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PSICOTERAPIA E MEDITAÇÃO - Sociedade Vipassana de Meditação

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<strong>PSICOTERAPIA</strong> E <strong>MEDITAÇÃO</strong><br />

Freqüentemente, po<strong>de</strong>mos confundir <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s da mente com a prática da meditação.<br />

Quanto maior clareza tivermos a respeito das diferenças entre os vários modos <strong>de</strong> pensar, tanto mais<br />

eficiente e po<strong>de</strong>rosa po<strong>de</strong>rá ser a nossa prática.<br />

As pessoas às vezes se perguntam se po<strong>de</strong>m usar a meditação como um período para mergulhar em<br />

antigas lembranças ou traumas, para explorar conflitos ou sentimentos específicos. Em outras palavras, a<br />

meditação po<strong>de</strong> servir como uma forma <strong>de</strong> psicoterapia? A psicoterapia tem um valor enorme, mas o<br />

caminho da meditação é diferente. Os dois modos não são opostos e não entram em conflito, po<strong>de</strong>ndo até,<br />

ocasionalmente, se sobreporem. Mas à medida em que nos envolvemos ou emaranhamos com o conteúdo<br />

ou com a história dos nossos pensamentos e emoções, seremos impedidos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver os tipos <strong>de</strong><br />

introvisão que são únicos na meditação.<br />

Muitos tipos diferentes <strong>de</strong> compreensão psicológica po<strong>de</strong>m vir à luz durante a meditação, envolvendo<br />

temas como nossos pais, nossa infância, a maneira como nos relacionamos com as pessoas. Apesar <strong>de</strong><br />

esse nível <strong>de</strong> investigação psicológica ser válido e extremamente importante, não queremos <strong>de</strong>sviar a<br />

mente para essa área particular <strong>de</strong> investigação durante a prática da meditação.<br />

Um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> emoções se manifesta durante a meditação. Interesse, <strong>de</strong>sejo, raiva, medo,<br />

tristeza, <strong>de</strong>pressão, exaltação, excitação, tédio, ansieda<strong>de</strong>, felicida<strong>de</strong>, gratidão, amor - em diferentes mo-<br />

mentos, cada uma <strong>de</strong>ssas emoções será sentida com mais intensida<strong>de</strong>. A questão básica é a seguinte:<br />

como <strong>de</strong>vemos nos relacionar com o que vier à tona? Estamos nos relacionando com essas emoções<br />

pensando sobre elas ou analisando-as? Ou será que estamos nos relacionando simplesmente sentindo-as,<br />

observando-as?<br />

Na meditação, a ênfase é dada à conscientização sem distrações: não pensar sobre as coisas, não<br />

analisá-las, não se per<strong>de</strong>r numa história, mas apenas ver a natureza do que está acontecendo na mente.<br />

Uma observação cuidadosa e exata da realida<strong>de</strong> do momento é a chave <strong>de</strong>sse processo como um todo.<br />

Como nossas histórias pessoais são sempre tão fascinantes e interessantes, é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ajuda praticar a<br />

técnica do "agora não" durante o período reservado à meditação. Sempre que a mente fica fascinada por<br />

<strong>de</strong>terminada história, diga-lhe simplesmente estas duas palavras: "Agora não." Esse método é uma forma<br />

<strong>de</strong>licada <strong>de</strong> reconhecer a presença da história e até mesmo o seu valor, ao mesmo tempo que ela é<br />

colocada <strong>de</strong> lado.<br />

Além da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se praticar a atenção sem se envolver na história da nossa vida, existe outro<br />

importante motivo para não se usar a meditação como terapia. O processo da meditação põe a <strong>de</strong>scoberto<br />

níveis muito profundos <strong>de</strong> emoções, diferentes centros energéticos no corpo e novas experiências do<br />

caráter momentâneo dos fenômenos. As vezes, isso é muito excitante; outras vezes, po<strong>de</strong> ser muito<br />

amedrontador.<br />

Uma das gran<strong>de</strong>s ajudas nesta vasta exploração é o fato <strong>de</strong> o caminho da meditação ter um<br />

<strong>de</strong>senvolvimento orgânico. Não escolhemos o que irá surgir em nossa mente; não temos nenhum tipo <strong>de</strong>


programa para tanto. Em vez disso, vivenciamos um <strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong> etapas, uma abertura, e as coisas<br />

afloram naturalmente no momento certo para elas.<br />

Por causa <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sdobramento natural, achamos que a atenção total na maioria das vezes é<br />

suficientemente forte para lidar com qualquer coisa que apareça. Às vezes, po<strong>de</strong>, parecer que a batalha é<br />

difícil e po<strong>de</strong>mos até nos perguntar se a mente será suficientemente forte para passar pelas tempesta<strong>de</strong>s<br />

inevitáveis. Mas como estamos participando <strong>de</strong> um processo orgânico, no qual não forçamos, nem esca-<br />

vamos nem escolhemos, esses diferentes padrões psicológicos surgem com um grau <strong>de</strong> aptidão que torna<br />

possível trabalhar com eles. E torna-se possível trabalhar com eles justamente por causa da nossa<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apenas observá-los, <strong>de</strong> ficar com eles e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-los existir sem nenhuma elaboração, sem<br />

nenhuma confusão.<br />

Caso contrário, po<strong>de</strong>mos nos envolver mentalmente com um projeto e nesse caso, a mente está<br />

disposta a lidar com um problema. Essa mentalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> criar uma dose maior <strong>de</strong> sensação <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate, <strong>de</strong><br />

sensação <strong>de</strong> eu e fazer com que percamos o senso do <strong>de</strong>senrolar natural <strong>de</strong>sse processo todo. Além disso,<br />

se forçarmos alguns dos temas mais importantes <strong>de</strong> nossa psique, em vez <strong>de</strong> permitir que eles surjam<br />

naturalmente, po<strong>de</strong>mos nos sobrecarregar pelo que vier à tona.<br />

Não é útil ou necessário criar uma polarida<strong>de</strong> ou um conflito entre essas duas áreas ou níveis mentais,<br />

o meditativo e o psicológico. O domínio psicológico da compreensão é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para nossas<br />

vidas e fornece um valioso complemento ao que apren<strong>de</strong>mos na meditação. E existem muitas técnicas <strong>de</strong><br />

investigação psicológica que po<strong>de</strong>m servir melhor que a meditação à finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma compreensão<br />

mais profunda. Quando estamos investigando nossos padrões psicológicos, <strong>de</strong>veríamos usar os<br />

instrumentos mais apropriados para esse trabalho.<br />

A finalida<strong>de</strong> da prática disciplinada da meditação é a <strong>de</strong> estabilizar a conscientização e <strong>de</strong> abri-la para<br />

a natureza essencial da mente. Assim que começamos a meditar, quando estivermos realmente en-<br />

xergando o surgimento momentâneo e passageiro dos fenômenos e a natureza da própria consciência, não<br />

estaremos lidando <strong>de</strong> modo tão explícito com o conteúdo específico do nosso condicionamento. Pelo<br />

contrário, estaremos mais sintonizados com a natureza transitória e sem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos fenômenos. Dessa<br />

forma, po<strong>de</strong>remos nos aprofundar muito na nossa prática e até atingir níveis <strong>de</strong> genuína realização.<br />

Mas esses momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar po<strong>de</strong>m não resolver tudo. Na maioria das vezes, encontramos outra<br />

tarefa totalmente diferente: a <strong>de</strong> integrar nossas novas introvisões e a consciência em todas as outras áreas<br />

da nossa vida, incluindo o setor psicológico. Apesar da nossa profunda introvisão, po<strong>de</strong>mos ver padrões<br />

no nível <strong>de</strong> conteúdo que afetam negativamente nossos relacionamentos, nossa vida e que po<strong>de</strong>remos<br />

explorar vantajosamente para tornar a vida mais fácil para nós mesmos e para os que nos cercam. Até os<br />

mais experientes em meditações profundas po<strong>de</strong>m sentir a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar produtivamente no<br />

nível psicológico.<br />

Portanto, po<strong>de</strong> ocorrer um maravilhoso relacionamento entre esses dois níveis da mente. Quanto mais<br />

luci<strong>de</strong>z e maturida<strong>de</strong> tivermos no nível psicológico, tanto mais fácil é acomodar-se no processo da<br />

meditação, simplesmente observando o surgimento e o <strong>de</strong>saparecimento da experiência, porque <strong>de</strong>ixamos<br />

<strong>de</strong> nos pren<strong>de</strong>r tantas vezes no <strong>de</strong>bate com os conteúdos, com os conflitos emocionais.


Inversamente, quanto mais introvisões tivermos no processo da meditação, tanto mais fácil será retornar e<br />

trabalhar o conteúdo psicológico sem sofrer muitos entraves. Os nós psicológicos se <strong>de</strong>satam mais<br />

facilmente porque observamos o vazio e a ausência essencial do eu em todas as coisas.<br />

Há alguns anos eu me envolvi na terapia junguiana, que exige muita análise dos sonhos. A medida que<br />

a terapia avançava, comecei a explorar mais o lado escuro e sombrio da minha mente e do meu coração.<br />

Duas gran<strong>de</strong>s introvisões ocorreram nesse período e, apesar <strong>de</strong> ambas serem óbvias intelectualmente, são<br />

difíceis <strong>de</strong> serem viven-ciadas na prática.<br />

A primeira introvisão é a constatação <strong>de</strong> que somos um pacote formado por muitas qualida<strong>de</strong>s diferentes.<br />

Eu vi claramente que tenho forças e fraquezas, qualida<strong>de</strong>s relacionadas com a perícia e com a imperícia.<br />

O conjunto <strong>de</strong> todas elas forma o pacote "Joseph". Cada um <strong>de</strong> nós é formado assim. A segunda<br />

constatação foi que não preciso julgar ou mudar o condicionamento. Perceber que posso aceitar o pacote<br />

todo foi algo extremamente libertador.<br />

A terapia implicava examinar diretamente e explorar o conteúdo particular do meu condicionamento.<br />

Mas a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> simplesmente aceitá-lo melhorou em função <strong>de</strong> minha prática na meditação. Ficamos<br />

sentados, observando, e apren<strong>de</strong>mos a aceitar o que vemos porque compreen<strong>de</strong>mos que o que quer que<br />

surja não é o ser. Não é "eu"; não é algo que pertença a alguém; é apenas condicionamento. Portanto, não<br />

precisamos nos ater a essa coisa e nem nos i<strong>de</strong>ntificar com ela. Nem sequer precisamos modificar<br />

qualquer coisa, porque a aceitação e a conscientização nos dão a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer escolhas, <strong>de</strong> agir<br />

em relação às coisas relacionadas com a perícia e <strong>de</strong> simplesmente abandonar as outras.<br />

Eu consi<strong>de</strong>ro a psicoterapia e a meditação como sendo complementares, se bem que distintas.<br />

Consi<strong>de</strong>rar a distinção é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ajuda, principalmente num retiro, porque assim não precisamos passar<br />

muito tempo perdidos num conteúdo, por mais interessante que ele possa ser.

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