16.04.2013 Views

Charles Baudelaire – As Flores do Mal

Charles Baudelaire – As Flores do Mal

Charles Baudelaire – As Flores do Mal

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

SPLEEN<br />

Pluviôse, contra toda a cidade irrita<strong>do</strong>,<br />

De sua urna verte um frio tenebroso<br />

Sobre os que moram sós no cemitério ao la<strong>do</strong>,<br />

E entorna a morte no subúrbio nebuloso.<br />

Meu gato em busca de onde estar aconchega<strong>do</strong><br />

Agita inquieto o corpo fláci<strong>do</strong> e asqueroso;<br />

A alma de um velho poeta erra pelo telha<strong>do</strong>,<br />

Com a lúgubre voz de um fantasma brumoso.<br />

O bordão se lamenta, e a tíbia acha de lenha<br />

Acompanha em falsete a pêndula roufenha,<br />

Enquanto num baralho, entre áci<strong>do</strong>s o<strong>do</strong>res,<br />

Herança de uma velha hidrópica e entrevada,<br />

Um valete e uma dama, em sinistra jogada,<br />

Vão lembran<strong>do</strong> entre si sues defuntos amores.<br />

SPLEEN<br />

Eu tenho mais recordações <strong>do</strong> que há em mil anos.<br />

Uma cômoda imensa atulhada de planos,<br />

Versos, cartas de amor, romances escrituras,<br />

Com grossos cachos de cabelo entre as faturas,<br />

Guarda menos segre<strong>do</strong>s que o meu coração.<br />

É uma pirâmide, um fantástico porão,<br />

E jazigo não há que mais mortos possua.<br />

- Eu sou um cemitério odia<strong>do</strong> pela lua,<br />

Onde, como remorsos, vermes atrevi<strong>do</strong>s<br />

Andam sempre a irritar meus mortos mais queri<strong>do</strong>s.<br />

Sou como um camarim onde há rosas fanadas,<br />

Em meio a um turbilhão de modas já passadas,<br />

Onde os tristes pastéis de um Boucher desbota<strong>do</strong><br />

Ainda aspiram o o<strong>do</strong>r de um frasco destampa<strong>do</strong>.<br />

Nada iguala o arrastar-se <strong>do</strong>s trôpegos dias,<br />

Quan<strong>do</strong>, sob o rigor das brancas invernias,<br />

O tédio, taciturno exílio da vontade,<br />

<strong>As</strong>sume as proporções da própria eternidade.<br />

- Doravante hás de ser, ó pobre e humano escombro!<br />

Um granito açoita<strong>do</strong> por ondas de assombro,<br />

A <strong>do</strong>rmir nos confins de um Saara brumoso;<br />

Uma esfinge que o mun<strong>do</strong> ignora, descui<strong>do</strong>so,<br />

Esquecida no mapa, e cujo áspero humor<br />

Canta apenas os raios <strong>do</strong> sol a se pôr.<br />

SPLEEN<br />

Sou como um rei sombrio de um país chuvoso,<br />

Rico, mas incapaz, moço e no entanto i<strong>do</strong>so,<br />

Que, desprezan<strong>do</strong> <strong>do</strong> vassalo a cortesia,<br />

Entre seus cães e outros bichos se entedia.<br />

Nada o pode alegrar, nem caça, nem falcão,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!