ROMANTISMO
PROSA
O ROMANCE ROMÂN-
TICO REGIONALISTA
Os romances de temática rural de José de Alencar abriram um rico
veio para o surgimento de um grupo de romancistas também
denominados sertanistas (ou regionalistas). São escritores
preocupados em revelar o Brasil agrário, distanciado do litoral, com seus
costumes específicos e seus protagonistas que oscilam entre a
ingenuidade psicológica e a prepotência patriarcal.
O ponto de partida dessa literatura é geralmente uma visão
nacionalista, mesclada à estrutura narrativa do folhetim e à busca de
certa autenticidade poética ou documental na fixação da vida
interiorana. Há uma intenção realista, inclusive, mas é um realismo que
se detém em exterioridades: descrições da natureza, algo do acento
lingüístico, dos costumes e dos valores morais da região. Esta procura da
realidade concreta é prejudicada, no entanto pela construção totalmente
romântica e melodramática dos personagens.
BERNARDO GUI-
MARÃES (1825-1884)
Nasceu em Ouro Preto, onde passou a infância e os primórdios da
adolescência, indo depois para São Paulo estudar Direito. Foi colega de
Álvares de Azevedo e na faculdade tinha fama de boêmio e satírico,
tendo inclusive produzido uma lírica (Cantos da solidão) identificada
com o satanismo byroniano e com humorismo. Também escreveu
poemas pornográficos que obtiveram muito sucesso na época Foi
nomeado juiz no interior de Goiás, onde mostrou seu lado boêmio até
ser exonerado da função. Passou rapidamente pelo Rio de Janeiro,
voltou a Ouro Preto, casou-se e se tornou professor secundário. A
publicação de A escrava Isaura, em 1875, garantiu-lhe prestígio
nacional, a ponto do próprio Imperador visitá-lo na antiga capital
mineira. Morreu aos cinqüenta e nove anos.
Obras principais: O ermitão do Muquém (1864); O garimpeiro
(1872); O seminarista (1872); A escrava Isaura (1875).
Nenhum autor expressou tão amplamente a tendência sertanista
como Bernardo Guimarães. Vivendo, alguns anos, no interior (oeste
de Minas e sul de Goiás), conheceu-o bem, descrevendo-o com certa
minúcia e com um estilo mais ou menos trivial, pontilhado por algumas
falas pitorescas da região.
A exemplo dos demais ficcionistas de temática rural, suas narrativas
variam entre um modesto realismo e o melodrama romântico mais
inverossímil. Quando a primeira tendência domina, ele escreve um
romance aceitável, O seminarista; quando o folhetim impera, seus
relatos tornam-se risíveis, caso de O garimpeiro e A escrava Isaura.
A ESCRAVA ISAURA
Este é um dos livros cuja importância se situa fora da literatura, pela
incrível recepção que obteve e por sua importância na luta
abolicionista.. Milhares de brasileiros se comoveram com as desventuras
da escrava submetida à perfídia de seu dono e engrossaram o grupo dos
que defendiam o fim da escravatura. Até porque Bernardo
Guimarães soube impregnar de denúncia social o mais elementar uso
dos arquétipos do Bem e do Mal, que sempre fascinam o grande público.
Resumo :: Isaura é filha de uma escrava e de um feitor português
de uma enorme fazenda, no interior do Rio de Janeiro. Após a morte da
mãe, a menina é adotada pela fazendeira que a trata como se fosse sua
própria filha. Vem daí a esmerada educação da escrava que conversa
sobre todos os assuntos, toca piano, canta e sabe línguas estrangeiras.
Ainda por cima, é branca. Paradoxalmente branca:
Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de
moça (...) A tez é como marfim do teclado, alva que não deslumbra,
embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve
palidez ou cor-de-rosa desmaiada...
No entanto, com a morte da fazendeira, Leôncio, seu filho, assume a
propriedade e começa a perseguir obsessivamente Isaura, assediando-a
com propostas indecorosas. O pai da escrava, que agora trabalhava em
outra fazenda, sabedor da situação, rapta a filha e ambos vão morar no
Recife. Isaura adota o nome de Elvira. Um pernambucano riquíssimo,
Álvaro, a vê e se apaixona loucamente por ela. Mas, no primeiro baile a
que vão juntos, Elvira é desmascarada e sua condição de escrava fugida
vem à tona.
Álvaro e Leôncio enfrentam-se
pela posse da moça, porém esta acaba
voltando á fazenda como cativa,
embora resistindo a todo o assédio do
cruel fazendeiro. Este então promete
libertá-la desde que ela casasse com o
jardineiro, um ser monstruoso,
"cabeludo como um urso e feio como
um macaco". Na hora do casamento,
ocorre a surpresa final: Álvaro aparece
na fazenda, dizendo que havia
comprado todos os bens que Leôncio
penhorara por estar enredado em
dívidas. Entre esses bens estavam
todos os escravos, inclusive a linda
Isaura, que evidentemente vai se casar
com Álvaro. Neste momento, Leôncio
sai da sala e se suicida, encerrando a
narrativa com o mais desbragado final
feliz .
Bernardo Guimarães
Rubens de Falco e Lucélia Santos
O SEMINARISTA
Em O seminarista vemos narrando o drama de Eugênio e
Margarida, que, na infância, passada no sertão mineiro, estabelecem
uma amizade que logo vira paixão. O pai de Eugênio, indiferente aos
sentimentos do filho, o obriga a ir para um seminário. Dilacerado entre
o amor e a religiosidade, Eugênio segue para o mosteiro.
Embora todo o sofrimento da perda amorosa, o jovem dedica-se à
vida espiritual e acaba se ordenando sacerdote. Volta então à aldeia
natal para rezar a sua primeira missa. Lá encontra a sua antiga paixão,
Margarida, que está à beira da morte. Os dois não resistem ao
impulso afetivo e mantêm relações. Em seguida, a heroína morre.
Eugênio, ao saber da notícia, pouco antes de iniciar a missa, enlouquece
de dor afetiva e moral, tanto pelo desaparecimento da amada quanto
pela quebra do voto de castidade.
Apesar de sua dimensão melodramática, o romance apresenta uma
das mais veementes críticas ao patriarcalismo, em toda a literatura do
século XIX.
VISCONDE DE TAUNAY
(1843-1899)
Alfredo d'Escragnolle-Taunay nasceu no Rio de Janeiro, no seio de uma
família aristocrática e dada às artes. Seu avô paterno, Nicolau Antônio, viera
da França para fundar a Academia de Belas Artes do Rio de janeiro. Seu pai, o
também pintor Félix Taunay, tornara-se preceptor de d. Pedro II. Induzido
pelos familiares a abraçar a carreira das armas, Alfredo cursou engenharia na
Escola Militar e como segundo tenente participou da expedição que tentou
repelir os paraguaios que dominavam o sul da província de Mato Grosso. A
derrota militar que se seguiu, ocasionada pela falta de víveres e pelo cólera,
seria retratado de forma pungente em A retirada de Laguna, relato escrito
em francês, já que o futuro visconde era bilíngüe.
Finda a Guerra do Paraguai tornou-se professor de geologia da Escola
Militar. Em 1872, publicou Inocência, espécie de Romeu e Julieta sertanejo,
certamente a sua principal obra. Foi nomeado presidente da província de
Santa Catarina e depois presidente do Paraná. Em 1886, alcançou o Senado,
mas por fidelidade ao Imperador, abandonou a política após a proclamação
da República. Diabético, morreu na capital federal com cinqüenta e seis anos
incompletos.
Obras principais:
A retirada de Laguna (1871);
Inocência (1872).
Visconde de Taunay é o
mais interessante dos
ficcionistas do sertanismo
romântico, embora tenha
publicado apenas um
romance dentro da referida
linhagem.
INOCÊNCIA :: Resumo :: Cirino, um rapaz de boa índole e muito
curiosidade, viaja pelo sertão do Mato Grosso, apresentando-se como
médico e dando consultas, quase sempre bem sucedidas, embora seja
apenas um "prático"* , com experiência de farmacêutico. Em determinado
momento, conhece Pereira, um pequeno proprietário rural que está
voltando para casa e que possui uma filha doente.
Cirino aceita a hospitalidade oferecida por Pereira e cura a febre da
jovem (Inocência), causada pela maleita. Só que ao vê-la, impressiona-se
profundamente com a sua beleza e se apaixona pela sertaneja. No entanto,
Inocência já estava prometida por seu pai a um vaqueano, Manecão,
caracterizando-se assim a temática nuclear do romance: a do amor
impossível.
Simultaneamente, um naturalista alemão, Meyer, que vaga pelos sertões,
caçando borboletas, apresenta-se na pequena fazenda sertaneja,
acompanhado de um cômico servo e trazendo uma carta de recomendação
do próprio irmão de Pereira. Este recebe o cientista de braços abertos mas,
por ser muito rústico, não entende que as galanterias que o alemão destina a
Inocência são apenas frutos de sua educação e passa a temê-lo e vigiá-lo.
Conta para isso com um fiel serviçal, um anão mudo chamado Tico. Sem
entender nada do que está se passando, Pereira pede a Cirino que
permaneça em sua casa até a partida do alemão para ajudar na guarda da
filha, inclusive arranjando-lhe alguns pacientes.
Inocência e Cirino mal conseguem se falar até que, numa noite, o rapaz
bate à janela da jovem e confessa-lhe a paixão. Ela responde da maneira mais
simplória que alguém pode imaginar:
Mas por que é que mecê gosta tanto de mim? Mecê não é meu parente,
nem primo, longe que seja, nem conhecido sequer... Eu lhe vi apenas pouco
tempo... e tanto se agradou de mim?
Em seguida, acusa o falso médico de virar-lhe o juízo através de algum
feitiço. Mas este a convence da sinceridade de seu amor e Inocência
descobre-se igualmente apaixonada por ele. Os dois jovens voltam a se
encontrar mais uma vez às escondidas, quando então Cirino propõe a fuga
como alternativa para a realização amorosa. Inocência, entretanto, se recusa
a isso com medo que o pai a amaldiçoasse e sugere que o namorado buscasse o
apoio de um padrinho dela, Antônio Cesário, por quem o Pereira tinha
muito respeito.
Enquanto isso, o naturalista alemão descobrira uma espécie desconhecida
de borboleta e resolvera batizá-la com o nome de Inocência, deixando
Pereira indignado e cada vez mais vigilante. Porém logo o cientista parte,
dissipando as suspeitas do pai da sertaneja. Também Cirino viaja em busca do
auxílio de Antônio Cesário. Ao mesmo tempo, Manecão, o noivo prometido
chega à casa de Pereira. Inocência se recusa a validar o compromisso entre
ambos e é espancada pelo pai. Através da mímica, o anão mudo indica o
pseudo médico como o responsável pela insubordinação da garota.
Exasperado, Manecão vai atrás de Cirino e o assassina.
O romance tem seu desfecho com o sábio Meyer recebendo grande
homenagem na Alemanha pela descoberta da borboleta (Papilio Innocentia),
sem saber que dois anos antes Inocência preferira desaparecer a se casar
com Manecão, encontrando na morte a sua própria salvação.
O QUE OBERVAR EM INOCÊNCIA
1) É o romance sertanista onde mais se percebe a divisão entre o enredo
central - folhetinesco e ultra-romântico - e as histórias secundárias, quase
todas realistas.
2) Este mesmo descompasso é visível entre o tom trágico da intriga
amorosa e as passagens hilariantes das tramas paralelas.
3) Apesar do excesso melodramático final, os caracteres de Cirino e
Inocência nos são mostrados de forma muito mais verossímil que os
personagens de outros romances românticos da época.
4) Há uma forte crítica de Taunay em relação ao implacável patriarcalismo
do mundo rural. O curioso é que durante quase toda a narrativa, o autor
ironiza a visão machista, como nesta cômica exposição de Pereira sobre o
comportamento das mulheres: "Eu repito, isto de mulheres, não há que fiar.
Bem faziam os nossos do tempo antigo. As raparigas andavam direitinhas
que nem um fuso... Uma piscadela de olho mais duvidosa, era logo pau. (...)
Cá no meu modo de pensar, entendo que não se maltratem as coitadinhas,
mas também é preciso não dar asas às formigas..."
No final do relato, contudo, esta crítica amena e humorística transforma-se
quase em um panfleto contra o domínio absoluto que, dentro do código
patriarcalista, os pais tinham sobre os filhos.
5) Importante ressaltar que o simplório Pereira, além de possuir boa
índole, ama desesperadamente a filha. Portanto, também ele nos é mostrado
como vítima dos costumes patriarcais.
6) Meyer, o naturalista alemão, sábio das coisas da ciência, porém incapaz
de perceber a estreiteza moral do mundo em que está metido, é um dos
protagonistas mais engraçados da ficção brasileira do século XIX. Suas
trapalhadas são impagáveis.
7) O romance apresenta uma curiosa mescla de linguagem culta urbana e
termos regionais (arcaísmos, corruptelas, provérbios, expressões típicas).
Estes "regionalismos", na sua maioria, são explicados pelo próprio autor, em
notas ao pé das páginas. O resultado dessa junção é uma prosa bastante viva,
colorida e com acentos humorísticos na sua formulação. Veja-se um exemplo:
E mulher, prosseguiu o mineiro (Pereira) com raivosa volubilidade, é
gente tão levada da breca, que se lambe toda de gosto com ditinhos e
requebros desta súcia de embromadores. Com elas, digo eu sempre, não há
que fiar...Má hora me trouxe este alamão...Mil raios o rachem!...Tenho
agora que ficar de alcatéia...meter-se em tocaia e fazer fogos para que o
braicá não me entre no galinheiro. Ora que tal! (...) Já estou enfernizado
com o tal homem...
A RETIRADA DE LAGUNA :: Incursões paraguaias no sul de Mato Grosso, no início
da Guerra do Paraguai (1865-1870) levaram o comando militar do Império a enviar uma
coluna para manter incólume a fronteira brasileira e, dependendo das circunstâncias,
invadir o território inimigo. Ao acompanhar a expedição, como tenente de engenharia,
Taunay não podia imaginar o horror que os aguardava.
Por erro fatal do comandante - acusado de covardia em outro episódio - que
contrariando toda a lógica, decidiu-se pela invasão do Paraguai. Sem cavalaria, sem
retaguarda, com poucas munições e víveres, a tropa de cerca de mil e setecentos homens
penetrou num sertão inóspito, numa vastíssima região de pantanais, febres e campinas que
os paraguaios incendiavam, colocando a soldadesca brasileira dentro de um inferno. Ao
fogo somou-se a fome. E a estes, a terrível doença da cólera, causada pela região insalubre.
A campanha - que durou apenas um mês transformou-se m grande desastre. Em condições
lamentáveis, sobreviveram tão somente setecentos homens.
A visível inépcia do comandante, intensificado pelo desconhecimento das condições
adversas do meio, o heroísmo de oficiais e soldados no dia a dia da expedição e,
principalmente, a carnificina da guerra e da peste aparecem numa prosa simultaneamente
objetiva e dramática. A retirada da Laguna não tem o vigor trágico de Os sertões, de
Euclides da Cunha, mesmo assim possui força descritiva, interesse documental e,
muitas vezes, emociona os leitores. Tome-se, como exemplo, este fragmento sobre as
primeiras manifestações da cólera:
Caiu à noite uma chuva abundante que agravou todos os nossos sofrimentos. Os
coléricos, amontoados junto da pequena barraca dos médicos, ao ar livre e sem abrigo,
recebiam no corpo enregelado os aguaceiros, que se sucediam a intervalos. Penalizavanos
ver aqueles desgraçados, extremamente agitados, rasgando os farrapos com que
procurávamos cobri-los, rolando uns sobre os outros, contorcendo-se de cãibras,
vociferando, lançando urras que se confundiam num único grito articulado: "Água!"