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formas de viver, de cultura, para além daquele horizonte limitante.<br />

Tudo isto se aprofunda, afectivamente, quando não se vive a banalidade do quotidiano<br />

ilhéu. Não será que o verdadeiro açoriano é o que saiu das ilhas, que muito<br />

viveu mas que nunca se sentiu completo na vida distante e que, com o correr dos<br />

anos, sente muito fundo o que lhe são de identitários e saudosos aquela terra e aquele<br />

mar?<br />

É claro que há analogias pertinentes. Destaco aqui os meus amigos alentejanos,<br />

com quem tenho muitas afinidades, na visão do grande horizonte. É a minha terra de<br />

adopção. Quando falo dos meus horizontes de mar perdido, mar azul profundo do<br />

Atlântico, e teorizo sobre o efeito filosófico que essa vastidão me causou desde jovem<br />

recém-pensador, na ânsia da procura do que não está ao alcance da nossa pequena<br />

experiência, lembro-me de que isto não é assim tão diferente da imensidade alentejana<br />

dos horizontes de terra, verde na primavera, dourando-se no verão, que aprendi<br />

a imaginar como se fosse outra visão do meu mar.<br />

A terra e o mar não têm que ser motivo de orgulho dos açorianos, foram oferta da<br />

natureza. Mais importantes são as gentes. Nisto tenho que moderar, racionalmente,<br />

o meu entusiasmo, que mais não seja pelo que diz o meu “grilo falante”, relação confidencial<br />

muito grata que não vou desvendar mas que ele reconhecerá, porque estou<br />

certo de que vai ler este escrito. Em relação à minha gente, tenho sempre presentes,<br />

como identitários, a etnografia riquíssima, o falar que vem de origens cá perdidas, o<br />

teatro medieval e o cancioneiro acompanhado de música magnífica, a religiosidade<br />

telúrica dos romeiros, o sempre mantido culto do Espírito Santo e os seus festejos de<br />

fraternidade e espírito comunitário ancestral.<br />

Desconfio, honestamente, é da mitificação que faço do homem açoriano, “o maior<br />

carácter do mundo”. Quantas vezes invoco o exemplo de Mouzinho da Silveira e dos<br />

corvinos que lá cruzaram centenas de milhas de mar perigoso para lhe irem à fala e<br />

apresentarem as suas queixas e pretensões, de chapéu na mão mas coluna erecta,<br />

com a altivez de quem sabe que não é menor do que os “senhores”? Com isto, motivaram<br />

a noite inteira de trabalho de Mouzinho a redigir os decretos de abolição dos<br />

direitos senhoriais, impressionado, como revela no seu testamento, pelos melhores<br />

homens do mundo. Reconheço aspectos marcantes da cultura e maneira de ser dos<br />

açorianos e admiro-me por uma população tão pequena ter dado tanta gente notável<br />

à vida cultural e política deste país. Mas os melhores do mundo? Quantas comunidades<br />

não dizem o mesmo?<br />

Defendo-me com as estatísticas e apenas com alguns exemplos que me vêm logo<br />

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