16.04.2013 Visualizações

revista de estudos internacionais - rei

revista de estudos internacionais - rei

revista de estudos internacionais - rei

SHOW MORE
SHOW LESS

Transforme seus PDFs em revista digital e aumente sua receita!

Otimize suas revistas digitais para SEO, use backlinks fortes e conteúdo multimídia para aumentar sua visibilidade e receita.

Sumário<br />

REVISTA DE ESTUDOS INTERNACIONAIS - REI<br />

Volume 01 Nº 01 – Julho <strong>de</strong> 2010<br />

1 - UNASUL E A GOVERNANÇA DE SEGURANCA<br />

Deywisson Ronaldo Oliveira <strong>de</strong> Souza ..................................................................................................................p. 03<br />

2 - TECENDO UMA NEGOCIAÇÃO: POLÍTICAS EXTERNAS, INSTITUIÇÕES<br />

INTERNAS E BARGANHA NO CONTENCIOSO DO ALGODÃO ENTRE BRASIL E<br />

EUA<br />

Fábio Rodrigo Fer<strong>rei</strong>ra Nobre<br />

Júlio Mariano <strong>de</strong> Oliveira Neto.................................................................................................................................p.16<br />

3 - LINHAGENS DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL: A CHINA COMO<br />

PROPULSORA DE UM NOVO INTEGRACIONISMO-DESENVOLVIMENTISTA<br />

Joseildo Lima<br />

Fábio Franco..............................................................................................................................................................p.31<br />

4 - ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA DO GOVERNO MUGABE<br />

Xaman Korai Pinheiro Minillo..................................................................................................................................p.46<br />

5 - AS NEGOCIAÇÕES PARA A PAZ NO SRI LANKA: AVANÇOS E RETROCESSOS<br />

Gilberto Antonio Duarte Santos................................................................................................................................p.67<br />

6 - BANCO MUNDIAL E FERNANDO HENRIQUE CARDOSO: UMA ANÁLISE DAS<br />

ESTRATÉGIAS DO ÓRGÃO NO PRIMEIRO GOVERNO FHC.<br />

João Antônio dos Santos Lima..................................................................................................................................p.90<br />

7 - A PAIXÃO NOS UNE? A IDENTIDADE BRASILEIRA E A ESTRATÉGIA DA<br />

CANDIDATURA DO RIO DE JANEIRO AOS JOGOS OLÍMPICOS DE 2016<br />

Thiago Espíndola Lira.............................................................................................................................................p.109<br />

8 - A DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA: INFLUÊNCIA DAS ORGANIZAÇÕES,<br />

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DISSOLUÇÃO DE CONFLITOS<br />

Jan Marcel <strong>de</strong> Almeida F<strong>rei</strong>tas Lacerda<br />

Bruna Queiroz da Silva Ribeiro<br />

Geórgia Marina Oliveira Fer<strong>rei</strong>ra <strong>de</strong> Lima.............................................................................................................p.125<br />

2


Abstract<br />

UNASUL E A GOVERNANÇA DE SEGURANCA<br />

Deywisson Ronaldo Oliveira <strong>de</strong> Souza 1 (UFPE)<br />

<strong>de</strong>ywisson17@yahoo.com.br<br />

The Bogotá’s government has closed negotiations on the renewal of Plan Colombia, an<br />

agreement which will allow the occupation of military bases on its territory by U.S. troops.<br />

At the request of heads of States of the region and members of UNASUR, the case came to be<br />

discussed at the Institution. During the various summit meetings of Heads of states and fo<strong>rei</strong>gn<br />

ministers, accusations were ma<strong>de</strong>, one of them came from Venezuelan Presi<strong>de</strong>nt Hugo Chávez,<br />

who complained that the bases would be a threat to regional security and an American strategy of<br />

global domination. UNASUR, recently created as an effort to strengthen regional integration has<br />

gone through a trial by fire. It is being tested for its ability to manage the sub continental security<br />

policy. Events have questioned its ability to provi<strong>de</strong> effective means to ensure peace and prevent<br />

conflicts. These questions can be answered by examining the rise and the structure of the<br />

institution.<br />

Key-Words<br />

UNASUR; Governance of Security; Hemispheric Security - South America, Regional<br />

Integration, International Security<br />

Resumo<br />

O governo <strong>de</strong> Bogotá encerrou as negociações da renovação do Plano Colômbia, acordo que<br />

permitirá à ocupação <strong>de</strong> bases militares em seu território por tropas dos EUA. A pedido dos<br />

chefes <strong>de</strong> Estados da região e membros da UNASUL, o caso passou a ser discutido na Instituição.<br />

Durante as várias reuniões <strong>de</strong> cúpula dos chefes <strong>de</strong> Estados e chanceleres, houve acusações como<br />

1 Deywisson Ronaldo Oliveira <strong>de</strong> Souza é Graduando em Ciência Política e Relações Internacionais na Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco - UFPE, estagiário do Núcleo <strong>de</strong> Estudos Americanos - NEA/UFPE, e aluno-membro do<br />

Grupo <strong>de</strong> Pesquisa do CNPq/UFPE, O Brasil e as Américas, on<strong>de</strong> trabalha na área <strong>de</strong> Segurança Internacional, sob a<br />

orientação do Professor PhD. Marcos Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira.<br />

3


a do presi<strong>de</strong>nte venezuelano Hugo Chávez, o qual <strong>de</strong>nunciou que as bases figurariam como uma<br />

ameaça à segurança regional e uma estratégia norte-americana <strong>de</strong> dominação global. A<br />

UNASUL, criada recentemente como um esforço para fortalecer a integração regional, tem<br />

passado por uma prova <strong>de</strong> fogo. Ela está sendo testada quanto à sua capacida<strong>de</strong> em gerir a<br />

política subcontinental <strong>de</strong> segurança. Acontecimentos questionam a sua capacida<strong>de</strong> em prover<br />

meios efetivos para assegurar a paz e prevenir conflitos. Essas dúvidas po<strong>de</strong>m ser respondidas<br />

através da análise do surgimento e da própria estrutura da Instituição.<br />

Palavras-Chave<br />

UNASUL; Governança <strong>de</strong> Segurança; Segurança Hemisférica – América do Sul; Integração<br />

Regional; Segurança Internacional;<br />

Introdução<br />

Atualmente, assuntos ligados à área <strong>de</strong> Defesa e Segurança Internacional estão presentes<br />

nos noticiários políticos da América do Sul e perpassam com maior intensida<strong>de</strong> os discursos dos<br />

presi<strong>de</strong>ntes e ministros <strong>de</strong> relações exteriores. Alguns falam em corrida armamentista e outros em<br />

ventos <strong>de</strong> guerra. Enquanto isso, Estados da região buscam reestruturar as forças armadas e<br />

notoriamente dão mais importância para a <strong>de</strong>fesa nacional, que passa a estar mais presente na<br />

agenda <strong>de</strong> política externa.<br />

O cenário atual <strong>de</strong> segurança internacional na América do Sul imprime um novo ritmo<br />

para a UNASUL (União <strong>de</strong> Nações Sul-americanas), que tem passado por situações que <strong>de</strong>safiam<br />

sua real eficiência na gerência da governança <strong>de</strong> segurança e na sua pretensa <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

para solucionar os problemas em sua área <strong>de</strong> atuação. Des<strong>de</strong> que o governo colombiano<br />

intensificou as negociações que tratavam da renovação do acordo <strong>de</strong> combate ao narcotráfico<br />

(Plano Colômbia) com os EUA, os diversos países do subcontinente têm reclamado das reais<br />

intenções da utilização <strong>de</strong> sete bases militares e do aumento do contingente militar e civil atuante<br />

nelas.<br />

A partir daí, as reuniões da UNASUL passaram a ser palco <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates e <strong>de</strong> discursos<br />

sobre o referido acordo e <strong>de</strong> questionamentos sobre como a implementação das bases resultaria<br />

na perda da soberania e da integrida<strong>de</strong> territorial dos países da região. De inicio, notou-se o<br />

4


dissenso e o tom <strong>de</strong> <strong>de</strong>sunião entre os membros da UNASUL, institucionalizado por documentos<br />

finais omissos sobre o acordo entre os EUA e a Colômbia, e menções ao caso abstratas e sem<br />

sentido prático.<br />

O presente trabalho tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisar e <strong>de</strong> discutir a renovação do Plano<br />

Colômbia, por meio da concessão <strong>de</strong> bases para uso militar dos EUA, e a perspectiva <strong>de</strong><br />

efetivida<strong>de</strong> da UNASUL, no que diz respeito à governança <strong>de</strong> segurança da região. Objetiva<br />

i<strong>de</strong>ntificar os condicionantes porventura impeditivos <strong>de</strong> sua respectiva atuação firme e da sua<br />

pretensa <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e autorida<strong>de</strong>. Para isso, abordará o tratamento que a UNASUL <strong>de</strong>u<br />

ao caso, seus métodos <strong>de</strong> abordar o tema nas reuniões, seu nível <strong>de</strong> coesão institucional e a<br />

objetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>clarações finais.<br />

O texto é dividido em quatro partes, a primeira é a introdução já realizada ao tema cuja<br />

finalida<strong>de</strong> é a inserção no contexto atual vivido pela instituição em questão; o segundo é um<br />

breve histórico do surgimento da UNASUL cuja função é clarificar como a sua criação interfere<br />

no papel por ela <strong>de</strong>sempenhado atualmente. Em seguida, é <strong>de</strong>senvolvido o argumento da fraqueza<br />

institucional como impedimento à governança <strong>de</strong> segurança. Logo <strong>de</strong>pois, mostra-se como a<br />

instituição enfrenta a renovação do Plano Colômbia e a concessão das bases aos militares norte-<br />

americanos, e também como a estrutura e os objetivos da UNASUL contradizem a gerência da<br />

política <strong>de</strong> segurança. Por último, enumeramos todos os empecilhos da UNASUL em construir<br />

uma governabilida<strong>de</strong> compartilhada para lidar com as ameaças a segurança do grupo.<br />

UNASUL: Surgimento e Objetivos<br />

Po<strong>de</strong>-se pensar que a proposta <strong>de</strong> criação da UNASUL partiu <strong>de</strong> Hugo Chávez, acusado<br />

por muitos <strong>de</strong> utilizar o espaço para autopromoção política e propagação da sua doutrina<br />

antiamericanista, mas sua i<strong>de</strong>alização partiu do governo brasileiro ainda sob os auspícios <strong>de</strong><br />

Fernando Henrique Cardoso. Embora o objetivo e os temas dos encontros sejam <strong>de</strong> âmbito<br />

econômico e comercial, marcados sobremaneira pelos discursos da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

implementação <strong>de</strong> reformas infraestruturais e <strong>de</strong> cooperação na área energética, os primeiros<br />

passos para a formulação da instituição aos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma integração regional foram dados na 1ª<br />

Reunião <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>ntes da América do Sul, realizado em 2000 na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. A<br />

reunião foi seguida por outra, ocorrida em Guayaquil, no Equador, em 2002, on<strong>de</strong> já apareciam<br />

5


sinais <strong>de</strong> uma nova orientação para os rumos da integração sul-americana. Como afirma Gue<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Oliveira (2007), a integração sul-americana <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> se basear em princípios econômicos e<br />

comerciais e passava a se nortear por meio <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> segurança.<br />

Os condicionantes <strong>de</strong> seu surgimento encontram espaço no processo <strong>de</strong> afunilamento das<br />

relações diplomáticas entre os países da América do Sul, altamente influenciado pelo contexto<br />

interno <strong>de</strong>sses países no início do século XXI. Verifica-se uma confluência <strong>de</strong> opções tomadas<br />

em âmbito doméstico ao se elegeram governos <strong>de</strong> esquerda em vários países da região. Essa<br />

tentativa fez com que “aumentasse a preocupação em buscar um maior entendimento entre os<br />

países vizinhos que neutralizasse possíveis intervenções dos EUA e <strong>de</strong> outras potências nos<br />

processos políticos internos” (GUEDES DE OLIVEIRA 2009, 62). Soma-se a isso, o espaço a<br />

ser preenchido nas áreas <strong>de</strong> iniciativa à integração na América Latina. Des<strong>de</strong> o fracasso da<br />

ALCA os Estados Unidos passaram a priorizar as relações bilaterais com os países da região,<br />

abrindo espaço para o surgimento <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong> integração e cooperação no subcontinente.<br />

No Brasil, a criação da União das Nações Sul-americanas coincidiu com o inicio do<br />

governo Lula e sua agenda <strong>de</strong> política externa que buscava priorizar as relações Sul-Sul. Nesse<br />

momento, o governo brasileiro pautava suas ações <strong>de</strong> modo a conseguir mais in<strong>de</strong>pendência e<br />

notorieda<strong>de</strong> no cenário internacional, sendo a vaga permanente no Conselho <strong>de</strong> Segurança da<br />

ONU o objetivo norteador <strong>de</strong>ssa linha <strong>de</strong> atuação.<br />

A instituição teve suas fundações p<strong>revista</strong>s na Terceira Reunião <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>ntes da<br />

América do Sul, realizada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cuzco, no Peru, em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2004, on<strong>de</strong> foi assinada<br />

a Declaração <strong>de</strong> Cuzco. Nomeada <strong>de</strong> CASA (Comunida<strong>de</strong> Sul-americana das Nações), tinha sua<br />

área <strong>de</strong> abrangência <strong>de</strong>finida em três sustentáculos: o político, <strong>de</strong>terminando a cooperação entre<br />

os países membros em todas as áreas; o comercial; e o <strong>de</strong> integração física.<br />

Seu objetivo principal era o <strong>de</strong> aprofundar a integração regional já iniciada por outras<br />

tentativas como o MERCOSUL, e também pela Iniciativa para Integração da Infraestrutura Sul-<br />

Americana (IIRSA).<br />

A pedido do presi<strong>de</strong>nte Hugo Chávez o nome da instituição passou a ser UNASUL em<br />

2007, quando na 1ª Cúpula Energética Sul-americana acontecida na Venezuela foi acordada a<br />

mudança do nome da instituição. A partir da assinatura do seu tratado <strong>de</strong> criação na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Brasília, em 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2008, tornou-se plenamente uma organização dotada <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong><br />

6


jurídica internacional, sendo capaz <strong>de</strong> representar o subcontinente sul-americano como um corpo<br />

único em instâncias bilaterais e multilaterais diversas.<br />

Composta por 12 países, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana,<br />

Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e a Venezuela, a UNASUL tem por objetivo geral, <strong>de</strong>scrito no<br />

artigo dois do seu tratado constitutivo, promover a integração e a união em âmbitos cultural,<br />

social, econômico e político, dando priorida<strong>de</strong> às políticas sociais, <strong>de</strong> educação, energia,<br />

infraestrutura e meio ambiente. Os objetivos específicos, na sua maioria, foram embasados no<br />

discurso do <strong>de</strong>senvolvimento regional através da cooperação econômica, comercial, tecnológica,<br />

energética, financeira, industrial e na área <strong>de</strong> segurança, com vistas a diminuir a pobreza nos<br />

países membros, a dotar a região <strong>de</strong> autonomia e a diminuir as suas assimetrias. A instituição foi<br />

dotada <strong>de</strong> alguns órgãos como o Conselho <strong>de</strong> Chefes <strong>de</strong> Estados, o Conselho <strong>de</strong> Ministros <strong>de</strong><br />

Relações Exteriores, o Conselho <strong>de</strong> Delegados e também o Conselho Energético. O Conselho <strong>de</strong><br />

Chefes <strong>de</strong> Estados constitui o órgão supremo da organização, por on<strong>de</strong> passam todas as <strong>de</strong>cisões<br />

importantes. Foi registrado no artigo 12 do tratado constitutivo que as <strong>de</strong>cisões e implementações<br />

<strong>de</strong> quaisquer assuntos referentes à organização têm que ser tomadas e adotadas por consenso. O<br />

documento também faz menção à formação <strong>de</strong> um parlamento sul-americano a ser sediado na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cochabamba, na Bolívia.<br />

Fraqueza Institucional: o Desafio da UNASUL na Governança <strong>de</strong> Segurança<br />

Em meio ao cenário que vem sendo construído na região, on<strong>de</strong> os discursos e as ações dos<br />

governantes e dos governos abordam temáticas ligadas às áreas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa militar e à soberania,<br />

cabe perguntar se a UNASUL, como organismo dotado <strong>de</strong> caráter <strong>de</strong> integração, união e<br />

cooperação, com bases numa estrutura <strong>de</strong> respeito ao di<strong>rei</strong>to internacional e promovedora da<br />

cultura <strong>de</strong> paz, tem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser efetiva na promoção da governança <strong>de</strong> segurança para o<br />

subcontinente sul-americano.<br />

Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira (2009) i<strong>de</strong>ntificou três processos <strong>de</strong> transição que por ainda não<br />

estarem concluídos afetam a governança <strong>de</strong> segurança na região. Cabe aqui <strong>de</strong>screvê-los na sua<br />

íntegra:<br />

7


Os atuais problemas políticos regionais na área <strong>de</strong> segurança se <strong>de</strong>vem à não conclusão<br />

<strong>de</strong> três processos <strong>de</strong> transição nos sistemas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r nacional, regional e hemisférico.<br />

Primeiro, resultam do fato <strong>de</strong> que as instituições <strong>de</strong>mocráticas não estão plenamente<br />

consolidadas no nível do Estado-Nação. Segundo, inexiste empowerment ou <strong>de</strong>legação<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> dos estados nacionais e governos para as instituições regionais permitindo<br />

que essas cumpram suas funções <strong>de</strong> enfrentar e solucionar os problemas <strong>de</strong> segurança<br />

das nações sul-americanas. Terceiro, o sistema global e hemisférico passa por uma fase<br />

<strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição do po<strong>de</strong>r dos EUA, que se retrai, enquanto o Brasil busca uma posição<br />

clara <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança regional e global (GUEDES DE OLIVEIRA 2009, 63).<br />

Para os fins do nosso trabalho <strong>de</strong>vemos focar no segundo processo inacabado, ou seja, no<br />

fato <strong>de</strong> que os Estados não possuem uma estrutura institucional forte e coesa para ser transferida<br />

a um outro ambiente <strong>de</strong> cunho compartilhado e cooperativista. No entanto, acabaremos<br />

alcançando o problema da fraqueza <strong>de</strong>mocrática da maioria dos países da América do Sul, visto<br />

que a fraqueza institucional e a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática estão intimamente ligadas. Para nós é<br />

difícil pensar no sucesso <strong>de</strong> um organismo que exalta a plena vigência das instituições<br />

<strong>de</strong>mocráticas como um fator essencial para a construção da paz e da integração quando alguns<br />

dos seus membros ainda não consolidaram essas instituições.<br />

Não seria preciso fazer muitas incursões para achar alguns motivos que colocam em<br />

dúvida os regimes ditos <strong>de</strong>mocráticos da Venezuela, Equador, e Bolívia, por exemplo. Damos<br />

ênfase a esse ponto da fraqueza das instituições <strong>de</strong>mocráticas porque enten<strong>de</strong>mos que ele é o<br />

mecanismo causal da falta <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> da UNASUL, ou seja, é esse fator que não permite essa<br />

<strong>de</strong>legação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dos Estados nacionais e governos para as instituições regionais.<br />

Enten<strong>de</strong>-se que a <strong>de</strong>mocracia, além <strong>de</strong> fortalecer as instituições e permitir a <strong>de</strong>legação <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong> do nível micro dos Estados para o nível macro das instituições, é também um fator<br />

que inibe os conflitos e permite sua resolução <strong>de</strong> forma pacífica. Esse vínculo entre promoção da<br />

<strong>de</strong>mocracia e promoção da segurança foi <strong>de</strong>scrito por Mello (2008).<br />

Por isso que a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática é <strong>de</strong> suma importância para nossa análise, e <strong>de</strong>vido a<br />

isso faremos uma breve comparação da situação <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> alguns países da região com o<br />

conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong>senvolvido por Norberto Bobbio. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Bobbio (2009) <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong>ixa clara a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coexistência <strong>de</strong> um Estado <strong>de</strong>mocrático com um<br />

Estado que não seja liberal. Essa <strong>de</strong>finição é baseada em três premissas básicas, sendo a terceira a<br />

mais importante e crucial para nosso entendimento. i) Em primeiro lugar, um regime <strong>de</strong>mocrático<br />

é centrado na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os indivíduos autorizados a tomar as <strong>de</strong>cisões vinculatórias para todos<br />

os membros do grupo, que serão aceitas como <strong>de</strong>cisões coletivas, <strong>de</strong>verão estar em número muito<br />

8


elevado, se consi<strong>de</strong>rarmos a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> membros do grupo. Deve se incluir nessa premissa que<br />

a referência “número muito elevado” leva em conta o que se enten<strong>de</strong> por cidadania em cada<br />

circunstância histórica. Desse modo, as diversas formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, variando <strong>de</strong> região para<br />

região ao longo do tempo, teriam cada uma, um nível <strong>de</strong> participação dos indivíduos nos<br />

processos <strong>de</strong> tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. ii) Em segundo lugar, a regra da maioria é outro elemento<br />

<strong>de</strong>finidor do regime <strong>de</strong>mocrático, ou seja, as <strong>de</strong>cisões tomadas pela maioria daqueles indivíduos<br />

autorizados a escolher pela coletivida<strong>de</strong> são tidas como válidas e legais. iii) Essas duas condições<br />

da <strong>de</strong>mocracia são somadas a uma terceira: “é preciso que aqueles que são chamados a <strong>de</strong>cidir ou<br />

a eleger os que <strong>de</strong>verão <strong>de</strong>cidir sejam colocados diante <strong>de</strong> alternativas reais e postos em condição<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r escolher entre uma e outra alternativa” (BOBBIO 2009, 32). Tal condição envolve a<br />

garantia <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, opinião e expressão, os quais, a titulo <strong>de</strong> exemplo, estão sendo<br />

limitados na Venezuela, que vem frequentemente sendo chamada à atenção por organismos<br />

<strong>internacionais</strong> como a Organização dos Estados Americanos – OEA, por cercear as liberda<strong>de</strong>s<br />

individuais 2 , sendo afastada do regime <strong>de</strong>mocrático elaborado por Bobbio. Isso porque “o Estado<br />

<strong>de</strong>mocrático e o Estado liberal são inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes” (BOBBIO 2009, 32), pois, segundo Bobbio<br />

(2009), o Estado <strong>de</strong>mocrático é necessário para assegurar a existência das liberda<strong>de</strong>s<br />

fundamentais e o Estado liberal é indispensável para que sejam mantidas as condições e<br />

liberda<strong>de</strong>s necessárias ao procedimento <strong>de</strong>mocrático.<br />

Esses regimes <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia fraca que alguns Estados da região partilham, impe<strong>de</strong> a<br />

<strong>de</strong>legação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> a um organismo <strong>de</strong> soberania compartilhada, fazendo com que sua força<br />

política e seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório sejam muito limitados.<br />

As próprias características <strong>de</strong> surgimento da UNASUL <strong>de</strong>ixam evi<strong>de</strong>ntes suas falhas <strong>de</strong><br />

cunho institucional. Se fizermos uma comparação com o processo <strong>de</strong> integração europeia,<br />

veremos que a integração sul-americana aos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um organismo como a UNASUL se<br />

consolidou em um curto período <strong>de</strong> tempo sem assim usufruir dos benefícios <strong>de</strong> um processo<br />

paulatino. Sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado, obviamente, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> integração proposto pelo MERCOSUL e<br />

sua experiência <strong>de</strong>ixada na região, a União <strong>de</strong> Nações Sul-americanas não possuía e ainda não<br />

2 A situação das liberda<strong>de</strong>s individuais na Venezuela é evi<strong>de</strong>nciada pelos relatórios da Comissão<br />

Interamericana <strong>de</strong> Di<strong>rei</strong>tos Humanos (Cidh), da OEA, que em 5 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2009, e em 24 <strong>de</strong> feve<strong>rei</strong>ro <strong>de</strong> 2010,<br />

enviou ao governo da Venezuela documentos em que manifestava preocupação com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, com<br />

os di<strong>rei</strong>tos humanos e a <strong>de</strong>mocracia no país<br />

9


possui um histórico suficientemente necessário para condicionar seus membros a perseguirem<br />

objetivos comuns. Além do mais, os membros da UNASUL não encontram espaço nem motivos<br />

para empreen<strong>de</strong>rem reformas como as que fizeram alguns países com o intuito <strong>de</strong> entrar na União<br />

Europeia. Royo (2005) <strong>de</strong>ixou claro que o pré-requisito da <strong>de</strong>mocracia como regime político<br />

funcionou com um incentivo para que reformas <strong>de</strong> cunho <strong>de</strong>mocrático e institucional<br />

acontecessem nos países ibéricos e fez com que Portugal e Espanha rapidamente saíssem <strong>de</strong><br />

regimes ditatoriais e autoritários e se igualassem em termos <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong>mocráticas ao<br />

restante da então Comunida<strong>de</strong> Europeia. Esse tipo <strong>de</strong> mecanismo não encontra espaço para<br />

funcionar na UNASUL, <strong>de</strong>vido a sua formação abrupta e aos interesses divergentes que pautaram<br />

sua criação.<br />

Existe uma clara diferença tanto no contexto histórico quanto nos condicionantes que<br />

possibilitaram o surgimento <strong>de</strong> ambas as instituições, mas fica claro que através <strong>de</strong> uma análise<br />

da integração europeia po<strong>de</strong>mos concluir que a UNASUL busca obter status e resultados que a<br />

União Europeia só conseguiu obter <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito esforço para consolidar instituições fortes<br />

através <strong>de</strong> interesses mútuos e da cooperação dirigida.<br />

A Prova <strong>de</strong> Fogo da UNASUL<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste artigo é analisar a eficácia da UNASUL quanto à Governança <strong>de</strong><br />

Segurança, Ao analisar a eficácia da UNASUL quanto à Governança <strong>de</strong> Segurança, constatamos<br />

que para resolver os problemas que a priori <strong>de</strong>veriam ser solucionados por ela. Neste momento,<br />

agregaremos novas evidências através do estudo do caso da renovação do Plano Colômbia e da<br />

concessão das bases aos militares norte-americanos para confirmar nossa hipótese.<br />

Em agosto <strong>de</strong> 2009, as negociações entre o governo colombiano e dos Estados Unidos<br />

referentes à renovação do Plano Colômbia ren<strong>de</strong>ram muitas discussões e <strong>de</strong>bates nos encontros<br />

da instituição, e é justamente através das ações tomadas no âmbito da renovação do acordo entre<br />

EUA e Colômbia que tiraremos nossas conclusões acerca da efetivida<strong>de</strong> da Governança <strong>de</strong><br />

Segurança da UNASUL.<br />

Para nosso entendimento é mister <strong>de</strong>ixar claro em que consiste o Plano Colômbia e quais<br />

são os termos da sua renovação. Como <strong>de</strong>ixa explícito claramente Rafael Duarte Villa (2009), os<br />

fundamentos do Plano Colômbia foram <strong>de</strong>terminados pelo então presi<strong>de</strong>nte colombiano Andrés<br />

10


Pastrana, quando estabeleceu relações mais próximas com a Casa Branca no intuito <strong>de</strong> obter<br />

recursos para o combate ao narcotráfico.<br />

[...] em 1999, o presi<strong>de</strong>nte Pastrana apresentou o Plano Colômbia, que contou com cinco<br />

pontos estratégicos: (1) o processo <strong>de</strong> paz, (2) a economia colombiana, (3) o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento social e <strong>de</strong>mocrático, (4) a luta contra o “narcotráfico”, (5) a reforma<br />

do sistema judicial e proteção dos di<strong>rei</strong>tos humanos (VILLA 2009, 152).<br />

O Plano se fortaleceu em 2003 com a entrada <strong>de</strong> Álvaro Uribe, o qual propôs aquilo que é<br />

conhecido como política <strong>de</strong> “seguridad <strong>de</strong>mocrática”. No mais, o governo colombiano firmou<br />

est<strong>rei</strong>tos laços <strong>de</strong> cooperação na área militar com os EUA, com o objetivo <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r<br />

esforços conjuntos para combater a produção e o tráfico <strong>de</strong> drogas. Isso se faria principalmente<br />

através da disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a implementação do acordo já ultrapassaram os<br />

US$ 5 bilhões. Dinheiro gasto em t<strong>rei</strong>namento militar e em assistência técnica. A cooperação<br />

entre os dois países também aconteceria naquilo que Isacson (2005) chama <strong>de</strong> “interdição”, ou<br />

seja, o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> tropas norte-americanas para auxiliar os efetivos nacionais no combate<br />

ao narcotráfico.<br />

Depois <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> sua implementação, a Colômbia conseguiu diminuir em 28% a<br />

produção <strong>de</strong> cocaína, mas continua a ser o maior produtor <strong>de</strong>ssa droga no mundo. Em 2008<br />

existiam por volta <strong>de</strong> 268 militares e 308 civis norte-americanos atuando sob o contrato do Plano<br />

Colômbia.<br />

O cientista político Luiz Alberto Moniz 3 , numa ent<strong>revista</strong> dada a uma agencia <strong>de</strong> notícias<br />

eletrônica, analisou a pretensa expansão da presença norte-americana na região como uma<br />

estratégia para po<strong>de</strong>r a qualquer tempo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus interesses econômicos através <strong>de</strong><br />

intervenção militar, o que segundo ele acaba representando uma ameaça à segurança brasileira na<br />

Amazônia. “As ameaças partiriam principalmente da ampliação do potencial da base aérea <strong>de</strong><br />

Puerto Salgar, que po<strong>de</strong>ria abrigar mais <strong>de</strong> dois mil homens com uma infra-estrutura que conta<br />

com restaurantes, cassinos e supermercados”. “Possuiria uma pista <strong>de</strong> aeroporto com mais <strong>de</strong><br />

3.500 metros <strong>de</strong> longitu<strong>de</strong>, possibilitando a partida simultânea <strong>de</strong> até três aviões”. As sete bases<br />

que passarão a funcionar sob a legitimida<strong>de</strong> da renovação do acordo estão distribuídas por todo o<br />

território colombiano: Malambo, Cartagena, Palanquero, Bahía Málaga, Larandia, Furte<br />

3 Luiz Alberto Moniz <strong>de</strong>u ent<strong>revista</strong> à <strong>revista</strong> eletrônica Brasil <strong>de</strong> Fato, o titulo da matéria é Colômbia (mais)<br />

militarizada. Consta nas referências.<br />

11


Toleimada e Apiay. A previsão é que com a renovação do acordo o número do contingente<br />

americano na Colômbia passe dos atuais 268 militares e 308 civis para até 800 militares e 600<br />

civis 4 .<br />

A primeira reunião da UNASUL que incluiu o tema na sua pauta <strong>de</strong> discussão foi a <strong>de</strong><br />

Quito, que não contou com a presença do colombiano Álvaro Uribe na sua tentativa <strong>de</strong> evitar um<br />

confronto direto com os presi<strong>de</strong>ntes sul-americanos. No mais, o ponto marcante <strong>de</strong>sse encontro<br />

foi a retórica antiamericanista <strong>de</strong> Hugo Chávez e a falta <strong>de</strong> consenso entre os membros do grupo,<br />

que resultou na não inclusão <strong>de</strong> um tópico no documento final que mencionasse as bases em<br />

território colombiano. Essa reunião foi seguida pela reunião extraordinária em Bariloche,<br />

Argentina, resultando na aceitação dos militares nas bases colombianas, com a garantia <strong>de</strong> que<br />

elas não atingissem a soberania dos países do grupo e não figurassem como ameaças à<br />

integrida<strong>de</strong> territorial <strong>de</strong>sses países. Essa <strong>de</strong>cisão foi tomada em sentido geral, <strong>de</strong> modo que seria<br />

consi<strong>de</strong>rada para qualquer outro acordo <strong>de</strong> cooperação militar com os <strong>de</strong>mais membros do grupo.<br />

Uma reunião <strong>de</strong> chanceleres e <strong>de</strong> ministros <strong>de</strong> relações exteriores foi realizada posteriormente na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Quito e tinha como objetivo principal concluir as condições gerais que permitiriam a<br />

cooperação militar dos membros. Nesse momento, viu-se a cláusula do consenso como condição<br />

para se adotar qualquer <strong>de</strong>terminação funcionando: a Colômbia não foi a favor do monitoramento<br />

das bases.<br />

Para respon<strong>de</strong>r as cobranças dos países da região, foram incluídos no documento do<br />

acordo alguns dispositivos da ONU, como uma referência à Resolução 1.373 <strong>de</strong> 2001 sobre<br />

terrorismo, do Conselho <strong>de</strong> Segurança, e uma menção à Convenção da ONU <strong>de</strong> Combate ao<br />

Crime Organizado. A inclusão das duas citações a dispositivos do di<strong>rei</strong>to internacional foi uma<br />

tentativa <strong>de</strong> legitimar a presença dos militares norte-americanos nas bases. A Resolução 1.373<br />

fala sobre a necessida<strong>de</strong> dos Estados cooperarem para enfrentar o terrorismo e a Convenção <strong>de</strong><br />

Combate ao Crime Organizado cita a não permissão <strong>de</strong> violação à soberania e à integrida<strong>de</strong> dos<br />

países vizinhos. A divulgação do documento final do acordo <strong>de</strong> cooperação entre os Estados<br />

Unidos e a Colômbia confirmou a não intervenção e o respeito ao princípio da integrida<strong>de</strong><br />

territorial como princípios a serem respeitados.<br />

4 Esses números foram extraídos do Painel OPSA “Governo encerra negociação <strong>de</strong> acordo para cessão <strong>de</strong> bases<br />

militares com os EUA.<br />

12


Chegando a esse momento, percebemos que a UNASUL funcionou mais como um espaço<br />

para <strong>de</strong>bates e exposição do que um espaço capaz <strong>de</strong> confluir a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os membros em<br />

resultados objetivos, com vistas a solucionar os problemas. Talvez isso seja uma consequência do<br />

próprio processo <strong>de</strong> criação e do surgimento da instituição - que foram as reuniões <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ntes<br />

propostas pelo brasileiro Fernando Henrique Cardoso.<br />

Durante as reuniões, quando o grupo parecia chegar a um ponto comum a todos acerca da<br />

permissão da ocupação das bases pelas tropas estaduni<strong>de</strong>nses e da elaboração <strong>de</strong> um acordo geral<br />

sobre a cooperação militar dos seus 12 membros, acabava esbarrando na não aceitação por parte<br />

do governo colombiano do monitoramento das bases pela UNASUL, e também na recusa em<br />

emitir um documento formal que garantisse que as bases não serviriam para que os militares<br />

norte-americanos fizessem incursões em territórios vizinhos. A fraqueza do grupo também foi<br />

vista quando se pensou em abandonar a cláusula <strong>de</strong> consenso para aprovar as <strong>de</strong>cisões e quando o<br />

governo colombiano cogitou sair da instituição. A <strong>de</strong>claração do ministro da <strong>de</strong>fesa da Colômbia<br />

Gabriel Silva “<strong>de</strong> que caberia avaliar a saída do bloco” caso não houvesse respeito aos temas que<br />

afetam os colombianos, <strong>de</strong>monstra que os países, ao verem seus interesses sendo freados pela<br />

instituição, cogitam logo a sua saída. Possivelmente porque <strong>de</strong>ixando o grupo a Colômbia não<br />

per<strong>de</strong>ria muita coisa.<br />

O caráter não coercitivo <strong>de</strong> uma pretensa política comum para temas <strong>de</strong> segurança dos<br />

membros da instituição foi contemplado no documento <strong>de</strong> criação do Conselho <strong>de</strong> Defesa Sul-<br />

americano. A natureza do Conselho é i<strong>de</strong>ntificada como um espaço para a cooperação, a consulta<br />

e a coor<strong>de</strong>nação em matéria <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Os objetivos da UNASUL na área <strong>de</strong> segurança são<br />

<strong>de</strong>scritos tanto no seu Tratado constitutivo quanto no documento <strong>de</strong> criação do seu Conselho <strong>de</strong><br />

Defesa, que foi elaborado na reunião extraordinária realizada na Costa do Sauípe, Bahia, em<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008. Fica claro que os objetivos da instituição são os <strong>de</strong> construir um espaço <strong>de</strong><br />

diálogo entre os países, com vistas a estabelecer intercâmbios na área <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />

Faz-se necessário <strong>de</strong>screver resumidamente os principais objetivos específicos do<br />

Conselho <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa Sul-americano: promover a construção gradual <strong>de</strong> uma visão compartilhada<br />

em matéria <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa; i<strong>de</strong>ntificar os fatores <strong>de</strong> risco e as ameaças à paz regional e mundial;<br />

construir um posicionamento comum da região nos foros multilaterais sobre <strong>de</strong>fesa; fortalecer a<br />

confiança entre os membros; e promover o intercâmbio das indústrias <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e dos<br />

instrumentos <strong>de</strong> formação e capacitação dos militares entre os Estados. Embora o documento<br />

13


contemple um discurso próprio <strong>de</strong> uma política comum <strong>de</strong> segurança, exemplificado em um dos<br />

princípios <strong>de</strong> atuação do órgão que é a promoção da paz e a solução pacífica das controvérsias,<br />

não dota nem capacita a UNASUL <strong>de</strong> instrumentos, quer sejam coercitivos ou que aufiram<br />

benefícios, eficazes para fazer seus membros convergirem para posturas equivalentes.<br />

Conclusões<br />

São três os empecilhos da governança <strong>de</strong> segurança da UNASUL i<strong>de</strong>ntificados nessa<br />

tentativa. O primeiro consiste na impossibilida<strong>de</strong> da UNASUL impor suas <strong>de</strong>cisões. A instituição<br />

não tem força nem autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> que a fraqueza das instituições <strong>de</strong>mocráticas em<br />

alguns Estados não permite que haja empowerment ou <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> do nível micro<br />

dos Estados para o macro da Instituição. O segundo, po<strong>de</strong>mos dizer que é a própria estrutura da<br />

UNASUL. Sua estrutura é mais apropriada para funcionar como um espaço <strong>de</strong> discussões do que<br />

para solucionar divergências e impor uma vonta<strong>de</strong> conjunta e compartilhada. Isso é fruto das<br />

características <strong>de</strong> surgimento da própria instituição, condizentes com reuniões <strong>de</strong> cúpula para o<br />

diálogo entre os Presi<strong>de</strong>ntes. Uma análise nos documentos <strong>de</strong> constituição da UNASUL e do<br />

Conselho <strong>de</strong> Defesa Sul-americano permite inferir que seus instrumentos e até seus objetivos não<br />

são os da gerência da política <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e segurança e sim são uma tentativa <strong>de</strong> construir um<br />

diálogo permanente com vistas a estabelecer vínculos e a transparência das ações nesta área. E<br />

por último, percebemos que na integração proposta pela UNASUL, a submissão e a construção<br />

da soberania compartilhada não funcionam <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> benefícios evi<strong>de</strong>ntes. Não há<br />

motivos para se submeter à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> outrem e encarregar-se dos custos e prejuízos <strong>de</strong> tais<br />

processos, como na interferência nos assuntos <strong>de</strong> interesse nacional, se os benefícios não são<br />

visíveis nem seguros.<br />

14


Referências Bibliográficas<br />

BOBBIO, Norberto. 2009. O futuro da <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Paz e Terra.<br />

ISACSON, A. 2005. Las Fuerzas Armadas <strong>de</strong> Estados Unidos em la “Guerra contra las drogas”.<br />

In: Drogas y <strong>de</strong>mocracia em America latina, ed. C. A, Youngers and E. Rosin, 29-84. Buenos<br />

Aires: Editorial Biblos.<br />

CAMPOS MELLO, Valérie <strong>de</strong>.2008. Promoção da Democracia e Segurança. In: Paz e Diálogo<br />

entre as Civilizações, Ed. Clóvis E. Brigagão and Denise Lúcia C. Galvão, 71-80. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Gramma.<br />

MELO, Dafne and BRASILINO, Luís. 2009. Colômbia (mais) militarizada, publicado em<br />

Brasil<strong>de</strong>fato.com [http://www.brasil<strong>de</strong>fato.com.br/v01/agencia/internacional/colombia-maismilitarizada]<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 22/10/2009.<br />

GUEDES DE OLIVEIRA, Marcos Aurélio. 2009. Segurança e Governança na América do Sul.<br />

In: Segurança e Governança nas Américas, Ed. Marcos Aurélio Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira, 57-66.<br />

Olinda: Ed. do autor.<br />

GUEDES DE OLIVEIRA, Marcos Aurélio. 2007. Origin and evolution of the South American<br />

Community of nations: from tra<strong>de</strong> to security Concerns. European Union Miami Analysis –<br />

EUMA. Vol. 4. No. 5, March.<br />

http://www6.miami.edu/eucenter/Gue<strong>de</strong>sConference07EUMA_edi.pdf (acedido em 9 <strong>de</strong> junho<br />

2010).<br />

ROYO, Sebastián. 2006. The Challenges of EU Integration; Iberian Lessons for Eastern Europe.<br />

In: Towards the Completion of Europe: Analysis and Perspectives of the New European Union<br />

Enlargement, ed. Joaquín Roy end Roberto Dominguez, 103-113. Miami: Jean Monnet Chair<br />

/University of Miami.<br />

VILLA, Rafael. Antonio Duarte.2009. EUA e os Países Andinos: Instituições <strong>de</strong> Segurança e<br />

Securitização – Caso Colômbia. In: Segurança e Governança nas Américas, ed. Marcos<br />

Aurélio Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira, 137-159. Olinda: Ed. do autor.<br />

15


TECENDO UMA NEGOCIAÇÃO: POLÍTICAS EXTERNAS, INSTITUIÇÕES<br />

INTERNAS E BARGANHA NO CONTENCIOSO DO ALGODÃO ENTRE BRASIL E<br />

EUA<br />

RESUMO<br />

Fábio Rodrigo Fer<strong>rei</strong>ra Nobre (UEPB) – fabio.f.nobre@gmail.com<br />

Júlio Mariano <strong>de</strong> Oliveira Neto (UEPB) – juliomarianoeto@gmail.com<br />

Em 2002, o Brasil acionou a OMC acusando os Estados Unidos <strong>de</strong> se utilizarem <strong>de</strong> políticas<br />

protecionistas em relação a sua produção algodoeira. Recorreu-se ao Órgão <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong><br />

Controvérsias e ao Órgão <strong>de</strong> Apelação, don<strong>de</strong> resultou vencedor. Isso implicou no di<strong>rei</strong>to <strong>de</strong><br />

retaliar os EUA caso esses não se a<strong>de</strong>quassem ao estipulado pela organização. Entretanto, a<br />

possível exclusão do SGP estaduni<strong>de</strong>nse <strong>de</strong>sestimulou qualquer movimentação em termos <strong>de</strong><br />

retaliação. Para abordar esse contencioso utilizar-se-á mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> política externa tais<br />

como Putnam e seus jogos <strong>de</strong> dois níveis e Hudson, somando-se revisão bibliográfica do<br />

ocorrido. Diferenças institucionais domésticas influenciam a formulação <strong>de</strong> tais políticas externas<br />

e <strong>de</strong>terminam diferenças nas tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e na barganha negociadora. Meditar-se-á essas<br />

diferenças estruturais no tocante ao acesso <strong>de</strong>mocrático às instituições que influenciam<br />

diretamente no <strong>de</strong>senrolar do contencioso e discutir-se-á a posição <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança estaduni<strong>de</strong>nse e a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> barganha dos Estados envolvidos.<br />

Palavras-chave: Política externa comercial, OMC, instituições domésticas, contencioso, Órgão<br />

<strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Controvérsias.<br />

ABSTRACT<br />

In 2002, Brazil has activated WTO accusing the United States of utilizing protectionists politics<br />

related to its cotton production. It has recurred to the competent tools in the <strong>de</strong>fense of its points,<br />

the Dispute Settlement Body and the Appellate Body. The victory implied on the right to retaliate<br />

the USA if it does not a<strong>de</strong>quate itself to the new norms. However, a threat of exclusion from the<br />

American GSP has discouraged any movement of retaliation. To approach this dispute an<br />

external politics analysis theoretical structure will be used, like Putnam and Hudson, plus a<br />

bibliographical revision of literatures about the occurred. The institutional differences have<br />

16


enormous influence in the formulation of external politics in the approached countries and<br />

<strong>de</strong>terminate differences in the <strong>de</strong>cision making and bargaining. We meditate this differences<br />

related to the <strong>de</strong>mocratic access to the institutions which directly influence in the <strong>de</strong>velopment of<br />

the dispute. Thus, we discuss the lea<strong>de</strong>rship of the United States and the bargain capacity from<br />

both involved States.<br />

Keywords: Commercial external policy, WTO, domestic institutions, dispute, Dispute<br />

Settlement Body.<br />

CONSIDERAÇÕES INICIAIS<br />

No ano <strong>de</strong> 2002, a representação brasileira na Organização Mundial <strong>de</strong> Comércio pediu<br />

consultas ao governo estaduni<strong>de</strong>nse quanto a suas políticas algodoeiras por consi<strong>de</strong>rar que tais<br />

medidas distorciam o mercado, prejudicando os produtores brasileiros. Esse artigo se contratará<br />

no <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong>ste contencioso, embasando-se na diferenciação entre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> formulação<br />

<strong>de</strong> política externa dos Estados em questão.<br />

Para tal compreensão, nossa abordagem terá como marco teórico os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> análise <strong>de</strong><br />

política externa que concebem a influência direta da política interna na formulação <strong>de</strong> políticas<br />

externas. As negociações <strong>internacionais</strong> não são um ambiente uniforme e único e po<strong>de</strong>mos<br />

conceber as negociações <strong>internacionais</strong> como um jogo <strong>de</strong> dois níveis (two level games) como<br />

aponta Robert Putnam. Um nível nacional, a política interna, on<strong>de</strong> fatores domésticos<br />

influenciam os tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão nas suas ações <strong>de</strong> política externa, por necessitarem da<br />

ratificação nesse nível, e pela probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal ratificação influenciar no seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

barganha, “[...] the need for level II ratification is certain to affect the level I bargaining. 5 ”. E um<br />

nível internacional, ambiente on<strong>de</strong> os governos nacionais buscam maximizar suas habilida<strong>de</strong>s<br />

para satisfazer pressões domésticas e também minimizar as conseqüências adversas das políticas<br />

externas.<br />

A autora Vallerie Hudson em “Fo<strong>rei</strong>gn Policy Analysis: Classic and Contemporary<br />

Theory” faz uma abordagem na chamada análise <strong>de</strong> política externa. Nessa perspectiva a tomada<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão humana, individualmente ou coletiva, apesar <strong>de</strong> não excluir o po<strong>de</strong>r que a estrutura<br />

5 “[...] a necessida<strong>de</strong> por ratificação no nível II certamente afeta a barganha no nível I.” (tradução dos autores)<br />

17


po<strong>de</strong> ocasionar nessas <strong>de</strong>cisões. Assim tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, suas percepções ou<br />

“misperceptions”, i<strong>de</strong>ologia, assim como problemas <strong>de</strong> representação, <strong>de</strong>ntre outros, entram na<br />

análise no ambiente internacional. Um termo encontrado nessa obra vai ser <strong>de</strong> especial<br />

importância na análise do ocorrido nesse contencioso. É o psycho-milieu que seria<br />

“…international and operational environment or context as it is perceived and interpreted by<br />

these <strong>de</strong>cisionmakers.” 6 (HUDSON, 2007, p.16). Também nos alerta quanto à atuação dos<br />

pequenos grupos, os processos organizacionais e a política burocrática, como relevantes na<br />

análise da política externa.<br />

Mas não objetivamos construir uma obra historiográfica sobre o assunto, procuraremos<br />

iluminar o ocorrido no âmbito da OMC quanto à objeção do Brasil em relação à política agrícola<br />

algodoeira estaduni<strong>de</strong>nse quanto ao upland cotton. Por que não houve a a<strong>de</strong>quação por parte dos<br />

Estados Unidos e por que, havendo o di<strong>rei</strong>to, o Brasil não conseguiu retaliar? Nessa lógica Maria<br />

Regina Lima (2000) discute a artificialida<strong>de</strong> da distinção entre política interna e política externa,<br />

principalmente no que diz respeito às políticas externas com impacto doméstico distributivo.<br />

Assim o entendimento das dinâmicas políticas presentes no contencioso do algodão entre o Brasil<br />

e os Estados Unidos po<strong>de</strong> ser entendido como uma questão <strong>de</strong> política externa sendo influenciada<br />

pela política interna 7 . Partindo do pressuposto <strong>de</strong> que os legisladores estariam preocupados com o<br />

impacto eleitoral <strong>de</strong> suas escolhas estando no que Schumpeter constrói como dilema do<br />

governante. Assim, se tivessem ciência do impacto negativo das suas escolhas para nação como<br />

todo levaria em conta que em um processo eleitoral setorial - como é o caso dos Estados Unidos -<br />

que torna mais fortes setores como o algodoeiro, eles estariam correndo risco <strong>de</strong> não se eleger,<br />

caso quisessem se a<strong>de</strong>quar à OMC e isso não seria <strong>de</strong> seu interesse. Assim optariam por não se<br />

a<strong>de</strong>quar mesmo que isso levasse a uma <strong>de</strong>terioração da li<strong>de</strong>rança do seu país na Rodada <strong>de</strong> Doha.<br />

O Estado, como um monólito racional egoísta tão caro aos realistas clássicos, está <strong>de</strong>sacreditado,<br />

principalmente quanto à formulação <strong>de</strong> políticas externas com impactos distributivos.<br />

Outro conceito caro aqui será o <strong>de</strong> multilateralismo. É colocado que “...multilateralism<br />

refers to coordinating relations among three or more states in accordance with certain<br />

6 Algo como: “ambiente-psicológico”, o que influencia suas <strong>de</strong>cisões. “...ambiente ou contexto internacional e<br />

operacional, na forma como é interpretado por estes tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.”<br />

7 Enten<strong>de</strong>ndo-se aqui “política interna” como a dinâmica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político, ocorrida no âmbito doméstico, nas<br />

instituições nacionais.<br />

18


principles.” 8 (RUGGIE, 1993, p.568) Dentro das relações multilaterais no âmbito da OMC o<br />

gran<strong>de</strong> princípio é o que o livre comércio é benéfico a todos. Esse foi exaltado como meio <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento mundial e, com essa lógica, a OMC surgia em 1995, com o intuito <strong>de</strong> propagar<br />

sua forma <strong>de</strong> pensar o livre-comércio. Pressões liberalizantes são postas pelos países<br />

<strong>de</strong>senvolvidos, todavia, nas áreas que os convêm. A agricultura é subsidiada e protegida por<br />

bar<strong>rei</strong>ras técnicas. Isso torna a argumentação <strong>de</strong> Ha-Joon Chang que diz “Minha principal<br />

conclusão é que, na verda<strong>de</strong>, muitas instituições atualmente consi<strong>de</strong>radas tão imprescindíveis ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento são mais a conseqüência do que a causa do <strong>de</strong>senvolvimento econômico das<br />

atuais nações <strong>de</strong>senvolvidas.” (Chang, 2004, p.26) e que ao pressionar os países menos<br />

<strong>de</strong>senvolvidos a a<strong>de</strong>rirem às “boas” instituições se estaria chutando à escada que leva ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e pela qual os países hoje <strong>de</strong>senvolvidos já subiram um dia. A rodada <strong>de</strong> Doha,<br />

<strong>de</strong>ntre outro assuntos, tratou da área agrícola e entendê-la seria <strong>de</strong> primordial importância para<br />

compreen<strong>de</strong>r essa realida<strong>de</strong> que tem muitas reverberações no sistema internacional.<br />

Jürgen Habermas medita sobre a integração entre socieda<strong>de</strong> nacional e Estado. Essa<br />

integração é realçada por meio <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> uma cidadania igualitária, com isso, “o<br />

Estado-nação forneceu não apenas legitimação <strong>de</strong>mocrática, mas criou também, por meio <strong>de</strong> uma<br />

participação política generalizada, um novo nível <strong>de</strong> integração social.” (HABERMAS, 1995,<br />

p.95). Esse tipo <strong>de</strong> cidadania é afetado diretamente pela política externa comercial, pois os<br />

resultados são sentidos <strong>de</strong> diferentes formas. Po<strong>de</strong> ocorrer influência na situação social <strong>de</strong><br />

parcelas ou da totalida<strong>de</strong> da população. Além <strong>de</strong> características institucionais dos países<br />

possibilitarem ou não a atuação da socieda<strong>de</strong> no tocante às políticas comerciais.<br />

Em suma, o objetivo geral do referido trabalho será investigar como a política externa é<br />

suscetível às vicissitu<strong>de</strong>s das dinâmicas das políticas internas e, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse tema, analisar como<br />

as instituições internas foram responsáveis pela não a<strong>de</strong>quação dos EUA aos parâmetros<br />

estabelecidos pela OMC.<br />

8 “Multilateralismo se refere a relações coor<strong>de</strong>nadas entre três ou mais Estados <strong>de</strong> acordo com alguns princípios.”<br />

(tradução dos autores)<br />

19


CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E O<br />

LIVRE COMÉRCIO<br />

A Organização Mundial <strong>de</strong> Comércio (OMC) é uma instituição internacional, criada em<br />

1995, com o objetivo básico <strong>de</strong> liberalizar o comércio internacional. A OMC é formada por<br />

diversos órgão e acordos, tais como GATT, TRIPS, GATS, TRIMS. O comércio livre, por si só,<br />

é visto pela organização como benéfico para o bom funcionamento do sistema internacional, no<br />

entanto, o protecionismo é uma estratégia constante na prática comercial, por parte,<br />

principalmente, dos países <strong>de</strong>senvolvidos em áreas que eles não gozam <strong>de</strong> competitivida<strong>de</strong><br />

internacional, sendo o setor agrícola uma <strong>de</strong>ssas áreas.<br />

Este po<strong>de</strong> ser um motivo pelo qual os países <strong>de</strong>senvolvidos procuraram resolver as<br />

pendências liberalizantes industriais, leia-se liberalizar, antes <strong>de</strong> negociar as pendências agrícolas<br />

on<strong>de</strong> são menos competitivos e, por essa razão, reduzir os subsídios e liberalizar o comércio<br />

implicaria em conseqüências domésticas graves e distributivas. Assim, por essa distributivida<strong>de</strong> a<br />

política externa referente a esse setor se torna muito politizada. Autores como Maria Regina Lima<br />

tratam tal distributivida<strong>de</strong> como um fator que torna a política externa diretamente influenciada<br />

pela dinâmica da política interna.<br />

O livre comércio aprofunda-se por meio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s rodadas <strong>de</strong> negociações. A “Uruguay<br />

Round”, ocorrida no âmbito do GATT, <strong>de</strong>la resultou a criação da OMC, e “Doha Round”,<br />

quando a OMC já estava em vigor, são exemplos mais atuais, além das antece<strong>de</strong>ntes. A última <strong>de</strong><br />

tais rodadas, a já mencionada Doha, abarcava questões ambientais, agrícolas, industriais, <strong>de</strong>ntre<br />

outras. Carvalho (2008) coloca o foco na análise das políticas internas dos países porque as<br />

<strong>de</strong>mocracias levam a politização das políticas comercias, uma vez que os resultados são<br />

distributivos. Instituições canalizam pressões e interesses e influenciam a forma como a política<br />

doméstica interfere na política comercial externa. Portanto Doha seria uma extensão das políticas<br />

internas dos países. Entendida aqui como disputas, interesses e acesso aos policy-makers para<br />

satisfação <strong>de</strong> interesses.<br />

A OMC trata <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> política externa <strong>de</strong>veras politizada. Para enten<strong>de</strong>r o porquê<br />

retornar ao conceito <strong>de</strong> distributivida<strong>de</strong> se faz necessário. O fato <strong>de</strong>las não beneficiarem<br />

igualmente todos os setores da socieda<strong>de</strong> a torna politizada. Maria Izabel Carvalho coloca mais<br />

<strong>de</strong>talhadamente:<br />

20


Em regimes <strong>de</strong>mocráticos a politização da política externa comercial é inevitável. Os<br />

custos e benefícios dos acordos <strong>de</strong> liberalização comercial não são distribuídos<br />

uniformemente e produzem ganhos e perdas para diferentes setores econômicos e<br />

sociais. As divergências assim geradas são complexas e contemplam preferências<br />

protecionistas e liberalizantes <strong>de</strong> diferentes setores econômicos, dos trabalhadores, dos<br />

consumidores e dos governos. As instituições políticas canalizam-nas e influenciam na<br />

forma como a política doméstica interfere na política comercial externa. (CARVALHO,<br />

2008, S/P)<br />

Dentro da burocracia da organização <strong>de</strong>staca-se o mecanismo <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> controvérsias<br />

cujo objetivo seria servir <strong>de</strong> mesa negociadora e julgar casos <strong>de</strong> protecionismo autorizando<br />

retaliações por parte do país consi<strong>de</strong>rado lesado pela política protecionista <strong>de</strong> outro país.<br />

ESTRUTURAS POLÍTICA DOMÉSTICA E INSTITUIÇÕES DOMÉSTICAS<br />

ENVOLVIDAS NO CONTENCIOSO<br />

Estados Unidos: tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e política agrícola<br />

Os EUA é um país presi<strong>de</strong>ncialista, com intenso trânsito <strong>de</strong> influência na política externa<br />

entre o Legislativo e o Executivo e com participação do setor privado <strong>de</strong> forma institucionaliza e<br />

com um legislativo eleito em zonas eleitorais e estados-membros com diferenças <strong>de</strong> tamanho <strong>de</strong><br />

mandatos e senadores e congressistas.<br />

Optar-se-á por utilizar uma gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> análises <strong>de</strong> política externa. Assim como<br />

o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Moraes, que consi<strong>de</strong>ra que os Estados são arenas e sujeitos <strong>de</strong> ação política,<br />

pois<br />

Quando uma coalizão ocupa essa arena, isto é, toma o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Estado, tem a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar o papel <strong>de</strong>sse sujeito na arena maior, o terreno das relações<br />

<strong>internacionais</strong>. Mas para fazê-lo, precisa interagir não apenas com outros Estados, mas<br />

com forças que nesses Estados, figuram como sujeito que disputam aquela arena.<br />

(MORAES, 2004, p.324-325)<br />

21


Como se percebe no caso da política algodoeira estaduni<strong>de</strong>nse na qual o po<strong>de</strong>r executivo<br />

trabalhou para se a<strong>de</strong>quar às exigências do OSC, mas no tocante ao Congresso as medidas<br />

congelaram.<br />

Tendo como base a abordagem <strong>de</strong> Rodrigo Cintra, po<strong>de</strong>mos analisar este processo <strong>de</strong><br />

tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões estaduni<strong>de</strong>nse como formado por quatro fases. A primeira <strong>de</strong>las aponta um<br />

posicionamento retórico, fundamentado na mobilização da opinião pública, resultando em uma<br />

influência da socieda<strong>de</strong> na política; na segunda fase, nos <strong>de</strong>paramos com um processo inverso, a<br />

tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão é, aí, feita por mobilização parlamentar, on<strong>de</strong> os grupos envolvidos (USTR,<br />

Congresso e Executivo) tomam posições referentes ao tema em questão, vemos, então, influência<br />

da política na socieda<strong>de</strong>. A terceira fase do processo indica a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão final e a sua<br />

implementação, feita pelo Executivo, que <strong>de</strong>ve encontrar respaldo a esta <strong>de</strong>cisão tanto na<br />

socieda<strong>de</strong>, quanto na estrutura política e burocrática.<br />

Finalmente, a última fase, é o posicionamento final quanto a qualquer tema, já sendo<br />

observadas as reações à <strong>de</strong>cisão tomada previamente. “A antecipação <strong>de</strong> posicionamentos em<br />

face <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas posições adotadas em fases anteriores é levada em conta no momento <strong>de</strong> se<br />

optar pela <strong>de</strong>cisão final” (CINTRA, 2005, s/p) Mesmo assim, ainda é possível que ocorram<br />

conseqüências não esperadas que levem os tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão a buscar reconstruir seu<br />

relacionamento com os grupos <strong>de</strong> pressão.<br />

Entre tais grupos <strong>de</strong> pressão, no caso abordado, <strong>de</strong>stacamos forças como National Cotton<br />

Council, North Carolina Cotton Producers Association e Weil Brother Cotton, grupos envolvidos<br />

com a produção e negociação do algodão nos Estados Unidos. Estes grupos têm papel importante<br />

na formulação <strong>de</strong> políticas estaduni<strong>de</strong>nses, eles se movimentam por meio <strong>de</strong> lobbies – um<br />

mecanismo legal no país – e até pela formação <strong>de</strong> dossiês, trabalhando como uma gran<strong>de</strong> e<br />

primordial forma <strong>de</strong> pressão política.<br />

Estes grupos também têm uma forte influência na fase <strong>de</strong> formulação das políticas em<br />

outro ponto apontado por Cintra. Tomemos por exemplo a Farm Bill o que seria “o nome popular<br />

dado à legislação estaduni<strong>de</strong>nse, geralmente renovada a cada quatro anos, que possui como<br />

objetivo consolidar em um único documento os programas <strong>de</strong> política agrícola do Departamento<br />

<strong>de</strong> Agricultura dos EUA.” (Verdier e Lembo, 2008, s/p). A Farm Bill é renovada periodicamente,<br />

através <strong>de</strong> voto no Congresso, <strong>de</strong>sta forma, os grupos <strong>de</strong> pressão supracitados exercem,<br />

novamente, uma influência direta sobre as tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão referente a ratificação dos projetos.<br />

22


Sua formulação se daria relevando a situação econômica agrária estaduni<strong>de</strong>nse, a<br />

condição do orçamento fe<strong>de</strong>ral, o partido que possui maioria no Crongresso e, <strong>de</strong> acordo com<br />

psycho-milieu atual, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os Estados Unidos agirem <strong>de</strong> acordo com as regras da<br />

OMC.<br />

Dentro <strong>de</strong>la há os programas para commodities que consiste em pagamentos <strong>de</strong><br />

empréstimos <strong>de</strong> comercialização (marketing loan payments), pagamentos diretos (direct<br />

payments) e pagamentos com base em preços contra-cíclicos (counter cyclical price-based). A<br />

esse último foi adicionado a Eleição Média do Receita <strong>de</strong> Commodities (Average Crop Revenue<br />

Election - ACRE) para os que renunciarem ao pagamentos diretos que por ventura tenham<br />

di<strong>rei</strong>to. Nesse caso receberiam valor igual ao pagameto direto em subsídios. Caso haja a<strong>de</strong>são em<br />

massa por parte do agricultores esse programa seria enquadrado na Caixa Amarela 9 .<br />

O programa Step 2 “requer o uso <strong>de</strong> certificados <strong>de</strong> comercialização pelos usuários<br />

domésticos e os exportadores <strong>de</strong> algodão. Tais certificados funcionam como um subsídio, que<br />

compensa a diferença entre o preço mundial e aquele do algodão estaduni<strong>de</strong>nse.” (Verdier e<br />

Lembo, 2008, s/p). Thiago Lima 2008 adiciona<br />

O Step 2 foi criado na Farm Bill <strong>de</strong> 1990 para incentivar a compra doméstica por<br />

processadores têxteis e para estimular a exportação <strong>de</strong> algodão norte-americano quando<br />

o preço <strong>de</strong>ste for maior do que o dos competidores estrangeiros. Isso é feito por meio <strong>de</strong><br />

Pagamentos Diretos, que cobrem a diferença entre os preços do algodão norte-americano<br />

e o estrangeiro, tornando aquele artificialmente competitivo (LIMA, 2008, P.82-83)<br />

Efetua-se pagamentos a exportadores e processadores domésticos <strong>de</strong> algodão norte-<br />

americano. Entretanto não foi apenas a distorção no comércio ocasionada por esses pagamentos<br />

que o tornou ilegal, mas o não enquadramento na Caixa Amarela <strong>de</strong>ssa commodity, pois são<br />

permitidas políticas subsidiárias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que notificadas à instituição e feita a promessa <strong>de</strong> reduzi-<br />

las.<br />

9 A Caixa Amarela é a classificação dada a medidas <strong>de</strong> apoio interno que distorcem a produção e o comércio com<br />

promessa <strong>de</strong> redução do valor total.<br />

23


Brasil: insulamento burocrático com consulta não institucionalizada<br />

Já o Processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão no Brasil é centrado no Executivo. O Legislativo tem<br />

importância quanto à ratificação dos tratados acordados. A formulação <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> políticas<br />

externa comercial é concentrada no Executivo, apesar <strong>de</strong> participação do setor privado ocorrer <strong>de</strong><br />

forma não institucionalizada. Entre os órgãos executivos participantes está a Câmara <strong>de</strong><br />

Comércio Exterior (Camex), que “é hoje formalmente responsável pela ‘adoção, implementação<br />

e a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> políticas e ativida<strong>de</strong>s relativas ao comércio exterior <strong>de</strong> bens e serviços,<br />

incluindo o turismo.’”(ARBIX, 2008, p.662) a Coor<strong>de</strong>nação-geral <strong>de</strong> Contenciosos do MRE que<br />

administra esses contenciosos. Arbix coloca que “As relações entre a Apex, o MRE e o<br />

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em princípio, mediadas<br />

pela Camex, geram relações próximas com agentes privados, no que diz respeito tanto a eventos<br />

<strong>de</strong> promoção comercial quanto a esforços por abertura <strong>de</strong> mercados” (ARBIX, 2008, p.662).<br />

Vicente Amaral Bezerra pon<strong>de</strong>ra sobre as instituições responsáveis pela formulação da<br />

política externa comercial. De sua obra apreen<strong>de</strong>mos que a CAMEX surgiu em 1995 com o<br />

intuito <strong>de</strong> “superar a situação <strong>de</strong> simultânea fragmentação das instâncias burocráticas e <strong>de</strong><br />

fomentar a articulação entre ministérios” (BEZERRA, 2008, p.39). Era “simultaneamente um<br />

conselho colegiado <strong>de</strong> ministros <strong>de</strong> Estado e um órgão subordinado ao MDIC” (BEZERRA,<br />

2008, p.40)<br />

A estrutura atual <strong>de</strong> órgãos responsáveis pela coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> política, negociação<br />

comercial e promoção comercial eram respectivamente CAMEX 10 , MAPA 11 , MRE, MDIC 12 e<br />

APEX 13 . O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação da CAMEX é restrito pela ambigüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu status<br />

institucional <strong>de</strong>scrito no final do parágrafo antece<strong>de</strong>nte. Soma-se a isso instabilida<strong>de</strong> institucional<br />

e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória limitada, por ter caráter consultivo não executivo. No âmbito da<br />

negociação os órgãos responsáveis pecam por carência <strong>de</strong> quadros <strong>de</strong> negociadores permanentes<br />

e pelo baixo grau <strong>de</strong> institucionalização <strong>de</strong> interlocução com a socieda<strong>de</strong> civil.<br />

Quanto ao insulamento burocrático. O MRE é um órgão que, como Bezerra argumenta,<br />

tem características weberianas. Ele põe que “... o processo mediante concurso público e a<br />

10 Coor<strong>de</strong>nação política<br />

11 Negociação comercial<br />

12 Esses dois últimos atuam na negociação e promoção comercial.<br />

13 Promoção comercial<br />

24


estruturação da car<strong>rei</strong>ra <strong>de</strong> diplomata aproxima o ministério do tipo <strong>de</strong> ‘dominação com quadro<br />

administrativo burocrático’...” (BEZERRA, 2008, p.43)<br />

Porém é dissertado que a participação varia <strong>de</strong> acordo com o conteúdo da agenda e com o<br />

avanço do processo negociador. Em temas não-fronteiriços, os mecanismos <strong>de</strong> consulta e<br />

negociação doméstica relativamente institucionalizada “com instâncias hierarquicamente<br />

diferenciadas, mecanismos formais <strong>de</strong> convocação e avaliação <strong>de</strong> resultados e razoável dose <strong>de</strong><br />

transparência para grupos que a eles tem acesso (governos, associações empresariais, centrais<br />

sindicais e Legislativo)” (Veiga e Iglesias apud Bezerra, 2008, p.44). Entretanto em negociações<br />

com predomínio <strong>de</strong> questões tarifárias consultas informais. “De maneira geral, o governo solicita<br />

a entida<strong>de</strong>s horizontais do setor privado [(CEB)] que coor<strong>de</strong>nem o processo <strong>de</strong> consulta aos<br />

diferentes setores, com vistas à apresentação <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> liberalização. (Veiga e<br />

Iglesias apud Bezerra, 2008, p.44)<br />

No caso estudado “De acordo com o MRE, aten<strong>de</strong>ndo à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> produtores<br />

brasileiros, a Lei Agrícola (Farm Bill) norte-americana distorce o mercado internacional <strong>de</strong><br />

algodão, baixando os preços da commodity aproximadamente 15% e estimulando o “<strong>de</strong>svio <strong>de</strong><br />

comércio”. ”(Oliveira, 2007, p.21). Portanto houve participação da socieda<strong>de</strong> civil, que nesse<br />

caso <strong>de</strong>mandou na figura Pedro <strong>de</strong> Camargo Neto, membro importante da Socieda<strong>de</strong> Ruralista<br />

Brasileira (SRB), que foi o “chefão” <strong>de</strong>ssa questão que surgiu na socieda<strong>de</strong> civil.<br />

O CONTENCIOSO<br />

Nesse segmento do trabalho o contencioso será posto com mais <strong>de</strong>talhes; Comecemos:<br />

à 27 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2002 a representação brasileira na OMC solicitou consultas com o<br />

governo dos EUA, questionando a legalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis e regulamentações que autorizavam<br />

subsídios, créditos, doações e assistências à sua indústria do algodão. Os subsídios<br />

americanos à indústria do algodão, que ultrapassaram US$ 4 bilhões no mesmo ano e<br />

superaram o valor total da produção algodoeira americana, promoveriam queda do preço<br />

internacional do produto e <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> comércio, prejudicando exportações brasileiras para<br />

terceiros mercados e violando os artigos 5(c) e 6.3(b) dos Subsidies e Countervailing<br />

Measures Agreement, firmado no âmbito da OMC. (LIMA, 2006, p.142-143)<br />

25


Houve consultas em 3, 4, e 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002, mas o contencioso não foi dirimido.<br />

Assim em 6 <strong>de</strong> feve<strong>rei</strong>ro <strong>de</strong> 2003 o Brasil solicitou a abertura <strong>de</strong> painel contra os EUA<br />

(WT/DS267/7) e em 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2003 o Organismo <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Controvérsias (OSC 14 )<br />

emitiu relatório favorável ao Brasil. Acionou-se o Órgão <strong>de</strong> apelação (OAp 15 ), sendo ratificado a<br />

<strong>de</strong>cisão favorável ao Brasil, <strong>de</strong>sta forma ficava estipulado que até 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005 os EUA<br />

<strong>de</strong>veriam reformar os créditos à exportação e eliminar o Step 2. Essas medidas não foram<br />

alcançadas. No tocante ao Executivo, medidas foram tomadas, mas o Congresso não cooperou.<br />

Como não foi cumprida a meta, o Brasil teria di<strong>rei</strong>to a uma retaliação. No entanto optou<br />

por não agir, “pois houve ameaça <strong>de</strong> suspensão <strong>de</strong> benefícios sob o SGP. Assim, a retaliação não<br />

foi adiante e grupos que estavam no alvo do governo brasileiro não receberam o estímulo para<br />

entrar no <strong>de</strong>bate.” (LIMA, 2006, p.153). Esse Sistema geral <strong>de</strong> preferências, SGP, é um<br />

mecanismo que consiste na redução, por um país <strong>de</strong>senvolvido, parcial ou total da tarifa <strong>de</strong><br />

importação inci<strong>de</strong>nte sobre <strong>de</strong>terminado produto originário e proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> países em<br />

<strong>de</strong>senvolvimento. Os países outorgantes beneficiam produtos agrícolas ou industriais que<br />

constem em suas listas positivas ou que não estejam expressamente mencionados em listas<br />

negativas. A idéia <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r aos países menos <strong>de</strong>senvolvidos taxas preferenciais no mercado<br />

dos países <strong>de</strong>senvolvidos foi, originalmente, apresentada por Raul Prebisch, em 1964.<br />

A nova Farm Bill <strong>de</strong> 2008 nos põe um cenário negativo quanto à redução <strong>de</strong> subsídios<br />

nessa área. Na realida<strong>de</strong> “prevê gastos com agricultura <strong>de</strong> até US$307 bilhões, o que po<strong>de</strong>rá<br />

influenciar negativamente as negociações agrícolas da Rodada Doha e, conseqüentemente,<br />

dificultar um acordo na OMC” (VERCIER e LEMBO, 2008, S/P), ou seja, vai <strong>de</strong> encontro à<br />

OMC ampliando programas subsidiários. Em junho <strong>de</strong> 2008 foi <strong>de</strong>cidido pelo Oap que os<br />

subsídios estaduni<strong>de</strong>nses continuam sendo incompatíveis com as regras da organização. O Brasil<br />

continua sem tomar posição quanto à uma retaliação possível.<br />

Disso resultou o enfraquecimento da li<strong>de</strong>rança dos EUA. Como eles optaram por<br />

prejudicar sua li<strong>de</strong>rança e a própria rodada <strong>de</strong> negociação <strong>de</strong> Doha por uma área <strong>de</strong> pouca<br />

14 O Organismo <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Controvérsias (OSC) é uma ferramenta da OMC que busca dirimir contenciosos entre<br />

os membros da organização em relação à política protecionistas que venham a ferir princípios da mesma.<br />

15 O Órgão <strong>de</strong> Apelação (OAp) é composto por sete membros indicados pelo OSC, com mandato <strong>de</strong> quatro (4) anos<br />

renováveis por mais quatro (4), sendo que a cada dois (2) anos renova-se três vagas (Art. 17.2 do “working<br />

procedures for appellate review”) . Dentre os indicados, formam-se grupos <strong>de</strong> três membros chamados <strong>de</strong><br />

“divisions”. A competência do OAp resume-se a questões <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>to e <strong>de</strong> eventuais interpretações normativas que<br />

venham a ocorrer durante a apreciação do caso.<br />

26


importância relativa como é o caso do upland cotton e sua indústria é interessante para e pensar e<br />

uma abordagem que vê o Estado como um monólito calculador não nos revela muito.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

No caso estudado vemos que o posicionamento do legislativo americano prejudicou a<br />

li<strong>de</strong>rança dos EUA na OMC, uma vez que o princípio comum <strong>de</strong>sse arranjo multilateral é o livre<br />

comércio e ele foi negligenciado. Em contrapartida, no lado brasileiro, a parceria socieda<strong>de</strong> civil<br />

e ministério foi muito fértil aos interesses brasileiros. Ou seja, por ser uma política distributiva e,<br />

portanto, ter maior grau <strong>de</strong> politização, a interrelação entre policy-makers e socieda<strong>de</strong> civil teve<br />

diferentes efeitos.<br />

A burocracia da organização dá caráter <strong>de</strong> ator à organização internacional. Dessa lógica<br />

alcança-se o entendimento <strong>de</strong> como uma organização construída sobre a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong> um sistema<br />

on<strong>de</strong> os EUA têm papel <strong>de</strong> superpotência atuou <strong>de</strong>sfavoravelmente a esse. Entretanto não se<br />

po<strong>de</strong> superestimar o peso que essa posição tem sobre país tão po<strong>de</strong>roso.<br />

Entretanto não é sábio consi<strong>de</strong>rar que a não a<strong>de</strong>quação por parte dos EUA ao estipulado<br />

pela OMC seja por uma percepção <strong>de</strong> que como gran<strong>de</strong> potência não seria necessário a<strong>de</strong>quar-se<br />

ao <strong>de</strong>mandado. Uma abordagem do Estado como uma bola <strong>de</strong> bilhar não é suficientemente<br />

explicativa nesse caso. As características da estrutura política norte-americana <strong>de</strong>vem ser<br />

relevadas.<br />

O legislativo eleitos distritalmente torna forte o setor <strong>de</strong> algodão. São essas características<br />

que tornam os 17 estados <strong>de</strong> cinturão do algodão muito bem representados no congresso. O<br />

funcionamento do legislativo, que trabalha em comitês com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> agenda, também é uma<br />

variável importante no entendimento <strong>de</strong> como a força <strong>de</strong>sse setor conseguiu se sobrepujar aos<br />

<strong>de</strong>mais. Assim a indústria algodoeira tem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> lobby em um maior número <strong>de</strong> congressistas<br />

por esses serem eleitos nos distritos em que essa indústria tem relevância. Os comitês tornam<br />

mais restritos o número <strong>de</strong> congressistas responsáveis pela formulação <strong>de</strong> uma Farm Bill, por<br />

exemplo. O Lobby se concentraria em um número menor <strong>de</strong> legisladores o que o tornaria mais<br />

eficaz.<br />

Em relação ao lobby entida<strong>de</strong>s como National Cotton Council, North Carolina Cotton<br />

Producers Association e Weil Brother Cotton agem por meios paralelos <strong>de</strong> pressão, se utilizando<br />

27


da formulação <strong>de</strong> dossiês ou financiamento <strong>de</strong> campanhas eleitorais, é comum mesmo investigar<br />

a vida dos congressistas para, com isso, conseguir influir na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>sse órgão.<br />

Esse trabalho também evi<strong>de</strong>nciou que diferenças macro entre os países também <strong>de</strong>vem ser<br />

pensadas. No caso ficou concertado, na OMC, que essas medidas eram protecionistas e, portanto,<br />

distorciam o comércio e ocasionavam prejuízos aos produtores brasileiros. Assim foi autorizado<br />

ao Brasil retaliar os Estados Unidos, porém isso não foi feito mediante ameaça por parte dos<br />

EUA em <strong>de</strong>squalificar o Brasil como incluso no sistema geral <strong>de</strong> preferências. A assimetria entre<br />

os dois foi responsável pela não retaliação do Brasil.<br />

As distinções entre os dois países em relação à participação da socieda<strong>de</strong> civil nas<br />

dinâmicas das negociações <strong>de</strong> política externa comercial foram abordadas. Dessa retiramos a<br />

conclusão <strong>de</strong> que a participação <strong>de</strong>mandante da socieda<strong>de</strong> civil brasileira beneficiou o Brasil<br />

quanto à pressão para estabelecer um painel contra os Estados Unidos em relação a sua política<br />

agrícola estaduni<strong>de</strong>nse. Enquanto o peso <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong> um segmento da socieda<strong>de</strong> civil<br />

americana que não tem gran<strong>de</strong> relevância em termos nacionais, como é o caso da indústria<br />

algodoeira, embargou uma modificação que, a longo prazo seria benéfica ao país, visto que, sua<br />

li<strong>de</strong>rança na Rodada <strong>de</strong> Doha foi prejudicada e, conseqüentemente, seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha em<br />

liberalizar setores benéficos ao país foi minado.<br />

Assim a benesse da <strong>de</strong>mocratização na formulação <strong>de</strong> política externa é relativizada já<br />

que algumas estruturas po<strong>de</strong>m supervalorizar uma minoria em <strong>de</strong>trimento da maioria. Dessa não<br />

se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a não-<strong>de</strong>mocratização <strong>de</strong> assuntos referentes à política externa, mas alerta para<br />

preocupação em não superpotencializar setores minoritários em <strong>de</strong>trimento dos <strong>de</strong>mais.<br />

28


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ARBIX, Daniel. (2008) Contenciosos Brasileiros na Organização Mundial do Comércio (OMC):<br />

Pauta Comercial, Política e Instituições. Contexto Internacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro, vol.30, n.3,<br />

setembro/<strong>de</strong>zembro, p.655-699.<br />

BEZERRA, Vicente Amaral. (2008) Negociações Comerciais: o caso das negociações entre<br />

Mercosul e União Européia (2001-2004). Dissertação <strong>de</strong> mestrado (mestrado em ciência social) –<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (Instituto <strong>de</strong> Ciências Sociais – Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Pós-graduação<br />

sobre as Américas). Brasília<br />

CARVALHO, Maria Izabel V.(2008) Politização da política externa e as negociações da rodada<br />

Doha. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília.<br />

CHANG, Ha-Joon (2002) Chutando a Escada. A estratégia do <strong>de</strong>senvolvimento em perspectiva<br />

histórica São Paulo: Editora da UNESP.<br />

CINTRA, Rodrigo. (2005) O Processo <strong>de</strong> Tomada <strong>de</strong> Decisões em Política Externa: A<br />

Importância Dos Lobbies. CEDEC, São Paulo, n.72.<br />

HABERMAS, Jurgen. (1995) O Estado nação europeu frente aos <strong>de</strong>safios da globalização. IN:<br />

Novos Estudos CEBRAP. N. 43. p.87-110<br />

HUDSON, Valerie. (2007) Fo<strong>rei</strong>gn Policy Analysis: Classic and Contemporary Theory. Boul<strong>de</strong>r,<br />

Colorado: Rowman & Littlefield.<br />

LEMBO, Carolina; VERDIER, Adriana. (2008) A nova Farm Bill e suas implicações para o<br />

cenário comercial multilateral. Revista Pontes, vol 4, n.3. Publicado em ICTSD<br />

[http://ictsd.net/i/news/pontes/17353/] Disponibilida<strong>de</strong>: 24/05/2010.<br />

LIMA, Maria Regina S. <strong>de</strong>. (2000) Instituições Democráticas <strong>de</strong> Política Exterior. Contexto<br />

Internacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro, vol. 22, n.2, , p.265-303.<br />

LIMA, Thiago. (2008) Desafios <strong>internacionais</strong> à política agrícola norte-americana: O contencioso<br />

do algodão entre Brasil e Estados Unidos e o CAFTA-DR, Dissertação (mestrado em Relações<br />

Internacionais) - Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’<br />

UNESP-UNICAMP-PUC/SP, São Paulo.<br />

LIMA, Thiago. (2006) O contencioso do algodão: cenários para mudança na política <strong>de</strong> subsídios<br />

dos EUA. Revista. Brasileira <strong>de</strong> Política Internacional, Brasília, Ano 49, nº1, p. 139-158,<br />

MORAES, Reginaldo. (2004) Globalização e Políticas Públicas: Vida, paixão e morte do Estado<br />

Nacional? IN: Educação e Socieda<strong>de</strong>. Campinas. Vol.25, N.87, p.309-333.<br />

29


MORENO, Fernanda V; OLIVEIRA, Marcelo F. (2007) Negociações Comerciais Internacionais<br />

e Democracia: O Contencioso Brasil x EUA das Patentes Farmacêuticas na OMC. Revista <strong>de</strong><br />

Ciências Sociais, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Vol. 50, no 1, pp. 189 a 220.<br />

NAIDIN, Leane C. (2008) As negociações do acordo <strong>de</strong> subsídios e medidas compensatórias da<br />

rodada <strong>de</strong> Doha. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio <strong>de</strong> Janeiro (PUC-Rio).<br />

OLIVEIRA, Marcelo F. (2007) Multilateralismo, Democracia e Política Externa no Brasil:<br />

Contenciosos das Patentes e do Algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC). Revista<br />

Contexto Internacional, Rio <strong>de</strong> Janeiro, vol. 29, no 1, p. 7-38<br />

PAULINO, Luís Antônio. (2002) O Brasil, seus sócios e seus negócios. São Paulo em<br />

Perspectiva, v.16, n.2, p. 82-93.<br />

PUTNAM, Robert D. (1993) Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games.<br />

In: EVANS, Peter B.; JACOBSON, Harold K.; PUTNAM, Robert D.; Double-Edged Diplomacy:<br />

International Bargaining and Domestic Politics. Berkeley: University of California Press. p.431-<br />

468<br />

RUGGIE, John G. (1993) Multilateralism: the anatomy of an institution. In. RUGGIE, John G<br />

(ed.). Multilateralism Matters: the theory and praxis of an institutional form. New York,<br />

Columbia University Press.<br />

30


LINHAGENS DE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL: A CHINA COMO PROPULSORA<br />

Resumo<br />

DE UM NOVO INTEGRACIONISMO-DESENVOLVIMENTISTA<br />

Joseildo Lima 16<br />

Fábio Franco 17<br />

Tomando por base a or<strong>de</strong>m internacional contemporânea, o presente artigo trata <strong>de</strong> esmiuçar a<br />

idéia <strong>de</strong> Shyan Shu (que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que uma característica da política externa chinesa é o fato <strong>de</strong><br />

que ela busca o <strong>de</strong>senvolvimento econômico da China, mas também dos parceiros comerciais do<br />

dragão asiático visando, sobretudo, a sua segurança doméstica face um mundo ameaçado pelo<br />

unilateralismo estaduni<strong>de</strong>nse), mostrando como o processo <strong>de</strong> “integração informal” entre a<br />

China e os <strong>de</strong>mais países tem sido o responsável pelo crescimento da economia mundial e pelo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das economias emergentes, <strong>de</strong>slocando o foco analítico da economia<br />

internacional do eixo EUA-Europa para o leste asiático, além <strong>de</strong> estar possibilitando um<br />

aprofundamento na multilateralida<strong>de</strong> das relações <strong>internacionais</strong>, e também como isso tem gerado<br />

um conflito <strong>de</strong> interesses entre Pequim e Washington.<br />

Palavras-chave: China; nova or<strong>de</strong>m mundial; <strong>de</strong>senvolvimento; integração; política externa.<br />

Abstract<br />

Taking into account the contemporary international or<strong>de</strong>r, this article tries to <strong>de</strong>al with Shyan<br />

Shu’s point of view (who <strong>de</strong>fends that one of the chinese international politics is that China looks<br />

forward to <strong>de</strong>veloping its economic growth, along with its partners), showing that the process<br />

called “informal integration” among China and others emerging countries has been the<br />

responsible for the world economic growth, replacing the analytical emphasis from the US-<br />

Europe axis to East Asia, besi<strong>de</strong>s it lets a <strong>de</strong>epened process of multilaterality of international<br />

relations, and also how it has permitted to generate a conflict of interests between Washington<br />

and Beijing.<br />

Key-Words: China; new world or<strong>de</strong>r; economic <strong>de</strong>velopment; integration; international affaires.<br />

16 Graduando em Relações Internacionais pela Universida<strong>de</strong> Estadual da Paraíba (UEPB) e em Ciências Econômicas<br />

pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Paraíba (UFPB). Email: joseildo.lima@mundialistas.com.br<br />

17 Graduando em Relações Internacionais pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Sergipe (UFS). Email:<br />

fabio.franco@mundialistas.com.br<br />

31


INTRODUÇÃO<br />

A China ascen<strong>de</strong> como potência mundial, encabeçando o renascimento econômico da<br />

Ásia. Renascimento porque a Ásia oriental é uma gran<strong>de</strong> região do passado que esteve na<br />

vanguarda do <strong>de</strong>senvolvimento mundial durante pelo menos dois mil anos, até o século XVIII<br />

(ROZMAN, 1991).<br />

As consequências da ascensão da China são grandiosas. E o mais importante é que, cada<br />

vez mais, a China vem substituindo os Estados Unidos como principal motor da expansão<br />

comercial e econômica na Ásia Oriental e em outras partes do mundo, a exemplo da África e da<br />

América Latina.<br />

Em algum momento dos próximos 15 meses, a China <strong>de</strong>verá ultrapassar o Japão e se<br />

tornar a segunda maior economia do mundo, no mais extraordinário processo <strong>de</strong> ascensão <strong>de</strong> um<br />

país na história da humanida<strong>de</strong>. A ultrapassagem ocorrerá pelo menos cinco anos antes do que se<br />

previa anteriormente e será acelerada pelo impacto da crise financeira que abalou o mundo a<br />

partir <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2008 18 .<br />

As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o ano <strong>de</strong> 2010 colocam a<br />

China no segundo lugar do ranking <strong>de</strong> países por Produto Interno Bruto (PIB), com US$ 5,263<br />

trilhões, acima dos US$ 5,187 trilhões do Japão 19 .<br />

A ascensão da China foi meteórica e levou a uma total transformação da or<strong>de</strong>m<br />

econômica existente na década passada, quando Estados Unidos, Europa e Japão tinham<br />

inquestionável ascendência na arena global. Também forçou a discussão sobre o re<strong>de</strong>senho <strong>de</strong><br />

organizações multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, nas quais o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> voto da China<br />

não reflete o tamanho <strong>de</strong> sua economia.<br />

“O sistema internacional construído <strong>de</strong>pois da Segunda Guerra Mundial será quase<br />

irreconhecível em 2025 por causa da ascensão dos países emergentes, da globalização da<br />

economia, da histórica transferência <strong>de</strong> riqueza e po<strong>de</strong>r econômico do Oci<strong>de</strong>nte para o Oriente e<br />

18 A China está no centro das forças que estão moldando esse novo cenário. Há cinco anos, o país aparecia em sexto<br />

lugar no ranking dos maiores PIB’s do mundo elaborado pelo FMI, atrás <strong>de</strong> Estados Unidos, Japão, Alemanha,<br />

Inglaterra e França, respectivaente. Des<strong>de</strong> então, começou uma rápida escalada, impulsionado por uma taxa média <strong>de</strong><br />

crescimento anual <strong>de</strong> quase 11%. Inglaterra e França já haviam sido <strong>de</strong>ixadas para trás em 2006 e, no ano seguinte,<br />

foi a vez <strong>de</strong> a Alemanha abandonar o posto <strong>de</strong> terceira maior economia.<br />

19 Para alguns economistas, a troca <strong>de</strong> lugares só não ocorreu ainda em razão da persistente valorização do iene<br />

japonês, que infla o tamanho do PIB do país quando ele é convertido para o dólar. Na China, o yuan está no mesmo<br />

nível <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados <strong>de</strong> 2008, o que limita o valor em dólar da economia.<br />

32


da crescente influência <strong>de</strong> atores não estatais”, observa o documento “Global Trends 2025: A<br />

Transformed World”, publicado pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Inteligência dos Estados Unidos, em<br />

novembro <strong>de</strong> 2008.<br />

A China possui o maior volume <strong>de</strong> reservas <strong>internacionais</strong> do mundo, <strong>de</strong> US$ 2,27<br />

trilhões, e é <strong>de</strong>tentora do maior volume <strong>de</strong> títulos do Tesouro americano, posição ocupada pelo<br />

Japão até 2008.<br />

O país governado pelo Partido Comunista Chinês também <strong>de</strong>verá se tornar a principal<br />

potência comercial do planeta em 2010, segundo previsão da Organização para a Cooperação<br />

Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), com uma soma <strong>de</strong> exportações e importações superior<br />

à da Alemanha e à dos Estados Unidos.<br />

As apostas agora são sobre quando os chineses vão ultrapassar os norte-americanos e<br />

assumir o posto <strong>de</strong> maior economia do mundo.<br />

A Política Externa Chinesa contemporânea é <strong>de</strong>finida no conceito <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência, ou<br />

seja, em função <strong>de</strong> seus interesses nacionais, na importância da paz a fim <strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do país, e no pragmatismo em que a importância <strong>de</strong> suas priorida<strong>de</strong>s está acima<br />

<strong>de</strong> qualquer i<strong>de</strong>ologia. A<strong>de</strong>mais, a China consi<strong>de</strong>ra importante impulsionar com todos os Estados<br />

uma nova or<strong>de</strong>m política e econômica internacional, e nessa tarefa, enfatiza a necessida<strong>de</strong> da sua<br />

participação nas chamadas responsabilida<strong>de</strong>s mundiais (SHYAN SHU, 2005)<br />

Em dissertação apresentada ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Relações Internacionais<br />

UNESP – UNICAMP – USP/SP, Silvana Shiow Shyan Shu <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que uma característica da<br />

política externa chinesa é o fato <strong>de</strong> que ela busca o <strong>de</strong>senvolvimento econômico da China, mas<br />

também dos parceiros comerciais do dragão asiático visando, sobretudo, a sua segurança<br />

doméstica face um mundo ameaçado pelo unilateralismo estaduni<strong>de</strong>nse.<br />

Tomando por base a or<strong>de</strong>m internacional contemporânea, o presente artigo trata <strong>de</strong><br />

esmiuçar essa idéia <strong>de</strong> Shyan Shu, buscando analisar como o processo <strong>de</strong> “integração informal”<br />

entre a China e os <strong>de</strong>mais países tem sido o responsável pelo crescimento da economia mundial e<br />

pelo <strong>de</strong>senvolvimento das economias emergentes, <strong>de</strong>slocando o foco analítico da economia<br />

internacional do eixo EUA-Europa para o leste asiático, além <strong>de</strong> estar possibilitando um<br />

aprofundamento na multilateralida<strong>de</strong> das relações <strong>internacionais</strong>.<br />

33


O PIONEIRISMO CHINÊS: ESTADO NACIONAL E ECONOMIA DE MERCADO<br />

Os mercados nacionais, assim como os Estados nacionais e os sistemas interestatais, não<br />

são invenção oci<strong>de</strong>ntal, como é tão comum apren<strong>de</strong>rmos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo. Adam Smith já sabia,<br />

quando <strong>de</strong> sua A Riqueza das Nações, <strong>de</strong> 1776, que durante o século XVIII o maior mercado<br />

nacional não estava na Europa, mas na China. A formação <strong>de</strong>sse mercado levou muitos séculos,<br />

mas sua configuração no século XVIII resultou das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação do Estado nos<br />

períodos que remontam ao ano <strong>de</strong> 1127, com o início da dinastia Song (1127-1276 d.C).<br />

A inserção internacional da China está articulada para compatibilizar as necessida<strong>de</strong>s e<br />

aspirações domésticas do país com as possibilida<strong>de</strong>s externas do contexto global. Assim sendo, a<br />

política externa chinesa tem como priorida<strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> aos programas<br />

<strong>de</strong>senvolvimentistas e garantir a estabilida<strong>de</strong> doméstica no país (SHYAN SHU, 2005).<br />

Historicamente, a China sempre apresentou problemas fronteiriços e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, houve a<br />

necessida<strong>de</strong> dos governantes chineses em lidar com esses conflitos.<br />

Durante o período da dinastia Song, a China privilegiou o comércio marítimo como fonte<br />

<strong>de</strong> renda. Nesse sentido, houve uma expansão chinesa em termos econômicos, porém nada<br />

comparado ao <strong>de</strong>senvolvimento capitalista no oci<strong>de</strong>nte europeu. Isso se dá, porque na Ásia<br />

oriental não houve uma tendência à concorrência dos Estados para construir impérios comerciais<br />

e territoriais d’além-mar, como aconteceu na Europa. Ao contrário, no período Ming (1368 -<br />

1644 d.C) ela foi controlada com políticas que priorizavam o comércio nacional (ARRIGHI,<br />

2008).<br />

Janet Abu-Lughod afirma que a China dos Ming ter abandonado o oceano Índico “<strong>de</strong>ixou<br />

os estudiosos perplexos e até <strong>de</strong>sesperados durante os últimos cem anos”. Diz ela:<br />

Quase a ponto <strong>de</strong> dominar uma parcela significativa do globo e <strong>de</strong> gozar <strong>de</strong> vantagens<br />

técnicas não só na produção pacífica, como também no po<strong>de</strong>rio naval e militar (…), por<br />

que a China virou as costas, retirou a esquadra e <strong>de</strong>ixou um enorme vazio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que<br />

os mercadores muçulmanos, sem o apoio dos po<strong>de</strong>res marítimos estatais, estavam<br />

totalmente <strong>de</strong>spreparados para ocupar, mas que seus colegas europeus se mostrariam<br />

mais do que capacitados e dispostos a preencher <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um hiato <strong>de</strong><br />

aproximadamente setenta anos? (ABU-LUGHOD, 1989).<br />

A razão que se dá para tal “abandono dos mares” é que os Ming passaram a se preocupar<br />

mais com as ameaças militares imediatas na fronteira norte. A mudança da capital <strong>de</strong> Nanquim<br />

para Pequim ocorreu <strong>de</strong> modo a proteger com mais eficiência aquela fronteira contra as invasões<br />

34


mongóis. Para a China, <strong>de</strong>sperdiçar recursos para controlar as rotas marítimas asiáticas seria uma<br />

forte ameaça ao seu equilíbrio doméstico enquanto Estado. O controle <strong>de</strong>ssas rotas comerciais era<br />

muito menos importante do que as relações pacíficas com os Estados vizinhos e a integração <strong>de</strong><br />

domínios populosos numa economia <strong>de</strong> bases agrícolas (ARRIGHI, 2008).<br />

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DA CHINA NO LIMIAR DO SÉCULO XXI<br />

No plano dos interesses vitais, a política externa da China, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos os mais remotos,<br />

é orientada para preservar a segurança nacional, zelar a soberania do Estado e manter a<br />

integrida<strong>de</strong> territorial. Foi assim no passado e continua sendo assim no início do século XXI. Não<br />

obstante a i<strong>de</strong>ologia política adotada quando da Revolução Chinesa, em 1949, na conjugação<br />

dinâmica entre <strong>de</strong>terminantes internos e externos, a política externa da China adotou uma postura<br />

pragmática e <strong>de</strong>fensiva a fim <strong>de</strong> perseguir os interesses nacionais do país, transpondo aos poucos<br />

as limitações i<strong>de</strong>ológicas do mo<strong>de</strong>lo político chinês.<br />

A China, após um longo período <strong>de</strong> isolamento geopolítico, tem alterado <strong>de</strong> maneira<br />

significativa o curso <strong>de</strong>sse processo histórico, participando, cada vez mais, como um gran<strong>de</strong><br />

player no cenário internacional.<br />

Com o insucesso dos primeiros anos da Revolução Cultural maoísta no plano sócio-<br />

econômico, a China viu-se na necessida<strong>de</strong> (inclusive do próprio ponto <strong>de</strong> vista da segurança<br />

doméstica) <strong>de</strong> encontrar meios <strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver economicamente, buscando bem estar <strong>de</strong> sua<br />

população. Nesse sentido, escassa <strong>de</strong> capital que lhe possibilitasse se <strong>de</strong>senvolver, a China<br />

promoverá uma abertura econômica sob os auspícios <strong>de</strong> Deng Xiaoping (1904-1997).<br />

Tal abertura só foi possível, naquele contexto <strong>de</strong> Guerra Fria, porque, ao romper relações<br />

diplomáticas com a URSS, à China não restou alternativa senão flexibilizar-se i<strong>de</strong>ologicamente e<br />

se aproximar dos EUA, sobretudo para que sua segurança fosse estabelecida. Dessa maneira, a<br />

China <strong>de</strong>sponta no cenário internacional em um momento no qual a Globalização em seu estilo<br />

neoliberal começa a se expandir.<br />

Des<strong>de</strong> então, Pequim vem caminhando numa trilha <strong>de</strong> crescente participação nos fóruns<br />

multilaterais. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma hegemonia global (estaduni<strong>de</strong>nse, europeia, ou qualquer outra) não<br />

lhe soa agradável. Assim, a China se aproximou <strong>de</strong> países que lutam, no plano internacional, por<br />

uma maior <strong>de</strong>mocratização da política.<br />

35


As potencialida<strong>de</strong>s econômicas chinesas atraíram, ao longo dos anos 90 e início dos anos<br />

2000 investimentos estrangeiros os mais vultosos, capazes <strong>de</strong> fazer com que o país crescesse, em<br />

média, 11% ao ano ao longo dos últimos 20 anos, aproximadamente.<br />

Dessa forma, a China tem <strong>de</strong>sempenhado um papel estratégico nas atuais discussões<br />

acerca dos rumos da socieda<strong>de</strong> internacional, colocando-se ao lado <strong>de</strong> países como Brasil, Índia e<br />

Rússia com quem forma o BRIC – grupo <strong>de</strong> países emergentes mais importantes.<br />

A doutrina chinesa <strong>de</strong> segurança nacional e internacional foi sintetizada por Xie Wenqing,<br />

“Senior Research Fellow” do Instituto Internacional <strong>de</strong> Estudos Estratégicos da China, em<br />

Pequim, nos seguintes termos: “consolidação da <strong>de</strong>fesa nacional, resistência contra agressão,<br />

salvaguarda da unida<strong>de</strong> nacional e integrida<strong>de</strong> territorial, e provimento <strong>de</strong> confiável garantia <strong>de</strong><br />

segurança para a reforma da nação, abertura econômica e <strong>de</strong>senvolvimento”. 20<br />

A inserção internacional da China está articulada para compatibilizar as necessida<strong>de</strong>s e<br />

aspirações domésticas do país com as possibilida<strong>de</strong>s externas do contexto global. Assim sendo, a<br />

política externa chinesa tem como priorida<strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> aos programas<br />

<strong>de</strong>senvolvimentistas e garantir a estabilida<strong>de</strong> doméstica no país (SHYAN SHU, 2005).<br />

Historicamente, a China sempre apresentou problemas fronteiriços e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, houve a<br />

necessida<strong>de</strong> dos governantes chineses <strong>de</strong> lidar com esses conflitos.<br />

A ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO CHINESA NO LESTE ASIÁTICO<br />

Em artigo jornalístico <strong>de</strong> 2003, Marshall resume em poucas palavras o que tem se tornado<br />

consenso nas observações acerca da região asiática dos últimos anos. Diz ele:<br />

Em poucos anos, a China tornou-se uma potência econômica com força política cada vez<br />

maior numa região on<strong>de</strong> os EUA já <strong>rei</strong>naram incontestes. (…) Gran<strong>de</strong> parte da nova<br />

condição da China vem <strong>de</strong> sua promoção a uma das maiores nações comerciais do<br />

mundo e, nesse processo, a mercado importante para os vizinhos exportadores. Mas<br />

nesse po<strong>de</strong>r há uma forte dimensão política, já que novos lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Pequim se mostram<br />

dispostos a pôr <strong>de</strong> lado as antigas disputas e cativar, em vez <strong>de</strong> importunar, as outras<br />

nações (MARSHALL, apud ARRIGHI, 2008).<br />

De acordo com Me<strong>de</strong>iros (2006), o extraordinário <strong>de</strong>senvolvimento econômico chinês<br />

vem alterando significativamente a estrutura econômica mundial, através <strong>de</strong> seu impacto sobre o<br />

20 Apud CHACON (2003).<br />

36


volume <strong>de</strong> comércio, dos investimentos e dos preços das matérias-primas e dos produtos<br />

manufaturados. A<strong>de</strong>mais, a China vem ampliando o mercado para as exportações asiáticas <strong>de</strong><br />

maior conteúdo tecnológico e para os fornecedores <strong>de</strong> matérias-primas. Essa característica do<br />

polo econômico chinês contribuiu <strong>de</strong> forma bastante positiva na recuperação econômica da<br />

região, atingida pela crise <strong>de</strong> 1998.<br />

Nos últimos anos, o saldo comercial (exportações menos importações) da China com os<br />

EUA ultrapassou o saldo japonês (US Census Bureau, 2002). Em meio ao crescente volume <strong>de</strong><br />

exportações e investimentos diretos, a China aplicou uma política <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> capital e <strong>de</strong><br />

regime cambial fixo.<br />

A manutenção do câmbio fixo, quando os vizinhos da China <strong>de</strong>svalorizaram suas moedas,<br />

provocou uma forte valorização do Yuan, que foi um fator importante para a superação da crise<br />

asiática <strong>de</strong> 1998-99, ao evitar uma corrida cambial e por, praticamente, <strong>de</strong>terminar o Yuan como<br />

a moeda chave para o comércio regional.<br />

Esse regime cambial e os mecanismos <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> capitais aliados ao formidável<br />

volume <strong>de</strong> exportações e <strong>de</strong> investimentos, têm permitido à China uma autonomia<br />

macroeconômica pouco comum a outros países. No curto prazo, a valorização do Yuan provoca,<br />

internamente, custos fiscais significativos. Contudo, olhando numa perspectiva mais ampla, a<br />

política adotada pela China tem <strong>de</strong>slocado o eixo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na região asiática, diminuindo não só a<br />

presença como a importância dos EUA enquanto parceiro comercial dos países da região.<br />

Pelo que po<strong>de</strong>mos apreen<strong>de</strong>r dos dados da UNCTAD (2002), as empresas estatais<br />

constituem cerca <strong>de</strong> 38% do PIB e 47% do emprego industrial na China, respon<strong>de</strong>ndo por 45%<br />

das importações e por 50% das exportações.<br />

Assim, diz Me<strong>de</strong>iros (2006), “a máquina <strong>de</strong> crescimento chinesa não se <strong>de</strong>slocou para as<br />

empresas estrangeiras e suas exportações, mas permaneceu fortemente assentada nos<br />

investimentos públicos, na exportação das empresas estatais e na expansão do consumo”. Ou<br />

seja, <strong>de</strong> acordo com a equação (1) do PIB sob a ótica da produção, o setor estatal é quem tem<br />

possibilitado à China se <strong>de</strong>senvolver. Essa observação vai ao encontro daquilo que Arrighi nos<br />

diz sobre a China ter um “capitalismo <strong>de</strong> Estado”.<br />

37


PIB = C + I + G + (X – M) (1)<br />

em que,<br />

C = consumo das famílias<br />

I = investimentos privados<br />

G = gastos/investimentos do governo<br />

X = Exportações<br />

M = Importações<br />

Fernand Brau<strong>de</strong>l explica:<br />

O capitalismo só triunfa quando se i<strong>de</strong>ntifica com o Estado, quando é o Estado. Em sua<br />

primeira gran<strong>de</strong> fase, a das cida<strong>de</strong>s-Estados italianas <strong>de</strong> Veneza, Gênova Florença, o<br />

po<strong>de</strong>r estava nas mãos da elite endinheirada. Na Holanda do século XVII, a aristocracia<br />

dos Regentes governava a favor e até <strong>de</strong> acordo com as diretivas dos negociantes,<br />

mercadores e emprestadores <strong>de</strong> dinheiro. Do mesmo modo, na Inglaterra, a Revolução<br />

Gloriosa <strong>de</strong> 1688 marcou a ascensão dos negócios ao trono, <strong>de</strong> modo semelhante ao que<br />

ocorreu a Holanda (BRAUDEL, 1987).<br />

Portanto, com os dados observados da UNCTAD e com o que nos diz Fernand Brau<strong>de</strong>l,<br />

po<strong>de</strong>mos concluir a importância que o Estado tem no direcionamento do crescimento econômico<br />

chinês e, como conclui Me<strong>de</strong>iros (2006), as mudanças no comércio mundial e regional fizeram da<br />

China uma máquina do crescimento asiático e <strong>de</strong> sua estabilização. Assim, a alta taxa <strong>de</strong><br />

crescimento chinês afirmou-se como gran<strong>de</strong> polo para o crescimento do comércio mundial.<br />

A PRESENÇA CHINESA NO CONTINENTE (ANTES) PERDIDO: ÁFRICA<br />

A necessida<strong>de</strong> cada vez mais acentuada por matérias-primas, oriunda do exorbitante<br />

crescimento econômico chinês, caracteriza o âmago dos interesses do gran<strong>de</strong> dragão asiático no<br />

continente africano. É bem verda<strong>de</strong> que as relações sino-africanas não pertencem exclusivamente<br />

à atualida<strong>de</strong>; nos tempos <strong>de</strong> guerra fria, durante o governo maoísta, encontram-se algumas<br />

relações com certos países africanos. No entanto, a partir dos anos 90, com a inserção da China<br />

no cenário internacional, essas relações foram e são feitas com mais veemência.<br />

A busca por fontes <strong>de</strong> energia, sobretudo o petróleo, encontra-se no topo da lista <strong>de</strong><br />

interesses da China no continente africano, uma vez que o petróleo do oriente médio não é tão<br />

atrativo, <strong>de</strong>vido à gran<strong>de</strong> concorrência entre Europa e os Estados Unidos na região. Contudo, a<br />

relação sino-africana não se concentra apenas na importação <strong>de</strong> matérias-primas, há também,<br />

38


uma exportação crescente <strong>de</strong> produtos chineses que, por sua vez, distancia cada vez mais a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação oci<strong>de</strong>ntal no continente, posto que este não tem condições <strong>de</strong> competir<br />

com os baixos preços oferecidos pelas companhias chinesas.<br />

Mais uma prova da expansão chinesa na África po<strong>de</strong> ser vista na citação do redator-chefe<br />

<strong>de</strong> “Africa Confi<strong>de</strong>ntial”, Patrick Smith: “Atualmente, mais <strong>de</strong> 70% dos contratos <strong>de</strong> obras<br />

públicas na África subsaariana são concedidos a companhias chinesas ou indianas”. A<strong>de</strong>mais, o<br />

primeiro ministro chinês, Weng Jiabao, alegou que o governo da China vai emprestar US$ 10<br />

bilhões para a África nos próximos três anos.<br />

A China encontrou no território africano uma área promissora capaz <strong>de</strong> saciar suas<br />

necessida<strong>de</strong>s por matérias-primas, tornando-se, portanto, a terceira maior parceira <strong>de</strong>sse<br />

continente, per<strong>de</strong>ndo apenas dos Estados Unidos e da Europa. A África também <strong>de</strong>monstra uma<br />

certa guinada em relação, não só à China, mas também, a outros países emergentes. Assim alega<br />

o presi<strong>de</strong>nte do Senegal, Abdoulaye Wa<strong>de</strong>:<br />

A África quer cooperar com a Europa, mas se a Europa se fechar em relação à África,<br />

quando nós temos Índia, China e Brasil nos oferecendo as mesmas coisas a preços mais<br />

baixos e com condições <strong>de</strong> crédito extraordinárias, isto também faz parte da realida<strong>de</strong><br />

econômica (WADE).<br />

É evi<strong>de</strong>nte que essas relações sino-africanas representam uma certa ameaça às potências<br />

euro-estaduni<strong>de</strong>nses e é em função disso que Estados Unidos e Europa ainda veem a china com<br />

ressalvas.<br />

AMÉRICA LATINA E CHINA: UMA RELAÇÃO PROMISSORA<br />

A era Bush (2001-2009) caracterizou-se pelo <strong>de</strong>scaso à América Latina durante oito anos,<br />

por parte dos Estados Unidos, <strong>de</strong>vido aos atentados <strong>de</strong> “11 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2001”, que fizeram<br />

com que os interesses estaduni<strong>de</strong>nses se concentrassem na Ásia e no Oriente Médio. Criou-se,<br />

portanto, um vácuo <strong>de</strong> influência e po<strong>de</strong>r na região, o que, por sua vez, propiciou a aproximação<br />

<strong>de</strong> novos sujeitos, como a China, por exemplo.<br />

No entanto, mesmo no Governo Obama, as relações entre a América Latina e os EUA têm<br />

representado um papel secundário, graças ao envolvimento do país norte-americano com as<br />

questões nucleares do Irã, do recru<strong>de</strong>scimento dos conflitos no Afeganistão, o caso da Coréia do<br />

39


Norte, etc. Dessa forma, fica fácil enten<strong>de</strong>r a influência chinesa, cada vez mais crescente, nessa<br />

região: a China, sem dificulda<strong>de</strong>s, conseguiu ocupar os espaços <strong>de</strong>ixados <strong>de</strong> lado pelos Estados<br />

Unidos na América Latina.<br />

A relação entre a China e os países latino-americanos não difere muito das relações do<br />

país asiático com o continente africano, ou seja, também é pautada nos interesses por fontes <strong>de</strong><br />

energia e recursos naturais. Em contrapartida, a América Latina se mostra como um gran<strong>de</strong><br />

mercado exportador para a China que, por sua vez, é o maior lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> manufaturas industriais<br />

atualmente.<br />

Os principais parceiros comerciais da China na região são Brasil, México, Chile e<br />

Argentina. As trocas comerciais China-Brasil foram da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> US$ 18,5 bilhões (R$ 38,14<br />

bilhões) em 2006, correspon<strong>de</strong>ndo a 26% <strong>de</strong> todo o volume comercializado pelos chineses com<br />

países latinos. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior<br />

(MDIC) do Brasil, <strong>de</strong> 04 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2009:<br />

No consolidado do ano, a corrente <strong>de</strong> comércio entre os dois países chegou a US$ 10,2<br />

bilhões, um aumento <strong>de</strong> 13,9% em relação ao mesmo período do ano passado, quando<br />

foi <strong>de</strong> US$ 8,9 bilhões. Segundo o secretário <strong>de</strong> Comércio Exterior do MDIC, Welber<br />

Barral, este é um resultado histórico, já que os Estados Unidos vinham sendo o principal<br />

parceiro do Brasil nas últimas décadas. No mesmo período, os Estados Unidos tiveram<br />

queda <strong>de</strong> 20,5% no intercâmbio comercial com o Brasil, passando <strong>de</strong> US$ 14,8 bilhões<br />

em 2008 para US$ 11,7 bilhões no primeiro quadrimestre <strong>de</strong>ste ano (MDIC, 2009).<br />

Tendo em vista a relação da China com a África e com a América Latina, teriam os EUA<br />

e a Europa motivos para se preocupar com o avanço chinês? A questão não se restringe apenas a<br />

esses dois continentes, mas sim, a uma corrida por influência global, na qual a China se configura<br />

como um ator à altura dos seus concorrentes.<br />

A VIRADA DO JOGO: ASCENSÃO CHINESA NO IMPÉRIO AMERICANO<br />

Não obstante o conceito <strong>de</strong> “<strong>de</strong>struição criativa 21 ” tenha sido originalmente aplicado à<br />

análise <strong>de</strong> agentes econômicos não-estatais, po<strong>de</strong>mos fazer uso <strong>de</strong>ssa categoria schumpeteriana<br />

21 O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição criativa, conceito criado pelo economista austríaco Schumpeter (1883-1950) promove as<br />

empresas inovadoras, que respon<strong>de</strong>m às novas solicitações do mercado, e fecha as empresas sem agilida<strong>de</strong> para<br />

acompanhar as mudanças. Ao mesmo tempo, orienta os agentes econômicos para as novas tecnologias e novas<br />

preferências dos clientes. Elimina postos <strong>de</strong> trabalho ao mesmo tempo em que cria novas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho e<br />

possibilita a criação <strong>de</strong> novos negócios.<br />

40


para compreen<strong>de</strong>r como o <strong>de</strong>clínio dos EUA (“<strong>de</strong>struição”) alterou positivamente a relação <strong>de</strong><br />

forças para a China (“criação”).<br />

A economia dos EUA viveu um período <strong>de</strong> relativa estabilida<strong>de</strong> entre o fim da década <strong>de</strong><br />

1940 e o início dos anos 1960. A partir <strong>de</strong> então, com os gastos com a Guerra do Vietnã (1965-<br />

75), o país passou a sofrer com ciclos <strong>de</strong> recessão e expansão, ambos sempre acentuados, com<br />

uma intensificação do efeito “montanha russa” a partir da década <strong>de</strong> 1970, quando os choques do<br />

petróleo atingiram o país e o mundo.<br />

Os choques do petróleo provocaram uma alta <strong>de</strong> preços da energia e o país passou a<br />

conviver com a “estagflação” – alta da inflação acompanhada <strong>de</strong> estagnação da ativida<strong>de</strong><br />

econômica, com aumento do <strong>de</strong>semprego.<br />

Durante o governo <strong>de</strong> Ronald Reagan (1981-1988) a economia encontrou espaço para se<br />

recuperar mais do tombo sofrido na década anterior. Reagan adotou uma política <strong>de</strong> liberalização<br />

da economia, incluindo medidas que seriam adotadas mais tar<strong>de</strong>, por George W. Bush pai, (1989-<br />

1993): cortes <strong>de</strong> impostos para que as pessoas pu<strong>de</strong>ssem ficar com uma parte maior dos salários<br />

que ganhavam.<br />

Clinton manteve as estratégias <strong>de</strong> reduzir o tamanho da máquina governamental. O<br />

<strong>de</strong>sempenho do governo levou a uma fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho cada vez mais saudável ao longo da<br />

década, com inflação e <strong>de</strong>semprego baixos, sólidos lucros corporativos e superávits<br />

orçamentários.<br />

A expansão das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> telecomunicações e o <strong>de</strong>senvolvimento da internet, levou ao<br />

surgimento da “nova economia” (ou economia pós-fordista). As empresas “pontocom” se<br />

tornaram o foco das atenções dos investidores. Tanto que geraram uma “bolha” – processo em<br />

que, <strong>de</strong>vido à intensa especulação, os preços <strong>de</strong> algum produto ou bem atingem patamares muito<br />

altos, até um ponto em que a escalada não mais se sustenta. Os altos preços ten<strong>de</strong>m a afastar os<br />

compradores e a queda da <strong>de</strong>manda que se segue força uma parada brusca na ativida<strong>de</strong> do setor.<br />

O primeiro mandato do presi<strong>de</strong>nte George W. Bush (filho) começou sob o efeito do<br />

estouro da bolha das empresas “pontocom”, ocorrido em 2000.<br />

Juros menores baratearam o crédito e estimularam o consumo. A queda dos juros também<br />

favoreceu o mercado imobiliário. O barateamento das hipotecas provocou uma corrida ao<br />

mercado imobiliário, gerando assim a uma nova “bolha”, a qual veio a estourar em agosto <strong>de</strong><br />

2008 com a quebra do Lehman Brothers dando início à maior crise financeira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1929.<br />

41


Durante a expansão da bolha <strong>de</strong> 2001, a maior parte do capital estrangeiro que fluiu para<br />

os EUA era capital privado em busca <strong>de</strong> lucro. No entanto, <strong>de</strong>pois que a “bolha explodiu”, o<br />

fluxo <strong>de</strong> capital para os EUA tornou-se mais político e os governos que financiaram o crescente<br />

déficit estaduni<strong>de</strong>nse ganharam necessariamente uma influência nada negligenciável sobre a<br />

política do país.<br />

Essa situação não representou um problema para os EUA, conforme diz Arrighi, porque a<br />

maioria dos Estados credores da Ásia oriental, sobretudo o Japão, sentia-se profundamente<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos EUA para sua segurança e prosperida<strong>de</strong>. Essa situação mudou radicalmente,<br />

porém, com o surgimento da China como <strong>de</strong>stino alternativo para as exportações e os<br />

investimentos da Ásia oriental e como importante credor dos EUA.<br />

Paul Krugman, prêmio Nobel <strong>de</strong> Economia em 2008, diz o seguinte:<br />

(…)atualmente os Estados Unidos têm pouca influência na China. O Sr. Bush precisa da<br />

ajuda da China para lidar com a Coréia do Norte. (…) Além disso, a compra <strong>de</strong> títulos<br />

do tesouro norte-americano pelo banco central da China é uma das principais maneiras<br />

<strong>de</strong> os Estados Unidos financiarem seu déficit comercial. (…) Apenas quatro meses<br />

<strong>de</strong>pois da Operação Flight Suit, a superpotência se transformou em pedinte das nações<br />

que costumava insultar. Missão cumprida! (Krugman, apud Arrighi,2008).<br />

O surgimento da China como a gran<strong>de</strong> vencedora da guerra ao terror dos Estados Unidos<br />

resultou numa inversão da influência dos dois países na Ásia Oriental e no mundo em geral. Uma<br />

das expressões <strong>de</strong>ssa inversão foi o que Joshua Cooper Ramo chamou <strong>de</strong> “Consenso <strong>de</strong> Pequim”:<br />

o surgimento, li<strong>de</strong>rado pela China, <strong>de</strong> “um caminho para os outros países do mundo” não só se<br />

<strong>de</strong>senvolverem, mas também “se encaixarem na or<strong>de</strong>m internacional, <strong>de</strong> modo a permitir que<br />

sejam verda<strong>de</strong>iramente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, protejam seu modo <strong>de</strong> vida e sãs opções políticas”.<br />

CONCLUSÃO<br />

O efeito combinado da forte mão econômica da China com os problemas <strong>de</strong> Washington<br />

na Ásia Oci<strong>de</strong>ntal 22 logo se refletiram não só nas relações mútuas dos dois países, como também<br />

nas respectivas posições diante <strong>de</strong> terceiros. Em 2006, segundo Arrighi, a virada <strong>de</strong> idéias<br />

resultou em mudança igualmente radical na geopolítica da situação:<br />

22 A guerra do Afeganistão/Paquistão contra o grupo fundamentalista islâmico Taleban, consi<strong>de</strong>rado terrorista por<br />

Washington.<br />

42


Muitos acordos que inspiraram medidas <strong>de</strong> segurança no su<strong>de</strong>ste da Ásia nos últimos<br />

cinquenta anos foram pensados como bastiões contra a expansão comunista chinesa.<br />

Agora, o su<strong>de</strong>ste da Ásia, cujos lí<strong>de</strong>res viam os EUA tradicionalmente como âncora da<br />

segurança regional, falam sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fortalecer o relacionamento com<br />

Pequim (ARRIGHI, 2008).<br />

Em suma, a ocupação do Iraque, longe <strong>de</strong> lançar as bases para um “segundo século<br />

estaduni<strong>de</strong>nse”, comprometeu a credibilida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>rio militar dos EUA, reduzindo ainda mais<br />

a centralida<strong>de</strong> do país e da moeda na economia política global e fortaleceu a tendência à<br />

promoção da China como alternativa à li<strong>de</strong>rança estaduni<strong>de</strong>nse na Ásia oriental e em outras<br />

regiões (ARRIGHI, 2008).<br />

Foi exatamente o que foi discutido aqui, ao lançarmos olhar para a expansão econômica<br />

chinesa, não apenas pela sua vizinhança, mas pela África e pela América Latina – continentes<br />

on<strong>de</strong> se encontram os principais países emergentes (Brasil, México, Chile, Argentina, Egito,<br />

África do Sul, Índia, Indonésia). Essa “integração informal”, que ultrapassa fronteiras, idiomas,<br />

culturas e regimes políticos, tem caracterizado uma ruptura paradigmática histórica, não somente<br />

porque estamos diante <strong>de</strong> uma nova potência, mas, sobretudo, por se tratar <strong>de</strong> uma ascensão dos<br />

países do sul, talvez uma nova “Bandung”, como sugere Joshua Cooper Ramo, uma aliança <strong>de</strong><br />

nações emergentes que vieram pra ficar!<br />

43


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ABU-LUGHOD, Janet. Before European Hegemony: The World System A.D. 1250-1350.<br />

New York: Oxford University Press, 1989.<br />

ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São<br />

Paulo: Boitempo, 2008.<br />

BECARD Danielly Silva Ramos. O Brasil e a República Popular da China: política externa<br />

comparada e relações bilaterais (1974-2004). Brasília: Funag, 2008.<br />

BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do capitalismo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rocco, 1987.<br />

CABRAL, Serverino. O Brasil e a China: uma visão brasileira da parceria estratégica.<br />

Conferência Nacional <strong>de</strong> Política Externa e Política Internacional (Rio <strong>de</strong> Janeiro : 2006): O<br />

Brasil no mundo que vem aí. Seminário: Ásia. – Brasília: Funag, 2008.<br />

CERVO, Amado Luiz., BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília:<br />

Editora UnB, 2002.<br />

CHACON, Vamireh. Política Externa da China na virada do século XX ao XXI. In:<br />

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (org.). Brasil e China: multipolarida<strong>de</strong>. Brasília. IPRI-FUNAG:<br />

2003.<br />

GLOBAL TRENDS FINAL REPORT. (2008), publicado no National Intelligence Council<br />

[http://www.dni.gov/nic/PDF_2025/2025_Global_Trends_Final_Report.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

17/04/2010.<br />

GÓMEZ, José María. (1998) Globalização, Estado-Nação e Cidadania. Revista Contexto<br />

Internacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jan./Jun., P. 7-89.<br />

MEDEIROS, Carlos Aguiar <strong>de</strong>. Deslocamento e complementarida<strong>de</strong>: a estratégia <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento chinesa e a economia regional asiática. In: Conferência Nacional <strong>de</strong> Política<br />

Externa e Política Internacional (Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2006): O Brasil no mundo que vem aí.<br />

Seminário: Ásia. – Brasília: Funag, 2008.<br />

NYE, Joseph. The Paradox of American Power: why the world’s only superpower can’t go it<br />

alone? Oxford: Oxford University Press, 2002.<br />

OLIVEIRA. Carlos Tavares <strong>de</strong>. O comércio reabriu a China para o mundo. In:<br />

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (org.). Brasil e China: multipolarida<strong>de</strong>. Brasília: IPRI-FUNAG,<br />

2003.<br />

OLIVEIRA, Henrique Altemani <strong>de</strong> (1999). A crise asiática e a China, publicado no Instituto <strong>de</strong><br />

Estudos Avançados da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

[http://www.iea.usp.br/iea/artigos/oliveiracriseasiatica.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>: 17/10/2009.<br />

44


OLIVEIRA, Henrique Altemani <strong>de</strong> (1995). China e Japão no âmbito da economia política<br />

internacional, publicado em Instituto <strong>de</strong> Estudos Avançados da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

[http://www.iea.usp.br/iea/artigos/oliveirachinaejapao.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>: 17/10/2009.<br />

PERES, José Roberto R. Brasil e China: aliança e cooperação para o novo milênio. In:<br />

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (org.). Brasil e China: multipolarida<strong>de</strong>. Brasília: IPRI-FUNAG,<br />

2003.<br />

RIBEIRO, Gustavo Lins. (2008) Po<strong>de</strong>r, re<strong>de</strong>s e i<strong>de</strong>ologia no campo do <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Revista Novos Estudos. CEBRAP, nº 80.<br />

ROZMAN, Gilbert. The East Asian Region: Confucian heritage and its mo<strong>de</strong>rn adaptation.<br />

Princeton: Princeton University Press, 1991.<br />

SHYAN SHU, Silvana Shiow. A inserção internacional da China no Pós-Guerra Fria. 2005.<br />

106 f. Dissertação (Mestrado) – UNESP-UNICAMP-PUC/SP, Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em<br />

Relações Internacionais.<br />

VIZENTINI, Paulo G. Fernan<strong>de</strong>s. As nações unidas na visão brasileira e chinesa. In:<br />

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (org.). Brasil e China: multipolarida<strong>de</strong>. Brasília: IPRI-FUNAG,<br />

2003.<br />

45


ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA DO GOVERNO MUGABE<br />

Xaman Korai Pinheiro Minillo<br />

Bacharel em Relações Internacionais pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB) e mestranda no<br />

programa Pós-Graduação em Relações Internacionais da UnB, email para contato<br />

xamankorai@gmail.com.<br />

Resumo: O principal objetivo <strong>de</strong>ste artigo é explicitar como vem sendo sustentado o regime <strong>de</strong><br />

Robert Mugabe no Zimbábue, frente à situação calamitosa em que se encontra o país, conferindo<br />

<strong>de</strong>staque para o papel do ambiente internacional nas estratégias <strong>de</strong> sobrevivência do Governo.<br />

Desprovido <strong>de</strong> muitos recursos materiais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, Mugabe <strong>de</strong>senvolve em sua política exterior<br />

uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e um discurso que lhe garantem apoio <strong>de</strong> parceiros <strong>internacionais</strong>, principalmente<br />

regionais, e fundamentam certa legitimida<strong>de</strong> interna, contribuindo assim, para que ele se<br />

mantenha no controle do Estado.<br />

Palavras-chave: Zimbábue, Mugabe, relações <strong>internacionais</strong>, pan-africanismo, legitimida<strong>de</strong>.<br />

Caracterizando a situação do Zimbábue<br />

Atualmente, o Zimbábue apresenta um dos piores índices <strong>de</strong> governança do mundo.<br />

Robert Mugabe esteve agarrado ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o estabelecimento do Zimbábue como Estado<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em 1980, façanha para cuja realização utilizou eleições fraudulentas e violência <strong>de</strong><br />

milícias <strong>de</strong> seu partido, o ZANU-PF, contra a população que apoiava a oposição, <strong>de</strong>monstrando o<br />

grau <strong>de</strong> enfermida<strong>de</strong> das instituições sociais e da <strong>de</strong>mocracia do país. A economia também vem<br />

enfrentando sérios problemas, tendo chegado, em outubro <strong>de</strong> 2008, a inflação mensal <strong>de</strong><br />

79.600.000.000% (HANKE, 2008), sendo o primeiro país a sofrer <strong>de</strong> hiperinflação no século<br />

XXI.<br />

O histórico <strong>de</strong> maus tratos e violações <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos humanos <strong>de</strong> opositores do governo po<strong>de</strong><br />

ser traçado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1980, quando ocorreram os massacres <strong>de</strong> Gukurahundi, no qual<br />

46


morreram mais <strong>de</strong> 20.000 civis (KRIGER, 2003). A 5ª Brigada do ZANLA Zimbabwe (African<br />

National Liberation Army), exército do ZANU, t<strong>rei</strong>nada pela Coréia do Norte, se lançou contra a<br />

população <strong>de</strong> Matabelelândia, local on<strong>de</strong> o ZAPU, União Africana do Povo do Zimbábue, então<br />

principal oposição ao ZANU, era majoritário. Estes eventos não eram direcionados ao extermínio<br />

dos N<strong>de</strong>beles, mas à neutralizar qualquer oposição política no país. O massacre acabou apenas<br />

em 1987, quando Mugabe e Nkomo, chefes do ZANU e ZAPU, respectivamente, assinaram o<br />

Acordo <strong>de</strong> União, fundindo os partidos no ZANU-PF, que passou a ser dominado por Mugabe.<br />

Apesar <strong>de</strong>stes acontecimentos, foi somente a partir do final da Guerra Fria que a<br />

socieda<strong>de</strong> internacional passou a dar maior atenção a estes problemas. A opinião internacional<br />

sobre o Zimbábue dividiu-se, Estados Unidos da América e União Européia impuseram sanções<br />

sobre o país em 2002, direcionadas a alguns indivíduos do governo <strong>de</strong>mandando eleições livres e<br />

justas (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2004, p. 98) e a Commonwealth começou a indicar<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suspensão do país <strong>de</strong> seus encontros, a qual viria a se concretizar em 2003<br />

(HUMAN RIGHTS FIRST, 2003). Entretanto, a maioria da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res políticos<br />

africanos se mostrou relutante em criticar Mugabe e o ZANU, cenário que se mantém até os dias<br />

<strong>de</strong> hoje.<br />

Em 1998 o país entrou em crise <strong>de</strong>vido às altas taxas <strong>de</strong> juros e inflação, o que provocou<br />

greve e manifestações, com o Congresso Zimbabuano <strong>de</strong> Sindicatos (ZCTU), li<strong>de</strong>rado por<br />

Morgan Tsvangirai. A hegemonia do ZANU-PF foi quebrada com o surgimento do Movimento<br />

pela Mudança Democrática (MDC) em 2000, partido li<strong>de</strong>rado por Tsvangirai, que angariou<br />

gran<strong>de</strong> apoio dos trabalhadores, da população urbana, ONGs, grupos religiosos e <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros<br />

brancos, criando uma oposição <strong>de</strong> proporções respeitáveis. Em 1999, o ZANU-PF propôs uma<br />

nova constituição, pois mesmo que emendada 15 vezes a da Lancaster House, ela ainda era muito<br />

marcada pelo passado Colonial. Assim, em maio, Mugabe inaugurou uma comissão<br />

constitucional (CENTRE ON HOUSING RIGHTS AND EVICTIONS, 2001, p. 24) e teve sua<br />

proposta duramente criticada por diversos setores da socieda<strong>de</strong>, 23 <strong>de</strong>vido à comissão ser apontada<br />

pelo próprio governo e este po<strong>de</strong>r, ao final, alterar suas propostas. A proposta <strong>de</strong> revisão<br />

constitucional foi submetida à referendo nacional e o resultado foi sua rejeição por 55% dos<br />

23 Dois anos antes, um grupo <strong>de</strong> acadêmicos, sindicalistas e ativistas políticos iniciara um projeto no qual se reuniam<br />

em encontros formais e públicos, a Assembléia Nacional Constitucional (NCA), a qual, juntamente com o MDC foi<br />

muito ativa politicamente contra a proposta constitucional do governo.<br />

47


votos, a primeira <strong>de</strong>rrota política do ZANU-PF. Depois disto Mugabe percebeu que seu governo<br />

corria sérios riscos (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2004, p. 71).<br />

Já ocorriam invasões <strong>de</strong> terras no país <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a in<strong>de</strong>pendência, mas a partir <strong>de</strong> 2000 po<strong>de</strong>-<br />

se i<strong>de</strong>ntificar apoio e iniciativa do governo com relação às ocupações, além <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> violência<br />

no processo. Milícias armadas – os Veteranos <strong>de</strong> Guerra – passam a tomar fazendas <strong>de</strong> brancos<br />

sob o pretexto <strong>de</strong> reforma agrária, Sequer se tentava manter o processo legal, o judiciário foi<br />

subvertido (SOKWANELE, 2004) e foram feitas alterações legais, como o Ato (<strong>de</strong> Proteção) dos<br />

Ocupantes Rurais, para proteger os ocupantes nas terras ainda não adquiridas pelo governo<br />

(HUMAN RIGHTS WATCH, 2002, p. 11). Desenrolava-se uma nova estratégia do governo para<br />

se manter no po<strong>de</strong>r: unificar a população rural negra contra a população urbana – base <strong>de</strong> apoio<br />

do MDC – os fazen<strong>de</strong>iros brancos, retomando a questão do conflito <strong>de</strong> raças, e o oci<strong>de</strong>nte,<br />

representado pela Grã Bretanha, que cessara o financiamento dos programas <strong>de</strong> redistribuição <strong>de</strong><br />

terras no país.<br />

A <strong>de</strong>sastrosa ocupação <strong>de</strong> terras rápida e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada, juntamente com fatores climáticos<br />

como secas, contribuiu para minar a estrutura produtiva do país. No primeiro ano do Programa <strong>de</strong><br />

Fast Track Resettlement, produção agrícola do país caíra pela meta<strong>de</strong>, plantações foram<br />

<strong>de</strong>struídas, proprieda<strong>de</strong>s saqueadas e rebanhos dizimados (INTERNATIONAL CRISIS GROUP,<br />

2004, p. 86). Frente a isto, os doadores oci<strong>de</strong>ntais suspen<strong>de</strong>ram ajuda ao governo, <strong>de</strong>teriorando<br />

ainda mais a situação.<br />

De maio a julho <strong>de</strong> 2005 o Zimbábue foi cenário da Operação Murambatsvina,<br />

coor<strong>de</strong>nada pelo governo do ZANU-PF e <strong>de</strong>senvolvida pela ação conjunta da polícia, do exército<br />

e <strong>de</strong> milícias <strong>de</strong> jovens, iniciando-se em Harare e <strong>de</strong>pois se esten<strong>de</strong>ndo para outros centros<br />

urbanos. A operação consistiu na <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> favelas, moradias e estruturas <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>dores<br />

ilegais, afetando 133.534 moradias (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2005, p. 2). Cerca <strong>de</strong><br />

700 mil indivíduos per<strong>de</strong>ram suas casas e meios <strong>de</strong> subsistência, 500 mil crianças tiveram sua<br />

educação interrompida, sendo forçadas a saírem das escolas, ao menos seis morreram, sendo<br />

afetadas no total cerca <strong>de</strong> 2.4 milhões <strong>de</strong> pessoas. Esta operação violou diversas convenções<br />

<strong>internacionais</strong> <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos humanos assinadas pelo Zimbábue e mesmo das leis internas do Estado,<br />

sendo possível sua ocorrência somente <strong>de</strong>vido à dimensão da <strong>de</strong>terioração das instituições do<br />

país, da corrupção e a ausência do estado <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>to (TIBAIJUKA, 2005, pp. 5-6). A economia<br />

estava <strong>de</strong>sestabilizada e tomada pela inflação, assim como o sistema <strong>de</strong> serviços básicos do<br />

48


Estado, como educação e saú<strong>de</strong>, enquanto a oposição, não conseguia se inserir no governo com<br />

sucesso frente a uma série <strong>de</strong> eleições fraudulentas.<br />

Este cenário se manteve em uma espiral negativa até 2008. Em 2006 a inflação anual<br />

ultrapassou 1000% em abril, chegando, em 2008, a ser emitida uma nota <strong>de</strong> um bilhão <strong>de</strong> dólares<br />

zimbabuanos. Neste ano, o MDC ganhou maioria no parlamento e Tsvangirai, o primeiro turno<br />

das eleições presi<strong>de</strong>nciais. Entretanto, o político saiu da disputa no segundo turno em protesto aos<br />

abusos e violência a que seus eleitores estavam sendo submetidos – a operação Makavhoterapapi,<br />

patrocinada pelo ZANU-PF (HUMAN RIGHTS WATCH, 2008).<br />

Depois <strong>de</strong> diversas reuniões promovidas pela SADC, no dia 15 <strong>de</strong> setembro foi<br />

estabelecido o Acordo Político Global (GPA), arranjo que <strong>de</strong>veria estabelecer um governo <strong>de</strong><br />

união entre o MDC e o ZANU-PF (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2008) Devido a<br />

impasses nas discussões, somente no dia 11 <strong>de</strong> feve<strong>rei</strong>ro <strong>de</strong> 2009 o governo <strong>de</strong> inclusão foi<br />

efetivamente estabelecido. Morgan Tsvangirai, presi<strong>de</strong>nte do MDC, se tornou Primeiro Ministro<br />

e Thokozani Khupe (MDC) e Arthur Mutambara do MDC-M – uma facção do MDC que se<br />

separou da <strong>de</strong> Tsvangirai por acreditar que o partido <strong>de</strong>veria participar das eleições parlamentares<br />

em 2005 – se tornaram vice Primeiro Ministros.<br />

Apesar <strong>de</strong> toda a esperança que o estabelecimento do governo inclusivo gerou, jornalistas,<br />

advogados, ativistas <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos humanos e mesmo políticos do MDC continuam a ser<br />

perseguidos e presos, <strong>de</strong>monstrando a fragilida<strong>de</strong> da união política que foi conseguida. Algumas<br />

questões que continuam sem solução foram encaminhadas aos garantidores do GPA, a SADC e a<br />

UA, como a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> chegar a um consenso sobre a distribuição <strong>de</strong> cargos, que sofre com o<br />

unilateralismo do ZANU, a não realização <strong>de</strong> reuniões do Conselho <strong>de</strong> Segurança Nacional, a<br />

politização das instituições do Estado, o direcionamento da mídia pelo Estado, a aplicação<br />

seletiva do di<strong>rei</strong>to, a manutenção <strong>de</strong> invasões <strong>de</strong> fazendas.<br />

A espiral negativa <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong>, corrupção, frau<strong>de</strong>s eleitorais, violência, abuso <strong>de</strong><br />

di<strong>rei</strong>tos humanos, <strong>de</strong>sestruturação do sistema <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>to e da economia nacional que têm marcado<br />

o Zimbábue são indicadores da importância <strong>de</strong> um estudo sobre este país, cuja crise coloca em<br />

risco a segurança do Estado, <strong>de</strong> sua população e dos países vizinhos, que po<strong>de</strong>m ser afetados pela<br />

difusão dos problemas e pelos refugiados que procuram fugir da crise. Entretanto, há ainda uma<br />

segunda dimensão a ser levantada neste estudo, e ela está relacionada à questão <strong>de</strong> como um país<br />

fraco, praticamente nulo em termos <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s relativas na arena internacional, consegue<br />

49


sobreviver politicamente. Como Mugabe tem logrado manter-se firme em sua posição <strong>de</strong><br />

presi<strong>de</strong>nte do Zimbábue, frente à crise <strong>de</strong> governança no país, com sua retórica africanista anti-<br />

oci<strong>de</strong>ntal, questionando valores <strong>de</strong>fendidos pelo oci<strong>de</strong>nte e mesmo pelo lí<strong>de</strong>r regional, África do<br />

Sul.<br />

Assim, o presente artigo visa, focando no cenário internacional, pesquisar quais são as<br />

forças que auxiliam na manutenção ou <strong>de</strong>sestabilização do governo <strong>de</strong> Mugabe, e <strong>de</strong> que forma<br />

elas atuam. A<strong>de</strong>mais, será analisada a sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste regime, consi<strong>de</strong>rando o cenário<br />

crítico que se <strong>de</strong>senrola <strong>de</strong>ntro do Zimbábue.<br />

A periodização da questão em dois momentos<br />

Atualmente um exemplo <strong>de</strong> má governança, o Zimbábue, no entanto, já foi visto com<br />

outros olhos pela comunida<strong>de</strong> internacional. Durante a Guerra Fria o país se <strong>de</strong>stacou como<br />

li<strong>de</strong>rança no Terceiro Mundo e no NAM e Mugabe, o Presi<strong>de</strong>nte, era reconhecido como gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fensor da causa africana, capaz <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rar o <strong>de</strong>senvolvimento do país após sua in<strong>de</strong>pendência.<br />

Assim, apesar da pouca relevância nas disputas <strong>internacionais</strong> por po<strong>de</strong>r, a projeção do soft<br />

power (NYE, 2005) que o Zimbábue tinha e a própria conjuntura internacional, que lhe garantia<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha entre as superpotências, eram recursos importantes na garantia da existência<br />

do Estado.<br />

Entretanto, o final da era bipolar e do Apartheid, na África do Sul, alteraram a conjuntura<br />

<strong>de</strong>sfavoravelmente para o Zimbábue: o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> negociação entre as gran<strong>de</strong>s potências findou-se<br />

e, não questionada a ascensão oci<strong>de</strong>ntal, valores <strong>de</strong>mocráticos e <strong>de</strong> segurança humana ganharam<br />

relevância, enquanto a situação interna do país <strong>de</strong>teriorava-se e a importância política <strong>de</strong> Mugabe<br />

na região diminuía, contraposta à <strong>de</strong> Man<strong>de</strong>la (DÖPCKE, Wolfgang, 2005, p. 14).<br />

Esta breve análise da evolução do caso torna perceptível a importância <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar a<br />

pesquisa em dois momentos distintos, na mudança entre os quais ocorreu um sério<br />

reposicionamento da opinião pública internacional a respeito do governo <strong>de</strong> Mugabe. A análise<br />

<strong>de</strong>stes dois momentos traz indicações interessantes sobre as motivações para a mudança <strong>de</strong><br />

posicionamento <strong>de</strong> parte dos atores <strong>internacionais</strong> e a manutenção do apoio <strong>de</strong> outros.<br />

O primeiro <strong>de</strong>les, durante os anos <strong>de</strong> Guerra Fria, era caracterizado pela <strong>de</strong>fesa das<br />

normas da soberania formal, que sustentavam as ações do governo do ZANU-PF, sendo Mugabe<br />

50


um símbolo <strong>de</strong> libertação, com sua retórica anti-colonialista. As gran<strong>de</strong>s potências não<br />

<strong>de</strong>monstravam muito interesse na África e não intervinham diretamente, sendo atraídas por<br />

iniciativas <strong>de</strong> grupos do próprio continente africano que as utilizavam como fonte <strong>de</strong> recursos<br />

para suas causas (CLAPHAM, 1996, pp. 136). Os EUA <strong>de</strong>fendiam, por sua proximida<strong>de</strong> com as<br />

antigas metrópoles, a manutenção do status quo, enquanto a URSS aliava-se àqueles interessados<br />

em se distanciar das metrópoles ou contra o oci<strong>de</strong>nte, compartilhando valores como a<br />

centralização estatal e monopartidária (CLAPHAM, 1996, pp. 141-150). É perceptível o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

barganha por parte dos africanos, que podiam privilegiar as relações com a antiga metrópole e<br />

sua proteção ou aproximar-se das superpotências, sendo esta escolha parte da estratégia do<br />

Estado. Os governantes assim podiam, por meio <strong>de</strong> suas relações exteriores, solucionar questões-<br />

chave sem gran<strong>de</strong> comprometimento com valores <strong>de</strong>mocráticos ou di<strong>rei</strong>tos humanos.<br />

A interação regional era motivada, em gran<strong>de</strong> medida, pelo sentimento <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong><br />

pan-africanista, embasado, segundo Clapham (CLAPHAM, 1996, pp. 107), na <strong>de</strong>fesa da<br />

soberania jurídica dos Estados, sua in<strong>de</strong>pendência e integrida<strong>de</strong> territorial, na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> africana<br />

e no estabelecimento <strong>de</strong> governos indígenas. A partir <strong>de</strong>stes princípios, foi criada a Organização<br />

da União Africana (OAU), com pouca capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação efetiva comparada à retórica<br />

envolvida. A solidarieda<strong>de</strong> africana também se manifestou em regiões, blocos como a SADC<br />

<strong>de</strong>dicada à integração econômica e <strong>de</strong> segurança do sul do continente.<br />

O final da Guerra Fria, entretanto, veio acompanhado da fragilização e <strong>de</strong>cadência dos<br />

Estados Africanos, ao mesmo tempo em que o interesse internacional na África diminuía. O<br />

Zimbábue foi cada vez mais caracterizado pelo Oci<strong>de</strong>nte como um exemplo <strong>de</strong> falta <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong> política e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência sócio-econômica. Num embate <strong>de</strong> posições i<strong>de</strong>ológicas, as<br />

opiniões sobre o país se dividiram, o oci<strong>de</strong>nte apoiando <strong>de</strong>mocracia, di<strong>rei</strong>tos humanos e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico liberal, enquanto gran<strong>de</strong> parte dos Estados vizinhos do Zimbábue<br />

<strong>de</strong>fendia sua soberania, integrida<strong>de</strong> territorial e a não-intervenção.<br />

Percebe-se que há motivações diferentes inspirando a postura das gran<strong>de</strong>s potências<br />

oci<strong>de</strong>ntais e os países africanos, que resultam em seu posicionamento em relação a Mugabe. O<br />

momento <strong>de</strong> mudança coinci<strong>de</strong> com uma série <strong>de</strong> aberturas e fechamentos (KNUTSEN, 1992,<br />

pp.259-285). Além <strong>de</strong> ser o final da Guerra Fria, este momento po<strong>de</strong> ser caracterizado como o<br />

final do século XX, quando ascen<strong>de</strong> a or<strong>de</strong>m li<strong>de</strong>rada pela socieda<strong>de</strong> civil e a liberal <strong>de</strong>mocracia.<br />

Segundo Rosenau (ROSENAU, 1993), neste momento a legitimida<strong>de</strong> passa a ser questionada,<br />

51


não sendo aceita simplesmente por ser atribuída a um ator estatal, ela passa a ser aceita somente<br />

quando correspon<strong>de</strong> a padrões <strong>de</strong> responsivida<strong>de</strong> às <strong>de</strong>mandas civis, um <strong>de</strong>safio aos valores<br />

africanistas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da soberania.<br />

No momento anterior, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>de</strong>scolonização até o final da Guerra Fria, o<br />

reconhecimento externo da soberania dos Estados africanos possibilitou a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> parte dos Estados Africanos, sendo ele necessário – além do acordo entre colonizadores e<br />

colonizados – para o reconhecimento das antigas colônias como Estados soberanos (CLAPHAM,<br />

1996 e JACKSON & ROSBERG, 1986). Os novos Estados se erigiram sobre a <strong>de</strong>fesa da<br />

soberania jurídica, protegidos em sua condição <strong>de</strong> soberanos pelas dinâmicas da Guerra Fria que<br />

permitiram o fortalecimento das relações regionais marcadas pela solidarieda<strong>de</strong> e barganhas com<br />

as potências. Com o final da Guerra Fria e o triunfo oci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> valores <strong>de</strong>mocráticos e liberais,<br />

a soberania jurídica foi ameaçada pela perspectiva <strong>de</strong> intervenção externa e pela perda do<br />

monopólio das relações exteriores pelos Estados, retratando uma mudança na cultura prevalente<br />

no meio internacional.<br />

Entre críticas e apoio<br />

Esperar con<strong>de</strong>nações ao governo <strong>de</strong> Mugabe é uma perspectiva embasada na avaliação da<br />

<strong>de</strong>terioração que o país sofreu durante o seu regime, dos anos 80 até os dias <strong>de</strong> hoje, incluindo as<br />

violações <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos humanos, direcionadas contra a população que se opunha ao governo.<br />

Apesar <strong>de</strong>stes acontecimentos, a África do Sul, hegemon regional, não chegou a se pronunciar<br />

efetivamente contra a situação. Esta relutância, em criticar o país vizinho, seja em<br />

pronunciamentos ou indicando sua <strong>de</strong>saprovação por meio <strong>de</strong> sanções políticas ou econômicas,<br />

po<strong>de</strong> ser relacionada a diversos motivos. Para começar, po<strong>de</strong>mos nos perguntar por que criticar<br />

Mugabe, especificamente, pois há uma série <strong>de</strong> outros governos, na África e no mundo, com<br />

péssimos índices <strong>de</strong>mocráticos e <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos humanos. Isto não implica em não criticar o governo<br />

<strong>de</strong> Mugabe, mas sim em criticá-lo juntamente com uma série <strong>de</strong> outros governos, que não têm<br />

tido o mesmo <strong>de</strong>staque na <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> seus problemas.<br />

A primeira explicação que po<strong>de</strong> ser levantada para o <strong>de</strong>staque do Zimbábue como um<br />

exemplo <strong>de</strong> má governança está relacionada ao passado do país. Mugabe era reconhecido como<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor da causa africana e ao mesmo tempo um exemplo <strong>de</strong> libertação e <strong>de</strong>mocracia,<br />

52


principalmente quando comparado com a vizinha África do Sul, então sob o regime <strong>de</strong> apartheid.<br />

Assim, apesar <strong>de</strong> seu pequeno tamanho e da pouca relevância nas disputas <strong>internacionais</strong> por<br />

po<strong>de</strong>r, o país tinha uma projeção privilegiada no cenário internacional. O foco excepcional que o<br />

regime tem po<strong>de</strong> ser simplesmente a continuação do <strong>de</strong>staque que possuía no passado, a mudança<br />

ocorrendo no oci<strong>de</strong>nte, que passou a patrocinar com maior força a <strong>de</strong>mocracia, os di<strong>rei</strong>tos<br />

humanos e o <strong>de</strong>senvolvimento econômico liberal, e assim, a criticar o governo <strong>de</strong> Mugabe, agora<br />

visto como autoritário e ilegítimo. Os países africanos, que motivados pelo passado <strong>de</strong><br />

exploração colonial <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m primordialmente valores como soberania, integrida<strong>de</strong> territorial e a<br />

não-intervenção, não teriam a mesma motivação que embasa as críticas oci<strong>de</strong>ntais, abstendo-se<br />

<strong>de</strong> recriminar o vizinho.<br />

Segundo Clapham (CLAPHAM, 1996, pp. 107), a interação regional na África é<br />

motivada, em gran<strong>de</strong> medida, pelo sentimento <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> pan-africanista, embasada na<br />

<strong>de</strong>fesa da soberania jurídica dos Estados, sua in<strong>de</strong>pendência e integrida<strong>de</strong> territorial, na<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> africana e no estabelecimento <strong>de</strong> governos indígenas, manifestas em organizações<br />

como a UA (União Africana) e blocos como a SADC. Assim, os princípios pan-africanistas que<br />

imbuem as relações <strong>internacionais</strong> africanas, valorizando a autonomia e a igualda<strong>de</strong> entre os<br />

estados soberanos po<strong>de</strong>m ser um fator que influencia na recusa da África do Sul em se posicionar<br />

claramente contra o governo <strong>de</strong> Mugabe.<br />

Um movimento que abrange diversas dimensões temáticas, esten<strong>de</strong>ndo-se no tempo <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o século XIX até os dias <strong>de</strong> hoje, o pan-africanismo se <strong>de</strong>finiu, em gran<strong>de</strong> medida, nas diferentes<br />

frentes que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u e as diversas formas como se estruturou. O i<strong>de</strong>ário do movimento é<br />

embasado em valores como a união racial negra que emergiu em contraposição à escravidão <strong>de</strong><br />

negros africanos, sua exclusão pelas potências colonizadoras, o não reconhecimento do racismo<br />

por instituições <strong>internacionais</strong> como a Liga das Nações e pelo mundo oci<strong>de</strong>ntal que pregava<br />

<strong>de</strong>mocracia para o mundo sem, no entanto, incluir as colônias e os africanos. Assim, valorizando<br />

princípios como a auto<strong>de</strong>terminação e o di<strong>rei</strong>to dos negros <strong>de</strong> possuírem a África, e contando<br />

com a participação <strong>de</strong> africanos, seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e membros da diáspora, o movimento se<br />

estruturou na forma <strong>de</strong> manifestações culturais e artísticas e encontros políticos, primeiramente<br />

fora do continente em cida<strong>de</strong>s como Chicago e capitais européias, e, a partir da segunda meta<strong>de</strong><br />

do século XX, em colônias e, principalmente, na África, como um movimento internacional <strong>de</strong><br />

libertação, amplo e com gran<strong>de</strong> apoio popular.<br />

53


A Conferência <strong>de</strong> Acra (Gana) <strong>de</strong>finiu os princípios básicos do pan-africanismo que<br />

emergia, nas palavras <strong>de</strong> Nkrumah, com o fim <strong>de</strong> projetar a personalida<strong>de</strong> africana: em busca <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência política, assistência aos movimentos <strong>de</strong> libertação nacional, unida<strong>de</strong> diplomática<br />

entre os Estados africanos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ntro da Organização das Nações Unidas (ONU) e não<br />

alinhamento. O conceito <strong>de</strong> pan-africanismo passou a ser associado à exploração dos países em<br />

<strong>de</strong>senvolvimento pelas potências consolidadas, em uma frente <strong>de</strong> alianças <strong>de</strong> países do sul,<br />

unindo África à Ásia e América Latina. Neste momento se organizava a Organização da União<br />

Africana (OUA) e ocorria gran<strong>de</strong> parte das in<strong>de</strong>pendências do continente, além <strong>de</strong> ser feita a<br />

associação do pan-africanismo com o pan-arabismo, i<strong>de</strong>ntificados pelo nacionalismo e anti-<br />

imperialismo (HOSKINS, 1959). Com o final da Guerra Fria e do Apartheid, ganharam maior<br />

relevância no movimento a marginalização do continente na política internacional, a economia<br />

global e questões <strong>de</strong> segurança abrangendo temas como saú<strong>de</strong> e HIV-AIDS.<br />

O ex-presi<strong>de</strong>nte sul-africano Thabo Mbeki <strong>de</strong>senvolveu no início do século XXI a African<br />

Renaissance, procurando reafirmar a relevância do pan-africanismo e a li<strong>de</strong>rança da África do<br />

Sul <strong>de</strong>mocratizada no continente. Des<strong>de</strong> as in<strong>de</strong>pendências, as relações <strong>internacionais</strong> do<br />

continente foram embasadas em valores específicos, como o discurso <strong>de</strong> libertação política na<br />

década <strong>de</strong> 1960 e a promoção da soberania e os movimentos terceiro-mundistas na década<br />

seguinte (DÖPCKE, Wolfgang, 2002). Depois <strong>de</strong>ste momento, o discurso <strong>de</strong> inserção africana<br />

per<strong>de</strong>u a iniciativa, tornando-se reativo e <strong>de</strong>fensivo, não <strong>de</strong>senvolvendo alternativas ao<br />

neoliberalismo, mas também não apresentando resultados com a adoção da ortodoxia neoliberal<br />

(DÖPCKE, Wolfgang, 2002). É neste contexto <strong>de</strong> pessimismo e marginalização do continente<br />

após a Guerra Fria que, em 2001, surgiu o NEPAD (New Partnership for African Development),<br />

como proposta <strong>de</strong> inserção internacional da África para garantir seu <strong>de</strong>senvolvimento. Este<br />

projeto apresentou como novida<strong>de</strong> em relação aos planos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento feitos<br />

anteriormente a aceitação do vínculo entre <strong>de</strong>senvolvimento econômico e boa governança,<br />

<strong>de</strong>mocracia e di<strong>rei</strong>tos humanos e a responsabilida<strong>de</strong> dos participantes por isto, sendo um projeto<br />

africano <strong>de</strong> inserção internacional no contexto da globalização.<br />

Entretanto, as eleições fraudulentas do Zimbábue em 2002 (INTERNATIONAL CRISIS<br />

GROUP, 2002) <strong>de</strong>monstraram – e o discurso africanista a anti-oci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> Mugabe continua a<br />

indicar – a insistência do presi<strong>de</strong>nte do Zimbábue em caracterizar a política internacional como<br />

54


uma esfera dominada pelo conflito <strong>de</strong> raças (NKIWANE, 1999), 24 na qual seu país é vítima <strong>de</strong><br />

sanções oci<strong>de</strong>ntais que colocam em risco a segurança do Estado e ele é o herói da in<strong>de</strong>pendência<br />

do país, que agora luta contra o mesmo inimigo imperialista que age <strong>de</strong> novas maneiras. A falta<br />

<strong>de</strong> reação por parte dos lí<strong>de</strong>res africanos frente ao crescente afastamento do Zimbábue com<br />

relação ao globalismo que existe na African Renaissance <strong>de</strong>monstrou a fraqueza do projeto em<br />

relação a seu real comprometimento com a <strong>de</strong>mocracia, boa governança e di<strong>rei</strong>tos humanos,<br />

abalando seriamente sua credibilida<strong>de</strong>. A falha dos países africanos em criticar duramente a<br />

manutenção do governo <strong>de</strong> Mugabe sinalizou para a comunida<strong>de</strong> internacional que os lí<strong>de</strong>res<br />

africanos não se comprometeriam com as diretrizes <strong>de</strong>mocráticas do NEPAD, esperando apenas<br />

que suas <strong>de</strong>mandas fossem atendidas, sem contrapartida (TAYLOR, 2002), reafirmando o<br />

pessimismo que marca as relações <strong>internacionais</strong> africanas no mundo pós-Guerra Fria.<br />

A ambigüida<strong>de</strong> que marca o discurso <strong>de</strong> Mbeki, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo primeiramente a participação<br />

da socieda<strong>de</strong> civil e <strong>de</strong>pois um regime <strong>de</strong> domínio pessoal como o <strong>de</strong> Mugebe, celebrando a<br />

<strong>de</strong>mocracia e em seguida aceitando eleições anti<strong>de</strong>mocráticas como aceitáveis, reflete um embate<br />

entre o discurso radical e africanista e aquele liberal e globalista, que juntos <strong>de</strong>monstram os<br />

valores que a África do Sul se esforça por conciliar. Percebe-se que há duas interpretações<br />

possíveis da African Renaissance, uma globalista e outra africanista. A primeira tem nuances<br />

mo<strong>de</strong>rnizadoras e privilegia uma visão liberal do mundo, vendo o continente como um mercado<br />

em potencial que po<strong>de</strong> ser periclitado pelo autoritarismo. A segunda é direcionada à<br />

<strong>rei</strong>nterpretação da história e da cultura africanas em uma visão que não a européia ou<br />

imperialista, privilegiando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> africana e vendo a primeira interpretação como fruto do<br />

imperialismo vindo <strong>de</strong> fora (VALE & MASEKO, 1998).<br />

Ao mesmo tempo em que procura inserir a África no mundo globalizado, a African<br />

Renaissance é uma política exterior da África do Sul para integrá-la com o continente, como uma<br />

li<strong>de</strong>rança regional. Como potência regional, o país busca inserir-se economicamente na região,<br />

equilibrando multilateralmente as relações intra-regionais (ALDEN, Chris & SOKO, Mills, 2005,<br />

pp.370-373), ao mesmo tempo em que procura reforçar os seus valores domésticos, que implicam<br />

na negação do domínio por regimes brancos e a igualda<strong>de</strong> dos Estados soberanos.<br />

24 Segundo Nkiwane, há cinco metas constantes na política externa do Zimbábue, que seriam a <strong>de</strong>scolonização e<br />

libertação africana, a soberania e igualda<strong>de</strong> dos Estados, o <strong>de</strong>senvolvimento do terceiro mundo, os méritos relativos<br />

do socialismo e do capitalismo e o combate ao racismo e ao apartheid.<br />

55


A manutenção <strong>de</strong> uma política solidarista para com Mugabe, o qual reconhece somente o<br />

aspecto africanista do pan-africanismo do século XXI, parece indicar a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

coor<strong>de</strong>nar as metas das relações <strong>internacionais</strong> intra-continentais seguindo a visão globalista e os<br />

valores africanistas. A estabilida<strong>de</strong> da África austral vem sendo posta em perigo pela crise do<br />

Zimbábue, que extrapola as fronteiras nacionais na forma <strong>de</strong> fluxos <strong>de</strong> refugiados e<br />

<strong>de</strong>sestabilização econômica, mas a SADC vem tratando a questão como se não estivesse no<br />

escopo <strong>de</strong> sua atuação, sendo um problema interno (DÖPCKE & MASCHIETTO, 2005).<br />

Com o fim do regime <strong>de</strong> apartheid, o Zimbábue per<strong>de</strong>u aquilo em oposição ao qual<br />

fundamentava sua imagem libertária, e o governo <strong>de</strong> Mugabe, <strong>de</strong> exemplo da libertação, passou a<br />

ser visto como autoritário e ilegítimo pelo oci<strong>de</strong>nte. Neste contexto, o oriente se apresenta como<br />

opção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento alternativo que obteve sucesso, além <strong>de</strong> compartilhar com<br />

a África um passado <strong>de</strong> dominação colonial. Além <strong>de</strong> oferecer ao Zimbábue assistência<br />

econômica sem interferir nos assuntos domésticos com exigências <strong>de</strong> reformas econômicas ou<br />

políticas, a China também compartilha uma história <strong>de</strong> exploração pelo Oci<strong>de</strong>nte, e essa<br />

i<strong>de</strong>ntificação permite que <strong>de</strong>fenda o Zimbábue <strong>de</strong> sanções <strong>internacionais</strong>. Assim <strong>de</strong>senvolveu-se<br />

uma relação simbiótica entre China e Zimbábue, que se esten<strong>de</strong> na esfera econômica e moral, nos<br />

princípios <strong>de</strong>fendidos pelos governos.<br />

It is very important for us in Zimbabwe to <strong>de</strong>velop the Look East Policy because that is<br />

where people who think like us are, same history of colonialism as ourselves, people<br />

who have started <strong>de</strong>veloping their economies, are more advanced than Africa, and<br />

relations with them will be reciprocal and rewarding (Mugabe apud YOUDE, 2007).<br />

As relações entre a China e o continente africano, durante as décadas <strong>de</strong> 60 e 70 eram<br />

motivadas i<strong>de</strong>ologicamente, o país sendo uma alternativa à EUA e URSS, oferecendo apoio<br />

material e moral para os movimentos <strong>de</strong> libertação. Nos anos 80 ganharam importância metas<br />

econômicas e, com o final da guerra fria consolidaram-se relações <strong>de</strong> cooperação com fins<br />

econômicos e políticos, buscando o crescimento rápido. Hoje o país é dos maiores parceiros<br />

comerciais da África, enquanto, inversamente, a África não significa muito para o mercado<br />

exterior chinês. Po<strong>de</strong>-se afirmar, no entanto, que a relação tem conseqüências importantes para<br />

ambas as partes, o socialismo <strong>de</strong> mercado chinês interessado principalmente em recursos<br />

energéticos e minerais do continente para sua indústria.<br />

56


A China oferece oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cooperação sem exigir padrões <strong>de</strong> governança ou <strong>de</strong><br />

di<strong>rei</strong>tos humanos civis e políticos como o Oci<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo, antes <strong>de</strong>stes, di<strong>rei</strong>tos<br />

econômicos e os princípios <strong>de</strong> soberania e não interferência (TAYLOR, 2008). Isto é bastante<br />

interessante para aqueles que se vêem impossibilitados <strong>de</strong> atrair cooperação oci<strong>de</strong>ntal, mas há o<br />

perigo <strong>de</strong> a relação reproduzir o padrão colonial, a África tornando-se mera fonte <strong>de</strong> matérias<br />

primas, sendo necessário que haja mudanças no atual padrão <strong>de</strong> relação para que haja benefícios<br />

como <strong>de</strong>senvolvimento econômico e criação <strong>de</strong> empregos no continente. Como outros<br />

investidores, os chineses geram benefícios, <strong>de</strong>senvolvendo comércio, ajuda e investimento, mas<br />

também geram problemas como <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> produtores locais e comunida<strong>de</strong>s, problemas<br />

ambientais e questões trabalhistas, sendo necessário, para que haja <strong>de</strong>senvolvimento nestes<br />

aspectos, que ocorram mudanças socioeconômicas positivas nos setores mais baixos (NAIDU,<br />

2009).<br />

Embora haja diferenças entre países e setores, no geral as companhias chinesas oferecem<br />

condições <strong>de</strong> trabalho bastante exploradoras para os trabalhadores, <strong>de</strong>terminando os salários e<br />

benefícios (dos menores no continente), muitas vezes sem estabelecer contratos e violando leis da<br />

Organização Internacional do Trabalho (OIT) e normas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e segurança (AFRICA<br />

LABOUR RESEARCH NETWORK, 2009). Os sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores africanos são, em sua<br />

maioria, fracos, <strong>de</strong>vido a Programas <strong>de</strong> Ajuste Estrutural (SAPS) adotados pelos governos e suas<br />

políticas <strong>de</strong> privatização, sendo os trabalhadores muitas vezes não apoiados pelos governos por<br />

medo <strong>de</strong>stes <strong>de</strong> per<strong>de</strong>rem investimentos. As políticas governamentais <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> investimentos<br />

a qualquer custo geram uma espiral <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração dos padrões <strong>de</strong> trabalho e do cuidado com o<br />

meio ambiente.<br />

Em suas relações exteriores, a China se norteia segundo os Cinco Princípios <strong>de</strong><br />

Coexistência Mútua, sendo estes: respeito mútuo pela integrida<strong>de</strong> territorial, não agressão, não<br />

interferência nos assuntos internos, benefício mútuo e equivalente e coexistência pacífica. A<br />

insistência na não interferência nos assuntos internos é fortemente criticada pelo Oci<strong>de</strong>nte,<br />

principalmente por possibilitar a manutenção <strong>de</strong> crises humanitárias e violações <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos<br />

humanos. Críticos do Oci<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da África argumentam também que o fato <strong>de</strong> a China<br />

estar lidando com regimes autoritários e repressivos, como o Zimbábue e o Sudão, tem efeitos<br />

negativos, pois dá a estes governos recursos que eles não conseguiriam facilmente (TAYLOR,<br />

2008).<br />

57


A China <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1949, uma visão <strong>de</strong> Di<strong>rei</strong>tos Humanos diferente da oci<strong>de</strong>ntal,<br />

centrando-se no <strong>de</strong>ver dos cidadãos, como parte da socieda<strong>de</strong>, contribuírem para a construção da<br />

nação, dando maior <strong>de</strong>staque para a solidarieda<strong>de</strong> e a comunida<strong>de</strong> em um discurso pragmático e<br />

nacionalista que enfatiza o <strong>de</strong>senvolvimento (TAYLOR, 2008) – o princípio absoluto<br />

(WEATHERLY, 1999) – que <strong>de</strong>ve se coadunar com a estabilida<strong>de</strong> e a manutenção da or<strong>de</strong>m<br />

(ANSHAN, 2009). Diferentemente dos países oci<strong>de</strong>ntais, que privilegiam di<strong>rei</strong>tos humanos<br />

individuais em <strong>de</strong>trimento dos comunitários, na China di<strong>rei</strong>tos humanos significam sobrevivência<br />

e <strong>de</strong>senvolvimento (TAYLOR, 2008), a liberda<strong>de</strong> individual ce<strong>de</strong>ndo espaço à estabilida<strong>de</strong> e à<br />

soberania, esta o primeiro di<strong>rei</strong>to humano coletivo, necessária para e garantidora dos outros.<br />

Do outro lado <strong>de</strong>stas relações, os governos africanos estão, muitas vezes, controlando o<br />

Estado por meio <strong>de</strong> ameaças ou uso concreto <strong>de</strong> violência e pela distribuição patrimonialista <strong>de</strong><br />

vantagens materiais, sendo contrários ao projeto <strong>de</strong>mocrático liberal promovido pelo oci<strong>de</strong>nte.<br />

Impossibilitados <strong>de</strong> implementar rapidamente as reformas exigidas para a cooperação com este,<br />

os países africanos vêem na China uma oportunida<strong>de</strong> única, um parceiro que não procura<br />

interferir em sua estrutura doméstica e ainda tem um discurso que po<strong>de</strong> legitimar sua posição<br />

contrária à i<strong>de</strong>ologia oci<strong>de</strong>ntal. O peso que é dado aos di<strong>rei</strong>tos materiais e ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico, assim como a ênfase ao princípio <strong>de</strong> não interferência e à soberania, antes da<br />

<strong>de</strong>mocracia, diferenciam dramaticamente as relações com a China daquelas com o Oci<strong>de</strong>nte, que<br />

após o final da Guerra Fria passou a patrocinar a <strong>de</strong>mocracia mais ativamente na África.<br />

A China <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> fortemente os valores <strong>de</strong> não interferência e soberania, retórica adotada<br />

por Mugabe, que criticou o Oci<strong>de</strong>nte por impor concepções oci<strong>de</strong>ntais <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos humanos e<br />

<strong>de</strong>mocracia à China quando dos massacres <strong>de</strong> Tiananmen. Entre 1989 e 1997, o comércio entre a<br />

China e a África aumentou 431% e ambas se uniram contra a hegemonia oci<strong>de</strong>ntal (YOUDE,<br />

2007). A economia <strong>de</strong> rápido crescimento chinesa necessita das matérias primas que o Zimbábue<br />

po<strong>de</strong> oferecer e este consegue uma via <strong>de</strong> comércio e investimentos muito necessários para sua<br />

economia, que sofre boicotes das potências oci<strong>de</strong>ntais por sua situação política (THE HERALD,<br />

2009).<br />

Além da dimensão econômica, é <strong>de</strong>senvolvida nesta relação uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que favorece<br />

a ambos (YOUDE, 2007). A política externa <strong>de</strong> um país po<strong>de</strong> ser utilizada pelo governo para<br />

manter-se no po<strong>de</strong>r, sendo uma extensão <strong>de</strong> seu domínio que compensa políticas domésticas<br />

impopulares e enfraquece os oponentes do governo (CLAPHAM, 1996). Além disso, a política<br />

58


externa oferece a aos Estados africanos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstrando serem atores <strong>internacionais</strong> ativos que projetam seus interesses no<br />

cenário internacional e assim, conseguem mais legitimida<strong>de</strong> doméstica (CLAPHAM, 1977).<br />

Cultura e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> na Política Externa<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Bull da Socieda<strong>de</strong> Internacional é aceita por gran<strong>de</strong> parte dos pensadores<br />

das Relações Internacionais, postulando sua existência como um “grupo <strong>de</strong> estados, conscientes<br />

<strong>de</strong> certos valores e interesses comuns, formam uma socieda<strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rarem<br />

ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum <strong>de</strong> regras, e participarem <strong>de</strong> instituições<br />

comuns” (BULL, 2002, p.19). Na Socieda<strong>de</strong> Internacional <strong>de</strong> Bull vigora uma or<strong>de</strong>m, um arranjo<br />

objetivado pelos Estados <strong>de</strong> modo a obter certos fins: a preservação do próprio sistema e da<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estados, a manutenção da in<strong>de</strong>pendência (soberania) dos Estados, procurando<br />

garantir a limitação da violência, o cumprimento <strong>de</strong> promessas e a estabilida<strong>de</strong> da proprieda<strong>de</strong>.<br />

Para cumprir estes objetivos, a socieda<strong>de</strong> internacional dispõe <strong>de</strong> regras e instituições que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do compartilhamento <strong>de</strong> uma cultura comum, direcionada a garantir a existência do<br />

sistema, a coexistência, e a cooperação.<br />

Esta cultura, embasada em idéias (MARTINS, 2002, p. 43), não é somente o modo <strong>de</strong><br />

vida <strong>de</strong> um povo, há uma dimensão internacional que afeta a configuração internacional <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />

e po<strong>de</strong> ser usada, em sua dimensão política, pelas elites governantes para garantir coesão em<br />

torno <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados objetivos, conseguindo assim, sua institucionalização e legitimação<br />

(MARTINS, 2002, p. 36). A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural po<strong>de</strong> ser construída por assimilação e<br />

apropriação ou por contraste, rejeição e diferença, sendo as alternativas não exclu<strong>de</strong>ntes<br />

(MARTINS, 2002, p. 40).<br />

O discurso <strong>de</strong> Mugabe <strong>de</strong>monstra que o lí<strong>de</strong>r procurou o embasar sua política no conflito<br />

<strong>de</strong> raças e recuperando a questão da libertação do jugo colonial e assim, contrapõe-se ao oci<strong>de</strong>nte<br />

em um discurso que privilegia o africanismo. Isto é feito internamente, conformando o modo <strong>de</strong><br />

pensar da população pelo controle dos meios <strong>de</strong> educação e comunicação, mas também<br />

externamente, por meio da política externa, a qual oferece a aos Estados africanos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstrando serem atores <strong>internacionais</strong> ativos<br />

que projetam seus interesses no cenário internacional. Assim, a política externa se apresenta<br />

59


como meio <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> maior legitimida<strong>de</strong> doméstica (CLAPHAM, 1977). Para You<strong>de</strong>, é por<br />

meio da política externa que governos <strong>de</strong>monstram a seus cidadãos e ao resto do mundo quem<br />

eles são <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong> internacional, promovendo assim uma imagem estratégica <strong>de</strong> seu<br />

país simultaneamente perante seus cidadãos e os outros Estados (YOUDE, 2006). No caso do<br />

Zimbábue, especificamente, a política externa corporifica normas e idéias ligadas ao<br />

estabelecimento <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> do Estado e, conseqüentemente, à sua sobrevivência.<br />

A retórica na política externa <strong>de</strong> Mugabe é direcionada, assim, à consecução <strong>de</strong> dois<br />

objetivos: o primeiro é mostrar ao Oci<strong>de</strong>nte que ele po<strong>de</strong> manter o país sem seu apoio,<br />

promovendo-se como in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte; e o segundo é aumentar sua legitimida<strong>de</strong> doméstica,<br />

retomando as glórias do passado <strong>de</strong> libertação para compensar osproblemas do presente e<br />

<strong>de</strong>slegitimar a oposição. A manutenção <strong>de</strong> Mugabe na presidência, a quiet diplomacy da África<br />

do Sul e a relutância dos lí<strong>de</strong>res africanos em con<strong>de</strong>ná-lo <strong>de</strong>monstram que as estratégias do<br />

regime têm tido certo sucesso.<br />

Conclusão<br />

Espera-se ter, por meio da explanação sobre as motivações envolvidas no presente estudo,<br />

<strong>de</strong>monstrar sua importância, tanto pelo aspecto moral – chamando a atenção do leitor para os<br />

problemas que o Zimbábue vem sofrendo – quanto pelo aspecto inovador que o estudo <strong>de</strong> um<br />

Estado fraco, mas não falido, tem para as Relações Internacionais, observando as estratégias que<br />

ele utiliza para se posicionar na arena global.<br />

A situação política do Zimbábue é fruto <strong>de</strong> um cenário historicamente <strong>de</strong>terminado, com<br />

conflitos, políticos, sociais e raciais que resultaram em manipulação política (MWANIKI, 2004).<br />

O governo se utilizou da aquisição e redistribuição <strong>de</strong> terra para consolidar uma base <strong>de</strong> apoio<br />

político na população rural, instigado a divisão social em conflitos que se sobrepõem: entre<br />

negros e brancos, entre camponeses e a população urbana, entre trabalhadores e veteranos <strong>de</strong><br />

guerra, entre ricos e pobres, entre Shonas e Nan<strong>de</strong>beles, entre o MDC e o ZANU-PF e entre o<br />

Zimbábue e a comunida<strong>de</strong> internacional.<br />

Reconhecendo que as teorias <strong>de</strong> Relações Internacionais, que em gran<strong>de</strong> medida se focam<br />

no nível estrutural, não vêem Estados mais fracos como o foco central da política internacional, a<br />

pesquisa histórica se mostrou o meio mais interessante para analisar o caso e, a partir <strong>de</strong>la,<br />

60


procurou-se observar padrões que configurassem um perfil da política exterior do Zimbábue.<br />

Chegou-se, finalmente à utilização da política externa por Mugabe como meio <strong>de</strong> consecução <strong>de</strong><br />

dois objetivos: a sobrevivência <strong>de</strong> seu governo e do Zimbábue como um Estado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

Para isto ele utiliza-se <strong>de</strong> uma estratégia racional embasada na i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> regional<br />

africanista e privilegia um discurso anti-oci<strong>de</strong>nte, com o qual se alia àqueles atores que contestam<br />

a hegemonia dos valores <strong>de</strong>mocráticos oci<strong>de</strong>ntais logrando, assim, manter o Estado do Zimbábue<br />

com aliados, mesmo sendo alvo <strong>de</strong> sanções.<br />

O ambiente internacional foi utilizado por Mugabe em seu favor, caracterizando ONGs<br />

como potenciais inimigos, a Grã Bretanha uma nação imperialista e racista, as reações negativas<br />

e sanções por parte <strong>de</strong> potências como EUA e membros da EU em perseguições contra o<br />

Zimbábue, reafirmando Mugabe como mártir da libertação negra e africana. Assim se<br />

fortaleceram os contornos raciais na política que garantiram apoio internacional e legitimida<strong>de</strong><br />

doméstica com relação aos princípios <strong>de</strong> soberania, auto-governo e in<strong>de</strong>pendência africana que o<br />

ZANU-PF <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>. Um exemplo disso é a mediação entre o ZANU e o MDC que vem sendo<br />

feita pela SADC <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2007, na busca por estabelecer uma nova constituição e eleições livres e<br />

justas. Entretanto, com a exceção <strong>de</strong> Botsuana, a região se mantém aceitando as controversas<br />

políticas do ZANU-PF acriticamente (SW RADIO AFRICA, 2009). Isto coloca sérias dúvidas<br />

sobre o sucesso do governo inclusivo enquanto o estado <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>to não <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser violado e as<br />

mudanças necessárias forem admitidas pelos políticos linha-dura do ZANU-PF, pois os objetivos<br />

primários <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong> redistribuição territorial – <strong>de</strong> lidar com a pobreza e a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, recuperando a terra e <strong>de</strong>volvendo-a a população – não serão atingidos,<br />

perpetuando-se as injustiças e os privilégios que os brancos possuíam no período colonial, agora<br />

direcionados a uma nova elite, africana.<br />

Percebe-se a relutância <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res africanos em se criticarem, <strong>de</strong>vido aos valores pan-<br />

africanistas <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fesa da soberania e <strong>de</strong> libertação do continente. Mugabe ainda é,<br />

para muitos, um símbolo <strong>de</strong> libertação do colonialismo e, ao criticá-lo, muitos governantes<br />

temem iniciar um processo que po<strong>de</strong> levar a sua própria contestação (HAMILL, 2002).<br />

Entretanto, apesar do sucesso em se manter no po<strong>de</strong>r, é indiscutível que Mugabe falhou na<br />

governança do Zimbábue. Os índices sócio-econômicos do país estavam em queda livre até o<br />

final <strong>de</strong> 2008, quando foi iniciado um governo inclusivo, patrocinado pela SADC, unindo<br />

ZANU-PF e MDC, e ainda não se recuperaram. A instabilida<strong>de</strong> do país se mantém, sendo a<br />

61


situação insustentável no longo prazo, pois mesmo entre aqueles que não criticam Mugabe, como<br />

África do Sul e China, não há um consenso sobre os benefícios da mensagem que se passa ao<br />

apoiar o presi<strong>de</strong>nte, principalmente <strong>de</strong>vido a seu autoritarismo e os problemas <strong>de</strong> governança que<br />

castigam o Zimbábue.<br />

Conclui-se, assim, da extrema relevância do âmbito internacional para a manutenção do<br />

governo <strong>de</strong> Mugabe, pois assim como seu governo recebe críticas e sanções do Oci<strong>de</strong>nte, também<br />

é por meio da política externa que o ZANU-PF se posiciona e consegue aliados em seu<br />

africanismo e anti-oci<strong>de</strong>ntal e obtém certa legitimida<strong>de</strong> que o fortalece domesticamente,<br />

projetando os problemas do país como resultado das sanções recebidas, e não da sua má<br />

governança.<br />

62


Referências Bibliográficas:<br />

Artigos:<br />

ALDEN, Chris & SOKO, Mills (2005) South Africa’s economic relations with Africa: hegemony<br />

and its discontents. J. of Mo<strong>de</strong>rn African Studies, Vol. 43, Nº 3, 2005, pp. 367-392.<br />

CLAPHAM, Christopher (1977) Sub-Saharan Africa. In: CLAPHAM, Christopher (Ed.) Fo<strong>rei</strong>gn<br />

Policy Making in Developing Countries. Farnborough: Saxon House.<br />

DÖPCKE, Wolfgang (2002) Há salvação para a África? Thabo Mbeki e seu New Partnership for<br />

African <strong>de</strong>velopment. Revista Brasileira <strong>de</strong> Política Internacional, Vol.45, Nº 1, 2002, pp. 146-<br />

155 .<br />

DÖPCKE, Wolfgang (2005) Uma hegemonia regional em movimento: a África do Sul. Paper<br />

apresentado no Diálogo Brasília-Oxford, na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Brasília, 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />

2005.<br />

DÖPCKE, Wolfgang & MASCHIETTO, Roberta H. (2005) O Desenvolvimento <strong>de</strong> uma<br />

Arquitetura <strong>de</strong> Segurança Regional na África Austral (SADC). Working paper Nº. 2 do Projeto<br />

Lí<strong>de</strong>res regionais e segurança internacional: Índia-Brasil-África do Sul, do Instituto <strong>de</strong> Relações<br />

Internacionais da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Brasília.<br />

HAMILL, James (2002) South Africa and Zimbabwe, Contemporary Review, Vol 34, Nº 6,<br />

2002.<br />

JACKSON, Robert H.; ROSBERG, Carl G. (1986) Sove<strong>rei</strong>gnty and Un<strong>de</strong>r<strong>de</strong>velopment: Juridical<br />

Statehood in the African Crisis. J. of Mo<strong>de</strong>rn African Studies, Vol 24, Nº 1, pp 1-31.<br />

NKIWANE, Solomon M. (1999) Zimbabwe's Fo<strong>rei</strong>gn Policy. In: WRIGHT, Stephen (Ed.)<br />

African Fo<strong>rei</strong>gn Policies. Boul<strong>de</strong>r: Westview Press.<br />

TAYLOR, Ian (2008) Sino-african relations and the problem of Human Rights. African Affairs,<br />

Vol. 107, Edição 426, pp. 63-87, 2008.<br />

TAYLOR, Ian. (2002) Africa's lea<strong>de</strong>rs and the crisis in Zimbabwe, Contemporary Review. Vol.<br />

280, pp. 344-348, 2002.<br />

VALE, Peter & MASEKO, Sipho (1998) South Africa and the African Renaissance, International<br />

Affairs. Vol. 74, Nº 2, pp. 271-287, 1998.<br />

YOUDE, Jeremy (2007) Why Look East: Zimbabwean fo<strong>rei</strong>gn policy and China. Africa Today,<br />

Vol. 53, N° 3, 2007, pp. 3-19.<br />

63


Livros:<br />

BULL, Hedley (2002) A Socieda<strong>de</strong> Anárquica. Brasília: IBRI.<br />

CLAPHAM, Christopher (1996) Africa and the International System: The Politics of State<br />

Survival. Cambridge: Cambridge University Press.<br />

KNUTSEN, Torbjorn L (1992). A History of International Relations Theory. Manchester:<br />

Manchester University Press.<br />

KRIGER, Norma (2003) Robert Mugabe, Another Too-Long-Serving African Ruler: a Review<br />

Essay. Political Science Quarterly. Vol. 118.No. 2.<br />

MARTINS, E. C. R. (2002) Cultura e Po<strong>de</strong>r. Brasília: IBRI/FUNAG, 2002. São Paulo: Saraiva,<br />

2007.<br />

NYE, Joseph S. (2005) Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York:<br />

PublicAffairs.<br />

ROSENAU, James (1993) Global structural transformation: un<strong>de</strong>rpinnings and outcomes.<br />

Princeton: Princeton University Press.<br />

WEATHERLY, Robert (1999) The Discourse of Human Rights in China: Historical and<br />

i<strong>de</strong>ological perspectives. Macmillan, London.<br />

Documentos Eletrônicos:<br />

AFRICA LABOUR RESEARCH NETWORK (2009) Chinese Investments in Africa – A<br />

Summary, publicado em Pambazooka.org<br />

[http://pambazuka.org/en/category/africa_china/57159]. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

ANSHAN, Li (2009) Chinese experiences in <strong>de</strong>velopment: Implications for Africa, publicado em<br />

Pambazuka.org, [http://www.pambazuka.org/en/category/africa_china/57079]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

01/11/2009.<br />

CENTRE ON HOUSING RIGHTS AND EVICTIONS (2001) Land, Housing and Property<br />

Rights in Zimbabwe, publicado em Cohre.org<br />

[http://www.cohre.org/store/attachments/COHRE%20Report%20Housing%20Rights%20Zimbab<br />

we%202001.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

HANKE, Steve H. (2008) Zimbabwe From Hiperinflation to Growth, Cato Institute. Nº 6,<br />

publicado em Cato.org [http://www.cato.org/pub_display.php?pub_id=9484] . Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

01/11/2009.<br />

64


HOSKINS, Katherine (1959) Pan-Africanism at Accra, publicado em Digital Inovation South<br />

Africa [http://www.disa.ukzn.ac.za:8080/DC/asapr59.15/asapr59.15.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

01/11/2009.<br />

HUMAN RIGHTS FIRST (2003) Zimbabwe Suspen<strong>de</strong>d In<strong>de</strong>finitely from Commonwealth,<br />

publicado em Humanrightsfirst.org<br />

[http://www.humanrightsfirst.org/media/2003_alerts/1208.htm]. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

HUMAN RIGHTS WATCH (2002) Fast Track Land Reform in Zimbabwe. Vol. 14, Nº 1,<br />

publicado em Hrw.org [http://www.hrw.org/en/reports/2002/03/08/fast-track-land-reformzimbabwe].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

HUMAN RIGHTS WATCH (2008) Bullets for Each of You. State-Sponsored Violence since<br />

Zimbabwe's March 29 Elections, publicado em Hrw.org<br />

[http://www.hrw.org/en/reports/2008/06/19/bullets-each-you]. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

INTERNATIONAL CRISIS GROUP (2002) Zimbabwe: What Next?. Africa Report N° 47,<br />

publicado em crisisgroup.org [http://www.crisisgroup.org/en/regions/africa/southernafrica/zimbabwe/047-zimbabwe-what-next.aspx]<br />

. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

INTERNATIONAL CRISIS GROUP (2004) Blood and Soil Land, Politics and Conflict<br />

Prevention in Zimbabwe and South Africa. Africa Report N° 85, publicado em crisisgroup.org<br />

[http://www.crisisgroup.org/en/regions/africa/southern-africa/085-blood-and-soil-zimbabwesouth-africa.aspx]<br />

. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

INTERNATIONAL CRISIS GROUP (2005) Zimbabwe's Operation Murambatsvina: The<br />

Tipping Point? Africa Report N° 97, publicado em crisisgroup.org<br />

[http://www.crisisgroup.org/~/media/Files/africa/southernafrica/zimbabwe/Zimbabwes%20Operation%20Murambatsvina%20The%20Tipping%20Point.as<br />

hx] . Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

INTERNATIONAL CRISIS GROUP (2008) Ending Zimbabwe’s Nightmare: A Possible Way<br />

Forward. Africa Briefing N°56, publicado em crisisgroup.org<br />

[http://www.crisisgroup.org/~/media/Files/africa/southernafrica/zimbabwe/B056%20Ending%20Zimbabwes%20Nightmare%20A%20Possible%20Way%<br />

20Forward.ashx] . Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

MWANIKI, David. (2004) Zimbabwe: Land, I<strong>de</strong>ntity and Power, publicado em Global Crisis<br />

Solutions [http://www.sarpn.org.za/documents/d0001027/in<strong>de</strong>x.php]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

01/11/2009.<br />

NAIDU, Sanusha (2009) Chinese investment: Good for Africa?, publicado em Pambazooka.org<br />

[http://www.pambazuka.org/en/category/africa_china/57074]. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

SOKWANELE (2004) The Politics of Land, publicado em Sokwanele.com<br />

[http://www.sokwanele.com/articles/sokwanele/thepoliticsofland_18july2004.html].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

65


SW RADIO AFRICA (2009) Southern Africa: Botswana Won't Recognize Mugabe If Coalition<br />

Collapses, 15/10/2009, publicado por Allafrica.com<br />

[http://allafrica.com/stories/200910150825.html]. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

THE HERALD (2009) Zimbabwe 'Look East Policy Fruitful', 25/05/2009, publicado por<br />

Allafrica.com [http://allafrica.com/stories/200905210222.html]. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

TIBAIJUKA, Kajumulo (2005) Report of the Fact-Finding Mission to Zimbabwe to Assess the<br />

Scope and Impact of Operation Murambatsvina by the UN Special Envoy on Human Settlements<br />

Issues in Zimbabwe, publicado em UN.org<br />

[www.unhabitat.org/documents/ZimbabweReport.pdf. pp. 33-34]. Disponibilida<strong>de</strong>: 01/11/2009.<br />

66


AS NEGOCIAÇÕES PARA A PAZ NO SRI LANKA: AVANÇOS E RETROCESSOS<br />

Gilberto Antonio Duarte Santos<br />

Bacharel em Relações Internacionais pela Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Brasília<br />

gil.santos13@gmail.com<br />

RESUMO: A guerra civil no Sri Lanka foi causada pela constante discriminação <strong>de</strong> sua maioria<br />

étnica, os cingaleses, sobre a maior minoria, os tâmeis. Em 1983, um grupo armado rebel<strong>de</strong>, os<br />

Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE) cometeu um ataque que <strong>de</strong>u início ao conflito. Este se<br />

intensificou nos anos 1990, mas os beligerantes se exauriram por volta do ano 2000, quando a<br />

Noruega passou a mediar. Houve diversas tentativas <strong>de</strong> negociação, concomitantes à continuação<br />

dos enfrentamentos militares. A Índia impôs uma mediação mal-sucedida nos anos 1980, e o<br />

governo do Sri Lanka tentou conversas não mediadas anos 1990. A Noruega mediou o conflito <strong>de</strong><br />

2000 a 2008, resultando num Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo. O monitoramento do Acordo era frágil e a<br />

internacionalização do processo <strong>de</strong> paz levou à <strong>de</strong>sconfiança das partes, que terminaram o<br />

processo <strong>de</strong> paz em 2008.<br />

Palavras-chave: Sri Lanka – guerra civil. Resolução <strong>de</strong> conflitos – mediação. Noruega. Conflito<br />

étnico.<br />

ABSTRACT: The civil war in Sri Lanka was caused by the discrimination of its largest ethnic<br />

minority, the Tamils, by its ethnic majority, the Sinhalese. In 1983, a rebel armed group, the<br />

Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE) committed an attack which sparked the conflict. The<br />

conflict intensified in the 1990s, though the belligerents were exhausted by the early year 2000,<br />

when Norway mediated. There were several attempts at negotiation, parallel to the ongoing<br />

military confrontations. India imposed an unsuccessful mediation in the 1980s, and the Sri<br />

Lankan government attempted non-mediated talks during the 1990s. Norway mediated the<br />

conflict from 2000 to 2008, resulting in a Ceasefire Agreement. The ceasefire’s monitoring<br />

mechanism was flawed and the internationalisation of the peace process led to the mutual lack of<br />

confi<strong>de</strong>nce from the parts, which en<strong>de</strong>d the process in 2008.<br />

Key-words: Sri Lanka – civil war. Conflict resolution – mediation. Norway. Ethinc conflict.<br />

67


Introdução<br />

O Sri Lanka é uma ilha <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 20 milhões <strong>de</strong> habitantes, localizada ao sul da Índia.<br />

Sua população é dividida entre uma maioria cingalesa (74%), nativa à ilha, com idioma próprio<br />

(o cingalês) e predominantemente budista (do ramo theravada), e pelo menos quatro minorias. A<br />

maior <strong>de</strong>las, a tâmil, representa 18% da população. Os tâmeis são originários do su<strong>de</strong>ste da<br />

península Índica e vieram a habitar o Sri Lanka há pelo menos dois milênios, com outra leva mais<br />

recente (século XIX). Possuem língua própria (tâmil, da região indiana correspon<strong>de</strong>nte), e são<br />

predominantemente hinduístas. Já os muçulmanos (7%), consi<strong>de</strong>ram-se etnia à parte, mas são<br />

predominantemente <strong>de</strong> língua tâmil. As <strong>de</strong>mais etnias não somam sequer 2% da população do Sri<br />

Lanka, e são os burghers (<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes da mescla entre os habitantes do Sri Lanka e os<br />

colonizadores europeus), malaios (do su<strong>de</strong>ste asiático) e veddhas (aborígenes do Sri Lanka)<br />

(ICG, 2006).<br />

Em 1983, este pequeno país sul-asiático começou a sofrer <strong>de</strong> uma guerra civil, cujas<br />

causas foram medidas discriminatórias por parte dos cingaleses em relação aos tâmeis após a<br />

in<strong>de</strong>pendência do país (1948). Na década <strong>de</strong> 1980, um grupo armado, os Liberation Tigers of<br />

Tamil Eelam (LTTE, ou Tigres), se <strong>de</strong>stacou e passou a ser o único beligerante que lutou pela<br />

causa tâmil. No total, o conflito causou a morte <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 70 mil pessoas e, até seu término, em<br />

maio <strong>de</strong> 2009, havia mais <strong>de</strong> 500 mil <strong>de</strong>slocados internos (internally displaced persons – IDPs)<br />

(UNHCR, 2009a; 2009b).<br />

Apesar <strong>de</strong> ser mais um entre os 38 conflitos armados violentos do mundo em 2008 (HIIK,<br />

2008), o conflito intra-estatal do Sri Lanka chama a atenção por diversas características. Entre<br />

elas, <strong>de</strong>stacam-se a atuação internacional <strong>de</strong> um grupo terrorista rebel<strong>de</strong> (os LTTE) e o alto nível<br />

<strong>de</strong> polarização étnica. Além disso, o conflito se caracterizou por uma dicotomia guerra-paz, na<br />

qual a beligerância e hostilida<strong>de</strong> continuaram mesmo após a assinatura <strong>de</strong> um cessar-fogo em<br />

feve<strong>rei</strong>ro <strong>de</strong> 2002 e durante um processo <strong>de</strong> paz envolvendo esforços da Noruega, como<br />

mediador, para resolver o conflito por meios pacíficos.<br />

Soma-se, ainda, o fato <strong>de</strong> que este conflito em particular, após diversas tentativas <strong>de</strong><br />

negociação, chegou ao fim por uma vitória militar do governo do Sri Lanka sobre os rebel<strong>de</strong>s.<br />

Uma vitória militar não só implica a perda <strong>de</strong> vida humana e ampla <strong>de</strong>struição nas zonas <strong>de</strong><br />

conflito, mas também mostra que o caso do Sri Lanka foi contra uma tendência que vem se<br />

<strong>de</strong>senvolvendo após o fim da Guerra Fria. De acordo com Kreutz (2010) e o Programa <strong>de</strong><br />

68


Estatísticas sobre Conflitos <strong>de</strong> Uppsala (UCDP, 2008), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fim da Guerra Fria, conflitos que<br />

terminam com uma vitória militar diminuem cada vez mais.<br />

Este artigo se propõe a examinar o processo <strong>de</strong> paz no Sri Lanka sob a mediação da<br />

Noruega, ocorrido durante a vigência do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo <strong>de</strong> 2002. Esse período<br />

testemunhou intensa ativida<strong>de</strong> pela paz e um alto nível <strong>de</strong> internacionalização do processo<br />

negociatório, sendo também o período em que as partes mais perto chegaram <strong>de</strong> um acordo.<br />

Histórico da guerra civil no Sri Lanka<br />

O principal antece<strong>de</strong>nte do conflito foi uma legislação, <strong>de</strong> 1956, influenciada pelo<br />

nacionalismo budista-cingalês (representado pelo então presi<strong>de</strong>nte S. W. R. D. Bandaranaike, do<br />

Sri Lanka Freedom Party – SLFP). Essa legislação priorizava a língua cingalesa como oficial, e a<br />

tentativa <strong>de</strong> correção para algum uso oficial do tâmil não foi inteiramente implementada. Isso<br />

gerou manifestações pacíficas (satyagraha) dos tâmeis e suas primeiras reclamações <strong>de</strong><br />

autonomia. Cabe ressaltar que o movimento nacionalista cingalês é budista e marxista, mas a<br />

religião não se tornou per se uma causa <strong>de</strong> conflito violento como a língua tâmil e a autonomia (e<br />

secessão), tampouco a orientação marxista. Ações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sobediência dos tâmeis, realizadas entre<br />

as décadas <strong>de</strong> 1950 e 1970, sofreram ataques da população cingalesa budista radical <strong>de</strong> esquerda.<br />

O governo ignorou as repressões violentas dos cingaleses (SILVA, 1998). Des<strong>de</strong> a redação do<br />

Ato <strong>de</strong> 1956, o governo do país foi alternado entre dois partidos: o SLFP e o United National<br />

Party – UNP, também se alternando o modo como o governo tratava das questões-chave do<br />

conflito.<br />

A constituição <strong>de</strong> 1972 foi outro ponto <strong>de</strong> atrito, pois <strong>de</strong>u primazia à língua cingalesa e ao<br />

budismo. Na mesma década, surgiu um grupo organizado que atuava no extremo norte do país<br />

(península <strong>de</strong> Jaffna): os Tigres pela Libertação do Eelam Tâmil (LTTE ou Tigres). Propagavam,<br />

por meio da violência, a hegemoneida<strong>de</strong> da região <strong>de</strong> população predominantemente tâmil e sua<br />

secessão. Os Tigres se organizaram em torno <strong>de</strong> seu lí<strong>de</strong>r e fundador, Villupillai Prabhakaran,<br />

que planejou e participou pessoalmente <strong>de</strong> muitos dos ataques iniciais do grupo. Este começou a<br />

se organizar e incrementou o cunho autonomista até chegar às idéias <strong>de</strong> secessão nos anos 1970<br />

(HERATH, 2002; RICHARDSON, 2007). A nação tâmil que i<strong>de</strong>alizaram foi batizada <strong>de</strong> Eelam,<br />

e englobaria as regiões norte e leste do país. Após o primeiro gran<strong>de</strong> ataque dos Tigres contra o<br />

69


exército, em 1983, eclodiram tumultos que levaram à morte <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 4.000 tâmeis, marco<br />

utilizado aqui para <strong>de</strong>finir o início do conflito intra-estatal.<br />

O governo, apesar <strong>de</strong> haver falhado em parte no tocante à igualda<strong>de</strong> civil, proporcionou<br />

acesso e qualida<strong>de</strong> na educação (apesar do acesso a esta ter sido parcial para os tâmeis até a<br />

constituição <strong>de</strong> 1972) e a<strong>de</strong>quada liberda<strong>de</strong> religiosa (SILVA, 1998). Em certa medida, houve<br />

avanços, como o uso do cingalês e tâmil para a edição <strong>de</strong> documentos oficiais, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> placas e<br />

até selos dos cor<strong>rei</strong>os. Em 1988, a 13ª emenda à constituição do Sri Lanka oficializou a língua<br />

tâmil, mas isso não provocou mudança nos rebel<strong>de</strong>s. O Estado sempre prezou a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> plural<br />

que era propagada no início <strong>de</strong> sua história in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, ao contrário dos rebel<strong>de</strong>s, que lutaram<br />

por um Estado baseado em sua etnia. A autonomia, portanto, foi e é algo que o Estado passou a<br />

temer pelo surgimento da idéia <strong>de</strong> secessão, propagada pelos Tigres. Logo o receio para<br />

implementar até o fim as reformas que po<strong>de</strong>riam ter apaziguado o país, incluindo autonomia.<br />

Os Tigres passaram a sustentar sua luta por meios violentos e ilícitos. Além <strong>de</strong> promover<br />

a homogeneização forçada do povo tâmil nos territórios que passaram a ocupar, o recrutamento<br />

<strong>de</strong> crianças tornou-se instrumento constante, assim como a intimidação e ataques à população<br />

cingalesa, muçulmana e tâmil mo<strong>de</strong>rada. Por meio da violência e intimidação, os Tigres passaram<br />

a controlar quase todo o território do norte e leste da ilha, e a representar uma população<br />

artificialmente homogeneizada. Os LTTE sistematicamente eliminaram rivais políticos ou grupos<br />

com idéias divergentes (RICHARDSON, 2007; ICG, 2006). A população tâmil como um todo se<br />

tornou refém das <strong>rei</strong>vindicações dos rebel<strong>de</strong>s, que passaram a controlá-la. O discurso dos<br />

rebel<strong>de</strong>s também se tornou ambíguo: enquanto para o governo afirmavam querer um país unido,<br />

o discurso para o povo tâmil era o <strong>de</strong> secessão.<br />

A resposta do governo, tentando manter a integrida<strong>de</strong> territorial, foi, também, violenta.<br />

Tentou reprimir duramente os rebel<strong>de</strong>s e, no processo, cometeu violações dos di<strong>rei</strong>tos humanos,<br />

como restrição da imprensa e <strong>de</strong>tenções arbitrárias (SMITH, 1999). Durante o conflito, ambas as<br />

partes impuseram risco à população civil, já que os rebel<strong>de</strong>s impediam sua saída dos territórios<br />

em conflito e havia alegações <strong>de</strong> que o exército do governo não primava pela distinção entre civis<br />

e combatentes (ICG, 2007).<br />

Na década <strong>de</strong> 1990, os LTTE cresceram em número e território <strong>de</strong> controle (SMITH,<br />

1999). Sua expansão também foi observada no meio internacional, já que estabeleceram<br />

escritórios em países diversos como África do Sul, EUA, Austrália e também países da Europa,<br />

70


<strong>de</strong> on<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>navam o contrabando <strong>de</strong> armamentos e seu financiamento, oriundo da diáspora<br />

tâmil. Os confrontos entre o governo e os LTTE naquela década exauriram suas forças, e em<br />

2000 se iniciou o processo <strong>de</strong> mediação norueguesa, que será <strong>de</strong>talhado neste artigo.<br />

Durante o processo <strong>de</strong> negociação mediado pela Noruega, no campo <strong>de</strong> batalha a situação<br />

arrefeceu levemente nos dois anos após a assinatura do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo (2002 e 2003).<br />

No entanto, após 2003, houve uma re-escalada no conflito, também provocada pela eleição <strong>de</strong><br />

Mahinda Rajapaksa como presi<strong>de</strong>nte do Sri Lanka. Rajapaksa é um nacionalista que pautou sua<br />

campanha na <strong>de</strong>rrota militar contra os LTTE. Devido às crescentes violações do ACF e<br />

<strong>de</strong>sconfiança entre Rajapaksa e os LTTE (Prabhakaran, em particular), nos dois últimos anos <strong>de</strong><br />

sua vigência (2006 e 2007), o ACF vigorou somente na teoria.<br />

As primeiras negociações para resolver o conflito (1984-1995)<br />

A Índia sempre teve gran<strong>de</strong> interesse no Sri Lanka. O maior país do Sul Asiático possui<br />

uma gran<strong>de</strong> população tâmil no estado <strong>de</strong> Tamil Nadu (cerca <strong>de</strong> 40 milhões <strong>de</strong> pessoas), sendo<br />

este um dos mais ricos e voláteis estados da Índia. Por esse motivo, Nova Déli se engajou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início no Sri Lanka, ao mesmo tempo tentando manter relações cordiais com Colombo e<br />

t<strong>rei</strong>nando os rebel<strong>de</strong>s tâmeis (SILVA, 1998; JHA, 2007).<br />

Certamente, havia preocupação por parte do governo do Sri Lanka quanto às intenções e o<br />

papel da Índia. O governo indiano respon<strong>de</strong>u a esses temores com uma afirmação pública<br />

assegurando o zelo pela integrida<strong>de</strong> e unida<strong>de</strong> do Sri Lanka, afinal o Sri Lanka era e é o único<br />

país com o qual a Índia mantém e sempre manteve relações cordiais e próximas no sul da Ásia<br />

(JHA, 2007). Após esse pleito, a Índia incentivou o governo do Sri Lanka a organizar uma<br />

conferência pan-partidária, em 1984. Na conferência, o governo ofereceu autonomia limitada aos<br />

tâmeis, mas estes adotaram uma posição <strong>de</strong> confronto, rejeitando a proposta do governo e as<br />

negociações fracassaram (BOUFARD; CARMENT, 2006; SILVA, 1998). Esta foi a primeira<br />

tentativa indiana <strong>de</strong> mediar o conflito no Sri Lanka. As outras duas iniciativas foram a rodada <strong>de</strong><br />

Thimphu, Butão (1985) – as primeiras negociações formais entre o governo do Sri Lanka e os<br />

diversos grupos tâmeis – e um engajamento militar, que foi <strong>de</strong> 1987 a 1990.<br />

Em Thimphu, capital do Butão, a Índia reuniu os principais partidos e grupos armados<br />

tâmeis e o governo do Sri Lanka, para negociações. Lá, os tâmeis elaboraram uma série <strong>de</strong><br />

propostas, conhecidas como “Princípios <strong>de</strong> Thimphu”, que exigiam o reconhecimento da<br />

71


nacionalida<strong>de</strong> tâmil, sua localida<strong>de</strong> tradicional no Sri Lanka e o di<strong>rei</strong>to à auto<strong>de</strong>terminação, todos<br />

que eram vistos com receio pelo governo, que temia pelo separatismo (SURYANAYARAN,<br />

2006).<br />

Governo e tâmeis do Sri Lanka não conseguiram conciliar suas posições. O governo não<br />

aceitou o nível <strong>de</strong> concessão exigido pelos tâmeis e estes adotaram uma posição<br />

confrontacionista, não aceitando menos que um Estado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (BOUFARD; CARMENT,<br />

2006; JHA, 2007). Prabhakaran, lí<strong>de</strong>r dos LTTE, já havia chegado a Thimphu convencido que as<br />

negociações não surtiriam efeito, e assim ocorreu. Após duas rodadas, as negociações foram<br />

suspensas (SURYANARAYAN, 2006; BOUFARD; CARMENT, 2006).<br />

Em 1987, os governos da Índia e Sri Lanka assinaram o Acordo Indo-Lanka. Entre outras<br />

disposições, o acordo foi baseado na premissa <strong>de</strong> que o governo do Sri Lanka <strong>de</strong>veria aten<strong>de</strong>r<br />

pelo menos algumas das <strong>de</strong>mandas dos tâmeis, ao mesmo tempo em que reforçava a integrida<strong>de</strong><br />

do país e rechaçava a proposta <strong>de</strong> um Estado tâmil. O ponto crucial do acordo, contudo, era o<br />

auxílio das tropas indianas, na Indian Peacekeeping Force (IPKF), às forças armadas do Sri<br />

Lanka, para <strong>de</strong>sarmarem os rebel<strong>de</strong>s tâmeis, que não foram consultados. Por antipatia da<br />

população e revolta dos LTTE, a IPKF sofreu duras baixas, e novas eleições presi<strong>de</strong>nciais no Sri<br />

Lanka <strong>de</strong>ram vitória a Ranasinghe Premadasa, opositor da intervenção indiana. Mais <strong>de</strong> 1500<br />

soldados indianos morreram, e gran<strong>de</strong>s porções <strong>de</strong> território e armas da IPKF foram apossados<br />

pelos rebel<strong>de</strong>s (SMITH, 1999). Ainda, os LTTE assassinaram, por meio <strong>de</strong> ataque terrorista, o<br />

primeiro-ministro indiano, Rajiv Gandhi, que i<strong>de</strong>alizou a intervenção. Isso marcou o fim do<br />

envolvimento direto <strong>de</strong> Nova Déli no Sri Lanka (JHA, 2007).<br />

Entre os anos 1989 e 1991, o presi<strong>de</strong>nte Premadasa tentou negociar com os LTTE, mas<br />

não houve avanço e um cessar-fogo informal <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir. Confrontos voltaram e os rebel<strong>de</strong>s<br />

assassinaram, por meio <strong>de</strong> ataque suicida, o presi<strong>de</strong>nte Premadasa. Em 1994-1995, a presi<strong>de</strong>nte<br />

Chandrika Kumaratunga também tentou negociar com os rebel<strong>de</strong>s, mas não houve avanço. A<br />

<strong>de</strong>sconfiança mútua teve mais impacto e as partes voltaram a se enfrentar militarmente (SMITH,<br />

1999; RUPESINGHE, 1996). Nos anos 1990, cada presi<strong>de</strong>nte pertencia a um dos dois partidos<br />

que dominaram a política local, fazendo mudanças no modo e objeto da negociação. É nesse<br />

contexto em que se inserem as negociações sob a mediação da Noruega.<br />

72


Contexto da mediação norueguesa<br />

Samaranayake (2006) aponta para o fato <strong>de</strong> que na segunda meta<strong>de</strong> dos anos 1990, a<br />

Noruega já atuava no Sri Lanka, apoiando financeiramente instituições que propagavam a paz e<br />

entendimento entre suas etnias. Similarmente, Höglund e Svensson (2009) relatam que o país<br />

nórdico tinha muita experiência com a cooperação fornecida para o Sri Lanka, o que também<br />

permitiu que muitos contatos e laços fossem formados entre os noruegueses e cingaleses e<br />

tâmeis. Diante do impasse militar, a Noruega começo consultas com o governo do Sri Lanka e os<br />

LTTE entre 1998 e 2000. Oslo propôs a mediação pela primeira vez em 1997, porém houve<br />

rejeição por parte do governo do Sri Lanka. A presi<strong>de</strong>nte Kumaratunga formalmente aceitou que<br />

a Noruega facilitasse o processo <strong>de</strong> paz entre o governo e os rebel<strong>de</strong>s no ano 2000, assim como<br />

os Tigres (PODDER, 2006; SAMARANAYAKE, 2006).<br />

O termo facilitação foi escolhido pelo governo do Sri Lanka e os LTTE para <strong>de</strong>signar o<br />

papel da Noruega, que era o <strong>de</strong> auxiliar as partes a entrarem em contato e, <strong>de</strong>pois, a mantê-lo,<br />

facilitando as comunicações (BULLION, 2001). Para os efeitos <strong>de</strong>ste trabalho, facilitação será<br />

entendida como um dos tipos <strong>de</strong> mediação, que variam <strong>de</strong> bons ofícios à mediação manipuladora,<br />

conforme Zartman e Touval.<br />

A percepção que os noruegueses tinham sobre o porquê <strong>de</strong> serem aptos a mediar o<br />

conflito no Sri Lanka merece <strong>de</strong>staque. Höglund e Svensson (2009) também que o peacemaking é<br />

um dos princípios-base da diplomacia Norueguesa, e que a agenda internacional sob essa<br />

perspectiva é importante para a percepção <strong>de</strong>sse país sobre si mesmo como uma força moral no<br />

mundo. Oslo afirmava, ainda, que não possuía interesses estratégicos ou comerciais no Sri Lanka,<br />

e que nunca havia sido uma potência colonizadora (SAMARANAYAKE, 2006; BULLION,<br />

2001). Embora os noruegueses não fizessem esse tipo <strong>de</strong> comentário sobre si, possuíam<br />

experiência na mediação <strong>de</strong> conflitos. Exemplos incluem casos na Guatemala, Colômbia, Etiópia<br />

e o conflito Árabe-Israelense, nos anos 1990 (MOOLAKKATTU, 2005).<br />

Cabe uma consi<strong>de</strong>ração sobre a motivação norueguesa para abordar o conflito no Sri<br />

Lanka. Zartman e Touval (2007) afirmam que, entre os fatores motivadores da mediação <strong>de</strong><br />

Estados pequenos está a busca pelo prestígio ou outras formas <strong>de</strong> projetar seu interesse. A<br />

Noruega não foge <strong>de</strong>ssa teorização. Moolakkattu (2005) e Höglund & Svensson (2009) chamam<br />

atenção para o fato <strong>de</strong> que o papel da Noruega colocou Oslo em contato mais direto não só com<br />

Washington, mas também com a União Européia, o Japão e a Índia. O contato, é importante<br />

73


<strong>de</strong>stacar, ocorreu também em alto nível entre esses atores. De acordo com Höglund e Svensson<br />

(2009), não só foi fundamental a busca <strong>de</strong> prestígio da parte <strong>de</strong> Oslo, como também o fato <strong>de</strong> a<br />

mediação em conflitos ser um meio para a consecução <strong>de</strong> seus objetivos particulares. Os autores<br />

afirmam que “through its peace efforts, Norway has promoted its national interests by gaining a<br />

reputation as a skilled and effective peacemaker” (HÖGLUND; SVENSSON, 2009, p. 179).<br />

Samaranayake (2006) e Höglund & Svensson (2009) ressaltam o provável papel que a diáspora<br />

tâmil resi<strong>de</strong>nte na Noruega <strong>de</strong>sempenhou no envolvimento do país nórdico.<br />

É <strong>de</strong> se perguntar, conseqüentemente, o que levou a Noruega a ser aceita como tertium-<br />

inter-partes no Sri Lanka.Conforme já foi mencionado, o fato <strong>de</strong> ser um gran<strong>de</strong> doador para o Sri<br />

Lanka po<strong>de</strong> ter sido muito importante para Colombo. O governo do Sri Lanka também estava<br />

ciente das reservas indianas quanto à atuação <strong>de</strong> potências extra-regionais no sul da Ásia, e o fato<br />

<strong>de</strong> aprovar o envolvimento da Noruega po<strong>de</strong> ter tido efeito positivo sobre o governo do Sri Lanka<br />

(MOOLAKKATTU, 2005; BULLION, 2001). O trabalho dos noruegueses no setor <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento no Sri Lanka também os levou a formar laços com os LTTE, ganhando sua<br />

confiança. Após os atentados terroristas <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, também foi fundamental a<br />

percepção dos lí<strong>de</strong>res dos Tigres <strong>de</strong> que seria mais difícil atuar em um sistema internacional que<br />

passou a rechaçar veementemente o terrorismo (HÖGLUND; SVENSSON, 2009; ICG, 2006;<br />

MOOLAKKATTU, 2005), embora já antes dos ataques às Torres Gêmeas tivessem concordado<br />

em participar do processo <strong>de</strong> paz (UYANGODA, 2007). As partes beligerantes também viam a<br />

Noruega como imparcial (HÖGLUND; SVENSSON, 2009), o que é importante quando se<br />

escolhe um mediador.<br />

Após as partes concordarem, separadamente, em ter a Noruega como mediador, um<br />

enviado especial do governo norueguês chegou ao Sri Lanka, ainda no ano 2000, para buscar uma<br />

aproximação entre as partes. Seu nome era Erik Solheim, e se converteu no enviado especial do<br />

Reino da Noruega para o Sri Lanka. Solheim consultou, durante meses, o governo do Sri Lanka e<br />

os LTTE, tentando conciliar suas posições (SAMARANAYAKE, 2006; BULLION, 2001;<br />

MOOLAKKATTU, 2005). Tão logo Solheim começou as consultas com as partes, começaram a<br />

surgir críticas à mediação norueguesa, inclusive da parte <strong>de</strong> Chandrika Kumaratunga, que havia<br />

convidado o país nórdico.<br />

74


Resultados da mediação<br />

O Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo<br />

Eleições disputadas em 2001 tiveram como temática o processo <strong>de</strong> paz, e o partido UNP,<br />

li<strong>de</strong>rado por Ranil Wickremasinghe, ganhou a maioria no parlamento, sob uma plataforma<br />

favorável ao processo em andamento (BULLION, 2001; MOOLAKKATTU, 2005; PODDER,<br />

2006; BOUFFARD; CARMENT, 2006). Nesse ínterim, Solheim havia consultado as partes e<br />

elaborado um memorando <strong>de</strong> entendimento, que <strong>de</strong>u origem ao Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo <strong>de</strong> 2002.<br />

Antes da assinatura do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo, Erik Solheim conseguiu que cada parte<br />

<strong>de</strong>clarasse uma trégua unilateral, também logrando sua extensão até a assinatura do ACF<br />

(MOOLAKKATTU, 2005).<br />

Em nenhum momento, durante a negociação do ACF, ocorreram negociações diretas entre<br />

o governo do Sri Lanka e os LTTE, tendo a Noruega sido utilizada como courrier e<br />

intercambiando opiniões entre os dois lí<strong>de</strong>res envolvidos (Wickremasinghe e Prabhakaran). Os<br />

noruegueses também não publicaram o conteúdo das negociações, <strong>de</strong>ixando isso à discrição <strong>de</strong><br />

cada um dos beligerantes (MOOLAKKATTU, 2005).<br />

O Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo (ACF), assinado em feve<strong>rei</strong>ro <strong>de</strong> 2002 entre o Governo do Sri<br />

Lanka e os LTTE, foi, sem dúvida, um dos mais importantes, se não o mais importante, resultado<br />

da mediação norueguesa no Sri Lanka.<br />

O documento se divi<strong>de</strong> em três partes principais. A primeira, que <strong>de</strong>fine os termos do<br />

cessar-fogo per se, indica os procedimentos a serem adotados para a separação e contenção das<br />

forças beligerantes. O segundo artigo se <strong>de</strong>dica a elaborar sobre as medidas <strong>de</strong> construção da<br />

confiança entre as partes, tais como a movimentação <strong>de</strong> pessoas, remoção <strong>de</strong> restrições<br />

econômicas e vacância <strong>de</strong> edifícios públicos (escolas e templos, por exemplo). O terceiro artigo<br />

criou a Sri Lanka Monitoring Mission, que será tratada em separado.<br />

Um elemento importante do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo <strong>de</strong> 2002 é o fato <strong>de</strong> que sua<br />

assinatura reconheceu os LTTE como a única contra-parte beligerante, pelo governo do Sri<br />

Lanka. Höglund e Svensson (2008) afirmam que isso po<strong>de</strong> ter acarretado em um <strong>de</strong>sgaste na<br />

imagem do governo, uma vez que corrigiu a assimetria existente entre as partes. Ligado a esse<br />

fato, o ACF também estipulou o <strong>de</strong>sarmamento <strong>de</strong> grupos paramilitares tâmeis por parte do<br />

governo do Sri Lanka (art. 1.8). Isso significa que os LTTE ainda conseguiram consolidar sua<br />

posição no acordo, tendo a certeza <strong>de</strong> que seriam os únicos responsáveis por falar pelos tâmeis no<br />

75


processo <strong>de</strong> paz. O governo se arriscou muito, em termos <strong>de</strong> imagem, ao reconhecer os LTTE<br />

como única contra-parte. No entanto, essa medida se tornou importante para a construção da<br />

confiança entre os beligerantes.<br />

De qualquer modo, a percepção sobre essa mudança <strong>de</strong> assimetria era diferente por parte<br />

dos LTTE e do governo. Enquanto o primeiro acreditava que o ACF foi um reconhecimento<br />

importante <strong>de</strong> suas estruturas e controle sobre porções do território, o governo via a concessão <strong>de</strong><br />

status <strong>de</strong> parte igual como um mero reconhecimento necessário para regular o comportamento do<br />

conflito (HÖGLUND; SVENSSON, 2008).<br />

Enquanto em Colombo o Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo recebeu um bom nível <strong>de</strong> respaldo da<br />

população, as da província do Leste adotaram uma postura mais cautelosa, pois temiam com as<br />

liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> movimento dadas aos LTTE pelo Acordo (ICG, 2006) e várias das regiões não<br />

tinham controle certo do governo ou dos LTTE.<br />

O Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo <strong>de</strong> 2002 também melhorou significativamente a vida da<br />

população das zonas <strong>de</strong> conflito, uma vez que pôs fim às hostilida<strong>de</strong>s (ICRC, 2004; 2005). Pela<br />

primeira vez em mais <strong>de</strong> uma década, o livre trânsito <strong>de</strong> pessoas ocorreu entre o sul e norte da<br />

ilha, e a economia <strong>de</strong> Jaffna floresceu (SAMARANAYAKE, 2006).<br />

Um ponto ressaltado por Höglund e Svensson (2003) é que, no Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo,<br />

[there were] no provisions for the reduction of armaments and nothing prohibiting<br />

continued military build-up. While both the LTTE and the government si<strong>de</strong> [were]<br />

negotiating peace, there [were] indications that both parties [were] taking the<br />

opportunity to consolidate their military capacity in the shadow of the ceasefire<br />

(HÖGLUND; SVENSSON, 2003, p. 116).<br />

Também é importante frisar que, <strong>de</strong>vido ao seu teor, o Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo foi<br />

duramente criticado pelo partido SLFP, à época, oposição no parlamento. Enquanto<br />

Wickremasinghe apoiou o processo que culminou no ACF, a presi<strong>de</strong>nte Kumaratunga e seu<br />

partido (SLFP) reprovaram seus termos, principalmente as medidas que davam mais autonomia<br />

aos LTTE. Como conseqüência, Kumaratunga tomou para si o controle do Ministério da Defesa e<br />

outros setores-chave do governo (ICG, 2006). O fato <strong>de</strong> o governo ter, mesmo assim, prosseguido<br />

com o processo <strong>de</strong> paz, <strong>de</strong> acordo com Höglund e Svensson (2006) <strong>de</strong>monstra comprometimento<br />

com uma resolução negociada com os LTTE.<br />

76


A Sri Lanka Monitoring Mission (SLMM)<br />

O terceiro artigo do ACF trata da criação <strong>de</strong> uma missão <strong>de</strong> monitoramento do Acordo,<br />

<strong>de</strong>nominada Sri Lanka Monitoring Mission. De acordo com o seu mandato, a SLMM <strong>de</strong>veria<br />

supervisionar as violações do acordo e, juntamente com órgãos locais <strong>de</strong> governança, promover a<br />

resolução <strong>de</strong> disputas sobre sua interpretação.<br />

O chefe <strong>de</strong> missão era <strong>de</strong> <strong>de</strong>signação responsável do governo da Noruega, assim<br />

vinculando a terceira parte, mediadora, ao monitoramento do acordo. A missão também <strong>de</strong>veria<br />

ser composta <strong>de</strong> observadores militares oriundos dos outros países nórdicos (Dinamarca,<br />

Finlândia, Islândia e Suécia, dos quais somente a Islândia não fazia parte da União Européia).<br />

Des<strong>de</strong> o início da vigência do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo, começaram as violações, por<br />

ambas as partes. No acumulado do conflito, houve uma clara assimetria entre as violações<br />

cometidas pelo governo e os rebel<strong>de</strong>s, uma vez que estes cometeram pelo menos 10 vezes mais<br />

violações que aqueles. De 2002 a 2005, por exemplo, os LTTE haviam cometido cerca <strong>de</strong> 96% <strong>de</strong><br />

todas as violações julgadas e documentadas pela SLMM (DAILY MIRROR apud HÖGLUND;<br />

SVENSSON, 2008).<br />

Ambos os lados cometeram violações graves, tais como assassinatos, seqüestros e<br />

ofensivas. Os ataques terroristas dos LTTE recomeçaram após março <strong>de</strong> 2003, quando<br />

abandonaram as conversações para a paz (PODDER, 2006). Os LTTE também tiveram muitas<br />

violações registradas por recrutamento <strong>de</strong> menores, que totalizaram cerca <strong>de</strong> 45% do total <strong>de</strong> suas<br />

violações. Além <strong>de</strong> ser proscrito no di<strong>rei</strong>to internacional humanitário, o recrutamento <strong>de</strong> menores<br />

é um indício <strong>de</strong> que os LTTE tentou aumentar suas forças militares, assim como o número <strong>de</strong><br />

conscrição forçada <strong>de</strong> adultos.<br />

O fato <strong>de</strong> os noruegueses chefiarem a SLMM lhes causou muito prejuízo, como<br />

mediadores do conflito. De acordo com Höglund e Svensson (2008; 2009), o fato <strong>de</strong> estarem na<br />

dianteira do processo <strong>de</strong> paz e do monitoramento do ACF os <strong>de</strong>ixou muito propensos a críticas,<br />

principalmente <strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong> ou preferência por uma das partes. Freqüentemente, isso ocorreu<br />

<strong>de</strong> ambas as partes – tanto os LTTE como o governo do Sri Lanka.<br />

A resposta dos noruegueses para essas acusações <strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong> foi, simplesmente, <strong>de</strong><br />

tratar as partes <strong>de</strong> modo igual e congruente. Höglund e Svensson (2008) afirmam que isso po<strong>de</strong><br />

ser explicado pelo temor <strong>de</strong> que um discurso <strong>de</strong>ploratório po<strong>de</strong>ria ter prejudicado as conversas<br />

que estavam em andamento. “This illustrates a potential tension between the aspirations of the<br />

77


mediators to pursue the negotiation processo n the one hand, ando f the monitors to i<strong>de</strong>ntify<br />

violations and make the violations visible to the other” (HÖGLUND; SVENSSON, 2008, p.<br />

357). Moolakkattu (2005) também explica que, apesar <strong>de</strong> outros países europeus fazerem parte da<br />

SLMM, a Noruega sempre foi a vítima das críticas.<br />

Os outros países representados na SLMM, contudo, não foram poupados. Em 2006,<br />

quando a União Européia <strong>de</strong>clarou os LTTE como organização terrorista, a situação da SLMM se<br />

complicou ainda mais. Os LTTE exigiram que todos os membros nacionais <strong>de</strong> países da União<br />

Européia saíssem da missão (HÖGLUND; SVENSSON, 2009), o que a prejudicou ainda mais.<br />

Em conseqüência, somente a Islândia e a Noruega mantiveram observadores na SLMM, pondo<br />

ainda mais pressão sobre a Noruega. O mediador acabou <strong>de</strong>sempenhando o papel tanto <strong>de</strong><br />

peacemaker quanto <strong>de</strong> peacekeeper no Sri Lanka, causando confusão na população e nas partes.<br />

Venkataramanan (2006, p. 211) afirma que:<br />

[a] major error committed by Norway in the course of the peace process was the<br />

assumption of the role of monitoring the ceasefire, through the Sri Lanka Monitoring<br />

Mission (SLMM), a team of observers drawn from Nordic countries, but answerable to<br />

the Norwegian Embassy in Colombo. There was an obvious conflict of interest between<br />

their role as facilitators of the peace talks and as the adjudicator of ceasefire violations.<br />

Mesmo que a atuação dos noruegueses na SLMM prejudicasse a visão que as partes<br />

tinham <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser imparcial, isso não impediu que continuassem os esforços <strong>de</strong><br />

mediação. Höglund e Svensson (2008) explicam que isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> o processo <strong>de</strong> paz no<br />

Sri Lanka ser li<strong>de</strong>rado pela elite, assim distanciando a opinião pública das partes. No entanto,<br />

ainda é possível afirmar que a ambigüida<strong>de</strong> contribuiu para a diminuição na confiança que as<br />

partes tinham no mediador, por mais que os esforços e a comunicação continuassem fluindo.<br />

Negociações mediadas durante a vigência do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo (2002-2006)<br />

Sob a mediação norueguesa, o governo do Sri Lanka e os LTTE realizaram negociações<br />

diretas pela primeira vez na história do conflito, em que somente e governo e LTTE estavam à<br />

mesa. Ao todo, foram realizadas seis rodadas <strong>de</strong> negociações.<br />

De acordo com Höglund e Svensson (2009), a Noruega optou por <strong>de</strong>ixar a posse do<br />

processo <strong>de</strong> paz nas mãos dos beligerantes. Isto significa que, nas negociações, o papel da<br />

78


Noruega foi trazê-los à mesa <strong>de</strong> negociação, <strong>de</strong>ixando que o andamento e conteúdo do processo<br />

ficasse inteiramente sob responsabilida<strong>de</strong> das partes.<br />

A primeira <strong>de</strong>las ocorreu em uma base naval na Tailândia, entre 16 e 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

2002. Seu objeto foi a organização <strong>de</strong> uma força-tarefa para a reconstrução nas províncias Norte<br />

e Leste do Sri Lanka. Nessa primeira rodada, o resultado levou ao otimismo, uma vez que os<br />

LTTE se comprometeram com o abandono do separatismo e optaram por buscar mais autonomia<br />

<strong>de</strong>ntro do Sri Lanka, também entrando para seu sistema político (PODDER, 2006; BOUFFARD;<br />

CARMENT, 2006).<br />

Nessas primeiras negociações, as partes também acordaram que, quando fossem <strong>de</strong>batidas<br />

questões que afetassem diretamente os muçulmanos, estes seriam admitidos como uma parte per<br />

se às negociações (WICKREMASINGHE, 2006). Isso, no entanto, jamais ocorreu, uma vez que<br />

as questões muçulmanas jamais foram discutidas. Durante as negociações sob a mediação<br />

norueguesa, os muçulmanos estiveram presentes somente como membros da <strong>de</strong>legação do<br />

governo do Sri Lanka (MCGILVRAY; RAHEEM, 2007).<br />

Entre 31 <strong>de</strong> outubro e 3 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2002, realizou-se outra rodada <strong>de</strong> negociação na<br />

Tailândia, <strong>de</strong>sta vez em Bangcoc. Nesta rodada, foram discutidas questões políticas humanitárias,<br />

a diminuição da violência e houve, inclusive, troca <strong>de</strong> prisioneiros (PODDER, 2006;<br />

BOUFFARD; CARMENT, 2006; SAMARANAYAKE, 2006). Na reunião, foi criada uma série<br />

<strong>de</strong> sub-comitês para as negociações, um dos quais seria encarregado <strong>de</strong> buscar uma solução<br />

pacífica para o conflito. O problema, <strong>de</strong> acordo com o International Crisis Group (2006) é que<br />

nenhum <strong>de</strong>sses subcomitês foi, <strong>de</strong> fato, estabelecido ou funcionou.<br />

Já as negociações que ocorreram em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002, em Oslo, representam um avanço<br />

não visto nas outras negociações. As partes assinaram um memorando <strong>de</strong> entendimento, no qual<br />

expressaram concordância em buscar uma solução pacífica para o conflito, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um Sri<br />

Lanka unido (PODDER, 2006; BOUFFARD; CARMENT, 2006; ICG, 2006). Esse memorando<br />

foi visto como um avanço pois representou um comprometimento formal, inédito da parte dos<br />

LTTE, que sempre haviam advogado pela criação <strong>de</strong> um Estado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, o Eelam Tâmil.<br />

Negociações subseqüentes ocorreram novamente em Bangcoc (6 a 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2003) e<br />

em Berlim (7 e 8 <strong>de</strong> feve<strong>rei</strong>ro do mesmo ano). Nas <strong>de</strong> Bangcoc, o tema central foi a<br />

implementação <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> alívio humanitário, e, na Alemanha, questões <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>tos humanos<br />

79


(SAMARANAYAKE, 2006). O progresso nessas duas negociações foi, no entanto, inexpressivo<br />

(ICG, 2006).<br />

Em março <strong>de</strong> 2003, ocorreu um inci<strong>de</strong>nte que se tornou o tema central <strong>de</strong> uma<br />

negociação. Forças navais do governo do Sri Lanka e dos rebel<strong>de</strong>s (os Sea Tigers) se enfrentaram<br />

no mar, causando uma crise. Rapidamente, realizaram-se mais negociações, entre 18 e 21 <strong>de</strong><br />

março, em Hakone, no Japão (PODDER, 2006). Estas negociações <strong>de</strong>ixaram claros os problemas<br />

do processo <strong>de</strong> paz que estavam por se agravar. Enfrentamentos entre as partes tornaram-se mais<br />

constantes, <strong>de</strong>sse ponto em diante. As negociações no Japão serviram apenas para que o governo<br />

do Sri Lanka e os rebel<strong>de</strong>s percebessem que havia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> focar em questões <strong>de</strong><br />

segurança (SAMARANAYAKE, 2006; PODDER, 2006; ICG, 2006), indo além <strong>de</strong> assuntos<br />

humanitários.<br />

Foram, no total, seis negociações as realizadas entre o governo do Sri Lanka e os LTTE<br />

entre 2002 e 2003, com participação da Noruega como mediador. Os autores Pod<strong>de</strong>r (2006),<br />

Höglund e Svensson (2009), Samaranayake (2006) e o International Crisis Group (2006) têm<br />

opiniões convergentes e claras acerca <strong>de</strong> um ponto em particular, sobre essas primeiras<br />

negociações. Todas essas fontes afirmam que essa primeira etapa foi caracterizada por<br />

negociações envolvendo assuntos superficiais, sem tratar <strong>de</strong> questões chave para a compreensão<br />

do conflito e sua resolução.<br />

Além disso, o fato <strong>de</strong> o processo ter tomado um aspecto bilateral, com somente duas<br />

partes <strong>de</strong>ntre um país on<strong>de</strong> haviam muitos outros grupos envolvidos com o conflito, prejudicou a<br />

percepção da população sobre as negociações (ICG, 2006; HÖGLUND; SVENSSON, 2009).<br />

Höglund e Svensson (2009) afirmam que a organização do processo <strong>de</strong> paz “on exclusive<br />

dialogue between the two major belligerents has also been a way to manage the potential<br />

dilemma between efficiency and legitimacy, by giving primacy to the former rather than the<br />

latter” (2009, p. 184). Esses autores afirmam, ainda, que a opção <strong>de</strong> dar posse do processo para as<br />

partes explica tanto seu sucesso inicial, como os motivos para seu fracasso. Fora do processo, a<br />

Noruega tinha po<strong>de</strong>r limitado.<br />

Cabe uma última consi<strong>de</strong>ração sobre a missão <strong>de</strong> monitoramento. As violações<br />

começaram a ser cometidas logo após a assinatura do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo. No entanto, em<br />

nenhum momento, as freqüentes violações do ACF fizeram parte da pauta <strong>de</strong> negociações entre o<br />

governo e os rebel<strong>de</strong>s.<br />

80


O abandono das negociações<br />

There seems to be no explanation why the SLMM, a crucial component of the peacce<br />

process, should find itself ignored and humiliated, and its findings not being factored<br />

into the progress of talks. After all, it is only the Sri Lankan government that cannot<br />

afford to antagonise the LTTE for fear of the latter walking out of talks and calling off<br />

the ceasefire (VENKATARAMANAN, 2006, p. 214).<br />

Uma característica da mediação norueguesa no Sri Lanka foi o modo como conseguiu<br />

suplementá-la com o apoio <strong>de</strong> vários doadores <strong>de</strong> recursos para o <strong>de</strong>senvolvimento no Sri Lanka.<br />

Isso se <strong>de</strong>u por meio <strong>de</strong> consultas e conferências para garantir recursos para a reconstrução do<br />

país sul-asiático. À medida em que isso impulsionou o processo <strong>de</strong> paz, também o prejudicou,<br />

uma vez que atingiu um gran<strong>de</strong> nível <strong>de</strong> internacionalização, prejudicando a percepção das<br />

partes.<br />

Um dos dois divisores <strong>de</strong> águas do processo <strong>de</strong> paz no Sri Lanka ocorreu em abril <strong>de</strong><br />

2003, consta em diversas fontes (ICG, 2006; PODDER, 2006; HÖGLUND; SVENSSON, 2009;<br />

SAMARANAYAKE, 2006; BOUFFARD; CARMENT, 2006, por exemplo). Naquele mês, foi<br />

organizada uma conferência preparatória para outra que iria ocorrer em junho do mesmo ano, em<br />

Tóquio, no Japão, para arrecadar recursos para a reconstrução do Sri Lanka. A conferência<br />

preparatória causou uma crise severa, da qual não houve retorno. O motivo é que foi realizada em<br />

Washington, D.C., capital dos Estados Unidos, o que era, per si só, um problema, pois lá os<br />

LTTE estavam (e ainda são) listados como uma organização terrorista, sendo, assim, impedidos<br />

<strong>de</strong> entrar ou viajar pelo país.<br />

O fato <strong>de</strong> terem sido impedidos <strong>de</strong> freqüentarem uma conferência, chave para outra <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> magnitu<strong>de</strong> e importância, foi suficiente para que Anton Balasingham, chefe dos<br />

negociadores tâmeis e mentor-i<strong>de</strong>alizador dos LTTE, suspen<strong>de</strong>sse a participação em conversas<br />

daquele ponto em diante, e inclusive voltaram a cometer ataques suicidas contra o governo<br />

(BOUFFARD; CARMENT, 2006). Deste ponto em diante, os LTTE estiveram muito mais<br />

céticos quanto às negociações e preferiram voltar suas energias para o fortalecimento <strong>de</strong> seu<br />

Estado <strong>de</strong> facto, o pretendido Eelam.<br />

Cabe, neste sentido, uma análise do papel da Noruega. Primeiramente, po<strong>de</strong>-se afirmar<br />

que a organização <strong>de</strong> conferências para arrecadar recursos <strong>de</strong> doadores para a reconstrução do Sri<br />

Lanka foi precipitada. O conflito não havia terminado e, ainda mais, sequer haviam sido<br />

81


discutidas questões fundamentais para sua resolução, conforme abordado na seção anterior. Logo,<br />

ainda há que enten<strong>de</strong>r o nível <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oslo no inci<strong>de</strong>nte da conferência <strong>de</strong><br />

Washington. Como mediador do processo <strong>de</strong> paz no Sri Lanka, era papel da Noruega zelar pela<br />

ampla participação das duas partes (a ampla participação da socieda<strong>de</strong> do Sri Lanka é outra<br />

questão). A literatura examinada não informa se houve qualquer esforço da Noruega para evitar<br />

que a conferência ocorresse em Washington, ou se o fomentou. O fato é que dirimiu a confiança<br />

dos LTTE tanto na Noruega quanto no governo do Sri Lanka (HÖGLUND; SVENSSON, 2009).<br />

Nos meses que antece<strong>de</strong>ram a conferência <strong>de</strong> Tóquio, houve muita pressão para que os<br />

LTTE a freqüentassem, vida <strong>de</strong> todos os lados. Não só a Noruega, como também o governo do<br />

Sri Lanka e doadores como a União Européia, o Japão e os Estados Unidos pediram que os<br />

Tigres marcassem presença em Tóquio. Como resposta, os LTTE propuseram uma administração<br />

interina para as províncias Norte e Leste, que <strong>de</strong>veriam ficar sob seu controle, e transferiam<br />

gran<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>res administrativos para si (VENKATARAMANAN, 2006). Com essa proposta,<br />

dificilmente haveria aproximação entre os LTTE e o governo, uma vez que este não ia aceitar<br />

esse nível <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res.<br />

A conferência <strong>de</strong> Tóquio terminou com a promessa <strong>de</strong> US$ 4,5 bilhões em doações para a<br />

reconstrução do Sri Lanka. Também impôs condições para as doações, como o comprometimento<br />

com a paz (GOODHAND, 2006). Por si só, isso também constituiu um erro, uma vez que, como<br />

afirma Goodhand (2006, p. 57), “one cannot draw a line between war and peace, though orthodox<br />

aid mo<strong>de</strong>ls have traditionally been based upon such a division.” A condição acabou por funcionar<br />

como uma imposição pela paz.<br />

Além da questão da conferência <strong>de</strong> Washington, eleições presi<strong>de</strong>nciais no Sri Lanka, em<br />

2005, foram fundamentais para o abandono das negociações. O partido UNP, que estava no po<strong>de</strong>r<br />

do parlamento quando das negociações, sofreu dura oposição do SLFP durante as conversas com<br />

os Tigres. O SLFP aliou-se, nas eleições parlamentares <strong>de</strong> 2004, com diversos partidos da<br />

extrema esquerda e partidos budistas-nacionalistas, conquistando a maioria. Nas eleições<br />

presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 2005, o então primeiro-ministro Mahinda Rajapaksa, do SLFP, foi eleito após<br />

uma disputa acirrada contra Wickremasinghe, do UNP. Rajapaksa baseou sua campanha eleitoral<br />

em uma linha mais dura contra os LTTE e a mediação norueguesa os LTTE boicotaram essas<br />

eleições (ICG, 2006).<br />

82


As negociações diretas entre o governo e os LTTE estavam paradas há cerca <strong>de</strong> três anos,<br />

quando a Noruega levou às partes à negociação mais uma vez, em Genebra, em feve<strong>rei</strong>ro. As<br />

partes tinham propostas diferentes para a agenda das negociações: enquanto o governo preferia a<br />

revisão do ACF, para <strong>de</strong>ixá-lo menos propenso às violações, os LTTE queriam somente reforçar<br />

sua implementação. As partes se comprometeram a continuar com a trégua, mas não houve<br />

outros comprometimentos. Outras negociações estavam programadas para Genebra, em abril<br />

daquele ano, e não ocorreram por falta <strong>de</strong> segurança, alegada pelos LTTE (PODDER, 2006). A<br />

Noruega tentou, ainda, uma última vez reunir os dois beligerantes, também em 2006, mas a<br />

negociação não ocorreu porque os Tigres alegaram que o governo do Sri Lanka não enviou uma<br />

<strong>de</strong>legação a<strong>de</strong>quada (PODDER, 2006).<br />

Após essas últimas tentativas, o governo da Noruega continuou a mediar a comunicação<br />

entre as partes, mas não houve novas negociações. Paralelamente, como foi tratado no capítulo<br />

anterior, houve uma escalada no conflito militar e um retorno à guerra civil. O Acordo <strong>de</strong> Cessar-<br />

Fogo ainda vigorava, mas não tinha efeito prático. Em feve<strong>rei</strong>ro <strong>de</strong> 2007, o embaixador da<br />

Noruega no Sri Lanka discursou marcando os cinco anos do ACF, mas não apresentou novas<br />

propostas, ou indicou caminhos a serem traçados, muito menos prospectos para que as partes<br />

voltassem à negociação (BRATTSKAR, 2007).<br />

A justificativa oficial do governo do Sri Lanka para retirar-se do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo<br />

citou, entre outros fatores, as falhas existentes no documento (BALAPATABENDI, 2008), além<br />

das freqüentes violações do dito acordo.<br />

Conclusão<br />

O processo <strong>de</strong> paz no Sri Lanka teve várias tentativas, sendo a norueguesa a última antes<br />

do fim do conflito, em maio <strong>de</strong> 2009. Vários fatores po<strong>de</strong>m explicar o insucesso <strong>de</strong>sta<br />

emp<strong>rei</strong>tada.<br />

Primeiramente, a literatura permite afirmar que a política no Sri Lanka, organizada em<br />

torno <strong>de</strong> dois partidos principais <strong>de</strong>terminou altos e baixos <strong>de</strong> todas as tentativas <strong>de</strong> resolução.<br />

Sendo o único objetivo conseguir permanecer no po<strong>de</strong>r, o UNP e SLFP se alternaram em avanços<br />

e retrocessos nas relações com os LTTE e os tâmeis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo da guerra civil, em 1983. O<br />

governo do Sri Lanka, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do partido, fez concessões importantes aos LTTE, como<br />

83


econhecê-los como contra-parte e aceitar, em princípio maior nível <strong>de</strong> autonomia <strong>de</strong>ntro do Sri<br />

Lanka. No entanto, com o governo <strong>de</strong> Rajapaksa, esses compromissos não foram honrados.<br />

Já no caso dos LTTE, não ficou claro até que ponto estiveram comprometidos com a paz.<br />

É importante lembrar que os Tigres, apesar <strong>de</strong> também terem feito concessões, tais como abrir<br />

mão do separatismo, aparentam nunca terem completamente se <strong>de</strong>svinculado da pretensão <strong>de</strong><br />

criar um Estado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte no Sri Lanka. Tanto analistas cingaleses (GUNASEKARA, 2001?)<br />

quanto <strong>de</strong> fora do Sri Lanka, como o indiano Jha (2007), são da opinião <strong>de</strong> que os LTTE jamais<br />

aceitariam algo menos que o pretendido Eelam, principalmente por causa da obstinação <strong>de</strong><br />

Prabhakaran.<br />

Conforme já foi mencionado, a falta <strong>de</strong> participação <strong>de</strong> outros grupos étnicos também foi<br />

um fator. Adicionalmente, todo o processo <strong>de</strong> paz mediado pela Noruega foi elitizado, i.e.,<br />

somente a elite cingalesa e certos setores dos tâmeis participaram <strong>de</strong>le (ROPERS, 2008).<br />

O fato <strong>de</strong> questões fundamentais para a compreensão do conflito também não terem sido<br />

abordadas também foi importante. As questões fundamentais seriam não somente a discriminação<br />

e autonomia tâmil, como também a efetivida<strong>de</strong> do Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo, por exemplo. Todos<br />

esses pontos foram continuamente evitados e, portanto, as negociações não trouxeram nada <strong>de</strong><br />

substantivo (ROPERTS, 2008).<br />

É importante <strong>de</strong>stacar, ainda, o papel dos doadores <strong>internacionais</strong> <strong>de</strong> fundos. Goodhand<br />

(2006) afirma que sua falta <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> em relação ao contexto foi prejudicial ao processo <strong>de</strong><br />

paz. As doações também po<strong>de</strong>m ser interpretadas como um meio <strong>de</strong> evitar direcionar esforços<br />

para as causas estruturais <strong>de</strong> conflitos, uma vez que atrai atenção para o dinheiro e como po<strong>de</strong> ser<br />

utilizado.<br />

Em relação à Noruega, po<strong>de</strong>-se ver, acima <strong>de</strong> tudo, uma persistência que não seria fácil <strong>de</strong><br />

encontrar em outros países (MOOLAKKATTU, 2005). Apesar das críticas das partes, acusações<br />

<strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong> e favoritismo <strong>de</strong> ambas as partes, Oslo procurou manter-se firme, apesar <strong>de</strong> sua<br />

atuação já estar prejudicada.<br />

Deve-se ter em mente, entretanto, que o período enfatizado neste artigo, em que vigorou o<br />

Acordo <strong>de</strong> Cessar-Fogo <strong>de</strong> 2002 e no qual a Noruega atuou, testemunhou uma relativa melhora<br />

nas condições <strong>de</strong> vida dos habitantes das zonas <strong>de</strong> conflito – pelo menos em seus anos iniciais.<br />

Ações como as da Noruega são escassas na atualida<strong>de</strong>. Mediadores, movidos por seus<br />

interesses, nunca são providos <strong>de</strong> total imparcialida<strong>de</strong>. Erros certamente ocorrerão em<br />

84


negociações mediadas, sendo a percepção do motivo comumente relacionada à terceira parte.<br />

Contudo, a mediação, como <strong>de</strong>monstrou o caso do Sri Lanka, po<strong>de</strong> por partes hostis ou<br />

beligerantes em um nível <strong>de</strong> contato nunca antes existente em um conflito particular, melhorar as<br />

condições da população local e levar o conflito a estar mais perto <strong>de</strong> uma resolução. A mediação<br />

Norueguesa no Sri Lanka mostra que erros po<strong>de</strong>m ter conseqüências profundas no envolvimento<br />

<strong>de</strong> terceiras partes. É necessário consi<strong>de</strong>rar, porém, que é justamente a persistência, perseverança<br />

e incentivos em mediações que po<strong>de</strong>m fazer a diferença para um conflito, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos<br />

interesses envolvidos.<br />

85


Referências bibliográficas<br />

BALAPATABENDI, K. (2008) Why the Government of Sri Lanka abrogated the Ceasefire<br />

Agreement, publicado em Asia Tribune, Bangkok, 11 jan. 2008.<br />

[http://www.asiantribune.com/?q=no<strong>de</strong>/9079]. Disponibilida<strong>de</strong>: 25/03/2009.<br />

BOUFFARD, Sonia; CARMENT, David. (2006) The Sri Lanka peace process: a critical review,<br />

publicado em Journal of South Asian Development, Vol. 1, n. 2, p. 151-157. London: Sage<br />

Publications. [http://sad.sagepub.com/cgi/content/abstract/1/2/151]. Disponibilida<strong>de</strong>: 02/11/2009.<br />

BRATTSKAR, Hans. (2007) Five years of the Ceasefire Agreement – What next? Discurso do<br />

embaixador norueguês, 21 <strong>de</strong> feve<strong>rei</strong>ro <strong>de</strong> 2007.<br />

[http://www.norway.lk/ARKIV/Old_web/peace/speeches/Speech_National_Peace_Council/].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 05/11/2009.<br />

BULLION, Alan. (2001) Norway and the peace process in Sri Lanka. Civil Wars, Vol. 4, n. 3.<br />

London: Frank Class, p. 70-92.<br />

[http://www.informaworld.com/smpp/ftinterface~db=all~content=a782224479~fulltext=7132409<br />

30]. Disponibilida<strong>de</strong>: 2 nov. 2009.<br />

GOODHAND, Jonathan. (2006) Conditioning peace: the scope and limitations of peace<br />

conditionalities in Aghanistan and Sri Lanka. The Hague: Clingendael.<br />

[http://www.clingendael.nl/publications/2006/20060800_cru_goodhand.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

05/11/ 2009.<br />

GUNASEKARA, S. L. (2001?) A tragedy of errors: about Tigers, talks, ceasefires and the<br />

proposed constitution. Colombo: Sinhala Jathika Sangamaya.<br />

HEIDELBERGER INSTITUT FÜR INTERNATIONALE KONFLIKTFORSCHUNG (HIIK).<br />

(2008) Conflict Barometer 2008. Hei<strong>de</strong>lberg: Universität Hei<strong>de</strong>lberg, 2008.<br />

[http://hiik.<strong>de</strong>/en/konfliktbarometer/pdf/ConflictBarometer_2008.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

31/10/009.<br />

HERATH, R. B. (2002) Sri Lankan ethnic crisis: towards a resolution. Victoria, B. C.: Trafford<br />

Publishing.<br />

HÖGLUND, Kristine; SVENSSON, Isak. (2003) The peace process in Sri Lanka. Civil Wars,<br />

Vol. 5, Nº 4, p. 103-118. London: Frank Cass.<br />

[http://www.informaworld.com/smpp/ftinterface~db=all~content=a782225160~fulltext=7132409<br />

30]. Disponibilida<strong>de</strong>: 18/05/2010.<br />

______. (2006) “Sticking one’s neck out”: reducing mistrust in Sri Lanka’s peace negotiations.<br />

Negotiation Journal, Hoboken, v. 22, Nº 4, p. 367-387.<br />

[http://www3.interscience.wiley.com/journal/118596979/issue]. Disponibilida<strong>de</strong>: 17/03/2009.<br />

86


______. (2008) “Damned if you do, damned if you don’t”: Nordic involvement and images of<br />

third-party neutrality in Sri Lanka. International Negotiation, Lei<strong>de</strong>n, v. 13, Nº 3, p. 341-364.<br />

[http://www.ingentaconnect.com/content/mnp/iner/2008/00000013/00000003/art00004].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 17/03/2009.<br />

______. (2009) Mediating between tigers and lions: Norwegian peace diplomacy in Sri Lanka’s<br />

civil war. Contemporary South Asia, London, v. 17, Nº 2, p. 175-191.<br />

[http://www.informaworld.com/smpp/content~content=a910987992~db=all~jumptype=rss].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 27/09/2009.<br />

INTERNATIONAL CRISIS GROUP. (2006) Sri Lanka: the failure of the peace process. Asia<br />

Report # 124. Brussels: International Crisis Group.<br />

[http://www.crisisgroup.org/home/in<strong>de</strong>x.cfm?id=4523&l=1]. Disponibilida<strong>de</strong>: 15/06/2007.<br />

______. (2007) Sri Lanka’s human rights crisis. Asia Report # 135. Brussels: International Crisis<br />

Group. [http://www.crisisgroup.org/home/getfile.cfm?id=2975&tid=4896&type=pdf&l=1].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 31/10/2009.<br />

JHA, Nagendra Nath. (2007) India and Sri Lanka: from uncertainty to close proximity. In:<br />

SINHA, Atish; MOHTA, Madhup. Indian fo<strong>rei</strong>gn policy: challenges and opportunities. New<br />

Delhi: Aca<strong>de</strong>mic Foudation, p. 641-658.<br />

KREUTZ, Joakim. (2010) How and when armed conflicts end: introducing the UCDP Conflict<br />

Termination Dataset. Journal of Peace Research, Vol. 47, Nº 2. London: Sage Publications.<br />

[http://jpr.sagepub.com/cgi/reprint/47/2/243]. Disponibilida<strong>de</strong>: 18/05/2010.<br />

MCGILVRAY, Dennis B.; RAHEEM, Mirak. (2007) Muslim perspectives on the Sri Lankan<br />

conflict. Washington: East-West Center.<br />

[http://www.eastwestcenter.org/fileadmin/stored/pdfs/ps041.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>: 29/04/2009.<br />

MOOLAKKATTU, John Stephen. (2005) Peace facilitation by small states: Norway in Sri<br />

Lanka. Cooperation and conflict, Vol. 40, Nº 4, p. 385-402. Local: Sage Publications.<br />

[http://cac.sagepub.com/cgi/content/abstract/40/4/385]. Disponibilida<strong>de</strong>: 2/11/2009.<br />

PODDER, Sukanya. (2006) Challenges to peace negotiations: the Sri Lankan experience. New<br />

Delhi: Institute for Defence Studies and Analyses.<br />

[http://www.idsa.in/system/files/strategicanalysis_sukanya_0906_0.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

4/10/2009.<br />

RICHARDSON, John. (2007) Paradise lost: learning about conflict, terrorism and <strong>de</strong>velopment<br />

from Sri Lanka’s civil war. Kandy: International Centre for Ethnic Studies.<br />

ROPERS, Norbert. (2008) Transformación sistémica <strong>de</strong> conflictos: reflexiones acerca <strong>de</strong>l<br />

conflicto y <strong>de</strong>l proceso <strong>de</strong> paz en Sri Lanka. Berlin: Berghof Forschungszentrum für konstruktive<br />

87


Konfliktbearbeitung. [http://www.berghofhandbook.net/uploads/download/spanish_ropers_dialogue6_lead.pdf].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

5/11/2009.<br />

RUPESINGHE, Kumar. (1996) Lessons from Sri Lanka. In: BERCOVITCH, Jacob, Ed.<br />

Resolving international conflicts: the theory and practice of mediation. Boul<strong>de</strong>r: Lynne Rienner<br />

Publishers, p. 153-170.<br />

SAMARANAYAKE, Gamini. (2006) Of phases and paces. In: RAMAN, B; SATHIYA<br />

MOORTHY, N.; CHITTARAJAN, Kalpana. Sri Lanka: peace without process. Colombo: Vijitha<br />

Yapa Publications, p. 163-195.<br />

SILVA, K. M. (1998) Reaping the whirlwind: ethnic conflict, ethnic politics in Sri Lanka. New<br />

Delhi: Penguin Books.<br />

SMITH, Crhis. (1999) South Asia’s enduring war. In: ROTBERG, ROTBERG, Robert I.<br />

Ed.Creating peace in Sri Lanka: civil war and reconciliation. Washington, D. C.: Brookings<br />

Institution Press, p. 17 a 40.<br />

SURYANARAYAN, V. (2006) Prospects for reconciliation. In: RAMAN, B; SATHIYA<br />

MOORTHY, N.; CHITTARAJAN, Kalpana. Sri Lanka: peace without process. Colombo: Vijitha<br />

Yapa Publications, p. 91-116.<br />

UNITED NATIONS HIGH COMMISSION FOR REFUGEES (UNHCR). (2009a) Sri Lanka:<br />

Country Operations Profile. Geneva: UNHCR. [http://www.unhcr.org/cgibin/texis/vtx/page?page=49e4878e6].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 31/10/2009.<br />

______. (2009b) UNHCR sends more field experts as civilians return to Sri Lanka's north. 1 maio<br />

2009. [http://www.unhcr.org/news/NEWS/49fb0c922.html]. Disponibilida<strong>de</strong>: 07/05/2009.<br />

UPSALA CONFLICT DATA PROGRAM (UCDP). (2008) UCDP Conflict Termination dataset,<br />

v. 2.1, 1947-2007. Uppsala: Uppsala Universiteit.<br />

[http://www.pcr.uu.se/research/UCDP/data_and_publications/datasets.htm]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

31/10/2009.<br />

UYANGODA, Jaya<strong>de</strong>va. (2007) Ethnic conflict in Sri Lanka: changing dynamics. Washington:<br />

East-West Center. [www.eastwestcenter.org/fileadmin/stored/pdfs/PS032.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

29/04/2009.<br />

VENKATARAMANAN, K. (2006) Dilemmas of external actors. In: RAMAN, B; SATHIYA<br />

MOORTHY, N.; CHITTARAJAN, Kalpana. Sri Lanka: peace without process. Colombo: Vijitha<br />

Yapa Publications, p.198-225.<br />

88


WICKREMASINGHE, Ranil. (2006) Peace process in Sri Lanka. South Asian Survey, Vol. 13,<br />

Nº 1, p. 5 a 15. New Delhi: Sage Publications.<br />

[http://sas.sagepub.com/cgi/content/abstract/13/1/5]. Disponibilida<strong>de</strong>: 29/10/2009.<br />

ZARTMAN, I. William; TOUVAL, Saadia. (2007) International mediation. In: CROCKER,<br />

Chester A.; HAMPSON, Fen Osler; AALL, Pamela. Leashing the dogs of war: conflict<br />

management in a divi<strong>de</strong>d world. Washington: United States Institute for Peace, p. 437-454.<br />

89


BANCO MUNDIAL E FERNANDO HENRIQUE CARDOSO: UMA ANÁLISE DAS<br />

ESTRATÉGIAS DO ÓRGÃO NO PRIMEIRO GOVERNO FHC. 25<br />

RESUMO<br />

João Antônio dos Santos Lima (UEPB) – ja_joao@hotmail.com 26<br />

Após um forte período <strong>de</strong> inflação galopante e impacto das políticas liberalizantes do começo da<br />

década <strong>de</strong> 1990, principalmente <strong>de</strong>vido ao “Consenso <strong>de</strong> Washington”, o Brasil alcança um<br />

período <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> monetária através da implantação do Plano Real. Nesse contexto <strong>de</strong><br />

mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> do Estado e liberalização dos mercados, este estudo preten<strong>de</strong> avaliar as<br />

estratégias inseridas nos projetos do Banco Mundial, um dos principais organismos <strong>internacionais</strong><br />

na área <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico e combate à pobreza, para a formulação das diretrizes<br />

políticas do primeiro governo <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Para avaliar essas<br />

estratégias, utiliza-se uma literatura composta por análises macroeconômicas e políticas da<br />

situação brasileira no período, relatórios da instituição sobre o Brasil, avaliações da socieda<strong>de</strong><br />

civil e um banco <strong>de</strong> dados, disponível no site do órgão, com os projetos do Banco Mundial para o<br />

Brasil.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Banco Mundial; Desenvolvimento econômico; Fernando Henrique<br />

Cardoso.<br />

ABSTRACT<br />

After a strong period of rampant inflation and the impact of liberalizing policies of the early<br />

1990s, mainly due to the "Washington Consensus", Brazil reaches a period of monetary stability<br />

through the implementation of the Real Plan. In this context of change of the State´s attitu<strong>de</strong> and<br />

market liberalization, this study aims to evaluate the strategies inclu<strong>de</strong>d in World Bank projects,<br />

one of the major international organizations in the field of economic <strong>de</strong>velopment and fight<br />

against poverty, in the formulation of policy gui<strong>de</strong>lines of the first government of Fernando<br />

Henrique Cardoso (1995-1998). In or<strong>de</strong>r to evaluate these strategies, a literature composed of<br />

macroeconomic and political analysis of the situation in Brazil during the period, institution<br />

reports on Brazil, evaluations of civil society and a database, available at the agency, with the<br />

World Bank projects for Brazil, are used.<br />

KEYWORDS: World Bank; Economic Development; Fernando Henrique Cardoso.<br />

25 Esse trabalho consiste numa versão reduzida do Relatório Final da pesquisa realiza no Programa Institucional <strong>de</strong><br />

Bolsas <strong>de</strong> Iniciação Científica (PIBIC/UEPB), cota 2008/2009, sob orientação da Profª. Dra. Cristina C. Pacheco.<br />

26 Graduando em Relações Internacionais pela Universida<strong>de</strong> Estadual da Paraíba (UEPB) e Auxiliar <strong>de</strong> Pesquisa-<br />

Bolsista do Programa <strong>de</strong> Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Assessoria Técnica da Presidência<br />

do Instituto <strong>de</strong> Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).<br />

90


CONSIDERAÇÕES INICIAIS<br />

Para os países da América Latina, a década <strong>de</strong> 1980 simboliza uma era <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

dificulda<strong>de</strong>s na equalização <strong>de</strong> gastos sociais e pagamentos <strong>de</strong> dívidas, <strong>de</strong>vido às sucessivas<br />

crises do petróleo ocorridas na década anterior, à elevação das taxas <strong>de</strong> juros feita pelo governo<br />

dos Estados Unidos e a incapacida<strong>de</strong> dos governos em pagar seus compromissos. Durante o<br />

período, as instituições financeiras <strong>internacionais</strong>, a citar, o Fundo Monetário Internacional, o<br />

Banco Interamericano <strong>de</strong> Desenvolvimento e o Banco Mundial, estabeleceram uma série <strong>de</strong><br />

diretrizes consi<strong>de</strong>radas aptas a trazer o equilíbrio macroeconômico da região, os lucros <strong>de</strong>vidos<br />

para pagar os empréstimos e enquadrar o continente na economia mundial. Através <strong>de</strong> uma<br />

reunião ocorrida em Washington, membros <strong>de</strong>ssas instituições estabeleceram metas comuns,<br />

<strong>de</strong>nominadas posteriormente por John Williamson como “Consenso <strong>de</strong> Washington”. Dentro<br />

<strong>de</strong>ssas metas, as instituições indicavam como ações eficazes para seguir no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico <strong>de</strong> forma sustentável a disciplina fiscal, a priorização dos gastos públicos, a reforma<br />

tributária, a liberalização financeira, o regime cambial, a liberalização comercial, o investimento<br />

direto estrangeiro, a privatização, a <strong>de</strong>sregulamentação e a proprieda<strong>de</strong> intelectual (NAÍM, 2000).<br />

A presidência do governo <strong>de</strong> Fernando Collor (1990-1992) seguiu os postulados<br />

empregados pelas instituições <strong>de</strong> Washington, como a redução dos gastos públicos e seguindo<br />

uma linha <strong>de</strong> privatizações e abertura comercial do Brasil, porém, o país ainda sofria com marcas<br />

iniciadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o regime militar, como a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> renda e a instabilida<strong>de</strong> macroeconômica<br />

gerada pela hiperinflação.<br />

Tabela 1 - Taxa <strong>de</strong> Inflação anual (1977-1996)<br />

Anos % Anos %<br />

1977 38,80 1987 415,80<br />

1978 40,80 1988 1.037,60<br />

1979 77,20 1989 1.782,90<br />

1980 110,20 1990 2.596,00<br />

1981 95,20 1991 421,00<br />

1982 99,70 1992 988,00<br />

1983 211,00 1993 2.087,00<br />

1984 223,80 1994 2.312,00<br />

1985 235,10 1995 75,00<br />

1986 65,00 1996 9,00<br />

Fonte: REGO e MARQUES (2000)<br />

91


Durante o governo <strong>de</strong> Itamar Franco (1992-1994), Fernando Henrique Cardoso, que já<br />

havia sido Ministro das Relações Exteriores, assumiu o Ministério da Fazenda, e trouxe consigo,<br />

a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar um nível inflacionário mo<strong>de</strong>rado, que naquele momento, já atingia<br />

a casa dos quatro dígitos, como se vê na tabela abaixo. O Brasil só conseguiu atingir uma<br />

estabilida<strong>de</strong> com o Plano Real, sob a orientação <strong>de</strong> Fernando Henrique, após várias tentativas <strong>de</strong><br />

estabilização da moeda ao longo da década <strong>de</strong> 80. 27<br />

Diante do contexto <strong>de</strong> mudança na estrutura macroeconômica brasileira, da estabilida<strong>de</strong><br />

na <strong>de</strong>mocracia nacional, das discussões sobre o fenômeno da globalização, a liberalização dos<br />

mercados e a nova participação do Estado nos âmbitos políticos e econômicos, o estudo se<br />

propõe a i<strong>de</strong>ntificar as estratégias empregadas pelo Banco Mundial no Brasil, ao longo do<br />

primeiro mandato <strong>de</strong> Fernando Henrique (1995-1998).<br />

BANCO MUNDIAL<br />

O Banco Mundial consolida-se há algum tempo como uma das maiores organizações a<br />

nível mundial, com escritórios espalhados por todo o globo, através <strong>de</strong> um âmbito <strong>de</strong> atuação que<br />

envolve os setores privados e públicos, nos níveis locais, regionais, nacionais e <strong>internacionais</strong>,<br />

diversificando e interagindo nas temáticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico e combate à pobreza.<br />

Sua literatura é flexível, visto o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> trabalhos que abarcam sua participação<br />

em diversos setores da economia, ao longo dos anos e em diferentes países. Por um lado, Pincus e<br />

Winters (2002) apresentam a atuação do Banco Mundial como uma longa história <strong>de</strong> adaptação<br />

às mudanças nas circunstâncias e nas <strong>de</strong>mandas globais, ao surgir com uma simples agência <strong>de</strong><br />

fundos para a reconstrução no pós-guerra e tornar-se uma agência bancária ‘do’ <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

contemplada diante <strong>de</strong> sua experiência, como um “Knowledge Bank”. Em um meio termo,<br />

Gilbert, Powell e Vines (1999) <strong>de</strong>talham a história e a funcionalida<strong>de</strong> do Banco em três etapas: a)<br />

o Banco Mundial como um ‘banco’ (comercial), ao atuar como intermediário financeiro; b) o<br />

Banco como uma instituição <strong>de</strong> pesquisas em <strong>de</strong>senvolvimento, que produz análises econômicas<br />

e <strong>de</strong>mais pesquisas e; c) o Banco como uma agência <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, ao assumir sua<br />

27 Dentre eles, o Plano Cruzado I e II em 1986, o Plano Bresser em 1987, a Política do Feijão-com-Arroz em 1988, o<br />

Plano Verão em 1989, o Plano Collor I em 1990 e Collor II em 1991.<br />

92


esponsabilida<strong>de</strong> técnica na assistência ao <strong>de</strong>senvolvimento, no monitoramento dos empréstimos<br />

e da performance dos projetos.<br />

Do outro lado da linha <strong>de</strong> pensamento, Griffith-Jones (2002) analisa as funções do Banco<br />

como a <strong>de</strong> um órgão que permaneceu estático no tempo, visto a manutenção <strong>de</strong> aparatos<br />

institucionais, como o sistema <strong>de</strong> votação e a distribuição <strong>de</strong>les, mesmo diante <strong>de</strong> mudanças nas<br />

suas ativida<strong>de</strong>s e da sua missão na economia global. Sobre esse mesmo foco, Coelho (2002)<br />

analisa a forma com que a estrutura organizacional do Banco foi moldada para assegurar o<br />

equilíbrio do sistema capitalista nos países sub<strong>de</strong>senvolvidos e manter a hierarquia no sistema <strong>de</strong><br />

Estados.<br />

Criado em 1944, a partir da Conferência <strong>de</strong> Bretton Woods, em New Hampshire, o Banco<br />

Mundial possui um vasto corpo técnico experiente nas temáticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico<br />

e combate à pobreza. As instituições criadas nessa conferência, o Banco Internacional para<br />

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), são<br />

<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong>fensiva do bloco aliado, que antes mesmo do término da<br />

Segunda Guerra Mundial, já previa sua vitória. Logo, a reunião tinha como finalida<strong>de</strong> a criação<br />

<strong>de</strong> um mecanismo <strong>de</strong> apoio capitalista para que, após o fim da guerra, as nações não passassem<br />

novamente por um período <strong>de</strong> regimes autoritário-nacionalistas, como ocorreu após o fim da<br />

Primeira Guerra Mundial com a Alemanha <strong>de</strong> Hitler e a Itália <strong>de</strong> Mussolini.<br />

O BIRD atua sobre assuntos <strong>de</strong> longo prazo, objetivando envolver os países na economia<br />

mundial, ao promover o crescimento econômico e a redução da pobreza. Assim, seu foco é<br />

voltado a setores específicos da economia <strong>de</strong> um país, o que o diferencia do FMI, que assume<br />

papéis econômicos mais voltados às políticas <strong>de</strong> curto prazo, como na estabilização da balança <strong>de</strong><br />

pagamentos dos países em dificulda<strong>de</strong>s financeiras.<br />

Apesar da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nomenclatura que se refere ao Banco, há diferenças sobre qual<br />

instituição <strong>de</strong> fato está sendo comentada. Em 1944 foi criado o BIRD. Contudo, nos anos<br />

posteriores adicionou-se a este mais quatro órgãos, com algumas distinções entre si. Estas<br />

instituições, juntas, englobam a idéia do <strong>de</strong>senvolvimento econômico sustentável. Em 1956 foi<br />

criada a Corporação Financeira Internacional (CFI) consi<strong>de</strong>rada hoje a maior provedora<br />

multilateral <strong>de</strong> financiamento para o empreendimento privado nos países em <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma pobreza sem prece<strong>de</strong>ntes nos países da África e algumas ilhas remotas,<br />

sem perspectivas econômicas favoráveis, criou-se, em 1960, a Associação Internacional ao<br />

93


Desenvolvimento (AID) que tem o objetivo <strong>de</strong> emprestar recursos <strong>de</strong> maneira mais facilitada para<br />

os países mais pobres, sem taxa <strong>de</strong> juros, com maturida<strong>de</strong>s que chegam até 40 anos, entre outras<br />

facilida<strong>de</strong>s. E, por fim, mais duas instituições foram criadas: o Centro Internacional <strong>de</strong><br />

Arbitragem e Disputas Internacionais (CIADI), em 1966, com a função <strong>de</strong> encorajar os<br />

investimentos aos estrangeiros e promover facilida<strong>de</strong>s nas conciliações, e a Agência Multilateral<br />

<strong>de</strong> Garantias Internacionais (AMGI), em 1988, para coor<strong>de</strong>nar o ambiente <strong>de</strong> investimentos e<br />

reconhecer os riscos políticos que inibem os Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE).<br />

Logo, a expressão “Banco Mundial” (World Bank), utilizada inicialmente como apelido<br />

do BIRD, foi oficializada em 1975, e refere-se, conjuntamente ao BIRD e à AID. O termo<br />

“Grupo Banco Mundial”, por sua vez, é utilizado para envolver os cinco órgãos. Nota-se como<br />

difere as funções do BIRD e da AID e dos <strong>de</strong>mais. Enquanto o Banco Mundial tem a sua<br />

operacionalida<strong>de</strong> voltada ao financiamento <strong>de</strong> governos, a elaboração <strong>de</strong> estratégias em setores<br />

em que a participação do público é essencial, a CFI viabiliza a estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico a partir <strong>de</strong> uma perspectiva do setor privado, fornecendo insumos, consultorias e<br />

análises que proporcionem os <strong>de</strong>vidos resultados positivos, enquanto a AMGI e o CIADI se<br />

concentram em questões <strong>de</strong> investimentos <strong>internacionais</strong> privados e suas conseqüências.<br />

Quanto às funções do órgão, como já retratado anteriormente, o Banco Mundial canalizou<br />

suas ações para vias diferentes das quais ela tomava antes da Crise da Dívida, ou seja, até o final<br />

da década <strong>de</strong> 1970. O Banco <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser uma instituição que pregava um “liberalismo<br />

<strong>de</strong>senvolvimentista”, com foco no crescimento econômico e social <strong>de</strong>ssas regiões, para se aliar à<br />

lógica liberalizante, <strong>de</strong> minimização das ações do Estado, do incremento das relações financeiras<br />

em todo o mundo sem a regulação do aparato estatal, da valorização do conhecimento para a<br />

ascensão do indivíduo, o foco na concorrência para a disposição dos melhores produtos, entre<br />

outras características.<br />

Já no começo dos anos <strong>de</strong> 1990, o Consenso <strong>de</strong> Washington surgiu como um conjunto <strong>de</strong><br />

idéias necessárias para organizar a economia e a vida política, afinal ocorria no período a queda<br />

do regime soviético e uma ascensão unilateral dos EUA no cenário mundial (NAÍM, 2000). De<br />

acordo com Vilas (2000), alguns críticos indicavam que as premissas do Consenso <strong>de</strong>veriam<br />

alcançar o mesmo nível <strong>de</strong> aceitação que os di<strong>rei</strong>tos humanos e a luta contra o racismo<br />

alcançaram, sem que estivessem na <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates políticos internos. Desta forma,<br />

94


vários governos utilizaram a propaganda do Consenso para lançarem candidaturas presi<strong>de</strong>nciais,<br />

entre eles, o político brasileiro Fernando Collor.<br />

Um fato que chama atenção durante o período é a mudança na postura do Estado. Uma<br />

vez que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> importações é trocado pelo mo<strong>de</strong>lo mais liberal, com<br />

abertura <strong>de</strong> mercado, envolvimento do processo <strong>de</strong> globalização, o papel do Estado é modificado,<br />

passando a não interferir mais na economia. O erro ocorre na diminuição do po<strong>de</strong>r do Estado em<br />

todas as áreas, sejam elas, econômicas, políticas e sociais. Assim, o Banco, através <strong>de</strong><br />

experiências ao redor do mundo, percebe que um dos equívocos é não disponibilizar as forças<br />

necessárias para o Estado garantir a or<strong>de</strong>m e a proprieda<strong>de</strong> individual.<br />

Apesar <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r alguma <strong>de</strong> suas funções, a máquina estatal não <strong>de</strong>ve ser enfraquecida,<br />

mas remo<strong>de</strong>lada, reagrupada e fortalecida <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas novas atribuições, com eficiência e<br />

transparência na <strong>de</strong>scentralização <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. Nesse contexto, surge o tema da Good<br />

Governance no Banco que indica uma série <strong>de</strong> levantamentos feitos por estudiosos para a eficácia<br />

da ação do Estado. Nesse contexto, Kura (2008) avalia que a “boa governança” correspon<strong>de</strong> à<br />

<strong>rei</strong>nvenção da governabilida<strong>de</strong> diante das dinâmicas e <strong>de</strong>safios do <strong>de</strong>senvolvimento frente à<br />

globalização. Dentro disso, vale ressaltar conforme Vivian Ugá que “ao mesmo tempo em que a<br />

governabilida<strong>de</strong> surgiu como necessária para as reformas, estas apareceram como o único<br />

caminho possível para evitar a ingovernabilida<strong>de</strong>” (UGÁ, 2004, p.57). Ou seja, durante a década<br />

<strong>de</strong> 1990, um importante vetor para enten<strong>de</strong>r a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico sustentável se concentra na função do Estado, seja direta ou indiretamente.<br />

BANCO DE DADOS<br />

Através do banco <strong>de</strong> dados utilizado na pesquisa 28 , foi possível traçar coor<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong><br />

<strong>estudos</strong>, ao i<strong>de</strong>ntificar quais os clientes que o Banco possui <strong>de</strong>ntro do país, os órgãos que<br />

articulam o montante investido, a composição do processo, os períodos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e finalização<br />

dos projetos, os locais <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino, sejam eles para o Brasil ou regiões específicas e os setores dos<br />

28 Em 1994, o Banco Mundial <strong>de</strong>cidiu liberar o acesso aos documentos pois, reconhece que é <strong>de</strong> “importância<br />

fundamental da transparência e da responsabilida<strong>de</strong> no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento [...] manter a abertura acerca<br />

das suas activida<strong>de</strong>s, e acolher bem e procurar oportunida<strong>de</strong>s para explicar o trabalho que realiza a uma audiência tão<br />

vasta como possível” (BANCO MUNDIAL, 2002, p.4). Os arquivos se encontra no próprio site da organização:<br />

www.worldbank.org<br />

95


projetos disponíveis para o Brasil. O presente trabalho, porém, se <strong>de</strong>bruça sobre a articulação <strong>de</strong><br />

vários setores num mesmo projeto.<br />

De fato, durante a década <strong>de</strong> 1990, o Banco Mundial adota uma nova estratégia na<br />

elaboração e execução dos seus projetos, diversificando as <strong>de</strong>vidas importâncias no repasse <strong>de</strong><br />

recursos, com a finalida<strong>de</strong> tornar cada vez mais sustentáveis os projetos executados.<br />

Se por um lado, anteriormente os projetos tinham seus recursos <strong>de</strong>stinados em sua<br />

totalida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>terminada área <strong>de</strong> execução, a citar, projetos ligados ao setor energético tinha<br />

todos seus recursos voltados para os gastos operacionais, assim como os <strong>de</strong> transporte tinham<br />

seus gastos voltados para suas áreas, a nova elaboração traz uma diversificação, principalmente<br />

nos gastos como a administração pública, fato este ligado à importância dada ao tema da “boa<br />

governança”. Assim, há uma divisão <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s com sua <strong>de</strong>vida receita, para auxiliar<br />

na execução. Essa divisão parte da premissa <strong>de</strong> que não adianta apenas tratar um objeto<br />

específico, mas sim, compreen<strong>de</strong>r que existe uma inter<strong>de</strong>pendência entre setores.<br />

Gráfico 1 - Projeto <strong>de</strong> Alívio à Pobreza no Maranhão<br />

Fonte: www.worldbank.org (Elaboração do Autor)<br />

Os projetos da área <strong>de</strong> “Alívio à Pobreza Rural” são os que apresentam maior<br />

diversificação quanto aos setores envolvidos, <strong>de</strong>monstrando a preocupação em disponibilizar<br />

recursos <strong>de</strong> forma sustentável. Como exemplo, utiliza-se o gráfico 1 para expor o Projeto <strong>de</strong><br />

Alívio à Pobreza no Estado do Maranhão. Nota-se a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos com a intenção<br />

<strong>de</strong> tornar sustentável o ambiente, utilizando a verba para diferentes áreas, como no caso exposto,<br />

96


para áreas sociais, principalmente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Os gastos com transporte também aparece no mesmo<br />

projeto, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> áreas isoladas do país. Os investimentos na área da<br />

agricultura, por exemplo, na pequena lavoura e na consolidação do ramo se constituem como um<br />

gasto intermediário. Com pequena participação, os setores <strong>de</strong> recursos hídricos e da<br />

administração pública completam os rumos <strong>de</strong>sses investimentos, ao auxiliar na sistematização<br />

dos resultados.<br />

A análise está baseada nos dados contidos dos 45 projetos do Banco Mundial <strong>de</strong>stinados<br />

ao Brasil, durante o primeiro mandato <strong>de</strong> FHC, correspon<strong>de</strong>nte aos anos <strong>de</strong> 1995-1998. Para essa<br />

pesquisa foi utilizado os empréstimos oriundos do Banco Mundial, com foco para Banco<br />

Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Os outros órgãos 29 envolvidos<br />

compõem um cenário <strong>de</strong> auxiliadores do Banco, como braços que compartilham do mesmo i<strong>de</strong>al<br />

final, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico sustentável, porém com meios, focos e recursos diferentes<br />

do Banco 30 . De um total <strong>de</strong> 45 projetos, 39 são <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do BIRD, quatro do Rain<br />

Forest e dois da responsabilida<strong>de</strong> do Global Environment Project.<br />

Os projetos do Rain Forest fazem parte do Rain Forest Trust Fund (RTF), em português,<br />

“Fundo Fiduciário <strong>de</strong> Florestas Tropicais”, criado em 1992 pelos diretores executivos e entida<strong>de</strong>s<br />

doadoras. Toda a quantia que está no fundo é fruto <strong>de</strong> doações direcionados para projetos<br />

integrados com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amenizar o <strong>de</strong>smatamento da floresta Amazônica, proteger a<br />

biodiversida<strong>de</strong>, reduzir a emissão <strong>de</strong> carbonos e promover o <strong>de</strong>senvolvimento e uso sustentável<br />

da região Amazônica. Os quatro projetos envolvem análise e monitoramento da região,<br />

prevenção à queimadas, gerenciamento dos recursos florestais e as terras indígenas.<br />

Os projetos que compõem o Global Environment Facility (GEF), o Fundo Global para o<br />

Meio Ambiente, são direcionados para promover a cooperação internacional e financiar ações<br />

que envolvam quatro ameaças graves ao meio ambiente global: a perda <strong>de</strong> biodiversida<strong>de</strong>, as<br />

mudanças climáticas, a <strong>de</strong>gradação <strong>de</strong> águas <strong>internacionais</strong> e a redução da camada <strong>de</strong> Ozônio. Os<br />

dois projetos tratam da questão da biodiversida<strong>de</strong> nacional, o primeiro é o Projeto Biodiversida<strong>de</strong><br />

29 Neste trabalho tratamos como órgãos, mas no original, essa modalida<strong>de</strong> apresenta-se como Product Lines,<br />

traduzindo, Linhas <strong>de</strong> Produtos, ou seja, uma linha <strong>de</strong> financiamento com características próprias.<br />

30 Explicamos aqui como meios, focos e recursos diferentes porque cada órgão do Banco trabalha para o mesmo<br />

“fim”, o <strong>de</strong>senvolvimento econômico. A diferença consiste na aplicação <strong>de</strong> seus projetos, pois o BIRD e a AID<br />

disponibilizam fundos para os órgãos públicos, ou seja, o Governo, seja ele Fe<strong>de</strong>ral, Estadual ou Municipal. Já a CFI<br />

foca no setor privado, como forma <strong>de</strong> dar sustento ao capital das empresas. Outros dois órgãos que compõem o<br />

Grupo Banco, o AMGI e o CIADI agem mais como instituições <strong>de</strong> garantia e arbitragem para investimentos<br />

privados. Quanto aos recursos, alguns são <strong>de</strong> fontes próprias do Banco, enquanto outros são doações.<br />

97


Nacional (PROBIO) e o segundo é relacionado com o Fundo Brasileiro para a Biodiversida<strong>de</strong><br />

(FUNBIO).<br />

Apesar da linha <strong>de</strong> crédito ser diferenciada, utiliza-se o mesmo padrão <strong>de</strong> setores que o<br />

BIRD direciona em seus projetos, a citar: Administração Pública, Lei e Justiça (Law and Justice<br />

and Public Administration); Agricultura Pesca e Florestal (Agriculture, Fishing and Forestry);<br />

Água, Saneamento e Proteção contra Enchentes (Water, Sanitation and Flood Protection);<br />

Educação (Education); Energia e Mineração (Energy and Mining); Finanças (Finance); Indústria<br />

e Comércio (Industry and Tra<strong>de</strong>); Saú<strong>de</strong> e outros Serviços Sociais (Health and Others Social<br />

Services); e Transporte (Transportation). 31<br />

Utiliza-se essa forma <strong>de</strong> classificação e explicação dos projetos do Banco, porque eles dão<br />

o direcionamento temático e/ou setorial do projeto. Em suma, ele i<strong>de</strong>ntifica a porcentagem do<br />

volume investido do projeto para uma área já padronizada e reconhecida pelo Banco Mundial,<br />

permitindo-se então, diagnosticar como <strong>de</strong>terminados projetos, <strong>de</strong> acordo com a área, montante<br />

ou estratégia <strong>de</strong> governo, recebe mais dinheiro para um único setor, ou se tem seu montante<br />

fragmentado em diversas áreas.<br />

Outro fator importante na análise do banco <strong>de</strong> dados, ao comparar com outros períodos,<br />

principalmente anteriores, é que assim como os setores, que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser únicos, ou seja,<br />

voltados a finalida<strong>de</strong>s únicas, acontece algo semelhante quanto ao mutuário. Como já foi<br />

explicado anteriormente, o BIRD é voltado para investir nos governos, ou órgãos públicos<br />

vinculados. A mudança ocorre ao nível <strong>de</strong> governo que assume a responsabilida<strong>de</strong> sobre o<br />

retorno, que basicamente se concentra na esfera da União. Por um longo período, a União foi<br />

responsável por negociar o empréstimo, aplicá-lo e pagá-lo, porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o governo <strong>de</strong> Sarney<br />

(1985-1990), no período <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização brasileira, os mutuários passam a ser os Estados da<br />

fe<strong>de</strong>ração, como São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Paraná e Minas Gerais, porém, não mais do que 10%<br />

<strong>de</strong> projetos entre 1985 e 1989. Já no primeiro governo FHC, o equilíbrio é visível, com a União<br />

presente como mutuário em 19 projetos e os Estados da fe<strong>de</strong>ração como mutuários em 17<br />

projetos. Nos projetos restantes, há outros mutuários presentes, como a Transportadora Brasileira<br />

<strong>de</strong> Gasoduto (TBG) e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), nesse momento, sob o<br />

gerenciamento do Estado. Essa <strong>de</strong>scentralização compõe parte da estratégia das Instituições<br />

31 Esse padrão é utilizado para indicar qual parte da economia está sendo apoiada pela intervenção do Banco, além <strong>de</strong><br />

elencar um conjunto <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> bens e serviços produzidos.<br />

98


Financeiras Internacionais (IFI), como BID, BIRD e FMI, na tomada das políticas neoliberais.<br />

Essa estratégia teve como uma <strong>de</strong> suas bases <strong>de</strong> sustentação, o Estado mínimo, limitado para<br />

algumas áreas estratégicas, como o combate à corrupção, a justiça, a <strong>de</strong>fesa dos di<strong>rei</strong>tos do<br />

cidadão, porém foi evitado ao máximo a participação do governo em assuntos econômicos. Por<br />

isso, o seu po<strong>de</strong>r é fragmentado e os Estados e Municípios começam a participar mais ativamente<br />

<strong>de</strong> assuntos <strong>de</strong> caráter internacional, como forma <strong>de</strong> aliviar a burocracia estatal na tramitação das<br />

ações.<br />

Dessa forma, analisa-se no quadro abaixo a disposição <strong>de</strong> projetos por setores, nos<br />

governos que antece<strong>de</strong>ram ao mandato <strong>de</strong> Fernando Henrique, o período correspon<strong>de</strong>nte ao<br />

primeiro mandato e o segundo.<br />

Tabela 2 – Composição Setorial dos Empréstimos do Banco Mundial (1990-2002)<br />

Fonte: World Bank (2004)<br />

A agricultura, com atenção especial para o tema da pobreza rural, representa gran<strong>de</strong><br />

participação durante o primeiro governo <strong>de</strong> FHC, através da gran<strong>de</strong> gama <strong>de</strong> projetos nesse<br />

período voltado ao combate da pobreza rural e da participação da população e a <strong>de</strong>scentralização<br />

da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. Não necessariamente, a diminuição no período 1999-2002 representa uma<br />

marginalização do tema, pois os projetos ligados ao alívio da pobreza contêm um prazo <strong>de</strong> 5 a 10<br />

99


anos <strong>de</strong> operacionalida<strong>de</strong>, representando um intervalo maior do que os quatro anos <strong>de</strong> governo<br />

presi<strong>de</strong>ncial.<br />

Apesar o setor educacional ter apresentado um <strong>de</strong>créscimo, vale salientar que houve o<br />

projeto Fun<strong>de</strong>scola, que foi iniciado em 1998, com a renovação do contrato no segundo FHC. O<br />

gerenciamento do Setor Público, no caso a Administração Pública <strong>de</strong>monstra claramente a<br />

emergência <strong>de</strong>sse tema na agenda do Banco Mundial no Brasil, inclusive com avanço gradual na<br />

segunda administração do governo. O setor <strong>de</strong> Transporte mostra aumento relevante <strong>de</strong> 1990-<br />

1994, para o 1º FHC, ressaltado pelo gasto oriundo da infra-estrutura <strong>de</strong> rodovias e ferrovias.<br />

A tabela 3 revela o número <strong>de</strong> projetos em que os setores listados foram os prioritários, ou<br />

seja, foi o setor 1, além das incidências em que foram utilizados com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

complementar a funcionalida<strong>de</strong> do projeto proposto.<br />

Tabela 3 - Projetos organizados por área, priorida<strong>de</strong> e montante investido no governo FHC<br />

(1995-1998)<br />

MJSECTOR SETOR 1 SETOR 2 SETOR 3 SETOR 4 SETOR 5<br />

TOTAL EM<br />

US$ mi (setor)<br />

Transporte 9 6 6 2 1 $ 1.533,30<br />

Saú<strong>de</strong> e Outros<br />

Serviços Sociais<br />

Água, Saneamento e<br />

Proteção contra<br />

Enchentes<br />

Administração<br />

Pública, Lei e<br />

Justiça<br />

Agricultura, Pesca e<br />

Florestal<br />

10 6 2 2 1 $ 900,20<br />

6 2 2 4 1 $ 496,72<br />

4 19 8 6 9 $ 379,22<br />

7 1 6 4 0 $ 245,55<br />

Energia e Mineração 3 2 1 0 0 $ 210,86<br />

Finanças 2 2 0 0 0 $ 146,05<br />

Educação 2 1 0 1 1 $ 133,13<br />

Indústria e Comércio 2 1 1 0 0 $ 132,08<br />

100


TOTAL 45 40 26 19 13 -<br />

TOTAL EM US$ mi<br />

(por priorida<strong>de</strong>)<br />

Fonte: www.worldbank.org (Elaboração do Autor)<br />

$ 2.863,87 $ 658,59 $ 353,05 $ 213,51 $ 88,09 $ 4.177,10<br />

Revela-se na tabela 3, a participação complementar, na maior parte dos projetos, feita pelo<br />

setor da Administração Pública, servindo como auxiliador na execução dos projetos, ao <strong>de</strong>stinar<br />

parte dos recursos para a melhor administração, avaliação, informatização e mo<strong>de</strong>rnização do<br />

aparato estatal. Em muitos casos, o setor está voltado para investimento dos entes subnacionais,<br />

como os Estados e os Municípios. Quando os empréstimos são da responsabilida<strong>de</strong> da União, os<br />

subsetores são relacionados à Lei e Justiça, ou seja, às reformas e t<strong>rei</strong>namentos do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário e à administração e eficácia do Governo central. Esse tema surge na temática do Banco<br />

Mundial, como reação ao próprio Consenso <strong>de</strong> Washington e as consi<strong>de</strong>rações sobre a redução do<br />

po<strong>de</strong>r do Estado. Segundo Araújo (2005, p.11), enquanto que à primeira vista, o Estado foi<br />

analisado como “irreformável”, diante do caráter “parasitário, ineficaz e predador”, a solução<br />

viável foi a minimização <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, porém os fatos <strong>de</strong>monstraram que a solução se<br />

tratava mais <strong>de</strong> reconstruir do que <strong>de</strong> eliminar. Assim, a necessida<strong>de</strong> e a própria ascensão da<br />

“Good Governance”, surge do<br />

caráter incompleto das reformas estruturais na periferia e semiperiferia, que esbarraram<br />

em traços históricos como patrimonialismo, nepotismo, corrupção, <strong>de</strong>sprofissionalização<br />

dos agentes públicos, instabilida<strong>de</strong> no marco regulatório para o consumo e acumulação,<br />

baixa capacida<strong>de</strong> infra-estrutural do Estado para implementação <strong>de</strong> políticos públicas[...]<br />

(e) <strong>de</strong>srespeito aos contratos (ARAÚJO, 2005, p.10).<br />

O tema “Água, Saneamento e Proteção contra Enchentes”, tem como perspectiva inicial, a<br />

alocação <strong>de</strong> recursos para projetos <strong>de</strong> reforma ou privatização <strong>de</strong> áreas do aparato estatal, para<br />

projetos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização do Estado e privatizações, mo<strong>de</strong>rnizações e gerenciamentos dos<br />

Recursos Hídricos da região. Nos setores restantes, o tema dos recursos hídricos se faz presente<br />

em alguns projetos <strong>de</strong> alívio à pobreza rural. As estratégias do Banco visaram os sistemas <strong>de</strong> água<br />

e esgoto para as favelas urbanas, como também para as áreas rurais do Nor<strong>de</strong>ste. Logo, para<br />

aproveitar uma das maiores reservas <strong>de</strong> água doce do mundo, em contraste com a distribuição<br />

101


<strong>de</strong>sproporcional <strong>de</strong>sse recurso, mostra-se necessário pelo Banco a <strong>de</strong>scentralização <strong>de</strong>ssa gestão<br />

para alocação mais eficiente dos recursos.<br />

Na área <strong>de</strong> Educação um projeto merece <strong>de</strong>staque ao ser colocado pelo Banco como um<br />

dos exemplos <strong>de</strong> sucesso 32 : o Projeto <strong>de</strong> Melhoria Escolar - o Fun<strong>de</strong>scola. O Fun<strong>de</strong>scola foi um<br />

projeto iniciado em 1998, que atualmente já está em sua terceira fase, com o compromisso em<br />

garantir o ensino fundamental para todas as crianças, <strong>de</strong>vido, principalmente, às altas taxas <strong>de</strong><br />

abandono no sistema educacional brasileiro. As realizações do Fun<strong>de</strong>scola são <strong>de</strong>rivadas do<br />

empenho do governo brasileiro, a partir dos anos 90, em diminuir a taxa <strong>de</strong> evasão escolar,<br />

principalmente entre as crianças, enquanto que as matrículas no ensino primário aumentaram <strong>de</strong><br />

86% em 1990 para 97% em 2002. (BANCO MUNDIAL, 2005).<br />

De fato, melhoras como essas não ocorrem em um curto prazo, mas através <strong>de</strong> políticas<br />

consistentes e duradouras, que ultrapassam os limites <strong>de</strong> tempo entre um governo e outro. Porém,<br />

<strong>de</strong>staca-se que a política educacional mudou o rumo e não mais trata do financiamento do<br />

“hardware”, entendidos como equipamentos e prédios, mas sim do “software”, as reformas.<br />

(KRUPPA, 2001, p.11). Segundo Zita Rodrigues, algumas mudanças ocorridas nas políticas<br />

educacionais,<br />

parte da necessida<strong>de</strong> premente <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> reforma estruturais do Estado, sob o<br />

prisma administrativo, fiscal, previ<strong>de</strong>nciário, econômico (privatista), nas formas <strong>de</strong><br />

gestão e na questão das propostas <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem para a educação, a qual necessita<br />

‘aten<strong>de</strong>r aos ditames <strong>internacionais</strong> <strong>de</strong> cunho teórico e economista. (RODRIGUES,<br />

2006).<br />

Para a área <strong>de</strong> Energia e Mineração, os <strong>de</strong>staques são a participação da Companhia Vale<br />

do Rio Doce, que na época ainda era estatal solicitou empréstimo para a área <strong>de</strong> Conservação do<br />

Meio Ambiente e a Transportadora Brasileira <strong>de</strong> Gasoduto (TBG) na relação Bolívia-Brasil, que<br />

envolveu a criação <strong>de</strong> um gasoduto para abastecer o Sul e Su<strong>de</strong>ste do Brasil com o gás boliviano.<br />

Os projetos que possuem o setor Energia e Mineração como complemente são geralmente os<br />

Projetos <strong>de</strong> Alívio à Pobreza.<br />

Sobre o setor Finanças, o único que chama a gran<strong>de</strong> atenção é o Projeto <strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rnização<br />

e Assistência Técnica do Banco Central, enquanto que os outros se voltam aos temas <strong>de</strong> Reforma<br />

Estatal e Gerenciamento <strong>de</strong> rodovias e recursos hídricos. Vale ressaltar que a estratégia financeira<br />

é mais concentrada nas ações do FMI, órgão que regula, analisa e presta consultoria e apoio<br />

32 Ver o site www.bancomundial.org.br<br />

102


macroeconômicos aos países que correm o risco <strong>de</strong> não pagar suas dívidas. Logo, ações voltadas<br />

para a área <strong>de</strong> finanças sempre estarão mais ligadas ao FMI, com ações <strong>de</strong> curto prazo para<br />

equilibrar a balança <strong>de</strong> pagamentos e a liquidação <strong>de</strong> dívidas no mercado internacional. Ao<br />

Banco, cabe uma estratégia mais abrangente, <strong>de</strong> longo prazo, atuando como um auxiliar<br />

macroeconômico na socieda<strong>de</strong>, enquanto que o FMI vai direto aos setores financeiros.<br />

Para o setor <strong>de</strong> Indústria e Comércio, os projetos são das áreas <strong>de</strong> Reforma do Estado que<br />

envolve a mo<strong>de</strong>rnização do aparelho estatal e os quando aparece nos Setores 2, 3 estão<br />

envolvidos em Projetos <strong>de</strong> Alívio à Pobreza Rural.<br />

No setor <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e Outros Serviços Sociais, os carros-chefe são os projetos <strong>de</strong> alívio à<br />

pobreza rural, que possuem o tema da Saú<strong>de</strong> o setor majoritário 1, ou seja, a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong><br />

recursos para a área é a meta principal do projeto. Porém, entre os projetos, três <strong>de</strong>les são<br />

<strong>de</strong>stinados para a área da Saú<strong>de</strong> brasileira, citando-os, um projeto <strong>de</strong> reforma do setor da saú<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>nominado Reforço à Reorganização do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (REFORSUS) 33 , um projeto<br />

<strong>de</strong> Controle e Vigilância à doenças, <strong>de</strong>nominado VIGISUS 34 e o terceiro que é motivo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque para o Banco Mundial, como exemplo <strong>de</strong> excelência, a segunda parte do projeto<br />

brasileiro <strong>de</strong> Controle à Síndrome da Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida (AIDS) e Doenças<br />

Sexualmente Transmissíveis (DST). O VIGISUS compreen<strong>de</strong> uma força tarefa que mobiliza as<br />

ações da Fundação Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (FNS) no t<strong>rei</strong>namento do staff do Município, do Estado e<br />

da União, o fortalecimento do Sistema <strong>de</strong> Vigilância Nacional, seja ele nos equipamentos,<br />

extensão, <strong>estudos</strong> e pesquisas e no sistema <strong>de</strong> comunicação das entida<strong>de</strong>s. Outro foco do<br />

VIGISUS é o controle das doenças em áreas selecionadas, como na Amazônia e com as<br />

comunida<strong>de</strong>s indígenas. De acordo com o Banco, o segundo projeto <strong>de</strong> Controle à AIDS e DST é<br />

consi<strong>de</strong>rado uma continuação <strong>de</strong> uma das estratégias mais agressivas e eficientes para diminuir a<br />

taxa <strong>de</strong> infecção do HIV/AIDS e o tratamento para as pessoas portadoras do vírus. Estimativas do<br />

Banco são da redução em quase 50% no número <strong>de</strong> óbitos causados pelo vírus, que em 1995<br />

foram registrados 15.200, enquanto que em 2001, o número caiu para 8.400. Dentro do<br />

33 Entre os feitos do REFOSUS, <strong>de</strong>stacam-se a compra <strong>de</strong> equipamentos, a mo<strong>de</strong>rnização tecnológica dos hospitais,<br />

os investimentos em laboratórios centrais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública e o aumento consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> leitos principalmente nas<br />

regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste e Centro-Oeste. (QUINHÕES; DOS SANTOS, 2003).<br />

34 “Entre as ativida<strong>de</strong>s do programa VIGISUS, <strong>de</strong>staca-se o aprimoramento da capacida<strong>de</strong> técnica e científica do<br />

sistema <strong>de</strong> vigilância epistemológica e do controle <strong>de</strong> doenças sexualmente transmissíveis, que não só subsidiam,<br />

mas, principalmente, dão sustentabilida<strong>de</strong> às <strong>de</strong>cisões emanadas da Secretaria <strong>de</strong> Vigilância em Saú<strong>de</strong>, para a<br />

comunida<strong>de</strong> científica e <strong>de</strong>mais instâncias do SUS” (BRASIL, 2004, p.27).<br />

103


programa, a estratégia se concentra na distribuição em massa <strong>de</strong> preservativos, a troca <strong>de</strong> seringas<br />

e o t<strong>rei</strong>namento <strong>de</strong> professores e alunos sobre a prevenção do HIV/AIDS.<br />

O último setor presente nos projetos é o Transporte, que aliás por sua própria natureza,<br />

remonta um gasto muito maior aos <strong>de</strong>mais. Os projetos que assume o setor Transporte como o<br />

primeiro, são referentes à Descentralização Metropolitana dos Transportes Rodoviários (Recife e<br />

Belo Horizonte), aos projetos <strong>de</strong> Transportes Públicos (São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro), aos novos<br />

gerenciamentos <strong>de</strong> rodovias, como no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, incluindo também, os transportes da<br />

malha ferroviária e projetos referentes à reforma do Estado. Como complemento, o setor <strong>de</strong><br />

Transporte aparece novamente nos projetos <strong>de</strong> transportes públicos, porém com outros<br />

subsetores, ao variar no foco entre linhas férreas ou rodoviárias. Nos outros projetos, eles<br />

participam ao complementar os projetos <strong>de</strong> alívio à pobreza rural.<br />

Tabela 4 - Análise dos Projetos <strong>de</strong> Alívio à Pobreza Rural no Nor<strong>de</strong>ste (1995-1998)<br />

PROJETOS Setor 1 Setor 2 Setor 3 Setor 4 Setor 5<br />

BAHIA Água Transporte Saú<strong>de</strong> Água Adm.Pública<br />

SERGIPE Energia Água Agricultura Adm.Pública Transporte<br />

PARAÍBA Saú<strong>de</strong> Adm.Pública - - -<br />

PERNAMBUCO Saú<strong>de</strong> Agricultura Energia Transporte Adm.Pública<br />

RIO GRANDE DO NORTE Saú<strong>de</strong> Indústria Transporte Água Adm.Pública<br />

PIAUÍ Saú<strong>de</strong> Transporte Água Agricultura Adm.Pública<br />

MARANHÃO Saú<strong>de</strong> Transporte Agricultura Adm.Pública Água<br />

CEARÁ Transporte Energia Água Agricultura Adm.Pública<br />

Fonte: www.worldbank.org (Elaboração do Autor)<br />

Como foi possível perceber, os projetos ligados ao Alívio da Pobreza Rural carregam<br />

gran<strong>de</strong>s relevâncias durante o período. Sendo assim, percebe-se na tabela 4 a flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses<br />

projetos, ao envolver vários setores, <strong>de</strong>monstrando assim, a real diversida<strong>de</strong> dos projetos e a<br />

busca pelo <strong>de</strong>senvolvimento sustentável.<br />

Nota-se a participação complementar dos gastos com a Administração Pública, Lei e<br />

Justiça em todos os projetos da região, fato este que correspon<strong>de</strong> às preocupações do Banco<br />

Mundial em mobilizar a estrutura do Estado para melhor aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda do mercado e da<br />

população. Com a exceção do projeto no estado da Paraíba, em que há investimentos apenas para<br />

as temáticas da Saú<strong>de</strong> e outros serviços sociais e para a Administração Pública, os <strong>de</strong>mais<br />

projetos revelam a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gastos, que abarcam além dos gastos sociais, os gastos com<br />

104


produção <strong>de</strong> insumos primários, como bem evi<strong>de</strong>ncia o setor <strong>de</strong> Agricultura, Pesca e Florestal, o<br />

setor <strong>de</strong> transporte, para melhorar o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> bens, pessoas e serviços nas áreas rurais do<br />

Nor<strong>de</strong>ste e os gastos <strong>de</strong> infra-estrutura com os recursos hídricos.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O Banco Mundial é consi<strong>de</strong>rado uma das mais relevantes organização internacional e<br />

afirma sua legitimida<strong>de</strong> empiricamente, no processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões dos governos, da<br />

socieda<strong>de</strong> civil e dos <strong>de</strong>bates que cercam a vida acadêmica. Em consonância com os centros <strong>de</strong><br />

pensamentos dos EUA, o Banco enquadra e promove a expansão das idéias em todos os planos e<br />

principalmente aos países em Desenvolvimento. Conforme o sistema econômico sofre alterações<br />

em seu funcionamento, o Banco surge como veículo <strong>de</strong> propagação <strong>de</strong> novas idéias, a citar, as<br />

diretrizes neo-liberais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 80, a oficialização do “Consenso <strong>de</strong> Washington” em<br />

1990, a <strong>de</strong>scentralização do Estado na participação das ativida<strong>de</strong>s econômicas, o reconhecimento<br />

do Estado como mínimo e não fraco para fazer valer as reformas e substratos necessários para o<br />

mercado ser auto-regulado, entre outros.<br />

Nesse estudo, foi perceptível a aplicação <strong>de</strong> projetos em áreas específicas, <strong>de</strong>stinadas à<br />

privatização, mo<strong>de</strong>rnização e/ou <strong>de</strong>scentralização <strong>de</strong> diversas áreas, tais como os recursos<br />

hídricos, os transportes e o Estado em sua participação. No que se refere à Educação, durante o<br />

mesmo período e em a<strong>de</strong>quação às priorida<strong>de</strong>s do governo FHC, o Banco formulou diretrizes<br />

pedagógicas não na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> financiamentos, mas como auxílio técnico, ao<br />

incentivar privatizações <strong>de</strong> forma a tornar o sistema educacional mais “eficiente”, a partir do<br />

pressuposto <strong>de</strong> um “Brasil competitivo”.<br />

Em conformida<strong>de</strong> com essa idéia <strong>de</strong> competição e eficiência, o sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> também<br />

foi alvo <strong>de</strong> privatizações, porém o Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> se manteve público, aproveitando-se<br />

da eficiência no combate ao HIV/AIDS. O setor da Saú<strong>de</strong> e outros Serviços Sociais se faz<br />

presente nos projetos <strong>de</strong> alívio à pobreza rural, com alianças das várias esferas do governo, como<br />

forma <strong>de</strong> tornar esses projetos mais beneficentes que os anteriores, que sofreram críticas quanto<br />

ao dinheiro investido, a aplicabilida<strong>de</strong> e os resultados poucos satisfatórios, quando não, geradores<br />

<strong>de</strong> mais <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.<br />

105


A privatização se faz presente até hoje, porém ele não se enquadra como projeto, mas<br />

como consultorias e participações das Instituições Financeiras Internacionais na constituição das<br />

políticas macroeconômicas não só do Brasil, mas <strong>de</strong> todos os países em <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

O setor da Administração Pública, Lei e Justiça traz um importante instrumento para<br />

<strong>de</strong>bate, no que tange as discussões sobre a agenda da Good Governance, na busca pela<br />

sustentabilida<strong>de</strong> e eficiência das instituições, da socieda<strong>de</strong> civil e da legitimida<strong>de</strong> do governo na<br />

obtenção e aplicação <strong>de</strong> recursos.<br />

Em suma, a análise dos projetos do Banco Mundial no Brasil se revela útil na análise <strong>de</strong><br />

longo prazo, ao abrir espaços para enten<strong>de</strong>r como o organismo atua <strong>de</strong>ntro do Brasil, como estas<br />

estratégias são perpetuadas ao longo dos anos, em diferentes planos e como estas se mostram<br />

como reflexo das mudanças no plano mundial.<br />

106


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ARAÚJO, Vinícius <strong>de</strong> Carvalho. (2005) A Governance como superlativo conceitual da reforma<br />

do Estado. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, Instituto <strong>de</strong> Di<strong>rei</strong>to<br />

Público da Bahia, Nº 3, Set/Out/Nov, 2005, publicado em di<strong>rei</strong>todoestado.com.br<br />

[http://www.di<strong>rei</strong>todoestado.com/<strong>revista</strong>/rere-3-setembro-2005vin%cdcius%20<strong>de</strong>%20carvalho%20ara%dajo.pdf]<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 18/08/2009.<br />

BANCO MUNDIAL. (2002) POLÍTICA DE DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES DO<br />

BANCO MUNDIAL. Banco Mundial.<br />

BANCO MUNDIAL. (2005) O Banco Mundial e o Brasil: uma parceria <strong>de</strong> resultados. Banco<br />

Mundial.<br />

BRASIL. (2004) Projeto VIGISUS II: Mo<strong>de</strong>rnização do Sistema Nacional <strong>de</strong> Vigilância em<br />

Saú<strong>de</strong>.SVS. Publicado em:<br />

[http://dtr2001.sau<strong>de</strong>.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/04_0112_M.pdf] Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

07/08/2009<br />

COELHO, Jaime César. (2002) Economia, po<strong>de</strong>r e influência externa: o grupo Banco Mundial<br />

e as políticas <strong>de</strong> ajustes estruturais na América Latina, nas décadas <strong>de</strong> oitenta e noventa. Tese<br />

(Doutorado em Ciências Sociais) – Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas, Campinas.<br />

GILBERT, Christopher; POWELL, Andrew; VINES, David. (1999) Positioning the World Bank.<br />

The Economic Journal, Vol. 109, nº 459, nov., p.F598-633.<br />

GRIFFITH-JONES, Stephany. (2002). Governance of the World Bank. Publicado em:<br />

[http://www.stephanygj.net/_documents/Governance_of_the_World_Bank._Paper_prepared_for_<br />

DFID.pdf] Disponibilida<strong>de</strong> em 2/10/2008.<br />

KRUPPA, Sonia Maria Portella.(2001) O Banco Mundial e as políticas públicas <strong>de</strong> educação nos<br />

anos 90. In: 24ª Reunião anual da ANPED, 2001, Caxambu. 24ª Reunião anual da ANPED.<br />

KURA, Sulaiman Balarabe. (2008) Towards ‘<strong>rei</strong>nventing government’: the changing perspectives<br />

of <strong>de</strong>mocratic governance for <strong>de</strong>velopment. Public Administration and Development. Nº 28, p.<br />

234-238.<br />

NAÍM, Moisés. (2000).Washington Consensus or Washington Confusion? Fo<strong>rei</strong>gn Policy.<br />

Spring, p.87-103.<br />

PINCUS, Jonathan R.; WINTERS, Jeffrey A. (2002) Reinventing the World Bank. Cornell<br />

University Press.<br />

QUINHÕES, Trajano Augustus Tavares; DOS SANTOS, Gabriel Ferrato. (2003)<br />

Transformações no processo <strong>de</strong> gestão da saú<strong>de</strong> no Brasil. VIII Congreso Internacional <strong>de</strong>l<br />

CLAD sobre la Reforma <strong>de</strong>l Estado y <strong>de</strong> la Administración Pública, Panamá, Outubro, p. 28-31.<br />

107


REGO, José Márcio; MARQUES, Rosa Maria. (orgs) (2000). Teoria da inflação inercial e<br />

políticas <strong>de</strong> estabilização. In: Economia Brasileira. São Paulo: Atlas, p.152-177.<br />

RODRIGUES, Z. A. L.(2006) . As Políticas do Governo FHC (1995-2002) para a Educação.<br />

Revista Eletronica Cesblu, Blumenau-SC.<br />

UGÁ, Vivian Domínguez. (2004). A categoria “pobreza” nas formulações <strong>de</strong> política social do<br />

Banco Mundial. Rev. Sociol. Polít.,Curitiba, 23, Nov. p.55-62.<br />

VILAS, Carlos M. (2000). Más allá <strong>de</strong>l “Consenso <strong>de</strong> Washington”? Um enfoque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> La<br />

política <strong>de</strong> algunas propuestas <strong>de</strong>l Banco Mundial sobre reforma institucional. Revista <strong>de</strong>l<br />

CLAD Reforma y Democracia. Caracas. No. 18. Oct.<br />

WORLD BANK. (2004) BRAZIL: FORGING A STRATEGIC PARTNESHIP FOR<br />

RESULTS – an OED evaluation of World Bank Assistance. The World Bank, Washington.<br />

108


RESUMO<br />

A PAIXÃO NOS UNE? A IDENTIDADE BRASILEIRA E A ESTRATÉGIA DA<br />

CANDIDATURA DO RIO DE JANEIRO AOS JOGOS OLÍMPICOS DE 2016<br />

Thiago Espíndola Lira (UEPB/CNPq/INEU) thiago.espindola@hotmail.com 35<br />

A paixão nos une! Foi nesse bordão e no discurso apaixonado do presi<strong>de</strong>nte Lula em Copenhague<br />

que o Brasil apoiou sua estratégia para vencer as eleições para sediar os Jogos Olímpicos <strong>de</strong><br />

2016; sendo assim, pela primeira vez em toda a história teremos um país Sul-Americano<br />

recebendo as Olimpíadas. Observando que esse acontecimento transcen<strong>de</strong> as questões esportivas<br />

e atinge um nível reconhecidamente político, estudar a forma como o Brasil conduziu a<br />

candidatura torna-se <strong>de</strong> fundamental importância para avaliar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> inserção internacional<br />

adotado pelo país no período atual, que busca romper com o estigma do atraso e da miséria e<br />

atingir um patamar mais influente e consistente <strong>de</strong>ntro do cenário global. O objetivo do presente<br />

artigo consiste em aprofundar os <strong>estudos</strong> sobre a estratégia do Comitê Olímpico Brasileiro<br />

englobando fatores políticos, culturais, econômicos e sociais; tendo como fio condutor o diálogo<br />

realizado pelo governo entre a nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional e a fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento vivenciada<br />

pelo país na nova or<strong>de</strong>m internacional.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Rio 2016. I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> brasileira. Jogos Olímpicos. Nova or<strong>de</strong>m<br />

Internacional.<br />

ABSTRACT<br />

Passion unites us! It was at this staff and at the passionate speech of Presi<strong>de</strong>nt Lula in<br />

Copenhagen that Brazil supported its strategy to win the election to host the 2016 Olympic<br />

Games. So, for the first time in the whole history, a South-America country is going to host the<br />

Olympics. Noting that this fact transcends sports issues and reach a political level, to study how<br />

Brazil has conducted the nomination becomes really important to evaluate the mo<strong>de</strong>l of<br />

35 Alumni do Departamento <strong>de</strong> Estado dos Estados Unidos, Graduando em Relações Internacionais pela<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual da Paraíba – UEPB, Bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e Assistente <strong>de</strong> Pesquisa do Instituto Nacional <strong>de</strong> Estudos sobre<br />

os Estados Unidos – INEU, <strong>de</strong>senvolvendo pesquisa a respeito da política estaduni<strong>de</strong>nse da Era Bush <strong>de</strong> combate ao<br />

terrorismo a partir do posicionamento da ONU com relação aos prisioneiros da Baía <strong>de</strong> Guantánamo.<br />

109


international insertion adopted by the country in the current period; a mo<strong>de</strong>l that seeks to break<br />

the stigma of backwardness and poverty and achieve a level more consistent and influential<br />

within the global scenario. The aim of this paper is to <strong>de</strong>epen the studies on the strategy of the<br />

Brazilian Olympic Committee, encompassing political, cultural, economic and social aspects. We<br />

are going to take as a gui<strong>de</strong> the dialogue promoted by our government between the history of our<br />

national i<strong>de</strong>ntity and the contemporary phase of <strong>de</strong>velopment experienced by our country in the<br />

new international or<strong>de</strong>r.<br />

KEYWORDS: Rio 2016. Brazilian I<strong>de</strong>ntity. Olympic Games. New International Or<strong>de</strong>r.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O ano <strong>de</strong> 2009 representa um marco para a história dos Jogos Olímpicos, pela primeira o<br />

Comitê Olímpico Internacional (COI) elegeu, com 66 dos 98 votos, um país Sul-Americano<br />

como se<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma Olimpíada, mais precisamente a cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro para os Jogos <strong>de</strong><br />

Verão <strong>de</strong> 2016. A candidatura brasileira <strong>de</strong>rrotou no pleito final, que contou até com a presença<br />

do badalado presi<strong>de</strong>nte estaduni<strong>de</strong>nse Barack Obama, outras três cida<strong>de</strong>s 36 <strong>de</strong> países que<br />

pertencem ao eixo do “norte”, nomenclatura genericamente utilizada para <strong>de</strong>finir os países mais<br />

“<strong>de</strong>senvolvidos” e consequentemente mais acostumados a sediar as Olimpíadas.<br />

A vitória do Brasil não só introduziu o continente Sul-Americano na história dos Jogos,<br />

como também representou um significativo passo <strong>de</strong> inserção internacional do nosso país,<br />

rompendo bar<strong>rei</strong>ras da <strong>de</strong>sconfiança e atestando nossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar um evento do porte<br />

das Olimpíadas. Se durante muito tempo o Brasil foi visto apenas como um país atrasado, com<br />

uma economia instável, dotado <strong>de</strong> uma profunda miséria e altos níveis <strong>de</strong> violência, cujos únicos<br />

motivos <strong>de</strong> orgulho eram o futebol, o carnaval e as praias; a <strong>de</strong>cisão do Comitê Olímpico<br />

Internacional, que representa a visão <strong>de</strong> uma pequena e significativa representação da opinião<br />

pública internacional, eleva o Brasil a um novo patamar <strong>de</strong>ntro do cenário internacional. Nas<br />

palavras do nosso presi<strong>de</strong>nte: “O Brasil sempre foi gran<strong>de</strong> e importante, mas precisava <strong>de</strong>ssas<br />

Olimpíadas como uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio.” (LULA DA SILVA, 2009a)<br />

36 Tóquio no Japão, Chicago nos Estados Unidos e Madri na Espanha.<br />

110


Além <strong>de</strong> apresentar um breve histórico das Olimpíadas sob um viés político, o objetivo<br />

<strong>de</strong>ste artigo insere-se <strong>de</strong>ntro do contexto exposto acima: admitindo que o governo brasileiro<br />

adotou um posicionamento durante a campanha que ia além <strong>de</strong> motivações esportivas,<br />

buscaremos enten<strong>de</strong>r mais profundamente qual a estratégia política utilizada pelo país nesse<br />

período singular <strong>de</strong> nossa história, que parece caminhar na direção <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

inserção internacional progressivamente autônomo.<br />

Quando o presi<strong>de</strong>nte Lula discursava “apaixonadamente” no dia da escolha da cida<strong>de</strong><br />

vencedora, em Copenhague na Dinamarca, um dos argumentos utilizados para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o projeto<br />

brasileiro consistia em apelar para a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do povo brasileiro, um “povo <strong>de</strong> misturados” que<br />

gosta muito <strong>de</strong> ser assim, capaz, segundo o mesmo, <strong>de</strong> conviver bem com o “diferente”;<br />

convivência essa que vem sendo um dos principais <strong>de</strong>safios do mundo contemporâneo,<br />

essencialmente marcado pela intolerância entre as diferentes raças e religiões.<br />

Essa utilização, por parte das elites políticas, <strong>de</strong> possíveis valores que seriam inerentes ao<br />

povo brasileiro visando alcançar <strong>de</strong>terminados objetivos políticos também receberá significativo<br />

<strong>de</strong>staque ao longo do nosso trabalho. Procuraremos analisar se essa já não é uma prática comum<br />

ao longo <strong>de</strong> nossa história e pormenorizaremos <strong>de</strong> que forma essa prática foi particularmente<br />

utilizada no caso da candidatura brasileira aos Jogos <strong>de</strong> 2016.<br />

Ao tratar a vitória do Rio <strong>de</strong> Janeiro majoritariamente como um marco positivo <strong>de</strong><br />

inserção internacional para o Brasil, o presente trabalho não esquece os pontos polêmicos que<br />

envolvem esse fato, como a ausência <strong>de</strong> um plano mais incisivo <strong>de</strong> solução dos problemas<br />

internos do país: a crescente violência, as nossas intermináveis <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e nossos<br />

altos índices <strong>de</strong> corrupção, que po<strong>de</strong>m aumentar com a realização das obras olímpicas. Mesmo<br />

enten<strong>de</strong>ndo que a discussão <strong>de</strong>sses pontos críticos seja <strong>de</strong> fundamental importância para a<br />

realização dos Jogos e também para o <strong>de</strong>senvolvimento do nosso país, o artigo volta-se<br />

primordialmente para o impacto internacional da candidatura carioca e para a estratégia utilizada<br />

pelo governo brasileiro.<br />

“A paixão nos une” era o tema do principal ví<strong>de</strong>o da apresentação brasileira em<br />

Copenhague! Mas qual paixão? E, sobretudo, quem realmente somos nós?<br />

111


A POLITIZAÇÃO DOS JOGOS OLÍMPICOS<br />

A história dos Jogos nos remete para a Grécia antiga no século VIII a.C., on<strong>de</strong> as<br />

Olimpíadas surgiram diretamente associadas a um festival religioso <strong>de</strong> culto ao <strong>de</strong>us Zeus, com<br />

isso, muitos estudiosos afirmam que a promoção <strong>de</strong> valores como o bom relacionamento e a<br />

unida<strong>de</strong> entre os povos foram herdados <strong>de</strong> princípios religiosos. Também data <strong>de</strong>ssa época a<br />

“Ekecheiria”, expressão grega que simboliza uma espécie <strong>de</strong> “Trégua Olimpíca” on<strong>de</strong> as<br />

autorida<strong>de</strong>s locais faziam um acordo <strong>de</strong> paz durante o período <strong>de</strong> realização dos Jogos e as<br />

rivalida<strong>de</strong>s entre as cida<strong>de</strong>s ficavam suspensas.<br />

O evento acontecia na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Olímpia, região do Peloponeso que se caracterizava<br />

como um pólo político e religioso da época, com disputas <strong>de</strong> corrida, equitação, manipulação <strong>de</strong><br />

armas <strong>de</strong> guerra, boxe, salto em distância, arremesso <strong>de</strong> disco, entre outros. Uma norma<br />

interessante datada <strong>de</strong>ssa época é que qualquer cidadão grego po<strong>de</strong>ria participar dos jogos,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua posição social. As mulheres, entretanto, tinham essa participação vedada:<br />

apenas as solteiras tinham o di<strong>rei</strong>to mínimo <strong>de</strong> assistir aos eventos e por vezes participar das<br />

competições como convidadas. A troca <strong>de</strong> “cida<strong>de</strong>s” pelas quais se competia também era<br />

permitida, fazendo com que alguns casos particulares <strong>de</strong> revoltas populares entrassem para<br />

história, como, por exemplo, o que aconteceu com Astylos em 484 a. C., que ao trocar Kroton<br />

por Syracuse teve sua estátua <strong>de</strong>molida e sua casa transformada em prisão 37 .<br />

As Olimpíadas continuaram acontecendo a cada 4 anos até 393 d.C. quando foram<br />

suspensas pelo imperador Teodósio I, por serem entendidas como uma manifestação pagã<br />

incompatível com os i<strong>de</strong>ais do cristianismo que estavam sendo adotados pelo Império Romano<br />

ascen<strong>de</strong>nte.<br />

Escondidos no esquecimento por 1500 anos, os Jogos foram resgatados por iniciativa <strong>de</strong><br />

um aristocrata francês que em 1892 apresentou-se num congresso internacional na Sorbonne para<br />

propor a reorganização <strong>de</strong> um evento <strong>de</strong>sportivo internacional periódico que pu<strong>de</strong>sse celebrar a<br />

paz entre as nações, visto que a França acabava <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> uma guerra com a Alemanha. Des<strong>de</strong><br />

então, o Barão <strong>de</strong> Coubertin é então consi<strong>de</strong>rado o “pai” das Olimpíadas mo<strong>de</strong>rnas, que além <strong>de</strong><br />

propor a iniciativa também foi o fundador do Comitê Olímpico Internacional (COI) em 1896,<br />

entida<strong>de</strong> que presidiu por 29 anos. Criador da máxima: “o importante não é vencer, mas<br />

37 Fatos sobre as Olimpíadas da Antiguida<strong>de</strong> disponíveis em: http://en.beijing2008.cn/78/74/article211987478.shtml.<br />

112


competir”, em 1938 Coubertin teve seu coração enterrado próximo às ruínas <strong>de</strong> Olímpia, na<br />

Grécia.<br />

O então ministro da Cultura Grego assim se pronunciou sobre o fato: “Seu coração está,<br />

neste momento, <strong>de</strong>positado no solo sagrado <strong>de</strong> Olímpia... Um bloco <strong>de</strong> mármore helênico<br />

branco... marcará para sempre a sua passagem iluminada neste mundo e consagrará a memória <strong>de</strong><br />

suas lutas pelos Jogos Olímpicos. 38 ” (GEORGACOPOULOS apud LUCAS, 2001, p.2, tradução<br />

nossa)<br />

A partir <strong>de</strong> 1896 temos então o início dos “Jogos Mo<strong>de</strong>rnos” que perduram até os dias<br />

atuais, tendo sido interrompidos apenas no período das duas gran<strong>de</strong>s guerras mundiais (1916,<br />

1940 e 1946). Essa consolidação das Olimpíadas como um evento mundial e periódico contribuiu<br />

significativamente para que fatores extra-esportivos alterassem a importância e a relação dos<br />

Jogos para com a humanida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, aspectos políticos passaram a ganhar cada vez mais<br />

<strong>de</strong>staque nas diversas edições contemporâneas, <strong>de</strong>ixando muitas vezes o próprio esporte em<br />

segundo plano.<br />

O racismo foi uma das questões que sempre esteve em pauta durante a realização das<br />

Olimpíadas. No ano <strong>de</strong> 1936, por exemplo, durante a realização Jogos <strong>de</strong> Berlim, o chanceler<br />

alemão Adolf Hitler queria utilizar-se das Olimpíadas para comprovar a superiorida<strong>de</strong> da raça<br />

ariana e promover o nazismo, optando então por retirar-se do estádio para não ter que<br />

cumprimentar o atleta negro norte-americano Jesse Owens por sua vitória frente um dos gran<strong>de</strong>s<br />

atletas alemães, Lutz Long 39 . Outro fato marcante relacionado ao racismo aconteceu na Cida<strong>de</strong><br />

do México (1968), quando os atletas estaduni<strong>de</strong>nses Tommie Smith e John Carlos subiram ao<br />

pódio usando luvas pretas e mantiveram os punhos cerrados e erguidos para protestar contra o<br />

preconceito racial que imperava nos Estados Unidos.<br />

Um dos temas mais temidos da atualida<strong>de</strong> também manchou a história dos Jogos<br />

Olímpicos <strong>de</strong> Munique (1972), o terrorismo. Tudo estava sendo programado para refazer a<br />

imagem alemã que estava <strong>de</strong>sgastada após as Olimpíadas <strong>de</strong> Berlim, e Munique <strong>de</strong>veria ficar<br />

marcada como a cida<strong>de</strong> que sediaria os “Jogos da Paz”, mas os fatos se suce<strong>de</strong>ram <strong>de</strong> uma<br />

maneira inesperada e infeliz. Em 5 <strong>de</strong> setembro, oito terroristas da facção palestina Setembro<br />

38 Your heart is at this moment <strong>de</strong>posited on the sacred soil of Olympia... A block of white Hellenic marble... will for<br />

ever mark your illuminated passage in this world and will consecrate the memory of your struggles for the Olympic<br />

Games.<br />

39 Alguns estudiosos chegam afirmar que esse fato não passa <strong>de</strong> um mito. Para maiores esclarecimentos consulte o<br />

artigo <strong>de</strong> Rick Shenkman disponível em: http://hnn.us/articles/571.html.<br />

113


Negro invadiram a vila olímpica e após matarem dois atletas fizeram nove israelenses como<br />

reféns, exigindo a libertação <strong>de</strong> prisioneiros palestinos como condição para o fim do seqüestro.<br />

Além do ato em si, os terroristas pretendiam utilizar <strong>de</strong> um evento <strong>de</strong> proporções globais para<br />

divulgar a luta pela in<strong>de</strong>pendência da Palestina, fato que tornou as negociações bem mais<br />

complicadas. A espetacularização promovida pela mídia inaugurou uma espécie <strong>de</strong> terrorismo<br />

mo<strong>de</strong>rno, que passaria a adotar essa estratégia na realização <strong>de</strong> seus atentados. O fracasso da<br />

tentativa <strong>de</strong> resgate por parte da polícia alemã resultou na morte <strong>de</strong> todos os reféns israelenses.<br />

Outro elemento político que afetou diretamente a consolidação dos Jogos Olímpicos como<br />

um evento <strong>de</strong> promoção da paz e da integração, foi representado pelos boicotes realizados ao<br />

longo da Guerra Fria. Em Montreal (1976), a Tanzânia li<strong>de</strong>rou um grupo <strong>de</strong> 28 países africanos<br />

que pretendiam chamar a atenção para o apartheid na África do Sul. Já em Moscou (1980), foi a<br />

vez dos Estados Unidos li<strong>de</strong>rarem um boicote <strong>de</strong> 62 países para protestar contra a invasão do<br />

Afeganistão pela União Soviética, <strong>de</strong>ixando para história uma das cenas mais marcantes dos<br />

Jogos quando um painel humano encenou o choro da mascote dos Jogos, a ursinha Misha. Os<br />

soviéticos, por sua vez, alegaram questões <strong>de</strong> segurança para não participarem dos jogos<br />

seguintes em Los Angeles (1984). Todas essas tentativas citadas trouxeram pouco ou nenhum<br />

resultado político, fazendo apenas com que a essência dos Jogos fosse marginalizada.<br />

É fato que evidências negativas do jogo político que envolve as Olimpíadas ganham bem<br />

mais <strong>de</strong>staque na mídia e na memória das massas, como por exemplo, a constatação <strong>de</strong> que a<br />

lógica dos Jogos da antiguida<strong>de</strong>, quando a guerra parava para realização das olimpíadas,<br />

encontra-se invertida; mas enten<strong>de</strong>mos que também alguns aspectos positivos merecem <strong>de</strong>staque<br />

especial ao longo do trabalho.<br />

Uma das mais significativas tradições da era antiga está sendo revivida nos jogos<br />

contemporâneos e vem transformando <strong>de</strong> forma extremamente benéfica o cenário político<br />

internacional, trata-se da “Ekecheiria”. Esse tradição <strong>de</strong> trégua <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>s entre nações<br />

adversárias durante a realização das Olimpíadas, levou o Comitê Olímpico Internacional em<br />

parceria com as Nações Unidas a <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992 iniciativas que promovessem valores<br />

comuns durante a realização dos jogos mo<strong>de</strong>rnos e em 2000 aconteceu a criação da Fundação<br />

Internacional para a Trégua Olímpica 40 . Essa entida<strong>de</strong> tem como objetivos:<br />

40 International Olympic Truce Foundation - IOTF<br />

114


a) promover os i<strong>de</strong>ais Olímpicos para servir a paz, a amiza<strong>de</strong> e a compreensão no<br />

mundo, e em particular, promover a antiga tradição grega <strong>de</strong> Trégua Olímpica.<br />

b) iniciar a prevenção e a resolução <strong>de</strong> conflitos através do esporte, da cultura e dos<br />

i<strong>de</strong>ais Olímpicos, através da cooperação com todas as organizações intergovernamentais<br />

ou não-governamentais especializadas nesse campo, <strong>de</strong>senvolvendo<br />

programos educativos e <strong>de</strong> pesquisa, e lançando campanhas para promover a Trégua<br />

Olímpica. 41 (International Olympic Truce Foundation, 2000)<br />

Esse esforço concentrado do COI e da ONU para promoção <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong> paz através<br />

do esporte já foi capaz <strong>de</strong> nos oferecer admiráveis exemplos <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> entre as nações. Po<strong>de</strong>mos<br />

observar em Barcelona (1992) que mesmo enfrentando sanções da ONU <strong>de</strong>vido a sua guerra<br />

civil, os atletas Iugoslavos pu<strong>de</strong>ram participar das Olimpíadas como “participantes olímpicos<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes”, nos dando um belo exemplo <strong>de</strong> espírito esportivo. No entanto, a cena que<br />

notadamente entrou para história das Olimpíadas e da humanida<strong>de</strong> foi a da abertura dos jogos <strong>de</strong><br />

Sidney (2000), quando mesmo que competindo separadas, as <strong>de</strong>legações das duas Coréias<br />

<strong>de</strong>sfilaram juntas sob uma única ban<strong>de</strong>ira pela primeira vez, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado décadas <strong>de</strong><br />

conflitos e <strong>de</strong>sentendimentos políticos, militares e i<strong>de</strong>ológicos. Mesmo que em Pequim (2008) as<br />

Coréias tenham optado por participarem da abertura <strong>de</strong> forma separada, imagens como a da<br />

Olimpíada <strong>de</strong> Sidney nos <strong>de</strong>ixaram a esperança <strong>de</strong> que propor a unida<strong>de</strong>, o diálogo e a tolerância<br />

através do esporte po<strong>de</strong> se concretizar como uma proposta viável e efetiva.<br />

Se o boicote nos traz tristeza e lamentações, o fim do boicote também é motivo <strong>de</strong> alegria<br />

por representar um recomeço, e assim aconteceu também em Barcelona (1992): sob o slogan <strong>de</strong><br />

“Amigos por toda a Vida” e após a queda do Muro <strong>de</strong> Berlim, esse Jogos representaram a volta<br />

da participação maciça dos países e serviram <strong>de</strong> exemplo prático <strong>de</strong> como as Olimpíadas po<strong>de</strong>m<br />

contribuir para o restabelecimento da paz e o fim das hostilida<strong>de</strong>s.<br />

Essa série <strong>de</strong> fatos positivos e negativos apresentados acima nos <strong>de</strong>monstra o incessante<br />

processo <strong>de</strong> politização pelo qual os Jogos Olímpicos vêm passando, um processo que é<br />

perceptível <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a origem das Olimpíadas, mas que entra cada vez mais em evidência. O nosso<br />

<strong>de</strong>safio passa agora a tentarmos enten<strong>de</strong>r como Brasil se utilizou <strong>de</strong>sse contexto para alcançar<br />

benefícios <strong>de</strong>ntro do cenário internacional, <strong>de</strong>stacando inicialmente como a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional<br />

vem sendo usada como estratégica política em nosso país.<br />

41 a) To promote the Olympic i<strong>de</strong>als to serve peace, friendship and un<strong>de</strong>rstanding in the world, and in particular, to<br />

promote the ancient Greek tradition of the Olympic Truce; b) To initiate conflict prevention and resolution through<br />

sport, culture and the Olympic i<strong>de</strong>als, by cooperating with all inter and non-governmental organisations specialised<br />

in this field, by <strong>de</strong>veloping educational and research programmes, and by launching communications campaigns to<br />

promote the Olympic Truce.<br />

115


IDENTIDADE NACIONAL E ESTRATÉGIA POLÍTICA<br />

A idéia <strong>de</strong> nação é fortemente permeada pelo subjetivo, por um sentimento muitas vezes<br />

pessoal cujas raízes são <strong>de</strong> difícil acesso, sendo extremamente complicada a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um<br />

conceito que realmente represente a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse imaginário coletivo. Ciente da evolução da<br />

idéia <strong>de</strong> nação, que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a unida<strong>de</strong> ética até a recente associação ao campo político, e da<br />

incapacida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>finições objetivas traduzirem com veracida<strong>de</strong> o que representa a “nação”<br />

propriamente dita, Hobsbawm simplifica esse problema, tratando-a como “qualquer corpo <strong>de</strong><br />

pessoas suficientemente gran<strong>de</strong> cujos membros consi<strong>de</strong>ram-se como membros <strong>de</strong> uma nação”<br />

(HOBSBAWM, 1991, p.18), sendo essa a postura igualmente adotada neste artigo.<br />

Essa idéia <strong>de</strong> um imaginário nacional compartilhado por um grupo relativamente<br />

significativo <strong>de</strong> pessoas é <strong>de</strong> fundamental importância para realizarmos a análise a que estamos<br />

nos propondo. Num mundo contemporâneo marcado por um tremendo individualismo é<br />

interessante pensar com um jogo <strong>de</strong> idéias po<strong>de</strong> ser capaz gerar <strong>de</strong>terminados padrões <strong>de</strong><br />

comportamento coletivos. O alcance <strong>de</strong>sse sentimento po<strong>de</strong> ser exemplificado nas seguintes<br />

palavras <strong>de</strong> Duroselle: “os valores são uma das gran<strong>de</strong>s forças que agem sobre as comunida<strong>de</strong>s<br />

humanas. São idéias ou sistemas <strong>de</strong> idéias pelos quais com maior ou menor entusiasmo o homem<br />

está pronto para sacrificar seu interesse pessoal” (DUROSELLE apud PECEQUILO, 2004, p.<br />

108).<br />

Ao tratar do tema das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, as nacionais e, sobretudo, as regionais, Fareed Zakaria<br />

as enten<strong>de</strong> como “traços <strong>de</strong>finidores da vida. É o que <strong>de</strong>termina o voto das pessoas e aquilo pelo<br />

qual dão sua vida.” (ZAKARIA, 2008, p. 49) Portanto, se temos essa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como inegável<br />

fonte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político, se faz necessário estar atento aos mecanismos que po<strong>de</strong>m ser utilizados<br />

para criá-la, controlá-la e até mesmo forjá-la. Atentamos também uma visão extremamente crítica<br />

<strong>de</strong> Gellner, on<strong>de</strong> o mesmo afirma que “o nacionalismo não é o <strong>de</strong>spertar das nações para<br />

autoconsciência: ele inventa nações on<strong>de</strong> elas não existem” (GELLNER apud ANDERSON,<br />

1989, p. 14). A partir <strong>de</strong> então, po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar alguns <strong>de</strong>sses aspectos essencialmente<br />

políticos também ao longo da constituição <strong>de</strong> nosso país.<br />

Antes <strong>de</strong> tudo, caracterizemos o termo brasileiro. Um dos mais respeitáveis estudiosos da<br />

área, Darcy Ribeiro, sugere que ele surge “quando começou a plasmar-se a configuração<br />

116


histórico-cultural nova, que envolveu seus componentes em um mundo não apenas diferente, mas<br />

oposto ao do índio, ao do português e ao do negro” (RIBEIRO, 2006, p. 114). O autor afirma<br />

também que o gran<strong>de</strong> fruto do processo <strong>de</strong> colonização foi a formação do povo brasileiro,<br />

consolidado a partir da In<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> nosso país; que representou o rompimento com a<br />

estrutura social e política em vigência até então conduzida Pacto Colonial.<br />

Já no ano <strong>de</strong> 1838, logo após a In<strong>de</strong>pendência, tivemos a criação do Instituto Histórico e<br />

Geográfico Brasileiro – IHGB, órgão com a função <strong>de</strong> criar uma “História do Brasil” que teve<br />

sua atuação assim caracterizada por Claudia Regina Callari:<br />

Aos intelectuais do IHGB competia, portanto, a <strong>de</strong>finição do projeto da nação <strong>de</strong> que se<br />

falava. Esse projeto nacional incluía, além da <strong>de</strong>fesa da Monarquia, a apologia da<br />

centralização (o que se refletia na própria concepção do IHGB como núcleo produtor <strong>de</strong><br />

saber) e do catolicismo, alicerce da nacionalida<strong>de</strong>. O caminho para a tão almejada<br />

civilização, pensada segundo os mol<strong>de</strong>s europeus, <strong>de</strong>veria passar, inevitavelmente, pela<br />

educação, elemento fundamental na unificação i<strong>de</strong>ológica das elites. (CALLARI, 2001,<br />

p. 66-67)<br />

Data também <strong>de</strong>sse período pós-colonial o esforço por parte <strong>de</strong> alguns setores em<br />

promover a i<strong>de</strong>ntificação da socieda<strong>de</strong> brasileira com ícones nacionais. Já em 1857, com o<br />

político e escritor José <strong>de</strong> Alencar, a literatura construía um herói nacional que representasse para<br />

o Brasil aquilo que os cavaleiros medievais representavam para a Europa. Foi então que no<br />

romance indianista “O Guarani” surgiu a figura <strong>de</strong> Peri, um índio brasileiro que possuía quase<br />

todas as qualida<strong>de</strong>s físicas e mentais imagináveis para um ser humano, sendo, portanto, digno <strong>de</strong><br />

admiração e referência para povo brasileiro da época.<br />

Outro ícone da história do nosso país foi <strong>de</strong>smitificado para o gran<strong>de</strong> público em<br />

reportagem do “Fantástico” <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007. Apoiada no trabalho <strong>de</strong> historiadores, a<br />

reportagem afirma que Tira<strong>de</strong>ntes permaneceu na obscurida<strong>de</strong> até a Proclamação da República,<br />

quando os pensadores positivistas encontraram nele uma personificação dos i<strong>de</strong>ais republicanos,<br />

mitificando sua biografia e transformando a data <strong>de</strong> sua morte no primeiro feriado da república<br />

brasileira. A gran<strong>de</strong> “novida<strong>de</strong>” é que, ao contrário do que se percebe na moeda <strong>de</strong> 5 centavos <strong>de</strong><br />

real em vigor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1998, Joaquim José da Silva Xavier não possuía barba nem cabelos<br />

compridos pelo fato <strong>de</strong> ser um alferes e por tais costumes serem proibidos nos presídios da época.<br />

Essa associação com a face <strong>de</strong> Jesus Cristo mostra o interesse e a necessida<strong>de</strong> da nação possuir<br />

um herói que possa lhe servir <strong>de</strong> exemplo nos momentos mais difíceis; foi nesse intuito que o<br />

117


General Castelo Branco, após golpe militar <strong>de</strong> 1964, teve como uma <strong>de</strong> suas primeiras medidas<br />

<strong>de</strong>clarar Tira<strong>de</strong>ntes como o patrono da Pátria Brasileira.<br />

Apoiados nesses fatos pontuais po<strong>de</strong>mos afirmar que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional foi usada<br />

como instrumento político por diversas vezes ao longo da história brasileira, não sendo o discurso<br />

do presi<strong>de</strong>nte Lula na Dinamarca, voltado para a exaltação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados valores que<br />

pertenceriam ao nosso imaginário coletivo, uma novida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nossa história político-<br />

cultural.<br />

Tentemos agora pormenorizar a estratégia do governo brasileiro visando fazer do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro a cida<strong>de</strong>-se<strong>de</strong> dos Jogos Olímpicos <strong>de</strong> 2016.<br />

A CANDIDATURA BRASILEIRA<br />

O processo que resultou na escolha do Rio <strong>de</strong> Janeiro como se<strong>de</strong> das Olimpíadas <strong>de</strong> 2016<br />

iniciou-se em maio <strong>de</strong> 2007 quando o COI pediu que todos os países interessados em sediar os<br />

Jogos lançassem suas propostas para respectiva avaliação. As propostas apresentadas foram <strong>de</strong><br />

Baku (Azerbaijão), Doha (Qatar), Praga (República Tcheca), Chicago (Estados Unidos), Madri<br />

(Espanha), Tóquio (Japão) e Rio <strong>de</strong> Janeiro (Brasil); e após <strong>de</strong>cisão anunciada pelo COI em<br />

Junho <strong>de</strong> 2008, apenas as quatro ultimas permaneceram na disputa.<br />

Em seguida, as quatro cida<strong>de</strong>s restantes passaram pelo período <strong>de</strong> inspeção dos membros<br />

do COI, quando a candidatura do Rio <strong>de</strong> Janeiro foi amplamente favorecida pelo fato da visita<br />

dos técnicos <strong>internacionais</strong> coincidir com o feriado <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> maio, dia em que o trânsito carioca<br />

estava bem mais calmo que o normal. Ao contrário <strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s, no Rio não aconteceram<br />

protestos significativos e a cida<strong>de</strong> também passou por um “processo <strong>de</strong> embelezamento”, quando<br />

ambulantes e sem-tetos foram retirados das ruas.<br />

Janeiro:<br />

A chefe da comitiva do COI assim <strong>de</strong>finiu a passagem dos avaliadores pelo Rio <strong>de</strong><br />

Estamos muito impressionados com o que o Rio po<strong>de</strong> oferecer ao movimento olímpico.<br />

Em nossa estadia, vimos a unida<strong>de</strong> do time <strong>de</strong> candidatura sob li<strong>de</strong>rança do COB e o<br />

alinhamento dos três níveis <strong>de</strong> governo com o presi<strong>de</strong>nte Lula, o governador (Sérgio)<br />

Cabral e o prefeito (Eduardo) Paes. O trabalho do comitê <strong>de</strong> candidatura foi profissional,<br />

mostrou trabalho duro e foram hospitaleiros. (MOUTAWAKEL apud DORO, 2009)<br />

118


Rapidamente a candidatura do Rio tornou-se a candidatura <strong>de</strong> todo o país, e ao longo do<br />

período <strong>de</strong> campanha <strong>de</strong>clarações na impressa internacional foram dando força ao projeto<br />

brasileiro, que sempre figurou entre os favoritos nas principais casas <strong>de</strong> aposta do mundo. Esse<br />

cenário favorável ao país acabou criando gran<strong>de</strong>s expectativas em torno <strong>de</strong> uma vitória que<br />

praticamente não foi cogitada nas três tentativas anteriores 42 .<br />

Também o nosso legislativo contribuiu para engran<strong>de</strong>cer a candidatura brasileira<br />

aprovando por <strong>de</strong>finitivo o Ato Olímpico em setembro <strong>de</strong> 2009, documento que ratifica e 64<br />

garantias por parte do Governo Fe<strong>de</strong>ral relacionadas ao projeto do Rio <strong>de</strong> Janeiro para os Jogos<br />

Olímpicos e Paraolímpicos <strong>de</strong> 2016. Esse fato relaciona-se diretamente com o conceito <strong>de</strong> “Jogos<br />

<strong>de</strong> Dois Níveis” <strong>de</strong> Putnam(1993), on<strong>de</strong> o autor exalta a participação <strong>de</strong> meio doméstico como<br />

um importante instrumento <strong>de</strong> barganha no âmbito das relações <strong>internacionais</strong>; no caso do Ato<br />

Olímpico, utilizado para favorecer e fortalecer a proposta da candidatura brasileira.<br />

Chegado o dia da escolha da cida<strong>de</strong>-se<strong>de</strong>, o Brasil montou uma verda<strong>de</strong>ira “seleção” para<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a sua candidatura frente aos <strong>de</strong>mais membros do COI. Discursaram o Presi<strong>de</strong>nte do<br />

Banco Central, Henrique Meireles, exaltando a estabilida<strong>de</strong> da economia brasileira e as<br />

expectativas <strong>de</strong> crescimento até 2016; o prefeito Eduardo Paes e governador Sérgio Cabral, que<br />

mostraram a união dos diferentes níveis <strong>de</strong> governo em torno do projeto brasileiro e a viabilida<strong>de</strong><br />

estratégica da candidatura para o <strong>de</strong>senvolvimento da cida<strong>de</strong> e do estado; a medalhista olímpica<br />

Isabel Swan, ressaltando sua relação com a cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro enquanto atleta; o membro<br />

<strong>de</strong>cano do COI e ex-presi<strong>de</strong>nte da Fifa, João Havelange, mostrando vitalida<strong>de</strong> ao comentar o<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> comemorar seu centésimo aniversário no ano em que o Brasil po<strong>de</strong>ria receber as<br />

Olimpíadas; e o presi<strong>de</strong>nte do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, e o<br />

secretário geral da candidatura do Rio 2016, Carlos Roberto Osório, que aprofundaram os<br />

<strong>de</strong>talhes técnicos e práticos a respeito da proposta brasileira.<br />

Entretanto, o “capitão do time” era realmente o presi<strong>de</strong>nte Lula, e analisando o seu<br />

discurso, no que pelo mesmo foi <strong>de</strong>finido como “talvez o dia mais emocionante da minha vida, o<br />

dia aon<strong>de</strong> senti muito mais orgulho <strong>de</strong> ser brasileiro do que eu já sentia” (LULA DA SILVA,<br />

2009b), po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r bem o verda<strong>de</strong>iro sentido atribuído pelo governo brasileiro à<br />

candidatura da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Enquadrando-se como portador da “esperança e dos<br />

42 Brasília em 2000, e Rio <strong>de</strong> Janeiro em 2004 e 2012.<br />

119


sonhos <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 190 milhões <strong>de</strong> brasileiros” (LULA DA SILVA, 2009a) fica claro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> início<br />

o forte apelo emocional da fala do presi<strong>de</strong>nte.<br />

O argumento <strong>de</strong> Lula gira em torno não só da capacida<strong>de</strong> estrutural do país para receber<br />

as Olimpíadas, mas, sobretudo, na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional do povo brasileiro, altamente compatível<br />

com os i<strong>de</strong>ais olímpicos. Para o presi<strong>de</strong>nte,<br />

somos um povo apaixonado pelo esporte, apaixonado pela vida... não só somos um povo<br />

misturado, mas um povo que gosta muito <strong>de</strong> ser misturado, é o que faz nossa<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>... é hora <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r a pira olímpica num país tropical... para o movimento<br />

olímpico [será] uma oportunida<strong>de</strong> sentir o calor do nosso povo, a exuberância da nossa<br />

cultura, o sol da nossa alegria... as portas do Brasil estão abertas para a maior festa da<br />

humanida<strong>de</strong>... os Jogos Olímpicos do Rio serão inesquecíveis, pois estarão cheios da<br />

paixão, da alegria e da criativida<strong>de</strong> do povo brasileiro. (LULA DA SILVA, 2009a,<br />

grifos nossos)<br />

O discurso <strong>de</strong> Lula <strong>de</strong>ixa claro que a gran<strong>de</strong> estratégia do país é apelar exatamente para a<br />

nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, permeando seus argumentos com palavras como alegria, calor e paixão.<br />

Repetindo, <strong>de</strong>ssa forma, uma prática que foi adotada ao longo <strong>de</strong> vários momentos <strong>de</strong> nossa<br />

história, <strong>de</strong>sta vez buscando não só o consenso nacional como também vantagens na inserção<br />

internacional. A apresentação brasileira nos colocou diante <strong>de</strong> um país emergente que <strong>de</strong>monstra<br />

cumprir os requisitos estruturais para sediar uma Olimpíada, e que além <strong>de</strong> tudo ainda resguarda<br />

valores como a felicida<strong>de</strong>, a simpatia e a criativida<strong>de</strong>; num contexto <strong>de</strong>sses quem não gostaria <strong>de</strong><br />

ser brasileiro?<br />

A fala do presi<strong>de</strong>nte foi imediatamente seguida por um ví<strong>de</strong>o cujo bordão era “Viva sua<br />

paixão”, tentando retratar o quão bem acolhido seria aquele que, seja qual fosse a sua<br />

naturalida<strong>de</strong>, viesse participar dos Jogos Olímpicos na “Cida<strong>de</strong> Maravilhosa”. Propondo também<br />

que o mundo estará junto como nunca antes quando cada um permitir que a “paixão nos una”.<br />

Confirmada a vitória o Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lula diverte-se na coletiva <strong>de</strong> imprensa ao<br />

comentar que os membros da equipe brasileira tentavam <strong>de</strong>scobrir se o presi<strong>de</strong>nte do COI,<br />

Jacques Rogge, gostava ou não <strong>de</strong> brasileiros a partir do fato <strong>de</strong>le sorrir ou não, ressaltando essa<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> brasileira como a gran<strong>de</strong> força da campanha. Ainda na coletiva <strong>de</strong> imprensa, para o<br />

presi<strong>de</strong>nte “tinha uma coisa que faltava para o Brasil, nós fomos um país que fomos colonizados<br />

e pelo fato <strong>de</strong> termos sido colonizados nós tínhamos manias <strong>de</strong> ser pequenos, tínhamos mania <strong>de</strong><br />

não sermos importante, nós sempre achávamos que os outros podiam e que a gente não podia.”<br />

(LULA DA SILVA, 2009b) Lula <strong>de</strong>monstra, <strong>de</strong>ssa forma, plena consciência <strong>de</strong> todos os fatores<br />

120


históricos que estavam em jogo naquele momento, interpretando a vitória brasileira como uma<br />

questão que transcen<strong>de</strong> motivações puramente esportivas e prevendo uma or<strong>de</strong>m internacional<br />

que consi<strong>de</strong>re a importância do Brasil.<br />

Consolidada a vitória do Rio <strong>de</strong> Janeiro, assim se pronunciou o presi<strong>de</strong>nte do Comitê<br />

Olímpico Internacional: “Esse convite para “viver sua paixão” claramente marcou meus colegas,<br />

e agora nós estamos ansiosos para ver o Rio <strong>de</strong> Janeiro sediando os primeiros Jogos Olímpicos no<br />

continente Sul-Americano. Parabéns Rio!” 43 (ROGUE apud OLYMPIC MOVEMENT, 2009). A<br />

vitória do Rio <strong>de</strong> Janeiro marca, portanto, a história não só dos Jogos Olímpicos, como também a<br />

do Brasil.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Assim como Hitler usou os jogos <strong>de</strong> Berlim(1936) para propagar um valor (a<br />

superiorida<strong>de</strong> da raça ariana), também o presi<strong>de</strong>nte Lula se serviu <strong>de</strong>sse momento, on<strong>de</strong> as<br />

atenções do mundo estavam voltadas para a escolha da cida<strong>de</strong>-se<strong>de</strong> das Olimpíadas <strong>de</strong> 2016, para<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma nova or<strong>de</strong>m internacional mais inclusiva, que conte com o Brasil como um <strong>de</strong> seus<br />

protagonistas. Mesmo se valendo da “alegria” <strong>de</strong> nosso povo como uma forte “ban<strong>de</strong>ira<br />

eleitoral”, o Brasil também procurou inserir em sua apresentação argumentos econômicos,<br />

políticos e sociais favoráveis a candidatura do país, como ficou claro na presença do presi<strong>de</strong>nte<br />

do Banco Central do Brasil, Henrique Meireles; <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo também valores como a <strong>de</strong>mocracia<br />

e o combate a pobreza.<br />

A partir do exposto ao longo do trabalho, percebemos que apelar para i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional<br />

não é uma estratégia recente na história política <strong>de</strong> nosso país, entretanto, a medir pela vitória do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, po<strong>de</strong>mos dizer que esse recurso foi usado com brilhantismo pelo governo<br />

brasileiro para angariar os votos necessários <strong>de</strong>ntro do Comitê Olímpico Internacional, dando<br />

início a um novo período não só para a história das Olimpíadas como também para uma nova<br />

or<strong>de</strong>m internacional “na qual o nosso país conquistou o seu lugar.” (LULA DA SILVA, 2009a)<br />

A partir do conceito <strong>de</strong> soft power, que é entendido não apenas como influência mas como<br />

“capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sedução e <strong>de</strong> atração” (NYE JR., 2005. p. 29), on<strong>de</strong> os países buscam imprimir<br />

43 “This call to “live your passion” clearly struck a chord with my fellow members, and we now look forward to<br />

seeing Rio <strong>de</strong> Janeiro staging the first Olympic Games on the continent of South America. Well done, Rio!”<br />

121


sua agenda no cenário internacional a partir <strong>de</strong> fatores que não sejam essencialmente militares e<br />

econômicos, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r que o governo brasileiro aumentou seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro do meio<br />

global, algo que po<strong>de</strong> trazer futuros benefícios para país além da própria oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sediar<br />

os Jogos.<br />

Por fim, admitindo que a vinda das Olimpíadas para o Brasil representará um estímulo<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento, nos restam dois gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios: o primeiro <strong>de</strong>les é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

promover as mudanças estruturais <strong>de</strong> âmbito social, fazendo com que as pessoas aqui nascidas<br />

não só sintam orgulho <strong>de</strong> serem brasileiras porque vão receber uma Olimpíadas, mas, sobretudo,<br />

porque vivem num país que oferece acesso universal e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> a educação, saú<strong>de</strong>, segurança<br />

e emprego. O segundo <strong>de</strong>safio consiste em imprimir uma influência positiva <strong>de</strong>ntro da nova<br />

or<strong>de</strong>m mundial que passa a se configurar cada vez mais como multipolar, fazendo com que os<br />

valores <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, tolerância e respeito propostos pelo projeto brasileiro não sejam apenas<br />

práticas discursivas, mas políticas que serão realmente adotadas e <strong>de</strong>fendidas <strong>de</strong>ntro do cenário<br />

internacional.<br />

122


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ANDERSON, Benedict. (1989) Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática.<br />

ALENCAR, José. (2004) O Guarani. São Paulo: Martin Claret, 279 p.<br />

CALLARI, Cláudia Regina. (2001) Os Institutos Históricos: do Patronato <strong>de</strong> D. Pedro II à<br />

construção do Tira<strong>de</strong>ntes. Rev. bras. Hist. [online], Vol. 21, Nº 40, 2003, p. 59-82.<br />

DORO, Bruno. (2009) Após sabatinas e visita maquiada, COI elogia candidatura Rio-2016.<br />

Publicado em Uol Esporte [http://esporte.uol.com.br/ultimas/2009/05/02/ult58u1493.jhtm].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 03/11/2009.<br />

HOBSBAWN, Eric. (1991) Nações e nacionalismo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1780: programa, mito e realida<strong>de</strong>. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 230 p.<br />

International Olympic Truce Foundation. (2009) Objectives. Publicado em Olympic.org<br />

[http://www.olympic.org/uk/organisation/missions/truce/foundation_uk.asp]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

03/11/2009.<br />

LUCAS, Jonh. (2009) The Death and Burial of Coubertin. Publicado em LA84Foundation.org<br />

[http://www.aafla.org/SportsLibrary/JOH/JOHv9n3/johv9n3g.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>: 04/11/2009.<br />

LULA DA SILVA, Luís Inácio. (2009a) Discurso <strong>de</strong> Lula para o COI - Olimpíadas Rio 2016.<br />

Publicado no YouTube [http://www.youtube.com/watch?v=JT5KHpUNY6Y]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

04/11/2009.<br />

LULA DA SILVA, Luís Inácio. (2009b) LULA comenta Rio Se<strong>de</strong> Olimpíadas 2016 - Coletiva<br />

02/10/09 Parte1. Publicado no YouTube [http://www.youtube.com/watch?v=FNVuewLkc_E].<br />

Disponibilida<strong>de</strong> 04/11/2009.<br />

NYE JR., Joseph S. (2005) O Paradoxo do Po<strong>de</strong>r Americano: Por que é que a única<br />

superpotência mundial não po<strong>de</strong> actuar isoladamente? Lisboa: Gradiva, 248 p.<br />

OLYMPIC MOVEMENT. (2009) Elections for the 2016 Games. Publicado em Olympic.org<br />

[http://www.olympic.org/en/content/Olympic-Games/Candidate-Cities/Elections-for-the-2016-<br />

Games/]. Disponibilida<strong>de</strong>: 03/11/2009.<br />

PECEQUILO, Cristina S. (2004) Introdução às Relações Internacionais: Temas, atores e visões.<br />

Petrópolis: Vozes, 246 p.<br />

PUTNAM, Robert D. (1993) Diplomacy and Domestic Politics: The logic of Two-Level Games.<br />

In: EVANS, P. B.; JACOBSON, H. K.; and PUTNAM, R. D. Double-Edged Diplomacy:<br />

International Bargaining and Domestic Politics. Berkeley: University of California, Press.<br />

RIBEIRO, Darcy. (2006) O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 480 p.<br />

123


ZAKARIA, Fareed. (2008) O mundo pós-americano. São Paulo: Companhia das Letras, 312 p.<br />

124


A DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA: INFLUÊNCIA DAS ORGANIZAÇÕES,<br />

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DISSOLUÇÃO DE CONFLITOS<br />

Jan Marcel <strong>de</strong> Almeida F<strong>rei</strong>tas Lacerda 44 (UEPB) jan_marcell@hotmail.com<br />

Bruna Queiroz da Silva Ribeiro 45 (UEPB) brunaqsribeiro@hotmail.com<br />

Geórgia Marina Oliveira Fer<strong>rei</strong>ra <strong>de</strong> Lima 46 (UNIPÊ) georgialima1@hotmail.com<br />

RESUMO: O trabalho em questão objetiva analisar a disseminação do mo<strong>de</strong>lo político<br />

<strong>de</strong>mocrático-liberal na conjuntura internacional globalizada, dando ênfase aos países latino-<br />

americanos. Desta feita, partimos da idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia liberal propagada pela ONU, <strong>de</strong>starte,<br />

analisamos o pressuposto <strong>de</strong> que os regimes <strong>de</strong>mocráticos são apaziguadores dos conflitos<br />

internos – no sentido <strong>de</strong> que as disputas serão resolvidas <strong>de</strong> forma pacífica, por meio das<br />

instituições do Estado <strong>de</strong> Di<strong>rei</strong>to - e externos, como também o papel <strong>de</strong>ssa instituição<br />

internacional na fiscalização <strong>de</strong>mocrática nos Estados. Dentro do âmbito regional, é importante<br />

<strong>de</strong>stacar o papel da OEA no estabelecimento <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong>mocrática no continente. Para<br />

tanto, buscamos realizar um panorama da situação atual da <strong>de</strong>mocracia na América Latina<br />

baseado nos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) dos<br />

anos <strong>de</strong> 2004 e 2007, além <strong>de</strong> observamos as propostas <strong>de</strong> teóricos e da ONU em impulsionar<br />

inovações institucionais na América Latina.<br />

Palavras-chave: Democracia; Organizações Internacionais; Desenvolvimento Econômico;<br />

Conflitos; América Latina.<br />

Abstract: The work in question aims to analyze the spread of the liberal-<strong>de</strong>mocratic political<br />

mo<strong>de</strong>l in the globalized international conjunction, with emphasis on Latin American countries. In<br />

this sense, we start with the i<strong>de</strong>a of liberal <strong>de</strong>mocracy propagated by the United Nations (UN), in<br />

this manner, we analyzed the assumption that <strong>de</strong>mocratic regimes are relievers internal conflicts -<br />

in the sense that disputes will be resolved peacefully, through institutions of the rule of law - and<br />

external, as well as the role of this institution in the international scrutiny in the nation. Within<br />

the regional context, it is important to highlight the OAS role in establishing a <strong>de</strong>mocratic culture<br />

in the continent. That purpose, we ma<strong>de</strong> an overview of the current situation of <strong>de</strong>mocracy in<br />

44 Graduando em Relações Internacionais pela Universida<strong>de</strong> Estadual da Paraíba.<br />

45 Graduanda em Relações Internacionais pela Universida<strong>de</strong> Estadual da Paraíba<br />

46 Graduanda em Di<strong>rei</strong>to pelo Centro Universitário <strong>de</strong> João Pessoa.<br />

125


Latin America based on reports from the United Nations Development Programme (UNDP) of<br />

the years 2004 and 2007, also noting the theorist's and UN's proposals for fostering institutional<br />

innovations in Latin America.<br />

Keywords: Democracy, International Organizations, Economic Development, Conflict, Latin<br />

America.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A <strong>de</strong>mocracia na América Latina faz parte <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> na qual há a influência <strong>de</strong><br />

fatores econômicos, políticos, sociais, cultural, nacionais e <strong>internacionais</strong>. Essa <strong>de</strong>mocracia é<br />

centrada no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia liberal, que conforme Francis Fukuyama em Fim da História<br />

está fadado ao sucesso. Sendo assim, comprovado por Norberto Bobbio, pois:<br />

[...] hoje Estados liberais não <strong>de</strong>mocráticos não seriam mais concebíveis, nem<br />

Estados <strong>de</strong>mocráticos que não fossem também liberais. Existem, em suma, boas<br />

razões para crer: a) que hoje o método <strong>de</strong>mocrático seja necessário para a<br />

salvaguarda dos di<strong>rei</strong>tos fundamentais da pessoa, que estão na base do Estado<br />

liberal; b) que a salvaguarda <strong>de</strong>sses di<strong>rei</strong>tos seja necessária para o correto<br />

funcionamento do método <strong>de</strong>mocrático (BOBBIO, 2000, p. 43).<br />

Esta é a <strong>de</strong>mocracia liberal, que engloba i<strong>de</strong>ais liberais e métodos <strong>de</strong>mocráticos <strong>de</strong> forma<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Desta feita, aplicando os i<strong>de</strong>ais da <strong>de</strong>mocracia liberal no contexto da América<br />

Latina, po<strong>de</strong>mos nos questionar: qual a influência das Organizações Internacionais na<br />

disseminação do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>mocrático-liberal? Qual é a relação entre o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico e a <strong>de</strong>mocracia? Que importância tem a <strong>de</strong>mocracia na dissolução <strong>de</strong> conflitos? Qual<br />

o estado da <strong>de</strong>mocracia na América Latina? Qual a influência <strong>de</strong> algumas Organizações<br />

Internacionais no contexto latino-americano?<br />

O artigo tem como base diversos textos acadêmicos, tais como: os relatórios do PNUD <strong>de</strong><br />

2004 e 2007 sobre a América Latina; Liberalismo e <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> Norberto Bobbio; A urgência<br />

em problematizar as Nações Unidas <strong>de</strong> Thiago Rodrigues e Wagner <strong>de</strong> Melo Romão;<br />

Democracia Cosmopolita versus Política Internacional <strong>de</strong> Raquel Duarte Villa e Ana Paula<br />

Baltasar Tostes; A questão <strong>de</strong>mocrática na agenda da OEA no Pós-Guerra Fria <strong>de</strong> Rafael A. D.<br />

126


Villa; entre outros. Como também, foram utilizadas informações do Site oficial das Nações<br />

Unidas e dados estatísticos do Latinobarômetro.<br />

Primeiramente, são apresentadas as consi<strong>de</strong>rações gerais, nas quais são apresentadas as<br />

três temáticas centrais do artigo e o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, assim como a visão <strong>de</strong>sse conceito<br />

na América Latina. Em seguida, é levantado um panorama analítico da América Latina,<br />

mostrando a situação da <strong>de</strong>mocracia na região e as relações entre política, econômico, cultura e<br />

social.<br />

Por fim, são apresentados três tópicos que analisam o conceito <strong>de</strong> Democracia Liberal; a<br />

influência das Organizações Internacionais na disseminação da Democracia Liberal; a<br />

<strong>de</strong>mocracia e a dissolução <strong>de</strong> conflitos tanto no âmbito interno quanto no externo; e por fim, a<br />

relação entre o <strong>de</strong>senvolvimento econômico e a <strong>de</strong>mocracia.<br />

Mesmo o artigo estando estruturado por partes, nosso entendimento é que as três<br />

temáticas – influência das Organizações Internacionais, <strong>de</strong>senvolvimento econômico e dissolução<br />

<strong>de</strong> conflitos – estão intrinsecamente ligadas, evi<strong>de</strong>nciando a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> abordar uma sem que<br />

as outras sejam referidas.<br />

CONSIDERAÇÕES GERAIS<br />

“Democratic governance is valuable in its own right. It can also advance human<br />

<strong>de</strong>velopment and the achievement of the MDGs for the following reasons: [1]<br />

When more than economic growth is consi<strong>de</strong>red, <strong>de</strong>mocracy can work to put in<br />

a political dynamic to respond to the social and economic priorities of people<br />

and contribute to reducing poverty and promoting human <strong>de</strong>velopment. [2]<br />

Democracies contribute to political stability and thus to human security because<br />

open space for political contests allows for more peaceful resolution and<br />

management of conflict […] (PNUD)” 47 .<br />

De acordo com o excerto acima, po<strong>de</strong>mos analisar as três dimensões <strong>de</strong> estudo do artigo –<br />

influência das Organizações Internacionais, <strong>de</strong>senvolvimento econômico e dissolução <strong>de</strong><br />

47 Disponível no site oficial do PNUD: http://www.undp.org/governance/mdgs.htm . Tradução livre: A governança<br />

<strong>de</strong>mocrática é um valor em si mesmo. Ela também po<strong>de</strong> fazer avançar o <strong>de</strong>senvolvimento humano e o alcance dos<br />

Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento do Milênio pelas seguintes razões: [1] Quando mais do que o crescimento econômico<br />

é consi<strong>de</strong>rado, a <strong>de</strong>mocracia po<strong>de</strong> fazer com que a dinâmica política responda às priorida<strong>de</strong>s sociais e econômicas<br />

das pessoas e contribuir para a redução da pobreza e promoção do <strong>de</strong>senvolvimento humano. [2] Democracias<br />

contribuem para a estabilida<strong>de</strong> política e para a segurança humana, pois o espaço aberto para disputas políticas<br />

permite resoluções mais pacíficas e o gerenciamento <strong>de</strong> conflitos.<br />

127


conflitos –, tendo em vista que o Millennium Development Goals (MDGs) 48 é uma proposta <strong>de</strong><br />

parceria global, que foi sugerida por uma organização <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong> global – Organização das<br />

Nações Unidas (ONU) - e que busca respon<strong>de</strong>r aos principais <strong>de</strong>safios do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

mundial e aos apelos da socieda<strong>de</strong> civil. Sendo assim, é importante <strong>de</strong>stacar que os MDGs foram<br />

<strong>de</strong>correntes da resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, A/RES/55/2 <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong><br />

setembro <strong>de</strong> 2000, e que, através <strong>de</strong>sses objetivos propostos, po<strong>de</strong>mos observar a influência da<br />

ONU na construção da governabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. E por fim, verificamos a dimensão do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico, sendo associada à <strong>de</strong>mocracia.<br />

Nesse contexto, <strong>de</strong> acordo com o relatório do PNUD, intitulado A <strong>de</strong>mocracia na América<br />

Latina: Rumo a uma <strong>de</strong>mocracia cidadã e cidadãos, a relação entre <strong>de</strong>mocracia e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento é vista da seguinte forma:<br />

[...] a <strong>de</strong>mocracia não é apenas um valor em si mesmo, como também um meio<br />

necessário para o <strong>de</strong>senvolvimento. Para o PNUD, a governabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática é um elemento central do <strong>de</strong>senvolvimento humano, porque por<br />

meio da política, e não só da economia, é possível gerar condições mais<br />

equitativas e aumentar as opções das pessoas (PNUD, 2004, p. 25).<br />

Ao mesmo tempo, a relação entre <strong>de</strong>mocracia e dissolução <strong>de</strong> conflitos também é<br />

expressa no primeiro excerto, pois apresenta-nos o papel do Estado numa <strong>de</strong>mocracia liberal,<br />

visto que “uma proposta central é construir uma nova legitimida<strong>de</strong> do Estado, uma vez que não<br />

existiria uma <strong>de</strong>mocracia sustentável sem um Estado capaz <strong>de</strong> promover e garantir o exercício da<br />

cidadania” (PNUD, 2004, p. 30).<br />

Por meio <strong>de</strong>ssas três dimensões, refletiremos diversos temas relacionados às dimensões,<br />

focando o contexto da América Latina como base <strong>de</strong> fundamentação dos objetivos do artigo.<br />

Dessa forma, o primeiro <strong>de</strong>les é a <strong>de</strong>mocracia, mesmo sabendo que a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia<br />

não é única nem universal, po<strong>de</strong>mos esboçá-lo, <strong>de</strong> forma mais sintetizada, a partir do pensamento<br />

<strong>de</strong> Rosenfield, sendo: “A <strong>de</strong>mocracia, no sentido etimológico da palavra, significa o ‘governo do<br />

povo’, ou ‘governo da maioria’.” (1994, p. 7), contudo, releva que “a <strong>de</strong>mocracia po<strong>de</strong> inclusive<br />

vir a significar uma mera aparência <strong>de</strong> participação política, embora o seu sentido originário seja<br />

precisamente o <strong>de</strong> uma efetiva participação dos indivíduos nos assuntos públicos” (i<strong>de</strong>m, p.13).<br />

Concomitantemente, esse fator negativo é relevante no contexto da América Latina, atentando<br />

para as dificulda<strong>de</strong>s da <strong>de</strong>mocracia na região, pois “os problemas centrais nesse plano são a<br />

48 Ou, em português, Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento do Milênio (ODM).<br />

128


pobreza e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, que não permitem que os indivíduos se manifestem como cidadãos<br />

com plenos di<strong>rei</strong>tos e <strong>de</strong> maneira igualitária no âmbito público, e que corroem a inclusão social”<br />

(PNUD, 2004, p. 28).<br />

PANORAMA ANALÍTICO DO CONTEXTO LATINO-AMERICANO<br />

Prevalecem, na América Latina, por mais <strong>de</strong> duas décadas, os governos <strong>de</strong>mocráticos.<br />

Porém, ao mesmo tempo, e <strong>de</strong> maneira paradoxal, essa região enfrenta uma crescente crise social,<br />

com índices altíssimos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social, pobreza, <strong>de</strong>semprego, corrupção, baixos índices <strong>de</strong><br />

educação, entre outras mazelas. Não é fácil compreen<strong>de</strong>r a razão dos recorrentes problemas, mas<br />

po<strong>de</strong>mos esboçar que uma das causas é a não-consolidação da <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong>vido à sua<br />

superficialida<strong>de</strong> e, em geral, a conseqüente <strong>de</strong>scrença por parte da população nesse regime. Tanto<br />

é, que foi verificado, através do relatório do PNUD (2004) e dados do Latinobarômetro, que<br />

54,7% dos latino-americanos sacrificariam um governo <strong>de</strong>mocrático caso fosse garantido o<br />

crescimento socioeconômico, submetendo-se, inclusive, ao regime autoritário. Bem como, a<br />

pesquisa mostra que 56,3% dos latino-americanos avaliam que o <strong>de</strong>senvolvimento é mais<br />

importante que a <strong>de</strong>mocracia e que 58,1% concordam, também, que o governante possa ignorar<br />

as leis para governar. Ou seja, o fato é que a maioria dos latino-americanos dá mais valor ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico do que ao próprio regime <strong>de</strong>mocrático.<br />

Para o relatório do PNUD (2004), a <strong>de</strong>mocracia é um meio <strong>de</strong> abrir espaços para inserir os<br />

cidadãos na participação política e social, principalmente aqueles mais atingidos pela exclusão. O<br />

problema na inserção dos indivíduos na plena cidadania social se refere, primeiramente, ao nível<br />

elevado <strong>de</strong> pobreza e à <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, que os exclui do exercício <strong>de</strong> seus plenos di<strong>rei</strong>tos no âmbito<br />

político. Na America Latina, os índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> são os mais altos do mundo, fazendo<br />

crescer na população a frustração pela falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e gerando, em alguns estados da<br />

região, a <strong>de</strong>scrença no sistema político. Os mais atingidos pela marginalização são os pobres e as<br />

minorias étnicas, que ficam <strong>de</strong> fora da participação ativa na formação do estado <strong>de</strong>mocrático, o<br />

que é um erro, pois <strong>de</strong>veria haver o controle das ações estatais por parte dos cidadãos. Outro<br />

problema grave que merece a <strong>de</strong>vida atenção é o <strong>de</strong>semprego, pois:<br />

O trabalho é um mecanismo-chave <strong>de</strong> inclusão social e do próprio exercício<br />

da cidadania, que tem um componente econômico. O aumento nos índices<br />

129


<strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego durante a década <strong>de</strong> noventa é, conseqüentemente, uma das<br />

maiores falhas das <strong>de</strong>mocracias latino-americanas. E ainda mais: a proteção<br />

social dos trabalhadores diminuiu e aumentou o trabalho informal, em geral<br />

não qualificado e insuficiente para gerar uma integração social que garanta<br />

um mínimo <strong>de</strong> bem-estar. (PNUD, 2004, p.29)<br />

Houve, na América Latina, uma diminuição na proteção social do trabalhador e continua<br />

diminuta a proteção das crianças no trabalho, embora tenha melhorado a situação dos di<strong>rei</strong>tos<br />

humanos em comparação com a do período não <strong>de</strong>mocrático, tenham sido ratificadas as<br />

convenções <strong>internacionais</strong> relativas aos di<strong>rei</strong>tos civis e, inclusive, tenham sido criadas normativas<br />

nacionais nesse sentido, os dados mostram poucos avanços, persistindo, pois, a restrita cidadania<br />

social. Segundo o PNUD: “[...] só será possível diminuir a pobreza <strong>de</strong> forma sustentável e<br />

melhorar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> crescimento econômico se a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> for reduzida.” (PNUD,<br />

2004, p.28). Além disso, persistiu <strong>de</strong> forma relevante a violação do di<strong>rei</strong>to à vida, à integrida<strong>de</strong><br />

física e à segurança.<br />

Ocorreram, por outro lado, alguns avanços consi<strong>de</strong>ráveis, tais como: a menor influência<br />

ou gravitação política das Forças Armadas em quase todos os países; avanços em termos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

(a <strong>de</strong>snutrição infantil diminuiu, a mortalida<strong>de</strong> infantil também se reduziu e a expectativa <strong>de</strong> vida<br />

aumentou) e <strong>de</strong> educação (a taxa <strong>de</strong> analfabetismo diminuiu em todos os países e o nível <strong>de</strong><br />

escolarida<strong>de</strong> aumentou, porém a qualida<strong>de</strong> da educação em geral é baixa); houve a abertura do<br />

espaço político para as mulheres e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogo entre os diferentes grupos sociais, o<br />

que caracteriza um avanço <strong>de</strong>mocrático e por fim, o não retrocesso ao autoritarismo. Entretanto,<br />

ainda é diminuta a parcela <strong>de</strong> afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e dos socialmente excluídos, presentes no<br />

processo político. Dessa maneira, fica claro que apenas os requisitos mínimos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia<br />

foram cumpridos, existindo, ainda, um longo caminho a ser trilhado, <strong>de</strong> maneira gradual, até o<br />

alcance da <strong>de</strong>mocracia plena 49 . Ou seja, conforme o excerto seguinte <strong>de</strong> Rosenfield (1994)<br />

po<strong>de</strong>mos atentar para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não reduzir a <strong>de</strong>mocracia ao di<strong>rei</strong>to do voto, pois:<br />

O di<strong>rei</strong>to do voto, apesar <strong>de</strong> ser uma das mais importantes conquistas operárias<br />

do século XIX, po<strong>de</strong> tornar-se um simples ritual, <strong>de</strong>ixando intacta a estrutura<br />

49 Democracia plena em sentido <strong>de</strong> participação efetiva do povo, ou seja, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>mocracia<br />

participativa na qual o povo tenha influência na formação da vonta<strong>de</strong> governativa. Ao mesmo tempo, como apontado<br />

pelo relatório do PNUD (2004): “uma cidadania integral, isto é, o pleno reconhecimento da cidadania política, da<br />

cidadania civil e da cidadania social” (pág. 26).<br />

130


política e social se ele não vier acompanhado <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> intervenção<br />

política” (pág.21)<br />

De acordo com o relatório do PNUD, po<strong>de</strong>mos constatar que muitos países se dizem<br />

<strong>de</strong>mocráticos, mas não são <strong>de</strong> maneira plena. O que se observa é que os privilegiados socialmente<br />

modificam as constituições nacionais utilizando critérios egoístas, <strong>de</strong> maneira que sejam<br />

favorecidos, esquecendo, muitas vezes, do interesse comum e intervém nos processos eleitorais,<br />

restringindo a in<strong>de</strong>pendência dos po<strong>de</strong>res legislativo e judiciário. Foi constatado, pelo relatório,<br />

que em alguns países há a participação eleitoral irregular e impedimentos na entrada <strong>de</strong> novos<br />

candidatos nos partidos políticos, sendo essa uma primeira bar<strong>rei</strong>ra para se alcançar a<br />

<strong>de</strong>mocracia, visto que, muitos são excluídos da participação efetiva na política em sua fase<br />

embrionária, gerando, <strong>de</strong>ssa forma, <strong>de</strong>sconfiança por parte da população. Não basta garantir o<br />

di<strong>rei</strong>to ao voto, tem que ser garantida a real participação no processo político através da<br />

ampliação da eficácia, transparência e responsabilida<strong>de</strong> dos partidos políticos. Como diz Hélgio<br />

Trinda<strong>de</strong> (2009): “[...] a construção da <strong>de</strong>mocracia participativa supõe uma combinação entre<br />

cidadania <strong>de</strong>mocrática e representação política plena”. Essa participação po<strong>de</strong> se dar através da<br />

promoção <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> fortalecimento da socieda<strong>de</strong> civil entrelaçada com os partidos<br />

políticos e o próprio Estado.<br />

DEMOCRACIA LIBERAL: O ENCONTRO ENTRE LIBERALISMO E DEMOCRACIA<br />

Norberto Bobbio (2000) reflete sobre o Liberalismo e a Democracia <strong>de</strong> forma que esses<br />

dois conceitos apresentam-se <strong>de</strong> maneira interligada e intrínsecos à <strong>de</strong>mocracia liberal, sendo<br />

abordado da seguinte forma:<br />

Não só o liberalismo é compatível com a <strong>de</strong>mocracia, mas a <strong>de</strong>mocracia po<strong>de</strong><br />

ser consi<strong>de</strong>rada como o natural <strong>de</strong>senvolvimento do Estado liberal apenas se<br />

tomada não pelo lado <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>al igualitário, mas pelo lado da sua fórmula<br />

política, que é, como se viu, a soberania popular (2000, p. 42 e 43).<br />

Conforme trecho citado na introdução <strong>de</strong>sse artigo, o autor atenta para as razões <strong>de</strong> uma<br />

ligação inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do liberalismo e da <strong>de</strong>mocracia, já que há a salvaguarda dos di<strong>rei</strong>tos<br />

fundamentais da pessoa, pois segundo Bobbio (2000): “a maior garantia <strong>de</strong> que os di<strong>rei</strong>tos sejam<br />

protegidos contra a tendência dos governantes <strong>de</strong> limitá-los e suprimi-los está na possibilida<strong>de</strong><br />

131


que os cidadãos tenham <strong>de</strong> <strong>de</strong>fendê-los contra os eventuais abusos” (p. 43), como também atenta<br />

que, no tocante à salvaguarda os di<strong>rei</strong>tos para o funcionamento do método <strong>de</strong>mocrático:<br />

[...] ao reconhecimento dos di<strong>rei</strong>tos invioláveis da pessoa sobre os quais se funda<br />

o Estado liberal para o bom funcionamento da <strong>de</strong>mocracia, <strong>de</strong>ve-se observar que<br />

a participação no voto po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como correto e eficaz exercício <strong>de</strong><br />

um po<strong>de</strong>r político [...] (BOBBIO, 2000, p. 44).<br />

Neste contexto, aplicando o pensamento <strong>de</strong> Bobbio na América Latina, esses fatores <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa dos di<strong>rei</strong>tos esbarram na pobreza e na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> da realida<strong>de</strong> latino-americana, o que,<br />

segundo o PNUD, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que: “o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se amplie <strong>de</strong><br />

maneira <strong>de</strong>cidida a socieda<strong>de</strong> social, principalmente a partir da luta contra a pobreza e a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e da criação <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>” (PNUD, 2004, p. 28). Ao mesmo tempo, é<br />

importante analisar a figura do presi<strong>de</strong>nte do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, pois é um político<br />

<strong>de</strong> base do Partido dos Trabalhadores (PT) e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o governo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus<br />

objetivos <strong>de</strong> governo, como também repercute essa idéia em fóruns <strong>internacionais</strong>. Vemos essa<br />

posição do governante brasileiro através da Declaração conjunta do Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil e do Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho, pois:<br />

No atual momento, marcado pelos impactos da crise econômica internacional<br />

sobre as economias e os mercados <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> todos os países, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

Luiz Inácio Lula da Silva e o Diretor Geral Juan Soma via concordam que a<br />

promoção do emprego <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> para homens e mulheres, a extensão da<br />

proteção social, o respeito aos princípios e di<strong>rei</strong>tos fundamentais do trabalho e o<br />

diálogo social, no marco do Programa <strong>de</strong> Trabalho Decente da OIT, constituem<br />

um conjunto eficaz <strong>de</strong> políticas para respon<strong>de</strong>r à crise econômica atual. (OIT, p.<br />

1)<br />

Dessa forma, é esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia que é propagado pela ONU e pela OEA,<br />

conforme fica claro em um dos pontos <strong>de</strong> uma breve súmula do documento estratégico do Comitê<br />

para uma ONU Democrática:<br />

13. A Assembléia Parlamentar nas Nações Unidas <strong>de</strong>verá estar aberta a todos os<br />

estados membros das Nações Unidas que tenham um parlamento<br />

constitucionalmente instituído. A <strong>de</strong>svantagem ligada à participação <strong>de</strong> países<br />

não-<strong>de</strong>mocráticos po<strong>de</strong>ria ser contrabalançada por vantagens noutros campos<br />

pela inclusão <strong>de</strong> “pseudo-parlamentares” entre si, a assembléia po<strong>de</strong>ria exercer<br />

sobre eles uma influência <strong>de</strong>mocratizante e <strong>de</strong>ssa forma tornar-se numa força<br />

para o avanço da <strong>de</strong>mocracia nos países não-<strong>de</strong>mocráticos (Comitê para uma<br />

ONU Democrática, 2004, p. 2)<br />

132


Essa disseminação da <strong>de</strong>mocracia liberal pela ONU está ligada aos discursos liberais, já<br />

que “autores que viam a inevitabilida<strong>de</strong> das conexões transnacionais construindo<br />

inter<strong>de</strong>pendências complexas que iriam modificar os interesses dos Estados até transformá-los<br />

em Estados para o comércio, e não para a guerra” [grifo do autor] (RODRIGUES e ROMÃO,<br />

2009, p. 1 e 2). Concomitantemente, po<strong>de</strong>mos ainda observar que esses discursos liberais estão<br />

mais afundo ligado aos i<strong>de</strong>ários <strong>de</strong> Woodrow Wilson na formação da Liga das Nações, já que:<br />

Corolário <strong>de</strong>sse percurso (Estados para o comércio) foi a atualização da<br />

premissa liberal, tal qual a sustentada por Woodrow Wilson à época da formação<br />

da Liga das Nações, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>mocracias – por terem supostamente pacificado a<br />

guerra doméstica convertendo-a ao jogo político-partidário – seriam muito<br />

menos propensas à guerra que Estados autoritários (i<strong>de</strong>m, 2009, p. 2).<br />

DEMOCRACIA: A INFLUÊNCIA DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E A<br />

REDUÇÃO DE CONFLITOS<br />

“The protection and promotion of the universal values of the rule of law, human<br />

rights and <strong>de</strong>mocracy are ends in themselves. They are also essencial for a world<br />

of justice, opportunity and stability. No security agenda and no drive for<br />

<strong>de</strong>velopment will be successful unless they are based on the sure foundation of<br />

respect for human dignity” (KOFI ANNAN) 50<br />

Conforme as palavras do ex-Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, po<strong>de</strong>mos analisar o<br />

fortalecimento da função “onusiana” <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos armados no Pós-Guerra Fria, como<br />

também a vinculação <strong>de</strong>sse fortalecimento graças a inexistência <strong>de</strong> valores contrários aos<br />

oci<strong>de</strong>ntais e, conseqüentemente, há a disseminação da universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valores do Oci<strong>de</strong>nte, tais<br />

como: di<strong>rei</strong>tos humanos, <strong>de</strong>mocracia, Estado <strong>de</strong> Di<strong>rei</strong>to, liberalismo econômico, entre outros.<br />

Para tanto, diversos são os mecanismos utilizados pela ONU, contudo, este artigo dá ênfase ao<br />

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e seu objetivo <strong>de</strong> fortalecer a<br />

governabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática e o <strong>de</strong>senvolvimento, tendo como focos os <strong>estudos</strong> no contexto da<br />

América Latina.<br />

Um conceito chave para se pensar a <strong>de</strong>mocracia e o Estado <strong>de</strong> Di<strong>rei</strong>to <strong>de</strong>ntro do universo<br />

da ONU é a Governança Global, pois, conforme as palavras dos lí<strong>de</strong>res mundiais no World<br />

50 Kofi Annan, In “Larger Freedom”, disponível em: http://www.undp.org/governance/in<strong>de</strong>x.html . Acesso em 2 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 2009.<br />

133


Summit 2005: “ We acknowledge that good governance and the rule of law at the national and<br />

internacional levels are essential for sustained economic growth, sustainable <strong>de</strong>velopment and the<br />

eradication of poverty and hunger” 51 . Dessa forma, alguns conceitos são levantados por Coelho,<br />

entre esses está a governança global, que embasado nas obras <strong>de</strong> Kant e Gid<strong>de</strong>ns, o autor reflete<br />

que “[...] para ambos os autores a idéia <strong>de</strong> um governo internacional <strong>de</strong>riva da idéia <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocracia estendida a toda a humanida<strong>de</strong>, em todas as instâncias” (COELHO, 2009, p. 6).<br />

Contudo, no âmbito internacional, esse governo internacional não se aplica por causa do conceito<br />

da soberania dos Estados e <strong>de</strong> anarquia do Sistema Internacional.<br />

No entanto, é importante <strong>de</strong>stacar uma das principais polêmicas que envolvem a<br />

<strong>de</strong>mocracia na ONU, pois a presença do Conselho <strong>de</strong> Segurança, com cinco países com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

veto, vai contra os princípios <strong>de</strong>mocráticos, já que cinco nações dispõem <strong>de</strong> vantagem frente as<br />

<strong>de</strong>mais. De acordo com Rodrigues e Romão, no texto A urgência em problematizar as Nações<br />

Unidas, as seguintes questões são analisadas:<br />

Mas será que Conselho <strong>de</strong> Segurança e a Assembléia Geral são <strong>de</strong> fato<br />

exclu<strong>de</strong>ntes e paradoxais? Expressaria o primeiro, a presença inexorável do<br />

realismo, e a segunda, o i<strong>de</strong>ário liberal? Seria a presença do Conselho uma<br />

<strong>de</strong>turpação dos princípios liberais e a permanência da Assembleia uma ilusão <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocracia? (2009, p. 4).<br />

Neste contexto, os questionamentos apresentados no excerto anterior são refutações<br />

caráter <strong>de</strong>mocrático da ONU, mas os autores relevam que conclusões são difíceis <strong>de</strong> serem<br />

tomadas <strong>de</strong>vido à problemática história da organização.<br />

Mudando o foco da Organização Internacional Universal – ONU - para uma Organização<br />

Regional – OEA -, há nessa instituição uma reformulação institucional no período Pós-Guerra<br />

Fria, <strong>de</strong>ssa forma, a Organização dos Estados Americanos (OEA) passa por essa reformulação e a<br />

Carta Democrática <strong>de</strong> 2001 é um ponto chave para esse artigo. Sendo assim, Bueno e Melo no<br />

texto A carta <strong>de</strong>mocrática interamericana e a eterna novida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>mocracia, avaliam que:<br />

51 Ver documento da Assembléia Geral A/RES/60/1.<br />

Os lí<strong>de</strong>res enfatizam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fortalecer a capacida<strong>de</strong> do hemisfério <strong>de</strong><br />

respon<strong>de</strong>r quando a <strong>de</strong>mocracia é ameaçada e instruíram seus chanceleres a<br />

preparem uma Carta Democrática “que reforçasse os instrumentos da OEA para<br />

<strong>de</strong>fesa ativa da <strong>de</strong>mocracia representativa” (BUENO e MELO, 2001, p. 225).<br />

134


A partir do texto A questão <strong>de</strong>mocrática na Agenda da OEA no Pós-Guerra Fria <strong>de</strong><br />

Rafael A. D. Villa, po<strong>de</strong>mos pensar aspectos importantes, como a utilização da OEA como<br />

instrumento dos EUA, segundo o autor:<br />

Com a queda da União Soviética já não existe mais, hoje, tal concorrência<br />

i<strong>de</strong>ológica e o que se vem chamando <strong>de</strong> globalização da política ou <strong>de</strong><br />

governabilida<strong>de</strong> internacional coinci<strong>de</strong> em muito com uma das gran<strong>de</strong>s tradições<br />

e objetivos da política externa americana: a aceitação como valor e como prática<br />

<strong>de</strong> sua concepção liberal <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia (VILLA, 2003, P. 56).<br />

Por fim, Villa (2003) analisa o que leva uma organização a adotar os princípios da<br />

<strong>de</strong>mocracia liberal, sendo elencadas três possíveis hipóteses <strong>de</strong> respostas: que os regimes<br />

<strong>de</strong>mocráticos são menos propensos à guerra e a atitu<strong>de</strong>s belicosas; que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>mocrático-<br />

liberal se impôs como imperativo categórico no Pós-Guerra Fria; e por fim, que as organizações<br />

<strong>internacionais</strong> incorporam os princípios da <strong>de</strong>mocracia liberal por causa das exigências<br />

<strong>de</strong>mocráticas dos Estados-membros. Dessa forma, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> embasar mais a primeira<br />

hipótese, pois as <strong>de</strong>mais já foram refletidas ao longo do corpo <strong>de</strong>ste artigo.<br />

No âmbito interno, a diminuição <strong>de</strong> conflitos é ocorrência da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> adotar o Estado<br />

<strong>de</strong> di<strong>rei</strong>to, que segundo Norberto Bobbio: “[...] todos os cidadãos <strong>de</strong>vem ser submetidos às<br />

mesmas leis [...]” (Bobbio, 2004, p. 40). Complementando, assim como Bobbio, Coelho<br />

argumenta que o Estado <strong>de</strong> di<strong>rei</strong>to está ligado ao Estado liberal, já que analisando o pensamento<br />

<strong>de</strong> Kant: “[...] <strong>de</strong>veria ao mesmo tempo ser forte (Estado), para fazer valer tanto a lei quanto a<br />

vonta<strong>de</strong> do povo, e liberal, para que os indivíduos pu<strong>de</strong>ssem se auto-<strong>de</strong>terminar” (COELHO,<br />

2004, p. 4).<br />

Já no âmbito externo, o pensamento <strong>de</strong> que regimes <strong>de</strong>mocráticos são menos propensos a<br />

guerra está ligado às reflexões teóricas do liberalismo clássico, principalmente, <strong>de</strong> Kant. De<br />

acordo com Rodrigues e Romão, os discursos liberais são: “ancorados na noção <strong>de</strong> que a<br />

produção <strong>de</strong> normas e foros <strong>internacionais</strong> para solucionar pacificamente as controvérsias entre<br />

os Estados, acompanhada <strong>de</strong> uma renúncia explícita à guerra <strong>de</strong> agressão” (2009, p. 2).<br />

Conseqüentemente, os autores analisam que o pensamento <strong>de</strong> Kant era: “[Kant] vinculou a<br />

conquista do estado civil doméstico à superação do estado <strong>de</strong> natureza internacional, por meio <strong>de</strong><br />

um contrato entre todas as repúblicas livres [...]. Enfim, foi a partir <strong>de</strong> pensamentos liberais que<br />

135


houve a disseminação do pensamento <strong>de</strong> paz <strong>de</strong>mocrática, sendo essa propagação do mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong>mocrático-liberal vista da seguinte forma:<br />

[...] <strong>de</strong>mocracias dificilmente guerreariam entre si, dados os altos custos<br />

políticos, econômicos e sociais (internos e externos) <strong>de</strong> uma ação <strong>de</strong>sse tipo.<br />

Seria mais vantajoso, tanto política quanto economicamente, evitar a guerra,<br />

<strong>de</strong>ixando fluir o comércio, os processos <strong>de</strong> integração regional, os acordos<br />

<strong>internacionais</strong> para regular a selvageria internacional. (RODRIGUES e<br />

ROMÃO, 2009, p. 2).<br />

Contudo, vale ressaltar que há <strong>estudos</strong> que problematizam essa questão da paz<br />

<strong>de</strong>mocrática, já que é uma afirmação constatada empiricamente e que é, <strong>de</strong> certa forma, recente,<br />

tendo em vista que, conforme Lima (2000), é uma análise dos conflitos entre <strong>de</strong>mocracias nos<br />

últimos 180 anos. Além disso, como exemplificado pela autora:<br />

É curioso que a América Latina forneça um contra-exemplo quer à hipótese das<br />

características normativas da <strong>de</strong>mocracia, quer à da natureza <strong>de</strong> suas instituições<br />

políticas. Comparativamente a outras regiões periféricas, a área diferencia-se por<br />

apresentar baixos níveis <strong>de</strong> conflitos violentos interestatais. Contudo, a história<br />

política da região é marcada pela alta incidência <strong>de</strong> governos autoritários e suas<br />

instituições, ainda que copiadas do mo<strong>de</strong>lo presi<strong>de</strong>ncialista norte-americano,<br />

caracterizam-se por graus mais elevados <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Aparentemente, outros fatores (sistêmicos) po<strong>de</strong>riam explicar essa relativa “paz<br />

autoritária” na região (LIMA, p. 268).<br />

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DEMOCRACIA<br />

O novo liberalismo é analisado no pensamento <strong>de</strong> Bobbio (2000) e é, segundo o autor,<br />

estruturado como contraposição ao Estado Soviético, pois:<br />

Os socialistas querem um Estado fortíssimo, responsável por tudo e que arque<br />

com todas as necessida<strong>de</strong>s. Este super-Estado iguala os cidadãos à força<br />

objetivando o bem comum, mas retira do cidadão o mais primordial dos bens, a<br />

liberda<strong>de</strong>. Os neoliberais por sua vez querem reduzir ao máximo o Estado,<br />

livrando-os <strong>de</strong> encargos e imposições nacionalistas (COELHO, 2009, p. 4)<br />

Sendo assim, por meio do pensamento do economista austríaco Friesrich Von Hayek<br />

(1981), Bobbio <strong>de</strong>staca a importância <strong>de</strong> distinguir liberalismo e <strong>de</strong>mocracia, pois um é centrado<br />

na teoria econômica e o outro é centrado na teoria política. Dentro disso, Hayek (1981) atenta que<br />

há uma diferença <strong>de</strong> respostas a problemas nas abordagens do liberalismo e da <strong>de</strong>mocracia, pois<br />

136


cada um centra-se: “o liberalismo aos problemas das funções do governo e em particular à<br />

limitação <strong>de</strong> seus po<strong>de</strong>res; a <strong>de</strong>mocracia ao problema <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>ver governar e com quais<br />

procedimentos” (BOBBIO, 2000, p. 88). Sendo mais <strong>de</strong>talhado, da seguindo maneira:<br />

O liberalismo exige que todo po<strong>de</strong>r – e, portanto, também o da maioria – seja<br />

submetido a limites. A <strong>de</strong>mocracia, ao contrário, chega a consi<strong>de</strong>rar a opinião da<br />

maioria como o único limite aos po<strong>de</strong>res governativos. A diversida<strong>de</strong> entre os<br />

dois princípios emerge do modo mais claro ao se atentar aos respectivos<br />

opostos: para <strong>de</strong>mocracia, o governo autoritário: para o liberalismo, o<br />

totalitarismo. (BOBBIO apud HAYEK, 2000, p. 88).<br />

Nesse contexto, o liberalismo é <strong>de</strong>fensor do Estado mínimo, mas, é importante <strong>de</strong>stacar<br />

que os recentes relatórios da ONU têm constatado que na maior parte das chamadas <strong>de</strong>mocracias,<br />

o di<strong>rei</strong>to ao voto não está sendo acompanhado pela liberda<strong>de</strong>, pregada pelo liberalismo.<br />

Conseqüentemente, po<strong>de</strong>mos observar que, segundo o relatório <strong>de</strong> 2004 do PNUD, um dos temas<br />

importantes é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reformulação do Estado, pois “com Estados fracos e mínimos, só<br />

é possível aspirar a conservar <strong>de</strong>mocracias eleitorais” (PNUD, 2004, p. 30). Sendo assim, o<br />

relatório aponta caminhos a serem seguidos, pois:<br />

[...] o Relatório convida ao <strong>de</strong>bate sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um Estado capaz <strong>de</strong><br />

conduzir o rumo geral da socieda<strong>de</strong>, processar os conflitos <strong>de</strong> acordo com regras<br />

<strong>de</strong>mocráticas, garantir eficazmente o funcionamento do sistema legal, preservar<br />

a segurança jurídica, regular os mercados, estabelecer equilíbrios<br />

macroeconômicos, fortalecer sistemas <strong>de</strong> proteção social baseados nos<br />

princípios <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> e assumir a preeminência da <strong>de</strong>mocracia como<br />

princípio da organização social (PNUD, 2004, p.30).<br />

Contudo, todo esse contexto da América Latina recai na problemática da pobreza e das<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ssa maneira, é importante <strong>de</strong>stacar a importância <strong>de</strong> um pensamento refutado<br />

pelo economista Amartya Sen, segundo esse autor:<br />

Não é difícil perceber que essa força [das necessida<strong>de</strong>s] fatalmente pesa mais do<br />

que outras pretensões, como a liberda<strong>de</strong> política e os di<strong>rei</strong>tos civis. [...] Sem<br />

dúvida <strong>de</strong>ve-se dar priorida<strong>de</strong>, argumenta-se, à satisfação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s<br />

econômicas, mesmo se isso implicar um comprometimento das liberda<strong>de</strong>s<br />

políticas. Não é difícil pensar que concentrar-se na <strong>de</strong>mocracia e na liberda<strong>de</strong><br />

política é um luxo que um país pobre “não po<strong>de</strong> dar” (SEN, 2000, p. 174).<br />

Esse pensamento <strong>de</strong>stacado por Amartya Sem po<strong>de</strong> ser atrelado ao momento vivido pela<br />

América Latina, já que:<br />

137


Na realida<strong>de</strong>, muitas pessoas que dizem preferir a <strong>de</strong>mocracia a outros regimes<br />

têm atitu<strong>de</strong>s pouco <strong>de</strong>mocráticas em relação a diversas questões sociais. Em<br />

2002, quase meta<strong>de</strong> (48,1 por cento) dos ent<strong>revista</strong>dos que diziam preferir a<br />

<strong>de</strong>mocracia a qualquer outro regime, preferia igualmente o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico à <strong>de</strong>mocracia, e um percentual semelhante (44,9 por cento), que dizia<br />

preferir a <strong>de</strong>mocracia, estava disposto a apoiar um governo autoritário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que resolvesse os problemas econômicos do seu país. (PNUD, 2004, p. 139)<br />

Por fim, o relatório do PNUD nos orienta que não po<strong>de</strong>mos separar as esferas política e<br />

econômica <strong>de</strong>ntro da <strong>de</strong>mocracia liberal, pois são esferas inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e que <strong>de</strong>vem seguir<br />

ligadas para que os objetivos para a América Latina sejam alcançados. Desta feita, concluímos<br />

esse tópico com a reflexão do relatório sobre a importância da economia:<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Outro tema central a ser <strong>de</strong>batido é o das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma economia<br />

congruente com a <strong>de</strong>mocracia, ou seja, uma economia que promova a<br />

diversida<strong>de</strong> para fortalecer as opções cidadãs. Sob essa perspectiva, o <strong>de</strong>bate<br />

sobre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> organização do mercado <strong>de</strong>ve fazer parte da<br />

agenda <strong>de</strong> discussão pública. A discussão sobre o futuro da <strong>de</strong>mocracia não po<strong>de</strong><br />

ignorar as opções econômicas. A economia é chave porque <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a<br />

ampliação da cidadania social (PNUD, 2004).<br />

Planejou-se neste artigo proporcionar uma familiarização com a <strong>de</strong>mocracia na América<br />

Latina e suas esferas, sendo fato que a <strong>de</strong>mocracia é um processo, no qual se <strong>de</strong>senvolve em<br />

diversas esferas, entre essas: política, social, econômica e cultural. Dessa forma, compreen<strong>de</strong>ndo<br />

um processo complexo e, conforme por Villa (2003), o “imperativo categórico” da <strong>de</strong>mocracia<br />

liberal está ligado a uma nova or<strong>de</strong>m mundial no Pós-Guerra Fria, a qual atrelamos à influência<br />

das organizações <strong>internacionais</strong>, ao <strong>de</strong>senvolvimento econômico e à dissolução <strong>de</strong> conflitos.<br />

Com toda a abordagem feita pelo texto do artigo, po<strong>de</strong>mos esboçar que na América<br />

Latina, para que ocorra o fortalecimento da <strong>de</strong>mocracia, é necessário que se garanta a cidadania<br />

inclusiva, resolvendo os problemas estruturais e a integração política, que está intimamente<br />

ligada ao crescimento da economia, pois atribuindo ao povo – principalmente, aos mais pobres –<br />

o po<strong>de</strong>r político, estará, conseqüentemente, diminuindo a pobreza. Além do mais, é necessário<br />

fomentar a participação tanto no plano conceitual quanto na prática, <strong>de</strong>ssa maneira, consonante<br />

ao seguinte pensamento:<br />

138


O objetivo principal da participação no plano conceitual, é o <strong>de</strong> facilitar, tornar<br />

mais direto e mais cotidiano o contato entre os cidadãos e as diversas<br />

instituições do Estado, e possibilitar que estas levem mais em conta os interesses<br />

e opiniões daqueles antes <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões ou <strong>de</strong> executá-las (FURRIELA apud<br />

BORJA apud JACOBI, 2002, p. 29).<br />

Com o intuito <strong>de</strong> satisfazer os objetivos do trabalho, optou-se por reflexões teóricas dos<br />

temas abordados e uma análise teórica das dimensões - influência das Organizações<br />

Internacionais, <strong>de</strong>senvolvimento econômico e dissolução <strong>de</strong> conflitos -, <strong>de</strong>ntro do contexto da<br />

América Latina. Enfim, os resultados obtidos satisfazem os requisitos <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong> e a<br />

dimensão que pretendia atingir.<br />

139


Referências Bibliográficas<br />

BIDERMAN, R. (2002). Democracia, Cidadania e Proteção do Meio Ambiente. 1. ed. São Paulo:<br />

Annablume, 2002. v. 01, 194 p.<br />

BOBBIO, Norberto. Ed. (2000) Liberalismo e <strong>de</strong>mocracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São<br />

Paulo: Brasiliense.<br />

BUENO, Antônio <strong>de</strong> Pádua Fernan<strong>de</strong>s; MELLO, Julius Mo<strong>rei</strong>ra (2001). A Carta Democrática<br />

Interamericana e a Eterna Novida<strong>de</strong> da Democracia. Revista Cena Internacional. Brasília, v. 3, n.<br />

2, p. 240.<br />

COELHO, H. S. (2006) O Mercosul numa perspectiva <strong>de</strong>mocrática das reações <strong>internacionais</strong>.<br />

Centro <strong>de</strong> pesquisas estratégicas Paulino Soares, Juiz <strong>de</strong> Fora MG, 2006.<br />

HAYEK, Friesrich Von (1981). Liberalismo, in Enciclopedia <strong>de</strong>l Novecento, Istituto <strong>de</strong>lla<br />

Enciclopedia italiana, Roma, 1981.<br />

LIMA, Maria Regina Soares <strong>de</strong>. (2000), “Instituições Democráticas e Política Exterior”.<br />

Contexto Internacional, vol. 22 , no 2 , pp. 265-303.<br />

NAÇÕES UNIDAS. Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, A/RES/55/2 <strong>de</strong> 18 set.<br />

2000 (2009) [http://ww2.unhabitat.org/whd/A_RES_55_2.PDF]. Disponibilida<strong>de</strong>: 30/09/2009.<br />

_________ . Desenvolvendo uma Democracia Internacional (2009). Disponível em:<br />

[http://www.unpacampaign.org/documents/pt/STRATEGYPAPER_EXEC.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

04/11/2009.<br />

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT (2009). Declaração conjunta do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil e do Diretor Geral da Organização Internacional do<br />

Trabalho [http://www.oitbrasil.org.br/topic/<strong>de</strong>cent_work/doc/<strong>de</strong>claracao_conjunta_6.pdf].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 06/12/2009.<br />

PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2004). A Democracia na América<br />

Latina: rumo a uma <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> cidadãos. São Paulo, LM&X, 2004.<br />

_________. Governance and the Millennium Development Goals (MDGs) (2009).<br />

[http://www.undp.org/governance/mdgs.htm]. Disponibilida<strong>de</strong>: 02/11/2009.<br />

_________. Democratic Governance (2009). [http://www.undp.org/governance /in<strong>de</strong>x.html].<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 02/11/2009.<br />

_________ . Democracia/Estado/Ciudadanía: Hacia un Estado <strong>de</strong> y para la Democracia em<br />

América Latina (2009). [http://www.undp.org/governance/mdgs.htm]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

02/11/2009.<br />

140


RODRIGUES, Thiago e ROMÃO, Wagner <strong>de</strong> Melo (2009). A urgência em problematizar as<br />

Nações Unidas. Disponível em: http://www.livrariacultura.com.br/imagem/capitulo/1810051.pdf.<br />

Disponibilida<strong>de</strong>: 30/09/2009.<br />

ROSENFIELD, Denis L . Ed. (1994) O que é <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Brasiliense.<br />

SEN, Amartya. Ed. (2000) Desenvolvimento como liberda<strong>de</strong>. São Paulo: Companhia das letras.<br />

SILVA, Marcelo Lira (2009). A <strong>de</strong>mocratização das relações <strong>internacionais</strong>: o caráter<br />

civilizatório da <strong>de</strong>mocracia [http://www.urutagua.uem.br/013/13silva.pdf]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

30/09/2009.<br />

TRINDADE, Hélgio (2009). Os <strong>de</strong>safios da <strong>de</strong>mocracia na América Latina, publicado em<br />

Cor<strong>rei</strong>o Cidadania [http://www.cor<strong>rei</strong>ocidadania.com.br/content/ view/1090/]. Disponibilida<strong>de</strong>:<br />

08/11/2009.<br />

VILLA, Rafael (2003). A questão <strong>de</strong>mocrática na agenda da OEA no pós–Guerra Fria. Revista <strong>de</strong><br />

Sociologia e Política. N. 20, jun 2003.<br />

VILLA, Rafael Duarte; TOSTES, Ana Paula Baltasar (2006). Democracia Cosmopolita Versus<br />

Política Internacional. Revista Lua Nova, n. 66, p. 205-214. São Paulo, 2006.<br />

141

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!