A censura invade a MPB - Censura Musical
A censura invade a MPB - Censura Musical
A censura invade a MPB - Censura Musical
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A <strong>censura</strong> <strong>invade</strong> a <strong>MPB</strong><br />
Produtor Manoel Barenbein fala<br />
sobre problemas com a DCDP<br />
quando trabalhava com Caetano, Gil<br />
e Chico<br />
A história da música popular<br />
brasileira é repleta de álbuns<br />
atemporais. Discos que registraram<br />
não apenas canções, mas<br />
catalisaram todo o contexto musical<br />
de uma época. A carreira fonográfica<br />
do lendário produtor Manoel<br />
Barenbein traz alguns do mais<br />
antológicos LPs da <strong>MPB</strong>.<br />
Em 1970, Barenbein produziu o<br />
<strong>censura</strong>do compacto Apesar de<br />
Você, de Chico Buarque. Trabalhou<br />
também na produção dos dois<br />
primeiros álbuns da carreira do<br />
compositor. No mesmo ano, foi o<br />
responsável por trazer da Itália,<br />
onde Chico estava morando, as<br />
gravações de Chico Buarque Volume<br />
4, LP gravado em condições<br />
adversas.<br />
A <strong>censura</strong>, Manoel viu de perto. Com<br />
os tropicalistas Caetano Veloso e<br />
Gilberto Gil, produziu em 1969, dois<br />
LP´s arranjados por Rogério Duprat,<br />
antes dos dois baianos partirem para<br />
Londres. Outros destaques de sua<br />
carreira são os álbuns Caetano<br />
Veloso, de 1967, disco que antecipa<br />
o movimento tropicalista, com capa<br />
criada por Rogério Duarte.<br />
Obviamente, não poderíamos deixar<br />
da citar Tropicália ou Panis Et<br />
Circensis (1968), trabalho que uniu<br />
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom<br />
Zé, Os Mutantes, Capinan e Nara<br />
Leão, quando ‘lançaram’ a<br />
Tropicália, restaurando os padrões<br />
artísticos da época. Mané, como é<br />
chamado pelos íntimos, produziu<br />
também LP´s de Os Mutantes, em<br />
68 e 69.<br />
Em entrevista ao <strong>Censura</strong> <strong>Musical</strong>,<br />
Manoel detalhou como a <strong>censura</strong><br />
afetou artistas que fizeram parte do<br />
período mais produtivo da música no<br />
Brasil.<br />
<strong>Censura</strong> <strong>Musical</strong>: Durante o<br />
período em que você trabalhou<br />
com Caetano e Gil, como a<br />
<strong>censura</strong> atrapalhou o trabalho<br />
dos dois?<br />
Manoel: Em 69, o Gil e o Caetano<br />
ficaram presos no Rio e enquanto se<br />
preparava a deportação deles, os<br />
dois foram “confinados” em<br />
Salvador. Eles não podiam sair da<br />
cidade, não podiam fazer nada em<br />
público. Na realidade, estavam<br />
passando por uma fase de<br />
dificuldade econômica, pois não<br />
podiam fazer show, ou seja, não<br />
podiam trabalhar. Quem vive de<br />
música e não pode fazer show, não<br />
consegue viver. Aí a companhia<br />
decidiu ajudar e definimos com que<br />
íamos gravar dois LP´s e a<br />
gravadora daria um adiantamento<br />
dos direitos que eles teriam<br />
posteriormente ao lançamento dos<br />
discos.
CM: Quais problemas você<br />
encontrou durante a gravação<br />
destes discos?<br />
Manoel: Chegando no Hotel em<br />
Salvador, estavam dois caras me<br />
esperando e perguntaram: “O<br />
senhor que é o responsável pelo<br />
pessoal que está trabalhando com<br />
Caetano e Gil?” O pior é que eu<br />
estava sozinho. O Rogério (Duprat –<br />
arranjador tropicalista) ficou<br />
conversando com Caetano e Gil e os<br />
dois técnicos saíram passear.<br />
CM: E como você se explicou?<br />
Manoel: A sorte é que eu tinha uma<br />
pasta com todas as anotações dos<br />
discos dos dois. Para que não<br />
houvesse problema, eu já tinha<br />
levado todas as letras com o<br />
carimbo da <strong>censura</strong> de “liberado”.<br />
Chegamos na delegacia, o delegado<br />
chefe me chamou:”O senhor não<br />
sabe que o Caetano e Gil não podem<br />
fazer aparições públicas?” Eu disse:<br />
“Eu sei, é por isso que a gente está<br />
num local fechado. Nós alugamos<br />
um estúdio e estamos, inclusive,<br />
autorizados pela Polícia Federal de<br />
Brasília pra isso e mostrei os<br />
documentos originais. Ele disse que<br />
tudo bem. Eu falei que se ele<br />
quisesse conferir que podia aparecer<br />
no estúdio. Falei que nós estaríamos<br />
lá a partir da três da tarde do dia<br />
seguinte.<br />
CM: Caetano e Gil ficaram<br />
receosos?<br />
Manoel: Eles ficaram “pê da vida”,<br />
pois os caras não deixavam eles<br />
trabalharem.<br />
CM: Como foi a gravação dos<br />
LP´s?<br />
Manoel: O Gil fez todos os arranjos,<br />
eu peguei o equipamento do Rio e<br />
levei pra Bahia pra gravar.<br />
Chegamos em Salvador, o Gil tinha<br />
ensaiado com o grupo do Pepeu<br />
(Gomes). Esses caras foram<br />
participar de um programa de TV e<br />
tocaram uma música que na letra<br />
tinha a frase “...menina dos<br />
peitinhos duros...”. A <strong>censura</strong> bateu<br />
em cimas dos caras, o empresário<br />
deles se apavorou, pegou todos os<br />
instrumentos, colocou dentro de<br />
uma Kombi, se mandou pro interior
da Bahia e deixou cinco músicos<br />
sem instrumentos pra gravar. Então<br />
nós tínhamos músicos, estúdio,<br />
equipamento que eu trouxe do Rio,<br />
mas não tínhamos instrumentos.<br />
CM: O que vocês fizeram?<br />
Manoel: Era mês de junho e estava<br />
chovendo muito em Salvador.<br />
Fomos emprestar os instrumentos<br />
de uns amigos do Pepeu, atolamos o<br />
carro e pegamos. Mas na hora que<br />
fomos gravar, não dava, era<br />
impossível! Tivemos que gravar o<br />
disco ao contrário. Gravamos as<br />
bases lá e terminamos de gravar no<br />
Rio.<br />
CHICO CENSURADO<br />
<strong>Censura</strong> <strong>Musical</strong>: Como foi<br />
produzir um artista tão<br />
<strong>censura</strong>do como Chico Buarque?<br />
Manoel: O Chico Buarque foi um<br />
cara que sofreu muito com a<br />
<strong>censura</strong>. Teve uma época que nós<br />
ficamos um bom tempo sem poder<br />
gravar absolutamente nada dele<br />
porque tudo que ia pra Brasília com<br />
o nome dele era <strong>censura</strong>do. Podia<br />
não ter nada da música, e os caras<br />
<strong>censura</strong>vam porque achavam que<br />
teria. Eles (censores) pensavam que<br />
já os caras queriam dar de<br />
malandro, então barrava-se tudo.<br />
Até a ida do Chico pra Itália ainda<br />
deu pra trabalhar, mas depois que<br />
ele voltou ficou mais difícil.<br />
<strong>Censura</strong> <strong>Musical</strong>: Embora muitas<br />
canções foram <strong>censura</strong>das,<br />
“Apesar de você” passou<br />
despercebida. Como isso<br />
aconteceu?<br />
Manoel: Um dia, eu estava no Rio,<br />
dez e meia da manhã toca meu<br />
telefone e minha secretária disse<br />
que o Chico tava na linha. (Manoel<br />
relembra o diálogo no telefone)<br />
Chico: Alô, Manoel!<br />
Manoel: Fala Chico! O que você tá<br />
fazendo acordado essa hora?<br />
Chico: Não fui dormir ainda. Estou<br />
aqui com o Vinícius. Você não quer<br />
vir aqui não? Fiz uma música, você<br />
não quer ver?<br />
Cheguei lá, tava o Vinícius num<br />
canto com um copo na mão. Aí o<br />
Chico pegou o violão e começou a<br />
cantar. Quando terminou, me<br />
perguntou: “O que você acha?”<br />
Eu disse: Se você não disser que<br />
tem segunda intenção, não dá pra<br />
dizer nada. Agora se você disser que<br />
sim, é óbvio. Manoel comenta - Se<br />
você pegar a letra, pensa numa<br />
mulher. Esquece de ditadura,<br />
ditador, de Médici.<br />
O Chico me perguntou: “O que você<br />
acha? Passa?”<br />
Manoel: Não sei. Vamos fazer como<br />
fizemos com todas as outras.<br />
Então o Dr. João Carlos Miller<br />
Chaves (advogado da gravadora
Philips na época) mandou pra<br />
Brasília e a música voltou liberada.<br />
Eu liguei pro Chico: “Voltou<br />
liberada!”<br />
Ele disse: “Você tá me gozando...”<br />
Manoel: Estou indo aí. Pode preparar<br />
uma dose que eu quero beber!<br />
CM: E quando surgiu o veto?<br />
Manoel: O disco já tinha vendido<br />
em torno de 80 a 100 mil cópias.<br />
Um dia, alguém abriu o bico, porque<br />
sempre tem alguém que abre.<br />
Apareceu um fileto de jornal “A<br />
música de Chico Buarque “Apesar de<br />
você” foi feita em homenagem ao<br />
presidente Médici. Isso saiu num<br />
domingo de manhã. Na segunda de<br />
manhã, o exército invadiu a fábrica.<br />
Dr. João Carlos me ligou e falou:<br />
Some!<br />
Depois de três, quatro dias em casa<br />
ele avisou que eu podia sair. Eles<br />
invadiram a fábrica e quiseram<br />
saber qual era o disco no estoque<br />
que tinha “Apesar de você”. Eles<br />
levaram tudo pra quebrar. Só não<br />
quebraram a matriz, porque não<br />
estava lá.<br />
CM: A gravadora teve prejuízos?<br />
Manoel: Eu diria que nem tanto,<br />
porque existe um processo dentro<br />
da discografia que uma proibição se<br />
torna um marketing. Mas se<br />
ninguém falar nada, passa batido. O<br />
Zuza (Homem de Mello) foi muito<br />
feliz em colocar uma parábola<br />
dizendo que a <strong>MPB</strong> cresceu a medida<br />
em que a ditadura foi ficando mais<br />
forte, e perdeu a criatividade<br />
quando a ditadura acabou. A<br />
<strong>censura</strong> trabalhou muito em cima do<br />
universitário, do que cara que<br />
estava desabrochando. Esse cara,<br />
quando tinha capacidade criativa,<br />
ele driblava e acabou.<br />
CM: Em tantos anos de carreira,<br />
você se recorda de outros fatos<br />
sobre <strong>censura</strong>?<br />
Manoel: Quando eu assumi a<br />
direção artística na Phonogram em<br />
São Paulo, o presidente da<br />
companhia era o Allan Frossard,<br />
formado em psiquiatria na<br />
Sorbonne, com livros publicados na<br />
França. Esse cara, acabou indo<br />
trabalhar com livros, e em 65 veio<br />
parar no Chile para montar a<br />
Phonogram, e depois veio por Brasil.<br />
De 68 pra 69, ele pediu pra matriz<br />
da companhia para que o mudassem<br />
de país, e os caras lá acharam um<br />
absurdo, pois ele estava montando<br />
uma gravadora extraordinária aqui.
Ele saiu do Brasil por um único<br />
motivo – porque não tinha livros<br />
para ler, porque tudo que lê<br />
importava, a <strong>censura</strong> vetava na<br />
alfândega. Ele foi embora porque<br />
não tinha livros pra ler e era o<br />
presidente da companhia! Pra mim,<br />
esse é o maior exemplo de <strong>censura</strong>.