o processo educativo no mito da tregédia de ésquilo - Programa de ...
o processo educativo no mito da tregédia de ésquilo - Programa de ...
o processo educativo no mito da tregédia de ésquilo - Programa de ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
O PROCESSO EDUCATIVO NO MITO DA TREGÉDIA DE<br />
ÉSQUILO<br />
SOUZA, Paulo Rogério <strong>de</strong> (UEM/Bolsista CAPES)<br />
PEREIRA MELO, José Joaquim (Orientador/UEM)<br />
A maneira <strong>de</strong> conceber o mundo por parte do homem grego, antes <strong>de</strong>sse estar<br />
inserido <strong>no</strong> contexto <strong>da</strong> pólis, <strong>no</strong> momento histórico em que os manuais <strong>de</strong> história<br />
<strong>de</strong>limitam e historiadores procuram i<strong>de</strong>ntificar como período Clássico, está a priori<br />
enraizado na concepção <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r sua existência como <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> religião. Essa<br />
<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>spertava <strong>no</strong> homem um senso <strong>de</strong> que suas ações eram guia<strong>da</strong>s por um<br />
<strong>de</strong>sti<strong>no</strong> (a <strong>de</strong>usa Moira) que pre<strong>de</strong>termina seus atos, justificando-os, e explicando os<br />
acontecimentos como algo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> humana. A crença <strong>no</strong> <strong>mito</strong> 1 e em<br />
seus <strong>de</strong>uses era a bússola orientadora <strong>de</strong>sse homem em sua forma <strong>de</strong> se relacionar<br />
socialmente.<br />
Nesse período <strong>da</strong> história grega <strong>de</strong><strong>no</strong>minado <strong>de</strong> heróico ou homérico os <strong>mito</strong>s<br />
eram transmitidos <strong>de</strong> maneira oral pelos chamados rapsodos e/ou aedos, poetas que<br />
relatavam em forma <strong>de</strong> canções, as histórias dos herois que <strong>de</strong>ram origem ao povo<br />
grego e <strong>de</strong> como esses mesmos herois eram perseguidos, agraciados, amaldiçoados ou<br />
abençoados pelos <strong>de</strong>uses do Olimpo em suas empreita<strong>da</strong>s <strong>no</strong>s campos <strong>de</strong> batalha em<br />
busca <strong>de</strong> sua “ação máxima” 2 : entregar a vi<strong>da</strong> na guerra.<br />
Homero, seja sua existência verídica ou não, é consi<strong>de</strong>rado até os dias <strong>de</strong> hoje o<br />
maior poeta do período heróico. Ele procurou “relatar” em suas epopéias os feitos<br />
“grandiosos” <strong>de</strong>sse povo em busca <strong>de</strong> afirmação e <strong>de</strong> sobrevivência nesse contexto,<br />
narrando as histórias <strong>de</strong>sses herois e sua relação, quase que consanguínea, com os<br />
<strong>de</strong>uses. Era em praça pública que as narrativas homéricas do heroi guerreiro<br />
1 “[...] o <strong>mito</strong> não é uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mas que evolui com as condições históricas étnicas, às<br />
vezes conservando testemunhos imprevistos <strong>de</strong> situações que <strong>de</strong> outra forma seriam esquecidos”<br />
(GRIMAL, 2010, p. 15).<br />
2 Para o heroi grego, a sua ação máxima não era apenas a vitória contra os inimigos, mas também ser<br />
eternizado <strong>no</strong> campo <strong>de</strong> batalha, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria ser o seu local <strong>de</strong> sepultura, e on<strong>de</strong> seu <strong>no</strong>me seria<br />
eternizado e “ganharia vi<strong>da</strong> eterna” por to<strong>da</strong>s as gerações que o seguissem.<br />
1
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
procuravam mostrar a íntima relação <strong>de</strong> subordinação <strong>de</strong>sses homens com os <strong>de</strong>uses: o<br />
homem estava sujeito aos <strong>de</strong>sígnios do Desti<strong>no</strong>.<br />
Os poemas épicos <strong>da</strong> Ilía<strong>da</strong> e <strong>da</strong> Odisseia foram as obras do poeta supracitado<br />
que expressaram com maestria a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que vigorava na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual estava<br />
inserido. On<strong>de</strong> o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> homem encontrava-se expresso <strong>no</strong> heroi, <strong>no</strong> guerreiro, que<br />
vive quase que exclusivamente dos espólios <strong>de</strong> guerra e <strong>da</strong>s glórias alcança<strong>da</strong>s nas<br />
batalhas.<br />
Na “Odisseia” expôs-se a trajetória <strong>de</strong> um homem inserido numa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que<br />
até então era totalmente subjuga<strong>da</strong> à tradição religiosa, submisso à obediência à vonta<strong>de</strong><br />
divina e ao <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> pre<strong>de</strong>terminado. No entanto, é nesta mesma obra que se ten<strong>de</strong> a<br />
principiar uma <strong>de</strong>monstração rompimento com estes preceitos antes nunca<br />
questionados.<br />
Logo <strong>no</strong> começo do poema homérico que narra a trajetória <strong>de</strong> Odisseu a sua<br />
terra, Ítaca, Zeus, o todo po<strong>de</strong>roso do Olimpo, apresentava o heroi como aquele que é<br />
“[...] em inteligência o primeiro dos Homens”, <strong>de</strong>pois do guerreiro conduzir o povo<br />
grego à vitória diante dos troia<strong>no</strong>s. O mesmo Odisseu também exigira para si os méritos<br />
e as glórias dispensa<strong>da</strong>s por ter sido ele o vitorioso na batalha contra o inimigo grego,<br />
não consi<strong>de</strong>rando esta vitória como uma “benção” dos <strong>de</strong>uses do Olimpo, mas sim uma<br />
atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> coragem <strong>de</strong> um heroi mortal.<br />
Esse <strong>processo</strong> <strong>de</strong> amadurecimento <strong>da</strong> consciência humana diante do seu<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro lugar na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>no</strong> universo teve uma continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>no</strong> período<br />
subseqüente, o <strong>de</strong><strong>no</strong>minado período Arcaico. Na obra Os trabalhos e os dias o poeta<br />
Hesíodo procurou caracterizar esse amadurecimento na maneira do homem enten<strong>de</strong>r-se<br />
na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, não como um mero agente a serviço <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> divina ou casual,<br />
mas sim como agente transformador do ambiente social, principalmente pela ação do<br />
trabalho em substituição a prática guerreira.<br />
Essa estrutura proposta para essa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que emergia dos gé<strong>no</strong>s familiares<br />
para uma pólis principiou uma organização política que ain<strong>da</strong> se sustentaria nas pilastras<br />
do guerreiro, que mantinha a crença <strong>no</strong>s <strong>de</strong>uses, mas que já não <strong>de</strong>tinha o domínio sobre<br />
a administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
2
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
Com essa “<strong>no</strong>va” forma <strong>de</strong> enxergar-se como agente transformador, a vi<strong>da</strong> do<br />
homem grego teve transformações consi<strong>de</strong>ráveis tanto <strong>no</strong> âmbito social, como <strong>no</strong><br />
âmbito político. Essas transformações culminaram com o “surgimento” <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s-<br />
Estado (as poleis), e conseqüentemente com mu<strong>da</strong>nças <strong>de</strong> postura do homem grego <strong>no</strong><br />
<strong>processo</strong> <strong>de</strong> condução <strong>de</strong>ssa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em <strong>processo</strong> <strong>de</strong> transformação.<br />
As ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s-Estado <strong>de</strong>veriam ser governa<strong>da</strong>s pela aristocracia <strong>de</strong>mocrática que<br />
surgia nas entranhas <strong>da</strong> pólis grega. Aristocracia ain<strong>da</strong> mantinha a crença <strong>no</strong>s <strong>mito</strong>s,<br />
porém vislumbrava uma outra forma <strong>de</strong> reger a vi<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Não mais aquela<br />
forma regi<strong>da</strong> pelas leis divinas e imposta por <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> pre<strong>de</strong>terminado pelos <strong>de</strong>uses, mas<br />
por códigos <strong>de</strong> leis escritas por ela mesma (pelos ci<strong>da</strong>dãos que a compunham) e que<br />
influenciara to<strong>da</strong> a sua maneira <strong>de</strong> viver e <strong>de</strong> governar.<br />
Foi nesse contexto <strong>de</strong> transição ao período Clássico que o “pensamento<br />
científico” filosófico começou a tomar forma. E foi justamente pela a filosofia que o<br />
homem grego buscou outras maneiras <strong>de</strong> enxergar e <strong>de</strong> explicar a sua existência e a sua<br />
essência. Isso porque a imposição religião e a crença <strong>no</strong>s <strong>de</strong>uses já não conseguiam<br />
resolver os conflitos inter<strong>no</strong>s <strong>de</strong>sse homem diante <strong>de</strong> uma outra perspectiva <strong>de</strong><br />
condução <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual estava inserido.<br />
Foram os chamados pré-socráticos, consi<strong>de</strong>rados os primeiros filósofos que<br />
surgiram por volta do século VI a.C., que apresentaram uma <strong>no</strong>va forma <strong>de</strong> pensar o<br />
homem, até então preso aos preceitos <strong>mito</strong>lógicos. Foi a partir do pensamento pré-<br />
socrático que a pólis se estruturou. A filosofia servia para tentar explicar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />
pólis, e principalmente respon<strong>de</strong>r questões que o homem-ci<strong>da</strong>dão <strong>de</strong>ste contexto<br />
levantava, e que o <strong>mito</strong> dos <strong>de</strong>uses já não consegue mais <strong>da</strong>r conta <strong>de</strong> solucionar. Pois<br />
enquanto o <strong>mito</strong> era uma história pronta sem questões a serem levanta<strong>da</strong>s e com<br />
soluções <strong>da</strong><strong>da</strong>s através <strong>de</strong> uma causali<strong>da</strong><strong>de</strong> imposta por uma força maior, a filosofia<br />
vinha procurar respostas para as in<strong>da</strong>gações que este homem-ci<strong>da</strong>dão <strong>da</strong> pólis começa a<br />
levantar sobre seu papel nesta socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que se estruturava. Questões que não podiam<br />
mais ser explica<strong>da</strong>s pelo Desti<strong>no</strong>, nem pela simples crença <strong>no</strong> <strong>mito</strong>. Necessitavam ser<br />
refleti<strong>da</strong>s nas entranhas <strong>de</strong>ste homem que percebia que não era apenas matéria (o ser),<br />
mas que possui uma essência interior (o ente).<br />
3
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
Nesta perspectiva, o homem grego <strong>da</strong> pólis já não mais acreditava cegamente na<br />
Teogonia 3 para explicar a sua origem e começara a rejeição <strong>da</strong> interferência divina na<br />
sua existência. Assim, os pré-socráticos <strong>de</strong>dicaram-se a buscar fun<strong>da</strong>mentações para<br />
justificar a origem <strong>da</strong>s coisas e do próprio ser. A natureza era o principal elemento <strong>de</strong><br />
que os primeiros filósofos se utilizaram para justificar e explicar o mundo à sua volta, e<br />
também o homem inserido neste mundo.<br />
Tales <strong>de</strong> Mileto, um dos primeiros pré-socráticos – o consi<strong>de</strong>rado pai <strong>da</strong> filosofia<br />
–, afirmava que tudo provinha <strong>da</strong> água e esta era o “absoluto” e <strong>de</strong>sta surgiu todo o<br />
resto: “tudo é um”. Já Anaximandro dizia que o princípio <strong>de</strong> tudo era o opeiron (o<br />
ilimitado) “que tudo inclui e tudo governa” (JEAGER, 1984, p.185). Para Anaxímenes<br />
tudo provinha do ar: “como <strong>no</strong>ssa alma, que é ar, <strong>no</strong>s governa e sustém, assim também<br />
o sopro e o ar abraçam todo o cosmos” (frag. Anaxímenes). E muitos outros como<br />
Demócrito (o átomo); Empédocles (terra, água, ar e fogo); Pitágoras (a Matemática)<br />
buscaram explicações para justificar este homem que <strong>de</strong>veria conviver na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>-<br />
Estado, e assim governá-la. Não mais o homem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos <strong>de</strong>uses, mas o homem<br />
político que, mesmo mantendo a religião e a crença <strong>no</strong>s <strong>de</strong>uses, tinha um <strong>no</strong>vo papel a<br />
cumprir nesta socie<strong>da</strong><strong>de</strong>: o papel <strong>de</strong> ci<strong>da</strong>dão, <strong>de</strong> legislador, não só <strong>da</strong> pólis, mas também<br />
<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> nesta socie<strong>da</strong><strong>de</strong> como indivíduo <strong>de</strong> ser e ente, <strong>de</strong> corpo e alma, e<br />
principalmente <strong>de</strong> homem dotado <strong>de</strong> razão. Razão esta que <strong>de</strong>veria guiá-lo nesta “<strong>no</strong>va”<br />
maneira <strong>de</strong> viver numa outra forma <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> em comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Mas não foi somente a filosofia que marcou esse momento <strong>de</strong> busca <strong>de</strong><br />
explicação para esta “<strong>no</strong>va” reali<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual está inserido o grego. Foi nesse contexto<br />
que surgiu também a tragédia, um gênero artístico que carregava em si, segundo Werner<br />
Jaeger, uma gran<strong>de</strong> força educativa (1979, p.293) que conseguia entronizar o espírito <strong>da</strong><br />
sua época, conciliando a religião e a crença <strong>no</strong>s <strong>de</strong>uses como uma festa <strong>de</strong> celebração do<br />
culto ao <strong>de</strong>us Dioniso, e também um momento <strong>de</strong> civismo do ci<strong>da</strong>dão <strong>da</strong> pólis.<br />
Essa característica <strong>da</strong> tragédia mostra como o gênero artístico teve influência<br />
relevante <strong>no</strong> <strong>processo</strong> <strong>educativo</strong> do ci<strong>da</strong>dão <strong>da</strong> pólis, e o teatro <strong>de</strong>stacara-se como<br />
elemento essencial do <strong>processo</strong> formado do grego: “O teatro, mais que a assembléia ou<br />
o tribunal, é o local on<strong>de</strong> a emoção <strong>da</strong>s massas se manifesta plenamente”. (VERNANT,<br />
3 Obra do poeta Hesíodo que <strong>de</strong>screve a origem do mundo e apresenta a genealogia dos <strong>de</strong>uses<br />
4
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
1994, p.186). Era nesse local on<strong>de</strong> se representavam as peças trágicas gregas que o<br />
homem podia mostrar o seu respeito aos <strong>de</strong>uses, e ao mesmo tempo buscar a purificação<br />
<strong>de</strong> suas limitações como um indivíduo formado <strong>de</strong> ser (matéria) e ente (espírito, alma).<br />
Mas principalmente mostrava-se como ci<strong>da</strong>dão ciente do seu papel na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
procurando respeitar seus compromissos cívicos, como o <strong>de</strong> participar <strong>da</strong>s<br />
apresentações <strong>no</strong> teatro.<br />
As encenações trágicas ocorriam anualmente em forma <strong>de</strong> concursos, on<strong>de</strong> três<br />
tragediógrafos apresentavam suas peças, concorrendo entre si. Dentre os muitos poetas<br />
trágicos <strong>de</strong>sse período dos quais restaram relatos, fragmentos ou até mesmo obras<br />
completas, po<strong>de</strong>-se <strong>da</strong>r <strong>de</strong>staque a Ésquilo, consi<strong>de</strong>rado o pai <strong>da</strong> tragédia na sua forma<br />
clássica, como ficou conhecido até os dias <strong>de</strong> hoje.<br />
Ésquilo (525-456 a.C.) e suas peças teve um papel fun<strong>da</strong>mental <strong>no</strong> <strong>processo</strong> <strong>de</strong><br />
transição e <strong>de</strong> afirmação do período Clássico. Ele foi um dos primeiros poetas trágicos a<br />
expressar nas suas peças o conflito vivido pelos homens <strong>no</strong> seu contexto. Ésquilo, como<br />
todo grego do seu tempo, era um homem que acreditava na religião mítica. Mas ao<br />
mesmo tempo era um ci<strong>da</strong>dão <strong>da</strong> pólis. A sua <strong>de</strong>pendência à religião mítica era forte,<br />
mas a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> o atraía. Ele <strong>de</strong>monstrava acreditar <strong>no</strong>s <strong>de</strong>uses antigos,<br />
entretanto procurou mostrar em suas peças uma luta em <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> <strong>no</strong>va or<strong>de</strong>m. “É nele<br />
(Ésquilo) que o duplo alcance <strong>da</strong> tragédia – religioso e coletivo – é mais freqüentemente<br />
caracterizado” (ROMILLY, 1984 p.75).<br />
Essa característica do poeta ateniense está presente na sua peça Prometeu<br />
acorrentado. Uma peça na qual Ésquilo procurou apresentar através <strong>da</strong> dramatici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>da</strong> tragédia aos seus conci<strong>da</strong>dãos uma <strong>no</strong>va concepção para se enxergar os <strong>de</strong>uses e qual<br />
era ou <strong>de</strong>veria ser o papel <strong>de</strong>stes na vi<strong>da</strong> do homem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>-Estado. Concepção que<br />
acabaria como o princípio <strong>no</strong>rteador do momento histórico que ficou conhecido como<br />
período Clássico grego. Concepção, que não foi cria<strong>da</strong> por ele, mas que representou em<br />
suas peças, principalmente na supracita<strong>da</strong>.<br />
Na sua tragédia Prometeu acorrentado, Ésquilo procurou narrar como o titã<br />
Prometeu, que dá <strong>no</strong>me à peça, roubou o fogo, símbolo do po<strong>de</strong>r dos <strong>de</strong>uses para<br />
entregá-lo os homens, seres consi<strong>de</strong>rados inferiores e que para tudo <strong>de</strong>pendiam <strong>da</strong><br />
vonta<strong>de</strong> e <strong>da</strong> benevolência divina.<br />
5
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
No discurso em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> traição aos <strong>de</strong>uses do Olimpo, Prometeu<br />
<strong>de</strong>screvera os homens como criaturas “ig<strong>no</strong>rantes”, não dota<strong>da</strong>s <strong>de</strong> razão. Segundo o<br />
titã, as atitu<strong>de</strong>s dos homens eram apenas instintivas, e suas ações apenas expressões<br />
rústicas para sobrevivência:<br />
PROMETEU<br />
Em seus primórdios tinham olhos mas não viam,<br />
Tinham os seus ouvidos mas não escutavam,<br />
E como imagens <strong>de</strong>ssas que vemos em sonhos<br />
Viviam ao acaso em plena confusão.<br />
Eles <strong>de</strong>sconheciam as casas bem-feitas<br />
Com tijolos endurecidos pelo sol,<br />
E não tinham <strong>no</strong>ção do uso <strong>da</strong> ma<strong>de</strong>ira (ÉSQUILO, Prometeu<br />
acorrentado, vv. 576-582, p. 35).<br />
Por suas limitações, esses homens eram comparados a “formigas ágeis” que<br />
viviam <strong>no</strong> fundo <strong>de</strong> cavernas sem enxergar a luz do sol: “Como formigas ágeis levavam<br />
a vi<strong>da</strong>/ No fundo <strong>de</strong> cavernas on<strong>de</strong> a luz do sol/ Jamais chegava, [...]” (ÉSQUILO,<br />
Prometeu acorrentado, vv. 583-585, p. 35). O sofrimento era algo <strong>da</strong> característica<br />
<strong>de</strong>sses “seres” que não faziam uso <strong>da</strong> razão, nem dos instrumentos que esta po<strong>de</strong>ria<br />
proporcionar, com técnicas <strong>de</strong> domínio <strong>da</strong> própria natureza, para tornar suas vi<strong>da</strong>s<br />
me<strong>no</strong>s sofri<strong>da</strong>s: “[...] e não faziam distinção/ Entre o inver<strong>no</strong> fértil; não usavam a razão/<br />
Em circunstância alguma” (ÉSQUILO, Prometeu acorrentado, vv. 585-587, p. 35).<br />
Diante <strong>da</strong> ameaça <strong>de</strong> Zeus em <strong>de</strong>struir a raça humana <strong>de</strong>vido sua insignificância<br />
e limitação que os fazia ig<strong>no</strong>rar até mesmo os cultos divi<strong>no</strong>s, Prometeu se soli<strong>da</strong>riza<br />
com esses seres frágeis. E para livrar a raça <strong>da</strong> <strong>de</strong>struição, o titã rouba o fogo dos<br />
<strong>de</strong>uses, símbolo do po<strong>de</strong>r e do conhecimento para entregá-lo aos homens. Evento este<br />
que é narrado pelo próprio Prometeu que em momento algum procura negar sua atitu<strong>de</strong>:<br />
“Em certa ocasião apanhei e guar<strong>de</strong>i/ Na cavi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma árvore a semente/ Do fogo<br />
roubado por mim para entregar/ À estirpe humana [...]” (ÉSQUILO, Prometeu<br />
acorrentado, vv. 140-143, p. 21).<br />
O fogo roubado pelo titã tinha <strong>no</strong> <strong>mito</strong> <strong>de</strong> Prometeu um símbolo <strong>de</strong> iluminação,<br />
algo que seria capaz <strong>de</strong> tirar o homem <strong>da</strong>s trevas (do fundo <strong>da</strong> caverna on<strong>de</strong> viviam),<br />
tinha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> iluminar o que antes não podia ser visto pelos olhos dos homens. O<br />
mesmo fogo era capaz <strong>de</strong> <strong>da</strong>r o conhecimento <strong>de</strong> ciência, <strong>de</strong> engenhosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
6
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
sabedoria, <strong>de</strong> cultura até então negados aos homens pelos <strong>de</strong>uses. Somente através do<br />
fogo que a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> teria conhecimento <strong>da</strong>s artes: “Para ser breve, digo-vos em<br />
conclusão: / Os homens <strong>de</strong>vem-me to<strong>da</strong>s as suas artes” (ÉSQUILO, Prometeu<br />
acorrentado, vv. 652-653, p. 37). E só em posse do fogo dos <strong>de</strong>uses foi que essa raça<br />
conseguiu atingir a razão <strong>da</strong> sua existência. Prometeu entrega-lhes o fogo: “[...] a fim <strong>de</strong><br />
servir-lhe <strong>de</strong> mestre/ Das artes numerosas, dos meios capazes/ De fazê-la chegar a<br />
elevados fins” (ÉSQUILO, Prometeu acorrentado, vv. 144-146, p.21).<br />
Com benfeitor <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, o titã não só conseguiu salvar a raça humana <strong>da</strong><br />
<strong>de</strong>struição, mas a partir <strong>de</strong>ste momento foi que o homem, dotado <strong>de</strong> razão – iluminado<br />
pelo fogo <strong>de</strong> Zeus –, <strong>de</strong>u seus primeiros passos na direção <strong>de</strong> uma <strong>no</strong>va forma <strong>de</strong> gerir a<br />
sua vi<strong>da</strong> e a sua existência.<br />
Ao analisar a forma que o <strong>mito</strong> prometeico foi trabalho pelo poeta em sua peça,<br />
verifica-se que o mesmo não po<strong>de</strong>ria ter sido escolhido ao acaso. Ésquilo procurou<br />
mostrar apresentar o <strong>mito</strong> como forma <strong>de</strong> mostrar o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> transição <strong>no</strong> qual estava<br />
inserido o homem grego do seu tempo. Mas não apenas Ésquilo fez uso do <strong>mito</strong> <strong>de</strong><br />
Promete nesta perspectiva. Hesíodo já tinha se valido <strong>de</strong>sta narrativa na sua obra Os<br />
trabalhos e os dias para mostrar como o homem começara a se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r dos <strong>de</strong>uses<br />
neste período em que a pólis estava se estruturando. Ou seja, a religião mítica, que por<br />
muito tempo conduziu a forma <strong>de</strong> viver <strong>de</strong>ste povo e regeu sua existência, passara a ser<br />
substituí<strong>da</strong> por um uma <strong>no</strong>va forma <strong>de</strong> pensar do homem, e <strong>de</strong> pensar o homem.<br />
No entanto, enquanto Hesíodo via <strong>no</strong> titã Prometeu, segundo Werner Jaeger:<br />
“[...] apenas um prevaricador castigado pelo crime <strong>de</strong> ter roubado o fogo <strong>de</strong> Zeus”<br />
(1979, p. 287) e não foi adiante na sua explanação sobre o <strong>mito</strong>, Ésquilo foi além, pois a<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong> grega <strong>da</strong> qual fazia parte e na qual estava inserido o exigia.<br />
Ésquilo fazia parte <strong>de</strong> um grupo seleto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que conseguia, através <strong>da</strong><br />
poesia, manter um “diálogo” com os ci<strong>da</strong>dãos <strong>da</strong> pólis: “[...] os poetas se exprimiam<br />
como ci<strong>da</strong>dãos e falavam aos ci<strong>da</strong>dãos” (ROMILLY, 1984, p. 74). Ele caracterizou<br />
muito bem esse poeta <strong>da</strong> pólis, pois conseguiu exprimir <strong>no</strong> <strong>mito</strong> <strong>de</strong> Prometeu: “[...] o<br />
germe dum imortal símbolo huma<strong>no</strong>” (JAEGER, 1979, p. 287) que viria permear as<br />
estruturas <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s-Estado.<br />
7
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
Na peça <strong>de</strong> Ésquilo, a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> em po<strong>de</strong>r do fogo <strong>da</strong>do por Prometeu foi<br />
capaz <strong>de</strong> libertar-se <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> oscilante, sofredora na qual estava inserido, e ain<strong>da</strong> como o<br />
titã tor<strong>no</strong>u-se o espírito criador <strong>da</strong> cultura <strong>de</strong>sse homem com esse ato: “Prometeu é o<br />
que traz a luz à humani<strong>da</strong><strong>de</strong> sofredora. O fogo torna-se o símbolo sensível <strong>da</strong> cultura.<br />
Prometeu é o espírito criador <strong>da</strong> cultura, que penetra e conhece o mundo, que o põe ao<br />
serviço <strong>da</strong> sua vonta<strong>de</strong>” (JAEGER, 1979, p. 287).<br />
No contexto contemporâneo <strong>de</strong> Ésquilo o homem <strong>da</strong> pólis ain<strong>da</strong> não havia se<br />
<strong>de</strong>sprendido por completo <strong>da</strong>s tradições gentílica, nem <strong>da</strong> religião que <strong>no</strong>rteara sua vi<strong>da</strong><br />
até então. No entanto, a submissão já não estava mais liga<strong>da</strong> à crença num <strong>de</strong>sti<strong>no</strong>. O<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Zeus fora ameaçado e segundo o titã vi<strong>de</strong>nte o rei dos <strong>de</strong>uses do Olimpo estava<br />
com o seu império ameaçado, “[...] sua que<strong>da</strong> ocorrerá” (ÉSQUILO, Prometeu<br />
acorrentado, v. 993, p. 48).<br />
E a que<strong>da</strong> <strong>de</strong> Zeus seria provoca<strong>da</strong> pela força <strong>de</strong> um homem. O mesmo homem<br />
que nasceria <strong>de</strong> uma mulher persegui<strong>da</strong> pelos <strong>de</strong>uses e que livraria Prometeu <strong>de</strong> sua<br />
prisão imposta pelo próprio Zeus: “Um dia nascerá o herói que vergará/ Seu arco<br />
glorioso para me livrar,/ Com o passar do tempo, <strong>de</strong>stes sofrimentos” (ÉSQUILO,<br />
Prometeu acorrentado, vv. 1145-1147, p. 54). Seria esse o homem dotado <strong>de</strong> razão que<br />
viva na pólis em busca <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas explicações para sua existência, rompendo assim as<br />
correntes que o prendiam aos <strong>de</strong>uses, a crença <strong>no</strong> <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> que não mais regiam ou<br />
<strong>no</strong>rteavam sua vi<strong>da</strong>.<br />
E foi através do coro <strong>da</strong>s Oceani<strong>de</strong>s que Ésquilo apresentou o espírito <strong>de</strong><br />
Odisseu e proclamou ao homem <strong>da</strong> pólis, o ci<strong>da</strong>dão dotado <strong>da</strong> razão, iluminado pelo<br />
fogo que Prometeu <strong>de</strong>u a to<strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, que este não <strong>de</strong>via mais se consorciar com a<br />
crença <strong>no</strong>s <strong>de</strong>uses, e na vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Seria mais sábio, “um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro<br />
sábio”, aquele que conseguisse enxergar a sua condição <strong>de</strong> ser racional e tinha na razão<br />
o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro bem:<br />
CORO<br />
Sim, era um sábio, um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro sábio,<br />
O primeiro dos homens cujo espírito<br />
Pensou e sua língua enunciou<br />
Que se consorciar estritamente<br />
De acordo com a sua condição<br />
8
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
É realmente o bem maior <strong>de</strong> todo (ÉSQUILO, Prometeu acorrentado,<br />
vv. 1166-1171, p. 55).<br />
Odisseu foi o símbolo do homem que se levantara contra a vonta<strong>de</strong> divina e<br />
tomara para si as ré<strong>de</strong>as <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. A vitória sobre os troia<strong>no</strong>s, como narrara Homero,<br />
não se <strong>de</strong>ra pela influência e força dos <strong>de</strong>uses, mas sim pela astúcia e sabedoria <strong>de</strong>ste<br />
mortal que até mesmo Zeus consi<strong>de</strong>rou “em inteligência, o primeiro dos homens”.<br />
Assim, o poeta procurou resgata a memória <strong>de</strong> Odisseu, para mostrar que o<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro sábio era aquele que tomava para si as suas responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e não vivia na<br />
<strong>de</strong>pendência <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s e do <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> por elas <strong>de</strong>terminado. E foi mais longe <strong>no</strong> seu<br />
intento <strong>de</strong> revelar ao homem do seu tempo que a submissão aos <strong>de</strong>uses já não mais se<br />
sustentava. E apresentou, não mais um Zeus todo po<strong>de</strong>roso, aquele que habitava o<br />
Olimpo e tinha <strong>de</strong>sprezo pela humani<strong>da</strong><strong>de</strong> que pretendia <strong>de</strong>struir por consi<strong>de</strong>rá-la<br />
insignificante. Mas representou um <strong>de</strong>us que <strong>de</strong>scera do seu lugar sagrado <strong>no</strong> Olimpo e<br />
se submetera à paixão, aos <strong>de</strong>sejos celerados por uma “insignificante” mortal, a pobre<br />
Io: “As Flechas ígneas dos anseios por ti/ Feriram Zeus; ele <strong>de</strong>seja ar<strong>de</strong>ntemente/ Gozar<br />
contigo os prazeres oferecidos” (ÉSQUILO, Prometeu acorrentado, vv. 841-844, p. 44).<br />
Ao <strong>de</strong>screver a paixão do <strong>de</strong>us por Io, o poeta procurou mostrar como Zeus<br />
<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o senhor onipotente do Olimpo para torna-se um apaixonado impulsivo.<br />
Um <strong>de</strong>us que se sujeita aos caprichos <strong>de</strong> uma mulher, <strong>de</strong> uma pessoa que fazia parte <strong>da</strong><br />
raça até então odia<strong>da</strong> por ele. E as consequências do amor <strong>de</strong> Zeus por Io acabara<br />
atingindo todo o Olimpo. Pois até mesmo Hera, a <strong>de</strong>usa esposa do senhor dos <strong>de</strong>uses,<br />
<strong>de</strong>monstrara com seu ciúme e sua vingança para com uma simples mulher o quanto os<br />
<strong>de</strong>uses já não eram tão supremos e onipotentes assim: “[...] e agora, atormenta<strong>da</strong>/ Pelo<br />
rancor <strong>de</strong> Hera, és sempre constrangi<strong>da</strong>/ A percorrer assim estes longos caminhos”<br />
(ÉSQUILO, Prometeu acorrentado, vv. 764-765, p. 40). E Prometeu apresentou a sua<br />
previsão <strong>da</strong> que<strong>da</strong> completa <strong>de</strong> Zeus dominador, anunciando que:<br />
PROMETEU<br />
[...] há <strong>de</strong> chegar o dia<br />
Em que, malgrado a pertinência <strong>de</strong> sua alma,<br />
Zeus passará a ser extremamente humil<strong>de</strong>,<br />
Pois os festejos nupciais já programados<br />
Custar-lhe-ão o fim do tro<strong>no</strong> e do po<strong>de</strong>r<br />
9
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
Com seu inevitável aniquilamento (ÉSQUILO, Prometeu<br />
acorrentado, vv. 1200-1205 p. 56).<br />
Se a que<strong>da</strong> <strong>de</strong> Zeus era inevitável esta teria inicio <strong>no</strong> momento em que os<br />
tormentos impostos pelo tira<strong>no</strong> do Olimpo ao benfeitor <strong>da</strong> humana tivessem fim, e<br />
Prometeu conseguisse livrar-se <strong>da</strong>s correntes e dos tormentos que lhe fora impostos:<br />
“No dia em que afinal for atingido o alvo/ E tiver fim a minha longa provação,/ Zeus<br />
ficará sabendo qual é a distância/ Imensurável entre reinar e servir!” (ÉSQUILO,<br />
Prometeu acorrentado, vv. 1227-1230, p. 56)<br />
E é neste ponto que o <strong>mito</strong> <strong>de</strong> Prometeu utilizado por Ésquilo na sua peça atingiu<br />
o sentido maior <strong>no</strong> qual poeta encaminhara sua tragédia. A libertação <strong>de</strong> prometeu do<br />
seu castigo seria também a libertação <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois como afirma Werner Jaeger:<br />
“Todos os séculos viram nele (Prometeu) a imagem <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>” (1979, p. 288). E a<br />
que<strong>da</strong> <strong>de</strong> Zeus seria a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> dos homens também romperem <strong>de</strong> vez com as<br />
correntes que os prendiam aos <strong>de</strong>uses e se libertariam para sempre <strong>da</strong> <strong>de</strong>pendência do<br />
<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>.<br />
Por fim, a peça <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> poeta ateniense leva a concluir que esta sua obra foi<br />
resultado <strong>de</strong> uma forte tentativa <strong>de</strong> mostrar ao homem do seu tempo, o ci<strong>da</strong>dão <strong>da</strong> pólis,<br />
que estava principiando as sóli<strong>da</strong>s estruturas para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>-Estado, que<br />
o <strong>mito</strong> não podia mais reger a vi<strong>da</strong> humana. O homem <strong>da</strong> pólis, o homem político, o<br />
homem ci<strong>da</strong>dão não podia mais ficar na <strong>de</strong>pendência <strong>da</strong>s leis divinas.<br />
Esse era o momento que o homem <strong>de</strong>veria tomar para si a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />
sua vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual ele estava inserido. Somente libertando-se dos <strong>de</strong>sígnios<br />
divi<strong>no</strong>s, rompendo <strong>de</strong>finitivamente as correntes que o aprisiona, era que o homem<br />
iluminado pelo fogo <strong>de</strong> prometeu – a razão –, po<strong>de</strong>ria chamar-se ci<strong>da</strong>dão, e teria o<br />
direito <strong>de</strong> ir até ágora (praça pública) discutir o futuro <strong>da</strong> pólis e <strong>da</strong> sua própria vi<strong>da</strong><br />
como membro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
REFERÊNCIAS:<br />
ÉSQUILO. Prometeu Acorrentado. Trad. Mario <strong>da</strong> Gama Kury. – Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Jorge Zahar editores, 1993.<br />
10
GRIMAL, Pierre. Mitologia grega. Porto alegra: L&PM, 2010.<br />
HESÍODO. O trabalho e os dias. São Paulo: Iluminuras, 1996.<br />
HOMERO. Odisséia. Lisboa: Sá <strong>da</strong> Costa, 1956.<br />
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá<br />
26 e 27/05/2011<br />
JAEGER, W. Paidéia – a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes<br />
editora, 1979.<br />
ROMILLY, Jacqueline <strong>de</strong>. Fun<strong>da</strong>mentos <strong>de</strong> literatura grega. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge<br />
Zahar editores, 1984.<br />
VERNANT, J-P. O homem grego. Lisboa-Portugal: Editorial Presença, 1994.<br />
11