PElO dIREItO à AUtOdEfESA dOS SEm-tERRA - Pco
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SEMANáRIO NACIONAl OPERáRIO E SOCIAlISTA<br />
CAUSA OPERÁRIA<br />
WWW.PCO.ORG.BR/CAUSAOPERARIA • FUNDADO EM JUNHO DE 1979 • ANO XXXI • Nº 575 • DE 28 DE FEVEREIRO A 6 DE MARÇO DE 2010 • SP, MG E RJ R$ 4,00 • DEMAIS ESTADOS R$ 5,00<br />
É PRECISO COmbAtER A OfEnSIvA dA dIREItA nO CAmPO<br />
<strong>PElO</strong> <strong>dIREItO</strong> <strong>à</strong> <strong>AUtOdEfESA</strong> <strong>dOS</strong> <strong>SEm</strong>-<strong>tERRA</strong><br />
Frente <strong>à</strong> ofensiva da bancada<br />
ruralista no Congresso<br />
Nacional com a CPI do MST<br />
e as prisões em São Paulo,<br />
direção do MST expõe sua<br />
política contra qualquer luta<br />
real dos sem-terra e propõe<br />
esperar pelas eleições e acreditar<br />
na “democracia”.<br />
Para fazer avançar a luta<br />
contra o latifúndio, os trabalhadores<br />
precisam superar esta<br />
política conciliadora e lutar<br />
pelo direito <strong>à</strong> autodefesa dos<br />
trabalhadores sem-terra bem<br />
como a libertação de todos os<br />
presos políticos da luta pela<br />
terra. Página A6<br />
AIndA nEStA EdIçãO:<br />
direção do<br />
mSt anuncia<br />
que não irá<br />
mais promover<br />
ocupações<br />
Ruralistas<br />
criam órgão<br />
de inteligência<br />
contra os semterra<br />
Página A6<br />
nACIOnAl<br />
SãO PAUlO<br />
moradores<br />
da Zona leste<br />
levantam<br />
barricadas em<br />
protesto contra as<br />
enchentes Página A5<br />
ECOnOmIA<br />
mOvImEntO OPERÁRIO<br />
dECISãO nOS<br />
tRIbUnAIS<br />
O golpe do<br />
Pmdb para<br />
redefinir<br />
o mapa político<br />
do País Página A7<br />
A CASSAçãO dE KASSAb<br />
Por trás da campanha pela ética,<br />
mais uma tentativa de intervenção<br />
da Justiça Página A7<br />
tãO RUIm<br />
QUAntO A<br />
gRÉCIA<br />
dívida do<br />
Reino Unido<br />
chega a 13%<br />
do PIb Página A8<br />
EntREvIStA dA <strong>SEm</strong>AnA:<br />
nãO <strong>à</strong> PRIvAtIZAçãO<br />
lutar contra a Correios S.A.<br />
Página A10<br />
bAnCÁRIOS-df<br />
Os “combativos” a serviço dos<br />
sócios minoritários dos banqueiros<br />
Página A11<br />
nEgROS<br />
ÁfRICA dO SUl<br />
governo de frente popular fez salários<br />
dos brancos subirem 100% a mais do<br />
que os dos negros<br />
Página A12<br />
A crescente luta pela terra no estado de São Paulo e a evidente capacidade de os sem-terra ocuparem em toda a região mais de uma centena de fazendas,<br />
mostram claramente que está na ordem do dia superar os limites estabelecidos pela política da direção do MST.<br />
AS EnCHEntES<br />
nA ZOnA lEStE dE S. PAUlO<br />
O poder público acabou se<br />
aproveitando das circunstâncias<br />
Causa Operária entrevista<br />
nesta semana Carlos Henrique<br />
loureiro, coordenador<br />
do Núcleo de Habitação e<br />
ExClUSIvO:<br />
ROdOvIÁRIOS - bElO HORIZOntE (mg)<br />
greve mostrou as<br />
tendências combativas do<br />
movimento operário<br />
Para lutar por suas reivindicações,<br />
motoristas e<br />
cobradores enfrentaram a<br />
burocracia sindical traidora<br />
tEORIA HIStóRIA<br />
40 AnOS dA ElEIçãO<br />
dE SAlvAdOR AllEndE<br />
A vitória da<br />
frente popular<br />
no Chile Página A15<br />
QUEStõES dE<br />
tÁtICA<br />
Pela frente única<br />
nos sovietes<br />
como órgãos<br />
supremos de<br />
frente única<br />
Leon Trótski<br />
Página A16<br />
Urbanismo da Defensoria<br />
Pública, que falou sobre as<br />
enchentes e a política do governo<br />
Kassab. Página A20<br />
mOvImEntO<br />
EStUdAntIl<br />
A luta contra Rodas é a<br />
nova etapa da luta contra a<br />
ditadura na universidade<br />
USP: nEnHUmA<br />
COnfIAnçA<br />
nO REItOR-<br />
IntERvEntOR<br />
lutar pelo<br />
“fora Rodas” Página A13<br />
que sabotou abertamente a<br />
mobilização para defender<br />
os interesses dos patrões..<br />
Página A9<br />
PAnORAmA<br />
POlÍtICO dA<br />
<strong>SEm</strong>AnA<br />
nOvA tEndênCIA<br />
Crise na Europa<br />
impulsiona<br />
mobilizações da<br />
classe operária Pág. A2<br />
lEIA nO SEgUndO CAdERnO<br />
mUlHERES<br />
IntERnACIOnAl<br />
A crise num dos países mais pobres da União Européia<br />
assinala a decadência do imperialismo mundial<br />
gREvE gERAl nA gRÉCIA<br />
trabalhadores reagem ao plano de<br />
ataque do governo grego Página A17<br />
PIlHAgEm dO HAItI<br />
A segunda fase da ocupação:<br />
empreiteiras privadas lucrando com as<br />
ruínas do terremoto Página A19<br />
AfEgAnIStãO<br />
Uma guerra onde só há “efeitos<br />
colaterais” Página A18<br />
95 AnOS dA PUblICAçãO dA ObRA:<br />
A metamorfose: a literatura fantástica<br />
a serviço da crítica social<br />
Obra que inaugurava o surgimento do rico e original universo<br />
literário de Kafka, A Metamorfose representou também um<br />
marco no desenvolvimento da literatura moderna, com sua<br />
técnica deformadora que tão bem retrataria as deformidades<br />
de uma sociedade em franca desagregação<br />
Nesta edição:<br />
• Panorama da vida do autor: Franz<br />
Kafka, o escritor em um mundo em<br />
transição<br />
• O Processo e O Castelo, o irracionalismo<br />
do mundo e o indivíduo<br />
• A Metamorfose: texto integral<br />
8 dE mARçO<br />
O centenário do<br />
dia Internacional da mulher<br />
Um dIA dE lUtA PARA tOdAS AS mUlHERES<br />
neste 8 de março, participe<br />
das atividades do coletivo Rosa<br />
luxemburgo<br />
Página A4
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA PANORAMA POLÍTICO DA SEMANA A2<br />
NOVA TENDÊNCIA DE LUTA<br />
Crise na Europa impulsiona mobilizações da classe operária<br />
Diversas manifestações ocorridas na última semana,<br />
em especial a greve geral na Grécia demonstram uma<br />
nova etapa de luta dos trabalhadores para impedir que<br />
a burguesia continue saqueando os trabalhadores para<br />
“salvar” o capitalismo da maior crise econômica<br />
mundial da sua história<br />
A crise na Europa tomou<br />
novos contornos na última semana.<br />
A crise do endividamento<br />
da Grécia e de outras<br />
economias importantes fez<br />
com que os governos e a União<br />
Européia apertassem o cerco<br />
com as medidas para conter a<br />
dívida. Estas medidas que vão<br />
de reformas trabalhistas até o<br />
aumento da idade para aposentadoria<br />
fez com que a classe<br />
operária destes países iniciasse<br />
um processo de lutas que<br />
tende a se intensificar e agrupar<br />
cada vez mais e mais trabalhadores<br />
de todos os países<br />
europeus em um novo ascenso<br />
da classe operária mundial.<br />
Espanha também<br />
na mira<br />
Nesta última semana foi a<br />
vez do governo espanhol do<br />
primeiro ministro José Luiz<br />
Rodríguez Zapatero anunciar<br />
por meio do presidente do<br />
Banco Central da Espanha que<br />
está em andamento uma reforma<br />
trabalhista. Miguel Ángel<br />
Fernández Ordóñez, presidente<br />
do BC espanhol anunciou<br />
que “A reforma trabalhista é<br />
essencial para o crescimento<br />
do Produto Interno Bruto (...)<br />
[porque] a flexibilidade nas<br />
negociações salariais é indispensável<br />
para melhorar a competitividade<br />
dentro da união<br />
monetária, onde não há desvalorização.<br />
É óbvio que, se as<br />
medidas necessárias não forem<br />
adotadas para reativar o<br />
crescimento do emprego dentro<br />
de um período razoável, a<br />
inadimplência aumentará e<br />
mais grupos financeiros terão<br />
problemas em fornecer o financiamento<br />
necessário para<br />
reativar a economia.” (Reuters,<br />
22/2/2010).<br />
Depois da Grécia anunciar<br />
tais medidas, agora o governo<br />
da Espanha segue a mesma orientação<br />
com medidas para diminuir<br />
sua dívida pública. E o<br />
alvo principal destas medidas<br />
é a classe operária dos países<br />
que já não bastasse terem esvaziados<br />
os cofres públicos<br />
para sustentarem os capitalis-<br />
tas no meio da crise agora os<br />
trabalhadores vão pagar ainda<br />
mais para continuar salvando<br />
os capitalistas da recessão.<br />
Ataque direto<br />
contra os<br />
trabalhadores<br />
As medidas aprovadas na<br />
Grécia e também na Espanha<br />
foram discutidas pela alta cúpula<br />
da Comissão Européia<br />
que está de olho na crise destes<br />
países para não deixar que<br />
toda a zona do euro e até mesmo<br />
a União Européia entre em<br />
uma profunda recessão.<br />
O primeiro a adotar o plano<br />
de contenção de gastos para<br />
reduzir a dívida pública foi o<br />
primeiro ministro grego Papandreou.<br />
A Grécia tem o<br />
“dever” segundo a Comissão<br />
Européia de reduzir o seu déficit<br />
público dos atuais 12,7%<br />
do PIB (Produto Interno Bruto)<br />
para 3% até o ano de 2012.<br />
Para isso vai realizar medidas<br />
que cortem os custos em até<br />
10 bilhões de euros ou algo em<br />
torno de 13 bilhões de dólares.<br />
Para obter este resultado<br />
haverá reformas de toda a natureza<br />
que vai visar reduzir<br />
custos do governo com saúde,<br />
educação, previdência social<br />
etc. O aumento de impostos é<br />
uma das “saídas” que serão<br />
implementadas. Além de reduzir<br />
salários, cortar serviços<br />
públicos o governo ainda vai<br />
esfolar ainda mais os trabalhadores<br />
gregos com o aumento<br />
dos impostos em até 19%.<br />
A orientação da União Européia<br />
é taxativa, reduzir os gastos<br />
o mais rápido possível sem<br />
No mesmo dia quase metade da força de trabalho grega, composta de 5 milhões de<br />
população economicamente ativa realizaram uma greve por todo o País.<br />
levar em consideração qualquer<br />
fator. Sem nenhum tipo<br />
de planejamento ou como a<br />
economia dos países ou os trabalhadores<br />
vão sofrer os efeitos<br />
destas medidas.<br />
Resposta imediata<br />
Bastou as medidas serem<br />
anunciadas que os trabalhadores<br />
gregos já responderam com<br />
manifestações e greves. No último<br />
dia 23, representantes do<br />
FMI (Fundo Monetário Internacional),<br />
da Comissão Euro-<br />
O dia de greve foi marcado por fortes confrontos entre os<br />
trabalhadores e a força policial.<br />
péia e do Banco Central Europeu<br />
(BCE) foram <strong>à</strong> Grécia para<br />
acompanhar a situação do País<br />
e a implantação das medidas.<br />
No mesmo dia quase metade<br />
da força de trabalho grega,<br />
composta de 5 milhões de po-<br />
pulação economicamente ativa<br />
realizaram uma greve por<br />
todo o País. Foram mais de<br />
dois milhões de trabalhadores<br />
em greve contra as reformas<br />
da União Européia.<br />
A greve dos trabalhadores<br />
gregos foi organizada por sindicatos<br />
dos setores públicos e<br />
também sindicatos privados.<br />
Com duração de 24 horas a<br />
greve provocou o fechamento<br />
de escolas, aeroportos e ministérios.<br />
Cerca de 400 vôos foram<br />
cancelados. A greve atingiu<br />
fábricas, repartições públicas,<br />
setor de transportes, construção<br />
civil, hospitais, bancos,<br />
colégios etc.<br />
Os transportes públicos estão<br />
completamente parados<br />
com exceção do funcionamento<br />
de ônibus, mas que servem<br />
apenas aos grevistas para serem<br />
levados aos locais das manifestações.<br />
Nem mesmo a imprensa local<br />
deixou de aderir <strong>à</strong> greve.<br />
Equipes de televisão, fotógrafos<br />
e jornalistas aderiram ao<br />
movimento grevista deixando a<br />
imprensa estrangeira cobrir as<br />
manifestações.<br />
As ruas do centro de Atenas<br />
foram tomadas de pôsteres e<br />
panfletos pedindo aos trabalhadores<br />
gregos que protestem<br />
com o lema “Pessoas e suas<br />
necessidades acima dos mercados!”.<br />
Algumas lojas estavam<br />
de portas fechadas, e o<br />
trânsito caótico da capital grega<br />
estava quieto (O Globo, 24/<br />
2/2010).<br />
Além de toda a perseguição<br />
aos trabalhadores por conta<br />
das medidas, o dia de greve foi<br />
marcado por fortes confrontos<br />
entre os trabalhadores e a força<br />
policial que reprimiu de maneira<br />
brutal os manifestantes.<br />
Foram utilizados bombas de<br />
gás lacrimogêneo, balas de borracha,<br />
cassetetes e todos os<br />
artifícios para impedir os protestos.<br />
Mais greves<br />
Foram mais de dois milhões de trabalhadores em greve contra as reformas da União Européia.<br />
A greve também atingiu outros<br />
países da Europa. Na Espanha,<br />
a reforma da previdência<br />
proposta pelo primeiro ministro<br />
Zapatero provocou uma<br />
série de manifestações em toda<br />
a Espanha durante a última semana.<br />
As manifestações ocorreram<br />
nas cidades de Barcelona,<br />
Madri e Valência convocadas<br />
pelas centrais sindicais entre<br />
elas a Comisiones Obreras e<br />
UGT (União Geral dos Trabalhadores).<br />
Ainda na semana os trabalhadores<br />
de outras cidades espanholas<br />
também protestaram.<br />
Como nas cidades de La Rioja,<br />
Oviedo e Ceuta na última quar-<br />
ta-feira, dia 24 foram as cidades<br />
de Bilbao, Palma de<br />
Mallorca e as cidades da região<br />
da Andaluzia que se manifestaram.<br />
Os protestos são contra as<br />
reformas, trabalhistas e da<br />
previdência que o governo<br />
Zapatero está preparando contra<br />
os trabalhadores para diminuir<br />
o endividamento do País<br />
com a crise econômica. Entre<br />
as medidas está o aumento da<br />
idade de aposentadoria de 65<br />
para 67 anos. Os protestos são<br />
um reflexo do tamanho da<br />
crise na Espanha e um sinal da<br />
retomada das lutas operárias<br />
que vai atingir todo o continente<br />
europeu.<br />
Na Alemanha, cerca de<br />
quatro mil pilotos da empresa<br />
aérea alemã Lufthansa realizaram<br />
uma greve de um dia que<br />
praticamente parou o tráfego<br />
aéreo alemão.<br />
Os pilotos reivindicaram<br />
um aumento salarial de 6,4%,<br />
mas o sindicato entregou a<br />
greve no primeiro dia, estavam<br />
programados quatro dias<br />
de greve, depois que a empre-<br />
sa sinalizou que manteria os<br />
empregos dos pilotos com<br />
novas negociações marcadas.<br />
A greve também foi organizada<br />
contra a tentativa de demissão<br />
que a empresa anunciou.<br />
A greve é um resultado<br />
direto da crise econômica<br />
mundial, pois a Lufthansa tem<br />
um prejuízo de 130 milhões de<br />
dólares e já anunciou a demissão<br />
de pilotos para contratar<br />
terceirizados que trabalham<br />
por menos. Seguindo a risca<br />
o lema de economizar com o<br />
corte de empregos.<br />
Com a greve mesmo de um<br />
dia dezenas de vôos foram<br />
cancelados em todo o mundo,<br />
cerca de 800 vôos por dia não<br />
circularam. Por dia a Lufthansa<br />
realiza 1.800 vôos. Somente<br />
no Brasil a empresa adiou<br />
oito vôos. Na Alemanha, importantes<br />
aeroportos como<br />
nas cidades de Munique, Berlim,<br />
Frankfurt, Hamburgo e<br />
Düsseldorf, tiveram as viagens<br />
realizadas pela Lufthansa<br />
canceladas e com a notícia<br />
houve a suspensão de dezenas<br />
de vôos pelos passageiros.<br />
A greve dos pilotos não afetou<br />
somente os vôos domésticos,<br />
mas o setor de transporte<br />
de cargas também.<br />
No dia 23, outra greve<br />
aconteceu na França, também<br />
no setor aéreo. Os controladores<br />
de vôos de cinco sindicatos<br />
franceses aderiram <strong>à</strong> greve<br />
e paralisaram os aeroportos<br />
de importantes cidades como<br />
Paris, Grenoble, La Rochelle,<br />
Chambéry, Pau e Biarritz.<br />
Os funcionários decidiram<br />
iniciar a greve para protestar<br />
contra o projeto recém-aprovado<br />
de unificação dos sistemas<br />
de controle de vôo de seis<br />
países - França, Alemanha,<br />
Suíça, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.<br />
Esse projeto visa<br />
reduzir os custos das grandes<br />
empresas em 20% e vai tirar<br />
o emprego de 4,4 mil funcionários<br />
só na França.<br />
Essa é a segunda tentativa<br />
de manifestação dos trabalhadores,<br />
já que em dezembro do<br />
ano passado a justiça obrigou<br />
os trabalhadores a abandonarem<br />
um plano de 12 dias de<br />
greve no Natal.<br />
Os sindicatos denunciam<br />
ainda que este projeto governamental,<br />
que deverá integrar<br />
a prestação de serviços de controle<br />
aéreo destes países a uma<br />
nova entidade legal, pode ser<br />
o fim da Direção Geral da Aviação<br />
Civil (DGAC) como fun-<br />
ção pública do estado.<br />
Esta mudança faz parte da<br />
ofensiva da União Européia em<br />
cortar gastos públicos a todo<br />
custo para conter o avanço da<br />
crise.<br />
Mais protestos na Itália. A<br />
montadora italiana Fiat irá suspender<br />
por duas semanas as<br />
atividades em seis fábricas do<br />
grupo. Segundo a diretoria da<br />
empresa a suspensão serve<br />
para se adequar <strong>à</strong> queda da<br />
demanda graças <strong>à</strong> crise econômica.<br />
As seis fábricas representam<br />
30 mil trabalhadores<br />
dos 80 mil operários da<br />
empresa. Já os sindicatos italianos,<br />
denunciam que se planeja<br />
o fechamento definitivo<br />
da unidade da Fiat na Sicília.<br />
Outro protesto na Bélgica<br />
marcou a semana também. Os<br />
trabalhadores de uma das maiores<br />
redes de supermercados<br />
do mundo a rede francesa Carrefour<br />
fizeram paralisação no<br />
País. A greve parou 18 das 56<br />
principais lojas do Carrefour e<br />
15 dos 61 pontos de vendas<br />
menores do supermercado.<br />
A greve ocorre depois que<br />
Na Espanha, a reforma da previdência proposta pelo primeiro ministro<br />
Zapatero provocou uma série de manifestações.<br />
a direção da empresa anunciou<br />
que 1.672 dos empregados serão<br />
demitidos e que 21 lojas<br />
serão fechadas graças <strong>à</strong> crise.<br />
Desemprego e a<br />
nova etapa da<br />
crise<br />
A nova etapa da crise mundial<br />
com o endividamento sem<br />
precedentes dos países europeus<br />
está desencadeando uma<br />
onda de protestos que não se<br />
via há muito tempo. A atual situação<br />
da crise da economia<br />
mundial, principalmente a economia<br />
da Europa, demonstra<br />
como a crise econômica não<br />
acabou por mais que os governos<br />
burgueses e a imprensa<br />
capitalista tentem manipular os<br />
dados econômicos.<br />
Esta é uma nova fase da crise<br />
ainda mais intensa que a<br />
anterior. Em contrapartida há<br />
uma ofensiva também por parte<br />
dos trabalhadores. Estas diversas<br />
mobilizações operárias<br />
na Europa, após a simples<br />
ameaça feita pelos governos e<br />
os patrões de cortes de salários,<br />
reformas que retiram direitos<br />
etc. é um sinal de que a<br />
classe operária não está mais<br />
disposta a aceitar o tacão de<br />
ferro das medidas antioperárias<br />
que só visam saquear os trabalhadores<br />
e os cofres públicos<br />
para satisfazer os interesses<br />
capitalistas.<br />
Os mais de dois milhões de<br />
trabalhadores na Grécia e as<br />
mobilizações na Espanha, Alemanha,<br />
Bélgica, França etc.<br />
são uma demonstração deste<br />
novo ascenso.<br />
Agora depois do assalto feito<br />
a todos os trabalhadores,<br />
com o uso de dinheiro publico<br />
e as demissões em massa, os<br />
trabalhadores perderam a boa,<br />
e greves se espalham por toda<br />
a Europa, sendo a greve na<br />
Grécia, com mais de dois<br />
milhões de trabalhadores paralisados.<br />
O desemprego, o principal<br />
flagelo dos trabalhadores e o<br />
efeito mais drástico causado<br />
pela recessão atinge 200 milhões<br />
de trabalhadores em<br />
todo o mundo.<br />
A situação da economia<br />
mundial vai se agravar ainda<br />
mais e os trabalhadores em<br />
contrapartida devem se organizar<br />
para garantir seus direitos,<br />
pois a burguesia para se salvar<br />
vai atacar ainda mais as condições<br />
de vida da classe operária.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA A3<br />
Editoriais<br />
Editoriais<br />
Na ditadura dos juízes<br />
Cassar os corruptos por meio de um simples golpe e<br />
estabelecer outra máfia no governo. Estabelecer que<br />
os juízes do STF, TSE, TRE’s e STJ devem decidir<br />
em nome de milhões de brasileiros, anulando a escolha<br />
feita nas eleições.<br />
São estas medidas que estão sendo cada vez mais adotadas pelos<br />
tribunais brasileiros. Um retrocesso para o tempo em que os governadores<br />
eram interventores indicados pela ditadura de Vargas<br />
ou pelos militares.<br />
A onda de cassação de governadores seguida de imposição pelos<br />
juízes nos estados em nome do combate <strong>à</strong> corrupção abre o precedente<br />
para a cassação dos direitos políticos da população, bem<br />
como é uma medida que amplia a restrição dos direitos democráticos<br />
de todos os partidos.<br />
Estes mesmos juízes podem decidir o que bem entendem sobre<br />
todos os âmbitos da justiça eleitoral e cassar os direitos dos partidos<br />
de esquerda e sem dinheiro.<br />
Foi o próprio TSE que cassou os direitos políticos do candidato<br />
Entregando os anéis para não<br />
perder os dedos<br />
Desde que foi colocado na reitoria da Universidade de<br />
S. Paulo, João Grandino Rodas, procura mostrar uma<br />
espécie de “boa vontade” para com os movimentos de<br />
funcionários, estudantes e professores da USP.<br />
O mesmo que mandou a polícia contra estudantes que se<br />
manifestavam na Faculdade de Direito, que propôs a portaria<br />
que permitia a entrada da PM na Cidade Universitária, que<br />
defende as fundações, ou seja, o homem de Serra e dos capitalista<br />
na universidade, está procurando fazer uma política<br />
de conciliação que tem como um dos motes o “diálogo”.<br />
Logo que foi indicado por Serra para ocupar o cargo dirigente<br />
máximo da universidade, Rodas saiu prometendo mundos<br />
e fundos. Falou que devolveria o prédio da reitoria ao CRUSP<br />
(Conjunto Residencial da USP), abrir as contas da universidade<br />
na internet, discutir a questão das cotas etc. Mais recentemente<br />
a medida que autorizava a entrada da polícia no campus,<br />
iniciativa do próprio Rodas, foi abolida.<br />
Tanta boa vontade surpreende os que estão acostumados<br />
a receber sempre as portas fechadas na cara, mas deve ser bem<br />
Haiti: Um joguete nas mãos do<br />
imperialismo<br />
A<br />
ONU é um instrumento dos interesses do imperi<br />
alismo norte-americano, não só na ilha, onde as<br />
tropas da ONU perderam toda a autonomia, mas no<br />
jogo político internacional também.<br />
Nenhum governo capitalista quer bancar solidariamente dinheiro<br />
para o Haiti, principalmente os EUA que destruíram<br />
economicamente o país, e tentam jogar nas costas da população<br />
a responsabilidade pelas doações para “reconstruir” o<br />
país. O objetivo de atingir uma cifra recorde de US$ 1,44<br />
Char Charge Char e da da semana<br />
semana<br />
presidencial do PCO <strong>à</strong>s eleições em 2006, o presidente nacional do<br />
partido Rui Costa Pimenta. O Tribunal na época promoveu uma<br />
das maiores aberrações jurídicas já vistas, impondo uma decisão<br />
retroativa em 2004 sobre algo ocorrido em 2002, com relação <strong>à</strong>s<br />
prestações de contas do partido.<br />
A partir de 2004 se decidiu que aqueles que não haviam prestado<br />
contas em 2002 não podiam se candidatar.<br />
Por outro lado, todos os corruptos, mesmo com evidentes casos<br />
de corrupção tiveram suas contas aprovadas, recorreram e ganharam<br />
o direito de se candidatar, como é o caso do notório corrupto,<br />
Fernando Collor de Melo.<br />
Assim como a censura <strong>à</strong> imprensa, as medidas repressivas e leis<br />
de exceção estabelecidas entre a própria burguesia recaem sempre<br />
contra a classe trabalhadora, no caso do TSE estas caminham de forma<br />
cada vez mais evidente para a cassação dos direitos democráticos.<br />
É preciso denunciar e combater amplamente esta tentativa de<br />
estabelecer o reino do arbítrio e do golpismo promovido pela ala<br />
direita da burguesia.<br />
compreendida. Os que alimentam a ilusão de que Rodas irá realizar<br />
mudanças reais na universidade presta um serviço extremamente<br />
negativo ao movimento.<br />
A boa vontade só existe porque o governo e a reitoria estão<br />
sob enorme pressão dos estudantes, que realizaram em 2007<br />
e em 2009 as maiores mobilizações pelo menos dos últimos 15<br />
anos. Rodas e Serra não têm absolutamente nenhuma intenção<br />
de acabar com a ditadura existente na USP. Seu objetivo<br />
é exatamente o oposto: reforçar a submissão da universidade<br />
ao governo do estado, entregar a universidade aos capitalistas,<br />
recuperar o controle da reitoria sobre toda a universidade.<br />
O poder dentro da universidade está concentrado nas mãos<br />
da reitoria e do governo do estado. Quem tem este poder, tem<br />
tudo. Sem ele, as conquistas parciais são secundárias, uma vez<br />
que eles têm o poder de retirá-las quando bem entenderem.<br />
Por isso, diante da mobilização, Rodas e Serra podem até<br />
entregar os anéis para não perder os dedos, mas não estão dispostos<br />
a entregar nenhum dedo voluntariamente.<br />
bilhão, mesmo que consigam, não passa de um valor irrisório<br />
diante da catástrofe.<br />
Com a sua campanha pelas doações para o Haiti, o imperialismo<br />
faz propaganda ideológica onde tentam se apresentar<br />
como os salvadores e heróis dos haitianos.<br />
Os países imperialistas, sob a pressão dos trabalhadores<br />
de todo o mundo, deveriam devolver o dinheiro roubado dos<br />
haitianos e deixá-los reconstruir seu país sem nenhuma intervenção<br />
estrangeira.<br />
8 de março<br />
RUI COSTA PIMENTA<br />
O<br />
que a burguesia dá com a mão direita, ela tira dez vezes mais com<br />
a mão esquerda. Este velho dito socialista é mais que nunca<br />
aplicável ao fenômeno do dia internacional da mulher.<br />
O 8 de março foi originalmente, e somente pode continuar sendo, para<br />
poder ser alguma coisa, o dia internacional de luta das operárias contra<br />
a opressão da mulher e do capitalismo. A luta das mulheres foi iniciada<br />
pelas filhas da burguesia que, seguindo o exemplo do movimento operário<br />
britânico, reivindicava o sufrágio feminino, da mesma forma que o<br />
movimento cartista antes dele havia reivindicado o sufrágio universal.<br />
O movimento britânico, diretamente inspirado pelas lutas operárias, foi<br />
o mais combativo de todos os movimentos sufragistas. No entanto, foi<br />
o movimento operário, mais especificamente o movimento socialista,<br />
marxista, da II Internacional que deu <strong>à</strong> luta das mulheres uma perspectiva<br />
política real, que ia além do problema do sufrágio reivindicando as condições<br />
necessárias para a natalidade, a liberdade civil da mulher diante<br />
do cárcere do casamento através do divórcio e, acima de tudo, a integração<br />
da mulher na luta pelo poder político. Enquanto que o movimento<br />
sufragista colocava-se mais e mais a reboque dos partidos burgueses,<br />
o socialismo oferecia <strong>à</strong>s mulheres a perspectiva da organização política<br />
independente do Estado e dos partidos burgueses.<br />
O ápice desta luta foi a Revolução Russa de 1917. Nas palavras de um<br />
dos seus principais dirigentes: “ A Revolução de Outubro manteve da<br />
maneira mais honesta a palavra no que diz respeito <strong>à</strong> mulher. O novo poder<br />
não se contentou em conceder <strong>à</strong> mulher os mesmos direitos jurídicos e<br />
políticos que o homem, ele fez – o que é mais – tudo o que podia e em<br />
todo caso infinitamente mais que qualquer outro regime para abrir realmente<br />
o acesso a todos os domínios econômicos e culturais. Mas, tanto<br />
quanto o “todo-poderoso” parlamento britânico, a mais poderosa revolução<br />
não pode fazer da mulher um ser idêntico ao homem ou, melhor dizendo,<br />
dividir por igual entre ela e seu companheiro os cuidados da gravidez,<br />
de dar <strong>à</strong> luz, da amamentação e educação das crianças. A revolução tentou<br />
heroicamente destruir o antigo “lar familiar”, instituição arcaica, conservadora,<br />
sufocante, na qual a mulher das classes laboriosas está condenada<br />
a trabalhos forçados, da infância até a morte. À família, considerada<br />
como uma pequena empresa privada fechada deveria suceder, no espírito<br />
dos revolucionários, um sistema acabado de serviços sociais: maternidades,<br />
creches, jardins de infância, restaurantes, lavanderias, dispensários,<br />
hospitais, sanatórios, organizações esportivas, cinemas, teatros<br />
etc. A absorção completa das funções econômicas da família pela<br />
sociedade socialista, ligando toda uma geração pela solidariedade e<br />
assistência mútua, deveria dar á mulher e, por conseguinte ao casal, uma<br />
verdadeira emancipação do jugo secular. Enquanto esta obra não for realizada,<br />
40 milhões de famílias soviéticas permanecerão, em sua grande<br />
maioria, presas dos costumes medievais, da sujeição e da histeria da<br />
mulher, das humilhações cotidianas das crianças , das superstições de<br />
um e de outro. (...)<br />
“Não se conseguiu tomar de assalto a família antiga. Não foi por falta<br />
de boa vontade. (...) Infelizmente a sociedade se revela demasiado pobre<br />
e demasiado pouco civilizada. Os recursos do Estado não correspondiam<br />
aos planos do Partido Comunista. A família não pode ser abolida, é<br />
necessário substituí-la. A emancipação real da mulher é impossível sobre<br />
o terreno da ‘miséria socialista’ (1).<br />
Ou, para todos os efeitos, também da “miséria capitalista”, como temos<br />
no Brasil.<br />
Os países ricos e desenvolvidos, porém, nada mais têm a oferecer <strong>à</strong>s<br />
mulheres, e homens, do mundo do que aparência, palavras e uma decoração<br />
ideologicamente cor-de-rosa sobre o cativeiro e o sofrimento de<br />
ainda mais de metade de humanidade. A transformação do dia 8 de março<br />
em dia oficial da mulher pelo imperialismo mundial e a sua comemoração<br />
é uma demonstração disso. No extremo, estão as flores e o sentimentalismo<br />
sobre a “importância”, a “força” e a grandeza da mulher.<br />
Enquanto isso, no mundo real, o capitalismo revive o tráfico de escravas,<br />
o aumento da prostituição e a prostituição infantil, a escravidão<br />
e, nos casos mais benignos, utiliza a superexploração da mão-de-obra<br />
feminina oprimida para baratear o mercado de trabalho.<br />
A luta da mulher e a luta pelo socialismo são coisas diferentes. Não<br />
se pode deixar de explicar isso a muitos “esquerdistas” e “socialistas”<br />
que usam o socialismo e a revolução para eliminar da perspectiva política<br />
a luta da mulher. No entanto, elas estão unidas em torno da luta comum<br />
contra o Estado burguês, de um ponto de vista imediato, ou seja, na luta<br />
pelo governo operário, único que pode libertar a mulher em algum sentido<br />
da palavra, e, historicamente, na luta contra o capitalismo e a miséria<br />
que ele cria, no retrocesso que ele provoca, criando um obstáculo intransponível<br />
<strong>à</strong> libertação da mulher, sem a qual não se pode sequer pensar na<br />
libertação da humanidade.<br />
1 - Leon Trótski, A revolução traída<br />
Como Como eles eles disseram...<br />
disseram...<br />
“O imperialismo norte-americano não pode estender mais, nem<br />
sequer manter sua posição atual no mundo, sem fazer um grande corte<br />
na parte do poder mundial atualmente entre as mãos de outras potências<br />
imperialistas, sem atacar o nível de vida das massas dos<br />
Estados Unidos, da América Latina, da Europa e da Ásia, os quais<br />
explora direta ou tira proveito indiretamente. De modo que, estendendo<br />
seu poder para todo o mundo, o capitalismo dos Estados Unidos<br />
introduz em seus próprios fundamentos a instabilidade do sistema<br />
capitalista mundial. A economia e a política dos Estados Unidos<br />
dependem das crises, das guerras e das revoluções em todas as partes<br />
do mundo”<br />
Leon Trótski, Os Estados Unidos após a crise de 1929<br />
Datas<br />
Datas<br />
1º de março de 1810<br />
Nascimento de Frédéric Chopin, compositor e pianista polonês<br />
2 de março de 1919<br />
O I Congresso da III Internacional Comunista é aberto em Moscou<br />
2 de março de 2004<br />
Guerra do Iraque: As Nações Unidas informam que as equipes de<br />
inspeção de armamentos não constataram que o Iraque possuía<br />
armas de destruição em massa após 1994.<br />
4 de março de 1932<br />
Nasce Miriam Makeba, cantora sul-africana, ativista contra o<br />
apartheid<br />
4 de março de 1852<br />
Morte de Nikolai Gogol, escritor russo<br />
4 de março de 1922<br />
Nascimento de Pier Paolo Pasolini, escritor e cinegrafista italiano<br />
5 de março de 1887<br />
Nascimento de Heitor Villa-Lobos, compositor brasileiro<br />
Frases ases da da semana<br />
semana<br />
5 de março de 1953<br />
Morte de Josef Stálin<br />
“Estamos extremamente entristecidos pela trágica perda de<br />
vidas inocentes”, general Stanley McChrystal, comandante<br />
das operações no Afeganistão depois que 27 civis foram<br />
mortos em um ataque aéreo conduzido pela OTAN, entre eles<br />
quatro mulheres e uma criança.<br />
"A crise econômica de 2008 trouxe uma lição que todos nós<br />
precisamos aprender. Quando veio a crise nos países ricos, os<br />
pobres participaram do pagamento dessa crise" Lula mostrando<br />
que os países pobres pagaram pela crise.<br />
“A responsabilidade cabe única e exclusivamente <strong>à</strong>queles que<br />
estavam governando", afirmou o ex-governador do DF Joaquim<br />
Roriz, em discurso televisivo, procurando esconder seu envonvimento<br />
nos esquemas de corrupção na capital federal.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA MULHERES A4<br />
8 DE MARÇO<br />
O centenário do Dia Internacional da Mulher<br />
Apresentamos aqui um panorama das origens<br />
proletárias e revolucionárias do dia de luta das mulheres<br />
até os dias de hoje. A história e a luta pela organização<br />
das mulheres do mundo inteiro contra a opressão<br />
Neste ano, serão comemorados<br />
os 100 anos do Dia Internacional<br />
da Mulher Trabalhadora.<br />
Cem anos do 8 de<br />
março, dia estabelecido pelas<br />
militantes revolucionárias,<br />
mulheres intelectuais e operárias<br />
da II Internacional no<br />
Congresso de 1910 para ser<br />
um dia de luta e homenagem <strong>à</strong>s<br />
mártires da luta :pelos direitos<br />
das mulheres.<br />
Diante da apropriação dessa<br />
data pela burguesia e suas<br />
instituições, faz-se necessário<br />
lembrar a verdadeira história<br />
desse dia de luta, que tem origem<br />
nas mobilizações operárias<br />
têxteis dos EUA, e no esforço<br />
dos socialistas por oferecer<br />
<strong>à</strong> luta das mulheres uma perspectiva<br />
política real, levantando<br />
suas reivindicações mais<br />
sentidas, aliando esta luta <strong>à</strong><br />
luta pelo poder político.<br />
Reivindicações que permanecem<br />
atuais, como atual é a<br />
necessidade da organização e<br />
luta das mulheres contra a<br />
opressão e exploração capitalista,<br />
em torno de um programa<br />
que de fato contemple sua<br />
realidade nos mais diversos e<br />
elementares aspectos. Direitos<br />
que ainda lhe são negados,<br />
como igualdade de salários,<br />
direito de aborto, como o direito<br />
ao divórcio. A esta desigualdade<br />
jurídica e política<br />
soma-se a desigualdade econômica,<br />
inclusive dentro da<br />
própria classe operária que a<br />
transforma em um trabalhador<br />
duplamente explorado.<br />
As origens do 8 de<br />
março<br />
Com a manufatura, e posteriormente<br />
com a industrialização,<br />
o regime capitalista que ia<br />
se consolidando, foi criando<br />
formas específicas de inserção<br />
das mulheres no mercado de<br />
trabalho, depreciando o trabalho<br />
tipicamente feminino e ao mesmo<br />
tempo alijando as mulheres<br />
de determinadas atividades.<br />
O Renascimento reservou <strong>à</strong><br />
mulher o papel da vida doméstica.<br />
Restringindo o acesso delas<br />
<strong>à</strong> educação universitária e as<br />
escolas que existiam e enfatizavam<br />
o aprendizado das “prendas<br />
domésticas”.<br />
A indústria têxtil foi se tornando<br />
um pólo de trabalho feminino.<br />
Em 1790 a indústria de<br />
lã francesa chegou a ter 45,6%<br />
de mão-de-obra feminina, sempre<br />
desempenhando atividades<br />
menos qualificadas e de menor<br />
remuneração.<br />
Não é por acaso que o estabelecimento<br />
do 8 de março<br />
como Dia Internacional da<br />
Mulher Trabalhadora esteja ligado<br />
<strong>à</strong>s mobilizações e luta das<br />
operárias têxteis de Nova Iorque,<br />
por mais de um episódio<br />
marcante.<br />
O primeiro deles foi em 1857.<br />
Data de uma das primeiras greves<br />
dessas operárias que permaneceram<br />
paradas durante semanas<br />
protestando contra os baixos<br />
salários e as duras jornadas<br />
de trabalho. O movimento foi<br />
brutalmente reprimido pela polícia<br />
e as operárias perseguidas<br />
pelos patrões. Foi a primeira<br />
faísca da luta feminina para além<br />
da questão do sufrágio. Uma<br />
luta mais ampla - resultado da<br />
maior inserção e conseqüentemente<br />
exploração da mão-de-<br />
obra feminina pelo capitalismo<br />
- que por causa dos socialistas<br />
ganharia proporções de um<br />
movimento de massas.<br />
As mobilizações iniciadas em<br />
1907, para comemorar a greve<br />
de 1857, darão início <strong>à</strong> essas<br />
grandes mobilizações. Em<br />
1907, se deu a primeira convocação<br />
para um 8 de março, ainda<br />
sem ser chamado de Dia da<br />
Mulher, para lutar contra as<br />
longas jornadas, salários baixos<br />
e péssimas condições de trabalho.<br />
Mais uma vez o movimento<br />
é violentamente reprimido.<br />
É quando o Partido Socialista<br />
Norte-americano, cria o comitê<br />
de mulheres pelo voto, levantando,<br />
além das reivindicações<br />
econômicas como salários<br />
iguais para trabalhos iguais e<br />
o fim do trabalho infantil, uma<br />
campanha política pelo sufrágio<br />
feminino. Então em 1908, novamente<br />
no 8 de março, as mulheres<br />
vão sair <strong>à</strong>s ruas para comemorar<br />
as mobilizações de1857<br />
e de 1907.<br />
É então em 1909, com a<br />
ampliação das reivindicações<br />
políticas e econômicas, que será<br />
realizado o primeiro Dia Nacional<br />
das Mulheres nos EUA,<br />
“com manifestações em todo o<br />
país no último domingo de fevereiro,<br />
repetindo estas comemorações<br />
todos os anos até<br />
1913, quando os movimentos<br />
adquirem o caráter de protesto<br />
contra a guerra que já se apresentava<br />
como uma terrível<br />
ameaça.<br />
“Já em 1910, com o crescimento<br />
do movimento de mulheres,<br />
Lena Lewis, uma das principais<br />
representantes do movimento<br />
feminista norte-americano,<br />
vai declarar que não era uma<br />
época para celebrar nada, mas<br />
um dia para antecipar as lutas<br />
que viriam quando ‘poderemos<br />
eventualmente e para sempre erradicar<br />
o último vestígio do<br />
egotismo masculino e seu desejo<br />
de dominar as mulheres’” (Anaí<br />
Caproni, As raízes proletárias e<br />
revolucionárias do dia internacional<br />
da mulher, em<br />
www.pco.org.br).<br />
As grandes mobilizações<br />
operárias e de mulheres já mostram<br />
seu caráter revolucionário.<br />
A contrapartida da burguesia é<br />
a repressão.<br />
Outro episódio foi com as<br />
operárias têxteis de Nova Iorque<br />
que marcaria definitivamente o<br />
8 de março como um dia de luta<br />
das mulheres. O incêndio em<br />
1911 de uma fábrica com trabalhadoras<br />
em greve – ainda contra<br />
a permanência das péssimas<br />
condições de trabalho, fruto da<br />
falta de legislação que proibisse<br />
o trabalho infantil e defendesse<br />
o feminino. O resultado foi a<br />
morte de mais de 100 operárias,<br />
trancadas dentro da fábrica<br />
e incendiadas junto com ela. O<br />
acontecimento foi denunciado<br />
pelos socialistas de todo mundo<br />
ganhando grande repercussão,<br />
transformando-se num<br />
símbolo de luta para as trabalhadoras<br />
e as socialistas norteamericanas<br />
e sendo por isso<br />
muitas vezes confundido com a<br />
greve que originou toda essa luta,<br />
a do 8 de março de 1857.<br />
Os revolucionários<br />
marxistas e as<br />
mulheres<br />
Mas foi em 1910, há exatos<br />
100 anos, durante o II Congresso<br />
Internacional das Mulheres<br />
Socialistas, realizado<br />
Copenhague, na Dinamarca,<br />
com a participação de cerca de<br />
100 mulheres representantes<br />
de 17 países que se estabeleceu<br />
o 8 de março como o Dia Internacional<br />
de Luta da mulher. É<br />
obra do movimento internacional<br />
dos socialistas por iniciativa<br />
das militantes revolucionárias<br />
da II Internacional, a criação<br />
deste dia de homenagem<br />
<strong>à</strong>s mártires, e de luta pelo fim<br />
de todo tipo de discriminação.<br />
A proposta foi feita por Clara<br />
Zetkin, responsável pela organização<br />
do trabalho de mulheres<br />
da social-democracia<br />
alemã e editora do jornal de<br />
mulheres do partido, Igualdade.<br />
Ela defendia ser “necessário<br />
estabelecer um dia como<br />
referência mundial de luta para<br />
as mulheres na medida em que,<br />
tanto na Europa como nos EUA<br />
os partidos socialistas já vinham<br />
realizando manifestações<br />
com este caráter, reunindo<br />
milhares de mulheres para lutar<br />
por reivindicações fundamentais<br />
como a redução da jornada,<br />
o voto feminino etc.”<br />
(idem).<br />
Na ocasião foi estabelecida<br />
uma plataforma de luta para as<br />
manifestações do Dia Internacional<br />
da Mulher. Foi aprovada<br />
a luta pelo direito de voto feminino,<br />
o sufrágio universal e<br />
o seguro-maternidade para todas<br />
as mulheres casadas com<br />
filhos, apesar de haver a defesa<br />
de que o benefício fosse<br />
concedido independentemente<br />
do estado civil da mãe, proposta<br />
defendida pelos russos representados<br />
pela revolucionária<br />
russa, futura dirigente bolchevique<br />
Alexandra Kollontai.<br />
A partir de 1911, as manifestações<br />
do Dia Internacional da<br />
Mulher se confirmam como<br />
mobilizações de massas, se estabelecendo<br />
definitivamente no<br />
dia 8 de março com a vitória da<br />
Revolução na Russa. Sendo<br />
inclusive a própria revolução<br />
fruto das mobilizações das<br />
mulheres.visto que o estopim<br />
para a revolução foi o protesto<br />
das mulheres, chamado pelas<br />
socialistas russas, diante das<br />
filas de racionamento de pão<br />
provocadas pela miséria vinda<br />
com a I Guerra Mundial.<br />
A vitória da Revolução de<br />
1917 não foi apenas a consolidação<br />
definitiva do caráter revolucionário<br />
que pode tomar a<br />
luta das mulheres como foi a<br />
demonstração plena da possibilidade<br />
de realizar mudanças fundamentais<br />
na situação da mulher.<br />
Conquistas com o direito<br />
ao aborto, ao divórcio, a abertura<br />
de creches e lavanderias<br />
públicas, total igualdade jurídica<br />
entre os homens e mulheres,<br />
com os direitos políticos integrais,<br />
o incentivo a sua elevação<br />
cultural, a proibição da discriminação<br />
sexual entre outras.<br />
Conquistas até hoje negadas<br />
para mulheres de muitos países.<br />
O 8 de março é portanto mais<br />
uma conquista do grande movimento<br />
operário, socialista,<br />
internacional que o capitalismo,<br />
a burguesia e suas instituições<br />
procuram ocultar para impor<br />
sobre o caráter revolucionário<br />
desse dia de luta a ideologia da<br />
democracia burguesa, como<br />
algo concedido <strong>à</strong>s mulheres.<br />
O 8 de março hoje<br />
Neste centenário do Dia<br />
Internacional da Mulher deve<br />
ficar claro para todas as mu-<br />
A proposta do 8 de março foi feita por Clara Zetkin, responsável pela organização do trabalho<br />
de mulheres da social-democracia alemã e editora do jornal de mulheres do partido, Igualdade.<br />
lheres, para todos os setores<br />
que se reivindicam democráticos<br />
ou socialistas que nada se<br />
pode esperar do capitalismo<br />
como regime “democrático” e<br />
quase nada se tem a comemorar,<br />
apesar da propagandeada<br />
“emancipação da mulher”.<br />
Como já disse o companheiro<br />
Rui Costa Pimenta em<br />
artigo publicado nesse jornal,<br />
“Os países ricos e desenvolvidos,<br />
porém, nada mais têm<br />
a oferecer <strong>à</strong>s mulheres, e<br />
homens, do mundo do que<br />
aparência, palavras e uma<br />
decoração ideologicamente<br />
cor-de-rosa sobre o cativeiro<br />
e o sofrimento de ainda mais<br />
de metade de humanidade. A<br />
transformação do dia oito de<br />
março em dia oficial da mulher<br />
pelo imperialismo mundial e a<br />
sua comemoração é uma demonstração<br />
disso. No extremo,<br />
estão as flores e o sentimentalismo<br />
sobre a ‘importância’,<br />
a ‘força’ e a grandeza<br />
da mulher”.<br />
A cada dia as estatísticas<br />
confirmam que prevalece, ainda<br />
hoje, boa parte da realidade<br />
que motivou a greve das<br />
operárias novaiorquinas em<br />
1857, que marca a origem<br />
desse dia de luta.<br />
Ainda hoje, passados 153<br />
anos, as mulheres continuam<br />
recebendo menos que os homens.<br />
Realidade que se torna<br />
ainda mais cruel para as mulheres<br />
negras, que vítimas de<br />
dupla discriminação chegam a<br />
receber 172% menos que um<br />
homem branco.<br />
Apesar de serem metade da<br />
População Economicamente<br />
Ativa no País, <strong>à</strong>s mulheres<br />
ainda estão reservados os piores<br />
empregos, em situação<br />
precária ou informal. De acordo<br />
com estudo divulgado este<br />
mês pela Organização Internacional<br />
do Trabalho (OIT),<br />
mais de 70% das mulheres<br />
negras que exercem algum<br />
tipo de trabalho, remunerado<br />
ou não, estão inseridas no<br />
grupo do chamado emprego<br />
precário.<br />
Enquanto isso, as principais<br />
atividades econômicas<br />
são predominantemente masculinas.<br />
As atividades com<br />
predominância feminina são a<br />
Administração Pública,<br />
62,7% (considerando que<br />
aqui estão incluídas tarefas<br />
tradicionalmente femininas,<br />
como escolas e cuidados com<br />
a saúde – não a medicina, mas<br />
a enfermagem- etc.) e os<br />
Serviços Domésticos, 94,7%.<br />
Menores salários, piores trabalhos.<br />
Essa é a realidade das<br />
mulheres, especialmente das<br />
mulheres negras no País.<br />
O desemprego também é<br />
maior entre as mulheres. E<br />
com a crise, as mulheres foram<br />
as primeiras a serem demitidas<br />
elevando a participação<br />
das mulheres nas estatísticas<br />
de desemprego para mais<br />
da metade do total de desocupados<br />
do país.<br />
Além de tudo isso, as mulheres<br />
ainda sofrem com a<br />
falta de direitos democráticos<br />
elementares. A negação e o<br />
ataque dos setores conservadores<br />
ao direito de aborto, que<br />
nos últimos anos vem se transformando<br />
numa verdadeira<br />
caça <strong>à</strong>s bruxas é um exemplo<br />
disso. Aqui vale ressaltar o<br />
papel da frente popular e da<br />
chamada “esquerda” nacional.<br />
O governo Lula não conseguiu<br />
avançar nenhum passo,<br />
ao contrário, possibilitou ataques<br />
(a todos os setores oprimidos)<br />
sem precedentes. O<br />
que ficou claro recentemente<br />
ao retirar do Programa Nacional<br />
de Direitos Humanos<br />
(PNDH) a defesa da legalização<br />
do aborto como direito de<br />
decidir das mulheres, diante<br />
da primeira manifestação da<br />
direita da Igreja Católica.<br />
Os elevados índices de<br />
morte materna, entre outros<br />
motivos como os ataques e a<br />
privatização do sistema de<br />
saúde, também são resultado<br />
da ilegalidade do aborto.<br />
Sem contar todas as restrições<br />
<strong>à</strong> sua participação política,<br />
desenvolvimento cultura,<br />
intelectual etc.<br />
Por tudo isso, como também<br />
já foi apresentado pelo<br />
companheiro Rui Costa Pimenta,<br />
“O oito de março foi<br />
originalmente, e somente<br />
pode continuar sendo para<br />
poder ser alguma coisa, o dia<br />
internacional de luta das operárias<br />
contra a opressão da<br />
mulher e do capitalismo”.<br />
Um dia de luta para<br />
todas as mulheres<br />
NESTE 8 DE<br />
MARÇO,<br />
PARTICIPE DAS<br />
ATIVIDADES DO<br />
COLETIVO ROSA<br />
LUXEMBURGO<br />
Para comemorar o centenário do 8 de março como Dia Internacional<br />
da Mulher , o coletivo Rosa Luxemburgo, coletivo<br />
de mulheres do Partido da Causa Operária, estará organizando<br />
uma série de atividades no Centro Cultural Benjamim Péret, em<br />
São Paulo.<br />
O objetivo é resgatar o caráter de luta deste dia, que tem a sua<br />
origem nas mobilizações das operárias têxteis de Nova Iorque<br />
ainda no século XIX.<br />
Em 1910, no II Congresso Internacional das Mulheres Socialistas,<br />
cerca de 100 mulheres de 17 países aprovaram a<br />
proposta da revolucionária alemã Clara Zetkin de tornar o 8 de<br />
março como um dia de homenagem e luta da mulher trabalhadora.<br />
Por muito tempo o imperialismo negou esse dia, por seu caráter<br />
de luta. Mas vai mudar de política para controlar as tendências<br />
revolucionárias das lutas dos anos 60. A partir desse momento,<br />
as instituições do regime (como a ONU) vão adotar o Dia das<br />
Mulheres, que se transforma no dia das flores e homenagens<br />
vazias, enquanto o resto do ano tudo o que é dedicado <strong>à</strong>s mulheres<br />
é a falta de direitos, superxploração, a opressão e a violência.<br />
O último período foi marcado pela aumento doa ataques e da<br />
opressão <strong>à</strong>s mulheres O caso da estudante da Uniban, Geyse<br />
Arruda, hostilizada por usar um vestido vermelho curto; a perseguição<br />
<strong>à</strong>s mulheres contra o direito ao aborto; mulheres assassinadas<br />
diante de câmeras de segurança por ex-maridos;<br />
desemprego recordes etc.<br />
Com o objetivo de resgatar a história de luta deste dia, rejeitar<br />
a demagogia da “esquerda” e os ataques da direita, o Coletivo<br />
de Mulheres chama todo o movimento de mulheres e todas as<br />
mulheres a participarem de um ato independente, classista, que<br />
se posicione claramente em defesa das reivindicações mais<br />
sentidas das mulheres.<br />
Nos dias 6 e 7 serão realizadas palestras sobre a questão da<br />
mulher, com um jantar comemorativo no dia 6 e um grande ato<br />
político na segunda-feira, dia 8, <strong>à</strong>s 20h.<br />
Para mais informações entre em contato pela internet, ou no<br />
local das atividades, Av. Miguel Estéfano, n° 349, Saúde, São<br />
Paulo SP, CEP 04301-010.<br />
ATO POLÍTICO<br />
NA SEGUNDA-FEIRA,<br />
DIA 8, ÀS 20h.<br />
Na Av. Miguel Estéfano, n 349,<br />
Saúde, São Paulo SP, CEP 04301-010,<br />
Fone (11) 2362-2339 ou 5584-9322
POLÍTICA E ECONOMIA <br />
Moradores da zona leste levantam barricadas<br />
contra a polícia em protestos contra enchente<br />
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Kassab manda a PM reprimir mais um protesto contra as enchentes na cidade, desta vez em Itaim Paulista ¨¨©¨¨¨ ¨¨©©¨ ©©¨ §¨©¨¨<br />
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Repressão até mesmo contra escola campeã no Carnaval de São<br />
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Paulo ©¨¨<br />
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LUTA PELA TERRA<br />
Direção do MST aceita<br />
ditadura de Serra e<br />
anuncia que não irá<br />
mais ocupar terra<br />
Página A6<br />
“OBSERVATÓRIO DA INSEGURANÇA JURÍDICA NO<br />
CAMPO”<br />
Ruralistas criam órgão de inteligência<br />
contra os sem-terra<br />
Página A6<br />
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DECISÃO PELOS TRIBUNAIS<br />
O golpe do PMDB<br />
para redefinir o mapa<br />
político do País<br />
Página A7<br />
TENTATIVA DE CASSAÇÃO DE KASSAB<br />
Por trás da campanha pela ética mais<br />
uma tentativa de intervenção da justiça<br />
Página A7<br />
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Foram enviadas para o local para reprimir o protesto Pelo menos 40 viaturas da PM, homens da Tropa de Choque e um helicóptero.<br />
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ECONOMIA ESTAGNADA<br />
Para Kassab<br />
culpada é a chuva<br />
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TÃO PIOR QUANTO A GRÉCIA<br />
Dívida do Reino Unido<br />
é de quase 13% do PIB<br />
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Muitos negros parando a rua são sinônimo de<br />
marginais para a polícia.<br />
Página A8<br />
Economia alemanã fecha 2009 com queda<br />
de 5% no PIB<br />
Página A8
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA POLÍTICA A6<br />
LUTA PELA TERRA<br />
Direção do MST aceita ditadura de Serra e<br />
anuncia que não irá mais promover ocupações<br />
Frente <strong>à</strong> ofensiva da bancada ruralista no Congresso<br />
Nacional com a CPI do MST e as prisões em São Paulo,<br />
direção do MST expõe sua política contra qualquer luta<br />
real dos sem-terra e propõe esperar pelas eleições e<br />
acreditar na “democracia”<br />
Depois da repressão sofrida<br />
pelo Movimento dos Sem<br />
Terra (MST) em São Paulo,<br />
com a prisão de sete dirigentes<br />
acusados de promover a<br />
ocupação da fazenda da Cutrale,<br />
em outubro passado, a<br />
direção do MST reafirmou<br />
que adotará uma política já<br />
muito bem conhecida dos<br />
sem-terra e que não é nenhuma<br />
novidade, a da completa<br />
paralisia.<br />
Em nota oficial a direção<br />
do MST anunciou que em São<br />
Paulo foi realizado o chamado<br />
“Carnaval Vermelho”, no<br />
qual o movimento não ocupou<br />
terras. A direção não apenas<br />
se vangloria de apenas ter<br />
promovido uma encenação,<br />
ocupando rodovias em frente<br />
a dezenas de fazendas, como<br />
tenta mostrar que é este o<br />
único caminho. Na nota, a<br />
direção do MST explica que<br />
frente <strong>à</strong> ditadura que tenta impor<br />
José Serra em São Paulo<br />
esta é a melhor política: acatar<br />
o que querem os latifundiários,<br />
que não sejam mais<br />
ocupadas terras.<br />
“Nesses dias de folia nacional<br />
estamos a trabalho da<br />
Democracia e do povo brasileiro<br />
nos dedicando ao Carnaval<br />
Vermelho que é a luta pela<br />
terra, pela inclusão do trabalhador<br />
rural desempregado ou<br />
escravizado nos canaviais,<br />
pela justiça social e pela Reforma<br />
Agrária”.<br />
“Não vamos ocupar nenhuma<br />
propriedade improdutiva,<br />
devoluta ou grilada pelos<br />
latifundiários que estão amparados<br />
pelo governo de José<br />
Serra e os tucanos há mais de<br />
vinte anos.”<br />
“Lutar pela Reforma Agrária<br />
e pertencer ao movimento<br />
social para Serra é crime.”<br />
A direção do MST trabalha a todo o momento para colocar os<br />
trabalhadores reboque da política do PT e do governo Lula.<br />
“Deixamos <strong>à</strong> própria Democracia<br />
que faça justiça<br />
quando as próximas urnas<br />
forem abertas”.<br />
Acreditamos na Democracia.<br />
“<br />
A nota em favor dos latifundiários,<br />
uma profissão de<br />
fé na democracia dos banqueiros<br />
e latifundiários assassinos<br />
e que constitui um verdadeiro<br />
“carnaval” contra a<br />
luta dos sem terra mostra<br />
explicitamente a política de<br />
acordo da direção do MST,<br />
que procura barrar qualquer<br />
resposta dos sem-terra <strong>à</strong><br />
ofensiva da direita.<br />
Isto é exatamente o contrário<br />
do que deve ser feito contra<br />
a ofensiva da direita. A<br />
política correta é organizar<br />
entre os próprios trabalhadores<br />
um movimento de intensificação<br />
das ocupações de terra,<br />
de combate <strong>à</strong> verdadeira<br />
ditadura que tenta estabelecer<br />
a direita no campo com o aval<br />
do governo Federal. No entanto,<br />
ao contrário disto, a direção<br />
do MST procura evitar<br />
a todo custo esta ofensivaEsta<br />
direção defende ainda que<br />
no regime onde trabalhadores<br />
sem-terra são mortos como<br />
animais estes devam esperar<br />
pelas urnas e pela “democracia”,<br />
o regime que a cada ano<br />
leva dezenas de trabalhadores<br />
e lideranças da luta pela terra<br />
para a cova, assassinados de<br />
forma covarde e brutal, como<br />
se viu nos últimos meses em<br />
Rondônia, Pará, Recife etc..<br />
A crescente luta pela terra<br />
no estado de São Paulo (dados<br />
da Unesp mostram que<br />
em um ano o número de ocupações<br />
cresceu em 80% no<br />
estado) e a evidente capacidade<br />
de os sem-terra ocuparem<br />
em toda a região mais de uma<br />
centena de fazendas, mostram<br />
claramente que está na<br />
ordem do dia superar os limites<br />
estabelecidos pela política<br />
da direção do MST.<br />
A direção do MST propõe<br />
colocar os trabalhadores reboque<br />
das eleições e da política<br />
do PT e do governo Lula,<br />
de total descaso com os semterra.<br />
Esta foi a política levada <strong>à</strong><br />
frente por essa direção do<br />
MST quando ocorreram as<br />
prisões dos dirigentes, não realizar<br />
nenhuma mobilização<br />
independente dos trabalhadores,<br />
recorrer apenas a meios<br />
parlamentares e jurídicos.<br />
Isto quando o fazem. A realidade<br />
é a pior possível para a<br />
maior parte dos trabalhadores<br />
sem-terra em todo o país que<br />
se enfrentam com os latifundiários,<br />
suas tropas de jagunços,<br />
a poícia, a justiça, os governos<br />
patronais e outros<br />
órgãos do “regime democrático”.<br />
É o caso dos sem-terra do<br />
MST de Pernambuco, os trabalhadores<br />
sem-terra da Liga<br />
dos Camponeses Pobres, de<br />
Rondônia, do Pará, de Minas<br />
Gerais, os trabalhadores do<br />
MTL de Minas Gerais, presos,<br />
mortos ou torturados.<br />
Estes, na maioria dos casos,<br />
não chegaram a receber<br />
sequer uma nota de apoio da<br />
MINAS GERAIS<br />
Liga dos Camponeses Pobres organiza<br />
ato pela libertação de presos políticos<br />
SEM-TERRA<br />
No ato compareceram mais de 400 companheiros.<br />
Dois pesos, duas medidas<br />
Nunca se viu pés de laranjas<br />
com tantos direitos. Tantos<br />
direitos que serviram de<br />
pretexto para colocar na cadeia<br />
22 trabalhadores sem<br />
terras, enquanto a empresa<br />
grileira Cutrale, a única e verdadeira<br />
criminosa ficou como<br />
vítima. Essa foi a decisão<br />
cínica da justiça, anunciada na<br />
última semana pela juíza 1ª<br />
Vara Criminal de Lençóis<br />
Paulista.<br />
Acatando uma denúncia<br />
realizada pelo Ministério Público<br />
em defesa das “pobres<br />
laranjas”, 22 integrantes do<br />
MST (Movimento dos Sem<br />
Terra) serão processados sob<br />
a acusação de invadir e depredar<br />
e furtar equipamentos da<br />
fazenda da Cutrale em outubro<br />
de 2009 (Estado de S. Paulo,<br />
22/02).<br />
O processo é um verdadeiro<br />
ataque contra o movimento<br />
de luta pela terra, e tem como<br />
finalidade reforçar o cerco<br />
contra os trabalhadores sem<br />
terra. Numa verdadeira campanha<br />
de massacre contra os<br />
sem terra, os latifundiários<br />
usam da imprensa burguesa<br />
para criminalizar e colocar a<br />
opinião popular contra o MST,<br />
enquanto, na verdade, escondem<br />
um crime muito comum<br />
na região oeste de São Paulo,<br />
que é a grilagem e ocupação<br />
ilegal de terras da União e do<br />
Estado.<br />
Depois da Polícia Civil ter<br />
prendido ilegalmente sete sem<br />
terras, agora o Ministério Público,<br />
a mando dos latifundiários,<br />
vai processar as lideranças<br />
MST por formação de quadrilha,<br />
numa clara demonstração<br />
de que ao menor sinal de<br />
manifestação dos sem terras,<br />
estes serão perseguidos e mas-<br />
direção do MST.<br />
Paralisar as lutas<br />
para esperar<br />
pelas eleições<br />
Para a direção do MST se<br />
coloca como questão central as<br />
eleições. As eleições não são<br />
utilizadas para mobilizar os trabalhadores<br />
na luta pela terra,<br />
mas para fazer exatamente o<br />
contrário. Suas direções estão<br />
comprometidas com candidatos<br />
e partidos burgueses que, na<br />
maioria das vezes, usam do<br />
apoio eleitoral dos sem terra,<br />
para apoiar o agronegócio e o<br />
latifúndio.<br />
Sem qualquer receio a direção<br />
do MST defende esta política<br />
propondo seguir o exemplo<br />
da conciliação com a burguesia<br />
de Lula:<br />
“Seguimos na prática a política<br />
ensinada pelo trabalhador<br />
e nosso líder maior, o presidente<br />
Lula, de vencer os conflitos<br />
pelo diálogo e entendimento, insistindo<br />
com teimosia e sem esmorecer<br />
jamais.<br />
Hoje estamos apenas nos<br />
acampando pacificamente em<br />
frente a 61 Fazendas(durante o<br />
carnaval este numero deve passar<br />
de 70) do Pontal, Araçatuba<br />
e Andradina sem ocupá-la.”<br />
(...) Queremos a continuidade<br />
do governo dos pobres Lula<br />
(...) exercendo o nosso direito<br />
democrático com o compromisso<br />
de eleger a Ministra Dilma<br />
como a primeira Mulher a<br />
ser presidente de nosso País”.<br />
A direção do MST desta forma<br />
utiliza o movimento dos<br />
sem-terra para uma política<br />
eleitoral contrária aos interesses<br />
dos trabalhadores, para defender<br />
na prática os latifundiários<br />
apoiados por Lula e Serra<br />
e contrários a qualquer luta.<br />
Para fazer avançar a luta<br />
contra o latifúndio é preciso<br />
superar esta política conciliadora<br />
de submeter a luta dos semterra<br />
<strong>à</strong>s eleições, aos governos<br />
do agronegócio e do latifúndio<br />
de Lula.<br />
Este é o único caminho para<br />
combater a CPI do MST impulsionada<br />
pelo DEM, a ofensiva<br />
da direita e lutar pelo direito <strong>à</strong><br />
autodefesa dos trabalhadores<br />
sem-terra bem como a libertação<br />
de todos os presos políticos<br />
da luta pela terra.<br />
Os companheiros Flávia<br />
Avelina e Wanderson Antônio<br />
foram presos na noite do<br />
dia 16 de janeiro, acusados de<br />
porte ilegal de arma e desde<br />
então continuam encarcera-<br />
sacrados.<br />
Trata-se de uma terra sem<br />
lei para os ricos, de dois pesos<br />
e duas medidas, onde derrubar<br />
pés de laranjas e protestar pelo<br />
direito a terra é um crime muito<br />
maior que grilar terras, assassinar<br />
sem terras e roubar<br />
toda a população.<br />
Toda essa ofensiva da burguesia<br />
não é um ataque apenas<br />
ao sem terra, mas a toda a classe<br />
trabalhadora, que tem seus<br />
direitos cassados e não podem<br />
sequer protestar.<br />
Os sem terra com o apoio<br />
de toda a população devem<br />
lutar contra o massacre promovido<br />
pelo latifúndio, pelo<br />
seu direito de acesso a terra,<br />
pelo fim do latifúndio que condena<br />
o país ao atraso.<br />
“OBSERVATÓRIO DA<br />
INSEGURANÇA JURÍDICA NO<br />
CAMPO”<br />
Ruralistas criam órgão<br />
de inteligência contra<br />
os sem-terra<br />
Kátia Abreu e Gilmar Mendes no encontro.<br />
No dia 9 de fevereiro foi lançado<br />
em encontro em Brasília o<br />
chamado “Observatório da Insegurança<br />
Jurídica no Campo”,<br />
projeto da bancada ruralista no<br />
Congresso Nacional.<br />
O encontro, em Brasília, na<br />
sede da Confederação da Agricultura<br />
e Pecuária do Brasil (CNA),<br />
entidade presidida pela senadora<br />
Kátia Abreu (DEM). Teve a participação<br />
do presidente do STF<br />
Gilmar Mendes, que representou<br />
o Conselho Nacional de Justiça,<br />
reafirmando os laços do poder<br />
judiciário com as oligarquias mais<br />
reacionárias do País, assassinos<br />
dos sem terras etc.<br />
Foi estabelecido um acordo de<br />
cooperação para colocar em prática<br />
o projeto.<br />
Foi proposto pelos ruralistas<br />
por meio da CNA realizar a “formação<br />
de um banco de dados<br />
capaz de informar <strong>à</strong> sociedade e<br />
aos órgãos de governo sobre situações<br />
que prejudiquem o setor<br />
agropecuário, principalmente nas<br />
áreas fundiária e ambiental” (Canal<br />
do Produtor, 9/2/2010).<br />
No encontro foi dado o exemplo<br />
do que foi chamado pelos<br />
ruralistas de “desrespeito ao Direito<br />
de Propriedade” em Mato Grosso<br />
que segundo estes “provocaria<br />
um prejuízo anual de R$ 874<br />
milhões na arrecadação de tributos<br />
federais e estaduais”.<br />
O “sagrado” “direito de propriedade”,<br />
no caso, é a garantia legal<br />
de um punhado de latifundiários<br />
que se apoderam das formas mais<br />
ilícitas possíveis (invasões, grilagens,<br />
golpes cartoriais etc.) das<br />
terras dos índios, dos quilombolas,<br />
dos camponeses pobres, pequenos<br />
proprietários, do Estado<br />
etc.<br />
Segundo estes senhores feudais,<br />
“esta é a conta que o País<br />
paga devido ao desrespeito <strong>à</strong> ordem<br />
jurídica no campo”, declarou<br />
a senadora do DEM no encontro<br />
(Idem).<br />
O projeto prevê “núcleo de<br />
dos e tiveram pedido de liberdade<br />
provisória negado.<br />
O ato, realizado no município<br />
de Manga, onde continuam<br />
presos, contou com a<br />
presença de 400 pessoas.<br />
Mesmo sendo réus primários<br />
e conhecidos como professores<br />
que trabalham na<br />
formação política e na alfabetização<br />
dos camponeses na<br />
região, Flávia e Wanderson<br />
continuam presos.<br />
Segundo a Liga dos Camponeses<br />
Pobres de Minas<br />
Gerais, além de representantes<br />
de diversas ocupações de<br />
terra pelo estado estiveram<br />
presentes ao ato várias organizações<br />
como a Comissão<br />
Nacional das Ligas de Camponeses<br />
Pobres, a Liga Operária,<br />
a Abrapo – Associação<br />
Brasileira de Advogados do<br />
Povo, Cebraspo – Centro<br />
Brasileiro de Solidariedade<br />
aos Povos, STICCBH – o<br />
Sindicato dos Trabalhadores<br />
pesquisas estratégicas” e “um<br />
mapeamento consolidado das<br />
invasões de propriedades rurais<br />
efetivas ou iminentes” e que estes<br />
dados sejam repassados para o<br />
STF. Na realidade se trata da preparação<br />
de um órgão de inteligência<br />
dos latifundiários no campo.<br />
Um dos pontos de cooperação<br />
assinados no encontro, segundo<br />
a CNA, é de que estes poderão<br />
repassar os dados diretamente<br />
para o Conselho Nacional de Justiça<br />
e o STF, que iria agilizar os<br />
pedidos de reintegração de posse.<br />
Assim os latifundiários teriam um<br />
foro privilegiado para atacar as<br />
ocupações de terra no campo.<br />
Também no final de 2009 o<br />
Conselho Nacional de Justiça,<br />
presidido por Gilmar Mendes e por<br />
juí/zes de outros tribunais federais<br />
e ministério público, atenderam o<br />
pedido do DEM para a intervenção<br />
em três estados para a agilização<br />
de reintegrações de posse. Os<br />
estados onde se iniciaria as intervenções<br />
são Rondônia, Acre e<br />
Pará.<br />
A criação do observatório seria<br />
um desenvolvimento desta<br />
intervenção dos juízes que já fora<br />
anunciada.<br />
Os juízes biônicos procuram<br />
intervir cada vez mais contra os<br />
sem-terra e intervir em toda a situação<br />
política nacional.<br />
É preciso denunciar a ofensiva<br />
da direita no campo que é organizada<br />
no Congresso Nacional<br />
por meio da CPI do MST e, fora<br />
dele, por meio da intervenção dos<br />
juízes e é posta em prática no<br />
campo pelas prisões e cada vez<br />
mais freqüentes assassinatos e ataques<br />
aos sem-terra.Por uma<br />
ampla campanha nacional, na cidade<br />
e no campo, contra a ofensiva<br />
da direita e em defesa das reivindicações<br />
dos sem terra.<br />
Pela revolução agrária, pela<br />
expropriação do latifúndio.<br />
Punição dos criminosos e<br />
mandantes dos assassinatos de<br />
sem-terras.<br />
nas Indústrias da Construção<br />
Civil de Belo Horizonte, Escola<br />
Popular, CALC - Comitê de<br />
Apoio a Luta Camponesa de<br />
Montes Claros, Núcleo Pró-<br />
Liga Operária de Montes Claros<br />
e o Movimento Estudantil<br />
Popular Revolucionário.<br />
O ato foi feito nas ruas de<br />
Manga, e o protesto se concentrou<br />
em frente ao Mercado<br />
municipal, <strong>à</strong> Prefeitura, ao<br />
Fórum e finalmente em frente<br />
<strong>à</strong> Delegacia onde foram<br />
lidos textos de apoio aos<br />
companheiros presos.<br />
O Partido da Causa Operária<br />
anuncia seu total apoio <strong>à</strong><br />
luta dos camponeses em Minas<br />
Gerais e exige a imediata<br />
libertação dos companheiros<br />
presos no estado, que são<br />
perseguidos políticos da ditadura<br />
do latifúndio em Minas<br />
Gerais, para a qual a posse de<br />
armas é apenas um pretexto<br />
para caçar como animais as<br />
lideranças dos sem-terra.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA POLÍTICA A7<br />
DECISÃO PELOS TRIBUNAIS<br />
O golpe do PMDB para redefinir o mapa político do País<br />
O partido dos rincões e das oligarquias continua a dominar<br />
a justiça e por meio dela procura impor-se contra a<br />
vontade da população, elegendo eles mesmos os<br />
governos e cassando, inclusive, o direito de milhões de<br />
eleitores<br />
Ocorre uma movimentação<br />
cada vez maior dos Tribunais Eleitorais<br />
para a cassação de governadores.<br />
Desde o início do ano passado,<br />
10 de um total de 27 governadores<br />
sofreram processos pela cassação<br />
de seu mandato, dos quais<br />
três deles acabaram perdendo o<br />
mandato, Cássio Cunha Lima<br />
(PSDB), na Paraíba; Jackson<br />
Lago (PDT), no Maranhão e<br />
Marcelo Miranda (PMDB), no<br />
Tocantins.<br />
Outros quatro aguardam decisão<br />
dos tribunais e dois foram absolvidos<br />
(veja no quadro).<br />
Antes disto, os governadores<br />
que já haviam sido afastados pelo<br />
TSE foram Mão Santa (Piauí, em<br />
2001) e Flamarion Portela (Roraima,<br />
em 2004).<br />
Ditadura legal da<br />
oligarquia do PMDB<br />
Estas intervenções dos tribunais<br />
expõem o golpe de uma parcela da<br />
burguesia contra outra, na luta pelo<br />
controle do orçamento público<br />
para atender os vorazes apetites<br />
dos grupos capitalistas que representam,<br />
intensificado diante da<br />
crise capitalista.<br />
Os recentes casos de Arruda<br />
(DEM) no Distrito Federal e o pedido<br />
de cassação do prefeito de São<br />
Paulo, Gilberto Kassab (DEM) são<br />
parte deste quadro.<br />
A cassação dos três mandatos<br />
bem como outras tentativas de<br />
cassação arquivadas deixam evidente<br />
o domínio de uma parcela da<br />
burguesia e de seus partidos na<br />
Justiça. O PMDB foi o que se beneficiou<br />
diretamente com as três<br />
cassações e esta sua cúpula esta<br />
por detrás das denuncias e ações<br />
contra Arruda (DEM-DF), Kassab<br />
(DEM-SP) e muitas outras.<br />
Na Paraíba no lugar de Cunha<br />
Lima, no dia 18 de fevereiro, assumiu<br />
José Maranhão (PMDB),<br />
que foi o segundo colocado nas<br />
eleições.<br />
No Maranhão, o TSE determinou<br />
que Roseana Sarney, ex-DEM<br />
e atual PMDB assumisse o cargo.<br />
No Tocantins, o TSE determinou<br />
a realização de eleições de indiretas<br />
pela Assembleia Legislativa<br />
, beneficiando o deputado estadual<br />
Carlos Henrique Gaguim<br />
(PMDB) que recebeu de presente<br />
o cargo de governador, sem receber<br />
um só voto da população para<br />
isso.<br />
Mesmo nos casos onde o<br />
PMDB foi acusado e julgado foram<br />
alas do PMDB que se beneficiaram,<br />
diante do fato notório de que<br />
o partido em todo o País está dividido<br />
entre representantes das diferentes<br />
alas da burguesia. Em<br />
outros casos há simplesmente a<br />
paralisia da justiça para beneficiar<br />
o PMDB, como no próprio Maranhão,<br />
onde Roseana Sarney sofreu<br />
processo de cassação de seu<br />
O PMDB foi o que se beneficiou diretamente das cassações de governadores.<br />
mandato assim que assumiu o<br />
governo, mas o mesmo não caminha<br />
no sentido de sua cassação<br />
porque o grupo dos Sarney e Cia.<br />
controla a justiça maraenhense. Há<br />
inúmeros processos contra golpes<br />
aplicados na gestão anterior de Roseane<br />
que que nunca chegaram a<br />
ser julgados.<br />
Em 2007 a procuradoria regional<br />
do maranhão decidiu pela inelegibilidade<br />
de Roseana Sarney por<br />
três anos, parecer que foi derrubado<br />
pelo Tribunal Regional Eleitoral.<br />
Briga entre as alas<br />
da burguesia<br />
A onda demagógica feita pela<br />
burguesia, sua Justiça, seus partidos<br />
etc., consiste em que esta<br />
procura aparecer como a pró-<br />
SÃO PAULO<br />
Fora Kassab! Eleições<br />
Gerais! Que o povo e não<br />
os juízes decidam<br />
No último dia 20, o juiz da<br />
1ª Zona Eleitoral de São Paulo,<br />
Aloísio Silveira, decidiu<br />
pela cassação do mandato do<br />
prefeito de São Paulo, Gilberto<br />
Kassab (DEM).<br />
Na segunda-feira (22), a<br />
Justiça Eleitoral concedeu<br />
efeito suspensivo <strong>à</strong> cassação<br />
de Kassab (DEM), e de sua<br />
vice, Alda Marco Antônio<br />
(PMDB). Assim, o recurso<br />
será julgado pelo Tribunal<br />
Regional Eleitoral (TRE) em<br />
um período de quatro meses<br />
a um ano.<br />
Segundo a Justiça Eleitoral,<br />
33% dos recursos da<br />
campanha de Kassab foram<br />
de origem ilegal, parte deles<br />
recebidos pelo Banco Itaú<br />
(cerca de R$10 milhões somente<br />
em 2008) e pela AIB<br />
(Associação Imobiliária Brasileira),<br />
de sete empreiteiras.<br />
A tentativa de cassação de<br />
Kassab é o mesmo que ocorreu<br />
em diversos estados, nos<br />
quais os tribunais eleitorais<br />
intervieram para cassar e indicar<br />
governadores, dos<br />
quais o último caso foi o de<br />
José Roberto Arruda do<br />
DEM no DF.<br />
É evidente que procura se<br />
dar um golpe anterior <strong>à</strong>s eleições<br />
presidenciais já que a<br />
cassação de Kassab, assim<br />
como de Arruda, representam<br />
os dois mandatos mais<br />
importantes do DEM nacional:<br />
o DF é o único governo<br />
do partido e a prefeitura de<br />
São Paulo a sua mais impor-<br />
tante administração.<br />
Além disso, a cassação<br />
tem como pano de fundo disputas<br />
dentro do próprio<br />
PMDB, que se acirraram no<br />
final de janeiro com as convenções<br />
do partido.<br />
A ala da vice-prefeita Alda<br />
Marco Antônio, ligada a Quércia<br />
– e –neste momento,<br />
aliada de Serra (PSDB) e do<br />
DEM está em disputa com<br />
outras alas de São Paulo,<br />
como de Michel Temer, que<br />
tenta se indicado vice da candidata<br />
presidencial do PT,<br />
Dilma Rousself.<br />
Em janeiro, a ala lulista do<br />
PMDB pretendia antecipar<br />
em um mês as eleições para<br />
a presidência do partido na<br />
qual Michel Temer concorrerá<br />
<strong>à</strong> reeleição.<br />
Uma convenção colocará<br />
evidentemente como questão<br />
central a decisão sobre apoio<br />
<strong>à</strong> presidência que deve ser<br />
majoritariamente a favor de<br />
uma aliança com o PT.<br />
Por outro lado uma ala minoritária,<br />
liderada por Orestes<br />
Quércia ameaçou entrar<br />
na justiça contra a realização<br />
da convenção nestes termos.<br />
Este e o senador Jarbas Vasconcelos<br />
(PE) e o governador<br />
Luiz Henrique (SC) e o governador<br />
Roberto Requião (PR)<br />
formam um bloco a favor da<br />
aliança com os tucanos na<br />
disputa presidencial.<br />
Está em jogo evidentemente<br />
a disputa entre qual<br />
destas máfias da política<br />
burguesa vai controlar os<br />
gigantescos recursos do orçamento<br />
da mais rica cidade<br />
do País, <strong>à</strong>s vésperas das eleições<br />
em seu proveito e em<br />
favor dos grupos capitalistas<br />
que representam.<br />
A tentativa de cassação de<br />
Kassab e a rejeição que esta<br />
medida possa vir a ter da parte<br />
de outros setores da justiça<br />
eleitoral evidencia mais uma<br />
vez que a justiça, como todas<br />
as instituições do regime burguês,<br />
encontra-se também dividida<br />
em função dos diferentes<br />
das interesses das facções<br />
da burguesia em conflito,<br />
como resultado do agravamento<br />
da crise econômica.<br />
O mesmo ocorre no caso<br />
de Arruda, no qual a Procuradoria<br />
Geral da República<br />
requisita uma intervenção federal<br />
e a indicação por Lula do<br />
novo governador.<br />
A justiça paulista do TRE,<br />
da mesma forma ficaria incumbida<br />
de indicar como seria<br />
escolhido o novo prefeito<br />
de São Paulo, caso o atual<br />
seja de fato cassado e não<br />
consiga vencer na justiça.<br />
A medida tomada por tribunais<br />
serve para tentar resolver<br />
por cima – sem interferência<br />
da população a disputa<br />
entre as frações da burguesia.<br />
Trata-se de impedir a<br />
manifestação da população,<br />
claramente, revoltada com o<br />
governo Kassab, diante do<br />
agravamento das suas já precárias<br />
condições de vida em<br />
meio <strong>à</strong>s enchentes e o caso<br />
geral da cidade. Setores da<br />
pria defensora da moralização de<br />
suas instituições, do Congresso<br />
Nacional, dos governos estaduais,<br />
das eleições parlamentares,<br />
quando são os capitalistas que<br />
controlam todas as decisões do<br />
País por meio do financiamento<br />
dos profissionais defensores de<br />
seus interesses.<br />
Veja a lista dos governadores<br />
cassados e que enfrentam processos<br />
Cassados<br />
Marcelo Miranda (PMDB),<br />
no Tocantins<br />
Juízes do TSE decidiram, no<br />
dia 25 de junho de 2009, pela<br />
cassação de seu mandato. No<br />
dia 8 de setembro, o TSE decidiu<br />
que o novo governador<br />
deveria ser de maneira indireta,<br />
ou seja, apenas pelos deputados<br />
da Assembléia Legislativa.<br />
Tomou posse no dia 9 de<br />
setembro, o deputado estadual<br />
Carlos Henrique Gaguim<br />
(PMDB)<br />
Cássio Cunha Lima (PSDB)<br />
Foi cassado no dia 17 de fevereiro<br />
de 2009, assumindo em<br />
seu lugar o segundo colocado<br />
nas eleições, o ex-senador José<br />
Maranhão (PMDB).<br />
Jacskon Lago (PDT)<br />
Cassado, no dia 4 de março de<br />
2009, pelo TSE, que decidiu<br />
que Roseana Sarney, <strong>à</strong> época<br />
das eleições no PFL (atual<br />
DEM) e hoje no PMDB deve<br />
O suposto “combate <strong>à</strong> corrupção”<br />
além de ser utilizado<br />
como demagogia para defender<br />
uma fachada de ética para a latrina<br />
do Congresso Nacional, dos<br />
governos estaduais etc., serve<br />
também para que alas da burguesia<br />
estabeleçam uma situação de<br />
golpismo contra outras.<br />
A briga cada vez maior entre<br />
setores da burguesia são resultado<br />
de sua divisão causada pelo<br />
acirramento da crise econômica.<br />
Ocorre uma situação oposta<br />
<strong>à</strong> de uma maior prosperidade<br />
econômica, onde todos os setores<br />
capitalistas procuram se unificar<br />
em medidas econômicas e<br />
própria Justiça querem eleger<br />
seus candidatos e evitar que<br />
haja um agravamento da crise<br />
política e a realização de<br />
eleições gerais.<br />
Diante da decomposição<br />
do governo Kassab e da ten-<br />
Documentário<br />
“Impugnado”, sobre as<br />
eleições de 2006 e a<br />
impugnação do<br />
candidato<br />
presidencial do PCO,<br />
Rui Costa Pimenta,<br />
produzido pela<br />
Causa Operária TV,<br />
departamento da<br />
Secretaria Nacional<br />
de Agitação e Propaganda<br />
do Partido da<br />
Causa Operária<br />
acordos (como na era FHC e no<br />
começo do governo Lula). Na<br />
crise a disputa por lucros acirra<br />
a divisão desses setores, a<br />
começar pelos interesses da ala<br />
mais ligada ao capital<br />
internacional,principalmente finaneiro<br />
contra aquela vinculada<br />
aos grandes monopólios<br />
assumir o cargo<br />
Serão julgados<br />
Roseana Sarney (PMDB),<br />
do Maranhão<br />
Logo após assumir o governo<br />
em abril de 2009 enfrenta<br />
processo de cassação no TSE.<br />
Em abril de 2007, o procurador<br />
regional eleitoral do Maranhão,<br />
Juraci Guimarães Júnior,<br />
decidiu pela inelegibilidade<br />
de Roseana por três anos.<br />
O Tribunal Regional Eleitoral<br />
decidiu em favor de Roseana,<br />
derrubando a medida.<br />
Ivo Cassol (PP), de Rondônia<br />
Julgamento foi suspenso no<br />
dia 24 de novembro de 2009<br />
por Ricardo Lewandowski,<br />
do TSE e do STF.<br />
Marcelo Déda (PT), do Sergipe<br />
É Acusados de abuso de poder<br />
político e econômico nas<br />
eleições de 2006.<br />
com interesses no mercado<br />
interno. Uma luta acirrada pelo<br />
domínio sobre a própria máquina<br />
pública que, neste momento<br />
de colapso capitalista constitui<br />
a principal fonte de sustentação<br />
dos negócios da “iniciativa privada”.<br />
Abaixo o golpe dos<br />
juízes contra a<br />
população<br />
A redefinição do mapa político<br />
do País que o PMDB procura<br />
impor tem como premis-<br />
sa o esmagamento os direitos<br />
democráticos da população estabelecendo<br />
poder máximo <strong>à</strong><br />
decisão de alguns juízes, os<br />
quais substituem o voto popular<br />
na escolha dos governantes.<br />
Assim ao lado de juízes biônicos<br />
(indicados pelos governantes)<br />
– e com o “voto” destes<br />
José de Anchieta Júnior<br />
(PSDB), de Roraima<br />
Cassação recomendada pela<br />
Procuradoria Geral Eleitoral<br />
(PGE), em junho de 2009 por<br />
abuso de poder político nas<br />
eleições de 2006.<br />
Foram absolvidos<br />
Waldez Góes (PDT), do<br />
Amapá<br />
No dia 12 de maio de 2009, o<br />
TSE rejeitou o pedido de cassação<br />
do governador Waldez<br />
Góes (PDT), e de seu vice,<br />
Pedro Paulo Dias de Carvalho<br />
(PP).<br />
Luiz Henrique da Silveira<br />
(PMDB), de Santa Catarina<br />
O TSE rejeitou a cassação no<br />
dia 28 de maio de 2009, por<br />
seis votos a um, o pedido de<br />
cassação do governador Luiz<br />
Henrique da Silveira (PMDB)<br />
por abuso de poder político e<br />
econômico.<br />
apenas – surgem os governandores<br />
biônicos, derrotados nas<br />
urnas ou que se sequer foram<br />
votados pela população.<br />
Na prática estão impondo a<br />
volta dos governadores interventores<br />
estaduais, agora, não<br />
mais impostos por indicação<br />
dos militares, mas pela máfia<br />
vinculada ao PMDB que domina<br />
a justiça eleitoral.<br />
È preciso exigir eleições diretas<br />
contra todos os governos<br />
criminosos contra a população<br />
e o fim da ditadura dos tribunais,<br />
contra a intervenção do<br />
PMDB, dos juízes e do governo.<br />
Adquira seu DVD IMPUGNADO!<br />
A HISTÓRIA DE<br />
UMA CAMPANHA<br />
ELEITORAL<br />
DIFERENTE<br />
OU COMO O<br />
POVO APRENDEU<br />
A ACEITAR O<br />
MENSALÃO<br />
tativa de golpe por parte da<br />
justiça, é preciso exigir novas<br />
eleições gerais em São Paulo,<br />
da mesma forma que em<br />
Brasília.<br />
É preciso protestar contra<br />
a cada vez maior intervenção<br />
LIVRARIA DO PCO: Av. Miguel Stéfano, nº 349, Saúde,<br />
São Paulo, CEP 04301-010, Fone (11), 2362-2339<br />
do judiciário e de toda a direita<br />
para cassar todos os direitos<br />
democráticos da população<br />
oprimidida, reprimir os<br />
sem-terra, impedir o direito<br />
ao aborto, para reprimir os<br />
índios etc.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA ECONOMIA A8<br />
TÃO RUIM QUANTO A GRÉCIA<br />
Dívida do Reino Unido é de quase 13% do PIB<br />
O endividamento dos países com os pacotes econômicos<br />
está se proliferando. A economia do Reino Unido está<br />
com praticamente o mesmo déficit fiscal da Grécia, sinal<br />
de que a recessão está se aprofundando de maneira<br />
generalizada<br />
A dívida total do Reino Unido é de 1,322 trilhão de dólares.<br />
O endividamento não é exclusividade<br />
da economia grega,<br />
a economia britânica também<br />
está com uma dívida pública<br />
bastante alta.<br />
Segundo o jornal britânico<br />
The Times o déficit fiscal do<br />
Reino Unido pode estar próximo<br />
do déficit da Grécia. As<br />
dívidas da economia britânica<br />
devem alcançar 12,8% do PIB<br />
(Produto Interno Bruto). A<br />
Grécia teve um déficit de<br />
FIM DA FALSA RECUPERAÇÃO<br />
Alemanha perde para China<br />
posto de maior exportadora<br />
A economia alemã apresentou<br />
perda de 18,7% nas exportações<br />
em julho. Um nítido resultado<br />
de que a recessão não<br />
acabou na principal economia da<br />
Europa.<br />
A economia alemã voltou a<br />
apresentar resultado negativo<br />
bastante grande no que diz respeito<br />
<strong>à</strong>s exportações. Em 2009,<br />
as exportações alemãs caíram<br />
18,4% na comparação com<br />
2008, e as importações também<br />
caíram 17,2%. Esta é a maior<br />
baixa do comércio externo da<br />
Alemanha desde 1950 segundo<br />
o Destatis (Instituto Federal de<br />
Estatística).<br />
Em 2009, as vendas da Alemanha<br />
renderam 803,2 bilhões<br />
de euros ou 1.121,3 trilhão de<br />
dólares e as importações 667,1<br />
bilhões de euros. Com este re-<br />
EFEITO PRIVATIZAÇÃO<br />
A maior companhia aérea<br />
japonesa vai deixar a bolsa de<br />
valores de Tóquio depois de<br />
ter anunciado moratória de<br />
dívida de mais de 20 bilhões de<br />
dólares.<br />
A companhia aérea Japain<br />
Airlines retirou as suas ações<br />
da bolsa de valores de Tóquio<br />
no último dia 19. Depois de<br />
mais de um mês do pedido de<br />
moratória a Japain Airlines encerrou<br />
a negociação de suas<br />
ações no mercado financeiro<br />
japonês.<br />
A medida faz parte de um<br />
plano de reestruturação da<br />
companhia que pediu falência<br />
em janeiro alegando não poder<br />
pagar as dívidas da empresa.<br />
As dívidas da Japain Airlines<br />
são de 2,3 trilhões de ienes<br />
ou o equivalente a 24,1 bilhões<br />
de dólares. O governo<br />
12,7% em 2009.<br />
Segundo o jornal o Reino<br />
Unido está com uma alta dívida,<br />
pois teria feito mais empréstimos<br />
em janeiro que o<br />
valor de sua arrecadação mensal<br />
de impostos. O governo britânico<br />
emprestou 6,7 bilhões<br />
de dólares a mais que o valor<br />
arrecadado com impostos em<br />
janeiro.<br />
Este é um dos piores resultados<br />
no mês de janeiro da eco-<br />
sultado a Alemanha, até então a<br />
maior economia exportadora do<br />
mundo perdeu a colocação para<br />
a economia da China.<br />
Apesar de estar em primeiro<br />
lugar a China teve resultado<br />
pouco acima das exportações<br />
alemãs. Foram 860,8 bilhões de<br />
euros em exportações segundo<br />
dados do ministério do comércio<br />
externo chinês.<br />
Também foram divulgados<br />
pelo Destatis as vendas dentro<br />
e fora da Europa. A Alemanha<br />
vendeu 20,5% menos produtos<br />
para os países da União Européia<br />
e comprou 20,4% menos dos<br />
países europeus. Já nas exportações<br />
para fora do país a queda<br />
foi de 15,7% e as importações<br />
recuaram 25,7%.<br />
Em valores, as exportações<br />
somaram 70,5 bilhões de euros<br />
e as importações foram de 56,6<br />
bilhões de euros.<br />
Estes resultados demonstram<br />
que há uma queda significativa<br />
no consumo interno e<br />
externo da economia alemã. As<br />
baixas importações indicam que<br />
o consumo interno da Alemanha<br />
está baixo. O resultado das exportações<br />
demonstra que há<br />
uma queda na produção e desaceleração<br />
da economia. Um<br />
exemplo pode ser visto no aumento<br />
salarial registrado em<br />
2009, de apenas 0,1%.<br />
Com estes resultados fica<br />
evidente que a recuperação econômica<br />
divulgada pelo governo<br />
alemão não existe, foi apenas<br />
um resultado positivo momentâneo<br />
que não vai refletir no<br />
quadro geral da crise econômica.<br />
Japain Airlines retira ações da<br />
bolsa de Tóquio depois de falência<br />
japonês vai cobrir parte das<br />
dívidas da empresa.<br />
Como parte do pedido de<br />
moratória o governo japonês<br />
exigiu da empresa medidas de<br />
reestruturação. Estas medidas<br />
vão atingir diretamente os<br />
trabalhadores. O plano inclui<br />
cortes de empregos, de salários<br />
e de<br />
pensões.<br />
Para continuarfuncionando<br />
a<br />
companhiatambém<br />
vai<br />
receber<br />
ajuda es-<br />
tatal.<br />
Com a<br />
moratória<br />
a Japain<br />
Airlines reduziu 10% das rotas<br />
internacionais. O número<br />
de trabalhadores também vai<br />
diminuir em um terço. As demissões<br />
devem atingir pelo<br />
menos 15 mil trabalhadores.<br />
A decomposição da empresa<br />
pode ser vista com o valor<br />
que as ações foram retiradas<br />
da bolsa e o valor máximo<br />
atingido em 2002. Neste ano<br />
as ações da companhia chegaram<br />
ao valor unitário 366 ienes<br />
ou 3,8 dólares e na última<br />
sexta-feira foram negociadas<br />
O governo japonês vai cobrir parte das dívidas<br />
da empresa.<br />
nomia britânica. O que não era<br />
esperado pelos analistas econômicos<br />
que previam saldo positivo<br />
em 4,3 bilhões de dólares.<br />
Outro sinal de agravamento da<br />
crise é que em janeiro do ano<br />
passado o saldo foi de 8,2 bilhões<br />
de dólares.<br />
O governo britânico está se<br />
endividando, pois gastou muito<br />
dinheiro público para salvar<br />
os capitalistas em crise e precisou<br />
realizar empréstimos<br />
para equilibrar minimamente os<br />
gastos, mas não foi suficiente.<br />
Segundo o responsável pela<br />
agência Capital Economics Jonathan<br />
Loynes, os empréstimos<br />
feitos pelo reino Unido foram<br />
acima do previsto, “As<br />
projeções apontam para a tomada<br />
de empréstimos de 180<br />
bilhões de libras [US$ 280,6 bilhões],<br />
cerca de 10 bilhões de<br />
libras [US$ 15,5 bilhões] acima<br />
do previsto no relatório preliminar<br />
do governo, de 170 bilhões<br />
de libras [US$ 265<br />
bilhões]”(Reuters, 18/2/2010).<br />
Já a dívida total do Reino<br />
Unido é de 1,322 trilhão de dólares<br />
que em termos percentuais<br />
está bem distante da dívida<br />
total da Grécia. O Reino Unido<br />
deve 59,9% do PIB enquanto<br />
que a Grécia tem uma<br />
dívida total de 130% do PIB.<br />
A situação do Reino Unido<br />
coloca ainda mais em perigo<br />
toda a economia européia, pois<br />
a economia britânica é uma<br />
das maiores do continente e<br />
pode afetar decisivamente<br />
outras economias capitalistas<br />
da Europa.<br />
pela última vez valendo um<br />
iene por ação.<br />
As ações da Japain Airlines<br />
estão em queda desde que surgiram<br />
rumores do pedido de<br />
moratória da empresa, no final<br />
de 2009. A situação a que<br />
chegou a maior empresa aérea<br />
do Japão é um reflexo direto<br />
da crise econômica, mas também<br />
um resultado da privatização<br />
da empresa que foi praticamente<br />
pilhada pelo capital<br />
privado.<br />
A Japain Airlines foi fundada<br />
em 1951 sendo uma empresa<br />
pública por mais de 35<br />
anos. Em 1987 foi privatizada<br />
como parte da política internacional<br />
da burguesia de<br />
pilhagem das empresas públicas<br />
realizadas em dezenas de<br />
países. Assim como todas as<br />
empresas privatizadas continuou<br />
recebendo subsídios estatais<br />
mesmo sendo privada.<br />
Aliás foram estes incentivos<br />
com dinheiro público que evitaram<br />
que a empresa falisse<br />
em algumas ocasiões. A privatização<br />
serviu apenas para<br />
gerar lucros para os capitalistas<br />
que compraram a empresa.<br />
O pedido de moratória e a<br />
retirada das ações da Japain<br />
Airlines da bolsa é um claro sinal<br />
de como a recessão está<br />
afetando a economia japonesa.<br />
SEM LIMITE<br />
Demissões não vão parar<br />
pelos próximos dois anos<br />
Segundo o FMI, o desemprego<br />
ainda vai continuar<br />
crescendo pelo menos até<br />
2012.<br />
Dos efeitos causados pela<br />
recessão, o desemprego é o<br />
primeiro recurso utilizado<br />
para despejar o prejuízo da<br />
crise.<br />
Diante da onda de “fim da<br />
crise” divulgada pelos governos<br />
e pela imprensa burguesa,<br />
o diretor-gerente do<br />
FMI (Fundo Monetário Internacional),<br />
Dominic<br />
Strauss-Khan declarou que<br />
mesmo com a suposta recuperação,<br />
o desemprego vai<br />
continuar crescendo pelos<br />
próximos dois anos, “Temos<br />
que continuar trabalhando<br />
duro para garantir que uma<br />
recuperação sustentável venha<br />
de fato na primeira metade<br />
de 2010. Mas, apesar da<br />
Ao contrário do que diz a<br />
propaganda burguesa, a economia<br />
alemã não está se recuperando<br />
e muito menos crescendo.<br />
A retração do PIB fez<br />
o país fechar as contas de<br />
2009 com o pior resultado<br />
desde o fim da Segunda Guerra<br />
Mundial.<br />
O departamento de estatísticas<br />
alemão foi obrigado<br />
a admitir na última semana<br />
que a economia do País não<br />
está crescendo. No quarto<br />
trimestre de 2009 foi registrado<br />
crescimento zero do<br />
Produto Interno Bruto (PIB).<br />
Com este resultado, o crescimento<br />
anual da economia<br />
alemã em 2009 foi um dos<br />
piores em décadas.<br />
A retração de 5% é o pior<br />
resultado desde o pós-guerra,<br />
ou seja, há mais de 60 anos<br />
que a economia alemã não tinha<br />
um resultado tão baixo.<br />
O governo alemão vinha<br />
recuperação, o desemprego<br />
vai continuar a aumentar em<br />
2011 e talvez, nas economias<br />
mais desenvolvidas, até mesmo<br />
em 2012” (Reuters, 30/1/<br />
2010).<br />
O representante do FMI reforçou<br />
a idéia de que os países<br />
precisam continuar liberando<br />
verbas públicas para<br />
evitar o agravamento da recessão.<br />
Ele ressaltou a necessidade<br />
de se continuar com esta<br />
política de contenção da crise<br />
criada pelos governos<br />
como isenção fiscal, redução<br />
de juros, empréstimos facilitados<br />
e mesmo entrega irrestrita<br />
de dinheiro público para<br />
salvar os capitalistas da falência.<br />
“Uma possível saída prematura<br />
do relaxamento nas<br />
políticas fiscais e monetárias<br />
constituem um risco, se o<br />
crescimento apoiado fiscalmente<br />
for equivocadamente<br />
visto como uma recuperação<br />
sustentável” (idem).<br />
A permanência desta política<br />
de ajuda das instituições<br />
financeiras com o dinheiro<br />
dos cofres públicos<br />
não está ajudando na contenção<br />
da crise, mas aprofundando<br />
a recessão. Os países<br />
com esta “ajudinha” estão<br />
ficando endividados e<br />
colocando as economias <strong>à</strong><br />
beira de um colapso financeiro.<br />
Ao invés de conter<br />
demissões, manter o consumo,<br />
a produção etc. o dinheiro<br />
gasto é praticamente<br />
jogado fora, pois não é<br />
revertido para evitar os efeitos<br />
da crise, mas usado unicamente<br />
para cobrir prejuízos<br />
e manter o lucro dos<br />
capitalistas.<br />
ECONOMIA ESTAGNADA<br />
Economia alemanã fecha 2009<br />
com queda de 5% no PIB<br />
NOTAS<br />
FED: desemprego<br />
será alto por no<br />
mínimo mais dois<br />
anos<br />
A tentativa de camuflar a<br />
crise fracassou completamente.<br />
Segundo o FED, a taxa<br />
de desemprego nos Estados<br />
Unidos se manterá alta nos<br />
próximos dois anos devido o<br />
medo dos investidores da recessão.<br />
Os otimistas prevêem que<br />
se a economia começa a se recuperar<br />
agora, levará mais<br />
cinco ou seis anos para se<br />
recuperar.<br />
Na atualização das projeções<br />
econômicas, o Fed disse<br />
que a taxa de desemprego<br />
deve fechar o ano entre 9,5%<br />
e 9,7%.<br />
Não conseguem nem disfarçar<br />
e dizer que está passando,<br />
mas tem que admitir que<br />
o desemprego e as conseqüências<br />
da crise estarão mantidos.<br />
BCE quer mais<br />
garantias da<br />
Grécia contra a<br />
crise<br />
O presidente do Banco<br />
Central Europeu (BCE), Jean-<br />
Claude Trichet, anunciou que<br />
o governo grego tem que apresentar<br />
um plano de recuperação<br />
“mais sério” para poder<br />
ter alguma credibilidade com<br />
o mercado financeiro, pois<br />
está com um déficit fiscal<br />
muito acima da média e caso<br />
não diminua o prejuízo pode<br />
agravar a recessão no País.<br />
O plano de contenção da<br />
Grécia prevê um ataque ainda<br />
alardeando o crescimento e<br />
recuperação da economia alemã<br />
no segundo semestre de<br />
2009, pois o país apresentou<br />
duas altas insignificantes,<br />
0,4% no segundo trimestre e<br />
0,7% no terceiro. Como as<br />
perdas foram muito maiores e<br />
a crise não foi embora, este<br />
“crescimento” ínfimo praticamente<br />
não produziu qualquer<br />
resultado sobre a avaliação<br />
geral do PIB. O relatório<br />
do departamento divulgou<br />
que, “o consumo interno e o<br />
nível de investimentos caíram<br />
e frearam o crescimento econômico”<br />
(BBC Brasil, 12/12/<br />
2010).<br />
Os resultados escondem<br />
que na verdade a economia<br />
alemã está profundamente<br />
afetada. Existe um financiamento<br />
estatal para segurar a<br />
economia privada do país para<br />
que ela não exploda de vez.<br />
Parte deste “crescimento”<br />
maior contra os trabalhadores.<br />
Para diminuir o déficit o<br />
governo do país vai congelar<br />
os salários dos funcionários<br />
públicos. O governo grego<br />
quer com isso reduzir em até<br />
quatro pontos percentuais por<br />
ano o déficit. Atualmente a<br />
dívida pública grega é de<br />
12,7% do PIB (Produto Interno<br />
Bruto).<br />
A preocupação do BCE<br />
deve-se ao fato de que este<br />
prejuízo da Grécia está muito<br />
acima da média exigida para<br />
os países da zona do euro, 3%<br />
do PIB. Este prejuízo da Grécia,<br />
que já afeta outras economias<br />
como a italiana, portuguesa,<br />
irlandesa e espanhola,<br />
pode colocar em risco a região<br />
de 16 países onde o euro circula.<br />
Caso isto aconteça a instabilidade<br />
econômica será<br />
muito maior com conseqüências<br />
sociais e econômicas incontornáveis.<br />
Quase US$ 1<br />
bilhão de prejuízo<br />
para financeira<br />
holandesa ING<br />
A instituição financeira holandesa<br />
ING Groep apresen-<br />
deve-se ao financiamento direto<br />
que o governo alemão<br />
está promovendo a empresas<br />
para impedir a demissão em<br />
massa e um aprofundamento<br />
da crise.<br />
O governo alemão criou<br />
um programa que paga subsídios<br />
para as empresas que diminuírem<br />
a jornada de trabalho,<br />
mas sem a demissão dos<br />
trabalhadores. Esta ajuda governamental<br />
não vai durar<br />
muito tempo e aí as demissões<br />
vão voltar a crescer. Isso naturalmente<br />
vai conter ainda<br />
mais o consumo interno afetando<br />
diretamente a indústria<br />
do país.<br />
Com a indústria estagnada,<br />
a Alemanha terá sua recessão<br />
aprofundada e afetará toda a<br />
economia da zona do euro e<br />
européia que neste momento<br />
passa por uma situação bastante<br />
delicada com a crise na<br />
Grécia.<br />
tou um prejuízo de quase um<br />
bilhão de dólares no quarto<br />
trimestre de 2009.<br />
Segundo a Reuters a ING<br />
Groep teve perdas de 972 milhões<br />
de dólares o que equivale<br />
a 712 milhões de euros.<br />
Um dos setores mais afetados<br />
foi o de seguros que ao<br />
invés de lucrar 380 milhões de<br />
euros teve prejuízos de 47 milhões<br />
de euros. A ING Groep<br />
já anunciou que vai separar<br />
este setor de seguros para que<br />
o resto da companhia não seja<br />
“contaminada”. Na verdade, a<br />
ING Groep está sendo obrigada<br />
a separar o setor de seguros<br />
como parte de um acordo<br />
com a Comissão Européia<br />
para continuar recebendo ajuda<br />
estatal.<br />
Existe um acordo entre a<br />
Comissão Européia e a ING<br />
em que a instituição recebe dinheiro<br />
público para conter a<br />
crise, mas mediante um processo<br />
de reestruturação que<br />
prevê até 2013 a separação do<br />
setor de seguros, o que deu<br />
maior prejuízo com a crise.<br />
Presidente do Fed, Ben Bernanke.<br />
Mais um sinal de que a recessão<br />
continua avançando e afetando<br />
as instituições financeiras.
MOVIMENTO OPERÁRIO <br />
Greve mostrou as tendências combativas<br />
presentes no movimento operário<br />
¤¡¦§¨© ¡¢¡£¤¥<br />
Para lutar por suas reivindicações, motoristas e cobradores enfrentaram a burocracia sindical traidora que sabotou abertamente a<br />
mobilização para defender os interesses dos patrões <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
CORREIO SOB O CONTROLE DOS<br />
TRABALHADORES!<br />
Lutar contra o<br />
Correios S.A Página A10<br />
DE NOVO NO CDD SION - MG<br />
Chefe truculento fim do horário de<br />
almoço e ameaças aos trabalhadores<br />
Página A10<br />
<br />
<br />
Os rodoviários rejeitaram o reajuste salarial de 4,35% que<br />
já fora aceito pelos sindicalistas em uma reunião no Tribunal<br />
Regional do Trabalho (TRT-MG).<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
A categoria tem mais de 30 mil trabalhadores na base e atende a mais<br />
de 1,5 milhão de usuários da região metropolitana de Belo Horizonte<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
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<br />
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<br />
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<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS<br />
DE CARNE E DO FRIO<br />
Patrões tiram até das<br />
crianças para engordar<br />
seus lucros<br />
Página A10<br />
CDD’S EM RORAIMA<br />
Mudança de horário revolta carteiros<br />
Página A11<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
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<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
BANCÁRIOS - DF<br />
NÃO À COMPENSAÇÃO DE HORAS<br />
Os “combativos” a serviço<br />
dos sócios minoritários<br />
dos banqueiros<br />
Página A11<br />
Abaixo a perseguição aos grevistas de<br />
setembro<br />
Página A11<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Os trabalhadores entraram em greve no dia 22, reivindicando<br />
37% de reajuste salarial<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Os sindicalistas pelegos, a imprensa burguesa e os patrões de um modo geral realizaram<br />
intensa campanha contra o movimento
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA MOVIMENTO OPERÁRIO A10<br />
CORREIO SOB O CONTROLE DOS TRABALHADORES!<br />
Lutar contra o Correios S.A.<br />
O governo quer impor, através de uma medida<br />
provisória, a privatização da ECT, que vai significar<br />
demissões e mais exploração. Está colocada na ordem<br />
do dia a luta contra a privatização, que passa por derrotar<br />
o acordo bianual<br />
O Ministro das Comunicações,<br />
Hélio Costa, anunciou a<br />
transformação da ECT (Empresa<br />
Brasileira de Correios e<br />
Telégrafos) em Correios do<br />
Brasil S.A. Isto significa que<br />
uma das principais estatais<br />
brasileiras se tornará uma sociedade<br />
anônima, como um primeiro<br />
passo para a sua entrega<br />
para os abutres imperialistas<br />
que querem a sua privatização.<br />
Ditadura a favor<br />
dos bancos e<br />
privatizadores<br />
A transformação está programada<br />
para ocorrer por meio<br />
de uma medida provisória que<br />
será submetida ao Congresso<br />
mensalão.<br />
Há quase um mês, quando<br />
Hélio Costa anunciou a MP,<br />
afirmou que a apresentação<br />
para o Congresso seria após o<br />
carnaval. Nada foi feito ainda,<br />
mas algumas notícias já afirmam<br />
que o governo apresentará<br />
a medida provisória em<br />
março.<br />
O governo quer abrir caminho<br />
para a privatização da ECT<br />
através de uma medida ditatorial<br />
- como é necessário quando<br />
se trata de aplicar um grande<br />
golpe nos trabalhadores e na<br />
população. Por isso, a proposta<br />
não pode sequer ser submetida<br />
a uma ampla discussão<br />
com a população usuária dos<br />
correios (que pagou os impostos<br />
e taxas que ajudaram a fazer<br />
dos Correios uma das maiores<br />
empresas do País) e com<br />
os ecetistas (cujo suor fez da<br />
ECT uma empresa de grande<br />
lucratividade). A “discussão”<br />
será feita apenas entre as centenas<br />
de “picaretas” do Congresso<br />
Nacional, defensores<br />
dos grandes capitalistas, dispostos<br />
a votar seja o que for,<br />
para receber vantagens e financiamentos<br />
de suas campanhas<br />
eleitorais daqueles que querem<br />
botar as mãos sobre um dos<br />
maiores patrimônios do povo<br />
brasileiro.<br />
É preciso dizer que a proposta<br />
do governo é um projeto<br />
que já vem sendo arquitetado há<br />
algum tempo pela burocracia<br />
da empresa, com a clara intenção<br />
de entregar aos capitalistas<br />
nacionais e internacionais a empresa.<br />
Segundo o próprio Hélio<br />
Costa, a receita dos Correios<br />
em 2009 foi de R$ 12,5 bilhões<br />
e a intenção é aumentar, em 18<br />
meses, esse valor em 50% com<br />
o projeto da MP. A intenção<br />
fica clara: aumentar os lucros<br />
da empresa aumentando ainda<br />
mais a exploração dos trabalhadores.<br />
Privatização é<br />
exploração<br />
A luta contra os Correios S.A<br />
ou contra qualquer outra forma<br />
de privatização dos Correios,<br />
está na ordem do dia para a categoria.<br />
Para entregar a empresa<br />
aos grandes capitalistas a direção<br />
da empresa e o governo<br />
vêm colocando em prática uma<br />
série de planos.<br />
Em 2008, aprovaram o<br />
PCCS que institui entre outras<br />
coisas, o cargo amplo, a terceirização<br />
e as metas ainda mais<br />
rigorosas. Tudo para aumentar<br />
a exploração dos trabalhadores,<br />
demitir e terceirizar. São<br />
medidas necessárias para que a<br />
empresa se torne cada vez mais<br />
lucrativa para os capitalistas.<br />
Da mesma maneira, a situação<br />
que o trabalhador enfrenta<br />
nos setores, de caos pela falta<br />
de materiais e a falta de funcionários,<br />
o que gera dobras,<br />
horas extras e doenças ocupacionais,<br />
é uma preparação do<br />
terreno pela direção da empresa<br />
para poder ter mais um “álibi”<br />
para a privatização.<br />
É necessário ter claro que<br />
Em 2008, aprovaram o PCCS para aumentar a exploração dos trabalhadores, demitir e terceirizar.<br />
os capitalistas só vão colocar<br />
as mãos em uma empresa que<br />
dê o máximo de lucro. Isso<br />
significa que o trabalhador<br />
deve ser explorado até a sua<br />
última gota de sangue. Para<br />
isso, os patrões têm que demitir,<br />
diminuir salários, cortar<br />
benefícios como o convênio<br />
médico, terceirizar e aumentar<br />
a exploração daqueles trabalhadores<br />
que continuarem.<br />
Derrotar o acordo<br />
bianual<br />
Todas as medidas no sentido<br />
da privatização da ECT fo-<br />
TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DE CARNE E DO FRIO<br />
Patrões tiram até das crianças<br />
para engordar seus lucros<br />
O frigorífico Arantes, localizado<br />
em Alphaville, na cidade de<br />
Barueri, região da grande São<br />
Paulo, com mais de 200 trabalhadores<br />
recentemente entrou em<br />
concordata (recuperação judicial).<br />
Este deixou os trabalhadores<br />
sem receber um único centavo<br />
e vem cometendo mais um gran-<br />
de abuso. Desta vez o ataque se<br />
refere ao não pagamento do salário<br />
família, benefício previsto<br />
em lei.<br />
Mais da metade destes trabalhadores<br />
têm direito estabelecido<br />
em Lei, a qual prevê que o salário<br />
família “é devido ao<br />
trabalhador(a) empregado(a),<br />
exceto doméstica(o) e ao traba-<br />
lhador avulso, pago diretamente<br />
pelo empregador. É devido também<br />
aos aposentados por invalidez<br />
ou por idade e aos demais<br />
pela previdência social junto com<br />
a aposentadoria”.<br />
O direito é pago em forma de<br />
cota de salário família por filho<br />
até 14 anos de idade, ou inválido<br />
de qualquer idade. De acordo<br />
com portaria 350 de 30 de dezembro<br />
de 2009, o valor do salário<br />
família é de R$ 27,24 por<br />
filho até 14 anos incompletos ou<br />
inválidos, para trabalhador com<br />
salário até R$ 531,12 e de R$<br />
19,19 para trabalhadores que<br />
recebem de R$ 531,12 até R$<br />
798,30.<br />
Os documentos necessários<br />
para requerimento do benefício<br />
são: requerimento de salário família;<br />
carteira de trabalho e previdência<br />
social; certidão de nascimento<br />
do filho (original e cópia);<br />
comprovação de invalidez a<br />
cargo de perícia médica do INSS<br />
para os dependentes maiores de<br />
No frigorífico Arantes os patrões não querem efetuar o pagamento do salário família.<br />
14 anos.<br />
Tudo isto é lei e tem que ser<br />
cumprida pelos patrões. Todo<br />
trabalhador sabe que este valor é<br />
totalmente irrisório, não sendo<br />
suficiente nem mesmo para comprar<br />
½ litro de leite por dia para<br />
uma criança ou atender qualquer<br />
de suas necessidades reais. Uma<br />
verdadeira “esmola” que os pa-<br />
ram apoiadas incondicionalmente<br />
pela burocracia sindical<br />
que domina hoje a maioria dos<br />
sindicatos e a federação. A última<br />
etapa dessa política ocorreu<br />
na campanha salarial do<br />
ano passado, quando a ala mais<br />
podre da burocracia (Artisind/<br />
PT e PCdoB), totalmente vendida<br />
para a direção da empresa,<br />
passou por cima da categoria<br />
e da maioria dos sindicatos<br />
para aprovar o acordo bianual,<br />
que deixaria a categoria sem<br />
campanha salarial esse ano,<br />
deixando livre o caminho para<br />
que a direção da empresa e o<br />
governo colocassem em prática<br />
justamente o Correios<br />
S.A.<br />
A luta da categoria contra<br />
o projeto do governo Lula de<br />
Correios S.A, que é a privatização<br />
da ECT, passa por der-<br />
DE NOVO NO CDD SION - MG<br />
Chefe truculento fim do horário de<br />
almoço e ameaças aos trabalhadores<br />
Os trabalhadores do CDD<br />
Sion, em Belo Horizonte, solicitaram<br />
que seja dada ampla<br />
publicidade <strong>à</strong> situação insustentável<br />
naquele setor. Tratase<br />
de uma perseguição sem<br />
fim da nova chefia do CDD<br />
Sion aos trabalhadores. O novo<br />
gerente é um “pela-saco” danado.<br />
No afã de aparecer para<br />
os seus superiores, ele tem feito<br />
reuniões com o grupo de<br />
apoio do CDD, falando pelos<br />
cotovelos, embora não veja<br />
nunca nada do que tem que ser<br />
visto para a categoria.<br />
Esse gerente só enxerga o<br />
que quer. A pressão vem aumentando<br />
a cada dia. Tem<br />
vários trabalhadores trabalhando<br />
no horário de almoço,<br />
para atender o bom humor do<br />
gerente. Agora é assim: cada<br />
dia é um horário de almoço<br />
diferente. Está uma verdadei-<br />
TRABALHADOR DOS CORREIOS,<br />
Distribua também o boletim Ecetistas em Luta<br />
Distribua todas as semanas o<br />
órgão da corrente nacional<br />
Ecetistas em Luta, de trabalhadores,<br />
militantes e simpatizantes<br />
do Partido da Causa Operária<br />
nos Correios, um órgão de<br />
defesa do interesse dos trabalhadores<br />
dos Correios na sua luta<br />
cotidiana, distribuído nacionalmente.<br />
Entre em contato e<br />
distribua o boletim<br />
também no seu setor<br />
de trabalho:<br />
correios@pco.org.br<br />
Tel. 11-5584-7040<br />
trões e seus governos instituíram<br />
para fingir que há uma preocupação<br />
com a família do trabalhador,<br />
ao mesmo tempo em que lhe pagam<br />
um salário de fome.<br />
No frigorífico Arantes, uma<br />
das desculpas esfarrapadas dos<br />
patrões para não efetuar o pagamento<br />
do salário família é de que<br />
com o número de horas extras<br />
realizadas pelos trabalhadores, o<br />
valor salarial ultrapassa o exigido<br />
e, portanto, não deveria ser<br />
pago. Um absurdo sem cabimento.<br />
É um abuso do desconhecimento<br />
dos trabalhadores. Os<br />
patrões sabem que os valores<br />
estabelecidos em lei dizem respeito<br />
ao salário sem acréscimos<br />
de horas extras.<br />
Este tipo de golpe é aplicado<br />
em muitas empresas da categorias<br />
dos frios e em outros setores,<br />
nos quais pela dispersão dos<br />
trabalhadores e da fragilidade de<br />
sua organização os patrões deitam<br />
e rolam.<br />
Contra este golpe, o Sindicato<br />
dosTrabahadores nas Indústrias<br />
de Carnes e do Frio de Sâo<br />
Paulo estará distribuindo nesta<br />
semana na porta da fábrica requerimento<br />
a ser preenchido<br />
pelos trabalhadores para que a<br />
empresa seja acionada judicialmente<br />
por tal crime. Ao mesmo<br />
tempo vai procurar mobilizar os<br />
trabalhadores para exigir da<br />
empresa o imediato cumprimento<br />
do disposto em lei e o pagamento<br />
do salário família a todos<br />
trabalhadores que fazem jus.<br />
Ao mesmo tempo, é necessário<br />
debater em todas as empresas<br />
a ampliação deste benefício<br />
rotar o acordo bianual<br />
e atropelar<br />
essa burocracia<br />
pelega que domina<br />
a maioria dos sindicatos.<br />
O primeiro<br />
passo para garantir a vitória<br />
contra a privatização<br />
da empresa é derrotar o<br />
acordo bianual e impor uma<br />
campanha salarial esse ano,<br />
que coloque como o eixo<br />
principal a luta contra a<br />
privatização e defenda<br />
os Correios<br />
sob controle dos<br />
trabalhadores.<br />
Contra a privatização<br />
da ECT e emdefesa das<br />
demais reivindicações da categoria,<br />
organizar pela base uma<br />
ampla mobilização que inclua<br />
a ocupação dos prédios da<br />
ECT contra a privatização.<br />
ra zona o CDD. Os trabalhadores<br />
do Sion exigem o fim dessa<br />
bagunça. É preciso estabelecer<br />
um horário igual para os companheiros<br />
que estão na compactação<br />
e o restante almoçar no<br />
mesmo horário, independente<br />
de carga alta ou não.<br />
A maioria dos companheiros<br />
está trabalhando em função dos<br />
depósitos auxiliares (D.A’s)<br />
para não atrasar os motoristas.<br />
Ninguém enxerga esse tipo de<br />
situação. Nem o gerente Antonio<br />
Dourival nem os seus supervisores.<br />
O mesmo gerente vem<br />
cobrando dos companheiros<br />
que estão se afastando por<br />
motivo de atestado médico. Ele<br />
tem dito que vai encaminhar<br />
todo o carteiro que pega mais de<br />
oito atestados médicos no semestre<br />
para a medicina do trabalho<br />
dos correios, para avaliar<br />
se tem validade aquele atestado.<br />
e de outros que visem atender aos<br />
filhos dos trabalhadores, como<br />
é o caso de direito de creche para<br />
todos ou o pagamento de auxílio<br />
creche de, pelo menos R$ 300,<br />
enquanto as empresas não<br />
atenderem a esta necessidade da<br />
Isso é uma forma de pressionar<br />
o trabalhador, forçando-o<br />
a não pegar atestado e trabalhar<br />
doente, como se no CDD não<br />
tivesse sobrecarregado com<br />
dobras de distritos diários.<br />
Os trabalhadores do CDD<br />
Sion repudiam esta manobra<br />
e tratamento nojentos da chefia<br />
do CDD. O sindicato está<br />
encaminhando correspondência<br />
<strong>à</strong> ECT exigindo o fim<br />
desta conduta abusiva do gerente<br />
da unidade. Mas todos<br />
sabemos que só a mobilização<br />
dos trabalhadores pode pôr<br />
fim <strong>à</strong> todo esse abuso e garantir<br />
o horário de almoço e o fim<br />
das dobras.<br />
Não <strong>à</strong> opressão das chefias.<br />
Controle da ECT pelos trabalhadores,<br />
com a eleição de<br />
todos os postos de chefia e direção!<br />
LEIA E DIVULGUE NO SEU<br />
LOCAL DE TRABALHO<br />
Boletins da Corrente<br />
Sindical Nacional<br />
Causa Operária<br />
Ecetistas em Luta Nacional<br />
e regionais; Educadores em<br />
Luta; Servidores em Luta,<br />
Municipários em Luta, Docentes<br />
em Luta (professores<br />
universitários); Luta Metalúrgica,<br />
Bancários em Luta e<br />
outros mais...<br />
Participe da luta por construir<br />
na base de todas as categorias<br />
uma nova direção para<br />
categoria, principalmente das<br />
mulheres operárias que arcam –<br />
na maioria das vezes – com a<br />
obrigação de cuidar dos filhos e<br />
ainda têm que trabalhar nas fábricas,<br />
cumprindo assim uma<br />
dupla jornada.<br />
a luta dos trabalhadores, oposições<br />
sindicais classistas<br />
contra a burocracia traidora<br />
que apóia a política dos patrões<br />
e dos seus governos.<br />
Escreva sua denúncias de<br />
seu local de trabalho e entregue<br />
para os distribuidores<br />
desses boletins ou envie diretamente<br />
para<br />
PCO@pco.org.br.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA MOVIMENTO OPERÁRIO A11<br />
BANCÁRIOS - DF<br />
Os “combativos” a serviço<br />
dos sócios minoritários dos<br />
banqueiros<br />
PSTU/Conlutas pede <strong>à</strong> Articulação/PT que casse chapa<br />
de oposição do PCO<br />
Três chapas concorrerão<br />
<strong>à</strong>s eleições do Sindicato dos<br />
Bancários de Brasília no final<br />
do mês de março. A chapa 1,<br />
“CUT Bancários”, da atual diretoria<br />
do sindicato, burocracia<br />
sindical do PT. Esta se tornou<br />
sócia minoritária dos banqueiros,<br />
participando de órgãos<br />
de direção dos bancos<br />
públicos e dos fundos de pensão<br />
que participaram das privatizações<br />
e outras negociatas<br />
com os governos FHC e<br />
Lula, além de comandarem a<br />
entrega de todas as campanhas<br />
salariais da categoria nas<br />
últimas duas décadas.<br />
A chapa 2, Bancários em<br />
Luta Oposição de Verdade é<br />
composta por militantes e simpatizantes<br />
da Corrente Sindical<br />
Nacional Causa Operária,<br />
que defende um movimento<br />
independente da burocracia<br />
em defesa das necessidades<br />
mais sentidas da categoria<br />
bancária (reposição salarial,<br />
luta contra as demissões,<br />
PDV’s etc.).<br />
Já a chapa 3, “Bancários é<br />
Hora de Mudar, Sindicatos é<br />
pra Lutar”, composta por<br />
membros do PSTU, PSOL,<br />
PCB e satélites é sócia menor<br />
da burocracia sindical traidora<br />
do PT que tem como ponto<br />
central de seu programa - a<br />
principal arma dos patrões<br />
contra os trabalhadores – a<br />
divisão da categoria, por meio<br />
da separação dos bancários<br />
dos bancos públicos e privados.<br />
Está vinculada <strong>à</strong> corrente<br />
“de oposição” (MNOB) que<br />
defendeu a derrota de várias<br />
das últimas campanhas salariais<br />
colocando o destino da<br />
greve da categoria nas mãos<br />
do TST, o que lhe valeu o<br />
título de “TSTU”.<br />
A serviço de quem<br />
está a chapa 3?<br />
A chapa 3, embora procure<br />
se apresentar como algo diferente<br />
da chapa 1, no fundamental<br />
defende exatamente a<br />
mesma política da atual direção<br />
e iniciou a campanha colocando-se<br />
a serviço da chapa<br />
dos sócios minoritários<br />
dos banqueiros.<br />
No último dia 19 de fevereiro<br />
quando ocorreu a reunião<br />
da comissão eleitoral, em que<br />
se encerrava o prazo concedido<br />
<strong>à</strong>s chapas para a regularização<br />
da documentação conforme<br />
o estatuto da entidade,<br />
o candidato que encabeça a<br />
chapa 3 (Rodrigo “Bocão”),<br />
dirigente do PSTU/Conlutas,<br />
raivosamente solicitou <strong>à</strong> comissão<br />
eleitoral – formada<br />
exclusivamente por membros<br />
indicados pela Articulação/PT<br />
NÃO À COMPENSAÇÃO DE HORAS<br />
Abaixo a perseguição aos<br />
grevistas de setembro<br />
A ECT está obrigando os trabalhadores que fizeram greve<br />
até o final de setembro de 2009 a fazer hora extra para<br />
compensar os dias parados. A categoria repudia esta<br />
manobra espúria da ECT<br />
A ECT está se apegando a<br />
uma ata de reunião realizada<br />
entre os negociadores da empresa<br />
e os elementos do bloco<br />
traidor da direção da Fentect<br />
(Federação Nacional dos<br />
Trabalhadores dos Correios),<br />
do PCdoB e PT, no dia 16 de<br />
setembro de 2009 para aplicar<br />
a política de compensação dos<br />
dias de greve aos grevistas<br />
que continuaram a paralisação<br />
do trabalho, após o dia 18 de<br />
setembro de 2009. Na ocasião,<br />
apenas quatro sindicatos<br />
(Rio de Janeiro, Bahia, Santos<br />
e Maranhão) aceitaram a proposta<br />
indecente de acordo bianual<br />
para os anos 2009/2011<br />
(que tem por objetivo evitar<br />
que a categoria ecetista faça<br />
campanha salarial, lutando por<br />
seus direitos e interesses neste<br />
ano de 2010 enquanto a<br />
ECT prepara a privatização<br />
dos correios), feita pelos negociadores<br />
dos correios.<br />
Uma vez aceita essa proposta<br />
nojenta da empresa, os<br />
sindicalistas pelegos trataram<br />
de desmobilizar os ecetistas<br />
em suas bases territoriais e<br />
acabaram com a greve em<br />
seus Estados. Como foi divulgado<br />
amplamente neste jornal,<br />
o retorno ao trabalho<br />
defendido pela burocracia sindical<br />
desses sindicatos pelegos<br />
(RJ/BA/STS/MA) tratouse<br />
de uma organizada manobra<br />
de traição realizada pelo<br />
PCdoB e PT/Articulação contra<br />
os trabalhadores dos correios<br />
e em defesa dos patrões<br />
e do governo Lula que estão<br />
desmontando a ECT para privatizá-la<br />
a preço de banana<br />
podre. O repúdio ao acordo<br />
bianual é imenso em todos os<br />
locais de trabalho dos correios,<br />
o que obrigou o governo<br />
federal a comprar e aliciar dirigentes<br />
sindicais para apoiar<br />
a política de privatização,<br />
sendo tal acordo bianual mais<br />
uma cartada, mais um passo<br />
dessa política, que não poderia<br />
ser dada nem pela direção<br />
da ECT nem pelo governo<br />
Lula sem o aval da burocracia<br />
sindical dos correios que controla<br />
a maioria dos sindicatos<br />
da categoria.<br />
Após essa reunião do dia 16<br />
de setembro de 2009, a greve<br />
continuou forte no restante do<br />
País o que levou a ECT a ajuizar<br />
dissídio coletivo e usar o<br />
Tribunal Superior do Trabalho<br />
(TST) para pressionar a<br />
categoria a retornar ao trabalho.<br />
Apesar de todos esses expedientes,<br />
a greve, mesmo<br />
traída pela burocracia sindical<br />
do PT e PCdoB, só terminou<br />
em 30 de setembro de 2009,<br />
após intensa luta contra a ingerência<br />
da própria direção da<br />
ECT que, mesmo tendo aliciado<br />
e comprado os dirigentes<br />
sindicais pelegos da Articulação<br />
e do PCdoB teve que interferir<br />
diretamente para alterar<br />
o curso do movimento paredista,<br />
tal a combatividade da<br />
categoria que entendeu a<br />
manobra da empresa e se colocou<br />
totalmente contra a política<br />
de privatização do governo<br />
do PT, lacaio dos patrões<br />
internacionais e nacional.<br />
A campanha salarial da categoria<br />
ecetista não teve ainda<br />
seu desfecho final, haja<br />
vista que a maior parte dos trabalhadores,<br />
através de 17 sin-<br />
- vistas <strong>à</strong> documentação da<br />
chapa 2, com o intuito de buscar<br />
possíveis argumentos<br />
(inexistentes) para tentar impugnar<br />
a chapa Oposição de<br />
Verdade, a chapa 2 – Bancários<br />
em Luta.<br />
Desta forma os “antigovernistas”<br />
do PSTU, dirigiram-se<br />
aos “governistas” do PT que<br />
estabeleceram uma verdadeira<br />
ditadura na Comissão Eleitoral<br />
e no Sindicato, por medo<br />
da reação da categoria <strong>à</strong> sua<br />
política patronal, para tentar<br />
calar a voz de uma corrente de<br />
bancários que se organiza,<br />
justamente para lutar em defesa<br />
das reivindicações da categoria<br />
e que denuncia as traições<br />
da direção do Sindicato<br />
dos Bancários de Brasília e de<br />
todo o País.<br />
Deixando ainda mais claro o<br />
caráter reacionário da política<br />
da chapa 3 e do PSTU/Conlutas,<br />
obviamente, que o dirigente<br />
dessa ala da burocracia em<br />
nenhum momento pediu a verificação<br />
da documentação da<br />
burocracia sindical chapa 1 e<br />
não denunciou em momento<br />
algum o caráter autoritário do<br />
processo conduzido pelos seus<br />
sócios majoritários da burocracia<br />
bancária.<br />
A intenção sem fundamento<br />
da chapa 3, sequer pode ser<br />
considerada uma vez que todos<br />
os documentos da chapa<br />
2 estavam em ordem e a chapa<br />
1 temia o desgaste que uma<br />
eventual cassação da oposição<br />
poderia causar a um proces-<br />
dicatos e diversas oposições<br />
aos sindicatos pelegos discordou<br />
da manobra da direção da<br />
ECT, reagindo e convocando<br />
uma plenária nacional que foi<br />
realizada no final de outubro<br />
de 2009 e que apontou para a<br />
reorganização da campanha<br />
salarial e convocação de um<br />
congresso extraordinário da<br />
federação dos trabalhadores<br />
(Fentect) para o primeiro semestre<br />
de 2010 onde se pretende<br />
eleger uma nova diretoria<br />
para a federação e botar<br />
para correr os pelegos e traidores<br />
da categoria ecetista.<br />
Por outro lado, essa plená-<br />
É preciso que toda a categoria se organize por local de<br />
trabalho para lutar contra a compensação de horas.<br />
ria deliberou um conjunto de<br />
ações políticas e jurídicas<br />
para anular o acordo bianual,<br />
o Plano de Cargos Carreiras e<br />
Salários feitos pela ECT contra<br />
os trabalhadores, dentre<br />
outras importantes deliberações,<br />
o que está sendo colocado<br />
em prática por esse bloco<br />
de sindicatos e oposições.<br />
Para tentar desmontar a<br />
mobilização da categoria, a direção<br />
da ECT, por sua vez, realizou<br />
uma reunião (Redir) e<br />
tirou como resolução que iria<br />
convocar os trabalhadores para<br />
fazer horas extras no final de<br />
ano, período natalino, e meses<br />
seguintes. Deliberou ainda que<br />
as diretorias regionais ao invés<br />
de pagarem tais horas extras<br />
trabalhadas deveriam processar<br />
a compensação sobre essas<br />
horas trabalhadas a todos os<br />
grevistas que não retornaram<br />
ao trabalho e continuaram em<br />
greve após o dia 18 de setem-<br />
so que já carece de legitimidade<br />
por ser totalmente controlado<br />
apenas pela chapa da<br />
direção do sindicato.<br />
Fortalecer a luta<br />
por uma oposição<br />
de verdade<br />
A chapa 3 sabe muito bem<br />
que Bancários em Luta é a úni-<br />
ca força que procura estabelecer<br />
uma delimitação classista<br />
com a burocracia, que “bate”<br />
e vai “bater” duro contra a política<br />
de colaboração com os<br />
banqueiros da Articulação PT.<br />
Agindo para defender seus<br />
verdadeiros aliados, a chapa 3<br />
faz o papel que lhe cabe de<br />
bro de 2009.<br />
Tentando dividir a categoria,<br />
a empresa se justificou alegando<br />
que caso não seja feito o desconto<br />
da greve ela tem o direito<br />
de exigir a compensação dos<br />
dias parados, uma atitude totalmente<br />
abusiva e contraditória<br />
com o próprio acordo coletivo<br />
que ela fez e impôs a burocracia<br />
sindical pelega a assinar. A<br />
arbitrariedade é tamanha que<br />
nem na ata do dia 16 de setembro<br />
nem no “Acordo Coletivo<br />
de Trabalho” (que está sendo<br />
contestado judicial e politicamente<br />
pela maioria dos trabalhadores<br />
e diversos sindicatos)<br />
em nenhum deles fica assegurado<br />
<strong>à</strong> ECT o direito de realizar<br />
a compensação das horas da<br />
greve de setembro de 2009.<br />
A verdade é que o desespero<br />
da ECT é imenso, pois caiu por<br />
terra a sua proposta nefasta de<br />
acordo bianual e de privatizar a<br />
ECT sem luta da categoria.<br />
A revolta é geral entre os<br />
trabalhadores dos correios<br />
contra o acordo bianual e toda<br />
a ofensiva da direção da ECT<br />
contra os trabalhadores, criando<br />
as condições para uma<br />
ampla mobilização, ou seja,<br />
para a realização da campanha<br />
salarial e de luta contra a privatização,<br />
contra os Correios<br />
S.A., neste ano, com uma<br />
força ainda maior do que no<br />
ano passado.<br />
Tal é o nível de descontentamento<br />
na base ecetista, que<br />
esta vai passar por cima de<br />
todos os sindicalistas pelegos<br />
que ficaram na frente do<br />
movimento sindical ecetista e<br />
que tentaram servir de freio <strong>à</strong><br />
luta dos trabalhadores, luta<br />
essa que está prestes a realizar<br />
em defesa de seus empregos<br />
e da própria ECT.<br />
Neste momento, os 17 sindicatos<br />
que constituíram um<br />
bloco político-sindical para<br />
lutar contra o acordo bianual<br />
e contra a privatização da ECT<br />
ingressaram com ações na<br />
justiça contra a investida da<br />
ECT de fazer compensação<br />
dos dias parados da greve de<br />
setembro de 2009. Vários<br />
desses sindicatos já ganharam<br />
o pedido de liminar proibindo<br />
a ECT de realizar as<br />
compensações das horas.<br />
Outros ainda não. Essas<br />
ações são importantes para<br />
obstaculizar, defensivamen-<br />
CDD’S EM RORAIMA<br />
Mudança de horário<br />
revolta carteiros<br />
A direção da ECT em Roraima,<br />
no vale tudo para aumentar<br />
a produtividade, alterou<br />
o horário de entrada dos<br />
carteiros lotados nos CDD’s<br />
Boa Vista e Asa Branca sem<br />
nenhuma consulta aos trabalhadores.<br />
Isso fará com que a<br />
distribuição de cartas nesses<br />
setores seja realizada toda na<br />
parte da tarde.<br />
A distribuição domiciliária<br />
pela parte da manhã é uma<br />
bandeira histórica da nossa<br />
categoria, sendo um dos principais<br />
pontos da nossa pauta<br />
nacional de reivindicação em<br />
todas as campanhas salariais.<br />
Em Roraima, onde a média<br />
de temperatura não é inferior<br />
a trinta e seis graus e que<br />
possui um dos maiores índices<br />
de câncer de pele do país, a<br />
necessidade da distribuição na<br />
parte da manhã é fundamental,<br />
pois se transforma numa<br />
questão de vida ou morte para<br />
o trabalhador.<br />
Vale lembrar que no ano de<br />
2005 os carteiros lotados em<br />
sócio menor da burocracia, sai<br />
em sua defesa e na tentativa de<br />
impugnação da única chapa de<br />
oposição de verdade.<br />
Eles sabem que Bancários<br />
em Luta - chapa 2, nunca<br />
compactuou com nenhuma<br />
política de traição aos interesses<br />
dos bancários, nunca<br />
ocupou os microfones das<br />
assembléias para defender<br />
uma política de divisão da<br />
categoria, que nunca sacrifi-<br />
camos a independência dos<br />
bancários junto aos patrões e<br />
seus governos; sabem que a<br />
chapa 2 é o único setor que<br />
pode se dirigir com autoridade<br />
política e moral para os<br />
bancários, nesse momento,<br />
para impulsionar defender e<br />
impulsionar um movimento<br />
Roraima conseguiram fazer com<br />
que a direção da ECT no estado<br />
colocasse a entrega das cartas<br />
para o período da manhã. Isso<br />
trouxe melhorias na qualidade de<br />
vida do trabalhador, que passou<br />
a ter o controle sobre o tempo da<br />
distribuição, a ver o tempo destinado<br />
para o almoço sendo respeitado<br />
e fugiu das constantes<br />
horas extras, uma vez que a direção<br />
da empresa não tinha força<br />
para impor duas saídas.<br />
Esse direito, por não ser garantido<br />
em acordo coletivo, foi<br />
retirado justamente através das<br />
constantes alterações de horário<br />
de entrada nos CDD’s, promovidas<br />
pela direção local da<br />
empresa e sempre com a mesma<br />
desculpa da manutenção da<br />
qualidade do serviço.<br />
Os carteiros iniciavam a jornada<br />
no CDD Boa Vista <strong>à</strong>s sete<br />
horas da manhã e no CDD Asa<br />
Branca começavam <strong>à</strong>s oito.<br />
Esse horário ainda permitia que<br />
os carteiros desses CDD’s respirassem<br />
um pouco, pois dava<br />
tempo de ajeitar a carga e sair<br />
verdadeiramente independente<br />
dos patrões e da burocracia<br />
e por isso gostariam de calar<br />
a voz da chapa 2, afastandoa<br />
de forma burocrática e indevida<br />
do processo eleitoral.<br />
Contra estas manobras e<br />
para fortalecer a luta pela<br />
construção de uma nova direção<br />
classista, a serviço das<br />
lutas da categoria e de todos<br />
os trabalhadores é preciso repudiar<br />
a conduta reacionária e<br />
Os “antigovernistas” do PSTU, dirigiram-se aos “governistas” do PT que estabeleceram uma<br />
verdadeira ditadura na Comissão Eleitoral e no Sindicato por medo da reação da categoria<br />
patronal do comando da chapa<br />
3 e cerrar fileiras em apoio<br />
<strong>à</strong> chapa 2 – Bancários em Luta<br />
– Oposição de Verdade, contra<br />
as duas chapas da burocracia,<br />
a dos sócios minoritários<br />
dos banqueiros (chapa 1) e a<br />
dos sócios menores da burocracia<br />
(chapa 3).<br />
te, a atitude impositiva e truculenta<br />
da empresa.<br />
Entretanto, é preciso que<br />
toda a categoria se organize<br />
por local de trabalho para lutar<br />
contra o excesso de serviço<br />
e contra a política de compensação<br />
de horas que o correio<br />
quer enfiar goela abaixo<br />
dos trabalhadores. Os trabalhadores<br />
dos correios devem<br />
dizer não <strong>à</strong>s horas extras.<br />
Nem compensação nem horas<br />
extras. Por imediata contratação<br />
de mais trabalhadores para<br />
dar conta do serviço que cada<br />
dia se avoluma mais na empresa.<br />
Contra o excesso de serviço,<br />
a categoria tem que rebater<br />
com a seguinte palavra<br />
de ordem: Redução da jornada<br />
de trabalho para 35 horas<br />
semanais. Trabalho de sete<br />
horas por dia, de segunda a<br />
sexta-feira, com sábado e<br />
domingo livres para o descanso<br />
do trabalhador. E que a<br />
ECT contrate mais trabalhadores,<br />
ajudando a diminuir o<br />
desemprego e melhorar as<br />
condições de vida da classe<br />
trabalhadora. Temos que trabalhar<br />
para viver e não viver<br />
apenas para trabalhar.<br />
ainda pela manhã para a entrega,<br />
mas agora com a nova alteração<br />
de horário a empresa<br />
acabou de vez com isso.<br />
O novo horário vai fazer<br />
com que os carteiros realizem<br />
toda a distribuição na parte da<br />
tarde e a pressão da chefia<br />
para que o distrito seja zerado<br />
a qualquer custo fará com que<br />
os carteiros sejam obrigados a<br />
voltar a fazer horas extras todos<br />
os dias.<br />
Esse modelo adotado em<br />
todo o país faz parte da preparação<br />
da empresa para a privatização,<br />
pois a exploração do<br />
ecetista é que faz com que a<br />
empresa aumente a sua produtividade<br />
e consequentemente a<br />
sua lucratividade, atrativos para<br />
os tubarões capitalistas internacionais.<br />
Nesse sentido chamamos<br />
os trabalhadores a repudiarem<br />
essa alteração de horário realizada<br />
de forma unilateral e<br />
totalmente arbitrária e a não<br />
aceitarem a realização de nenhuma<br />
hora extra.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA NEGROS A12<br />
ÁFRICA DO SUL<br />
Governo de frente popular fez salários<br />
dos brancos subirem 100% a mais do<br />
que os dos negros<br />
Há 16 anos no governo, o CNA (Congresso Nacional<br />
África), partido de Nelson Mandela, confirma em<br />
números o fracasso da política de colaboração de classes<br />
da frente popular. A situação dos negros no país pósapharteid<br />
piorou, e muito<br />
O CNA foi fundado em 1912<br />
por setores da pequena-burguesia<br />
(professores, jornalistas,<br />
advogados e intelectuais), e<br />
surgiu como um partido burguês<br />
de esquerda para defender os<br />
direitos democráticos da população<br />
sul-africana.<br />
Em meio a uma situação revolucionária,<br />
na qual a classe<br />
operária e demais explorados<br />
negros não aceitavam mais as<br />
aviltantes condições impostas<br />
pelo regime de apartheid controlado<br />
pela minoria branca e<br />
se levantavam contra sua<br />
existência, o regime branco<br />
abriu falência, tornando-se<br />
necessária a sua substituição,<br />
também para a burguesia branca<br />
e racista sul-africana e<br />
para o imperialismo que o<br />
apoiava.<br />
Nestas condições, o CNA<br />
de Mandela, emergiu como a<br />
única força política em condições<br />
de assumir o governo do<br />
País com apoio popular e conter<br />
a onda revolucionária. Assim,<br />
abriu-se a possibilidade<br />
para que o partido, proscrito<br />
e com seus principais líderes<br />
presos, assumisse o poder<br />
político, em 1994.<br />
O partido acabou por se<br />
constituir na única alternativa<br />
da burguesia e do imperialismo<br />
para conter a revolu-<br />
ção negra que estava em andamento<br />
na África do Sul.<br />
Um acordo feito <strong>à</strong>s pressas<br />
tirou Nelson Mandela e outros<br />
líderes da cadeia quase<br />
que diretamente para o governo.<br />
A partir daí, o regime político<br />
legal sofreu alterações<br />
que não alteraram minimanente<br />
as relações econômicas<br />
e sociais e as instituições fundamentais<br />
no poder sul-africano.<br />
Duas década<br />
depois<br />
No último dia 11 de fevereiro,<br />
quando se completaram<br />
20 anos desde que Nelson<br />
Mandela foi colocado em liberdade,<br />
após 27 anos de<br />
prisão, o atual presidente da<br />
África do Sul, Jacob Zuma,<br />
fez um discurso especial.<br />
Mandela e sua mulher, Graça<br />
Machel, estavam presentes<br />
no pronunciamento, feito no<br />
Parlamento da Cidade do<br />
Cabo.<br />
Zuma escolheu essa data<br />
numa tentativa de “união” do<br />
povo sul africano, tendo em<br />
vista a crise em que se encontra<br />
o país. O governo do CNA<br />
Como resultado da crise capitalista mundial, que causou uma das mais duras recessões na<br />
África do Sul, sua taxa de desemprego atingiu 25%.<br />
não conseguiu nesse período<br />
todo reduzir minimamente o<br />
desemprego, a criminalidade<br />
e as péssimas condições de<br />
saúde e educação do Estado.<br />
Obviamente, as vítimas<br />
principais dessa péssima condição<br />
de vida são os negros do<br />
país (mais de 80%). A pesquisa<br />
publicada no ano passado<br />
pela Universidade da Cidade<br />
do Cabo afirma que a África<br />
do Sul é o país com maior<br />
desigualdade social do<br />
mundo.<br />
Após os anos de segregação<br />
racial e opressão dos<br />
brancos, e mesmo depois do<br />
“fim do apartheid”, liderado<br />
por Mandela, os negros são<br />
mais pobres que os brancos,<br />
recebem os menores salários,<br />
DE 3 A 5 DE MARÇO<br />
Carrascos do STF iniciam debate<br />
sobre ação do DEM contra acesso<br />
dos negros <strong>à</strong>s universidades<br />
Sob o pretexto de oferecer<br />
subsídios para o Ministro Ricardo<br />
Lewandowski, designado<br />
relator da Argüição de<br />
Descumprimento de Preceito<br />
Fundamental – ADPF, proposta<br />
pelo Partido Democra-<br />
Ricardo Lewandowski<br />
ta – DEM, contra o sistema de<br />
cotas, o Supremo Tribual Federal<br />
realiza nesta semana a<br />
quinta Audiência Pública de<br />
sua história, desta vez feita ten-<br />
do como tema as “Políticas<br />
de Ação Afirmativa de Reserva<br />
de Vagas no Ensino Superior”.<br />
A ação do DEM tem como<br />
objetivo imediato revogar o<br />
sistema de reserva de cotas<br />
para negros, em vigor desde<br />
2005, na Universidade de Brasília<br />
- UNB. A ação propõe,<br />
entre outras coisas,: suspender<br />
a matrícula dos alunos da<br />
UNB, realizada com base nos<br />
critérios de cotas; exigir que<br />
o Conselho de Ensino, Pesquisa<br />
e Extensão da Universidade<br />
de Brasília (CESPE) divulgue<br />
nova listagem dos candidatos<br />
aprovados, com base<br />
nas notas obtidas, desconsiderando<br />
os critérios raciais;<br />
revogar o sistema de cotas<br />
naquela Universidade; propor<br />
que o Poder Judiciário suspenda<br />
os processos judiciais<br />
que envolvam o tema de cotas<br />
raciais para o ingresso em<br />
universidades, a fim de que<br />
seja tomada uma decisão geral<br />
sobre o tema pelo STF,<br />
revogando o sistema de cotas.<br />
Está prevista a participação<br />
na audiência do STF, de 38<br />
expositores. Mais uma vez o<br />
STF é chamado para “julgar”<br />
causas “controversas”, já que<br />
o mensalão do PT foi neste<br />
tribunal arquivado sem maiores<br />
debates. E o faz sempre no<br />
sentido de retroagir direitos,<br />
como de praxe na “justiça”<br />
brasileira, totalmente servil<br />
aos interesses das classes<br />
dominantes.<br />
Além da ADFP do DEM,<br />
outra ação tramita no Supremo<br />
Tribunal Federal para tentar<br />
impedir que cotas para negros<br />
sejam estabelecidas em<br />
instituições estaduais de ensino<br />
superior do Rio de Janeiro,<br />
movida por um estudante do<br />
Rio Grande do Sul, que diz não<br />
ter sido aprovado no vestibular<br />
em função das cotas.<br />
Ao contrário do “julgamento”<br />
de grandes empresários<br />
(como banqueiros e megaempreiteiros)<br />
e políticos<br />
burgueses, “bandidos com<br />
anel de doutor” que sempre<br />
acabam por favorecer os acusados,<br />
como se viu nos casos<br />
dos mensalões do PT, PTB,<br />
PL etc. ou dos sanguessugas<br />
do PSDB – entre muitos outros<br />
-, a questão das cotas –<br />
ainda que seja uma medida extremamente<br />
limitada - vai de<br />
encontro aos anseios racistas<br />
da direita, branca e rica, que<br />
quer barrar o acesso dos negros<br />
ao ensino superior.<br />
De um lado, a direita burguesa<br />
e pequeno-burguesa<br />
racista (DEM, PP, PSDB, Instituto<br />
Milleniun, Demétrio<br />
Magnoli etc.) condena e age<br />
contra as cotas sob o pretexto<br />
de que esta permitiria o<br />
acesso <strong>à</strong>s universidades de<br />
pessoas “sem mérito” e sem<br />
são as maiores vítimas do desemprego,<br />
possuem menor<br />
escolaridade etc. Uma situação<br />
em tudo semelhante <strong>à</strong> do<br />
Brasil e outros países no qual<br />
o povo negro foi colocado no<br />
“rodapé” da sociedade, sendo<br />
sua expropriação uma das<br />
principais fontes de sustentação<br />
da riqueza de uma minoria<br />
de brancos capitalistas e<br />
dos seus regimes de opressão<br />
não só dos negros mas de toda<br />
a classe operária e demais setores<br />
despossuídos da sociedade.<br />
Renda dos<br />
brancos cresce<br />
mais de 100% a<br />
mais<br />
Segundo um relatório do<br />
governo da África do Sul, a<br />
renda mensal média da população<br />
negra aumentou 37,3%<br />
desde 1994. No entanto, a<br />
renda dos brancos, obteve um<br />
salto foi de 83,5%, cerca<br />
de125% a mais do que a dos<br />
negros.<br />
“Mesmo após o fim do<br />
apartheid, os negros ainda têm<br />
dificuldades para entrar no<br />
mercado de trabalho por causa<br />
dos anos de exploração e<br />
das deficiências no sistema<br />
educacional do país”, afirmou<br />
ao iG Howard Stein, professor<br />
do Centro de Estudos<br />
Africanos da Universidade de<br />
Michigan, EUA.<br />
Dirk Kotze, professor de<br />
Ciências Políticas da Universidade<br />
da África do Sul, concorda:<br />
“nos últimos 20 anos,<br />
a desigualdade social cresceu<br />
em vez de diminuir. Esse é um<br />
dos desafios-chaves da sociedade<br />
sul-africana.”<br />
Como resultado da crise<br />
capitalista mundial, que causou<br />
uma das mais duras recessões<br />
na África do Sul, em<br />
17 anos, o país perdeu 770 mil<br />
postos de trabalho até setembro<br />
do ano passado, o que<br />
elevou sua taxa de desemprego<br />
a 25%, ou seja, um em<br />
cada quatro sul-africanos<br />
estão desempregados, em sua<br />
esmagadora maioria negros.<br />
Como no Brasil, apesar do<br />
agravamento das condições<br />
de vida já precárias da maioria<br />
da população, empresários<br />
e políticos burgueses não<br />
se cansam de afirmar que o<br />
país teria superado a crise, ou<br />
condições de cursá-las. O pior<br />
para essa direita, é que isto<br />
estaria criando condições<br />
para que negros (ainda que<br />
poucos) estudem, criem uma<br />
pressão por melhorias nas<br />
condições de vida do conjunto<br />
do povo negro, quando<br />
essa direita entende que lugar<br />
de negros é em funções secundárias,<br />
como verdadeiros escravos<br />
da burguesia branca e<br />
racista.<br />
Para uma parte da esquerda<br />
pequeno burguesa, o assunto<br />
não teria maior importância,<br />
uma vez que as cotas<br />
são insuficientes e se não<br />
garantem vagas para todos na<br />
universidade, não deveriam<br />
ser defendidas. Seria como<br />
não participar da luta por um<br />
aumento de 10% se não for<br />
possível lutar por um aumento<br />
de 30%, ou seja, para não<br />
realizar luta nenhuma e - concretamente<br />
– ser cúmplice<br />
dos ataques da direita -, esse<br />
setor usa o pretexto de que é<br />
tudo ou nada.<br />
Reafirmamos que as cotas<br />
mesmo que esta sequer teria<br />
chegado aos seus limites nacionais.<br />
Como consequência da<br />
miséria social, engendrada<br />
pela frente popular do CNA,<br />
o país sangra com uma violência<br />
sem precedentes: cerca<br />
de 50 pessoas são assassinadas<br />
diariamente no país que<br />
sediará a Copa do Mundo de<br />
2010., sendo esta uma das<br />
principais preocupações dos<br />
diversos monopólios que, de<br />
fato, comandam o evento.<br />
A população não<br />
suporta mais a<br />
Frente Popular<br />
A população do país tem tolerado<br />
o CNA por conta do<br />
fim do regime de segregação<br />
racial. No entanto, a Frente<br />
Popular, sempre de acordo<br />
com a burguesia, com esse<br />
fracasso social e político, já<br />
começa a enfrentar protestos<br />
da população. O aumento da<br />
insatisfação e de protestos<br />
nas áreas mais pobres tem se<br />
tornado uma rotina.<br />
Segundo Frans Cronje, do<br />
Instituto de Relações Raciais<br />
do país, “a tensão é grande e<br />
a raiva entre a comunidade<br />
negra cresce rapidamente,<br />
nas universidades são uma<br />
reivindicação da população<br />
negra, de suas organizações<br />
e o Coletivo de Negros do<br />
Partido da Causa Operária<br />
apóia esta reivindicação,<br />
mesmo considerando que<br />
esta reivindicação é insuficiente<br />
e incapaz de resolver o<br />
problema da discriminação e<br />
da exclusão do povo negro<br />
das universidades.<br />
Tão importante quanto isto<br />
é o fato de que as quotas estão<br />
sendo alvo de vários ataques<br />
da direita racista brasileira<br />
que não quer ver negro<br />
A ação do DEM tem como objetivo imediato revogar as<br />
cotas para negros alí onde parcamente existem.<br />
estudando e que procura impedir<br />
a efetivação das cotas<br />
para impedir uma ampliação<br />
das lutas dos negros por outras<br />
reivindicações fundamentais.<br />
Mesmo que insuficiente<br />
para resolução de qualquer<br />
desigualdade racial, as cotas<br />
devem ser defendidas com<br />
unhas e dentes pela população<br />
negra e todas as organizações<br />
de luta dos explorados.<br />
enquanto a atuação do governo<br />
é cada vez mais decepcionante”.<br />
Na África do Sul, no continente<br />
africano e em todo o<br />
mundo é necessário organizar<br />
a luta do negro sobre a base de<br />
um programa revolucionário e<br />
objetivo, contra a política de<br />
colaboração de classe das<br />
Após o fim do apartheid, os negros ainda têm dificuldades<br />
para entrar no mercado de trabalho por causa das<br />
deficiências no sistema educacional do país.<br />
frentes populares, que busca<br />
paralisar as tendências revolucionárias<br />
presentes em largas<br />
parcelas da classe operária<br />
mundial e entre seus setores<br />
mais oprimidos, como é o<br />
caso da população negra. Organizar<br />
de forma independente<br />
da burguesia a população<br />
negra, em partidos operários<br />
que defendam verdadeiramente<br />
as necessidades dos negros,<br />
ou seja, um programa<br />
que, além de defender as necessidades<br />
imediatas e específicas<br />
da população negra,<br />
defenda também a luta contra<br />
a burguesia e seus regimes de<br />
dominação.<br />
A conquista de governos<br />
operários nos países de maioria<br />
negra, como a Àfrica do<br />
Sul e o Brasil, serão também<br />
governos negros contra a dominação<br />
da burguesia branca<br />
racista e pró-imperialista, os<br />
únicos capazes de deixar para<br />
trás os séculos de exploração<br />
e opressão do povo negro.<br />
Essa direita, que se decompõe<br />
em todo o País (como se<br />
vê na crise dos governos Arruda<br />
e Kassab) diante da rejeição<br />
das massas populares<br />
quer usar a luta contra os direitos<br />
democráticos dos negros<br />
(mesmo os mais limitados)<br />
para levantar a cabeça no<br />
Brasil e se reorganizar. Lançam<br />
mão dessas ações e de<br />
todo tipo de campanha reacionária:<br />
contra os sem-terra,<br />
contra o direito ao aborto, pela<br />
redução da maioridade penal<br />
etc.<br />
Contra estas iniciativas da<br />
direita racista, as organizações<br />
de luta dos negros, dos<br />
trabalhadores e todas que se<br />
reivindicam da defesa dos<br />
direitos democráticos da população<br />
devem organizar uma<br />
ampla mobilização, na qual a<br />
reivindicação de defesa das<br />
cotas seja acompanhada da<br />
exigência de livre ingresso nas<br />
universidades, sem vestibular,<br />
sem nenhum impedimento<br />
para que estudantes negros e<br />
pobres, que hoje estão, na<br />
prática, fora das universidades,<br />
tenham acesso ao ensino<br />
superior.<br />
A conquista de um pequeno<br />
número de vagas para negros,<br />
mesmo nas condições<br />
precaríssimas em que o governo<br />
Lula as propõe, deve<br />
ser tomada não como um fim<br />
em si mesmo, mas como um<br />
ponto de apoio para a luta por<br />
uma abertura geral da universidade<br />
não só <strong>à</strong> população<br />
negra, mas <strong>à</strong> população operária<br />
em geral. As vagas para<br />
negros devem ser ponto de<br />
uma pauta ampliada de reivindicações<br />
dos direitos democráticos<br />
dos negros e dos trabalhadores.
CAUSA OPERÁRIA<br />
MOVIMENTO ESTUDANTIL <br />
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NENHUMA CONFIANÇA NO<br />
REITOR-INTERVENTOR<br />
Lutar pelo “fora<br />
Rodas”<br />
Página A14<br />
Autonomia universitária e<br />
maioria estudantil<br />
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MEDO DA MOBILIZAÇÃO<br />
Rodas cede para<br />
tentar manter a<br />
ditadura<br />
Página A14<br />
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Financiamento independente é<br />
condição para a luta<br />
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CALOURADA USP<br />
Repúdio dos estudantes<br />
ao PSDB e a Paulo<br />
Renato<br />
Página A14<br />
As lutas ocorridas como a ocupação da reitoria em 2007, a greve do ano passado, em que os estudantes enfrentaram a polícia no dia 9<br />
de junho foram lutas contra a ditadura que existe na universidade<br />
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28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA JUVENTUDE A14<br />
MEDO DA MOBILIZAÇÃO<br />
Rodas cede para tentar<br />
manter a ditadura<br />
A decisão do Conselho Universitária da USP de revogar<br />
a medida proposta pelo próprio atual reitor-interventor<br />
é resultado da enorme mobilização dos últimos anos<br />
CALOURADA NA USP<br />
Psol faz propaganda do reitorinterventor<br />
Na última reunião do Conselho<br />
Universitário, foi revogada<br />
a portaria que permitia a entrada<br />
da PM na cidade universitária<br />
e que está na origem do<br />
confronto entre os estudantes e<br />
a polícia militar em 9 de junho<br />
do ano passado.<br />
O DCE, dirigido pelo Psol,<br />
não perdeu tempo em elogiar o<br />
reitor-interventor, publicando<br />
em seu último boletim:<br />
“(...) com um discurso que<br />
pautou o diálogo entre as categorias<br />
(oposto ao feito na sessão de<br />
2008), o reitor mencionou ser sua<br />
tarefa atuar como mediador dos<br />
conflitos dentro da universidade.”<br />
(Boletim Eletrônico do DCE<br />
– Livre da USP “Alexandre Vannucchi<br />
Leme” Nº 03/2010 –<br />
Gestão “Para Transformar o<br />
Tédio em Melodia”).<br />
Nem sequer mencionam o<br />
fato de que foi o próprio Rodas<br />
que propôs a medida no Conselho<br />
universitário, com o claro<br />
objetivo de prevenir novas ocupações,<br />
como a de 2007. Ao<br />
contrário, procuram reforçar<br />
assim as ilusões que o próprio<br />
Rodas procura semear, de conciliação<br />
e “diálogo” com o reitor-interventor.<br />
A revogação não surge da<br />
boa vontade da reitoria e do governo,<br />
mas como produto exclusivo<br />
da mobilização dos estudantes<br />
e do medo da burocra-<br />
NENHUMA CONFIANÇA NO REITOR-INTERVENTOR<br />
Lutar pelo “fora Rodas”<br />
O Sintusp, em seu boletim,<br />
afirma que exige de Rodas que<br />
reverta a “herança” deixada<br />
por Suely. Na verdade, Rodas<br />
foi nomeado para aprofundar<br />
a política de repressão que o<br />
governo quer para a universidade<br />
e só não o fará na medida<br />
em que enfrente a resistência<br />
dos estudantes.<br />
A nomeação de Rodas por<br />
José Serra foi uma verdadeira<br />
provocação ao movimento estudantil.<br />
Na eleição farsa para<br />
reitor, realizada pela burocracia<br />
que dirige a universidade,<br />
Rodas ficou em segundo lu-<br />
cia universitária em ver o regime<br />
da USP se despedaçar.<br />
É interessante notar que o<br />
Psol nunca informa os estudantes<br />
com tanta agilidade. Quando<br />
tentaram aprovar no Conselho<br />
a cobrança do ônibus circular<br />
interno, nada disseram. O<br />
mesmo com relação ao endurecimento<br />
das regras para o jubilamento,<br />
ou mesmo o imenso<br />
gasto com instalação de câmera<br />
para vigiar os estudantes.<br />
Como primeiro ponto do<br />
boletim afirmam “1. Revogada<br />
a recomendação que autorizava<br />
a entrada da PM no campus! Foi<br />
revogada ontem, em sessão<br />
ordinária do Conselho Universitário<br />
(Co), a recomendação da<br />
CLR (Comissão de Legislação e<br />
Recursos do Conselho Universitário)<br />
de 28 de Maio de 2008,<br />
que autorizava a entrada da<br />
Polícia Militar no campus. Essa<br />
recomendação havia sido aprovada<br />
pelo Co, em sessão extraordinária,<br />
na mesma data.”<br />
“Esta atitude do reitor não<br />
pode ser vista apenas como sua<br />
disposição em ser ‘mediador’,<br />
é fruto sim da mobilização feita<br />
durante o ano de 2009, quando<br />
funcionários, professores e<br />
estudantes entraram em greve<br />
após a invasão da PM no campus,<br />
exigindo democracia na<br />
Universidade. Com esta primeira<br />
reunião do Co, o discurso do<br />
gar. Ou seja, Serra o escolheu<br />
mesmo diante da enorme rejeição<br />
da comunidade universitária<br />
<strong>à</strong>s eleições para reitor e a<br />
Rodas em especial. Isso no<br />
momento em que a luta dos estudantes<br />
na USP se dirige cada<br />
vez mais para o enfrentamento<br />
<strong>à</strong> ditadura que existe na universidade.<br />
Nesse sentido, quando os<br />
estudantes em luta enfrentaram<br />
a reitoria e expulsaram a PM,<br />
colocaram em xeque o próprio<br />
governo Serra. O governador,<br />
então, tratou de nomear aquele<br />
que em maior grau represen-<br />
Em reunião do órgão de decisão<br />
da Universidade de São Paulo,<br />
o Conselho Universitário, dirigido<br />
pelo reitor, foi decidida a revogação<br />
da medida que permite a entrada<br />
da polícia militar na cidade universitária.<br />
Logo em seguida <strong>à</strong> reunião já<br />
ficou claro o porquê. O Psol, na<br />
direção do DCE, divulgou em seu<br />
boletim que Rodas estava demonstrando<br />
que quer o “diálogo”<br />
e que estaria consertando um erro<br />
na reitoria anterior.<br />
É um ato inclusive que visa ajudar<br />
a burocracia estudantil, de funcionários<br />
e de professores a dar<br />
desculpas para as categorias do<br />
apoio a ele.<br />
Vale lembrar que a portaria foi<br />
proposta pelo próprio reitor-interventor<br />
em 2008.<br />
Como resposta a isso, a mobilização<br />
dos estudantes aumentou<br />
na universidade. Aprovaram a<br />
greve contra a PM no campus e o<br />
fato de os estudantes terem reagido<br />
<strong>à</strong> intervenção alterou a situação,<br />
de forma qualitativa.<br />
A política que os estudantes<br />
adotaram foi a de enfrentar a polícia<br />
e colocar em prática a palavra<br />
de ordem de “Fora a polícia do<br />
campus”.<br />
A crise aberta por este fato não<br />
será fechada tão rapidamente. Pelo<br />
contrário, a indicação do segundo<br />
Rodas retira medida com medo da mobilização e para tentar estancar crise na USP.<br />
novo reitor nada mais fez do que<br />
demonstrar o erro cometido<br />
pela reitoria no passado. É, sem<br />
dúvida, uma conquista para<br />
todos que acreditam que defender<br />
a universidade não é crime!”<br />
Os estudantes sequer aceitaram<br />
Rodas como reitor e o Psol<br />
já o colocam como grande e<br />
promissor ditador. Corrigindo<br />
os erros da gestão passada?<br />
“Rodas, o reparador.”<br />
O Psol se torna assim grande<br />
divulgador e defensor daquele<br />
que, ao ser indicado por Serra,<br />
colocou em evidência a ditadura<br />
imposta pelo estado capitalista<br />
na universidade.<br />
Rodas foi o primeiro a colocar<br />
a Tropa de choque na USP,<br />
no Largo São Francisco, após<br />
a ditadura, justamente para abrir<br />
caminho para o aumento da perseguição<br />
de repressão ao movimento<br />
estudantil.<br />
Rodas é ele mesmo a representação<br />
da ditadura na universidade.<br />
A revogação da medida<br />
não mostra disposição dele ao<br />
diálogo, mas apenas o medo que<br />
estão ao terem despertado o<br />
movimento dos estudantes para<br />
a ditadura imposta e pela reivindicação<br />
de derrubada do regime<br />
de alto a baixo na universidade.<br />
O Psol é uma viga para sustentar<br />
o regime em crise da USP<br />
que deve ser suspendida pelos<br />
estudantes em luta.<br />
ta a política contra a qual os<br />
estudantes lutam. Quer dizer,<br />
para enfrentar os estudantes<br />
que lutaram contra a repressão<br />
na universidade, escolheu justamente<br />
aquele que vai levar<br />
essa política mais a fundo. O<br />
fato de Rodas aparecer num<br />
primeiro momento como conciliador,<br />
defensor do diálogo e<br />
que inclusive está procurando<br />
fazer concessões ao movimento<br />
é parte desse plano.<br />
Rodas e Serra pretendem, assim,<br />
acalmar os estudantes<br />
para poder implementar sua<br />
política de ainda maiores ata-<br />
colocado nas eleições para reitor<br />
aumentou esta crise, mostrando<br />
que sequer a ínfima parte da universidade,<br />
a burocracia universitária,<br />
tem autonomia para decidir<br />
na USP.<br />
Assim, a instituição universitária<br />
foi quebrada.<br />
A tentativa agora da burguesia<br />
é recompor o regime, mas não consegue.<br />
As condições estão dadas para<br />
que a crise rebente e se torne impossível<br />
para o reitor-interventor<br />
continuar a administrar a situação.<br />
Anestesiar para o<br />
golpe<br />
A propaganda de todos os lados<br />
é de que Rodas seria uma “nova era<br />
na USP”.<br />
A revista Espaço Aberto nº 111,<br />
de fevereiro de 2010, editada pela<br />
Coordenadoria de Comunicação<br />
Social da USP publicou uma entrevista<br />
com o título “Um novo tom<br />
na reitoria”. Falou do seu gosto<br />
pela música e de como seria preocupado<br />
com as pessoas. “Vou<br />
continuar gerenciando pessoalmente<br />
o site e o twitter. Não quero<br />
me distanciar das pessoas”.<br />
É uma tentativa desesperada de<br />
acalmar a fúria do movimento<br />
estudantil contra a repressão e a<br />
política de privatização com as fundações<br />
privadas levada a frente por<br />
Rodas.<br />
Esta suposta benevolência se<br />
deve ao fato de o governo e a reitoria<br />
estão agindo sob enorme<br />
pressão dos estudantes, que realizaram<br />
em 2007 e em 2009 mobilizações<br />
imensas.<br />
Nem Serra, muito menos Rodas<br />
indicado por aquele, têm nenhuma<br />
intenção de acabar com a<br />
ditadura existente na USP. Pelo<br />
contrário, sua intervenção tem o<br />
objetivo de reforçar a submissão<br />
da universidade ao governo do estado<br />
capitalista.<br />
Bando dos Quatro é<br />
a sustentação da<br />
ditadura<br />
A crise na Universidade de São<br />
Paulo ficou mais exposta com a<br />
ques <strong>à</strong> universidade.<br />
Nesse sentido, a afirmação<br />
do Sintusp em seu novo boletim,<br />
de que os “processos e<br />
perseguições a militantes e<br />
multas ao Sindicato fazem parte<br />
de uma herança que ele recebe<br />
da ex-reitora e a categoria<br />
exige que sejam revertidos”, é<br />
uma completa inversão do que<br />
realmente ocorre. É claro que<br />
Rodas não recebe essa herança<br />
de Suely quase que como um<br />
ser passivo. Tanto não é assim<br />
que imediatamente após o Sintusp<br />
ter ganho uma liminar na<br />
Justiça que o isentava do pagamento<br />
de multas em decorrência<br />
da ocupação, a reitoria entrou<br />
com um pedido para reverter<br />
a decisão.<br />
Isso foi obra de Rodas tan-<br />
mobilização dos estudantes e funcionários<br />
em maio e junho de 2009.<br />
O enfrentamento entre os estudantes<br />
e a Polícia Militar dentro da<br />
cidade universitária revelaram para<br />
todo o país a contradição aguda<br />
entre os interesses e necessidades<br />
da comunidade universitária e o<br />
controle total exercido pelo governo<br />
do Estado sobre a instituição.<br />
No dia mais importante de toda<br />
a mobilização, o 9 de junho, a diretoria<br />
do DCE foi destituída da<br />
mesa da assembléia realizada após<br />
o confronto. Este fato foi o mais<br />
expressivo de um processo que se<br />
desenvolvia desde o início do ano,<br />
em que o Bando dos Quatro (PT,<br />
PCdoB, Psol, PSTU), agrupado<br />
em torno do PSTU, que era então<br />
direção do DCE, procurou de todas<br />
as maneiras bloquear a luta estudantil.<br />
As assembléias gerais foram o<br />
principal momento em que esta<br />
luta foi travada. O PSTU, apoiado<br />
por todo o Bando dos Quatro, procurava<br />
exercer uma ditadura sobre<br />
o movimento, impedindo que<br />
os estudantes manifestassem sua<br />
vontade.<br />
Várias vezes, a assembléia foi<br />
encerrada para que não saísse do<br />
controle e aprovasse o que a burocracia<br />
estudantil mais temia: uma<br />
greve que pudesse ter como desenvolvimento<br />
uma nova ocupação<br />
da reitoria.<br />
Após o enfrentamento com a<br />
polícia, que desnudou a enorme<br />
fraqueza da reitoria, também os<br />
apêndices desta, a burocracia estudantil<br />
do Bando dos Quatro, fo-<br />
USP<br />
Repúdio dos estudantes ao<br />
PSDB e a Paulo Renato<br />
O representante do governo<br />
Serra não tinha condições<br />
de enfrentar os estudantes e<br />
não compareceu ao debate.<br />
O Psol fingiu que nem o convidou,<br />
tamanho vexame.<br />
O Psol na direção do DCE<br />
da USP convidou para a calourada<br />
o secretário da educação<br />
no estado de São Paulo,<br />
Paulo Renato Souza, do<br />
PSDB, para debater a educação<br />
no Brasil.<br />
O indicado de Serra foi<br />
chamado para falar em semana<br />
que é dos estudantes.<br />
Uma verdadeira provocação<br />
feita pelos que traíram as<br />
últimas mobilizações mais<br />
importantes no movimento<br />
estudantil, a ocupação da<br />
reitoria em 2007 e a greve em<br />
2009.<br />
Como a impopularidade<br />
do PSDB é imensa, Paulo<br />
Renato não compareceu e<br />
nem mandou representante.<br />
As manifestações de indignação<br />
com a possível presença<br />
do ex-ministro da educação<br />
de FHC e atual secretário<br />
de Serra eram notáveis<br />
antes do início do debate.<br />
Diversos estudantes afirmaram<br />
que ele não poderia falar<br />
na calourada.<br />
O Psol para tentar minimizar<br />
o ridículo de chamar o<br />
secretário de Serra no meio<br />
de imensa luta dos estudan-<br />
tes contra a ditadura na universidade,<br />
controlada pelo Serra,<br />
não comentou no início do debate<br />
a ausência do convidado.<br />
Ficou claro que a política do<br />
Psol é de total apoio a Rodas e,<br />
conseqüentemente, ao PSDB.<br />
Defendem o diálogo com<br />
Rodas e Serra, no entanto, não<br />
há diálogo com a ditadura.<br />
É uma imposição do governo<br />
e o movimento só pode reagir<br />
a isso através da força.<br />
Não há outra maneira.<br />
Rodas foi indicado justamente<br />
por corresponder totalmente<br />
<strong>à</strong> política de Serra para<br />
a universidade: a privatização.<br />
Ele pode usar o expediente<br />
de atender a uma reivindicação<br />
ou outra, e assim que estabilizar<br />
o regime retira tudo.<br />
A política de Rodas e das direções<br />
sindicais e estudantis<br />
significa um verdadeiro golpe<br />
contra as mobilizações do último<br />
ano.<br />
E a calourada organizada<br />
pelo Psol foi no sentido de desmoralizar<br />
a luta que vem sendo<br />
travada pelos estudantes,<br />
chamando o secretário de<br />
Serra para o “diálogo”.<br />
Após a fala dos convidados<br />
para o debate, inscreveram<br />
apenas dez pessoas para intervirem,<br />
impedindo a discussão.<br />
Os militantes da AJR (juventude<br />
do PCO) protestaram<br />
contra a calourada pro-<br />
to quanto de Suely.<br />
A diretoria do Sintusp se esquece<br />
que foi Rodas o autor da<br />
medida aprovada no Conselho<br />
Universitário que autoriza a entrada<br />
da PM no campus. Foi ele<br />
também o primeiro a chamar a<br />
polícia para bater em estudantes<br />
e ativistas que ocupavam o<br />
prédio da Faculdade de Direito,<br />
quando era diretor da mesma<br />
em 2007.<br />
A conclusão do Sintusp é o<br />
caminho da capitulação. “Exigir”<br />
que Rodas reverta a situação<br />
significa, nesse caso, que<br />
é preciso ter esperança em Rodas.<br />
O novo reitor poderia, segundo<br />
a diretoria do Sintusp,<br />
melhorar a situação da USP.<br />
Nada mais absurdo. O que<br />
está em pauta é a luta contra a<br />
ram derrotados pelos estudantes e<br />
o DCE destituído da mesa da assembléia,<br />
que foi assumida pelos<br />
militantes do PCO e estudantes<br />
sem partido em luta.<br />
Ficou demonstrado, na prática,<br />
mais uma vez, que para o movimento<br />
conseguir se desenvolver<br />
precisa romper com a burocracia<br />
estudantil, que é apenas um apoio<br />
ao regime.<br />
As conquistas<br />
parciais e o controle<br />
da universidade<br />
Rodas, o segundo colocado na<br />
consulta ao Conselho Universitário,<br />
foi levado ao posto para entregar<br />
a universidade aos capitalistas<br />
e recuperar o controle da reitoria<br />
sobre toda a universidade.<br />
O poder dentro da universidade<br />
está concentrado nas mãos da<br />
reitoria e do governo do estado. E<br />
apenas com este poder é que as reivindicações<br />
estudantis estarão asseguradas.<br />
As conquistas parciais como<br />
esta são secundárias, pois o reitorinterventor<br />
tem o poder de retirar<br />
quando achar conveniente a ele e<br />
a sua política.<br />
Tudo o que está sendo feito<br />
agora e as promessas de Rodas são<br />
com o intuito de desarmar e dispersar<br />
o movimento estudantil para<br />
o plano de Serra de privatização da<br />
USP, que, no entanto, sofrerá<br />
enorme resistência do movimento<br />
estudantil.<br />
movida pelos que demonstraram<br />
apoiar o reitor-interventor.<br />
Denunciaram a calourada<br />
dos estudantes que<br />
não tinha como eixo a luta<br />
dos estudantes e sim o contrário,<br />
a conciliação com o<br />
reitor-interventor.<br />
Os estudantes que estiveram<br />
na luta pela autonomia<br />
universitária, contra a repressão<br />
policial não puderam<br />
discutir com os ingressantes<br />
o movimento estudantil<br />
a luta política travada<br />
na universidade. A intervenção<br />
da militante da AJR ressaltou<br />
também que não há<br />
diálogo com a ditadura e que<br />
é com a luta que é possível<br />
conquistar as reivindicações<br />
estudantis.<br />
Convidaram o representante<br />
do governo, professores<br />
e membros do Psol, que<br />
boicotaram e atacaram o<br />
movimento dos estudantes,<br />
ou seja, os que estavam do<br />
outro lado da barricada e não<br />
do lado dos estudantes. Não<br />
convidaram para falar nenhuma<br />
das organizações que<br />
estiveram a frente da mobilização<br />
e participaram das<br />
maiores lutas das últimas<br />
décadas no movimento estudantil,<br />
que foi a ocupação<br />
da reitoria da USP em 2007<br />
e o enfrentamento com a PM<br />
na greve de 2009.<br />
ditadura na universidade e nesse<br />
momento a expressão dessa<br />
luta é a palavra de ordem “Fora<br />
Rodas”. Depositar essa “esperança”<br />
no reitor-interventor de<br />
Serra ou participar da “conciliação”<br />
pregada por ele mesmo<br />
significa trair a luta levada até<br />
agora e fazer o movimento retroceder.<br />
A luta contra Rodas<br />
é a nova etapa da luta contra a<br />
ditadura na universidade, pela<br />
autonomia desta diante do estado<br />
e pelo poder político dos<br />
que a compõem. Esta é a única<br />
solução possível para resolver<br />
de fato os problemas enfrentados<br />
pela comunidade universitária.<br />
O que está colocado é<br />
avançar na organização do movimento<br />
contra Rodas, o reitorinterventor<br />
da USP.
CAUSA<br />
Neste ano, as eleições que deram a vitória a Salvador Allende<br />
no Chile, governo de esquerda derrubado pelo golpe militar<br />
encabeçado por Augusto Pinochet, completam 40 anos.<br />
¡¢£¤£¥£¦£§¦¨¢£ ©©<br />
Aproveitamos a ocasião para analisar como a política pequeno<br />
burguesa da Unidade Popular possibilitou a derrota da<br />
classe operária chilena e criou as condições para a vitória do<br />
imperialismo e da grande burguesia chilena<br />
OPERÁRIA <br />
A vitória da frente popular no Chile<br />
<br />
Há cerca de 40 anos, em janeiro<br />
de 1970, iniciavam-se os<br />
preparativos para as eleições<br />
presidenciais do Chile, que<br />
mudariam o panorama político<br />
do País, em meio a diversas mobilizações<br />
operárias por todo<br />
o Chile que impulsionavam a<br />
vitória eleitoral da esquerda.<br />
Havia uma série de negociações<br />
para a aprovação de um nome<br />
que representasse a chamada<br />
Unidade Popular (UP), que era<br />
composta pelo Partido Socialista,<br />
pelo Partido Comunista<br />
Chileno, pelo Partido Radical e<br />
pelo Partido Social Democrata,<br />
pelo Movimento de Ação Popular<br />
Unitário (MAPU) e pela<br />
Ação Popular.<br />
Entre esta forças políticas destacava-se<br />
o Partido Comunista<br />
do Chile, considerado o maior<br />
partido da esquerda chilena<br />
e que nas eleições anteriores<br />
tinha conseguido um resultado<br />
eleitoral de 17% dos votos e<br />
eleito 5 senadores e 21 deputados.<br />
O candidato principal da Unidade<br />
Popular <strong>à</strong> presidência da<br />
República ainda era incerto.<br />
A indicação do Partido Comunista<br />
era do poeta Pablo<br />
Neruda e havia a possibilidade<br />
de Salvador Allende, nome do<br />
Partido Socialista. No entanto,<br />
no acordo nal entre as forças<br />
políticas da Unidade Popular o<br />
nome de Allende foi o escolhido<br />
apesar de alguma oposição a<br />
ele, pois já havia participado de<br />
outras três eleições nas quais<br />
tinha sido derrotado. <br />
A formação da Unidade<br />
Popular, não por acaso, tem<br />
origem quase 20 anos antes,<br />
na década de 1950. Antes<br />
mesmo da formação da<br />
Unidade Popular, o Partido<br />
Socialista e o Partido Comunista<br />
haviam organizado uma<br />
aliança chamada Frente do<br />
Povo no ano de 1951. Esta foi<br />
formada pelo Partido Comu-<br />
<br />
nista e por apenas uma fração<br />
do Partido Socialista em<br />
um momento em que ambas<br />
as organizações estavam debilitadas<br />
devido <strong>à</strong> política de<br />
colaboração de classes com os<br />
governos burgueses da época.<br />
O Partido Comunista cou<br />
comprometido com o governo<br />
chamado de “frente popular”<br />
de Gabriel González Videla<br />
que governou o País de 1946<br />
a 1952. Neste governo, o PC<br />
chileno havia participado com<br />
três ministros. Após esta desastrosa<br />
experiência o PC caiu<br />
na ilegalidade.<br />
Já o Partido Socialista estava<br />
envolvido com outro governo<br />
burguês, o de Carlos Ibañez<br />
del Campo de 1952 a 1958. O<br />
articulador da Frente do Povo<br />
foi o próprio Allende que era<br />
contrário ao envolvimento do<br />
PS no governo de Ibañez. A<br />
Frente do Povo servia como<br />
uma espécie de redenção para<br />
estes partidos diante do fracasso<br />
do apoio <strong>à</strong> burguesia<br />
no período anterior. Era uma<br />
frente puramente eleitoral,<br />
com um programa de reformas<br />
sociaisque se auto-intitulava<br />
“uma aliança antifeudal e<br />
antiimperialista”.<br />
A Frente do Povo, nalmente,<br />
era mais uma maneira<br />
de atrelar a classe operária <strong>à</strong><br />
burguesia, uma típica frente<br />
popular. No ano de 1956,<br />
todo o Partido Socialista aderiu<br />
<strong>à</strong> Frente do Povo e o Partido<br />
Comunista declarou esta<br />
frente como um importante<br />
passo para estabelecer, segundo<br />
documento do próprio<br />
PC, “uma aliança democrática<br />
com a burguesia nacional”.<br />
No quadro político do Chile<br />
da época, o Partido Socialista<br />
tinha uma pequena inserção<br />
entre os trabalhadores.<br />
A maior parte do partido era<br />
composta pela classe média<br />
urbana. Ao contrário, PC era,<br />
majoritariamente, o partido<br />
da classe operária chilena.<br />
Dois anos depois, a Frente<br />
do Povo, após a adesão de outros<br />
agrupamentos menores<br />
de esquerda, se transformou<br />
em Frap (Frente de Ação Popular)<br />
e participou das eleições.<br />
Esta foi a primeira eleição<br />
de Allende como candidato<br />
<strong>à</strong> presidência do Chile. Ele<br />
perdeu para Jorge Alessandri<br />
por uma pequena margem de<br />
votos. Durante o governo de<br />
Alessandri, a Frap se fortaleceu<br />
como agrupamento político.<br />
Nas eleições seguintes, em<br />
1964, Allende voltou a concorrer<br />
como o candidato pela Frap<br />
e perdeu novamente agora para<br />
Eduardo Frei Montalva, candidato<br />
da Democracia-Cristã.<br />
Este era um agrupamento político<br />
nitidamente de origem<br />
fascista e falangista que conseguiu<br />
apoio no meio da grande<br />
<br />
massa de desempregados e em<br />
<br />
alguns setores do campesinato.<br />
Este apoio foi conseguido<br />
na base de muita demagogia<br />
com promessas de reforma<br />
agrária e construção de casas<br />
populares. Allende e a Frap<br />
adotaram a posição política da<br />
Democracia-Cristã. Ao invés de<br />
denunciar a política demagoga<br />
de Eduardo Frei Montalva,<br />
a Frap fez o mesmo tipo de<br />
demagogia, copiando descaradamente<br />
o mesmo programa.<br />
Percebendo esta debilidade,<br />
a direita chilena iniciou um<br />
processo de “caça <strong>à</strong>s bruxas” <strong>à</strong><br />
Frap. A Frap se rendeu <strong>à</strong> direita<br />
evitando o confronto direto por<br />
meio da mobilização operária<br />
e popular.Esta adotou uma<br />
política defensiva de não cair na<br />
provocação da direita e chegou<br />
a afirmar em sua campanha<br />
política que caso ganhasse as<br />
eleições não iria instituir um<br />
“governo socialista”.<br />
Com um forte nanciamento<br />
da CIA, a Democracia-Cristã<br />
ganhou as eleições e Frei Montalva<br />
foi eleito presidente do<br />
Chile.<br />
A Frap saiu profundamente debilitada<br />
das eleições. Com esta<br />
situação, o Partido Comunista<br />
vai mais <strong>à</strong> direita propondo<br />
uma ampliação da Frap com a<br />
incorporação de mais organizações,<br />
entre elas, o burguês<br />
Partido Radical. O PC passou<br />
a defender um socialismopela<br />
via pací ca, sema necessidade<br />
de uma revolução social. Dessa<br />
forma, o PC passou a defender<br />
reformas sociais no regime<br />
burguês.<br />
O Partido Socialista, por meio<br />
de uma das inúmeras frações<br />
que o compõem, a ala esquerda<br />
(Altamiro-Almeyda), rejeitou a<br />
aliança com o Partido Radical e<br />
criticou a política defensiva da<br />
Frap. O PS propôs uma frente<br />
de trabalhadores com independência<br />
política da classe<br />
operária, defendeu a necessidade<br />
da revolução armada e da<br />
destruição do Estado burguês.<br />
Esta ala estava profundamente<br />
influenciada pela política de<br />
Fidel Castro e pela Revolução<br />
Cubana.<br />
Apesar de toda a fraseologia<br />
de esquerda e radical, o PS se<br />
rendeu <strong>à</strong> política stalinista do<br />
PC e se manteve na Frap com<br />
a política de frente eleitoral e<br />
defesa do regime capitalista.<br />
As promessas de Eduardo<br />
Frei Montalva obviamente<br />
não foram cumpridas. A reforma<br />
agrária prometida pelo<br />
Frei se restringiu a um número<br />
insigni cante de assentamentos<br />
em péssimas terras<br />
e com polpudas indenizações<br />
para os latifundiários. As poucas<br />
casas que foram constru-<br />
<br />
ídas foram em bairros ricos.<br />
<br />
Havia também a promessa<br />
de estatização do cobre, mas<br />
o que de fato aconteceu foi a<br />
entrega deste para os capitalistas<br />
norte-americanos. Os<br />
salários não aumentaram eforam<br />
consumidos pela in ação.<br />
A demagogia de governo<br />
“puro” e“ético” se reverteu<br />
Allende assumiu o governo deixando partes fundamentais do Estado nas mãos da burguesia.<br />
em inúmeras denúncias de<br />
corrupção. Com esta situação<br />
houve uma crise interna na<br />
própria Democracia-Cristã.A<br />
juventude da Democracia-<br />
Cristãrompeu com a organização<br />
e se uniu aos reformistas<br />
da MAPU.<br />
O fracasso do governo da<br />
Democracia-Cristã foi o estopim<br />
para um vigoroso ascenso<br />
operário que tomou conta do<br />
Chile em meados de 1967.<br />
Foram realizadas dezenas<br />
de ocupações de terras,<br />
grandes manifestações nas<br />
periferias de Santiago pelos<br />
sem-teto que reivindicavam<br />
moradia, dezenas de greves<br />
nas fábricas, mobilizações estudantis<br />
etc.<br />
A situação era claramente<br />
revolucionária. A poucos meses<br />
das eleições presidenciais<br />
de 1970, o Chile teve sua primeira<br />
grande greve agrária e<br />
a central operária paralisou o<br />
País por 24 horas.<br />
Com o ascenso operário a<br />
esquerda tinha reais chances<br />
de ganhar as eleições. A Frap<br />
tentou aproveitar o momento<br />
de maneira oportunista, utilizando<br />
o ascenso das massas<br />
como uma chance de obter<br />
sucesso eleitoral. O Partido<br />
Comunista impôs sua política<br />
e a frente foi ampliada com a<br />
<br />
entrada de uma ala do parti-<br />
<br />
do Radical, um grupo pequeno-<br />
burguês chamado API, e o<br />
MAPU.<br />
O Partido Socialista não<br />
fez nenhuma objeção ao rumo<br />
que a frente estava tomando e<br />
permitiu estas alianças. Então<br />
cou formada a nova frente<br />
que foi chamada de Unidade<br />
Popular.<br />
Allende se lançou mais uma<br />
vez como candidato apesar de<br />
manifesta rejeição de sua candidatura<br />
por parte do Partido<br />
Comunista. Este tinha indicado<br />
o poeta Pablo Neruda<br />
para impedir a candidatura de<br />
Allende. Mas a in uência de<br />
Allende fez com que ele fosse<br />
escolhido candidato pela Unidade<br />
Popular.<br />
Na campanha eleitoral Allende<br />
defendeu o programa<br />
de reformas da Democracia-<br />
Cristã com a promessa de<br />
construção de moradias, mais<br />
emprego e reforma agrária<br />
nos parâmetros da lei, sem<br />
nenhuma espécie de expropriação.<br />
No quadro eleitoral, o principal<br />
concorrente de Allende<br />
foi novamente o direitista<br />
Jorge Alessandri pelo Partido<br />
Nacional. A Democracia-<br />
Cristã lançou como candidato<br />
Radomiro Tomic. Tomic “radicalizou”<br />
em seu discurso,<br />
chegando a falar contra o capitalismo<br />
devido ao enorme<br />
fracasso do governo anterior<br />
que desmoralizou o partido<br />
diante das massas.<br />
Todo o processo eleitoral,<br />
antes da votação, foi uma verdadeira<br />
guerra civil. Existia<br />
uma clara polarização entre<br />
Allende e Alessandri que se<br />
re etiu entre os trabalhado-<br />
res, a população pobre e direita<br />
fascista nanciada pelo<br />
imperialismo.<br />
Durante a campanha eleitoral,<br />
Alessandri era completamente<br />
repudiado nos bairros<br />
populares. A cada visita<br />
que fazia, o candidato do imperialismo<br />
era recebido com<br />
grandes manifestações que<br />
eram verdadeiras sublevações<br />
populares. Em algumas cidades<br />
como Cardenal, Tomé e<br />
Loto, a polícia foi obrigada a<br />
dispersar uma mobilização<br />
operária realizada contra a<br />
presença de Alessandri em<br />
uma visita do candidato a estas<br />
cidades..Na campanha de<br />
Allende foram organizados<br />
comitês eleitorais da Unidade<br />
Popular que se multiplicaram<br />
exponencialmente em todo o<br />
Chile. Em poucos meses foram<br />
formados 14.800 comitês<br />
eleitorais da Unidade Popular.<br />
No último comício de Allende<br />
compareceram 400 mil pessoas.<br />
Para tentar conter o ascenso<br />
operário, a direita contratou<br />
capangas para atacar os<br />
comitês, cerca de 50 foram<br />
destruídos por ações de grupos<br />
fascistas.<br />
As eleições ocorreram no<br />
dia 4 de setembro com uma<br />
vitória apertada para Allende<br />
que obteve 36,6% dos votos,<br />
seguido por Alessandri com<br />
34,8% e Tomic em terceiro<br />
lugar com 27%.<br />
Os votos de Allende re etiam<br />
um apoio <strong>à</strong> esquerda<br />
sem precedentes na história<br />
do Chile. Apoio que era dado<br />
em grande parte pelasmulheres,<br />
a classe média urbana<br />
e o campesinato... Com o resultado<br />
das eleições dezenas<br />
de manifestações populares<br />
ocorreram por todo o País<br />
para comemorar a vitória de<br />
Allende. <br />
O resultado das eleições não<br />
foi su ciente para que Allende<br />
fosse decretado presidente.<br />
Como havia uma margem muito<br />
pequena entre Allende e Alessandri,<br />
cabia ao Congresso chileno<br />
determinar se o resultado era<br />
válido ou não e se seria necessário<br />
convocar novas eleições.<br />
Como o Congresso era dominado<br />
pelos rivais de Allende (o<br />
<br />
Partido Nacional de Alessandri<br />
e a Democracia-Cristã), a posse<br />
da Unidade Popular cou sob o<br />
julgo destes partidos.<br />
A idéia inicial era votar contra<br />
o resultado e então convocar<br />
novas eleições onde o PN e a<br />
DC lançassem um candidato<br />
para concorrer com a Unidade<br />
Popular.<br />
No entanto, com medo da revolta<br />
popular, caso as eleições fossem<br />
anuladas, a Democracia-Cristã<br />
do presidente Frei Montalva<br />
e o candidato Tomic acharam<br />
melhor evitar o levante popular<br />
caso a anulação da eleição fosse<br />
votada.<br />
Mesmo aceitando o governo de<br />
Allende e da Unidade Popular, a<br />
direita tentou não entregar tudo.<br />
Para tanto, Frei Montalva propõs<br />
que a UP assinasse uma espécie<br />
de “termo de compromisso” que<br />
desse garantias de que o seu<br />
governo não ia ultrapassar o regime<br />
burguês, garantindo o bom<br />
funcionamento das instituições<br />
burguesas como a Igreja, as Forças<br />
Armadas e a imprensa.<br />
Para tentar convencer de maneira<br />
mais rápida a UP a assinar<br />
este documento, chamado de<br />
Estatuto de Garantias, o governo<br />
de Frei Montalva montou uma<br />
operação, juntamente com a<br />
CIA e a ITT, para desestabilizar<br />
a economia do Chile e colocar a<br />
UP sob pressão.<br />
O governo anunciou que a economia<br />
estava passando por uma<br />
enorme crise econômica,o País<br />
perdeu investidores e o dólar<br />
aumentou elevando a in ação.<br />
Para agravar a situação, no dia<br />
25 de outubro de 1970, o general<br />
do exército, Schneider,foi<br />
assassinado em pleno centro de<br />
Santiago. A operação foi feita<br />
por grupos fascistas nanciados<br />
pela CIA.<br />
Logo depois, o Congresso aprovou<br />
as eleições, mas mediante a<br />
assinatura da UP de um Estatuto<br />
de Garantias Constitucionais.<br />
Este estatuto, posteriormente<br />
incorporado <strong>à</strong> Constituição<br />
Federal do Chile, estabelecia<br />
que o governo Allende não poderia<br />
alterar o funcionamento<br />
e nem a estrutura das Forças<br />
Armadas, não alterando sua<br />
hierarquia nem o monopólio<br />
das armas. A Igreja manteve<br />
seu controle sobre a educação<br />
privada e teve garantidos seus<br />
subsídios estatais . Os meios de<br />
comunicação privados continuaram<br />
sob o poder da burguesia<br />
para serem utilizados contra os<br />
trabalhadores.<br />
Allende chegou a afirmar “O<br />
processo chileno, nós o faremos<br />
dentro da democracia burguesa<br />
e dentro de uma Constituição<br />
que não fomos nós que fizemos”.<br />
Partes fundamentais do estado<br />
foram deixadas nas mãos da<br />
burguesia. A assinatura deste<br />
estatuto foi o sepultamento da<br />
mobilização operária, o que poderia<br />
ser constatado três anos<br />
depois com o golpe militar de<br />
Pinochet.<br />
A vitória de Allende e da Unidade<br />
Popular foi resultado do<br />
enorme ascenso operário que<br />
surgiu no Chile no nal da década<br />
de 1960 e que possibilitou<br />
<strong>à</strong> UP ganhar as eleições como<br />
expressão do descontentamento<br />
generalizado dos trabalhadores<br />
e da população pobre chilena.<br />
Mas os objetivos da UP não<br />
<br />
estavam em sintonia com a evo-<br />
<br />
lução revolucionária da situação.<br />
A política pequeno-burguesa<br />
democrática que dominava a<br />
frente, como toda política desta<br />
natureza, só conseguiu enxergar<br />
seus interesses imediatos e mesquinhos<br />
de ganho eleitoral. Esta<br />
foi uma política que interpretou<br />
de maneira equivocada os sinais<br />
que a situação indicava. O enorme<br />
ascenso que se processou em<br />
todo o Chile foi interpretado pela<br />
UP como uma mera oportunidade<br />
eleitoral e, pior, para um acordo<br />
com a burguesia acreditando<br />
que esta manteria o status quo.<br />
Este foi o resultado do fracasso<br />
do governo Allende que levou<br />
posteriormente ao golpe, pois a<br />
burguesia estava atenta e sabia<br />
perfeitamente que o ascenso das<br />
massas chilenas tinha características<br />
revolucionárias e colocava<br />
em cheque sua dominação.<br />
O caso da UP se assemelha<br />
bastante com a política do PT e<br />
da frente popular no Brasil. Esta<br />
é uma política típica da pequena<br />
burguesia que dominou a direção<br />
do PT e que se vendeu <strong>à</strong> burguesia<br />
para conseguir migalhas eleitorais<br />
a troco do esmagamento<br />
da evolução revolucionária<br />
da classe operária brasileira<br />
desde a década de 1980 até<br />
os dias de hoje.ria brasileira<br />
desde a década de 1980 até os<br />
dias de hoje.<br />
Trabalhadores chilenos marcham em apoio a Salvador Allende, em 1964.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA TEORIA<br />
QUESTÕES DE TÁTICA<br />
Pela frente única nos sovietes como<br />
órgãos supremos de frente única<br />
Leon Trótski<br />
Dando continuidade <strong>à</strong> série de textos sobre a questão da<br />
frente única, publicamos aqui mais um capitulo do livro<br />
“Revolução e contra-revolução na Alemanha”, de Trótski<br />
A admiração verbal pelos<br />
sovietes espalhou-se nos círculos<br />
de “esquerda” ao mesmo<br />
tempo que a incompreensão de<br />
sua função histórica. Em geral,<br />
definem-se os sovietes como<br />
órgãos de luta pelo poder,<br />
como órgãos de insurreição e,<br />
enfim, como órgãos da ditadura.<br />
Estas definições estão certas<br />
formalmente. Mas absolutamente<br />
não encerram toda a<br />
função histórica dos sovietes.<br />
Antes de tudo, não explicam<br />
porque são precisamente os<br />
sovietes que são necessários<br />
na luta pelo poder. A resposta<br />
a esta questão é a seguinte:<br />
assim como o sindicato é a<br />
forma elementar de frente única<br />
na luta econômica, do mesmo<br />
modo o soviete é a forma<br />
mais elevada da frente única<br />
nas condições em que o proletariado<br />
entra na fase da luta<br />
pelo poder.<br />
O soviete, por si mesmo, não<br />
possue nenhuma força milagrosa.<br />
É apenas a representação<br />
de classe do proletariado,<br />
com todos os lados fortes e<br />
todos os lados fracos deste<br />
último. Mas é precisamente por<br />
isso, e exclusivamente por<br />
isso, que o soviete cria a possibilidade<br />
organizatória dos<br />
operários de diferentes tendências<br />
políticas, de um nível<br />
de desenvolvimento diferente,<br />
unirem os seus esforços na<br />
luta revolucionária pelo poder.<br />
Na situação pré-revolucionária<br />
de hoje, os operários alemães<br />
devem compenetrar-se<br />
com especial clareza da função<br />
histórica dos sovietes como<br />
órgãos de frente única.<br />
Se o Partido Comunista tivesse<br />
conseguido eliminar<br />
completamente das fileiras<br />
operárias, durante o período<br />
preparatório, todos os outros<br />
partidos, depois de ter reunido<br />
sob sua bandeira, política e organizatoriamente,<br />
a maioria esmagadora<br />
desses operários,<br />
não seria necessária a existência<br />
dos sovietes. Mas, como o<br />
demonstra a experiência histórica,<br />
não há razão alguma para<br />
crer que em qualquer país, –<br />
nos países de antiga cultura<br />
capitalista ainda menos que<br />
nos países atrasados, – o Partido<br />
Comunista chegue, principalmente<br />
antes da<br />
insurreição proletária, a<br />
ocupar uma situação tão indiscutível<br />
e incondicionalmente<br />
dominante nas fileiras operárias.<br />
É precisamente a Alemanha<br />
de hoje que nos mostra que a<br />
tarefa da luta direta e imediata<br />
pelo poder se apresenta ao proletariado<br />
muito antes dele estar<br />
inteiramente reunido sob a<br />
bandeira do Partido Comunista.<br />
Uma situação revolucionária<br />
no plano político consiste<br />
precisamente em que todos os<br />
agrupamentos e todas as camadas<br />
do proletariado, ou pelo<br />
menos a sua maioria esmagadora,<br />
estejam tomados do desejo<br />
de unificar os seus esforços,<br />
visando a mudança do<br />
regime existente. Isto, contudo<br />
não quer dizer que todos compreendam<br />
como fazê-lo e, ainda<br />
menos, que estejam todos<br />
prontos, já hoje, para romper<br />
com os seus partidos e passar<br />
para as fileiras do comunismo.<br />
Não, a consciência política da<br />
classe não chega <strong>à</strong>, sua maturação<br />
de acordo com um plano<br />
tão rigoroso e de uma maneira<br />
tão metódica; continuam a<br />
existir profundas divergências<br />
internas, mesmo durante a<br />
época revolucionária, quando<br />
todos os processos se desenvolvem<br />
por saltos. Mas, ao<br />
mesmo tempo, a necessidade<br />
de uma organização acima dos<br />
partidos, compreendendo<br />
toda a classe, adquire uma acuidade<br />
especial. Dar uma forma a<br />
esta necessidade - é este o<br />
destino histórico dos sovietes.<br />
É esta a sua imensa função. Nas<br />
condições da situação revolucionária,<br />
exprimem a suprema<br />
organização da unidade proletária.<br />
Quem não tiver compreendido<br />
isso nada compreendeu<br />
do problema dos sovietes.<br />
Thaelmann, Neumann, Remmele,<br />
podem pronunciar <strong>à</strong> vontade<br />
os seus discursos e escrever<br />
artigos sobre “a Alemanha<br />
Soviética” futura. Pela sua política<br />
atual, sabotam a criação<br />
dos sovietes na Alemanha.<br />
Longe dos acontecimentos,<br />
sem ter impressões imediatas<br />
provenientes das massas, sem<br />
a possibilidade de tomar o pul-<br />
so da classe operária, é-me difícil<br />
prever as formas transitórias<br />
que levarão <strong>à</strong> criação de<br />
sovietes na Alemanha. Em<br />
outro escrito, formulei a suposição<br />
de que os sovietes alemães<br />
podem vir a ser uma forma<br />
ampliada dos comitês de<br />
empresa; baseava-me então,<br />
principalmente, na experiência<br />
de 1923. Mas não é este, bem<br />
entendido, o único meio. Sob a<br />
pressão do desemprego e da<br />
miséria, por um lado, e diante<br />
da ofensiva fascista, por outro,<br />
a necessidade de unidade revolucionária<br />
pode vir <strong>à</strong> tona subitamente<br />
sob a forma de sovietes,<br />
pondo-se de lado os comitês<br />
de empresa. Mas, independentemente<br />
do meio pelo<br />
qual devam surgir, os sovietes<br />
não podem vir a ser outra coisa<br />
senão a expressão organizatória<br />
dos lados fortes e dos lados<br />
fracos do proletariado, de suas<br />
divergências internas e de sua<br />
ânsia geral para dominá-las;<br />
em suma: órgãos de frente<br />
única da classe.<br />
—“:A social-democracia e o<br />
Partido Comunista dividem entre<br />
si, na Alemanha, a influência<br />
sobre a maioria da classe<br />
operária. A direção social-democrata<br />
faz o que pode para<br />
afastar de si os operários A<br />
direção do Partido Comunista<br />
entrava com toda a sua força o<br />
afluxo dos operários. Em conseqüência<br />
disso, surgiu um<br />
terceiro partido, acompanhado<br />
de uma mudança relativamente<br />
lenta das relações de forças<br />
a favor dos comunistas. Mas,<br />
mesmo com a política mais justa<br />
por parte do Partido Comunista,<br />
a necessidade que têm os<br />
operários da unificação revolucionária<br />
da classe cresceria<br />
muito mais depressa do que a<br />
preponderância do Partido Comunista<br />
em seu seio. A necessidade<br />
da criação dos sovietes<br />
conservaria, portanto, toda a<br />
sua importância,<br />
A criação dos sovietes pressupõe<br />
um acordo entre os diversos<br />
partidos e organizações<br />
da classe operária, a começar<br />
pela fábrica, tanto no que concerne<br />
<strong>à</strong> própria necessidade<br />
dos sovietes, como quanto <strong>à</strong><br />
hora e aos meios de sua criação.<br />
Isto quer dizer que se os<br />
sovietes representam a forma<br />
suprema de frente única numa<br />
fase revolucionária, devendo a<br />
sua criação ser precedida de<br />
uma política de frente única na<br />
fase preparatória.<br />
Será preciso lembrar ainda<br />
uma vez que durante seis meses<br />
de 1917 os sovietes na<br />
Rússia tinham uma maioria de<br />
conciliadores? O Partido bolchevique,<br />
sem renunciar um só<br />
momento <strong>à</strong> sua independência<br />
revolucionária, como Partido,<br />
submetia-se, ao mesmo tempo,<br />
nos limites de atividade dos<br />
sovietes, a uma disciplina de<br />
organização com relação <strong>à</strong><br />
maioria. Pode-se afirmar sem<br />
temor que a Alemanha o Partido<br />
Comunista, no próprio dia<br />
da criação dos sovietes, teria<br />
nestes um lugar muito mais importante<br />
do que o que ocupavam<br />
os bolcheviques nos sovietes<br />
de março de 1917. Não se<br />
exclue absolutamente a probalidade<br />
dos comunistas adquirirem<br />
muito depressa a maioria<br />
nos sovietes. Isto não tirará em<br />
nada aos sovietes a significação<br />
de instrumentos de frente<br />
única, porque a minoria – os<br />
social-democratas, os sempartido,<br />
os operários católicos,<br />
etc. – terá, a princípio, apesar<br />
de tudo, alguns milhões e, na<br />
tentativa de um salto por cima<br />
de uma tal minoria, pode-se<br />
bem, na situação mais revolucionária,<br />
quebrar a cabeça.<br />
Mas tudo isso é uma cantiga<br />
para o futuro. Hoje, é o Partido<br />
Comunista que está em minoria.<br />
É daí que precisamos partir.<br />
Bem entendido, tudo o que<br />
acima ficou dito não quer dizer<br />
que a criação de sovietes só<br />
seja possível por um acordo<br />
com Wels, Hilferding, Breitscheid,<br />
etc. Se em 1918 Hilferding<br />
meditava como incluir os<br />
sovietes na Constituição de<br />
teimar sem prejuízo para esta<br />
última, hoje o seu pensamento<br />
trabalha, sem dúvida, sobre o<br />
problema de saber-se como incluir<br />
na Constituição de Weimar<br />
as casernas fascistas sem<br />
prejuízo para a social-democracia...<br />
É preciso abordar a criação<br />
dos sovietes no momento<br />
em que o estado geral do pro-<br />
letariado permita a realização<br />
destes, mesmo contra a vontade<br />
dos chefes da social-democracia.<br />
Mas, para isso, é preciso<br />
apartar a base social-democrata<br />
de seu vértice, e isto não<br />
pode ser feito se se tomarem<br />
ares de que já foi realizado. É<br />
precisamente para se separarem<br />
os milhões de operários<br />
social-democratas de seus<br />
chefes reacionários que é preciso<br />
mostrar a esses operários<br />
que estamos dispostos a entrar<br />
para os sovietes mesmo<br />
com os seus “chefes”.<br />
Contudo, não se deve crer<br />
que esteja excluído de antemão<br />
que também a camada superior<br />
da social-democracia seja forçada<br />
a colocar-se na placa vermelha<br />
dos sovietes e tentar repetir<br />
a manobra de Ebert, de<br />
Scheidemann, de Haase e outros,<br />
em 1918-19: tudo dependerá,<br />
não tanto da má vontade<br />
desses senhores como da medida<br />
e das condições nas quais<br />
a história os apertar nas suas<br />
tenazes.<br />
O nascimento do primeiro<br />
soviete local importante em<br />
que estivessem representados<br />
os operários comunistas e social-democratas,<br />
irão como<br />
pessoas privadas, mas como<br />
organizações, produziria um<br />
efeito enorme sobre toda a classe<br />
operária alemã. Não só os<br />
operários social-democratas e<br />
sem-partido, mas também os<br />
operários católicos e liberais,<br />
não poderão resistir a esta força<br />
centrípeta. Todas as partes<br />
do proletariado alemão, o mais<br />
apto e o mais inclinado <strong>à</strong> organização,<br />
serão atraídas pelos<br />
sovietes como a limalha pelo<br />
ímã. Nos sovietes, o Partido<br />
Comunista encontrará uma<br />
arena nova e especialmente<br />
favorável <strong>à</strong> luta pelo papel dirigente<br />
na Revolução proletária.<br />
Pode-se afirmar sem medo<br />
que a maioria esmagadora dos<br />
operários social-democratas e<br />
mesmo uma parte considerável<br />
do aparelho social-democrata<br />
já teriam sido arrastados para<br />
os quadros dos sovietes se a<br />
direção do Partido Comunista<br />
não tivesse, com tanto zelo,<br />
auxiliado os chefes social-democratas<br />
a paralisar a pressão<br />
das massas.<br />
Se o Partido Comunista acha<br />
inadmissível um acordo com os<br />
comitês de empresa, com as organizações<br />
social-democratas,<br />
com os organismos sindicais,<br />
na base de um programa de tarefas<br />
práticas determinadas,<br />
isto quer dizer que acha inadmissível<br />
a criação de sovietes<br />
em comum com os social-democratas.<br />
E, como os sovietes exclusivamente<br />
comunistas são<br />
impossíveis e, aliás, como tais<br />
sovietes não serviriam de<br />
nada, a renúncia do Partido<br />
Comunista aos acordos e <strong>à</strong>s<br />
ações comuns com os outros<br />
partidos da classe operária<br />
significa nada menos do que a<br />
renúncia <strong>à</strong> criação dos sovietes.<br />
A Rote Fahne responderá a<br />
esta reflexão, certamente, com<br />
uma salva de injúrias, e demonstrará,<br />
como dois e dois<br />
são quarto, que sou um agente<br />
eleitoral de Bruening, um conselheiro<br />
secreto de Wels, etc.<br />
Estou pronto para arcar com a<br />
responsabilidade de todos esses<br />
capítulos, mas com uma<br />
condição: que a Rote Fahne,<br />
por seu lado, explique aos operários<br />
alemães como, quando e<br />
de que forma podem ser criados<br />
na Alemanha os sovietes,<br />
sem uma política de frente única<br />
com as outras organizações<br />
operárias.<br />
Para esclarecer o problema<br />
dos sovietes como órgãos de<br />
frente única, convém citar as<br />
considerações muito instrutivas<br />
enunciadas sobre o assunto<br />
por um jornal comunista de<br />
província, o Klassenkampf<br />
(Halle-Mersenburgo). “Todas<br />
as organizações operárias – diz<br />
ironicamente o jornal – tais<br />
como são hoje, com todos os<br />
seus defeitos e todas as suas<br />
fraquezas, devem ser ligadas<br />
por grandes uniões de defesa<br />
antifascista. Que quer dizer<br />
isto? Podemos dospensar explicações<br />
históricas demoradas,<br />
a própria história foi, a este<br />
respeito, a rude professora da<br />
classe operária alemã: a frente<br />
única amorfa, a mistura de todas<br />
as organizações operárias,<br />
a classe operária alemã as pagou<br />
com o esmagamento da<br />
Revolução dos anos de 1918-<br />
1919”. Eis aí, realmente, um<br />
modelo incomparável de palavrório<br />
superficial!<br />
A frente única em 1818-19 realizou-se<br />
principalmente pelos<br />
sovietes. Os espartaquistas<br />
deviam ou não fazer parte dos<br />
sovietes? Segundo o espírito<br />
exato do trecho acima citado,<br />
deveriam permanecer fora dos<br />
sovietes. Ora, como os espartaquistas<br />
representavam uma<br />
pequena minoria da classe<br />
operária e não poderiam de<br />
modo algum substituir os sovietes<br />
social-democratas por<br />
sovietes seus, isolar-se dos<br />
sovietes teria significado, para<br />
eles, simplesmente, isolar-se<br />
da Revolução. Se a frente única<br />
foi “amorfa” e teve o aspecto<br />
de “mistura de todas as organizações”,<br />
a culpa não foi<br />
dos sovietes como órgãos de<br />
frente única, mas do estado<br />
político da própria classe operária:<br />
da fraqueza do Spartakusbund<br />
e da força extraordinária<br />
da social-democracia. A<br />
frente única, em geral, não<br />
pode substituir o partido revolucionário<br />
forte: só pode servir<br />
para ajudá-lo a se fortalecer.<br />
Isto se aplica inteiramente aos<br />
sovietes. O medo que tinha o<br />
fraco Spartakusbund de deixar<br />
passar uma situação excepcional<br />
o levava a dar passos ultraesquerdistas<br />
e a empreender<br />
ações prematuras. Se os espartaquistas<br />
se tivessem colocado<br />
fora da frente única, isto é,<br />
fora dos sovietes, estes traços<br />
negativos se teriam certamente<br />
manifestado de modo ainda<br />
muito mais agudo.<br />
Será possível que esses indivíduos<br />
nada tenham aprendido<br />
da experiência da Revolução<br />
a1emã de 1918-1919? Terão<br />
lido a Moléstia Infantil do<br />
Comunismo? O regime stalinista<br />
praticou, verdadeiramente,<br />
horríveis devastações nos cérebros!<br />
Depois de ter burocratizado<br />
os Sovietes na U.R.S.S.,<br />
os epígonos os tratam agora<br />
como instrumentos técnicos<br />
nas mãos do aparelho do Partido.<br />
Esqueceram-se que os<br />
sovietes se formaram como<br />
parlamentos operários e que<br />
extraíam as massas porque criavam<br />
a possibilidade de colocar<br />
ombro a ombro todas as<br />
partes da classe operária, independentemente<br />
das divergências<br />
de partido; esqueceram-se<br />
de que foi precisamente nisto<br />
que consistiu a força educadora<br />
e revolucionária dos Sovietes.<br />
Tudo está esquecido, tudo<br />
está embaralhado, tudo está<br />
deformado. Oh, época de epígonos<br />
mil vezes maldita!<br />
A questão das relações entre<br />
o Partido e os sovietes tem,<br />
para a política revolucionária,<br />
uma importância decisiva. Se o<br />
curso atual do Partido Comunista<br />
é efetivamente dirigido no<br />
sentido da substituição dos sovietes<br />
pelo Partido, Hugo Urbahns,<br />
que não perde nenhuma<br />
oportunidade para fazer confusão,<br />
prepara-se para substituir<br />
o Partido pelos sovietes. Segundo<br />
nos informa o S.A.Z. : 1 .<br />
Urzahns, opondo-se <strong>à</strong>s pretensões<br />
do Partido Comunista de<br />
dirigir a classe operária, dizia na<br />
reunião de Berlim, em janeiro:<br />
“A direção se encontrará nas<br />
mãos dos sovietes eleitos pela<br />
própria massa, não pela vontade<br />
e pelo bel-prazer de um só e<br />
único partido (Aplausos entusiásticos)”.<br />
É muito fácil de<br />
compreender pelo seu ultimatismo<br />
o Partido Comunista irrita<br />
os operários, que se dispõem<br />
a aplaudir todos os protestos<br />
contra a fanfarronada burocrática.<br />
Mas isto não impede que<br />
a posição de Urbahns, também<br />
nesta questão, nada tenha de<br />
comum com o marxismo. Que os<br />
“próprios” operários elegerão<br />
os seus delegados aos sovietes,<br />
é indiscutível. Mas toda a<br />
questão está em se saber a quem<br />
eles elegerão. Devemos ir aos<br />
sovietes com todas as outras<br />
organizações, sejam quais forem,<br />
“com todos os seus erros<br />
e todas as suas fraquezas”. Mas<br />
pensar que os sovietes podem<br />
dirigir “por si mesmos” a luta do<br />
proletariado pelo poder, é semear<br />
o mais grosseiro feiticismo<br />
sovietista. Tudo depende do<br />
partido que dirigir os sovietes.<br />
É por isso que os bolcheviquesleninistas,<br />
contrariamente a Urbahns,<br />
não negam de modo algum<br />
ao Partido Comunista o<br />
direito de os dirigir; dizem, pelo<br />
contrário, que somente na base<br />
da frente única, somente por<br />
meio das organizações de massas<br />
poderá o Partido Comunista<br />
conquistar o papel dirigente<br />
nos sovietes futuros e arrastar<br />
o proletariado <strong>à</strong> conquista do<br />
poder.<br />
__________________________________________<br />
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Bolchevismo e Stalinismo<br />
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O que é a Frente Popular?<br />
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Sobre a guerra de guerrilhas<br />
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Manifesto por uma política<br />
sexual revolucionária<br />
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O que é a dialética?<br />
Jorge Plekhanov<br />
Sindicatos na época de<br />
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O materialismo dialético e o<br />
anarquismo<br />
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O partido comunista e o<br />
parlamentarismo<br />
Internacional Comunista<br />
O partido operário<br />
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Ludwig Feuerbach e o fim da<br />
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Sobre o papel do trabalho na<br />
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Friedrich Engels<br />
Classe, partido e direção<br />
León Trotski<br />
O que é o marxismo<br />
V. I. Lênin<br />
As três fontes e as três partes<br />
constitutivas do marxismo<br />
V. I. Lênin<br />
Os revolucionários devem atuar<br />
nos sindicatos reacionários?<br />
V. I. Lênin<br />
ADQUIRA NA LIVRARIA DO PCO:<br />
Avenida Miguel Estéfano, nº 349 – Saúde, São Paulo;<br />
telefone 11-2362-2339 ou na página do partido na Internet:<br />
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INTERNACIONAL <br />
Os trabalhadores gregos mostram sua força ¢¦§¡¨¥£¢¥©§¢<br />
No dia 24 de fevereiro, os trabalhadores do setor público e privado da Grécia mostraram para o governo quais serão as conseqüências caso<br />
o mesmo leve adiante o plano de redução de gastos, corte de vagas e recessão que tem como objetivo reduzir o déficit do país<br />
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AFEGANISTÃO<br />
Uma guerra onde<br />
só há “efeitos<br />
colaterais”<br />
Página A18<br />
Missão de “paz” OTAN afirma que pode<br />
levar mais de um mês para dominar<br />
Marjah<br />
Página A18<br />
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Registros de enfrentamentos com a polícia que está tentando dispersar os manifestantes<br />
por todos os locais.<br />
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PILHAGEM DO HAITI<br />
A segunda fase da<br />
ocupação: empreiteiras<br />
privadas lucrando com as<br />
ruínas do terremoto<br />
Página A19<br />
IRAQUE<br />
Virada na situação pode levar a adiamento<br />
da retirada das tropas norte-americanas<br />
Página A18<br />
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Funcionários da aviação<br />
reagem aos cortes<br />
¢¦§¡¨¥¥©§¡¢ ¡¢£¤¥<br />
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AMÉRICA LATINA<br />
32 países da Cúpula do Rio<br />
apóiam a reivindicação<br />
argentina pelas Malvinas<br />
Página A19<br />
Mortos podem chegar a 300 mil no Haiti<br />
<br />
<br />
Diante do tamanho da greve, a economia européia despencou nesta semana.<br />
Página A19
28 de fevereiro de 2009 CAUSA OPERÁRIA internacional a18<br />
afeganistão<br />
Uma guerra onde só há “efeitos colaterais”<br />
A ofensiva norte-americana no Afeganistão tem feito mais<br />
vítimas entre civis do que conseguido qualquer “sucesso”<br />
para a estratégia de decapitar o Talibã e entregar o país<br />
para o governo-fantoche de Hamid Karzai. O que está<br />
por trás da carnificina?<br />
As baixas da nova etapa da<br />
guerra no Afeganistão estão<br />
comprometendo completamente<br />
os planos do imperialismo<br />
norte-americano.<br />
No domingo, dia 21 de fevereiro,<br />
27 civis foram mortos<br />
em um ataque aéreo conduzido<br />
pela OTAN em uma área<br />
controlada pelas tropas holandesas.<br />
Os aviões controlados<br />
pela força multinacional<br />
bombardearam os carros em<br />
que os civis viajavam em uma<br />
rodovia na região central do<br />
país. Entre os mortos estavam<br />
quatro mulheres e uma criança.<br />
Outras 12 pessoas ficaram<br />
feridas.<br />
A ofensiva norte-americana<br />
tem produzido um número<br />
considerável de baixas entre<br />
os civis em praticamente todas<br />
as incursões feitas neste ano.<br />
O número é completamente<br />
desproporcional se comparado<br />
aos “êxitos” obtidos na<br />
campanha que arrastou mais<br />
30 mil soldados norte-americanos<br />
ao Afeganistão.<br />
O general Stanley Mc-<br />
Chrystal, comandante das<br />
operações no Afeganistão,<br />
apresentou seu pedido de<br />
desculpas ao presidente afegão,<br />
Hamid Karzai, que havia<br />
condenado formalmente<br />
a morte de civis pelas forças<br />
da OTAN-ISAF. “Ontem, um<br />
grupo suspeito de insurgentes,<br />
que acreditávamos que estava<br />
a caminho de um ataque contra<br />
as forças conjuntas do Afeganistão<br />
e da ISAF, foi abordado<br />
por um time aéreo resultando<br />
em mortos e feridos. Depois<br />
que um grupo de solo chegou<br />
<strong>à</strong> cena e encontrou mulheres<br />
e crianças, transportaram os<br />
feridos para tratamento médico”<br />
(The New York Times,<br />
22/2/2010).<br />
“Estamos extremamente<br />
entristecidos pela trágica perda<br />
de vidas inocentes”, completou<br />
McChrystal (idem).<br />
A mudança prometida na<br />
segunda-feira, dia 22, foi a redução<br />
do número de ataques<br />
aéreos, a principal arma das<br />
forças de ocupação imperialistas<br />
no assalto <strong>à</strong>s zonas tribais.<br />
Mesmo quando os alvos<br />
são, pelo menos oficialmente,<br />
estritamente militares, o número<br />
de mortes de civis, incluindo<br />
mulheres e crianças,<br />
é assustador e chega a ultrapassar<br />
as mortes dos supostos<br />
“alvos” militares, isto é, os<br />
insurgentes ligados, de uma<br />
maneira ou de outra, ao Talibã.<br />
Um destes ataques, por<br />
exemplo, em Kunduz, deixou<br />
mais de 70 civis mortos.<br />
A brutalidade e o massacre<br />
Os militares norte-americanos são os responsáveis por uma<br />
verdadeira carnificina contra a população civil no Afeganistão.<br />
da população afegã faz parte<br />
de uma política de verdadeiro<br />
terror imposta pelo imperialismo<br />
norte-americano ao<br />
país. Faz parte de um plano<br />
para assustar e levar a população<br />
dos vilarejos ao desespero<br />
e a afastá-los da influência<br />
do Talibã, que lidera<br />
francamente as tendências<br />
insurrecionais da população<br />
esmagada pelo imperialismo.<br />
Como não é a primeira vez<br />
que as promessas de ataques<br />
com mísseis feitos com precisão<br />
cirúrgica e virtualmente<br />
nenhuma baixa entre a população<br />
civil fracassam, o arsenal<br />
de desculpas e justificativas<br />
dos mercadores de morte<br />
foi renovado. O massacre,<br />
no entanto, continua o mesmo<br />
e com um único objetivo:<br />
causar pânico. A necessidade<br />
de manter essa política de<br />
verdadeiro terror revela, por<br />
sua vez, a fraqueza do imperialismo<br />
mundial, incapaz de<br />
contornar a crise criada pela<br />
guerra no Iraque e no Afeganistão.<br />
A guerra impossível<br />
de ser “vencida” pelo imperialismo<br />
tornou-se um verdadeiro<br />
atoleiro, consumin-<br />
iraque<br />
Virada na situação pode levar<br />
a adiamento da retirada das<br />
tropas norte-americanas<br />
No ano passado, Obama<br />
anunciou que até agosto de<br />
2010 todas as forças de combate<br />
norte-americanas teriam<br />
evacuado o Iraque, deixando<br />
para trás apenas algumas unidades<br />
com a missão de acompanhar<br />
e treinar as tropas e<br />
forças policiais iraquianas.<br />
Revelando a completa indisposição<br />
do imperialismo<br />
norte-americano de se retirar<br />
da guerra, o comandante das<br />
tropas dos EUA no Iraque,<br />
Ray Ordieno, anunciou que o<br />
plano de retirada pode ser alterado.<br />
A preocupação é impedir<br />
que imediatamente após a retirada<br />
das tropas norte-americanas<br />
uma situação de guerra<br />
civil volte a tomar conta do<br />
país.<br />
Segundo o plano original<br />
apresentado por Obama, 50<br />
mil soldados norte-americanos<br />
ficariam no Iraque até<br />
2011. Atualmente há cerca de<br />
96 mil em solo iraquiano, menos<br />
de 100 mil pela primeira<br />
vez desde a invasão.<br />
O general Ray Ordieno não<br />
deu detalhes do plano, segundo<br />
o Washington Post, mas<br />
comentou que estava “otimista”<br />
e que esperava não ter que<br />
colocá-lo em prática.<br />
As expectativas estão ligadas<br />
<strong>à</strong>s eleições iraquianas,<br />
marcadas para março. O governo<br />
norte-americano teme<br />
um novo fiasco semelhante<br />
ao que levou <strong>à</strong> desmoralização<br />
do governo afegão após<br />
a eleição evidentemente fraudada<br />
de Hamid Karzai.<br />
As contradições das eleições<br />
parlamentares iraquianas,<br />
por sua vez, estão despertando<br />
os conflitos entre<br />
as diversas comunidades que<br />
compõem o país, dividido<br />
pela rivalidade entre as seitas<br />
muçulmanas xiita e sunita e<br />
diversas minorias étnicas e<br />
religiosas.<br />
Na melhor das hipóteses,<br />
avaliam os analistas de política<br />
internacional da imprensa<br />
imperialista, pode-se repetir<br />
uma situação como a de<br />
2005, quando o premiê Nouri<br />
Al-Maliki demorou sete meses<br />
para formar seu governo.<br />
A desestabilização do Iraque<br />
conduz ao aprofundamento<br />
da crise do próprio imperialismo<br />
norte-americano.<br />
A menos de duas semanas<br />
do pleito, o imperialismo se<br />
vê forçado a reescrever seus<br />
planos temendo o boicote,<br />
um baixo comparecimento<br />
ou conflitos violentos no dia<br />
das eleições. Os membros<br />
do governo norte-americano<br />
e os seus representantes no<br />
Iraque, por sua vez, têm certeza<br />
de que sua influência<br />
vem decaindo sistematicamente<br />
sobre o estado-fantoche<br />
criado após a invasão<br />
e a derrubada do regime de<br />
Saddam Husein.<br />
O plano original, que previa a evacuação dos soldados até agosto, está sendo questionado.<br />
As operações militares dirigidas pela OTAN têm produzido um número maior de mortos entre civis do que baixas do lado do Talibã.<br />
do os recursos e expondo ao<br />
mundo a verdadeira situação<br />
da crise do imperialismo.<br />
o nascimento de<br />
uma “democracia”<br />
Os esforços do imperialismo<br />
norte-americano para<br />
estabelecer um governo<br />
“confiável” no país ocupado<br />
deram ao presidente, Hamid<br />
Karzai, a segurança para tomar<br />
de assalto o controle das<br />
eleições no país.<br />
Um decreto presidencial<br />
transferiu ao chefe do governo<br />
afegão o poder para<br />
indicar todos os membros<br />
da Comissão para Queixas<br />
sobre as Eleições (ECC), órgão<br />
responsável por regular<br />
o andamento de processos<br />
como o que levou Karzai <strong>à</strong><br />
presidência.<br />
A comissão teve parte na<br />
exposição da fraude eleitoral<br />
no primeiro turno das eleições<br />
passadas e promoveu<br />
a recontagem dos votos que<br />
levou Karzai para um segundo<br />
turno. O acordo anterior,<br />
que previa a presença de<br />
O general britânico Nick<br />
Carter que comanda as forças<br />
na região de Marjah, afirmou<br />
que o controle da região, isto<br />
é, a retirada do grupo Talibã<br />
pode levar mais de um mês.<br />
As tropas que são formadas<br />
por 15 mil soldados, sendo<br />
a maioria norte-americana e<br />
britânica, estão a sete dias em<br />
uma grande ofensiva contra<br />
o Talibã na região de Marjah<br />
que é dominada pelo grupo.<br />
Apesar do número expressivo<br />
de soldados e dos equipamentos<br />
de alta tecnologia<br />
usados pelo exército, os mesmos<br />
vem tendo dificuldades<br />
para enfrentar o Talibã e suas<br />
bombas caseiras.<br />
O general Nick chegou a<br />
declarar que não há motivos<br />
pelo menos dois membros<br />
estrangeiros na comissão,<br />
uma exigência da ONU, foi<br />
anulado.<br />
O acordo anterior previa<br />
ainda que um dos membros<br />
estrangeiros tivesse poder de<br />
veto na comissão. A manobra<br />
de Karzai garantirá a ele uma<br />
margem segura para eleger o<br />
parlamento <strong>à</strong> sua maneira.<br />
Karzai se referiu <strong>à</strong> mudança<br />
em um discurso feito no<br />
parlamento, afirmando que<br />
iria “limitar a interferências<br />
de estranhos” nas eleições”,<br />
tornando as eleições “100%<br />
afegãs” (BBC, 23/2/2010).<br />
A saída escolhida por Karzai<br />
tira dos governos envolvidos<br />
na guerra e ocupação<br />
do Afeganistão a responsabilidade<br />
por situações como<br />
a fraude massiva promovida<br />
no ano passado. É, num certo<br />
sentido, um favor prestado<br />
pelo governo-fantoche ao<br />
imperialismo.<br />
A intervenção norteamericana<br />
no Afeganistão<br />
tem o objetivo declarado de<br />
transformar o país tomado<br />
por quase 20 anos de guerra<br />
civil ininterrupta em uma<br />
“democracia”, um “aliado”<br />
do imperialismo na região. O<br />
reconhecimento do resultado<br />
da fraude eleitoral como legítimo<br />
já foi um sinal claro<br />
da disposição do imperialismo<br />
norte-americano com<br />
relação ao governo afegão.<br />
A imposição de seu capacho<br />
no governo através da fraude<br />
revela que em que consiste a<br />
“democracia” imperialista.<br />
Se já não havia a possibilidade<br />
de dizer que as eleições<br />
no Afeganistão eram livres<br />
e transparentes, o decreto<br />
presidencial procura ir além<br />
e estabelecer que toda a liberdade<br />
e transparência será<br />
dada por aquele mesmo governo<br />
que fraudou milhares<br />
de votos para obter a cobertura<br />
conveniente de que foi<br />
“eleito” democraticamente.<br />
Para os apologistas da democracia<br />
em geral, ou como<br />
“valor universal”, o propósito<br />
defendido pelo imperialismo<br />
norte-americano está justificado<br />
em si. É legítimo porque<br />
é “democrático”, mesmo<br />
que isto implique em uma<br />
fraude escancarada contra a<br />
vontade do povo afegão.<br />
Missão de “paz”<br />
OTAN afirma que pode<br />
levar mais de um mês para<br />
dominar Marjah<br />
A nova ofensiva encobre a tentativa do imperialismo de obter uma saída negociada com o Talibã.<br />
para comemorar o avanço dos<br />
militares e disse que a resistência<br />
está sendo tenaz.<br />
Representantes do Pentágono<br />
afirmam que devem se<br />
manter cauteloso sobre o otimismo,<br />
já que muitos militantes<br />
estão dispostos a lutar até<br />
a morte.<br />
De acordo com dados do<br />
Ministério de Defesa do Reino<br />
Unido no dia 18 deste mês<br />
seis soldados morreram, sendo<br />
que três foram mortos em<br />
combate e os outros três por<br />
causa das bombas caseiras.<br />
A morte de civis e talibãs<br />
não possui um número certo,<br />
pois os dados também estão<br />
sendo dados pelos países que<br />
enviaram o exército, mas de<br />
acordo com eles, cerca de 20<br />
pessoas morreram sendo a<br />
maioria talibã.<br />
O exército que diz ter o<br />
intuito de levar a paz para o<br />
Afeganistão e exterminar o<br />
“grupo terrorista”, invadiu<br />
a região com cerca de 80<br />
mil civis, e de acordo com a<br />
Anistia Internacional apenas<br />
10 mil conseguiram deixar a<br />
região.<br />
O que demonstra um<br />
apoio da população ao Talibã<br />
e também a total falta de<br />
cuidado da OTAN em evitar<br />
a morte de civis, o que nos<br />
faz acreditar mais que o interesse<br />
não é proteger a população<br />
do suposto terrorismo,<br />
mas sim defender os interesses<br />
dos países imperialistas<br />
custe o que custar.
28 de fevereiro de 2010 CAUSA OPERÁRIA internacional a19<br />
Pilhagem do haiti<br />
A segunda fase da ocupação: empreiteiras<br />
privadas lucrando com as ruínas do terremoto<br />
Os EUA e a ONU já planejam a segunda parte da pilhagem<br />
do Haiti, após 40 dias dos terremotos que mataram<br />
quase 300 mil pessoas, e deixaram mais de 1 milhão de<br />
pessoas sem casa<br />
Essa nova etapa da ocupação<br />
do Haiti tem como prioridade<br />
a obtenção de lucros<br />
pelas empresas norte-americanas<br />
envolvidas na remoção<br />
dos entulhos das construções<br />
destruídas. As mega-empreiteiras<br />
terão lucros exorbitantes<br />
não só na remoção, mas<br />
também no aproveitamento<br />
de materiais retirados dos escombros,<br />
como o ferro.<br />
A imprensa capitalista e<br />
o governo norte-americano<br />
apelidaram estes verdadeiros<br />
abutres de “parceiros humanitários”.<br />
O que estas companhias<br />
privadas levadas ao<br />
Haiti com a cobertura da solidariedade<br />
querem é sugar os<br />
poucos recursos que sobram<br />
no país, e podar qualquer tentativa<br />
de melhora no futuro<br />
através do endividamento do<br />
estado e dos cidadãos.<br />
A cúpula do Haiti, que fora<br />
adiada, também não tem<br />
nada a ver com ajuda humanitária,<br />
mas sim com a divisão<br />
do Haiti entre os exploradores,<br />
pois em uma época<br />
de crise um país destruído<br />
como o Haiti é oportunidade<br />
para várias empresas. “Pouco<br />
mais de uma semana após o<br />
terremoto, a IPOA parceria<br />
com Global Investment Summits<br />
(GIS), sediada no Reino<br />
Unido, uma empresa privada<br />
especializada em trazer empreiteiras<br />
privadas e oficiais<br />
do governo para ’reconstruir<br />
países emergentes pós-conflito’,<br />
foram anfitriões da<br />
Cúpula de Reconstrução do<br />
Afeganistão, em Istambul,<br />
Turquia. Foi lá, diz o diretor<br />
IPOA Doug Brooks, que<br />
honduras américa latina<br />
A capitulação do governo<br />
Lula diante da ditadura<br />
imposta pelos EUA<br />
O golpe em Honduras, articulado<br />
pelo governo norte-americano,<br />
bem como a<br />
vergonhosa capitulação dos<br />
governos “populares” e “bolivarianos”<br />
da América Latina<br />
deixaram evidente que está se<br />
preparando uma nova ofensiva<br />
do imperialismo<br />
O governo brasileiro, juntamente<br />
com outros 29 represententes<br />
que haviam se declarado<br />
contra o golpe militar<br />
em Honduras, terminou por<br />
capitular diante da ofensiva<br />
do imperialismo norte-americano<br />
contra o nacionalismo<br />
burguês no seu quintal.<br />
Nesta semana, o presidente<br />
hondurenho eleito pelos golpistas,<br />
Porfírio Lobo, agradeceu<br />
Lula por este ter pedido<br />
a volta do país <strong>à</strong> Organização<br />
dos Estados Americanos<br />
(OEA). “Suas declarações no<br />
sentido de que está pedindo<br />
que Honduras deva retornar<br />
<strong>à</strong> OEA me alegram muito,<br />
e o agradecemos por isso”,<br />
declarou Lobo durante uma<br />
entrevista coletiva (EFE,<br />
22/2/2010).<br />
.A capitulação dos governos<br />
latino-americanos aliada <strong>à</strong><br />
ofensiva do imperialismo, que<br />
está instalando suas bases militares<br />
por todo o continente<br />
dão um panorama da situação<br />
que se avizinha.<br />
As bases da Colômbia,<br />
concedidas para um futuro<br />
golpe na Venezuela, mas que<br />
podem servir de apoio para<br />
golpes em todo o continente,<br />
somadas <strong>à</strong> presença da IV<br />
Frota, com navios de guerra<br />
norte-americanos rondando a<br />
Venezuela, deixam claro que<br />
há um movimento, um ensaio<br />
geral para uma ofensiva mais<br />
decidida.<br />
A Cúpula do Grupo do Rio<br />
reunida no México discutiu a<br />
questão das Malvinas e apoiou<br />
a reivindicação argentina pela<br />
soberania das ilhas.<br />
As ilhas estão nas mãos do<br />
Reino Unido desde 1833 e foram<br />
o motivo de uma guerra<br />
entre o mesmo e a Argentina<br />
no ano de 1982.<br />
Desde que foi tomada pelo<br />
Reino Unido que a nomeou<br />
como Falkland, as ilhas foram<br />
administradas por uma companhia<br />
britânica que começou<br />
a idéia para a cúpula Haiti<br />
foi idealizada ’tomando<br />
cerveja’.” (naomiklein.org,<br />
19/2/2010)<br />
A fase da “ajuda humanitária”,<br />
que seria a primeira<br />
no plano do imperialismo<br />
para dominar o Haiti, na verdade<br />
nem existiu. Não houve<br />
ajuda alguma por parte do<br />
imperialismo, pelo contrário,<br />
as tropas norte-americanas,<br />
ocupando os portos e aeroportos<br />
de Porto Príncipe, não<br />
deixaram as organizações de<br />
Informações divulgadas<br />
pelo presidente René Préval<br />
revelam que o número de<br />
mortos no terremoto de 12<br />
de janeiro, e por conseqüência<br />
deste, pode chegar a 300 mil,<br />
cerca de 100 mil a mais do que<br />
as estimativas feitas anteriormente.<br />
Mais de 200 mil cadáveres<br />
foram recolhidos nas ruas,<br />
estima-se, porém, que um nú-<br />
a explorar hidrocarbonetos.<br />
Após o apoio unânime dos<br />
países na Cúpula a chancelaria<br />
argentina declarou que todos<br />
apoiaram os direitos legítimos<br />
da Argentina e sugeriu que<br />
as negociações com o Reino<br />
Unido devem ser reabertas.<br />
Os líderes latino-americanos<br />
ressaltaram que as negociações<br />
devem ser reabertas<br />
para encontrar uma solução<br />
pacífica e justa, sobre a soberania<br />
das ilhas Malvinas.<br />
Esse tipo de apoio apesar<br />
ajuda entrarem no país, atrasando<br />
a entrega de doações,<br />
remédios e recursos.<br />
O que está em marcha no<br />
Haiti é mais uma operação<br />
“choque e pavor” do imperialismo<br />
norte-americano, que<br />
está aproveitando o impacto<br />
devastador do terremoto nas<br />
vidas dos haitianos, há muito<br />
esmagados pela pobreza imposta<br />
pelo imperialismo, para<br />
controlar completamente a<br />
situação na ilha e extrair de<br />
lá o máximo que conseguir.<br />
Mortos podem<br />
chegar a 300 mil<br />
no Haiti<br />
mero grande ainda será descoberto<br />
nos escombros de Porto<br />
Príncipe.<br />
Se as estimativas se confirmarem,<br />
o terremoto no Haiti<br />
terá ultrapassado em número<br />
de mortos as vítimas do tsunami<br />
que atingiu o Leste asiático<br />
em 2004 e deixou 200 mil<br />
mortos.<br />
Mais de 250 mil casas foram<br />
completamente destruídas.<br />
32 países da Cúpula do Rio<br />
apóiam a reivindicação<br />
argentina pelas Malvinas<br />
de ter sido bastante valorizado<br />
pela própria Argentina tem<br />
grandes chances de ser um<br />
apoio puramente verbal e sem<br />
peso algum na decisão britânica,<br />
já que quando os EUA<br />
resolveram dar um golpe em<br />
Honduras todos se colocaram<br />
contra e disseram que não reconheceriam<br />
o governo, mas<br />
hoje todos já o reconhecem e<br />
os que ainda não responderam<br />
de maneira formal estão sendo<br />
pressionados pelos Estados<br />
Unidos a fazerem-no.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA ENTREVISTA DA SEMANA A20<br />
ENCHENTE ZONA LESTE<br />
“O poder público acabou se<br />
aproveitando das circunstâncias”<br />
Causa Operária entrevista nesta semana Carlos Henrique Loureiro, defensor<br />
público coordenador do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria<br />
Pública. Junto com o promotor Bruno Miragaia entrou na Justiça com ação civil<br />
pública com pedido de liminar para que sejam realizados serviços necessários<br />
para garantia da vida e saúde dos moradores dos bairros que sofrem com<br />
alagamentos na região da Várzea do Tietê na Zona Leste de São Paulo<br />
Causa Operária - O senhor<br />
pode falar um pouco da atuação<br />
da Defensoria Pública<br />
do Estado de São Paulo, por<br />
sua Unidade de São Miguel<br />
Paulista?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
- A defensoria pública vem<br />
acompanhando a comunidade<br />
do Jardim Pantanal desde meados<br />
de outubro do ano passado.<br />
Nós temos mantido contato<br />
com as comunidades locais<br />
e eles têm desde esta época<br />
nos transmitido a preocupação<br />
com a forma de remoção e reassentamento<br />
das comunidades<br />
que vão ser afetadas pela<br />
implantação do Parque Várzea<br />
do Tietê. Esta população vai<br />
ser removida para a implantação<br />
do parque. No entanto, por<br />
conta das chuvas que ocorreram<br />
em meados de dezembro,<br />
o problema que já era difícil tomou<br />
proporções ainda maiores.<br />
Com as enchentes e a permanência<br />
desta situação de alagamento<br />
constante durante<br />
dias, semanas e meses, se caracterizou<br />
virtualmente como<br />
uma situação de calamidade<br />
pública e inclusive recentemente<br />
foi reconhecido pelo<br />
poder público.<br />
Nós passamos a ter novas<br />
preocupações e estas novas<br />
preocupações passaram a ser<br />
a de tentar encaminhar soluções<br />
para o problema de drenagem<br />
das áreas afetadas pelas<br />
enchentes, o que era uma<br />
questão de saúde pública. Não<br />
é só uma questão de efetividade<br />
da política de saneamento<br />
básico, mas que vai além do<br />
próprio saneamento básico: é<br />
uma questão de saúde pública.<br />
Estabeleceu-se de fato uma<br />
emergência sanitária no local,<br />
porque o que aconteceu é que<br />
o empoçamento daquela água<br />
pútrida acabou se constituin-<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
do em um vetor de todo tipo de<br />
doença infecto contagiosa. E<br />
nós tínhamos e temos muita<br />
preocupação com eventuais<br />
surtos de doenças graves que<br />
vão desde leptospirose até febre<br />
tifóide e muitas outras doenças<br />
muito graves.<br />
Por ora, ao menos oficialmente,<br />
não nos foi comunicado<br />
nada mais grave, mas nós<br />
nos preocupamos bastante<br />
com esta questão e num segundo<br />
momento nós nos preocupamos<br />
também em assegurar<br />
que esta população tivesse o direito<br />
de passar por um processo<br />
de planejamento participativo<br />
das remoções e do reassentamento,<br />
ou seja, a nossa<br />
preocupação era que a solução<br />
da drenagem da área fosse encaminhada<br />
para que a população<br />
pudesse de forma livre e<br />
consciente, sem estar premida<br />
em circunstâncias desfavoráveis,<br />
poder então participar<br />
do processo de planejamento<br />
participativo com relação <strong>à</strong>s<br />
alternativas habitacionais dentro<br />
de um processo de reassentamento.<br />
De fato aquela popu-<br />
lação precisa ser removida e a<br />
área de várzea tem um função<br />
sócio-ambiental muito definida<br />
que é de preservação e está<br />
inclusive no plano diretor [o<br />
Plano Diretor Estratégico do<br />
Município de São Paulo (PDE)<br />
que define a política de desenvolvimento<br />
urbano].<br />
A nossa preocupação é com<br />
a emergência sanitária que é o<br />
momento que estamos. Esta é<br />
a de preservar a possibilidade<br />
de empreendimento de um projeto<br />
de planejamento participativo.<br />
Causa Operária – São comunidades<br />
inteiras que ficaram<br />
alagadas, como o Jardim<br />
Romano, o Jardim Pantanal<br />
e a Chácara Três Meninas.<br />
Estes bairros foram construídos<br />
próximos <strong>à</strong>s margens do<br />
Tietê. O que a prefeitura tem<br />
feito? Há ameaças de despejo?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
– A prefeitura tem sugerido,<br />
a nosso ver de forma inadequada<br />
e irregular, alternativas<br />
habitacionais tanto definitivas<br />
como transitórias. Definitivas,<br />
se não me engano com<br />
relação a trezentas famílias que<br />
foram transferidas para conjuntos<br />
habitacionais em Itaquaquecetuba.<br />
Outras 800 famílias<br />
aceitaram o benefício de<br />
auxílio de pagamento de aluguel<br />
enquanto a prefeitura,<br />
eventualmente, se compromete<br />
a construir alternativas definitivas<br />
de moradia.<br />
Causa Operária – Alguns<br />
bairros começaram a ser derrubados.<br />
Para onde foram<br />
mandados os moradores? Há<br />
um auxílio de seis meses?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
– Pelo que a prefeitura diz<br />
não podemos ter a certeza. Alguns<br />
dizem que é por seis meses<br />
e outros dizem que é por<br />
tempo indeterminado até que<br />
se construa uma alternativa<br />
definitiva.<br />
De fato não temos certeza e<br />
aguardamos a definição inclusive<br />
com relação a isso. A prefeitura<br />
nos disse que se trata<br />
de uma alternativa temporária<br />
por tempo indeterminado. Isso<br />
é o que foi dito a nós. Mas nós<br />
temos muito receio com relação<br />
aos compromissos da prefeitura<br />
porque sabemos que<br />
historicamente isso não é cumprido.<br />
Mesmo que isso acabe<br />
sendo formulado por um termo<br />
expresso acaba não sendo<br />
cumprido. Isso já aconteceu<br />
antes e nós temos receio, ainda<br />
que exista um compromisso<br />
mesmo.<br />
Mas para além disso, independente<br />
de qualquer coisa,<br />
não nos parece ainda que, caso<br />
bem intencionado, o poder público<br />
não poderia oferecer essas<br />
alternativas primeiro sem<br />
planejar e segundo sem agregar<br />
a este planejamento a participação<br />
popular. Afinal de<br />
contas, ninguém mais que as<br />
próprias pessoas que estão lá<br />
que conhecem as suas necessidades,<br />
têm direito não apenas<br />
Imagens do alagamento na região da Várzea do Tietê, Zona Leste de São Paulo.<br />
como cidadãos, mas como<br />
pessoas, que têm sua dignidade,<br />
de escolher como querem<br />
viver, como querem passar a<br />
viver de modo a permitir que<br />
se resguarde, na medida do<br />
possível, as mesmas condições<br />
de vida que tinham anteriormente,<br />
uma certa infraestrutura;<br />
educação, saúde, trabalho<br />
e transporte.<br />
Causa Operária - No início<br />
de dezembro com a chuva no<br />
dia 8, notou-se que as águas<br />
não baixavam em algumas<br />
ruas. Tanto as águas das chuvas<br />
quanto as do esgoto estavam<br />
tendo refluxo para as<br />
ruas. Vocês já sabem o que<br />
ocorreu?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
– Aparentemente, isso<br />
aconteceu por conta do entupimento<br />
das bocas de lobo e<br />
bueiros e isso fazia com que o<br />
esgoto não captasse a água e<br />
acabasse não refluindo e a<br />
água do esgoto acabasse se<br />
misturando com a água do rio.<br />
E a água empossada denotava<br />
isso porque exalava um cheiro<br />
pútrido mesmo e altamente<br />
contaminante. E esta situação<br />
de fato se manteve por muito<br />
tempo. Houve uma tentativa de<br />
solução com motobombas,<br />
mas a chuva voltou e o problema<br />
retornou e com a intensificação<br />
das chuvas isso se<br />
manteve. As pessoas passaram<br />
o natal e o ano novo debaixo<br />
d’água. Uma situação muito<br />
triste, mas entramos com a<br />
ação solicitando que fossem<br />
tomadas as providências pelo<br />
poder público e a prefeitura no<br />
dia 11 de fevereiro se comprometeu<br />
a tomar todas as providencias<br />
realizando obras e serviços<br />
para efetuar a drenagem<br />
nas áreas afetadas.<br />
Causa Operária - Segundo<br />
relatos, nos dias 9 e 10 de dezembro<br />
a água não baixou em<br />
vários pontos e algumas dessas<br />
áreas não inundavam há<br />
anos. Há denúncias de fechamento<br />
da barragem da<br />
Penha; bombas queimadas<br />
da estação de tratamento de<br />
esgoto do Jardim Romano;<br />
assoreamento do lago da barragem<br />
(parte atrás das comportas);<br />
entupimento das<br />
galerias pluviais; falta de desassoreamento<br />
da barragem<br />
da Penha até o Cebolão em<br />
2006, 2007 e 2008. Isso ocorreu?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
– Nós suspeitamos que<br />
entre as possíveis causas do<br />
alagamento das comunidades<br />
do jardim Pantanal estão a falta<br />
varrição, as limpezas de<br />
boca de lobo, galerias, margens<br />
dos córregos adjacentes.<br />
Agora isso reflete independente<br />
de quais eventualmente foram<br />
as causas tecnicamente a<br />
serem apuradas ainda. Independente<br />
de qualquer coisa, o<br />
fato é que isso só ocorreu em<br />
absoluto, por falta de planejamento.<br />
De fato faltou ao poder<br />
público promover um planejamento<br />
que pudesse dar eficácia<br />
e continuidade <strong>à</strong> política de<br />
drenagem e saneamento básico.<br />
Mesmo em se tratando de<br />
emergências, cumpria ao poder<br />
público estudar a possibilidade<br />
de intervir em casos excepcionais<br />
também. Mesmo<br />
em quaisquer outras circunstâncias<br />
como esta que acabaram<br />
de ocorrer, pois até no<br />
fundo até reconhecemos um<br />
pouco que o índice pluviométrico<br />
no mês de dezembro, janeiro<br />
e fevereiro também foi<br />
acima da média, mas isso não<br />
é justificativa porque isso<br />
pode ser previsto. Existem<br />
possibilidade científicas de<br />
isso ser previsto com uma<br />
certa margem de certeza. Então<br />
isto não exime de responsabilidade<br />
o poder público e in-<br />
clusive se preparar para emergências.<br />
Toda esta situação decorreu<br />
de uma falta de planejamento<br />
tanto da política de saneamento<br />
e drenagem como<br />
também eu diria que até de uma<br />
execução inadequada da política<br />
de drenagem urbana em<br />
São Paulo como em todas as<br />
grandes cidades do mundo.<br />
Éjustamente você promover<br />
grandes canalizações de cursos<br />
d’água. Em detrimento,<br />
por exemplo, da possibilidade<br />
de você proporcionar uma<br />
maior permeabilidade do solo,<br />
o que acontece em São Paulo<br />
é que existe uma grande impermeabilização<br />
do solo. Se houvesse<br />
uma maior permeabilidade,<br />
ao invés de a água fluir<br />
para os canais de canalização<br />
e isso fluir para o rio de forma<br />
direta, contínua e muito rápida,<br />
esta água penetraria no solo<br />
e lentamente se incorporaria ao<br />
lençol freático e depois eventualmente<br />
o rio, isso de forma<br />
mais lenta. Agora, por conta de<br />
esta impermeabilização tudo<br />
flui para o canal e depois para<br />
os rios e isso, enfim, numa velocidade<br />
tamanha que acaba<br />
promovendo enchentes.<br />
O fato de você não cuidar da<br />
política urbana e da política de<br />
utilização do solo acaba prejudicando<br />
a política de drenagem<br />
também.<br />
Causa Operária - O engenheiro<br />
responsável pela barragem<br />
da Penha, João Sérgio,<br />
indicou que houve uma<br />
clara escolha do Departamen-<br />
to de Águas e Energia Elétrica<br />
(DAEE) em alagar os bairros<br />
pobres da zona leste para<br />
evitar o alagamento das marginais<br />
e do Cebolão, conjunto<br />
de obras que fica no encontro<br />
dos rios Tietê e Pinheiros.<br />
Vocês têm mais informações<br />
a respeito disso?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
– Não temos mais informações.<br />
Não investigamos isso.<br />
Quem investiga é o Ministério<br />
Público.<br />
Nós acompanhamos o caso<br />
pela imprensa, não sei nada<br />
além disso.<br />
Causa Operária – No dia 12<br />
de janeiro, a Defensoria Pública,<br />
por seu Núcleo de Habitação<br />
e Urbanismo, entrou<br />
na Justiça com ação civil<br />
pública com pedido de liminar<br />
para que sejam realizados<br />
serviços necessários para garantia<br />
da vida e saúde dos<br />
moradores dos bairros que<br />
sofrem com alagamentos na<br />
região da Várzea do Tietê.<br />
Qual a resposta do governo?<br />
Algo foi feito efetivamente?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
– A prefeitura se comprometeu<br />
a realizar as obras.<br />
Quero crer que já foram iniciadas<br />
as obras e serviços para<br />
promover a drenagem. Afinal<br />
de contas são 30 dias corridos.<br />
Eu acredito que e a prefeitura<br />
poderia fazer em menos tempo,<br />
se esforçar um pouco mais.<br />
Nós insistimos muito nisso na<br />
audiência. O fato é que estamos<br />
no período de chuvas e<br />
nestes 30 dias ainda vão ocorrer<br />
mais chuvas.<br />
A prefeitura precisa realmente<br />
se esforçar para acabar<br />
com este problema e manter a<br />
solução durante este período<br />
de chuvas de modo a permitir<br />
que as pessoas possam ser envolvidas<br />
no processo participativo<br />
sem ficar constrangidas<br />
com a situação em que elas se<br />
encontravam durante estes<br />
meses que se passavam, com<br />
água pela cintura e <strong>à</strong>s vezes até<br />
um pouco mais.<br />
Causa Operária - A Defensoria<br />
pediu também a suspensão<br />
das remoções até que a intervenção<br />
nos bairros, para<br />
construção do Parque Linear<br />
da Várzea do Tietê com retirada<br />
das famílias, seja discutida<br />
com os moradores. Há pessoas<br />
que residem há mais de<br />
30 anos na região. O que tem<br />
sido feito?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
– Com relação a isso não houve<br />
acordo. Justamente este foi um<br />
ponto de muita discórdia e a<br />
despeito de todo o nosso esforço<br />
não foi possível chegar em um<br />
acordo de modo que esta é uma<br />
questão que vai ser apreciada<br />
oportunamente pelo judiciário.<br />
Isso vai ter que ser decidido num<br />
outro momento. O fato é que a<br />
prefeitura tem 30 dias para cumprir<br />
a parte do acordo que diz respeito<br />
<strong>à</strong>s obras e serviços necessários<br />
para promover a drenagem<br />
e o pedido de interrupção vai<br />
ser apreciado depois. Por enquanto<br />
não há nada que os impeça<br />
a convidarem as pessoas a<br />
aceitarem as propostas que eles<br />
colocam.<br />
Existem relatos desencontrados<br />
com denúncias de que a<br />
prefeitura tem promovido uma<br />
campanha de intimidação. Eu<br />
espero que isso não seja verdade.<br />
Eu espero que no mínimo a<br />
prefeitura convide, embora eu<br />
acho isso irregular. Mas o fato<br />
é que mesmo com o convite a<br />
despeito de qualquer coisa, nas<br />
circunstâncias em que ocorreram<br />
acaba sendo viciado por<br />
conta de toda a pressão que se<br />
estabeleceu por contra desta situação<br />
degradante. Aceitar uma<br />
proposta nestas circunstâncias<br />
é algo que não parece válido.<br />
Comumente no direito dizemos<br />
“Que a população possa participar (...) não como coisas que podem ser transportadas de um lado<br />
para outro. Elas têm vontades e querem expressar esta vontade. Querem ser tratadas como gente”<br />
que isso é afetado por um vício<br />
de vontade. As pessoas estão<br />
premidas por um estado de necessidade,<br />
então a vontade não<br />
é livre nem consciente. Para<br />
você fazer um acordo é preciso<br />
que a vontade seja livre e<br />
consciente. As pessoas não<br />
estão agindo assim. As pessoas<br />
querem sair para se livrar daquela<br />
situação degradante. Isso<br />
fora as questões mais técnicas<br />
que dizem respeito a necessidade<br />
de você promover planejamento<br />
e envolver a população<br />
no processo de participação e<br />
isso é o cerne da questão. Fazer<br />
com que haja planejamento,<br />
fazer com que sejam estudadas<br />
as possibilidade de habitação<br />
de modo que sejam respeitadas<br />
as relações sociais já<br />
estabelecidas no espaço durante<br />
todo este tempo a fim de que o<br />
padrão de vida desta população<br />
não caia. E mais do que isso, que<br />
a população possa participar.<br />
Isso seria um exercício de cidadania<br />
em que as pessoas são tratadas<br />
como cidadãos e não como<br />
coisas que podem ser transportadas<br />
de um lado para outro. Elas<br />
têm vontades e querem expressar<br />
esta vontade. Querem ser<br />
tratadas como gente.<br />
Causa Operária - Esta é<br />
uma área que a prefeitura<br />
quer desocupar para o Parque<br />
Várzea do Tietê. Você acha<br />
que tem alguma relação?<br />
Carlos Henrique Loureiro<br />
– A área da enchente é muito<br />
menor que a área que será do<br />
Parque Várzea do Tietê. A prefeitura<br />
quer remover a população<br />
e isso não discordamos.<br />
Não podemos dizer que o poder<br />
público conscientemente<br />
provocou esta situação. O que<br />
nós dissemos é que o poder<br />
público acabou se aproveitando<br />
destas circunstâncias. Para<br />
que a remoção aconteça de forma<br />
mais fácil, já que a população<br />
acabou premida pelas circunstâncias.
Nesta edição: A METAMORFOSE, texto integral (Páginas B5 a B8)<br />
95 anos da publicação da obra de Franz Kafka<br />
A METAMORFOSE: A LITERATURA<br />
FANTÁSTICA A SERVIÇO DA CRÍTICA SOCIAL<br />
Obra que inaugurava o surgimento do rico e original universo literário de Kafka, A Metamorfose representou também um marco no<br />
desenvolvimento da literatura moderna, com sua técnica deformadora que tão bem retrataria as deformidades de uma sociedade em<br />
franca desagregação<br />
“Certa manhã, ao despertar<br />
de sonhos intranqüilos, Gregor<br />
Samsa encontrou-se em sua<br />
cama metamorfoseado num<br />
inseto monstruoso. Estava deitado<br />
sobre suas costas duras<br />
como uma couraça e, quando levantou<br />
um pouco a cabeça, viu<br />
seu ventre abaulado, marrom,<br />
dividido em segmentos arqueados,<br />
sobre o qual a coberta,<br />
prestes a deslizar de vez, apenas<br />
se mantinha com dificuldade.<br />
Suas muitas pernas, lamentavelmente<br />
finas em comparação<br />
Franz Kafka,<br />
o escritor em<br />
um mundo em<br />
transição Página B3<br />
com o volume do resto de seu<br />
corpo, vibravam desamparadas<br />
ante seus olhos”.<br />
Assim começava a novela A<br />
Metamorfose, uma das obras<br />
mais brilhantes e surpreendentes<br />
já concebidas pela literatura<br />
mundial, herdeira de uma<br />
rica tradição que remontava <strong>à</strong>s<br />
aventuras fantásticas narradas<br />
pelo irlandês Jonathan Swift<br />
no século XVII, ou <strong>à</strong>s narrativas<br />
absurdas do ucraniano Nicolai<br />
Gógol na primeira metade do<br />
século XIX.<br />
ANO XXXI • Nº 575 • DE 28 DEFEVEREIRO A 6 DE mARçO DE 2010<br />
O aparecimento deste livro<br />
na obra de Kafka representava<br />
um marco no amadurecimento<br />
literário do autor, daí também<br />
o destaque desta pequena novela<br />
em particular em meio aos<br />
diversos livros singulares do<br />
escritor. Mas não apenas isso,<br />
ainda que A Metamorfose não<br />
represente sua obra maior, as<br />
desventuras de Gregor Samsa<br />
se tornariam a mais popular<br />
de suas histórias, conhecida<br />
mundialmente por qualquer<br />
leigo em literatura. Isso devido<br />
O irracionalismo<br />
do mundo e o<br />
indivíduo<br />
Página B4<br />
<strong>à</strong> clareza, fluidez, objetividade<br />
e brilhantismo de sua narrativa,<br />
que permite a apreensão<br />
de seu conteúdo crítico em diversos<br />
níveis, desde o mais superficial<br />
e óbvio, até suas mais<br />
densas e sutis implicações.<br />
Neste sentido, uma verdadeira<br />
escola literária, cuja maestria é<br />
digna de escritores da envergadura<br />
de um Leon Tolstoi, e sua<br />
igualmente espetacular – e popular<br />
– novela A Morte de Ivan<br />
Ilitch com sua narrativa clara e<br />
despojada. Obra que inclusive<br />
guarda grande afinidade com a<br />
novela de Kafka em seu tema<br />
da inutilidade social de seus<br />
personagens.<br />
Kafka encontrara a chave<br />
para um mundo totalmente<br />
novo e singular, concebido em<br />
meio a suas inúmeras crises<br />
pessoais em busca de uma voz<br />
literária que fosse capaz de<br />
elucidar as contradições da sociedade<br />
em que vivia. Universo<br />
que o escritor dominaria com<br />
maestria ao longo de sua vida.<br />
Cinco contos<br />
curtos de Kafka<br />
Páginas B7 e B8<br />
A METAMORFOSE<br />
DE UM CAIXEIRO-<br />
VIAJANTE<br />
A obra começa sem rodeios,<br />
quando o caixeiro-viajante Gregor<br />
Samsa acorda numa certa<br />
manhã surpreso, se descobrindo<br />
na condição esdrúxula de um<br />
inseto gigante. Fica ainda mais<br />
aflito quando descobre ao olhar<br />
o relógio, que perdera o trem<br />
das cinco para ir ao escritório<br />
pela manhã. Em pânico, mergulha<br />
em meditações de como
28 de fevereiro de 2010<br />
arrumar uma desculpa aceitável<br />
para aquele atraso inusitado.<br />
“‘O que terá acontecido comigo?’,<br />
ele pensou. Não era um sonho”.<br />
Em pouco tempo, porém,<br />
Gregor é obrigado a retornar <strong>à</strong><br />
realidade, com sua família batendo<br />
nas portas de seu quarto,<br />
exigindo que ele levante e siga<br />
para o trabalho. Sansa entra em<br />
pânico então ao descobrir que,<br />
com as pernas para o ar, não<br />
consegue se levantar da cama.<br />
Sua situação torna-se ainda<br />
mais delicada quando o gerente<br />
da firma vai pessoalmente a<br />
sua casa averiguar o que havia<br />
acontecido <strong>à</strong>quele funcionário<br />
dedicado que não aparecera no<br />
trabalho naquela manhã.<br />
Num crescente de tensão,<br />
Gregor aflito diante da perspectiva<br />
de perder o emprego,<br />
joga-se da cama, atira-se contra<br />
a porta e dedica-se com todas as<br />
suas forças a girar a chave com<br />
suas mandíbulas de inseto.<br />
O horror é geral quando pai,<br />
mãe e gerente defrontam-se<br />
com aquela enorme criatura<br />
rastejante saindo de dentro do<br />
quarto do caixeiro-viajante.<br />
É com desgosto que percebe<br />
também que não consegue<br />
falar, e todas as palavras que<br />
saem de sua boca se perdem em<br />
um horrendo zumbido animal.<br />
Gregor percebe ser assim incapaz<br />
de esclarecer sua situação<br />
para o superior, que parte em<br />
pânico do apartamento. La ia<br />
por água abaixo seu emprego,<br />
conquistado a duras penas em<br />
anos de dedicada labuta diária.<br />
Sua família fica igualmente<br />
horrorizada e mantém a partir<br />
de então o grande inseto Samsa<br />
aprisionado em seu quarto. Durante<br />
semanas apenas sua irmã<br />
se encoraja a levar alimentos<br />
para seu irmão desfigurado, enquanto<br />
este se mantém, desde o<br />
dia da metamorfose, escondido<br />
debaixo de um canapé, poupando<br />
todos de sua triste imagem.<br />
A HIPOCRISIA DE UMA<br />
FAMÍLIA<br />
Sem emprego, Samsa perde<br />
também a única função real que<br />
cumpria na família, o sustento<br />
econômico. Seu pequeno quarto<br />
se torna então um cárcere,<br />
onde o único contato que ainda<br />
tem com o mundo exterior são<br />
as tardes que passa observando<br />
a vista acinzentada de Praga<br />
pela janela do quarto. Ao longo<br />
dos meses, vai se aprofundando<br />
sua condição de “inseto”. Não<br />
sente mais necessidade de falar,<br />
perde o gosto pela comida, e sua<br />
única diversão passa a ser deslizar<br />
com suas rápidas pernas<br />
atléticas pelas paredes e teto de<br />
seu quarto.<br />
Em certa ocasião,no entanto,<br />
quando mãe e irmã se decidem<br />
a retirar do quarto de Gregor<br />
todos os móveis para que ele tivesse<br />
mais espaço para se locomover,<br />
o caixeiro-viajante, por<br />
acaso, sai de seu canapé e mantém-se<br />
preso <strong>à</strong> parede. Diante<br />
da imagem repulsiva de seu<br />
filho, a mãe desmaia. Sua irmã<br />
fica histérica, e com a chegada<br />
inesperada do pai <strong>à</strong> casa, este<br />
déspota da família, acreditando<br />
que Gregor agredira as mulheres,<br />
decide encerrar a vida<br />
infeliz de seu filho monstruoso,<br />
que o pai agora apenas tolerava.<br />
Atira contra ele uma série de<br />
maçãs que destroem seu macio<br />
abdome de inseto.<br />
Mas o filho sobrevive, ainda<br />
que moribundo. Já então, o<br />
grupo se acostumara <strong>à</strong> vida sem<br />
Gregor. Depois que ele sofrera<br />
sua estranha metamorfose, os<br />
familiares, que antes viviam na<br />
mais plácida imobilidade e parasitismo,<br />
alimentando-se dos<br />
rendimentos de Samsa, passaram<br />
a trabalhar intensamente<br />
sem maiores constrangimentos.<br />
O pai, antes inválido, era agora<br />
um vigoroso e animado funcionário<br />
público. A irmã, que antes,<br />
quando não estava tocando<br />
seu violino, vegetava em casa<br />
durante todo o dia, arrumara<br />
um emprego numa loja de dia e<br />
estudava fora a noite. Sua mãe,<br />
da mesma forma, que outrora<br />
não conseguia nem se levantar<br />
do sofá, despedira a empregada<br />
e realizava agora ela mesma<br />
todas as tarefas domésticas,<br />
passando inclusive a vender<br />
seus trabalhos de costura para<br />
complementar o rendimento<br />
doméstico.<br />
O gesto final da família para<br />
complementar a renda é a iniciativa<br />
de alugar os quartos da<br />
casa para inquilinos.<br />
Certa noite, porém, quando<br />
todos ouvem um concerto do<br />
violino da irmã de Gregor, eis<br />
que ele, atraído pela música,<br />
adentra pela sala de estar e coloca<br />
todos os hóspedes em pânico.<br />
É o momento decisivo da<br />
vida inútil de Samsa. A primeira<br />
iniciativa é de sua irmã, que afirma<br />
categórica: “Queridos pais,<br />
assim não dá mais. Se vocês talvez<br />
não são capazes de ver isso,<br />
eu o vejo muito bem. Não quero<br />
pronunciar o nome de meu<br />
irmão diante deste monstro e<br />
por isso digo apenas o seguinte:<br />
temos de procurar um jeito de<br />
nos livrar dele. Tentamos tudo o<br />
que era humanamente possível<br />
para cuidar dele e suportá-lo, e<br />
acredito que ninguém pode nos<br />
fazer a menor censura. (...) Nós<br />
temos de procurar nos livrar<br />
disso. Isso vai acabar matando<br />
todos nós, vejo o momento em<br />
que isso acontecerá. Quando<br />
se tem de trabalhar tão pesado<br />
como nós todos, não se pode<br />
suportar inclusive em casa mais<br />
este tormento eterno. Eu também<br />
não agüento mais”. Era seu<br />
veredicto, que é apoiado pelos<br />
demais familiares.<br />
Gregor, no entanto, estava<br />
no limite de suas poucas forças<br />
físicas e, já moribundo, dá o seu<br />
último suspiro naquela mesma<br />
noite, sozinho entre a poeira de<br />
seu quarto escuro. Na manhã<br />
seguinte, a família comprova<br />
aliviada a morte daquele membro<br />
inválido da família que tanto<br />
estorvo lhe causara.<br />
O PARASITISMO SOCIAL<br />
A narrativa em seu conjunto<br />
é de uma violenta mordacidade<br />
e ataque contra toda a sociedade,<br />
representada na obra pela<br />
família Sansa. Muitos são os<br />
elementos laterais da narrativa<br />
que Kafka utiliza para endossar<br />
a superficialidade, a mentalidade<br />
parasitária e desumana de todos<br />
os parentes de Gregor. E um<br />
de seus ingredientes centrais é<br />
a inversão de papeis que revela<br />
a Gregor a terrível realidade sobre<br />
sua querida família. Se interessavam<br />
por ele na medida em<br />
que era a fonte do dinheiro.<br />
Durante cinco anos, desde<br />
que a firma de seu pai falira,<br />
Gregor arrumara aquele emprego<br />
e em pouco tempo fora capaz<br />
de se sustentar sozinho todo o<br />
grupo. Ele trabalhara então com<br />
extrema dedicação pensando<br />
unicamente em proporcionar<br />
um bem estar a todos que amava.<br />
Sua sinceridade e abnegação<br />
saltam aos olhos toda a narrativa,<br />
proporcionando um vivo<br />
contraste com a falta de sensibilidade<br />
do resto da família. Na<br />
manhã em que ele tragicamente<br />
se vê transformado em inseto,<br />
um de seus pensamentos mais<br />
persistentes é a bancarrota em<br />
que entrariam seus parentes,<br />
que até então haviam se mostrado<br />
totalmente incapazes de<br />
exercer qualquer atividade. Era<br />
precisamente por isso que Gregor<br />
se dispusera a carregar todos<br />
em suas costas.<br />
Mas subitamente sem o caixeiro-viajante,<br />
todos se arranjam<br />
financeiramente. Passando<br />
a encarar o velho provedor familiar<br />
como um estorvo, massa<br />
morta, inútil e verdadeiro fardo<br />
a arrastar pela existência, como<br />
manifesta sua irmã ao final da<br />
novela. Esta mesquinhez moral<br />
dos Sansa seria um dos grandes<br />
alvos de Kafka em sua novela.<br />
Realidade que o escritor percebera<br />
ser inerente a todas as relações<br />
sociais, pessoais ou profissionais,<br />
aspecto elementar da<br />
vida sob o capitalismo.<br />
Entre seus familiares, o<br />
principal ataque, e lendo a novela<br />
fica claro, é contra o pai de<br />
Gregor, cuja personalidade impositiva,<br />
arbitrária e intimidadora<br />
se manifesta em diversos<br />
momentos ao longo da trama,<br />
sendo que é ele que parte para<br />
a agressão física de fato contra<br />
o filho, causa principal de sua<br />
morte. Um dos interessantes<br />
e mais sutis exemplos desta<br />
tirania presente na obra está<br />
também presente no destino da<br />
irmã.<br />
Samsa se lamentava nunca<br />
mais poder trabalhar, pois<br />
sonhava poder pagar um conservatório<br />
de música para sua<br />
irmã aperfeiçoar as técnicas<br />
no violino, habilidade que o irmão<br />
considerava uma das mais<br />
elevadas qualidades da garota.<br />
Em sua condição de inseto, ele<br />
manifesta sentimentos profundamente<br />
humanos. Mas quando<br />
este morre seco no chão do<br />
quarto, a primeira iniciativa do<br />
pai, vendo a bela garota reluzir<br />
ao sol, é tratar de organizar um<br />
casamento para ela, sugerindo<br />
a próxima metamorfose do livro,<br />
da irmã em fonte de renda<br />
familiar. Daí outra revelação de<br />
Kafka, os outros eram os verdadeiros<br />
insetos.<br />
A oposição entre as elevadas<br />
qualidades morais do protagonista<br />
monstruoso, em contraste<br />
com o estado de animalidade<br />
moral dos demais familiares,<br />
definiria o sentido moral da<br />
narrativa de Kafka.<br />
O OLHAR DE KAFKA<br />
CAUSA OPERÁRIA CULTURA B2<br />
Para abordar estes temas críticos,<br />
de denúncia da corrupção<br />
moral dos personagens, Kafka<br />
desenvolveria uma técnica narrativa<br />
peculiar, que acabaria<br />
tornando este tema – que já<br />
havia aparecido na em outros<br />
momentos na literatura – algo<br />
totalmente novo, suscitando<br />
novas maneiras de se pensar o<br />
problema e destacando questões<br />
que de outra forma ficariam<br />
obscurecidas pelo seu caráter<br />
comum, cotidiano. A imagem<br />
insólita de Gregor como<br />
um inseto gigante, amplia de<br />
maneira magnífica a complexidade<br />
da crítica, que pode atuar<br />
em diversos planos, falando ao<br />
mesmo tempo de diversos assuntos<br />
diferentes.<br />
Esta imagem do homem<br />
transformado em inseto assombrava<br />
a própria vida do escritor,<br />
da mesma forma que a estranha<br />
sensação que Kafka sempre tinha<br />
ao acordar, quando seus<br />
sentidos estavam todos amortecidos<br />
e ele tinha a impressão<br />
que não era mais ele mesmo.<br />
Kafka então trabalhava<br />
no Instituto de Seguros Contra<br />
Acidentes de Trabalho em<br />
Praga, corporação burocrática<br />
onde o escritor realizava as<br />
mais vulgares atividades de<br />
rotina, contando papeis, verificando<br />
relatórios, arquivando<br />
documentos.<br />
Quando Kafka começara a escrever<br />
A Metamorfose, em 1912,<br />
ele trabalhava lá há cinco anos,<br />
como também seu personagem<br />
caixeiro-viajante. Ao chegar do<br />
trabalho ao final da tarde, o escritor<br />
jogava-se no sofá e ficava<br />
ali abandonado, inerte durante<br />
vários minutos. Comentava então<br />
que nestas ocasiões sentiase<br />
como se fosse um grande inseto.<br />
Ele se referia justamente <strong>à</strong><br />
repetição burocrática da rotina<br />
do escritório, onde a criatividade<br />
era algo totalmente descartável.<br />
Kafka percebia o embrutecimento<br />
advindo deste tipo de<br />
atividade, onde as suas qualidades<br />
humanas e pessoais não<br />
tinham qualquer serventia.<br />
Percebia também a sensação de<br />
se tornar um estranho naquele<br />
mundo antinatural e exterior a<br />
ele. Este embotamento do espírito<br />
diante da mediocridade do<br />
trabalho e da vida em geral e o<br />
estranhamento causado por ele<br />
seria o fio condutor do estranho<br />
despertar de Gregor Samsa,<br />
logo nas primeiras linhas de A<br />
Metamorfose.<br />
Não se pense, porém, que A<br />
Metamorfose, assim como os<br />
demais textos do autor tenham<br />
como tema o tédio e angústia<br />
diante do cotidiano ou um mero<br />
drama pessoal. Seu caráter é<br />
universal, o público posteriormente<br />
o reconheceu como tal.<br />
Kafka expressa uma angústia<br />
social, cultural e histórica de um<br />
mundo que entra em colapso e<br />
onde os seres humanos não encontram<br />
nem um lugar adequado<br />
nem uma perspectiva geral.<br />
Um dos aspectos mais significativos<br />
desta percepção das mundanças<br />
que o mundo apresenta<br />
é o seu caráter de antecipação.<br />
O nazismo, por exemplo, materializa<br />
esta angústia do mundo<br />
em forma direta, mas a obra<br />
de Kafka traz a superfície toda<br />
esta situação quando ainda não<br />
era visível. A angústia advinda<br />
da situação individual é, na realidade,<br />
angústia coletiva.<br />
Animalizado por esta vida,<br />
Gregor acorda como inseto, e<br />
sua sensação de isolamento do<br />
mundo transforma-se em uma<br />
barreira real entre ele e os demais<br />
indivíduos. Na incapacidade<br />
de retomar suas atividades<br />
cotidianas após a metamorfose,<br />
vem <strong>à</strong> luz também o verdadeiro<br />
laço social que o ligava <strong>à</strong> sociedade.<br />
Quando este elo se desfaz,<br />
Samsa torna-se o pária que ficaria<br />
encarcerado na escuridão de<br />
seu quarto, inspirando apenas<br />
repulsa em todos. Depois de ser<br />
hostilizado e abandonado, é ainda<br />
agredido pelo pai que apenas<br />
o tolerava, até todos concluírem<br />
que era necessário se livrar dele.<br />
Seu assassinato é concretizado<br />
aos poucos, quando Gregor,<br />
oprimido por aquela existência,<br />
humilhado, agredido, degradado<br />
e abandonado <strong>à</strong> própria sorte,<br />
morre antes de desgosto e<br />
cansaço. Este aniquilamento do<br />
indivíduo pela sociedade seria o<br />
tema mais recorrente da literatura<br />
de Kafka.<br />
UM GRITO DE<br />
ANGÚSTIA, DENÚNCIA<br />
DA SOCIEDADE DA<br />
ANGÚSTIA<br />
“Eu quero que a minha lite-<br />
ratura doa, que faça as pessoas<br />
sofrerem. Ela deve funcionar<br />
como um machado, capaz de<br />
quebrar o mar congelado que<br />
existe em cada um de nós”,<br />
confessaria certa vez o escritor<br />
tcheco sobre os o sentido de sua<br />
obra.<br />
A afirmação é bastante esclarecedora<br />
e contundente das<br />
motivações que assaltavam este<br />
escritor que nasceu e cresceu no<br />
início de um dos períodos mais<br />
críticos já vividos pela história<br />
humana, a saber, a época em<br />
que a sociedade é dominada<br />
pela maior ditadura sobre todas<br />
as esferas da atividade humana,<br />
a época do imperialismo.<br />
Essa atmosfera de histeria e<br />
opressão que já se insinuava na<br />
autoritária sociedade austríaca<br />
moldaria um dos escritores<br />
mais originais da literatura,<br />
dono de um universo fantástico<br />
e absurdo que se revelaria uma<br />
eficiente ferramenta expressiva<br />
para retratar justamente o<br />
absurdo em que vivia e ainda<br />
vive o mundo moderno sob a<br />
opressão capitalista acentuada<br />
pelos monopólios, onde a razão<br />
e a lógica são utilizadas apenas<br />
para atividades, em última<br />
instância, totalmente secundárias,<br />
e onde a lei é o império<br />
da arbitrariedade, do abuso, do<br />
assassinato em massa. Destruidor<br />
de populações inteiras e de<br />
qualquer verdadeiro valor espiritual.<br />
Tudo em defesa dos mais<br />
mesquinhos objetivos materiais<br />
de meia dúzia de grandes capitalistas.<br />
Era contra este estado<br />
de selvageria institucionalizada<br />
que o escritor ergueria sua obra<br />
poderosa, reveladora.<br />
Na literatura de Kafka, suas<br />
alucinações e alegorias sociais<br />
têm longo alcance. As metamorfoses<br />
que sua pena apresenta<br />
são inúmeras, mas que sempre<br />
acabam confluindo ao mesmo<br />
tema. Em novelas como O Veredicto,<br />
A Metamorfose ou Carta ao<br />
Pai, as obras iniciais da maturidade<br />
do autor, o esmagamento<br />
humano pelo mundo, concretamente<br />
pela sociedade capitalista<br />
– a grande obsessão presente<br />
em toda a obra kafkiana –, aparece<br />
na figura opressora do pai,<br />
cuja personalidade tirânica aniquila<br />
qualquer possibilidade de<br />
desenvolvimento de seus familiares,<br />
que terminam todos espiritualmente<br />
castrados, desfecho<br />
inevitável desta opressão. E<br />
isso sempre em função dos objetivos<br />
econômicos mais baixos.<br />
O que seriam estes “pais” se não<br />
a representação microscópica<br />
do mesmo movimento embrutecedor<br />
da sociedade como um<br />
todo, representada pelo monstruoso<br />
Estado burguês, inimigo<br />
do cidadão; e das corporações<br />
capitalistas, tirania maior do<br />
trabalhador proletário?<br />
O MUNDO BURGUÊS<br />
COLOCADO A NU<br />
Estas metamorfoses iniciais<br />
da obra de Kafka, encenadas<br />
no seio familiar, apenas ganhariam<br />
corpo e forma em suas<br />
obras seguintes <strong>à</strong> medida que<br />
este habilidoso vidente literário<br />
aperfeiçoa suas ferramentas expressivas,<br />
sua visão reveladora<br />
da sociedade moderna deformada.<br />
Como que tateando através<br />
de uma densa neblina, Kafka<br />
irá encontrar seu verdadeiro<br />
tirano nas obras de sua última<br />
maturidade literária, quando já<br />
está próximo da morte. O tirano<br />
aparecerá agora em sua forma<br />
verdadeira, na imensa máquina<br />
burocrática de O Processo<br />
e na máquina de execuções de<br />
Na Colônia Penal, que são brilhantes<br />
transfigurações do movimento<br />
aparentemente automático<br />
do Estado burguês que,<br />
no entanto, sempre termina em<br />
um horripilante veredicto contra<br />
a população a quem a todo<br />
instante diz estar servindo.<br />
São obras que desmascaram<br />
o verdadeiro caráter repressivo<br />
e hostil da máquina capitalista<br />
que mecanicamente esmaga<br />
sua própria nação sem hesitação<br />
alguma. Seus últimos dois<br />
romances de maior vôo, o inacabado<br />
O Castelo, abandonado<br />
com mais de quatrocentas páginas<br />
manuscritas; e o igualmente<br />
inacabado América tratariam<br />
dos mesmos temas de forma<br />
igualmente brilhante. Seus heróis,<br />
sempre reduzidos a sombras<br />
humanas buscam a todo<br />
custo transformar-se em engrenagens<br />
úteis dentro do mecanismo<br />
viciado dessa sociedade.<br />
Neste processo desesperado<br />
acabam por se destruir completamente,<br />
atirados ao mais baixo<br />
degrau social, desprezados,<br />
esquecidos, transformados em<br />
espectros ou monstros inúteis<br />
em um mundo onde são incapazes<br />
de entender os verdadeiros<br />
valores que o comanda. Era esta<br />
a grande obsessão da vida de<br />
Kafka. Revelar as origens mais<br />
profundas dessa grande doença<br />
social que o escritor sabia também<br />
estar envolvido e contra o<br />
qual buscou lutar durante toda<br />
a vida.<br />
VIDA E OBRA<br />
Kafka não tinha uma consciência<br />
clara do fenômeno que<br />
procurou elucidar, mas em<br />
sua enorme sensibilidade artística<br />
soube revelar de forma<br />
inigualável as cadeias modernas<br />
do homem. Ele vivia sob<br />
o impacto direto de um destes<br />
Estados tirânicos, o Império<br />
Austro-Húngaro, que em sua<br />
luta encarniçada por erguerse<br />
uma potência imperialista<br />
diante da economia européia,<br />
lançou mão dos mais agressivos<br />
mecanismos de exploração<br />
da classe operária e aniquilamento<br />
minorias étnicas. Kafka<br />
era destes milhares de judeus<br />
de ascendência eslava nascidos<br />
em Praga, esmagados pela dominação<br />
da burguesia alemã,<br />
alijados de sua própria nacionalidade,<br />
sua cultura, suas tradições<br />
e seu idioma. O escritor<br />
seria uma destas vítimas mutiladas<br />
pela campanha do nacionalismo<br />
germânico, tendo sido<br />
criado por seus pais sempre em<br />
escolas alemãs e formado sob<br />
este idioma. Não se consideraria<br />
nem tcheco, nem alemão.<br />
O jovem Kafka percebia claramente<br />
esta situação, testemunha<br />
das inúmeras campanhas<br />
anti-semitas que organizavam<br />
pogroms em toda a Europa.<br />
Esta profunda divisão cultural<br />
de sua cidade e mesmo de todo<br />
o Império, fonte de inesgotáveis<br />
crises políticas, refletiriam<br />
não apenas nesta sua formação<br />
alemã, como também em seu<br />
temperamento. A solidão e isolamento<br />
da qual Kafka sempre<br />
se queixara ao longo da existência<br />
atormentaria também<br />
outro de seus contemporâneos,<br />
o poeta Rainer Maria Rilke, representante<br />
da minoria alemã<br />
de Praga, a quem o crítico Otto<br />
Maria Carpeaux chamaria de “o<br />
mais solitário dos poetas do século<br />
XX”. Da mesma forma que<br />
o autor de A Metamorfose, Rilke<br />
conceberia uma obra sui generis,<br />
dissociado dos movimentos<br />
nacionalistas de Praga e de<br />
qualquer filiação <strong>à</strong>s correntes<br />
modernistas de seu tempo.<br />
Este ambiente cultural e<br />
político particular parecia propício<br />
ao nascimento destes gênios<br />
singulares, alienados de<br />
sua própria cultura e seu povo,<br />
vendo-se como estrangeiros em<br />
sua nação.<br />
O meio familiar em que Kafka<br />
vivia representava mesmo<br />
este microcosmo opressivo.<br />
Oprimido por toda a vida pelo<br />
pai, um judeu-tcheco que ascendera<br />
das fileiras proletárias<br />
para a pequena-burguesia e<br />
casado com uma judia-alemã<br />
nascida nos meios mais aristocráticos<br />
de Praga. A este quadro<br />
de despotismo familiar se<br />
acrescentaria seu testemunho<br />
do despotismo do Estado imperialista<br />
sobre a população,<br />
mundo que Kafka conhecera<br />
em sua escravidão de toda uma<br />
vida dentro das repartições burocráticas<br />
da companhia semiestatal<br />
de Seguros em que trabalhava.<br />
A evolução de sua obra, portanto,<br />
representaria a tentativa<br />
de solução intelectual destes<br />
dois mundos, aparentemente<br />
alheios um do outro, mas que<br />
guardavam uma estranha semelhança.<br />
Deste modo, a insólita técnica<br />
literária que desenvolve, enxuta,<br />
objetiva e repleta de imagens<br />
e situações expressionistas<br />
mais próprias de um pesadelo,<br />
estaria totalmente a serviço da<br />
descrição desta realidade brutal<br />
e desumanizadora com que<br />
Kafka era defrontado a todo o<br />
momento em sua vida.
28 de fevereiro de 2010<br />
Panorama da vida do escritor<br />
FRANZ KAFKA,<br />
O ESCRITOR EM UM MUNDO EM TRANSIÇÃO<br />
A boêmia na qual nascera<br />
Kafka no Império Austro-Húngaro,<br />
organismo político que<br />
se formara em 1867 vinha do<br />
maior período de crescimento<br />
econômicos dos países que o<br />
compunha como conseqüência<br />
da unificação alemã de 1870.<br />
O império heterogêneo foi a<br />
alternativa encontrada pela monarquia<br />
austríaca como forma<br />
de atenuar as sucessivas crises<br />
políticas a que estava submetida<br />
cuja culminação havia sido<br />
a Revolução de 1848. Isso ao<br />
mesmo tempo em que a aristocracia<br />
húngara ganhava mais<br />
poder com acordo de anexação<br />
das duas nações. Mas o Império<br />
seria formado também por inúmeras<br />
outras nações, oprimidas<br />
política e culturalmente pela<br />
dinastia dos Habsburgo, o que<br />
impulsionou um vigoroso movimento<br />
nacionalista. Este por<br />
sua vez seria duramente reprimido<br />
durante todo o período de<br />
existência do Império Austro-<br />
Húngaro.<br />
Uma das regiões mais ricas<br />
e industrializadas do país era a<br />
Boêmia, que desenvolveu uma<br />
concentrada população urbana,<br />
cujo centro, Praga era também a<br />
segunda capital mais importante<br />
da nação, depois de Viena.<br />
A migração do campesinato<br />
tcheco para as cidades, cuja<br />
maioria da população era alemã,<br />
formaria a identidade nacional<br />
moderna de Praga do final do<br />
século XIX. A população estava<br />
dividida entre o controle político<br />
e econômico alemão, cujos<br />
membros pertenciam <strong>à</strong> burguesia,<br />
<strong>à</strong> nobreza e ao exército;<br />
uma intelectualidade nacionalista<br />
tcheca, pertencente a uma<br />
pequena-burguesia; e as amplas<br />
camadas populares proletárias<br />
formadas por ex-camponeses<br />
judeus e tchecos.<br />
A luta permanente da população<br />
tcheca por uma legítima<br />
representação no governo definiria<br />
o caráter deste movimento<br />
nacionalista, oprimido por uma<br />
nação estrangeira e em busca de<br />
seus direitos democráticos.<br />
Sua grande tradição de luta<br />
remontava <strong>à</strong>s revoluções de<br />
1848, quando Praga foi a primeira<br />
cidade a se levantar contra<br />
o governo central austríaco.<br />
Sob esta inspiração também<br />
um importante movimento<br />
cultural nasceria ali, conhecido<br />
posteriormente como o Renascimento<br />
Cultural Tcheco, de<br />
onde emergiria o compositor<br />
nacionalista Antonin Dvorjac,<br />
ou os escritores Franz Werfel,<br />
Gustav Meyerinck e Max Brod,<br />
contemporâneos de Kafka que<br />
formariam a geração imediatamente<br />
anterior <strong>à</strong> emergência do<br />
expressionismo alemão, e com<br />
o qual todos estes escritores já<br />
guardavam grandes afinidades.<br />
A família de Franz Kafka refletiria<br />
bem esta sociedade profundamente<br />
dividida, cujo clima<br />
de permanente tensão e crise<br />
moral seriam perfeitamente registrados<br />
nas obras do futuro<br />
escritor. Seu pai, Hermann Kafka<br />
era um judeu-tcheco nascido<br />
nos sórdidos guetos proletários<br />
da periferia de Praga, enquanto<br />
que Julie, sua mãe, uma judiaalemã,<br />
descendia de uma família<br />
aristocrática da burguesia da<br />
cidade. Hermann, entretanto,<br />
ascendera socialmente, e como<br />
próspero comerciante, tornara<br />
possível a união do casal.<br />
A VIDA EM PRAGA<br />
Franz Kafka, nascido em<br />
1883, era o único filho homem<br />
ao lado de três irmãs mulheres<br />
de uma família judia alemã.<br />
Em sua juventude, o movimento<br />
nacionalista de praga,<br />
enfraquecido, sofria grande<br />
repressão, e mesmo as últimas<br />
placas bilíngües da cidade estavam<br />
sendo substituídas por<br />
textos em alemão. Isto ainda<br />
em uma época onde o alemão<br />
como idioma era falado apenas<br />
nas regiões centrais da cidade,<br />
enquanto que nos subúrbios,<br />
o tcheco era o idioma predominante.<br />
Esta situação não era<br />
particular da Boêmia. Em toda<br />
a Europa se intensificava uma<br />
onda reacionária, cuja perseguição<br />
<strong>à</strong>s minorias oprimidas era<br />
uma das expressões mais notórias.<br />
Na Rússia de Alexandre III<br />
se intensificaram os pogroms<br />
desde o final da década de 1880.<br />
Em Paris, a ofensiva direitista<br />
que se seguiria <strong>à</strong> derrota da Comuna<br />
também levou ao mesmo<br />
fenômeno, que atingiu as raias<br />
da histeria anti-semita com o<br />
escandaloso Caso Dreyfus na<br />
década de 1890.<br />
Em Praga, os conflitos étnicos<br />
faziam parte também do cotidiano<br />
das crianças, e não eram<br />
raras nas escolas grandes pancadarias<br />
entre alunos alemães<br />
e thecos. Crescendo em meio a<br />
estas disputas, Kafka seria criado<br />
desde pequeno sob o idioma<br />
alemão por vontade da família,<br />
apesar da origem tcheca.<br />
Ele viveria a maior parte de<br />
sua vida sempre em Praga, de<br />
modo que não apenas estes<br />
conflitos fariam parte de sua<br />
própria cultura, como também<br />
o escritor manteria sempre uma<br />
relação de amor e ódio com a<br />
cidade, esta “mãezinha com garras<br />
afiadas”, como ele a descreveria<br />
futuramente. Este clima,<br />
sempre tenso e sombrio, formaria<br />
o pano de fundo presente em<br />
todos os seus trabalhos.<br />
Ainda no ginásio escreve seus<br />
primeiros textos pretensamente<br />
literários, diversos contos infantis<br />
que depois se perderam.<br />
Nesta época chega a participar<br />
também de debates entre a juventude<br />
socialista da Boêmia.<br />
Em 1901, ingressa na Universidade<br />
Alemã de Praga. Começando<br />
a Faculdade de Química,<br />
em seguida troca seu curso<br />
para Direito. Época que conhece<br />
também o jovem escritor judeu<br />
Max Brod, que se tornaria seu<br />
amigo por toda a vida e futuro<br />
editor de suas obras.<br />
A literatura de Friedrich Hebbel,<br />
poeta e dramaturgo alemão,<br />
crítico da sociedade, teriam ainda<br />
grande influência sobre o início<br />
de sua literatura. Data destes<br />
anos seu manuscrito mais antigo<br />
conhecido, o conto Descrição<br />
de uma Luta, texto nunca concluído<br />
que narrava um passeio<br />
noturno pela sua cidade natal.<br />
“Praga não me larga”, escreveria<br />
ele ainda aos 19 anos.<br />
O INÍCIO DA ATIVIDADE<br />
LITERÁRIA<br />
Kafka forma-se Doutor em<br />
Direito em 1906, e passa a trabalhar<br />
em escritórios e tribunais<br />
como advogado. Escreve aí<br />
seus primeiros textos de maior<br />
maturidade literária, como o<br />
conto Preparativos de Casamento<br />
no Campo, e diversos pequenos<br />
fragmentos que publicaria na<br />
revista Hyperion, posteriormente<br />
reunidos sob o título<br />
Consideração.<br />
Trabalhar durante o dia obrigava-o<br />
a espremer sua dedicação<br />
<strong>à</strong> literatura apenas <strong>à</strong>s noites<br />
em sua casa. Vivia então com a<br />
família, seus pais e irmãs. O silêncio<br />
era um luxo que não desfrutava,<br />
passava as noites atormentado<br />
pela bagunça da casa:<br />
“Quero escrever e há um tremor<br />
constante na minha testa. Estou<br />
sentado no meu quarto, que é o<br />
quartel-general de todo o barulho<br />
do apartamento. Há portas<br />
batendo por toda a parte… o<br />
pai deita abaixo a porta do meu<br />
CAUSA OPERÁRIA CULTURA B3<br />
quarto e atravessa-o com a ponta<br />
do roupão de banho a arrastar<br />
atrás dele. A Valli grita do vestíbulo<br />
como se fosse de um lado<br />
para o outro de uma rua de Paris<br />
perguntando se o chapéu do pai<br />
foi escovado. A porta da frente<br />
faz um barulho como o de uma<br />
garganta inflamada. Finalmente,<br />
o pai foi embora, e tudo o que<br />
resta é o pipilar mais terno e desesperado<br />
dos dois canários”.<br />
Pouco mais tarde, em 1907,<br />
Kafka passaria a trabalhar na<br />
empresa de seguros Assicurazione<br />
Generali e um ano mais<br />
tarde, ingressava já na companhia<br />
semi-estatal Instituto de<br />
Seguros Contra Acidentes de<br />
Trabalho em Praga, onde irá<br />
permanecer até o final de seus<br />
dias. Sua relação com estes empregos<br />
burocráticos, cuja rotina<br />
e mecanismos de funcionamento<br />
lhe causava horror, mas do<br />
qual nunca conseguiria se libertar,<br />
acabariam por se tornar o<br />
principal motor de toda sua literatura<br />
fantástica.<br />
Em 1910 aproxima-se de grupos<br />
socialistas da capital e participa<br />
de uma série de eventos e<br />
atos públicos. Kafka manifesta<br />
também grande interesse pelo<br />
teatro, aproxima-se de uma trupe<br />
amadora de teatro político,<br />
liderada pelo seu amigo, o ator<br />
e poeta polonês Jizchak Löwy,<br />
e freqüenta palestras do proeminente<br />
escritor satírico alemão<br />
Karl Kraus, dramaturgo e<br />
poeta que organizava uma série<br />
de atividades agitativas denunciando<br />
a corrupção do governo e<br />
a opressão social sob aquele Império<br />
que faziam vibrar Kafka e<br />
seus colegas.<br />
ANOS DE INQUIETAÇÃO<br />
Momento decisivo na atividade<br />
literária de Kafka é a viagem<br />
que realiza com o amigo<br />
Max Brod a Weimar em 1912,<br />
onde conhecem de perto o ambiente<br />
em que viveram alguns<br />
dos maiores escritores alemães.<br />
Era já grande admirador das<br />
obras de Goethe e Schiller, e os<br />
amigos traçam um roteiro cultural<br />
na cidade, onde visitariam,<br />
entre outros lugares, a residência<br />
de Goethe, que causa grande<br />
impacto nos dois escritores.<br />
Kafka nos meses seguintes<br />
intensifica de maneira frenética<br />
sua atividade literária. Seria o<br />
período mais prolífico de toda<br />
sua carreira, quando redige em<br />
poucos meses mais de quatrocentas<br />
páginas manuscritas, e<br />
entre elas, seus melhores trabalhos<br />
até então. Além de diversos<br />
pequenos contos e fragmentos,<br />
concebe O Veredicto em setembro;<br />
e A Metamorfose, apenas<br />
dois meses mais tarde.<br />
Acima de tudo, é neste período<br />
que Kafka descobre sua própria<br />
voz literária, quando nasce<br />
seu estilo característico de narrativa,<br />
seco, preciso, econômico<br />
e realista, para descrever temas<br />
fantásticos e oníricos que causariam<br />
verdadeiro impacto na<br />
literatura moderna.<br />
O escritor vivia ao mesmo<br />
tempo em uma intensa crise<br />
pessoal que definiriam o clima<br />
de grande angústia destas novelas.<br />
Em seus diários da época<br />
confessa pensar em abandonar<br />
tudo, o emprego, as mulheres,<br />
cometer suicídio.<br />
Para amainar sua crise, ano<br />
seguinte dedica-se <strong>à</strong> jardinagem,<br />
buscando uma maneira<br />
de se distrair de seus pensamentos<br />
sombrios. Realiza também<br />
diversas viagens, a Berlim,<br />
Trieste, Veneza e Verona, com o<br />
mesmo objetivo. Em sua inquietação,<br />
inicia e termina diversos<br />
relacionamentos amorosos até<br />
oficializar um noivado com Felice<br />
Bauer.<br />
Após a grande atividade do<br />
período anterior, parece viver<br />
agora em um impasse também<br />
criativo. Os meses que vão de<br />
fevereiro de 1913 a julho de<br />
1914 testemunham uma lacuna<br />
em sua produção. “Quase não<br />
há palavras que eu escreva que<br />
estejam de harmonia com as<br />
outras; as consoantes chocam<br />
entre si com um barulho de latas<br />
e as vogais acompanhamnas<br />
cantadas, como a canção<br />
dos negros na manifestação.<br />
As minhas dúvidas dispõemse<br />
em círculo em volta de cada<br />
palavra e vejo-as antes de ver a<br />
palavra”. O escritor não se dava<br />
conta, mas refletia o clima político<br />
geral, <strong>à</strong>s vésperas de um dos<br />
mais horrendos acontecimentos<br />
políticos do novo século, a<br />
emergência da Primeira Guerra<br />
Mundial.<br />
Internacionalmente, o Império<br />
Austro-Húngaro vivia já<br />
muitos anos de tensões políticas<br />
e uma escalada armamentista<br />
desenfreada por melhores posições<br />
na economia da Europa,<br />
esmagado principalmente pelo<br />
imperialismo inglês e francês.<br />
O aumento da opressão econômica<br />
que o Império Austro-<br />
Húngaro passou a exercer sobre<br />
as pequenas nações eslavas do<br />
império, como a croata, bósnia e<br />
eslovena, desencadeou uma reação<br />
nacionalista por parte destes<br />
povos, apoiados pela Sérvia,<br />
aliada do imperialismo. A crise<br />
explodiu após o assassinato do<br />
arquiduque austríaco Francisco<br />
Ferdinando em Sarajevo por um<br />
militante nacionalista sérvio.<br />
Sob este pretexto, o Império<br />
Britânico, a França, a Rússia e<br />
os Estados Unidos alinharam-se<br />
ao lado da Sérvia contra a Tríplice<br />
Aliança liderada pelo Império<br />
Austro-Húngaro, Império Alemão,<br />
Império Russo e Império<br />
Turco-Otomano para deflagrar<br />
o que se revelaria o maior morticínio<br />
já realizado na história<br />
da humanidade.<br />
A MATURIDADE DE SUA<br />
OBRA<br />
O que estava em jogo de fato<br />
era a disputa das burguesias<br />
internacionais pelo domínio<br />
da economia mundial. De um<br />
lado, as mais avançadas nações<br />
imperialistas, de outro, os<br />
mais qualificados candidatos<br />
a substituí-los em seu posto, o<br />
segundo escalão imperialista.<br />
Ao término dos conflitos estes<br />
impérios acabariam derrotados<br />
e varridos do mapa, com seus<br />
territórios radicalmente redesenhados<br />
e transformados em países<br />
menores descentralizados.<br />
Entre 1914 e 1915, Franz<br />
Kafka acompanhava o desenrolar<br />
dos conflitos a uma certa<br />
distância, mas refletia em seu<br />
comportamento e sua literatura<br />
o clima espiritual reacionário<br />
que tomava conta de todos os<br />
países então, em meio ao bombardeio<br />
de propaganda nacionalista<br />
rasteira, chamando a todos<br />
a apoiarem aquelas atrocidades.<br />
O escritor, depressivo, muda de<br />
casa diversas vezes, vive com<br />
suas irmãs e passa a residir em<br />
um quarto de pensão, onde<br />
dedica-se <strong>à</strong> literatura nas horas<br />
vagas de seu maçante trabalho<br />
burocrático.<br />
Em 1915, ele recebe um<br />
conhecido prêmio literário, o<br />
Prêmio Fontane pela novela A<br />
Metamorfose. A homenagem<br />
desperta o interesse dos meios<br />
editoriais que publicam neste<br />
mesmo ano a narrativa fantástica<br />
daquele desconhecido Franz<br />
Kafka. Esta primeira vitória reanima<br />
o escritor, que tinha em<br />
mente já seu novo projeto. Uma<br />
obra igualmente genial, crítica<br />
contundente ao burocratismo<br />
mórbido que envenena e destrói<br />
a vida de milhares de pessoas<br />
todos os anos. Ela receberia o<br />
nome de O Processo, mas nunca<br />
seria publicada durante a vida<br />
do escritor.<br />
A boa recepção de A Metamorfose<br />
entre o público permite<br />
e publicação também da novela<br />
O Veredicto no ano seguinte, e<br />
Kafka conclui também nesta<br />
mesma época, o texto Na Colônia<br />
Penal uma violenta crítica <strong>à</strong><br />
arbitrariedade das penas aplicadas<br />
pela justiça, revelando<br />
que tais mecanismos são mero<br />
instrumento de opressão social.<br />
Kafka não chega a desvendar o<br />
sentido final dessa prática, que<br />
é a execução da justiça burguesa<br />
contra sua própria população,<br />
mas deixa clara a denúncia <strong>à</strong>s<br />
práticas de assassinato legal<br />
implementados pelos estados<br />
despóticos burgueses, cujo funcionamento<br />
é automático na<br />
sociedade, movimentado por gigantescas<br />
máquinas estatais de<br />
execuções sumárias. No livro, a<br />
metáfora da “máquina jurídica”,<br />
que executa sua “justiça”, aparece<br />
brilhantemente na forma<br />
de uma máquina de tortura. Ao<br />
concluir sua obra, Kafka realiza<br />
uma série de leituras públicas<br />
da novela em reuniões literárias<br />
em Praga.<br />
OS ÚLTIMOS ANOS DO<br />
ESCRITOR<br />
Em 1917 o escritor contrai<br />
tuberculose e, preocupado com<br />
o clima úmido da capital, parte<br />
para o interior onde desfruta de<br />
uma vida rural na casa de uma<br />
de suas irmãs, Ottla. Suas crises<br />
emocionais e debilidade física<br />
culminam em sua separação<br />
com Felice Bauer, cujo relacionamento<br />
já havia se degradado.<br />
Depois deste período de férias<br />
prolongadas, em 1918, Kafka<br />
retorna ao trabalho no instituto<br />
de Seguros, mas em Praga,<br />
acaba contaminado pela grande<br />
epidemia de gripe espanhola<br />
que varria então toda a Europa<br />
ao término da Guerra.<br />
Após o saldo de centenas de<br />
milhares de mortos em todo o<br />
continente, <strong>à</strong> Primeira Guerra se<br />
seguiu, esta que foi a mais terrível<br />
pandemia do século XX. Estima-se<br />
que entre 1918 e 1919,<br />
ela tenha matado cerca de 40<br />
milhões de pessoas, tendo afetado<br />
cerca de metade da população<br />
mundial. Todos os exércitos<br />
em campo sofreram um número<br />
gigantesco de baixas em virtude<br />
da doença, que registrou casos<br />
em praticamente todos os países<br />
europeus e muitos outros na<br />
América, África e Ásia. Era mais<br />
um dos ônus da guerra. Após a<br />
devastação, a doença, Kafka foi<br />
vítima do primeiro surto, mais<br />
brando da gripe, e consegue se<br />
recuperar. Mas sua saúde já debilitada<br />
pela tuberculose ficaria<br />
com seqüelas irremediáveis.<br />
Em 1919 ele consegue publicar<br />
Na Colônia Penal, e concebe<br />
ainda no mesmo ano, outra de<br />
suas grandes criações, Carta ao<br />
Pai. Escrita originalmente como<br />
uma carta de fato, endereçada a<br />
seu pai, Kafka conceberia uma<br />
das obras mais expressivas e<br />
instigantes de toda sua produção<br />
literária. O texto era um<br />
desabafo e ao mesmo tempo um<br />
ajuste de contas com Hermann<br />
Kafka, o tirano que o assombrou<br />
durante toda a juventude,<br />
escrito após seu pai condenar<br />
sua relação amorosa com Julie<br />
Wohryzek. Kafka não tinha nenhuma<br />
intenção de publicá-lo, e<br />
desenvolve assim um tema íntimo<br />
de maneira livre, brilhante e<br />
despretensiosa. Ela foi revisada<br />
diversas vezes ao longo de sua<br />
vida e acabou atirada em meio<br />
aos seus manuscritos descartados.<br />
Apesar dos problemas de saúde<br />
que sofria o escritor retoma a<br />
vida normalmente. Tem diversas<br />
relações amorosas, consegue<br />
uma promoção no trabalho para<br />
Secretário Geral da corporação,<br />
organiza edições de suas novelas<br />
traduzidas para o tcheco, rompe<br />
seu noivado com Julie e começa<br />
a escrever o que seria seu livro<br />
mais extenso e ambicioso, O<br />
Castelo.<br />
O ESPÓLIO DE FRANZ<br />
KAFKA<br />
Mas seus problemas de saúde<br />
parecem irreversíveis e ele definha<br />
rapidamente. Consciente<br />
de sua condição, em 1922, Kafka<br />
deixa aos cuidados de Max<br />
Brod, que havia editado alguns<br />
de seus livros, todos os seus manuscritos<br />
pessoais, e revela a ele<br />
seu desejo final. Quando Kafka<br />
morresse, Brod deveria atear<br />
fogo em todo o material não publicado.<br />
Kafka ainda dedica-se ativamente<br />
<strong>à</strong> sua atividade literária,<br />
escreve as novelas Um Artista da<br />
Fome, A Construção e sua última<br />
narrativa curta, Josephine, a cantora.<br />
Nas inúmeras cartas que<br />
escreve nesta época, revela estar<br />
sempre atormentado com o isolamento,<br />
uma sensação terrível<br />
e incontornável solidão.<br />
Em 1923, torna-se noivo<br />
novamente, agora de Dora Diamant,<br />
com quem vai viver seus<br />
últimos meses em Berlim. O pai<br />
da moça não aceita o noivado<br />
dos dois, mas em pouco tempo,<br />
Kafka estava já estendido em<br />
um leito de hospital na cidade<br />
de Kierling, nos arredores de<br />
Viena. O escritor viria a morrer<br />
em 3 de julho, vítima de sua tuberculose.<br />
Ele tinha então apenas<br />
41 anos. Neste mesmo ano,<br />
Brod publica postumamente Um<br />
Artista da Fome que Kafka havia<br />
concluído pouco antes.<br />
Diante da morte prematura<br />
de seu amigo, Max Brod vê-se<br />
diante da incômoda decisão de<br />
ter de cumprir o último pedido<br />
do amigo. Mas ele é incapaz de<br />
fazê-lo. Tendo em mãos o rico<br />
espólio de Franz Kafka, Brod<br />
decide-se afinal pela publicação<br />
daquelas obras. Nos anos seguintes,<br />
apareceriam nas livrarias,<br />
aquelas que se revelariam<br />
as obras maiores do escritor<br />
tcheco, seus romances O Processo,<br />
em 1925; O Castelo, em 1926;<br />
e América, em 1927. Publicaria<br />
ainda outros materiais inéditos<br />
do escritor, como a série de pequenas<br />
histórias reunidas sob o<br />
título A Grande Muralha da China,<br />
em 1931.<br />
Nos anos seguintes a literatura<br />
de Franz Kafka, que era<br />
conhecida apenas em restritos<br />
círculos intelectuais em Berlim e<br />
Praga, se revelaria uma das mais<br />
influentes em todo o mundo literário<br />
do século XX. Por sua<br />
visão ímpar da realidade e pelas<br />
inovações que introduz na forma<br />
narrativa, Kafka teria uma<br />
influência enorme sobre a literatura<br />
moderna alemã, sueca, polonesa,<br />
tcheca, persa, francesa,<br />
italiana, inglesa entre outras.<br />
Suas obras ganhariam ainda<br />
versões para o teatro, a ópera, o<br />
cinema e mesmo para os quadrinhos,<br />
formando uma das mais<br />
ricas e inventivas tradições da<br />
literatura de vanguarda, inserindo<br />
a obra genial de Kafka em<br />
seu justo lugar como algumas<br />
das mais brilhantes conquistas<br />
da literatura mundial.<br />
Seu estilo narrativo original,<br />
por sua vez, fantástico e absurdo,<br />
mas descrito de forma sempre<br />
objetiva, despojada, realista<br />
e crítica da sociedade, iria também<br />
ser uma das principais fontes<br />
de inspiração para a geração<br />
de escritores do realismo mágico<br />
norte-americano, corrente<br />
literária internacional mais importante<br />
da América Latina.
28 de fevereiro de 2010<br />
O Processo e O Castelo<br />
O IRRACIONALISMO DO MUNDO E O INDIVÍDUO<br />
Poucos autores da história<br />
literária mundial são tão universalmente<br />
apreciados como<br />
Franz Kafka. Sua obra, cujo<br />
valor é colossal, daria, para um<br />
número imenso de escritores, a<br />
visão lúcida e incontestável do<br />
caráter hediondo que assumiria<br />
a vida sob o capitalismo a partir<br />
do final do século XIX. O irracionalismo<br />
do mundo, a sensação<br />
de crescente isolamento<br />
individual, o esmagamento do<br />
indivíduo isolado por engrenagens<br />
que não controla ou, para<br />
ser dito de outra forma, a alienação<br />
do homem em relação a<br />
si mesmo e <strong>à</strong> sociedade da qual<br />
é o criador.<br />
Se desde seus anos áureos<br />
este regime econômico se definira<br />
pelo caráter brutal dos métodos<br />
de exploração da força de<br />
trabalho, a partir da segunda<br />
metade do século XIX, quando<br />
o capitalismo entra em sua etapa<br />
histórica de declínio, estes<br />
métodos assumiram características<br />
ainda mais agressivas<br />
e bestiais. O estranhamento do<br />
homem em relação ao mundo<br />
humano nunca foi tão intenso<br />
e tão completo como na época<br />
atual.<br />
A arte e a literatura deste<br />
período de transição, por sua<br />
vez, na medida em que seus<br />
artistas começariam a perceber<br />
estas transformações subterrâneas<br />
da economia e da política,<br />
passariam também por um<br />
lento processo de readaptação<br />
de suas formas expressivas,<br />
no sentido de apresentar este<br />
mundo novo da maneira mais<br />
apropriada.<br />
A obra de Franz Kafka se<br />
mostraria, portanto, uma das<br />
mais brilhantes manifestações<br />
desta nova percepção do monstruoso<br />
mundo moderno. Suas<br />
páginas encerrariam esta verdade<br />
profunda que seria reconhecida<br />
por escritores em todo<br />
o mundo, tornando-a por sua<br />
vez um dos pilares da literatura<br />
do novo século.<br />
Ela combinaria a visão objetiva<br />
e agressivamente crítica de<br />
denúncia social, com uma arrojada<br />
forma modernista, um<br />
realismo com apuradas distorções<br />
expressionistas.<br />
O RETRATO LITERÁRIO<br />
DO CAPITALISMO<br />
AGONIZANTE<br />
A livre competição que caracterizou<br />
a primeira etapa “liberal”<br />
da economia capitalista,<br />
durante o século XIX, deu lugar,<br />
com o passar dos anos, <strong>à</strong> formação<br />
dos primeiros monopólios<br />
industriais e dos cartéis, como<br />
uma conseqüência natural deste<br />
movimento de livre merca-<br />
CARTA AO PAI<br />
Querido Pai:<br />
Você me perguntou recentemente<br />
por que eu afirmo ter<br />
medo de você. Como de costume,<br />
não soube responder, em<br />
parte justamente por causa do<br />
medo que tenho de você, em<br />
parte porque na motivação<br />
desse medo intervêm tantos<br />
pormenores, que mal poderia<br />
reuni-los numa fala. E se aqui<br />
tento responder por escrito,<br />
será sem dúvida de um modo<br />
muito incompleto, porque,<br />
também ao escrever, o medo<br />
e suas conseqüências me inibem<br />
diante de você e porque<br />
a magnitude do assunto ultrapassa<br />
de longe minha memória<br />
e meu entendimento.<br />
Para você a questão sempre<br />
se apresentou em termos<br />
muito simples, pelo menos<br />
considerando o que falou na<br />
minha presença e, indiscriminadamente,<br />
na de muitos<br />
outros. Para você as coisas<br />
pareciam ser mais ou menos<br />
assim: trabalhou duro a vida<br />
toda, sacrificou tudo pelos filhos,<br />
especialmente por mim,<br />
e graças a isso eu vivi “<strong>à</strong> larga”,<br />
desfrutei de inteira liberdade<br />
para estudar o que queria, não<br />
precisei ter qualquer preocupação<br />
com o meu sustento e<br />
portanto nenhuma preocupação;<br />
em troca você não exigiu<br />
gratidão - você conhece a “gratidão<br />
dos filhos” - mas pelo<br />
menos alguma coisa de volta,<br />
algum sinal de simpatia; ao<br />
invés disse sempre me escondi<br />
de você, no meu quarto,<br />
com meus livros, com amigos<br />
malucos, com idéias extrava-<br />
do. Longe de ser um simples<br />
movimento econômico alheio <strong>à</strong><br />
realidade social, o imperialismo<br />
representou a transformação<br />
do velho capitalismo do século<br />
XIX, liberal e auto-regulador,<br />
para uma forma econômica, política<br />
e social superior, que teria<br />
impactos violentos em todas as<br />
esferas da vida moderna.<br />
O predomínio dos bancos<br />
sobre o capital financeiro, as<br />
disputas entre as grandes indústrias<br />
monopolistas, a agressiva<br />
busca pelo controle das<br />
matérias-primas e a necessidade<br />
vital das grandes potências<br />
imperialistas pela abertura de<br />
novos mercados, iriam modificar<br />
profundamente todo o<br />
funcionamento da sociedade a<br />
partir de então.<br />
Do ponto de vista da vida social,<br />
este novo capitalismo monopolista<br />
trouxe consigo a intensificação<br />
como nunca se viu<br />
de todas as contradições sociais<br />
típicas do capitalismo da etapa<br />
anterior. Nacionalmente, o<br />
aprofundamento da exploração<br />
da classe operária, a tendência<br />
do Estado burguês ao controle<br />
ditatorial da sociedade e a expansão<br />
e aprimoramento de<br />
todo seu aparelho burocrático,<br />
administrativo e repressivo. Internacionalmente,<br />
as potências<br />
imperialistas intensificariam<br />
como nunca antes o ataque parasitário<br />
de todas as pequenas<br />
nações capitalistas atrasadas.<br />
Esta competição desenfreada<br />
do imperialismo pelo controle<br />
da economia mundial inauguraria<br />
também a etapa mais violenta<br />
de guerras que a humanidade<br />
jamais havia presenciado<br />
até então. A cada novo conflito,<br />
centenas de milhares de pessoas<br />
ficariam horrorizadas com a<br />
capacidade de destruição sem<br />
limites desta nova máquina de<br />
opressão de classe. O capitalismo<br />
em sua etapa de decomposição.<br />
A contraparte ideológica<br />
para dar sustentação a esta política<br />
se revelaria por sua vez<br />
em um dos processos mais hediondos<br />
de embrutecimento da<br />
sensibilidade humana já criados,<br />
com a prostituição de toda<br />
a intelectualidade burguesa e<br />
pequeno-burguesa aos mais repulsivos<br />
objetivos econômicos<br />
de um reduzidíssimo grupo de<br />
trustes capitalistas.<br />
Milhares de militantes políticos,<br />
intelectuais e artistas<br />
acabariam comprados pelas<br />
nações imperialistas, tornados<br />
serviçais e propagadores de seu<br />
nacionalismo militarista. Defensores<br />
de uma política que<br />
levaria <strong>à</strong> barbárie da Primeira<br />
Guerra, <strong>à</strong>s ditaduras fascistas,<br />
ao genocídio, <strong>à</strong> Segunda Guerra<br />
gantes, nunca falei abertamente<br />
com você, no templo<br />
não ficava a seu lado, nunca o<br />
visitei em Franzensbadi, aliás<br />
nunca tive sentido de família,<br />
não dei atenção <strong>à</strong> loja nem aos<br />
seus outros negócios, a fábrica<br />
eu deixei nas suas costas e<br />
depois o abandonei, apoiei a<br />
obstinação de Ottlaii e, se por<br />
um lado não movo um dedo<br />
por você (nem uma entrada<br />
de teatro eu lhe trago), pelos<br />
amigos eu faço tudo. Se você<br />
fizesse um resumo do que<br />
pensa de mim, o resultado<br />
seria que na verdade não me<br />
censura de nada abertamente<br />
indecoroso ou mau (exceto<br />
talvez meu último projeto de<br />
casamento), mas sim de frieza,<br />
estranheza, ingratidão.<br />
E de fato você me recrimina<br />
por isso como se fosse culpa<br />
minha, como se por acaso eu<br />
tivesse podido, com uma virada<br />
do volante, conduzir tudo<br />
para outra direção, ao passo<br />
que você não tem a mínima<br />
culpa, a não ser talvez o fato<br />
de ter sido bom demais para<br />
mim.<br />
Esse seu modo usual de ver<br />
as coisas eu só considero justo<br />
na medida em que também<br />
acredito que você não tem a<br />
menor culpa pelo nosso distanciamento.<br />
Mas eu também<br />
não tenho a menor culpa. Se<br />
pudesse levá-lo a reconhecer<br />
isso, então seria possível, não<br />
uma nova vida - para tanto<br />
nós dois estamos velhos demais<br />
- mas sem dúvida uma<br />
espécie de paz; não a cessação,<br />
mas certamente um abrandamento<br />
das suas intermináveis<br />
e <strong>à</strong> devastação nuclear de cidades<br />
inteiras.<br />
Era contra a emergência deste<br />
novo mundo em completa<br />
desagregação, inimigo de qualquer<br />
verdadeiro valor humano<br />
que Kafka produziria sua obra<br />
genial, que traria <strong>à</strong> luz alguns<br />
dos mais hediondos aspectos<br />
do mundo imperialista.<br />
Entre toda a excelente literatura<br />
kafkiana, duas obras destacam-se<br />
como as mais complexas<br />
e sofisticadas das criações<br />
do escritor. Os romances O Processo,<br />
e O Castelo.<br />
UMA OBRA-PRIMA<br />
KAFKIANA: O<br />
PROCESSO<br />
CAUSA OPERÁRIA CULTURA B4<br />
Numa certa manhã, Josef<br />
K. acorda em seu quarto<br />
de pensão surpreendido com<br />
a presença de policiais que o<br />
estão fazendo prisioneiro. Ao<br />
questioná-los sobre o motivo<br />
daquilo tudo, recebe a estranha<br />
resposta: “não é de a nossa<br />
incumbência dar-lhe explicações”.<br />
Apenas mais tarde, um<br />
oficial que o interroga é capaz<br />
de lhe dar alguma informação.<br />
Havia um processo sendo movido<br />
contra ele, mas o oficial<br />
se recusou a informar qual era<br />
seu teor. K. fica surpreso não<br />
apenas com aquele tratamento<br />
humilhante, mas com a própria<br />
existência deste processo.<br />
A partir deste argumento,<br />
Kafka irá descrever uma das<br />
mais memoráveis e insólitas<br />
aventuras da literatura, a busca<br />
de Josef K. por descobrir o motivo<br />
daquele processo e afinal<br />
conseguir se livrar dos braços<br />
do Estado e de uma condenação<br />
cuja base escapa inclusive<br />
ao seu conhecimento. É mais<br />
que arbitrariedade, é o reino da<br />
irracionalidade.<br />
Este estranho e sufocante<br />
universo, no entanto cada vez<br />
mais familiar, kafkiano, onde<br />
tudo é incerteza e a sociedade<br />
aparece sempre hostil ao seu<br />
protagonista, disposta a esmagá-lo<br />
a todo custo, é a transfiguração<br />
literária daquela<br />
mesma sociedade imperialista<br />
sobre a qual, o escritor, assim<br />
como todos os seres humanos,<br />
não têm qualquer poder e qualquer<br />
controle.<br />
Em suas representações,<br />
aparentemente, absurdas da<br />
realidade, este caráter inquietante<br />
do mundo moderno seria<br />
representado de forma soberba.<br />
Era a exteriorização deste<br />
permanente clima de conspiração<br />
e de esmagamento contra o<br />
indivíduo que é uma das marcas<br />
registradas da era imperialista<br />
e sua “tendência para a dominação<br />
em vez da tendência<br />
recriminações.<br />
Curiosamente você tem alguma<br />
intuição daquilo que eu<br />
quero dizer. Assim, por exemplo,<br />
me disse há pouco tempo:<br />
“Eu sempre gostei de você,<br />
embora na aparência não tenha<br />
sido como costumam ser<br />
os outros pais, justamente<br />
porque não sei fingir como<br />
eles”. Ora, no que me diz respeito,<br />
pai, nunca duvidei da<br />
sua bondade, mas considero<br />
incorreta essa observação.<br />
Você não sabe fingir, é verdade,<br />
mas querer afirmar só<br />
por esse motivo que os outros<br />
pais fingem, é ou mera mania<br />
de ter razão e não se discute<br />
mais, ou então - como de fato<br />
acho - a expressão velada de<br />
que as coisas entre nós não<br />
vão bem e de que você tem a<br />
ver com isso, mas sem culpa.<br />
Se realmente pensa assim, estão<br />
estamos de acordo.<br />
Naturalmente não digo que<br />
me tornei o que sou só por<br />
influência sua. Seria muito<br />
exagerado (e até me inclino a<br />
esse exagero). E bem possível<br />
que, mesmo que tivesse crescido<br />
totalmente livre da sua<br />
influência, eu não pudesse me<br />
tornar um ser humano na medida<br />
do seu coração. Provavelmente<br />
seria um homem sem<br />
vigor, medroso, hesitante,<br />
inquieto, nem Robert Kafka<br />
nem Karl Hermanniii, mas<br />
completamente diferente do<br />
que sou na realidade - e teríamos<br />
podido nos tolerar um<br />
ao outro de uma forma magnífica.<br />
Eu teria sido feliz por<br />
tê-lo como amigo, chefe, tio,<br />
avô, até mesmo (embora mais<br />
para a liberdade”, como Lênin<br />
o definiria em seu livro no qual<br />
analisa o imperialismo.<br />
Melhor ainda do que qualquer<br />
análise minuciosa do livro<br />
é a própria obra em si, que<br />
constitui uma denúncia espetacular<br />
da decadência profunda<br />
dos aparatos governamentais<br />
que perseguem K. ao longo<br />
de todo o romance.<br />
Ao iniciar sua jornada K.<br />
depara-se com obstáculos a<br />
cada passo, onde o simples ato<br />
de procurar o tribunal em que<br />
teria de prestar depoimento é<br />
um martírio. E mesmo lá o juiz<br />
é incapaz de revelar por que ele<br />
está sendo processado.<br />
A DENÚNCIA DO<br />
FUNCIONAMENTO<br />
CORRUPTO DA<br />
SOCIEDADE<br />
Inúmeros seriam os personagens<br />
que K. é obrigado a<br />
procurar para esclarecer o caso.<br />
Um dos grandes momentos<br />
do livro é quando ele encontra<br />
o advogado que lhe esclareceria<br />
parte do misterioso<br />
funcionamento da burocracia<br />
judiciária, mas que poderíamos<br />
dizer também, de todas<br />
as burocracias, outra característica<br />
da sociedade a partir do<br />
século XX: “No fundo, a defesa<br />
não é permitida pela Lei, mas<br />
simplesmente tolerada(...) Por<br />
conseguinte, a rigor, não existe<br />
advogado algum reconhecido<br />
pelo tribunal; todos quantos<br />
perante ele se apresentam não<br />
passam, no fundo, de uns zangões.(...)<br />
Quer-se, na medida<br />
do possível, eliminar a defesa;<br />
os acusados é que devem ser<br />
encarregados de tudo. (...) Na<br />
verdade, o procedimento judicial<br />
desenrola-se não só <strong>à</strong>s<br />
ocultas do público mas também<br />
do acusado”. Mas o advogado<br />
esclarecia: “O mais importante<br />
são, pois, as relações<br />
pessoais do advogado; nelas é<br />
que assenta o valor principal<br />
da defesa. (...) infra-estrutura<br />
da justiça não é muito perfeita<br />
e nela existem empregados<br />
corruptos e descuidados dos<br />
seus deveres que constituem<br />
outras tantas brechas no rigoroso<br />
círculo fechado da justiça.<br />
Por elas é que os advogados se<br />
intrometem, pois ali se fazem<br />
os subornos e as sondagens e<br />
até se haviam dado, pelo menos<br />
antigamente, casos de furtos<br />
de autos”. Ele chegava então ao<br />
centro do problema: “O único<br />
trunfo são, pois, as honestas<br />
relações pessoais com altos<br />
funcionários - entenda-se os<br />
altos funcionários das categorias<br />
inferiores. (...) [e] tal ação<br />
só muito poucos advogados a<br />
hesitante) como sogro. Mas<br />
justo como pai você era forte<br />
demais para mim, principalmente<br />
porque meus irmãos<br />
morreram pequenos, minhas<br />
irmãs só vieram muito depois<br />
e eu tive, portanto, de suportar<br />
inteiramente só o primeiro<br />
golpe, e para isso eu era fraco<br />
demais.<br />
Compare-nos um com o<br />
outro: eu, para expressá-lo<br />
bem abreviadamente, um<br />
Löwy com certo fundo Kafka,<br />
mas que não é acionado pela<br />
vontade de viver, fazer negócios<br />
e conquistar dos Kafka,<br />
e sim por um aguilhão dos<br />
Löwy, que age mais secreto,<br />
mais tímido, numa outra direção,<br />
e muitas vezes cessa<br />
por completo. Você, ao contrário,<br />
um verdadeiro Kafka<br />
na força, saúde, apetite, sonoridade<br />
de voz, dom de falar,<br />
auto-satisfação, superioridade<br />
diante do mundo, perseverança,<br />
presença de espírito,<br />
conhecimento dos homens,<br />
certa generosidade - naturalmente<br />
com todos os defeitos<br />
e fraquezas que fazem parte<br />
dessas qualidades e para as<br />
quais o precipitam seu temperamento<br />
e por vezes sua<br />
cólera. Talvez você não seja<br />
totalmente um Kafka na sua<br />
visão geral do mundo, até o<br />
ponto em que posso compará-lo<br />
com tio Philipp, Ludwig,<br />
Heinrichiv. Isso é curioso,<br />
aqui também não vejo muito<br />
claro. Todos eles eram sem<br />
dúvida mais alegres, mais<br />
dispostos, mais desenvoltos,<br />
mais despreocupados, menos<br />
severos que você. (Nisto,<br />
podem exercer”.<br />
O diálogo entre os dois é<br />
imenso, e a estas revelações,<br />
que K. recebia sempre com<br />
naturalidade, se juntariam<br />
inúmeras outras. Cada novo<br />
personagem a cruzar o caminho<br />
de K. representava uma<br />
parte do quebra cabeças da burocracia<br />
que seu protagonista<br />
esforçava-se por entender e se<br />
decidir como intervir.<br />
Mas o eixo da denúncia de<br />
Kafka <strong>à</strong> sociedade capitalista<br />
moderna está bem expresso<br />
nesta passagem. O caráter<br />
profundamente corrompido<br />
não apenas das instituições<br />
burguesas, mas também da<br />
própria sociedade submetida<br />
a estes mecanismos, onde os<br />
homens vão se degradando e<br />
anestesiando frente <strong>à</strong> corrupção<br />
geral. K., o herói da obra,<br />
terminaria por fim aniquilado<br />
por este gigantesco monstro<br />
contra quem viu não ter forças<br />
ou recursos para enfrentar sem<br />
ter de se corromper.<br />
O CASTELO, O<br />
TESTAMENTO<br />
LITERÁRIO DE KAFKA<br />
Mas a apoteose de toda a<br />
literatura kafkiana ficaria a<br />
cargo de seu último romance<br />
O Castelo, sua iniciativa literária<br />
de maior vôo, mas nunca<br />
finalizada. Nas mais de quatrocentas<br />
páginas manuscritas<br />
que Kafka deixara deste texto,<br />
esboçou um mundo ainda mais<br />
perturbador. Um aperfeiçoamento<br />
dos recursos expressivos<br />
que já vinha utilizando em<br />
sua obra desde O Veredicto.O<br />
Estado capitalista estaria novamente<br />
no centro de sua crítica,<br />
seu tema literário definitivo.<br />
Em O Castelo, o agrimensor<br />
Joseph K. – mesmo nome do<br />
protagonista de O Processo – é<br />
chamado por um misterioso<br />
duque para trabalhar em suas<br />
terras. Seu único desejo é realizar<br />
seu trabalho, mas chegando<br />
ao povoado, um local isolado<br />
de tudo, depara-se com uma<br />
estranha situação.<br />
Em sua chegada, todos os aldeões<br />
têm um comportamento<br />
hostil e anti-social para com<br />
ele. Não toleram sua presença<br />
e de maneira nenhuma permitem<br />
que ele se integre no vilarejo.<br />
Na manhã seguinte, K.,<br />
disposto a contatar o duque,<br />
segue a pé para o castelo, mas<br />
apesar de não parecer distante<br />
do vilarejo, revela-se um<br />
empreendimento irrealizável.<br />
Após horas de caminhada, as<br />
sombrias torres do castelo não<br />
parecem se aproximar um milímetro<br />
dele, imóveis no hori-<br />
aliás, herdei muito de você e<br />
administrei bem demais a herança,<br />
sem no entanto ter no<br />
meu ser os contrapesos necessários,<br />
como você tem). Por<br />
outro lado, porém, você nesse<br />
sentido atravessou épocas<br />
diferentes, talvez fosse mais<br />
alegre antes que os filhos - eu<br />
em particular - o decepcionassem<br />
e oprimissem em casa (se<br />
vinham estranhos, você era<br />
outro) e talvez agora também<br />
tenha ficado de novo mais<br />
alegre, uma vez que os netos e<br />
o genro lhe devolvem algo daquele<br />
calor que os filhos não<br />
lhe puderam dar, a não ser<br />
talvez Valliv. Seja como for,<br />
éramos tão diferentes e nessa<br />
diferença tão perigosos um<br />
para o outro, que se alguém<br />
por acaso quisesse calcular<br />
antecipadamente como eu,<br />
a criança que se desenvolvia<br />
devagar, e você o homem feito,<br />
se comportariam um com<br />
o outro, poderia supor que<br />
você simplesmente me esmagaria<br />
sob os pés e que não sobraria<br />
nada de mim. Ora, isso<br />
não aconteceu - o que é vivo<br />
não comporta cálculo - mas<br />
talvez tenha acontecido algo<br />
pior. Aqui, contudo, peço-lhe<br />
encarecidamente que não se<br />
esqueça de que nem de longe<br />
acredito numa culpa da sua<br />
parte. Você influiu sobre mim<br />
como tinha de influir, só que<br />
precisa deixar de considerar<br />
como uma maldade especial<br />
da minha parte o fato de eu<br />
ter sucumbido a essa influência.<br />
Eu era uma criança medrosa;<br />
é claro que apesar disso<br />
zonte. O agrimensor tem de se<br />
instalar então naquele povoado<br />
sinistro, onde todos têm quase<br />
o mesmo rosto e parecem se<br />
comportar da mesma maneira,<br />
desprovidos de qualquer característica<br />
pessoal.<br />
Lá ele toma conhecimento<br />
também de que sua presença<br />
de fato não é desejada no castelo,<br />
com o qual passa a se comunicar<br />
apenas através de um<br />
mensageiro, que se torna seu<br />
único intermediário com os<br />
altos funcionários que o contrataram.<br />
Obrigado a viver nesta sociedade<br />
totalmente hostil <strong>à</strong> sua<br />
presença, na qual se percebe<br />
homem livre e escravo ao mesmo<br />
tempo, K. acaba sofrendo<br />
uma série de revezes em sua<br />
missão, até perceber que sua<br />
contratação fora um engano,<br />
ser demitido, reduzido a aldeão,<br />
e colocado no mais baixo<br />
degrau deste povoado onde a<br />
presença fantasmagórica daquele<br />
castelo no horizonte<br />
distante, faz-se sentir permanentemente<br />
como um conjunto<br />
de regras e valores morais<br />
estranho a K., e que o mantém<br />
oprimido e deslocado.<br />
Ao contrário de O Processo,<br />
onde seu personagem em sua<br />
jornada penetra nos porões<br />
claustrofóbicos do mundo burocrático<br />
estatal, em O Castelo,<br />
seu herói vê a imagem imponente<br />
do Estado apenas como<br />
uma silhueta recortada na paisagem,<br />
cuja atividade é totalmente<br />
desconhecida para ele e<br />
todos os demais habitantes da<br />
vila, que por sua vez, encaramno<br />
como um assunto proibido.<br />
Uma inversão do ponto de vista<br />
que curiosamente revela a<br />
mesma conclusão.<br />
Sua narrativa é tortuosa,<br />
claustrofóbica, insinua diversas<br />
situações incertas e comportamentos<br />
incompreensíveis<br />
que Kafka consegue habilmente<br />
transportar para o leitor, o<br />
mesmo desconforto sentido<br />
pelo desgraçado protagonista<br />
da história.<br />
O fato da obra nunca ter<br />
sido finalizada dá a este mundo<br />
pavoroso criado por Kafka,<br />
amaldiçoado por seu castelo<br />
inacessível, um sabor ainda<br />
mais desagradável. Sua visão<br />
derradeira da opressão humana<br />
sob o imperialismo, onde o<br />
“homem livre” é na realidade<br />
o mais desgraçado dos escravos,<br />
perpetuamente trancafiado<br />
em um porão que apenas<br />
pessoas muito embrutecidas<br />
seriam capazes de chamar de<br />
“vida”. Depois de Kafka, os escritores<br />
passariam a encarar o<br />
mundo moderno de uma nova<br />
maneira.<br />
Leia aqui uma passagem do livro de Franz Kafka, originalmente uma carta para seu pai que o escritor acabou nunca<br />
enviando. A obra só seria publicada postumamente, por seu amigo e editor Max Brod<br />
também era teimoso como o<br />
são as crianças; certamente<br />
também minha mãe me mimou,<br />
mas não posso crer que<br />
fosse um menino difícil de<br />
lidar, nem que uma palavra<br />
amável, um silencioso levar<br />
pela mão, um olhar bondoso<br />
não pudessem conseguir de<br />
mim tudo o que se quisesse.<br />
Ora, no fundo você é um homem<br />
bom e brando (o que se<br />
segue não vai contradizer isso,<br />
estou falando apenas da aparência<br />
na qual você influenciava<br />
o menino), mas nem toda<br />
criança tem a resistência e o<br />
destemor de ficar procurando<br />
até chegar <strong>à</strong> bondade. Você<br />
só pode tratar um filho como<br />
você mesmo foi criado, com<br />
energia, ruído e cólera, e neste<br />
caso isso lhe parecia, além<br />
do mais, muito adequado,<br />
porque queria fazer de mim<br />
um jovem forte e corajoso.<br />
Naturalmente, hoje não<br />
posso descrever sem mediações<br />
seus métodos pedagógicos<br />
nos primeiros anos, mas<br />
posso talvez imaginá-los por<br />
dedução dos anos posteriores<br />
e a partir da maneira como<br />
você trata Félixvi. Neste caso<br />
entra em consideração, como<br />
agravante, o fato de que naquele<br />
tempo você era mais jovem,<br />
portanto mais disposto,<br />
mais genuíno, mais despreocupado<br />
do que hoje, e de que,<br />
além disso, inteiramente ligado<br />
aos negócios, mal podia se<br />
mostrar uma vez ao dia para<br />
mim e por isso a impressão<br />
que me causava era mais profunda<br />
ainda, tanto que jamais<br />
se banalizou em hábito.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA CULTURA B5<br />
FRANZ KAFKA<br />
A METAMORFOSE<br />
Capítulo I<br />
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encon-<br />
trou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado<br />
sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu<br />
seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual<br />
a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas<br />
pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do cor-<br />
po, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.<br />
— O que aconteceu comigo? — pensou.<br />
Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um<br />
pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem co-<br />
nhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um mostruário<br />
de tecidos — Samsa era caixeiro viajante, — pendia a imagem que ele havia<br />
recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela<br />
moldura dourada. Representava uma dama de chapéu de pele e boa pele que,<br />
sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador um pesado regalo<br />
também de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço.<br />
O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo — ouviam-<br />
se gotas de chuva batendo no zinco do parapeito — deixou-o inteiramente me-<br />
lancólico.<br />
— Que tal se eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse todas<br />
essas tolices? — pensou, mas isso era completamente irrealizável, pois estava<br />
habituado a dormir do lado direito e no seu estado atual não conseguia se co-<br />
locar nessa posição. Qualquer que fosse a força com que se jogava para o lado<br />
direito balançava sempre de volta <strong>à</strong> postura de costas. Tentou isso umas cem<br />
vezes, fechando os olhos para não ter de enxergar as pernas desordenadamente<br />
agitadas, e só desistiu quando começou a sentir do lado uma dor ainda nunca<br />
experimentada, leve e surda.<br />
— Ah, meu Deus! — pensou. — Que profissão cansativa eu escolhi. Entra<br />
dia, sai dia — viajando. A excitação comercial é muito maior que na própria<br />
sede da firma e, além disso, me é imposta essa canseira de viajar, a preocupação<br />
com a troca de trens, as refeições irregulares e ruins, um convívio humano que<br />
muda sempre, jamais perdura, nunca se torna caloroso. O diabo carregue tudo<br />
isso!<br />
Sentiu uma leve coceira na parte de cima do ventre; deslocou-se devagar<br />
sobre as costas até mais perto da guarda da cama para poder levantar melhor<br />
a cabeça; encontrou o lugar onde estava coçando, ocupado por uma porção<br />
de pontinhos brancos que não soube avaliar; quis apalpa-lo com uma perna,<br />
mas imediatamente a retirou, pois ao contato acometeram-no calafrios.<br />
Deslizou de volta <strong>à</strong> antiga posição.<br />
— Acordar cedo assim deixa a pessoa completamente embotada — pen-<br />
sou. — O ser humano precisa ter o seu sono. Outros caixeiros viajantes vivem<br />
como mulheres de harém. Por exemplo, quando volto no meio da tarde ao hotel<br />
para transcrever as encomendas obtidas, esses senhores ainda estão sentados<br />
para o café da manhã. Tentasse eu fazer isso com o chefe que tenho: voaria<br />
no ato para a rua. Aliás, quem sabe não seria muito bom para mim? Se não me<br />
contivesse, por causa dos meus pais, teria pedido demissão há muito tempo;<br />
teria me postado diante do chefe e dito o que penso do fundo do coração. Ele<br />
iria cair da sua banca! Também, é estranho o modo como toma assento nela<br />
e fala de cima para baixo com o funcionário — que além do mais precisa se<br />
aproximar bastante por causa da surdez do chefe. Bem, ainda não renunciei<br />
por completo <strong>à</strong> esperança: assim que juntar o dinheiro para lhe pagar a dívida<br />
dos meus pais — deve demorar ainda de cinco a seis anos — vou fazer isso<br />
sem falta. Chegará então a vez da grande ruptura. Por enquanto, porém, tenho<br />
de me levantar, pois meu trem parte <strong>à</strong>s cinco.<br />
E olhou para o despertador que fazia tique-taque sobre o armário.<br />
— Pai do céu! — pensou. Eram seis e meia e os ponteiros avançavam cal-<br />
mamente, passava até da meia hora, já se aproximava de um quarto. Será que<br />
o despertador não havia tocado? Via-se da cama que ele estava ajustado certo<br />
para quatro horas: seguramente o alarme tinha soado. Sim — mas era possível<br />
continuar dormindo tranqüilo com esse toque de abalar aa mobília? Bem, com<br />
tranqüilidade ele não havia dormido, mas é provável que por causa disso o sono<br />
tenha sido mais profundo. E agora, o que deveria fazer? O próximo trem partia<br />
<strong>à</strong>s sete horas; para alcança-lo precisaria se apressar como louco, o mostruário<br />
ainda não estava na mala e ele próprio não se sentia de modo algum particu-<br />
larmente disposto e ágil. E mesmo que pegasse o trem não podia evitar uma<br />
explosão do chefe, pois o contínuo da firma tinha aguardado junto ao trem das<br />
cinco e fazia muito tempo que havia comunicado sua falta. Era uma criatura<br />
do chefe, sem espinha dorsal nem discernimento. E se anunciasse que estava<br />
doente? Mas isso seria extremamente penoso e suspeito, pois durante os cinco<br />
anos de serviço Gregor ainda não tinha ficado doente uma única vez. Certa-<br />
mente o chefe viria com o médico do seguro de saúde, censuraria os pais por<br />
causa do filho preguiçoso e cercearia todas as objeções apoiado no médico,<br />
para quem só existem pessoas inteiramente sadias, mas refratárias ao trabalho.<br />
E neste caso estaria tão errado assim? Com efeito, abstraindo-se uma sono-<br />
lência realmente supérflua depois de longo sono, Gregor sentia-se muito bem<br />
e estava até mesmo com uma fome especialmente forte.<br />
Enquanto refletia sobre tudo isso na maior pressa, sem poder se decidir<br />
a deixar a cama — o despertador acabava de dar um quarto para as sete, —<br />
bateram cautelosamente na porta junto <strong>à</strong> cabeceira da sua cama.<br />
— Gregor — chamaram; era a mãe. — É um quarto para as sete. Você não<br />
queria partir?<br />
— Que voz suave! — Gregor se assustou quando ouviu sua própria voz<br />
responder, era inconfundivelmente a voz antiga, mas nela se imiscuía, como<br />
se viesse de baixo, um pipilar irreprimível e doloroso, que só no primeiro mo-<br />
mento mantinha literal a clareza das palavras, para destruí-las de tal forma quan-<br />
do acabavam de soar que a pessoa não sabia se havia escutado direito. Gregor<br />
quisera responder em minúcia e explicar tudo, mas nestas circunstâncias se<br />
limitou a dizer:<br />
— Sim, sim, obrigado, mãe, já vou me levantar.<br />
Com certeza por causa da porta de madeira não se podia notar lá fora a al-<br />
teração na voz de Gregor, pois a mãe se tranqüilizou com essa explicação e<br />
se afastou arrastando os chinelos. Mas a breve conversa chamou a atenção dos<br />
outros membros da família para o fato de Gregor, contrariando as expectativas,<br />
ainda estava em casa — e já o pai batia, fraco, mas com o punho, numa porta<br />
lateral.<br />
— Gregor, Gregor — chamou. — O que está acontecendo?<br />
E depois de um intervalo curto advertiu outra vez, com voz mais profunda:<br />
— Gregor, Gregor!<br />
Na outra porta lateral, entretanto, a irmã lamuriava baixinho:<br />
— Gregor? Você não está bem? Precisa de alguma coisa?<br />
Gregor respondeu para os dois lados:<br />
— Já estou pronto — e através da pronuncia mais cuidadosa e da introdução<br />
de longas pausas entre as palavras se esforçou para retirar <strong>à</strong> sua voz tudo que<br />
chamasse a atenção.<br />
O pai também voltou ao seu café da manhã, mas a irmã sussurrou:<br />
— Gregor, abra, eu suplico.<br />
Gregor, entretanto não pensava absolutamente em abrir, louvando a pre-<br />
caução, adotada nas viagens, de conservar as portas trancadas durante a noite,<br />
mesmo em casa.<br />
Queria primeiro levantar-se, calmo e sem perturbação, vestir-se e, sobre-<br />
tudo tomar o café da manhã, e só depois pensar no resto, pois percebia muito<br />
bem que, na cama, não chegaria, com as suas reflexões, a uma conclusão sen-<br />
sata. Lembrou-se de já ter sentido, várias vezes, alguma dor ligeira na cama,<br />
provocada talvez pela posição desajeitada de deitar, mas que depois, ao ficar<br />
em pé, mostrava ser pura imaginação, e estava ansioso para ver como iriam<br />
gradativamente se dissipar as imagens do dia de hoje. Não duvidava nem um<br />
pouco de que a alteração da voz não era outra coisa senão o prenúncio de um<br />
severo resfriado, moléstia profissional do caixeiro viajante.<br />
Afastar a coberta foi muito simples: precisou apenas se inflar um pouco<br />
e ela caiu sozinha. Mas daí em diante as coisas ficaram difíceis, em particular<br />
porque ele era incomumente largo. Teria necessitado de braços e mãos para<br />
se erguer; ao invés disso, porém, só tinha as numerosas perninhas que faziam<br />
sem cessar os movimentos mais diversos e que, além disso, ele não podia do-<br />
minar. Se queria dobrar uma, ela era a primeira a se estender, se finalmente con-<br />
seguia realizar o que queria com essa perna, então todas as outras, nesse ín-<br />
terim, trabalhavam na mais intensa e dolorosa agitação, como se estivessem<br />
soltas.<br />
— Não fique inutilmente aí na cama — disse Gregor a si mesmo.<br />
A principio quis sair da cama com a parte inferior do corpo; mas essa parte<br />
de baixo, que ele, aliás, ainda não tinha visto e da qual não podia fazer uma<br />
idéia exata, provou ser difícil demais de mover; ela ia tão devagar; e quando<br />
afinal, quase frenético, reunindo todas as suas forças e sem respeitar nada, se<br />
atirou para frente, bateu com violência nos pés da cama, pois tinha escolhido<br />
a direção errada; a dor ardida que sentiu ensinou-lhe que justamente a parte<br />
inferior do seu corpo era no momento, talvez, a mais sensível de todas.<br />
Tentou por isso tirar em primeiro lugar a parte superior do corpo, voltando<br />
com cautela <strong>à</strong> cabeça para a beira do leito. Conseguiu-o com facilidade: a des-<br />
peito da sua largura e do seu peso, a massa do corpo acompanhou devagar,<br />
finalmente, a virada da cabeça. Mas quando por fim ele a susteve fora da cama,<br />
em pleno ar, ficou com medo de avançar mais dessa maneira, pois se enfim<br />
se deixasse cair, seria preciso acontecer um milagre para que a cabeça não se<br />
ferisse. E precisamente agora não podia, por preço algum perder a consciência;<br />
preferia permanecer na cama.<br />
Entretanto, quando mais uma vez, depois de esforço igual, ficou deitado<br />
na mesma posição, suspirando, e viu de novo suas perninhas lutarem umas<br />
contra as outras possivelmente mais que antes, e não encontrou nenhuma pos-<br />
sibilidade de imprimir calma e ordem <strong>à</strong>quele descontrole, disse novamente a<br />
si mesmo que era impossível continuar na cama e que o mais razoável seria<br />
sacrificar tudo, caso existisse a mínima esperança de com isso se livrar dela.<br />
Ao mesmo tempo, porém, não esqueceu de se lembrar, nos intervalos, de que<br />
decisões calmas, inclusive as mais calmas, são melhores que as desesperadas.<br />
Nesses instantes dirigia o olhar com a maior agudez possível <strong>à</strong> janela, mas in-<br />
felizmente só era possível receber pouca confiança e estímulo da visão da né-<br />
voa matutina que encobria até o outro lado da rua estreita.<br />
— Sete horas já — disse a si mesmo quando o despertador bate outra vez,<br />
— sete horas já e ainda essa neblina.<br />
E por um momento permaneceu tranqüilamente deitado, com a respiração<br />
fraca, como se esperasse talvez do silencio pleno o retorno das coisas ao seu<br />
estado real e natural.<br />
Mas depois disse consigo mesmo:<br />
— Antes de soar sete e um quarto preciso de qualquer modo ter deixado<br />
completamente a cama. Mesmo porque até então virá alguém da firma per-<br />
guntar por mim, pois ela abre antes de sete horas.<br />
E pôs-se a balançar o corpo em toda a sua extensão, num ritmo perfeita-<br />
mente uniforme, para tira-lo da cama. Deixando-se cair desse modo, a cabeça<br />
— que ele queria conservar bem erguida durante a queda — presumivelmente<br />
ficaria ilesa. As costas pareciam ser duras; decerto não aconteceria nada a elas<br />
caindo no tapete. A maior dúvida vinha da preocupação com o estrondo que<br />
iria provocar e que provavelmente causaria, se não susto, pelo menos apre-<br />
ensão atrás de todas as portas. Mas isso era preciso arriscar.<br />
Quando Gregor já estava pela metade fora da cama — o novo método era<br />
mais um jogo que um esforço, ele só tinha de se balançar empurrando o corpo<br />
— ocorreu-lhe como seria simples se alguém viesse ajuda-lo. Duas pessoas<br />
fortes — pensou no pai e na empregada — bastariam plenamente; precisariam<br />
apenas enfiar os braços debaixo de suas costas abauladas, destacando-o assim<br />
da cama, inclinar-se com o fardo e depois simplesmente permitir que ele efe-<br />
tuasse com cuidado a virada do corpo sobre o assoalho, onde então as per-<br />
ninhas, como era de se esperar, adquiriam um sentido. Bem, desconsiderando<br />
inteiramente que as portas estavam fechadas, deveria mesmo chamar por so-<br />
corro? Apesar de toda a sua aflição, não pôde reprimir um sorriso a esse pen-<br />
samento.<br />
Já tinha alcançado um ponto em que, a um balanço mais forte, quase não<br />
poderia manter o equilíbrio, tendo então de se decidir de uma vez, pois em cin-<br />
co minutos seriam sete e quinze — quando soou a campainha na porta do apar-<br />
tamento.<br />
— É alguém da firma — disse a si mesmo e quase gelou, enquanto as per-<br />
ninhas dançavam mais rápidas por causa disso.<br />
Durante um momento ficou tudo silencioso.<br />
— Eles não vão abrir — disse Gregor consigo mesmo, preso a alguma es-<br />
perança absurda.<br />
Ma aí a empregada, natural como sempre, caminhou com passos firmes até<br />
a porta e abriu. Gregor só precisou ouvir a primeira palavra de saudação do<br />
visitante para saber quem era — o gerente em pessoa. Por que Gregor estava<br />
condenado a servir numa firma em que <strong>à</strong> mínima omissão se levantava logo<br />
a máxima suspeita? Será que todos os funcionários eram sem exceção vaga-<br />
bundos? Não havia, pois, entre eles nenhum homem leal e dedicado que, embora<br />
deixando de aproveitar algumas horas da manhã em prol da firma, tenha ficado<br />
louco de remorso e literalmente impossibilitado de abandonar a cama? Não<br />
bastava realmente mandar um aprendiz ir perguntar — se é que havia neces-<br />
sidade desse interrogatório? Tinha de vir o próprio gerente, era preciso mostrar<br />
com isso <strong>à</strong> família inteira — inocente — que a investigação desse caso suspeito<br />
só podia ser confiada <strong>à</strong> razão do gerente? E mais por causa da excitação a que<br />
foi levado por essas reflexões do que em conseqüência de uma decisão de verdade,<br />
Gregor se atirou com toda a força para fora da cama. Houve uma pancada alta,<br />
mas não propriamente um estrondo. A queda foi um pouco atenuada pelo tapete,<br />
mas as costas também eram mais elásticas do que Gregor havia pensado —<br />
daí o som surdo que não chamava tanto a atenção. Ele só não tinha sustentado<br />
a cabeça com cuidado suficiente e por isso havia batido com ela; de raiva e dor,<br />
virou-a e esfregou-a no tapete.<br />
— Caiu alguma coisa lá dentro — disse o gerente no aposento vizinho da<br />
esquerda.<br />
Gregor tentou imaginar se não podia acontecer também ao gerente algo<br />
semelhante ao que havia sucedido hoje com ele; de fato era necessário admitir<br />
essa possibilidade. Mas como se fosse uma rude resposta a essa pergunta, o<br />
gerente deu alguns passos definidos no quarto contíguo, fazendo suas botas<br />
de verniz rangerem. Do cômodo vizinho da direita a irmã sussurrou para<br />
comunicar a Gregor:<br />
— Gregor, o gerente está aí.<br />
— Eu sei — disse Gregor a si mesmo, mas não ousou erguer a voz a um<br />
ponto que a irmã pudesse ouvi-lo.<br />
— Gregor — falou então o pai, do aposento <strong>à</strong> esquerda, — o senhor gerente<br />
chegou e quer saber por que você não partiu no trem de hoje cedo. Não sabemos<br />
o que devemos dizer a ele. Aliás, ele também quer falar pessoalmente com você.<br />
Faça, portanto o favor de abrir a porta. Ele terá a bondade de desculpar a de-<br />
sarrumação do quarto.<br />
— Bom dia, senhor Samsa — bradou em meio o gerente, num tom amigável.<br />
— Ele não está bem — disse a mãe ao gerente quando o pai ainda falava<br />
junto <strong>à</strong> porta. — Ele não está bem, acredite em mim, senhor gerente. Senão<br />
como Gregor perderia um trem? Esse moço não tem outra coisa na cabeça a<br />
não ser a firma. Eu quase me irrito por ele nunca sair <strong>à</strong> noite; agora esteve oito<br />
dias na cidade, mas passou todas as noites em casa. Fica sentado <strong>à</strong> mesa conosco<br />
e lê em silencio o jornal ou estuda horários de viagem. É uma distração para<br />
ele ocupar-se de trabalhos de carpintaria. Por exemplo, durante duas ou três<br />
noites entalhou uma pequena moldura: o senhor vai ficar admirado de ver como<br />
ela é bonita; está pendurada lá dentro do quarto; o senhor vai enxerga-la assim<br />
que ele abrir. Aliás, eu estou feliz, senhor gerente, pelo fato de o senhor estar<br />
aqui; sozinhos não iríamos conseguir que Gregor abrisse a porta; ele é tão teimoso;<br />
e certamente não está bem, embora tenha negado isso de manhã.<br />
— Já vou — disse Gregor lenta e cautelosamente, e não se moveu para não<br />
perder uma palavra da conversa.<br />
— De outro modo, cara senhora — disse o gerente, — também não sei como<br />
explicar isso. Esperemos que não seja nada grave. Embora por outro lado eu<br />
tenha de dizer que nós, homens do comércio, feliz ou infelizmente — como<br />
se quiser — precisamos muitas vezes, por considerações de ordem comercial,<br />
simplesmente superar um ligeiro mal-estar.<br />
— O senhor gerente pode, então, entrar no seu quarto? — perguntou o pai,<br />
impaciente, e bateu de novo na porta.<br />
— Não — disse Gregor.<br />
No cômodo vizinho da esquerda sobreveio um silencio penoso, no apo-<br />
sento contíguo da direita <strong>à</strong> irmã começou a soluçar.<br />
Por que a irmã não ia juntar-se ao demais? Certamente ela tinha acabado<br />
de se levantar da cama e ainda não havia começado a se vestir. Por que então<br />
chorava? Porque ele não se levantava e não deixava o gerente entrar, porque<br />
corria o perigo de perder o emprego e porque depois iria perseguir de novo<br />
os pais com as antigas exigências? Por enquanto, porém, essas preocupações<br />
eram desnecessárias. Gregor ainda estava aqui e não cogitava minimamente<br />
em abandonar sua família. É claro que, no momento, estava lá ditado no tapete,<br />
mas ninguém que conhecesse seu estado teria exigido seriamente dele que<br />
deixasse o gerente entrar. Mas por causa dessa pequena descortesia, para a<br />
qual se encontraria mais tarde, afinal, uma desculpa adequada, Gregor não podia<br />
ser demitido na hora. E a ele parecia muito mais razoável que o deixassem em<br />
paz agora do que perturba-lo com choro e exortações. No entanto era justa-<br />
mente a incerteza que os afligia e desculpava o seu comportamento.<br />
— Senhor Samsa — bradou então o gerente, elevando a voz, — o que está<br />
acontecendo? O senhor se entrincheira no seu quarto, responde somente sim<br />
ou não, causa preocupações sérias e desnecessárias aos seus pais e descura<br />
— para mencionar isso apenas de passagem — seus deveres funcionais de uma<br />
maneira realmente inaudita. Falo aqui em nome dos seus pais e do seu chefe<br />
e peço-lhe com toda a seriedade uma explicação imediata e clara. Estou per-<br />
plexo, estou perplexo. Acreditava conhece-lo como um homem calmo e sen-<br />
sato e agora o senhor parece querer de repente começar a ostentar estranhos<br />
caprichos. O chefe em verdade me insinuou esta manhã uma possível expli-<br />
cação para as suas omissões — ela dizia respeito aos pagamentos <strong>à</strong> vista que<br />
recentemente lhe foram confiados, — mas eu quase empenhei minha palavra<br />
de honra no sentido de que essa explicação não podia estar certa. Porém, vendo<br />
agora sua incompreensível obstinação, perco completamente <strong>à</strong> vontade de<br />
interceder o mínimo que seja pelo senhor. E o seu emprego não é de forma alguma<br />
o mais seguro. No começo eu tinha a intenção de lhe dizer tudo isso a sós, mas<br />
uma vez que o senhor me faz perder o meu tempo inutilmente aqui, não sei<br />
por que os senhores seus pais não devam ficar também sabendo. Nos últimos<br />
tempos seus rendimentos tem sido muito insatisfatório; de fato não é época<br />
de fazer negócios excepcionais, isso nos reconhecemos; mas época para não<br />
fazer negócio algum não existe, senhor Samsa, não pode existir.<br />
— Mas, senhor gerente — exclamou Gregor fora de si, esquecendo tudo<br />
o mais na excitação, — eu abro já, num instante. Um ligeiro mal-estar, um acesso<br />
de tontura, impediram-me de me levantar. Ainda estou deitado na cama. Mas<br />
agora me sinto novamente bem-disposto. Já estou saindo da cama. Só um<br />
instantezinho de paciência! As coisas ainda não vão tão bem como eu pensava.<br />
Mas já estou bem. Como é que uma coisa assim pode acontecer um homem?<br />
Ainda ontem <strong>à</strong> noite estava tudo bem comigo, meus pais sabem disso, ou melhor:<br />
já ontem <strong>à</strong> noite eu tive um pequeno prenúncio. Eles deviam ter notado isso<br />
em mim. Por que não comuniquei <strong>à</strong> firma? Mas sempre se pensa que se vai<br />
superar a doença sem ficar em casa. Senhor gerente poupe meus pais! Não á<br />
motivo para as censuras que agora o senhor me faz; também não me disseram<br />
uma palavra a esse respeito. Talvez o senhor não tenha lido os últimos pedidos<br />
que eu remeti.Aliás, ainda vou viajar com o trem das oito, as horas de repouso<br />
me fortaleceram. Não se detenha mais, senhor gerente; logo mais estarei pes-<br />
soalmente na firma: tenha a bondade de dizer isso e de apresentar minhas<br />
recomendações ao senhor chefe.<br />
E enquanto Gregor expelia tudo <strong>à</strong>s pressas, mal sabendo o que falava,<br />
aproximou-se do armário com facilidade — certamente em conseqüência da<br />
prática já adquirida na cama — tentando erguer-se apoiado nele. Queria efe-<br />
tivamente abrir a porta, deixar-se ver e conversar com o gerente; estava curioso<br />
para saber o que diriam, ao vê-lo, os outros que agora exigiam tanto a sua presença.<br />
Se eles se assustassem, então Gregor não tinha mais nenhuma responsabili-<br />
dade e podia sossegar. Mas se aceitassem tudo tranqüilamente, então ele não<br />
tinha motivo para afligir-se e podia, caso se apressasse, estar de fato na estação<br />
ferroviária <strong>à</strong>s oito horas. A principio escorregou algumas vezes do armário liso,<br />
mas finalmente, com um último impulso, pôs-se em pé; já não prestava ne-<br />
nhuma atenção <strong>à</strong>s dores na parte inferior do corpo, por mais intensas que fos-<br />
sem. Deixou-se então cair sobre as costas de uma cadeira próxima, em cujas<br />
bordas se segurou com as perninhas. Mas com isso adquiriu também o domínio<br />
sobre si mesmo e silenciou, pois agora podia escutar o gerente.<br />
— Entenderam uma única palavra? — perguntou o gerente aos pais. — Será<br />
que ele nos está fazendo de bobos?<br />
— Pelo amor de Deus! — exclamou a mãe já em lágrimas. — Talvez ele<br />
esteja seriamente doente e nós o atormentamos. Grete! Grete! — gritou então.<br />
— Mamãe? — bradou a irmã do outro lado.<br />
Elas se comunicavam através do quarto de Gregor.<br />
— Você precisa ir imediatamente ao médico. Gregor está doente. Vá cor-<br />
rendo ao médico. Você ouviu Gregor falar, agora?<br />
— Era uma voz de animal — disse o gerente, em voz sensivelmente mais<br />
baixa, comparada com os gritos da mãe.<br />
— Ana, Ana! — chamou o pai, batendo as mãos, através da ante-sala para<br />
a cozinha. — Vá buscar já um serralheiro!<br />
E logo as duas moças atravessaram a ante-sala correndo, com um ruído de<br />
saias — como é que a irmã tinha se vestido tão depressa?, —e escancararam<br />
a porta. Não se ouviu a porta bater de volta; sem dúvida deixaram-na aberta,<br />
como costuma acontecer nas casas em que aconteceu uma grande desgraça.<br />
Gregor, porém estava muito mais calmo. Certamente não entendiam mais<br />
suas palavras, embora para ele elas pareceram claras, mais claras que antes,<br />
talvez porque o ouvido havia se acostumado. De qualquer forma agora já se<br />
acreditava que as coisas com ele não estavam em perfeita ordem, e a disposição<br />
era de ajuda-lo. A confiança e a certeza com que foram tomadas as primeiras<br />
decisões fizeram-lhe bem. Sentiu-se novamente incluído no círculo dos ho-<br />
mens e passou a esperar do médico e do serralheiro — sem propriamente se-<br />
para-los — desempenhos excepcionais e surpreendentes. A fim de ficar com<br />
a voz o mais clara possível para as conversações decisivas que se aproxima-<br />
vam, tossiu um pouco, esforçando-se, entretanto para fazer isso de um modo<br />
bem abafado, uma vez que até esse ruído possivelmente soava diferente de<br />
uma tosse humana, coisa que ele mesmo já não ousava decidir. Nesse meio tem-<br />
po fez-se completo silêncio no aposento ao lado. Talvez os pais estivessem<br />
sentados <strong>à</strong> mesa com o gerente e cochichassem, talvez estivessem todos cur-<br />
vados sobre a porta, escutando.<br />
Gregor deslocou-se devagar até a porta empurrando a cadeira, largou-a lá,<br />
lançou-se de encontro <strong>à</strong> porta, conservando-se em pé apoiado nela — as<br />
extremidades das suas perninhas tinham um pouco de substância adesiva —<br />
e ali descansou por um instante do esforço. Mas depois começou a girar, com<br />
a boca, a chave na fechadura. Infelizmente, ao que parecia ele não tinha dentes<br />
de verdade — com o que devia logo agarrar a chave? — mas em compensação<br />
as mandíbulas eram sem dúvida muito fortes; com a ajuda delas pôde de fato<br />
pôr a chave em movimento e não dar atenção ao fato de que estava seguramente<br />
causando alguma lesão em si mesmo, pois um líquido marrom saiu da sua boca,<br />
escorreu sobre a chave e pingou no chão.<br />
— Ouçam — disse o gerente no cômodo vizinho, — ele está girando a chave.<br />
Para Gregor isso foi um grande estímulo; mas todos deveriam encoraja-lo,<br />
inclusive o pai e a mãe.<br />
— Aí, Gregor! — deveriam clamar. — Sempre em frente, firme na fecha-<br />
dura!<br />
E imaginando que todos acompanhavam ansiosos os seus esforços, mor-<br />
deu a chave como um louco, com todas as forças que ainda podia reunir. À<br />
medida que a chave ia girando, ele dançava em torno da fechadura; agora mantinha-<br />
se em pé só com o auxílio da boca e, conforme a necessidade, ficava pendurado<br />
na chave ou a empurrava outra vez para baixo com todo o peso do seu corpo.<br />
O som mais claro da fechadura que enfim retrocedia literalmente despertou<br />
Gregor. Respirando aliviado ele disse a si mesmo.<br />
— Não precisei, portanto do serralheiro — e colocou a cabeça sobre a<br />
maçaneta para abrir inteiramente a porta.<br />
Uma vez que precisava abri-la puxando contra si uma das folhas, ela já estava,<br />
com efeito, bem aberta e ele ainda não podia ser visto. Precisou primeiro girar<br />
lentamente o corpo, acompanhando o movimento da folha, na verdade com<br />
muito cuidado para não cair redondamente de costas bem diante da entrada<br />
para o quarto. Estava ainda ocupado com essa manobra difícil, sem ter tido<br />
tempo para atentar em outra coisa, quando ouviu o gerente soltar um “oh” alto<br />
— soava como o vento que zune — e então Gregor o viu também: era o mais<br />
próximo da porta e comprimia a mão sobre a boca, enquanto recuava devagar,<br />
como se o impelisse uma força invisível que continuasse agindo de modo<br />
constante. A mãe — apesar da presença do gerente, ela estava ali com os cabelos<br />
ainda desfeitos pela noite, espetados para o alto — a principio fitou o pai com<br />
as mãos entrelaçadas, depois deu dois passos em direção a Gregor e caiu no<br />
meio das saias que se espalhavam ao seu redor, o rosto totalmente afundado<br />
no peito. O pai cerrou o punho com expressão hostil, como se quisesse fazer<br />
Gregor recuar para dentro do quarto, depois olhou em volta de si, inseguro,<br />
na sala de estar, em seguida cobriu os olhos com as mãos e chorou a ponto de<br />
sacudir o peito poderoso.<br />
Gregor não entrou então na sala de estar, mas, de dentro, apoiou-se na folha<br />
da porta que estava bem travada, de tal modo que só se podia ver a metade<br />
do seu corpo e acima dela a cabeça inclinada de lado, com a qual ele espreitava<br />
os outros. Nesse meio tempo havia clareado bastante; do outro lado da rua<br />
aparecia, nítido, um recorte do interminável edifício cinza-negro da frente —<br />
era um hospital — com as janelas regulares que rompiam duramente a fachada;<br />
a chuva ainda caía, mas só em gotas grandes, visíveis uma a uma e que também<br />
desciam a terra literalmente isoladas. A louça do café da manhã jazia abundante<br />
sobre a mesa, pois para o pai a refeição mais importante do dia era o desjejum,<br />
que ele prolongava horas com a leitura de diversos jornais. Na parede logo em<br />
frente pendia uma fotografia de Gregor, do seu tempo de serviço militar, que<br />
o mostrava como tenente, a mão na espada, o sorriso despreocupado, exigindo<br />
respeito pela postura e pelo uniforme. A porta para a ante-sala estava aberta,<br />
e uma vez que a entrada do apartamento continuava escancarada, via-se o ves-<br />
tíbulo da casa e o começo da escada que descia.<br />
— Bem — disse Gregor, consciente de que era o único que havia conservado<br />
a calma, — vou logo me vestir, pôr o mostruário na mala e partir de viagem.<br />
Vocês querem mesmo me fazer partir? Bem, senhor gerente, o senhor está vendo<br />
que não sou teimoso e que gosto de trabalhar, viajar é fatigante, mas não poderia<br />
viver sem viajar. Para onde o senhor vai, senhor gerente? Para a firma? Sim?<br />
O senhor vai relatar fielmente? Pode-se no momento estar incapacitado para<br />
trabalhar, mas essa é a hora certa para se lembrar das realizações passadas e<br />
para se pensar que mais tarde, uma vez superados os obstáculos, sem dúvida<br />
se vai trabalhar com mais afinco e forças mais concentradas. Devo muita<br />
obrigação ao senhor chefe, isso o senhor sabe muito bem. Tenho por outro<br />
lado de cuidar dos meus pais e da minha irmã. Estou num aperto, mas sairei<br />
dele trabalhando. Não me torne, porém as coisas mais difíceis do que já são.<br />
Tome o meu partido na firma! Que o caixeiro viajante não é querido eu sei.<br />
Todos pensam que ele ganha rios de dinheiro e, além disso, leva uma boa vida.<br />
Não se tem de fato nenhuma oportunidade especial para se analisar melhor<br />
esse preconceito. Mas o senhor, gerente, o senhor tem sobre as coisas, cá entre<br />
nós, uma visão de conjunto melhor do que o resto do pessoal, melhor até do<br />
que o próprio senhor chefe, que na qualidade de empresário se deixa enganar<br />
facilmente no seu julgamento em prejuízo do funcionário. O senhor sabe muito<br />
bem que o caixeiro viajante, que fica quase o ano inteiro fora da firma, pode<br />
assim se tornar facilmente vítima de mexericos, casualidades e queixas infun-<br />
dadas, contra as quais é completamente impossível se defender, uma vez que<br />
na maioria das vezes ele não fica sabendo delas e só o faz quando, exausto,<br />
termina uma viagem e já em casa sente na própria carne as conseqüências ne-<br />
fastas cujas origens não podem mais ser descobertas. Senhor gerente, não vá<br />
embora sem me dizer uma palavra capaz de mostrar que o senhor me dá pelo<br />
menos uma pequena parcela de razão!<br />
Mas o gerente, já <strong>à</strong>s primeiras palavras de Gregor, tinha virado as costas<br />
e só lhe dirigia o olhar por cima dos ombros trêmulos, com os lábios revirados.<br />
E durante a fala de Gregor não ficou parado um instante, recuando sem perder<br />
Gregor de vista, muito gradualmente, em direção <strong>à</strong> porta, como se houvesse<br />
uma proibição secreta de deixar a sala. Já estava na ante-sala e, pelo movimento<br />
súbito com que pela última vez tirou o pé do chão da sala de estar, seria possível<br />
acreditar que acabava de queimar a sola do pé. Na ante-sala, entretanto, esticou<br />
longe a mão direita, no sentido da escada, como se lá o aguardasse uma salvação<br />
decididamente extraterrena.<br />
Gregor compreendeu que o gerente não podia de modo algum ir embora nesse<br />
estado de espírito; caso contrário seu emprego na firma ficaria extremamente<br />
ameaçado. Os pais não entendiam nada disso muito bem; no curso de longos<br />
anos formaram a convicção de que Gregor estava garantido pelo resto da vida<br />
nessa firma e, além disso, tinham tanta coisa para fazer agora, com as preo-<br />
cupações do momento, que qualquer previsão lhes escapava. Mas Gregor tinha<br />
essa previsão. O gerente precisava ser retido, tranqüilizado, persuadido e fi-<br />
nalmente conquistado; dependia disso o futuro de Gregor e de sua família! Se<br />
ao menos a irmã estivesse aqui! Ela era esperta; já tinha chorado quando Gregor<br />
ainda estava deitado calmamente de costas. E sem dúvida o gerente, esse amigo<br />
das mulheres, teria se deixado levar por ela; ela teria fechado a porta do apar-<br />
tamento e desfeito o seu susto na ante-sala através de palavras. Mas infeliz-<br />
mente a irmã não estava aqui, era o próprio Gregor quem precisava agir. E sem<br />
pensar que ainda não conhecia suas atuais faculdades para se mover, sem cogitar<br />
também que seu discurso possivelmente — na verdade, provavelmente — não<br />
tinha sido entendido mais uma vez, ele largou a folha da porta e se enfiou pela<br />
abertura; queria caminhar até o gerente, que já segurava ridiculamente com as<br />
duas mãos o corrimão do vestíbulo; mas logo caiu — buscando apoio e com<br />
um pequeno grito — sobre suas inúmeras perninhas. Mal isso tinha aconte-<br />
cido, sentiu pela primeira vez nessa manhã um bem-estar físico; como, para<br />
sua alegria, ele notou, elas obedeciam perfeitamente; esforçavam-se até para<br />
transporta-lo aonde ele queria; e Gregor já acreditava ter diante de si a melhora<br />
definitiva de todo o sofrimento. Mas no instante mesmo em que estava no chão,<br />
balançando por causa do movimento reprimido, não muito distante da mãe,<br />
na verdade bem <strong>à</strong> sua frente, ela — que parecia completamente mergulhada<br />
em si mesma — saltou de um só golpe para o alto, com os braços bem esten-<br />
didos e o dedo apontando, bradando:<br />
— Socorro! Pelo amor de Deus, socorro!<br />
Conservava a cabeça inclinada, como se quisesse ver gregor melhor, mas<br />
em contradição com isso retrocedia de maneira impensada; tinha esquecido<br />
que atrás dela estava a mesa ainda posta e quando a alcançou sentou-se, como<br />
que por distração, rapidamente em cima; e parecia não notar absolutamente<br />
que ao seu lado o café escorria em abundancia da grande jarra virada sobre o<br />
tapete.<br />
— Mamãe! Mamãe! — disse Gregor baixinho e olhou para ela de baixo para cima.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA CULTURA B6<br />
Por um instante o gerente sumiu do seu pensamento; por outro lado não<br />
pôde se impedir, <strong>à</strong> vista do café que escorria, de bater no vazio várias vezes<br />
com as mandíbulas. Diante a mãe recomeçou a gritar, escapou da mesa e caiu<br />
nos braços do pai que corria ao seu encontro. Mas agora Gregor não tinha tempo<br />
para seus pais; o gerente já estava na escada; com o queixo em cima do corrimão<br />
ele ainda olhou para trás uma última vez. Gregor tomou impulso para alcança-<br />
lo com a maior certeza possível; o gerente deve ter pressentido alguma coisa,<br />
pois deu um salto sobre vários degraus e desapareceu; ainda gritou “ui!” e o<br />
grito ressoou por toda a escadaria. Infelizmente a fuga do gerente pareceu per-<br />
turbar por completo o pai, que até então estado relativamente sereno; pois<br />
ao invés de correr, ele próprio, atrás do gerente, ou pelo menos não impedir<br />
Gregor de persegui-lo, agarrou com a mão direita a bengala do gerente, que este<br />
havia deixado com o chapéu e o, sobretudo em cima de uma cadeira, pegou com<br />
a esquerda um grande jornal da mesa e, batendo os pés, brandindo a bengala<br />
e o jornal, pôs-se a tocar Gregor de volta ao seu quarto. Nenhum pedido de<br />
Gregor adiantou, nenhum pedido também foi entendido; por mais humilde que<br />
inclinasse a cabeça, com tanto mais força o pai batia os pés. Do outro lado a<br />
mãe, apesar do tempo frio, tinha aberto uma vidraça e, curvada para fora, bem<br />
distante da janela, comprimia o rosto nas mãos. Entre a rua e a escadaria for-<br />
mou-se uma forte corrente de ar, as cortinas inflaram, os jornais sobre a mesa<br />
começaram a rumorejar, algumas folhas voavam para o chão. Implacável, o pai<br />
pressionava, emitindo silvos como um selvagem. Mas Gregor ainda não tinha<br />
prática de andar para trás, as coisas iam realmente muito devagar. Se pudesse<br />
apenas girar o corpo, logo estaria no seu quarto, mas temia tornar o pai im-<br />
paciente com essa operação que demandava tempo — e a todo instante a bengala<br />
na mão dele o ameaçava com um golpe mortal nas costas ou na cabeça. Mas<br />
no fim não restou a Gregor outra coisa senão isso, pois ele notou com horror<br />
que, andando para trás, não sabia nem mesmo manter a direção; e assim, lan-<br />
çando olhares incessantes e angustiados para o lado do pai, começou a dar a<br />
volta, tão rápido quanto possível, na realidade, porém muito lentamente. Talvez<br />
o pai tenha percebido sua boa vontade, pois nesse lance não o perturbou, mas<br />
até dirigiu, aqui e ali, <strong>à</strong> distância, o movimento giratório com a ponta da bengala.<br />
Se apenas não houvesse esse sibilo insuportável do pai! Gregor perdia com-<br />
pletamente a cabeça por causa disso. Já tinha feito a volta quase por completo<br />
quando, sempre ouvindo o silvo, se enganou e retrocedeu outra vez um pouco<br />
para a posição original. Mas quando enfim estava com a cabeça diante da<br />
abertura da porta, feliz, verificou que seu corpo era demasiado largo para passar<br />
sem mais por ela. Ao pai, naturalmente, na sua condição atual, não ocorreu<br />
nem mesmo remotamente abrir a outra folha da porta, para oferecer a Gregor<br />
passagem suficiente. Sua idéia fixa era simplesmente que Gregor voltasse o<br />
mais rápido possível para o quarto. Jamais teria permitido os preparativos<br />
minuciosos de que Gregor necessitava para levantar-se e, talvez desse modo,<br />
passar pela porta. Ao invés disso, impelia agora Gregor com um ruído excep-<br />
cional, como se não existisse nenhum obstáculo; a voz atrás dele já não soava<br />
como a de um pai apenas; realmente já não era uma brincadeira e Gregor forçou<br />
— acontecesse o que quisesse — a entrada pela porta. Um lado do seu corpo<br />
se ergueu, permaneceu torto na abertura da porta, um dos seus flancos se esfolou<br />
inteiro, na porta branca ficaram manchas feias, ele logo se entalou e não poderia<br />
mais mover-se sozinho — as perninhas de um lado pendiam trêmulas no ar,<br />
as do outro comprimiam-se doloridas no chão — quando o pai desferiu, por<br />
trás, um golpe agora de fato possante e liberador e ele voou, sangrando vio-<br />
lentamente, bem para dentro do seu quarto. A porta foi fechada ainda com a<br />
bengala, depois houve por fim silêncio.<br />
Capítulo II<br />
Só no crepúsculo Gregor despertou do seu sono pesado, semelhante a um<br />
desmaio. Mesmo sem ser perturbado, certamente não teria acordado muito<br />
mais tarde, pois sentia que havia descansado e dormido o suficiente; pareceu-<br />
lhe, contudo que um passo fugidio e o fechar cauteloso da porta que dava para<br />
a ante-sala o tinham despertado. O brilho das lâmpadas elétricas da rua se refletia<br />
lívido, aqui e ali, sobre o teto e as partes mais altas dos móveis, mas embaixo,<br />
junto a Gregor, estava escuro. Tateando desajeitadamente com as antenas que<br />
só agora aprendia a valorizar, se deslocou até <strong>à</strong> porta para ver o que havia<br />
acontecido lá. Seu lado esquerdo parecia uma única e longa cicatriz, desagra-<br />
davelmente esticada, e ele precisava literalmente mancar sobre duas fileiras<br />
de pernas. Uma perninha, aliás, tinha sido gravemente ferida no curso dos acon-<br />
tecimentos da manhã — era quase um milagre o fato de que só uma fora lesada<br />
— e se arrastava sem vida atrás das outras.<br />
Só quando chegou <strong>à</strong> porta percebeu o que de fato o havia atraído até lá; era<br />
o cheiro de algo comestível. Pois ali havia uma tigela de leite doce, no qual<br />
nadavam pedacinhos de pão branco. Teria quase rido de alegria, pois estava<br />
com uma fome maior que a da manhã, e imediatamente mergulhou a cabeça até<br />
a altura dos olhos dentro do leite. Mas retirou-a logo, decepcionado; não só<br />
comer lhe oferecia dificuldades, por causa do lado esquerdo em condição delicada<br />
— e ele só podia comer se o corpo todo, resfolegando, colaborasse, — como<br />
também não gostou nada do leite, antes sua bebida preferida, e que sem dúvida<br />
por isso a irmã havia colocado ali para ele; na realidade afastou-se quase com<br />
repulsa que da tigela e rastejou de volta para o meio do quarto.<br />
Na sala de estar, como Gregor podia ver pela fresta da porta, o gás estava<br />
aceso, mas ao passo que nessa hora do dia o pai em geral costumava ler, em<br />
voz alta, o jornal que saía <strong>à</strong> tarde, para a mãe e <strong>à</strong>s vezes também para a irmã,<br />
agora não se ouvia som algum. Bem, talvez essa leitura, sobre a qual a irmã<br />
sempre falava e escrevia, tivesse caído em desuso nos últimos tempos. Mas<br />
também em volta reinava o silêncio, embora a casa certamente não estivesse<br />
vazia.<br />
— Que vida tranqüila a família levava! — disse Gregor a si mesmo e sentiu,<br />
enquanto fitava o escuro diante dele, um grande orgulho por ter podido pro-<br />
porcionar aos seus pais e <strong>à</strong> irmã uma vida assim, num apartamento tão bonito.<br />
Mas como seria agora, se todo o sossego, todos o bem-estar, toda a satisfação<br />
chegasse assustadoramente ao fim? Para não se perder nesses pensamentos,<br />
Gregor preferiu pôr-se em movimento, rastejando de cá para lá no quarto.<br />
Uma vez durante a longa noite foi aberta uma porta lateral, depois a outra,<br />
até uma pequena fresta, mas foram rapidamente fechadas de novo. Decerto<br />
alguém sentira necessidade de entrar, mas logo tivera também muitas dúvidas.<br />
Gregor postou-se então bem junto <strong>à</strong> porta que dava para a sala de estar, dis-<br />
posto a fazer de alguma forma visitante indeciso entrar, ou pelo menos ficar<br />
sabendo quem era; mas aí a porta não foi mais aberta e ele esperou em vão.<br />
Antes, quando as portas estavam fechadas, todos queriam entrar para vê-lo,<br />
agora que ele havia aberto uma porta e as outras evidentemente tinham sido<br />
abertas durante o dia, ninguém mais vinha e as chaves estavam na fechadura<br />
também do lado de fora.<br />
Só tarde da noite se apagou a luz da sala de estar e então foi fácil verificar<br />
que os pais e a irmã tinham ficado acordados todo esse tempo, pois — como<br />
se podia ouvir nitidamente — os três agora se afastavam na ponta dos pés.<br />
Sem dúvida ninguém mais entraria para ver o Gregor até <strong>à</strong> manhã do dia se-<br />
guinte; tinha, portanto um tempo longo para refletir sem ser perturbado sobre<br />
a maneira como deveria agora reorganizar a sua vida. Mas o quarto alto e vazio,<br />
no qual era forçado a permanecer de bruços no chão, o angustiava, sem que<br />
pudesse descobrir a causa, pois afinal era o quarto habitado há cinco anos por<br />
ele — e com uma virada semi-inconsciente e não sem uma ligeira vergonha,<br />
precipitou-se para debaixo do canapé onde, embora as costas ficassem um pou-<br />
co prensadas e não pudesse mais erguer a cabeça, ele logo se sentiu aconche-<br />
gado, lamentando apenas que seu corpo fosse largo demais para se abrigar<br />
inteiramente sob o canapé.<br />
Ali passou a noite inteira, em parte num semi-sono do qual a fome con-<br />
tinuamente o acordava com um sobressalto, em parte <strong>à</strong>s voltas com preocu-<br />
pações e esperanças imprecisas que levavam <strong>à</strong> conclusão de que no momento<br />
precisava manter-se calmo e tornar suportáveis, pela paciência e pela máxima<br />
consideração com a família, as inconveniências que estava simplesmente<br />
compelido a lhe causar no seu estado atual.<br />
Já de madrugada — ainda era quase noite — Gregor teve oportunidade de<br />
testar a força das decisões que acabava de tomar, pois a irmã, já quase com-<br />
pletamente vestida, abriu a porta do seu quarto que dava para a ante-sala, e<br />
olhou ansiosa para dentro do quarto. Não o descobriu logo, mas, ao percebê-<br />
lo embaixo do sofá —santo Deus, em algum lugar de havia de estar, não podia<br />
ter voado embora! — ela se assustou tanto que, incapaz de se dominar, fechou<br />
a porta outra vez por fora. Mas, como se se arrependesse do seu comporta-<br />
mento, abriu-a de novo e entrou na ponta dos pés, como se fosse o quarto de<br />
um doente grave ou mesmo de um estranho. Gregor tinha esticado a cabeça<br />
até a beira do sofá e a observava. Será que ela notaria que ele nem tinha tocado<br />
no leite — e não, de forma alguma, por falta de fome? E será que traria outra<br />
comida mais adequada para ele? Se o não o fizesse espontaneamente, ele pre-<br />
feriria morrer de fome a chamar sua atenção para isso, embora na verdade sen-<br />
tisse uma pressão medonha para disparar de debaixo do sofá, atirar-se aos pés<br />
da irmã e pedir-lhe alguma coisa de comer. Mas a irmã percebeu de pronto,<br />
com espanto, que a tigela estava ainda cheia, em volta da qual estava espar-<br />
ramado um pouco de leite, ergueu logo a tigela do chão — na realidade, não<br />
com as mãos nuas, mas com um trapo — e levou-a para fora. Gregor estava<br />
extremamente curioso para saber o que ela traria em substituição ao leite, fazendo<br />
as mais variadas concjeturas a esse respeito. Mas jamais teria podido adivinhar<br />
o que, na sua bondade, a irmã de fato fez. Ela trouxe, para testar o seu gosto,<br />
todo um sortimento, espalhado sobre um jornal velho. Havia ali legumes já<br />
passados, meio apodrecidos, ossos do jantar da noite anterior, rodeados por<br />
um molho branco já endurecido; algumas passas e amêndoas; um queijo que,<br />
dois dias antes, Gregor tinha declarado intragável; um pão seco, um pão com<br />
manteiga sem sal e outro com manteiga salgada. Além de tudo ela ainda acres-<br />
centou a tigela — provavelmente destinada de uma vez por todas a Gregor<br />
— na qual havia despejado água. E por delicadeza, pois sabia que ele não co-<br />
meria na sua frente, afastou-se o mais rápido possível e até girou a chave na<br />
fechadura, para que ele fosse capaz de perceber que poderia ficar tão <strong>à</strong> vontade<br />
quanto quisesse. As perninhas de Gregor zuniam quando ele foi comer. De<br />
resto os seus ferimentos deviam estar completamente curadas: não sentia mais<br />
nenhum impedimento, admirou-se com isso e ficou pensando como, mais de<br />
um mês antes, tinha cortado um pouco o dedo com uma faca e como, ainda<br />
anteontem, esse ferimento causava bastante dor.<br />
— Será que agora eu tenho menos sensibilidade? — pensou e chupou<br />
vorazmente o queijo, que o atraíra de maneira imediata e enérgica acima de todos<br />
os outros alimentos.<br />
Rapidamente, um atrás do outro, com lágrimas de satisfação nos olhos, ele<br />
devorou o queijo, os legumes e o molho; a comida fresca, ao contrário, não o<br />
agradava, nem mesmo o seu cheiro ele conseguia suportar, chegou até a arrastar<br />
um pouco para longe as coisas que queria comer. Tinha terminado tudo fazia<br />
tempo, e já estava deitado preguiçosamente no mesmo lugar, quando a irmã,<br />
para mostrar que ia voltar, virou lentamente a chave. Isso o sobressaltou de<br />
imediato, embora já quase cochilando, e ele correu novamente para debaixo<br />
do sofá. Mas custou-lhe grande esforço de autodomínio para permanecer sob<br />
o canapé, mesmo pelo breve tempo em que a irmã esteve no quarto, pois com<br />
a refeição copiosa seu corpo tinha se arredondado um pouco e ali no aperto<br />
ele mal conseguia respirar. Em meio a pequenos acessos de asfixia, ficou ob-<br />
servando, com os olhos um tanto fora das órbitas, a irmã, que não suspeitava<br />
de nada, juntar com uma vassoura não só os restos, mas também os alimentos<br />
que não tinham sido tocados por Gregor — como se estes também não pu-<br />
dessem mais ser aproveitados, — despejar tudo <strong>à</strong>s pressas num balde, que<br />
ela fechou com uma tampa de madeira e depois carregou para fora. Mal a irmã<br />
tinha virado as costas, Gregor saiu de debaixo do sofá, distendeu o corpo e<br />
se encheu de ar.<br />
Agora era dessa maneira que recebia diariamente sua alimentação, uma vez<br />
pela manhã, quando os pais e a empregada ainda dormiam, e a segunda depois<br />
do almoço, pois os pais dormiam igualmente um pouquinho e a empregada<br />
era despachada pela irmã com alguma incumbência. Certamente os pais tam-<br />
bém não queriam que Gregor morresse de fome, mas talvez não suportassem<br />
tomar conhecimento da sua alimentação mais do que por ouvir dizer; talvez<br />
fosse possível também que a irmã quisesse poupa-los de uma pequena tris-<br />
teza, uma vez que de fato eles já sofriam bastante.<br />
Com que desculpas o médico e o serralheiro foram mandados embora da<br />
casa, naquela manhã, Gregor não pôde ficar sabendo: visto que não era enten-<br />
dido, ninguém, nem mesmo a irmã, pensava que ele podia entender os outros;<br />
e assim, quando a irmã estava no seu quarto, ele tinha de se contentar em ouvir,<br />
aqui e ali, seus suspiros e invocações aos santos. Só mais tarde, quando ela<br />
havia se habituado um pouco a tudo — naturalmente não se podia nunca falar<br />
em hábito completo, — Gregor <strong>à</strong>s vezes apreendia uma observação amigável<br />
ou que podia ser interpretada como tal:<br />
— Hoje, sim, ele gostou do jantar — ela dizia, quando Gregor tinha limpado<br />
para valer toda a comida; ao passo que, no caso contrário —que aos poucos<br />
se repetia numa freqüência cada vez maior, — costumava dizer quase com<br />
tristeza:<br />
— Deixou tudo outra vez.<br />
Mas ao passo que não podia tomar conhecimento imediato de qualquer<br />
novidade, Gregor escutava muita coisa vinda dos quartos vizinhos, e onde quer<br />
que ouvisse vozes corria logo <strong>à</strong> respectiva porta e se espremia nela com o corpo<br />
todo. Especialmente nos primeiros tempos não havia conversa que de algum<br />
modo não tratasse dele, mesmo em segredo. Durante dois dias, em todas as<br />
refeições, podiam se ouvir confabulações sobre como agora deviam se com-<br />
portar; mas também entre refeições se falava do mesmo tema, pois em casa<br />
estavam sempre pelo menos dois membros da família, já que ninguém queria<br />
ficar sozinho em casa e não se podia de maneira alguma abandonar totalmente<br />
o apartamento. Logo no primeiro dia a empregada — não estava muito claro<br />
o que e o quanto sabia do sucedido — pediu de joelhos <strong>à</strong> mãe que a dispensasse<br />
imediatamente do emprego, e quando, um quarto de hora mais tarde, se des-<br />
pediu, agradeceu em lágrimas pela dispensa, bem como pelo grande favor que<br />
ali lhe faziam, prestando — sem que se exigisse isso dela — o solene juramento<br />
de não revelar a ninguém o mínimo que fosse.<br />
A irmã então teve também de cozinhar junto com a mãe; no entanto isso<br />
não exigia muito esforço, pois não se comia quase nada. Constantemente Gre-<br />
gor ouvia como um exortava o outro inutilmente a comer, sem receber outra<br />
resposta senão “obrigado, estou satisfeito” ou coisa semelhante. Talvez tam-<br />
bém não se bebesse nada. Muitas vezes a irmã perguntava ao pai se ele queria<br />
cerveja, oferecendo-se cordialmente a ir busca-la ela mesma e, quando o pai<br />
silenciava, dizia, para desfazer qualquer escrúpulo da parte dele, que podia<br />
também mandar a zeladora do prédio buscar; mas então o pai dizia finalmente<br />
em grande “não” e não se falava mais nisso.<br />
Já no decorrer do primeiro dia o pai expôs toda a situação financeira e as<br />
perspectivas da família a mãe e a irmã. De quando em quando ele se levantava<br />
da mesa e pegava, no pequeno cofre-forte que tinha resgatado da falência do<br />
seu negócio, ocorrida cinco anos antes, algum documento ou livro de notas.<br />
Ouvia-se como ele destravava a complicada fechadura e a fechava outra vez,<br />
depois de apanhar o que procurava. Essas explicações do pai foram em parte<br />
a primeira coisa agradável que Gregor escutou desde a sua reclusão. Ele achava<br />
que daquele negócio não havia sobrado absolutamente nada para o pai — pelo<br />
menos o pai não lhe dissera nada em sentido contrário e, seja como for, Gregor<br />
também não o havia interrogado a esse respeito. A preocupação de Gregor na<br />
época tinha sido apenas fazer tudo para a família esquecer o mais rápido<br />
possível a desgraça comercial, que havia levado todos a um estado de completa<br />
desesperança. E assim começara a trabalhar com um fogo muito especial e, quase<br />
da noite para o dia, passara de simples empregado de escritório a caixeiro-<br />
viajante, que naturalmente tinha possibilidades bem diversas de ganhar dinhei-<br />
ro e cujos êxitos no trabalho se transformaram imediatamente, na forma de pro-<br />
visões, em dinheiro sonante que podia ser posto na mesa diante da família<br />
espantada e feliz. Tinham sido bons tempos e nunca se repetiram, pelo menos<br />
não com esse brilho embora mais tarde Gregor ganhasse tanto dinheiro que<br />
era capaz de assumir — e de fato assumiu — as despesas de toda a família.<br />
Tanto a família como Gregor acostumaram-se a isso: aceitava-se com gratidão<br />
o dinheiro, ele o entregava com prazer, mas disso não resultou mais nenhum<br />
calor especial. Só a irmã ainda havia permanecido próximo a Gregor e o plano<br />
secreto dele era mandá-la no próximo ano ao Conservatório, sem pensar nos<br />
altos custos que isso representava, os quais seriam ressarcidos de outro modo;<br />
pois ela, diferentemente de Gregor, gostava muito de música e sabia tocar violino<br />
de forma comovente. Várias vezes durante as curtas estadas de Gregor na cidade<br />
mencionou-se o Conservatório nas conversas com a irmã, mas sempre apenas<br />
como um belo sonho, em cuja realização não se podia pensar, e os pais não<br />
gostavam de escutar nem mesmo essas menções inocentes; Gregor, porém pen-<br />
sava nisso de maneira muito definida e tinha a intenção de anunciar solene-<br />
mente na noite de Natal.<br />
Esses pensamentos, completamente inúteis no seu estado atual, passaram-<br />
lhe pela cabeça quando ele, de pé, estava colado <strong>à</strong> porta escutando. Às vezes,<br />
em virtude do cansaço geral, não conseguia de modo algum continuar ouvindo<br />
— e por descuido deixou a cabeça bater na porta; segurou-a, porém imedia-<br />
tamente outra vez, pois mesmo o pequeno ruído que assim havia provocado<br />
tinha sido escutado do outro lado, e feito com que todos silenciassem.<br />
— O que é que ele está outra vez fazendo? — disse o pai depois de um<br />
intervalo, evidentemente voltado para a porta; e só aí a conversa interrompida<br />
foi aos poucos retomada.<br />
Gregor tomou então pelo conhecimento — pois o pai costumava se repetir<br />
muitas vezes nas suas explicações, em parte porque ele mesmo não se ocupava<br />
havia muito tempo das coisas, em parte também a mãe não entendia tudo na<br />
primeira vez — de que, apesar de toda a desgraça, ainda restava dos velhos<br />
tempos um pecúlio, de qualquer modo bem pequeno, que os juros não tocados<br />
nesse tinham feito crescer alguma coisa. Mas, além disso, o dinheiro que Gregor<br />
trouxera todos os meses para casa — ele só reservava alguns florins para si<br />
mesmo — não tinha sido gasto e formara um pequeno capital. Atrás da sua<br />
porta, Gregor meneou vivamente a cabeça, satisfeito com a inesperada pre-<br />
vidência e senso de economia. Na verdade poderia ter pago, com essa sobra<br />
de dinheiro, mais uma parte da dívida do pai ao chefe, e com isso estaria muito<br />
mais próximo o dia em que poderia se livrar do emprego; mas agora era indu-<br />
bitavelmente melhor assim do modo como o pai havia arranjado as coisas.<br />
Entretanto esse dinheiro não bastava de maneira alguma para permitir que<br />
a família vivesse de renda; talvez fosse suficiente para sustenta-la um no máximo<br />
dois anos, não mais que isso. Era, portanto meramente uma soma que não se<br />
poderia tocar e que precisava ser reservada para uma emergência; mas o di-<br />
nheiro para viver tinha de ser ganho. Ora, o pai era na verdade um homem<br />
saudável, porém velho, que não trabalhava fazia cinco anos e que, seja como<br />
for, não podia se exceder; nesses cinco anos, que foram as primeiras férias da<br />
sua vida estafante e, no entanto malograda, ele havia engordado muito e com<br />
isso se tornado bastante moroso. E a velha mãe, que sofria de asma, a quem<br />
uma caminhada pelo apartamento já era um esforço, e que, dia sim dia não,<br />
passava o dia no sofá, junto <strong>à</strong> janela aberta, com dificuldades de respiração<br />
— deveria ela agora, por acaso, ganhar dinheiro? E deveria ganhar dinheiro <strong>à</strong><br />
irmã, que dezessete anos era ainda uma criança e cujo estilo de vida até agora<br />
dava gosto de ver, consistindo em vestir roupas bonitas, dormir bastante, ajudar<br />
a cuidar da casa, participar de algumas diversões modestas e, acima de tudo<br />
tocar violino?<br />
Quando a conversa chegava a essa necessidade de ganhar dinheiro, Gregor<br />
se soltava da porta e se atirava sobre o frio sofá de couro que se encontrava<br />
ao lado, pois ficava ardendo de vergonha e tristeza.<br />
Freqüentemente passava noites inteiras deitado ali, sem dormir um instan-<br />
te, apenas arranhando o couro durante horas. Ou então não fugia ao grande<br />
esforço de empurrar uma cadeira até a janela, para depois rastejar rumo ao peitoril<br />
e, escorado na cadeira, inclinar-se sobre a janela — evidentemente em nome<br />
de alguma lembrança do sentimento de liberdade que outrora lhe dava olhar<br />
pela janela. Pois efetivamente ele enxergava dia a dia com menos acuidade as<br />
coisas mesmo pouco distantes; o hospital defronte, cuja visão freqüente demais<br />
ele antes amaldiçoava, já não estava mais ao alcance da sua vista; e se ele não<br />
soubesse exatamente que morava na calma — embora inteiramente urbana —<br />
rua Charlotte, poderia acreditar que da sua janela estava olhando para um deserto,<br />
no qual o céu cinzento e a terra cinzenta se uniam sem se distinguirem um do<br />
outro. A atenta irmã precisou ver só duas vezes que a cadeira estava junto <strong>à</strong><br />
janela para, assim que arrumava o quarto, empurra-la de novo precisamente<br />
para o mesmo lugar, daí por diante deixou aberta até a folha interna da janela.<br />
Se ao menos tivesse podido conversar com a irmã e agradecer tudo o que<br />
ela precisava fazer por ele, Gregor teria aceitado mais facilmente os seus ser-<br />
viços; assim, porém, eles o faziam sofrer. Certamente a irmã procurava apagar<br />
ao máximo o que havia de penoso em tudo isso, e quanto mais o tempo passava,<br />
tanto mais, naturalmente, ela o conseguia, mas Gregor também devassava tudo<br />
com muito maior clareza. Já a entrada dela era terrível para ele. Mal havia entrado,<br />
sem se dar tempo para fechar a porta, por mais que de resto cuidasse em poupar<br />
a qualquer um a visão do quarto de Gregor, ela corria direto <strong>à</strong> janela e a escan-<br />
carava com mãos apressadas, quase como se sufocasse, ali permanecendo um<br />
pouquinho — mesmo que o tempo ainda estivesse muito frio — enquanto<br />
respirava profundamente. Com essa corrida e esse barulho ela assustava Gregor<br />
duas vezes por dia; durante todo esse tempo ele tremia debaixo do sofá, sabendo<br />
muito bem que ela sem dúvida gostaria de poupa-lo disso, caso lhe fosse possível<br />
ficar num quarto com janelas fechadas onde Gregor se encontrava.<br />
Certa vez — já havia passado bem um mês desde a metamorfose de Gregor,<br />
não existindo, pois, mais nenhum motivo especial para a irmã se espantar <strong>à</strong><br />
vista dele — ela veio um pouco mais cedo que de costume e o encontrou quando<br />
ele ainda olhava pela janela, imóvel e, portanto numa posição propícia para<br />
assustar. Se ela não houvesse entrado, não teria sido uma surpresa para Gregor,<br />
uma vez que a posição dele a impedia de abrir imediatamente a janela; mas não<br />
só ela não entrou, como também recuou e fechou a porta; um estranho poderia<br />
ter pensado que ele estivera <strong>à</strong> sua espreita porque queria morde-la. Natural-<br />
mente ele se escondeu logo debaixo do sofá, mas teve de esperar até o meio-<br />
dia antes que a irmã voltasse, e ela parecia muito mais inquieta que de hábito.<br />
Por aí Gregor reconheceu que a visão dele continuava sendo insuportável para<br />
ela — e assim haveria de permanecer — e que seguramente ela precisava fazer<br />
um grande esforço para não sair correndo <strong>à</strong> vista mesmo da pequena parte do<br />
seu corpo que sobressaía sob o sofá. Para poupar-lhe também essa visão, um<br />
dia ele arrastou o lençol nas costas até o sofá — levou quatro horas para realizar<br />
esse trabalho — e o dispôs de tal maneira que agora ficava inteiramente coberto<br />
e a irmã não podia vê-lo nem que se agachasse. Se na opinião dela esse lençol<br />
tivesse sido desnecessário, então ela poderia tê-lo retirado, pois estava sufi-<br />
cientemente claro que não fora por prazer que Gregor havia se isolado de modo<br />
tão completo; mas ela deixou o lençol como estava e Gregor acreditou até mesmo<br />
ter apreendido um olhar de gratidão, quando uma vez levantou o lençol cau-<br />
telosamente com a cabeça, para ver como a irmã acolhia a nova instalação.<br />
Nas duas primeiras semanas os pais não conseguiram vencer a própria<br />
resistência para entrar no quarto de Gregor e vê-lo, e com freqüência ele ouvia<br />
como reconheciam plenamente o trabalho da irmã, ao passo que até então tinham<br />
muitas vezes se irritado com ela, porque lhes parecera uma moça algo inútil.<br />
Mas agora ambos, pai e mãe, aguardavam diante do quarto Gregor enquanto<br />
a irmã fazia a arrumação, e mal ela tinha saído, precisava contar exatamente<br />
como estavam as coisas no quarto, o que Gregor havia comido, como se<br />
comportara desta vez e se por acaso era possível notar uma pequena melhora.<br />
A mãe, aliás, quis visitar Gregor relativamente cedo, mas o pai e a irmã a im-<br />
pediram, a principio com argumentos racionais, que Gregor escutou com muita<br />
atenção e aprovou inteiramente. Mais tarde, porém, foi necessário que a<br />
contivessem a força, quando então ela exclamou:<br />
— Deixem-me ver Gregor, ele é o meu pobre filho! Vocês não entendem<br />
que eu preciso vê-lo?<br />
Gregor pensou então que talvez fosse bom se a mãe entrasse, naturalmente<br />
não todos os dias, mas quem sabe uma vez por semana; ela sabia das coisas<br />
muito melhor que a irmã, a qual, apesar de toda a sua coragem, era apenas uma<br />
criança e em última análise talvez só tivesse assumido uma tarefa tão pesada<br />
por leviandade infantil.<br />
O desejo de Gregor de ver a mãe se realizou logo. Em consideração pelos<br />
pais, durante o dia ele não queria mostrar-se <strong>à</strong> janela; mas nos poucos de chão<br />
também não podia se arrastar muito; já durante a noite suportava mal ficar deitado<br />
quieto; a comida logo não lhe oferecia o menor prazer; e assim, para se distrair,<br />
ele adotou o hábito de ziguezaguear pelas paredes e pelo teto. Gostava par-<br />
ticularmente de ficar pendurado no teto; era muito diferente de permanecer<br />
deitado no chão; respirava-se com mais liberdade; uma ligeira vibração atra-<br />
vessava seu corpo; e, na distração quase feliz em que Gregor lá se encontrava,<br />
podia acontecer que, para sua própria surpresa, ele se soltasse e estatelasse<br />
no chão. Naturalmente tinha agora sobre o corpo um poder muito diverso do<br />
que antes e mesmo com uma queda tão grande como essa não infligia danos<br />
a si mesmo. A irmã notou logo a nova diversão que Gregor havia descoberto<br />
— ao rastejar ele deixava aqui e ali vestígios da sua substância adesiva — e<br />
então ela pôs na cabeça que devia dar a George a possibilidade de rastejar na<br />
extensão máxima do quarto, retirando os móveis que o obstavam, sobretudo<br />
o armário e a escrivaninha. Mas não era capaz de fazer tudo sozinha; o auxílio<br />
do pai ela não ousava pedir; com toda a certeza a empregada não a teria ajudado,<br />
pois essa jovem, de cerca de dezesseis anos, resistia, na verdade bravamente,<br />
desde a dispensa da antiga cozinheira, mas tinha pedido o favor de poder<br />
conservar cozinha constantemente fechada, só precisando abri-la a um cha-<br />
mado especial; assim, não restou <strong>à</strong> irmã outra coisa senão ir buscar a mãe, certa<br />
vez que o pai estava ausente. A mãe veio com exclamações de excitada alegria,<br />
mas silenciou junto <strong>à</strong> porta do quarto de Gregor. Naturalmente a irmã verificou<br />
primeiro se no quarto estava tudo em ordem; só depois deixou a mãe entrar.<br />
Na maior pressa, Gregor havia puxado o lençol mais fundo e com mais dobras,<br />
o conjunto parecia de fato um lençol atirado ao acaso sobre o sofá. Também<br />
desta vez Gregor deixou de espionar de debaixo do lençol; renunciou a ver a<br />
mãe por enquanto, e ficou contente por ela ter vindo.<br />
— Venha, não dá para vê-lo — disse a irmã e evidentemente conduziu a<br />
mãe pela mão.<br />
Gregor então ouviu como as duas frágeis mulheres removeram do lugar o<br />
armário velho e pesado e como a irmã sempre insistia em assumir a parte maior<br />
do trabalho, sem dar ouvidos <strong>à</strong>s advertências da mãe, que temia que ela se<br />
esforçasse demais. Isso durou muito tempo. Já ao fim de um quarto de hora<br />
de trabalho a mãe disse que era melhor deixar o armário ali, pois em primeiro<br />
lugar ele era pesado demais, elas não terminariam antes da chegada do pai e<br />
atravancariam qualquer passagem de Gregor com o armário no meio do quarto;<br />
em segundo, não era nada certo que se fizesse um favor a Gregor com a retirada<br />
dos móveis. A ela parecia que se dava justamente o contrário; a visão da parede<br />
nua oprimia-lhe francamente o coração; e por que Gregor não devia ter esse<br />
mesmo sentimento, uma vez que estava acostumado há tanto tempo aos mó-<br />
veis e iria, portanto se sentir abandonado no quarto vazio? E numa voz bem<br />
baixa, quase sussurrando, como se quisesse evitar que Gregor — cuja loca-<br />
lização exata não conhecia — ouvisse até mesmo o som da voz, pois estava<br />
convencida de que ele não entendia as palavras, a mãe concluiu:<br />
— Não é como se nós mostrássemos, retirando os móveis, que renunci-<br />
amos a qualquer esperança de melhora e o abandonamos a própria sorte, sem<br />
nenhuma consideração? Creio que o melhor seria tentarmos conservar o quarto<br />
exatamente no mesmo estado em que estava antes, a fim de que Gregor, ao voltar<br />
outra vez para nós, encontre tudo como era e possa desse esquecer mais fa-<br />
cilmente o que aconteceu no meio tempo.<br />
Ao ouvir essas palavras da mãe, Gregor reconheceu que a falta de qualquer<br />
comunicação humana imediata, ligada <strong>à</strong> vida uniforme da família, devia ter<br />
confundido o seu juízo no decorrer desses dois meses, pois não podia explicar<br />
de outro modo que tivesse podido exigir a sério que seu quarto fosse esvaziado.<br />
Tinha realmente vontade de mandar que seu quarto — confortavelmente ins-<br />
talado com móveis herdados — se transformasse numa toca em que pudesse<br />
então certamente se arrastar imperturbado em todas as direções, ao preço,<br />
contudo do esquecimento simultâneo, rápido e total do seu passado humano?<br />
De fato agora já estava próximo de esquecer, e só a voz da mãe, que havia muito<br />
tempo não escutava, o havia sacudido. Nada deveria ser afastado; tudo deveria<br />
permanecer, não podia se privar dos bons influxos dos móveis sobre o seu es-<br />
tado; e se os móveis o impediam de rastejar em roda sem objetivo, então isso<br />
não era um prejuízo, mas sim uma grande vantagem.<br />
Mas infelizmente a irmã tinha outra opinião; ela havia se habituado — seja<br />
como for, de uma maneira inteiramente justificada — a se apresentar diante<br />
dos pais, nas conversas sobre as questões de Gregor, como perita, e assim,<br />
também agora, o conselho da mãe foi motivo suficiente para a irmã insistir na<br />
retirada não apenas do armário e da escrivaninha — na qual ela no início tinha<br />
pensado — mas também na de todos os móveis, com exceção do indispensável<br />
sofá. Naturalmente não era apenas a teimosia infantil a autoconfiança, adqui-<br />
rira nos últimos tempos que a levara a essa experiência, de um modo tão ines-<br />
perado e difícil; ela tinha também observado efetivamente que Gregor preci-<br />
sava de muito espaço para rastejar, ao passo que — até onde podia ver — não<br />
usava o mínimo que fosse os móveis.<br />
Mas talvez também desempenhasse aí um papel aquele espírito entusiasta<br />
das jovens de sua idade, que busca se satisfazer em qualquer ocasião, e através<br />
do qual Grete agora se deixava atrair ao querer tornar a situação de Gregor mais<br />
assustadora, a fim de poder então realizar por ele mais ainda do que até agora.<br />
Pois num espaço em que Gregor dominasse inteiramente só as paredes vazias,<br />
com certeza ninguém, a não ser Grete, jamais se atreveria a penetrar.<br />
E assim ela não se deixou desviar da sua decisão pela mãe, que também parecia<br />
insegura, naquele quarto, com tanta inquietação; logo emudeceu e ajudou a filha,<br />
na medida das suas forças, a transportar o armário para fora. Bem, no caso<br />
de necessidade Gregor ainda podia se privar do armário, mas a escrivaninha<br />
tinha de ficar. E mal as mulheres tinham deixado o quarto com o armário, de<br />
encontro ao qual se comprimiam gemendo, Gregor pôs a cabeça para fora, de<br />
sob o sofá, para ver como poderia intervir com cuidado e o máximo de con-<br />
sideração. Mas por infelicidade foi justamente <strong>à</strong> mãe a primeira a voltar, en-<br />
quanto Grete, no quarto vizinho, abraçava o armário e sozinha o jogava de lá<br />
para cá, naturalmente sem tira-lo do lugar. Mas a mãe não estava acostumada<br />
<strong>à</strong> visão de Gregor; poderia faze-la ficar doente; e por isso ele foi de marcha<br />
<strong>à</strong> ré, assustado, até a outra extremidade do sofá, mas sem poder mais impedir<br />
que o lençol <strong>à</strong> frente se mexesse um pouco. Isso bastou para chamar a atenção<br />
da mãe. Ela parou de repente, ficou um instante quieta e depois voltou para<br />
a companhia de Grete.<br />
Embora Gregor dissesse continuamente a si mesmo que não estava acon-<br />
tecendo nada de extraordinário, que apenas alguns móveis seriam trocados de<br />
lugar, aquele ir-e-vir das mulheres, seus curtos chamados, o arrastar de móveis<br />
no chão, produziam nele — como logo teve de admitir — o efeito de um grande<br />
tumulto alimentado por todos os lados, e ele precisou dizer consigo mesmo,<br />
por mais que encolhesse a cabeça e as pernas, e espremesse o corpo no chão,<br />
que não ia agüentar tudo aquilo por muito tempo. Elas lhe esvaziaram o quarto,<br />
privavam-no de tudo o que lhe era caro; já tinham carregado para fora o armário<br />
em que se achavam a serra e outras ferramentas; soltavam agora a escrivaninha<br />
fortemente cravada no chão, na qual havia escrito suas lições como estudante<br />
de comércio, ginasiano e até como escolar — então realmente não tinha mais<br />
tempo para testar as boas intenções das duas mulheres, cuja existência, aliás,<br />
já havia quase esquecido, pois elas trabalhavam mudas de cansaço e só ouvia<br />
a pesada batida dos seus pés.<br />
E com isso ele irrompeu para fora — nesse exato momento as mulheres<br />
estavam no quarto vizinho, apoiadas na escrivaninha para tomar um pouco<br />
de fôlego, — mudou de direção quatro vezes, realmente não sabia o que salvar<br />
primeiro então viu, saliente na parede de resto vazia, a imagem pendurada da<br />
dama toda vestida de peles, rastejou as pressas para o alto e comprimiu-se<br />
contra o vidro, que o reteve e fez bem <strong>à</strong> sua barriga quente. Pelo menos essa<br />
imagem, que Gregor agora cobria pó completo, ninguém certamente levaria<br />
embora. Ele torceu a cabeça em direção <strong>à</strong> porta da sala de estar, para observar<br />
o retorno das mulheres.<br />
Elas não tinham se concedido muito descanso e já estavam voltando; Grete<br />
havia colocado o braço em torno da mãe e quase a arrastava.<br />
— Bem, o que vamos levar agora? — disse Grete e olhou em volta.<br />
Então os olhares dela cruzaram-se com os de Gregor na parede. Sem dúvida<br />
só por causa da presença da mãe ela manteve a compostura; inclinou o rosto<br />
para a mãe a fim de evitar que esta olhasse ao seu redor e disse — seja como<br />
for, trêmula e sem refletir:<br />
— Venha, é melhor voltarmos um instante para a sala de estar.<br />
Para Gregor a intenção de Grete era clara, ela queria pôr a mãe a salvo e depois<br />
enxotá-lo parede abaixo. Bem ela que tentasse! Ele estava sentado em cima<br />
da sua imagem e não ia entrega-la. Preferia antes saltar no rosto de Grete.<br />
Mas as palavras de Grete haviam na verdade intranqüilizado a mãe; ela deu<br />
um passo para o lado, divisou a gigantesca mancha marrom no papel da parede<br />
florido e, antes que realmente chegasse <strong>à</strong> sua consciência que o que ela via era<br />
Gregor, exclamou com voz esganiçada e áspera:<br />
— Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!<br />
Como se desistisse de tudo, ela caiu de braços abertos sobre o sofá, não<br />
se móvel.<br />
— Você, Gregor! — gritou a irmã com um punho cerrado erguido na sua
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA CULTURA B7<br />
direção e olhos penetrantes.<br />
Eram as primeiras palavras que endereçava diretamente a ele desde a<br />
metamorfose. Correu ao quarto vizinho para pegar alguma essência com que<br />
pudesse despertar a mãe do desmaio; Gregor queria também ajudar — para<br />
salvar o quadro ainda havia tempo — mas estava firmemente colado ao vidro<br />
e precisava se soltar <strong>à</strong> força; depois correu também para o quarto vizinho, como<br />
se pudesse, <strong>à</strong> maneira de antigamente, dar algum conselho <strong>à</strong> irmã; mas aí teve<br />
de ficar bem atrás dela sem fazer nada; enquanto vasculhava em diversos frascos<br />
ela, ao girar o corpo, ainda levou um susto; uma garrafa caiu no chão e se quebrou;<br />
um estilhaço feriu Gregor na cara, algum remédio corrosivo escorreu por ele;<br />
Grete então pegou, sem mais de deter, quantos frascos podia segurar e disparou<br />
com eles em direção <strong>à</strong> mãe; a porta ela bateu com o pé. Gregor ficou então<br />
isolado da mãe, que por culpa sua talvez estivesse perto da morte; não podia<br />
abrir a porta, se não quisesse afugentar a irmã que precisava permanecer junto<br />
<strong>à</strong> mãe; agora não tinha outra coisa a fazer senão esperar; e oprimido por autocensuras<br />
e apreensão começou a rastejar — rastejou por cima de tudo, paredes,<br />
móveis, teto, e no seu desespero, quando todo o quarto começou a virar ao<br />
seu redor, caiu finalmente em cima da grande mesa.<br />
Finalmente, acossado pelo desespero, viu a sala a andar a roda e caiu no<br />
meio da grande mesa.<br />
Passou um pouco de tempo; Gregor jazia ali, extenuado, em torno estava<br />
silencioso, talvez isso fosse um bom sinal. Então soou a campainha da porta.<br />
A empregada, naturalmente, estava encerrada na sua cozinha e por isso Grete<br />
precisava ir abrir a porta. O pai tinha chegado.<br />
— O que aconteceu? — foram suas primeiras palavras; a aparência de Grete<br />
sem dúvida havia denunciado tudo.<br />
Grete respondeu com voz abafada, obviamente comprimia o rosto no peito<br />
do pai.<br />
— A mãe desmaiou, mas agora já está melhor. Gregor escapou.<br />
— Eu já esperava — disse o pai. — Eu sempre disse isso a vocês, mas vocês<br />
as mulheres não quiseram me ouvir.<br />
Para Gregor era evidente que o pai havia interpretado mal a comunicação<br />
demasiado breve de Grete e assumido que Gregor era culpado de algum ato<br />
de violência. Por isso ele agora precisava aplacar o pai, pois não tinha tempo<br />
nem possibilidade de esclarece-lo. E assim se refugiou junto <strong>à</strong> porta do seu<br />
quarto, apertando-se contra ela, para que o pai, ao entrar — vindo da antesala,<br />
— pudesse logo ver que Gregor tinha melhor intenção de voltar imediatamente<br />
ao seu quarto, e que não era necessário toca-lo para lá, mas apenas<br />
abrir a porta para que lê num instante desaparecesse.<br />
Mas o pai não estava num estado de ânimo capaz de notar essas sutilezas.<br />
— Ah! — exclamou logo <strong>à</strong> entrada, num tom de quem está ao mesmo tempo<br />
furioso e contente.<br />
Gregor recuou a cabeça da porta e ergueu-a na direção do pai. Realmente<br />
não o tinha imaginado assim como ele ali estava; seja como for, absorvido nos<br />
últimos tempos pela novidade de rastejar, deixara de se ocupar como antes<br />
com os acontecimentos no resto da casa e na verdade precisaria estar preparado<br />
para encontrar as coisas mudadas. Apesar disso, apesar disso — era aquele<br />
ainda o seu pai? O mesmo homem que costumava ficar enterrado na cama exausto,<br />
quando Gregor partia para uma viagem de negócios; que nas noites de regresso<br />
o recebia de roupão na cadeira de braços; que era absolutamente incapaz de<br />
se levantar, apenas erguendo os braços em sinal de alegria, e que nos raros passeios<br />
de família, em alguns domingos do ano e nos feriados principais, caminhava<br />
com esforço entre Gregor e a mãe — que por si sós já andavam devagar<br />
— um pouco mais devagar ainda, embrulhado no seu velho casaco, apoiandose<br />
sempre com cuidado na muleta e que, quando queria dizer alguma coisa, quase<br />
sempre parava e reunia em torno de si os acompanhantes? Agora, porém ele<br />
estava muito ereto, vestido com um uniforme azul justo, de botões dourados,<br />
como usam os contínuos de instituições bancárias; sobre o colarinho alto e duro<br />
do casaco se desdobrava o forte queixo duplo; sob as sobrancelhas cerradas<br />
os olhos escuros emitiam olhares vívidos e atentos; o cabelo branco, outrora<br />
desgrenhado, estava penteado com uma risca escrupulosamente exata e luzidia.<br />
Atirou o quepe — no qual estava gravado um monograma dourado, provavelmente<br />
de um banco — até o sofá, descrevendo um arco por todo o quarto,<br />
e caminhou para Gregor, o rosto irascível, as mãos nos bolsos das calças, as<br />
abas do comprido casaco do uniforme atiradas para trás. Certamente ele mesmo<br />
não sabia o que estava querendo, de qualquer modo, levantava os pés a<br />
uma altura pouco incomum e Gregor ficou espantado com o tamanho gigantesco<br />
das solas das botas. Mas não ficou nisso, já sabia desde o primeiro dia<br />
da sua nova vida que diante dele, o pai só considerava adequada a severidade<br />
extrema. E assim correu na frente do pai, parando quando ele se detinha e se<br />
apressando de novo apenas o pai se movia. Deram assim várias voltas pelo<br />
quarto, sem que nada de decisivo acontecesse, na realidade sem que tudo aquilo<br />
tivesse a aparência uma perseguição, em vista da velocidade lenta. Por causa<br />
disso Gregor permaneceu provisoriamente no chão, sobretudo temendo que<br />
o pai pudesse considerar uma maldade especial uma fuga pelas paredes ou pelo<br />
teto. Seja como for, precisou admitir a si próprio que não poderia agüentar<br />
essa corrida por muito tempo, pois enquanto o pai dava um passo, ele tinha<br />
de realizar inúmeros movimentos. A falta de fôlego começou a se fazer notar,<br />
uma vez que, mesmo nos velhos tempos, não tinha um pulmão inteiramente<br />
confiável. Enquanto cambaleava de cá para lá, quase não mantinha os olhos<br />
abertos, a fim de reunir todas as forças para a corrida; no seu torpor não pensava<br />
em outra maneira de se salvar senão correndo; e tinha esquecido que as<br />
paredes estavam <strong>à</strong> sua disposição, embora aqui elas permanecessem obstruídas<br />
por móveis cuidadosamente talhados, cheios de recortes e pontas — quando<br />
nesse momento alguma coisa, atirada de leve, voou bem ao seu lado e rolou<br />
diante dele. Era uma maçã; a segunda passou voando logo em seguida por ele;<br />
Gregor ficou paralisado de susto; continuar correndo era inútil, pois o pai tinha<br />
decidido bombardeá-lo. Da fruteira em cima do bufê ele havia enchido os bolsos<br />
de maçãs e, por enquanto sem mirar direito, as atirava uma a uma. As pequenas<br />
maçãs vermelhas rolavam como que eletrizadas pelo chão e batiam umas nas<br />
outras. Uma maçã atirada sem força, raspou as costas de Gregor, mas escorregou<br />
sem causar danos. Uma que logo se seguiu, pelo contrário, literalmente<br />
penetrou nas costas dele; Gregor quis continuar se arrastando, como se a dor<br />
surpreendente e inacreditável pudesse passar com a mudança de lugar, mas<br />
ele se sentia como se estivesse pregado no chão e esticou o corpo numa total<br />
confusão de todos os sentidos. Com o último olhar ainda viu a porta do seu<br />
quarto ser escancarado e a mãe se precipitar de combinação <strong>à</strong> frente da filha<br />
que gritava; pois Grete a tinha aliviado das roupas para permitir que ela respirasse<br />
com liberdade enquanto estava desacordada; viu-a correr ao encontro<br />
do pai e no caminho caírem ao chão, uma a uma, as saias desapertadas; e viu<br />
quando ela tropeçando nas saias chegou até o lugar onde o pai, estava e, abraçandoo,<br />
em completa união com ele — mas nesse momento a vista de Gregor já falhava,<br />
— pedir, com as mãos na nuca do pai, que ele poupasse a vida de Gregor.<br />
Capítulo III<br />
O grave ferimento de Gregor, que o fez sofrer mais de um mês — a maçã<br />
ficou alojada na carne como uma recordação visível, já que ninguém ousou<br />
remove-la, — parecia ter lembrado ao pai que Gregor, a despeito de sua atual<br />
figura triste e repulsiva, era um membro da família que não podia ser tratado<br />
como um inimigo, mas diante do qual o mandamento do dever familiar impunha<br />
engolir a repugnância e suportar, suportar e nada mais.<br />
E embora por causa da ferida Gregor agora tivesse perdido, provavelmente<br />
para sempre, algo da sua mobilidade e no momento precisasse de longos, longos<br />
minutos para atravessar o quarto, como um velho inválido de guerra — rastejar<br />
pelo alto estava fora de cogitação, — ele recebeu, por essa deterioração do seu<br />
estado, uma compensação a seu ver inteiramente satisfatória, no sentido de<br />
que todos os dias ao anoitecer a porta para a sala de estar, que uma ou duas<br />
horas antes costumava observar atentamente, era aberta de tal forma que, deitado<br />
na escuridão do seu quarto, invisível da sala de estar, ele podia ver a família<br />
toda <strong>à</strong> mesa iluminada e escutar suas conversas, de certo modo com a permissão<br />
geral, ou seja, se uma maneira totalmente diversa da anterior.<br />
Sem dúvida não eram mais as conversas animadas dos velhos tempos, nas<br />
quais Gregor sempre pensava com alguma nostalgia quando, nos pequenos<br />
quartos de hotel, tinha de se atirar cansado <strong>à</strong> cama úmida. Agora as coisas só<br />
aconteciam na maioria das vezes com muita quietude. Logo depois do jantar<br />
o pai adormecia na sua cadeira de braços; a mãe e a irmã concitavam uma a outra<br />
ao silêncio; a mãe, muito curvada sob a luz, costurava finas roupas de baixo<br />
para uma loja de modas; a irmã, que tinha aceito um emprego como vendedora,<br />
<strong>à</strong> noite estudava estenografia e francês para conseguir talvez mais tarde um<br />
posto melhor. Às vezes o pai acordava e como se não soubesse absolutamente<br />
que tinha dormido, dizia para a mãe:<br />
— Quanto tempo você está costurando outra vez!<br />
E adormecia de novo, enquanto mãe e filha sorriam cansadas uma a outra.<br />
Com uma espécie de obstinação, o pai se recusava a tirar mesmo em casa<br />
o uniforme de funcionário; e, enquanto o roupão pendia inútil do cabide ele<br />
cochilava na sua cadeira inteiramente vestido, como se estivesse sempre pronto<br />
para o serviço e aguardasse também aqui a voz do superior. Em vista disso<br />
o uniforme, que desde o início não era novo, perdeu o asseio, apesar de todo<br />
o cuidado da mãe e a irmã; e freqüentemente Gregor olhava durante serões inteiros<br />
para aquela roupa coberta de manchas e lustrosa nos seus botões dourados<br />
sempre polidos, com o qual o velho dormia de um jeito extremamente<br />
incômodo, mas apesar disso tranqüilo.<br />
Assim que o relógio batia <strong>à</strong>s dez horas a mãe, com leves exortações, tentava<br />
acordar e depois persuadir o pai a ir para a cama, pois ali não era lugar para<br />
o sono certo de que ele tinha extrema necessidade, pois precisava entrar no<br />
serviço as seis da manhã. Mas, na obstinação que o havia tomado desde funcionário,<br />
insistia sempre em ficar <strong>à</strong> mesa mais tempo, embora adormecesse<br />
regularmente e, além disso, só com o maior esforço pudesse depois ser convencido<br />
a trocar a cadeira pela cama. Então, por mais que mãe e a filha, com<br />
pequenas admoestações, o forçassem, ele sacudia a cabeça devagar, durante<br />
um quarto de hora, conservava os olhos fechados e não se levantava. A mãe<br />
o puxava pela manga, dizia-lhe palavras de carinho ao ouvido, a irmã punha<br />
de lado a lição para ajudar a mãe, mas isso não adiantava. Ele afundava ainda<br />
mais na sua cadeira. Só quando as mulheres o agarravam por baixo dos braços<br />
é que ele abria os olhos e fitava alternadamente a mãe e a irmã, momento em<br />
que costumava dizer:<br />
— Isto sim é que é vida. Este é o descanso dos meus dias de velhice.<br />
E apoiado nas duas mulheres erguia-se penosamente, como se para si mesmo<br />
fosse o fardo maior de todos, deixando-se levar por elas até a porta, onde as<br />
despachava com um aceno e prosseguia sozinho, enquanto a mãe depunha o<br />
mais rápido possível seus instrumentos de costura e a irmã possível seus<br />
instrumentos de costura e a irmã sua caneta para correrem atrás dele e continuarem<br />
a servi-lo.<br />
Quem nessa família sobrecarregada e exausta tinha tempo para se ocupar<br />
de Gregor mais que o absolutamente necessário? A economia doméstica tor-<br />
nou-se cada vez mais restrita; a empregada foi afinal despedida; uma faxineira<br />
imensa, ossuda, de cabelo branco esvoaçando em volta da cabeça, vinha de manhã<br />
e <strong>à</strong> noitinha para fazer o trabalho mais pesado; a mãe cuidava do resto, além<br />
de toda a costura. Aconteceu até que diversas jóias da família, que a mãe e a<br />
irmã antes tinham usado com o maior dos júbilos em festas e solenidades, foram<br />
vendidas, como Gregor ficou sabendo uma noite ao ouvir a discussão geral<br />
sobre os preços alcançados. Mas a maior de todas as queixas era sempre o fato<br />
de que não se podia deixar o apartamento — grande demais para as atuais<br />
necessidades — uma vez que não era possível imaginar como Gregor seria<br />
removido. Gregor, porém logo compreendeu que não era apenas a consideração<br />
para com ele que impedia uma mudança, já que poderia ser facilmente<br />
transportado numa caixa adequada com alguns furos de ventilação; o que detinha<br />
a família de uma troca de casa era principalmente a total falta de esperança e<br />
o pensamento de que tinha sido atingida por uma desgraça como mais ninguém<br />
em todo o círculo de parentes e conhecidos. O que o mundo exigia de gente<br />
pobre, eles cumpriam até o ponto extremo: o pai ia buscar o café da manhã<br />
para os pequenos funcionários do banco, a mãe se sacrificava pelas roupas<br />
de baixo de pessoas estranhas, a irmã corria de lá para cá atrás do balcão ao<br />
comando dos fregueses, mas as energias da família não iam mais longe que isso.<br />
E a ferida nas costas de Gregor começou a doer de novo, como se fosse recente,<br />
quando, depois de terem ido levar o pai para a cama, mãe e irmã voltaram,<br />
puseram de lado o trabalho, aproximaram suas cadeiras e ficaram sentadas já<br />
de rosto colado — instante em que a mãe, apontando para o quarto de Gregor,<br />
disse:<br />
— Feche aquela porta, Grete.<br />
Aí Gregor ficou outra vez no escuro, enquanto do outro lado da porta as<br />
mulheres misturavam suas lágrimas ou fitavam a mesa com os olhos secos.<br />
Gregor passava as noites e os dias quase completamente sem sono. Às vezes<br />
pensava em reassumir os assuntos da família, exatamente como antes, na próxima<br />
vez em que a porta se abrisse; nos seus pensamentos apareceram de novo, depois<br />
de muito tempo, o chefe e o gerente, os caixeiros e os aprendizes, o contínuo<br />
tão obtuso, dois, três amigos de outras firmas, uma arrumadeira de um hotel<br />
no interior — recordação agradável e passageira, — uma moça que trabalhava<br />
na caixa de uma loja de chapéus que ele tinha cortejado seriamente, mas devagar<br />
demais; todos eles surgiram entremeados com estranhos ou pessoas já esquecidas,<br />
mas ao invés de o ajudarem e <strong>à</strong> família, estavam sem exceção inacessíveis,<br />
e ele ficou feliz quando desapareceram. Mas depois ele já não estava mais com<br />
ânimo nenhum para cuidar da família, sentia-se simplesmente cheio de ódio<br />
pelo mau tratamento e embora não pudesse imaginar nada que lhe despertasse<br />
o apetite, fazia, no entanto planos sobre como poderia chegar <strong>à</strong> despensa para<br />
ali pegar tudo o que lhe era devido, mesmo que não tivesse fome. Agora, sem<br />
pensar mais no que pudesse agradar a Gregor, a irmã, antes de correr de manhã<br />
e ao meio-dia rumo <strong>à</strong> loja, empurrava com o pé para dentro do quarto, na maior<br />
pressa, uma comida qualquer, para ao anoitecer, não importa se esta tinha sido<br />
apreciada ou — caso mais freqüente — sequer tocada, arrasta-la para fora com<br />
uma vassourada. A arrumação do quarto, que ela agora providenciava sempre<br />
<strong>à</strong> noite, não podia ser feita com maior rapidez. Estrias de sujeira percorriam<br />
as paredes, aqui e ali havia novelos de pó e lixo. Nos primeiros tempos, <strong>à</strong> chegada<br />
da irmã, Gregor se colocava em cantos que indicavam isso de modo especial,<br />
para com essa posição de certa maneira censura-la. Mas teria certamente podido<br />
ficar ali semanas inteiras sem que ela tivesse se corrigido; Grete via a sujeira<br />
exatamente como ele, mas havia decidido deixa-la. Ao mesmo tempo, com<br />
uma suscetibilidade que nela era totalmente nova, e que na verdade acometera<br />
a família toda, velava para que lhe ficasse reservada a arrumação do quarto de<br />
Gregor. Certa vez a mãe submeteu o quarto a uma grande limpeza, que só conseguiu<br />
fazer depois de usar alguns baldes de água — de qualquer modo o excesso<br />
de umidade molestou Gregor também, que ficou deitado no sofá, largo, amargurado,<br />
imóvel, — mas o castigo da mãe não demorou. Pois ao anoitecer, mal<br />
tinha notado a alteração no quarto de Gregor, a irmã, ofendida ao extremo, correu<br />
até a sala de estar e, a despeito das mãos da mãe erguidas em súplica, rompeu<br />
num acesso de choro, ao qual no início os pais — naturalmente o pai tinha pulado<br />
de susto de sua cadeira — assistiram perplexos e sem saber o que fazer; até<br />
que também começaram a se tocar; o pai censurava, <strong>à</strong> direita, a mãe por não<br />
ter deixado a limpeza para a irmã; <strong>à</strong> esquerda, pelo contrário, vociferava que<br />
a irmã nunca mais podia limpar o quarto de Gregor; ao passo que a mãe tentava<br />
arrastar o pai, que já não sabia onde estava de tanta excitação, para o quarto<br />
de dormir, a irmã, sacudida por soluços, batia os pequenos punhos na mesa;<br />
e Gregor, cheio de raiva, sibilava alto, porque não tinha ocorrido a ninguém<br />
fechar a porta e poupa-lo desse espetáculo e desse barulho.<br />
Mas ainda que a irmã, exausta do trabalho profissional, estivesse saturada<br />
de cuidar de Gregor como antigamente, de modo algum teria sido necessário<br />
que a mãe ficasse no seu lugar e Gregor não precisava ser negligenciado. Pois<br />
agora havia a faxineira. Essa velha viúva, que na sua longa vida devia ter suportado<br />
as piores coisas com a ajuda de uma forte construção óssea, não tinha<br />
propriamente repulsa por Gregor. Sem que fosse de algum modo curiosa, uma<br />
vez ela havia aberto casualmente a porta do quarto de Gregor e, <strong>à</strong> vista dele<br />
— que tomado de total surpresa, embora ninguém o perseguisse, começou a<br />
correr de lá para cá, — ficou parada, admirando, com as mãos cruzadas no colo.<br />
Desde então, de manhã e <strong>à</strong> noitinha nunca perdia a oportunidade de abrir um<br />
pouco a porta e espiar rapidamente Gregor. No começo ela também o chamava<br />
ao seu encontro, com palavras que provavelmente considerava amistosas, como<br />
“venha um pouco aqui velho bicho sujo!” ou “vejam só o velho bicho sujo!”.<br />
A chamados desse tipo Gregor não respondia nada, mas ficava imóvel no seu<br />
lugar, como se a porta não tivesse sido aberta. Se ao invés de deixar a faxineira<br />
perturba-lo inutilmente, segundo o capricho do momento, eles tivessem ordenado<br />
que ela limpasse todos os dias o seu quarto! Certa vez, de manhã cedo<br />
— uma chuva violenta batia nas vidraças, talvez já um sinal da Primavera que<br />
chegava, — quando a faxineira começou de novo a usar suas expressões, Gregor<br />
ficou tão exasperado que, embora lento e débil, se voltou para ela, como que<br />
preparado para o ataque. Mas a faxineira, ao invés de sentir medo, simplesmente<br />
ergueu para o alto uma cadeira que se achava perto da porta e, pela maneira<br />
como ficou ali, a boca bem aberta, mostrou claramente a intenção de só fechala<br />
quando a cadeira na sua mão tivesse desabado sobre as costas Gregor.<br />
— E então, não vai continuar? — perguntou, enquanto Gregor se virava<br />
outra vez e ela recolocava a cadeira calmamente no canto.<br />
Agora Gregor não comia quase mais nada. Só quando por acaso passava<br />
pela comida posta para ele é que mordia por brincadeira um bocado, conservava<br />
a porção na boca durante horas e depois, na maioria das vezes, a cuspia<br />
fora. Pensou a principio que era a tristeza pelo estado do seu quarto que o<br />
impedia de comer, mas foi justamente com as mudanças ocorridas nele que<br />
se reconciliou bem cedo. Haviam se habituado a introduzir naquele quarto as<br />
coisas que não se podia colocar em outro lugar, e existia um monte delas ali,<br />
já que um quarto do apartamento fora alugado a três inquilinos. Estes senhores<br />
sisudos — os três tinham barba cheia, como uma vez Gregor verificou por uma<br />
fresta da porta — eram obcecados pela ordem não só no seu quarto, mas também<br />
— uma vez que haviam se mudado para lá — na casa inteira, principalmente<br />
na cozinha. Não suportavam tralha inútil, muito menos suja. Além disso, haviam<br />
trazido, em sua maior parte, o próprio mobiliário. Por esse motivo tinham se<br />
tornado supérfluas muitas coisas que na verdade não se podia vender, mas que<br />
também não se queria jogar fora. Todas elas migraram para o quarto de Gregor<br />
— mesmo a lata de cinza e a lata do lixo da cozinha. Agora a faxineira, que estava<br />
sempre com muita pressa, simplesmente arremessava ao quarto de Gregor o<br />
que não era usado no momento; felizmente Gregor via, na maioria dos casos,<br />
o objeto em questão e a mão que o segurava. Talvez a faxineira tivesse a intenção<br />
de pegar as coisas de novo, conforme o tempo e a ocasião, ou então<br />
atirar todas elas fora de uma só vez; mas o fato é que elas permaneciam no lugar<br />
onde tinham sido atiradas — isso quando Gregor não se locomovia no meio<br />
do entulho e as punha em movimento, a princípio forçado, porque não havia<br />
nenhum outro espaço para rastejar, mais tarde, porém com satisfação crescente,<br />
embora depois dessas caminhadas, triste e morto de cansaço, não se<br />
movesse novamente durante horas.<br />
Visto que os inquilinos jantavam <strong>à</strong>s vezes em casa, na sala de estar comum,<br />
a porta desta ficava fechada várias noites, mas Gregor renunciou com grande<br />
facilidade <strong>à</strong> porta aberta; ele não a tinha usado já diversas noites em que ela<br />
havia permanecido assim, pois, sem que a família percebesse, ficara deitado<br />
no canto mais escuro do seu quarto. Uma vez, no entanto a faxineira deixara<br />
a porta para a sala de estar entreaberta — e assim ela continuou mesmo quando<br />
os inquilinos entraram <strong>à</strong> noite e a luz foi acesa. Eles sentaram-se <strong>à</strong> cabeceira<br />
da mesa, onde antigamente o pai, a mãe e Gregor comiam, desdobraram os<br />
guardanapos e empunharam o garfo e a faca. Imediatamente a mãe apareceu<br />
<strong>à</strong> porta com uma travessa de carne e logo atrás dela a filha com uma travessa<br />
de batatas empulhadas alto. A comida soltava um vapor forte. Os inquilinos<br />
inclinaram-se sobre as travessas colocadas <strong>à</strong> sua frente, como se quisessem<br />
examiná-la antes de comer, e efetivamente o senhor que estava sentado no meio<br />
e parecia valer como autoridade para os outros dois cortou um pedaço de carne<br />
ainda na travessa, sem dúvida para verificar se ela estava suficientemente mole<br />
ou se acaso não devia ser mandada de volta <strong>à</strong> cozinha. Ficou satisfeito e a mãe<br />
e a irmã, que haviam observado ansiosas, começaram a sorrir, respirando com<br />
alívio.<br />
A família mesmo ia comer na cozinha. Apesar disso o pai, antes de se dirigir<br />
<strong>à</strong> cozinha, entrou na sala de estar, fez uma única inclinação de corpo e deu uma<br />
volta em torno da mesa com o quepe na mão. Os inquilinos levantavam-se todos<br />
ao mesmo tempo e murmuravam alguma coisa dentro das suas barbas. Quando<br />
depois ficaram a sós, comeram num silêncio quase total. Pareceu estranho a<br />
Gregor que, em meio a todos os múltiplos ruídos do ato de comer, se destacasse<br />
continuamente o som dos dentes mastigando, como se com isso quisessem<br />
mostrar a ele que era preciso ter dentes para comer e que mesmo com as mais<br />
belas mandíbulas sem dentes não se podia fazer nada.<br />
— Eu tenho apetite, sim — disse Gregor a si mesmo, preocupado, — mas<br />
não por essas coisas. Como se alimentam esses inquilinos, e eu aqui morrendo!<br />
Exatamente nesta noite — Gregor não se lembrava de tê-lo ouvido durante<br />
todo aquele tempo — o violino soou na cozinha. Os inquilinos já tinham<br />
terminado o jantar, o senhor do meio havia puxado um jornal, e os três liam<br />
e fumavam recostados nas cadeiras. Quando o violino começou a tocar, eles<br />
prestaram atenção, se levantaram e foram na ponta dos pés até <strong>à</strong> porta da antesala,<br />
junto <strong>à</strong> qual pararam espremidos um contra o outro. Deviam tê-los ouvido<br />
da cozinha, pois o bradou:<br />
— Por acaso a música incomoda os senhores? Ela pode ser imediatamente<br />
interrompida.<br />
— Pelo contrário — disse o senhor do meio. — Será que a senhorita não<br />
gostaria de vir até nós e tocar aqui na sala, onde é muito mais cômodo e confortável?<br />
— Oh, pois não — exclamou o pai de Gregor, como se fosse ele o violinista.<br />
Os inquilinos voltaram para a sala de estar, e ficaram esperando. Logo chegou<br />
o pai de Gregor com a estante da partitura e a irmã com o violino. Grete preparou<br />
tudo tranqüilamente para tocar; os pais, que nunca antes haviam alugado quartos<br />
e por isso exageravam na gentileza com os inquilinos, não ousaram sentar-se<br />
nas próprias cadeiras; o pai se inclinou sobre a porta, com a mão direita enfiada<br />
CONTOS<br />
DE FRANZ KAFKA<br />
O TIMONEIRO<br />
“Não sou o timoneiro?” – exclamei. “Você?” – disse um<br />
homem alto e escuro e esfregou as mãos nos olhos como se<br />
espantasse um sonho. Eu estive ao leme na noite escura, a<br />
lanterna ardendo fraca sobre minha cabeça e agora vinha esse<br />
homem e queria me pôr de lado. E já que eu não me afastava,<br />
ele calcou o pé no meu peito e me empurrou para baixo devagar<br />
enquanto eu continuava agarrado aos raios do leme e<br />
na queda o tirava completamente do<br />
lugar. Mas o homem o pegou, colocou-o em ordem e me<br />
empurrou dali com um tranco. Eu porém me recompus logo,<br />
corri até a escotilha que dava para o alojamento da tripulação<br />
e gritei: “Tripulantes! Camaradas! Venham logo! Um estranho<br />
me expulsou do leme!” Eles vieram lentamente, subindo<br />
pela escada do navio, figuras possantes que cambaleavam de<br />
cansaço. “Não sou o timoneiro?” – perguntei. Eles assentiram<br />
com a cabeça, mas seus olhares só se dirigiam ao estranho;<br />
ficaram em semicírculo ao redor dele e, quando ele disse<br />
em voz de comando: “Não me atrapalhem”, eles se juntaram,<br />
acenaram para mim com a cabeça e voltaram a descer pela<br />
escada do navio. Que tipo de gente é essa? será que realmente<br />
pensam ou só se arrastam sem saber para onde sobre a terra?<br />
O BRASÃO DA<br />
CIDADE<br />
No início tudo estava numa ordem razoável na construção<br />
da Torre de Babel; talvez a ordem fosse até excessiva, pensava-se<br />
demais em sinalizações, intérpretes, alojamentos de<br />
trabalhadores e vias de comunicação, como se <strong>à</strong> frente houvesse<br />
séculos de livres possibilidades de trabalho. A opinião<br />
reinante na época chegava ao ponto de que não se podia<br />
trabalhar com lentidão suficiente, ela não precisava ser muito<br />
enfatizada para que se recuasse assustado ante o pensamento<br />
de assentar os alicerces. Argumentava-se da seguinte<br />
maneira: o essencial do empreendimento todo é a idéia de<br />
construir uma torre que alcance o céu. Ao lado dela tudo o<br />
mais é secundário. Uma vez apreendida na sua grandeza essa<br />
idéia não pode mais desaparecer; enquanto existirem homens,<br />
existirá também o forte desejo de construir a torre até o fim.<br />
Mas nesse sentido não é preciso se preocupar com o futuro;<br />
pelo contrário, o conhecimento da humanidade aumenta, a<br />
arquitetura fez e continuará fazendo mais progressos, um<br />
trabalho para o qual necessitamos de um ano será dentro de<br />
cem anos realizado, talvez em meio e além disso melhor, com<br />
mais consistência. Por que então esforçar-se ainda hoje até<br />
o limite das energias? Isso só teria sentido se fosse possível<br />
construir a torre no espaço de uma geração. Mas não se pode<br />
de modo algum esperar por isso. Era preferível pensar que<br />
a geração seguinte, com o seu saber aperfeiçoado, achará mau<br />
o trabalho da geração precedente e arrasará o que foi construído,<br />
para começar de novo. Esses pensamentos tolhiam<br />
as energias e, mais do que com a construção da torre, as<br />
pessoas se preocupavam com a construção da cidade dos<br />
trabalhadores. Cada nacionalidade queria ter o alojamento mais<br />
bonito, resultaram daí disputas que evoluíram até lutas sangrentas.<br />
Essas lutas não cessaram mais, para os líderes elas<br />
foram um novo argumento no sentido de que, por falta da<br />
concentração necessária, a torre deveria ser construída muito<br />
devagar ou de preferência só depois do armistício geral. As<br />
pessoas porém não ocupavam o tempo apenas com batalhas,<br />
nos intervalos embelezava-se a cidade, o que entretanto provocava<br />
nova inveja e novas lutas. Assim passou o tempo da<br />
primeira geração, mas nenhuma das seguintes foi diferente,<br />
sem interrupção só se intensificava a destreza e com ela a belicosidade.<br />
A isso se acrescentou que já a segunda ou terceira<br />
geração reconheceu o sem-sentido da construção da torre do<br />
céu, mas já estavam todos muito ligados entre si para abandonarem<br />
a cidade. Tudo o que nela surgiu de lendas e canções<br />
está repleto de nostalgia pelo dia profetizado em que a<br />
cidade será destroçada por um punho gigantesco com cinco<br />
golpes em rápida sucessão. Por isso a cidade também tem um<br />
punho no seu brasão.
28 DE FEVEREIRO DE 2010 CAUSA OPERÁRIA CULTURA B8<br />
entre dois botões do casaco do uniforme, que ele conservava fechado; mas um<br />
dos senhores ofereceu <strong>à</strong> mãe uma cadeira e ela ficou sentada <strong>à</strong> parte, num canto<br />
da sala, por ter deixado a cadeira no lugar onde o senhor a havia posto.<br />
A irmã começou a tocar, o pai e a mãe, cada um do seu lado, acompanharam<br />
atentamente os movimentos das suas mãos. Atraído pela música, Gregor tinha<br />
ousado avançar um pouco e já estava com a cabeça dentro da sala de estar. Dificilmente<br />
o surpreendia o fato de que nos últimos tempos levava os outros<br />
tão pouco em conta; essa consideração tinha sido, antes, o seu orgulho. E, no<br />
entanto justamente agora ele deveria ter mais motivo para se esconder, pois<br />
por causa do pó, que se depositava em toda parte no seu quarto, e que ao menor<br />
movimento voava em volta, ele também estava todo coberto de poeira; sobre<br />
as costas e pelos lados arrastava consigo fios, cabelos, restos de comida; sua<br />
indiferença diante de tudo era grande demais para que, como antes, tivesse<br />
ficado de costas e se esfregado no tapete várias vezes durante o dia. E a despeito<br />
desse estado não teve pejo de se adiantar um pouco sobre o assoalho<br />
imaculado da sala.<br />
Seja como for ninguém prestava atenção nele. A família estava completamente<br />
absorvida pelo violino; os inquilinos, ao contrário, que a principio<br />
haviam se colocado, as mãos nos bolsos das calças, perto demais da irmã,<br />
atrás da estante da partitura, de tal modo que todos eles poderiam ver as notas,<br />
o que certamente devia perturbar a irmã, logo retrocederam até a janela, as<br />
cabeças baixas, conversando a meia voz, e ali permaneceram, ansiosamente<br />
observados pelo pai. Realmente isso agora tinha a aparência mais que nítida<br />
de que estavam decepcionados na sua expectativa de ouvir uma música de<br />
violino bonita ou capaz de entreter — de que estavam saturados de toda a<br />
apresentação e só por polidez ainda se deixavam perturbar no seu sossego.<br />
Especialmente o modo como sopravam para o alto a fumaça dos seus charutos<br />
pelo nariz e pela boca permitia deduzir o grande nervosismo deles. E,<br />
no entanto a irmã tocava com tanta beleza! O rosto dela estava inclinado para<br />
o lado, seus olhares seguiam perscrutadores e tristes as linhas da partitura.<br />
Gregor rastejou mais um trecho <strong>à</strong> frente, mantendo o corpo rente ao chão,<br />
para se possível captar os seus olhos. Era ele um animal, já que a música o<br />
comovia tanto? Era como se lhe abrisse o caminho para o alimento almejado<br />
e desconhecido. Estava decidido a chegar até a irmã, puxa-la pela saia e com<br />
isso indicar que ela devia ir ao seu quarto com o violino, pois ninguém aqui<br />
apreciava sua música como ele desejava fazer. Não queria mais deixa-la sair<br />
do quarto, pelo menos não enquanto ele vivesse; pela primeira vez sua figura<br />
assustadora deveria tornar-se útil; queria estar em todas as portas do seu<br />
quarto ao mesmo tempo e bufar contra os agressores; mas a irmã não deveria<br />
ficar com ele coagida, e sim voluntariamente; deveria permanecer ao seu lado,<br />
sentada no sofá, baixar o ouvido até ele, quando então ele confiaria a ela que<br />
tivera a firme intenção de manda-la ao conservatório e que, se nesse meio<br />
tempo não houvesse acontecido <strong>à</strong> desgraça, teria contado isso a todos no Natal<br />
passado — será mesmo que o Natal já tinha passado? — sem se preocupar<br />
com quaisquer objeções. Depois dessa explicação, a irmã romperia em lágrimas<br />
de comoção e Gregor se levantaria até o seu ombro e beijaria o seu<br />
pescoço, que ela conservava sem fita ou colar desde que entrara na loja.<br />
— Senhor Samsa! — bradou para o pai o inquilino do meio e com o indicador,<br />
sem perder mais palavras, mostrou Gregor, que se movia lentamente<br />
para frente.<br />
O violino emudeceu, o inquilino do meio primeiro sorriu para seus amigos,<br />
balançando a cabeça, e depois olhou para Gregor outra vez. O pai parecia ter<br />
considerado mais urgente acalmar os inquilinos do que expulsar Gregor; estes,<br />
entretanto não estavam nem um pouco agitados e davam a impressão de que<br />
Gregor os entretinha mais que o violino Correu até eles e procurou, com os<br />
braços esticados, forçá-los a ir para o quarto, ao mesmo tempo em que tentava<br />
com o corpo tirar-lhes a visão de Gregor. Então eles ficaram de fato um pouco<br />
bravos, não se sabia mais se com o comportamento do pai ou o conhecimento<br />
— que agora lhes vinha <strong>à</strong> consciência — de terem, sem saber, possuído um<br />
vizinho de quarto como Gregor. Exigiram explicações do pai, ergueram por<br />
seu turno os braços, puxaram a barba intranqüilos e só lentamente recuaram<br />
na direção do seu quarto. Nesse ínterim a irmã tinha superado o desligamento<br />
em que havia caído após a apresentação bruscamente interrompida; depois<br />
de ter ficado algum tempo com o violino e o arco nas mãos que pendiam lassas,<br />
e de ter olhado para a partitura como se ainda estivesse tocando, ela havia se<br />
recomposto de um só golpe, colocado o instrumento no colo da mãe, que ainda<br />
estava sentada na sua cadeira com dificuldades de respiração e os pulmões trabalhando<br />
freneticamente, e correra para o quarto ao lado, do qual os inquilinos,<br />
sob a pressão do pai, já se aproximavam mais rapidamente que antes. Podiase<br />
ver como, sob as mãos experientes da irmã, voavam para o alto e se ordenavam<br />
os cobertores e travesseiros nas camas. Antes ainda que os inquilinos<br />
tivessem chegado ao quarto, ela havia terminado a arrumação das camas e se<br />
esgueirado para fora. O pai parecia outra vez acometido de tal modo da sua<br />
obstinação que esqueceu todo o respeito que ainda devia aos seus inquilinos.<br />
Pressionou, pressionou, até que, já na porta do quarto, o inquilino do meio<br />
bateu atroadoramente o pé no chão e dessa maneira fez o pai parar.<br />
— Declaro por este meio — disse ele, erguendo a mão e procurando também<br />
a mãe e a irmã com o olhar — que eu, levando em conta as condições<br />
repulsivas reinantes nesta casa e nesta família — aqui ele cuspiu no chão,<br />
rápido e decidido, — rescindo neste momento a locação do meu quarto. Naturalmente<br />
não vou pagar o mínimo que seja nem pelos dias que aqui passei;<br />
pelo contrário, vou ainda refletir se não movo contra o senhor alguma ação<br />
com reivindicações que serão — acredite-me — muito fáceis de fundamentar.<br />
Silenciou e olhou para frente, como se esperasse alguma coisa. De fato<br />
seus dois amigos intervieram imediatamente com as palavras:<br />
— Nós também rescindimos neste momento a locação.<br />
Depois disso, agarrou a maçaneta da porta e fechou-a com um estrondo.<br />
O pai, com as mãos tateantes vacilou até a sua cadeira e se deixou cair<br />
nela; parecia que esticava o corpo para a soneca habitual do anoitecer, mas<br />
o forte balanço da cabeça — como se ela tivesse perdido a sustentação —<br />
mostrava que ele de modo algum dormia. Durante todo esse tempo Gregor<br />
esteve deitado no lugar onde os inquilinos o haviam surpreendido. A decepção<br />
com o malogro do seu plano, mas talvez a fraqueza causada por muita<br />
fome, tornavam impossível que ele se movesse. Com certa clareza, temia já<br />
para o instante seguinte uma avalanche geral descarregada em cima dele e ficou<br />
aguardando. Não o sobressaltou nem mesmo o violino que, entre as mãos<br />
trêmulas da mãe, caiu do seu colo e emitiu um som retumbante.<br />
— Queridos pais — disse a irmã, e como introdução bateu com a mão<br />
na mesa, — assim não pode continuar. Se vocês acaso não compreendem,<br />
eu compreendo. Não quero pronunciar o nome do meu irmão diante desse<br />
monstro e por isso digo apenas o seguinte: precisamos nos livrar dele. Procuramos<br />
fazer o que é humanamente possível para trata-lo e suporta-lo e<br />
acredito que ninguém pode nos fazer a menor censura.<br />
— Ela tem mil vezes razão, — disse o pai consigo mesmo.<br />
A mãe, que ainda não podia respirar direito, começou a tossir, em som<br />
surdo, na mão espalmada, com uma expressão alucinada nos olhos.<br />
A irmã correu até a mãe e segurou-lhe a testa. O pai, que através da irmã<br />
parecia ter chegado a pensamentos mais definidos, havia se sentado em posição<br />
ereta e ficou brincando com o quepe de funcionário entre os pratos do<br />
jantar dos inquilinos que ainda jaziam sobre a mesa; de vez em quando olhava<br />
para Gregor, que estava quieto.<br />
— Precisamos tentar nos livrar disso — disse então a irmã exclusivamente<br />
ao pai, pois a mãe não ouvia nada com a tosse. — Isso ainda vai matar a<br />
ambos, eu vejo esse momento chegando. Quando já se tem de trabalhar tão<br />
pesado, como nós, não é possível suportar em casa mais esse eterno tormento.<br />
Eu não agüento mais.<br />
E rompeu no choro tão violentamente que suas lágrimas escorreram sobre<br />
o rosto da mãe, que as limpava com movimentos mecânicos de mão.<br />
— Filha — disse o pai, compassivo e com evidente compreensão. — Mas<br />
o que devemos fazer?<br />
A filha sacudiu os ombros como sinal da desorientação que a havia possuído<br />
durante o choro, em contraste com a segurança de antes.<br />
— Se ele nos entendesse... — disse o pai, meio que perguntando; no meio<br />
do choro Grete sacudiu freneticamente a mão para mostrar que não se podia<br />
pensar nisso.<br />
— Se ele nos entendesse — repetiu o pai e com um fechar de olhos acolheu<br />
a convicção da filha sobre essa impossibilidade — então talvez fosse possível<br />
um acordo com ele. Mas assim...<br />
— É preciso que isso vá para fora — exclamou a irmã de Gregor. — É o<br />
único meio, pai. Você simplesmente precisa se livrar do pensamento de que<br />
é Gregor. Nossa verdadeira infelicidade é termos acreditado nisso até agora.<br />
Mas como é que pode ser Gregor? Se fosse Gregor, ele teria há muito tempo<br />
compreendido que o convívio de seres humanos com um bicho assim não é<br />
possível e teria ido embora voluntariamente. Nesse caso não teríamos o meu<br />
irmão, mas poderíamos continuar vivendo e honrar a sua memória. Mas como<br />
está, esse bicho nos persegue, expulsa os inquilinos, quer certamente ocupar<br />
o apartamento todo e nos fazer pernoitar na rua. Assim, esta criatura nos persegue<br />
e afugenta nossos hóspedes. É evidente que a casa toda só para ele e,<br />
por sua vontade, iríamos todos dormir na rua. Veja, pai... — gritou de repente,<br />
— ele já começou de novo!<br />
E num susto inteiramente incompreensível para Gregor, a irmã abandonou<br />
até a mãe, literalmente disparou da sua cadeira, como se preferisse sacrificar<br />
a mãe a ficar perto de Gregor, e correu para trás do pai, excitado tão-só pelo<br />
seu comportamento também se levantou e diante dela ergueu os braços pela<br />
metade, como que para proteger a irmã.<br />
Mas Gregor não tinha a menor intenção de causar medo a ninguém, muito<br />
menos a irmã. Simplesmente havia começado a girar o corpo para voltar ao<br />
seu quarto e isso de qualquer modo chamava a atenção, uma vez que, em<br />
conseqüência do seu estado enfermiço, precisava, na difícil manobra, ajudar<br />
com a cabeça, que ele levantava várias vezes e batia contra o chão. Parou e<br />
olhou em torno. Sua boa intenção parecia ter sido reconhecida; tinha sido apenas<br />
um susto momentâneo. Agora todos o fitavam silenciosos e tristes. A mãe jazia<br />
na sua cadeira com as pernas esticadas e coladas uma <strong>à</strong> outra, os olhos quase<br />
fechados de esgotamento; o pai e a irmã estavam sentados lado a lado, a irmã<br />
havia colocado a mão em volta do pescoço do pai.<br />
— Agora talvez eu já possa me virar — pensou Gregor e recomeçou o seu<br />
trabalho.<br />
Não podia reprimir o resfolgar do esforço e aqui e ali precisava repousar.<br />
De resto ninguém o pressionava, tinham-no deixado fazer tudo sozinho.<br />
Quando havia completado a volta, começou imediatamente a retornar ao quarto<br />
em linha reta. Admirou-se com a grande distância que o separava do seu quarto<br />
e não entendia absolutamente como, apesar da fraqueza, tinha havia pouco<br />
tempo percorrido, quase sem o perceber, o mesmo caminho. Sempre <strong>à</strong>s voltas<br />
com o pensamento de rastejar rápido, mal prestou atenção ao fato de nenhuma<br />
palavra, nenhum chamado da sua família, o perturbava. Só quando já estava<br />
na porta ele virou a cabeça, mas não completamente, pois sentia o pescoço<br />
endurecer, no entanto ainda viu que atrás dele nada se alterara, apenas a irmã<br />
tinha se levantado. Seu último olhar percorreu a mãe, que estava agora completamente<br />
adormecida.<br />
Mal estava dentro do seu quarto, quando a porta foi batida na maior pressa,<br />
travada e fechada a chave. Gregor assustou-se tanto com o súbito barulho atrás<br />
dele que suas perninhas dobraram. Era a irmã que havia se apressado assim.<br />
Ela já tinha se levantado lá na sala e esperado; depois, com os pés leves, havia<br />
saltado para frente — Gregor não tinha de modo algum podido escuta-la —<br />
e, girando a chave na fechadura gritado para os pais:<br />
— Finalmente!<br />
— E agora? — pensou Gregor consigo mesmo e olhou ao redor na escuridão.<br />
Logo descobriu que não podia absolutamente mais se mexer. Não se admirou<br />
com esse fato, pareceu-lhe antes pouco natural que até agora tivesse<br />
conseguido se movimentar com aquela perninhas finas. No restante sentiase<br />
relativamente confortável. Na realidade tinha dores no corpo todo, mas para<br />
ele era como se elas fossem ficar cada vez mais fracas e finalmente desaparecer<br />
por completo. A maçã apodrecida nas suas costas e a região inflamada em volta,<br />
inteiramente cobertas por uma poeira mole, quase não o incomodavam. Recordava-se<br />
da família com emoção e amor. Sua opinião de que precisava<br />
desaparecer era, se possível, ainda mais decidida que a da irmã. Permaneceu<br />
nesse estado de meditação vazia e pacífica até que o relógio da torre bateu a<br />
terceira hora da manhã. Ele ainda vivenciou o início do clarear geral do dia lá<br />
do lado de fora da janela. Depois, sem intervenção da sua vontade, a cabeça<br />
afundou completamente e das suas ventas fluiu fraco e último fôlego.<br />
Quando a faxineira chegou de manhã cedo — a partir da sua chegada não<br />
era mais possível nenhum sono tranqüilo na casa inteira, tal a força e a pressa<br />
com que batia todas as portas, por mais que lhe tivessem pedido que evitasse<br />
fazer isso, — ela não descobriu, a principio, nada de especial na curta e costumeira<br />
visita a Gregor. Pensou que ele estava deitado ali premeditadamente<br />
imóvel e que fazia o papel de ofendido, pois lhe creditava todo o entendimento<br />
possível. Por estar casualmente segurando na mão a vassoura de cabo<br />
comprido, tentou, da porta, fazer cócegas com ela em Gregor. Quando isso<br />
também não deu resultado, ficou irritada, espetou Gregor um pouco e só depois<br />
que o havia empurrado do lugar sem achar resistência é que prestou mais<br />
atenção. Ao reconhecer a verdade dos fatos arregalou os olhos, deu um assobio,<br />
mas não se deteve muito tempo: escancarou a porta do quarto de dormir<br />
e bradou em voz alta para dentro do escuro:<br />
— Venham só ver uma coisa: ele empacotou! Está lá empacotado de uma<br />
vez! O casal Samsa ficou sentado no leito conjugal fazendo um esforço para<br />
superar o susto com a faxineira antes que chegassem a entender o que ela<br />
comunicava. Mas depois o senhor e senhora Samsa, cada um do seu lado,<br />
desceram da cama o mais rápido possível; o senhor Samsa atirou sobre os<br />
ombros o cobertor, a senhora Samsa saiu só de camisola e assim entraram<br />
no quarto de Gregor. Nesse meio tempo tinha sido também a porta da sala<br />
de estar, na qual Grete dormia desde a entrada dos inquilinos; estava completamente<br />
vestida, como se não tivesse dormido nada; o rosto pálido parecia<br />
comprova-lo.<br />
— Morto? — disse a Senhora Samsa, e ergueu os olhos interrogativamente<br />
para a faxineira, embora pudesse verificar por si mesma e até reconhecer<br />
tudo sem verificação.<br />
— É o que estou tentando dizer — disse a faxineira e para provar empurrou<br />
o cadáver de Gregor com a vassoura mais um longo trecho para o lado.<br />
A Senhora Samsa esboçou um movimento, como se quisesse deter a vassoura,<br />
mas não o fez.<br />
— Bem — disse o Senhor Samsa, — agora podemos agradecer a Deus.<br />
Fez o sinal-da-cruz e as três mulheres seguiram o seu exemplo. Grete,<br />
que não desviava os olhos do cadáver, disse:<br />
— Vejam só como ele estava magro. Também já fazia muito tempo que<br />
não comia nada! Assim como entrava, a comida saía de novo.<br />
De fato o corpo de Gregor estava completamente plano e seco, na verdade<br />
só agora se reconhecia isso, uma vez que ele já não estava erguido sobre as<br />
perninhas e nada mais distraia o olhar.<br />
— Grete, entre um instantinho conosco — disse <strong>à</strong> senhora Samsa com<br />
um sorriso melancólico e Grete, não sem olhar para trás, na direção do cadáver,<br />
seguiu os pais até o quarto de dormir. A faxineira fechou a porta e<br />
abriu completamente a janela. Embora fosse de manhã cedo já se misturava<br />
ao ar fresco um pouco de mornidão. Afinal já era fim de março.<br />
Os três inquilinos saíram do seu quarto e olharam perplexos ao redor, <strong>à</strong><br />
procura do seu café da manhã; tinham-nos esquecidos.<br />
— Onde está o café da manhã? — perguntou rabugentamente <strong>à</strong> faxineira<br />
o inquilino do meio.<br />
Mas esta pôs o dedo na boca e em seguida, apressada e sem uma palavra,<br />
acenou para que os senhores chegassem ao quarto de Gregor. Eles foram e,<br />
com as mãos nos bolsos dos seus paletós um tanto puídos, ficaram em pé<br />
<strong>à</strong> volta do cadáver de Gregor, no quarto já inteiramente iluminado.<br />
Abriu-se então a porta do quarto de dormir e o senhor Samsa apareceu<br />
na sua libré, a esposa num braço e a filha no outro. Todos tinham o ar de<br />
quem havia chorado um pouco; de vez em quando, Grete comprimia o rosto<br />
no braço do pai.<br />
— Deixem imediatamente a minha casa! — disse o senhor Samsa e apontou<br />
para a porta, sem se afastar das mulheres.<br />
— O que o senhor está querendo dizer com isso? — disse algo atônito<br />
o senhor do meio e sorriu docemente.<br />
Os outros dois conservavam as mãos atrás das costas e as esfregavam sem<br />
parar, como se esperassem com alegria uma grande contenda, mas que devia<br />
terminar com vantagem para eles.<br />
— Estou querendo dizer exatamente o que afirmei — respondeu o senhor<br />
Samsa e marchou em linha cerrada com as duas acompanhantes ao encontro<br />
do inquilino.<br />
Este a princípio ficou parado olhando o chão, como se as coisas se juntassem<br />
na sua cabeça numa nova ordem.<br />
— Bem, então nós vamos embora — disse depois e levantou os olhos<br />
para o senhor Samsa, como se, acometido de súbita humildade, pedisse de<br />
novo licença para essa decisão.<br />
O senhor Samsa fez-lhe apenas vários acenos breves com a cabeça, os olhos<br />
bem abertos. Diante disso o inquilino caminhou efetivamente com passadas<br />
largas para a ante-sala; seus dois amigos, que já estavam escutando fazia algum<br />
tempo, as mãos completamente calmas, iam agora saltitando bem atrás dele,<br />
como se temessem que o senhor Samsa pudesse entrar na ante-sala <strong>à</strong> sua frente,<br />
interrompendo a ligação com o chefe. Na ante-sala os três tiraram os chapéus<br />
do cabide, puxaram suas bengalas do porta-bengalas, inclinaram-se em silêncio<br />
e deixaram o apartamento. Numa desconfiança que se mostrou completamente<br />
infundada, o senhor Samsa foi até o vestíbulo com as duas<br />
mulheres; curvados sobre o corrimão observaram os três senhores descerem<br />
a longa escada — na verdade devagar, mas continuamente, — desapareceram<br />
em cada andar numa determinada curva da escadaria e ressurgirem alguns instantes<br />
depois; quanto mais desciam, tanto mais se perdia o interesse da família<br />
Samsa por eles, e quando um entregador de carne subiu na sua direção e passou<br />
<strong>à</strong> sua frente, escada acima, com a encomenda na cabeça, numa postura altiva,<br />
com a encomenda na cabeça, numa postura altiva, o senhor Samsa abandonou<br />
rapidamente o corrimão, junto com as mulheres, e todos voltaram, como que<br />
aliviados, ao seu apartamento.<br />
Decidiram dedicar o dia ao repouso e ao passeio; não só mereciam, como<br />
necessitavam absolutamente dessa interrupção no trabalho. E assim sentaram-se<br />
<strong>à</strong> mesa para escrever três cartas de desculpa, o senhor Samsa <strong>à</strong> direção<br />
do banco, a senhora Samsa ao seu empregador e Grete ao proprietário da loja.<br />
Enquanto escreviam, entrou a faxineira para dizer que ia embora, pois o seu<br />
trabalho da manhã havia terminado. A princípio os três simplesmente menearam<br />
a cabeça, sem erguer os olhos; só quando a faxineira não fez menção<br />
de se afastar é que eles olharam irritados para ela.<br />
— E então? — perguntou o senhor Samsa.<br />
A faxineira estava junto <strong>à</strong> porta, sorridente, como se tivesse de anunciar<br />
<strong>à</strong> família uma grande boa notícia, mas só o faria se interrogada a fundo. A<br />
pequena e reta pena de pavão em cima do seu chapéu, com a qual o senhor<br />
Samsa já se irritara durante o seu tempo de serviço, balançava leve em todas<br />
as direções.<br />
— O que é que a senhora está querendo? — perguntou a senhora Samsa,<br />
pela qual a faxineira ainda tinha o máximo respeito.<br />
— Ah, sim — respondeu a faxineira, que por causa do riso amigável não<br />
pôde continuar falando. — A senhora não precisa se preocupar com o jeito<br />
de jogar fora a coisa aí do lado. Já está tudo em ordem.<br />
A senhora Samsa e Grete inclinaram-se sobre as cartas, como se quisessem<br />
continuar escrevendo; o senhor Samsa percebendo que a faxineira queria<br />
agora começar a descrever tudo em minúcia, repeliu isso decididamente com<br />
a mão esticada. Já que não tinha permissão para contar, a faxineira se lembrou<br />
de que estava com muita pressa e, obviamente ofendida, exclamou:<br />
— Até logo para todos.<br />
Virou-se selvagemente e deixou o apartamento em meio a um formidável<br />
bater de portas.<br />
— Hoje <strong>à</strong> noite ela será despedida — disse o senhor Samsa, mas não obteve<br />
resposta nem da mulher, nem da filha, pois a faxineira parecia ter perturbado<br />
a tranqüilidade que mal tinham reconquistado. As duas se levantaram, foram<br />
até a janela e lá ficaram, mantendo-se abraçadas. O senhor Samsa virou-se<br />
para elas da sua cadeira e ficou observando-as em silêncio por momento.<br />
Depois bradou:<br />
— Agora venham aqui. Parem de pensar no que passou. E tenham um<br />
pouco de consideração por mim.<br />
As mulheres obedeceram-lhe logo, correram para ele, acariciaram-no e<br />
terminaram rápido suas cartas.<br />
Depois os três deixaram juntos o apartamento, coisa que não faziam havia<br />
meses, e foram de bonde elétrico para o ar livre no subúrbio da cidade. O bonde<br />
em que ficaram sentados sozinhos estava totalmente iluminado pelo sol cálido.<br />
Recostados com conforto nos seus bancos, conversaram sobre as perspectivas<br />
do futuro, descobrindo que, examinadas de perto, elas não eram de<br />
modo algum más, pois os três tinham empregos muito vantajosos e particularmente<br />
promissores — sobre os quais, na verdade, nunca tinham feito perguntas<br />
pormenorizadas um ao outro. É claro que a grande melhora imediata<br />
da situação viria, facilmente, da mudança de casa; eles agora queriam um<br />
apartamento menor e mais barato, mas mais bem situado e, sobretudo mais<br />
prático do que o atual, que tinha sido escolhido ainda por Gregor. Enquanto<br />
conversavam assim, ocorreu ao senhor e <strong>à</strong> senhora Samsa, quase que simultaneamente,<br />
<strong>à</strong> vista da filha cada vez mais animada, que ela — apesar da canseira<br />
dos últimos tempos, que empalidecera suas faces — havia florescido em uma<br />
jovem bonita e opulenta. Cada vez mais silenciosos e se entendendo quase inconscientemente<br />
através de olhares, pensaram que já era tempo de procurar<br />
um bom marido para ela. E pareceu-lhes como que uma confirmação dos seus<br />
novos sonhos e boas intenções quando, no fim da viagem, a irmã se levantou<br />
em primeiro lugar e espreguiçou o corpo jovem.<br />
UMA<br />
MENSAGEM<br />
IMPERIAL<br />
O imperador – assim dizem – enviou<br />
a ti, súdito solitário e lastimável, sombra<br />
ínfima ante o sol imperial, refugiada<br />
na mais remota distância, justamente<br />
a ti o imperador enviou, do leito de<br />
morte, uma mensagem. Fez ajoelhar-se<br />
o mensageiro ao pé da cama e sussurrou-lhe<br />
mensagem no ouvido; tão importante<br />
lhe parecia, que mandou repeti-la<br />
em seu próprio ouvido. Assentindo<br />
com a cabeça, confirmou a exatidão<br />
das palavras. E, diante da turba reunida<br />
para assistir <strong>à</strong> sua morte – haviam derrubado<br />
todas as paredes impeditivas, e<br />
na escadaria em curva ampla e elevada,<br />
dispostos em círculo, estavam os grandes<br />
do império –, diante de todos, despachou<br />
o mensageiro. De pronto, este<br />
se pôs em marcha, homem vigoroso,<br />
incansável. Estendendo ora um braço,<br />
ora outro, abre passagem em meio <strong>à</strong><br />
multidão; quando encontra obstáculo,<br />
aponta no peito a insígnia do sol; avança<br />
facilmente, como ninguém. Mas a<br />
multidão é enorme; suas moradas não<br />
têm fim. Fosse livre o terreno, como<br />
voaria, breve ouvirias na porta o golpe<br />
magnífico de seu punho. Mas, ao contrário,<br />
esforça-se inutilmente; comprime-se<br />
nos aposentos do palácio central;<br />
jamais conseguirá atravessá-los; e se<br />
conseguisse, de nada valeria; precisaria<br />
empenhar-se em descer as escadas;<br />
e se as vencesse, de nada valeria; teria<br />
que percorrer os pátios; e depois dos pátios,<br />
o segundo palácio circundante; e<br />
novamente escadas e pátios; e mais<br />
outro palácio; e assim por milênios; e<br />
quando finalmente escapasse pelo último<br />
portão – mas isto nunca, nunca poderia<br />
acontecer – chegaria apenas <strong>à</strong><br />
capital, o centro do mundo, onde se<br />
acumula a prodigiosa escória. Ninguém<br />
consegue passar por aí, muito menos<br />
com a mensagem de um morto. Mas,<br />
sentado <strong>à</strong> janela, tu a imaginas, enquanto<br />
a noite cai.<br />
PIÃO<br />
Um filósofo costumava circular onde<br />
brincavam crianças. E se via um menino<br />
que tinha um pião já ficava <strong>à</strong> espreita.<br />
Mal o pião começava a rodar, o filósofo<br />
o perseguia com a intenção de<br />
agarrá-lo. Não o preocupava que as<br />
crianças fizessem o maior barulho e tentassem<br />
impedi-lo de entrar na brincadeira;<br />
se ele pegava o pião enquanto este<br />
ainda irava, ficava feliz, mas só por um<br />
instante, depois atirava-o ao chão e ia<br />
embora. Na verdade, acreditava que o<br />
conhecimento de qualquer insignificância,<br />
por exemplo, o de um pião que girava,<br />
era suficiente ao conhecimento do<br />
geral. Por isso não se ocupava dos grandes<br />
problemas – era algo que lhe parecia<br />
antieconômico. Se a menor de todas<br />
as ninharias fosse realmente conhecida,<br />
então tudo estava conhecido; sendo<br />
assim só se ocupava do pião rodando.<br />
E sempre que se realizavam preparativos<br />
para fazer o pião girar, ele tinha esperança<br />
de que agora ia conseguir; e se<br />
o pião girava, a esperança se transformava<br />
em certeza enquanto corria até<br />
perder o fôlego atrás dele. Mas quando<br />
depois retinha na mão o estúpido pedaço<br />
de madeira, ele se sentia mal e a gritaria<br />
das crianças – que ele até então não<br />
havia escutado e agora de repente penetrava<br />
nos seus ouvidos – afugentavao<br />
dali e ele cambaleava como um pião<br />
lançado com um golpe sem jeito da fieira.<br />
A PARTIDA<br />
Ordenei que tirassem meu cavalo da<br />
estrebaria. O criado não me entendeu.<br />
Fui pessoalmente <strong>à</strong> estrebaria, selei o<br />
cavalo e montei-o. Ouvi soar <strong>à</strong> distância<br />
uma trompa, perguntei-lhe o que<br />
aquilo significava. Ele não sabia de nada<br />
e não havia escutado nada. Perto do<br />
portão ele me deteve e perguntou: – Para<br />
onde cavalga senhor? – Não sei direito<br />
– eu disse –, só sei que é para fora daqui,<br />
fora daqui. Fora daqui sem parar; só<br />
assim posso alcançar meu objetivo. –<br />
Conhece então o seu objetivo? – perguntou<br />
ele. – Sim – respondi – Eu já disse:<br />
“fora-daqui”, é esse o meu objetivo. –<br />
O senhor não leva provisões disse ele.<br />
– Não preciso de nenhuma – disse eu.<br />
– A viagem é tão longa que tenho de<br />
morrer de fome se não receber nada no<br />
caminho. Nenhuma provisão pode me<br />
salvar. Por sorte esta viagem é realmente<br />
imensa.