
fotos <strong>de</strong> Eli Lotar ou Wolls. Era uma<br />
consciência do belo na estranheza e<br />
<strong>de</strong>slocação <strong>de</strong> contexto que a arte ia<br />
acompanhando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o “ready ma<strong>de</strong>”<br />
duchampiano ou das “assemblages”<br />
dadaístas, muito diversa dos<br />
efeitos obtidos na colagem cubista ou<br />
na fotomontagem e “assemblage”<br />
construtivista.<br />
A exposição mostra como os surrealistas<br />
souberam gerir a tensão entre<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mergulharem<br />
no inconsciente e o <strong>de</strong>terminismo<br />
objectivo do olho mecânico das câmaras,<br />
explorando as possibilida<strong>de</strong>s<br />
subjectivas do enquadramento, dos<br />
gran<strong>de</strong>s planos, das manipulações<br />
no momento da tomada <strong>de</strong> vista e/<br />
ou da revelação. Na procura constante<br />
do “mo<strong>de</strong>lo interior” a fotografia<br />
alcança assim (nas mão <strong>de</strong> Man Ray,<br />
por exemplo) o estatuto da “escrita<br />
automática”, técnica surrealista que<br />
Breton apelidara <strong>de</strong> “fotografia do<br />
pensamento”.<br />
Apenas uma pintura nesta exposição.<br />
Mostra-se no início, como provocação<br />
e exemplo <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>slocações<br />
a que assistiremos <strong>de</strong>pois,<br />
é <strong>de</strong> 1925, da autoria <strong>de</strong> Miró: num<br />
plano sem profundida<strong>de</strong> escreve-se,<br />
como legenda <strong>de</strong> uma mancha azul,<br />
“esta é a cor dos meus sonhos” e, no<br />
topo esquerdo, como um título, a palavra<br />
“photo”.<br />
po<strong>de</strong>rem “mudar a vida”. Em Paris, no Centro Pompidou, até 11 <strong>de</strong> Janeiro, “La Subversion<br />
<strong>de</strong>ssa busca surrealista do “mo<strong>de</strong>lo interior”. João Pinharanda, em Paris<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 35
Expos<br />
36 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Trazer à<br />
superfície<br />
os tempos<br />
mortos<br />
A arte <strong>de</strong> João Pedro Vale<br />
continua a explorar a pele<br />
da cultura. Agora, a partir <strong>de</strong><br />
“Moby Dick”, uma obra do<br />
cânone literário.<br />
José Marmeleira<br />
Moby Dick<br />
De João Pedro Vale.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />
Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a<br />
Sáb. das 10h às 20h.<br />
Outros.<br />
mmmnn<br />
Antes <strong>de</strong> “Moby Dick”, houve<br />
“Hero, Captain and Stranger”, o<br />
filme. Não que este dado seja<br />
fundamental para o visitante da<br />
nova exposição <strong>de</strong> João Pedro Vale.<br />
Ou é? Explicamos: são duas<br />
experiências em tempos e espaços<br />
distintos (o filme, em co-autoria<br />
com Nuno Alexandre Ferreira, foi<br />
exibido apenas uma vez). Mas<br />
As peças da “Moby Dick” <strong>de</strong> João Pedro Vale dirigem-se ao<br />
imaginário construído a partir do Gran<strong>de</strong> Romance Americano<br />
existem relações óbvias.<br />
O projecto nasceu <strong>de</strong> uma<br />
residência artística realizada por<br />
João Pedro Vale em Nova Iorque,<br />
com o objectivo <strong>de</strong> investigar as<br />
comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> imigrantes<br />
portugueses formadas por<br />
pescadores baleeiros originários<br />
dos Açores e que residiram<br />
sobretudo na Costa Leste dos EUA.<br />
O encontro com a obra literária,<br />
porém, motivou outro caminho.<br />
Depois das leituras <strong>de</strong> ensaios dos<br />
Queer Studies sobre o livro <strong>de</strong><br />
Herman Melville, João Pedro Vale<br />
afastou-se do imaginário e das<br />
memórias do mar, <strong>de</strong>slocando para<br />
segundo plano a gesta representada<br />
para trazer à superfície outras<br />
significações, numa ficção (plástica<br />
e visual) em torno daquilo que<br />
Jennifer Doyle chamou <strong>de</strong> “Moby-<br />
Dick´s Boring Parts” (ou seja, os<br />
capítulos em que a narrativa é<br />
reduzida a acções aborrecidas, a<br />
passagens didácticas sobre a caça à<br />
baleia ou a <strong>de</strong>scrições da vida a<br />
bordo do baleeiro).<br />
Quem leu o livro reconhece os<br />
seus tempos mortos e é<br />
exactamente aí, nesse<br />
reconhecimento, que o artista<br />
intervém. Os tempos mortos são o<br />
lugar do tédio, mas po<strong>de</strong>m ser<br />
também – enquanto não se avista a<br />
baleia no horizonte – o do sexo e<br />
(porque não?) da arte. Ora, é nesta<br />
sobreposição <strong>de</strong> leituras e sentidos<br />
que o artista cria a sua “Moby<br />
Dick”.<br />
“Hero, Captain and Stranger”<br />
teve a sua estreia e única exibição<br />
em Novembro passado em <strong>Lisboa</strong>,<br />
num cinema porno (o Cine Paraíso).<br />
O lugar não é inocente. O primeiro<br />
filme <strong>de</strong> João Pedro Vale é, ao<br />
mesmo tempo, um filme<br />
pornográfico gay e uma adaptação<br />
curta e livre <strong>de</strong> “Moby Dick”, sem<br />
diálogos, apenas com a voz off do<br />
narrador (uma referência à peça<br />
teatral “Moby Dick Rehearsed”, <strong>de</strong><br />
Orson Welles). Rodado a preto e<br />
branco – com alusões a Anger e a<br />
Genet –, possui, como qualquer<br />
obra pornográfica, uma monotonia<br />
suspensa e acelerada pelas cenas <strong>de</strong><br />
sexo. É um espaço intertextual<br />
entre o escritor e João Pedro Vale,<br />
entre as partes “chatas” do livro e a<br />
pornografia, entre o tédio dos<br />
baleeiros e o tédio do leitor/<br />
espectador.<br />
Na exposição, encontram-se<br />
objectos que, embora remetendo<br />
para o filme (com efeito, figuram<br />
neste), existem autonomamente<br />
enquanto produtos do fazer, do<br />
humor e da invenção do artista. São<br />
disso exemplo a instalaçãoambiente<br />
com o mesmo nome do<br />
filme, que “reconstitui” as<br />
camaratas dos baleeiros, “So Much,<br />
So Little Time”, um conjunto <strong>de</strong><br />
velas em forma <strong>de</strong> pilas sobre o<br />
caixão que salvará a vida <strong>de</strong> Ismael,<br />
ou os <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> baleias cujas<br />
superfícies <strong>de</strong>ixam ver <strong>de</strong>senhos<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
gravados, numa alusão directa à<br />
“scrimshaw”, arte que os<br />
marinheiros usavam para matar o<br />
tempo, e mais subtil ao fazer do<br />
próprio João Pedro Vale, minucioso,<br />
“manual”, e não raras vezes feito<br />
sobre superfícies (noutras obras,<br />
sobre pele, sabão, pastilhas<br />
elásticas).<br />
A sombra do <strong>de</strong>sejo e da<br />
sexualida<strong>de</strong> (homossexual) não<br />
<strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> assombrar, com ironia,<br />
este curioso “museu” (on<strong>de</strong> não<br />
faltam vitrinas com arpões), mas<br />
nele as obras dirigem-se,<br />
essencialmente, ao imaginário<br />
cultural, político e artístico<br />
construído à volta <strong>de</strong> “Moby Dick”<br />
(afinal, o Gran<strong>de</strong> Romance<br />
Americano). Como acontece nas<br />
reproduções <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Frank<br />
Stella e Jackson Pollock, ou nas<br />
pinturas, ilustrações e <strong>de</strong>senhos<br />
relativos à caça ou ao mito da<br />
baleia/do monstro que compõem a<br />
série “Of The Monstruous and Less<br />
Erroneous Pictures of Whales”.<br />
Sobre a montagem da exposição,<br />
subsiste apenas uma dúvida: não<br />
será possível apresentar as peças<br />
(todas) num contexto mais<br />
exclusivo?<br />
Uma<br />
fotografi a<br />
agarrada<br />
ao mundo<br />
Obras <strong>de</strong> 13 fotógrafos<br />
da Kameraphoto numa<br />
exposição que interroga o<br />
lugar das imagens entre o<br />
fotojornalismo e a fotografia<br />
documental.<br />
José Marmeleira<br />
A State of Affairs<br />
De Alexandre Almeida, Guillaume<br />
Pazat, Pedro Letria, Pauliana<br />
Valente Pimental, João Pina,<br />
Augusto Brázio, António Júlio<br />
Duarte, Jordi Burch, Nelson D’ aires,<br />
Martim Ramos, Céu Guarda, Valter<br />
Vinagre, Sandra Rocha.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Plataforma Revólver. Rua da Boavista, 84<br />
- 3º. Tel.: 213433259. Até 31/12. 2ª a Sáb. das 14h às<br />
19h30.<br />
Fotografia.<br />
mmmnn<br />
Surgido em 2003, o Kameraphoto é<br />
um colectivo com ambições tão<br />
claras quanto notáveis: incentivar,<br />
divulgar e representar o trabalho <strong>de</strong><br />
fotógrafos “freelancer”. Des<strong>de</strong> então<br />
já organizou várias exposições<br />
(individuais e colectivas) numa<br />
galeria própria (a Kgallery, situada<br />
no Bairro Alto) e neste momento é<br />
Martim Ramos,<br />
um dos três “enviados especiais”<br />
da Kameraphoto, estagiou no<br />
“Hindustan Times” <strong>de</strong> Nova Deli<br />
composto por 14 autores, alguns<br />
com percursos no circuito galerístico<br />
(António Júlio Duarte, Sandra Rocha,<br />
Pauliana Valente Pimentel), outros<br />
com carreira actual ou passada no<br />
fotojornalismo. Em comum, e sem<br />
prejuízo da autoria, assumem um<br />
envolvimento com os temas<br />
abordados, com uma fotografia<br />
agarrada ao mundo (quase em<br />
<strong>de</strong>trimento do fotográfico). Tal<br />
posição não impe<strong>de</strong>, claro está, a<br />
pesquisa e a reflexão; “A State of<br />
Affairs”, a quarta mostra do<br />
colectivo, espelha bem essa<br />
necessida<strong>de</strong>. Como ver hoje as<br />
imagens do fotojornalismo ou da<br />
fotografia documental? Como ver<br />
para lá daquilo que tornam visível?<br />
Como, enfim, parar para ver?<br />
O projecto conta-se <strong>de</strong> forma<br />
simples: 13 fotógrafos do colectivo<br />
acompanharam o trabalho diário <strong>de</strong><br />
13 redacções <strong>de</strong> jornais <strong>de</strong> 13 países<br />
diferentes. O “estágio” durou uma<br />
semana, durante a qual cada um fez<br />
as suas imagens, e no fim o projecto<br />
concretizou-se num livro e na<br />
exposição.<br />
Na Plataforma Revólver, “A State of<br />
Affairs” surge organizada em séries<br />
que percorrem várias salas numa<br />
sequência temporal (<strong>de</strong> 20 a 26 <strong>de</strong><br />
Julho <strong>de</strong> 2009, a duração do<br />
trabalho), mas sem a separação<br />
autoritária da assinatura. Surgem<br />
antes intercaladas, como imagens em<br />
trânsito, num anonimato apenas<br />
traído pelas legendas, pequenas e<br />
informativas. Como se mais que do<br />
ler, o que importasse fosse ver.<br />
Istambul, Tóquio, Detroit, Gaza ou<br />
Macau<br />
Ora é exactamente longe das<br />
muletas da <strong>de</strong>scrição, que “A State<br />
of Affairs” ganha força. Porque<br />
torna-nos menos certos dos lugares<br />
que as imagens documentam,<br />
daquilo que mostram, da origem<br />
das pessoas que retratam. É<br />
verda<strong>de</strong> que, inevitavelmente,<br />
certos assuntos emergem: o Islão, a<br />
violência urbana, a globalização, a
cultura americana ou a crise<br />
financeira. Acontece que essa<br />
familiarida<strong>de</strong> acaba suspensa,<br />
interrompida. Porque aqueles<br />
iranianos não estão no Irão, porque<br />
aquela mulher, com a filha nos<br />
braços, não está no lugar que<br />
julgaríamos mais provável; porque<br />
aquela rapariga é japonesa e não<br />
americana.<br />
A qualida<strong>de</strong> das fotografias é, por<br />
vezes, <strong>de</strong>sigual. Nem todos optaram<br />
pelo mesmo registo,<br />
nem todos lidaram<br />
da mesma forma<br />
com o tempo ou<br />
tiveram as mesmas<br />
condições <strong>de</strong><br />
trabalho. Mas “A<br />
State of Affairs”<br />
consegue, quase<br />
sempre, lembrarnos<br />
da existência <strong>de</strong><br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
“Assault” na<br />
Sala do Veado do Museu<br />
Nacional <strong>de</strong> História Natural<br />
uma poética por <strong>de</strong>trás da fotografia<br />
mais “tradicional” ou jornalística.<br />
Vejam, por exemplo, as raparigas <strong>de</strong><br />
Gaza (Pedro Letria), o sikh em Nova<br />
Deli (Martim Ramos), o abraço em<br />
São Paulo (Valter Vinagre) ou o<br />
instante <strong>de</strong> um feriado em Tóquio<br />
(Sandra Rocha). Uma poética que<br />
reconhece, apesar das agendas dos<br />
jornais, do afogueamento das vidas e<br />
da censura, que o mundo ainda é<br />
um sítio visitável. Um lugar<br />
estranho.<br />
“Travessia. Evidência. O Monte Rosa”,<br />
<strong>de</strong> Pedro Tropa, na Quadrado Azul<br />
Selos Portugueses do Oriente<br />
De Almada Negreiros, Alberto<br />
Cutileiro, Manuel Lapa, João Abel<br />
Manta, Domingos Rebelo, entre<br />
outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu do Oriente. Av. Brasília - Edifício Pedro<br />
Álvares Cabral - Doca <strong>de</strong> Alcântara Norte. Tel.:<br />
213585200. De 04/12 a 28/03. 6ª das 10h às 22h. 2ª,<br />
4ª, 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 18h.<br />
Desenho, Outros.<br />
Linhas Paralelas<br />
De Alexandra Côrte Real, Eduardo<br />
Nery.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Ermida <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição.<br />
Travessa do Marta Pinto, 12. Tel.: 213637700. Até<br />
20/12. 3ª a 6ª das 11h às 17h. Sáb. e Dom. das 14h às<br />
18h. Inaugura 5/12 às 18h.<br />
Joalharia, Desenho.<br />
Colectiva 2009/2010<br />
De David <strong>de</strong> Almeida, Carlos Barão,<br />
Manuel Baptista, Jean-Marie<br />
Boomputte, João Cutileiro, Günter<br />
Grass, entre outros.<br />
São Lourenço. Centro Cultural São Lourenço. R.<br />
Igreja. Tel.: 289395475. De 05/12 a 31/03. 3ª a Dom.<br />
das 10h às 19h.<br />
Pintura, Escultura, Outros.<br />
Casa Perfeitíssima - 500 Anos da<br />
Fundação do Mosteiro da Madre<br />
<strong>de</strong> Deus<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Nacional do Azulejo. Rua Madre <strong>de</strong><br />
Deus, 4. Tel.: 218100340. Até 11/04. 3ª das 14h às 18h.<br />
4ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 9/12 às 18h30.<br />
Pintura, Escultura, Tapeçaria,<br />
Arquitectura, Objectos, Outros.<br />
Assault<br />
De Mário Pires<br />
Cor<strong>de</strong>iro, João<br />
Lima Duque.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu<br />
Nacional <strong>de</strong> História<br />
Natural - Sala do<br />
Veado. Rua da Escola<br />
Politécnica, 58. Tel.:<br />
213921800. Até 03/01.<br />
3ª a 6ª das 10h às 17h.<br />
Sáb. e Dom. das 11h às<br />
18h. Inaugura 4/12<br />
das 18h às 22h.<br />
Instalação, Performance, Som,<br />
Outros.<br />
Encontrei Pessoas Que Nunca<br />
Conheci/I Found People I Never<br />
Had Met Before<br />
De José Budha.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Rentagallery #24. R. da Esperança, 24. Tel.:<br />
214010437. Até 30/12. 2ª a Dom. das 15h às 21h.<br />
Inaugura 10/12 às 19h30.<br />
Pintura, Ví<strong>de</strong>o, Som, Outros.<br />
Bordalo Pinheiro - Cerâmica<br />
Dedicada<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Rafael Bordalo Pinheiro. Campo<br />
Gran<strong>de</strong>, 382. Tel.: 218170667. De 10/12 a 14/02. 3ª a<br />
Dom. das 10h às 18h.<br />
Cerâmica.<br />
Duplicadores<br />
De José Spaniol.<br />
<strong>Lisboa</strong>. 3 + 1 Arte Contemporânea. Rua António<br />
Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 20/02. 3ª a<br />
Sáb. das 12h30 às 20h. Inaugura 10/12 às 22h00.<br />
Fotografia, Escultura.<br />
Continuam<br />
David Claerbout<br />
<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. Rua Serpa Pinto, 4.<br />
Tel.: 213432148. Até 28/02. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Instalação, Ví<strong>de</strong>o, Fotografia.<br />
É Proibido Proibir!<br />
De Archizoom Associati, Studio 65,<br />
Grupo Sturm, Superstudio, Pierre<br />
Paulin, Verner Panton, Gaetano<br />
Pesce, Cesare Paolini, Roberto Matta,<br />
Marco Zanusso, Bill Gibb, Courrèges,<br />
Emilio Pucci, Mary Quant, Ossie<br />
Clark, Vivienne Westwood, Zandra<br />
Rho<strong>de</strong>s, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. MUDE - Museu do Design e da Moda. Rua<br />
Augusta 24. T. 218886117. Até 31/1. 3ª a 5ª e dom. Das<br />
10h às 20h. 6ª e sáb. Das 10h às 22h.<br />
Design, Objectos, Outros.<br />
BES Revelação 2009<br />
De Susana Pedrosa, Ana Braga, Inês<br />
Moura.<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210. Tel.: 226156500. Até 07/01. 3ª a 6ª das 10h às<br />
17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.<br />
Fotografia, Outros.<br />
Emissores Reunidos - Episódio II:<br />
Senhor Fantasma, Vamos Falar<br />
De Marcelo Cida<strong>de</strong>, Renato Ferrão.<br />
Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R.<br />
Cândido dos Reis, 74. Até 24/01. 3ª e 4ª das 17h às<br />
20h. 5ª e 6ª das 17h às 01h. Sáb. das 15h às 01h. Dom.<br />
das 15h às 20h.<br />
Objectos, Outros.<br />
Brrrrain<br />
De António Olaio.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. Tel.: 217905155. Até 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h<br />
às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feriados das 14h às 20h(última admissão às 19h30).<br />
Pintura, Ví<strong>de</strong>o.<br />
Jos De Gruyter e Harald Thys<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. Tel.: 217905155. Até 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h<br />
às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feriados das 14h00 às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
Ví<strong>de</strong>o, Escultura, Fotografia.<br />
Batia Suter<br />
Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 - Edifício<br />
da CGD. Tel.: 222098116. De 30/10 a 09/01. 2ª, 4ª, 5ª<br />
e 6ª das 11h às 19h. (última admissão às 18h30) Sáb.,<br />
Dom. e Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
Outros.<br />
She is a Femme Fatale<br />
De Louise Bourgeois, Paula Rego,<br />
Cindy Sherman, Helena Almeida, Nan<br />
Goldin, Hannah Villiger, Francesca<br />
Woodman, Aino Kannisto, Rosângela<br />
Rennó, Margarida Correia, Shirin<br />
Neshat, Pilar Albarracín, Guerrilla<br />
Girls, Vera Mantero, Susanne<br />
Themlitz, entre outras.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Praça do Império<br />
- Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878. Até 31/01.<br />
Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.<br />
Pintura, Escultura, Fotografia,<br />
Desenho, Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />
Sem Saída, Ensaio Sobre o<br />
Optimismo<br />
De Augusto Alves da Silva.<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210. Tel.: 226156500. De 23/10 a 31/01. 3ª a 6ª das 10h<br />
às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.<br />
Fotografia.<br />
Anos 70 - Atravessar Fronteiras<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 03/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Pintura, Escultura, Fotografia,<br />
Instalação, Outros.<br />
Jesper Just<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Ví<strong>de</strong>o, Instalação.<br />
A Interpretação dos Sonhos<br />
De Jorge Mol<strong>de</strong>r.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 27/12. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Fotografia.<br />
Matar o Tempo<br />
De Ana Vidigal.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria 111. Campo Gran<strong>de</strong>, 113 / Rua Doutor<br />
João Soares, 5B. T. 217977418. Até 31/12. 3ª a sáb. Das<br />
10h às 19h.<br />
Pintura, Outros.<br />
Diogo Evangelista<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria 111. Campo Gran<strong>de</strong>, 113 / Rua Doutor<br />
João Soares, 5B. T. 217977418. Até 31/12. 3ª a sáb. Das<br />
10h às 19h.<br />
Pintura.<br />
Travessia. Evidência. O Monte<br />
Rosa<br />
De Pedro Tropa.<br />
Porto. Galeria Quadrado Azul Q1. R. Miguel<br />
Bombarda, 435. Tel.: 226097313. Até 18/12. 3ª a 6ª<br />
das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.<br />
Desenho, Fotografia.<br />
Crying My Brains Out<br />
De António Olaio.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />
Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a Sáb.<br />
das 10h às 20h.<br />
“She is a Femme Fatale”<br />
no Museu Berardo<br />
Pintura.<br />
The Hustler<br />
De João Louro.<br />
Coimbra. Centro <strong>de</strong> Artes Visuais - CAV. Pátio da<br />
Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a<br />
Dom. das 14h às 19h.<br />
Instalação.<br />
Pronounciations<br />
De Katarina Zdjelar.<br />
Coimbra. Centro <strong>de</strong> Artes Visuais - CAV. Pátio da<br />
Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a<br />
Dom. das 14h às 19h.<br />
Ví<strong>de</strong>o.<br />
Ask Me<br />
De Joana Bastos.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9.<br />
Tel.: 918156919. Até 20/12. 6ª, Sáb. e Dom. das 15h<br />
às 19h.<br />
Performance, Outros.<br />
Les Planches Courbes e Outras<br />
Histórias<br />
De Paula Rego.<br />
Igreja. Galeria dos Prazeres - Quinta Pedagógica<br />
dos Prazeres. Sítio da Igreja. Tel.: 291822204. Até<br />
31/01. 3ª a Dom. das 10h às 19h.<br />
Obra Gráfica, Outros.<br />
#4 Um Projecto das Galerias<br />
De Alexandre Farto, André<br />
Cepeda, Augusto Alves da Silva,<br />
Daniel Gustav Cramer, Daniel<br />
Malhão, Gabriela Albergaria, João<br />
Onofre, John Bal<strong>de</strong>ssari, Jorge<br />
Mol<strong>de</strong>r, Julião Sarmento, Nuno<br />
Cera, Pedro Barateiro, Rita<br />
McBri<strong>de</strong>, Rogelio López Cuenca,<br />
Susanne Themlitz, Tobias<br />
Rehberger.<br />
<strong>Lisboa</strong>. BES Arte & Finança. Praça Marquês <strong>de</strong><br />
Pombal, 3-B. Tel.: 218839000. Até 22/01. 2ª a 6ª das<br />
09h às 21h.<br />
Escultura, Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />
Thomas Helbig<br />
Braga. Galeria Mário Sequeira - Parada <strong>de</strong> Tibães.<br />
Quinta da Igreja (Parada <strong>de</strong> Tibães). Tel.:<br />
253602550. Até 31/12. 2ª a 6ª das 10h às 19h. Sáb.<br />
das 15h às 19h.<br />
Pintura, Escultura.<br />
Ínsulas<br />
De João Margalha.<br />
Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />
Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />
222076310. Até 16/02. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.<br />
das 15h às 18h.<br />
Fotografia.<br />
Korda - Conhecido<br />
Desconhecido<br />
De Alberto Korda.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Torreão Nascente<br />
da Cordoaria Nacional. Avenida da Índia - Edifício<br />
da Cordoaria Nacional. Tel.: 213642909.<br />
De 02/12 a 31/01. 3ª a 6ª das 10h às 19h. Sáb. e Dom.<br />
das 14h às 19h.<br />
Fotografia.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 37
Teatro<br />
38 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Teatro<br />
Otelo ou o<br />
ciumento<br />
A mais velha história do<br />
mundo numa encenação<br />
do japonês Kuniaki Ida,<br />
<strong>de</strong> regresso à Aca<strong>de</strong>mia<br />
Contemporânea do<br />
Espectáculo/Teatro do<br />
Bolhão.<br />
Ana Cristina Pereira<br />
Otelo<br />
De William Shakespeare. Pela<br />
Aca<strong>de</strong>mia Contemporânea do<br />
Espectáculo/Teatro do Bolhão.<br />
Encenação <strong>de</strong> Kuniaki Ida. Com<br />
António Capelo, João Paulo Costa,<br />
Rita Lello, António Júlio, Ângela<br />
Marques, João Melo, Rute Miranda,<br />
Fernando Soares, José Moreira,<br />
Jorge Loureiro, Pedro Fiúza, Elóy<br />
Monteiro.<br />
Porto. Teatro do Bolhão. Pç. Coronel Pacheco, 1. Até<br />
20/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
222089007.<br />
Não por acaso, “Otelo, o Mouro <strong>de</strong><br />
Veneza” continua a ser uma das<br />
mais representadas peças <strong>de</strong> William<br />
Shakespeare. Há o racismo, a<br />
guerra, a traição e, sobretudo, o<br />
amor – um amor que se afigura puro<br />
e que se revela <strong>de</strong>mencial, o amor<br />
<strong>de</strong> Otelo por Desdémona, filha <strong>de</strong><br />
Brabâncio, o rico senador <strong>de</strong><br />
Veneza.<br />
Desta vez, Otelo acontece pela<br />
mão da Aca<strong>de</strong>mia Contemporânea<br />
do Espectáculo/Teatro do Bolhão,<br />
numa encenação do japonês<br />
Iago (João Paulo Costa) é o “agente provocador” da tragédia <strong>de</strong> Shakespeare<br />
resi<strong>de</strong>nte em Itália Kuniaki Ida.<br />
António Capelo veste a pele <strong>de</strong> Otelo<br />
e João Paulo Costa a <strong>de</strong> Iago, o<br />
alferes que o envenena. Três<br />
mulheres povoam a peça:<br />
Desdémona (Rita Lello), virgem,<br />
apaixonada, <strong>de</strong>vota ao homem com<br />
quem foge para casar; Emília (Ângela<br />
Marques), dama <strong>de</strong> companhia <strong>de</strong><br />
Desdémona, esposa <strong>de</strong> Iago, menos<br />
servil, afinal; e Bianca (Rute<br />
Miranda), <strong>de</strong>svirginada sem ser<br />
casada, amante <strong>de</strong> Cássio (António<br />
Júlio), por todos apontada como<br />
meretriz.<br />
“Não há aqui preocupação <strong>de</strong> luta<br />
<strong>de</strong> sexos”, diz António Capelo. Nem<br />
tal se po<strong>de</strong>ria esperar <strong>de</strong> uma peça<br />
escrita no início do século XVII. Mas<br />
quem po<strong>de</strong> negar a Otelo a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar reflexão sobre<br />
violência <strong>de</strong> género? Em duas horas<br />
e meia <strong>de</strong> espectáculo, uma amostra<br />
do que era e (nalguns casos)<br />
continua a ser o papel da mulher, o<br />
lugar do amor.<br />
Iago engendra um modo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>nunciar o amor que une o mouro<br />
à filha <strong>de</strong> Brabâncio. Ao <strong>de</strong>scobrir<br />
que fugiram para casar, o<br />
governador só <strong>de</strong>seja matar Otelo.<br />
Salva-o o Doge <strong>de</strong> Veneza, que <strong>de</strong>le<br />
precisa para conduzir um exército<br />
no contra-ataque a uma esquadra<br />
turca que avança para a ilha <strong>de</strong><br />
Chipre. O inimigo <strong>de</strong>clarado é<br />
engolido pela tempesta<strong>de</strong>. O inimigo<br />
disfarçado não. O alferes julga que as<br />
promoções <strong>de</strong>vem obter-se “pelos<br />
velhos meios em que herdava<br />
sempre o segundo o posto do<br />
primeiro”. Mas vira promover a<br />
tenente o soldado Cássio, que<br />
intermediara o amor <strong>de</strong> Otelo com<br />
Desdémona. Zangado, ur<strong>de</strong> novo<br />
plano para se vingar.<br />
Iago trata <strong>de</strong> minar a relação entre<br />
Otelo e Desdémona. Sabe que um<br />
ADRIANO MIRANDA<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
ciumento não tem <strong>de</strong> ter prova <strong>de</strong><br />
traição – basta a suspeita. Sabe que o<br />
ciúme se alimenta da falta <strong>de</strong><br />
confiança que o ciumento <strong>de</strong>posita<br />
em si próprio – Otelo é mais velho,<br />
Cássio é jovem e bem-falante. E<br />
conta com o sentimento <strong>de</strong> posse,<br />
então norma (a mulher passava do<br />
pai para o marido).<br />
A história é muitíssimo conhecida.<br />
Um lenço bordado que Otelo<br />
herdara da mãe e oferecera à mulher<br />
serve o plano. Iago convence Emília<br />
a roubá-lo, diz a Otelo que a mulher<br />
o ofereceu ao amante e coloca-o<br />
<strong>de</strong>ntro do quarto <strong>de</strong> Cássio. Mais<br />
tar<strong>de</strong>, Otelo ouve Iago a conversar<br />
com Cássio sobre Bianca e acredita<br />
que se referem a Desdémona.<br />
Desdémona nem terá direito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fesa...<br />
A peça integra a lógica da ACE/<br />
Teatro do Bolhão <strong>de</strong> revisitar os<br />
textos clássicos. “Esse tipo <strong>de</strong><br />
repertório tem a ver com o nosso<br />
lado pedagógico”, explica António<br />
Capelo. Formar públicos parece-lhe<br />
“uma coisa fundamental” para a<br />
vida do teatro.<br />
Não vimos Kuniaki nem falámos<br />
com ele. O encenador regressou a<br />
Itália bem antes da estreia do<br />
espectáculo, que po<strong>de</strong> ser visto até<br />
20 <strong>de</strong> Dezembro, no frio auditório<br />
da aca<strong>de</strong>mia. Pelas palavras <strong>de</strong><br />
Capelo percebe-se por que é que<br />
pela segunda vez a companhia o<br />
convidou para vir ao Porto encenar<br />
um clássico: “Tem uma linha muito<br />
dura, muito simples mas muito<br />
rica.”<br />
Uma mulher<br />
chamada<br />
vulcão<br />
Val<strong>de</strong>te tem uma jóia <strong>de</strong><br />
marido que se transforma<br />
num exterminador<br />
implacável. Já vimos isto<br />
em qualquer lado (tipo as<br />
manchetes dos últimos<br />
dias), mas este espectáculo<br />
não é só sobre violência<br />
doméstica. Cláudia Silva<br />
Vulcão<br />
De Abel Neves. Encenação <strong>de</strong> João<br />
Grosso. Com Custódia Gallego.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio.<br />
Pç. D. Pedro IV. Até 20/12. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom.<br />
às 16h15. Tel.: 213250835. 12€.<br />
O monólogo “Vulcão”, <strong>de</strong> Abel<br />
Neves, encenado por João Grosso,<br />
estreou-se na Sala Estúdio do Dona<br />
Maria II a 26 <strong>de</strong> Novembro - um dia<br />
<strong>de</strong>pois do Dia Internacional para a<br />
Eliminação da Violência contra as<br />
Mulheres, data que serve para<br />
lembrar, anualmente, que uma em<br />
Custódia Gallego em<br />
equilíbrio precário num<br />
colchão branco, sempre<br />
em risco iminente <strong>de</strong> queda<br />
cada três mulheres é espancada,<br />
coagida a fazer sexo ou submetida a<br />
algum outro tipo <strong>de</strong> abuso durante a<br />
vida. Nem o encenador nem a actriz<br />
Custódia Gallego, que interpreta<br />
Val<strong>de</strong>te, associam a peça a esta<br />
causa, mas a coincidência reforça a<br />
pertinência do texto (tragicamente,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia, este é um tema que<br />
tem feito <strong>de</strong>masiadas manchetes em<br />
Portugal).<br />
Val<strong>de</strong>te é uma mulher <strong>de</strong> meiaida<strong>de</strong>.<br />
Tem com o cabelo<br />
<strong>de</strong>sgrenhado, os olhos esbugalhados<br />
e as mãos vermelhas <strong>de</strong> tanto as<br />
esfregar. Fala num fôlego só, como<br />
se o mundo fosse acabar naquele<br />
momento e ela não tivesse tempo <strong>de</strong><br />
contar a sua história. Casou-se com<br />
uma “jóia” <strong>de</strong> marido, tiveram um<br />
filho, cego. Des<strong>de</strong> então, o marido<br />
Samuel transformou-se num<br />
monstro obcecado em exterminar a<br />
“diferença”, num nazi. Começou<br />
pelos cães. Recolhia-os nas ruas e<br />
atirava-os ainda vivos para um poço,<br />
on<strong>de</strong> os <strong>de</strong>ixava, sem comida, até<br />
morrerem. Val<strong>de</strong>te, que “quase<br />
sempre dizia sim”, vive a amargura<br />
dos seus dias alimentando-se da<br />
esperança <strong>de</strong> reencontrar o filho, até<br />
<strong>de</strong>scobrir que o marido o ven<strong>de</strong>u à<br />
uma máfia <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> órgãos.<br />
Mais do que sobre a violência<br />
contra as mulheres, João Grosso diz<br />
que “Vulcão” é uma peça sobre a<br />
violência. Afinal Samuel não só<br />
violenta a mulher, mas também o<br />
filho, os animais e tudo que lhe<br />
parece <strong>de</strong>feituoso e diferente. Esta<br />
peça é “um monólogo, mas ao<br />
mesmo tempo uma narrativa” em<br />
dois tempos, afirma o encenador.<br />
Ora ouvimos Val<strong>de</strong>te, no presente, a<br />
falar do passado, ora a vemos, no<br />
passado presentificado, a ser<br />
amarrada, estrangulada, a tentar<br />
fazer do caos uma família feliz. João<br />
Grosso optou por vincar esta<br />
oscilação <strong>de</strong> forma a evitar um<br />
melodrama. “É uma peça com um<br />
leque <strong>de</strong> emoções muito fortes.
João Garcia Miguel<br />
leva Pessoa ao Maria Matos<br />
MARGARIDA DIAS<br />
Agenda genda<br />
Teatro atro<br />
Estreiam treiam<br />
“Paisagens em Trânsito”<br />
no FINTA’09, em Ton<strong>de</strong>la<br />
O Banqueiro anqueiro Anarquista<br />
De Fernando Pessoa. Encenação <strong>de</strong><br />
João Garcia Miguel. Com Anton<br />
Skrzypiciel, Ana Rosa Abreu, Isa<br />
Araujo, João Pedro Santos, Sara<br />
Ribeiro.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />
Daniela Vieitas, Neusa Ne Fangueiro,<br />
Paulo Duarte, Nuno Bravo Nogueira.<br />
Corroios. Ginásio Clube <strong>de</strong> Corroios. Dia 05/12. Sáb.<br />
às 21h45. Tel.: 210976103/0<br />
210976103/05. Entrada gratuita.<br />
XXVI Festival <strong>de</strong> Teatro Te do Seixal.<br />
Paisagens P i em TTrânsito<br />
De e com Patrick Murys.<br />
Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />
Ricardo Mota. Dia 04/12. 6ª às 21h45. Tel.:<br />
232814400. 5€ a 7,5€.<br />
FINTA’09.<br />
Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 10/12 a<br />
15/12. De 5ª a 3ª às 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.<br />
Antes Que a Noite Venha -<br />
Antígona<br />
Continuam<br />
De Eduarda Dionísio. Pelo Cepia -<br />
Centro <strong>de</strong> Estudos Performativos e<br />
Breve Sumário<br />
da História <strong>de</strong> Deus<br />
De Gil Vicente. Encenação <strong>de</strong> Nuno<br />
Carinhas. Com Alberto Magassela,<br />
Alexandra Gabriel, António Durães,<br />
Artísticos. Encenação <strong>de</strong> Tiago <strong>de</strong><br />
Faria. Com Marta Soares, Joana<br />
Eliseu Cavaco.<br />
Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />
Ricardo Mota. Dia 05/12. Sáb. às 18h30. Tel.:<br />
232814400. 5€ a 7,5€.<br />
Daniel Pinto, Joana Carvalho, João FINTA’09.<br />
Tivemos <strong>de</strong> nos distanciar, para não<br />
vermos Val<strong>de</strong>te como uma coitada”,<br />
Cardoso, João Castro, João Pedro<br />
Vaz, Jorge Mota, Jorge Vasques, José<br />
Eduardo Silva, Lígia Roque, entre<br />
outros.<br />
Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />
20/12. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
Aullidos<br />
De Jesús Peña. Pelo Teatro Corsario.<br />
Encenação <strong>de</strong> Jesús Peña. Com<br />
Teresa Lázaro, Olga Mansilla, Sergio<br />
Reques.<br />
explica. Custódia Gallego acha <strong>de</strong><br />
resto inviável vê-la com pieda<strong>de</strong>,<br />
porque a personagem não sente<br />
223401910. 7€ a 15€.<br />
O Avarento<br />
De Molière. Pelo Ensemble -<br />
Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />
Ricardo Mota. Dia 05/12. Sáb. às 21h45. Tel.:<br />
232814400. 5€ a 7,5€.<br />
FINTA’09<br />
pena <strong>de</strong> si própria.<br />
Para proporcionar este<br />
distanciamento também aos<br />
espectadores, João Grosso situou a<br />
história numa cenografia sem tempo<br />
nem espaço, embora haja elementos<br />
Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Actores. Encenação <strong>de</strong><br />
Rogério <strong>de</strong> Carvalho. Com Jorge<br />
Pinto, Emília Silvestre, Cláudia<br />
Chéu, Miguel Eloy, Pedro Galiza,<br />
Vânia Men<strong>de</strong>s, entre outros.<br />
Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Até<br />
20/12. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
Norma<br />
De Ricardo Alves, Salgueirinho Maia.<br />
Pela Palmilha Dentada. Encenação<br />
<strong>de</strong> Ricardo Alves. Com Ivo Bastos,<br />
Rodrigo Santos.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Casa da Comédia. R. S. Francisco <strong>de</strong><br />
domésticos. Val<strong>de</strong>te move-se sobre<br />
uma estrutura similar a um gigante e<br />
fino colchão <strong>de</strong> plástico branco. O<br />
encenador chama-lhe espaço<br />
flutuante, uma analogia à memória<br />
branca, on<strong>de</strong> tudo está e não está. É<br />
também uma metáfora do equilíbrio<br />
precário da vida <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>te, sempre<br />
a tentar segurar-se perante o perigo<br />
223401905. 5€ a 15€.<br />
Ana<br />
De José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s. Pelos<br />
Artistas Unidos. Encenação <strong>de</strong> Jorge<br />
Silva Melo. Com António Simão,<br />
Pedro Lacerda, Rita Brütt, Sylvie<br />
Rocha.<br />
Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada - Sala<br />
Experimental. Av. Professor Egas Moniz. Até 13/12.<br />
5ª a Sáb. às 21h30. 4ª e Dom. às 16h. Tel.:<br />
Borja, 22. Até 13/12. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h46. Dom.<br />
às 16h31. Tel.: 213959417. 9,99€.<br />
O Café<br />
A partir <strong>de</strong> Rainer Werner<br />
Fassbin<strong>de</strong>r. Pela Barraca. Encenação<br />
<strong>de</strong> João Rosa. Com Artur Assunção,<br />
Delfina Costa, Helena Duarte, João<br />
Pires Silva, Lur<strong>de</strong>s Vinagre, Manuela<br />
Meireles, Manuel Maduro.<br />
<strong>Lisboa</strong>. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2.<br />
iminente <strong>de</strong> queda. Num certo<br />
momento da peça, a personagem<br />
sublinha a coerência do cenário:<br />
“Não sinto o chão”.<br />
Quando olha para a protagonista,<br />
o encenador vê “ uma sombra, [uma<br />
mulher que] vive como fora da vida,<br />
como se não existisse”. A imagem<br />
212739360.<br />
Hannah e Martin<br />
De Kate Fodor. Encenação <strong>de</strong> João<br />
Lourenço. Com Ana Padrão, Cátia<br />
Ribeiro, Cristóvão Campos, Diogo<br />
Mesquita, Francisco Pestana, Irene<br />
Cruz, Luís Alberto, Maria Ana<br />
Benauer, Rui Men<strong>de</strong>s.<br />
Até 19/12. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213965360. 5€ a<br />
7,5€.<br />
A Casa Fronteira<br />
De Slawomir Mrozek. Pela Efémero<br />
- Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Aveiro.<br />
Encenação <strong>de</strong> Vítor Correia.<br />
Aveiro. Estaleiro Teatral. Parque Infante D. Pedro.<br />
Até 05/12. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 234386524. 4€ a<br />
6€.<br />
veio à mente <strong>de</strong> João Grosso por<br />
influência das telas <strong>de</strong> Mark Rothko<br />
(1903-1970), o expressionista<br />
abstracto <strong>de</strong> origem letã. “Foi um<br />
ponto <strong>de</strong> inspiração para a<br />
construção do espectáculo. Esta<br />
zona em que não é uma cor, não é<br />
outra, em que não há uma passagem<br />
<strong>de</strong>finida”, explica.<br />
No fim, esta mulher “sombra”<br />
revela-se um “vulcão”. A violência<br />
exercida sobre ela, em vez <strong>de</strong> ser<br />
rejeitada, é absorvida por Val<strong>de</strong>te.<br />
Samuel, o seu marido, fica<br />
cego, assim como o<br />
filho que antes<br />
exterminou. Num<br />
falso golpe <strong>de</strong><br />
misericórdia, a<br />
mulher leva-o a ver o<br />
poço on<strong>de</strong> ele metia<br />
os cães famintos<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto. Pç. Espanha. Até 31/12. 4ª a<br />
Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213880089.<br />
O Ano do Pensamento Mágico<br />
De Joan Didion. Encenação <strong>de</strong> Diogo<br />
Infante. Com Eunice Muñoz.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett.<br />
Pç. D. Pedro IV. Até 20/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom.<br />
às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€.<br />
Caveman - Mim Caçar, Tu Colher!<br />
De Rob Becker. Encenação <strong>de</strong><br />
António Pires. Com Jorge Mourato.<br />
Seixal. Auditório <strong>Municipal</strong> - Fórum Cultural do<br />
Seixal. Dia 04/12. 6ª às 21h45. Tel.: 210976103/05.<br />
6€.<br />
XXVI Festival <strong>de</strong> Teatro do Seixal.<br />
Saloon Yé-Yé - O<br />
Paraíso à Espera<br />
De Abel Neves.<br />
Encenação <strong>de</strong> Graeme<br />
Pulleyn. Pelo Teatro<br />
Regional da Serra do<br />
Montemuro. Com<br />
Abel Duarte,<br />
Eduardo Correia,<br />
Querida Professora Helena<br />
De Ludmilla Razoumovskaia. Pelo<br />
Teatro da Comuna. Encenação <strong>de</strong><br />
João Mota. Com Hugo Franco, Marco<br />
Paiva, Maria Ana Filipe, Tânia Alves,<br />
Rui Neto.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 13/12.<br />
4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770.<br />
A Dama <strong>de</strong> Copas e o Rei <strong>de</strong> Cuba<br />
De Timochenko Wehbi. Encenação<br />
<strong>de</strong> Juvenal Garcês. Com Alexandra<br />
Sargento, Cristina Basílio, Pedro<br />
Saavedra.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro-Estúdio Mário Viegas/Companhia<br />
Teatral do Chiado. Lg. Pica<strong>de</strong>iro, 40. Até 31/12. 5ª<br />
às 21h; 6ª e Sáb. às 22h. Tel.: 707302627. 20€.<br />
O Quê?! Uma Viagem pelo Século<br />
XX às Costas <strong>de</strong> Samuel Beckett<br />
A partir <strong>de</strong> Samuel Beckett. Com<br />
Afonso Lagarto, João Lagarto, Rita<br />
Brito, Tiago Nogueiro.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong> - Sala Estúdio. Largo da<br />
Trinda<strong>de</strong>, 7 A. Até 06/12. 3ª, 4ª a Sáb. às 21h45.<br />
Dom. às 17h30. Tel.: 213420000. 10€.<br />
para os obrigar<br />
a morrer.<br />
Hannah Arendt e Martin Hei<strong>de</strong>gger no Teatro Aberto<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 39
<strong>Cinema</strong><br />
40 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Estreiam<br />
Assusta-me<br />
que eu gosto<br />
Um curioso exercício que<br />
remete para outros tempos<br />
do cinema <strong>de</strong> terror.<br />
Jorge Mourinha<br />
Activida<strong>de</strong> Paranormal<br />
Paranormal Activity<br />
De Oren Peli,<br />
com Katie Featherston, Micah Sloat.<br />
M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª 4ª<br />
16h10, 18h10, 21h50 6ª 2ª 16h10, 18h10, 21h50,<br />
00h10 Sábado 13h30, 16h10, 18h10, 21h50, 00h10<br />
Domingo 3ª 13h30, 16h10, 18h10, 21h50; Castello<br />
Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h20, 18h10, 21h, 24h;<br />
<strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8: 5ª 6ª 2ª 4ª<br />
13h40, 15h30, 17h30, 19h30, 21h40, 24h Sábado<br />
Domingo 3ª 11h45, 13h40, 15h30, 17h30, 19h30,<br />
21h40, 24h; <strong>Cinema</strong>City Beloura Shopping: Sala 7:<br />
5ª 6ª 2ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h40,<br />
23h40 Sábado Domingo 11h40, 13h30, 15h30, 17h30,<br />
19h30, 21h40, 23h40; Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala 3: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30,<br />
22h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h50, 17h50,<br />
19h50, 21h50, 00h30; UCI <strong>Cinema</strong>s - El Corte Inglés:<br />
Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h05,<br />
18h05, 20h05, 22h10, 00h15 Domingo 11h30, 14h05,<br />
16h05, 18h05, 20h05, 22h10, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h45, 15h55, 18h, 21h55, 00h05; ZON<br />
Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h20, 15h25, 17h25, 19h30, 21h40, 23h45;<br />
Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 7: 5ª 6ª 2ª<br />
4ª 15h40, 18h50, 21h50, 00h30 Sábado Domingo<br />
3ª 12h50, 15h40, 18h50, 21h50, 00h30; ZON<br />
Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 17h40, 21h, 23h20<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado<br />
Escolhas<br />
Esco<br />
“Apocalypse Now” acaba<br />
<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o<br />
melhor fi lmes dos últimos<br />
30 anos pela London<br />
Film Critics’ Circle,<br />
associação <strong>de</strong> críticos<br />
britânicos que <strong>de</strong>sta<br />
forma comemorou o seu<br />
30º aniversário. Eis o “top<br />
10”: “Apocalypse Now”<br />
Domingo 2ª 13h50, 15h50, 18h, 20h10, 22h20,<br />
00h35 3ª 4ª 15h50, 18h, 20h10, 22h20, 00h35; ZON<br />
Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 12h40, 14h40, 17h, 19h10, 21h30, 23h40;<br />
ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h20, 17h40, 19h50, 22h,<br />
00h15; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª<br />
Domingo 3ª 4ª 13h, 15h15, 17h40, 19h45, 22h 6ª<br />
Sábado 2ª 13h, 15h15, 17h40, 19h45, 22h, 00h15<br />
Sobre a história – filmezinho caseiro<br />
feito por meia dúzia <strong>de</strong> tostões por<br />
cinco pessoas na própria casa do<br />
realizador torna-se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> anos<br />
na prateleira, no sucesso-surpresa<br />
da rentrée americana – já se disse<br />
tudo noutras páginas. Sobre o filme,<br />
então, percebe-se que o sucesso <strong>de</strong><br />
“Activida<strong>de</strong> Paranormal” - tal como,<br />
há anos, o do “Projecto Blair Witch”<br />
a que tem sido comparado - está na<br />
inteligência <strong>de</strong> saber a<strong>de</strong>quar a<br />
forma à função, o estilo à história, e<br />
<strong>de</strong> ter sempre presente que tudo o<br />
que é preciso para enervar, assustar<br />
ou perturbar uma audiência existe<br />
nas suas próprias cabeças e precisa<br />
apenas <strong>de</strong> ser activado.<br />
Na sua essência, “Activida<strong>de</strong><br />
Paranormal” é uma história clássica<br />
do cinema <strong>de</strong> terror – a casa<br />
assombrada – que Oren Peli conta<br />
através <strong>de</strong> uma inserção progressiva<br />
<strong>de</strong> estranheza no quotidiano <strong>de</strong> um<br />
casal <strong>de</strong> São Diego, à medida que<br />
esse casal <strong>de</strong>ixa ligada uma câmara<br />
<strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o no quarto durante a noite e<br />
começa a perceber o que tem em<br />
mãos. Trata-se, na prática, <strong>de</strong> usar a<br />
titilação do falso “home movie”<br />
(aqui entendido como <strong>de</strong>rivação do<br />
“reality show”) para<br />
simultaneamente alimentar e<br />
<strong>de</strong>fraudar as expectativas da<br />
audiência, jogando <strong>de</strong> modo astuto<br />
com as novas coor<strong>de</strong>nadas do<br />
mundo audiovisual em que vivemos.<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
(Francis Coppola, 1980),<br />
“A Lista <strong>de</strong> Schindler”<br />
(Steven Spielberg,<br />
1994), “As Vidas dos<br />
Outros” (Florian Henckel<br />
von Donnersmarck,<br />
2007), “Imperdoável”<br />
(Clint Eastwood, 1992),<br />
“Brokeback Mountain”<br />
(Ang Lee, 2005), “<strong>Cinema</strong><br />
“Activida<strong>de</strong> Paranormal”: um fi lme <strong>de</strong> terror austero que nos recorda<br />
como o medo é uma coisa com a qual vivemos quotidianamente<br />
No entanto, apesar <strong>de</strong>sse “air du<br />
temps” que o filme apanha bem,<br />
quem vier a “Activida<strong>de</strong> Paranormal”<br />
à espera <strong>de</strong> um novo paradigma do<br />
cinema fantástico ou apenas <strong>de</strong> um<br />
gran<strong>de</strong> filme <strong>de</strong> terror não encontrará<br />
nem um nem outro. Não encontra um<br />
novo paradigma porque, na sua<br />
ausência total <strong>de</strong> efeitos visuais, <strong>de</strong><br />
sangue e vísceras, na sua aposta na<br />
construção da tensão apenas por<br />
sugestão e atmosfera, o filme é um<br />
retorno a uma era passada do cinema<br />
<strong>de</strong> terror que apenas parecerá nova a<br />
quem não viu os originais (aqui<br />
estamos, por exemplo, a pensar no<br />
gran<strong>de</strong> “The Haunting” <strong>de</strong> Robert<br />
Wise); quando muito, tratar-se-á da<br />
recuperação <strong>de</strong> um paradigma<br />
anterior.<br />
E não encontra um gran<strong>de</strong> filme<br />
<strong>de</strong> terror porque todo o engenho <strong>de</strong><br />
“Activida<strong>de</strong> Paranormal” está na sua<br />
exacta modéstia, na sua recusa <strong>de</strong><br />
ser um “gran<strong>de</strong>” filme e na sua<br />
insistência em se inserir numa longa<br />
tradição <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong> género sem<br />
outras ambições ou vonta<strong>de</strong>s, no<br />
modo <strong>de</strong>sarmante como se recusa a<br />
respon<strong>de</strong>r às expectativas <strong>de</strong> quem<br />
o vê (até no próprio final).<br />
O que se encontra, então, é outra<br />
coisa: um filme <strong>de</strong> terror austero que<br />
nos recorda como o medo é uma<br />
coisa com a qual vivemos<br />
quotidianamente, que está toda na<br />
nossa cabeça, que se escon<strong>de</strong> até<br />
numa banalíssima casa suburbana.<br />
E, <strong>de</strong>pois da recente vaga <strong>de</strong><br />
sanguinolências sortidas que o<br />
“torture porn” <strong>de</strong> “Saw” e “Hostel”<br />
tornou <strong>de</strong> rigor, um filme como este<br />
é uma lufada <strong>de</strong> ar fresco que até<br />
parece qualquer coisa <strong>de</strong> novo. Não<br />
é, mas é refrescante.<br />
Paradiso” (Giuseppe<br />
Tornatore, 1990), “LA<br />
Confi <strong>de</strong>ntial” (Curtis<br />
Hanson, 1997), “Fargo”<br />
(Joel Coen, 1996), “Distant<br />
Voices, Still Lives”<br />
(Terence Davies, 1989)<br />
e “O Rei da Comédia”<br />
(Martin Scorsese, 1983)<br />
A Nova Vida do Senhor O’Horten<br />
O’ Horten<br />
De Bent Hamer,<br />
com Baard Owe, Espen Skjønberg,<br />
Ghita Nørby. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: <strong>Cinema</strong>City Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 4ª<br />
13h35, 15h30, 17h25, 19h15, 21h45 6ª 2ª 13h35,<br />
15h30, 17h25, 19h15, 21h45, 24h Sábado 11h35, 13h35,<br />
15h30, 17h25, 19h15, 21h45, 24h Domingo 3ª 11h35,<br />
13h35, 15h30, 17h25, 19h15, 21h45<br />
O sr Horten é um pacato maquinista<br />
<strong>de</strong> comboios norueguês em vésperas<br />
da reforma, a “nova vida” é o modo<br />
como a sua existência or<strong>de</strong>nada e<br />
rotineira <strong>de</strong>scarrila após um <strong>de</strong>svio<br />
para comprar tabaco <strong>de</strong> cachimbo.<br />
A quinta longa-metragem do<br />
norueguês Bent Hamer – cujo
As estrelas do público<br />
anterior, “Factotum”, adaptava<br />
Bukowski com Matt Dillon – navega<br />
nas mesmas coor<strong>de</strong>nadas do<br />
finlandês Aki Kaurismäki ou do<br />
sueco Roy An<strong>de</strong>rsson mas <strong>de</strong> modo<br />
mais abordável (na vertente<br />
“explicada às criancinhas”), com a<br />
fachada <strong>de</strong> humor seco e amável<br />
excentricida<strong>de</strong> a mascarar o<br />
<strong>de</strong>sespero surdo <strong>de</strong> vidas que se<br />
<strong>de</strong>scobrem à <strong>de</strong>riva quando menos o<br />
esperam. Não há, em rigor, nada a<br />
apontar a “A Nova Vida do Sr. O’<br />
Horten”, exemplo perfeito <strong>de</strong> um<br />
certo cinema <strong>de</strong> autor europeu<br />
mo<strong>de</strong>sto e honesto, que sabe contar<br />
histórias sem se per<strong>de</strong>r. Mas também<br />
não há nada <strong>de</strong> especial a seu favor,<br />
faltando-lhe um qualquer rasgo que<br />
o distancie do pelotão e nos leve a<br />
retê-lo na memória para lá do tempo<br />
<strong>de</strong> projecção. E, como sabemos, esse<br />
meio-termo cumpridor mas<br />
anónimo é um dos piores lugares<br />
para um filme estar... J. M.<br />
Uma Aventura na Casa<br />
Assombrada<br />
De Carlos Coelho da Silva,<br />
com Mariana Martinho, Margarida<br />
Martinho, Francisco Areosa, César<br />
Brito. M/12<br />
a<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h10, 17h,<br />
18h50, 21h15, 23h50; <strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>:<br />
Sala 10: 5ª 6ª 2ª 4ª 13h50, 15h50, 17h50, 19h50,<br />
21h50, 23h50 Sábado Domingo 3ª 11h40, 13h50,<br />
15h50, 17h50, 19h50, 21h50, 23h50; <strong>Cinema</strong>City<br />
Beloura Shopping: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 4ª 14h15,<br />
16h10, 18h10, 20h05, 22h10, 00h05 Sábado<br />
Domingo 3ª 12h15, 14h15, 16h10, 18h10, 20h05,<br />
22h10, 00h05; <strong>Cinema</strong>City Campo Pequeno Praça<br />
<strong>de</strong> Touros: Sala 8: 5ª 6ª 2ª 4ª 14h20, 16h40,<br />
18h40, 21h20, 23h30 Sábado Domingo 3ª 11h55,<br />
14h20, 16h40, 18h40, 21h20, 23h30; UCI <strong>Cinema</strong>s<br />
- El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />
14h, 16h35, 19h20, 21h40, 24h Domingo 11h30, 14h,<br />
16h35, 19h20, 21h40, 24h; UCI Dolce Vita Tejo: Sala<br />
10: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h15,<br />
19h, 21h25, 00h05; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />
6ª 2ª 4ª 13h40, 16h15, 19h, 21h30, 24h Sábado<br />
Domingo 3ª 11h, 13h40, 16h15, 19h, 21h30, 24h; ZON<br />
Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40, 21h20, 23h50; ZON<br />
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h45, 21h50,<br />
00h15; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h45, 18h15, 21h25, 24h;<br />
ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 15h10, 18h10, 21h10 6ª Sábado 15h10,<br />
18h10, 21h10, 00h10; ZON Lusomundo Odivelas<br />
Parque: 5ª 4ª 15h50, 18h40, 21h15 6ª 2ª 15h50,<br />
18h40, 21h15, 23h50 Sábado 13h10, 15h50, 18h40,<br />
21h15, 23h50 Domingo 3ª 13h10, 15h50, 18h40,<br />
21h15; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h20,<br />
21h45, 00h10; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h20,<br />
21h15, 23h40; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h15,<br />
21h20, 24h; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: 5ª<br />
3ª 4ª 15h10, 17h10, 19h10, 21h10 6ª 2ª 15h10, 17h10,<br />
19h10, 21h10, 23h40 Sábado 13h10, 15h10, 17h10,<br />
19h10, 21h10, 23h40 Domingo 13h10, 15h10, 17h10,<br />
19h10, 21h10; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala<br />
5: 5ª 6ª 2ª 4ª 15h30, 17h30, 19h30, 21h40, 23h40<br />
Sábado Domingo 3ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30,<br />
21h40, 23h40; UCI Freeport: Sala 2: 5ª 4ª 15h45,<br />
18h15, 21h20 6ª 2ª 15h45, 18h15, 21h20, 00h20<br />
Sábado 13h25, 15h45, 18h15, 21h20, 00h20 Domingo<br />
3ª 13h25, 15h45, 18h15, 21h20; ZON Lusomundo<br />
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h05, 15h45, 18h20, 21h15, 23h50; ZON Lusomundo<br />
Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 15h40, 18h15, 21h40, 24h10<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h05, 16h25, 19h, 21h40, 00h10 3ª 4ª<br />
16h25, 19h, 21h40, 00h10; ZON Lusomundo Dolce<br />
Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h50, 16h20, 19h, 21h30, 23h55; ZON Lusomundo<br />
GaiaShopping: 5ª 6ª 4ª 13h10, 15h40, 18h30,<br />
21h20, 00h10 Sábado Domingo 2ª 3ª 10h55, 13h10,<br />
15h40, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo<br />
MaiaShopping: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h, 17h, 21h50<br />
6ª Sábado 2ª 14h, 17h, 21h50, 00h25; ZON<br />
Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h45, 21h50, 00h20; ZON<br />
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 4ª<br />
13h, 15h50, 18h40, 21h20, 00h10 Domingo 3ª<br />
10h50, 13h, 15h50, 18h40, 21h20, 00h10; ZON<br />
Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado 2ª 4ª<br />
13h20, 15h50, 18h40, 21h10, 23h50 Domingo 3ª<br />
10h40, 13h20, 15h50, 18h40, 21h10, 23h50; Castello<br />
Lopes - 8ª Avenida: Sala 4: 5ª 4ª 15h40, 17h40,<br />
19h30, 21h20 6ª 2ª 15h40, 17h40, 19h30, 21h20,<br />
23h50 Sábado 12h50, 15h40, 17h40, 19h30, 21h20,<br />
23h50 Domingo 3ª 12h50, 15h40, 17h40, 19h30,<br />
21h20; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h20, 18h55, 21h30,<br />
00h05<br />
Seria bom que se conseguisse<br />
<strong>de</strong>sfazer o equívoco que anda a<br />
perseguir o discurso sobre o cinema<br />
português – não existe<br />
necessariamente uma oposição entre<br />
o cinema dito comercial e o cinema<br />
dito <strong>de</strong> autor, há bom e mau num e<br />
noutro. Isto tudo para explicar que,<br />
se “Uma Aventura na Casa<br />
Assombrada” é um péssimo filme,<br />
isso não tem nada a ver com as suas<br />
ambições populares nem com a sua<br />
intenção <strong>de</strong> fazer um objecto<br />
pensado para um público juvenil. É<br />
um péssimo filme, primeiro, porque<br />
não fornece o mínimo esqueleto<br />
narrativo básico para que as<br />
personagens e as situações sejam<br />
credíveis, factor muito importante<br />
num filme que se quer fantástico e<br />
exige uma “suspensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença”<br />
activa. É um péssimo filme, <strong>de</strong>pois,<br />
porque parece não ter a mínima<br />
noção <strong>de</strong> ritmo, plano ou “raccord”<br />
— <strong>de</strong>s<strong>de</strong> portas <strong>de</strong> carros abertas<br />
num plano e fechadas no seguinte a<br />
conversas entre personagens em que<br />
se usam quatro cortes, passando por<br />
planos <strong>de</strong> helicóptero que não fazem<br />
sentido na história mas enchem o<br />
olho, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erros <strong>de</strong><br />
palmatória que não seriam<br />
<strong>de</strong>sculpados na mais michuruca<br />
produção europeia tornam “Uma<br />
Aventura na Casa Assombrada” num<br />
catálogo <strong>de</strong> disparates que<br />
pensávamos já não ser possível. J. M.<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Continuam<br />
Ne Change Rien<br />
De Pedro Costa,<br />
com Jeanne Balibar. M/12<br />
MMMMM<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
Activida<strong>de</strong> Paranormal mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Uma Aventura na Casa Assombrada A nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Capitalismo: uma História <strong>de</strong> Amor mmmnn nnnnn nnnnn mmnnn<br />
Julie e Julia mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />
Lua Nova mnnnn nnnnn A mnnnn<br />
O Milagre em Sant’Anna nnnnn mmnnn mmnnn nnnnn<br />
Moon - O Outro Lado da Lua mmmnn mmnnn nnnnn mmmnn<br />
Ne Change Rien mmmmn mmmmm mmmmm mmmmn<br />
Os Sorrisos do Destino nnnnn nnnnn mmmnn mnnnn<br />
Tetro mmnnn mmnnn mmnnn mnnnn<br />
“A Nova Vida do Senhor<br />
O’Horten: mo<strong>de</strong>sto,<br />
sem nada <strong>de</strong> especial<br />
<strong>Lisboa</strong>: UCI <strong>Cinema</strong>s - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 14h30, 16h45, 21h55, 00h15 Domingo<br />
11h30, 14h30, 16h45, 21h55, 00h15 4ª 14h30, 16h45,<br />
00h15<br />
Como dizia o Príncipe <strong>de</strong> Salinas em<br />
“O Leopardo” <strong>de</strong> Visconti (e <strong>de</strong><br />
Lampedusa), “é preciso que tudo<br />
mu<strong>de</strong> para que nada mu<strong>de</strong>” e o filme<br />
“musical” <strong>de</strong> Pedro Costa opera esse<br />
perigoso jogo <strong>de</strong> espelhos, em que a<br />
figura tutelar <strong>de</strong> Godard vem fazer o<br />
papel invisível <strong>de</strong> “meneur du jeu”<br />
(como em “La Ron<strong>de</strong>” <strong>de</strong> Ophüls),<br />
para transformar uma cantora,<br />
Jeanne Balibar, que ensaia Offenbach,<br />
em diva impossível <strong>de</strong> um<br />
movimento para trás, entre a Marlene<br />
<strong>de</strong> Von Sternberg, a Anna Karina <strong>de</strong><br />
Godard e a Vanda <strong>de</strong> Pedro Costa. No<br />
entanto, esse violento reflexo <strong>de</strong><br />
“Ne Change Rien”: uma obra-prima absoluta<br />
imagens estilhaçadas muda tudo,<br />
não se contenta com cinefilias<br />
transferidas, com vampirizações<br />
frágeis (sempre as sombras <strong>de</strong><br />
Murnau, a lembrar os esplendores<br />
<strong>de</strong> “O Sangue”) <strong>de</strong> universos alheios<br />
ou <strong>de</strong> obsessões próprias: projectase<br />
para a frente, para um território<br />
prospectivo <strong>de</strong> novas trevas, as <strong>de</strong><br />
uma voz que conquista o olhar,<br />
como se os “zombies” <strong>de</strong> Tourneur<br />
já só fizessem sentido nas<br />
sonorida<strong>de</strong>s roucas <strong>de</strong> um cinema<br />
<strong>de</strong> total ruptura (e continuida<strong>de</strong>),<br />
interrogando as formas fílmicas em<br />
constante incómodo. Uma obraprima<br />
absoluta.<br />
Mário Jorge Torres<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 41
<strong>Cinema</strong><br />
Sexta, 04<br />
Ariane<br />
Love in the Afternoon fternoon<br />
De Billy Wil<strong>de</strong>r. Com Audrey<br />
Hepburn, Gary Cooper Cooper,<br />
Maurice Chevalier. 125 min.<br />
04/12, 15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Iguana<br />
De Monte Hellman.<br />
Com Everett McGill, Michael<br />
Bradford, Roger Kendall. 88 min.<br />
04/12, 19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Let’s Get Lost<br />
De Bruce Weber. 120 min.<br />
04/12, 21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Um Romance Berlinense<br />
Eine Berliner Romanze<br />
De Gerhard Klein. Com Annekathrin<br />
Bürger, Ulrich Thein, Uwe-Jens Pape.<br />
81 min.<br />
04/12, 19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Melodia da Capital<br />
Großstadtmelodie<br />
De Wolfgang Liebeneiner.<br />
Com Hil<strong>de</strong> Krahl, Werner Hinz,<br />
Karl John. 107 min.<br />
04/12, 22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Sábado, 05<br />
<strong>Cinema</strong> Falado<br />
De Caetano Veloso. 120 min.<br />
05/12, 19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Os Pássaros<br />
The Birds<br />
De Alfred Hitchcock. Com Jessica<br />
Tandy, Rod Taylor, Tippi Hedren,<br />
Veronica Cartwright. 119 min.<br />
05/12, 15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
As Rivais<br />
Les Biches<br />
De Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com Stéphane<br />
Audran, Jean-Louis Trintignant,<br />
Jacqueline Sassard. 100 min.<br />
05/12, 21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
City Girl<br />
De F.W. Murnau.<br />
Com Charles Farrell, Mary Duncan,<br />
David Torrence. 90 min.<br />
05/12, 19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
5 fi lmes americanos<br />
<strong>de</strong> propaganda anti-comunista<br />
05/12, 22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Quarta, 09<br />
E Tudo o Vento Levou<br />
Gone with the Wind<br />
De Victor Fleming. Com Clark Gable,<br />
Hattie McDaniel, Leslie Howard,<br />
Vivien Leigh. 223 min.<br />
09/12, 15h - Sala Félix Ribeiro<br />
Matou!<br />
M<br />
De Fritz Lang. Com Ellen<br />
42 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Crítica<br />
<strong>Cinema</strong>teca eca Portuguesa Portugues es esa a R. Barata Salgueiro, 39 Lisbo <strong>Lisboa</strong>. Tel. 213596200<br />
Widmann, Gustaf Grü Gründgens,<br />
Peter Lorre. 105 min.<br />
09/12, 19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Noites <strong>de</strong> Paris<br />
Paris Pa P ris Blues Blues<br />
De D MMartin i Ri Ritt.<br />
Com Paul Newman, Sidney Poitier,<br />
Joanne Woodward. 98 min.<br />
09/12, 21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Recado<br />
De José Fonseca e Costa.<br />
Com Luís Rocha, Maria Cabral,<br />
Paco Nieto. 110 min. M12.<br />
09/12, 22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Iguana<br />
De Monte Hellman.<br />
Com Everett McGill, Michael<br />
Bradford, Roger Kendall. 88 min.<br />
09/12, 19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Quinta, 10<br />
Sombras<br />
Shadows<br />
De John Cassavetes. Com Anthony<br />
Ray, Ben Carruthers, Hugh Hurd,<br />
Lelia Goldoni. 85 min.<br />
10/12, 19h - Sala Félix Ribeiro<br />
O Gran<strong>de</strong> Amor da Minha Vida<br />
An Aff air to Remember<br />
De Leo McCarey. Com Cary Grant,<br />
Deborah Kerr, Neva Patterson,<br />
Richard Denning. 115 min. M12.<br />
10/12, 15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Novo Mundo<br />
The New World<br />
De Terrence Malick. Com Collin<br />
Farrel, Christopher Plummer,<br />
Christian Bale. 135 min. M12.<br />
10/12, 21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Control<br />
De Anton Corbijn. Com Sam Riley,<br />
Samantha Morton, Alexandra<br />
Maria Lara. 121 min. M16.<br />
10/12, 19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
É uma questão <strong>de</strong><br />
perspectiva, p<br />
escreve<br />
o “Guardian” sobre o<br />
novo n fi lme <strong>de</strong> James<br />
Cameron, C “Avatar”: há<br />
qquem<br />
não consiga dormir<br />
ppor<br />
causa do nervoso<br />
mmiudinho<br />
da contagem<br />
d<strong>de</strong>crescente<br />
para a estreia<br />
e<br />
há quem garanta que<br />
oos<br />
exuberantes efeitos<br />
O Céu Dividido<br />
Der Geteilte Himmel<br />
De Konrad Wolf.<br />
Com Renate Blume, Eberhard Esche,<br />
Hans Hardt-Hardtloff. 110 min.<br />
10/12, 22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Caetano<br />
vai à <strong>Cinema</strong>teca<br />
apresentar<br />
“<strong>Cinema</strong> Falado”<br />
Capitalismo: Uma História<br />
<strong>de</strong> Amor<br />
Capitalism: A Love Story<br />
De Michael Moore,<br />
com . M/12<br />
MMnnn<br />
especiais 3D do fi lme<br />
provocam mais vómitos<br />
do que qualquer má<br />
estrada <strong>de</strong> montanha.<br />
Um crítico-mistério<br />
publicou no “site” http://<br />
www. gawker.com um<br />
texto que acaba com<br />
o épico: “Avatar”, diz<br />
sob anonimato, é um<br />
fi lme “alienador” que<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª<br />
Domingo 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado<br />
2ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; <strong>Cinema</strong>City Classic<br />
Alvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h40, 16h15,<br />
19h, 21h40 6ª Sábado 2ª 13h40, 16h15, 19h, 21h40,<br />
00h10; Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h15,<br />
16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />
Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 16h40, 19h10, 21h40, 00h15; UCI <strong>Cinema</strong>s - El<br />
Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05,<br />
16h40, 19h15, 21h50, 00h25 Domingo 11h30, 14h05,<br />
16h40, 19h15, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo<br />
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h40, 15h30, 18h20, 21h35, 00h25<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h50, 16h25, 19h10, 21h55, 00h35 3ª<br />
4ª 16h25, 19h10, 21h55, 00h35; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />
Porto: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h, 16h30, 19h, 21h30; ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 15h30, 18h10, 21h, 23h50<br />
“Capitalismo: Uma História <strong>de</strong><br />
Amor” continua longe da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
documentário como <strong>de</strong>scoberta.<br />
Isso era algo que ainda havia na<br />
primeira longa-metragem <strong>de</strong> Michael<br />
Moore, “Roger e Eu” (1989), mas<br />
entretanto o realizador instalou-se<br />
no território mais dogmático da<br />
espectacularização. Mas há aqui –<br />
quando Moore se lembra <strong>de</strong>sse seu<br />
documentário em que interrogou o<br />
afundamento da sua cida<strong>de</strong>, Flint,<br />
Michigan, <strong>de</strong>vido ao encerramento<br />
da fábrica da General Motors – um<br />
regresso a um (ao seu) passado que<br />
dá alguma gravida<strong>de</strong> ao novo filme.<br />
Dessa forma há até uma linhagem<br />
proletária que se reivindica: houve<br />
um tempo, e essa é a história do<br />
passado familiar <strong>de</strong> Michael Moore,<br />
em que as lutas dos trabalhadores na<br />
General Motors foram responsáveis<br />
pelo aparecimento <strong>de</strong> uma classe<br />
média em Flint. Hoje já não há classe<br />
média outra vez na América, diz<br />
Moore. Tudo começou com Reagan,<br />
que abriu o caminho às corporações,<br />
e assim se <strong>de</strong>u a machadada no<br />
sonho do New Deal rooseveltiano. É<br />
assim a crónica dos caminhos que<br />
levaram a América até à catástrofe<br />
económica: compactando a<br />
informação que interessa a Moore,<br />
sem espaço para a contradição, para<br />
a dúvida ou para a hesitação. Moore<br />
está consciente que é das poucas<br />
Capitalismo: Uma História<br />
<strong>de</strong> Amor”: pipocas e <strong>de</strong>pois forquilhas,<br />
aconselha Michael Moore<br />
não convém ver sem<br />
antes se ter tomado um<br />
comprimido para o enjoo.<br />
“A cabeça não consegue<br />
adaptar-se aos cortes<br />
<strong>de</strong> perspectiva e dos<br />
pontos <strong>de</strong> focagem – e<br />
por isso ‘Avatar’ induz,<br />
literalmente, o vómito”,<br />
explica.<br />
pessoas <strong>de</strong> esquerda nos EUA com<br />
um público que lê os seus livros e vê<br />
os seus filmes – um público que não<br />
é um nicho, é uma massa. E é para<br />
as massas que faz os filmes. Peças <strong>de</strong><br />
“entertainment”, então, necessário<br />
à catarse. Depois da catarse, talvez a<br />
revolução. Pipocas e <strong>de</strong>pois<br />
forquilhas, como ele, aliás,<br />
aconselha. V. C.<br />
Lua Nova<br />
The Twilight Saga: New Moon<br />
De Chris Weitz,<br />
com Kristen Stewart, Robert<br />
Pattinson, Billy Burke, Taylor<br />
Lautner. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 4ª<br />
15h50, 18h40, 21h40 6ª 2ª 15h50, 18h40, 21h40,<br />
00h20 Sábado 12h50, 15h50, 18h40, 21h40, 00h20<br />
Domingo 3ª 12h50, 15h50, 18h40, 21h40; Castello<br />
Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40, 21h30,<br />
00h10; <strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50,<br />
21h45, 00h25; <strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>:<br />
<strong>Cinema</strong>x: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55,<br />
16h30, 19h, 21h30, 24h; <strong>Cinema</strong>City Beloura<br />
Shopping: <strong>Cinema</strong>x: 5ª 6ª 2ª 4ª 14h, 16h30, 19h,<br />
21h30, 24h Sábado Domingo 3ª 11h30, 14h, 16h30,<br />
19h, 21h30, 24h; <strong>Cinema</strong>City Campo Pequeno Praça<br />
<strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h45, 00h25; <strong>Cinema</strong>City<br />
Campo Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 1: 5ª 6ª 2ª<br />
4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h Sábado Domingo 3ª<br />
11h30, 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia Fonte<br />
Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h10, 16h40, 19h10, 21h45; Me<strong>de</strong>ia Monumental:<br />
Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,<br />
16h30, 19h, 21h30, 24h; UCI <strong>Cinema</strong>s - El Corte<br />
Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35,<br />
19h10, 21h45, 00h25 Domingo 11h30, 14h, 16h35,<br />
19h10, 21h45, 00h25; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 2: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h10,<br />
21h45, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h05, 18h50,<br />
21h40, 00h30; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h10,<br />
24h; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40, 21h30,<br />
00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h35, 15h20, 18h20,<br />
21h15, 00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40,<br />
18h40, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Colombo:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 13h,<br />
15h30, 16h, 18h25, 19h, 21h20, 22h, 00h20; ZON<br />
Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado 15h20, 18h20,<br />
21h20, 00h20; ZON Lusomundo Odivelas Parque:<br />
5ª 4ª 15h40, 18h30, 21h20 6ª 2ª 15h40, 18h30,<br />
21h20, 00h15 Sábado 12h50, 15h40, 18h30, 21h20,<br />
00h15 Domingo 3ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h20;<br />
ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h30, 21h30,<br />
00h25; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h10, 21h10, 00h05;<br />
ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h35, 21h30,<br />
00h25; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30,<br />
21h30, 00h20; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1:<br />
5ª 4ª 15h45, 18h20, 21h30 6ª 2ª 15h45, 18h20,<br />
21h30, 00h10 Sábado 13h, 15h45, 18h20, 21h30,<br />
00h10 Domingo 3ª 13h, 15h45, 18h20, 21h30;<br />
Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 4: 5ª 4ª<br />
15h30, 18h30, 21h30 6ª 2ª 15h30, 18h30, 21h30,<br />
00h10 Sábado 12h50, 15h30, 18h30, 21h30, 00h10<br />
Domingo 3ª 12h50, 15h30, 18h30, 21h30; Castello<br />
Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 4ª<br />
15h50, 18h40, 21h30, 00h10 Sábado Domingo 3ª<br />
13h10, 15h50, 18h40, 21h30, 00h10; UCI Freeport:<br />
Sala 1: 5ª 4ª 15h40, 18h30, 21h30 6ª 2ª 15h40,<br />
18h30, 21h30, 00h15 Sábado 13h15, 15h40, 18h30,<br />
21h30, 00h15 Domingo 3ª 13h15, 15h40, 18h30,<br />
21h30; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h35, 12h45, 15h25,<br />
15h40, 18h15, 18h35, 21h05, 21h30, 23h55, 00h25;<br />
ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h45, 21h30,<br />
00h30<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h10; Arrábida 20: Sala<br />
16: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h15,<br />
00h20; Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h45, 16h20, 19h10, 22h, 00h45 3ª 4ª<br />
16h20, 19h10, 22h, 00h45; <strong>Cinema</strong>x - Penafiel: Sala<br />
2: 5ª Domingo 3ª 4ª 15h, 17h30, 21h35 6ª Sábado<br />
2ª 15h, 17h30, 21h35, 00h10; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />
Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h30, 17h, 19h30, 22h; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />
Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30,<br />
15h20, 18h15, 21h10, 00h10; ZON Lusomundo Dolce<br />
Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />
15h50, 18h45, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo<br />
Ferrara Plaza: 5ª Domingo 3ª 4ª 15h20, 18h20,<br />
21h20 6ª Sábado 2ª 15h20, 18h20, 21h20, 00h15;<br />
ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h50, 21h40,<br />
00h35; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª<br />
Domingo 3ª 4ª 14h15, 17h30, 21h10 6ª Sábado 2ª<br />
14h15, 17h30, 21h10, 00h35; ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 15h40, 18h40, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h30, 15h30, 18h30, 21h40, 00h45; ZON<br />
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 19h30, 22h40; ZON Lusomundo<br />
Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; Castello<br />
Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 4ª 15h50, 18h30,<br />
21h30 6ª 2ª 15h50, 18h30, 21h30, 00h30 Sábado<br />
13h, 15h50, 18h30, 21h30, 00h30 Domingo 3ª 13h,<br />
15h50, 18h30, 21h30; ZON Lusomundo Fórum<br />
Aveiro: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h30, 17h30, 21h 6ª<br />
Sábado 2ª 14h30, 17h30, 21h, 24h; ZON Lusomundo<br />
Glicínias: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h45, 17h50, 21h10<br />
6ª Sábado 2ª 14h45, 17h50, 21h10, 00h15<br />
“Crepúsculo” tinha alguma graça<br />
pela actualização do melodrama<br />
romântico à moda antiga à medida<br />
dos (ou melhor, das) adolescentes<br />
contemporâneo(a)s com um toque<br />
sobrenatural, falando-lhes <strong>de</strong> igual<br />
para igual, sem sobranceria nem<br />
con<strong>de</strong>scendência. Infelizmente,<br />
“Lua Nova”, segunda parte da saga<br />
criada pela escritora Stephenie<br />
Meyer, não consegue esse equilíbrio<br />
— era preciso uma leveza <strong>de</strong> toque<br />
que Chris Weitz (“A Bússola<br />
Dourada”) não consegue, navegando<br />
entre a intensida<strong>de</strong> quase solene do<br />
romance (que nem se esquiva a citar<br />
“Romeu e Julieta”) e um fantástico<br />
<strong>de</strong>masiado fajuto para ser levado a<br />
sério (as cenas na cripta dos Volturi,<br />
com Michael Sheen e Dakota<br />
Fanning a cabotinarem<br />
<strong>de</strong>liciosamente, parecem vindas <strong>de</strong><br />
outro filme). É um filme que “prega<br />
aos convertidos” e o seu sucesso está<br />
garantido à partida – mas é legítimo
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
“O Milagre em Sant´Anna”,<br />
<strong>de</strong> Spike Lee<br />
lamentar que, no frenesi <strong>de</strong> lançar<br />
um novo “franchise”, se tenha<br />
perdido aquilo que tornava<br />
“Crepúsculo” interessante. J. M.<br />
Julie e Julia<br />
Julie & Julia<br />
De Nora Ephron,<br />
com Meryl Streep, Amy Adams,<br />
Stanley Tucci. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª 6ª<br />
2ª 4ª 15h40, 18h20, 21h20 Sábado Domingo 3ª<br />
13h, 15h40, 18h20, 21h20; Castello Lopes - Londres:<br />
Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15,<br />
21h45 6ª Sábado 2ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45,<br />
00h15; <strong>Cinema</strong>City Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 5: 5ª 6ª<br />
2ª 4ª 13h45, 16h05, 18h45, 21h55, 00h15 Sábado<br />
Domingo 3ª 11h30, 13h45, 16h05, 18h45, 21h55,<br />
00h15; <strong>Cinema</strong>City Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª<br />
Domingo 3ª 4ª 13h45, 16h05, 18h50, 21h30 6ª<br />
Sábado 2ª 13h45, 16h05, 18h50, 21h30, 23h50;<br />
Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; UCI<br />
<strong>Cinema</strong>s - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />
3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h10 Domingo 11h30,<br />
14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 15h40, 18h20, 21h50, 00h30; ZON<br />
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 18h25, 00h25; ZON<br />
Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h50, 15h40, 18h30, 21h15, 00h05; ZON<br />
Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h40; ZON Lusomundo<br />
Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
16h30, 00h15; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h55, 18h40,<br />
21h20, 24h<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h30 3ª<br />
4ª 16h30, 19h10, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo<br />
Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h30, 16h10, 19h, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
00h40 ; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h40<br />
Nora Ephrom faz sobretudo figura <strong>de</strong><br />
argumentista empenhada em<br />
ressuscitar a comédia romântica<br />
(“Um Amor Inevitável”), embora<br />
tenha também realizado dois<br />
interessantes filmes do género para<br />
Meg Ryan/Tom Hanks: “Sleepless in<br />
Seattle” (1993) e “You’ve Got Mail”<br />
(1998). “Julie e Júlia” fica aquém do<br />
brilho alcançado antes, mas possui<br />
uma notável noção <strong>de</strong> ritmo e<br />
momentos hilariantes, cortados<br />
embora por excessivos planos <strong>de</strong><br />
“dactilografia”. Baseado em histórias<br />
verídicas <strong>de</strong> duas aspirantes a<br />
cozinheiras mediáticas, o filme passa,<br />
<strong>de</strong> novo, pelo cuidado na fusão <strong>de</strong><br />
elementos díspares, <strong>de</strong> forma a<br />
aproximar-se da cintilação perdida<br />
da comédia <strong>de</strong> costumes, capaz <strong>de</strong><br />
captar momentos banais e <strong>de</strong> os<br />
transfigurar. Não se trata <strong>de</strong> nada <strong>de</strong><br />
particularmente <strong>de</strong>slumbrante,<br />
embora cumpra o papel <strong>de</strong> fornecer<br />
às duas actrizes (Amy Adams rivaliza<br />
com uma Meryl Streep um tanto<br />
estereotipada, mas<br />
sempre<br />
profissional)<br />
situações dignas<br />
<strong>de</strong> um honesto<br />
entretenimento.<br />
M.J.T.<br />
O Milagre em Sant´Anna<br />
Miracle at St. Anna<br />
De Spike Lee,<br />
com Derek Luke, Michael Ealy, Laz<br />
Alonso. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h; UCI <strong>Cinema</strong>s - El<br />
Corte Inglés: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h, 17h10, 21h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />
3ª 4ª 13h40, 17h10, 21h 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
13h40, 17h10, 21h, 00h25; ZON Lusomundo<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 17h,<br />
23h30<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h05, 17h30, 21h05, 00h25 3ª 4ª 17h30, 21h05,<br />
00h25<br />
Spike Lee continua na senda da<br />
recuperação da representação da<br />
população afro-americana na<br />
História e no cinema, com a mesma<br />
ambição <strong>de</strong> “Malcolm X” mas com<br />
alguma (<strong>de</strong>masiada) vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>monstrar um programa exposto.<br />
Não que toda a sua obra não revele<br />
este <strong>de</strong>sejo programático; o<br />
problema é que “O Milagre em<br />
Sant’Anna” se confronta com uma<br />
tradição mitológica <strong>de</strong> enorme<br />
envergadura – o filme <strong>de</strong> guerra<br />
clássico. Já nem estamos a exigir-lhe<br />
as gran<strong>de</strong>zas épicas <strong>de</strong> Fuller ou<br />
Walsh, a dimensão poética <strong>de</strong> Ford<br />
ou o pragmatismo <strong>de</strong> Hawks.<br />
Bastaria que evitasse as excessivas<br />
ingenuida<strong>de</strong>s na caracterização das<br />
personagens e que conseguisse<br />
provocar em nós uma reacção. A<br />
violência só faz sentido quando gera<br />
no espectador um outro tipo <strong>de</strong><br />
violência receptiva. Assim, ficamos,<br />
quase sempre pela rama, pelo<br />
esboço sentimental <strong>de</strong> um conflito<br />
interno, nunca muito credível. M.J.T.<br />
Moon - O Outro lado da Lua<br />
Moon<br />
De Duncan Jones,<br />
com Sam Rockwell, Kevin Spacey,<br />
Matt Berry. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h15, 17h15, 19h15, 21h30,<br />
24h<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
21h35, 00h05<br />
Tudo em “Moon – O Outro Lado da<br />
Lua” remete para a ficção científica<br />
da década <strong>de</strong> 1970 – “2001” <strong>de</strong><br />
Kubrick (1968), mas também fitas<br />
menos conhecidas como “O<br />
Cosmonauta Perdido” (Douglas<br />
Trumbull, 1972) ou “Capricórnio<br />
Um” (Peter Hyams, 1977). Em<br />
comum com esses projectos, a<br />
estreia <strong>de</strong> Duncan Jones tem o tom<br />
levemente elegíaco <strong>de</strong> um requiem<br />
por uma aspiração <strong>de</strong>svirtuada pela<br />
realida<strong>de</strong> e pelo pragmatismo<br />
corporativo, trabalhando a forma e a<br />
função clássicas da ficção científica<br />
na sua acepção mais austera e<br />
essencial: um comentário atento ao<br />
nosso mundo disfarçado <strong>de</strong> fantasia<br />
futurista, mas levando ao extremo<br />
absoluto as coor<strong>de</strong>nadas e restrições<br />
“Moon - O Outro lado da Lua”<br />
“low-budget”<br />
do género. O<br />
problema,<br />
<strong>de</strong>pois, é que<br />
esse dispositivo não é sustentado até<br />
ao fim por uma narrativa que<br />
começa a “rodar em seco” a partir<br />
<strong>de</strong> meio – mas isso não invalida que<br />
seja uma das melhores surpresas <strong>de</strong><br />
um 2009 que tem sido um ano <strong>de</strong><br />
primeira água para a ficção<br />
científica. J. M.<br />
Tetro<br />
De Francis Ford Coppola,<br />
com Vincent Gallo, Maribel Verdú,<br />
Al<strong>de</strong>n Ehrenreich. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h,<br />
19h30, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4 -<br />
Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20,<br />
21h50<br />
Nesta oscilação entre o “antigo” e o<br />
“novo” Coppola - dicotomia que o<br />
próprio Francis autoriza ao afirmar<br />
que o sucesso do “Padrinho” levou a<br />
sua carreira para outras paragens,<br />
que não as do “pequeno cinema”<br />
íntimo que ele queria fazer e que<br />
agora supostamente está a fazer – há<br />
algo, contudo, que se mantém: uma<br />
espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sentendimento entre o<br />
visionarismo do realizador, aquilo<br />
que ele “vê”, e a forma como os<br />
filmes são percepcionados no seu<br />
tempo. Ou seja: o fantasma do<br />
falhanço. Mas há uma diferença<br />
assinalável: o Coppola <strong>de</strong><br />
“Apocalypse Now” ou <strong>de</strong> “Do Fundo<br />
do Coração” foi o megalómano<br />
realizador, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za e falhanço<br />
operáticos; o Coppola <strong>de</strong> “Tetro” é<br />
um realizador <strong>de</strong> bolso, qual aluno<br />
aplicado, a braços com o seu<br />
pequeno teatro – <strong>de</strong> forma literal:<br />
“Tetro” podia ser uma adaptação <strong>de</strong><br />
uma peça <strong>de</strong> Tennessee Williams<br />
nos anos 50 (ou seja: não é como se<br />
Coppola tivesse regressado a<br />
qualquer origem; é como se Coppola<br />
tivesse regredido). E eis, então, um<br />
cineasta a espantar os fantasmas do<br />
seu mito mas a não evitar que<br />
an<strong>de</strong>mos à procura do reencontro<br />
com esse mito – até porque “Tetro”,<br />
é a sua pequena tragédia, não <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> se oferecer como ecrã em branco<br />
on<strong>de</strong> queremos encontrar outros<br />
filmes da glória passada do<br />
realizador. Estamos a ver o filme e a<br />
pensar noutros filmes – isto quando<br />
não fechamos os olhos perante<br />
algumas das coisas mais feias (todo o<br />
final) que Coppola já filmou.<br />
Vasco Câmara<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
DEZ~O9<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
T: 213 257 650<br />
BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 43<br />
silva!<strong>de</strong>signers
Concertos<br />
44 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Pop<br />
Dançar como<br />
heróis<br />
Regresso a Portugal<br />
do projecto <strong>de</strong> Andy<br />
Butler, fi gura <strong>de</strong> proa do<br />
revivalismo disco. Pedro<br />
Rios<br />
Hercules and Love Affair<br />
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque. Hoje, 4, às 23h. Tel.: 220120220. 18€.<br />
Clubbing.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém<br />
A. Amanhã, 5, às 22h30. Tel.: 218820890. 22€.<br />
Março <strong>de</strong> 2008 não foi assim há<br />
tanto tempo, por mais que a<br />
voragem pop nos queira convencer<br />
do contrário. Nesse mês, “Blind”,<br />
“single” dos Hercules and Love<br />
Affair com Antony Hegarty,<br />
conheceu a luz do dia. O “New<br />
Musical Express” não teve pruridos<br />
em chamar-lhe um “clássico” dono<br />
das características da melhor música<br />
<strong>de</strong> dança: “física e emocional,<br />
euforicamente alegre e profunda e<br />
irremediavelmente triste”.<br />
“Blind”, consi<strong>de</strong>rada por muitos<br />
uma das melhores canções <strong>de</strong> 2008,<br />
é o momento mais célebre <strong>de</strong><br />
“Hercules and Love Affair”, álbum<br />
que recuperou a estética disco que<br />
abalou Nova Iorque nos anos 1970,<br />
cruzando-a com o house <strong>de</strong> Chicago<br />
e o tecno <strong>de</strong> Detroit, segundo uma<br />
perspectiva actualizada e em<br />
canções que também vivem fora da<br />
pista. E com uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
própria, que os convidados,<br />
<strong>de</strong>finidos por Andy Butler, o mentor<br />
do projecto, ajudaram a firmar.<br />
“Blind”, canção entre a força e a<br />
fragilida<strong>de</strong>, sintetiza o espírito dos<br />
Hercules and Love Affair, <strong>de</strong><br />
regresso a Portugal. Butler,<br />
apaixonado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong> pela<br />
mitologia grega, ficou encantado por<br />
lendas que revelavam a<br />
vulnerabilida<strong>de</strong> do herói Hércules.<br />
“Foi na mesma altura em que<br />
<strong>de</strong>scobri os clubes nocturnos e<br />
comecei a namorar com DJ. Vivia<br />
num corpo gran<strong>de</strong>, masculino,<br />
jogava futebol americano e outros<br />
<strong>de</strong>sportos e, ao mesmo tempo, era<br />
extremamente sensível e vulnerável<br />
do ponto <strong>de</strong> vista emocional. Atraíame<br />
a história <strong>de</strong> Hércules porque<br />
falava da ligação do feminino ao<br />
hiper-masculino”, explicou à<br />
“webzine” Pitchfork, em Junho <strong>de</strong><br />
2008.<br />
Nos concertos da Casa da Música,<br />
hoje (a noite Clubbing conta também<br />
com Kap Bambino e outros artistas),<br />
e do Lux, amanhã, Butler traz uma<br />
nova formação, que inclui, entre<br />
outros, Kim Ann, uma das vozes do<br />
disco <strong>de</strong> estreia, e promete antecipar<br />
material <strong>de</strong> um próximo álbum,<br />
ainda sem data <strong>de</strong> lançamento.<br />
Os Hercules and Love Aff air <strong>de</strong> regresso a Portugal<br />
(Casa da Música hoje, Lux amanhã) numa altura em que estão<br />
mais virados para as canções do que para a música <strong>de</strong> dança<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Carlos do Carmo leva a ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Ary dos Santos ao Coliseu<br />
O músico e DJ antecipou ao mesmo num momento em que as<br />
“Village Voice”, em Junho, alguns palavras <strong>de</strong> José Carlos Ary dos<br />
dados do que aí vem: “Há algumas Santos voltam a ser ouvidas noutras<br />
peças <strong>de</strong> música que vão estar no vozes, com a edição recente <strong>de</strong> “Rua<br />
meu próximo disco que não são da Sauda<strong>de</strong>” – on<strong>de</strong> as ouvimos<br />
música <strong>de</strong> dança” (no primeiro cantadas por Mafalda Arnauth,<br />
também assim acontecia). “São Viviane, Susana Félix e Luanda<br />
canções, sabes?”, prosseguia. “Estou Cozetti -, dificilmente se po<strong>de</strong>ria<br />
mais interessado em escrever encontrar intérprete mais perfeito<br />
canções”.<br />
para a homenagem.<br />
Foi Ary dos Santos que, entre<br />
muitas outras parcerias, escreveu as<br />
Carlos do Carmo letras do imenso “Um Homem na<br />
reencontra Ary<br />
Cida<strong>de</strong>”, álbum <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Carmo<br />
<strong>de</strong> 1977. E foi um homem que<br />
dos Santos ntos<br />
partilhou com Carlos do<br />
o Ca Carmo, para<br />
além <strong>de</strong> muita<br />
Ary Sempre! e!<br />
vida, força e<br />
Com Carlos do Carmo (voz), Ricardo<br />
Rocha (guitarra arra portuguesa), Carlos<br />
Manuel Proença ença (viola), Fernando<br />
Araújo (baixo), xo), Bernardo Sassetti<br />
(piano).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos os Recreios. R. Portas St. Antão, 96.<br />
Hoje, às 21h30. Tel.: el.: 213240580. 20€.<br />
Homenagem m ao Poeta da Revolução<br />
- 25 anos da sua morte, 35 anos do<br />
25 <strong>de</strong> Abril.<br />
Ary dos Santos: tos: eis o pretexto que,<br />
esta noite, leva eva Carlos do Carmo ao<br />
Coliseu dos Recreios. “Ary sempre!”<br />
é o título da celebração. 35 anos<br />
<strong>de</strong>pois do 25 5 <strong>de</strong> Abril, 25 após a<br />
morte do poeta oeta e autor das letras <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> “canções-património”<br />
da música portuguesa, ortuguesa, o<br />
Partido Comunista munista<br />
Português organizou rganizou a<br />
celebração. Carlos do<br />
o O mexicano Murcof no fi m-<strong>de</strong>-semana<br />
Carmo canta. a. E,<br />
electrónico da Ma<strong>de</strong>ira
sensibilida<strong>de</strong> poética – um verteu-a<br />
para o papel e recitou-a com verve, o<br />
outro <strong>de</strong>u-lhe toda a vida em voz.<br />
Acompanhado por Ricardo Rocha<br />
na guitarra portuguesa, Carlos<br />
Manuel Proença na viola, Fernando<br />
Araújo no baixo e com a<br />
contribuição especial do pianista<br />
Bernardo Sassetti, Carlos do Carmo<br />
interpretará 20 “poemas-canções”<br />
<strong>de</strong> Ary dos Santos. Ele mesmo<br />
surgirá, antes do concerto,<br />
preservado em fita, num filme on<strong>de</strong><br />
recita o poema “As Portas que Abril<br />
abriu”. Mário Lopes<br />
Electrónica<br />
prolongada<br />
Festival Ma<strong>de</strong>ira Dig<br />
Alva Noto + Murcof + Jean-<br />
Michael & Band + Christ. +<br />
Zavoloka e Laetitia Morais +<br />
Gigantiq + Felix Kubin + Hugo<br />
Olim e Jerome Faria + Ja<strong>de</strong><br />
Vale dos Amores. Calheta. Centro das Artes Casa das<br />
Mudas.<br />
Jason Forrest + Clara Hill<br />
Estalagem da Ponta do Sol. Quinta da Rochinha.<br />
De hoje a segunda-feira, a partir das 21h30. Tel.:<br />
291820900. 15€ (um dia) a 50€ (quatro dias).<br />
Por edições anteriores do Ma<strong>de</strong>ira<br />
Dig já passaram artistas como<br />
Vladislav Delay, AGF, Burnt Friedman<br />
com Jaki Liebezeit, Jamie Li<strong>de</strong>ll,<br />
Cluster, Philip Jeck e outros nomes -<br />
uma constelação <strong>de</strong> estrelas da<br />
música electrónica em toda a sua<br />
diversida<strong>de</strong>. Este ano, o festival<br />
ma<strong>de</strong>irense, criado em 2004, tem<br />
como figuras <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque gente<br />
como Alva Noto, Murcof e Felix<br />
Kubin.<br />
Alva Noto é o nome que o alemão<br />
Carsten Nicolai utiliza nos seus<br />
trabalhos sonoros. Tal como com o<br />
seu trabalho visual, Alva Noto<br />
(conhecido pela sua colaboração<br />
com Ryuichi Sakamoto) situa-se na<br />
fronteira entre a arte a ciência,<br />
integrando na sua música o acaso, o<br />
caos e acontecimentos gerados por si<br />
mesmos, sem intervenção do artista.<br />
Enquanto Murcof, o mexicano<br />
Fernando Corona, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um<br />
início <strong>de</strong> carreira ligado ao tecno,<br />
tem-se interessado pela união entre<br />
a música electrónica e os trabalhos<br />
orquestrais <strong>de</strong> gente como Arvo<br />
Pärt. Em “The Versailles Sessions”,<br />
editado em 2008, pegou em<br />
gravações <strong>de</strong> instrumentos barrocos<br />
do século XVII, cruzando-os com<br />
gravações <strong>de</strong> campo, uma voz<br />
“mezzo soprano” e electrónica.<br />
Radicalmente diferente é a<br />
proposta <strong>de</strong> Felix Kubin, alemão<br />
veterano da electrónica. Sorve<br />
influências da pop, da música<br />
electroacústica e <strong>de</strong> domínios em<br />
que a linguagem é fundamental<br />
(palestras, por exemplo). Os<br />
concertos <strong>de</strong> Kubin, surreais e<br />
<strong>de</strong>liciosamente absurdos, são<br />
sempre motivo <strong>de</strong> celebração.<br />
Comentário<br />
Rodrigo<br />
Amado<br />
O renascimento<br />
estéril do Cascais<br />
Jazz<br />
O<br />
festival Cascais Jazz é consi<strong>de</strong>rado,<br />
unanimemente, o maior e mais importante<br />
festival <strong>de</strong> jazz <strong>de</strong> sempre do nosso país. Com<br />
edições entre 1971 e 1988 (nos últimos quatro<br />
anos já um pouco <strong>de</strong>bilitado), e uma<br />
programação visionária a cargo <strong>de</strong> Luís Villas-Boas, o<br />
Cascais Jazz apresentou concertos inesquecíveis com<br />
inúmeros nomes <strong>de</strong> topo do jazz e do blues norteamericano,<br />
como Miles Davis, Dexter Gordon, Phill<br />
Woods, Ornette Coleman, Thelonious Monk, Duke<br />
Ellington, Dizzy Gillespie, Sonny Rollins, Betty Carter,<br />
Buddy Guy, Roland Kirk, Art Blakey ou Charlie Ha<strong>de</strong>n,<br />
entre muitos outros.<br />
Pelo seu contexto histórico – atravessou os anos<br />
“quentes”, antes e <strong>de</strong>pois da revolução – e pelo carácter<br />
revolucionário <strong>de</strong> uma música que poucos conheciam,<br />
a sua importância foi muito para além da música,<br />
tornando-se um evento simbólico para toda uma geração<br />
<strong>de</strong> espectadores. A música era pura e dura e o ambiente<br />
genuinamente <strong>de</strong>mocrático. Recordo-me, com uma<br />
clareza pouco habitual, <strong>de</strong> algumas visitas ao festival,<br />
ainda com menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, em que ia com um amigo<br />
dos meus pais. Levávamos um verda<strong>de</strong>iro farnel – em<br />
alguns dos dias, as sessões prolongavam-se por mais <strong>de</strong><br />
seis horas – e almofadas para atenuar o <strong>de</strong>sconforto das<br />
bancadas <strong>de</strong> cimento. O ambiente era intenso e a energia<br />
que se sentia no ar bem mais<br />
Esta nova edição<br />
<strong>de</strong>monstra um<br />
profundo <strong>de</strong>srespeito<br />
por tudo aquilo que<br />
fazia do Cascais Jazz<br />
um evento especial<br />
próxima <strong>de</strong> um concerto<br />
rock, pela informalida<strong>de</strong> e<br />
pela sensação <strong>de</strong> que algo<br />
<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iramente especial<br />
estaria para acontecer. E<br />
acontecia.<br />
Duarte Mendonça,<br />
programador responsável<br />
pelo Estoril Jazz, co-produtor<br />
do Cascais Jazz a partir <strong>de</strong><br />
1974 e associado <strong>de</strong> Villas-Boas<br />
durante muitos anos, <strong>de</strong>cidiu este ano fazer renascer o<br />
mítico festival, tendo registado a marca com autorização<br />
dos her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Villas-Boas. No entanto, a forma como<br />
é proposta esta nova edição, programada para o mesmo<br />
auditório do Estoril Jazz, <strong>de</strong>monstra um profundo<br />
<strong>de</strong>sconhecimento e <strong>de</strong>srespeito por tudo aquilo que<br />
fazia do Cascais Jazz um evento especial, e quaisquer<br />
semelhanças entre as duas “versões” do mesmo<br />
resumem-se exclusivamente ao nome. A qualida<strong>de</strong>, a<br />
consistência e a criativida<strong>de</strong> da programação <strong>de</strong> Villas-<br />
Boas dão agora lugar a um amontoado <strong>de</strong> propostas que<br />
em nada evocam a gran<strong>de</strong>za do projecto inicial. Numa<br />
programação débil em que se <strong>de</strong>staca a excelência <strong>de</strong><br />
dois músicos nacionais, André Fernan<strong>de</strong>s e Zé Eduardo<br />
(aqui com o seu “unit” e a participação <strong>de</strong> Jack Walrath),<br />
agrupam-se um projecto incaracterístico <strong>de</strong> Lee Konitz,<br />
uma cantora <strong>de</strong> segunda categoria, o quarteto <strong>de</strong> Ingrid<br />
Jensen e um quinteto em torno <strong>de</strong> Phill Woods, agora<br />
com 79 anos, que não irá dar se não uma pálida i<strong>de</strong>ia<br />
do explosivo concerto que protagonizou em 1971, na<br />
primeira edição do original Cascais Jazz.<br />
Vão-se a surpresa, a inovação e a criativida<strong>de</strong>, fi ca<br />
a sensação <strong>de</strong> que nunca saberiam on<strong>de</strong> encontrar os<br />
novos cabeças <strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> um festival que fi zesse justiça<br />
à gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Luís Villas-Boas<br />
O Ma<strong>de</strong>ira Dig, que começa hoje e<br />
termina segunda-feira e se divi<strong>de</strong><br />
entre o Centro das Artes Casa das<br />
Mudas, na Calheta, e a Estalagem da<br />
Ponta do Sol, ambos na ilha da<br />
Ma<strong>de</strong>ira, conta ainda com a música<br />
melodiosa <strong>de</strong> Christ., as<br />
contaminações<br />
do jazz com a<br />
electrónica <strong>de</strong><br />
Clara Hill e<br />
outros concertos<br />
e actuações <strong>de</strong><br />
DJ. P.R.<br />
Os Editors chegaram com vida ao terceiro álbum,<br />
e vêm ao Campo Pequeno mostrá-lo<br />
Editors, um caso<br />
à parte<br />
Editors + The Maccabees<br />
<strong>Lisboa</strong>. Praça <strong>de</strong> Touros do Campo Pequeno. Campo<br />
Pequeno. 5ª, 10, às 21h. Tel.: 217820575. 22€ a 33€.<br />
A maioria das bandas que<br />
surgiram naquele<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 45
46 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Concertos<br />
momento em que a sombra dos<br />
Strokes foi ultrapassada pela dos Joy<br />
Division e, paralelamente, pela<br />
galopante nostalgia 80s, foi<br />
esquecida. Coisas como os Bravery<br />
ou She Wants Revenge,<br />
penosamente coladas a uma i<strong>de</strong>ia<br />
ultrapassada, requentada, <strong>de</strong> rock<br />
negro e sofrido, mostraram ser<br />
incapazes <strong>de</strong> repetir a gracinha ao<br />
segundo álbum, momento em que,<br />
muito justamente, o povo lhes virou<br />
costas e os atirou para o caixote <strong>de</strong><br />
lixo da história.<br />
Os Editors são um caso especial.<br />
Pareciam tão perdidos quanto os<br />
supracitados à chegada ao difícil<br />
segundo álbum, “An End Has a<br />
Start”, mas, em vez <strong>de</strong> esquecidos,<br />
cresceram. Cresceram<br />
enormemente <strong>de</strong> popularida<strong>de</strong> com<br />
uma voz gutural, meta<strong>de</strong> Ian Curtis,<br />
meta<strong>de</strong> vocalista dos Interpol, uma<br />
batida metálica tonitruante e os<br />
refrões para levitar estádios que lhes<br />
preenchem os álbuns.<br />
Sucesso global, a banda <strong>de</strong><br />
Birmingham regressa ao Campo<br />
Pequeno para apresentar o novo<br />
álbum, o terceiro da sua carreira,<br />
editado em Outubro. Intitula-se “In<br />
This Light And On This Evening” e,<br />
consi<strong>de</strong>rou o vocalista Tom Smith,<br />
representa o passo em frente <strong>de</strong> uma<br />
banda que não se queria repetir.<br />
“Papillon”, o primeiro single, não<br />
engana. Os Joy Division ficam lá<br />
atrás, chega a inspiração dos New<br />
Or<strong>de</strong>r. A festa continua. M.L.<br />
Clássica<br />
Uma<br />
cantora <strong>de</strong><br />
excepção<br />
A notável Anna Caterina<br />
Antonacci traz à<br />
Gulbenkian “Ecos da<br />
‘Belle Époque’”.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Anna Caterina Antonacci e<br />
Donald Sulzen<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório. Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 2ª, 7, às<br />
19h. Tel.: 217823700. 15€ a 30€.<br />
Ecos da “Belle Époque”. Obras <strong>de</strong><br />
Fauré, Hahn, Bachelet, Tosti,<br />
Cimara, Toscanini, Tiren<strong>de</strong>lli,<br />
Respighi e Zandonai.<br />
As qualida<strong>de</strong>s vocais, a sensibilida<strong>de</strong><br />
interpretativa e os dotes <strong>de</strong> actriz <strong>de</strong><br />
Anna Caterina Antonacci têm gerado<br />
nos últimos anos um raro consenso<br />
da crítica internacional. Des<strong>de</strong> os<br />
numerosos papéis <strong>de</strong> “bel canto”<br />
rossiano que fez nos primeiros<br />
tempos da sua carreira às incursões<br />
mais recentes no repertório francês<br />
do século XIX (com heroínas tão<br />
Espaço<br />
Público<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
exigentes como a “Me<strong>de</strong>a”, <strong>de</strong><br />
Cherubini, ou a Cassandra <strong>de</strong> “Les<br />
Troyens”, <strong>de</strong> Berlioz), passando pela<br />
ópera barroca (<strong>de</strong> Monteverdi a<br />
Han<strong>de</strong>l), a soprano italiana <strong>de</strong>sperta<br />
invariavelmente reacções<br />
apaixonadas. Vencedora dos<br />
Concursos Verdi <strong>de</strong> Parma (1987),<br />
Maria Callas e Pavarotti (1988) e do<br />
Prémio Abbiatti (2005), Antonacci<br />
tem actuado sob a direcção <strong>de</strong><br />
maestros como Claudio Abbado,<br />
Muti, Chailly, Christie, Jacobs ou<br />
Gardiner nalguns dos mais<br />
importantes teatros do mundo. Em<br />
Portugal as suas actuações<br />
resumem-se até agora ao recital que<br />
<strong>de</strong>u em 2005 na Casa da Música e à<br />
participação na ópera “Gli Orazi ed i<br />
Curiazi”, <strong>de</strong> Cimarosa, dirigida por<br />
Alan Curtis no início dos anos 90 no<br />
Porto e em <strong>Lisboa</strong>.<br />
No dia 7, Anna Caterina Antonacci<br />
será a convidada do Ciclo <strong>de</strong> Canto<br />
da temporada Gulbenkian, on<strong>de</strong> irá<br />
apresentar o programa “Ecos da<br />
‘Belle Époque’”, com obras <strong>de</strong><br />
Fauré, Hahn, Bachelet, Tosti,<br />
Cimara, Toscanini, Tiren<strong>de</strong>lli,<br />
Respighi e Zandonai.<br />
Na entrevista que <strong>de</strong>u ao PÚBLICO<br />
em 2005, a cantora tinha<br />
manifestado o seu fascínio pela<br />
“mélodie” francesa e pelo repertório<br />
vocal <strong>de</strong> câmara italiano dos<br />
inícios do século<br />
XX em<br />
<strong>de</strong>trimento<br />
das canções dos<br />
compositores <strong>de</strong> ópera<br />
transalpinos <strong>de</strong> oitocentos. “As<br />
canções <strong>de</strong> Rossini, Donizetti ou<br />
Bellini não me agradam muito. Eles<br />
eram gran<strong>de</strong>s compositores <strong>de</strong><br />
ópera e era esta que concentrava<br />
toda a sua energia. Creio que não<br />
levavam o repertório <strong>de</strong> câmara<br />
muito a sério, era mais uma<br />
brinca<strong>de</strong>ira”, disse nessa ocasião.<br />
“Nas canções francesas encontramos<br />
sempre uma outra inspiração<br />
melódica, harmonias muito<br />
interessantes, um outro cuidado na<br />
escolha dos textos. Mas há também<br />
repertório vocal <strong>de</strong> câmara italiano<br />
muito bom, mais para o início do<br />
século XX: algum Respighi, Pizetti,<br />
Tosti. Gostaria <strong>de</strong> ter tempo para o<br />
estudar <strong>de</strong>talhadamente.” A vonta<strong>de</strong><br />
e a disponibilida<strong>de</strong> concretizaram-se<br />
e materializam-se agora no recital da<br />
Gulbenkian, em que Antonacci<br />
coloca lado a lado os universos<br />
francês e italiano e alguns dos mais<br />
fascinantes caminhos que conduzem<br />
do Romantismo ao Mo<strong>de</strong>rnismo.<br />
Rarida<strong>de</strong>s do “bel<br />
canto” no Museu da<br />
Música<br />
Patrizia Morandini e Marco<br />
Aurelio Brescia<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu da Música. Estação do Metropolitano<br />
Alto dos Moinhos. Rua João <strong>de</strong> Freitas Branco.<br />
Amanhã, 5, às 18h. Tel.: 217710990/8. 2€.<br />
Obras <strong>de</strong> Bellini, Verdi, Marzano e<br />
Carlos Gomes.<br />
O ciclo <strong>de</strong> concertos com direcção<br />
artística do maestro e musicólogo<br />
brasileiro Rodrigo Teodoro que<br />
o Museu da Música<br />
tem vindo a<br />
promover<br />
nos<br />
Uma das mais extraordinárias cantoras do panorama<br />
lírico actual percorre na Gulbenkian os caminhos que<br />
conduzem do Romantismo ao Mo<strong>de</strong>rnismo<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
últimos<br />
meses chega<br />
amanhã ao fim<br />
com um recital pela<br />
soprano italiana Patrizia<br />
Morandini, acompanhada pelo<br />
pianista italo-brasileiro, resi<strong>de</strong>nte<br />
em <strong>Lisboa</strong>, Marco Aurelio Brescia. O<br />
programa inclui árias dos italianos<br />
Bellini, Verdi e Temistocle Marzano<br />
e do brasileiro Carlos Gomes, cujas<br />
óperas fizeram gran<strong>de</strong> sucesso<br />
nalguns dos principais teatros<br />
italianos nos finais do século XIX. A
maior curiosida<strong>de</strong> do programa vai,<br />
no entanto, para as árias da ópera<br />
histórica “I Normanni a Salerno”, <strong>de</strong><br />
Marzano, uma obra monumental<br />
composta para a inauguração do<br />
Teatro Verdi <strong>de</strong> Salerno em 1872.<br />
Caída no esquecimento,<br />
possivelmente pela sua<br />
complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução e<br />
encenação, esta obra foi<br />
recentemente recuperada, tendo<br />
subido à cena do Teatro Politeama<br />
<strong>de</strong> Nápoles em Outubro <strong>de</strong> 2007<br />
com Patrizia Morandini como<br />
protagonista.<br />
Natural <strong>de</strong> Florença, a soprano<br />
dramático Patrizia Morandini<br />
estudou no conservatório da sua<br />
cida<strong>de</strong> natal e fez cursos <strong>de</strong><br />
especialização com mestres como<br />
Nella Anfuso (música renascentista),<br />
Liliana Poli (Lied e música<br />
contemporânea) ou o lendário<br />
Alfredo Kraus (ópera). Intepretou<br />
alguns dos mais exigentes papéis do<br />
repertório operático italiano (Tosca,<br />
Turandot, Aida, Leonora, Norma,<br />
entre muitos outros) e tem<br />
<strong>de</strong>senvolvido nos últimos anos uma<br />
ampla activida<strong>de</strong> docente,<br />
leccionando “masterclasses” na<br />
Europa e no Brasil. A sua discografia<br />
inclui inclui as óperas “Cleopatra”, <strong>de</strong><br />
Cimarosa, e “Ernani”, <strong>de</strong> Bellini<br />
(etiqueta Bongiovanni). C.F.<br />
Patrizia Morandini em recital<br />
no Museu da Música<br />
Agenda<br />
Sexta 4<br />
Super Bock em Stock<br />
The Legendary Tiger Man<br />
+ Ebony Bones<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>, 182, às 22h.<br />
Tel.: 213572025.<br />
Voxtrot + Wild Beasts<br />
<strong>Lisboa</strong>. <strong>Cinema</strong> São Jorge - Sala 1. Av. Liberda<strong>de</strong>,<br />
175, às 21h30. Tel.: 213103400.<br />
Easyway + Mikkel Solnado<br />
+ Bass Off<br />
<strong>Lisboa</strong>. <strong>Cinema</strong> São Jorge - Sala 2. Av. Liberda<strong>de</strong>,<br />
175, às 21h. Tel.: 213103400.<br />
Anaquim + Wave Machines<br />
+ Blacklist<br />
<strong>Lisboa</strong>. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 21h. Tel.:<br />
213467090.<br />
Frankie Chavez + Os Quais<br />
<strong>Lisboa</strong>. LA Caffé. Av. Liberda<strong>de</strong>, 129-B, às 21h30.<br />
Tel.: 213256736.<br />
Fe<strong>de</strong>rico Aubele + Samuel Úria<br />
<strong>Lisboa</strong>. Terraço. Av. Liberda<strong>de</strong>, 185<br />
- Hotel Tivoli, às 21h15. Tel.:<br />
213198900.<br />
Orelha Negra + Marcelinho<br />
da Lua<br />
<strong>Lisboa</strong>. Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal - Parque <strong>de</strong><br />
Estacionamento. Pç. Marquês <strong>de</strong> Pombal, à 01h.<br />
40€ (bilhete único para os dois dias).<br />
Ver textos na pág. 6 e segs.<br />
<strong>Lisboa</strong>, Olhão e Coimbra<br />
na agenda <strong>de</strong> Edson Cor<strong>de</strong>iro<br />
Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.<br />
República, às 21h30. Tel.: 239855636. 12€ a 18€.<br />
Madre<strong>de</strong>us & A Banda Cósmica<br />
Figueira da Foz. Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos -<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório. R. Aba<strong>de</strong> Pedro, às 21h30. Tel.:<br />
233407200. 20€.<br />
Red House<br />
Viana do Castelo. Teatro <strong>Municipal</strong> Sá <strong>de</strong> Miranda.<br />
R. Major Xavier Costa, às 22h. Tel.: 258809382. 20€<br />
(dia) a 50€ (passe).<br />
X Simply Blues - Festival <strong>de</strong> Blues <strong>de</strong><br />
Viana do Castelo.<br />
Sábado 5<br />
Edson E Cor<strong>de</strong>iro<br />
<strong>Lisboa</strong>. <strong>Lisboa</strong> Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.<br />
R. Ant Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h. Tel.:<br />
Super Bock em Stock<br />
Little Joy + Beach House<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>, 182, às 22h15.<br />
Tel.: 213572025.<br />
Patrick Watson + The Invisible<br />
+ Os Golpes<br />
<strong>Lisboa</strong>. <strong>Cinema</strong> São Jorge - Sala 1. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175,<br />
às 21h30. Tel.: 213103400.<br />
Piano Magic + Oióai<br />
+ João Só e Abandonados<br />
<strong>Lisboa</strong>. <strong>Cinema</strong> São Jorge - Sala 2. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175,<br />
às 21h. Tel.: 213103400.<br />
Juan MacLean + Mazgani<br />
+ Mocky<br />
<strong>Lisboa</strong>. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 21h15. Tel.:<br />
213467090.<br />
Manuel Paulo & Nancy Vieira<br />
(Pássaro Cego) + Luísa Sobral<br />
<strong>Lisboa</strong>. LA Caffé. Av. Liberda<strong>de</strong>, 129-B, às 21h30. Tel.:<br />
213256736.<br />
213257650. 213257 10€ a 20€.<br />
Centenário Cent do Nascimento <strong>de</strong><br />
Carmen Carm Miranda.<br />
Piers Faccini + Noiserv<br />
<strong>Lisboa</strong>. Terraço. Av. Liberda<strong>de</strong>, 185 - Hotel Tivoli, às<br />
22h. Tel.: 213198900.<br />
Nouvelle Nou Vague + Melanie Pain<br />
& Gerald Ge Toto<br />
Kap Bambino + DJ Zé Pedro<br />
+ Pedro Ramos<br />
<strong>Lisboa</strong>. <strong>Lisboa</strong> Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 22h. <strong>Lisboa</strong>. Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal - Parque <strong>de</strong><br />
Tel.: 21 217967624. 25€ a 30€.<br />
Estacionamento. Pç. Marquês <strong>de</strong> Pombal, às 00h45.<br />
Gal Costa C<br />
<strong>Lisboa</strong>. <strong>Lisboa</strong> Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />
40€ (bilhete único para os dois dias).<br />
Ver textos na pág. 6 e segs.<br />
Auditório. Auditó Praça do Império, às 21h. Tel.:<br />
213612400. 2136 21 12 20€ a 49€.<br />
Edson Cor<strong>de</strong>iro<br />
Voz V e Violão.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.<br />
R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h. Tel.:<br />
Charlie Cha + Berry<br />
213257650. 10€ a 20€.<br />
Braga. Brag Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />
Liberda<strong>de</strong>, Libe 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 8€.<br />
French Fre Connection II.<br />
Centenário do Nascimento <strong>de</strong><br />
Carmen Miranda.<br />
Skye Sk<br />
Ílhavo. Ílh Centro Cultural <strong>de</strong> Ílhavo. Avenida 25 <strong>de</strong><br />
Abril A - Auditório, às 21h30. Tel.: 234397260. 15€.<br />
Nouvelle Vague +<br />
Melanie Pain & Gerald<br />
Toto<br />
Porto. Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira. R. Sá da<br />
Lee L Konitz & Minsarah + André<br />
Ban<strong>de</strong>ira, 108, às 22h. Tel.:<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
222003595. 24€.<br />
Estoril. Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril -<br />
Auditório. Av. Amaral, às 21h30. Tel.:<br />
214647575. 30€ (dia) a 80€ (passe).<br />
My Brightest<br />
Diamond<br />
Cascais Jazz.<br />
Espinho. Auditório <strong>de</strong><br />
My Brightest Diamond<br />
Berry no Theatro Circo Espinho. Rua 34, 884, às<br />
21h30. Tel.: 227340469. 15€.<br />
Teresa Salgueiro vai aos gran<strong>de</strong>s<br />
auditórios: CCB e Casa da Música<br />
Cameron Todd e ONP<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque - Sala Suggia, às 18h. Tel.: 220120220.<br />
16€.<br />
Desi<strong>de</strong>rata<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Pequeno<br />
Auditório. Praça do Império, às 21h. Tel.:<br />
213612400. 12,5€ a 15€.<br />
B Fachada<br />
Vila Real. Teatro <strong>de</strong> Vila Real - Pequeno Auditório.<br />
Alameda <strong>de</strong> Grasse, às 22h. Tel.: 259320000. 7€.<br />
Ver texto na pág. 14 e segs.<br />
Skye<br />
Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes - Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297.<br />
12€.<br />
MEV - Musica Elettronica Viva<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves - Auditório. Rua Dom<br />
João <strong>de</strong> Castro, 210, às 21h30. Tel.: 226156500. 5€ a<br />
10€.<br />
Musica Elettronica Viva<br />
Madre<strong>de</strong>us & A Banda Cósmica<br />
Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo São José Lopes<br />
dos Santos, às 21h30. Tel.: 249839309. 17,5€.<br />
Zé Eduardo Unit & Jack Walrath<br />
+ Dena DeRose Trio + Ingrid<br />
Jensen Quarteto<br />
Estoril. Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril - Auditório.<br />
Av. Amaral, às 16h. Tel.: 214647575. 30€ (dia) a 80€<br />
(passe).<br />
Cascais Jazz.<br />
Eddie Martin<br />
Viana do Castelo. Teatro <strong>Municipal</strong> Sá <strong>de</strong> Miranda.<br />
R. Major Xavier Costa, às 22h. Tel.: 258809382. 20€<br />
(dia) a 50€ (passe).<br />
X Simply Blues - Festival <strong>de</strong> Blues <strong>de</strong><br />
Viana do Castelo.<br />
Domingo 6<br />
My Brightest<br />
Diamond em Espinho e Coimbra<br />
Harlem Gospel Choir<br />
Estoril. Casino Estoril - Salão Preto e Prata. Pç. José<br />
Teodoro dos Santos, às 21h. Tel.: 214667700. 25€ a<br />
35€.<br />
Concert of Hope - Tributo a Michael<br />
Jackson.<br />
Solo Brasil & Nuno da Câmara<br />
Pereira + Márcio Faraco &<br />
Cristina Branco<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 20€.<br />
Cascais Jazz Legends<br />
Com Phil Woods (saxofone), Lew<br />
Soloff (trompete), Cedar Walton<br />
(piano), Rufus Reid (contrabaixo),<br />
Jimmy Cobb (bateria).<br />
Estoril. Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril - Auditório.<br />
Av. Amaral, às 18h00. Tel.: 214647575. 30€ (dia) a<br />
80€ (passe).<br />
Cascais Jazz.<br />
Segunda 7<br />
The Prodigy + Enter Shikari<br />
<strong>Lisboa</strong>. Pavilhão Atlântico - Sala Atlântico. Parque<br />
das Nações, às 21h. Tel.: 218918409. 30€ a 40€.<br />
Edson Cor<strong>de</strong>iro<br />
Olhão. Auditório <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Olhão. Av. Dr.<br />
Francisco Sá Carneiro, lote B3 r/c. 2ª às 21h30. Tel.:<br />
289710170. 9€ a 12€.<br />
Harlem Gospel Choir<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 30€.<br />
Concert of Hope - Tributo a Michael<br />
Jackson.<br />
Ensemble Contrapunctus<br />
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 10€.<br />
Obras <strong>de</strong> Haydn.<br />
Teresa Salgueiro e Lusitânia<br />
Ensemble<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Praça do Império, às 21h. Tel.:<br />
213612400. 20€ a 40€.<br />
Neon Indian<br />
Porto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30, às 23h.<br />
Tel.: 222012500.<br />
Terça 8<br />
Teresa Salgueiro e Lusitânia<br />
Ensemble<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 37€ a 39€.<br />
António Zambujo<br />
Viana do Castelo. Teatro <strong>Municipal</strong> Sá <strong>de</strong> Miranda.<br />
R. Major Xavier Costa, às 21h30. Tel.: 258809382.<br />
10€.<br />
Quarta 9<br />
Carminho<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Praça do Império, às 21h. Tel.:<br />
213612400. 5€ a 30€.<br />
Kurt Vile + B Fachada<br />
<strong>Lisboa</strong>. Frágil. R. Atalaia, 126, às 23h. Tel.:<br />
213469578. 7€.<br />
Edson Cor<strong>de</strong>iro<br />
Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.<br />
República. 4ª às 21h30. Tel.: 239855636. 12€ a 18€.<br />
NÃO DEIXE PASSAR<br />
AS ESTRELAS DA TEMPORADA<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 47
Discos<br />
Com este álbum B Fachada<br />
torna-se um autor que, hoje,<br />
agora, temos <strong>de</strong> ouvir e celebrar<br />
48 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Pop<br />
O álbum<br />
essencial <strong>de</strong><br />
B Fachada<br />
Um casulo musical tecido<br />
com cuidado extremo.<br />
Mário Lopes<br />
B Fachada<br />
B Fachada<br />
Mbari<br />
mmmmn<br />
Este é o momento<br />
em que temos <strong>de</strong><br />
ter aquela conversa<br />
aborrecida. Venha<br />
ela: com este<br />
álbum, homónimo,<br />
o seu segundo <strong>de</strong> 2009, B Fachada<br />
torna-se um autor que, hoje, agora,<br />
temos <strong>de</strong> ouvir e celebrar. Fim <strong>de</strong><br />
conversa aborrecida. Avancemos.<br />
A riqueza <strong>de</strong>sta música nasce<br />
daquilo a que Fachada chama a<br />
incoerência da vida: é disso que<br />
vivem as suas letras, <strong>de</strong> um<br />
romantismo poético trespassado<br />
pela pulsante veia tragicómica que,<br />
disco após disco, lhe temos por<br />
essencial. Neste disco on<strong>de</strong> o piano<br />
ganha <strong>de</strong>staque e em que a voz<br />
serena no ponto exacto <strong>de</strong><br />
expressivida<strong>de</strong>, torna-se evi<strong>de</strong>nte<br />
que o segredo <strong>de</strong> Fachada está,<br />
precisamente, na forma como se<br />
assume verda<strong>de</strong>iro e surpreen<strong>de</strong>nte<br />
contador <strong>de</strong> histórias: interessamlhe<br />
mais os milhões <strong>de</strong> “eus” que a<br />
nossa circunstância, interessa-lhe<br />
que as canções corram <strong>de</strong> acordo<br />
com o glorioso absurdo da vida, não<br />
<strong>de</strong> acordo com aquilo que a pop<br />
inventou como tal.<br />
Este é, portanto, um álbum <strong>de</strong><br />
questões essenciais, que não são o<br />
défice, as escutas, a falência da<br />
justiça ou o raio que o parta. Bem<br />
mais humano que isso: o <strong>de</strong>samor<br />
que chega sem angústia, tragédias<br />
fraternas (culpa <strong>de</strong> uma mulher,<br />
naturalmente), a cama pouco<br />
satisfatória e a cama que nos há-<strong>de</strong><br />
salvar: “E agora o que é que eu faço?<br />
Estar à espera ou procurar?”, como<br />
se canta algures.<br />
Depois, ao contrário <strong>de</strong> “Um Fim<strong>de</strong>-Semana<br />
no Pónei Dourado”,<br />
colecção <strong>de</strong> canções heterogénea<br />
(era esse, <strong>de</strong> resto, um dos seus<br />
encantos), “B Fachada” é um casulo<br />
musical tecido com cuidado<br />
extremo. Ouvem-se baladas para<br />
piano <strong>de</strong> textura clássica (“Só te falta<br />
seres mulher”) e ouvimo-lo pegar<br />
numa melodia <strong>de</strong> Vitorino, a <strong>de</strong><br />
“Queda do Império”, para a<br />
transformar numa outra coisa.<br />
“B Fachada” é absurdamente<br />
lúdico em “Estar à espera ou<br />
procurar” (coro lá atrás a bailar, beat<br />
yé-yé e um refrão que Variações<br />
adoraria cantar), é trágico e<br />
melancólico na imensa “O tempo<br />
para cantar” (o harmónio e a<br />
guitarra <strong>de</strong>senhando tons negros, a<br />
voz espantando a sombra <strong>de</strong> morte<br />
quando se multiplica e tudo ilumina<br />
ao sabor do arpeggio do piano).<br />
Resumindo: “B Fachada” é poesia<br />
popular erudita, é música popular<br />
<strong>de</strong> autor. Mais ainda: um gran<strong>de</strong>,<br />
gran<strong>de</strong> disco.<br />
A arte <strong>de</strong><br />
disparar<br />
para todos os<br />
lados<br />
No seu disco <strong>de</strong> estreia,<br />
Samuel Úria é Elvis, um<br />
reverendo negro, Variações,<br />
Vitorino, Nick Cave e Waits.<br />
E é sempre bom. João<br />
Bonifácio<br />
Samuel Úria<br />
Nem Lhe Tocava<br />
FlorCaveira; distri. iPlay<br />
mmmmn<br />
Por tudo o que<br />
Samuel Úria foi<br />
lançando ao longo<br />
<strong>de</strong> anos em edições<br />
obscuras, CD-Rs e<br />
compilações, por<br />
tudo o que se lhe foi vendo em ví<strong>de</strong>os<br />
no YouTube ou ao vivo, o seu disco<br />
oficial <strong>de</strong> estreia tornou-se uma das<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Samuel Úria: não é um disco <strong>de</strong> bala<strong>de</strong>iro, é disco <strong>de</strong> quem<br />
ouviu tudo e não quer ser encalacrado num canto<br />
peças mais aguardadas <strong>de</strong> 2009. Ele<br />
tem consciência disso – não é por<br />
acaso que começa “Nem Lhe Tocava”<br />
com uma longa faixa solitária à<br />
guitarra acústica em que anuncia que<br />
“se isto fosse fácil eu não o fazia”,<br />
enquanto a guitarra faz uma <strong>de</strong>scida<br />
perfeita, e <strong>de</strong>pois remata “se fosse<br />
difícil nem lhe tocava”. A faixa,<br />
homónima ao disco, é um epitáfio<br />
prévio: fala no privilégio <strong>de</strong> “ter um<br />
disco falhado”, ou <strong>de</strong> dar “alguns<br />
meios tons ao lado”, anunciando que<br />
“não há maior risco que ser<br />
antecipado”. E para acabar Úria<br />
<strong>de</strong>fine-se como um “beirão no<br />
Chiado” e prevê vir a “ser meia<br />
estrela em crise”. Admira-se a lata e a<br />
canção, sendo que até aqui isto é a<br />
essência do que conhecíamos a Úria:<br />
guitarrista <strong>de</strong> eleição, <strong>de</strong> voz<br />
colocada mas expressiva e senhor <strong>de</strong><br />
pena laminar. Mas daí para a frente<br />
ele empenha-se em <strong>de</strong>siludir quem<br />
esperava um disco <strong>de</strong> bala<strong>de</strong>iro,<br />
chegando mesmo a dizer “Não sou eu<br />
sou bala<strong>de</strong>iro” em “Fel”, um honkytonk<br />
à Hank Willliams, com solo <strong>de</strong><br />
duas notas, órgão Hammond e coros.<br />
Em “Não arrastes o meu caixão”<br />
transforma-se num Nick Cave do<br />
tango, na extraordinária “Teimoso”<br />
ensaia um falsete à Prince com<br />
catarro, enquanto anuncia “Eu nunca<br />
fui do prog-rock” por entre solos<br />
glam-soul e <strong>de</strong>lírios <strong>de</strong> órgão à<br />
Booker T. “No Cover” volta ao tango,<br />
com acor<strong>de</strong>ão e imitação <strong>de</strong> Vitorino,<br />
enquanto em “Lamentação” vai ao<br />
western, incluindo mesmo uma parte<br />
<strong>de</strong> sedução falada à Elvis. E ainda tem<br />
tempo para o gospel, na lindíssima e<br />
comovente “Império”. Não é um<br />
disco <strong>de</strong> bala<strong>de</strong>iro, é disco <strong>de</strong> quem<br />
ouviu tudo e não quer ser<br />
encalacrado num canto, preferindo<br />
disparar para todos os lados. E o<br />
melhor <strong>de</strong> tudo: acerta sempre.<br />
R <strong>de</strong><br />
reconstrução<br />
Depois <strong>de</strong> meses nas páginas<br />
dos jornais pelas piores<br />
razões, Rihanna reconstróise,<br />
como pessoa e cantora,<br />
num álbum <strong>de</strong> canções<br />
sombrias. Vítor Belanciano<br />
Rihanna<br />
Rated R<br />
Def Jam, distri. Universal<br />
mmmmn<br />
Rihanna: uma das cantoras mais estimulantes<br />
a operar no centro do mercado<br />
Na foto da capa aparece a tapar um<br />
dos olhos preparando-nos para o
que se segue. O<br />
quarto álbum <strong>de</strong><br />
Rihanna surge nove<br />
meses <strong>de</strong>pois do<br />
ex-namorado, o<br />
cantor Chris Brown,<br />
a ter agredido, provocando-lhe<br />
várias escoriações.<br />
O disco não se reporta<br />
especificamente a esses<br />
acontecimentos, mas não os ignora.<br />
Há separações e paixões <strong>de</strong>strutivas<br />
mas sem o sentimentalismo habitual<br />
nas cantoras do mesmo espectro.<br />
Não é surpreen<strong>de</strong>nte.<br />
Basta ouvir o anterior álbum,<br />
“Good Girl Gone Bad” (2007), para<br />
perceber que as canções <strong>de</strong> Rihanna<br />
abordam emoções complexas sem<br />
as reduzir a uma só dimensão ou à<br />
vulgar caricatura sexual. Do ponto<br />
<strong>de</strong> vista sónico esse disco constituía<br />
uma agradável surpresa, com<br />
algumas encenações digitalizadas a<br />
ficarem na história dos sucessos pop<br />
<strong>de</strong>sta década, como “Umbrella”, a<br />
canção on<strong>de</strong> Jay-Z, que a<br />
apadrinhou, também canta.<br />
Mas “Rated R” vai mais longe, em<br />
todos os sentidos. Dificilmente será<br />
disco para consensos. Parece<br />
ocupar, como “808s & HHea<br />
Hearbreak” earb rbreak”<br />
<strong>de</strong> Kanye West, um<br />
m<br />
lugar <strong>de</strong><br />
mudança,<br />
expresso por o<br />
uma<br />
sonorida<strong>de</strong><br />
suja e pel pelo elo<br />
Kurt Vile: um novo cantor<br />
da velha América<br />
O disco fi ca a milhas do espantoso e comovente<br />
“teatro” que é Tom Waits ao vivo<br />
<strong>de</strong>sconforto que percorre a maior or<br />
parte das canções.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> Beyoncé, que<br />
actua com uma banda constituída da<br />
por mulheres, Rihanna ro<strong>de</strong>ia-se e <strong>de</strong><br />
homens, entre compositores e<br />
produtores, como Justin Timberlake, lake,<br />
The-Dream, Ne-Yo, Will.I.Am ou os<br />
Chase & Status.<br />
Nada disto interessaria se a música úsica<br />
fosse uma <strong>de</strong>silusão, mas não é, com<br />
Rihanna – ironia? – movendo-se por<br />
entre elementos <strong>de</strong> linguagens<br />
conotadas com públicos masculinos, nos, próxima da morte que o original em<br />
no limite do machismo, como os<br />
disco; “Goin’Out West”, West” em<br />
solos <strong>de</strong> guitarra do rock mais ameaçadora. Dela diríamos que rockabilly <strong>de</strong>mencial; a lindíssima<br />
pesado (“Rockstar 101”), o balanço representa um ponto <strong>de</strong> encontro “Lucky Day”(ao piano);<br />
digital do dancehall jamaicano imaginário entre os Stooges, Nick “Metropolitan Gli<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>sconjunção<br />
(“Ru<strong>de</strong> boy”), as batidas do hip-hop Cave e os My Bloody Valentine. Mas milimétrica aplicada a um esqueleto<br />
mais gorduroso (“Hard“) ou os acrescentamos que Vile tê-la<br />
blues que <strong>de</strong>scamba em funk com<br />
ambientes turvos do dubstep inglês imaginado <strong>de</strong>sta forma é bem mais tétano. Mas apesar <strong>de</strong> tudo, o disco<br />
(“Wait your turn”).<br />
importante que o peso das<br />
fica a milhas daquele espantoso e<br />
É um álbum que a reafirma como referências. M.L.<br />
comovente espectáculo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção<br />
uma das cantoras mais estimulantes<br />
e morte. Deus guar<strong>de</strong> Tom Waits<br />
a operar no centro do mercado. Se<br />
Beyoncé se afirmou, nesta década,<br />
como a nova estrela planetária da<br />
pop, Rihanna surge como o espelho<br />
<strong>de</strong>formado da protectora. Alguém<br />
que, a cada disco, contribui para<br />
Tom Waits<br />
Glitter and Doom – Live<br />
Anti; distri. E<strong>de</strong>l<br />
mmmmn<br />
para muitas digressões mais. J. B.<br />
Wild Beasts<br />
Two Dancers<br />
Domino, distri. E<strong>de</strong>l<br />
transformar a música que vamos<br />
ouvindo nas tabelas dos mais<br />
Apesar da provecta<br />
ida<strong>de</strong>, epifanias só<br />
mmmmn<br />
vendidos.<br />
nos aconteceu uma O ano passado,<br />
vez nesta vida, em quando se<br />
A convulsão<br />
psicadélica<br />
psicadélica<br />
e Kurt Vile<br />
Julho do ano<br />
passado, no<br />
concerto <strong>de</strong> Tom Waits ao vivo em<br />
Milão. Porque <strong>de</strong> repente se tornou<br />
óbvio que aquilo era muito mais que<br />
um concerto: o palco, montado<br />
estrearam<br />
com<br />
Kurt Vile<br />
Childish Prodigy<br />
Matador; distri. Popstock<br />
mmmmn<br />
como “junkyard” surrealista, o jogo<br />
<strong>de</strong> luzes, as caras <strong>de</strong> Waits, tudo isto<br />
converteu a sala numa paisagem <strong>de</strong><br />
Americana ferrugenta, um teatro<br />
grotesco mas profundamente<br />
humano, em que Waits ora se<br />
transformava em monstro ora em<br />
vagabundo recolector da<br />
quinquilharia esquecida do reverso<br />
Wild Beasts: canções com menos rímel<br />
do que no primeiro disco<br />
A culpa das<br />
falhado dos EUA: era o teatro do<br />
piadinhas que ele<br />
pesa<strong>de</strong>lo americano servido por<br />
ouvirá é da família.<br />
uma máquina <strong>de</strong> trambolhões<br />
Kurt Vile chama-se musicais, mas americanos somos<br />
mesmo Kurt Kurt Vile e hoje todos e cair caímos todos. Por<br />
não há odor e<br />
isso as primeiras audições <strong>de</strong> “Glitter<br />
balanço <strong>de</strong> República <strong>de</strong> Weimar na and Doom”, o CD relativo à<br />
sua música. Tem uma banda, War digressão (que contém um segundo<br />
On Drugs, mas isso agora é passado.<br />
disco com as habituais histórias <strong>de</strong><br />
Des<strong>de</strong> que começou a editar a solo,<br />
Waits) foram uma <strong>de</strong>silusão: era<br />
em gravações caseiras on<strong>de</strong> ecos do como quem ouve a banda-sonora do<br />
blues se elevavam em nuvem sónica, seu filme preferido e se sente órfão<br />
percebeu-se que Vile andava perdido<br />
das imagens. Foi preciso <strong>de</strong>ixar o<br />
num grupo <strong>de</strong> nome tenebroso.<br />
concerto <strong>de</strong>saparecer da cabeça<br />
“Childish Prodigy”, a sua estreia para dar valor ao disco: centrado em<br />
pela Matador, que será apresentada<br />
toda a música manca que Waits<br />
em Portugal, na próxima semana, editou após “Swordfishtrombones”,<br />
em concertos no Porto Porto e em <strong>Lisboa</strong> <strong>Lisboa</strong> “Glitter and Doom” é uma<br />
[ver roteiro], revela um novo cantor<br />
impressionante viagem por quase-<br />
da velha América. Há na sua música polkas, valsas com os passos<br />
uma convulsão psicadélica<br />
trocados, funk com hematomas,<br />
constante (tanto “Barretteana”<br />
blues ferrugentos, vau<strong>de</strong>ville<br />
quanto “Valentineana”), um eco<br />
bêbado, R&B gótico, tudo feito com<br />
profundo que atira o blues acústico<br />
recurso a instrumentos cujo nome<br />
<strong>de</strong> “Heart attack” para território os seus próprios inventores<br />
misterioso, animista, e um turbilhão esqueceram. Há faixas<br />
que faz <strong>de</strong> “Hunchback”<br />
extraordinárias, como “Dirt in the<br />
perversida<strong>de</strong> rock’n’roll animada ground”, mais triste que nunca, <strong>de</strong><br />
por voz <strong>de</strong> pregador pregador e riffalhada<br />
uma contenção imensa, mais<br />
“Limbo, Panto”, os<br />
ingleses Wild Beasts<br />
expunham uma<br />
sonorida<strong>de</strong> rock<br />
barroca arrebatada,<br />
sublinhada pelo<br />
falsete do vocalista Hay<strong>de</strong>n Thorpe.<br />
Um ano <strong>de</strong>pois não se po<strong>de</strong> dizer<br />
que tenham mudado radicalmente,<br />
mas há transformações, e para<br />
muito melhor. Vocalmente há<br />
modificações: os meneios vocais <strong>de</strong><br />
Thorpe são menos teatrais e, em<br />
alguns temas, é mesmo o baixista<br />
Tom Fleming quem assume a<br />
li<strong>de</strong>rança vocal. Sonicamente<br />
também estão diferentes. As canções<br />
per<strong>de</strong>ram o rímel do primeiro disco,<br />
apresentando-se mais fluidas,<br />
organizadas e directas. E o resultado<br />
é um dos álbuns mais consistentes<br />
<strong>de</strong>ste final <strong>de</strong> ano no campo poprock.<br />
As guitarras têm algo <strong>de</strong><br />
Talking Heads e Orange Juice, o<br />
balanço rítmico evoca o funk que<br />
também era rock do pós-punk e a<br />
voz <strong>de</strong> Thorpe tem qualquer coisa<br />
<strong>de</strong> Billy Mackenzie dos Associates.<br />
Mas mesmo colando todos estes<br />
pedaços nunca ace<strong>de</strong>remos<br />
inteiramente a canções como<br />
“Hooting & howling”,<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 49
50 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Discos<br />
“All the king’s men”, “This is our<br />
lot” ou “Two dancers II”. Há<br />
qualquer coisa <strong>de</strong> ambíguo, <strong>de</strong> não<br />
resolvido por aqui, talvez uma<br />
combinação improvável <strong>de</strong> alteza e<br />
vulnerabilida<strong>de</strong>, que transforma a<br />
audição <strong>de</strong> “Two Dancers” numa<br />
fascinante <strong>de</strong>scoberta. V.B.<br />
Robbie Williams<br />
Reality Killed The Ví<strong>de</strong>o Star<br />
EMI<br />
mnnnn<br />
O gran<strong>de</strong> tesouro da<br />
obra da Robbie<br />
Williams é Robbie<br />
Williams: gostandose<br />
das suas canções<br />
ou tendo-se a<br />
mínima sensatez <strong>de</strong> não as suportar,<br />
admira-se o seu jeito raro para<br />
“<strong>de</strong>sfraldar a frau<strong>de</strong>”. Isto é:<br />
Williams está sempre a dizer “Eu sou<br />
uma frau<strong>de</strong>” e ao dizê-lo <strong>de</strong>ixamos<br />
<strong>de</strong> o ver como a frau<strong>de</strong> que<br />
musicalmente é para o apreciarmos<br />
como um “showman” que a sabe<br />
toda. Na prática isto permitiu-lhe<br />
fazer-nos rir sempre com o seu<br />
ridículo (pessoal ou <strong>de</strong> persona), ao<br />
mesmo tempo que esquecíamos o<br />
ridículo da sua música. Agora,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uns tropeções comerciais,<br />
Williams quer voltar a <strong>de</strong>monstrar<br />
que manda no jogo da pop<br />
camaleónica, o que se nota logo à<br />
partida no título, “Reality Killed The<br />
Ví<strong>de</strong>o Star”: é como se, novamente,<br />
admitisse que nunca passou <strong>de</strong><br />
estrela <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o (e não <strong>de</strong> música) e<br />
que entretanto a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubou<br />
essa falsa carapaça do estrelato. É<br />
também uma piada a Trevor Horn, o<br />
ex-Buggles que lhe produz o disco e<br />
tenta todo o tipo <strong>de</strong> truques para<br />
tornar estas canções orelhudas.<br />
Enche “Morning Sun”, uma<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Joana<br />
Carneiro põe<br />
a dançar a<br />
Orquestra<br />
Gulbenkian,<br />
que parece<br />
estar a tocar<br />
música que<br />
lhe assenta<br />
às mil<br />
maravilhas<br />
baladucha ao piano, <strong>de</strong> cordas<br />
grandiosas e na segunda parte da<br />
canção coloca uma viragem<br />
Beatlesca; as cordas voltam a<br />
aparecer em “Bodies”, que começa<br />
como electro-bosta para se tornar<br />
em bosta empolada; e no rock <strong>de</strong><br />
“Do you mind” lá estão elas <strong>de</strong> novo,<br />
as cordas grandiosas, indiscreto<br />
elefante numa loja <strong>de</strong> fancaria para<br />
novos-ricos. Canção a canção os<br />
truques acabam por parecer o que<br />
são: truques, maquilhagem que<br />
disfarça a acne mas não trata a pele.<br />
E Williams soa a um Elton John com<br />
vergonha <strong>de</strong> ser parolo, um Mika a<br />
esforçar-se por ter dignida<strong>de</strong>. Uma<br />
frau<strong>de</strong>, portanto. J. B.<br />
Clássica<br />
No tempo<br />
certo<br />
Não se trata <strong>de</strong> “actualizar”<br />
Tchaikovsky à força - é algo<br />
<strong>de</strong> mais exigente: <strong>de</strong>scobrir<br />
nas qualida<strong>de</strong>s da própria<br />
música as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> a<br />
tornar actual. Pedro Boléo<br />
Joana Carneiro<br />
Orquestra Gulbenkian<br />
Tchaikovsky<br />
Romeu e Julieta Abertura-Fantasia<br />
em si menor<br />
Robbie Williams: os truques acabam por parecer o que são, truques<br />
O Lago dos Cisnes Suite, op. 20a<br />
O Quebra-Nozes Suite, op. 71a<br />
mmmmn<br />
O primeiro disco <strong>de</strong><br />
Joana Carneiro é<br />
uma surpresa. Em<br />
primeiro lugar<br />
porque é um disco<br />
<strong>de</strong>dicado<br />
inteiramente a Tchaikovsky, num<br />
momento em que ela anda a dirigir e<br />
a programar muita música<br />
contemporânea na Sinfónica <strong>de</strong><br />
Berkeley. Mas há neste disco uma<br />
sensibilida<strong>de</strong> contemporânea na<br />
forma <strong>de</strong> abordar estas peças arquifamosas<br />
<strong>de</strong> Tchaikovsky. Joana<br />
conhece bem os bailados <strong>de</strong><br />
Stravinsky, e quando volta a<br />
Tchaikovsky já não esquece o legado<br />
mo<strong>de</strong>rnista. Depois da experiência<br />
na Filarmónica <strong>de</strong> Los Angeles com<br />
o maestro finlandês Esa-Pekka<br />
Salonen, parece ter um à-vonta<strong>de</strong><br />
enorme com qualquer música.<br />
A segunda surpresa é que uma<br />
maestrina <strong>de</strong> 33 anos consegue fazer<br />
<strong>de</strong> repertório bem conhecido uma<br />
interpretação <strong>de</strong> uma maturida<strong>de</strong> e<br />
profundida<strong>de</strong> invulgares. Em<br />
“Romeu e Julieta” (Abertura-<br />
Fantasia), consegue tecer todo o<br />
drama shakespeariano (numa visão<br />
romântica, é claro) com opções<br />
simples. É isso que este disco tem <strong>de</strong><br />
especial. A novida<strong>de</strong> da visão <strong>de</strong><br />
Tchaikovksy não está no aspecto<br />
exterior mais superficial, nem em<br />
gran<strong>de</strong>s alaridos vazios, nem em<br />
acrescentar sentimentalismo ao<br />
compositor russo. Joana Carneiro<br />
procura <strong>de</strong>ntro da música, <strong>de</strong>ntro<br />
das melodias conhecidas, não com<br />
mais espalhafatos, mas faz um<br />
intenso trabalho no interior do som.<br />
Extraordinária noção dos tempos e<br />
das respirações, sempre<br />
espantosamente correctos, elevada<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ligar as vozes e tornálas<br />
claras, articulações precisas e<br />
eloquentes, um trabalho rigoroso<br />
sobre a “espacialida<strong>de</strong>” (<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem<br />
o som, coisa que um disco permite<br />
trabalhar em <strong>de</strong>talhe). Percorre o<br />
disco uma energia contagiante e uma<br />
viva noção da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pôr em<br />
evidência os contrastes da música do<br />
compositor russo (em especial nos<br />
nove números da suite <strong>de</strong> O Lago dos<br />
Cisnes). E a dança, é claro.<br />
Joana Carneiro põe a dançar a<br />
Orquestra Gulbenkian, que parece<br />
estar a tocar música que lhe assenta<br />
às mil maravilhas. Cada instrumento<br />
solista brilha nesta gravação (vejamse<br />
por exemplo os belos solos das<br />
cordas em “Pas D’action” <strong>de</strong> “O Lago<br />
dos Cisnes”), e suspeito que não é só
pela gran<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> dos músicos<br />
da Gulbenkian, mas porque Joana<br />
Carneiro trouxe uma visão fresca e<br />
rigorosamente estudada <strong>de</strong>stas peças<br />
<strong>de</strong> Tchaikovsky e as soube passar à<br />
orquestra.<br />
Um disco <strong>de</strong>stes é também uma<br />
tentativa comercial (em tempo <strong>de</strong><br />
dúvidas e dificulda<strong>de</strong>s para o formato<br />
CD) que não é disparatada. Música<br />
conhecida, é certo, mas com uma<br />
jovem maestrina <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> talento e<br />
i<strong>de</strong>ias fortes, capaz <strong>de</strong> fazer ouvir<br />
coisas novas em obras antigas. Quem<br />
ouvir este disco não <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> se<br />
espantar com o que ainda não sabia<br />
<strong>de</strong> Tchaikovsky, cujo “melos” não<br />
tem <strong>de</strong> ser “meloso”. O brilho <strong>de</strong> uma<br />
música com século e meio tem <strong>de</strong> ser<br />
reavivado por gente como Joana<br />
Carneiro, que lhe tira o pó e <strong>de</strong>scobre<br />
o que está vivo na música doutros<br />
tempos. Não se trata <strong>de</strong> “actualizar”<br />
Tchaikovsky à força - é algo <strong>de</strong> mais<br />
simples e mais exigente: <strong>de</strong>scobrir<br />
nas qualida<strong>de</strong>s da própria música as<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> a tornar actual. O<br />
amor e as danças <strong>de</strong> Tchaikovsky têm<br />
ainda essas possibilida<strong>de</strong>s. Como se<br />
vê neste disco, no tempo certo.<br />
Jazz<br />
A jazzar nos<br />
cartoons<br />
O veterano contrabaixista<br />
<strong>de</strong>sconstrói temas clássicos<br />
<strong>de</strong> séries para os mais novos.<br />
Nuno Catarino<br />
Zé Eduardo Unit<br />
Live In Capuchos<br />
Clean Feed / distr. Trem Azul<br />
mmmmn<br />
O contrabaixista Zé Eduardo teve<br />
Espaço<br />
Público<br />
papel inigualável<br />
na pedagogia e<br />
divulgação do jazz<br />
em Portugal.<br />
Fundador da<br />
escola <strong>de</strong> jazz do<br />
Hot Clube, esteve presente em<br />
diversos momentos-chave do jazz<br />
português, como o primeiro disco<br />
<strong>de</strong> jazz editado em Portugal<br />
(“Malpertuis”, <strong>de</strong> Rão Kyao, em<br />
1976) ou passagens pelas primeiras<br />
edições do Cascais Jazz. No entanto,<br />
a esparsa discografia não reflecte a<br />
sua verda<strong>de</strong>ira relevância como<br />
contrabaixista e compositor. Nos<br />
últimos anos, tem tentado<br />
compensar este facto editando os<br />
seus projectos mais recentes,<br />
nomeadamente o trio Unit – com os<br />
álbuns “A Jazzar no <strong>Cinema</strong><br />
Português” (2002) e “A Jazzar no<br />
Zeca” (2004) – e um quarteto coli<strong>de</strong>rado<br />
com o americano Jack<br />
Walrath (“Bad Guys”, 2005). Neste<br />
novo disco gravado ao vivo no<br />
Convento dos Capuchos, em<br />
Almada, o trio <strong>de</strong> Zé Eduardo<br />
transforma temas bem conhecidos<br />
(particularmente os genéricos <strong>de</strong><br />
“cartoons”) em originais versões<br />
jazz. Desengane-se quem espere<br />
encontrar simples “covers” ou<br />
interpretações lineares das<br />
melodias. A virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta música<br />
está no metódico trabalho <strong>de</strong><br />
arranjos, que subverte e transforma<br />
cada composição numa música<br />
nova. Temas como “Abelha Maia”,<br />
“Dartacão” ou “Noddy” (curiosas<br />
escolhas) são alguns dos temas em<br />
causa, mas Zé Eduardo vai adiando<br />
ao ouvinte o prazer <strong>de</strong> reconhecer<br />
as melodias, que apenas surgem a<br />
espaços, fruto <strong>de</strong> complexo<br />
processo <strong>de</strong> reinvenção.<br />
Além <strong>de</strong>stas, o trio adultera<br />
também composições mais “sérias”,<br />
como o revolucionário “Grândola”<br />
ou a emotiva “Balada da Rita”<br />
(Sérgio Godinho). Jesus Santandreu<br />
(saxofone) e Bruno Pedroso (bateria)<br />
“In the Gar<strong>de</strong>ns of the<br />
North”, dos Sleeping<br />
States, é um livro <strong>de</strong> cariz<br />
fi losófi co adaptado para<br />
ro<strong>de</strong>la sonora, capaz<br />
<strong>de</strong> tocar a alma com<br />
a sensibilida<strong>de</strong><br />
literária <strong>de</strong><br />
tempos antigos<br />
e <strong>de</strong> arrastar,<br />
cada um dos<br />
cinco sentidos,<br />
para o lado físico<br />
e natural da<br />
A Zé Eduardo Unit transforma genéricos<br />
<strong>de</strong> “cartoons” em originais versões jazz<br />
são óptimos parceiros para o<br />
contrabaixista, conseguindo um<br />
bom envolvimento, perfeitos a<br />
respon<strong>de</strong>r aos tempos específicos<br />
<strong>de</strong> cada tema. O trio <strong>de</strong> Zé Eduardo<br />
<strong>de</strong>senvolve uma música<br />
música. Algo que não será<br />
<strong>de</strong> estranhar numa<br />
banda que diz ter,<br />
como inspirações,<br />
nomes como W.G.<br />
Sebald e Franz<br />
Kafka. Arriscaria<br />
dizer que se trata<br />
<strong>de</strong> uma viagem<br />
individual<br />
através <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>serto imenso,<br />
na busca <strong>de</strong><br />
uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
eminentemente angulosa, mas<br />
capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressa estabelecer uma<br />
relação <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> com o<br />
ouvinte, e possuindo ainda um raro<br />
– e muito apreciável - sentido <strong>de</strong><br />
humor.<br />
que nos faça habitantes<br />
<strong>de</strong> corpo inteiro <strong>de</strong>ste<br />
planeta. Não uma viagem<br />
turística com indicação<br />
roteiresca <strong>de</strong> locais a<br />
não per<strong>de</strong>r, antes um<br />
mergulho na natureza<br />
em jeito <strong>de</strong> introspecção<br />
e <strong>de</strong>scoberta. 8.5 jardins<br />
(em 10) cobertos <strong>de</strong> fl ores.<br />
Pedro Miguel Silva,<br />
Técnico <strong>de</strong> Comunicação,<br />
35 anos, Blog: http://fuscolusco.blogspot.com<br />
Jazz,<br />
flamenco<br />
& cia.<br />
Perico Sambeat<br />
Flamenco Big Band<br />
Verve / Universal<br />
mmmnn<br />
Quando se<br />
pensa em<br />
combinar música<br />
espanhola com<br />
jazz versão “big<br />
band” é<br />
inevitável a referência ao clássico<br />
“Sketches of Spain” <strong>de</strong> Miles Davis.<br />
Essa fusão, fruto da brilhante<br />
orquestração <strong>de</strong> Gil Evans, é<br />
intemporal. O saxofonista espanhol<br />
Perico Sambeat arriscou neste<br />
novo disco experiência semelhante.<br />
Ao tentar fazer a ponte entre o<br />
flamenco e o jazz, assumiu o leme<br />
<strong>de</strong> um barco <strong>de</strong> difícil nevegação. Os<br />
pontos em comum entre os<br />
géneros são poucos e à partida a<br />
tarefa não seria fácil. Além do<br />
saxofone alto (do qual é um<br />
excelente executante),<br />
Perico Sambeat assume neste<br />
projecto a direcção e orquestrações.<br />
A base sonora é jazzística,<br />
um tecido instrumental aberto<br />
que funciona como base maleável<br />
sobre a qual se juntam vozes e<br />
guitarras. Apesar do esforço<br />
<strong>de</strong> colagem, há uma evi<strong>de</strong>nte<br />
separação entre os estilos, que<br />
efectivamente não se fun<strong>de</strong>m<br />
mas co-existem em<br />
paralelo – e em harmonia.<br />
Ainda que esteja longe<br />
<strong>de</strong> um Gil Evans, esta música é<br />
dinâmica e tem uma efusiva<br />
vivacida<strong>de</strong>. Destaque-se ainda a<br />
participação do pianista<br />
português Bernardo Sassetti entre<br />
os músicos convidados<br />
do projecto. N.C.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 51
REUTERS/CORBIS<br />
Livros<br />
52 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Biografia<br />
Um enigma<br />
chamado<br />
Hitler<br />
O principal mérito da obra<br />
<strong>de</strong> Kershaw resi<strong>de</strong> numa<br />
série <strong>de</strong> interpretações<br />
sugestivas para as gran<strong>de</strong>s<br />
perplexida<strong>de</strong>s suscitadas<br />
por Hitler e o III Reich.<br />
Pedro Aires Oliveira<br />
Hitler. Uma biografia<br />
Ian Kershaw<br />
Dom Quixote<br />
mmmmn<br />
Em meados da<br />
década <strong>de</strong> 90, o<br />
historiador John<br />
Lukacs estimou<br />
em mais <strong>de</strong> 100 as<br />
biografias<br />
<strong>de</strong>dicadas a Hitler<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fim da<br />
II Guerra<br />
Mundial, algo<br />
que acabaria<br />
mesmo por<br />
motivá-lo a<br />
escrever um<br />
ensaio<br />
inteiramente<br />
consagrado a<br />
esse filão<br />
historiográfico<br />
(“O Hitler da<br />
História”,<br />
1997).<br />
Mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />
anos volvidos,<br />
o ensaio <strong>de</strong><br />
Lukacs bem<br />
A monumental biografi a <strong>de</strong> Ian Kershaw procura<br />
esclarecer como foi possível a um <strong>de</strong>magogo <strong>de</strong> cervejaria ascen<strong>de</strong>r<br />
à li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> um dos estados mais sofi sticados da Europa<br />
merecia uma a<strong>de</strong>nda, <strong>de</strong> tal forma<br />
notável tem sido o crescimento dos<br />
estudos biográficos centrados no<br />
ditador alemão ou em aspectos das<br />
suas políticas, assim como as<br />
polémicas suscitadas por algumas<br />
<strong>de</strong>ssas obras, <strong>de</strong>ntro e fora da<br />
aca<strong>de</strong>mia (é o caso dos recentes<br />
processos judiciais que envolveram<br />
o historiador revisionista britânico<br />
David Irving, ou das teses <strong>de</strong> Daniel<br />
J. Goldhagen sobre o Holocausto e a<br />
responsabilida<strong>de</strong> colectiva dos<br />
alemães).<br />
Na última década, todavia, a obra<br />
que maior notorieda<strong>de</strong> alcançou,<br />
tanto junto do público como da<br />
crítica especializada, foi,<br />
indiscutivelmente, a biografia em<br />
dois volumes assinada pelo<br />
historiador britânico Ian Kershaw:<br />
“Hitler, 1889-1936: Hubris” (1998) e<br />
“Hitler, 1936-2000: Nemesis”<br />
(2000). Pelo seu fôlego<br />
interpretativo e impecável erudição,<br />
os dois volumes originais foram<br />
quase universalmente aclamados<br />
como a biografia <strong>de</strong> referência <strong>de</strong><br />
Hitler, estatuto que até então nunca<br />
havia sido reconhecido às obras <strong>de</strong><br />
outros autores conceituados, como<br />
Alan Bullock, John Toland ou<br />
Joachim Fest. É a versão con<strong>de</strong>nsada<br />
<strong>de</strong>sses dois volumes que agora chega<br />
até nós, sob a chancela da Dom<br />
Quixote/Leya.<br />
Num terreno tão esquadrinhado<br />
como a história do Nacional-<br />
Socialismo, dificilmente se<br />
esperariam revelações sensacionais<br />
sobre a figura <strong>de</strong> Hitler. É verda<strong>de</strong><br />
que nos últimos anos alguma<br />
documentação inédita (os<br />
apontamentos <strong>de</strong> Himmler ou os<br />
diários completos <strong>de</strong> Goebbels, por<br />
exemplo) tem ajudado os<br />
historiadores a suprir lacunas, mas<br />
não é por aí que a biografia <strong>de</strong><br />
Kershaw justifica os elogios <strong>de</strong> que<br />
foi alvo. O seu principal mérito<br />
resi<strong>de</strong> na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecer<br />
uma série <strong>de</strong> interpretações<br />
sugestivas para as gran<strong>de</strong>s<br />
perplexida<strong>de</strong>s<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
suscitadas por Hitler e o III Reich.<br />
Como foi possível a um <strong>de</strong>magogo<br />
<strong>de</strong> cervejaria ascen<strong>de</strong>r à li<strong>de</strong>rança<br />
<strong>de</strong> um dos estados mais sofisticados<br />
da Europa? Como é que a socieda<strong>de</strong><br />
alemã se <strong>de</strong>ixou hipnotizar pela sua<br />
i<strong>de</strong>ologia e o seguiu fanaticamente<br />
até ao abismo? Porque foram tão<br />
débeis as tentativas <strong>de</strong> resistência ao<br />
seu projecto quando este ainda não<br />
se encontrava consolidado?<br />
Um dos aspectos mais<br />
conseguidos da abordagem <strong>de</strong><br />
Kershaw pren<strong>de</strong>-se com o seu<br />
cuidado em nunca per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a<br />
relação instável entre as<br />
possibilida<strong>de</strong>s das acções dos<br />
indivíduos, por um lado, e os limites<br />
impostos por forças mais impessoais<br />
(aquilo que no jargão das ciências<br />
sociais é conhecido como o binómio<br />
“agência/estrutura”), por outro.<br />
Como o autor escreveu na<br />
introdução ao primeiro volume da<br />
edição inglesa, a carreira <strong>de</strong> Hitler<br />
parece ilustrar <strong>de</strong> forma exemplar a<br />
famosa sentença <strong>de</strong> Marx, segundo a<br />
qual os homens fazem a sua própria<br />
história, mas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certas<br />
condições.<br />
É essa perspectiva que lhe permite<br />
superar a dicotomia enganadora<br />
sugerida pela querela entre<br />
“intencionalistas” (para quem a<br />
história do nazismo po<strong>de</strong>ria ser<br />
escrita como a execução das<br />
intenções i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong> Hitler) e<br />
“funcionalistas” (que vêem Hitler<br />
como um “ditador fraco”, porque<br />
manietado pelo “funcionamento” <strong>de</strong><br />
um caótico sistema <strong>de</strong> governo). Em<br />
alternativa, Kershaw propõe uma<br />
síntese em que as responsabilida<strong>de</strong>s<br />
pessoais <strong>de</strong> Hitler na governação do<br />
regime e na formulação e<br />
implementação das suas políticas<br />
estão bem <strong>de</strong>limitadas, sem que isso<br />
apague a importância das dinâmicas<br />
geradas pelas estruturas do po<strong>de</strong>r<br />
nacional-socialista.<br />
Segundo Kershaw, é altamente<br />
improvável que sem Hitler a história<br />
da Alemanha levasse a direcção que<br />
levou após 1933: nenhum dos seus<br />
sequazes reunia os atributos que lhe<br />
permitiram assumir a li<strong>de</strong>rança<br />
incontestada do movimento<br />
nacional-socialista, e, num segundo<br />
momento, capturar as alavancas do<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Estado. Kershaw recorre ao<br />
sociólogo Max Weber e ao seu<br />
conceito <strong>de</strong> “autorida<strong>de</strong><br />
carismática” para explicar os laços<br />
<strong>de</strong> natureza quase mística que Hitler<br />
forjou com os alemães. Tendo feito a<br />
sua aparição numa conjuntura<br />
especialmente dramática da história<br />
germânica, Hitler foi capaz <strong>de</strong><br />
articular uma visão que respondia a<br />
anseios e expectativas <strong>de</strong> amplos<br />
segmentos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o<br />
culto <strong>de</strong> figuras “heróicas” estava há<br />
muito enraizado.<br />
As componentes essenciais da<br />
Weltanschauung (cosmovisão)<br />
hitleriana eram a “remoção” dos<br />
ju<strong>de</strong>us da comunida<strong>de</strong> nacional, um<br />
anti-comunismo virulento, a procura<br />
<strong>de</strong> um “espaço-vital” para a nação<br />
alemã, e a explicação do <strong>de</strong>vir<br />
histórico a partir da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
confronto racial. Para reencontrar a<br />
sua coesão, a nação alemã teria <strong>de</strong><br />
expulsar os elementos “impuros” e<br />
“malignos”; a partir <strong>de</strong> então, o<br />
caminho para a re<strong>de</strong>nção estaria<br />
aberto. O facto <strong>de</strong> Hitler ter sempre<br />
mantido um certo grau <strong>de</strong><br />
imprecisão acerca <strong>de</strong>stas noções (e<br />
das suas implicações directas) não é<br />
suficiente para exonerar os alemães<br />
que colaboraram com o regime das<br />
suas responsabilida<strong>de</strong>s morais - o<br />
extermínio em massa dos ju<strong>de</strong>us<br />
po<strong>de</strong>rá apenas ter sido<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado após 1941, mas as<br />
manifestações públicas <strong>de</strong> antisemitismo<br />
adquiriram contornos<br />
selváticos logo após a chegada <strong>de</strong><br />
Hitler ao po<strong>de</strong>r. Como observou um<br />
dia a escritora Christa Wolf,<br />
qualquer alemão que quisesse<br />
inteirar-se sobre a barbarida<strong>de</strong> do<br />
regime nacional-socialista teria<br />
apenas <strong>de</strong> ler os jornais.<br />
Na verda<strong>de</strong>, a biografia <strong>de</strong><br />
Kershaw <strong>de</strong>monstra como seria<br />
ilusório reduzir o nazismo ao<br />
hitlerismo. A dominação <strong>de</strong> Hitler<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>u da propensão dos<br />
alemães para lhe reconhecerem<br />
qualida<strong>de</strong>s heróicas, se<br />
i<strong>de</strong>ntificarem com o seu projecto<br />
re<strong>de</strong>ntor e renunciarem à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
qualquer espécie <strong>de</strong> limitação legal<br />
ou institucional ao po<strong>de</strong>r do Führer.<br />
No seu estilo distante, Hitler presidia<br />
a um regime em que a anarquia<br />
burocrática era a lei. As mesmas<br />
tarefas estavam muitas vezes<br />
adjudicadas a <strong>de</strong>partamentos<br />
distintos, o que favorecia uma<br />
competição <strong>de</strong>senfreada para ver<br />
quem melhor conseguia cumprir a<br />
“visão do Führer”. Daqui resultaram<br />
certas iniciativas que, inspiradas ou<br />
sugeridas por Hitler, pareciam<br />
<strong>de</strong>pois adquirir uma dinâmica<br />
própria, como foi o caso do célebre<br />
programa <strong>de</strong> eutanásia massiva<br />
posto em marcha em 1939.<br />
“Trabalhar em prol do Führer”, um<br />
conceito articulado pelo secretário<br />
do Ministério da Agricultura do<br />
governo da Prússia em 1934, tornase<br />
assim crucial para perceber a<br />
“radicalização cumulativa” <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminados aspectos do III Reich,<br />
nomeadamente aqueles que diziam<br />
respeito às políticas raciais,<br />
incluindo as que <strong>de</strong>sembocaram na<br />
“Solução Final”.<br />
Um objecto <strong>de</strong> estudo como este<br />
coloca sérios <strong>de</strong>safios ao historiador<br />
que, privilegiando a compreensão<br />
sobre o julgamento, não quer<br />
todavia contribuir para relativizar as<br />
acções <strong>de</strong> alguém como Hitler. Com<br />
notável equilíbrio, Kershaw<br />
encontrou um registo que combina<br />
isenção, subtileza e pon<strong>de</strong>ração – e<br />
até mesmo um esforço mínimo <strong>de</strong><br />
empatia – com uma ênfase<br />
persistente nas consequências<br />
criminosas do seu projecto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
Embora a opção da editora
PEDRO VILELA<br />
portuguesa pela versão abreviada da<br />
obra <strong>de</strong> Kershaw seja compreensível<br />
– a exiguida<strong>de</strong> do mercado<br />
português dificilmente compensaria<br />
o investimento exigido pela tradução<br />
<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2000 páginas –, ela privanos<br />
infelizmente <strong>de</strong> todo o trabalho<br />
<strong>de</strong> contextualização que a edição<br />
original oferece. Ainda assim, o<br />
leitor tem aqui uma excelente<br />
introdução a uma personagem que,<br />
ao que tudo indica, continuará a<br />
interpelar a nossa consciência por<br />
muito tempo ainda.<br />
Ficção<br />
A cintilação<br />
do azul<br />
Um dos textos curtos mais<br />
emblemáticos da literatura<br />
europeia do século passado,<br />
<strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong><br />
e encantamento<br />
<strong>de</strong>sconcertantes.<br />
José Riço Direitinho<br />
A Ilha<br />
Giani Stuparich<br />
(Trad. Margarida Periquito)<br />
Ahab Edições<br />
mmmmm<br />
Poucas cida<strong>de</strong>s<br />
terão sido tão<br />
marcantes na<br />
literatura<br />
europeia do<br />
século XX como<br />
Trieste, que até à<br />
queda do império<br />
austro-húngaro<br />
foi o único porto<br />
<strong>de</strong> mar dos Habsburgos. Apesar <strong>de</strong><br />
toda a influência imperial – tendo o<br />
alemão como língua oficial –, a<br />
cida<strong>de</strong> manteve sempre laços<br />
culturais e linguísticos com Itália<br />
(eslovenos e croatas tinham também<br />
uma presença significativa<br />
Giani Stuparich é uma<br />
das fi guras <strong>de</strong> referência<br />
da literatura <strong>de</strong> Trieste,<br />
fronteira simbólica<br />
entre o Mediterrâneo<br />
e a “Mitteleuropa”<br />
Ciclo<br />
O cantor e compositor<br />
Caetano Veloso e o<br />
poeta e fi lósofo Antonio<br />
Cicero estarão hoje, às<br />
18h30, na Casa Fernando<br />
Pessoa, em <strong>Lisboa</strong>, a falar<br />
sobre a importância da<br />
na região). Italo Svevo e Umberto<br />
Saba são dois dos nomes maiores do<br />
que ficou conhecido como<br />
“literatura triestina”, que teve ainda<br />
ligações a Joyce, Rilke e Kafka. Ainda<br />
hoje, Trieste marca uma fronteira<br />
literária com a “Mitteleuropa”,<br />
tendo em Claudio Magris – um dos<br />
gran<strong>de</strong>s autores contemporâneos – o<br />
seu maior representante.<br />
No começo do século passado,<br />
lutando contra um certo espírito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sintegração social e cultural, um<br />
grupo <strong>de</strong> jovens triestinos alimentou<br />
o sonho <strong>de</strong> transformar a cida<strong>de</strong><br />
num ponto <strong>de</strong> ligação entre as<br />
civilização do Mediterrâneo e da<br />
Europa Central, unificando-a<br />
culturalmente. Mas com a chegada<br />
da I Guerra Mundial, alguns <strong>de</strong>sses<br />
intelectuais brilhantes, como Scipio<br />
Slataper, Enrico Mreule e Carlo<br />
Michelstaedter, sucumbiram<br />
durante o conflito. Um dos que<br />
tiveram a difícil tarefa <strong>de</strong> carregar (e<br />
prosseguir) a herança <strong>de</strong>ixada foi<br />
Giani Stuparich (1891-1961), que veio<br />
a tornar-se um ponto <strong>de</strong> referência<br />
ético e cultural. As gran<strong>de</strong>s obras <strong>de</strong><br />
Stuparich inscrevem-se, mais do que<br />
na literatura ficcional, na<br />
memorialística, fundindo inspiração<br />
moral com criativida<strong>de</strong>; nas palavras<br />
<strong>de</strong> Claudio Magris, “Guerra <strong>de</strong>l ’15” é<br />
“um dos mais sublimes testemunhos<br />
europeus <strong>de</strong>ssa [Primeira] Gran<strong>de</strong><br />
Guerra”. Mas Giani Stuparich ficou<br />
sobretudo conhecido pela autoria <strong>de</strong><br />
uma pequena obra-prima, a novela<br />
(ou conto longo) “A Ilha”, publicada<br />
originalmente em 1942 pelo lendário<br />
editor italiano Giulio Einaudi – e<br />
agora editada pela primeira vez em<br />
Portugal numa excelente tradução<br />
<strong>de</strong> Margarida Periquito.<br />
Em “A Ilha”, Stuparich narra-nos<br />
a história <strong>de</strong> um homem muito<br />
doente que pe<strong>de</strong> ao filho para<br />
<strong>de</strong>ixar, por quinze dias, o seu lugar<br />
nas montanhas on<strong>de</strong> vive para que<br />
o acompanhe numa viagem,<br />
provavelmente a última, à ilha<br />
adriática on<strong>de</strong> nasceu. Será uma<br />
<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira peregrinação. A<br />
meditação sobre a morte, que é<br />
uma essência da literatura triestina<br />
<strong>de</strong>sses anos – note-se o recorrente<br />
tema da “doença” e do mal-estar<br />
existencial em Italo Svevo –, é nesta<br />
novela transformada num<br />
sentimento vital, essencial e<br />
positivo, sem aquela tensão maligna<br />
que sublinha e entroniza o seu<br />
lado obscuro. Há ao longo <strong>de</strong><br />
toda a história como que um<br />
movimento em que, se por um<br />
lado a vida vai fugindo, por<br />
outro é como se fosse<br />
caminhando para uma<br />
qualquer plenitu<strong>de</strong><br />
necessária. A ilha, que funciona<br />
ao mesmo tempo como realida<strong>de</strong><br />
e metáfora (que se vai construindo<br />
página a página) – conforme nota<br />
Elvio Guagnini no posfácio –, é um<br />
cenário para a melancolia e para a<br />
esperança das personagens. Mas<br />
um cenário que o autor transforma<br />
“Mensagem” <strong>de</strong> Fernando<br />
Pessoa no movimento<br />
tropicalista. Esta é a<br />
conferência inaugural do<br />
Ciclo Livres Pensadores.<br />
várias vezes, consoante lhe é<br />
necessário, para ilustrar os vários<br />
estados <strong>de</strong> espírito pelos quais os<br />
protagonistas vão passando: “A<br />
sóbria vegetação ao longo das<br />
costas rochosas e os alvos povoados<br />
à flor da água davam um quê <strong>de</strong><br />
frescura e <strong>de</strong> encantamento àquela<br />
terra que emergia do mar.” Ou<br />
então: “A ilha pareceu-lhe<br />
abandonada no meio <strong>de</strong> uma<br />
vastidão intransponível. Teve pela<br />
primeira vez a sensação estranha e<br />
angustiante <strong>de</strong> se encontrar numa<br />
solidão isolada <strong>de</strong> todo o convívio<br />
humano.”<br />
São vários os aspectos que<br />
fascinam o leitor <strong>de</strong>ste texto curto (e<br />
que talvez tenham levado Enrique<br />
Vila-Matas, num texto recente<br />
publicado no jornal “El País”, a<br />
escrever que este “é um livro<br />
perfeito, uma obra-prima”): a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese poética <strong>de</strong><br />
Stuparich para nos dar a conhecer<br />
os estranhos, e por vezes<br />
contraditórios, sentimentos que<br />
atravessam a mente dos dois<br />
protagonistas; a serenida<strong>de</strong> que vai<br />
crescendo <strong>de</strong>baixo daquela luz<br />
<strong>de</strong>sapiedada e agreste que envolve a<br />
ilha em cintilantes tons <strong>de</strong> azul; a<br />
flui<strong>de</strong>z dos gestos e dos olhares dos<br />
dois homens apesar das reflexões,<br />
por vezes cruas, sobre os gran<strong>de</strong>s<br />
temas existenciais; mas sobretudo a<br />
aparente simplicida<strong>de</strong> da escrita,<br />
elementar, límpida e <strong>de</strong>spojada.<br />
Esta é uma história que fica na<br />
memória, um livro para ler e tornar<br />
a ler.<br />
Condição<br />
humana<br />
Muito antes <strong>de</strong> Saramago<br />
e <strong>de</strong> Mailer terem usado<br />
os Evangelhos para criar<br />
ficções didácticas, já<br />
Faulkner pegava na Paixão<br />
<strong>de</strong> Cristo para ilustrar a sua<br />
visão sobre a inevitabilida<strong>de</strong><br />
da Guerra. Helena<br />
Vasconcelos<br />
A Fábula<br />
William Faulkner<br />
(Trad. Maria João Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>)<br />
Casa das Letras<br />
mmmnn<br />
A guerra é um<br />
estado inerente<br />
ao ser humano. É<br />
esta terrível<br />
assumpção que<br />
William Faulkner<br />
apresenta em “A<br />
Fábula”, obra cuja<br />
acção, juntamente<br />
com a <strong>de</strong><br />
Isabel<br />
Coutinho<br />
Ciberescritas<br />
Nunca vi o José Bernar<strong>de</strong>s na vida. Mas é como<br />
se o conhecesse. As nossas conversas<br />
começaram por causa dos livros em formato<br />
electrónico. Ele era leitor do meu blogue,<br />
estava a pensar comprar um leitor <strong>de</strong> livros<br />
electrónicos e foi por isso que trocámos “e-mails”. Em<br />
Outubro, quando a Amazon anunciou que o seu leitor, o<br />
Kindle, iria ser vendido para mais <strong>de</strong> 100 países no<br />
mundo e entre eles Portugal, José Bernar<strong>de</strong>s não hesitou<br />
e comprou um. Pedi-lhe então que quando recebesse o<br />
dito objecto – já que era um dos primeiros portugueses –<br />
me contasse tudo. Ele assim fez. E o seu comentário<br />
começava assim: “Já chegou o meu Kindle 2! É mesmo<br />
fantástico!”. Depois dizia que ia escrever uns<br />
apontamentos telegráficos porque não conseguia largar o<br />
seu novo Kindle. Dizia que a Whispernet (re<strong>de</strong> que<br />
permite que o aparelho se ligue à loja Amazon e<br />
<strong>de</strong>scarregue para lá um livro em 60 segundos)<br />
funcionava na perfeição. Que só tinha visto ecrãs <strong>de</strong> e-ink<br />
em fotos no seu computador mas que estava a achar a<br />
qualida<strong>de</strong> notável. Tal como os livros em papel, quanto<br />
mais luz melhor. Contava também que estava a utilizar o<br />
programa Calibre (que além <strong>de</strong> converter livros para o<br />
formato aceite pelo Kindle lhe permitia gerir os livros no<br />
aparelho) e que tinha experimentado transferir para o<br />
Kindle livros gratuitos em formato mobi disponíveis em<br />
variadíssimos “sites” e que estava a conseguir lê-los<br />
perfeitamente no Kindle.<br />
Logo ali, na caixa <strong>de</strong> comentários do blogue, gerouse<br />
uma longa conversa com pessoas interessadas no<br />
Kindle e outras que entretanto foram adquirindo o<br />
aparelho. Colocaram-se dúvidas, resolveram-se em<br />
conjunto problemas, como se estivéssemos todos à<br />
mesa <strong>de</strong> um café.<br />
E foi por isso, por ver este interesse crescente pelo<br />
aparelho, que o José Bernar<strong>de</strong>s se aventurou a abriu<br />
um blogue <strong>de</strong>dicado a estas matérias. Chamou-lhe Kindle<br />
Portugal (com novida<strong>de</strong>s<br />
Um sortudo que tenha<br />
um Kindle, um PC e um<br />
iPhone po<strong>de</strong> agora ler<br />
os seus livros<br />
saltitando <strong>de</strong> um<br />
aparelho para o outro<br />
Kindle Portugal<br />
http://kindleportugal.blogspot.<br />
com/<br />
Kindle for PC<br />
http://www.<br />
amazon.com/<br />
gp/feature.html/<br />
ref=kcp_pc_<br />
mkt_lnd?docId<br />
=1000426311<br />
Por amor ao Kindle<br />
sobre o Kindle, em particular<br />
sobre a sua utilização em<br />
Portugal e sobre conteúdos<br />
disponíveis em língua portuguesa).<br />
Entretanto, José Bernar<strong>de</strong>s<br />
já <strong>de</strong>scobriu imensas coisas<br />
que o Kindle faz, funções ocultas<br />
em que eu (utilizadora do<br />
Kindle há mais tempo) nunca<br />
tinha reparado. Além <strong>de</strong> uma<br />
calculadora, estão lá disponíveis dois jogos. Depois dá<br />
dicas <strong>de</strong> sítios on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m ir buscar livros que estão<br />
em domínio público (livres <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> autor).<br />
Há umas semanas, a Amazon lançou o seu Kindle<br />
para PC (já prometeram uma versão para Mac). O que<br />
significa que agora não é necessário ter um Kindle<br />
para se comprarem e lerem e-books da Amazon. Basta<br />
ter um computador, <strong>de</strong>scarregar o programa gratuito<br />
e abrir uma conta na Amazon.com.<br />
Isso também já era possível fazer através da aplicação<br />
do Kindle para o iPhone (é gratuito mas só está disponível<br />
na loja do iTunes norte-americana).<br />
Um sortudo que tenha um Kindle, um computador<br />
PC e um iPhone po<strong>de</strong> agora ler os seus livros saltitando<br />
<strong>de</strong> um aparelho para o outro. Agora em casa leio<br />
no PC, no metro daqui a bocadinho leio no iPhone e<br />
no jardim, à hora do almoço, tiro o Kindle do saco e<br />
continuo a leitura.<br />
isabel.coutinho@publico.pt<br />
(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />
ciberescritas)<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 53
CRIAÇÃO: ANDRÉ MESQUITA<br />
ANA BRITO, GUZMAN ROSADO,<br />
TERESA ALVES DA SILVA E RICARDO TEIXEIRA<br />
CENTRO CULTURAL CARTAXO<br />
SEXTA E SÁBADO<br />
11 E 12 DEZEMBRO . 21H30<br />
DANÇA . BILHETES: 8C<br />
(DESC. 50%: ESTUDANTES E M/65) / M/12 . INFO: 243701600<br />
54 • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • Ípsilon<br />
Livros<br />
“Soldier’s Pay” (1926), se situa<br />
durante o conflito mundial que<br />
<strong>de</strong>correu entre 1914 e 1918. Muito<br />
antes <strong>de</strong> Saramago e <strong>de</strong> Mailer terem<br />
usado os Evangelhos para as suas<br />
ficções didácticas e morais, já este<br />
escritor americano pegava no<br />
episódio da Paixão <strong>de</strong> Cristo para<br />
ilustrar a sua visão sobre os conflitos<br />
eternos que afligem os seres<br />
humanos. E, aparentemente sem<br />
polémica, este livro longo e<br />
complexo, que o autor começou em<br />
1943 e só terminou 11 anos <strong>de</strong>pois,<br />
aparece agora em Portugal.<br />
A intermitência da escrita ao<br />
longo <strong>de</strong> uma década agitada po<strong>de</strong>rá<br />
explicar esta composição que se<br />
assemelha a uma montagem<br />
cinematográfica, suportada pela<br />
narrativa dispersa, repetitiva e por<br />
vezes confusa, entrecortada por<br />
imagens fulgurantes <strong>de</strong> beleza mas,<br />
também, por monótonas <strong>de</strong>scrições<br />
como as que são <strong>de</strong>dicadas a tudo o<br />
que está relacionado com o Exército:<br />
patentes, pormenores <strong>de</strong> fardas e <strong>de</strong><br />
equipamento, instalações militares,<br />
regras, disciplina, gestos, rotinas,<br />
etc. (uma nota: embora se perceba o<br />
cuidado da tradutora, o excesso <strong>de</strong><br />
notas <strong>de</strong> rodapé dificulta a leitura).<br />
No entanto, a sempre iluminada<br />
escrita <strong>de</strong> Faulkner confere algum<br />
brilho a esta história passada em<br />
1918 quando a carnificina e o horror<br />
já se tinham tornado banais e o<br />
Regimento <strong>de</strong> Infantaria do General<br />
Gragnon recebe or<strong>de</strong>ns para lançar<br />
um ataque injustificável, tanto<br />
estratégica como <strong>de</strong>fensivamente. O<br />
absurdo da situação <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia um<br />
motim e um grupo <strong>de</strong> homens,<br />
li<strong>de</strong>rado por uma figura misteriosa<br />
semelhante a Jesus Cristo, recusa-se<br />
a prosseguir, o que obriga Gragnon a<br />
or<strong>de</strong>nar que os resistentes sejam<br />
fuzilados. Entretanto, e até ao<br />
dramático final, uma série <strong>de</strong><br />
acontecimentos invulgares irá<br />
pontuar a acção: os alemães não<br />
mostram disposição para lutar – há<br />
disparos isolados para alvos não<br />
<strong>de</strong>tectáveis – e uma bizarra quietu<strong>de</strong><br />
esten<strong>de</strong>-se a todas as tropas, ingleses<br />
e americanos incluídos. Um<br />
sentimento <strong>de</strong> irmanda<strong>de</strong> na<br />
<strong>de</strong>sgraça perpassa as fileiras <strong>de</strong> um e<br />
outro lado, enquanto os oficiais<br />
tentam resolver a “crise” provocada<br />
por esse estado <strong>de</strong> não-guerra que<br />
eles não conseguem gerir (<strong>de</strong> notar a<br />
ironia <strong>de</strong> Faulkner na referência aos<br />
portugueses e espanhóis: os<br />
primeiros iriam para a guerra pela<br />
“excitação” <strong>de</strong> saírem do “buraco”<br />
on<strong>de</strong> viviam e os segundos nem lá<br />
chegavam porque eram <strong>de</strong>masiado<br />
pobres e não tinham dinheiro para a<br />
viagem). Faulkner é magistral a<br />
<strong>de</strong>screver as subtis oscilações <strong>de</strong><br />
humor entre os homens, a<br />
inquietação e o medo, as or<strong>de</strong>ns<br />
contraditórias, os boatos, a<br />
hesitação <strong>de</strong> alguns, a <strong>de</strong>scrença, a<br />
indiferença e a incredulida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
outros. No ambiente fantasmagórico<br />
que se instala, um general alemão<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
apanha um avião para conferenciar<br />
com os seus congéneres aliados, há<br />
quem se inquiete por ainda não ter<br />
ganho nenhuma medalha – como<br />
voltar a casa sem con<strong>de</strong>corações? – e<br />
existem rumores <strong>de</strong> que os<br />
instigadores do cessar-fogo<br />
percorrem a “terra <strong>de</strong> ninguém”<br />
para levar mensagens <strong>de</strong> paz aos<br />
alemães. (“Um foi suficiente para<br />
dizer ‘basta’ há dois mil anos. Tudo<br />
o que precisamos <strong>de</strong> fazer é<br />
limitarmo-nos a dizer: ‘Já chega<br />
disto’”. pág. 61). Faulkner mantém a<br />
acção colada aos acontecimentos da<br />
semana da Paixão <strong>de</strong> Cristo: o<br />
agitador recusa a ajuda do próprio<br />
pai/Deus – o Generalíssimo dos<br />
Exércitos –, é traído por um dos<br />
companheiros, executado<br />
juntamente com ladrões e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
ter sido sepultado pela família, a<br />
terra aparece revolvida ao ser<br />
atingida por uma carga <strong>de</strong> artilharia<br />
que revela um caixão estilhaçado e…<br />
vazio.<br />
“A Fábula” teve uma enorme<br />
influência na literatura <strong>de</strong> guerra –<br />
ressalve-se o famoso “Catch 22” <strong>de</strong><br />
Joseph Heller (1961) - mas não é<br />
exactamente uma “fábula”, uma vez<br />
que Faulkner subverte o género,<br />
partindo <strong>de</strong> máximas e reflexões<br />
filosóficas e utilizando as<br />
William Faulkner escreveu “A Fábula”,<br />
uma histórica crística passada nas trincheiras<br />
da I Guerra Mundial, entre 1943 e 1954, na ressaca<br />
do mais <strong>de</strong>vastador confl ito do século XX<br />
personagens como peças <strong>de</strong> um<br />
“jogo” no cenário claustrofóbico das<br />
trincheiras, on<strong>de</strong> se passa gran<strong>de</strong><br />
parte da acção, retirando-lhes<br />
espessura e esbatendo-lhes os<br />
contornos. Entre a lama e a sujida<strong>de</strong>,<br />
arrastados por multidões cegas ou<br />
sob as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res cegos,<br />
muitos dos intervenientes nesta<br />
tragédia não têm nome, sendo<br />
reconhecidos pela sua patente (o<br />
major, o sargento, o cabo) ou pela sua<br />
função (o estafeta, o oficial <strong>de</strong> dia, o<br />
ajudante <strong>de</strong> campo, a sentinela).<br />
Aqui, como em outros dos seus<br />
livros, Faulkner <strong>de</strong>ixou um<br />
testemunho in<strong>de</strong>lével da sua visão da<br />
condição humana, influenciada,<br />
segundo os estudiosos da sua obra,<br />
por Henri Bergson que via na<br />
intuição e não na análise exaustiva a<br />
forma <strong>de</strong> chegar à verda<strong>de</strong> e à<br />
essência do “mundo real”. O conceito<br />
<strong>de</strong> élan vital apelava directamente ao<br />
i<strong>de</strong>alismo do escritor, um homem<br />
permanentemente dividido entre<br />
convicções opostas, entre a<br />
estabilida<strong>de</strong> familiar e o apelo das<br />
aventuras eróticas, entre a<br />
sobrieda<strong>de</strong> e o excesso, entre o Sul e<br />
o Norte, entre a ascensão social<br />
(consequência do progresso) e os<br />
velhos i<strong>de</strong>ais heróicos da honra e do<br />
orgulho.<br />
AFP
Espaço<br />
Público<br />
Apesar dos prémios que recebeu,<br />
este livro não é dos mais bem<br />
conseguidos <strong>de</strong> Faulkner, impondose,<br />
no entanto, como um po<strong>de</strong>roso<br />
manifesto anti-guerra, atravessado<br />
por imagens épicas que nos<br />
remetem para as palavras do autor<br />
no seu discurso <strong>de</strong> aceitação do<br />
Prémio Nobel: “Acredito que o ser<br />
humano não se limita a sobreviver e<br />
para sempre viverá, vencendo. Ele é<br />
imortal não porque, entre todas as<br />
outras criaturas, possui uma voz que<br />
nunca se extinguirá mas sim porque<br />
é dono <strong>de</strong> uma alma, <strong>de</strong> um espírito,<br />
capaz <strong>de</strong> compaixão e <strong>de</strong> sacrifício”.<br />
Perdido na<br />
tradução<br />
Um texto <strong>de</strong>licado <strong>de</strong><br />
Kawabata arruinado por<br />
uma tradução que tergiversa<br />
o sentido e a <strong>de</strong>nsa teia<br />
alusiva do original.<br />
Francisco Luís Parreira<br />
Mil Grous<br />
Yasunari Kawabata<br />
(Trad. Mário Dias Correia)<br />
Dom Quixote<br />
mnnnn<br />
Existe um novo jornal<br />
cultural. Chama-se “As<br />
Artes Entre As Letras”<br />
e sai quinzenalmente,<br />
à semelhança do já<br />
conhecido “Jornal <strong>de</strong><br />
Letras, Artes e I<strong>de</strong>ias”. Em<br />
conjunto com o Ípsilon e a<br />
“Mil Grous”, <strong>de</strong><br />
1952, inicia-se<br />
com uma<br />
cerimónia do chá<br />
(“chanoyu”) nos<br />
arredores <strong>de</strong><br />
Tóquio. A<br />
caminho do<br />
templo, o<br />
protagonista<br />
Kikuji recorda com repulsa a ocasião<br />
na infância em que viu Chikako, a<br />
amante do seu falecido pai, a cortar<br />
com uma tesoura os pêlos do sinal<br />
<strong>de</strong> nascença que lhe cobria meta<strong>de</strong><br />
do peito. Kikuji está reticente: a<br />
cerimónia é organizada pela mesma<br />
Chikako, cujas intenções, ao<br />
convidá-lo, são in<strong>de</strong>cifráveis. A<br />
mórbida imagem do sinal dá então<br />
lugar à sua antitética: a <strong>de</strong> uma<br />
rapariga que também se encaminha<br />
revista “Ler”, constituem<br />
a fonte primária do meu<br />
conhecimento literário.<br />
Mas “As Artes Entre As<br />
Letras” apresenta um<br />
espaço <strong>de</strong>dicado à ciência,<br />
entre outros <strong>de</strong>dicados à<br />
fi losofi a e à fi lologia. Não<br />
para o templo e que é<br />
metonimicamente <strong>de</strong>finida pelo<br />
lenço que transporta, <strong>de</strong>corado com<br />
um padrão <strong>de</strong> mil grous. Na<br />
cerimónia, Chikako <strong>de</strong>sempenha o<br />
papel <strong>de</strong> mediadora amorosa,<br />
apresentando Kikuji à portadora do<br />
lenço. Mas ali também está presente<br />
a senhora Ota, que substituiu em<br />
tempos a ominosa Chikako nas<br />
atenções do pai. Kikuji, naquela<br />
ocasião, ignora ainda que se tornará<br />
amante da senhora Ota e, após o<br />
suicídio <strong>de</strong>la, da sua filha Fumiko. A<br />
rapariga dos mil grous, Yokiko,<br />
atravessará a narrativa como uma<br />
“impressão <strong>de</strong> luz” que logo se<br />
extinguirá. Mais tar<strong>de</strong>, tentando em<br />
vão recordar-lhe o rosto, Kikuji<br />
pon<strong>de</strong>ra o contraste entre a<br />
impermanência das imagens da<br />
beleza e a vívida memória do peito<br />
maculado da senhora Chikako.<br />
A percepção <strong>de</strong> Yokiko ilustra o<br />
tropo japonês do “mono no aware”,<br />
a vigilância emotiva da<br />
impermanência do mundo,<br />
<strong>de</strong>spertada pela unicida<strong>de</strong> e pureza<br />
<strong>de</strong> uma imagem — no caso, a dos mil<br />
grous. Toda a gran<strong>de</strong> arte japonesa<br />
<strong>de</strong>tectou na fugacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas<br />
imagens o domicílio da beleza<br />
autêntica. Mas contra que fundo<br />
eclo<strong>de</strong> essa beleza, para logo<br />
<strong>de</strong>saparecer? E, ao <strong>de</strong>saparecer, o<br />
que é que <strong>de</strong>ixa à vista? Eis o<br />
segredo da imagem (e do título).<br />
Segundo a crença japonesa, o<br />
enfermo que mo<strong>de</strong>le mil grous em<br />
papel tem garantido um pronto<br />
restabelecimento, mesmo que se<br />
encontre no leito <strong>de</strong> morte (e não é<br />
impossível ver ainda origamis <strong>de</strong>sse<br />
tipo à entrada dos templos, como<br />
expressões votivas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>). O que<br />
o título evoca — e assim o tema da<br />
novela — é a questão da doença. A<br />
doença <strong>de</strong> Kikuji é a possessão pelo<br />
passado, em particular o do pai. É<br />
enquanto substituto ou fantasma<br />
que as mulheres o solicitam. A sua<br />
vida assemelha-se a uma<br />
reincarnação <strong>de</strong> amores<br />
insubstanciais. Por isso, também a<br />
presença erótica feminina não chega<br />
a constituir-se em permanência;<br />
Kikuji sente-a como uma “onda”, um<br />
refluir que a cada instante se limita a<br />
presentificar o mesmo: uma força<br />
exterior a que as suas amantes se<br />
submetem, sob o modo patológico<br />
é um jornal ainda assaz<br />
divulgado. Esperemos<br />
que a qualida<strong>de</strong><br />
inquestionável do mesmo<br />
seja láudano sufi ciente.<br />
Luís Coelho, 29 anos,<br />
fi sioterapeuta<br />
da irresolução e da passivida<strong>de</strong>.<br />
As personagens cruzam-se no<br />
interior das estruturas <strong>de</strong> relação<br />
fornecidas pela “chanoyu”. Os<br />
objectos da cerimónia fornecem a<br />
paisagem simbólica da narrativa e<br />
trazem inscrita a mesma possessão.<br />
As taças do chá não se limitam a<br />
acumular as marcas do tempo;<br />
também prolongam as relações dos<br />
mortos que as empunharam. Tal<br />
como o veneno que circula nas<br />
intrigas humanas, também o chá flui<br />
<strong>de</strong> taça para taça, <strong>de</strong> boca para<br />
boca, para produzir os mesmos<br />
efeitos. Deste modo, o motivo da<br />
doença transfere-se para a própria<br />
materialida<strong>de</strong> da cerimónia.<br />
Reagindo à professada falta <strong>de</strong><br />
interesse <strong>de</strong> Kikuji na “chanoyu”,<br />
afirma a senhora Ota: “Mas tu tens o<br />
chá no sangue”, como se diz <strong>de</strong> uma<br />
doença. Porém, na medida em que é<br />
infiltrada por aspectos pessoais e<br />
pela inquietu<strong>de</strong> do mundo, a própria<br />
cerimónia revela-se na <strong>de</strong>cadência<br />
do seu significado. O<br />
obscurecimento das formas<br />
tradicionais, como saldo da <strong>de</strong>rrota<br />
japonesa na II Guerra Mundial, foi o<br />
tema permanente <strong>de</strong> Kawabata nas<br />
suas obras-primas do pós-guerra. Os<br />
seus heróis, separados da tradição,<br />
estão con<strong>de</strong>nados a uma relação<br />
heteronímica consigo mesmos; são<br />
ainda capazes <strong>de</strong> reconhecer a<br />
beleza do mundo, mas não <strong>de</strong> agir<br />
nele ou <strong>de</strong> o amar. Neles, o prazer e<br />
a lassidão estética têm sempre o<br />
custo psíquico da cruelda<strong>de</strong> ou do<br />
<strong>de</strong>sespero. Há nisso o diagnóstico <strong>de</strong><br />
uma cultura que se reconstruiu na<br />
estranheza a si mesma.<br />
Kawabata foi um dos maiores<br />
artistas do século XX. A sua prosa<br />
<strong>de</strong>leita-se na escassez e na<br />
rarefacção; equivale à <strong>de</strong>ambulação<br />
pelos meandros <strong>de</strong> um sonho em<br />
que poucas coisas existem, mas<br />
todas existem <strong>de</strong> um modo perene:<br />
fulgurações, <strong>de</strong>talhes impessoais,<br />
cruéis incertezas. Nela, o que mais<br />
importa não é o que é se diz, mas o<br />
que fica <strong>de</strong> fora. Cada texto seu<br />
como que subenten<strong>de</strong> um haiku a<br />
que fosse forçoso imprimir forma<br />
narrativa para exercer todo o seu<br />
po<strong>de</strong>r revelador. Para quem leia esta<br />
edição, porém, nada disto será<br />
óbvio. Verte-se para português a<br />
tradução americana <strong>de</strong><br />
Município <strong>de</strong> Vila Franca <strong>de</strong> Xira|Cultura<br />
Sei<strong>de</strong>nsticker. Na página 20, lê-se:<br />
“Num canto afastado, uma criada<br />
lavava qualquer coisa.” No japonês,<br />
a criada está a lavar os recipientes<br />
do chá no “mizuya”, o<br />
compartimento <strong>de</strong>stinado a essa<br />
tarefa. Logo abaixo, diz Chikako: “O<br />
cuidado que uma pessoa tem <strong>de</strong> ter.<br />
Fiquei encantada”, correspon<strong>de</strong> no<br />
original a “Nada te escapa, pois não?<br />
Apesar <strong>de</strong> todas as minhas<br />
precauções, ainda me consegues<br />
surpreen<strong>de</strong>r”. Da taça Shino com<br />
papel conspícuo na narrativa, é dito<br />
que tem algo <strong>de</strong> bizarro na sua<br />
“história”. A palavra japonesa, com<br />
ascendência no Zen, é “unmei”<br />
(<strong>de</strong>stino, tessitura), a mesma com<br />
que Kikuji qualifica o sinal <strong>de</strong><br />
Chikako e o po<strong>de</strong>r que ele exerce<br />
sobre a sua vida; é também para que<br />
os “unmei” <strong>de</strong> Chikako não se<br />
atravessem nos <strong>de</strong>le que se afasta <strong>de</strong><br />
Yokiko.<br />
À medida que a <strong>de</strong>nsa teia alusiva<br />
<strong>de</strong> Kawabata se aperta, torna-se<br />
mais calamitosa a tradução. O<br />
diálogo inicial do capítulo IV<br />
tergiversa totalmente com o sentido<br />
da cena. O tradutor português,<br />
porém, é fiel ao texto <strong>de</strong> partida. A<br />
idiotice está na tradução americana.<br />
Sei<strong>de</strong>nsticker foi o divulgador <strong>de</strong><br />
Kawabata no mundo anglófono.<br />
Conhecia a língua japonesa, mas<br />
não <strong>de</strong> um modo<br />
especialmente profundo ou<br />
sensível. Via em Kawabata<br />
uma espécie <strong>de</strong><br />
Hemingway, sem perceber<br />
que o japonês, em talento<br />
e tradição herdada, era<br />
Entrada gratuita limitada à lotação da sala mediante levantamento <strong>de</strong> ingresso na recepção | O programa po<strong>de</strong>rá sofrer pequenas alterações por motivos imprevistos.<br />
infinitamente superior. Não apreciou<br />
nem compreen<strong>de</strong>u este texto, como<br />
se torna claro nas suas memórias. O<br />
seu prestígio anglo-saxónico só po<strong>de</strong><br />
ser compreendido à luz do autismo<br />
linguístico daquele universo,<br />
incapaz <strong>de</strong> cotejar ou reconhecer<br />
traduções muito mais ricas, como as<br />
francesas, alemãs ou italianas. É<br />
claro que há nesse autismo um<br />
<strong>de</strong>liberado propósito imperialcomercial,<br />
a que os editores<br />
portugueses a<strong>de</strong>rem<br />
entusiasticamente. Este entusiamo<br />
(ou saloíce) universal consagra um<br />
modo <strong>de</strong> ler e um sistema <strong>de</strong> gosto<br />
<strong>de</strong> que pelo menos duas<br />
consequências estão à vista: a<br />
transformação da literatura em<br />
acessório <strong>de</strong> aeroporto e o reforço<br />
da Ditadura Internacional da<br />
Simplificação, sob a égi<strong>de</strong> da crítica<br />
e dos editores americanos. Não sei,<br />
portanto, se faz sentido assinalar<br />
que algumas universida<strong>de</strong>s<br />
portugueses dispõem <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong><br />
cultura oriental e que<br />
não teria sido<br />
impossível<br />
encomendar-lhes uma<br />
tradução credível.<br />
A escrita escassa e rarefeita <strong>de</strong> Kawabata investe<br />
mais no que fi ca <strong>de</strong> fora do que naquilo que diz<br />
- como se cada texto seu subenten<strong>de</strong>sse um haiku<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 55