17.04.2013 Views

PElO dIREItO à AUtOdEfESA dOS SEm-tERRA - Pco

PElO dIREItO à AUtOdEfESA dOS SEm-tERRA - Pco

PElO dIREItO à AUtOdEfESA dOS SEm-tERRA - Pco

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

SEMANáRIO NACIONAl OPERáRIO E SOCIAlISTA<br />

CAUSA OPERÁRIA<br />

WWW.PCO.ORG.BR/CAUSAOPERARIA • FUNDADO EM JUNHO DE 1979 • ANO XXXI • Nº 575 • DE 28 DE FEVEREIRO A 6 DE MARÇO DE 2010 • SP, MG E RJ R$ 4,00 • DEMAIS ESTADOS R$ 5,00<br />

É PRECISO COmbAtER A OfEnSIvA dA dIREItA nO CAmPO<br />

<strong>PElO</strong> <strong>dIREItO</strong> <strong>à</strong> <strong>AUtOdEfESA</strong> <strong>dOS</strong> <strong>SEm</strong>-<strong>tERRA</strong><br />

Frente <strong>à</strong> ofensiva da bancada<br />

ruralista no Congresso<br />

Nacional com a CPI do MST<br />

e as prisões em São Paulo,<br />

direção do MST expõe sua<br />

política contra qualquer luta<br />

real dos sem-terra e propõe<br />

esperar pelas eleições e acreditar<br />

na “democracia”.<br />

Para fazer avançar a luta<br />

contra o latifúndio, os trabalhadores<br />

precisam superar esta<br />

política conciliadora e lutar<br />

pelo direito <strong>à</strong> autodefesa dos<br />

trabalhadores sem-terra bem<br />

como a libertação de todos os<br />

presos políticos da luta pela<br />

terra. Página A6<br />

AIndA nEStA EdIçãO:<br />

direção do<br />

mSt anuncia<br />

que não irá<br />

mais promover<br />

ocupações<br />

Ruralistas<br />

criam órgão<br />

de inteligência<br />

contra os semterra<br />

Página A6<br />

nACIOnAl<br />

SãO PAUlO<br />

moradores<br />

da Zona leste<br />

levantam<br />

barricadas em<br />

protesto contra as<br />

enchentes Página A5<br />

ECOnOmIA<br />

mOvImEntO OPERÁRIO<br />

dECISãO nOS<br />

tRIbUnAIS<br />

O golpe do<br />

Pmdb para<br />

redefinir<br />

o mapa político<br />

do País Página A7<br />

A CASSAçãO dE KASSAb<br />

Por trás da campanha pela ética,<br />

mais uma tentativa de intervenção<br />

da Justiça Página A7<br />

tãO RUIm<br />

QUAntO A<br />

gRÉCIA<br />

dívida do<br />

Reino Unido<br />

chega a 13%<br />

do PIb Página A8<br />

EntREvIStA dA <strong>SEm</strong>AnA:<br />

nãO <strong>à</strong> PRIvAtIZAçãO<br />

lutar contra a Correios S.A.<br />

Página A10<br />

bAnCÁRIOS-df<br />

Os “combativos” a serviço dos<br />

sócios minoritários dos banqueiros<br />

Página A11<br />

nEgROS<br />

ÁfRICA dO SUl<br />

governo de frente popular fez salários<br />

dos brancos subirem 100% a mais do<br />

que os dos negros<br />

Página A12<br />

A crescente luta pela terra no estado de São Paulo e a evidente capacidade de os sem-terra ocuparem em toda a região mais de uma centena de fazendas,<br />

mostram claramente que está na ordem do dia superar os limites estabelecidos pela política da direção do MST.<br />

AS EnCHEntES<br />

nA ZOnA lEStE dE S. PAUlO<br />

O poder público acabou se<br />

aproveitando das circunstâncias<br />

Causa Operária entrevista<br />

nesta semana Carlos Henrique<br />

loureiro, coordenador<br />

do Núcleo de Habitação e<br />

ExClUSIvO:<br />

ROdOvIÁRIOS - bElO HORIZOntE (mg)<br />

greve mostrou as<br />

tendências combativas do<br />

movimento operário<br />

Para lutar por suas reivindicações,<br />

motoristas e<br />

cobradores enfrentaram a<br />

burocracia sindical traidora<br />

tEORIA HIStóRIA<br />

40 AnOS dA ElEIçãO<br />

dE SAlvAdOR AllEndE<br />

A vitória da<br />

frente popular<br />

no Chile Página A15<br />

QUEStõES dE<br />

tÁtICA<br />

Pela frente única<br />

nos sovietes<br />

como órgãos<br />

supremos de<br />

frente única<br />

Leon Trótski<br />

Página A16<br />

Urbanismo da Defensoria<br />

Pública, que falou sobre as<br />

enchentes e a política do governo<br />

Kassab. Página A20<br />

mOvImEntO<br />

EStUdAntIl<br />

A luta contra Rodas é a<br />

nova etapa da luta contra a<br />

ditadura na universidade<br />

USP: nEnHUmA<br />

COnfIAnçA<br />

nO REItOR-<br />

IntERvEntOR<br />

lutar pelo<br />

“fora Rodas” Página A13<br />

que sabotou abertamente a<br />

mobilização para defender<br />

os interesses dos patrões..<br />

Página A9<br />

PAnORAmA<br />

POlÍtICO dA<br />

<strong>SEm</strong>AnA<br />

nOvA tEndênCIA<br />

Crise na Europa<br />

impulsiona<br />

mobilizações da<br />

classe operária Pág. A2<br />

lEIA nO SEgUndO CAdERnO<br />

mUlHERES<br />

IntERnACIOnAl<br />

A crise num dos países mais pobres da União Européia<br />

assinala a decadência do imperialismo mundial<br />

gREvE gERAl nA gRÉCIA<br />

trabalhadores reagem ao plano de<br />

ataque do governo grego Página A17<br />

PIlHAgEm dO HAItI<br />

A segunda fase da ocupação:<br />

empreiteiras privadas lucrando com as<br />

ruínas do terremoto Página A19<br />

AfEgAnIStãO<br />

Uma guerra onde só há “efeitos<br />

colaterais” Página A18<br />

95 AnOS dA PUblICAçãO dA ObRA:<br />

A metamorfose: a literatura fantástica<br />

a serviço da crítica social<br />

Obra que inaugurava o surgimento do rico e original universo<br />

literário de Kafka, A Metamorfose representou também um<br />

marco no desenvolvimento da literatura moderna, com sua<br />

técnica deformadora que tão bem retrataria as deformidades<br />

de uma sociedade em franca desagregação<br />

Nesta edição:<br />

• Panorama da vida do autor: Franz<br />

Kafka, o escritor em um mundo em<br />

transição<br />

• O Processo e O Castelo, o irracionalismo<br />

do mundo e o indivíduo<br />

• A Metamorfose: texto integral<br />

8 dE mARçO<br />

O centenário do<br />

dia Internacional da mulher<br />

Um dIA dE lUtA PARA tOdAS AS mUlHERES<br />

neste 8 de março, participe<br />

das atividades do coletivo Rosa<br />

luxemburgo<br />

Página A4


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA PANORAMA POLÍTICO DA SEMANA A2<br />

NOVA TENDÊNCIA DE LUTA<br />

Crise na Europa impulsiona mobilizações da classe operária<br />

Diversas manifestações ocorridas na última semana,<br />

em especial a greve geral na Grécia demonstram uma<br />

nova etapa de luta dos trabalhadores para impedir que<br />

a burguesia continue saqueando os trabalhadores para<br />

“salvar” o capitalismo da maior crise econômica<br />

mundial da sua história<br />

A crise na Europa tomou<br />

novos contornos na última semana.<br />

A crise do endividamento<br />

da Grécia e de outras<br />

economias importantes fez<br />

com que os governos e a União<br />

Européia apertassem o cerco<br />

com as medidas para conter a<br />

dívida. Estas medidas que vão<br />

de reformas trabalhistas até o<br />

aumento da idade para aposentadoria<br />

fez com que a classe<br />

operária destes países iniciasse<br />

um processo de lutas que<br />

tende a se intensificar e agrupar<br />

cada vez mais e mais trabalhadores<br />

de todos os países<br />

europeus em um novo ascenso<br />

da classe operária mundial.<br />

Espanha também<br />

na mira<br />

Nesta última semana foi a<br />

vez do governo espanhol do<br />

primeiro ministro José Luiz<br />

Rodríguez Zapatero anunciar<br />

por meio do presidente do<br />

Banco Central da Espanha que<br />

está em andamento uma reforma<br />

trabalhista. Miguel Ángel<br />

Fernández Ordóñez, presidente<br />

do BC espanhol anunciou<br />

que “A reforma trabalhista é<br />

essencial para o crescimento<br />

do Produto Interno Bruto (...)<br />

[porque] a flexibilidade nas<br />

negociações salariais é indispensável<br />

para melhorar a competitividade<br />

dentro da união<br />

monetária, onde não há desvalorização.<br />

É óbvio que, se as<br />

medidas necessárias não forem<br />

adotadas para reativar o<br />

crescimento do emprego dentro<br />

de um período razoável, a<br />

inadimplência aumentará e<br />

mais grupos financeiros terão<br />

problemas em fornecer o financiamento<br />

necessário para<br />

reativar a economia.” (Reuters,<br />

22/2/2010).<br />

Depois da Grécia anunciar<br />

tais medidas, agora o governo<br />

da Espanha segue a mesma orientação<br />

com medidas para diminuir<br />

sua dívida pública. E o<br />

alvo principal destas medidas<br />

é a classe operária dos países<br />

que já não bastasse terem esvaziados<br />

os cofres públicos<br />

para sustentarem os capitalis-<br />

tas no meio da crise agora os<br />

trabalhadores vão pagar ainda<br />

mais para continuar salvando<br />

os capitalistas da recessão.<br />

Ataque direto<br />

contra os<br />

trabalhadores<br />

As medidas aprovadas na<br />

Grécia e também na Espanha<br />

foram discutidas pela alta cúpula<br />

da Comissão Européia<br />

que está de olho na crise destes<br />

países para não deixar que<br />

toda a zona do euro e até mesmo<br />

a União Européia entre em<br />

uma profunda recessão.<br />

O primeiro a adotar o plano<br />

de contenção de gastos para<br />

reduzir a dívida pública foi o<br />

primeiro ministro grego Papandreou.<br />

A Grécia tem o<br />

“dever” segundo a Comissão<br />

Européia de reduzir o seu déficit<br />

público dos atuais 12,7%<br />

do PIB (Produto Interno Bruto)<br />

para 3% até o ano de 2012.<br />

Para isso vai realizar medidas<br />

que cortem os custos em até<br />

10 bilhões de euros ou algo em<br />

torno de 13 bilhões de dólares.<br />

Para obter este resultado<br />

haverá reformas de toda a natureza<br />

que vai visar reduzir<br />

custos do governo com saúde,<br />

educação, previdência social<br />

etc. O aumento de impostos é<br />

uma das “saídas” que serão<br />

implementadas. Além de reduzir<br />

salários, cortar serviços<br />

públicos o governo ainda vai<br />

esfolar ainda mais os trabalhadores<br />

gregos com o aumento<br />

dos impostos em até 19%.<br />

A orientação da União Européia<br />

é taxativa, reduzir os gastos<br />

o mais rápido possível sem<br />

No mesmo dia quase metade da força de trabalho grega, composta de 5 milhões de<br />

população economicamente ativa realizaram uma greve por todo o País.<br />

levar em consideração qualquer<br />

fator. Sem nenhum tipo<br />

de planejamento ou como a<br />

economia dos países ou os trabalhadores<br />

vão sofrer os efeitos<br />

destas medidas.<br />

Resposta imediata<br />

Bastou as medidas serem<br />

anunciadas que os trabalhadores<br />

gregos já responderam com<br />

manifestações e greves. No último<br />

dia 23, representantes do<br />

FMI (Fundo Monetário Internacional),<br />

da Comissão Euro-<br />

O dia de greve foi marcado por fortes confrontos entre os<br />

trabalhadores e a força policial.<br />

péia e do Banco Central Europeu<br />

(BCE) foram <strong>à</strong> Grécia para<br />

acompanhar a situação do País<br />

e a implantação das medidas.<br />

No mesmo dia quase metade<br />

da força de trabalho grega,<br />

composta de 5 milhões de po-<br />

pulação economicamente ativa<br />

realizaram uma greve por<br />

todo o País. Foram mais de<br />

dois milhões de trabalhadores<br />

em greve contra as reformas<br />

da União Européia.<br />

A greve dos trabalhadores<br />

gregos foi organizada por sindicatos<br />

dos setores públicos e<br />

também sindicatos privados.<br />

Com duração de 24 horas a<br />

greve provocou o fechamento<br />

de escolas, aeroportos e ministérios.<br />

Cerca de 400 vôos foram<br />

cancelados. A greve atingiu<br />

fábricas, repartições públicas,<br />

setor de transportes, construção<br />

civil, hospitais, bancos,<br />

colégios etc.<br />

Os transportes públicos estão<br />

completamente parados<br />

com exceção do funcionamento<br />

de ônibus, mas que servem<br />

apenas aos grevistas para serem<br />

levados aos locais das manifestações.<br />

Nem mesmo a imprensa local<br />

deixou de aderir <strong>à</strong> greve.<br />

Equipes de televisão, fotógrafos<br />

e jornalistas aderiram ao<br />

movimento grevista deixando a<br />

imprensa estrangeira cobrir as<br />

manifestações.<br />

As ruas do centro de Atenas<br />

foram tomadas de pôsteres e<br />

panfletos pedindo aos trabalhadores<br />

gregos que protestem<br />

com o lema “Pessoas e suas<br />

necessidades acima dos mercados!”.<br />

Algumas lojas estavam<br />

de portas fechadas, e o<br />

trânsito caótico da capital grega<br />

estava quieto (O Globo, 24/<br />

2/2010).<br />

Além de toda a perseguição<br />

aos trabalhadores por conta<br />

das medidas, o dia de greve foi<br />

marcado por fortes confrontos<br />

entre os trabalhadores e a força<br />

policial que reprimiu de maneira<br />

brutal os manifestantes.<br />

Foram utilizados bombas de<br />

gás lacrimogêneo, balas de borracha,<br />

cassetetes e todos os<br />

artifícios para impedir os protestos.<br />

Mais greves<br />

Foram mais de dois milhões de trabalhadores em greve contra as reformas da União Européia.<br />

A greve também atingiu outros<br />

países da Europa. Na Espanha,<br />

a reforma da previdência<br />

proposta pelo primeiro ministro<br />

Zapatero provocou uma<br />

série de manifestações em toda<br />

a Espanha durante a última semana.<br />

As manifestações ocorreram<br />

nas cidades de Barcelona,<br />

Madri e Valência convocadas<br />

pelas centrais sindicais entre<br />

elas a Comisiones Obreras e<br />

UGT (União Geral dos Trabalhadores).<br />

Ainda na semana os trabalhadores<br />

de outras cidades espanholas<br />

também protestaram.<br />

Como nas cidades de La Rioja,<br />

Oviedo e Ceuta na última quar-<br />

ta-feira, dia 24 foram as cidades<br />

de Bilbao, Palma de<br />

Mallorca e as cidades da região<br />

da Andaluzia que se manifestaram.<br />

Os protestos são contra as<br />

reformas, trabalhistas e da<br />

previdência que o governo<br />

Zapatero está preparando contra<br />

os trabalhadores para diminuir<br />

o endividamento do País<br />

com a crise econômica. Entre<br />

as medidas está o aumento da<br />

idade de aposentadoria de 65<br />

para 67 anos. Os protestos são<br />

um reflexo do tamanho da<br />

crise na Espanha e um sinal da<br />

retomada das lutas operárias<br />

que vai atingir todo o continente<br />

europeu.<br />

Na Alemanha, cerca de<br />

quatro mil pilotos da empresa<br />

aérea alemã Lufthansa realizaram<br />

uma greve de um dia que<br />

praticamente parou o tráfego<br />

aéreo alemão.<br />

Os pilotos reivindicaram<br />

um aumento salarial de 6,4%,<br />

mas o sindicato entregou a<br />

greve no primeiro dia, estavam<br />

programados quatro dias<br />

de greve, depois que a empre-<br />

sa sinalizou que manteria os<br />

empregos dos pilotos com<br />

novas negociações marcadas.<br />

A greve também foi organizada<br />

contra a tentativa de demissão<br />

que a empresa anunciou.<br />

A greve é um resultado<br />

direto da crise econômica<br />

mundial, pois a Lufthansa tem<br />

um prejuízo de 130 milhões de<br />

dólares e já anunciou a demissão<br />

de pilotos para contratar<br />

terceirizados que trabalham<br />

por menos. Seguindo a risca<br />

o lema de economizar com o<br />

corte de empregos.<br />

Com a greve mesmo de um<br />

dia dezenas de vôos foram<br />

cancelados em todo o mundo,<br />

cerca de 800 vôos por dia não<br />

circularam. Por dia a Lufthansa<br />

realiza 1.800 vôos. Somente<br />

no Brasil a empresa adiou<br />

oito vôos. Na Alemanha, importantes<br />

aeroportos como<br />

nas cidades de Munique, Berlim,<br />

Frankfurt, Hamburgo e<br />

Düsseldorf, tiveram as viagens<br />

realizadas pela Lufthansa<br />

canceladas e com a notícia<br />

houve a suspensão de dezenas<br />

de vôos pelos passageiros.<br />

A greve dos pilotos não afetou<br />

somente os vôos domésticos,<br />

mas o setor de transporte<br />

de cargas também.<br />

No dia 23, outra greve<br />

aconteceu na França, também<br />

no setor aéreo. Os controladores<br />

de vôos de cinco sindicatos<br />

franceses aderiram <strong>à</strong> greve<br />

e paralisaram os aeroportos<br />

de importantes cidades como<br />

Paris, Grenoble, La Rochelle,<br />

Chambéry, Pau e Biarritz.<br />

Os funcionários decidiram<br />

iniciar a greve para protestar<br />

contra o projeto recém-aprovado<br />

de unificação dos sistemas<br />

de controle de vôo de seis<br />

países - França, Alemanha,<br />

Suíça, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.<br />

Esse projeto visa<br />

reduzir os custos das grandes<br />

empresas em 20% e vai tirar<br />

o emprego de 4,4 mil funcionários<br />

só na França.<br />

Essa é a segunda tentativa<br />

de manifestação dos trabalhadores,<br />

já que em dezembro do<br />

ano passado a justiça obrigou<br />

os trabalhadores a abandonarem<br />

um plano de 12 dias de<br />

greve no Natal.<br />

Os sindicatos denunciam<br />

ainda que este projeto governamental,<br />

que deverá integrar<br />

a prestação de serviços de controle<br />

aéreo destes países a uma<br />

nova entidade legal, pode ser<br />

o fim da Direção Geral da Aviação<br />

Civil (DGAC) como fun-<br />

ção pública do estado.<br />

Esta mudança faz parte da<br />

ofensiva da União Européia em<br />

cortar gastos públicos a todo<br />

custo para conter o avanço da<br />

crise.<br />

Mais protestos na Itália. A<br />

montadora italiana Fiat irá suspender<br />

por duas semanas as<br />

atividades em seis fábricas do<br />

grupo. Segundo a diretoria da<br />

empresa a suspensão serve<br />

para se adequar <strong>à</strong> queda da<br />

demanda graças <strong>à</strong> crise econômica.<br />

As seis fábricas representam<br />

30 mil trabalhadores<br />

dos 80 mil operários da<br />

empresa. Já os sindicatos italianos,<br />

denunciam que se planeja<br />

o fechamento definitivo<br />

da unidade da Fiat na Sicília.<br />

Outro protesto na Bélgica<br />

marcou a semana também. Os<br />

trabalhadores de uma das maiores<br />

redes de supermercados<br />

do mundo a rede francesa Carrefour<br />

fizeram paralisação no<br />

País. A greve parou 18 das 56<br />

principais lojas do Carrefour e<br />

15 dos 61 pontos de vendas<br />

menores do supermercado.<br />

A greve ocorre depois que<br />

Na Espanha, a reforma da previdência proposta pelo primeiro ministro<br />

Zapatero provocou uma série de manifestações.<br />

a direção da empresa anunciou<br />

que 1.672 dos empregados serão<br />

demitidos e que 21 lojas<br />

serão fechadas graças <strong>à</strong> crise.<br />

Desemprego e a<br />

nova etapa da<br />

crise<br />

A nova etapa da crise mundial<br />

com o endividamento sem<br />

precedentes dos países europeus<br />

está desencadeando uma<br />

onda de protestos que não se<br />

via há muito tempo. A atual situação<br />

da crise da economia<br />

mundial, principalmente a economia<br />

da Europa, demonstra<br />

como a crise econômica não<br />

acabou por mais que os governos<br />

burgueses e a imprensa<br />

capitalista tentem manipular os<br />

dados econômicos.<br />

Esta é uma nova fase da crise<br />

ainda mais intensa que a<br />

anterior. Em contrapartida há<br />

uma ofensiva também por parte<br />

dos trabalhadores. Estas diversas<br />

mobilizações operárias<br />

na Europa, após a simples<br />

ameaça feita pelos governos e<br />

os patrões de cortes de salários,<br />

reformas que retiram direitos<br />

etc. é um sinal de que a<br />

classe operária não está mais<br />

disposta a aceitar o tacão de<br />

ferro das medidas antioperárias<br />

que só visam saquear os trabalhadores<br />

e os cofres públicos<br />

para satisfazer os interesses<br />

capitalistas.<br />

Os mais de dois milhões de<br />

trabalhadores na Grécia e as<br />

mobilizações na Espanha, Alemanha,<br />

Bélgica, França etc.<br />

são uma demonstração deste<br />

novo ascenso.<br />

Agora depois do assalto feito<br />

a todos os trabalhadores,<br />

com o uso de dinheiro publico<br />

e as demissões em massa, os<br />

trabalhadores perderam a boa,<br />

e greves se espalham por toda<br />

a Europa, sendo a greve na<br />

Grécia, com mais de dois<br />

milhões de trabalhadores paralisados.<br />

O desemprego, o principal<br />

flagelo dos trabalhadores e o<br />

efeito mais drástico causado<br />

pela recessão atinge 200 milhões<br />

de trabalhadores em<br />

todo o mundo.<br />

A situação da economia<br />

mundial vai se agravar ainda<br />

mais e os trabalhadores em<br />

contrapartida devem se organizar<br />

para garantir seus direitos,<br />

pois a burguesia para se salvar<br />

vai atacar ainda mais as condições<br />

de vida da classe operária.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA A3<br />

Editoriais<br />

Editoriais<br />

Na ditadura dos juízes<br />

Cassar os corruptos por meio de um simples golpe e<br />

estabelecer outra máfia no governo. Estabelecer que<br />

os juízes do STF, TSE, TRE’s e STJ devem decidir<br />

em nome de milhões de brasileiros, anulando a escolha<br />

feita nas eleições.<br />

São estas medidas que estão sendo cada vez mais adotadas pelos<br />

tribunais brasileiros. Um retrocesso para o tempo em que os governadores<br />

eram interventores indicados pela ditadura de Vargas<br />

ou pelos militares.<br />

A onda de cassação de governadores seguida de imposição pelos<br />

juízes nos estados em nome do combate <strong>à</strong> corrupção abre o precedente<br />

para a cassação dos direitos políticos da população, bem<br />

como é uma medida que amplia a restrição dos direitos democráticos<br />

de todos os partidos.<br />

Estes mesmos juízes podem decidir o que bem entendem sobre<br />

todos os âmbitos da justiça eleitoral e cassar os direitos dos partidos<br />

de esquerda e sem dinheiro.<br />

Foi o próprio TSE que cassou os direitos políticos do candidato<br />

Entregando os anéis para não<br />

perder os dedos<br />

Desde que foi colocado na reitoria da Universidade de<br />

S. Paulo, João Grandino Rodas, procura mostrar uma<br />

espécie de “boa vontade” para com os movimentos de<br />

funcionários, estudantes e professores da USP.<br />

O mesmo que mandou a polícia contra estudantes que se<br />

manifestavam na Faculdade de Direito, que propôs a portaria<br />

que permitia a entrada da PM na Cidade Universitária, que<br />

defende as fundações, ou seja, o homem de Serra e dos capitalista<br />

na universidade, está procurando fazer uma política<br />

de conciliação que tem como um dos motes o “diálogo”.<br />

Logo que foi indicado por Serra para ocupar o cargo dirigente<br />

máximo da universidade, Rodas saiu prometendo mundos<br />

e fundos. Falou que devolveria o prédio da reitoria ao CRUSP<br />

(Conjunto Residencial da USP), abrir as contas da universidade<br />

na internet, discutir a questão das cotas etc. Mais recentemente<br />

a medida que autorizava a entrada da polícia no campus,<br />

iniciativa do próprio Rodas, foi abolida.<br />

Tanta boa vontade surpreende os que estão acostumados<br />

a receber sempre as portas fechadas na cara, mas deve ser bem<br />

Haiti: Um joguete nas mãos do<br />

imperialismo<br />

A<br />

ONU é um instrumento dos interesses do imperi<br />

alismo norte-americano, não só na ilha, onde as<br />

tropas da ONU perderam toda a autonomia, mas no<br />

jogo político internacional também.<br />

Nenhum governo capitalista quer bancar solidariamente dinheiro<br />

para o Haiti, principalmente os EUA que destruíram<br />

economicamente o país, e tentam jogar nas costas da população<br />

a responsabilidade pelas doações para “reconstruir” o<br />

país. O objetivo de atingir uma cifra recorde de US$ 1,44<br />

Char Charge Char e da da semana<br />

semana<br />

presidencial do PCO <strong>à</strong>s eleições em 2006, o presidente nacional do<br />

partido Rui Costa Pimenta. O Tribunal na época promoveu uma<br />

das maiores aberrações jurídicas já vistas, impondo uma decisão<br />

retroativa em 2004 sobre algo ocorrido em 2002, com relação <strong>à</strong>s<br />

prestações de contas do partido.<br />

A partir de 2004 se decidiu que aqueles que não haviam prestado<br />

contas em 2002 não podiam se candidatar.<br />

Por outro lado, todos os corruptos, mesmo com evidentes casos<br />

de corrupção tiveram suas contas aprovadas, recorreram e ganharam<br />

o direito de se candidatar, como é o caso do notório corrupto,<br />

Fernando Collor de Melo.<br />

Assim como a censura <strong>à</strong> imprensa, as medidas repressivas e leis<br />

de exceção estabelecidas entre a própria burguesia recaem sempre<br />

contra a classe trabalhadora, no caso do TSE estas caminham de forma<br />

cada vez mais evidente para a cassação dos direitos democráticos.<br />

É preciso denunciar e combater amplamente esta tentativa de<br />

estabelecer o reino do arbítrio e do golpismo promovido pela ala<br />

direita da burguesia.<br />

compreendida. Os que alimentam a ilusão de que Rodas irá realizar<br />

mudanças reais na universidade presta um serviço extremamente<br />

negativo ao movimento.<br />

A boa vontade só existe porque o governo e a reitoria estão<br />

sob enorme pressão dos estudantes, que realizaram em 2007<br />

e em 2009 as maiores mobilizações pelo menos dos últimos 15<br />

anos. Rodas e Serra não têm absolutamente nenhuma intenção<br />

de acabar com a ditadura existente na USP. Seu objetivo<br />

é exatamente o oposto: reforçar a submissão da universidade<br />

ao governo do estado, entregar a universidade aos capitalistas,<br />

recuperar o controle da reitoria sobre toda a universidade.<br />

O poder dentro da universidade está concentrado nas mãos<br />

da reitoria e do governo do estado. Quem tem este poder, tem<br />

tudo. Sem ele, as conquistas parciais são secundárias, uma vez<br />

que eles têm o poder de retirá-las quando bem entenderem.<br />

Por isso, diante da mobilização, Rodas e Serra podem até<br />

entregar os anéis para não perder os dedos, mas não estão dispostos<br />

a entregar nenhum dedo voluntariamente.<br />

bilhão, mesmo que consigam, não passa de um valor irrisório<br />

diante da catástrofe.<br />

Com a sua campanha pelas doações para o Haiti, o imperialismo<br />

faz propaganda ideológica onde tentam se apresentar<br />

como os salvadores e heróis dos haitianos.<br />

Os países imperialistas, sob a pressão dos trabalhadores<br />

de todo o mundo, deveriam devolver o dinheiro roubado dos<br />

haitianos e deixá-los reconstruir seu país sem nenhuma intervenção<br />

estrangeira.<br />

8 de março<br />

RUI COSTA PIMENTA<br />

O<br />

que a burguesia dá com a mão direita, ela tira dez vezes mais com<br />

a mão esquerda. Este velho dito socialista é mais que nunca<br />

aplicável ao fenômeno do dia internacional da mulher.<br />

O 8 de março foi originalmente, e somente pode continuar sendo, para<br />

poder ser alguma coisa, o dia internacional de luta das operárias contra<br />

a opressão da mulher e do capitalismo. A luta das mulheres foi iniciada<br />

pelas filhas da burguesia que, seguindo o exemplo do movimento operário<br />

britânico, reivindicava o sufrágio feminino, da mesma forma que o<br />

movimento cartista antes dele havia reivindicado o sufrágio universal.<br />

O movimento britânico, diretamente inspirado pelas lutas operárias, foi<br />

o mais combativo de todos os movimentos sufragistas. No entanto, foi<br />

o movimento operário, mais especificamente o movimento socialista,<br />

marxista, da II Internacional que deu <strong>à</strong> luta das mulheres uma perspectiva<br />

política real, que ia além do problema do sufrágio reivindicando as condições<br />

necessárias para a natalidade, a liberdade civil da mulher diante<br />

do cárcere do casamento através do divórcio e, acima de tudo, a integração<br />

da mulher na luta pelo poder político. Enquanto que o movimento<br />

sufragista colocava-se mais e mais a reboque dos partidos burgueses,<br />

o socialismo oferecia <strong>à</strong>s mulheres a perspectiva da organização política<br />

independente do Estado e dos partidos burgueses.<br />

O ápice desta luta foi a Revolução Russa de 1917. Nas palavras de um<br />

dos seus principais dirigentes: “ A Revolução de Outubro manteve da<br />

maneira mais honesta a palavra no que diz respeito <strong>à</strong> mulher. O novo poder<br />

não se contentou em conceder <strong>à</strong> mulher os mesmos direitos jurídicos e<br />

políticos que o homem, ele fez – o que é mais – tudo o que podia e em<br />

todo caso infinitamente mais que qualquer outro regime para abrir realmente<br />

o acesso a todos os domínios econômicos e culturais. Mas, tanto<br />

quanto o “todo-poderoso” parlamento britânico, a mais poderosa revolução<br />

não pode fazer da mulher um ser idêntico ao homem ou, melhor dizendo,<br />

dividir por igual entre ela e seu companheiro os cuidados da gravidez,<br />

de dar <strong>à</strong> luz, da amamentação e educação das crianças. A revolução tentou<br />

heroicamente destruir o antigo “lar familiar”, instituição arcaica, conservadora,<br />

sufocante, na qual a mulher das classes laboriosas está condenada<br />

a trabalhos forçados, da infância até a morte. À família, considerada<br />

como uma pequena empresa privada fechada deveria suceder, no espírito<br />

dos revolucionários, um sistema acabado de serviços sociais: maternidades,<br />

creches, jardins de infância, restaurantes, lavanderias, dispensários,<br />

hospitais, sanatórios, organizações esportivas, cinemas, teatros<br />

etc. A absorção completa das funções econômicas da família pela<br />

sociedade socialista, ligando toda uma geração pela solidariedade e<br />

assistência mútua, deveria dar á mulher e, por conseguinte ao casal, uma<br />

verdadeira emancipação do jugo secular. Enquanto esta obra não for realizada,<br />

40 milhões de famílias soviéticas permanecerão, em sua grande<br />

maioria, presas dos costumes medievais, da sujeição e da histeria da<br />

mulher, das humilhações cotidianas das crianças , das superstições de<br />

um e de outro. (...)<br />

“Não se conseguiu tomar de assalto a família antiga. Não foi por falta<br />

de boa vontade. (...) Infelizmente a sociedade se revela demasiado pobre<br />

e demasiado pouco civilizada. Os recursos do Estado não correspondiam<br />

aos planos do Partido Comunista. A família não pode ser abolida, é<br />

necessário substituí-la. A emancipação real da mulher é impossível sobre<br />

o terreno da ‘miséria socialista’ (1).<br />

Ou, para todos os efeitos, também da “miséria capitalista”, como temos<br />

no Brasil.<br />

Os países ricos e desenvolvidos, porém, nada mais têm a oferecer <strong>à</strong>s<br />

mulheres, e homens, do mundo do que aparência, palavras e uma decoração<br />

ideologicamente cor-de-rosa sobre o cativeiro e o sofrimento de<br />

ainda mais de metade de humanidade. A transformação do dia 8 de março<br />

em dia oficial da mulher pelo imperialismo mundial e a sua comemoração<br />

é uma demonstração disso. No extremo, estão as flores e o sentimentalismo<br />

sobre a “importância”, a “força” e a grandeza da mulher.<br />

Enquanto isso, no mundo real, o capitalismo revive o tráfico de escravas,<br />

o aumento da prostituição e a prostituição infantil, a escravidão<br />

e, nos casos mais benignos, utiliza a superexploração da mão-de-obra<br />

feminina oprimida para baratear o mercado de trabalho.<br />

A luta da mulher e a luta pelo socialismo são coisas diferentes. Não<br />

se pode deixar de explicar isso a muitos “esquerdistas” e “socialistas”<br />

que usam o socialismo e a revolução para eliminar da perspectiva política<br />

a luta da mulher. No entanto, elas estão unidas em torno da luta comum<br />

contra o Estado burguês, de um ponto de vista imediato, ou seja, na luta<br />

pelo governo operário, único que pode libertar a mulher em algum sentido<br />

da palavra, e, historicamente, na luta contra o capitalismo e a miséria<br />

que ele cria, no retrocesso que ele provoca, criando um obstáculo intransponível<br />

<strong>à</strong> libertação da mulher, sem a qual não se pode sequer pensar na<br />

libertação da humanidade.<br />

1 - Leon Trótski, A revolução traída<br />

Como Como eles eles disseram...<br />

disseram...<br />

“O imperialismo norte-americano não pode estender mais, nem<br />

sequer manter sua posição atual no mundo, sem fazer um grande corte<br />

na parte do poder mundial atualmente entre as mãos de outras potências<br />

imperialistas, sem atacar o nível de vida das massas dos<br />

Estados Unidos, da América Latina, da Europa e da Ásia, os quais<br />

explora direta ou tira proveito indiretamente. De modo que, estendendo<br />

seu poder para todo o mundo, o capitalismo dos Estados Unidos<br />

introduz em seus próprios fundamentos a instabilidade do sistema<br />

capitalista mundial. A economia e a política dos Estados Unidos<br />

dependem das crises, das guerras e das revoluções em todas as partes<br />

do mundo”<br />

Leon Trótski, Os Estados Unidos após a crise de 1929<br />

Datas<br />

Datas<br />

1º de março de 1810<br />

Nascimento de Frédéric Chopin, compositor e pianista polonês<br />

2 de março de 1919<br />

O I Congresso da III Internacional Comunista é aberto em Moscou<br />

2 de março de 2004<br />

Guerra do Iraque: As Nações Unidas informam que as equipes de<br />

inspeção de armamentos não constataram que o Iraque possuía<br />

armas de destruição em massa após 1994.<br />

4 de março de 1932<br />

Nasce Miriam Makeba, cantora sul-africana, ativista contra o<br />

apartheid<br />

4 de março de 1852<br />

Morte de Nikolai Gogol, escritor russo<br />

4 de março de 1922<br />

Nascimento de Pier Paolo Pasolini, escritor e cinegrafista italiano<br />

5 de março de 1887<br />

Nascimento de Heitor Villa-Lobos, compositor brasileiro<br />

Frases ases da da semana<br />

semana<br />

5 de março de 1953<br />

Morte de Josef Stálin<br />

“Estamos extremamente entristecidos pela trágica perda de<br />

vidas inocentes”, general Stanley McChrystal, comandante<br />

das operações no Afeganistão depois que 27 civis foram<br />

mortos em um ataque aéreo conduzido pela OTAN, entre eles<br />

quatro mulheres e uma criança.<br />

"A crise econômica de 2008 trouxe uma lição que todos nós<br />

precisamos aprender. Quando veio a crise nos países ricos, os<br />

pobres participaram do pagamento dessa crise" Lula mostrando<br />

que os países pobres pagaram pela crise.<br />

“A responsabilidade cabe única e exclusivamente <strong>à</strong>queles que<br />

estavam governando", afirmou o ex-governador do DF Joaquim<br />

Roriz, em discurso televisivo, procurando esconder seu envonvimento<br />

nos esquemas de corrupção na capital federal.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA MULHERES A4<br />

8 DE MARÇO<br />

O centenário do Dia Internacional da Mulher<br />

Apresentamos aqui um panorama das origens<br />

proletárias e revolucionárias do dia de luta das mulheres<br />

até os dias de hoje. A história e a luta pela organização<br />

das mulheres do mundo inteiro contra a opressão<br />

Neste ano, serão comemorados<br />

os 100 anos do Dia Internacional<br />

da Mulher Trabalhadora.<br />

Cem anos do 8 de<br />

março, dia estabelecido pelas<br />

militantes revolucionárias,<br />

mulheres intelectuais e operárias<br />

da II Internacional no<br />

Congresso de 1910 para ser<br />

um dia de luta e homenagem <strong>à</strong>s<br />

mártires da luta :pelos direitos<br />

das mulheres.<br />

Diante da apropriação dessa<br />

data pela burguesia e suas<br />

instituições, faz-se necessário<br />

lembrar a verdadeira história<br />

desse dia de luta, que tem origem<br />

nas mobilizações operárias<br />

têxteis dos EUA, e no esforço<br />

dos socialistas por oferecer<br />

<strong>à</strong> luta das mulheres uma perspectiva<br />

política real, levantando<br />

suas reivindicações mais<br />

sentidas, aliando esta luta <strong>à</strong><br />

luta pelo poder político.<br />

Reivindicações que permanecem<br />

atuais, como atual é a<br />

necessidade da organização e<br />

luta das mulheres contra a<br />

opressão e exploração capitalista,<br />

em torno de um programa<br />

que de fato contemple sua<br />

realidade nos mais diversos e<br />

elementares aspectos. Direitos<br />

que ainda lhe são negados,<br />

como igualdade de salários,<br />

direito de aborto, como o direito<br />

ao divórcio. A esta desigualdade<br />

jurídica e política<br />

soma-se a desigualdade econômica,<br />

inclusive dentro da<br />

própria classe operária que a<br />

transforma em um trabalhador<br />

duplamente explorado.<br />

As origens do 8 de<br />

março<br />

Com a manufatura, e posteriormente<br />

com a industrialização,<br />

o regime capitalista que ia<br />

se consolidando, foi criando<br />

formas específicas de inserção<br />

das mulheres no mercado de<br />

trabalho, depreciando o trabalho<br />

tipicamente feminino e ao mesmo<br />

tempo alijando as mulheres<br />

de determinadas atividades.<br />

O Renascimento reservou <strong>à</strong><br />

mulher o papel da vida doméstica.<br />

Restringindo o acesso delas<br />

<strong>à</strong> educação universitária e as<br />

escolas que existiam e enfatizavam<br />

o aprendizado das “prendas<br />

domésticas”.<br />

A indústria têxtil foi se tornando<br />

um pólo de trabalho feminino.<br />

Em 1790 a indústria de<br />

lã francesa chegou a ter 45,6%<br />

de mão-de-obra feminina, sempre<br />

desempenhando atividades<br />

menos qualificadas e de menor<br />

remuneração.<br />

Não é por acaso que o estabelecimento<br />

do 8 de março<br />

como Dia Internacional da<br />

Mulher Trabalhadora esteja ligado<br />

<strong>à</strong>s mobilizações e luta das<br />

operárias têxteis de Nova Iorque,<br />

por mais de um episódio<br />

marcante.<br />

O primeiro deles foi em 1857.<br />

Data de uma das primeiras greves<br />

dessas operárias que permaneceram<br />

paradas durante semanas<br />

protestando contra os baixos<br />

salários e as duras jornadas<br />

de trabalho. O movimento foi<br />

brutalmente reprimido pela polícia<br />

e as operárias perseguidas<br />

pelos patrões. Foi a primeira<br />

faísca da luta feminina para além<br />

da questão do sufrágio. Uma<br />

luta mais ampla - resultado da<br />

maior inserção e conseqüentemente<br />

exploração da mão-de-<br />

obra feminina pelo capitalismo<br />

- que por causa dos socialistas<br />

ganharia proporções de um<br />

movimento de massas.<br />

As mobilizações iniciadas em<br />

1907, para comemorar a greve<br />

de 1857, darão início <strong>à</strong> essas<br />

grandes mobilizações. Em<br />

1907, se deu a primeira convocação<br />

para um 8 de março, ainda<br />

sem ser chamado de Dia da<br />

Mulher, para lutar contra as<br />

longas jornadas, salários baixos<br />

e péssimas condições de trabalho.<br />

Mais uma vez o movimento<br />

é violentamente reprimido.<br />

É quando o Partido Socialista<br />

Norte-americano, cria o comitê<br />

de mulheres pelo voto, levantando,<br />

além das reivindicações<br />

econômicas como salários<br />

iguais para trabalhos iguais e<br />

o fim do trabalho infantil, uma<br />

campanha política pelo sufrágio<br />

feminino. Então em 1908, novamente<br />

no 8 de março, as mulheres<br />

vão sair <strong>à</strong>s ruas para comemorar<br />

as mobilizações de1857<br />

e de 1907.<br />

É então em 1909, com a<br />

ampliação das reivindicações<br />

políticas e econômicas, que será<br />

realizado o primeiro Dia Nacional<br />

das Mulheres nos EUA,<br />

“com manifestações em todo o<br />

país no último domingo de fevereiro,<br />

repetindo estas comemorações<br />

todos os anos até<br />

1913, quando os movimentos<br />

adquirem o caráter de protesto<br />

contra a guerra que já se apresentava<br />

como uma terrível<br />

ameaça.<br />

“Já em 1910, com o crescimento<br />

do movimento de mulheres,<br />

Lena Lewis, uma das principais<br />

representantes do movimento<br />

feminista norte-americano,<br />

vai declarar que não era uma<br />

época para celebrar nada, mas<br />

um dia para antecipar as lutas<br />

que viriam quando ‘poderemos<br />

eventualmente e para sempre erradicar<br />

o último vestígio do<br />

egotismo masculino e seu desejo<br />

de dominar as mulheres’” (Anaí<br />

Caproni, As raízes proletárias e<br />

revolucionárias do dia internacional<br />

da mulher, em<br />

www.pco.org.br).<br />

As grandes mobilizações<br />

operárias e de mulheres já mostram<br />

seu caráter revolucionário.<br />

A contrapartida da burguesia é<br />

a repressão.<br />

Outro episódio foi com as<br />

operárias têxteis de Nova Iorque<br />

que marcaria definitivamente o<br />

8 de março como um dia de luta<br />

das mulheres. O incêndio em<br />

1911 de uma fábrica com trabalhadoras<br />

em greve – ainda contra<br />

a permanência das péssimas<br />

condições de trabalho, fruto da<br />

falta de legislação que proibisse<br />

o trabalho infantil e defendesse<br />

o feminino. O resultado foi a<br />

morte de mais de 100 operárias,<br />

trancadas dentro da fábrica<br />

e incendiadas junto com ela. O<br />

acontecimento foi denunciado<br />

pelos socialistas de todo mundo<br />

ganhando grande repercussão,<br />

transformando-se num<br />

símbolo de luta para as trabalhadoras<br />

e as socialistas norteamericanas<br />

e sendo por isso<br />

muitas vezes confundido com a<br />

greve que originou toda essa luta,<br />

a do 8 de março de 1857.<br />

Os revolucionários<br />

marxistas e as<br />

mulheres<br />

Mas foi em 1910, há exatos<br />

100 anos, durante o II Congresso<br />

Internacional das Mulheres<br />

Socialistas, realizado<br />

Copenhague, na Dinamarca,<br />

com a participação de cerca de<br />

100 mulheres representantes<br />

de 17 países que se estabeleceu<br />

o 8 de março como o Dia Internacional<br />

de Luta da mulher. É<br />

obra do movimento internacional<br />

dos socialistas por iniciativa<br />

das militantes revolucionárias<br />

da II Internacional, a criação<br />

deste dia de homenagem<br />

<strong>à</strong>s mártires, e de luta pelo fim<br />

de todo tipo de discriminação.<br />

A proposta foi feita por Clara<br />

Zetkin, responsável pela organização<br />

do trabalho de mulheres<br />

da social-democracia<br />

alemã e editora do jornal de<br />

mulheres do partido, Igualdade.<br />

Ela defendia ser “necessário<br />

estabelecer um dia como<br />

referência mundial de luta para<br />

as mulheres na medida em que,<br />

tanto na Europa como nos EUA<br />

os partidos socialistas já vinham<br />

realizando manifestações<br />

com este caráter, reunindo<br />

milhares de mulheres para lutar<br />

por reivindicações fundamentais<br />

como a redução da jornada,<br />

o voto feminino etc.”<br />

(idem).<br />

Na ocasião foi estabelecida<br />

uma plataforma de luta para as<br />

manifestações do Dia Internacional<br />

da Mulher. Foi aprovada<br />

a luta pelo direito de voto feminino,<br />

o sufrágio universal e<br />

o seguro-maternidade para todas<br />

as mulheres casadas com<br />

filhos, apesar de haver a defesa<br />

de que o benefício fosse<br />

concedido independentemente<br />

do estado civil da mãe, proposta<br />

defendida pelos russos representados<br />

pela revolucionária<br />

russa, futura dirigente bolchevique<br />

Alexandra Kollontai.<br />

A partir de 1911, as manifestações<br />

do Dia Internacional da<br />

Mulher se confirmam como<br />

mobilizações de massas, se estabelecendo<br />

definitivamente no<br />

dia 8 de março com a vitória da<br />

Revolução na Russa. Sendo<br />

inclusive a própria revolução<br />

fruto das mobilizações das<br />

mulheres.visto que o estopim<br />

para a revolução foi o protesto<br />

das mulheres, chamado pelas<br />

socialistas russas, diante das<br />

filas de racionamento de pão<br />

provocadas pela miséria vinda<br />

com a I Guerra Mundial.<br />

A vitória da Revolução de<br />

1917 não foi apenas a consolidação<br />

definitiva do caráter revolucionário<br />

que pode tomar a<br />

luta das mulheres como foi a<br />

demonstração plena da possibilidade<br />

de realizar mudanças fundamentais<br />

na situação da mulher.<br />

Conquistas com o direito<br />

ao aborto, ao divórcio, a abertura<br />

de creches e lavanderias<br />

públicas, total igualdade jurídica<br />

entre os homens e mulheres,<br />

com os direitos políticos integrais,<br />

o incentivo a sua elevação<br />

cultural, a proibição da discriminação<br />

sexual entre outras.<br />

Conquistas até hoje negadas<br />

para mulheres de muitos países.<br />

O 8 de março é portanto mais<br />

uma conquista do grande movimento<br />

operário, socialista,<br />

internacional que o capitalismo,<br />

a burguesia e suas instituições<br />

procuram ocultar para impor<br />

sobre o caráter revolucionário<br />

desse dia de luta a ideologia da<br />

democracia burguesa, como<br />

algo concedido <strong>à</strong>s mulheres.<br />

O 8 de março hoje<br />

Neste centenário do Dia<br />

Internacional da Mulher deve<br />

ficar claro para todas as mu-<br />

A proposta do 8 de março foi feita por Clara Zetkin, responsável pela organização do trabalho<br />

de mulheres da social-democracia alemã e editora do jornal de mulheres do partido, Igualdade.<br />

lheres, para todos os setores<br />

que se reivindicam democráticos<br />

ou socialistas que nada se<br />

pode esperar do capitalismo<br />

como regime “democrático” e<br />

quase nada se tem a comemorar,<br />

apesar da propagandeada<br />

“emancipação da mulher”.<br />

Como já disse o companheiro<br />

Rui Costa Pimenta em<br />

artigo publicado nesse jornal,<br />

“Os países ricos e desenvolvidos,<br />

porém, nada mais têm<br />

a oferecer <strong>à</strong>s mulheres, e<br />

homens, do mundo do que<br />

aparência, palavras e uma<br />

decoração ideologicamente<br />

cor-de-rosa sobre o cativeiro<br />

e o sofrimento de ainda mais<br />

de metade de humanidade. A<br />

transformação do dia oito de<br />

março em dia oficial da mulher<br />

pelo imperialismo mundial e a<br />

sua comemoração é uma demonstração<br />

disso. No extremo,<br />

estão as flores e o sentimentalismo<br />

sobre a ‘importância’,<br />

a ‘força’ e a grandeza<br />

da mulher”.<br />

A cada dia as estatísticas<br />

confirmam que prevalece, ainda<br />

hoje, boa parte da realidade<br />

que motivou a greve das<br />

operárias novaiorquinas em<br />

1857, que marca a origem<br />

desse dia de luta.<br />

Ainda hoje, passados 153<br />

anos, as mulheres continuam<br />

recebendo menos que os homens.<br />

Realidade que se torna<br />

ainda mais cruel para as mulheres<br />

negras, que vítimas de<br />

dupla discriminação chegam a<br />

receber 172% menos que um<br />

homem branco.<br />

Apesar de serem metade da<br />

População Economicamente<br />

Ativa no País, <strong>à</strong>s mulheres<br />

ainda estão reservados os piores<br />

empregos, em situação<br />

precária ou informal. De acordo<br />

com estudo divulgado este<br />

mês pela Organização Internacional<br />

do Trabalho (OIT),<br />

mais de 70% das mulheres<br />

negras que exercem algum<br />

tipo de trabalho, remunerado<br />

ou não, estão inseridas no<br />

grupo do chamado emprego<br />

precário.<br />

Enquanto isso, as principais<br />

atividades econômicas<br />

são predominantemente masculinas.<br />

As atividades com<br />

predominância feminina são a<br />

Administração Pública,<br />

62,7% (considerando que<br />

aqui estão incluídas tarefas<br />

tradicionalmente femininas,<br />

como escolas e cuidados com<br />

a saúde – não a medicina, mas<br />

a enfermagem- etc.) e os<br />

Serviços Domésticos, 94,7%.<br />

Menores salários, piores trabalhos.<br />

Essa é a realidade das<br />

mulheres, especialmente das<br />

mulheres negras no País.<br />

O desemprego também é<br />

maior entre as mulheres. E<br />

com a crise, as mulheres foram<br />

as primeiras a serem demitidas<br />

elevando a participação<br />

das mulheres nas estatísticas<br />

de desemprego para mais<br />

da metade do total de desocupados<br />

do país.<br />

Além de tudo isso, as mulheres<br />

ainda sofrem com a<br />

falta de direitos democráticos<br />

elementares. A negação e o<br />

ataque dos setores conservadores<br />

ao direito de aborto, que<br />

nos últimos anos vem se transformando<br />

numa verdadeira<br />

caça <strong>à</strong>s bruxas é um exemplo<br />

disso. Aqui vale ressaltar o<br />

papel da frente popular e da<br />

chamada “esquerda” nacional.<br />

O governo Lula não conseguiu<br />

avançar nenhum passo,<br />

ao contrário, possibilitou ataques<br />

(a todos os setores oprimidos)<br />

sem precedentes. O<br />

que ficou claro recentemente<br />

ao retirar do Programa Nacional<br />

de Direitos Humanos<br />

(PNDH) a defesa da legalização<br />

do aborto como direito de<br />

decidir das mulheres, diante<br />

da primeira manifestação da<br />

direita da Igreja Católica.<br />

Os elevados índices de<br />

morte materna, entre outros<br />

motivos como os ataques e a<br />

privatização do sistema de<br />

saúde, também são resultado<br />

da ilegalidade do aborto.<br />

Sem contar todas as restrições<br />

<strong>à</strong> sua participação política,<br />

desenvolvimento cultura,<br />

intelectual etc.<br />

Por tudo isso, como também<br />

já foi apresentado pelo<br />

companheiro Rui Costa Pimenta,<br />

“O oito de março foi<br />

originalmente, e somente<br />

pode continuar sendo para<br />

poder ser alguma coisa, o dia<br />

internacional de luta das operárias<br />

contra a opressão da<br />

mulher e do capitalismo”.<br />

Um dia de luta para<br />

todas as mulheres<br />

NESTE 8 DE<br />

MARÇO,<br />

PARTICIPE DAS<br />

ATIVIDADES DO<br />

COLETIVO ROSA<br />

LUXEMBURGO<br />

Para comemorar o centenário do 8 de março como Dia Internacional<br />

da Mulher , o coletivo Rosa Luxemburgo, coletivo<br />

de mulheres do Partido da Causa Operária, estará organizando<br />

uma série de atividades no Centro Cultural Benjamim Péret, em<br />

São Paulo.<br />

O objetivo é resgatar o caráter de luta deste dia, que tem a sua<br />

origem nas mobilizações das operárias têxteis de Nova Iorque<br />

ainda no século XIX.<br />

Em 1910, no II Congresso Internacional das Mulheres Socialistas,<br />

cerca de 100 mulheres de 17 países aprovaram a<br />

proposta da revolucionária alemã Clara Zetkin de tornar o 8 de<br />

março como um dia de homenagem e luta da mulher trabalhadora.<br />

Por muito tempo o imperialismo negou esse dia, por seu caráter<br />

de luta. Mas vai mudar de política para controlar as tendências<br />

revolucionárias das lutas dos anos 60. A partir desse momento,<br />

as instituições do regime (como a ONU) vão adotar o Dia das<br />

Mulheres, que se transforma no dia das flores e homenagens<br />

vazias, enquanto o resto do ano tudo o que é dedicado <strong>à</strong>s mulheres<br />

é a falta de direitos, superxploração, a opressão e a violência.<br />

O último período foi marcado pela aumento doa ataques e da<br />

opressão <strong>à</strong>s mulheres O caso da estudante da Uniban, Geyse<br />

Arruda, hostilizada por usar um vestido vermelho curto; a perseguição<br />

<strong>à</strong>s mulheres contra o direito ao aborto; mulheres assassinadas<br />

diante de câmeras de segurança por ex-maridos;<br />

desemprego recordes etc.<br />

Com o objetivo de resgatar a história de luta deste dia, rejeitar<br />

a demagogia da “esquerda” e os ataques da direita, o Coletivo<br />

de Mulheres chama todo o movimento de mulheres e todas as<br />

mulheres a participarem de um ato independente, classista, que<br />

se posicione claramente em defesa das reivindicações mais<br />

sentidas das mulheres.<br />

Nos dias 6 e 7 serão realizadas palestras sobre a questão da<br />

mulher, com um jantar comemorativo no dia 6 e um grande ato<br />

político na segunda-feira, dia 8, <strong>à</strong>s 20h.<br />

Para mais informações entre em contato pela internet, ou no<br />

local das atividades, Av. Miguel Estéfano, n° 349, Saúde, São<br />

Paulo SP, CEP 04301-010.<br />

ATO POLÍTICO<br />

NA SEGUNDA-FEIRA,<br />

DIA 8, ÀS 20h.<br />

Na Av. Miguel Estéfano, n 349,<br />

Saúde, São Paulo SP, CEP 04301-010,<br />

Fone (11) 2362-2339 ou 5584-9322


POLÍTICA E ECONOMIA <br />

Moradores da zona leste levantam barricadas<br />

contra a polícia em protestos contra enchente<br />

£¤¥¦¢ ¡¢<br />

Kassab manda a PM reprimir mais um protesto contra as enchentes na cidade, desta vez em Itaim Paulista ¨¨©¨¨¨ ¨¨©©¨ ©©¨ §¨©¨¨<br />

¨¨ ¨¨¨¨¨¨¨ ¨¨©¨¨ ¨©¨©¨©¨ ©¨©¨¨<br />

¨©¨¨¨¨ ¨©©©¨¨ ©©¨© ¨©¨¨ ¨¨©¨<br />

© ¨¨ ©¨¨¨¨¨¨©¨<br />

©¨¨¨©¨¨¨ ¨¨©©¨ ¨©¨¨¨© ©¨ ¨©©¨¨<br />

¨¨¨¨ ¨¨¨©¨¨¨ ¨¨ ¨©¨ ©¨<br />

¨¨¨¨<br />

¨¨¨ ©¨ ¨©¨¨¨¨¨ ¨¨©© ¨¨¨<br />

¨¨ © ¨¨¨¨¨ ¨¨©¨ ©¨¨¨§<br />

©©©©©¨ §¨¨¨©¨¨<br />

¨©¨©¨¨©¨¨ ¨¨©¨¨ ¨ ¨ ¨<br />

Repressão até mesmo contra escola campeã no Carnaval de São<br />

¨¨ ¨¨¨ ¨¨ ¨¨¨ ¨¨¨¨ ¨©¨¨¨¨<br />

¨¨¨¨ ¨¨¨¨¨ ©©¨© ¨©¨©©¨¨¨ ¨¨¨¨¨ ©¨¨<br />

Paulo ©¨¨<br />

¨¨¨¨ ¨ ¨¨¨ ¨¨¨©¨ ¨<br />

©¨©©¨¨ ¨¨¨¨¨©¨ ¨¨¨ ¨©¨©¨ ¨¨<br />

©¨¨¨¨ ©¨§©©¨ ¨©©<br />

¨¨¨©©¨¨ ¨¨§¨ ¨¨¨¨¨¨¨ ©©¨©¨ ©¨¨©<br />

¨©¨© ¨¨©¨§© ¨¨ ¨¨©¨¨ ¨¨<br />

¨¨ ¨©©¨¨¨<br />

LUTA PELA TERRA<br />

Direção do MST aceita<br />

ditadura de Serra e<br />

anuncia que não irá<br />

mais ocupar terra<br />

Página A6<br />

“OBSERVATÓRIO DA INSEGURANÇA JURÍDICA NO<br />

CAMPO”<br />

Ruralistas criam órgão de inteligência<br />

contra os sem-terra<br />

Página A6<br />

¨©¨¨ ©©¨¨ ¨¨¨¨©¨ ¨¨§¨¨ ¨¨¨ ¨©©©<br />

¢¦¤£¢¦¤¦ ¨¨©¨ ©¨¨ ©¨ ¨¨©¨ ¨¨©¨ ©©¨©©¨ ©¨© ©¨¨¨ ¨©¨©¨<br />

¨¨¨©¨ ¨¨¨ ©¨<br />

¨¨¨¨©¨ ©¨ ¨©¨¨ ©¨©¨¨¨ ¨¨¨<br />

¨¨¨©¨ ¨¨¨ ©©©¨¨¨¨ ¨¨¨¨<br />

¨©¨©© ¨©¨©¨ ©¨¨¨¨§<br />

©¨¨ ¨©¨¨©¨¨ ¨¨©¨¨¨ ¨¨¨¨ ¨©¨¨<br />

¨©¨©¨¨ ¨¨¨©©¨ ¨¨¨©©¨ ¨¨¨¨¨ ¨¨¨¨§©¨<br />

¨¨¨©¨ ©¨¨<br />

©¨¨©¨ ¨©¨©¨¨¨©¨ ¨¨¨¨¨ ©¨¨ ¨<br />

©©©¨ ¨¨©¨¨ ¨©¨ ¨¨¨¨ ©©¨¨©©¨<br />

©¨©©¨¨ ¨© ¨¨©¨¨<br />

¨©¨©¨¨© ¨¨©©¨ ¨¨¨¨¨¨ ¨©¨©© ©¨<br />

©¨¨¨¨¨¨© ¨©¨¨¨ ¨©©¨ ¨¨¨¨ ¨¨§<br />

©¨¨©¨ ©©© ©¨ ¨¨¨¨¨ ©©<br />

©¨¨ ¨¨¨©¨¨ ¨¨¨<br />

©©¨©¨© ¨¨¨©¨©© ¨ ¨¨¨ §©¨¨¨¨<br />

©¨¨¨ ¨©¨© ¨¨¨ ©©¨¨ ¨¨<br />

¨¨¨¨¨©¨<br />

DECISÃO PELOS TRIBUNAIS<br />

O golpe do PMDB<br />

para redefinir o mapa<br />

político do País<br />

Página A7<br />

TENTATIVA DE CASSAÇÃO DE KASSAB<br />

Por trás da campanha pela ética mais<br />

uma tentativa de intervenção da justiça<br />

Página A7<br />

¨¨¨¨ ©¨¨¨© ¨¨©¨ ©©©©¨ ¨©¨¨©¨<br />

¨©¨ ¨© ¨¨¨¨¨© ¨¨¨¨¨¨ ©©¨¨¨©¨<br />

¨©©¨¨ ¨¨©¨ ¨¨©¨©¨¨<br />

©©©©©¨© ©¨©¨¨ ¨¨¨©©¨¨ ¨¨¨¨ ¨¨¨<br />

Foram enviadas para o local para reprimir o protesto Pelo menos 40 viaturas da PM, homens da Tropa de Choque e um helicóptero.<br />

©¨©¨ ¨¨ ¨¨¨© ¨¨¨©¨ ¨©<br />

¨¨©¨¨ ©©¨¨¨ ¨©¨ ¨¨¨©¨© ¨©¨<br />

¨©¨¨ ¨©©¨¨¨<br />

©¨¨ ¨¨¨© ¨¨¨ ¨©¨ ¨¨¨¨©©¨<br />

¨©¨ ¨¨©¨¨ ¨¨¨©©¨ ¨¨©©¨¨©©¨ ¨©¨©©<br />

¨©¨¨ ©¨¨¨¨<br />

ECONOMIA ESTAGNADA<br />

Para Kassab<br />

culpada é a chuva<br />

£¤¥¦¢ ¡¢<br />

©©©¨¨¨¨¨ ¨¨©¨¨ ©© ¨¨§¨ ¨¨¨©¨<br />

¨ ©¨ ©¨¨ ©¨¨ ¨¨¨<br />

©© ¨¨¨©<br />

¨¨©¨¨©¨ ¨¨¨ §©© ¨¨ ¨¨©©<br />

¨¨©©¨ ©¨¨¨ ©¨ ¨©¨¨ ¨¨<br />

¨¨¨© ©©¨ ¨©¨<br />

©©¨©© ¨©¨¨¨ ¨¨©¨ ¨ ¨<br />

©¨¨©¨©©¨ ¨¨¨©<br />

TÃO PIOR QUANTO A GRÉCIA<br />

Dívida do Reino Unido<br />

é de quase 13% do PIB<br />

¨¨¨ ©©©¨©¨ ¨¨¨©¨ ¨¨¨¨¨¨<br />

©¨¨© ¨©¨¨© ¨¨¨© ¨¨¨¨© ©©¨<br />

¨¨¨ ¨ ¨©¨<br />

¨¨¨¨©¨ ¨¨¨ ¨¨¨¨©¨ ¨¨©¨¨©¨¨ ¨¨¨¨¨<br />

¨¨ ¨¨¨ ¨©¨¨¨ ¨¨¨¨© ©¨©¨¨¨<br />

¨¨¨¨ ¨ ¨©©¨<br />

¨ ¨ ¨¨©¨ ©¨¨©¨¨ ¨¨©¨¨<br />

¨¨¨¨¨© ¨¨<br />

Muitos negros parando a rua são sinônimo de<br />

marginais para a polícia.<br />

Página A8<br />

Economia alemanã fecha 2009 com queda<br />

de 5% no PIB<br />

Página A8


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA POLÍTICA A6<br />

LUTA PELA TERRA<br />

Direção do MST aceita ditadura de Serra e<br />

anuncia que não irá mais promover ocupações<br />

Frente <strong>à</strong> ofensiva da bancada ruralista no Congresso<br />

Nacional com a CPI do MST e as prisões em São Paulo,<br />

direção do MST expõe sua política contra qualquer luta<br />

real dos sem-terra e propõe esperar pelas eleições e<br />

acreditar na “democracia”<br />

Depois da repressão sofrida<br />

pelo Movimento dos Sem<br />

Terra (MST) em São Paulo,<br />

com a prisão de sete dirigentes<br />

acusados de promover a<br />

ocupação da fazenda da Cutrale,<br />

em outubro passado, a<br />

direção do MST reafirmou<br />

que adotará uma política já<br />

muito bem conhecida dos<br />

sem-terra e que não é nenhuma<br />

novidade, a da completa<br />

paralisia.<br />

Em nota oficial a direção<br />

do MST anunciou que em São<br />

Paulo foi realizado o chamado<br />

“Carnaval Vermelho”, no<br />

qual o movimento não ocupou<br />

terras. A direção não apenas<br />

se vangloria de apenas ter<br />

promovido uma encenação,<br />

ocupando rodovias em frente<br />

a dezenas de fazendas, como<br />

tenta mostrar que é este o<br />

único caminho. Na nota, a<br />

direção do MST explica que<br />

frente <strong>à</strong> ditadura que tenta impor<br />

José Serra em São Paulo<br />

esta é a melhor política: acatar<br />

o que querem os latifundiários,<br />

que não sejam mais<br />

ocupadas terras.<br />

“Nesses dias de folia nacional<br />

estamos a trabalho da<br />

Democracia e do povo brasileiro<br />

nos dedicando ao Carnaval<br />

Vermelho que é a luta pela<br />

terra, pela inclusão do trabalhador<br />

rural desempregado ou<br />

escravizado nos canaviais,<br />

pela justiça social e pela Reforma<br />

Agrária”.<br />

“Não vamos ocupar nenhuma<br />

propriedade improdutiva,<br />

devoluta ou grilada pelos<br />

latifundiários que estão amparados<br />

pelo governo de José<br />

Serra e os tucanos há mais de<br />

vinte anos.”<br />

“Lutar pela Reforma Agrária<br />

e pertencer ao movimento<br />

social para Serra é crime.”<br />

A direção do MST trabalha a todo o momento para colocar os<br />

trabalhadores reboque da política do PT e do governo Lula.<br />

“Deixamos <strong>à</strong> própria Democracia<br />

que faça justiça<br />

quando as próximas urnas<br />

forem abertas”.<br />

Acreditamos na Democracia.<br />

“<br />

A nota em favor dos latifundiários,<br />

uma profissão de<br />

fé na democracia dos banqueiros<br />

e latifundiários assassinos<br />

e que constitui um verdadeiro<br />

“carnaval” contra a<br />

luta dos sem terra mostra<br />

explicitamente a política de<br />

acordo da direção do MST,<br />

que procura barrar qualquer<br />

resposta dos sem-terra <strong>à</strong><br />

ofensiva da direita.<br />

Isto é exatamente o contrário<br />

do que deve ser feito contra<br />

a ofensiva da direita. A<br />

política correta é organizar<br />

entre os próprios trabalhadores<br />

um movimento de intensificação<br />

das ocupações de terra,<br />

de combate <strong>à</strong> verdadeira<br />

ditadura que tenta estabelecer<br />

a direita no campo com o aval<br />

do governo Federal. No entanto,<br />

ao contrário disto, a direção<br />

do MST procura evitar<br />

a todo custo esta ofensivaEsta<br />

direção defende ainda que<br />

no regime onde trabalhadores<br />

sem-terra são mortos como<br />

animais estes devam esperar<br />

pelas urnas e pela “democracia”,<br />

o regime que a cada ano<br />

leva dezenas de trabalhadores<br />

e lideranças da luta pela terra<br />

para a cova, assassinados de<br />

forma covarde e brutal, como<br />

se viu nos últimos meses em<br />

Rondônia, Pará, Recife etc..<br />

A crescente luta pela terra<br />

no estado de São Paulo (dados<br />

da Unesp mostram que<br />

em um ano o número de ocupações<br />

cresceu em 80% no<br />

estado) e a evidente capacidade<br />

de os sem-terra ocuparem<br />

em toda a região mais de uma<br />

centena de fazendas, mostram<br />

claramente que está na<br />

ordem do dia superar os limites<br />

estabelecidos pela política<br />

da direção do MST.<br />

A direção do MST propõe<br />

colocar os trabalhadores reboque<br />

das eleições e da política<br />

do PT e do governo Lula,<br />

de total descaso com os semterra.<br />

Esta foi a política levada <strong>à</strong><br />

frente por essa direção do<br />

MST quando ocorreram as<br />

prisões dos dirigentes, não realizar<br />

nenhuma mobilização<br />

independente dos trabalhadores,<br />

recorrer apenas a meios<br />

parlamentares e jurídicos.<br />

Isto quando o fazem. A realidade<br />

é a pior possível para a<br />

maior parte dos trabalhadores<br />

sem-terra em todo o país que<br />

se enfrentam com os latifundiários,<br />

suas tropas de jagunços,<br />

a poícia, a justiça, os governos<br />

patronais e outros<br />

órgãos do “regime democrático”.<br />

É o caso dos sem-terra do<br />

MST de Pernambuco, os trabalhadores<br />

sem-terra da Liga<br />

dos Camponeses Pobres, de<br />

Rondônia, do Pará, de Minas<br />

Gerais, os trabalhadores do<br />

MTL de Minas Gerais, presos,<br />

mortos ou torturados.<br />

Estes, na maioria dos casos,<br />

não chegaram a receber<br />

sequer uma nota de apoio da<br />

MINAS GERAIS<br />

Liga dos Camponeses Pobres organiza<br />

ato pela libertação de presos políticos<br />

SEM-TERRA<br />

No ato compareceram mais de 400 companheiros.<br />

Dois pesos, duas medidas<br />

Nunca se viu pés de laranjas<br />

com tantos direitos. Tantos<br />

direitos que serviram de<br />

pretexto para colocar na cadeia<br />

22 trabalhadores sem<br />

terras, enquanto a empresa<br />

grileira Cutrale, a única e verdadeira<br />

criminosa ficou como<br />

vítima. Essa foi a decisão<br />

cínica da justiça, anunciada na<br />

última semana pela juíza 1ª<br />

Vara Criminal de Lençóis<br />

Paulista.<br />

Acatando uma denúncia<br />

realizada pelo Ministério Público<br />

em defesa das “pobres<br />

laranjas”, 22 integrantes do<br />

MST (Movimento dos Sem<br />

Terra) serão processados sob<br />

a acusação de invadir e depredar<br />

e furtar equipamentos da<br />

fazenda da Cutrale em outubro<br />

de 2009 (Estado de S. Paulo,<br />

22/02).<br />

O processo é um verdadeiro<br />

ataque contra o movimento<br />

de luta pela terra, e tem como<br />

finalidade reforçar o cerco<br />

contra os trabalhadores sem<br />

terra. Numa verdadeira campanha<br />

de massacre contra os<br />

sem terra, os latifundiários<br />

usam da imprensa burguesa<br />

para criminalizar e colocar a<br />

opinião popular contra o MST,<br />

enquanto, na verdade, escondem<br />

um crime muito comum<br />

na região oeste de São Paulo,<br />

que é a grilagem e ocupação<br />

ilegal de terras da União e do<br />

Estado.<br />

Depois da Polícia Civil ter<br />

prendido ilegalmente sete sem<br />

terras, agora o Ministério Público,<br />

a mando dos latifundiários,<br />

vai processar as lideranças<br />

MST por formação de quadrilha,<br />

numa clara demonstração<br />

de que ao menor sinal de<br />

manifestação dos sem terras,<br />

estes serão perseguidos e mas-<br />

direção do MST.<br />

Paralisar as lutas<br />

para esperar<br />

pelas eleições<br />

Para a direção do MST se<br />

coloca como questão central as<br />

eleições. As eleições não são<br />

utilizadas para mobilizar os trabalhadores<br />

na luta pela terra,<br />

mas para fazer exatamente o<br />

contrário. Suas direções estão<br />

comprometidas com candidatos<br />

e partidos burgueses que, na<br />

maioria das vezes, usam do<br />

apoio eleitoral dos sem terra,<br />

para apoiar o agronegócio e o<br />

latifúndio.<br />

Sem qualquer receio a direção<br />

do MST defende esta política<br />

propondo seguir o exemplo<br />

da conciliação com a burguesia<br />

de Lula:<br />

“Seguimos na prática a política<br />

ensinada pelo trabalhador<br />

e nosso líder maior, o presidente<br />

Lula, de vencer os conflitos<br />

pelo diálogo e entendimento, insistindo<br />

com teimosia e sem esmorecer<br />

jamais.<br />

Hoje estamos apenas nos<br />

acampando pacificamente em<br />

frente a 61 Fazendas(durante o<br />

carnaval este numero deve passar<br />

de 70) do Pontal, Araçatuba<br />

e Andradina sem ocupá-la.”<br />

(...) Queremos a continuidade<br />

do governo dos pobres Lula<br />

(...) exercendo o nosso direito<br />

democrático com o compromisso<br />

de eleger a Ministra Dilma<br />

como a primeira Mulher a<br />

ser presidente de nosso País”.<br />

A direção do MST desta forma<br />

utiliza o movimento dos<br />

sem-terra para uma política<br />

eleitoral contrária aos interesses<br />

dos trabalhadores, para defender<br />

na prática os latifundiários<br />

apoiados por Lula e Serra<br />

e contrários a qualquer luta.<br />

Para fazer avançar a luta<br />

contra o latifúndio é preciso<br />

superar esta política conciliadora<br />

de submeter a luta dos semterra<br />

<strong>à</strong>s eleições, aos governos<br />

do agronegócio e do latifúndio<br />

de Lula.<br />

Este é o único caminho para<br />

combater a CPI do MST impulsionada<br />

pelo DEM, a ofensiva<br />

da direita e lutar pelo direito <strong>à</strong><br />

autodefesa dos trabalhadores<br />

sem-terra bem como a libertação<br />

de todos os presos políticos<br />

da luta pela terra.<br />

Os companheiros Flávia<br />

Avelina e Wanderson Antônio<br />

foram presos na noite do<br />

dia 16 de janeiro, acusados de<br />

porte ilegal de arma e desde<br />

então continuam encarcera-<br />

sacrados.<br />

Trata-se de uma terra sem<br />

lei para os ricos, de dois pesos<br />

e duas medidas, onde derrubar<br />

pés de laranjas e protestar pelo<br />

direito a terra é um crime muito<br />

maior que grilar terras, assassinar<br />

sem terras e roubar<br />

toda a população.<br />

Toda essa ofensiva da burguesia<br />

não é um ataque apenas<br />

ao sem terra, mas a toda a classe<br />

trabalhadora, que tem seus<br />

direitos cassados e não podem<br />

sequer protestar.<br />

Os sem terra com o apoio<br />

de toda a população devem<br />

lutar contra o massacre promovido<br />

pelo latifúndio, pelo<br />

seu direito de acesso a terra,<br />

pelo fim do latifúndio que condena<br />

o país ao atraso.<br />

“OBSERVATÓRIO DA<br />

INSEGURANÇA JURÍDICA NO<br />

CAMPO”<br />

Ruralistas criam órgão<br />

de inteligência contra<br />

os sem-terra<br />

Kátia Abreu e Gilmar Mendes no encontro.<br />

No dia 9 de fevereiro foi lançado<br />

em encontro em Brasília o<br />

chamado “Observatório da Insegurança<br />

Jurídica no Campo”,<br />

projeto da bancada ruralista no<br />

Congresso Nacional.<br />

O encontro, em Brasília, na<br />

sede da Confederação da Agricultura<br />

e Pecuária do Brasil (CNA),<br />

entidade presidida pela senadora<br />

Kátia Abreu (DEM). Teve a participação<br />

do presidente do STF<br />

Gilmar Mendes, que representou<br />

o Conselho Nacional de Justiça,<br />

reafirmando os laços do poder<br />

judiciário com as oligarquias mais<br />

reacionárias do País, assassinos<br />

dos sem terras etc.<br />

Foi estabelecido um acordo de<br />

cooperação para colocar em prática<br />

o projeto.<br />

Foi proposto pelos ruralistas<br />

por meio da CNA realizar a “formação<br />

de um banco de dados<br />

capaz de informar <strong>à</strong> sociedade e<br />

aos órgãos de governo sobre situações<br />

que prejudiquem o setor<br />

agropecuário, principalmente nas<br />

áreas fundiária e ambiental” (Canal<br />

do Produtor, 9/2/2010).<br />

No encontro foi dado o exemplo<br />

do que foi chamado pelos<br />

ruralistas de “desrespeito ao Direito<br />

de Propriedade” em Mato Grosso<br />

que segundo estes “provocaria<br />

um prejuízo anual de R$ 874<br />

milhões na arrecadação de tributos<br />

federais e estaduais”.<br />

O “sagrado” “direito de propriedade”,<br />

no caso, é a garantia legal<br />

de um punhado de latifundiários<br />

que se apoderam das formas mais<br />

ilícitas possíveis (invasões, grilagens,<br />

golpes cartoriais etc.) das<br />

terras dos índios, dos quilombolas,<br />

dos camponeses pobres, pequenos<br />

proprietários, do Estado<br />

etc.<br />

Segundo estes senhores feudais,<br />

“esta é a conta que o País<br />

paga devido ao desrespeito <strong>à</strong> ordem<br />

jurídica no campo”, declarou<br />

a senadora do DEM no encontro<br />

(Idem).<br />

O projeto prevê “núcleo de<br />

dos e tiveram pedido de liberdade<br />

provisória negado.<br />

O ato, realizado no município<br />

de Manga, onde continuam<br />

presos, contou com a<br />

presença de 400 pessoas.<br />

Mesmo sendo réus primários<br />

e conhecidos como professores<br />

que trabalham na<br />

formação política e na alfabetização<br />

dos camponeses na<br />

região, Flávia e Wanderson<br />

continuam presos.<br />

Segundo a Liga dos Camponeses<br />

Pobres de Minas<br />

Gerais, além de representantes<br />

de diversas ocupações de<br />

terra pelo estado estiveram<br />

presentes ao ato várias organizações<br />

como a Comissão<br />

Nacional das Ligas de Camponeses<br />

Pobres, a Liga Operária,<br />

a Abrapo – Associação<br />

Brasileira de Advogados do<br />

Povo, Cebraspo – Centro<br />

Brasileiro de Solidariedade<br />

aos Povos, STICCBH – o<br />

Sindicato dos Trabalhadores<br />

pesquisas estratégicas” e “um<br />

mapeamento consolidado das<br />

invasões de propriedades rurais<br />

efetivas ou iminentes” e que estes<br />

dados sejam repassados para o<br />

STF. Na realidade se trata da preparação<br />

de um órgão de inteligência<br />

dos latifundiários no campo.<br />

Um dos pontos de cooperação<br />

assinados no encontro, segundo<br />

a CNA, é de que estes poderão<br />

repassar os dados diretamente<br />

para o Conselho Nacional de Justiça<br />

e o STF, que iria agilizar os<br />

pedidos de reintegração de posse.<br />

Assim os latifundiários teriam um<br />

foro privilegiado para atacar as<br />

ocupações de terra no campo.<br />

Também no final de 2009 o<br />

Conselho Nacional de Justiça,<br />

presidido por Gilmar Mendes e por<br />

juí/zes de outros tribunais federais<br />

e ministério público, atenderam o<br />

pedido do DEM para a intervenção<br />

em três estados para a agilização<br />

de reintegrações de posse. Os<br />

estados onde se iniciaria as intervenções<br />

são Rondônia, Acre e<br />

Pará.<br />

A criação do observatório seria<br />

um desenvolvimento desta<br />

intervenção dos juízes que já fora<br />

anunciada.<br />

Os juízes biônicos procuram<br />

intervir cada vez mais contra os<br />

sem-terra e intervir em toda a situação<br />

política nacional.<br />

É preciso denunciar a ofensiva<br />

da direita no campo que é organizada<br />

no Congresso Nacional<br />

por meio da CPI do MST e, fora<br />

dele, por meio da intervenção dos<br />

juízes e é posta em prática no<br />

campo pelas prisões e cada vez<br />

mais freqüentes assassinatos e ataques<br />

aos sem-terra.Por uma<br />

ampla campanha nacional, na cidade<br />

e no campo, contra a ofensiva<br />

da direita e em defesa das reivindicações<br />

dos sem terra.<br />

Pela revolução agrária, pela<br />

expropriação do latifúndio.<br />

Punição dos criminosos e<br />

mandantes dos assassinatos de<br />

sem-terras.<br />

nas Indústrias da Construção<br />

Civil de Belo Horizonte, Escola<br />

Popular, CALC - Comitê de<br />

Apoio a Luta Camponesa de<br />

Montes Claros, Núcleo Pró-<br />

Liga Operária de Montes Claros<br />

e o Movimento Estudantil<br />

Popular Revolucionário.<br />

O ato foi feito nas ruas de<br />

Manga, e o protesto se concentrou<br />

em frente ao Mercado<br />

municipal, <strong>à</strong> Prefeitura, ao<br />

Fórum e finalmente em frente<br />

<strong>à</strong> Delegacia onde foram<br />

lidos textos de apoio aos<br />

companheiros presos.<br />

O Partido da Causa Operária<br />

anuncia seu total apoio <strong>à</strong><br />

luta dos camponeses em Minas<br />

Gerais e exige a imediata<br />

libertação dos companheiros<br />

presos no estado, que são<br />

perseguidos políticos da ditadura<br />

do latifúndio em Minas<br />

Gerais, para a qual a posse de<br />

armas é apenas um pretexto<br />

para caçar como animais as<br />

lideranças dos sem-terra.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA POLÍTICA A7<br />

DECISÃO PELOS TRIBUNAIS<br />

O golpe do PMDB para redefinir o mapa político do País<br />

O partido dos rincões e das oligarquias continua a dominar<br />

a justiça e por meio dela procura impor-se contra a<br />

vontade da população, elegendo eles mesmos os<br />

governos e cassando, inclusive, o direito de milhões de<br />

eleitores<br />

Ocorre uma movimentação<br />

cada vez maior dos Tribunais Eleitorais<br />

para a cassação de governadores.<br />

Desde o início do ano passado,<br />

10 de um total de 27 governadores<br />

sofreram processos pela cassação<br />

de seu mandato, dos quais<br />

três deles acabaram perdendo o<br />

mandato, Cássio Cunha Lima<br />

(PSDB), na Paraíba; Jackson<br />

Lago (PDT), no Maranhão e<br />

Marcelo Miranda (PMDB), no<br />

Tocantins.<br />

Outros quatro aguardam decisão<br />

dos tribunais e dois foram absolvidos<br />

(veja no quadro).<br />

Antes disto, os governadores<br />

que já haviam sido afastados pelo<br />

TSE foram Mão Santa (Piauí, em<br />

2001) e Flamarion Portela (Roraima,<br />

em 2004).<br />

Ditadura legal da<br />

oligarquia do PMDB<br />

Estas intervenções dos tribunais<br />

expõem o golpe de uma parcela da<br />

burguesia contra outra, na luta pelo<br />

controle do orçamento público<br />

para atender os vorazes apetites<br />

dos grupos capitalistas que representam,<br />

intensificado diante da<br />

crise capitalista.<br />

Os recentes casos de Arruda<br />

(DEM) no Distrito Federal e o pedido<br />

de cassação do prefeito de São<br />

Paulo, Gilberto Kassab (DEM) são<br />

parte deste quadro.<br />

A cassação dos três mandatos<br />

bem como outras tentativas de<br />

cassação arquivadas deixam evidente<br />

o domínio de uma parcela da<br />

burguesia e de seus partidos na<br />

Justiça. O PMDB foi o que se beneficiou<br />

diretamente com as três<br />

cassações e esta sua cúpula esta<br />

por detrás das denuncias e ações<br />

contra Arruda (DEM-DF), Kassab<br />

(DEM-SP) e muitas outras.<br />

Na Paraíba no lugar de Cunha<br />

Lima, no dia 18 de fevereiro, assumiu<br />

José Maranhão (PMDB),<br />

que foi o segundo colocado nas<br />

eleições.<br />

No Maranhão, o TSE determinou<br />

que Roseana Sarney, ex-DEM<br />

e atual PMDB assumisse o cargo.<br />

No Tocantins, o TSE determinou<br />

a realização de eleições de indiretas<br />

pela Assembleia Legislativa<br />

, beneficiando o deputado estadual<br />

Carlos Henrique Gaguim<br />

(PMDB) que recebeu de presente<br />

o cargo de governador, sem receber<br />

um só voto da população para<br />

isso.<br />

Mesmo nos casos onde o<br />

PMDB foi acusado e julgado foram<br />

alas do PMDB que se beneficiaram,<br />

diante do fato notório de que<br />

o partido em todo o País está dividido<br />

entre representantes das diferentes<br />

alas da burguesia. Em<br />

outros casos há simplesmente a<br />

paralisia da justiça para beneficiar<br />

o PMDB, como no próprio Maranhão,<br />

onde Roseana Sarney sofreu<br />

processo de cassação de seu<br />

O PMDB foi o que se beneficiou diretamente das cassações de governadores.<br />

mandato assim que assumiu o<br />

governo, mas o mesmo não caminha<br />

no sentido de sua cassação<br />

porque o grupo dos Sarney e Cia.<br />

controla a justiça maraenhense. Há<br />

inúmeros processos contra golpes<br />

aplicados na gestão anterior de Roseane<br />

que que nunca chegaram a<br />

ser julgados.<br />

Em 2007 a procuradoria regional<br />

do maranhão decidiu pela inelegibilidade<br />

de Roseana Sarney por<br />

três anos, parecer que foi derrubado<br />

pelo Tribunal Regional Eleitoral.<br />

Briga entre as alas<br />

da burguesia<br />

A onda demagógica feita pela<br />

burguesia, sua Justiça, seus partidos<br />

etc., consiste em que esta<br />

procura aparecer como a pró-<br />

SÃO PAULO<br />

Fora Kassab! Eleições<br />

Gerais! Que o povo e não<br />

os juízes decidam<br />

No último dia 20, o juiz da<br />

1ª Zona Eleitoral de São Paulo,<br />

Aloísio Silveira, decidiu<br />

pela cassação do mandato do<br />

prefeito de São Paulo, Gilberto<br />

Kassab (DEM).<br />

Na segunda-feira (22), a<br />

Justiça Eleitoral concedeu<br />

efeito suspensivo <strong>à</strong> cassação<br />

de Kassab (DEM), e de sua<br />

vice, Alda Marco Antônio<br />

(PMDB). Assim, o recurso<br />

será julgado pelo Tribunal<br />

Regional Eleitoral (TRE) em<br />

um período de quatro meses<br />

a um ano.<br />

Segundo a Justiça Eleitoral,<br />

33% dos recursos da<br />

campanha de Kassab foram<br />

de origem ilegal, parte deles<br />

recebidos pelo Banco Itaú<br />

(cerca de R$10 milhões somente<br />

em 2008) e pela AIB<br />

(Associação Imobiliária Brasileira),<br />

de sete empreiteiras.<br />

A tentativa de cassação de<br />

Kassab é o mesmo que ocorreu<br />

em diversos estados, nos<br />

quais os tribunais eleitorais<br />

intervieram para cassar e indicar<br />

governadores, dos<br />

quais o último caso foi o de<br />

José Roberto Arruda do<br />

DEM no DF.<br />

É evidente que procura se<br />

dar um golpe anterior <strong>à</strong>s eleições<br />

presidenciais já que a<br />

cassação de Kassab, assim<br />

como de Arruda, representam<br />

os dois mandatos mais<br />

importantes do DEM nacional:<br />

o DF é o único governo<br />

do partido e a prefeitura de<br />

São Paulo a sua mais impor-<br />

tante administração.<br />

Além disso, a cassação<br />

tem como pano de fundo disputas<br />

dentro do próprio<br />

PMDB, que se acirraram no<br />

final de janeiro com as convenções<br />

do partido.<br />

A ala da vice-prefeita Alda<br />

Marco Antônio, ligada a Quércia<br />

– e –neste momento,<br />

aliada de Serra (PSDB) e do<br />

DEM está em disputa com<br />

outras alas de São Paulo,<br />

como de Michel Temer, que<br />

tenta se indicado vice da candidata<br />

presidencial do PT,<br />

Dilma Rousself.<br />

Em janeiro, a ala lulista do<br />

PMDB pretendia antecipar<br />

em um mês as eleições para<br />

a presidência do partido na<br />

qual Michel Temer concorrerá<br />

<strong>à</strong> reeleição.<br />

Uma convenção colocará<br />

evidentemente como questão<br />

central a decisão sobre apoio<br />

<strong>à</strong> presidência que deve ser<br />

majoritariamente a favor de<br />

uma aliança com o PT.<br />

Por outro lado uma ala minoritária,<br />

liderada por Orestes<br />

Quércia ameaçou entrar<br />

na justiça contra a realização<br />

da convenção nestes termos.<br />

Este e o senador Jarbas Vasconcelos<br />

(PE) e o governador<br />

Luiz Henrique (SC) e o governador<br />

Roberto Requião (PR)<br />

formam um bloco a favor da<br />

aliança com os tucanos na<br />

disputa presidencial.<br />

Está em jogo evidentemente<br />

a disputa entre qual<br />

destas máfias da política<br />

burguesa vai controlar os<br />

gigantescos recursos do orçamento<br />

da mais rica cidade<br />

do País, <strong>à</strong>s vésperas das eleições<br />

em seu proveito e em<br />

favor dos grupos capitalistas<br />

que representam.<br />

A tentativa de cassação de<br />

Kassab e a rejeição que esta<br />

medida possa vir a ter da parte<br />

de outros setores da justiça<br />

eleitoral evidencia mais uma<br />

vez que a justiça, como todas<br />

as instituições do regime burguês,<br />

encontra-se também dividida<br />

em função dos diferentes<br />

das interesses das facções<br />

da burguesia em conflito,<br />

como resultado do agravamento<br />

da crise econômica.<br />

O mesmo ocorre no caso<br />

de Arruda, no qual a Procuradoria<br />

Geral da República<br />

requisita uma intervenção federal<br />

e a indicação por Lula do<br />

novo governador.<br />

A justiça paulista do TRE,<br />

da mesma forma ficaria incumbida<br />

de indicar como seria<br />

escolhido o novo prefeito<br />

de São Paulo, caso o atual<br />

seja de fato cassado e não<br />

consiga vencer na justiça.<br />

A medida tomada por tribunais<br />

serve para tentar resolver<br />

por cima – sem interferência<br />

da população a disputa<br />

entre as frações da burguesia.<br />

Trata-se de impedir a<br />

manifestação da população,<br />

claramente, revoltada com o<br />

governo Kassab, diante do<br />

agravamento das suas já precárias<br />

condições de vida em<br />

meio <strong>à</strong>s enchentes e o caso<br />

geral da cidade. Setores da<br />

pria defensora da moralização de<br />

suas instituições, do Congresso<br />

Nacional, dos governos estaduais,<br />

das eleições parlamentares,<br />

quando são os capitalistas que<br />

controlam todas as decisões do<br />

País por meio do financiamento<br />

dos profissionais defensores de<br />

seus interesses.<br />

Veja a lista dos governadores<br />

cassados e que enfrentam processos<br />

Cassados<br />

Marcelo Miranda (PMDB),<br />

no Tocantins<br />

Juízes do TSE decidiram, no<br />

dia 25 de junho de 2009, pela<br />

cassação de seu mandato. No<br />

dia 8 de setembro, o TSE decidiu<br />

que o novo governador<br />

deveria ser de maneira indireta,<br />

ou seja, apenas pelos deputados<br />

da Assembléia Legislativa.<br />

Tomou posse no dia 9 de<br />

setembro, o deputado estadual<br />

Carlos Henrique Gaguim<br />

(PMDB)<br />

Cássio Cunha Lima (PSDB)<br />

Foi cassado no dia 17 de fevereiro<br />

de 2009, assumindo em<br />

seu lugar o segundo colocado<br />

nas eleições, o ex-senador José<br />

Maranhão (PMDB).<br />

Jacskon Lago (PDT)<br />

Cassado, no dia 4 de março de<br />

2009, pelo TSE, que decidiu<br />

que Roseana Sarney, <strong>à</strong> época<br />

das eleições no PFL (atual<br />

DEM) e hoje no PMDB deve<br />

O suposto “combate <strong>à</strong> corrupção”<br />

além de ser utilizado<br />

como demagogia para defender<br />

uma fachada de ética para a latrina<br />

do Congresso Nacional, dos<br />

governos estaduais etc., serve<br />

também para que alas da burguesia<br />

estabeleçam uma situação de<br />

golpismo contra outras.<br />

A briga cada vez maior entre<br />

setores da burguesia são resultado<br />

de sua divisão causada pelo<br />

acirramento da crise econômica.<br />

Ocorre uma situação oposta<br />

<strong>à</strong> de uma maior prosperidade<br />

econômica, onde todos os setores<br />

capitalistas procuram se unificar<br />

em medidas econômicas e<br />

própria Justiça querem eleger<br />

seus candidatos e evitar que<br />

haja um agravamento da crise<br />

política e a realização de<br />

eleições gerais.<br />

Diante da decomposição<br />

do governo Kassab e da ten-<br />

Documentário<br />

“Impugnado”, sobre as<br />

eleições de 2006 e a<br />

impugnação do<br />

candidato<br />

presidencial do PCO,<br />

Rui Costa Pimenta,<br />

produzido pela<br />

Causa Operária TV,<br />

departamento da<br />

Secretaria Nacional<br />

de Agitação e Propaganda<br />

do Partido da<br />

Causa Operária<br />

acordos (como na era FHC e no<br />

começo do governo Lula). Na<br />

crise a disputa por lucros acirra<br />

a divisão desses setores, a<br />

começar pelos interesses da ala<br />

mais ligada ao capital<br />

internacional,principalmente finaneiro<br />

contra aquela vinculada<br />

aos grandes monopólios<br />

assumir o cargo<br />

Serão julgados<br />

Roseana Sarney (PMDB),<br />

do Maranhão<br />

Logo após assumir o governo<br />

em abril de 2009 enfrenta<br />

processo de cassação no TSE.<br />

Em abril de 2007, o procurador<br />

regional eleitoral do Maranhão,<br />

Juraci Guimarães Júnior,<br />

decidiu pela inelegibilidade<br />

de Roseana por três anos.<br />

O Tribunal Regional Eleitoral<br />

decidiu em favor de Roseana,<br />

derrubando a medida.<br />

Ivo Cassol (PP), de Rondônia<br />

Julgamento foi suspenso no<br />

dia 24 de novembro de 2009<br />

por Ricardo Lewandowski,<br />

do TSE e do STF.<br />

Marcelo Déda (PT), do Sergipe<br />

É Acusados de abuso de poder<br />

político e econômico nas<br />

eleições de 2006.<br />

com interesses no mercado<br />

interno. Uma luta acirrada pelo<br />

domínio sobre a própria máquina<br />

pública que, neste momento<br />

de colapso capitalista constitui<br />

a principal fonte de sustentação<br />

dos negócios da “iniciativa privada”.<br />

Abaixo o golpe dos<br />

juízes contra a<br />

população<br />

A redefinição do mapa político<br />

do País que o PMDB procura<br />

impor tem como premis-<br />

sa o esmagamento os direitos<br />

democráticos da população estabelecendo<br />

poder máximo <strong>à</strong><br />

decisão de alguns juízes, os<br />

quais substituem o voto popular<br />

na escolha dos governantes.<br />

Assim ao lado de juízes biônicos<br />

(indicados pelos governantes)<br />

– e com o “voto” destes<br />

José de Anchieta Júnior<br />

(PSDB), de Roraima<br />

Cassação recomendada pela<br />

Procuradoria Geral Eleitoral<br />

(PGE), em junho de 2009 por<br />

abuso de poder político nas<br />

eleições de 2006.<br />

Foram absolvidos<br />

Waldez Góes (PDT), do<br />

Amapá<br />

No dia 12 de maio de 2009, o<br />

TSE rejeitou o pedido de cassação<br />

do governador Waldez<br />

Góes (PDT), e de seu vice,<br />

Pedro Paulo Dias de Carvalho<br />

(PP).<br />

Luiz Henrique da Silveira<br />

(PMDB), de Santa Catarina<br />

O TSE rejeitou a cassação no<br />

dia 28 de maio de 2009, por<br />

seis votos a um, o pedido de<br />

cassação do governador Luiz<br />

Henrique da Silveira (PMDB)<br />

por abuso de poder político e<br />

econômico.<br />

apenas – surgem os governandores<br />

biônicos, derrotados nas<br />

urnas ou que se sequer foram<br />

votados pela população.<br />

Na prática estão impondo a<br />

volta dos governadores interventores<br />

estaduais, agora, não<br />

mais impostos por indicação<br />

dos militares, mas pela máfia<br />

vinculada ao PMDB que domina<br />

a justiça eleitoral.<br />

È preciso exigir eleições diretas<br />

contra todos os governos<br />

criminosos contra a população<br />

e o fim da ditadura dos tribunais,<br />

contra a intervenção do<br />

PMDB, dos juízes e do governo.<br />

Adquira seu DVD IMPUGNADO!<br />

A HISTÓRIA DE<br />

UMA CAMPANHA<br />

ELEITORAL<br />

DIFERENTE<br />

OU COMO O<br />

POVO APRENDEU<br />

A ACEITAR O<br />

MENSALÃO<br />

tativa de golpe por parte da<br />

justiça, é preciso exigir novas<br />

eleições gerais em São Paulo,<br />

da mesma forma que em<br />

Brasília.<br />

É preciso protestar contra<br />

a cada vez maior intervenção<br />

LIVRARIA DO PCO: Av. Miguel Stéfano, nº 349, Saúde,<br />

São Paulo, CEP 04301-010, Fone (11), 2362-2339<br />

do judiciário e de toda a direita<br />

para cassar todos os direitos<br />

democráticos da população<br />

oprimidida, reprimir os<br />

sem-terra, impedir o direito<br />

ao aborto, para reprimir os<br />

índios etc.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA ECONOMIA A8<br />

TÃO RUIM QUANTO A GRÉCIA<br />

Dívida do Reino Unido é de quase 13% do PIB<br />

O endividamento dos países com os pacotes econômicos<br />

está se proliferando. A economia do Reino Unido está<br />

com praticamente o mesmo déficit fiscal da Grécia, sinal<br />

de que a recessão está se aprofundando de maneira<br />

generalizada<br />

A dívida total do Reino Unido é de 1,322 trilhão de dólares.<br />

O endividamento não é exclusividade<br />

da economia grega,<br />

a economia britânica também<br />

está com uma dívida pública<br />

bastante alta.<br />

Segundo o jornal britânico<br />

The Times o déficit fiscal do<br />

Reino Unido pode estar próximo<br />

do déficit da Grécia. As<br />

dívidas da economia britânica<br />

devem alcançar 12,8% do PIB<br />

(Produto Interno Bruto). A<br />

Grécia teve um déficit de<br />

FIM DA FALSA RECUPERAÇÃO<br />

Alemanha perde para China<br />

posto de maior exportadora<br />

A economia alemã apresentou<br />

perda de 18,7% nas exportações<br />

em julho. Um nítido resultado<br />

de que a recessão não<br />

acabou na principal economia da<br />

Europa.<br />

A economia alemã voltou a<br />

apresentar resultado negativo<br />

bastante grande no que diz respeito<br />

<strong>à</strong>s exportações. Em 2009,<br />

as exportações alemãs caíram<br />

18,4% na comparação com<br />

2008, e as importações também<br />

caíram 17,2%. Esta é a maior<br />

baixa do comércio externo da<br />

Alemanha desde 1950 segundo<br />

o Destatis (Instituto Federal de<br />

Estatística).<br />

Em 2009, as vendas da Alemanha<br />

renderam 803,2 bilhões<br />

de euros ou 1.121,3 trilhão de<br />

dólares e as importações 667,1<br />

bilhões de euros. Com este re-<br />

EFEITO PRIVATIZAÇÃO<br />

A maior companhia aérea<br />

japonesa vai deixar a bolsa de<br />

valores de Tóquio depois de<br />

ter anunciado moratória de<br />

dívida de mais de 20 bilhões de<br />

dólares.<br />

A companhia aérea Japain<br />

Airlines retirou as suas ações<br />

da bolsa de valores de Tóquio<br />

no último dia 19. Depois de<br />

mais de um mês do pedido de<br />

moratória a Japain Airlines encerrou<br />

a negociação de suas<br />

ações no mercado financeiro<br />

japonês.<br />

A medida faz parte de um<br />

plano de reestruturação da<br />

companhia que pediu falência<br />

em janeiro alegando não poder<br />

pagar as dívidas da empresa.<br />

As dívidas da Japain Airlines<br />

são de 2,3 trilhões de ienes<br />

ou o equivalente a 24,1 bilhões<br />

de dólares. O governo<br />

12,7% em 2009.<br />

Segundo o jornal o Reino<br />

Unido está com uma alta dívida,<br />

pois teria feito mais empréstimos<br />

em janeiro que o<br />

valor de sua arrecadação mensal<br />

de impostos. O governo britânico<br />

emprestou 6,7 bilhões<br />

de dólares a mais que o valor<br />

arrecadado com impostos em<br />

janeiro.<br />

Este é um dos piores resultados<br />

no mês de janeiro da eco-<br />

sultado a Alemanha, até então a<br />

maior economia exportadora do<br />

mundo perdeu a colocação para<br />

a economia da China.<br />

Apesar de estar em primeiro<br />

lugar a China teve resultado<br />

pouco acima das exportações<br />

alemãs. Foram 860,8 bilhões de<br />

euros em exportações segundo<br />

dados do ministério do comércio<br />

externo chinês.<br />

Também foram divulgados<br />

pelo Destatis as vendas dentro<br />

e fora da Europa. A Alemanha<br />

vendeu 20,5% menos produtos<br />

para os países da União Européia<br />

e comprou 20,4% menos dos<br />

países europeus. Já nas exportações<br />

para fora do país a queda<br />

foi de 15,7% e as importações<br />

recuaram 25,7%.<br />

Em valores, as exportações<br />

somaram 70,5 bilhões de euros<br />

e as importações foram de 56,6<br />

bilhões de euros.<br />

Estes resultados demonstram<br />

que há uma queda significativa<br />

no consumo interno e<br />

externo da economia alemã. As<br />

baixas importações indicam que<br />

o consumo interno da Alemanha<br />

está baixo. O resultado das exportações<br />

demonstra que há<br />

uma queda na produção e desaceleração<br />

da economia. Um<br />

exemplo pode ser visto no aumento<br />

salarial registrado em<br />

2009, de apenas 0,1%.<br />

Com estes resultados fica<br />

evidente que a recuperação econômica<br />

divulgada pelo governo<br />

alemão não existe, foi apenas<br />

um resultado positivo momentâneo<br />

que não vai refletir no<br />

quadro geral da crise econômica.<br />

Japain Airlines retira ações da<br />

bolsa de Tóquio depois de falência<br />

japonês vai cobrir parte das<br />

dívidas da empresa.<br />

Como parte do pedido de<br />

moratória o governo japonês<br />

exigiu da empresa medidas de<br />

reestruturação. Estas medidas<br />

vão atingir diretamente os<br />

trabalhadores. O plano inclui<br />

cortes de empregos, de salários<br />

e de<br />

pensões.<br />

Para continuarfuncionando<br />

a<br />

companhiatambém<br />

vai<br />

receber<br />

ajuda es-<br />

tatal.<br />

Com a<br />

moratória<br />

a Japain<br />

Airlines reduziu 10% das rotas<br />

internacionais. O número<br />

de trabalhadores também vai<br />

diminuir em um terço. As demissões<br />

devem atingir pelo<br />

menos 15 mil trabalhadores.<br />

A decomposição da empresa<br />

pode ser vista com o valor<br />

que as ações foram retiradas<br />

da bolsa e o valor máximo<br />

atingido em 2002. Neste ano<br />

as ações da companhia chegaram<br />

ao valor unitário 366 ienes<br />

ou 3,8 dólares e na última<br />

sexta-feira foram negociadas<br />

O governo japonês vai cobrir parte das dívidas<br />

da empresa.<br />

nomia britânica. O que não era<br />

esperado pelos analistas econômicos<br />

que previam saldo positivo<br />

em 4,3 bilhões de dólares.<br />

Outro sinal de agravamento da<br />

crise é que em janeiro do ano<br />

passado o saldo foi de 8,2 bilhões<br />

de dólares.<br />

O governo britânico está se<br />

endividando, pois gastou muito<br />

dinheiro público para salvar<br />

os capitalistas em crise e precisou<br />

realizar empréstimos<br />

para equilibrar minimamente os<br />

gastos, mas não foi suficiente.<br />

Segundo o responsável pela<br />

agência Capital Economics Jonathan<br />

Loynes, os empréstimos<br />

feitos pelo reino Unido foram<br />

acima do previsto, “As<br />

projeções apontam para a tomada<br />

de empréstimos de 180<br />

bilhões de libras [US$ 280,6 bilhões],<br />

cerca de 10 bilhões de<br />

libras [US$ 15,5 bilhões] acima<br />

do previsto no relatório preliminar<br />

do governo, de 170 bilhões<br />

de libras [US$ 265<br />

bilhões]”(Reuters, 18/2/2010).<br />

Já a dívida total do Reino<br />

Unido é de 1,322 trilhão de dólares<br />

que em termos percentuais<br />

está bem distante da dívida<br />

total da Grécia. O Reino Unido<br />

deve 59,9% do PIB enquanto<br />

que a Grécia tem uma<br />

dívida total de 130% do PIB.<br />

A situação do Reino Unido<br />

coloca ainda mais em perigo<br />

toda a economia européia, pois<br />

a economia britânica é uma<br />

das maiores do continente e<br />

pode afetar decisivamente<br />

outras economias capitalistas<br />

da Europa.<br />

pela última vez valendo um<br />

iene por ação.<br />

As ações da Japain Airlines<br />

estão em queda desde que surgiram<br />

rumores do pedido de<br />

moratória da empresa, no final<br />

de 2009. A situação a que<br />

chegou a maior empresa aérea<br />

do Japão é um reflexo direto<br />

da crise econômica, mas também<br />

um resultado da privatização<br />

da empresa que foi praticamente<br />

pilhada pelo capital<br />

privado.<br />

A Japain Airlines foi fundada<br />

em 1951 sendo uma empresa<br />

pública por mais de 35<br />

anos. Em 1987 foi privatizada<br />

como parte da política internacional<br />

da burguesia de<br />

pilhagem das empresas públicas<br />

realizadas em dezenas de<br />

países. Assim como todas as<br />

empresas privatizadas continuou<br />

recebendo subsídios estatais<br />

mesmo sendo privada.<br />

Aliás foram estes incentivos<br />

com dinheiro público que evitaram<br />

que a empresa falisse<br />

em algumas ocasiões. A privatização<br />

serviu apenas para<br />

gerar lucros para os capitalistas<br />

que compraram a empresa.<br />

O pedido de moratória e a<br />

retirada das ações da Japain<br />

Airlines da bolsa é um claro sinal<br />

de como a recessão está<br />

afetando a economia japonesa.<br />

SEM LIMITE<br />

Demissões não vão parar<br />

pelos próximos dois anos<br />

Segundo o FMI, o desemprego<br />

ainda vai continuar<br />

crescendo pelo menos até<br />

2012.<br />

Dos efeitos causados pela<br />

recessão, o desemprego é o<br />

primeiro recurso utilizado<br />

para despejar o prejuízo da<br />

crise.<br />

Diante da onda de “fim da<br />

crise” divulgada pelos governos<br />

e pela imprensa burguesa,<br />

o diretor-gerente do<br />

FMI (Fundo Monetário Internacional),<br />

Dominic<br />

Strauss-Khan declarou que<br />

mesmo com a suposta recuperação,<br />

o desemprego vai<br />

continuar crescendo pelos<br />

próximos dois anos, “Temos<br />

que continuar trabalhando<br />

duro para garantir que uma<br />

recuperação sustentável venha<br />

de fato na primeira metade<br />

de 2010. Mas, apesar da<br />

Ao contrário do que diz a<br />

propaganda burguesa, a economia<br />

alemã não está se recuperando<br />

e muito menos crescendo.<br />

A retração do PIB fez<br />

o país fechar as contas de<br />

2009 com o pior resultado<br />

desde o fim da Segunda Guerra<br />

Mundial.<br />

O departamento de estatísticas<br />

alemão foi obrigado<br />

a admitir na última semana<br />

que a economia do País não<br />

está crescendo. No quarto<br />

trimestre de 2009 foi registrado<br />

crescimento zero do<br />

Produto Interno Bruto (PIB).<br />

Com este resultado, o crescimento<br />

anual da economia<br />

alemã em 2009 foi um dos<br />

piores em décadas.<br />

A retração de 5% é o pior<br />

resultado desde o pós-guerra,<br />

ou seja, há mais de 60 anos<br />

que a economia alemã não tinha<br />

um resultado tão baixo.<br />

O governo alemão vinha<br />

recuperação, o desemprego<br />

vai continuar a aumentar em<br />

2011 e talvez, nas economias<br />

mais desenvolvidas, até mesmo<br />

em 2012” (Reuters, 30/1/<br />

2010).<br />

O representante do FMI reforçou<br />

a idéia de que os países<br />

precisam continuar liberando<br />

verbas públicas para<br />

evitar o agravamento da recessão.<br />

Ele ressaltou a necessidade<br />

de se continuar com esta<br />

política de contenção da crise<br />

criada pelos governos<br />

como isenção fiscal, redução<br />

de juros, empréstimos facilitados<br />

e mesmo entrega irrestrita<br />

de dinheiro público para<br />

salvar os capitalistas da falência.<br />

“Uma possível saída prematura<br />

do relaxamento nas<br />

políticas fiscais e monetárias<br />

constituem um risco, se o<br />

crescimento apoiado fiscalmente<br />

for equivocadamente<br />

visto como uma recuperação<br />

sustentável” (idem).<br />

A permanência desta política<br />

de ajuda das instituições<br />

financeiras com o dinheiro<br />

dos cofres públicos<br />

não está ajudando na contenção<br />

da crise, mas aprofundando<br />

a recessão. Os países<br />

com esta “ajudinha” estão<br />

ficando endividados e<br />

colocando as economias <strong>à</strong><br />

beira de um colapso financeiro.<br />

Ao invés de conter<br />

demissões, manter o consumo,<br />

a produção etc. o dinheiro<br />

gasto é praticamente<br />

jogado fora, pois não é<br />

revertido para evitar os efeitos<br />

da crise, mas usado unicamente<br />

para cobrir prejuízos<br />

e manter o lucro dos<br />

capitalistas.<br />

ECONOMIA ESTAGNADA<br />

Economia alemanã fecha 2009<br />

com queda de 5% no PIB<br />

NOTAS<br />

FED: desemprego<br />

será alto por no<br />

mínimo mais dois<br />

anos<br />

A tentativa de camuflar a<br />

crise fracassou completamente.<br />

Segundo o FED, a taxa<br />

de desemprego nos Estados<br />

Unidos se manterá alta nos<br />

próximos dois anos devido o<br />

medo dos investidores da recessão.<br />

Os otimistas prevêem que<br />

se a economia começa a se recuperar<br />

agora, levará mais<br />

cinco ou seis anos para se<br />

recuperar.<br />

Na atualização das projeções<br />

econômicas, o Fed disse<br />

que a taxa de desemprego<br />

deve fechar o ano entre 9,5%<br />

e 9,7%.<br />

Não conseguem nem disfarçar<br />

e dizer que está passando,<br />

mas tem que admitir que<br />

o desemprego e as conseqüências<br />

da crise estarão mantidos.<br />

BCE quer mais<br />

garantias da<br />

Grécia contra a<br />

crise<br />

O presidente do Banco<br />

Central Europeu (BCE), Jean-<br />

Claude Trichet, anunciou que<br />

o governo grego tem que apresentar<br />

um plano de recuperação<br />

“mais sério” para poder<br />

ter alguma credibilidade com<br />

o mercado financeiro, pois<br />

está com um déficit fiscal<br />

muito acima da média e caso<br />

não diminua o prejuízo pode<br />

agravar a recessão no País.<br />

O plano de contenção da<br />

Grécia prevê um ataque ainda<br />

alardeando o crescimento e<br />

recuperação da economia alemã<br />

no segundo semestre de<br />

2009, pois o país apresentou<br />

duas altas insignificantes,<br />

0,4% no segundo trimestre e<br />

0,7% no terceiro. Como as<br />

perdas foram muito maiores e<br />

a crise não foi embora, este<br />

“crescimento” ínfimo praticamente<br />

não produziu qualquer<br />

resultado sobre a avaliação<br />

geral do PIB. O relatório<br />

do departamento divulgou<br />

que, “o consumo interno e o<br />

nível de investimentos caíram<br />

e frearam o crescimento econômico”<br />

(BBC Brasil, 12/12/<br />

2010).<br />

Os resultados escondem<br />

que na verdade a economia<br />

alemã está profundamente<br />

afetada. Existe um financiamento<br />

estatal para segurar a<br />

economia privada do país para<br />

que ela não exploda de vez.<br />

Parte deste “crescimento”<br />

maior contra os trabalhadores.<br />

Para diminuir o déficit o<br />

governo do país vai congelar<br />

os salários dos funcionários<br />

públicos. O governo grego<br />

quer com isso reduzir em até<br />

quatro pontos percentuais por<br />

ano o déficit. Atualmente a<br />

dívida pública grega é de<br />

12,7% do PIB (Produto Interno<br />

Bruto).<br />

A preocupação do BCE<br />

deve-se ao fato de que este<br />

prejuízo da Grécia está muito<br />

acima da média exigida para<br />

os países da zona do euro, 3%<br />

do PIB. Este prejuízo da Grécia,<br />

que já afeta outras economias<br />

como a italiana, portuguesa,<br />

irlandesa e espanhola,<br />

pode colocar em risco a região<br />

de 16 países onde o euro circula.<br />

Caso isto aconteça a instabilidade<br />

econômica será<br />

muito maior com conseqüências<br />

sociais e econômicas incontornáveis.<br />

Quase US$ 1<br />

bilhão de prejuízo<br />

para financeira<br />

holandesa ING<br />

A instituição financeira holandesa<br />

ING Groep apresen-<br />

deve-se ao financiamento direto<br />

que o governo alemão<br />

está promovendo a empresas<br />

para impedir a demissão em<br />

massa e um aprofundamento<br />

da crise.<br />

O governo alemão criou<br />

um programa que paga subsídios<br />

para as empresas que diminuírem<br />

a jornada de trabalho,<br />

mas sem a demissão dos<br />

trabalhadores. Esta ajuda governamental<br />

não vai durar<br />

muito tempo e aí as demissões<br />

vão voltar a crescer. Isso naturalmente<br />

vai conter ainda<br />

mais o consumo interno afetando<br />

diretamente a indústria<br />

do país.<br />

Com a indústria estagnada,<br />

a Alemanha terá sua recessão<br />

aprofundada e afetará toda a<br />

economia da zona do euro e<br />

européia que neste momento<br />

passa por uma situação bastante<br />

delicada com a crise na<br />

Grécia.<br />

tou um prejuízo de quase um<br />

bilhão de dólares no quarto<br />

trimestre de 2009.<br />

Segundo a Reuters a ING<br />

Groep teve perdas de 972 milhões<br />

de dólares o que equivale<br />

a 712 milhões de euros.<br />

Um dos setores mais afetados<br />

foi o de seguros que ao<br />

invés de lucrar 380 milhões de<br />

euros teve prejuízos de 47 milhões<br />

de euros. A ING Groep<br />

já anunciou que vai separar<br />

este setor de seguros para que<br />

o resto da companhia não seja<br />

“contaminada”. Na verdade, a<br />

ING Groep está sendo obrigada<br />

a separar o setor de seguros<br />

como parte de um acordo<br />

com a Comissão Européia<br />

para continuar recebendo ajuda<br />

estatal.<br />

Existe um acordo entre a<br />

Comissão Européia e a ING<br />

em que a instituição recebe dinheiro<br />

público para conter a<br />

crise, mas mediante um processo<br />

de reestruturação que<br />

prevê até 2013 a separação do<br />

setor de seguros, o que deu<br />

maior prejuízo com a crise.<br />

Presidente do Fed, Ben Bernanke.<br />

Mais um sinal de que a recessão<br />

continua avançando e afetando<br />

as instituições financeiras.


MOVIMENTO OPERÁRIO <br />

Greve mostrou as tendências combativas<br />

presentes no movimento operário<br />

¤¡¦§¨© ¡¢¡£¤¥<br />

Para lutar por suas reivindicações, motoristas e cobradores enfrentaram a burocracia sindical traidora que sabotou abertamente a<br />

mobilização para defender os interesses dos patrões <br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

CORREIO SOB O CONTROLE DOS<br />

TRABALHADORES!<br />

Lutar contra o<br />

Correios S.A Página A10<br />

DE NOVO NO CDD SION - MG<br />

Chefe truculento fim do horário de<br />

almoço e ameaças aos trabalhadores<br />

Página A10<br />

<br />

<br />

Os rodoviários rejeitaram o reajuste salarial de 4,35% que<br />

já fora aceito pelos sindicalistas em uma reunião no Tribunal<br />

Regional do Trabalho (TRT-MG).<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

A categoria tem mais de 30 mil trabalhadores na base e atende a mais<br />

de 1,5 milhão de usuários da região metropolitana de Belo Horizonte<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS<br />

DE CARNE E DO FRIO<br />

Patrões tiram até das<br />

crianças para engordar<br />

seus lucros<br />

Página A10<br />

CDD’S EM RORAIMA<br />

Mudança de horário revolta carteiros<br />

Página A11<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

BANCÁRIOS - DF<br />

NÃO À COMPENSAÇÃO DE HORAS<br />

Os “combativos” a serviço<br />

dos sócios minoritários<br />

dos banqueiros<br />

Página A11<br />

Abaixo a perseguição aos grevistas de<br />

setembro<br />

Página A11<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Os trabalhadores entraram em greve no dia 22, reivindicando<br />

37% de reajuste salarial<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Os sindicalistas pelegos, a imprensa burguesa e os patrões de um modo geral realizaram<br />

intensa campanha contra o movimento


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA MOVIMENTO OPERÁRIO A10<br />

CORREIO SOB O CONTROLE DOS TRABALHADORES!<br />

Lutar contra o Correios S.A.<br />

O governo quer impor, através de uma medida<br />

provisória, a privatização da ECT, que vai significar<br />

demissões e mais exploração. Está colocada na ordem<br />

do dia a luta contra a privatização, que passa por derrotar<br />

o acordo bianual<br />

O Ministro das Comunicações,<br />

Hélio Costa, anunciou a<br />

transformação da ECT (Empresa<br />

Brasileira de Correios e<br />

Telégrafos) em Correios do<br />

Brasil S.A. Isto significa que<br />

uma das principais estatais<br />

brasileiras se tornará uma sociedade<br />

anônima, como um primeiro<br />

passo para a sua entrega<br />

para os abutres imperialistas<br />

que querem a sua privatização.<br />

Ditadura a favor<br />

dos bancos e<br />

privatizadores<br />

A transformação está programada<br />

para ocorrer por meio<br />

de uma medida provisória que<br />

será submetida ao Congresso<br />

mensalão.<br />

Há quase um mês, quando<br />

Hélio Costa anunciou a MP,<br />

afirmou que a apresentação<br />

para o Congresso seria após o<br />

carnaval. Nada foi feito ainda,<br />

mas algumas notícias já afirmam<br />

que o governo apresentará<br />

a medida provisória em<br />

março.<br />

O governo quer abrir caminho<br />

para a privatização da ECT<br />

através de uma medida ditatorial<br />

- como é necessário quando<br />

se trata de aplicar um grande<br />

golpe nos trabalhadores e na<br />

população. Por isso, a proposta<br />

não pode sequer ser submetida<br />

a uma ampla discussão<br />

com a população usuária dos<br />

correios (que pagou os impostos<br />

e taxas que ajudaram a fazer<br />

dos Correios uma das maiores<br />

empresas do País) e com<br />

os ecetistas (cujo suor fez da<br />

ECT uma empresa de grande<br />

lucratividade). A “discussão”<br />

será feita apenas entre as centenas<br />

de “picaretas” do Congresso<br />

Nacional, defensores<br />

dos grandes capitalistas, dispostos<br />

a votar seja o que for,<br />

para receber vantagens e financiamentos<br />

de suas campanhas<br />

eleitorais daqueles que querem<br />

botar as mãos sobre um dos<br />

maiores patrimônios do povo<br />

brasileiro.<br />

É preciso dizer que a proposta<br />

do governo é um projeto<br />

que já vem sendo arquitetado há<br />

algum tempo pela burocracia<br />

da empresa, com a clara intenção<br />

de entregar aos capitalistas<br />

nacionais e internacionais a empresa.<br />

Segundo o próprio Hélio<br />

Costa, a receita dos Correios<br />

em 2009 foi de R$ 12,5 bilhões<br />

e a intenção é aumentar, em 18<br />

meses, esse valor em 50% com<br />

o projeto da MP. A intenção<br />

fica clara: aumentar os lucros<br />

da empresa aumentando ainda<br />

mais a exploração dos trabalhadores.<br />

Privatização é<br />

exploração<br />

A luta contra os Correios S.A<br />

ou contra qualquer outra forma<br />

de privatização dos Correios,<br />

está na ordem do dia para a categoria.<br />

Para entregar a empresa<br />

aos grandes capitalistas a direção<br />

da empresa e o governo<br />

vêm colocando em prática uma<br />

série de planos.<br />

Em 2008, aprovaram o<br />

PCCS que institui entre outras<br />

coisas, o cargo amplo, a terceirização<br />

e as metas ainda mais<br />

rigorosas. Tudo para aumentar<br />

a exploração dos trabalhadores,<br />

demitir e terceirizar. São<br />

medidas necessárias para que a<br />

empresa se torne cada vez mais<br />

lucrativa para os capitalistas.<br />

Da mesma maneira, a situação<br />

que o trabalhador enfrenta<br />

nos setores, de caos pela falta<br />

de materiais e a falta de funcionários,<br />

o que gera dobras,<br />

horas extras e doenças ocupacionais,<br />

é uma preparação do<br />

terreno pela direção da empresa<br />

para poder ter mais um “álibi”<br />

para a privatização.<br />

É necessário ter claro que<br />

Em 2008, aprovaram o PCCS para aumentar a exploração dos trabalhadores, demitir e terceirizar.<br />

os capitalistas só vão colocar<br />

as mãos em uma empresa que<br />

dê o máximo de lucro. Isso<br />

significa que o trabalhador<br />

deve ser explorado até a sua<br />

última gota de sangue. Para<br />

isso, os patrões têm que demitir,<br />

diminuir salários, cortar<br />

benefícios como o convênio<br />

médico, terceirizar e aumentar<br />

a exploração daqueles trabalhadores<br />

que continuarem.<br />

Derrotar o acordo<br />

bianual<br />

Todas as medidas no sentido<br />

da privatização da ECT fo-<br />

TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DE CARNE E DO FRIO<br />

Patrões tiram até das crianças<br />

para engordar seus lucros<br />

O frigorífico Arantes, localizado<br />

em Alphaville, na cidade de<br />

Barueri, região da grande São<br />

Paulo, com mais de 200 trabalhadores<br />

recentemente entrou em<br />

concordata (recuperação judicial).<br />

Este deixou os trabalhadores<br />

sem receber um único centavo<br />

e vem cometendo mais um gran-<br />

de abuso. Desta vez o ataque se<br />

refere ao não pagamento do salário<br />

família, benefício previsto<br />

em lei.<br />

Mais da metade destes trabalhadores<br />

têm direito estabelecido<br />

em Lei, a qual prevê que o salário<br />

família “é devido ao<br />

trabalhador(a) empregado(a),<br />

exceto doméstica(o) e ao traba-<br />

lhador avulso, pago diretamente<br />

pelo empregador. É devido também<br />

aos aposentados por invalidez<br />

ou por idade e aos demais<br />

pela previdência social junto com<br />

a aposentadoria”.<br />

O direito é pago em forma de<br />

cota de salário família por filho<br />

até 14 anos de idade, ou inválido<br />

de qualquer idade. De acordo<br />

com portaria 350 de 30 de dezembro<br />

de 2009, o valor do salário<br />

família é de R$ 27,24 por<br />

filho até 14 anos incompletos ou<br />

inválidos, para trabalhador com<br />

salário até R$ 531,12 e de R$<br />

19,19 para trabalhadores que<br />

recebem de R$ 531,12 até R$<br />

798,30.<br />

Os documentos necessários<br />

para requerimento do benefício<br />

são: requerimento de salário família;<br />

carteira de trabalho e previdência<br />

social; certidão de nascimento<br />

do filho (original e cópia);<br />

comprovação de invalidez a<br />

cargo de perícia médica do INSS<br />

para os dependentes maiores de<br />

No frigorífico Arantes os patrões não querem efetuar o pagamento do salário família.<br />

14 anos.<br />

Tudo isto é lei e tem que ser<br />

cumprida pelos patrões. Todo<br />

trabalhador sabe que este valor é<br />

totalmente irrisório, não sendo<br />

suficiente nem mesmo para comprar<br />

½ litro de leite por dia para<br />

uma criança ou atender qualquer<br />

de suas necessidades reais. Uma<br />

verdadeira “esmola” que os pa-<br />

ram apoiadas incondicionalmente<br />

pela burocracia sindical<br />

que domina hoje a maioria dos<br />

sindicatos e a federação. A última<br />

etapa dessa política ocorreu<br />

na campanha salarial do<br />

ano passado, quando a ala mais<br />

podre da burocracia (Artisind/<br />

PT e PCdoB), totalmente vendida<br />

para a direção da empresa,<br />

passou por cima da categoria<br />

e da maioria dos sindicatos<br />

para aprovar o acordo bianual,<br />

que deixaria a categoria sem<br />

campanha salarial esse ano,<br />

deixando livre o caminho para<br />

que a direção da empresa e o<br />

governo colocassem em prática<br />

justamente o Correios<br />

S.A.<br />

A luta da categoria contra<br />

o projeto do governo Lula de<br />

Correios S.A, que é a privatização<br />

da ECT, passa por der-<br />

DE NOVO NO CDD SION - MG<br />

Chefe truculento fim do horário de<br />

almoço e ameaças aos trabalhadores<br />

Os trabalhadores do CDD<br />

Sion, em Belo Horizonte, solicitaram<br />

que seja dada ampla<br />

publicidade <strong>à</strong> situação insustentável<br />

naquele setor. Tratase<br />

de uma perseguição sem<br />

fim da nova chefia do CDD<br />

Sion aos trabalhadores. O novo<br />

gerente é um “pela-saco” danado.<br />

No afã de aparecer para<br />

os seus superiores, ele tem feito<br />

reuniões com o grupo de<br />

apoio do CDD, falando pelos<br />

cotovelos, embora não veja<br />

nunca nada do que tem que ser<br />

visto para a categoria.<br />

Esse gerente só enxerga o<br />

que quer. A pressão vem aumentando<br />

a cada dia. Tem<br />

vários trabalhadores trabalhando<br />

no horário de almoço,<br />

para atender o bom humor do<br />

gerente. Agora é assim: cada<br />

dia é um horário de almoço<br />

diferente. Está uma verdadei-<br />

TRABALHADOR DOS CORREIOS,<br />

Distribua também o boletim Ecetistas em Luta<br />

Distribua todas as semanas o<br />

órgão da corrente nacional<br />

Ecetistas em Luta, de trabalhadores,<br />

militantes e simpatizantes<br />

do Partido da Causa Operária<br />

nos Correios, um órgão de<br />

defesa do interesse dos trabalhadores<br />

dos Correios na sua luta<br />

cotidiana, distribuído nacionalmente.<br />

Entre em contato e<br />

distribua o boletim<br />

também no seu setor<br />

de trabalho:<br />

correios@pco.org.br<br />

Tel. 11-5584-7040<br />

trões e seus governos instituíram<br />

para fingir que há uma preocupação<br />

com a família do trabalhador,<br />

ao mesmo tempo em que lhe pagam<br />

um salário de fome.<br />

No frigorífico Arantes, uma<br />

das desculpas esfarrapadas dos<br />

patrões para não efetuar o pagamento<br />

do salário família é de que<br />

com o número de horas extras<br />

realizadas pelos trabalhadores, o<br />

valor salarial ultrapassa o exigido<br />

e, portanto, não deveria ser<br />

pago. Um absurdo sem cabimento.<br />

É um abuso do desconhecimento<br />

dos trabalhadores. Os<br />

patrões sabem que os valores<br />

estabelecidos em lei dizem respeito<br />

ao salário sem acréscimos<br />

de horas extras.<br />

Este tipo de golpe é aplicado<br />

em muitas empresas da categorias<br />

dos frios e em outros setores,<br />

nos quais pela dispersão dos<br />

trabalhadores e da fragilidade de<br />

sua organização os patrões deitam<br />

e rolam.<br />

Contra este golpe, o Sindicato<br />

dosTrabahadores nas Indústrias<br />

de Carnes e do Frio de Sâo<br />

Paulo estará distribuindo nesta<br />

semana na porta da fábrica requerimento<br />

a ser preenchido<br />

pelos trabalhadores para que a<br />

empresa seja acionada judicialmente<br />

por tal crime. Ao mesmo<br />

tempo vai procurar mobilizar os<br />

trabalhadores para exigir da<br />

empresa o imediato cumprimento<br />

do disposto em lei e o pagamento<br />

do salário família a todos<br />

trabalhadores que fazem jus.<br />

Ao mesmo tempo, é necessário<br />

debater em todas as empresas<br />

a ampliação deste benefício<br />

rotar o acordo bianual<br />

e atropelar<br />

essa burocracia<br />

pelega que domina<br />

a maioria dos sindicatos.<br />

O primeiro<br />

passo para garantir a vitória<br />

contra a privatização<br />

da empresa é derrotar o<br />

acordo bianual e impor uma<br />

campanha salarial esse ano,<br />

que coloque como o eixo<br />

principal a luta contra a<br />

privatização e defenda<br />

os Correios<br />

sob controle dos<br />

trabalhadores.<br />

Contra a privatização<br />

da ECT e emdefesa das<br />

demais reivindicações da categoria,<br />

organizar pela base uma<br />

ampla mobilização que inclua<br />

a ocupação dos prédios da<br />

ECT contra a privatização.<br />

ra zona o CDD. Os trabalhadores<br />

do Sion exigem o fim dessa<br />

bagunça. É preciso estabelecer<br />

um horário igual para os companheiros<br />

que estão na compactação<br />

e o restante almoçar no<br />

mesmo horário, independente<br />

de carga alta ou não.<br />

A maioria dos companheiros<br />

está trabalhando em função dos<br />

depósitos auxiliares (D.A’s)<br />

para não atrasar os motoristas.<br />

Ninguém enxerga esse tipo de<br />

situação. Nem o gerente Antonio<br />

Dourival nem os seus supervisores.<br />

O mesmo gerente vem<br />

cobrando dos companheiros<br />

que estão se afastando por<br />

motivo de atestado médico. Ele<br />

tem dito que vai encaminhar<br />

todo o carteiro que pega mais de<br />

oito atestados médicos no semestre<br />

para a medicina do trabalho<br />

dos correios, para avaliar<br />

se tem validade aquele atestado.<br />

e de outros que visem atender aos<br />

filhos dos trabalhadores, como<br />

é o caso de direito de creche para<br />

todos ou o pagamento de auxílio<br />

creche de, pelo menos R$ 300,<br />

enquanto as empresas não<br />

atenderem a esta necessidade da<br />

Isso é uma forma de pressionar<br />

o trabalhador, forçando-o<br />

a não pegar atestado e trabalhar<br />

doente, como se no CDD não<br />

tivesse sobrecarregado com<br />

dobras de distritos diários.<br />

Os trabalhadores do CDD<br />

Sion repudiam esta manobra<br />

e tratamento nojentos da chefia<br />

do CDD. O sindicato está<br />

encaminhando correspondência<br />

<strong>à</strong> ECT exigindo o fim<br />

desta conduta abusiva do gerente<br />

da unidade. Mas todos<br />

sabemos que só a mobilização<br />

dos trabalhadores pode pôr<br />

fim <strong>à</strong> todo esse abuso e garantir<br />

o horário de almoço e o fim<br />

das dobras.<br />

Não <strong>à</strong> opressão das chefias.<br />

Controle da ECT pelos trabalhadores,<br />

com a eleição de<br />

todos os postos de chefia e direção!<br />

LEIA E DIVULGUE NO SEU<br />

LOCAL DE TRABALHO<br />

Boletins da Corrente<br />

Sindical Nacional<br />

Causa Operária<br />

Ecetistas em Luta Nacional<br />

e regionais; Educadores em<br />

Luta; Servidores em Luta,<br />

Municipários em Luta, Docentes<br />

em Luta (professores<br />

universitários); Luta Metalúrgica,<br />

Bancários em Luta e<br />

outros mais...<br />

Participe da luta por construir<br />

na base de todas as categorias<br />

uma nova direção para<br />

categoria, principalmente das<br />

mulheres operárias que arcam –<br />

na maioria das vezes – com a<br />

obrigação de cuidar dos filhos e<br />

ainda têm que trabalhar nas fábricas,<br />

cumprindo assim uma<br />

dupla jornada.<br />

a luta dos trabalhadores, oposições<br />

sindicais classistas<br />

contra a burocracia traidora<br />

que apóia a política dos patrões<br />

e dos seus governos.<br />

Escreva sua denúncias de<br />

seu local de trabalho e entregue<br />

para os distribuidores<br />

desses boletins ou envie diretamente<br />

para<br />

PCO@pco.org.br.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA MOVIMENTO OPERÁRIO A11<br />

BANCÁRIOS - DF<br />

Os “combativos” a serviço<br />

dos sócios minoritários dos<br />

banqueiros<br />

PSTU/Conlutas pede <strong>à</strong> Articulação/PT que casse chapa<br />

de oposição do PCO<br />

Três chapas concorrerão<br />

<strong>à</strong>s eleições do Sindicato dos<br />

Bancários de Brasília no final<br />

do mês de março. A chapa 1,<br />

“CUT Bancários”, da atual diretoria<br />

do sindicato, burocracia<br />

sindical do PT. Esta se tornou<br />

sócia minoritária dos banqueiros,<br />

participando de órgãos<br />

de direção dos bancos<br />

públicos e dos fundos de pensão<br />

que participaram das privatizações<br />

e outras negociatas<br />

com os governos FHC e<br />

Lula, além de comandarem a<br />

entrega de todas as campanhas<br />

salariais da categoria nas<br />

últimas duas décadas.<br />

A chapa 2, Bancários em<br />

Luta Oposição de Verdade é<br />

composta por militantes e simpatizantes<br />

da Corrente Sindical<br />

Nacional Causa Operária,<br />

que defende um movimento<br />

independente da burocracia<br />

em defesa das necessidades<br />

mais sentidas da categoria<br />

bancária (reposição salarial,<br />

luta contra as demissões,<br />

PDV’s etc.).<br />

Já a chapa 3, “Bancários é<br />

Hora de Mudar, Sindicatos é<br />

pra Lutar”, composta por<br />

membros do PSTU, PSOL,<br />

PCB e satélites é sócia menor<br />

da burocracia sindical traidora<br />

do PT que tem como ponto<br />

central de seu programa - a<br />

principal arma dos patrões<br />

contra os trabalhadores – a<br />

divisão da categoria, por meio<br />

da separação dos bancários<br />

dos bancos públicos e privados.<br />

Está vinculada <strong>à</strong> corrente<br />

“de oposição” (MNOB) que<br />

defendeu a derrota de várias<br />

das últimas campanhas salariais<br />

colocando o destino da<br />

greve da categoria nas mãos<br />

do TST, o que lhe valeu o<br />

título de “TSTU”.<br />

A serviço de quem<br />

está a chapa 3?<br />

A chapa 3, embora procure<br />

se apresentar como algo diferente<br />

da chapa 1, no fundamental<br />

defende exatamente a<br />

mesma política da atual direção<br />

e iniciou a campanha colocando-se<br />

a serviço da chapa<br />

dos sócios minoritários<br />

dos banqueiros.<br />

No último dia 19 de fevereiro<br />

quando ocorreu a reunião<br />

da comissão eleitoral, em que<br />

se encerrava o prazo concedido<br />

<strong>à</strong>s chapas para a regularização<br />

da documentação conforme<br />

o estatuto da entidade,<br />

o candidato que encabeça a<br />

chapa 3 (Rodrigo “Bocão”),<br />

dirigente do PSTU/Conlutas,<br />

raivosamente solicitou <strong>à</strong> comissão<br />

eleitoral – formada<br />

exclusivamente por membros<br />

indicados pela Articulação/PT<br />

NÃO À COMPENSAÇÃO DE HORAS<br />

Abaixo a perseguição aos<br />

grevistas de setembro<br />

A ECT está obrigando os trabalhadores que fizeram greve<br />

até o final de setembro de 2009 a fazer hora extra para<br />

compensar os dias parados. A categoria repudia esta<br />

manobra espúria da ECT<br />

A ECT está se apegando a<br />

uma ata de reunião realizada<br />

entre os negociadores da empresa<br />

e os elementos do bloco<br />

traidor da direção da Fentect<br />

(Federação Nacional dos<br />

Trabalhadores dos Correios),<br />

do PCdoB e PT, no dia 16 de<br />

setembro de 2009 para aplicar<br />

a política de compensação dos<br />

dias de greve aos grevistas<br />

que continuaram a paralisação<br />

do trabalho, após o dia 18 de<br />

setembro de 2009. Na ocasião,<br />

apenas quatro sindicatos<br />

(Rio de Janeiro, Bahia, Santos<br />

e Maranhão) aceitaram a proposta<br />

indecente de acordo bianual<br />

para os anos 2009/2011<br />

(que tem por objetivo evitar<br />

que a categoria ecetista faça<br />

campanha salarial, lutando por<br />

seus direitos e interesses neste<br />

ano de 2010 enquanto a<br />

ECT prepara a privatização<br />

dos correios), feita pelos negociadores<br />

dos correios.<br />

Uma vez aceita essa proposta<br />

nojenta da empresa, os<br />

sindicalistas pelegos trataram<br />

de desmobilizar os ecetistas<br />

em suas bases territoriais e<br />

acabaram com a greve em<br />

seus Estados. Como foi divulgado<br />

amplamente neste jornal,<br />

o retorno ao trabalho<br />

defendido pela burocracia sindical<br />

desses sindicatos pelegos<br />

(RJ/BA/STS/MA) tratouse<br />

de uma organizada manobra<br />

de traição realizada pelo<br />

PCdoB e PT/Articulação contra<br />

os trabalhadores dos correios<br />

e em defesa dos patrões<br />

e do governo Lula que estão<br />

desmontando a ECT para privatizá-la<br />

a preço de banana<br />

podre. O repúdio ao acordo<br />

bianual é imenso em todos os<br />

locais de trabalho dos correios,<br />

o que obrigou o governo<br />

federal a comprar e aliciar dirigentes<br />

sindicais para apoiar<br />

a política de privatização,<br />

sendo tal acordo bianual mais<br />

uma cartada, mais um passo<br />

dessa política, que não poderia<br />

ser dada nem pela direção<br />

da ECT nem pelo governo<br />

Lula sem o aval da burocracia<br />

sindical dos correios que controla<br />

a maioria dos sindicatos<br />

da categoria.<br />

Após essa reunião do dia 16<br />

de setembro de 2009, a greve<br />

continuou forte no restante do<br />

País o que levou a ECT a ajuizar<br />

dissídio coletivo e usar o<br />

Tribunal Superior do Trabalho<br />

(TST) para pressionar a<br />

categoria a retornar ao trabalho.<br />

Apesar de todos esses expedientes,<br />

a greve, mesmo<br />

traída pela burocracia sindical<br />

do PT e PCdoB, só terminou<br />

em 30 de setembro de 2009,<br />

após intensa luta contra a ingerência<br />

da própria direção da<br />

ECT que, mesmo tendo aliciado<br />

e comprado os dirigentes<br />

sindicais pelegos da Articulação<br />

e do PCdoB teve que interferir<br />

diretamente para alterar<br />

o curso do movimento paredista,<br />

tal a combatividade da<br />

categoria que entendeu a<br />

manobra da empresa e se colocou<br />

totalmente contra a política<br />

de privatização do governo<br />

do PT, lacaio dos patrões<br />

internacionais e nacional.<br />

A campanha salarial da categoria<br />

ecetista não teve ainda<br />

seu desfecho final, haja<br />

vista que a maior parte dos trabalhadores,<br />

através de 17 sin-<br />

- vistas <strong>à</strong> documentação da<br />

chapa 2, com o intuito de buscar<br />

possíveis argumentos<br />

(inexistentes) para tentar impugnar<br />

a chapa Oposição de<br />

Verdade, a chapa 2 – Bancários<br />

em Luta.<br />

Desta forma os “antigovernistas”<br />

do PSTU, dirigiram-se<br />

aos “governistas” do PT que<br />

estabeleceram uma verdadeira<br />

ditadura na Comissão Eleitoral<br />

e no Sindicato, por medo<br />

da reação da categoria <strong>à</strong> sua<br />

política patronal, para tentar<br />

calar a voz de uma corrente de<br />

bancários que se organiza,<br />

justamente para lutar em defesa<br />

das reivindicações da categoria<br />

e que denuncia as traições<br />

da direção do Sindicato<br />

dos Bancários de Brasília e de<br />

todo o País.<br />

Deixando ainda mais claro o<br />

caráter reacionário da política<br />

da chapa 3 e do PSTU/Conlutas,<br />

obviamente, que o dirigente<br />

dessa ala da burocracia em<br />

nenhum momento pediu a verificação<br />

da documentação da<br />

burocracia sindical chapa 1 e<br />

não denunciou em momento<br />

algum o caráter autoritário do<br />

processo conduzido pelos seus<br />

sócios majoritários da burocracia<br />

bancária.<br />

A intenção sem fundamento<br />

da chapa 3, sequer pode ser<br />

considerada uma vez que todos<br />

os documentos da chapa<br />

2 estavam em ordem e a chapa<br />

1 temia o desgaste que uma<br />

eventual cassação da oposição<br />

poderia causar a um proces-<br />

dicatos e diversas oposições<br />

aos sindicatos pelegos discordou<br />

da manobra da direção da<br />

ECT, reagindo e convocando<br />

uma plenária nacional que foi<br />

realizada no final de outubro<br />

de 2009 e que apontou para a<br />

reorganização da campanha<br />

salarial e convocação de um<br />

congresso extraordinário da<br />

federação dos trabalhadores<br />

(Fentect) para o primeiro semestre<br />

de 2010 onde se pretende<br />

eleger uma nova diretoria<br />

para a federação e botar<br />

para correr os pelegos e traidores<br />

da categoria ecetista.<br />

Por outro lado, essa plená-<br />

É preciso que toda a categoria se organize por local de<br />

trabalho para lutar contra a compensação de horas.<br />

ria deliberou um conjunto de<br />

ações políticas e jurídicas<br />

para anular o acordo bianual,<br />

o Plano de Cargos Carreiras e<br />

Salários feitos pela ECT contra<br />

os trabalhadores, dentre<br />

outras importantes deliberações,<br />

o que está sendo colocado<br />

em prática por esse bloco<br />

de sindicatos e oposições.<br />

Para tentar desmontar a<br />

mobilização da categoria, a direção<br />

da ECT, por sua vez, realizou<br />

uma reunião (Redir) e<br />

tirou como resolução que iria<br />

convocar os trabalhadores para<br />

fazer horas extras no final de<br />

ano, período natalino, e meses<br />

seguintes. Deliberou ainda que<br />

as diretorias regionais ao invés<br />

de pagarem tais horas extras<br />

trabalhadas deveriam processar<br />

a compensação sobre essas<br />

horas trabalhadas a todos os<br />

grevistas que não retornaram<br />

ao trabalho e continuaram em<br />

greve após o dia 18 de setem-<br />

so que já carece de legitimidade<br />

por ser totalmente controlado<br />

apenas pela chapa da<br />

direção do sindicato.<br />

Fortalecer a luta<br />

por uma oposição<br />

de verdade<br />

A chapa 3 sabe muito bem<br />

que Bancários em Luta é a úni-<br />

ca força que procura estabelecer<br />

uma delimitação classista<br />

com a burocracia, que “bate”<br />

e vai “bater” duro contra a política<br />

de colaboração com os<br />

banqueiros da Articulação PT.<br />

Agindo para defender seus<br />

verdadeiros aliados, a chapa 3<br />

faz o papel que lhe cabe de<br />

bro de 2009.<br />

Tentando dividir a categoria,<br />

a empresa se justificou alegando<br />

que caso não seja feito o desconto<br />

da greve ela tem o direito<br />

de exigir a compensação dos<br />

dias parados, uma atitude totalmente<br />

abusiva e contraditória<br />

com o próprio acordo coletivo<br />

que ela fez e impôs a burocracia<br />

sindical pelega a assinar. A<br />

arbitrariedade é tamanha que<br />

nem na ata do dia 16 de setembro<br />

nem no “Acordo Coletivo<br />

de Trabalho” (que está sendo<br />

contestado judicial e politicamente<br />

pela maioria dos trabalhadores<br />

e diversos sindicatos)<br />

em nenhum deles fica assegurado<br />

<strong>à</strong> ECT o direito de realizar<br />

a compensação das horas da<br />

greve de setembro de 2009.<br />

A verdade é que o desespero<br />

da ECT é imenso, pois caiu por<br />

terra a sua proposta nefasta de<br />

acordo bianual e de privatizar a<br />

ECT sem luta da categoria.<br />

A revolta é geral entre os<br />

trabalhadores dos correios<br />

contra o acordo bianual e toda<br />

a ofensiva da direção da ECT<br />

contra os trabalhadores, criando<br />

as condições para uma<br />

ampla mobilização, ou seja,<br />

para a realização da campanha<br />

salarial e de luta contra a privatização,<br />

contra os Correios<br />

S.A., neste ano, com uma<br />

força ainda maior do que no<br />

ano passado.<br />

Tal é o nível de descontentamento<br />

na base ecetista, que<br />

esta vai passar por cima de<br />

todos os sindicalistas pelegos<br />

que ficaram na frente do<br />

movimento sindical ecetista e<br />

que tentaram servir de freio <strong>à</strong><br />

luta dos trabalhadores, luta<br />

essa que está prestes a realizar<br />

em defesa de seus empregos<br />

e da própria ECT.<br />

Neste momento, os 17 sindicatos<br />

que constituíram um<br />

bloco político-sindical para<br />

lutar contra o acordo bianual<br />

e contra a privatização da ECT<br />

ingressaram com ações na<br />

justiça contra a investida da<br />

ECT de fazer compensação<br />

dos dias parados da greve de<br />

setembro de 2009. Vários<br />

desses sindicatos já ganharam<br />

o pedido de liminar proibindo<br />

a ECT de realizar as<br />

compensações das horas.<br />

Outros ainda não. Essas<br />

ações são importantes para<br />

obstaculizar, defensivamen-<br />

CDD’S EM RORAIMA<br />

Mudança de horário<br />

revolta carteiros<br />

A direção da ECT em Roraima,<br />

no vale tudo para aumentar<br />

a produtividade, alterou<br />

o horário de entrada dos<br />

carteiros lotados nos CDD’s<br />

Boa Vista e Asa Branca sem<br />

nenhuma consulta aos trabalhadores.<br />

Isso fará com que a<br />

distribuição de cartas nesses<br />

setores seja realizada toda na<br />

parte da tarde.<br />

A distribuição domiciliária<br />

pela parte da manhã é uma<br />

bandeira histórica da nossa<br />

categoria, sendo um dos principais<br />

pontos da nossa pauta<br />

nacional de reivindicação em<br />

todas as campanhas salariais.<br />

Em Roraima, onde a média<br />

de temperatura não é inferior<br />

a trinta e seis graus e que<br />

possui um dos maiores índices<br />

de câncer de pele do país, a<br />

necessidade da distribuição na<br />

parte da manhã é fundamental,<br />

pois se transforma numa<br />

questão de vida ou morte para<br />

o trabalhador.<br />

Vale lembrar que no ano de<br />

2005 os carteiros lotados em<br />

sócio menor da burocracia, sai<br />

em sua defesa e na tentativa de<br />

impugnação da única chapa de<br />

oposição de verdade.<br />

Eles sabem que Bancários<br />

em Luta - chapa 2, nunca<br />

compactuou com nenhuma<br />

política de traição aos interesses<br />

dos bancários, nunca<br />

ocupou os microfones das<br />

assembléias para defender<br />

uma política de divisão da<br />

categoria, que nunca sacrifi-<br />

camos a independência dos<br />

bancários junto aos patrões e<br />

seus governos; sabem que a<br />

chapa 2 é o único setor que<br />

pode se dirigir com autoridade<br />

política e moral para os<br />

bancários, nesse momento,<br />

para impulsionar defender e<br />

impulsionar um movimento<br />

Roraima conseguiram fazer com<br />

que a direção da ECT no estado<br />

colocasse a entrega das cartas<br />

para o período da manhã. Isso<br />

trouxe melhorias na qualidade de<br />

vida do trabalhador, que passou<br />

a ter o controle sobre o tempo da<br />

distribuição, a ver o tempo destinado<br />

para o almoço sendo respeitado<br />

e fugiu das constantes<br />

horas extras, uma vez que a direção<br />

da empresa não tinha força<br />

para impor duas saídas.<br />

Esse direito, por não ser garantido<br />

em acordo coletivo, foi<br />

retirado justamente através das<br />

constantes alterações de horário<br />

de entrada nos CDD’s, promovidas<br />

pela direção local da<br />

empresa e sempre com a mesma<br />

desculpa da manutenção da<br />

qualidade do serviço.<br />

Os carteiros iniciavam a jornada<br />

no CDD Boa Vista <strong>à</strong>s sete<br />

horas da manhã e no CDD Asa<br />

Branca começavam <strong>à</strong>s oito.<br />

Esse horário ainda permitia que<br />

os carteiros desses CDD’s respirassem<br />

um pouco, pois dava<br />

tempo de ajeitar a carga e sair<br />

verdadeiramente independente<br />

dos patrões e da burocracia<br />

e por isso gostariam de calar<br />

a voz da chapa 2, afastandoa<br />

de forma burocrática e indevida<br />

do processo eleitoral.<br />

Contra estas manobras e<br />

para fortalecer a luta pela<br />

construção de uma nova direção<br />

classista, a serviço das<br />

lutas da categoria e de todos<br />

os trabalhadores é preciso repudiar<br />

a conduta reacionária e<br />

Os “antigovernistas” do PSTU, dirigiram-se aos “governistas” do PT que estabeleceram uma<br />

verdadeira ditadura na Comissão Eleitoral e no Sindicato por medo da reação da categoria<br />

patronal do comando da chapa<br />

3 e cerrar fileiras em apoio<br />

<strong>à</strong> chapa 2 – Bancários em Luta<br />

– Oposição de Verdade, contra<br />

as duas chapas da burocracia,<br />

a dos sócios minoritários<br />

dos banqueiros (chapa 1) e a<br />

dos sócios menores da burocracia<br />

(chapa 3).<br />

te, a atitude impositiva e truculenta<br />

da empresa.<br />

Entretanto, é preciso que<br />

toda a categoria se organize<br />

por local de trabalho para lutar<br />

contra o excesso de serviço<br />

e contra a política de compensação<br />

de horas que o correio<br />

quer enfiar goela abaixo<br />

dos trabalhadores. Os trabalhadores<br />

dos correios devem<br />

dizer não <strong>à</strong>s horas extras.<br />

Nem compensação nem horas<br />

extras. Por imediata contratação<br />

de mais trabalhadores para<br />

dar conta do serviço que cada<br />

dia se avoluma mais na empresa.<br />

Contra o excesso de serviço,<br />

a categoria tem que rebater<br />

com a seguinte palavra<br />

de ordem: Redução da jornada<br />

de trabalho para 35 horas<br />

semanais. Trabalho de sete<br />

horas por dia, de segunda a<br />

sexta-feira, com sábado e<br />

domingo livres para o descanso<br />

do trabalhador. E que a<br />

ECT contrate mais trabalhadores,<br />

ajudando a diminuir o<br />

desemprego e melhorar as<br />

condições de vida da classe<br />

trabalhadora. Temos que trabalhar<br />

para viver e não viver<br />

apenas para trabalhar.<br />

ainda pela manhã para a entrega,<br />

mas agora com a nova alteração<br />

de horário a empresa<br />

acabou de vez com isso.<br />

O novo horário vai fazer<br />

com que os carteiros realizem<br />

toda a distribuição na parte da<br />

tarde e a pressão da chefia<br />

para que o distrito seja zerado<br />

a qualquer custo fará com que<br />

os carteiros sejam obrigados a<br />

voltar a fazer horas extras todos<br />

os dias.<br />

Esse modelo adotado em<br />

todo o país faz parte da preparação<br />

da empresa para a privatização,<br />

pois a exploração do<br />

ecetista é que faz com que a<br />

empresa aumente a sua produtividade<br />

e consequentemente a<br />

sua lucratividade, atrativos para<br />

os tubarões capitalistas internacionais.<br />

Nesse sentido chamamos<br />

os trabalhadores a repudiarem<br />

essa alteração de horário realizada<br />

de forma unilateral e<br />

totalmente arbitrária e a não<br />

aceitarem a realização de nenhuma<br />

hora extra.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA NEGROS A12<br />

ÁFRICA DO SUL<br />

Governo de frente popular fez salários<br />

dos brancos subirem 100% a mais do<br />

que os dos negros<br />

Há 16 anos no governo, o CNA (Congresso Nacional<br />

África), partido de Nelson Mandela, confirma em<br />

números o fracasso da política de colaboração de classes<br />

da frente popular. A situação dos negros no país pósapharteid<br />

piorou, e muito<br />

O CNA foi fundado em 1912<br />

por setores da pequena-burguesia<br />

(professores, jornalistas,<br />

advogados e intelectuais), e<br />

surgiu como um partido burguês<br />

de esquerda para defender os<br />

direitos democráticos da população<br />

sul-africana.<br />

Em meio a uma situação revolucionária,<br />

na qual a classe<br />

operária e demais explorados<br />

negros não aceitavam mais as<br />

aviltantes condições impostas<br />

pelo regime de apartheid controlado<br />

pela minoria branca e<br />

se levantavam contra sua<br />

existência, o regime branco<br />

abriu falência, tornando-se<br />

necessária a sua substituição,<br />

também para a burguesia branca<br />

e racista sul-africana e<br />

para o imperialismo que o<br />

apoiava.<br />

Nestas condições, o CNA<br />

de Mandela, emergiu como a<br />

única força política em condições<br />

de assumir o governo do<br />

País com apoio popular e conter<br />

a onda revolucionária. Assim,<br />

abriu-se a possibilidade<br />

para que o partido, proscrito<br />

e com seus principais líderes<br />

presos, assumisse o poder<br />

político, em 1994.<br />

O partido acabou por se<br />

constituir na única alternativa<br />

da burguesia e do imperialismo<br />

para conter a revolu-<br />

ção negra que estava em andamento<br />

na África do Sul.<br />

Um acordo feito <strong>à</strong>s pressas<br />

tirou Nelson Mandela e outros<br />

líderes da cadeia quase<br />

que diretamente para o governo.<br />

A partir daí, o regime político<br />

legal sofreu alterações<br />

que não alteraram minimanente<br />

as relações econômicas<br />

e sociais e as instituições fundamentais<br />

no poder sul-africano.<br />

Duas década<br />

depois<br />

No último dia 11 de fevereiro,<br />

quando se completaram<br />

20 anos desde que Nelson<br />

Mandela foi colocado em liberdade,<br />

após 27 anos de<br />

prisão, o atual presidente da<br />

África do Sul, Jacob Zuma,<br />

fez um discurso especial.<br />

Mandela e sua mulher, Graça<br />

Machel, estavam presentes<br />

no pronunciamento, feito no<br />

Parlamento da Cidade do<br />

Cabo.<br />

Zuma escolheu essa data<br />

numa tentativa de “união” do<br />

povo sul africano, tendo em<br />

vista a crise em que se encontra<br />

o país. O governo do CNA<br />

Como resultado da crise capitalista mundial, que causou uma das mais duras recessões na<br />

África do Sul, sua taxa de desemprego atingiu 25%.<br />

não conseguiu nesse período<br />

todo reduzir minimamente o<br />

desemprego, a criminalidade<br />

e as péssimas condições de<br />

saúde e educação do Estado.<br />

Obviamente, as vítimas<br />

principais dessa péssima condição<br />

de vida são os negros do<br />

país (mais de 80%). A pesquisa<br />

publicada no ano passado<br />

pela Universidade da Cidade<br />

do Cabo afirma que a África<br />

do Sul é o país com maior<br />

desigualdade social do<br />

mundo.<br />

Após os anos de segregação<br />

racial e opressão dos<br />

brancos, e mesmo depois do<br />

“fim do apartheid”, liderado<br />

por Mandela, os negros são<br />

mais pobres que os brancos,<br />

recebem os menores salários,<br />

DE 3 A 5 DE MARÇO<br />

Carrascos do STF iniciam debate<br />

sobre ação do DEM contra acesso<br />

dos negros <strong>à</strong>s universidades<br />

Sob o pretexto de oferecer<br />

subsídios para o Ministro Ricardo<br />

Lewandowski, designado<br />

relator da Argüição de<br />

Descumprimento de Preceito<br />

Fundamental – ADPF, proposta<br />

pelo Partido Democra-<br />

Ricardo Lewandowski<br />

ta – DEM, contra o sistema de<br />

cotas, o Supremo Tribual Federal<br />

realiza nesta semana a<br />

quinta Audiência Pública de<br />

sua história, desta vez feita ten-<br />

do como tema as “Políticas<br />

de Ação Afirmativa de Reserva<br />

de Vagas no Ensino Superior”.<br />

A ação do DEM tem como<br />

objetivo imediato revogar o<br />

sistema de reserva de cotas<br />

para negros, em vigor desde<br />

2005, na Universidade de Brasília<br />

- UNB. A ação propõe,<br />

entre outras coisas,: suspender<br />

a matrícula dos alunos da<br />

UNB, realizada com base nos<br />

critérios de cotas; exigir que<br />

o Conselho de Ensino, Pesquisa<br />

e Extensão da Universidade<br />

de Brasília (CESPE) divulgue<br />

nova listagem dos candidatos<br />

aprovados, com base<br />

nas notas obtidas, desconsiderando<br />

os critérios raciais;<br />

revogar o sistema de cotas<br />

naquela Universidade; propor<br />

que o Poder Judiciário suspenda<br />

os processos judiciais<br />

que envolvam o tema de cotas<br />

raciais para o ingresso em<br />

universidades, a fim de que<br />

seja tomada uma decisão geral<br />

sobre o tema pelo STF,<br />

revogando o sistema de cotas.<br />

Está prevista a participação<br />

na audiência do STF, de 38<br />

expositores. Mais uma vez o<br />

STF é chamado para “julgar”<br />

causas “controversas”, já que<br />

o mensalão do PT foi neste<br />

tribunal arquivado sem maiores<br />

debates. E o faz sempre no<br />

sentido de retroagir direitos,<br />

como de praxe na “justiça”<br />

brasileira, totalmente servil<br />

aos interesses das classes<br />

dominantes.<br />

Além da ADFP do DEM,<br />

outra ação tramita no Supremo<br />

Tribunal Federal para tentar<br />

impedir que cotas para negros<br />

sejam estabelecidas em<br />

instituições estaduais de ensino<br />

superior do Rio de Janeiro,<br />

movida por um estudante do<br />

Rio Grande do Sul, que diz não<br />

ter sido aprovado no vestibular<br />

em função das cotas.<br />

Ao contrário do “julgamento”<br />

de grandes empresários<br />

(como banqueiros e megaempreiteiros)<br />

e políticos<br />

burgueses, “bandidos com<br />

anel de doutor” que sempre<br />

acabam por favorecer os acusados,<br />

como se viu nos casos<br />

dos mensalões do PT, PTB,<br />

PL etc. ou dos sanguessugas<br />

do PSDB – entre muitos outros<br />

-, a questão das cotas –<br />

ainda que seja uma medida extremamente<br />

limitada - vai de<br />

encontro aos anseios racistas<br />

da direita, branca e rica, que<br />

quer barrar o acesso dos negros<br />

ao ensino superior.<br />

De um lado, a direita burguesa<br />

e pequeno-burguesa<br />

racista (DEM, PP, PSDB, Instituto<br />

Milleniun, Demétrio<br />

Magnoli etc.) condena e age<br />

contra as cotas sob o pretexto<br />

de que esta permitiria o<br />

acesso <strong>à</strong>s universidades de<br />

pessoas “sem mérito” e sem<br />

são as maiores vítimas do desemprego,<br />

possuem menor<br />

escolaridade etc. Uma situação<br />

em tudo semelhante <strong>à</strong> do<br />

Brasil e outros países no qual<br />

o povo negro foi colocado no<br />

“rodapé” da sociedade, sendo<br />

sua expropriação uma das<br />

principais fontes de sustentação<br />

da riqueza de uma minoria<br />

de brancos capitalistas e<br />

dos seus regimes de opressão<br />

não só dos negros mas de toda<br />

a classe operária e demais setores<br />

despossuídos da sociedade.<br />

Renda dos<br />

brancos cresce<br />

mais de 100% a<br />

mais<br />

Segundo um relatório do<br />

governo da África do Sul, a<br />

renda mensal média da população<br />

negra aumentou 37,3%<br />

desde 1994. No entanto, a<br />

renda dos brancos, obteve um<br />

salto foi de 83,5%, cerca<br />

de125% a mais do que a dos<br />

negros.<br />

“Mesmo após o fim do<br />

apartheid, os negros ainda têm<br />

dificuldades para entrar no<br />

mercado de trabalho por causa<br />

dos anos de exploração e<br />

das deficiências no sistema<br />

educacional do país”, afirmou<br />

ao iG Howard Stein, professor<br />

do Centro de Estudos<br />

Africanos da Universidade de<br />

Michigan, EUA.<br />

Dirk Kotze, professor de<br />

Ciências Políticas da Universidade<br />

da África do Sul, concorda:<br />

“nos últimos 20 anos,<br />

a desigualdade social cresceu<br />

em vez de diminuir. Esse é um<br />

dos desafios-chaves da sociedade<br />

sul-africana.”<br />

Como resultado da crise<br />

capitalista mundial, que causou<br />

uma das mais duras recessões<br />

na África do Sul, em<br />

17 anos, o país perdeu 770 mil<br />

postos de trabalho até setembro<br />

do ano passado, o que<br />

elevou sua taxa de desemprego<br />

a 25%, ou seja, um em<br />

cada quatro sul-africanos<br />

estão desempregados, em sua<br />

esmagadora maioria negros.<br />

Como no Brasil, apesar do<br />

agravamento das condições<br />

de vida já precárias da maioria<br />

da população, empresários<br />

e políticos burgueses não<br />

se cansam de afirmar que o<br />

país teria superado a crise, ou<br />

condições de cursá-las. O pior<br />

para essa direita, é que isto<br />

estaria criando condições<br />

para que negros (ainda que<br />

poucos) estudem, criem uma<br />

pressão por melhorias nas<br />

condições de vida do conjunto<br />

do povo negro, quando<br />

essa direita entende que lugar<br />

de negros é em funções secundárias,<br />

como verdadeiros escravos<br />

da burguesia branca e<br />

racista.<br />

Para uma parte da esquerda<br />

pequeno burguesa, o assunto<br />

não teria maior importância,<br />

uma vez que as cotas<br />

são insuficientes e se não<br />

garantem vagas para todos na<br />

universidade, não deveriam<br />

ser defendidas. Seria como<br />

não participar da luta por um<br />

aumento de 10% se não for<br />

possível lutar por um aumento<br />

de 30%, ou seja, para não<br />

realizar luta nenhuma e - concretamente<br />

– ser cúmplice<br />

dos ataques da direita -, esse<br />

setor usa o pretexto de que é<br />

tudo ou nada.<br />

Reafirmamos que as cotas<br />

mesmo que esta sequer teria<br />

chegado aos seus limites nacionais.<br />

Como consequência da<br />

miséria social, engendrada<br />

pela frente popular do CNA,<br />

o país sangra com uma violência<br />

sem precedentes: cerca<br />

de 50 pessoas são assassinadas<br />

diariamente no país que<br />

sediará a Copa do Mundo de<br />

2010., sendo esta uma das<br />

principais preocupações dos<br />

diversos monopólios que, de<br />

fato, comandam o evento.<br />

A população não<br />

suporta mais a<br />

Frente Popular<br />

A população do país tem tolerado<br />

o CNA por conta do<br />

fim do regime de segregação<br />

racial. No entanto, a Frente<br />

Popular, sempre de acordo<br />

com a burguesia, com esse<br />

fracasso social e político, já<br />

começa a enfrentar protestos<br />

da população. O aumento da<br />

insatisfação e de protestos<br />

nas áreas mais pobres tem se<br />

tornado uma rotina.<br />

Segundo Frans Cronje, do<br />

Instituto de Relações Raciais<br />

do país, “a tensão é grande e<br />

a raiva entre a comunidade<br />

negra cresce rapidamente,<br />

nas universidades são uma<br />

reivindicação da população<br />

negra, de suas organizações<br />

e o Coletivo de Negros do<br />

Partido da Causa Operária<br />

apóia esta reivindicação,<br />

mesmo considerando que<br />

esta reivindicação é insuficiente<br />

e incapaz de resolver o<br />

problema da discriminação e<br />

da exclusão do povo negro<br />

das universidades.<br />

Tão importante quanto isto<br />

é o fato de que as quotas estão<br />

sendo alvo de vários ataques<br />

da direita racista brasileira<br />

que não quer ver negro<br />

A ação do DEM tem como objetivo imediato revogar as<br />

cotas para negros alí onde parcamente existem.<br />

estudando e que procura impedir<br />

a efetivação das cotas<br />

para impedir uma ampliação<br />

das lutas dos negros por outras<br />

reivindicações fundamentais.<br />

Mesmo que insuficiente<br />

para resolução de qualquer<br />

desigualdade racial, as cotas<br />

devem ser defendidas com<br />

unhas e dentes pela população<br />

negra e todas as organizações<br />

de luta dos explorados.<br />

enquanto a atuação do governo<br />

é cada vez mais decepcionante”.<br />

Na África do Sul, no continente<br />

africano e em todo o<br />

mundo é necessário organizar<br />

a luta do negro sobre a base de<br />

um programa revolucionário e<br />

objetivo, contra a política de<br />

colaboração de classe das<br />

Após o fim do apartheid, os negros ainda têm dificuldades<br />

para entrar no mercado de trabalho por causa das<br />

deficiências no sistema educacional do país.<br />

frentes populares, que busca<br />

paralisar as tendências revolucionárias<br />

presentes em largas<br />

parcelas da classe operária<br />

mundial e entre seus setores<br />

mais oprimidos, como é o<br />

caso da população negra. Organizar<br />

de forma independente<br />

da burguesia a população<br />

negra, em partidos operários<br />

que defendam verdadeiramente<br />

as necessidades dos negros,<br />

ou seja, um programa<br />

que, além de defender as necessidades<br />

imediatas e específicas<br />

da população negra,<br />

defenda também a luta contra<br />

a burguesia e seus regimes de<br />

dominação.<br />

A conquista de governos<br />

operários nos países de maioria<br />

negra, como a Àfrica do<br />

Sul e o Brasil, serão também<br />

governos negros contra a dominação<br />

da burguesia branca<br />

racista e pró-imperialista, os<br />

únicos capazes de deixar para<br />

trás os séculos de exploração<br />

e opressão do povo negro.<br />

Essa direita, que se decompõe<br />

em todo o País (como se<br />

vê na crise dos governos Arruda<br />

e Kassab) diante da rejeição<br />

das massas populares<br />

quer usar a luta contra os direitos<br />

democráticos dos negros<br />

(mesmo os mais limitados)<br />

para levantar a cabeça no<br />

Brasil e se reorganizar. Lançam<br />

mão dessas ações e de<br />

todo tipo de campanha reacionária:<br />

contra os sem-terra,<br />

contra o direito ao aborto, pela<br />

redução da maioridade penal<br />

etc.<br />

Contra estas iniciativas da<br />

direita racista, as organizações<br />

de luta dos negros, dos<br />

trabalhadores e todas que se<br />

reivindicam da defesa dos<br />

direitos democráticos da população<br />

devem organizar uma<br />

ampla mobilização, na qual a<br />

reivindicação de defesa das<br />

cotas seja acompanhada da<br />

exigência de livre ingresso nas<br />

universidades, sem vestibular,<br />

sem nenhum impedimento<br />

para que estudantes negros e<br />

pobres, que hoje estão, na<br />

prática, fora das universidades,<br />

tenham acesso ao ensino<br />

superior.<br />

A conquista de um pequeno<br />

número de vagas para negros,<br />

mesmo nas condições<br />

precaríssimas em que o governo<br />

Lula as propõe, deve<br />

ser tomada não como um fim<br />

em si mesmo, mas como um<br />

ponto de apoio para a luta por<br />

uma abertura geral da universidade<br />

não só <strong>à</strong> população<br />

negra, mas <strong>à</strong> população operária<br />

em geral. As vagas para<br />

negros devem ser ponto de<br />

uma pauta ampliada de reivindicações<br />

dos direitos democráticos<br />

dos negros e dos trabalhadores.


CAUSA OPERÁRIA<br />

MOVIMENTO ESTUDANTIL <br />

¢©¡¡§¥©£§£©©§© ¦§¦¡¤¤§©¡¥¢§¡¡¡ ¤©¡§¡§¥©¡¤£¤¦£© ¦¥§¡¥¤£¤©£¥©¡¡¦¥§ ¡¢£¤¥¢£¤¦§£¨©¥¡¢§¦<br />

¤©¡¢£¤©£¥¢£¥¡¢£¦£¢©© ©§£¤©§©¢¥¦£§¥¤¥£ ¤©¦£¥©¦£§©£§©¤ §¥¢©§¦£¢©©¡¥¢§¡¡¡ ¦£¦§£¦¢©©¥£§£¤¥£¢<br />

§¡£¡£©¡©¢¥¦£§ §£¤©£§£¦£¦¥ §¥£¤©¡¤¦¤£¡<br />

¥¢©££¤¥©¡¥§£ ¡©¥¤£¤©¤¡¢£§ ¡¦¢¥¤©¡¡£¤¥£¡¥©¡¢£¡ ©¥£¥£¢©§¥£¤© §¡¥¤£¤£¡¡¦¥¡£¡©©<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

NENHUMA CONFIANÇA NO<br />

REITOR-INTERVENTOR<br />

Lutar pelo “fora<br />

Rodas”<br />

Página A14<br />

Autonomia universitária e<br />

maioria estudantil<br />

¨§¥¡©¦£¦¥§¡¥¤£¤ ¡£§¤£¤¥§£¢£¦¢© £¦£§§¥£©¦¥¤£¤ ££¤¥£©¡¡£¤¥¤¥§©¡ ¥¥¢£¤©©©§©¦§¦¡<br />

¡¡¦¡¡¥©¡©§©¡¤© ¡©¡¦¥©§©¡ ¥¢§¡¡¡¤£§¥£¢¥£©¤£ ¤¦£©©§¦£¦¥§¡¥ §¦©¡¤£¡¡¦£¡£¢¥¥¤£¤¡<br />

¦¥©§¥©¡¡¢©££¡¢£ ¤©¡¤£¡¤¥¡¡¡§¢¡ ¤£¤¡¢¦¤£¢¡§©¡¡©§¡<br />

¥¡¡©£§©©¦¥¤£¤¦¥ §¡¥¢§¥£¡¢©¢£¢ ££¡¢£¤£¤¡¢£¡©££¡ ¥¡£§£§¥¢©§££¡ ¥¡£§£§¥¢©§¤¥£§£<br />

§©¡¤©©¡©¦¥§ ¡¥¢§¥©£¡££¤©§££¥©§¥£ §©¡¡©§¡¤©£¢©¡£©¤£ ¦¥§¡¥¤£¤©¢£¡© ©¡¤¥§¢©§¡¤£¡£¦¤£¤¡©¡<br />

¤©¦£©§¢¦§££§£©¦ §£¢£©¢§§£© ©§£¤©§¤© ¡¢£¤©¨©¥© ¥¢©§¤£¢©¦£¤¥¡© £¡¡¥¡¢£©¢£©©¨£¥¡<br />

¦©©§§¦©¥£¤©£© £¡¡£¤©¦£¤©§§££¡ ¥£¨¡¦£©¥£¢£¢©<br />

§§¥£¦§©§£¥£¦¤¥§¥ £¦¥§¡¥¤£¤¡©¦©© §£¤¥©©¤£¡©¡¦¤© ©©£¤©£¡¥¡£§£© ¡£¤©©§¥£¤£©¢£¤¤£<br />

MEDO DA MOBILIZAÇÃO<br />

Rodas cede para<br />

tentar manter a<br />

ditadura<br />

Página A14<br />

§©©¡¢£¤¦££¥ ¡¤¥§¢£¡£§£§¥¢©§©¨ ££¤§©©§¦£§ ¤£¤¥§£¦¤£££¡¥¢¦£© £§©¤§¥¢©§<br />

¦¥©§¥©¡¡¥¡¢ ©¢¦§©¡¡©§£¢§ ££¤¥¥¡¢§£©¤£¦¥§¡¥ ¤£¤¤£¡££¥§£© £¢¦£§¥¢¥§¦¡¢¦¤£¢¡<br />

£¡©¦¢£¢£¢¥¤©§¢¥© ¥¡¢¢©©¤©¡§©¡ £¥£¢§£§£¤£©§¥<br />

£¥¡¥£¡©£¡§¡£¡ £©¡¦£§£¡¥¢££¦¥§ ¡¥¤£¤¡©£¥©§¥£©©¡© ¥§¡¥¢§¥©©©¡¢©©§ ¡©§¡£¥¡§£¤¦£¤©¡©<br />

££¡¢§¡¦¥©§¥©¡ £¡£©§££§©©¡¢£ ¤¦©©¡©¥§¡¥ ¢§¥©¡£¥¢©§§¡¢£ §©¡¡©§¡¡¢¦¤£¢¡<br />

©§££§¥¢§¥£©¨¡¦¥¢ ¡¡¢¦¤£¢¡¡©£¥©§¥££ ¦¥§¡¥¤£¤£¥¡¤¥ ¡¢¦¤£¢¡¥¦¥©§¥©¡ ©¦¥¤£¤¦¥§¡¥¢§¥£¤<br />

©¢£¢©£¢¦£¢¢ ££¡§§¡¢£¢¡¢§ ¥©¥§©¡¡©§¡£<br />

©©¡©¥§¡¥¢§¥©£ §§¡¢£©£§¥¢§¥£¥¡¢©¨ ¤¥¥¤¥¤££§¢¡¥¦£¥¡¢§ ¡¢¦¤£¢¡§©¡¡©§¡¦ £¡¡¡©£¡¦©<br />

Financiamento independente é<br />

condição para a luta<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

CALOURADA USP<br />

Repúdio dos estudantes<br />

ao PSDB e a Paulo<br />

Renato<br />

Página A14<br />

As lutas ocorridas como a ocupação da reitoria em 2007, a greve do ano passado, em que os estudantes enfrentaram a polícia no dia 9<br />

de junho foram lutas contra a ditadura que existe na universidade<br />

¤©¡¡¢¦¤£¢¡££¡ ©¡¦©¤©¡§©¡¡©§¡ ©¤©¡¦¥©§¥©¡¢§¡¡ ©¡ ¥©§¥©¡£§©¦©©¢©<br />

¥©¡¢£©¡¢£¤©£¥¢£¥¡¢£ ¡©§£¦¥§¡¥¤£¤¡¡ ¢¦¤£¢¡¦¢£¥¤¥£§££ ¥£¡©¦©¦©¤©©£§ §¥¡©¤§§¦£§£¤¥¢£¤¦§£<br />

£¥©§¥£¤£©¦¥¤£¤¦¥§ ¡¥¢§¥£¦©§©¢§¥£§¢¥¢ £¦¥§¡¥¤£¤£¡§¥©¤£<br />

¥¡¢©¨©£¥©§¥£¡¢¦¤£¢¥ ©¥©££¤¤¤§£ §¤£¤¥§££¦¢©©¥£¤£¦¥ §¡¥¤£¤ ¤£¦¥§¡¥¤£¤§©©§¥©£


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA JUVENTUDE A14<br />

MEDO DA MOBILIZAÇÃO<br />

Rodas cede para tentar<br />

manter a ditadura<br />

A decisão do Conselho Universitária da USP de revogar<br />

a medida proposta pelo próprio atual reitor-interventor<br />

é resultado da enorme mobilização dos últimos anos<br />

CALOURADA NA USP<br />

Psol faz propaganda do reitorinterventor<br />

Na última reunião do Conselho<br />

Universitário, foi revogada<br />

a portaria que permitia a entrada<br />

da PM na cidade universitária<br />

e que está na origem do<br />

confronto entre os estudantes e<br />

a polícia militar em 9 de junho<br />

do ano passado.<br />

O DCE, dirigido pelo Psol,<br />

não perdeu tempo em elogiar o<br />

reitor-interventor, publicando<br />

em seu último boletim:<br />

“(...) com um discurso que<br />

pautou o diálogo entre as categorias<br />

(oposto ao feito na sessão de<br />

2008), o reitor mencionou ser sua<br />

tarefa atuar como mediador dos<br />

conflitos dentro da universidade.”<br />

(Boletim Eletrônico do DCE<br />

– Livre da USP “Alexandre Vannucchi<br />

Leme” Nº 03/2010 –<br />

Gestão “Para Transformar o<br />

Tédio em Melodia”).<br />

Nem sequer mencionam o<br />

fato de que foi o próprio Rodas<br />

que propôs a medida no Conselho<br />

universitário, com o claro<br />

objetivo de prevenir novas ocupações,<br />

como a de 2007. Ao<br />

contrário, procuram reforçar<br />

assim as ilusões que o próprio<br />

Rodas procura semear, de conciliação<br />

e “diálogo” com o reitor-interventor.<br />

A revogação não surge da<br />

boa vontade da reitoria e do governo,<br />

mas como produto exclusivo<br />

da mobilização dos estudantes<br />

e do medo da burocra-<br />

NENHUMA CONFIANÇA NO REITOR-INTERVENTOR<br />

Lutar pelo “fora Rodas”<br />

O Sintusp, em seu boletim,<br />

afirma que exige de Rodas que<br />

reverta a “herança” deixada<br />

por Suely. Na verdade, Rodas<br />

foi nomeado para aprofundar<br />

a política de repressão que o<br />

governo quer para a universidade<br />

e só não o fará na medida<br />

em que enfrente a resistência<br />

dos estudantes.<br />

A nomeação de Rodas por<br />

José Serra foi uma verdadeira<br />

provocação ao movimento estudantil.<br />

Na eleição farsa para<br />

reitor, realizada pela burocracia<br />

que dirige a universidade,<br />

Rodas ficou em segundo lu-<br />

cia universitária em ver o regime<br />

da USP se despedaçar.<br />

É interessante notar que o<br />

Psol nunca informa os estudantes<br />

com tanta agilidade. Quando<br />

tentaram aprovar no Conselho<br />

a cobrança do ônibus circular<br />

interno, nada disseram. O<br />

mesmo com relação ao endurecimento<br />

das regras para o jubilamento,<br />

ou mesmo o imenso<br />

gasto com instalação de câmera<br />

para vigiar os estudantes.<br />

Como primeiro ponto do<br />

boletim afirmam “1. Revogada<br />

a recomendação que autorizava<br />

a entrada da PM no campus! Foi<br />

revogada ontem, em sessão<br />

ordinária do Conselho Universitário<br />

(Co), a recomendação da<br />

CLR (Comissão de Legislação e<br />

Recursos do Conselho Universitário)<br />

de 28 de Maio de 2008,<br />

que autorizava a entrada da<br />

Polícia Militar no campus. Essa<br />

recomendação havia sido aprovada<br />

pelo Co, em sessão extraordinária,<br />

na mesma data.”<br />

“Esta atitude do reitor não<br />

pode ser vista apenas como sua<br />

disposição em ser ‘mediador’,<br />

é fruto sim da mobilização feita<br />

durante o ano de 2009, quando<br />

funcionários, professores e<br />

estudantes entraram em greve<br />

após a invasão da PM no campus,<br />

exigindo democracia na<br />

Universidade. Com esta primeira<br />

reunião do Co, o discurso do<br />

gar. Ou seja, Serra o escolheu<br />

mesmo diante da enorme rejeição<br />

da comunidade universitária<br />

<strong>à</strong>s eleições para reitor e a<br />

Rodas em especial. Isso no<br />

momento em que a luta dos estudantes<br />

na USP se dirige cada<br />

vez mais para o enfrentamento<br />

<strong>à</strong> ditadura que existe na universidade.<br />

Nesse sentido, quando os<br />

estudantes em luta enfrentaram<br />

a reitoria e expulsaram a PM,<br />

colocaram em xeque o próprio<br />

governo Serra. O governador,<br />

então, tratou de nomear aquele<br />

que em maior grau represen-<br />

Em reunião do órgão de decisão<br />

da Universidade de São Paulo,<br />

o Conselho Universitário, dirigido<br />

pelo reitor, foi decidida a revogação<br />

da medida que permite a entrada<br />

da polícia militar na cidade universitária.<br />

Logo em seguida <strong>à</strong> reunião já<br />

ficou claro o porquê. O Psol, na<br />

direção do DCE, divulgou em seu<br />

boletim que Rodas estava demonstrando<br />

que quer o “diálogo”<br />

e que estaria consertando um erro<br />

na reitoria anterior.<br />

É um ato inclusive que visa ajudar<br />

a burocracia estudantil, de funcionários<br />

e de professores a dar<br />

desculpas para as categorias do<br />

apoio a ele.<br />

Vale lembrar que a portaria foi<br />

proposta pelo próprio reitor-interventor<br />

em 2008.<br />

Como resposta a isso, a mobilização<br />

dos estudantes aumentou<br />

na universidade. Aprovaram a<br />

greve contra a PM no campus e o<br />

fato de os estudantes terem reagido<br />

<strong>à</strong> intervenção alterou a situação,<br />

de forma qualitativa.<br />

A política que os estudantes<br />

adotaram foi a de enfrentar a polícia<br />

e colocar em prática a palavra<br />

de ordem de “Fora a polícia do<br />

campus”.<br />

A crise aberta por este fato não<br />

será fechada tão rapidamente. Pelo<br />

contrário, a indicação do segundo<br />

Rodas retira medida com medo da mobilização e para tentar estancar crise na USP.<br />

novo reitor nada mais fez do que<br />

demonstrar o erro cometido<br />

pela reitoria no passado. É, sem<br />

dúvida, uma conquista para<br />

todos que acreditam que defender<br />

a universidade não é crime!”<br />

Os estudantes sequer aceitaram<br />

Rodas como reitor e o Psol<br />

já o colocam como grande e<br />

promissor ditador. Corrigindo<br />

os erros da gestão passada?<br />

“Rodas, o reparador.”<br />

O Psol se torna assim grande<br />

divulgador e defensor daquele<br />

que, ao ser indicado por Serra,<br />

colocou em evidência a ditadura<br />

imposta pelo estado capitalista<br />

na universidade.<br />

Rodas foi o primeiro a colocar<br />

a Tropa de choque na USP,<br />

no Largo São Francisco, após<br />

a ditadura, justamente para abrir<br />

caminho para o aumento da perseguição<br />

de repressão ao movimento<br />

estudantil.<br />

Rodas é ele mesmo a representação<br />

da ditadura na universidade.<br />

A revogação da medida<br />

não mostra disposição dele ao<br />

diálogo, mas apenas o medo que<br />

estão ao terem despertado o<br />

movimento dos estudantes para<br />

a ditadura imposta e pela reivindicação<br />

de derrubada do regime<br />

de alto a baixo na universidade.<br />

O Psol é uma viga para sustentar<br />

o regime em crise da USP<br />

que deve ser suspendida pelos<br />

estudantes em luta.<br />

ta a política contra a qual os<br />

estudantes lutam. Quer dizer,<br />

para enfrentar os estudantes<br />

que lutaram contra a repressão<br />

na universidade, escolheu justamente<br />

aquele que vai levar<br />

essa política mais a fundo. O<br />

fato de Rodas aparecer num<br />

primeiro momento como conciliador,<br />

defensor do diálogo e<br />

que inclusive está procurando<br />

fazer concessões ao movimento<br />

é parte desse plano.<br />

Rodas e Serra pretendem, assim,<br />

acalmar os estudantes<br />

para poder implementar sua<br />

política de ainda maiores ata-<br />

colocado nas eleições para reitor<br />

aumentou esta crise, mostrando<br />

que sequer a ínfima parte da universidade,<br />

a burocracia universitária,<br />

tem autonomia para decidir<br />

na USP.<br />

Assim, a instituição universitária<br />

foi quebrada.<br />

A tentativa agora da burguesia<br />

é recompor o regime, mas não consegue.<br />

As condições estão dadas para<br />

que a crise rebente e se torne impossível<br />

para o reitor-interventor<br />

continuar a administrar a situação.<br />

Anestesiar para o<br />

golpe<br />

A propaganda de todos os lados<br />

é de que Rodas seria uma “nova era<br />

na USP”.<br />

A revista Espaço Aberto nº 111,<br />

de fevereiro de 2010, editada pela<br />

Coordenadoria de Comunicação<br />

Social da USP publicou uma entrevista<br />

com o título “Um novo tom<br />

na reitoria”. Falou do seu gosto<br />

pela música e de como seria preocupado<br />

com as pessoas. “Vou<br />

continuar gerenciando pessoalmente<br />

o site e o twitter. Não quero<br />

me distanciar das pessoas”.<br />

É uma tentativa desesperada de<br />

acalmar a fúria do movimento<br />

estudantil contra a repressão e a<br />

política de privatização com as fundações<br />

privadas levada a frente por<br />

Rodas.<br />

Esta suposta benevolência se<br />

deve ao fato de o governo e a reitoria<br />

estão agindo sob enorme<br />

pressão dos estudantes, que realizaram<br />

em 2007 e em 2009 mobilizações<br />

imensas.<br />

Nem Serra, muito menos Rodas<br />

indicado por aquele, têm nenhuma<br />

intenção de acabar com a<br />

ditadura existente na USP. Pelo<br />

contrário, sua intervenção tem o<br />

objetivo de reforçar a submissão<br />

da universidade ao governo do estado<br />

capitalista.<br />

Bando dos Quatro é<br />

a sustentação da<br />

ditadura<br />

A crise na Universidade de São<br />

Paulo ficou mais exposta com a<br />

ques <strong>à</strong> universidade.<br />

Nesse sentido, a afirmação<br />

do Sintusp em seu novo boletim,<br />

de que os “processos e<br />

perseguições a militantes e<br />

multas ao Sindicato fazem parte<br />

de uma herança que ele recebe<br />

da ex-reitora e a categoria<br />

exige que sejam revertidos”, é<br />

uma completa inversão do que<br />

realmente ocorre. É claro que<br />

Rodas não recebe essa herança<br />

de Suely quase que como um<br />

ser passivo. Tanto não é assim<br />

que imediatamente após o Sintusp<br />

ter ganho uma liminar na<br />

Justiça que o isentava do pagamento<br />

de multas em decorrência<br />

da ocupação, a reitoria entrou<br />

com um pedido para reverter<br />

a decisão.<br />

Isso foi obra de Rodas tan-<br />

mobilização dos estudantes e funcionários<br />

em maio e junho de 2009.<br />

O enfrentamento entre os estudantes<br />

e a Polícia Militar dentro da<br />

cidade universitária revelaram para<br />

todo o país a contradição aguda<br />

entre os interesses e necessidades<br />

da comunidade universitária e o<br />

controle total exercido pelo governo<br />

do Estado sobre a instituição.<br />

No dia mais importante de toda<br />

a mobilização, o 9 de junho, a diretoria<br />

do DCE foi destituída da<br />

mesa da assembléia realizada após<br />

o confronto. Este fato foi o mais<br />

expressivo de um processo que se<br />

desenvolvia desde o início do ano,<br />

em que o Bando dos Quatro (PT,<br />

PCdoB, Psol, PSTU), agrupado<br />

em torno do PSTU, que era então<br />

direção do DCE, procurou de todas<br />

as maneiras bloquear a luta estudantil.<br />

As assembléias gerais foram o<br />

principal momento em que esta<br />

luta foi travada. O PSTU, apoiado<br />

por todo o Bando dos Quatro, procurava<br />

exercer uma ditadura sobre<br />

o movimento, impedindo que<br />

os estudantes manifestassem sua<br />

vontade.<br />

Várias vezes, a assembléia foi<br />

encerrada para que não saísse do<br />

controle e aprovasse o que a burocracia<br />

estudantil mais temia: uma<br />

greve que pudesse ter como desenvolvimento<br />

uma nova ocupação<br />

da reitoria.<br />

Após o enfrentamento com a<br />

polícia, que desnudou a enorme<br />

fraqueza da reitoria, também os<br />

apêndices desta, a burocracia estudantil<br />

do Bando dos Quatro, fo-<br />

USP<br />

Repúdio dos estudantes ao<br />

PSDB e a Paulo Renato<br />

O representante do governo<br />

Serra não tinha condições<br />

de enfrentar os estudantes e<br />

não compareceu ao debate.<br />

O Psol fingiu que nem o convidou,<br />

tamanho vexame.<br />

O Psol na direção do DCE<br />

da USP convidou para a calourada<br />

o secretário da educação<br />

no estado de São Paulo,<br />

Paulo Renato Souza, do<br />

PSDB, para debater a educação<br />

no Brasil.<br />

O indicado de Serra foi<br />

chamado para falar em semana<br />

que é dos estudantes.<br />

Uma verdadeira provocação<br />

feita pelos que traíram as<br />

últimas mobilizações mais<br />

importantes no movimento<br />

estudantil, a ocupação da<br />

reitoria em 2007 e a greve em<br />

2009.<br />

Como a impopularidade<br />

do PSDB é imensa, Paulo<br />

Renato não compareceu e<br />

nem mandou representante.<br />

As manifestações de indignação<br />

com a possível presença<br />

do ex-ministro da educação<br />

de FHC e atual secretário<br />

de Serra eram notáveis<br />

antes do início do debate.<br />

Diversos estudantes afirmaram<br />

que ele não poderia falar<br />

na calourada.<br />

O Psol para tentar minimizar<br />

o ridículo de chamar o<br />

secretário de Serra no meio<br />

de imensa luta dos estudan-<br />

tes contra a ditadura na universidade,<br />

controlada pelo Serra,<br />

não comentou no início do debate<br />

a ausência do convidado.<br />

Ficou claro que a política do<br />

Psol é de total apoio a Rodas e,<br />

conseqüentemente, ao PSDB.<br />

Defendem o diálogo com<br />

Rodas e Serra, no entanto, não<br />

há diálogo com a ditadura.<br />

É uma imposição do governo<br />

e o movimento só pode reagir<br />

a isso através da força.<br />

Não há outra maneira.<br />

Rodas foi indicado justamente<br />

por corresponder totalmente<br />

<strong>à</strong> política de Serra para<br />

a universidade: a privatização.<br />

Ele pode usar o expediente<br />

de atender a uma reivindicação<br />

ou outra, e assim que estabilizar<br />

o regime retira tudo.<br />

A política de Rodas e das direções<br />

sindicais e estudantis<br />

significa um verdadeiro golpe<br />

contra as mobilizações do último<br />

ano.<br />

E a calourada organizada<br />

pelo Psol foi no sentido de desmoralizar<br />

a luta que vem sendo<br />

travada pelos estudantes,<br />

chamando o secretário de<br />

Serra para o “diálogo”.<br />

Após a fala dos convidados<br />

para o debate, inscreveram<br />

apenas dez pessoas para intervirem,<br />

impedindo a discussão.<br />

Os militantes da AJR (juventude<br />

do PCO) protestaram<br />

contra a calourada pro-<br />

to quanto de Suely.<br />

A diretoria do Sintusp se esquece<br />

que foi Rodas o autor da<br />

medida aprovada no Conselho<br />

Universitário que autoriza a entrada<br />

da PM no campus. Foi ele<br />

também o primeiro a chamar a<br />

polícia para bater em estudantes<br />

e ativistas que ocupavam o<br />

prédio da Faculdade de Direito,<br />

quando era diretor da mesma<br />

em 2007.<br />

A conclusão do Sintusp é o<br />

caminho da capitulação. “Exigir”<br />

que Rodas reverta a situação<br />

significa, nesse caso, que<br />

é preciso ter esperança em Rodas.<br />

O novo reitor poderia, segundo<br />

a diretoria do Sintusp,<br />

melhorar a situação da USP.<br />

Nada mais absurdo. O que<br />

está em pauta é a luta contra a<br />

ram derrotados pelos estudantes e<br />

o DCE destituído da mesa da assembléia,<br />

que foi assumida pelos<br />

militantes do PCO e estudantes<br />

sem partido em luta.<br />

Ficou demonstrado, na prática,<br />

mais uma vez, que para o movimento<br />

conseguir se desenvolver<br />

precisa romper com a burocracia<br />

estudantil, que é apenas um apoio<br />

ao regime.<br />

As conquistas<br />

parciais e o controle<br />

da universidade<br />

Rodas, o segundo colocado na<br />

consulta ao Conselho Universitário,<br />

foi levado ao posto para entregar<br />

a universidade aos capitalistas<br />

e recuperar o controle da reitoria<br />

sobre toda a universidade.<br />

O poder dentro da universidade<br />

está concentrado nas mãos da<br />

reitoria e do governo do estado. E<br />

apenas com este poder é que as reivindicações<br />

estudantis estarão asseguradas.<br />

As conquistas parciais como<br />

esta são secundárias, pois o reitorinterventor<br />

tem o poder de retirar<br />

quando achar conveniente a ele e<br />

a sua política.<br />

Tudo o que está sendo feito<br />

agora e as promessas de Rodas são<br />

com o intuito de desarmar e dispersar<br />

o movimento estudantil para<br />

o plano de Serra de privatização da<br />

USP, que, no entanto, sofrerá<br />

enorme resistência do movimento<br />

estudantil.<br />

movida pelos que demonstraram<br />

apoiar o reitor-interventor.<br />

Denunciaram a calourada<br />

dos estudantes que<br />

não tinha como eixo a luta<br />

dos estudantes e sim o contrário,<br />

a conciliação com o<br />

reitor-interventor.<br />

Os estudantes que estiveram<br />

na luta pela autonomia<br />

universitária, contra a repressão<br />

policial não puderam<br />

discutir com os ingressantes<br />

o movimento estudantil<br />

a luta política travada<br />

na universidade. A intervenção<br />

da militante da AJR ressaltou<br />

também que não há<br />

diálogo com a ditadura e que<br />

é com a luta que é possível<br />

conquistar as reivindicações<br />

estudantis.<br />

Convidaram o representante<br />

do governo, professores<br />

e membros do Psol, que<br />

boicotaram e atacaram o<br />

movimento dos estudantes,<br />

ou seja, os que estavam do<br />

outro lado da barricada e não<br />

do lado dos estudantes. Não<br />

convidaram para falar nenhuma<br />

das organizações que<br />

estiveram a frente da mobilização<br />

e participaram das<br />

maiores lutas das últimas<br />

décadas no movimento estudantil,<br />

que foi a ocupação<br />

da reitoria da USP em 2007<br />

e o enfrentamento com a PM<br />

na greve de 2009.<br />

ditadura na universidade e nesse<br />

momento a expressão dessa<br />

luta é a palavra de ordem “Fora<br />

Rodas”. Depositar essa “esperança”<br />

no reitor-interventor de<br />

Serra ou participar da “conciliação”<br />

pregada por ele mesmo<br />

significa trair a luta levada até<br />

agora e fazer o movimento retroceder.<br />

A luta contra Rodas<br />

é a nova etapa da luta contra a<br />

ditadura na universidade, pela<br />

autonomia desta diante do estado<br />

e pelo poder político dos<br />

que a compõem. Esta é a única<br />

solução possível para resolver<br />

de fato os problemas enfrentados<br />

pela comunidade universitária.<br />

O que está colocado é<br />

avançar na organização do movimento<br />

contra Rodas, o reitorinterventor<br />

da USP.


CAUSA<br />

Neste ano, as eleições que deram a vitória a Salvador Allende<br />

no Chile, governo de esquerda derrubado pelo golpe militar<br />

encabeçado por Augusto Pinochet, completam 40 anos.<br />

¡¢£¤£¥£¦£§¦¨¢£ ©©<br />

Aproveitamos a ocasião para analisar como a política pequeno<br />

burguesa da Unidade Popular possibilitou a derrota da<br />

classe operária chilena e criou as condições para a vitória do<br />

imperialismo e da grande burguesia chilena<br />

OPERÁRIA <br />

A vitória da frente popular no Chile<br />

<br />

Há cerca de 40 anos, em janeiro<br />

de 1970, iniciavam-se os<br />

preparativos para as eleições<br />

presidenciais do Chile, que<br />

mudariam o panorama político<br />

do País, em meio a diversas mobilizações<br />

operárias por todo<br />

o Chile que impulsionavam a<br />

vitória eleitoral da esquerda.<br />

Havia uma série de negociações<br />

para a aprovação de um nome<br />

que representasse a chamada<br />

Unidade Popular (UP), que era<br />

composta pelo Partido Socialista,<br />

pelo Partido Comunista<br />

Chileno, pelo Partido Radical e<br />

pelo Partido Social Democrata,<br />

pelo Movimento de Ação Popular<br />

Unitário (MAPU) e pela<br />

Ação Popular.<br />

Entre esta forças políticas destacava-se<br />

o Partido Comunista<br />

do Chile, considerado o maior<br />

partido da esquerda chilena<br />

e que nas eleições anteriores<br />

tinha conseguido um resultado<br />

eleitoral de 17% dos votos e<br />

eleito 5 senadores e 21 deputados.<br />

O candidato principal da Unidade<br />

Popular <strong>à</strong> presidência da<br />

República ainda era incerto.<br />

A indicação do Partido Comunista<br />

era do poeta Pablo<br />

Neruda e havia a possibilidade<br />

de Salvador Allende, nome do<br />

Partido Socialista. No entanto,<br />

no acordo nal entre as forças<br />

políticas da Unidade Popular o<br />

nome de Allende foi o escolhido<br />

apesar de alguma oposição a<br />

ele, pois já havia participado de<br />

outras três eleições nas quais<br />

tinha sido derrotado. <br />

A formação da Unidade<br />

Popular, não por acaso, tem<br />

origem quase 20 anos antes,<br />

na década de 1950. Antes<br />

mesmo da formação da<br />

Unidade Popular, o Partido<br />

Socialista e o Partido Comunista<br />

haviam organizado uma<br />

aliança chamada Frente do<br />

Povo no ano de 1951. Esta foi<br />

formada pelo Partido Comu-<br />

<br />

nista e por apenas uma fração<br />

do Partido Socialista em<br />

um momento em que ambas<br />

as organizações estavam debilitadas<br />

devido <strong>à</strong> política de<br />

colaboração de classes com os<br />

governos burgueses da época.<br />

O Partido Comunista cou<br />

comprometido com o governo<br />

chamado de “frente popular”<br />

de Gabriel González Videla<br />

que governou o País de 1946<br />

a 1952. Neste governo, o PC<br />

chileno havia participado com<br />

três ministros. Após esta desastrosa<br />

experiência o PC caiu<br />

na ilegalidade.<br />

Já o Partido Socialista estava<br />

envolvido com outro governo<br />

burguês, o de Carlos Ibañez<br />

del Campo de 1952 a 1958. O<br />

articulador da Frente do Povo<br />

foi o próprio Allende que era<br />

contrário ao envolvimento do<br />

PS no governo de Ibañez. A<br />

Frente do Povo servia como<br />

uma espécie de redenção para<br />

estes partidos diante do fracasso<br />

do apoio <strong>à</strong> burguesia<br />

no período anterior. Era uma<br />

frente puramente eleitoral,<br />

com um programa de reformas<br />

sociaisque se auto-intitulava<br />

“uma aliança antifeudal e<br />

antiimperialista”.<br />

A Frente do Povo, nalmente,<br />

era mais uma maneira<br />

de atrelar a classe operária <strong>à</strong><br />

burguesia, uma típica frente<br />

popular. No ano de 1956,<br />

todo o Partido Socialista aderiu<br />

<strong>à</strong> Frente do Povo e o Partido<br />

Comunista declarou esta<br />

frente como um importante<br />

passo para estabelecer, segundo<br />

documento do próprio<br />

PC, “uma aliança democrática<br />

com a burguesia nacional”.<br />

No quadro político do Chile<br />

da época, o Partido Socialista<br />

tinha uma pequena inserção<br />

entre os trabalhadores.<br />

A maior parte do partido era<br />

composta pela classe média<br />

urbana. Ao contrário, PC era,<br />

majoritariamente, o partido<br />

da classe operária chilena.<br />

Dois anos depois, a Frente<br />

do Povo, após a adesão de outros<br />

agrupamentos menores<br />

de esquerda, se transformou<br />

em Frap (Frente de Ação Popular)<br />

e participou das eleições.<br />

Esta foi a primeira eleição<br />

de Allende como candidato<br />

<strong>à</strong> presidência do Chile. Ele<br />

perdeu para Jorge Alessandri<br />

por uma pequena margem de<br />

votos. Durante o governo de<br />

Alessandri, a Frap se fortaleceu<br />

como agrupamento político.<br />

Nas eleições seguintes, em<br />

1964, Allende voltou a concorrer<br />

como o candidato pela Frap<br />

e perdeu novamente agora para<br />

Eduardo Frei Montalva, candidato<br />

da Democracia-Cristã.<br />

Este era um agrupamento político<br />

nitidamente de origem<br />

fascista e falangista que conseguiu<br />

apoio no meio da grande<br />

<br />

massa de desempregados e em<br />

<br />

alguns setores do campesinato.<br />

Este apoio foi conseguido<br />

na base de muita demagogia<br />

com promessas de reforma<br />

agrária e construção de casas<br />

populares. Allende e a Frap<br />

adotaram a posição política da<br />

Democracia-Cristã. Ao invés de<br />

denunciar a política demagoga<br />

de Eduardo Frei Montalva,<br />

a Frap fez o mesmo tipo de<br />

demagogia, copiando descaradamente<br />

o mesmo programa.<br />

Percebendo esta debilidade,<br />

a direita chilena iniciou um<br />

processo de “caça <strong>à</strong>s bruxas” <strong>à</strong><br />

Frap. A Frap se rendeu <strong>à</strong> direita<br />

evitando o confronto direto por<br />

meio da mobilização operária<br />

e popular.Esta adotou uma<br />

política defensiva de não cair na<br />

provocação da direita e chegou<br />

a afirmar em sua campanha<br />

política que caso ganhasse as<br />

eleições não iria instituir um<br />

“governo socialista”.<br />

Com um forte nanciamento<br />

da CIA, a Democracia-Cristã<br />

ganhou as eleições e Frei Montalva<br />

foi eleito presidente do<br />

Chile.<br />

A Frap saiu profundamente debilitada<br />

das eleições. Com esta<br />

situação, o Partido Comunista<br />

vai mais <strong>à</strong> direita propondo<br />

uma ampliação da Frap com a<br />

incorporação de mais organizações,<br />

entre elas, o burguês<br />

Partido Radical. O PC passou<br />

a defender um socialismopela<br />

via pací ca, sema necessidade<br />

de uma revolução social. Dessa<br />

forma, o PC passou a defender<br />

reformas sociais no regime<br />

burguês.<br />

O Partido Socialista, por meio<br />

de uma das inúmeras frações<br />

que o compõem, a ala esquerda<br />

(Altamiro-Almeyda), rejeitou a<br />

aliança com o Partido Radical e<br />

criticou a política defensiva da<br />

Frap. O PS propôs uma frente<br />

de trabalhadores com independência<br />

política da classe<br />

operária, defendeu a necessidade<br />

da revolução armada e da<br />

destruição do Estado burguês.<br />

Esta ala estava profundamente<br />

influenciada pela política de<br />

Fidel Castro e pela Revolução<br />

Cubana.<br />

Apesar de toda a fraseologia<br />

de esquerda e radical, o PS se<br />

rendeu <strong>à</strong> política stalinista do<br />

PC e se manteve na Frap com<br />

a política de frente eleitoral e<br />

defesa do regime capitalista.<br />

As promessas de Eduardo<br />

Frei Montalva obviamente<br />

não foram cumpridas. A reforma<br />

agrária prometida pelo<br />

Frei se restringiu a um número<br />

insigni cante de assentamentos<br />

em péssimas terras<br />

e com polpudas indenizações<br />

para os latifundiários. As poucas<br />

casas que foram constru-<br />

<br />

ídas foram em bairros ricos.<br />

<br />

Havia também a promessa<br />

de estatização do cobre, mas<br />

o que de fato aconteceu foi a<br />

entrega deste para os capitalistas<br />

norte-americanos. Os<br />

salários não aumentaram eforam<br />

consumidos pela in ação.<br />

A demagogia de governo<br />

“puro” e“ético” se reverteu<br />

Allende assumiu o governo deixando partes fundamentais do Estado nas mãos da burguesia.<br />

em inúmeras denúncias de<br />

corrupção. Com esta situação<br />

houve uma crise interna na<br />

própria Democracia-Cristã.A<br />

juventude da Democracia-<br />

Cristãrompeu com a organização<br />

e se uniu aos reformistas<br />

da MAPU.<br />

O fracasso do governo da<br />

Democracia-Cristã foi o estopim<br />

para um vigoroso ascenso<br />

operário que tomou conta do<br />

Chile em meados de 1967.<br />

Foram realizadas dezenas<br />

de ocupações de terras,<br />

grandes manifestações nas<br />

periferias de Santiago pelos<br />

sem-teto que reivindicavam<br />

moradia, dezenas de greves<br />

nas fábricas, mobilizações estudantis<br />

etc.<br />

A situação era claramente<br />

revolucionária. A poucos meses<br />

das eleições presidenciais<br />

de 1970, o Chile teve sua primeira<br />

grande greve agrária e<br />

a central operária paralisou o<br />

País por 24 horas.<br />

Com o ascenso operário a<br />

esquerda tinha reais chances<br />

de ganhar as eleições. A Frap<br />

tentou aproveitar o momento<br />

de maneira oportunista, utilizando<br />

o ascenso das massas<br />

como uma chance de obter<br />

sucesso eleitoral. O Partido<br />

Comunista impôs sua política<br />

e a frente foi ampliada com a<br />

<br />

entrada de uma ala do parti-<br />

<br />

do Radical, um grupo pequeno-<br />

burguês chamado API, e o<br />

MAPU.<br />

O Partido Socialista não<br />

fez nenhuma objeção ao rumo<br />

que a frente estava tomando e<br />

permitiu estas alianças. Então<br />

cou formada a nova frente<br />

que foi chamada de Unidade<br />

Popular.<br />

Allende se lançou mais uma<br />

vez como candidato apesar de<br />

manifesta rejeição de sua candidatura<br />

por parte do Partido<br />

Comunista. Este tinha indicado<br />

o poeta Pablo Neruda<br />

para impedir a candidatura de<br />

Allende. Mas a in uência de<br />

Allende fez com que ele fosse<br />

escolhido candidato pela Unidade<br />

Popular.<br />

Na campanha eleitoral Allende<br />

defendeu o programa<br />

de reformas da Democracia-<br />

Cristã com a promessa de<br />

construção de moradias, mais<br />

emprego e reforma agrária<br />

nos parâmetros da lei, sem<br />

nenhuma espécie de expropriação.<br />

No quadro eleitoral, o principal<br />

concorrente de Allende<br />

foi novamente o direitista<br />

Jorge Alessandri pelo Partido<br />

Nacional. A Democracia-<br />

Cristã lançou como candidato<br />

Radomiro Tomic. Tomic “radicalizou”<br />

em seu discurso,<br />

chegando a falar contra o capitalismo<br />

devido ao enorme<br />

fracasso do governo anterior<br />

que desmoralizou o partido<br />

diante das massas.<br />

Todo o processo eleitoral,<br />

antes da votação, foi uma verdadeira<br />

guerra civil. Existia<br />

uma clara polarização entre<br />

Allende e Alessandri que se<br />

re etiu entre os trabalhado-<br />

res, a população pobre e direita<br />

fascista nanciada pelo<br />

imperialismo.<br />

Durante a campanha eleitoral,<br />

Alessandri era completamente<br />

repudiado nos bairros<br />

populares. A cada visita<br />

que fazia, o candidato do imperialismo<br />

era recebido com<br />

grandes manifestações que<br />

eram verdadeiras sublevações<br />

populares. Em algumas cidades<br />

como Cardenal, Tomé e<br />

Loto, a polícia foi obrigada a<br />

dispersar uma mobilização<br />

operária realizada contra a<br />

presença de Alessandri em<br />

uma visita do candidato a estas<br />

cidades..Na campanha de<br />

Allende foram organizados<br />

comitês eleitorais da Unidade<br />

Popular que se multiplicaram<br />

exponencialmente em todo o<br />

Chile. Em poucos meses foram<br />

formados 14.800 comitês<br />

eleitorais da Unidade Popular.<br />

No último comício de Allende<br />

compareceram 400 mil pessoas.<br />

Para tentar conter o ascenso<br />

operário, a direita contratou<br />

capangas para atacar os<br />

comitês, cerca de 50 foram<br />

destruídos por ações de grupos<br />

fascistas.<br />

As eleições ocorreram no<br />

dia 4 de setembro com uma<br />

vitória apertada para Allende<br />

que obteve 36,6% dos votos,<br />

seguido por Alessandri com<br />

34,8% e Tomic em terceiro<br />

lugar com 27%.<br />

Os votos de Allende re etiam<br />

um apoio <strong>à</strong> esquerda<br />

sem precedentes na história<br />

do Chile. Apoio que era dado<br />

em grande parte pelasmulheres,<br />

a classe média urbana<br />

e o campesinato... Com o resultado<br />

das eleições dezenas<br />

de manifestações populares<br />

ocorreram por todo o País<br />

para comemorar a vitória de<br />

Allende. <br />

O resultado das eleições não<br />

foi su ciente para que Allende<br />

fosse decretado presidente.<br />

Como havia uma margem muito<br />

pequena entre Allende e Alessandri,<br />

cabia ao Congresso chileno<br />

determinar se o resultado era<br />

válido ou não e se seria necessário<br />

convocar novas eleições.<br />

Como o Congresso era dominado<br />

pelos rivais de Allende (o<br />

<br />

Partido Nacional de Alessandri<br />

e a Democracia-Cristã), a posse<br />

da Unidade Popular cou sob o<br />

julgo destes partidos.<br />

A idéia inicial era votar contra<br />

o resultado e então convocar<br />

novas eleições onde o PN e a<br />

DC lançassem um candidato<br />

para concorrer com a Unidade<br />

Popular.<br />

No entanto, com medo da revolta<br />

popular, caso as eleições fossem<br />

anuladas, a Democracia-Cristã<br />

do presidente Frei Montalva<br />

e o candidato Tomic acharam<br />

melhor evitar o levante popular<br />

caso a anulação da eleição fosse<br />

votada.<br />

Mesmo aceitando o governo de<br />

Allende e da Unidade Popular, a<br />

direita tentou não entregar tudo.<br />

Para tanto, Frei Montalva propõs<br />

que a UP assinasse uma espécie<br />

de “termo de compromisso” que<br />

desse garantias de que o seu<br />

governo não ia ultrapassar o regime<br />

burguês, garantindo o bom<br />

funcionamento das instituições<br />

burguesas como a Igreja, as Forças<br />

Armadas e a imprensa.<br />

Para tentar convencer de maneira<br />

mais rápida a UP a assinar<br />

este documento, chamado de<br />

Estatuto de Garantias, o governo<br />

de Frei Montalva montou uma<br />

operação, juntamente com a<br />

CIA e a ITT, para desestabilizar<br />

a economia do Chile e colocar a<br />

UP sob pressão.<br />

O governo anunciou que a economia<br />

estava passando por uma<br />

enorme crise econômica,o País<br />

perdeu investidores e o dólar<br />

aumentou elevando a in ação.<br />

Para agravar a situação, no dia<br />

25 de outubro de 1970, o general<br />

do exército, Schneider,foi<br />

assassinado em pleno centro de<br />

Santiago. A operação foi feita<br />

por grupos fascistas nanciados<br />

pela CIA.<br />

Logo depois, o Congresso aprovou<br />

as eleições, mas mediante a<br />

assinatura da UP de um Estatuto<br />

de Garantias Constitucionais.<br />

Este estatuto, posteriormente<br />

incorporado <strong>à</strong> Constituição<br />

Federal do Chile, estabelecia<br />

que o governo Allende não poderia<br />

alterar o funcionamento<br />

e nem a estrutura das Forças<br />

Armadas, não alterando sua<br />

hierarquia nem o monopólio<br />

das armas. A Igreja manteve<br />

seu controle sobre a educação<br />

privada e teve garantidos seus<br />

subsídios estatais . Os meios de<br />

comunicação privados continuaram<br />

sob o poder da burguesia<br />

para serem utilizados contra os<br />

trabalhadores.<br />

Allende chegou a afirmar “O<br />

processo chileno, nós o faremos<br />

dentro da democracia burguesa<br />

e dentro de uma Constituição<br />

que não fomos nós que fizemos”.<br />

Partes fundamentais do estado<br />

foram deixadas nas mãos da<br />

burguesia. A assinatura deste<br />

estatuto foi o sepultamento da<br />

mobilização operária, o que poderia<br />

ser constatado três anos<br />

depois com o golpe militar de<br />

Pinochet.<br />

A vitória de Allende e da Unidade<br />

Popular foi resultado do<br />

enorme ascenso operário que<br />

surgiu no Chile no nal da década<br />

de 1960 e que possibilitou<br />

<strong>à</strong> UP ganhar as eleições como<br />

expressão do descontentamento<br />

generalizado dos trabalhadores<br />

e da população pobre chilena.<br />

Mas os objetivos da UP não<br />

<br />

estavam em sintonia com a evo-<br />

<br />

lução revolucionária da situação.<br />

A política pequeno-burguesa<br />

democrática que dominava a<br />

frente, como toda política desta<br />

natureza, só conseguiu enxergar<br />

seus interesses imediatos e mesquinhos<br />

de ganho eleitoral. Esta<br />

foi uma política que interpretou<br />

de maneira equivocada os sinais<br />

que a situação indicava. O enorme<br />

ascenso que se processou em<br />

todo o Chile foi interpretado pela<br />

UP como uma mera oportunidade<br />

eleitoral e, pior, para um acordo<br />

com a burguesia acreditando<br />

que esta manteria o status quo.<br />

Este foi o resultado do fracasso<br />

do governo Allende que levou<br />

posteriormente ao golpe, pois a<br />

burguesia estava atenta e sabia<br />

perfeitamente que o ascenso das<br />

massas chilenas tinha características<br />

revolucionárias e colocava<br />

em cheque sua dominação.<br />

O caso da UP se assemelha<br />

bastante com a política do PT e<br />

da frente popular no Brasil. Esta<br />

é uma política típica da pequena<br />

burguesia que dominou a direção<br />

do PT e que se vendeu <strong>à</strong> burguesia<br />

para conseguir migalhas eleitorais<br />

a troco do esmagamento<br />

da evolução revolucionária<br />

da classe operária brasileira<br />

desde a década de 1980 até<br />

os dias de hoje.ria brasileira<br />

desde a década de 1980 até os<br />

dias de hoje.<br />

Trabalhadores chilenos marcham em apoio a Salvador Allende, em 1964.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA TEORIA<br />

QUESTÕES DE TÁTICA<br />

Pela frente única nos sovietes como<br />

órgãos supremos de frente única<br />

Leon Trótski<br />

Dando continuidade <strong>à</strong> série de textos sobre a questão da<br />

frente única, publicamos aqui mais um capitulo do livro<br />

“Revolução e contra-revolução na Alemanha”, de Trótski<br />

A admiração verbal pelos<br />

sovietes espalhou-se nos círculos<br />

de “esquerda” ao mesmo<br />

tempo que a incompreensão de<br />

sua função histórica. Em geral,<br />

definem-se os sovietes como<br />

órgãos de luta pelo poder,<br />

como órgãos de insurreição e,<br />

enfim, como órgãos da ditadura.<br />

Estas definições estão certas<br />

formalmente. Mas absolutamente<br />

não encerram toda a<br />

função histórica dos sovietes.<br />

Antes de tudo, não explicam<br />

porque são precisamente os<br />

sovietes que são necessários<br />

na luta pelo poder. A resposta<br />

a esta questão é a seguinte:<br />

assim como o sindicato é a<br />

forma elementar de frente única<br />

na luta econômica, do mesmo<br />

modo o soviete é a forma<br />

mais elevada da frente única<br />

nas condições em que o proletariado<br />

entra na fase da luta<br />

pelo poder.<br />

O soviete, por si mesmo, não<br />

possue nenhuma força milagrosa.<br />

É apenas a representação<br />

de classe do proletariado,<br />

com todos os lados fortes e<br />

todos os lados fracos deste<br />

último. Mas é precisamente por<br />

isso, e exclusivamente por<br />

isso, que o soviete cria a possibilidade<br />

organizatória dos<br />

operários de diferentes tendências<br />

políticas, de um nível<br />

de desenvolvimento diferente,<br />

unirem os seus esforços na<br />

luta revolucionária pelo poder.<br />

Na situação pré-revolucionária<br />

de hoje, os operários alemães<br />

devem compenetrar-se<br />

com especial clareza da função<br />

histórica dos sovietes como<br />

órgãos de frente única.<br />

Se o Partido Comunista tivesse<br />

conseguido eliminar<br />

completamente das fileiras<br />

operárias, durante o período<br />

preparatório, todos os outros<br />

partidos, depois de ter reunido<br />

sob sua bandeira, política e organizatoriamente,<br />

a maioria esmagadora<br />

desses operários,<br />

não seria necessária a existência<br />

dos sovietes. Mas, como o<br />

demonstra a experiência histórica,<br />

não há razão alguma para<br />

crer que em qualquer país, –<br />

nos países de antiga cultura<br />

capitalista ainda menos que<br />

nos países atrasados, – o Partido<br />

Comunista chegue, principalmente<br />

antes da<br />

insurreição proletária, a<br />

ocupar uma situação tão indiscutível<br />

e incondicionalmente<br />

dominante nas fileiras operárias.<br />

É precisamente a Alemanha<br />

de hoje que nos mostra que a<br />

tarefa da luta direta e imediata<br />

pelo poder se apresenta ao proletariado<br />

muito antes dele estar<br />

inteiramente reunido sob a<br />

bandeira do Partido Comunista.<br />

Uma situação revolucionária<br />

no plano político consiste<br />

precisamente em que todos os<br />

agrupamentos e todas as camadas<br />

do proletariado, ou pelo<br />

menos a sua maioria esmagadora,<br />

estejam tomados do desejo<br />

de unificar os seus esforços,<br />

visando a mudança do<br />

regime existente. Isto, contudo<br />

não quer dizer que todos compreendam<br />

como fazê-lo e, ainda<br />

menos, que estejam todos<br />

prontos, já hoje, para romper<br />

com os seus partidos e passar<br />

para as fileiras do comunismo.<br />

Não, a consciência política da<br />

classe não chega <strong>à</strong>, sua maturação<br />

de acordo com um plano<br />

tão rigoroso e de uma maneira<br />

tão metódica; continuam a<br />

existir profundas divergências<br />

internas, mesmo durante a<br />

época revolucionária, quando<br />

todos os processos se desenvolvem<br />

por saltos. Mas, ao<br />

mesmo tempo, a necessidade<br />

de uma organização acima dos<br />

partidos, compreendendo<br />

toda a classe, adquire uma acuidade<br />

especial. Dar uma forma a<br />

esta necessidade - é este o<br />

destino histórico dos sovietes.<br />

É esta a sua imensa função. Nas<br />

condições da situação revolucionária,<br />

exprimem a suprema<br />

organização da unidade proletária.<br />

Quem não tiver compreendido<br />

isso nada compreendeu<br />

do problema dos sovietes.<br />

Thaelmann, Neumann, Remmele,<br />

podem pronunciar <strong>à</strong> vontade<br />

os seus discursos e escrever<br />

artigos sobre “a Alemanha<br />

Soviética” futura. Pela sua política<br />

atual, sabotam a criação<br />

dos sovietes na Alemanha.<br />

Longe dos acontecimentos,<br />

sem ter impressões imediatas<br />

provenientes das massas, sem<br />

a possibilidade de tomar o pul-<br />

so da classe operária, é-me difícil<br />

prever as formas transitórias<br />

que levarão <strong>à</strong> criação de<br />

sovietes na Alemanha. Em<br />

outro escrito, formulei a suposição<br />

de que os sovietes alemães<br />

podem vir a ser uma forma<br />

ampliada dos comitês de<br />

empresa; baseava-me então,<br />

principalmente, na experiência<br />

de 1923. Mas não é este, bem<br />

entendido, o único meio. Sob a<br />

pressão do desemprego e da<br />

miséria, por um lado, e diante<br />

da ofensiva fascista, por outro,<br />

a necessidade de unidade revolucionária<br />

pode vir <strong>à</strong> tona subitamente<br />

sob a forma de sovietes,<br />

pondo-se de lado os comitês<br />

de empresa. Mas, independentemente<br />

do meio pelo<br />

qual devam surgir, os sovietes<br />

não podem vir a ser outra coisa<br />

senão a expressão organizatória<br />

dos lados fortes e dos lados<br />

fracos do proletariado, de suas<br />

divergências internas e de sua<br />

ânsia geral para dominá-las;<br />

em suma: órgãos de frente<br />

única da classe.<br />

—“:A social-democracia e o<br />

Partido Comunista dividem entre<br />

si, na Alemanha, a influência<br />

sobre a maioria da classe<br />

operária. A direção social-democrata<br />

faz o que pode para<br />

afastar de si os operários A<br />

direção do Partido Comunista<br />

entrava com toda a sua força o<br />

afluxo dos operários. Em conseqüência<br />

disso, surgiu um<br />

terceiro partido, acompanhado<br />

de uma mudança relativamente<br />

lenta das relações de forças<br />

a favor dos comunistas. Mas,<br />

mesmo com a política mais justa<br />

por parte do Partido Comunista,<br />

a necessidade que têm os<br />

operários da unificação revolucionária<br />

da classe cresceria<br />

muito mais depressa do que a<br />

preponderância do Partido Comunista<br />

em seu seio. A necessidade<br />

da criação dos sovietes<br />

conservaria, portanto, toda a<br />

sua importância,<br />

A criação dos sovietes pressupõe<br />

um acordo entre os diversos<br />

partidos e organizações<br />

da classe operária, a começar<br />

pela fábrica, tanto no que concerne<br />

<strong>à</strong> própria necessidade<br />

dos sovietes, como quanto <strong>à</strong><br />

hora e aos meios de sua criação.<br />

Isto quer dizer que se os<br />

sovietes representam a forma<br />

suprema de frente única numa<br />

fase revolucionária, devendo a<br />

sua criação ser precedida de<br />

uma política de frente única na<br />

fase preparatória.<br />

Será preciso lembrar ainda<br />

uma vez que durante seis meses<br />

de 1917 os sovietes na<br />

Rússia tinham uma maioria de<br />

conciliadores? O Partido bolchevique,<br />

sem renunciar um só<br />

momento <strong>à</strong> sua independência<br />

revolucionária, como Partido,<br />

submetia-se, ao mesmo tempo,<br />

nos limites de atividade dos<br />

sovietes, a uma disciplina de<br />

organização com relação <strong>à</strong><br />

maioria. Pode-se afirmar sem<br />

temor que a Alemanha o Partido<br />

Comunista, no próprio dia<br />

da criação dos sovietes, teria<br />

nestes um lugar muito mais importante<br />

do que o que ocupavam<br />

os bolcheviques nos sovietes<br />

de março de 1917. Não se<br />

exclue absolutamente a probalidade<br />

dos comunistas adquirirem<br />

muito depressa a maioria<br />

nos sovietes. Isto não tirará em<br />

nada aos sovietes a significação<br />

de instrumentos de frente<br />

única, porque a minoria – os<br />

social-democratas, os sempartido,<br />

os operários católicos,<br />

etc. – terá, a princípio, apesar<br />

de tudo, alguns milhões e, na<br />

tentativa de um salto por cima<br />

de uma tal minoria, pode-se<br />

bem, na situação mais revolucionária,<br />

quebrar a cabeça.<br />

Mas tudo isso é uma cantiga<br />

para o futuro. Hoje, é o Partido<br />

Comunista que está em minoria.<br />

É daí que precisamos partir.<br />

Bem entendido, tudo o que<br />

acima ficou dito não quer dizer<br />

que a criação de sovietes só<br />

seja possível por um acordo<br />

com Wels, Hilferding, Breitscheid,<br />

etc. Se em 1918 Hilferding<br />

meditava como incluir os<br />

sovietes na Constituição de<br />

teimar sem prejuízo para esta<br />

última, hoje o seu pensamento<br />

trabalha, sem dúvida, sobre o<br />

problema de saber-se como incluir<br />

na Constituição de Weimar<br />

as casernas fascistas sem<br />

prejuízo para a social-democracia...<br />

É preciso abordar a criação<br />

dos sovietes no momento<br />

em que o estado geral do pro-<br />

letariado permita a realização<br />

destes, mesmo contra a vontade<br />

dos chefes da social-democracia.<br />

Mas, para isso, é preciso<br />

apartar a base social-democrata<br />

de seu vértice, e isto não<br />

pode ser feito se se tomarem<br />

ares de que já foi realizado. É<br />

precisamente para se separarem<br />

os milhões de operários<br />

social-democratas de seus<br />

chefes reacionários que é preciso<br />

mostrar a esses operários<br />

que estamos dispostos a entrar<br />

para os sovietes mesmo<br />

com os seus “chefes”.<br />

Contudo, não se deve crer<br />

que esteja excluído de antemão<br />

que também a camada superior<br />

da social-democracia seja forçada<br />

a colocar-se na placa vermelha<br />

dos sovietes e tentar repetir<br />

a manobra de Ebert, de<br />

Scheidemann, de Haase e outros,<br />

em 1918-19: tudo dependerá,<br />

não tanto da má vontade<br />

desses senhores como da medida<br />

e das condições nas quais<br />

a história os apertar nas suas<br />

tenazes.<br />

O nascimento do primeiro<br />

soviete local importante em<br />

que estivessem representados<br />

os operários comunistas e social-democratas,<br />

irão como<br />

pessoas privadas, mas como<br />

organizações, produziria um<br />

efeito enorme sobre toda a classe<br />

operária alemã. Não só os<br />

operários social-democratas e<br />

sem-partido, mas também os<br />

operários católicos e liberais,<br />

não poderão resistir a esta força<br />

centrípeta. Todas as partes<br />

do proletariado alemão, o mais<br />

apto e o mais inclinado <strong>à</strong> organização,<br />

serão atraídas pelos<br />

sovietes como a limalha pelo<br />

ímã. Nos sovietes, o Partido<br />

Comunista encontrará uma<br />

arena nova e especialmente<br />

favorável <strong>à</strong> luta pelo papel dirigente<br />

na Revolução proletária.<br />

Pode-se afirmar sem medo<br />

que a maioria esmagadora dos<br />

operários social-democratas e<br />

mesmo uma parte considerável<br />

do aparelho social-democrata<br />

já teriam sido arrastados para<br />

os quadros dos sovietes se a<br />

direção do Partido Comunista<br />

não tivesse, com tanto zelo,<br />

auxiliado os chefes social-democratas<br />

a paralisar a pressão<br />

das massas.<br />

Se o Partido Comunista acha<br />

inadmissível um acordo com os<br />

comitês de empresa, com as organizações<br />

social-democratas,<br />

com os organismos sindicais,<br />

na base de um programa de tarefas<br />

práticas determinadas,<br />

isto quer dizer que acha inadmissível<br />

a criação de sovietes<br />

em comum com os social-democratas.<br />

E, como os sovietes exclusivamente<br />

comunistas são<br />

impossíveis e, aliás, como tais<br />

sovietes não serviriam de<br />

nada, a renúncia do Partido<br />

Comunista aos acordos e <strong>à</strong>s<br />

ações comuns com os outros<br />

partidos da classe operária<br />

significa nada menos do que a<br />

renúncia <strong>à</strong> criação dos sovietes.<br />

A Rote Fahne responderá a<br />

esta reflexão, certamente, com<br />

uma salva de injúrias, e demonstrará,<br />

como dois e dois<br />

são quarto, que sou um agente<br />

eleitoral de Bruening, um conselheiro<br />

secreto de Wels, etc.<br />

Estou pronto para arcar com a<br />

responsabilidade de todos esses<br />

capítulos, mas com uma<br />

condição: que a Rote Fahne,<br />

por seu lado, explique aos operários<br />

alemães como, quando e<br />

de que forma podem ser criados<br />

na Alemanha os sovietes,<br />

sem uma política de frente única<br />

com as outras organizações<br />

operárias.<br />

Para esclarecer o problema<br />

dos sovietes como órgãos de<br />

frente única, convém citar as<br />

considerações muito instrutivas<br />

enunciadas sobre o assunto<br />

por um jornal comunista de<br />

província, o Klassenkampf<br />

(Halle-Mersenburgo). “Todas<br />

as organizações operárias – diz<br />

ironicamente o jornal – tais<br />

como são hoje, com todos os<br />

seus defeitos e todas as suas<br />

fraquezas, devem ser ligadas<br />

por grandes uniões de defesa<br />

antifascista. Que quer dizer<br />

isto? Podemos dospensar explicações<br />

históricas demoradas,<br />

a própria história foi, a este<br />

respeito, a rude professora da<br />

classe operária alemã: a frente<br />

única amorfa, a mistura de todas<br />

as organizações operárias,<br />

a classe operária alemã as pagou<br />

com o esmagamento da<br />

Revolução dos anos de 1918-<br />

1919”. Eis aí, realmente, um<br />

modelo incomparável de palavrório<br />

superficial!<br />

A frente única em 1818-19 realizou-se<br />

principalmente pelos<br />

sovietes. Os espartaquistas<br />

deviam ou não fazer parte dos<br />

sovietes? Segundo o espírito<br />

exato do trecho acima citado,<br />

deveriam permanecer fora dos<br />

sovietes. Ora, como os espartaquistas<br />

representavam uma<br />

pequena minoria da classe<br />

operária e não poderiam de<br />

modo algum substituir os sovietes<br />

social-democratas por<br />

sovietes seus, isolar-se dos<br />

sovietes teria significado, para<br />

eles, simplesmente, isolar-se<br />

da Revolução. Se a frente única<br />

foi “amorfa” e teve o aspecto<br />

de “mistura de todas as organizações”,<br />

a culpa não foi<br />

dos sovietes como órgãos de<br />

frente única, mas do estado<br />

político da própria classe operária:<br />

da fraqueza do Spartakusbund<br />

e da força extraordinária<br />

da social-democracia. A<br />

frente única, em geral, não<br />

pode substituir o partido revolucionário<br />

forte: só pode servir<br />

para ajudá-lo a se fortalecer.<br />

Isto se aplica inteiramente aos<br />

sovietes. O medo que tinha o<br />

fraco Spartakusbund de deixar<br />

passar uma situação excepcional<br />

o levava a dar passos ultraesquerdistas<br />

e a empreender<br />

ações prematuras. Se os espartaquistas<br />

se tivessem colocado<br />

fora da frente única, isto é,<br />

fora dos sovietes, estes traços<br />

negativos se teriam certamente<br />

manifestado de modo ainda<br />

muito mais agudo.<br />

Será possível que esses indivíduos<br />

nada tenham aprendido<br />

da experiência da Revolução<br />

a1emã de 1918-1919? Terão<br />

lido a Moléstia Infantil do<br />

Comunismo? O regime stalinista<br />

praticou, verdadeiramente,<br />

horríveis devastações nos cérebros!<br />

Depois de ter burocratizado<br />

os Sovietes na U.R.S.S.,<br />

os epígonos os tratam agora<br />

como instrumentos técnicos<br />

nas mãos do aparelho do Partido.<br />

Esqueceram-se que os<br />

sovietes se formaram como<br />

parlamentos operários e que<br />

extraíam as massas porque criavam<br />

a possibilidade de colocar<br />

ombro a ombro todas as<br />

partes da classe operária, independentemente<br />

das divergências<br />

de partido; esqueceram-se<br />

de que foi precisamente nisto<br />

que consistiu a força educadora<br />

e revolucionária dos Sovietes.<br />

Tudo está esquecido, tudo<br />

está embaralhado, tudo está<br />

deformado. Oh, época de epígonos<br />

mil vezes maldita!<br />

A questão das relações entre<br />

o Partido e os sovietes tem,<br />

para a política revolucionária,<br />

uma importância decisiva. Se o<br />

curso atual do Partido Comunista<br />

é efetivamente dirigido no<br />

sentido da substituição dos sovietes<br />

pelo Partido, Hugo Urbahns,<br />

que não perde nenhuma<br />

oportunidade para fazer confusão,<br />

prepara-se para substituir<br />

o Partido pelos sovietes. Segundo<br />

nos informa o S.A.Z. : 1 .<br />

Urzahns, opondo-se <strong>à</strong>s pretensões<br />

do Partido Comunista de<br />

dirigir a classe operária, dizia na<br />

reunião de Berlim, em janeiro:<br />

“A direção se encontrará nas<br />

mãos dos sovietes eleitos pela<br />

própria massa, não pela vontade<br />

e pelo bel-prazer de um só e<br />

único partido (Aplausos entusiásticos)”.<br />

É muito fácil de<br />

compreender pelo seu ultimatismo<br />

o Partido Comunista irrita<br />

os operários, que se dispõem<br />

a aplaudir todos os protestos<br />

contra a fanfarronada burocrática.<br />

Mas isto não impede que<br />

a posição de Urbahns, também<br />

nesta questão, nada tenha de<br />

comum com o marxismo. Que os<br />

“próprios” operários elegerão<br />

os seus delegados aos sovietes,<br />

é indiscutível. Mas toda a<br />

questão está em se saber a quem<br />

eles elegerão. Devemos ir aos<br />

sovietes com todas as outras<br />

organizações, sejam quais forem,<br />

“com todos os seus erros<br />

e todas as suas fraquezas”. Mas<br />

pensar que os sovietes podem<br />

dirigir “por si mesmos” a luta do<br />

proletariado pelo poder, é semear<br />

o mais grosseiro feiticismo<br />

sovietista. Tudo depende do<br />

partido que dirigir os sovietes.<br />

É por isso que os bolcheviquesleninistas,<br />

contrariamente a Urbahns,<br />

não negam de modo algum<br />

ao Partido Comunista o<br />

direito de os dirigir; dizem, pelo<br />

contrário, que somente na base<br />

da frente única, somente por<br />

meio das organizações de massas<br />

poderá o Partido Comunista<br />

conquistar o papel dirigente<br />

nos sovietes futuros e arrastar<br />

o proletariado <strong>à</strong> conquista do<br />

poder.<br />

__________________________________________<br />

1 N. do T.: Órgão do S. A. P. (Partido<br />

Socialista Operário).<br />

BIBLIOTECA SOCIALISTA<br />

MINI<br />

Complete<br />

sua coleção!<br />

Quinze números por R$ 30,00<br />

Na<br />

O que é o centrismo<br />

León Trotski<br />

As contradições da URSS<br />

V. I. Lênin<br />

A verdade sobre Cronstadt<br />

León Trotski<br />

Questões da vida cotidiana e da<br />

moral<br />

León Trotski<br />

Socialismo e as Igrejas<br />

Rosa Luxemburgo<br />

O que é uma situação<br />

revolucionária<br />

León Trotski<br />

Por uma arte revolucionária<br />

independente (Manifesto da<br />

FIARI)<br />

André Breton e Leon Trótski<br />

A atualidade do Manifesto<br />

Comunista<br />

León Trotski<br />

As contradições da URSS<br />

León Trotski<br />

Leninismo é o oposto do<br />

stalinismo<br />

León Trotski<br />

Democracia e ditadura<br />

León Trotski<br />

O que é o sectarismo?<br />

León Trotski<br />

Sobre as greves<br />

V. I. Lênin<br />

O apartidarismo é uma política<br />

burguesa<br />

V. I. Lênin<br />

Bolchevismo e Stalinismo<br />

León Trotski<br />

Pacifismo<br />

Rosa Luxemburgo<br />

O que é a Frente Popular?<br />

León Trotski<br />

O governo operário<br />

León Trotski<br />

Serviço militar<br />

León Trotski<br />

A16<br />

30%<br />

DE<br />

DESCONTO!<br />

O significado da palavra-de-ordem<br />

de “todo poder aos sovietes”<br />

V. I. Lênin<br />

Sobre a guerra de guerrilhas<br />

V.I.Lênin<br />

Manifesto por uma política<br />

sexual revolucionária<br />

Wilhelm Reich<br />

O que é a dialética?<br />

Jorge Plekhanov<br />

Sindicatos na época de<br />

decadência<br />

León Trotski<br />

Uma proposta de luta para a<br />

juventude<br />

León Trotski<br />

Outras edições da Coleção Biblioteca Socialista Mini<br />

Autodeterminação nacional<br />

V. I. Lênin<br />

Cooperativas<br />

Internacional Comunista<br />

O materialismo dialético e o<br />

anarquismo<br />

V. I. Lênin<br />

O partido comunista e o<br />

parlamentarismo<br />

Internacional Comunista<br />

O partido operário<br />

Karl Kautski<br />

Ludwig Feuerbach e o fim da<br />

filosofia clássica alemã (ensaio<br />

sobre o materialismo dialético)<br />

Friedrich Engels<br />

Sobre o papel do trabalho na<br />

transformação do macaco em<br />

homem<br />

Friedrich Engels<br />

Classe, partido e direção<br />

León Trotski<br />

O que é o marxismo<br />

V. I. Lênin<br />

As três fontes e as três partes<br />

constitutivas do marxismo<br />

V. I. Lênin<br />

Os revolucionários devem atuar<br />

nos sindicatos reacionários?<br />

V. I. Lênin<br />

ADQUIRA NA LIVRARIA DO PCO:<br />

Avenida Miguel Estéfano, nº 349 – Saúde, São Paulo;<br />

telefone 11-2362-2339 ou na página do partido na Internet:<br />

www.pco. org.br e-mail: livraria@pco.org.br


INTERNACIONAL <br />

Os trabalhadores gregos mostram sua força ¢¦§¡¨¥£¢¥©§¢<br />

No dia 24 de fevereiro, os trabalhadores do setor público e privado da Grécia mostraram para o governo quais serão as conseqüências caso<br />

o mesmo leve adiante o plano de redução de gastos, corte de vagas e recessão que tem como objetivo reduzir o déficit do país<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

AFEGANISTÃO<br />

Uma guerra onde<br />

só há “efeitos<br />

colaterais”<br />

Página A18<br />

Missão de “paz” OTAN afirma que pode<br />

levar mais de um mês para dominar<br />

Marjah<br />

Página A18<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Registros de enfrentamentos com a polícia que está tentando dispersar os manifestantes<br />

por todos os locais.<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

PILHAGEM DO HAITI<br />

A segunda fase da<br />

ocupação: empreiteiras<br />

privadas lucrando com as<br />

ruínas do terremoto<br />

Página A19<br />

IRAQUE<br />

Virada na situação pode levar a adiamento<br />

da retirada das tropas norte-americanas<br />

Página A18<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Funcionários da aviação<br />

reagem aos cortes<br />

¢¦§¡¨¥¥©§¡¢ ¡¢£¤¥<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

AMÉRICA LATINA<br />

32 países da Cúpula do Rio<br />

apóiam a reivindicação<br />

argentina pelas Malvinas<br />

Página A19<br />

Mortos podem chegar a 300 mil no Haiti<br />

<br />

<br />

Diante do tamanho da greve, a economia européia despencou nesta semana.<br />

Página A19


28 de fevereiro de 2009 CAUSA OPERÁRIA internacional a18<br />

afeganistão<br />

Uma guerra onde só há “efeitos colaterais”<br />

A ofensiva norte-americana no Afeganistão tem feito mais<br />

vítimas entre civis do que conseguido qualquer “sucesso”<br />

para a estratégia de decapitar o Talibã e entregar o país<br />

para o governo-fantoche de Hamid Karzai. O que está<br />

por trás da carnificina?<br />

As baixas da nova etapa da<br />

guerra no Afeganistão estão<br />

comprometendo completamente<br />

os planos do imperialismo<br />

norte-americano.<br />

No domingo, dia 21 de fevereiro,<br />

27 civis foram mortos<br />

em um ataque aéreo conduzido<br />

pela OTAN em uma área<br />

controlada pelas tropas holandesas.<br />

Os aviões controlados<br />

pela força multinacional<br />

bombardearam os carros em<br />

que os civis viajavam em uma<br />

rodovia na região central do<br />

país. Entre os mortos estavam<br />

quatro mulheres e uma criança.<br />

Outras 12 pessoas ficaram<br />

feridas.<br />

A ofensiva norte-americana<br />

tem produzido um número<br />

considerável de baixas entre<br />

os civis em praticamente todas<br />

as incursões feitas neste ano.<br />

O número é completamente<br />

desproporcional se comparado<br />

aos “êxitos” obtidos na<br />

campanha que arrastou mais<br />

30 mil soldados norte-americanos<br />

ao Afeganistão.<br />

O general Stanley Mc-<br />

Chrystal, comandante das<br />

operações no Afeganistão,<br />

apresentou seu pedido de<br />

desculpas ao presidente afegão,<br />

Hamid Karzai, que havia<br />

condenado formalmente<br />

a morte de civis pelas forças<br />

da OTAN-ISAF. “Ontem, um<br />

grupo suspeito de insurgentes,<br />

que acreditávamos que estava<br />

a caminho de um ataque contra<br />

as forças conjuntas do Afeganistão<br />

e da ISAF, foi abordado<br />

por um time aéreo resultando<br />

em mortos e feridos. Depois<br />

que um grupo de solo chegou<br />

<strong>à</strong> cena e encontrou mulheres<br />

e crianças, transportaram os<br />

feridos para tratamento médico”<br />

(The New York Times,<br />

22/2/2010).<br />

“Estamos extremamente<br />

entristecidos pela trágica perda<br />

de vidas inocentes”, completou<br />

McChrystal (idem).<br />

A mudança prometida na<br />

segunda-feira, dia 22, foi a redução<br />

do número de ataques<br />

aéreos, a principal arma das<br />

forças de ocupação imperialistas<br />

no assalto <strong>à</strong>s zonas tribais.<br />

Mesmo quando os alvos<br />

são, pelo menos oficialmente,<br />

estritamente militares, o número<br />

de mortes de civis, incluindo<br />

mulheres e crianças,<br />

é assustador e chega a ultrapassar<br />

as mortes dos supostos<br />

“alvos” militares, isto é, os<br />

insurgentes ligados, de uma<br />

maneira ou de outra, ao Talibã.<br />

Um destes ataques, por<br />

exemplo, em Kunduz, deixou<br />

mais de 70 civis mortos.<br />

A brutalidade e o massacre<br />

Os militares norte-americanos são os responsáveis por uma<br />

verdadeira carnificina contra a população civil no Afeganistão.<br />

da população afegã faz parte<br />

de uma política de verdadeiro<br />

terror imposta pelo imperialismo<br />

norte-americano ao<br />

país. Faz parte de um plano<br />

para assustar e levar a população<br />

dos vilarejos ao desespero<br />

e a afastá-los da influência<br />

do Talibã, que lidera<br />

francamente as tendências<br />

insurrecionais da população<br />

esmagada pelo imperialismo.<br />

Como não é a primeira vez<br />

que as promessas de ataques<br />

com mísseis feitos com precisão<br />

cirúrgica e virtualmente<br />

nenhuma baixa entre a população<br />

civil fracassam, o arsenal<br />

de desculpas e justificativas<br />

dos mercadores de morte<br />

foi renovado. O massacre,<br />

no entanto, continua o mesmo<br />

e com um único objetivo:<br />

causar pânico. A necessidade<br />

de manter essa política de<br />

verdadeiro terror revela, por<br />

sua vez, a fraqueza do imperialismo<br />

mundial, incapaz de<br />

contornar a crise criada pela<br />

guerra no Iraque e no Afeganistão.<br />

A guerra impossível<br />

de ser “vencida” pelo imperialismo<br />

tornou-se um verdadeiro<br />

atoleiro, consumin-<br />

iraque<br />

Virada na situação pode levar<br />

a adiamento da retirada das<br />

tropas norte-americanas<br />

No ano passado, Obama<br />

anunciou que até agosto de<br />

2010 todas as forças de combate<br />

norte-americanas teriam<br />

evacuado o Iraque, deixando<br />

para trás apenas algumas unidades<br />

com a missão de acompanhar<br />

e treinar as tropas e<br />

forças policiais iraquianas.<br />

Revelando a completa indisposição<br />

do imperialismo<br />

norte-americano de se retirar<br />

da guerra, o comandante das<br />

tropas dos EUA no Iraque,<br />

Ray Ordieno, anunciou que o<br />

plano de retirada pode ser alterado.<br />

A preocupação é impedir<br />

que imediatamente após a retirada<br />

das tropas norte-americanas<br />

uma situação de guerra<br />

civil volte a tomar conta do<br />

país.<br />

Segundo o plano original<br />

apresentado por Obama, 50<br />

mil soldados norte-americanos<br />

ficariam no Iraque até<br />

2011. Atualmente há cerca de<br />

96 mil em solo iraquiano, menos<br />

de 100 mil pela primeira<br />

vez desde a invasão.<br />

O general Ray Ordieno não<br />

deu detalhes do plano, segundo<br />

o Washington Post, mas<br />

comentou que estava “otimista”<br />

e que esperava não ter que<br />

colocá-lo em prática.<br />

As expectativas estão ligadas<br />

<strong>à</strong>s eleições iraquianas,<br />

marcadas para março. O governo<br />

norte-americano teme<br />

um novo fiasco semelhante<br />

ao que levou <strong>à</strong> desmoralização<br />

do governo afegão após<br />

a eleição evidentemente fraudada<br />

de Hamid Karzai.<br />

As contradições das eleições<br />

parlamentares iraquianas,<br />

por sua vez, estão despertando<br />

os conflitos entre<br />

as diversas comunidades que<br />

compõem o país, dividido<br />

pela rivalidade entre as seitas<br />

muçulmanas xiita e sunita e<br />

diversas minorias étnicas e<br />

religiosas.<br />

Na melhor das hipóteses,<br />

avaliam os analistas de política<br />

internacional da imprensa<br />

imperialista, pode-se repetir<br />

uma situação como a de<br />

2005, quando o premiê Nouri<br />

Al-Maliki demorou sete meses<br />

para formar seu governo.<br />

A desestabilização do Iraque<br />

conduz ao aprofundamento<br />

da crise do próprio imperialismo<br />

norte-americano.<br />

A menos de duas semanas<br />

do pleito, o imperialismo se<br />

vê forçado a reescrever seus<br />

planos temendo o boicote,<br />

um baixo comparecimento<br />

ou conflitos violentos no dia<br />

das eleições. Os membros<br />

do governo norte-americano<br />

e os seus representantes no<br />

Iraque, por sua vez, têm certeza<br />

de que sua influência<br />

vem decaindo sistematicamente<br />

sobre o estado-fantoche<br />

criado após a invasão<br />

e a derrubada do regime de<br />

Saddam Husein.<br />

O plano original, que previa a evacuação dos soldados até agosto, está sendo questionado.<br />

As operações militares dirigidas pela OTAN têm produzido um número maior de mortos entre civis do que baixas do lado do Talibã.<br />

do os recursos e expondo ao<br />

mundo a verdadeira situação<br />

da crise do imperialismo.<br />

o nascimento de<br />

uma “democracia”<br />

Os esforços do imperialismo<br />

norte-americano para<br />

estabelecer um governo<br />

“confiável” no país ocupado<br />

deram ao presidente, Hamid<br />

Karzai, a segurança para tomar<br />

de assalto o controle das<br />

eleições no país.<br />

Um decreto presidencial<br />

transferiu ao chefe do governo<br />

afegão o poder para<br />

indicar todos os membros<br />

da Comissão para Queixas<br />

sobre as Eleições (ECC), órgão<br />

responsável por regular<br />

o andamento de processos<br />

como o que levou Karzai <strong>à</strong><br />

presidência.<br />

A comissão teve parte na<br />

exposição da fraude eleitoral<br />

no primeiro turno das eleições<br />

passadas e promoveu<br />

a recontagem dos votos que<br />

levou Karzai para um segundo<br />

turno. O acordo anterior,<br />

que previa a presença de<br />

O general britânico Nick<br />

Carter que comanda as forças<br />

na região de Marjah, afirmou<br />

que o controle da região, isto<br />

é, a retirada do grupo Talibã<br />

pode levar mais de um mês.<br />

As tropas que são formadas<br />

por 15 mil soldados, sendo<br />

a maioria norte-americana e<br />

britânica, estão a sete dias em<br />

uma grande ofensiva contra<br />

o Talibã na região de Marjah<br />

que é dominada pelo grupo.<br />

Apesar do número expressivo<br />

de soldados e dos equipamentos<br />

de alta tecnologia<br />

usados pelo exército, os mesmos<br />

vem tendo dificuldades<br />

para enfrentar o Talibã e suas<br />

bombas caseiras.<br />

O general Nick chegou a<br />

declarar que não há motivos<br />

pelo menos dois membros<br />

estrangeiros na comissão,<br />

uma exigência da ONU, foi<br />

anulado.<br />

O acordo anterior previa<br />

ainda que um dos membros<br />

estrangeiros tivesse poder de<br />

veto na comissão. A manobra<br />

de Karzai garantirá a ele uma<br />

margem segura para eleger o<br />

parlamento <strong>à</strong> sua maneira.<br />

Karzai se referiu <strong>à</strong> mudança<br />

em um discurso feito no<br />

parlamento, afirmando que<br />

iria “limitar a interferências<br />

de estranhos” nas eleições”,<br />

tornando as eleições “100%<br />

afegãs” (BBC, 23/2/2010).<br />

A saída escolhida por Karzai<br />

tira dos governos envolvidos<br />

na guerra e ocupação<br />

do Afeganistão a responsabilidade<br />

por situações como<br />

a fraude massiva promovida<br />

no ano passado. É, num certo<br />

sentido, um favor prestado<br />

pelo governo-fantoche ao<br />

imperialismo.<br />

A intervenção norteamericana<br />

no Afeganistão<br />

tem o objetivo declarado de<br />

transformar o país tomado<br />

por quase 20 anos de guerra<br />

civil ininterrupta em uma<br />

“democracia”, um “aliado”<br />

do imperialismo na região. O<br />

reconhecimento do resultado<br />

da fraude eleitoral como legítimo<br />

já foi um sinal claro<br />

da disposição do imperialismo<br />

norte-americano com<br />

relação ao governo afegão.<br />

A imposição de seu capacho<br />

no governo através da fraude<br />

revela que em que consiste a<br />

“democracia” imperialista.<br />

Se já não havia a possibilidade<br />

de dizer que as eleições<br />

no Afeganistão eram livres<br />

e transparentes, o decreto<br />

presidencial procura ir além<br />

e estabelecer que toda a liberdade<br />

e transparência será<br />

dada por aquele mesmo governo<br />

que fraudou milhares<br />

de votos para obter a cobertura<br />

conveniente de que foi<br />

“eleito” democraticamente.<br />

Para os apologistas da democracia<br />

em geral, ou como<br />

“valor universal”, o propósito<br />

defendido pelo imperialismo<br />

norte-americano está justificado<br />

em si. É legítimo porque<br />

é “democrático”, mesmo<br />

que isto implique em uma<br />

fraude escancarada contra a<br />

vontade do povo afegão.<br />

Missão de “paz”<br />

OTAN afirma que pode<br />

levar mais de um mês para<br />

dominar Marjah<br />

A nova ofensiva encobre a tentativa do imperialismo de obter uma saída negociada com o Talibã.<br />

para comemorar o avanço dos<br />

militares e disse que a resistência<br />

está sendo tenaz.<br />

Representantes do Pentágono<br />

afirmam que devem se<br />

manter cauteloso sobre o otimismo,<br />

já que muitos militantes<br />

estão dispostos a lutar até<br />

a morte.<br />

De acordo com dados do<br />

Ministério de Defesa do Reino<br />

Unido no dia 18 deste mês<br />

seis soldados morreram, sendo<br />

que três foram mortos em<br />

combate e os outros três por<br />

causa das bombas caseiras.<br />

A morte de civis e talibãs<br />

não possui um número certo,<br />

pois os dados também estão<br />

sendo dados pelos países que<br />

enviaram o exército, mas de<br />

acordo com eles, cerca de 20<br />

pessoas morreram sendo a<br />

maioria talibã.<br />

O exército que diz ter o<br />

intuito de levar a paz para o<br />

Afeganistão e exterminar o<br />

“grupo terrorista”, invadiu<br />

a região com cerca de 80<br />

mil civis, e de acordo com a<br />

Anistia Internacional apenas<br />

10 mil conseguiram deixar a<br />

região.<br />

O que demonstra um<br />

apoio da população ao Talibã<br />

e também a total falta de<br />

cuidado da OTAN em evitar<br />

a morte de civis, o que nos<br />

faz acreditar mais que o interesse<br />

não é proteger a população<br />

do suposto terrorismo,<br />

mas sim defender os interesses<br />

dos países imperialistas<br />

custe o que custar.


28 de fevereiro de 2010 CAUSA OPERÁRIA internacional a19<br />

Pilhagem do haiti<br />

A segunda fase da ocupação: empreiteiras<br />

privadas lucrando com as ruínas do terremoto<br />

Os EUA e a ONU já planejam a segunda parte da pilhagem<br />

do Haiti, após 40 dias dos terremotos que mataram<br />

quase 300 mil pessoas, e deixaram mais de 1 milhão de<br />

pessoas sem casa<br />

Essa nova etapa da ocupação<br />

do Haiti tem como prioridade<br />

a obtenção de lucros<br />

pelas empresas norte-americanas<br />

envolvidas na remoção<br />

dos entulhos das construções<br />

destruídas. As mega-empreiteiras<br />

terão lucros exorbitantes<br />

não só na remoção, mas<br />

também no aproveitamento<br />

de materiais retirados dos escombros,<br />

como o ferro.<br />

A imprensa capitalista e<br />

o governo norte-americano<br />

apelidaram estes verdadeiros<br />

abutres de “parceiros humanitários”.<br />

O que estas companhias<br />

privadas levadas ao<br />

Haiti com a cobertura da solidariedade<br />

querem é sugar os<br />

poucos recursos que sobram<br />

no país, e podar qualquer tentativa<br />

de melhora no futuro<br />

através do endividamento do<br />

estado e dos cidadãos.<br />

A cúpula do Haiti, que fora<br />

adiada, também não tem<br />

nada a ver com ajuda humanitária,<br />

mas sim com a divisão<br />

do Haiti entre os exploradores,<br />

pois em uma época<br />

de crise um país destruído<br />

como o Haiti é oportunidade<br />

para várias empresas. “Pouco<br />

mais de uma semana após o<br />

terremoto, a IPOA parceria<br />

com Global Investment Summits<br />

(GIS), sediada no Reino<br />

Unido, uma empresa privada<br />

especializada em trazer empreiteiras<br />

privadas e oficiais<br />

do governo para ’reconstruir<br />

países emergentes pós-conflito’,<br />

foram anfitriões da<br />

Cúpula de Reconstrução do<br />

Afeganistão, em Istambul,<br />

Turquia. Foi lá, diz o diretor<br />

IPOA Doug Brooks, que<br />

honduras américa latina<br />

A capitulação do governo<br />

Lula diante da ditadura<br />

imposta pelos EUA<br />

O golpe em Honduras, articulado<br />

pelo governo norte-americano,<br />

bem como a<br />

vergonhosa capitulação dos<br />

governos “populares” e “bolivarianos”<br />

da América Latina<br />

deixaram evidente que está se<br />

preparando uma nova ofensiva<br />

do imperialismo<br />

O governo brasileiro, juntamente<br />

com outros 29 represententes<br />

que haviam se declarado<br />

contra o golpe militar<br />

em Honduras, terminou por<br />

capitular diante da ofensiva<br />

do imperialismo norte-americano<br />

contra o nacionalismo<br />

burguês no seu quintal.<br />

Nesta semana, o presidente<br />

hondurenho eleito pelos golpistas,<br />

Porfírio Lobo, agradeceu<br />

Lula por este ter pedido<br />

a volta do país <strong>à</strong> Organização<br />

dos Estados Americanos<br />

(OEA). “Suas declarações no<br />

sentido de que está pedindo<br />

que Honduras deva retornar<br />

<strong>à</strong> OEA me alegram muito,<br />

e o agradecemos por isso”,<br />

declarou Lobo durante uma<br />

entrevista coletiva (EFE,<br />

22/2/2010).<br />

.A capitulação dos governos<br />

latino-americanos aliada <strong>à</strong><br />

ofensiva do imperialismo, que<br />

está instalando suas bases militares<br />

por todo o continente<br />

dão um panorama da situação<br />

que se avizinha.<br />

As bases da Colômbia,<br />

concedidas para um futuro<br />

golpe na Venezuela, mas que<br />

podem servir de apoio para<br />

golpes em todo o continente,<br />

somadas <strong>à</strong> presença da IV<br />

Frota, com navios de guerra<br />

norte-americanos rondando a<br />

Venezuela, deixam claro que<br />

há um movimento, um ensaio<br />

geral para uma ofensiva mais<br />

decidida.<br />

A Cúpula do Grupo do Rio<br />

reunida no México discutiu a<br />

questão das Malvinas e apoiou<br />

a reivindicação argentina pela<br />

soberania das ilhas.<br />

As ilhas estão nas mãos do<br />

Reino Unido desde 1833 e foram<br />

o motivo de uma guerra<br />

entre o mesmo e a Argentina<br />

no ano de 1982.<br />

Desde que foi tomada pelo<br />

Reino Unido que a nomeou<br />

como Falkland, as ilhas foram<br />

administradas por uma companhia<br />

britânica que começou<br />

a idéia para a cúpula Haiti<br />

foi idealizada ’tomando<br />

cerveja’.” (naomiklein.org,<br />

19/2/2010)<br />

A fase da “ajuda humanitária”,<br />

que seria a primeira<br />

no plano do imperialismo<br />

para dominar o Haiti, na verdade<br />

nem existiu. Não houve<br />

ajuda alguma por parte do<br />

imperialismo, pelo contrário,<br />

as tropas norte-americanas,<br />

ocupando os portos e aeroportos<br />

de Porto Príncipe, não<br />

deixaram as organizações de<br />

Informações divulgadas<br />

pelo presidente René Préval<br />

revelam que o número de<br />

mortos no terremoto de 12<br />

de janeiro, e por conseqüência<br />

deste, pode chegar a 300 mil,<br />

cerca de 100 mil a mais do que<br />

as estimativas feitas anteriormente.<br />

Mais de 200 mil cadáveres<br />

foram recolhidos nas ruas,<br />

estima-se, porém, que um nú-<br />

a explorar hidrocarbonetos.<br />

Após o apoio unânime dos<br />

países na Cúpula a chancelaria<br />

argentina declarou que todos<br />

apoiaram os direitos legítimos<br />

da Argentina e sugeriu que<br />

as negociações com o Reino<br />

Unido devem ser reabertas.<br />

Os líderes latino-americanos<br />

ressaltaram que as negociações<br />

devem ser reabertas<br />

para encontrar uma solução<br />

pacífica e justa, sobre a soberania<br />

das ilhas Malvinas.<br />

Esse tipo de apoio apesar<br />

ajuda entrarem no país, atrasando<br />

a entrega de doações,<br />

remédios e recursos.<br />

O que está em marcha no<br />

Haiti é mais uma operação<br />

“choque e pavor” do imperialismo<br />

norte-americano, que<br />

está aproveitando o impacto<br />

devastador do terremoto nas<br />

vidas dos haitianos, há muito<br />

esmagados pela pobreza imposta<br />

pelo imperialismo, para<br />

controlar completamente a<br />

situação na ilha e extrair de<br />

lá o máximo que conseguir.<br />

Mortos podem<br />

chegar a 300 mil<br />

no Haiti<br />

mero grande ainda será descoberto<br />

nos escombros de Porto<br />

Príncipe.<br />

Se as estimativas se confirmarem,<br />

o terremoto no Haiti<br />

terá ultrapassado em número<br />

de mortos as vítimas do tsunami<br />

que atingiu o Leste asiático<br />

em 2004 e deixou 200 mil<br />

mortos.<br />

Mais de 250 mil casas foram<br />

completamente destruídas.<br />

32 países da Cúpula do Rio<br />

apóiam a reivindicação<br />

argentina pelas Malvinas<br />

de ter sido bastante valorizado<br />

pela própria Argentina tem<br />

grandes chances de ser um<br />

apoio puramente verbal e sem<br />

peso algum na decisão britânica,<br />

já que quando os EUA<br />

resolveram dar um golpe em<br />

Honduras todos se colocaram<br />

contra e disseram que não reconheceriam<br />

o governo, mas<br />

hoje todos já o reconhecem e<br />

os que ainda não responderam<br />

de maneira formal estão sendo<br />

pressionados pelos Estados<br />

Unidos a fazerem-no.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA ENTREVISTA DA SEMANA A20<br />

ENCHENTE ZONA LESTE<br />

“O poder público acabou se<br />

aproveitando das circunstâncias”<br />

Causa Operária entrevista nesta semana Carlos Henrique Loureiro, defensor<br />

público coordenador do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria<br />

Pública. Junto com o promotor Bruno Miragaia entrou na Justiça com ação civil<br />

pública com pedido de liminar para que sejam realizados serviços necessários<br />

para garantia da vida e saúde dos moradores dos bairros que sofrem com<br />

alagamentos na região da Várzea do Tietê na Zona Leste de São Paulo<br />

Causa Operária - O senhor<br />

pode falar um pouco da atuação<br />

da Defensoria Pública<br />

do Estado de São Paulo, por<br />

sua Unidade de São Miguel<br />

Paulista?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

- A defensoria pública vem<br />

acompanhando a comunidade<br />

do Jardim Pantanal desde meados<br />

de outubro do ano passado.<br />

Nós temos mantido contato<br />

com as comunidades locais<br />

e eles têm desde esta época<br />

nos transmitido a preocupação<br />

com a forma de remoção e reassentamento<br />

das comunidades<br />

que vão ser afetadas pela<br />

implantação do Parque Várzea<br />

do Tietê. Esta população vai<br />

ser removida para a implantação<br />

do parque. No entanto, por<br />

conta das chuvas que ocorreram<br />

em meados de dezembro,<br />

o problema que já era difícil tomou<br />

proporções ainda maiores.<br />

Com as enchentes e a permanência<br />

desta situação de alagamento<br />

constante durante<br />

dias, semanas e meses, se caracterizou<br />

virtualmente como<br />

uma situação de calamidade<br />

pública e inclusive recentemente<br />

foi reconhecido pelo<br />

poder público.<br />

Nós passamos a ter novas<br />

preocupações e estas novas<br />

preocupações passaram a ser<br />

a de tentar encaminhar soluções<br />

para o problema de drenagem<br />

das áreas afetadas pelas<br />

enchentes, o que era uma<br />

questão de saúde pública. Não<br />

é só uma questão de efetividade<br />

da política de saneamento<br />

básico, mas que vai além do<br />

próprio saneamento básico: é<br />

uma questão de saúde pública.<br />

Estabeleceu-se de fato uma<br />

emergência sanitária no local,<br />

porque o que aconteceu é que<br />

o empoçamento daquela água<br />

pútrida acabou se constituin-<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

do em um vetor de todo tipo de<br />

doença infecto contagiosa. E<br />

nós tínhamos e temos muita<br />

preocupação com eventuais<br />

surtos de doenças graves que<br />

vão desde leptospirose até febre<br />

tifóide e muitas outras doenças<br />

muito graves.<br />

Por ora, ao menos oficialmente,<br />

não nos foi comunicado<br />

nada mais grave, mas nós<br />

nos preocupamos bastante<br />

com esta questão e num segundo<br />

momento nós nos preocupamos<br />

também em assegurar<br />

que esta população tivesse o direito<br />

de passar por um processo<br />

de planejamento participativo<br />

das remoções e do reassentamento,<br />

ou seja, a nossa<br />

preocupação era que a solução<br />

da drenagem da área fosse encaminhada<br />

para que a população<br />

pudesse de forma livre e<br />

consciente, sem estar premida<br />

em circunstâncias desfavoráveis,<br />

poder então participar<br />

do processo de planejamento<br />

participativo com relação <strong>à</strong>s<br />

alternativas habitacionais dentro<br />

de um processo de reassentamento.<br />

De fato aquela popu-<br />

lação precisa ser removida e a<br />

área de várzea tem um função<br />

sócio-ambiental muito definida<br />

que é de preservação e está<br />

inclusive no plano diretor [o<br />

Plano Diretor Estratégico do<br />

Município de São Paulo (PDE)<br />

que define a política de desenvolvimento<br />

urbano].<br />

A nossa preocupação é com<br />

a emergência sanitária que é o<br />

momento que estamos. Esta é<br />

a de preservar a possibilidade<br />

de empreendimento de um projeto<br />

de planejamento participativo.<br />

Causa Operária – São comunidades<br />

inteiras que ficaram<br />

alagadas, como o Jardim<br />

Romano, o Jardim Pantanal<br />

e a Chácara Três Meninas.<br />

Estes bairros foram construídos<br />

próximos <strong>à</strong>s margens do<br />

Tietê. O que a prefeitura tem<br />

feito? Há ameaças de despejo?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

– A prefeitura tem sugerido,<br />

a nosso ver de forma inadequada<br />

e irregular, alternativas<br />

habitacionais tanto definitivas<br />

como transitórias. Definitivas,<br />

se não me engano com<br />

relação a trezentas famílias que<br />

foram transferidas para conjuntos<br />

habitacionais em Itaquaquecetuba.<br />

Outras 800 famílias<br />

aceitaram o benefício de<br />

auxílio de pagamento de aluguel<br />

enquanto a prefeitura,<br />

eventualmente, se compromete<br />

a construir alternativas definitivas<br />

de moradia.<br />

Causa Operária – Alguns<br />

bairros começaram a ser derrubados.<br />

Para onde foram<br />

mandados os moradores? Há<br />

um auxílio de seis meses?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

– Pelo que a prefeitura diz<br />

não podemos ter a certeza. Alguns<br />

dizem que é por seis meses<br />

e outros dizem que é por<br />

tempo indeterminado até que<br />

se construa uma alternativa<br />

definitiva.<br />

De fato não temos certeza e<br />

aguardamos a definição inclusive<br />

com relação a isso. A prefeitura<br />

nos disse que se trata<br />

de uma alternativa temporária<br />

por tempo indeterminado. Isso<br />

é o que foi dito a nós. Mas nós<br />

temos muito receio com relação<br />

aos compromissos da prefeitura<br />

porque sabemos que<br />

historicamente isso não é cumprido.<br />

Mesmo que isso acabe<br />

sendo formulado por um termo<br />

expresso acaba não sendo<br />

cumprido. Isso já aconteceu<br />

antes e nós temos receio, ainda<br />

que exista um compromisso<br />

mesmo.<br />

Mas para além disso, independente<br />

de qualquer coisa,<br />

não nos parece ainda que, caso<br />

bem intencionado, o poder público<br />

não poderia oferecer essas<br />

alternativas primeiro sem<br />

planejar e segundo sem agregar<br />

a este planejamento a participação<br />

popular. Afinal de<br />

contas, ninguém mais que as<br />

próprias pessoas que estão lá<br />

que conhecem as suas necessidades,<br />

têm direito não apenas<br />

Imagens do alagamento na região da Várzea do Tietê, Zona Leste de São Paulo.<br />

como cidadãos, mas como<br />

pessoas, que têm sua dignidade,<br />

de escolher como querem<br />

viver, como querem passar a<br />

viver de modo a permitir que<br />

se resguarde, na medida do<br />

possível, as mesmas condições<br />

de vida que tinham anteriormente,<br />

uma certa infraestrutura;<br />

educação, saúde, trabalho<br />

e transporte.<br />

Causa Operária - No início<br />

de dezembro com a chuva no<br />

dia 8, notou-se que as águas<br />

não baixavam em algumas<br />

ruas. Tanto as águas das chuvas<br />

quanto as do esgoto estavam<br />

tendo refluxo para as<br />

ruas. Vocês já sabem o que<br />

ocorreu?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

– Aparentemente, isso<br />

aconteceu por conta do entupimento<br />

das bocas de lobo e<br />

bueiros e isso fazia com que o<br />

esgoto não captasse a água e<br />

acabasse não refluindo e a<br />

água do esgoto acabasse se<br />

misturando com a água do rio.<br />

E a água empossada denotava<br />

isso porque exalava um cheiro<br />

pútrido mesmo e altamente<br />

contaminante. E esta situação<br />

de fato se manteve por muito<br />

tempo. Houve uma tentativa de<br />

solução com motobombas,<br />

mas a chuva voltou e o problema<br />

retornou e com a intensificação<br />

das chuvas isso se<br />

manteve. As pessoas passaram<br />

o natal e o ano novo debaixo<br />

d’água. Uma situação muito<br />

triste, mas entramos com a<br />

ação solicitando que fossem<br />

tomadas as providências pelo<br />

poder público e a prefeitura no<br />

dia 11 de fevereiro se comprometeu<br />

a tomar todas as providencias<br />

realizando obras e serviços<br />

para efetuar a drenagem<br />

nas áreas afetadas.<br />

Causa Operária - Segundo<br />

relatos, nos dias 9 e 10 de dezembro<br />

a água não baixou em<br />

vários pontos e algumas dessas<br />

áreas não inundavam há<br />

anos. Há denúncias de fechamento<br />

da barragem da<br />

Penha; bombas queimadas<br />

da estação de tratamento de<br />

esgoto do Jardim Romano;<br />

assoreamento do lago da barragem<br />

(parte atrás das comportas);<br />

entupimento das<br />

galerias pluviais; falta de desassoreamento<br />

da barragem<br />

da Penha até o Cebolão em<br />

2006, 2007 e 2008. Isso ocorreu?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

– Nós suspeitamos que<br />

entre as possíveis causas do<br />

alagamento das comunidades<br />

do jardim Pantanal estão a falta<br />

varrição, as limpezas de<br />

boca de lobo, galerias, margens<br />

dos córregos adjacentes.<br />

Agora isso reflete independente<br />

de quais eventualmente foram<br />

as causas tecnicamente a<br />

serem apuradas ainda. Independente<br />

de qualquer coisa, o<br />

fato é que isso só ocorreu em<br />

absoluto, por falta de planejamento.<br />

De fato faltou ao poder<br />

público promover um planejamento<br />

que pudesse dar eficácia<br />

e continuidade <strong>à</strong> política de<br />

drenagem e saneamento básico.<br />

Mesmo em se tratando de<br />

emergências, cumpria ao poder<br />

público estudar a possibilidade<br />

de intervir em casos excepcionais<br />

também. Mesmo<br />

em quaisquer outras circunstâncias<br />

como esta que acabaram<br />

de ocorrer, pois até no<br />

fundo até reconhecemos um<br />

pouco que o índice pluviométrico<br />

no mês de dezembro, janeiro<br />

e fevereiro também foi<br />

acima da média, mas isso não<br />

é justificativa porque isso<br />

pode ser previsto. Existem<br />

possibilidade científicas de<br />

isso ser previsto com uma<br />

certa margem de certeza. Então<br />

isto não exime de responsabilidade<br />

o poder público e in-<br />

clusive se preparar para emergências.<br />

Toda esta situação decorreu<br />

de uma falta de planejamento<br />

tanto da política de saneamento<br />

e drenagem como<br />

também eu diria que até de uma<br />

execução inadequada da política<br />

de drenagem urbana em<br />

São Paulo como em todas as<br />

grandes cidades do mundo.<br />

Éjustamente você promover<br />

grandes canalizações de cursos<br />

d’água. Em detrimento,<br />

por exemplo, da possibilidade<br />

de você proporcionar uma<br />

maior permeabilidade do solo,<br />

o que acontece em São Paulo<br />

é que existe uma grande impermeabilização<br />

do solo. Se houvesse<br />

uma maior permeabilidade,<br />

ao invés de a água fluir<br />

para os canais de canalização<br />

e isso fluir para o rio de forma<br />

direta, contínua e muito rápida,<br />

esta água penetraria no solo<br />

e lentamente se incorporaria ao<br />

lençol freático e depois eventualmente<br />

o rio, isso de forma<br />

mais lenta. Agora, por conta de<br />

esta impermeabilização tudo<br />

flui para o canal e depois para<br />

os rios e isso, enfim, numa velocidade<br />

tamanha que acaba<br />

promovendo enchentes.<br />

O fato de você não cuidar da<br />

política urbana e da política de<br />

utilização do solo acaba prejudicando<br />

a política de drenagem<br />

também.<br />

Causa Operária - O engenheiro<br />

responsável pela barragem<br />

da Penha, João Sérgio,<br />

indicou que houve uma<br />

clara escolha do Departamen-<br />

to de Águas e Energia Elétrica<br />

(DAEE) em alagar os bairros<br />

pobres da zona leste para<br />

evitar o alagamento das marginais<br />

e do Cebolão, conjunto<br />

de obras que fica no encontro<br />

dos rios Tietê e Pinheiros.<br />

Vocês têm mais informações<br />

a respeito disso?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

– Não temos mais informações.<br />

Não investigamos isso.<br />

Quem investiga é o Ministério<br />

Público.<br />

Nós acompanhamos o caso<br />

pela imprensa, não sei nada<br />

além disso.<br />

Causa Operária – No dia 12<br />

de janeiro, a Defensoria Pública,<br />

por seu Núcleo de Habitação<br />

e Urbanismo, entrou<br />

na Justiça com ação civil<br />

pública com pedido de liminar<br />

para que sejam realizados<br />

serviços necessários para garantia<br />

da vida e saúde dos<br />

moradores dos bairros que<br />

sofrem com alagamentos na<br />

região da Várzea do Tietê.<br />

Qual a resposta do governo?<br />

Algo foi feito efetivamente?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

– A prefeitura se comprometeu<br />

a realizar as obras.<br />

Quero crer que já foram iniciadas<br />

as obras e serviços para<br />

promover a drenagem. Afinal<br />

de contas são 30 dias corridos.<br />

Eu acredito que e a prefeitura<br />

poderia fazer em menos tempo,<br />

se esforçar um pouco mais.<br />

Nós insistimos muito nisso na<br />

audiência. O fato é que estamos<br />

no período de chuvas e<br />

nestes 30 dias ainda vão ocorrer<br />

mais chuvas.<br />

A prefeitura precisa realmente<br />

se esforçar para acabar<br />

com este problema e manter a<br />

solução durante este período<br />

de chuvas de modo a permitir<br />

que as pessoas possam ser envolvidas<br />

no processo participativo<br />

sem ficar constrangidas<br />

com a situação em que elas se<br />

encontravam durante estes<br />

meses que se passavam, com<br />

água pela cintura e <strong>à</strong>s vezes até<br />

um pouco mais.<br />

Causa Operária - A Defensoria<br />

pediu também a suspensão<br />

das remoções até que a intervenção<br />

nos bairros, para<br />

construção do Parque Linear<br />

da Várzea do Tietê com retirada<br />

das famílias, seja discutida<br />

com os moradores. Há pessoas<br />

que residem há mais de<br />

30 anos na região. O que tem<br />

sido feito?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

– Com relação a isso não houve<br />

acordo. Justamente este foi um<br />

ponto de muita discórdia e a<br />

despeito de todo o nosso esforço<br />

não foi possível chegar em um<br />

acordo de modo que esta é uma<br />

questão que vai ser apreciada<br />

oportunamente pelo judiciário.<br />

Isso vai ter que ser decidido num<br />

outro momento. O fato é que a<br />

prefeitura tem 30 dias para cumprir<br />

a parte do acordo que diz respeito<br />

<strong>à</strong>s obras e serviços necessários<br />

para promover a drenagem<br />

e o pedido de interrupção vai<br />

ser apreciado depois. Por enquanto<br />

não há nada que os impeça<br />

a convidarem as pessoas a<br />

aceitarem as propostas que eles<br />

colocam.<br />

Existem relatos desencontrados<br />

com denúncias de que a<br />

prefeitura tem promovido uma<br />

campanha de intimidação. Eu<br />

espero que isso não seja verdade.<br />

Eu espero que no mínimo a<br />

prefeitura convide, embora eu<br />

acho isso irregular. Mas o fato<br />

é que mesmo com o convite a<br />

despeito de qualquer coisa, nas<br />

circunstâncias em que ocorreram<br />

acaba sendo viciado por<br />

conta de toda a pressão que se<br />

estabeleceu por contra desta situação<br />

degradante. Aceitar uma<br />

proposta nestas circunstâncias<br />

é algo que não parece válido.<br />

Comumente no direito dizemos<br />

“Que a população possa participar (...) não como coisas que podem ser transportadas de um lado<br />

para outro. Elas têm vontades e querem expressar esta vontade. Querem ser tratadas como gente”<br />

que isso é afetado por um vício<br />

de vontade. As pessoas estão<br />

premidas por um estado de necessidade,<br />

então a vontade não<br />

é livre nem consciente. Para<br />

você fazer um acordo é preciso<br />

que a vontade seja livre e<br />

consciente. As pessoas não<br />

estão agindo assim. As pessoas<br />

querem sair para se livrar daquela<br />

situação degradante. Isso<br />

fora as questões mais técnicas<br />

que dizem respeito a necessidade<br />

de você promover planejamento<br />

e envolver a população<br />

no processo de participação e<br />

isso é o cerne da questão. Fazer<br />

com que haja planejamento,<br />

fazer com que sejam estudadas<br />

as possibilidade de habitação<br />

de modo que sejam respeitadas<br />

as relações sociais já<br />

estabelecidas no espaço durante<br />

todo este tempo a fim de que o<br />

padrão de vida desta população<br />

não caia. E mais do que isso, que<br />

a população possa participar.<br />

Isso seria um exercício de cidadania<br />

em que as pessoas são tratadas<br />

como cidadãos e não como<br />

coisas que podem ser transportadas<br />

de um lado para outro. Elas<br />

têm vontades e querem expressar<br />

esta vontade. Querem ser<br />

tratadas como gente.<br />

Causa Operária - Esta é<br />

uma área que a prefeitura<br />

quer desocupar para o Parque<br />

Várzea do Tietê. Você acha<br />

que tem alguma relação?<br />

Carlos Henrique Loureiro<br />

– A área da enchente é muito<br />

menor que a área que será do<br />

Parque Várzea do Tietê. A prefeitura<br />

quer remover a população<br />

e isso não discordamos.<br />

Não podemos dizer que o poder<br />

público conscientemente<br />

provocou esta situação. O que<br />

nós dissemos é que o poder<br />

público acabou se aproveitando<br />

destas circunstâncias. Para<br />

que a remoção aconteça de forma<br />

mais fácil, já que a população<br />

acabou premida pelas circunstâncias.


Nesta edição: A METAMORFOSE, texto integral (Páginas B5 a B8)<br />

95 anos da publicação da obra de Franz Kafka<br />

A METAMORFOSE: A LITERATURA<br />

FANTÁSTICA A SERVIÇO DA CRÍTICA SOCIAL<br />

Obra que inaugurava o surgimento do rico e original universo literário de Kafka, A Metamorfose representou também um marco no<br />

desenvolvimento da literatura moderna, com sua técnica deformadora que tão bem retrataria as deformidades de uma sociedade em<br />

franca desagregação<br />

“Certa manhã, ao despertar<br />

de sonhos intranqüilos, Gregor<br />

Samsa encontrou-se em sua<br />

cama metamorfoseado num<br />

inseto monstruoso. Estava deitado<br />

sobre suas costas duras<br />

como uma couraça e, quando levantou<br />

um pouco a cabeça, viu<br />

seu ventre abaulado, marrom,<br />

dividido em segmentos arqueados,<br />

sobre o qual a coberta,<br />

prestes a deslizar de vez, apenas<br />

se mantinha com dificuldade.<br />

Suas muitas pernas, lamentavelmente<br />

finas em comparação<br />

Franz Kafka,<br />

o escritor em<br />

um mundo em<br />

transição Página B3<br />

com o volume do resto de seu<br />

corpo, vibravam desamparadas<br />

ante seus olhos”.<br />

Assim começava a novela A<br />

Metamorfose, uma das obras<br />

mais brilhantes e surpreendentes<br />

já concebidas pela literatura<br />

mundial, herdeira de uma<br />

rica tradição que remontava <strong>à</strong>s<br />

aventuras fantásticas narradas<br />

pelo irlandês Jonathan Swift<br />

no século XVII, ou <strong>à</strong>s narrativas<br />

absurdas do ucraniano Nicolai<br />

Gógol na primeira metade do<br />

século XIX.<br />

ANO XXXI • Nº 575 • DE 28 DEFEVEREIRO A 6 DE mARçO DE 2010<br />

O aparecimento deste livro<br />

na obra de Kafka representava<br />

um marco no amadurecimento<br />

literário do autor, daí também<br />

o destaque desta pequena novela<br />

em particular em meio aos<br />

diversos livros singulares do<br />

escritor. Mas não apenas isso,<br />

ainda que A Metamorfose não<br />

represente sua obra maior, as<br />

desventuras de Gregor Samsa<br />

se tornariam a mais popular<br />

de suas histórias, conhecida<br />

mundialmente por qualquer<br />

leigo em literatura. Isso devido<br />

O irracionalismo<br />

do mundo e o<br />

indivíduo<br />

Página B4<br />

<strong>à</strong> clareza, fluidez, objetividade<br />

e brilhantismo de sua narrativa,<br />

que permite a apreensão<br />

de seu conteúdo crítico em diversos<br />

níveis, desde o mais superficial<br />

e óbvio, até suas mais<br />

densas e sutis implicações.<br />

Neste sentido, uma verdadeira<br />

escola literária, cuja maestria é<br />

digna de escritores da envergadura<br />

de um Leon Tolstoi, e sua<br />

igualmente espetacular – e popular<br />

– novela A Morte de Ivan<br />

Ilitch com sua narrativa clara e<br />

despojada. Obra que inclusive<br />

guarda grande afinidade com a<br />

novela de Kafka em seu tema<br />

da inutilidade social de seus<br />

personagens.<br />

Kafka encontrara a chave<br />

para um mundo totalmente<br />

novo e singular, concebido em<br />

meio a suas inúmeras crises<br />

pessoais em busca de uma voz<br />

literária que fosse capaz de<br />

elucidar as contradições da sociedade<br />

em que vivia. Universo<br />

que o escritor dominaria com<br />

maestria ao longo de sua vida.<br />

Cinco contos<br />

curtos de Kafka<br />

Páginas B7 e B8<br />

A METAMORFOSE<br />

DE UM CAIXEIRO-<br />

VIAJANTE<br />

A obra começa sem rodeios,<br />

quando o caixeiro-viajante Gregor<br />

Samsa acorda numa certa<br />

manhã surpreso, se descobrindo<br />

na condição esdrúxula de um<br />

inseto gigante. Fica ainda mais<br />

aflito quando descobre ao olhar<br />

o relógio, que perdera o trem<br />

das cinco para ir ao escritório<br />

pela manhã. Em pânico, mergulha<br />

em meditações de como


28 de fevereiro de 2010<br />

arrumar uma desculpa aceitável<br />

para aquele atraso inusitado.<br />

“‘O que terá acontecido comigo?’,<br />

ele pensou. Não era um sonho”.<br />

Em pouco tempo, porém,<br />

Gregor é obrigado a retornar <strong>à</strong><br />

realidade, com sua família batendo<br />

nas portas de seu quarto,<br />

exigindo que ele levante e siga<br />

para o trabalho. Sansa entra em<br />

pânico então ao descobrir que,<br />

com as pernas para o ar, não<br />

consegue se levantar da cama.<br />

Sua situação torna-se ainda<br />

mais delicada quando o gerente<br />

da firma vai pessoalmente a<br />

sua casa averiguar o que havia<br />

acontecido <strong>à</strong>quele funcionário<br />

dedicado que não aparecera no<br />

trabalho naquela manhã.<br />

Num crescente de tensão,<br />

Gregor aflito diante da perspectiva<br />

de perder o emprego,<br />

joga-se da cama, atira-se contra<br />

a porta e dedica-se com todas as<br />

suas forças a girar a chave com<br />

suas mandíbulas de inseto.<br />

O horror é geral quando pai,<br />

mãe e gerente defrontam-se<br />

com aquela enorme criatura<br />

rastejante saindo de dentro do<br />

quarto do caixeiro-viajante.<br />

É com desgosto que percebe<br />

também que não consegue<br />

falar, e todas as palavras que<br />

saem de sua boca se perdem em<br />

um horrendo zumbido animal.<br />

Gregor percebe ser assim incapaz<br />

de esclarecer sua situação<br />

para o superior, que parte em<br />

pânico do apartamento. La ia<br />

por água abaixo seu emprego,<br />

conquistado a duras penas em<br />

anos de dedicada labuta diária.<br />

Sua família fica igualmente<br />

horrorizada e mantém a partir<br />

de então o grande inseto Samsa<br />

aprisionado em seu quarto. Durante<br />

semanas apenas sua irmã<br />

se encoraja a levar alimentos<br />

para seu irmão desfigurado, enquanto<br />

este se mantém, desde o<br />

dia da metamorfose, escondido<br />

debaixo de um canapé, poupando<br />

todos de sua triste imagem.<br />

A HIPOCRISIA DE UMA<br />

FAMÍLIA<br />

Sem emprego, Samsa perde<br />

também a única função real que<br />

cumpria na família, o sustento<br />

econômico. Seu pequeno quarto<br />

se torna então um cárcere,<br />

onde o único contato que ainda<br />

tem com o mundo exterior são<br />

as tardes que passa observando<br />

a vista acinzentada de Praga<br />

pela janela do quarto. Ao longo<br />

dos meses, vai se aprofundando<br />

sua condição de “inseto”. Não<br />

sente mais necessidade de falar,<br />

perde o gosto pela comida, e sua<br />

única diversão passa a ser deslizar<br />

com suas rápidas pernas<br />

atléticas pelas paredes e teto de<br />

seu quarto.<br />

Em certa ocasião,no entanto,<br />

quando mãe e irmã se decidem<br />

a retirar do quarto de Gregor<br />

todos os móveis para que ele tivesse<br />

mais espaço para se locomover,<br />

o caixeiro-viajante, por<br />

acaso, sai de seu canapé e mantém-se<br />

preso <strong>à</strong> parede. Diante<br />

da imagem repulsiva de seu<br />

filho, a mãe desmaia. Sua irmã<br />

fica histérica, e com a chegada<br />

inesperada do pai <strong>à</strong> casa, este<br />

déspota da família, acreditando<br />

que Gregor agredira as mulheres,<br />

decide encerrar a vida<br />

infeliz de seu filho monstruoso,<br />

que o pai agora apenas tolerava.<br />

Atira contra ele uma série de<br />

maçãs que destroem seu macio<br />

abdome de inseto.<br />

Mas o filho sobrevive, ainda<br />

que moribundo. Já então, o<br />

grupo se acostumara <strong>à</strong> vida sem<br />

Gregor. Depois que ele sofrera<br />

sua estranha metamorfose, os<br />

familiares, que antes viviam na<br />

mais plácida imobilidade e parasitismo,<br />

alimentando-se dos<br />

rendimentos de Samsa, passaram<br />

a trabalhar intensamente<br />

sem maiores constrangimentos.<br />

O pai, antes inválido, era agora<br />

um vigoroso e animado funcionário<br />

público. A irmã, que antes,<br />

quando não estava tocando<br />

seu violino, vegetava em casa<br />

durante todo o dia, arrumara<br />

um emprego numa loja de dia e<br />

estudava fora a noite. Sua mãe,<br />

da mesma forma, que outrora<br />

não conseguia nem se levantar<br />

do sofá, despedira a empregada<br />

e realizava agora ela mesma<br />

todas as tarefas domésticas,<br />

passando inclusive a vender<br />

seus trabalhos de costura para<br />

complementar o rendimento<br />

doméstico.<br />

O gesto final da família para<br />

complementar a renda é a iniciativa<br />

de alugar os quartos da<br />

casa para inquilinos.<br />

Certa noite, porém, quando<br />

todos ouvem um concerto do<br />

violino da irmã de Gregor, eis<br />

que ele, atraído pela música,<br />

adentra pela sala de estar e coloca<br />

todos os hóspedes em pânico.<br />

É o momento decisivo da<br />

vida inútil de Samsa. A primeira<br />

iniciativa é de sua irmã, que afirma<br />

categórica: “Queridos pais,<br />

assim não dá mais. Se vocês talvez<br />

não são capazes de ver isso,<br />

eu o vejo muito bem. Não quero<br />

pronunciar o nome de meu<br />

irmão diante deste monstro e<br />

por isso digo apenas o seguinte:<br />

temos de procurar um jeito de<br />

nos livrar dele. Tentamos tudo o<br />

que era humanamente possível<br />

para cuidar dele e suportá-lo, e<br />

acredito que ninguém pode nos<br />

fazer a menor censura. (...) Nós<br />

temos de procurar nos livrar<br />

disso. Isso vai acabar matando<br />

todos nós, vejo o momento em<br />

que isso acontecerá. Quando<br />

se tem de trabalhar tão pesado<br />

como nós todos, não se pode<br />

suportar inclusive em casa mais<br />

este tormento eterno. Eu também<br />

não agüento mais”. Era seu<br />

veredicto, que é apoiado pelos<br />

demais familiares.<br />

Gregor, no entanto, estava<br />

no limite de suas poucas forças<br />

físicas e, já moribundo, dá o seu<br />

último suspiro naquela mesma<br />

noite, sozinho entre a poeira de<br />

seu quarto escuro. Na manhã<br />

seguinte, a família comprova<br />

aliviada a morte daquele membro<br />

inválido da família que tanto<br />

estorvo lhe causara.<br />

O PARASITISMO SOCIAL<br />

A narrativa em seu conjunto<br />

é de uma violenta mordacidade<br />

e ataque contra toda a sociedade,<br />

representada na obra pela<br />

família Sansa. Muitos são os<br />

elementos laterais da narrativa<br />

que Kafka utiliza para endossar<br />

a superficialidade, a mentalidade<br />

parasitária e desumana de todos<br />

os parentes de Gregor. E um<br />

de seus ingredientes centrais é<br />

a inversão de papeis que revela<br />

a Gregor a terrível realidade sobre<br />

sua querida família. Se interessavam<br />

por ele na medida em<br />

que era a fonte do dinheiro.<br />

Durante cinco anos, desde<br />

que a firma de seu pai falira,<br />

Gregor arrumara aquele emprego<br />

e em pouco tempo fora capaz<br />

de se sustentar sozinho todo o<br />

grupo. Ele trabalhara então com<br />

extrema dedicação pensando<br />

unicamente em proporcionar<br />

um bem estar a todos que amava.<br />

Sua sinceridade e abnegação<br />

saltam aos olhos toda a narrativa,<br />

proporcionando um vivo<br />

contraste com a falta de sensibilidade<br />

do resto da família. Na<br />

manhã em que ele tragicamente<br />

se vê transformado em inseto,<br />

um de seus pensamentos mais<br />

persistentes é a bancarrota em<br />

que entrariam seus parentes,<br />

que até então haviam se mostrado<br />

totalmente incapazes de<br />

exercer qualquer atividade. Era<br />

precisamente por isso que Gregor<br />

se dispusera a carregar todos<br />

em suas costas.<br />

Mas subitamente sem o caixeiro-viajante,<br />

todos se arranjam<br />

financeiramente. Passando<br />

a encarar o velho provedor familiar<br />

como um estorvo, massa<br />

morta, inútil e verdadeiro fardo<br />

a arrastar pela existência, como<br />

manifesta sua irmã ao final da<br />

novela. Esta mesquinhez moral<br />

dos Sansa seria um dos grandes<br />

alvos de Kafka em sua novela.<br />

Realidade que o escritor percebera<br />

ser inerente a todas as relações<br />

sociais, pessoais ou profissionais,<br />

aspecto elementar da<br />

vida sob o capitalismo.<br />

Entre seus familiares, o<br />

principal ataque, e lendo a novela<br />

fica claro, é contra o pai de<br />

Gregor, cuja personalidade impositiva,<br />

arbitrária e intimidadora<br />

se manifesta em diversos<br />

momentos ao longo da trama,<br />

sendo que é ele que parte para<br />

a agressão física de fato contra<br />

o filho, causa principal de sua<br />

morte. Um dos interessantes<br />

e mais sutis exemplos desta<br />

tirania presente na obra está<br />

também presente no destino da<br />

irmã.<br />

Samsa se lamentava nunca<br />

mais poder trabalhar, pois<br />

sonhava poder pagar um conservatório<br />

de música para sua<br />

irmã aperfeiçoar as técnicas<br />

no violino, habilidade que o irmão<br />

considerava uma das mais<br />

elevadas qualidades da garota.<br />

Em sua condição de inseto, ele<br />

manifesta sentimentos profundamente<br />

humanos. Mas quando<br />

este morre seco no chão do<br />

quarto, a primeira iniciativa do<br />

pai, vendo a bela garota reluzir<br />

ao sol, é tratar de organizar um<br />

casamento para ela, sugerindo<br />

a próxima metamorfose do livro,<br />

da irmã em fonte de renda<br />

familiar. Daí outra revelação de<br />

Kafka, os outros eram os verdadeiros<br />

insetos.<br />

A oposição entre as elevadas<br />

qualidades morais do protagonista<br />

monstruoso, em contraste<br />

com o estado de animalidade<br />

moral dos demais familiares,<br />

definiria o sentido moral da<br />

narrativa de Kafka.<br />

O OLHAR DE KAFKA<br />

CAUSA OPERÁRIA CULTURA B2<br />

Para abordar estes temas críticos,<br />

de denúncia da corrupção<br />

moral dos personagens, Kafka<br />

desenvolveria uma técnica narrativa<br />

peculiar, que acabaria<br />

tornando este tema – que já<br />

havia aparecido na em outros<br />

momentos na literatura – algo<br />

totalmente novo, suscitando<br />

novas maneiras de se pensar o<br />

problema e destacando questões<br />

que de outra forma ficariam<br />

obscurecidas pelo seu caráter<br />

comum, cotidiano. A imagem<br />

insólita de Gregor como<br />

um inseto gigante, amplia de<br />

maneira magnífica a complexidade<br />

da crítica, que pode atuar<br />

em diversos planos, falando ao<br />

mesmo tempo de diversos assuntos<br />

diferentes.<br />

Esta imagem do homem<br />

transformado em inseto assombrava<br />

a própria vida do escritor,<br />

da mesma forma que a estranha<br />

sensação que Kafka sempre tinha<br />

ao acordar, quando seus<br />

sentidos estavam todos amortecidos<br />

e ele tinha a impressão<br />

que não era mais ele mesmo.<br />

Kafka então trabalhava<br />

no Instituto de Seguros Contra<br />

Acidentes de Trabalho em<br />

Praga, corporação burocrática<br />

onde o escritor realizava as<br />

mais vulgares atividades de<br />

rotina, contando papeis, verificando<br />

relatórios, arquivando<br />

documentos.<br />

Quando Kafka começara a escrever<br />

A Metamorfose, em 1912,<br />

ele trabalhava lá há cinco anos,<br />

como também seu personagem<br />

caixeiro-viajante. Ao chegar do<br />

trabalho ao final da tarde, o escritor<br />

jogava-se no sofá e ficava<br />

ali abandonado, inerte durante<br />

vários minutos. Comentava então<br />

que nestas ocasiões sentiase<br />

como se fosse um grande inseto.<br />

Ele se referia justamente <strong>à</strong><br />

repetição burocrática da rotina<br />

do escritório, onde a criatividade<br />

era algo totalmente descartável.<br />

Kafka percebia o embrutecimento<br />

advindo deste tipo de<br />

atividade, onde as suas qualidades<br />

humanas e pessoais não<br />

tinham qualquer serventia.<br />

Percebia também a sensação de<br />

se tornar um estranho naquele<br />

mundo antinatural e exterior a<br />

ele. Este embotamento do espírito<br />

diante da mediocridade do<br />

trabalho e da vida em geral e o<br />

estranhamento causado por ele<br />

seria o fio condutor do estranho<br />

despertar de Gregor Samsa,<br />

logo nas primeiras linhas de A<br />

Metamorfose.<br />

Não se pense, porém, que A<br />

Metamorfose, assim como os<br />

demais textos do autor tenham<br />

como tema o tédio e angústia<br />

diante do cotidiano ou um mero<br />

drama pessoal. Seu caráter é<br />

universal, o público posteriormente<br />

o reconheceu como tal.<br />

Kafka expressa uma angústia<br />

social, cultural e histórica de um<br />

mundo que entra em colapso e<br />

onde os seres humanos não encontram<br />

nem um lugar adequado<br />

nem uma perspectiva geral.<br />

Um dos aspectos mais significativos<br />

desta percepção das mundanças<br />

que o mundo apresenta<br />

é o seu caráter de antecipação.<br />

O nazismo, por exemplo, materializa<br />

esta angústia do mundo<br />

em forma direta, mas a obra<br />

de Kafka traz a superfície toda<br />

esta situação quando ainda não<br />

era visível. A angústia advinda<br />

da situação individual é, na realidade,<br />

angústia coletiva.<br />

Animalizado por esta vida,<br />

Gregor acorda como inseto, e<br />

sua sensação de isolamento do<br />

mundo transforma-se em uma<br />

barreira real entre ele e os demais<br />

indivíduos. Na incapacidade<br />

de retomar suas atividades<br />

cotidianas após a metamorfose,<br />

vem <strong>à</strong> luz também o verdadeiro<br />

laço social que o ligava <strong>à</strong> sociedade.<br />

Quando este elo se desfaz,<br />

Samsa torna-se o pária que ficaria<br />

encarcerado na escuridão de<br />

seu quarto, inspirando apenas<br />

repulsa em todos. Depois de ser<br />

hostilizado e abandonado, é ainda<br />

agredido pelo pai que apenas<br />

o tolerava, até todos concluírem<br />

que era necessário se livrar dele.<br />

Seu assassinato é concretizado<br />

aos poucos, quando Gregor,<br />

oprimido por aquela existência,<br />

humilhado, agredido, degradado<br />

e abandonado <strong>à</strong> própria sorte,<br />

morre antes de desgosto e<br />

cansaço. Este aniquilamento do<br />

indivíduo pela sociedade seria o<br />

tema mais recorrente da literatura<br />

de Kafka.<br />

UM GRITO DE<br />

ANGÚSTIA, DENÚNCIA<br />

DA SOCIEDADE DA<br />

ANGÚSTIA<br />

“Eu quero que a minha lite-<br />

ratura doa, que faça as pessoas<br />

sofrerem. Ela deve funcionar<br />

como um machado, capaz de<br />

quebrar o mar congelado que<br />

existe em cada um de nós”,<br />

confessaria certa vez o escritor<br />

tcheco sobre os o sentido de sua<br />

obra.<br />

A afirmação é bastante esclarecedora<br />

e contundente das<br />

motivações que assaltavam este<br />

escritor que nasceu e cresceu no<br />

início de um dos períodos mais<br />

críticos já vividos pela história<br />

humana, a saber, a época em<br />

que a sociedade é dominada<br />

pela maior ditadura sobre todas<br />

as esferas da atividade humana,<br />

a época do imperialismo.<br />

Essa atmosfera de histeria e<br />

opressão que já se insinuava na<br />

autoritária sociedade austríaca<br />

moldaria um dos escritores<br />

mais originais da literatura,<br />

dono de um universo fantástico<br />

e absurdo que se revelaria uma<br />

eficiente ferramenta expressiva<br />

para retratar justamente o<br />

absurdo em que vivia e ainda<br />

vive o mundo moderno sob a<br />

opressão capitalista acentuada<br />

pelos monopólios, onde a razão<br />

e a lógica são utilizadas apenas<br />

para atividades, em última<br />

instância, totalmente secundárias,<br />

e onde a lei é o império<br />

da arbitrariedade, do abuso, do<br />

assassinato em massa. Destruidor<br />

de populações inteiras e de<br />

qualquer verdadeiro valor espiritual.<br />

Tudo em defesa dos mais<br />

mesquinhos objetivos materiais<br />

de meia dúzia de grandes capitalistas.<br />

Era contra este estado<br />

de selvageria institucionalizada<br />

que o escritor ergueria sua obra<br />

poderosa, reveladora.<br />

Na literatura de Kafka, suas<br />

alucinações e alegorias sociais<br />

têm longo alcance. As metamorfoses<br />

que sua pena apresenta<br />

são inúmeras, mas que sempre<br />

acabam confluindo ao mesmo<br />

tema. Em novelas como O Veredicto,<br />

A Metamorfose ou Carta ao<br />

Pai, as obras iniciais da maturidade<br />

do autor, o esmagamento<br />

humano pelo mundo, concretamente<br />

pela sociedade capitalista<br />

– a grande obsessão presente<br />

em toda a obra kafkiana –, aparece<br />

na figura opressora do pai,<br />

cuja personalidade tirânica aniquila<br />

qualquer possibilidade de<br />

desenvolvimento de seus familiares,<br />

que terminam todos espiritualmente<br />

castrados, desfecho<br />

inevitável desta opressão. E<br />

isso sempre em função dos objetivos<br />

econômicos mais baixos.<br />

O que seriam estes “pais” se não<br />

a representação microscópica<br />

do mesmo movimento embrutecedor<br />

da sociedade como um<br />

todo, representada pelo monstruoso<br />

Estado burguês, inimigo<br />

do cidadão; e das corporações<br />

capitalistas, tirania maior do<br />

trabalhador proletário?<br />

O MUNDO BURGUÊS<br />

COLOCADO A NU<br />

Estas metamorfoses iniciais<br />

da obra de Kafka, encenadas<br />

no seio familiar, apenas ganhariam<br />

corpo e forma em suas<br />

obras seguintes <strong>à</strong> medida que<br />

este habilidoso vidente literário<br />

aperfeiçoa suas ferramentas expressivas,<br />

sua visão reveladora<br />

da sociedade moderna deformada.<br />

Como que tateando através<br />

de uma densa neblina, Kafka<br />

irá encontrar seu verdadeiro<br />

tirano nas obras de sua última<br />

maturidade literária, quando já<br />

está próximo da morte. O tirano<br />

aparecerá agora em sua forma<br />

verdadeira, na imensa máquina<br />

burocrática de O Processo<br />

e na máquina de execuções de<br />

Na Colônia Penal, que são brilhantes<br />

transfigurações do movimento<br />

aparentemente automático<br />

do Estado burguês que,<br />

no entanto, sempre termina em<br />

um horripilante veredicto contra<br />

a população a quem a todo<br />

instante diz estar servindo.<br />

São obras que desmascaram<br />

o verdadeiro caráter repressivo<br />

e hostil da máquina capitalista<br />

que mecanicamente esmaga<br />

sua própria nação sem hesitação<br />

alguma. Seus últimos dois<br />

romances de maior vôo, o inacabado<br />

O Castelo, abandonado<br />

com mais de quatrocentas páginas<br />

manuscritas; e o igualmente<br />

inacabado América tratariam<br />

dos mesmos temas de forma<br />

igualmente brilhante. Seus heróis,<br />

sempre reduzidos a sombras<br />

humanas buscam a todo<br />

custo transformar-se em engrenagens<br />

úteis dentro do mecanismo<br />

viciado dessa sociedade.<br />

Neste processo desesperado<br />

acabam por se destruir completamente,<br />

atirados ao mais baixo<br />

degrau social, desprezados,<br />

esquecidos, transformados em<br />

espectros ou monstros inúteis<br />

em um mundo onde são incapazes<br />

de entender os verdadeiros<br />

valores que o comanda. Era esta<br />

a grande obsessão da vida de<br />

Kafka. Revelar as origens mais<br />

profundas dessa grande doença<br />

social que o escritor sabia também<br />

estar envolvido e contra o<br />

qual buscou lutar durante toda<br />

a vida.<br />

VIDA E OBRA<br />

Kafka não tinha uma consciência<br />

clara do fenômeno que<br />

procurou elucidar, mas em<br />

sua enorme sensibilidade artística<br />

soube revelar de forma<br />

inigualável as cadeias modernas<br />

do homem. Ele vivia sob<br />

o impacto direto de um destes<br />

Estados tirânicos, o Império<br />

Austro-Húngaro, que em sua<br />

luta encarniçada por erguerse<br />

uma potência imperialista<br />

diante da economia européia,<br />

lançou mão dos mais agressivos<br />

mecanismos de exploração<br />

da classe operária e aniquilamento<br />

minorias étnicas. Kafka<br />

era destes milhares de judeus<br />

de ascendência eslava nascidos<br />

em Praga, esmagados pela dominação<br />

da burguesia alemã,<br />

alijados de sua própria nacionalidade,<br />

sua cultura, suas tradições<br />

e seu idioma. O escritor<br />

seria uma destas vítimas mutiladas<br />

pela campanha do nacionalismo<br />

germânico, tendo sido<br />

criado por seus pais sempre em<br />

escolas alemãs e formado sob<br />

este idioma. Não se consideraria<br />

nem tcheco, nem alemão.<br />

O jovem Kafka percebia claramente<br />

esta situação, testemunha<br />

das inúmeras campanhas<br />

anti-semitas que organizavam<br />

pogroms em toda a Europa.<br />

Esta profunda divisão cultural<br />

de sua cidade e mesmo de todo<br />

o Império, fonte de inesgotáveis<br />

crises políticas, refletiriam<br />

não apenas nesta sua formação<br />

alemã, como também em seu<br />

temperamento. A solidão e isolamento<br />

da qual Kafka sempre<br />

se queixara ao longo da existência<br />

atormentaria também<br />

outro de seus contemporâneos,<br />

o poeta Rainer Maria Rilke, representante<br />

da minoria alemã<br />

de Praga, a quem o crítico Otto<br />

Maria Carpeaux chamaria de “o<br />

mais solitário dos poetas do século<br />

XX”. Da mesma forma que<br />

o autor de A Metamorfose, Rilke<br />

conceberia uma obra sui generis,<br />

dissociado dos movimentos<br />

nacionalistas de Praga e de<br />

qualquer filiação <strong>à</strong>s correntes<br />

modernistas de seu tempo.<br />

Este ambiente cultural e<br />

político particular parecia propício<br />

ao nascimento destes gênios<br />

singulares, alienados de<br />

sua própria cultura e seu povo,<br />

vendo-se como estrangeiros em<br />

sua nação.<br />

O meio familiar em que Kafka<br />

vivia representava mesmo<br />

este microcosmo opressivo.<br />

Oprimido por toda a vida pelo<br />

pai, um judeu-tcheco que ascendera<br />

das fileiras proletárias<br />

para a pequena-burguesia e<br />

casado com uma judia-alemã<br />

nascida nos meios mais aristocráticos<br />

de Praga. A este quadro<br />

de despotismo familiar se<br />

acrescentaria seu testemunho<br />

do despotismo do Estado imperialista<br />

sobre a população,<br />

mundo que Kafka conhecera<br />

em sua escravidão de toda uma<br />

vida dentro das repartições burocráticas<br />

da companhia semiestatal<br />

de Seguros em que trabalhava.<br />

A evolução de sua obra, portanto,<br />

representaria a tentativa<br />

de solução intelectual destes<br />

dois mundos, aparentemente<br />

alheios um do outro, mas que<br />

guardavam uma estranha semelhança.<br />

Deste modo, a insólita técnica<br />

literária que desenvolve, enxuta,<br />

objetiva e repleta de imagens<br />

e situações expressionistas<br />

mais próprias de um pesadelo,<br />

estaria totalmente a serviço da<br />

descrição desta realidade brutal<br />

e desumanizadora com que<br />

Kafka era defrontado a todo o<br />

momento em sua vida.


28 de fevereiro de 2010<br />

Panorama da vida do escritor<br />

FRANZ KAFKA,<br />

O ESCRITOR EM UM MUNDO EM TRANSIÇÃO<br />

A boêmia na qual nascera<br />

Kafka no Império Austro-Húngaro,<br />

organismo político que<br />

se formara em 1867 vinha do<br />

maior período de crescimento<br />

econômicos dos países que o<br />

compunha como conseqüência<br />

da unificação alemã de 1870.<br />

O império heterogêneo foi a<br />

alternativa encontrada pela monarquia<br />

austríaca como forma<br />

de atenuar as sucessivas crises<br />

políticas a que estava submetida<br />

cuja culminação havia sido<br />

a Revolução de 1848. Isso ao<br />

mesmo tempo em que a aristocracia<br />

húngara ganhava mais<br />

poder com acordo de anexação<br />

das duas nações. Mas o Império<br />

seria formado também por inúmeras<br />

outras nações, oprimidas<br />

política e culturalmente pela<br />

dinastia dos Habsburgo, o que<br />

impulsionou um vigoroso movimento<br />

nacionalista. Este por<br />

sua vez seria duramente reprimido<br />

durante todo o período de<br />

existência do Império Austro-<br />

Húngaro.<br />

Uma das regiões mais ricas<br />

e industrializadas do país era a<br />

Boêmia, que desenvolveu uma<br />

concentrada população urbana,<br />

cujo centro, Praga era também a<br />

segunda capital mais importante<br />

da nação, depois de Viena.<br />

A migração do campesinato<br />

tcheco para as cidades, cuja<br />

maioria da população era alemã,<br />

formaria a identidade nacional<br />

moderna de Praga do final do<br />

século XIX. A população estava<br />

dividida entre o controle político<br />

e econômico alemão, cujos<br />

membros pertenciam <strong>à</strong> burguesia,<br />

<strong>à</strong> nobreza e ao exército;<br />

uma intelectualidade nacionalista<br />

tcheca, pertencente a uma<br />

pequena-burguesia; e as amplas<br />

camadas populares proletárias<br />

formadas por ex-camponeses<br />

judeus e tchecos.<br />

A luta permanente da população<br />

tcheca por uma legítima<br />

representação no governo definiria<br />

o caráter deste movimento<br />

nacionalista, oprimido por uma<br />

nação estrangeira e em busca de<br />

seus direitos democráticos.<br />

Sua grande tradição de luta<br />

remontava <strong>à</strong>s revoluções de<br />

1848, quando Praga foi a primeira<br />

cidade a se levantar contra<br />

o governo central austríaco.<br />

Sob esta inspiração também<br />

um importante movimento<br />

cultural nasceria ali, conhecido<br />

posteriormente como o Renascimento<br />

Cultural Tcheco, de<br />

onde emergiria o compositor<br />

nacionalista Antonin Dvorjac,<br />

ou os escritores Franz Werfel,<br />

Gustav Meyerinck e Max Brod,<br />

contemporâneos de Kafka que<br />

formariam a geração imediatamente<br />

anterior <strong>à</strong> emergência do<br />

expressionismo alemão, e com<br />

o qual todos estes escritores já<br />

guardavam grandes afinidades.<br />

A família de Franz Kafka refletiria<br />

bem esta sociedade profundamente<br />

dividida, cujo clima<br />

de permanente tensão e crise<br />

moral seriam perfeitamente registrados<br />

nas obras do futuro<br />

escritor. Seu pai, Hermann Kafka<br />

era um judeu-tcheco nascido<br />

nos sórdidos guetos proletários<br />

da periferia de Praga, enquanto<br />

que Julie, sua mãe, uma judiaalemã,<br />

descendia de uma família<br />

aristocrática da burguesia da<br />

cidade. Hermann, entretanto,<br />

ascendera socialmente, e como<br />

próspero comerciante, tornara<br />

possível a união do casal.<br />

A VIDA EM PRAGA<br />

Franz Kafka, nascido em<br />

1883, era o único filho homem<br />

ao lado de três irmãs mulheres<br />

de uma família judia alemã.<br />

Em sua juventude, o movimento<br />

nacionalista de praga,<br />

enfraquecido, sofria grande<br />

repressão, e mesmo as últimas<br />

placas bilíngües da cidade estavam<br />

sendo substituídas por<br />

textos em alemão. Isto ainda<br />

em uma época onde o alemão<br />

como idioma era falado apenas<br />

nas regiões centrais da cidade,<br />

enquanto que nos subúrbios,<br />

o tcheco era o idioma predominante.<br />

Esta situação não era<br />

particular da Boêmia. Em toda<br />

a Europa se intensificava uma<br />

onda reacionária, cuja perseguição<br />

<strong>à</strong>s minorias oprimidas era<br />

uma das expressões mais notórias.<br />

Na Rússia de Alexandre III<br />

se intensificaram os pogroms<br />

desde o final da década de 1880.<br />

Em Paris, a ofensiva direitista<br />

que se seguiria <strong>à</strong> derrota da Comuna<br />

também levou ao mesmo<br />

fenômeno, que atingiu as raias<br />

da histeria anti-semita com o<br />

escandaloso Caso Dreyfus na<br />

década de 1890.<br />

Em Praga, os conflitos étnicos<br />

faziam parte também do cotidiano<br />

das crianças, e não eram<br />

raras nas escolas grandes pancadarias<br />

entre alunos alemães<br />

e thecos. Crescendo em meio a<br />

estas disputas, Kafka seria criado<br />

desde pequeno sob o idioma<br />

alemão por vontade da família,<br />

apesar da origem tcheca.<br />

Ele viveria a maior parte de<br />

sua vida sempre em Praga, de<br />

modo que não apenas estes<br />

conflitos fariam parte de sua<br />

própria cultura, como também<br />

o escritor manteria sempre uma<br />

relação de amor e ódio com a<br />

cidade, esta “mãezinha com garras<br />

afiadas”, como ele a descreveria<br />

futuramente. Este clima,<br />

sempre tenso e sombrio, formaria<br />

o pano de fundo presente em<br />

todos os seus trabalhos.<br />

Ainda no ginásio escreve seus<br />

primeiros textos pretensamente<br />

literários, diversos contos infantis<br />

que depois se perderam.<br />

Nesta época chega a participar<br />

também de debates entre a juventude<br />

socialista da Boêmia.<br />

Em 1901, ingressa na Universidade<br />

Alemã de Praga. Começando<br />

a Faculdade de Química,<br />

em seguida troca seu curso<br />

para Direito. Época que conhece<br />

também o jovem escritor judeu<br />

Max Brod, que se tornaria seu<br />

amigo por toda a vida e futuro<br />

editor de suas obras.<br />

A literatura de Friedrich Hebbel,<br />

poeta e dramaturgo alemão,<br />

crítico da sociedade, teriam ainda<br />

grande influência sobre o início<br />

de sua literatura. Data destes<br />

anos seu manuscrito mais antigo<br />

conhecido, o conto Descrição<br />

de uma Luta, texto nunca concluído<br />

que narrava um passeio<br />

noturno pela sua cidade natal.<br />

“Praga não me larga”, escreveria<br />

ele ainda aos 19 anos.<br />

O INÍCIO DA ATIVIDADE<br />

LITERÁRIA<br />

Kafka forma-se Doutor em<br />

Direito em 1906, e passa a trabalhar<br />

em escritórios e tribunais<br />

como advogado. Escreve aí<br />

seus primeiros textos de maior<br />

maturidade literária, como o<br />

conto Preparativos de Casamento<br />

no Campo, e diversos pequenos<br />

fragmentos que publicaria na<br />

revista Hyperion, posteriormente<br />

reunidos sob o título<br />

Consideração.<br />

Trabalhar durante o dia obrigava-o<br />

a espremer sua dedicação<br />

<strong>à</strong> literatura apenas <strong>à</strong>s noites<br />

em sua casa. Vivia então com a<br />

família, seus pais e irmãs. O silêncio<br />

era um luxo que não desfrutava,<br />

passava as noites atormentado<br />

pela bagunça da casa:<br />

“Quero escrever e há um tremor<br />

constante na minha testa. Estou<br />

sentado no meu quarto, que é o<br />

quartel-general de todo o barulho<br />

do apartamento. Há portas<br />

batendo por toda a parte… o<br />

pai deita abaixo a porta do meu<br />

CAUSA OPERÁRIA CULTURA B3<br />

quarto e atravessa-o com a ponta<br />

do roupão de banho a arrastar<br />

atrás dele. A Valli grita do vestíbulo<br />

como se fosse de um lado<br />

para o outro de uma rua de Paris<br />

perguntando se o chapéu do pai<br />

foi escovado. A porta da frente<br />

faz um barulho como o de uma<br />

garganta inflamada. Finalmente,<br />

o pai foi embora, e tudo o que<br />

resta é o pipilar mais terno e desesperado<br />

dos dois canários”.<br />

Pouco mais tarde, em 1907,<br />

Kafka passaria a trabalhar na<br />

empresa de seguros Assicurazione<br />

Generali e um ano mais<br />

tarde, ingressava já na companhia<br />

semi-estatal Instituto de<br />

Seguros Contra Acidentes de<br />

Trabalho em Praga, onde irá<br />

permanecer até o final de seus<br />

dias. Sua relação com estes empregos<br />

burocráticos, cuja rotina<br />

e mecanismos de funcionamento<br />

lhe causava horror, mas do<br />

qual nunca conseguiria se libertar,<br />

acabariam por se tornar o<br />

principal motor de toda sua literatura<br />

fantástica.<br />

Em 1910 aproxima-se de grupos<br />

socialistas da capital e participa<br />

de uma série de eventos e<br />

atos públicos. Kafka manifesta<br />

também grande interesse pelo<br />

teatro, aproxima-se de uma trupe<br />

amadora de teatro político,<br />

liderada pelo seu amigo, o ator<br />

e poeta polonês Jizchak Löwy,<br />

e freqüenta palestras do proeminente<br />

escritor satírico alemão<br />

Karl Kraus, dramaturgo e<br />

poeta que organizava uma série<br />

de atividades agitativas denunciando<br />

a corrupção do governo e<br />

a opressão social sob aquele Império<br />

que faziam vibrar Kafka e<br />

seus colegas.<br />

ANOS DE INQUIETAÇÃO<br />

Momento decisivo na atividade<br />

literária de Kafka é a viagem<br />

que realiza com o amigo<br />

Max Brod a Weimar em 1912,<br />

onde conhecem de perto o ambiente<br />

em que viveram alguns<br />

dos maiores escritores alemães.<br />

Era já grande admirador das<br />

obras de Goethe e Schiller, e os<br />

amigos traçam um roteiro cultural<br />

na cidade, onde visitariam,<br />

entre outros lugares, a residência<br />

de Goethe, que causa grande<br />

impacto nos dois escritores.<br />

Kafka nos meses seguintes<br />

intensifica de maneira frenética<br />

sua atividade literária. Seria o<br />

período mais prolífico de toda<br />

sua carreira, quando redige em<br />

poucos meses mais de quatrocentas<br />

páginas manuscritas, e<br />

entre elas, seus melhores trabalhos<br />

até então. Além de diversos<br />

pequenos contos e fragmentos,<br />

concebe O Veredicto em setembro;<br />

e A Metamorfose, apenas<br />

dois meses mais tarde.<br />

Acima de tudo, é neste período<br />

que Kafka descobre sua própria<br />

voz literária, quando nasce<br />

seu estilo característico de narrativa,<br />

seco, preciso, econômico<br />

e realista, para descrever temas<br />

fantásticos e oníricos que causariam<br />

verdadeiro impacto na<br />

literatura moderna.<br />

O escritor vivia ao mesmo<br />

tempo em uma intensa crise<br />

pessoal que definiriam o clima<br />

de grande angústia destas novelas.<br />

Em seus diários da época<br />

confessa pensar em abandonar<br />

tudo, o emprego, as mulheres,<br />

cometer suicídio.<br />

Para amainar sua crise, ano<br />

seguinte dedica-se <strong>à</strong> jardinagem,<br />

buscando uma maneira<br />

de se distrair de seus pensamentos<br />

sombrios. Realiza também<br />

diversas viagens, a Berlim,<br />

Trieste, Veneza e Verona, com o<br />

mesmo objetivo. Em sua inquietação,<br />

inicia e termina diversos<br />

relacionamentos amorosos até<br />

oficializar um noivado com Felice<br />

Bauer.<br />

Após a grande atividade do<br />

período anterior, parece viver<br />

agora em um impasse também<br />

criativo. Os meses que vão de<br />

fevereiro de 1913 a julho de<br />

1914 testemunham uma lacuna<br />

em sua produção. “Quase não<br />

há palavras que eu escreva que<br />

estejam de harmonia com as<br />

outras; as consoantes chocam<br />

entre si com um barulho de latas<br />

e as vogais acompanhamnas<br />

cantadas, como a canção<br />

dos negros na manifestação.<br />

As minhas dúvidas dispõemse<br />

em círculo em volta de cada<br />

palavra e vejo-as antes de ver a<br />

palavra”. O escritor não se dava<br />

conta, mas refletia o clima político<br />

geral, <strong>à</strong>s vésperas de um dos<br />

mais horrendos acontecimentos<br />

políticos do novo século, a<br />

emergência da Primeira Guerra<br />

Mundial.<br />

Internacionalmente, o Império<br />

Austro-Húngaro vivia já<br />

muitos anos de tensões políticas<br />

e uma escalada armamentista<br />

desenfreada por melhores posições<br />

na economia da Europa,<br />

esmagado principalmente pelo<br />

imperialismo inglês e francês.<br />

O aumento da opressão econômica<br />

que o Império Austro-<br />

Húngaro passou a exercer sobre<br />

as pequenas nações eslavas do<br />

império, como a croata, bósnia e<br />

eslovena, desencadeou uma reação<br />

nacionalista por parte destes<br />

povos, apoiados pela Sérvia,<br />

aliada do imperialismo. A crise<br />

explodiu após o assassinato do<br />

arquiduque austríaco Francisco<br />

Ferdinando em Sarajevo por um<br />

militante nacionalista sérvio.<br />

Sob este pretexto, o Império<br />

Britânico, a França, a Rússia e<br />

os Estados Unidos alinharam-se<br />

ao lado da Sérvia contra a Tríplice<br />

Aliança liderada pelo Império<br />

Austro-Húngaro, Império Alemão,<br />

Império Russo e Império<br />

Turco-Otomano para deflagrar<br />

o que se revelaria o maior morticínio<br />

já realizado na história<br />

da humanidade.<br />

A MATURIDADE DE SUA<br />

OBRA<br />

O que estava em jogo de fato<br />

era a disputa das burguesias<br />

internacionais pelo domínio<br />

da economia mundial. De um<br />

lado, as mais avançadas nações<br />

imperialistas, de outro, os<br />

mais qualificados candidatos<br />

a substituí-los em seu posto, o<br />

segundo escalão imperialista.<br />

Ao término dos conflitos estes<br />

impérios acabariam derrotados<br />

e varridos do mapa, com seus<br />

territórios radicalmente redesenhados<br />

e transformados em países<br />

menores descentralizados.<br />

Entre 1914 e 1915, Franz<br />

Kafka acompanhava o desenrolar<br />

dos conflitos a uma certa<br />

distância, mas refletia em seu<br />

comportamento e sua literatura<br />

o clima espiritual reacionário<br />

que tomava conta de todos os<br />

países então, em meio ao bombardeio<br />

de propaganda nacionalista<br />

rasteira, chamando a todos<br />

a apoiarem aquelas atrocidades.<br />

O escritor, depressivo, muda de<br />

casa diversas vezes, vive com<br />

suas irmãs e passa a residir em<br />

um quarto de pensão, onde<br />

dedica-se <strong>à</strong> literatura nas horas<br />

vagas de seu maçante trabalho<br />

burocrático.<br />

Em 1915, ele recebe um<br />

conhecido prêmio literário, o<br />

Prêmio Fontane pela novela A<br />

Metamorfose. A homenagem<br />

desperta o interesse dos meios<br />

editoriais que publicam neste<br />

mesmo ano a narrativa fantástica<br />

daquele desconhecido Franz<br />

Kafka. Esta primeira vitória reanima<br />

o escritor, que tinha em<br />

mente já seu novo projeto. Uma<br />

obra igualmente genial, crítica<br />

contundente ao burocratismo<br />

mórbido que envenena e destrói<br />

a vida de milhares de pessoas<br />

todos os anos. Ela receberia o<br />

nome de O Processo, mas nunca<br />

seria publicada durante a vida<br />

do escritor.<br />

A boa recepção de A Metamorfose<br />

entre o público permite<br />

e publicação também da novela<br />

O Veredicto no ano seguinte, e<br />

Kafka conclui também nesta<br />

mesma época, o texto Na Colônia<br />

Penal uma violenta crítica <strong>à</strong><br />

arbitrariedade das penas aplicadas<br />

pela justiça, revelando<br />

que tais mecanismos são mero<br />

instrumento de opressão social.<br />

Kafka não chega a desvendar o<br />

sentido final dessa prática, que<br />

é a execução da justiça burguesa<br />

contra sua própria população,<br />

mas deixa clara a denúncia <strong>à</strong>s<br />

práticas de assassinato legal<br />

implementados pelos estados<br />

despóticos burgueses, cujo funcionamento<br />

é automático na<br />

sociedade, movimentado por gigantescas<br />

máquinas estatais de<br />

execuções sumárias. No livro, a<br />

metáfora da “máquina jurídica”,<br />

que executa sua “justiça”, aparece<br />

brilhantemente na forma<br />

de uma máquina de tortura. Ao<br />

concluir sua obra, Kafka realiza<br />

uma série de leituras públicas<br />

da novela em reuniões literárias<br />

em Praga.<br />

OS ÚLTIMOS ANOS DO<br />

ESCRITOR<br />

Em 1917 o escritor contrai<br />

tuberculose e, preocupado com<br />

o clima úmido da capital, parte<br />

para o interior onde desfruta de<br />

uma vida rural na casa de uma<br />

de suas irmãs, Ottla. Suas crises<br />

emocionais e debilidade física<br />

culminam em sua separação<br />

com Felice Bauer, cujo relacionamento<br />

já havia se degradado.<br />

Depois deste período de férias<br />

prolongadas, em 1918, Kafka<br />

retorna ao trabalho no instituto<br />

de Seguros, mas em Praga,<br />

acaba contaminado pela grande<br />

epidemia de gripe espanhola<br />

que varria então toda a Europa<br />

ao término da Guerra.<br />

Após o saldo de centenas de<br />

milhares de mortos em todo o<br />

continente, <strong>à</strong> Primeira Guerra se<br />

seguiu, esta que foi a mais terrível<br />

pandemia do século XX. Estima-se<br />

que entre 1918 e 1919,<br />

ela tenha matado cerca de 40<br />

milhões de pessoas, tendo afetado<br />

cerca de metade da população<br />

mundial. Todos os exércitos<br />

em campo sofreram um número<br />

gigantesco de baixas em virtude<br />

da doença, que registrou casos<br />

em praticamente todos os países<br />

europeus e muitos outros na<br />

América, África e Ásia. Era mais<br />

um dos ônus da guerra. Após a<br />

devastação, a doença, Kafka foi<br />

vítima do primeiro surto, mais<br />

brando da gripe, e consegue se<br />

recuperar. Mas sua saúde já debilitada<br />

pela tuberculose ficaria<br />

com seqüelas irremediáveis.<br />

Em 1919 ele consegue publicar<br />

Na Colônia Penal, e concebe<br />

ainda no mesmo ano, outra de<br />

suas grandes criações, Carta ao<br />

Pai. Escrita originalmente como<br />

uma carta de fato, endereçada a<br />

seu pai, Kafka conceberia uma<br />

das obras mais expressivas e<br />

instigantes de toda sua produção<br />

literária. O texto era um<br />

desabafo e ao mesmo tempo um<br />

ajuste de contas com Hermann<br />

Kafka, o tirano que o assombrou<br />

durante toda a juventude,<br />

escrito após seu pai condenar<br />

sua relação amorosa com Julie<br />

Wohryzek. Kafka não tinha nenhuma<br />

intenção de publicá-lo, e<br />

desenvolve assim um tema íntimo<br />

de maneira livre, brilhante e<br />

despretensiosa. Ela foi revisada<br />

diversas vezes ao longo de sua<br />

vida e acabou atirada em meio<br />

aos seus manuscritos descartados.<br />

Apesar dos problemas de saúde<br />

que sofria o escritor retoma a<br />

vida normalmente. Tem diversas<br />

relações amorosas, consegue<br />

uma promoção no trabalho para<br />

Secretário Geral da corporação,<br />

organiza edições de suas novelas<br />

traduzidas para o tcheco, rompe<br />

seu noivado com Julie e começa<br />

a escrever o que seria seu livro<br />

mais extenso e ambicioso, O<br />

Castelo.<br />

O ESPÓLIO DE FRANZ<br />

KAFKA<br />

Mas seus problemas de saúde<br />

parecem irreversíveis e ele definha<br />

rapidamente. Consciente<br />

de sua condição, em 1922, Kafka<br />

deixa aos cuidados de Max<br />

Brod, que havia editado alguns<br />

de seus livros, todos os seus manuscritos<br />

pessoais, e revela a ele<br />

seu desejo final. Quando Kafka<br />

morresse, Brod deveria atear<br />

fogo em todo o material não publicado.<br />

Kafka ainda dedica-se ativamente<br />

<strong>à</strong> sua atividade literária,<br />

escreve as novelas Um Artista da<br />

Fome, A Construção e sua última<br />

narrativa curta, Josephine, a cantora.<br />

Nas inúmeras cartas que<br />

escreve nesta época, revela estar<br />

sempre atormentado com o isolamento,<br />

uma sensação terrível<br />

e incontornável solidão.<br />

Em 1923, torna-se noivo<br />

novamente, agora de Dora Diamant,<br />

com quem vai viver seus<br />

últimos meses em Berlim. O pai<br />

da moça não aceita o noivado<br />

dos dois, mas em pouco tempo,<br />

Kafka estava já estendido em<br />

um leito de hospital na cidade<br />

de Kierling, nos arredores de<br />

Viena. O escritor viria a morrer<br />

em 3 de julho, vítima de sua tuberculose.<br />

Ele tinha então apenas<br />

41 anos. Neste mesmo ano,<br />

Brod publica postumamente Um<br />

Artista da Fome que Kafka havia<br />

concluído pouco antes.<br />

Diante da morte prematura<br />

de seu amigo, Max Brod vê-se<br />

diante da incômoda decisão de<br />

ter de cumprir o último pedido<br />

do amigo. Mas ele é incapaz de<br />

fazê-lo. Tendo em mãos o rico<br />

espólio de Franz Kafka, Brod<br />

decide-se afinal pela publicação<br />

daquelas obras. Nos anos seguintes,<br />

apareceriam nas livrarias,<br />

aquelas que se revelariam<br />

as obras maiores do escritor<br />

tcheco, seus romances O Processo,<br />

em 1925; O Castelo, em 1926;<br />

e América, em 1927. Publicaria<br />

ainda outros materiais inéditos<br />

do escritor, como a série de pequenas<br />

histórias reunidas sob o<br />

título A Grande Muralha da China,<br />

em 1931.<br />

Nos anos seguintes a literatura<br />

de Franz Kafka, que era<br />

conhecida apenas em restritos<br />

círculos intelectuais em Berlim e<br />

Praga, se revelaria uma das mais<br />

influentes em todo o mundo literário<br />

do século XX. Por sua<br />

visão ímpar da realidade e pelas<br />

inovações que introduz na forma<br />

narrativa, Kafka teria uma<br />

influência enorme sobre a literatura<br />

moderna alemã, sueca, polonesa,<br />

tcheca, persa, francesa,<br />

italiana, inglesa entre outras.<br />

Suas obras ganhariam ainda<br />

versões para o teatro, a ópera, o<br />

cinema e mesmo para os quadrinhos,<br />

formando uma das mais<br />

ricas e inventivas tradições da<br />

literatura de vanguarda, inserindo<br />

a obra genial de Kafka em<br />

seu justo lugar como algumas<br />

das mais brilhantes conquistas<br />

da literatura mundial.<br />

Seu estilo narrativo original,<br />

por sua vez, fantástico e absurdo,<br />

mas descrito de forma sempre<br />

objetiva, despojada, realista<br />

e crítica da sociedade, iria também<br />

ser uma das principais fontes<br />

de inspiração para a geração<br />

de escritores do realismo mágico<br />

norte-americano, corrente<br />

literária internacional mais importante<br />

da América Latina.


28 de fevereiro de 2010<br />

O Processo e O Castelo<br />

O IRRACIONALISMO DO MUNDO E O INDIVÍDUO<br />

Poucos autores da história<br />

literária mundial são tão universalmente<br />

apreciados como<br />

Franz Kafka. Sua obra, cujo<br />

valor é colossal, daria, para um<br />

número imenso de escritores, a<br />

visão lúcida e incontestável do<br />

caráter hediondo que assumiria<br />

a vida sob o capitalismo a partir<br />

do final do século XIX. O irracionalismo<br />

do mundo, a sensação<br />

de crescente isolamento<br />

individual, o esmagamento do<br />

indivíduo isolado por engrenagens<br />

que não controla ou, para<br />

ser dito de outra forma, a alienação<br />

do homem em relação a<br />

si mesmo e <strong>à</strong> sociedade da qual<br />

é o criador.<br />

Se desde seus anos áureos<br />

este regime econômico se definira<br />

pelo caráter brutal dos métodos<br />

de exploração da força de<br />

trabalho, a partir da segunda<br />

metade do século XIX, quando<br />

o capitalismo entra em sua etapa<br />

histórica de declínio, estes<br />

métodos assumiram características<br />

ainda mais agressivas<br />

e bestiais. O estranhamento do<br />

homem em relação ao mundo<br />

humano nunca foi tão intenso<br />

e tão completo como na época<br />

atual.<br />

A arte e a literatura deste<br />

período de transição, por sua<br />

vez, na medida em que seus<br />

artistas começariam a perceber<br />

estas transformações subterrâneas<br />

da economia e da política,<br />

passariam também por um<br />

lento processo de readaptação<br />

de suas formas expressivas,<br />

no sentido de apresentar este<br />

mundo novo da maneira mais<br />

apropriada.<br />

A obra de Franz Kafka se<br />

mostraria, portanto, uma das<br />

mais brilhantes manifestações<br />

desta nova percepção do monstruoso<br />

mundo moderno. Suas<br />

páginas encerrariam esta verdade<br />

profunda que seria reconhecida<br />

por escritores em todo<br />

o mundo, tornando-a por sua<br />

vez um dos pilares da literatura<br />

do novo século.<br />

Ela combinaria a visão objetiva<br />

e agressivamente crítica de<br />

denúncia social, com uma arrojada<br />

forma modernista, um<br />

realismo com apuradas distorções<br />

expressionistas.<br />

O RETRATO LITERÁRIO<br />

DO CAPITALISMO<br />

AGONIZANTE<br />

A livre competição que caracterizou<br />

a primeira etapa “liberal”<br />

da economia capitalista,<br />

durante o século XIX, deu lugar,<br />

com o passar dos anos, <strong>à</strong> formação<br />

dos primeiros monopólios<br />

industriais e dos cartéis, como<br />

uma conseqüência natural deste<br />

movimento de livre merca-<br />

CARTA AO PAI<br />

Querido Pai:<br />

Você me perguntou recentemente<br />

por que eu afirmo ter<br />

medo de você. Como de costume,<br />

não soube responder, em<br />

parte justamente por causa do<br />

medo que tenho de você, em<br />

parte porque na motivação<br />

desse medo intervêm tantos<br />

pormenores, que mal poderia<br />

reuni-los numa fala. E se aqui<br />

tento responder por escrito,<br />

será sem dúvida de um modo<br />

muito incompleto, porque,<br />

também ao escrever, o medo<br />

e suas conseqüências me inibem<br />

diante de você e porque<br />

a magnitude do assunto ultrapassa<br />

de longe minha memória<br />

e meu entendimento.<br />

Para você a questão sempre<br />

se apresentou em termos<br />

muito simples, pelo menos<br />

considerando o que falou na<br />

minha presença e, indiscriminadamente,<br />

na de muitos<br />

outros. Para você as coisas<br />

pareciam ser mais ou menos<br />

assim: trabalhou duro a vida<br />

toda, sacrificou tudo pelos filhos,<br />

especialmente por mim,<br />

e graças a isso eu vivi “<strong>à</strong> larga”,<br />

desfrutei de inteira liberdade<br />

para estudar o que queria, não<br />

precisei ter qualquer preocupação<br />

com o meu sustento e<br />

portanto nenhuma preocupação;<br />

em troca você não exigiu<br />

gratidão - você conhece a “gratidão<br />

dos filhos” - mas pelo<br />

menos alguma coisa de volta,<br />

algum sinal de simpatia; ao<br />

invés disse sempre me escondi<br />

de você, no meu quarto,<br />

com meus livros, com amigos<br />

malucos, com idéias extrava-<br />

do. Longe de ser um simples<br />

movimento econômico alheio <strong>à</strong><br />

realidade social, o imperialismo<br />

representou a transformação<br />

do velho capitalismo do século<br />

XIX, liberal e auto-regulador,<br />

para uma forma econômica, política<br />

e social superior, que teria<br />

impactos violentos em todas as<br />

esferas da vida moderna.<br />

O predomínio dos bancos<br />

sobre o capital financeiro, as<br />

disputas entre as grandes indústrias<br />

monopolistas, a agressiva<br />

busca pelo controle das<br />

matérias-primas e a necessidade<br />

vital das grandes potências<br />

imperialistas pela abertura de<br />

novos mercados, iriam modificar<br />

profundamente todo o<br />

funcionamento da sociedade a<br />

partir de então.<br />

Do ponto de vista da vida social,<br />

este novo capitalismo monopolista<br />

trouxe consigo a intensificação<br />

como nunca se viu<br />

de todas as contradições sociais<br />

típicas do capitalismo da etapa<br />

anterior. Nacionalmente, o<br />

aprofundamento da exploração<br />

da classe operária, a tendência<br />

do Estado burguês ao controle<br />

ditatorial da sociedade e a expansão<br />

e aprimoramento de<br />

todo seu aparelho burocrático,<br />

administrativo e repressivo. Internacionalmente,<br />

as potências<br />

imperialistas intensificariam<br />

como nunca antes o ataque parasitário<br />

de todas as pequenas<br />

nações capitalistas atrasadas.<br />

Esta competição desenfreada<br />

do imperialismo pelo controle<br />

da economia mundial inauguraria<br />

também a etapa mais violenta<br />

de guerras que a humanidade<br />

jamais havia presenciado<br />

até então. A cada novo conflito,<br />

centenas de milhares de pessoas<br />

ficariam horrorizadas com a<br />

capacidade de destruição sem<br />

limites desta nova máquina de<br />

opressão de classe. O capitalismo<br />

em sua etapa de decomposição.<br />

A contraparte ideológica<br />

para dar sustentação a esta política<br />

se revelaria por sua vez<br />

em um dos processos mais hediondos<br />

de embrutecimento da<br />

sensibilidade humana já criados,<br />

com a prostituição de toda<br />

a intelectualidade burguesa e<br />

pequeno-burguesa aos mais repulsivos<br />

objetivos econômicos<br />

de um reduzidíssimo grupo de<br />

trustes capitalistas.<br />

Milhares de militantes políticos,<br />

intelectuais e artistas<br />

acabariam comprados pelas<br />

nações imperialistas, tornados<br />

serviçais e propagadores de seu<br />

nacionalismo militarista. Defensores<br />

de uma política que<br />

levaria <strong>à</strong> barbárie da Primeira<br />

Guerra, <strong>à</strong>s ditaduras fascistas,<br />

ao genocídio, <strong>à</strong> Segunda Guerra<br />

gantes, nunca falei abertamente<br />

com você, no templo<br />

não ficava a seu lado, nunca o<br />

visitei em Franzensbadi, aliás<br />

nunca tive sentido de família,<br />

não dei atenção <strong>à</strong> loja nem aos<br />

seus outros negócios, a fábrica<br />

eu deixei nas suas costas e<br />

depois o abandonei, apoiei a<br />

obstinação de Ottlaii e, se por<br />

um lado não movo um dedo<br />

por você (nem uma entrada<br />

de teatro eu lhe trago), pelos<br />

amigos eu faço tudo. Se você<br />

fizesse um resumo do que<br />

pensa de mim, o resultado<br />

seria que na verdade não me<br />

censura de nada abertamente<br />

indecoroso ou mau (exceto<br />

talvez meu último projeto de<br />

casamento), mas sim de frieza,<br />

estranheza, ingratidão.<br />

E de fato você me recrimina<br />

por isso como se fosse culpa<br />

minha, como se por acaso eu<br />

tivesse podido, com uma virada<br />

do volante, conduzir tudo<br />

para outra direção, ao passo<br />

que você não tem a mínima<br />

culpa, a não ser talvez o fato<br />

de ter sido bom demais para<br />

mim.<br />

Esse seu modo usual de ver<br />

as coisas eu só considero justo<br />

na medida em que também<br />

acredito que você não tem a<br />

menor culpa pelo nosso distanciamento.<br />

Mas eu também<br />

não tenho a menor culpa. Se<br />

pudesse levá-lo a reconhecer<br />

isso, então seria possível, não<br />

uma nova vida - para tanto<br />

nós dois estamos velhos demais<br />

- mas sem dúvida uma<br />

espécie de paz; não a cessação,<br />

mas certamente um abrandamento<br />

das suas intermináveis<br />

e <strong>à</strong> devastação nuclear de cidades<br />

inteiras.<br />

Era contra a emergência deste<br />

novo mundo em completa<br />

desagregação, inimigo de qualquer<br />

verdadeiro valor humano<br />

que Kafka produziria sua obra<br />

genial, que traria <strong>à</strong> luz alguns<br />

dos mais hediondos aspectos<br />

do mundo imperialista.<br />

Entre toda a excelente literatura<br />

kafkiana, duas obras destacam-se<br />

como as mais complexas<br />

e sofisticadas das criações<br />

do escritor. Os romances O Processo,<br />

e O Castelo.<br />

UMA OBRA-PRIMA<br />

KAFKIANA: O<br />

PROCESSO<br />

CAUSA OPERÁRIA CULTURA B4<br />

Numa certa manhã, Josef<br />

K. acorda em seu quarto<br />

de pensão surpreendido com<br />

a presença de policiais que o<br />

estão fazendo prisioneiro. Ao<br />

questioná-los sobre o motivo<br />

daquilo tudo, recebe a estranha<br />

resposta: “não é de a nossa<br />

incumbência dar-lhe explicações”.<br />

Apenas mais tarde, um<br />

oficial que o interroga é capaz<br />

de lhe dar alguma informação.<br />

Havia um processo sendo movido<br />

contra ele, mas o oficial<br />

se recusou a informar qual era<br />

seu teor. K. fica surpreso não<br />

apenas com aquele tratamento<br />

humilhante, mas com a própria<br />

existência deste processo.<br />

A partir deste argumento,<br />

Kafka irá descrever uma das<br />

mais memoráveis e insólitas<br />

aventuras da literatura, a busca<br />

de Josef K. por descobrir o motivo<br />

daquele processo e afinal<br />

conseguir se livrar dos braços<br />

do Estado e de uma condenação<br />

cuja base escapa inclusive<br />

ao seu conhecimento. É mais<br />

que arbitrariedade, é o reino da<br />

irracionalidade.<br />

Este estranho e sufocante<br />

universo, no entanto cada vez<br />

mais familiar, kafkiano, onde<br />

tudo é incerteza e a sociedade<br />

aparece sempre hostil ao seu<br />

protagonista, disposta a esmagá-lo<br />

a todo custo, é a transfiguração<br />

literária daquela<br />

mesma sociedade imperialista<br />

sobre a qual, o escritor, assim<br />

como todos os seres humanos,<br />

não têm qualquer poder e qualquer<br />

controle.<br />

Em suas representações,<br />

aparentemente, absurdas da<br />

realidade, este caráter inquietante<br />

do mundo moderno seria<br />

representado de forma soberba.<br />

Era a exteriorização deste<br />

permanente clima de conspiração<br />

e de esmagamento contra o<br />

indivíduo que é uma das marcas<br />

registradas da era imperialista<br />

e sua “tendência para a dominação<br />

em vez da tendência<br />

recriminações.<br />

Curiosamente você tem alguma<br />

intuição daquilo que eu<br />

quero dizer. Assim, por exemplo,<br />

me disse há pouco tempo:<br />

“Eu sempre gostei de você,<br />

embora na aparência não tenha<br />

sido como costumam ser<br />

os outros pais, justamente<br />

porque não sei fingir como<br />

eles”. Ora, no que me diz respeito,<br />

pai, nunca duvidei da<br />

sua bondade, mas considero<br />

incorreta essa observação.<br />

Você não sabe fingir, é verdade,<br />

mas querer afirmar só<br />

por esse motivo que os outros<br />

pais fingem, é ou mera mania<br />

de ter razão e não se discute<br />

mais, ou então - como de fato<br />

acho - a expressão velada de<br />

que as coisas entre nós não<br />

vão bem e de que você tem a<br />

ver com isso, mas sem culpa.<br />

Se realmente pensa assim, estão<br />

estamos de acordo.<br />

Naturalmente não digo que<br />

me tornei o que sou só por<br />

influência sua. Seria muito<br />

exagerado (e até me inclino a<br />

esse exagero). E bem possível<br />

que, mesmo que tivesse crescido<br />

totalmente livre da sua<br />

influência, eu não pudesse me<br />

tornar um ser humano na medida<br />

do seu coração. Provavelmente<br />

seria um homem sem<br />

vigor, medroso, hesitante,<br />

inquieto, nem Robert Kafka<br />

nem Karl Hermanniii, mas<br />

completamente diferente do<br />

que sou na realidade - e teríamos<br />

podido nos tolerar um<br />

ao outro de uma forma magnífica.<br />

Eu teria sido feliz por<br />

tê-lo como amigo, chefe, tio,<br />

avô, até mesmo (embora mais<br />

para a liberdade”, como Lênin<br />

o definiria em seu livro no qual<br />

analisa o imperialismo.<br />

Melhor ainda do que qualquer<br />

análise minuciosa do livro<br />

é a própria obra em si, que<br />

constitui uma denúncia espetacular<br />

da decadência profunda<br />

dos aparatos governamentais<br />

que perseguem K. ao longo<br />

de todo o romance.<br />

Ao iniciar sua jornada K.<br />

depara-se com obstáculos a<br />

cada passo, onde o simples ato<br />

de procurar o tribunal em que<br />

teria de prestar depoimento é<br />

um martírio. E mesmo lá o juiz<br />

é incapaz de revelar por que ele<br />

está sendo processado.<br />

A DENÚNCIA DO<br />

FUNCIONAMENTO<br />

CORRUPTO DA<br />

SOCIEDADE<br />

Inúmeros seriam os personagens<br />

que K. é obrigado a<br />

procurar para esclarecer o caso.<br />

Um dos grandes momentos<br />

do livro é quando ele encontra<br />

o advogado que lhe esclareceria<br />

parte do misterioso<br />

funcionamento da burocracia<br />

judiciária, mas que poderíamos<br />

dizer também, de todas<br />

as burocracias, outra característica<br />

da sociedade a partir do<br />

século XX: “No fundo, a defesa<br />

não é permitida pela Lei, mas<br />

simplesmente tolerada(...) Por<br />

conseguinte, a rigor, não existe<br />

advogado algum reconhecido<br />

pelo tribunal; todos quantos<br />

perante ele se apresentam não<br />

passam, no fundo, de uns zangões.(...)<br />

Quer-se, na medida<br />

do possível, eliminar a defesa;<br />

os acusados é que devem ser<br />

encarregados de tudo. (...) Na<br />

verdade, o procedimento judicial<br />

desenrola-se não só <strong>à</strong>s<br />

ocultas do público mas também<br />

do acusado”. Mas o advogado<br />

esclarecia: “O mais importante<br />

são, pois, as relações<br />

pessoais do advogado; nelas é<br />

que assenta o valor principal<br />

da defesa. (...) infra-estrutura<br />

da justiça não é muito perfeita<br />

e nela existem empregados<br />

corruptos e descuidados dos<br />

seus deveres que constituem<br />

outras tantas brechas no rigoroso<br />

círculo fechado da justiça.<br />

Por elas é que os advogados se<br />

intrometem, pois ali se fazem<br />

os subornos e as sondagens e<br />

até se haviam dado, pelo menos<br />

antigamente, casos de furtos<br />

de autos”. Ele chegava então ao<br />

centro do problema: “O único<br />

trunfo são, pois, as honestas<br />

relações pessoais com altos<br />

funcionários - entenda-se os<br />

altos funcionários das categorias<br />

inferiores. (...) [e] tal ação<br />

só muito poucos advogados a<br />

hesitante) como sogro. Mas<br />

justo como pai você era forte<br />

demais para mim, principalmente<br />

porque meus irmãos<br />

morreram pequenos, minhas<br />

irmãs só vieram muito depois<br />

e eu tive, portanto, de suportar<br />

inteiramente só o primeiro<br />

golpe, e para isso eu era fraco<br />

demais.<br />

Compare-nos um com o<br />

outro: eu, para expressá-lo<br />

bem abreviadamente, um<br />

Löwy com certo fundo Kafka,<br />

mas que não é acionado pela<br />

vontade de viver, fazer negócios<br />

e conquistar dos Kafka,<br />

e sim por um aguilhão dos<br />

Löwy, que age mais secreto,<br />

mais tímido, numa outra direção,<br />

e muitas vezes cessa<br />

por completo. Você, ao contrário,<br />

um verdadeiro Kafka<br />

na força, saúde, apetite, sonoridade<br />

de voz, dom de falar,<br />

auto-satisfação, superioridade<br />

diante do mundo, perseverança,<br />

presença de espírito,<br />

conhecimento dos homens,<br />

certa generosidade - naturalmente<br />

com todos os defeitos<br />

e fraquezas que fazem parte<br />

dessas qualidades e para as<br />

quais o precipitam seu temperamento<br />

e por vezes sua<br />

cólera. Talvez você não seja<br />

totalmente um Kafka na sua<br />

visão geral do mundo, até o<br />

ponto em que posso compará-lo<br />

com tio Philipp, Ludwig,<br />

Heinrichiv. Isso é curioso,<br />

aqui também não vejo muito<br />

claro. Todos eles eram sem<br />

dúvida mais alegres, mais<br />

dispostos, mais desenvoltos,<br />

mais despreocupados, menos<br />

severos que você. (Nisto,<br />

podem exercer”.<br />

O diálogo entre os dois é<br />

imenso, e a estas revelações,<br />

que K. recebia sempre com<br />

naturalidade, se juntariam<br />

inúmeras outras. Cada novo<br />

personagem a cruzar o caminho<br />

de K. representava uma<br />

parte do quebra cabeças da burocracia<br />

que seu protagonista<br />

esforçava-se por entender e se<br />

decidir como intervir.<br />

Mas o eixo da denúncia de<br />

Kafka <strong>à</strong> sociedade capitalista<br />

moderna está bem expresso<br />

nesta passagem. O caráter<br />

profundamente corrompido<br />

não apenas das instituições<br />

burguesas, mas também da<br />

própria sociedade submetida<br />

a estes mecanismos, onde os<br />

homens vão se degradando e<br />

anestesiando frente <strong>à</strong> corrupção<br />

geral. K., o herói da obra,<br />

terminaria por fim aniquilado<br />

por este gigantesco monstro<br />

contra quem viu não ter forças<br />

ou recursos para enfrentar sem<br />

ter de se corromper.<br />

O CASTELO, O<br />

TESTAMENTO<br />

LITERÁRIO DE KAFKA<br />

Mas a apoteose de toda a<br />

literatura kafkiana ficaria a<br />

cargo de seu último romance<br />

O Castelo, sua iniciativa literária<br />

de maior vôo, mas nunca<br />

finalizada. Nas mais de quatrocentas<br />

páginas manuscritas<br />

que Kafka deixara deste texto,<br />

esboçou um mundo ainda mais<br />

perturbador. Um aperfeiçoamento<br />

dos recursos expressivos<br />

que já vinha utilizando em<br />

sua obra desde O Veredicto.O<br />

Estado capitalista estaria novamente<br />

no centro de sua crítica,<br />

seu tema literário definitivo.<br />

Em O Castelo, o agrimensor<br />

Joseph K. – mesmo nome do<br />

protagonista de O Processo – é<br />

chamado por um misterioso<br />

duque para trabalhar em suas<br />

terras. Seu único desejo é realizar<br />

seu trabalho, mas chegando<br />

ao povoado, um local isolado<br />

de tudo, depara-se com uma<br />

estranha situação.<br />

Em sua chegada, todos os aldeões<br />

têm um comportamento<br />

hostil e anti-social para com<br />

ele. Não toleram sua presença<br />

e de maneira nenhuma permitem<br />

que ele se integre no vilarejo.<br />

Na manhã seguinte, K.,<br />

disposto a contatar o duque,<br />

segue a pé para o castelo, mas<br />

apesar de não parecer distante<br />

do vilarejo, revela-se um<br />

empreendimento irrealizável.<br />

Após horas de caminhada, as<br />

sombrias torres do castelo não<br />

parecem se aproximar um milímetro<br />

dele, imóveis no hori-<br />

aliás, herdei muito de você e<br />

administrei bem demais a herança,<br />

sem no entanto ter no<br />

meu ser os contrapesos necessários,<br />

como você tem). Por<br />

outro lado, porém, você nesse<br />

sentido atravessou épocas<br />

diferentes, talvez fosse mais<br />

alegre antes que os filhos - eu<br />

em particular - o decepcionassem<br />

e oprimissem em casa (se<br />

vinham estranhos, você era<br />

outro) e talvez agora também<br />

tenha ficado de novo mais<br />

alegre, uma vez que os netos e<br />

o genro lhe devolvem algo daquele<br />

calor que os filhos não<br />

lhe puderam dar, a não ser<br />

talvez Valliv. Seja como for,<br />

éramos tão diferentes e nessa<br />

diferença tão perigosos um<br />

para o outro, que se alguém<br />

por acaso quisesse calcular<br />

antecipadamente como eu,<br />

a criança que se desenvolvia<br />

devagar, e você o homem feito,<br />

se comportariam um com<br />

o outro, poderia supor que<br />

você simplesmente me esmagaria<br />

sob os pés e que não sobraria<br />

nada de mim. Ora, isso<br />

não aconteceu - o que é vivo<br />

não comporta cálculo - mas<br />

talvez tenha acontecido algo<br />

pior. Aqui, contudo, peço-lhe<br />

encarecidamente que não se<br />

esqueça de que nem de longe<br />

acredito numa culpa da sua<br />

parte. Você influiu sobre mim<br />

como tinha de influir, só que<br />

precisa deixar de considerar<br />

como uma maldade especial<br />

da minha parte o fato de eu<br />

ter sucumbido a essa influência.<br />

Eu era uma criança medrosa;<br />

é claro que apesar disso<br />

zonte. O agrimensor tem de se<br />

instalar então naquele povoado<br />

sinistro, onde todos têm quase<br />

o mesmo rosto e parecem se<br />

comportar da mesma maneira,<br />

desprovidos de qualquer característica<br />

pessoal.<br />

Lá ele toma conhecimento<br />

também de que sua presença<br />

de fato não é desejada no castelo,<br />

com o qual passa a se comunicar<br />

apenas através de um<br />

mensageiro, que se torna seu<br />

único intermediário com os<br />

altos funcionários que o contrataram.<br />

Obrigado a viver nesta sociedade<br />

totalmente hostil <strong>à</strong> sua<br />

presença, na qual se percebe<br />

homem livre e escravo ao mesmo<br />

tempo, K. acaba sofrendo<br />

uma série de revezes em sua<br />

missão, até perceber que sua<br />

contratação fora um engano,<br />

ser demitido, reduzido a aldeão,<br />

e colocado no mais baixo<br />

degrau deste povoado onde a<br />

presença fantasmagórica daquele<br />

castelo no horizonte<br />

distante, faz-se sentir permanentemente<br />

como um conjunto<br />

de regras e valores morais<br />

estranho a K., e que o mantém<br />

oprimido e deslocado.<br />

Ao contrário de O Processo,<br />

onde seu personagem em sua<br />

jornada penetra nos porões<br />

claustrofóbicos do mundo burocrático<br />

estatal, em O Castelo,<br />

seu herói vê a imagem imponente<br />

do Estado apenas como<br />

uma silhueta recortada na paisagem,<br />

cuja atividade é totalmente<br />

desconhecida para ele e<br />

todos os demais habitantes da<br />

vila, que por sua vez, encaramno<br />

como um assunto proibido.<br />

Uma inversão do ponto de vista<br />

que curiosamente revela a<br />

mesma conclusão.<br />

Sua narrativa é tortuosa,<br />

claustrofóbica, insinua diversas<br />

situações incertas e comportamentos<br />

incompreensíveis<br />

que Kafka consegue habilmente<br />

transportar para o leitor, o<br />

mesmo desconforto sentido<br />

pelo desgraçado protagonista<br />

da história.<br />

O fato da obra nunca ter<br />

sido finalizada dá a este mundo<br />

pavoroso criado por Kafka,<br />

amaldiçoado por seu castelo<br />

inacessível, um sabor ainda<br />

mais desagradável. Sua visão<br />

derradeira da opressão humana<br />

sob o imperialismo, onde o<br />

“homem livre” é na realidade<br />

o mais desgraçado dos escravos,<br />

perpetuamente trancafiado<br />

em um porão que apenas<br />

pessoas muito embrutecidas<br />

seriam capazes de chamar de<br />

“vida”. Depois de Kafka, os escritores<br />

passariam a encarar o<br />

mundo moderno de uma nova<br />

maneira.<br />

Leia aqui uma passagem do livro de Franz Kafka, originalmente uma carta para seu pai que o escritor acabou nunca<br />

enviando. A obra só seria publicada postumamente, por seu amigo e editor Max Brod<br />

também era teimoso como o<br />

são as crianças; certamente<br />

também minha mãe me mimou,<br />

mas não posso crer que<br />

fosse um menino difícil de<br />

lidar, nem que uma palavra<br />

amável, um silencioso levar<br />

pela mão, um olhar bondoso<br />

não pudessem conseguir de<br />

mim tudo o que se quisesse.<br />

Ora, no fundo você é um homem<br />

bom e brando (o que se<br />

segue não vai contradizer isso,<br />

estou falando apenas da aparência<br />

na qual você influenciava<br />

o menino), mas nem toda<br />

criança tem a resistência e o<br />

destemor de ficar procurando<br />

até chegar <strong>à</strong> bondade. Você<br />

só pode tratar um filho como<br />

você mesmo foi criado, com<br />

energia, ruído e cólera, e neste<br />

caso isso lhe parecia, além<br />

do mais, muito adequado,<br />

porque queria fazer de mim<br />

um jovem forte e corajoso.<br />

Naturalmente, hoje não<br />

posso descrever sem mediações<br />

seus métodos pedagógicos<br />

nos primeiros anos, mas<br />

posso talvez imaginá-los por<br />

dedução dos anos posteriores<br />

e a partir da maneira como<br />

você trata Félixvi. Neste caso<br />

entra em consideração, como<br />

agravante, o fato de que naquele<br />

tempo você era mais jovem,<br />

portanto mais disposto,<br />

mais genuíno, mais despreocupado<br />

do que hoje, e de que,<br />

além disso, inteiramente ligado<br />

aos negócios, mal podia se<br />

mostrar uma vez ao dia para<br />

mim e por isso a impressão<br />

que me causava era mais profunda<br />

ainda, tanto que jamais<br />

se banalizou em hábito.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA CULTURA B5<br />

FRANZ KAFKA<br />

A METAMORFOSE<br />

Capítulo I<br />

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encon-<br />

trou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado<br />

sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu<br />

seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual<br />

a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas<br />

pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do cor-<br />

po, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.<br />

— O que aconteceu comigo? — pensou.<br />

Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um<br />

pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem co-<br />

nhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um mostruário<br />

de tecidos — Samsa era caixeiro viajante, — pendia a imagem que ele havia<br />

recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela<br />

moldura dourada. Representava uma dama de chapéu de pele e boa pele que,<br />

sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador um pesado regalo<br />

também de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço.<br />

O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo — ouviam-<br />

se gotas de chuva batendo no zinco do parapeito — deixou-o inteiramente me-<br />

lancólico.<br />

— Que tal se eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse todas<br />

essas tolices? — pensou, mas isso era completamente irrealizável, pois estava<br />

habituado a dormir do lado direito e no seu estado atual não conseguia se co-<br />

locar nessa posição. Qualquer que fosse a força com que se jogava para o lado<br />

direito balançava sempre de volta <strong>à</strong> postura de costas. Tentou isso umas cem<br />

vezes, fechando os olhos para não ter de enxergar as pernas desordenadamente<br />

agitadas, e só desistiu quando começou a sentir do lado uma dor ainda nunca<br />

experimentada, leve e surda.<br />

— Ah, meu Deus! — pensou. — Que profissão cansativa eu escolhi. Entra<br />

dia, sai dia — viajando. A excitação comercial é muito maior que na própria<br />

sede da firma e, além disso, me é imposta essa canseira de viajar, a preocupação<br />

com a troca de trens, as refeições irregulares e ruins, um convívio humano que<br />

muda sempre, jamais perdura, nunca se torna caloroso. O diabo carregue tudo<br />

isso!<br />

Sentiu uma leve coceira na parte de cima do ventre; deslocou-se devagar<br />

sobre as costas até mais perto da guarda da cama para poder levantar melhor<br />

a cabeça; encontrou o lugar onde estava coçando, ocupado por uma porção<br />

de pontinhos brancos que não soube avaliar; quis apalpa-lo com uma perna,<br />

mas imediatamente a retirou, pois ao contato acometeram-no calafrios.<br />

Deslizou de volta <strong>à</strong> antiga posição.<br />

— Acordar cedo assim deixa a pessoa completamente embotada — pen-<br />

sou. — O ser humano precisa ter o seu sono. Outros caixeiros viajantes vivem<br />

como mulheres de harém. Por exemplo, quando volto no meio da tarde ao hotel<br />

para transcrever as encomendas obtidas, esses senhores ainda estão sentados<br />

para o café da manhã. Tentasse eu fazer isso com o chefe que tenho: voaria<br />

no ato para a rua. Aliás, quem sabe não seria muito bom para mim? Se não me<br />

contivesse, por causa dos meus pais, teria pedido demissão há muito tempo;<br />

teria me postado diante do chefe e dito o que penso do fundo do coração. Ele<br />

iria cair da sua banca! Também, é estranho o modo como toma assento nela<br />

e fala de cima para baixo com o funcionário — que além do mais precisa se<br />

aproximar bastante por causa da surdez do chefe. Bem, ainda não renunciei<br />

por completo <strong>à</strong> esperança: assim que juntar o dinheiro para lhe pagar a dívida<br />

dos meus pais — deve demorar ainda de cinco a seis anos — vou fazer isso<br />

sem falta. Chegará então a vez da grande ruptura. Por enquanto, porém, tenho<br />

de me levantar, pois meu trem parte <strong>à</strong>s cinco.<br />

E olhou para o despertador que fazia tique-taque sobre o armário.<br />

— Pai do céu! — pensou. Eram seis e meia e os ponteiros avançavam cal-<br />

mamente, passava até da meia hora, já se aproximava de um quarto. Será que<br />

o despertador não havia tocado? Via-se da cama que ele estava ajustado certo<br />

para quatro horas: seguramente o alarme tinha soado. Sim — mas era possível<br />

continuar dormindo tranqüilo com esse toque de abalar aa mobília? Bem, com<br />

tranqüilidade ele não havia dormido, mas é provável que por causa disso o sono<br />

tenha sido mais profundo. E agora, o que deveria fazer? O próximo trem partia<br />

<strong>à</strong>s sete horas; para alcança-lo precisaria se apressar como louco, o mostruário<br />

ainda não estava na mala e ele próprio não se sentia de modo algum particu-<br />

larmente disposto e ágil. E mesmo que pegasse o trem não podia evitar uma<br />

explosão do chefe, pois o contínuo da firma tinha aguardado junto ao trem das<br />

cinco e fazia muito tempo que havia comunicado sua falta. Era uma criatura<br />

do chefe, sem espinha dorsal nem discernimento. E se anunciasse que estava<br />

doente? Mas isso seria extremamente penoso e suspeito, pois durante os cinco<br />

anos de serviço Gregor ainda não tinha ficado doente uma única vez. Certa-<br />

mente o chefe viria com o médico do seguro de saúde, censuraria os pais por<br />

causa do filho preguiçoso e cercearia todas as objeções apoiado no médico,<br />

para quem só existem pessoas inteiramente sadias, mas refratárias ao trabalho.<br />

E neste caso estaria tão errado assim? Com efeito, abstraindo-se uma sono-<br />

lência realmente supérflua depois de longo sono, Gregor sentia-se muito bem<br />

e estava até mesmo com uma fome especialmente forte.<br />

Enquanto refletia sobre tudo isso na maior pressa, sem poder se decidir<br />

a deixar a cama — o despertador acabava de dar um quarto para as sete, —<br />

bateram cautelosamente na porta junto <strong>à</strong> cabeceira da sua cama.<br />

— Gregor — chamaram; era a mãe. — É um quarto para as sete. Você não<br />

queria partir?<br />

— Que voz suave! — Gregor se assustou quando ouviu sua própria voz<br />

responder, era inconfundivelmente a voz antiga, mas nela se imiscuía, como<br />

se viesse de baixo, um pipilar irreprimível e doloroso, que só no primeiro mo-<br />

mento mantinha literal a clareza das palavras, para destruí-las de tal forma quan-<br />

do acabavam de soar que a pessoa não sabia se havia escutado direito. Gregor<br />

quisera responder em minúcia e explicar tudo, mas nestas circunstâncias se<br />

limitou a dizer:<br />

— Sim, sim, obrigado, mãe, já vou me levantar.<br />

Com certeza por causa da porta de madeira não se podia notar lá fora a al-<br />

teração na voz de Gregor, pois a mãe se tranqüilizou com essa explicação e<br />

se afastou arrastando os chinelos. Mas a breve conversa chamou a atenção dos<br />

outros membros da família para o fato de Gregor, contrariando as expectativas,<br />

ainda estava em casa — e já o pai batia, fraco, mas com o punho, numa porta<br />

lateral.<br />

— Gregor, Gregor — chamou. — O que está acontecendo?<br />

E depois de um intervalo curto advertiu outra vez, com voz mais profunda:<br />

— Gregor, Gregor!<br />

Na outra porta lateral, entretanto, a irmã lamuriava baixinho:<br />

— Gregor? Você não está bem? Precisa de alguma coisa?<br />

Gregor respondeu para os dois lados:<br />

— Já estou pronto — e através da pronuncia mais cuidadosa e da introdução<br />

de longas pausas entre as palavras se esforçou para retirar <strong>à</strong> sua voz tudo que<br />

chamasse a atenção.<br />

O pai também voltou ao seu café da manhã, mas a irmã sussurrou:<br />

— Gregor, abra, eu suplico.<br />

Gregor, entretanto não pensava absolutamente em abrir, louvando a pre-<br />

caução, adotada nas viagens, de conservar as portas trancadas durante a noite,<br />

mesmo em casa.<br />

Queria primeiro levantar-se, calmo e sem perturbação, vestir-se e, sobre-<br />

tudo tomar o café da manhã, e só depois pensar no resto, pois percebia muito<br />

bem que, na cama, não chegaria, com as suas reflexões, a uma conclusão sen-<br />

sata. Lembrou-se de já ter sentido, várias vezes, alguma dor ligeira na cama,<br />

provocada talvez pela posição desajeitada de deitar, mas que depois, ao ficar<br />

em pé, mostrava ser pura imaginação, e estava ansioso para ver como iriam<br />

gradativamente se dissipar as imagens do dia de hoje. Não duvidava nem um<br />

pouco de que a alteração da voz não era outra coisa senão o prenúncio de um<br />

severo resfriado, moléstia profissional do caixeiro viajante.<br />

Afastar a coberta foi muito simples: precisou apenas se inflar um pouco<br />

e ela caiu sozinha. Mas daí em diante as coisas ficaram difíceis, em particular<br />

porque ele era incomumente largo. Teria necessitado de braços e mãos para<br />

se erguer; ao invés disso, porém, só tinha as numerosas perninhas que faziam<br />

sem cessar os movimentos mais diversos e que, além disso, ele não podia do-<br />

minar. Se queria dobrar uma, ela era a primeira a se estender, se finalmente con-<br />

seguia realizar o que queria com essa perna, então todas as outras, nesse ín-<br />

terim, trabalhavam na mais intensa e dolorosa agitação, como se estivessem<br />

soltas.<br />

— Não fique inutilmente aí na cama — disse Gregor a si mesmo.<br />

A principio quis sair da cama com a parte inferior do corpo; mas essa parte<br />

de baixo, que ele, aliás, ainda não tinha visto e da qual não podia fazer uma<br />

idéia exata, provou ser difícil demais de mover; ela ia tão devagar; e quando<br />

afinal, quase frenético, reunindo todas as suas forças e sem respeitar nada, se<br />

atirou para frente, bateu com violência nos pés da cama, pois tinha escolhido<br />

a direção errada; a dor ardida que sentiu ensinou-lhe que justamente a parte<br />

inferior do seu corpo era no momento, talvez, a mais sensível de todas.<br />

Tentou por isso tirar em primeiro lugar a parte superior do corpo, voltando<br />

com cautela <strong>à</strong> cabeça para a beira do leito. Conseguiu-o com facilidade: a des-<br />

peito da sua largura e do seu peso, a massa do corpo acompanhou devagar,<br />

finalmente, a virada da cabeça. Mas quando por fim ele a susteve fora da cama,<br />

em pleno ar, ficou com medo de avançar mais dessa maneira, pois se enfim<br />

se deixasse cair, seria preciso acontecer um milagre para que a cabeça não se<br />

ferisse. E precisamente agora não podia, por preço algum perder a consciência;<br />

preferia permanecer na cama.<br />

Entretanto, quando mais uma vez, depois de esforço igual, ficou deitado<br />

na mesma posição, suspirando, e viu de novo suas perninhas lutarem umas<br />

contra as outras possivelmente mais que antes, e não encontrou nenhuma pos-<br />

sibilidade de imprimir calma e ordem <strong>à</strong>quele descontrole, disse novamente a<br />

si mesmo que era impossível continuar na cama e que o mais razoável seria<br />

sacrificar tudo, caso existisse a mínima esperança de com isso se livrar dela.<br />

Ao mesmo tempo, porém, não esqueceu de se lembrar, nos intervalos, de que<br />

decisões calmas, inclusive as mais calmas, são melhores que as desesperadas.<br />

Nesses instantes dirigia o olhar com a maior agudez possível <strong>à</strong> janela, mas in-<br />

felizmente só era possível receber pouca confiança e estímulo da visão da né-<br />

voa matutina que encobria até o outro lado da rua estreita.<br />

— Sete horas já — disse a si mesmo quando o despertador bate outra vez,<br />

— sete horas já e ainda essa neblina.<br />

E por um momento permaneceu tranqüilamente deitado, com a respiração<br />

fraca, como se esperasse talvez do silencio pleno o retorno das coisas ao seu<br />

estado real e natural.<br />

Mas depois disse consigo mesmo:<br />

— Antes de soar sete e um quarto preciso de qualquer modo ter deixado<br />

completamente a cama. Mesmo porque até então virá alguém da firma per-<br />

guntar por mim, pois ela abre antes de sete horas.<br />

E pôs-se a balançar o corpo em toda a sua extensão, num ritmo perfeita-<br />

mente uniforme, para tira-lo da cama. Deixando-se cair desse modo, a cabeça<br />

— que ele queria conservar bem erguida durante a queda — presumivelmente<br />

ficaria ilesa. As costas pareciam ser duras; decerto não aconteceria nada a elas<br />

caindo no tapete. A maior dúvida vinha da preocupação com o estrondo que<br />

iria provocar e que provavelmente causaria, se não susto, pelo menos apre-<br />

ensão atrás de todas as portas. Mas isso era preciso arriscar.<br />

Quando Gregor já estava pela metade fora da cama — o novo método era<br />

mais um jogo que um esforço, ele só tinha de se balançar empurrando o corpo<br />

— ocorreu-lhe como seria simples se alguém viesse ajuda-lo. Duas pessoas<br />

fortes — pensou no pai e na empregada — bastariam plenamente; precisariam<br />

apenas enfiar os braços debaixo de suas costas abauladas, destacando-o assim<br />

da cama, inclinar-se com o fardo e depois simplesmente permitir que ele efe-<br />

tuasse com cuidado a virada do corpo sobre o assoalho, onde então as per-<br />

ninhas, como era de se esperar, adquiriam um sentido. Bem, desconsiderando<br />

inteiramente que as portas estavam fechadas, deveria mesmo chamar por so-<br />

corro? Apesar de toda a sua aflição, não pôde reprimir um sorriso a esse pen-<br />

samento.<br />

Já tinha alcançado um ponto em que, a um balanço mais forte, quase não<br />

poderia manter o equilíbrio, tendo então de se decidir de uma vez, pois em cin-<br />

co minutos seriam sete e quinze — quando soou a campainha na porta do apar-<br />

tamento.<br />

— É alguém da firma — disse a si mesmo e quase gelou, enquanto as per-<br />

ninhas dançavam mais rápidas por causa disso.<br />

Durante um momento ficou tudo silencioso.<br />

— Eles não vão abrir — disse Gregor consigo mesmo, preso a alguma es-<br />

perança absurda.<br />

Ma aí a empregada, natural como sempre, caminhou com passos firmes até<br />

a porta e abriu. Gregor só precisou ouvir a primeira palavra de saudação do<br />

visitante para saber quem era — o gerente em pessoa. Por que Gregor estava<br />

condenado a servir numa firma em que <strong>à</strong> mínima omissão se levantava logo<br />

a máxima suspeita? Será que todos os funcionários eram sem exceção vaga-<br />

bundos? Não havia, pois, entre eles nenhum homem leal e dedicado que, embora<br />

deixando de aproveitar algumas horas da manhã em prol da firma, tenha ficado<br />

louco de remorso e literalmente impossibilitado de abandonar a cama? Não<br />

bastava realmente mandar um aprendiz ir perguntar — se é que havia neces-<br />

sidade desse interrogatório? Tinha de vir o próprio gerente, era preciso mostrar<br />

com isso <strong>à</strong> família inteira — inocente — que a investigação desse caso suspeito<br />

só podia ser confiada <strong>à</strong> razão do gerente? E mais por causa da excitação a que<br />

foi levado por essas reflexões do que em conseqüência de uma decisão de verdade,<br />

Gregor se atirou com toda a força para fora da cama. Houve uma pancada alta,<br />

mas não propriamente um estrondo. A queda foi um pouco atenuada pelo tapete,<br />

mas as costas também eram mais elásticas do que Gregor havia pensado —<br />

daí o som surdo que não chamava tanto a atenção. Ele só não tinha sustentado<br />

a cabeça com cuidado suficiente e por isso havia batido com ela; de raiva e dor,<br />

virou-a e esfregou-a no tapete.<br />

— Caiu alguma coisa lá dentro — disse o gerente no aposento vizinho da<br />

esquerda.<br />

Gregor tentou imaginar se não podia acontecer também ao gerente algo<br />

semelhante ao que havia sucedido hoje com ele; de fato era necessário admitir<br />

essa possibilidade. Mas como se fosse uma rude resposta a essa pergunta, o<br />

gerente deu alguns passos definidos no quarto contíguo, fazendo suas botas<br />

de verniz rangerem. Do cômodo vizinho da direita a irmã sussurrou para<br />

comunicar a Gregor:<br />

— Gregor, o gerente está aí.<br />

— Eu sei — disse Gregor a si mesmo, mas não ousou erguer a voz a um<br />

ponto que a irmã pudesse ouvi-lo.<br />

— Gregor — falou então o pai, do aposento <strong>à</strong> esquerda, — o senhor gerente<br />

chegou e quer saber por que você não partiu no trem de hoje cedo. Não sabemos<br />

o que devemos dizer a ele. Aliás, ele também quer falar pessoalmente com você.<br />

Faça, portanto o favor de abrir a porta. Ele terá a bondade de desculpar a de-<br />

sarrumação do quarto.<br />

— Bom dia, senhor Samsa — bradou em meio o gerente, num tom amigável.<br />

— Ele não está bem — disse a mãe ao gerente quando o pai ainda falava<br />

junto <strong>à</strong> porta. — Ele não está bem, acredite em mim, senhor gerente. Senão<br />

como Gregor perderia um trem? Esse moço não tem outra coisa na cabeça a<br />

não ser a firma. Eu quase me irrito por ele nunca sair <strong>à</strong> noite; agora esteve oito<br />

dias na cidade, mas passou todas as noites em casa. Fica sentado <strong>à</strong> mesa conosco<br />

e lê em silencio o jornal ou estuda horários de viagem. É uma distração para<br />

ele ocupar-se de trabalhos de carpintaria. Por exemplo, durante duas ou três<br />

noites entalhou uma pequena moldura: o senhor vai ficar admirado de ver como<br />

ela é bonita; está pendurada lá dentro do quarto; o senhor vai enxerga-la assim<br />

que ele abrir. Aliás, eu estou feliz, senhor gerente, pelo fato de o senhor estar<br />

aqui; sozinhos não iríamos conseguir que Gregor abrisse a porta; ele é tão teimoso;<br />

e certamente não está bem, embora tenha negado isso de manhã.<br />

— Já vou — disse Gregor lenta e cautelosamente, e não se moveu para não<br />

perder uma palavra da conversa.<br />

— De outro modo, cara senhora — disse o gerente, — também não sei como<br />

explicar isso. Esperemos que não seja nada grave. Embora por outro lado eu<br />

tenha de dizer que nós, homens do comércio, feliz ou infelizmente — como<br />

se quiser — precisamos muitas vezes, por considerações de ordem comercial,<br />

simplesmente superar um ligeiro mal-estar.<br />

— O senhor gerente pode, então, entrar no seu quarto? — perguntou o pai,<br />

impaciente, e bateu de novo na porta.<br />

— Não — disse Gregor.<br />

No cômodo vizinho da esquerda sobreveio um silencio penoso, no apo-<br />

sento contíguo da direita <strong>à</strong> irmã começou a soluçar.<br />

Por que a irmã não ia juntar-se ao demais? Certamente ela tinha acabado<br />

de se levantar da cama e ainda não havia começado a se vestir. Por que então<br />

chorava? Porque ele não se levantava e não deixava o gerente entrar, porque<br />

corria o perigo de perder o emprego e porque depois iria perseguir de novo<br />

os pais com as antigas exigências? Por enquanto, porém, essas preocupações<br />

eram desnecessárias. Gregor ainda estava aqui e não cogitava minimamente<br />

em abandonar sua família. É claro que, no momento, estava lá ditado no tapete,<br />

mas ninguém que conhecesse seu estado teria exigido seriamente dele que<br />

deixasse o gerente entrar. Mas por causa dessa pequena descortesia, para a<br />

qual se encontraria mais tarde, afinal, uma desculpa adequada, Gregor não podia<br />

ser demitido na hora. E a ele parecia muito mais razoável que o deixassem em<br />

paz agora do que perturba-lo com choro e exortações. No entanto era justa-<br />

mente a incerteza que os afligia e desculpava o seu comportamento.<br />

— Senhor Samsa — bradou então o gerente, elevando a voz, — o que está<br />

acontecendo? O senhor se entrincheira no seu quarto, responde somente sim<br />

ou não, causa preocupações sérias e desnecessárias aos seus pais e descura<br />

— para mencionar isso apenas de passagem — seus deveres funcionais de uma<br />

maneira realmente inaudita. Falo aqui em nome dos seus pais e do seu chefe<br />

e peço-lhe com toda a seriedade uma explicação imediata e clara. Estou per-<br />

plexo, estou perplexo. Acreditava conhece-lo como um homem calmo e sen-<br />

sato e agora o senhor parece querer de repente começar a ostentar estranhos<br />

caprichos. O chefe em verdade me insinuou esta manhã uma possível expli-<br />

cação para as suas omissões — ela dizia respeito aos pagamentos <strong>à</strong> vista que<br />

recentemente lhe foram confiados, — mas eu quase empenhei minha palavra<br />

de honra no sentido de que essa explicação não podia estar certa. Porém, vendo<br />

agora sua incompreensível obstinação, perco completamente <strong>à</strong> vontade de<br />

interceder o mínimo que seja pelo senhor. E o seu emprego não é de forma alguma<br />

o mais seguro. No começo eu tinha a intenção de lhe dizer tudo isso a sós, mas<br />

uma vez que o senhor me faz perder o meu tempo inutilmente aqui, não sei<br />

por que os senhores seus pais não devam ficar também sabendo. Nos últimos<br />

tempos seus rendimentos tem sido muito insatisfatório; de fato não é época<br />

de fazer negócios excepcionais, isso nos reconhecemos; mas época para não<br />

fazer negócio algum não existe, senhor Samsa, não pode existir.<br />

— Mas, senhor gerente — exclamou Gregor fora de si, esquecendo tudo<br />

o mais na excitação, — eu abro já, num instante. Um ligeiro mal-estar, um acesso<br />

de tontura, impediram-me de me levantar. Ainda estou deitado na cama. Mas<br />

agora me sinto novamente bem-disposto. Já estou saindo da cama. Só um<br />

instantezinho de paciência! As coisas ainda não vão tão bem como eu pensava.<br />

Mas já estou bem. Como é que uma coisa assim pode acontecer um homem?<br />

Ainda ontem <strong>à</strong> noite estava tudo bem comigo, meus pais sabem disso, ou melhor:<br />

já ontem <strong>à</strong> noite eu tive um pequeno prenúncio. Eles deviam ter notado isso<br />

em mim. Por que não comuniquei <strong>à</strong> firma? Mas sempre se pensa que se vai<br />

superar a doença sem ficar em casa. Senhor gerente poupe meus pais! Não á<br />

motivo para as censuras que agora o senhor me faz; também não me disseram<br />

uma palavra a esse respeito. Talvez o senhor não tenha lido os últimos pedidos<br />

que eu remeti.Aliás, ainda vou viajar com o trem das oito, as horas de repouso<br />

me fortaleceram. Não se detenha mais, senhor gerente; logo mais estarei pes-<br />

soalmente na firma: tenha a bondade de dizer isso e de apresentar minhas<br />

recomendações ao senhor chefe.<br />

E enquanto Gregor expelia tudo <strong>à</strong>s pressas, mal sabendo o que falava,<br />

aproximou-se do armário com facilidade — certamente em conseqüência da<br />

prática já adquirida na cama — tentando erguer-se apoiado nele. Queria efe-<br />

tivamente abrir a porta, deixar-se ver e conversar com o gerente; estava curioso<br />

para saber o que diriam, ao vê-lo, os outros que agora exigiam tanto a sua presença.<br />

Se eles se assustassem, então Gregor não tinha mais nenhuma responsabili-<br />

dade e podia sossegar. Mas se aceitassem tudo tranqüilamente, então ele não<br />

tinha motivo para afligir-se e podia, caso se apressasse, estar de fato na estação<br />

ferroviária <strong>à</strong>s oito horas. A principio escorregou algumas vezes do armário liso,<br />

mas finalmente, com um último impulso, pôs-se em pé; já não prestava ne-<br />

nhuma atenção <strong>à</strong>s dores na parte inferior do corpo, por mais intensas que fos-<br />

sem. Deixou-se então cair sobre as costas de uma cadeira próxima, em cujas<br />

bordas se segurou com as perninhas. Mas com isso adquiriu também o domínio<br />

sobre si mesmo e silenciou, pois agora podia escutar o gerente.<br />

— Entenderam uma única palavra? — perguntou o gerente aos pais. — Será<br />

que ele nos está fazendo de bobos?<br />

— Pelo amor de Deus! — exclamou a mãe já em lágrimas. — Talvez ele<br />

esteja seriamente doente e nós o atormentamos. Grete! Grete! — gritou então.<br />

— Mamãe? — bradou a irmã do outro lado.<br />

Elas se comunicavam através do quarto de Gregor.<br />

— Você precisa ir imediatamente ao médico. Gregor está doente. Vá cor-<br />

rendo ao médico. Você ouviu Gregor falar, agora?<br />

— Era uma voz de animal — disse o gerente, em voz sensivelmente mais<br />

baixa, comparada com os gritos da mãe.<br />

— Ana, Ana! — chamou o pai, batendo as mãos, através da ante-sala para<br />

a cozinha. — Vá buscar já um serralheiro!<br />

E logo as duas moças atravessaram a ante-sala correndo, com um ruído de<br />

saias — como é que a irmã tinha se vestido tão depressa?, —e escancararam<br />

a porta. Não se ouviu a porta bater de volta; sem dúvida deixaram-na aberta,<br />

como costuma acontecer nas casas em que aconteceu uma grande desgraça.<br />

Gregor, porém estava muito mais calmo. Certamente não entendiam mais<br />

suas palavras, embora para ele elas pareceram claras, mais claras que antes,<br />

talvez porque o ouvido havia se acostumado. De qualquer forma agora já se<br />

acreditava que as coisas com ele não estavam em perfeita ordem, e a disposição<br />

era de ajuda-lo. A confiança e a certeza com que foram tomadas as primeiras<br />

decisões fizeram-lhe bem. Sentiu-se novamente incluído no círculo dos ho-<br />

mens e passou a esperar do médico e do serralheiro — sem propriamente se-<br />

para-los — desempenhos excepcionais e surpreendentes. A fim de ficar com<br />

a voz o mais clara possível para as conversações decisivas que se aproxima-<br />

vam, tossiu um pouco, esforçando-se, entretanto para fazer isso de um modo<br />

bem abafado, uma vez que até esse ruído possivelmente soava diferente de<br />

uma tosse humana, coisa que ele mesmo já não ousava decidir. Nesse meio tem-<br />

po fez-se completo silêncio no aposento ao lado. Talvez os pais estivessem<br />

sentados <strong>à</strong> mesa com o gerente e cochichassem, talvez estivessem todos cur-<br />

vados sobre a porta, escutando.<br />

Gregor deslocou-se devagar até a porta empurrando a cadeira, largou-a lá,<br />

lançou-se de encontro <strong>à</strong> porta, conservando-se em pé apoiado nela — as<br />

extremidades das suas perninhas tinham um pouco de substância adesiva —<br />

e ali descansou por um instante do esforço. Mas depois começou a girar, com<br />

a boca, a chave na fechadura. Infelizmente, ao que parecia ele não tinha dentes<br />

de verdade — com o que devia logo agarrar a chave? — mas em compensação<br />

as mandíbulas eram sem dúvida muito fortes; com a ajuda delas pôde de fato<br />

pôr a chave em movimento e não dar atenção ao fato de que estava seguramente<br />

causando alguma lesão em si mesmo, pois um líquido marrom saiu da sua boca,<br />

escorreu sobre a chave e pingou no chão.<br />

— Ouçam — disse o gerente no cômodo vizinho, — ele está girando a chave.<br />

Para Gregor isso foi um grande estímulo; mas todos deveriam encoraja-lo,<br />

inclusive o pai e a mãe.<br />

— Aí, Gregor! — deveriam clamar. — Sempre em frente, firme na fecha-<br />

dura!<br />

E imaginando que todos acompanhavam ansiosos os seus esforços, mor-<br />

deu a chave como um louco, com todas as forças que ainda podia reunir. À<br />

medida que a chave ia girando, ele dançava em torno da fechadura; agora mantinha-<br />

se em pé só com o auxílio da boca e, conforme a necessidade, ficava pendurado<br />

na chave ou a empurrava outra vez para baixo com todo o peso do seu corpo.<br />

O som mais claro da fechadura que enfim retrocedia literalmente despertou<br />

Gregor. Respirando aliviado ele disse a si mesmo.<br />

— Não precisei, portanto do serralheiro — e colocou a cabeça sobre a<br />

maçaneta para abrir inteiramente a porta.<br />

Uma vez que precisava abri-la puxando contra si uma das folhas, ela já estava,<br />

com efeito, bem aberta e ele ainda não podia ser visto. Precisou primeiro girar<br />

lentamente o corpo, acompanhando o movimento da folha, na verdade com<br />

muito cuidado para não cair redondamente de costas bem diante da entrada<br />

para o quarto. Estava ainda ocupado com essa manobra difícil, sem ter tido<br />

tempo para atentar em outra coisa, quando ouviu o gerente soltar um “oh” alto<br />

— soava como o vento que zune — e então Gregor o viu também: era o mais<br />

próximo da porta e comprimia a mão sobre a boca, enquanto recuava devagar,<br />

como se o impelisse uma força invisível que continuasse agindo de modo<br />

constante. A mãe — apesar da presença do gerente, ela estava ali com os cabelos<br />

ainda desfeitos pela noite, espetados para o alto — a principio fitou o pai com<br />

as mãos entrelaçadas, depois deu dois passos em direção a Gregor e caiu no<br />

meio das saias que se espalhavam ao seu redor, o rosto totalmente afundado<br />

no peito. O pai cerrou o punho com expressão hostil, como se quisesse fazer<br />

Gregor recuar para dentro do quarto, depois olhou em volta de si, inseguro,<br />

na sala de estar, em seguida cobriu os olhos com as mãos e chorou a ponto de<br />

sacudir o peito poderoso.<br />

Gregor não entrou então na sala de estar, mas, de dentro, apoiou-se na folha<br />

da porta que estava bem travada, de tal modo que só se podia ver a metade<br />

do seu corpo e acima dela a cabeça inclinada de lado, com a qual ele espreitava<br />

os outros. Nesse meio tempo havia clareado bastante; do outro lado da rua<br />

aparecia, nítido, um recorte do interminável edifício cinza-negro da frente —<br />

era um hospital — com as janelas regulares que rompiam duramente a fachada;<br />

a chuva ainda caía, mas só em gotas grandes, visíveis uma a uma e que também<br />

desciam a terra literalmente isoladas. A louça do café da manhã jazia abundante<br />

sobre a mesa, pois para o pai a refeição mais importante do dia era o desjejum,<br />

que ele prolongava horas com a leitura de diversos jornais. Na parede logo em<br />

frente pendia uma fotografia de Gregor, do seu tempo de serviço militar, que<br />

o mostrava como tenente, a mão na espada, o sorriso despreocupado, exigindo<br />

respeito pela postura e pelo uniforme. A porta para a ante-sala estava aberta,<br />

e uma vez que a entrada do apartamento continuava escancarada, via-se o ves-<br />

tíbulo da casa e o começo da escada que descia.<br />

— Bem — disse Gregor, consciente de que era o único que havia conservado<br />

a calma, — vou logo me vestir, pôr o mostruário na mala e partir de viagem.<br />

Vocês querem mesmo me fazer partir? Bem, senhor gerente, o senhor está vendo<br />

que não sou teimoso e que gosto de trabalhar, viajar é fatigante, mas não poderia<br />

viver sem viajar. Para onde o senhor vai, senhor gerente? Para a firma? Sim?<br />

O senhor vai relatar fielmente? Pode-se no momento estar incapacitado para<br />

trabalhar, mas essa é a hora certa para se lembrar das realizações passadas e<br />

para se pensar que mais tarde, uma vez superados os obstáculos, sem dúvida<br />

se vai trabalhar com mais afinco e forças mais concentradas. Devo muita<br />

obrigação ao senhor chefe, isso o senhor sabe muito bem. Tenho por outro<br />

lado de cuidar dos meus pais e da minha irmã. Estou num aperto, mas sairei<br />

dele trabalhando. Não me torne, porém as coisas mais difíceis do que já são.<br />

Tome o meu partido na firma! Que o caixeiro viajante não é querido eu sei.<br />

Todos pensam que ele ganha rios de dinheiro e, além disso, leva uma boa vida.<br />

Não se tem de fato nenhuma oportunidade especial para se analisar melhor<br />

esse preconceito. Mas o senhor, gerente, o senhor tem sobre as coisas, cá entre<br />

nós, uma visão de conjunto melhor do que o resto do pessoal, melhor até do<br />

que o próprio senhor chefe, que na qualidade de empresário se deixa enganar<br />

facilmente no seu julgamento em prejuízo do funcionário. O senhor sabe muito<br />

bem que o caixeiro viajante, que fica quase o ano inteiro fora da firma, pode<br />

assim se tornar facilmente vítima de mexericos, casualidades e queixas infun-<br />

dadas, contra as quais é completamente impossível se defender, uma vez que<br />

na maioria das vezes ele não fica sabendo delas e só o faz quando, exausto,<br />

termina uma viagem e já em casa sente na própria carne as conseqüências ne-<br />

fastas cujas origens não podem mais ser descobertas. Senhor gerente, não vá<br />

embora sem me dizer uma palavra capaz de mostrar que o senhor me dá pelo<br />

menos uma pequena parcela de razão!<br />

Mas o gerente, já <strong>à</strong>s primeiras palavras de Gregor, tinha virado as costas<br />

e só lhe dirigia o olhar por cima dos ombros trêmulos, com os lábios revirados.<br />

E durante a fala de Gregor não ficou parado um instante, recuando sem perder<br />

Gregor de vista, muito gradualmente, em direção <strong>à</strong> porta, como se houvesse<br />

uma proibição secreta de deixar a sala. Já estava na ante-sala e, pelo movimento<br />

súbito com que pela última vez tirou o pé do chão da sala de estar, seria possível<br />

acreditar que acabava de queimar a sola do pé. Na ante-sala, entretanto, esticou<br />

longe a mão direita, no sentido da escada, como se lá o aguardasse uma salvação<br />

decididamente extraterrena.<br />

Gregor compreendeu que o gerente não podia de modo algum ir embora nesse<br />

estado de espírito; caso contrário seu emprego na firma ficaria extremamente<br />

ameaçado. Os pais não entendiam nada disso muito bem; no curso de longos<br />

anos formaram a convicção de que Gregor estava garantido pelo resto da vida<br />

nessa firma e, além disso, tinham tanta coisa para fazer agora, com as preo-<br />

cupações do momento, que qualquer previsão lhes escapava. Mas Gregor tinha<br />

essa previsão. O gerente precisava ser retido, tranqüilizado, persuadido e fi-<br />

nalmente conquistado; dependia disso o futuro de Gregor e de sua família! Se<br />

ao menos a irmã estivesse aqui! Ela era esperta; já tinha chorado quando Gregor<br />

ainda estava deitado calmamente de costas. E sem dúvida o gerente, esse amigo<br />

das mulheres, teria se deixado levar por ela; ela teria fechado a porta do apar-<br />

tamento e desfeito o seu susto na ante-sala através de palavras. Mas infeliz-<br />

mente a irmã não estava aqui, era o próprio Gregor quem precisava agir. E sem<br />

pensar que ainda não conhecia suas atuais faculdades para se mover, sem cogitar<br />

também que seu discurso possivelmente — na verdade, provavelmente — não<br />

tinha sido entendido mais uma vez, ele largou a folha da porta e se enfiou pela<br />

abertura; queria caminhar até o gerente, que já segurava ridiculamente com as<br />

duas mãos o corrimão do vestíbulo; mas logo caiu — buscando apoio e com<br />

um pequeno grito — sobre suas inúmeras perninhas. Mal isso tinha aconte-<br />

cido, sentiu pela primeira vez nessa manhã um bem-estar físico; como, para<br />

sua alegria, ele notou, elas obedeciam perfeitamente; esforçavam-se até para<br />

transporta-lo aonde ele queria; e Gregor já acreditava ter diante de si a melhora<br />

definitiva de todo o sofrimento. Mas no instante mesmo em que estava no chão,<br />

balançando por causa do movimento reprimido, não muito distante da mãe,<br />

na verdade bem <strong>à</strong> sua frente, ela — que parecia completamente mergulhada<br />

em si mesma — saltou de um só golpe para o alto, com os braços bem esten-<br />

didos e o dedo apontando, bradando:<br />

— Socorro! Pelo amor de Deus, socorro!<br />

Conservava a cabeça inclinada, como se quisesse ver gregor melhor, mas<br />

em contradição com isso retrocedia de maneira impensada; tinha esquecido<br />

que atrás dela estava a mesa ainda posta e quando a alcançou sentou-se, como<br />

que por distração, rapidamente em cima; e parecia não notar absolutamente<br />

que ao seu lado o café escorria em abundancia da grande jarra virada sobre o<br />

tapete.<br />

— Mamãe! Mamãe! — disse Gregor baixinho e olhou para ela de baixo para cima.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA CULTURA B6<br />

Por um instante o gerente sumiu do seu pensamento; por outro lado não<br />

pôde se impedir, <strong>à</strong> vista do café que escorria, de bater no vazio várias vezes<br />

com as mandíbulas. Diante a mãe recomeçou a gritar, escapou da mesa e caiu<br />

nos braços do pai que corria ao seu encontro. Mas agora Gregor não tinha tempo<br />

para seus pais; o gerente já estava na escada; com o queixo em cima do corrimão<br />

ele ainda olhou para trás uma última vez. Gregor tomou impulso para alcança-<br />

lo com a maior certeza possível; o gerente deve ter pressentido alguma coisa,<br />

pois deu um salto sobre vários degraus e desapareceu; ainda gritou “ui!” e o<br />

grito ressoou por toda a escadaria. Infelizmente a fuga do gerente pareceu per-<br />

turbar por completo o pai, que até então estado relativamente sereno; pois<br />

ao invés de correr, ele próprio, atrás do gerente, ou pelo menos não impedir<br />

Gregor de persegui-lo, agarrou com a mão direita a bengala do gerente, que este<br />

havia deixado com o chapéu e o, sobretudo em cima de uma cadeira, pegou com<br />

a esquerda um grande jornal da mesa e, batendo os pés, brandindo a bengala<br />

e o jornal, pôs-se a tocar Gregor de volta ao seu quarto. Nenhum pedido de<br />

Gregor adiantou, nenhum pedido também foi entendido; por mais humilde que<br />

inclinasse a cabeça, com tanto mais força o pai batia os pés. Do outro lado a<br />

mãe, apesar do tempo frio, tinha aberto uma vidraça e, curvada para fora, bem<br />

distante da janela, comprimia o rosto nas mãos. Entre a rua e a escadaria for-<br />

mou-se uma forte corrente de ar, as cortinas inflaram, os jornais sobre a mesa<br />

começaram a rumorejar, algumas folhas voavam para o chão. Implacável, o pai<br />

pressionava, emitindo silvos como um selvagem. Mas Gregor ainda não tinha<br />

prática de andar para trás, as coisas iam realmente muito devagar. Se pudesse<br />

apenas girar o corpo, logo estaria no seu quarto, mas temia tornar o pai im-<br />

paciente com essa operação que demandava tempo — e a todo instante a bengala<br />

na mão dele o ameaçava com um golpe mortal nas costas ou na cabeça. Mas<br />

no fim não restou a Gregor outra coisa senão isso, pois ele notou com horror<br />

que, andando para trás, não sabia nem mesmo manter a direção; e assim, lan-<br />

çando olhares incessantes e angustiados para o lado do pai, começou a dar a<br />

volta, tão rápido quanto possível, na realidade, porém muito lentamente. Talvez<br />

o pai tenha percebido sua boa vontade, pois nesse lance não o perturbou, mas<br />

até dirigiu, aqui e ali, <strong>à</strong> distância, o movimento giratório com a ponta da bengala.<br />

Se apenas não houvesse esse sibilo insuportável do pai! Gregor perdia com-<br />

pletamente a cabeça por causa disso. Já tinha feito a volta quase por completo<br />

quando, sempre ouvindo o silvo, se enganou e retrocedeu outra vez um pouco<br />

para a posição original. Mas quando enfim estava com a cabeça diante da<br />

abertura da porta, feliz, verificou que seu corpo era demasiado largo para passar<br />

sem mais por ela. Ao pai, naturalmente, na sua condição atual, não ocorreu<br />

nem mesmo remotamente abrir a outra folha da porta, para oferecer a Gregor<br />

passagem suficiente. Sua idéia fixa era simplesmente que Gregor voltasse o<br />

mais rápido possível para o quarto. Jamais teria permitido os preparativos<br />

minuciosos de que Gregor necessitava para levantar-se e, talvez desse modo,<br />

passar pela porta. Ao invés disso, impelia agora Gregor com um ruído excep-<br />

cional, como se não existisse nenhum obstáculo; a voz atrás dele já não soava<br />

como a de um pai apenas; realmente já não era uma brincadeira e Gregor forçou<br />

— acontecesse o que quisesse — a entrada pela porta. Um lado do seu corpo<br />

se ergueu, permaneceu torto na abertura da porta, um dos seus flancos se esfolou<br />

inteiro, na porta branca ficaram manchas feias, ele logo se entalou e não poderia<br />

mais mover-se sozinho — as perninhas de um lado pendiam trêmulas no ar,<br />

as do outro comprimiam-se doloridas no chão — quando o pai desferiu, por<br />

trás, um golpe agora de fato possante e liberador e ele voou, sangrando vio-<br />

lentamente, bem para dentro do seu quarto. A porta foi fechada ainda com a<br />

bengala, depois houve por fim silêncio.<br />

Capítulo II<br />

Só no crepúsculo Gregor despertou do seu sono pesado, semelhante a um<br />

desmaio. Mesmo sem ser perturbado, certamente não teria acordado muito<br />

mais tarde, pois sentia que havia descansado e dormido o suficiente; pareceu-<br />

lhe, contudo que um passo fugidio e o fechar cauteloso da porta que dava para<br />

a ante-sala o tinham despertado. O brilho das lâmpadas elétricas da rua se refletia<br />

lívido, aqui e ali, sobre o teto e as partes mais altas dos móveis, mas embaixo,<br />

junto a Gregor, estava escuro. Tateando desajeitadamente com as antenas que<br />

só agora aprendia a valorizar, se deslocou até <strong>à</strong> porta para ver o que havia<br />

acontecido lá. Seu lado esquerdo parecia uma única e longa cicatriz, desagra-<br />

davelmente esticada, e ele precisava literalmente mancar sobre duas fileiras<br />

de pernas. Uma perninha, aliás, tinha sido gravemente ferida no curso dos acon-<br />

tecimentos da manhã — era quase um milagre o fato de que só uma fora lesada<br />

— e se arrastava sem vida atrás das outras.<br />

Só quando chegou <strong>à</strong> porta percebeu o que de fato o havia atraído até lá; era<br />

o cheiro de algo comestível. Pois ali havia uma tigela de leite doce, no qual<br />

nadavam pedacinhos de pão branco. Teria quase rido de alegria, pois estava<br />

com uma fome maior que a da manhã, e imediatamente mergulhou a cabeça até<br />

a altura dos olhos dentro do leite. Mas retirou-a logo, decepcionado; não só<br />

comer lhe oferecia dificuldades, por causa do lado esquerdo em condição delicada<br />

— e ele só podia comer se o corpo todo, resfolegando, colaborasse, — como<br />

também não gostou nada do leite, antes sua bebida preferida, e que sem dúvida<br />

por isso a irmã havia colocado ali para ele; na realidade afastou-se quase com<br />

repulsa que da tigela e rastejou de volta para o meio do quarto.<br />

Na sala de estar, como Gregor podia ver pela fresta da porta, o gás estava<br />

aceso, mas ao passo que nessa hora do dia o pai em geral costumava ler, em<br />

voz alta, o jornal que saía <strong>à</strong> tarde, para a mãe e <strong>à</strong>s vezes também para a irmã,<br />

agora não se ouvia som algum. Bem, talvez essa leitura, sobre a qual a irmã<br />

sempre falava e escrevia, tivesse caído em desuso nos últimos tempos. Mas<br />

também em volta reinava o silêncio, embora a casa certamente não estivesse<br />

vazia.<br />

— Que vida tranqüila a família levava! — disse Gregor a si mesmo e sentiu,<br />

enquanto fitava o escuro diante dele, um grande orgulho por ter podido pro-<br />

porcionar aos seus pais e <strong>à</strong> irmã uma vida assim, num apartamento tão bonito.<br />

Mas como seria agora, se todo o sossego, todos o bem-estar, toda a satisfação<br />

chegasse assustadoramente ao fim? Para não se perder nesses pensamentos,<br />

Gregor preferiu pôr-se em movimento, rastejando de cá para lá no quarto.<br />

Uma vez durante a longa noite foi aberta uma porta lateral, depois a outra,<br />

até uma pequena fresta, mas foram rapidamente fechadas de novo. Decerto<br />

alguém sentira necessidade de entrar, mas logo tivera também muitas dúvidas.<br />

Gregor postou-se então bem junto <strong>à</strong> porta que dava para a sala de estar, dis-<br />

posto a fazer de alguma forma visitante indeciso entrar, ou pelo menos ficar<br />

sabendo quem era; mas aí a porta não foi mais aberta e ele esperou em vão.<br />

Antes, quando as portas estavam fechadas, todos queriam entrar para vê-lo,<br />

agora que ele havia aberto uma porta e as outras evidentemente tinham sido<br />

abertas durante o dia, ninguém mais vinha e as chaves estavam na fechadura<br />

também do lado de fora.<br />

Só tarde da noite se apagou a luz da sala de estar e então foi fácil verificar<br />

que os pais e a irmã tinham ficado acordados todo esse tempo, pois — como<br />

se podia ouvir nitidamente — os três agora se afastavam na ponta dos pés.<br />

Sem dúvida ninguém mais entraria para ver o Gregor até <strong>à</strong> manhã do dia se-<br />

guinte; tinha, portanto um tempo longo para refletir sem ser perturbado sobre<br />

a maneira como deveria agora reorganizar a sua vida. Mas o quarto alto e vazio,<br />

no qual era forçado a permanecer de bruços no chão, o angustiava, sem que<br />

pudesse descobrir a causa, pois afinal era o quarto habitado há cinco anos por<br />

ele — e com uma virada semi-inconsciente e não sem uma ligeira vergonha,<br />

precipitou-se para debaixo do canapé onde, embora as costas ficassem um pou-<br />

co prensadas e não pudesse mais erguer a cabeça, ele logo se sentiu aconche-<br />

gado, lamentando apenas que seu corpo fosse largo demais para se abrigar<br />

inteiramente sob o canapé.<br />

Ali passou a noite inteira, em parte num semi-sono do qual a fome con-<br />

tinuamente o acordava com um sobressalto, em parte <strong>à</strong>s voltas com preocu-<br />

pações e esperanças imprecisas que levavam <strong>à</strong> conclusão de que no momento<br />

precisava manter-se calmo e tornar suportáveis, pela paciência e pela máxima<br />

consideração com a família, as inconveniências que estava simplesmente<br />

compelido a lhe causar no seu estado atual.<br />

Já de madrugada — ainda era quase noite — Gregor teve oportunidade de<br />

testar a força das decisões que acabava de tomar, pois a irmã, já quase com-<br />

pletamente vestida, abriu a porta do seu quarto que dava para a ante-sala, e<br />

olhou ansiosa para dentro do quarto. Não o descobriu logo, mas, ao percebê-<br />

lo embaixo do sofá —santo Deus, em algum lugar de havia de estar, não podia<br />

ter voado embora! — ela se assustou tanto que, incapaz de se dominar, fechou<br />

a porta outra vez por fora. Mas, como se se arrependesse do seu comporta-<br />

mento, abriu-a de novo e entrou na ponta dos pés, como se fosse o quarto de<br />

um doente grave ou mesmo de um estranho. Gregor tinha esticado a cabeça<br />

até a beira do sofá e a observava. Será que ela notaria que ele nem tinha tocado<br />

no leite — e não, de forma alguma, por falta de fome? E será que traria outra<br />

comida mais adequada para ele? Se o não o fizesse espontaneamente, ele pre-<br />

feriria morrer de fome a chamar sua atenção para isso, embora na verdade sen-<br />

tisse uma pressão medonha para disparar de debaixo do sofá, atirar-se aos pés<br />

da irmã e pedir-lhe alguma coisa de comer. Mas a irmã percebeu de pronto,<br />

com espanto, que a tigela estava ainda cheia, em volta da qual estava espar-<br />

ramado um pouco de leite, ergueu logo a tigela do chão — na realidade, não<br />

com as mãos nuas, mas com um trapo — e levou-a para fora. Gregor estava<br />

extremamente curioso para saber o que ela traria em substituição ao leite, fazendo<br />

as mais variadas concjeturas a esse respeito. Mas jamais teria podido adivinhar<br />

o que, na sua bondade, a irmã de fato fez. Ela trouxe, para testar o seu gosto,<br />

todo um sortimento, espalhado sobre um jornal velho. Havia ali legumes já<br />

passados, meio apodrecidos, ossos do jantar da noite anterior, rodeados por<br />

um molho branco já endurecido; algumas passas e amêndoas; um queijo que,<br />

dois dias antes, Gregor tinha declarado intragável; um pão seco, um pão com<br />

manteiga sem sal e outro com manteiga salgada. Além de tudo ela ainda acres-<br />

centou a tigela — provavelmente destinada de uma vez por todas a Gregor<br />

— na qual havia despejado água. E por delicadeza, pois sabia que ele não co-<br />

meria na sua frente, afastou-se o mais rápido possível e até girou a chave na<br />

fechadura, para que ele fosse capaz de perceber que poderia ficar tão <strong>à</strong> vontade<br />

quanto quisesse. As perninhas de Gregor zuniam quando ele foi comer. De<br />

resto os seus ferimentos deviam estar completamente curadas: não sentia mais<br />

nenhum impedimento, admirou-se com isso e ficou pensando como, mais de<br />

um mês antes, tinha cortado um pouco o dedo com uma faca e como, ainda<br />

anteontem, esse ferimento causava bastante dor.<br />

— Será que agora eu tenho menos sensibilidade? — pensou e chupou<br />

vorazmente o queijo, que o atraíra de maneira imediata e enérgica acima de todos<br />

os outros alimentos.<br />

Rapidamente, um atrás do outro, com lágrimas de satisfação nos olhos, ele<br />

devorou o queijo, os legumes e o molho; a comida fresca, ao contrário, não o<br />

agradava, nem mesmo o seu cheiro ele conseguia suportar, chegou até a arrastar<br />

um pouco para longe as coisas que queria comer. Tinha terminado tudo fazia<br />

tempo, e já estava deitado preguiçosamente no mesmo lugar, quando a irmã,<br />

para mostrar que ia voltar, virou lentamente a chave. Isso o sobressaltou de<br />

imediato, embora já quase cochilando, e ele correu novamente para debaixo<br />

do sofá. Mas custou-lhe grande esforço de autodomínio para permanecer sob<br />

o canapé, mesmo pelo breve tempo em que a irmã esteve no quarto, pois com<br />

a refeição copiosa seu corpo tinha se arredondado um pouco e ali no aperto<br />

ele mal conseguia respirar. Em meio a pequenos acessos de asfixia, ficou ob-<br />

servando, com os olhos um tanto fora das órbitas, a irmã, que não suspeitava<br />

de nada, juntar com uma vassoura não só os restos, mas também os alimentos<br />

que não tinham sido tocados por Gregor — como se estes também não pu-<br />

dessem mais ser aproveitados, — despejar tudo <strong>à</strong>s pressas num balde, que<br />

ela fechou com uma tampa de madeira e depois carregou para fora. Mal a irmã<br />

tinha virado as costas, Gregor saiu de debaixo do sofá, distendeu o corpo e<br />

se encheu de ar.<br />

Agora era dessa maneira que recebia diariamente sua alimentação, uma vez<br />

pela manhã, quando os pais e a empregada ainda dormiam, e a segunda depois<br />

do almoço, pois os pais dormiam igualmente um pouquinho e a empregada<br />

era despachada pela irmã com alguma incumbência. Certamente os pais tam-<br />

bém não queriam que Gregor morresse de fome, mas talvez não suportassem<br />

tomar conhecimento da sua alimentação mais do que por ouvir dizer; talvez<br />

fosse possível também que a irmã quisesse poupa-los de uma pequena tris-<br />

teza, uma vez que de fato eles já sofriam bastante.<br />

Com que desculpas o médico e o serralheiro foram mandados embora da<br />

casa, naquela manhã, Gregor não pôde ficar sabendo: visto que não era enten-<br />

dido, ninguém, nem mesmo a irmã, pensava que ele podia entender os outros;<br />

e assim, quando a irmã estava no seu quarto, ele tinha de se contentar em ouvir,<br />

aqui e ali, seus suspiros e invocações aos santos. Só mais tarde, quando ela<br />

havia se habituado um pouco a tudo — naturalmente não se podia nunca falar<br />

em hábito completo, — Gregor <strong>à</strong>s vezes apreendia uma observação amigável<br />

ou que podia ser interpretada como tal:<br />

— Hoje, sim, ele gostou do jantar — ela dizia, quando Gregor tinha limpado<br />

para valer toda a comida; ao passo que, no caso contrário —que aos poucos<br />

se repetia numa freqüência cada vez maior, — costumava dizer quase com<br />

tristeza:<br />

— Deixou tudo outra vez.<br />

Mas ao passo que não podia tomar conhecimento imediato de qualquer<br />

novidade, Gregor escutava muita coisa vinda dos quartos vizinhos, e onde quer<br />

que ouvisse vozes corria logo <strong>à</strong> respectiva porta e se espremia nela com o corpo<br />

todo. Especialmente nos primeiros tempos não havia conversa que de algum<br />

modo não tratasse dele, mesmo em segredo. Durante dois dias, em todas as<br />

refeições, podiam se ouvir confabulações sobre como agora deviam se com-<br />

portar; mas também entre refeições se falava do mesmo tema, pois em casa<br />

estavam sempre pelo menos dois membros da família, já que ninguém queria<br />

ficar sozinho em casa e não se podia de maneira alguma abandonar totalmente<br />

o apartamento. Logo no primeiro dia a empregada — não estava muito claro<br />

o que e o quanto sabia do sucedido — pediu de joelhos <strong>à</strong> mãe que a dispensasse<br />

imediatamente do emprego, e quando, um quarto de hora mais tarde, se des-<br />

pediu, agradeceu em lágrimas pela dispensa, bem como pelo grande favor que<br />

ali lhe faziam, prestando — sem que se exigisse isso dela — o solene juramento<br />

de não revelar a ninguém o mínimo que fosse.<br />

A irmã então teve também de cozinhar junto com a mãe; no entanto isso<br />

não exigia muito esforço, pois não se comia quase nada. Constantemente Gre-<br />

gor ouvia como um exortava o outro inutilmente a comer, sem receber outra<br />

resposta senão “obrigado, estou satisfeito” ou coisa semelhante. Talvez tam-<br />

bém não se bebesse nada. Muitas vezes a irmã perguntava ao pai se ele queria<br />

cerveja, oferecendo-se cordialmente a ir busca-la ela mesma e, quando o pai<br />

silenciava, dizia, para desfazer qualquer escrúpulo da parte dele, que podia<br />

também mandar a zeladora do prédio buscar; mas então o pai dizia finalmente<br />

em grande “não” e não se falava mais nisso.<br />

Já no decorrer do primeiro dia o pai expôs toda a situação financeira e as<br />

perspectivas da família a mãe e a irmã. De quando em quando ele se levantava<br />

da mesa e pegava, no pequeno cofre-forte que tinha resgatado da falência do<br />

seu negócio, ocorrida cinco anos antes, algum documento ou livro de notas.<br />

Ouvia-se como ele destravava a complicada fechadura e a fechava outra vez,<br />

depois de apanhar o que procurava. Essas explicações do pai foram em parte<br />

a primeira coisa agradável que Gregor escutou desde a sua reclusão. Ele achava<br />

que daquele negócio não havia sobrado absolutamente nada para o pai — pelo<br />

menos o pai não lhe dissera nada em sentido contrário e, seja como for, Gregor<br />

também não o havia interrogado a esse respeito. A preocupação de Gregor na<br />

época tinha sido apenas fazer tudo para a família esquecer o mais rápido<br />

possível a desgraça comercial, que havia levado todos a um estado de completa<br />

desesperança. E assim começara a trabalhar com um fogo muito especial e, quase<br />

da noite para o dia, passara de simples empregado de escritório a caixeiro-<br />

viajante, que naturalmente tinha possibilidades bem diversas de ganhar dinhei-<br />

ro e cujos êxitos no trabalho se transformaram imediatamente, na forma de pro-<br />

visões, em dinheiro sonante que podia ser posto na mesa diante da família<br />

espantada e feliz. Tinham sido bons tempos e nunca se repetiram, pelo menos<br />

não com esse brilho embora mais tarde Gregor ganhasse tanto dinheiro que<br />

era capaz de assumir — e de fato assumiu — as despesas de toda a família.<br />

Tanto a família como Gregor acostumaram-se a isso: aceitava-se com gratidão<br />

o dinheiro, ele o entregava com prazer, mas disso não resultou mais nenhum<br />

calor especial. Só a irmã ainda havia permanecido próximo a Gregor e o plano<br />

secreto dele era mandá-la no próximo ano ao Conservatório, sem pensar nos<br />

altos custos que isso representava, os quais seriam ressarcidos de outro modo;<br />

pois ela, diferentemente de Gregor, gostava muito de música e sabia tocar violino<br />

de forma comovente. Várias vezes durante as curtas estadas de Gregor na cidade<br />

mencionou-se o Conservatório nas conversas com a irmã, mas sempre apenas<br />

como um belo sonho, em cuja realização não se podia pensar, e os pais não<br />

gostavam de escutar nem mesmo essas menções inocentes; Gregor, porém pen-<br />

sava nisso de maneira muito definida e tinha a intenção de anunciar solene-<br />

mente na noite de Natal.<br />

Esses pensamentos, completamente inúteis no seu estado atual, passaram-<br />

lhe pela cabeça quando ele, de pé, estava colado <strong>à</strong> porta escutando. Às vezes,<br />

em virtude do cansaço geral, não conseguia de modo algum continuar ouvindo<br />

— e por descuido deixou a cabeça bater na porta; segurou-a, porém imedia-<br />

tamente outra vez, pois mesmo o pequeno ruído que assim havia provocado<br />

tinha sido escutado do outro lado, e feito com que todos silenciassem.<br />

— O que é que ele está outra vez fazendo? — disse o pai depois de um<br />

intervalo, evidentemente voltado para a porta; e só aí a conversa interrompida<br />

foi aos poucos retomada.<br />

Gregor tomou então pelo conhecimento — pois o pai costumava se repetir<br />

muitas vezes nas suas explicações, em parte porque ele mesmo não se ocupava<br />

havia muito tempo das coisas, em parte também a mãe não entendia tudo na<br />

primeira vez — de que, apesar de toda a desgraça, ainda restava dos velhos<br />

tempos um pecúlio, de qualquer modo bem pequeno, que os juros não tocados<br />

nesse tinham feito crescer alguma coisa. Mas, além disso, o dinheiro que Gregor<br />

trouxera todos os meses para casa — ele só reservava alguns florins para si<br />

mesmo — não tinha sido gasto e formara um pequeno capital. Atrás da sua<br />

porta, Gregor meneou vivamente a cabeça, satisfeito com a inesperada pre-<br />

vidência e senso de economia. Na verdade poderia ter pago, com essa sobra<br />

de dinheiro, mais uma parte da dívida do pai ao chefe, e com isso estaria muito<br />

mais próximo o dia em que poderia se livrar do emprego; mas agora era indu-<br />

bitavelmente melhor assim do modo como o pai havia arranjado as coisas.<br />

Entretanto esse dinheiro não bastava de maneira alguma para permitir que<br />

a família vivesse de renda; talvez fosse suficiente para sustenta-la um no máximo<br />

dois anos, não mais que isso. Era, portanto meramente uma soma que não se<br />

poderia tocar e que precisava ser reservada para uma emergência; mas o di-<br />

nheiro para viver tinha de ser ganho. Ora, o pai era na verdade um homem<br />

saudável, porém velho, que não trabalhava fazia cinco anos e que, seja como<br />

for, não podia se exceder; nesses cinco anos, que foram as primeiras férias da<br />

sua vida estafante e, no entanto malograda, ele havia engordado muito e com<br />

isso se tornado bastante moroso. E a velha mãe, que sofria de asma, a quem<br />

uma caminhada pelo apartamento já era um esforço, e que, dia sim dia não,<br />

passava o dia no sofá, junto <strong>à</strong> janela aberta, com dificuldades de respiração<br />

— deveria ela agora, por acaso, ganhar dinheiro? E deveria ganhar dinheiro <strong>à</strong><br />

irmã, que dezessete anos era ainda uma criança e cujo estilo de vida até agora<br />

dava gosto de ver, consistindo em vestir roupas bonitas, dormir bastante, ajudar<br />

a cuidar da casa, participar de algumas diversões modestas e, acima de tudo<br />

tocar violino?<br />

Quando a conversa chegava a essa necessidade de ganhar dinheiro, Gregor<br />

se soltava da porta e se atirava sobre o frio sofá de couro que se encontrava<br />

ao lado, pois ficava ardendo de vergonha e tristeza.<br />

Freqüentemente passava noites inteiras deitado ali, sem dormir um instan-<br />

te, apenas arranhando o couro durante horas. Ou então não fugia ao grande<br />

esforço de empurrar uma cadeira até a janela, para depois rastejar rumo ao peitoril<br />

e, escorado na cadeira, inclinar-se sobre a janela — evidentemente em nome<br />

de alguma lembrança do sentimento de liberdade que outrora lhe dava olhar<br />

pela janela. Pois efetivamente ele enxergava dia a dia com menos acuidade as<br />

coisas mesmo pouco distantes; o hospital defronte, cuja visão freqüente demais<br />

ele antes amaldiçoava, já não estava mais ao alcance da sua vista; e se ele não<br />

soubesse exatamente que morava na calma — embora inteiramente urbana —<br />

rua Charlotte, poderia acreditar que da sua janela estava olhando para um deserto,<br />

no qual o céu cinzento e a terra cinzenta se uniam sem se distinguirem um do<br />

outro. A atenta irmã precisou ver só duas vezes que a cadeira estava junto <strong>à</strong><br />

janela para, assim que arrumava o quarto, empurra-la de novo precisamente<br />

para o mesmo lugar, daí por diante deixou aberta até a folha interna da janela.<br />

Se ao menos tivesse podido conversar com a irmã e agradecer tudo o que<br />

ela precisava fazer por ele, Gregor teria aceitado mais facilmente os seus ser-<br />

viços; assim, porém, eles o faziam sofrer. Certamente a irmã procurava apagar<br />

ao máximo o que havia de penoso em tudo isso, e quanto mais o tempo passava,<br />

tanto mais, naturalmente, ela o conseguia, mas Gregor também devassava tudo<br />

com muito maior clareza. Já a entrada dela era terrível para ele. Mal havia entrado,<br />

sem se dar tempo para fechar a porta, por mais que de resto cuidasse em poupar<br />

a qualquer um a visão do quarto de Gregor, ela corria direto <strong>à</strong> janela e a escan-<br />

carava com mãos apressadas, quase como se sufocasse, ali permanecendo um<br />

pouquinho — mesmo que o tempo ainda estivesse muito frio — enquanto<br />

respirava profundamente. Com essa corrida e esse barulho ela assustava Gregor<br />

duas vezes por dia; durante todo esse tempo ele tremia debaixo do sofá, sabendo<br />

muito bem que ela sem dúvida gostaria de poupa-lo disso, caso lhe fosse possível<br />

ficar num quarto com janelas fechadas onde Gregor se encontrava.<br />

Certa vez — já havia passado bem um mês desde a metamorfose de Gregor,<br />

não existindo, pois, mais nenhum motivo especial para a irmã se espantar <strong>à</strong><br />

vista dele — ela veio um pouco mais cedo que de costume e o encontrou quando<br />

ele ainda olhava pela janela, imóvel e, portanto numa posição propícia para<br />

assustar. Se ela não houvesse entrado, não teria sido uma surpresa para Gregor,<br />

uma vez que a posição dele a impedia de abrir imediatamente a janela; mas não<br />

só ela não entrou, como também recuou e fechou a porta; um estranho poderia<br />

ter pensado que ele estivera <strong>à</strong> sua espreita porque queria morde-la. Natural-<br />

mente ele se escondeu logo debaixo do sofá, mas teve de esperar até o meio-<br />

dia antes que a irmã voltasse, e ela parecia muito mais inquieta que de hábito.<br />

Por aí Gregor reconheceu que a visão dele continuava sendo insuportável para<br />

ela — e assim haveria de permanecer — e que seguramente ela precisava fazer<br />

um grande esforço para não sair correndo <strong>à</strong> vista mesmo da pequena parte do<br />

seu corpo que sobressaía sob o sofá. Para poupar-lhe também essa visão, um<br />

dia ele arrastou o lençol nas costas até o sofá — levou quatro horas para realizar<br />

esse trabalho — e o dispôs de tal maneira que agora ficava inteiramente coberto<br />

e a irmã não podia vê-lo nem que se agachasse. Se na opinião dela esse lençol<br />

tivesse sido desnecessário, então ela poderia tê-lo retirado, pois estava sufi-<br />

cientemente claro que não fora por prazer que Gregor havia se isolado de modo<br />

tão completo; mas ela deixou o lençol como estava e Gregor acreditou até mesmo<br />

ter apreendido um olhar de gratidão, quando uma vez levantou o lençol cau-<br />

telosamente com a cabeça, para ver como a irmã acolhia a nova instalação.<br />

Nas duas primeiras semanas os pais não conseguiram vencer a própria<br />

resistência para entrar no quarto de Gregor e vê-lo, e com freqüência ele ouvia<br />

como reconheciam plenamente o trabalho da irmã, ao passo que até então tinham<br />

muitas vezes se irritado com ela, porque lhes parecera uma moça algo inútil.<br />

Mas agora ambos, pai e mãe, aguardavam diante do quarto Gregor enquanto<br />

a irmã fazia a arrumação, e mal ela tinha saído, precisava contar exatamente<br />

como estavam as coisas no quarto, o que Gregor havia comido, como se<br />

comportara desta vez e se por acaso era possível notar uma pequena melhora.<br />

A mãe, aliás, quis visitar Gregor relativamente cedo, mas o pai e a irmã a im-<br />

pediram, a principio com argumentos racionais, que Gregor escutou com muita<br />

atenção e aprovou inteiramente. Mais tarde, porém, foi necessário que a<br />

contivessem a força, quando então ela exclamou:<br />

— Deixem-me ver Gregor, ele é o meu pobre filho! Vocês não entendem<br />

que eu preciso vê-lo?<br />

Gregor pensou então que talvez fosse bom se a mãe entrasse, naturalmente<br />

não todos os dias, mas quem sabe uma vez por semana; ela sabia das coisas<br />

muito melhor que a irmã, a qual, apesar de toda a sua coragem, era apenas uma<br />

criança e em última análise talvez só tivesse assumido uma tarefa tão pesada<br />

por leviandade infantil.<br />

O desejo de Gregor de ver a mãe se realizou logo. Em consideração pelos<br />

pais, durante o dia ele não queria mostrar-se <strong>à</strong> janela; mas nos poucos de chão<br />

também não podia se arrastar muito; já durante a noite suportava mal ficar deitado<br />

quieto; a comida logo não lhe oferecia o menor prazer; e assim, para se distrair,<br />

ele adotou o hábito de ziguezaguear pelas paredes e pelo teto. Gostava par-<br />

ticularmente de ficar pendurado no teto; era muito diferente de permanecer<br />

deitado no chão; respirava-se com mais liberdade; uma ligeira vibração atra-<br />

vessava seu corpo; e, na distração quase feliz em que Gregor lá se encontrava,<br />

podia acontecer que, para sua própria surpresa, ele se soltasse e estatelasse<br />

no chão. Naturalmente tinha agora sobre o corpo um poder muito diverso do<br />

que antes e mesmo com uma queda tão grande como essa não infligia danos<br />

a si mesmo. A irmã notou logo a nova diversão que Gregor havia descoberto<br />

— ao rastejar ele deixava aqui e ali vestígios da sua substância adesiva — e<br />

então ela pôs na cabeça que devia dar a George a possibilidade de rastejar na<br />

extensão máxima do quarto, retirando os móveis que o obstavam, sobretudo<br />

o armário e a escrivaninha. Mas não era capaz de fazer tudo sozinha; o auxílio<br />

do pai ela não ousava pedir; com toda a certeza a empregada não a teria ajudado,<br />

pois essa jovem, de cerca de dezesseis anos, resistia, na verdade bravamente,<br />

desde a dispensa da antiga cozinheira, mas tinha pedido o favor de poder<br />

conservar cozinha constantemente fechada, só precisando abri-la a um cha-<br />

mado especial; assim, não restou <strong>à</strong> irmã outra coisa senão ir buscar a mãe, certa<br />

vez que o pai estava ausente. A mãe veio com exclamações de excitada alegria,<br />

mas silenciou junto <strong>à</strong> porta do quarto de Gregor. Naturalmente a irmã verificou<br />

primeiro se no quarto estava tudo em ordem; só depois deixou a mãe entrar.<br />

Na maior pressa, Gregor havia puxado o lençol mais fundo e com mais dobras,<br />

o conjunto parecia de fato um lençol atirado ao acaso sobre o sofá. Também<br />

desta vez Gregor deixou de espionar de debaixo do lençol; renunciou a ver a<br />

mãe por enquanto, e ficou contente por ela ter vindo.<br />

— Venha, não dá para vê-lo — disse a irmã e evidentemente conduziu a<br />

mãe pela mão.<br />

Gregor então ouviu como as duas frágeis mulheres removeram do lugar o<br />

armário velho e pesado e como a irmã sempre insistia em assumir a parte maior<br />

do trabalho, sem dar ouvidos <strong>à</strong>s advertências da mãe, que temia que ela se<br />

esforçasse demais. Isso durou muito tempo. Já ao fim de um quarto de hora<br />

de trabalho a mãe disse que era melhor deixar o armário ali, pois em primeiro<br />

lugar ele era pesado demais, elas não terminariam antes da chegada do pai e<br />

atravancariam qualquer passagem de Gregor com o armário no meio do quarto;<br />

em segundo, não era nada certo que se fizesse um favor a Gregor com a retirada<br />

dos móveis. A ela parecia que se dava justamente o contrário; a visão da parede<br />

nua oprimia-lhe francamente o coração; e por que Gregor não devia ter esse<br />

mesmo sentimento, uma vez que estava acostumado há tanto tempo aos mó-<br />

veis e iria, portanto se sentir abandonado no quarto vazio? E numa voz bem<br />

baixa, quase sussurrando, como se quisesse evitar que Gregor — cuja loca-<br />

lização exata não conhecia — ouvisse até mesmo o som da voz, pois estava<br />

convencida de que ele não entendia as palavras, a mãe concluiu:<br />

— Não é como se nós mostrássemos, retirando os móveis, que renunci-<br />

amos a qualquer esperança de melhora e o abandonamos a própria sorte, sem<br />

nenhuma consideração? Creio que o melhor seria tentarmos conservar o quarto<br />

exatamente no mesmo estado em que estava antes, a fim de que Gregor, ao voltar<br />

outra vez para nós, encontre tudo como era e possa desse esquecer mais fa-<br />

cilmente o que aconteceu no meio tempo.<br />

Ao ouvir essas palavras da mãe, Gregor reconheceu que a falta de qualquer<br />

comunicação humana imediata, ligada <strong>à</strong> vida uniforme da família, devia ter<br />

confundido o seu juízo no decorrer desses dois meses, pois não podia explicar<br />

de outro modo que tivesse podido exigir a sério que seu quarto fosse esvaziado.<br />

Tinha realmente vontade de mandar que seu quarto — confortavelmente ins-<br />

talado com móveis herdados — se transformasse numa toca em que pudesse<br />

então certamente se arrastar imperturbado em todas as direções, ao preço,<br />

contudo do esquecimento simultâneo, rápido e total do seu passado humano?<br />

De fato agora já estava próximo de esquecer, e só a voz da mãe, que havia muito<br />

tempo não escutava, o havia sacudido. Nada deveria ser afastado; tudo deveria<br />

permanecer, não podia se privar dos bons influxos dos móveis sobre o seu es-<br />

tado; e se os móveis o impediam de rastejar em roda sem objetivo, então isso<br />

não era um prejuízo, mas sim uma grande vantagem.<br />

Mas infelizmente a irmã tinha outra opinião; ela havia se habituado — seja<br />

como for, de uma maneira inteiramente justificada — a se apresentar diante<br />

dos pais, nas conversas sobre as questões de Gregor, como perita, e assim,<br />

também agora, o conselho da mãe foi motivo suficiente para a irmã insistir na<br />

retirada não apenas do armário e da escrivaninha — na qual ela no início tinha<br />

pensado — mas também na de todos os móveis, com exceção do indispensável<br />

sofá. Naturalmente não era apenas a teimosia infantil a autoconfiança, adqui-<br />

rira nos últimos tempos que a levara a essa experiência, de um modo tão ines-<br />

perado e difícil; ela tinha também observado efetivamente que Gregor preci-<br />

sava de muito espaço para rastejar, ao passo que — até onde podia ver — não<br />

usava o mínimo que fosse os móveis.<br />

Mas talvez também desempenhasse aí um papel aquele espírito entusiasta<br />

das jovens de sua idade, que busca se satisfazer em qualquer ocasião, e através<br />

do qual Grete agora se deixava atrair ao querer tornar a situação de Gregor mais<br />

assustadora, a fim de poder então realizar por ele mais ainda do que até agora.<br />

Pois num espaço em que Gregor dominasse inteiramente só as paredes vazias,<br />

com certeza ninguém, a não ser Grete, jamais se atreveria a penetrar.<br />

E assim ela não se deixou desviar da sua decisão pela mãe, que também parecia<br />

insegura, naquele quarto, com tanta inquietação; logo emudeceu e ajudou a filha,<br />

na medida das suas forças, a transportar o armário para fora. Bem, no caso<br />

de necessidade Gregor ainda podia se privar do armário, mas a escrivaninha<br />

tinha de ficar. E mal as mulheres tinham deixado o quarto com o armário, de<br />

encontro ao qual se comprimiam gemendo, Gregor pôs a cabeça para fora, de<br />

sob o sofá, para ver como poderia intervir com cuidado e o máximo de con-<br />

sideração. Mas por infelicidade foi justamente <strong>à</strong> mãe a primeira a voltar, en-<br />

quanto Grete, no quarto vizinho, abraçava o armário e sozinha o jogava de lá<br />

para cá, naturalmente sem tira-lo do lugar. Mas a mãe não estava acostumada<br />

<strong>à</strong> visão de Gregor; poderia faze-la ficar doente; e por isso ele foi de marcha<br />

<strong>à</strong> ré, assustado, até a outra extremidade do sofá, mas sem poder mais impedir<br />

que o lençol <strong>à</strong> frente se mexesse um pouco. Isso bastou para chamar a atenção<br />

da mãe. Ela parou de repente, ficou um instante quieta e depois voltou para<br />

a companhia de Grete.<br />

Embora Gregor dissesse continuamente a si mesmo que não estava acon-<br />

tecendo nada de extraordinário, que apenas alguns móveis seriam trocados de<br />

lugar, aquele ir-e-vir das mulheres, seus curtos chamados, o arrastar de móveis<br />

no chão, produziam nele — como logo teve de admitir — o efeito de um grande<br />

tumulto alimentado por todos os lados, e ele precisou dizer consigo mesmo,<br />

por mais que encolhesse a cabeça e as pernas, e espremesse o corpo no chão,<br />

que não ia agüentar tudo aquilo por muito tempo. Elas lhe esvaziaram o quarto,<br />

privavam-no de tudo o que lhe era caro; já tinham carregado para fora o armário<br />

em que se achavam a serra e outras ferramentas; soltavam agora a escrivaninha<br />

fortemente cravada no chão, na qual havia escrito suas lições como estudante<br />

de comércio, ginasiano e até como escolar — então realmente não tinha mais<br />

tempo para testar as boas intenções das duas mulheres, cuja existência, aliás,<br />

já havia quase esquecido, pois elas trabalhavam mudas de cansaço e só ouvia<br />

a pesada batida dos seus pés.<br />

E com isso ele irrompeu para fora — nesse exato momento as mulheres<br />

estavam no quarto vizinho, apoiadas na escrivaninha para tomar um pouco<br />

de fôlego, — mudou de direção quatro vezes, realmente não sabia o que salvar<br />

primeiro então viu, saliente na parede de resto vazia, a imagem pendurada da<br />

dama toda vestida de peles, rastejou as pressas para o alto e comprimiu-se<br />

contra o vidro, que o reteve e fez bem <strong>à</strong> sua barriga quente. Pelo menos essa<br />

imagem, que Gregor agora cobria pó completo, ninguém certamente levaria<br />

embora. Ele torceu a cabeça em direção <strong>à</strong> porta da sala de estar, para observar<br />

o retorno das mulheres.<br />

Elas não tinham se concedido muito descanso e já estavam voltando; Grete<br />

havia colocado o braço em torno da mãe e quase a arrastava.<br />

— Bem, o que vamos levar agora? — disse Grete e olhou em volta.<br />

Então os olhares dela cruzaram-se com os de Gregor na parede. Sem dúvida<br />

só por causa da presença da mãe ela manteve a compostura; inclinou o rosto<br />

para a mãe a fim de evitar que esta olhasse ao seu redor e disse — seja como<br />

for, trêmula e sem refletir:<br />

— Venha, é melhor voltarmos um instante para a sala de estar.<br />

Para Gregor a intenção de Grete era clara, ela queria pôr a mãe a salvo e depois<br />

enxotá-lo parede abaixo. Bem ela que tentasse! Ele estava sentado em cima<br />

da sua imagem e não ia entrega-la. Preferia antes saltar no rosto de Grete.<br />

Mas as palavras de Grete haviam na verdade intranqüilizado a mãe; ela deu<br />

um passo para o lado, divisou a gigantesca mancha marrom no papel da parede<br />

florido e, antes que realmente chegasse <strong>à</strong> sua consciência que o que ela via era<br />

Gregor, exclamou com voz esganiçada e áspera:<br />

— Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!<br />

Como se desistisse de tudo, ela caiu de braços abertos sobre o sofá, não<br />

se móvel.<br />

— Você, Gregor! — gritou a irmã com um punho cerrado erguido na sua


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA CULTURA B7<br />

direção e olhos penetrantes.<br />

Eram as primeiras palavras que endereçava diretamente a ele desde a<br />

metamorfose. Correu ao quarto vizinho para pegar alguma essência com que<br />

pudesse despertar a mãe do desmaio; Gregor queria também ajudar — para<br />

salvar o quadro ainda havia tempo — mas estava firmemente colado ao vidro<br />

e precisava se soltar <strong>à</strong> força; depois correu também para o quarto vizinho, como<br />

se pudesse, <strong>à</strong> maneira de antigamente, dar algum conselho <strong>à</strong> irmã; mas aí teve<br />

de ficar bem atrás dela sem fazer nada; enquanto vasculhava em diversos frascos<br />

ela, ao girar o corpo, ainda levou um susto; uma garrafa caiu no chão e se quebrou;<br />

um estilhaço feriu Gregor na cara, algum remédio corrosivo escorreu por ele;<br />

Grete então pegou, sem mais de deter, quantos frascos podia segurar e disparou<br />

com eles em direção <strong>à</strong> mãe; a porta ela bateu com o pé. Gregor ficou então<br />

isolado da mãe, que por culpa sua talvez estivesse perto da morte; não podia<br />

abrir a porta, se não quisesse afugentar a irmã que precisava permanecer junto<br />

<strong>à</strong> mãe; agora não tinha outra coisa a fazer senão esperar; e oprimido por autocensuras<br />

e apreensão começou a rastejar — rastejou por cima de tudo, paredes,<br />

móveis, teto, e no seu desespero, quando todo o quarto começou a virar ao<br />

seu redor, caiu finalmente em cima da grande mesa.<br />

Finalmente, acossado pelo desespero, viu a sala a andar a roda e caiu no<br />

meio da grande mesa.<br />

Passou um pouco de tempo; Gregor jazia ali, extenuado, em torno estava<br />

silencioso, talvez isso fosse um bom sinal. Então soou a campainha da porta.<br />

A empregada, naturalmente, estava encerrada na sua cozinha e por isso Grete<br />

precisava ir abrir a porta. O pai tinha chegado.<br />

— O que aconteceu? — foram suas primeiras palavras; a aparência de Grete<br />

sem dúvida havia denunciado tudo.<br />

Grete respondeu com voz abafada, obviamente comprimia o rosto no peito<br />

do pai.<br />

— A mãe desmaiou, mas agora já está melhor. Gregor escapou.<br />

— Eu já esperava — disse o pai. — Eu sempre disse isso a vocês, mas vocês<br />

as mulheres não quiseram me ouvir.<br />

Para Gregor era evidente que o pai havia interpretado mal a comunicação<br />

demasiado breve de Grete e assumido que Gregor era culpado de algum ato<br />

de violência. Por isso ele agora precisava aplacar o pai, pois não tinha tempo<br />

nem possibilidade de esclarece-lo. E assim se refugiou junto <strong>à</strong> porta do seu<br />

quarto, apertando-se contra ela, para que o pai, ao entrar — vindo da antesala,<br />

— pudesse logo ver que Gregor tinha melhor intenção de voltar imediatamente<br />

ao seu quarto, e que não era necessário toca-lo para lá, mas apenas<br />

abrir a porta para que lê num instante desaparecesse.<br />

Mas o pai não estava num estado de ânimo capaz de notar essas sutilezas.<br />

— Ah! — exclamou logo <strong>à</strong> entrada, num tom de quem está ao mesmo tempo<br />

furioso e contente.<br />

Gregor recuou a cabeça da porta e ergueu-a na direção do pai. Realmente<br />

não o tinha imaginado assim como ele ali estava; seja como for, absorvido nos<br />

últimos tempos pela novidade de rastejar, deixara de se ocupar como antes<br />

com os acontecimentos no resto da casa e na verdade precisaria estar preparado<br />

para encontrar as coisas mudadas. Apesar disso, apesar disso — era aquele<br />

ainda o seu pai? O mesmo homem que costumava ficar enterrado na cama exausto,<br />

quando Gregor partia para uma viagem de negócios; que nas noites de regresso<br />

o recebia de roupão na cadeira de braços; que era absolutamente incapaz de<br />

se levantar, apenas erguendo os braços em sinal de alegria, e que nos raros passeios<br />

de família, em alguns domingos do ano e nos feriados principais, caminhava<br />

com esforço entre Gregor e a mãe — que por si sós já andavam devagar<br />

— um pouco mais devagar ainda, embrulhado no seu velho casaco, apoiandose<br />

sempre com cuidado na muleta e que, quando queria dizer alguma coisa, quase<br />

sempre parava e reunia em torno de si os acompanhantes? Agora, porém ele<br />

estava muito ereto, vestido com um uniforme azul justo, de botões dourados,<br />

como usam os contínuos de instituições bancárias; sobre o colarinho alto e duro<br />

do casaco se desdobrava o forte queixo duplo; sob as sobrancelhas cerradas<br />

os olhos escuros emitiam olhares vívidos e atentos; o cabelo branco, outrora<br />

desgrenhado, estava penteado com uma risca escrupulosamente exata e luzidia.<br />

Atirou o quepe — no qual estava gravado um monograma dourado, provavelmente<br />

de um banco — até o sofá, descrevendo um arco por todo o quarto,<br />

e caminhou para Gregor, o rosto irascível, as mãos nos bolsos das calças, as<br />

abas do comprido casaco do uniforme atiradas para trás. Certamente ele mesmo<br />

não sabia o que estava querendo, de qualquer modo, levantava os pés a<br />

uma altura pouco incomum e Gregor ficou espantado com o tamanho gigantesco<br />

das solas das botas. Mas não ficou nisso, já sabia desde o primeiro dia<br />

da sua nova vida que diante dele, o pai só considerava adequada a severidade<br />

extrema. E assim correu na frente do pai, parando quando ele se detinha e se<br />

apressando de novo apenas o pai se movia. Deram assim várias voltas pelo<br />

quarto, sem que nada de decisivo acontecesse, na realidade sem que tudo aquilo<br />

tivesse a aparência uma perseguição, em vista da velocidade lenta. Por causa<br />

disso Gregor permaneceu provisoriamente no chão, sobretudo temendo que<br />

o pai pudesse considerar uma maldade especial uma fuga pelas paredes ou pelo<br />

teto. Seja como for, precisou admitir a si próprio que não poderia agüentar<br />

essa corrida por muito tempo, pois enquanto o pai dava um passo, ele tinha<br />

de realizar inúmeros movimentos. A falta de fôlego começou a se fazer notar,<br />

uma vez que, mesmo nos velhos tempos, não tinha um pulmão inteiramente<br />

confiável. Enquanto cambaleava de cá para lá, quase não mantinha os olhos<br />

abertos, a fim de reunir todas as forças para a corrida; no seu torpor não pensava<br />

em outra maneira de se salvar senão correndo; e tinha esquecido que as<br />

paredes estavam <strong>à</strong> sua disposição, embora aqui elas permanecessem obstruídas<br />

por móveis cuidadosamente talhados, cheios de recortes e pontas — quando<br />

nesse momento alguma coisa, atirada de leve, voou bem ao seu lado e rolou<br />

diante dele. Era uma maçã; a segunda passou voando logo em seguida por ele;<br />

Gregor ficou paralisado de susto; continuar correndo era inútil, pois o pai tinha<br />

decidido bombardeá-lo. Da fruteira em cima do bufê ele havia enchido os bolsos<br />

de maçãs e, por enquanto sem mirar direito, as atirava uma a uma. As pequenas<br />

maçãs vermelhas rolavam como que eletrizadas pelo chão e batiam umas nas<br />

outras. Uma maçã atirada sem força, raspou as costas de Gregor, mas escorregou<br />

sem causar danos. Uma que logo se seguiu, pelo contrário, literalmente<br />

penetrou nas costas dele; Gregor quis continuar se arrastando, como se a dor<br />

surpreendente e inacreditável pudesse passar com a mudança de lugar, mas<br />

ele se sentia como se estivesse pregado no chão e esticou o corpo numa total<br />

confusão de todos os sentidos. Com o último olhar ainda viu a porta do seu<br />

quarto ser escancarado e a mãe se precipitar de combinação <strong>à</strong> frente da filha<br />

que gritava; pois Grete a tinha aliviado das roupas para permitir que ela respirasse<br />

com liberdade enquanto estava desacordada; viu-a correr ao encontro<br />

do pai e no caminho caírem ao chão, uma a uma, as saias desapertadas; e viu<br />

quando ela tropeçando nas saias chegou até o lugar onde o pai, estava e, abraçandoo,<br />

em completa união com ele — mas nesse momento a vista de Gregor já falhava,<br />

— pedir, com as mãos na nuca do pai, que ele poupasse a vida de Gregor.<br />

Capítulo III<br />

O grave ferimento de Gregor, que o fez sofrer mais de um mês — a maçã<br />

ficou alojada na carne como uma recordação visível, já que ninguém ousou<br />

remove-la, — parecia ter lembrado ao pai que Gregor, a despeito de sua atual<br />

figura triste e repulsiva, era um membro da família que não podia ser tratado<br />

como um inimigo, mas diante do qual o mandamento do dever familiar impunha<br />

engolir a repugnância e suportar, suportar e nada mais.<br />

E embora por causa da ferida Gregor agora tivesse perdido, provavelmente<br />

para sempre, algo da sua mobilidade e no momento precisasse de longos, longos<br />

minutos para atravessar o quarto, como um velho inválido de guerra — rastejar<br />

pelo alto estava fora de cogitação, — ele recebeu, por essa deterioração do seu<br />

estado, uma compensação a seu ver inteiramente satisfatória, no sentido de<br />

que todos os dias ao anoitecer a porta para a sala de estar, que uma ou duas<br />

horas antes costumava observar atentamente, era aberta de tal forma que, deitado<br />

na escuridão do seu quarto, invisível da sala de estar, ele podia ver a família<br />

toda <strong>à</strong> mesa iluminada e escutar suas conversas, de certo modo com a permissão<br />

geral, ou seja, se uma maneira totalmente diversa da anterior.<br />

Sem dúvida não eram mais as conversas animadas dos velhos tempos, nas<br />

quais Gregor sempre pensava com alguma nostalgia quando, nos pequenos<br />

quartos de hotel, tinha de se atirar cansado <strong>à</strong> cama úmida. Agora as coisas só<br />

aconteciam na maioria das vezes com muita quietude. Logo depois do jantar<br />

o pai adormecia na sua cadeira de braços; a mãe e a irmã concitavam uma a outra<br />

ao silêncio; a mãe, muito curvada sob a luz, costurava finas roupas de baixo<br />

para uma loja de modas; a irmã, que tinha aceito um emprego como vendedora,<br />

<strong>à</strong> noite estudava estenografia e francês para conseguir talvez mais tarde um<br />

posto melhor. Às vezes o pai acordava e como se não soubesse absolutamente<br />

que tinha dormido, dizia para a mãe:<br />

— Quanto tempo você está costurando outra vez!<br />

E adormecia de novo, enquanto mãe e filha sorriam cansadas uma a outra.<br />

Com uma espécie de obstinação, o pai se recusava a tirar mesmo em casa<br />

o uniforme de funcionário; e, enquanto o roupão pendia inútil do cabide ele<br />

cochilava na sua cadeira inteiramente vestido, como se estivesse sempre pronto<br />

para o serviço e aguardasse também aqui a voz do superior. Em vista disso<br />

o uniforme, que desde o início não era novo, perdeu o asseio, apesar de todo<br />

o cuidado da mãe e a irmã; e freqüentemente Gregor olhava durante serões inteiros<br />

para aquela roupa coberta de manchas e lustrosa nos seus botões dourados<br />

sempre polidos, com o qual o velho dormia de um jeito extremamente<br />

incômodo, mas apesar disso tranqüilo.<br />

Assim que o relógio batia <strong>à</strong>s dez horas a mãe, com leves exortações, tentava<br />

acordar e depois persuadir o pai a ir para a cama, pois ali não era lugar para<br />

o sono certo de que ele tinha extrema necessidade, pois precisava entrar no<br />

serviço as seis da manhã. Mas, na obstinação que o havia tomado desde funcionário,<br />

insistia sempre em ficar <strong>à</strong> mesa mais tempo, embora adormecesse<br />

regularmente e, além disso, só com o maior esforço pudesse depois ser convencido<br />

a trocar a cadeira pela cama. Então, por mais que mãe e a filha, com<br />

pequenas admoestações, o forçassem, ele sacudia a cabeça devagar, durante<br />

um quarto de hora, conservava os olhos fechados e não se levantava. A mãe<br />

o puxava pela manga, dizia-lhe palavras de carinho ao ouvido, a irmã punha<br />

de lado a lição para ajudar a mãe, mas isso não adiantava. Ele afundava ainda<br />

mais na sua cadeira. Só quando as mulheres o agarravam por baixo dos braços<br />

é que ele abria os olhos e fitava alternadamente a mãe e a irmã, momento em<br />

que costumava dizer:<br />

— Isto sim é que é vida. Este é o descanso dos meus dias de velhice.<br />

E apoiado nas duas mulheres erguia-se penosamente, como se para si mesmo<br />

fosse o fardo maior de todos, deixando-se levar por elas até a porta, onde as<br />

despachava com um aceno e prosseguia sozinho, enquanto a mãe depunha o<br />

mais rápido possível seus instrumentos de costura e a irmã possível seus<br />

instrumentos de costura e a irmã sua caneta para correrem atrás dele e continuarem<br />

a servi-lo.<br />

Quem nessa família sobrecarregada e exausta tinha tempo para se ocupar<br />

de Gregor mais que o absolutamente necessário? A economia doméstica tor-<br />

nou-se cada vez mais restrita; a empregada foi afinal despedida; uma faxineira<br />

imensa, ossuda, de cabelo branco esvoaçando em volta da cabeça, vinha de manhã<br />

e <strong>à</strong> noitinha para fazer o trabalho mais pesado; a mãe cuidava do resto, além<br />

de toda a costura. Aconteceu até que diversas jóias da família, que a mãe e a<br />

irmã antes tinham usado com o maior dos júbilos em festas e solenidades, foram<br />

vendidas, como Gregor ficou sabendo uma noite ao ouvir a discussão geral<br />

sobre os preços alcançados. Mas a maior de todas as queixas era sempre o fato<br />

de que não se podia deixar o apartamento — grande demais para as atuais<br />

necessidades — uma vez que não era possível imaginar como Gregor seria<br />

removido. Gregor, porém logo compreendeu que não era apenas a consideração<br />

para com ele que impedia uma mudança, já que poderia ser facilmente<br />

transportado numa caixa adequada com alguns furos de ventilação; o que detinha<br />

a família de uma troca de casa era principalmente a total falta de esperança e<br />

o pensamento de que tinha sido atingida por uma desgraça como mais ninguém<br />

em todo o círculo de parentes e conhecidos. O que o mundo exigia de gente<br />

pobre, eles cumpriam até o ponto extremo: o pai ia buscar o café da manhã<br />

para os pequenos funcionários do banco, a mãe se sacrificava pelas roupas<br />

de baixo de pessoas estranhas, a irmã corria de lá para cá atrás do balcão ao<br />

comando dos fregueses, mas as energias da família não iam mais longe que isso.<br />

E a ferida nas costas de Gregor começou a doer de novo, como se fosse recente,<br />

quando, depois de terem ido levar o pai para a cama, mãe e irmã voltaram,<br />

puseram de lado o trabalho, aproximaram suas cadeiras e ficaram sentadas já<br />

de rosto colado — instante em que a mãe, apontando para o quarto de Gregor,<br />

disse:<br />

— Feche aquela porta, Grete.<br />

Aí Gregor ficou outra vez no escuro, enquanto do outro lado da porta as<br />

mulheres misturavam suas lágrimas ou fitavam a mesa com os olhos secos.<br />

Gregor passava as noites e os dias quase completamente sem sono. Às vezes<br />

pensava em reassumir os assuntos da família, exatamente como antes, na próxima<br />

vez em que a porta se abrisse; nos seus pensamentos apareceram de novo, depois<br />

de muito tempo, o chefe e o gerente, os caixeiros e os aprendizes, o contínuo<br />

tão obtuso, dois, três amigos de outras firmas, uma arrumadeira de um hotel<br />

no interior — recordação agradável e passageira, — uma moça que trabalhava<br />

na caixa de uma loja de chapéus que ele tinha cortejado seriamente, mas devagar<br />

demais; todos eles surgiram entremeados com estranhos ou pessoas já esquecidas,<br />

mas ao invés de o ajudarem e <strong>à</strong> família, estavam sem exceção inacessíveis,<br />

e ele ficou feliz quando desapareceram. Mas depois ele já não estava mais com<br />

ânimo nenhum para cuidar da família, sentia-se simplesmente cheio de ódio<br />

pelo mau tratamento e embora não pudesse imaginar nada que lhe despertasse<br />

o apetite, fazia, no entanto planos sobre como poderia chegar <strong>à</strong> despensa para<br />

ali pegar tudo o que lhe era devido, mesmo que não tivesse fome. Agora, sem<br />

pensar mais no que pudesse agradar a Gregor, a irmã, antes de correr de manhã<br />

e ao meio-dia rumo <strong>à</strong> loja, empurrava com o pé para dentro do quarto, na maior<br />

pressa, uma comida qualquer, para ao anoitecer, não importa se esta tinha sido<br />

apreciada ou — caso mais freqüente — sequer tocada, arrasta-la para fora com<br />

uma vassourada. A arrumação do quarto, que ela agora providenciava sempre<br />

<strong>à</strong> noite, não podia ser feita com maior rapidez. Estrias de sujeira percorriam<br />

as paredes, aqui e ali havia novelos de pó e lixo. Nos primeiros tempos, <strong>à</strong> chegada<br />

da irmã, Gregor se colocava em cantos que indicavam isso de modo especial,<br />

para com essa posição de certa maneira censura-la. Mas teria certamente podido<br />

ficar ali semanas inteiras sem que ela tivesse se corrigido; Grete via a sujeira<br />

exatamente como ele, mas havia decidido deixa-la. Ao mesmo tempo, com<br />

uma suscetibilidade que nela era totalmente nova, e que na verdade acometera<br />

a família toda, velava para que lhe ficasse reservada a arrumação do quarto de<br />

Gregor. Certa vez a mãe submeteu o quarto a uma grande limpeza, que só conseguiu<br />

fazer depois de usar alguns baldes de água — de qualquer modo o excesso<br />

de umidade molestou Gregor também, que ficou deitado no sofá, largo, amargurado,<br />

imóvel, — mas o castigo da mãe não demorou. Pois ao anoitecer, mal<br />

tinha notado a alteração no quarto de Gregor, a irmã, ofendida ao extremo, correu<br />

até a sala de estar e, a despeito das mãos da mãe erguidas em súplica, rompeu<br />

num acesso de choro, ao qual no início os pais — naturalmente o pai tinha pulado<br />

de susto de sua cadeira — assistiram perplexos e sem saber o que fazer; até<br />

que também começaram a se tocar; o pai censurava, <strong>à</strong> direita, a mãe por não<br />

ter deixado a limpeza para a irmã; <strong>à</strong> esquerda, pelo contrário, vociferava que<br />

a irmã nunca mais podia limpar o quarto de Gregor; ao passo que a mãe tentava<br />

arrastar o pai, que já não sabia onde estava de tanta excitação, para o quarto<br />

de dormir, a irmã, sacudida por soluços, batia os pequenos punhos na mesa;<br />

e Gregor, cheio de raiva, sibilava alto, porque não tinha ocorrido a ninguém<br />

fechar a porta e poupa-lo desse espetáculo e desse barulho.<br />

Mas ainda que a irmã, exausta do trabalho profissional, estivesse saturada<br />

de cuidar de Gregor como antigamente, de modo algum teria sido necessário<br />

que a mãe ficasse no seu lugar e Gregor não precisava ser negligenciado. Pois<br />

agora havia a faxineira. Essa velha viúva, que na sua longa vida devia ter suportado<br />

as piores coisas com a ajuda de uma forte construção óssea, não tinha<br />

propriamente repulsa por Gregor. Sem que fosse de algum modo curiosa, uma<br />

vez ela havia aberto casualmente a porta do quarto de Gregor e, <strong>à</strong> vista dele<br />

— que tomado de total surpresa, embora ninguém o perseguisse, começou a<br />

correr de lá para cá, — ficou parada, admirando, com as mãos cruzadas no colo.<br />

Desde então, de manhã e <strong>à</strong> noitinha nunca perdia a oportunidade de abrir um<br />

pouco a porta e espiar rapidamente Gregor. No começo ela também o chamava<br />

ao seu encontro, com palavras que provavelmente considerava amistosas, como<br />

“venha um pouco aqui velho bicho sujo!” ou “vejam só o velho bicho sujo!”.<br />

A chamados desse tipo Gregor não respondia nada, mas ficava imóvel no seu<br />

lugar, como se a porta não tivesse sido aberta. Se ao invés de deixar a faxineira<br />

perturba-lo inutilmente, segundo o capricho do momento, eles tivessem ordenado<br />

que ela limpasse todos os dias o seu quarto! Certa vez, de manhã cedo<br />

— uma chuva violenta batia nas vidraças, talvez já um sinal da Primavera que<br />

chegava, — quando a faxineira começou de novo a usar suas expressões, Gregor<br />

ficou tão exasperado que, embora lento e débil, se voltou para ela, como que<br />

preparado para o ataque. Mas a faxineira, ao invés de sentir medo, simplesmente<br />

ergueu para o alto uma cadeira que se achava perto da porta e, pela maneira<br />

como ficou ali, a boca bem aberta, mostrou claramente a intenção de só fechala<br />

quando a cadeira na sua mão tivesse desabado sobre as costas Gregor.<br />

— E então, não vai continuar? — perguntou, enquanto Gregor se virava<br />

outra vez e ela recolocava a cadeira calmamente no canto.<br />

Agora Gregor não comia quase mais nada. Só quando por acaso passava<br />

pela comida posta para ele é que mordia por brincadeira um bocado, conservava<br />

a porção na boca durante horas e depois, na maioria das vezes, a cuspia<br />

fora. Pensou a principio que era a tristeza pelo estado do seu quarto que o<br />

impedia de comer, mas foi justamente com as mudanças ocorridas nele que<br />

se reconciliou bem cedo. Haviam se habituado a introduzir naquele quarto as<br />

coisas que não se podia colocar em outro lugar, e existia um monte delas ali,<br />

já que um quarto do apartamento fora alugado a três inquilinos. Estes senhores<br />

sisudos — os três tinham barba cheia, como uma vez Gregor verificou por uma<br />

fresta da porta — eram obcecados pela ordem não só no seu quarto, mas também<br />

— uma vez que haviam se mudado para lá — na casa inteira, principalmente<br />

na cozinha. Não suportavam tralha inútil, muito menos suja. Além disso, haviam<br />

trazido, em sua maior parte, o próprio mobiliário. Por esse motivo tinham se<br />

tornado supérfluas muitas coisas que na verdade não se podia vender, mas que<br />

também não se queria jogar fora. Todas elas migraram para o quarto de Gregor<br />

— mesmo a lata de cinza e a lata do lixo da cozinha. Agora a faxineira, que estava<br />

sempre com muita pressa, simplesmente arremessava ao quarto de Gregor o<br />

que não era usado no momento; felizmente Gregor via, na maioria dos casos,<br />

o objeto em questão e a mão que o segurava. Talvez a faxineira tivesse a intenção<br />

de pegar as coisas de novo, conforme o tempo e a ocasião, ou então<br />

atirar todas elas fora de uma só vez; mas o fato é que elas permaneciam no lugar<br />

onde tinham sido atiradas — isso quando Gregor não se locomovia no meio<br />

do entulho e as punha em movimento, a princípio forçado, porque não havia<br />

nenhum outro espaço para rastejar, mais tarde, porém com satisfação crescente,<br />

embora depois dessas caminhadas, triste e morto de cansaço, não se<br />

movesse novamente durante horas.<br />

Visto que os inquilinos jantavam <strong>à</strong>s vezes em casa, na sala de estar comum,<br />

a porta desta ficava fechada várias noites, mas Gregor renunciou com grande<br />

facilidade <strong>à</strong> porta aberta; ele não a tinha usado já diversas noites em que ela<br />

havia permanecido assim, pois, sem que a família percebesse, ficara deitado<br />

no canto mais escuro do seu quarto. Uma vez, no entanto a faxineira deixara<br />

a porta para a sala de estar entreaberta — e assim ela continuou mesmo quando<br />

os inquilinos entraram <strong>à</strong> noite e a luz foi acesa. Eles sentaram-se <strong>à</strong> cabeceira<br />

da mesa, onde antigamente o pai, a mãe e Gregor comiam, desdobraram os<br />

guardanapos e empunharam o garfo e a faca. Imediatamente a mãe apareceu<br />

<strong>à</strong> porta com uma travessa de carne e logo atrás dela a filha com uma travessa<br />

de batatas empulhadas alto. A comida soltava um vapor forte. Os inquilinos<br />

inclinaram-se sobre as travessas colocadas <strong>à</strong> sua frente, como se quisessem<br />

examiná-la antes de comer, e efetivamente o senhor que estava sentado no meio<br />

e parecia valer como autoridade para os outros dois cortou um pedaço de carne<br />

ainda na travessa, sem dúvida para verificar se ela estava suficientemente mole<br />

ou se acaso não devia ser mandada de volta <strong>à</strong> cozinha. Ficou satisfeito e a mãe<br />

e a irmã, que haviam observado ansiosas, começaram a sorrir, respirando com<br />

alívio.<br />

A família mesmo ia comer na cozinha. Apesar disso o pai, antes de se dirigir<br />

<strong>à</strong> cozinha, entrou na sala de estar, fez uma única inclinação de corpo e deu uma<br />

volta em torno da mesa com o quepe na mão. Os inquilinos levantavam-se todos<br />

ao mesmo tempo e murmuravam alguma coisa dentro das suas barbas. Quando<br />

depois ficaram a sós, comeram num silêncio quase total. Pareceu estranho a<br />

Gregor que, em meio a todos os múltiplos ruídos do ato de comer, se destacasse<br />

continuamente o som dos dentes mastigando, como se com isso quisessem<br />

mostrar a ele que era preciso ter dentes para comer e que mesmo com as mais<br />

belas mandíbulas sem dentes não se podia fazer nada.<br />

— Eu tenho apetite, sim — disse Gregor a si mesmo, preocupado, — mas<br />

não por essas coisas. Como se alimentam esses inquilinos, e eu aqui morrendo!<br />

Exatamente nesta noite — Gregor não se lembrava de tê-lo ouvido durante<br />

todo aquele tempo — o violino soou na cozinha. Os inquilinos já tinham<br />

terminado o jantar, o senhor do meio havia puxado um jornal, e os três liam<br />

e fumavam recostados nas cadeiras. Quando o violino começou a tocar, eles<br />

prestaram atenção, se levantaram e foram na ponta dos pés até <strong>à</strong> porta da antesala,<br />

junto <strong>à</strong> qual pararam espremidos um contra o outro. Deviam tê-los ouvido<br />

da cozinha, pois o bradou:<br />

— Por acaso a música incomoda os senhores? Ela pode ser imediatamente<br />

interrompida.<br />

— Pelo contrário — disse o senhor do meio. — Será que a senhorita não<br />

gostaria de vir até nós e tocar aqui na sala, onde é muito mais cômodo e confortável?<br />

— Oh, pois não — exclamou o pai de Gregor, como se fosse ele o violinista.<br />

Os inquilinos voltaram para a sala de estar, e ficaram esperando. Logo chegou<br />

o pai de Gregor com a estante da partitura e a irmã com o violino. Grete preparou<br />

tudo tranqüilamente para tocar; os pais, que nunca antes haviam alugado quartos<br />

e por isso exageravam na gentileza com os inquilinos, não ousaram sentar-se<br />

nas próprias cadeiras; o pai se inclinou sobre a porta, com a mão direita enfiada<br />

CONTOS<br />

DE FRANZ KAFKA<br />

O TIMONEIRO<br />

“Não sou o timoneiro?” – exclamei. “Você?” – disse um<br />

homem alto e escuro e esfregou as mãos nos olhos como se<br />

espantasse um sonho. Eu estive ao leme na noite escura, a<br />

lanterna ardendo fraca sobre minha cabeça e agora vinha esse<br />

homem e queria me pôr de lado. E já que eu não me afastava,<br />

ele calcou o pé no meu peito e me empurrou para baixo devagar<br />

enquanto eu continuava agarrado aos raios do leme e<br />

na queda o tirava completamente do<br />

lugar. Mas o homem o pegou, colocou-o em ordem e me<br />

empurrou dali com um tranco. Eu porém me recompus logo,<br />

corri até a escotilha que dava para o alojamento da tripulação<br />

e gritei: “Tripulantes! Camaradas! Venham logo! Um estranho<br />

me expulsou do leme!” Eles vieram lentamente, subindo<br />

pela escada do navio, figuras possantes que cambaleavam de<br />

cansaço. “Não sou o timoneiro?” – perguntei. Eles assentiram<br />

com a cabeça, mas seus olhares só se dirigiam ao estranho;<br />

ficaram em semicírculo ao redor dele e, quando ele disse<br />

em voz de comando: “Não me atrapalhem”, eles se juntaram,<br />

acenaram para mim com a cabeça e voltaram a descer pela<br />

escada do navio. Que tipo de gente é essa? será que realmente<br />

pensam ou só se arrastam sem saber para onde sobre a terra?<br />

O BRASÃO DA<br />

CIDADE<br />

No início tudo estava numa ordem razoável na construção<br />

da Torre de Babel; talvez a ordem fosse até excessiva, pensava-se<br />

demais em sinalizações, intérpretes, alojamentos de<br />

trabalhadores e vias de comunicação, como se <strong>à</strong> frente houvesse<br />

séculos de livres possibilidades de trabalho. A opinião<br />

reinante na época chegava ao ponto de que não se podia<br />

trabalhar com lentidão suficiente, ela não precisava ser muito<br />

enfatizada para que se recuasse assustado ante o pensamento<br />

de assentar os alicerces. Argumentava-se da seguinte<br />

maneira: o essencial do empreendimento todo é a idéia de<br />

construir uma torre que alcance o céu. Ao lado dela tudo o<br />

mais é secundário. Uma vez apreendida na sua grandeza essa<br />

idéia não pode mais desaparecer; enquanto existirem homens,<br />

existirá também o forte desejo de construir a torre até o fim.<br />

Mas nesse sentido não é preciso se preocupar com o futuro;<br />

pelo contrário, o conhecimento da humanidade aumenta, a<br />

arquitetura fez e continuará fazendo mais progressos, um<br />

trabalho para o qual necessitamos de um ano será dentro de<br />

cem anos realizado, talvez em meio e além disso melhor, com<br />

mais consistência. Por que então esforçar-se ainda hoje até<br />

o limite das energias? Isso só teria sentido se fosse possível<br />

construir a torre no espaço de uma geração. Mas não se pode<br />

de modo algum esperar por isso. Era preferível pensar que<br />

a geração seguinte, com o seu saber aperfeiçoado, achará mau<br />

o trabalho da geração precedente e arrasará o que foi construído,<br />

para começar de novo. Esses pensamentos tolhiam<br />

as energias e, mais do que com a construção da torre, as<br />

pessoas se preocupavam com a construção da cidade dos<br />

trabalhadores. Cada nacionalidade queria ter o alojamento mais<br />

bonito, resultaram daí disputas que evoluíram até lutas sangrentas.<br />

Essas lutas não cessaram mais, para os líderes elas<br />

foram um novo argumento no sentido de que, por falta da<br />

concentração necessária, a torre deveria ser construída muito<br />

devagar ou de preferência só depois do armistício geral. As<br />

pessoas porém não ocupavam o tempo apenas com batalhas,<br />

nos intervalos embelezava-se a cidade, o que entretanto provocava<br />

nova inveja e novas lutas. Assim passou o tempo da<br />

primeira geração, mas nenhuma das seguintes foi diferente,<br />

sem interrupção só se intensificava a destreza e com ela a belicosidade.<br />

A isso se acrescentou que já a segunda ou terceira<br />

geração reconheceu o sem-sentido da construção da torre do<br />

céu, mas já estavam todos muito ligados entre si para abandonarem<br />

a cidade. Tudo o que nela surgiu de lendas e canções<br />

está repleto de nostalgia pelo dia profetizado em que a<br />

cidade será destroçada por um punho gigantesco com cinco<br />

golpes em rápida sucessão. Por isso a cidade também tem um<br />

punho no seu brasão.


28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA CULTURA B8<br />

entre dois botões do casaco do uniforme, que ele conservava fechado; mas um<br />

dos senhores ofereceu <strong>à</strong> mãe uma cadeira e ela ficou sentada <strong>à</strong> parte, num canto<br />

da sala, por ter deixado a cadeira no lugar onde o senhor a havia posto.<br />

A irmã começou a tocar, o pai e a mãe, cada um do seu lado, acompanharam<br />

atentamente os movimentos das suas mãos. Atraído pela música, Gregor tinha<br />

ousado avançar um pouco e já estava com a cabeça dentro da sala de estar. Dificilmente<br />

o surpreendia o fato de que nos últimos tempos levava os outros<br />

tão pouco em conta; essa consideração tinha sido, antes, o seu orgulho. E, no<br />

entanto justamente agora ele deveria ter mais motivo para se esconder, pois<br />

por causa do pó, que se depositava em toda parte no seu quarto, e que ao menor<br />

movimento voava em volta, ele também estava todo coberto de poeira; sobre<br />

as costas e pelos lados arrastava consigo fios, cabelos, restos de comida; sua<br />

indiferença diante de tudo era grande demais para que, como antes, tivesse<br />

ficado de costas e se esfregado no tapete várias vezes durante o dia. E a despeito<br />

desse estado não teve pejo de se adiantar um pouco sobre o assoalho<br />

imaculado da sala.<br />

Seja como for ninguém prestava atenção nele. A família estava completamente<br />

absorvida pelo violino; os inquilinos, ao contrário, que a principio<br />

haviam se colocado, as mãos nos bolsos das calças, perto demais da irmã,<br />

atrás da estante da partitura, de tal modo que todos eles poderiam ver as notas,<br />

o que certamente devia perturbar a irmã, logo retrocederam até a janela, as<br />

cabeças baixas, conversando a meia voz, e ali permaneceram, ansiosamente<br />

observados pelo pai. Realmente isso agora tinha a aparência mais que nítida<br />

de que estavam decepcionados na sua expectativa de ouvir uma música de<br />

violino bonita ou capaz de entreter — de que estavam saturados de toda a<br />

apresentação e só por polidez ainda se deixavam perturbar no seu sossego.<br />

Especialmente o modo como sopravam para o alto a fumaça dos seus charutos<br />

pelo nariz e pela boca permitia deduzir o grande nervosismo deles. E,<br />

no entanto a irmã tocava com tanta beleza! O rosto dela estava inclinado para<br />

o lado, seus olhares seguiam perscrutadores e tristes as linhas da partitura.<br />

Gregor rastejou mais um trecho <strong>à</strong> frente, mantendo o corpo rente ao chão,<br />

para se possível captar os seus olhos. Era ele um animal, já que a música o<br />

comovia tanto? Era como se lhe abrisse o caminho para o alimento almejado<br />

e desconhecido. Estava decidido a chegar até a irmã, puxa-la pela saia e com<br />

isso indicar que ela devia ir ao seu quarto com o violino, pois ninguém aqui<br />

apreciava sua música como ele desejava fazer. Não queria mais deixa-la sair<br />

do quarto, pelo menos não enquanto ele vivesse; pela primeira vez sua figura<br />

assustadora deveria tornar-se útil; queria estar em todas as portas do seu<br />

quarto ao mesmo tempo e bufar contra os agressores; mas a irmã não deveria<br />

ficar com ele coagida, e sim voluntariamente; deveria permanecer ao seu lado,<br />

sentada no sofá, baixar o ouvido até ele, quando então ele confiaria a ela que<br />

tivera a firme intenção de manda-la ao conservatório e que, se nesse meio<br />

tempo não houvesse acontecido <strong>à</strong> desgraça, teria contado isso a todos no Natal<br />

passado — será mesmo que o Natal já tinha passado? — sem se preocupar<br />

com quaisquer objeções. Depois dessa explicação, a irmã romperia em lágrimas<br />

de comoção e Gregor se levantaria até o seu ombro e beijaria o seu<br />

pescoço, que ela conservava sem fita ou colar desde que entrara na loja.<br />

— Senhor Samsa! — bradou para o pai o inquilino do meio e com o indicador,<br />

sem perder mais palavras, mostrou Gregor, que se movia lentamente<br />

para frente.<br />

O violino emudeceu, o inquilino do meio primeiro sorriu para seus amigos,<br />

balançando a cabeça, e depois olhou para Gregor outra vez. O pai parecia ter<br />

considerado mais urgente acalmar os inquilinos do que expulsar Gregor; estes,<br />

entretanto não estavam nem um pouco agitados e davam a impressão de que<br />

Gregor os entretinha mais que o violino Correu até eles e procurou, com os<br />

braços esticados, forçá-los a ir para o quarto, ao mesmo tempo em que tentava<br />

com o corpo tirar-lhes a visão de Gregor. Então eles ficaram de fato um pouco<br />

bravos, não se sabia mais se com o comportamento do pai ou o conhecimento<br />

— que agora lhes vinha <strong>à</strong> consciência — de terem, sem saber, possuído um<br />

vizinho de quarto como Gregor. Exigiram explicações do pai, ergueram por<br />

seu turno os braços, puxaram a barba intranqüilos e só lentamente recuaram<br />

na direção do seu quarto. Nesse ínterim a irmã tinha superado o desligamento<br />

em que havia caído após a apresentação bruscamente interrompida; depois<br />

de ter ficado algum tempo com o violino e o arco nas mãos que pendiam lassas,<br />

e de ter olhado para a partitura como se ainda estivesse tocando, ela havia se<br />

recomposto de um só golpe, colocado o instrumento no colo da mãe, que ainda<br />

estava sentada na sua cadeira com dificuldades de respiração e os pulmões trabalhando<br />

freneticamente, e correra para o quarto ao lado, do qual os inquilinos,<br />

sob a pressão do pai, já se aproximavam mais rapidamente que antes. Podiase<br />

ver como, sob as mãos experientes da irmã, voavam para o alto e se ordenavam<br />

os cobertores e travesseiros nas camas. Antes ainda que os inquilinos<br />

tivessem chegado ao quarto, ela havia terminado a arrumação das camas e se<br />

esgueirado para fora. O pai parecia outra vez acometido de tal modo da sua<br />

obstinação que esqueceu todo o respeito que ainda devia aos seus inquilinos.<br />

Pressionou, pressionou, até que, já na porta do quarto, o inquilino do meio<br />

bateu atroadoramente o pé no chão e dessa maneira fez o pai parar.<br />

— Declaro por este meio — disse ele, erguendo a mão e procurando também<br />

a mãe e a irmã com o olhar — que eu, levando em conta as condições<br />

repulsivas reinantes nesta casa e nesta família — aqui ele cuspiu no chão,<br />

rápido e decidido, — rescindo neste momento a locação do meu quarto. Naturalmente<br />

não vou pagar o mínimo que seja nem pelos dias que aqui passei;<br />

pelo contrário, vou ainda refletir se não movo contra o senhor alguma ação<br />

com reivindicações que serão — acredite-me — muito fáceis de fundamentar.<br />

Silenciou e olhou para frente, como se esperasse alguma coisa. De fato<br />

seus dois amigos intervieram imediatamente com as palavras:<br />

— Nós também rescindimos neste momento a locação.<br />

Depois disso, agarrou a maçaneta da porta e fechou-a com um estrondo.<br />

O pai, com as mãos tateantes vacilou até a sua cadeira e se deixou cair<br />

nela; parecia que esticava o corpo para a soneca habitual do anoitecer, mas<br />

o forte balanço da cabeça — como se ela tivesse perdido a sustentação —<br />

mostrava que ele de modo algum dormia. Durante todo esse tempo Gregor<br />

esteve deitado no lugar onde os inquilinos o haviam surpreendido. A decepção<br />

com o malogro do seu plano, mas talvez a fraqueza causada por muita<br />

fome, tornavam impossível que ele se movesse. Com certa clareza, temia já<br />

para o instante seguinte uma avalanche geral descarregada em cima dele e ficou<br />

aguardando. Não o sobressaltou nem mesmo o violino que, entre as mãos<br />

trêmulas da mãe, caiu do seu colo e emitiu um som retumbante.<br />

— Queridos pais — disse a irmã, e como introdução bateu com a mão<br />

na mesa, — assim não pode continuar. Se vocês acaso não compreendem,<br />

eu compreendo. Não quero pronunciar o nome do meu irmão diante desse<br />

monstro e por isso digo apenas o seguinte: precisamos nos livrar dele. Procuramos<br />

fazer o que é humanamente possível para trata-lo e suporta-lo e<br />

acredito que ninguém pode nos fazer a menor censura.<br />

— Ela tem mil vezes razão, — disse o pai consigo mesmo.<br />

A mãe, que ainda não podia respirar direito, começou a tossir, em som<br />

surdo, na mão espalmada, com uma expressão alucinada nos olhos.<br />

A irmã correu até a mãe e segurou-lhe a testa. O pai, que através da irmã<br />

parecia ter chegado a pensamentos mais definidos, havia se sentado em posição<br />

ereta e ficou brincando com o quepe de funcionário entre os pratos do<br />

jantar dos inquilinos que ainda jaziam sobre a mesa; de vez em quando olhava<br />

para Gregor, que estava quieto.<br />

— Precisamos tentar nos livrar disso — disse então a irmã exclusivamente<br />

ao pai, pois a mãe não ouvia nada com a tosse. — Isso ainda vai matar a<br />

ambos, eu vejo esse momento chegando. Quando já se tem de trabalhar tão<br />

pesado, como nós, não é possível suportar em casa mais esse eterno tormento.<br />

Eu não agüento mais.<br />

E rompeu no choro tão violentamente que suas lágrimas escorreram sobre<br />

o rosto da mãe, que as limpava com movimentos mecânicos de mão.<br />

— Filha — disse o pai, compassivo e com evidente compreensão. — Mas<br />

o que devemos fazer?<br />

A filha sacudiu os ombros como sinal da desorientação que a havia possuído<br />

durante o choro, em contraste com a segurança de antes.<br />

— Se ele nos entendesse... — disse o pai, meio que perguntando; no meio<br />

do choro Grete sacudiu freneticamente a mão para mostrar que não se podia<br />

pensar nisso.<br />

— Se ele nos entendesse — repetiu o pai e com um fechar de olhos acolheu<br />

a convicção da filha sobre essa impossibilidade — então talvez fosse possível<br />

um acordo com ele. Mas assim...<br />

— É preciso que isso vá para fora — exclamou a irmã de Gregor. — É o<br />

único meio, pai. Você simplesmente precisa se livrar do pensamento de que<br />

é Gregor. Nossa verdadeira infelicidade é termos acreditado nisso até agora.<br />

Mas como é que pode ser Gregor? Se fosse Gregor, ele teria há muito tempo<br />

compreendido que o convívio de seres humanos com um bicho assim não é<br />

possível e teria ido embora voluntariamente. Nesse caso não teríamos o meu<br />

irmão, mas poderíamos continuar vivendo e honrar a sua memória. Mas como<br />

está, esse bicho nos persegue, expulsa os inquilinos, quer certamente ocupar<br />

o apartamento todo e nos fazer pernoitar na rua. Assim, esta criatura nos persegue<br />

e afugenta nossos hóspedes. É evidente que a casa toda só para ele e,<br />

por sua vontade, iríamos todos dormir na rua. Veja, pai... — gritou de repente,<br />

— ele já começou de novo!<br />

E num susto inteiramente incompreensível para Gregor, a irmã abandonou<br />

até a mãe, literalmente disparou da sua cadeira, como se preferisse sacrificar<br />

a mãe a ficar perto de Gregor, e correu para trás do pai, excitado tão-só pelo<br />

seu comportamento também se levantou e diante dela ergueu os braços pela<br />

metade, como que para proteger a irmã.<br />

Mas Gregor não tinha a menor intenção de causar medo a ninguém, muito<br />

menos a irmã. Simplesmente havia começado a girar o corpo para voltar ao<br />

seu quarto e isso de qualquer modo chamava a atenção, uma vez que, em<br />

conseqüência do seu estado enfermiço, precisava, na difícil manobra, ajudar<br />

com a cabeça, que ele levantava várias vezes e batia contra o chão. Parou e<br />

olhou em torno. Sua boa intenção parecia ter sido reconhecida; tinha sido apenas<br />

um susto momentâneo. Agora todos o fitavam silenciosos e tristes. A mãe jazia<br />

na sua cadeira com as pernas esticadas e coladas uma <strong>à</strong> outra, os olhos quase<br />

fechados de esgotamento; o pai e a irmã estavam sentados lado a lado, a irmã<br />

havia colocado a mão em volta do pescoço do pai.<br />

— Agora talvez eu já possa me virar — pensou Gregor e recomeçou o seu<br />

trabalho.<br />

Não podia reprimir o resfolgar do esforço e aqui e ali precisava repousar.<br />

De resto ninguém o pressionava, tinham-no deixado fazer tudo sozinho.<br />

Quando havia completado a volta, começou imediatamente a retornar ao quarto<br />

em linha reta. Admirou-se com a grande distância que o separava do seu quarto<br />

e não entendia absolutamente como, apesar da fraqueza, tinha havia pouco<br />

tempo percorrido, quase sem o perceber, o mesmo caminho. Sempre <strong>à</strong>s voltas<br />

com o pensamento de rastejar rápido, mal prestou atenção ao fato de nenhuma<br />

palavra, nenhum chamado da sua família, o perturbava. Só quando já estava<br />

na porta ele virou a cabeça, mas não completamente, pois sentia o pescoço<br />

endurecer, no entanto ainda viu que atrás dele nada se alterara, apenas a irmã<br />

tinha se levantado. Seu último olhar percorreu a mãe, que estava agora completamente<br />

adormecida.<br />

Mal estava dentro do seu quarto, quando a porta foi batida na maior pressa,<br />

travada e fechada a chave. Gregor assustou-se tanto com o súbito barulho atrás<br />

dele que suas perninhas dobraram. Era a irmã que havia se apressado assim.<br />

Ela já tinha se levantado lá na sala e esperado; depois, com os pés leves, havia<br />

saltado para frente — Gregor não tinha de modo algum podido escuta-la —<br />

e, girando a chave na fechadura gritado para os pais:<br />

— Finalmente!<br />

— E agora? — pensou Gregor consigo mesmo e olhou ao redor na escuridão.<br />

Logo descobriu que não podia absolutamente mais se mexer. Não se admirou<br />

com esse fato, pareceu-lhe antes pouco natural que até agora tivesse<br />

conseguido se movimentar com aquela perninhas finas. No restante sentiase<br />

relativamente confortável. Na realidade tinha dores no corpo todo, mas para<br />

ele era como se elas fossem ficar cada vez mais fracas e finalmente desaparecer<br />

por completo. A maçã apodrecida nas suas costas e a região inflamada em volta,<br />

inteiramente cobertas por uma poeira mole, quase não o incomodavam. Recordava-se<br />

da família com emoção e amor. Sua opinião de que precisava<br />

desaparecer era, se possível, ainda mais decidida que a da irmã. Permaneceu<br />

nesse estado de meditação vazia e pacífica até que o relógio da torre bateu a<br />

terceira hora da manhã. Ele ainda vivenciou o início do clarear geral do dia lá<br />

do lado de fora da janela. Depois, sem intervenção da sua vontade, a cabeça<br />

afundou completamente e das suas ventas fluiu fraco e último fôlego.<br />

Quando a faxineira chegou de manhã cedo — a partir da sua chegada não<br />

era mais possível nenhum sono tranqüilo na casa inteira, tal a força e a pressa<br />

com que batia todas as portas, por mais que lhe tivessem pedido que evitasse<br />

fazer isso, — ela não descobriu, a principio, nada de especial na curta e costumeira<br />

visita a Gregor. Pensou que ele estava deitado ali premeditadamente<br />

imóvel e que fazia o papel de ofendido, pois lhe creditava todo o entendimento<br />

possível. Por estar casualmente segurando na mão a vassoura de cabo<br />

comprido, tentou, da porta, fazer cócegas com ela em Gregor. Quando isso<br />

também não deu resultado, ficou irritada, espetou Gregor um pouco e só depois<br />

que o havia empurrado do lugar sem achar resistência é que prestou mais<br />

atenção. Ao reconhecer a verdade dos fatos arregalou os olhos, deu um assobio,<br />

mas não se deteve muito tempo: escancarou a porta do quarto de dormir<br />

e bradou em voz alta para dentro do escuro:<br />

— Venham só ver uma coisa: ele empacotou! Está lá empacotado de uma<br />

vez! O casal Samsa ficou sentado no leito conjugal fazendo um esforço para<br />

superar o susto com a faxineira antes que chegassem a entender o que ela<br />

comunicava. Mas depois o senhor e senhora Samsa, cada um do seu lado,<br />

desceram da cama o mais rápido possível; o senhor Samsa atirou sobre os<br />

ombros o cobertor, a senhora Samsa saiu só de camisola e assim entraram<br />

no quarto de Gregor. Nesse meio tempo tinha sido também a porta da sala<br />

de estar, na qual Grete dormia desde a entrada dos inquilinos; estava completamente<br />

vestida, como se não tivesse dormido nada; o rosto pálido parecia<br />

comprova-lo.<br />

— Morto? — disse a Senhora Samsa, e ergueu os olhos interrogativamente<br />

para a faxineira, embora pudesse verificar por si mesma e até reconhecer<br />

tudo sem verificação.<br />

— É o que estou tentando dizer — disse a faxineira e para provar empurrou<br />

o cadáver de Gregor com a vassoura mais um longo trecho para o lado.<br />

A Senhora Samsa esboçou um movimento, como se quisesse deter a vassoura,<br />

mas não o fez.<br />

— Bem — disse o Senhor Samsa, — agora podemos agradecer a Deus.<br />

Fez o sinal-da-cruz e as três mulheres seguiram o seu exemplo. Grete,<br />

que não desviava os olhos do cadáver, disse:<br />

— Vejam só como ele estava magro. Também já fazia muito tempo que<br />

não comia nada! Assim como entrava, a comida saía de novo.<br />

De fato o corpo de Gregor estava completamente plano e seco, na verdade<br />

só agora se reconhecia isso, uma vez que ele já não estava erguido sobre as<br />

perninhas e nada mais distraia o olhar.<br />

— Grete, entre um instantinho conosco — disse <strong>à</strong> senhora Samsa com<br />

um sorriso melancólico e Grete, não sem olhar para trás, na direção do cadáver,<br />

seguiu os pais até o quarto de dormir. A faxineira fechou a porta e<br />

abriu completamente a janela. Embora fosse de manhã cedo já se misturava<br />

ao ar fresco um pouco de mornidão. Afinal já era fim de março.<br />

Os três inquilinos saíram do seu quarto e olharam perplexos ao redor, <strong>à</strong><br />

procura do seu café da manhã; tinham-nos esquecidos.<br />

— Onde está o café da manhã? — perguntou rabugentamente <strong>à</strong> faxineira<br />

o inquilino do meio.<br />

Mas esta pôs o dedo na boca e em seguida, apressada e sem uma palavra,<br />

acenou para que os senhores chegassem ao quarto de Gregor. Eles foram e,<br />

com as mãos nos bolsos dos seus paletós um tanto puídos, ficaram em pé<br />

<strong>à</strong> volta do cadáver de Gregor, no quarto já inteiramente iluminado.<br />

Abriu-se então a porta do quarto de dormir e o senhor Samsa apareceu<br />

na sua libré, a esposa num braço e a filha no outro. Todos tinham o ar de<br />

quem havia chorado um pouco; de vez em quando, Grete comprimia o rosto<br />

no braço do pai.<br />

— Deixem imediatamente a minha casa! — disse o senhor Samsa e apontou<br />

para a porta, sem se afastar das mulheres.<br />

— O que o senhor está querendo dizer com isso? — disse algo atônito<br />

o senhor do meio e sorriu docemente.<br />

Os outros dois conservavam as mãos atrás das costas e as esfregavam sem<br />

parar, como se esperassem com alegria uma grande contenda, mas que devia<br />

terminar com vantagem para eles.<br />

— Estou querendo dizer exatamente o que afirmei — respondeu o senhor<br />

Samsa e marchou em linha cerrada com as duas acompanhantes ao encontro<br />

do inquilino.<br />

Este a princípio ficou parado olhando o chão, como se as coisas se juntassem<br />

na sua cabeça numa nova ordem.<br />

— Bem, então nós vamos embora — disse depois e levantou os olhos<br />

para o senhor Samsa, como se, acometido de súbita humildade, pedisse de<br />

novo licença para essa decisão.<br />

O senhor Samsa fez-lhe apenas vários acenos breves com a cabeça, os olhos<br />

bem abertos. Diante disso o inquilino caminhou efetivamente com passadas<br />

largas para a ante-sala; seus dois amigos, que já estavam escutando fazia algum<br />

tempo, as mãos completamente calmas, iam agora saltitando bem atrás dele,<br />

como se temessem que o senhor Samsa pudesse entrar na ante-sala <strong>à</strong> sua frente,<br />

interrompendo a ligação com o chefe. Na ante-sala os três tiraram os chapéus<br />

do cabide, puxaram suas bengalas do porta-bengalas, inclinaram-se em silêncio<br />

e deixaram o apartamento. Numa desconfiança que se mostrou completamente<br />

infundada, o senhor Samsa foi até o vestíbulo com as duas<br />

mulheres; curvados sobre o corrimão observaram os três senhores descerem<br />

a longa escada — na verdade devagar, mas continuamente, — desapareceram<br />

em cada andar numa determinada curva da escadaria e ressurgirem alguns instantes<br />

depois; quanto mais desciam, tanto mais se perdia o interesse da família<br />

Samsa por eles, e quando um entregador de carne subiu na sua direção e passou<br />

<strong>à</strong> sua frente, escada acima, com a encomenda na cabeça, numa postura altiva,<br />

com a encomenda na cabeça, numa postura altiva, o senhor Samsa abandonou<br />

rapidamente o corrimão, junto com as mulheres, e todos voltaram, como que<br />

aliviados, ao seu apartamento.<br />

Decidiram dedicar o dia ao repouso e ao passeio; não só mereciam, como<br />

necessitavam absolutamente dessa interrupção no trabalho. E assim sentaram-se<br />

<strong>à</strong> mesa para escrever três cartas de desculpa, o senhor Samsa <strong>à</strong> direção<br />

do banco, a senhora Samsa ao seu empregador e Grete ao proprietário da loja.<br />

Enquanto escreviam, entrou a faxineira para dizer que ia embora, pois o seu<br />

trabalho da manhã havia terminado. A princípio os três simplesmente menearam<br />

a cabeça, sem erguer os olhos; só quando a faxineira não fez menção<br />

de se afastar é que eles olharam irritados para ela.<br />

— E então? — perguntou o senhor Samsa.<br />

A faxineira estava junto <strong>à</strong> porta, sorridente, como se tivesse de anunciar<br />

<strong>à</strong> família uma grande boa notícia, mas só o faria se interrogada a fundo. A<br />

pequena e reta pena de pavão em cima do seu chapéu, com a qual o senhor<br />

Samsa já se irritara durante o seu tempo de serviço, balançava leve em todas<br />

as direções.<br />

— O que é que a senhora está querendo? — perguntou a senhora Samsa,<br />

pela qual a faxineira ainda tinha o máximo respeito.<br />

— Ah, sim — respondeu a faxineira, que por causa do riso amigável não<br />

pôde continuar falando. — A senhora não precisa se preocupar com o jeito<br />

de jogar fora a coisa aí do lado. Já está tudo em ordem.<br />

A senhora Samsa e Grete inclinaram-se sobre as cartas, como se quisessem<br />

continuar escrevendo; o senhor Samsa percebendo que a faxineira queria<br />

agora começar a descrever tudo em minúcia, repeliu isso decididamente com<br />

a mão esticada. Já que não tinha permissão para contar, a faxineira se lembrou<br />

de que estava com muita pressa e, obviamente ofendida, exclamou:<br />

— Até logo para todos.<br />

Virou-se selvagemente e deixou o apartamento em meio a um formidável<br />

bater de portas.<br />

— Hoje <strong>à</strong> noite ela será despedida — disse o senhor Samsa, mas não obteve<br />

resposta nem da mulher, nem da filha, pois a faxineira parecia ter perturbado<br />

a tranqüilidade que mal tinham reconquistado. As duas se levantaram, foram<br />

até a janela e lá ficaram, mantendo-se abraçadas. O senhor Samsa virou-se<br />

para elas da sua cadeira e ficou observando-as em silêncio por momento.<br />

Depois bradou:<br />

— Agora venham aqui. Parem de pensar no que passou. E tenham um<br />

pouco de consideração por mim.<br />

As mulheres obedeceram-lhe logo, correram para ele, acariciaram-no e<br />

terminaram rápido suas cartas.<br />

Depois os três deixaram juntos o apartamento, coisa que não faziam havia<br />

meses, e foram de bonde elétrico para o ar livre no subúrbio da cidade. O bonde<br />

em que ficaram sentados sozinhos estava totalmente iluminado pelo sol cálido.<br />

Recostados com conforto nos seus bancos, conversaram sobre as perspectivas<br />

do futuro, descobrindo que, examinadas de perto, elas não eram de<br />

modo algum más, pois os três tinham empregos muito vantajosos e particularmente<br />

promissores — sobre os quais, na verdade, nunca tinham feito perguntas<br />

pormenorizadas um ao outro. É claro que a grande melhora imediata<br />

da situação viria, facilmente, da mudança de casa; eles agora queriam um<br />

apartamento menor e mais barato, mas mais bem situado e, sobretudo mais<br />

prático do que o atual, que tinha sido escolhido ainda por Gregor. Enquanto<br />

conversavam assim, ocorreu ao senhor e <strong>à</strong> senhora Samsa, quase que simultaneamente,<br />

<strong>à</strong> vista da filha cada vez mais animada, que ela — apesar da canseira<br />

dos últimos tempos, que empalidecera suas faces — havia florescido em uma<br />

jovem bonita e opulenta. Cada vez mais silenciosos e se entendendo quase inconscientemente<br />

através de olhares, pensaram que já era tempo de procurar<br />

um bom marido para ela. E pareceu-lhes como que uma confirmação dos seus<br />

novos sonhos e boas intenções quando, no fim da viagem, a irmã se levantou<br />

em primeiro lugar e espreguiçou o corpo jovem.<br />

UMA<br />

MENSAGEM<br />

IMPERIAL<br />

O imperador – assim dizem – enviou<br />

a ti, súdito solitário e lastimável, sombra<br />

ínfima ante o sol imperial, refugiada<br />

na mais remota distância, justamente<br />

a ti o imperador enviou, do leito de<br />

morte, uma mensagem. Fez ajoelhar-se<br />

o mensageiro ao pé da cama e sussurrou-lhe<br />

mensagem no ouvido; tão importante<br />

lhe parecia, que mandou repeti-la<br />

em seu próprio ouvido. Assentindo<br />

com a cabeça, confirmou a exatidão<br />

das palavras. E, diante da turba reunida<br />

para assistir <strong>à</strong> sua morte – haviam derrubado<br />

todas as paredes impeditivas, e<br />

na escadaria em curva ampla e elevada,<br />

dispostos em círculo, estavam os grandes<br />

do império –, diante de todos, despachou<br />

o mensageiro. De pronto, este<br />

se pôs em marcha, homem vigoroso,<br />

incansável. Estendendo ora um braço,<br />

ora outro, abre passagem em meio <strong>à</strong><br />

multidão; quando encontra obstáculo,<br />

aponta no peito a insígnia do sol; avança<br />

facilmente, como ninguém. Mas a<br />

multidão é enorme; suas moradas não<br />

têm fim. Fosse livre o terreno, como<br />

voaria, breve ouvirias na porta o golpe<br />

magnífico de seu punho. Mas, ao contrário,<br />

esforça-se inutilmente; comprime-se<br />

nos aposentos do palácio central;<br />

jamais conseguirá atravessá-los; e se<br />

conseguisse, de nada valeria; precisaria<br />

empenhar-se em descer as escadas;<br />

e se as vencesse, de nada valeria; teria<br />

que percorrer os pátios; e depois dos pátios,<br />

o segundo palácio circundante; e<br />

novamente escadas e pátios; e mais<br />

outro palácio; e assim por milênios; e<br />

quando finalmente escapasse pelo último<br />

portão – mas isto nunca, nunca poderia<br />

acontecer – chegaria apenas <strong>à</strong><br />

capital, o centro do mundo, onde se<br />

acumula a prodigiosa escória. Ninguém<br />

consegue passar por aí, muito menos<br />

com a mensagem de um morto. Mas,<br />

sentado <strong>à</strong> janela, tu a imaginas, enquanto<br />

a noite cai.<br />

PIÃO<br />

Um filósofo costumava circular onde<br />

brincavam crianças. E se via um menino<br />

que tinha um pião já ficava <strong>à</strong> espreita.<br />

Mal o pião começava a rodar, o filósofo<br />

o perseguia com a intenção de<br />

agarrá-lo. Não o preocupava que as<br />

crianças fizessem o maior barulho e tentassem<br />

impedi-lo de entrar na brincadeira;<br />

se ele pegava o pião enquanto este<br />

ainda irava, ficava feliz, mas só por um<br />

instante, depois atirava-o ao chão e ia<br />

embora. Na verdade, acreditava que o<br />

conhecimento de qualquer insignificância,<br />

por exemplo, o de um pião que girava,<br />

era suficiente ao conhecimento do<br />

geral. Por isso não se ocupava dos grandes<br />

problemas – era algo que lhe parecia<br />

antieconômico. Se a menor de todas<br />

as ninharias fosse realmente conhecida,<br />

então tudo estava conhecido; sendo<br />

assim só se ocupava do pião rodando.<br />

E sempre que se realizavam preparativos<br />

para fazer o pião girar, ele tinha esperança<br />

de que agora ia conseguir; e se<br />

o pião girava, a esperança se transformava<br />

em certeza enquanto corria até<br />

perder o fôlego atrás dele. Mas quando<br />

depois retinha na mão o estúpido pedaço<br />

de madeira, ele se sentia mal e a gritaria<br />

das crianças – que ele até então não<br />

havia escutado e agora de repente penetrava<br />

nos seus ouvidos – afugentavao<br />

dali e ele cambaleava como um pião<br />

lançado com um golpe sem jeito da fieira.<br />

A PARTIDA<br />

Ordenei que tirassem meu cavalo da<br />

estrebaria. O criado não me entendeu.<br />

Fui pessoalmente <strong>à</strong> estrebaria, selei o<br />

cavalo e montei-o. Ouvi soar <strong>à</strong> distância<br />

uma trompa, perguntei-lhe o que<br />

aquilo significava. Ele não sabia de nada<br />

e não havia escutado nada. Perto do<br />

portão ele me deteve e perguntou: – Para<br />

onde cavalga senhor? – Não sei direito<br />

– eu disse –, só sei que é para fora daqui,<br />

fora daqui. Fora daqui sem parar; só<br />

assim posso alcançar meu objetivo. –<br />

Conhece então o seu objetivo? – perguntou<br />

ele. – Sim – respondi – Eu já disse:<br />

“fora-daqui”, é esse o meu objetivo. –<br />

O senhor não leva provisões disse ele.<br />

– Não preciso de nenhuma – disse eu.<br />

– A viagem é tão longa que tenho de<br />

morrer de fome se não receber nada no<br />

caminho. Nenhuma provisão pode me<br />

salvar. Por sorte esta viagem é realmente<br />

imensa.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!