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Formas da Apresentação: da exposição à ... - ppgav

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

<strong>Formas</strong> <strong>da</strong> <strong>Apresentação</strong>: <strong>da</strong> <strong>exposição</strong> <strong>à</strong> autoapresentação como arte<br />

Hélio Fervenza<br />

PPGAV - UFRGS<br />

Grupo de Pesquisa Veículos <strong>da</strong> Arte CNPq<br />

Resumo: Entre os aspectos que produzem a apresentação de um objeto, ação ou<br />

situação como arte, encontram-se também concepções indicando que esse objeto,<br />

ação ou situação, pode ser arte ou de que aí está ocorrendo arte. A <strong>exposição</strong> e a<br />

autoapresentação constituiriam dois aspectos <strong>da</strong> apresentação no campo <strong>da</strong> arte<br />

contemporânea e, ao mesmo tempo, indicariam limites <strong>da</strong> atuação desse campo e <strong>da</strong>s<br />

concepções <strong>da</strong> arte aí relaciona<strong>da</strong>s.<br />

Palavras-chaves: <strong>Formas</strong> <strong>da</strong> apresentação. Exposição. Autoapresentação. Arte.<br />

Title: Forms of Presentation: from exhibition to self-presentation as art–Introductory<br />

notes.<br />

Abstract: Among the aspects that produce the presentation of an object, action or<br />

situation as art, one also finds concepts indicating that this object, action or situation<br />

may be art or that art is occurring in that place. Exhibition and auto-presentation<br />

constitute two aspects of presentation in the field of contemporary art and,<br />

simultaneously, indicate limits in this field for actuation and its related art concepts.<br />

Keywords: Forms of presentation. Exhibition. Self-presentation. Art.<br />

Dentro de um grupo de trabalhos de minha produção artística, efetuados durante<br />

pesquisas anteriores1 , confrontei-me com problemas sobre a relação entre uma<br />

determina<strong>da</strong> proposta artística e sua apresentação dentro de um espaço expositivo.<br />

Desde então, o pensamento se move em meio <strong>à</strong> observação de que a constituição<br />

física ou a dimensão perceptiva <strong>da</strong> produção esta relaciona<strong>da</strong> ao contexto de sua<br />

<strong>exposição</strong> ou é por ele afeta<strong>da</strong>, pelas diferentes concepções de arte e pelos discursos<br />

aí inscritos.<br />

1 Sobretudo a partir <strong>da</strong> pesquisa intitula<strong>da</strong> “Pontuações: inscrições e intervalos no espaço de<br />

apresentação”, desenvolvi<strong>da</strong> entre 2002 e 2007.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Fig. 1 – Hélio Fervenza, Pontuações para dentrofora. Instalação realiza<strong>da</strong> para a <strong>exposição</strong> individual de mesmo nome<br />

ocorri<strong>da</strong> no IDEA Espaço de Arte, FURG, Rio Grande – RS, no período de 1° a 17 de novembro de 2006. Mais<br />

informações em http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/dentrofora/index.htm Foto: Vista parcial <strong>da</strong> instalação.<br />

Arquivo do artista.<br />

Nesse grupo de trabalhos são freqüentemente utilizados sinais de pontuação, tais<br />

como vírgulas, parênteses ou dois pontos, ampliados e recortados em vinil adesivo e<br />

aplicados diretamente sobre a arquitetura dos lugares onde ocorre a <strong>exposição</strong>. Os<br />

sinais de pontuação podem, por vezes, ser gravados sobre objetos. Nesses trabalhos,<br />

também podem ser encontra<strong>da</strong>s frases, objetos ou imagens impressas por diferentes<br />

meios e relaciona<strong>da</strong>s também com o lugar de sua inscrição. Os elementos utilizados<br />

são carregados de associações e investidos de conotações culturais, sociais ou<br />

econômicas.<br />

Nessas produções artísticas, a pontuação instaura intervalos que são vazios ou<br />

esvaziamentos, pausas, interrogações, interrupções, mu<strong>da</strong>nças de sentido. Mas a<br />

pontuação também sinaliza percursos, articula seqüências, indica, oferece conexões<br />

(dentro/fora, visível/não-visível), cria relações entre signos, objetos, olhares,<br />

subjetivi<strong>da</strong>des, produz relações entre linguagem e mundo.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Fig. 2 – Hélio Fervenza, Primeiras Apresentações e Pontuações Recentes. Exposição individual que reunia gravuras e<br />

instalação. Local: Museu Victor Meirelles, Florianópolis, 2005. Foto: Detalhe <strong>da</strong> porta de vidro automática <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> do<br />

museu, na qual foram coloca<strong>da</strong>s vírgulas no seu lado interno e externo, pontuando sutilmente o espaçamento<br />

produzido pelo visitante ao acionar com sua presença o sensor e entrar no recinto. Arquivo do artista.<br />

Mais especificamente, a pontuação funcionaria como uma espécie de mediadora, de<br />

elemento de relação e de reflexão nos processos que envolvem uma apresentação<br />

relaciona<strong>da</strong> ao espaço expositivo. O espaço onde uma produção artística vem<br />

inscrever-se pode ser também, simultaneamente, o de sua realização. Os aspectos<br />

enfocados aqui são os diretamente relacionados aos espaços de <strong>exposição</strong>.<br />

Assim, na medi<strong>da</strong> em que ocorria uma in<strong>da</strong>gação sobre a constituição desses<br />

espaços expositivos, podíamos constatar, nos trabalhos, uma interrogação sobre sua<br />

própria constituição, sobre seus limites tanto físicos quanto simbólicos, e o que isso<br />

poderia designar. As relações, comunicações ou as indeterminações dos limites entre<br />

o espaço interno e externo produzi<strong>da</strong>s em grande parte pela pontuação, mas não<br />

somente, colocam o problema do que pertence a esse espaço expositivo e do que não<br />

pertence, e, por decorrência, colocam o problema do espaço de apresentação <strong>da</strong> arte.<br />

A <strong>exposição</strong>, sendo uma forma de apresentação, por que ela seria a priori identifica<strong>da</strong><br />

como a <strong>da</strong> apresentação de uma produção artística? Seriam os limites do espaço<br />

expositivo, ao mesmo tempo, os limites <strong>da</strong> apresentação <strong>da</strong> arte e de sua concepção?<br />

Podemos citar alguns exemplos de trabalhos anteriores relacionados a esse grupo,<br />

no qual surgiram as questões: Empreendimento: Ponto de Impacto: Per<strong>da</strong> de<br />

Contato2 ; A dúvi<strong>da</strong>3 ; Os desertos e o jardim4 ; Coleção de vazios e alguns intervalos<br />

2 http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/castelinho/<br />

3 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/aduvi<strong>da</strong>/<br />

4 http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/artransmedia/<br />

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FERVENZA, Hélio.<br />

prolongados 5 ; Primeiras Apresentações e Pontuações Recentes 6 ; O Piloto e o<br />

Martelo de Borracha 7 .<br />

Fig. 3 – Hélio Fervenza, A dúvi<strong>da</strong>. Local: FotoGaleria, Porto Alegre, 2004. Foto: vista do portão de acesso com texto<br />

em vinil adesivo. Arquivo do artista.<br />

Fig. 4 – Hélio Fervenza, Empreendimento: Ponto de Impacto: Per<strong>da</strong> de Contato. Instalação apresenta<strong>da</strong> durante a<br />

<strong>exposição</strong> coletiva "Contato". Local: Castelinho do Flamengo, Rio de Janeiro, 2004. Foto: impresso em off-set (frente),<br />

medindo 15 x 15 cm, integrando a instalação, o qual era também oferecido aos visitantes, através de sua colocação em<br />

caixas de acrílico já existentes no local e utiliza<strong>da</strong>s pelo Castelinho para distribuição de material informativo. Arquivo do<br />

artista.<br />

5 http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/cinco_sete/<br />

6 http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/museu_vm/<br />

7 http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/piloto_martelo/<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Fig. 5 – Hélio Fervenza, Os desertos e o jardim. Instalação apresenta<strong>da</strong> durante o evento Artransmedia 2002,<br />

organizado pela Fun<strong>da</strong>ción DANAE. Local: Convento Las Clarissas, Gijón, Espanha, 2002. Foto: detalhe de uma <strong>da</strong>s<br />

lupas com seu suporte metálico. Devido a sua posição, e a um efeito óptico, a lupa projetava imagens oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

janela e do jardim visto através dela. Arquivo do artista.<br />

Gostaria de falar agora de outros trabalhos efetuados durante o período dessa<br />

mesma pesquisa, durante a qual ocorriam interrogações sobre como uma determina<strong>da</strong><br />

proposta artística se relaciona com sua apresentação; desta vez, porém, fora de um<br />

espaço expositivo. É o caso, por exemplo, de Apresentações do Deserto, mas<br />

também de Furtivo 8 , Transposições do Deserto 9 ou Objetos Mentais 10 .<br />

Fig. 6 – Hélio Fervenza, Objetos Mentais, 2004. Proposição pensa<strong>da</strong> e concebi<strong>da</strong> para o cabelo de uma única pessoa.<br />

Elementos utilizados: duas pequenas placas de prata enrola<strong>da</strong>s como anéis e fixa<strong>da</strong>s no cabelo, ca<strong>da</strong> uma com as<br />

respectivas palavras e pontuações aí grava<strong>da</strong>s: nuvem, e cristal, . Arquivo do artista.<br />

8 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/furtivo/<br />

9 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/transposicoes/index.htm<br />

10 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/objetos_mentais/index.htm<br />

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FERVENZA, Hélio.<br />

Fig. 7 – Hélio Fervenza, Transposições do Deserto, 2003. Proposta para desenvolvimento e realização coletiva entre<br />

duas escolas na fronteira Brasil-Uruguai. Foto: aula sobre desertos no Colegio Rodó, Rivera, Uruguai. Arquivo do<br />

artista.<br />

A proposta por mim desenvolvi<strong>da</strong> e intitula<strong>da</strong> Apresentações do Deserto11 ,<br />

problematiza também a apresentação propriamente dita, a partir <strong>da</strong> constatação <strong>da</strong><br />

separação entre a noção de <strong>exposição</strong> e a noção de apresentação.<br />

Apresentações do Deserto consiste, inicialmente, na confecção de um conjunto de<br />

quatro cartões pessoais de apresentação. Um deles contém meu nome, endereço e<br />

um logotipo. Nos outros três, o nome pessoal desaparece e o endereço é substituído<br />

pelo nome de um deserto: Atacama, Gobi e Kalahari. Os cartões são distribuídos dois<br />

de ca<strong>da</strong> vez, um com o nome e endereço e o outro, com o nome de deserto ao acaso<br />

dos encontros.<br />

Fig. 8 – Hélio Fervenza, Apresentações do Deserto, 2001. Proposição que utiliza quatro cartões pessoais de<br />

apresentação. Arquivo do artista.<br />

11 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/deserto/<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Com a entrega do cartão, espaços podem ser configurados: espaço <strong>da</strong> relação<br />

interpessoal, social, profissional e o espaço do imaginário ligado ao nome/evocação<br />

dos desertos. Mas também um espaço que surge <strong>da</strong> inter-relação entre as pessoas no<br />

deslocamento de lugar do nome do deserto e <strong>da</strong> situação corriqueira do cartão de<br />

apresentação.<br />

Os cartões não são o trabalho, a obra. Os cartões são uma proposição. Algo pode<br />

ocorrer no momento de sua entrega, ou mesmo após: diálogos, observações, idéias,<br />

reações, outras iniciativas... Isto é o trabalho. Eles apresentam uma situação. Não há<br />

na<strong>da</strong> conclusivo ali. Não há uma visão a ser <strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

O trabalho pode não ocorrer. Isto também está implícito. Há uma fronteira instável na<br />

possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aparição <strong>da</strong> arte. Ela pode não ocorrer. Ou se ela ocorre, quando ela<br />

ocorre?<br />

Os trabalhos acima referidos, as constatações e as dúvi<strong>da</strong>s levanta<strong>da</strong>s estão<br />

relacionados ao estudo do espaço de apresentação e produziram circunstâncias que<br />

me impulsionaram ao desenvolvimento dos aspectos apontados, como veremos<br />

adiante.<br />

Para situarmos mais precisamente a problemática <strong>da</strong> atual pesquisa “<strong>Formas</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Apresentação</strong>: <strong>da</strong> <strong>exposição</strong> <strong>à</strong> auto-apresentação como arte”, é importante analisar<br />

algumas noções e suas implicações, sobretudo no que diz respeito ao espaço de<br />

apresentação. Foi na inter-relação de minha produção artística com esse espaço que<br />

as atuais questões emergem, tornando-se pertinente o estudo dos componentes que<br />

os formam e as relações aí existentes, que é onde se articula a prática artística.<br />

Inicialmente, poderá ser-nos útil olhar para algumas <strong>da</strong>s diferenças propostas por<br />

Michel de Certeau (1996), entre lugar e espaço:<br />

“Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem<br />

elementos nas relações de coexistência. Aí se acha portanto excluí<strong>da</strong><br />

a possibili<strong>da</strong>de, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar”.<br />

“Existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção,<br />

quanti<strong>da</strong>des de veloci<strong>da</strong>de e a variável tempo. O espaço é um<br />

cruzamento de móveis”.<br />

“Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua<br />

geometricamente defini<strong>da</strong> por um urbanismo é transforma<strong>da</strong> em<br />

espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço<br />

produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos<br />

– um escrito”. 12<br />

12 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 2.ed. Petrópolis, RJ: Ed.<br />

Vozes, 1996. p. 201-202.<br />

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FERVENZA, Hélio.<br />

Num segundo, momento seria pertinente tratarmos mais especificamente do espaço<br />

no qual são apresenta<strong>da</strong>s as produções artísticas.<br />

Numa primeira abor<strong>da</strong>gem no campo <strong>da</strong>s artes plásticas, o espaço que aparece<br />

como o mais imediatamente relacionado <strong>à</strong> apresentação é o espaço de <strong>exposição</strong>.<br />

Aquele que se estabelece com maior ênfase nesse sentido, sendo, portanto, aquele de<br />

maior referência. Este espaço surge <strong>da</strong> apresentação de produções artísticas em<br />

museus, galerias, eventos (bienais, feiras de arte) e, possivelmente, em qualquer lugar<br />

artístico assim definido. Mas de onde surge e qual a importância desse espaço de<br />

<strong>exposição</strong> para as produções artísticas? Estas não seriam imediatamente e<br />

simplesmente visíveis? O artista e professor René Vinçon, autor do livro Artifices<br />

d’exposition, nos introduz no problema, mais talvez do que <strong>à</strong> resposta:<br />

O princípio de base é o seguinte: uma obra não é visível por ela<br />

mesma como pela força natural <strong>da</strong>s coisas (que, como as coisas que<br />

se fazem sozinhas, possuem um ar de magia), e ela não é sobretudo<br />

jamais inteiramente visível no sentido em que nós não saberíamos<br />

pretender tudo (fazer) ver ou perceber de uma obra, qualquer que<br />

seja a transparência de seu modo de apresentação”. 13<br />

É importante esclarecermos, também, que o espaço de <strong>exposição</strong> não é produzido<br />

simplesmente em decorrência <strong>da</strong> presença física de uma obra ou produção artística no<br />

lugar constituído pelo museu ou galeria. Ele se estabelece no cruzamento de to<strong>da</strong> uma<br />

série de dispositivos que operam sobre a visuali<strong>da</strong>de. Entraria em ação na percepção<br />

dessas produções o que o filósofo Jean-François Lyotard chama os operadores <strong>da</strong><br />

visão de arte14 , elementos que enunciam as condições <strong>da</strong> visuali<strong>da</strong>de. São eles: a<br />

transmissão (a <strong>exposição</strong>) de uma mensagem (a obra de arte), por um expedidor (o<br />

artista, o curador, o galerista), para um destinatário (o público, o crítico, o<br />

colecionador, o comprador), a propósito de algo (referente), utilizando um feixe de<br />

canais (as formas, as cores, os suportes, os lugares, os paradigmas culturais...) e,<br />

finalmente, um efeito (efeito de arte) 15 .<br />

Algumas dessas posições são intercambiáveis, de modo que produtores e<br />

receptores podem ocupar as mesmas posições em diferentes momentos sem que, por<br />

vezes, o conjunto seja de fato transformado em suas relações constituintes. Neste<br />

13 VINÇON, René, Artifices d’exposition. Paris : Éditions L’Harmattan, 1999. p. 31.<br />

14 LYOTARD, Jean-François. Que Peindre? - A<strong>da</strong>mi, Arakawa, Buren. Paris: Editions de la<br />

Différence, Coll. La Vue, Le Texte, V. I, 1987. pág. 91.<br />

15 Ibid. p. 91, 96.<br />

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FERVENZA, Hélio.<br />

sentido, o artista pode desempenhar o papel de curador; o crítico pode agir como um<br />

agente de ven<strong>da</strong>s, e assim por diante16 .<br />

Salientamos que nos modos de agir <strong>da</strong> arte contemporânea, a apresentação de uma<br />

produção como produção artística não fica restrita <strong>à</strong> sua <strong>exposição</strong> num lugar físico<br />

determinado. Uma palestra, por exemplo, pode constituir-se numa apresentação e<br />

agregar valor simbólico ou agir sobre a visuali<strong>da</strong>de. Embora possa não ser designado<br />

explicitamente como um ato artístico, ou não querer sê-lo, uma palestra ou uma<br />

publicação pode produzir um efeito de arte, agir no sentido e na concepção de uma<br />

produção, ser um desdobramento de fato anterior, mesmo que o ocorrido não esteja<br />

mais visível ou acessível, a não ser talvez por sua documentação.<br />

Também pode ocorrer fato inverso. Como a informação é um dos produtos<br />

mais valorizados, ocorre, muitas vezes, a “antecipação do signo sobre a coisa”. Antes<br />

de ter sido exposta, a obra do pintor, ou, mais precisamente, seu signo, já circula nos<br />

circuitos <strong>da</strong> rede” 17 . Conseqüentemente, entrariam, no olhar sobre certa produção<br />

como produção de arte, operadores que não se limitam <strong>à</strong>quilo que é exposto, mas<br />

incluem, sobretudo no caso <strong>da</strong> <strong>exposição</strong>, o trabalho de curadoria, de arquitetura ou<br />

montagem, o catálogo de <strong>exposição</strong>, o convite, o mediador durante a visita, as<br />

etiquetas nas paredes, a publici<strong>da</strong>de ou o marketing. Todo e qualquer tipo de discurso<br />

produzido em torno <strong>da</strong> <strong>exposição</strong> ou sobre ela, como entrevistas, documentários,<br />

notas de imprensa, trabalhos de formação ou projetos educacionais também seriam<br />

incluídos. O espaço de <strong>exposição</strong> é indicado não somente pelas paredes ou pelas<br />

molduras e bases físicas <strong>da</strong>s galerias e museus, mas, sobretudo, pelas molduras<br />

culturais, sociais e econômicas.<br />

Na coletânea de textos intitula<strong>da</strong> L’Art de l’Exposition, que reúne reflexões e<br />

documentações sobre trinta exposições considera<strong>da</strong>s exemplares no século XX, podese<br />

ler logo no início de sua introdução: “Desde que as exposições existem, elas são<br />

critica<strong>da</strong>s. Esse meio de comunicação artística o mais antigo existente é, sem<br />

contestação, aquele que conhece o maior sucesso, e que paradoxalmente permanece<br />

suspeito, ao mesmo tempo, face aos artistas, aos críticos e ao publico” 18 .<br />

16 CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2005. p. 72.<br />

17 Ibid. p. 68.<br />

18 HEGEWISCH, Katharina. Un médium <strong>à</strong> la recherche de sa forme: Les expositions et leurs<br />

déterminations. In: L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente expositions<br />

exemplaires du XXe siècle. Paris: Éditions du Regard, 1998. p. 15.<br />

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FERVENZA, Hélio.<br />

Ao longo <strong>da</strong>s páginas do livro acima citado, podemos acompanhar a serie de<br />

mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s na arte em relação ao uso e ao estatuto desse espaço, sua<br />

incorporação pelas práticas artísticas ou os impasses produzidos diante destas. O que<br />

essas práticas nos mostram é que a <strong>exposição</strong> e seu espaço não são “neutros”, nem<br />

dizem respeito a aspectos puramente técnicos, nem são um simples espaço de<br />

recepção de objetos “autônomos”, de por si sós detentores de valor artístico sem<br />

relação com esse espaço. O que essas práticas nos mostram é que a <strong>exposição</strong> é um<br />

meio, conotado historicamente, ideologicamente, socialmente. A arte <strong>da</strong> <strong>exposição</strong> é a<br />

percepção <strong>da</strong> intensi<strong>da</strong>de de atuação desse meio na visuali<strong>da</strong>de e na concepção <strong>da</strong><br />

arte.<br />

Marcel Duchamp, com seus ready-mades, realizou, de uma certa forma, a<br />

demonstração desse funcionamento:<br />

Em 1913, Duchamp apresenta os primeiros ready-mades, Ro<strong>da</strong> de<br />

bicicleta; anos depois, em 1917, Fonte, no Salão dos Independentes<br />

de Nova York. Ele deixou o terreno estético propriamente dito, o ‘feito<br />

<strong>à</strong> mão’. Não mais a habili<strong>da</strong>de, não mais o estilo – apenas ‘signos’,<br />

ou seja, um sistema de indicadores que delimitam os locais. Expondo<br />

objetos ‘prontos’, já existentes e em geral utilizados na vi<strong>da</strong> cotidiana,<br />

como a bicicleta ou o mictório batizado de fontaine [fonte], ele faz<br />

notar que apenas o lugar de <strong>exposição</strong> torna esses objetos obras de<br />

arte. É ele que dá o valor estético de um objeto, por menos estético<br />

que seja. É justamente o continente que concede o peso artístico:<br />

galeria, salão, museu. Ou, ain<strong>da</strong>, textos, jornais, notas,<br />

publicações... 19 .<br />

Nas atuais circunstâncias, tanto os operadores <strong>da</strong> visão de arte, dos quais nos fala<br />

Lyotard, quanto os sistemas de indicadores ou de signos (funcionando em rede),<br />

citados por Cauquelin, adquiriram uma importância excepcional. Mas o espaço de<br />

<strong>exposição</strong> não continuaria a ser fun<strong>da</strong>mental, sendo o modelo a partir do qual surgem<br />

e se articulam esses operadores e redes? Assim, não poderíamos considerar o<br />

espaço de <strong>exposição</strong> como paradigma <strong>da</strong> apresentação e <strong>da</strong> recepção nas artes<br />

plásticas? Ao se configurar esse espaço, não se produziria também uma concepção<br />

<strong>da</strong> arte? Dito de outro modo, as concepções <strong>da</strong> arte não estariam diretamente<br />

relaciona<strong>da</strong>s <strong>à</strong>s suas formas de apresentação?<br />

19 CAUQUELIN, op. cit. p. 93-94.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Por outro lado, no que diz respeito ain<strong>da</strong> ao espaço de <strong>exposição</strong>, o historiador <strong>da</strong><br />

arte Jean-Marc Poinsot estabelece uma diferença significativa entre o “local de<br />

acolhi<strong>da</strong> <strong>da</strong> obra, quadro social particular, e o espaço que a obra precisa para existir<br />

(este espaço sendo considerado como um componente axiomático <strong>da</strong> obra)” 20 .<br />

Entre os trabalhos analisados por Poinsot, encontra-se o do artista Daniel Buren. A<br />

preocupação com o lugar onde ocorre a apresentação do trabalho artístico é central<br />

em sua produção, realiza<strong>da</strong> a partir de 1965. Um termo criado por ele para definir seu<br />

trabalho é o de “In Situ”:<br />

Emprega<strong>da</strong> para acompanhar meu trabalho depois de uma quinzena<br />

de anos, esta locução não quer dizer somente que o trabalho está<br />

situado ou em situação, mas que sua relação ao lugar é tão<br />

obrigatória ou necessária quanto o que ele mesmo implica ao lugar<br />

no qual ele se encontra. A palavra trabalho sendo extremamente<br />

duvidosa ela deve ser compreendi<strong>da</strong> entretanto num sentido ativo:<br />

‘um certo trabalho é efetuado aqui’, e não no sentido de um resultado:<br />

olhem o trabalho feito”.<br />

“A locução ‘trabalho in situ’ no mais próximo do que eu a<br />

compreendo, poderia se traduzir por ‘transformação do lugar de<br />

acolhi<strong>da</strong>’. Transformação do lugar de acolhi<strong>da</strong> feita graças a<br />

diferentes operações entre as quais o uso de meu utensílio visual”.<br />

“In situ quer dizer enfim no meu espírito que há uma ligação<br />

voluntariamente aceita entre o lugar de acolhi<strong>da</strong> e o ‘trabalho’ que aí<br />

se faz, se apresenta, se expõe” 21 .<br />

Termos como os de “Instalação”, “Site-specific” ou “In Situ” surgem como<br />

elaborações de definições de produções artísticas que se constituem em relação ao<br />

espaço expositivo (mesmo que de uma forma negativa), possibilitando problematizar o<br />

seu quadro institucional, cultural ou social. A dimensão crítica de práticas como a do<br />

“In Situ”, ou de artistas como Marcel Broodthaers, residiria na capaci<strong>da</strong>de de interrogar<br />

o espaço de <strong>exposição</strong>, revelando sua constituição e seu contexto como<br />

determinantes nas condições de existência de certo tipo de visuali<strong>da</strong>de.<br />

Seria importante, neste momento, precisarmos também o significado de<br />

apresentação. Apresentar relaciona-se com expor, no sentido de “pôr diante, <strong>à</strong> vista,<br />

ou na presença de; oferecer ou expor <strong>à</strong> vista; mostrar; expor...” 22 .<br />

20 POINSOT, Jean-Marc, In Situ, lieux et espaces de la sculpture contemporaine”, In: Qu'estce<br />

que la sculpture moderne ?, Paris, M.N.A.M.-Centre Georges Pompidou, 1986. p. 323.<br />

21 Id. ibid. p. 327.<br />

22 FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário <strong>da</strong> Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova<br />

Fronteira, 1996. p. 148.<br />

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René Passeron também nos diz que:<br />

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FERVENZA, Hélio.<br />

A apresentação é ao mesmo tempo: um fenômeno, que tem lugar<br />

hic et nunc, uma mira (aquela do fenômeno mesmo, que<br />

desejamos instaurar sobre o horizonte de intenções mais longínquas),<br />

e uma conduta, comportando um saber fazer (savoir-faire), sua<br />

arte própria 23 .<br />

Mas qual seria o atributo específico <strong>da</strong> apresentação em arte? Passeron<br />

responde: “A arte é então esta parte do apresentar que apresenta o apresentar” 24 .<br />

Especificamente e para efeito de estudo, em muitos momentos a apresentação<br />

pode ser analisa<strong>da</strong> a partir de aspectos físicos, ou <strong>da</strong> arquitetura, ou <strong>da</strong>s concepções<br />

espaciais necessárias <strong>à</strong> existência de certo tipo de produção artística (o componente<br />

axiomático <strong>da</strong> obra de que nos fala Jean-Marc Poinsot). Entretanto, em nossa hipótese<br />

de trabalho, a apresentação não se restringe aos espaços de <strong>exposição</strong> e a suas<br />

características físicas: “É necessário esclarecer a esse respeito que se to<strong>da</strong> <strong>exposição</strong><br />

implica uma apresentação (como ação artificial), to<strong>da</strong> apresentação não é uma<br />

‘<strong>exposição</strong>’ no sentido moderno do termo” 25 . Assim, <strong>exposição</strong> e apresentação<br />

possuem diferenças em seus atributos e abrangências semânticas. A apresentação é<br />

uma noção mais ampla que a <strong>exposição</strong>, e pode, dessa forma, englobá-la.<br />

Para nós, o espaço de apresentação é aquele que surge no entrecruzamento dos<br />

movimentos orientados a partir dos gestos e dos fenômenos de indicar e fazer ver. Isto<br />

significa que ele se instaura no entrecruzamento <strong>da</strong>s diferentes operações, gestos e<br />

sistemas de indicação. Sua referência imediata é o campo artístico, mas sua<br />

manifestação abarca to<strong>da</strong>s as situações e ativi<strong>da</strong>des em que ele medeia uma relação<br />

na qual é enfatiza<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de de certo olhar, no sentido amplo do termo. A<br />

apresentação é uma indicação que produz como uma ênfase, um relevo no olhar.<br />

Mas a espaciali<strong>da</strong>de, assim cria<strong>da</strong>, não seria uma espaciali<strong>da</strong>de difusa, mais<br />

dificilmente localizável, mais dissemina<strong>da</strong>? Certos aspectos sociais e culturais agiriam<br />

também como operadores sobre o espaço de apresentação? De que forma? Seriam<br />

produzi<strong>da</strong>s concepções <strong>da</strong> arte nessas operações? E, no caso afirmativo, que tipos ou<br />

formas de arte? Se no caso do espaço <strong>da</strong> <strong>exposição</strong> esses operadores podem ser<br />

mais facilmente detectáveis, pelo fato de se encontrarem circunscritos a um campo<br />

bastante restrito, o que ocorre com a apresentação de algo fora do campo ou do<br />

23 PASSERON, René. Création, Présentation, Présence. In : La Présentation. Paris, Editions<br />

du CNRS, 1985. p. 14 .<br />

24 Id. Ibid. p. 30.<br />

25 VINÇON. René. Artifices d’exposition. Paris, Éditions L’Harmattan, 1999. p. 23.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

circuito <strong>da</strong> arte? Em que circunstâncias isto pode ser considerado, ou passa a se<br />

tornar arte?<br />

Estas perguntas surgem também impulsiona<strong>da</strong>s por algumas produções e ativi<strong>da</strong>des<br />

artísticas nas quais podemos identificar, em princípio, a utilização de outras formas de<br />

apresentação que não a de situações expositivas, seja na galeria, no museu ou em<br />

espaços artísticos. Duas situações podem nos introduzir nesta problemática.<br />

Na primeira delas, o artista norte-americano Allan Kaprow, no início dos anos<br />

setenta, realizou uma ação como resposta ao que ele considerou ser uma sugestão<br />

conti<strong>da</strong> num dos textos de Events (Eventos), de George Brecht. Os textos eram<br />

extremamente sucintos e foram impressos em pequenos cartões entre 1959 e 1962.<br />

Eles poderiam ser compreendidos como partituras destina<strong>da</strong>s a serem utiliza<strong>da</strong>s em<br />

diferentes situações. A maneira como tais “partituras” deveriam ser utiliza<strong>da</strong>s<br />

permanece em aberto de uma forma ambivalente. Assim, o texto no cartão pode ser<br />

percebido apenas como uma lista de nomes ou como uma instrução ou sugestão para<br />

uma ação, diante de um público ou sozinho no espaço privado. O cartão escolhido por<br />

Kaprow intitula-se Três eventos aquosos. Abaixo do título estava escrito apenas gelo,<br />

água, vapor. A ação que ele realizou foi a de preparar um chá gelado: primeiro, ferver<br />

a água; depois, colocar o líquido num bule com folhas de chá e, por último, adicionar<br />

gelo.<br />

O modo como ele considerou essas palavras e de como isso o levou a fazer um chá<br />

tem a ver com sua concepção <strong>da</strong> arte. Para este artista, o ato de prestar atenção e<br />

estar consciente <strong>da</strong> realização de ativi<strong>da</strong>des cotidianas, como preparar chá ou amarrar<br />

os cordões dos sapatos, pode ser mais fun<strong>da</strong>mental do que produzir objetos<br />

convencionalmente identificados como artísticos.<br />

No artigo de sua autoria intitulado “A ver<strong>da</strong>deira experimentação”, 26 Kaprow<br />

estabelece uma distinção entre “arte que se parece com arte” e “arte que se parece<br />

com a vi<strong>da</strong>”: “A arte pareci<strong>da</strong> com a arte considera que a arte é separa<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e do<br />

restante, enquanto que a arte pareci<strong>da</strong> com a vi<strong>da</strong> considera que a arte está em<br />

ligação com a vi<strong>da</strong> e com o restante”. A arte que se parece com arte constituiria uma<br />

prática inscrita dentro <strong>da</strong> “principal corrente <strong>da</strong> tradição <strong>da</strong> história <strong>da</strong> arte ocidental,<br />

onde o espírito é separado do corpo, o indivíduo <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, a cultura <strong>da</strong> natureza,<br />

e onde ca<strong>da</strong> arte é separa<strong>da</strong> <strong>da</strong> outra”. Por outro lado, a arte que se parece com a<br />

vi<strong>da</strong> “não está interessa<strong>da</strong> pela grande tradição ocidental, pois ela tende a misturar as<br />

coisas: corpo e espírito, indivíduo e coletivi<strong>da</strong>de, cultura e natureza, e assim por<br />

26 KAPROW, Allan. La véritable expérimentation. In: L’art et la vie confondus. Paris: Centre<br />

Georges Pompidou, Coleção Supplémentaires. p. 238.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

diante”, <strong>da</strong> mesma forma como pode misturar as categorias <strong>da</strong> arte ou evitá-las<br />

totalmente.<br />

Para Kaprow, foram os sucessivos desenvolvimentos e aprofun<strong>da</strong>mentos do<br />

modernismo que conduziram a arte a dissolver-se em suas fontes no mundo real. As<br />

diferentes percepções do mundo e a subjetivi<strong>da</strong>de nas abor<strong>da</strong>gens, bem como a<br />

possibili<strong>da</strong>de de agir sobre diferentes contextos não-artísticos, gerar gestos e<br />

comportamentos, estariam presentes em artistas e criações desde as primeiras<br />

déca<strong>da</strong>s do século XX.<br />

Outra produção artística pode também nos introduzir na problemática <strong>da</strong> utilização<br />

de outras formas de apresentação. O artista brasileiro Cildo Meireles realizou, a partir<br />

de 1970, as suas “Inserções em Circuitos Ideológicos”, com as quais ele inseria<br />

informações em determinados meios de circulação. Um exemplo disso é o “Projeto<br />

Coca-Cola”, no qual ele aplicava decalques impressos com tinta branca vitrifica<strong>da</strong><br />

sobre garrafas de Coca-Cola, onde se lia, além do título do projeto, a seguinte<br />

proposta: “Gravar nas garrafas, opiniões críticas e devolvê-las <strong>à</strong> circulação”. Embaixo,<br />

viam-se as iniciais C. M. e a <strong>da</strong>ta. Quando a garrafa estava vazia, não se percebia o<br />

texto, mas somente contra o fundo escuro <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong>.<br />

Cildo Meireles questionava os significados veiculados por esse refrigerante e sua<br />

onipresença econômica e cultural. Ao mesmo tempo, in<strong>da</strong>gava-se sobre o sistema de<br />

circulação que tornava isso possível. Este se constituía na ven<strong>da</strong>, no consumo <strong>da</strong><br />

bebi<strong>da</strong> e na devolução de sua embalagem. Assim, produzia-se um ciclo, um circuito: a<br />

embalagem saía <strong>da</strong> indústria para o distribuidor, do distribuidor para o consumidor e<br />

depois, num movimento inverso, este o devolvia ao distribuidor que a fazia retornar <strong>à</strong><br />

indústria para ser de novo reutiliza<strong>da</strong>.<br />

O artista percebe que pode inserir nesse sistema outras informações que seriam<br />

veicula<strong>da</strong>s pelo próprio circuito. Quer dizer, utilizar o próprio sistema de distribuição<br />

como veículo de outras proposições para que o abram a uma percepção e a uma<br />

atuação crítica.<br />

Em relação <strong>à</strong>s “Inserções”, existe um depoimento de Cildo Meireles, registrado por<br />

Antônio Manuel, para sua pesquisa “On<strong>da</strong>s do Corpo”, muito importante para<br />

entendermos essas ações e suas circunstâncias. Nesse depoimento, Cildo diz o<br />

seguinte:<br />

Eu me lembro que em 1968-69-70, porque se sabia que estávamos<br />

começando a tangenciar o que interessava, já não trabalhávamos<br />

com metáforas (representações) de situações. Estava-se trabalhando<br />

com a situação mesmo, real. Por outro lado, o tipo de trabalho que se<br />

estava fazendo, tendia a se volatilizar – e esta já era outra<br />

característica. Era um trabalho que, na ver<strong>da</strong>de, não tinha mais<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

aquele culto do objeto, puramente; as coisas existiam em função do<br />

que poderiam provocar no corpo social”. 27<br />

O artista sublinha o fato de que os circuitos de veiculação de mercadorias ou<br />

informações carregam a propagan<strong>da</strong> ideológica do produtor, e que seria função <strong>da</strong><br />

arte tornar conscientes essas práticas, em oposição <strong>à</strong> função anestesiante dos<br />

circuitos industriais numa socie<strong>da</strong>de capitalista. Para Cildo, as “Inserções” visavam a<br />

atingir um número indefinido de pessoas, um público no sentido mais amplo do termo<br />

e não limitar ou substituir essa noção pela de consumidor, a qual é liga<strong>da</strong> ao poder<br />

aquisitivo. Elas só teriam sentido enquanto fossem pratica<strong>da</strong>s por outras pessoas.<br />

As produções que nos interessam no presente estudo, como nos exemplos<br />

enfocados a partir de Allan Kaprow e Cildo Meireles28 , extravasam constantemente as<br />

práticas artísticas tradicionais ou o espaço de uma concepção circunscrita <strong>da</strong> arte.<br />

Elas são desviantes. Elas produzem movimentos, um deslocamento constante que<br />

evita posições fixas e o isolamento de outras ativi<strong>da</strong>des e conhecimentos. Elas evitam<br />

posições identificáveis de uma forma unívoca, ao recair sobre situações não<br />

considera<strong>da</strong>s como artísticas numa socie<strong>da</strong>de marca<strong>da</strong> pela divisão do trabalho. Elas<br />

são propositivas no sentido de que não há um objeto artístico pronto para ser<br />

apreciado, mas, antes, um processo. A frase de Duchamp “aqueles que olham são os<br />

que fazem os quadros” 29 parece estar de alguma maneira ain<strong>da</strong> relaciona<strong>da</strong> a uma<br />

separação entre produtor e observador. Em outras palavras, existe alguém que produz<br />

um objeto e alguém que produz certo olhar sobre esse objeto apresentado. Ela supõe<br />

uma noção de público como no cinema ou no teatro tradicional. Nas propostas e nas<br />

ações <strong>da</strong>s quais nos fala Kaprow ou Cildo Meireles não há ninguém assistindo, não há<br />

testemunhas oculares. Dessa forma, ocorre aqui algo que poderíamos chamar de<br />

autoapresentação. Aquele que toma parte nesse processo inclui-se como alguém que<br />

produz uma experiência de fazer e abre uma experiência de sentir e pensar, ou<br />

pensar, sentir, fazer, olhar: os termos estão inter-relacionados e não necessariamente<br />

numa ordem estabeleci<strong>da</strong>.<br />

Ain<strong>da</strong> em relação a Marcel Duchamp, seria possível detectar certas diferenças em<br />

suas declarações e escritos sobre o processo de criação, sobre o olhar e sobre o ato<br />

27 MEIRELES, Cildo. Coleção Arte Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: FUNARTE,<br />

1981. p. 24.<br />

28 No caso de Cildo Meireles, nosso interesse se dá principalmente pelo primeiro momento <strong>da</strong><br />

elaboração e circulação de suas “Inserções em Circuitos Ideológicos”, antes de sua <strong>exposição</strong><br />

em museus. Mas essa passagem de uma circunstância a outra constitui um aspecto<br />

importante, o qual pode ser estu<strong>da</strong>do e desenvolvido.<br />

29 DUCHAMP, Marcel. Duchamp du signe. Paris : Flammarion, 1991. p. 247.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

de expor (apresentação), que nos levam a pensar noutras possibili<strong>da</strong>des de<br />

abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> noção de autoapresentação. Assim, em relação a esses três aspectos,<br />

é bem conheci<strong>da</strong> uma frase dele: “Aqueles que olham são os que fazem os<br />

quadros” 30 . Esta frase, assim como seu texto “O processo criativo” 31 , contém aspectos<br />

bastante enfatizados, segui<strong>da</strong>mente citados, reproduzidos e traduzidos em livros ou<br />

coletâneas. Mas o que parece ter passado despercebido em relação aos mesmos<br />

aspectos é um trecho de uma de suas entrevistas com Pierre Cabanne, publica<strong>da</strong>s<br />

sob o título “Engenheiro do tempo perdido”. Nesse trecho, Duchamp fala de seu<br />

interesse pelo jogo de xadrez, prática <strong>à</strong> qual ele esteve ligado durante quase to<strong>da</strong> sua<br />

vi<strong>da</strong>. Transcrevo aqui o trecho em questão32 :<br />

[...]<br />

Pierre Cabanne — Constatei uma coisa: primeiro, o que não é novo,<br />

sua paixão pelo xadrez...<br />

Marcel Duchamp — Não é muito séria, mas existe.<br />

P. C. — Também notei que esta paixão era especialmente grande<br />

quando você não estava pintando.<br />

M.D. — É ver<strong>da</strong>de.<br />

P. C. — Então, imaginei se, durante estes períodos, os gestos<br />

dirigindo os movimentos dos peões no espaço não suscitariam<br />

criações — sim, eu sei que você não gosta desta palavra —<br />

imaginárias que, a seus olhos, tinham tanto valor quanto as<br />

criações reais de seus quadros e, ain<strong>da</strong>, estabeleciam uma nova<br />

função plástica no espaço.<br />

M.D. — De certa maneira, sim. Uma parti<strong>da</strong> de xadrez é uma coisa<br />

visual e plástica, e se não é geométrica no sentido estático <strong>da</strong><br />

palavra, é mecânica, desde que se move; é um desenho, é uma<br />

reali<strong>da</strong>de mecânica. As peças não são belas por elas mesmas,<br />

assim como a forma do fogo, mas o que é belo — se a palavra<br />

“belo” pode ser usa<strong>da</strong> — é o movimento. Então, é uma<br />

mecânica, no sentido, por exemplo, de um Calder. No xadrez,<br />

existem, sem dúvi<strong>da</strong>, coisas extremamente belas no domínio do<br />

movimento, mas não no domínio visual. Imaginar o movimento<br />

ou o gesto é que faz a beleza neste caso. Está completamente<br />

dentro <strong>da</strong> massa cinzenta.<br />

P. C. — Em suma, há no xadrez um jogo de formas gratuito que se<br />

opõe ao jogo de formas funcional <strong>da</strong> pintura.<br />

M.D. — Sim, totalmente. Apesar do [sic] jogo não ser gratuito; existe<br />

escolha...<br />

P. C. — Mas sem nenhum propósito.<br />

M.D. — Não. Nenhum propósito social. Isso é o mais importante.<br />

P. C. — O xadrez é a obra de arte ideal?<br />

M.D. — Poderia ser. Acrescente-se que o meio dos jogadores de<br />

xadrez é mais simpático que o dos artistas. Estes são<br />

completamente confusos, completamente cegos, usam viseirade-burro.<br />

São loucos de certa natureza, como se espera que<br />

30 Op. cit p. 247.<br />

31 , Id. ibid. p. 187.<br />

32 CABANNE. Pierre. Marcel Duchamp: engenheiro do tempo perdido. São Paulo, Ed.<br />

Perspectiva, 1997. p. 27, 28.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

eles sejam; mas não o são, em geral. Isto foi provavelmente o<br />

que mais me interessou. Eu estive muito ligado ao xadrez por<br />

quarenta ou quarenta e cinco anos, depois meu entusiasmo<br />

diminuiu.<br />

No trecho <strong>da</strong> entrevista que acabamos de ler, as perguntas e respostas giram em<br />

torno do xadrez e <strong>da</strong> importância significativa que ele teria para Duchamp. Lemos<br />

sobre beleza, movimento, criações imaginárias, olhar e arte. Mas, curiosamente, o<br />

xadrez não é uma pintura, não é um quadro; o ato de jogá-lo não é considerado, em<br />

princípio, uma ativi<strong>da</strong>de artística. Sua prática não se inscreve na tradição <strong>da</strong>s artes<br />

plásticas, muito menos dentro do campo <strong>da</strong> arte e ele não é exposto dentro de<br />

espaços considerados artísticos. Quer dizer, pela maneira como Duchamp discorre<br />

sobre esse jogo, seu valor ‘estético’ não viria necessariamente de sua inscrição dentro<br />

do espaço de <strong>exposição</strong>. Naquela época então, e no momento em que Duchamp e<br />

Cabanne conversavam, o xadrez não possuía institucionalmente ou publicamente<br />

essa conotação artística. Um deslocamento ocorre aqui: nem o jogo, nem muito<br />

menos o contexto e os participantes (como enfatizado por Duchamp) pertencem ao<br />

campo <strong>da</strong> arte.<br />

Diante do jogo, Duchamp encontra quali<strong>da</strong>des plásticas e beleza ao imaginar o<br />

movimento <strong>da</strong>s joga<strong>da</strong>s. Mas o jogo em principio é produzido sem intenções artísticas,<br />

compreendi<strong>da</strong>s estas tanto no sentido de que ele se oporia “ao jogo de formas<br />

funcional <strong>da</strong> pintura”, quanto no sentido de alguém que produz uma pintura, a qual<br />

visa ao olhar do publico. Duchamp, sentado diante do tabuleiro no ato de movimentar<br />

as peças, possivelmente tem uma percepção que se faz <strong>à</strong> medi<strong>da</strong> de seu<br />

envolvimento no jogo, que ele também produz. A um <strong>da</strong>do momento, ele pode pensar<br />

que aquilo poderia ser arte; talvez mesmo “a obra de arte ideal”. Mas nem o contexto<br />

nem talvez o outro jogador, ou alguém que os observa, consideraria ou necessitaria ter<br />

esse olhar, nem o jogo é proposto de antemão aos participantes como arte, quer dizer,<br />

enquanto produção de um gesto artístico. Seria o fato de produzir um jogo e<br />

simultaneamente oferecer um olhar e uma posição diante disso, partilhável com um<br />

observador, que por sua vez iria “refinar” esse “produto”? Tarefa talvez impossível,<br />

pois, afinal, como Duchamp mesmo afirma, isto estaria “completamente dentro <strong>da</strong><br />

massa cinzenta”. Parece-me, então, que aqui estamos diante de outra situação<br />

artística, diferente <strong>da</strong>quela descrita no texto “O processo criativo”, no qual ela é<br />

resultante de uma relação entre dois pólos, onde se encontram, de um lado, o artista<br />

e, de outro, o espectador.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Gostaria também, neste momento, de aproximar outras experiências já históricas,<br />

como as do grupo Fluxus, que tenho observado ao longo <strong>da</strong> atual pesquisa. Entre<br />

muitos aspectos, interessou-me a abor<strong>da</strong>gem que faz de suas práticas o filósofo<br />

Arthur Danto. Escrevendo sobre a época na qual surgiram as ativi<strong>da</strong>des do Fluxus,<br />

nos diz ele:<br />

E mais adiante acrescenta:<br />

O lugar-comum <strong>da</strong> experiência cotidiana tinha começado a passar por<br />

um tipo de transfiguração na consciência artística. Surgia a idéia de<br />

que na<strong>da</strong> externo faria distinguir uma obra de arte dos objetos ou<br />

eventos mais comuns – que uma <strong>da</strong>nça pode consistir em na<strong>da</strong> mais<br />

extraordinário que ficar imóvel; que qualquer coisa que alguém escute<br />

poderia ser música – até o silêncio. A mais comum <strong>da</strong>s caixas de<br />

madeira, um carretel de linha de varal, uma tela de arame, uma fila de<br />

tijolos, poderia ser uma escultura. (...) A qualquer momento que o<br />

clima permitisse, um grupo se reuniria para apresentar o Winter Carol<br />

(Cântico de Natal) de Dick Higgins (1959), escutando a neve cair por<br />

um período de tempo preestabelecido. O que poderia ser mais<br />

mágico?” 33 .<br />

“Fluxus não demonstrou que nenhuma definição de arte poderia ser<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>. Ele demonstrou que qualquer definição existente deveria li<strong>da</strong>r<br />

com esses objetos e ações pouco atraentes. Maciunas cita com<br />

considerável satisfação uma apresentação Fluxus de George Brecht<br />

na qual ele ligava e desligava uma luz. ‘Essa é a peça. Ligar a luz e<br />

depois desligá-la. Você faz isso todos os dias, não faz? ’ 34 .<br />

Identifico em muitas dessas criações Fluxus a noção de autoapresentação, pois elas<br />

não visavam necessariamente a uma apresentação como <strong>exposição</strong> (observador<br />

externo), e, por outro lado, enfatizavam os processos propositivos, a realização de<br />

ações, de relação e de envolvimento como criação e vivência artística, que<br />

encontramos, por exemplo, nos Events de George Brecht. Na autoapresentação,<br />

encontramos segui<strong>da</strong>mente um exercício e uma ênfase no olhar que transforma a<br />

percepção, o sentido e o pensamento sobre as coisas. Pareceria que vemos o<br />

surgimento e a abertura do sentido. Noutras vezes, encontramos uma inter-relação<br />

entre olhar e fazer e a percepção disso como ato artístico. A possibili<strong>da</strong>de do olhar<br />

seria inseparável do fazer o objeto desse olhar, ou do fazer a experiência do fazer<br />

para esse olhar. Nessas ativi<strong>da</strong>des e produções, se enfatiza também o uso de<br />

situações ou materiais não-pertencentes em princípio ao campo <strong>da</strong> arte, <strong>à</strong>s suas<br />

práticas ou <strong>à</strong>s suas tradições, o que levanta questões sobre a natureza <strong>da</strong> arte e seus<br />

limites.<br />

33 DANTO, Arthur. O Mundo como Armazém: Fluxus e Filosofia. In: HENDRICKS, Jon (Org.). O<br />

que é Fluxus? O que não é! O porquê. Brasília, Centro Cultural Banco do Brasil, 2002. p. 24.<br />

34 Id. ibid. p. 26.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Em muitas <strong>da</strong>s criações e propostas de Fluxus, não há diferença aparente entre um<br />

objeto ou ação cotidiana e uma obra de arte. Retomemos o pensamento de Danto:<br />

“O que o Fluxus nos ajudou a ver é que [naquela época] nenhuma<br />

teoria sobre a arte teria nos aju<strong>da</strong>do identificar quais eram obras de<br />

arte, já que a arte pode lembrar a reali<strong>da</strong>de em qualquer grau<br />

desejado. O Fluxus estava certo com relação ao fato de que a<br />

questão não é quais são as obras de arte, mas qual é a nossa<br />

percepção de algo se o vemos como arte” 35 .<br />

Uma parte extremamente importante <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des de Fluxus era constituí<strong>da</strong> por<br />

diversos tipos de publicações e múltiplos que permitiam a circulação e veiculação de<br />

seu pensamento e de suas propostas. Isto também ocorreu com as produções<br />

relaciona<strong>da</strong>s <strong>à</strong> arte conceitual, com os livros e publicações de artistas, e, de uma<br />

maneira geral, cresceu substancialmente a partir dos anos sessenta. Nos dias de hoje,<br />

estas práticas já foram incorpora<strong>da</strong>s pelo mercado e pelos eventos artísticos (bienais,<br />

feiras de arte, exposições em galerias e museus). Entretanto, isso não<br />

descontextualizaria a proposta de várias dessas criações? Não haveria certo<br />

apagamento nas contribuições e no saber trazido por esses grupos e artistas? Seria<br />

possível operar com formas de publicação ou veiculação e o espaço cotidiano sem<br />

que isso seja hoje simplesmente uma extensão ou diversificação do mercado, do<br />

evento e do espaço expositivo? Como criar, no atual contexto, formas de<br />

apresentação que permitam uma circulação e uma veiculação de proposições nãoexpositivas,<br />

constituindo com isso uma poética <strong>da</strong>s apresentações?<br />

Nos exemplos apresentados ao longo deste texto, pudemos distinguir diferentes<br />

posições dentro do campo artístico, que vão desde produções artísticas que<br />

problematizam o espaço expositivo até outras em que a experiência com as<br />

proposições artísticas ocorre fora deste espaço. Assim, quando observamos o campo<br />

artístico, bem como os estudos realizados a respeito <strong>da</strong> <strong>exposição</strong>, deparamo-nos<br />

com alguns problemas. Um deles é o fato de que nas últimas déca<strong>da</strong>s, e sobretudo ao<br />

ser pratica<strong>da</strong> através dos grandes eventos, com uma ênfase nos dispositivos<br />

mediadores, discursivos e publicitários que os produzem, a <strong>exposição</strong> colocaria<br />

entraves <strong>à</strong>s possibili<strong>da</strong>des críticas e <strong>à</strong>s inquietações <strong>da</strong> arte: convencionalismo,<br />

domesticação, informação e inteligibili<strong>da</strong>de a qualquer custo, insensibili<strong>da</strong>de... 36 . Além<br />

disso, haveria também o problema: “tornou-se mais difícil do que nunca aos artistas<br />

35 Id. ibid. p. 31.<br />

36 Ver, por exemplo: L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente expositions<br />

exemplaires du XXe siècle. Paris, Éditions du Regard, 1998. p. 29.<br />

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FERVENZA, Hélio.<br />

contemporâneos de encontrar as respostas artísticas adequa<strong>da</strong>s suscetíveis de gerar<br />

uma forma nova de <strong>exposição</strong>” 37 .<br />

Entre os aspectos que produzem a apresentação de algo ou alguma coisa como arte<br />

está também uma concepção que indica que esse algo ou alguma coisa pode ser arte<br />

ou de que aí está ocorrendo arte. A acolhi<strong>da</strong> de produções por parte do<br />

museu/galeria/evento (“qualquer coisa aí colocado é arte”, diz, por exemplo, Daniel<br />

Buren) resolveria definitivamente o foco do problema? Somente a ‘moldura’ ou o<br />

‘quadro social’ dessas instâncias asseguraria este aspecto? Mas o que pensar <strong>da</strong>s<br />

produções que não se efetivam nesse quadro social ou cultural? O espaço <strong>da</strong> arte<br />

estaria restrito <strong>à</strong>s operações paradigmáticas do espaço de <strong>exposição</strong>?<br />

Numa outra posição em relação ao campo artístico, temos a Autoapresentação,<br />

noção cria<strong>da</strong> por mim com o objetivo de abor<strong>da</strong>r certas ativi<strong>da</strong>des e produções<br />

artísticas nas quais foram detecta<strong>da</strong>s características peculiares. Essas produções se<br />

diferenciam de outras no sentido de que elas não visam necessariamente a uma<br />

apresentação no sentido de <strong>exposição</strong> (observador externo); por outro lado, enfatizam<br />

os processos de relação, olhar, envolvimento, como criação e vivência artística, mais<br />

do que a produção de objetos para <strong>exposição</strong> (para o olhar do publico, do observador).<br />

Parece-nos importante considerar alguns aspectos surgidos com a<br />

autoapresentação. Um deles seria a oscilação já referi<strong>da</strong> anteriormente, a flutuação no<br />

estatuto, no registro e no sentido diante de situação, ação ou objeto não-artístico que<br />

pode ser visto como arte. Afinal, o que é isso que temos diante de nós? Do que se<br />

trata? Que sentidos estão sendo acessados? Outro aspecto seria a in<strong>da</strong>gação sobre a<br />

autoapresentação como sendo, ao mesmo tempo, possibili<strong>da</strong>de criativa, talvez um<br />

ponto de parti<strong>da</strong> comum em muitos processos de criação, mas também - tendo em<br />

vista ser uma experiência pessoal -, possibili<strong>da</strong>de de experiência singular e não<br />

partilhável, de não-comunicação, de invisibili<strong>da</strong>de, possibili<strong>da</strong>de de impossibili<strong>da</strong>de.<br />

A <strong>exposição</strong> e a autoapresentação seriam duas posições importantes no campo <strong>da</strong><br />

arte contemporânea e indicariam limites <strong>da</strong> atuação desse campo e concepções <strong>da</strong><br />

arte. Elas talvez não constituam necessariamente posições antagônicas e<br />

incomunicáveis entre si; poderiam até estar inter-relaciona<strong>da</strong>s, mesmo que<br />

parcialmente.<br />

Haveria ain<strong>da</strong> outras formas de apresentação? Como elas ocorrem? Que relações<br />

elas estabelecem e em que contexto? Como a <strong>exposição</strong> se relaciona com essas<br />

37 KLÜSER, Bernd. Le marché de l’art et la culture d’exposition durant les années 1980. In:<br />

L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente expositions exemplaires du XXe siècle.<br />

Paris: Éditions du Regard, 1998. p. 12.<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

outras formas? Como poderiam desenvolver-se proposições críticas no intervalo entre<br />

essas duas posições: <strong>exposição</strong> e autoapresentação?<br />

Conseqüentemente, no atual período continuo desenvolvendo aspectos <strong>da</strong> relação<br />

entre o espaço expositivo interno e o espaço exterior a este (relação dentro-fora),<br />

numa in<strong>da</strong>gação sobre essas instâncias e repensando-as dentro do processo de<br />

criação, aprofun<strong>da</strong>ndo, assim, a problemática artística e sua poética. Isto pode ser<br />

observado, por exemplo, num dos trabalhos que mostrei na <strong>exposição</strong> coletiva<br />

"Vehículos del Arte: Conexiones al Sur”, que fez parte <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des do grupo de<br />

pesquisa Veículos <strong>da</strong> Arte. Na ocasião, apresentei Travelling: (im)perfeitos veículos38 ,<br />

uma instalação que utilizava pontuações recorta<strong>da</strong>s em vinil adesivo, impressos,<br />

embalagens e papéis autocolantes (post-it) carimbados. Embora essa instalação<br />

estivesse situa<strong>da</strong> especificamente numa <strong>da</strong>s salas do Centro Cultural, as pontuações<br />

que a constituíam disseminavam-se pelos outros espaços, dialogando com a<br />

arquitetura e com as obras dos outros artistas. Em conexão com essa instalação,<br />

foram também realiza<strong>da</strong>s intervenções com papéis autocolantes (post-it) carimbados,<br />

sobre o mobiliário urbano no centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de (painéis de publici<strong>da</strong>de, telefones<br />

públicos, etc.). Quer dizer, o trabalho estendia-se em vários sentidos, alcançando a<br />

rua, ou partindo dela, e conectando-se com outras criações e espaços.<br />

Fig. 9 – Hélio Fervenza, Traveling: (im)perfeitos veículos. Instalação utilizando pontuações recorta<strong>da</strong>s em vinil adesivo,<br />

impressos e papéis autocolantes (post-it) carimbados. Apresenta<strong>da</strong> na <strong>exposição</strong> coletiva Vehículos del Arte:<br />

Conexiones al Sur, de 09 de agosto a 28 de agosto de 2007, no Centro Cultural Victoria Ocampo, Mar del Plata,<br />

Argentina. Foto: Vista parcial <strong>da</strong> instalação. Arquivo do artista.<br />

38 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/traveling/<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Outro exemplo é a <strong>exposição</strong>-instalação Prosa de Jardim 2 39 , realiza<strong>da</strong> em co-<br />

autoria com a artista e pesquisadora Maria Ivone dos Santos, integrante também do<br />

grupo de pesquisa Veículos <strong>da</strong> Arte. Prosa de Jardim 2 foi mostra<strong>da</strong> no Museu de<br />

Arte de Joinville, o qual está situado em meio a um grande jardim. As criações e<br />

intervenções ali apresenta<strong>da</strong>s ou efetua<strong>da</strong>s interagiam de forma peculiar, tanto com o<br />

espaço expositivo interno ― as paredes, as janelas e o chão ―, quanto com as<br />

ambiências externas, constituindo um espaço permeável e poroso. Tornavam-se<br />

assim permeáveis não somente os trabalhos dos dois artistas, produzindo um terceiro<br />

termo, outra situação, mas também o dentro e o fora, a casa que abriga o museu, o<br />

jardim e vice-versa. Essa permeabili<strong>da</strong>de se revelava também nas inquietações sobre<br />

o que seja ou não considerado arte, sobre sua aparência ou seus limites físicos,<br />

quando, por exemplo, depositamos um simples vaso com jasmim na varan<strong>da</strong> do<br />

museu.<br />

Os trabalhos aprofun<strong>da</strong>ram não só as relações arquitetônicas ou físicas, mas<br />

também aquelas simbólicas ou autorais, numa abertura investigativa em relação <strong>à</strong><br />

dimensão coletiva e intersubjetiva inscrita no processo criativo. Poderíamos aqui<br />

pensar num dentro-fora <strong>da</strong> autoria, por exemplo, no fato que os trabalhos em<br />

colaboração podem abrir outras perspectivas de análise sobre a posição <strong>da</strong>quele que<br />

apresenta.<br />

Fig. 10 – Hélio Fervenza, Prosa de Jardim 2. Instalação realiza<strong>da</strong> em co-autoria com Maria Ivone dos Santos no Museu<br />

de Arte de Joinville, Joinville – SC, no período de 16 de setembro a 09 de novembro de 2008. Elementos utilizados:<br />

uma fotografia em montagem panorâmica, onze fotografias cola<strong>da</strong>s sobre pvc, duas fotografias com dispositivo de<br />

apresentação em acrílico, uma fotografia em back-light, textos em vinil adesivo, três textos impressos em papel<br />

fotográfico com dispositivo de apresentação em acrílico, pontuações em vinil adesivo, vídeo-carta Vendo a Vista e<br />

monitor de televisão, um vaso de jasmim, pás, desenhos com têmpera sobre papel sulfite fixados na parede com<br />

alfinetes de mapa. Foto: Vista parcial <strong>da</strong> instalação. Arquivo do artista.<br />

39 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/jardim/<br />

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Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

O desenvolvimento dessa abertura e <strong>da</strong>s criações artísticas deu-se igualmente por<br />

meio de outras formas de apresentação, como por exemplo, em Degelo40 , ação<br />

artística realiza<strong>da</strong> em parceria com a artista e pesquisadora Didonet Thomaz, no Largo<br />

<strong>da</strong> Ordem, centro histórico de Curitiba. Em Degelo, foi utiliza<strong>da</strong> uma faixa, do tipo<br />

usado para fazer anúncios, propagan<strong>da</strong> (comercial, política, etc.) ou para diferentes<br />

tipos de manifestações. Ela era confecciona<strong>da</strong> em polietileno vermelho, medindo 4,5 x<br />

0,7 m, com aplicação do texto ANTARTIDARTICO em vinil adesivo translúcido, o que<br />

criava uma diferença sutil entre texto e fundo. Na reali<strong>da</strong>de, o texto sobre a faixa ficava<br />

quase invisível, o que correspondia <strong>à</strong>s intenções do trabalho, que era a de utilizar um<br />

meio destinado a se fazer imediatamente presente e visível, a enfatizar uma<br />

"mensagem", mas que neste caso era quase imperceptível.<br />

Fig. 11 – Hélio Fervenza, Degelo. Ação artística de intervenção urbana realiza<strong>da</strong> em parceria com Didonet Thomaz no<br />

Largo <strong>da</strong> Ordem, Curitiba, no dia 17 de novembro de 2008. Ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s no âmbito do Projeto O Artista na<br />

Universi<strong>da</strong>de, coordenado por Tânia Bloomfield e Luís Carlos dos Santos, Departamento de Artes <strong>da</strong> UFPR, Curitiba.<br />

Elementos utilizados: faixa em polietileno medindo aproxima<strong>da</strong>mente 4,5 x 0,7 m, com aplicação do texto<br />

ANTARTIDARTICO em vinil adesivo translúcido. Crédito <strong>da</strong> imagem: Tânia Bloomfield. Arquivo do artista.<br />

Muito próxima <strong>da</strong>s problematizações levanta<strong>da</strong>s pelo trabalho acima, encontra-se<br />

País do futuro41 , proposta na qual também foi utiliza<strong>da</strong> uma faixa, desta vez em<br />

polietileno branco, medindo aproxima<strong>da</strong>mente as mesmas dimensões, com aplicação<br />

de texto em vinil adesivo translúcido. País do futuro foi apresenta<strong>da</strong> durante<br />

intervenção e caminha<strong>da</strong> na área central de Porto Alegre por ocasião do “Laboratório<br />

de deambulação urbana em Porto Alegre”, ministrado por Daniele Marx, no âmbito do<br />

Projeto FPES - Perdidos no Espaço.<br />

40 Ativi<strong>da</strong>de esta desenvolvi<strong>da</strong> no âmbito do Projeto O Artista na Universi<strong>da</strong>de, coordenado por<br />

Tânia Bloomfield e Luís Carlos dos Santos, do Departamento de Artes <strong>da</strong> UFPR, Curitiba.<br />

http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/degelo/<br />

41 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/pais_futuro/<br />

90


Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

Fig. 12 – Hélio Fervenza, País do futuro. <strong>Apresentação</strong>, intervenção e caminha<strong>da</strong> realiza<strong>da</strong> na área central de Porto<br />

Alegre no dia 14 de dezembro de 2007. Elementos utilizados: faixa em polietileno branco medindo aproxima<strong>da</strong>mente 4<br />

x 0,7 m, com aplicação do texto Brasil: país do futuro em vinil adesivo translúcido. Arquivo do artista.<br />

Ao observarmos os diferentes tipos de faixas utiliza<strong>da</strong>s cotidianamente na ci<strong>da</strong>de,<br />

pode-se facilmente constatar que são muitas e, em geral, muito simples as suas<br />

possibili<strong>da</strong>des de apresentação. Elas são coloca<strong>da</strong>s preferencialmente em áreas<br />

externas, mas podem ser desenrola<strong>da</strong>s a diferentes intervalos e em diferentes lugares<br />

durante uma caminha<strong>da</strong>. Essa mobili<strong>da</strong>de tem-me interessado bastante, assim como o<br />

fato de que, em princípio, elas são mostra<strong>da</strong>s em espaços não-expositivos e utiliza<strong>da</strong>s<br />

com finali<strong>da</strong>des não-artísticas. As faixas constituem um meio para a apresentação,<br />

divulgação e manifestação de certo tipo de informações, gerando expectativas<br />

intrínsecas. Elas propiciam conotações e associações advin<strong>da</strong>s de seu uso (comercial,<br />

político, esportivo, etc.).<br />

Em Degelo ou País do futuro, ocorre uma situação que dificulta o esclarecimento<br />

quanto a um uso específico <strong>da</strong>s faixas, na qual não se identifica necessariamente ou<br />

imediatamente uma finali<strong>da</strong>de artística, o que possibilita transitar na indeterminação de<br />

seu estatuto. Abre-se então um espaço de fusão com outras formas e usos dessas<br />

formas, mas também de alteração na forma desses usos. Abre-se um espaço de<br />

possibili<strong>da</strong>de de abertura dos sentidos, de outros olhares com outros sentidos.<br />

Posteriormente, em Porto Alegre Pontal: 42 , experiência realiza<strong>da</strong> a partir do envio de<br />

um e-mail para diferentes destinatários em Porto Alegre em novembro de 2008, o<br />

trabalho se constituía precisamente numa inter-relação, num intervalo, nesses outros<br />

olhares e possibili<strong>da</strong>des que poderiam surgir num pequeno diálogo, no espaço de um<br />

perguntar e responder, e responder e perguntar. Como apresentamos para nós<br />

mesmos essas situações por vezes indetermina<strong>da</strong>s quanto a seu sentido? O<br />

42 http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/pontal/<br />

91


Revista PALÍNDROMO 2<br />

FERVENZA, Hélio.<br />

aparecimento e a experiência dessa oscilação de sentidos, de outras possibili<strong>da</strong>des de<br />

sentido, seria a dimensão artística?<br />

Referências Bibliográficas:<br />

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Perspectiva, 1997.<br />

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Ed. Vozes, 1996.<br />

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(Org.). O que é Fluxus? O que não é! O porquê. Brasília, Centro Cultural Banco do<br />

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DUCHAMP, Marcel. Duchamp du signe. Paris : Flammarion, 1991.<br />

HEGEWISCH, Katharina. Un médium <strong>à</strong> la recherche de sa forme: Les expositions et<br />

leurs déterminations. In: L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente<br />

expositions exemplaires du XXe siècle. Paris: Éditions du Regard, 1998.<br />

KAPROW, Allan. La véritable expérimentation. In: L’art et la vie confondus. Paris:<br />

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In: L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente expositions exemplaires du<br />

XXe siècle. Paris: Éditions du Regard, 1998.<br />

LYOTARD, Jean-François. Que Peindre? - A<strong>da</strong>mi, Arakawa, Buren. Paris: Editions de<br />

la Différence, Coll. La Vue, Le Texte, V. I, 1987.<br />

MEIRELES, Cildo. Coleção Arte Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro:<br />

FUNARTE, 1981.<br />

PASSERON, René. Création, Présentation, Présence. In : La Présentation. Paris,<br />

Editions du CNRS, 1985.<br />

POINSOT, Jean-Marc, In Situ, lieux et espaces de la sculpture contemporaine”, In:<br />

Qu'est-ce que la sculpture moderne?, Paris, M.N.A.M.-Centre Georges Pompidou,<br />

1986.<br />

VINÇON, René. Artifices d’exposition. Paris: Éditions L’Harmattan, 1999.<br />

92

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