Arquivo PDF - Universidade Anhembi Morumbi
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI<br />
Ana Rita Valverde Peroba<br />
Design Social: um caminho para o designer de Moda?<br />
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO<br />
MESTRADO EM DESIGN<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO<br />
STRICTO SENSU<br />
São Paulo, março/2008
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI<br />
Ana Rita Valverde Peroba<br />
Design Social: um caminho para o designer de Moda?<br />
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO<br />
Dissertação apresentada ao<br />
Programa de Pós-Graduação<br />
Stricto Sensu em Design -<br />
Mestrado, da <strong>Universidade</strong><br />
<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, como<br />
requisito parcial para obtenção<br />
do título de Mestre em Design.<br />
Orientadora: Profa. Dra. Rosane Preciosa<br />
São Paulo, março/2008
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI<br />
Ana Rita Valverde Peroba<br />
Design Social: um caminho para o designer de Moda?<br />
Dissertação apresentada ao<br />
Programa de Pós-Graduação<br />
Stricto Sensu em Design -<br />
Mestrado, da <strong>Universidade</strong><br />
<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, como<br />
requisito parcial para obtenção<br />
do título de Mestre em Design.<br />
Aprovada pela seguinte Banca<br />
Examinadora:<br />
Profa. Dra. Rosane Preciosa<br />
Orientadora<br />
Mestrado em Design <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />
Profa. Dra. Suzana Avellar<br />
Fundação Armando Álvares Penteado<br />
Centro Universitário Belas Artes<br />
Profa. Dra. Claudia Marinho<br />
Mestrado em Design <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />
Prof. Dr. Jofre Silva<br />
Mestrado em Design <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />
São Paulo, março/2008
Todos os direitos reservados. É proibida a<br />
reprodução total ou parcial do trabalho<br />
sem autorização da <strong>Universidade</strong>, do<br />
autor e do orientador.<br />
Ana Rita Valverde Peroba<br />
Graduada em desenho industrial<br />
habilitação em programação visual pela<br />
<strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco.<br />
Professora dos cursos de Tecnologia em<br />
Design de Moda da Faculdade Senac<br />
Pernambuco e da Faculdade Maurício de<br />
Nassau. Atua principalmente com o<br />
seguinte tema de pesquisa: Design<br />
Social.<br />
Ficha Catalográfica<br />
Peroba, Ana Rita Valverde<br />
Design Social um caminho para o<br />
designer de moda? São Paulo, 2008.<br />
103 p.<br />
Dissertação apresentada ao programa de<br />
Mestrado Stricto Sensu da <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong><br />
<strong>Morumbi</strong>.<br />
Área de concentração: Design, Arte e<br />
Tecnologia.<br />
Orientadora: Profa. Dra. Rosane Preciosa<br />
1. Design Social. 2. Responsabilidade Social.<br />
3. Sustentabilidade. 4. Artesanato.<br />
5. Projeto Sistêmico. I título.<br />
CDU: 391.
DEDICATÓRIA<br />
Dedico esta dissertação aos meus pais Lília (in memoriam) e<br />
Luis, que sempre incentivaram a busca pelo conhecimento.
AGRADECIMENTOS<br />
Made in Recife<br />
A minha madrinha Fafá, pelos bons conselhos.<br />
As colegas da Especialização<br />
Carmem Valente<br />
Adélia Collier<br />
Mara Ayub<br />
pelo incentivo e dicas valiosas.<br />
A minha irmã Emanuela, por sempre segurar as pontas.<br />
Made in São Paulo<br />
Aos colegas da primeira turma do mestrado em Design:<br />
Lu, Junia, Mercedes, Vera, Eli, Elo, Valéria, Mércia, Zé,<br />
Geraldo, Marcelo, Flavio, Gui,<br />
Gu (saudades hipermidiáticas) e<br />
meu eterno presidente Rabib!<br />
Aos professores Ana Mae, Claudia, Gisela, Vânia e Mauro.<br />
Aos meus amigos Suzane e Daniel, que me acolheram<br />
com o jeito pernambucano na capital paulista.<br />
Ao paulista João, pelas caronas e amizade que se<br />
transformaram em dedicação e amor.<br />
A profa. Suzana Avellar, pelas entrevistas e<br />
disponibilidade.<br />
A Silvia Sasaoka pela receptividade.<br />
A todos os funcionários do campus <strong>Morumbi</strong>, em especial<br />
à direção.<br />
À coordenação do Mestrado.<br />
À Rosane A Preciosa, pelo afeto das broncas, pela<br />
paciência de anjo, pela dedicação. Sem ela(s) eu não teria<br />
conseguido chegar ao fim.
You have to make up your mind either to make sense<br />
or to make money, if you want to be a designer.<br />
Buckminster Fuller
Design Social: um caminho para o designer de Moda?<br />
Palavras-chave: Design Social. Responsabilidade Social.<br />
Sustentabilidade. Artesanato. Projeto sistêmico.<br />
Resumo<br />
O design, ao optar por projetos que adotem uma<br />
abordagem social, distanciando-se de um modelo<br />
exclusivamente voltado para o mercado, pode contribuir<br />
para modificar práticas sociais, culturais e econômicas de<br />
pequenas comunidades artesãs.<br />
O pressuposto desta dissertação é discutir a importância do<br />
papel social do designer no contemporâneo. Ao ativar o<br />
potencial criativo dessas comunidades e auxiliar no<br />
fortalecimento de vínculos entre seus membros, é capaz de<br />
gerar produtos coletivos que inauguram novas formas de<br />
existência auto-sustentáveis nestas comunidades. Em<br />
contrapartida, essa comunidade responde a esse diálogo e<br />
também é capaz de oferecer, a esse profissional de design,<br />
mudanças significativas em seu repertório criativo-<br />
projetual. A partir desse processo, as comunidades tornam-<br />
se independentes, aprendem a dar continuidade ao seu<br />
fazer artesanal, fortalecendo suas raízes através das<br />
inovações propostas.<br />
O projeto A mão na Moda, desenvolvido pelo designer de<br />
moda Walter Rodrigues em parceria com as rendeiras do<br />
Piauí, comparece nesta dissertação, configurando-se como<br />
um exemplo consolidado dessa abordagem social do<br />
design.
Key words: Social Design. Social Responsibility.<br />
Sustainability. Craftwork. Systemic Projects.<br />
Abstract<br />
The design while opting for projects that adopt a social<br />
approach, being distanced of a model exclusively turned to<br />
the market, can contribute in order that craftsmen modify<br />
social, cultural and economical practices of small communities.<br />
The presupposition of this dissertation is to discuss the<br />
importance of the social paper of the designer in the<br />
contemporary. While activating the creative potential of these<br />
communities and auxiliary in the strengthening of bonds<br />
between his members, it is able to produce collective products<br />
that inaugurate the new auto-sustainable forms of existence<br />
in these communities. In counterentry, this community<br />
responds to this dialog and also it is able to offer, to this<br />
professional of design, significant changes in his creative<br />
repertoire - projetual. From this process, the communities<br />
become independent, learn to give continuity to own way to<br />
do craft, strengthening his roots through the proposed<br />
innovations.<br />
The project A mão na Moda, developed by the fashion<br />
designer Walter Rodrigues in partnership with the lace-<br />
makers of the Piauí, Brasil. Appears in this dissertation, being<br />
shaped like a consolidated example of this social approach of<br />
the design.
SUMÁRIO<br />
1.0 Palavras iniciais<br />
2.0 O Movimento Arts & Crafts e sua atualidade<br />
2.1 O papel Designer ontem<br />
2.2 Concepção artesanal e concepção industrial<br />
2.2.1 Concepção digital<br />
3.0 O que é Design Social<br />
3.1 O papel da Sustentabilidade no Contemporâneo<br />
3.1.1 A questão ecológica<br />
3.1.2 Inclusão Social<br />
3.1.3 Responsabilidade Social e Responsabilidade Social<br />
Corporativa(RSC)<br />
3.2 Uma Abordagem Sistêmica<br />
4.0 A Mão na Moda - Relato de uma experiência<br />
5.0 Considerações finais<br />
Epílogo<br />
6.0 Referências Bibliográficas<br />
Apêndices<br />
p. 15<br />
p. 23<br />
p. 28<br />
p. 32<br />
p. 36<br />
p. 41<br />
p. 48<br />
p. 50<br />
p. 60<br />
p. 63<br />
p. 70<br />
p. 79<br />
p. 91<br />
p. 94<br />
p. 95
LISTA DE ILUSTRAÇÕES<br />
Imagens do entorno da fábrica ACTEX - Recife - PE<br />
John Heskett<br />
Victor e Sylvia Margolin<br />
Pevsner<br />
Exposição A mão na Moda<br />
Papel de parede William Morris<br />
William Morris<br />
John Ruskin<br />
Rafael Cardoso<br />
AWN Pugin<br />
Palácio de Cristal<br />
Henry Cole<br />
Edwin Maxwell Fry<br />
Tierry Kazazian<br />
Pegada na areia<br />
Aloísio Magalhães<br />
a<br />
Prédio da ESDI- 1 Escola Supeior de Design do Brasil<br />
Vilém Flusser<br />
Logo da Rio Eco-92<br />
Carlo Vezzoli<br />
Klaus Krippendorf<br />
Sérgio Sena<br />
Heliana Pacheco<br />
Rachel Cooper<br />
Nigel Whitley<br />
Capas das edições do livro Design for The Real World<br />
Henry Way Kendall<br />
a<br />
M Cecília Loschiavo dos Santos<br />
Ezio Manzini<br />
Gui Bonsiepe<br />
Logo do Museu A Casa<br />
Imagem da fachada do Museu A Casa<br />
Convite da Exposição A Mão na Moda<br />
Imagens da Exposição A Mão na Moda<br />
Fachada Museu do Estado de Pernambuco<br />
Produto desenvolvido em parceria<br />
Estudantes de Einhoven parceria<br />
Artesão trabalhando o couro<br />
Imagens da Exposição Serrita<br />
p. 15<br />
p. 17<br />
p. 20<br />
p. 21<br />
p. 22<br />
p. 23<br />
p. 24<br />
p. 24<br />
p. 25<br />
p. 25<br />
p. 26<br />
p. 27<br />
p. 28<br />
p. 29<br />
p. 35<br />
p. 35<br />
p. 36<br />
p. 39<br />
p. 42<br />
p. 43<br />
p. 44<br />
p. 46<br />
p. 47<br />
p. 50<br />
p. 51<br />
p. 51<br />
p. 52<br />
p. 76<br />
p. 77<br />
p. 79<br />
p. 79<br />
p. 79<br />
p. 79<br />
p. 79<br />
p. 80<br />
p. 80<br />
p. 80<br />
p. 80<br />
p. 80
LISTA DE ILUSTRAÇÕES(cont.)<br />
Rendeira Trabalhando com a almofada de bilro<br />
Detalhe da almofada de bilro<br />
Detalhe da almofada de bilro<br />
Walter Rodrigues<br />
Imagem de conjunto de rendas produzidas em Morro da<br />
Mariana<br />
Imagem de conjunto de rendas produzidas em Morro da<br />
Mariana<br />
Amostra de galão de renda<br />
Amostra de renda<br />
Amostra de galão de renda<br />
Amostra de renda<br />
Vestido da coleção desenvolvida por Walter Rodrigues.<br />
Walter vestindo a manequim<br />
Detalhe de busto criado por Walter e as rendeiras<br />
Detalhe das costas criada por Walter e as rendeiras<br />
Walter vestindo a manequim<br />
Detalhe de vestido criado por Walter e as rendeiras<br />
Tag do Artesanato solidário<br />
Silvia Sassaoka<br />
Marisa Silva<br />
Imagem de uma blusa produzida antes do projeto<br />
Imagem de detalhe das costas de um vestido do projeto A<br />
mão na moda<br />
Renda do Morro da Mariana<br />
p. 82<br />
p. 82<br />
p. 82<br />
p. 84<br />
p. 84<br />
p. 84<br />
p. 85<br />
p. 85<br />
p. 85<br />
p. 85<br />
p. 86<br />
p. 87<br />
p. 87<br />
p. 87<br />
p. 87<br />
p. 87<br />
p. 88<br />
p. 88<br />
p. 89<br />
p. 90<br />
p. 90<br />
p. 93
1.0 Palavras Iniciais<br />
O trabalho como designer em indústrias de confecção na<br />
cidade do Recife, Pernambuco, me trouxe um convívio com a<br />
dinâmica sócio-cultural que existe neste microcosmo. Percebi o<br />
grande paradoxo entre os trabalhadores, funcionários das<br />
indústrias e as comunidades do entorno das fábricas. (Vide<br />
Apêndice1)<br />
Apesar da qualidade de vida assemelhada entre esses dois<br />
públicos, ainda assim, um abismo os separa. De um lado, o<br />
público interno, funcionários de carteira assinada, o<br />
denominado chão-de-fábrica no jargão da indústria, criando<br />
produtos de moda, objetos de desejo que são revendidos nos<br />
maiores e melhores magazines. De outro, os moradores da<br />
comunidade que vivem sem um sistema sanitário. Servidos por<br />
poucas escolas, sofrem a violência interna das redes de tráfico<br />
que, nos dias de hoje, dominam o local. E também vivenciam<br />
uma violência externa, porque do outro lado da rua assistem a<br />
uma vida sonhada: emprego, carteira assinada, o tão desejado<br />
salário, além de vislumbrar as escolas particulares, repletas de<br />
recursos, carros importados, mães bem cuidadas, shoppings,<br />
todo um modo de vida inatingível para a sua condição social.<br />
Os habitantes dessas comunidades pobres são tomados de<br />
uma sensação de que jamais poderão banhar-se naquelas<br />
águas.<br />
Todos os dias os dois públicos se cruzam, tendo a violência e o<br />
medo como principal forma de contato entre eles. Os<br />
trabalhadores muitas vezes são submetidos a assaltos<br />
15
constantes, a poucos passos do portão da fábrica.<br />
Diariamente exposta a esse cotidiano, fui aos poucos levada a<br />
refletir sobre o papel que o designer vem desempenhando no<br />
contemporâneo, suas relações com o mercado e a sociedade, e<br />
me perguntava como ele poderia intervir em contextos como<br />
esse, marcados por tamanha desigualdade social.<br />
Buscar respostas para essas perguntas vem sendo minha<br />
principal motivação para escrever essa dissertação. Pensar a<br />
profissão de designer numa perspectiva social, em que a<br />
1<br />
conjuntura política revela-se desfavorável ao bem-estar<br />
humano, parece ser hoje um desafio proposto a todo<br />
pesquisador dessa área de conhecimento.<br />
"Abordar problemas sociais em projetos de Design não é um tema<br />
novo. (...) Mas nos coloca mais uma vez defronte da (...)<br />
necessidade de questionamento da ordem vigente (...) e de<br />
encararmos (...) o papel do designer como um formador de opinião<br />
com um discurso ativo na produção de contribuições significativas<br />
à sociedade". (COUTO & MARTINS, 2006)<br />
A questão social sempre esteve presente desde o início da<br />
formação do design, reaparecendo agora dentro de um outro<br />
contexto sócio-político, reinserindo-se no debate neste início<br />
de século XXI, e se tornando o foco das discussões que estão<br />
sendo realizadas. Apresentaremos alguns percursos e<br />
pensadores que discutiram este viés no design ao longo destes<br />
séculos, e os estudiosos brasileiros que levantam esta questão<br />
e a formulam como crucial para o futuro da profissão.<br />
Traremos essas discussões para pensar o Design, de forma<br />
mais abrangente, e o Design de Moda, mais pontualmente,<br />
1 bem-estar- Estado de satisfação plena das exigências do corpo e do espírito, conforto e<br />
tranqüilidade.<br />
16
HESKETT, John.<br />
(1937-)<br />
Graduou-se na<br />
London School of<br />
Economics e em<br />
1976, ganhou o<br />
prêmio<br />
Goldsmith´Travelling<br />
Fellowship pelo<br />
estudo do design<br />
alemão no século<br />
XX. É professor do<br />
Institute of Design<br />
da Unversidade de<br />
Illinois, em Chicago.<br />
Tem atuado como<br />
professor visitante em<br />
diversas universidades<br />
ao redor do mundo:<br />
Turquia, Japão,<br />
Chile, Alemanha,<br />
Dinamarcae<br />
Finlandia. Autor de<br />
vários livros<br />
importantes no<br />
estudo do Design.<br />
Suas pesquisas tem<br />
especial interesse em<br />
como o design cria<br />
valor econômico.<br />
buscando compreender como a moda pode contribuir com<br />
projetos práticos de produtos com uma visão social sistêmica.<br />
Verificamos que o design tem, ao longo da sua evolução<br />
histórica, procurado equilibrar as tensões entre continuar<br />
dentro de um modelo de produção e desenvolvimento que é<br />
artesanal ou mudar, evoluir para um novo modelo, com a<br />
inserção de maquinário e tecnologia, alterando o<br />
organograma da produção de objetos em geral. Estas<br />
passagens, de um modelo de produção para o outro,<br />
Artesanal/Industrial-Industrial/Artesanal, não são escolhas<br />
puras e simples de um grupo, elas fazem parte da evolução do<br />
design, cujo crescimento acontece de forma rizomática,<br />
abrangendo cada vez mais áreas, inserindo novos paradigmas<br />
na criação e absorvendo as diversas influências sociais,<br />
políticas, espaciais, temporais, psíquicas, ambientais,<br />
organizacionais e econômicas. Portanto, quando tratamos de<br />
Design, o tema da Revolução Industrial retorna, a nosso ver, e<br />
se torna uma obrigatoriedade mencioná-lo.<br />
Formado e configurado no seio dessas mudanças que levaram<br />
a primeira grande revolução dos meios produtivos que<br />
influenciaram a sociedade, o Design não pode prescindir da<br />
análise da evolução de suas conformações. (HESKETT, 1998, p. 7)<br />
Procuraremos dentro deste contexto, dar ênfase ao Design<br />
Social, que à primeira vista seria a concepção de objetos<br />
realizada com o viés amplo do pensamento social. Notamos<br />
que esta forma de olhar sempre esteve presente, e volta à<br />
tona, nos dias de hoje, reforçada pelos fatores sócio-ético-<br />
econômico-ambientais que se apresentam neste início de<br />
século XXI. Acreditamos que daqui por diante será cada vez<br />
17
mais difícil não concebermos o Design como Social; assim<br />
sendo, analisaremos este fenômeno de um ângulo já indicado<br />
por diversos historiadores e pensadores acrescido de algumas<br />
contribuições de leituras nossas.<br />
Nas palavras de John Heskett (1998, p. 8) "(...) as profundas<br />
mudanças provocadas pela industrialização têm sido<br />
examinadas considerando-se o design como fenômeno social".<br />
E, por isso mesmo, uma expressão da cultura, que convoca no<br />
designer responsabilidade e intervenção.<br />
Pretendemos delinear alguns conceitos de Design Social (DS),<br />
suas implicações e questões relevantes, como o resgate da<br />
cidadania e inserção social, no sentido de melhorar a<br />
compreensão do papel do designer no trabalho com<br />
comunidades. Segundo Heliana Soneghet Pacheco (1996, p. 56),<br />
é através da<br />
"(...) prática do DS com o interlocutor e a comunidade envolvida,<br />
que fica evidente a existência de um Design que projeta<br />
acontecimentos e produz coletivos sujeitos, e não comunidades e<br />
objetos de consumo."<br />
Ou seja, o diálogo travado entre o designer e a comunidade na<br />
construção de um projeto de design preocupado com os<br />
movimentos sociais advindos da sua implementação, e o<br />
designer e o cliente, interlocutor, que também será<br />
participante da construção do projeto, é fundamental para o<br />
crescimento destas comunidades. Fortalecem as relações entre<br />
os sujeitos e cria uma unidade de pensamento no grupo que<br />
ajuda a nortear a busca por uma solução harmônica. Assim, a<br />
18
probabilidade de sucesso de um projeto destes é bem maior.<br />
A criação de objetos, o desenvolvimento de projetos de<br />
produtos utilitários, reúne desde premissas intrínsecas a<br />
qualquer ser humano, como facilitar uma tarefa ou conseguir,<br />
por instrumentos, realizar uma tarefa, até construir um meio<br />
ambiente sócio-ético mais justo e saudável através do<br />
processo do design. Quando o ser humano necessitou de um<br />
instrumento que facilitasse a caça de animais, nos primórdios,<br />
desenvolveu a lança: pedra lascada atada com cipós ou pele<br />
de animais a um galho. Mesmo que esse desenvolvimento,<br />
essa criação, viesse a contribuir com o bem-estar social da sua<br />
comunidade, fomentando o seu crescimento e<br />
desenvolvimento, este, talvez, não fosse o foco principal. Hoje<br />
em dia, não podemos negar que o é. Não é mais possível<br />
conceber projetos sem analisar a influência da função social<br />
destes, mesmo que estes estejam sujeitos à "(...) pluralidade<br />
das forças e influências que moldaram suas formas e<br />
caracterizaram seu papel social". (HESKETT, 1998, pp.8-9)<br />
Em muitos projetos, a função social destes não é analisada na<br />
fase de planejamento, ela ocorre como conseqüência natural.<br />
A dicotomia entre forma e função, e qual dos dois deve<br />
prevalecer num projeto é uma questão que exige reflexão.<br />
Para nós, ambas, seguem o contexto social. Apesar das<br />
mudanças e evoluções inevitáveis em qualquer projeto, o foco<br />
deve garantir a coesão e idoneidade deste.<br />
Concordamos com Heskett (op. cit.) quando ele se baseia "(...)<br />
na crença de que a diversidade do design exige uma<br />
consideração de seus vários papéis e funções", ou seja, por<br />
mais preciso que seja o recorte realizado sobre um tema, em<br />
uma pesquisa de design, não podemos deixar de abordá-lo<br />
19
MARGOLIN, Victor.<br />
É pesquisador e<br />
professor adjunto de<br />
História do Design da<br />
<strong>Universidade</strong> de Illinois<br />
(Chicago). Suas<br />
primeiras publicações<br />
foram na “Jester” a<br />
revista de humor do<br />
Colégio de Columbia<br />
em Nova York. Depois<br />
da graduação, teve<br />
vários empregos. Por<br />
volta dos 30 anos<br />
iniciou uma carreira<br />
acadêmica que o levou<br />
a ser o primeiro PhD<br />
em história do design<br />
nos Estados Unidos.<br />
MARGOLIN, Sylvia.<br />
É Professora<br />
aposentada da<br />
Governor's State<br />
University em Chicago,<br />
ela lecionou no<br />
College of Health<br />
Professions, Trabalho<br />
Social. Além do<br />
Queens College, CUNY,<br />
1965., New York<br />
University, 1974 e da<br />
University of Illinois<br />
em Chicago, 1995<br />
nas suas múltiplas facetas.<br />
Cabe ao designer determinar dentro das condições<br />
apresentadas pelo cenário (fatores econômicos, físicos,<br />
políticos, climáticos, psicológicos etc.) a melhor adequação:<br />
ouvir as várias partes, equilibrar as fraquezas e oportunidades,<br />
gerar um projeto viável que reflita uma harmonia, desde a<br />
concepção até o descarte ou a reutilização dos produtos<br />
gerados, e lidar ainda com as mudanças sociais que causam e<br />
podem causar transformações ou mudanças nos sujeitos<br />
envolvidos direta ou indiretamente no projeto.<br />
Os projetos de design podem ser potencializados e<br />
influenciados por uma série de efeitos: desde decisões<br />
comerciais e políticas passando pelo contexto organizacional<br />
da empresa em que o designer atua, pela disponibilidade da<br />
matéria, as instalações e até "por conceitos sociais e estéticos<br />
predominantes: a variedade de condições possíveis é imensa."<br />
(HESKETT, 1998, p. 10)<br />
Assim, esta dissertação pretende contribuir com uma<br />
discussão sobre a atuação dos designers, e minimizar a<br />
ausência de pesquisas nessa área. Conforme aponta o casal<br />
Margolin:<br />
"Uma razão pela qual não existe mais suporte a serviços de design<br />
social é a ausência de pesquisas que demonstrem como um<br />
designer pode contribuir para o bem-estar humano". (MARGOLIN &<br />
MARGOLIN, 2004, p. 46)<br />
No que diz respeito ao trabalho desenvolvido pelo designer de<br />
1<br />
moda, acreditamos que o fator bem-estar é o primordial. O<br />
conforto físico que deve ser proporcionado pelas roupas, o<br />
20
PEVSNER, Nikolaus<br />
(1902-83)<br />
Nascido na Alemanha.<br />
Foi Historiador da<br />
arquitetura inglesa.<br />
Sob o efeito de<br />
Heinrich W ö lfflin,<br />
Pevsner afirmou em<br />
muitos trabalhos seus<br />
que a arte deve ser<br />
considerada dentro<br />
do seu contexto<br />
histórico e social. Um<br />
dos maiores críticos<br />
da arquitetura do<br />
século 20.<br />
psíquico que inclui o sentir-se bem, e, acima de tudo, o social,<br />
que implicitamente está ligado à questão econômico-<br />
ambiental e circunscreve enfim o projeto destas roupas.<br />
O sistema produtivo de roupas sempre esteve diretamente<br />
ligado aos padrões sociais e econômicos, às formas de<br />
produção e ao desenvolvimento das populações. A questão da<br />
produção de têxteis e confecção de roupas sempre esteve<br />
atrelada aos processos produtivos e tecnológicos, que foram<br />
se modificando ao longo do tempo. Não discutiremos neste<br />
trabalho os valores simbólicos desses processos de apropriação<br />
e modificação de valor pela sociedade através das vestimentas.<br />
Nosso interesse é abordar apenas como a produção de roupas,<br />
moda e acessórios faz parte do disparador (starter) das<br />
mudanças nos processos produtivos que transformaram e<br />
continuam a transformar a sociedade como um todo.<br />
Além disto, os produtos de moda (roupas e acessórios) sempre<br />
estiveram na ponta das evoluções tecnológicas que marcaram<br />
o final do século XVIII, onde ocorreram as principais evoluções<br />
na indústria de fiação e tecelagem, como nos confirma Pevsner<br />
ao afirmar que "(...) a indústria têxtil era um dos sustentáculos<br />
da produção industrializada". (PEVSNER,1995, p.32)<br />
Esta é a razão da necessidade de pesquisas no campo do<br />
design de moda serem efetuadas no Brasil, trazendo para<br />
nosso cenário as questões pertinentes à criação, produção,<br />
inovação, geração e disseminação de conhecimentos da<br />
metodologia do design aplicada a produtos de moda. Para<br />
tanto, ao final de nosso trabalho relataremos um caso prático<br />
de notório sucesso, do qual pretendemos extrair algumas<br />
reflexões sobre projetos de design de moda que se<br />
21
constituem a partir de uma abordagem social.<br />
Acreditamos ser este um processo-chave, para a atuação dos<br />
designers na realidade sócio-política-econômica e ambiental<br />
do nosso país. Nas palavras de Victor Margolin:<br />
"Quando reconhecemos nossa relação com o social como parte de<br />
nossa relação com o design, encontramos (...) história, teoria e<br />
crítica, assuntos centrais". (MARGOLIN, 2001, p. 58)<br />
Estes três campos, história, teoria e crítica, se entrelaçam e<br />
funcionam como pilares para a formulação de um percurso<br />
possível para o designer de moda.<br />
Exposição A Mão na Moda - 2001<br />
22
Papel de parede de<br />
William Morris c.1897.<br />
Típico do Arts and<br />
Crafts movement.<br />
2.0 O Movimento Arts & Crafts e sua atualidade<br />
"Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida.<br />
Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um".<br />
Fernando Sabino<br />
A referência histórica é necessária por dois fatores: o primeiro,<br />
porque nos faz percorrer as evoluções e os encaixes que foram<br />
sendo feitos ao longo do tempo, e encontrar os acertos para<br />
inová-los e ajustá-los à nossa realidade e preocupações atuais.<br />
Evitando, assim, o acúmulo de erros sucessivos.<br />
"Portanto, só o resgate histórico nos possibilitará conhecer as<br />
origens e os percursos desenvolvidos para melhor compreender e<br />
analisar o presente e poder vislumbrar e prospectar o futuro."<br />
(MOURA, 2002, p. 10)<br />
O segundo fator é que esse movimento é considerado como<br />
marco fundamental no estudo do design. A influência e a<br />
interdependência dos fatos geradores daquele cenário, além<br />
da interação com as mudanças sociais e culturais que<br />
marcaram sua eclosão, são sentidas e analisadas até os nossos<br />
dias.<br />
O movimento Arts & Crafts (Artes e Ofícios) surgiu na<br />
Inglaterra, nos últimos anos do século XIX, encabeçado por<br />
dois artistas, arquitetos e pensadores do seu tempo, William<br />
Morris e John Ruskin, que se preocupavam com a procura de<br />
uma estética significativa e autêntica. Por trás desta busca<br />
estética, havia uma enorme preocupação com os fatores<br />
sociais envolvidos e as conseqüências político-econômicas<br />
advindas das relações de trabalho.<br />
23
MORRIS, William.<br />
(1834-1896)<br />
Poeta, romancista e<br />
editor inglês, cria em<br />
1861 o ateliê Morris,<br />
Marshall, Faulkner &<br />
Co., que se torna a<br />
fonte do Movimento<br />
Arts & Crafts (Artes e<br />
Ofícios).<br />
RUSKIN, John.<br />
(1819-1900)<br />
Pensador, crítico e<br />
educador inglês, autor<br />
de diversos títulos<br />
entre eles os cinco<br />
volumes de Modern<br />
Painters (Pintores<br />
Modernos) e os três<br />
The Stones of Venice<br />
(As pedras de Veneza).<br />
Desde os seus primórdios o design manteve uma preocupação<br />
intrínseca com o bem-estar social. Em muitos momentos na<br />
história porém, o entusiasmo com a evolução da tecnologia e<br />
as ferramentas utilizadas nos processos produtivos,<br />
encobriram ou mascararam essa preocupação. Ora os<br />
resultados financeiros obtidos eram o foco, ora a preocupação<br />
estética, a forma dos objetos, era o centro das atenções, mas<br />
as relações entre os trabalhadores e o meio-ambiente, entre os<br />
produtos e os dejetos, era ignorada, relegada a segundo<br />
plano.<br />
Enfim, em relação aos questionamentos sobre o papel do<br />
designer, no contexto do século XIX, e que retornam hoje em<br />
dia, com nova roupagem, nos cabe trazê-los à baila,<br />
ampliando as discussões e indicando alguns caminhos<br />
possíveis a serem trilhados em cenários futuros.<br />
De acordo com Sylvia e Victor Margolin (2004, p.43),"Desde a<br />
Revolução Industrial, o paradigma de design dominante tem<br />
sido o de desenhar para o mercado.” O designer atuava como<br />
parte do sistema que era submetido à indústria, segundo os<br />
ditames dos industriais e fabricantes. Igualmente ao que<br />
ocorre na moda prêt-à-porter, que desde a sua criação, se<br />
volta para a produção industrial.<br />
Cabe então nos perguntarmos: à medida que a produção em<br />
massa começa a ser processada, onde vai parar o artesão?<br />
Qual a sua função dentro desta nova cadeia produtiva que<br />
está se formando? E qual a função dos projetistas, dos<br />
designers que criam estes novos produtos para uma produção<br />
tecnológica, em série e de escala industrial?<br />
24
CARDOSO<br />
Denis, Rafael.<br />
PhD em história da<br />
arte pela<br />
<strong>Universidade</strong> de<br />
Londres Courtauld<br />
Institute of Art e<br />
professor do<br />
departamento de<br />
Artes & Design da<br />
Pontifícia<br />
<strong>Universidade</strong><br />
Católica, Rio de<br />
Janeiro.<br />
Augustus Welby<br />
Northmore<br />
Pugin (1812-<br />
1852)<br />
Arquiteto, designer<br />
das artes<br />
decorativas ,teórico<br />
e crítico. Sua<br />
percepção em<br />
todos estes campos<br />
sempre foi liderada<br />
por sua fé Católica.<br />
Segundo Cardoso (2004, p. 72),<br />
"A filosofia do movimento Arts and Crafts girava em torno da<br />
recuperação dos valores produtivos tradicionais defendidos por<br />
Ruskin (...)Os integrantes do movimento buscavam promover uma<br />
maior integração entre projeto e execução, uma relação mais<br />
igualitária e democrática entre os trabalhadores envolvidos na<br />
produção, e uma manutenção de padrões elevados em termos de<br />
qualidade de materiais e acabamento (...)"<br />
As empresas, entre oficinas e indústrias, buscavam na época<br />
um estilo que agradasse ao mercado consumidor. Esta busca<br />
de padrões reproduzíveis suscitou as críticas dos designers que<br />
viam na Revolução Industrial um viés trágico, destruidor da<br />
criação, dos valores estéticos, e por fim dos valores sociais dos<br />
artesãos, que não mais eram considerados como parte<br />
integrante do processo, mas relegados à margem deste.<br />
Este foi um dos pontos principais das críticas à Revolução<br />
Industrial, que promoveu a mobilidade social apenas à classe<br />
dos fabricantes, e condenou à perda de prestígio e estabilidade<br />
os mestres-artesãos e seus aprendizes. Por ironia, um dos<br />
motivos também das críticas, e conseqüente falha do<br />
Movimento Arts & Crafts, pois os objetos gerados pelas<br />
oficinas e empresas, que eram contra a Industrialização,<br />
tornavam-se inacessíveis à maioria da população, por serem<br />
demasiadamente caros. Problema que vemos ainda se repetir<br />
na contemporaneidade.<br />
Ainda assim, enxergamos que uma concepção do que hoje<br />
denominamos Design Social, começou a ser levantada por John<br />
Ruskin e ampliada por William Morris, iniciada através das<br />
críticas e ironias de A. W. N. Pugin.<br />
25
The Crystal Palace at<br />
Sydenham Hill,<br />
London. Designed por<br />
Sir Joseph Paxton for<br />
the Great.<br />
(créditos: BBC Hulton<br />
Picture Library)<br />
http://images.google.<br />
com.br/imgres?imgurl<br />
=http://content.answ<br />
ers.com/main/content/<br />
wp/en-commons/<br />
thumb/ c/c4/300px-<br />
Crystal_Palace.<br />
PNG&imgrefurl=http:<br />
//www.answers.com/t<br />
opic/crystal-palace&h<br />
=215&w=300&sz=8<br />
5&hl=pt-BR&start=<br />
1&um=1&tbnid=8lxY<br />
2D7bbhT7SM:&tbnh=<br />
83&tbnw=116&prev<br />
=/images%3Fq%3Dcri<br />
stal%2Bpalace%2Bexi<br />
bition%26um%3D1%<br />
26hl%3DptBR%26clie<br />
nt%3Dfirefox-a%26<br />
channel%3Ds%26rls%<br />
3Dorg.mozilla:pt-BR<br />
:official%26sa%3DG<br />
"A discussão do design na Inglaterra do século XIX foi dominada<br />
pela tensão entre uma demanda constante e cada vez maior de<br />
artigos com tradição de produção artesanal, como móveis, objetos<br />
de cerâmica e de metal, e a criação de uma produção<br />
comercializada que se apropriou das formas e valores do passado e<br />
os modificou, tornando-os acessíveis a parcela maior da<br />
população." (HESKETT, 1998, P. 19)<br />
A crítica que se seguiu foi tão radical aos acontecimentos<br />
gerados a partir deste início de produção em série, e das<br />
mudanças acarretadas por ele, que chegaram ao ponto de<br />
indicarem "(...) uma condenação total da indústria e seus<br />
produtos, apontando para o custo humano e sacrifício<br />
envolvidos num sistema social que exigia e produzia esses<br />
bens." (HESKETT, 1998, p. 20)<br />
A Exposição de 1851 foi a coroação e a constatação de todo o<br />
equívoco ocorrido durante o processo de industrialização e<br />
massificação da produção; ali estavam, lado a lado, o pior de<br />
todas as nações, junto da mais alta tecnologia até então<br />
desenvolvida pelo ser humano. (PEVSNER, 1974, p. 28)<br />
Poderíamos dizer que foi a reação ao visual grotesco dos<br />
objetos exibidos na exposição de 1851 que fez surgir o<br />
movimento Arts and Crafts. A banalização e o exagero além da<br />
falta total de sensibilidade e mínimo conhecimento "em<br />
relação às formas, materiais, aos padrões decorativos".(PEVSNER,<br />
1974, p. 29)<br />
O mau gosto, a cópia mera e simples da artesania pelas<br />
máquinas, sem o menor pudor, a menor acuidade, o menor<br />
senso estético, chocou os visitantes da exposição. O grande<br />
impacto é que o mesmo fenômeno se repetia em todos os<br />
26
COLE, Henry.<br />
(1808-1882)<br />
Sir Henry, começou a<br />
carreira no serviço<br />
público. Foi membro<br />
da Royal Society for<br />
the Encouragement<br />
of Arts, Manufactures<br />
and Commerce (RSA).<br />
Em algumas<br />
pesquisas lhe é<br />
creditado o design do<br />
primeiro selo do<br />
mundo o Penny<br />
Black. Foi<br />
organizador de várias<br />
exposições, e<br />
incubido pelo príncpe<br />
Albert de organizar a<br />
The Great Exhibition<br />
of the Works of<br />
Industry of all<br />
Nations no The<br />
Crystal Palace no<br />
Hyde Park,<br />
Londres,<br />
de 1 Maio a 15<br />
Outubro de 1851.<br />
pavilhões, nas exposições de todas as nações que ali se viam<br />
representadas. Algumas perguntas se mostraram necessárias:<br />
Por que a arte foi tão esquecida? Por que os artesãos foram<br />
menosprezados, e os seus produtos desqualificados? Estas<br />
mesmas perguntas ressoam na maioria das ONG´s<br />
recentemente criadas para ajudar os artesãos de hoje a<br />
resgatar a sua cidadania, a sua dignidade e a sua fonte de<br />
renda.<br />
O ideal de melhoria dos padrões aplicados na indústria estava<br />
intimamente ligado à concepção das belas artes. Morris e<br />
Ruskin acreditavam que com a apreensão das belas artes pela<br />
população, o bom gosto, o bom senso estético poderia ser<br />
disseminado, e conseqüentemente a exigência de produtos<br />
com design forçaria uma mudança de direcionamento na<br />
produção. "A convicção de que o aperfeiçoamento poderia ser<br />
efetuado por meios estéticos produziu diversas propostas<br />
práticas". (HESKETT, 1998, p. 20)<br />
O Journal of Design, editado por Henry Cole, um dos<br />
promotores da Grande Exposição de 1851 frisava em um dos<br />
seus artigos: "Se o público é incapaz de apreciar a excelência,<br />
decerto não poderemos convocar o fabricante a produzi-la por<br />
um sacrifício." (HESKETT, 1998, p. 23)<br />
Aliás, diga-se de passagem, esta excelência é perseguida e<br />
cobrada até os nossos dias, principalmente quando se trata do<br />
sistema da moda. A moda demanda a cada estação uma nova<br />
tendência, uma nova cartela de cores, uma nova inspiração. O<br />
desejo pelo novo, pelo inédito, é o que impulsiona as<br />
engrenagens do sistema.<br />
27
Para nós, mencionar o movimento Arts and Crafts é<br />
extremamente importante, porque ele foi o disparador do<br />
pensamento social para o design, momento em que os<br />
maiores pensadores do design viram uma conexão entre os<br />
processos produtivos, a alocação da mão de obra numa cadeia<br />
industrializada e a condição social destes trabalhadores.<br />
2.1 O papel do Designer ontem<br />
Foi William Morris quem trouxe a renovação do desenho do<br />
artefato, com planejamento, acuidade e estética. Ele anteviu e<br />
divulgou através de seu esforço pessoal e profissional a união<br />
entre o artesão e o designer. Os artistas deveriam ser<br />
transformados em artesãos-designers. Para tanto, o designer<br />
aprenderia com os técnicos e artesãos e estes aprenderiam<br />
com os designers. A educação e o treinamento dos operários<br />
eram vistos como uma forma de aprimorar o design<br />
produzido. Embora, muitos donos de oficinas e fabricantes,<br />
não concordassem com isto. (PEVSNER, 1974, p. 36)<br />
A revolução na sensibilidade que floresceu a partir de Ruskin e<br />
Morris, e seus companheiros no movimento idealista, mudou<br />
as concepções de criação com a incorporação da metodologia<br />
FRY, Edwin Maxwell.<br />
criativa, com a apreciação dos talentos e a participação do<br />
(1899-1987)<br />
Britânico, Graduou-se<br />
criador em toda a sequência do processo produtivo desde a<br />
arquiteto na School of<br />
Architecture da<br />
origem, criação, até a conclusão do trabalho (produto<br />
University of acabado). Este processo carregava ainda uma preocupação na<br />
Liverpool. Foi um dos<br />
arquitetos que manutenção da dignidade e do papel dos artesãos e<br />
instituiu as sólidas<br />
fundações para o trabalhadores das indústrias e oficinas envolvidas. (FRY, 1976, p.<br />
Modernismo britânico<br />
se expandir.<br />
54)<br />
28
KAZAZIAN,<br />
(1961)<br />
Thierry<br />
O designer francês<br />
diplomado pela<br />
Domus Academy de<br />
Milão, é considerado<br />
a primeira voz a falar<br />
sobre o Ecodesign na<br />
França. Em 1988<br />
tornou-se um dos<br />
fundadores da O2,<br />
primeira rede<br />
internacional de<br />
designers que<br />
trabalham para um<br />
desenvolvimento<br />
sustentável. Hoje, a<br />
O2 France acompanha<br />
empresas em sua<br />
abordagem de<br />
desenvolvimento<br />
sustentável,<br />
traduzindo-a para o<br />
espírito de cada<br />
atividade - produtos e<br />
serviços -,<br />
notadamente graças à<br />
ecoconcepção. Entre<br />
elas: Alcatel, Danone,<br />
Lafuma, Legrand,<br />
LVMH, Monoprix,<br />
Steelcase etc.<br />
O ideário de William Morris trouxe à tona uma preocupação<br />
com as pessoas envolvidas diretamente nos processos<br />
produtivos de bens. As mudanças no pensamento da<br />
humanidade alavancaram as mudanças "no campo das idéias<br />
sociais".<br />
Em pleno século XXI temos a tecnologia digital invadindo cada<br />
vez mais os meios produtivos e o quotidiano das pessoas e<br />
mais uma vez no outro lado da balança a questão social se<br />
contrapõe. Ela aparece, como que se impondo à sociedade,<br />
cobrando dela, através de um avanço terrível da violência<br />
urbana, um pouco dos ganhos que a elite absorveu com a<br />
chegada das facilidades da tecnologia digital. Entendendo<br />
aqui elite como produtores e consumidores dos bens<br />
industrializados.<br />
No início do século XIX, coube a Ruskin (2004, p. 21) produzir os<br />
primeiros textos em tom de crítica ecológica que se conhece.<br />
Trazendo o problema instaurado para humanidade neste início<br />
de século XXI pela produção inconseqüente. Kazazian (2005, p.<br />
14) nos mostra que Ruskin pode ter sido o primeiro pensador<br />
desta tragédia, e Morris seu primeiro ativista, que buscava com<br />
seu exemplo e trabalho reverter o estado de coisas que se<br />
apresentava.<br />
"Hostil à Revolução Industrial e ao capitalismo, que, de seu ponto<br />
de vista, favorecem mais a produtividade que a qualidade e a<br />
estética, William Morris poeta, romancista e editor inglês cria em<br />
1861 o ateliê Morris, Marshall, Faulkner & Co., que se torna a fonte<br />
do movimento Arts & Crafts, cuja ambição é embelezar o meio<br />
ambiente cotidiano pelas artes da decoração". (KAZAZIAN, 2005, p.<br />
14)<br />
29
Esta seria uma visão simplista, redutora das verdadeiras<br />
intenções do trabalho de Morris, embelezar, trazer senso<br />
estético e discernimento crítico à população sobre os objetos,<br />
era apenas uma das facetas de seu trabalho.<br />
Mas concordamos com Kazazian (2005, p. 14) quando, sobre<br />
Morris, afirma que "ele considera que a indústria gera uma<br />
perda de controle do criador sobre a produção e desfigura os<br />
objetos cotidianos (...)". É bem verdade que o artesão que<br />
controlava desde a concepção até a comercialização dos<br />
objetos na era do artesanato, com a industrialização, era<br />
determinado a atuar apenas numa pequena etapa da criação<br />
desde objeto. Atuando numa produção dividida em etapas<br />
cada vez menores e fazendo parte de uma equipe cada vez<br />
maior de trabalhadores. A conseqüência era a perda de<br />
contato do criador sobre o produto final. O designer, que<br />
surge neste cenário, trabalha longe, muitas vezes, física e<br />
intelectualmente desta equipe produtiva que é um dos pontos<br />
de crítica, de Morris, sobre este processo. Porém esta,<br />
também, se torna uma parte preponderante na própria<br />
definição da profissão de designer.<br />
De novo concordamos com Kazazian (2005, p. 14), quando traz<br />
a questão inicial do surgimento do Design como disciplina<br />
formatada como conhecemos hoje, e a credita a Morris.<br />
"William Morris quis transformar o ambiente de seus<br />
contemporâneos juntando, sem distinção, artes menores e<br />
maiores. Trata-se do primeiro nascimento do Design".<br />
30
Segundo Cardoso (2004, p. 69), "William Morris deu início a uma<br />
série de empreendimentos comerciais que iriam divulgar a<br />
importância do designer de forma inédita." Através de suas<br />
companhias procurava tratar o desenvolvimento de produtos<br />
como uma missão de vida e, com ela, alcançar um bem maior<br />
para toda população.<br />
Morris tinha como missão reorganizar os meios produtivos e<br />
os personagens neles envolvidos de uma forma coerente, que<br />
tanto os designers, os artesãos, os fabricantes e os<br />
trabalhadores das indústrias tivessem um papel digno e<br />
valorizado, atuando em conjunto para o benefício da maior<br />
parcela da população.<br />
Para Margolin (2001, p. 60),<br />
"Como pensador, Morris conseguiu ter enorme ascendência sobre<br />
designers, educadores e teóricos, por ter articulado tão<br />
poderosamente a sua oposição à racionalidade técnica da sua<br />
época. Seus argumentos se mantêm persuasivos quando nos<br />
esforçamos para conferir sentido à turbulência atual da inovação<br />
tecnológica."<br />
Portanto, 158 anos após suas primeiras ações para mudar a<br />
forma como a sociedade dispunha da tecnologia, as idéias e<br />
reflexões de William Morris difundidas através do Arts and<br />
Crafts Movement parecem ainda pertinentes, e merecem ser<br />
retomadas e repensadas.<br />
31
2.2 Concepção artesanal, concepção industrial<br />
Quando nos dispomos a fazer algo, por exemplo, um bolo,<br />
juntamos todos os seus componentes, e ao final, o produto<br />
resultante, é completamente diferente em aparência, cor,<br />
cheiro e sabor de todos os ingredientes que utilizamos. Nós<br />
modificamos a forma destes componentes para criarmos um<br />
produto de nosso interesse.<br />
O mesmo acontece com o artesanato, os produtos<br />
manufaturados e os industrializados. Ao darmos uma nova<br />
forma aos componentes, imprimindo o nosso trabalho,<br />
transformando-os em objetos úteis, etimologicamente,<br />
estamos in-formando estes componentes, não apenas<br />
enformando (colocando em uma fôrma), mas transformando<br />
os componentes em objetos através dos processos. A criação<br />
de objetos utilitários, decorativos, ritualísticos vem<br />
acompanhando a humanidade desde sua pré-história.<br />
A partir do início do século XIX a crescente busca por artigos<br />
com um preço acessível, pela parcela da população em<br />
ascensão financeira, e a busca dos fabricantes em conceber<br />
produtos baratos com "cara" e jeito de produtos caros e<br />
exclusivos levou à destruição dos valores estéticos e artísticos<br />
destes objetos. Tornando-se apenas um fator comercial, na<br />
concepção deles. A reprodução de padrões e designs (aqui<br />
empregamos a palavra como ornamentos) clássicos da realeza,<br />
eram aplicadas para aumentar o interesse e o preço de<br />
utilitários comuns, o que se tornou uma febre, e um ideal<br />
perseguido pelas oficinas e fábricas que se formavam.<br />
32
SEMPER, Gottfried.<br />
(1803 - 1879)<br />
Um dos mais<br />
importantes<br />
arquitetos alemães do<br />
século XIX. Além de<br />
teórico foi professor<br />
da Academia de<br />
Dresden e diretor da<br />
seção de arquitetura<br />
da Escola Politécnica<br />
de Zurich e<br />
cofundador do<br />
Museum South<br />
Kesington, projeto<br />
que pretendia unificar<br />
arte e indústria.<br />
Desde o seu início o Design sempre estabeleceu um diálogo<br />
entre arte, artesanato e processos industriais de (re)produção.<br />
"Os escritos do alemão Gottfried Semper definiram uma teoria<br />
estética que aceitava a inevitabilidade da industrialização e<br />
confrontava os problemas da inter-relação entre arte e indústria."<br />
(HESKETT, 1998, p. 27)<br />
Ou seja, o Design surgiu para ser um solucionador destes<br />
problemas.<br />
"No artesão combinam-se três atividades, de artista, produtor<br />
e vendedor" (HESKETT, 1998, p. 90). O artesão, que era a mente<br />
por trás da criação, responsável pelo cuidado construtivo,<br />
havia praticamente desaparecido com o final da era que se<br />
chamou do artesanato e o início da era industrial. Agora nas<br />
fábricas quem atuava na produção, praticamente não tinha<br />
outro contato com os produtos desenvolvidos, a não ser os<br />
demandados durante alguma fase da produção. Os<br />
trabalhadores não emitiam opinião sobre o desenvolvimento<br />
dos produtos; o trabalho tornara-se completamente<br />
impessoal, frio e mecanicista. Cada um só respondia pela<br />
parte que lhe cabia no processo perdendo a visão e o contato<br />
com o todo fabril. A qualidade estética destes produtos<br />
dependia exclusivamente dos dirigentes das fábricas,<br />
"fabricantes incultos", segundo Pevsner (1980, p. 32).<br />
Cardoso (apud MOURA, 2002, p. 12) nos explica que<br />
"a diferença entre design e artesanato reside justamente no fato<br />
de que o designer se limita a projetar o objeto para ser fabricado<br />
por outras mãos ou, de preferência, por meios mecânicos."<br />
33
A pegada ecológica e o<br />
seu método de cál-<br />
culo foi desenvolvido<br />
através da tese de<br />
doutorado do prof. PhD<br />
Mathis Wackernagel<br />
sob a orientação do<br />
Prof. William Rees na<br />
University of British<br />
Columbia em<br />
Vancouver, Canadá<br />
(1990-1994). Ela é<br />
uma medida de<br />
impacto das ações<br />
humanas no ambiente<br />
natural que nos<br />
sustenta. A pegada<br />
exprime a área de terra<br />
e mar que é necessária<br />
para nos alimentar,<br />
fornecer recursos,<br />
produzir energia,<br />
assimilar resíduos, e<br />
re-absorver os gases<br />
produzidos pelo uso<br />
de combustíveis<br />
fósseis. O cálculo usa a<br />
terra como “moeda” e<br />
oferece uma noção<br />
para visualização, o<br />
denominado hectare<br />
global (gha) (uma área<br />
equivalente a um<br />
hectare normal, mas<br />
ajustado para<br />
produtividade global<br />
média) para assim<br />
quantificar a área<br />
necessária para dar<br />
suporte a um<br />
indivíduo, uma<br />
comunidade ou à<br />
população de uma<br />
nação nos seus<br />
padrões atuais de vida.<br />
E também pode ser<br />
utilizada para medir o<br />
impacto da fabricação<br />
de um produto.<br />
Calcule a sua!<br />
http://www.earthday.net/Footprint/index.asp<br />
O designer estaria, assim, afastado da produção em si mesma.<br />
O artesão criava, produzia e operava em todas as fases do<br />
processo produtivo, fosse o resultado deste processo um par<br />
de sapatos, um terno, uma roupa, um outro artefato qualquer.<br />
Deste modo ele era um conhecedor de todas as fases do<br />
processo, e de seus desenvolvimentos. Auxiliado apenas por<br />
ferramentas elementares, e seus aprendizes, estes processos<br />
eram demorados e os produtos quase sempre exclusivos. Com<br />
o advento das máquinas, (a vapor e elétricas), surgiram os<br />
profissonais, especialistas ou especializados, em certas etapas<br />
do processo produtivo. O operador ou colaborador participava<br />
apenas de alguma parte do processo, perdendo assim a noção<br />
de todo o processamento até o produto final. Isto faz parte da<br />
visão mecanicista da divisão do trabalho em etapas<br />
especializadas. Este procedimeto visa melhorar a qualidade<br />
final e reduzir o tempo total de produção do bem, para<br />
rapidamente o produto estar à disposição do mercado<br />
consumidor, ou seja, dos clientes. A era da produção em<br />
massa ou em série instalava-se. Havia então, muito desperdício<br />
de toda ordem. Expoente dessa era, Henry Ford tinha uma<br />
frase típica: "extraimos a matéria-prima no sábado; na terça-<br />
feira o cliente já recebeu o carro." (PALADINI, 2006, p.62)<br />
No final do século XVIII as mudanças no pensamento da<br />
humanidade e a aceleração técnica com a rápida evolução dos<br />
processos de manufatura que influenciaram e foram<br />
influenciados inclusive pelas mudanças religiosas, trouxeram à<br />
tona uma "compreensão da missão mundial" do designer,<br />
segundo Pevsner (1980, p.37), e principalmente "dos valores<br />
éticos do trabalho quotidiano". Esta talvez seja a primeira pista<br />
do espírito daquele tempo que vemos presente neste final de<br />
34
MAGALHÃES, Aloísio.<br />
(1927-1982)<br />
Designer, artista<br />
plástico, político, foi<br />
um dos fundadores da<br />
Escola Superior de<br />
Desenho Industrial e<br />
desempenhou papel<br />
fundamental no<br />
quadro da produção e<br />
divulgação do design<br />
no Brasil. Ao longo dos<br />
anos que se seguiram,<br />
poucos infelizmente,<br />
Aloísio Magalhães<br />
trabalhou como nunca<br />
para traçar um projeto<br />
de um novo Brasil.<br />
século XX e início de século XXI: a retomada das discussões<br />
sobre ética, trabalho e meio ambiente, formas de produção<br />
limpa e preocupadas com a pegada ecológica e o futuro da<br />
biosfera para as próximas gerações. Estas discussões, mais<br />
uma vez, são impulsionadas pelas mudanças no pensamento<br />
da humanidade e a expansão da tecnologia digital.<br />
A partir do momento em que o designer toma consciência do<br />
seu papel de interventor no social, e direciona os seus esforços<br />
para atuar na missão de promover o bem-estar respeitando os<br />
limites e a perenidade do meio ambiente, muda<br />
completamente a perspectiva de atuação deste designer.<br />
Conforme nos alertou Aloísio Magalhães em seu discurso, na<br />
comemoração de 15 anos da ESDI, em 1977:<br />
"Transitamos num espectro amplo de diversidade de saberes e de<br />
situações muito distanciadas: da pedra lascada ao computador.<br />
Não estarão aí algumas indicações de uma reconceituação da<br />
atividade? Não será esta a tarefa que deveremos fazer?"<br />
(MAGALHÃES 1998, p. 12)<br />
Repensar o design e pensar em projetar com uma perspectiva<br />
voltada para o social, reconsiderar a abrangência das ações do<br />
design enquanto profissão, principalmente no Brasil, quando<br />
a conjuntura social, política e econômica é desfavorável ao<br />
bem-estar humano, é uma das tarefas do pesquisador.<br />
http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.fibra-ds.com/Images/logo_esdi<br />
.gif&imgrefurl=http://www.fibra-ds.com/empresa.htm&h=78&w=90&sz=1&hl=pt-BR&start=<br />
84&tbnid=XlJFGeRe3-sh_M:&tbnh=68&tbnw=78&prev=/images%3Fq%3Desdi%2Brio%2Bde%2B<br />
janeiro%2Bbrasil%26start%3D80%26gbv%3D2%26ndsp%3D20%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN<br />
35
2.2.1 A concepção Digital<br />
Nas palavras de Victor Margolin (1994, p. 10): "estaremos<br />
verdadeiramente no meio de uma mudança comparável à<br />
troca da cultura agrária pela Idade da Máquina? Ele, em seu<br />
FLUSSER, Vilém.<br />
(1920-1991)<br />
Nascido em Praga,<br />
viveu no Brasil de 1964<br />
a 1976. Lecionou<br />
artigo "A Idade da Comunicação: um Desafio para designers",<br />
acreditava que estamos.<br />
36<br />
filosofia da Ciência<br />
como prof. Convidado<br />
O primeiro ponto de contato entre estes dois momentos<br />
na Escola Politécnica<br />
da USP. Foi um dos<br />
históricos dá título a este capítulo: a concepção artesanal e a<br />
fundadores do curso concepção industrial. Para os defensores e entusiastas do<br />
de Comunicação Social<br />
da FAAP.<br />
processo industrial, os processos manuais foram relegados a<br />
segundo plano. Encontramos no início do século XIX, a<br />
situação em que se produzia em excesso, comprava-se em<br />
excesso, mas tudo sem qualidade e com grande desperdício. A<br />
população então crescia num ritmo alucinante e a educação<br />
ficava a desejar, consumidores vorazes e incultos foram vítimas<br />
desta espiral de erros e conseqüências.<br />
A visão de que os produtos industrializados poderiam ser<br />
fabricados com materiais de qualidade inferior e um aumento<br />
de preço na comercialização, legitimada pelo design, assim,<br />
aumentando os lucros, é uma visão distorcida do real valor do<br />
design. O design busca, com a economia de materiais, e a<br />
pesquisa de novos materiais, um equilíbrio entre a função,<br />
durabilidade, facilidade de produção e comercialização do<br />
produto. A queda dos custos e o aumento dos lucros é uma<br />
conseqüência deste trabalho, não um fim em si mesmo.<br />
Segundo Flusser (2007, p. 35), "(...) as grandes revoluções dos<br />
séculos XIV e XV tiveram origem nas oficinas e nos conflitos
que ali insurgiram." As oficinas na Idade Média (780A.C. ao<br />
século XIV) e as fábricas na passagem do século XVIII para o<br />
XIX, eram os locais de conflito, onde as mudanças sociais<br />
começavam a ganhar corpo, a partir das mudanças<br />
tecnológicas que influenciaram os meios produtivos.<br />
Uma outra mudança de paradigma nos meios de produção<br />
atual, que chamamos de Revolução Digital, acontece. A<br />
revolução da virada do século XX para o XXI prepara uma<br />
transformação radical nas formas de planejar o design: o<br />
Design Social.<br />
Para Villém Flusser (2007, p. 38), a chegada dos meios digitais<br />
representaria uma terceira quebra, por ele denominada de<br />
terceira Revolução Industrial, ao invés de uma Revolução<br />
Digital: "(...) terceira Revolução Industrial, aquela que implica a<br />
substituição das máquinas por aparelhos eletrônicos." Ou seja,<br />
a introdução de mecanismos microeletrônicos, automatizações<br />
e robotizações, para realização de tarefas repetitivas. Uma<br />
revolução que mais uma vez é conduzida através de fios, de<br />
teias, redes que interligam, e tramam conexões que envolvem<br />
a todos. Assim como os tecidos de algodão, a função deste<br />
tecido de comunicação é esquentar as relações, aproximar as<br />
trocas de informação e conhecimento entre as pessoas,<br />
artesãos e designers.<br />
No projeto de design e comunicação encontra-se ainda um<br />
campo para desenvolvimento de mudanças que é, para<br />
Cardoso, em seu prefácio de "O mundo codificado" de Villém<br />
Flusser (2007, p. 17), um dos poucos espaços que nos resta para<br />
utopias, isto é, para sonharmos e esgarçarmos os limites entre<br />
a matéria e as representações. "Ao ingressarmos plenamente<br />
37
na era da imagem técnica, retornarmos, de certo modo, ao<br />
tempo anterior ao discurso linear, histórico". (idem) As<br />
possibilidades abertas pela digitalização dos meios produz<br />
novas mudanças tecnológicas que influenciam e alteram as<br />
relações sociais neste início de século XXI. A internet, os<br />
contatos e redes virtuais, o mundo virtual, enfim. Esta<br />
evolução até mesmo para ciência, foi rápida demais, e o<br />
distanciamento necessário para se avaliar a abrangência destas<br />
mudanças na sociedade, provavelmente, só será alcançado em<br />
uma década ou mais.<br />
Visualizamos o início das grandes transformações sociais no<br />
entorno das grandes transformações produtivas, no momento<br />
histórico em que as evoluções tecnológicas são<br />
implementadas. Flusser (2007, p. 37) visualizou quatro<br />
momentos na história em que o epicentro das mudanças é o<br />
local:<br />
"(...) as fábricas são lugares onde sempre são produzidas novas<br />
formas de homens: primeiro, o homem-mão, depois, o homem-<br />
ferramenta, em seguida, o homem-máquina, e, finalmente, o<br />
homem-aparelhos-eletrônicos. Repetindo: essa é a história da<br />
humanidade."<br />
Nosso olhar se volta para dois desses momentos: quando o<br />
homem se defronta com as máquinas e posteriormente com a<br />
digitalização dos processos.<br />
O mundo virtual trouxe novos paradigmas para o designer<br />
lidar. Novos problemas de concepção. O design de interfaces<br />
ganha força, a intermediação que acontece entre os usuários,<br />
clientes e os produtos, mídias, serviços virtuais, faz vir à tona<br />
38
PAPANEK, Victor.<br />
(1927-1999)<br />
Estudou design e<br />
arquitetura em Nova<br />
York e no MIT-<br />
Massachusetts<br />
Institute of<br />
Technology.<br />
uma variedade de problemas a serem solucionados,<br />
discutidos, pesquisados. A Revolução Digital, assim como fora<br />
a Revolução industrial, abre um novo campo de atuação para<br />
o designer e o joga novamente no centro das atenções do<br />
sistema econômico e social.<br />
Projetar dentro de uma concepção virtual, de imaterialidade<br />
dos produtos, repensar suas delimitações, sua conformação<br />
no ciberespaço, traz o designer para uma nova forma de<br />
encarar a terceira dimensão. Esta concepção trouxe um novo<br />
solo para o design, trouxe o espaço, sem paredes, pisos ou<br />
tetos, sem limites dimensionais, o que para a antropometria e<br />
ergonomia, causa uma enorme diferença. Vejamos, por<br />
exemplo, o caso dos celulares: aparelhos diminutos, teclas<br />
ínfimas, que os dedos humanos são incapazes de acessar com<br />
precisão. O design junto com a tecnologia cria o problema, ao<br />
invés de buscar solucioná-lo. Surge no mercado um novo<br />
produto, a caneta de escrita virtual, não para ser utilizada em<br />
papel, mas em telas, para dar alcance preciso no acionamento<br />
de teclas diminutas em celulares do tamanho de caixas de<br />
cigarro.<br />
O design contemporâneo tem um propósito social, que os<br />
designers estão esquecendo. Este foi o alerta feito por<br />
Papanek (1971), em outra versão, outro cenário, mas que é<br />
perfeitamente plausível hoje, com as situações reais e virtuais<br />
com as quais estamos lidando. A inclusão digital, a permissão<br />
de acesso a diversos públicos da gama imensa de informação<br />
disponível nas redes impõe mais este paradigma. A facilitação<br />
ao público com dificuldades inerentes: idosos, cadeirantes,<br />
não videntes, crianças, de se movimentar, trabalhar, viver,<br />
39
incar com os novos produtos e serviços, dentro e fora do<br />
novo ciberespaço, abre-nos uma nova gama de possibilidades<br />
e caminhos a seguir. (MARGOLIN, 2004, p. 43)<br />
Que tendência seguirá o design neste novo milênio, ainda é<br />
uma incógnita. Mas experimentamos uma diversidade de<br />
possibilidades que convergem para um ponto em comum: o<br />
papel social do design, a responsabilidade deste papel para as<br />
futuras gerações, a necessidade de ser debatido, pesquisado,<br />
difundido com os estudantes o posicionamento ético e moral<br />
necessário para assunção desta responsabilidade.<br />
A mudança de paradigma da revolução digital não modificou<br />
apenas o tipo de produtos que são desenvolvidos, mas<br />
principalmente a maneira pela qual nos comunicamos e<br />
trabalhamos, as inter-relações advindas desta mudança. Os<br />
relacionamentos mudaram porque o ambiente onde eles<br />
ocorrem mudou.<br />
Como nos lembra Margolin (2004, pg. 44), "Os vários domínios<br />
que têm um impacto sobre o funcionamento humano são o<br />
biológico, psicológico, cultural, social, natural e físico/espacial".<br />
Ou seja, as relações humanas são as gotículas que juntas<br />
formam o mar da sociedade, onde os designers atuam para<br />
melhorar, facilitar, ampliar estes relacionamentos, favorecendo<br />
e fortalecendo estas relações.<br />
40
3.0 O que é Design Social<br />
Antes de mais nada, é importante dizer que o Design como<br />
prática projetual implica tanto o desenvolvimento de<br />
produtos quanto relações simbólicas e sociais intensas, e tais<br />
relações se constituem como o principal foco de nossa<br />
dissertação.<br />
No que diz respeito ao Design Social, ao menos duas acepções<br />
são identificadas: a primeira, que apela para a<br />
responsabilidade social do designer e a segunda que carrega o<br />
valor econômico-social do trabalho do designer. Ambas estão<br />
presentes nos projetos de design, e merecem a nossa reflexão.<br />
A definição de Design Social ainda está em construção. Victor<br />
Margolin, em seu livro Politics Of The Artificial (2002), nos traz<br />
uma especial contribuição ao introduzir a noção de que o<br />
Design Social é uma atividade produtiva para o<br />
desenvolvimento do capital humano e social ao mesmo tempo<br />
que cria produtos e processos. Deste modo, o designer daria<br />
forma tanto a produtos materiais quanto a imateriais que<br />
solucionariam problemas humanos de larga escala e<br />
contribuiria para o bem-estar social. Esta definição é<br />
compartilhada por designers que colocam ênfase na sua<br />
atuação social de forma profissional, o que afasta<br />
completamente desta definição a idéia de caridade ou de<br />
trabalho voluntário. O Design Social se torna uma atividade<br />
econômica que conduz ao crescimento e desenvolvimento do<br />
local onde o projeto é realizado.<br />
41
Realizada de 3 a 14 de<br />
junho de 1992, o Rio<br />
de Janeiro, a<br />
Conferência das<br />
Nações Unidas sobre o<br />
Ambiente e o<br />
Desenvolvimento<br />
(também conhecida<br />
como Cúpula da Terra<br />
ou Eco-92) reuniu 108<br />
chefes de Estado para<br />
buscar mecanismos<br />
que rompessem o<br />
abismo norte-sul<br />
preservando os<br />
recursos naturais da<br />
Terra.<br />
As bases para a Eco-92<br />
foram lançadas em<br />
1972, quando a ONU<br />
organizou sua primeira<br />
conferência ambiental,<br />
em Estocolmo, e em<br />
1987.<br />
iProjetos de Design Social são estratégicos: discutir sobre as<br />
implicações positivas e negativas de cada ação, procurar<br />
informação para traçar os possíveis cenários que serão<br />
estabelecidos através das ações, é essencial. Vários relatórios e<br />
comissões foram criadas ao longo dos anos para discutir as<br />
questões e apontar ações pertinentes à Sustentabilidade,<br />
Ecologia, Meio-ambiente e Sociedade: Relatório Brutland,<br />
Grupo de Roma, Agenda 21, Rio Eco 92i. Mas apenas a<br />
realização destas discussões sem uma ação efetiva, bem como<br />
ações impositivas, sem discussão e consenso, são inoperantes<br />
frente a um contexto social adverso. Congregar governos e<br />
organismos políticos e sociais para analisar e discutir caminhos<br />
e possibilidades é o início, propor ações e efetivá-las, faz parte<br />
da responsabilidade de todos os povos.<br />
Whiteley (1998, p. 70), através de seus estudos formulou<br />
algumas sugestões de modelo de design para este milênio,<br />
podemos incluir nas responsabilidades do designer social,<br />
segundo ele,<br />
"(...) as responsabilidades em relação às questões ecológicas, tanto<br />
em termos de potencial do design para garantir a sustentabilidade<br />
ambiental, quanto em termos do papel negativo do design como<br />
estímulo ao sistema de valores consumistas."<br />
A trajetória percorrida pelo Design, ao longo de sua história,<br />
trouxe-nos às discussões sobre o Design Social, em que todas<br />
as ações são centradas no ser humano. (MARGOLIN, 2007, p. 06)<br />
Para Krippendorff (2000, p. 88), o design tem uma trajetória<br />
marcada por seis paradigmas, e destaca ao longo desta<br />
trajetória:<br />
42
VEZZOLI, Carlo.<br />
Designer, professor da<br />
graduação e doutirado<br />
de sustentabilidade<br />
ambiental e projeto na<br />
Faculdade de Desenho<br />
da <strong>Universidade</strong><br />
Politécnica de Milão,<br />
na Itália.<br />
"Um aumento gradual na consideração de aspectos humanos e<br />
sociais, e corresponde à saída radical de uma cultura científica em<br />
direção àquilo que podemos chamar de cultura projetual."<br />
Entre esses paradigmas estariam: o projeto de produtos para<br />
produção em série; a mudança de foco dos produtos para<br />
bens e serviços (abordagem também utilizada por Carlo<br />
Vezzoli e Ezio Manzzini); o foco nas interfaces; as redes de<br />
multi-usuários e os planejamentos.<br />
Os Designers, mas não somente, como qualquer pessoa, não<br />
podem mais negar a sua parcela de responsabilidade com o<br />
futuro do planeta. Encontrar meios de viabilizarmos as<br />
mudanças necessárias através de um planejamento consciente<br />
de ações aglutinadoras, faz parte do seu dia-a-dia.<br />
Para Margolin (1998, p.47):<br />
"O design é a atividade que gera planos, projetos e produtos. É<br />
uma atividade que produz resultados tangíveis, os quais podem<br />
funcionar como demonstrações ou como discussões das maneiras<br />
em que poderíamos viver. O design está reinventando<br />
constantemente os seus objetos de estudo, sua área de<br />
abrangência, não se limita, portanto, a categorias antiquadas de<br />
produtos. O mundo espera novidades da parte dos designers.<br />
Esta é a natureza do design."<br />
Também faz parte desta natureza projetar não só objetos ou<br />
linhas de produção, mas projetar cenários, criar um novo<br />
ambiente, mudar os paradigmas sociais com que nos<br />
deparamos neste início de século XXI. Analisar as informações,<br />
atender às necessidades básicas do ser humano para uma vida<br />
digna e saudável, ao invés de atender apenas aos seus desejos,<br />
43
KRIPPENDORFF,<br />
Klaus.<br />
Ph.D. em<br />
Comunicação pela<br />
<strong>Universidade</strong> de<br />
Illinois, Urbana, 1967.<br />
Diplomado em<br />
Design, Ulm School of<br />
Design, Germany,<br />
1961.<br />
Engenheiro (grad.),<br />
State Engineering<br />
School Hanover,<br />
Germany, 1954<br />
e planejar as ações que levarão a este propósito. Isto faz parte<br />
do Design Social. Ou seja, projetar cenários significa buscar<br />
antecipar os acontecimentos ajudando no sentido de<br />
afastarmos as possibilidades indesejadas e reforçarmos o<br />
caminho e as ações necessárias para o que desejamos no<br />
futuro. Assim como afirma Arge para a sociedade,<br />
"(...) a atividade projetual tornou-se um modo de vida, que o<br />
antigo pensamento do design como criação de coisas deu lugar ao<br />
pensamento do design como algo incrustado na sociedade".<br />
(KRIPPENDORFF apud ARGE, 2000, p. 88)<br />
No entanto, por maior que seja a quantidade de dados<br />
tomada, não é possível controlar todos os resultados das<br />
ações. Mesmo dentro da melhor tecnologia empregada para a<br />
análise destes, por maior que seja a amplitude da revisão<br />
histórica, e por mais realistas que sejam as projeções, a própria<br />
dinâmica da sociedade decide o rumo que estas ações irão<br />
tomar. Do mesmo modo que a natureza muitas vezes reage de<br />
forma inusitada e consegue obter uma regeneração impensável<br />
da degradação sofrida pelo meio-ambiente.<br />
O exercício de projetar e propor cenários é baseado no que<br />
poderia acontecer. Os criadores desses prognósticos de<br />
cenários reconhecem que os eventos ou as atividades que eles<br />
estudam são muito complexas para serem controladas. Mas<br />
esses tipos de cenários tendem a ser mais pragmáticos, menos<br />
idealistas. (MARGOLIN, 2007, p.06)<br />
Ao designer cabe cercar-se da maior quantidade possível de<br />
ferramentas para traçar estratégias em conjunto com a<br />
comunidade científica e leiga, para minimizar os impactos<br />
44
negativos e maximizar os pontos positivos das ações. O<br />
trabalho interdisciplinar, a troca de informações com outras<br />
áreas como as ciências sociais, a ecologia, a saúde, a<br />
engenharia de produção e a administração, e principalmente<br />
com a população-alvo destas ações, bem como conquistar seu<br />
engajamento nas atividades desenvolvidas é essencial. O<br />
designer não pode mais ser o único responsável pelo rumo<br />
que tomam as suas idéias. A partir do momento em que os<br />
designers contemporâneos percebem que o planejamento não<br />
é uma característica exclusiva da sua profissão, e que deve ser<br />
cada vez mais difundido em nossa realidade, partem "em<br />
direção à defesa de práticas sociais mais palatáveis",<br />
entendidas como aquelas que podem e devem ser exercidas<br />
pelo designer enquanto profissional, para atuar dentro do seu<br />
alcance, na promoção de pequenas mudanças sociais.<br />
(KRIPPENDORFF, 2000, p. 91)<br />
No intuito de buscar reforço para que estes planejamentos e<br />
cenários sejam o mais próximo possível da realidade futura, a<br />
adição das várias esferas que constituem o mundo social se faz<br />
necessária. Cabe analisar cuidadosamente e estar ciente das<br />
suas próprias esferas de conhecimento e interesse, procurar<br />
determinar sua área de abrangência e sempre que necessário,<br />
convocar profissionais de outras áreas para o planejamento.<br />
(MARGOLIN, 2007, p.06)<br />
O Design social é o resultado da dinâmica (do somatório) de<br />
todas as (rel)ações individuais. Por isso mesmo, ele é uma<br />
grande oportunidade de promover tanto as mudanças<br />
necessárias, quanto uma grande responsabilidade para toda<br />
sorte de atores sociais. Ele vai além de projetar artefatos,<br />
45
SENA,<br />
de.<br />
Paulo Sérgio<br />
Formado em Ciências<br />
pela <strong>Universidade</strong> de<br />
Taubaté (1983);<br />
graduação em Ciências<br />
Biológicas pela<br />
<strong>Universidade</strong> de<br />
Taubaté (1984);<br />
mestrado em Ecologia<br />
pela <strong>Universidade</strong> de<br />
Guarulhos/Instituto<br />
Butantan, (1994);<br />
mestrado em Ciência<br />
Ambiental pela<br />
<strong>Universidade</strong> de São<br />
Paulo (2000) e<br />
doutorando em<br />
Ciências Sociais pela<br />
Pontifícia <strong>Universidade</strong><br />
Católica de São Paulo<br />
(Qualificado em<br />
28.Fev.2008).<br />
simbologias para estes artefatos ou serviços, ele é o resultado<br />
das ações sobre os sistemas e das articulações e mediações<br />
que ocorrem entre os atores e destes para com o meio-<br />
ambiente. Ele é o resultado da crença de que mudanças<br />
podem ocorrer através do design.<br />
"O design Social procura casar pensamento e prática para<br />
viabilizar a constituição de um estilo de viver e a constituição de<br />
uma sensibilidade capaz de se fazer e sustentar esse estilo."<br />
(PACHECO, 1996, p. 50)<br />
O estilo nesta afirmação corresponde, segundo a autora, a<br />
uma série de procedimentos que sustentam as práticas e<br />
respondem às inquietações vividas pela humanidade.<br />
Entendemos o Design Social segundo Nigel Whiteley (1998, p.<br />
74), ao dizer que o design defende “(...) ideais sociais e<br />
culturais mais elevados do que o consumismo a curto prazo,<br />
com sua bagagem obrigatória de degradação ambiental." E<br />
carrega "(...) o potencial de contribuir para uma qualidade de<br />
vida melhor e mais sustentável. " (Idem)<br />
O objetivo do design social é promover uma boa qualidade de<br />
vida e garantir sua continuidade na biosfera. Promover um<br />
ambiente favorável ao desenvolvimento de todo o planeta. "O<br />
Design Social revela uma metodologia que ressalta os<br />
interesses e necessidades culturais de um povo, promovendo a<br />
interação social." (SENA, 1995, p. 91)<br />
A professora Heliana Soneghet Pacheco, em seu artigo O<br />
Design Social, a Barraca e o Desenho Coletivo na PUC-Rio,<br />
46
PACHECO, H. S.<br />
Graduada em<br />
Comunicação Visual<br />
pela Pontifícia<br />
<strong>Universidade</strong> Católica<br />
do Rio de Janeiro<br />
(1988), mestrado em<br />
Design pela Pontifícia<br />
<strong>Universidade</strong> Católica<br />
do Rio de Janeiro<br />
(1996) e doutorado<br />
em Typography &<br />
Graphic<br />
Communication -<br />
University of Reading -<br />
UOR (2008). É<br />
professora titular da<br />
<strong>Universidade</strong> Federal<br />
do Espírito Santo.<br />
assinala que<br />
"O Design Social (DS) é uma metodologia de desenvolvimento de<br />
projetos que vem caminhando e esse transformando (...). Com uma<br />
trajetória marcada pelo envolvimento direto dos alunos (designers)<br />
com os usuários, criando uma parceria na elaboração de projetos,<br />
o DS foi descobrindo a importância do interlocutor no processo<br />
projetual. (...) Transformou-o em Desenho Coletivo por incluir no<br />
método de aprendizagem projetual, os afetos, as intuições e os<br />
acontecimentos que movimentam a coletividade." (PACHECO, 1996,<br />
p. 61.)<br />
Se partirmos do princípio de que os problemas enfrentados<br />
pela humanidade foram desenvolvidos através das ações<br />
humanas, podemos supor que ações humanas conscientes<br />
podem solucionar ou, na pior das hipóteses, parar e então<br />
minimizar, até mesmo reverter determinados problemas. Dito<br />
desta forma parece uma tarefa bem simples. Mas a rede<br />
intricada desenvolvida torna a tarefa praticamente impossível:<br />
nações, povos, políticas e interesses diversos estão sendo<br />
confrontados diariamente, e todos implicam problemas<br />
vivenciados.<br />
47
3.1 O papel da Sustentabilidade no Contemporâneo<br />
"Foi o canadense Maurice Strong que usou em 1973 pela primeira<br />
vez o conceito de ecodesenvolvimento para caracterizar uma<br />
concepção alternativa de política do desenvolvimento. Ignacy<br />
Sachs formulou os princípios básicos desta nova visão do<br />
desenvolvimento. Ela integrou basicamente seis aspectos, que<br />
deveriam guiar os caminhos do desenvolvimento: a) a satisfação<br />
das necessidades básicas; b) a solidariedade com as gerações<br />
futuras; c) a participação da população envolvida; d) a preservação<br />
dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a<br />
elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança<br />
social e respeito a outras culturas, e f) programas de educação."<br />
(CAVALCANTI, 1998, p.31)<br />
Nos anos 80, a concepção do desenvolvimento sustentável se<br />
intensifica, como fruto das críticas e dos debates e relatórios<br />
relacionados ao modelo econômico e de crescimento<br />
estabelecido pelos processos de industrialização e pela<br />
democracia.<br />
"O desenvolvimento sustentável revelou-se uma nova maneira de<br />
perceber as soluções para os problemas globais, que não se<br />
reduzem apenas à degradação ambiental, mas incorporam<br />
também dimensões sociais, políticas e culturais." (CAMARGO, 2002<br />
p.ii)<br />
"Desenvolvimento sustentável, sustainable development ou<br />
nachhaltige Entwicklung é um conceito aparentemente<br />
indispensável nas discussões sobre a política do desenvolvimento<br />
no final deste século." (CAVALCANTI, 1998, p.29)<br />
O design para sustentabilidade é uma atividade estratégica de<br />
design realizada para conceber e desenvolver soluções<br />
sustentáveis. São sistemas de produtos e serviços que<br />
48
permitem ao homem viver melhor consumindo (muito) menos<br />
recursos ambientais e melhorando (ou, em muitos casos,<br />
regenerando) os contextos físicos e sociais da vida.<br />
Os quatro pilares de sustentabilidade são: o Ecologicamente<br />
correto, o economicamente viável, o socialmente justo e<br />
culturalmente aceito. (DIVITIIS, 2007)<br />
"Na verdade, não há uma economia da sustentabilidade nem<br />
uma única forma de chegar aos predicados de uma vida<br />
sustentável. Inexiste tampouco uma teoria única do<br />
desenvolvimento ecologicamente equilibrado. O que há é uma<br />
multiplicidade de métodos de compreender e investigar a<br />
questão." (CAVALCANTI, 1998, p.21)<br />
Concordamos com Brüseke (1998, p.36 ) quando afirma como<br />
deve ser conduzida uma teoria de desenvolvimento<br />
sustentável<br />
"uma teoria do desenvolvimento tem que: a) contribuir para a<br />
interpretação sistemática do desenvolvimento social; b) tem que<br />
demonstrar seu valor heurístico nos estudos de casos; c) deve na<br />
base da sua coerência interna servir para orientar a ação social com<br />
sentido numa situação que seria menos transparente sem a<br />
existência dessa teoria."<br />
49
COOPER, Rachel<br />
Professora de Gestão<br />
em Design na<br />
<strong>Universidade</strong> de<br />
Lancaster, onde ela é o<br />
Diretora do Instituto de<br />
Lancaster das Artes<br />
Contemporâneas e<br />
também Imagination<br />
Lancaster (um centro<br />
da pesquisa em<br />
produtos, lugares e<br />
sistemas do futuro).<br />
3.1.1 A questão ecológica<br />
A complexidade da teia que une economia, meio ambiente e<br />
ecologia às relações sociais e políticas determina que apenas<br />
soluções complexas serão possíveis. Então percebe-se que<br />
parar, minimizar e retroceder o estado de evolução da<br />
destruição causada pela sociedade contemporânea não será<br />
nada fácil, talvez mesmo impossível.<br />
Os designers podem e estão cientes do quanto devem<br />
contribuir para estas mudanças. Desde as ações e<br />
posicionamentos iniciais de William Morris e John Ruskin<br />
passando por Victor Papanek, Tomás Maldonado, Gui<br />
Bonsiepe, chegando a Victor Margolin e Klaus Krippendorff,<br />
só para citarmos alguns arquitetos, historiadores e designers<br />
que levantam essa bandeira e abrem espaço para discussão<br />
destas questões.<br />
"A natureza que é vista, pelo moderno, como matéria-prima, fonte<br />
de riqueza e exploração para o lucro, passa a ser pensada em<br />
termos de recursos finitos que exigem uma estratégia de<br />
exploração sustentável." (SENA, 1995, p. 90)<br />
A designer Rachel Cooper nos traz que "Nos anos 60, os<br />
designers começaram a considerar ativamente as implicações<br />
mais abrangentes do design para sociedade." (SANTOS, 2005, p.<br />
80). E daí decorreram algumas correntes: a) design verde, b)<br />
design responsável (década de 1970), c) ecodesign e design<br />
ético(década de 1990) e o d) design feminista (anos 2000).<br />
50
WHITELEY, Nigel.<br />
Professor of Visual Arts.<br />
Department: Lancaster<br />
Institute for the<br />
Contemporary Arts.<br />
Para Whitele y ( 1998, p. 67) ,<br />
"O designer radical do final da década de 1960 deu lugar ao<br />
designer responsável da década de 1970, principalmente a partir<br />
da publicação do livro Design for the real world de Victor Papanek,<br />
o qual lançou a proposta dos designers assumirem um papel social<br />
construtivo e intervencionista em oposição às forças consumistas."<br />
Nos anos 70, os designers são motivados em favor de uma<br />
abordagem mais solidária, encorajados a abandonar a política<br />
do "design pelo lucro" e voltar suas atenções para o viés social<br />
do design. Surge então "uma nova geração de designers cada<br />
vez mais voltada para questões ambientais ou verdes". Ainda<br />
mais fortalecidos pela reedição do livro de Papanek. (WHITELEY,<br />
1998, p. 67)<br />
Nos anos 80 e 90,<br />
"A compra de produtos e serviços socialmente responsáveis e<br />
éticos foi facilitada pela disseminação de pesquisas no campo da<br />
sustentabilidade e de publicações orientadas à educação do<br />
consumidor." (SANTOS, 2005, p. 80)<br />
A década de 1990 desloca o foco para o designer ético.<br />
"(...) encara todo o design como um fenômeno ligado visceral e<br />
intimamente ao consumo e, portanto, ao sistema social e político<br />
do Ocidente moderno. (WHITELEY, 1998, p. 67)<br />
Nos anos 2000, a "acessibilidade e inclusão", as questões de<br />
ergonomia e conforto de todos os tipos de usuário têm<br />
atraído muitos designers. E mais "(...) recentemente, os<br />
designers têm voltado sua atenção para questões<br />
relacionadas ao crime." (SANTOS, 2005, p. 80)<br />
O designer seria um agente para a diminuição da violência<br />
51
KENDALL, Henry<br />
Way. (1926-1999).<br />
Físico do MIT,<br />
prêmio<br />
Nobel de Física em<br />
1990,<br />
foi o primeiro a<br />
afirmar que os seres<br />
humanos e o mundo<br />
natural estão numa<br />
rota de colisão (ISEE-<br />
International Society<br />
for Ecological<br />
Economics, 1994).<br />
urbana. Não apenas buscando minimizar os seus efeitos, com<br />
equipamentos para a segurança pessoal e patrimonial, mas<br />
atuando nas suas causas: nas inter-relações sociais.<br />
O nosso cenário atual evoca questões prementes e urgentes: A<br />
fome, através da qual a sociedade sucumbe, as condições sub-<br />
2<br />
humanas de metade da população mundial , vivendo abaixo da<br />
linha da pobreza; a falta de educação, saúde e empregos para<br />
todos. Quanto maior a tecnologia empregada para produção<br />
de alimentos, menor é a distribuição e ainda temos que lidar<br />
com qualidade, sempre questionável, destes alimentos. Alguns<br />
defendem que refrear o consumismo que se abateu sobre a<br />
sociedade pós-industrial é a solução, outros defendem que<br />
seria o colapso total.<br />
"O complexo de problemas que desafiam os homens de todas as<br />
nações: a pobreza em meio à riqueza; a degradação do meio<br />
ambiente; a perda de confiança nas instituições; o crescimento<br />
urbano descontrolado; a insegurança no emprego; a alienação da<br />
juventude; a rejeição de valores tradicionais; e a inflação e outras<br />
rupturas econômicas e monetárias." (MARGOLIN apud MEADOWS,<br />
1998, p. 40)<br />
Todos concordam que o estado atual de coisas não pode<br />
permanecer em curso, pois a humanidade está em rota de<br />
colisão com o meio ambiente e a sustentabilidade da vida no<br />
planeta.<br />
Quanto tempo mais será possível continuar nesta velocidade<br />
de consumo, qual o verdadeiro grau de aceleração desta<br />
colisão provocada por nossas ações, são questões controversas.<br />
“Ao se falar de rota de colisão entre homem e natureza, não se está<br />
2 Aproximadamente a metade da população do mundo vive baixo da linha da pobreza, segundo um<br />
informe da Organização Internacional do Trabalho (OIT).<br />
52
pregando catastrofismo. Muito ao contrário, realçar a noção de<br />
uma economia da sustentabilidade diz respeito ao fato de que as<br />
funções ecossistêmicas são parâmetros que não se podem<br />
modificar impunemente, necessitando de estabilidade diante de<br />
perturbações suscitadas pelas ações do homem." (CAVALCANTI,<br />
1998, p.17)<br />
Mapear este cenário com precisão é a chave para discutirmos<br />
planos efetivos e realizáveis a curto, médio e longo prazos. Se<br />
não é possível vislumbrar o caminho, será impossível criarmos<br />
as rotas, mesmo que, seja uma rota de fuga emergencial.<br />
Segundo Cooper em entrevista concedida a Santos (2005, p.81 ),<br />
"alguns" (que Margolin identifica como empresários e grande<br />
parte da opinião pública dos países industrializados) acreditam<br />
que a simples adoção da Responsabilidade Social pelas<br />
empresas é a solução para combater a corrente que defende<br />
uma diminuição no consumo, e na produção de bens que<br />
acarretaria uma conseqüente desacelaração nos processos<br />
econômicos. (MARGOLIN, 1998, p.41)<br />
Para Cooper, "(...) a eficácia desta ação está mais direcionada<br />
para mudanças de ordem política, social, ética e ambiental."<br />
Ou seja, não basta que as empresas se digam Socialmente<br />
Responsáveis, se elas não promoverem mudanças reais de<br />
atitude empresarial e estimularem essas mudanças no seu<br />
entorno, tanto nos meios políticos como os sociais. Divulgar<br />
que é uma empresa ética e permitir atitudes antiéticas de seus<br />
colaboradores é entrar em contradição. A fase mais difícil para<br />
estas empresas é a inicial, a adaptação dos seus funcionários e<br />
fornecedores a uma nova atitude, que não é só cobrada nos<br />
negócios, mas como uma postura para a vida de cada um<br />
deles. (SANTOS, 2005, p. 80)<br />
53
No artigo O design e a situação mundial, publicado em 1997,<br />
posterior ao Global equilibrium or global expansion: design<br />
and world situation, de 1996, Victor Margolin identifica e<br />
nomeia dois modelos de entendimento da situação mundial: o<br />
modelo de equilíbrio para o mundo e o modelo de expansão<br />
mundial.<br />
O primeiro modelo, baseado nos estudos desenvolvidos pelo<br />
Clube de Roma, desde 1972 "(...) parte da premissa de que o<br />
mundo é um ecossistema de equilíbrio delicado, baseado em<br />
recursos finitos". E portanto, cada elemento do sistema tem<br />
importância vital na manutenção do seu equilíbrio. Dentro<br />
deste sistema se algum elemento sofrer danos que provoquem<br />
o desequilíbrio deste elemento, ou mesmo o esgotamento de<br />
alguns dos recursos básicos do sistema, este sofrerá um abalo<br />
tão significativo que poderá acarretar o colapso do sistema<br />
inteiro. (MARGOLIN, 1998, p.41)<br />
O segundo modelo, defendido pelo meio empresarial<br />
internacional, apoiado por muitos governos e muitos<br />
consumidores, trabalha sobre a lógica dos mercados. Todo o<br />
sistema é compreendido como negócios e movimentações de<br />
mercadorias e bens. São excluídas deste sistema as noções de<br />
nação, sociedade e cultura. Os produtos e a quantidade de<br />
riqueza que podem gerar são sua mola propulsora. Não<br />
obstante a alocação da riqueza gerada, que poderia ser<br />
acumulada ou redistribuída, este sistema parte da premissa de<br />
que os bens e a tecnologia por eles gerados são capazes de<br />
satisfazer todas as necessidades do homem. Como se a<br />
qualidade de vida humana dependesse apenas do conforto<br />
físico e psicológico proporcionado pelos bens acumulados.<br />
54
Nesta equação o meio ambiente foi exonerado. (MARGOLIN,<br />
1998, p.41)<br />
"O materialismo tem se tornado parte tão integrante das noções de<br />
felicidade que o desenvolvimento de produtos encontra-se<br />
emaranhado de forma quase inextricável à busca do<br />
melhoramento da vida humana" (MARGOLIN, 1998, p.43)<br />
As leituras feitas dos textos e livros de Nigel Whiteley (1998) e<br />
Victor Margolin (1998) apontam que na maioria dos projetos<br />
de produtos é raro o questionamento sobre sua real<br />
necessidade, ou mesmo sobre os seus possíveis impactos<br />
ambientais, sociais, morais ou pessoais. A busca pelo<br />
aperfeiçoamento de produtos baseada nestas premissas,<br />
segundo Margolin, inexiste.<br />
O público é incitado a adquirir um novo produto ou trocar a<br />
versão corrente, não por uma diferenciação tecnológica ou<br />
adequação às necessidades identificadas em pesquisas com o<br />
usuário, mas apenas pelo apelo estético, muitas vezes<br />
denominado design ou pelo chamado efeito demonstração,<br />
isto é, procura-se demonstrar aos demais que se adquire<br />
status com a posse de um produto com um design<br />
diferenciado. Haja vista a inúmera quantidade de modelos e<br />
marcas de celulares espalhados pelo mercado brasileiro. A<br />
diversidade não significa que o objetivo core do produto, que<br />
é permitir ligações telefônicas dentro das áreas de cobertura<br />
dos serviços das operadoras a qualquer um que tenha um<br />
aparelho e tenha adquirido este serviço, foi ampliado ou<br />
modificado. O que não justifica que os valores destes<br />
aparelhos variem de R$ 99,00 a 2.999,00! Alguns modelos<br />
realmente incorporam novas tecnologias ou novas<br />
55
habilidades, mas que não refletem diretamente sobre a<br />
função primordial desses aparelhos.<br />
As empresas de hoje sofrem com as exigências do<br />
consumidor, atendê-las simplesmente, não significa mais<br />
conquistar este consumidor. Empresas de mesmo porte, com<br />
produtos e tecnologias similares, atuam no mercado com<br />
preços competitivos. Buscar um diferencial, procurar se<br />
destacar num mar de ofertas, fazer a imagem da empresa<br />
"saltar" perante as outras, vai depender muito dos seus valores<br />
e atitudes. Prevalecerão aquelas que demonstrarem respeito<br />
ao meio ambiente e à sociedade, assim como as que atuarem<br />
no mercado de forma transparente, com ética e dentro de<br />
uma cadeia de sustentabilidade.<br />
A palavra de ordem do mercado de tecnologias é a<br />
"convergência", através da qual um único aparelho agrega<br />
múltiplas funções e consegue reunir conectividade, som,<br />
imagem em múltiplas tarefas, isto é, realizar ligações com<br />
transmissão de dados, voz e imagem, tudo ao mesmo tempo.<br />
A convergência também está presente nos eletrodomésticos,<br />
como as geladeiras, que possuem tela plana, com<br />
conectividade e permitem a navegação pela web.<br />
Uma das questões que envolvem a convergência e o<br />
lançamento de novos produtos e modelos é o aumento ou<br />
melhoria da qualidade destes produtos. No entanto, não<br />
temos parâmetros para determinar quais são as características<br />
de um determinado produto com uma qualidade suficiente e<br />
"percebida" pelos usuários.<br />
56
Para Krippendorff (KRIPPENDORFF, 2000, p. 89), "Não reagimos às<br />
qualidades físicas das coisas, mas ao que elas representam<br />
para nós." Por isto que o designer passou a projetar marcas,<br />
identidades, a criar conceitos e organizar informações. A<br />
atividade passou de projetos materiais para projetos<br />
imateriais. E esta percepção levou à conclusão de que os<br />
projetos eram muito mais práticas sociais do que meros<br />
objetos de uso. O foco dos projetos mudou dos objetos para o<br />
homem, o usuário, o cliente, as pessoas e suas relações. E daí,<br />
para as pessoas e suas atitudes perante a vida e ao planeta.<br />
"Freqüentemente, a qualidade do produto está além daquilo que o<br />
3<br />
usuário pode aproveitar mas, mesmo assim, a compra é efetuada<br />
porque o produto representa o que há de melhor e isto vem a<br />
constituir-se em uma declaração simbólica." (MARGOLIN, 1998,<br />
p.43)<br />
Este tipo de visão vai de encontro às questões relacionadas<br />
com a Responsabilidade Social Corporativa, pela qual não<br />
apenas os aspectos econômicos devem prevalecer, mas<br />
principalmente os critérios não econômicos devem influenciar<br />
as escolhas dos consumidores. (SANTOS, 2005, p. 80)<br />
Lançar no mercado produtos tidos de luxo, com preços<br />
exorbitantes e funções que nunca serão exploradas pelos<br />
usuários, apenas para se criar uma nova necessidade, um novo<br />
parâmetro para o status social de quem adquire estes<br />
produtos, bem como criar novos mercados para produtos que<br />
nem existiam, é uma das estratégias utilizadas pelas indústrias.<br />
Projetar e determinar o tempo máximo de vida da "novidade"<br />
para em seguida surgir com o mais novo modelo, que em<br />
breve sucumbirá e assim sucessivamente. Este é o modelo<br />
57
adotado pela maioria das empresas e o sistema da moda usa a<br />
pesquisa de tendências como ferramenta para auxiliar nesta<br />
estratégia. (MARGOLIN, 1998, p. 41)<br />
"A moderna sociedade industrial se caracteriza, por sua vez, por<br />
fluxos de sentido único, em que matéria e energia de baixa<br />
entropia se convertem continuamente em matéria e energia de alta<br />
entropia, não integrados nos ciclos materiais da natureza. Não se<br />
pode ter sustentabilidade dessa forma. Um modelo sustentável tem<br />
que se basear em fluxos que sejam fechados dentro da sociedade<br />
ou ajustados aos ciclos naturais (Eriksson, 1992). Este é um desafio<br />
ponderável para a compreensão científica das relações entre o<br />
homem e seu referencial ecológico, entre sociedade e natureza."<br />
(CAVALCANTI, 1994, p.19)<br />
Os processos industriais são resumidos em uma entrada de<br />
matéria que com o acréscimo de energia é transformada em<br />
produto e deste processo as sobras são deixadas para a<br />
natureza. Após esta etapa, o produto é lançado no mercado<br />
para ser consumido pela sociedade, parte dele (invólucros,<br />
embalagens), mais uma vez são deixados para a natureza se<br />
encarregar de absorvê-los, e após o primeiro ciclo de consumo<br />
do produto, novos dejetos serão lançados de novo na<br />
natureza. Desta forma, quanto mais evoluídos os processos e<br />
maior e mais rápida a circulação de mercadoria e o consumo,<br />
maior será o acúmulo destes dejetos, o que torna impossível a<br />
absorção e transformação destes pela natureza em tempo de<br />
restabelecer o seu equilíbrio natural. Este é considerado um<br />
modelo insustentável de produção, segundo Cavalcanti (1998,<br />
p. 19), um modelo de rota de colisão entre a economia e a<br />
natureza.<br />
"The terms ecodesign and sustainable design now characterize<br />
products that embody a design strategy that is consistent with the<br />
58
values of minimizing waste, using less energy, and reducing the<br />
amount of material we relegate to landfills." (MARGOLIN, 2002, p.<br />
49)<br />
3<br />
As inúmeras campanhas promovidas em diversos países a<br />
cerca dos problemas das fontes de energia, a utilização de<br />
fontes renováveis e limpas a busca de novas fontes,<br />
demonstram a importância deste aspecto nos projetos. Para<br />
Margolin (2002, p. 49) "(…) however, there is a new<br />
consciousness regarding product recycling and reuse."<br />
4<br />
(MARGOLIN, 2002, p. 49)<br />
"As incumbências do design podem ser divididas em bases de<br />
simples critérios, o mais importante deles é a relação entre os<br />
vários aspectos do meio ambiente e os indivíduos que interagem<br />
com ele (...)." (MOLES, 1989, p. 77)<br />
A Terra pede planejamento, organização, disciplina,<br />
perseverança e responsabilidade, por parte de todos os seres<br />
5<br />
vivos que coabitam os seus sistemas em toda a biota.<br />
3 “Os termos ecodesign e desenho sustentável agora caracterizam produtos que personificam uma<br />
estratégia de desenho que é compatível com os valores de minimizar resíduos, usando menos<br />
energia, e reduzindo o montante do material que relegamos a aterros." (MARGOLIN, 2002, p. 49)<br />
(livre tradução do autor)<br />
4 "(…) de qualquer forma, existe uma nova consciência no que diz respeito à reciclagem e<br />
reutilização dos produtos." (livre tradução do autor).<br />
6 “Biota - Refere-se à parte que tem vida de um ecossistema. A biota é também chamada de flora e<br />
fauna." (DASHEFSKY, 2001, p. 48)<br />
59
3.1.2 Inclusão Social<br />
A Inclusão Social não se refere apenas aos PPD - Pessoa<br />
Portadora de Deficiência, ou portadores de necessidades<br />
especiais. Incluir socialmente significa também capacitar, dar<br />
condições para que a inclusão se faça de forma plena.<br />
Neste trabalho iremos tratar de uma inclusão social específica,<br />
aquela promovida pelo trabalho em conjunto de designers que<br />
disparam novos processos criativos e produtivos em<br />
comunidades artesãs.<br />
Nas palavras de Campos (2006, p.12),<br />
"Incluir socialmente os mais pobres significa dar-lhes dignidade,<br />
propiciar recursos para uma alimentação adequada e para suas<br />
necessidades básicas, zelar pela proteção de seus direitos,<br />
assegurar uma política de assistência social, de segurança alimentar<br />
e nutricional, por meio de uma rede de proteção e promoção<br />
social, na perspectiva de consolidação do exercício pleno de<br />
democracia."<br />
Inclusão Social é também trazer para o convívio social uma<br />
pessoa alijada por qualquer motivo, seja econômico, cultural,<br />
político, religioso, ambiental, racial, sexual. O fator gerador do<br />
processo de exclusão pode ser permanente, imutável ou não,<br />
nestes casos o que estabelece a exclusão é a falta de<br />
acolhimento social do indivíduo. E este acolhimento, esta<br />
convivência, pode ser ensinada, pode-se aprender a tolerar e<br />
respeitar os direitos de cada um, necessários para a operação<br />
dessa inclusão. Mudar este estado de coisas é o primeiro passo<br />
para uma sociedade mais justa.<br />
60
Quando partimos do princípio que o trabalho é a forma digna<br />
através da qual o ser humano pode alcançar condição de vida<br />
favorável, sem miséria, sem fome, sem exclusão de nenhuma<br />
espécie, percebemos que fazer estas populações,<br />
comunidades, grupos ingressarem num sistema produtivo, ou<br />
permanecerem em um sistema produtivo, mesmo que<br />
artesanal, é uma das formas de viabilizar um futuro melhor<br />
para a sociedade.<br />
Com o avanço das tecnologias, a força de trabalho humana se<br />
deslocou da importância de força física, exigida nos trabalhos<br />
escravizantes para força intectual, prevalescendo o expertise<br />
do indivíduo. Portanto o paradigma de inclusão também faz<br />
parte do modelo econômico vigente.<br />
A distribuição de renda é um dos fatores mais preocupantes<br />
da sociedade contemporânea. A qualificação alcançada por<br />
cada trabalhador está diretamente ligada a esta questão. As<br />
desigualdades sociais tendem a aumentar com a concentração<br />
do conhecimento, e principalmente quando para<br />
operacionalização das forças produtivas é necessário um<br />
conhecimento tecnológico. Transpor a barreira cada vez maior<br />
que se estabelece é um desafio para todos os povos, todas as<br />
populações.<br />
Tendemos a concordar com o deputado Ariosto de Holanda ao<br />
afirmar que:<br />
Temos de criar, com urgência, mecanismos ágeis e flexíveis de<br />
transferência de conhecimentos para a população, a partir de<br />
atalhos que avancem sobre os mecanismos tradicionais da<br />
educação e que tenham ação de massa, porque os excluídos são<br />
muitos. (Holanda, 2006, p. 63)<br />
61
A geração de emprego, não é mais o ponto crucial, mas a<br />
geração de condições de trabalho para geração e distribuição<br />
de uma renda mínima necessária a manutenção de uma<br />
qualidade de vida boa, favorável ao desenvolvimento<br />
intelectual, espiritual e econômico da ciedade. A<br />
transformação da lógica do desenvolvimento corrente se faz<br />
necessária. "A inclusão social é certamente o caminho para<br />
mudarmos a imagem do nosso país, que é palco das maiores<br />
injustiças sociais." (MAFRA, 2008) A promoção da inclusão é a<br />
passagem para uma realidade possível na sociedade<br />
contemporânea deste início de terceiro milênio. "A cada um de<br />
nós compete à responsabilidade social de mudarmos este<br />
quadro em nosso país, buscando soluções para situações<br />
diversas." (MAFRA, 2008)<br />
A Inclusão Social implica favorecer o desenvolvimento das<br />
possibilidades de interação e vivência social das pessoas. Em se<br />
tratando do designer, significa auxiliar na busca de autonomia<br />
de comunidades, trabalhando em prol da capacitação destas,<br />
reconhecendo as diferenças e ajudando a aflorar todo seu<br />
potencial criativo. Um dos seus principais objetivos é buscar<br />
condições de crescimento sustentado.<br />
Neste sentido, o designer contribui para que uma nova<br />
sociedade seja construída, dentro de uma atuação ética,<br />
introduzindo pequenas mudanças que podem conquistar<br />
grandes transformações.<br />
62
3.1.3 Responsabilidade Social e Responsabilidade Social<br />
Corporativa (RSC)<br />
A Responsabilidade Social está inclusa no processo de<br />
administração das empresas. E para a efetivação deste<br />
conceito, se faz necessária uma corporação, um<br />
conglomerado de indivíduos, uma organização econômica,<br />
civil ou comercial. No Brasil, a Responsabilidade Social<br />
Corporativa também é conhecida como Responsabilidade<br />
Social Empresarial (RSE).<br />
As estratégias utilizadas pelas indústrias para o lançamento de<br />
novos produtos, e criação de novas necessidades e mercados,<br />
começam a ser combatidas aos poucos pelo "consumidor<br />
verde", preocupado não apenas com a sua relação direta de<br />
uso de um determinado produto, mas com a cadeia produtiva<br />
à qual este produto pertence, e no rastro social deixado, além<br />
do que será gerado após este seu primeiro uso. Ele, o<br />
consumidor verde, é o ator principal da contemporaneidade. A<br />
segunda parte desta proposição requer um enorme esforço de<br />
todos. Estamos na fase embrionária desta nova forma de<br />
consumo e muitas adaptações e mudanças de hábitos serão<br />
necessárias principalmente nos grandes centros urbanos<br />
consumistas.<br />
Como decorrência destes movimentos ecológicos e de defesa<br />
do consumidor, as empresas passaram a se preocupar mais<br />
com suas obrigações sociais. (MONTANA & CHARNOV, 1998, p. 32)<br />
Existem alguns tipos de abordagem que são chaves para o<br />
entendimento da RSC, e foram gerados a partir das diferenças<br />
63
de entendimento entre os teóricos do que seria a obrigação<br />
social, a Responsabilidade Social e a sensibilidade social. A<br />
primeira delas, a obrigação social, traz uma "abordagem que<br />
supõe ser o objetivo principal de uma empresa o sucesso<br />
econômico, e não a satisfação de responsabilidades sociais, e<br />
que portanto a empresa deveria meramente satisfazer as<br />
responsabilidades sociais mínimas impostas pela legislação."<br />
(MONTANA & CHARNOV, 1998, p. 32)<br />
A segunda, a da Responsabilidade Social, "(...) supõe não<br />
serem as metas da empresa meramente econômicas mas<br />
também sociais e que a empresa deveria destinar recursos<br />
econômicos para a realização dessas metas."(op.cit.)<br />
A terceira é denominada de sensibilidade social por MONTANA<br />
& CHARNOV (1998, p. 32), e pressupõe que a empresa não tem<br />
apenas metas econômicas e sociais, mas também precisa<br />
antecipar-se aos problemas sociais do futuro e agir agora para<br />
responder a esses problemas.<br />
Rachel Cooper em entrevista a Santos (2005, p. 80), chama a<br />
atenção para quatro aspectos, que seriam responsabilidades a<br />
serem assumidas pelas corporações para atingirem o que ela<br />
denomina de "uma boa cidadania corporativa": 1) econômico;<br />
2)legal; 3)ético; 4)filantrópico.<br />
A cidadania corporativa, no aspecto econômico, busca o<br />
equilíbrio entre o custo do produto e o preço final ao<br />
consumidor, permitindo que um número maior de pessoas<br />
tenha acesso aos produtos, e trabalha na contramão dos<br />
artigos de luxo. Existe uma abertura para que o público<br />
interno tenha opção de acesso aos produtos da empresa, que<br />
sejam também seus consumidores.<br />
64
No aspecto legal, Cooper levanta que a sua ação promove<br />
apenas uma base de aspecto moral na condução dos negócios,<br />
utilizada muito mais para coibir ações abusivas. No aspecto<br />
ético, procura-se minimizar tanto danos e prejuízos sociais<br />
internos à corporação, quanto externos. O maior capital de<br />
uma empresa é o seu capital humano, o conhecimento<br />
acumulado e a dedicação dos seus funcionários. O grande<br />
desafio para os gestores é manter este público interno sempre<br />
motivado, o que perpassa pela qualidade de vida deste público<br />
tanto dentro, quanto no período que ele passa fora da<br />
corporação. Neste aspecto estão os apoios psicológicos, a<br />
assistência à saúde, a preocupação com a alimentação e a<br />
moradia. Os departamentos de recursos humanos atuam não<br />
apenas como selecionadores e provedores da mão de obra e<br />
dos aspectos legais, mas como gerenciadores de carreiras<br />
duradouras.<br />
No aspecto filantrópico, vários estudos demonstram que<br />
empresas que assumem um posicionamento filantrópico,<br />
reunindo toda a corporação em ações que dão retorno direto<br />
à sociedade como campanhas de alimento, brinquedos e<br />
agasalho, criam um elo indissolúvel com seus associados.<br />
Algumas chegam até a atingir clientes e fornecedores, gerando<br />
uma enorme cadeia para a promoção do "bem comum" na<br />
sociedade como um todo.<br />
Uma empresa que atua no mercado, levando em conta essas<br />
quatro responsabilidades terá uma visualização ímpar. A tão<br />
buscada fidelização de clientes torna-se decorrência das suas<br />
ações e não mais apenas do marketing e da publicidade.<br />
65
"Uma das grandes preocupações das Empresas modernas é<br />
estabelecer e manter relações equilibradas e justas com a<br />
comunidade em que estão inseridas. A cidadania empresarial é a<br />
atitude de participação desinteressada, consciente e voluntária<br />
adotada pela Empresa, que se traduz em políticas de ação<br />
corporativa, nas quais as potencialidades do seu negócio são<br />
orientadas para a realização de projetos sociais destinados a<br />
beneficiar a comunidade. Apoiar as iniciativas individuais e<br />
coletivas de seus empregados, quando da proposição de ações<br />
sociais que resultem em benefícios para a comunidade, também é<br />
fator importante no papel social da instituição." (JOCHIMS, 2006)<br />
Na visão do economista e prêmio Nobel Milton Friedman a<br />
responsabilidade social das empresas refere-se apenas aos<br />
seus acionistas, pois todo o emprego e impostos gerados e<br />
pagos pela atuação da empresa, são a sua contribuição, mais<br />
do que justa, para a comunidade em geral. E muitos<br />
empresários e industriais seguem esta linha de pensamento.<br />
"The view has been gaining widespread acceptance that corporate<br />
officials and labor leaders have a "social responsability" that goes<br />
beyond the interest of their stockholders or their members. This<br />
view shows a fundamental misconception of the character and<br />
nature of the free economy. In such an economy, there is one and<br />
only one social responsibility of business- to use its resources<br />
and engage in activities designed to increase its profits so long as<br />
it stays within the rules of the game, wich is to say, engages in<br />
open and free competition, without deception and fraud…Few<br />
6 A visão que tem ganho maior aceitação é a de que as corporações e os funcionários lìderes têm<br />
uma "responsabilidade social" que vai além dos interesses de seus acionistas e do corpo diretor. Esta<br />
visão mostra um erro fundamental em sua concepção tanto no caráter quanto na natureza da<br />
economia de livre mercado. Neste tipo de economia existe uma e apenas uma única<br />
responsabilidade dos negócios- usar os recursos das empresas e se engajar em atividades<br />
designadas para aumentar seus ganhos por tanto tempo quanto estas forem as regras do jogo<br />
8 8<br />
66
a<br />
SANTOS, M Cecília<br />
Loschiavo dos<br />
Filósofa, mestre e<br />
doutora em Filosofia<br />
pela USP onde leciona<br />
Design. É<br />
coordenadora dos<br />
programas de pósgraduação<br />
em Design<br />
da <strong>Universidade</strong> de São<br />
Paulo e das Oficinas de<br />
Design Social da USP.<br />
Desde 1994 vem<br />
pesquisando 'O<br />
descarte dos produtos<br />
industriais, Design e<br />
Moradores de Rua em<br />
cidades globais'.<br />
trends could so thoroughly undermine the very foundation o our<br />
free society as the acceptance by corporate officials of a social<br />
responsibility other than to make as much money for their<br />
stockholders as possible." (DESSLER apud FRIEDMAN, 1998, p. 91)<br />
Na visão contrária a Friedman, temos que<br />
"A Responsabilidade social corporativa, refere-se ao direcionamento<br />
para onde as empresas deveriam voltar os seus canais de recursos.<br />
Aplicá-los, mais para o melhoramento de um ou mais segmentos<br />
da sociedade ao invés de disponibilizá-los para os próprios donos e<br />
acionistas da empresa." (DESSLER, 1998, p. 89)<br />
Os stockholder seriam os acionistas propriamente ditos,<br />
aqueles que detêm parte do capital da empresa. Se a empresa<br />
influi diretamente na qualidade do meio-ambiente no qual ela<br />
se instala, por exemplo, onde descarta os dejetos de sua<br />
produção ou desmata áreas para ampliação de suas<br />
instalações, então ela é responsável pelo seu entorno, pela<br />
manutenção de uma boa qualidade do meio ambiente, assim<br />
como da boa qualidade de vida de seus vizinhos.<br />
"(...) a idéia de que as corporações, enquanto organizações, tem<br />
"responsabilidade social" e obrigações mais diretamente<br />
relacionadas à sociedade em geral tem se tornado popular a partir<br />
dos anos 50 e continuado nos anos 60 e 70(...) e prevaleceu e<br />
cresceu nos anos 90." (SANTOS, 2005, p. 81)<br />
6 econômico, isto significa dizer que, enquanto houver competição aberta e livr<br />
e, sem fraudes...Poucas tendências poderiam tão fortemente minar as fundações desta sociedade<br />
livre como o acolhimento por parte das empresas de uma outra responsabilidade social além de<br />
ganhar mais dinheiro para seus acionistas quanto for possível. (DESSLER apud FRIEDMAN, 1998, p.<br />
91) (livre tradução do autor)<br />
6<br />
67
Existe um link entre a responsabilidade social e a ética, que<br />
muitas vezes não está claro, pois as questões morais e<br />
comportamentais perpassam pelo antepassado cultural de<br />
cada um, suas experiências pessoais, seus princípios religiosos<br />
e crenças. No caso das empresas e corporações, a<br />
responsabilidade social é extensiva à comunidade na qual ela<br />
está instalada geograficamente.<br />
A criação de empregos, e de eventos sociais e educacionais,<br />
são entendidos por muitos dos filósofos sociais como parte da<br />
responsabilidade da empresa. Segundo Gary Dessler (1998, p.<br />
89), "Socially responsible behavior thus might include ceating<br />
jobs for minorities, controling pollution, or supporting<br />
7<br />
educational facilities or cultural events."<br />
O designer como ator deste cenário, que carrega em seu fazer<br />
profissional a responsabilidade de ser a ponte entre os<br />
industriais e o consumidor, traduzindo os desejos e as<br />
necessidades dos consumidores em objetos que serão<br />
viabilizados e produzidos para o desenvolvimento das<br />
empresas, precisa trabalhar com a visão da responsabilidade<br />
social e ajudar às empresas a incorporá-la nas suas missões e<br />
visões de negócio.<br />
"Responsabilidade social pode ser a expressão a ser atualizada<br />
como pano de fundo para uma nova construção teórica. Segundo<br />
esse padrão de análise, conjugado à noção de gestão de design,<br />
essa atividade deve considerar os múltiplos aspectos envolvidos no<br />
7 "Comportamento socialmente responsável, deveria incluir a criação de empregos para as minorias,<br />
o controle da poluição ou o suporte ao acesso à educação ou aos eventos culturais." (DESSLER,<br />
1998, p. 89) (livre tradução do autor)<br />
68
campo da produção, ou seja, deve se desenvolver simultaneamente<br />
sob a ótica do respeito ao consumidor, e ao trabalhador, ao<br />
fornecedor e ao distribuidor, ao investidor e à comunidade, ao<br />
meio ambiente e à necessidade produtiva" (LEITE, 2001, p. 69)<br />
Como vemos, o DS está implícito na RSE, a partir do momento<br />
em que o designer participa dos processos de planejamento e<br />
organização das corporações, ele se torna voz ativa no<br />
direcionamento das operações das empresas. Atua como elo<br />
entre as operações intra-muros e extra-muros, define matérias,<br />
formas, atuações, que serão fundamentais nas relações<br />
interpessoais e projetará o futuro destas relações.<br />
69
3.2 Uma Abordagem Sistêmica<br />
"No século XX, a ciência trouxe a perspectiva holística da natureza,<br />
do universo como um todo, conhecida como pensamento<br />
sistêmico, que emergiu simultâneamente em várias áreas como a<br />
biologia, a física e a psicologia. E, posteriormente, surgindo a nova<br />
ciência: a Ecologia." (COSTA E SOARES, 2004, p.21)<br />
A abordagem exigida pelos projetos, na contemporaneidade,<br />
leva os designers, os projetistas a "(...) questionar os sistemas,<br />
discutir os seus valores e os seus princípios." (WHITELEY, 1998,<br />
p. 69) Para Tomás Maldonado, os designers devem buscar uma<br />
autonomia e usá-la quando possível, para fins sociais e<br />
ambientais. Confrontar as forças políticas e econômicas e as<br />
conseqüentes polarizações que surgem entre riqueza/<br />
pobreza, fundamentalismo religioso/ humanismo,<br />
sustentabilidade ambiental/ destruição ecológica e a utopia/<br />
resistência tecnológica. A partir do momento em que o<br />
designer sai da posição de profissional que atende ao mercado<br />
e age como um profissional que pensa o sistema, torna-se um<br />
ser autônomo, e ganha a possibilidade de atuar como<br />
beneficiário da sociedade e do ambiente. (MARGOLIN, 2007)<br />
Posicionar-se desta forma requer conhecimento e reflexão<br />
profunda dos seus valores, metas e preocupações. Saber o que<br />
incomoda o nosso olhar é saber onde devemos atuar para<br />
criarmos um ambiente favorável às mudanças, e buscar força<br />
em parcerias e instituições que tenham os mesmos<br />
objetivos.(Idem)<br />
70
"Levar a cabo o empreendimento de integração de princípios<br />
ecológicos e limites físicos no formalismo dos modelos da<br />
economia compreende não poucas dificuldades suscitadas pela<br />
necessidade de abordagens multidisciplinares, transdisciplinares,<br />
holísticas e sistêmicas." (CAVALCANTI, 1994, p.21)<br />
Para o designer Carlo Vezzoli (2006) em entrevista concedida,<br />
disponível no site da Pós-graduação Latu sensu em Design de<br />
Produto da UNEB, a solução para os projetos de design<br />
contemporâneos é a adoção de "(...) uma perspectiva mais<br />
sistêmica para se aproximar da perspectiva ecológica." Utilizar<br />
uma abordagem partindo do ciclo de vida dos produtos,<br />
através do qual o desenho de sistemas "(...) composto por<br />
todos os processos que caracterizam o produto em seu<br />
funcionamento, ou o sistema de todos os efeitos danosos que<br />
todas as entradas e saídas deste sistema estão causando." Ou<br />
seja, uma abordagem sistêmica requer uma visão ampla do<br />
processo de desenvolvimento de produtos e serviços.<br />
Um projeto sistêmico, engloba o estudo dos sistemas<br />
anteriores à produção, os que fazem parte da produção<br />
propriamente dita e os posteriores a ela. São observados os<br />
processos desde a extração de recursos que servirão de<br />
matéria, todos os recursos consumidos durante os processos<br />
de transformação, distribuição, embalagem e empacotamento,<br />
disposição, aquisição, consumo, uso e o 1º descarte. Isto é,<br />
analisa todas as fases com potencial dano ao meio-ambiente e<br />
à sociedade em seu processo.<br />
"O desenho do projeto tem que se mover do desenho de produto<br />
para o desenho do projeto das fases do ciclo de vida desse produto<br />
71
com o objetivo de minimizar o impacto ambiental geral".<br />
(Entrevista com VEZZOLI, 2006)<br />
Através da análise da quantidade de energia necessária à<br />
produção, o designer pode minimizar a utilização da energia e<br />
dos materiais utilizados durante os ciclos de vida do produto.<br />
Ele pode projetar inclusive os ciclos posteriores ao primeiro<br />
ciclo de utilização, o que acontece depois do seu primeiro<br />
descarte, as possibilidades de reutilização e reciclagem até a<br />
recuperação da energia gasta nos processos.<br />
Abarcar essa gama de informações envolvidas, demanda um<br />
alto conhecimento e denota a grande complexidade de um<br />
projeto desta natureza. Na contemporaneidade a<br />
complexidade e o imbricamento dos sistemas faz parte do dia-<br />
a-dia. E, por isto mesmo, o trabalho com grupos, equipes de<br />
profissionais, atuando em conjunto dentro do desenvolvimento<br />
de um mesmo projeto é essencial. A troca e o fluxo acelerado<br />
de informações com as quais um projeto complexo lida,<br />
impossibilita uma ação individual.<br />
"A concepção de um design é bastante complexo, pois envolve uma<br />
relação de historicidade inserida no contexto da atualidade,<br />
aproximando-se dos problemas sócio-econômicos, e<br />
conseqüentemente, de sua dimensão política e tecnicista." (SENA,<br />
1995, p. 91)<br />
Vezzoli (2006) levanta a questão do papel do designer neste<br />
momento histórico, e da consolidação do entendimento deste<br />
papel. Onde alguns preceitos, ou algumas considerações,<br />
devem ser premissas num projeto desta natureza. A ética e a<br />
moral são parte do<br />
72
"(...) conceito compartilhado mundialmente para um<br />
desenvolvimento produtivo e social. O que é levado em<br />
consideração é que o desenvolvimento social e produtivo deve ter<br />
lugar dentro dos limites ajustados pelo ambiente, enfocando as<br />
necessidades da geração presente sem comprometer a durabilidade<br />
da geração futura em alcançar as suas necessidades de uma forma<br />
eqüitativa."<br />
O cenário atual aponta para uma mudança radical nos padrões<br />
de consumo atuais. O que significa mudanças culturais e<br />
sociais profundas. Para Vezzoli (2006), "(...) a sustentabilidade<br />
requererá uma mudança profunda na cultura industrial." Os<br />
padrões de qualidade e quantidade de produtos consumidos<br />
passarão por uma revisão que modificará estes conceitos. Já se<br />
percebe nitidamente este redirecionamento no consumo<br />
mundial.<br />
O redesenho de projetos, mas não apenas ele, será o propulsor<br />
e difusor desta nova forma de consumo.<br />
"O que é preciso é que a nova geração de produtos e serviços<br />
confie em valores e padrões de qualidade mais coerentes com o<br />
padrão de uma sociedade sustentável." (VEZZOLI, 2006)<br />
Uma nova geração de produtos sustentáveis está nascendo. O<br />
público está participando deste nascimento, apontando<br />
direções, cobrando, exigindo dos produtores, mas este<br />
processo ainda não está massificado.<br />
"Cada trabalho revela um espectro de críticas e ideologias,<br />
resultando em uma preocupação com programas de transformação<br />
social, que envolve, desde o ambiente material até as concepções<br />
mercadológicas". (SENA, 1995, p. 91)<br />
73
Muitas adaptações estão sendo implementadas em processos<br />
existentes. Em alguns casos, adaptações a serviço apenas da<br />
publicidade e do marketing, do apoderamento do discurso do<br />
ecologicamente correto por empresas, marcas e produtos,<br />
mascarando as reais condições de produção. Muitas vezes,<br />
ocorre o implemento de mudanças em fases dos projetos que<br />
realmente são significativas, mas que no sistema acabam por<br />
acarretar o efeito inverso. Observar a produção de maneira<br />
segmentada, sem olhar o espectro mais amplo do sistema,<br />
pode ocasionar erros de avaliação nos processos.<br />
"O hiato entre o custo de produção e o custo social de determinado<br />
produto revela-se facilmente quando um design não contribui para<br />
a melhoria da qualidade de vida de um povo, esse hiato se forma<br />
em função de uma metodologia que não inclui o custo-benefício do<br />
produto para a sociedade, tomada como consumidora. Portanto há<br />
uma lógica interna na concepção de um Design Social, a própria<br />
lógica do usuário e não a lógica da produção." (SENA, 1995, p. 92).<br />
Por isso, destacamos a importância do desenho desses projetos<br />
abarcar os diversos sistemas que os compõem. Entender que<br />
um produto não inicia na prateleira do supermercado, ou no<br />
plantio de uma árvore para retirada da celulose, mas nas<br />
famílias de espécies da fauna e flora que foram deslocadas<br />
para o preparo do terreno para o plantio dos pinheirais, que<br />
servirão de matéria-prima para a produção da celulose que<br />
compõe as pilhas de resmas que encontramos à venda nos<br />
supermercados, e em todo o possível desequilíbrio e dano<br />
causado com esta ação.<br />
"O que é preciso é que a nova geração de produtos e serviços confie<br />
em valores e padrões de qualidade mais coerentes com o padrão de<br />
uma sociedade sustentável." (VEZZOLI, 2006)<br />
74
O problema central é desenhar um sistema que realmente<br />
recicle os materiais, pois a grande maioria das matérias<br />
utilizadas é reciclável. É importante desenvolver-se uma<br />
arquitetura do produto que torne mais fácil esta reciclagem<br />
com um custo efetivamente menor em todo o ciclo de<br />
reciclagem, começando desde a separação do material e o seu<br />
transporte.<br />
"Tudo isso nos diz que uma nova geração de designers conscientes<br />
da sustentabilidade é necessária no Brasil e na Itália, o que significa<br />
que quem é responsável pela pesquisa e educação tem um<br />
importante papel a fazer." (VEZZOLI, 2006)<br />
Na contemporaneidade, para se estar alinhado com as<br />
exigências da sustentabilidade é necessário um realinhamento<br />
da economia. Onde aparecem as oportunidades para o<br />
desenvolvimento de produtos e o mercado orientado à<br />
sustentabilidade. Neste ponto, a revolução digital, as novas<br />
tecnologias, vêm favorecer ao<br />
"(...) aumento das possibilidades em gerenciar sistemas mais e mais<br />
complexos de interação, permitindo fluxos mais eco-eficientes de<br />
recursos em um nível sistêmico e finalmente em virtude do<br />
aumento das atividades de outsourced, liderando um potencial<br />
maior de consumo de recursos eficientes, principalmente em<br />
virtude de uma economia de escala e especialização." (VEZZOLI,<br />
2006)<br />
O gerenciamento da quantidade de informação necessária só é<br />
possível graças aos sistemas digitais. Programas de<br />
armazenamento, análise, troca e difusão da informação e dos<br />
resultados dessas análises permitem aos gestores a<br />
organização do grande fluxo de informação. A combinação<br />
75
MANZINI, Ezio.<br />
Designer, engineer,<br />
architect, educator<br />
and author - is one of<br />
the most important<br />
thinkers in design<br />
today. The<br />
manuscripts available<br />
here and much of the<br />
work listed in our<br />
bibliography are<br />
accessible reading for<br />
students of design.<br />
Sustainable design<br />
theory can be<br />
daunting for<br />
newcomers, but<br />
previous knowledge in<br />
this field is not a<br />
prerequisite for<br />
understanding and<br />
implementing<br />
Manzini's ideas.<br />
dos resultados gerados em várias fontes, por vários aspectos<br />
das ciências, a montagem de uma matriz complexa,<br />
envolvendo os diversos sistemas, tem sua viabilidade através<br />
dos processos digitais.<br />
"A conscientização acerca dos problemas ambientais tem como<br />
decorrência a reorientação de novos comportamentos sociais e a<br />
procura por produtos e serviços que minimizem o impacto gerado<br />
ao ambiente." ( Entrevista com MANZINI, 2007)<br />
As pesquisas em Design vêm<br />
"(...) contribuir para o desenvolvimento de uma cultura projetual<br />
capaz de enfrentar a transição para a sustentabilidade e de<br />
promover o aparecimento de uma nova geração de produtos e<br />
serviços sustentáveis." (MANZINI, 2007)<br />
O entendimento do design está sendo ampliado e transposto<br />
para um patamar mais estratégico. O design deixa o primeiro<br />
momento da sua profissionalização, de apenas conformador<br />
de produtos para um planejador, integrador de sistemas de<br />
produtos e serviços. Sistemas estes que estão sendo traçados<br />
dentro da perspectiva do design sustentável, do design social,<br />
para médio e longo prazos, mas de uma forma que sejam<br />
economicamente viáveis e socialmente aceitáveis. E desta<br />
forma inverter o quadro descrito por Papanek (1971), através<br />
das suas declarações:<br />
"There are professions more harmful than industrial design, but<br />
8<br />
only a very few of them." e "(...) by creating whole new species<br />
of permanent garbage to clutter up the landscape, and by<br />
8 “Existem profissões mais danosas do que o design industrial, mas realmente muito poucas.” (livre<br />
tradução da autora) (PAPANEK, 1971, p. Xxii)<br />
76
choosing materials and processes that pollute the air we breath,<br />
designers have become a dangerous breed."<br />
Nas conclusões de Gui Bonsiepe (1983, p. 2)<br />
BONSIEPE, Gui.<br />
"Serão necessários todos os instrumentos da inteligência projetual<br />
(1934) para fazer frente a essa situação de extrema emergência. (...) o 77<br />
Estudou em Ulm na<br />
Hochschule für<br />
Gestaltung, onde<br />
também foi<br />
professor titular.<br />
desenho industrial como atividade tecnológica deve contribuir<br />
para superá-la com respostas concretas."<br />
Atuou no Chile, na<br />
argentina e em<br />
Conforme levantado por Margolin (2002, p. 80), através da<br />
diversas<br />
observação de Buchanan, se os designers atuarem neste<br />
universidades<br />
européias, Asiáticas, contexto de problemas buscando uma saída, deverão mover-se<br />
norte-americanas e<br />
latino-americanas. do segundo domínio do design, o design de objetos, onde os<br />
Fez parte de vários<br />
órgãos como ONU,<br />
produtos de design estiveram desde o século dezenove, para<br />
OIT, UNESCO e no<br />
CNPq no Brasil.<br />
um quarto domínio, o de sistemas complexos, ou ambientes<br />
de vida, "(...) complex systems or environments for living,<br />
10<br />
working, playing and learning".<br />
9 “(...)através da criação de diversos tipos de lixo que se entulham na paisagem, e escolhendo<br />
materiais e processos que poluem o ar que respiramos, o Design tem se tornado um perigoso<br />
ramo”. (livre tradução da autora) (PAPANEK, 1971, p. Xxii)<br />
10 “(…)sistemas complexos ou ambientes para se viver, trabalhar, brincar e aprender.”<br />
9
Nas palavras de Buchanan, eles deverão projetar:<br />
"(…) more and more concerned with exploring the role of design<br />
in sustaining, developing, and integrating human beings into<br />
broader ecological and cultural enviroments, shaping these<br />
enviroments when desirable and possible or adpting to them<br />
11<br />
necessary." (MARGOLIN, 2002, p. 80)<br />
11 "(…) mais e mais conscientes, explorando o papel do design sustentável, desenvolvendo e<br />
integrando os seres humanos no vasto ambiente ecológico e cultural, modelando estes ambientes<br />
quando desejável e possível ou adaptando eles às necessidades." (MARGOLIN, 2002, p. 80) (livre<br />
tradução do autor)<br />
78
4.0 A Mão na Moda - Relato de experiência<br />
A Casa, o museu do objeto brasileiro, através de sua diretora<br />
Renata Melão, com a coordenação da artista plástica Silvia<br />
Sasaoka, iniciou um Projeto em 2000, financiado pelo<br />
Ministério da Cultura com apoio do SEBRAE-PI (Piauí), e<br />
curadoria de Suzana Avellar, intitulado A MÃO NA MODA -<br />
UMA HISTÓRIA BRASILEIRA. A exposição, fruto deste Projeto,<br />
foi realizada no Espaço Cultural Citibank em São Paulo, em<br />
2001.<br />
Através de entrevistas com a curadoria e coordenação do<br />
projeto, além de dados obtidos na mídia sobre o designer<br />
convidado a nele atuar, a comunidade artesã e o Sebrae,<br />
pudemos reconstruir os acontecimentos fundamentais que<br />
norteram o projeto, incluindo-os neste relato.<br />
Os projetos organizados pelo museu, além de divulgar os<br />
trabalhos de arte e artesanato do país, também auxiliam as<br />
comunidades sem interferir em suas tradições, buscando<br />
sempre uma maneira de tornar estes trabalhos, artesanais<br />
num meio de vida sustentável.<br />
A idéia do A Mão na Moda surgiu através de um outro<br />
projeto de artesanato solidário, do Museu, desenvolvido na<br />
cidade de Serrita em Pernambuco, em maio de 2000<br />
juntamente com a Academia de Design de Eindhoven,<br />
Holanda. O objetivo era trabalhar com a moda como uma área<br />
possível de geração de renda para comunidades artesanais.<br />
79
A especialista em design, Adélia Borges, proferiu, em<br />
21/2/2008, palestra no Museu do Estado de Pernambuco, em<br />
Recife, com o tema "A relação entre design e artesanato",<br />
encerrando o ciclo de debates realizado durante a exposição<br />
"Uma Vida", com peças de arte do acervo da coleção pessoal<br />
de Janete Costa e Borsoy. Nessa ocasião, mencionou o projeto<br />
de Serrita, e afirmou que, apesar de bem intencionado, foi mal<br />
sucedido, pois os estudantes-visitantes trouxeram o material<br />
pré-fabricado, ao invés de desenvolver todo o projeto no local,<br />
a partir das necessidades identificadas. Os estudantes vieram,<br />
beberam na fonte inspiradora da artesania do couro do sertão<br />
de Pernambuco e deixaram apenas a esperança de dias<br />
melhores para os artesãos. Não conseguiram de fato<br />
concretizar uma mudança na vida dos participantes daquela<br />
comunidade. De qualquer forma, esta foi a primeira<br />
experiência com projetos de interdisciplinaridade, trazendo<br />
designers para atuarem em comunidades artesãs, e isso<br />
capacitou o Museu a investir no projeto A Mão na Moda.<br />
80
12<br />
Através do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)10, a<br />
curadora Suzana Avellar obteve dados que relatavam o alto<br />
índice de pobreza no norte e nordeste do Brasil,<br />
especificamente nos estados do Pará e do Piauí. A intenção foi<br />
trabalhar no interior, numa área que não fosse litorânea.<br />
Percebeu-se "(...) que mais do que um projeto sobre o<br />
artesanato, as comunidades que chegamos precisavam<br />
mesmo de projetos para questões como saúde, água,<br />
saneamento e educação." ( Entrevista com Suzana Avellar,<br />
2008) Partindo desta informação buscaram identificar<br />
comunidades de artesãos que pudessem ser o foco do projeto.<br />
Segundo Avellar (2007), "A idéia era reinserir o artesanato no<br />
mercado."<br />
O projeto contou com um catálogo montado pelo Sebrae-PI,<br />
no qual constavam os grupos de artesãos e os trabalhos<br />
realizados por eles. Através deste contato foi selecionado um<br />
grupo de rendeiras.<br />
O grupo escolhido foi o das Rendeiras do Morro da Mariana.<br />
O nome surgiu como uma homenagem à Mariana, uma<br />
rendeira que ficou famosa na região.<br />
81
O Morro da Mariana faz parte do município de Ilha Grande de<br />
Santa Isabel, no estado do Piauí, norte do Brasil, a 350Km da<br />
capital Teresina. As rendeiras daquela localidade trabalham a<br />
renda de bilro "artesanato originário da Itália, trazido pelos<br />
portugueses durante a época do Brasil- colônia" (AVELLAR, 2002).<br />
(Vide Apêndice 2)<br />
A renda de bilro é feita com uma espécie de almofada, de<br />
formato cilíndrico contendo geralmente palha seca no<br />
enchimento e forrada de tecido de algodão. Na parte externa<br />
da almofada, são fixados os fios, nas pontas dos fios são<br />
atados os bilros - pequenas peças de madeira que facilitam o<br />
trançar. A rendeira fixa o desenho a ser tecido na almofada e os<br />
locais a serem contornados pelos fios (as índias utilizavam<br />
espinhos para este processo). Feito isso, a rendeira vai<br />
mudando de lugar os bilros, entrelaçando os fios até todo o<br />
desenho aparecer em forma de renda. Esse processo está<br />
praticamente extinto em diversas cidades nordestinas, que<br />
atualmente produzem apenas a renda de agulha.<br />
Por sugestão de Silvia Sassaoka, e pela sua competência e<br />
reconhecimento no círcuito da moda, o estilista Walter<br />
Rodrigues foi convidado a desenvolver o projeto junto à<br />
comunidade.<br />
12 O IDH foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, e vem sendo<br />
usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em seu relatório<br />
anual. Criado para medir o nível de desenvolvimento humano dos países a partir de indicadores de<br />
educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade (expectativa de vida ao nascer) e renda<br />
(PIB per capita). Seus valores variam de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento<br />
humano total). Países com IDH até 0,499 são considerados de desenvolvimento humano baixo; com<br />
índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de desenvolvimento humano médio; e com índices<br />
maiores que 0,800 são considerados de desenvolvimento humano alto. (Fonte:http://www.sespa.pa.<br />
gov.br/Informa%C3%A7%C3%A3o/IDH/idh_oquee.htm). Acessado em 12/2007.<br />
82
AVELAR, Suzana.<br />
Bacharel em Desenho<br />
de Moda pela<br />
Faculdade Santa<br />
Marcelina (1995),<br />
mestra em<br />
Comunicação e<br />
Semiótica pela<br />
Pontifícia <strong>Universidade</strong><br />
Católica de São Paulo<br />
(2000) e doutora em<br />
Comunicação e<br />
Semiótica pela<br />
Pontifícia <strong>Universidade</strong><br />
Católica de São Paulo<br />
(2005). Professora<br />
titular da Faculdades<br />
Metropolitanas Unidas,<br />
da Fundação Armando<br />
Álvares Penteado e do<br />
Centro Universitário<br />
Belas Artes de São<br />
Paulo. Atuando<br />
principalmente nos<br />
seguintes temas: moda,<br />
Hibridização,<br />
globalização,<br />
Cibercultura, Indústria<br />
do luxo e Projetos<br />
sociais.<br />
Segundo Suzana Avellar, antes de Walter chegar à<br />
comunidade, a primeira pessoa a fazer contato com a<br />
Associação de Rendeiras do Morro da Mariana foi Juliana<br />
Campos, pesquisadora que atuava no Piauí, contratada pelo<br />
Museu, para propor o projeto à comunidade. A partir daí<br />
uma coincidência, ajudou no encontro. Maria do Socorro Reis<br />
Galeno representante do grupo, veio a São Paulo para visitar<br />
sua filha e, aproveitando a viagem, Suzana Avellar promoveu<br />
o encontro. Assim Maria conheceu primeiro o ateliê de<br />
Walter, quando levou suas amostras de renda de bilro para<br />
ele avaliar.<br />
Após este primeiro encontro, aconteceu a primeira viagem de<br />
Walter ao Piauí. Suzana e Walter passaram uma semana com<br />
as rendeiras na Associação realizando experimentos e<br />
estabelecendo uma forma de trabalho. Segundo Suzana, foi<br />
uma época de conhecimento para todas as partes. A CASA<br />
pagou logo neste início a metade do valor acertado no<br />
trabalho a fim de que as rendeiras pudessem se dedicar ao<br />
projeto já com uma certa renda garantida.<br />
O museu enviou uma museóloga, um videomaker, para<br />
acompanhar e documentar o projeto, que foi desenvolvido ao<br />
longo de um ano. O projeto pôde contar com outros<br />
parceiros: a empresa de Linhas Círculo e o Ministério da<br />
Cultura através da Secretaria do Museu e do Patrimônio<br />
patrocinou uma parte do projeto, através do FNC- Fundo<br />
Nacional de Cultura.<br />
"Isso foi uma grande conquista para nós, pois a idéia era<br />
envolver o governo federal nessa questão social ligada à<br />
83
moda. Era uma forma de mostrar que existem muitas<br />
possibilidades para dar autonomia financeira a uma<br />
comunidade via essa área." (AVELLAR, 2008)<br />
Em 1993, as rendeiras encontravam-se numa situação<br />
preocupante, numa encruzilhada profissional. Cada vez mais<br />
dispersas, vendo seus trabalhos desvalorizados, com os<br />
rendimentos do artesanato muito baixos, isso lhes impedia de<br />
dar a si mesmas e a seus familiares uma condição de vida<br />
adequada. Sem encontrar uma outra saída viável, cogitavam<br />
largar o ofício e buscar outra atividade que fosse mais<br />
rentável. "Se isso acontecesse, a memória da comunidade se<br />
perderia e seria uma grande perda para o país." (AVELLAR, 2002)<br />
Para solucionar o problema e mudar esse contexto, eram<br />
necessárias ações fundamentais: desenvolver o associativismo<br />
entre as rendeiras, inovar seus produtos e criar condições para<br />
torná-los mais atraentes para o mercado. Dentro desta<br />
perspectiva o SEBRAE-PI começou a desenvolver um trabalho<br />
com elas. (MACHADO, 2002)<br />
No início do projeto a Associação de rendeiras contava com<br />
apenas 8 (oito) participantes. Graças ao trabalho desenvolvido,<br />
Avellar relata que: "Hoje, mais de setenta rendeiras produzem<br />
e vendem rendas de bilro, para o Brasil e também para o<br />
exterior!" A maioria delas trabalha em casa e vende as rendas<br />
na sede da associação.<br />
A partir do projeto as rendeiras resolveram se unir e mudar o<br />
rumo daquela história. Congregar as artesãs foi o primeiro<br />
passo para dar maior visibilidade aos seus trabalhos artesanais.<br />
84
Walter Rodrigues recebeu uma missão, quando aceitou o<br />
convite para participar do projeto: encontrar "(...) uma nova<br />
função e novo caráter para a renda de bilro." (AVELLAR, 2002)<br />
"Com a presença de Walter, de forma muito cuidadosa e<br />
delicada, as rendeiras começaram a produzir de acordo com a<br />
coleção do estilista que desfilaria esses produtos no SPFW.<br />
Nunca foi pedido que se alterasse os desenhos das rendas mas<br />
que elas trouxessem desenhos antigos que estavam guardados<br />
há muito tempo. Essa questão de mudar os desenhos é uma<br />
outra história, pois conheço outros trabalhos com elas que o<br />
designer encomenda outros desenhos e o resultado é muito<br />
bom para ambas as partes." (AVELLAR, 2008)<br />
A visita à comunidade acarretou uma inovação nos materiais<br />
por elas trabalhados. Passou-se a utilizar linhas de viscose com<br />
lycra, seda pura e de lycra com elastano. Foi-lhes sugerido<br />
ainda uma nova cartela de cores, e desenvolvidos trabalhos<br />
não só na cor preta, mas também em outras cores. (ANDRADE,<br />
2004)<br />
"Importante dizer que Rodrigues manteve o padrão dos<br />
desenhos e da maneira de produção das rendeiras e alterou a<br />
função na forma da roupa. As rendeiras também viram novas<br />
possibilidades de criações para aquilo que mais sabiam fazer."<br />
(AVELLAR, 2002)<br />
O resultado foi tão surpreendente que a assessora de<br />
comunicação do SEBRAE, Adlene Andrade, relatando a<br />
entrevista realizada com Walter, transcreveu:<br />
85
"Entreguei a elas toda a minha produção de rendas para a<br />
última São Paulo Fashion Week e depois encomendei 60<br />
camisetas e 80 vestidos". (ANDRADE, 2004)<br />
Através do projeto houve um resgate da cidadania, da<br />
artesania. Segundo Suzana Avellar (2002), "O resultado foi<br />
admirável para todos que estavam envolvidos." Um ponto<br />
importante destacado por Suzana é que este grupo sempre<br />
teve um trabalho impecável, de excelente qualidade.<br />
Como primeiro resultado, as peças de roupas produzidas pelo<br />
estilista e pelas rendeiras foram apresentadas no São Paulo<br />
Fashion Week, em julho de 2001, e estavam plenamente<br />
integradas às tendências de moda naquele verão. O segundo<br />
ponto favorável é que apenas um ano após o projeto, as<br />
rendeiras, que estavam condenadas a encerrar suas atividades,<br />
tiveram que aumentar a sua produção em 50% ,e seus<br />
trabalhos passaram a ser conhecidos em toda a região. O<br />
reconhecimento do sucesso e da valorização do trabalho<br />
artesanal repercutiu na prefeitura, que reformou a sede da<br />
associação, que não tinha telefone, luz nem água.<br />
" (...) receberam computador, internet, assinatura de duas<br />
revistas de moda e, obviamente, continuaram produzindo sob<br />
encomenda podendo se sustentar com o seu próprio trabalho."<br />
(AVELLAR, 2002)<br />
"O que aconteceu portanto, assim como determinei desde o<br />
começo, foi a atualização do valor estético para um produto o<br />
qual, ainda que belo, mas sem muito escoamento. E isso é a<br />
capacidade da moda, da indústria da moda: a atualização do<br />
valor estético atraindo nosso olhar para um novo belo,<br />
despertando o desejo de apreendê-lo e de ser apreendido."<br />
86
(AVELLAR, 2002)<br />
Através deste primeiro projeto, o estilista Walter Rodrigues,<br />
que passou a realizar um trabalho voluntário com as<br />
artesãs da Associação das Rendeiras de Morro da Mariana,<br />
convocou uma outra Associação de rendeiras, desta vez<br />
utilizando o trabalho das Bordadeiras do Acarape, grupo<br />
atendido pelas ações do Programa Sebrae de Artesanato e<br />
coordenado pela Unidade de Desenvolvimento Setorial do<br />
Sebrae Piauí. Os bordados foram inseridos na coleção<br />
Primavera/Verão 2003-2004 do estilista.<br />
O estilista realizou um trabalho de pesquisa, e descobriu<br />
um estilo de bordado da França, que datava o século XVII.<br />
Através de imagens deste bordado, enviadas por e-mail ao<br />
Sebrae, buscou grupos que pudessem reproduzir aquele<br />
estilo. Segundo Andrade (2004) "O estilista ficou surpreso,<br />
como ele mesmo conta, porque não só era possível a<br />
reprodução, como 50 mulheres já faziam produções<br />
naquela tendência, demonstrando uma rica e conservada<br />
tradição."<br />
As bordadeiras trabalharam de abril a junho, e a coleção<br />
com bordados, utilizando a temática de flores e rosas,<br />
inspirados nos anos 30 e 70, foi mostrada primeira vez no<br />
São Paulo Fashion Week 2004 no meio do ano. Em seguida,<br />
foi exibida numa das principais feiras de moda feminina da<br />
Europa, o Salão Prêt-à-Porter, de Paris, que acontece no<br />
mês de setembro, na França. (ANDRADE, 2004)<br />
A coordenadora do projeto, Silvia Sasaoka, também<br />
continuou realizando encomendas e trazendo novos<br />
87
SASAOKA, Silvia.<br />
Artista plástica,<br />
consultora do<br />
Programa<br />
Artesanato<br />
Solidário.<br />
projetos para o Morro da Mariana, através da StraaT, empresa<br />
de consultoria de design social formada em dupla com o<br />
administrador holandês Anton van Dort. A empresa faz a<br />
ponte entre dois mundos: a periferia e o mercado. Visa<br />
promover o intercâmbio internacional de estudantes de design<br />
da Design Academy Eindhoven, da Holanda, para a criação e o<br />
desenvolvimento de novos produtos. "O artesão quer aprender<br />
a fazer um produto comercial que gere renda. Nós<br />
trabalhamos para vinculá-lo à cadeia produtiva", diz Silvia em<br />
entrevista concedida à Patricia De Cia. Após deixar suas<br />
atividades no Museu, passou a se dedicar inteiramente ao<br />
artesanato com a realização de consultoria para o ARTESOL -<br />
Artesanato Solidário, atuante em todo o Brasil com mais de<br />
dezessete comunidades.<br />
O desenvolvimento da metodologia de orientação do trabalho<br />
à distância realizada por Walter Rodrigues foi um dos grandes<br />
diferenciais. Ele criou roupas em módulos. As rendeiras muitas<br />
vezes não tinham noção de como ficariam os vestidos como<br />
produto final. Elas produziam os módulos, que eram enviados<br />
ao ateliê de São Paulo para a montagem dos vestidos.<br />
Segundo Silvia Sasaoka (2008), a continuação do trabalho,<br />
através do intercâmbio com os estudantes da Academia de<br />
Design de Eindhoven, foi o que trouxe sustentabilidade para<br />
as rendeiras do Morro da Mariana. Os estudantes passaram<br />
dois meses desenvolvendo produtos ao lado das rendeiras, e,<br />
através deste trabalho, começaram a produzir acessórios,<br />
colares e peças menores, mais fáceis de fazer e que podiam ser<br />
rapidamente comercializadas. Pesquisaram diversos materiais<br />
como crina de cavalo, plástico, tnt e estudaram principalmente<br />
88
a estrutura dos desenhos para a renda. E deste trabalho<br />
surgiram os inéditos colares de renda, que se tornaram a<br />
coqueluche do artesanato. E deram asas para que as próprias<br />
rendeiras começassem a desenvolver seus próprios colares,<br />
colocassem suas idéias nos novos produtos.<br />
Segundo Silvia (2008), este trabalho teve uma aceitação tão<br />
grande no mercado, que o próprio Walter Rodrigues, utilizou<br />
as flores desenvolvidas para o vestido usado por Dona Marisa,<br />
na posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva. O vestido de<br />
crepe amarelo tinha uma capa sobre ele com mil e duzentas<br />
camélias de renda, que foram elaboradas em linhas de dois<br />
tons e tudo ficou pronto em apenas 20 dias. As flores foram<br />
montadas sobre um molde com desenho das camélias,<br />
elaborado pelos designers holandeses que fizeram um estágio<br />
na associação três anos antes, em 2003. Esta notícia foi<br />
divulgada na mídia em geral, o que proporcionou uma<br />
enorme propaganda para o Morro da Mariana.<br />
Um grande entrave no trabalho das rendeiras era a falta de<br />
documentação e conservação dos desenhos existentes, os<br />
motivos das rendas, ou seja, preservar o conhecimento<br />
existente. E havia também um obstáculo na criação de novos<br />
motivos, até mesmo numa simples ampliação dos desenhos já<br />
existentes. Walter Rodrigues atuou como vetor de mudanças<br />
na forma de olhar o produto das artesãs. O simples fato de<br />
ensinar a usar uma máquina xerox, disponível na cidade,<br />
ampliando e reduzindo os motivos, causou uma verdadeira<br />
revolução entre as artesãs, que antes dependiam de uma<br />
mestra para este serviço, por ser um trabalho que exigia<br />
conhecimentos em geometria. Essa tecnologia,<br />
completamente desconhecida para elas, passou a fazer parte<br />
89
do trabalho diário. Trouxe liberdade imaginativa e criadora.<br />
Segundo Silvia, a verdadeira revolução acontece quando há<br />
troca entre o designer e o artesão à longo prazo, quando os<br />
designers participam não só da produção, mas do cotidiano<br />
da comunidade. Mesmo com a existência de um abismo social<br />
entre os estudantes de design holandeses e as artesãs<br />
piauenses, as informações sobre o que é um desenho, um<br />
projeto, como se cria, como se desenvolve, de onde vem a<br />
inspiração, enfim, do processo de criação, estava ali presente<br />
na intensa convivência entre esses dois mundos. E a troca<br />
acontece de forma que ambos se alimentam desta<br />
experiência.<br />
Avellar (2008) acredita que o projeto realizou seus objetivos,<br />
principalmente no que diz respeito à autonomia da<br />
Associação. Apenas com o fornecimento de informações e<br />
divulgando o seu trabalho de forma correta.<br />
Com o sucesso alcançado pelos produtos, e a repercussão<br />
atingida, a manutenção do saber artesanal foi assegurada, a<br />
mestra-artesã pôde continuar repassando seu<br />
ofício para as novas gerações de<br />
rendeiras e assim garantir a<br />
memória desse saber proveniente<br />
da cultura popular.<br />
Imagem do produto antes e depois do trabalho com o designer.<br />
90
5.0 Considerações finais<br />
A formação de um tecido: tecer, armar uma estrutura que<br />
lembra uma teia, uma rede, com um espaço mínimo entre os<br />
fios que se entrecruzam, se apertam, se unem para formar o<br />
tecido. Quando mais resistentes e longas forem as fibras que<br />
compõem estes fios, mais resistente e duradouro será o<br />
tecido. Enquanto fios, frágeis, leves, delicados.<br />
À medida em que a trama se aperta, eles vão se unindo, se<br />
fortalecendo, trama e urdume, até não se poder diferenciá-los<br />
a olho nu. E quando o tecido está formado, para<br />
conseguirmos distinguir seus fios, suas fibras a matéria do<br />
qual foi forjado, só destruindo o imenso e belo trabalho da<br />
sua união. Desfazendo a trama, desvela-se a fragilidade dos<br />
seus componentes. Assim é o Design Social, tramado no seio<br />
das comunidades, favorecendo as relações inter-pessoais,<br />
fortalecendo a importância da solidariedade e do afeto em<br />
torno de um objetivo comum.<br />
Acredito muito no designer como um empreendedor, como<br />
peça chave de transformação social. E certamente em virtude<br />
de minha experiência em design de moda pude perceber que<br />
ela, ao se engajar em projetos sociais, é capaz de produzir<br />
uma reviravolta tanto no plano social quanto criativo nas<br />
pequenas comunidades artesãs em que vier a atuar. O<br />
designer é capaz de incentivar a produção não só de bens,<br />
objetos de uso e consumo, mas gerar principalmente<br />
condições favoráveis ao bem-estar humano. O projeto Mão na<br />
Moda revelou-se um exemplo inaugural nesse sentido.<br />
91
Inúmeras são as vozes que hoje se levantam endossando o<br />
caráter insustentável da sociedade contemporânea:<br />
crescimento populacional acelerado, esgotamento dos<br />
recursos naturais, má distribuição de renda. Ou seja, uma crise<br />
desencadeada por comportamentos centrados na expansão<br />
ilimitada do consumo. E como o design pode contribuir para<br />
alterar esse contexto? Acredito que o designer não consegue<br />
mais ignorá-lo, e isso o obriga a repensar o seu papel.<br />
Vários caminhos podem ser escolhidos. A concepção de<br />
desenvolvimento sustentável é um deles. É uma opção, uma<br />
oportunidade, que deve ser compreendida à luz de uma nova<br />
sensibilidade e de uma nova razão.<br />
Poderemos ou não adotá-lo. No entanto, é oportuno dizer que<br />
uma concepção de desenvolvimento sustentável,<br />
fundamentalmente sugere que comecemos a pensar em<br />
nossas vidas de uma maneira especialmente sensível,<br />
desafiadora e inovadora. (CAMARGO, 2002)<br />
A mudança de abordagem no desenvolvimento do trabalho de<br />
um designer pode resultar na construção de uma sociedade<br />
mais justa, mais solidária e bastante criativa.<br />
Conceber e desenvolver uma abordagem sistêmica, que<br />
congregue as mais diversas áreas do pensamento e das<br />
ciências, aponta para um novo horizonte. No que diz respeito<br />
ao Design de Moda, essa perspectiva pode fortalecê-lo, ao se<br />
incumbir de quebrar paradigmas e estigmas, vendo-se<br />
92
transformado em vetor de mudanças sociais profundas.<br />
Hoje, o papel do designer é atuar como uma conexão criativa<br />
entre tecnologia e sociedade, como uma ponte entre a<br />
inovação técnica e social a ponto de propor artefatos capazes<br />
de auxiliar as pessoas a viverem melhor. Como no caso<br />
relatado das rendeiras, o designer, ao incentivar a transmissão<br />
daquele conhecimento, viu diante de si operar-se o milagre da<br />
sobrevivência: "batendo" os bilros, fazendo eles cantarem,<br />
conversarem, enquanto entrelaçam os fios atados a eles, a<br />
renda vai se formando e o desenho aparecendo, e junto com<br />
ele um modo de vida, a união, o respeito ao fazer simples e<br />
sofisticado, que invade as passarelas do mundo globalizado.<br />
93
Epílogo<br />
Não é possível consertar o mundo com uma dissertação de<br />
mestrado. Não é possível nem ao menos começar a fazê-lo,<br />
através de uma pesquisa. Mas também não é possível, quando<br />
se começa a aprofundar o conhecimento na busca de<br />
filósofos, historiadores, sociólogos, economistas, enfim, de<br />
pesquisadores provenientes de vários campos do saber,<br />
quando se estuda e percorre os caminhos da intelectualidade,<br />
não tentar fazê-lo.<br />
Os designers não são personal trainers*, não são deuses**,<br />
mas se não forem parte da solução, então serão parte do<br />
problema***.<br />
Eu, como designer, escolhi ser parte das possíveis soluções<br />
para os grandes problemas contemporâneos, escolhi ser<br />
responsável.<br />
Se eu nada deixar às futuras gerações, ao menos deixarei um<br />
exemplo: NUNCA deixe de tentar.<br />
*designers não são personal trainers, emprestado do título da obra Designer não é personal<br />
trainer editado pela Rosari em 2002, de autoria da jornalista Adélia Borges.<br />
**designers não são deuses. Idéia proposta por Lígia Fascioni em entrevista para o<br />
DesignBrasil em 19/12/2007, "...Mas não são deuses (apesar de alguns pensarem que sim)",<br />
disponível em http://www.designbrasil.org.br/ppd/opiniao/exibir.jhtml?idArtigo=1169<br />
***se não forem parte da solução, então serão parte do problema, idéia contida no livro<br />
Design for the Real World de Victor Papanek, 1972.<br />
94
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(Mestrado em Engenharia de Produção), Programa de<br />
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Fonte: http://www.dnit.gov.br/menu/rodovias/mapas
A<br />
1<br />
B<br />
A Seaway, B- ACTEX, C- Tocas, 1- Colégio Dourado, 2 e 3 - Escola Primeiro passo. A mancha marca a área<br />
da favela da Borborema.<br />
C<br />
3<br />
2
Este trabalho foi diagramado<br />
em Corel DRAW X3.<br />
Impresso à laser em papel<br />
2<br />
alcalino 75g/m feito de<br />
eucaliptos reflorestados.