polemica religiosa - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro
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Página 2 MAIORIA FALANTE Junho/Julho
POPULISMO
Como a Ave Fênix, o populismo ressurge na Améri-
ca Latina; cono aquele pássaro mitológico porque re-
nasce das suas cinzas. Argentina dá o exemplo. O últi-
mo governo peronista, para os trabalhadores, resultou
num desastre. Entretanto quem venceu as últimas
eleições foi Carlos Menem, o referente populista.
Duas explicações: quem governou, antes e depois de-
les, foram muito piores; e por outro lado, o estado de
consciência da massa, é esse mesmo. Sabe de sua fo-
me, mas ainda não intue como acabar com ela, pois
desconhece o seu próprio potencial transformador, e
a ausência de uma vanguarda que expresse claramente
os seus interesses, se constitue no maior freio para
que essa consciência em si, se transforme em para si.
Bons burgueses, os populistas fazem governos para
sua ciasse. Prometem qualquer coisa e disfarçam suas
intenções. Berram contra o capitalismo selvagem; na-
da falam do capitalismo. Hipócritas, afirmam ser an-
timperialista' mas não romperam com as transnacio-
nais antes, e tampouco o farão agora. Apenas perse-
guem algumas restrições ao capital estrangeiro, pois
na realidade procuram uma fatia maior na distribui-
ção do produto da exploração dos trabalhadores.
Querem é renegociar a dependência, e não eliminá-la.
Propiciam condições ao aumento dos lucros capitalis-
tas.
Cínicos, porque gritam que seus governos estão ao
serviço do povo, do lado dos mais fracos, e suas admi-
nistrações jamais passam de tímidas tentativas refor-
mistas. E, quando encurralados pelas massas, que lhes
cobram o prometido, o couro come solto nas costas
dos trabalhadores. Expropiação de terras improduti-
vas? Terra para quem trabalha a terra? Isso é coisa'de
comunistas.
Populismo e reformismo, dois cancros que se infil-
tram no campo popular. O populismo é uma concep-
ção burguesa que pretende desconhecer a existência
das classes sociais. Sob o rótulo úepovo costuma me-
ter no mesmo saco os operários, camponeses pobres e
pequenos proprietários rurais ou urbanos, a pequena
burguesia e a denominada burguesia nacional. Ao não
diferenciar o papel e as possibilidades dessas classes,
prioritariamente se relaciona com a burguesia nacio-
nal, e alenta ilusões nos seus representantes econômi-
cos, políticos e militares.
0 reformismo descarta a transformação radical da
sociedade, não tem fé e desconfia da capacidade
transformadora dos trabalhadores e sempre anda à
procura de algum burguês progressista que dê miga-
lhas às massas e garante, no melhor dos casos, o efeti-
vo exercício das liberdades democráticas.
Maioria Falante
Tel.: (021) 252-2302.
Diretor Responsável — Bebei Nepomuceno
Conselho Editorial — Júlia Theodoro, Ele Semog e^Togo loruba
CoordenaçSo de Textos e Edição — Togo loruba, Ele Semog, Beth Silva
Santos, Tupac.
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Vera Dayse Barcellos, Paulo Ricardo Bahiano, Jones Lopes e Júlio
César Camlsolâo (RS), Walmír Trindade (PB).
Correspondentes — Mônica Russo e Miki Willis (EUA), Adriano Botelho
de Vasconcelos (Portugal)
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Núcleos de Estudos do Negro (NEN) e
Comitê Contra a Discriminação Racial e Social (RACISO)
Maioria Educação: Eli Gomes, Janete Santos, Azoildo Louretto da Trindade,
Wanda Maria Souza Ferreira, tyaria José da Silva Lopes, Eliane Souza,
At matérias assinadas são de inteira responsabilidade dos autores.
Endereço: Rua da Lapa, 200/jl 808 - Lapa R J-CEP: 20021
ACONTECEU ACONTECENDO
A menina Luciana Correia
Santos Lima, de 9 anos, Teimo
Batista de Souza, de 11 e José
Vasconcelos de Melo, de 15, fo-
ram os vencedores da 1 . a Corrida
Rústica Comunitária do Renas-
cença Clube, com o patrocínio
do CIEC — Centro de Integração
Esporte Comunidade e apoio de
Fundação Rio-Esportes, nas pro-
vas de 500, 1000 e 1500m, res-
pectivamente. Este evento faz
parte da Campanha Vamos Tirar
as Crianças da Rua, Correndo.
O grupo político que atuava
na ASSEAF fundou o Centro de
Articulação de Populações Mar-
ginalizadas — CEAP, que engloba
a Comissão Herzer de Defesa dos
Direitos das crianças e adolescen-
tes. Centro de Documentação,
Jornal Maioria Falante, Articula-
ção de negros do Sul e Sudeste,
Projeto Tradição dos Orixás,
SOS-Favelas (para as vítimas das
enchentes de fevereiro de 88)e
Mariti mais Mulher, entre outros.
A sede do CEAP está funcio-
nando provisoriamente no Jornal
Maioria Falante — Rua da Lapa,
200/808, CEP 20021, Tel. (021)
252-2302.
"Recebi, há algum tempo um
exemplar do JMF do qual passei
a ser mais um admirador. E por
isso, gostaria de levar a aprecia-
ção este" Pela Bandeira do Ban-
deira" que escrevi em protesto a
idéia de batizar a capital do novo
Estado Tocantins como "Lasai-
gada".
Heleno Alves Resende/Goiânia/
Goiás.
Arrancada no Renascença/CIEC
O Centro de Cultura Afro-
Brasileira e a Coordenação do
I. 0 Encontro Estadual da Tradi-
ção dos Orixás, convidam para o
evento que se realizará nos dias
04, 05 e 06 de agosto, no audi-
tório do Teatro Guararapes do
Centro de Convenções de Per-
nambuco, situado no Complexo
de Salgadinho, em Olinda/PE.
O objetivo é promover a tro-
ca de experiências entre as Casas
e Terreiros de Pernambuco e de
alguns outros estados.
O Núcleo de Estudos Pedagó-
gicos Caxiense, promoverá um
Ciclo de Debates, nos dias 5, 6 e
7 de Julho próximo, no Centro
Comercial de Duque de Caxias,
Rio de Janeiro, sobre o tema:
"EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE
DA AMÉRICA LATINA". Apoio
e realização IDEC.
ANT1-RACISMO
A Coordenação da Plenária
Anti-racista, um desdobramen-
to do III Encontro estadual do
Negro do RJ, está realizando
toda 6. a feira no Sindicato dos
Metroviários, Av. Rio Branco
277/401-tel: 021-262-0331 -
MF: Agradecemos sua correspon-
dência e o material que nos foi
enviado, estamos encaminhan-
do-o para apreciação do Conse-
lho Editorial.
"Temos muito interesse em
renovar a nossa assinatura... apro-
veitamos para enviar o último
n. 0 da nossa revista Reforma
Agrária".
Solange Rigolo/Campimas/SP
Assoc. Brasil da Reforma Agrária
(ABRA).
"Anexo à presente segue com-
provante do pagamento da assi-
natura do JMF no período de
Abril/89 à abrit/90".
Hiroaki Idaka/RJ
MF: Breve estaremos enviarão o
jornal.
"Através de um colega, che-
gou as minhas mãos um exem-
plar do JMF... solicito que me
enviem formulário de assinatura
e exemplares para a divulgação."
Toninho Ribeiro/Belém/Pará
MF: Já enviamos conforme soli-
citado formulário de assinatura e
material para divulgação.
reuniões acerca da questão'ra-
cial. _
LIVRO PARA CRIANÇAS
NEGRAS
Alzira Rufino, escritora e
coordenadora do Coletivo de
Mulheres Negras da baixada san-
tista, lançará no mês de julho
"Muriquinho", seu primeiro li-
vro para crianças negras. Alzira
é a autora de "Eu, Mulher Negra,
resisto" e das cartilhas "Mulher
Negra, uma Perspectiva Histó-
rica", "Articulando" e em co-au-
toria, "Mulher Negra tem Histó-
ria".
•
TAMBÉM ACONTECE -
ERRATA
Na edição de Abril/Maio o
Jornal Maioria Falante publicou
na página 11 a noticia sobre a in-
terdição do livro Versos Satâni-
cos, em Zanzibar, com base nu-
ma informação da Agência de
Notícia Angop, acrescentando
ainda em juízo de valor sobre o
livro em causa.
Queremos esclarecer que o
comentário acima é de total res-
ponsabilidade do jornal.
"Comunicamos a V.Sas., o re-
cebimento do JMF n.o lie agra-
decemos sua atenção".
Prof. Zezito de Araújo/Universi-
dade Federal de Alagoas/Maceió.
"De alguns anos para cá to-
mamos conhecimento do cresci-
mento da consciência negra no
Brasil. O nosso Centro é o único
da Itália que tem interesse em
documentar e publicar artigos de
interesse das classes dominadas."
Marlene Bertoldi/Cedoe/Verona/
Itália.
MF: Estamos enviando o Jornal
Maioria Falante para seus arqui-
vos.
"Agradecemos o envio do
JMF. Informe quais as possibili-
dades de implantação de uma su-
cursal em nossa cidade, pois te-
mos ótimos jornalistas".
Atalito/Salvador/Bahia
MF: Aguardamos o envio das
matérias, bem como a confirma-
ção do nosso intercâmbio.
Junho/Julho
MAIORIA FALANTE
POVOS INDíGENAS YANOMANI RESISTEM
E PEDEM DEMARCAÇÃO DE TERRAS
Opovo Yanomani, cerca
de 10 mil índios, ocupa
parte do território e
Roraima e Amazonas,
na fronteira do Brasil com a Ve-
nezuela. A partir de setenta, a
construção de estradas, ativida-
des agropecuárias e de minera-
ção daquela região intensifica-
ram o contato dos mdios com o
homem branco. O resultado:
inúmeros conflitos e a dissemi-
nação de doenças entre os silvi'-
colas.
Rm 1985, a situação se agra-
vou com a implantação do Pro-
jeto Calha Norte que abrange
os afluentes da margem esquer-
da do rio Amazonas.
Violentado de várias formas,
o povo Yanomani, criou formas
de resistência. Nessa tarefa, tem
sido grande o empenho do mdio
Davi Kopenawa Yanomani, Prê-
mio Global 500 da ONU.
A maior parte das terras Ya-
nomani é rica em minérios. O
garimpo gera conflitos e polui-
ção dos rios. É o inicio da des-
truição do ecossistema de uma
área vital. A convivência entre
mdios e garimpeiros é difícil e
desigual, como declara Davi: "O
branco não dá remédio nem cui-
da quando o índio está doente.
Acha bom morrer de uma vez."
Desde 1968, o governo vem
sendo alertado, para a necessida-
de "de demarcação das terras
Yanomani, sob a forma de um
parque indígena em área conti-
nua". Em setembro de 1988,
criou-se a "Terra Indígena Ya-
nomani" com mais de 8 mi-
lhões de hectares. Destes, 6 mi-
lhões se destinavam a um Parque
e duas florestas Nacionais que
continuariam como "área de
posse permanente dos Yanoma-
ni". Em novembro do mesmo
ano, a Portaria Interminesterial
250 tornou passíveis de uso e
exploração o Parque e as Flo-
restas. Para uso exclusivo dos
índios restou um "arquipéla-
go" de 19 áreas.
Fundada em 1978 a CCPY-
Comissão Para Criação do Par-
que Yanomani — é uma das en-
tidades que lutam pela demar-
cação das terras "tradicional-
mente ocupadas pelos Yanoma-
ni". Outras reinvindicações são:
respeito ao "modus vivendi"
dos índios, revogação de 19 de-
cretos presidenciais, de 19 de
fevereiro de 1989, que resultam
em agressões físicas e culturais
aos Yanomani; retirada dos ga-
rimpeiros da região e punição
a todos que contribuem para o
genocídio deste povo.
Outra questão debatida é o
desrespeito à Nova Constituição
que determina: "O aproveita-
mento dos recursos hídricos,
incluídos os potenciais energéti-
cos, a pesquisa e lavra das rique-
zas minerais em terras indígenas,
só podem ser efetivadas, ficando-
Ihes assegurada a participação no
resultado das lavras, na forma da
lei.
Davi Yanomani afirma ser im-
portante divulgar o que está
acontecendo. "Outro país está
pensando que o governo está
tratando muito bem os brasi-
leiros. Mas não está tratando
bem não. Está maltratando ín-
dio..., maltratando branco..."
Reafirmando esta denúncia
surgem algumas iniciativas. O ví-
deo-documento, "Povo da Lua,
Povo de sangue. Ouro da terra,
Sangue do Povo Yanomani" foi
dirigido por Marcello lassara,
baseado na pesquisa fotográfica
de Cláudia Andujar, entre 1972
e 1982. Outro exemplo foi a re-
cente exposição, do Masp, do au-
diovisual "Genocídio do Yano-
mani: Morte no Brasil".
Davi também deixa claro que
os Yanomani não sobrevivem
sem a preservação da sua cultura,
assim como esta não existe sem a
floresta. Essa cultura, até então
transmitida de forma oral, hoje
precisa ser defendida da extin-
ção. Uma das preocupação de
Davi é com a falta de informação
da maioria do seu povo: "Nós so-
mos poucos que falam portu-
guês. Muitos estão enganados pe-
lo branco que promete muita
coisa". Porém o maior desafio
dos Yanomani é o seu isolamen-
to. Além da Funai, não há pre-
sença física de outra entidade na
terr? ^cs Ynr DIWMÚ.
AGEH
LIVRO SOBRE CHICO MENDES
"QUAL O FUTURO PA-
RA A AMAZÔNIA?"é o tí-
tulo de um livro recém-pu-
blicado na França, pela or-
ganização não-governamen-
tal AGIR ICI "Pour monde
solidaire". O texto, com
prefácio de Alain Ruellan e
René Dumont (um dos prin-
cipais ecologistas franceses),
retrata a situação da Ama-
zônia diante do atual con-
texto econômico mundial,
destacando a responsabilida-
de dos países do Norte na
destruição ambiental do Ter-
ceiro Mundo.
Um capítulo da publica-
QUELAVNRPOUR
ção é dedicado à vida e luta
de Chico Mendes, cuja foto-
grafia, aliás, está na capa do
livro.
O livro da AGIR ICI é
mais uma das várias iniciati-
vas de organizações ecológi-
cas e direitos humanos eu-
ropéias, em torno da ques-
tão da Amazônia. O interes-
se na Europa pelo futuro da
região cresceu com a morte
de Chico Mendes, a realiza-
ção do 1.° Encontro dos
Povos Indígenas no Xingu e
a recente viagem do Cacique
RAONI por vários países
europeus, a convite do can-
tor Sting. (AGEN).
Página 3
O candidato Osmarino
sofre novo atentado
0 secretário do Conse-
lho Nacional dos Se-
ringueiros (CNS), Os-
marino Amâncio Ro-
drigues, sofreu o quinto
atentado no último dia 19,
quando um caminhão foi jo-
gado contra o Toyota que o
levava a Brasiléia. O carro
do sindicato dos Trabalha-
dores Rurais só não foi es-
magado porque desviou o
tempo.
O delegado de polícia de
Brasiléia, Francisco Josemar
da Silva, em telex enviado
ao secretário de Segurança,
Lourival Marques de Olivei-
ra, disse que o motorista de
caminhão, que havia sido
roubado pouco antes, era
Manuel Cardoso Sales, 17,
com antecedentes por furto
e drogas. Após o incidente,
que o delegado disse ter 1%
contra 99% de possibilida-
de de ser atentado, o moto-
rista se evadiu. Sem êxito, o
PM Leitão, um dos quatro
seguranças de Osmarino, dis-
parou tiros para que o ca-
minhão parasse. Segundo
Josemar, no momento em
que o caminhão quase bateu
no Toyota. Osmarino diri-
gia-se a boite "Sol de Ve-
rão", para assistir a peça
"Tributo a Chico Mendes",
de João das Neves. O cami-
nhão avançava pela avenida
Santos Dumont, na direção
do carro do Sindicato que
foi desviado "graças a habi-
lidade do motorista".
Candidato: No último dia
28, o delegado de Brasiléia
enviara outro telex ao secre-
tário de segurança, que di-
vulgou seu conteúdo como
"desmentido de mais uma
tentativa de ameaça ou aten-
tado a Osmarino". Na vés
pera, o sindicalista denun-
ciara á delegacia que quatro
homens com cartucheiras
desceram de um furgão ver
de claro, próximo à sua ca-
sa, e foram vistos por José
da Silva Pereira, que mora
com Osmarino. Declarou o
delegado que os homens
portavam ferramentas, e'
não armas de fogo, e que o
carro pertencia ao vice-pre-
feito de Brasiléia.
AGEN
Maioria Falante
Assine
252-2302
Página 4 MAIORIA FALANTE Junho/Julho
A hora e a vez do cinema Pan-Africano
0 filme ORI, de Raquel
Gerber, representante
brasileiro no 11 o FES-
PAÇO - Festival Pan-
Afrlcano do Cinema e da Televi-
são de Ouagadougou — março —
1989, ganhou o Prêmio "PAUL
ROBESON", da Diáspora, l.o
lugar para filmes produzidos fo-
ra da África, por unanimidade
do Júri internacional.
O filme conta a história de
uma mulher. Beatriz Nascimen-
to, historiadora e militante, que
0 Festival Pan Africano de
Cinema e Televisão de Ouaga-
dougou (25 fev - 04 março de
1989 - Burkina Paso) no seu
20.° aniversário, pôs em cheque
a imagem cativa do negro no ci-
nema.
O tema da identidade cultural
correu como uma filigrama na
maior parte dos filmes africanos
vistos no último Festival — O
FESPAÇO de Ouagadougou. É
um cinema artesanal que ignora
as obras puramente comerciais,
cada filme trazendo a afirmação
impl feita de uma identidade cul-
tural africana.
Poderiamos citar a obra prima
Yellen, prêmio de Cannes em 87
num cinema moderno ao ar livre
contra o céu crespuscular; O Tes-
tamento (Ghana), Mortu Nega
de Flora Gomes de Cabo Verde
que ganhou 05 prêmios espe-
ciais, Camp de Thiaroye de Faty
Sow e Ousmane Sembene do Se-
negal, Yaba e Zan Boko de Gas-
ton Kaboré de Burkina, Citadelle
da Argélia prêmio de imagem_ e
os curtas O Gesto de Segou e Ar-
vore da Vida. Patrick llboudo fa-
la em seu livro lançado durante o
FESPAÇO; "Les Cineastes Afri-
cains et leurs Oeuvres" — Edi-
tion La Maute:
"O cinema africano é a mani-
festação individual e coletiva de
um conjunto de sentidos e cor-
rentes de pensamento para o res-
tabelecimento da imagem de um
povo. É um cinema de vanguarda
na medida que a vanguarda nasce
da ruptura com o passado e da
pressa do futuro".
Mas um cineasta africano leva
5 ou 7 anos para fazer um filme
e outros tantos para rentabilizá-
lo. Não passa um filme africano
por mês nas telsa das salas africa-
nas diz Med Hondo (cineasta da
Mauritânia em 1983).
Na Tunísia desde 1966 come-
çam as jornadas cinematográficas
de Carthago e no Haute Volta
em 1969 emergia o Signo da Se-
mana do Cinema Africano que se
tornaria o Festival Pan Africain
de Ouagadougou no já indepen-
dente pai's Burkina Faso.
Foi criado outro evento em
1981 o Mogpafis pela Somali
Film Agency e organizado em
Mogadiscio para atingir a África
Ocidental e Central.
Hoje o F ESPAÇO é uma festa
popular inter africana e interna-
cional e congregou 37 pai'ses
africanos. 0 FESPAÇO em sua
20. a edição fez uma homenagem
ao Cinema Latino Americano e
premiou o filme ORI do Brasil
com o Prêmio Paul Robeson da
Diáspora no valor de 500.000
francos CFA.
Paul Robeson foi cantor/ator
e militante negro americano que
foi um suporte para a indepen-
dência de muitos países africa-
nos.
A questão da Imagem do Ne-
gro no Cinema e a Libertação da
África e dos Afro Americanos
foram grandes metas em sua vi-
da.
Desde os textos jurídicos do
Código Negro de 1685, o negro
era categorizado como escravo
e sem história.
A caricatura e a paródia ser-
viram à dominação desde 8 de
janeiro de 1454 sob a autoriza-
ção do papa Nicolau V quando
se praticava o Tratado dos Ne-
gros entre África e Portugal.
Mais tarde, o negro aparecia
em reclames de sabonete como
exemplo de pele suja e era con-
siderado como diz Patrick llbou-
do em sua obra recém publica-
busca sua identidade através da
pesquisa histórica dos "Quilom-
bos"
ORI tem a direção de Raquel
Gerber; a produção da Angra
Filmes, textos e narração de Bea-
triz Nascimento, música de Naná
Vasconcelos, produção executiva
de Ignácio Gerber, direção de fo-
tografia de Hermano Penna.
O lançamento do filme ORI,
no Brasil, será divulgado assim
que confirmada.
da. "O negro é um ser selva-
gem de nariz e bocas despropor-
cionais e dentes e olhos bran-
cos de vacu idade".
Nos anos 60 o grande cineas-
ta senegalês ("Ceddo") Ousmane
Sembene falava sobre os filmes
de Jean Rouch: "ele nos vê co-
mo insetos". Jean Rouch confes-
sa mesmo que a etnografia é a
filha mais velha do .colinialismo.
O CINEMA NEGRO
AMERICANO
O Cinema Negro Americano
nasce com Emmet J. Scott que
realiza Naissance d'une race que
é a réplica de Naissance d'une
Nation de David W. Griffitth.
Em 1917 foi fundada a pri-
meira Cia. do cinema negro nos
Estados Unidos (Los Angeles,
Califórnia).
Warrington Hudlin criou uma
sociedade "The Black Filmma-
ker Foundation" para distribuir
filmes negros.
Oscar Micheaux fez Body and
Seul 1929) com Paul Robeson
no início de sua carreira. Fez co-
mo cantor um filme colonialis-
ta como Vozambo de Zoltan
Korda em 1935 mas se dirigiu
depois em direção à imagem do
negro combatente.
Nas Antilhas surge nos anos
70 um filme que busca falar e
lhe restituir uma imagem falan-
do da imigração e do desenrai-
zamento do africano na Antilha.
É preciso citar Sarah Maldoror
um Home, une Terre e Zambi
Zanga sobre Aimé Cesaire.
Nos anos 60 os trabalhos de
Caca D legues, Glauber Rocha e
Nelson Pereira dos Santos sur-
gem no cinema com temas ne-
gros.
QUE
LOMBO
por Éla Samog
Foi não foi nos deparamos com a vida tomando outros
rumos, outros sentidos. É nestes momentos que o meu ser
toma outras dimensões machista e a poesia se revela como
um álibi. Atendendo a pedidos, um poema.
LIGA DE SEDA E PAPEL BÍBLIA
Quando você põe as esporas de prazer
sobre os meus ombros
e mistura teorias marxistas
com o orgasmo do proletariado
confesso que fico meio abismado
...e também rola no meu peito
uma tola confusão entre Sartre e Melchior
que me faz pensentir baixinho:
quem me dera ter um Piaget
para entender esta zona
feita em prol da humanidade/
Mas entre o povo que não goza (?)
e o lucro que não dá para dividir
em momento algum em penso em reagir
dentro dessa intimidade:
quatro paredes, nosso quarto.
Daí, quando você tira a calcinha,
peitinhos arrebitados,
hálito quente no meu hálito,
te destrói aquele hiato de ser sem sermos,
e somos muito mais que um ato de amor
no amor que a gente faz sem teorias.
Somos mais que pele à pele à poesia
ternura, suor, cio das cores, alegria.
Depois... que o mundo
está feito em nós mesmos,
com a tua intimidade
mergulho no meu silêncio
e você com a minha magia
eterniza todos os sonhos.
Respirando no mesmo compasso,
nus, cansados, cheirosos
percebemos que a paixão
não passa de uma mera eternidade
na efêmera loucura dos homens...
e. outra vez o toque, o jogo
o fruto completo de sussuros
se faz nova teoria e nos deixa
exaustos de tanta prática.
REMASCENTES
COLONIALISTAS
Cobra Verde de Werner Her-
zog (1988) e V'a Bon les Blancs
(Marco Ferreri) são citados psHos
que refletem a questão da ima-
gem atual do negro no cinema.
Muitos cineastas brancos nos
anos 80 e 90 se lançam em dire-
ção à imagem do negro herói
histórico contando a vida de
grandes líderes negros.
Cry Freedon a True Story of
Friendship de Sir Richard Al-
thenborough (sobre a vida de
Steve Biko) o líder da consciên-
cia negra na África do Sul mor-
to por tortura em 1977 não é
um filme sobre Steve Biko mas
sim sobre um jornalista branco.
Shaka Zulu série para TV foi
também boicotado.
Mandela de Philip Saville é
considerado insípido.
Alguns cineastas negros saem
ao combate como através do
Cercle Menês, em Paris para dis-
tribuir filmes negros.
Quando poderemos mostrar
um ao outro as nossas imagens?
São graves as conseqüências de
um isolamento.
Artigo de Raquel Gerber
Angra Filmes
Junho/Julho MAIORIA FALANTE Página 5
UM POR TODOS, TODOS POR UM
Todos os dias quase um mi-
lhão de pessoas viajam pelos
trens da Central do Brasil. São
operários, donas de casa, came-
lôs e, por que não, ferroviários e
seus familiares. Para esta catego-
ria profissional o trem não é ape-
nas meio de sustento, mas tam-
bém veiculo de transporte. Seus
locais de trabalho, bem como
suas residências, se espalham ao
longo da via férrea. São portanto
parte do mesmo povo suburba-
no, com seus problemas e an-
seios de uma vida melhor.
Irmãos de sangue e trabalho,
ferroviários e usuários deveriam
ter uma relação de solidariedade.
Afinal de contas compartilham o
mesmo cotidiano e sofrem com
as péssimas condições em que se
encontra a ferrovia. Tem uma lu-
ta comum — a melhoria do trans-
porte ferroviário. Ainda se lê nas
páginas dos jornais que em que-
bra-quebras os parsageiros procu-
raram linchar o maquinista, o-
mo se este tivesse alguma culpa
pelo fato de um pingente ter se
chocado com a rede elétrica ou a
locomotiva ter enguiçado. Em
contrapartida alguns maquinistas
se referem aos usuários como
"suínos", materializando uma
divisão que só interessa aos po-
derosos.
Dividir para reinar sempre foi
uma consigna das classes domi-
nantes. Ela está sendo aplicada
novamente agora, quando o go-
verno lança uma multimilionária
campanha de mídia visando in-
dispor a população contra as gre-
ves nos serviços públicos.
Basta um pouco de consciên-
cia para perceber isso. Quando
os ferroviários se recusam a con-
duzir trens sem condições ou
quando realizam uma greve por
melhores salários estão apenas
defendendo o direito à vida para
si e todos que usam diariamente
o trem. Não é difícil perceber
que com um salário miserável
não há quem possa realizar com
tranqüilidade um serviço de ta-
manha responsabilidade. É claro,
que uma paralisação ferroviária
sempre implica em sacrifícios.
Trata-se porém de uma dificul-
dade passageira que tem como
objetivo acabar com as origens
da dificuldade maior. Parodian-
do o dramaturgo alemão Bertolt
Brecht, poderíamos dizer que se
trata de um mal destinado a aca-
bar com a fonte dos males.
RETRATO FALADO por
Que os vivos se preparem,
porque a morte está che-
gando. Enche a boca de
paz, e assassina Chico
Mendes, operários de Volta Re-
donda ou boias-frias no Lema
paulista; os miseráveis que habi-
tam as ruas morrem de frio e fo-
me, sem que a gente conheça
seus nomes.
Em nome do progresso fabri-
ca modernissimos computadores
e aperfeiçoa a lipoaspiração que
tira a gordura de burguesas barri-
gas, e para os pobres - e por fa-
lar em progresso — hospitais
imundos, sem gaze nem álcool.
Querermos controlar esta si-
tuação exige continência e or-
dem,. Com a mesma facilidade
inventa anticonstitucionais medi-
das provisórias restringindo o di-
reito de greve, e cerca os quartéis
com arames farpados.
Apesar de onipotente, ora
bolas/ também a morte precisa
se defender. Ela sabe que apesar
das prateadas estrelas, o imenso
céu azul, as verdes matas e o bri-
lho amarelo do ouro enfeitaram
nossas terras, seus fanáticos se-
guidores estão navegando num
enorme e perigoso "Bateau Mou-
c/7" de 8.511.965 km2.
Treinando para ações futuras,
camuflada de param 11 itar, e na
calada da noite, poucos dias
atrás, em dois de maio, nova-
Com este tipo de compreen-
são e solidariedade não seria fá-
cil à Companhia Brasileira de
Trens Urbanos manipular a opi-
nião pública, como fez nos dias
4 e 5 de abril, quando aprovei-
tou a recusa dos maquinistas em
conduzirem composições sem as
mínimas condições de segurança
para suspender todo tráfego fer-
roviário e jogar a culpa nos mes-
mos. Quando os ferroviários fa-
zem uma greve, avisam com an-
tecedência e explicam à popula-
ção os seus motivos. Trata-se de
um procedimento que visa à con-
quistar a unidade de que já nos
referimos. Um esforço conscien-
te para unir o povo na luta con-
tra seus inimigos.
Este artigo também faz parte
dessa mobilização. Esperamos
que renda frutos. Há mais de um
século se descobriu que na luta
contra os donos da vida e do tra-
balho o ditado "Um por todos,
todos por um" deve valer plena-
mente.
Luiz Arnaldo Campos
Assessor de Imprensa do
Sindicato dos Ferroviários da
Central do Brasil.
Tupac
mente em Volta Redonda fez
uma reaparição histérica: explo-
diu o monumento que horas an-
tes fora inaugurado em memória
dos três Metalúrgicos assassina-
dos durante a invasão da Compa-
nhia Siderúrgica Nacional (CSN),
em novembro do ano passado.
Teimosamente ela não quer lem-
brar que tudo é parte da "Lei de
Causa e Efeito". A uma ação
corresponde uma reação, nor-
malmente maior que a anterior.
É um jogo perigoso tendo em
conta, principalmente, que cada
vez há menos gente querendo
morrer estupidamente de fome.
Quem viver, verá.
Ondas de greve
Desde o ano 2100 antes de
Cristo ocorre o abandono do tra-
balho por trabalhadores, fenô-
meno hoje conhecido pela pala-
vra greve.
A partir de 1805 o termo foi
utilizado para representar a ces-
sação voluntária, coletiva e tem-
porária do trabalho, pelos traba-
lhadores.
Em 1863, na França, o termo
era usado mais para representar
o ato de permanência de desem-
pregados, protestando, na Place
de Greve, à procura de trabalho.
Nessa época o termo abrangia a
união dos operários que se nega-
vam a trabalhar, enquanto não
lhes fossem atendidas certas exi-
gências.
Na maioria dos países, as gre-
ves ocorriam isoladamente. Ex-
pressavam protestos mais diretos
contra atos específicos ou por
reivindicações imediatas.
No Brasil há quem considere
como primeiras greves de sua.his-
tória os atos praticados pelos es-
cravos ao abandonarem as fazen-
das e campos para formarem os
conhecidos "quilombos". Outros
registros falam de uma greve dos
operários da Casa das Armas, no
Rio de Janeiro, em 1791.
Para aqui vieram tanto o es-
cravo, portador de cultura basea-
da na propriedade comunal,
quanto o colono experimentado
em assalariamento e nas refregas
da luta sindical.
Estudiosos do passado das
"epidemias" de greves falam de
ciclos de calmaria, recuperação,
prosperidade e superprodução,
crise e estagnação, na origem do
sistema de produção capitalista
no mundo. Por ocasião da baixa
dos preços nos mercados e du-
rante os ciclos de crise e estagna-
ção, o operário tinha sempre re-
baixado o seu salário; quando na
elevação dos preços ou nos ciclos
de prosperidade geral, sequer re-
cebia o salário médio que seria
equivalente ao valor de sua força
de trabalho. Daí em qualquer
dessas circunstâncias o operário
ser compelido a lutar. Na primei-
ra para discutir em que propor-
ção reduzir o seu salário, na se-
gunda para discutir como ser re-
compensado, pela prosperidade
geral. Aí estaria a gênese da con-
tradição de interesses que opõe,
desde o advento do capitalismo,
o capital — defensor de maiores
taxas de lucro — e a força de tra-
balho — defensora de maiores ou
reduzidos salários.
Com o passar do tempo o sis-
tema capitalista de produção so-
freu algumas transformações no
movimento geral dos preços, no
Pedro Castro - Sociólogo e Professor da UFF
funcionamento das leis do mer-
cado, na interferência do Estado
sobre este, e no regime de gover-
no. Daquelas ações iniciais, a gre-
ve foi assumindo uma variedade
de formas e tipos. De uma luta
direta e exclusiva contra o pa-
trão capitalista passou também a
se dirigir contra o patrão Estado
ou contra outras entidades inter-
mediárias entre o capital e o tra-
balho. Na história do Brasil po-
de-se apontar pelo menos cinco
grandes "ciclos", "ondas" ou
"epidemias" de greves, a saber:
1917/19, 1946/53, 1959/63,
1978/84 e 1985/1989. Em qua-
tro desses ciclos tentou-se tam-
bém levar a cabo a greve geral,
embora só algumas delas tenham
sido consideradas de caráter es-
tritamente político. No pre-
sente estamos vivendo uma das
mais contundentes ondas de gre-
ve da história do país, inclusive a
atual, têm a ver com a conjuntu-
ra, ascendente ou descendente,
do sistema produtivo predomi-
nante. Atualmente a conjugação
das ações através de certos me-
canismo — relações de intercâm-
bio, monopolização e oligopoli-
zação, administração de preços,
intervenção do Estado e regime
de governo — emprestam novas
particularidades à relação entre o
capital e/ou o Estado e a força
de trabalho, de modo que, inde-
pendente da tendência geral do
ciclo econômico, busca-se man-
ter as taxas de lucratividade ou
os montantes e destinos dos re-
cursos públicos, cujos níveis só
são possíveis à custa da incondi-
cional compressão dos padrões
salariais vigentes.
Assim os ciclos econômicos
que estão por trás das "ondas"
de greves em países como o Bra-
sil, apresentam a constante de
garantirem certos patamares de
realização do processo de acu-
mulação de capital e rumos de
desempenho dos governos. Nes-
se sentido, tais "ondas" ou
"epidemias" de greves, têm re-
presentado muito mais o papel
de equilibradoras entre os pa-
trões privados, públicos ou semi
públicos e os trabalhadores. Com
isso essas "ondas" de greves no
país, têm sido o principal amor-
tecedor que tem evitado a agu-
dização explosiva da luta de clas-
ses. É como se os trabalhadores
em geral fossem premidos a man-
ter o mesmo nível de luta, seja
na ascensão ou no declínio do
capitalismo brasileiro, para não
levarem mais prejuízos. E entre
os meios possíveis dessa luta, na
conjuntura, a "onda" de greves,
por paradoxal que pareça, é o
substitutivo da convulsão social.
Página 6 MAIORIA FALANTE Junho/Julho
PROSTITUTAS
Uma questão de direito
Reportagem de Togo loruba
e Eliane Souza » Edição de
Texto Uelinton Frarías Alves
Não muito distante do centro da cidade, localizada entre o velho Mangue e a
Praça Onze, antiga Zona do Baixo Meretrício está a Associação das Prostitu-
tas do Estado do Rio de Janeiro, fundada a 29 de setembro de 1988, em Vi-
la Mimosa, cuja presidência vem sendo exercida por Euridice Francisco Coe-
lho, 42 anos, mais conhecida como Eunice, que, embora hoje se mantenha afastada
profissionalmente da prostituição, lidera inúmeras mulheres do ramo, independente
da raça, cor, ideologia e credo religioso, implementando um trabalho cercado de uma
luta que teríta ser reconhecida por garantir uma melhor proposta de relacionamento
entre elas e o estado, como um todo, a sociedade e as entidades progressistas do país,
como é o caso da CUT. Da sede da entidade, na já famosa Vila Mimosa, onde se loca-
liza a TV RIO, Eunice é convincente no seu ponto de vista a respeito da legalização e
organização da classe a qual está representando.
Eunice é dessas mulheres
que não abandonam facil-
mente a briga. Já na funda-
ção da Associação, ela diz:
"Nós (ela e outras compa-
nheiras, como a Gabriela
Leite, hoje representante da
categoria à nível nacional)
reunimos a Comunidade e
pessoas de fora, e fundamos
uma diretoria que foi apro-
vada por unanimidade, re-
corda. Segundo ainda Euni-
ce, a entidade vem existin-
do de "fato" mas não juri-
dicamente porque há uma
Eunice (assinalada) e sua diretoria
barreira legalista "dificul-
tando o registro." Tudo isso
faz parte de um grande pre-
conceito" embutido na so-
ciedade com relação ao tipo
de atividade que exercem.
A idéia de criação da entida-
de foi incrementada quando
da realização do 1.° Encon-
tro Nacional de Prostitutas,
Centro do Rio de Janeiro,
1987, embora ela esclareça
que tudo teve início a partir
da ameaça da evacuação so-
frida pela classe, durante a
implantação da TV Rio,
atual canal 13, na área do
Estácio. Daí em diante o
movimento de prostitutas
cresceu.
Quanto à força do movi-
mento no tocante a integra-
ção com outros segmentos
sociais, como os "gays", os
ecologistas, as entidades que
atuam na área da reivindica-
ção dos direitos humanos e
na esfera política no comba-
te à discriminação de toda a
espécie, Eunice revela que a
maior resistência tem surgi-
do quando se reúnem, para
discutir interesse comum
com os grupos "feministas"
e com o movimento de mu-
lheres negras: para Eunice
falta "maturidade política"
para esses grupos que "as
discriminam pelo modo de
ganharem a vida.
QUESTÃO
EDUCACIONAL
Com projetos para desen-
volver também na área de
educação, a presidente da
Associação de Vila Mimoso,
garante que vai retomar as
antigas propostas de alfabe-
tização realizada em 87 da
área de psicologia da UERJ,
que foram levadas junta-
mente com Ricardo Vieira
Alves de Castro, Cirsa Na-
varro Vital Brasil e outros
professores da Fundação
Getúlio Vargas, com aulas
Não ao racismo e ao sexismo
A UNESCO realizou
pesquisas sobre desi-
gualdades sexuais e
o papel dos livros e
manuais escolares na manu-
tenção de estereótipos se-
xuais em sete nações de
Continentes, raças e costu-
mes diferentes. O livro, re-
sultado deste trabalho está
sendo lançado em São Pau-
lo/SP, pela Socióloga fran-
cesa Andrée Michel.
A questão do racismo e
sexismo aqui no Brasil, tem
que ser trabalhado de forma
intensa, pois observa-se nos
manuais escolares atitudes
descriminatórias e precon-
ceituosas. A nossa criança
negra, por exemplo, não se
identifica com os persona-
gens das Cartilhas escolares
e nas propagandas, pois o
modelo é sempre criança
loira de olhos azuis. Tam-
bém encontramos livros on-
de mostra o pai sentado, as-
sistindo TV, a mãe cuidan-
do da criança ou costuran-
do e a empregada, sempre
uma negra, na cozinha.
A mulher é sistematica-
mente enquadrada em pa-
péis de servidão e em segun-
do plano. É importante que
o estado atente para a ques-
tão e que promovam a mo-
dificação dos livros escola-
res e que não só a UNES-
CO, intelectuais ou poetas,
mas que todos nós, lutemos
por uma Sociedade mais
igualitária.
Suely Mathias Alves
— Agente da Pastoral dos
Negros - MG
dadas na época, na quadra
da Escola de Samba Está-
cio de Sá.
0 Projeto que teve cur-
ta duração, atingiu certo
êxito ao conseguir alfabe-
tizar pessoas da comunida-
de ligada à Vila Mimosa,
que nunca freqüentaram
uma sala de aula. A Associa-
ção já vem debatendo a re-
tomada do curso, extinto
em decorrência da polêmica
criada e da necessidade de
garantir o espaço e a sede da
entidade, cobiçada pelos
proprietários da TV-RI O,
que queriam tomá-lo para
uso daquele Canal.
Outro fator que determi-
nou a parada das aulas foi as
dificuldades dos professores
em chegar ao espaço para le-
cionar. Na opinião de Euni-
ce, "os professores têm mui-
tas barreiras para entender o
código da comunidade",
ela afirma que "por mora-
rem na sua maioria, na zona
sul têm estilo de vida dife-
rente dos nossos morado-
res", define.
Neste momento está sen-
do feita a restauração da se-
de da entidade, para que se
possa, dar início às aulas pa-
ra a comunidade na Vila Mi-
mosa.
Eunice procura encami-
nhar a legalização da prosti-
tuição como profissão para
que as mulheres possam ter
garantidos todos os direitos
trabalhistas, defendidos na
nova Constituição. Nesse as-
pecto, diversas discussões
têm sido desenvolvidas, no
sentido de por em prática,
o maior anseio da categoria.
A Associação congrega
hoje, mulheres de 18 a 45
anos, as quais trabalham na
área da entidade e são como
qualquer outras mulheres
que mantém família, filhos
e outras encargos sociais.
As dificuldades, como de
praxe, tem sido muitas, en-
tretanto Eunice demonstra
convicção de que ao con-
quistar a legalização poderá
trazer à sua luta uma série
de benefícios.
Segundo ela, "importan-
te de tudo isso é a união
que hoje tem sido maior e o
respeito conquistado em to-
do o Brasil e no exterior."
O crescimento do interes-
se da organização e da sindi-
cal ização desta categoria é a
obstinação de uma classe no
sentido de competir em pé
de igualdade com os demais
segmentos e entidades, na
luta pelo direito à sua cida-
dania plena.
Participantes do Encontro: Mais Consciência
Movimento de mulheres
negras, revendo a
organização
Bevelando um alto ní-
vel de trabalho e or-
ganização, fruto dos
anos de luta do Mo-
vimento de Mulheres Ne-
gras, as participantes da co-
missão da mulher negra na
sociedade, do III Encontro
Estadual de Negros, do Rio
de Janeiro, marcaram forte
sua presença. Por ocasião do
encontro receberam o infor-
me de que o texto para dis-
cussão da comissão trabalho
e sub-emprego discriminava
abertamente a mulher, re-
forçando literalmente toda
uma ideologia machista.
"A dominação que uma
classe ou um determinado
grupo social exerce sobre
os demais segmentos sociais
numa sociedade como a que
vivemos, se materializa atra-
vés da força e da ideologia.
Uma é facilmente perceptí-
vel, pois nos atinge de for-
ma direta contra nossos cor-
pos. A outra não é tão per-
ceptível assim na medida
em que é direcionada para
um aspecto subjetivo do ser
humano: sua consciência.
Na primeira, o inimigo se
apresenta na nossa frente tal
como ele é, mesmo que par-
cialmente. Na segunda, ^co-
mo uma bela mulher porta-
dora de uma doença vené-
rea, que se reveste de toda a
sua sensualidade, com o úni-
co objetivo de transmitir
sua doença para todos os
homens. A verdade passa a
ser mentira e o inimigo se
apresenta de forma mascara-
da e invertida."
Diante desta constatação,
não houve dúvidas quanto
ao posicionamento, e a co-
missão denunciou nas plená-
rias, levando-as à reflexão e
avaliação do fato, exigindo
explicações da secretaria or-
ganizadora do tll Encontro,
enquanto responsável pela
seleção dos textos e docu-
mentos distribuídos para
trabalho das comissões e a
retratação do autor do tex-
to, Aderaldo Pereira dos
Santos (Gil, no MN).
Na plenária final. Helena
Maria de Souza, do Nzinga-
Coletivo de Mulheres Ne-
gras leu em nome da comis-
são a moção de repúdio:
"Exigimos respeito ao
Movimento de Mulheres Ne-
gras que ele não seja visto
como um movimento de
lésbicas, prostitutas, vicia-
das e mal-amadas, como
vem sendo difamado por al-
guns homens do Movimento
Negro e por algumas compa-
nheiras de sexo que ainda
não descobriram que são
mulheres. No Movimento de
Mulheres negras tem tudo
isto sim, como tem entre os
homens, porque fazemos
parte da sociedade, mas ele
é um movimento de defesa
de todas as mulheres, inde-
pendente de suas opções
MAIORIA FALANTE Página 7
Mulheres
morrem de parto
pessoais. Para concluir que-
remos deixar registrada a de-
núncia do pensamento atra-
sado que permanece ainda
em alguns de nossos compa-
nheiros que, infelizmente;
colocam-se na direção dos
trabalhos e promovem uma
visão da mulher como sendo
o ser de mal, o inimigo, o
pecado.
Não podemos admitir
que dentro do movimento
negro sejam reproduzidos
valores bárbaros de discri-
minação e coisificação do
sexo feminino como em
comparações como esta. é
necessário abrir nossas men-
tes em todos os ângulos não
só no que nos atinge direta-
mente.
Através desta crítica cons-
trutiva pretendemos acertar
a comunidade negra para
que ela cresça sem ranços de
qualquer espécie a fim de
que possamos transformar,
alterando-a em todos os
seus aspectos negativos. A
união do Movimento Negro;
portanto, é imprescindível,
homens e mulheres juntos
para a derrubada do sistema
que persiste em nos margi-
nalizar, oprimir e esmagar.
Juntos na conquista maior
da abolição do preconceito
racial, da valorização do ne-
gro como sujeito da Histó-
ria".
Comissão da Mulher Negra
na Sociedade
III Encontro Estadual
de Negros do RJ.
A partir do V Encontro
Internacional de Mulher
e Saúde, realizado em
Costa Rica, em 1987,
levai itou-se o véu de mais uma
dramática realidade vivida pelas
mulheres do terceiro mundo: um
milhão de mulheres morrem em
decorrência de mau atendimento
à gestante, aborto, parto e puer-
pério.
A situação é de calamidade
pública e se agrava com a cons-
tatação de que essas mulheres es-
tão morrendo em plena juventu-
de e por causas evitáveis. "Estu-
dos de nove países apresentados
na reunião da OMS-Organizaçao
Mundial de Saúde, sobre a pre-
venção da mortalidade materna,
indicaram que 88 a 98% das mor-
tes teriam provavelmente sido
evitadas por cuidados apropria-
dos... é por esse motivo que a
OMS está recomendando que os
índices de mortalidade materna
sejam incluídos entre os indica-
dores mundiais de saúde. Assim
como o índice de mortalidade
infantil, o de mortalidade mater-
na é altamente revelador das
condições gerais de vida da po-
pulação e da qualidade dos servi-
ços de saúde, e aponta enormes
disparidades entre países, entre
classes sociais e provavelmente
etnias". (*)
As estimativas da OMS são
alarmantes e sabemos que não
inferiores à realidade, já que é
significativo o sub-registro de
morte materna. Aqui no Brasil,
o movimento feminista e os con-
selhos populares de saúde têm
denunciado, com freqüência,
mortes decorrentes de parto que
não são registradas. Para citar
apenas um exemplo, em março
de 1987, em Duque de Caxias -
RJ, três mulheres morreram por
ocasião do parto e nos atestados
de óbito a "Causa Mortis" apare-
ce como "Insuficiência Cardíaca,
Insuficiência Respiratório Aguda
e Edema do Pulmão".
Além disso, deve-se levar em
conta que é ainda maior o núme-
ro de mulheres que em conse-
qüência de problemas na gravi-
dez, parto ou aborto, adquirem
seqüelas graves para o resto de
suas vidas: são fístulas vaginais,
infecções pélvicas crônicas, este-
rilidade, etc... Estima-se que, pa-
ra cada mulher que morre, em
conseqüência do mau atendi-
mento, quinze ficam com pro-
blemas graves de saúde.
Enquanto nos países indus-
trializados a taxa de mortalidade
materna, no Brasil tem sido dras-
ticamente reduzida nos últimos
vinte anos, mesmo com as precá-
rias estatísticas disponíveis, veri-
fica-se que, entre 1962 a 1986,
só no Município de São Paulo —
SP a mortalidade materna au-
mentou em 13% (treze por cen-
to).
Ao se tratar sobre a mortali-
dade materna, não poderíamos
deixar á margem a questão da
contracepção e da esterilização.
A contracepção tal como é vivi-
da no Brasil, é hoje um fator de
risco de vida ou de danos crôni-
cos à saúde da mulher. 0 não
atendimento à mulher em todas
as fases da sua vida pela Rede
Pública de Saúde, tem como re-
sultado uma utilização indevida,
e quiçá criminosa de anticoncep-
cionais.
A esterilização que atinge
hoje 44,4% da população femi-
nina em idade fértil, compõe o
quadro calamitoso da saúde da
mulher em nosso país. Tem sido
constantes as tentativas de im-
plantação de programas de con-
trole da natalidade através de di-
ferentes meios e métodos. A Re-
de Pública e instituições priva-
das, financiadas por capital es-
trangeiro, vem promovendo ir-
responsavelmente ligadura de
trompas através de iniciativas
não oficiais. Muitas mulheres
desconhecem inclusive o caráter
irreversível desta cirurgia.
A onda controlista e esterili-
zadora é tão grande que mesmo
com estas cifras alarmantes, ain-
da há quem queira, como o Ve-
reador da Cidade do Rio de Ja-
neiro-RJ, Jorge Pereira, promo-
ver programas de esterilização.
Em Projeto de Lei, recentemente
apresentado à Câmara Municipal,
Jorge Pereira (PASSART-RJ),
pretende promover a "Laquea-
dura Tubária" de mulher de "bai-
xo poder aquisitivo".
É com indignação que mais
uma vez denunciamos os que
pretendem reduzir o contingente
de pobres, através do Controle
da Natalidade. Esta medida, além
de promover a discriminação ao
direito de maternidade das mu-
lheres pobres e negras, em nada
altera o mdice de pobreza das
populações. Sabemos que as ta-
xas de fecundidade e natalidade
vêm declinando nos últimos vin-
te anos, mesmo periodo em que
aumenta assustadoramente a po-
breza.
Portanto, o que necessitamos
não é de esterilização e sim de
melhores condições de vida e
atendimento adequado à mulher
em todas as fases de sua vida.
Somente garantindo direitos
básicos de cidadania estaremos
no caminho da redução das taxas
da mortalidade materna e infan-
til e de uma vida digna para as
mulheres brasileiras.
ClCarmen Barroso in Morte e
Gênero: "Em que diferem as
mortes de mulheres e homens?".
Angela Borba — Prof. a militante
do Grupo Nós Mulheres
por Maria José
Lopes da Silva
A função que vão desempe-
nhar na idade adulta não depen-
derá mais da sua origem de classe
mais do seu mérito individual.
Este juízo negativo que o pro-
fessor forma do aluno manifesta-
se de duas maneiras: objetiva e
subjetivamente. No primeiro ca-
so, através de notas, conceitos e
comentários, mfmicas de desa-
grado, irritação, intolerância,
através do desprezo que passa,
etc... Por isso é muito comum
adultos atribuirem-se a si mes-
mos por não terem conseguido
estudar: "Não aprendi nada na
escola porque era burro, não ti-
nha cabeça para estudo". Quan-
do se sabe que o insucesso da
aprendizagem tem dois lados: o
de quem recebe e o de quem
transmite. Não queremos com
isso crucificar os professores,
mas isentar o sistema educacio-
nal como um todo da responsa-
bilidade pelo fracasso da maio-
ria das nossas crianças, é um
equívoco. Então, o que estamos
vendo é que o critério do mérito
pessoal desencadeia reações de
MAIORIA FALANTE
Junho/Julho
O critério do mérito individual - II
automatismos que podem ser
para mais ou para menos no primeiro
caso, quando o aluno, estimulado,
vai rendendo cada vez
mais porque se adapta mais facilmente
ao estilo de trabalho do
professor e à sua pessoa, e, o segundo
caso, o contrário. Portanto,
o que queremos mostrar é
que a autovalorização e a auto-
"maus" alunos e "inadaptados".
O que queremos mostrar é que a
escola efetivamente não tem
cumprido a sua dupla função.
Ela tem funcionado muito mais
como reprodutora da ideologia
do grupo dominante do que como
difusora do saber. Na verdade,
ela cumpre conhecimentos
apenas para uma minoria que
pedagógico quanto ideológico,
aliás, o próprio conteúdo transmitido
não seja desligado da prática,
mas que parta da realidade,
da vivência, da experiência do
educando. Que seja uma escola
que ensine, sobretudo, a pensar,
raciocinar, desenvolver o juízo
crítico, conhecer a realidade em
não poderá ser oficializada porque
entrará em contradição com
o projeto da sociedade em que
vivemos.
0 Professor é levado sempre
a fazer uma escolha: contra ou a
favor do aluno. E esta escolha
não implica apenas também, e
sobretudo, uma visão ideológica
diferente. Por último, importandesvalorização
têm como função pode "fazer carreira" através da
te frisar que a ideologia da auideológica,
através do critério do escolaridade que recebe, porque
todesvalorização é uma faca de
mérito pessoal, preparar os alu- para a maioria, nossa escola é
dois gumes: pode levar à possinos
ou para serem dominados ou uma fábrica de obstáculos, ao in-
bilidade mas também à revolta.
para serem dominantes neste ti- vés de funcionar como uma linha
A revolta individual, nós, profespo
de sociedade em que vivemos. auxiliar de superação de dificul-
sores, conhecemos bem. E aque-
Pois numa sociedade competi- dades. Urge, portanto, uma mu-
le aluno que depreda a escola, é
tiva como a nossa, a escola tam- dança de atitude, que eu diria,
antisocial, agressivo... Freqüentebém
é competitiva porque nela primeiramente, de caráter ideo-
mente a raiz desse comportasó
se dão bem os "melhores", e é lógica, e depois, de caráter peda-
mento está na maneira como a
neste tipo de escola que os filhos gógico. Esta mudança implica
escola trata este aluno. Sabemos
da burguesia descobrem, muito numa série de posturas que pos-
que esta revolta pode ser canalicedo,
a sua "superioridade" e o sam, efetivamente, encarar o fi-
zada de uma forma coletiva, desfilho
do trabalhador, a sua "infe- lho do trabalhador para o nosso
de que o indivíduo tenha uma
rioridade". Portanto, o critério
do mérito individual tendo como
conseqüência a autodesvalorização
e autovalorização, tem como
objetivo perpetuar a origem de
classe dos alunos, eliminando,
sobretudo, daquele contexto escolar
o "mau" aluno. Sim, porque
se formos consultar as estatísticas
mais recentes, aqueles
que reincidem na mesma série,
que se evadem da escola, são
principalmente, os rotulados de
desenvolvimento. É necessário
que se reconheça o seu direito
em adquirir conhecimentos. É
preciso que o professor se despreconceitue
em relação a este
fundamental importância para
o processo de transformação
desta sociedade, que o filho do
trabalhador tenha acesso ao saber
elaborado da escola. É necessário
também que haja mudança
quanto à forma de se transmitir
o conhecimento, tanto a nfvel
que se vive e suas contradições.
Não se trata de uma pedagogia
de compensação, quer dizer,
transformar o filho do trabalhador
em burguês. Aceitando que
diferença não é inferioridade,
pensamos que uma nova pedagogia
terá que ser formulada.
Ela não sairá de gabinetes nem
de cabeças iluminadas, mas do
confronto. Confronto de idéias,
saberes e experiências. E ela
consciência crítica dos seus problemas.
"Por que a escola funciona
assim? A que interesses
serve? Qual o papel do trabalhador
do contexto da escola e da
sociedade? Que sociedade temos?
Que sociedade queremos?
"Respondendo com os nossos
alunos a estas e outras indagações
será possível, então, transformar
a escola, e, transformando-a,
estaremos também transformando
a sociedade.
O que vale um livro didático
As despesas com material es-
colar têm sido para grande parte
das famílias brasileiras um verda-
deiro rombo no orçamento.
Quem tem três filhos cursan-
do o primeiro grau e possui ren-
da entre três a dez salários míni-
mos teve de se endividar no iní-
cio do ano para comprar o mate-
rial pedido pelas escolas.
Uma lista de material conside-
rada simples tirou pelo menos
NCz$ 300,00, da família, sendo
que os gastos com os livros didá-
ticos foram somados à parte.
Na opinião de vários pais é
um absurdo que os livros didáti-
cos usados por um filho não pos-
sam ser reaproveitados por outro
no ano seguinte. Reclamam que
os livros ficam imprestáveis pois
a criança escreve diretamente ne-
les, obrigando-os a comprar os
mesmos livros por vários anos
seguidos. É um verdadeiro pe^
no orçamento familiar e a única
utilidade, que por sinal traz o
péssimo hábito de destruir livros,
é usá-los em trabalhos escolares
recortando suas figuras para ilus-
trar cartazes e cadernos.
Em relação aos livros de lite-
ratura solicitados pelos professo-
res, não existe queixa, muito pe-
lo contrário, revelou-se interesse
e esforço para a aquisição dos
mesmos, ainda que isto signifi-
que gastos extras. Um único
questionamento é quanto ao real
aproveitamento deles na sala de
aula.
Concluindo, aluno filho de
pais com salário mínimo não
tem como adquirir um livro pa-
ra acompanhar as aulas, uma vez
que o dinheiro estará certamente
destinado à comida da família e
também não poderá recorrer a
uma doação de livros usados por
outros porque estes são descartá-
veis e ficam inutilizados.
Podemos afirmar que o livro
didático na maioria das vezes va-
le a reprovação de milhões de
crianças brasileiras já no momen-
to em que a escola permite que
o professor entregue'a lista de
material escolar e de livros didá-
ticos^
(Matéria elaborada a partir da
pesquisa feita pela professora
Marilena Anésia Abrahão).
ALFABETIZAÇÃO: TODOS SÃO IGUAIS
PE RANTE A LEI?
Constituição da República Federativa do Brasil — 5/10/1988
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil.
IV Promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Confrontando as afirmações
encontradas na nova constitui-
ção brasileira com a realidade de
escola que conhecemos e acom-
panhamos através da história,
pensamos que há ainda um cami-
nho grande a construir. Estamos
certos de que o que vai determi-
nar uma mudança substancial
será a vontade pública e política
de nossa sociedade.
De total de crianças matricu-
ladas em nossas escolas, uma
média de 40% é descartada pela
evasão e repetência na passagem
da l.a para a 2. a série. Esse per-
centual é constituído basica-
mente pelas camadas de baixa
(e/ou baixíssima renda) de nossa
população, faixa onde estão con-
centrados negros, mestiços, nor-
destinos, pessoas que historica-
mente têm sido colocadas à mar-
gem da vida, vida aqui no senti-
do definido, minimamente, em
relação à qualidade: falta de con-
dições decentes de habitação, de
saúde, sem vez na escola, sem di-
reito à cidadania.
Art. 5.° "Todos são iguais pe-
te a lei, sem distinção de qual-
quer natureza" (?)
A partir dos anos 70, as ciên-
cias mais estreitamente ligadas à
questão da educação têm apro-
fundado as pesquisas e o estudo,
favorecendo uma melhor com-
preensão desse distanciamento
escola-sociedade.
Lingüisticamente, nfo existe
língua "boa" ou "ruim", "culta"
ou "inferior" logo as variantes
de língua falada pelos nossos
alunos (principalmente aqueles
provenientes das classes sociais
mais baixas) são variantes legíti-
mas e que, portanto, devem ser
consideradas pela escola. Ao dis-
criminarmos o modo de falar dos
alunos, estamos discriminando
não só essas pessoas, mas toda
uma comunidade falante dessa
variante lingüística e muito mais:
todos os conteúdos, os anseios e
a vida de um grupo que através
dela são veiculados, representan-
do a cultura e a identidade do
grupo que a utiliza. A variante
padrão da língua deve ser traba-
lhada pela escola como mais uma
forma de expressão pelo que re-
presenta na nossa sociedade: ins-
trumento utilizado pela classe
dominante, impregnado de con-
teúdos valorizados e legitimados
há anos por essa classe, principal-
mente como forma de domina-
ção, valendo como reflexo do
poder e da autoridade que a mi-
noria dominante têm nas rela-
ções econômicas e sociais. Toda
a sociedade precisa "dominá-lo"
como uma ferramente de sobre-
vivência e de reversão da domi-
nação que é reproduzida na es-
cola quando ela se fecha, man-
tendo e refletindo as desigualda-
des sociais.
Art. 210 "Serfo fixados conteú-
dos mínimos para o ensino fun-
damental de maneira a assegurar
formação básica comum e res-
peito aos valores culturais e ar-
tísticos, nacionais e regionais."
(?)
É na discussão dos usos so-
ciais das variantes lingüísticas
na/pela escola que contribuímos
para criar uma escola mais verda-
deira, mais honesta, mais ligada
á realidade, no sentido de que es-
ta é uma das heterogeneidades
que a escola mais pode trabalhar.
Art. 5.°
XIV - "É assegurado a todos
o acesso à informação." (?)
No campo da aquisição da es-
crita, as conclusões das pesquisas
da psicóloga argentina Dra. Emí-
lia Ferreiro desmascaram a tradi-
cional "incapacidade" de apren-
der a ler e a escrever. Ao partir
de como a criança aprende (e
não de como se ensina). Ferreiro
comprova que a língua escrita,
enquanto objeto cultural do co-
nhecimento, não requer uma
aprendizagem mecânica, mas
sim, conceituai e que a criança
inicia esse processo antes mesmo
de entrar para a escola, formu-
lando hipóteses sobre a escrita.
Resgata-se então o aluno pensan-
te e esse resgate força um outro:
o do professor pensante.
Cecília Maria Goulart Pacheco
JMF - O Estado é incompeten-
te?
MIGUEL - É ilusório pensar
que o Estado esteja se tornando
incompetente. A Educação co-
mo instrumento de manutenção
do poder é historicamente regis-
trada no Brasil. Ela continua na
mão de quem comanda o jogo e
o Estado sempre se prestou a is-
to.
ELY - Num país onde as verbas
para a educação são distribuídas,
em seu destino e quantidade e
não se investe na Escola, a quem
interessa alfabetizar? Que cida-
dão desinformar?
ELIANE - Não existe incompe-
tência. A Escola reproduz o Es-
tado. Ao aluno da classe popular
é negada a informação que pode-
ria favorece-lo socialmente.
TOGO — A incompetência pode
ser em nossa visão, enquanto
oprimidos, o Estado é competen-
te quando oferece uma escola
que atende aos interesses de uma
oligarquia e usa a educação co-
mo instrumento de coerção, co-
mo componente do controle so-
cial.
MIGUEL - A burguesia é o Es-
tado. A Escola privada sempre
deu conta da Educação de acor-
do com os interesses desta classe.
Em relação ao público, o Estado
centraliza os recursos técnicos-
financeiros, aposta na fragilidade
dos municípios em todos os ní-
veis, na saúde e na educação.
JMF — O modelo de Educação
brasileira em seu processo de ai-
fabetização teve alguma evolu-
ção?
ELIANE - O processo de Alfa-
betização de alunos com até sete
anos de repetência, proposto pe-
lo programa especial de educa-
ção no CIEP - Presidente Agos-
tinho Neto, no bairro do Humai-
tá-RJ, foi sofrendo um desgaste
por causa do abandono do Go-
verno Estadual e Municipal.
MIGUEL - Isto bate com a ques-
tão da incompetência do Estado.
Você tem espaço para trabalhar,
mas não tem os recursos. 0 pro-
jeto que trabalho na Baixada
Flumlnense-RJ tem o respaldo
da Igreja e do Movimento Popu-
lar.
Os Técnicos da Fundação da-
rão assistência ao pessoal, mas
não existe verba para material,
transporte, treinamento e capaci-
tação.
Logo, a nossa atitude é arcar
com os custos...
ELIANE — Um prédio escolar
com problemas com instalações
MAIORIA FALANTE Página 9
EDUCAÇÃO: GOLPE
MESTRE DAS ELITES
elétricas, falta de água, etc, po-
de interferir na alfabetização
da turma...
MIGUEL - Mesmo o aluno con-
siderado renitente, intratável, no
momento de aprender, se dentro
de sua comunidade, ele vai parti-
cipar e constrói junto. O sistema
está montado para boicotar a
cultura subterrânea, as formas
próprias de aquisição de conheci-
mento que a população tem. Os
cursos específicos, as faculdades
de educação, os pós-graduações,
as pesquisas educacionais, não
estão voltadas para a realidade
da relação Escola-Aluno-Comu-
nidade.
JMF — Qual a distância entre a
criança da escola pública que
não se alfabetiza e o adulto que
se matricula no curso de alfabe-
tização supletivo?
MIGUEL — Não existe distância,
os dois são submetidos a um mo-
delo de escola que os ignora, são
fadados a passar por ela e sair
frustrados. Os dois são condena-
dos pela escola.
ELY - A formação do professor
é desvinculada da realidade que
o espera na escola pública. Os
clientes são diferentes do ideal
construído e o professor não en-
tende suas necessidades e nem se
dá tempo para isto.
Alguns utilizam a escola nor-
mal como trampolim para outros
cursos e atividades. Eles passam
pela escola, e mesmo os mais es-
clarecidos vêem a escola como
um poder, acreditando que ela é
demoaática e cumpridora de seu
papel.
"A formação do profes-
sor é desvinculada da reali-
dade que o espera na escola."
ELIANE — Um professor de
Educação Física dos alunos do
Projeto Juvenil do CIEP em Hu-
maitá-RJ, levou a turma para as-
sistir à um Vídeo sobre o Chile.
Neste vídeo apareciam vários
agricultores mostrando seu tra-
balho na terra.
Um dos alunos estabeleceu
um elo com as palavras e letras
que o professor aproveitou do
vídeo, porque elas retratavam
sua vivência com a terra lá no
Nordeste. Iniciou-se então seu
processo de alfabetização. Se
não houver esta ponte com a rea-
lidade do aluno, a escola vai mas-
sacrar tanto aos sete anos quanto
aos 15 anos, 20 anos, 30 anos.
JMF — Qual a responsabilidade
civil do Professor diante desta
problemática?
MIGUEL
0 Professor é um inocente útil,
vítima do sistema que ajuda a
perpetuar. 0 professor não des-
cobriu que está a serviço de uma
população diferente da que idea-
lizou.
por Togo loruba
Êle Semog
Slians Souza
0 Sistema montado pelas elites brasileiras, no sentido de garantir o acúmulo de
renda e saber, produzido pelas classes dominadas, se faz sentir em todos os
setores da atividade nacional. A Educação tem sido um instrumento de com-
petência maquiavélica por parte do Estado — aparelho ideológico de domina-
ção da oligarquia etnocéntrica — onde de forma perversa e discriminatória, atende á
interesses antipopulares. O não acesso da maioria, á formação e á informação tem
contribuído cientificamente para a alienação dos direitos de cidadania do povo.
Por isso, ficamos diante de uma Escola caracterizada pelo pressuposto de igualda-
de para todos, cujo professor se conflitua com a realidade social dos alunos e a retóri-
ca ideológica do Estado.
Acreditar em medidas capazes de resgatar a qualidade do ensino e o atendimento
da valorização do educador, significa incrementar uma política de Educação alterna-
tiva mediante um suporte ideológico transformador.
O MAIORIA FALANTE, neste número apresenta um debate onde os professores
Ely Gomes, Eliane de Souza, Miguel Farah e Togo loruba, põem em cheque questões
que afligem aos educadores, pais e alunos. Vamos conferir.
"O Sistema é perverso,
está montado para boicotar
a cultura subterrânea que a
população tem." •
TOGO — Podemos ver de duas
formas: A primeira é o seu en-
quadramento através das pro-
postas dos aparelhos ideológicos
do Estado brasileiro, que não
atendem ao povo ou, então sua
insubordinação civil, rejeitando
este enquadramento e partindo
para propostas alternativas de
educação e de Escola brasileira.
ELY — é difícil o professor sa-
ber o que o povo quer... Ele des-
conhece no geral esse povo...
"A autogestão possibilita-
ria um maior poder de pres-
são, maior controle, maior
exigência da população."
JMF — E a produtividade da Es-
cola?
ELY — A escola não se respon-
sabiliza pelo que acontece. Ela
é aberta e o professor democra-
ticamente distribui conhecimen-
to. Aqueles que infelizmente não
aproveitarem não é de sua res-
ponsabilidade, a incapacidade é
do aluno. Ela tem um pressupos-
to de igualdade para todos...
ELIANE - Aí está a grande com-
petência do Estado e o grande
papel da Escola reforçando e re-
produzindo o Sistema e produ-
zindo mão-de-obra para ser ex-
plorada.
MIGUEL — Contribuindo para
que o povo fique prejudicado na
origem, que se considera de se-
gunda categoria. Que acredite
nisto. O filho de classe popular
que repete o ano, é imediata-
mente tirado da Escola e vai pa-
ra o trabalho. O da burguesia, o
pai muda de escola ou questiona
a educação oferecida.
MIGUEL — A concentração do
modelo brasileiro não é só na
Economia, não se deu somente
y s-
em relação aos recursos finan-
ceiros, se deu com a produção,
com a tecnologia e também com
a educação.
São quatro mil municípios
que necessitam de reestrutura-
ção, de repasse de verbas.
Em recursos humanos temos
muita gente boa, com visão geral
em Educação, mas estão disper-
sos. Existe um excelente quadro
formado através de Projetos de-
senvolvidos pelo MOBRAL,
Rondon, L.B.A., EDUCAR e
que foi desmontado. A falta de
visão geral da realidade das dife-
rentes áreas do Brasil, tem con-
tribuído para a irresponsabilida-
de civil do professor.
"O pai não se sente á von-
tade para questionar a esco-
la, para interferir nos pro-
cessos da Educação."
ELY — O aluno pobre introjeta
que a escola fez tudo por ele, ele
é que é incompetente, e a famí-
lia se conforma. O pai não se
sente à vontade para questionar
a escola, para inferferir nos pro-
cessos dela.
JMF — Quem lucra com o Anal-
fabetismo?
TOGO — Todos lucram e tam-
bém seus cúmplices. Como po-
demos resolver a questão? Dian-
te desta cumplicidade geral, só
criando alternativa para mudan-
ças...
MIGUEL — O nível de consciên-
cia é pequeno. A mobilização da
população é lenta. O analfabeto
é ingênuo, falta-lhe informação,
sentido coletivo na maioria das
vezes, isto diminue a força de
pressão. Cultiva-se o analfabetis-
mo para que não se mude as re-
gras do jogo. A autogestão pos-
sibilitaria um maior poder de
pressão, maior controle, maior
exigência da população.
ELY — É possível autogestão
sem modificação da estrutura do
poder?
MIGUEL — Não, e esta modifi-
cação depende da organização
da população. O fenômeno edu-
cativo não fará revolução, mas
despertará nas pessoas uma asso-
ciação de idéias a coisas relativas
à sua comunidade.
JMF - E a descentralização? Sig-
nifica transferência da responsa-
bilidade, um mecanismo de ma-
nutenção do poder ou enfraque-
ceria quem tira lucro do analfa-
betismo.
ELY — A descentralização pio-
rana a situação do povo nos Mu-
nicípios que já estão falidos,
sem recursos em situação caóti-
ca. Não há verbas, não há mate-
riais, há falta de professor. Quem
lucra com o analfabetismo não
ficaria enfraquecido.
Página 10
L igia — Christiano — Madalena — Tânia e João
Equipe do Programa "Chegando no Pedaço"
CHEGANDO NO PEDA-
ÇO: Antropólogo Mis-
cênio Santos, o 13 de
maio é um dia de festa
ou de luto?
Miscênio Santos - Para alguns
grupos religiosos é o símbolo de
uma identidade sagrada, logo dia
de festa. E para o movimento ne-
gro é uma data que não se presta
à construção de uma identidade
positiva, portanto seria o luto.
CP: Religiosidade, como assim?
MS: No campo religioso, é o dia
em que N. Senhora de Fátima
apareceu na cova de Iria, em Por-
tugal, isto para os católicos, no
século XIX. Para a umbanda se-
ria o cuito dos pretos velhos. A
escrava Anastácia também vem
sendo venerada neste dia,
CP: Você falou em escrava Anas-
tácia. Vamos ver com Maria Au-
xiliadora, que é devota de Anas-
tácia, o que ela pensa sobre o fe-
chamento do Museu do Negro,
na véspera do 13 de maio.
DENUNCIA
por Odilon Bernardes- Pres.AMAPAM
Em Itaboraí, o bairro Planal-
to Marambaia, vem sofrendo dis-
criminação: a água
No governo passado, as Secre-
tarias do Estado estavam abertas
para as Associações de Morado-
res.
Com a mudança do governo
em 87, o abastecimento de água
no bairro, foi interrompido, com
a alegação da CEDAE que o abas-
tecimento voltaria ao normal,
quando inaugurado o Sistema
Paraíso de Abastecimento. Em
janeiro 89 a água voltou ao con-
junto residencial de Marambaia,
abastecido duas vezes por sema-
na, através de pipas-d'água, en-
viadas pela CEDAE. 0 restante
da com jmdade, aguarda com
preocupação, sem saber quando
poderá receber o precioso líqui-
do.
Hoje, a água que abastece o
Conjunto, não passa de um "ca-
la-boca", por parte da CEDAE,
pois o Sistema Paraíso, que se-
gundo o governo estadual abas-
MA: O único lugar para se agra-
decer às graças de Anastácia foi
fechado. É um absurdo.
FUNCIONÁRIA DO MUSEU
QUE NÃO QUIS SE IDENTIFI-
CAR: Os padres não aceitam a
imagem da escrava Anastácia na
igreja porque ela não foi canoni-
zada. Os fiéis acham que a Anas-
tácia é uma santa e como conse-
guiram muitas graças, a devoção
aumentou. Acho que por isso é
que a Cúria Metropolitana fe-
chou o museu. Dizem que a Cú-
ria quer tirar todos os santos ne-
gros.
CP: Por falar em religião. Frei
Marcos, como é a atuação da
Pastoral Negra?
Frei Marcos: (Coordenador da
Paróquia de Pilar — Caxias): Na
Igreja é a retomada da revaloriza-
ção do negro, nós como cristãos
e católicos queremos resgatar
nossa cultura negra dentro da
teceria os bairros Marambaia,
Apollo III e Mancha, foi desvia-
da para Paquetá.
Os moradores daqueles bair-
ros são obrigados a comprar água
nos diversos carros-pipas, cuja
água é fornecida' pela CEDAE
gratuitamente; no chafariz de Al-
cântara.
A Associação dos Moradores
Amigos do Planalto Marambaia —
MAIORIA FALANTE Junho/Julho
RE VISITANDO O ^IS'' por
Togo
Entre na onda. Ligue rádio Tamoio-AM e terá a possibilidade de participar do
"Chegando no Pedaço", um programa moderno e interessante que o colocará
na trilha dos movimentos populares. Foi graças a Tânia Coelho e Christiano
Menezes, coordenadora e apresentador respectivamente, que juntos com um
grupo de sociólogos, ativistas e intelectuais, discutiu o significado do "13 de maio".
O que segue é a síntese daquele encontro de afirmação anti-etnocentrista e antico-
lonialista. O "Maioria Falante" na luta pela sistematização da mídia alternativa, che-
ga junto.
Igreja junto com o movimento
J negro.
Membros da Diretoria da AMAPÁM
CP: Você tem tido problemas
por estas atitudes?
FM: Existe na Igreja esta divisão,
a gente sabe que a Igreja do po-
der não aceita toda esta cami-
nhada. Mas, existe uma outra
Igreja que emerge, que é a afro-
latino-americana, a Igreja dos po-
bres, a Teologia da Libertação.
CP: Januário, como você vê isso?
Januário Garcia ( presidente
do Instituto das Pesquisas das
Culturas Negras - IPCN): O Cris-
tianismo só chegou na Europa
400 anos depois dele existir na
África. Havia um tratado secreto
entre o Vaticano e Portugal, on-
de o Vaticano recebia 5% dos lu-
cros obtidos com o tráfico. A
Igreja no Brasil tem uma divida
muito grande com a comunidade
negra.
CP: Frei Marcos, a Igreja que vo-
cê participa tem esta reflexão
que Januário falou. Até que pon-
to esta Igreja poderá prevalecer?
FM: A caminhada hoje na Amé-
rica Latina é uma caminhada ir-
reversível, pode vir o poder de
Roma e Cia Ltda, mas a Igreja de
Jesus Cristo quer ser fiel ao Evan-
gelho.
AMAPAM - espera que o Dr.
Newton Pereira dos Santos, Pre-
sidente da CEDAE, faça cumprir
a promessa de Abastecimento
d'água em 6 meses.
Cinco meses se passaram.
"Cadê"a água?
É importante que essa discri-
minação seja interrompida o mais
breve possível, para que o bem-
estar geral, volte a reinar, no seio
desta população.
CP: Januário, a esquerda já ab-
sorveu a luta do movimento ne-
gro?
JG: Ela é parte formadora desse
racismo como ideologia de domi-
nação, a medida que os partidos
reproduziram os moldes euro-
peus. Ela nunca fez uma reflexão
porque para ela o negro é massa
de manobra, eu não estou em
partido poICtico nenhum, entre a
esquerda e a direita, eu sou ne-
gro. No PDT há a Secretaria do
Negro, no PT tem a Comissão do
Negro, o Negro sabe o seu lugar
nos partidos...
CP: Carlos Moura (Assessor do
Ministério da Cultura p/Assuntos
Afros): Como o Estado viu o
incidente da marcha contra a far-
sa da Abolição no ano passado, e
como vê a Democracia Racial?
CARLOS M.: O fato do Ministé-
rio de Cultura, ter constituído
uma Assessoria Afro-Brasileira,
ter instituTdo um Programa Na-
cional do Centenário da Aboli-
ção da Escravatura (PROCEN),
o fato do poder executivo ter en-
caminhado ao Congresso um
projeto de lei, propondo a cria-
ção da Fundação Palmares, mos-
tra que o Estado Brasileiro não
aceita a falácia da Democracia
Racial.
loruba
CP: Comparam a Fundação Pal-
mares à FUNAI, no sentido de
fiscalizar e controlar o carro, o
que você nos diz sobre isto?
CARLOS M: Não pode existir
nenhuma relação de FUNAI com
a Fundação Palmares, porque se
vai tratar da questão Afro-Brasi-
leira e a FUNAI cuida do índio...
CP: Quanto o PROCEN gastou
no Centenário da Abolição?
CARLOS M: Exatamente NCz$
481.000,00 (Quatrocentos e oi-
tenta e um mil cruzados novos),
transferindo recursos a órgãos
públicos e muito mais a particu-
lares.
CP: E qual foi a participação do
governo no Centenário da Aboli-
ção no ano passado?
CARLOS M: O MINC elaborou
pesquisa com os setores da socie-
dade civil, órgãos públicos e mo-
vimento negro, para saber o que
faríamos. Editamos o livro "A
mão afro-brasileira", "A história
geral e o negro no Brasil", de
Joel Rufino, Décio Freitas e Cló-
vis Moura. Editamos "As nascen-
tes negras da música brasileira",
com a participação da pesquisa-
dora Maria da Glória Veiga e as-
sistência musical do Maestro
Paulo Moura.
ITAPERUNA:
O NEGRO
HOMENAGEADO
Em primeiro de maio, a
Câmara Municipal de
Itaperuna, norte flumi-
nense, a primeira eleita
com a maioria republicana em
pleno regime monárquico, com-
pletou seu Centenário homena-
geando o Movimento Afro-Brasi-
leiroda cidade (MOABI).
Surgido há quatro anos e filia-
do ao CENIERJ (Conselho de
Entidades Negras do Interior do
RJ) o MOABI tem como objeti-
vo conscientizar, resgat&r a cul-
tura negra e combater todo tipo
de discriminação.
O trabalho é realizado através
do grupo de Dança e Banda-A fro:
Axé de Zambi, que já se apre-
sentaram em diversas cidades
deste estado.
O MOABI que é presidido
por Raul de Oliveira, organiza
anualmente um bloco afro por
ocasião do Carnaval, onde con-
grega negros e brancos. Uma
por João
Morais
outra atividade é o grupo de
pagode "Liberdade", também
vinculado ao movimento que
visa ressaltar as raízes e desco-
brir novos talentos, provando
que lá o samba também resiste.
Além do trabalho cultural, o
MOABI realiza trabalhos sociais
nas comunidades do Morro Hor-
to Florestal, Castelo e Marca
Tempo, através de um convênio
com a SEAC (Secretaria Espe-
cial de Ação Comunitária) do
Governo Federal.
Um outro Projeto do grupo,
o "Lima Barreto", foi colocado
em prática esse ano, apoiado
pela Fundação Bradesco, e se
resume na distribuição de mate-
riais escolares.
Contatos: Caixa Postal 121.426-
CEP28.300 - ITAPERUNA/RJ
Participantes: Umberto Mala-
faia — Presidente — Raul de Oli-
veira — Vice-Presidente e José
Luiz — Diretor Cultural.
Junho/Julho MAIORIA FALANTE Página 11
por Tupac
"Todos os comunistas
têm que compreender esta
verdade: "O poder nasce do
fuzil". Nosso princípio é: O
Partido manda no fuzil, e
jamais permitiremos que o
fuzil mande no Partido".
(Mao Tse-tung,
ex-presidente da
República Popular da China)
ou revolucionário. Mas
S
acredito que entre homens
de pensamento
firme e posição definida
é fácil se entender e se apreciar,
ainda que combatendo entre
si. Com o setor político que
não me entenderei jamais é o
outro: o do reformismo medíocre,
o do socialismo domesticado,
o da democracia fariséia".
(José Carlos Mariátegui,
fundador do Partido
Comunista do Peru)
18 de junho de 1986. Há um
ano que Alan Garcia ocupa a pre-
sidência da República do Peru.
Em Lima, sua capital, reúne-se o
.XVII Congresso da Internacional
Socialista. Nos cárceres de El
Frontón, Lurigancho e Callao,
prisioneiros de guerra se amoti-
nam para denunciar mais uma
vez, que está em marcha um pla-
no de extermínio para eliminar
centenas deles.
Um dia mais tarde, 19, o go-
verno da socialdemocrata Alian-
ça Popular Revolucionária Ame-
ricana (APRA), mobilizando o
Exército, a Marinha da Guerra, a
Força Aérea e as forças policiais,
sob o Comando Conjunto, inva-
dem os presídios: "mais de cem
pessoas assassinadas depois de
rendidas, com as mãos em alto e
uma por uma à vista e paciência
de chefes superiores que haviam
sido encarregados de restabelecer
a normalidade nos presídios -
não de os converter em campos
de extermínio..." (Que Hacer,
junho-julho de 1986). Outras
fontes indicam que os mortos
foram quatrocentos, e entre eles
124 eram senderistas.
QUEM SÃO?
Os senderistas são oriundos
do Partido Comunista do Peru,
que fundara Mariátegui em 7 de
SENDERO LUMINOSO
A REVOLTA JUSTIFICADA
outubro de 1928. Com a morte
desse brilhante intelectual dois
anos depois, o partido, que nas-
cera sob bases marxistas-leninis-
tas, caiu em mãos dos setores re-
formistas. Até que no começo
dos anos sessenta, no Comitê Re-
gional de Ayacucho, se iniciou o
racha do grupo orientado por
Abimael Guzmán, o máximo di-
rigente senderista e mais conhe-
cido como Presidente Gonzalo.
A explicação dada pelo Sen-
dero Luminoso é que esse grupo
surgiu como produto da luta de
classes a nível mundial, "espe-
cialmente da grande luta entre
marxismo e revisionismo" que
serviu à divulgação do pensamen-
to do outrora dirigente chinês
Mao Tse-tung; a organização de-
fine-se como marxista-leninista-
maoista. Paralelamente, o pró-
prio processo da sociedade pe-
ruana com o seu desenvolvimen-
to "de capitalismo burocrático,
a agudização da luta de classes
das massas, a intensificação da
atividade política com sua cres-
cente propaganda sobre a luta ar-
mada e, além do mais, a região
na qual se realizava, aonde o se-
mi feudalismo mostrava sua ca-
duquice e o campesinato desper-
tava combatente, expressão de
idêntico processo em todo o
país".
Depois da V Conferência Na-
cional partidária, a facção come-
çou a trabalhar para a constru-
ção dos "três instrumentos da re-
volução: partido, força armada e
frente única". Em fevereiro de
70 se dá a ruptura com os "revi-
sionistas", e triunfando na luta
contra o "liquidacionismo de
esquerda" (em 1975) e a "linha
oportunista de direita", no IX
Plenário do Comitê Central Am-
pliado de maio de 1979, sob a
palavra de ordem "Definir e De-
cidir", aprovou "Incitar a Luta
Armada".
A GUERRA SENDERISTA
"O Esquema da Luta Arma-
da", documento aprovado no
VIII Plenário do Comitê Central,
propõe que "a guerra popular no
Peru deve desenvolver a guerra
revolucionária como unidade
tanto no campo quanto na cida-
de, sendo o campo o teatro prin-
cipal das ações armadas, seguin-
do o caminho de cercar as cida-
des desde o campo". Esse mes-
mo trabalho inclue o "Peru den-
tro do condomínio da América
Latina, na América do Sul parti-
cularmente, e dentro do contex-
to internacional e a revolução
mundial". É importante dizer
que Sendero, faz parte junto
com outros grupos maoistas, do
Movimento Revolucionário In-
ternacionalista.
Em 17 de maio de 1980, atra-
vés de uma imaginativa ação de
propaganda, os senderistas inicia-
ram a "Guerra Popular", des-
f raudando bandeiras vermelhas e
içando foices e martelos procla-
mando "Ia rebelión se justifica"
e que o "poder nasce do fuzil".
Em 81 e 82 extenderam a guerri-
lha a várias regiões e começaram
a criar os "Comitês Populares",
organização da frente única que
"concrefiza a ditadura conjunta
de operários, camponeses e pe-
quena burguesia... se conformam
como uma ditadura de Nova De-
mocracia enquanto sistema de
Estado e em assembléias popu-
lares enquanto sistema de gover-
no". Apesar de que a "burguesia
nacional não participa agora na
revolução, seus interesses são res-
peitados. O Comitê é seleciona-
do pela Assembléia de Delegados
seguindo a norma dos três ter-
ços: um terço de comunista re-
presentando o proletariado, um
segundo terço de camponeses
continua na "defesa, desenvolvi-
mento e construção para a ma-
nutenção das bases de apoio e
expansão da guerra popular a to-
do o âmbito de nossas serras do
Norte a Sul".
A região de Ayacucho, Huan-
cavelica e Apurimac serviu de
berço a este movimento, e nele
começaram suas ações militares.
Entre 84 e 86, 75% dos ataques
guerrilheiros foram realizados
naquela área, assim, como 43%
da propaganda e agitação arma-
da. E obviamente, também nessa
região a repressão começou a fa-
zer estragos na população. Em
83, no departamento de Ayacu-
cho, o governo iniciou o "aniqui-
lamento do campesinado e a des-
truição de comunidades e peque-
nos povoados; em Espite, pro-
llustração fonte: "La Rebelión Justificada"/ECO
pobres em representação do
campesinado e um terceiro terço
de camponeses médios e elemen-
tos progressistas em representa-
ção da pequena burguesia". As
funções desses comitês são as
de "organizar a vida sqcial das
massas em todos os seus pla-
nos; a organização da produção,
principalmente da agricultura,
do comércio, orientando a ativi-
dade para o trabalho coletivo;
além de isso exerce justiça, orga-
niza a educação e o lazer, assim
como controla a marcha das or-
ganizações populares e garante a
segurança coletiva e individual..."
Sendero cresce, parece cada
vez mais duro, tenta criar um
Poder paralelo. A reação do sis-
tema também começa a ser cada
vez mais violenta; 83 e 84 são
anos de luta em torno da tenta-
tiva do governo para acabar com
os projetos subversivos por um
lado, e a defesa do "Poder Popu-
lar" comunista recém surgido,
pelo outro. De 85 a hoje, SL
víncia de Cangallo, em junho de
83, de helicópteros metralharam
as massas e lançaram granadas na
população que procurava fugir
pelos morros. No mês de julho,
em Ogopoeya e Uchugaray, po-
vos da província de Huanta, tam-
bém de helicópteros as massas
foram metralhadas e aniquiladas
com granadas; e em Paccha, po-
vo de Vinchos, província de
Huamanga, a maioria foi assassi-
nada e o restante da população
transladada para Lima. Em ju-
lho, na cidade de Ayacucho, apa-
recem os primeiros cadáveres
monstruosamente torturados jo-
gados nas ruas. Em setembro e
outubro mais de 800 pessoas
morreram em idênticas condi-
ções.
De acordo com versões extra-
oficiais, até maio de 86 haviam
morto 11.300 pessoas do povo,
1668 membros das forças arma-
das, policiais e alcaguetes e 1738
combatentes do Exército Guerri-
lheiro Popular, ou seja, Sendero
Luminoso.
RAÍZES DA GUERRA
Segundo E. Anaya no seu
"Imperialismo, industrialização e
transferência de tecnologia no
Peru", a dinâmica do cresci-
mento industrial neste país foi
impulsionada, nas duas últimas
décadas, pelas empresas e cartéis
transnacionais de origem norte-
americano, europeu e japonês,
os mesmos que, ao penetrar nes-
sa sociedade, tenderam a estabe-
lecer suas formas monopólicas
ou ologopólicas, tanto no que
se refere à produção quanto à
distribuição do produto que ela-
boram. Sendo assim, a penetra-
ção dessas transnacionais na in-
dústria manufatureira contribuiu
de forma direta para a marginali-
zação dos novos e velhos setores
da burguesia peruana. O que
atualmente se desenvolve é uma
burguesia intermediária surgida
de certos grupos que, em base a
seu prestígio e vínculos sociais e
econômicos foram integrados às
transnacionais, formando parte
do cada vez mais crescente setor
intermediário.
Outro aspecto não menos im-
portante é a monopolização do
poder do Estado pelas forças ar-
madas que são como afirmam os
senderistas —, sua coluna verte-
bral e da burocracia que, precisa-
mente, concentram seus meios
na capital para suster a ditadura
da classe latifundiária burocráti-
ca que é o Estado peruano, e
desde ali controla todo o país.
E a tão falada "reforma agrá-
ria" ficou em que?; a entrega de
terras a camponeses individuais,
de acordo com dados oficiais
(1963 a 1979), teria sido apenas
de 7.7% da terra adjudicada; e se
faz estimativa do número de
camponeses "beneficiários" seria
ao redor de um milhão oitocen-
tos mil, mas no censo do ano 81
diz que há seis milhões duzentos
e quarenta e cinco mil campone-
ses; as propaladas "reformas
agrárias" não teriam chegado
nem a um terço do campesinado.
Vejamos outras cifras. O de-
semprego se elevou do 7% em 80
ao 11.8% em 85; no setor não-
agropecuário, nas cidades, pulou
de 10.9% a 18.4%, nos mesmos
anos. O sub-emprego passou de
51.2% em 80, a 54.1% em 85;
mas se dá tanto no campo como
na cidade, com a particularidade
de que enquanto no campo dimi-
nuiu de 68.2% a 60.4% na mes-
ma época, na cidade se elevou de
41.4% até 50.5%. O ingresso per
capita dos trabalhadores, é mais
ou menos o mesmo que o de
1965.
Em 1980, no setor agropecuá-
rio, 41.8% da mão-de-obra ativa
tinha emprego fixo, e em 1985,
apenas 34.1%; na área urbana,
também em 80, trabalhavam
47.7% dos assalariados do setor,
e em 85 só 31.1% dos mesmos
recebia regularmente. Hoje, a
maioria dos peruanos vive na mi-
séria absoluta. E diante desse
quadro, cabe em último interro-
gante: a revolta e a guerra estão
justificadas?
A fé de um povo oprimido
é maior que qualquer poder.
Anastácia continuará Santa
apesar da Inquisição.
.Escrava
Anastácia Confio em "Deus" com todas
as minhas forças e peço a
k 'Deus" que ilumine o meu
caminho e a minha vida.
Pt0ifMl2 MAIORIA FALANTE Junho/Julho
11.° Encontro de Mu-
lheres Negras da Bai-
xada Santista surgiu
da necessidade de se
organizarem enquanto tal.
Sob o financiamento da
LBA — Legião Brasileira de
Assistência; e também de
Associações estrangeiras co-
mo o NOVIB, Instituição
Holandesa, ligada ao IBASE
— Instituto Brasileiro de
Análise Social e Econômica,
e da ACDI — Association
Canadienn pour le Develop-
ment Internationale; o even-
to aconteceu no CEFAS,
em Santos, no período de
11 a 14 de maio. Este en-
contro conta ainda com a
promoção do coletivo de
Mulheres Negras da Baixada
Santista e com o apoio de
Secretaria de Cultura de
Santos, Conselho de Desen-
volvimento e Participação
de Comunidade Negra (SP)
e Conselho Nacional dos Di-
reitos da Mulher (Brasília).
O objetivo do encontro
foi denunciar as discrimina-
ções existentes, elaborar pro-
postas para as Constituintes
Municipais e Estaduais e dis-
cutir as formas de organiza-
ção da mulher negra, que,
de acordo com pesquisas,
mostram-se deficientes. Se-
gundo dados estatísticos do
Censo de 1980 do IBGE,
metade das mulheres negras
são analfabetas, 90% apenas
consegue terminar o curso
primário e 1% chega à uni-
versidade. Esta falta de es-
colaridade vai afetar o seu
desempenho no mercado de
trabalho, onde fica relegada
às funções sem qualificação
profissional, mal remunera-
das. A maioria trabalha co-
mo empregada doméstica e
faxineira, sem registro em
carteira, não desfrutando
dos direitos adquiridos pe-
los outros trabalhadores;
62,7% das trabalhadoras ne-
gras recebem menos que 1
salário mínimo. A mulher
negra também é considerada
um objeto sexual no nível
das prostitutas, sem valor
para a maternidade e para o
casamento.
Com base nestes dados o
Encontro ofereceu às mu-
lheres negras da baixada
Santista, de outros estados e
de outros países um espaço
de vivência e reflexão, visan-
do criar mais grupos de mu-
lheres negras comprometi-
dos não apenas com a ques-
tão racial, mas com as quês
toes da comunidade. A idéia
foi dar início a um processo
de reeducação da mulher
SANTOS
DEBATE MULHERES NEGRAS
negra, conscientizando-a so-
bre as discriminações que a
limitam, sobre a necessidade
de lutar por seus direitos,
pela sua cultura, sua estéti-
ca, pelos direitos da raça en-
quanto povo brasileiro.
Durante 4 dias as partici-
pantes fizeram alojadas no
CEFAS, no bairro Jabaqua-
ra, local que há um século
abrigou o maior quilombo
do país depois de Palmares,
e discutiram todas essas
questões relativas à mulher
negra onde as atividades
eram variadas: haviam pai-
néis de discussão com expo-
sitores convidadas entre as
lideranças negras do país,
oficinas culturais resgatando
a estética negra e grupos de
discussão que fizeram um
diagnóstico sobre a situação
da mulher negra e elabora-
ram estratégias para in-
fluenciaram a nova legisla-
ção estadual e municipal e
conseguirem um sistema
educacional e meios de co-
municação mais engajados
no combate à discriminação
racial e sexual. Os homens
puderam participar das ati-
vidades de sábado, das 14 AO
em diante. Toda a progra-
mação esteve restrita às mu-
O Coletivo se impõe: Edna Rolan — Vllme Terezinhe — Prof. Vltellne
lheres diretamente ligadas
ao Encontro e às inscritas
de todo o país, apenas fo-
ram abertas à população a
programação de abertura no
dia 11/05, o cortejo de ma-
racatu e o show da cantora
Leci Brandão, no dia 13/05,
no Teatro Municipal Brás
Cubas.
Este l.o Encontro da
Baixada Santista resumiu-se
num foro consultivo com a
participação de cerca de
200 mulheres negras e bran-
cas do próprio local e convi-
dadas de outros Estados e
Países — Caribe, Canadá e
Alemanha.
As propostas do l.o En-
contro de Mulheres Negras
da bajxada santista, já fo-
ram entregues à prefeita
Telma de Souza, ao presi-
dente da Câmara de Santos,
vereador Dr. Roberto Bona-
vides, ao bispo diocesano D.
Davi Picão, ao superitenden-
te do jornal "A Tribuna" e
a OAB-Mulher, de Santos.
Na seqüência, serão en-
viadas também para os par-
tidos políticos, sindicatos,
entidades negras e do movi-
mento de mulheres, movi-
mento populares, associa-
ções de bairros, além dos
constituintes estaduais.
O PROGRAMA
Durante os quatro dias de
agrupamento do 1 o Encon-
tro de Mulheres negras da
Baixada Santista as ativida-
des foram as mais variadas:
painéis, grupos de discussão,
oficinas, organizados da se-
guinte forma: Dia 11/05 —
Neste primeiro dia de ativi-
dades o encontro contou
com a presença da Prefeita
Telma de Souza, que na
condição de Chefe do Poder
Executivo, saudou as parti-
cipantes. Houve ainda a
apresentação da Comissão
Organizadora, o coral infan-
til Omó Oya, coquetel desfi-
le de roupas afro; Dia 12/05
— Painel, com os temas Mu-
lher negra e Trabalho (Maria
Aparecida Teixeira), Mulher
negra e feminismo (Sueli
Carneiro-SP), Mulher negra
e as Constituintes Munici-
pais e Estaduais (Nadir de
Souza—Santos), Empregada
Doméstica (Representante
do Sindicato das domésti-
cas), Aids (Nanei Alonso-
G AP A/Santos); Grupos de
discussão sobre os temas
apresentados; Oficinas de
torsos, amarrações/Trança/
Dança afro moderna/Capoei-
ra/Música e canto/Estética
negra; Debate sobre Mulher
negra e Religião Afro-brasi-
leira; Dia 13/05 - Painel
com os temas: Cultura (Te-
resa Santos-SP); Educação
(Prof. Maria Lúcia Fernan-
des); Quilombo da Baixada
Santista (Prof. Wilma There-
zinha); Saúde (Edna Roland-
SP); e depois grupos de dis-
cussão sobre o assunto. E
ainda oficinas de Auto exa-
me/ Dança afro Primitiva,/
Teatro/ Modelagem/Litera-
tura/Sexualidade e Prazer e
Reflexo no espelho. Por úl-
timo, show do Grupo Mo-
nas de Oyá e da cantora Le-
ci Brandão no teatro Muni-
cipal Brás Cubas, gratuito às
participantes. No último dia,
14/05, houve um painel
com experiência de mulhe-
res negras Internacionais,
com Rhoda Reddock, do
Caribe; Carol Allain, do Ca-
nadá e Nadu Normann, da
Alemanha; e mais a Deputa-
da Benedita da Silva falan-
do um pouco das leis que
regem e passarão a reger
nosso país.
Este encontro da baixada
Santista mostrou-se extre-
mamente cultural em toda a
sua programação e enrique-
ceu-se ainda mais com a tro-
ca de informações com as
representantes do Caribe,
Canadá e Alemanha. - Rho-
da Reddock, Carol Allain e
Nadu Normaon, respectiva-
mente. A primeira pertence
ao CAFRA — Caríbbean As-
sociation for Feminist Re-
search and Action, a segun-
da ao Jornal Our Lives —
Canada's first black womerís
newspaper. A representante
alemã apenas falou de sua
experiência pessoal como ci-
dadã, emocionando muita
gente com seu discurso.
Os temas que centraliza-
ram maiores atenções foram
os relativos à saúde, ao fe-
minismo e ao trabalho, que
enfatizou a falta de profis-
sionalização da mulher ne-
gra e os direitos das empre-
gadas domésticas.
Segundo a assessora de
Imprensa do Encontro, Nil-
za Iraci, o Encontro foi ava-
liado de forma positiva pe-
las participantes, cerca de
200 pessoas, que em sua
grande maioria não integra
e nem milita nos movimen-
tos sociais tradicionais e
nem no movimento negro,
mas estava apenas interessa-
da em debater todas essas
questões.
por Beth Silva Santot